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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Daniel de Leão Keleti
CLÁUSULA PENAL
NO CÓDIGO CIVIL
Mestrado em Direito
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Daniel de Leão Keleti
CLÁUSULA PENAL
NO CÓDIGO CIVIL
Mestrado em Direito Civil
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito das
Relações Sociais, subárea Direito Civil
sob a orientação do Professor Doutor
Giovanni Ettore Nanni
São Paulo
2007
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Banca Examinadora
_____________________________
_____________________________
_____________________________
O trabalho ora realizado é dedicado a todos que
compartilharam os momentos doces e amargos
do nascer desta dissertação, em especial aos
meus pais, Tais e Robert, aos meus irmãos
Luciana, Adriano e André, pelas privações e
indiscutível apoio.
Dedico, com afeto e amor, à minha esposa,
Daliana, pessoa que sempre manteve o apoio
incondicional, até mesmo nos momentos mais
difíceis.
Agradeço ao meu orientador, Professor
Doutor Giovanni Ettore Nanni, pelos
ensinamentos concedidos, pelos
momentos que pude desfrutar de sua
companhia e conhecimento. Não posso
esquecer o aconselhamento do momento
decisivo para o término do trabalho.
RESUMO
Estudo do instituto da cláusula penal sob a ótica de seu
desenvolvimento histórico, à luz das alterações sociais, em razão do fortalecimento
das relações negociais.
Os direitos pessoais passaram a ser os maiores responsáveis
pela circulação de riquezas na sociedade contemporânea. Através do estudo das
obrigações pode ser verificado o fenômeno relevante de fomento de negócios. Em
razão desta efervescência das obrigações como forma de circulação de riquezas, o
sistema jurídico tem como desafio conceder segurança jurídica a essas relações. A
cláusula penal busca, exatamente, fortalecer o laço obrigacional entre o credor e o
devedor. Ao mesmo tempo, ela é uma força coercitiva para que o devedor cumpra
aquilo a que se obrigou, assim como, facilita ao credor a possibilidade de pré-fixação
de indenização em caso de descumprimento. Não obstante, a relevância da cláusula
penal para o fortalecimento do laço obrigacional, não poderá ser utilizada como forma
de sujeição da parte mais fraca. O Estado deseja a segurança jurídica, mas, na visão
moderna, jamais poderá ser atingida a dignidade da pessoa humana com a única
justificativa de manter um laço negocial. Neste diapasão, o Estado deve interferir para
ajustar a cláusula penal a um valor eqüitativo.
ABSTRACT
The penal clause institute study under the optics from historical
development, by the light of the social alterations, on account of the strengthening of
the negotiating table relations.
The personal rights became the biggest responsible by the
riches circulation in the contemporary society. Through the obligation study can be
verified the relevant phenomenon of the business promotion. Because of this
effervescence of the obligation as a way of riches circulation, the legal system has as
challenge to concede legal security to these relations. The penal clause, exactly, looks
for to strength the obligational link between the creditor and the debtor. At the same
time it is a coercive force to the debtor to obey what he took upon as an obligation, as
well as, it makes easy to the creditor the possibility of the indemnity pre fixation in case
of not obey the obligation. Nevertheless the penal clause relevance to the obligation
link strengthening cannot be made use as a way of subjection of the weaker part. The
State desires the legal security, but, in the modern view never the human person
dignity can be reached with the only justification of keeping an obligational link. In this
pitch, must the State to interfere to adjust the penal clause to an equitable value.
SUMÁRIO
Capítulo 1 – Evolução Histórica __________________________________14
1 – Cláusula Penal no Direito Romano____________________________15
1.1 – Obligatio ______________________________________________15
1.2 – Elementos da Obligatio ___________________________________20
1.3 Da Responsabilidade do devedor ____________________________23
1.4 Teoria da Mora no Direito Romano ___________________________27
1.4.1 – Mora do Devedor _______________________________27
1.4.2 Mora do Credor __________________________________30
1.5 – Coatividade das Obrigações _______________________________30
1.6 Origem da Stipulatio Poenae ________________________________32
1.6.1 – Finalidade da Stipulatio Poenae ___________________37
1.7 – Cláusula Penal na Idade Média _____________________________39
1.8 Cláusula Penal no Direito Brasileiro ___________________________41
Capítulo 2 – Da Definição da Cláusula Penal________________________44
2.1 – Natureza Jurídica _______________________________________44
2.2 – Finalidade da Cláusula Penal ______________________________49
2.2.1 – Teoria do Reforço________________________________50
2.2.2 – Teoria da Pré-avaliação___________________________51
2.2.3 – Teoria da Pena__________________________________55
2.2.4 – Teoria Eclética___________________________________56
2.2.5 – Direito Anglo-Americano___________________________63
2.2.6 – Direito Alemão___________________________________65
2.3 – Modalidades da Cláusula Penal_____________________________69
2.31 – Da Classificação de Limongi Fança___________________74
2.4 – Forma da Cláusula Penal _________________________________77
Capítulo 3 – Das Obrigações_____________________________________82
3.1 – Dos Elementos da Obrigação______________________________ 84
3.2 – Das Fontes das Obrigações________________________________88
3.3 – Nova Ótica das Obrigações________________________________91
3.4 – Modalidades das Obrigações_______________________________94
3.5 – Do Inadimplemento das Obrigações_________________________95
Capítulo 4 – Do Inadimplemento das Obrigações_____________________98
4.1 – Da Mora _____________________________________________ 101
4.1.1 – Mora do Devedor _______________________________104
4.1.2 – Mora do Credor ________________________________107
4.2 – Do Inadimplemento Absoluto _____________________________110
4.3 – Dos Efeitos do Inadimplemento ___________________________113
Capítulo 5 – Conteúdo da Cláusula Penal__________________________115
5.1 – Suporte Fático para incidência da Cláusula Penal_____________116
5.2 – Valor da Cláusula Penal_________________________________122
5.2.1 – Limitações da Cláusula Penal no Cód. Civil___________126
5.2.2 – Limitações da Cláusula Penal Fora do Cód. Civil_______132
5.3 – Inadimplemento Absoluto e a Cláusula Penal Compensatória____139
5.4 – Mora e Cláusula Penal Moratória___________________________149
5.5 – Objeto da Cláusula Penal________________________________153
` 5.6 – Estipulação por terceiros_________________________________155
Capítulo 6 – Revisão da Cláusula Penal___________________________158
6.1 – Liberalismo____________________________________________159
6.2 – O Estado Social________________________________________162
6.3 – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana__________________164
6.4 – Do Enriquecimento sem causa____________________________166
6.5 – Revisão da Cláusula Penal_______________________________168
Capítulo 7 – Cláusula Penal e Figuras Afins
71 – Perdas e Danos________________________________________178
7.2 – Arras e Sinal___________________________________________184
7.3 – Astreintes_____________________________________________188
CONCLUSÃO_______________________________________________190
INTRODUÇÃO
O trabalho realizado tem por base a análise da cláusula
penal.
O entendimento atual da cláusula penal apenas poderá
ser verificado com a determinação de suas fontes Romanas e a sua evolução
durante o tempo, portanto, buscar-se-á verificar a evolução da cláusula penal
desde o Direito Romano até os dias atuais, passando pela sua grande
importância no Direito Medieval.
Parece imprescindível para o estudo da cláusula penal
realizar a sua inserção no direito das obrigações.
A cláusula penal é instituto aplicado nos casos
patológicos das obrigações, portanto, não há como verificar a patologia se não
buscar o seu contexto, depreende-se daí a necessidade de análise dos casos
de não cumprimento ou cumprimento viciado das obrigações. Destarte, o
estudo, obrigatoriamente, passou também pelas obrigações e suas patologias.
A cláusula penal é instituto com larga utilização no
cotidiano, em especial, na elaboração de contratos, no entanto, por inúmeras
vezes os contratantes não se atém a sua efetiva relevância, finalidade ou
sequer conhecem as suas classificações e limitações.
Diante dos equívocos cometidos, inúmeras vezes a
cláusula penal tem a sua validade ou a sua eficácia discutidas em juízo e
acaba por não atingir a finalidade que fora desejada pelas partes no momento
da realização da avença.
Busca-se dar uma roupagem pragmática e atual à
cláusula penal sob a ótica do Código Civil de 2002. Não se pode olvidar que o
atual Código Civil tem por pilastras a operabilidade, socialidade e eticidade.
A cláusula penal será estudada, portanto, segundo as
orientações atuais da ordem jurídica pátria, situada com base na exposição de
motivos do atual código que menciona, “o valor da pessoa humana como fonte
de todos os valores”.
Com base nestes princípios norteadores do Código Civil
será direcionada a análise da cláusula penal.
Tortuoso é o caminho do estudo da cláusula penal.
Infelizmente não há autores atuais que se dedicam com exclusividade a um
instituto com tanta relevância, salvo dissertações e tese de pós-graduações,
mas ainda não publicadas.
No ordenamento pátrio são escassas e esgotadas as
obras específicas, por conseguinte, necessita-se buscar doutrina alienígena ou
absorver as obras que tratam sobre cláusula penal em parcas passagens.
Não obstante isto, o estudo da cláusula penal se mostra
dinâmico, atual e cativante, face à sua extremada relevância para os negócios
jurídicos e para a conseqüente circulação de riquezas.
Este trabalho não tem a pretensão de esgotar toda a
matéria, talvez, quem saiba, pelo menos incentivar futuros estudiosos a se
inclinarem a este assunto.
1
CAPÍTULO 1
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O estudo da cláusula penal nos dias atuais jamais
poderá deixar de analisar a evolução histórica deste instituto. O estudo da
cláusula penal deve buscar suas fontes desde o Direito Romano com a
estipulatio poenae, passando pelos canonistas na Idade Média até chegar à
sua posição atual.
É cediço que o entendimento atual da cláusula penal
depende da visão do passado, portanto, não há como iniciar qualquer
estudo aprofundado da cláusula penal sem entender a sua origem,
finalidades e transformações no decorrer dos tempos.
Nunca é demais acrescentar que o direito apenas
acompanha a tábua de valores da sociedade. O direito é reflexo dos
interesses sociais. Este talvez seja o grande desafio do estudo do direito,
uma vez que sistema jurídico não consegue acompanhar por completo a
dinâmica social.
2
O estudioso do direito jamais poderá deixar que o
direito se divorcie completamente da realidade, sob pena de perder a sua
eficácia social. Para tentar vencer este desafio, antes de analisar o
presente, parece imprescindível o estudo do passado.
1 CLÁUSULA PENAL NO DIREITO ROMANO
O estudo do Direito Romano trará luz ao estudo da
cláusula penal. Não há como dissociar a cláusula penal contemporânea da
stipulatio poenae.
Para entender o instituto em análise – cláusula penal
– imprescindível a verificação de sua origem e sua evolução no tempo.
1.1 DA OBLIGATIO
Imprescindível para o estudo da cláusula penal a
verificação do tratamento que era concedido às obrigações no Direito
Romano.
Os Romanos não fizeram a distinção entre direito
pessoal e direito real sob a ótica do direito material. Na realidade, faziam
esta diferenciação sob a ótica processual, havia a actio in rem (ação real) e
3
a actio in personam (ação pessoal). Importante, para o estudo da cláusula
penal será a análise dos direitos que permitiam a utilização de actiones in
personam.
A obligatio tem como elementos: um dever com
conteúdo econômico; o direito subjetivo que permite a exigência do
cumprimento do dever com conteúdo econômico; e a relação jurídica que
vincula o dever ao direito de exigir o cumprimento da prestação.
As obrigações podem ser analisadas pela ótica do
credor, como aquele que tem o poder de exigir a prestação (direito de
crédito); podem ser analisadas pelo prisma do devedor, aquele que deve
cumprir a prestação (débito ou obrigação). Credor e devedor estariam
vinculados pela relação jurídica obrigacional.
Neste sentido EUGÉNE PETIT esclarece:
O direito de crédito é, com efeito, uma
relação entre duas pessoas, uma das
quais, o credor, pode exigir da outra, o
devedor, um fato determinado, apreciável
em dinheiro. Sendo assim, essa relação
pode se considerada de dois pontos de
vista diferentes: do lado do credor, é um
direito de crédito que conta no ativo de
seu patrimônio; do lado do devedor, é
uma obrigação, uma dívida que figura em
seu passivo. Os jurisconsultos romanos
servem-se exclusivamente da palavra
obligatio, em um sentido muito amplo,
para designar tanto o crédito como a
4
dívida (L.4, D., de novat, XLVI, 2; I., § 2º.,
quib. Al. Lic. II,8).
1
No entanto, esta visão clássica teve seus
combatentes. Segundo MOREIRA ALVES, um dos principais opositores a
esta visão das obrigações foi Brinz.
Até os fins do século passado, os
romanistas julgavam que, durante toda a
evolução do direito romano – do período
pré-clássico ao justinianeu -, o conceito
de obligatio se mantivera o mesmo que o
resultante da interpretação (que vem dos
autores medievais) desses textos do
Corpus Iuris Ciuilis: o de a obrigação ser
um vínculo jurídico em virtude do qual o
devedor é compelido a realizar uma
prestação de conteúdo econômico em
favor de outrem. Ao devedor, portanto,
incumbiria um dever jurídico – a
obligatio.
Essa concepção, porém, foi abalada por
duas teses que revolucionaram os
estudos sobre a obligatio romana: a de
Brinz, que veio à luz em 1874, e a de
Perozzi, publicada em 1903.
2
Na concepção de Brinz, a obrigação não possui
caráter de dever jurídico. Na realidade, a obligatio consistia na
responsabilidade que surgiria com o inadimplemento – em um primeiro
momento atingindo o próprio corpo do devedor e, com a evolução, atingia o
1
PETIT, Eugène, Tratado de Direito Romano, Editora Russel, 1ª. Edição,
Campinas, 2003, pag. 409/410.
2
ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, Editora Forense, 14ª.
Edição, Rio de Janeiro, p. 375.
5
patrimônio do devedor. A obrigação seria composta pelo débito (debitum) e
pela responsabilidade (obligatio).
O débito e a responsabilidade surgiam em momentos
diversos e com finalidades distintas. O débito surgiria desde o momento da
formação da obrigação e não teria cunho coativo (o devedor pode ou não
realizar a prestação). Caso o devedor não cumpra a obrigação, surgiria a
responsabilidade pelo inadimplemento e a responsabilidade teria cunho
coativo.
Como obrigação e responsabilidade são figuras
distintas, poderiam estar concentradas em apenas uma pessoa, como
também poderiam se referir a pessoas distintas: caso o devedor deixasse
de cumprir a obrigação, poderia um terceiro arcar com a responsabilidade
pelo inadimplemento.
Esta visão de Brinz foi aceita, mas somente em
relação aos tempos primitivos, não sendo aplicada aos períodos clássico e
pós-clássico do Direito Romano. Neste sentido, MOREIRA ALVES explicita:
Brinz negou à obligatio o caráter de
dever jurídico, salientando que ela não
consistia no dever de realizar uma
prestação (dever esse que seria o
debitum; Schuld, em alemão), mas, sim,
na responsabilidade (obligatio; Haftung,
em alemão) em que se incorria pelo
inadimplemento nesse dever; por isso, o
objeto da obrigação, em vez de ser a
prestação (isto é, um dar, um fazer ou
não fazer algo), seria, primitivamente, o
próprio corpo de devedor e, mais tarde, o
6
devedor como sujeito de um patrimônio,
ou seja, como pessoa econômica.
3
A evolução histórica da obrigação pode ser traçada
com a verificação dos períodos do Direito Romano. No período pré-clássico
a obrigação era oriunda do delito e era considerada como um vínculo
material, pois o devedor respondia com o próprio corpo. A Lei Poetelia
Papiria (326 a.C.) alterou este panorama e o devedor não mais respondia
com o próprio corpo, mas sim com o seu patrimônio.
No período clássico a obligatio não teve um conceito
abstrato, mas decorria de relações jurídicas que eram reconhecidas pelo ius
civile. O ius civile reconhecia as obrigações decorrentes de atos lícitos ou
ilícitos, estes seriam a delicta e aqueles os contractus. Além disso, outras
relações surgiam que não eram consideradas obligationes, mas sim debita.
As relações denominadas como debita resultavam de
atos lícitos e ilícitos que não eram capitulados no ius civile. A debita,
portanto, não decorria do ius civile (protegidas somente pelas actiones in
factum). A obligatio era instituto do ius civile já a debita era instituto do ius
honorium.
Também MOREIRA ALVES esclarece:
No tocante à evolução histórica da
obrigação no direito romano, teria sido
ela a seguinte:
3
ALVES, op. cit., p. 376.
7
- quanto ao direito pré-clássico, os
romanistas divergem sobre se a
obrigação nasceu do delito (essa, a
opinião da maioria) ou do contrato, mas
concordam que ela estabelecia, a
princípio, não um vínculo jurídico (isto é,
imaterial), mas um vínculo material, em
virtude do qual o devedor respondia pela
dívida com o seu próprio corpo; somente
depois da lei Poetelia Papira (326 a.C.) é
que o patrimônio do devedor passou a
responder pelo débito, como sucede no
direito moderno;
- com relação ao direito clássico, a
maioria dos romanistas defende a tese
de que não havia um conceito genérico
de obligatio, mas algumas relações
jurídicas, reconhecidas pelo ius civile,
decorrentes de certos atos lícitos
(contractus) ou ilícitos (delicta), e
denominadas obligationes; ao lado
dessas, outras relações jurídicas havia
(às quais os juristas romanos, em geral,
não davam o nome de obligationes, mas,
sim, de debita), resultantes de atos lícitos
(que eram reconhecidos pelo ius civile
como contractus) ou ilícitos (não
capitulados pelo ius civile entre os
delicta), as quais eram protegidas pelo
pretor com actiones in factun ou actiones
ficticiae.
4
Os períodos pós-clássico e justinianeu não
contemplam mais a separação entre o ius civile e o ius honorium.
Decorrência lógica deste fato é união das relações jurídicas obligatio e
debitum, denominada obligatio. A obligatio passou a ser entendida como a
necessidade de alguém (devedor) realizar uma prestação em favor de
outrem (credor) em razão de uma relação jurídica de cunho patrimonial.
8
Acerca deste assunto, também MOREIRA ALVES:
Com referência aos direitos pós-clássico
e justinianeu, há a fusão das relações
jurídicas obligatio e debitum (e isso em
virtude do desaparecimento da distinção
entre ius civile e o ius honorarium) numa
só, denominada genericamente obligatio;
em face disso, em vez de se conhecerem
– como no direito clássico – apenas
algumas obligationes, passou-se a
conceber, nos períodos pós-clássicos e
justinianeu, um conceito genérico de
obligatio; relação jurídica pela qual
alguém deve realizar uma prestação, de
conteúdo econômico, em favor de
outrem.
5
1.2 ELEMENTOS DA OBLIGATIO
Diante da evolução histórica da obligatio podem ser
vislumbrados três elementos que a compõe. O elemento subjetivo (sujeito
ativo e passivo); o elemento objetivo (o objeto da obrigação); e a relação
jurídica que vincula as partes.
Em relação ao elemento subjetivo, podem ser
encontrados o credor (sujeito ativo) e o devedor (sujeito passivo). O vínculo
que une os sujeitos da relação obrigacional, passou de vínculo material (em
que o devedor respondia com o próprio corpo) para vínculo jurídico (o
4
ALVES, op. cit, p. 378.
5
ALVES, op. cit, p. 379.
9
devedor responde com o seu patrimônio pelo débito). MOREIRA ALVES
explica:
Na obrigação (...) distinguem-se três
elementos essenciais (requisitos), a
saber: a) os sujeitos ativo e passivo; b) o
vínculo existente entre eles; e c) o objeto
da relação jurídica.
Quanto aos sujeitos, encontramos
sempre contrapostos, de um lado, o
sujeito ativo (que é titular do direito de
crédito), e, de outro, o sujeito passivo
(que é aquele a quem incumbe o dever
jurídico de conteúdo patrimonial – o
débito). Essas duas posições – sujeito
ativo e sujeito passivo – podem ser
ocupadas, cada uma, por uma ou mais
pessoas físicas ou jurídicas. (...)
No direito romano, as palavras creditor e
debitor, a princípio, se limitavam a
indicar sujeitos ativo e passivo na
relação obrigacional decorrente do
mútuo; depois, passaram a designar,
respectivamente, qualquer credor ou
devedor. Por outro lado, o termo reus se
empregava, indiferentemente, para
significar credor ou devedor, mas, em
virtude das fórmulas da stipulatio
(contrato verbal solene) começou-se a
usar, para a indicação do credor a
expressão reus stipulandi, e, para a do
devedor, reus promittendi.
6
As obrigações poderiam ser designadas como de dare,
facere e praestare. Dare consistia em transferir ao credor a propriedade
sobre uma coisa. Facere consistia em realizar qualquer ato, desde que não
envolvesse transferência de propriedade; poderia ser uma obrigação
6
ALVES, op. cit, p. 381.
10
positiva (facere) ou negativa (no facere) em que o devedor era obrigado a
deixar de realizar determinado ato.
A praestare demanda análise sobre a sua vertente
estrita ou genérica. A praestare, sob a ótica estrita consiste na
responsabilidade do devedor passar a dever o valor da prestação, em
dinheiro, nos casos em que o facere e dare se tornaram impossíveis por
culpa ou dolo.
A praestare, em sentido genérico, indica qualquer
objeto da obrigação. A prestação precisa ser lícita, ser possível jurídica e
fisicamente, ser determinada ou, ao menos, determinável e representar
interesse econômico. Segundo EUGÈNE PETIT:
O objeto da obrigação consiste sempre
em um ato que o devedor deve realizar
em proveito do credor, e os
jurisconsultos romanos expressam-no
perfeitamente por meio de um verbo,
facere, cujo sentido é muito amplo, e
compreende também a abstenção. Ao
lado dessa fórmula geral, são mais
precisos certos textos. Distinguem três
categorias os diversos atos aos quais
pode ser obrigado o devedor, e resume-
se nestes três verbos: dare, praestare,
facere. Dare é transferir propriedade da
coisa, ou constituir um direito real.
Praestare é procurar o desfrute de uma
coisa, sem constituir direito real. Facere
é levar a cabo qualquer outro ato, ou
mesmo abster-se.
7
7
PETIT, op. cit, pag. 411.
11
Portanto, percebe-se que o direito obrigacional tem
como essência uma relação jurídica que vincula as partes (credor e
devedor) ao cumprimento de uma prestação com cunho econômico,
podendo ser de dar, fazer ou não fazer. O não cumprimento desta prestação
gerará responsabilidade ao devedor.
1.3 DA RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR
As obrigações devem ser cumpridas para que atinjam
a sua extinção natural. O devedor se liberta com o pagamento da obrigação,
ou seja, com o cumprimento correto da obrigação.
No entanto, nem sempre as obrigações são cumpridas
corretamente, seja porque o devedor se atrasa no cumprimento, seja por ter
se tornado impossível o cumprimento da obrigação. Em razão deste atraso,
ou da ausência de cumprimento, o credor pode ser merecedor de perdas e
danos.
A causa da obrigação deve ser perquirida para fixar
como deverá ser aplicado o sistema de responsabilidade ao devedor.
Segundo EUGÈNE PETIT, as causas de inexecução das obrigações se
reduzem em caso fortuito, dolo e a falta.
As conseqüências da inexecução das
obrigações variam primeiramente
segundo o objeto. Se consiste em uma
quantia em dinheiro, ou qualquer outra
12
coisa in genere, o devedor fica obrigado,
qualquer que seja o acontecimento que
lhe tenha impedido de pagar o que deve.
Supondo, com efeito, que as moedas ou
as coisas que destinava ao pagamento
tenham perecido, deve-se procurar
outras, pois todas as coisas da mesma
espécie podem servir ao pagamento da
dívida. Sempre é assim nas obrigações
que resultam do mutuum ou do contrato
litteris, naquelas que nascem ex delicto
ou quase ex delicto.
Entretanto, quando a obrigação tem por
objeto um corpo certo ou um feito, a
solução é mais delicada. Se a coisa
devida pereceu ou se a realização do
feito se faz impossível, deve o credor
suportar o prejuízo ou, ao contrário, está
o devedor obrigado a indenizá-lo? Para
responder a essa pergunta, é necessário
investigar qual é a causa da inexecução
da obrigação. Ora, pois, as causas de
inexecução reduzem-se a três: o caso
fortuito, o dolo e a falta.
8
Caso fortuito tem por característica ser “um
acontecimento em que a vontade do devedor fica completamente
alheia, e não pode lhe ser imputado
9
. Não pode ser imputado ao devedor
responsabilidade pelo não cumprimento de obrigação impossível.
MOREIRA ALVES, indica como forma de
impossibilidade objetiva do cumprimento da obrigação o caso fortuito e força
maior. Pragmático, sobre a exaustiva discussão sobre a distinção entre caso
fortuito e força maior, assim conclui:
8
PETIT, op. cit, pag. 623.
9
PETIT, op. cit, pag. 623.
13
Apesar da controvérsia que persiste
entre os romanistas atuais, tudo indica
que os termos casus fortuitus, uis maior
e similares fossem empregados nas
fontes para designar diversas hipóteses
(por exemplo: terremotos, incêndios,
naufrágios, guerra), em que a obrigação
se extinguia por impossibilidade objetiva
da prestação, e o devedor, a quem o fato
danoso não podia ser imputado, se
eximia, em conseqüência, de
responsabilidade. Nem mesmo no direito
justinianeu os jurisconsultos formularam
um conceito abstrato que abrangesse
todas as hipóteses, em que isso ocorria,
referidas nos textos. É certo que do
casuísmo das fontes pode-se inferir, de
modo geral, que o caso fortuito (ou força
maior) era o acontecimento decorrente
da natureza ou de fato do homem, por via
de regra imprevisível, a que o devedor
não podia resistir, e que acarretava a
impossibilidade objetiva da prestação.
10
Ocorrendo fatos que caracterizem a impossibilidade
objetiva, o devedor não poderá ser responsabilizado pela ausência de
cumprimento perfeito da prestação, salvo se houver estipulação
convencional em sentido contrário.
O dolo terá lugar nos casos em que o devedor,
intencionalmente, deixa de cumprir a prestação a que está obrigado.
Problemas maiores serão enfrentados para a
discussão da falta. A falta se confunde com a culpa: é a ação ou omissão
10
ALVES, op. cit, p. 40.
14
imputável ao devedor, mas que não tenha havido, pelo devedor, interesse
em prejudicar o credor.
Merecedora de olhar mais aprofundado é a culpa
contratual em razão do objeto do trabalho apresentado, no entanto, apenas
para que não caia no esquecimento, não pode deixar de mencionar que a
culpa também poderá ser caracterizada como extracontratual ou aquiliana.
Em razão do estudo voltado à cláusula penal, será
verificada a culpa contratual e dentro deste sistema, os romanos ainda
classificam a falta como culpa grave e culpa leve.
Culpa grave pode ser definida como a falta que não
seria cometida por pessoa de inteligência comum. O devedor não utiliza a
mais rasa cautela para as suas atitudes.
Para a verificação da culpa leve haverá a comparação
com paradigmas de condutas. A culpa leve pode ser em abstrato: compara-
se a conduta do devedor com a do homem médio (bonus pater familias). A
culpa leve também pode ser in concreto: neste caso a conduta de diligência
do devedor é comparada com a conduta que próprio devedor teria com as
suas coisas e interesses.
A diferenciação entre culpa grave e culpa leve é
bastante relevante, uma vez que todo devedor deve responder pela culpa
grave, assemelhada ao dolo, mesmo que haja pacto de exclusão de
responsabilidade por dolo. Em contrapartida, para responsabilizar o devedor
15
acerca da culpa leve deve ser levado em consideração o grau de diligência
tomado a cabo. Neste sentido, MOREIRA ALVES:
Com relação à culpa (em sentido restrito)
contratual, ela pode apresentar graus
conforme seja de maior ou menor
intensidade:
a) culpa lata: quando há negligência
extrema do devedor ou não usa da mais
elementar cautela, ou não prevê o que é
previsível por todos:
b) culpa leuis: que pode ser in
abstracto (quando o devedor não se
utiliza da diligência do bonus pater
familias – tipo médio de pater familias),
ou in concreto (quando, para se apurar
se o devedor agiu com culpa em sentido
restrito, se confronta sua atuação, não
com um tipo abstrato como o bonus
pater familias, mas sim, com atitude que
o próprio devedor toma com relação às
suas coisas ou aos seus interesses).
11
Os romanos também verificavam se o devedor teria
levado vantagem com o não cumprimento da obrigação. Neste sentido, nos
casos em que apenas o credor era interessado no cumprimento da
obrigação, sem benefícios ao devedor, este apenas poderia ser
responsabilizado por dolo ou culpa grave. O devedor extraindo vantagens
pelo não cumprimento da obrigação, ficará obrigado também pela culpa
leve.
1.4 TEORIA DA MORA NO DIREITO ROMANO
16
O credor pode exigir a prestação.
O devedor será considerado em mora se não cumprir
a prestação no momento devido e o credor poderá ser considerado em
mora se não aceitar o pagamento corretamente oferecido.
1.4.1 MORA DO DEVEDOR
Discussão que sempre assolou os romanistas reside
na fixação do momento em que a mora se inicia. Para alguns, o credor
sempre deveria interpelar – interpellatio – o devedor para configurar a mora.
A mora, para os romanos, seria, sem exceções ex persona.
No entanto, vem crescendo a posição que nos direitos
pré-clássico e clássico o devedor se tornaria em mora assim que a
obrigação se tornasse passível de ser exigida e somente em caso de
obrigação pura fazia necessária a interpelação. Em contrapartida, no direito
pós-clássico, em regra era necessária a interpelação do credor ao devedor,
salvo exceções expressamente previstas. Nos casos de obrigações a termo,
a sua ocorrência supria a interpelação, foi o início do princípio dies
interpellat pro homine.
Neste sentido o MOREIRA ALVES:
11
ALVES, op. cit, p. 406.
17
Quanto a primeira questão (momento em
que inicia a mora), é ela muito
controvertida tendo em vista que é
pacífica a extensão das interpolações
[sic] nos textos que se referem ao
momento em que a mora do devedor se
inicia. Segundo parece – e esta e a tese
que, pouco e pouco, vem se impondo -,
nos direitos pré-clássico e clássico, o
devedor incidia em mora se não
cumprisse a obrigação no momento em
que ela se tornava exigível: se obrigação
a termo ou sob condição, quando um ou
outra – conforme o caso – ocorresse; se
obrigação pura, no instante em que o
credor solicitasse ao devedor seu
cumprimento. No direito pós-clássico,
embora se atingisse quase o mesmo
resultado, estabeleceu-se o princípio
geral de que a mora se inicia com a
interpelação (interpellatio) judicial ou
extrajudicial (quando se faz por ato oral
ou escrito, sem que seja imprescindível a
presença de testemunhas) do credor ao
devedor para que este cumpra a
obrigação; a essa regra só se admitiam
exceções expressas, como a de que, se a
obrigação fosse a termo, a ocorrência
deste equivalia à interpelação (o que os
autores medievais traduziram com a
frase dies interpellat pro homine) em
virtude disso, os intérpretes romanos
distinguem a mora ex re (que independe
de interpelação) da mora ex persona
(que, para surgir, necessita da
interpellatio).
12
Configurada a sua mora, o devedor resta responsável
pelo perecimento da coisa, salvo se demonstrar que a coisa teria o mesmo
fim independentemente de sua mora. A mora torna a obrigação perpétua.
12
ALVES, op. cit, p. 46.
18
Importante questionar o que deverá o devedor em
mora entregar ao credor, uma vez que a coisa pereceu. O devedor deverá
arcar com valor pecuniário em favor do credor. Nas obrigações em dinheiro,
o devedor em mora deve arcar com os juros.
Podendo ser imputado ao devedor o inadimplemento
da obrigação, abria-se a possibilidade de ajuizar a ação pessoal respectiva
para proteger os interesses do credor. Há de distinguir dois momentos
destas ações pessoais. Primitivamente, no processo formulário o devedor
deveria responder pecuniariamente, independente do objeto da prestação.
Com o passar dos tempos e a necessidade do juiz,
através da extraordinaria cognitio, tentar chegar, da maneira mais próxima,
ao cumprimento da prestação originalmente estipulada e, somente quando
esta possibilidade não existisse, seria convertida em condenação
pecuniária.
A condenação pecuniária era oriunda de avaliação que
poderia ser feira pelo juiz, pelo credor (através de um juramento) ou
convencionada pela partes (stipulatio poenae).
1.4.2 DA MORA DO CREDOR
19
A mora também pode ser para o credor. O devedor
possui o direito de se libertar da obrigação e o credor o dever de receber a
prestação ajustada. Haverá a mora do credor nos casos de oferta válida do
devedor para o cumprimento da obrigação e recusa injustificada, por dolo ou
culpa, do credor no recebimento do pagamento.
Também nestes casos, para a configuração da mora,
necessária a interpelação, que consiste na oferta válida de cumprimento da
obrigação e deve ser feita a quem for capaz de receber e por pessoa com o
direito de pagar.
Os seus efeitos são parecidos com os efeitos da mora
do devedor. Os riscos pelo perecimento da coisa passam a ser do credor e
o devedor apenas responde por dolo, além disso, em dívidas em dinheiro, a
mora do credor faz cessar os juros, para os romanos.
1.5 DA COATIVIDADE DAS OBRIGAÇÕES
O credor tem o direito de exigir o cumprimento da
prestação por parte do devedor e para assegurar o seu direito ao crédito
possui condições de utilização de reforços ou garantias da obrigação.
O devedor deve se sentir compelido ao cumprimento
da obrigação e deve perceber que em caso de não cumprimento perfeito,
poderão ser atribuídos ao credor benefícios através de convenções
acessórias. O credor pode se valer de garantias para assegurar o
20
cumprimento da prestação, bem como podem ser fixados reforços para
constranger o devedor ao cumprimento da prestação.
Como garantias, pode-se distinguir as pessoais –
relação com um terceiro que poderá ser compelido a cumprir a prestação,
caso o devedor original não o faça; e as garantias reais, constituindo em
favor do credor direitos reais sobre coisa do devedor.
Como reforço da obrigação pode o credor lançar mão
das arras e da stipulatio poenae.
