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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA LUIZA PIGINI SANTIAGO PEREIRA
SENTA A PUA !
RESILIÊNCIA EM AMBIENTE DE AVIAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE AVIAÇÃO
DE CAÇA DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.
DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA LUIZA PIGINI SANTIAGO PEREIRA
SENTA A PUA !
RESILIÊNCIA EM AMBIENTE DE AVIAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE AVIAÇÃO
DE CAÇA DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.
DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Psicologia: Psicologia Clínica, sob
a orientação da Prof. Doutora Mathilde Neder.
SÃO PAULO
2007
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Banca Examinadora:
_____________________________________________
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_____________________________________________
Dedico a Edier Santiago Pereira, a
quem transformei, enquanto por ele
era transformada,
e aos membros do 1º GavCa, que me
ensinaram tanto.
AGRADECIMENTOS
O coração do homem traça o seu caminho, mas o
Senhor lhe dirige os passos.
Livro de Provérbios, Capítulo 16, verso 9.
Agradeço a Deus porque nada me faltou. E não poderia ser diferente, pois Ele é o meu
Pastor.
Ele me deu uma família, que esteve comigo neste trajeto, apesar das minhas ausências.
Minha mãe, Maria, meus irmãos, Wagner e Neuci, minha cunhada, Lina, meus queridos
sobrinhos, Vinícius, Augusto e César, e a filha que Deus me deu, Camilla. O interesse, a
crença e o incentivo que deles vieram, confortaram-me inúmeras vezes. O Heitorzinho, em
particular, um dia vai saber que todas as vezes que reclamou minha atenção e presença,
aqueceu meu coração, e me animou, com seu amor explícito de criança.
Deus também me deu outra família, a Aeronáutica. Quem conhece minha história sabe que
fazer parte da Instituição e servir no Hospital de Aeronáutica de São Paulo foram presente
d’Ele. Lá eu tenho companheiros que foram fundamentais para a conclusão deste trabalho.
Sem ter a pretensão de citar todos, começo pelas queridas amigas da Seção de Psicologia,
Márcia Fajer, Ana de Fátima N. Godoy, Roselisa Martins Hage, Maria Luiza Costa Nery (filha
de veterano), Rita de Cássia B. Oliveira, Eliza da Costa e Luely de Lourdes Casella. Minha
equipe não só minimizou o impacto das minhas inevitáveis ausências como, ao me ouvir e
comentar, me ajudaram a pensar. Assim também foi na Divisão de Ensino e Pesquisa, onde
Maria Clélia Borro e Rafael Martins Ronqui tantas vezes me ofereceram palavras e atitudes
de tranquilização nos momentos mais tensos de conflito de compromissos.
Deus me deu, na hora certa, o Diretor certo. O Coronel Medico Álvaro Barde Bezerra,
Jambock Honorário, culto e estudioso, demonstrou valorizar este trabalho, confirmando seu
interesse ao tornar viável o apoio que tantas vezes me foi fundamental. Ao lado do Diretor,
sua equipe. Margareth Pires da Motta e Denazir Milanez Dionísio foram mais do que
profissionais, sendo também amigas. Antes dele, outro Diretor, hoje Major Brigadeiro Médico
e Diretor de Saúde da Aeronáutica, José Elias Matieli, me mostrou que visão e
determinação ajudam a superar obstáculos e atingir metas profissionais, e que estas, por
sua vez, dão perspectivas inovadoras para a organização e para as equipes.
Lá estava também o Coronel Luiz Henrique Arantes, naquele dia em que eu, com uma vaga
idéia e um interesse recém despertado, entrei em sua sala e compartilhei, pela primeira vez,
a motivação para este trabalho. Somando sua motivação à minha, não se pôs o sol sem que
eu fosse apresentada, através dele, à pessoa fantástica do Comandante Fernando Corrêa
Rocha, Jambock com 75 missões de guerra, que me introduziu no universo do Senta a Pua!
Nesse contato, descobri que o Comandante Rocha e meu querido Edier haviam trabalhado
juntos. Vi, naquela ‘coincidência’, um mote para ir em frente com meu projeto.
Nesse cinco anos, ganhei também um apoio espiritual mais próximo, proporcionado pelo
Capelão Marcelo Coelho Almeida que, mais do que pastor, hoje é meu amigo. Ao término
desta jornada de mais de cinco anos, ao lembrar do Hospital, lembro também de outros
queridos amigos, que tantas vezes me abraçaram.
A PUC também me abraçou, mesmo que ainda não me conhecesse direito, e eu nunca mais
vou esquecer daquele abraço. O que ali recebi também foi fruto do cuidado de Deus para
comigo. A começar pela Orientadora, nada mais nada menos do que a Prof. Dra. Mathilde
Neder. Forte, experiente, entusiasmada, agüentou firme quando eu propus mudar meu
projeto de pesquisa. Mais do que isso, me incentivou e valorizou meus objetivos. Esse
desejo de mudança, por sua vez, deve ser tributado à Profa. Dra. Ceres Alves de Araújo,
que, em seu curso sobre Resiliência, me apresentou as interessantes perspectivas desse
conceito. Durante uma de suas aulas, tive a oportunidade de assistir à apresentação do
Prof. Dr. José Roberto Pretel Job, baseada em sua tese de Doutorado, sob o título “A
Escritura da Resiliência”. Ao término daquela apresentação vários elementos se
harmonizaram, dando-me a firme convicção de que, sob a perspectiva da Resiliência,
minhas questões acadêmicas encontrariam respaldo. Foi também a Profa. Ceres que, na
ausência da Profa. Mathilde, supriu a orientação de que eu necessitava.
Seguindo em frente, a Profa. Dra. Edna M. S. Peters Kahhale me ajudou a consolidar
motivação em ação, com suas instigantes questões sobre o sentido da produção do
conhecimento. Mais recentemente, enfim, descobri que a Profa. Dra. Denise Gimenez
Ramos é filha de piloto militar veterano, que cumpriu missões de patrulha durante a
Segunda Guerra Mundial. Com essa intimidade com a aviação militar, repercutiu comigo
assuntos ligados à minha área de interesse. O mundo é pequeno? Acho que a aviação
ajuda a torná-lo.
Deus me deu mais, consoante com Sua generosidade. Encontrei, nos vários ambientes
relacionados ao Senta a Pua!, interesse, paixão, generosidade e compartilhamento tais que
acabaram por me contagiar. A começar por Erik de Castro, Diretor do documentário Senta a
Pua!, produzido pela BSB Cinema. Foi na pré-estréia desse magnífico documentário que eu,
emocionada, senti a dimensão do lado humano da experiência do Primeiro Grupo de
Aviação de Caça durante sua participação na Segunda Guerra Mundial. Quando fui a
campo, através de Erik de Castro, pela BSB Cinema, e sob a intermediação de sua Diretora,
Solange Barros, obtive a gentil autorização para utilização do material gravado para o
documentário. A mesma receptividade obtive do Sr. Luis Gustavo Gabriel, administrador do
portal www.sentandoapua.com.br e filho do veterano David Rosal Gabriel, que amavelmente
me autorizou a utilização do material constante de seu acervo. Igualmente do Sr. Carlos
Lorch, Editor da Action Editora, que fez publicar o livro iconográfico Heróis dos Céus e
gentilmente autorizou a inserção de algumas das imagens que ilustram esse trabalho. Do
Major Brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima tive o incentivo para a utilização do precioso
material reunido em seu livro, Senta a Pua! autografado para mim com um ‘vibrante
Adelphi’, honraria que muito me enche de orgulho. Do Major John Buyers, simpático e jovial,
consegui não só a autorização para a utilização do material publicado em seus livros como
também fui brindada com exemplares dedicados. Uma honra. E não é que Sérgio Carlos
Stéfano é também um entusiasta da aviação e dos Jambocks e, ainda por cima, faz
aniversário no Dia do Aviador? Sérgio, tinha que ser você a me acompanhar por boa parte
dessa trajetória.
E quanto aos veteranos? Como poderia suficientemente agradecer? Só mesmo remetendo
a Deus essa gratidão. Compartilhei suas histórias, aventuras, reflexões. Minhas emoções se
alternaram entre admiração, surpresa, espanto, riso e choro. Fui agraciada com sua atenção
e tempo, quando tive contato com os Majores Brigadeiros Rui Barbosa Moreira Lima e José
Rebelo Meira de Vasconcelos, com o Coronel Manoel dos Santos Nery, Major João
Rodrigues Filho e Capitão Osias Machado da Silva. Foram generosos em tudo o que
compartilharam comigo e me ajudaram a conhecer melhor não só suas histórias, mas a
própria História da Força Aérea Brasileira e um pouco mais do povo brasileiro e da História
do Brasil.
Agradeço a Deus por todas essas circunstâncias, e pelas pessoas, e tantas outras, que Ele
colocou no meu caminho. Como eu aprendi!
RESUMO
A prática da atividade aérea é vista como naturalmente adversa ao ser humano,
sendo, assim considerada uma atividade de risco. Não obstante, representa uma área
de atuação das mais preponderantes na sociedade moderna. A despeito das
adversidades que lhe são características e, por essa mesma razão, apesar de suscitar
um sistema altamente complexo, regulamentado e controlado, insere profissionais que
se mantêm altamente motivados. A complexidade do sistema aeronáutico, por sua
vez, procura responder à expectativa de que, apesar dos riscos envolvidos, a prática
da atividade aérea se efetive de maneira segura e eficaz. Para abordar algumas
dessas contradições, o presente trabalho defende a tese da aplicabilidade do conceito
de Resiliência, como um processo do desenvolvimento das pessoas, na área de
fatores humanos, em ambiente de aviação. Para testar sua viabilidade, esse modelo
conceitual foi utilizado na análise do desempenho bem-sucedido apresentado pelo
Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Brasil (1º GAvCa) em sua participação na
Segunda Guerra Mundial. Essa análise foi viabilizada através de uma pesquisa, sob
abordagem qualitativa e quantitativa, a partir de testemunhos de vida de um total de 95
ex-combatentes, publicados em diversos meios de comunicação ou obtidos pela
aplicação de um questionário aos indivíduos acessíveis. Esses testemunhos,
apresentados em forma de discursos, foram tratados sob o Método do Discurso do
Sujeito Coletivo. Contextualizados a partir de uma pesquisa histórica e do estudo da
simbólica do 1º GAvCa, os dados encontrados permitiram o desvelamento das
variáveis pressupostas no conceito de Resiliência, quais sejam, contexto de
adversidade, fatores de proteção, fatores de resiliência e resultado positivo em termos
de adaptação. Diante desse resultado, a autora demonstra a viabilidade da abordagem
das vicissitudes da interação homem-meio-máquina em ambiente de aviação, sob o
enfoque da Resiliência. Além disso aponta as vantagens de sua utilização, permitindo
uma maior amplitude na análise e melhoria de processos no sistema aeronáutico, haja
vista essa abordagem incluir a contemplação de fatores de proteção e de resiliência, e
por também valorizar os resultados positivos a despeito dos fatores de risco ou
adversidade.
PALAVRAS-CHAVE: Psicossomática – Resiliência – Estresse – Aviação – Fatores
Humanos
ABSTRACT
The practice of airborne activity is seen as naturally adverse to the human being, this
way it is considered a risky activity. Nonetheless, it represents one the most
outstanding areas of performance in modern society. Despite the adversities that are
characteristic to it and, for this same reason, despite involving a highly complex
system, regulated and controlled, it includes professionals that are always highly
motivated. The complexity of the aeronautical system, in turn, seeks to answer the
expectation that, regardless the risks involved, the practice of the airborne activity is
performed in an effective and safe way. To approach some of these contradictions, the
present study defends the thesis of applicability of the Resilience concept, as a process
of human development, in the area of human factors, in airborne environment. To test
its feasibility, this conceptual model was used in the analysis of the well-succeeded
performance presented by the Brazilian First Fighter Squadron (1º GAvCa) in its role
during World War II. This analysis was feasible by means of a research, under a
qualiquantitative approach, from life experiences of a total of 95 veterans, published in
the media or obtained by applying a questionnaire to the accessible subjects. These
experiences, presented in the form of speeches, were treated under the Collective
Subject Speech Method. Contextualized from a historical research and the study of the
symbolic of the 1o. GAvCa, the data collected permitted the unveiling of the presumed
variables in the concept of Resilience, that is, context of adversity, protective factors,
resilience mechanisms and positive outcome on adaptation. Facing this result, the
author shows the feasibility of the approach of the unpredictable changes of the
interaction man-environment-machine in the airborne environment, under Resilience
approach. Moreover, it points out the advantages of its usage, allowing a higher
amplitude in the analysis and improvement in the aeronautical system processes, since
this approach includes the contemplation of both the risk and resilience factors, as well
as enriching the positive outcome regardless the risk factors or adversity.
KEYWORDS: Psychosomatic – Resilience – Stress – Aviation – Human Factors
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________ 27
1 - ESTRESSE E RESILIÊNCIA___________________________________ 33
1.1 ESTRESSE________________________________________________ 34
1.1.1 O ESTRESSE E A ATIVIDADE AÉREA ____________________________ 35
1.1.2 EFEITOS PSICOLÓGICOS DA PARTICIPAÇÃO EM OPERAÇÕES BÉLICAS _39
1.1.3 O TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO_________________ 45
1.2 RESILIÊNCIA______________________________________________ 48
1.2.1 RESILIÊNCIA E ATIVIDADE AÉREA ______________________________ 59
2 - CONTEXTO HISTÓRICO______________________________________ 61
2.1 A AVIAÇÃO MILITAR NO BRASIL ATÉ A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL ______________________________________________________ 61
2.2 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL _____________________________ 68
2.3 O 1º GRUPO DE AVIAÇÃO DE CAÇA DO BRASIL DURANTE A
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ____________________________________ 80
2.3.1 A PRESIDENTIAL UNIT CITATION ______________________________ 88
3.2 O EMBLEMA ______________________________________________ 98
3.2.1 O AVESTRUZ______________________________________________ 99
3.3 O GRITO DE GUERRA: SENTA A PUA! _______________________ 101
3.4 O NOME DE CÓDIGO – JAMBOCK __________________________ 102
3.5 A SAUDAÇÃO – ADELFI____________________________________ 104
3.6 A BANDEIRA NACIONAL ___________________________________ 105
3.7 O CANCIONEIRO _________________________________________ 108
3.7.1 A CANÇÃO DA JARDINEIRA__________________________________ 109
3.7.2 CARNAVAL EM VENEZA ____________________________________ 109
3.7.3 CANÇÃO DO EXPEDICIONÁRIO_______________________________ 111
3.7.4 LILLI MARLENE___________________________________________ 112
3.7.5 PEQUENAS TROVAS_______________________________________ 113
3.7.6 A ÓPERA DO DANILO ______________________________________ 114
3.8 OS MITOS _______________________________________________ 120
3.8.1 O SENTIDO MÍTICO DO VÔO _________________________________ 121
3.8.2 O MITO DO HERÓI ________________________________________ 123
3.8.3 MITOS DE GUERRA – MARTE E MINERVA_______________________ 125
4 - MÉTODO ___________________________________________________ 127
4.1 ABORDAGEM ____________________________________________ 127
4.2 DEFINIÇÃO DE VARIÁVEIS_________________________________ 127
4.3 PROCEDIMENTO _________________________________________ 128
4.3.1 POPULAÇÃO_____________________________________________ 128
4.3.2 AMOSTRA _______________________________________________ 128
4.3.3 COLETA DE DADOS________________________________________ 128
4.3.4 TRATAMENTO DOS DADOS __________________________________ 130
5 - RESULTADOS ______________________________________________ 135
5.1 RESULTADOS RELATIVOS ÀS PESSOAS ____________________ 135
5.1.1. CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO____________________________ 135
5.1.2. CARACTERIZAÇÃO DAS AMOSTRAS ___________________________ 139
5.1.3. TIPICIDADE DAS AMOSTRAS _________________________________ 142
5.2. RESULTADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS ____________ 149
5.2.1. ORGANIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS _____________ 149
5.2.2. RESULTADOS OBTIDOS NOS DEPOIMENTOS_____________________ 150
5.2.3. RESULTADOS OBTIDOS DO QUESTIONÁRIO _____________________ 170
5.2.4. MARCAS DA GUERRA – RESULTADOS OBTIDOS __________________ 184
6 - DISCUSSÃO ________________________________________________ 187
CONCLUSÕES _________________________________________________ 227
BIBLIOGRAFIA_____________________________ Erro! Indicador não definido.
GLOSSÁRIO _______________________________ Erro! Indicador não definido.
ANEXO A - Navios Brasileiros Afundados Durante a Segunda Guerra
Mundial ______________________________ Erro! Indicador não definido.
ANEXO B - Modelo do Questionário AplicadoErro! Indicador não
definido.
ANEXO C - Distribuição de Missões por PilotoErro! Indicador não
definido.
ANEXO D - Relação dos Temas delos Quais Foram Classificados os
Depoimentos e Entrevistas dos Membros do 1º GAvCaErro! Indicador não
definido.
ANEXO E - Depoimentos: Quantidade e Proporção de Indivíduos por
Tema________________________________ Erro! Indicador não definido.
ANEXO F - Resultados Quantitativos dos DepoimentosErro! Indicador
não definido.
ANEXO G - Depoimentos: Percentual de Indivíduos por TemaErro!
Indicador não definido.
ANEXO H - Depoimentos: Percentual de Expressões-Chave por Tema
_____________________________________ Erro! Indicador não definido.
ANEXO I - Depoimentos: Proporção de Expressões-Chave Entre Apoio e
Pilotos por Tema ______________________ Erro! Indicador não definido.
ANEXO J - Discursos do Sujeito Coletivo dos DepoimentosErro!
Indicador não definido.
LISTA DE ABREVIATURAS
FAB Força Aérea Brasileira
1º GavCa Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Brasil
Grupo de Caça Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Brasil
Grupo Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Brasil
1º Grupo de Caça Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Brasil
Sipaer Sistema de Prevenção de Acidentes da Aeronáutica
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Resultado de Busca em Bases de Dados para a palavra Chave Resiliência
Tabela 2 - Total de Operações Realizadas pelo 1º Grupo de Aviação de Caça do Brasil
na Campanha da Itália
Tabela 3 - Resultados Obtidos pelo 1º Grupo de Aviação de Caça do Brasil na Campanha
da Itália
Tabela 4 - Distribuição do Efetivo do 1º GAvCa por Nível Hierárquico
Tabela 5 - Distribuição do Efetivo do 1º GAvCa por Área de Atuação
Tabela 6 - Causalidades no 1º GAvCa em Campanha Distribuição por Tipo de
Causalidade e Tipo de Impacto
Tabela 7 - Distribuição das Amostras por Nível Hierárquico
Tabela 8 - Distribuição das Amostras por Função
Tabela 9 - Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 1ª Questão
Tabela 10 - Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 2ª Questão
Tabela 11 - Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 3ª Questão
Tabela 12 - Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 4ª Questão
Tabela 13 - Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 5ª Questão
Tabela 14 - Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 6ª Questão
Tabela 15 - Marcas da Guerra – Resultados Quantitativos
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Distribuição do Efetivo por Círculo Hierárquico
Gráfico 2 - Distribuição do Efetivo por Área Funcional
Gráfico 3 - Efetivo - Proporção entre funções de Apoio e Piloto
Gráfico 4 - Comparativo entre o Número de Causalidades em Pilotos por Número de
Saídas
Gráfico 5 - Proporção Efetivo – Amostras
Gráfico 6 - Comparativo entre Efetivo e Amostras: Proporção por Nível Hierárquico
Gráfico 7 - Comparativo entre Efetivo e Amostras: Proporção por Área de Atuação
Gráfico 8 - Comparação Quantitativa entre Efetivo e Amostras
Gráfico 9 - Comparativo entre População e Amostras: Tendência de Contribuição por Nível
Hierárquico
Gráfico 10 - Comparativo entre Efetivo e Amostras: Distribuição por Função
Gráfico 11 - Comparativo entre Efetivo e Amostras: Tendência de Contribuição por
Função
Gráfico 12 - Comparativo entre População e Amostras Consolidadas: Distribuição por
nível hierárquico
Gráfico 13 - Comparativo entre População e Amostras Consolidadas: Tendência de
Contribuição por Nível Hierárquico
Gráfico 14 - Comparativo entre População e Amostras Consolidadas: Distribuição por
Área Funcional
Gráfico 15 - Comparativo entre População e Amostras Consolidadas: Tendência de
Contribuição por Área Funcional
Gráfico 16 - Proporção de Indivíduos por Temas
Gráfico 17 - Clima Pré Guerra
Gráfico 18 - Experiência Anterior
Gráfico 19 - Voluntariado
Gráfico 20 - Os Homens-Chave
Gráfico 21 - Treinamento
Gráfico 22 - Viagem à Itália
Gráfico 23 - Os Símbolos
Gráfico 24 - O Desembarque na Itália
Gráfico 25 - A Chegada a Tarquínia
Gráfico 26 - A Primeira Base
Gráfico 27 - O Início das Atividades
Gráfico 28 - Fatalidades
Gráfico 29 - Abatidos em Combate
Gráfico 30 - O P-47
Gráfico 31 - O Líder
Gráfico 32 - Relacionamento no Grupo
Gráfico 33 - Relacionamento com a População Italiana
Gráfico 34 - Relacionamento com os Americanos
9
Gráfico 35 - A Base de Pisa
Gráfico 36 - Diversão
Gráfico 37 - Álcool
Gráfico 38 - Música
Gráfico 39 - Família
Gráfico 40 - Rotina
Gráfico 41 - Esforço
Gráfico 42 - Esgotamento
Gráfico 43 - Estratégias de Enfrentamento
Gráfico 44 - A Ofensiva da Primavera
Gráfico 45 - Eficiência
Gráfico 46 - O Fim da Guerra
Gráfico 47 - A Volta ao Brasil
Gráfico 48 - Reflexões
Gráfico 49
1) Que circunstâncias antes, durante e depois da Campanha da Itália o senhor apontaria
como mais desgastantes na participação do 1º GAvCa?
Gráfico 50
2) E as circunstâncias mais gratificantes?
Gráfico 51
Agora, com relação às experiências do 1º GAvCa:
3) Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais sofridas para o 1º GAvCa na
Segunda Gerra Mundial?
Gráfico 52
4) Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais gratificantes?
Gráfico 53
5) Na sua opinião, que fatores que favoreceram o desempenho do 1º GAvCa?
Gráfico 54 - Marcas da Guerra: Comparativo entre Resultados Positivos e Negativos por
Nº de Respostas
Gráfico 55 - Marcas Positivas da Guerra: Proporção de Respostas por Grupo
Gráfico 56 - Marcas Negativas da Guerra: Proporção de Respostas por Grupo
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Um piloto de caça do Brasil na Campanha da Itália, pronto para decolar, com
máscara de oxigênio. Fonte: Heróis dos Céus ..., (2004).
Figura 2: Guernica, de Pablo Picasso, disponível em:
http//upload.wikimedia.org/wikipedia/em/thumb/7/74/PicassoGuernica.jpg/300px-
PicassoGuernica.jpg
Figura 3 – O Grupo de Caça Brasileiro no Âmbito da Força Aérea Aliada no Mediterrâneo.
Figura 4 - Um dos P-47 do 1º GavCa, já com a pintura personalizada na carenagem.
INTRODUÇÃO
O trabalho que se apresenta defende a introdução do conceito de Resiliência, como processo
relacionado ao desenvolvimento humano, em ambiente de aviação. Entende-se tratar de um
modelo conceitual viável e altamente operacional, para fins de abordagem de algumas questões
relativas ao Fator Humano, especialmente afetas às áreas da saúde e da prevenção de
acidentes aeronáuticos.
Sintetiza uma trajetória de reflexões da autora, acerca do desempenho humano em ambiente de
aviação e se materializa, dentre outros requisitos, como sua Tese para obtenção do título de
Doutora em Psicologia Clínica.
Essa trajetória teve início com sua inserção nesse ambiente, há 25 anos atrás, compondo a
equipe do Hospital de Aeronáutica de São Paulo. Nessa Organização Militar de Saúde do
Comando da Aeronáutica, como especialista em Fator Humano, tem tido a oportunidade de
participar de algumas das diversas atividades organizadas para que o sistema aeronáutico no
País se processe de maneira segura e eficiente, tais como o controle e acompanhamento das
condições de saúde e de trabalho de um de seus principais protagonistas – os aeronavegantes.
A eficiência do sistema aeronáutico está diretamente relacionada a dois aspectos do bem
comum, por favorecer a liberdade e efetividade de deslocamento das pessoas – através da
aviação civil - e também, mais especificamente, por ser um dos meios através do qual se apóia
um sistema mais amplo, relativo à segurança e à defesa da soberania nacional – através da
aviação militar.
Esse sistema se sustenta primordialmente nas atividades humanas, levadas a cabo em um
ambiente nem sempre propício à confortável evolução dos homens que as conduzem, em
especial os aeronavegantes.
Já em sua dissertação de mestrado, a autora se deparava com uma das mais importantes
demandas impostas ao homem em ambiente de aviação, representada pelo estresse, em seu
mais amplo sentido bio-psicossocial, ao qual o mesmo está continuamente exposto.
A aeronavegação eleva os homens às alturas, e atende a um dos anseios primordiais de sua
alma: a superação de limites. Por outro lado, entretanto, insere-os em um ambiente de risco,
para o qual não estão naturalmente adaptados.
Isso impõe uma série de medidas de proteção, que se iniciam com a inevitável utilização de
equipamentos e acessórios que compensem seus recursos orgânicos, não vocacionados para
altitudes elevadas, passam pelo treinamento de uma série de tarefas e habilidades
28
especializadas, algumas delas fora do repertório natural humano, e terminam com uma série de
ações de regulamentação e controle de sua inserção nessa atividade.
Mesmo que se tente garantir o mais possível a adaptação do homem à sua condição de
trabalho, ela não deixa de estar isenta de demandas para as quais a sua melhor resposta tem
sido, ancestralmente, o estresse.
A questão é que, mesmo que a resposta representada pelo estresse seja, a priori, inteiramente
necessária, por favorecer o acionamento de reações psicofisiológicas que garantam ao homem a
possibilidade de adaptação flexível às variações ambientais (num sentido amplo) que possam vir
a comprometer seu equilíbrio, a exposição inadequada ao estresse e/ou seu gerenciamento
ineficaz, estão associados ao esgotamento e à exaustão, assim como à predisposição a uma
ampla gama de patologias, trazendo diferentes graus de incapacitação.
Em razão disso, a presença do estresse em ambiente de aviação se mantém como um assunto
de contínuo interesse por parte dos profissionais da área dos fatores humanos. Sua principal
razão remete ao risco implícito de que a manifestação mais intensa do estresse possa vir a
influenciar negativamente o sistema aeronáutico, tanto por afetar a saúde psicofísica dos
aeronavegantes, comprometendo assim sua prontidão operacional, quanto por representar um
fator de predisposição a acidentes, ao afetar também a eficiência de seu desempenho. Falhas
custam caro, concreta e metaforicamente, pois significam elevados prejuízos financeiros e risco
ao bem-estar e à vida das pessoas.
Na pesquisa que resultou em sua dissertação de Mestrado, a autora comprovou essa realidade
mas, ao mesmo tempo, se viu diante de novas questões, que passaram a direcionar sua atenção
a partir de então, principalmente pela aparente contradição à realidade que então estudara:
- Por que aeronavegantes, apesar de sua contínua e intensa exposição ao risco e à diversidade
de estressores que compõem seu ambiente típico de trabalho, e apesar das expectativas a esse
respeito, preservam condições de saúde e de disponibilidade operacional bastante satisfatórias?
Por que eles, apesar desses estressores, e a despeito de operarem em um ambiente fortemente
estabelecido em uma série de controles e regulamentações, evidenciam preservar uma elevada
motivação profissional?
Tentativas de abordagem desses questionamentos remetem imediatamente à necessária
consideração de um complexo cenário, que inclui elementos outros que não somente aspectos
especificamente relacionados à individualidade desses profissionais.
Remetem também à necessidade de um enfoque que agora contemple as adversidades típicas
da prática aviatória não só sob a perspectiva de suas conseqüência negativas, a essa altura já
amplamente mapeadas pelos pesquisadores de estresse, mas também sobre a perspectiva de
seu possível enfrentamento, eficaz e gratificante.
29
Dada sua importância, muito já se pesquisou sobre as implicações psicofisiológicas, sociais e
institucionais do estresse nesse ambiente. Isso trouxe repercussões na evolução de conceitos
tecnológicos e ergonômicos em busca da minimização do impacto que o meio adverso exerce
sobre esses profissionais. Influiu também no estabelecimento de processos de seleção,
treinamento e acompanhamento de pessoal, objetivando o desenvolvimento de habilidades que
melhor interajam com as especificidades dessa atividade.
Acredita-se, entretanto, que a contínua e inevitável exposição ao risco, potencializada no caso
da aviação militar, impõe às diversas áreas da ciência uma atenção para a atividade aérea que
não contemple apenas o mapeamento e a minimização das fontes de demanda negativa.
Para além disso, julga-se interessante seguir a pista dada pelos próprios pilotos em sua história
de interação com todas as adversidades tão objetivamente mapeadas da qual, ainda assim,
retiram prazer, satisfação e sentido para a vida.
Recentes constatações científicas acerca do enfrentamento humano bem-sucedido a despeito
de um contexto de adversidade, levaram à formulação do conceito de Resiliência. Estas
apresentam-se naturalmente como um caminho promissor para a busca de uma compreensão
mais abrangente sobre todas as vicissitudes da aventura humana para além do ecúmeno.
Seu enfoque inicial esteve mais centrado nas características individuais dos assim chamados
resilientes, como sinônimo de pessoas invulneráveis ou, mais tarde, competentes, diante de
enfrentamentos. O avanço das pesquisas, entretanto, foi cada vez mais revelando o aspecto
multifatorial e processual, com respeito à resiliência.
Isso se deveu ao fato de que, ao analisar os mecanismos dessa competência, mais e mais
passaram a ser considerados não somente seus aspectos intrapsíquicos, como também fatores
ambientais mais amplos, e seu dinamismo. Caminha-se atualmente na busca do melhor
entendimento de sua complexidade.
Resiliência pode ser vista como uma capacidade, na medida em que se refere à possibilidade
responsiva do sujeito. Resiliência pode também ser vista como um processo, por depender da
interação de diversos fatores, de origem endógena, ambientais e relacionais.
Acima, de tudo, porém, o conceito de Resiliência possibilita uma abordagem teórica que revela
uma mudança de paradigma na contemplação do ser humano e seus enfrentamentos, a partir de
uma perspectiva mais positiva.
Essa mudança paradigmática vem trazendo também novas perspectivas para programas de
prevenção e promoção, em razão da bidimensionalidade do conceito. Fala-se de resiliência
como a capacidade humana que se manifesta em um contexto de risco ou adversidade, mediada
pelos assim chamados fatores de proteção.
Apesar de sua aparente aplicabilidade, observa-se uma quase ausência da utilização desse
conceito em ambiente de aviação fora do contexto do Fator Material.
30
Essa realidade, ainda hoje, não é diferente daquela encontrada por Neder e Pereira, M. (2005)
em seu artigo de revisão de literatura. Não obstante o volume de pesquisas em Resiliência
venha aumentando a cada ano, extrapolando, inclusive, sua circunscrição inicial à infância e
adolescência, o assunto continua praticamente ausente em pesquisas na área da aviação.
Como problema de pesquisa, portanto, coloca-se: o conceito de resiliência pode ser
adequadamente aplicado ao ambiente profissional relativo à aviação? Para tal questão central
norteadora da pesquisa, e diante dos questionamentos já colocados como moto principal deste
trabalho, a hipótese que se coloca é: o conceito de resiliência, como processo, apresenta-se
como uma abordagem aplicável à compreensão dos complexos fenômenos envolvidos nos
processos que levam a resultados positivos, cuja natureza se busca entender.
Como natural extensão da hipótese enunciada, busca-se demonstrar ainda que há fatores de
resiliência favorecendo a interação homem-meio-máquina, em ambiente de aviação em um
processo bem-sucedido, e estes poderão ser identificados através da abordagem apropriada.
Para tanto, a pesquisadora se vale do pressuposto de que um exemplo poderoso de resiliência
em ambiente de aviação poderá ser retirado da experiência do 1º GAvCa na Segunda Guerra
Mundial.
Esse Grupo, contra todas as expectativas para seu desempenho, e a despeito de todas as
adversidades, típicas da situação de combate ou decorrentes das características da sua missão,
teve um desempenho considerado excepcional, oficialmente reconhecido através da concessão
da Presidential Unit Citation:
[...] condecoração exclusiva das Forças Armadas dos EUA, criada para
homenagear coletivamente suas unidades de combate, [que] acabou sendo
também outorgada a apenas duas Unidades estrangeiras – o 1º Grupo de
Aviação de Caça da FAB e um esquadrão da RAF. (HISTÓRIA GERAL DA
AERONÁUTICA BRASILEIRA, vol. 3, p. 564).
O estudo da experiência do 1º GAvCa na Campanha da Itália certamente trará novos elementos
para a melhor compreensão do processo de resiliência ocorrendo em um ambiente típico de
aviação. Definiu-se, assim, como o objetivo da presente pesquisa, desvelar os fatores de
resiliência pressupostos no desempenho do 1º Grupo de Aviação de Caça Brasileiro na
Campanha da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Esse desvelamento se deu a partir do
acesso metodológico, com abordagem qualitativa, a testemunhos de vida obtidos de ex-
combatentes do 1º GavCa.
A obtenção desses testemunhos foi viabilizada através de pesquisa histórica visando à
recuperação de depoimentos que os mesmos deixaram publicados, assim como através do
questionamento direto da pesquisadora àqueles acessíveis ao contato. Esse questionamento foi
orientado por um instrumento próprio, formalizando perguntas abertas.
31
Os testemunhos de vida, veiculados nesses depoimentos, e que se apresentaram na forma de
discursos, foram tratados através da Técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. O objetivo
encetado foi a homogeneização do material verbal em idéias centrais compartilhadas entre os
ex-combatentes, as quais revelaram as representações sociais, ou seja, as idéias, pensamentos
e crenças compartilhados, presentes no conjunto de discursos.
Em face dos muitos pormenores necessários à explicitação do procedimento adotado, estes
serão descritos no capítulo destinado ao Método. Buscou-se atender a todos os detalhes da
complexidade sob a qual se conduziu a análise dos dados nesta pesquisa. Buscou-se atender,
inclusive, as recomendações metodológicas propostas para uma abordagem processual da
resiliência, que implicam em contemplar seus múltiplos fatores, que “podem ser familiares,
bioquímicos, fisiológicos, cognitivos afetivos, biográficos, sócio-econômicos, sociais e/ou
culturais” (INFANTE, 2005, p. 30). Para tanto, os discursos foram contextualizados no cenário no
qual as experiências relatadas foram vividas.
Assim, para o melhor entendimento dos nexos sociais, políticos, profissionais e institucionais a
dar sentido ao que contam os ex-combatentes, realizou-se uma pesquisa histórica
pormenorizada. Tal pesquisa focalizou a evolução da aviação militar no Brasil até a criação do 1º
GAvCa, os principais eventos da Segunda Guerra Mundial, que culminaram com a decisão do
envio do Grupo ao combate, assim como a própria história dessa participação. Enfatiza-se, no
capítulo sobre esse assunto, a documentação da Presidential Unit Citation, conquistada pelo 1º
GavCa, que foi considerada como evidência de resultado positivo.
Ao mesmo tempo, um estudo específico da Simbólica do 1º GavCa, que emergiu ao longo de
suas vivências em combate, buscou incluir elementos de análise que, transcendendo o relato
verbal das experiências vividas, mas corporificando-as em expressões indiretas de seus
enfrentamentos, complementaram o entendimento das estratégias psicológicas ocultas nos
símbolos suscitados.
Dando suporte teórico à pesquisa, está incluído também um capítulo específico, detalhando a
teoria do estresse e suas relações tanto com a atividade aérea de um modo geral quanto com
relação às implicações do seu emprego em atividades de combate. Estabelece-se, a partir da
discussão sobre estresse em ambiente de aviação, um nexo com o conceito de Resiliência, este
também detalhado com relação à sua evolução e propostas atualmente formuladas.
Assim, depois de obtidos e tratados, os discursos, que contam a história da participação do 1º
GAvCa na Segunda Guerra Mundial, a partir de alguns de seus protagonistas, permitiram o
objetivado desvelamento dos fatores de resiliência presentes na experiência focalizada,
contextualizados na situação e ambiente em que emergiram, sob a orientação teórica
proporcionada pela literatura científica aqui considerada.
32
A ênfase foi dada ao desempenho do Grupo, perfeitamente viável, principalmente se
considerada sob a definição de resiliência destacada por Araújo: “a capacidade universal, que
permite à pessoa, grupo ou comunidade prevenir, minimizar ou superar os efeitos danosos da
adversidade“ (2006, p. 11).
Para além da demonstração da hipótese aqui defendida, o resultado da presente pesquisa
também suscitará a viabilidade da utilização do conceito de resiliência na orientação de ações
que visam à eficácia do sistema aeronáutico, medida por sua efetividade e prática segura.
No Brasil, o modelo de análise dos fatores humanos em aviação adotado pelo Sistema de
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer), considera o trinômio homem – meio – máquina,
e suas inter-relações, como abordagem apropriada para contemplar de maneira plena o
desempenho humano nesse tipo de realização. Essa mentalidade se alinha ao atual desafio das
pesquisas em resiliência, propondo alcançar sua essência processual, apresentando-se como
um dos argumentos para a viabilidade desse conceito no âmbito da aeronáutica civil e militar.
Além disso, essa visão integrativa, permitida pela concepção da Resiliência, alinha-se ainda com
a mentalidade e as demandas da pós-modernidade. Isso em função de seu enfoque bastante
positivo (Yunes, 2003), que contempla muito mais os recursos do ser humano do que o efeito
patológico das inevitáveis adversidades proporcionadas pela vida, assim como por seu estilo
processual, multifatorial, holístico.
Alinha-se, também, aos pressupostos teóricos da Concepção Psicossomática que, num sentido
mais amplo, orientam a abordagem conceitual da pesquisadora. Essa abordagem remete à
inseparabilidade e interdependência dos aspectos psicossociais e biológicos nos seres
humanos, caracterizando-os pelo seu complexo mente-corpo inserido num ambiente social. Sob
esse enfoque, segundo Lipowski (1977) a Psicossomática preocupa-se com o estudo científico
da relação entre fatores psicológicos, sociais e biológicos na determinação da saúde e da
doença.
Acima, de tudo, porém, o conceito de Resiliência, por possibilitar uma abordagem teórica que
revela uma mudança de paradigma na contemplação do ser humano e seus enfrentamentos, a
partir de uma perspectiva mais positiva, trará também novas perspectivas para programas de
prevenção e promoção, podendo, assim, ir ao encontro da principal função do Sipaer, e um dos
principais compromissos da pesquisadora, no ambiente em que atua.
1 - ESTRESSE E RESILIÊNCIA
Da mente para o corpo. Polêmico e contraditório, o termo psicossomática, antes de ser
condenado por aludir à idéia superada da dualidade mente-corpo e da psicogênese, deve aqui
ser visto como a designação consagrada de um movimento que pretendeu reunir o que, de fato,
nunca esteve separado.
O esforço para a compreensão e abordagem das doenças acompanha a trajetória do
desenvolvimento da civilização e do conhecimento científico. Desde seus primórdios, que
remetem às religiões primitivas de leste a oeste e às correntes filosóficas, o enfrentamento das
doenças e o acolhimento dos doentes sempre considerou os seus aspectos mentais,
principalmente relacionados ao mundo de representações e significados.
