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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
EDIMILSOM PERES CASTILHO
A PRAÇA DOS TRABALHADORES DE GUAIANASES
SÃO PAULO
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
como exigência parcial para obtenção do título
de Mestre em História sob orientação da Profa.
Doutora Yvone Dias Avelino.
SÃO PAULO
2007
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Banca Examinadora
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RESUMO
A conformação atual da Praça enquanto “categoria da paisagem” é o tema deste
trabalho que tem como referencial a análise crítica da apropriação de praças da periferia da
cidade de São Paulo criadas por um Programa Municipal de Intervenções Urbanas. Com este
estudo, pretendemos demonstrar que a apropriação atual das praças de uma cidade é
determinada pelas relações sociais e pelos modos de produção material dos indivíduos, que
através de sua história geram os fatores responsáveis pelas transformações deste espaço e,
conseqüentemente, sobre a forma de ser e ir sendo de toda cidade.
Palavras - chave: Praça, Espaço, Paisagem Urbana, Apropriação.
4
ABSTRACT
This article is about the current conformation of places as part of urban landscape and
it was based on a study and critical analysis of the Urban Interventions Municipal Program
which is a program of appropriation of places in the outskirts of São Paulo. With this study,
we intend to show that the current appropriation of places in a city is determined by social
relations and by individual lifestyles, that throughout their individual history contribute for
the transformation of that specific area, and consequently, of the entire city, in the present and
future.
Key words: Place, space, urban landscape, urban appropriation.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................6
CAPÍTULO I.................................................................................................................................................................14
1 – A cidade de São Paulo: aspectos históricos......................................................................................................... 15
Primórdios da vila quinhentista.................................................................................................................................... 15
Breve estagnação da vila paulistana.............................................................................................................................18
Reerguimento de São Paulo.......................................................................................................................................... 20
Profundas Transformações: o trinômio café - ferrovia – imigrante.............................................................................24
Aspectos econômicos importantes.................................................................................................................................31
As bases do crescimento urbano................................................................................................................................... 34
2 – A “Periferia” paulistana....................................................................................................................................... 41
Fatores correlatos da formação da periferia: a ferrovia, a indústria e a rodovia....................................................... 42
Expansão urbana: o caso Zona Leste........................................................................................................................... 48
3 – A constituição histórica de Guaianases............................................................................................................... 51
O surgimento de Guaianases.........................................................................................................................................51
Primeiras atividades econômicas: extrativismo............................................................................................................52
A ferrovia e o imigrante em Guaianases.......................................................................................................................54
Guaianases em transformação......................................................................................................................................57
O boom de Guaianases..................................................................................................................................................60
O surgimento dos Conjuntos Habitacionais..................................................................................................................63
Guaianases: o bairro do tamanho de uma cidade........................................................................................................ 67
CAPÍTULO II................................................................................................................................................................70
1 – A formação histórica da praça brasileira............................................................................................................71
A praça colonial: o largo.............................................................................................................................................. 71
A praça ajardinada........................................................................................................................................................78
A praça eclética: Belle Époque Tropical...................................................................................................................... 84
A praça moderna: função lazer.....................................................................................................................................88
A praça contemporânea................................................................................................................................................ 91
CAPÍTULO III.............................................................................................................................................................. 95
1 – Centralidades Urbanas......................................................................................................................................... 96
Aspectos Gerais do Programa Centralidades Urbanas................................................................................................96
2 – Centralidades Urbanas em Guaianases...............................................................................................................99
Praça Jesus Teixeira..................................................................................................................................................... 101
Praça Carlos Chagas.................................................................................................................................................... 103
Alças do Viaduto Deputado Antônio da Silva Cunha Bueno........................................................................................ 107
Entorno do Mercado Municipal de Guaianases........................................................................................................... 111
Córrego Itaquera Mirin.................................................................................................................................................115
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................................................ 119
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................................................121
FONTES E LISTA DE FIGURA.................................................................................................................................. 122
6
Introdução
A proposta desta pesquisa em analisar a apropriação social das praças de nossas
cidades é resultado de um longo percurso de pesquisa que venho desenvolvendo desde a
graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia, quando
iniciei os primeiros estudos sobre o tema espaços livres urbanos. Neste período, o objeto
analisado foi um grande parque urbano da cidade de Uberlândia, em Minas Gerais,
denominado Parque do Sabiá e que mesmo apresentando um grande potencial sócio-
ambiental era pouco freqüentado pela população
1
.
Assim, com o intuito de aprofundar meus estudos a cerca deste tema, me mudei em
dezembro do ano de 2000 para São Paulo esperando poder dar continuidade, com o ingresso
na pós-graduação, à pesquisa iniciada na graduação. Neste intervalo de adaptação, fui
selecionado para fazer parte de uma equipe de Arquitetos, Urbanistas e Engenheiros
Agrônomos, para implantar um Programa Municipal de Intervenções Urbanas que consistia
na criação de cinqüenta novas praças em regiões de grande exclusão social da cidade de São
Paulo. O nome do programa era Centralidades Urbanas e sua implantação foi coordenada
pela Empresa Municipal de Urbanização – EMURB.
Após três anos de muito trabalho na concretização das praças programadas, observei
que muitas das proposições almejadas pelo programa municipal fundamentadas na concepção
atual de praças e parque urbanos não corresponderam às finalidades que foram propostas. A
constatação desta realidade partiu do fato de que a maioria das praças do programa, assim
como diversas praças das cidades brasileiras, continuam a apresentar uma forma específica de
apropriação social que nada se assemelha a apropriação ideológica desejada no espaço
público.
Estas primeiras reflexões acerca dos problemas enfrentados pelas praças de nossas
cidades acentuaram ainda mais meu interesse em compreender além da aparência, e não
apenas demonstrar as falhas de projeto ou de utilização do espaço. Ou seja, entendemos que
mais do que descrever as múltiplas formas de utilização desses espaços, é preciso
1
Apresentando uma área de 1.850.000 m², este grande parque urbano localizado a apenas 2,5 Km do centro de
Uberlândia recebia poucos freqüentadores. Desta forma, ao propormos a Requalificação do Parque do Sabiá
através de um conjunto de interferências pontuai (como a preservação e reposição da vegetação do cerrado,
criação de infra-estrutura, apropriação dos recursos naturais e recreativos), deixamos de considerar as formas de
produção e reprodução da vida social de seus freqüentadores. Assim, apesar deste projeto não se concretizar, as
primeiras respostas advindas da forma concreta de apropriação social dos espaços livres urbanos de acordo com
as condições materiais dos habitantes de uma cidade não tardaram a aparecer.
7
compreender a forma particular de apropriação social das praças de nossas cidades a partir do
modo de produção e apropriação da vida material dos indivíduos que a usufruam.
Assim, nesta pesquisa centraremos nossos esforços na análise crítica da apropriação
social de praça localizada no bairro de Guaianases, extremo leste da cidade de São Paulo, que
foi criada entre os anos de 2001 a 2003, através do Programa Municipal de Intervenções
Urbanas – Centralidades Urbanas.
A praça em Guaianases, apesar de ser croncretzada a partir de um conjunto de diretrizes
específicos que serão colocados no decorrer do texto, revela atualmente múltiplas formas de
apropriação social que engloba desde as crianças que jogam bola ou brincam no playground,
os adolescente que utilizam a pista de skate, o transeunte que passa com pressa para o
trabalho, o camelô que vende seu produto, o trabalhador que compra uma fruta ou legume pra
levar pra casa, o idoso que joga seu dominó, o morador de rua que faz do viaduto seu abrigo,
o perueiro que ali trabalha, etc. Por isso, todos eles compõem a paisagem da praça, todos
contribuem para conformar o modo particular de apropriação social desse espaço.
Assim, reconhecendo as diferentes contribuições que as diversas áreas de estudo
possibilitariam na análise crítica deste tema, esta pesquisa pretende através da reflexão
histórica, compreender de que maneira o processo de constituição social da paisagem urbana
interfere sobre a apropriação social desses espaços livres urbanos e, conseqüentemente, sobre
a forma de ser e ir sendo de toda cidade.
Na história das cidades, a constituição da paisagem urbana tem revelado diversas
formas de apropriação da vida material que são determinadas pelas ações, necessidades e
condições objetivas dos indivíduos em diferentes períodos históricos.
Por ser parte constituinte e constituidora da paisagem urbana, a praça é um espaço da
cidade de grande riqueza para observarmos de que modo as relações sociais dinamizam esta
paisagem, através de um processo dialético que é responsável pela transformação destes
espaços onde se criam novas formas de apropriações e, ao mesmo tempo, novos pontos de
partida para novos modos de constituição da paisagem.
A partir disso, a praça pode ser apreendida como uma categoria
2
da paisagem urbana,
pois, diante das infinitas possibilidades de discussão que emergem do tema, a praça é o espaço
2
A Categoria é assim expressão mental de um todo complexo, existente na forma do ser, que permanece sendo o
que é independentemente daquela. À categoria cabe exprimir este todo concreto sob a forma de uma síntese
articulada de determinações. Síntese esta que é obtida através da extração dos elementos mais gerais e comuns
do complexo efetivo abordado. A categoria é entendida marxianamente como abstração que aglutina aqueles
elementos, sempre em obediência à ordem do real efetivamente existente, o que a determina enquanto abstração
razoável. (ALVES, 1999, p.20)
8
que juntamente com a rua, a casa, a loja, a indústria etc, conformam a cidade atual dentro de
um sistema de determinações da paisagem urbana.
Entretanto, para podermos descrever o processo de concretização e transformação da
paisagem urbana a partir de um modo de produção social específico é importante ressaltarmos
alguns equívocos presentes na compreensão da paisagem enquanto tal.
Muitas vezes a paisagem é entendida apenas como a representação concreta dos
aspectos formais de determinado espaço social, o que possibilita descrever as transformações
sociais de acordo com o período histórico que se constituiu. Numa visão ainda mais reduzida,
a paisagem é compreendida somente como a porção limitada do espaço que é alcançada pela
visão do espectador, observando a distância todo o horizonte ao redor. “Em todos os casos,
sempre uma noção de amplitude, de distanciamento. A paisagem nunca está no primeiro
plano, pois ela é o que se de longe, de um ponto alto. Sempre precisamos nos distanciar
para observá-la e, de certa forma, a paisagem é o lugar onde não estamos (pois
observamos), podendo até se um ‘pano de fundo’”. (Sandeville, 2005, p. 50)
Ainda nesse sentido, Milton Santos insiste que a paisagem é um conjunto de formas
que, num dado momento histórico, exprimem as heranças que representam as sucessivas
relações localizadas entre homem e natureza. “A paisagem é história congelada, mas
participa da história viva. São suas formas que realizam, no espaço, as funções sociais. (...)
A paisagem é testemunho da sucessão dos meios de trabalho, um resultado histórico
acumulado”. (SANTOS, 2004a, p.107)
Assim, ao descrever a paisagem como a imagem imobilizada que permite no presente
rever as etapas do passado numa perspectiva de conjunto, Santos faz uma distinção entre
paisagem e espaço. Enquanto considera a paisagem como a representação material dotada de
um conteúdo técnico específico social, trata o espaço como sendo esta representação mais a
vida que as anima, isto é, parte constituidora e matriz sobre a qual as novas ações sociais
substituem as ações passadas. “O espaço humano é a síntese, sempre provisória e renovada,
das contradições e da dialética social”. (SANTOS, 2004a, pp. 108 e 109)
A paisagem existe através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém
coexistindo no momento atua. No espaço, as formas de que se compões a paisagem preenchem, no
momento atual, uma função atual, como resposta às necessidades atuais da sociedade. Tais formas
nasceram sob diferentes necessidades, emanaram de sociedades sucessivas, mas as formas mais
recentes correspondem a determinações da sociedade atual. (SANTOS, 2004a, p.104)
No entanto, essa compreensão de paisagem torna a análise deste trabalho muito
restritiva diante das possibilidades que ela oferece para entender o processo de constituição
social que a concretizam como tal, visto que não acreditamos que existe esta distinção entre
9
espaço e paisagem. Ou seja, apesar da paisagem conter um arranjo concreto de formas
definidas, de proporcionar elementos significativos que demonstram as transformações de um
espaço criado socialmente, sua concretização material reproduz um modo de constituição
social determinado pelo modo de produção e apropriação da vida material, permitindo
assim, através de sua materialidade, as condições objetivas e necessárias para as possíveis
transformações sociais.
Desta forma, quando propomos analisar a apropriação social da praça em Guaianases a
partir das determinantes que conformam a paisagem do bairro, é importante deixar claro que a
base do estudo será o espaço vivenciado, em constante processo de formação histórica, de
forma a esclarecer que descrever, interpretar e entender o processo de concretização da
paisagem de uma cidade implica na verdade, em compreender a natureza de sua própria
constituição societária.
Continuando a esclarecer esse tema tão importante para iniciarmos a análise proposta,
utilizaremos citações de grandes autores do século XX que analisaram as transformações da
paisagem urbana da cidade de São Paulo nesse período.
No livro A cidade de São Paulo, Aroldo Azevedo assim descreve as áreas localizadas
na região suburbana no primeiro quartel do século XX, quando a atividade agrária ainda era
bastante praticada:
A agricultura criou, por sua vez, uma paisagem particular, embora não generalizada.
Numerosas são as chácaras e os pequenos sítios, onde se cultivam hortaliças, flores e frutas diversas,
ou se criam galinhas destinadas à produção de ovos. Japoneses e portugueses se dedicam a esse
gênero de vida rural, que chega a ter inegável importância e deixa expressivas marcas na paisagem em
determinadas áreas (...). (AZEVEDO, 1958d, p.156)
Seguindo esta descrição da região suburbana de São Paulo no mesmo período, Caio
Prado Jr. também nos fornece sua contribuição:
Estendendo-se como uma auréola em torno de São Paulo, multiplicam-se as culturas e
indústrias agrárias leiteiras, aviculturas etc concentradas em pequenas chácaras e sítios que em
alguns pontos transformaram sensivelmente a paisagem, substituindo capoeirões, capoeiras e
carrascais que caracterizam os arredores paulistanos por extensões cultivadas unidas. (...) Esta
humanização da paisagem se nota por toda parte, muito em princípio ainda, pois não data de mais de
20 anos, e extremamente esparsa. (PRADO Jr., 1972, p. 134)
Continuando a descrever as transformações sofridas nas décadas posteriores, quando
se inicia o processo de industrialização paulistana que vai provocar grandes transformações na
paisagem suburbana, Aroldo Azevedo relata:
No que se refere à paisagem industrial propriamente dita, sentimo-la de maneira mais viva do
que em relação aos bairros industriais. É que, nos subúrbios, o problema do espaço não apresenta as
dificuldades e os entraves existentes na cidade de São Paulo; em conseqüência, predominam neles os
10
grandes estabelecimentos industriais, as portentosas ossaturas de cimento e aço, muitas vezes
coroadas por altas chaminés fumegantes. (AZEVEDO, 1958d, p. 16)
Ainda nesse sentido, completa:
No que se refere à paisagem urbana, cumpre observar que, em São Paulo, não se formam áreas
tipicamente industriais, exclusivamente ocupadas por fábricas. Sendo o parque industrial paulistano
caracterizado pelo predomínio de fábricas de tamanho médio e pequeno (...), o que se presencia é a
intercalação de estabelecimentos fabris no meio de residências proletárias e, conseqüentemente, o
aparecimento de verdadeiros bairros mistos, industriais e residenciais a um tempo. (AZEVEDO,
1958b, p. 105)
Desta forma, ao analisarmos os textos descritos anteriormente, entendemos que, mais
do que observar o simples aspecto formal dos subúrbios paulistanos deste período - bem
diferente do que vemos hoje -, os autores demonstram que a paisagem apresentada por eles é
fruto de um processo histórico em constante transformação. Isto é, enquanto num primeiro
momento essas regiões apresentavam uma paisagem predominante agrícola, diante do parco
desenvolvimento industrial, num segundo momento, quando o crescimento industrial
provocou grandes transformações na capital paulista, a paisagem urbana passou a apresentar
uma configuração espacial que é completamente distinta da anterior, mas que revela as formas
produção e reprodução social dos períodos respectivos.
Ou seja, quando a industrialização paulistana passou a exigir grandes terrenos e um
número cada vez maior de trabalhadores que, chegando a São Paulo sem nenhuma condição
financeira, ergueram suas moradias distantes do centro da cidade, onde os preços dos terrenos
eram mais acessíveis, o adensamento urbano dessas regiões anteriormente formadas por
chácaras e pequenos sítios reproduziu uma paisagem completamente nova. Outro importante
fator que impulsionou a expansão urbana e cooperou com as transformações dessa paisagem
foi sua interligação ferroviária com o centro da cidade, assim como observou Aroldo Azevedo
que tornou a se referir a paisagem:
Todavia, o principal fator de crescimento da população da área em estudos foi a própria
expansão da Capital paulista, que fez ali surgir zonas puramente residenciais (em que se localizaram
os que não suportaram o alto custo de vida da metrópole) e estimulou o estabelecimento de pequenos
agricultores, que se dedicavam a produzir para a população paulista. Daí os sucessivos loteamentos e a
extraordinariamente rápida humanização da paisagem, ao longo notadamente da linha troco da “E.
F. Central do Brasil” (...). (AZEVEDO, 1958d, pp. 38 e 39)
Com essa análise, demonstramos que mesmo sendo resultado concreto do arranjo
formal de determinado espaço social, de ser seu conjunto visual, a paisagem é o chão onde as
relações sociais se concretizam, permitindo através de sua materialidade as condições
necessárias para as possíveis transformações sociais.
11
As fontes utilizadas para análise
deste trabalho foram, em grande parte,
adquiridas e/ou consultadas ao longo dos
últimos quatro anos. Entre elas,
gostaríamos de destacar a importância das
fotografias apresentadas no decorrer do
trabalho que constituíram as Fontes
Iconográficas
3
utilizadas na análise.
Toda fotografia que possui um
reconhecido valor documentário é
importante enquanto fonte histórica por
representar um meio de conhecimento do
passado, possibilitando ao homem
compreender as transformações do seu
entorno sociocultural.
Assim, por registrar algo que
realmente aconteceu e por conter uma
fonte inesgotável de informações naquilo
que representa, a fotografia possui
natureza testemunhal, prestando-se
enquanto instrumento de pesquisa às
descobertas, análises e interpretações da
vida histórica.
Toda fotografia é um resíduo do passado. Um artefato que contém em si um fragmento
determinado da realidade registrado fotograficamente. Se, por um lado, este artefato nos oferece
indícios quanto aos elementos constitutivos (assunto, fotógrafo, tecnologia) que lhe deram origem, por
outro o registro visual nele contido reúne um inventário de informações acerca daquele preciso
fragmento de espaço/tempo retratado. O artefato fotográfico, através da matéria (que lhe corpo -
papel fotográfico) e de suas expressões (o registro visual nele contido), constitui uma fonte histórica.
(...) Uma fonte histórica, na verdade, tanto para o historiador da fotografia, como para os demais
historiadores, cientistas sociais e outros estudiosos. Assim, uma mesma fotografia pode ser objeto de
estudo em áreas específicas das ciências e das artes. (KOSSOY, 2001, pp. 46 e 47)
3
As Fontes iconográficas compreendem os documentos iconográficos em geral, incluindo-s e figuras, desenhos e
principalmente os fotográficos. Abrangem fundamentalmente as imagens transmitidas na forma original, mas
também as imagens reproduzidas pelos vários sistemas de impressão, como é o caso das fontes utilizadas nesse
trabalho.
Figuras 1, 2 e 3 Fotos das transformações da paisagem urbana do Vale
do Anhangabaú em São Paulo retiradas respectivamente em 1911, 1918 e
2005.
12
Entretanto, apesar do amplo potencial de informações que a fotografia contém, ela não
substitui a realidade tal como se deu no passado, mas sim proporciona as informações visuais
de um fragmento do real.
A fotografia é, ao mesmo tempo, uma forma de expressão e um meio de informação e
comunicação a partir do real e, portanto, um documento da vida histórica. Neste sentido, ela ultrapassa
aquelas abordagens obrigando o historiador a situá-la e interpretá-la em sua estética peculiar, porém
num contexto cultural mais amplo. (KOSSOY, 2001, p. 131)
Dada essa importância, a análise iconográfica das fotografias das praças estudadas
nesse trabalho será fundamental enquanto possibilidade inovadora de informações e
conhecimento, pois foram estas fotos que nos forneceram os detalhes que deram formas
humanas ao nosso objeto, revelando assim seus traços históricos.
Por tudo isso, nosso trabalho pretende expor as contradições concretas enfrentadas
pela maioria das praças brasileira através da análise das formas específicas de apropriação
social desses espaços enquanto categoria da paisagem urbana, tendo como horizonte o
entendimento e possível superação dessas contradições.
Desta forma, no primeiro capítulo desta pesquisa, analisaremos o processo histórico de
formação da cidade de São Paulo, revelando suas particularidades que revelam os nexos
constitutivos mais determinantes da urbanização brasileira responsáveis pela criação de
cidades altamente adensadas e populosas. Na seqüência, estudaremos a formação da periferia
paulistana onde está localizado nosso objeto de análise de forma a contextualizar a praça
dentro de um sistema de determinações da paisagem em que está inserida. Por fim, a análise
do processo histórico de formação do bairro de Guaianases será fundamental para
entendermos de que maneira as formas de produção e reprodução da vida dos moradores
desse bairro repercutem na forma de apropriação social presente na praça analisada.
no segundo capítulo, analisaremos a historiografia da praça brasileira desde o
período colonial quando a praça surge como o local central das primeiras vilas do Brasil,
passando pelas transformações do século XX que modificaram completamente sua função
original. Com isso, procuraremos demonstrar que o surgimento da praça brasileira como o
local de encontro dos habitantes da cidade, como se deu na colonização, apresenta atualmente
uma nova forma de constituição social que parte de um novo contexto histórico e que
provocou profundas transformações na própria gênese da praça que até então predominava -
espaço urbano de sociabilização por excelência.
13
No terceiro e último capítulo, ao analisarmos a constituição da praça contemporânea
tendo como referência a praça de Guaianases, procuraremos expor genericamente o processo
de concretização desse espaço a partir do plano de diretrizes do programa municipal
Centralidades Urbanas. Na seqüência, analisaremos as particularidades presentes na
apropriação social dessa praça a partir do programa municipal e principalmente, de acordo
com as ações, necessidades e condições materiais de seus freqüentadores.
Por fim, nas considerações finais, procuraremos apontar para os principais caminhos
percorridos nesse trabalho, assim como levantar elementos para a continuidade da
investigação.
14
CAPÍTULO I
Para analisarmos a praça como categoria da paisagem é importante compreendermos
como se deu o processo de formação da paisagem em que está inserida, resgatando suas
transformações históricas até o período que nos propusemos estudar. Nesse caso, o
entendimento do processo histórico de formação da cidade de São Paulo, espaço - paisagem
que contém nosso objeto de análise é fundamental para apreendermos os nexos constitutivos
mais determinantes da urbanização brasileira que gerou cidades altamente adensadas e
populosas, como São Paulo que hoje apresenta uma população de aproximadamente 12
milhões de pessoas.
Com isso, analisar a historiografia da cidade de São Paulo, que de uma pequena vila
isolada nos tempos coloniais veio a se tornar uma das maiores cidades do mundo, vai nos
proporcionar o desvendamento desse crescimento urbano impressionante e principalmente
revelar a forma particular de constituição histórica da paisagem de Guaianases e de outra
região classificadas atualmente como “Periferia” da cidade.
Apesar de essa denominação remeter aos bairros localizados distantes da zona central
mais consolidada, é importante salientarmos que nesse trabalho a Periferia é entendida como
os espaços urbanos de grande exclusão social, com pouca infra-estrutura e que pode por isso
abranger até mesmo as regiões centrais que concentrem uma grande quantidade de edificações
de baixo padrão, como exemplo dos cortiços.
Entretanto, esta continuidade no adensamento urbano que atualmente caracteriza uma
região periférica no corpo compacto de toda a cidade, associada aos baixos níveis de infra-
estrutura urbana, é bastante recente se levarmos em consideração todo período histórico de
formação e consolidação da metrópole paulista. pouco mais de 50 anos, estas longínquas
regiões eram tratadas como subúrbios paulistanos por apresentar características mistas que
variavam entre campo e cidade, apresentando ora adensamentos urbanos isolados ora chácaras
e pequenas propriedade rurais.
Desta forma, procuramos neste capítulo analisar primeiramente o processo de
formação histórico da cidade de São Paulo para em seguida, adentrarmos especificamente na
formação e consolidação da periferia paulistana causada pela impressionante expansão urbana
das últimas cinco décadas.
15
1 – A cidade de São Paulo: aspectos históricos
Primórdios da vila quinhentista
A partir da segunda metade do século XIX, a cidade de São Paulo sofreu um intenso
processo de transformações sócio-econômicas que não somente proporcionou a inserção dessa
cidade no cenário mundial, como também possibilitou a ascensão de uma antiga vila isolada à
cidade mais importante do território brasileiro.
Porém, para entendermos essa transformação, precisamos retomar suas origens para
reconstruir todo o caminho percorrido por este núcleo de povoamento que virou vila, depois
cidade, depois metrópole e hoje megalópole. Para tanto, é importante retomarmos o período
histórico de seu surgimento na colonização brasileira para termos condições de resgatar
algumas das principais determinantes que provocaram estas transformações.
A colonização das terras brasileiras se deu basicamente através da exploração da terra,
isto é, dos recursos naturais da superfície de um solo bastante rico para a grande produção
agrícola. Esta condição brasileira foi tratada por Caio Prado como sendo o caráter da
propriedade fundiária da colônia, onde a grande propriedade rural destinada à agricultura e
pecuária, foi à solução encontrada para assegurar a lucratividade da Coroa diante de um vasto
território povoado de tribos nômades de produção bastante rudimentar que não ofereciam
produtos mercantis de interesse para exportação. Assim, Portugal inicia o processo de
ocupação de toda costa brasileira, dividindo-a em extensas faixas de terra do litoral rumo ao
interior para facilitar o apossamento as Capitanias Hereditárias. Entre elas, a Capitania de
São Vicente foi o local onde surgiu um dos primeiros povoados do planalto brasileiro, a vila
de São Paulo, fundada nas terras altas e saudáveis desta capitania localizada na latitude 24° e
onde o clima temperado e as boas condições de solo ofereciam atrativos para a fixação dos
primeiros colonos europeus que continuavam a manter relações com o litoral através da
cidade de São Vicente.
Figura 4 – Desenho da Capitania de São Vicente e acesso pela Serra do Mar
16
Desta forma, baseado no pacto colonial, que consistia na relação onde a metrópole
tinha exclusividade no comércio com a colônia, Portugal iniciou o processo de colonização
brasileira baseada na produção agrícola de produtos tropicais, somente possíveis em grandes
propriedades rurais monocultoras que garantiam a lucratividade da metrópole para concorrer
com as grandes nações preeminentes. “O governo foi obrigado a adotar outros processos de
distribuição de terra, e as grandes propriedades se tornaram a regra”. (PRADO, 1972, p.
20)
Para alcançar esse objetivo, a coroa portuguesa que não abria mão da soberania do
Estado na concessão do domínio da propriedade fundiária, mas também não dispunha de
capital suficiente para explorar tamanho território, apoiou-se na iniciativa privada para iniciar
a colonização através da adoção da Sesmaria, “uma concessão de domínio condicionada ao
uso produtivo da terra. Em um primeiro momento, caso a obrigatoriedade do cultivo não
fosse cumprida, o domínio seria suspenso provisoriamente”. (ROLNIK, 1999, p. 20)
Entretanto, por demandar grandes custos na formação das lavouras, a coroa
portuguesa passou a entregar a terra somente para aquele que tivesse condições de aproveitá-
las, ou seja, aos homens de posses ou a algum protegido de ordem pessoal que tivessem
condições de investir maciçamente nas lavouras que exigiam o esforço de centenas de
trabalhadores pseudolivres e escravos que compunham o restante da estrutura social da
colônia.
Da simplicidade da infra-estrutura econômica, a terra, única força produtiva, absorvida pela
grande exploração agrícola – deriva a da estrutura social: a reduzida classe de proprietários, e a grande
massa que trabalha e produz, explorada e oprimida. (...) Trabalhadores escravos ou pseudolivres;
proprietários de pequenas glebas mais ou menos dependentes, ou simples rendeiros, todos em linhas
gerais se equivalem. Vivem de seu salário, diretamente de suas produções ou do sustento que lhes
concede o senhor: suas condições materiais de vida, sua classificação social é praticamente a mesma.
(PRADO Jr., 1972, p. 28)
Com isso, iniciou-se uma intensa expansão das lavouras açucareiras para exportação
que vão ocupando vastos territórios da costa brasileira, encontrando no extenso litoral
nordestino Zona da Mata Nordestina - as condições geográficas favoráveis para esta cultura
(terras planas e clima quente), diferentemente do litoral estreito e alagadiço próximo a São
Paulo onde foi impossível esta adaptação.
Nesse período, surgiu o povoado que se tornou a cidade de São Paulo, tendo como
função principal facilitar e assegurar a ocupação do centro do país através das Bandeiras que
utilizavam os rios paulistanos para a penetração do território. Localizado numa grande clareira
natural da floresta da mata atlântica - Campos de Piratininga - próximo ao caminho de mais
17
fácil penetração do abrupto desnível do litoral ao planalto brasileiro, esta região abrigava
numerosas tribos indígenas.
Implantada no alto de uma colina de fácil defesa dos ataques indígenas, a vila colonial
possuía uma posição privilegiada ao estar rodeada por uma rede hidrográfica que além de
possibilitar o alcance visual de longínquos territórios e estabelecer fácil comunicação com o
interior brasileiro, possuía um solo bastante rico em componentes orgânicos propícios para
agricultura, assim como descreveu Caio Prado Jr.:
Esta situação de São Paulo, relativamente ao sistema hidrográfico do planalto, tem nos
primeiros tempos de colonização uma importância considerável. (...) Não para grandes expedições
de reconhecimento e exploração do interior, as entradas e bandeira, mas também, e é isto o principal,
para o intercâmbio das populações que se estabelecem no planalto. (PRADO Jr., 1972, p.101)
Desta forma, os aspectos geográficos dessa região foram os primeiros fatores que
fizeram de São Paulo o centro de um sistema topográfico acessível ao homem e obrigatório
para quem desejasse adentrar no interior do rico planalto brasileiro.