As arras poderiam ser dividas em arras confirmatórias
ou penitenciais. Aquelas consistiam na entrega de dinheiro ou de uma coisa
por uma das partes contratante para comprovar que o contrato está
confirmado, devendo ser restituída ao contratante que a concedeu. Já as
arras penitenciais, contrariamente, consistiam em adiantamento do contrato
e, caso a parte que as forneceu desistisse do contrato, perderia o valor em
favor da outra parte; se o desistente for a parte que recebeu as arras,
deverria devolver o valor em dobro. Por isso, as arras são consideradas
reforço da obrigação.
Quanto à stipulatio poenae, as partes podem estipular
que nos casos de não cumprimento do devedor de sua obrigação, o credor
poderá exigir valor pecuniário a título de pena. Esta pena tem o caráter de
reforço da obrigação, de certa forma coercitiva e, para alguns romanistas,
ainda representa a pré-fixação de valor para reparação do prejuízo sofrido
pelo credor, levando em conta o dano causado e o ganho que poderia ser
originado com o pagamento correto da obrigação.
21
Este valor pecuniário é acrescido à obrigação original
no caso de atraso, mas substitui a obrigação no caso de impossibilidade de
seu cumprimento.
Em regra, quando não estipulada qualquer pena, o
credor deve demonstrar o dano sofrido pela mora do devedor, todavia, as
partes podem, previamente, ajustar qual será o valor pecuniário devido em
caso de não cumprimento adequado da obrigação, é a stipulatio poenae.
1.6 ORIGEM DA STIPULATIO POENAE
No Direito Romano, dentro da órbita das relações
privadas, aquele que ofendia o direito de outrem ficava obrigado a pagar-lhe
uma pena pecuniária com o escopo repressivo – obligatio ex delicto. Em
contrapartida, sendo lesado interesse de caráter coletivo com o interesse
estatal em reprimir, as conseqüências seriam mais gravosas, inclusive com
a possibilidade de penas corporais e, caso fossem fixadas em dinheiro, não
teriam como destinatário o lesado – era a pena privada em razão da delicta
privata.
Discute-se se a stipulatio poenae, no Direito Romano,
poderia ter sido considerada pena privada.
22
Os objetivos da pena privada eram distintos dos da
stipulatio poenae. A pena privada tinha como escopo castigar – pura e
simplesmente – o culpado. Inicialmente eram castigos corporais e, em
seguida, passaram da responsabilidade corporal para a pecuniária.
ANÔNIO PINTO MONTEIRO explica:
Por outro lado, o direito romano não
limita o uso dos termos poena, punire e
derivados, à pena, em sentido técnico,
antes os estende a toda a espécie de
sanções. A pena privada, propriamente
dita só poderia ser infligida através da
actio poenalis – não por meio da
stipulatio poenae –, pelo que, não se
tratando de uma acção daquele tipo (a
qual, como actio, sucedeu à vindicta, e
enquanto poena, correspondia à
represália), deparar-se-ia com uma
sanção, mas não com uma pena.
13
A stipulatio poenae não se confundia com a pena
privada, o objetivo daquela era coercitivo-compulsivo, buscava forçar o
devedor a cumprir a obrigação que prometera. A pena privada residia no
campo do delictum e não há qualquer evidência concreta que os romanos
caracterizavam como delito o não cumprimento da obrigação.
A stipulatio poenae em sua forma originária era tratada
como obrigação condicional. Ainda que uma estipulação não pudesse ser
validamente assumida, poderia obter-se o resultado vedado, indiretamente,
através da stipulatio poenae, inclusive possibilitando estipulações em favor
de terceiro, o que não era reconhecido pelo Direito Romano.
23
O Direito Romano não consagrava o direito em favor
de terceiro, portanto, estipulando a pena, poderia o devedor ser compelido a
arcar com a obrigação ou arcar com a pena. A relevância desta figura é
demonstrada pelo fato do credor original não ter como exigir o cumprimento
da obrigação principal (em favor de terceiro) por falta de interesse – uma
vez que não concebida no sistema obrigação em favor de terceiro – e o
terceiro favorecido não tinha em seu favor a actio. A stipulatio poenae
tornava executável o ajuste que não eram civilmente obrigatórios, pois, o
devedor deveria cumprir a obrigação e caso assim não fizesse, ficaria
sujeito à stipulatio poenae.
Não cumprindo o devedor a primeira,
competia ao credor escolher entre exigir
o seu cumprimento ou o da pena,
podendo, mesmo, reclamar uma quantia
superior à que fora estipulada, no caso
de o montante da pena ficar aquém do
valor do seu interesse lesado. Mas, o
credor tinha, igualmente, o direito de
exigir o cumprimento da prestação
principal e o pagamento da pena: para
que isso fosse possível, tornava-se
necessário uma declaração prévia das
partes a consagrá-lo, o que se conseguia
utilizando elas a expressão rato manente
pacto. Na falta dessa declaração é que,
em princípio, tal possibilidade não seria
permitida.
14
A stipulatio poenae também aparece como figura
acessória à uma obrigação principal – próxima à cláusula penal dos dias
atuais. É a ausência de cumprimento que torna exigível o pagamento da
pena
15
. Dentre as características da stipulatio poenae podem ser
13
MONTEIRO, Antonio Joaquim de Matos Pinto, Cláusula Penal e
Indemnização, Coleção teses, Editora Almedina, Coimbra, 1999, p. 362.
14
MONTEIRO, op. cit, p. 357.
15
MONTEIRO, op. cit, p. 357.
24
destacadas: a) não havia para restrição à fixação do valor da pena,
permitindo superar o valor da obrigação principal; b) era vedada a
diminuição da pena, independente de eventual cumprimento parcial da
prestação pelo devedor, ressalvado o caso de estipulação com finalidade
usurária.
No período clássico a stipulatio poenae era vista como
uma pena a ser aplicada ao devedor que se obrigava a determinada
prestação e não a cumpria. Como forma de tornar a obrigação coercitiva, foi
criada a stipulatio poenae. O credor (promissor) poderia exigir a pena do
devedor (poena committitur), caso este último não cumprisse a prestação
convencionada.
A stipulatio poenae, geralmente, era constituída em
prestação pecuniária, mas não havia qualquer restrição que fosse fixada de
outra forma, desde que previamente estipulada e a relevância do instituto se
deu em razão de sua simplicidade em criar vínculos para que fossem
respeitas as avenças ajustadas.
Importante salientar que o termo stipulatio representa
o contrato verbal por excelência no direito romano. A stipulatio era originada
através de perguntas e respostas formuladas e respondidas pelos
contratantes, sendo o credor, o stipulator ou reus stipulandi e o devedor, o
promissor ou o reus promittendi.
A stipulatio para ser válida era necessária a presença
de todas as partes contratantes, a resposta e a pergunta deviam estar em
conformidade; a pergunta devia ser formulada verbalmente e a resposta,
também verbal, devia ser imediata.
25
Neste sentido, também GAETANO SCIASCIA
esclarece:
Consta de uma pergunta formal (centum
dare espondes?) feita pelo reus
stipulandi (credor) e de uma congruente
resposta afirmativa (spondeo) do reus
promittendi (devedor). Não é admitida
nenhuma divergência entre a
interrogação e resposta; as palavras
devem ser pronunciadas em seguida,
sem intervalo (continuus actus) pelas
pessoas presentes.
Ao lado da forma originária, própria dos
cidadãos romanos (sponsio), passaram a
ser admitidas outras, de jus gentium,
com palavras diversas, inclusive em
língua grega, se compreendida pelas
partes.
Pelo seu caráter abstrato, que prescinde
da cláusula como base do vínculo
obrigatório, a stipulatio é o ato jurídico
mais usado.
16
Segundo ANTONIO PINTO MONTEIRO, a stipulatio
poenae:
formava-se por via oral, através de uma
pergunta dirigida pelo futuro credor
(stipulator, reus stipulandi) ao futuro
devedor (promissor, reus promittendi), a
respeito do cumprimento de determinada
prestação: ‘prometes dar-me cem?’
16
Gaetano Sciascia apud FRANÇA, Rubens Limongi, Teoria e Prática
da Cláusula Penal, Editora Saraiva, São Paulo, 1988, 18.
26
(spondes mihi dare centum?); ‘prometo’
(spondeo).
17
Aos poucos, em razão da dificuldade prática de provar
a stipulatio e pela influência crescente dos povos orientais que utilizavam as
obrigações decorrentes de contratos escritos, a stipulatio passou da forma
oral para a escrita.
1.6.1 FINALIDADE DA STIPULATIO POENAE
A cláusula penal, nos dias atuais, leva em seu bojo
tanto a natureza coercitiva como de pré-fixação de indenização pelo não
cumprimento da obrigação. No Direito Romano, no entanto, a stipulatio
poenae possuía apenas característica coercitiva
18
.
Sobre este aspecto, MÚCIO CONTINENTINO
esclarece com precisão:
17
MONTEIRO, op. cit, p. 352.
18
Não se pode olvidar que vários são os autores que entendem a stipulatio
poenae com natureza mista (sanção e indenização), dentre eles Rolf
Knütel, Bertolini e Biondo Biondi, este último chega a afirmar que a
stipulatio poenae tem a função de reforçar o vínculo e estabelecer
preventivamente a responsabilidade do devedor em caso de
inadimplemento, afirmando que sobre que a stipulatio poenae era a
liquidação preventiva do dano.
27
Como o próprio nome indica, o primitivo
direito romano considerava como um réu
o devedor que não cumpria a sua
promessa e a stipulatio poenae tinha
então por escopo assegurar não a
reparação do dano causado, mas a
repressão do delito cometido pelo
devedor não a cumprindo.
19
O Direito Romano não conhecia a execução específica
das obrigações de fazer e de não fazer, destarte, vigorava o princípio da
condenação pecuniária (condemnatio pecuniária), ou seja, em razão do não
cumprimento da obrigação o credor não tinha como lançar mão de
execuções específicas, portanto, a prestação deveria ser quantificada em
dinheiro. Frisa-se, era a prestação que era quantificada e não a indenização
pelo não cumprimento.
O objetivo da stipulatio poenae era de sanção contra o
devedor inadimplente com o valor correspondente da obrigação já
quantificado. Diante de tal fato, mesmo no Direito Romano diz-se que o
credor não precisava demonstrar a lesão (dano) sofrida pelo não
cumprimento da obrigação, bem como ficava o credor dispensado de
demonstrar o seu interesse: a stipulatio poenae refletia o valor da prestação
e o devedor ficaria obrigado a arcar com o seu valor estipulado
20
.
19
Múcio Continentino apud NONATO, Orosimbo, Curso de Obrigações,
Vol. II, Editora Forense, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1959, pg. 311.
20
Também sobre este ângulo, parece cristalina a lição de Antonio Pinto
Monteiro (obra cit. Pag. 368): “Pensamos, assim, que a stipulatio poenae
terá sido um meio compulsivo-sancionatório, em ordem a uma execução
integral das obrigações, dispensado o credor, em caso de incumprimento,
de provar o seu interesse , uma vez que a pena incluía já o valor da
prestação inadimplida, substituindo-a. Daí não se segue, porém, que deva
atribuir-se à stipulatio poenae uma finalidade indemniatória, tal como esta
é hoje concebida. A sua função era de ordem coercitiva e a sua natureza a
de uma sanção. Sanção esta que, todavia, englobava já o valor da
28
A stipulatio poenae também deve ser analisa sobre o
prisma de sua exigibilidade. Imperioso perquirir sobre em qual momento
pode ser requerida e se a culpa é imprescindível.
Em relação às obrigações de não fazer, a resolução é
simplificada, a stipulatio poenae é devida a partir do momento da prática do
ato vedado.
As obrigações de fazer demandam análise mais
aprofundada, devendo ser verificado se havia ou não termo estipulado.
A cláusula penal conforme regulada atualmente possui
nuances distintas da stipulatio poenae, no entanto, são evidentes os
vínculos que unem estes dois institutos. A stipulatio poenae foi sofrendo
modificações no decorrer dos tempos até ser moldada para absorver as
necessidades contemporâneas.
1.7 CLÁSULA PENAL NA IDADE MÉDIA
A cláusula penal foi sofrendo modificações no decorrer
dos tempos e com a chegada da Idade Média não poderia ser diferente.
Como verificado, o sistema jurídico acompanha os valores da sociedade.
prestação inicial, traduzindo-se, por isso, numa prestação pecuniária que,
em princípio, substituía a primeira. Daí, precisamente, que o credor, para
fazer jus à poena, não carecesse de provar seu interesse.”
29
Com a forte influência da Igreja Católica, a cláusula penal tomou um lugar
de forte relevância tendo em vista a proibição da usura.
Entendia-se usura como qualquer aplicação de juros,
tudo aquilo que acrescesse ao capital. A Igreja Católica vedava a usura de
maneira severa. Caso as partes estipulassem os juros, a convenção seria
considerada nula e o estipulante deveria ser excomungado. A usura era tão
rejeitada que o estipulante sofreria sanção civil e sanção penal canônica.
A proibição da usura trouxe vários empecilhos ao
desenvolvimento do comércio e não se pode esquecer que esta foi uma
época de intenso comércio, com o descobrimento de novas fronteiras
mercantis. Os homens de negócio tentavam, indiretamente, embutir em
suas avenças a cobrança de juros. A cláusula penal foi constantemente
utilizada com a finalidade de cobrança de juros indireta.
O estipulante não tendo poderes para inserir juros no
empréstimo, convencionava cláusula penal no caso do vencimento da
dívida. O estipulante deseja que o devedor deixasse de cumprir com a sua
obrigação para que pudesse receber valor superior ao concedido em
empréstimo.
Mesmo percebendo a real utilização da cláusula penal
(cobrança de juros), não era possível vedar a sua utilização – instituto
oriundo do Direito Romano já enraizado socialmente. A opção encontrada
foi proibir a utilização fraudulenta da cláusula penal.
30
Evidente que este critério, altamente subjetivo, não
conseguiu vedar a usura indireta, pois era necessária uma profunda e
tormentosa análise da real intenção do estipulante.
Para resolver o impasse foi criada a Teoria do
Interesse. A partir deste momento a cláusula penal passou por forte
reestruturação e em seu bojo pôde ser encontrada a natureza indenizatória.
Pela Teoria do Interesse, o credor pode exigir do
devedor descumpridor da obrigação a pena em razão de indenização.
Evidente o interesse não possui qualquer ponto de consonância com a
usura. Aquilo que o credor recebe a título de interesse não pode ser
confundido com lucro, mas é a reparação de um dano.
Discussão essencial que brotou da Teoria do Interesse
foi ponderar se a pena poderia ser superior ao dano sofrido pelo credor.
Pode-se entender que para conferir licitude à pena, esta deveria ser
equivalente ao dano. Em contrapartida, se a pena foi prevista no contrato,
sem fraude, é interesse do Estado que as avenças sejam cumpridas,
devendo a pena ser arcada na sua totalidade, independente do valor do
dano.
É estabelecida, a este passo, importantíssima
distinção entre as duas funções da cláusula penal. A pena pode ser
estipulada como indenização e deve se limitar aos danos; pode ainda a
pena ser estipulada como forma de sanção e poderá ser exigida por inteiro,
salvo se estipulada em fraude.
31
A partir deste momento, a concepção de indenização
da cláusula penal ganhou espaço, inclusive achando seu lugar na principal
codificação da época, o Código Civil francês.
1.8 A CLÁUSULA PENAL NO DIREITO BRASILEIRO
A cláusula penal, no direito brasileiro, foi regulada
pelas Ordenações do Reino, L. IV, Título LXX, “Das penas convencionais e
judiciais e interesse em que caos se podem levar”.
21
O Código Civil de 1916 elencou a cláusula penal
dentre as modalidades das obrigações, no capítulo VII, do Título I, do Livro
III, da Parte Especial.
O Código Civil de 2002, corrigindo esta imprecisão
técnica, elenca a cláusula penal no capítulo V, do Título IV, do Livro I, da
Parte Especial. A cláusula penal deixa de ser regulada como modalidade de
obrigação e passa a ser inserida no título referente ao inadimplemento das
obrigações.
O legislador pátrio andou bem com esta alteração.
Apesar de não sofrer mudanças substanciais, o atual Código Civil encontrou
o correto nicho da cláusula penal que apenas terá lugar em caso do não
cumprimento das obrigações.
32
Não parece ajustado classificar a cláusula penal como
uma espécie de obrigação autônoma. A cláusula penal é acessória e
sempre dependente da obrigação principal; apenas será utilizada em caso
de inadimplemento (inadimplemento absoluto ou mora) da obrigação
principal.
A cláusula penal também foi regulada expressamente
pelos artigos 8º e 9º do Decreto número 22.626 de 07 de abril de 1933. O
referido decreto: para alguns, deve ser utilizado para qualquer espécie de
contratos, para outros, apenas nos contratos de mútuo. Esta discussão
encontrará lugar próprio a seguir.
Importante frisar que a cláusula penal, atualmente,
deve ser interpretada conforme os novos princípios instituídos pelo Código
Civil vigente. O atual código prima pelos princípios da socialidade, da
eticidade e da operabilidade.
Como socialidade deve ser entendido que o direito
civil, mesmo eminentemente privado, deixa de lado a sua vertente
individualista e passa dar conta de seu sentido social. Há uma busca de
ajustar a lei à vida contemporânea.
A eticidade tem como fundamento a verificação que do
ser humano como fonte de todos os demais valores, portanto, consagra a
boa-fé, a justa causa, a eqüidade e demais critérios éticos. A eticidade teve
influência decisiva na cláusula penal, basta citar o 413 do atual Código Civil
21
CONTINENTINO, Múcio, Da Cláusula Penal no Direito Brasileiro,
Saraiva & Comp. – Editores, São Paulo, 1926, p. 17.
33
– que será objeto de estudo a seguir – em que a cláusula penal “deve ser
reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido
cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente
excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
À cláusula penal foi concedida mais maturidade para a
sua aplicação com equilíbrio econômico como base de todo o direito
econômico, concedendo ao Estado, através do juiz, a possibilidade de
adequação dos ajustes individuais.
34
CAPÍTULO 2
DA DEFINIÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
Para que se entenda a cláusula penal é imperioso
destacar a sua natureza e as finalidades que a caracterizam. Além disso,
para o adequado entendimento da cláusula penal, necessária a comparação
com institutos similares.
2.1 NATUREZA JURÍDICA
A exata delimitação da natureza da cláusula penal é
trabalho bastante tormentoso. Inúmeros são os doutrinadores que divergem
a respeito da natureza da cláusula penal.
A natureza da cláusula penal gera discussões acerca
de sua característica acessória ou condicional.
MÚCIO CONTINENTINO, ao discutir a natureza da
cláusula penal cita a posição defendida por PUCHTA que considera a
35
cláusula penal uma obrigação condicional autônoma ou apenas subordinada
à realização do evento condicional, mas que é existente,
independentemente da obrigação principal. O fato que dará azo à cláusula
penal é apenas uma condição, não prometido, mas posto em incerteza,
adquirindo o credor um direito eventual e incerto.
PUCHTA considera-a [a cláusula penal]
uma obrigação condicional autônoma ou
subordinada apenas à condição, ao
evento condicional, mas existente,
independetemente da obrigação a que
adhere. Equiparam-se as figuras da penal
de da condicional dependendo para sua
validez, não a efficacia da obrigação, pois
que valem e subsistem de per si; mas
unicamente da existência da condição.
22
Para PONTES DE MIRANDA, a cláusula penal é
acessória, mas representada por uma promessa de prestação de pena em
caso de infração da obrigação assumida pelo devedor, com natureza
acessória à obrigação principal e gera em favor do credor uma possibilidade
de indenização por expectativa frustrada. Importante transcrever tal
orientação:
Promessa independente de submissão a
pena. Pode-se prometer submissão a
pena sem que seja assumido dívida, ou
venha a assumir: a pena é para o caso de
não praticar algum ato, ou de se praticar
algum ato. Não se promete o ato, ou a
omissão; promete-se a submissão a
pena. A pena, aí, somente é indenização
por expectativa que foi frustrada.
De iure condendo, pode-se exprobrar ao
termo ‘pena’ não próprio, porque em tais
espécies de preestabelece que não há
22
CONTINENTINO, op. cit, p. 18.
36
dever de fazer, e se estranha pensar-se
em penalidade se não há infração.
23
Ainda nesta esteira, o mesmo autor afirma que “a
promessa bilateral ou unilateral de submissão a pena rege-se, em princípio,
pela regras jurídicas concernentes à cláusula penal acessória”
24
.
Segundo ANTÔNIO PINTO MONTEIRO a cláusula
penal é simples promessa a cumprir no futuro, com caráter eventual, uma
vez que só se efetivará se o devedor, por sua culpa, não realizar a
prestação a que está vinculado. A cláusula penal é exigível nos mesmos
casos em que o credor possa reagir contra o inadimplemento.
A cláusula penal, como já vimos,
pressupõe a existência de uma obrigação
– provindo, em regra, de contrato –, que é
costume designar por obrigação
principal, a fim de acentuar melhor a
acessoriedade da referida cláusula, sua
dependência relativamente à obrigação
cujo inadimplemento sanciona.
Compreende-se que seja assim: a
cláusula penal, em qualquer das suas
modalidades, é uma estipulação
mediante a qual um dos contraentes se
obriga a efectuar uma prestação,
diferente da devida, no caso de não
cumprir ou de não cumprir nos precisos
termos a obrigação. Trata-se de simples
promessa a cumprir no futuro, com
carácter eventual, visto que no
compromisso assumido só se efectivará
– a pena só será exigível – se e na
medida em que o devedor não realize,
23
MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Privado, Tomo 26, 1ª. Edição,
Editora Bookseller, Campinas, 2003, p.88/89.
24
MIRANDA, op. cit., p.89.
37
por culpa sua, a prestação a que está
vinculado e a que a cláusula reporta.
25
POTHIER, também escreve a respeito:
sendo a obrigação penal, por sua
natureza, acessória, a uma obrigação
primitiva e principal, a sua nulidade traz
consigo a nulidade da obrigação penal.
Inúmeros são os doutrinadores que buscam
caracterizar a natureza jurídica da cláusula penal.
26
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO também
define a cláusula penal como um pacto acessório:
Cláusula penal é um pacto secundário e
acessório, em que se estipula pena ou
multa para a parte que se subtrair ao
cumprimento da obrigação, a que se
obrigara, ou que apenas retardar.”
27
25
MONTEIRO, op. cit., p. 86.
26
POTHIER, Robert Joseph, Tratado das Obrigações, Editora Servanda,
2002, p. 296.
38
CAIO MÁRIO assim definiu a cláusula penal:
A cláusula penal ou pena convencional –
stipulatio poenae dos romanos – é uma
cláusula acessória, em que se impõe
sanção econômica, em dinheiro ou outro
bem pecuniariamente estimável, contra a
parte infringente de uma obrigação.
28
ARNALDO WALD, assim definiu:
a cláusula penal é um pacto acessório,
regulamentado pela lei civil, pelo qual as
partes, por convenção expressa,
submetem o devedor que descumprir a
obrigação a uma pena ou multa no caso
de mora (cláusula penal moratória) ou de
inadimplemento (cláusula penal
compensatória).
29
Conceder à cláusula penal natureza acessória está em
consonância com a realidade do instituto. A cláusula penal não pode ser
vista como autônoma da obrigação principal.
27
MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, Vol. IV,
Editora Saraiva, 21ª. Edição, p.196.
28
PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Vol. II,
Editora Forense, 19ª. Edição, Rio de Janeiro, p. 93.
29
WALD, Arnaldo, Obrigações e Contratos, Editora Revista dos Tribunais,
14ª. Edição, p. 158.
39
Não pode ser vista como uma obrigação condicional
até porque o simples cumprimento defeituoso da obrigação não gera,
incondicionalmente, o direito a receber a cláusula penal. Há a necessidade
de verificação se o inadimplemento pode ser ou não imputado ao devedor.
Tampouco pode a cláusula penal ser vista como uma
promessa condicional. Como visto, o simples descumprimento da obrigação
não será suficiente para a aplicação da cláusula penal, será necessária a
verificação de fato imputável ao devedor. Não bastasse isto, a obrigação
efetiva é a ajustada na obrigação principal e não será dado ao devedor a
escolha de cumprir a obrigação principal ou a cláusula penal.
A cláusula penal é, portanto, uma obrigação, que pode
ser estabelecida através de um pacto entre as partes ou unilateralmente,
acessória à obrigação principal que poderá ser exigida nos casos de
inadimplemento latu sensu causado por fato imputável ao devedor.
2.2 FINALIDADE DA CLÁUSULA PENAL
A cláusula penal, de utilidade prática relevante, vem,
sistematicamente, sofrendo intervenções legislativas para que se possa
adequar aos dias atuais.
Com o decorrer do tempo e com as modificações
sofridas, a cláusula penal não foi esvaziada, pelo contrário, vem,
continuamente aumentando o seu campo de atuação, mas sempre
enquadrada nos valores estabelecidos pela sociedade contemporânea.
40
O mundo antigo e agrário tinha como principal fonte de
riqueza a propriedade imóvel e foi sendo substituído por uma realidade
absolutamente diferente. Nos dias atuais, as riquezas não estão baseadas
simplesmente na propriedade imóvel, pelo contrário, a principal forma de
circulação de riquezas emana do direito obrigacional.
As obrigações são, sem dúvida, a principal fonte de
trocas de riquezas e não se pode olvidar as vicissitudes das obrigações,
dentre elas a inexecução (latu sensu). Diante deste panorama, a cláusula
penal tem vital relevância para a segurança das relações obrigacionais e a
manutenção do sistema em que se baseia grande parcela das trocas de
riquezas, seja na esfera empresarial ou não.
A cláusula penal tem o seu papel destacado nas
avenças atuais. Vasta é discussão da finalidade da cláusula penal.
Diante da discussão sobre a finalidade da cláusula
penal, destacam-se quatro teorias: a) a teoria do reforço; b) teoria da pré-
avaliação; c) teoria da pena; e d) teoria eclética.
2.2.1 TEORIA DO REFORÇO
Para a teoria do reforço, a cláusula penal tem por
finalidade reforçar os vínculos obrigacionais existentes entre as partes. A
cláusula penal tem o escopo de garantir, coercitivamente, que o devedor irá
cumprir a obrigação que outrora assumiu.
41
POTHIER, tratando das obrigações penais, em seu
terceiro príncípio é taxativo: “a obrigação penal tem por objetivo garantir
a obrigação principal”
30
. Neste sentido, ainda continua o doutrinador:
É por isso que, quando ao estipular uma
determinada quantia em caso de
inexecução de uma primeira obrigação, a
intenção das partes foi que, caso isso
ocorra, tão logo o devedor seja posto em
mora de satisfazer a primeira obrigação,
já não deva outra coisa a não ser a
quantia combinada, porque tal
estipulação não é uma estipulação penal;
a obrigação daí resultante não é uma
obrigação penal, mas uma obrigação tão
principal quanto a primeira, cujas partes
tiveram intenção de fazer novação.
31
A finalidade da cláusula penal é forçar o cumprimento
da obrigação por parte do devedor, portanto, reforçar o vínculo obrigacional.
2.2.2 TEORIA DA PRÉ-AVALIAÇÃO
A cláusula penal, segundo a teoria da pré-avaliação,
apenas teria como finalidade a pré-avaliação do danos sofridos pela parte
inocente em razão do descumprimento da obrigação por parte do devedor.
30
POTHIER, op. cit., p. 298.
31
POTHIER, op. cit., p. 298.
42
A fixação da cláusula penal força o devedor
inadimplente a arcar com o valor avençado, independentemente de prejuízo
sofrido pelo credor. Portanto, o credor não encontra em suas mãos o ônus
de demonstrar eventuais prejuízos sofridos.
A cláusula penal gera em favor do credor a
possibilidade de fixar, antes do inadimplemento, valor razoável a título de
indenização pelo descumprimento.
Sobre a teoria da pré-fixação, imperioso destacar o
ensinado por ANTONIO PINTO MONTEIRO:
Assim, não considerando, por agora, a
doutrina de natureza mista, há que
entender, em primeiro lugar, à opinião
daqueles autores, para quem a natureza
indemnizatória, atribuída à cláusula
penal, corresponde à única função que
se reconhece a esta figura – pré-
avaliação da indemnização -, rejeitando,
por conseguinte, a função compulsiva da
pena. Ou seja, além de atribuir à cláusula
penal uma natureza indemnizatória,
recusa-se a tese da dupla função,
reduzindo o escopo da pena
exclusivamente, ao cálculo antecipado
do dano ressarcível.
32
E, ainda continua, ANTONIO PINTO MONTEIRO:
43
É esta a opinião sustentada,
recentemente, por LOKSAIER, para quem
‘a teoria da cláusula penal com função
puramente indemnizatória é a única que
poderá harmonizar-se com o direito
comum da responsabilidade contratual’.
Em conformidade com a sua recusa
expressa de uma qualquer função
cominatória, defende o autor que as
partes devem ‘proceder a uma avaliação
correcta do dano previsível’, pelo que, ‘a
fim de impedir o contraente
economicamente mais forte de desviar a
cláusula penal de sua função puramente
indemnizatória (...), o juiz deverá
controlar o montante da indemnização
conveniconal’.
33
A teoria da pré-fixação da indenização vislumbra na
cláusula penal apenas a sua vertente de indicar qual o valor devido para
caso de indenização pelo descumprimento, negando seja a cláusula penal
meio coercitivo para forçar o devedor a cumprir a sua função, ou ainda,
negando a característica penal convenção.
Sobre este aspecto da cláusula penal, o autor acima
mencionado redigiu sua tese de doutoramento pela Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra. Defende que a cláusula penal possui em seu bojo
o conteúdo indenizatório.
32
MONTEIRO, op. cit, p. 323/324.
33
MONTEIRO, op. cit., p. 323/324.
44
Necessário, neste ponto, citar a conclusão do trabalho
de ANTÔNIO PINTO MONTEIRO:
A dificuldade em separar a cláusula penal
de índole compulsória, mas em que a
pena substitui a indemnização, da
cláusula penal enquanto liquidação
antecipada do dano – e que levou,
tradicionalmente, à identificação entre
ambas, concebendo-se a pena, nos dois
casos como indenização predeterminada
–, ultapassámo-la, pela compreensão da
primeira no quadro de uma obrigação
como faculdade alternativa a parte
creditoris. Enquanto, neste caso, o
credor dispõe, para reagir contra o não
cumprimento, da faculdade de exigir uma
outra prestação, acordada a título
sancionatório, já no segundo caso,
porém, se limitará a ter de reclamar a
indmnização forfaitaire previamente
acordada. Esta última não constitui,
assim, uma nova sanção, ao lado das que
a ordem jurídica consagra, antes se trata,
tão-só apenas, da normal obrigação de
indemnizar, ainda que alterada, no
concerne ao seu montante e ao ónus da
prova, nos termos da convenção prévia.
34
Neste sentido, conclui o autor:
Eis, assim, para concluir, o essencial da
nossa proposta, em alternativa a posição
que, tradicionalmente, se vem
sufragando e repetindo: cláusula penal e
indemnização predeterminada não
constituem, sempre e necessariamente,
termos sinónimos, como sucede quando
a primeira é estipulada a título
34
MONTEIRO, op. cit., p. 760.
45
compulsório, ou seja, enquanto
específico mecanismo coercitivo ao
cumprimento; neste caso, a sua natureza
sancionatória impede que a
consideremos como forma de liquidação
prévia do quantum respondeatur.
35
Ainda neste sentido, MASSIMO BIANCA
36
, afirma que
a cláusula penal é o pacto que determina, preventivamente e
antecipadamente, o ressarcimento do dano em razão do retardamento ou
inadimplemento da obrigação.
O autor mencionado acima continua, informando que a
cláusula penal não tem por finalidade precípua o reforço do vínculo
negocial. No entanto, não nega que esta pré-fixação traga, intrinsecamente,
em seu bojo uma forma de pressionar o devedor a cumprir a prestação que
se obrigou.
Funzione della clausola penale è aquella
della liquidazione preventiva e forfettaria
del danno. Essa à infantti direta a fissare
preventivamente e vincolativamente
l’ammontare del risarcimento del danno.
La clausola penale fissa antecipatamente
l’amontare del danno evitando le
contestazioni del debitore e i tempi e i
consti della determinazione giudizile:
essa rende pertanto certo, pronto e
agevonele il rimedio del risarcimento.
35
MONTEIRO, op. cit., p. 760.
36
BIANCA, C. Massimo, Diritto Civile, Vol. V, Ed. Giuffrè, Milano, 1994, p.
221: “La clausola penale è Il patto Che determina in via preventiva e
forfettaria Il resarcimento del danno per il ritardo o PR l’inadempimento
dell’obligazione.
46
Sotto questi risguardo può dirsi Che La
clausola rafforza La posizione creditória.
Il rafforzamento del diritto di credito no
attiene ad una diversa, ulteriore funzione
della clausola ma è um vantaggio insito
nel fatto stesso della preventiva e
forfettaria liquidazione del danno.
37
A cláusula penal seria, portanto, a pré-fixação dos
danos causados pelo descumprimento da obrigação assumida pelo
devedor.
2.2.3 TEORIA DA PENA
A cláusula penal, para a teoria da pena, tem em seu
bojo a característica de uma pena devida pelo devedor ao credor em razão
do descumprimento da obrigação.
Sobre este aspecto, LIMONGI FRANÇA destaca:
Na Espanha, ainda na trilha de Trimarchi,
assim se manifestou Lobato: “Este
caráter penal é, a nosso ver, o essencial
da figura em estudo e o determinante da
sua própria natureza’. De onde
considerar que ‘para ser a verdadeira
cláusula penal, ou pena convencional,
deve supor, ainda em seu caráter
liquidatário prévio, um sacrifício material
37
BIANCA, C. Massimo, Diritto Civile, Vol. V, Ed. Giuffrè, Milano, 1994, p.
222.
47
ou econômico para a parte que
descumpre”.
38
Para a teoria da pena, a cláusula penal é uma efetiva
sanção a ser aplicada ao devedor, predominando a função penal do
instituto.
2.2.4 TEORIA ECLÉTICA
A doutrina contemporânea não concede apenas uma
finalidade à cláusula penal. Pelo contrário, reconhece neste instituto a sua
finalidade híbrida.