Da mesma forma, questões sociais e ambientais também sempre foram consideradas, quer com
respeito ao seu papel na etiologia das doenças, quer através de sua inclusão no arsenal
terapêutico proposto.
O desenvolvimento científico das ciências naturais, entretanto, traçou, a partir do renascimento,
um rumo que culminou, no século dezenove, com as superespecializações. Para a Medicina em
particular, essa mentalidade se refletiu em explicações causais e atomizadas sobre a doença e o
adoecer.
Essa forte mentalidade da época não impediu, entretanto, que Heinroth, em 1818, inaugurasse o
termo “psicossomático” para explicitar a idéia de conflitos internos como base de doenças
(STEINBERG, 2007). Historicamente, porém, o início do movimento psicossomático é localizado
no limiar do século XX.
A partir de então, pôde-se considerar o inconsciente, como o princípio dinâmico da causalidade
psicológica, em sua relação com as manifestações somáticas.
Concomitantemente, a neuroanatomia e a neurofisiologia foram dando suporte a essas
questões. Pesquisas nessa área foram demonstrando que reações viscerais ocorrem como
respostas adaptativas a ameaças reais ou simbólicas, moduladas pelas emoções.
Demonstraram também que o organismo possui mecanismos para adaptar-se frente a um
ambiente em constante mutação, a oferecer uma diversidade de estímulos. A busca da
manutenção da homeostase move o organismo nesse contínuo esforço à adaptação.
Wittcower (1977) aponta que autores como Hinkle, Lipowski, Haliday e Mead, ampliaram a idéia
de ambiente, ao largo do desenvolvimento da concepção psicossomática, acrescentando sua
34
dimensão social. Seria essa instância tanto a fonte de estímulos específicos quanto a instigadora
e modeladora de ações e percepções (p. 11).
Hoje, a Psicossomática pode ser vista como uma atitude que define uma abordagem holística,
multifatorial e multidisciplinar (com aspirações interdisciplinares) do doente e da doença, mas
também da saúde.
Para o conjunto de conhecimentos que hoje compõe o saber psicossomático, muito importantes
foram as contribuições das pesquisas sobre Estresse, a revelar que a adaptação humana a um
ambiente em constante mutação se dá na intimidade de sua realidade psicofísica, modulada por
suas interações sociais, como se verá mais detalhadamente a seguir.
1.1 ESTRESSE
Formalmente desenvolvida pelo fisiologista Hans Selye, a partir de 1936, ganhando força nos
meados do século XX, a Teoria do Estresse descreve a possibilidade dos organismos vivos
enfrentarem, ativa e dinamicamente, situações que exijam esforço para adaptação, através do
acionamento de reações fisiológicas específicas a estímulos inespecíficos que lhe perturbem o
equilíbrio: homeostase.
Esse conjunto de reações, desencadeadas por uma coordenação neuroendócrina, invade o
organismo como um todo, preparando-o para agir de acordo com o padrão luta-fuga, associado
às emoções básicas de raiva-medo, anteriormente identificado através dos estudos de Pavlov e
Cannon, que lhe garantem sua condição de vida livre. A esse conjunto de sinais e sintomas
Selye denominou Síndrome Geral de Adaptação (SGA).
O termo estresse, tomado da física, encontrou nos organismos vivos, um padrão de resposta
mais plástico e pró-ativo, composto de ações e contra-reações, estabelecidas, segundo Selye,
em três etapas: reação de alarme, resistência e exaustão.
Com relação aos seres humanos, a categoria estímulos inespecíficos que perturbam sua
homeostase, inclui aspectos psicológicos e socioculturais, descritos por autores que ampliaram
os estudos de Selye, como Lazarus
(1998) e Miyager
(1971). Esse autores consideram a
influência e a modelagem desses aspectos na percepção do estímulo e na sua significação, bem
como na busca de satisfação das necessidades e na forma de expressão emocional por parte
daqueles. Sob tal influência, por exemplo, situações não ameaçadoras, podem passar a ser
experimentadas como tal e, ao contrário, situações potencialmente perigosas à integridade do
indivíduo, podem passar a ser percebidas não só como não perigosas, como até mesmo
prazerosas, evento especialmente verdadeiro na atividade aérea.
35
Em princípio responsável pelo incremento da capacidade de resposta do indivíduo, habilitando-o
a empreender esforços, resistir à dor e reagir a ferimentos ou doenças, tornando ainda seu
raciocínio, pensamento, percepção e memória mais fluentes e eficazes, o estresse cobra seu
preço através de um processo catabólico o qual, se não devidamente compensado pelo
restabelecimento do equilíbrio homeostático, induz o organismo da fase de resistência à fase de
exaustão. Esta, por carregar o risco de falência gradual da resposta adaptativa do indivíduo,
tornando-o agora incapaz e incompetente para o enfrentamento das situações em mudança,
recrudesce o risco de instalação das doenças de adaptação (Selye, 1984).
Por doenças de adaptação Selye entende aquelas decorrentes da sujeição excessiva ou
inadequada à SGA, citando entre elas a hipertensão arterial, a úlcera péptica, a artrite e, em
especial, patologias cardiovasculares, extensamente estudadas por ele e seu grupo.
Além de Selye, vários autores associam doenças orgânicas e mentais ao gerenciamento
inadequado do estresse (BASTIAANS, 1961; LIPP, 1996).
Para a determinação de quanto estresse suporta um indivíduo, há que se considerar três fatores:
Suas características de personalidade, a força ou natureza do estímulo (estressor), bem como a
relação de tempo entre o estressor (ou estressores) atuando sobre esse indivíduo.
A diminuição da capacidade de enfrentamento, além de, como visto a pouco, abrir a
possibilidade da instalação de doenças de adaptação, traz ainda conseqüências negativas para
o desempenho de pessoas e grupos, em conseqüência da queda na capacidade de
concentração da atenção, fadiga, tremores musculares, falhas de memória e da capacidade de
julgamento, instabilidade emocional, entre outros sintomas.
Por essa razão, níveis elevados ou constantes de estresse têm sido associados à predisposição
a acidentes, o que, por sua vez, tem levado um número crescente de organizações a adotar
programas de gerenciamento do estresse como medida de prevenção, em especial aquelas que
operam em ambiente aeronáutico.
1.1.1 O ESTRESSE E A ATIVIDADE AÉREA
Tendo em vista que a prática aviatória se desenvolve em um ambiente extremo para o ser
humano, essa atividade é consensualmente considerada estressante pelos profissionais
especializados em medicina aeroespacial e em psicologia da aviação.
Nesse meio, o organismo submete-se a condições desfavoráveis de pressão, temperatura,
umidade, luminosidade, gravidade, radiação, velocidade e ruído, as quais causam impacto sobre
36
sua fisiologia, impacto esse que, para ser minimizado, depende da contínua evolução
ergonômica das aeronaves, equipamentos e vestes, além do treinamento fisiológico dos
tripulantes a tais condições.
Quanto ao aspecto psicológico, há que se considerar que a inserção na prática aviatória, para
ser efetiva, precisa ser re-significada, evoluindo de sua condição de fonte natural de perigo para
a de risco assumido, através da constante consideração e respeito aos óbices a serem, sempre
que possível, superados ou, ao menos, contornados.
A despeito dessa evolução, a prática, em si, continua sendo intrinsecamente percebida pelo
indivíduo como perigosa, o que leva ao estabelecimento do conflito interno “medo versus desejo
de voar” (CIEAR, 1975). O medo, acionado pelo instinto de sobrevivência, para ser superado,
depende de que a força do desejo o sobreponha.
Avaliando-se a força desse desejo pode-se considerar também a força da motivação que ele
aciona. Tem-se daí que profissionais ligados ao vôo apresentam, em sua quase totalidade,
grande nível de motivação profissional (PEREIRA, M., 2005).
A solução assim conseguida, remete o conflito intrapsíquico medo versus desejo a um plano
subconsciente, cobrando, entretanto, o preço do sacrifício emocional. Há concordância entre
vários autores sobre um certo grau de empobrecimento emocional, que acompanha o
aeronavegante.
Acerca desse assunto, e ilustrativamente, Ursano (1980), consolida o seguinte quadro, com
respeito a dados de pesquisa sobre características emocionais em pilotos militares:
[...] o piloto tende a evitar e negar sua vida emocional interior. Sensações
íntimas tendem a ser percebidas como externas e motivadoras de modificações
no ambiente mais do que a introspecção. Prefere manter os pensamentos
concretos e evitar ambigüidades [...] O quadro geral é de um indivíduo com uma
vida ativa e orientada para aquisições, que tende a ignorar seus estados
emocionais internos [...] podendo-se esperar que tenha dificuldades quando
confrontado com fracassos ou com uma situação ambígua, particularmente em
termos sociais, tendo poucos mecanismos disponíveis para lidar com essa parte
de sua personalidade altamente negada (p. 1246).
Por outro lado, a forte motivação, que inclui componentes emocionais e cognitivos, por se
configurar como um contraponto à noção de perigo, tem importante papel na atenuação do
impacto das vicissitudes do vôo, e, portanto, de seu potencial estressógeno.
Dejours (1992) enfatiza o “lugar excepcional da motivação no desempenho dos pilotos de caça:
Pois, nesta profissão, é preciso estar motivado a todo instante sem o que o afrontamento do
perigo corre o risco de terminar em catástrofe” (p. 88). Segundo esse autor, o desejo de voar
condensa as aspirações de superpotência, de ultrapassagem e de libertação aos limites do
homem.
Leimann Patt (1988) define três níveis de motivação aeronáutica:
37
O nível consciente incluiria aspectos como prazer ou alegria de voar, a
sensação de ser livre, a busca de novas sensações e a utilidade social do vôo,
chance de controlar-se a si próprio e de performance psicofisiológica
especializada para uma atividade que não abrange muitos erros.
Em nível pré-consciente, motivação envolveria o prestígio ligado à profissão, a
identificação com as características heróicas da aviação e seus benefícios
secundários como suposto sucesso sexual, a necessidade de expressar a
afetividade extrapunitivamente mas inibida por padrões sociais e do Superego.
Em nível inconsciente os conteúdos poderiam apenas ser levantados através de
uma abordagem interpretativa, levando em conta o desenvolvimento da
motivação nas profundezas da mente do indivíduo e possíveis distúrbios
psicopatológicos (p. 955-6)
Jones (2002) assinala que a motivação para o vôo pode representar o equilíbrio entre fatores
positivos, como satisfação, significado emocional e habilidades de enfrentamento, e fatores
negativos, como medo, ansiedade, e perigo experimentado ou antecipado (p. 404).
A questão da motivação, se revela tão importante para a prática aviatória que seu contraponto, o
medo do vôo, em aeronavegantes profissionais, sinaliza mudanças ligadas a problemas de
adaptação, e podem se manifestar em diferentes níveis, desde reações de ajustamento até
através de sintomas fóbicos e reações psicofisiológicas mais intensas, sempre valorizadas pelos
profissionais de saúde.
Na medida em que o desejo de voar estimula a motivação aviatória, se estrutura como vocação
e se organiza como opção profissional, a etapa seguinte diz respeito à inserção sócio-
organizacional do indivíduo no meio aviatório.
Por um lado, a inserção nesse ambiente é necessária para que a prática aviatória se efetive. É
nesse foro que o piloto é selecionado, treinado, examinado, acompanhado e contratado como
profissional. É nesse ambiente que ele compartilha suas experiências e ideais relacionados à
aviação. Por outro lado, tendo em vista que o ambiente aviatório se mostra pouco receptivo ao
compartilhamento de temores, dúvidas e à ocorrência de falhas, tende a ser percebido pelo
piloto como pouco adequado para apoiá-lo nesse aspecto
(JOHNSTON, 1985).
Processos seletivos, treinamento contínuo e exames periódicos contribuem para a minimização
de fatores de risco, porém não protegem completamente os profissionais da exposição ao
estresse, e nem poderiam, além de serem, em si, estressógenos. A inevitável exposição do
piloto aos eventos de vida, tem sido apontada como um importante aspecto a ser considerado
com respeito à manutenção de sua capacidade de enfrentamento dos impactos inerentes à
atividade aérea (ALKOV, 1974,1985; JONES, 2002).
Paralelamente, estudos voltados ao levantamento de traços de personalidade comuns aos
pilotos – alguns deles identificando características da “personalidade do tipo A”, de Rosenman e
Friedmann – encontram aspectos que permitem concluir sobre sua tendência à exposição ao
estresse (DeHART, Rufus, 1980; HENDRIX, 1985; PICANO, 1991).
38
Mesmo considerado um grupo ocupacional dos mais saudáveis, a carreira e os controles
previstos não protegem os aeronavegantes da exposição ao estresse. Estudos sobre causas de
afastamento em aeronavegantes encontram a prevalência de doenças classicamente
relacionadas ao estresse, como doenças coronarianas, distúrbios neurológicos e doenças
psiquiátricas (CAMPOS JR et al., 1984; DeHART, Rufus, 1980; JOHNSTON, 1985; MAXWELL;
DAVIES, 1982; MOHLER, 1984, 1986).
Pigini (1988), estudando o prontuário de 511 pilotos civis e militares, encontrou, como
diagnósticos mais prevalentes, pelo número de indivíduos afetados, Hipercolesterolemia
(44,2%), Perda Auditiva (32,5%), Excesso de Peso (19,8%), Hipertensão (11,9),
Hipergliceridemia (7,4) e Diabetes Mellitus (2,9), e como principais causas de afastamento as
relacionadas a transtornos cardio-circulatórios, fatores de risco cardíaco e transtornos
otorrinolaringológicos.
A realidade dessas condições de trabalho vem justificando a atenção que os especialistas têm
dado às condições de estresse sobre os aeronavegantes, não só pelo risco, pequeno mas
inerente, da súbita incapacidade em vôo provocada por distúrbios cardio-circulatórios, mas antes
disso, e com maior probabilidade, de quedas de desempenho induzidas por sobrecargas, com
previsível comprometimento da segurança da operação.
Dada sua importância, muito já se pesquisou sobre as implicações psicofisiológicas, sociais e
institucionais do estresse nesse ambiente, repercutindo na evolução de conceitos tecnológicos e
ergonômicos, buscando a minimização do impacto que
o meio adverso exerce sobre esses profissionais, e no
estabelecimento de processos de seleção, treinamento
e acompanhamento de pessoal, buscando o
desenvolvimento de profissionais que melhor interajam
com as especificidades dessa atividade (HAWKINS,
2005).
Especificamente quanto à seleção psiquiátrica, além da
apreciação da saúde mental, outras características são
buscadas. Dentre elas, como arrola Jones (2002),
“motivação, habilidade, estabilidade, maturidade,
atenção, percepção, antecipação e julgamento para
tomar boas decisões antes e durante o vôo, e força e
resiliência para resistir a prolongados estressores” (p. 406).
No Brasil, assim como em vários países do mundo, os aeronavegantes estão sujeitos a uma
rotina de exames e avaliações de desempenho e capacidade, que incluem inspeções de saúde
periódicas, estas últimas reguladas pelo estabelecimento de padrões de condição psicofísica,
Figura 1 - Um piloto de caça do Brasil na
Campanha da Itália, pronto para decolar,
com máscara de oxigênio.
Fonte: Heróis dos Céus ..., (2004).
39
buscando apreciar a manutenção das condições inicialmente selecionadas, além de prevenir que
algum processo mórbido comprometa esse perfil.
Com relação a questões militares, entretanto, a especificidade das missões aéreas pressupõe a
exposição a estressores típicos, os quais nem sempre podem ser contornados ou evitados.
Kearney et al. (2003) lembram que os riscos e as ameaças implícitas na aviação militar decorrem
de sua natureza mesma e de sua razão de ser. Seu mapeamento abrange desde questões
ligadas ao enfrentamento de condições especialmente adversas atinentes ao ambiente físico,
para cuja adaptação o aeronavegante depende de trajes e equipamentos especiais, e de
treinamento fisiológico específico, passando pelo treinamento e preparo para as operações
militares propriamente ditas, culminando no emprego em operações reais, mas se estendendo
para além da desmobilização, no retorno à rotina.
Teixeira (2005) registra que a evolução da aviação de combate fez elevar, a partir da Primeira
Guerra Mundial, em seis vezes o teto máximo de vôo e em dezesseis vezes as velocidades
alcançadas, o que, acrescidas as forças de aceleração (forças ‘G’), deixa evidente suas
implicações no combate de caça ou nas manobras evasivas, com tremendas conseqüências
sobre o organismo humano.
O preparo para a guerra e a participação efetiva em operações bélicas, entretanto trazem, per
se, uma série de estressores amplamente estudados e documentados ao longo da história, como
se verá a seguir.
1.1.2 EFEITOS PSICOLÓGICOS DA PARTICIPAÇÃO EM OPERAÇÕES BÉLICAS
Marlowe (2006), discorrendo sobre as conseqüências psicológicas e psicossociais do combate,
faz consistentes considerações a esse respeito, sendo a seguinte a síntese de seus argumentos.
Esse pesquisador começa pela inquestionável constatação de que poucos eventos são tão
estressantes quanto a guerra.
O atual reconhecimento de que o estresse pode de causar sintomas tanto psicológicos quanto
fisiológicos, leva à produção de uma rica literatura sobre o estresse induzido pelo combate e
pelas operações de guerra a partir dos vários sintomas manifestados pelos militares das diversas
forças, salientando que parte desses sintomas pode ser atribuída ao trauma do combate.
Entretanto, a análise das demandas relacionadas ao combate só mais recentemente passou a
ser considerada sob a perspectiva de suas conseqüências à saúde e ao bem-estar de seus
personagens, tanto em curto como em longo prazo.
40
Lembrando que o envolvimento em guerras e combates faz parte da trajetória humana no curso
de sua evolução de cerca de seis mil anos, ‘mais recentemente’ aqui diz respeito ao momento
histórico a partir da Revolução Francesa. Desde então, segundo Marlowe (2006), o envolvimento
de soldados oriundos da sociedade-estado – e não mais de uma classe alienada, às margens
das demais, como até então se constituíam os guerreiros, trouxe a preocupação do ônus
imposto aos veteranos, soldados-cidadãos, para o centro das atenções.
Paradoxalmente, mesmo antes desse momento, o reconhecimento do impacto psicológico e
social da guerra sempre foi considerado, fazendo parte da estratégia militar de várias sociedades
a utilização da intimidação e da aterrorização, assim como da humilhação, como táticas na
busca de abater o moral do inimigo e, conseqüentemente, sua força de resistência.
Um bom exemplo desse efeito é o que era produzido pelas falanges gregas, ou pelas coortes
romanas, cujo movimento, compactado, compassado e ruidoso, buscava evocar o temor a partir
da idéia de que se tratava de um exército organizado e poderoso em ação. Era a exploração do
efeito psicológico do medo e do pânico sobre o comportamento humano.
Baseado em revisão histórica, Marlowe (2006) aponta que esse tipo de organização fez surgir a
idéia da interdependência entre os diversos membros da Unidade, para que a forma da linha,
compactada e coesa, fosse mantida ou, pior do que isso, não fosse rompida, trazendo o caos e a
desorganização, e o conseqüente enfraquecimento do poder de luta da unidade de combate.
Assim, as penas para as fugas e deserções sempre foram extremamente severas, pretendendo
controlar esse tipo de impulso.
Por outro lado, entretanto, a Unidade passa a ser a principal fonte primária de suporte,
segurança e fortalecimento do soldado. Sua própria sobrevivência dependeria da manutenção da
coesão da linha.
Dessa época também decorre a valorização da liderança no sentido de despertar, sustentar e
orientar o comportamento dos liderados. O líder militar ideal deve agregar conhecimento e
aptidão de combate à habilidade para cuidar de sua tropa. Com isso, torna-se capaz de obter o
melhor possível da capacidade de combate de seus homens.
Outro conceito que permanece atual é a prática de cerimônias e rituais pré-combate como forma
de ‘sacralizar’ a batalha, sendo oferecidos os esforços aos deuses, ou à polis, ou a uma outra
nobre causa.
Todas esses aspectos – coesão da tropa, liderança e atribuição de sentido - revelam o
reconhecimento do impacto que os embates bélicos provocam no comportamento dos
indivíduos, ao mesmo tempo em que procuram influenciar esse comportamento, produzindo
motivos para o melhor desempenho na batalha, razões para dela não fugir e para manter-se
alinhado com os objetivos da unidade, através do ‘espírito de corpo’ e ‘moral da tropa’.
41
A respeito do ‘espírito de corpo’ e do papel que a unidade militar representaria para o indivíduo,
Lebigot et al (1991), discutindo sobre tratamento das neuroses de guerra em veteranos
franceses, sob uma perspectiva psicanalítica, apontam o papel que o Exército, como uma
‘multidão organizada’ que sabe manter a imago do pai ideal, reconfortante e benéfica, na forma
de chefe infalível que ama seus subordinados e os protege da morte. Estaria na capacidade de
‘bem trilhar o caminho do pai morto’, a capacidade da superação dos traumas de guerra que,
segundo esses autores, evocam conflitos de culpa e fascínio, de orgulho e vergonha, pelas
experiências desagradáveis vividas na guerra.
Segundo Wessely (2005) os homens lutam por seus amigos e os melhores protetores contra o
colapso em batalha são a coesão e a união do grupo, além de questões como moral, liderança e
bons equipamentos.
Desde a antiguidade, como hoje, soldados que lutam por uma boa causa, apoiando e apoiado
por seus companheiros e exortados por um líder a ser seguido, refletem isso em seu
comportamento aguerrido e contam com esse contexto para a amenização do impacto das
ameaças e dos ataques pressupostos.
As conseqüências nefastas das batalhas, por outro lado, manifestas pelo colapso do soldado,
apesar de observadas, tiveram tratamento diferente ao longo da história.
Marlowe (2006) acredita que o tratamento dado a essa questão ao longo do tempo sofreu
influência direta das expectativas culturais, ou seja, o entendimento que determinada sociedade
teria sobre violência, trauma e convicções sobre a morte. As expectativas assim modeladas,
projetadas nos soldados ao longo das eras, trariam forte determinação sobre o tipo de ruptura ao
qual ele estaria sujeito. Da mesma forma, as manifestações psíquicas e fisiológicas dos soldados
também seriam modeladas por essa expectativa.
Helman (2003), falando especificamente sobre os aspectos culturais do estresse, compartilha
dessa posição, afirmando que os fatores culturais e, mais ainda, os valores culturais,
desempenham um papel complexo na reação ao estresse, papel que pode ser considerado ora
protetor, ora patogênico. Assim, o pertencimento a um grupo com um sistema conceitual de
mundo, ao tornar significativa e coerente com as experiências do dia-a-dia, reduziria o estresse
causado pela incerteza. Da mesma forma, crenças compartilhadas sobre o que seja sucesso e
prestígio, e seus contrapontos, poderiam ter efeitos tanto positivos quanto negativos sobre a
saúde do indivíduo. Além disso, a cultura contribuiria para dar forma a essa reação através de
uma linguagem de sofrimento reconhecível (p. 267).
Tem-se daí que o confronto bélico entre grupos com valores culturais diversos traria também a
possibilidade do choque cultural como um agravante entre as experiências negativas
decorrentes das batalhas, pelo desconcerto de não se compreender as ações e reações do
inimigo, principalmente aquelas relacionadas à violência.
42
De qualquer maneira, mesmo se considerando o impacto das experiências de guerra sobre o
comportamento humano, e também a possibilidade de colapso dos guerreiros, as baixas sempre
fora consideradas uma questão mais determinada por contingências individuais do que pela
influência do contexto.
Em que pese a ‘bruta, desagradável e breve’ vida dos soldados até o final da Idade Média,
brevidade essa determinada pela grande probabilidade de morrer em batalhas ou em
conseqüência de ferimentos delas decorrentes, o ponto de ruptura sempre foi considerado em
termos da ausência, ou perda, de traços necessários como honra, heroísmo, coragem e força.
Se o guerreiro viesse a sucumbir, ele não teria sido suficientemente honrado, ou heróico, ou,
corajoso, ou forte.
Essa noção de força e coragem, de uma certa maneira, mantém-se até hoje, mesmo que, a
partir do século XIX, o desenvolvimento científico tenha tornado disponível um arsenal
diagnóstico e terapêutico mais extenso.
A partir desse momento, relatos que hoje se sabe relacionados ao estresse começaram a ser
feitos, levando a formulações como ‘coração do soldado’, para explicar a presença de sintomas
como a elevada taxa de batimentos cardíacos que acompanhava a fadiga de batalha.
A tendência da época em se dicotomizar processos psíquicos dos fisiológicos, restringiu a
compreensão dessas constatações.
Além disso, como constataram Kearney et al. (2003), a despeito das reações típicas de estresse
traumático em guerreiros terem sido observadas por séculos, historicamente sempre houve uma
forte tendência, dentro do militarismo e da sociedade em geral, em negar o impacto psicológico
da guerra entre os militares, e que
[...] comandantes e oficiais médicos, que assumem um papel primário no
gerenciamento das baixas relacionadas ao estresse, sempre alimentaram a
expectativa de que os militares são imunes ao impacto da exposição a
experiências traumáticas e rotulam aqueles que experienciam reações
significativas ao estresse como fracos, covardes ou simuladores (p. 6).
Já a Primeira Guerra Mundial encontra as idéias de Freud estabelecidas na Psicanálise, e a dos
fisiologistas sustentando a interdependência de processos mentais e fisiológicos. Com isso, o
impacto das experiências de guerra sobre a psique dos combatentes pôde ser considerado de
forma mais complexa.
A noção de trauma foi crucial para as primeiras formulações de Freud que, refletindo sobre o
impacto da guerra sobre os combatentes, ampliou suas idéias sobre o assunto, abarcando a
importância do impacto das experiências ambientais na produção de neuroses, e cunhando a
expressão de ‘neurose de guerra’, a partir do ‘trauma de guerra’ (MELLO; FIKS, 2006).
Segundo Schetatsky et al. (2003),
Ao ser confrontado com os quadros psiquiátricos desencadeados pela Primeira
Guerra Mundial, de 1914 a 1919, Freud retoma o tema das neuroses
traumáticas. Ele re-enfatiza, então, a importância decisiva da intensidade dos
43
estressores traumáticos, da ausência de descargas apropriadas verbais ou
motoras para aliviá-las e do despreparo dos indivíduos para o seu
enfrentamento, causando o rompimento do que chamou de ‘barreira de
estímulos’, que protegeriam o ego das estimulações excessivas do ambiente
externo. Assim, o organismo, incapaz de lidar com a intensidade da estimulação,
veria seu aparelho mental inundado por ela, causando paralisia mental e
intensas tempestades emocionais (p. 10).
Outras figuras diagnósticas importantes a partir de então passaram a ser a fadiga de guerra, que
se seguia ao ‘choque de artilharia’ (shell shock), a síndrome do esforço e a neurastenia.
Afastamentos decorrentes de sofrimento psíquico incapacitante, e não apenas de ferimentos
físicos, passaram a ser documentados (STETZ et al., 2005), produzindo um acervo importante, e
de tal ordem, que a experiência daí decorrente pôde ser ampliada para a melhor compreensão
de formas de sofrimento psíquico e doenças mentais não necessariamente relacionadas a
militares ou a vítimas de guerra.
O fato de que as experiências bélicas do final do século dezenove e do século vinte levaram à
evolução de várias áreas da ciência também se confirmou com relação ao avanço da Psiquiatria
e da Psicologia.
Não obstante, mesmo que, a partir de então, a força das experiências externas passasse a ser
integrada na compreensão e tratamento das baixas militares, continuava prevalecendo a idéia de
que os quadros apresentados pelas vítimas de combate eram predominantemente influenciados
por condições intrínsecas ao indivíduo, ou seja, por vulnerabilidades decorrentes de suas
experiências precoces de vida, ou por predisposições orgânicas.
Como diria Wessely (2005), “se você entrou em colapso e nunca se recuperou, então a causa
real não foi a guerra, mas sua herança genética ou sua criação. A guerra foi meramente o
gatilho” (p. 460, trad. da autora).
Da Primeira para a Segunda Guerra Mundial, esse conceito desdobrou-se em medidas com
intenção preventiva, baseadas principalmente na seleção em massa. De acordo com a
mentalidade da época, a possibilidade de identificar previamente, dentre os indivíduos alistados,
aqueles com maiores probabilidades de sofrerem um colapso futuro, contribuiria para a
diminuição das baixas por razões psiquiátricas e conseqüentemente para o esforço de guerra,
além de garantir um contingente menor a ser assistido no pós-guerra.
Esse pensamento predominante teve seu mais ilustre representante em Harry Stack Sullivan.
Nos Estados Unidos, psiquiatras e psicólogos, com base em testes desenvolvidos para esse fim,
conduziam seleções por exclusão as quais, segundo Wessely (2005) chegaram a remover cerca
de 2 milhões de homens do alistamento, a despeito do efeito secundário altamente
estigmatizante desse tipo de prática.
Marlowe (2006), entretanto, pontua que a Segunda Guerra Mundial acabou por se tornar um
divisor de águas com relação à visão que se tem sobre os efeitos em curto e longo prazo do
impacto da guerra sobre o funcionamento psicológico dos soldados.
44
Com o desenrolar dos acontecimentos, a necessidade de mobilização dos contingentes para as
diversas frentes de batalha levou a uma revisão da prática da seleção por exclusão, que resultou
na incorporação de homens inicialmente avaliados como vulneráveis, o que permitiu a
constatação de que, em que pese dentro desse grupo as baixas por razões psiquiátricas tenham
sido em maior proporção, estas ficaram bem abaixo da expectativa inicialmente proposta
(WESSELY, 2005).
Ao mesmo tempo, a constatação de que o volume de baixas psiquiátricas variava de acordo com
o rigor da frente de batalha, tendo seus marcos mais contundentes em batalhas como a do
Pacífico e do Norte da África, e também de acordo com o grau de coesão da unidade
operacional, novamente as considerações se voltam para a força dos determinantes ambientais.
Tais constatações levam ao estabelecimento da máxima segundo a qual todo homem tem seu
ponto de ruptura, ou seja, não importa quão bravo ou corajoso, todo homem é vulnerável.
Levaram também à reafirmação da importância do grupo de combate e de sua liderança mais
próxima, como estrutura mediadora primária que habilita o soldado a enfrentar o estresse e a
prevenir o colapso, bem como os danos psicológicos mais duradouros.
Guerreiros de ontem e de hoje enfrentam o mesmo tipo de demandas negativas:
Exposição a ameaças, reais ou antecipadas, à sua integridade e à sua vida.
Exposição a cenas de violência.
Luto pelos companheiros abatidos.
Exposição a doenças e acidentes.
Períodos de medo e ansiedade intensos, alternados com períodos de monotonia e
insatisfação.
Campanhas levadas a cabo longe de seu ambiente de origem ou seu país.
Preocupações com sua família e seu grupo, e saudades de casa.
Condições de vida inadequadas, ou seja, de acampamento ou acantonamento e de
satisfação de necessidades fisiológicas.
Alimentação baseada em rações.
Mesmo que a presença de ameaças seja inquestionavelmente uma importante fonte de estresse,
é necessário se ressaltar alguns aspectos ligados à realidade de acampamento ou
acantonamento dos soldados, que transcendem o mero desconforto físico.
Com relação às condições de “moradia”, Rabinovich (1992) explora em seu artigo a organização
do modo de morar na ausência de paredes ou tetos convencionais. Muito embora seu trabalho
refira a moradores de rua, a autora ilustra como o lugar onde se está é organizado pela pessoa,
como um fenômeno psíquico, de modo a garantir as funções básicas da moradia quais sejam, a
de proteção, cuidados (alimentação e higiene), identificação e cidadania, socialização e de
45
noção de ‘tempo vivido’. Na visão da autora a moradia assume, assim, um papel importante de
intermediação entre a subjetividade e o mundo objetivo.
A inclusão de todos esses aspectos foi consolidando a aceitação de que o resultado de certas
demandas só pode ser compreendido na complexa interação da pessoa, seu grupo social e o
evento ou eventos específicos.
Não obstante a permanência da noção de vulnerabilidade e da tentativa de prevenção através de
seleções exclusivas, passou-se a observar a coexistência com esforços de uma abordagem mais
integrativa dos efeitos das experiências de combate no comportamento humano.
Abram Kardiner é apontado por Schetatsky et al. (2003) como uma figura importante nessa
mudança de paradigma, através de sua obra “As Neuroses Traumáticas de Guerra” a qual,
segundo os pesquisadores, levaram à definição mais recente de Transtorno de Estresse Pós-
Traumático, que será agora abordado.
1.1.3 O TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
Segundo Schetatsky et al. (2003), inspirados por Kardiner, dois psiquiatras americanos, Chaim
Shatan e Robert J. Lifton, no curso do atendimento clínico a veteranos da Guerra do Vietnã,
formularam uma lista de 27 sinais e sintomas comuns às neuroses traumáticas, as quais levaram
à formulação de critérios de inclusão para Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) na
terceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-III), da American
Psychiatric Association, em 1980.
Para Mello e Fiks (2006), o diagnóstico de TEPT é uma extensão sobre o entendimento da
experiência traumática de guerra, a ‘neurose de guerra’ (p.13).
Apesar de seu percurso histórico ligado ao estudo dos transtornos psiquiátricos sofridos pelos
combatentes das duas grandes guerras, e, mais modernamente, pela demanda representada
pela necessidade assistencial aos veteranos da guerra do Vietnam, dentro dessa categoria
foram, depois, inseridas outras síndromes traumáticas, não necessariamente relacionadas a
vítimas de guerra, mas a pessoas confrontadas com outras situações de violência, inclusive de
natureza criminal, ou desastres, estes naturais ou não (FULLERTON; URSANO, 1997).
Para abarcar o novo espectro de utilização desse diagnóstico, inclusive permitindo abranger
situações em que a pessoa sofreu o impacto do estresse por ter avaliado estar em perigo,
mesmo que não estivesse, seus critérios foram mais tarde revisados no DSM-III-R e DSM-IV, o
que ampliou o TEPT para uma noção de, como mencionam Vieira Neto e Vieira (2005) uma
‘neurose de guerra em tempo de paz’.
46
O TEPT pressupõe a presença de um ou mais eventos traumáticos, os quais, segundo Ursano;
McCaughey e Fullerton (2001),
são reconhecidos por sua natureza, pelos efeitos do trauma em indivíduos ou
grupos e pelas respostas individuais ou grupais ao evento [...] são perigosos,
esmagadores e repentinos [...] marcados por sua extrema ou repentina força,
tipicamente causando medo, ansiedade, recuo e evitação [...] têm alta
intensidade, são inesperados, raros e variam em duração de agudos a
crônicos...podem afetar um único indivíduo ou uma comunidade inteira (p.5).
Além disso, sobrepujam a capacidade de enfrentamento do indivíduo ou da comunidade.
Apesar dos cuidados dos pesquisadores e especialistas com relação a pacientes com TEPT ter
extrapolado a esfera dos veteranos de guerra, essa população ainda continua sendo alvo de
interesse de vários estudos (BREWIN; ANDREWS e VALENTINE, 2000).
Não é para menos. A guerra é sabidamente uma situação de extrema adversidade. Vários
elementos atinentes à definição de trauma, para fins de diagnóstico da TEPT, são encontrados
em estados de guerra:
Situação ou evento estressante, de natureza excepcionalmente
ameaçadora ou catastrófica e que provocaria sintomas evidentes de perturbação
na maioria das pessoas (CID-10, p.336).
Um ou mais eventos que envolveram morte ou grave ferimento, reais ou
ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou de outros (DSM-IV-
TR, p. 209-210).
Interessantemente, e de forma consistente com as observações feitas durante a Segunda
Guerra, um estudo metanalítico, conduzido por Brewing, Andrews e Valentine (2000), sobre
fatores de risco para TEPT, apontou que, apesar das limitações devidas à heterogeneidade das
pesquisas incluídas, este foi bem-sucedido em identificar os fracos efeitos dos fatores de risco
pré-trauma, junto com os efeitos ligeiramente mais acentuados para os fatores de risco ligados à
intensidade do trauma e outros pós-trauma, alertando contra tentativas de se construir um
modelo geral de vulnerabilidade para todos os casos de TEPT.
Em uma meta-análise subseqüente, Ozer, Best e Lipsey (2003), chegam a conclusão
semelhante, apontando que os mais fortes preditores de TEPT são os processos psicológicos
peritraumáticos e não as características prévias.
É importante frisar que os trabalhos revisados nessas meta-análises consideraram fatores pré-
trauma (experiências prévias, recursos pessoais etc.) e pós-trauma (rede de apoio, condição de
retorno ao lar, etc.), os quais tiveram, em cada situação, seu papel devidamente mapeado. O
que se destaca aqui é a força da experiência traumática em si, como mais forte preditora para o
desencadeamento da TEPT.
Isso é mais relevante ainda quando se considera a experiência de ex-combatentes que foram
prisioneiros de guerra.
Gold et al. (2000), baseados em estudos epidemiológicos, informam que, se a ocorrência de
TEPT em veteranos de guerra já é alta – cerca de 30%, as mesmas taxas para ex-prisioneiros
47
de guerra sobem para mais de 67%. De acordo com a revisão conduzida por estes
pesquisadores, nesse caso, a severidade da tortura sofrida e a quantidade de peso perdido
durante a captura estariam diretamente relacionadas a maiores taxas e persistência de TEPT.
Além da noção de trauma, é necessário que se aborde também a questão do risco. As pessoas
se mostram preparadas para assumir riscos que lhe façam sentido e quando vêem neles um
propósito, e os militares especialmente.
No militarismo, há riscos que são inerentes à sua natureza e atualmente, ao assumirem suas
funções, os militares optam também por aceitarem aqueles que são pressupostos,
principalmente aqueles sobre os quais sintam que têm escolha, cuja distribuição seja igualitária e
cuja demanda seja de autoridade confiável. Além disso, o próprio regime militar é exigente e
testa as pessoas, para que elas estejam preparadas aos enfrentamentos por demais descritos
(WESSELY, 2005).
Já que existe um entendimento consensual sobre a experiência de guerra como fator de risco, as
pesquisas são unânimes em considerar que, mesmo para soldados treinados, o enfrentamento
das situações previsíveis (combate tradicional, ameaças à vida e à integridade física,
desconforto ambiental) e imprevisíveis (exposição a atrocidades, sujeição a violência, risco de
captura e tortura, lidar com a morte de companheiros e/ou com corpos mutilados), por seu forte
potencial estressógeno, estão associados ao desenvolvimento de doenças.
Assim, acrescenta-se o ‘elemento surpresa’ como potencializador das experiências traumáticas
que podem eliciar reações de estresse em operações de guerra. Algumas delas poderiam se
referir à noção de ‘guerra injusta’, ou algo que não se antecipou através do treinamento, e
portanto não foi ‘dessensibilizado’, ou que mobilizaram conflitos entre aspectos de culpa e
fascínio ligados à guerra. Resumindo, de acordo com Marlowe (2006), algo que tenha saído da
esfera da crença, expectativa, explicação e atribuição.
Voltando à aviação militar, essas considerações sobre o envolvimento humano em
operações de guerra acrescentam um colorido dramático às suas vicissitudes, anteriormente
discutidas.
Essa exposição também torna clara a utilidade da Teoria do Estresse como ponto de partida
para a compreensão de como os humanos enfrentam a adversidade.
Paradoxalmente, apesar das reações ao estresse ilustrarem uma plasticidade adaptativa, grande
parte dos escopos de pesquisa sobre o assunto discutem o enfrentamento do estresse sob o
ponto de vista da possibilidade de adoecimento ou, de uma forma mais pessimista, dos limites
do corpo e do indivíduo em lidar com fatores ambientais e vivenciais adversos.