Como se vê, através de toda a história colonial da capitania, São Paulo ocupa o centro do
sistema de comunicação do planalto. Todos os caminhos, fluviais ou terrestres que cortam o território
paulista vão dar nele ou nele se articulam. O contato entre as diferentes regiões povoadas e
colonizadas se faz necessariamente pela capital. O intercâmbio direto é impossível. (PRADO Jr.,
1972, p. 104)
Entretanto, apesar do processo de interligação entre os diversos núcleos de
povoamentos, aldeamentos e fazendas da zona rural dependentes de São Paulo no planalto
paulista, sua ligação com o litoral era bastante precária, dificultando seu acesso com a cidade
de Santos. Assim, como a maioria dos produtos que precisavam atravessar as perigosas e
estreitas trilhas da Serra do Mar não era possível com a utilização de mulas de carga, sendo
substituída pela escravização da força de trabalho indígena, a dificuldade em se produzir
produtos para exportar de São Paulo era enorme, dando ao Nordeste brasileiro a supremacia
destas atividades. Com isso, nesse período a base de produção econômica da pequena vila
quase isolada do litoral brasileiro baseou-se na subsistência, com o cultivo de milho, algodão,
trigo e da produção de carne e couro através da criação de gado, assegurando desta forma seu
próprio abastecimento.
Entretanto, com o excedente dessa produção, o povoado paulistano passou a garantir
também o abastecimento de diversas regiões que não produziam alimentos por condições
climáticas desfavoráveis Litoral - ou por apresentarem função de defesa ou passagem
Interior, tornando-se assim o principal entreposto comercial entre essas duas regiões através
da trocas de mercadorias e de escambos. “Seu principal papel econômico era então o de
18
entreposto comercial, que exercia em função de várias correntes de intercâmbio, que se
entrecruzavam em São Paulo, em virtude de fatores geográficos”. (SINGER, 1968, p. 20)
Diante da simplicidade da produção econômica de base agrária gerada pelo relativo
isolamento com o resto do mundo, o desenvolvimento da vila quinhentista vai ser possível
através da cooperação dos habitantes da vila e dos interesses locais, assim como descreveu
Azevedo: “Assim, a pequena indústria manual, associativamente organizada, integra-se na
vida econômica da comunidade, constituindo mais um fator de estabilidade do núcleo urbano
em formação”. (AZEVEDO, 1958b, p. 20)
Por tudo isso, os séculos XVI e XVII podem ser caracterizados como o período de
fixação da vila quinhentista e de seus vizinhos focos de povoamento, formada por um núcleo
urbano constituído em grande parte por lavradores e trabalhadores rurais que tinha a
agricultura como base material de sua existência, visto que era no campo que se concentra a
vida da colônia.
Posteriormente, essa comercialização de produtos agrícolas que provoca um
crescimento e desenvolvimento da vila de São Paulo, aumentando assim sua importância
sobre grande parte do território brasileiro, principalmente do interior, faz com que em 1681 a
vila torna-se sede da capitania de São Vicente até que em 1711, a vila é elevada a categoria de
cidade. (Cf. AZEVEDO, 1958b, p. 31)
Breve estagnação da vila paulistana
A partir da metade do século XVII, o desenvolvimento econômico gerado pela
produção de açúcar para exportação no Nordeste propicia ao Brasil um maior destaque
econômico que sua Metrópole, aumentando sua importância sobre Portugal no cenário
mundial. Juntamente a isso, o enfraquecimento da supremacia portuguesa com o comércio das
Índias, que nesse período passa a ser feito por várias nações européias, provoca uma profunda
depressão econômica na metrópole lusitana que gerou uma intensa corrente migratória de
portugueses em direção a colônia.
Entretanto, a decadência da produção açucareira ocasionada pelo baixo preço deste
produto, que agora sofre concorrência direta com lavouras da América Central, promoveu
uma diversificação de atividades que ajudam a transformar as condições econômicas, até que
surgem novas formas sociais advindas das riquezas e desenvolvimento acumulados neste
período.
19
Com isso, ao lado da economia agrícola que até então dominava, se desenvolve a
mobiliária: o comércio e o crédito. E com ela surge uma rica burguesia de negociantes
portugueses que se destaca da nobreza dos proprietários rurais e que farão com que as cidades
do litoral onde residem transformem-se em centros urbanos ricos e populosos. Criam
mesmo, em benefícios dos naturais do Reino, um verdadeiro monopólio de fato das posições
mercantis. Os brasileiros são delas excluídos por uma guerra sem tréguas que lhes movem os
comerciantes estabelecidos, o que torna nelas impossível o seu progresso”. (PRADO, 1972,
p. 37)
Como a colônia era obrigada a comercializar apenas com a metrópole através do pacto
colonial, os novos negociantes portugueses prosperavam com a ajuda da opressiva política
comercial adotada por seu país de origem. Nesta tendência, multiplicam-se as restrições
comerciais brasileiras com diversos países europeus que procuravam matéria prima e novos
mercados consumidores para completar sua soberania, e o aumento da penetração econômica
da metrópole sobre o Brasil vai diminuindo gradualmente nossa autonomia local. “Até São
Paulo, cuja autonomia até fins do séc. XVII fizera quase esquecer a existência do governo
lusitano (...) é absorvido em princípio do séc. XVIII pelo novo sistema administrativo,
passando a uma estreita dependência da metrópole”. (PRADO Jr., 1972, pp. 40 e 41)
Com a descoberta das Minas
4
, e em seguida do ouro e diamantes em Goiás e Mato
Grosso, pelas correntes bandeirantes paulistanas que foram suas primeiras colonizadoras, São
Paulo vai sofrer um processo de estagnação durante quase todo o século XVIII, encontrando-
se empobrecida e desfalcada de moradores que se deslocavam em direção as Minas e ao Oeste
da província ou que seguiam as correntes povoadoras do Sul.
No ano de 1725, quando é concluído o “Caminho Novo” que ligava o Rio de Janeiro a
região da Minas, São Paulo recebe o golpe final e deixa de ser o principal centro abastecedor
de alimentos e gado para uma região que nada produzia a não ser ouro para o acúmulo de
riqueza da Coroa. “O século XVIII é um período em que toda a atividade da colônia está
canalizada para as minas; a agricultura decai enormemente, mesmo no Norte, onde
florescera com tanta pujança no século anterior”. (PRADO Jr., 1972, p.107)
Entretanto, devido sua localização estratégica e por possuir uma zona agrícola bastante
desenvolvida para época, a função comercial de São Paulo se amplia ao servir de entreposto
de produtos agrícolas entre as diversas regiões do país, principalmente o extremo sul que lhe
4
A mineração de ouro e diamantes nas regiões de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais, principalmente entre os
anos de 1750 e 1770, foi um período em que a Inglaterra se consolidava como uma potência industrial,
exercendo forte influência econômica sobre Portugal, que para saudar seus dividendos governa o Brasil com uma
política de restrição econômica e opressão administrativa que vai gerar diversas guerras internas e rebeliões por
todo o país.
20
fornecia muares para o transporte destes produtos e as expedições da região de Mato Grosso e
Goiás (Monções), com quem comercializa alimentos e facilita a escoação de ouro para o
exterior. Assim, o fato da economia de subsistência poder produzir um excedente que pode
ser comercializado, aliado ao crescimento demográfico e a disponibilidade de terras do
entorno, esta atividade passou a ser mais investida nos arredores de São Paulo.
Para esta comercialização se efetivar, durante todo o século XVIII a importância das
vias fluviais vão diminuindo gradualmente, passando a ser substituída por vias terrestres
utilizadas desde os fins de 1500, e que agora sofriam melhorias através da regularização e
pavimentação dos percursos. Isso colocando São Paulo como centro irradiador de diversos
caminhos que ligam quase todas as regiões do interior do planalto brasileiro: para o Norte o
caminho que seguia para Atibaia e Bragança, ligando-o ao Sul de Minas; ao Noroeste seguia-
se para Mogi que levava ao Triângulo Mineiro e Goiás; ao Nordeste ligava-se ao Rio de
Janeiro pelo Vale do Paraíba; e ao Sudeste ligava-se aos campos de Sorocaba até que no
século XVIII alcança o Sul brasileiro. (Cf. PRADO Jr., 1972, p.104)
Outro caminho muito importante que recebeu melhorias foi o caminho do mar, mais
conhecida como Calçada de Lorena
5
. A pavimentação do percurso da Serra do Mar até a
região de Cubatão facilitou enormemente o escoamento de produtos praticados para
exportação que eram produzidos no planalto brasileiro.
Ao findar este período, o Brasil retoma sua função agrícola devido ao esgotamento de
ouro das Minas e de outras regiões, e São Paulo passa a apresentar um destacado crescimento
econômico favorecido principalmente com a emancipação da Metrópole portuguesa.
Reerguimento de São Paulo
No final do século XVIII, a atividade comercial foi a principal responsável pelo
reerguimento da cidade de São Paulo, visto que os negociantes da capital continuavam a
comercializar e fornecer mercadorias às vilas espalhadas pelo interior da província. Porém,
com as benfeitorias do século passado que facilitaram a circulação de produtos agrícolas
(melhoramentos das vias terrestres e utilização de transporte de animais), aliando a
potencialidade das terras do planalto para o cultivo de produtos para exportação, a agricultura
5
Este nome deste caminho deve-se ao fato de ter sido o Capitão Geral Bernardo José de Lorena que promoveu
esta benfeitoria em contrapartida de cobrar pedágios de quem a utilizasse.
21
do interior paulista perde o caráter de subsistência, adquirindo um modesto setor de
exportação através da retomada do plantio de cana de açúcar.
De fato, o centro mercantil de São Paulo contava com uma sólida retaguarda agrícola, graças
ao desenvolvimento das plantações de cana e da produção do açúcar, nos núcleos de povoamento
fundados pelos pioneiros (...). Esse ciclo agrícola, iniciado desde as últimas décadas do século XVIII,
serviu de ponto de apoio à restauração da economia paulista, até ao advento do café. (AZEVEDO,
1958b, p. 43)
Mesmo que em pouca quantidade, São Paulo passa a exportar cada vez mais para
outras províncias do país e até para a Europa, assumindo o caráter de uma pequena praça
comercial que necessitava de um mínimo de infra-estrutura urbana para se estabelecer. Assim,
com os lucros advindos desta comercialização, aumenta-se o investimento em melhoramentos
para a vida urbana, como a instalação de iluminação pública, a pavimentação de ruas, criação
de redes de abastecimento de água e de novos loteamentos.
Figure 5 – Planta dos novos arruamento e loteamentos de São Paulo em 1841
Outro fator importante que promoveu estas transformações foi a transferência das
famílias de senhores de engenho do campo para a cidade que, a partir deste período, passou a
ser o centro de negociação e comercialização da produção agrícola para exportação, gerando
22
conseqüentemente o surgimento de novas atividades econômicas e o desenvolvimento do
setor de serviços.
Aliado a isso, a emancipação política do Brasil trouxe profundas transformações no
regime jurídico de propriedade de terra.
Em 1822, com a Independência, foi extinto o regime de sesmaria e iniciou-se um período de
amplo apossamento de terras, vigorando o que alguns juristas chamam de posses de terras devolutas,
transformando em “costume jurídico” oficial o que era uma forma amplamente praticada. (...) A
história dos usos da terra urbana é em parte a história da apropriação do espaço através tanto da
ocupação real quanto da propriedade legal. Duas questões pode ser apontadas aqui: a raiz da noção
que o direito à terra está diretamente ligada a sua efetiva utilização, que remonta à própria ordem
jurídica portuguesa, e a conveniência entre um sistema oficial de concessão e um registro de terras
virtual e acessível a poucos com a realidade do apossamento informal. Essa contradição, que, como
vimos, não representava um problema ou uma fonte de conflito até 1850, passou a ser o elemento
fundamental de tensão urbana a partir dessa data até nossos dias. (ROLNIK, 1999, p.22)
Entre outras palavras, a separação entre a propriedade legal e a efetiva apropriação do
solo passou a ser dada no momento da edificação. Assim, o que até então era uma idéia virtual
das dimensões que limitavam a área apossada, somente se concretizava no momento em que
se cercava todo o perímetro escolhido para o apossamento. “Os limites precisos do terreno
passam a ser importantes quando se trata de a ele atribuir um preço e de registrá-lo
enquanto propriedade definitivamente privada e, portanto, definitivamente subtraída da
esfera comunal” (ROLNIK, 1999, p. 25)
Diante dessa situação, a ocupação livre do solo havia se tornado uma ameaça para a
disciplina do trabalho, uma vez que qualquer trabalhador assalariado poderia adquirir a terra
pela posse sem se sujeitar a trabalhar para os outros. O acesso a terra era impossível ao
escravo em função de sua própria condição de cativo, mas, se não era regulada, podia ser
facilmente adquirida pelos trabalhadores assalariados. A ocupação livre, em outras
palavras, havia se tornado uma ameaça para a disciplina do trabalho e precisava ser
restrita”. (ROLNIK, 1999, p.23)
Desta forma, a solução encontrada pelos proprietários que necessitavam de grandes
quantidades de trabalhadores para cultivar suas extensas lavouras foi a criação da Lei 601
de 1850, que passou a proibir o livre apossamento da terra: Artigo Ficam proibidas as
aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. (Cf. ROLNIK,
1999, pp. 22 e 23)
A partir de sua promulgação, a única forma legal de posse da terra passou a ser a compra
devidamente registrada. Foram duas as implicações imediatas dessa mudança: a absolutização da
propriedade, ou seja, o reconhecimento do direito de acesso se desvincula da condição de efetiva
ocupação, e sua monetarização, o que significa que a terra passou a adquirir plenamente o estatuto de
mercadoria. (ROLNIK, 1999, p. 23)
23
Os efeitos dessas transformações sobre a paisagem urbana modificou completamente a
forma de organização da cidade. A necessidade de acesso e circulação entre as novas
propriedades, agora adquiridas somente por meio da compra, provocou o surgimento de
arruamentos e loteamentos até mesmo prévios ao ato de construir, gerando um espantoso
desenvolvimento urbano baseado na especulação imobiliária.
Por outro lado, as transformações socioeconômicas apresentadas pelo Brasil não
tardam a despertar o interesse de outras nações mundiais consolidadas. No caso da
Inglaterra, que tinha grande interesse no mercado brasileiro que se formara, a maneira
encontrada para alcançar esse objetivo foi financiar a transferência da corte portuguesa para o
Brasil para assim ter livre acesso de comercialização com este mercado em potencial
6
.
Com isso, a abertura gradual dos portos brasileiros que se inicia com a vinda da corte
portuguesa em 1807 vai colocar este novo território em maior contato com diversas nações
que apresentam um progresso espantoso de desenvolvimento no decorrer do século XIX,
sedentas por matérias primas para suas indústrias consolidadas e pelo mercado consumidor
que se formara no Brasil.
A abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, em 1808, entre outras muitas
conseqüências, a de carrear, para o nosso país, a produção industrial dos países mais avançados no
ponto de vista econômico, a qual passou a dominar francamente o nosso mercado e impossibilitou o
aparecimento de qualquer surto industrial. (AZEVEDO, 1958c, p.19)
Aliado a isso, a partir de 1850, a Inglaterra ajuda também a proibir o tráfico negreiro
que ainda correspondia a principal fonte da força de trabalho brasileira. Tal fato se deu porque
a utilização de escravos africanos nas lavouras açucareiras gerava excepcionais lucros para a
coroa portuguesa que concorria diretamente com as negociações inglesas na costa africana,
além de competir com a produção açucareira das colônias das Índias Ocidentais
comercializadas pela Inglaterra.
Assim, a impossibilidade de investimento na compra de escravos também
proporcionou uma importante mudança na aplicação de empreendimento pelo país, iniciando
a construção das primeiras ferrovias brasileiras, desenvolvendo o mercado imobiliário,
iniciando o surgimento de casas bancárias, a consolidação do comércio e assim dando os
primeiros passos no sentido de modernização do país
7
.
6
Este momento compreende um período pós Revolução Francesa de 1789, quando Portugal fica sob tutela da
Inglaterra para se defender das investidas Napoleônicas. A Inglaterra, em contrapartida, facilita a transferência
da Corte portuguesa para o Brasil, que passa a ser o centro administrativo lusitano e aboli a relação de
exclusividade comercial com sua Metrópole que deixou de existir.
7
Aliada as descobertas da Revolução Industrial que facilita a instalação de iluminação pública, difunde-se na
capital paulista o hábito de vida noturna. Entretanto, o abastecimento de só se regulariza a partir de 1851, quando
aumenta o número de chafarizes público e de pessoas atendidas. Em 1852 é inaugurado o primeiro matadouro
24
Por outro lado, a suspensão gradual de escravos africanos nas lavouras brasileiras vai
estancar definitivamente o desenvolvimento das grandes propriedades rurais de produção de
açúcar. Assim, a elevação do custo da força de trabalho escrava passa a ser possível somente
quando aplicado em culturas altamente lucrativas, como o exemplo do cultivo do café, ou pela
substituição do trabalhador escravo pelo trabalhador assalariado, que gerava menos gastos
para o patrão e que era possível diante da crescente imigração de trabalhadores livres de
outros países para o Brasil.
A evolução política progressista do Império corresponde assim, no terreno econômico, à
integração sucessiva do país numa forma produtiva superior: a forma capitalista. As instituições
primitivas como a escravidão, herdadas da antiga colônia, são varridas pelas novas forças produtivas
que vão se formando e desenvolvendo no decorrer do século passado. (PRADO Jr., 1972, p. 88)
Profundas Transformações: o trinômio café - ferrovia - imigrante
8
Até a primeira metade do século XIX, a capital paulista pouco diferia da vila e cidade
dos tempos coloniais, resumindo-se até 1810 uma pequena área compacta localizada entre
os vales do rio Anhangabaú e Tamanduateí, rodeada por chácaras que juntamente ao núcleo
urbano não chegava a contar com 10.000 habitantes ao findar a década de 1830. “A cidade de
São Paulo era circundada por um cinturão de chácaras, que além de fins agrícolas
encerravam importante função residencial”. (LANDENBUCH, 1971, p.9)
Seguindo a tendência do século passado, sua principal função econômica ainda se
baseava na atividade comercial.
São Paulo era uma espécie de entreposto comercial, que mantinha contato permanente com o
porto de Santos e com a zona agrícola do interior, onde prosperava a lavoura canavieira e tinha início
a expansão do café, no vale do Paraíba. Tais fatores, embora modestos em suas proporções, bastaram
para ocasionar uma certa animação à vida comercial da cidade. (AZEVEDO, 1958b, p.61)
Assim, com a acumulação das riquezas geradas pelo recente desenvolvimento
açucareiro e pela função centralizadora de entreposto comercial entre diversas províncias
brasileiras, intensificou-se um processo de colonização do território paulista principalmente
para o Norte e Oeste, baseado primeiramente na agricultura da cana de açúcar e a partir de
agora num novo e rentável produto para exportação: o café
9
.
municipal e no mesmo ano a cidade já contava com uma penitenciária.
8
Este termo foi utilizado por Aroldo Azevedo para designar três fatores correlatos e fundamentais para o grande
desenvolvimento da cidade de São Paulo no início do século XX.
9
A jornada histórica do café inicia-se com sua chegada na baixada fluminense, alcançando no início século XIX
o litoral Sul desta região onde se localizam as cidades de Parati, Ubatuba e São Sebastião, ao mesmo tempo em
que subia a Serra do Mar para ser produzido no vale do Paraíba. Partindo daí, por localizar-se numa região de
passagem que ligava o Rio de Janeiro e São Paulo, logo o café se esparrama para o Oeste paulista onde encontra
25
Dentro do Mundo Tropical, não conhecemos nenhum fenômeno agrícola comparável ao do
café no Estado de São Paulo. Expandindo-se em suas terras com uma inaudita força de domínio,
contribuiu poderosamente para transformar, em menos de um século, a sua paisagem geográfica,
povoando-a, urbanizando-a, civilizando-a. (AZEVEDO, 1958c, p.7)
Os melhoramentos das vias terrestres que durante o século anterior facilitou o
escoamento destes produtos para exportação serão agora substituídas por novos modos de
circulação que ela mesma ajudou a criar, surgindo então as primeiras ferrovias em território
brasileiro patrocinadas por investimentos estrangeiros e por grandes proprietários rurais que
eram os maiores interessados na lucratividade que elas poderiam gerar.
E aos poucos as estradas de ferro vão abrindo novas zonas, estendendo seus tentáculos para
longe a fim de englobar no sistema econômico paulista um território cada vez maior. Desprezam
limites políticos e vão invadir outros Estados, articulando assim no organismo de São Paulo zonas
exteriores consideráveis, como o Triângulo Mineiro e o norte do Paraná. E tudo isso, desenvolvendo
regiões que por suas ligações naturais se tornaram economicamente tributárias da capital, vai
naturalmente se refletir no progresso e desenvolvimento desta. (PRADO Jr., 1972, p.109)
Assim, favorecido pelas novas condições materiais proporcionadas pela exportação
açucareira e cafeeira que dava a esta região brasileira uma repercussão mundial, é inaugurada
no ano de 1869 a primeira ferrovia que ligava a cidade de São Paulo no planalto à cidade
litorânea de Santos, conhecida como Estrada de Ferro Inglesa.
Patrocinada pela Inglaterra, que logo percebeu a lucratividade que poderia ganhar ao
facilitar o escoamento dessa grande e rica produção agrícola, a cidade de São Paulo somente
se beneficiará desta via em 1872 quando atingiu novas regiões de produção cafeeira do
interior do estado (Cia Paulista de Estrada de Ferro, ligando a Jundiaí, Campinas, Rio Claro,
etc) e o Noroeste paulista, em 1884 (São Carlos, Araraquara, Jaú etc). “Foi devido ao café,
ainda, que se constitui em São Paulo uma rede ferroviária relativamente densa, que coloca a
Capital em íntima conexão com uma região bem ampla que lhe poderia servir de mercado em
potencial”. (SINGER, 1969, p.38)
Logo que se fixa este binômio de lucratividade café ferrovia, acelera-se o
crescimento dessa extensa trama ferroviária financiada principalmente por investidores
estrangeiros, concretizando a interligação de novos trechos que vão alcançar em 1875 a região
de Sorocaba (Sorocabana ligando a Boituva, Tietê, Laranjal etc), em 1877 o Rio de Janeiro
(Central do Brasil pelo vale do Paraíba), em 1888 a Minas Gerais (Mogiana ligando Ribeirão
Preto, Franca, Uberaba etc) e diversos outros ramais do interior paulista. Com isso, a cidade
de São Paulo torna-se pólo irradiador de novas vias de comunicação e centro comercial de
todas as regiões do estado e de alguns vizinhos, pois por ela tudo passava do interior do país
um solo e um clima propício para o pleno desenvolvimento da lavoura cafeeira, até varar o estado de São Paulo e
atingir o Norte do Paraná e o Sul de Goiás.
26
para Santos e vice-versa. “Desta maneira, no fim da década de 1880 achava-se São Paulo
conectada com as principais zonas do Estado, sobretudo com as que experimentavam então a
penetração da vanguarda cafeeira”. (SINGER, 1968, p. 58)
Apesar da grande importância de todas ferrovias paulistas para o desenvolvimento da
cidade, a ferrovia que liga Santos a São Paulo vai ser a maior responsável pelas profundas
transformações sócio-econômicas que vai sofrer em fins do século XIX. Esta afirmação não
se deve ao fato desta ferrovia ser a precursora do desenvolvimento ferroviário brasileiro, mas
principalmente porque ela concretizou a rápida ligação da pequena cidade do planalto paulista
com o mundo, estando disposta a aceitar todos instrumentos de modernização que se criavam
na Europa e no EUA.
Através dela, criou-se uma estreita relação entre o Planalto e o Litoral brasileiro que
transformou a cidade de São Paulo e a cidade de Santos numa única unidade dividida em dois
relevos geográficos em que possivelmente não se desenvolveriam independentemente, assim
como analisou Caio Prado Jr.:
O relevo do solo paulistano estava, portanto, a impor este sistema de duas cidades conjugadas,
dividindo entre si as funções de porto, ponto de articulação das comunicações com o exterior; e centro
de povoamento, ponto fácil de convergência da vida deste planalto densamente habitado em oposição
a um litoral despovoado. (PRADO Jr., 1972, p.117)
Figura 6 – Foto da ferrovia na Serra do Mar (1900) Figura 7 – Foto de Imigrantes trabalhando nos cafezais
Entretanto, para completar as determinantes que possibilita o crescimento
surpreendentemente dessa pequena cidade, é fundamental expor a influência da imigração
européia das três últimas décadas do século XIX para o desenvolvimento de São Paulo,
principalmente quando avaliado o crescimento demográfico gerado por ela nesse período
10
.
10
A partir da década de 1870, São Paulo tem sua população quase dobrada entre 1872 e 1886, quando passa de
31.000 habitantes para 47.697. No ano de 1890 atinge uma população de 64.934 habitantes que, ao findar o
século, têm sua população quadruplicada com 239.934 habitantes, formada grande parte por imigrantes
europeus.
27
Como sabemos, a decadência do trabalho escravo no Brasil acontece exatamente no
momento em que a produção do café paulista se expande. Entretanto, como o cultivo dessas
monoculturas em grandes propriedades rurais necessitava também de grande contingente de
trabalhadores (limpeza do terreno, plantio, capina, poda, colheita, transporte etc), a solução
encontrada pelos cafeicultores para assegurar a lucratividade durante um período onde a força
de trabalho escrava dava os últimos suspiros foi incentivar, através do Estado, cada vez mais a
imigração européia para o Brasil (principalmente de origem italiana), onde se constituía um
grande excedente de trabalhadores livres assalariados para que se mantivesse baixo o valor
dos salários.
A crise econômica na qual a Itália mergulhou a partir de 1870 mostrou-se oportuna para a
importação de mão-de-obra abundante e barata, com a vantagem de que esta aportaria previamente
expropriada. Por pressão dos cafeicultores, que tinham absoluto domínio da máquina política do
estado e do país o governo passou a ter uma política ativa, subsidiando a importação do imigrante
europeu em larga escala. Em 1881, o governo começou a pagar a metade dos custos de transporte, da
Europa até as fazendas; em 1884, reembolsou integralmente os fazendeiros pelo pagamento que
faziam das passagens e, em 1885, três anos antes da abolição, passou a subsidiar diretamente o custo
do transporte do imigrante. (ROLNIK, 1999, pp. 38 e 39)
Esta substituição do escravo negro pelo imigrante europeu foi acompanhada por um
discurso que defendia a solução como alternativa progressista, na medida em que europeus
civilizados e laboriosos trariam sua cultura para desenvolver a nação. Assim, a força de
trabalho imigrante era preterida do que o escravo, tido como indolente e vagabundo, mas
principalmente, segundo pensamento científico da época, os negros, mulatos e mamelucos
eram tidos como antropologicamente inferiores. (Cf. ROLNIK, 1999, p.71)
Entretanto, é importante destacar que por trás desse discurso, o principal motivo da
substituição do trabalhador escravo pelo imigrante europeu assalariado era a obtenção de mais
lucro, visto que assim os fazendeiros transferiam todos gastos com a reprodução da força de
trabalho escrava (compra do escravo, alimentação, vigilância) para o trabalhador assalariado
que financiava seu próprio sustento com salários baixíssimos.
O abolicionismo não envolveu, como disse Rui Barbosa, e muita gente acredita, não
envolveu com exuberância irresistível do seio do povo, do âmago da sociedade brasileira, do
entusiasmo nacional em conflito com as únicas três forças organizadas do país: a riqueza territorial, a
política conservadora e a coroa. Nasce das condições objetivas do país, da insuficiência qualitativa e
quantitativa do trabalho escravo, e por efeito, do acúmulo de interesses opostos a escravidão.
(PRADO Jr, 1972, p. 87)
Aliado a isso, a potencialidade do trabalho trazida pelo imigrante europeu, que
diferentemente do escravo de origem africana possuía uma acumulação de conhecimentos
28
técnicos desenvolvidos ao longo de sua história, foi um fator decisivo para a concretização
das novas relações de produção brasileira, assim como colocou Oliveira:
Entretanto, a conversão dessa potencialidade em real é barrada por uma série de fatores. Em
primeiro lugar, a ausência de capitalização anterior na forma de máquinas e equipamentos força agora
uma capitalização de nível muito baixo: a força de trabalho liberada não tem, praticamente, nenhuma
virtude técnica a transferir para o capital. Sua anterior condição de escravo lhe embotara a capacidade
técnica, o domínio do instrumento de trabalho, e, portanto ela não tem nada a transferir para o capital
senão sua força muscular; a subordinação real do trabalho ao capital está ainda por completar-se. Não
é estranho, por isso, que, em meio a uma abundância de força de trabalho, a indústria brasileira nos
fins do século XIX e as primeiras décadas do século XX tenha que socorrer-se do imigrante
estrangeiro, cuja predominância no total da classe operária ainda era absoluta em 1920. (OLIVEIRA,
1977, pp. 25 e 26)
Assim, impulsionada pela ferrovia que além de promover a exportação da produção
cafeeira paulista facilitava o acesso do imigrante, do porto de Santos ao planalto, para
trabalhar nas lavouras e ajudar a construir a nova cidade, estabelece-se nas últimas décadas do
século XIX a relação do trinômio café ferrovia - imigrante, fazendo desse período um
marco na evolução da capital paulista e de grande crescimento demográfico.
11
Com o progresso privilegiado da cidade de São Paulo em relação as outras regiões
brasileiras, gerado principalmente pela produção cafeeira e pelo aumento populacional que
promoveu uma acumulação de capitais advindos desse processo, começa a surgir na capital
paulista um considerável surto industrial
12
. Desta forma, por assumir a posição de centro
econômico e geográfico de uma grande região do interior do país, São Paulo passa a ser
preterida para a instalação das primeiras fábricas brasileiras, pois além de oferecer um
crescente mercado consumidor, a presença da ferrovia possibilita o fácil acesso ao porto de
Santos ao interior do planalto, outro mercado consumidor subordinado a capital e fornecedor
de matérias-primas. Com isso, São Paulo passa a concentrar espacialmente a maior parte das
indústrias brasileiras e a especializar cada vez mais a agricultura praticada no interior do
estado para o abastecimento industrial paulistano.
A razão básica deste processo de criação de desequilíbrios regionais é, no fundo, a mesma que
leva à concentração do capital. A acumulação do capital, tanto numa empresa como numa região, se
faz pela reinversão de uma parte do excedente. Quanto maior o excedente, tanto maior a reinversão e
mais intensa a acumulação. (SINGER, 1968, p. 8)
11
Para dar uma idéia deste crescimento demográfico, no ano de 1888 chegaram as terras paulistanas cerca de
92.086 imigrantes. Após isso, deu uma pequena diminuída, imigrando cerca de 219.780 estrangeiros entre 1890
e 1894, voltando a apresentar aumento significativo entre os anos de 1895 e 1899, quando recebemos cerca de
415.296 imigrantes. (Cf. Azevedo, 1958c, p.12)
12
No ano de 1889, São Paulo contava com aproximadamente 32 fabriquetas, chegando em 1900 com um total de
100 pequenas fábricas, o que já correspondia a quase 100% de todas as fábricas que produziam bens de consumo
no país.