Necessário lembrar que a legislação pátria não trata, e
nem deveria tratar, da finalidade da cláusula penal. Destarte a fixação da
sua utilidade ficou por conta da doutrina.
A maioria da doutrina concede à cláusula penal dupla
função, de reforço e de pré-fixação de danos. Nesse sentido, destaca-se o
ensinado por MÚCIO CONTINENTINO:
Não obstante, a codificação pátria
inspirou-se na corrente doutrinaria que
38
FRANÇA, Rubens Limongi, Teoria e Prática da Cláusula Penal,
Editora Saraiva, São Paulo, 1988, p.150.
48
attribue à clausula as duas virtudes
accentuadas pela torrente dos
escriptores.
39
Ainda sobre este aspecto, ARNALDO WALD, também
verifica na cláusula sua dupla função:
A cláusula penal constitui uma medida
coercitiva ou intimidativa, funcionando
também como prefixação dos prejuízos
independentemente da prova que dos
mesmos for apresentada.
40
Também nessa esteira, sobre o direito português,
ANTUNES VARELA:
Conjugando a noção dado no preceito
legal com a real dimensão da figura e
com o sentido corrente da expressão,
pode dizer-se que a cláusula penal é a
estipulação pela qual as partes fixam o
objecto da indemnização exigível do
devedor que não cumpre, como sanção
contra a falta de cumprimento.
A cláusula penal é normalmente chamada
a exercer uma dupla função, no sistema
obrigacional.
Por um lado, a cláusula penal visa
constituir um reforço (um agravamento)
da indemnização devida pelo obrigado
faltoso, uma sanção calculadamente
superior à que resultaria da lei, para
39
CONTINENTINO, op. cit., p 30/31.
40
WALD, Arnaldo, Obrigações e Contratos, Editora Revista dos Tribunais,
14ª. Edição, p. 159.
49
estimular de modo especial o devedor ao
cumprimento. Por isso mesmo se lhe
chama penal – cláusula penal – ou pena
pena convencional.
(...)
Por outro lado, a cláusula penal visa
amiudadas vezes facilitar ao mesmo
tempo o cálculo da indemnização
exigível.
Analisando o direito argentino, KEMELMAJER DE
CARLUCCI, também verifica na cláusula penal a dupla função como
coerção e como pré-fixação da indenização.
Función ambivalente – Es hoy critério
predominante otorgar a la cláusula penal
ambas funciones: la de ser conminatoria
y además indemnizatoria. Esta tesis
intermédia fue brillantemente expuesta
por Hugueney, siguiendo el pensamiento
de Cosak y Crome, e incluso es
sostenida por ilustres romanistas. Para
algunos, ambas funciones son
igualmente importantes, em tanto que
otros hacen prevalecer uma sobre outra,
y no faltan quienes adviertem que las
diversas funciones aparecen em distintos
momentos.
41
PONTES DE MIRANDA, sobre o aspecto coercitivo,
com a lucidez que lhe é característica vislumbra na cláusula penal uma
41
CARLUCCI, Aída Kemelmajer, La Cláusula Penal, Ed. Depalma, Buenos
Aires, 1981, p. 7.
50
forma de “estimular devedor ao adimplemento do contrato, soem
estipular os credores que, em caso de infração do contrato, fique o
devedor com o dever de fazer outra prestação, que, de regra, é em
dinheiro”
42
.
O autor acima citado, acerca da pré-fixação do dano
em caso de infração contratual expõe:
Uma das funções mais prestantes da
cláusula penal é assentar a
indenizabilidade de danos no caso de ser
pecuniária, ou ser de difícil avaliação a
prestação prometida.
43
Dentro da teoria eclética, também há diferenciações.
Como visto, a maioria da doutrina se apóia na dupla função da cláusula
penal (coercitiva e indenizatória), no entanto, há aqueles que vislumbram
uma tríplice função na penal (coercitiva, indenizatória e de pena).
Neste sentido, importante verificar a tríplice função da
cláusula penal concedida por LIMONGI FRANÇA que entende a cláusula
penal com função de reforço do vínculo obrigacional; como pré-fixação dos
danos ressarcíveis; e ainda como uma pena devida pelo devedor
inadimplente.
42
MIRANDA, PONTES, Tratado de Direitos Privado, Tomo 26. Editora
Bookseller, 1ª. Edição, 2003, p. 87.
43
MIRANDA, op.cit,, p. 87.
51
A nosso ver, baseado nos ensinamentos
dos diversos autores das variadas
orientações expostas e, sobretudo, na
realidade da cláusula penal, enquanto
entidade dinâmica da vida sócio-jurídica,
ponderamos que a sua natureza
apresenta uma tríplice feição,
correspondente às três funções que
ordinariamente, e de modo simultâneo,
exerce em relação aos atos jurídicos a
que é adjecta.
44
Na mesma linha, continua LIMONGI FRANÇA:
Não constitui [a cláusula penal] apenas reforço da
obrigação, nem somente pré-avaliação dos
danos, nem, ainda que excepcionalmente, tão só
uma pena.
Reveste-se conjuntamente dessas três feições.
É reforço, porque efetivamente assume o caráter
de garantia da obrigação principal.
É pré-avaliação dos danos porque o seu
pagamento é compulsório, independentemente
de prova do prejuízo da inexecução ou da
execução inadequada. E ainda mesmo que não
haja prejuízo, o pagamento não deixa de ser
devido.
E, finalmente, é pena, na acepção lata do termo
(mas nem por isso menos técnica), porque
significa uma punição, infligida àquele que
transgride a ordem contratual e, via de
conseqüência, a própria ordem jurídica.
45
44
FRANÇA, op. cit.,p. 157.
45
FRANÇA, op.cit., p.157.
52
Limongi França reconhece na cláusula penal todas as
suas vertentes: como um reforço, como a pré-avaliação de danos e como
pena imposta em desfavor do devedor inadimplente.
Além das posições acima mencionadas, OROSIMBO
NONATO, aceita a dupla função da cláusula penal (coercitiva e
indenizatória), mas acrescenta uma nova finalidade: menciona que a
cláusula penal, além das funções já ditas, também permite conceder ao
credor ações que sem a cláusula penal, não existiriam.
A cláusula penal poderia conceder validade à
obrigação destituída de interesse econômico. Neste sentido, vale citar
OROSIMBO NONATO:
Aludimos, ainda, uma terceira vantagem
da cláusula penal. Em casos especiais,
ela readquire e ostenta a sua função no
primitivo direito romano: suscita ao
credor ação que, sem ela, não existiria.
Neste aspecto, especial, pode a cláusula
tornar válida obrigação destituída, em si
mesma, de interesse econômico, pode
patrimonializar esse interesse.
46
Esta nova função desenhada por OROSIMBO
NONATO não mais tem valor para o sistema jurídico atual. Não se pode
olvidar que a obra do referido autor é datada de 1959, destarte, com outras
regras processuais. Atualmente, a Constituição Federal afasta a
53
possibilidade de vedar o acesso ao judiciário e, até mesmo a obrigação
destituída de patrimonialidade (por mais que pareça um contra-senso
técnico) pode ser tutelada pelo Estado.
Apenas para contrapor o defendido por OROSIMBO
NONATO basta mencionar que o sistema processual civil busca ser efetivo
e através de recentes reformas introduziu a execução específica em seu
bojo – através dos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil. Não
há, pois, interesse nessa posição para os dias atuais.
A cláusula penal, ou pena convencional é utilizada
como forma de compelir o devedor a cumprir com a obrigação assumida, ou
ainda, pré-fixar o valor de indenização pelo inadimplemento – latu sensu
da obrigação principal.
Como visto, a cláusula penal, obrigação acessória por
natureza, está ligada intrinsecamente a uma obrigação principal e somente
terá eficácia no caso de descumprimento imputável ao devedor desta
obrigação vinculada.
Segundo OROSIMBO NONATO, a cláusula penal é
“disposição contratual ou testamentária que faz pesar no devedor
certa prestação quando for ele inadimplente ou moroso quanto à
obrigação principal”
47
.
46
NONATO, Orosimbo, Curso de Obrigações, Vol. II, Editora Forense, 1ª
edição, Rio de Janeiro, 1959, p. 317.
54
ANTONIO PINTO MONTEIRO:
A cláusula penal trata-se de uma
estipulação negocial em que qualquer
das partes, ou apenas uma delas apenas,
se obriga antecipadamente, perante a
outra, a efetuar certa prestação,
normalmente em dinheiro, em caso de
não cumprimento, ou de não
cumprimento perfeito (máxime, em
tempo), de determinada obrigação. Deve
o seu nome à stipulatio poenae do direito
romano.
48
Destarte, a cláusula penal é uma convenção acessória
à uma obrigação principal e será imposta em desfavor daquele que não
cumprir no todo ou em parte a obrigação principal, tendo por objeto uma
pena pecuniária ou qualquer bem economicamente estimável como uma
forma de compelir o devedor a cumprir adequadamente a sua obrigação, ou
ainda, pré-fixar o valor de indenização pelo inadimplemento. A cláusula
penal possui em seu bojo o conteúdo de coação para que o devedor se
sinta pressionado a cumprir a obrigação assumida, bem como é uma forma
de pré-fixação da indenização, isentando o credor das mazelas decorrentes
da necessidade de comprovar eventual dano.
2.2.5 DIREITO ANGLO-AMERICANO
47
NONATO, Orosimbo, Curso de Obrigações, Vol. II, Editora Forense, 1ª
edição, Rio de Janeiro, 1959, p. 305.
55
O Direito Anglo-Americano distingue a cláusula penal
em suas vertentes de pré-fixação da indenização e a o caráter coercitivo. Há
a distinção entre a penalty clause e damages clause.
Para o direito Anglo-americano a cláusula penal possui
dois escopos distintos, primeiramente, a penalty clause possui como
finalidade, forçar o devedor a cumprir a sua obrigação.
Para LORD DENEDIN, a penalty clause tem como
essencial o pagamento pecuniário estipulado como uma forma coercitiva em
desfavor do devedor
49
. Há a vertente de estipulação de indenização por
prejuízos, a damages clause que LORD DENEDIN define como tendo por
essência a liquidação dos prejuízos como genuína pré-fixação do prejuízo.
50
Existe, portanto, duas estipulações absolutamente
distintas derivadas da cláusula penal romana. O estudo anglo-americano
não traz muito significado para o sistema pátrio, todavia, curioso notar que é
vedada a estipulação de penalty clause.
Assim, no sistema anglo-americano, bastante
relevante destacar o interesse das partes. Neste sentido, ANTONIO PINTO
MONTEIRO:
48
MONTEIRO, op. cit., p. 44.
49
Definição clássica de Lord Dunedin, apud CHITTY, On Contracts, Vol. I,
Ed. London, p. 958. No original: “the essence of a penalty is a payment of
money stipulated as in terrorem of the offeding party”.
50
Definição clássica de Lord Dunedin, apud CHITTY, On Contracts, Vol. I,
Ed. London, p. 958. No original: “the essence of liquidated damages is a
genuine pre-estimate of damage”.
56
E começamos, justamente, pela distinção
tradicional do common law, em que se
diferencia a cláusula de índole
compulsória – penalty clause – da
cláusula com escopo meramente
indemnizatório: liquidated damages
clause.
Sempre que o credor procure compelir o
devedor ao cumprimento, a fim de
assegurar a realização da prestação,
estar-se-á perante a primeira; ao invés,
se o escopo das partes for, tão-só e
apenas, o de liquidar o dano, procurando
antecipadamente avaliar o seu montante,
tratar-se-á da segunda. Só esta é
permitida, por se entender que não cabe
às partes criar instrumentos de coerção,
que permitiriam ao credor aterrorizar – in
terrorem, é a expressão que se tornou
clássica – o devedor, compelindo-o ao
cumprimento.
51
Não se pode esquecer GINO GORLA
52
, que também
menciona ser nula a penalty clause.
Também sobre o direito anglo-americano, LIMONGI
FRANÇA diferencia a penalty clause da damages clause e cita como caso
clássico desta separação a demanda Dunlop Pneumatic Tyre Co. Ltd.
Contra New Garage and Motor Co. Ltd., datada de 1915. Este processo
trouxe a tona os critérios de diferenciação entre a penalty clause e a
damages clause e para LIMONGI são as seguintes:
51
MONTEIRO, op cit., p. 499.
52
GORLA, Gino, Il contratto; problemi fondamentali trattati com Il método
comparativo e casistico,Vol. 1, Milano, 1954, p. 438.
57
O fato de o pagamento ser descrito no
contrato como penalty ou como
liquidated damages é relevante, mas não
decisivo.
Será tomado como penalty, se a soma
estipulada foi extravagantemente maior
que o prejuízo que possa razoavelmente
seguir-se à infração.
Será ainda tomado como penalty, se a
infração consiste apenas em não pagar
uma soma em dinheiro, e a soma
estipulada é maior que a soma que deva
ter sido paga, ought to have been paid.
Há uma presunção (but not more) de que
é uma penalty quando ‘uma única soma
em conjunto se faz exeqüível... na
incidência de um ou mais ou todos de
vários fatos, alguns dos quais resultam
em prejuízo grave e outros em dano
insignificante’.
‘Não constitui obstáculo para que se
considere a soma estipulada uma
genuína pré-estimação de dano, fato de
as conseqüências da infração serem tais
que tornem a pré-estimação determinada
mesmo uma impossibilidade. Ao
contrário, é justamente a situação em
que é provável que o dano pré-estimado
foi o verdadeiro ajuste entre as partes’.
Assim, a discussão da finalidade da cláusula penal nos
sistemas derivados do direito romano não encontra respaldo ou fundamento
no sistema anglo-americano. Neste sistema, apenas poderá persistir a
finalidade de pré-fixação de danos, sendo a sua faceta coercitiva
considerada nula, caso seja contratada.
2.2.6 DIREITO ALEMÃO
58
No direito alemão, o estudo da distinção entre as
finalidades da cláusula penal é mais relevante, uma vez que o sistema
pátrio decorre do sistema romano-germânico.
O direito alemão também diferencia a cláusula penal
(Vertragsstrafe), regulada pelos §§ 339 a 345 do BGB. A Vertragsstrafe foi
regulada com a capacidade de desenvolver, ao mesmo tempo, a função de
pré-fixação de danos e pressionar o devedor a cumprir a obrigação.
A legislação alemã de ênfase à coercitividade, ficando
a pré-fixação em segundo plano.
Não havia, o legislador alemão, pensado a
Vertragsstrafe somente para a pré-fixação dos danos.
Na visão do legislador alemão, a cláusula penal
(Vertragsstrafe) tem ênfase no aspecto coercitivo. Portanto, sempre que
houver o interesse em fixar cláusula para pressionar o devedor a cumprir a
prestação, estar-se-ia perante a Vertragsstrafe. Sendo o interesse das
partes pressionar o cumprimento da prestação e, secundariamente, também
a pré-fixação da indenização, também seria tal disposição regulada como
cláusula penal (Vertragsstrafe) e, portanto, pelo BGB. ANTONIO PINTO
MONTEIRO explicita:
O Código alemão designa a cláusula
penal por Vertragsstrafe e regula-a no §§
339 a 345. O legislador concebeu-a como
59
figura susceptível de desempenhar uma
dupla função, coercitiva e indemnizatória,
embora colocando especial ênfase na
primeira. Todavia, a partir da década de
60, a jurisprudência alemã debateu-se
com um problema: seria de aplicar o
regime previsto no BGB, para a cláusula
penal, à cláusula em que se visasse,
somente, fixar o montante da
indemnização? A resposta para este
problema envolvia uma questão prévia: a
cláusula em que o escopo das partes
fosse, tão-só, o de proceder a uma
liquidação prévia do dano, não seria,
também ela, abrangida pelo conceito de
cláusula penal?
53
Os Tribunais alemães após inúmeros julgados
distanciaram a cláusula penal da estipulação, pura e simples, de pré-fixação
da indenização. A cláusula penal, como regulada pelo BGB tinha por
finalidade ser coercitiva, majoritariamente, mas poderia ser, também, uma
forma de pré-fixação da indenização.
A estipulação que visasse tão somente a pré-fixação
de indenização ficou denominada como Schadensersatzpauschalierung.
Dentre as decisões judiciais proferidas, ressaltasse a proferida pelo BGH
(Bundesgerichtshof) em 14 de janeiro de 1976, cuja a discussão residia na
responsabilidade do locatário pelos prejuízos sofridos por viatura alugada
(valor correspondente ao preço do trajeto de 100 km diários), sem que
houvesse a necessidade de comprovação de qualquer dano. O locador
pleiteou o pagamento de uma indenização por ser obrigado a deixar o
veículo parado por 22 (vinte e dois) dias.
53
MONTEIRO, op.cit., p. 54.
60
Na decisão judicial acima, foi consagrada a
Schadensersatzpauschalierung, com a possibilidade de fixação de cláusula
com a finalidade puramente indenizatória, mas não regulada pelo BGB e
com a possibilidade do causador do dano demonstrar que a soma fixada
pela contraparte proporcionaria uma vantagem indevida. A
Schadensersatzpauschalierung levaria à possibilidade de demonstrar a
ausência de dano, ou o excesso do valor pré-fixado, portanto, levaria aos
casos da inversão do ônus da prova.
Conclui-se, pois, que a Schadensersatzpauschalierung
não tem suas regras determinadas pelo BGB. Também sobre este assunto,
ANTONIO PINTO MONTEIRO:
Após alguma hesitação e controvérsia,
acabou por consolidar-se na
jurisprudência, com a intervenção do
Supremo Tribunal, a seguinte distinção:
sempre que o credor procure,
fundamentalmente, pressionar o devedor
ao cumprimento, ainda que destinando-
se a soma prefixada, ao mesmo tempo, a
indemnizá-lo, estar-se-á perante a
cláusula penal (Vertragsstrafe); se o
objectivo visado pelas partes for, tão-só,
o de liquidar antecipadamente o dano,
tratar-se-á de um acordo ‘sui generis’,
não regulado no Código, que passou a
designar-se por fixação antecipada e
invariável do montante da indemnização
(pauschalierter Schadensersatz). A esta
última figura não será de aplicar, em
princípio, o regime fixado no BGB para a
primeira.
A diferenciação entre a cláusula penal, de
um lado, e a cláusula de fixação
antecipada de indemnização, do outro –
diferenciação essa a que o Código
alemão não fora sensível, antes
61
parecendo negá-la aos sufragar a tese da
dupla função –, estava feita
O sistema alemão entende que a cláusula penal
possui por finalidade pressionar o devedor ao cumprimento da prestação.
Não obstante isto, acolheu ainda a cláusula penal com a dupla função –
indenizatória e coercitiva -, mas somente se buscasse, ao mesmo tempo, a
coerção e a pré-fixação da indenização.
Figura distinta da cláusula penal, para o sistema
alemão, seria estipulação de cláusula, exclusiva, para pré-fixar indenização.
Neste caso, não haveria que se falar em cláusula penal (Vertragsstrafe),
mas sim Schadensersatzpauschalierung.
2.3 MODALIDADES DA CLÁUSULA PENAL
Tradicionalmente, a doutrina aceita duas modalidades
de cláusula penal: a moratória e a compensatória. A primeira decorre do
cumprimento defeituoso da obrigação (mora); a segunda decorre do
inadimplemento absoluto da obrigação.
A cláusula penal moratória dá ensejo à execução
específica da prestação cumulada com o acréscimo da pena convencional.
Em contrapartida, a cláusula penal compensatória não permite a execução
específica da obrigação e o credor terá direito à indenização
convencionada.
62
Segundo MARIA HELENA DINIZ, as modalidades da
cláusula penal se caracterizam como compensatória e moratória. Neste
sentido, explica a autora:
1ª.) A compensatória, se estipulada: a) para a
hipótese de total inadimplemento da
obrigação, quando o credor, pelo Código
Civil, art. 410, poderá, ao recorrer às vias
judiciais, optar livremente entre a exigência
da cláusula penal e o adimplemento da
obrigação, visto que a cláusula penal se
converterá em alternativa em seu benefício. O
credor, ao optar, concentrará o vínculo, não
tendo mais direito de recuar, ante a
irretratabilidade de sua escolha; se esta, p.
ex., recair sobre a pena, desaparecerá a
prestação principal, embora o credor não
fique privado de receber as custas
processuais e as despesas com honorários
advocatícios (CPC, art. 20). Com isso, vedado
está acumular o recebimento de multa e o
cumprimento da obrigação; b) para garantir a
execução de alguma cláusula especial do
título obrigacional, possibilitando ao credor o
direito de exigir a satisfação da pena
cominada juntamente com o desempenho da
obrigação principal (CC, RT. 411; RT,
143:187).
2ª.) A moratória, se convencionada para o
caso de simples mora; ao credor então
assistirá o direito de demandar
cumulativamente a pena convencional e
aprestação principal (CC, 411).
54
54
DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva, 22ª.
edição, 2007, p. 420.
63
Também sobre este assunto J.M. DE CARVALHO
SANTOS:
Por outro lado, se é certo que o devedor
responde por perdas e danos não
somente quando deixa de cumprir a
obrigação, mas igualmente, quando deixa
de cumprir pelo modo e no tempo
devidos, impõe-se a dedução de que a
cláusula penal, que representa a
estimação prévia dessas perdas e danos,
poderá ser estipulada visando uma ou
outra hipótese. Pode referir-se ao não
cumprimento da obrigação, assim como
o pode apenas à não execução
satisfatória, exatamente como foi
ajustada, ou porque não se respeitou o
modo, ou porque não se observou o
tempo determinado.
O texto supra reproduz, fielmente, a
doutrina mais corrente, ao admitir que a
cláusula penal pode referir-se e ajustar-
se, tendo em vista uma destas duas
hipóteses:
a) da inexecução completa da obrigação;
b) da sua execução não satisfatória.
Daí sua divisão em cláusula penal
compensatória e moratória.
Compensatória é a cláusula penal
quando diz respeito à inexecução
completa da obrigação.
55
A cláusula penal compensatória tem lugar nos casos
de inadimplemento absoluto. Ora, havendo o inadimplemento absoluto, a
prestação não é mais útil para o credor, portanto, pode pleitear o valor da
55
SANTOS, J.M. de Carvalho, Código Civil Interpretado, Vol. XI, Livraria
Freitas Bastos S.A., 2ª. Edição, 1984.
64
cláusula penal fixada como forma de compensar o total descumprimento da
obrigação. Neste sentido, não parece correto que haja a possibilidade de
requerer o cumprimento da prestação e a cláusula penal compensatória.
Também sobre este aspecto MÚCIO CONTINENTINO:
Ao definir a cláusula penal, vimos que
ella, adherindo ao contracto, ao acto
susceptível de sua accessão, póde
referir-se a todo elle, parte delle ou
simplesmente à mora. É o que estatue o
art. 917 do código civil: ‘A cláusula penal
póde referir-se á execução completa da
obrigação, a alguma cláusula especial,
ou, simplesmente á mora’
56
.
Em comentário a este artigo, diz CLOVIS
BEVILAQUA:
Sendo um modo de actuar no animo do
devedor, para cumprir com exatidão e
pontualidade, a clausula penal visará o
ponto de maior interesse para o credor
que a estipula.(...)
Dividindo-se a pena em compensatória e
moratória, expressões empregadas por
56
Atual art. 409, do Código Civil, com a seguinte redação: “A cláusula
penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior,
pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula
especial ou simplesmente à mora”.
65
DEMOLOMBE e adoptadas pela doutrina,
dahi resultam effeitos diversos.
No caso concreto não é tarefa simples a distinção
entre a cláusula penal compensatória e a moratória, mas a sua distinção é
bastante relevante, uma vez que, somente com esta verificação, poderá ser
permitido, ou não, ao credor exigir a prestação principal acrescida da pena
convencional.
Com o escopo de espancar as dúvidas práticas, a
doutrina vem tentando criar formas de distinção entre as modalidades da
cláusula penal. Caso as partes, ao contratar, mencionem qual a modalidade
desejado, não haverá discussões.
Por outra banda, no caso de omissão da estipulação
entre as partes sobre a natureza da cláusula penal, a doutrina parece
concordar que a cláusula penal compensatória, pela sua própria natureza, é
fixada em patamares superiores à cláusula penal moratória.
Na mesma esteira, PONTES DE MIRANDA cita
decisão do Tribunal de Apelação de São Paulo de 28 de março de 1944 (RT
149/681):
Para se saber se a cláusula é
compensatória, ou não, só se invoca o
66
art. 918 [atual 411] se não há dados que
decidam, ainda que não explicitamente
(2ª. Câmara Civil do Tribunal de Apelação
de São Paulo, 28 de março de 1944, RT
149/681: ‘Para se saber se a cláusula
penal prevê multa compensatória ou
moratória, deve-se ter em vista a
intenção das partes e o fim por elas
visado. De regra, é sempre elevada a
multa compensatória, para exercer a sua
dupla função: meio coercitivo para
assegurar o cumprimento da obrigação e
prévia fixação das perdas e danos’.
57
ARNALDO WALD, busca diferenciar a cláusula penal
compensatória da moratória através de regras de presunção:
A cláusula penal é moratória quando se
aplica em virtude de mora do devedor e
sem prejuízo da exigência da prestação
principal. Por exemplo, num contrato de
locação, existe cláusula penal
determinando que o locatário, atrasado
no pagamento dos aluguéis, será
obrigado a pagar, além do débito, a título
de multa, 10% sobre o mesmo.
Outras vezes, a cláusula penal se aplica
no caso de infração do contrato,
podendo substituir-se às perdas e danos,
funcionando como verdadeira cláusula
compensatória, ou acrescer-se às
mesmas, como complemento pela
infração contratual. No silêncio do
contrato, entende-se que no caso de
inadimplemento, e não de mora, a
cláusula penal é compensatória e não
57
MIRANDA, op. cit., p. 95.
67
representa um acréscimo às perdas e
danos.
58
Não parece correta a regra de presunção proposta por
ARNALDO WALD, não há qualquer embasamento, tanto fático, como
jurídico, para presumir que, no caso de silêncio, as partes optaram somente
pela cláusula compensatória. Ora, correto será analisar e interpretar as
cláusulas contratuais como um corpo de regras homogêneo para se tentar
descobrir qual o interesse dos contratantes. Regras simples de presunção,
como a citada acima, formam campo fértil para injustiças.
Além da classificação clássica da cláusula penal entre
moratória e compensatória, relevante destacar a classificação construída
por RUBENS LIMONGI FRANÇA.
2.3.1 DA CLASSIFICAÇÃO DE LIMONGI FRANÇA
Rubens Limongi de França, em sua obra Teoria e
Prática da Cláusula Penal, traz um estudo extenso sobre a classificação do
instituto em apreço.
Primeiramente, há a utilização de 08 (oito) critérios
para classificar a cláusula penal: 1) da Juridicidade; 2) da esfera do direito a
que a cláusula penal pertence; 3) do diploma onde se consagra; 4) da
58
WALD, Arnaldo, Obrigações e Contratos, Editora Revista dos Tribunais,
14ª. Edição, p. 160.
68
propriedade; 5) da origem; 6) do instrumento; 7) da extensão; e 8) da
função.
59
Neste passo, verificar-se-á os critérios individualmente,
bem como seus desdobramentos e justificativas pela ótica de Limongi
França.
O critério da juridicidade subdivide a cláusula penal em
a) legal, estando conforme a lei; b) ilegal, contrária à lei; e c) imoral,
“contrária aos princípios éticos e aos bons costumes”. Limongi França
justifica este critério com base no texto das Partidas e nas Ordenações de
D. Felipe
60
O segundo critério utilizado – da esfera do direito a
que a cláusula pertence - classifica a cláusula penal como de a) Direito
Privado, comumente utilizada entre particulares; b) Direito Público, opostas
geralmente em contratos administrativos; e c) Direito Social, utilizadas para
proteger aqueles que estejam em posição economicamente desfavorável.
O terceiro critério – do diploma onde consagra – indica
que a cláusula penal pode ser regulada: a) pelo Código Civil; e b) por outros
diplomas. A justificativa desta distinção reside nas “exigências da
interpretação sistemática”.
59
FRANÇA, op. cit., , 123/138.
60
“Ao seu turno, rezam as Ordenações de D. Felipe: ‘Outrosi se em algum
contracto torpe for posta pena, ou em, outro, que segundo razão natural
não se pode cumprir, não se pode levar nem demandar tal pena’.
Se já o texto das Partidas justificava a diversificação da pena em legal e
ilegal, por sua vez, o das Ordenações embasa a especificação da pena
69
O quarto critério – da propriedade – subdivide a
cláusula penal em a) propriamente considerada; e b) impropriamente
consideradas que se refere à multa penitencial.
O quinto critério – da origem – decompõe o instituto
em a) legal, oriunda da lei; b) judicial, fixado em ato realizado em juízo; e c)
voluntária, decorrente da vontade dos sujeitos ou da vontade do sujeito.
Sobre este critério, interessante a análise da cláusula convencional feita
pelo autor. Não se pode confundir pena voluntária com pena convencional.
Na realidade, esta é uma espécie do gênero pena voluntária. A pena
voluntária pode ser extra-convencional, como nos casos de declarações
unilaterais de vontade e legados, dentre outros.
O sexto critério – do instrumento – divide a cláusula
penal em a) clausular, elaborada no corpo do próprio instrumento principal;
e b) autônoma, formulada em instrumento apartado. A autonomia é apenas
formal, uma vez que continua vinculada materialmente ao negócio principal.
O sétimo critério – da extensão – informa que a
cláusula penal pode ser a) ampla, para caso de total inadimplemento da
obrigação; e b) específica, para o caso de mora ou segurança do
cumprimento de cláusula determinada.
O oitavo critério - da função – disciplina que a cláusula
penal poderá ser a) punitiva; b) liberatória; e c) compensatória.
imoral, que no caso previsto, é aquela imposta para garantir contrato
70
A cláusula punitiva tem por finalidade estabelecer uma
pena para caso de inadimplemento.
A cláusula liberatória, ou penitencial é caracterizada
pela liberação do devedor ao cumprimento da obrigação principal com o
pagamento da pena. É a cláusula penal impropriamente considerada.
A cláusula penal compensatória toda aquela que não
for punitiva ou liberatória.
A cláusula penal compensatória pode ser alternativa
ou cumulativa. A alternativa concede ao credor a escolha de exigi-la em
lugar da obrigação principal. A cumulativa permite que o credor a faculdade
de exigi-la em conjunto com a obrigação principal.
A cláusula penal compensatória pode ainda ser
integral ou parcial, esta compensa as perdas até um determinado alcance,
aquela tem por função compensar a totalidade das perdas e danos.
O estudo da cláusula penal está intrinsecamente
ligado ao inadimplemento absoluto e à mora, portanto, imprescindível a
verificação destes institutos com uma breve análise das obrigações.
torpe.”
71
2.4 DA FORMA DA CLÁUSULA PENAL
A cláusula penal é acessória à avença principal, por
conseguinte, a sua forma vai ser aquela dada ao contrato principal.
A cláusula penal, portanto, por ser pacto acessório,
seguirá a forma do pacto principal. Segundo PONTES DE MIRANDA
61
, “à
cláusula penal exige-se a mesma forma que à dívida principal”.
Também, segundo MÚCIO CONTINENTINO, tratando
da cláusula, penal afirma: “sua estipulação não depende de formulas
sacramentaes”
62
.
Sobre a forma da cláusula penal, cita-se o dito por
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO:
Não se exige, para seu estabelecimento,
emprego das expressões tradicionais
(cláusula penal, pena convencional ou
multa). Ela existe e produz seus efeitos,
desde que os interessados se sirvam
desses e de outros termos
equivalentes.
63
61
MIRANDA, op. cit., p. 92.
62
CONTINENTINO, Múcio, Da Cláusula Penal no Direito Brasileiro,
Saraiva & Comp. – Editores, São Paulo, 1926, p. 166.
63
MONTEIRO, Washington de Barro, Curso de Direito Civil – Direito das
Obrigações, Vol. IV, Editora Saraiva, 32ª. edição, São Paulo, 2003, p. 336.
72
Evidente que a cláusula penal deverá seguir a forma
do contrato principal, todavia, poderá ser estipulada tanto no momento do
contrato, como após o contrato.
A cláusula penal pode ser estipulada no momento em
que é realizado o contrato principal ou em momento posterior.
Independentemente do momento em que a cláusula
penal é estipulada, não perderá sua natureza acessória e, seguirá a
máxima: o acessório segue o principal.
MÚCIO CONTINETINO informa que a cláusula penal
pode ser instituída tanto no momento da realização do contrato ou
posteriormente a sua realização. Não haverá distinção entre elas,
independentemente do momento em que as partes a avençarem.
Já foi dito que a clausula penal pode ser
estipulada em dois momentos:
concomitantemente com a obrigação
principal, ou em acto posterior. É isso
mesmo que vem expressamente esatuido
no art. 916 [primeira parte do art. 409 do
atual Código Civil] do código civil. Em
qualquer hypothese, tem a mesma
natureza e lhe cabe a mesma
denominação: - clausula penal ou pena
convencional.
64
64
CONTINENTINO, op. cit, p. 67.
73
No entanto, LIMONGI FRANÇA não concorda com a
posição acima mencionada. Para LIMONGI, há a possibilidade de entabular
a cláusula penal tanto no momento da avença como posteriormente e faz
um grande esforço para tentar demonstrar que a natureza do instituto seria
alterada de acordo com o momento da sua confecção. Abaixo seguem os
motivos da discordância:
Primeiro: é o próprio art. 916 [atual 409
do Código Civil] quem sugere a
distinção. Portanto, no mínimo, trata-se
de uma distinção dogmática, que
interessa à análise jurídica.
Segundo: desta análise decorrem
conseqüências as mais diversas e
imprevisíveis, bastando citar a que se
relaciona com o fato de a nulidade da
obrigação acarretar a da cláusula, não
sendo verdadeira a recíproca.
65
Não merece ser acolhido este posicionamento, a lei
não distingue a cláusula penal estipulada no corpo do pacto principal da
cláusula estipulada posteriormente, pelo contrário, permite tanto em um
caso, como em outro. Refuta-se também o argumento de diferenciar as
conseqüências das figuras mencionadas. Tanto assim, que o doutrinador
acima, chama de conseqüências distintas apenas a decorrência lógica do
preceito já mencionado: “o acessório segue o principal”, já o inverso não é
verdadeiro.