Mas é a própria discussão sobre TEPT que vem reiteradamente levantando questionamentos
complementares:
48
Por quê alguns indivíduos submetidos a situações traumáticas cursam com esse tipo de
transtorno, ou com outros tipos de patologias, e outros não? Mais do que isso, por quê alguns
indivíduos demonstram não só ter sobrevivido sem o desenvolvimento de morbidades, como
também ter apresentado evidências de fortalecimento?
É a partir da própria discussão dos transtornos de estresse pós-traumáticos que se pode abrir
uma outra perspectiva de análise, agora sob o ponto de vista da adaptação positiva, através do
conceito de Resiliência, como se verá a seguir.
1.2 RESILIÊNCIA
Um dos autores que explicitamente buscam essa superação é Bonanno (2004, 2005; MANCINI;
BONANNO, 2006). Esse autor argumenta que a maioria das pessoas é exposta, pelo menos
uma vez na vida, a situações de perda ou trauma e que a variedade de possibilidades inclui
desde intensas respostas de mal-ajustamento até respostas de relativo ajustamento, sendo
possível também uma resposta favorável de início, sucedida por respostas de mal-ajustamento,
mas critica a idéia de que as reações a perdas ou traumas são necessária e potencialmente
patológicas, passíveis de acompanhamento terapêutico.
Bonanno, através dos estudos acima citados, defende fortemente a idéia de que resiliência é um
processo mais comum do que a literatura científica tem até aqui considerado e faz uma
interessante contraposição com as pesquisas de estresse pós-traumático. Citando dados de
pesquisa sobre o recentemente definido transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) critica as
abordagens que valorizam seu desenvolvimento – em 40% da população, na pior das hipóteses
– embotando, assim, a evidência de que a maior parte da população ou se recupera do trauma
ou não sofre descontinuidade no curso normal de sua vida, a despeito do enfrentamento e do
sofrimento.
Resiliência, para Bonanno, refere-se a esse último padrão de resposta sendo, portanto, mais do
que a capacidade de recuperação. Em contraponto a alguns tipos de pesquisa, insiste que
disfunção não pode ser completamente compreendida sem uma profunda compreensão sobre
saúde e resiliência.
Não obstante a objeção de Bonanno, é comum a citação de resiliência nas publicações relativas
a pesquisas sobre TEPT, mesmo que de forma restrita.
Ursano, McCaughey e Fullerton (2001), por exemplo, definem que uma experiência traumática é
reconhecida pela natureza do evento, pelos efeitos do trauma sobre indivíduos e grupos e pelas
respostas dos indivíduos e grupos ao evento.
49
Pela mesma linha de raciocínio, Ai e Park (2005) constatam que, de fato, nem todas as pessoas
que experimentam violento trauma desenvolvem TEPT e, além disso, há pesquisas evidenciando
que uma parcela relata, sem negar o impacto da experiência, terem amadurecido como resultado
da exposição a um violento estresse, como por exemplo terem adquirido uma perspectiva mais
ampla, novas habilidades de enfrentamento e o desenvolvimento de recursos pessoais e sociais.
As autoras questionam em seu artigo porque algumas pessoas cursam dessa maneira e outras
não, enquanto propõem o alinhamento de pesquisas nas áreas da Psicologia Positiva, da
espiritualidade e do desenvolvimento relacionado ao estresse como alternativa às pesquisas
baseadas na vitimologia e na patologia, possibilitando novas evidências sobre os sobreviventes
de violência e trauma.
É comum também a utilização de uma abordagem multifatorial desse transtorno, próxima a do
conceito de Resiliência, como observaram Neder e Pereira , M., (2005) em seu artigo de revisão
empírica de literatura.
Nesse trabalho, as autoras constatam esse tipo de abordagem na proposta de North et al. (2002)
ao estudarem desordens psiquiátricas em bombeiros que trabalharam como voluntários no
resgate de vítimas ou recuperação de corpos após o episódio da bomba em Oklahoma City.
Comparando-os com um grupo masculino de vítimas primárias, os autores encontraram uma
prevalência significativamente baixa de PTSD nos voluntários (13% contra 23% nas vítimas),
atribuindo esse resultado à seletividade da carreira, à voluntariedade da participação, seu
preparo e experiência na abordagem de vítimas de trauma, o fato de terem sofrido menos
ferimentos e por terem sido submetidos a intervenções pós-desastre (debriefing). A despeito
disso, o estudo dessa população revelou a alta prevalência de abuso de álcool encontrada,
independentemente da experiência com o desastre, sendo que as desordens psiquiatrias pós-
desastre foram quatro vezes mais comuns no grupo com história prévia de psicopatologia,
agravadas pelo abuso de álcool.
Em outro estudo sobre traumas relacionados à experiência de prisioneiro de guerra, Nerya
(2001), ao enfocar as perdas tangíveis (físicas por ferimentos, desaparecimento ou morte de
amigos e comandantes) e intangíveis (perda de autonomia, dos ideais e valores prévios, dos
antigos papéis sociais, da dignidade e auto-estima e dos aspectos essenciais da identidade
anterior) associadas a essa condição, vale-se de dois estudos de caso para ressaltar a
importância das estratégias individuais de enfrentamento, perdas traumáticas pré-captura e do
apoio social no retorno ao lar, no impacto e duração dos traumas relacionados a tais perdas em
prisioneiros.
Em dois trabalhos complementares, King et al. (1998, 1999), estudando a prevalência de PTSD
em uma amostra nacional de veteranos, da Guerra do Vietnam, homens e mulheres, retirada
dentre os participantes do National Vietnam Veterans Readjustment Study (NVVRS), refutam a
50
idéia da linearidade entre o grau de exposição ao evento estressante e a ocorrência e gravidade
dos sintomas desenvolvidos como exclusiva forma de compreensão dessa ocorrência.
Sustentados pelos achados de seus trabalhos anteriores, esses autores defendem que a
ocorrência e gravidade da PTSD devem se analisadas como uma extensa rede de variáveis
inter-relacionadas, incluindo fatores de risco pré-guerra, estressores da zona de guerra e
variáveis de resiliência-recuperação.
Outro interessante trabalho revisado apontava para um fator de risco envolvendo militares em
tempo de paz. Eid e Johnsen (2002), estudando reações agudas de estresse após acidentes de
submarino, abordam-nas sob a perspectiva da Resiliência, ao levantarem “fatores de resiliência”
(estilos de enfrentamento, coesão da unidade
1
) e “fatores de vulnerabilidade” (exposição prévia a
incidentes críticos, experiência pessoal de não enfrentamento na situação de acidente).
Destacando que servir em submarino é amplamente reconhecido como a mais estressante e
psicologicamente exigente das formas de serviço militar, o enfoque desses autores acentua que
os relativamente baixos níveis de reações de estresse agudos nessa população devem-se a um
conjunto de fatores que incluem a rigorosa seleção e treinamento de cada tripulante, o “espírito
de corpo”, associado à clara liderança e a uma bem estabelecida estrutura de comando,
características das tripulações de submarino, os quais desempenhariam um importante papel na
adaptação bem-sucedida a situações altamente estressantes.
É compreensível que, ainda que se mantendo fortemente relacionadas ao estudo de crianças e
adolescentes em situações de risco (Johnson, 2004), as pesquisas sobre Resiliência venham se
estendendo cada vez mais para outros tipos de população.
Segundo Tusaie e Dyer (2004), as raízes do construto resiliência podem ser encontradas em
dois corpos de pesquisa, quais sejam, sobre os aspectos psicológicos das estratégias de
enfrentamento e sobre os aspectos fisiológicos do estresse. Resiliência, porém, focaliza os
resultados positivos ao invés das doenças.
Chama também a atenção o fato de que, semelhantemente ao Estresse, o termo Resiliência é
originariamente aplicado ao estudo da resistência dos materiais, em cujo contexto diz respeito “à
propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido
submetidos a uma deformação elástica” (HOUAISS, 2001).
No meio aeronáutico o termo é familiar para os especialistas do Fator Material e é um conceito
importante na indústria aeronáutica.
sobre o Homem, esse termo vem sendo empregado para traduzir a capacidade observada, em
alguns indivíduos, de adaptar-se positivamente às adversidades, superando as expectativas para
seu ajustamento nessa condição. Cabe aqui a metáfora da flexibilidade, plasticidade e
resistência.
1
No sentido de “espírito de corpo”.
51
Agaibi e Wilson (2005), na análise léxica que fazem, agregam esse duplo sentido ao qual a
palavra remete, ou seja, a uma propriedade do material, com relação à habilidade de um objeto
de restaurar sua forma estrutural original, apesar de ser temporariamente alterada por forças
externas que dobrariam ou comprimiriam sua forma, conotando elasticidade, flexibilidade e força.
Ao mesmo tempo remete à noção de qualidade de caráter, personalidade e habilidade de
superação, uma capacidade de domínio e retorno ao funcionamento normal após estresse
excessivo que desfia as habilidades individuais de superação. Fica claro, então, que a
propriedade da resiliência aplica-se a diversos fenômenos comportamentais, em variados
contextos.
O estabelecimento desse conceito teve sua origem nas pesquisas longitudinais focalizadas no
estudo de crianças criadas em condições de vida tidas como favoráveis para o desenvolvimento
de psicopatologias ou de mal-ajustamento.
Destacam-se aqui os trabalhos de Werner, que acompanhou por 32 anos cerca de 500 pessoas
da ilha de Kauai, no Havaí, vivendo em condições de extrema pobreza (MELLILO e OJEDA,
2005).
Outro conjunto de pesquisas que merece destaque foi conduzido por Anthony e seu grupo
(ANTHONY e COHLER, 1987), acompanhando o desenvolvimento de crianças sendo criadas
por pais psicóticos, tendo, portanto, alto risco genético para esse tipo de psicopatologia e
vivendo em um ambiente familiar prejudicado.
Em outro corpo de pesquisas, descrito por Masten et al (1992), Garmezy e um grupo de
pesquisadores sob o consórcio Projeto Competência, estudaram grupos de crianças
pertencentes a amostras normativas comparativamente com outras amostras compostas por
crianças sob alto risco de desenvolvimento mal-adaptativo em virtude de pais portadores de
doenças mentais, de possuírem algum tipo de deficiência física ou de deficiência congênita.
Em comum, esse corpo de evidências foi surpreendendo ao demonstrar que, a despeito das
condições de vida altamente desfavoráveis, nem todas as crianças confirmavam a expectativa
de desenvolvimento de algum tipo de perturbação ligada epidemiologicamente a cada um dos
fatores de risco.
Segundo Anthony e Cohler, “como primeiro reconhecimento entusiasmado da existência desse
grupo anômalo, o termo ‘invulnerável’ foi a ele aplicado” (1987, p.148, trad. da autora).
Acreditava-se que, por questões ligadas a algum tipo de favorecimento constitucional, algumas
dessas crianças seriam imunes aos estressores de seu ambiente. Em pouco tempo, entretanto,
essa atribuição de invulnerabilidade se mostrou questionável, além do que evidências de
condições outras em suas vidas, principalmente a presença de algum tipo de suporte de sua
rede de relacionamentos, determinavam muito mais uma maneira de reagir àquelas condições
do que de ser imune a elas. O termo resiliência passou então a nomear essa competência.
52
Assim, na linha das pesquisas sobre competências e vulnerabilidades, algumas constatações
foram se delineando. A primeira delas é que a resiliência está relacionada ao crescimento e
desenvolvimento humanos, salientando a importância de que os indivíduos tenham satisfeitas
necessidades de apoio e suporte, principalmente de caráter emocional, específicas à sua etapa
de desenvolvimento. A segunda, complementarmente, ressalta a importância do tipo de
interação dessas crianças com seu ambiente. A terceira diz respeito à necessidade de se
abordar competência considerando-se seu caráter multifatorial e, finalmente, que resiliência não
pressupõe um comportamento competente em todas as áreas, mas a possibilidade do
desenvolvimento de compensações às vulnerabilidades ou riscos que acompanham as
condições de vida.
Ao mesmo tempo em que o interesse sobre o assunto foi alcançando várias especialidades
científicas e estendendo o estudo a adultos, o foco principal das abordagens continuou sendo o
indivíduo, e quais as características dos então denominados ‘resilientes’, mesmo que, cada vez
mais essas questões passassem a ser abordadas sob um enfoque contextual, ressaltando os
aspectos de interação do indivíduo com seu ambiente.
De um enfoque inicial mais centrado nas características individuais dos assim chamados
“resilientes” , como sinônimo de pessoas invulneráveis ou, mais tarde, competentes diante de
enfrentamentos, as pesquisas foram cada vez mais revelando, na medida em que avançavam, o
aspecto multifatorial e processual, com respeito à Resiliência. Isso se deveu ao fato de que, ao
analisar os mecanismos dessa competência, mais e mais passaram a ser considerados não
somente seus aspectos intrapsíquicos, como também fatores ambientais mais amplos e seu
dinamismo.
O termo Resiliência vem passando por uma transformação conceitual ao longo das últimas três
décadas, na medida em que as pesquisas avançam, e ao passo em que se torna cada vez mais
freqüentemente objeto de interesse científico.
Sobre a conceituação de Resiliência diferentes autores entendem-na como:
A habilidade de adultos, para além de circunstâncias normais, e que são expostos a um evento
isolado e potencialmente disruptivo, para se manter relativamente estável, com funcionamento
mental e físico em níveis saudáveis (MANCINI; BONANNO, 2006).
A capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências
de adversidade (GROTBERG, 2005).
A habilidade de se adaptar e superar de forma bem-sucedida situações ameaçadoras ou
desafiadoras [apresentando] um bom resultado a despeito das altas demandas, custos, estresse
ou risco (AGAIBI; WILSON, 2005).
O pólo positivo do onipresente fenômeno das diferenças individuais das respostas ao estresse e
adversidade (RUTTER, 1992).
53
As forças psicológicas e biológicas exigidas para atravessarmos com sucesso as mudanças em
nossas vidas (FLACK, 1991).
A atitude de resistir à destruição, isto é, de preservar a integridade em circunstâncias difíceis e
de reagir positivamente apesar das dificuldades (VANISTENDAEL, 1994).
Um processo dinâmico, abrangendo adaptação positiva dentro de um contexto de significativa
adversidade (LUTHAR; CICHETTI, 2000).
Uma combinação de habilidades e características que interagem dinamicamente para permitir ao
indivíduo superar, enfrentar de forma bem-sucedida e funcionar acima da norma a despeito de
significativo estresse ou adversidade (TUSAIE; DYER, 2004).
O conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento de uma
vida sadia, mesmo vivendo em um ambiente não sadio (PESCE et al., 2004).
Muito embora bastante semelhantes, esse destaque aos conceitos sobre Resiliência permite que
se discutam duas principais abordagens ao assunto.
Na primeira delas, resiliência pode ser vista como um repertório complexo de tendências
comportamentais, na medida em que remete à possibilidade responsiva do sujeito.
Vários estudos apontam exemplos desse repertório.
Job (2000), através de um estudo qualitativo sobre as características comuns a testemunhas do
holocausto, categorizou-as segundo quatro padrões de resiliência:
1) Padrão disposicional: Características disposicionais, recursos pessoais que pode fazer uso
em qualquer tempo, demonstrados pelos
a) Atributos físico - São exemplos a inteligência, melhor desempenho acadêmico, história
prévia de boa saúde, boa aparência física e competência atlética.
b) Atributos psicossociais - senso de domínio e consciência do próprio valor, auto-estima,
autoconfiança, crença na própria eficiência, autonomia, auto-realização e humor.
2) Padrão relacional: São as características dos papéis individuais frente aos relacionamentos.
a) Aspectos intrínsecos – Ter a capacidade de espelhar-se de modo positivo em outra
pessoa e daí derivar bem-estar, ter a liberdade de identificar e se relacionar com
modelos de pais de forma positiva, ter a habilidade de contar com relações pessoais
mais íntimas ou com confidentes.
b) Aspectos extrínsecos – Ter múltiplos interesses e hobbies, ter compromisso constante
com educação, trabalho e atividades sociais, suporte social, interações positivas com a
família, amigos e outros companheiros.
3) Padrão situacional: São características que se manifestam nas diversas situações comuns
ou frente a estressores – Ter habilidade para avaliações cognitivas, para resolução de
54
problemas, para julgar e agir ciente das expectativas e das conseqüências da ação, ter
ciência do que pode ou ao ser levado a cabo, ter a capacidade de adequadamente limitar os
objetivos, perceber as mudanças no mundo, aprender com a prática, refletir sobre as
situações, apresentar flexibilidade, perseverança, engenhosidade, autocontrole, senso de
curiosidade, exploração da natureza, criatividade.
4) Padrão de crenças pessoais, filosóficas, religiosas, no destino: Consiste na crença de
que o autoconhecimento, da reflexão sobre si e da natureza dos fatos que ocorrem consigo
são plenos de significados pessoais, que motivam o existir - Convicção de que o futuro será
melhor, perceber os fatos ocorridos como experiências ricas em sentido pessoal, crença de
que a vida tem sentido e tem valor e propósito, crença que cada pessoa tem um caminho
que é pessoal e único.
Flach (1991) baseado em observações de pessoas, arrola alguns atributos da resiliência:
um forte e flexível sentido de auto-estima;
independência de pensamento e ação, sem medo de depender de outros ou
relutância em ficar nessa condição de dependência;
a habilidade de dar e receber nas relações com os outros, e um bem estabelecido
círculo de amigos pessoais, que inclua um ou mais amigos que servem de
confidentes;
um alto grau de disciplina pessoal e um sentido de responsabilidade;
reconhecimento e desenvolvimento de seus próprios talentos;
mente aberta e receptiva a novas idéias;
disposição para sonhar;
grande variedade de interesses;
apurado senso de humor;
percepção de seus próprios sentimentos e do sentimento dos outros, e capacidade de
comunicar esses sentimentos de forma adequada;
grande tolerância ao sofrimento;
concentração, um compromisso com a vida, e um contexto filosófico no qual as
experiências pessoais possam ser interpretadas com significado e esperança, até
mesmo os momentos mais desalentadores da vida. (p.123-4).
Agaibi e Wilson (2005), revendo a literatura sobre resiliência, apontam que ela está relacionada à
curiosidade e superioridade intelectual, assim como à habilidade de detalhar e conceitualizar
problemas; inclui também características altamente extrovertidas de personalidade (coragem,
ego-resiliência, auto-estima, assertividade, auto-controle) e a capacidade de mobilizar recursos
(p. 198).
55
Sobre personalidades resilientes, Pereira, A. (2002) consolida os seguintes atributos, apontados
por diversas pesquisas: autoconfiança, crença em si e no que se é capaz de fazer, percepção de
controle sobre os acontecimentos, gostar e/ou aceitar mudanças e encarar o estresse como
desafio, inteligência, sucesso na escola, não delinqüência, saúde, autoconceito e auto-estima
positivos, lócus de controle interno (acreditar que as conseqüências obtidas numa determinada
situação dependem do seu comportamento e de suas aptidões pessoais) e estabilidade
emocional.
Tusaie e Dyer (2004) também consolidam achados de pesquisas iniciais em resiliência,
focalizadas em fatores intrapessoais, incluindo:
1) fatores cognitivos:otimismo, inteligência, criatividade, humor e um sistema de crenças que
provê significado existencial, uma narrativa coesa de vida e uma apreciação de si mesmo
como único.
2) competências específicas: habilidades sociais, habilidades educacionais, memória acima
da média, atratividade física. (p. 4).
Falando especificamente sobre resiliência psicológica e relacionando-a à experimentação de
emoções positivas – gratidão, interesse, amor, Tugade, Fredrickson e Barret (2004), anotam
várias pesquisas, com diferentes abordagens, que se referem às seguintes características
individuais:
Indivíduos que reportam resiliência, como forma de enfrentamento, abordam a
vida com energia e bastante entusiasmo, são curiosos e abertos para novas
experiências, usam emoções positivas para obter resultados efetivos de
enfrentamento através do humor, apresentam exploração criativa, são mais
relaxados e têm pensamento otimista. Além disso, são hábeis em eliciar
emoções positivas nos demais, criando uma rede de apoio em auxílio ao seu
enfrentamento e são capazes de compreender a complexidade de suas
emoções, valendo-se desse entendimento para adaptar-se com flexibilidade e
mais recursos em resposta às circunstâncias negativas (p. 1169).
À medida que avançam, as pesquisas sobre resiliência provocam a constatação de que os
estudos sobre características individuais são necessários mas não suficientes para ajudar a
compreender o seu caráter complexo, dinâmico e contextual. Luthar, Cichetti e Becker (2000),
por exemplo, enfatizam a necessidade de que o foco das pesquisas avance do interesse
descritivo para a elucidação de questões ligadas ao processo de desenvolvimento.
Assim, como se pode depreender de uma segunda tendência nas conceituações anteriormente
citadas, resiliência pode também ser vista como um processo, por depender da interação de
diversos fatores, de origem endógena, ambientais e relacionais.
Esse tipo de abordagem é bem explicitado por Grotberg (2005), para quem, como processo, fala-
se de fatores de resiliência, comportamentos resilientes e resultados resilientes. Essa autora
propõe a organização dos fatores de resiliência em quatro categorias, quais sejam:
1. Eu tenho (apoio)
56
2. Eu sou, e
3. Eu estou (relativo ao desenvolvimento da força intrapsíquica)
4. Eu posso (aquisição de habilidades interpessoais e resolução de conflitos). (p. 16-
17).
Quanto a condutas resilientes, a autora postula que estas requerem fatores de resiliência e
ações, supondo a interação dinâmica de fatores, os quais vão mudando ao longo das etapas de
desenvolvimento. A conduta resiliente exige se preparar, viver e aprender com as experiências
adversas (p.17).
Além disso, abordar resiliência como processo envolveria:
1. A promoção de fatores de resiliência acima descritos.
2. O compromisso com o comportamento resiliente, que pressupõe a interação
dinâmica dos fatores de resiliência, atuando na seguinte seqüência:
(1) Identificação da adversidade, e
(2) seleção do nível e do tipo de resposta adequados,.
3. Avaliação dos resultados da resiliência, através:
(1) do aprendizado com a experiência;
(2) da estimativa do impacto sobre os outros, e
(3) do incremento do sentido de bem-estar e melhoria da qualidade de vida.
A respeito da estimativa do impacto sobre os outros, é muito oportuna a observação de Araújo
(2006), sobre as questões éticas na avaliação do comportamento resiliente, lembrando que, a
despeito da forte vontade de viver evocada em situações extremas, a astúcia, o logro, a
esperteza e a mentira não podem ser admitidas, pois tal processo não se manteria em longo
prazo.
Fala-se de Resiliência considerando-se também dois outros conceitos: adversidade e fatores de
proteção.
Por adversidade ou risco entendem-se as circunstâncias negativas da vida, estatisticamente
associadas com dificuldades de ajustamento (ARAÚJO, 2006). A adversidade é vista como uma
condição que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo para o desenvolvimento de variadas
formas de psicopatologias ou comportamentos não eficazes, ou suscetibilidades para um
resultado negativo no desenvolvimento (PESCE et al., 2004). Adversidade pode designar uma
constelação de múltiplos fatores de risco ou uma situação de vida específica (INFANTE, 2005).
Fatores de proteção, ou mecanismos de proteção, como mais apropriadamente preferem autores
como Rutter (1993), caracterizam-se por:
57
a) reduzirem o impacto do risco por seu efeito sobre o mesmo ou por alterar grau de
exposição ou envolvimento com o risco;
b) reduzirem a probabilidade de reações em cadeia negativas que conduzem ao risco;
c) promoverem a auto-estima e a auto-eficácia através da presença de relacionamentos
pessoais seguros e suportivos ou pelo sucesso na boa realização da tarefa, e
d) criarem oportunidades positivas (p. 630).
Referem-se, enfim, a aspectos do processo de enfrentamento que representam mudanças na
trajetória de vida do risco para a adaptação (RUTTER,1992, p. 189) e contrapõem-se ao risco,
atenuando ou minimizando seus efeitos.
Apesar de alguns elementos e características individuais serem considerados como fatores de
proteção, pela probabilidade sustentada por pesquisas científicas – como saúde, inteligência,
suporte social entre outros já vistos - é o estudo particularizado e detalhado de cada situação de
enfrentamento bem-sucedido que irá determinar qual o papel, de risco ou proteção, que cada
elemento presente no processo teve na dinâmica e no resultado final. Reforçando essa idéia,
tem-se que alguns componentes específicos podem se apresentar como fator de proteção em
um contexto ou fator de risco em outro.
Enfatizando o aspecto promissor de se trabalhar com o conceito de resiliência de forma
processual, Infante (2005) aponta que a correta definição de cada um dos componentes desse
conceito – adversidade, adaptação positiva e resiliência, permite também a sua respectiva
medição.
A autora propõe três formas de medição dos fatores de risco ou adversidade:
a) Por meio de múltiplos fatores, para o que se pode recorrer a escalas de eventos
negativos de vida, desde que devidamente validadas.
b) Pela constatação de situações de vida específicas, cuja natureza de risco seja
determinada pela sociedade, pelos indivíduos ou por pesquisadores.
c) através da constelação de múltiplos riscos, através do mapeamento das fontes de
adversidade, que deve levar em conta a base de valores e crenças da própria
comunidade.
Com relação à medição da adaptação positiva, a mesma autora aponta as seguintes estratégias:
a) Adaptação segundo fatores múltiplos, com base na obtenção de metas, sendo
importante sua relação com a definição de risco.
b) Ausência de desajuste, que fica restrita aos casos de extremo risco relacionados à área
clínica.
c) Constelação de adaptação, que se baseia em diferentes condutas ou tipos de adaptação,
incorporando provas e escalas, além da opinião de outras pessoas.
58
Para a medição do processo de resiliência, remetendo à união crítica entre adversidade e
adaptação positiva, propõe dois modelos:
a) Modelo baseado em variáveis, a partir da análise estatística das conexões entre variáveis
de risco ou adversidade, resultados esperados e fatores de proteção que possam
compensar ou proteger os efeitos do risco a partir de um marco conceitual.
b) Modelo baseado em indivíduos, que utiliza a comparação de indivíduos ao longo do
tempo, elaborando hipóteses sobre as causas da diferença no resultado de adaptação.
Ojeda (2005) propõe a transposição do conceito de Resiliência, assim como do enfoque do
observador, para a abordagem dos processos de enfrentamento e adaptação positiva em
comunidades.
Defendendo que um paradigma para o coletivo e comunitário permitiria estimar o grau de
resiliência de um grupo diante de eventos catastróficos, tanto para fins de prognóstico quanto
para o planejamento de ações orientadas para o seu fortalecimento.
Para essa transposição, Ojeda propõe a noção de pilares de resiliência comunitária, aos moldes
do que Wolin estabelece para os indivíduos (OJEDA, 2005, p. 50). Seriam eles:
1. Auto-estima coletiva: Entendida como uma atitude de orgulho pelo lugar onde se vive.
2. Identidade Cultural: Relativa à persistência do ser social em sua unidade e identidade,
expressa por seu folclore, valores, expressões idiomáticas, por exemplo. A identidade
cultural permitiria ao grupo enfrentar a influência de culturas invasoras sem significar,
obrigatoriamente, inflexibilidade quanto ao conato multicultural necessário e inevitável em
nossos dias.
3. Humor social: Relativo à capacidade de “expressar em palavras, gestos ou atitudes
corporais os elementos cômicos, incongruentes ou hilariantes de uma situação, obtendo
um efeito tranqüilizador e prazeroso”, implicando também na possibilidade de encontrar
respostas inovadoras e criativas diante dos desafios.
4. Honestidade estatal: Que diz respeito ao manejo decente e transparente da coisa
pública.
A cada um desses pilares se contraporiam os antipilares, segundo Ojeda, que seriam o
malinchismo, fatalismo, autoritarismo e a corrupção, os quais teriam o efeito de inibir a
capacidade de resposta positiva das comunidades diante das adversidades ou riscos.
Concluindo, não obstante essa trajetória, marcada por tentativas de melhor definição de todos os
aspectos da resiliência, assim como pela ampliação de seu escopo inicial, o construto ainda se
apresenta como objeto de discussões acadêmicas (LUTHAR, CICCHETTI; BECKER, 2000;
LUTHAR; CICCHETTI, 2000; MILLER, 2003; ROOSA, 2000). Mesmo assim, alguns pontos
59
consensuais em sua utilização revelam-no como bastante promissor como tipo de abordagem,
inclusive na área da aviação, como aqui se propõe.
1.2.1 RESILIÊNCIA E ATIVIDADE AÉREA
Apesar do crescente volume de pesquisas que têm resiliência como Mesh term
2
, no meio
aeronáutico esse termo ainda encontra-se restrito à área da resistência dos materiais, remetendo
ao seu conceito primário.
Uma busca pelos principais bancos de dados para pesquisa em saúde facilmente ilustra esse
fato, conforme demonstra a Tabela 1, abaixo:
Tabela 1
Resultado de Busca em Bases de Dados para a palavra Chave Resiliência
Base de Dados
Medline Scielo PubMed Lilacs Cochrane PsyInfo
Palavra Chave
1966-1995 1996-2006
Até 2006
Resilience 306 1277 38 1315 54 52 106
Resiliência 0 3 42 45 96 0 96
Resilience and Aviation 0 2 0 2 0 0 0
Resiliencia and Aviación 0 0 0 0 0 0 0
Resilience and Psych$ 0 5 0 5 0 4 4
Resilience and War 8 25 0 25 3 3 6
Resiliência and Guerra 0 0 0 0 3 0 3
Resiliência and Guerra and Psi$ 0 0 0 0 0 0 0
Resilience and War and Psych$ 0 0 0 0 0 0 0
Resilience and PTSD 11 80 0 80 1 3 4
Resultados obtidos pelo cruzamento da palavra chave resiliência com delimitadores de assunto para aviação, saúde mental,
guerra e síndrome de estresse pós-traumático, em bancos de dados de literatura científica nas áreas da saúde e da Psicologia.
Das publicações encontradas, apenas duas registram, porém de maneira restrita, o construto
resiliência aplicável à área da saúde.
Na primeira delas, Bartone et al. (1989), estudando os riscos de saúde experimentados por 131
oficiais que prestaram assistência a familiares de 248 soldados mortos em um acidente
2 Medical Subject Heading, utilizado para padronização de termos e permite a recuperação, em bancos de dados, de trabalhos científicos por palavra-chave
60
aeronáutico, refere-se a uma “resiliência disposicional” como equivalente a um estilo “resistente”
de personalidade a qual, interagindo com apoios sociais, desempenham uma função protetiva
diante da possibilidade de adoecimento desses profissionais face ao estresse ao qual se
expõem.
Em outra, Jones e Marsch (2001), na área de medicina aeroespacial militar, ressaltando a
importância do processo de seleção e certificação psiquiátricas de pilotos militares, destacam,
não só a ausência de desordens mentais, mas também, como critérios de inclusão, a presença
de qualidades positivas como a motivação, a habilidade, a estabilidade, maturidade, capacidade
de atenção, percepção, antecipação e julgamento para tomada de boas decisões, antes e
durante um vôo, e a intrepidez e resiliência (grifo da autora) para suportar prolongados
estressores e as vicissitudes durante a carreira.
Apesar de evidentemente utilizado de maneira até aqui restrita, considera-se que o conceito de
resiliência abre perspectivas bastante promissoras para pesquisas sobre fatores humanos no
meio aeronáutico, especialmente na consideração dos enfrentamentos típicos da aviação de
modo geral e, em particular, da aviação militar.
Objetivando o risco assumido, condição bem diferente da exposição inconseqüente ao perigo,
medido através da manutenção do desempenho ótimo, mesmo, ou a despeito de, condições
adversas, o piloto militar é levado a estender seu limite humano natural frente às demandas, de
modo a se apresentar constantemente pronto para reagir de forma operacional e perfeitamente
adaptada à máquina.
Historicamente, o maior desafio da aviação militar brasileira foi determinado pela participação do
Primeiro Grupo de Aviação Caça Brasileiro nas atividades do Teatro de Operações do
Mediterrâneo, durante a Segunda Guerra Mundial, como se verá a seguir.
2 - CONTEXTO HISTÓRICO
A fim de inserir a experiência do 1º GAvCa no contexto no qual ela se desenvolveu, serão a
seguir relatados os principais aspectos do momento histórico que a emoldurou. Serão
apresentadas informações relativas ao desenvolvimento da aviação militar no Brasil até o
momento da criação do 1º GavCa. Serão também relatados os principais eventos no desenrolar
da Segunda Guerra Mundial, e sua influência nos acontecimentos internos do País, culminando
com a decisão do envio de contingentes brasileiros ao Teatro de Operações da Itália.
Finalmente, a própria história da criação e da participação do 1º GAvCa na Segunda Guerra
Mundial será relatada, com especial ênfase à Presidential Unit Citation, conquistada pelo Grupo
como resultado bem-sucedido de sua participação.
2.1 A AVIAÇÃO MILITAR NO BRASIL ATÉ A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
“Ao Sr. Embaixador do Brasil junto à sociedade das Nações, Genebra.
Senhor Embaixador,
Dentro em pouco se realizará uma Conferência Internacional visando à limitação
dos armamentos em todos os países do mundo civilizado.
Li, em diversos jornais, que se pretende, entre outras questões, limitar a ação
dos submarinos, proibindo que tomem parte ativa nas guerras futuras, porém,
que eu saiba, não se cogitou da Aeronáutica.
Entretanto, sabe-se do que são capazes os engenhos aéreos, seus feitos
durante a última guerra nos permitiram entrever, com horror, o grau de
destruição a que poderiam, d’ora avante, atingir, como semeadores da morte,
não só entre as forças combatentes, mas também, infelizmente, entre os
inocentes da retaguarda.
Os que, como eu, foram os humildes pioneiros da conquista do ar, pensavam
antes em criar novos meios de expansão pacífica entre os povos, que em
fornecer-lhes novas armas de combate.
Se da Conferência acima citada pudesse resultar a abolição da guerra
submarina, quantas belas unidades navais, já existentes, se poderiam então
consagrar ao estudo das profundezas marítimas ainda desconhecidas e quanto
progresso poderia advir para a ciência oceanográfica!
Seria desejável que o papel futuro da Aeronáutica, em todas as suas formas de
emprego, fosse igualmente benéfico, e é esta idéia, Senhor Embaixador, que eu
seria feliz em submeter à Conferência, por vosso intermédio.
Estou disposto a oferecer um prêmio de dez mil francos a ser dado, mediante
concurso, a pessoas de qualquer profissão, pela melhor obra escrita, tendo
62
como assunto a interdição dos engenhos aéreos como arma de combate e de
bombardeio.
Um júri poderia ser constituído sob o patrocínio da Conferência ou sob o vosso
individual, Senhor Embaixador, e eu me prestaria, de bom grado, a fixar,
previamente, todos os detalhes desse concurso que eu não hesitaria em
classificar de, primordialmente, humanitário.
Com meus agradecimentos antecipados, peço-vos, Senhor Embaixador, que
aceiteis minhas homenagens e que creiais em minha distinta consideração.
Santos=Dumont
Mégève, França, 14 de janeiro de 1926”
Tradução do original francês da carta enviada, por Alberto Santos=Dumont ao
Embaixador do Brasil junto à Sociedade das Nações, Dr. Afrânio de Mello
Franco. (Lavenére-Wanderley, 1975, p. 47-8).
O Brasil e a Aviação têm uma estreita e antiga afinidade. Coube ao padre jesuíta Bartolomeu
Lourenço de Gusmão, natural de Santos, São Paulo, a invenção do balão, cujo alvará lhe foi
concedido pelo Rei D. João V em 1709. Marcando o outro extremo dessa trajetória, tem-se o
memorável feito de outro ilustre brasileiro, Alberto Santos=Dumont, que, em 23 de outubro de
1906, finalmente deu à humanidade autonomia sobre os ares, através do vôo do seu 14-Bis.
Apesar das previsões e das evidentes preocupações de Santos=Dumont, a conquista do ar
sempre teve como desdobramento sua aplicação em atividades bélicas.
Mais do que isso, a história registra que as duas grandes guerras, que envolveram o mundo
ainda na primeira metade do século XX, foram decisivas para o desenvolvimento e difusão da
indústria aeronáutica, e conseqüentemente da atividade aérea.
Pouco antes, o desenvolvimento dos aeróstatos permitiu que estes tivessem aplicação em
campos de batalha como aparatos de observação aérea do campo inimigo, mais efetivos e
abrangentes do que a construção de torres de observação ou a utilização de elevações do relevo
geográfico. Tripulados por observadores militares, facilitavam o levantamento de situação,
assessorando comandantes quanto à análise e tomadas de decisão.
O advento do mais-pesado-que-o-ar, em 1906, conduziu rapidamente à utilização de aviões na
Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Antes disso, há registros de que os irmãos Wright,
pioneiros da aviação nos Estados Unidos, venderam, em 1909, um aparelho ao Departamento
de Guerra dos Estados Unidos, inaugurando sua utilização pra fins militares. Além disso,
estiveram logo depois na Itália, a fim de introduzirem o aeroplano aos oficiais do Exército
daquele país (SANTOS, M., 1989).
Os países em guerra esforçaram-se também pelo desenvolvimento tecnológico das aeronaves,
assim como pela ampliação de seu emprego, levando à produção somada de cerca de 100.000
unidades, colocadas a serviço da guerra. Agora as aeronaves não mais ficariam restritas às
tarefas de observação, mas também, graças à conjunção com as habilidades de pilotos de
excepcional desempenho, começariam a ser empregadas em ações de caça e bombardeio.
63
Essa fase de combates românticos e cavalheirescos tem em Manfred Von Richthofen, o “Barão
Vermelho”, seu mais conhecido representante, dentre os “ases” da aviação, que eram tidos
como heróis.
Como conseqüência do pós-guerra, a surpreendente e rápida evolução do emprego de aviões
levou à elaboração de doutrinas relativas ao novo poder, o Poder Aéreo, tendo como seus
principais teóricos Giulio Douhet (1969-1930) William Billy Mitchell (1879-1936), Hugh Montague
Trenchard (1873-1956) e Alexander P. de Seversky (1894-1974).
Para esses teóricos, sucintamente, o emprego do avião alteraria definitivamente as
características dos embates bélicos. Sua poderosa aplicação nos campos de batalha não
poderia se restringir a ações de natureza tática mas, antes, deveria ser valorizada como arma
de uso estratégico.
Essa nova abordagem alteraria o perfil das ações de guerra até então, salientando que os
ataques aéreos trazem a possibilidade de ultrapassagem das linhas inimigas sem a necessidade
de ter de rompê-las. Ademais, seu emprego ativo contra alvos estratégicos no coração dos
territórios atacados, produziriam impacto nos recursos defensivos do inimigo, trazendo também o
impacto psicológico pelo desgaste moral representado pela sensação de vulnerabilidade trazida
à sua população. Nenhuma vitória, conseqüentemente, ocorreria sem que fosse antecedida pelo
domínio aéreo. Dominar o ar representa ao mesmo tempo ter condições de anular a atuação da
aviação inimiga e garantir meios para continuar operando a própria aviação.
Concretamente, no final da guerra, se observou uma maior oferta de equipamentos, de
tecnologia avançada para a época, o que repercutiu também no Brasil.
Em nosso país, as primeiras atividades aeronáuticas de militares referiram-se à utilização de
balões de observação militar a partir de 1867, durante a Guerra da Tríplice Aliança, por
solicitação do então Marquês de Caixas, Comandante-em-Chefe das Forças Brasileiras.
(Lavenére-Wanderley, 1975, p. 21).