29
Outro fator preponderante para instalação de indústria na capital era a facilidade do
proveito da energia elétrica em abundância, conseguida com a utilização hidroelétrica dos rios
Tietê e outros menores da Serra do Mar. Entre as primeiras usinas hidroelétricas brasileiras
podemos destacara a Usina de Parnaíba Edgard de Souza, que em 1901 passou a suprir
as necessidades energéticas da cidade de São Paulo empregadas nos bondes, nos motores
das fabricas, na iluminação urbana etc, antes atendidos precariamente por uma usina
provisória que funcionava a vapor.
Conseqüentemente inicia-se um processo de grandes transformações urbanas que faz a
cidade mudar da noite para o dia. Os fazendeiros definitivamente fixam suas residências na
cidade, que passa a ser o local onde aconteciam as negociações do café, ao mesmo tempo em
que a ferrovia os aproximava das suas longínquas fazendas de café. A partir de 1872, a cidade
passa a apresentar um grande crescimento de ruas pavimentadas e iluminadas que facilita a
interligação entre bairros e cidades vizinhas, e no ano de 1884 é implantada a rede de
telefonia que consolida esta comunicação. Para abastecer esta grande população que se
formara é criada em 1877, com capitais particulares, a Companhia Cantareira de
abastecimento de água.
Figura 8 – Mapa de São Paulo em 1897
30
Desta forma, a expansão urbana causado pelo aumento demográfico da cidade vai se
dar através do retalhamento das chácaras dos arredores paulistanos, que nesse período
começam a apresentar uma segregação espacial através do surgimento de diversos bairros
exclusivamente residenciais para a elite paulistana e bairros populares para os operários das
novas indústria. “Durante a década de 1890 e 1900 a cidade de São Paulo conheceu seu
maior impulso evolutivo. (...) Constamos que pouco falta para que o ‘cinturão das chácaras’
seja inteiramente absorvido pela cidade”. (LANGENBUCH, 1971, p. 82)
Assim, a distância apresentada pelos novos loteamentos que surgiam ao redor da
região central de São Paulo passou a ser percorrida com a utilização do bonde de tração
animal, até que em 1897, quando surge os primeiros bondes elétricos
13
, essas linhas vão
alcançar áreas mais longínquas no início do século XX (Barra Funda, Bom Retiro, Penha,
Cambucy, Paulista etc).
A expansão da cidade já era de algum tempo auxiliada por um novo meio de transporte urbano,
qual seja o bonde de tração animal. Sua primeira linha fora inaugurada em 1872, e ligava o Centro à
Estação da Luz, que funcionava desde cinco anos. As linhas multiplicaram-se rapidamente e em
breve atingiam e ultrapassavam os pontos extremos da cidade (...). O serviço de bondes encerrava um
espírito de pioneirismo, que fazia as linhas ultrapassarem os limites da área construída da cidade,
fazendo seu ponto final pouco além. (LANGENBUCH, 1971, p. 80)
Figura 9 – Percurso alcançado por bondes no início do séc. XX
13
Neste período, juntamente com as ferrovias, eram as redes de bondes elétricos que propiciavam o crescimento
urbano de São Paulo. Porém, com o aumento de estabelecimentos industriais, a concessionária de energia
elétrica passou a fazer uma política de economia de energia para o transporte coletivo e passou a direcionar para
as novas industrias que geravam mais lucro e despendia menos manutenção. Isso causou uma diminuição das
linhas de bonde e um aumento da tarifa e do espaçamento entre as paradas, dificultando ainda mais o acesso a
regiões distantes do centro da cidade.
31
A consolidação do trinômio café ferrovia imigrante, aliada às transformações
socioeconômicas deste período, marcou profundamente a paisagem urbana da cidade de São
Paulo e iniciou um processo de grande concorrência e especulação do acesso à moradia e pela
localização de áreas mais privilegiadas dentro do perímetro urbano.
Ao findar o século XIX, se havia estabelecido na cidade um mercado imobiliário
considerável, constituído por casas, oficinas e quartos para aluguel e loteamentos de antigas chácaras.
O crescimento demográfico e a diversificação econômica que se intensificaram a partir do último
quartel do século XIX acirrou a disputa por localização na cidade, gerando um promissor mercado
de venda de terras e aluguel de edificação. No final do século mencionado, existia inclusive uma
segmentação desse mercado em submercados: as casas de negócio do Triângulo, os quartos e casas de
aluguel residencial em vários bairros da cidade, os loteamentos elegantes, as glebas para lotear.
(ROLNIK, 1999, pp. 101 e 102)
Aspectos econômicos importantes
Antes de adentrarmos o século XX, caracterizado como o período de consolidação da
hegemonia paulistana sobre o território brasileiro, é preciso retomarmos alguns aspectos
econômicos importantes que marcaram as transformações pré-metropolitanas e trouxeram
profundas mudanças na evolução histórica da cidade de São Paulo.
A economia urbana jamais é auto-suficiente, pois das atividades produtivas uma não pode ser
desenvolvida em seu seio: a produção de alimentos. Portanto a colocação da economia citadina como
objetivo de investigação pressupõe o exame de uma área mais ampla, dentro do qual se dá a divisão de
trabalho entre a agricultura e os setores produtivos que se localizam na cidade. (...) Este metabolismo
econômico entre campo e cidade faz com que a análise tenha que abranger um conjunto maior que a
cidade propriamente dita. (SINGER, 1968, p. 7)
Com a consolidação do trinômio café ferrovia imigrante, a cidade passa por um
processo de grande crescimento em todos os sentidos, que marcam profundamente as
transformações das relações de produção social engendrada pelo desenvolvimento econômico
de São Paulo neste período. E como sabemos, a agricultura, que sempre foi a base da
economia brasileira, e que agora tem como principal elemento de exploração a produção
cafeeira para exportação, foi a base material que possibilitou a maior parte dessas
transformações.
Graças a ele uma parcela cada vez maior do produto social toma a forma monetária, isto é, a
forma indispensável para que o seu excedente, o mais-produto, se possa transformar em capital. E
também graças a ele que, quantidades consideráveis de trabalhadores livres são atraídos para São
Paulo, prontos para oferecer sua força de trabalho a quem melhor a remunera. (SINGER, 1968, p. 37)
Entretanto, para o ciclo de lucratividade cafeeira se completar, era necessário grandes
investimentos iniciais na lavoura de café, que passava a produzir somente no quinto e sexto
32
ano após o plantio e por isso atrasava o retorno dos investimentos aplicados os lucros. Por
outro lado, mesmo com o intenso processo de acumulação de capital dos bancos brasileiros
deste período, somado às poupanças dos fazendeiros que praticavam o plantio de cana de
açúcar e do café, o montante financeiro não era suficiente para promover o pleno
desenvolvimento de todo o sistema necessário a produção cafeeira, como a criação das
ferrovias, a compra de escravos, o cultivo das lavouras, os melhoramentos urbanos etc. (Cf.
SINGER, 1968, p. 33)
Assim, parte dessas dificuldades é facilmente resolvida quando o governo passa a
subsidiar a imigração do trabalhador estrangeiro em substituição ao trabalho escravo,
garantindo a diminuição de grande parte dos gastos do fazendeiro com a compra do escravo e
com a manutenção de sua reprodução.
Solucionado este problema, faltavam ainda duas condições essenciais para a produção
cafeeira se efetivar: a criação de infra-estrutura para possibilitar a lucratividade dessa
atividade e os investimentos diretos da lavoura cafeeira. Então, diante do reduzido poder de
investimento brasileiro, surge no cenário econômico do país – o capital estrangeiro.
Por apresentar uma produção industrial consolidada promovida pela acumulação de
capital advinda de séculos de exploração de outras nações em formação, os países
industrializados passaram a apresentar uma nova forma de subordinação do capital nacional
pelo capital estrangeiro: a financeira. Com isso, bancos estrangeiros se prestam a oferecer
grandes empréstimos para potencializar ainda mais o desenvolvimento da cafeicultura que até
então lhes geravam bastante lucros através do transporte (via ferrovia e via oceânica) e da
comercialização do café
14
.
Entretanto, como os investidores estrangeiros eram bastante prudentes na distribuição
de créditos que teriam retorno garantido, na maioria das vezes ficava a cargo do governo
brasileiro investir diretamente na lavoura cafeeira que estava susceptível às intempéries do
tempo, como as geadas, secas e pragas, podendo assim não garantir o retorno do investimento.
Desta forma, a maior parte do capital estrangeiro passou a ser investido em
empreendimento de infra-estrutura que facilitasse e assegurasse a lucratividade da produção
agrícola brasileira, como a construção de ferrovias, o desenvolvimento da região portuária de
Santos
15
, a produção de energia elétrica, entre outros. “Seja como for, o que resultou foi a
criação, em São Paulo, de uma rede bancária capaz de mobilizar poupanças e eventualmente
14
Outro produto cuja produção também foi financiado por investidores estrangeiros foi o algodão. Entre 1860 e
1880, quando acontece a Guerra Civil dos Estados Unidos que produzia a maior parte do algodão utilizado nos
centros fabris ingleses, os investidores estrangeiros passaram a incrementar a produção de algodão em qualquer
local que fosse possível o cultivo, como o estado de São Paulo que passou a contar com uma grande rede
ferroviária e a se intensificar a produção algodoeira para as indústrias têxteis inglesas.
33
complementar, se não substituir, a oferta do capital estrangeiro no mercado de capitais, que
se constituía em função da cafeicultura”. (SINGER, 1968, p. 36)
Apesar da cidade de São Paulo ser diretamente beneficiada com a agricultura cafeeira,
o desenvolvimento econômico gerado por ela juntamente com as condições materiais
necessárias para a sua evolução provocaram transformações significativas não somente nos
estados vizinhos que se beneficiavam diretamente, mas também em todo território brasileiro
que necessitava apoiar-se em São Paulo para um número crescente de atividades econômicas
essenciais.
É ilusório, portanto, supor que o desenvolvimento ocorre em um ou alguns pontos do território,
deixando o resto intocado. O desenvolvimento se em toda a economia, porém, com efeitos
contraditórios: enquanto industrializa a parte privilegiada do país, reduz as demais à condição de
produtos especializados de alimentos e matérias-primas, privando-as de grande parte do seu excedente
acumulável e da melhor parte de sua mão-de-obra. (SINGER, 1968, p. 9)
Existe ainda outro importante fator que impulsionou a industrialização paulistana.
Como nesse período a maior parte da força de trabalho concentrava-se na produção cafeeira
para exportação baseada no trabalho assalariado, principalmente do imigrante europeu, o país
sofreu uma retração da participação do setor de subsistência na totalidade da economia
brasileira. Assim, aliado ao crescimento populacional da cidade e a necessidade de produtos
básicos para vida urbana, aumentou-se a procura por produtos importados não mais
produzidos pelo Brasil, o que estimulou os investidores brasileiros e estrangeiros a aplicar o
parque industrial paulistano para aumentar sua lucratividade diante do grande mercado de
consumo interno que se formara e de sua posição geográfica privilegiada. “Em conseqüência
da sua posição geográfica e econômica, foram-se concentrando nelas aos poucos, (...), todas
as funções de uma capital no sentido integral da palavra: centro político e administrativo,
social e cultural”. (PRADO Jr., 1972, p.119)
Desta forma, a produção cafeeira para exportação, praticada em grande parte do estado
com a utilização do trabalho assalariado, proporcionou a cidade de São Paulo atrair e
concentrar a maior parte dos capitais investidos em território brasileiro. “Constituem-se deste
modo em São Paulo os principais mercados de fatores o de capitais e o de trabalho que
desempenharão papel crucial para o desenvolvimento industrial da cidade. Ambos devem-se
ao café”. (SINGER, 1968, p. 37)
15
A crescente importância da exportação cafeeira paulistana acabou por transformar o porto de Santos no mais
importante do país e consequentemente, tornou-se imprescindível o saneamento da cidade, como também a
ampliação e melhoramentos da zona portuária, realizada pela Companhia Docas de Santos no ano de 1892,
através de investimentos estrangeiros.
34
Povoando mais da metade do Estado, fazendo surgir cidades onde havia mata virgem, criando
vias de comunicação e de transporte, elaborando, enfim, os próprios fundamentos da civilização
material e espiritual de São Paulo, o café deslocou para o Sul do país toda a estrutura política, social e
econômica, fixada de início no Nordeste graças ao açúcar, mais tarde transferida para Minas Gerais
graças à mineração; e, com isso, tornou possível a formação do poderoso parque industrial de São
Paulo. (AZEVEDO, 1958c, p.11)
As bases do crescimento urbano
No final do século XIX, a política imigrantista financiada pela elite cafeeira, que
estimulava e promovia intensamente a imigração numa quantidade superior a disponibilidade
de emprego nas fazendas de café, favoreceram muito o acúmulo de uma população
desempregada em São Paulo. Assim, após 1900, muitos dos imigrantes que se dirigiam do
porto de Santos diretamente para as fazendas de café do interior paulista passaram a se fixar
nas cidades, principalmente na capital, na medida em que eram preteridos para o trabalho das
primeiras fábricas e da construção civil diante do conhecimento técnico que traziam de seus
países de origem.
Entretanto, quando não conseguiam esta ocupação, parte dos imigrantes investiam
suas economias em empreendimentos familiares constituídos por pequenas oficinas e
fabriquetas realizadas nos fundos dos quintais ou nos cômodos das moradias, na maioria das
vezes alugada, contribuindo assim para o surgimento da indústria sob forma artesanal. “Na
maior parte dos casos eram negócios tocados pelo próprio dono, auxiliado pelo grupo
familiar, e muitas vezes conterrâneos, que trabalhavam em troca do aprendizado da
profissão, de alojamento e de comida”. (ROLNIK, 1999, p. 80)
Esse crescimento populacional causado pela imigração que gerou a presença de
contingentes cada vez maiores de assalariados, artesões e comerciantes na cidade de São
Paulo, possibilitou uma maior disponibilidade de capitais para investimentos em diversos
setores da economia, entre eles - o mercado de imóveis que tornou não possível como
altamente rentável.
Desta forma, ao contrário de uma grande parte da população paulistana que exercia
atividades marginais e não possuíam condições de acesso à moradia, os pequenos
proprietários e grande parte dos imigrantes que chegam com alguma poupança passaram a
investir na compra de imóveis e a utilizar o aluguel como possibilidade de renda, aumentando
o conflito territorial e a especulação imobiliária.
35
Analisando a estrutura do mercado de trabalho da metrópole paulistana nos fins do século XIX
e primeiras décadas do século XX, observa-se a predominância acentuada das pequenas ocupações
autônomas e do trabalho informal, setores incluídos na chamada economia invisível, oculta,
subterrânea, submersa, paralela, não oficial. (...) Calcula-se que a maioria expressiva da população
pobre era composta por trabalhadores que viviam na base das pequenas ocupações independentes, do
trabalho temporário de baixa remuneração, como também de funções marginais e de ganhos ilícitos.
(ROLNIK, 1999, p. 79)
As primeiras décadas do século XX vão consolidar definitivamente as profundas
transformações sócio-econômicas iniciadas em fins do século XIX, criando assim as
condições necessárias para o surgimento da indústria paulistana que vai transformar São
Paulo num dos maiores centros urbanos brasileiros e modificar sua função principal.
Entre as modificações registradas na estrutura funcional da cidade de São Paulo, a mais recente
é devida à função industrial. Ela não sucedeu, mas ajustou-se às funções anteriores. De fato, não
houve, na evolução da metrópole paulista, uma sucessão de funções e, sim, um progressivo
enriquecimento de sua estrutura funcional. (AZEVEDO, 1958c, p. 6)
Entretanto, até 1920, São Paulo ainda era um pequeno aglomerado urbano que
dependia essencialmente da produção cafeeira para se desenvolver e proporcionar a infra-
estrutura mínima
16
para a indústria paulistana se assentar. Nesse período, a cidade era dividida
em dois grandes blocos urbanos separados pela várzea do Rio Tamanduateí, afluente do Rio
Tietê. De um lado, localizavam-se centro antigo da cidade conhecido como Triângulo e os
bairros da zona oeste, sudeste e sul, definidos como bairros elegantes de fazendeiros e
industriais. Do outro lado do rio, concentravam-se os bairros industriais, operários e os
prolongamentos dos bairros populares rumo a leste da cidade.
Figura 10 – Fotografia de 1900 da várzea do Rio Tamanduateí dividindo a cidade
Sua malha urbana apresentava-se bastante fracionada, ora formada por grandes trechos
edificados e vazios, ora separados por obstáculos naturais (rios, córregos e várzeas) ou pelas
16
Na primeira década do século XX, o ex-prefeito Antônio da Silva Prado inicia-se um plano de melhoramentos
da capital paulista conhecido como Operação Limpeza, composto por obras de saneamento, canalização de rios e
ribeirões, criação e ajardinamento de praças, pavimentação de ruas do centro e várias outras intervenções
urbanas que preveniram do progresso cafeeiro.
36
ferrovias, revelando assim uma forma de ocupação do solo especulativa e muito maior que a
necessária para absorver o grande número de pessoas que chegavam à São Paulo nesse
período, assim como descreveu Langenbuch:
Nota-se, quer pela solução de continuidade conhecida pelo espaço urbano, quer pela pequena
densidade de construção, que a cidade em sua expansão passava a ocupar uma área muito mais ampla
do que seria necessário e funcionalmente conveniente. Contudo, o crescimento extremamente rápido
da cidade facilmente explica tal circunstância, e por duas razões principais. Por um lado, o processo
engendra uma especulação imobiliária, que repousava em grande parte na certeza de que os terrenos
tinham sua valorização assegurada, em função do crescimento urbano. A especulação imobiliária, por
sua vez, provoca sempre a aquisição de lotes visando fins lucrativos, os quais conseqüentemente
permanecem desocupados. Por outro lado, em função do espantoso crescimento da cidade, o
comprador de lotes, mesmo afastados, seguramente tinha a consciência ou a impressão de que a
cidade não tardaria a alcançar o local. (LANGENBUCH, 1971, p. 83)
Ainda nesse sentido, Caio Prado Jr. também nos oferece sua contribuição:
As terras que cercavam São Paulo quando se deu o surto atual, que começa nos últimos anos
do século passado, estavam praticamente abandonadas. Os especuladores de terrenos, adquirindo-os a
preços baixos (ou a preço nenhum pelo tão difundido sistema de “grilo”, que é a ocupação pura e
simples sem título algum), não tiveram mais que traçar as ruas, às vezes no papel apenas, e passá-los
aos compradores, que o crescimento considerável e vertiginoso da cidade fornecia em abundância.
(PRADO Jr., 1972, p. 130)
Figura 11 – Mapa de São Paulo nas primeiras décadas do séc XX
37
Ao chegar ao ano de 1930 com uma população de um milhão de habitantes, quando
também se observa no Brasil o início da transição econômica de base agrário-exportadora
para uma estrutura produtiva de base urbano-industrial, as transformações da paisagem urbana
apresentadas pela cidade de São Paulo foram ainda mais significativas com a formação do
parque industrial paulistano que se consolida definitivamente por volta de 1950.
Com o crescimento urbano, a organização espacial da cidade de São Paulo começava a
apresentar áreas funcionais bastante definidas, das quais podemos destacar: o antigo centro da
cidade de grande valorização territorial por concentrar o comércio varejista; as vertentes e
várzeas do Rio Tamanduateí, onde se concentrava o comércio atacadista; o parque industrial,
implantado nos terrenos planos das várzeas de rios e córregos próximos a ferrovia; e os
bairros da elite, populares e operários, que circundavam separadamente toda essa área central.
Entretanto, para ser possível à expansão da cidade em todas as direções, e não somente
nas áreas de abrangência das linhas ferroviárias que promoviam o crescimento urbano, este
período marca o começo de grandes intervenções viárias e do surgimento de novos meios de
transportes, como o ônibus a gasolina que integrado as antigas linhas de bondes e trens, vão se
opor a qualquer obstáculo físico do relevo paulistano
17
. A segunda metade dos anos 20
estabeleceria o padrão urbanístico dominante da metrópole paulistana: um padrão baseado
na expansão horizontal, no ônibus e no automóvel como meios de transporte, na
autoconstrução dos assentamentos populares e numa quase total irregularidade perante as
leis e códigos que determinavam o uso e a ocupação do solo da cidade”. (ROLNIK, 1999, p.
165)
Figura 12 – Mapa do plano de Avenidas de Prestes Maia Figura 13 – Corte esquemático do Plano de Avenidas
17
Em 1924, é criado o Plano de Avenidas de Prestes Maia, que propunha em São Paulo uma forma de
planejamento viário baseado numa grelha radial perimetral compatível com a expansão da cidade.
38
Com isso, São Paulo tem sua área expandida desmesuradamente, até que a
necessidade de infra-estrutura financiada pelo governo se tornou crucial para a valorização
imobiliária do mercado que se formara. Mais uma vez, o Estado intervém em benefício da
elite governante, investindo em melhoramentos urbanos nas regiões escolhidas pelos grandes
empreendedores imobiliários.
A expansão “selvagem” da fronteira criou a cidade de fato, que, crescentemente a partir dos
anos 20, pressionou o poder público para ser atendida por melhorias urbanas. Por esta razão, a infra-
estrutura tornou-se crucial para a valorização imobiliária, não apenas dos mercados ricos, mas também
dos populares. (...) Como vimos, os bairros residenciais exclusivos expunham, como chamariz
mercadológico, a presença de redes de infra-estrutura implantadas, elevando, logo a princípio, o
patamar dos preços. Mas os bairros populares a infra-estrutura básica como água encanada e
esgotos, iluminação pública, eletricidade, limpeza, pavimentação e drenagem poderiam tardar anos,
ou décadas. (ROLNIK, 1999, pp. 130 e 131)
Após 1930, quando o mundo atravessava uma grande crise socioeconômica que
repercutiu sobre grande parte dos países desenvolvidos e em formação, a cidade de São Paulo
sofreu também uma significativa retração do desenvolvimento econômico por processos
interligados, entre eles: a superprodução do café e diminuição do preço; o desemprego e
diminuição drástica do salário por intervenção estatal
18
; a estagnação do comércio; e a
diminuição do ritmo industrial.
Entretanto, na tentativa de contornar a crise e reverter os prejuízos da superprodução
de café, dentro de política agro-exportadora que sempre prevaleceu no Brasil, a monocultura
cafeeira praticada em quase todo estado é abandonada e rapidamente substituída pelo cultivo
de outros produtos agrícolas que não forneceram matéria-prima para as novas indústrias
paulistanas, mas principalmente garantiram o baixo custo de reprodução da força de trabalho
urbana, como coloca Oliveira:
Em outras palavras, o preço de oferta da força de trabalho urbana se compunha basicamente
de dois elementos: custo da alimentação determinado este pelo custo de reprodução da força de
trabalho rural e custo de bens e serviços propriamente urbanos; nestes, ponderava fortemente uma
estranha forma de “economia de subsistência” urbana, que se descreverá mais adiante, tudo forçando
para baixo o preço da força de trabalho urbana e, conseqüentemente, os salários reais. Do outro lado, a
produtividade industrial crescia enormemente, o que, contraposto ao quadro da força de trabalho e
ajudado pelo tipo de intervenção estatal descrito, deu margem à enorme acumulação industrial das três
últimas décadas. (OLIVEIRA, 2003, pp. 46 e 47)
Assim, o plantio do algodão, da cana de açúcar, do milho e de diversos produtos
agrícolas, além da criação do gado leiteiro, transformou esta região brasileira no maior centro
18
A redução dos salários através das novas leis trabalhistas faz parte de um conjunto de medidas destinadas a
instaurar um novo modo de acumulação que será mais bem analisado na seqüência do capítulo.
39
policultor do país, tendo a cidade de São Paulo como centro de convergência da maior parte
desta produção.
A manutenção destes milhões de pessoas que se aglomeram em São Paulo depende da
importação maciça de produtos agrícolas que têm que ser procurados fora dela. Tal necessidade, que é
vital, exige por seu turno um aparelhamento imenso instalações de culturas e indústrias agrárias,
vias de comunicação, organização comercial cujo papel na vida econômica e social, bem como na
estrutura geo-humana de São Paulo é considerável. (PRADO Jr., 1972, p. 133)
Entretanto, o aumento dos investimentos na produção agrária deste período tem suas
especificidades quando relacionado à expansão da indústria brasileira, que mesmo em pleno
processo de desenvolvimento não foi suficiente para equivaler toda a cidade com os
melhoramentos da infra-estrutura urbana.
Nas condições concretas da expansão do capitalismo no Brasil, o crescimento industrial teve
que se produzir sobre uma base de acumulação capitalista razoavelmente pobre, que a agricultura
fundava-se, em sua maior parte, sobre uma “acumulação primitiva”. Isso quer dizer que o crescimento
anterior à expansão industrial dos pós-anos 1930 não somente acumulava em termos adequados à
empresa industrial, como não sentou as bases da infra-estrutura urbana sobre a qual a expansão
industrial repousasse: antes da década de 1920, com exceção do Rio de Janeiro, as demais cidades
brasileiras, incluindo São Paulo, não passam de burgos acanhados, sem nenhuma preparação para uma
indústria rápida e intensa. (OLIVEIRA, 2003, p.55)
Assim, a consolidação das novas formas de produção urbano-industrial, aliada ao
próspero mercado fornecedor de matéria prima que se constituía no interior do estado -
interligado diretamente com a indústria paulistana através de uma irrigada rede ferroviária
consolidada -, possibilita um rápido reerguimento e maior acumulação da indústria paulistana,
que vai gerar grandes transformações na paisagem urbana da cidade.
Figura 14 – Mapa da rede ferroviária do estado de São Paulo em 1935
Desta forma, o pleno desenvolvimento da indústria brasileira, principalmente em São
Paulo, foi possível através do incremento na produção agrícola no interior do estado.
40
Enquanto na capital paulista o parque industrial não parava de expandir, a produção agrícola
necessária ao abastecimento dessas indústrias e principalmente à manutenção da força de
trabalho urbana, como o cultivo do algodão (roupas), a criação de gado e produção de grão
(alimentos), entre outros, passou a ser praticado intensamente em regiões do interior do estado
que já mantinham estreita ligação com a capital através da ferrovia, até o advento da rodovia.
Desta forma, a localização privilegiada da cidade de São Paulo, em acesso direto uma
região onde passou a se concentrar grande parte das atividades produtivas, possibilitou
ampliar as fronteiras da cidade e até do próprio estado de que é capital, influenciando
decisivamente o progresso industrial pós 1930. “Esta interdependência de São Paulo com o
resto da economia nacional se manifesta não só a curto prazo, no funcionamento diário deste
delicado mecanismo de especialização e intercâmbio (...), mas também a longo prazo, isto é,
na perspectiva do desenvolvimento econômico do país.” (SINGER, 1968, p. 67)
41
2 – A “Periferia” paulistana
Antes de analisarmos os aspectos sócio-econômicos que promoveram a
impressionante expansão urbana da cidade de São Paulo, julgamos ser necessário transcrever
parte do texto de Aroldo Azevedo que resume as principais determinantes geomorfológicas
que possibilitaram a expansão da periferia paulistana, tratada ainda como subúrbio
paulistano:
(...) a área suburbana estende-se em um raio muito variável através da bacia terciária de São Paulo, e,
mesmo, chega a ultrapassar os seus limites. Para o Norte, por exemplo, a influência da metrópole é
bem menor e cessa a uns 10 Km de seu centro; é a zona da Cantareira, que tem na serra de mesmo
nome uma barreira natural a dificultar a expansão. Para outras direções, a influência da cidade vai
bem mais longe, porque pode dispor de vias naturais de acesso, constituídas pelos vales fluviais; é o
que vemos no vale do Tietê e de seus afluentes, sobretudo o Pinheiros e o Tamanduateí. Tais
passagens naturais, sem obstáculos de monta, foram muito bem aproveitadas pelo homem, que nelas
construiu suas estradas de ferro e de rodagens, atraindo o povoamento e prolongando a influência da
metrópole. Isto explica que para Leste como para Oeste a zona suburbana se estende num raio de 25
Km e 30 Km, penetrando nos municípios vizinho (...). Nessa direção, a expansão paulistana pode ser
considerada ilimitada e, com o tempo, não nos deveremos admirar de que muitas das cidades que hoje
ali existem sejam transformadas em núcleos satélites e, sem dúvida, incluídas na categoria de
subúrbios de São Paulo. o mesmo não acontece para o Sul, onde as grandes represas construídas
pela “Light and Power” e a escarpa da Serra do Mar constituem barreiras a dificultar a marcha da
metrópole. (AZEVEDO, 1958, p. 6)
Figure 15 – Figura do relevo paulistano e de sua rede hidrográfica central
Com isso, observamos que primeiramente foram as características topográficas do
relevo paulistano que balizaram a expansão da área construída da cidade, através de vias de
42
passagens naturais que em sua maioria estavam inseridas entre os divisores de águas dos rios
paulistanos e que possibilitou a criação das primeiras estradas da região.
Nas primeiras décadas do século XIX, convergiam as seguintes estradas que se
apropriavam da topografia destas vias de passagem: Estrada de Bragança que atingia o Sul de
Minas; Estrada do Rio de Janeiro que passava pelas freguesias do Brás, Penha e Mogi da
Cruzes; Estrada de Santos, que passava pela freguesia de São Bernardo; Caminho de carro de
Santo Amaro cuja importância era predominantemente local; Estrada do Sul, que passava pela
povoação de Pinheiros e Cotia; Estrada de Itu, que passava nas proximidades da Aldeia de
Carapicuiba pela margem esquerda do Rio Tietê, e por Parnaíba via margem direita do rio; e
Estrada de Goiás que passava por Jundiaí e consistia na mais importante estrada de
penetração do planalto brasileiro. (Cf. LANGENBUCH, 1971, pp. 30 e 31)
Entretanto, apesar destas estradas promoverem a expansão dos limites da cidade
desde sua origem, foi somente nas primeiras décadas do século XX que tal fato se consolidou,
impulsionado principalmente pela instalação das primeiras ferrovias no século anterior que
cruzavam a capital e passavam a direcionar sua expansão.