Não é vislumbrada qualquer distinção legal pela
análise do momento de formação da cláusula penal. Para demonstrar que a
65
FRANÇA, op. cit., p. 176.
74
discordância não encontra guarida, basta verificar a conclusão do próprio
LIMONGI.
Por outro lado, diante da terminologia
largamente utilizada em nosso Direito –
na legislação, na Jurisprudência e na
Doutrina – não vemos necessidade de
dar nomes diferentes a tais espécies
[cláusula penal fixada no pacto e
cláusula penal fixada posteriormente], de
modo a se chamar cláusula penal a
estipulada conjuntamente e pena
convencional a consubstanciada em ato
à parte.
Embora a distinção tenha razão de ser,
levar-nos-ia a um tecnicismo
desarraigado da realidade cotidiana do
assunto.
66
Conforme visto, LIMONGI FRANÇA ainda considera
clausular a cláusula penal estipulada no corpo da própria avença principal e
será autônoma a estipulada posteriormente.
A cláusula penal deverá, pois, ter a forma da avença
principal e poderá ser estipulada tanto no momento da formação da
obrigação principal como posteriormente. A natureza da cláusula penal será
mantida, independentemente do momento de sua formação.
66
FRANÇA, op. cit., p. 176.
75
CAPÍTULO 3
DAS OBRIGAÇÕES
O presente trabalho se concentra no estudo da
cláusula penal, pacto acessório aos contratos para pressionar o
cumprimento das obrigações, ou, ainda, para pré-fixar indenização pelo
inadimplemento (latu sensu) das obrigações assumidas pelas partes.
A cláusula penal tem lugar nos casos de
inadimplemento contratual. Portanto, essencial para o estudo a verificação
dos casos de inexecução das obrigações. Importante diferenciar mora de
inadimplemento absoluto – lembrar que a cláusula penal compensatória é
aplicada em caso de inadimplemento absoluto e a cláusula pena moratória,
no caso de mora.
A ligação entre a cláusula penal e a inexecução das
obrigações é visceral.
Não é por acaso que o Código Civil de 2002 traz a
cláusula penal no Livro I, do Título IV, como uma das conseqüências do
inadimplemento das obrigações.
76
Não poderia ser furtado o estudo das obrigações, seu
inadimplemento latu sensu para entender a estrutura e a relevância da
cláusula penal.
A verificação da estrutura da obrigação, a sua
extinção natural e as formas de sua patologia no momento da sua
execução, seja pelo inadimplemento absoluto ou pela mora, são essenciais
para entender a cláusula penal.
ANTUNES VARELA conceitua, tecnicamente,
obrigação como uma “relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais)
pessoa(s) pode(m) exigir de outra (ou outras) a realização de uma
prestação”
67
.
Relevante mencionar CLOVIS BEVILAQUA.
Hoje, ainda a obrigação é um vínculo que
prende duas ou mais pessôas entre si,
no intuito de aliquid dare vel facere; mas,
como bem pondera Pietro Cogliolo,
essas pessoas não são somente aquellas
que contrahiram, mas quaesquer que
lhes hajam tomado o logar. As pessoas,
entre as quaes existe o vínculo, são
genéricas, não individuaes, e, por isso, a
obrigação vive independente dellas.
68
67
VARELA, op. cit, p. 351.
68
BEVILAQUA, Clovis, Direito das obrigações, Ed. Officina Dois
Mundos, Rio de Janeiro, 1896, p.7.
77
A obrigação é o vínculo jurídico que concede ao
credor a possibilidade de exigir do devedor o cumprimento de uma
prestação.
3.1 DOS ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO
Acerca dos elementos que compõe a obrigação,
importante verificar a lição de ORLANDO GOMES
69
que estrutura a
obrigação pelo vínculo entre dois sujeitos, para que um deles satisfaça, em
proveito do outro, certa prestação.
Há na obrigação, pois, o vínculo obrigacional; os
sujeitos (credor e devedor); e a prestação.
Como elemento subjetivo têm-se os sujeitos da
relação obrigacional.
O credor é o sujeito ativo da relação, aquele que pode
submeter o devedor ao cumprimento de determinada prestação.
69
GOMES, Orlando, Obrigações, 16ª. Edição, Rio de Janeiro, Forense,
2004, p.33.
78
O credor, sujeito ativo da relação
obrigacional, é o titular do direito de
crédito, ou seja, é o detentor do poder de
exigir, em caso de inadimplemento, o
cumprimento coercitivo (judicial) da
prestação pactuada.
70
Em contrapartida, como elemento passivo da relação
há o devedor, será sujeitado ao cumprimento da prestação que se obrigara.
Importante lembrar que os sujeitos deverão ser
determinados ou determináveis para que se possa considerar a relação
jurídica.
Todavia, haverá casos em que poderá ocorrer a
indeterminação subjetiva na relação obrigacional.
A indeterminabilidade poderá ser ativa ou passiva.
Acerca da indeterminabilidade ativa esclarecem PABLO STOLZE
GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO:
Para que se possa reconhecer a
existência jurídica da obrigação, os
sujeitos da relação – credor e devedor -,
que tanto pode, ser pessoas físicas como
jurídicas, devem ser determinados, ou,
ao menos, determináveis.(...)
70
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona, Novo Curso de
Direito Civil. 2ª. Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2003.
79
Entretanto, poderá haver indeterminação
subjetiva na relação obrigacional
quando, por exemplo, um devedor assina
um cheque ao portador, não sabendo
quem irá recebê-lo no banco, pois a
cambial pode circular na praça, restando,
momentaneamente, indeterminado o
sujeito ativo, credor do valor nele
consignado (Álvaro Villaça Azevedo,
Teoria Geral das Obrigações, 8ª. Edição,
São Paulo: RT, 2000, p. 34). É também o
caso da promessa de recompensa feita
ao público (arts. 854 do CC-02, e 1.512 do
CC-16). Tratam-se de hipóteses em que
indeterminabilidade subjetiva ativa da
obrigação.
71
Segundo ALVES MOREIRA:
atualmente no direito comercial é que se
acham reguladas principalmente as
obrigações em que há a indeterminação
do sujeito ativo, o que se dá
especialmente nas obrigações
representadas por títulos de crédito que,
como as letras, ações e obrigações de
bancos e companhias, os cheques, as
notas de haver, os bilhetes de teatro e de
caminhos de ferro, dão à pessoa que
satisfaça as condições mencionadas no
título ou dependente da natureza dêste,
direito à prestação nele especificada.
72
71
GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, op. cit., p. 356.
72
ALVES MOREIRA, apud NONATO, Orosimbo, Curso de Obrigações,
Vol I, 1ª. Edição, Rio de Janeiro, Forense, 1959, p. 55.
80
No bojo da obrigação se verifica o elemento objetivo
que é a prestação.
Ao passo que o direito real possui como objeto a
coisa, no âmbito das obrigações é a prestação o objeto.
A prestação pode ser uma ação ou uma omissão com
caráter de patrimonialidade, ou seja, com valor economicamente auferível.
Neste sentido esclarece ORLANDO GOMES:
Nem toda ação juridicamente devida
constitui prestação no restrito sentido do
termo. Importa que a obrigação, da qual
seja objeto, tenha caráter patrimonial.
73
A prestação poderá consistir em uma omissão ou em
uma ação. Ou em uma prestação positiva ou negativa.
O credor pode estar obrigado a realizar certa
atividade, ou ainda, pode estar obrigado a se abster de realizar certo ato.
Portanto, poderá haver obrigação de fazer ou de não
fazer. ANTUNES VARELA esclarece que:
73
GOMES, Orlando, Obrigações, 16ª. Edição, Rio de Janeiro, Forense,
2004, p.209.
81
A prestação que constitui objecto da
obrigação consiste as mais das vezes
numa acção, numa actividade, numa
conduta de sinal positivo (entregar uma
quantia – comprador, inquilino; restituir
uma coisa – mutuário, comodatário;
prestar uma informação – consultor
técnico ou jurídico; representar alguém
num processo – mandatário judicial;
pintar um quadro; realizar uma obra –
empreiteiro). Mas pode também traduzir-
se numa inabstenção, numa omissão ou,
como diziam os romanos, num non
facere (não exercer certo ramo de
actividade em determinada localidade,
para não fazer concorrência a outrem, ;
não comprar certo produto senão a
determinada empresa ou não vender
certa mercadoria, dentro de determinada
área, senão a um revendedor – contratos
de exclusivo; não revelar certo segredo
de fabricação; não se opor a que outrem
cace na sua coutada; etc). Por isso, em
lugar de se dizer que a prestação
consiste numa acção ou certa actividade
do devedor, é mais correto afirmar que a
prestação se traduz em certo
comportamento ou conduta do
obrigado.
74
Têm-se, portanto a prestação como elemento objetivo
da obrigação. Há também na obrigação o vínculo que envolve o credor e o
devedor.
É um vínculo de natureza pessoal e a
responsabilidade do devedor se transforma em responsabilidade patrimonial
no caso de inadimplemento da obrigação assumida.
74
VARELA, op.cit.
82
O credor vai ter no patrimônio do devedor a garantia
de seu direito.
3.2 DAS FONTES DAS OBRIGAÇÕES
O direito das obrigações, assim como o direito de
forma geral, acaba por acompanhar a evolução da sociedade.
Neste tópico, curioso verificar que POTHIER elenca
como fonte das obrigações o contrato, o quase contrato, o delito, o quase
delito e a lei.
Denomina o quase contrato como “ato de uma
pessoa, permitido por lei, que a obriga para com outra ou obriga outra
pessoa para com ela, sem que entre elas intervenha convenção
alguma”
75
.
Continua acerca do delito e do quase delito:
Os delitos são a terceira causa das
obrigações, e os quase-delitos, a quarta.
75
POTHIER, Robert Joseph, Tratado das Obrigações, Servanda,
Campinas 2003, p. 55.
83
Chama-se delito ato pelo qual uma
pessoa, por dolo ou maldade, causa
perda ou dano a outra.
O quase-delito é ato pelo qual pessoa,
sem maldade mas por uma imprudência
que não seja desculpável, causa algum
dano a outro.
Os delitos ou quase-delitos diferem dos
quase-contratos, no sentido de que o ato
do qual resulta o quase-contrato é um
ato permitido pelas leis, ao passo que o
ato que produz o delito ou quase-delito é
um ato penal.
76
POTHIER ainda ensina que a lei é fonte de
obrigações, pois “há obrigações que possuem como causa, única e
imediata a lei”
77
.
Estas também são as fontes das obrigações
mencionadas por CLÓVIS BEVILAQUA:
Segundo a theoria geralmente acceita, se
podem distribuir em quatro categorias as
causas efficientes, as fontes geradoras
das obrigações: o contracto, o quase
contracto, o delicto e o quase delicto.
78
Todavia, CLÓVIS acrescenta que “é preciso que
accrescentemos a essas fontes clássicas, não deixando no vago das
76
POTHIER, Robert Joseph, Tratado das Obrigações, Servanda,
Campinas 2003, p. 55.
77
POTHIER, op. cit., 55.
78
BEVILAQUA, op. cit., 33.
84
outra figuras de causas, a vontade unilateral, sem dúvida genetriz
fecunda de obrigações.”
79
E, por fim, conclui CLÓVIS, “assim direi que as
fontes das obrigações econômicas se reduzem a quatro figuras
principaes: o contracto, o chamado quase contracto, actos illicitos e a
vontade unilateral”
80
.
Em contrapartida, ANTUNES VARELA, em obra
contemporânea ensina:
Diz-se fonte da obrigação o facto jurídico
de onde nasce o vínculo obrigacional.
Trata-se da realidade sub espécie iuris
que dá vida à relação creditória: o
contrato (ou seja, a compra, a locação, a
sociedade, etc.), o negócio jurídico
unilateral (v. gr., o testamento, a
anulação, a resolução ou a revogação
unilateral do contrato), o facto ilícito (o
homicídio, a ofensa corporal, a injúria) ou
lícito donde nasce a obrigação.
81
Evidente que o estudo acerca das fontes das
obrigações teve sua evolução conforme foi sendo modernizado o próprio
entendimento das obrigações.
79
BEVILAQUA, op. cit. 33.
80
BEVILAQUA, op. cit., 36
81
VARELA, op. cit.
85
3.3 NOVA ÓTICA DAS OBRIGAÇÕES
O estudo clássico das obrigações tendia a explanar
que apenas o credor era um pólo de direitos e o devedor tão somente pólo
de deveres.
As obrigações eram apenas analisadas sob a ótica do
credor, como senhor de todos os direitos da relação com poderes
extremados para submeter o devedor aos seus direitos.
Ao assumir obrigações em favor do credor, o devedor
possui a sua liberdade restringida, deve cumprir aquilo que restou obrigado.
Todavia, a relação obrigacional não pode ser
resumida na sujeição do devedor. As partes envolvidas na relação
obrigacional devem cooperar para o fim comum da obrigação que é a
satisfação do credor com o cumprimento da prestação.
RENAN LOTUFO traz à baila o novo espírito do
estudo do direito das obrigações, inserido em um moderno contexto social:
86
No estudo das obrigações não se vê
exclusivamente a figura proeminente do
credor, posto que se está diante de uma
relação jurídica entre dois sujeitos de
igual valor. Assim, não se pode admitir a
visão de prisão pelo vínculo, mas a idéia
de que a liberdade do devedor que é
fundamento, como já antevisto por
Carnelutti, pois a liberdade é que ficou
afetada pela relação obrigacional
nascida, relação que, com o
adimplemento pelo devedor, vai ser
dissolvida, e a plenitude da liberdade
juridicamente garantida restabelecida
para quem a conquistou por sua própria
atividade.
82
E, continua a explicar acerca da visão das obrigações:
O contrato, que é fonte voluntária das
obrigações, torna-se um instrumento da
cooperação entre as pessoas, que, no
âmbito do sinalagma e da
comutatividade, há que preservar a
igualdade dos sacrifícios, que, se não
decorrer da colaboração conjunta dos
que participam da avença, será por força
da lei que busca a concretização dos
princípios fundamentais.
83
Inserido neste contexto, as obrigações devem ser
estudadas como uma relação complexa, como um processo.
82
LOTUFO, Renan, Código Civil Comentado, Vol II, Editora Saraiva,
São Paulo, 2003.
83
LOTUFO, Renan, Código Civil Comentado, Vol II, Editora Saraiva,
São Paulo, 2003.
87
A obrigação deve ser encarada como um processo
com o escopo de satisfação da prestação. A obrigação deve ser encarada
como um todo, sendo que credor e devedor não mais ocupam posições de
antagonistas, pelo contrário, devem cooperar para a satisfação da
prestação.
A obrigação deve ser encarada como uma
complexidade de fases com dinamismo interno para o cumprimento da
prestação.
Este é o ensinamento que se depreende do explanado
por CLOVIS V. DO COUTO E SILVA:
K. Larenz chegou mesmo a definir a
obrigação como um processo, embora
no curso de sua exposição não se tenha
utilizado, explicitamente, desse conceito.
A obrigação, vista como processo,
compõe-se, em sentido largo, do
conjunto de atividades necessárias à
satisfação do interesse do credor.
Dogmaticamente, contudo, é
indispensável distinguir os planos em
que se desenvolve e se adimple a
obrigação.
Os atos praticados pelo devedor, bem
assim como os realizados pelo credor,
repercutem no mundo jurídico, nele
ingressam e são dispostos e
classificados segundo uma ordem,
atendendo-se aos conceitos elaborados
pela teoria do direito. Esses atos,
88
evidentemente, tendem a um fim. E é
precisamente a finalidade que determina
a concepção da obrigação como
processo.
84
A obrigação deverá ser analisada como fases em que
atuarão tanto o credor como o devedor, em cooperação, com a finalidade de
extinguir a obrigação de maneira natural, ou seja, através da satisfação da
prestação.
Também neste momento, apropriado mencionar os
deveres laterais que cercam as obrigações, ou seja, dever de informação,
boa-fé e cooperação.
Patente que o direito obrigacional deve sempre buscar
a satisfação da prestação e as partes envolvidas devem atuar neste sentido.
3.4 MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES
Em razão do estudo realizado, importante mencionar
as diferentes modalidades das obrigações.
84
SILVA, Clovis V. do Couto e, A obrigação como processo, São Paulo,
Bushatsky, 1976
89
O próprio Código Civil brasileiro, tendo o objeto como
critério, divide como modalidades das obrigações: de dar; de fazer; e de não
fazer.
As obrigações de fazer e de dar pertencem à
categoria das prestações positivas, já as obrigações de não fazer pertencem
à categoria de prestações negativas.
As obrigações de fazer são aquelas que possuem
como característica a realização de certo ato que poderá ser pessoal
(prestação não fungível) ou executável por qualquer pessoa (prestação
fungível).
As obrigações de dar consistem na entrega de
determinado bem que poderá ser certo ou incerto.
O que distingue, pois, as obrigações de fazer das
obrigações de dar é o interesse do credor, naqueles casos o credor deseja a
realização de um ato e neste o que interessa é a entrega de determinada
coisa.
90
As obrigações de não fazer são aquelas consideradas
negativas, pois o devedor deve se abster da realização de determinado ato.
As obrigações de não fazer possuem como escopo
proibir o devedor de realizar determinado ato que poderia ser realizado se
não estivesse proibido de praticá-lo.
3.5 DO ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
Como analisado, as obrigações depois de originadas,
sejam na categoria positiva ou negativa, possuem dinamismo próprio, que
seguem um processo com a finalidade da satisfação da prestação.
As obrigações podem ser consideradas como um
corpo orgânico com nascimento apoiado em uma de suas fontes e a
vida/vigência considerada como um processo e sempre tendente a ser
extinta por uma das formas de adimplemento.
O Código Civil disciplina as formas de adimplemento e
extinção das obrigações.
91
Apoiados na legislação pátria, são formas de
adimplemento e de extinção das obrigações o pagamento; o pagamento em
consignação; o pagamento em subrogação; a imputação em pagamento; a
dação em pagamento; a novação; a compensação; a confusão; e a
remissão de dívidas.
Não parece oportuno dissecar cada uma das formas
de pagamento e extinção das obrigações em razão da finalidade do
presente estudo, no entanto, imperioso destacar que a legislação pátria trata
da matéria acerca do adimplemento das obrigações e regula as suas
modalidades.
Destarte, o caminho natural a ser percorrido pelo
direito obrigacional é a formação da relação obrigacional com o credor no
pólo ativo e o devedor no pólo passivo em cooperação mútua para o
adimplemento da prestação.
Este é percurso natural.
Interessa ao Estado que as obrigações sejam
cumpridas como originalmente estipuladas. Ressalta-se que a principal
fonte de circulação de riquezas é formada pelas obrigações. Está no
passado a sociedade que se apoiava tão somente na propriedade imóvel.
É interessante para a sociedade, como um todo, que
haja a circulação de riquezas, que a economia seja fomentada. O
cumprimento natural das obrigações é um desejo de toda a sociedade.
92
Todavia, o sistema jurídico deve ser cauteloso e
também prever situações em que as obrigações não sejam cumpridas como
originalmente estipuladas. São os caso de ocorrência de patologia no
cumprimento das obrigações.
O contratante deve ter a possibilidade de garantir o
cumprimento específico da obrigação e, caso isto não seja possível, deve,
pelo menos alcançar uma indenização pelo descumprimento da prestação
desejada, pela expectativa frustrada.
A cláusula penal vem exatamente auxiliar na
segurança do cumprimento das obrigações ou na facilitação de fixação de
indenização.
O capítulo a seguir será de extrema relevância para a
análise da inexecução das obrigações.
93
CAPÍTULO 4
DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
As obrigações são geradas para serem adimplidas. As
obrigações devem ser extintas com completo cumprimento da prestação. É
a extinção natural das obrigações. Todavia, em alguns casos é apresentada
uma patologia na fase de execução das prestações. No momento do
cumprimento, a prestação não é extinta pela forma natural e o ordenamento
jurídico busca regular os casos de inadimplemento latu sensu e as formas
de proteção do credor.
O ramo do Direito das Obrigações é o responsável
pelo fomento econômico da sociedade, destarte deve garantir aos sujeitos
desta relação a segurança jurídica necessária para gerar a confiança no
adimplemento da obrigação, ou, no mínimo, o ressarcimento de eventuais
danos em caso de inexecução.
SÍLVIO VENOSA explicita a importância das relações
obrigacionais nas sociedades modernas:
Na convivência social ideal, todos os
homens cumprem suas obrigações
sociais, morais e jurídicas. A obrigação
cumprida desempenha papel dos vasos
94
comunicantes. Alguém paga, o que
recebe paga a outrem, este outrem ao
receber já tem, por sua vez, programada
a aplicação do objeto do pagamento
recebido etc.
Uma obrigação descumprida ou mal
cumprida, ou cumprida com atraso,
desempenha papel de uma célula doente
no organismo social; célula essa que
pode contaminar vários órgãos do
organismo.
85
O correto cumprimento das obrigações é ponto crucial
para o desenvolvimento da sociedade. No entanto, nos casos de
inexecução destas obrigações, o credor deve ter condições para exigir
aquilo que foi assumido pelo devedor ou, conforme o caso, indenização
correspondente.
O ordenamento pátrio disciplina formas de proteger a
parte envolvida na relação obrigacional que não tenha dado causa ao
inadimplemento da obrigação assumida.
É cediço que o credor poderá exigir o cumprimento da
obrigação na forma que restou convencionado. VALVERDE Y VALVERDE
pondera “a norma fundamental nesta matéria é que o devedor está o
85
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, - Teoria Geral das Obrigações
e Teoria Geral dos Contratos, 5ª. Edição, Editora Atlas, São Paulo, 2005,
p. 335.
95
brigado a efetuar a prestação devida de um modo completo, e no
tempo e lugar determinados na obrigação”
86
.
Dentro do sistema do direito obrigacional, deve-se
considerar o cumprimento da obrigação como o normal e o seu
inadimplemento como a exceção. As obrigações produzem efeitos diretos e
indiretos. O efeito direto da obrigação é o necessário cumprimento normal
com a entrega da prestação. Em contrapartida, podem ser caracterizados
como indiretos os efeitos que são disciplinados pela lei e concedem ao
credor formas de aparelhá-lo para obter a execução precisa e exata da
obrigação e, na sua falta, o ressarcimento dos danos.
87
O devedor deve cumprir a obrigação de maneira
natural. Espera-se do devedor o cumprimento da obrigação. O devedor
deve executar a prestação pela sua própria vontade, pautado em boa-fé e
em razão dos valores que a sociedade espera que sejam respeitados.
Todavia, caso estes valores sociais não sejam suficientes para a que o
devedor cumpra a prestação a que está obrigado, o ordenamento pátrio
concede ao credor formas de exigir do devedor o cumprimento já agravado
com o peso da mora. Diante desta afirmação parece irremediável a
diferenciação entre o estudo da mora e o estudo do inadimplemento
absoluto.
A obrigação deve ser cumprida no tempo, lugar e
forma estipulados. No entanto, caso o devedor não respeite o estipulado,
evidente que estar-se-á diante do inadimplemento da obrigação (latu
86
VALVERDE y VALVERDE, apud ALVIM, Agostinho, Da Inexecução das
Obrigações e suas Conseqüências, São Paulo, Saraiva, 1949.
87
MAZZONI, Pacifi, Instituzioni di Diritto Civile Italiano, vol. IV, nº 99
96
sensu). Neste momento, importante questionar se a prestação não cumprida
adequadamente ainda será de utilidade para o credor no caso de
cumprimento defeituoso. Se a resposta for negativa, estar-se-á diante do
inadimplemento absoluto (a prestação não tem mais valia para o credor);
em contrapartida, caso o credor ainda tenha interesse no cumprimento da
prestação, mesmo que defeituoso, estar-se-á diante da mora. Com a
finalidade de espancar futuros equívocos: o inadimplemento é gênero do
qual são espécies o inadimplemento absoluto e a mora.
Para o estudo da cláusula penal, tal distinção é de
extrema relevância para a aplicação prática do instituto, bem como para
entender a utilização das modalidades da cláusula penal (cláusula penal
moratória e compensatória). A análise do inadimplemento absoluto não é
tão árdua como a da mora. Demandará maior reflexão a verificação dos
casos de mora.
4.1 DA MORA
O termo mora gera alguns equívocos na análise
técnica do seu instituto jurídico. O termo mora parece fazer referência tão
somente ao cumprimento atrasado da prestação. Mora seria o cumprimento
fora do prazo estipulado.
O Direito Romano entendia a mora como o atraso no
cumprimento da prestação. Eugène Petit, assim caracteriza a mora para os
romanos:
97
Em toda obrigação, seja em razão de sua
natureza, seja em virtude de uma
cláusula especial, há um momento a
partir do qual o credor pode exigir o
pagamento. Se o devedor não pagar
quando deve fazê-lo, diz-se que há
atraso, mora. O mesmo ocorre para o
credor, se não aceita o pagamento que
lhe é oferecido regularmente; de sua
parte, também há mora.
88
No direito português, ANTUNES VARELA leciona: “a
mora do devedor (mora solvendi) é o atraso (demora ou dilatação)
culposo no cumprimento da obrigação. O devedor incorre em mora,
quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no
tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível.”
89
Depreende-se que a mora sempre foi confundida com
o simples atraso no cumprimento da prestação. Todavia, o Código Civil
brasileiro de 1916 não se contentava em conceituar a mora como simples
retardamento; a mora era caracterizada pelo cumprimento defeituoso
levando em conta o tempo, o lugar e a forma convencionados para a
execução da prestação (artigo 955, do Código Civil de 1916). O Código Civil
de 2002 manteve esta orientação em seu artigo 394, acrescentando que o
tempo, o lugar e a forma podem ser estabelecidos pela lei ou por
convenção. Pede-se licença para transcrever a letra da lei.
Art. 394. Considera-se em mora o
devedor que não efetuar o pagamento e o
credor que não quiser recebê-lo no
tempo, lugar e forma que a lei ou a
convenção estabelecer.
88
PETIT, op cit,, pag. 628.
89
VARELA, op. cit, p. 113/114.
98
Importante lembrar o ensinamento de AGOSTINHO
ALVIM sobre este aspecto.
Em face do nosso direito positivo, é
certo, como se disse, que o conceito de
mora não se prende unicamente ao
retardamento, ou demora, pois várias são
as hipóteses contempladas no artigo 955
do Código (atual artigo 394, CC/02), que
se refere ao tempo, lugar e forma, sendo
que em qualquer desses casos
caracteriza-se a mora, suposto o
elemento subjetivo culpa.
Ponderam os autores que, ainda mesmo
pondo de parte a idéia de tempo, verifica-
se a mora quando o pagamento não é
feito na forma ou lugar devidos, ou
quando o credor exige que ele se faça de
diverso modo ou em lugar outro que não
o combinado, sendo este o conceito que
resulta do art. 955 (atual artigo 394,
CC/02).
90
Sobre este aspecto também interessante a posição de
Limongi França:
Orientação que propomos. Ora, se além
do tempo, são ínsitos ao conceito de
mora os elementos concernentes ao
lugar e forma; bem assim a culpa, no
nosso caso da mora do devedor, a
orientação que propomos se inspira na
90
ALVIM, Agostinho, Da Inexecução das Obrigações e suas
Conseqüências, São Paulo, Saraiva, 1949, p. 11/12.
99
sábia lição de Agostinho Alvim, com sua
idéia de conceito unitário de mora.
Para nós, portanto, em consonância com
os ensinamentos do mestre, mora é a
inexecução culposa da obrigação (mora
debitoris), bem como a recusa de recebê-
la (mora creditoris), no tempo, lugar e
forma devidos.
91
Portanto, a mora do devedor ocorrerá nos casos em
que não houver o cumprimento da obrigação no tempo, lugar e forma
convencionados ou estipulados em lei. A mora do credor ocorrerá nos casos
em que o credor não receba, injustificadamente, a prestação também no
tempo, lugar e forma convencionados ou estipulados em lei.
Também para analisar a mora, essencial a verificação
do elemento subjetivo culpa e neste aspecto, deve haver a distinção entre
mora do devedor (mora debitoris) e a mora do credor (mora creditoris).
4.1.1 MORA DO DEVEDOR
A mora do devedor ocorrerá nos casos em que o
cumprimento da prestação não estiver em conformidade ao tempo, lugar e
forma estipulados por convenção ou pela lei. O devedor não incorrerá em
mora caso não haja fato ou omissão a ele imputado.
91
FRANÇA, Rubens Limongi, Manual de Direito Civil, 4º. Volume, Tomo I,
Editora Revista dos Tribunais, 1969, p. 148.
100
A mora do devedor possui a culpa como elemento
subjetivo. Como excludente da mora têm-se a força maior e o caso fortuito.
A doutrina brasileira se aproxima mais da escola
francesa, conforme LOTUFO.
A imputabilidade deve ser referida a uma
causa objetiva de impossibilidade,
atribuível a fatores estranhos à esfera de
influência do devedor. Aqui está sempre
envolvido o próprio conceito de culpa,
que segundo uma escola, mais
generalizadora, equivale ao ato ilícito,
baseando-se na ofensa ao direito de
outrem ou na imputabilidade. Essa
posição se aproxima mais da escola
francesa.
92
Também sobre este aspecto, importante lembrar
ROBERTO DE RUGGIERO:
Quando a obrigação não for cumprida no
todo ou em parte, é importante para
decidir da sua sorte ulterior observar a
causa que deu lugar à inexecução, pois
que, posto que por falta de cumprimento
se entenda usualmente aquele que é
imputável ao devedor, no seu mais amplo
conceito entre qualquer caso de falta de
execução; assim como há causas que
92
VISINTINI apud LOTUFO, Renan, Código Civil Comentado, Vol II,
Editora Saraiva, São Paulo, 2003.
101
são imputáveis ao devedor, da mesma
forma há outras que lhe são estranhas.
93
Para o sistema nacional, a mora do devedor possui
como elemento a culpa. Apenas poderá ser considerado em mora o devedor
que deixou de cumprir a sua obrigação culposamente. Distingue-se,
portanto, a mora do simples retardamento no cumprimento da obrigação.
O retardamento é caracterizado como o não
cumprimento da obrigação, independente da culpa do devedor. Mesmo não
gerando a mora, o retardamento possui efeitos específicos, podendo, pelo
menos, o credor executar o devedor a cumprir a obrigação, sem se
preocupar em alegar a culpa. O juiz executivo deverá, de imediato, tentar
fazer a expropriação dos bens do devedor.
O retardamento do cumprimento da prestação faz
presunção juris tantum de mora, ou seja, presume-se que o devedor que
retardou o cumprimento da obrigação está em mora. Caso não tenha agido
com culpa, deverá o devedor demonstrar os fatos que o escusem dos
efeitos da mora e apenas se demonstrar a ausência de culpa a mora se
descaracteriza em retardamento.
Neste sentido, Arruda Alvim esclarece: “O simples
retardamento se transforma em mora, pelo ‘dies interpellat pro
homine’, e passa a produzir efeitos desde logo.”
94
93
RUGGIERO, Roberto de, Instituições de Direito Civil, Volume III, Editora
Bookseller, 2ª. Edição, 2005, p. 156/157.
94
ALVIM, op. cit, p. 11/12.
102
Não bastasse o estudo do elemento culpa da mora,
relevante indagar em qual momento a mora restará configurada.
A mora restará configurada no momento em que
ocorrer o inadimplemento da obrigação no seu termo de prestação líquida e
certa. Todavia, inexistente termo, é lógica a necessidade de interpelação
judicial ou extrajudicial para configurar a mora.
Sobre este aspecto da configuração da mora,
importante analisar o artigo 331, do Código Civil que determina que não
havendo época ajustada para o pagamento, o credor pode exigi-lo
imediatamente. Todavia, tal regulação deve ser abrandada pela parte final
do artigo 134, também do Código Civil que os negócios jurídicos entre vivos
podem ser exeqüíveis imediatamente, caso não haja prazo estabelecido,
ressalvando os casos em que a execução tiver de ser realizada em local
distinto ou demandar tempo. Em ambos os casos, tendo em vista a
ausência de termo fixado, necessária a interpelação para a configuração da
mora.
Há casos em que a mora decorre de ato ilícito e será
configurada desde o momento em que o devedor o praticou o ato ilícito.
Caso configurada a mora, o devedor poderá purgá-la
desde que arque com os danos decorrentes do inadimplemento e a
purgação da mora deve ser compreendida como um fator de “sanar o
103
cumprimento defeituoso, moroso, de sorte a extinguir a obrigação pelo
seu efetivo adimplemento”
95
Enorme distinção que será vista entre a mora do
devedor e a do credor é o fato da mora do credor não conter em seu bojo
qualquer elemento de culpa, diametralmente oposta à mora do devedor que
deverá ter em seu corpo a culpa do inadimplente.
4.1.2 MORA DO CREDOR
O devedor tem a sua liberdade restringida ao assumir
uma obrigação. O devedor precisa respeitar a obrigação assumida e cumprir
a prestação convencionada. O devedor apenas retomará a sua liberdade
com a extinção da obrigação. Destarte, ao mesmo tempo, o devedor tem a
obrigação de cumprir a prestação e possui o direito de cumpri-la.
O credor não pode impedir que o devedor retome a
sua liberdade com o cumprimento adequado da obrigação, portanto, não
pode o credor se recusar, injustificadamente, a liberar o devedor da sua
obrigação.
Distinção relevante entre a mora do credor e a mora
do devedor reside no fato da mora do credor (mora accipiendi) ocorrerá
95
LOTUFO, op. cit.
104
independente de culpa. O credor poderá deixar de receber a prestação em
razão de justa causa, mas justa causa é distinta de culpa.
A justa causa reside no fato do credor não aceitar a
prestação em razão de algum vício no seu cumprimento. Ora, na realidade,
não estaremos perante a mora do credor, mas sim na mora do devedor.
Por exemplo, o credor que não recebe porque
acometido por doença não poderá alegar tal fato como escusa da mora.
Ora, caso o credor não receba a obrigação, o devedor continuará com o
dever de guarda e conservação da obrigação. Neste caso, haverá um
injustificado prejuízo ao devedor.