Quanto às aeronaves, os primórdios da Primeira Guerra Mundial fizeram ecoar no Brasil a
reivindicação para que o país de Santos=Dumont acompanhasse o rumo tomado pelos
europeus. Assim é que, a partir de 1912 começa uma insípida experiência do Exército nesse
sentido.
A tentativa de criação da “Escola Brasileira de Aviação”, em 1914, com equipamento e
instrutores italianos, fracassa, sendo retomada pelo Exército somente em 1919.
Não obstante, durante a Campanha do Contestado, o primeiro militar brasileiro, Tenente Kirk,
brevetado na França, atuou em missões de exploração aérea, até ser vitimado por um acidente
aeronáutico, em 01 de março de 1915. Era tido como um piloto habilidoso e destemido.
A Armada, por sua vez, ativou a Escola de Aviação Naval, em 1916, no Rio de Janeiro, com
equipamentos adquiridos nos Estados Unidos, entre monoplanos e hidromotores. Com ela,
64
começaram a ser formados militares, inclusive do Exército, iniciando-se também experiências de
vôos mais longos, mais altos e o estabelecimento de ligações com outras localidades, as reides.
Em 1919, o Exército ativou a sua Escola de Aviação Militar, aproveitando as instalações da
primeira tentativa frustrada, no Campo dos Afonsos, subúrbio do Rio de Janeiro. A Escola é
equipada com aviões franceses, cuja oferta e acessibilidade aumentaram com o fim das
hostilidades.
Na Europa, a efetividade do emprego da aeronáutica em ações bélicas durante a Primeira
Guerra Mundial evoluiu para que essa atividade ganhasse identidade própria e autonomia nos
meios militares, decorrendo disso a criação das forças aéreas militares em alguns países:
- A Royal Air Force – RAF – na Inglaterra, ainda em 1918.
- A Força Aérea Italiana, em 1923 e
- A Força Aérea Francesa, em 1928.
No Brasil, o desdobramento dessa influência levou o Exército a criar sua quinta Arma, a Arma da
Aviação, em 1927, e a Marinha a criar seu Corpo de Aviação, em 1931.
Tais experiências tiveram um reconhecido papel de integração nacional a partir da criação do
Correio Aéreo Militar, em 1931, pelo Exército, e do Correio Aéreo Naval, em 1934, pela Marinha.
Tais atividades abrangiam serviços de transporte e de correspondência postal, alcançando
localidades do território nacional com precários, quando existentes, serviços de apoio e infra-
estrutura demandados pelo meio aéreo. Atribui-se a interligação regional obtida à mobilidade do
transporte aéreo e do talento das equipagens, talento esse lapidado pelo acúmulo de experiência
de vôo sem os recursos de navegação atualmente disponíveis.
Mesmo já constando como especialidade militar distinta, crescia, nos âmbitos militar e civil, a
expectativa de que o Brasil acompanhasse a tendência mundial com relação à atividade aérea,
em franco desenvolvimento.
No meio civil, o esforço era para que houvesse um incremento na formação de pilotos, na
aquisição de aeronaves e no estabelecimento de reides, favorecendo o transporte e a integração
entre as diversas localidades. Sob o lema “dar asas ao Brasil”, várias campanhas, em vários
âmbitos, foram levantadas, de modo a ir ao encontro dessa expectativa.
No meio militar, os aviadores se ressentiam da falta de especificidade das normas e padrões
militares que contemplassem as particularidades da atividade aérea. Isso incluía uniformes não
adaptados às extremas exigências do vôo daquela época, como por exemplo o uso de longas
botas de couro, da cavalaria, durante a pilotagem e a necessidade de se transportar vários itens
de fardamento, obrigatórios nas apresentações militares durante as etapas de vôo, o que
significava peso extra em aeronaves muito limitadas.
65
Incluía também a questão da difícil adaptação dos pilotos militares às regras gerais de conduta
previstas para o militarismo. O exercício da atividade aérea, à época, significava a constante
exposição a riscos e a desgastes decorrentes da fragilidade das operações face à possibilidade
de acidentes – muito freqüentes – ao desgaste psicofísico da interação homem-máquina e aos
freqüentes contratempos decorrentes de panes mecânicas e problemas com meteorologia,
dentre outros. Eram tempos tidos como ‘heróicos’, de dedicação abnegada de talentos e ações
individuais. O impacto dessa prática levava a tensões e a desgastes emocionais os quais os
aviadores tentavam compensar com momentos ‘descontraídos’ em terra.
Esse mecanismo de defesa intencional era visto com maus olhos pelos demais membros dos
efetivos militares, assim como o nível de interação havida dentre os diferentes níveis
hierárquicos representados nas tripulações, durante etapas de vôo realizadas em localidades
com precárias condições de alojamento e apoio às equipagens. Oficiais e praças
compartilhavam os mesmos espaços, o que, por um lado, criava um nível de coesão que
favorecia as missões, mas, por outro, era visto como quebra de disciplina e hierarquia
(HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA, vol. 3, p. 36).
Por essas razões, e inspirados pelo crescente interesse provocado pelas teorias de poder aéreo,
começa a crescer a expectativa da criação do Ministério do Ar, tanto no meio militar quanto na
opinião pública, como uma forma de concentrar e potencializar o Poder Aéreo Nacional.
Passaram-se treze anos, entretanto, desde a primeira manifestação pública a esse respeito, com
o artigo publicado pelo Major Lysias Rodrigues no periódico carioca O Jornal, de 07/10/28, até a
efetivação do Ministério da Aeronáutica, através do Decreto-Lei nº 2.961, de 20 de janeiro de
1941.
Esse período de debates e posições divididas dentre a opinião pública, os militares e os
estrategistas brasileiros buscava abarcar a extrema velocidade com que a atividade aérea
evoluía em meios e fins em outras partes do mundo, ilustrada pela enorme distância que se
observava entre as aeronaves da década de 20 e as do final da década de 30, bem como da
mudança de status do emprego aéreo para fins bélicos, passando de coadjuvante, a serviço do
exército e da armada, a ator, assumindo papel independente e crucial nas ações de guerra.
Na concepção do novo Ministério houve a influência de questões políticas, administradas pelo
Presidente Getúlio Vargas. Por um lado, esse Presidente determinou que o estudo de viabilidade
dos vários projetos existentes até o momento fosse conduzido por uma comissão de
especialistas em aviação, articulada pelo seu piloto à época, o Capitão Nero Moura. A indicação
dos nomes para os postos-chave, entretanto, ficou a cargo do próprio Presidente, começando
pela nomeação do Dr. Joaquim Pedro Salgado Filho, um civil, para Ministro.
A nova instituição faria migrar a Aviação Militar, do Ministério do Exército, a Aviação Naval, do
Ministério da Marinha, o Departamento de Aeronáutica Civil – DAC – do Ministério da Viação e
Obras Públicas, preconizando:
66
- comando único, político e estratégico, sobrepondo-se a todas as atividades
aeronáuticas do País, civis e militares;
- integração de órgãos dispersos em três Ministérios com atividades
absolutamente correlatas;
- integração de infra-estrutura aeronáutica para uso comum, civil e militar, com
grande economia de meios;
- lançamento das bases para implantação definitiva da indústria aeronáutica
brasileira;
- institucionalização da pesquisa, com vistas ao desenvolvimento tecnológico.
(HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA, vol. 3, p. 74).
A integração das atividades de transporte e correio postal das duas armas levou à criação do
Correio Aéreo Nacional (CAN), preservando e ampliando o importante papel de seus
precursores.
A integração das escolas de formação determinou que seus alunos fossem chamados
inicialmente ‘cadetes de aeronáutica’, mais tarde ‘cadetes do ar’.
As atividades de aviação civil passaram ao encargo do Departamento de Aviação Civil,
mantendo, portanto, a mesma sigla que caracterizava sua subordinação anterior (DAC).
A integração das aviações do Exército e da Marinha deram origem à Força Aérea Brasileira -
FAB.
É evidente a influência que o início da Segunda Guerra Mundial teve na decisão sobre a criação
do Ministério da Aeronáutica. Essa influência também se fez sentir em sua organização a partir
de então, especialmente com relação à estruturação da FAB.
Superada a fase de idealização, impõe-se a fase de busca de operacionalidade. O primeiro
impacto se fez sentir quando da soma dos recursos humanos e materiais oriundos das duas
forças.
Do acervo de aeronaves incorporadas, 99 da Marinha e 331 do Exército, sua quase totalidade
encontrava-se tecnologicamente desatualizada, em razão do recente e imenso desenvolvimento
da indústria aeronáutica, provocada pela guerra que se seguia.
Além disso, esse número de 430 aviões mostrava-se aquém das necessidades impostas pela
necessidade de treinamento e operacionalidade do efetivo, que urgia aumentar em número. Não
respondia também às recentes atribuições operacionais da FAB, sobretudo diante do cenário
mundial da época, que colocava o Brasil em posição estratégica com relação ao Atlântico Sul e
sua importância para as forças beligerantes.
67
Para responder a esse óbice, a exploração política do cenário de guerra conduziu o Presidente
Getúlio Vargas a optar pelo benefício da Lei do Empréstimo e Arrendamento (Lend-Lease Act),
promulgada pelos Estados Unidos como parte de sua estratégia de guerra.
Através da ativação de uma comissão de compras naquele país – Comissão Aeronáutica
Brasileira nos EUA – no período de 1942 a 1945 são adquiridos vários tipos de aeronaves,
destinadas às várias atividades da FAB, inclusive o treinamento do efetivo a ser incorporado,
totalizando 1.288 unidades (HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA, vol. 3, p. 275).
Da mesma forma, a soma de 389 oficiais-aviadores, transferidos da Marinha e do Exército,
também se mostrava insuficiente para responder às novas atribuições da FAB. Urgia a
capacitação de novos pilotos, assim como de profissionais que comporiam as diversas áreas de
suporte operacional.
Mesmo com a criação da Escola de Aeronáutica, mais tarde Academia da Força Aérea, a
estimativa do tempo para que a mesma conseguisse atender ao aumento do efetivo ficava além
da necessidade de incorporação e capacitação de recursos humanos da FAB. Assim,
providências são tomadas para a criação do quadro de pilotos da reserva – os ‘asas brancas’ –
originários das seguintes fontes:
- Incorporação imediata, já em maio de 1942, de pilotos civis brevetados por
aeroclubes nacionais.
- Encaminhamento de grupos de jovens para centros de formação de pilotos nos
Estados Unidos, por oferta daquele país.
- Criação dos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva da Aeronáutica – CPOR
Aer.
A incorporação de pilotos assim treinados até o final da Segunda Guerra Mundial totalizou 918
oficiais da reserva, um substancial incremento no efetivo da FAB.
De forma semelhante, a fim de suprir a FAB com técnicos especialistas que pudessem se somar
aos profissionais formados pela Escola de Especialistas da Aeronáutica, cria-se a Escola
Técnica de Aviação, destinada à formação de Sargentos da Reserva Convocados, aos moldes
da Embry Riddle School, na Flórida, instituição que enviou para São Paulo, sede da ETA,
instrutores, laboratórios, instrumentos e equipamentos inéditos no Brasil.
Em seu primeiro aniversário de fundação, a ETA contava com 4.000 alunos matriculados
(HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA, vol. 3, p. 251). Outras fontes de
suprimento de técnicos especializados foram o Programa Interamericano de Treinamento
Aeronáutico, com apoio de centros de formação nos Estados Unidos, e a entrada em
funcionamento dos Centros de Instrução de Especialistas e Artífices da Reserva da Aeronáutica
(CIEAR Aer)
68
Quanto ao serviço de saúde, o Quadro específico foi criado em 2 de dezembro de 1941,
englobando especialistas civis diplomados em Medicina, Odontologia e Farmácia, concursados,
e médicos militares e civis do Exército e da Marinha que optaram pela transferência para a
Aeronáutica. A ele foram acrescidos médicos e enfermeiras da reserva, convocados e mandado
a servir no 1º GAvCa.
Assim, em linhas gerais, são descritos os eventos e o clima que redundaram na criação da Força
aérea Brasileira, compondo o panorama da aviação militar no país vigente à época da criação do
1º GAvCa e que se encontra perfeitamente resumido, e ufanisticamente colorido, através
transcrição a seguir:
A FAB, felizmente para sua autodeterminação, nasce sob pressão de grandes
desafios simultâneos: o de estruturar-se como força, logística e
operacionalmente; o de expandir seus recursos humanos a curto prazo; o de
renovar equipamento e armamento, e o de envolver-se compulsoriamente em
operações de Guerra, ainda em seu primeiro ano de vida. A todos soube dar
pronta resposta, inclusive aos de combate. O prematuro batismo de fogo na
defesa de suas costas, para assegurar a livre circulação dos navios sob sua
bandeira, e o posterior engajamento no Teatro de Operações europeu, foram
duras provas em seu rápido processo de amadurecimento militar, o que lhe
granjeou o respeito das forças coirmãs e do povo brasileiro. Quatro anos apenas
depois de criada, a FAB já acumulava sólida experiência em combate real.
(HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA BRASILEIRA, vol. 3, p. 368).
Como se observou, os acontecimentos desencadeados entre as duas grandes guerras
influenciaram diretamente os rumos do desenvolvimento da aviação no Brasil, principalmente a
aviação militar, mas será a Segunda Guerra Mundial que trará à Aeronáutica, recém-criada, seu
maior desafio militar, e que definirá o contexto específico no qual operou o 1º GAvCa, que será,
então explicitado.
2.2 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
A guerra, que sempre fora lutada no plano, ao longo
dum “front”, subitamente fez-se subterrânea e aérea –
não mais permitindo a ninguém fugir-lhe aos horrores.”
H. G. Wells, História Universal, vol 10, p. 128.
O mundo ainda se recuperava do impacto provocado pela Primeira Guerra Mundial e buscava se
adaptar ao novo panorama geopolítico. Ao mesmo tempo, estudiosos de política e estratégia não
tinham esgotado seus estudos e considerações sobre as razões e o impacto das grandes
proporções que esse embate alcançou, que lhe deram tremenda relevância histórica.
O emprego inédito de aviões e submarinos em frentes de batalha, entre outros fatores,
prenunciavam o fim dos estilos de combate até então utilizados, trazendo à discussão quais
69
seriam esses novos “modelos” de guerra. Formulam-se teorias do Poder Aéreo. Antevia-se
também uma ameaça mais abrangente às populações e instalações civis, para além dos pontos
de conflito imediato, como até então ocorria.
Na Alemanha, a população sofria os efeitos das duras condições impostas à nação pelo Tratado
de Versailles. O país, além de arrasado pela derrota na guerra e de enfrentar sérias crises
econômica, política e social, tinha, ainda, que suportar os pesados tributos previstos por aquele
Tratado.
A busca da recuperação do orgulho nacional e de sua auto-estima, bem como o esforço pela
reconstrução do país e recuperação de sua auto-estima, levaram ao surgimento do partido
nazista e ao estabelecimento de Adolph Hitler como o líder que catalisava todos os anseios
daquela população.
A intenção de reaver territórios perdidos e idéias expansionistas, que poderiam sustentar o
crescimento e fortalecimento da nação, abriram a perspectiva de ações bélicas em busca da
conquista dos espaços considerados vitais (lebensraum) pela política nazista.
Concomitantemente, idéias de hegemonia racial se difundiam e se organizavam em ideologia.
A Inglaterra, após o bombardeio de Londres, em 1917, buscava lidar com a realidade de que já
não estava isolada – e protegida – por sua condição insular, tornando-se a pioneira na criação e
organização de sua Força Aérea, muito embora ainda consolidasse em sua famosa e tradicional
Armada sua principal estratégia bélica.
A França, grande vitoriosa do conflito mundial, e dona de uma poderosa Força Aérea,
empenhou-se na construção da Linha Maginot e no fortalecimento de sua Armada, entendendo
que o sucesso que obtivera através da resistência à invasão pela guerra de trincheiras e do
reforço de suas fronteiras, deveria ser projetado para o futuro.
Nos Estados Unidos, após uma década de euforia do liberalismo capitalista, o crash da Bolsa de
Nova Iorque havia jogado o país em uma difícil condição econômica, com graves repercussões
sociais, numa fase chamada de ‘A Grande Depressão’. Com a vitória de Franklin Delano
Roosevelt, esse presidente passa a empreender esforços para a recuperação do país através da
política do ‘New Deal’, a partir de 1933.
A repercussão da crise econômica americana acaba por se fazer sentir também no resto do
mundo, levando as principais lideranças da época a adotarem posições econômicas
protecionistas, em oposição ao liberalismo, sustentadas por ideologias políticas nacionalistas,
que fechavam em domínios as grandes nações e seus protetorados. Essa tendência trouxe
conseqüências às relações comerciais internacionais.
Era uma época de grandes potências, grandes personagens e grandes movimentos ideológicos.
A Itália estava sob o regime fascista desde 1922, sob o Primeiro Ministro Benito Mussolini. Este,
além de inspirar o nazismo, alimentava idéias expansionistas de retomada de áreas de poderio
70
do Império Romano. Fascismo, a propósito, tem origem na palavra fasci (feixe), símbolo da
autoridade romana.
A leste, a União Soviética empenhava-se em sua reestruturação após a desgastante
participação na guerra. Buscava também a consolidação do socialismo, regime dominante a
partir da Revolução Comunista de 1917.
Mais ao oriente, o Império Japonês movia-se no sentido do expansionismo, invadindo, em 1931,
a Mandchúria e, em 1932, parte da China, esta seu grande objetivo.
No Brasil, após uma fase turbulenta de revoluções e embates políticos ideológicos, Getúlio
Vargas, no poder desde a Revolução de 1930, que pôs fim à Primeira República, implantava
uma série de medidas para a consolidação do Estado Brasileiro. Essas medidas incluíam
estratégias de reparação dos efeitos econômicos mundiais da crise de Nova Iorque e a busca de
modernização do país. Ao mesmo tempo, conduzia gradualmente o regime político para um perfil
nacionalista, fortalecendo o Estado, que culminaria com o Golpe que implantou o Estado Novo,
de características ditatoriais, com pontos em comum com o fascismo.
Sinteticamente, os grandes centros do poder mundial e do pensamento ideológico, nas décadas
de 20 e 30, movimentavam-se na consolidação de seus propósitos. Assim também o Brasil.
Foi a Revolução Civil Espanhola, de 1936 a 1939, desencadeada pelo enfrentamento de facções
nacionalistas, lideradas por Francisco Franco, em oposição à tentativa de implantação do regime
comunista, que ofereceu o primeiro vislumbre do que seria o confronto de forças na nova ordem
mundial.
Essa Revolução contou com a interferência externa representada pelo apoio soviético às facções
socialistas, por um lado, e pelo apoio nazi-fascista ao golpe franquista, por outro. Naquela época
a Alemanha já contava com sua poderosa Força rea, a Luftwaffe, a qual, representada pela
Legião Condor, enviada à Espanha, perpetrou ondas de violentos bombardeios, especialmente
sobre Madri e Guernica, impondo grande destruição material e perda de vidas humanas,
maciçamente civis, o que precipitou a vitória de Franco. O tímido apoio da União Soviética, com
um regime que se opunha ao nazi-fascismo, e a opção pela neutralidade feita pela França e
Inglaterra, completaram o cenário.
71
O impacto causado pelos ataques propiciados pelo apoio alemão, em especial através da Legião
Condor, está silentemente representado na obra de Pablo Picasso, Guernica, reproduzida a
seguir:
Hitler,
concomitantemente, colocava em prática sua determinação expansionista, anexando a Áustria,
em 12 de março de 1938, sob o silêncio dos demais países europeus.
Seu próximo movimento foi em busca de recuperação da região dos Sudetos, encravada na
Tchecoslováquia, através do desmantelamento desse país. Seu argumento era de que, naquela
região, haveria um grande contingente étnico alemão. Sob o reclamo do jus sanguinis, mas mais
provavelmente sob a sombra ameaçadora do evidente do poderio bélico alemão, esta ação
também acontece sob a aquiescência dos países europeus, em particular França e Inglaterra, e
foi referendada pela Conferência de Munique, em 30 de setembro de 1938.
Desta feita, entretanto, França e Inglaterra, estabelecendo aliança, oferecem proteção aos
demais países europeus, em caso de novos ataques.
Como medida preliminar ao próximo passo, Hitler acorda um tratado de não agressão com a
Rússia, em 23 de agosto de 1939, apesar dos antagonismos políticos e ideológicos entre os
respectivos países.
Poucos dias depois, em primeiro de setembro de 1939, com a retaguarda assim protegida, e
pretendendo ultimar o restabelecimento do denominado ‘corredor polonês’, Hitler empreende a
invasão da Polônia, numa ação rápida e maciça de forças terrestres e aéreas conjugadas,
representadas por 1.500 aviões e 56 divisões, dentre as quais 9 panzers. Com essa guerra de
movimento e de ataque rápido e maciço – a blitzkrieg – aplicada a poucas frentes de batalha,
Hitler tencionava não só a obtenção de sucesso pelo elemento surpresa, ao encontrar o inimigo
despreparado, como também evitar o desgaste de embates demorados e dispersos, tido como
grande motivo da derrota alemã na Primeira Guerra Mundial.
Essa bem-sucedida ação marca o início da Segunda Guerra Mundial após o que, em três de
setembro de 1939, Inglaterra e França declaram guerra à Alemanha.
Figura 2: Guernica, de Pablo Picasso, disponível em:
http//upload.wikimedia.org/wikipedia/em/thumb/7/74/PicassoGuernica.jpg/300px-
PicassoGuernica.jpg
72
O desenrolar desses fatos antevia o inevitável envolvimento dos demais países europeus e era
atentamente acompanhado pelo resto do mundo, que buscava ajustar-se às conseqüências daí
decorrentes.
Com o envolvimento da Inglaterra, os Estados Unidos, tradicionais aliados daquele país,
começam a se preparar para um possível envolvimento direto no futuro. Havia, entretanto a
vigência de condições legislativas que determinavam uma posição de neutralidade dos EUA em
caso de conflitos internacionais, o que incluía restrições à venda de material bélico a outros
destinatários que não as próprias forças armadas americanas.
Enquanto mudanças legislativas eram estudadas, Roosevelt buscava também, através da
política de Boa-Vizinhança, o alinhamento pacífico de todo o continente americano, sob sua
liderança não intervencionista. Já em novembro de 1938, a Conferência Pan-Americana em
Lima, no Peru, define a orientação de tomadas de decisão conjuntas em caso de conflitos
internacionais. Com o eclodir da guerra, a I Reunião de Consultas, ocorrida em 23/09 e
03/10/1939, no Panamá, define, para o território americano, uma zona de neutralidade de 300
milhas marítimas.
Tais decisões, associadas ao início do bloqueio naval britânico, trazem repercussões às rotas da
marinha mercante ao redor do mundo, com o favorecimento do mercado americano e detrimento
do mercado europeu e, em particular, o alemão.
Com relação à manutenção da zona de neutralidade, as partes em beligerância não a levam em
consideração, tanto que, ainda em 1939, ocorre a batalha entre navios de guerra ingleses e o
couraçado de bolso alemão Graf Spee nas costas de Montevidéu, além de outros incidentes.
Diante desses acontecimentos, e movido pela urgência de modernização de seu parque
industrial e da reequipagem das forças armadas, visando principalmente sua superioridade
militar com relação à Argentina, o Governo Vargas já havia iniciado um movimento de não
alinhamento estratégico, buscando dividendos pragmáticos decorrentes do cenário mundial.
Apesar da Política de Boa-Vizinhança e de acordos comerciais existentes entre Brasil e Estados
Unidos, estabelecendo a mutualidade preferencial entre ambos, as possibilidades de comércio
com este último, por questões de sua política interna, não permitia, por exemplo, o rearmamento
militar do Brasil pela indústria bélica americana, assim como o escoamento da principal fonte de
divisas do país, à época, os insumos agrícolas.
A Alemanha, em plena fase de aquecimento de sua indústria bélica e em busca de mercados
viáveis para a obtenção de matéria prima agrícola, mostrou-se um parceiro mais promissor.
Durante a década de trinta, a Alemanha encontrou na modalidade de escambo, aplicada através
da figura dos marcos de compensação, uma forma de comércio que viabilizava o escoamento de
seus bens industriais em troca da aquisição de bens não disponíveis em seu próprio território ou
em seus domínios, em especial algodão, contornando assim limitações monetárias. Com essa
facilidade, e a despeito dos acordos comerciais com os Estados Unidos, o Brasil passou a
73
efetivar negócios comerciais com a Alemanha, como a aquisição, junto à Krugg, de peças de
artilharia em troca, principalmente, de algodão.
A título de ilustração, o volume do algodão comercializado com a Alemanha passa de 18.000
toneladas e fins dos anos 20, para 126.000 toneladas em 1934 e alcança 323.000 toneladas em
1939, quando a realidade da guerra afeta as relações comerciais entre ambos os países (Alves,
2002, p. 59).
Sob protestos dos agro-exportadores americanos, o Governo Roosevelt limita-se a informar ao
Brasil saber de suas relações comerciais com a Alemanha, sem interferir diretamente, chega até
mesmo, inusitadamente, a fazer gestões junto à Inglaterra, em duas ocasiões, para a liberação
de mercadorias de origem alemã destinadas ao Brasil, apreendidas por seu bloqueio naval. Tais
gestões, bem-sucedidas, permitiram que entregas da Krugg fossem efetivadas.
A posição americana era de fazer “vistas grossas” às relações comerciais entre Alemanha e
Brasil para garantir, em longo prazo, o seu alinhamento político aos propósitos norte-americanos
face à guerra. Como parte dessa intenção, os chefes de estado-maior de ambos os países se
visitam em 1939 – George Marshall vem ao Brasil em maio e Góis Monteiro vai aos EUA em
junho. Os EUA tinham no Brasil um elemento-chave em seu esquema de fortalecimento
continental.
A posição alemã, por sua vez, contrariamente, era a de relevar incidentes diplomáticos com o
Brasil, e também com a América do Sul, região para a qual o Reich aparentemente não tinha
planos políticos-estratégicos em curto prazo, preservando as relações comerciais, que, também
em curto prazo, garantiriam o suprimento de bens de origem tropical, enquanto não pudesse
obtê-los de regiões com planos para serem conquistadas.
Assim é que o principal entrave diplomático com a Alemanha, envolvendo o pedido de retirada
de seu Embaixador, Karl Ritter, considerado persona non grata em território brasileiro, e a
recíproca retirada do embaixador brasileiro na Alemanha, não afeta as relações comerciais entre
ambos, firmando-se o Brasil, na época, como o seu principal parceiro comercial na América do
Sul.
Apesar da inspiração nazista que alimentava a ideologia do Estado Novo, e de simpatizantes do
nazi-fascismo na cúpula do poder, Vargas proibiu, através de decretos, a atividade político
partidária de estrangeiros, banindo do país o Partido Nacional Socialista Alemão, e a adoção de
qualquer outra língua que não o Português, no ensino das escolas. Tais medidas foram alvo de
veementes protestos de Ritter, que imaginava planos de separação dos estados do Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e Paraná, reduto de grandes contingentes de imigração alemã, que
passariam ao protetorado da Alemanha.
O esfriamento das relações diplomáticas não foi, afinal, o grande empecilho para a continuidade
da busca, pelo Brasil, no mercado alemão, dos bens que seriam cruciais para a consolidação de
74
sua estrutura e soberania. O que efetivamente alterou esse fluxo foi o próprio desenrolar da
guerra.
O próximo movimento de Hitler se dá em direção ao oeste, a partir de maio de 1940. Em cinco
dias de avanços, sob os moldes da blitzkrieg, caem a Holanda, a Bélgica e Luxemburgo. Em 4
de junho, Dunquerque é tomada e, em 14 de junho, os alemães chegam a Paris. A França
capitula, sem conseguir impor muita resistência, apesar da potência que era. Estabelece-se um
governo colaboracionista na região de Vichy, sob o Marechal Henri Pétain, e inicia-se a
resistência francesa, sob a liderança de Jean Moulin e de Charles De Gaulle, este refugiado na
Inglaterra.
Nesse movimento, o emprego tático da Luftwaffe, através do lançamento de pára-quedistas e do
apoio a forças terrestres e navais, foi fundamental para a introdução do elemento surpresa e do
encontro de defesas despreparadas e, com isso, neutralizadas. A provável expectativa de Hitler
era de que, com a capitulação da França, a Inglaterra viesse a negociar sua rendição, o que,
entretanto, não aconteceu. Agora com Wiston Churchill como Primeiro Ministro, este manifesta a
firme posição inglesa de não-rendição.
Aparentemente é só então que Hitler passa a articular planos para a invasão da Inglaterra, o que
se consolida através da concepção da Operação Sealion. Entendendo que uma cabeça de ponte
através do Canal da Mancha só seria viável a partir do domínio do espaço aéreo inglês, o que
permitiria a neutralização da sua poderosa Armada, coube à Luftwaffe a implementação da
primeira fase do plano de invasão, através da obtenção da superioridade aérea na região, com a
conseqüente neutralização da RAF e em seguida, da Royal Navy.
A partir de 13 de agosto de 1940, o Dia da Águia, a Luftwaffe inicia intensos bombardeios à
Inglaterra, sendo fortemente rechaçada pela RAF. Os bombardeios são efetuados inclusive
durante o período noturno, objetivando o efeito psicológico sobre a população civil, através da
inquietação e da insegurança. Era a aplicação de aspectos de teorias da superioridade aérea e
da utilização estratégica da força aérea, que se desenvolveram após o emprego do avião na
Primeira Guerra Mundial.
A resistência inglesa tem seu ponto culminante em 15 de setembro de 1940 quando, apesar das
maciças ondas de bombardeio alemão, a Inglaterra conseguiu rechaçar sua inimiga à razão de
dois aviões derrubados para um perdido. Esse episódio, que levou Churchill a proferir, na
Câmara dos Comuns, sua histórica frase: “Nunca, no campo dos conflitos humanos, tantos
deveram tanto a tão poucos”, é tido como um dos momentos decisivos dos rumos da guerra.
O embate tem seu período de maior intensidade até 12 de outubro, quando a Operação Sealion
é transferida para a primavera de 1941. A batalha aérea da Inglaterra, entretanto, não cessará
completamente senão a partir de 16 de maio de 1941, ocasião em que Hitler começa a
concentrar forças visando ações no flanco oriental. É o primeiro grande óbice ao plano de Hitler,
baseado no ataque fulminante e rápido, a fim de evitar o desgaste de longos confrontos.
75
No continente americano, mesmo durante o período de latência de 8 meses na guerra da
Europa, anterior à marcha alemã para o ocidente, o Presidente Roosevelt inicia gestões junto ao
legislativo para viabilizar o apoio logístico à Inglaterra, o que inicialmente é tentado sem afetar a
posição de neutralidade americana. Na figura do “cash and carry” (pague e leve), esse objetivo é
razoavelmente alcançado, mas torna a Inglaterra o principal devedor dos EUA, tamanho o
volume de equipamentos, armamentos e aeronaves adquiridos junto ao seu parceiro, em razão
de seu esforço de guerra.
Para o Brasil, entretanto, a modalidade cash and carry também não viabilizava qualquer parceria
com o mercado americano por continuar pressupondo a troca de recursos monetários.
Por outro lado, nessa fase da guerra, cresce cada vez mais a importância estratégica do Brasil
nas operações de guerra, mercê de suas características geopolíticas. Isso será cada vez mais
utilizado pelo Governo como ponto de barganha na negociação de seu alinhamento com os
aliados, em detrimento de suas relações comerciais com o Eixo. É a chamada “posição
pendular” assumida por Vargas.
Concomitantemente, cresce, no âmbito interno, a expectativa da criação de uma força aérea
independente no Brasil, aos moldes do que já vinha acontecendo nas grandes potências da
época, mormente pela marcante atuação da aviação militar nos principais eventos da guerra em
curso.
Com a declaração de guerra da Itália à Inglaterra e à França, e sua conseqüente entrada no
conflito, em 10 de junho, abrem-se, ato contínuo, ações em mais um Teatro de Operações, o do
norte da África, em razão das incursões italianas na região.
Era do interesse alemão o domínio da região do Mediterrâneo e do Norte da África, o que foi em
parte efetivado através da subjugação das colônias francesas naquele continente e com as
investidas italianas na Líbia, Etiópia e Eritréia, avançando para o Egito através do Canal de
Suez. Uma sucessão de fracassos da Itália e de sucessos da Inglaterra havia levado, até maio
de 1941, o domínio dos aliados sobre os italianos na região norte e oriental daquele continente.
Hitler decide, então, enviar reforços à região, designando o África Korps, sob o comando do
general alemão Erwin Rommel, que retoma a prevalência da região para o Eixo. Segue-se então
uma sucessão de avanços e recuos que só terá solução após mais de três anos de luta na
região, em maio de 1944.
Os Estados Unidos temem que, com a tomada do norte da África pelos alemães, a guerra se
intensifique no Atlântico Norte, contra as barreiras navais dos aliados. Isso colocaria o país em
condição de vulnerabilidade, pela proximidade com sua costa.
Nesse aspecto, a região nordeste do Brasil, tendo como ponto central a cidade de Natal, no Rio
Grande do Norte, seria de grande importância estratégica para uma eventual investida alemã
contra os Estados Unidos. Esta poderia se dar através do estabelecimento de uma cabeça de
76
ponte naquela cidade, a partir de Dakar, na África, e dali para a costa norte-americana via do
Canal do Panamá.
Não só a posição geográfica de Natal, estabelecendo a divisa entre o Atlântico Norte e Sul, mas
também as mais amenas condições climáticas e meteorológicas de navegação, tanto aérea
quanto naval, daquela região, elegiam-na, tendo em vista os recursos tecnológicos da época,
como a melhor rota entre a América e o Mediterrâneo e a Europa, através do Norte da África, e
vice-versa.
Era, assim, de fundamental importância para os Estados Unidos o guarnecimento de seu flanco
sul através do norte-nordeste brasileiro, com o envio de grandes contingentes para a região e o
estabelecimento de patrulhas aeronavais na costa oriental da América do Sul. Interessava
também àquele país pôr fim às operações, em território brasileiro, de linhas aéreas
internacionais controladas pelo Eixo, como a Lufthansa e a Lati.
Assim, a partir de julho de 1940 inicia-se uma aproximação mais efetiva dos Estados Unidos,
quando então Getúlio Vargas recoloca na mesa de negociação antigos anseios nacionais, como
a modernização de suas forças armadas e a implantação de seu parque siderúrgico, necessário
ao estabelecimento de sua indústria de base.
Outro ponto de negociação foi a definição de uma estrutura que permitisse ao Brasil guarnecer
as regiões norte e nordeste de bases e infra-estrutura aéreas, em contraposição à expectativa
americana de envio de grandes contingentes de militares para fins de guarnição e segurança da
região. Naquela época o preponderante da estrutura aérea brasileira, insipiente, encontrava-se
nas regiões sul e sudeste, principal foco de atenção, especialmente pela proximidade com a
Argentina.
Como resultado, ao longo dos próximos dois anos, linhas de crédito americanas são abertas
para o Brasil. Por sua vez, oferta alemã de, finda a guerra, apoiar a implantação de um parque
siderúrgico no Brasil, precipita a decisão americana de, finalmente, conceder meios que
permitirão a futura implantação da Usina de Volta Redonda.
Outro aspecto que favoreceu bastante o aquecimento das relações comerciais entre Brasil e
Estados Unidos nessa época foi a promulgação, em 11 de março de 1941, do Lend-Lease Act
(Lei de Empréstimos e Arrendamento). Destinada a favorecer a ajuda americana, econômica e
material, aos países em guerra contra o Eixo, principalmente a Inglaterra, o Brasil se beneficiou
dessa modalidade comercial sobretudo para o aparelhamento e modernização de sua jovem
Força Aérea.
O avanço das medidas legislativas acompanharam e definiram o crescente envolvimento
americano na guerra, de uma posição inicial de neutralidade para uma posição de não-
beligerância, por não tomar parte direta no conflito e sim propiciar suprimentos e apoio logístico
aos aliados. Nesse ponto já se registra também o incremento da indústria armamentista
americana. Esse movimento acompanha o aumento no escopo da guerra em curso.
77
Esse aumento de escopo teve outro marco dramático quando, em 6 de abril de 1941 o Eixo
ataca a Iugoslávia e a Grécia e, mais ainda, em 22 de junho, quando a Alemanha invade a União
Soviética, quebrando o acordo de não agressão entre ambos os países. Contra a União
Soviética, tal como contra a Inglaterra, Hitler viu frustrada sua intenção de empreender uma
rápida vitória propiciada pela blitzkrieg, com previsão de solução até o outono daquele ano. Isso
não aconteceu em face da feroz resistência soviética, que levou o combate contra os alemães a
perdurar até quase o final de guerra, atravessando três rigorosos invernos. Isso determinou que,
para a manutenção daquele front, Hitler passasse a desviar para a região o grosso de sua
capacidade de ataque, em termos materiais e humanos.
Ao mesmo tempo, observa-se o crescente envolvimento logístico dos Estados Unidos, que
ofereciam apoio cada vez mais intenso aos aliados em guerra - agora representado também pelo
envio de material bélico. Esse envio, viabilizado pelo lend-lease e por sua crescente indústria
armamentista, tornava imperativa a utilização do litoral brasileiro como ponto de escala nas rotas
de transporte EUA-África-Europa via Atlântico Sul.
Sem a adequada infra-estrutura aeronáutica na região norte-nordeste, sua implantação inicial, a
partir do início de 1941, se deu através da construção de bases aéreas com fundos do “Airport
Development Program”. Valendo-se do relacionamento comercial entre a Panamerican e a
Panair do Brasil, coube à empresa brasileira a aplicação dos fundos daquele programa, criando
uma operação comercial de cobertura. Essa operação, à guisa de desenvolver meios destinados
à aviação comercial, viabilizou a utilização das estruturas então criadas na rota do sudeste do Air
Transport Command americano no Atlântico Sul.
Com isso, são criadas as bases aéreas de Belém, Natal, Fortaleza, Recife e Salvador, que
passaram a receber um considerável fluxo de aviões rumo à África e Mediterrâneo. Além disso,
Essas bases permitiram também que, em operações conjuntas, o patrulhamento aéreo do
Atlântico Sul pudesse ser efetivado.
Assim o saliente nordestino reafirma sua importância estratégica. Passa a ser visto, agora, não
tanto como um ponto a ser defensivamente guarnecido para a defesa da costa americana contra
investidas dos paises do Eixo, mas como o mais viável e efetivo ponto de ligação entre Estados
Unidos e os aliados em combate nos continentes europeu e africano.
A essa altura, a guerra se estendia entre os teatros de operações da Europa, Mediterrâneo,
Norte da África e Atlântico, este último configurado principalmente em sua porção norte e com o
principal objetivo de bloquear envio de recursos, materiais e humanos, às demais áreas em
conflito.
Finalmente, com o ataque japonês à base aeronaval americana de Pearl Harbor, em 07 de
dezembro de 1941, a guerra atinge sua máxima amplitude, envolvendo também embates no
Oceano Pacífico. Em conseqüência desse ataque, os EUA declaram guerra ao Japão e, ato
78
contínuo, como resultado do acordado no Pacto Tripartido entre Alemanha, Itália e Japão, em 27
de setembro de 1940, os dois primeiros declaram guerra aos Estados Unidos.
Por força de acordos previamente concertados entre os países do continente americano, a
Terceira Reunião de Consultas dos Ministros do Exterior das Repúblicas Americanas, encerrada
em 28 de janeiro de 1942, no Rio de Janeiro decide pelo rompimento de relações dos Estados
Americanos com os países do Eixo.