A partir de 1930, quando o país sofreu profundas transformações socioeconômicas que
provocaram o desenvolvimento de diversos setores de atividades, a indústria automobilística
entra em cena e passa a necessitar de uma rede viária para assentar. Assim, a importância da
ferrovia como eixo de crescimento urbano da cidade é cada vez mais auxiliado pela utilização
de vias rodoviárias, principalmente quando os antigos trajetos dessas estradas passaram a ser
pavimentadas, facilitando o acesso de São Paulo com diversas regiões através das seguintes
rodovias: Via Anchieta que levava a Santos; Via Rapôso Tavares com bifurcação para o
Paraná e Mato Grosso; Via Anhanguera que ligava Goiás passando por Campinas; Via
Fernão Dias que atingia Belo Horizonte e Via Presidente Dutra que ligava a capital paulista a
cidade do Rio de Janeiro, então capital brasileira. (Cf. AZEVEDO, 1958c, p. 90)
Fatores correlatos da formação da periferia: a ferrovia, a indústria e a rodovia
Desde o seu surgimento, a ferrovia se constituiu no melhor meio de transporte de
cargas e passageiros e foi a principal responsável pelo rearranjo espacial da cidade nesse
período. Ao contrário das tropas de burros que não tinham que cumprir uma direção retilínea
e cruzavam grandes desníveis topográficos ao atravessar morros e colinas, as ferrovias
necessitavam ser instaladas nas baixadas e vales do relevo paulistano, onde encontravam
43
terrenos mais regulares e planificados e que posteriormente facilitou a instalações de grandes
estabelecimentos fabris nesses locais. “No primeiro decênio do século XX os galpões
industriais seguiam pelos fundos de vale, amarrados rigorosamente aos eixos dos trilhos das
velhas estradas de ferro Santos-Jundiaí, Sorocabana e Paulista, de Santo André à Lapa”.
(AB´SABER, 2004, p. 97)
Assim, como as ferrovias eram implantadas geralmente nos terraços fluviais que
ficavam ao abandono por não serem apreciados para construção de moradias, o que causava o
barateamento do valor desses terrenos, a instalação das principais áreas industriais da cidade
passaram a acompanhar o eixo da via férrea, que além de possibilitar o rápido escoamento da
produção industrial para outros mercados, proporcionava, pela proximidade com os rios, o
fornecimento da água necessária para a atividade industrial. Não se deve ao simples acaso
essa íntima associação dos subúrbios industriais de São Paulo aos amplos vales fluviais que
se abrem em sua região geográfica. Além de constituírem antigas e muito utilizadas vias
naturais de passagem, tais vales ofereciam condições excepcionais para o estabelecimento de
um parque industrial”. (AZEVEDO, 1958d, p. 13)
Figura 16 – Foto atual de antigos galpões industriais e da ferrovia na Várzea do Rio Tamanduateí
Com a consolidação de sua malha viária que tornou possível a rápida ligação da cidade
de São Paulo com diversas regiões do estado e fora dele, as ferrovias passaram a apresentar
em suas mediações um grande crescimento e adensamento urbano constituído principalmente
pelas primeiras fábricas paulistanas e pelos bairros populares de seus operários. Assim, a
ferrovia continuava a ser o principal eixo da expansão urbana de cidade, desempenhando um
importante papel no desenvolvimento da periferia.
Entretanto, logo que se encerrava a disponibilidade de terrenos na região central da
cidade gerada pela consolidação do comércio e pela grande procura por moradias causada
44
pelo crescimento populacional, a especulação imobiliária continua a ser um dos principais
fatores a provocar a expansão urbana residencial.
Um elevado número de lotes urbanos compreendidos no âmbito já anteriormente
conquistado, em termos esquemáticos, pela cidade, é desviado de sua finalidade teórica, qual seja a de
assegurar a expansão urbana. Os terrenos se vêem artificialmente valorizados. A falta de lotes
disponíveis, desviados que são para a especulação, e o seu alto custo obrigam grande parte dos novos
moradores a se estabelecerem em áreas mais afastadas. Desta forma, a especulação imobiliária
desenfreada é um dos principais fatores a provocar o desenvolvimento da expansão suburbana de
natureza residencial que na fase anterior apenas se esboça. (LANGENBUCH, 1971, pp. 134 e 135)
Além disso, para garantir a valorização imobiliária num momento onde o centro da
cidade passava por um intenso processo de especialização funcional caro e excludente,
dominado pelo comércio e serviços, grande parte da população que não suportou o aumento
dos preços dos terrenos e alugueis dessa região, foi obrigada a procurar áreas periféricas para
estabelecerem suas moradias, assim como observou Raquel Rolnik:.
O debate em torno dessa questão, e, sobretudo as várias posições que se estabeleceram no seio
da burguesia paulistana representada na Câmara, foi significativo para a análise da relação da
legislação urbanística com o mercado imobiliário. Em primeiro lugar, havia um pressuposto de que
um negócio rentável de casas operárias requeria uma utilização mais intensa do lote e uma localização
fora da “cidade”. Com isso consegue-se proteger o valor dos imóveis contidos na área central ou
urbana – como foi sucessivamente denominado nos projetos de lei - e, ao mesmo tempo, garantir uma
alta remuneração do investimento. Essa alta remuneração advinha justamente da possibilidade de
ofertar um maior número de unidades no mesmo terreno, além das isenções de impostos. Sobre isso,
todos estavam de acordo. (ROLNIK, 1999, p. 125)
Com isso, as habitações populares são praticamente expulsas da zona central pelo alto
custo da moradia enquanto a elite paulistana se desloca em direção aos confortáveis bairros
residenciais exclusivos. Os estabelecimentos fabris também se deslocaram para longe do
centro, em busca de grandes áreas livres com terrenos mais baratos para instalação.
Apesar da ferrovia facilitar o deslocamento de parte dos moradores da cidade para
áreas distantes da região central desde o início do século XX, é a partir da década de 1940 que
se intensifica a compactação da área suburbana que se tornou a periferia paulistana.
Aliado a isso, a consolidação das novas formas de produção urbano-industrial, que
provocou uma grande concentração de trabalhadores na capital paulista, gerou a necessidade
de uma grande quantidade de terrenos e habitação para este proletariado que se formara.
Assim, a ferrovia cumpre um papel fundamental enquanto meio de deslocamento de grande
parte dos trabalhadores das indústrias da região central para regiões mais distantes. “É ainda
graças ao transporte ferroviário que se formarão subúrbios residenciais, em áreas mais
afastadas da cidade, os quais, por sua vez, constituirão reserva potencial de mão-de-obra de
que indústrias poderão lançar mão”. (LANGENBUCH, 1971, p. 141)
45
A ferrovia não se limitou apenas a orientar a suburbanização residencial, mas também
continuou fazendo com relação a suburbanização industrial. A partir de 1940, quando a cidade
já era marcada por uma pequena densidade de habitações em grande parte de sua área, iniciou
o aparecimento dos primeiros subúrbios tipicamente industriais que se instalavam na periferia
devido a compactação urbana e a elevação dos preços dos terrenos na região central. Aliado a
isso, as inovações e o constante crescimento industrial que acompanhava as transformações
econômicas desse período provocava a necessidade de novas áreas para a expansão industrial,
visto que as áreas centrais já estavam todas ocupadas, assim como descreveu Paul Singer:
Os ramos que se desenvolveram mais recentemente encontraram as melhores áreas da Capital
já ocupadas por fábricas mais antigas ou seriam obrigadas a pagar preços muito elevados por terrenos,
dentro dos limites do município. Passaram por isso a se situar em localidades vizinhas, que
apresentavam muitas das vantagens da Capital, com menor preço da terra. (SINGER, 1968, p. 62)
Desta forma, o aumento do valor dos terrenos da cidade como um todo e
conseqüentemente, o aumento do custo de vida na capital paulista promoveu uma
descentralização industrial para as áreas circunjacentes ao perímetro urbano e que hoje
caracterizam a Grande São Paulo. Nessa direção, aumentou também a convergência de
pessoas que foram em busca de terrenos baratos e de emprego gerado pela instalação
industrial nessas regiões.
Ao redor desses grandes empreendimentos industriais, cresceu também o número de
bairros populosos que necessitam cada vez mais de infra-estrutura urbana que garantissem as
condições mínimas de sobrevivência. Assim, quando estes serviços estruturais se consolidam
em determinada área, a elevação do preço da terra provocava novamente o deslocamento da
indústria para locais onde ainda não havia concorrência pelo uso residencial ou comercial, até
que este processo se repetia.
A substituição de indústrias por residências é, porém, apenas uma parte do processo. Na
medida em que as indústrias se deslocam para a periferia, também a população proletária é obrigada a
seguir o seu movimento, pelo mesmo motivo do deslocamento das empresas: a valorização da terra.
As residências térreas de um andar são demolidas, construindo-se prédios de apartamentos, ocupados
pela classe média. Também o comércio, que não se pode afastar demasiadamente do centro vai ocupar
estas áreas, o mesmo fazendo determinados serviços (...). (SINGER, 1968, p.75)
Entretanto, não tardou para a ferrovia entrar em declínio. A desproporção do
crescimento demográfico frente a falta de investimento na expansão dos serviços ferroviários
promoveu uma participação cada vez maior da circulação rodoviária em todo o estado que a
ser incentivada para proporcionar o estrondoso desenvolvimento da indústria paulistana.
Aliado a isso, como a ferrovia foi criada unicamente para atender ao escoamento da produção
46
cafeeira para o exterior, a estrutura da rede ferroviária em forma de leque pouco influenciava
as interligações entre várias regiões do estado que não eram servidas por elas.
As estradas de ferro paulistas são, pelo seu traçado, típicas vias de penetração; as linhas-
tronco que partem da cidade de São Paulo no rumo de Goiás e de Mato Grosso centralizam, ao longo
de seus eixos, toda a vida econômica de largas faixas desprovidas de comunicações ferroviárias; entre
uma ferrovia e outra, das que se abrem em leque a partir da Capital, raras são as interligações
existentes ou, pelo menos, ramais que sirvam de projeção das linhas-tronco em direção de áreas
desprovidas de facilidade de transportes. (AZEVEDO, 1958c, pp. 84 e 85)
Assim, como as ferrovias não acompanhavam o ritmo do desenvolvimento da região
suburbana, o transporte automotivo passou a ser cada vez mais utilizado para circulação,
como o exemplo do ônibus à gasolina. Aliado a isso, como a intensa expansão dos
loteamentos ao redor das estações dos trens distanciavam cada vez mais as novas moradias do
eixo ferroviário, começou a surgir estradas de rodagem paralelas e oblíquas a linha
ferroviária, passando a estabelecer um novo eixo de crescimento nessa direção. Por fim, o
progresso apresentado por essas regiões periféricas, que com o crescimento tornaram-se auto-
suficientes em serviços e comércio, possibilitou uma melhora do desenvolvimento local e,
conseqüentemente, uma maior independência da região central. (Cf. LANGENBUCH, 1971,
pp. 191 e 192)
Apesar da criação das primeiras rodovias desde 1915, iniciadas principalmente no
governo de Whashington Luis Pereira de Souza, é somente a partir da década de 1940 que o
transporte automotivo passa a ser mais utilizado na capital paulista e em todo o estado,
constituindo um elemento fundamental para a expansão e consolidação da produção urbano-
industrial que dependia de extensas áreas cultiváveis acessíveis somente com as rodovias que
seguiam para o interior do estado.
A solução do chamado “problema agrário” nos anos de “passagem” da economia de base
agrário-exportadora para urbano-industrial é um ponto fundamental para a reprodução das condições
da expansão capitalista. Ela é um complexo de soluções, cujas vertentes se apóiam no enorme
contingente de mão-de-obra, na oferta elástica de terras e na viabilização do encontro desses dois
fatores pela ação do estado construindo a infra-estrutura, principalmente a rede rodoviária.
(OLIVEIRA, 2003, pp. 42 e 43)
Desta forma, a partir desse período, torna-se cada vez maior a influência da rodovia
sobre a economia nacional e cresce o número de estradas percorrido por ônibus e automóveis
nos arredores paulistanos, fazendo com que a circulação rodoviária passasse a contribuir de
forma decisiva para o desenvolvimento de áreas distantes da abrangência da ferrovia e para a
instalação de novos empreendimentos industriais até fins do século XX, como coloca Ab
47
´saber: “Durante o extraordinário processo de metropolização dos fins do século XX, foram
estabelecidas fábricas, armazéns e galpões industriais modernos, ao longo das novas
rodovias que ligavam São Paulo a Santos, ao vale do Paraíba e região de Osasco, desta vez
mais ligadas ao rodoviarismo e, portanto, independentes de sítios topográficos”. (AB
´SABER, 2004, p. 97)
Figura 17 – Mapa de 1950 das rodovias do estado de São Paulo
A partir da década de 1950, a cidade de São Paulo apresentou um outro salto
evolutivo, e as freqüentes intervenções urbanísticas
19
possibilitaram nãoa expansão da área
construída da cidade, mas criaram também uma infra-estrutura básica necessária para o início
do intenso progresso industrial que modificaria completamente a paisagem paulistana para
que as novas formas de produção capitalista atingem cada vez mais a região metropolitana.
19
As que se destacam são: a criação de grandes avenidas perimetrais de irradiação (com larguras de 35 a 45 m);
a ligação da região Sul e Norte da cidade com o sistema Y de avenidas (Avenidas 23 de Maio e 9 de Julho que
convergiam para a Avenida Tiradentes); a criação de numerosas praças; e a canalização de parte do rio Tietê,
que além de encurtar 20 seu meândrico, recuperou 17 Km² de sua várzea para expansão e adensamento urbano.
48
Expansão urbana: o caso Zona Leste
Antes de analisarmos as regiões específicas onde se encontra nosso objeto de análise,
julgamos necessário entender como se deu a expansão urbana em direção a região Leste da
cidade, principalmente a partir da década de 1950, quando a cidade tem seu crescimento
aumentado com a chegada de migrantes vindos de todas as regiões do país, principalmente do
Norte e Nordeste.
Na direção Norte e Sul, grandes obstáculos naturais e artificiais dificultaram a
expansão urbana, como a Serra da Cantareira ao Norte e a criação das represas Billins e
Guarapiranga ao Sul. Entretanto, o crescimento apresentado pela região de Santo Amaro,
juntamente com a criação destas novas represas rodeadas de chácaras de recreação,
estabeleceram um importante eixo de expansão urbana em direção a Zona Sul, onde se iniciou
um grande adensamento urbano que hoje ocupa regiões para além destas represas. Porém, é
preciso observar que tal crescimento foi impulsionado somente em meados dos anos de 1960,
principalmente quando foram implantados importantes eixos de circulação viária estruturados
pelas avenidas marginais ao Rio Pinheiros.
Por outro lado, na direção Leste e Oeste, os contrastes são maiores. Enquanto a região
Oeste apresentava um relevo mais acidentado, com cidades próximas como Cotia e
Itapecerica da Serra encravado sobre algumas colinas, a região Leste apresentava uma
topografia bastante favorável à expansão urbana através da planície do alto Tietê, onde a
várzea desse rio constituía traço marcante. Assim, o fator preponderante para a expansão da
cidade rumo ao extremo Leste foi a presença do Rio Tietê, principal curso de água dessa
região que compunha juntamente com os vales de dois importantes afluentes - Aricanduva e
Guaiaó - uma imensa área propícia a fixação humana e de grande procura.
Trata-se de uma área de relevo modesto, cujas altitudes oscilam entre 700 e 900 metros,
elevando-se levemente no sentido Norte - Sul, com numerosas várzeas de tamanhos variados (a maior
das quais é do Tietê) e com colinas pertencentes à Bacia de São Paulo, cujos terrenos a erosão fluvial
modelou. Formações herbáceas e subarbustivas pobres recobrem escassamente essa topografia.
(AZEVEDO, 1958d, p. 153)
49
Figura 18 – Mapa geomorfológico da região metropolitana de São Paulo e ferrovias
Outro fator preponderante que marcou o eixo de crescimento Leste Oeste de São
Paulo foi a facilidade de acesso às ambas regiões. Como a região Oeste não possuía uma via
férrea que estreitasse o contato com a região central, muito mais isolados apresentavam estes
subúrbios em comparação a Zona Leste, onde a implantação da ferrovia Central do Brasil,
que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, fez surgir uma quase ininterrupta sucessão de
aglomerados urbanos sensivelmente residenciais. “Para Leste, o velho subúrbio da Penha
também foi alcançado pelos tentáculos da cidade e, até, ultrapassado; margeando os trilhos
da ‘Central do Brasil’, como ainda a radial Avenida Celso Garcia Estrada de São Miguel,
multiplicaram-se os bairros de aspectos modesto, moradia da população operária”.
(AZEVEDO, 1958b, p.149)
Ao descrever as diferenças das regiões Leste e Oeste da cidade, Caio Prado Jr.
também faz referência a importância da ferrovia, no início do século XX, para a expansão da
cidade em direção a Zona Leste, quando a Zona Oeste ainda apresentava características
essencialmente agrícolas.
50
E, ao lado desta atividade agrícola, aparecem (o que não se na direção oeste) núcleos de
povoamento operário. São pequenos satélites esparsos da cidade, para cujas indústrias convergem
diariamente seus habitantes, e que, embora isolados no campo e afastados do centro, são antes bairros
urbanos que núcleos rurais, porque as habitações se erguem ali em terrenos vazios, onde nenhuma
cultura ou outras instalações denotam o aproveitamento agrário da região. Esta fixação de populações
nitidamente urbanas, operário na maioria, em zonas que pareciam à primeira vista mais próprias para
núcleos rurais explica-se pelas linhas da Central do Brasil, que comunicam estas zonas diretamente
com o principal setor industrial de São Paulo, que se estende dentro da cidade ao longo do eixo
daquela estrada de ferro. (PRADO Jr., 1972, p.136)
A partir de 1940, quando a expansão urbana alcança os arredores que até então não
tinham conhecido uma densidade urbana significativa, a cidade de São Paulo passa a
apresentar uma maior compactação de área construída, provocando um acentuado crescimento
vertical na região central e em vários bairros próximos onde desapareceram os terrenos
vazios.
Com isso, através de um processo contínuo e interminável, a expansão da área
edificada nos arredores de São Paulo absorve numerosos núcleos suburbanos, e na medida em
que as regiões próximas são absorvidas pela cidade, novos adensamentos urbanos se formam
mais adiante, causando um crescimento ilimitado que vai caracterizar a formação da periferia
e promover a necessidade de uma descentralização administrativa frente ao enorme
aglomerado urbano que se formara.
O desmesurado crescimento da cidade, com efeito, não mais comporta um sistema
administrativo, como o atualmente existente. Tudo parece indicar a necessidade de descentralizar a
administração municipal; e a criação de subprefeituras ou, mesmo, de prefeituras subordinadas a um
órgão administrativo superior, parece ser a solução mais adequada à importância do problema.
(AZEVEDO, 1958b, p.108)
Desta forma, o crescimento irregular e desordenado que vai ser a base da consolidação
urbanística da metrópole desse período e que revela as contradições do processo de
urbanização brasileiro, resultaram numa estrutura urbana dividida em três grande blocos que
serão o eixo da expansão periférica paulistana: o núcleo principal, compacto e enorme entre
os rios Tietê e Pinheiros e se alongando em sentido Leste-Oeste; a área ao Norte do rio Tietê,
que se alonga também Leste-Oeste desde Vila Maria até Pirituba; e por último a região do rio
Pinheiros, que cheia de contrastes seguia a margem deste rio estendendo-se do Butantã até
Santo Amaro. (Cf. AZEVEDO, 1958, p. 153)
51
3 – A constituição histórica de Guaianases
O surgimento de Guaianases
Conhecido durante muito tempo pelo nome de Lajeado
20
, Guaianases é um dos bairros
mais afastados do centro de São Paulo e que desde o princípio se caracterizou como bairro
dormitório de uma grande parcela da população paulistana. Sua origem remonta a uma
comunidade indígena chamada Guaianás, que eram os antigos habitantes dessa região até a
chegada do primeiro grupo de pioneiros imigrantes que iniciaram o povoamento do bairro.
Localizado numa região antes conhecida como Baixada das Bananeiras, entre as
cidades de São Paulo e Mogi das Cruzes, o vilarejo era composto por um casario de vendas e
pequenas propriedades rurais que ficava cerca de 4,5 léguas do centro de São Paulo e 5,5
léguas da cidade de Mogi das Cruzes. (Cf. LANGENBUCH, 1971, p.44)
Figura 19 – Mapa dos vales dos rios da região que serviu como via de passagem (Baixada das Bananeiras)
Esse povoado, que em 1802 já é mencionado como aldeia, teve como principal função
servir de pouso de viajantes que seguiam em direção ao Vale do Paraíba através da “Estrada
do Imperador”. A topografia favorável, sem grandes barreiras naturais, com vales e cursos
d´água facilmente transponíveis, torna a região em estudo propícia como zona de passagem.
Por isso mesmo, é muito provável que os indígenas a houvessem aproveitado muitas vezes,
quando desejavam alcançar o vale do Paraíba”. (AZEVEDO, 1958d, p. 159)
Logo que se inicia a exploração do ouro em Minas Gerais, o que causa uma emigração
da população paulistana nessa direção, esta via de passagem natural tornou-se obrigatória e
20
No dia primeiro de Maio de 1961, o povoado recebeu o nome de Santa Cruz do Lajeado.
52
passou a ser amplamente palmilhada. Surge então o “Caminho dos Guaianases”, que no
século XVIII fazia a ligação entre essas duas províncias através de uma viagem que levava até
semanas e que tinham como primeiras paradas de descanso a região do Lajeado Velho (atual
Guaianases) e Mogi das Cruzes. Cessado a exploração do ouro na Minas, a mesma via
continuou a ser utilizada como precária ligação entre a modesta capital paulista e a capital do
país, então Rio de Janeiro. (Cf. AZEVEDO, 1958d, p. 160)
Nas terras da família Bueno, onde hoje se situa o antigo Cemitério Lajeado, iniciou-se
a edificação, a pedido do proprietário Manuel Joaquim Alves Bueno, de uma capelinha. Com
o fim da construção dessa Capela é então celebrada, em 03 de maio de 1861, dia de Santa
Cruz, a primeira missa pelo vigário de Arujá, Padre João Cardoso Mendes de Souza, que
também promove a benção do que viria a ser conhecida como Capela de Santa Cruz do
Lajedo.
Primeiras atividades econômicas: extrativismo
Nas primeiras décadas do século XX, a pobreza apresentada pelos diversos povoados
do subúrbio de São Paulo foi enfrentada em Guaianases através da prática do extrativismo
mineral e vegetal, único meio de sobrevivência devido à abundância de solo argiloso e densas
florestas. Assim, os primeiros estabelecimentos fabris foram constituídos pelas olarias que
forneciam tijolos e telhas para a construção de outras casas e alguns pequenos armazéns que
forneciam madeira e lenha.
Figura 20 – Foto de uma Olaria em 1925 Figura 21 – Foto de trabalhadores numa pedreira em 1945
Entretanto, logo que é inaugurada a Estrada de Ferro D. Pedro II (posteriormente
conhecida como Central do Brasil), iniciada em 1855 e que passou pela região em 1875,
Guaianases tornou-se um local atraente para onde viriam se fixarem várias famílias de
53
imigrantes, principalmente de espanhóis e portugueses, aumentando as atividades extrativistas
e enriquecendo as atividades agrícolas praticadas nas primeiras chácaras da região.
Figura 23 – Foto da paisagem de Guaianases com suas chácaras em 1911
A extração de granito das pedreiras do Lajeado foi outra atividade extrativista bastante
significativa para o desenvolvimento econômico da região. Localizadas a 2 km da estação
ferroviária, grande parte das pedras empregadas nos calçamentos e outras obras da capital
paulista, assim como os tijolos e telhas, eram transportados via ferrovia
21
para abastecer o
mercado de construção civil em São Paulo.
Figura 24 – Foto aérea atual das pedreiras de Guaianases
Desta forma, a extração mineral praticava nas pedreiras da região, juntamente com o
corte de lenha e madeira que também abasteceram as primeiras indústrias do século XX, eram
as principais atividades econômicas do povoado, que através da ferrovia, cooperavam para o
estrondoso crescimento urbano paulistano.
21
Em 1909 foi criado um trecho de ferrovia particular ligando a estação do Lajeado até a fazenda Santa Etelvina
que servia para o transporte de passageiros e pequenos vagões de cargas, que transportavam lenha, tijolos, pedras
e produtos agrícolas do interior do bairro - Passagem Funda – para a estação, até ser extinto em 1937.
54
A ferrovia e o imigrante em Guaianases
As transformações da paisagem provocadas com a chegada da ferrovia foram tão
grandes que assim que alcançou as mediações do antigo núcleo urbano, ocorreu uma
transferência do antigo povoado em direção ao eixo ferroviário e, conseqüentemente, uma
reordenação do adensamento urbano com a divisão do bairro em duas partes: Lajeado Velho e
Lajeado Novo.
O primitivo núcleo surgiu a uns 2 Km a NE do atual, no vale do ribeirão Lajeado, como
simples pouso de viajantes, provavelmente no século XVIII. Mas a estrada de ferro, preferindo o vale
do Itaquera-Mirim, decidiu o seu destino: hoje, além do cemitério, não existem mais que umas
poucas casas semi-abandonadas. Chama-se Lajeado Velho e ainda guarda, como relíquia de outros
tempos, a capela de Santa Quitéria, reformada em 1855 e em torno de cuja origem existe curiosa
lenda
22
. (AZEVEDO, 1958d, pp. 173 e 174)
Figura 25 – Foto da antiga capela de Santa Quitéria em 1962 Figura 26 – Foto atual do antigo cemitério de Guaianases
Por apresentar um relevo menos acidentado com terraços fluviais regulares, a
implantação da ferrovia que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro foi preterida nas mediações
do primitivo núcleo, localizado bem distante da extensa várzea do Rio Tietê onde se
concentravam importantes eixos ferroviários. Essa mudança de trajeto ferroviário partiu do
fato dessa região do Rio Tietê apresentar uma grande instabilidade do solo gerada pelas
periódicas inundações de suas margens, o que fez a ferrovia ser instalada mais ao Sul, entre os
vales de seus afluentes.
Desta forma, por ser implantada nas mediações do antigo núcleo, surge um novo
povoado próximo à ferrovia, que mesmo distante do núcleo original mantém ligações tão
intensas que a estrada que comunicava ambos teriam um extenso trecho calçado com lajes e
22
A lenda se refere ao nome dado à capela – Quitériaque seria de uma escrava fugitiva das fazendas da região
pertencentes aos Carmelitas e que foi sacrificada selvagemente.
55
paralelepípedos de granito, o que possivelmente sugeriu o nome do povoado - Lajeado
23
. (Cf.
AZEVEDO, 1958d, p. 174)
em áreas sitas nas proximidades das ferrovias, compreendidas, por assim dizer, em seu
domínio geográfico, assistia-se a uma reorientação da circulação. Estradas radiais, que punham as
áreas mencionadas em comunicação direta com São Paulo, perderam em importância, sendo
grandemente substituídas por estradas de direção transversal, mais curtas, que estabeleciam a ligação
com uma estação ferroviária próxima. A partir da mesma, carga e passageiro seguiam por trem. Tal se
verificou por exemplo em Lajeado; a estrada São Paulo Mogi foi praticamente abandonada,
enquanto a pequena estrada que ligava o povoado à estação homônima da Central (hoje
Guaianases)chegou a ser calçada com lajes e paralelepípedos de granito. (LANGENBUCH, 1971, p.
103)
Figura 27 – Mapa do crescimento de Guaianases de 1930 a 1955
Assim, o local onde fora construído a primeira capela recebeu o nome de Lajeado
Velho, e o núcleo vizinho da estação ferroviária recebeu o nome de Lajeado Novo, o qual no
final do século XIX ganhou outra capela, também dedicada a Santa Cruz.
Entretanto, enquanto no núcleo original permanecia sem grandes transformações, o
então conhecido Lajeado Novo começou a apresentar um grande desenvolvimento urbano
com a chegada de primeiros imigrantes italianos através da ferrovia, principalmente nos anos
de 1876, 1891, 1900, 1906, 1912 e 1920, que juntamente as tradicionais famílias já existentes,
ajudaram a fornecer os materiais empregados na construção da cidade, em especial às
indústrias e moradias dos bairros da Móoca, Brás, Belém, Bom Retiro e Pari.
23
Entretanto, outros historiadores associam o nome Lajeado aos aspectos geomorfológicos da região, que
apresentava grandes clareiras cobertas com rochas que eram chamadas de lajes.
56
Figura 28 – Foto de famílias de imigrantes em 1940 Figura 29 – Foto de famílias de imigrantes em 1945
A importância da ferrovia para o desenvolvimento dos povoados localizados em suas
proximidades foi abordada por alguns autores sobre o tema de povoados- estação. Segundo
eles, quando era criada uma estação de trem, logo se constituía um ponto de convergência de
produtos e pessoas de áreas circunvizinhas, surgindo desta forma o povoado estação. Sua
função, além de modesto comércio, era abrigar funções industriais básicas, como
beneficiamento e transformação de matéria-prima em produtos mais leves para ser
transportada via ferrovia. (Cf. LANGENBUCH, 1971, pp. 104 a 106)
Nos “subúrbios-estação” (...) tende a se esboçar um zoneamento funcional muito simples:
junto à estação concentram-se o comércio e a prestação de serviço, na maior parte dos casos
apresentando um desenvolvimento modesto e limitado. Em torno estende-se a área residencial. Nesta
raramente podem ser distinguidas, por enquanto, subdivisões areolares correspondentes a diferentes
camadas sócio-econômicas, eis que predominam largamente as residências operárias. As casas
melhores pertencem em geral a comerciantes e profissionais liberais que exercem sua atividade no
local. (LANGENBUCH, 1971, p. 151)
Entretanto, apesar da ferrovia Central do Brasil cruzar a região desde o ano de 1875, é
somente a partir de 1940 que se observou um crescimento mais acentuado, principalmente em
relação à população residente, que em 1934 contava com 1.642 habitantes, passando em 1940
para 2.967 habitantes e chegando a 1950 com uma população de 10.413 habitantes, quando
mais da metade vivia no aglomerado urbano. Com isso, a região de Guaianases foi mais um
dos diversos aglomerados urbanos da Zona Leste da cidade que passou a se beneficiar com a
travessia da ferrovia Central do Brasil e a depender fundamentalmente desta via para acesso e
circulação.
