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eu deveria ter me forçado, feito exercício, feito com que alguém batesse
nela por mim. Eu deveria ter continuado como antes: batendo nela todos os
dias, em horas regulares. Mas tudo bem, eu fui negligente, e agora, ela me
esconde a cerveja, e eu tenho certeza de que vocês são cúmplices. (Ele
olha embaixo da mesa.) Tinha ainda cinco garrafas. Eu vou bater cinco
vezes em cada uma se eu não encontrar. (quadro VII “Duas Irmãs”)
Ainda fazendo uma referência à família da Menina, seu irmão possui uma
fixação incestuosa por ela, enquanto a irmã mais velha de ambos possui aversão
aos homens e é obcecada por limpeza. No fragmento abaixo, ela repreende a
Menina por ter ultrapassado o horário de retorno a casa:
A IRMÃ – Porque os garotos são uns imbecis e tudo o que eles sabem
fazer é passar a mão na bunda das meninas. Eles adoram isso. Eu não sei
que prazer eles têm; na verdade, aliás, eu acho que eles não vêem
nenhum prazer nisso. Faz parte da tradição deles. Eles não podem fazer
nada. Eles são fabricados com imbecilidade. (quadro III “Embaixo da
Mesa”)
O falar dos membros dessa família a todo o momento evoca imagens de
violência, fato que contribui para a unidade temática no interior da escritura. Em
alguns momentos essas imagens de violência conjugam uma forte carga poética,
como é o caso da metáfora sublinhada abaixo:
VOZ DA MENINA — Você, garoto, você me tirou a virgindade, e agora ela
é sua. Não haverá outra pessoa que vai poder tirar isso de mim. Agora ela
é sua até o fim dos seus dias, ela será sua mesmo quando você já tiver me
esquecido, ou morrido. Você está marcado por mim como por uma cicatriz
depois de uma briga. Eu não corro o risco de esquecer, porque eu não
tenho outra pra dar pra ninguém; pronto, está feito, até o fim da minha vida.
Está dada e ela é sua. (quadro III “Embaixo da Mesa”)
Construções metafóricas que remetem a imagens de violência permeiam a
maior parte da obra e são proferidas por todas as personagens nas mais variadas
situações:
A MENINA – Eu queria ser magra. Eu queria ser um galho seco de árvore
que a gente tem medo de quebrar.
A MADAME — Pois bem, eu não. E além do mais, você é redonda hoje,
você pode ser magra amanhã. Uma mulher muda, durante a vida. Ela não
precisa se preocupar com isso. Quando eu era moça como você, eu era
magra, magra, quase dava pra ver através de mim, só um pouco de pele e
alguns ossos. Nem sombra de peito. Reta como um menino. Isso me dava
uma raiva, porque nessa época eu não gostava dos meninos. Eu sonhava
em me arredondar, eu sonhava em ter seios bonitos. Então eu colocava
uns peitos falsos de papelão que eu mesma fabricava. Mas os meninos