Com a entrada efetiva dos Estados Unidos na guerra, a Alemanha define como estratégia de
combate o ataque às rotas marítimas no Atlântico Norte, buscando inviabilizar o envio de
recursos aos aliados na Europa e União Soviética. Coube à Marinha de Guerra alemã essa
empreitada, através da ação dos submarinos U-boats, com a colaboração italiana.
No início de 1942 esses ataques mostram-se muito bem-sucedidos, em face do despreparo das
forças aliadas no Atlântico quanto à defesa contra esse tipo de arma. O primeiro trimestre de
1942 revela-se bastante favorável aos alemães com relação à eficácia dos ataques de seus
submarinos. É uma fase de inúmeros torpedeamentos de navios, inclusive alguns de bandeira
brasileira. Como medida defensiva imediata, a navegação marítima de transporte passa a ser
feita através de comboios, protegidos por aviões de patrulha.
Aos poucos, com o desenvolvimento de melhores recursos defensivos contra submarinos, como
radares passíveis de seres adaptados aos aviões de patrulha, a defesa aliada passa a ser mais
efetiva, tornando a área do Atlântico Norte cada vez mais hostil à ação dos U-boats.
Gradativamente a atuação dos submarinos vai deixando a área do Atlântico Norte em favor de
posições mais ao sul, menos guarnecidas, intensificando os ataques a navios nas costas
brasileiras.
Os ataques a navios brasileiros começam a se registrar a partir de fevereiro de 1942, na região
do Atlântico Norte, criando uma crescente tensão no país e manifestações de protesto do
Governo brasileiro contra o Eixo, sem resposta, entretanto.
A essa altura cresce a importância da aviação de patrulha brasileira, vigiando as costas
litorâneas e escoltando comboios marítimos. Começam também os ataques brasileiros a
submarinos considerados hostis, quais sejam, aqueles sem clara identificação.
Na medida em que os U-boats e submarinos italianos chegam às costas brasileiras, a freqüência
e intensidade dos ataques levam a fatalidades que trazem grande repercussão nacional até que,
de 15 a 19 de agosto, são torpedeados e afundados, a 20 milhas da costa do Estado de Sergipe,
vários navios brasileiros, dentre eles os vapores Baependi, Aníbal Benévolo, Araraquara, Itagipe
e Araras, produzindo um grande número de vítimas fatais, 613 ao todo, inclusive crianças.
Vale salientar que, na América do Sul, o Brasil era o detentor da maior frota mercante, além do
que, as regiões norte e nordeste dependiam predominantemente da navegação de cabotagem
para o transporte regional, na ausência de melhores meios, terrestres ou aéreos. Por outro lado,
79
a avaliação do impacto de tais ataques à navegação marítima brasileira fica melhor ilustrada ao
se considerar que atingiu 20% de seus recursos. O Anexo A permite a visualização não só do
impacto dos ataques de submarinos aos navios brasileiros como também seu gradual
deslocamento geográfico para as proximidades do nosso litoral.
Diante dessa sucessão de ataques, e sob o crescente clamor popular, o Governo brasileiro
declara guerra aos países do Eixo, em 22 de agosto de 1942. Em 31 de agosto, o Decreto
10.358 declara estado de guerra em todo o País, e, em 16 de setembro, o Decreto 10.451
determinou a mobilização geral da Nação.
Ao longo de 1943, enquanto prosseguem as ocorrências de ataques de navios brasileiros por
submarinos inimigos, estreitam-se as relações de cooperação militar entre Brasil e Estados
Unidos, a partir da Comissão Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, que iserirá as Forças
Armadas brasileiras na área de operações da Força do Atlântico Sul (FAS).
Ao mesmo tempo, uma série de medidas adotadas pelo Governo, como a criação da Força
Expedicionária Brasileira – FEB, e do 1º GAvCa, determinarão a participação efetiva do Brasil
nas ações de guerra, único país sul-americano a fazê-lo, através do envio de tropas para a Itália,
que se concretizará com a chegada da FEB, em 16 de julho de 1944, em Nápoles, e do 1º
GAvCa, em 6 de outubro, em Livorno.
Os desdobramentos da guerra levaram à concepção, pelos aliados, da “Operação Overlord” a
qual, em linhas gerais, previa, a partir do desembarque maciço de tropas através da Normandia,
a retomada da França, da Itália, dos países baixos e, a partir daí, o avanço rumo à Alemanha
através do norte, efetivamente desencadeado em 6 de junho de 1944, o “Dia D”.
A necessidade de uma concentração de efetivos militares nessas regiões-alvo, filtrada pela
possível maior afinidade cultural dos brasileiros com os italianos, definiu a escolha da Itália como
o local que receberia os contingentes da FEB e da FAB.
Principalmente a partir da entrada efetiva dos Estados Unidos, a situação dos aliados nos
diversos teatros de operações vai, ao longo dos dois anos seguintes, se tornando mais favorável.
A rendição do Afrika Korps aos aliados em 12 de maio de 1943, a derrubada do governo fascista
na Itália, em 25 de julho de 1943 e, no ano seguinte, a chegada dos aliados em Roma, em 4 de
junho, como também a retomada de Paris, em 25 de julho, enquanto os russos avançavam em
direção à Alemanha, alimentavam a expectativa de que as hostilidades na região cessariam a
qualquer momento. Isso trazia a dúvida sobre a pertinência da continuidade dos preparativo para
o envio de tropas brasileiras à Europa.
Não obstante, a situação perdurava e, efetivamente, os brasileiros participaram do último esforço
aliado para fazer os alemães recuarem definitivamente, em abril de 1945 – a Ofensiva da
Primavera. Bem-sucedida, ainda em abril, no dia 25, russos e americanos encontram-se em
Berlim. No dia 28, Mussolini é capturado e assassinado pelos partisanos e, no dia 30, Hitler
80
comete suicídio. Em maio, no dia 2, as forças alemãs na Itália se rendem. No dia 7, a Alemanha
rende-se incondicionalmente. Com isso, em 8 de maio, cessam todas as hostilidades na Europa.
A guerra em si só terminaria três meses mais tarde, em 14 de agosto de 1945, com a rendição
incondicional dos japoneses, após o lançamento de bombas atômicas em Hiroshima, no dia 6, e
Nagasaki, no dia 9. Os brasileiros, entretanto, já se encontravam no Brasil, cuja chegada, em 11
de julho, no Rio de Janeiro, foi marcada com grande festividade pela população.
Resumidamente, o crescente envolvimento mundial a partir do início da guerra foi definindo uma
polarização cada vez maior, tanto ideológica quanto política, entre as duas partes em conflito: os
Aliados e o Eixo. Este último, dada a agressividade das primeiras ações alemãs, reforçada pelas
quebras de acordo ao longo do conflito, e pela intenção claramente expansionista às custas da
dominação pela força bélica, foi-se cristalizando como a representação da grande ameaça ao
mundo livre e à democracia.
Essa polarização, sobretudo a partir dos ataques a navios brasileiros, influiu na opinião pública
nacional, fazendo surgir um clamor cada vez maior pela pronta resposta do País e seu
alinhamento contra o Eixo. Ao longo desse trajeto, a estratégia governamental brasileira foi a de
tirar partido de sua importância geopolítica diante do desenrolar dos acontecimentos. Com isso,
o Brasil conseguiu atualizar suas forças armadas, estruturar e equipar a mais nova delas, a
Força Aérea Brasileira, terminando a guerra como a maior potência militar da América do Sul.
Consegue, também, seu almejado parque siderúrgico, com a ativação da Usina Siderúrgica de
Volta Redonda, em 1946.
Este é o cenário nacional, e mundial mais amplo, no qual foi criado e operou em guerra o
Primeiro Grupo de Aviação de Caça do Brasil.
2.3 O 1º GRUPO DE AVIAÇÃO DE CAÇA DO BRASIL DURANTE A
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Com o desenrolar dos eventos que determinaram a declaração de guerra do Brasil contra os
países do Eixo, o Governo tomou a decisão de enviar tropas ao Teatro de Operações na Europa.
Com sua recente criação e com um ainda pequeno contingente, colocado a serviço das
operações de patrulha aérea no Atlântico, a decisão sobre a participação da FAB na Segunda
Guerra Mundial conduziu à organização e treinamento de um grupo e caça e de uma esquadrilha
de ligação e observação - ELO, esta última em apoio à Artilharia Divisionária da Força
Expedicionária do Exército Brasileiro.
81
Com isso em vista, foi criado, em 18 de dezembro de 1943, através do Decreto-Lei 6.123, o 1º
Grupo de Aviação de Caça. Já em 27 de dezembro um Decreto nomeava seu Comandante, o
então Major Aviador Nero Moura. Após definir que todos os componentes do Grupo de Caça
deveriam ser voluntários, o Comandante escolheu um contingente de 36 homens, entre oficiais e
praças, para comporem seu “pessoal-chave”. O grupo, que contava com um Oficial de
Operações, um Oficial de Informações, quatro capitães comandantes de esquadrilha e demais
serviços de apoio, partiu, em 03 de janeiro de 1944, para a primeira fase de treinamento, que foi
realizada na Escola de Tática Aérea Aplicada da Aviação do Exército Norte-Americano, em
Orlando, na Flórida.
O curso consistia de aulas teóricas e 60 horas de vôo em aviões de caça Curtiss P-40. O
objetivo daquela Escola era concentrar informações e estudos sobre táticas de guerra em todos
os teatros de operações, informações essas a serem repassadas às demais escolas de
formação de contingentes. Em seu quadro de instrutores, figuravam ex-combatentes de vários
países, que se destacaram pela realização de missões muito bem-sucedidas. Era tecnicamente
bem equipada, inclusive com a novidade dos simuladores de vôo.
Enquanto isso, os demais componentes do Grupo eram selecionados, dentre os que se
apresentavam como voluntários, e começaram a ser enviados para a base americana de Albrook
Field, na zona do Canal do Panamá, até atingirem um total aproximado de 350 homens.
Enquanto lá permaneceram, foram treinados para se adaptarem aos padrões administrativos e
operacionais americanos.
Terminada a instrução do pessoal-chave em Orlando, o grupo seguiu para o Panamá de onde,
em 18 de março de 1944 e acompanhados do restante do Grupo, foram deslocados para a Base
Aérea de Aguadulce, local onde receberiam as instruções e treinamentos intensivos que os
capacitariam como Unidade de Combate. Sob uma estratégia que recebia o nome-código de
“Top Gun”, o 30º Grupo de Treinamento de Pilotos de Caça americano estava engajado na
capacitação intensiva e em massa de pilotos, sob o comando do Coronel Gabriel Disosway.
O treinamento em Aguadulce era voltado ao Grupo como um todo, agora organizado em uma
Unidade de Combate, sendo que, enquanto o pessoal de apoio recebia instruções sobre
armamento, manutenção, comunicações e administração, os pilotos eram submetidos a
treinamento de técnicas de combate aéreo em aviões P-40. Além disso, como Unidade de
Combate, participaram da defesa da área do Canal do Panamá.
Em 11 de maio, com a chegada da última turma, ocorre também a incorporação da Bandeira
Brasileira que havia saído do Brasil para acompanhar o Grupo em sua expedição. Há uma
solenidade militar, com a participação de americanos e brasileiros. Em 20 de junho o treinamento
é considerado concluído, quando então os pilotos recebem brevês americanos. Em 22 de junho
o Grupo deixa Aguadulce com destino à Base Aérea americana de Suffolk, Long Island, Nova
82
Fonte: LAVENÈRE-WANDERLEY, N. F. História da Força Aérea Brasileira, 1975, pág. 280.
Iorque, onde chegam em 4 de julho, para a nova fase de treinamento e adaptação, agora
envolvendo os aviões que seriam operados no teatro de operações, os P-47 “Thunderbolt”.
Em Suffolk, o Grupo completa seu efetivo com a incorporação de sete aviadores, oficiais da
reserva oriundos do Brasil e de bases norte-americanas, onde receberam sua formação, além de
cinco médicos, um intendente, dois enfermeiros, seis enfermeiras e alguns sargentos
especialistas.
Terminada essa última fase do treinamento, com duração de pouco mais de dois meses, o
Grupo é considerado pronto para entrar em ação. Começam então os preparativos para o
deslocamento ao Teatro de Operações (TO), que se inicia em 10 de setembro de 1944, com as
seguintes etapas:
- Deslocamento por via férrea de Suffolk até o campo de embarque, em Patrick
Henry, com 14 horas de duração, nos arredores de Norfolk, Virgínia.
- Quarentena estratégica, com o isolamento do Grupo, por questão de segurança de
informações, por oito dias.
- Embarque, em 19 de setembro, no navio francês UST Colombie, que zarpou no dia
seguinte e mais tarde foi incorporado a um comboio que o escoltaria até o
Mediterrâneo através do Atlântico.
- Chegada, em 4 de outubro, no Porto de Nápoles, na Itália, onde o Colombie ficou
fundeado até o dia seguinte, quando partiu para Livorno.
- Desembarque em Livorno, no dia 6 de outubro.
- Embarque, no mesmo dia, para Tarquínia, via férrea, aonde chegaram na manhã do
dia 7 de outubro.
Foram, então, 27 dias de viagem até a chegada na primeira base de operações onde se
incorporariam ao 350º Fighter Group americano. A Figura 3 esclarece a inserção do 1º GAvCa
– como 1
st
Brazilian Fighter Squadron - à Força Aérea Americana.
Figura 3
83
Os veteranos do 350º Fighter Group encontravam-se em sua sétima e última Campanha
de Guerra, tendo anteriormente atuado no norte da África, nas campanhas do Marrocos e da
Tunísia, e na invasão aliada na Itália, nas campanhas da Sicília, de Nápoles-Foggia, de Roma-
Arno e de Bastia e Alghero, com atuações historicamente memoráveis. O 350º chegou a
Tarquínia com seus três esquadrões – 345
th
, 346
th
e 347
th
Squadron - voando juntos, em 10 de
setembro de 1944 e passariam a operar os P-47, mais adequados às missões que passariam a
assumir.
O 1º GAvCa chegou a Tarquínia em 7 de outubro para se incorporar aos três esquadrões
de vôo daquele Grupo, significando que teve que se instalar em ainda piores condições do que
aqueles e a “wing” inglesa, que também se encontrava na área. Isso porque a Base de
Tarquínia, localizada em uma região medieval e pouco desenvolvida da Itália, encontrava-se em
precárias condições de operação, mercê dos bombardeios recebidos durante a invasão dos
aliados. Assentava-se em um terreno bastante encharcado, cujo trânsito de viaturas e aviões só
era possível através das pistas de campanha americanas, construídas em chapas de aço
perfuradas – as chapas Marston.
Ali, o 1º GAvCa encontrou os volumes que continham todo o material disponível para a
montagem de seu acampamento, montagem essa que teve início imediato e que demandou
poucos dias para ser finalizada, incluindo a cavação de valetas para o escoamento da grande
quantidade de água que cobria a área destinada ao acampamento brasileiro. O clima de pleno
outono, aproximando-se do inverno agravava a situação do Grupo brasileiro.
Com a chegada dos P-47, novos e já pintados com as cores brasileiras, os pilotos
começaram uma fase de vôos de reconhecimento de área.
Figura 4 - Um dos P-47 do 1º GavCa, já com a pintura personalizada na carenagem.
84
Em 14 de outubro há uma solenidade na qual se incorpora a Bandeira Brasileira.
Em 31 de outubro tem início o “batismo de fogo”, para os pilotos brasileiros, que começaram
suas missões voando incorporados às esquadrilhas dos outros Esquadrões do 350º. Durante
essa fase, ocorre a primeira morte em combate do Grupo brasileiro, com a derrubada, pela
artilharia antiaérea alemã (AAAé), do avião do 2º Ten. Av. John Richardson Cordeiro, na região
de Bologna.
Os pilotos que ainda não haviam entrado em batalha, permaneciam em treinamento. Foi assim
que, no dia seguinte à morte do Ten Cordeiro, um acidente em treinamento fez outra baixa entre
os brasileiros: O 2º Ten Av Oldegard Olsen Sapucaia, durante uma manobra, teve os comandos
do P-47 travados, saltou de pára-quedas mas este não abriu por causa da baixa altura.
Em 11 de novembro, depois de voarem compondo os demais esquadrões, os pilotos do 1º
GAvCa passaram a voar com as esquadrilhas totalmente brasileiras, tornando-se finalmente um
esquadrão independente.
Em face do desenrolar da guerra, iniciou suas operações inserindo-se no esforço aliado para
neutralizar a ação alemã em território italiano, impedindo-a, em caso de recuo, de cruzar a região
conhecida como Passo de Brenner, e assim retornar à Alemanha através da Áustria.
Naquela época, a atuação da Luftwaffe no espaço aéreo italiano já estava neutralizada, de modo
que as ações da aviação de caça assumiram caráter estritamente tático, adaptando-a a missões
de caça-bombardeio. Esse Plano de Bombardeio pretendia cumprir essencialmente três
finalidades definidas pelo Comando da Força Aerotática:
a. apoio direto às forças terrestres;
b. isolamento do campo de batalha pela interrupção sistemática das vias de
comunicações, ferroviárias e rodoviárias, que ligavam a linha de frente alemã ao
vale do rio Pó e ao resto do território ocupado pelos alemães, e
c. destruição de instalações militares e industriais do norte da Itália. (LAVENÈRE-
WANERLEY, 2002, p. 23).
Assim, como unidade de caça-bombardeiros, cabia ao 1º GAvCa a efetivação de bombardeios
em vôo picado (ou seja, em atitude de Piquet) em alvos previamente definidos, dentro da
abrangência acima. Cumprida a missão, e durante o retorno, as esquadrilhas tinham ordem de,
voando a baixa altura, procurar “alvos de oportunidade”, dentre veículos, trens, aeródromos, vias
de transporte, etc., contra os quais efetuavam ataques rasantes, utilizando as metralhadoras de
seus aviões. Essa etapa da missão era chamada de strafing, ou ‘estreifar’, num
aportuguesamento da palavra.
85
Em 16 de novembro, novo acidente aeronáutico envolveu pilotos do 1º GAvCa. Desta feita,
durante as filmagens aéreas de um vôo de demonstração do desempenho do Grupo, para fins
de propaganda, houve o choque em pleno ar de um dos P-47 e o avião no qual se encontravam
cinegrafistas americanos. Neste choque faleceram os 2º Tenentes Aviadores Waldir Pequeno de
Mello e Rolland Rittmeister.
Em 4 de dezembro de 1944 ocorre o deslocamento do 350º, incluindo o 1º GAvCa, para a Base
de Pisa, situada 200 km mais ao norte da Itália e, portanto, mais próxima da linha de frente de
combate. Essa mudança, que ocorreu sem interrupção das atividades, representou melhores
instalações para os esquadrões, que deixaram de se alojar em barracas, e também condições
mais favoráveis às missões, por permitir um melhor aproveitamento da autonomia dos aviões,
que chegavam mais rapidamente aos seus alvos.
Pisa havia sofrido muito com os bombardeios mas um antigo Hotel, o Albergo Nettuno, mesmo
que com instalações precárias, ofereceu a possibilidade de acantonamento ao 350º. Do outro
lado do Rio Arno, uma pista de pouso, também retificadas pelas chapas de aço trazidas pelos
americanos, juntamente com algumas edificações, serviram de base para as operações aéreas.
O pessoal de saúde, por sua vez, instalou sua Seção Hospitalar no 12
th
General Hospital
americano, situado na estrada para Livorno.
As operações seguiam na sua ênfase de caça-bombardeio, com vistas ao esforço para a
interdição alemã na região. Os aviões eram equipados com bombas de 500 libras,
eventualmente bombas de 1.000 libras, ou bombas incendiárias, duas em cada asa. Eram
também equipados com metralhadoras ‘.50’ (ponto cinqüenta) para sua defesa e o ataque aos
alvos de oportunidade. Alguns aviões foram, mais tarde, equipados também com câmeras
fotográficas K-25, com as quais os ataques passaram a ser documentados. Esses registros
permitiram o gradual aumento da efetividade dos ataques, como acessório ao acúmulo de
experiência que foi sendo obtido pelo Grupo ao longo dos meses.
Esse acúmulo de experiência se contrapunha, entretanto, à exposição da artilharia antiaérea
alemã, que também foi se especializando. As ações de combate continuaram a impor baixas
dentre os pilotos, à razão de três por mês, cuja reposição não se dava no mesmo ritmo.
Em fins de março, devido ao número reduzido de pilotos, uma das quatro esquadrilhas, a
Amarela, foi desativada, o que foi gradualmente exigindo dos pilotos um maior desgaste para
continuar respondendo às missões designadas ao Grupo.
Justamente no mês de março os aliados começaram a por em prática um esforço máximo para
quebrar definitivamente a resistência alemã na Itália, a “Ofensiva da Primavera”, que teve início
em 9 de abril.
A Força Aérea Tática participou desse esforço intensificando suas missões de interdição e apoio
aéreo. A Ofensiva encontrou o 1º GAvCa com número reduzido de pilotos, o que fez com que o
Comandante do 350º informasse ao Tenente Coronel Nero Moura, em reunião preparatória, que
86
seus comandados estavam dispensados desse esforço, esgotados que estavam, além de já
terem cumprido, com honra, sua participação no Teatro de Operações. Nero Moura, entretanto,
solicita consultar os componentes do Grupo a esse respeito, para que pudesse tomar a decisão.
Diante da exposição do Comandante, estes foram unânimes em aderir ao esforço, o que lhes
impôs uma sobrecarga de duas saídas de avião (surtida) por dia, algumas vezes três, para cada
piloto, principalmente na semana de 14 a 20 de abril.
Com a generalização da retirada alemã, devido ao bom resultado da Ofensiva da Primavera, os
alvos de ocasião se multiplicaram, constituídos pela concentração de equipamentos e tropas em
fuga, que tentavam cruzar o Passo de Brenner.
Os aliados conseguem finalmente romper as linhas inimigas e é um caça brasileiro o primeiro a
avistar essa manobra e a identificá-la, na caótica mescla com as tropas inimigas, em 19 de abril.
A concentração de tanques encontrava-se numa linha muito avançada, razão pelo que o
Comando Aerotático recebeu com ceticismo a informação do Comandante da esquadrilha
brasileira. Este resistiu à ordem de ataque e quando, mais tarde, a informação foi confirmada,
sua perícia e conduta foram alvo de elogio do Comandante do XXII CAT.
No dia 22 de abril o 1º GAvCa obtém o máximo de resultados, sendo realizadas 11 missões,
com 44 surtidas. Por essa razão a data passou para a história como o ‘Dia da Aviação de Caça
do Brasil’.
No dia 23 de abril foi estabelecida a cabeça de ponte no Rio Pó. No dia 30 de abril cessou a
resistência alemã o Vale do Pó, persistindo alguma resistência na região dos Alpes, mas com
sua tentativa de retirada frustrada pelo encontro das tropas norte-americanas e russas. Em 2 de
maio de 1945 cessa a guerra na Itália, com a rendição incondicional dos alemães.
O 1º GAvCa permaneceu ainda por dois meses na Itália, ocasião em que, paralelamente aos
preparativos para o transporte de retorno ao Brasil, foram enviadas comissões ao longo do
território em busca de prisioneiros e sobreviventes e da localização dos corpos dos pilotos
abatidos.
Para o retorno ao Brasil, o escalão terrestre e uma parte dos pilotos do Grupo partiram do Porto
de Nápoles, em 6 de julho de 1945, juntamente com o 1º Escalão da Força Expedicionária
Brasileira, chegando ao Rio de Janeiro em 18 de julho. Uma comitiva de 20 pilotos seguiu da
Itália para San Antonio, no Texas, Estados Unidos, a fim de transportar os 19 aviões P-47 que
foram colocados à disposição da FAB. Chegaram em 16 de julho de 1945 no Rio de Janeiro.
O 1º GAvCa inicialmente instalou-se o Campo dos Afonsos, sendo, depois, transferido para a
Base Aérea de Santa Cruz, onde lá opera até hoje.
87
SUMÁRIO ESTATÍSTICO DO 1º GAvCa NA CAMPANHA DA ITÁLIA
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OPERAÇÃO TOTAL
Missões Executadas 445
Saídas Ofensivas 2.546
Saídas Defensivas 4
Horas de Vôo em Operações de Guerra 5.465
Horas de Vôo realizadas 6.144
Bombas Lançadas 4.442
- Bombas Incendiárias (F. T. I.) 166
- Bombas de Fragmentação (260 lb 16
- Bombas de Fragmentação (90 lb) 72
- Bombas de Demolição (1000 lb 8
- Bombas de Demolição (500 lb) 4.180
Total aproximado de tonelagem das bombas 1.010
Total de munição calibre 50 1.180.200
Total de foguetes lançados 850
Total de litros de gasolina consumida 4.058.651
Fonte: LAVENÉRE-WANDERLEY, Nelson F. A Força Aérea Brasileira na II Guerra
Mundial. 2ª Ed. Brasília: Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, 2002.
88
T
T
a
a
b
b
e
e
l
l
a
a
3
3
Resultados Obtidos
pelo 1º Grupo de Aviação de Caça do Brasil
na Campanha da Itália
ITEM DESTRUÍDOS DANIFICADOS
Aviões 2 9
Locomotivas 13 92
Transportes motorizados 1.304 686
Vagões e carros tanques 250 835
Carros blindados 8 13
Viaturas de tração animal 79 19
Pontes de estradas de ferro e de rodagem 25 51
Cortes em estradas de ferro e de rodagem 412 --
Plataformas de triagem 3 --
Edifícios ocupados pelo inimigo 144 94
Postos de comando 2 2
Posição de artilharia 85 15
Instalações industriais 6 5
Diversas instalações 125 54
Depósitos de combustível e munição 31 15
Refinarias 3 2
Estação de radar 2
Embarcações 19 52
Navio 1
Fonte: LAVENÉRE-WANDERLEY, Nelson F. A Força Aérea Brasileira na II Guerra Mundial. 2ª Ed. Brasília:
Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, 2002.
2.3.1 A PRESIDENTIAL UNIT CITATION
A Ofensiva da Primavera teve a importância estratégica de por fim a uma guerra que se
estendia de forma desgastante e encontrou no desempenho e na disposição dos brasileiros uma
importante contribuição. Estes, por um lado, encontravam-se sobrecarregados pelas sucessivas
baixas de seus pilotos, sem reposição mas, por outro, cada vez mais experientes e, por isso,
eficazes em suas ações.
89
O desempenho do 1º GAvCa foi reconhecido oficialmente pelo Comandante do 350º, conforme
ilustra a transcrição de um trecho de seu relatório final, a seguir:
“Durante o período de 6 a 29 de abril o Grupo de Caça Brasileiro voou 5% das
saídas executadas pelo XXII Comando Aéreo Tático e, no entanto, foram
oficialmente atribuídos aos brasileiros 15% dos veículos destruídos, 28% das
pontes destruídas, 36% dos depósitos de combustíveis danificados e 85% dos
depósitos de munição danificados.” (LAVENÉRE-WANDERLEY, 2002, p. 30).
Esse Comandante, o Coronel Ariel W. Nielsen, encaminhou uma proposta de citação ao 1º
GAvCa, conforme transcrição do documento abaixo:
“350º Regimento de Caça, A. A. F.
A. P. O. 650
17 de maio de 1945
Assunto: Recomendação para citação
Ao: General Comandante do XXII Comando Aéreo Tático, A. P. O. 650
1 – Proponho-vos seja o 1º Grupo de Caça Brasileiro citado pelos relevantes feitos realizados no conflito
armado contra o inimigo, no dia 22 de abril de 1945, de acordo com a Circular nº 333 do Departamento da
Guerra, datada do dia 22-12-1943 e pela Circular nº 89, do Teatro de Operações da África, datada do dia
10-7-1944.
2 – Seus notórios serviços em batalha, no dia acima mencionado, são provados na presente proposta de
citação, mas vos peço a atenção para o espírito que o pessoal tem constantemente demonstrado.
3 – Esse Grupo entrou no serviço de combate na época em que a oposição antiaérea aos caça-
bombardeiros estava em seu auge. Suas perdas têm sido constantes e pesadas e têm tido poucas
substituições. Como seu número cada vez mais diminuía, cada piloto voava mais, expondo-se com maior
freqüência. Em muitas ocasiões, como Comandante do Regimento, eu retive esses pilotos, quando eles
queriam continuar a voar, porque eu acreditava que já haviam transposto o limite de suas possibilidades.
4 – A perícia e a coragem demonstradas nada deixam a desejar. Chamo-vos a atenção pela esplendida
exibição do seu excelente trabalho contra todas as formas de interdição e coordenação de alvos.
5 – Em minha opinião, seus ataques na região de San Benedetto, no dia 22 de abril de 1945, ajudaram a
preparar o caminho para a cabeça-de-ponte estabelecida pelos Aliados, no dia seguinte, na mesma região.
Cada ataque foi bem planejado e bem executado. A fim de completar isso, o 1º Grupo de Caça Brasileiro,
em seus feitos, excedeu os de todos os outros Grupos e sofreu sérias perdas.
6 – A superioridade do pessoal de vôo e de terra é igualmente demonstrada no completo sucesso aéreo.
7 – Acredito estar refletindo o sentimento de todos os eu conheceram o trabalho do 1º Grupo de Caça
Brasileiro, ao recomendar que eles recebam a citação de Unidade. Tal citação é, não só altamente
meritória, mas tornar-se-ia carinhosa à lembrança dos brasileiros, na comemoração dos esforços que foram
desenvolvidos neste Teatro.
(a) Ariel W. Neilsen
Coronel de Aviação
Comandante” (Fonte: Força Aérea Brasileira)
A seguir, a transcrição da citação proposta pelo Col. Nielsen:
“Citação Proposta”
“Os componentes do 1º Grupo de Caça Brasileiro são citados pelos relevantes
serviços prestados, em ação contra o inimigo, no Teatro de Operações do
Mediterrâneo, no dia 22 de abril de 1945. Pelos heróicos serviços, envoltos na
mais alta bravura e habilidade, no reconhecimento armado e ataques de caça
bombardeio e, pela soberba demonstração de tática coordenada com o 5º
Exército, o que contribuiu diretamente para que os Aliados cruzassem o Rio Pó.
Em exemplar harmonia com os objetivos da Campanha do Vale do Pó, os
brasileiros destruíram vasta quantidade de veículos e material inimigo, evitando,
90
desta maneira, a escapada do inimigo para as fortes defesas já preparadas na
retaguarda. Pela localização de uma garagem, pesadamente defendida e
habilmente camuflada, nas proximidades de Mantova, Itália, no qual, em 3
ataques, destruíram, no mínimo, 45 veículos e, indubitavelmente, imobilizaram
muito mais. Pelo arrasamento de pontões inimigos no Rio Pó, ajudaram a
frustrar sua retirada, deixando muitos alemães sem meios para escapar. Pela
vigilante cobertura aérea nas redes de estradas e posições de batalha
organizadas, destruíram muitos outros veículos, incluindo peças de campanha
blindadas e arrasaram várias posições de trincheiras. Nas perdas que sofreram
nessa ocasião, como também em muitos ataques anteriores, tiveram seu
número de pilotos reduzido à metade, em relação aos Grupos da Força Aérea
do Exército dos Estados Unidos que operavam na mesma área, porém voaram
um número igual de sortidas, operando incansavelmente e além do normal
previsto. A manutenção de seus aviões foi altamente eficiente, a despeito das
avarias sofridas pela antiaérea, do uso e do desgaste de intensivos esforços.
Contornavam as sérias dificuldades atmosféricas com excelentes planos de
navegação. Pelo mais hábil emprego da câmara, fotografaram o resultado de
seus ataques e forneceram relatórios fotográficos de uma histórica campanha.
No final do dia, durante o qual 11 missões e 44 sortidas foram efetuadas,
destruíram 97 transportes a motor e avariaram 17, destruíram um parque de
viaturas, imobilizaram 35 veículos a tração animal, avariaram uma ponte
rodoviária e uma ponte de barcas, destruíram 14 edifícios ocupados pelo inimigo
e avariaram 3 outros e atacaram 4 posições militares. A brilhante capacidade,
incansável devoção ao dever e extraordinário heroísmo demonstrados pelos
Oficiais e Praças do 1º Grupo de Caça Brasileiro durante essas operações e em
muitas outras ocasiões, tornaram seus serviços distinguidos e têm refletido
grande crédito para eles e para as Forças Armadas das Nações Aliadas.”
(Fonte: Força Aérea Brasileira).
A Presidential Unit Citation foi criada pelo Governo dos EUA cinqüenta dias após o ataque a
Pearl Harbor com a finalidade de condecorar unidades de combate distintas pelo heroísmo,
determinação e espírito de corpo, em um dado período, sob extrema dificuldade e condições de
perigo, destacando-se das demais unidades participantes da mesma campanha (LIMA, 1989).
Por ter sido, em princípio destinada a homenagear coletivamente Unidades das Forças Armadas
dos EUA, de porte maior do que o Grupo de Caça, o encaminhamento acima não seguiu adiante,
ficando arquivado por 41 anos, até que o processo, entregue pelo Coronel Nielsen ao
Comandante Nero Moura naquela ocasião, foi recuperado e encaminhado, através do Major
John Buyers, Oficial de Ligação na época da Campanha, para os Estados Unidos, onde seu
trânsito foi restaurado.
Como conseqüência, a Citação foi outorgada ao 1º GAvCa e, posteriormente, também a um
Esquadrão da RAF Inglesa.
A Citação encontra-se apoiada em um processo de 46 páginas, contendo documentos e fotos
relativas ao desempenho do 1º GAvCa, razão pela qual, dada sua relevância histórica, é tratada
como um fato no presente trabalho.
A seguir, o documento na íntegra, seguido de sua tradução.
91
By virtue of the authority vested in me as President of the United States and Commander in Chief
of the Armed Forces of the United States, I have today awarded
THE PRESIDENTIAL UNIT CITATION (AIR FORCE)
FOR EXTRAORDINARY HEROISM
TO
1ST BRAZILIAN FIGHTER SQUADRON
BRAZILIAN ARMED FORCES
The 1st Brazilian Fighter Squadron, Brazilian Armed Forces, distinguished itself by extraordinary
heroism in connection with military operations against an enemy of the United States in the
Mediterranean Theater of Operations on 22 April 1945. By heroic services involving utmost
gallantry and a display of consummate skill in armed reconaissance and fighter-bomber attacks,
and by demonstrating superb tactical coordination with the Fifth Army, they contributed directly to
the Allied crossing of the Po River. They destroyed vast quantities of enemy material and
vehicles, thus preventing the enemy from escaping to safety behind prepared defenses. By
discovering a skilfully concealed and hevily defended enemy motor pool near Mantova, Italy, they
destroyed at least 45 vehicles and doubtlessly immobilized many more. By harassing enemy
pontoon barges on the Po, they helped to thwart their retreat, leaving many elemensts of
Germans with no means to escape. By their vigilant air cover of road nets and prepared battle
positions, they destroyed many other vehicles, including armored field pieces, and harassed
trench positions. The casualties that they suffered reduced their pilot strength to about one half
that of the United States Army Air Force squadrons operating in the same area, but they flew an
equal number of sorties, performing tirelessly and beyond the normal call of duty. The
maintenance of their aircraft was highly efficient. They met serious weather difficulties with
excellent planning and navigation. By the most capable employment of the camera, they
photographed the results of their attack and contributed to the pictorial record of a historical
campaign. Eleven missions of 44 sorties were flown destroying nine motor transports and
damaging 17. Additionally, they destroyed the facilities of a motor pool, immobilized 35 horse
vehicles, damaged a road bridge and a pontoon bridge, destroyed 14 and damaged three enemy-
occupied buildings, and attacked four military positions and inflicted much other damage. the
professionalism, dedication to duty, and extraordinary heroism demonstrated by the members of
the 1st Brazilian Fighter Squadron are in keeping with the finest traditions of the military service
and reflect the highest credit upon themselves and the Armed Forces of Brazil.
92
Ronald Reagan
93
No uso dos poderes que me são conferidos como Presidente dos Estados Unidos e em minha
qualidade de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas dos Estados Unidos, adjudiquei no
dia de hoje
A CITAÇÃO PRESIDENCIAL DE UNIDADE
POR EXTRAORDINÁRIO HEROÍSMO
AO PRIMEIRO ESQUADRÃO DE CAÇA DO BRASIL
FORÇAS ARMADAS DO BRASIL
O Primeiro Esquadrão de Caça do Brasil, Forças Armadas do Brasil, distinguiu-se por seu
extraordinário heroísmo em operações militares contra um inimigo dos Estados Unidos no Teatro
de Operações do Mediterrâneo, em 22 de abril de 1945. Ao prestar heróicos serviços com
suprema bravura e ao demonstrar a consumada aptidão em matéria de reconhecimento armado
e ataques com caças-bombardeiros, bem como ao mostrar excelente coordenação tática com o
Quinto Exército, a Unidade contribuiu diretamente para que os Aliados cruzassem o Rio Pó. A
Unidade destruiu grande quantidade de material e veículos do inimigo, assim evitando que este
se refugiasse no esquema de segurança preparado em sua defesa na retaguarda. Ao descobrir,
nas imediações de Mântua, Itália, um centro motorizado inimigo habilmente camuflado e
fortemente defendido, a Unidade destruiu pelo menos 45 veículos e seguramente imobilizou
muitos outros. Ao hostilizar pontões do inimigo no Rio Pó, a Unidade ajudou a impedir sua
retirada, frustrando quaisquer meios de evasão de muitos elementos germânicos. Por sua
vigilante cobertura aérea de redes viárias e posições preparadas para batalha, a Unidade
destruiu numerosos outros veículos, inclusive peças de campo blindadas, e hostilizou posições
de trincheira. Embora as baixas sofridas hajam reduzido sua disponibilidade de pilotos a cerca
da metade da dos esquadrões da Força Aérea dos Estados Unidos em operação na mesma
área, a Unidade realizou idêntico número de surtidas, com desempenho incansável e superior ao
normalmente esperado no cumprimento do dever. A manutenção de suas aeronaves foi
altamente eficiente. Sérias dificuldades meteorológicas foram enfrentadas com excelente
planejamento e navegação. Com insuperável capacidade de manejo de câmeras, a Unidade
fotografou os resultados dos ataques e contribuiu para o registro pictórico de uma campanha
histórica. De 44 sortidas, 11 missões aéreas destruíram nove transportes motorizados e
danificaram outros 17. Ademais, a Unidade destruiu as instalações de um grupo de transportes
motorizado, imobilizou 35 veículos de tração animal, danificou uma ponte rodoviária e um
cruzamento de pontões, destruiu 14 prédios ocupados pelo inimigo e danificou outros três,
atacou quatro posições militares e infligiu muitos outros danos. O profissionalismo, a dedicação
94
ao dever e o extraordinário heroísmo demonstrados pelos integrantes do 1° Esquadrão de Caça
do Brasil confirmam as mais finas tradições do serviço militar e refletem a mais alta reputação
que conquistaram tanto para si como para as Forças Armadas do Brasil.
Ronald Reagan
3 - A SIMBÓLICA DO 1º GAvCa
A seguir serão apresentadas as principais manifestações simbólicas verificadas quando da
participação do 1º GAvCa na Segunda Guerra Mundial. Essas manifestações se revelam
importantes pela profusão com que emergiram e também pelo momento em que cada uma se
estabeleceu, demonstrando um alto grau de representatividade das experiências e,
principalmente dos desafios que foram sendo superados pelo Grupo, ao longo de sua
participação na guerra. Sua importância destaca também por sua permanência no pós-guerra,
enfatizando a força e representatividade do conteúdo que cada símbolo evoca. Por essa razão,
considera-se importante o seu estudo.