Área residencial por excelência, a região suburbana servida pela Linha-tronco da “Central do
Brasil” possui outros aglomerados urbanos, além de Itaquera e de Poá. O mais importante é
Guaianases, embora também mereçam ser lembrados Ferraz de Vasconcelos e Quinze de Novembro,
todos situados entre os dois atrás citados. (AZEVEDO, 1958d, p. 173)
57
Por outro lado, quando a consolidação industrial paulistana promove o deslocamento
das fábricas da região central para periferia da cidade, em busca de terrenos amplos e mais
baratos servidos pelas ferrovias, a região de Guaianases não ofereceu todas as condições
propícias para tal desenvolvimento. Apesar de possuir um eixo ferroviário consolidado
propício ao abastecimento e escoamento da produção industrial, faltavam dois fatores
essenciais para a instalação industrial, que era a presença de áreas planas extensas próximas à
ferrovia e de volumosos cursos de água para abastecimento industrial
24
.
Assim, como colocado anteriormente, a localização dessa ferrovia que foi implantada
distantes de grandes cursos de água e sobre um relevo bastante irregular, não proporcionou a
esta região de Guaianases o trinômio ferrovia áreas extensas água fluvial, de tão
importância para a indústria se efetivar.
Em virtude da acentuada correlação conclui-se que a presença do citado trinômio constitui
um fator de grande peso na implantação industrial suburbana. Na realidade, a topografia movimentada
dos citados trechos da linha Jundiaí e Tronco da Central (sobretudo o primeiro) é bastante adversa à
instalação de fábricas, mormente de estabelecimentos espaçosos. (LANGENBUCH, 1971, p. 183)
Esta dificuldade de se instalar um parque industrial na região de Guaianases, num
momento em que a indústria ainda gerava bastante emprego, proporcionou a esta área uma
função urbana de caráter puramente residencial, onde a maior parte da população somente
residem, exercendo suas atividades no centro ou em outras regiões da cidade, já nesse período
conferindo a este bairro como um dos mais importantes bairros dormitórios da periferia da
cidade de São Paulo.
Trata-se de uma verdadeira pequena cidade, cuja população vive em estreita ligação com a
metrópole paulista, pois é nela que a maioria exerce suas atividades costumeiras, como operários,
comerciários e funcionários públicos. Daí o movimento da estação de Carvalho de Araújo, que a serve
e por onde passam, diariamente, cerca de 4.000 passageiros, em média. (AZEVEDO, 1958d, p.175)
Guaianases em transformação
A partir de 1940, quando aumenta a influência econômica de São Paulo sobre todo o
território brasileiro, inicia-se uma intensa corrente migratória em direção a capital paulista,
para onde migrantes de todo o país seguiam em busca de emprego e melhores condições de
24
Diferentemente da região de Guaianases foi o processo de formação do parque industrial do ABC paulista.
Implantado nas extensas várzeas planas do Rio Tamanduateí, essas indústrias contavam com a presença de
grande quantidade de água e da ferrovia que ligava a capital ao porto de Santos, o que proporcionou a faixa São
Caetano – Santo André a se tornar a única porção dos arredores paulistanos verdadeiramente industriais.
58
vida. Chegando a São Paulo com pouca ou nenhuma condição financeira, grande parte desses
migrantes, principalmente nordestinos, passaram a procurar essa região para construir suas
moradias através da autoconstrução, erguidas em terrenos de baixo valor devido a distância
do centro da cidade e da completa falta de infra-estrutura que apresentavam.
Desta forma, a ferrovia Central do Brasil, que era o principal eixo de ligação entre o
centro da cidade e esta região, passa a ser cada vez mais utilizada pela população periférica
em constante crescimento.
No domínio da Central do Brasil, a suburbanização residencial, se bem que importante em
1940, toma um ímpeto que supera de longe o desenvolvimento até então verificado. Na “linha-tronco”
conhecem um notável crescimento os subúrbios Itaquera, Guaianases (como passa a se chamar
Lajeado), Ferraz de Vasconcelos, Poá, Calmom Viana, Suzano e Mogi-das-Cruzes. (LANGENBUCH,
1971, p. 185)
Figura 30 – Foto da Estação de Trem de Guaianases em 1958 Figura 31 – Foto da Estação de Trem de Guaianases em 1970
Por outro lado, como a expansão ferroviária não acompanhou tal crescimento, a região
de Guaianases passou a apresentar graves problemas de acessibilidade, como se observa até
os dias de hoje quando constantemente os trajetos ferroviários dessa linha são percorridos por
vagões congestionas e superlotados.
Assim, para que Guaianases pudesse expandir para além das áreas de abrangência das
linhas ferroviárias que contribuíram para o crescimento urbano, foram necessárias várias
intervenções viárias que, juntamente com o surgimento de novos meios de transporte, vão
opor-se a qualquer obstáculo físico do relevo dessa região. Entre as inovações dos meios de
circulação que surgiram neste período, é importante destacar a utilização do ônibus à gasolina
para o transporte coletivo, que integrado às antigas linhas de trens, ajudou a intensificar o
crescimento e adensamento do bairro. Por pressão da Sociedade dos Amigos de Guaianases,
foi criada a linha Expresso Santa Rita Ltda que ligava Guaianases à Santo André, onde se
concentrava boa parte das indústrias.
59
.
Figura 32 – Foto de reivindicação pela Linha Santa Rita em 1958 Figura 33 – Foto da Rua Salvador Gianetti em 1953
Apesar das transformações urbanas deste período, o bairro era formado por um
pequeno número de residências e um comércio modesto restringido quase à rua da estação,
mantendo ainda como principais atividades econômicas a extração de granito e produção das
olarias e das pequenas chácaras de legumes e frutas, como colocou Aroldo Azevedo:
Os mesmos problemas que tanto afligem a população das áreas vizinhas, também aparecem
em Guaianases, sobretudo a inexistência de água encanada e de rede de esgotos. Sua função
comercial é modesta, restringindo-se quase à Rua da Estação. No mais, só resta mencionar as diversas
olarias, a exploração do granito e pequenas chácaras de legumes e flores. (AZEVEDO, 1958d, p.
175)
Guaianases foi uma das áreas do subúrbio paulistano de maior crescimento
demográfico entre os anos 1940 e 1960, quando saltou de 2.942 habitantes para 24.689
habitantes no final da década de 50, representando um crescimento populacional de 739% em
20 anos. Assim, devido ao crescimento, foi criado no ano de 1944 o distrito de Guaianases
com sede no povoado de Lajeado, através do decreto de lei nº 14.334 do mês de Novembro.
Até a década de 50, quando os lampiões de querosene forma substituídos com a
chegada da energia elétrica na região, Guaianases nunca teve mais que poucas centenas de
moradores. Entretanto, no final da década de 1960, quando aconteceu a primeira explosão
demográfica gerada pelas correntes migratórias de milhares de pessoas que para seguiam
em busca de moradia barata, Guaianases alcança 45 mil habitantes.
60
Figura 34 – Foto da paisagem adensada de Guaianases em 1968 Figura 35 – Foto da Rua Belmiro Valverde em 1967
O boom de Guaianases
A partir de 1956, quando pela primeira vez a renda do setor industrial supera a da
agricultura, o Brasil inicia um período histórico de intensas transformações sócio-econômicas
que marcaram definitivamente a transição da hegemonia agrário-exportadora para uma
estrutura produtiva de base urbana industrial. (Cf. OLIVEIRA, 2003, p. 35)
Assim, a crescente industrialização apresentada pela cidade de São Paulo nesse
período, que se aprofunda com o Golpe Militar de 1964, exigirá cada vez mais um número
maior de trabalhadores que, advindos de outras regiões do país, tem de encontrar agora algum
lugar para morar na grande capital. Chegando a cidade com pouca ou nenhuma condição
financeira, grande parte dessas pessoas que constituíam o “exército de reservas” dos grandes
centros urbanos passaram a procurar as regiões distantes do centro da cidade para construir
suas moradias, erguidas em terrenos de baixo valor devido à distância e da completa falta de
infra-estrutura.
Em busca de substituir cada vez mais o custo da moradia alugada pela construção da
casa própria, esta dispersão urbana ajudava não somente a conter o adensamento urbano no
centro da cidade, mas principalmente garantia a valorização dos imóveis localizados nessa
região já bastante consolidada. “O modelo das casas autoconstruídas na periferia
desequipada evitava a desvalorização das regiões centrais, ao mesmo tempo em que tirava o
peso do pagamento do aluguel do custo de vida dos trabalhadores”. (ROLNIK, 1999, p. 162)
Com isso, através de um processo contínuo e interminável, a expansão da área
edificada nos arredores de São Paulo após 1950 absorveu regiões anteriormente consideradas
longínquos, como o distrito de Guaianases no extremo lesta da cidade.
Na ausência de um mercado de capitais viabilizado em 1965 -, a propriedade imobiliária
urbana era a aplicação financeira que apresentava maior rentabilidade e liquidez. A conjuntura da
guerra, ao gerar grandes superávits na balança comercial, devido à quebra de importações, inflacionou
61
a base monetária, elevando a oferta de crédito. Aliado à especulação generalizada que afetou todos os
mercados e à expansão dos fundos previdenciários, companhias de capitalização, caixas econômicas e
companhias de seguro (que modificaram por completo os circuitos financeiros, ampliando sem
precedentes a disponibilidade de crédito), o investimento nacional e privado concentrou-se na
atividade imobiliária, gerando um boom de construção. (ROLNIK, 1999, p.192)
Entretanto, apesar do baixo nível de infra-estrutura urbana apresentada pela cidade
nesse período “entre os anos de 1940 e 1950, cerca de 100 mil famílias, mais de meio milhão
de pessoas, passaram a morar em casas próprias nas periferias sem melhorias urbanas,
ironicamente chamadas ‘vilas’ e ‘jardins’.” (ROLNIK, 1999, p. 205)
62
Figura 36 – Mapa de expansão da área urbana da cidade de São Paulo
63
Embora a auto-construção na periferia existisse, no começo dos anos 40 a grande maioria
das classes trabalhadora e média vivia em casas alugadas. (..) Mas o congelamento dos alugueis
decretado em 1942 e repetidamente renovado nos anos seguintes criou um clima desfavorável para o
investimento em casas para alugar e acelerou os despejos na cidade, o que teve como efeito o
aparecimento das primeiras favelas em São Paulo e a maior ocupação da periferia. Desde então, o
modelo de autoconstrução periférica reinou soberano na cidade. (ROLNIK, 1999, p.203)
Aliado a isso, os baixos níveis salariais estipulados pela nova legislação trabalhista
que garantia a esses trabalhadores satisfazer apenas as necessidades alimentares para retornar
no dia seguinte, não incorporando assim a porcentagem necessária ao acesso a moradia,
fizeram com que muitos deles erguessem suas casas nas horas de folga de seu trabalho.
“Importa não esquecer que a legislação interpretou o salário mínimo rigorosamente como
‘salário de subsistência’, isto é, de reprodução; os critérios de fixação do primeiro salário
mínimo levavam em conta as necessidades alimentares (em termos de calorias, proteínas
etc.) para um padrão de trabalhador que devia enfrentar um certo tipo de produção, com um
certo tipo de força mecânica, comprometimento psíquico etc.” (OLIVEIRA, 2003, pp. 37 e
38)
O decisivo é que as leis trabalhistas fazem parte de um conjunto de medidas destinadas a
instaurar um novo modo de acumulação. Para tanto, a população em geral, e especificamente a
população que afluía às cidades, necessitava ser transformada em “exército de reserva”. Essa
conversão de enormes contingentes populacionais em “exército de reservas”, adequada à reprodução
de capital era pertinente e necessária do ponto de vista do modo de acumulação que se iniciava ou que
se buscava reforçar, por duas razões principais: de um lado, propiciava horizonte médio para cálculo
econômico empresarial (...); de outro lado, a legislação trabalhista igualava reduzindo antes que
incrementando – o preço da força de trabalho. (OLIVEIRA, 2003, p.55)
Como se vê, o modelo de autoconstrução presente em grande parte da paisagem
urbana de Guaianases colaborou com as altas taxas de acumulação de capital através da
máxima exploração da força de trabalho advinda do rebaixamento do salário de seus
moradores, assim como descreve Oliveira:
Uma não insignificante porcentagem das residências das classes trabalhadoras foi construída
pelos próprios proprietários, utilizando dias de folga, fins de semana e formas de cooperação como os
“mutirões”. Ora, a habitação, bem resultado dessa operação, se produz por trabalho não pago, isto é,
super trabalho. Embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da
produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois seu resultado – a
casa reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força de trabalho de que os gastos
com habitação são um componente importante e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas.
Assim, uma operação que é, na aparência, uma sobrevivência de práticas de “economia natural”
dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem
uma de suas bases e dinamismo na intensa exploração da força de trabalho. (OLIVEIRA, 2003, p. 59)
64
Nesse sentido, Sérgio Ferro completa:
As conseqüências são imediatas: o barateamento da moradia que obteve recorrendo a todas as
suas mínimas habilidades e disponibilidade, o seu sacrifício, terá como recompensa automática o
abaixamento relativo dos salários, sempre determinado pelo custo menor do absolutamente
indispensável à sua manutenção. Seguramente, a economia feita na obtenção da casa seguirá e redução
de seu salário real. É a lei do sistema. E o antagonismo é insuperável dentro dele: não pode permanecer
sem casa, é levado a construí-la. Faz com que têm: nada, mil “jeitinhos”, economizando na magra
mesa. (FERRO, 2006, p. 66)
Figuras 37 e 38 – Foto atual da paisagem de casas predominantemente autocostruídas em Guaianases
Outro fator fundamental que ampliou as possibilidades de acumulação de capital
posteriormente destinada as indústrias e ao setor de serviços foi a combinação do padrão
“primitivo” com novas relações de produção do setor agropecuário brasileiro que, segundo
Oliveira, se deu de duas formas:
(...) em primeiro lugar, fornecendo os maciços contingentes populacionais que iriam formar o
“exército de reserva” das cidades, permitindo uma redefinição das relações capital-trabalho, que
ampliou as possibilidades da acumulação industrial, na forma descrita. Em segundo lugar,
fornecendo os excedentes alimentícios cujo preço era determinado pelo custo de reprodução da força
de trabalho rural, combinaram esse elemento com o próprio volume da oferta de força de trabalho
urbana, para rebaixar o preço desta. Em outras palavras, o preço de oferta da força de trabalho urbana
se compunha basicamente de dois elementos: custo da alimentação determinado este pelo custo de
reprodução da força de trabalho rural e custo de bens e serviços propriamente urbanos; nestes,
ponderava fortemente uma estranha forma de “economia de subsistência” urbana, (...), tudo forçando
para baixo o preço de oferta da força de trabalho urbana e, conseqüentemente, os salários reais.
(OLIVEIRA, 2003, p. 46)
O surgimento dos Conjuntos Habitacionais
Aliado a esses fatores que garantiu a máxima exploração da força de trabalho
brasileira, a associação com investimentos estrangeiros após a década de 1950 vai provocar
outro salto “evolutivo” da indústria nacional, fazendo da cidade de São Paulo, que
concentrava grande dessas indústrias, uma dos maiores centros populacionais do país. Assim,
devido ao grande êxodo rural que já se esboçava em todo território nacional, foi criado no ano
65
de 1964 pela Lei 4380, o Banco Nacional de Habitação com o objetivo de ampliar a provisão
de habitação nas grandes cidades brasileiras.
Entretanto, a partir de 1966, quando o governo militar passou a substituir a
estabilidade de emprego do trabalhador com a criação do FGTS - Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço, através da Lei 5170, é o BNH que assume a gestão desse fundo
25
um ano
depois, assim como descreveu Rolnik:
O Banco Nacional de Habitação – BNH – foi criado em 1964 com o objetivo de “fazer de cada
brasileiro o proprietário de sua casa”. Em 1967, assumiu a gestão do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço, o FGTS, fundo comum nacional constituído pela contribuição compulsória de patrões e
empregados, responsável pela distribuição dos pagamentos de seguros de trabalhadores desde o
estabelecimento da Consolidação das Leis Trabalhistas. Com essa imensa massa de recurso, o BNH
financiou companhias de habitação regionais, em programas destinados às faixas populares e também
a incorporação imobiliária privada. Depois de uma grande crise financeira e de gestão, o BNH foi
fechado em 1986. (ROLNIK, 1999, p. 215)
Dessa forma, apesar da maioria dos investimentos desse fundo ser utilizado para
financiar grande parte da construção civil da classe média e alta durante seu período de
vigência, parte dessa verba foi destinada para as companhias municipais destinadas ao
financiamento e produção de moradias para a população de até cinco salários mínimos, as
Cohabs.
Progressivamente a partir de sua criação, o BNH afastou a aplicação de seus recursos
financeiros na habitação popular para investi-los em habitações de alto e médio custo e ainda para
obras de infra-estrutura (transporte, saneamento, equipamentos urbano, drenagem), buscando
evidentemente atingir um mercado com poder aquisitivo que pudesse fazer frente aos preços dos
imóveis e às altas taxas de juros e correção monetárias que aumentam anualmente mais do que o
aumento do salário mínimo. (MARICATO,1982, p. 80)
Assim, a Cohab São Paulo, que foi criada em 1965, construiu até o ano de 1989
aproximadamente 100 mil unidades habitacionais
26
., sendo a maioria desses conjuntos
erguidos em zonas rurais desvalorizadas e afastados de qualquer rede de infra-estrutura
urbana.
Em Guaianases, a construção do Conjunto Cidade Tiradentes
27
pela Cohab somava um
total de 40.000 unidades habitacionais e tinham por fim diminuir o grande déficit de moradia
da região periférica. Assim, este grande conjunto habitacional planejado para o uso
25
O FGTS é uma espécie de fundo-desemprego constituído de 8% das folhas salariais dos trabalhadores regidos
pela CLT.
26
Juntamente a COHAB (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo), participaram da construção
desses conjuntos a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) e
grandes empreiteiras que aproveitaram importantes financiamentos do BNH (Banco Nacional da Habitação)
anteriormente ao seu fechamento.
27
Devido ao espantoso crescimento urbano provocado pela implantação desses conjuntos habitacionais em
Guaianases, no ano de 1992 esse distrito foi dividido em duas partes, ficando ao norte desta área o bairro de
Guaianases e ao Sul o de Cidade Tiradentes, atualmente com uma população aproximada de 220.000 habitantes.
66
monofuncional por ser destinado apenas ao uso residencial, ajudou a mudar completamente a
paisagem urbana da região.
Inicialmente, esses conjuntos foram planejados para assentar parte da população
atingida por grandes obras de remodelação urbana dos anos 70, porém, com o aumento do
déficit de moradia advindo da constante migração em direção a São Paulo após 1980, enormes
contingentes de famílias passaram a aguardar na “fila” das companhias habitacionais o
momento de possuírem – de forma subsidiada - a tão sonhada casa própria.
Figuras 39 e 40 – Foto atual da paisagem forma por Conjuntos Habitacionais em Cidade Tiradentes
Entretanto, apesar da grande quantidade de unidades de apartamentos criados pelas
Cohab na década de 1980, cerca de 50 % do complexo habitacional Cidade Tiradentes foi
formado pelo modelo de casas embriões, ou seja, unidade habitacional que contém apenas em
sua estrutura a cozinha, o quarto e o banheiro, ficando a cargo do recém proprietário construir
o restante. Esse modelo de construção reforça ainda mais que o uso da casa popular brasileira
restringe-se ao mínimo necessário para a manutenção e reprodução da classe trabalhadora,
que cria dessa forma a nova relação com sua moradia. “A casa mínima é o utensílio abrigo
puro e elementar dotado exclusivamente do indispensável. A rudeza dos materiais, a
primariedade técnica geram o núcleo restrito ao atendimento franco, imediato.” (Cf.
FERRO, 2006, p. 63)
Da casa, o operário requer, inicialmente, pouco mais que proteção contra chuva e frio, espaço e
equipamentos suficientes para o preparo de alimentos e descanso. Enfim, tem com ela a relação direta e
não mediatizada, como só surge entre homem e seu instrumento de trabalho pessoal. (...) O modo de usar
evidencia a classe, tal como um produto usado. Limitado econômica e tecnicamente, o produto gera sua
forma de consumo, direta, eficaz. Interiorizado, o produto retorna como hábitos ou comportamentos que
o confirmam. A eficácia forçada na produção corresponde a eficácia no consumo que se propõe como
móvel ideal para qualquer nova produção. E a herança inevitável será transmitida íntegra, imutada.
(FERRO, 2006, p. 63)
67
Outra importante determinante responsável pela constituição da paisagem urbana de
Guaianases é o estágio em que se encontra a indústria da construção brasileira. Como foi dito
anteriormente, o grande “exército de reservas” que se formou na cidade de São Paulo após a
expansão industrial passou a ser utilizado em grande parte na construção civil.
Entretanto, devido a particularidade da construção civil brasileira que apresenta
características essencialmente manufatureiras, associado a grande oferta da força de trabalho
que seguiam do campo para as cidades recebendo baixíssimos salários, possibilitou que a
indústria da construção alcançasse altas taxas de acumulação através da máxima exploração
desses trabalhadores. “A força de trabalho, meio de produção mais barato, é abundante, cria
a massa uniforme de moradias com técnica retrógrada. A produção massificada dos
alveolozinhos particulares é feita pela exploração em massa da energia individual.”
(FERRO, 2006, p. 83)
O processo da construção civil é complexo, havendo combinação da manufatura serial com a
manufatura heterogênea e a indústria. Por exemplo: sinais da manufatura heterogenia na sucessão das
várias etapas, quando saem os pedreiros da obra, ou ainda quando peças produzidas fora do canteiro são
montadas na obras (caixilhos, armários, etc.). Os produtos industrializados também comparecem, ou
como matéria prima (fero, cimento) ou como peças a serem incluída na obra (metais, ferragens, louças de
banheiro, luminárias, etc.). A produção no seu conjunto, ou no interior de cada etapa, entretanto, é
dominantemente do tipo da manufatura serial. E o que caracteriza a forma de produção da construção
civil é sua forma dominante, e não a do componente mais avançado técnica e historicamente. (FERRO,
2006, p. 83)
Além disso, os materiais empregados nas residências autoconstruídas da periferia
reproduzem claramente o baixo nível de desenvolvimento que se encontra a construção civil
dessas regiões. Em sua maioria, são materiais de menor preço, como o tijolo e a telha de
cimento fabricados nas olarias da própria região e as portas e janelas de tábuas usadas ou de
demolição. Quanto ao chão, por vezes apiloado ou atilojado, e as paredes sem emboço ou
revestimento.
Figuras 41e 42 – Foto atual de uma olaria artesanal ainda bastante comum na paisagem de Guaianases
68
As restrições no emprego desses materiais nessas regiões periféricas estão diretamente
ligadas ao preço reduzido pela baixa qualidade, à disponibilidade desses materiais nas
proximidades da obra que evita o transporte oneroso e à facilidade de manipulação pelo
construtor que não possui nenhuma especialização. Entretanto, o fator mais importante que faz
o construtor optar por esses materiais inferiores é a possibilidade da compra parcelada com as
reservas de cada salário ou com o pequeno crédito do depósito de construção da periferia os
Bnhzinho populares, que garante ao trabalhador erguer a casa de sua família. “O nosso
subdesenvolvimento está espelhado nestes materiais. A força de trabalho ainda é o meio de
produção mais barato, não porque sua manutenção, com o avanço das forças produtivas,
tenha baixado de custo, mas porque o nível desta ‘manutenção’ é baixíssimo”. (FERRO, 2006,
p. 61)
Como se vê, a vinculação desses materiais construtivos utilizados nas casas populares da
periferia é assim resultado do baixo nível de consumo permitido pelo baixo salário do
trabalhador.
Guaianases: o bairro do tamanho de uma cidade
Em fins da década de setenta e início da década de oitenta, Guaianases é um bairro que
tem o tamanho de uma cidade. Entretanto, como visto, além desse bairro apresentar
inúmeros problemas de infra-estrutura e um grande déficit de moradias, também possui um
comércio ainda incipiente, não atendendo, assim, às novas necessidades geradas por esse
impressionante crescimento populacional.
Nesse sentido, são freqüentes nesse bairro inúmeras ocupações de áreas livres residuais
da malha urbana, como também - mais recentemente - de mutirões promovidos por
trabalhadores de todo o país que chegavam à São Paulo com pouca condição financeira,
erguendo suas casas em áreas sujeitas à enchentes, insalubres e de alto risco para o
estabelecimento de moradias.
69
Figuras 43 – Foto de uma ocupação em antiga pedreira de Guaianases Figura 44 – Foto de casas construídas sob regime de mutirão
Outro importante componente da paisagem do bairro de Guaianases, além da
mencionada precariedade urbana, é o grande número de trabalhadores informais presente nas
principais ruas do bairro. Instalados nas estreitas e irregulares ruas da região, dividindo o
espaço com veículos e pedestres, os “vendedores ambulantes” ou “camelôs” garantem não
somente o sustento de suas famílias mas, principalmente, cooperam para o fornecimento de
produtos de consumo tais como frutas, hortaliças, roupas, utensílios de primeira necessidade,
como também contribuem para a diminuição do custo de vida dos moradores da região,
revendendo esses produtos a um custo acessível aos baixíssimos salários.
Nesse sentido, Francisco de Oliveira coloca: “Qual é o volume de comércio de certos
produtos ‘industrializados’ o grifo é proposital tais como lâminas de barbear, pentes,
produtos de limpeza, instrumentos de corte, e um sem- número de pequenos objetos, que é
realizado pelo comércio ambulante das ruas centrais de nossas cidades?”. (OLIVEIRA,
2003, pp. 57 e 58)
Figuras 45 – Foto de camelôs vendendo frutas e legumes Figura 46 – Foto de camelôs vendendo produtos eletrônicos e roupas
70
Atualmente, Guaianases apresenta uma população de aproximadamente 256.000
habitantes, dividido em dois distritos Lajeado e Guaianases - e pertencentes à Subprefeitura
de Guaianases. A área total de seu território é de 17,80 Km² (8,60 km² pertencem ao distrito
de Guaianases e 9,60 Km² ao distrito de Lajeado), o que resulta numa densidade demográfica
de 14.399,9 habitantes por km², com taxa de crescimento de 3,13 %
28
.
Após percorrermos todo o processo de formação histórico de Guaianases, através da
análise das principais determinantes que geraram uma paisagem urbana específica que
caracteriza grande parte da periferia da cidade de São Paulo, queremos salientar que os
problemas enfrentados pela maioria dos bairros periféricos da cidade não são conseqüência da
falta de planejamento ou do espantoso crescimento populacional. Mas pelo contrário,
queremos mostrar que algumas das particularidades da formação da paisagem da periferia
paulistana - como a falta de infra-estrutura urbana, a especulação imobiliária, a obtenção da
casa própria através da autoconstrução, de mutirão ou subsidiada pelo estado (conjuntos
habitacionais), a grande presença do mercado informal, e tantos outros nexos constitutivos
que conformam a paisagem urbana, são uma condição necessária para rebaixar a manutenção
da reprodução da força de trabalho paulistana.
Desta forma, como a formação de Guaianases manteve essa lógica, possibilitando altas
taxas de acumulação para a economia paulistana, o bairro passou a ter função essencialmente
de dormitório ou de passagem de grande parte dos trabalhadores da Zona Leste da cidade de
São Paulo, constituído por uma paisagem reveladora que parte das condições objetivas que se
baseiam na máxima exploração da força de trabalho paulistana.
Figura 47 - Fotografia atual do bairro de Guaianases
28
Dados de 1991 a 2000.
71
CAPÍTULO II
A partir de agora, retomaremos o caso particular da historiografia da praça brasileira
que, apesar de distinguir completamente do processo de formação histórico da praça em
cidades de outros países, e em outros períodos, se concretiza na cidade brasileira como
resultado do conhecimento histórico acumulado desde o período em que o homem passou a
organizar suas atividades produtivas numa estrutura social que promoveria o surgimento da
cidade.
Entretanto, apesar do Brasil dar um salto histórico por apresentar uma organização
social com características urbanas somente a partir da colonização, que ocorre em meados do
século XVI - bem diferentes de outros países que apresentavam cidades consolidas a mais
de mil e quinhentos anos -, achamos importante salientar que as formas de reprodução social
brasileira desse período geralmente criavam cidades para atender as exigências das atividades
colonizadoras, dando assim os primeiros passos em direção a um modelo de cidade que
deveria ser produtiva.
Com isso, atentamos que o surgimento da praça brasileira como o local de encontro
dos habitantes da cidade, acontece a partir de um novo contexto histórico a colonização
que, conseqüentemente, provocou profundas transformações na própria gênese da praça que
até então predominava - espaço urbano de sociabilização por excelência.
72
1 – A formação histórica da praça brasileira
A praça colonial: o largo
De acordo com as condições materiais estabelecidas pela colonização portuguesa,
começaremos a analisar as praças brasileiras a partir do surgimento dos primeiros povoados
do continente recém descoberto.
Como descrito anteriormente, a formação das cidades do Novo Mundo pela
colonização portuguesa, com o propósito de assegurar parte do continente conquistado através
da fundação de pequenos núcleos urbanos no litoral brasileiro, apresentava uma paisagem
urbana bastante diferente das cidades criadas nos territórios colonizados pelos espanhóis.
Entretanto, apesar das diferenças significativas - mais relevantes quanto aos aspectos formais
- apresentadas pelas novas cidades da colonização portuguesa e espanhola, a essência da
função colonizadora de ambas nações eram igualmente praticadas, ou seja, a máxima
exploração do novo continente, através da tomada da posse e de firmar sua ocupação
definitiva.
No século XVI, a exploração de além-mar está reservada às duas nações ibéricas, Espanha e
Portugal; somente no século seguinte, intervém as outras potências banhadas pelo Atlântico, França,
Inglaterra e Holanda. (...) Os portugueses, em seu hemisfério, encontram territórios pobres e inóspitos
(sobretudo a África Meridional) ou então, no Oriente, Estados populosos e aguerridos que não podem
ser conquistados; assim, fundam somente uma série de bases navais, para controlar o comércio
oceânico, e não têm condições de realizar uma verdadeira colonização em grande escala. Ao contrário,
os espanhóis encontram em sua zona os territórios mais adequados à colonização: os planaltos da
América Central e Meridional, com os impérios indígenas mais ricos e desenvolvidos, mas incapazes
de resistir aos conquistadores europeus. (BENEVOLO, 2003, p.475)
Figura 48 – Vista do traçado urbano regular da Cidade do México em 1905
73
A partir dessa realidade que foi a base material da diferença da acumulação primitiva
entre estas duas potências marítimas, a Espanha passou a apresentar, num primeiro momento,
um maior volume de lucratividade com as atividades colonizadoras. Assim, baseado no
trabalho compulsório indígena (Astecas, Maias, Incas), a exploração do ouro pelos espanhóis
garantiu um elevado grau de acumulação de riquezas que possibilitou a criação de cidades
mais organizadas e racionais na América espanhola, necessária ao grande nível de exploração
que praticavam em suas colônias.