Em contrapartida, o credor poderá enjeitar a prestação
quando não for cumprida adequadamente. Esta é a justa causa. A justa
causa coincide com a mora do devedor.
Importante lembrar o ensinamento de AGOSTINHO
ALVIM sobre este aspecto:
Uma regra fácil para distinguir: a justa
causa para não receber há de coincidir
com a mora solvendi.
Quando o devedor não cumpre como
deve, o credor tem justa causa para
recusar, ou seja, um motivo objetivo.
(...)
105
Não se diz, nessa nota, que a culpa não é
elementar na mora do credor, senão que
a questão do motivo legítimo não se
confunde com a da culpa, segundo
sustentamos.
96
A justa causa para a recusa do credor não se
presume, deve ser provada pelo credor. Agostinho Alvim
97
ensina que “a
justa causa aproveita ao credor. Mas não se presume a sua
existência”.
A mora do credor pode ser caracterizada como a sua
recusa injustificada em aceitar o cumprimento da prestação.
Aparentemente, parece sempre haver a necessidade de oferta, pelo
devedor, da prestação. Conceituando a mora do credor como a recusa
injustificada, fica a impressão de primeiro o devedor necessitar ofertar a
prestação e, somente após esta oferta, o credor poderia recusá-la.
Para dissipar esta confusão, relevante ainda, traçar
distinção entre a dívida quesível (querable) e a dívida portável (portable).
O Código Civil, em seu artigo 327, determina que o
pagamento da prestação deverá ser realizado no domicílio do devedor,
salvo se convencionado de forma distinta, ou em razão da lei ou da
natureza da obrigação.
96
ALVIM, op. cit, p. 27/28.
97
ALVIM, op cit., p. 28.
106
Verifica-se, portanto, que em regra, o credor deve se
dirigir ao devedor para receber a prestação, esta é a dívida quesível. Em
contrapartida, caso tenham as partes convencionado ou a lei assim
determine, pode ficar o devedor ficar obrigado a realizar o pagamento da
prestação no domicílio do credor – dívida portável.
Para a configuração da mora do credor, importante
questionar a natureza da dívida (quesível ou portável). No caso da dívida
portável, realmente, o devedor deve tomar a postura positiva e se dirigir ao
credor para ofertar o pagamento. A mora do credor apenas estará
caracterizada com a oferta do devedor e a recusa injustificada do credor –
mas está não é a regra.
A regra é a dívida quesível. O credor deve se dirigir
até o devedor para receber. Portanto, nestes casos, a postura positiva é do
credor. Ele, credor, deve exigir o cumprimento. O devedor aguarda a
cobrança da dívida pelo credor. Caso o credor sequer cobre a dívida, já
estará em mora.
Não se pode olvidar, mesmo que o credor não cobre a
dívida, o devedor tem o direito de pagá-la, para retomar novamente a sua
liberdade.
Caracterizada a mora do credor, este responderá pela
conservação da coisa, ficando obrigado a ressarcir o devedor pelos gastos
de conservação. Além disto, o credor ainda será obrigado a receber a coisa
pela estimação mais favorável para o devedor.
107
4.2 DO INADIMPLEMENTO ABSOLUTO
O inadimplemento absoluto, espécie do gênero
inadimplemento, terá lugar nos casos em que o devedor deixou de cumprir a
sua obrigação no tempo, lugar e forma estipulados e a prestação não mais
terá utilidade para o credor.
O inadimplemento absoluto será considerado para os
casos de não mais utilidade no cumprimento da obrigação. A possibilidade
deve ser revestida por uma utilidade da prestação para o credor.
Para se identificar o inadimplemento absoluto, a
relação deverá ser analisada sob o prisma do credor. É para o credor que
deverá haver a utilidade de cumprimento ou não da prestação.
Destarte, a caracterização do inadimplemento
absoluto dependerá do interesse do credor em ter realizada a obrigação ou
não. Neste sentido esclarece RENAN LOTUFO:
O inadimplemento absoluto, sobre o qual
discorre o artigo (389 do Código Civil)
ora comentado, dá-se quando a
obrigação não foi cumprida nem poderá
sê-lo de forma útil ao credor. Ressalta-se
que a possibilidade de cumprimento
pode existir, mas se este não for de
utilidade ao credor, haverá
inadimplemento absoluto. Tal
modalidade de inexecução de obrigações
108
era total quando disser respeito à
totalidade do objeto, e parcial quando
compreender apenas uma das partes da
prestação, por exemplo, quando a
obrigação compreende vários objetos,
sendo um ou mais entregues e os demais
perecem.
98
Ocorrendo o inadimplemento, o devedor deverá
responder pelas perdas e danos, juros, atualização monetária e honorários
advocatícios.
Primeiramente, destaca-se que as perdas e danos
correspondem à indenização cabal dos danos sofridos pelo credor, todavia,
dependente de produção de prova acerca do dano causado.
Como expõe ORLANDO GOMES “a indenização das
perdas e danos limita-se às que forem conseqüência direta e imediata
da inexecução. A existência desse nexo causal é necessária à
configuração da responsabilidade do devedor”
99
.
Restando a prestação sem utilidade para o credor em
razão do descumprimento pelo devedor, caracterizado o inadimplemento
absoluto que poderá ser parcial ou total, afetando parte da prestação ou a
prestação integralmente, respectivamente.
98
LOTUFO, op. cit.
99
GOMES, Orlando, Obrigações, 16ª. Edição, Rio de Janeiro, Forense,
2004.
109
No entanto, para a fixação das perdas e danos restará
necessária a prova dos danos sofridos pelo credor.
Curiosidade inserida no novo código (Lei 10.406/2002)
está na possibilidade de cobrança de honorários de advogado no caso de
inadimplemento das obrigações.
Parece forte o entendimento que os honorários
relatados na parte final do artigo 389 do Código Civil não estão vinculados à
necessidade de ação judicial, mas poderão ser acrescentados na própria
cobrança extra-judicial, se for o caso.
Acerca das obrigações negativas (de não fazer) o
Código é expresso em fixar que será havido como inadimplente o devedor
desde o dia em que executou o ato que devia se abster.
Havendo, pois a possibilidade de indenização pelo
descumprimento das obrigações assumidas gerará reflexos em todos os
bens do patrimônio do devedor.
4.3 DOS EFEITOS DO INADIMPLEMENTO
A obrigação existe para ser cumprida e para sua
extinção natural com o pagamento. No entanto, ocorrendo vícios em seu
cumprimento teremos o inadimplemento.
110
O credor espera receber a prestação no lugar, tempo
e forma estipulados. Havendo vício no cumprimento da obrigação, o credor
vê frustrado o seu direito à prestação.
Em decorrência desta frustração, deverá o devedor
arcar com os prejuízos sofridos pelo credor. Portanto, o devedor deve arcar
com as perdas e danos em razão do cumprimento defeituoso da obrigação.
As perdas e danos devem ter como conteúdo os
danos sofridos pelo credor. Os danos sofridos pelo credor poderão ser
materiais ou imateriais. Sob o prisma imaterial, há o dano moral ou estético
sofrido pelo credor; os danos materiais poderão ser compostos pelos danos
emergentes e pelo lucro cessante.
Danos emergentes são representados pela real
diminuição do patrimônio do credor em função do inadimplemento do
devedor, “seja porque se depreciou o ativo, seja porque aumentou o
passivo”
100
.
Os lucros cessantes podem ser caracterizados como
aquilo de deixou de ganhar o credor com o inadimplemento do devedor, “é
a frustração da expectativa de ganho”
101
.
100
GOMES, Orlando, Obrigações, 16ª. Edição, Rio de Janeiro, Forense,
2004.
101
GOMES, op. cit.
111
Deixando o devedor, culposamente, de cumprir
corretamente a sua obrigação, responderá pelas perdas e danos sofridos
pelo credor.
O descumprimento da obrigação gera, em favor, do
credor a possibilidade de ressarcimento de seus prejuízos. Recai sob
responsabilidade do credor demonstrar os danos sofridos.
A necessidade de produzir prova pode trazer ao
credor uma excessiva carga. Há a possibilidade de pré-fixação deste valor.
112
CAPÍTULO 5
CONTEÚDO DA CLÁUSULA PENAL
Primeiramente, antes do estudo específico do
conteúdo da cláusula penal, imperioso destacar que o atual Código Civil traz
a regulação deste instituto no título voltado para o inadimplemento das
obrigações.
No Código de 1916, a cláusula penal era disciplinada
como uma modalidade das obrigações uma vez que era entendida como
uma modalidade acessória de obrigação com o escopo de reforço do
cumprimento da prestação.
Neste sentido, esclarece RENAN LOTUFO:
A cláusula penal, que havia sido
introduzida na legislação pelo Código de
1916, ainda que tivesse sido prevista no
Esboço de Teixeira de Freitas, e nos
projetos de Felício dos Santos e de
Coelho Rodrigues, sofreu mudança
substancial de localização no atual, uma
vez que figurava no âmbito das
modalidades das obrigações, porque era
113
entendida, segundo Clóvis Beviláqua,
como obrigação acessória, por destinar-
se a reforçar a obrigação, mas agora,
segundo o Professor Agostinho Alvim,
na exposição ao Instituto dos Advogados
Brasileiros:
“O Projeto considera que a indenização
pelo inadimplemento é apurada por ofício
e ministério do juiz (perdas e danos); ou
é prefixada pela partes (cláusula penal e
arras).”
Daí ter sido localizada no Título do
inadimplemento das obrigações.
102
Substancial a mudança geográfica da cláusula penal
dentro do Código Civil, demonstrando que este estudo deverá ser analisado
com novas nuances.
A alteração da localização da cláusula penal,
demonstra maior preocupação técnica do legislador na elaboração do atual
Código.
5.1 SUPORTE FÁTICO PARA INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL
A cláusula penal tem por finalidade pré-fixar os danos
causados em virtude do inadimplemento (latu sensu) das obrigações, bem
como pressionar o devedor a cumprir a obrigação a que ficou obrigado.
102
LOTUFO, op cit., p 468.
114
O cumprimento normal da obrigação, em seu tempo,
lugar e forma estipulados, não poderá gerar qualquer penalidade ao
devedor, uma vez que executou a prestação exatamente como combinado
com o credor. Em contrapartida, ocorrido o inadimplemento (latu sensu),
caso tenha sido estipulada a cláusula penal, poderá o credor se beneficiar
da sua fixação.
Ocorre que não é qualquer espécie de
inadimplemento que pode gerar a aplicação da cláusula penal estabelecida.
O inadimplemento deve ser imputável ao devedor. O atual Código Civil, em
seu artigo 408, determina que incorrerá na cláusula penal o devedor que
deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora. Pede-se licença
para citar a letra da lei.
“Artigo 408, do Código Civil: Incorre de
pleno direito o devedor na cláusula
penal, desde que, culposamente, deixe
de cumprir a obrigação ou se constitua
em mora.”
A necessidade de ser imputável ao devedor a
inexecução da obrigação é condição imprescindível para a aplicação da
cláusula penal.
O elemento culpa está intrinsecamente ligado à
aplicação da cláusula penal. O inadimplemento que decorrer de caso fortuito
ou força maior, não permitirá ao credor lançar mão da cláusula penal.
115
Este entendimento já podia ser encontrado no direito
romano. O professor MOREIRA ALVES descreve:
Caso Fortuito, força maior e custódia –
São várias, nos textos, as expressões
(entre outras: casus, casus fortuitus, uis,
uis maior, uis cui resisti non potest, uis
diuina, fatale dammum) utilizadas para
indicar que a impossibilidade objetiva do
cumprimento da obrigação não decorre
de ato ou de fato imputável ao devedor,
razão por que a obrigação se extingue e
o devedor de exime de responder por ela.
(...)
Apesar da controvérsia que persiste
entre os romanistas atuais, tudo indica
que os termos casus fortuitus, uis maior
e similares fossem empregados nas
fontes para designar diversas hipóteses
(por exemplo: terremotos, incêndios,
naufrágios, guerra), em que a obrigação
se extinguia por impossibilidade objetiva
da prestação, e o devedor, a quem o fato
danoso não podia ser imputado, se
eximia, em conseqüência, de
responsabilidade.
103
Também sobre este aspecto, MARIA HELENA DINIZ
enumera como um dos requisitos da exigibilidade da cláusula penal a
Imputabilidade do devedor (CC, art. 408, 1ª. parte), pois se inadimplemento
103
ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, Editora Forense, 14ª.
Edição, Rio de Janeiro, 2007, p. 409.
116
do contrato principal se deu por caso fortuito ou força maior, ter-se-á a
extinção da obrigação e, por conseguinte, da cláusula penal”
104
.
A verificação da necessidade da culpa também pode
ser fundamentada como regra geral dos direitos das obrigações, uma vez
que o artigo 393 do Código Civil, acerca do inadimplemento das
obrigações, regula que o “devedor não responde pelos prejuízos resultantes
de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado”.
Sobre escusa de culpa pelo caso fortuito e pela força
maior, escreve RENAN LOTUFO.
De qualquer sorte, a prova do caso
fortuito é, a um só tempo, prova também
da ausência de culpa, até porque,
concorrendo o devedor com culpa na
produção do evento, não se poderão
afirmar inevitáveis os efeitos deste.
Fica excluída, assim, toda possibilidade
de uma equiparação do fortuito à
‘ausência de culpa’.
Logo, e com maior razão, quanto à força
maior.
104
DINIZ, op. cit., p. 421
117
O artigo 408, do Código Civil exige a culpa para que
ao devedor seja imputada a cláusula penal. No entanto, podem as partes
convencionar que a cláusula penal terá lugar independentemente de culpa.
Conforme exposto, tal convenção não fere regulação específica da cláusula
penal.
Ainda nesta esteira de raciocínio, PAULO NADER,
analisando os tempos atuais, menciona:
A culpa latu sensu do devedor é um dos
pressupostos de exigibilidade da
cláusula penal (art. 408, CC). Destarte, se
o incumprimento ou atraso foi devido a
caso fortuito ou força maior, ou por fato
imputável ao credor, incabível a
cobertura de prejuízos mediante aquela
cláusula, salvo convenção em contrário.
Tal disposição harmoniza-se com o
disposto no art. 393, que exclui a
responsabilidade do devedor por
prejuízos resultantes de caso fortuito ou
força maior, salvo se por eles se obrigou.
A interpretação aqui, como sempre, deve
ser sistemática.
105
Acerca da escusa de responsabilidade mencionada,
bem como sobre a possibilidade do devedor se responsabilizar pelo caso
fortuito e pela força maior, destaca-se CLÓVIS BEVILAQUA.
O efeito do caso fortuito e da força maior
é isentar o devedor da responsabilidade
pelo não cumprimento da obrigação. Ao
105
NADER, Paulo, Curso de Direito Civil, Vol II, Editora Forense, 2ª.
Edição, Rio de Janeiro, 2006, p. 571.
118
devedor incumbe provar o caso fortuito
ou a força maior, que alega. Não lhe
aproveita a prova do fato, se teve culpa
na sua realização. O incêndio, por
exemplo, é um fato que poderá ser
invocado como determinante da
impossibilidade, em que se acha o
devedor de cumprir a sua obrigação.
Mas, bem se compreende, quando quem
o invoca não lhe deu causa, nem
concorreu para aumentar-lhe os efeitos.
Também lhe não aproveita a prova do
fato, se dele não resulta a
impossibilidade da prestação.
O caso fortuito e a força maior escusam
o devedor de responsabilidade pelos
prejuízos; mas ele pode, por cláusula
expressa, ter assumido esta
responsabilidade.
106
A interpretação da letra da lei não pode ser estanque,
deve ser uma interpretação que entenda a real intenção da norma. Não se
fala em buscar a intenção do legislador, o que para muitos parece medida
impossível. Deve-se buscar o real alcance da norma que está inserida em
um sistema.
O titular do direito disponível pode, dentro dos limites
da autonomia privada, também se responsabilizar por eventual prejuízo em
caso de força maior e caso fortuito.
Havendo a possibilidade de responsabilizar o devedor
por caso fortuito e força maior, nada mais lógico do que alargar o alcance da
106
BEVILAQUA, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
Comentado, 11ª. Edição, Rio de Janeiro, 172.
119
cláusula penal podendo ser aplicada independente da culpa do devedor,
desde que assim se obrigue expressamente o devedor.
Mas, frisa-se, ausente a culpa, ao devedor apenas
será imputada a cláusula penal quando assumir, expressamente, esta
responsabilidade.
O artigo 408, do Código Civil, ora em estudo, informa
que o devedor incorrerá na cláusula penal, “desde que, culposamente,
deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.
Diante da segunda parte do referido artigo, foi
realizado estudo específico neste trabalho, acerca da mora e sua
caracterização. Sobre este aspecto, POTHIER traz elucidativa lição:
Neste caso cabe a pena, quando o
devedor foi posto em mora para dar ou
fazer o que prometeu. As leis romanas
fazem uma distinção entre se a
convenção contém ou não um prazo
fixado pelo qual o devedor se
responsabiliza a dar ou fazer aquilo que
se acordou. No primeiro caso, decidem
que a pena é devida de pleno direito
assim que tenha expirado o prazo, sem
que seja preciso haver qualquer
interpelação ao devedor, e sem que
possa ficar desonerado dessa pena,
ainda que, depois de expirado o prazo,
ofereça-se para satisfazer a obrigação
principal.
A expiração do prazo parecia ser, aos
jurisconsultos romanos, de tal modo
120
suficiente para fazer valer a pena, sem
necessidade de constranger de outra
forma o devedor, que davam margem a
este até quando o devedor tivesse
morrido sem deixar herdeiro antes do fim
do prazo, e, por conseguinte, mesmo que
não se encontrasse ninguém a que se
pudesse por em mora para pagar.
107
Apenas por cautela, destaca-se que o momento da
configuração da mora já fora explanado, inclusive sobre a diferenciação
entre a mora ex re (que independe de interpelação) e a mora ex persona
(necessita da interpelação para ser caracterizada).
Configurada a mora ou deixando de cumprir,
culposamente, a obrigação, estará configurado o suporte fático para a
incidência da cláusula penal.
5.2 DO VALOR DA CLÁUSULA PENAL
O valor da cláusula penal é estudo truncado que
merece ser apreciado com cuidado. Não se pode jamais olvidar que a
cláusula penal possui como escopo a sanção em razão do cumprimento
defeituoso da obrigação, bem como a pré-fixação dos danos sofridos pelo
credor em razão daquele cumprimento defeituoso da obrigação.
107
POTHIER, op. cit., , p. 307.
121
No direito romano a cláusula penal, para o romanista
MOREIRA ALVES, poderia ter qualquer valor, sem limitação, inclusive
superior ao valor da obrigação principal.
Essa pena [cláusula penal] – cujo valor
podia ser superior ou inferior ao da
obrigação principal – se estabelecia, por
via de regra, por meio de uma stipulatio
(stipulatio poenae), ou de um simples
pacto quando o contrato principal fosse
de boa-fé (e isso porque os pactos que
se apõem aos contratos de boa-fé são
tutelados pela ação que decorre do
contrato principal).
108
Em sentido contrário, defendendo que a cláusula
penal tinha limitação inclusive no Direito Romano, Eugène Petit dispõe:
O credor demandante deve fazer a prova
do prejuízo que sofreu. Mas cabe ao juiz
determinar o total dos danos e
vantagens. Seu poder de apreciação, e
os meios de que dispõe para fixá-los,
variam segundo a boa-fé ou a má-fé do
devedor e, sobretudo, segundo a
natureza da ação exercitada pelo credor.
Justiniano, por uma Constituição do ano
de 530, decidiu que, em caso de
obrigação que tivesse um objeto
determinado, os danos e vantagens
fixados pelo juiz não poderiam exceder
do dobro do valor da coisa devida (L.1.C.,
de setent., VII, 47).
109
108
ALVES, op. cit., p. 422.
109
PETIT, Eugène, Tratado de Direito Romano, Editora Russel, 1ª. Edição,
Campinas, 2003, pag. 633.
122
Por esta linha de raciocínio, no Direito Romano o valor
de perdas e danos não poderia ser superior ao dobro da obrigação principal,
portanto, como a stipulatio poenae nada mais era que uma espécie de
antecipação das perdas e danos, não poderia ser fixada em valor superior
ao dobro da obrigação principal, por restrição legal.
Este também é o entendimento de POTHIER:
Esse princípio nós deduzimos de uma
decisão de Dumoulin, em seu tratado De
eo quod interest (nº 159 e segs.). Ele o
baseia no fato de que a natureza da pena
é a de suprir as perdas e danos que
poderiam ser pretendidos pelo credor,
em caso de inexecução da obrigação.
Pois, ele diz – da mesma forma que
quando o credor eleva uma quantia
excessiva as perdas e danos que ele
entende sofrer pela inexecução da
obrigação, o juiz deve reduzi-la, e que a
Lei única – Cod. de sent. Quae pro eo
quod interest prof. – não permite que
exceda ao dobro do valor daquilo que
constitua o objeto da obrigação
primitiva; da mesma maneira quando a
pena estipulada em lugar das perdas e
danos for excessiva, deve ser
reduzida.
110
Ainda, imperioso destacar a conclusão de POTHIER:
Porque essa pena também pode muito
bem, na verdade, ultrapassar o valor das
perdas e danos, e ainda ser devida no
caso de o credor não os sofrer, pelo
110
POTHIER, Robert Joseph, Tratado das Obrigações, Editora Servanda,
2002, p. 302.
123
mesmo que é estipulada para evitar a
discussão de fato, se o credor
efetivamente sofreu algum prejuízo, e em
quanto monta o que sofreu; mas deve
limitar-se a perdas e danos do credor,
pois é contrário à sua natureza que
possa elevar-se, excedendo os limites
que a lei prescreve para perdas e danos.
Se a lei anteriormente citada os restringe,
não permitindo que se pretendam ultra
duplum, ainda no caso em que a
inexecução do contrato tivesse
efetivamente causado uma perda maior
ao credor, que por esse meio se encontra
versari in damno, com maior motivo se
deve moderar a pena excessiva à qual o
devedor se submeteu totalmente, quando
o credor não sofreu perda alguma, ou em
que, caso a tenha sofrido, está muito
abaixo da pena estipulada, e, por
conseguinte, no caso em que certat de
lucro captando. Enfim, Dumoulin funda-
se no texto da mecionada Lei única –
Cod. de sent. pro eo quod interest etc. -,
que na generalidade de seus termos
parece compreender interesse
convencional, igual a toda outra espécie
de perdas e danos.
111
Parece mais acertado analisar sistematicamente o
instituto da cláusula penal para lhe conferir uma limitação. A cláusula penal
também não poderá ser excessivamente onerosa a ponto de trazer um
enriquecimento sem causa ao credor.
Para justificar também esta limitação, Ulpiano
112
(D.
4, 8, 11, 2) destaca a ensinado por Papiniano:
111
POTHIER, op. cit, p. 302.
112
ULPIANO apud FRANÇA, Rubens Limongi, Teoria e Prática da
Cláusula Penal, Editora Saraiva, São Paulo, 1988, 17.
124
Tem se dito que no mesmo lugar
respondeu Papiniano, que, havendo-se
convencionado que, no vencimento do
prazo, não pago preço, se outorgasse o
dobro ao vendedor, tal se considera em
fraude da lei, porque excede a usura
legítima.
113
As legislações atuais vêm limitando a cláusula penal
para impedir que haja uma desproporção que favoreça em demasia o
credor. O direito não mais absorve o liberalismo absoluto, busca também
dar sentido de justiça nas relações privadas.
5.2.1 LIMITAÇÕES DA CLÁUSULA PENAL NO CÓDIGO CIVIL
A cláusula penal, figura eminentemente de direito
privado, está sendo, sistematicamente, limitada para que não gere
desigualdades entre os contratantes.
No ordenamento brasileiro já há restrição ao valor da
cláusula penal desde o Código de 1916 regulada no antigo artigo 920 que
foi reproduzido pelo atual Código Civil em seu artigo 412, que menciona “o
valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal”.
113
Ibidem Papinianus respondisse se refert, si convenerit, ut ad diem
pretio non soluto venditori duplum praestaretur, in fraudem constitunionum
videri adjectum, quod usuram legitimam, excedit...”
125
A possibilidade de limitação da cláusula penal não era
questão pacificada entre a doutrina. A idéia de limitação da cláusula penal
pela lei gerou discussões em torno da castração da autonomia da vontade.
Não poderia o legislador interferir na relação negocial das partes. A pena
convencional aceita entre as partes deveria respeitar a vontade expressa
pelas partes. Não era aceitável a possibilidade de interferência do Estado
nesta fixação.
RENAN LOTUFO, comentando acerca do artigo 412,
do Código Civil brasileiro ensina:
Curioso notar que Clóvis se opôs à
introdução deste dispositivo no Código
de 1916, o que ocorreu por iniciativa da
Comissão do governo.
À época já existia dissenso doutrinário
sobre a intervenção nas estipulações
livremente assumidas pelas partes, o que
se revelou claro também nos direitos
positivos.
Carvalho Santos já dizia que a proteção
aos fracos, diante de fixações
excessivas, é que acabou gerando a
nova norma, inspirada no Direito alemão,
que entendia o excesso como uma
violação à lealdade contratual, com
ferimento aos bons costumes. Aduzia
que a autonomia da vontade aos poucos
126
ia ‘cedendo lugar, no campo das
obrigações, aos preceitos da eqüidade’
(Código Civil brasileiro interpretado, p.
360)
Desde aquela época entendeu-se
louvável não deixar ao arbítrio judicial a
fixação do valor, dado que o dispositivo
previu limite da obrigação principal como
limite da normalidade, sendo excesso o
que lhe sobejasse.
114
Verifica-se, pois que a limitação do valor da cláusula
penal tem por finalidade manter a lealdade e o equilíbrio contratual, não
permitindo que a parte mais forte na relação negocial submeta a mais fraca
com imposição de pesada cláusula penal.
Sobre a limitação da cláusula penal descrita no artigo
412 do Código Civil, importante questionar se deve ser aplicada para todas
as modalidades da cláusula penal (tanto para a compensatória como para a
moratória).
O Código Civil não faz qualquer distinção entre as
modalidades da cláusula penal, portanto, parece ser esta limitação
necessária tanto para a cláusula penal em virtude do inadimplemento
absoluto como para a estipulada em razão da mora.
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO não faz
qualquer distinção acerca da natureza da cláusula penal para a aplicação da
limitação legal.
114
LOTUFO, op. cit., 476.
127
Nosso Código Civil de 2002, porém,
repita-se, num dispositivo prudente e que
se aplica tanto às obrigações civis como
às mercantis, põe freio ao individualismo
das partes: o valor da multa não pode
exceder o da obrigação principal.
115
Também neste sentido, ORLANDO GOMES não faz
qualquer distinção das modalidades da cláusula penal para a aplicação do
limite legal.
As partes têm liberdade de fixar o valor
da indenização, não sendo necessária,
assim, a correspondência entre o dano
efetivo e a soma a pagar para ressarci-lo.
Por outras palavras, pode ser superior ou
inferior. A liberdade de determiná-la, não
é, entretanto, absoluta, nem imutável a
avaliação.
Há, em primeiro lugar, limite máximo
(teto). O valor da cominação imposta na
cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal, seja qual for a
extensão do dano.
116
Não há para a maioria da doutrina, pois, qualquer
diferenciação entre as modalidades da cláusula penal para a aplicação do
limite legal.
115
MONTEIRO, op. cit, p. 344.
116
GOMES, op. cit., p. 188.
128
Todavia, PONTES DE MIRANDA discorda desta
posição e diferencia a limitação em decorrência da modalidade de cláusula
penal avençada. Acredita que a limitação do artigo 412, do Código Civil,
apenas tem lugar em caso de cláusula penal compensatória e que a
cláusula penal moratória é limitada pelo Decreto 22.626/33 (que estipula
pena máxima de 10% do valor da dívida). No item seguinte será abordada
especificamente a aplicação do mencionado Decreto no sistema pátrio.
Não bastasse a divergência acima, releva-se que a
fixação de cláusula penal superior ao valor da obrigação principal não gera
a nulidade da estipulação, apenas deverá o juiz, independente de
requerimento judicial, uma vez que a restrição é de ordem pública, reduzir o
valor da cláusula penal até o limite legal.
Este é o entendimento de J.M DE CARVALO
SANTOS.
Trata-se de uma disposição de ordem
pública [a limitação da cláusula penal
estipulada no artigo 412, do Código
Civil]. Daí a conseqüência: o juiz é
obrigado a reduzir a pena ao valor da
obrigação, mesmo que o devedor não
requeira.
O que é preciso esclarecer, depois disso,
é que se a cláusula penal excede o valor
da obrigação, não há propriamente
nulidade nem da obrigação principal,
nem tampouco da cláusula penal. A
nulidade é apenas do excesso, o que não
prejudica a validade da convenção, por
isso que o juiz ex vi legis tem o dever de
fazer a redução.
129
LIMONGI FRANÇA, destaca que a fixação de
cláusula penal acima do limite legal não desnatura a sua aplicação, apenas
deverá haver uma redução até o seu limite legal:
Também, por isso mesmo, não é, se
desatendida, causa de nulidade, por isso
que a conseqüência do descumprimento
do respectivo preceito se vê tão-somente
na redução do excesso por parte do
magistrado.
117
A limitação será até o valor da obrigação principal.
Caso as partes estipulem quantia que exceda o teto legal, não há de falar
em nulidade da cláusula penal. A cláusula deverá ser mantida até o limite e
descartado o que sobejar.
Ressalvada a discussão quanto a interferência estatal
na relação entre particulares, tal providência gerará dificuldades em caso de
prestação principal que não contenha em seu bojo valor pecuniário exato.
Também sobre este aspecto não se pode deixar de
notar MÚCIO CONTINENTINO:
A annulação da pena no excesso
condemnado, apparece a CARVALHO DE
MENDONÇA como uma tutela indevida
aos contractantes que devem antes de
medir o alcance da responsabilidade que
117
FRANÇA, Rubens Limongi, Teoria e Prática da Cláusula Penal,
Editora Saraiva, São Paulo, 1988, 180.
130
assumem, não competindo ao Estado
intervir em matéria de pura convenção.
Observação procedente e que estabelece
uma situação de quase insolubilidade, é
que o art. 920 (atual 412), faz o illustre
ALVES MOREIRA: ‘A applicação desde
artigo pode envolver dificuldades quanto
à determinação do valor da obrigação
principal. É assim que, podendo dar-se
valor patrimonial a prestações que, tendo
por fim um interesse legitimo, não
representam valor pecuniário bem
definido, se tornará neste caso, arbitraria
a comparação’.
118
Não obstante as valorosas posições contrárias, andou
bem o Código em manter limitações à fixação da cláusula penal. Evidente
que alguns casos a análise casuística trará alguns inconvenientes, mas o
Poder Judiciário poderá realizar a verificação e concederá à cláusula penal
o valor adequado.
Nesta esteira, interessante notar que POTHIER para
justificar esta possibilidade de limitação da cláusula penal utiliza como
argumentação que o devedor que assume uma cláusula penal excessiva o
faz pautado em erro, portanto, nada mais adequado do que a sua redução
por parte do Estado.
Um devedor, quando se submete a uma
pena excessiva para o caso de
inexecução da obrigação primitiva que
ele tenha contratado, dá margem a se
presumir que foi a falsa confiança de que
não iria faltar com essa obrigação que o
levou a submeter-se a uma pena tão alta,
pensando, quando ela poderia tornar-se
118
CONTINENTINO, Múcio, Da Cláusula Penal no Direito Brasileiro,
Saraiva & Comp. – Editores, São Paulo, 1926, p. 166.
131
realidade; e assim, o consentimento que
ele deu para a obrigação de uma pena
tão excessiva, sendo um consentimento
fundado em erro e em uma ilusão que
tivera, não é um consentimento válido; é
por isso que essas penas excessivas
devem ser reduzidas ao valor racional
mais alto que possam alcançar as perdas
e danos que resultem da inexecução da
obrigação primitiva.
119
O Código Civil brasileiro vigente reeditou em seu artigo
412, a limitação já imposta pelo artigo 920, do Código de 1916, devendo ser
limitada a cláusula penal que superar o valor da obrigação principal, para
que a pena não seja transformada em enriquecimento sem causa do credor.
5.2.2 LIMITAÇÕES DA CLÁUSULA PENAL FORA DO CÓDIGO CIVIL
O artigo 412, do Código Civil traz em seu bojo
limitação da cláusula penal, no entanto, não é somente a Lei 10.406/02
(Código Civil) que regula limitações à cláusula penal. O Decreto 22.626/33
(Lei da Usura) e a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) também
trazem limitações à cláusula penal.
Necessária análise para verificar a correta aplicação
das normas mencionadas no sistema da cláusula penal. Ressalta-se que o
presente estudo tem por objeto a cláusula penal à luz do Código Civil, no
entanto, não pode se furtar a este pequeno parêntese.
119
POTHIER, op. cit., p. 303
132
O Decreto 22.626/33, em seu artigo 9º., estipula que
não será “válida a cláusula penal superior à importância de 10% (dez por
cento) do valor da dívida”. Verifica-se, pois, ser mais radical a limitação do
Decreto 22.626/33. Ocorre que não há corrente pacífica acerca dos limites
de aplicação do referido decreto.
Primeiramente, não há de falar em ab-rogação do
referido Decreto pelo Novo Código Civil, uma vez que aquele é norma
específica e este norma geral – conforme artigo 2º. da Lei de Introdução ao
Código Civil.
Neste sentido, MARIA HELENA DINIZ.
O critério da especialidade (Lex specealis
derrogat generali) visa a consideração da
matéria normada, com o recurso aos
meios interpretativos. (...) Uma norma é
especial se possuir em sua definição
legal todos os elementos típicos da
norma geral e mais alguns de natureza
objetiva ou subjetiva, denominados
especializantes.
120
Para ARNOLDO WALD, o Decreto 22.626/33 apenas
dever ser aplicado nos casos de contrato de mútuo com a finalidade de
vedar taxa usurária excessiva.
Discute-se na jurisprudência o âmbito de
aplicação da Lei de Usura e a revogação
120
DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro,
Interpretada, Editora Saraiva, 9ª. edição, São Paulo, 2002, p. 74.