3.1 SÍMBOLO
Antes de se passar à descrição do conjunto de símbolos compartilhados pelos componentes do
1º GAvCa – sua Simbólica, é necessário que se façam algumas reflexões sobre o sentido do
símbolo e da simbolização no processo humano.
Segundo Cunha (1986) símbolo - “aquilo que, por princípio de analogia, representa ou substitui
alguma coisa” – tem sua origem no latim symbǒlum, uma derivação do grego sýmbolon.
Em sua aplicação original, dizia respeito a um objeto dividido em dois, sendo que a confrontação
de cada metade, guardada por duas pessoas que vão se separar por um longo tempo, no
reencontro, confirmaria os laços de relacionamento ou acordo firmado entre elas (CHEVALIER e
GHEERBRANT, 2006, p. xxi). Traz, portanto, essa idéia original de algo que separa e, ao mesmo
tempo, une.
A partir dessa origem, houve sua transposição para nomear objetos físicos, figuras ou alegorias,
agregados a alguma idéia abstrata ou que representam alguma coisa com relação à qual são
heterogêneos. Traduz também signos – sinais - naturais ou convencionados por regras, e que
são compartilhados entre pessoas ou grupo de pessoas.
O processo de simbolização, ou seja, de representar idéias por meio de símbolos, é inerente à
natureza humana e é objeto de estudo de vários ramos da ciência, como a Antropologia, a
Lingüística, a Semiótica, a Pedagogia, a Teologia, além, é claro da Psicologia. Há ciências, como
96
a Matemática, em que o processamento e a transmissão de idéias são viabilizados pela
construção de símbolos. Símbolos são também objeto de interesse nas Artes Plásticas.
Dependendo da perspectiva, porém, observam-se variações, e mesmo divergências, sobre o
entendimento do que seja símbolo e qual seu papel. Para o propósito deste trabalho, a
importância da simbólica do 1º GAvCa ficará mais clara sob a perspectiva da Psicologia
Dinâmica.
As primeiras considerações sobre o valor psicológico dos símbolos e do simbolismo, foram
formuladas por Sigmund Freud, já quando delineava seus primeiros esboços sobre a
interpretação dos sonhos, uma das bases fundamentais da teoria psicanalítica.
Sumariamente, para Freud, símbolo consiste em uma imagem, uma representação concreta,
permanente e duradoura, de um elemento oculto, com o qual mantém relação constante. É uma
expressão indireta de desejos e conflitos, seus conteúdos latentes. Traduz, assim, certos
elementos inconscientes, recalcados, manifestos de forma indireta e não perceptível ao
indivíduo, através do processo de simbolização. O processo de simbolização estabelece uma
relação entre elementos do inconsciente – o significado- e do consciente – o símbolo. O
dinamismo necessário à representação simbólica é dado justamente pela condição de recalque,
ou repressão, desse conteúdo.
Revela a presença de um conflito intrapsíquico mas ao mesmo tempo oculta seu real significado,
tendo, assim, uma função defensiva do Ego. Não obstante, sua análise permitiria acessar esses
significados e, assim, favoreceria, a compreensão dos elementos do inconsciente que ele
contém.
Coube aos seguidores de Freud a ampliação dessas idéias, destacando-se a categorização dos
símbolos feita por Erich Fromm, que fala sobre os símbolos convencionais – nos quais existe
uma relação duradoura e permanente entre o símbolo e o simbolizado, compartilhada em grupos
específicos, como a linguagem e os sinais; símbolos acidentais – onde a relação entre o símbolo
e o simbolizado se dá de forma acidental e estritamente individual.
A terceira categoria de símbolos, proposta por Fromm, engloba os símbolos universais, nos
quais a relação duradoura e permanente entre o símbolo e o seu significado é intrínseca e
decorre da experiência comum a todos os indivíduos. São universais na medida em que derivam
de experiências que, transcendendo a história pessoal, são próprias do gênero humano. Uma
outra característica dos símbolos universais é a sua polivalência, uma vez que, mesmo
resguardado seu significado intrínseco, sua expressão poderia assumir aspectos regionais,
determinados pela diversidade de ambientes nos quais os humanos se inserem, agregando,
assim, influências geográficas, antropológicas e culturais (COLLETTE, 1978).
Coube, entretanto, a Carl Gustav Jung, um estudo mais amplo e aprofundado sobre a
importância e a natureza dos símbolos para os processos humanos, valendo-se de pesquisas
sobre Antropologia, Mitologia, Religiões.
97
Em “O Homem e seus Símbolos” (1977), Jung afirma que “uma palavra ou imagem é simbólica
quando implica alguma coisa além de seu significado manifesto e imediato” (p. 20). Sua
formação e expressão envolvem toda a atividade psíquica, consciente e inconsciente. Segundo
Jung, a capacidade de composição de símbolos é inerente à psique humana, produzindo,
imagens de um conteúdo que transcende a consciência, animada pelo dinamismo decorrente da
energia psíquica própria dos arquétipos.
Jung definiu como arquétipos a estrutura herdada comum a toda a humanidade, que atua
fornecendo modelos inatos, que guiam o desenvolvimento da psique e que compõem o
conteúdo do inconsciente coletivo. Tendo suas raízes na constante repetição de experiências
comuns à humanidade, caberia também aos arquétipos, a garantia da repetição, nas próximas
gerações, das mesmas experiências organizadoras. Seriam formas de pensamento universal
com forte carga afetiva, ou ainda, disposições herdadas para experimentar certos eventos
comuns à existência humana. São, por isso mesmo, comuns a todas as culturas, a todas as
civilizações. Jung fala do arquétipo materno e paterno, assim como seriam arquetípicas as
concepções de Deus, da morte e do renascimento, os temas de herói e de guerra, por exemplo.
Fundamental, para Jung, é o fato de que, tendo sua origem nos arquétipos, o símbolo, a um só
tempo, transforma a energia psíquica, trazendo-a de uma forma inferior, instintiva, a uma forma
superior, e também estimula a atividade psíquica. Dada sua natureza e potencial organizador, os
símbolos estariam na origem de todas as grandes descobertas da humanidade.
Os pontos convergentes dessas concepções seriam, em primeiro lugar, o fato de que os
símbolos guardam estreita conexão com conteúdos inconscientes, dos quais são um verdadeiro
meio de expressão, muito embora não de forma direta e completamente apreensível. As vias de
manifestações simbólicas se dariam através dos sonhos e também de produções como os mitos,
as lendas e alegorias e o folclore.
Exprimem elementos que não podem ser de todo explicados através da linguagem. Condensam
significados, emoções e energia em imagens pictóricas estáticas. Ilustram o que não se pode, ou
não se consegue, definir. Apresentam-se através um signo inteligível, protegendo afetos
ininteligíveis. Unem e separam.
Demonstram sua universalidade e atualidade através da profusão de conteúdos manifestos em
sonhos, em análises terapêuticas, em produções artísticas e ritos de diversas instituições, em
diversas culturas.
Outro elemento comum é o poder que os símbolos têm de refletir a mentalidade que rege uma
coletividade e, concomitantemente, de transformar essa mesma mentalidade. São, por essas
razões, poderosos propulsores das ações humanas.
O acervo histórico e cultural do 1º GAvCa é profuso de material simbólico, expresso em ícones,
emblemas, rituais e cancioneiro.
98
A esse acervo importa que se some uma análise dos mitos que mais diretamente se relacionam
ao tipo de atividade que desenvolveram e seu contexto. Relevam-se, assim, os mitos
relacionados ao vôo, à guerra e ao herói, cujo conjunto será agora explicitado.
3.2 O EMBLEMA
Durante a travessia do Atlântico, a bordo do USS Colombie, levantou-se a necessidade da
criação do símbolo do Grupo, conforme manda a tradição na aviação militar. Essa tarefa foi dada
ao Capitão Fortunato, caricaturista e desenhista bastante talentoso.
Durante a discussão que se seguiu, buscando a definição de como seria tal símbolo, alguém
argumentou que o que mais caracterizava o grupo era o fato de serem, como se
autodenominavam, “avestruzes”. O Capitão Fortunato, buscou, então, dentre os componentes do
Grupo, quem mais se parecia com uma avestruz, para servir como modelo. Foi eleito o Tenente
Lima Mendes – o “Limatão”.
Partindo da caricatura do Tenente Lima Mendes, à qual o Capitão Fortunato adaptou os traços
da avestruz, os demais elementos vão-se compondo aos poucos: o quepe, a nuvem, a pistola, o
céu vermelho, o círculo verde-amarelo.
Uma sugestão do Tenente Moreira Lima traz o último elemento, e o grito de guerra “Senta a Pua”
é então acrescentado ao desenho.
Mais tarde, após a experiência em combate, surge o último detalhe do símbolo, a explosão ao
fundo, representando o flak alemão. Estava definido o avestruz guerreiro.
A seguir, a descrição
3
:
A bolacha tem seu formato definido por uma elipse onde o eixo menor (horizontal)
corresponde a 80% do eixo maior (vertical).
A faixa dupla verde-amarela (com espessura igual a 6% do diâmetro da elipse) que
circunda o avestruz representa as cores nacionais e, por conseqüência, o Brasil.
O avestruz é uma referência bem-humorada ao estômago dos veteranos do 1° GavCa,
representando também a velocidade e a maneabilidade do avião de caça.
O boné representa o piloto, oficial da FAB.
3
Fonte: Lima (1989), p. 40 , e o site <http://www.jambock.com.br/jambock/v2/docs/hist_origens_simbolo.asp>,
acessado em 20/02/2007, às 20h43.
99
O escudo, a robustez do P-47 Thunderbolt e a proteção ao piloto.
O fundo azul do escudo e o Cruzeiro do Sul em destaque lembram os céus do Brasil.
A pistola simboliza potência de fogo do P-47 Thunderbolt.
A nuvem representa o espaço aéreo, o “chão” dos pilotos de caça.
O fundo vermelho, eterniza o sangue derramado pelos pilotos mortos e feridos em
combate.
A exclamação "Senta a Pua !" é o grito de guerra dos homens que fazem parte do 1°
GavCa, de ontem e hoje.
O "flak" (bolota de fumaça e os estilhaços), acrescentado à bolacha após a guerra,
representa a artilharia anti-aérea inimiga.
A Figura, a seguir, traz uma ilustração do emblema:
3.2.1 O AVESTRUZ
Segundo Houaiss (1987), a avestruz (struthio camelus) é uma “ave que vive em bandos, nas
estepes e nos desertos africanos, de asas reduzidas e inaptas para o vôo, mas capaz, graças às
pernas longas e fortes, de correr com uma velocidade de 40km/h”.
Por suas características digestivas, é conhecida como uma ave que “engole qualquer coisa”. A
diversidade de hábitos alimentares encontrados nas aves está diretamente relacionada a
questões adaptativas, pela oferta de alimentos encontrados em seu habitat. A explícita
identificação com a avestruz oferecida pelos integrantes do 1º GAvCa evoca essa característica
da ave e diz respeito à dura adaptação aos hábitos alimentares e à ração americanos – sem
feijão e carne-seca. Se as questões alimentares são as primariamente apontadas para essa
identificação, não são, entretanto, as únicas.
Figura 4: Emblema do 1º GAvCa, com
todos os seus elementos.
100
Se auto-intitularem “avestruzes” , segundo Oliveira (2001), começou em 1941, antes mesmo da
participação brasileira na Guerra, quando, diante das providências para equipar e modernizar a
frota do recém criado Ministério da Aeronáutica, aviadores brasileiros participavam de missões
de traslado das aeronaves adquiridas nos Estados Unidos, para onde passaram a viajar
regularmente, em comitivas. Em tais missões tiveram que se defrontar com o “estranho” cardápio
alimentar americano. Esse título remete também à “nossa figura diferente, entre os gringos, lá na
América” (OLIVEIRA, 2001, p. 39), e ao fato de andarem “em bandos”, destacados, ainda, pelos
quepes brancos do uniforme.
Na verdade, a questão do estranhamento da ração foi resolvida, ainda durante a fase de
treinamento, no Panamá, quando, diante da constatação de que o “baixo moral” da tropa poderia
ser contornado com um ajuste no cardápio, providências foram tomadas para o abastecimento
regular de itens alimentares tipicamente brasileiros, incluindo pertences para feijoada. Apesar de
bem-vinda pela tropa, e cessada a necessidade de ter que comer “qualquer coisa”, a
identificação com a avestruz persiste.
Isso aventa o fato de que outras características dessa ave, ou a ela atribuídas, reforçavam sua
identificação pelo Grupo brasileiro. Figurativamente, “engolir qualquer coisa”, remete à idéia de
suportar, sem revide, adversidades, provocações, desaforos e humilhações. A sutil menção de
Fortunato à “figura diferente” dos brasileiros diante dos norte-americanos, reforçada pela
caricatura que a acompanha, encontra similar em uma das histórias pessoais publicadas pelo
veterano Torres (1985) onde, à página 27, falando sobre seu bem-sucedido processo de
adaptação ao ambiente social da escola primária, que cursou em München, na Alemanha,
finaliza: “Não precisei mais brigar e todos se tornaram meus amigos, apesar de eu ser o avestruz
em parque de cisnes”.
Em “Avestruzes nos Céus da Itália” (1945?), Perdigão, ao falar do símbolo, comenta:
“Montado nos aviões, pregado nas camisas de couro do pessoal, intrometendo-
se em todo lugar, aquele ‘passaro extranho’ representou sempre muito bem o
modo como nos sentíamos, vivendo tão longos meses entre extrangeiros [sic].”
Os brasileiros sentiam-se discriminados. Profissionalmente, inclusive.
Nesse ponto outra característica da avestruz chama a atenção por sua aparente contradição
como símbolo de um grupo de aviação: ela, apesar de ave, pelas características de suas asas,
não é adaptada ao vôo. Também os brasileiros foram vítimas de uma inicial expectativa
reservada dos americanos: “esses sul-americanos sabem voar?, serão capazes de assumir
missões de guerra?” O desenvolvimento do avestruz guerreiro, destacando suas características
de força, velocidade e capacidade defensiva e comparando-as ao equipamento que voavam, o
P-47, parece surgir em resposta a esse desafio.
Quanto ao estilo defensivo, a avestruz se caracteriza por levantar a cauda e abaixar a cabeça
até perto do chão, em se sentindo ameaçada, de modo a parecer uma moita ou um arbusto aos
olhos de seu predador. Decorre daí a idéia de que essa ave “enterra a cabeça na areia” diante
101
do perigo. É a “política de avestruz”. Tem, assim, a conotação de covardia e defesa ingênua e
imediatista contra o perigo, mas também pode revelar a opção de não priorizar a visão do perigo
e, assim, minimizar a experimentação do medo, suscitado pelas ameaças.
No processo de caricaturização da ave, transmutando-a na imagem dos caçadores brasileiros,
criam uma avestruz “diferente”. Esta ganha os dentes à mostra em atitude hostil, representando
“a vontade de brigar ao sentir a presença de algum inimigo” (OLIVEIRA, 2001, p.62), assim como
um aparato defensivo mais pró-ativo – o “poderoso trabuco”, sendo escudada ao mesmo tempo
pelo avançado aparato tecnológico (o P-47) e pelos valores primordinais ligados à terra mãe.
Há representações simbólicas ligadas à avestruz que remontam aos egípcios. De acordo com
Chevalier e Gheerbrant (2006), o simbolismo mais universal focaliza sua pluma, representativa
da justiça, equidade e verdade. Também seus ovos, os maiores produzidos pelos animais
existentes, são relacionados à capacidade de meditação, dada a idéia de que a avestruz não os
choca, mas fita seus olhos neles até os filhotes saírem da casca. Outra concepção ligada a
deixá-los incubar ao sol leva à sua associação com o Cristo ressuscitado por Deus (LEXIKON,
1990).
3.3 O GRITO DE GUERRA: SENTA A PUA!
O grito de guerra do 1º GAvCa teve origem numa expressão da época, comum entre os
nordestinos. Segundo Lima(989), coube ao grupo oriundo de Salvador a introdução da gíria.
Trazendo a idéia do emprego de energia, agressividade e determinação na ação, tinha um amplo
emprego mas era utilizada pelo Tenente Aviador Firmino Ayres de Araújo, o “Zé” Firmino, com o
fim específico de apressar motoristas de viaturas, genericamente chamados por ele de “Zé
Maria”. Ao grito de “Senta a Pua, Zé Maria”, o motorista era exortado a conduzir os oficiais em
velocidade acima do previsto.
No Grupo, a expressão passou a ser cada vez mais ampla e freqüentemente utilizada, em
contextos alusivos a diversos tipos de atividades executadas pelos “avestruzes”, tanto as
profissionais, ligadas aos vôos e às missões, quanto em outros âmbitos. Nas folgas, por
exemplo, eles “sentavam a pua” nos night clubs. Incorporado ao jargão do grupo, foi com
naturalidade que o termo, agregado ao avestruz guerreiro, ajudou a compor o símbolo do 1º
GAvCa.
Como verbete, Pua diz respeito a dois objetos distintos:
- O espigão da espora, em cuja extremidade está a roseta.
102
- A ferramenta à qual se incorpora uma haste de aço estriada ou helicoidal, com a qual
se fura a madeira mediante o movimento rotatório.
Traz, portanto, a idéia de um objeto pontiagudo que serve para apressar, fustigar, assim como a
de uma ferramenta, também pontiaguda, destinada a perfurar vencendo a resistência do
material, além de, figurativamente, significar afligir, torturar, espicaçar, mas também meditar,
pensar (FERREIRA, 1988). Mas também pode ser entendido como “bater muito ou com força,
assentar a mão; ser ríspido, violento, brigar, agredir; agir ou fazer algo com disposição,
determinação energia, mandar brasa” (HOUAISS, 2001).
Sentar a Pua, assim, é sinônimo de ir em frente e transpor resistências, com decisão,
determinação e velocidade. Sintetiza, ao mesmo tempo a noção de agressividade e
engenhosidade aplicadas à tarefa. É uma expressão explicitamente fálica. “Senta a Pua!” era a
ordem que precedia o ataque. A propósito, mas provavelmente não por acaso, segundo o
Dicionário de Mitologia Greco-Romana (1973), atribui-se a Dédalo a invenção da Pua.
3.4 O NOME DE CÓDIGO – JAMBOCK
“Por uma ironia dos fatos, o chicote utilizado pelos brancos contra os escravos
africanos, indonésios e malaios passou a ser usado contra os arianos puros de
Adolf Hitler, manejados por brasileiros livres que foram à Itália defender a
liberdade e a democracia.”
Rui Barbosa Moreira Lima, 94 missões de guerra.
Atendendo a um procedimento internacional, tão logo tenha passado ao comando do 350
th
Fighter Group, foi atribuído ao 1º GAvCa o seu nome de código (code name): Jambock. Durante
as operações de guerra, a identificação do piloto era resultado da composição desse codinome,
a cor de sua esquadrilha e seu número: Jambock Green Two, Jambock Yellow Four, e assim
sucessivamente.
Por ocasião do batismo, os componentes do grupo se contentaram com a explicação, dada pelo
Oficial de Inteligência do 350
th
, de que “jambock” significava “chicote”.
Finda a guerra, esse nome de código foi mantido pelo 1º GAvCa e preservado até os dias atuais:
Seus componentes, ontem e hoje, são os “Jambocks”. Esse título também passou a ser
atribuído, em caráter honorífico, por seus componentes, a pessoas que se destacam por laços
de amizade e cooperação com o grupo. São os “jambocks honorários”.
Conta Lima (1989), entretanto, que, somente em 1969 é que viria a descobrir que o verdadeiro
significado dessa palavra, alude a muito mais do que um simples “chicote”.
103
Em uma reunião de negócios, Lima foi questionado pelo Sr. Kenneth H. L. Light, sobre o que
significava “jambock”, o qual informou não constar esta palavra nos dicionários tradicionais da
língua inglesa. A pesquisa mais aprofundada que se seguiu, trouxe à tona o fato de que a
mesma se refere à palavra de origem na indonésia, Cambok.
A Enciclopédia Virtual Wikipedia traz, a seguinte informação a respeito desse verbete, a qual,
disponível apenas em sua versão na língua inglesa, pode assim ser traduzida:
O sjambok ou litupa é uma chibata de couro pesada tradicional da África do
Sul, as vezes visto como sinônimo de apartheid mas muito mais velho na
verdade e ainda utilizado fora do judiciário oficial. É feito de couro de
hipopótamo adulto (ou rinoceronte), ou possivelmente do pênis de ambas as
espécies.
Corta-se e molda-se uma tira do couro do animal de 0,9 a 1,5m de comprimento
(3 a 5 pés), estreitando-se de 25 mm (1”) no cabo até 9 mm (3/8”) na ponta. Esta
tira é então enrolada (possivelmente entre pesadas placas de metal até atingir
uma forma aproximadamente circular. A chibata resultante é tão flexível quanto
osso de baleia, e muito rígida.
Foi feita uma versão plástica para o serviço de polícia sul africana e utilizada
para controle de distúrbios.
O sjambok em outras áreas:
O nome parece ter se originado como cambuk na Indonésia, onde era o nome
de uma vara de madeira para punição de escravos. Quando os escravos
malaios foram importados para a África do Sul, o instrumento e seu nome foram
importados com eles, o material foi alterado para couro, e o nome foi finalmente
incorporado ao afrikaans, soletrado como sjambok. O instrumento também é
conhecido como imvubu (hipopótamo em zulu), kiboko (hipopótamo em
Swahili) e como mnigolo em Malinké.
Nas colônias africanas portuguesas e no Estado Livre do Congo era chamado
de chicote, da palavra portuguesa para chibata. Ocasionalmente ele se
apresentava ainda mais lacerante ao se adicionar pregos, por exemplo.
No Congo Belga, o instrumento também era conhecido como fimbo e era usado
para forçar o trabalho das pessoas locais açoitando-se, às vezes até a morte. A
tarifa oficial para a punição baixou com o tempo de vinte golpes a oito, então
(em 1949) para seis, e progressivamente para quatro e dois, até que o açoite foi
completamente banido em 1955.
No norte da África, particularmente no Egito a chibata era chamada de Kurbash,
o árabe para chibata. (Trad. da autora).
Trata-se, assim,
Figura 5: Um sjambok de plástico, de 90 cm, utilizado pela Polícia Sul Africana.
Imagem disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/Sjambok>, acessado em
20/02/2007.
104
de um chicote manejado com autoridade opressora, signo de poder coercivo, preconceituoso,
primitivo. Foi incorporado pelo Grupo de Caça sob o entendimento de ferir o oponente com sua
própria arma.
3.5 A SAUDAÇÃO – ADELFI
A saudação do Grupo de Caça desenvolve-se a partir de uma brincadeira entre pilotos, antes da
guerra.
Adelfi era a marca de cigarros que circulou no Brasil entre 1939 e 1942. Era anunciado no rádio
com um jingle onde pessoas batiam palmas – pá...párapá – e gritavam “Adelfi!”.
Segundo Lima (1989), responsável pela introdução do Adelfi nas manifestações do Grupo,
durante uma viagem a São Luís do Maranhão, que fez com um grupo de cadetes da Escola
Militar, a bordo do navio Itanagé, esse jingle foi utilizado em brincadeiras entre os passageiros,
encabeçadas pelo 1
o
. Tenente do Exército José Ribamar Raposo. Figura extrovertida e
brincalhona, propôs ao seu grupo de brincadeiras que, com pratos e talheres, tomados como
souvenir nos restaurantes dos diversos pontos de escala, todos reproduzissem o “Adelfi”, o que
acabou se transformando numa forma de saudação, oferecida antes dos shows, ao comissário,
ao comandante do navio, enfim. Finda a viagem, finda a brincadeira.
A bordo do Colombie, rumo à Itália, dentre as várias brincadeiras e cantigas propostas como
passa-tempo, o Tenente Moreira Lima resgatou o musical do “Adelfi”, que foi ensaiado pelo
“coral” e, finalmente, apresentado ao Comandante Nero Moura, como uma saudação galhofeira.
Foi bem recebida. Assim chegou o “Adelfi” a Tarquínia, utilizado em qualquer situação,
principalmente se “acompanhado do bom vermute italiano”, conforme Lima (1989).
Ocorrem então as primeiras fatalidades em Tarquínia, todas no mês de novembro: Dia 6, o
Tenente Cordeiro é abatido pela flak alemã em sua primeira missão de guerra; no dia seguinte,
7, o Tenente Oldegard é vítima fatal de uma falha material em seu P-47, durante um vôo de
treinamento, e, no dia 16, os Tenentes Rittmeister e Waldyr são vítimas de um acidente
evolvendo um vôo de filmagem aérea para propaganda.
Abatido, o Tenente Moreira Lima procura o Comandante Nero e propõe oferecerem um “Adelfi”
em honra à ausência do Tenente Cordeiro. Assim o fazem e, depois de beberem à sua memória,
não falam mais sobre o assunto. O ritual se repete após as duas fatalidades seguintes, o que
transforma o “Adelfi” em uma sentida e reverente saudação, entre os caçadores, restrita agora a
momentos de grande importância e solenidade.
105
A “oficialização” da saudação, entretanto, se deu durante a visita ao acampamento do “1
st
Brazilian Flight Squadron”, do Comandante da 12ª Força Aérea Tática, General J. K. Cannon.
Após as honras militares, e já quebrado o protocolo no bar improvisado do acampamento, o
Comandante Nero Moura ordena que o Tenente Rui ofereça um “Adelfi” ao ilustre visitante. Sob
sua coordenação, um vibrante “Adelfi” é então gritado pelo Grupo.
Isso impressiona bastante o General Cannon, que, buscando saber o seu significado, recebe do
Comandante Nero a explicação de se tratar de uma “saudação muito honrosa da aviação de
caça, destinada a importantes personalidades”.
Essa saudação permanece, como tradição, e é invocada durante as reuniões anuais dos
veteranos, em honra aos mortos e àqueles que por alguma situação de destaque, fazem por
merecê-la. Receber um, “Adelfi” é motivo de honra, orgulho, emoção e lágrimas.
Adelfi tem origem no grego adelphós (αδελπη⌠σ), que significa irmão. Segundo Gingrich (1993),
adelphós é utilizado em contextos em que, além de irmão, tem também o sentido de compatriota,
próximo, e comunidade (p. 12).
Adelfo é também associado à noção de parceria, como, por exemplo, quando empregado em
oftalmologia para se falar sobre a relação binocular, e de conjunto, quando empregado pela
Botânica, por exemplo, para se falar sobre estames unidos por filetes. Adelphi, como declinação
do grego, é mais bem traduzido com as expressões em, com, por e para, ou seja, algo a ser feito
“com um amigo, por um amigo, para um amigo”.
Assim, o antigo jingle comercial extrapola de sua origem lúdica e jovial para se incorporar à
simbólica do Grupo de Caça, transformado em uma grave e solene saudação “entre irmãos, de
irmãos, para irmãos”, e que, ao mesmo tempo, parece reforçar a idéia de coesão e
pertencimento de seus membros.
3.6 A BANDEIRA NACIONAL
Nos deslocamentos do Grupo de Caça – do Brasil para o Panamá /Estados Unidos e, de lá, para
o Teatro de Operações na Itália – especial atenção foi dada à Bandeira Nacional que o
acompanhou.
Deslocada do Brasil com o último contingente a embarcar para o Panamá, ela foi entregue ao
Capitão Francisco Sabroza e Tenente Horácio Machado em cerimônia solene, no dia 05 de abril
de 1944. Os militares receberam-na das mãos da esposa do Ministro da Aeronáutica, Sra.
Berthe Grandmasson Salgado, “em nome da mulher brasileira”.
106
Também em cerimônia militar, foi incorporada em Aguadulce, no dia 11 de maio seguinte,
ocasião em que o Grupo em treinamento passou a operar como Unidade. Naquela ocasião o
Comandante Nero Moura fez publicar a seguinte Ordem do Dia:
[...] “Como confirmação dos propósitos patrióticos que nos impulsionam, temos
hoje a suprema glória de receber, em nossa Unidade, a Bandeira do Brasil. [...]
E assim, do coração da América Central, a formosa Bandeira da nossa Pátria,
confundindo suas dobras com as da irmã norte-americana, proclama ao mundo
a união do Continente e o comum propósito de tudo sacrificarem para que a paz
volte a reinar na superfície da Terra.” (HISTÓRIA GERAL DA AERONÁUTICA
BRASILEIRA, vol. 3, p. 529).
Após a chegada a Tarquínia, finalizados os trabalhos de montagem e estruturação do
acampamento brasileiro, a Bandeira foi, pela primeira vez, hasteada e, durante a cerimônia, a
leitura da seguinte “Ordem do dia”, do Comandante Nero Moura, conforme consta em alguns dos
seus depoimentos, impactou os membros do Grupo:
“Na história dos povos coube-nos assim a honra de sermos a primeira Força
Aérea sul-americana que cruzou oceanos e veio alçar as suas asas sobre os
campos de batalha europeus”.
Antes de entrar em ação aqui no Velho Mundo, o 1
o
. Grupo de Caça cumpre o
sagrado dever de plantar em território inimigo a Bandeira do Brasil.
Camaradas: para a frente, para a ação, com pensamento fixo na imagem da
Pátria, cuja honra e integridade juramos manter incólumes.
Cumpre-nos enfrentar com fortaleza de animo, a fim de manter intacto esse
tesouro jamais violado: a honra do soldado brasileiro! E nós o faremos, custe o
que custar.” (PERDIGÃO, 1945?).
Nas solenidades militares, durante a incorporação da Bandeira, o cerimonial define que este ato
seja acompanhado pelo Hino à Bandeira Nacional, tocado ou cantado pelos presentes. Sua letra
é abaixo transcrita:
Hino à Bandeira Nacional
Letra: Olavo Bilac
Música: Francisco Braga
107
Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.
Refrão:
Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.
Refrão
Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever;
E o Brasil, por seus filhos amado,
Poderoso e feliz há de ser.
Refrão
Sobre a imensa Nação Brasileira,
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre, sagrada bandeira,
Pavilhão da Justiça e do Amor!
Refrão
É importante que se registrem esses detalhes para se reforçar o aspecto ritualístico que envolve
o relacionamento com esta insígnia, reforçando seu caráter simbólico.
Dentre seus vários atributos, destaca-se que a bandeira é distintiva de uma pessoa, moral ou
física, a qual ela representa. Sua origem remonta aos sinais totêmicos, muito primitivos. É um
símbolo de proteção, concedida ou buscada. Ela é geralmente colocada em posição elevada
com relação aos observadores, o que provocaria uma atitude de apelo ao céu, investindo-a de
força transformadora que aponta para o futuro (LEXIKON, 1990).
É também o símbolo da soberania e da identidade nacionais, além da honra e fidelidade
militares. Nesse sentido, deve ser protegida com o sacrifício da própria vida. O ritual aqui
descrito ressalta, ainda, o aspecto feminino, representado pela Pátria Mãe, pela terra natal, pelas
mulheres da Pátria, evocando o compromisso de proteção de sua honra e inviolabilidade.
Defendê-la é lutar pelo restabelecimento da paz e da consolidação de virtudes. A Bandeira
diariamente colocada em elevado destaque através de seu hasteamento, remete à sutil
lembrança desses ideais e dessa disposição no âmago do Grupo.
108
3.7 O CANCIONEIRO
“... e a música dava uma ligação muito grande a todos os
componentes, era melhor do que conversa: cantar era melhor do que
conversar.”
Fernando Corrêa Rocha, 75 missões de guerra.
Torres (1985), ex-combatente com o maior número de missões de guerra, 100, dedica em seu
livro um capítulo especial ao papel da música na guerra, principalmente na Segunda Guerra
Mundial. Reflete acerca de seu efeito emocional, influindo sobre o estado de espírito e de ânimo
do combatente, sendo, por isso, bastante explorada como instrumento de guerra psicológica.
Segundo esse veterano, agindo também como um bálsamo, e capaz de expressar a gama de
intensas emoções despertadas por tempos de conflito, a música é buscada e amplamente
compartilhada, independentemente do talento e da afinidade do combatente. Para os pilotos de
aviação de caça, em particular, a música acompanha os momentos de descanso, lazer e
confraternização, sendo entendida como uma alternativa para o alívio das tensões provocadas
pelo vôo, independentemente das missões de combate.
No Grupo de Caça, as canções eram evocadas, de início, como parte das brincadeiras e como
passatempo durante as quarentenas e viagens que fizeram. Aos poucos, foram-se incorporando
à rotina do grupo, particularmente dos pilotos, principalmente nos momentos de folga, quando
reunidos na “sala de estar” da Esquadrilha Amarela ou no “Club Senta a Pua”. E a “brincadeira”
era levada a sério. Ensaiavam as cantigas folclóricas, as marchinhas de carnaval e outras
canções do senso comum, com a seriedade de um coral, buscando a afinação e a harmonia do
conjunto.
Uma verificação dessa forma de expressão nos componentes do Grupo encontrará que ela não
somente acompanhou a formação do espírito de corpo, como marcou os principais eventos e
experiências que viveram.
Destacam-se, a seguir, as canções que foram compartilhadas consideradas mais representativas
em função do momento em que foram suscitadas, as marcantes experiências que registraram e
a portabilidade das mensagens que transmitiram.
109
3.7.1 A CANÇÃO DA JARDINEIRA
Consta que, quando o Grupo chegou à base americana de Suffolk, durante a solenidade militar
de praxe, formaram, lado a lado, americanos e brasileiros. No deslocamento final, em marcha, o
grupamento americano seguiu cantando a Canção da Força Aérea Americana. Chegando a vez
do grupamento brasileiro, seu comandante, o Capitão Gibson, deu-se conta de que, ainda sem
tradição, os componentes não conseguiriam entoar a “Canção da Aviação” à altura do esforço
que faziam para bem se apresentar, pois a maioria a desconhecia. Sua presença de espírito
então se manifestou quando, com firme voz de comando , gritou:
- “Ordinário, marche. Pela testa, a canção da jardineira, começar!”
E todo o grupamento deslocou-se, em marcha garbosa e motivada, cantando com entusiasmo, a
marcha de carnaval que fazia sucesso na época:
- “Ó jardineira por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? ...”
Lima (1989) descreve como, ao final do desfile das tropas, os brasileiros foram cumprimentados
pelos americanos por sua “canção da aviação”, qualificada como “vibrante, melodiosa e
guerreira”, de como sentiram que a situação foi salva, ou seja, não fizeram feio diante dos
anfitriões.
3.7.2 CARNAVAL EM VENEZA
Os jambocks, entretanto, não ficaram muito tempo sem ter sua “canção oficial”, surgida em
combate e, consistentemente, a partir de uma outra marcha de carnaval de sucesso na ocasião.
Sua história é a seguinte: No carnaval de 1945, a Esquadrilha Azul saiu para uma missão de
bombardeamento a leste de Treviso. Após o bombardeio, como de rotina, buscavam alvos de
oportunidade, sob a orientação do líder, quando seu ala viu, atacou e destruiu uma posição de
AAAé alemã, em Maestre, na área de Veneza. Receberam uma violenta reação dos alemães,
apesar de nenhum dos quatro membros da esquadrilha ter sido atingido.
Retornando da missão, quando entraram no bar do Albergo Nettuno, os músicos italianos no
local tocavam o “Funiculi Funiculá”. Imediatamente o Tenente Moreira Lima, um dos
componentes da Esquadrilha, lembrou-se da marchinha de carnaval da época, “A Dança do
Funiculi”, de Herivelto Martins e Benedito Lacerda. Chamou, então o Capitão Pessoa Ramos e
os Tenentes Perdigão, Meira e Rocha que, juntos, compuseram uma paródia a partir dela,
descrevendo a missão que a Esquadrilha Azul acabara de realizar. A canção foi recebida com
110
entusiasmo pelos demais membros e, de Hino do 1º GAvCa na Itália, evoluiu para a Canção da
Aviação de Caça da FAB. Eis as letras:
A Dança do Funiculi
Letra e Música de Benedito Lacerda e Herivelto
Martins
Passei um Carnaval em Veneza
Com muitas saudades daqui
Tentei cantar a Tirolesa,
A Jardineira
Mas não consegui
O povo de lá só cantava
A sua canção popular
E eu vendo que nada arranjava
Entrei no cordão e comecei a cantar assim:
Iamo, iamo, iamo, iamo iamo
Iamo, iamo, iamo, iamo, ia
Funiculi, funiculá
Funiculi, funiculá
Atacaram a tarantela
E não quiseram mais parar
Canção Da Aviação De Caça
Da Força Aérea Brasileira
Música: Benedito Lacerda e Erivelton Martins
Letra: Capitão Pessoa Ramos e Tenentes Rocha,
Perdigão, Meira e Rui
Passei o Carnaval em Veneza
Levando umas "bombinhas" daqui
Caprichei bem o meu mergulho
Foi do barulho, o alvo eu atingi
(BINGO!!!!)
A Turma de lá atirava
Atirava sem cessar
E o pobre "Jambock" pulava
Pulava e gritava sem desanimar
assim:
FLAK, Flak, este é de quarenta
Flak, Flak, tem ponto cinqüenta
Um "Bug" aqui um "Bug" lá
Um "Bug" aqui um "Bug lá
Senta a Pua minha gente
Que ainda temos que estreifar
A marcha remete aos acontecimentos típicos de uma misão:
Eu fui num carnaval em Veneza
Em alusão ao lugar que estavam e ao que
perdiam no Brasil
Levando umas bombinhas daqui Tentando minimizar o potencial destruidor que
acompanhava suas missões
Caprichei bem meu mergulho, foi do
barulho, o alvo eu atingi
O empenho e orgulho de bem cumprir uma
missão
A turma de lá atirava, atirava sem cessar
Respeitosa alusão ao inimigo que combatiam, e
se defendia
E o pobre Jambock, pulava, pulava e
gritava
Em alusão às manobras de defesa contra a
antiaérea
Sem desanimar, assim Revelando a motivação para a missão e para o
combate, a despeito do risco
flak, flak, esse é de quarenta
Representando os gritos na fonia, alertando os
companheiros
111
flak, flak, tem ponto cinqüenta Revidavam
Um bug, aqui, um bug, lá Em alerta a possíveis inimigos
Senta a pua, minha gente, que ainda
temos que estreifar
Exortando para a próxima fase da missão
3.7.3 CANÇÃO DO EXPEDICIONÁRIO
A Canção do Expedicionário também acompanhou os combatentes do Grupo de Caça, mesmo
que este, em particular, não tenha se integrado ao contingente da FEB.
Sua letra, muito poética, ressalta a diversidade de origens e sub-culturas do combatente
brasileiro. Acompanhada de uma melancólica melodia, reitera os diversos valores da terra
deixada para trás, explicita os meios e a razão da luta – “a glória do meu Brasil” , assim como o
anseio pelo retorno vitorioso.
Canção do Expedicionário
Hino da Força Expedicionária Brasileira
Letra: Guilherme de Almeida
Música: Spartaco Rossi
Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do Engenho,
Das selvas, dos cafezais,
Da boa terra do coco,
Da choupana onde um é pouco,
Dois é bom, três é demais,
Venho das praias sedosas,
Das montanhas alterosas,
Dos pampas, dos seringais,
Das margens crespas dos rios,
Dos verdes mares bravios
Da minha terra natal.
REFRÃO:
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.
Eu venho da minha terra,
Da casa branca da serra
E do luar do meu sertão;
Venho da minha Maria
Cujo nome principia
Na palma da minha mão,
Braços mornos de Moema,
Lábios de mel de Iracema
Estendidos para mim.
Ó minha terra querida
Da Senhora Aparecida
E do Senhor do Bonfim!
REFRÃO
Você sabe de onde eu venho ?