Em Ordenanzas de Descubrimiento Nuevo y Población, de 1563, os espanhóis delimitavam
precisamente as regras de construção das cidades, mesclando a leitura renascentista das clássicas
recomendações vitruvianas aos requisitos de sua própria estratégia de dominação dos impérios inca,
maia e asteca. Em contraste, os portugueses permitiam uma ocupação mais livre da terra, desde que os
lucros do comércio real e a ocupação da colônia estivessem garantidos. A precisão dos engenheiros
militares portugueses, expressa na escolha das locações, na simetria e na racionalidade do desenho dos
fortes, contrastava com a irregularidade formal dos centros urbanos no Novo Mundo.(ROLNIK, 1999,
pp. 16 e 17)
Figura 49 – Planta em tabuleiro com a indicação de quatro praças da cidade de Quito – Equador (séc. XVIII)
Desta forma, enquanto os espanhóis demonstravam uma concepção urbana mais
racional e totalizante típica dos pensadores renascentista, criando cidades a partir do traçado
urbano em tabuleiro com a intenção de concentrar a atividades exploradoras e a população
nativa esparsa no continente, as cidades portuguesas surgiram da necessidade de defesa do
vasto território descoberto e das condições materiais de uma sociedade eminentemente agrária
que tinha a terra como único meio de exploração.
No Novo Mundo, ocorreu uma modificação semelhante pois foi ali que se renovou a ordem
medieval, por assim dizer, pela colonização. Na América do Sul, as novas cidades coloniais eram
traçadas de antemão, de acordo com os princípios estabelecidos nas Leis das Índias, modificadas em
1523, ao tempo da conquista do México. Mas aquelas novas cidades olhavam para trás, não para
frente pois seguiam o padrão de Bastilha e levaram ainda mais longe aquela padronização, criando
um fórum, ou plaza, idealmente de 120 a 180 metros, no centro da cidade, tendo de um lado uma
igreja dominante e deixando vazia a própria plaza. Os quarteirões de moradia eram rigorosamente
retangulares na forma e as ruas largas (...). Embora as cidades coloniais portuguesas fossem, muitas
vezes, mais irregularmente edificadas e se achasse mais próximas do modelo orgânico medieval, em
74
parte alguma se encontra algo que corresponda a um esquema barroco ideal, como se verificou em
Palma Nuova. (MUNFORD, 1998, p. 359)
Apesar de alguns autores considerarem o processo de formação da cidade colonial
brasileira semelhante ao da cidade medieval européia, traçando parâmetros de aproximação
entre elas, devemos esclarecer que a partir de um novo contexto histórico, as cidades que
surgiam na América se concretizavam através de um plano regulador preestabelecido de
acordo com as necessidades colonizadoras, ora para facilitar e exploração do continente, ora
para assegurar sua defesa com a fixação de numerosos núcleos urbanos na costa do território.
Desta forma, a relação que se estabelece entre a cidade medieval com a cidade colonial
brasileira deve ser feita apenas quando levadas em consideração algumas semelhanças do
aspecto formal da urbanização que foram trazidos pelos primeiros colonizadores europeus,
visto que a origem da formação da cidade medieval surge de uma realidade histórica
completamente diferente das condições materiais dos primeiros núcleos urbanos coloniais
brasileiros.
Ao comparar os assentamentos coloniais brasileiros com as cidades medievais, podemos
constatar algumas semelhanças na sua organização geral, pois a colonização portuguesa trouxe
arraigadas as tradições urbanísticas da Europa medieval, o que justifica a necessidade de verificação
do modelo urbano respectivo. (...) O desenvolvimento dos núcleos urbanos coloniais brasileiros
assemelhava-se ao da cidade medieval européia, quando analisado do ponto de vista da estrutura
morfológica. Ruas, largos e praças iam se configurando a partir da construção do casario, resultando
em ruas estreitas e tortuosas, que convergiam para a edificação central do assentamento. Diferiam,
porém, quanto à função, ao uso e à apropriação do espaço livre público. (MACEDO, ROBBA, 2003,
pp. 20 e 21)
Figura 50 - Largo do Piques em São Paulo (1860)
Diferentemente das várias cidades fundadas na colonização espanhola que
apresentavam um traçado regular mais ordenado de todo o conjunto urbano, a cidade colonial
brasileira apresentava uma paisagem urbana particular que crescia vagarosamente de acordo
com as condições topográficas e as necessidades materiais da sociedade agrária que aqui se
formara.
75
Enquanto os colonizadores hispânicos esforçavam-se para criar conjuntos urbanos
disciplinados, com planos regulares em xadrez, com uma praça central agrupando os edifícios
monumentais administrativos e religiosos, seus vizinhos deixavam-se guiar pela natureza dos locais,
explorando a topografia e deixando que as aglomerações crescessem livremente, sem nenhum
esquema imutavelmente preconcebido. Eles se instalaram sistematicamente nas alturas, mais fáceis de
proteger e mais salubres do que as terras baixas freqüentemente pantanosas, em todo caso, menos
ventiladas. Essa preferência absoluta pelas colinas, que semeiam um relevo movimentado, explica
parcialmente a flexibilidade do traçado adotado nas velhas praças do Brasil, onde com muita
freqüência as ruas serpenteiam para prender-se melhor a um terreno difícil. Contudo, mesmo quando o
crescimento dos núcleos primitivos levava à ocupação das planícies vizinhas, nenhuma tentativa de
organização racional foi realmente perceptível e a expansão ocorreu de maneira espontânea na medida
das necessidades. (BRUAND, 2005, p. 325)
Através dessa distinção entre a cidade colonial brasileira e as cidades da colonização
espanhola, assim como de ambas à cidade medieval européia, podemos entender que a forma
de apropriação da praça colonial brasileira reproduz “apenas” as condições materiais
apresentadas pela sociedade que aqui se formara. Ou seja, enquanto a praça medieval era um
espaço fundamental da troca de mercadorias não produzidas por citadinos e camponeses numa
sociedade baseada na auto-suficiência, a praça colonial brasileira surge como um local de
“menor” importância, assim como era a cidade colonial, diante das formas de reprodução de
uma sociedade que concentrava suas atividades no campo e na grande propriedade
monocultura.
Nesse sentido, os autores do livro Praças Brasileiras também analisam a origem e
consolidação das primeiras praças brasileiras como parte intrincada na formação da paisagem
urbana dos primeiros povoados coloniais do país:
Em volta da capela, embrião de nossas cidades, foram construídos paulatinamente o casario e
as edificações que compunham uma freguesia, arraial ou vila. Tal estrutura de formação das cidades
coloniais foi também à força geradora dos primeiros espaços livres públicos brasileiros: os adros das
igrejas. O espaço deixado em frente aos templos é justamente o espaço de formação da praça.
Conforme a povoação cresce, o adro da igreja se consolida como (...), o mais importante pólo da vila
(...), pois atrai para seu entorno as mais ricas residências, os mais importantes prédios públicos e o
melhor comércio. (MACEDO e ROBBA, 2003, p. 19)
Figura 51 – Terreiro de São Francisco em Salvador Figura 52 – Largo do São Francisco em São Paulo (1887)
76
No livro São Paulo: Ensaios Entreveros, o autor Ab’ Saber demonstra que muitos dos
espaços livres de edificações da cidade, onde surgiram às primeiras praças brasileiras,
restringiam-se à área do rocio
29
, caracterizado por ele como o espaço urbano onde
obrigatoriamente deveriam permanecer os cavalos e muares dos camponeses ou sitiantes que
vinham à cidade para ouvir missa, vender ou trocar mercadorias. “Os grandes espaços
herdados dos diversos ‘rocios’ puderam asilar praças, largos, ladeiras e larguinhos, eixos de
avenidas importantes, ou parque distritais subcentrais (...)”. (Ab’ Sáber, 2004, p. 494)
Nesse mesmo sentido, outros autores também relacionam o rocio como o espaço
urbano que originou grande parte das praças coloniais brasileiras. “As praças públicas
brasileiras eram todas acanhadas e irregulares, destacando-se apenas as do Palácio (Pátio
do Colégio), da e da Câmara Municipal. A atual Praça da República era um logradouro
semi-abandonado o chamado ‘Largo dos Curros’; em idêntica condição, apresentava-se o
chamado Jardim Botânico, germe do atual Jardim da Luz”. (AZEVEDO, 1958b, p. 53)
Figuras 53 – Largo dos Curros em 1890, tradicional campo de treinamento de
cavalos e cocheiros em São Paulo (atual Praça da República)
Num primeiro momento, a praça colonial brasileira vai se configurando a partir da
construção dos primeiros edifícios do entorno que passam a delimitar seu perímetro,
constituindo-se assim como um espaço livre onde se concentravam as primeiras edificações
necessárias às formas de organização social desse período igreja, comércio, casa de câmara
e cadeia etc, cuja função era respaldar as atividades agrícolas praticadas com a colonização.
29
A designação da palavra rocio com “c” e rossio com dois “s”, apesar da mesma pronúncia, têm significados
diferentes. A palavra rossio, que remonta aos fins do século XIII, denota o espaço da praça popular de caráter
periurbano na estruturação das cidades portuguesas. No outro sentido, a palavra rocio, remete aos descampados
de antigas lavouras transformadas em capinzal, independentemente de uma posição geográfica rural ou urbana.
Apesar das características do rossio com dois “s” se aproximar mais da função da praça brasileira, a palavra que
passou a ser utilizado no Brasil a partir do século XVII e XVIII foi rocio com “c”. (Cf. Ab’ Sáber, 2004, p. 495)
77
A caracterização do largo como espaço livre público da cidade colonial dependia
reciprocamente de seu entorno. Ao mesmo tempo que o espaço em frente à igreja era atrativo para a
construção de casas e estabelecimentos comerciais, sua estrutura morfológica dava-se a partir da
consolidação de edificações em seu entorno. Largos, praças e ruas, na cidade colonial brasileira, eram
configurados pelo casario. As praças coloniais brasileiras tinham, pois, como característica formal
dominante a presença de um templo em seu entorno: posteriormente toda sorte de edifícios
importantes da cidade também passaram a ser implantados nas suas imediações. (MACEDO,
ROBBA, 2003, p. 19)
Figura 54 – Largo da Sé com a igreja em São Paulo (1860) Figura 55 – Praça do Palácio do Governo em São Paulo (1900)
A partir desta configuração urbana onde geralmente a praça localizava-se no centro
das primeiras vilas coloniais, este espaço para onde convergiam as principais ruas do núcleo
urbano tornava-se um local de encontro e de passagem obrigatória à grande parte dos
moradores. Com isso, a praça colonial como o espaço central da vila, permitia que diversas
funções acontecessem no mesmo local, conglomerando diversas atividades comerciais, civis e
militares. “Era na rua e não dentro de casa que a família se socializava: os homens, no
dia-a-dia dos largos e praças; as mulheres, nas procissões e festas públicas”. (ROLNIK,
1999, p. 29)
A praça - até este momento chamado de largo, terreiro e rossio - era o espaço de interação de
todos os elementos da sociedade, abarcando os vários estratos sociais. Era ali que a população da
cidade colonial manifestava sua territorialidade, os fiéis demonstravam sua fé, os poderosos, seu
poder, e os pobres, sua pobreza. Era um espaço polivalente, palco de muitas manifestações dos
costumes e hábitos da população, lugar de articulação entre os diversos estratos da sociedade colonial.
(MACEDO, ROBBA, 2003, p. 22).
Entretanto, apesar de se tornarem um espaço bastante importante na estrutura urbana
da cidade colonial, as praças desse período de nada se assemelhava à gênese da praça da
antiguidade. Ou seja, mesmo sendo um local de encontro e sociabilização pela própria
configuração espacial, geralmente no centro das cidades, os contrastes, questionamentos e
conflitos sociais concretizados nesse espaço pouco reverberava sobre as novas formas de
reprodução que se consolidavam. “Assim, o contraste entre o domínio público e o privado, já
presente na cidade colonial, foi reforçado com a demarcação mais precisa dos limites entre a
78
casa e a rua, enquanto o espaço das ruas se constituía em cenário para uma vida pública
exclusiva”. (ROLNIK, 1999, p.35)
Alguns autores insistiram em associar a influência da força cívica da praça antiga à
praça colonial, assim como descreveu Aroldo Azevedo ao analisar a cidade de São Paulo
nesse período.
Tinha o povo participação ativa e direta na administração, quando convocados nos
“ajuntamentos”, em praça pública, para dirigir petições ao Conselho pela voz de seu Procurador, ao
qual ia dar apoio imediato. Distribuindo justiça, baixando posturas a respeito de assuntos de interesse,
zelando pelo patrimônio municipal (...), olhando pela limpeza das vias e cuidando do sossego das
mesmas, os camaristas e seus subordinados, por deficiente que fosse sua atuação (e muitas vezes o
foi), concorriam para que se regularizasse o vilarejo incipiente. (AZEVEDO, 1958b, pp. 13 e 14)
Contudo, esta forma particular da apropriação social da praça paulistana ocorreu num
período em que a vila bandeirante encontrava-se completamente isolada (física e
socioeconômica) das formas de produção predominantes no mundo, sendo obrigadas, para
sobreviver, reproduzir-se de maneira mais cooperativa. “Assim, de início e por muito tempo,
a existência do pequeno grupo humano foi necessariamente simples e rude, sendo
condicionada pelas influências poderosas e peculiares do meio físico, que lhe impunha
padrões de vida mais ou menos distanciados dos ‘costumes, técnicas ou tradições vindas da
Metrópole’”. (AZEVEDO, 1958b, p.17)
Com o passar dos séculos, as formas de apropriação das praças coloniais, utilizadas
para se comercializar, para manifestação de cunho militar e político e para outras atividades
urbanas espontâneas, vão perdendo algumas funções e recebendo outras no lugar. Aos poucos,
o mercado da feira-livre se transfere para as edificações, às demonstrações militares se
deslocam para as grandes avenidas e o que se pretende da praça é torná-la um belo cenário
ajardinado destinado à contemplação, ao passeio e às atividades recreativas. (Cf. MACEDO,
ROBBA, 2003, p. 28)
Figuras 56 e 57 – Fotografias do Largo do Brás em 1862 e após usa reforma em 1914
79
Desta forma, o processo de evolução histórica apresentada pela cidade colonial, tanto
na consolidação da estrutura urbana, quanto nas transformações da formas de reprodução
social, trouxeram profundas alterações na apropriação social das praças coloniais, que
deixavam de ser o local do encontro dos moradores da vila e onde se praticava diversas
atividades urbanas para se tornar um espaço mais especializado e segregador.
Figura 58 e 59 – Fotografias das transformações do Largo São Francisco em São Paulo de 1862 a 2002
A praça ajardinada
Desde o momento em que houve uma separação entre campo e cidade, quando o
homem passou a se organizar de maneira mais efetiva numa estrutura social eminentemente
urbana, a sobreposição do ambiente artificial provocado pela compactação urbana no meio
natural onde surgiriam as cidades, promoveu profundos contrastes da paisagem campo -
cidade que se formara.
A cidade local de estabelecimento aparelhado, diferenciado e ao mesmo tempo
privilegiado, sede da autoridade nasce da aldeia, mas não é apenas uma aldeia que cresceu. Ela se
forma, como pudemos ver, quando as indústrias e os serviços já não são executados pelas pessoas que
cultivam a terra, mas por outras que não têm esta obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o
excedente do produto total. (BENEVOLO, 2003, p. 23)
Ainda nesse sentido, Benévolo completa:
A cidade, centro motor desta evolução, não é maior do que a aldeia, mas se transforma
com uma velocidade muito maior. Ela assinala o tempo da nova história civil: as lentas
transformações do campo (onde é produzido o excedente) documentam as mudanças mais raras da
estrutura econômica; as rápidas transformações da cidade (onde é distribuído o excedente) mostram,
ao contrário, as mudanças muito mais profundas da composição e das atividades da classe dominante,
que influem sobre toda a sociedade. (BENEVOLO, 2003, p. 26)
80
Assim, o próprio processo de urbanização, gerado pela necessidade de elementos
construídos que abrigassem o homem das variações climáticas e que respaldasses suas
atividades produtivas, distanciou cada vez mais a inclusão de elementos do meio natural -
árvores, jardins, plantas diversas - na paisagem urbana que se formara, diferentemente da
paisagem do campo onde era o elemento predominante.
Entretanto, essa forma de urbanização que renegava a utilização da vegetação na
cidade, começou a se modificar no momento em que estas começaram a apresentar uma
elevada concentração populacional cujas bases de reprodução social passaram a promover um
ambiente urbano inóspito à sobrevivência humana.
A partir do século XVIII, quando se consolidava definitivamente o novo modo de
produção capitalista, o elevado grau de degradação urbana apresentado pelas grandes cidades
européias, que dificultava a manutenção e reprodução da força de trabalho necessária à
efetivação desse sistema produtivo, tornou inevitável a criação e execução de grandes projetos
de reestruturação e remodelação urbana.
Nesse contexto histórico, as novas influências urbanísticas provocadas pelas correntes
higienizadoras européias, aliado as descobertas científicas que comprovaram a função
saneadora proporcionadas pelas plantas, fizeram aumentar mais efetivamente a inclusão da
vegetação na paisagem urbana.
Figura 60 – Avenida Central no Rio de Janeiro (início do séc XX)
Primeiramente, os jardins que estavam presentes em cidades de outros períodos
históricos encontravam-se confinados em palácios, mosteiros e conventos, proporcionando
tranqüilidade e tendo como função principal ser o local de meditação e de apreciação da
natureza. (Cf. MACEDO, ROBBA, 2003, p. 23)
81
no caso brasileiro, o surgimento do jardim nas mediações das construções
residenciais e religiosas apresentou uma função completamente distinta do jardim europeu,
visto que a sua especificidade doméstica revelava claramente as necessidades e condições
materiais da sociedade brasileira desse período.
Os jardins eram raros na cidade colonial brasileira. Resumiam-se a parcelas das grandes
propriedades religiosas e dos quintais das residências. E, nesses casos, o fim utilitário predominava,
com a cultura de frutas, ervas de cheiro, floreiras e plantas medicinais. A labuta diária exigida pela
vida monacal e o apoio à cozinha eram as maiores motivações para o cultivo daquelas áreas; mais do
que o seu desfrute para o recreio. (MARX, 1980, p. 58)
Figura 61 – Fotografias de jardins nos fundos das residências (pomares, hortas etc)
Assim, enquanto as formas de apropriação do jardim europeu correspondiam ao
estágio de desenvolvimento de sua sociedade, o jardim no Brasil surge primeiramente como
uma maneira de auxiliar, e para os mais pobres suprir, as necessidades essenciais de muitos
habitantes urbanos que viviam da auto-suficiência e da máxima exploração da força de
trabalho. Quando não tinha este intuito, no caso do Jardim Botânico, prestava-se a fornecer
conhecimentos científicos que possibilitava a exploração e comercialização da flora brasileira.
Os jardins botânicos, concebidos inicialmente como centros de pesquisa da flora tropical,
foram instalados nas principais aglomerações urbanas a partir do final do século XVIII, como Belém
(1789), no Rio de Janeiro (1808), em Olinda (1811), Ouro Preto (1825) e São Paulo (1799), à margem
do núcleo central. Sua criação foi resultado de um aviso régio de 17 de novembro de 1798, que,
juntamente com a Carta Régia de 1796, estabeleceu uma política de criação de uma série de
estabelecimentos botânicos na colônia, a fim de propiciar as bases de um intercâmbio de plantas úteis
à economia portuguesa. (MACEDO, SAKATA, 2003, p. 22)
Desta maneira, paralelamente ao que acontecia na Europa, surgiram os primeiros
exemplos de praças ajardinadas brasileiras que traziam uma configuração espacial
completamente diferente da praça seca colonialo largo, tornando-se um espaço com formas
mais elaboradas destinado à contemplação da natureza e ao descanso, uso anteriormente
reservado ao jardim.
82
A arborização e o ajardinamento dos espaços públicos principia na segunda metade do século
passado, época em que se difunde como nova exigência pelo mundo. poucas gerações, portanto,
que as plantas passaram a ornar e a amenizar nossas ruas e praças. Além dos jardins comuns, raros e
criados apenas nas cidades principais, a imagem urbana desconhecia árvores e canteiros nas vias e nos
largos. De tratamento muito pobre, estes conheciam a sombra dos beirais e de uma ou outra árvore
plantada por trás dos muros de algum terreno particular. O que pode parecer hoje uma atmosfera árida
e causticante ao sol do meio-dia era então a expressão clara da vida não rural e muito menos sertaneja.
As matas, os matos, os campos e as roças ficavam fora do perímetro urbano que guardava o chão
limpo batido de terra. As plantas, as suas flores e frutos, fartos por toda a redondeza entrava na
cidade para satisfazer a necessidade ou gosto do dono de alguma propriedade. (MARX, 1980, p. 67)
Figuras 120 e 121 – Antigo Largo Colonial em 1860 e com posterior ajardinamento em 1887 (atual Praça João Mendes)
A evolução urbana apresentada pelas cidades brasileiras a partir da segunda metade do
século XIX, para onde convergiam as ricas famílias dos fazendeiros e também os pequenos
proprietários e agricultores (êxodo rural), modificaram grandemente o modo de vida urbana e
provocou profundas transformações na paisagem urbana com a inclusão do jardim como
elemento de composição da cidade. “Nesse período de transição do modelo de urbanização
colonial para um novo modelo de cidade bela, higiênica e pitoresca é que surge uma
nova tipologia urbana: a ‘praça ajardinada’. A praça ajardinada irá cruzar as duas
tradições anteriores da praça e do jardim”. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 28)
Figuras 64 – Ruas arborizadas em São Paulo nas primeiras décadas do século XX
83
A rua colonial, estreita e de calçamento rústico, já não era compatível com os novos meios de
transporte coletivo e individual. As calçadas deveriam ser mais largas, comportar arborização e
iluminação pública, e as velhas construções, de taipa e pedra, foram substituídas por soberbas
construções de alvenaria, que exibiam em suas fachadas as últimas tendências estampadas nos
manuais e obras de referência da arquitetura européia. (MACEDO, SAKATA, 2003, p. 25)
Influenciados por modelos europeus, onde a urbanística adquire novos instrumentos na
utilização dos elementos vegetais - a árvore, os canteiros, as plantas e os prados, surgem no
Brasil os primeiros exemplos de espaços que incluem a vegetação na paisagem urbana, tendo
como precursor o passeio carioca que, apesar de ser construído em meados do século XIX,
passou a ser mais freqüentado somente após a reforma em 1862.
A reforma do Passeio Público deu-se contemporaneamente às mudanças que ocorreram na
segundo metade do século XIX, com a proliferação dos jardins em residências, a abertura dos jardins
botânicos para visita pública e a arborização de vias e ruas. As áreas ajardinadas passaram a constituir
um elemento considerável no conjunto das edificações e dos espaços livres das cidades brasileiras.
Tais mudanças criam um novo hábito: o da jardinagem. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 25)
Figura 65 – Passeio Público do Rio de Janeiro (1875) Figura 66 – Praça XV de Novembro no Rio de Janeiro
Aliado a essa influência que marcou profundamente a constituição formal da praça
ajardinada brasileira, a forma de apropriação desses novos espaços mais elaborados
também passou a ser imitado. “Nesse momento já começava a existir uma elite urbana que
viria a freqüentar os jardins públicos, consolidando no Brasil o hábito europeu do
‘passeio’ e do ‘corso’, o que motivou a construção, reforma e manutenção de jardins e
passeios urbanos”. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 24)
Assim, de acordo com os novos hábitos praticados nas praças ajardinadas
européias, voltadas para o usufruto ao ar livre desses espaços pela burguesia, as praças
ajardinadas tornaram-se também o local de encontro da elite brasileira que passou a
freqüentar estes locais para ver e ser vista. “Fazer-se público de sua presença, exibir
84
pompa, ver homens e mulheres bem vestidos e bonitos, mostrar filhas nas buscas de
maridos, contar e ouvir novidades, assistir a apresentações musicais, homens finos
admirando e fazendo a corte à cortesãs”. (SEGAWA, 1996, pp. 45 e 46)
Também nesse momento as ruas e praças mais importantes passam a receber tratamento de
jardim, sendo ornadas com canteiros de árvores e flores ornamentais. Como era de se esperar, o
sucesso de ajardinamento da cidade é enorme, e em algumas das praças coloniais mais antigas e
tradicionais recebem vegetação e tratamento paisagístico, perdendo algumas das suas peculiaridades
como largo, pátio e terreiro. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 26)
Figura 67 – Fotografia dos jardins da Praça João Mendes em São Paulo em 1910
Ao findar o século XIX, quando as transformações urbanas promoveram um novo
salto “evolutivo” em importantes cidades brasileiras, rumo à consolidação do modelo da
cidade moderna, a segregação sócio-espacial apresentada pela paisagem urbana, através do
empilhamento de moradias pobres em regiões degradadas em contraponto com a criação dos
Bairros-jardins e outros exclusivos da elite brasileira, logo surtiu efeitos nas praças das
cidades nesse período.
Trazendo essa tradição do jardim público, a praça ajardinada devia ser freqüentada segundo
algumas normas de conduta e comportamento bastante rígidas e hierarquizadas, não se assemelhando
em nada ao polivalente largo colonial. A praça ajardinada foi palco para o desfile das elites
exportadoras brasileiras na virada do século XIX para o século XX. (MACEDO, ROBBA, 2003, p.
29)
Nesse sentido, algumas cidades brasileiras que atingiram uma grande concentração
populacional somente no final do século XIX, principalmente São Paulo, passaram a
apresentar diversas menções legislativas à necessidade de disciplinar o trânsito, ordenar as
ruas e regularizar os “usos” praticados nos espaços livres coletivos.
É importante afirmar aqui que o movimento tinha duplo sentido. Por um lado, pretendia-se
retirar o convívio dos homens de bem da mistura das ruas, criando espaços exclusivos para isso no
interior das casas (a sala de visitas e os escritórios) e fora destas (café, salões e clubes privativos). Por
outro lado, iniciou-se também nesse momento um conflito histórico jamais resolvido entre
85
apropriação da rua como espaço de circulação e todos os demais usos, automaticamente excluídos. O
conflito teve uma primeira manifestação no expurgo da atividade de quitanda prática corrente de
venda de produtos em banquinhas, esteiras ou tabuleiros nas ruas pela Câmara Municipal,
autoridade da gestão da cidade. Retirar quem atrapalhava o trânsito para finalmente regularizar o
tráfego, por meio de reformas e alargamentos iniciados na virada do século, foi uma das estratégias
adotadas para a captura do espaço da rua antes destinado a uma multiplicidade de usos ao uso
exclusivo dos meios de circulação. (ROLNIK, 1999, pp. 31 e 32)
A consolidação do modo de produção capitalista dos países europeus que, através do
processo industrial passaram a depender de um ambiente urbano mais equilibrado para gerar
uma cidade mais produtiva, reverberou no Brasil de forma significativa e provou profundas
transformações na tipologia apresentada pelas praças criadas ou reformadas nesse período.
“Naturalmente, a crescente valorização do uso de vegetação na cidade, de forma a amenizar
os efeitos da urbanização intensa dos grandes centros urbanos, fortaleceu ao longo desse
século a tipologia da praça ajardinada, sendo encontrado no Brasil poucos projetos de
espaços livres públicos que não fazem uso de vegetação. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 30)
A praça eclética: Belle Époque Tropical
No começo do século XX, quando as velhas estruturas coloniais foram profundamente
alteradas, importantes cidades brasileiras sofreram um processo de grande desenvolvimento
sócio-econômico e de grandes transformações urbanas, tendo como principal objetivo
assegurar a expansão das atividades produtivas praticadas no Brasil em sua maioria
exportadora de produtos agrícolas.
A influência cultural exercida pela França e Inglaterra e a necessidade de o país conectar-se
com a nova ordem social, econômica e produtiva global da virada do século XIX proporcionaram o
surgimento de campanhas de modernização, salubridade e embelezamento das cidades. Grandes
reformas foram feitas para transformar a cidade colonial em uma cidade republicana. (...) Todos os
planos de embelezamento e reformas urbanas do final do século XIX tinham por objetivo modernizar
o país. A dominação cultural européia, aliada à necessidade de a nação afirmar-se e ganhar
credibilidade como exportadora de produtos agrícolas para a Europa, colaborou para a transformação
da paisagem das cidades, sempre à imagem e semelhança dos centros europeus. (MACEDO, ROBBA,
2003, p. 27)
Entretanto, muitos eram os desafios que as grandes cidades desse período passam a
enfrentar, diante das novas formas de reprodução social que se consolidavam e da necessidade
de fixação do enorme contingente populacional que seguiam em direção as cidades.
Assim, o panorama das grandes cidades brasileiras por volta de 1900, no momento em que se
esboçava um crescimento em progressão geométrica de algumas delas, logo seguido pelo crescimento
da maioria das capitais estaduais e de outras aglomerações mais recentes, não era encorajador. Os
problemas acumulavam-se e exigiam soluções vigorosas: disciplina do crescimento natural
86
desordenado que se acelerava, reorganização dos serviços públicos para que eles pudessem
desempenhar seu papel e seguir o aumento fenomenal da população, nova modelagem dos centros das
cidades que não correspondiam mais às necessidades modernas da administração, do comércio e
principalmente da circulação. (BRUAND, 2005, p. 326)
Desta forma, baseado nos modelos europeus, as intensas reformulações urbanas que
atravessavam as cidades brasileiras nessa passagem de séculos, apresentavam cada vez mais
inclusão da praça ajardinada como elemento fundamental de composição da paisagem urbana
da nova cidade, populosa, produtiva e veloz.