133
ou não, pela mesma, do texto anterior do
Código Civil. A tese dominante
atualmente é no sentido de restringir a
aplicação do texto do Decreto 22.626 aos
contratos de mútuo, por se referir a lei
mencionada à usura e à limitação dos
juros, visando evitar que, sob forma de
cláusula penal, pudesse ser cobrada uma
sobretaxa usurária.
121
Também sobre a limitação da aplicação da Lei da
Usura, OROSIMBO NONATO define que apenas tem lugar no mútuo de
dinheiro.
Esse decreto, aliás, como ressai de suas
claras finalidades e do seu mesmo
contexto, não constitui diploma de
aplicação geral. Sua influência, apenas
incide nos mútuos de dinheiro que
produzem juros.
122
LIMONGI FRANÇA defende tese na mesma esteira,
pois para o mencionado autor, a Lei da Usura apenas seria utilizada em
caso de mútuo - “com relação à Lei da Usura, com aplicação restrita ao
mútuo...”.
123
Esta também é a posição dos Tribunais Pátrios
124
.
Em sentido contrário, PONTES DE MIRANDA,
defende que a Lei da Usura não está restrita ao contrato de mútuo e deve
ser utilizada de forma geral. Ainda defende, que a cláusula penal
compensatória tem como limite o disposto no artigo 412, do Código Civil – o
121
WALD, Arnaldo, Obrigações e Contratos, Editora Revista dos Tribunais,
14ª. Edição, p. 161.
122
NONATO, op. cit, p. 335.
123
FRANÇA, op. cit, p. 240.
134
valor da obrigação principal – já a cláusula penal moratória tem como limite
o disposto no artigo 9º. da Lei da Usura, independentemente do contrato a
que estiver vinculado.
É de repelir-se a jurisprudência que só
entende o art. 9º do Decreto n º 22.626
como referente ao mútuo (e.g., 2ª. Turma
do Supremo Tribunal Federal, 14 de
janeiro de 1947, RF 111/373 s.; Seção
Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, 24 de março de 1944 RT 152/687;
3ª. Câmara Civil, 25 de agosto de 1943,
146/213).
O Decreto nº 22.626 ‘dispõe sobre juros
nos contratos e dá outras providências.
O autor defende a aplicação do Decreto 22.626/33
independentemente da natureza da contratação. Essa posição tem profundo
significado na linha de idéias do autor supra mencionado.
Com base nessa premissa (extensão da aplicação da
Lei da Usura), PONTES DE MIRANDA continua informando que a cláusula
penal compensatória é limitada pelo artigo 412, do Código Civil; já a
cláusula penal moratória é limitada pelo artigo 8º. da Lei da Usura.
Para se interpretar regra jurídica sobre
invalidade ou sobre ineficácia de
cláusula, tem-se de precisar de que
cláusula se trata. Há de ser o primeiro
cuidado do intérprete. Se o art. 8º. se
referiu a cláusula em cuja quantia ou
valor se hão de incluir as despesas
124
Seguem decisões neste sentido no anexo II deste trabalho.
135
judiciais e os honorários dos advogados
somente se pode ter tido em mira
cláusula penal compensatória que não
fosse a cláusula penal por total
inadimplemento. Nunca seria cláusula
penal cumulativa [moratória]. Se há
cumulatividade não há substitutividade
de despesas e honorários de advogado
por pena.
Quanto à cláusula penal por total
inadimplemento, compensatória, essa
está limitada pelo art. 920 do Código Civil
[atual artigo 412, do Código Civil] ao
valor da dívida e incluírem-se nela as
despesas judiciais e os honorários de
advogados seria clamorosa injustiça por
parte do legislador.
125
E, ainda, continua o autor
Além disso, a pena cumulativa
[moratória] foi reduzida pelo próprio
Decreto n º. 22.626, art. 9º., ao máximo de
dez por cento, e seria insuficiente, na
grande maioria dos casos, para a
satisfação das despesas judiciais e dos
honorários de advogado.
126
A conclusão de PONTES DE MIRANDA foge do
defendido pela maioria da doutrina:
Assente-se, portanto, a) que a cláusula
penal superior a dez por cento da dívida,
vale, b) o art. 920 do Código Civil de
1916, hoje art. 412 do Código Civil,
125
MIRANDA, op. cit., p. 96/97.
126
MIRANDA, op. cit., p. 97.
136
somente fora derrogado no que atingia
as cláusulas penais com cumulação, c)
que é ineficaz a cláusula penal no que
exceda de dez por cento, d) que, em se
tratando de dívidas ilíquidas, só após a
liquidação é que se pode saber até onde
é eficaz a cláusula.
A expressão ‘válida’ que aparece no art.
9º. do Decreto nº 22.626, está por ‘eficaz’.
De ordinário, os legisladores não sabem
distinguir da ineficácia a invalidade, mas
o sistema jurídico tem de ser revelado
com os textos legais e as lições da
ciência. A cláusula penal com infração do
art. 412 do Código Civil ou do 9º. do
Decreto 22.626 não é nula, é ineficaz para
além do limite máximo (não seria
apropriada a expressão ‘nula quanto ao
excesso’, que a alguns julgados escapou,
e.g., Câmaras Civis Conjuntas do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de
novembro de 1941, RT 142/673).
127
Apesar da força da argumentação do raciocínio
acima, não parece estar acompanhado do melhor direito. A Lei da Usura
apenas tem aplicação no âmbito dos contratos de mútuo. Deve-se entender
a finalidade da norma. A intenção era vedar a prática usurária que se
desenvolve nos contratos de empréstimo de dinheiro, ou seja, no mútuo.
Sobre este aspecto, importante lembrar que o Código
de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que tem por finalidade regular as
relações de consumo, também limita a cláusula penal em 2% (dois por
cento), conforme seu artigo 52, parágrafo primeiro.
127
MIRANDA, op. cit, p.99.
137
Artigo 52, Lei 8.078/90, No fornecimento
de produtos ou serviços que envolva
outorga de crédito ou concessão de
financiamento ao consumidor, o
fornecedor deverá, entre outros
requisitos, informá-lo prévia e
adequadamente.
Parágrafo Primeiro. As multas de mora
decorrentes do inadimplemento de
obrigações no seu termo não poderão
ser superiores a 2% (dois por cento) do
valor da prestação.
O Código de Defesa do Consumidor, inicialmente
havia fixado o valor máxima da cláusula penal moratória em 10% (dez por
cento), no entanto, com o advento da Lei 9.286/96, este patamar foi
reduzido para 2% (dois por cento). Segundo LUIZ ANTÔNIO RIZZATO
NUNES.
A multa de mora inicialmente permitida
na Lei 8.078 era de 10% (redação
original). Posteriormente, a Lei n. 9.286,
de 1º. de agosto de 1996, modificou a
redação do § 1º., reduzindo a multa a 2%.
Interessante notar que o Código de Defesa do
Consumidor tomou um espaço grande que era do âmbito do Decreto
22.626/33. O mútuo realizado por Instituição Financeira vem sendo,
reiteradamente, considerado como regulado pelo Código de Defesa do
Consumidor e não pela Lei da Usura. Traz abaixo, decisões neste sentido.
RECURSO ESPECIAL – MÚTUO
BANCÁRIO COMUM – CONTRATO DE
ABERTURA DE CRÉDITO – OMISSÃO
INEXISTENTE – CÓDIGO DE DEFESA DO
138
CONSUMIDOR – LIMITAÇÃO DA TAXA
DE JUROS – FUNDAMENTO SUFICIENTE
– CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS
– MULTA DE 2% OU 10% – COMISSÃO
DE PERMANÊNCIA – Assinado o contrato
na vigência da Lei nº 9.298/96 impõe-se a
redução da multa para 2%. Recurso
Especial conhecido e provido, em parte.
(STJ – RESP 471227 – RS – Rel. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito – DJU
18.08.2003 – p. 00204)
COMERCIAL – CONTRATO DE
ABERTURA DE CRÉDITO FIXO –
REDUÇÃO DA MULTA - A redução da
multa moratória de 10% para 2%, tal
como definida na Lei nº 9.298/96, que
modificou o Código de Defesa do
Consumidor, somente é possível para os
contratos celebrados após a sua
vigência. Precedentes da Corte. IV.
Recuso especial conhecido e
parcialmente provido. (STJ – RESP
435346 – SC – 4ª T. – Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior – DJU 23.09.2002)
Não é apenas o Código Civil que limita a cláusula
penal. Como visto, tal ocorre na Lei da Usura (para os contrato de mútuo)
bem como no Código de Defesa do Consumidor (nos casos de relações de
consumo). A tentativa é de trazer a equidade e a justiça para dentro das
relações privadas.
Por mais que tais limitações pareçam ferir a liberdade
contratual (autonomia da vontade), na realidade apenas ajustam o sistema
ao princípio de equilíbrio nas relações negociais.
139
5.3 INADIMPLEMENTO ABSOLUTO E A CLÁUSULA PENAL
COMPENSATÓRIA
Os artigos 410 e 411, do Código Civil estipulam o que
o credor poderá pleitear em caso de inadimplemento absoluto ou mora.
Primeiramente, destaca-se o conteúdo do artigo 410,
do Código Civil, aplicável para o caso de cláusula penal compensatória.
Artigo 410, CC. Quando se estipular a
cláusula penal para o caso de total
inadimplemento da obrigação, esta
converter-se-á em alternativa a benefício
do credor.
A redação do artigo 410, do atual Código Civil é
idêntica à do artigo 918 do Código Civil de 1916.
A cláusula penal compensatória não poderá ser
pleiteada cumulativamente com o cumprimento da obrigação. O credor
pode, alternativamente, requerer o cumprimento da obrigação ou a cláusula
penal compensatória.
A cláusula penal compensatória tem por finalidade,
além de pressionar o credor ao cumprimento da obrigação, pré-fixar a
indenização para o caso de inadimplemento absoluto. Como está se
tratando de inadimplemento absoluto, impossível solicitar, o credor, a pena
e o cumprimento da obrigação. Exatamente por este motivo que a cláusula
140
penal compensatória, geralmente, é estipulada em patamares superiores ao
da cláusula penal moratória.
Neste sentido, PAULO NADER.
O art. 410 do Código Civil refere-se
exclusivamente à hipótese de
inadimplemento total, concebendo ao
credor o direito de optar entre a
aplicação da cláusula e o cumprimento
da obrigação se esta puder, eficazmente,
ser cumprida.
128
A escolha entre o cumprimento da obrigação ou a
cláusula penal é exclusiva do credor. Será o credor que irá escolher se
pretende a cláusula penal compensatória ou se vai, ainda, buscar, o
cumprimento da obrigação. Havendo a escolha do credor por uma via, a
outra não mais poderá ser requerida.
O credor pode buscar o cumprimento da prestação
principal e se esta se este se tornar impossível, pode requerer,
sucessivamente a cláusula penal compensatória. O credor não pode
cumular a cláusula penal compensatória com o cumprimento da prestação.
RENAN LOTUFO assim comentou o artigo 410 do
Código Civil:
128
NADER, op. cit., p. 572.
141
Aqui se tem a hipótese da denominada
cláusula penal compensatória, visto que
decorrente do inadimplemento absoluto.
Sua estipulação visa o ressarcimento do
prejuízo, daí o seu nascimento como
alternativa em favor do credor da
obrigação original.
Veja-se que é alternativa em favor do
credor, não se inserindo, portanto, na
previsão do art. 252, caput, relativo às
obrigações alternativas, em que a
alternativa se dá, em primeiro lugar, a
favor do devedor.
Feita a escolha pela alternativa, ou seja,
pela cláusula penal, não se dá o retorno,
aplicando-se o ditado: escolhida uma via,
a outra não se dá.
129
O autor acima ainda conclui:
É evidente que a opção para o credor
pode se dar sucessivamente ao
insucesso na obtenção da prestação da
obrigação principal. Mas isso não implica
que se dará a cumulação da pretensão,
ou seja, a exigência de ambas as
prestações.
130
Sobre este aspecto, SILVIO DE SALVO VENOSA.
Escolhida uma via, não pode o credor
exigir também a outra. O devedor,
pagando a multa, nada mais deve, porque
129
LOTUFO, op. cit., p. 472.
130
LOTUFO, op. cit., p. 472/473.
142
ali já está fixada antecipadamente uma
indenização pelo descumprimento da
obrigação.
131
Cristalino que o credor, escolhendo a cláusula penal,
não poderá requerer também a prestação da obrigação principal.
Mas, caso a cláusula penal seja irrisória, questiona-se
sobre a possibilidade do credor escolher entre a cláusula penal
compensatória ou perdas e danos. A cláusula penal é uma pré-fixação das
perdas e danos. Caso seja fixada a cláusula penal, desnecessária a prova
do dano.
MARIA HELENENA DINIZ entende que o credor pode
escolher entre buscar a cláusula penal ou a perdas e danos.
O credor pode optar entre as perdas e
danos e a cláusula penal e, uma vez feita
a opção, prevendo, p. ex., no contrato, a
cláusula penal não mais poderá pleitear
as perdas e danos.
132
Também CARVALHO DE MENDONÇA aceita a
possibilidade do credor preterir a cláusula penal compensatória e perseguir
as perdas e danos.
131
VENOSA, op. cit., p. 369.
132
DINIZ, op. cit., p. 423.
143
Realizada a opção, esta é irretratável,
salvo si, escolhendo a prestação, esta se
torna ulteriormente impossível. Então
poderá o credor pedir a pena, porque
esta lhe é sempre devida pela
inexecução, que por sua vez implica a
existência de damnos a reparar. Há que
fazer, porém, uma importante distincção.
A escolha ao devedor é absolutamente
irrevogável, affirmamos. Essa proposição
é verdadeira em relação á pena, tanto
quanto á obrigação principal. Si, porém, a
escolha recahir sobre esta última, ella
deverá ser satisfeita com perdas e
damnos; pois que estes são devidos pela
inexecução. É por isso que alguns
códigos determinam que, por isso
mesmo que a pena subsiste os damnos,
pode o credor exigir aquelle como
mínimo destes, ou os damnos como mais
elevados.
133
Em contrapartida, J.M. CARVALHO SANTOS tem
posição totalmente distinta e entende que o credor não pode escolher entre
a cláusula penal e perdas e danos.
Uma vez fixada, contratualmente, a cláusula penal
compensatória, sobre ela repousará o valor da indenização para o caso de
inadimplemento absoluto. As partes assim ajustaram. O credor não
precisará demonstrar o dano sofrido e, tampouco, o devedor poderá ser
compelido a arcar com valor superior ao estipulado contratualmente.
Neste sentido, necessário citar J.M. CARVALHO
SANTOS.
133
MENDONÇA, Carvalho de, Obrigações, n. 197, p. 204
144
Não há, por conseguinte, em rigor, a
alternativa entre a cláusula penal e as
perdas e danos, (...), mesmo porque,
como as perdas e danos já estão
preavaliadas com a estipulação da
cláusula penal, não é lícito ao credor
exigir perdas e danos, mas, sim, apenas
a própria cláusula penal.
134
Ainda continua o autor supra citado: “No caso de
inadimplemento total, a opção do credor, uma vez feita, torna-se irretratável:
o cumprimento da obrigação, ou multa convencional”
135
.
Na mesma linha, destaca-se MÚCIO
CONTINENTINO.
Impossibilitada a execução pela qual
optou o credor, sómente lhe resta,
verificada essa circumstancia, retornar á
pena convencional. A ella limita-se a sua
indemnização, que aliás elle mesmo, em
concurso de vontade com o devedor,
prefixou, preavaliou, preestabeleceu.
136
Apenas para sedimentar a posição majoritária,
importante citar LIMONGI DE FRANÇA sobre este aspecto.
134
SANTOS, op. cit., p. 320.
135
SANTOS, op. cit., p. 322.
136
CONTINENTINO, op. cit., p. 273.
145
No caso, a pluralidade concerne às duas
opções do credor: cobrar a pena ou a
obrigação principal, devendo escolher
apenas uma delas, porque só uma delas
está o devedor jungido.
O devedor ajustou com o credor a pré-fixação dos
danos em caso de inadimplemento absoluto (cláusula penal compensatória):
ambos os contratantes aceitaram as disposições contratuais o quantum
determinado para o caso de inexecução completa. Atuaram de acordo com
a sua autonomia privada e, portanto, tanto o devedor, como o credor,
deverão respeitar o pacto.
Cristalino, assim, que caso seja fixada cláusula penal
compensatória e haja o inadimplemento absoluto (tão somente), o credor
poderá escolher entre o cumprimento da prestação e a cláusula penal. No
entanto, caso não haja a possibilidade de cumprimento da prestação, o
credor deverá se contentar com a cláusula penal.
Esta é a regra geral. No entanto, o Novo Código Civil
trouxe expressa a possibilidade de cumulação da cláusula penal com as
perdas e danos, quando assim expressamente estipulado.
Como é cediço, caso não haja a estipulação de
cláusula penal, o credor poderá exigir perdas e danos do credor desde que
provados todos os prejuízos sofridos em razão do inadimplemento e
estipulada a cláusula penal, pode ser considerada pré-fixado este valor de
perdas e danos e poderá ser exigido do devedor sem necessidade de
comprovação do prejuízo.
146
Ambas as figuras buscam defender o credor do
descumprimento da obrigação por parte do devedor.
Como visto, caso tenha sido fixada a cláusula penal, o
credor não poderá buscar perdas e, tampouco, poderá cumular perdas e
danos com a cláusula penal.
No entanto, a segunda parte do parágrafo único do
artigo 416, do Código Civil permite a cláusula penal seja fixada como início
de indenização e o credor busque o excedente do prejuízo através das
perdas e danos.
Art. 416, Código Civil. Para exigir a pena
convencional, não é necessário que o
credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo
exceda ao previsto na cláusula penal,
não pode o credor exigir indenização
suplementar se assim não foi
convencionado. Se o tiver sido, a pena
vale como mínimo da indenização,
competindo ao credor provar o prejuízo
excedente.
A possibilidade de considerar a cláusula penal como
início de indenização e buscar o excedente como perdas e danos apenas
poderá ocorrer em caso de expressa convenção entre os contratantes.
Neste sentido, PAULO NADER explica:
147
Havendo, pacto acessório da cláusula
penal, a previsão de indenização
suplementar, ter-se-á o seguinte efeito
prático: a) ao credor caberá a prova de
que o prejuízo superou o valor previsto
na cláusula penal; b) obtida a prova pelo
credor, o juiz complementará a
indenização estabelecida na cláusula
penal.
137
O credor, em regra, deve optar entre as perdas e
danos ou estabelecer a cláusula penal contratualmente.
Inclusive, não poderá o juiz aumentar,
equitativamente, a cláusula penal, mesmo que seja excessivamente aquém
do prejuízo sofrido.
Caso o credor entenda que o prejuízo sofrido tenha
valor muito superior ao pré-fixado em cláusula penal, poderá pleitear apenas
as perdas e danos, suportando o ônus de demonstrar os prejuízos que lhe
foram cometidos, desde que assim tenha sido estipulado. Não há qualquer
incongruência neste aspecto.
Havendo a estipulação, poderá o credor exigir o valor
da cláusula penal como início de indenização e, eventual prejuízo
suplementar, poderá ser exigido, desde que demonstrado.
137
NADER, Paulo, Curso de Direito Civil, Vol II, Editora Forense, 2ª.
Edição, Rio de Janeiro, 2006, p. 578.
148
Neste diapasão, primeiro é importante distinguir que
mesmo havendo o início de indenização com a aplicação da cláusula penal
acrescida das perdas e danos, não há cumulação. Na verdade, há uma
interação, mas não cumulação.
Não pode o credor exigir a cláusula penal e as perdas
e danos. Caso isto fosse permitido, o credor seria duplamente beneficiado,
somando-se a cláusula penal com as perdas e danos e esta não é a
intenção do espírito da lei.
O credor poderá ser beneficiado com a fixação de
cláusula penal, mas se o valor ajustado for muito inferior ao real prejuízo,
poderá exigir indenização suplementar, descontando a já fixada cláusula
penal, desde que esta possibilidade esteja estipulada contratualmente. O
credor deverá suportar o ônus de demonstrar o prejuízo que ultrapassar o
valor da cláusula penal.
O Código Civil atual traz o artigo 389, e, em seu bojo
é regulado que pelo inadimplemento absoluto o devedor responde por
perdas e danos acrescidos de juros e atualização monetária e de honorários
advocatícios.
Artigo 389, CC. Não cumprida a
obrigação, responde o devedor por
perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, e honorários
advocatícios.
149
O referido artigo complementou o antigo 1056 do
Código Civil de 1916, para acrescentar os juros, atualização e os honorários
advocatícios. Em caso de inadimplemento absoluto, por conseguinte, os
juros e a atualização deverão ser fixados independentemente de qualquer
convenção ou solicitação do credor.
Também neste aspecto, os honorários advocatícios
serão devidos independentemente de ação judicial. Ao passo que esta
regulação está no seio do Código Civil, é direito substancial e independe do
processo judicial.
Neste diapasão, caso o devedor tenha caracterizado o
seu inadimplemento absoluto, deverá arcar com a cláusula pena acrescida
dos honorários advocatícios. Ora, o artigo 389, do Código Civil trata da
obrigação do devedor de arcar com as perdas e danos (representada pela
cláusula penal compensatória) acrescidos dos honorários advocatícios,
juros e atualização monetária.
5.4 MORA E CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA
A cláusula penal pode ser estipulada tanto para o
inadimplemento absoluto, como em razão da mora. Neste último caso, há a
cláusula penal moratória e o interesse do credor reside no cumprimento da
prestação, originalmente estipulada, acrescida da cláusula penal.
150
Neste sentido o atual artigo 411, do Código Civil (com
redação idêntica ao artigo 919 do Código Civil de 1916) regula que em caso
de mora, ou para segurança especial de determinada cláusula, poderá o
credor exigir a obrigação principal cumulada com a cláusula penal.
Artigo 411, CC. Quando se estipular a
cláusula penal para o caso de mora, ou
em segurança especial de outra cláusula
determinada, terá o credor o arbítrio de
exigir a satisfação da pena cominada,
juntamente com o desempenho da
obrigação principal.
A cláusula penal estipulada para o caso de mora é a
denominada, correntemente, de moratória. No entanto, apesar da
denominação já usual, LIMONGI FRANÇA não a aceita:
A referência legal à mora levou os
autores e a Jurisprudência a
consagrarem, como vimos, a espressão
pena ou multa ‘moratória’, expressão
inadequada, pois, conforme já se
assinalou, não só é esta uma espécie da
‘compensatória’, como ainda a
compensatória alternativa
[compensatória propriamente dita]
também é moratória, pois, tecnicamente,
‘inexecução’e ‘inadimplemento’ são
sinônimos de ‘mora’.
138
138
FRANÇA, op. cit., p. 203.
151
A posição defendida acima exagera no tecnicismo. A
denominação cláusula penal moratória é adotada por toda a doutrina e
pelos Tribunais, portanto, será mantida esta classificação.
A cláusula penal moratória, portanto, não será aplicada
em caso de inadimplemento absoluto, mas sim em caso de mora. Conforme
visto, caso o devedor ainda esteja em mora, a prestação continua sendo útil
ao credor, portanto, pode exigi-la em conjunto com a pena (caso seja esta
estipulada).
Não se pode esquecer que a mora dentro do sistema
brasileiro é analisada sobre três vertentes: o local do pagamento; o
momento do pagamento; e a forma de pagamento. Qualquer cumprimento
defeituoso imputável ao devedor poderá gerar a mora. Reporta-se ao já
mencionado nos item sobre a mora.
A cláusula penal moratória também poderá ser fixada
para a garantia especial de uma cláusula determinada.
No caso da cláusula penal moratória, o credor poderá
cumular o pedido do cumprimento da prestação com a aplicação da pena.
Neste sentido, J.M. CARVALHO SANTOS.
Explica-se a razão [da cumulação da
pena com o pedido de cumprimento da
obrigação garantida]: a pena foi
152
estipulada visando a mora, ou a
inexecução de uma determinada cláusula
do contrato, não podendo, portanto,
traduzir a avaliação de todas as perdas e
danos, resultantes da inexecução da
obrigação, ou, em termos mais
expressivos, não poderá ela representar
o equivalente da execução, mas, sim,
como explica CARVALHO DE
MENDONÇA, a compensação do prejuízo
sofrido pelo credor com a espera, e, para
satisfazer tal fim, parece absurdo que
pudesse vir atacar o direito à prestação
principal.
Diante desta diferença, que como visto, autores, em
caso de silêncio das partes, tentam diferenciar a cláusula penal
compensatória da moratória através de seus patamares fixados. A cláusula
penal compensatória seria mais elevada que a cláusula penal moratória.
Também baseado neste aspecto da cláusula penal
moratória (possibilidade de cumulação da exigência de cumprir a obrigação
principal e a pena), PONTES DE MIRANDA defende a aplicação da Lei da
Usura de forma geral; apesar de rechaçada a posição de PONTES, tanto
pela doutrina dominante como pela jurisprudência, ressalva-se os
argumentos:
Diz-se que a cláusula penal é para o caso
de mora (cláusula penal por mora)
quando, ainda purgável não exclui a
incidência da cláusula penal. (...) Essa
pena – por isso mesmo – foi limitada,
pela lei [Decreto 22.626/33], a dez por
cento.
153
O credor poderá estipular pena para o caso de mora
ou para a segurança especial de determinada cláusula. Estipulada a
cláusula penal moratória, o devedor poderá ser obrigado a arcar tanto com a
obrigação principal como com a pena.
Importante salientar, neste momento, o regulado pelo
artigo 395, do Código Civil atual. Pela mora, o devedor responderá pelos
prejuízos que sua mora der causa, mais juros e honorários advocatícios.
Artigo 395, CC. Responde o devedor
pelos prejuízos a que sua mora der
causa, mais juros, atualização dos
valores monetários segundo índices
oficiais estabelecidos, e honorários de
advogado.
O Código Civil vigente complementou o antigo artigo
956 do Código de 1916. Pela análise do instituto, os juros e a atualização
monetária são devidas por questão de ordem pública, inclusive sem a
necessidade de pedido expresso pelo credor.
São os honorários advocatícios, entretanto, que
parecem trazer maiores discussões. Pelo referido artigo, a simples mora já
obriga o devedor a pagar honorários advocatícios para o profissional que
assessorar o credor, independente de ação judicial. Aqui, os honorários não
decorrem de regulação processual, mas sim de direito substancial.
Coerente, portanto, que em caso de estipulação de cláusula penal, do
devedor que cair em mora poderá ser exigido pelo credor o cumprimento da
obrigação principal, a pena convencional, juros e correção monetária, além
dos honorários advocatícios.
154
Patente, diante do verificado, a diferenciação de
sistema a ser adotado pela cláusula penal moratória e a compensatória.
5.5 OBJETO DA CLÁUSULA PENAL
Geralmente a cláusula penal possui como objeto uma
determinada porção de dinheiro, seja exata ou proporcional à obrigação.
Sobre a legislação lusitana, ANTUNES VARELA
esclarece que:
A cláusula penal tem por via de regra
como objecto uma quantia em dinheiro,
pois é da fixação do montante da
indemnização que lei fala ao caracterizá-la
e a expressão montante refere-se
geralmente, quer na linguagem corrente,
quer na terminologia técnica da lei, ao
objecto da prestação pecuniária.
139
ANTONIO PINTO MONTEIRO tem posição distinta da
adotada por VARELA e menciona que o objeto da cláusula penal não é
necessariamente pecuniário, podendo ser fixado de outra maneira,
conforme interesse das partes.
155
Via de regra, a pena é fixada em dinheiro.
Mas nada obsta que ela consista em uma
prestação de outra natureza: compete às
partes definir o conteúdo da prestação,
não existindo razões para deixar de se
seguir o princípio consagrado no art.
398º., nº 1. Em função dos interesses que
visam acautelar, a elas cabe decidir que
tipo de pena será mais idóneo e, sendo
em dinheiro, qual o seu montante.
140
São as partes que decidirão qual o objeto da cláusula
penal, claro respeitando os requisitos de validade do negócio jurídico.
Portanto, ANTONIO PINTO MONTEIRO, ainda conclui:
Também a respeito do objecto da
cláusula penal será de observar o regime
geral. Assim, nos termos do art. 280º., a
pena deve ser lícita, possível e
determinável, não podendo ser contrária
à ordem pública ou ofensiva dos bons
costumes.
São os sujeitos da obrigação principal
que estipulam a cláusula e a eles cabe,
em princípio, definir a pena e as
condições de que depende a sua
exigibilidade. Sendo esta apenas
determinável, caber-lhe-á, igualmente,
estipular os critérios a ter em conta para
a sua determinação ulterior, bem como
indicar a pessoa a que confiam esta
tarefa, não parecendo que se justifique
qualquer excepção ao regime geral.
141
Também neste aspecto, importante destacar MÚCIO
CONTINENTINO:
139
VARELA, op. cit., p. 141.
140
MONTEIRO, op.cit., p. 54.
156
Qual o objecto da clausula penal?
Commumente consiste elle numa
prestação em dinheiro. Isso entretanto
não impede que outro possa ser o seu
objecto. É o que expressamente dispõe o
código civil allemão, no seu art. 339,
prevendo a possibilidade de consistir a
pena em abstenção e, mórmente no art.
342, onde regula o caso de não consistir
a pena no pagamento de uma somma de
dinheiro.
142
Também para PONTES DE MIRANDA a cláusula
penal não necessita ser fixada em dinheiro.
A pena pode ser em dinheiro, ou em
outro bem, móvel ou imóvel. A pena pode
até consistir em obrigação de declaração
de vontade.
143
O objeto da cláusula penal deve respeitar os ditames
do artigo 104, inciso II, do Código Civil
144
, norma geral que permeia a
formação de qualquer negócio jurídico.
141
MONTEIRO, op cit., p. 54.
142
CONTINENTINO, Múcio, Da Cláusula Penal no Direito Brasileiro,
Saraiva & Comp. – Editores, São Paulo, 1926, p. 71.
143
MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Privado, Tomo 26, 1ª. Edição,
Editora Bookseller, Campinas, 2003, p.109.
144
Código Civil, Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
157
O objeto deve ser lícito, possível e determinado ou
determinável. Não há qualquer exigência que o objeto seja um montante em
dinheiro, a legislação não rechaça a possibilidade de estabelecer outro pena
que não em dinheiro.
5.6 ESTIPULAÇÃO POR TERCEIRO
Também há a possibilidade das partes que compõe a
relação principal elegerem um terceiro para que fixe o objeto da cláusula
penal. Tanto no momento de estabelecer as bases do negócio original,
como para fixar a cláusula penal deverá ser consagrado o princípio da
autonomia privada.
Discussão que ainda merece ser analisada reside na
estipulação da cláusula penal. Pode terceiro garantir a obrigação do
devedor se responsabilizando pela cláusula penal?
Ou, ainda, pode o devedor se responsabilizar em
arcar com a cláusula penal em favor de terceiro?
Aparentemente, não há qualquer óbice que seja a
cláusula penal estipulada em favor de terceiro, ou ainda, que um terceiro à
obrigação principal arque com o valor da cláusula penal.
158
No direito argentino, há estipulação expressa sobre a
estipulação em favor de terceiro. Para tanto, basta verificar o artigo 504 do
Código Civil Argentino.
Artigo 504, Código Civil Argentino. Si en
la obligación se hubiese estipulado
alguna vantaja en favor de um tercero,
este podrá exigir el cumplimiento de La
obligacíon, si la hubiese aceptado y
hécholo saber al obligado antes de ser
revocada.
Para entender o sistema argentino, KEMELMAJER
DE CARLUCCI, explica:
Em nuestro país el problema no se
presenta como tal; em efecto, el art. 504 –
separándose del precedente francés –
otorga plena eficácia a la estipulación en
favor de terceros: (...). Por tanto, siendo
plenamente válida la estipulación, na hay
razón alguna para dudar sobre la validez
de la cláusula penal a que ésta accede.
145
No direito nacional, LIMONGI FRANÇA é cristalino:
De nossa parte, ponderamos que, às
duas questões acima propostas, se deve
responder de modo positivo, por duas
razões fundamentais:
Primeira: não há norma legal que o
proíba.
145
CARLUCCI, op. cit, p. 70/71.
159
Segunda: tais interveniências não
desnaturam a cláusula penal.
146
O direito pátrio não faz qualquer restrição à
possibilidade de fixação de pena em favor de terceiro, bem como não
restringe a possibilidade de terceiro de responsabilizar tão somente pela
cláusula penal.
Evidente que o terceiro que ficará responsável pela
cláusula penal deverá, expressamente, aceitar tal encargo. Não poderá ser
compelido a arcar com a pena sem que tenha sido contratualmente
estipulado e aceito pelo terceiro.
Não parece ser matéria de grande discussão no
sistema pátrio, posto que como não há disposição legal em contrário, bem
como há a autonomia privada, nada obsta que terceiro se responsabilize,
contratualmente, pela cláusula penal.
146
FRANÇA, op. cit., 171.
160
CAPÍTULO 6
REVISÃO DA CLÁUSULA PENAL
A possibilidade de revisão da cláusula penal é
assunto de extremada relevância nos dias atuais, não somente pela suas
conseqüências concretas, mas também porque demonstra o avanço da
sociedade e, por conseguinte, do sistema jurídico que tenta excluir
injustiças.
A revisão da cláusula penal não é assunto pacífico.
Basta dizer que poderá haver a intervenção do Estado no ajuste privado. Tal
intervenção parece ser uma afronta aos princípios clássicos do contrato:
autonomia da vontade e o pacta sunt servada.
Todavia, a forma absoluta do tratamento concedido ao
princípios acima mencionados, geraram inúmeras injustiças e o Estado
necessitou interferir na relações privadas para que se alcançasse
patamares de equilíbrio.
Importante, assim, entender como o sistema jurídico
evolui para culminar na possibilidade do Estado, através do juiz, alterar
ajustes privados.
161
6.1 LIBERALISMO
Para entender a evolução que foi constatada nos
contratos que justifica a intervenção estatal em sua formulação, necessário
contextualizar o leitor em referência aos momentos históricos.
Imperioso retornar ao liberalismo exacerbado que foi
originado com a Revolução Francesa.
A classe burguesa, com recursos financeiros, mas
sem poder político, era achacada com vultuosa cobrança de tributos. Em
contraponto, a nobreza, classe dominante, era custeada pelo Estado – por
aqueles que pagavam tributos. O Estado era administrado por um monarca
fraco e sem qualidades pessoais adequadas para o cargo que ocupava.