E de uma Pátria que eu tenho
No bojo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
112
De um enorme coração.
Deixei lá atrás meu terreno,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina,
Onde canta o sabiá.
REFRÃO
Venho do além desse monte
Que ainda azula o horizonte,
Onde o nosso amor nasceu;
Do rancho que tinha ao lado
Um coqueiro que, coitado,
De saudade já morreu.
Venho do verde mais belo,
Do mais dourado amarelo,
Do azul mais cheio de luz,
Cheio de estrelas prateadas
Que se ajoelham deslumbradas,
Fazendo o sinal da Cruz !
REFRÃO
3.7.4 LILLI MARLENE
Predileta dos soldados alemães, essa canção extrapolou seu âmbito, provavelmente pela beleza
e sentimentalismo de sua melodia, ganhando versões, em outros idiomas. Com isso, tornou-se
uma triste canção do soldado combatente, amigo ou inimigo.
Essa canção ganhou também sua versão em Português, cantada até hoje pelos veteranos
brasileiros. Nesta versão, encontram-se destacados os principais enfrentamentos, saudades e
esperança, que marcaram as diversas etapas da campanha:
Lilli Marlene
Quando certo dia, deixei a minha Terra,
Para, no além mar, tomar parte na guerra
Contr’ o tedesco combater,
Eu te deixei sem te esquecer,
A ti, Lili Marlene (bis).
No Panamá, mal pude te encontrar,
Pois para a luta, dispus-me a treinar.
Quanta poeira eu encontrei!
De sol a sol eu trabalhei,
Sem ti, Lili Marlene (bis).
Quanta surpresa e quanta alegria,
Tive na Pátria da Democracia.
Mas meu labor continuou,
E teu amor me acompanhou,
A mim, Lili Mariene (bis).
Vamos, Senta a pua! Eis o grito de guerra!
Vamos acabar co’a opressão da Terra!
113
Deixar-te-ei meu bem O.K.,
E não ‘tou certo se voltarei,
Adeus, Lili Marlene (bis).
Quando na Itália, pronto pra lutar,
Neve e ração "C" eu tive qu’ enfrentar,
Por toda parte onde eu andei,
Tão "poverina" eu encontrei
A ti, Lili Marlene (bis).
Volto à Pátria, com os louros da Vitória,
Após ter escrito u’a página na História.
Por ti a Paz eu conquistei,
E para o lar eu voltarei,
Contigo, Lili Mariene (bis)
3.7.5 PEQUENAS TROVAS
Observa-se, através do cancioneiro, situações em que a música era utilizada para expressar as
mensagens do Grupo de Caça, mesmo que em pequenas trovas, como os dois exemplos
abaixo:
Samba, reivindicando uma promoção, ao Comandante Nero Moura, composta pelo barbeiro
Sena e pelo Cabo Eronides:
Amoleça a promoção seu Coronel
Assine logo o papel
Tenho dois anos de Armada
E até hoje eu não sou nada
Coisa igual no mundo não se deu
Todos dizem que o azar é meu
Paródia sobre a música “Deixa a Lua Sossegada”, de João de Barro, composta para reclamar da
comida. Apesar de destinada ao Tenente Intendente Cauby, responsável pelo Rancho
(Refeitório) do Grupo, protestava sobre o cardápio americano e as rações, situação que o próprio
Tenente ajudou a resolver:
Estou tão magro
Tem dó de mim
Foi a bóia do Cauby
que me deixou assim.
Mais tarde, sofrendo pelo esgotamento decorrente do não recompletamento de pilotos, estes
compõem uma canção em cima da melodia da música “Leva meu Samba”, de Ataulpho Alves,
114
que é cantada na despedida do Tenente Pamplona que, de regresso ao Brasil, recebe do
Comandante Nero Moura a incumbência de, antes disso, seguir para os Estados Unidos e
apressar o envio à Itália, dos pilotos que estavam completando seu treinamento:
Vai, vai Pamplona,
Nossa esperança,
Dizer lá pro gringo,
Que o Jambock sofre e cansa.
(Lá...Lá...Lá...Rá...)
Vai dizer que é preciso
Mais gente chegar
Ou o Grupo vai parar!!!”
3.7.6 A ÓPERA DO DANILO
A produção musical mais pungente do Grupo de Caça é, sem dúvida, a “Ópera do Danilo”. Foi
composta em homenagem ao retorno do Tenente Danilo Marques Moura que, abatido em
combate pela AAAé alemã no dia 04 de fevereiro de 1945, na mesma missão em que foi também
abatido o Capitão Joel Miranda, líder da Esquadrilha.
Com seu avião avariado, o Tenente Danilo saltou de pára-quedas, sendo socorrido pelos
partisanos, quando então decide retornar à Base de Pisa. Sua fuga extraordinária lhe consumiu
11 quilos, gastos nos trinta dias em que percorreu 450 quilômetros, em direção ao sul,
retornando ao Grupo no final da noite do dia 04 de março. Durante seu trajeto, tomou uma série
de decisões, algumas das quais, apesar de bem refletidas e conscientes, contrariavam as
instruções de fuga recebidas pelos pilotos durante o treinamento.
Foi recebido no Club Senta a Pua, pelos companheiros do Grupo e por seu irmão, o
Comandante Nero Moura, os quais, passaram a ouvir, entre perplexos, admirados e
impressionados, seu relato de fuga.
O impacto da experiência encontrou o Grupo em pleno clima de ópera, em razão da
oportunidade que estavam tendo de acompanhar a temporada da Real Ópera de Roma, no
Teatro Municipale de Pisa, então batizado de “Teatro Thunderbolt” em homenagem ao P-47.
Atendiam todas as noites à programação, inclusive os que estivessem sob cuidados médicos,
que tinham assento privilegiado e autorização para comparecerem de pijamas e robe.
Inspirados por essa “fase musical operística” do Grupo, concluíram, sobre a história da fuga
audaciosa do Tenente Danilo Moura: “isso vale uma ópera!”
Debruçaram-se sobre a empreitada o Capitão Pessoa Ramos e os Tenentes Perdigão, Meira,
Rui e Rocha, compondo-a em cinco atos, através da adaptação da narrativa a um pout-pourri de
melodias, entre músicas clássicas ouvidas na Ópera, canções populares e folclóricas.
115
Quando pronta, foi encenada, mesmo que sob as condições precárias do Club, com a
colaboração empenhada de vários elementos do Grupo, e sob o acompanhamento
entusiasmado dos demais.
Até hoje os veteranos, em seus encontros anuais, encenam os cinco atos, cuidando para
melhorar seu desempenho a cada apresentação.
A seguir, a Ópera do Danilo, na íntegra, que documenta a missão desde o seu início, além dos
momentos mais marcantes da trajetória do fugitivo:
Ópera do Danilo
Ato I
Música: "Therezinha de Jesus"
Garçonete:
- Volete Ancora Pitanza? Café Ancora
Volete?
Coro:
- Gratia tanta, oh garçonete, Já enchi bem
questa panza.
Capitão:
- Minha gente vamo’embora
Coro:
- Num minuto andiamo via
Capitão:
- Já está na nossa hora, Nos espera o Zé
Maria
Música: "La Donna é Mobile"
Zé Maria:
- Sou o Zé Maria
Bom motorista
Farei pra pista
Viagem macia
Coro:
- Oh! Zé Maria
Que maldição
Quanta agonia
E trambolhão
Zé Maria:
- Não estou sorrindo
Para ninguém
Quem vai se abrindo
Coro:
- É... porta de trem
- É... porta de trem
- É... porta de trem
Coro:
- Enfim chegamos
Zé Maria:
- Enfim chegais
Coro:
- Vamos, vamos
Para não nos machucarmos mais...
- Chega, chega, isto é demais
Capitão E Coro (Falando):
- Olha a bolsa da fuga
Checa a carta
Apanha o magazine
Quem leva a K-25!
Música: "O Guarany"
Capitão:
- Está tudo combinado
Nosso Briefing terminado
Já sabem pra onde vamos
Como é que mergulhamos
Coro:
- Agora "senta a pua" Capricha a decolagem
Zé Maria:
- Desejo para todos, para todos Ótima
viagem
116
Ato II
Música: "Carnaval em Veneza"
uma voz:
- Lá vai o Jambock voando
Pulando e gritando
Sem desanimar... assim:
Música: "Funiculi Funiculá"
Coro:
- Flak, flak este é de quarenta ...
Flak, flak, tem ponto cinquenta ...
Um avião foi acertado!
Um avião foi acertado!
Danilo:
- E o Danilo, minha gente, e eu já
Vou me despejar!
E o Danilo, minha gente, e eu já
Vou me despejar!
Música: "Bela Figlia deI Amore"
Coro:
- Siete inglese ou americane? (Bis)
Danilo:
- Americane, americane (Bis)
Música: "Toreador" (trecho da ópera
Carmem)
Coro:
- Aviatore que fa bombardeamento,
Matando gente, trazendo luto...
Adesso si há paracaduto...
Mal”italiani,
Música: "Rapsódia Húngara Nº 2"
Coro:
Cé bom sentimento
- E noi vogliamo salvá-lo questo momento!
Cé bom sentimento
E noi vogliamo salvá-lo questo momento
Música: "Sinfony" (foxtrot)
Danilo:
- Per piachere voglio una vestimenta
Qui io possa usare senza temere
Per piachere dove sono io
E adove andare
Voglio sapêre
Música: "Barbeiro de Sevilha"
Coro:
- Piano, piano, piano, piano
Presto andiamo via de quá (Bis)
- Prenda questa vestimenta
Vista e veja se lhe assenta (Bis)
Piano, piano, piano, piano
Tropo bela vestimenta (Bis)
- il signore Pascoalino
Lhe dirá um bom camino (Bis)
Piano, piano, piano, piano
Pascoalino veni qui (Bis)
Pascoalino:
-COSA?
Música: "Questo Quella" (Risoleto)"
Pascoalino:
- Al primo conte adove andare mio signore
Pra il monte ou para il fiume
Que direzione volete andare
Presto, presto io non pó aspectare
Coro:
- Presto, presto lui non pó aspectare
Para il monte para il fiume (Bis)
Para il norte ou para leste
Pascoalino:
- Que direzione ancora volete?
Danilo:
- lo andare é para nordoleste
Coro:
- Lui andare é para nordoleste!
Ato III
117
Música: "Tip-Tip-Tip"
Danilo:
- Cigarreta? Teniente
Alemão:
- Non c”e e non te dou niente,
Fare una acion piu fina:
Ajude quela bambina
Danilo:
- Ma ela non quere (ao alemão ) (Bis)
lo é que non pó ( bambina )
Ma ela non quere, ma ela non quere
lo é que non pó
Música: "Chi-Ri-Bi-Ri-Bi"
Alemão:
- Ajude a bambina!
Danilo:
- Ela non quere
Alemão:
- A poverina
Danilo:
- Ela non quere
Alemão:
- Grande vagabundo!
Sai de quí...
Ragazzo imundo!
Mal”italiani son sempre cosi
Música: "Mme Butterfly"
Danilo na 1ª casa:
- Estarei grato
Per um bicherino
De aqua ou vino...
Sono sfolato
Per la guerra,
Nel bombardeamento
De una l”altra terra
1° italiano:
- Mio poverino Prende questo vino
Danilo:
- Voleva ancora
Dormire qui...
Caritá!
A carta perdi
De mia identitá
Música: "Santa Luzia"
Italiano:
- Ma senza cartera
Cosa puó fare
Só bona sera
Andare andare
Danilo:
- Per piachere
Senhor vedere
Italiano:
- Senza portare Una cartera
Só bona sera.
Música: "Mme Butterfly
Danilo na 2ª casa:
- Estarei grato
Per um bicherino
De aqua ou vino
Sono sfolato
Per Ia guerra
Nel bombardeamento
de una l”aítra terra
2° italiano:
- Mio poverino Prende questo vino
Danilo:
- Voleva ancora
Dormire qui...
Caritá!
A carta perdi
De mia identitá
Música: "Danúbio Azul"
Dona da Casa:
- Ma senza cartera
Danilo:
- Si, si signore
Dona da Casa:
- Non é brincadéra
Danilo:
- Si, si signore
Dona da Casa:
- Faremos cossi
Danilo:
- Si, si signore
Dona da Casa:
- Saírás dequi
Danilo:
- Si, si signore
118
Dona da Casa:
- E si una l”altra
Non encontrar
Poderás ritornar
Danilo:
- Gracie tanta signore
Gracie tanta,
Rivederte, riverderte,
Bona sera signore
Bona sera
Bona sera tanti auguri e prego
Música: "Ride Palhaço"
Danilo:
- Procurar outra
Posso não encontrar
Melhor matar o tempo e depois ritornar
- Ah! Ah! Ah! Ah!
- Mio signore
Não encontrei lugare
Italiano:
- Bene faça o favore
De qui se acomodare
Danilo:
- Ah! Ah! Ah! Ah!
Ato IV
Música: "Maringá"
Danilo:
- Já andei, já andei
Andei dias sem parar,
E agora aqui fiquei
Sem o Pó poder cruzar
É demais, é demais
Já tomei uma bebedeira;
No momento sou capaz
De fazer qualquer besteira.
Música: "Rancho Fundo"
Danilo:
- O meu amigo,
Sei que tu vais me ajudar,
E é por isso que contigo
Adesso voglio parlar
So”uno aviatore
Que se há paracaduto,
Necessito uno favore
Adesso, questo minuto
Partizan (falando):
- Cosa vogle
Música: "Po Po Po"
Danilo:
- lo voglio cruzar o Pó
Coro:
- Pó, pó, pó píriri, piriró
Partizan:
- Senza cartêra tu non pó
Danilo:
- Pó, pó, pó, pó, pó
Voi siete partisano
Coro:
- Será véro? Da véro será?
Partizan:
- Non é véro paisano
Danilo:
- Si, si, si, si, si
Com il tedesco vá parlare
Coro:
- Ele irá, será que ele irá?
Partizan:
- Questo io non posso fare
Danilo:
- Pó, pó, pó, pó, pó.
Música: "Casinha Pequenina"
Partizan:
- lo non se perque te ajudo,
Mica po imaginare!
Per salvar-te fare tuto
Com il tedesco adesso iré parlare
Danilo:
- Acho que eu fui feliz
E que o golpe vai dar certo;
Mas, com o que agora fiz,
Da prísão parece que andei bem perto.
Danilo:
- Se do Pó eu for além,
Minha volta é quase certa,
Só falta, para andar muito bem,
Pedir esta bicicleta
119
Música: "Rose Marie"
Partizan:
- Já te trovei passagem,
E adesso voglie questa...
Vá bene te daré I”altra vantagem:
Portare via com la bicicleta.
Cauby:
- Olha lá!
Danilo:
- Signore, gratia tanta ...
E toca a caminhar...
A minha sorte hoje até me espanta:
Agora o próprio Pó eu vou passar
Danilo (falando):
- Heil Hitler! (para o alemão controlador do
passo)
Ato V
Música: "Lili Marlene"
Partizan:
- Cé americano
Em questo locale;
Andiamo de lontano,
Má qui é il finale
Música: "Aida"
Partizans (olhando para Danilo):
- Soto l”Apenini
Siamo arrivato deI fiume acá
Danilo:
-Quá...quá...quá...qua...
Partizans:
- Non ché piu tedesqui
É una estansa propia aliata
Il signor Teniente
Guarda má que bravo regazzo
Viva uno brasiliano aviatore
Paracaduto”
Música: "Lili Marlene"
Danilo:
- Até que,per fim,
Siamo arrivato...
Olhem para mim:
lo sono molto grato
Só falta adesso, par aqui,
Ver se consigo, ver se consigo
Trovare alguno amigo
(BIS - Coro dos Partizans)
Música: "Cavalaria Rusticana"
Coro dos Aliados:
- Benvindo, desconhecido!
Vens do outro lado:
Aviador foragido
Nosso aliado
Amigo, é um prazer
Ter-te novamente!
Que alegria por te ver
Aqui presente
Música: "Traviata"
Oficial de Inteligência:
- Perdão! Com licença durante um bocado
Desculpem se tenho que os interromper
Sinto tornar-me tão pouco delicado,
Mas há um serviço para se fazer.
Oficial de Inteligência:
- Eu sou o oficial de nossa Inteligência
E vim até aqui para encontrá-lo.
Desejo informes de certa urgência,
E então vou passar a interrogá-lo
Oficial de Inteligência:
- Seu nome?
Danilo:
Danilo de Moura
Oficial de Inteligência:
- Seu posto?
Danilo:
- É segundo Tenente
Oficial de Inteligência:
- B O?
Danilo:
- É três quarenta e cinco.
Oficial de Inteligência:
- E agora me conte toda a sua história.
120
Danilo:
- Desculpe, não conto e nem posso contar!
Oficial de Inteligência:
- Por que? Meu amigo perdeste a memória?
Danilo:
- Não é isso, o Miranda disse para eu não
falar.
Essas e outras canções, pelo momento em que surgiram e pela atividade que provocaram nos
componentes do Grupo, ressaltam seu papel ora de resposta aos desafios, ora de veículo de
expressão da diversidade de emoções suscitadas pelas experiências vividas, ora pela maneira
que permitiram, de uma forma organizada, a representação dessas mesmas experiências. Com
esse formato, essas representações puderam ser fortemente compartilhadas – e assim
sedimentadas – por todos os seus componentes.
3.8 OS MITOS
O MYTHO é o nada, que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mytho brilhante e mudo –
o corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
(Fernando Pessoa)
Mitos são enredos tradicionais sem base histórica os quais, entretanto, mais do que
crenças primitivas e supersticiosas, típicas de culturas extintas ou menos complexas, confinam
símbolos que permitem antever toda a trajetória da sobrevivência da raça humana, no passo em
que foi construindo e organizando conceitos e valores que lhe são fundamentais.
Mesmo que se atualizem em função da cultura em que se manifestam, e que, assim, tragam
variados enredos, preservam uma estrutura comum, com a qual as pessoas facilmente se
identificam porque compartilham seus dramas e paixões mais profundos.
É entendimento entre os estudiosos da Mitologia, como Campbell e Jung, que os símbolos
suscitados pelos mitos, oferecem ao indivíduo uma possibilidade estruturante, ou restruturante,
que o ajudam a enfrentar fases ou experiências críticas de vida.
A seguir, apresentam-se alguns elementos míticos que mais provavelmente se associam à
aviação militar em guerra.
121
3.8.1 O SENTIDO MÍTICO DO VÔO
O que é isto, uma fantasia?
perguntou Ícaro ao ver o pai
colar as penas nas varas de madeira.
Tudo se inicia pela fantasia, meu Ícaro ...
– disse o velho, com ar sonhador.
As 100 Melhores Histórias da Mitologia (2003)
-
Situar cronologicamente nos últimos dois ou três séculos a aventura do homem ligada ao vôo
significa desprezar todo o longo percurso, que remete a uma fantasia tão profundamente
arraigada na alma humana.
Tal afirmativa é sustentada pela profusão de símbolos e mitos ligados ao vôo e ao voar.
Segundo Chevalier e Gheerbrant (2006), nos mitos e nos sonhos, o vôo alude a um desejo de
sublimação, de busca de harmonia interior e de ultrapassagem de conflitos.
O ente mitológico mais comumente associado aos aviadores é Ícaro, morto aos 16 anos
enquanto empreendia uma ousada fuga do labirinto de Creta, sobrevoando o mar equipado com
asas projetadas por seu pai, Dédalo. Fixa-se no encantamento de Ícaro pela experiência do vôo,
que conseqüentemente o levou à perda dos parâmetros de segurança, razões suficientes para
apontá-lo como o ícone dos aviadores, mas a história vai muito além dessa associação imediata.
Ícaro é filho de Dédalo e da escrava Naucrata, do reino de Creta. Escultor, arquiteto, artesão e
engenheiro, Dédalo possuía uma oficina em Atenas, na qual se dedicava à invenção e ao
desenvolvimento de objetos e obras que visavam melhorar a vida e o trabalho dos demais.
Percebendo-se suplantado em suas criações por seu jovem sobrinho, Talos, Dédalo, tomado
pela inveja, o mata. Descoberto pelos atenienses, é levado ao Aerópago, para julgamento, e seu
crime define sua prisão e pena de morte.
Consegue, entretanto fugir e, juntamente com Ícaro, obtém guarida em Creta, governada pelo
Rei Minos, para quem começa a trabalhar. Passa, então a submeter seu talento e sua força
criadora aos fins políticos de supremacia daquele governante.
Enquanto isso, a esposa de Minos, Pasífae, enamora-se do magnífico touro branco que
Poseidon fez surgir do mar, como prova do reconhecimento divino do direito de Minos ao trono
de Creta. Tal prova foi suscitada pelo próprio Rei, quando da disputa pela sucessão com seu
irmão. Fazia parte da contrapartida exigida por Poseidon, que o animal fosse sacrificado em seu
altar. Minos, entretanto, ambicionando a posse de tal animal, ofereceu outro, de seu rebanho, em
holocausto.
122
Pasífae consegue a consumação carnal de seu amor pelo touro preservado por seu marido,
vestindo um aparato construído por Dédalo, a seu pedido. Com isso ela concebe e dá à luz um
monstro, metade humano, metade animal, o Minotauro.
Minos, mesmo furioso com ambos, mas sentindo-se em parte responsável, opta por poupar
Dédalo e encobrir o desonroso ato de sua esposa. Pede a Dédalo que desenvolva uma prisão
inexpugnável, para ali confinar o monstro. Este constrói, então, um complexo labirinto, de tão
difícil trânsito, que ninguém conseguiria escapar.
O Minotauro deve ser alimentado e exige a carne de jovens virgens. Minos, passa a impor, como
dívida de guerra da Atenas subjugada, ao seu rei Egeu, que envie remessas anuais de nove
rapazes e nove moças, sacrificados na alimentação do Minotauro. Isso perdura até o surgimento
do herói ateniense Teseu que, com a ajuda da filha do próprio Minos, Ariadne, invade o labirinto,
mata o monstro, conseguindo depois fugir.
Certo de que o jovem casal contou com a ajuda de Dédalo, Minos o aprisiona no Labirinto,
punição que entende seria muito mais rigorosa – privando-o da liberdade - do que condená-lo à
própria morte. Ícaro é aprisionado com o pai e o vê, a cada dia, envidar esforços para conseguir
a sobrevivência de ambos, enquanto raciocina uma forma de fuga. Posto que o labirinto era
construído a céu aberto, Dédalo passa a observar o vôo da profusão de espécies de pássaros
existentes na região e propõe a Ícaro: “Os pássaros não têm asas, mas nós as construiremos,
então poderemos voar”, certo de que a via aérea seria a única rota possível de escape.
A simplicidade da proposta, baseada na construção de uma prótese que permitisse a superação
de uma limitação humana natural, provoca a curiosidade de Ícaro.
Passam a coletar as penas caídas dos pássaros, que são cuidadosamente arranjadas por
tamanho e proporções de modo a comporem as asas, sendo estas finalmente fixadas em cera e
atadas a correias de couro, podendo assim ser vestidas.
Quando estão prontos, Dédalo “brifa”
4
Ícaro, definindo o plano e os parâmetros do vôo que estão
prestes a empreender. Alerta-o a não voar muito próximo ao mar, para que não encharque as
delicadas penas, nem próximo ao sol, para que se não derreta a cera que as fixa. Qualquer das
alternativas levaria a avarias na prótese e à conseqüente queda e morte no mar.
É a partir desse ponto que a história é mais conhecida, sabendo-se que Ícaro, inebriado pela
experiência, perde os parâmetros do vôo e se aproxima perigosamente do sol. As penas de suas
asas se soltam e, apesar de seus gritos de socorro, cai vertiginosamente no mar. Dédalo, que ia
adiante, constata o fim trágico de seu filho, sem alternativa a não ser, depois de sobrevoar
insistentemente o local da queda, recuperar e enterrar seu corpo.
Sua jornada e sua história prosseguem. Ele foge para a ilha de Trinácia, talvez com a ajuda de
Pasífae, onde permanecerá sob a hospitalidade e o jogo de outro rei, Cócalo. Suas asas, ele as
4
Vide “briefing”, no Glossário.
123
oferta no altar de Apolo, a personificação da beleza e da luz, uma das doze divindades do
Olimpo.
É importante que a história seja contada em seu enredo mais amplo para que neste se
destaquem alguns aspectos importantes, sem desconsiderar, entretanto, a profusão de
significados, sentimentos e conflitos que a trama engendra.
Em primeiro lugar, é evidente o panorama no qual o vôo é inserido. Ele é a representação do
desejo de liberdade, da liberdade criadora, que leva à superação das limitações da realidade
mas que pode desconsiderar valores éticos. A simplicidade com a qual o plano é proposto
conota ousadia alimentada pelo anseio humano em busca dessa superação.
Em segundo lugar, comparando os dois aeronautas, é Dédalo quem empreende o vôo perfeito:
Decola, pousa e, de acordo com uma máxima da aviação, sai andando e com possibilidade de
usar seu equipamento para novamente voar. Ele sustenta também o perfil do piloto eficiente: Alia
arrojo e autocontrole, técnica e criatividade, ousadia e respeito à máquina.
Ícaro, por sua vez, deixa-se levar pelo imediatismo da experiência. Perde o foco, descontrola-se
emocionalmente, jovem e imaturo que é. Morre em conseqüência dos atos e decisões de seu
pai, de quem o conselho protetor não segue.
É intrigante considerar que o mito do vôo se prenda muito mais intensamente às vulneráveis
asas de Ícaro.
Finalmente, salienta-se que, em vôo, não só as vítimas, mas também os sobreviventes, pagam o
tributo pela desconsideração dos limites, sejam eles físicos, técnicos ou éticos.
3.8.2 O MITO DO HERÓI
“Não somos heróis, não fomos heróis!” protestam veementemente os veteranos do 1º GAvCa. A
despeito disso, há várias referências qualificando o seu desempenho como heróico,
especialmente quando remetem aos mortos em combate.
É importante, então, que se façam algumas reflexões sobre o mito do herói ou, melhor dizendo,
os mitos do herói. O arquétipo do herói, na linguagem junguiana, se manifesta em uma profusão
de mitos, diferentes nos detalhes porém consistentes na estrutura. Por essa razão, opta-se aqui
por, em lugar de mencionar suas diferentes versões, descrever sua estrutura básica e sua
função primordial, sob a orientação dos trabalhos de Campbell (1992, 1997, 2005) e Jung (1977,
1978, 1985).
124
Herói é o homem ou mulher que, vencendo suas limitações, empreende feitos extraordinários,
guerreiros ou magnânimos. É também o personagem central de enredos dramáticos ou cômicos.
Segundo Campbell, o padrão heróico segue um percurso: “vindo do mundo cotidiano, se
aventura numa região de prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma
vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos
seus semelhantes” (2005, p. 36). Esse padrão de afastamento do mundo respondendo ao apelo
da aventura, o contato com alguma fonte de poder, enquanto empreende seu caminho de
provas, e seu retorno, trazendo elementos que enriquecem a vida, sua e dos demais, tornariam-
no também o portador simbólico do destino de Todos.
Apesar de sua disposição ao sacrifício, dos desafios, tentações e das provações por que passa,
seu retorno é, na verdade, o requisito mais difícil porque:
- seu sucesso pode levá-lo ao profundo repouso da iluminação completa, distanciando-
o, assim, do interesse pelo sofrimento humano;
- se não se tornar submisso através de testes de iniciação, mas simplesmente
alcançar seu alvo e levar a graça obtida para o mundo que desejou, pode ser
aniquilado pelas poderosas forças que desequilibrou, ou
- em optando por um voluntário e seguro retorno, poderá encontrar incompreensão e
desconsideração por parte daqueles a quem foi auxiliar, colocando sua carreira em
colapso.
Assim, mesmo dotado de dons excepcionais e honrado por seu meio, num segundo momento,
corre o risco do não reconhecimento e do desdém.
O herói pode se apresentar na figura de um guerreiro, um amante, um imperador, um redentor,
um santo. Simboliza a divina imagem redentora e criadora, liberando, como resultado de sua
bem-sucedida aventura, o fluxo da vida no corpo do mundo. Assim, o herói mítico traz de sua
aventura os meios de regeneração de sua sociedade, ou do mundo como um todo.
Para Jung, cinco etapas marcariam a trajetória do herói:
- seu nascimento humilde mas milagroso;
- evidências precoces de sua força sobrenatural, ascensão rápida ao poder e à
notoriedade;
- sua luta triunfante contra as forças do mal, sob a tutela de mentores ou guardiões,
que o ajudam a superar sua fraqueza inicial;
- sua falibilidade ante a tentação do orgulho (hybus), e
- seu declínio e morte, por ato de traição ou sacrifício.
Para ele, os mitos revelam também, pelo tipo de atuação dos heróis, ciclos evolutivos marcados:
125
- No primeiro ciclo, sua conduta seria basicamente instintiva, desinibida, infantil;
- no segundo, seria encontrado um pouco mais civilizado, movido agora por fortes
emoções e busca de desafios;
- no terceiro, suas ações seriam suscitadas por sentimentos de idealismo e sacrifício,
e, finalmente,
- no quarto ciclo, invencível mas vítima do abuso de sua própria força e orgulho,
oferece-se em sacrifício.
Jung via nesses aspectos compartilhados pelos mitos de heróis um esquema com um significado
psicológico específico, cuja principal função seria a de favorecer o desenvolvimento da
consciência do Ego, através do conhecimento de suas forças e fraquezas, habilitando-o para os
desafios da vida.
A “batalha contra o monstro”, um dos mais comuns desafios do herói, representaria o confronto
da pessoa com suas tendências regressivas, tendo como resultado final a melhor integração
intrapsíquica: O herói convence-se de seus elementos sombrios, ou seja, de seus aspectos
ocultos, reprimidos ou desfavoráveis, passando a tirar daí energia e impulsos criadores mais
adaptados.
Os ciclos de desenvolvimento do herói representariam nosso esforço para cuidar dos problemas
advindos de nosso próprio crescimento.
Os heróis são jovens e morrem jovens. A morte trágica do herói coincidiria, finalmente, com a
conquista da maturidade, representada por uma melhor integração entre as forças internas que
compõe a nossa psique.
Sob a vertente do herói guerreiro, observam-se coincidências entre a trajetória proposta pelo
mito e os diversos momentos que marcaram a campanha do 1º GAvCa em combate, razão pelo
que esse atributo é conferido aos seus veteranos, em algumas menções qualificativas do seu
desempenho.
3.8.3 MITOS DE GUERRA – MARTE E MINERVA
A referência mitológica à guerra conduz imediatamente a Marte, divindade do Olimpo e filho de
Júpiter e Juno. Mal visto pelos demais deuses, inclusive por seu próprio pai, Marte somente
conseguia, contraditoriamente, despertar alguma afeição em Vênus, a deusa do amor, com
quem teve um filho, cupido. Pouco adorado também entre os mortais, a antipatia despertada por
126
ele justificava-se por seu temperamento belicoso, seu estilo rude e seu gosto pela pilhagem e
pelo assassinato, que buscava satisfazer através dos atos de guerra.
Em combate, era precedido por seus filhos Medo e Terror, num terreno previamente preparado
pela Discórdia. Ao final das contendas, o terreno era ocupado pelas Queres, deusas
sanguinárias que se lançavam sobre suas vítimas, bebendo seu sangue, devorando sua carne e
arrastando-as para a morada das sombras.
Desprovido de virtudes, Marte não buscava, nem respeitava, alianças e ideologias. Movia-se
exclusivamente por seu gosto sanguinário. A despeito disso, Marte era, na maioria das vezes,
mal-sucedido em suas ações tendo que, muitas vezes, fugir da batalha, ferido e humilhado, por
outros deuses e heróis. Era visto como um mal necessário a ser conclamado quando a batalha
era a única alternativa. Foi mais cultuado pelos romanos do que pelos gregos, que o invocavam
em suas batalhas, e lhe deram uma imagem mais jovem e portentosa, revestida com uma
brilhante armadura.
Em sua saga, entretanto, Marte se faz acompanhar de outra figura mitológica, também
associada à guerra, representada por Minerva, sua irmã.
Filha de Métis e Júpiter, nasceu da cabeça de seu pai, já revestida de armadura e lança.
Divindade de primeira grandeza, era admirada muito mais por suas virtudes de benemerência,
disponibilidade e, principalmente, de justiça e de sabedoria, mas também por suas habilidades
guerreiras, caracterizadas antes pelo uso do bom senso e da sabedoria do que pela força bruta.
Minerva muitas vezes contrapunha-se ao irmão, Marte, cujo relacionamento era marcado pela
rixa e pela desafeição. O confronto entre Minerva e Marte era também o confronto de duas
modalidades de combate: uma delas sustentada pela tática, diplomacia e pelos nobres instintos
do guerreiro virtuoso – estilo de Minerva, e outra movida pelo impulso tresloucado direcionado à
destruição e à morte em si mesmas e pelo gosto por sangue, estilo de Marte.
Esse confronto realça, afinal, uma contraposição, ou seja, que se pode fazer a guerra de duas
maneiras. Uma virtuosa, voltada para a defesa, da própria integridade, dos próprios bens, da
justiça,ou ainda valores e ideais, onde o uso da força se dá mediado pela sabedoria, inteligência,
destreza, aliança e respeito ao opositor. A segunda, não virtuosa, é empreendida como um fim
em si mesma, alimentando motivos de supremacia, mediada pela ira, belicosidade e contenda.
Realça, ainda, que, para a alma humana se sentir apaziguada diante da inevitabilidade da
guerra, precisa ver algum tipo de virtude no seu encadeamento e desencadeamento. A defesa
de nobres ideais como motivo para a guerra tornariam justos os atos beligerantes,
principalmente se modelados pelo uso da diplomacia, da sabedoria e da astúcia. Por outro lado,
não há justiça no uso irracional da força voltada apenas para a contenda e para a destruição. No
mito, a virtude supera o vício.
4 - MÉTODO
Os tópicos a seguir explicitam a abordagem metodológica procedida para a pesquisa aqui
conduzida.
4.1 ABORDAGEM
O objetivo aqui proposto define uma abordagem hipotético-dedutiva, sob o ponto de vista da
lógica do conhecimento (SANTOS, L., 2006).
Sob o ponto de vista do tipo de estudo, tem-se um estudo de caso descritivo.
Quanto à forma de investigação, a tese, o objetivo e o material de estudo disponível foram
atendidos pela abordagem qualitativa e quantitativa, mais apropriada para o entendimento de
fenômenos que ocorrem naturalmente, relativos à história de vida das pessoas, sem pressupor o
controle e manipulação de variáveis (MAYAN, 2001).
Essa escolha também se justifica uma vez que se busca ampliar a compreensão do fenômeno
estudado, principalmente seu caráter processual, para além de uma explicação causal para o
mesmo (NEDER, 1993).
4.2 DEFINIÇÃO DE VARIÁVEIS
As variáveis em estudo foram categorizadas de acordo com os aspectos que interagem no
processo de Resiliência, quais sejam, Adversidades, ou Fatores de Risco, e Mecanismos de
Proteção.
O terceiro aspecto do conceito de Resiliência, Resultado Positivo, está pressuposto a partir de
um dado tratado como evidência: A obtenção da Presidential Unit Citation pelo 1º GAvCa,
distinção outorgada pelo Presidente dos Estados Unidos a unidades de combate que superaram
a expectativa para seu desempenho em campanha, comparativamente com outras unidades em
iguais condições e circunstâncias.
128
4.3 PROCEDIMENTO
4.3.1 POPULAÇÃO
A população a que se refere a pesquisa em questão é formada por ex-combatentes do 1º
GAvCa que participaram da Campanha da Itália. O Grupo de Caça contou com um efetivo de
militares de diversas especialidades e níveis hierárquicos, totalizando 159 indivíduos.
4.3.2 AMOSTRA
Não houve prévia definição das amostras, cuja composição foi determinada pelo critério de
acessibilidade.
Para a aplicação do questionário, foram localizados e contatados seis ex-combatentes,
sobreviventes da Campanha da Itália, os quais, consultados, concordaram em se submeter ao
mesmo.
Os indivíduos que compõem as outras duas amostras, possuem testemunhos publicados nas
fontes consultadas, relativos à sua participação, como membro do 1º GAvCa, na Segunda
Guerra Mundial.
As amostras foram caracterizadas posteriormente à obtenção do material, tanto aquele oriundo
de testemunhos publicados, quanto do questionário.
4.3.3 COLETA DE DADOS
Os dados analisados foram obtidos das seguintes fontes:
1. Pesquisa histórica acerca da aviação militar no Brasil, assim como da Segunda
Guerra Mundial e da participação do Brasil, com detalhes da inclusão do 1º GAvCa no
esforço de guerra.
129
2. Testemunhos individuais, na forma de discursos, assim obtidos:
a. Depoimentos pessoais dos ex-combatentes, sobre sua participação, como membro
do 1º GAvCa, na Segunda Guerra Mundial, publicados em mídia impressa,
recuperados dos seguintes livros:
i. Senta a Pua! - Rui Moreira Lima – Piloto de caça, com 94 missões de guerra.
ii. História da Força Aérea Brasileira – Tenente-Brigadeiro R/R Nelson Freire
Lavenère-Wanderley – Oficial de ligação, com 13 missões de guerra.
iii. Overnight Tapachula: Histórias de Aviador – Alberto Martins Torres –
Piloto de caça, com 100 missões de guerra.
iv. A História do 1º Grupo de Caça, 1943/1945 – John W. Buyers – Oficial da
Força Aérea Americana que atuou como Ligação entre o 1º GAvCa e o
Exército Americano, tendo voado 21 missões de guerra com os pilotos
brasileiros
v. Avestruzes no Céu da Itália: A FAB na Guerra Européa – Luiz Felipe
Perdigão – Piloto de caça, com 85 missões de guerra.
vi. Heróis dos Céus – A Iconografia do 1º Grupo de Aviação de Caça na
Campanha da Itália 1944-1945, Legendadas por Rui Moreira Lima e José
Rebelo Meira de Vasconcelos, pilotos de caça, o primeiro já citado e o
segundo com 93 missões de guerra.
b. Entrevistas com os ex-combatentes, gravadas para o documentário “Senta a Pua!”,
dirigido pelo cineasta Erik de Castro, gentilmente cedidas pela BSB Cinema.
c. Entrevistas com os ex-combatentes, baixadas através do portal Sentando a Pua!,
com a autorização do administrador, Luis Gustavo Gabriel, disponíveis em
<http:sentandoapua.com.br>, acessadas em 19/02/2007.
3. Entrevista aberta, realizada com o Oficial de Ligação entre os brasileiros do Grupo de
Caça e os comandos americanos, gravada e depois transcrita em arquivo digital de
texto.
4. Aplicação de um questionário, composto por seis ou sete perguntas abertas, com
respeito à experiência do ex-combatente com relação à sua participação na Campanha
da Itália. O questionário foi disponibilizado aos mesmos através de contato direto da
pesquisadora, sendo que as perguntas foram respondidas por escrito, pelos próprios
entrevistados. Em um dos casos, entretanto, as perguntas foram formuladas oralmente
pela pesquisadora, e as respostas obtidas foram gravadas em meio eletrônico, em
razão da acentuada deficiência visual do entrevistado. Em seguida, todos os
130
questionários foram transcritos e convertidos em documento digital de texto. O
Questionário aplicado está disponível no Anexo B.
Quantitativamente, os dados em forma de documento digital de texto resultaram em:
Fonte
Número de páginas
transcritas
Livros 85
Entrevistas 125
Questionário 57
Total 267
4.3.4 TRATAMENTO DOS DADOS
Os dados coletados foram tratados de acordo com sua especificidade, como descrito a seguir:
A - Dados relativos à pesquisa histórica:
A primeira fonte de dados, composta pela pesquisa, definiu objetivamente o contexto no qual
operou o 1º GAvCa.