As grandes reformas urbanas na administração do Barão de Haussmann em Paris (1853-
1870) e o empreendimento similar pelo prefeito Pereira Passos no Rio de Janeiro (1903-1906)
inspiraram iniciativas de mesma natureza para São Paulo. Mas esse encantamento reformador não
acontecia apenas pelo suposto idealismo de uma vontade de equiparação em matéria urbanística às
grandes capitais “civilizadas”, tampouco pelo entusiasmo por uma cultura urbanística referenciada no
surgimento de um debate dessa natureza na Europa e nos Estados Unidos. O resultado mais sedutor e
prático em todo o processo era a perspectiva de diversificação e aplicação de capitais num âmbito
inédito. (SEGAWA, 2004, p. 17)
Figura 68 – Projeto de Urbanização do Vale do Anhangabaú em São Paulo (1910)
Figura 69 – Fotografia do Parque do Anhangabaú em 1920
Com isso, durante as primeiras décadas do século XX, o modelo da praça ajardinada
tornou-se um padrão de qualidade da paisagem urbana, e até os mais antigos e tradicionais
87
logradouros receberam tratamentos paisagísticos e ajardinamentos, como descreve Segawa ao
analisar a cidade de São Paulo:
Mas nos primeiros anos do século a Diretoria de Obras, sob direção do engenheiro Victor
da Silva Freire, estabelecera uma sistemática arborização das ruas paulistas, com a criação de um
viveiro anexo ao Jardim da Luz. O ajardinamento da Praça da República, iniciado em 1902, estava
completo em 1904. Os outros logradouros foram entregues nesse ano, completamente transformados,
como os Largos do Carmo, 7 de Setembro, General Osório, Guaianases e da Concórdia, e as Praças
João Mendes e São Paulo. Os relatórios do prefeito Antônio Prado apresentados à Câmara Municipal,
nesse período, traziam pormenorizadas relações de árvores plantadas nos logradouros públicos,
preocupações inspirada nos movimentos salubristas na Europa, do qual Silva Freire seria um dos
baluartes em São Paulo. (SEGAWA, 2004, p. 57)
Figura 70 – Praça da República em 1890 Figura 71 – Praça da República no começo do séc. XX
A nova praça, com seus caminhos arborizados e lagos límpidos de aspecto bucólico,
distinguia completamente das características dos largos coloniais que, até então,
compreendiam os espaços livres de construção configurados pelas edificações de seu entorno,
sem vegetação ou sem elementos pitorescos.
O processo de ajardinamento dos espaços livres urbanos como praças, largos e avenidas, que
transformou a paisagem urbana na virada do século, modificou também sua forma de apropriação
pública. O largo colonial, utilizado de diversas formas para atividades de comércio, lazer, convivência
e passagem, deu lugar à praça-jardim, repleta de regras e normas de comportamento social e destinada
apenas ao passeio e a contemplação. A fusão da tradição contemplativa do jardim do século XVII e
XVIII com o espaço urbano praça alterou significativamente sua função: o largo deixa de ser o espaço
multifuncional de articulação urbana e passa a ser um belo cenário naturalista para o deleite das
camadas privilegiadas da população. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 54)
Este novo aspecto formal da praça - agora ajardinada - acontece sob grande influência
cultural francesa e inglesa e será o maior exemplo de uma linha de projetos da arquitetura
paisagística brasileira denominada Ecletismo. “O Ecletismo foi um período muito fértil de
criação e de grandes transformações na paisagem urbana brasileira. Juntamente com as
radicais mudanças da função da praça na cidade, sua forma e imagem transformaram-se
com igual rigor. Foi durante este período que a praça pública passou a ser projetada pelos
primeiros paisagistas e jardineiros”. (MACEDO, ROBBA, 2003, P. 55)
88
No livro Praças Brasileiras, os autores classificam duas tipologias básicas da praça
ajardinada que caracterizam uma particularidade do desenho urbano estabelecido nos espaços
livres ecléticos: a linha clássica e a linha romântica.
Inspirada nos jardins franceses dos séculos XVI e XVII, que, por sua vez, buscaram
referências nos jardins renascentistas, a linha clássica estruturou-se sobre uma rigidez geométrica no
traçado e plantio, buscando sempre a ortogonalidade e a centralização. Os jardins clássicos ecléticos
tiveram como grandes modelos as obras dos jardins palacianos franceses, (...), com seus grandes
eixos, pontos focais e perspectivas infinitas. (...) Os caminhos dispostos em cruz, conduzindo a um
estar central marcado por um ponto focal, geralmente um elemento verticalizado (monumento, fonte,
chafariz, coreto, obelisco), tudo isso envolto por um passeio perimetral, caracterizavam a chamada
tríade clássica básica, que permeia a grande maioria dos projetos clássicos, (...). (MACEDO,
ROBBA, 2003, p. 56)
Figura 72 – Praça Paris no Rio de Janeiro (exemplo de linha clássica)
As linhas orgânicas e sinuosas, a cenarização e a vegetação exuberante caracterizavam os
projetos românticos, também pontuados pela presença de equipamentos pitorescos, como grutas
artificiais, malocas, castelinhos, pavilhões, pontes imitando troncos de árvores, estátuas, todos esses
elementos buscando criar uma atmosfera árcade, de paisagens pitorescas. (MACEDO, ROBBA, 2003,
p. 73)
Figuras 73 – Exemplos de equipamentos ecléticos pitorescos encontrados na linha românica
89
A praça moderna: função lazer
A partir do primeiro quartel do século XX, quando o Brasil atravessa um processo de
transição econômica com a substituição da estrutura produtiva de base agrário-exportadora
pela urbano-industrial, o desenvolvimento da indústria e a crescente atividade comercial das
grandes cidades brasileiras ajudaram a promover uma impressionante expansão urbana,
estimulada pelo grande contingente populacional que imigrava do campo para a cidade em
busca de trabalho e melhores condições de vida.
O crescimento urbano passa a ser uma realidade, que exige adaptações da antiga cidade à nova
conjuntura. Com o surgimento da energia elétrica, do automóvel, dos modernos meios de transporte
coletivo e a decorrente consolidação de padrões modernos de urbanização, as ruas não podiam mais
ser estreitas e tortuosas, e sim largas e arborizadas para comportar o tráfego crescente. (MACEDO,
ROBBA, 2003, p. 32)
Entretanto, a consolidação destas novas formas de produção e do crescimento urbano,
que gerou o surgimento das primeiras metrópoles brasileiras, ocorreu somente em meados dos
anos 50 e 60, quando definitivamente o adensamento urbano cobre quase a totalidade dos
limites das cidades, tornando-se cada vez mais escasso a presença de espaços livres de
edificações na paisagem urbana. “Isso pôde ser percebido, primeiro, em cidades como o Rio
de Janeiro e São Paulo, que passaram por um processo de urbanização intenso e extenso, no
qual bosques, campos e pastagens, quintais e chácaras foram ocupados, divididos e
redivididos para construção urbana”. (MACEDO, SAKATA, 2003, p. 34)
Apesar dos avanços tecnológicos e da evolução urbana apresentada pelas cidades
desse período que não paravam de crescer e se adensar, o criação de novas praças ajardinadas
continua a ser o modelo escolhido e implantado nos espaços livres da cidade moderna. Em
sua maioria, a função predominante continua a ser o lazer contemplativo resgatado das praças
ecléticas, destinadas principalmente aos passeios e à apreciação da natureza, mesmo numa
época em que o lazer esportivo praticado nos espaços livres urbanos tornava-se um hábito
bastante comum entre a população brasileira, apesar de restritos aos clubes e associações
esportivas para os mais ricos e caminhos e várzeas não urbanizados para a população pobre.
Embora a tipologia apresentada pelas praças desse período mantivesse as mesmas
características formais das criadas no começo do século XX, mantendo o mesmo programa de
atividades que se tornava ultrapassado perante as novas necessidades e condições materiais
dos habitantes das grandes cidades, a constituição do modelo urbanístico que priorizava a
utilização dos veículos automotores provocou profundas transformações na concretização das
praças originárias dos espaços livres urbanos.
90
Figura 74 – Fotografia do centro de São Paulo na década de 1940
Assim, a consolidação da malha viária nos grandes centros urbanos, planejada e
constantemente redimensionada para satisfazer a necessidades estabelecidas pelas novas
formas de produção, possibilitou que o espaço destinado a se tornar uma praça, surgisse
anteriormente à concretização da paisagem urbana que estava inserida. Ou seja, através do
loteamento, a implantação da praça moderna acontecia anteriormente ao ato da construção dos
edifícios de seu entorno, o que modificou ainda mais as formas de apropriação social das
praças desse período, mesmo tornando-se um elemento integrador e essencial da paisagem
urbana.
A idéia de construção de loteamentos urbanos alterou significativamente o modo de
estruturação do espaço livre. A cidade colonial tinha suas praças configuradas pelas edificações do
entorno, e, sem elas, a praça perderia seu significado. Na cidade ou bairro planejado, no entanto, o
traçado viário e o arruamento predeterminavam a localização da chamada praça, mesmo que sua
estrutura morfológica, definida por edifícios ao seu redor, viesse a configurar-se depois de anos. A
necessidade de ruas para a passagem de veículos entre os edifícios do entorno e a praça também
alterou sua relação com a comunidade lindeira. A praça adquiriu outros significados na cidade
moderna. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 34)
91
Figura 75 - Plano urbanístico de Goiânia (década de 1940)
O surgimento da praça planejada reproduz fielmente uma das funções estabelecidas
pelo urbanismo moderno que definia a praça como o espaço urbano destinado ao lazer e ao
cultivo do corpo, complementando o quadro das necessidades funcionais da cidade moderna
estabelecido por Le Corbusier através da Carta de Atenas: habitar, trabalhar, circular e lazer.
Figura 76 – Fotografia de Brasília com praças setorizadas entre os edifícios
A cidade moderna, então populosa, produtiva e motorizada, não comporta mais os
padrões urbanísticos ecléticos, e os novos parques e praças começaram a apresentar em sua
estrutura atividades esportivas e recreação infantil que até então ficavam restritos a espaços
residuais da malha urbana ou clubes particulares. Então, equipamentos como quadras
esportivas, playgrounds, pistas de cooper, palcos e anfiteatros ao ar livre, passaram a ser
implantado com freqüência nas praças modernas, atribuindo novas formas de apropriação em
seu conjunto.
Parques e praças passaram a englobar, em seus programas, o lazer ativo principalmente as
atividades esportivas e a recreação infantil seguindo o exemplo dos jardins particulares, que
deixaram de ser projetados como uma moldura da edificação principal, onde o morador contemplava a
92
natureza, para serem planejados como uma área de lazer ativo, integrada à casa. Surgem, então, nos
jardins particulares e posteriormente nas áreas públicas, equipamentos como quadras para prática
desportiva, brinquedos para recreação das crianças e churrasqueiras. (MACEDO, ROBBA, 2003,
p.36)
Figura 77 – Fotografia de uma praça moderna
A consolidação deste novo modelo de praça que englobava o lazer ativo, aliado às
inovações do aspecto formal e aos novos programas de uso diversificado que caracterizavam
esta linha de projeto paisagístico modernista, atribuiu à praça moderna uma nova forma de
apropriação social. E a partir desde período histórico, a própria constituição da praça na
cidade moderna passou a atender as necessidades e condições materiais impostas por uma
nova forma de reprodução social que reduzia drasticamente sua função ao lazer e ao esporte,
distanciando ainda mais sua característica essencial enquanto espaço urbano de
sociabilização.
A praça contemporânea
Ao findar o século XX, as maiorias das cidades brasileiras que apresentavam um
exagerado crescimento urbano, necessitavam se adaptar constantemente as variações e
transformações do modo de produção capitalista através da reconstrução e ampliação do
mínimo de infra-estrutura urbana que garantisse a efetivação desse sistema. Entretanto, a
paisagem urbana apresentada pelas grandes cidades contemporâneas, demonstra que nem
mesmo as mínimas condições materiais de reprodução social estavam garantidas.
93
Figura 78 – Praça da Sé em São Paulo
Desta forma, a praça que é uma categoria da paisagem urbana, acompanhou essas
transformações e passou a revelar as contradições atuais da forma de apropriação social
desses espaços urbanos destinados ao lazer e ao passeio. Atos de depredação urbana,
ocupações das áreas livres, poluição das águas e desmatamentos da vegetação remanescente,
colaboram para a degradação urbana de muitas praças que se tornaram um local ameaçador e
evitado pela população, devido não somente à destruição parcial ou total de seus
equipamentos, mas principalmente as transformações da forma de sociabilização.
A roupagem da praça atual também sofreu alterações. Desenhos geométricos, grandes
vazios e representações de formas de antigos ícones são utilizados na implantação nas novas
praças, caracterizando-se, assim, uma nova corrente projetual, a linha contemporânea.
O desenho dos projetos denominados contemporâneos transita livremente entre os traçados
geométricos, gráficos, rígidos e as mais irreverentes formas pós-modernas, passando também
propostas que valorizam cenicamente o projeto. Liberdade e irreverência são as palavras mais
adequadas para definir essa linha de projeto em formação. Desenhos arrojados, geométricos, cênicos,
coloridos, gráficos, orgânicos, evocativos e celebrando formas do passado ou antigos ícones ao aceitos
e propostos, além de serem implantados elementos e equipamentos dos ais diversos tipos e formas,
como pórticos coloridos, colunas, ruínas, esculturas. (MACEDO, ROBBA, 2003, p. 42)
94
Figura 79 – Praça contemporânea em Campo Grande Figura 80 – Praça contemporânea em Fortaleza
Além do novo aspecto formal apresentado pela praça contemporânea, o seu maior
desafio é acompanhar as constantes transformações urbanas que acontece na cidade de hoje.
A parti disso surge então as primeiras tentativas de revitalizações de praças, e até mesmo de
bairros inteiros, que procurar valorizar as formas de apropriação social mais condizente com o
local, buscando assim solucionar os problemas de degradação de seu conjunto.
Processos de revitalização de trechos uranos são a expressão de uma tendência vanguardista
do urbanismo e paisagismo contemporâneos. A valorização de antigos ícones e de ideais do passado
evidencia uma postura que não cabia plenamente na ideologia moderna, marcada pela rejeição a
muitos padrões tradicionais clássicos e românticos da cidade oitocentista. (..) Cidades como Rio de
Janeiro, Recife, Salvador e São Luis passam, nos anos de 1980 e 1990, por grandes reformas em seus
centros históricos. Nesta última década, são comuns as propostas de revitalização de áreas de
patrimônio com mudança do tipo da ocupação, isto é, o arcabouço formal e cenográfico das antigas
edificações é mantido e restaurado, alterando-se, no entanto, a utilização dos imóveis. (MACEDO,
ROBBA, 003, p 162)
Figura 81 – Revitalização do Largo do Pelorinho
A consolidação do modelo urbano de produção juntamente com as condições
socioeconômicas apresentadas pelas últimas décadas provocou no Brasil um fenômeno típico
dos países em desenvolvimento: a existência de metrópoles inchadas, superpopulosas e com
grandes contrastes sociais que centralizam grande parte das atividades produtivas. Assim, o
aumento do volume de pedestres e veículos que circulam pelas ruas e praças da cidade atual
95
provocou a necessidade da revisão de alguns conceitos relativos ao programa de atividades
das novas praças, que passaram a levar em consideração algumas formas específicas da
apropriação social apresentada no local de sua implantação. Como exemplo, as praças dos
grandes centros urbanos localizadas em áreas de intenso tráfego de pedestres passam a
apresentar grandes pisos e esplanadas de circulação com o mínimo de obstáculos físicos.
Figura 82 – Calçadão no centro de São Paulo (passagem de pedestres)
Outra particularidade apresentada pela praça contemporânea é a presença cada vez
maior de atividades do comércio informal que se utilizam desse espaço livre urbano como
único meio de sobrevivência. Na tentativa de amenizar este problema, algumas praças
contemporâneas passaram a englobar em seu programa de atividades diversos modelos de
edificações destinadas a abrigar feiras-livres e mercados, entretanto, nem de longe foram
suficientes para satisfazer as necessidades da grande massa de trabalhadores informais
gerados pelas condições materiais dessa forma particular da urbanização brasileira.
Figura 83 - Praça com camelódromo no centro de Recife
A partir de agora, vamos restringir a análise da praça contemporânea a partir da
formação e consolidação da praça na periferia da cidade de São Paulo.
96
97
CAPÍTULO III
No presente capítulo, centraremos nossos esforços na análise crítica da apropriação
social de uma praça em Guaianases que foi criada entre anos de 2001 e 2003, através de um
Programa Municipal de Intervenções Urbanas intitulado Centralidades Urbanas. Localizada
no extremo leste da cidade, esta praça é constituída por um sistema de espaços livres residuais
da malha urbana
30
situados no entorno do Mercado Municipal de Guaianases.
Atualmente, a praça em Guaianases apresenta múltiplas formas de apropriação social
que além de demonstrar as contradições apresentadas pela pretensa apropriação “ideal” da
praça planejada pelo programa municipal, revelam principalmente uma lógica de constituição
social que parte das condições objetivas dos freqüentadores que utilizam este espaço de
acordo com suas necessidades. Entretanto, a forma em que se a apropriação da praça em
Guaianases, levando em consideração as particularidades do processo de constituição de sua
paisagem, nos parece ser sintomático à maioria das praças de hoje, reforçando ainda mais a
evidência de que uma patente contradição na apropriação social das praças de nossas
cidades.
Dessa forma, após analisarmos o processo histórico de formação e consolidação da
praça brasileira de acordo coma as ações, necessidades e condições materiais estabelecidas
por formas de sociabilização de diferentes períodos históricos, pretendemos por meio desta
análise concreta da apropriação social da praça em questão, compreender algumas das
determinações que ultrapassam a aparência e forneça elementos para uma reflexão das
contradições enfrentadas pela praça do programa a partir de sua própria constituição social e,
possivelmente, de várias outras praças que apresentem a mesma situação.
30
Apesar da praça de Guaianases estar dividida em três grandes áreas, separadas por diversas ruas, uma linha
férrea e um viaduto, estas áreas funcionam como um espaço estruturado e articulado entre si e entre os poucos
espaços livres de edificação da malha urbana paulistana, o que caracteriza esta praça como um sistema de
espaços livres residuais da malha urbana.
98
1 – Centralidade Urbanas
Aspectos Gerais do Programa Centralidades Urbanas
Na “tentativa” de reverter o estado depreciativo apresentado pelas praças localizadas
nas regiões mais carentes da cidade de São Paulo, a prefeitura municipal elaborou um
Programa Municipal de Intervenções Urbanas
31
denominado “Centralidades Urbanas”, cujas
metas visavam diminuir os problemas sociais e ambientais gerados pelo frenético
desenvolvimento da cidade através da construção de diversas praças em regiões de grande
exclusão social. Assim, totalizando uma área de um milhão de metros quadrados divididos em
50 áreas de interferência, o programa municipal de intervenções urbanas foi implantado pela
Empresa Municipal de Urbanização EMURB, através da elaboração de um plano de
diretrizes voltados ao convívio social, lazer, esporte, segurança e meio-ambiente,
evidenciando desta forma um programa de atividades bastante utilizado na criação das praças
de hoje.
Figura 84 – Mapa das localizações das praças do Programa Municipal Centralidades Urbanas
31
Este programa foi criado na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy, eleita pelo Partido dos Trabalhadores – PT
(2000-2004)
99
A partir disso, a gênese dessas diretrizes era a criação de espaços que estimulassem o
convívio social entre freqüentadores de faixas etárias e disposições sociais diferenciadas,
amparado por um projeto paisagístico que promovesse o ajardinamento, com o plantio de
várias espécies arbóreas e o aumento da permeabilidade do solo, visto que o processo atual da
urbanização brasileiro produz cidades altamente adensadas. Criadas no decorrer de 2001 e
implantadas em 2002 e 2003, as praças desse programa municipal tinham como principal
objetivo criar e implantar ambiências urbanas de vizinhança (centralidades) em áreas públicas
quer sejam com a instalação de equipamentos voltados a cultura, lazer e esporte, quer sejam
como referência paisagístico-ambiental para a região, prioritariamente para a comunidade
moradora e freqüentadora destas áreas.
Os critérios para escolha das áreas de interferência tiveram como pré-requisitos o fato
de todas serem áreas públicas municipais, não estruturadas, com intenso fluxo de pessoas e
preferencialmente localizadas junto a escolas, postos de saúde, creches ou outros
equipamentos urbanos existentes. Entretanto, diante dos graves problemas de infra-
estrutura urbana presente nessas regiões carentes, era preciso excluir áreas sujeitas a risco de
alagamentos, grandes erosões e deslizamentos, o que geraria um gasto não estimado na verba
estabelecida para o programa.
A praça escolhida como objeto dessa pesquisa foi conceituadas pelo programa
municipal como “centros de bairro”, ou seja, pontos de concentração de comércio e serviço
por onde transitasse diariamente a comunidade local, sendo classificadas como “largo” ou
“praça”, localizado na principal via de acesso ao bairro e com grande referencial da
comunidade. No caso de Guaianases, além de estar localizada nas principais vias que acessam
ao bairro (Radial Leste e Av. Salvador Gianetti), a praça foi criada ao redor da antiga estação
de trem Carvalho de Araujo, de grande referência a comunidade local por tornar-se o centro
do bairro.
A criação de praças em locais que se concentram uma grande quantidade de comércio
e serviços do bairro que intensificam a convergência de pessoas é uma característica
determinante para a análise desse trabalho, pois são nesses espaços centralizadores de
atividades essenciais à vida urbana que estão reunidos os diversos indivíduos que se
apropriam da praça de acordo com suas necessidades materiais. A título de exemplo, na
maioria desses espaços onde houve interferência do programa, era constante a presença de
camelôs que se apropriaram das novas praças como meio de trabalho, assim como os
moradores de rua que passaram a habitar a praça fazendo dos bancos suas camas e dos
paralelepípedos seus fogões, mesmo não estando previstos nas diretrizes do programa.
100
Outro objetivo do programa em busca da reafirmação do espaço público era
demonstrar a necessidade de se criar mais áreas destinadas ao lazer e diversão para as
populações que são excluídas dessa possibilidade, visto que a classe abastada consegue
substituir facilmente esses espaços com áreas de lazer privativo dentro dos condomínios
residenciais. Nesse sentido, o programa trata o espaço público como lugares de cidadania -,
defendendo que a apropriação social das praças parte de um ideal coletivo. Desta forma
coloca: “A apreensão imediata destes espaços como direito conquistado é fundamental para
o sucesso e multiplicação de ações. A ocupação do espaço público é ato político que se
desdobra no aprimoramento de organização, inclusive para garantia e participação na
manutenção, tanto de equipamentos quanto das áreas ajardinadas.”
Entretanto, o que queremos chamar a atenção é que dificilmente a apropriação social
de um espaço urbano se constitui com base em um conceito ideológico ou como um ato
político, mas sim das condições concretas e relativas ao modo de produção e apropriação da
vida material dos habitantes urbanos. Ou seja, apesar do espaço público ser conceituado como
o local do encontro coletivo, do lazer, do descanso, entre outras funções, a apropriação
concreta desses espaços será dado socialmente, a partir de um modo de produção que
atualmente transforma o espaço público na extensão do espaço privado.
101
2 – Centralidades Urbanas em Guaianases
A praça estudada está localizada no centro de Guaianases que se configura ao redor da
antiga estação de trem Carvalho de Araujo e da nova estação de Guaianases, caracterizando
assim um espaço de bastante convergência de pessoas que vivem na região devido a grande
importância dessa estação como principal meio de acesso ao bairro. Associado a isso,
concentram-se também uma grande quantidade de comércios e serviços ao redor dessas
estações, aglomerando desde os ambulantes que procuram estes locais de grande trafego de
pedestres, passando pelo Mercado Municipal de Guaianases, por escolas, pela Biblioteca
Municipal do bairro, por igrejas e templos etc.
Figura 85 – Mercado Municipal de Guaianases Figura 86 – Antiga Estação de Trem Carvalho de Araujo
Figura 87 – Nova Estação de trem de Guaianases Figura 88 – Biblioteca Municipal Cora Coralina
Figura 89 – Grande concentração de camelôs Figura 90 – Igreja Santa Cruz
102
Assim, a área de intervenção do projeto, estimada em 25.000 m², compreendeu a Praça
Jesus Teixeira (1), a Praça Carlos Chagas (2), as alças
32
do Viaduto Dep. Antônio da Silva
Cunha Bueno (3), e toda a área livre ao entorno do Mercado Municipal de Guaianases (4),
onde o córrego Itaquera Mirin está localizado (5).
Figura 91 – Foto aérea da área de intervenção do programa
Figura 92 – Croqui esquemático do projeto
Figura 93 – Maquete eletrônica do projeto
32
A definição da palavra “alça” quando associada a malha urbana têm o sentido de um desvio próprio para
retornar, nesse caso, um retorno do viaduto.
103
Praça Jesus Teixeira
Localizada na Rua Otelo Augusto Ribeiro, a Praça Jesus Teixeira compreende uma
área que faz divisa com a Escola Municipal de Ensino Fundamental EMEF - Vinte e Cinco
de Janeiro
33
e a Biblioteca Municipal Infanto Juvenil Cora Coralina
34
. Seu traçado atual
remonta a um antigo espaço livre que surgiu em frente a primeira estação de trem Guaianases,
até passar a ser denominada Praça Jesus Teixeira pelo decreto municipal 30.833 de 17 de
dezembro de 1991, sob gestão da ex-prefeita Luiza Erundina de Souza.
Figura 94 – Foto da antiga estação de trem de Guaianases Figura 95 - Configuração atual da Praça Jesus Teixeira
Por estar localizada ao lado da linha de trem metropolitano que liga Guaianases com a
cidade de Mogi das Cruzes
35
, esta área tornou-se um ponto de bastante convergência de
pessoas e veículos que chegam dos municípios vizinhos para alcançar o centro de São Paulo.
Por isso, além do espaço da praça estruturar todo o acesso às cidades de Ferraz de
33
A Escola Municipal de Ensino Fundamental “25 de Janeiro” está localizada na Rua Caranaiba nº 23 e possui ...
34
A Biblioteca Municipal Infanto Juvenil Cora Coralina está localizada na Rua Otelo Augusto Ribeiro, 113.
Inaugurada em 21 de maio de 1966, seu acervo de 48162 volumes é constituído sobretudo de obras de referência,
didáticos, paradidáticos e de literatura infantil e juvenil. Atende uma média mensal de 15865 usuários, chegando
a atingir, em termos anuais, um público de 190.384 pessoas. Entre as bibliotecas da região (extremo zona leste)
existem 4 bibliotecas municipais em Itaquera, 1 em São Miguel Paulista e 2 em Guaianases.
35
Essa linha férrea que liga o centro de São Paulo a diversos municípios vizinhos é parte da antiga Estrada de
Ferro Norte São Paulo, posteriormente nomeada Estrada de Ferro Central do Brasil (REFASA). Atualmente
funciona sob controle da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Com uma extensão de quase 51
km, este percurso é denominado pela CPTM como “linha E” (cor laranja), ligando o centro da cidade ao
município de Moji das Cruzes. Importantíssima para a formação dos primeiros aglomerados urbanos na região
de Guaianases, atualmente sua presença provoca bastantes problemas para o bairro por fragmentá-lo em dois
grandes blocos que se interligam apenas por um grande viaduto e por poucas passarelas. Com a remodelação das
linhas da CPTM, a estação de trem Carvalho de Araujo foi desativada para a criação de uma nova estação de
trem que interligasse os dois trechos da Linha E. O primeiro trecho vai da Estação do Brás até Guaianases, com
trens mais novos, porém insuficiente para a demanda de moradores que vivem nessa região e nos municípios
vizinhos. O segundo trecho vai de Guaianases até o município de Mogi das Cruzes, com trens em péssimo estado
e com intervalos demorados.
104
Vasconcelos
36
e Poá
37
, consideradas dormitórios por ter grande parte de sua população
trabalhando em São Paulo, é intenso o trafego de veículos e pedestres nesse local que por este
motivo concentra uma boa parte do comércio do bairro. Diante disso, é também grande o
número de ambulantes que se instalam em suas mediações para aumentar o número das
vendas.
Figura 96 – Foto da linha de trem que divide o bairro de Guaianases Figura 97 – Foto da Rua Otelo Augusto Ribeiro com os camelôs
Devido ao constante crescimento do bairro e dos municípios vizinhos, recentemente
houve uma remodelação viária na Avenida Salvador Gianetti, importante ligação de
Guaianases com o distrito de Itaquera e onde está localizada a nova estação de trem. Por esse
motivo, este trajeto é bastante utilizado por pedestres que usam a estação de trem ou as linhas
de ônibus que seguem para outras regiões e que conseqüentemente provoca uma grande
concentração de comércio e serviços nesse percurso, inclusive de vendedores ambulantes.
Figura 98 – Foto da Avenida Salvador Gianetti Figura 99- Foto da grande concentração de camelôs
36
Localizada a poucos quilômetros de Guaianases, Ferraz de Vasconcelos deixou de pertencer ao município de
Poá no ano de 1953, tornando-se independente diante do grande crescimento que apresentava. Atualmente,
possui aproximadamente 176 mil habitantes que em sua maioria utiliza a Linha E da CPTM como principal meio
de acesso.
37
A cidade de Poá foi elevada a categoria de município no ano de 1948. Atualmente, possui uma população em
torno de 110 habitantes que também utilizam as linhas da CPTM como meio de acesso, como a Linha E e F
(Calmon Viana).
105
Outra característica dessa praça é a presença de trabalhadores informais que oferecem
serviços de frete e transporte. Ocupando o entorno da praça, esses trabalhadores estacionam
seus caminhões nestes locais de grande fluxo de pessoas para oferecer seus serviços de pouca
especialização e garantir seu salário.
Figura 100 – Foto de caminhões estacionados na praça Figura 101 – Foto de caminhões de transporte próximo a praça
Praça Carlos Chagas
Essa área da intervenção englobou não somente uma praça existente formada pelo
retorno do viaduto Dep. Antônio da Silva Cunha Bueno
38
, como também um antigo
estacionamento da Subprefeitura de Guaianases localizada abaixo desse viaduto que foi
removido para a criação de uma quadra poliesportiva.
Figura 102 a 104 – Fotos da Praça Carlos Chagas anteriormente a intervenção, durante a obra e atualmente
38
Este viaduto foi criado na Gestão do prefeito Jânio Quadros no final da década de 70, período de grande
industrialização no ABC paulista que necessitava de acesso a Marginal Tietê e as rodovias para escoamento
industrial. Sua implantação é muito criticada por moradores e por especialistas, pois como a maioria dos
viadutos da zona leste, recortou a malha urbana original, desapropriando diversas moradias e criando um grande
impacto na paisagem urbana do local, além de ter danificado diversas residências do entorno.
106
Figura 105 – Foto do antigo estacionamento abaixo do viaduto Figura 106 – Quadra esportiva construída abaixo do viaduto
Devido ao grande déficit de moradias nessa região, antes da intervenção existia um
grupo de moradores de rua que se apropriavam da praça como a moradia, utilizando os
equipamentos como apoio de suas necessidades diárias (alimentação, banho, descanso).
Entretanto, logo que houve uma reconfiguração do espaço, esses moradores retornaram a
fazer este uso, se protegendo abaixo do viaduto onde foi removido o estacionamento.
Entretanto, prevendo essa realidade que faz parte da maioria das praças brasileiras, o
programa dificultou a permanência desses moradores com a instalação de pedras pontiagudas
nesse local, o que não evitou esta forma de apropriação.