Diante deste fato, a burguesia se levantou contra o
sistema e culminou na Revolução Francesa. As conseqüências foram a
queda do rei e a mudança do regime político.
O povo se “liberta” do Estado autoritário, que em tudo
interferia. A classe burguesa, convenientemente, começa a instrumentalizar
162
a autonomia da vontade, sob o pretexto de manter o Estado fora das
relações privadas.
Era interessante para a burguesia, neste momento,
consagrar a autonomia da vontade com a prerrogativa de: a) escolher com
quem contratar; b) escolher o que contratar; e c) escolher contratar.
CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY afirma que:
À classe burguesa que ascendia, cuja
atividade de produção alterava a índole
agrária da economia da Idade Média,
convinha a insrumentação jurídica ou a
ideologia mesmo da liberdade contratual,
a absolutização quase que completa, da
autonomia da vontade, quando revelada
pela tríplice e intocável prerrogativa de
escolher contratar, o que contratar e com
quem contratar, de resto tanto quanto
sucedia com o instituto da propriedade,
longe de ser admitida como uma relação
jurídica complexa, que impusesse
também deveres ao proprietário e criasse
direitos a centros de interesse opostos,
não proprietários.
147
Sobre a fase revolucionária, GEORGES RIPERT
afirma acerca da autonomia da vontade.
147
GODOY, Claudio Luiz Bueno de, Função Social do Contrato, Editora
Saraiva, 2004, p. 4.
163
Para afirmar todo o poder da vontade
humana, criadora de obrigações, o Código
Civil emprega no art. 1.134 a expressão
mais enérgica que se pode encontrar: ‘as
convenções legalmente formadas têm
valor das leis para aquele que a fizeram’.
Para quem se lembra do culto da lei
durante o período revolucionário, esta
fórmula parece extraordinariamente
forte.
148
O contrato, vivenciado dentro do sistema liberal, não
poderia sofrer qualquer restrição do Estado. As partes eram livres para
contratar. Foi neste espírito que foram consagrados os princípios clássicos
do contrato, todos à luz da autonomia da vontade: a liberdade contratual; a
obrigatoriedade do seu cumprimento (pacta sunt servanda); e a relatividade
dos contratos.
Segundo ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
assim esclarece:
São três os princípios do direito
contratual que vêm do século passado;
giram eles em torno da autonomia da
vontade e assim se formulam: a) as
partes podem convencionar o que
querem, e como querem, dentro dos
limites da lei – princípio da liberdade
contratual latu sensu; b) o contrato faz lei
entre as partes (art. 1.134 do Cód. Civil
francês), pacta sunt servanda – princípio
da obrigatoriedade dos efeitos
contratuais; c) o contrato somente
vincula as partes, não beneficiando nem
prejudicando terceiros, res inter alios
148
RIPERT, Georges, A Regra Moral nas Obrigações, Editora Bookseller,
2ª. Edição, 2002, p. 53.
164
acta tertio neque nocet neque prodest
princípio da relatividade dos efeitos
contratuais.
149
Não poderia, pois, haver qualquer intervenção nos
ajustes privados. A autonomia da vontade era absoluta (ressalvadas as
limitações legais).
Este liberalismo gerou inúmeros desequilíbrios.
Sempre que possível, o mais forte submetia o mais fraco aos seus
interesses.
Neste sentido CARLYLE POP afirma que o Estado
liberal gerou desequilíbrios e injustiças nas relações não paritárias.
A história provou, que tal sistema
econômico e os efeitos jurídicos que lhe
são próprios, qual seja, o da não-
intervenção, mostrou-se insatisfatório.
Mais, privilegiava o forte na temível e
inevitável luta econômica pela
sobrevivência. Como as pessoas eram
desiguais, não eram verdadeiramente
livres. Tal descompasso quebrava com a
fraternidade. Por isso Lacordaire já dizia
que ‘entre o forte e o fraco, é a lei que
liberta e a liberdade que oprime’.
150
149
AZEVEDO, Antonio Junqueira de, Estudos e Pareceres de Direito
Privado, Editora Saraiva, 2004, p. 140.
150
CARLYLE, Pop, Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa
Humana e a Liberdade Negocial a Proteção Contratual no Direito
Brasileiro. In LOTUFO, Renan (Coord.), Direito Civil Constitucional,
Cadernos 1, Max Limonad, 1999, p. 153.
165
O liberalismo gerou injustiças. Não se pode esquecer
que neste momento também começou a germinar a sociedade de massa,
em razão da Revolução Industrial. As desigualdades começaram a aflorar.
6.2. O ESTADO SOCIAL
O liberalismo não conseguia mais responder ao anseio
social. O desequilíbrio e a desigualdade nos contratos ficaram evidenciados.
O Estado tinha de começar a se preocupar também com as relações
privadas. Houve a transição entre o Estado Liberal para o Estado Social.
O Estado começou a interferir, dentro de permissivos
legais, também nas relações privadas. Surgiu a possibilidade de
revitalização do contrato para se buscar o equilíbrio substancial dos
contratantes e não somente a liberdade formal que era protegida no Estado
Liberal.
CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY, sobre este
assunto assevera que o Estado passa a interferir na autonomia da vontade
para conceder a efetiva igualdade – equilíbrio – entre os contratantes, tanto
através de leis protetivas, como por ação concreta dos juízes.
Cuida-se mesmo de o Estado invadir a
autonomia da vontade para, em primeiro
lugar por meio da lei, garantir uma
desigualdade que faça o papel de
equilibrar a desigualdade inversa que a
situação das partes intrinsecamente
envolve. Daí o exemplo de edição de leis
protetivas, tal como, no Brasil, a
166
Consolidação das Leis do Trabalho, as
sucessivas leis de locação e, mais
recentemente, o chamado Código de
Defesa do Consumidor. Significa, ainda,
e de outra parte, dotar o juiz de meios e
modos de alterar as disposições do
contrato – algo impensável no sistema do
liberalismo, em que intocável a vontade
das partes.
151
Evidente a evolução do sistema jurídico que alimentou
a possibilidade do Estado interferir nas relações privadas abstratamente
(através de normas protetivas), bem como permitiu a interferência concreta
(através da atuação do juiz).
Neste momento, relevante é analisar o controle
concreto que o Estado realiza nos contratos travados, especificadamente,
na cláusula penal.
6.3 PRÍNCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A teoria dos contratos, na visão clássica, é pautada
em três princípios decorrentes da autonomia da vontade: a liberdade de
contratar; a obrigatoriedade dos contratos e a relatividade dos efeitos dos
contratos.
151
GODOY, op.cit., p. 6.
167
O liberalismo absoluto trouxe em seu bojo inúmeras
desigualdades, permitindo, inclusive que fossem lesados os direitos básicos
do ser humano.
Não por acaso, a sociedade, através da evolução
também do ser humano, e principalmente após a Segunda Grande Guerra
começou a se preocupar com os Direitos Fundamentais.
O conteúdo que se dá à Dignidade da Pessoa
Humana está intimamente ligado aos Direitos Fundamentais. Neste sentido
INGO WOLGANG SARLET.
Por outro lado, se virtualmente
incontroverso o liame entre a dignidade
da pessoa e os direitos fundamentais, o
consenso, por sua vez, praticamente, se
limita ao reconhecimento da existência e
da importância desta vinculação. (...)
Além disso, em se levando em conta que
a dignidade, acima de tudo, diz com a
condição humana do ser humano, cuida-
se de assunto de perene relevância e
atualidade, tão perene e atual for a
própria existência humana
152
A sociedade brasileira, por óbvio, também absorveu
esta preocupação em respeitar a dignidade da pessoa humana, tanto assim,
que no artigo 1º., inciso III, da Constituição Federal está regulado que um
dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da
pessoa humana.
168
Destarte, todo o nosso sistema deve estar pautado na
tentativa de conceder ao homem uma vida digna. Este parece ser o valor
máximo que buscamos.
A proteção da dignidade humana gerará reflexos em
todos os âmbitos do direito. No direito de família, com a vedação de
discriminar filhos; no direito de propriedade, deve-se buscar a função social
da propriedade; nas relações obrigacionais poderá ser exposta a intimidade
do devedor; dentre outro exemplos. Importante agora é frisar o reflexo da
dignidade da pessoa humana nas relações contratuais.
O homem por sua essência está habitualmente
travando contratos (seja na padaria comprando pão; em uma loja adquirindo
uma roupa ou, ainda, na livraria adquirindo um livro). Evidente a
necessidade de respeitar a dignidade da pessoa humana no campo
contratual.
A dignidade da pessoa humana será respeitada na
ótica contratual havendo o equilíbrio nas bases negociais, bem como sendo
obedecidos critérios de condutas entre os contratantes.
Neste sentido, CARLOS ALBERTO GOULART
FERREIRA, “a proteção jurídica dada à liberdade contratual visou garantir o
152
SARLET, Ingo Wolfgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais, Editora Livraria do Avogado, , Porto Alegre, p. 27
169
equilíbrio contratual, dentro daquela concepção de que o homem deve ser
tratado dignamente”
153
.
Nos contratos, deve-se buscar o equilíbrio contratual.
Esta é a tarefa do Estado.
6.4 DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
O direito contemporâneo visa que as cláusulas
contratuais sejam equilibradas (ressalvado o caso de contratos
essencialmente aleatórios).
Em alguns casos, pode ocorrer que apenas uma
pessoa tenha um aumento patrimonial em detrimento de outra pessoa e
este ato seja considerado justo. A doação, por exemplo, encaixa-se neste
panorama, mas existe uma causa justa.
Por outra banda, casos há em que pode ocorrer o
empobrecimento de uma pessoa com o aumento de patrimônio da outra,
sem que haja uma causa justa. Este é o enriquecimento sem causa.
153
FERREIRA, Carlos Alberto Goulart, Equilíbrio Contratual. In LOTUFO,
Renan (Coord.), Direito Civil Constitucional, Cadernos 1, Max Limonad,
1999, p. 60.
170
SÍLVIO VENOSA esclarece que para que seja
caracterizado o enriquecimento sem causa, não poderá haver base jurídica
para este desequilíbrio.
Nas situações sob enfoque, é curial que
ocorra um desequilíbrio patrimonial. Um
patrimônio aumentou em detrimento de
outro, sem base jurídica. A função
primordial do direito é justamente manter
o equilíbrio social, como fenômeno de
adequação social.
154
Atualmente, demonstrando a preocupação do sistema
jurídico com o equilíbrio contratual, o artigo 884, do Código Civil veda o
enriquecimento sem causa.
Artigo 884, Código Civil. Aquele que, sem
justa causa, se enriquecer à custa de
outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a
atualização dos valores monetários.
GIOVANNI ETTORE NANNI eleva a vedação do
enriquecimento se causa a status de princípio. E, como a vedação foi
regulada pelo atual Código Civil, o autor a denomina como cláusula geral de
direito.
A regra contida no art. 884 do novo Código
Civil deve ser considerada uma cláusula
geral e, como tal, confere amplo espaço de
ação ao juiz, razão pela qual não se pode
154
VENOSA, op.cit., 231.
171
confinar a aplicabilidade do
enriquecimento sem causa exclusivamente
às situações em que é possível o exercício
da respectiva ação.
155
A preocupação do sistema jurídico é grande em
manter o equilíbrio das prestações entre os contratantes. Este fato terá
reflexos diretos na cláusula penal.
6.5 A REVISÃO DA CLÁUSULA PENAL
Com o mesmo espírito que norteou a limitação da
cláusula penal, há de se discutir a possibilidade da sua redução quando
trouxer um enriquecimento injustificado ao credor e o conseqüente
empobrecimento exagerado do devedor.
A regulação da revisão da cláusula penal é realizada
pelo artigo 413, do Código Civil de 2002.
Art. 413, do Código Civil. A penalidade
deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz
se a obrigação principal tiver sido
cumprida em parte, ou se o montante da
penalidade for manifestamente excessivo,
tendo-se em vista a natureza e a finalidade
do negócio.
155
NANNI, Giovanni Ettore, Enriquecimento sem causa, Editora Saraiva,
2004, p. 191.
172
A cláusula penal será reduzida em pelo juiz em caso
de parcial cumprimento da obrigação principal ou no caso de ter sido
excessivamente fixada.
Antes da análise individuais dos momentos de
redução que são descritos pela lei, insta ressaltar que o artigo 413, do
Código Civil determina que deve o Estado interferir no valor da cláusula
penal, para reduzí-la, eqüitativamente, quando a obrigação tiver sido
cumprida em parte ou o seu valor for manifestamente excessivo.
POTHIER, em seu Tratado das Obrigações, já
entendia como quinto princípio das obrigações penais a possibilidade de
sua redução pelo juiz.
Quinto Princípio – A pena estipulada em
caso de inexecução de uma obrigação
pode ser reduzida e moderada pelo juiz
quando lhe pareça excessiva.
156
Pela análise de POTHIER, o juiz pode reduzir a pena
em caso de parecer excessiva. O Código Civil vai além. Para o atual
sistema pátrio, o juiz deve reduzir eqüitativamente a cláusula penal
manifestamente excessiva.
Importante lembrar que o atual Código Civil, em seu
artigo 413, dispõe que é dever do juiz reduzir equitativamente a cláusula
156
POTHIER, Robert Joseph, Tratado das Obrigações, Editora Servanda,
2002, p. 302.
173
penal. No entanto, o antigo Código Civil de 1916, possuía em seu bojo o
artigo 924, que disciplinava a matéria, regulava que “Quando se cumprir
em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena
estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento”
O atual Código Civil, pautado no princípio da eqüidade,
dispõe que o juiz deve reduzir equitativamente a cláusula penal. Portanto, a
redução eqüitativa da cláusula penal é um direito do devedor não uma
faculdade do julgador.
A redução da cláusula penal nos casos especificados
é medida que busca o equilíbrio contratual. Caso o devedor cumpra, mesmo
que em parte, a sua obrigação principal, a pena deve ser reduzida na
proporção em que houve a observância da prestação original. Exigir a pena
inteira, mesmo com parcela da obrigação principal cumprida, pode gerar
desequilíbrio no sinalagma contratual.
A redução para cumprimento parcial apenas poderá
ser efetivada pelo juiz caso a prestação parcialmente cumprida seja útil ao
credor e este a aceite. Caso a prestação seja inútil ao credor, evidenciado
que não houve cumprimento parcial, mas sim inadimplemento absoluto.
A regra é o equilíbrio contratual, destarte, a redução da
pena apenas se justifica se o credor se beneficia do cumprimento parcial
pelo devedor. Caso o cumprimento parcial seja inteiramente inútil para o
174
credor, não houve qualquer benefício. Não há justificativa em reduzir a pena
– a redução da cláusula penal seria o desequilíbrio.
J.M. CARVALHO SANTO, compartilha do mesmo
raciocínio:
O texto supra, como se vê, do seu teor,
pressupõe ainda que tenha sido, em
parte, cumprida a obrigação, o que vale
exigir:
a) que a execução parcial tenha sido útil
de algum modo ao credor, e como tal;
b) Aceita pelo credor, visto como o
devedor lha pode impor.
Todos os tratadistas são acorde: se a
execução parcial for inútil, por exemplo,
se um pintor deixou um quadro somente
esboçado, a pena convencional não
poderá ser reduzida.
157
KEMELMAJER DE CARLUCCI, também entende que
a redução da cláusula penal pelo cumprimento parcial, exige que este
cumprimento traga alguma utilidade para o credor. Esta é a posição também
do sistema argentino. Sobre o assunto, o autor menciona que “el
cumplimento parcial o defectuoso debe haber sido útil para el acreedor”
158
O juiz, tendo conhecimento da cumprimento parcial da
obrigação e tendo sido revertida, com utilidade, para o credor, deverá haver
a redução eqüitativa da cláusula penal.
157
SANTOS, op. cit., p.389/390.
158
CARLUCCI, op. cit., 93.
175
Também haverá a redução da cláusula penal em
montante excessivamente estipulado. O Código Civil de 1916, apenas
previa a redução da pena por cumprimento, ou seja, o desequilíbrio foi
posterior à sua estipulação. O Código Civil de 2002, alargou a aplicação da
redução da multa convencional. Haverá redução em caso de fixação de
montante manifestamente excessivo. Neste último caso o desequilíbrio foi
na origem da estipulação da pena.
Segundo RENAN LOTUFO.
O novo teor do dispositivo alarga a
previsão do Código de 1916, de forma a
reprimir o manifesto desequilíbrio e
excessiva oneração da esfera do
devedor, ao permitir a intervenção
judicial no caso de desde a origem da
estipulação ocorrer desequilíbrio.
159
O devedor estará amparado para se defender de
desequilíbrio na estipulação da cláusula tanto na sua origem – caso de
montante manifestamente excessivo – como em desequilíbrio ocorrido a
posteriore (cumprimento parcial da obrigação principal).
Em ambos os casos, ficará a redução pautada pela
idéia de eqüidade e apenas poderá ser revisada pelo Judiciário.
159
LOTUFO, op. cit, p. 478.
176
A revisão da cláusula penal é o corolário da busca do
equilíbrio contratual sedimentado pela defesa da dignidade da pessoa
humana.
PAULO NADER, analisando a possibilidade de revisão
da cláusula penal, assinala ser inócuo o dispositivo contido no artigo 412, do
Código Civil (limitação da cláusula penal). Sustenta estar esvaziada esta
limitação pelo fato de ser dever do juiz reduzir, eqüitativamente, a pena
manifestamente excessiva. Ora, caso a pena supere o valor da obrigação
principal (teto legal), bastaria que a parte prejudicada demandasse alegando
ser montante manifestamente excessivo. Importante citar o autor
mencionado acima:
Realmente, razão não existe para a
limitação imposta (art. 412 do Código
Civil), uma vez que ao juiz é permitida a
diminuição do valor, quando este se
mostra desproporcional às características
do ato negocial. Enquanto o mecanismo de
redução favorece à eticidade, que é um do
três pilares do Código Civil de 2002, o
limite imposto pelo art. 412 é empecilho à
justiça do caso concreto. Absolutamente
injustificável a permanência da regra
limitadora em nosso ordenamento. O
objetivo que teve em mira – combate à
usura – já é alcançado pelo mecanismo de
redução.
160
A crítica de NADER não tem fundamento. Os critérios
adotados são distintos. O artigo 412, do Código Civil traz uma limitação
objetiva, não precisa ser ponderada pelo juiz. Em contrapartida, o artigo 413
160
NADER, Paulo, Curso de Direito Civil, Vol II, Editora Forense, 2ª.
Edição, Rio de Janeiro, 2006, p. 574.
177
do mesmo diploma, traz uma cláusula aberta em que o juiz aplicará
conforme a sua percepção da realidade e de justiça (eqüitativamente).
Sobre o avanço no direito pátrio, explicando a
dinâmica da evolução do instituto em análise, imperioso trazer os
ensinamentos de SÍLVIO VENOSA:
Abria-se, ainda, exceção ao princípio
geral, permitindo-se ao juiz que
reduzisse o valor da imposição, quando
ocorresse cumprimento parcial da
obrigação (art. 924 do Código Civil). Aqui
se tratava claramente de uma tão-só
faculdade do julgador.O juiz poderá
reduzir a multa, conforme rezava o
dispositivo. O caso concreto é que daria
melhor solução ao julgador. Aqui já se
divisava uma chamada ‘cláusula aberta’,
tão decantada no presente Código. No
entanto, sempre se entendeu que essa
redução era um direito do devedor que
cumprira parte da obrigação, não
existindo propriamente uma faculdade do
julgador.
161
O doutrinador acima, ainda continua, analisando a
redação do atual artigo, 413 do Código Civil.
Notemos que a nova lei usa o verbo
dever. Nesse caso, a redução passa a ser
definitivamente um dever do juiz, e não
mais uma faculdade. Cabe ao juiz
também, no caso concreto, reduzir a
161
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, - Teoria Geral das
Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, 5ª. Edição, Editora Atlas, São
Paulo, 2005, p. 375/376.
178
multa se esta for manifestamente
excessiva, levando-se em conta a
natureza e a finalidade do negócio. O
campo é da eqüidade. O princípio se
coaduna com a finalidade social do
contrato que o corrente Código atribui,
bem como com a boa-fé objetiva.
162
Destarte, o artigo 413, do Código Civil de 2002,
apenas veio a suprir os anseios da sociedade e conceder ao devedor a
possibilidade de exigir a redução da cláusula penal em razão do
cumprimento parcial da obrigação ou quando a cláusula penal for
manifestamente excessiva, o que será objeto de verificação no caso
concreto. A crítica deve ser rechaçada.
O dispositivo não vem com o intuito de beneficiar o
devedor, tampouco para que sejam tolhidas as manifestações particulares
de vontades. Também não se pode dizer que as partes nada mais podem
estipular que o Estado irá interferir.
Na realidade, a redução eqüitativa apenas vem a
contemplar os atos negociais e buscar que os negócios jurídicos sejam
pautados em respeito à dignidade da pessoa humana, pois exigir do
devedor cláusula penal excessiva, pode lhe inviabilizar a retomada de sua
liberdade com o cumprimento da obrigação e seus consectários advindos do
inadimplemento latu sensu.
A redução da cláusula penal é decorrência lógica da
necessidade de equilíbrio nos contratos. O equilíbrio contratual é essencial
162
VENOSA, op. cit., p. 375/376.
179
para que haja a liberdade e a igualdade nos contratos. Não igualdade
meramente formal, mas sim igualdade substancial.
O direito italiano também prevê a possibilidade de
redução da cláusula penal pelo judiciário, sem que seja visto tal interferência
como uma afronta à autonomia da vontade (hoje, autonomia privada).
MASSIMO BIANCA, menciona:
La pena può essere diminuita dal giudice
sel’obbligazione è stata in parte eseguita
o se il suo ammontare è manifestamente
eccesivo avuto riguardo all’interesse Che
il creditore aveva all’adempimento.
163
Corroborando com a tentativa de equilibrar os
contratos, GIOVANNI ETTORE NANNI justifica a possibilidade da redução
da cláusula penal como uma forma de vedar eventual enriquecimento sem
causa do credor.
Além da possibilidade de redução da
cláusula penal em caso de cumprimento
parcial da obrigação, o art. 413
estabelece uma novidade na lei civil, que
é a faculdade de diminuição se o
montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em
vista a natureza e a finalidade do
negócio.
163
BIANCA, op. cit., p. 232.
180
Cuida-se, mais uma vez, da aplicação do
preceito que veda o enriquecimento
injusto.
164
O autor acima ainda conclui
Em aditamento às considerações
traçadas nesse item, verifica-se que o
direito não tolera que a parte contratante
obtenha vantagens excessivas em
relação a outra, desprovidas de uma
contraprestação. É o caso típico da
cláusula penal excessiva, em que, em
caso de não-cumprimento da obrigação,
o credor enriquece-se em montante
manifestamente desproporcional à
avença, excedendo em muito o limite
tolerável da pena convencional.
165
Por qualquer ângulo verificado, a possibilidade de
redução da cláusula penal é uma realidade, seja pelo cumprimento parcial,
seja por ter sido estipulada manifestamente excessiva. O magistrado terá
em suas mãos os dever de trazer também à cláusula penal (pacto
acessório) os ideais de justiça e equilíbrio contratual.
164
NANNI, op. cit.,
165
NANNI, op. cit.,
181
CAPÍTULO 7
CLÁUSULA PENAL E FIGURAS AFINS
O ramo do direito que estuda as obrigações, talvez
seja o mais relevante para o fomento e circulação de riquezas na sociedade
contemporânea, isto porque, diferente da sociedade do início do século XX,
atualmente, as riquezas não se baseiam somente em bens imóveis. É
grande o interesse social acerca do correto cumprimento das obrigações.
Não bastasse isto, o direito das obrigações tem sua
fonte calcada na vontade humana e a sua fixação não é numerus clausus
como ocorre no ramo dos direitos reais. É ilimitada a fonte das obrigações,
bastando para sua validade, que o objeto da obrigação seja lícito (não
proibido), possível e determinado ou determinável. Desta leitura já se nota
as inúmeras possibilidades de obrigações que podem ser assumidas.
O Estado possui interesse no cumprimento adequado
das obrigações assumidas pelos particulares para que ao sistema seja
concedido um manto de segurança jurídica. O credor apenas precisa ter
armas que lhe concedam a possibilidade de exigir o seu crédito ou que, pelo
menos, não tenha prejuízos e receba a indenização correspondente em
caso de eventual descumprimento da obrigação por parte do devedor.
182
Há no sistema institutos que possuem características
similares e que buscam conferir às obrigações a segurança jurídica
necessária para que possa ser fomentada a circulação de riquezas.
Neste passo, deverão ser analisados institutos
similares à cláusula penal.
7.1 PERDAS E DANOS
O credor tem a expectativa no correto cumprimento da
obrigação por parte do devedor. No entanto, nos casos de patologia do
cumprimento da obrigação, o credor pode vir a sofrer prejuízo e, portanto,
exigir o ressarcimento em desfavor do devedor.
O ressarcimento é a indenização devida pelo devedor
em favor do credor pelo não cumprimento da obrigação outrora assumida. A
indenização pelo prejuízo sofrido em decorrência do cumprimento viciado da
obrigação é as perdas e danos.
Segundo PAULO NADER, a indenização apenas terá
lugar em caso de inadimplemento absoluto. O credor não poderá exigir o
cumprimento e a indenização.
Diante do inadimplemento e dependendo
da natureza da res debita, pode o credor
pleitear judicialmente o cumprimento da
obrigação. Se isto não se revela possível,
o caminho é o da indenização. Incabível a
183
cumulação de pedidos: a entrega do
objeto da prestação e o ressarcimento
pela inexecução. Possível, sim, o pedido
de cumprimento da obrigação acrescido
de ressarcimento pelos prejuízos
moratórios.
166
Em sentido contrário ARNALDO WALD informa que a
indenização das perdas e danos podem ser exigidas tanto em caso de
inadimplemento absoluto como em caso de mora.
A inexecução pode ser compensatória,
no caso de inadimplemento ou mora
(simples atraso), sendo representada
sempre por um valor em dinheiro
denominado id quod interest.
167
AGOSTINHO ALVIM
168
ensina que “não cumprida a
obrigação, ou cumprida de modo irregular, surge para o devedor a
obrigação de reparar o dano”.
Nesta esteira ANTUNES VARELA acompanha o
ensinamento de ALVIM:
O efeito fundamental do não
cumprimento imputável ao devedor
consiste na obrigação de indemnizar os
166
NADER, Paulo, Curso de Direito Civil, Vol II, Editora Forense, 2ª.
Edição, Rio de Janeiro, 2006, p. 538.
167
WALD, Arnaldo, Obrigações e Contratos, Editora Revista dos Tribunais,
14ª. Edição, p. 143.
168
ALVIM, Agostinho, Da Inexecução das Obrigações e suas
Conseqüências, São Paulo, Saraiva, 1949, p. 168.
184
prejuízos causados ao credor. Trata-se
de uma sanção que vale, genericamente,
tanto para a falta do cumprimento, strictu
sensu, como para a impossibilidade
(subntende-se: imputável ao devedor) de
cumprimento, como para a própria mora
debitoris (que cabe no conceito lato de
falta de cumprimento.
169
Parece mais acertado entender que as perdas e
danos podem ser pleiteados tanto no caso de inadimplemento absoluto
como em caso de mora. Esta é a conclusão que busca o maior equilíbrio e
eqüidade entre as partes, uma vez que o credor pode tanto vir a sofrer
prejuízos no caso da ausência total do cumprimento da obrigação como em
caso cumprimento realizado de forma defeituosa.
As perdas e danos possuem como escopo trazer ao
status quo e reparar o credor pelo dano causado pelo devedor. Para a
configuração das perdas e danos é necessária a existência do dano
(prejuízo), da culpa do devedor (nos casos em que não há assunção de
responsabilidade por casos fortuito e força maior) e nexo de causalidade.
Para fixar as perdas e danos, necessário que o
inadimplemento seja imputável ao devedor. Como já visto, não havendo
culpa ao devedor, não há como configurar a sua mora, portanto, não pode
ser compelido ao pagamento de eventual indenização. Ressalva-se apenas
a possibilidade do devedor aumentar a sua responsabilidade, por
convenção expressa, e arcar com a indenização também em caso de
inadimplemento por caso fortuito ou força maior.
169
VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. II,
185
A culpa é elemento essencial para a configuração das
perdas e danos. Neste sentido, SILVIO VENOSA é cristalino e ensina:
No entanto, para que haja a indenização,
é essencial a culpa. Ocorrendo o fato
invencível, não responderá o devedor
pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, na regra geral do
art. 393 (antigo, art. 1.058). Por seu lado,
a nova lei, a exemplo do Código antigo
no art. 1.058, refere-se também à
possibilidade de assunção expressa de
indenização pela parte, ainda que perante
o caso fortuito ou força maior. ‘O
devedor não responde pelos prejuízos
resultantes de caso fortuito ou força
maior, se expressamente não se houver
por eles responsabilizado’ (art. 393).
Assim como, por vontade das partes,
pode ocorrer limitação da
responsabilidade; pode haver ampliação,
assumindo o contratante o dever de
indenizar mesmo perante essas
excludentes.
170
A culpa é elemento a ser verificado para da mora
como do inadimplemento, conclui-se assim que deve ser essencial tanto nos
casos de perdas e danos como nos casos de aplicação de cláusula penal,
uma vez que ninguém pode ser responsabilizado pelo que não concorreu
para que se realizasse ou, ainda que o fator gerador da mora ou do
inadimplemento fosse invencível.
Editora Almedina, 7ª. Edição, Coimbra, 2003, p. 92/93.
170
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, - Teoria Geral das
Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, 5ª. Edição, Editora Atlas, São
Paulo, 2005, p. 351.
186
Não se pode olvidar que há presunção juris tantum de
ser a mora ou inadimplemento derivada de culpa do devedor, portanto é o
devedor que deve demonstrar o fato insuperável.
Neste ponto coincidem os institutos da cláusula penal
e das perdas e danos. Por outro turno, para as perdas e danos, como visto,
devem retornar o credor ao status quo como se inadimplemento latu sensu
não houvesse. Desta premissa decorre o fato de apenas ser possível exigir
as perdas e danos no caso de efetivo prejuízo do credor em razão do
inadimplemento imputável ao devedor.
É o credor que deverá demonstrar o prejuízo sofrido.
Prejuízo significa o que foi efetivamente gasto pelo credor em razão do
inadimplemento (danos emergentes), bem como o que o credor deixou de
receber (lucros cessantes).
O prejuízo pode ser em razão tanto de danos
materiais como imateriais, como é caso de ser atingido algum direito de
personalidade do credor em virtude do inadimplemento imputável ao
devedor.
Incumbe ao credor demonstrar o prejuízo e a sua
quantificação. Apenas deve ser ressarcido em razão deste prejuízo, sob
pena de enriquecimento sem causa.
Neste sentido destaca-se o ensinado por RAMÓN
DANIEL PIZARRO:
187
La reparación tiene finalidad
marcadamente resarcitoria. Procura
resarcir el daño, compensando el
menoscabo, antes que sancionar y
castigar el sindicado com responsable.
De allí que, como regla, el perjuicio
(material o moral) sufrido por el
damnificado constituya um limite más
allá del cual no es posible pasar, so
riesgo de onvertir al daño en una fonte
de lucro para el dañado y de correlativa
expoliación para el responsable. Tiende,
de tal modo, primariamente, a traducir la
reaccíon del ordenamiento jurídico frente
a un daño injustamente sufrido, en
procura de restablecer el equilibrio
alterado por el hecho generador.
171
O valor decorrente das perdas e danos devem ser
adstrito aos danos sofridos e devidamente comprovados pelo credor. É ônus
do credor demonstrar quais foram os prejuízos que foram causados pelo
inadimplemento do devedor.
A cláusula penal se afasta das perdas e danos neste
momento. Para a aplicação da cláusula penal desnecessária a alegação ou
caracterização de dano, inclusive, a aquela pode ser aplicada sem a
existência deste.
O dano não é pressuposto para a que seja aplicada a
cláusula penal. AGOSTINHO ALVIM é claro ao afirmar que:
171
PIZARRO, Ramón Daniel e Carlos G. Vallespinos, Instituciones de
Derecho Privado Obligacionaes, Editora Hamurabi, Buenos Aires, 1999.
188
O primeiro requisito ou pressuposto do
dever de indenizar é o dano.
É imprescindível que exista dano, salvo
casos excepcionais.
Este princípio está consagrado nos arts.
1.059 (atual art. 402) e 1.060 (atual art.
403) do Código Civil, que partem ambos
do pressuposto de um dano, ou prejuízo.
É verdade que o primeiro daqueles
cânones começa ressalvando exceções.
Mas estas dizem a respeito aos juros
moratórios e à cláusula penal, como
assinalam os autores e está na lei.
Poderíamos ajuntar a multa penitencial e
as arras -penitenciais, institutos estes
todos que admitem indenização,
independente do dano.
Não são propriamente casos de
indenização sem dano, e sim de dispensa
da alegação de prejuízo.
Mas, como não se trata de uma
presunção que apenas remova o ônus da
prova, o resultado é que bem se pode dar
a hipótese de indenização sem dado
algum.
172
As perdas e danos exigem a existência e
comprovação do dano ao passo que a cláusula penal pode ser aplicada
independente da alegação do dano. Exatamente em virtude desta
característica que para alguns, uma das finalidades da cláusula penal é a
pré-fixação dos danos, assunto já tratado.
172
ALVIM, Agostinho, Da Inexecução das Obrigações e suas
Conseqüências, São Paulo, Saraiva, 1949, p. 180.
189
Curioso é questionar sobre a possibilidade de
cumulação entre as perdas e danos e a cláusula penal, inclusive que já foi
objeto de estudo da seção 5.3 supra.
Alguns pontos são similares entre a cláusula penal e
as perdas e danos, entretanto, possuem finalidade e estrutura diversas. As
perdas e danos têm o empecilho de necessidade de comprovar o prejuízo
sofrido, correndo o risco de todos os contratempos de atrair para si o ônus
de provar as alegações de prejuízos.
A cláusula penal, por seu turno, afasta a necessidade
de provar prejuízos sofridos, mas há a limitação legal com base no valor da
obrigação principal.
7.2 ARRAS E SINAL
Bastante corriqueiro que as partes, para demonstrar o
forte vínculo obrigacional que as liga, adiantar uma quantia inicial para
garantir a efetivação de um negócio. Este adiantamento caracteriza as arras
ou o sinal
173
.
173
“Na vida negocial, com muita freqüência, as partes, ao tratarem um
contrato, procuram firmá-lo indelevelmente com uma quantia inicial
entregue por uma parte a outra, o que confirma a existência do negócio.
São as arras ou o sinal dados para demonstrar que os contratantes estão
com propósitos sérios a respeito do contrato, com a verdadeira intenção
de contratar e manter o negócio.” (VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil,
- Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, 5ª.
Edição, Editora Atlas, São Paulo, 2005, p. 381)
190
Para conceituar as arras ou sinal, importante trazer à
luz os ensinamentos de ARNALDO WALD que mencionam que “as arras
constituem quantia ou coisa móvel dada por uma das partes à outra,
em garantia da conclusão de um contrato
174
. Com o máximo respeito,
parece que a definição acima não contempla toda a extensão do sinal.
Como adiantamento, o sinal possui duplo sentido,
primeiro realmente é garantir a execução do contrato, são as arras
confirmatórias. Por outro lado, há a possibilidade de fixar também as arras
penitenciais, ou seja, convencionar a possibilidade de arrependimento por
uma das partes com a contrapartida das arras.
As arras confirmatórias estão reguladas no artigo 418
do Código Civil que dispõe “se a parte que deu as arras não executar o
contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução
for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato
por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com
atualização monetária segundo os índices oficiais regularmente
estabelecidos, juros e honorários de advogado”.
A característica confirmatória fica evidente. O sinal
serve como início de pagamento e caso não haja o cumprimento adequado
já está fixada uma penalidade em favor da parte inocente.
Caso a parte inadimplente seja aquela que deu as
arras, a parte inocente poderá retê-las. No entanto, sendo a parte
174
WALD, Arnaldo, Obrigações e Contratos, Editora Revista dos Tribunais,
14ª. Edição, p. 165.
191
inadimplente a que recebeu as arras, deverá restituí-las à outra parte
acrescidas do equivalente. As arras confirmatórias não inviabilizam que a
parte prejudicada busque indenização suplementar, se provar maior prejuízo
(artigo 419 do Código Civil), valendo as arras como taxa mínima.
O sinal, sob este aspecto confirmatório, possui vários
pontos de convergência com a cláusula penal, pois ambos têm por
finalidade a pré-fixação de indenização em razão do inadimplemento, bem
como trazer uma sanção à parte inadimplente.
Por outro lado, as arras podem ser fixadas para caso
de estipulação contratual de arrependimento, são as arras penitenciais. O
artigo 420, do Código Civil regula as arras penitenciais e dispõe que “se no
contrato dor estipulado o direito de arrependimento para qualquer das
partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste
caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e que as
recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não
haverá direito a indenização suplementar”.
Também neste aspecto penitencial, caso a parte que
dado as arras seja a arrependida, a parte inocente poderá retê-las. No
entanto, sendo a parte arrependida a que recebeu as arras, deverá restituí-
las à outra parte acrescidas do equivalente.
As arras penitenciais se afastam um pouco da
cláusula penal, uma vez que esta busca reforçar o vínculo obrigacional,
tanto como pré-fixação de danos, como para desmotivar que as partes
192
deixem de cumprir o avençado. Já as arras penitenciais concedem aos
contratantes a possibilidade de quebra do vínculo obrigacional, na realidade
afrouxam os laços do negócio, até porque não poderá a parte prejudicada
buscar indenização suplementar.
Neste sentido destaca-se o ensinamento de
OROSIMBO NONATO calcado nos dizeres de MANUEL INÁCIO
CARVALHO DE MENDONÇA:
Manuel Inácio Carvalho de Mendonça,
entre outros, extrema claramente a
cláusula penal da multa penitencial: a
primeira instituída em favor do título do
crédito, põe a mira em reforçar a
obrigação e prefixar, prevaliar,
preliquidar os danos; a segunda, a multa
penitencial, suscitada em favor do sujeito
passivo da obrigação, resguarda-o das
conseqüências do arrependimento: é
uma espécie de facultativa para o caso
de querer ele rescindir o contrato e novar
livremente.
A multa penitencial, rendendo ensejo às
possibilidades aludidas, relaxa o vínculo,
afrouxa-o; a cláusula penal, ao revés,
reforça-o, como observa Molitor.
Tais diferenças tornam impossível, à luz
do direito, confundi-las e unificá-las.
175
Diferenciando a cláusula penal e as arras sob esta
ótica, também se pode concluir que a cláusula penal não pode ser
confundida com obrigação alternativa, uma vez que o devedor não pode
escolher entre cumprir o avençado ou arcar com a cláusula penal.
175
NONATO, op. cit., p. 376.
193
Devem ainda ser apontadas as diferenças entre a
cláusula penal e as arras latu sensu (confirmatórias e penitenciais).
Nas arras há a necessidade de entrega de algo
(parcela em dinheiro ou bem móvel) para sua configuração, portanto há uma
característica real nas arras, ao passo que a cláusula penal não exige
qualquer tradição. SILVIO VENOSA esclarece sobre este aspecto:
Como explicitado aqui, nas arras existe
um cunho real. Deve ocorrer a entrega
efetiva de algo para firmar o contrato,
enquanto para que a cláusula penal
opere não existe necessidade de entrega,
depósito, ou alguma prestação. A
cláusula penal decorre de uma violação
ou um retardamento no cumprimento do
contrato, ao passo que, nas arras, se
estipulado o arrependimento, este um
direito da parte. A cláusula penal é
prestação prometida, que pode vir a não
se concretizar. Nas arras, já existe uma
prestação cumprida, com a entrega da
coisa, que é essencial.
176
A cláusula penal se assemelha às arras por ambas
buscarem a garantia para a execução de obrigações assumidas, no entanto,
suas diferenças também são evidentes, como já explanadas.
7.3 ASTREINTES
194
As astreintes são penalidades pecuniárias utilizadas
como desestímulo ao descumprimento de obrigações e que aumentam com
o passar do tempo.
As astreintes formam um instituto de direito
processual que pode ser fixado pelo juiz para que a parte seja compelida ao
cumprimento de uma obrigação. É bastante utilizado em caso de obrigações
de fazer e de não fazer.
Segundo PAULO NADER, as astreintes, instrumento
processual, geralmente devem recair sobre obrigações de fazer e não fazer
têm por finalidade a coerção para que o devedor cumpra a obrigação.
O credor, ao apresentar o seu pedido
judicialmente, poderá requerer, com
fulcro no art. 287 do Código de Processo
Civil, a aplicação das astreintes, visando
a compelir o recalcitrante a cumprir a sua
obrigação de fazer. Já o art. 461, § 4º., do
mesmo diploma legal, faculta ao juiz, de
ofício, a fixação d multa diária para o
descumprimento da decisão judicial
relativa às obrigações de fazer e não
fazer, com a concessão de tutela
antecipada ou decisão final. O valor
estabelecido para a multa não é
definitivo, uma vez que o juiz da
execução poderá revê-lo, desde que o
considere insuficiente ou excessivo,
conforme prevê o parágrafo único do art.
644 daquele Códex.
177
176
VENOSA, op. cit., p. 388.
177
NADER, op. cit, p. 108.
195
Tanto a cláusula penal como as astreintes buscam
compelir o devedor a cumprir a sua obrigação. No entanto, divergem uma
vez que a cláusula penal é instituto oriundo do direito material e as
astreintes decorrem do direito processual.
Esta diferenciação é de extrema importância, uma vez
que possuem sistemáticas diferentes. A cláusula penal possui limite legal,
como já explanado, já as astreintes não possuem qualquer limitação de
valor.
196
CONCLUSÃO
Após todo o trabalho elaborado, pode-se dizer que a
cláusula penal continua a ser um instituto com extrema relevância, dinâmico
e cativante.
Por mais extenso que o trabalho seja, por mais
pesquisa que seja formulada, percebe-se que é um instituto com inúmeras
vertentes. A cláusula penal evoluindo desde a stipulatio poenae do Direito
Romano avançou com o tempo, assim como o direito das obrigações.
Tanto a stipulatio romana se desenvolveu como, por
óbvio, a stipulatio poenae também teve uma necessária evolução.
A cláusula penal sobreviveu à Idade Media, mesmo
sendo combatida pela Igreja, vez que acreditavam ser uma maneira de
encobrir a cobrança de juros extorsivos.
No Código Civil francês, à luz do liberalismo, a
cláusula penal já mostrava sua relevância e assim foi mantida. No direito
contemporâneo, pode-se atrelar à cláusula penal a grande importância das
obrigações na circulação de riquezas.
197
Ora, a cláusula penal tem por finalidade a segurança
nas relações obrigacionais, seja como forma de coagir o devedor a cumprir
o que se obrigou, seja como uma forma de pré-fixação de eventuais danos
pelo descumprimento da obrigação.
Se, hoje, o direito das obrigações é o grande
responsável por fomentar o instável mercado mundial, tal só acontece
porque os contratantes buscam se proteger de eventuais quebras ou
descumprimentos contratuais e acreditam na imposição de penas para
manter intacto o pacto originalmente convencionado.
A cláusula penal tem posição de destaque nos
contratos, é ela a responsável por manter a sensação de segurança para os
contratante, pois sabem que em caso de descumprimento pela outra parte
podem lançar mão de seus efeitos.
Muitas foram as oportunidades que a cláusula penal
foi utilizada como forma da parte mais forte sujeitar a parte mais fraca em
uma relação contratual.
Demonstrando a dinâmica do sistema jurídico, foram
lançadas correções para estas patologias internas. Foi desenvolvida,
cativada e protegida a dignidade da pessoa humana: elevada a patamar de
princípios dos princípios.
O equilíbrio contratual, nos dias atuais, é um corolário
da dignidade da pessoa humana, pois, não há como viver na sociedade
198
contemporânea extraindo da pessoa o direito a um contrato justo,
equilibrado.
Necessária a legislação limitadora do montante a ser
estipulado em cláusula penal, bem como, imprescindível o aumento de
poderes nas mãos do Estado para reduzir, eqüitativamente, o valor da
cláusula penal tanto em caso de parcial cumprimento da obrigação como
em razão ter sido estipulada manifestamente excessiva.
Alguns se levantarão e bradarão que houve restrição
à liberdade de contratar. A liberdade de contratar não pode ser absoluta,
sob pena de mutilá-la. O Estado deve sim, em casos necessários, interferir,
seja abstratamente (através de leis), seja concretamente (pela atuação do
juiz) (re)estabelecer o equilíbrio contratual. Talvez assim, consiga-se
alcançar a efetiva liberdade contratual.
Verifica-se, pois, que o sistema concentra na mão do
credor uma forte arma para forçar o cumprimento da obrigação ou receber
indenização sem necessidade de demonstrar o prejuízo. Mesmo assim, com
visto, o sistema privado pátrio entende que o valor pessoa humana é a fonte
de todos os valores, portanto, jamais poderia permitir a sujeição do
contratante mais fraco pelo mais forte.
199
ANEXO I
DECRETO Nº 22.626, DE 7 DE ABRIL DE 1933
Dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras
providências.
O Chefe do Governo Provisório da República dos
Estados Unidos do Brasil:
Considerando que todas as legislações modernas
adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos
praticados pela usura;
Considerando que é de interesse superior da
economia do país não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o
desenvolvimento das classes produtoras;
Decreta:
Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei,
estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa
legal (Código Civil, artigo nº 1.062).
200
§ 1º. (Revogado pelo Decreto-Lei nº 182, de
05.01.1938)
§ 2º. (Revogado pelo Decreto-Lei nº 182, de
05.01.1938)
§ 3º. A taxa de juros deve ser estipulada em escritura
pública ou escrito particular, e não o sendo, entender-se-á que as partes
acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da
respectiva ação ou do protesto cambial.
Art. 2º. É vedado, a pretexto de comissão, receber
taxas maiores, do que as permitidas por esta lei.
Art. 3º. As taxas de juros estabelecidas nesta lei
entrarão em vigor com a sua publicação e a partir desta data serão
aplicáveis aos contratos existentes ou já ajuizados.
Art. 4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição
não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em
conta-corrente de ano a ano.
Art. 5º. Admite-se que pela mora dos juros contratados
estes sejam elevados de 1% e não mais.
201
Art. 6º. Tratando-se de operações a prazo superior a
seis (6) meses, quando os juros ajustados forem pagos por antecipação, o
cálculo deve ser feito de modo que a importância desses juros não exceda à
que produziria a importância líquida da operação no prazo convencionado,
às taxas máximas que esta lei permite.
Art. 7º. O devedor poderá sempre liquidar ou amortizar
a dívida quando hipotecária ou pignoratícia antes do vencimento, sem sofrer
imposição de multa, gravame ou encargo de qualquer natureza por motivo
dessa antecipação.
§ 1º. O credor poderá exigir que a amortização não
seja inferior a 25% do valor inicial da dívida.
§ 2º. Em caso de amortização, os juros só serão
devidos sobre o saldo devedor.
Art. 8º. As multas ou cláusulas penais, quando
convencionadas, reputam-se estabelecidas para atender a despesas
judiciais e honorários de advogados, e não poderão ser exigidas quando
não for intentada ação judicial para cobrança da respectiva obrigação.
Parágrafo único. Quando se tratar de empréstimo até
Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) e com garantia hipotecária, as multas ou
cláusulas penais convencionais reputam-se estabelecidas para atender,
apenas, a honorários de advogados, sendo as despesas judiciais pagas de
acordo com a conta feita nos autos da ação judicial para cobrança da
202
respectiva obrigação. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 3.942, de
21.08.1961)
Art. 9º. Não é válida a cláusula penal superior à
importância de 10% do valor da dívida.
Art. 10. As dívidas a que se refere o artigo 1º, §§ 1º, in
fine, e 2º, se existentes ao tempo da publicação desta lei, quando
efetivamente cobertas, poderão ser pagas em dez (10) prestações anuais
iguais e continuadas, se assim entender o devedor.
Parágrafo único. A falta de pagamento de uma
prestação, decorrido um ano da publicação desta lei, determina o
vencimento da dívida e dá ao credor o direito de excussão.
Art. 11. O contrato celebrado com infração desta lei é
nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a repetição do que
houver pago a mais.
Art. 12. Os corretores e intermediários, que aceitarem
negócios contrários ao texto da presente lei, incorrerão em multa de cinco a
vinte contos de réis, aplicada pelo Ministro da Fazenda e, em caso de
reincidência, serão demitidos, sem prejuízo de outras penalidades
aplicáveis.
203
Art. 13. É considerado delito de usura, toda a
simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a
fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores
prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou
instrumento.
Penas - Prisão por seis (6) meses a um (1) ano e
multas de cinco contos a cinqüenta contos de réis.
No caso de reincidência, tais penas serão elevadas ao
dobro.
Parágrafo único. Serão responsáveis como co-autores
o agente e o intermediário, e, em se tratando de pessoa jurídica, os que
tiverem qualidade para representá-la.
Art. 14. A tentativa deste crime é punível nos termos
da lei penal vigente.
Art. 15. São consideradas circunstâncias agravantes o
fato de, para conseguir aceitação de exigências contrárias a esta lei, valer-
se o credor da inexperiência ou das paixões do menor, ou da deficiência ou
doença mental de alguém, ainda que não esteja interdito, ou de
circunstâncias aflitivas em que se encontre o devedor.
204
Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura
pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais,
sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio
superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda
estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de
instituição oficial de crédito;
b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando
da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro
patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita
ou prometida.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e
multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.
§ 1º. Nas mesmas penas incorrerão os procuradores,
mandatários ou mediadores que intervierem na operação usurária, bem
como os cessionários de crédito usurário que, cientes de sua natureza
ilícita, o fizerem valer em sucessiva transmissão ou execução judicial.
§ 2º. São circunstâncias agravantes do crime de usura:
205
I - ser cometido em época de grave crise econômica;
II - ocasionar grave dano individual;
III - dissimular-se a natureza usurária do contrato;
IV - quando cometido:
a) por militar, funcionário público, ministro de culto
religioso; por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente
superior à da vítima;
b) em detrimento de operário ou de agricultor; de
menor de 18 (dezoito) anos ou de deficiente mental, interdito ou não. (Alínea
b regulamentada pelo Decreto nº 48.456, de 30.06.1960)
§ 3º. A estipulação de juros ou lucros usurários será
nula, devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido
cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros
legais a contar da data do pagamento indevido."
Art. 16. Continuam em vigor os artigos 24, parágrafo
único, nº 4, e 27 do Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929, e artigo
44, nº 1, do Decreto nº 2.044, de 17 de dezembro de 1908, e as disposições
do Código Comercial, no que não contra-vierem com esta lei.
206
Art. 17. O governo federal baixará uma lei especial,
dispondo sobre as casas de empréstimos sobre penhores e congêneres.
Art. 18. O teor desta lei será transmitido por telegrama
a todos os interventores federais, para que o façam publicar incontinenti.
Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 7 de abril de 1933; 112º da
Independência e 45º da República.
GETÚLIO VARGAS
Francisco Antunes Maciel
Joaquim Pedro Salgado Filho
Juarez do Nascimento Fernandes Távora
Oswaldo Aranha
207
ANEXO II
Decisões sobre a aplicação do Decreto 22.616/33
CONTRATO DE LOCAÇÃO – O art. 585, IV do CPC autoriza o locador
que tem contrato escrito a utilizar a via executiva para cobrança de
crédito decorrente de aluguel bem como dos encargos de condomínio.
A executividade alcança as demais parcelas decorrentes da locação,
como IPTU e multa contratadas. Multa moratória. Aplica-se, ao caso
concreto, a cláusula contratual que prevê a multa moratória de 20% do
valor do débito, posto que não infringe o art. 920 do Código Civil. De
outro lado, não se aplica as locações de imóvel urbano o Código de
Defesa do Consumidor nem a Lei de Usura, posto que aquele resulta
endereçado as relações de consumo e está ao mútuo. Taxa de
condomínio. O locador tem legitimidade para cobrar diretamente do
inquilino as cotas condominiais, sendo irrelevante conste nos recibos
expedidos pela imobiliária, como sacado o nome do pai do locador,
notadamente quando a Lei não exige que locador seja também o
proprietário do imóvel. Sucumbência. Em caso de decaimento mínimo,
deve ser suportada integralmente pelo vencido. Art. 21, parágrafo
único, CPC. Preliminar rejeitada. Recurso de apelação improvido.
(TJRS – APC 70004812707 – 16ª C.Cív. – Relª Desª Genacéia da Silva
Alberton – DJRS 10.12.2002)
RECURSO ESPECIAL – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIVERGÊNCIA
– AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO E COMPROVAÇÃO – LOCAÇÃO –
PRORROGAÇÃO SEM A ANUÊNCIA DO FIADOR – NÃO
COMPROVAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LEI DE USURA –
208
INAPLICAÇÃO – OMISSÃO E CONTRADIÇÃO – INEXISTÊNCIA – 1. O
conhecimento do Recurso Especial fundado na alínea "c" do
permissivo constitucional requisita, em qualquer caso, a
demonstração analítica da divergência jurisprudencial invocada, por
intermédio da transcrição dos trechos dos acórdãos que configuram o
dissídio e da indicação das circunstâncias que identificam ou
assemelham os casos confrontados, e a comprovação, mediante
juntada das certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos
paradigmas, ou pela citação de repositório oficial, autorizado ou
credenciado, em que os mesmos se achem publicados, não se
oferecendo, como bastante, a simples transcrição de ementas ou votos
(artigo 255, parágrafo 2º, do RISTJ). 2. "A pretensão de simples
reexame de prova não enseja Recurso Especial." (Súmula do STJ,
Enunciado nº 7). 3. A Lei de Usura, destinada a regular os contratos de
mútuo, vedando o excesso na remuneração de capital, não se aplica
aos contratos de locação. 4. A caracterização da violação do artigo 535
do Código de Processo Civil está na falta da decisão devida ou da
superação de existente contradição ou obscuridade no julgado, em
nada se confundindo com motivos de inconformismo em face de
julgado desfavorável. 5. Recurso improvido. (STJ – RESP 216847 – MG
– 6ª T. – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJU 22.09.2003 – p. 00393)
209
BIBLIOGRAFIA
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Fontes. Formação, Livraria Almedina, 2ª. Edição, Coimbra, 2003.
ALVES, José Carlos Moreira, Direito Romano, Editora
Forense, 14ª. Edição, Rio de Janeiro, 2007.
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Editora Forense, 6ª. Edição, Rio de Janeiro, 1998.
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Pareceres de Direito Privado, Editora Saraiva, São Paulo, 2004.
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2002.
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convenzionale secondo Il diritto romano, in SDSD, ano XV, Roma, 1894.
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Saraiva, São Paulo, 1997.
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I, Giuffrè, Milano, 1953-1955.
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Bookseller, 1ª. Edição, Campinas, 2006.
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do Brasil Comentado, 11ª. Edição, Rio de Janeiro.
BEVILAQUA, Clóvis, Direito das Obrigações, Ed.
Officina Dois Mundos, 1896.
BIANCA, C. Massimo, Diritto covole: La responsabilità,
Vol. V, Giuffrè, Milano, 1997.
BIONDI, Biondo, Instituzioni di diritto romano, 4ª
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da Pessoa Humana e a Liberdade Negocial a Proteção Contratual no Direito
Brasileiro. In LOTUFO, Renan (Coord.), Direito Civil Constitucional,
Cadernos 1, Max Limonad, 1999.
CHITTY, On Contracts, Vol. I, Ed. London, 23ª Edição.
CONTINENTINO, Múcio, Da Cláusula Penal no Direito
Brasileiro, Saraiva & Comp. – Editores, São Paulo, 1926.
COSTA, Judith Martins, Comentários ao novo Código
Civil: Do Direito das Obrigações, Do Adimplemento e da Extinção das
Obrigações, 1ª. Edição, Forense, Vol. V, Tomo I, Rio de Janeiro, 2003.
DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro,
Vols. I e II, Editora Saraiva, 22ª. edição, 2007.
DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro, Interpretada, Editora Saraiva, 9ª. edição, São Paulo, 2002.
FARIAS, Cristiano Chaves de, Cláusula Penal:
Miradas sobre a Cláusula Penal no Direito Contemporâneo à Luz do Direito
211
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Direito Civil e Processual Covil, Ed. Síntese, número 16, 2002.
FERREIRA, Carlos Alberto Goulart, Equilíbrio
Contratual. In LOTUFO, Renan (Coord.), Direito Civil Constitucional,
Cadernos 1, Max Limonad, 1999, p. 60.
FRANÇA, Rubens Limongi, Manual de Direito Civil, 4º.
Volume, Tomo I, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1969.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona.
Novo Curso de Direito Civil. 2ª. Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2003.
GODOY, Claudio Luiz Bueno de, Função Social do
Contrato, Editora Saraiva, 2004.
GOMES, Orlando, Obrigações, 16ª. Edição, Rio de
Janeiro, Forense, 2004.
GORLA, Gino, Il contratto; problemi fondamentali
trattati com Il método comparativo e casistico,Vol. 1, Milano, 1954.
JÚNIOR, Ruy Rosado Aguiar, Extinção dos Contratos
por Incumprimento do Devedor: resolução, Editora AIDE.
MAZZONI, Pacifi, Instituzioni di Diritto Civile Italiano,
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MENDONÇA, Carvalho de, Obrigações, n. 197
MESSINEO, Francesco, Il Contrato in Genere, Editora
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MONTEIRO, Antonio Joaquim de Matos Pinto,
Cláusula Penal e Indemnização, Coleção teses, Editora Almedina, Coimbra,
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212
MONTEIRO, Washington de Barro, Curso de Direito
Civil – Direito das Obrigações, Vol. IV, Editora Saraiva, 32ª. edição, São
Paulo, 2003.
MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito
Civil, Vol. IV, Editora Saraiva, 21ª. Edição.
NADER, Paulo, Curso de Direito Civil, Vol II, Editora
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NANNI, Giovanni Ettore, Enriquecimento sem causa,
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NONATO, Orosimbo, Curso de Obrigações, Vols. I e II,
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NORONHA, Direito das Obrigações, Vol. I, Saraiva,
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NORONHA, Fernando, O Direito dos Contratos e seus
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NUNES, Luiz Antônio Rizzato, Comentários ao Código
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RIPERT, Georges, A Regra Moral nas Obrigações,
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Saraiva, São Paulo, 2004.
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SARLET, Ingo Wolfgang, Dignidade da Pessoa
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TEPEDINO, Gustavo, Problemas de Direito Civil –
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VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações
em Geral, Vols. I e II, Editora Almedina, 7ª. Edição, Coimbra, 2003.
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil, - Teoria Geral
das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, 5ª. Edição, Editora Atlas,
São Paulo, 2005.
WALD, Arnaldo, Obrigações e Contratos, Editora
Revista dos Tribunais, 14ª. Edição.
ANEXO I
DECRETO Nº 22.626, DE 7 DE ABRIL DE 1933
Dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras
providências.
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados
Unidos do Brasil:
Considerando que todas as legislações modernas adotam
normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela
usura;
Considerando que é de interesse superior da economia
do país não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o
desenvolvimento das classes produtoras;
Decreta:
Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei,
estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa
legal (Código Civil, artigo nº 1.062).
§ 1º. (Revogado pelo Decreto-Lei nº 182, de 05.01.1938)
§ 2º. (Revogado pelo Decreto-Lei nº 182, de 05.01.1938)
§ 3º. A taxa de juros deve ser estipulada em escritura
pública ou escrito particular, e não o sendo, entender-se-á que as partes
acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da
respectiva ação ou do protesto cambial.
Art. 2º. É vedado, a pretexto de comissão, receber taxas
maiores, do que as permitidas por esta lei.
Art. 3º. As taxas de juros estabelecidas nesta lei entrarão
em vigor com a sua publicação e a partir desta data serão aplicáveis aos
contratos existentes ou já ajuizados.
Art. 4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição
não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em
conta-corrente de ano a ano.
Art. 5º. Admite-se que pela mora dos juros contratados
estes sejam elevados de 1% e não mais.
Art. 6º. Tratando-se de operações a prazo superior a seis
(6) meses, quando os juros ajustados forem pagos por antecipação, o cálculo
deve ser feito de modo que a importância desses juros não exceda à que
produziria a importância líquida da operação no prazo convencionado, às taxas
máximas que esta lei permite.
Art. 7º. O devedor poderá sempre liquidar ou amortizar a
dívida quando hipotecária ou pignoratícia antes do vencimento, sem sofrer
imposição de multa, gravame ou encargo de qualquer natureza por motivo
dessa antecipação.
§ 1º. O credor poderá exigir que a amortização não seja
inferior a 25% do valor inicial da dívida.
§ 2º. Em caso de amortização, os juros só serão devidos
sobre o saldo devedor.
Art. 8º. As multas ou cláusulas penais, quando
convencionadas, reputam-se estabelecidas para atender a despesas judiciais e
honorários de advogados, e não poderão ser exigidas quando não for intentada
ação judicial para cobrança da respectiva obrigação.
Parágrafo único. Quando se tratar de empréstimo até Cr$
100.000,00 (cem mil cruzeiros) e com garantia hipotecária, as multas ou
cláusulas penais convencionais reputam-se estabelecidas para atender,
apenas, a honorários de advogados, sendo as despesas judiciais pagas de
acordo com a conta feita nos autos da ação judicial para cobrança da
respectiva obrigação. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 3.942, de
21.08.1961)
Art. 9º. Não é válida a cláusula penal superior à
importância de 10% do valor da dívida.
Art. 10. As dívidas a que se refere o artigo 1º, §§ 1º, in
fine, e 2º, se existentes ao tempo da publicação desta lei, quando efetivamente
cobertas, poderão ser pagas em dez (10) prestações anuais iguais e
continuadas, se assim entender o devedor.
Parágrafo único. A falta de pagamento de uma prestação,
decorrido um ano da publicação desta lei, determina o vencimento da dívida e
dá ao credor o direito de excussão.
Art. 11. O contrato celebrado com infração desta lei é nulo
de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a repetição do que houver
pago a mais.
Art. 12. Os corretores e intermediários, que aceitarem
negócios contrários ao texto da presente lei, incorrerão em multa de cinco a
vinte contos de réis, aplicada pelo Ministro da Fazenda e, em caso de
reincidência, serão demitidos, sem prejuízo de outras penalidades aplicáveis.
Art. 13. É considerado delito de usura, toda a simulação
ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os
dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou
encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento.
Penas - Prisão por seis (6) meses a um (1) ano e multas
de cinco contos a cinqüenta contos de réis.
No caso de reincidência, tais penas serão elevadas ao
dobro.
Parágrafo único. Serão responsáveis como co-autores o
agente e o intermediário, e, em se tratando de pessoa jurídica, os que tiverem
qualidade para representá-la.
Art. 14. A tentativa deste crime é punível nos termos da lei
penal vigente.
Art. 15. São consideradas circunstâncias agravantes o
fato de, para conseguir aceitação de exigências contrárias a esta lei, valer-se o
credor da inexperiência ou das paixões do menor, ou da deficiência ou doença
mental de alguém, ainda que não esteja interdito, ou de circunstâncias aflitivas
em que se encontre o devedor.
Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura
pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais,
sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio
superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda
estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição
oficial de crédito;
b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da
premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro
patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou
prometida.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e
multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.
§ 1º. Nas mesmas penas incorrerão os procuradores,
mandatários ou mediadores que intervierem na operação usurária, bem como
os cessionários de crédito usurário que, cientes de sua natureza ilícita, o
fizerem valer em sucessiva transmissão ou execução judicial.
§ 2º. São circunstâncias agravantes do crime de usura:
I - ser cometido em época de grave crise econômica;
II - ocasionar grave dano individual;
III - dissimular-se a natureza usurária do contrato;
IV - quando cometido:
a) por militar, funcionário público, ministro de culto
religioso; por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente
superior à da vítima;
b) em detrimento de operário ou de agricultor; de menor
de 18 (dezoito) anos ou de deficiente mental, interdito ou não. (Alínea b
regulamentada pelo Decreto nº 48.456, de 30.06.1960)
§ 3º. A estipulação de juros ou lucros usurários será nula,
devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida,
ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros legais a contar
da data do pagamento indevido."
Art. 16. Continuam em vigor os artigos 24, parágrafo
único, nº 4, e 27 do Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de 1929, e artigo 44,
nº 1, do Decreto nº 2.044, de 17 de dezembro de 1908, e as disposições do
Código Comercial, no que não contra-vierem com esta lei.
Art. 17. O governo federal baixará uma lei especial,
dispondo sobre as casas de empréstimos sobre penhores e congêneres.
Art. 18. O teor desta lei será transmitido por telegrama a
todos os interventores federais, para que o façam publicar incontinenti.
Art. 19. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 7 de abril de 1933; 112º da Independência
e 45º da República.
GETÚLIO VARGAS
Francisco Antunes Maciel
Joaquim Pedro Salgado Filho
Juarez do Nascimento Fernandes Távora
Oswaldo Aranha
ANEXO II
Decisões sobre a aplicação do Decreto 22.616/33
CONTRATO DE LOCAÇÃO – O art. 585, IV do CPC autoriza o locador que
tem contrato escrito a utilizar a via executiva para cobrança de crédito
decorrente de aluguel bem como dos encargos de condomínio. A
executividade alcança as demais parcelas decorrentes da locação, como
IPTU e multa contratadas. Multa moratória. Aplica-se, ao caso concreto, a
cláusula contratual que prevê a multa moratória de 20% do valor do
débito, posto que não infringe o art. 920 do Código Civil. De outro lado,
não se aplica as locações de imóvel urbano o Código de Defesa do
Consumidor nem a Lei de Usura, posto que aquele resulta endereçado as
relações de consumo e está ao mútuo. Taxa de condomínio. O locador
tem legitimidade para cobrar diretamente do inquilino as cotas
condominiais, sendo irrelevante conste nos recibos expedidos pela
imobiliária, como sacado o nome do pai do locador, notadamente quando
a Lei não exige que locador seja também o proprietário do imóvel.
Sucumbência. Em caso de decaimento mínimo, deve ser suportada
integralmente pelo vencido. Art. 21, parágrafo único, CPC. Preliminar
rejeitada. Recurso de apelação improvido. (TJRS – APC 70004812707 –
16ª C.Cív. – Relª Desª Genacéia da Silva Alberton – DJRS 10.12.2002)
RECURSO ESPECIAL – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIVERGÊNCIA –
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO E COMPROVAÇÃO – LOCAÇÃO –
PRORROGAÇÃO SEM A ANUÊNCIA DO FIADOR – NÃO COMPROVAÇÃO
– HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LEI DE USURA – INAPLICAÇÃO –
OMISSÃO E CONTRADIÇÃO – INEXISTÊNCIA – 1. O conhecimento do
Recurso Especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional
requisita, em qualquer caso, a demonstração analítica da divergência
jurisprudencial invocada, por intermédio da transcrição dos trechos dos
acórdãos que configuram o dissídio e da indicação das circunstâncias
que identificam ou assemelham os casos confrontados, e a comprovação,
mediante juntada das certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos
paradigmas, ou pela citação de repositório oficial, autorizado ou
credenciado, em que os mesmos se achem publicados, não se
oferecendo, como bastante, a simples transcrição de ementas ou votos
(artigo 255, parágrafo 2º, do RISTJ). 2. "A pretensão de simples reexame
de prova não enseja Recurso Especial." (Súmula do STJ, Enunciado nº 7).
3. A Lei de Usura, destinada a regular os contratos de mútuo, vedando o
excesso na remuneração de capital, não se aplica aos contratos de
locação. 4. A caracterização da violação do artigo 535 do Código de
Processo Civil está na falta da decisão devida ou da superação de
existente contradição ou obscuridade no julgado, em nada se
confundindo com motivos de inconformismo em face de julgado
desfavorável. 5. Recurso improvido. (STJ – RESP 216847 – MG – 6ª T. –
Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJU 22.09.2003 – p. 00393)
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