Figura 107 – Foto do local onde habitam os moradores de rua Figura 108- Foto de um grupo de moradores de rua na praça
Outra característica dessa praça é o fato de estar localizada abaixo do viaduto que
estrutura grande parte do trânsito local e faz a ligação da cidade de Santo André, onde a
indústria emprega muitos habitantes de Guaianases, com o distrito Itaim Paulista, onde cruza
a Rodovia Ayrton Sena que acessa a Rodovia Presidente Dutra ligando ao Rio de Janeiro.
Devido a esta característica e pelo grande movimento de veículos em alta velocidade, é
elevadíssimo o índice de acidentes por falta de visibilidade prévia dos veículos nos retornos,
principalmente numa região onde a quantidade de jovens e crianças é bastante significativa e
onde o traçado urbano desordenado se configurou de acordo com os loteamentos irregulares
das décadas anteriores.
107
Figura 109 – Foto do viaduto obstruindo uma antiga rua Figura 110 – Foto da praça que desobstruiu parte desse acesso
Além desses fatores que aumentam o risco de vida dos pedestres do bairro, é evidente
a presença de veículos em conservação pelas ruas estreitas e de fluxo intenso que
cooperam com os acidentes, como aconteceu após a implantação do programa. Várias das
palmeiras plantadas como símbolo da intervenção do programa foram arrancadas
acidentalmente por veículos velhos, sem freios, corroídos, que fazem parte da realidade dos
trabalhadores desta região. Entretanto, devido ao baixíssimo nível de renda dessas famílias, a
compra de um carro novo não é impossível como também retroalimenta o setor da
indústria automobilística brasileira representada pelas oficinas e borracharias da região.
Figura 111 – Foto de borracharia da região Figura 112 – Foto de oficina de automóveis da região
Figura 113 – Foto de carros velhos circulando no viaduto Figura 114 – Foto de carros velhos estacionados na praça
108
Grande parte das praças do programa que apresentavam iluminação apropriada para
determinadas atividades, entre passeios, quadras esportivas e playground tiveram a fiação de
cobre arrancada para revenda, visto que o valor pago por este material em ferros velhos da
região é elevadíssimo. Esse fato se comprova após entrevista de uma moradora do bairro
(Suely) que criou cinco filhos e construiu sua própria casa com o dinheiro proveniente de
compra e revenda de material de ferro velho. Segundo ela, nesse mercado os valores pagos
pela compra de materiais metálicos e não metálicos são:
M a t e r i a i s ( K g ) Va l o r e s ( R $ )
G a r r a f a P e t 8 c e n t a v o s
F e r r o 1 3 c e n t a v o s
P a p e l ã o 1 5 c e n t a v o s
A l u mí n i o 1 7 c e n t a v o s
L a t a 3 r e a i s
C o b r e 8 r e a i s
Também nessa praça foi redimensionada uma “calha” de coleta de águas pluviais que
atravessava superficialmente este local. Isso foi necessário devido à falta de infra-estrutura
urbana apresentada na periferia onde inexistem galerias subterrâneas, bocas de lobo, rede de
esgoto, etc., fazendo com que a água da chuva percorra superficialmente as ruas do bairro,
isso quando não se juntam com a rede de esgoto mal dimensionada até transbordar na
superfície, como aconteceu em frente a uma residência ao redor da praça.
Figura 115 – Foto da calha de coleta de água da praça Figura 116 –Foto do esgoto extravasando em frente casa de morador
Ainda nesse espaço, é constante a presença de aposentados e desempregados que se
apropriam da praça em busca de informações de empregos, sendo a maioria deles oferecida
por trabalhos informais, tão conhecidos como “bicos”. Em meio às conversas de trabalho,
muitos desses desempregados passam as horas jogando “dominó” e apostando no “jogo do
bicho” enquanto esperam uma oferta de trabalho.
109
Figura 117 – Foto de aposentados e desempregados na praça Figura 118- Foto de aposentados jogando dominó na praça
Alças do Viaduto Deputado Antonio da Silva Cunha Bueno
Esta área de intervenção compreende uma das “alças” do viaduto Deputado Antônio
da Silva Cunha Bueno que estrutura grande parte do trânsito de Guaianases. Com uma
extensão de aproximadamente 300 metros, este viaduto ajudou a diminuir o índice de
acidentes na travessia da ferrovia e a superar a fragmentação do bairro de Guaianases que se
constituiu dividido em duas partes - Guaianases e Lajeado. Entretanto, o maior objetivo de
sua construção era criar uma interligação entre os distritos do extremo leste e algumas cidades
pertencentes a grande São Paulo (Santo André, Ferraz de Vasconcelos, Poá, etc.).
Figura 119 – Foto do viaduto no final da década de 1970 Figura 120 – Foto do cruzamento da ferrovia na década de 1970
Devido a grande importância desse viaduto para todos os moradores do bairro que
necessitam cruzar a linha férrea, juntamente com a presença da antiga e da nova estação
ferroviária em suas proximidades, é enorme a concentração de camelôs em suas mediações.
Contudo, apesar das diretrizes do programa não prever a permanência do comércio informal
110
nas áreas de intervenção, grande parte desses trabalhadores permaneceram na praça após sua
criação.
Figura 121 – Foto da concentração de camelôs antes da intervenção Figura 122 – Foto da permanência dos camelôs após a intervenção
A presença de camelôs trabalhando nas ruas de São Paulo é bastante comum não
somente pela falta de emprego, mas principalmente porque sua função principal serve para
diminuir o custo da reprodução da força de trabalho, ou seja, a venda de produtos barateados
rebaixa o custo de sua manutenção mantendo os salários reduzidos. A título de exemplo, em
entrevista com o presidente do Sindicato dos Camelôs Independentes de São Paulo (Afonso
Camelô), tivemos conhecimento que o número de pessoas que trabalham diretamente na
economia informal pelas ruas da cidade é acima de 70.000 trabalhadores
39
, distribuídos
geralmente em locais de grande tráfego de pedestres.
Em Guaianases, os ambulantes estão concentrados principalmente nos locais que dão
acesso a passarela da antiga estação de trem Carvalho de Araújo que faz a ligação da Praça
Jesus Teixeira com o Mercado Municipal de Guaianases. Desta forma, por ser um local de
grande fluxo de pedestres, muitas famílias de camelôs se instalam neste ponto para garantir
sua sobrevivência, como relatou os camelôs Marleide e Ronaldo que sustentam suas famílias
com a venda de calçados e roupas comprados no Brás e revendidos em Guaianases
40
.
39
É importante considerarmos que são 70.000 trabalhadores diretamente empregados no mercado informal,
sendo que indiretamente pode alcançar mais de 200.000 trabalhadores quando acrescentados seus ajudantes,
como exemplo os camelôs itinerantes - pipoqueiro, vendedor de picolé que empregam até duas pessoas, e os
camelôs com ponto fixo vendedores de roupas, alimentos, produtos eletrônicos que chegam a empregar até
quatro pessoas.
40
A renda mensal desses trabalhadores em Guaianases gira em torno de 400 reais por família e muitos deles
instalaram-se na região no início da década de 1990.
111
Figura 123 – Foto dos camelôs na praça abaixo da passarela Figura 124 – Foto dos camelôs na passarela da antiga estação
Para o programa interferir nesta área foi necessário realocar grande parte dos camelôs
nas estreitas calçadas do entorno durante a construção da praça, de forma a viabilizar os novos
equipamentos propostos nessa área. Desta forma, a Subprefeitura de Guaianases ficou
responsável pela reinstalação permanente apenas dos camelôs ”cadastrados” (30 % do total)
com a criação de 515 pontos, o que gerou muita crítica por não corresponder a realidade
desses trabalhadores.
Nesse mesmo período, a prefeitura de São Paulo criou o Decreto 42.600, de 11 de
Novembro de 2002, regulamentando a Lei n° 11.039, de 23 de Agosto de 1991, que disciplina
o exercício do comércio e a prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros
públicos do Município de São Paulo, de acordo com o dispositivo na Lei 13.399, de 1 de
agosto de 2002, que dispôs sobre a criação das Subprefeituras.
Entretanto, apesar dessa lei ser criada para dificultar o exercício dessas atividades
informais para a grande maioria dos trabalhadores que não são cadastrados, as novas praças
Guaianases continuaram a aglomerar milhares de camelôs que se instalam diariamente
vendendo os mais diversos produtos (alimentos, roupas, tênis, produtos eletrônicos, etc.),
mesmo não estando previsto nas diretrizes do programa. Atualmente, estes camelôs estão
bastante organizados chegando a pagar taxas para garantir a segurança de suas barracas.
Figura 125 – Foto da concentração de camelôs na praça Figura 126- Foto dos camelôs no retorno do viaduto
112
Figura 127 – Foto da intervenção num bolsão de camelôs Figura 128 – Foto do retorno dos camelôs na área de intervenção
Outra intervenção do programa bastante criticada foi a remoção da escola de samba
do bairro para a criação de uma quadra de areia. Localizada abaixo do viaduto, a G.R.C.E.S.
UNIDOS DE GUAIANASES foi fundada em 17 de fevereiro de 1980 e passou a ter sede na
Rua Hipólito de Camargo, ao lado da antiga estação Carvalho de Araújo. Entretanto, por estar
construída em uma área considerada pública, a escola foi demolida e removida para outro
local do bairro (na outra extremidade do viaduto), tendo suas atividades prejudicadas pela
falta de infra-estrutura do novo endereço
41
. Com a remoção da escola de samba, aumentou o
número de camelôs que se apropriaram de parte desta área.
Figura 129 – Foto da escola de samba antes da intervenção Figura 130 – Foto da quadra de areia criada no local da escola
Figura 131 – Foto do novo local da escola de samba Figura 132 – Foto abaixo do viaduto que sofreu intervenção
41
Fora as atividades ilícitas presente na escola, como bingo e jogos do bicho, seu espaço era utilizado para
promoção de festas para patrocinar os custos com carnaval e manter a escola.
113
Entre os equipamentos instalados nessa praça, ao lado da quadra de areia encontra-se
uma pista de Skate bastante utilizada por crianças e adolescentes do bairro, que entre as horas
de trabalho arranjam tempo pra se divertir.
Figura 133 – Foto da pista de skate no período da intervenção Figura 134 – Foto da pista de skate atualmente
Entorno do Mercado Municipal
O Mercado Municipal de Guaianases - Leonor Quadros - foi inaugurado em 05 de
maio de 1989, na gestão do ex-prefeito Jânio da Silva Quadros. Este mercado integra um
conjunto de seis unidades de abastecimento da zona leste (Penha, São Miguel, Sapopemba,
Guaianases, Vila Formosa e Central de abastecimento Leste - São Miguel), administrados
pela Supervisão Geral de Abastecimento (Abast) da Secretaria Municipal de Serviços da
Prefeitura do Município de São Paulo. Além dos “boxes” de vendas, o mercado possui um
Telecentro
42
que foi inaugurado no dia 15 de fevereiro de 2002.
Figura 135 – Foto do mercado antes da intervenção Figura 136 – Foto do mercado após a intervenção
42
Os Telecentros são centrais de informática que viabilizam o acesso público a internet e a alguns programas
básicos de computação.
114
Como grande parte das áreas institucionais destinadas à educação, saúde, lazer e
abastecimento se restringem geralmente aos terrenos menos valorizados que sobraram do
intenso adensamento urbano, como as margens de córregos, fundo de vales, terrenos
acidentados, este mercado foi construído nas margens do córrego Itaquera Mirin que têm
propensão a inundação, o que provoca grandes transtornos aos trabalhadores desse local. Este
fato ficou ainda mais comprovado quando o programa iniciou uma limpeza superficial na
calha do córrego no período de intervenção que passou a apresentar graves problemas de
solapamento com as constantes inundações desse córrego.
Figura 137 – Foto do desmoronamento das margens do córrego Figura 138- Foto do desmoronamento prejudicando a rua
No período de criação da praça do entorno do mercado, 30 % de seus “boxes”
encontrava-se em desuso devido a baixa freqüência de compradores, que segundo relatos dos
“permissionários” desses boxes era conseqüência do aumento da instalação de grandes redes
de mercado na região (Rede Extra de Supermercados, Rede D´avó etc.) e da grande
concentração de camelôs que vendiam e ainda vendem diariamente os mesmos produtos a
preços menores, principalmente frutas e hortaliças.
Figura 139 – Foto de vendedores de fruta em Guaianases Figura 140- Foto de vendedores de legumes em Guaianases
Entre as demais diretrizes do programa, a priorização do pedestre em detrimento do
automóvel foi mantida na interferência dessa área. Ou seja, na frente ao mercado, onde existia
um grande estacionamento para os veículos dos freqüentadores, o programa removeu grande
115
parte do asfalto para a criação de uma praça com a instalação de um playground, de um palco
para eventos
43
, de uma área de convívio com mesas e bancos e com o plantio de árvores.
Figura 141 – Foto do estacionamento antes da intervenção Figura 142- Foto do playground instalado abaixo do
viaduto
Figura 143 – Foto do estacionamento antes da intervenção Figura 144- Foto do palco instalado abaixo do viaduto
Para isso, foi necessário um redimensionamento das vagas de veículos que passaram a
se concentrar na lateral do Mercado. Entretanto, a maiorias dos permissionários do mercado
alegaram que a quantidade das vagas criadas era insuficiente para usas atividades, pois
dividiam o espaço do estacionamento com os consumidores dos camelôs e do comércio do
entorno, sendo desta forma absolutamente contrários á implantação da praça.
Outra curiosidade desse estacionamento é que apesar do programa opor-se a criação de
áreas impermeáveis que não absorvem a água da chuva, propondo nesse local a substituição
do asfalto por pedrisco, atualmente o estacionamento encontra-se asfaltado sob alegação da
dificuldade de manutenção desse pedrisco (varredura, coleta de lixo), além da poeira que ele
produzia com a passagem dos veículos.
43
Apesar da necessidade de instalações elétricas nos palcos de eventos para o funcionamento de caixas de sons,
microfones, entre outros, o programa dificilmente previa nos palcos esse tipo de suporte técnico devido o alto
índice de ligações elétricas clandestinas nessas regiões e que poderiam ser feito com estes pontos de eletricidade.
116
Figura 145 – Foto do estacionamento com pedrisco Figura 146- Foto do estacionamento atualmente asfaltado
Como nas outras áreas de intervenção, é grande a concentração do comércio informal
ao redor do mercado, principalmente na passarela que o une a antiga estação Carvalho de
Araujo. Assim, para a execução do estacionamento da lateral do mercado, foi removida uma
grande quantidade de camelôs que foram alocados na Rua Capitão Pucci, de tráfego bastante
intenso e propenso a acidentes por ser o prolongamento da Radial Leste. Como em toda a
região, os produtos mais vendidos por esses camelôs são alimentos, roupas e produtos
eletrônicos.
Figura 147 – Foto do bolsão de camelôs antes da intervenção Figura 148- Foto da mesma área após intervenção
Entre as características marcantes da paisagem de Guaianases é também grande o
número de aposentados e desempregados que se apropriam da praça do entorno do mercado a
procura de emprego, reunindo-se entre desconhecidos a procura de informações enquanto
esperam uma oportunidade de trabalho. O número de crianças que brincam no playground
desta praça é também tão significativo que todos os brinquedos instalados pelo programa
precisaram ser substituídos num curto período de tempo devido a intensa utilização por
crianças e adolescentes.
117
Figura 149 – Foto de aposentados na frente ao mercado Figura 150- Foto de desempregados na frente ao mercado
Figura 151 – Foto do playground após a intervenção Figura 152- Foto do playground atualmente
Assim como em grande parte das regiões carentes da cidade de São Paulo, Guaianases
também apresenta altos índices de violência. Diante disso, o equipamento urbano mais
reivindicado pela população nas áreas de interferência do programa era a instalação de bases
da Polícia Militar PM. No caso desta área, o posto policial da PM foi implantado num
“ponto estratégico” que além de acessar as ruas que contornam o mercado, é de fácil
comunicação como outro lado da linha de trem através da passarela que une o mercado a
Praça Jesus Teixeira. Entretanto, várias dos postos policiais criados pelo programa já sofreram
algum tipo de atentado, como aconteceu numa praça do programa em Campo Limpo, na zona
sul da cidade, onde o posto policial foi metralhado durante o dia.
Córrego Itaquera Mirin
O córrego Itaquera Mirin é afluente do Rio Itaquera e ambos fazem parte da bacia
hidrográfica do Rio Tietê. Na cidade de São Paulo, os rios e córregos presentes em sua
paisagem, tanto os que correm a céu aberto quanto os que se encontram canalizados,
118
apresentam altos índices de poluição que é resultado da falta de infra-estrutura urbana de
grande parte da cidade (saneamento, coleta de esgoto e lixo).
Associado a isso, o elevadíssimo índice de adensamento urbano provoca a máxima
exploração do solo principalmente nas regiões de grande exclusão social, onde o acesso a casa
própria é difícil. Assim, as margens e várzeas dos rios e córregos dessas regiões passam a ser
totalmente ocupadas por moradias, visto que “a priori”, por serem áreas destinadas a
permanecerem livres
44
de edificação para transbordo das águas da chuva, tornam-se propensas
logicamente a ocupações irregulares dos desabrigados que passam a sofrer as conseqüências
dos constantes alagamentos, enchentes e desmoronamentos.
Figura 153 – Foto das margens do córrego ocupada por moradias Figura 154- Foto das margens do córrego ocupada por moradia
Em Guaianases, o córrego Itaquera Mirin é o principal canal da bacia hidrográfica do
bairro que por apresentar elevados índices de impermeabilidade do solo
45
devido ao grande
aproveitamento construtivo, favorece a ocorrência de inundações principalmente nos fundos
de vales, expondo milhares de famílias que vivem nesses locais ao perigo constante.
Desta forma, na tentativa de amenizar os problemas causados por córregos presentes
nas áreas de interferência do programa, uma de suas diretrizes viabilizava a limpeza das
calhas e preservação das bordas e margens desses córregos com vegetação adequada.
Entretanto, grande parte da população que vivia nas proximidades dos córregos solicitava a
canalização permanente para se ver livre do mau cheiro, da sujeira e da proliferação de insetos
provocada pela grande quantidade de lixo e esgoto que têm esses córregos como destino.
Assim, em Guaianases, o trecho de interferência do programa correspondeu a
aproximadamente 150 metros do córrego Itaquera Mirim. A montante do trecho do mercado
44
Segundo “Lei Federal”, é preciso manter 30 metros livres de construção nas duas margens de rios com até 10
metros de largura, 50 m livres para rios de 10 a 50 metros de largura e 100 metros livres para rios de 50 a 100
metros de largura.
45
Apesar da “Lei de Uso e Ocupação do Solo” estabelecer um nível médio do índice construtivo para manter a
permeabilidade do solo, quase a totalidade de Guaianases apresenta terrenos completamente ocupados.
119
(no sentido da nascente), onde as margens do córrego encontram-se completamente ocupadas
por residências, foi feito uma limpeza da calha que com o período da chuva provocou grandes
transtornos para os moradores do local. Ao ser removido parte do lixo do canal, que fez
aumentar a velocidade da água, iniciou um processo de erosão nas margens do córrego que
além de afetar a estrutura de uma das poucas pontes da região, provocou o desmoronamento
de algumas habitações
46
que precisaram ser interditadas pela Subprefeitura, tendo suas
famílias despejadas sem nenhum auxílio. Entretanto, enquanto o problema da ponte foi
resolvido pelo programa com a construção de gabiões
47
, as casas destruídas foram
reconstruídas pelos próprios moradores que mesmo com o risco iminente necessitaram
retornar a este local.
Figura 155 – Foto das margens do córrego antes da intervenção Figura 156- Foto dos gabiões instalados na margem do córrego
Figura 157 – Foto de residências desmoronando na margens Figura 158- Foto das residências reconstruídas pelos moradores
No trecho do mercado, o córrego apresenta as margens canalizadas a céu aberto.
Entretanto, como a calha possui uma profundidade de mais de dois metros e uma rua de
grande movimento paralela ao canal (Rua Getulina), era freqüente a ocorrência de acidentes
como queda de veículos e até de pessoas, principalmente após a interferência do programa
que, após a limpeza do córrego, danificou parte da estrutura que conservava as margens.
46
Grande parte dessas habitações fazia parte de um grande cortiço onde viviam várias famílias.
47
Muro de sustentação feito de pedras arrumadas dentro de uma tela.
120
Figura 159 – Foto da calha do córrego antes da intervenção Figura 160- Foto das margens do córrego comprometidas
A jusante do trecho do mercado (no sentido da corrente), as características da calha do
córrego são semelhantes ao lado de cima, apresentando dois metros de profundidade e com
uma rua de alto movimento paralela ao canal. Neste trecho, a interferência do programa
também provocou vários desmoronamentos, chegando a causar a interdição de outra moradia
que teve sua estrutura comprometida por estar construía na margem do córrego.
Figura 161 – Foto de desmoronamento da margem do córrego Figura 162- Foto de desmoronamento de muros de residências
Figura 163 – Foto de residência interditada pela subprefeitura Figura 164- Foto atual com a residência sem o quintal
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na história da cidade, as praças têm revelado diversas funções sociais que são
determinadas pelas ações, necessidades e condições materiais de seus freqüentadores e, no
caso do conjunto de praças do centro de Guaianases, essa observação não é diferente.
Esse conjunto, composto pelas praças Jesus Teixeira da Costa, Carlos Chagas,
contornos do Viaduto Dep. Antônio Silva da Cunha Bueno e o entorno do Mercado Municipal
de Guaianases revelam atualmente múltiplas formas de apropriação social pelos indivíduos
que o freqüentam, isto é, desde as crianças que jogam bola ou que brincam nos brinquedos ali
instalados, os adolescentes que utilizam a pista de Skate, o transeunte que passa com pressa
para o trabalho, o camelô que vende seu produto, o trabalhador que compra a fruta para levar
para casa, o idoso que joga seu dominó, o morador de rua que faz do viaduto seu abrigo, o
perueiro que ali trabalha; todos compõem a paisagem da praça, todos contribuem para
conformar os modos de apropriação desse espaço.
Nesse sentido, a Praça aqui estudada é a “praça viva”; é a praça cuja paisagem reflete a
história do bairro de Guaianases, como também a história de seus moradores. Assim, esse
trabalho buscou retratar uma praça singular, de um bairro singular, bairro composto
predominantemente por trabalhadores - formais e informais - dos quais a grande maioria
trabalha em bairros distantes de suas casas, remunerados com baixos salários e trabalhando
sob extensas jornadas.
A praça representada aqui não é a praça idealizada pelos “planejadores”, mas é a praça
do trabalhador, da criança que vê nela um espaço de brincadeira que muitas vezes não tem em
sua Vila, do idoso que encontra os amigos, do camelô, do desempregado. É a praça
conformada por esse universo de ações, de usos, de respostas que os indivíduos que nela
convivem promovem; indivíduos que, no enfrentamento das dificuldades cotidianas da vida,
agem diariamente nessa paisagem, construindo e transformando suas casas, seu bairro, sua
praça - suas vidas.
Desta forma, este trabalho buscou retratar parte significativa da complexa formação
história do Bairro de Guaianases e de suas praças, ou seja, por meio de uma ampla pesquisa
histórica - iconográfica, documental, bibliográfica e entrevistas procuramos reconstituir os
momentos mais determinantes de suas transformações, acompanhando o processo histórico-
social desde seu surgimento até os dias atuais.
122
O resultado, pois, foi uma análise composta por textos e imagens fundidos
organicamente, para que juntos - cada qual em sua especificidade - “narrassem” essa história.
História “contada” não aos ouvidos, mas também aos olhos dos adultos e idosos que dela
participaram ativamente, como das crianças e adolescentes que, curiosos, descobrem um
“mundo” ainda pouco conhecido.
Nesse sentido, esperamos que este trabalho toque cada observador em sua
individualidade, isto é, esperamos que o antigo morador do bairro “retorne” à sua infância;
que o incansável trabalhador reconheça em seu abrigo o árduo trabalho que despendeu nos
dias de folga; que a criança se surpreenda ao descobrir que o local onde vive hoje fora
antigamente habitado por um aldeamento indígena; que o pequeno comerciante formal ou
informal reconheça seu trabalho na conformação do bairro e da praça; enfim, que a todos
seja proporcionado um contato mais “vivo” com sua história.
Portanto, o resultado dessa pesquisa não visa apenas descrever de forma estéril a
formação histórico-cultural do bairro e das praças de Guaianases, mas busca, antes de tudo,
reconhecer nesse processo histórico os indivíduos que dele participaram e participam
ativamente. Indivíduos que, mesmo sob circunstâncias muitas vezes adversas, constroem
diariamente a história de seu bairro, da praça – de suas vidas.
123
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124
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- BRASIL, Decreto - lei nº. 42.600, Nov. 2002. Decreto que disciplina o exercício do
comércio e a prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos do Município
de São Paulo, de acordo com o dispositivo na Lei 13.399, de 1 de agosto de 2002, que
dispôs sobre a criação das Subprefeituras.
Lista de Figuras
- Figura 1 e 2 MESQUITA, Ruy Filho . São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed.
São Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 153)
- Figura 3 - Autor (março de 2005)
- Figura 4 - AB´SÁBER, Aziz Nacib. São Paulo: Ensaios Entreveros. São Paulo: Edusp, 2004. (p. 119)
- Figura 5 - AZEVEDO, Aroldo. A cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana. Coleção “A evolução
urbana”, Volume II. São Paulo: Editora Nacional, 1958. (p. 52)
- Figura 6 - http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0102n.htm (acesso em 10/02/07)
- Figura 7 - KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. (p. 119)
- Figura 8 - AB´SÁBER, Aziz Nacib. São Paulo: Ensaios Entreveros. São Paulo: Edusp, 2004. (p. 155)
- Figura 9 - ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São
Paulo. São Paulo: Studio Nobel, 1999. (p. 256)
- Figura 10 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 233)
- Figura 11 - AZEVEDO, Aroldo. A cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana. Coleção “A
evolução urbana”, Volume II. São Paulo: Editora Nacional, 1958. (p. 120)
- Figura 12 - BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 330.
125
- Figura 13 - Figura x – MARX, Murilo. Cidade brasileira. São Paulo: Edusp, 1980. (p. 121)
- Figura 14 - http://www.estacoesferroviarias.com.br/ramais/cp-tronco.jpg (acesso em 10/02/07)
- Figura 15 - AB´SÁBER, Aziz Nacib. São Paulo: Ensaios Entreveros. São Paulo: Edusp, 2004. (p. 99)
- Figura 16 - Google Earth (acesso em 16/02/07)
- Figura 17 AZEVEDO, Aroldo. A cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana. Coleção “A
evolução urbana”, Volume III. São Paulo: Editora Nacional, 1958. (p. 86)
- Figura 18 - CARLOS, Ana Fani. A. Geografias de São Paulo: representação e crise da metrópole. São
Paulo: Contexto, 2004. (p. 110)
- Figura 19 - AZEVEDO, Aroldo. A cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana. Coleção “A
evolução urbana”, Volume VI. São Paulo: Editora Nacional, 1958. (pp. 158 e 159)
- Figura 20 a 23 – Acervo particular de Jorge Teixeira da Costa
- Figura 24 - Google Earth (acesso em 20/04/07)
- Figura 25 - Acervo particular de Jorge Teixeira da Costa
- Figura 26 - Autor (março de 2007)
- Figura 27 - AZEVEDO, Aroldo. A cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana. Coleção “A
evolução urbana”, Volume VI. São Paulo: Editora Nacional, 1958. (p. 174)
- Figura 28 a 35 – Acervo particular de Jorge Teixeira da Costa
- Figura 36 - CARLOS, Ana Fani. A. Geografias de São Paulo: representação e crise da metrópole. São
Paulo: Contexto, 2004. (p. 423)
- Figura 37 a 46 – Autor (março de 2007)
- Figura 47 Prefeitura do Município de São Paulo Secretaria de Planejamento. Planos Regionais
Estratégicos – PRE – Guaianases. Série Documentos – Novembro de 2004
- Figura 48 - BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 2003. (p. 479)
- Figura 49 - BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 2003. (p. 489)
- Figura 50 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 134)
- Figura 51 - MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 16)
- Figura 52 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 107)
- Figura 53 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 201)
- Figura 54 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 28)
- Figura 55 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 27)
- Figuras 56 e 57- MESQUITA, Ruy Filho . São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed.
São Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 234)
- Figura 58 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 106)
- Figura 59 - AB´SÁBER, Aziz Nacib. São Paulo: Ensaios Entreveros. São Paulo: Edusp, 2004. (p. 99)
- Figura 60 - MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 22)
- Figuras 61 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 171)
- Figuras 62 e 63 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed.
São Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (pp. 204 e 205)
- Figuras 64 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p.181)
- Figura 65 MACEDO, Sílvio Soares; SAKATA, Francine G. Parques Urbanos no Brasil. São Paulo:
Edusp, 2003. (p. 16)
- Figura 66 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 26)
- Figuras 67 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 207)
- Figura 68 SEGAWA, Hugo. Prelúdio da Metrópole: Arquitetura e Urbanismo em São Paulo na
passagem do século XIX ao XX. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. (p. 60)
- Figura 69 - BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2005. (p. 40)
- Figuras 70 - MESQUITA, Ruy Filho. São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole. 1. ed. São
Paulo: O Estado de S. Paulo: Editora Terceiro Nome, 2003. (p. 202)
126
- Figura 71 MACEDO, Sílvio Soares; SAKATA, Francine G. Parques Urbanos no Brasil. São Paulo:
Edusp, 2003. (p. 23)
- Figura 72 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 55)
- Figura 73 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 74)
- Figura 77 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 113)
- Figura 74 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 95)
- Figura 75 - BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2005. (p. 351)
- Figura 76 – MARX, Murilo. Cidade brasileira. São Paulo: Edusp, 1980. (p. 56)
- Figura 78 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 131)
- Figura 77 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 113)
- Figura 79 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 165)
- Figura 80 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 187)
- Figura 81 – MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 162)
- Figura 82 - MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 140)
- Figura 83 - MACEDO, Sílvio Soares; ROBBA, Fabio. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp, 2003. (p. 41)
- Figura 84 – Programa Municipal Centralidades Urbanas
- Figura 85 a 90 – Autor (março de 2007)
- Figura 91 - Google Earth (acesso em 20/04/06)
- Figura 92 a 93 – Autor (março de 2007)
- Figura 94 - Acervo particular de Jorge Teixeira da Costa
- Figura 95 a 118 - Autor (março de 2007)
- Figura 119 e 120 - Acervo particular de Jorge Teixeira da Costa
- Figura 121 a 164 – Autor (maço de 2007)
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