Essa pesquisa justificou-se pelo fato de que, para a abordagem processual da Resiliência, não
podem deixar de ser considerados aspectos relacionais, socioculturais e ambientais. Agregou-
se aqui a dimensão histórica em razão de tratar-se da observação de um fenômeno ocorrido há
mais de sessenta anos, em um cenário específico da época.
Dados históricos oriundos de depoimentos tiveram sua consistência considerada pela
classificação da fonte, como primária, de acordo com os critérios propostos por TEVNI
GRAJALES (2006).
B - Dados relativos às pessoas:
A pesquisa histórica, além de fornecer subsídios relativos ao contexto em que operou o 1º
GAvCa, permitiu definir a composição dos recursos humanos no Grupo.
O levantamento do Efetivo que seguiu para o treinamento, e posteriormente para a Itália, levou
ao arrolamento nominal de cada membro, seguido de informações relativas ao posto ou
graduação na época, função exercida, data de nascimento, naturalidade e tipo de atividade
profissional após a guerra. Para os pilotos, foram acrescidas informações sobre a quantidade de
missões de guerra cumpridas individualmente e razões de eventuais afastamentos de vôo.
131
Sobre alguns dos membros, entretanto, tentativas de localização de parte dessas informações
não foram bem-sucedidas. Essas omissões foram apontadas sob a rubrica “n/l” (não localizado).
O próximo passo foi a homogeneização das informações relativas ao nível hierárquico e função
em campanha, de modo a garantir que todas tivessem o mesmo formato padronizado de
expressão.
Os dados foram então organizados pelas seguintes etapas:
1. Classificação dos nomes por ordem alfabética.
2. Agrupamento por função.
3. Agrupamento por nível hierárquico.
Definiram-se, a seguir, duas grandes categorias funcionais:
Pilotos (PIL): Incluindo os oficiais aviadores que realizaram missões de caça-
bombardeio.
Área de Apoio (AAP): Incluindo todas as demais especialidades “de terra”.
A partir disso, atribuiu-se, então, um código a cada membro do efetivo, com o objetivo de
preservar-lhes a identidade. Adotou-se a numeração seqüencial, pela posição de cada indivíduo
no rol do efetivo, precedida da sigla da grande categoria funcional a que ele pertence – PIL ou
AAP.
Os testemunhos individuais foram, então, identificados pelo respectivo código na tabela assim
montada, como por exemplo “AAP1”, “AAP2”, ...”PIL367”, “PIL368”.
O tratamento dos dados sobre a população, da maneira acima descrita, possibilitou a análise por
categorias e ainda comparações das amostras.
C - Dados relativos aos testemunhos:
Os testemunhos em forma de depoimentos, obtidos através de diversos meios de divulgação,
passaram por uma análise prévia, onde se constatou a presença de assuntos recorrentes.
Definiram-se, então, 34 temas, conforme ilustrado pelo Anexo D. A partir disso, cada depoimento
individual passou por uma primeira categorização, que buscou identificar e registrar, no discurso,
a ocorrência desses temas.
Em seguida, os trechos dos depoimentos dos diversos indivíduos foram agrupados por temas.
Foram, então, montadas 34 tabelas, uma para cada tema, incluindo a identificação codificada do
indivíduo e, o seu respectivo material verbal relativo ao tema.
Depoimentos publicados no livro de Buyers (2004) em resposta a uma pergunta que o autor
enviou a diversos ex-combatentes: “Como a guerra marcou sua vida?”, dos quais 80 retornaram,
compuseram um segundo conjunto de testemunhos.
132
O terceiro conjunto de testemunhos incluiu as respostas ao questionário aplicado pela
pesquisadora.
Com isso, obtiveram-se três bancos de dados distintos:
a. O primeiro deles, designado “Depoimentos”, composto pelos testemunhos previamente
classificado em 34 temas.
b. O segundo, designado “Marcas da Guerra”, composto pelas 80 respostas à pergunta de
Buyers.
c. O terceiro, designado “Questionário”, composto pelas respostas dos seis indivíduos da
amostra.
Assim organizados, os depoimentos foram, então, analisados através da técnica do Discurso do
Sujeito Coletivo (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2005). Para tanto, os bancos de dados foram
submetidos ao programa de computador Qualiquantisoft ® utilizado como ferramenta de
facilitação do processo de tratamento e análise dos dados. Já com os bancos de dados gravados
no programa de computador, o próximo passo foi analisar cada depoimento individual sob a
rubrica de um tema ou pergunta.
De cada um, foram levantadas as Expressões Chave (E-Ch), ou seja, trechos do material verbal
que descrevem um conteúdo específico. Identificou-se, a seguir, o sentido de cada Expressão
Chave, atribuindo-lhe uma formulação básica para a descrição desse sentido, a sua Idéia Central
(IC). Terminada a seleção das E-Ch, e a respectiva designação das IC’s de todos os
depoimentos de cada tema ou pergunta, passou-se à categorização das IC’s com sentido
semelhante ou complementar.
Foram, em seguida, arroladas, as expressões-chave relativas a cada categoria. O material verbal
assim obtido foi, por sua vez, harmonizado em um único discurso, redigido na primeira pessoa
do singular – o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Assim, cada uma das categorias de cada
tema, resultou num DSC específico.
Uma vez compostos pela reunião das E-Ch com sentido semelhante, esses discursos
expressam, enfim, a presença de um pensamento coletivo, compartilhado, ou seja, opiniões e
posições comuns sobre um dado tema ou assunto. Isso deu concretude à qualidade apreendida
através da análise dos depoimentos ou respostas. Essa etapa destinou-se, assim à análise
qualitativa dos discursos.
Em complemento, a intensidade e o grau de compartilhamento desse pensamento coletivo foram
expressos quantitativamente, através da tabulação e ilustração gráfica do número de IC’s que
compõem uma determinada categoria, e também pelo número de indiduos que concorreram
com estas IC’s. Essas tabelas e gráficos foram gerados automaticamente pelo Qualiquantisoft
®, e depois exportados para editor de texto ou planilha eletrônica, conforme o caso.
133
As idéias centrais, organizadas em discursos-síntese, revelaram as representações sociais, ou
seja, as idéias, pensamentos e crenças compartilhados pelos componentes do Grupo de Caça,
cuja intensidade e grau de compartilhamento puderam ser também contemplados.
Assim processado, o Discurso do Sujeito Coletivo “deu voz” ao 1º GAvCa, acerca dos assuntos
diretamente relacionados às suas experiências de combate durante a Campanha da Itália. A
partir dessa voz, contextualizada num dado momento histórico e sob contornos sócio-culturais e
organizacionais típicos e específicos, foram acessados, em tese, os aspectos do processo de
Resiliência no Grupo de Caça, de interesse do presente estudo.
5 - RESULTADOS
A partir do procedimento metodológico adotado, foram tratados, qualitativamente e
quantitativamente, os dados oriundos dos testemunhos de vida dos indivíduos pertencentes às
três amostras. Paralelamente, foram levantados dados complementares relativos ao registro
histórico da participação do 1º GAvCa na Campanha da Itália, os quais, organizados, serão
apresentados a seguir.
5.1 RESULTADOS RELATIVOS ÀS PESSOAS
Numa primeira etapa, a apresentação dos resultados está voltada para a descrição das
características da população, tanto com respeito ao Efetivo do 1º GAvCa, quanto acerca de cada
uma das três amostras. Complementando esta etapa, são formuladas algumas comparações
entre estes conjuntos de dados, conforme se verá a seguir.
5.1.1. CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO
O Efetivo do Grupo de Caça durante a Campanha da Itália estava composto por 458 militares,
aos quais se agregou um oficial de ligação, e estavam distribuídos em três níveis hierárquicos, a
saber:
136
Tabela 4
Distribuição do Efetivo do 1º GAvCa por Nível Hierárquico
POSTO OU GRADUAÇÃO QUANT.
PROPOR-
ÇÃO
Soldado 3ª Classe 1 0%
Soldado 2ª Classe 74 16%
Soldado 1ª Classe 104 23%
Cabo 30 7%
PRAÇAS
(nível auxiliar)
Taifeiro 13 3%
3º Sargento 90 20%
2º Sargento 29 6%
1º Sargento 24 5%
GRADUADOS
(nível técnico)
Suboficial 10 2%
Aspirante-a-Oficial 16 3%
2º Tenente 36 8%
1º Tenente 15 3%
Capitão 12 3%
Major 4 1%
Tenente-Coronel 1 0%
OFICIAIS
(nível superior)
TOTAIS 459 100%
A distribuição proporcional do Efetivo por nível hierárquico pode ser mais bem
visualizada através do Gráfico abaixo:
Gráfico 1
Distribuição do Efetivo por
Círculo Hierárquico
18%
33
%
49%
OFICIAIS GRADUADOS PRAS
Paralelamente ao posto ou graduação militares, os membros do efetivo estavam
distribuídos em funções específicas, ligadas a atividades administrativas, técnicas, logísticas ou
operacionais, necessárias à composição de uma unidade de caça. Categorizada por áreas
funcionais, a distribuição do Efetivo estava assim configurada.
Tabela 5
Distribuição do Efetivo do 1º GAvCa
por Área de Atuação
137
FUNÇÃO QUANT %
Administração 11 2%
Apoio 125 27%
Armamento 55 12%
Comunicações 25 5%
Manutenção 134 29%
Piloto 50 11%
Saúde 19 4 %
Guarda e Segurança 32 4%
N/L 8 7%
TOTAIS 459 100%
Os gráficos a seguir ilustram a proporcionalidade funcional dentro do Efetivo:
Observa-se, assim,
que, mesmo a atividade fim do Grupo fossem as saídas aéreas,
que representavam as ações de guerra propriamente ditas, uma grande estrutura de suporte e
apoio se apresentava para o cumprimento dessas missões.
O pequeno contingente feminino estava representado por enfermeiras, com um
percentual de 1% do total do Efetivo.
Como último aspecto a ser verificado nos dados quantitativos relativos à população, são
focalizadas as missões de guerra e seu impacto no contingente de pilotos.
Quanto ao número de saídas ofensivas realizadas pelos pilotos do Grupo de Caça, estas
totalizaram:
TOTAL DE MISSÕES ..................2546
Gráfico 3
Efetivo - Proporção
entre funções de Apoio e
Piloto
APOIO PILOTO
Gráfico 2
Distribuição do Efetivo por Área
Funcional
Administração
Apoio
Armamento
Comunicações
Manutenção
Piloto
Saúde
Guarda e Segurança
N/L
138
MÉDIA MISSÕES/PILOTO ......................51
A distribuição de missões por piloto pode ser verificada no Anexo C. Dele se fez o excerto que
resultou na tabela a seguir, a qual sintetiza os tipos de causalidades ocorridas em combate,
entre os pilotos, e seu impacto no esforço de guerra:
Tabela 6
Causalidades no 1º GAvCa em Campanha
Distribuição por Tipo de Causalidade e Tipo de Impacto
IMPACTO CAUSALIDADE QUANT
% POR TIPO DE
IMPACTO
% DO TOTAL DE
PILOTOS
% DO TOTAL DE
SAÍDAS
MORTO EM ACIDENTE 4 17% 8% 0,16%
MORTO EM COMBATE 5 21% 10% 0,20%
AFASTADO PRISIONEIRO DE GUERRA 5 21% 10% 0,20%
DE VÔO FORAGIDO 3 13% 6% 0,12%
SAÚDE 7 29% 14% 0,27%
TOTAL 24 100% 48% 0,94%
FERIDO EM COMBATE 3 50% 6% 0,12%
NÃO
AFASTADO
QUEDA SOBRE TERRITÓRIO
AMIGO
3 50% 6% 0,12%
TOTAL 6 100% 12% 0,24%
TOTAL GERAL 30 60% 1,18%
Conforme ilustra a Tabela ____, a ocorrência de causalidades entre pilotos tinha três vezes mais
possibilidade de levar a afastamentos de vôo. Considerando-se a relação de causalidades por
número de pilotos, tem-se uma situação ainda mais dramática, haja vista que o número de
causalidades que levaram a afastamentos é quatro vezes maior do que as que não levaram
(48% contra 12%).
O Gráfico ___ a seguir focaliza especificamente a relação causalidade-afastamento na
perspectiva do total de saídas ofensivas:
139
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
CAUSALIDADES AFASTAMENTOS
Gráfico 4
Comparativo entre o Número de
Causalidades em Pilotos por Número de
Saídas
Nº PILOTOS Nº SAÍDAS
Por ele pode-se verificar que, mesmo que o número de causalidades tenha sido pouco
expressivo com relação ao total de missões realizadas, menos que 2%, com respeito ao número
de pilotos vitimados essa proporção mostra-se significativa, atingindo 60% dos indivíduos e,
como já visto, afastando 48%.
5.1.2. CARACTERIZAÇÃO DAS AMOSTRAS
As amostras receberam a denominação indicada pelo Quadro , a seguir, que também informa a
constituição de cada uma delas:
140
Quadro 1
Composição e Denominação das Amostras
Denominação da
amostra
Constituída por
Quantidade de
Pessoas
Depoimentos
Membros do efetivo do 1º GAvCa dos
quais se recuperaram testemunhos
publicados.
59
Marcas da Guerra
Membros do efetivo que retornaram à
pergunta de Buyers (2004): “Como a
guerra marcou sua vida?”.
80
Questionário
Membros do 1º GAvCa que foram
questionados pela pesquisadora.
6
Com relação à proporcionalidade de cada amostra relativamente à População que ela
representa, tem-se a seguinte apresentação:
EFETIVO MARCAS DA GUERRA DEPOIMENTOS QUESTIONÁRIO
Gráfico 5
Proporção Efetivo - Amostras
Com relação à distribuição das amostras por nível hierárquico, tem-se a configuração ilustrada
pela Tabela ___, a seguir:
141
Tabela 7
Distribuição das Amostras por Nível Hierárquico
Depoimentos Questionário Marcas da Guerra
Nível
POSTO OU
GRADUAÇÃO
QUANT % QUANT % QUANT %
Soldado 3ª Classe 0 0% 0% 0 0%
Soldado 2ª Classe 6 10% 0% 12 15%
Soldado 1ª Classe 6 10% 1 17% 19 24%
Cabo 5 8% 0% 6 8%
Taifeiro 1 2% 0% 4 5%
Praças
Total 18 31% 1 17% 41 51%
3º Sargento 14 24% 1 17% 19 24%
2º Sargento 2 3% 1 17% 2 3%
1º Sargento 1 2% 0% 0 0%
Suboficial 0 0% 0% 0 0%
Graduados
Total 17 29% 2 33% 21 26%
Aspirante-a-Oficial 4 7% 1 17% 3 4%
2º Tenente 10 17% 2 33% 7 9%
1º Tenente 6 10% 0% 3 4%
Capitão 2 3% 0% 4 5%
Major 2 3% 0% 1 1%
Tenente-Coronel 0 0% 0% 0 0%
Oficiais
Total 24 41% 3 50% 18 23%
TOTA GERAL 59 100% 6 100% 80 100%
Quanto à distribuição funcional, as amostras caracterizaram-se pelos quantitativos apontados
pela Tabela 8, a seguir:
142
Tabela 8
Distribuição das Amostras por Função
DEPOIMENTOS MARCAS DA GUERRA QUESTIONÁRIO
FUNÇÃO
QUANT
%
QUANT
%
QUANT
%
Administração 1 2% 2 3% 0 0%
Apoio 11 19% 26 33% 1 17%
Armamento 5 8% 5 6% 1 17%
Comunicações 3 5% 6 8% 0 0%
Manutenção 17 29% 24 30% 1 17%
Saúde 0 0 5 6% 0 0%
Guarda e Segurança 0 00000
TOTAL APOIO 37 63% 68 86% 3 50%
Piloto 22 37% 12 15% 3 50%
TOTAIS 59 100% 80 100% 6 100%
5.1.3. TIPICIDADE DAS AMOSTRAS
Em virtude da variabilidade na distribuição hierárquica e funcional das amostras,
apresentam-se a seguir alguns comparativos entre estas e o efetivo, a fim de melhor se
avaliar suas implicações. Antes, porém, algumas observações:
Em primeiro lugar, há que se considerar que, dada a característica da pesquisa e do material
de estudo, não houve critério estatístico para a seleção das amostras, tendo sido as mesmas
caracterizadas posteriormente, a partir dos depoimentos de ex-combatentes identificados
em diversos documentos históricos, bem como pela localização de alguns representantes
para a aplicação do questionário.
Em segundo lugar, alguns aspectos concorreram para a configuração das amostras,
destacando-se, entre eles:
Falecimentos: Os depoimentos, em sua maior parte, passaram a ser
documentados cerca de 40 anos depois da Campanha da Itália, implicando em que
alguns dos ex-combatentes já tivessem falecido nas ocasiões específicas. Um
exemplo disso é o fato de não haver testemunhos de Suboficiais, cuja idade média
na guerra deveria estar acima dos trinta anos.
143
Desgarramentos: Uma parte do contingente foi desmobilizada depois da
Campanha, o que levou à perda de informações sobre esses indivíduos,
especialmente entre os soldados.
Dessa forma, a composição das amostras, comparativamente com a do efetivo, apresenta
variações, conforme demonstrado pelos gráficos a seguir:
0%
10%
20%
30%
40%
50%
OFICIAIS GRADUADOS PRAÇAS
Gráfico 6
Comparativo entre Efetivo e Amostras
Proporção por Nível Hierquico
EFETIVO
MARCAS DA
GUERRA
DEPOIMENTOS
QUESTIONÁRIO
0%
20%
40%
60%
80%
100%
APOIO PILOTO
Gráfico 7
Comparativo entre Efetivo e Amostras
Proporção por Área de Atuação
EFETIVO
MARCAS DA
GUERRA
DEPOIMENTOS
QUESTIONÁRIO
Assim, para que se obtenha uma verificação da tipicidade das amostras com relação ao efetivo
do Grupo de Caça, que representa a população aqui estudada, propõem-se os gráficos
comparativos a seguir:
144
Gráfico 8
Comparação Quantitativa entre Efetivo e Amostras
0
20
40
60
80
100
120
Sold 3ª
Classe
Sold 2ª
Classe
Soldado 1ª
Classe
Cabo
Taifeiro
3º Sargento
2º Sargento
1º Sargento
Suboficial
Aspirante-a-
Oficial
2º Tenente
1º Tenente
Capitão
Major
Tenente-
Coronel
EFETIVO
MARCAS DA GUERRA
DEPOIMENTOS
QUESTIONÁRIO
Por este primeiro, é possível se observar que as curvas de distribuição dos quantitativos
hierárquicos da população e das três amostras apresentam as mesmas tendências.
A fim de melhor se focalizar esse aspecto, o Gráfico 9, a seguir, foi gerado por linhas
empilhadas, a partir dos mesmos quantitativos, revelando homogeneidade na tendência de
contribuição entre as quatro situações, mesmo se observando claramente ter havido um
aumento gradual nos quantitativos dos níveis hierárquicos correspondentes a faixas etárias
menores (Soldado de 2
a
. Classe, Terceiro Sargento e Segundo Tenente).
145
Gráfico 9
Comparativo entre População e Amostras
Tendência de Contribuição por Nível Hierquico
0
20
40
60
80
100
120
140
Sold 3ª
Classe
Sold 2ª
Classe
Soldado 1ª
Classe
Cabo
Taifeiro
3º Sargento
2º Sargento
1º Sargento
Suboficial
Aspirante-a-
Oficial
2º Tenente
1º Tenente
Capitão
Major
Tenente-
Coronel
QUESTIONÁRIO
DEPOIMENTOS
MARCAS DA GUERRA
EFETIVO
Os gráficos a seguir analisam a distribuição e as tendências de contribuição das categorias
funcionais, comparando amostras e Efetivo.
Gráfico 10
Comparativo entre Efetivo e Amostras
Distribuição por Função
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Adm
in
istr
a
ç
ão
Ap
oio
Ar
mamento
Com
u
n
ic
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Manuten
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d
e
G
u
ard
a
e Se
g
ura
n
ça
N/L
EFETIVO
MARCAS DA GUERRA
DEPOIMENTOS
QUESTIONÁRIO
146
Gráfico 11
Comparativo entre Efetivo e Amostras
Tendência de Contribuição por Função
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
Adm
i
nistr
a
ção
A
p
o
i
o
Armamento
Co
mu
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Pilot
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Saúd
e
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u
a
rda e Seg
u
rança
N
/
L
QUESTIONÁRIO
DEPOIMENTOS
MARCAS DA GUERRA
EFETIVO
Também aqui ficam evidentes as mesmas tendências de distribuição, salientando-se entretanto
que, na medida em que os testemunhos estejam sendo mais recentemente fornecidos, mais fica
marcada a prevalência de pilotos nas amostras.
Para uma comparação mais pormenorizada, pode-se consolidar as três amostras em um único
perfil, incluindo a totalidade de indivíduos que forneceram testemunhos para uma ou mais
amostras, uma vez que o material de estudo oferecido pelas três, fornece o mesmo tipo de dado,
ou seja, testemunhos de vida, mesmo que obtido através de diferentes formas de coleta.
Nesse caso, tem-se um total de 95 indivíduos, cuja distribuição comparativa com o Efetivo se
configura da seguinte maneira:
147
Gráfico 12
Comparativo entre População e Amostras Consolidadas
Distribuição por nível hierárquico
0
20
40
60
80
100
120
So
l
d
3
ª
Class
e
So
l
d 2
ª
Class
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1
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el
EFETIVO
AMOSTRAS
Gráfico 13
Comparativo entre População e Amostras Consolidadas
Tendência de Contribuição por Nível Hierárquico
0
20
40
60
80
100
120
140
S
o
l
d
Cl
a
sse
S
o
l
d
2ª Cl
a
sse
Soldad
o
Class
e
Cabo
Taifeiro
3º S
a
rg
e
n
t
o
S
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r
ge
n
to
1º Sa
r
ge
n
to
Suboficial
A
sp
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2º T
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T
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t
e
Capitão
Major
Ten
en
te
-
C
o
ro
n
el
AMOSTRAS
EFETIVO
148
Gráfico 14
Comparativo entre População e Amostras Consolidadas
Distribuição por Área Funcional
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Adm
i
n
i
str
ão
A
poio
Armamento
Co
mu
n
i
ca
çõ
e
s
Manu
t
enção
Saú
d
e
Guar
d
a e
Se
gurança
N/L
Pi
l
o
to
EFETIVO
AMOSTRAS
Gráfico 15
Comparativo entre População e Amostras Consolidadas
Tendência de Contribuição por Área Funcional
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
Adm
i
n
i
str
ão
A
poio
Armamento
Co
mu
n
i
ca
çõ
e
s
Manu
t
enção
Saú
d
e
Guar
d
a e
Se
gurança
N/L
Pi
l
o
to
AMOSTRAS
EFETIVO
Também com relação à distribuição hierárquica e funcional, observa-se que o
consolidado das amostras enfatiza a maior contribuição de funções exercidas prioritariamente
por militares de faixas etárias menores, ou seja, Apoio (predominantemente composta por
soldados), Manutenção (predominantemente composta por terceiros sargentos), e Pilotos,
predominantemente composta por tenentes. Ressalte-se, entretanto, que, as curvas desenham
um traçado homogêneo
149
5.2. RESULTADOS QUALITATIVOS E QUANTITATIVOS
Apresentam-se a seguir os resultados decorrentes da análise qualitativa e quantitativa realizada
nos testemunhos de vida, em forma de discursos, análise essa realizada sob a técnica do
Discurso do Sujeito Coletivo, cujo procedimento contou com o auxílio do programa de
computador QualiQuantiSoft ®, já detalhado no Capítulo 4. A forma de organização e
apresentação dos resultados está proposta da maneira a seguir descrita.
5.2.1. ORGANIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Os resultados quantitativos foram organizados através de tabelas, que discriminam as categorias
encontradas na análise do conteúdo de cada uma das amostras e a quantidade de expressões-
chave (E-Ch) inclusas em cada categoria. As tabela incluem os quantitativos e os percentuais de
cada categoria tanto com relação ao número de indivíduos que contribuíram com material verbal,
quanto com relação ao número total de E-Ch para cada tema ou questão. Observa-se aqui que o
mesmo indivíduo pode, diante de um único tema ou questão, suscitar mais de uma E-Ch.
A partir de cada tabela, e para cada tema ou questão, foram gerados gráficos, apresentados em
colunas, que ilustram especificamente a porcentagem de indivíduos que contribuíram com E-
Ch’s para as categorias encontradas em cada um deles. Com isso, cada gráfico revela o grau de
compartilhamento das idéias presentes em cada categoria.
Os resultados qualitativos decorrentes da análise de conteúdo estão apresentados sob a forma
de Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), redigido na primeira pessoa do singular. Conforme
explicitado no Capítulo 4 – Método, cada DSC foi gerado a partir da harmonização do material
verbal relativo às E-Ch classificadas em cada categoria.
A fim de que os DSC’s sejam claramente identificados no transcurso do trabalho, eles serão
apresentados sob formatação tipográfica específica, através da utilização de fonte tamanho 10,
em itálico, com recuo à esquerda e alinhamento justificado. Também com a intenção de melhor
clareza, ao final de cada DSC, serão indicados os indivíduos cujas E-Ch ofereceram o material
verbal ali homogeneizado.
150
5.2.2. RESULTADOS OBTIDOS NOS DEPOIMENTOS
Conforme descrito, os depoimentos foram inicialmente classificados em 34 temas, definidos por
sua recorrência no material verbal analisado. A fim de garantir um melhor fluxo na apresentação
dos resultados relativos aos Depoimentos, estão apresentados nos Anexos E a I os quantitativos
e percentuais , relativos aos indivíduos e às E-Ch classificados em cada um dos temas, bem
como a distribuição pelas categorias atribuídas a cada tema.
Em seguida a esse anexos que apresentam a totalidade dos resultados quantitativos,
encontram-se, no Anexo J, os DSC’s relativos a cada categoria encontrada em cada tema.
Dessa forma, fica ressalta e, ao mesmo tempo preservada, a minúcia dos discursos que
emergem dessa amostra, que contam a história da participação do 1º GAvCa na Segunda
Guerra Mundial, sob o ponto de vista de 59 de seus protagonistas. Trechos desses DSC’s serão
oportunamente incorporados à discussão que se seguirá à apresentação dos resultados.
Estão abaixo apresentados tão somente os gráficos que ilustram o grau de compartilhamento de
idéias, dentro do respectivo tema. Os resultados da análise de cada tema serão aqui
apresentados, organizados numa seqüência lógica e temporal, proposta a partir da pesquisa
histórica realizada.
Entretanto, para um melhor acompanhamento desses resultados, propõe-se o Gráfico 16,
extraído do Anexo E, que ilustra a prevalência dos temas, com respeito ao número de indivíduos
que se manifestaram em cada um.
151
Gráfico 16
Propoão de Indivíduos por Temas
CLIMA PRÉ-GUERRA EXPERIÊNCIA ANTERIOR
VOLUNTARIADO HOMENS-CHAVE
TREINAMENTO VIAGEM À ITÁLIA
MBOLOS DESEMBARQUE NA ITÁLIA
CHEGADA A TARQUÍNIA A PRIMEIRA BASE
O INÍCIO DAS ATIVIDADES FATALIDADES
ABATIDOS EM COMBATE O P-47
O LÍDER RELACIONAMENTO NO GRUPO
RELACIONAMENTO COM A POPULAÇÃO I TALIANA RELACIONAMENTO COM OS AMERICANOS
A BASE DE PISA DIVERSÃO
ÁLCOOL MÚSICA
FAMÍLIA ROTINA
ESFORÇO MISSÕES COM A FEB
ESGOTAMENTO ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
OFENSIVA DA PRIMAVERA EFICIÊNCIA
O FIM DA GUERRA A VOLTA AO BRASIL
A PRESIDENTIAL UNIT CITATION REFLEXÕES
Serão agora, apresentados, os gráficos relativos ao grau de compartilhamento de Idéias Centrais
categorizadas em cada tema.
Proporção de indivíduos, pertencentes à amostra “Depoimentos”, que manifestaram expressões-chave relativas
a cada tema.
152
5.2.2.1. Clima Pré-Guerra:
50%
63%
25%
38%
25%
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 17
Clima Pré Guerra
CLIMA ANTI-NAZISTA
CLAMOR POR RESPOSTA AOS
AFUNDAMENTOS DE NAVIOS
SOLIDARIEDADE AOS EUA
AMBIENTE DE DEFESA CONTRA
ATAQUES
AFUNDAMENTO DO U-199
Para o tema 1, Clima pré-guerra, relativo aos acontecimentos no país e no mundo com
respeito à guerra, e que imediatamente antecederam e determinaram a formação do Grupo
de Caça, as idéias mais compartilhadas entre os 8 depoentes remetem ao clamor popular
por resposta aos afundamentos dos navios brasileiros (63%) e ao clima anti-nazista que, a
seus olhos, dominava o país (50%).
Relatam também sobre o ambiente de defesa que já se instalava no País em conseqüência
da guerra, da solidariedade aos Estados Unidos em razão do ataque a Pearl Harbor, e
destacam o afundamento do submarino alemão U-199, pela Aviação de Patrulha brasileira. A
intensidade da vivência acompanha esse compartilhamento.
5.2.2.2. Experiência Anterior
56%
22%
44%
22%
0%
20%
40%
60%
Gráfico 18
Experiência Anterior
Experiência no CAN
Sem formação para a caça
Tinha a formação militar mas sem
experiência para a guerra
Outras formações e outras
experiências
Quanto aos relatos de experiência anterior, os depoentes dão destaque à importância da
experiência adquirida durante os vôos do Correio Aéreo Nacional (CAN). Ressalvam, porém, que
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 8
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 9
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
153
tinham a necessária formação militar mas não tinham experiência em operações bélicas de um
modo geral, e na aviação de caça, em particular.
5.2.2.3. Voluntariado
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Gráfico 19
Voluntariado
Motivação pela aeronáutica
Motivação pela
aventura/impulso/curiosidade
Desejo de ir para a guerra
(idealismo,vingança, motivação
política)
Perspectivas profissionais
Foi escolhido, convidado
Menções ao voluntariado foram bastante freqüentes, estando presentes em 25% da amostra. Ao
discorrerem sobre esse tema, os ex-combatentes ressaltam a escolha que fizeram, destacando,
pelo alto grau de compartilhamento (90% dos indivíduos), dentre os vários motivos, o desejo de
ir para a guerra por razões ideológicas e políticas, além do desejo de vingança pelos ataques
aos navios brasileiros.
Busca de aventura e escolha por impulso também são bastante compartilhadas, sendo que a
motivação aeronáutica em si aparece em um distante terceiro lugar (14% de compartilhamento).
5.2.2.4. Homens-Chave
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 20
Os Homens-Chave
CONTATO COM A AVIAÇÃO
DE GUERRA
CARACTERISTICAS DO
TREINAMENTO
COMPOSIÇÃO DOS
HOMENS-CHAVE
Os ex-combatentes valorizaram o primeiro contato que tiveram com a aviação de guerra,
representado pela ida dos homens-chave aos Estados Unidos. Sobre esse assunto o maior
número de idéias remete à composição dessa comitiva e da experiência que tiveram.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 10
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 5
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
154
5.2.2.5. Treinamento
17,00%
33,00%
28,00%
44,00%
22,00%
22,00%
28,00%
17,00%
22,00%
22,00%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
40,00%
45,00%
Gráfico 21
Treinamento
EXCELÊNCIA DO TREINAMENTO NO
PANA
DESCONFORTO NO PANAMÁ
OPERAÇÕES DE GUERRA NO
PANA
ESPECIFICIDADES DO
TREINAMENTO NO PANAMÁ
CONTATO COM O EMPREGO DA
AVIAÇÃO EM COMBATE
CONFORTO DE SUFFOLK
ADAPTÃO AO P-47
ESPECIFICIDADES DO
TREINAMENTO EM SUFFOLK
IMPORTÂNCIA DO TREINAMENTO
RISCOS E DEMANDAS DA
PILOTAGEM DE COMBATE
O treinamento que o efetivo do Grupo de Caça recebeu, primeiramente no Panamá e
depois em Suffolk, é o terceiro tema mais recorrente, tendo sido abordado por 30% da amostra.
Foi também objeto de dez diferentes categorias de IC’s, através das quais eles discorrem
especialmente sobre as especificidades e excelência do treinamento em Aguadulce que, ao
mesmo tempo, se fazia acompanhar de uma série de desconfortos pelas condições de
alojamento e do local onde se encontravam.
Depois disso, o tema mais compartilhado disse respeito ao contato e adaptação ao avião
que iriam operar na Itália – o P-47. Além da descrição e comparação das fases do treinamento
que receberam, salientam o contato com a aviação de combate propiciada pelo treinamento,
juntamente com seus riscos e demandas.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 18
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
155
5.2.2.6.
iage
m à
Itália
Findo o treinamento em Suffolk, o Grupo seguiu viagem à Itália, a bordo do UST Colombie,
sendo que os preparativos e as experiências da viagem foram mencionados por 22% dos
indivíduos, que abordam o tema de maneira descritiva, destacando, em alguns trechos,
principalmente o desconforto a bordo e as diversões, formais ou informais, que ajudavam a
ocupar o tempo. O convívio com os companheiros também não foi esquecido.
67%
56%
44%
22%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Gráfico 22
Viagem à Itália
DESCRIÇÃO DA
VIAGEM
DESCONFORTO
ASPECTOS
POSITIVOS E
DIVERTIMENTOS
CONVÍVIO
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 9
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
156
5.2.2.7. Símbolos
29%
29%
43%
43%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 23
Os Símbolos
IMPORTÂNCIA E EFEITO
DOS SÍMBOLOS
EMBLEMA
BANDEIRA
AVESTRUZ
Sete ex-combatentes registraram depoimentos sobre os símbolos no Grupo de Caça, sendo que
especial menção mereceu o hasteamento da Bandeira Nacional em solo estrangeiro, evento
cercado de ritual solene, e a criação e papel do ‘avestruz’, com o qual se identificavam. O outro
símbolo mencionado e descrito é o emblema (a ‘bolacha’), do Senta a Pua!.
5.2.2.8. Desembarque na Itália
63%
50%
38%
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 24
O Desembarque na Itália
DESCRIÇÃO DO
DESEMBARQUE
IMPACTO DO
DESEMBARQUE
O VINHO
Finda a viagem no Colombie, o Grupo chega à costa da Itália, inicialmente no porto de Nápoles,
mas seguindo viagem, no dia seguinte, para o desembarque em Livorno. A experiência da
chegada à Itália e do desembarque foi manifestada por 13% da amostra, que, além da descrição
da experiência em si, menciona o impacto que tiveram diante da destruição e da situação
insegura decorrente da guerra. Uma dessas situações é vivida pelo Grupo logo no primeiro
momento, quando compram, ainda no Porto, vinho italiano de procedência incerta e são
alertados para possibilidade de envenenamento. Esse relato foi compartilhado por 38% dos
depoentes.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 7
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 8
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
157
5.2.2.9. Chegada a Tarquínia
57%
50%
79%
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 25
A Chegada a Tarquínia
A VIAGEM DE TREM ATÉ
TARQUÍNIA
O QUE ENCONTRARAM
A MONTAGEM DO
ACAMPAMENTO E SUAS
DIFICULDADES
Após o desembarque na Itália, o Grupo seguiu para a sua primeira Base de Operações, em
Tarquínia. No discurso coletivo, a viagem de trem teve suas demandas, assim como a surpresa
do que se encontrou naquele antigo campo de aviação, recém-liberado pelos aliados. As idéias
mais compartilhadas, entretanto (79%), concentraram-se na tarefa de montagem e adequação
do acampamento, o que exigiu esforço coletivo de todo o efetivo, e foi marcada por algumas das
dificuldades descritas.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 14
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
158
5.2.2.10. A Primeira Base
11%
56%
44%
33%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Gráfico 26
A Primeira Base
ORGANIZÃO DA ROTINA
O FRIO
OUTROS ÓBICES
SENSAÇÃO DE PERIGO
Após a montagem do acampamento, a organização da rotina operacional não mobiliza mais os
depoimentos dos indivíduos do que os óbices enfrentados, entre eles o frio e a sensação de
perigo trazida pela zona de combate.
5.2.2.11. O Início da Atividades
40%
20%
70%
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 27
O Início das Atividades
OBJETIVOS
FUNÇÕES
AS EMOÇÕES DAS
PRIMEIRAS MISSÕES DE
COMBATE
O início das atividades pressupõe a distribuição de funções e o estabelecimento de objetivos
operacionais, mas as idéias mais prevalentes sobre esse momento do Grupo de Caça remetem
à descrição e às emoções das primeiras missões de combate, pelos pilotos, o que marca
efetivamente a entrada do Grupo na guerra.
5.2.2.12. Fatalidades
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 9
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 10
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
159
14%
29%
43%
29% 29%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
45%
Gráfico 28
Fatalidades
GASTALDONI - DESCRIÇÃO
GASTALDONI - REAÇÃO
CORDEIRO - DESCRIÇÃO
CORDEIRO - REAÇÃO
OLDEGARD SAPUCAIA - DESCRIÇÃO
WALDYR - DESCRIÇÃO
WALDYR - REAÇÃO
RITTMEISTER - DESCRIÇÃO
MEDEIROS - DESCRIÇÃO
MEDEIROS - REAÇÃO
AURÉLIO - DESCRIÇÃO
AURÉLIO - REAÇÃO
SANTOS - DESCRIÇÃO
SANTOS - REAÇÃO
DORNELLES - DESCRIÇÃO
DORNELLES REAÇÃO
O início das atividades de combate marca também a ocorrência de fatalidades entre os pilotos.
Entre a descrição da circunstância e da reação do Grupo diante de cada uma dessas fatalidades
, aqui os depoentes fixam-se não só em comentários sobre o impacto trazido por essas
experiências, como também em algumas dessas fatalidades em especial. Uma delas, ainda no
Panamá, remete à morte, em acidente de treinamento, do primeiro piloto do Grupo – Gastaldoni.
Outras fatalidades que, pelo compartilhamento de manifestações marcaram especialmente o
Grupo foram a primeira em combate – Tenente Cordeiro, e a última, há poucos dias do final da
guerra – Tenente Dornelles.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 7
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
160
5.2.2.13. Abatidos em Combate
7%
29%
7%
21%
14%
7%
21% 21%
7%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Gráfico 29
Abatidos em Combate
MOTTA PAES
ASSIS
JOEL
DANILO
BRANDINI
CANÁRIO
CORREIA NETTO
KOPP
ARMANDO
COELHO
GOULART
IMPACTO
Além das fatalidades, outra experiência dramática relatada pelos veteranos descreve as
circunstâncias em que alguns dos pilotos foram abatidos. Nestes casos, saltando de pára-
quedas em território inimigo, alguns deles foram capturados e aprisionados pelos alemães,
sendo libertados após a guerra, outros se tornaram fugitivos. A exceção foi o caso do Tenente
Danilo que, apesar de saltar em território inimigo, empreende uma audaciosa fuga e consegue
retornar à Base, em Pisa. Outros, caindo em território aliado, também conseguiram retornar. Em
todos os casos, as histórias pessoais desses pilotos, passaram a ser compartilhadas pelos
membros do Grupo, sendo algumas delas aqui ressaltadas.
5.2.2.14. O P-47
56%
67%
44%
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 30
O P-47
CARACTERÍSTICAS
SEGURANÇA, ROBUSTEZ E
PROPRIEDADE
RELAÇÃO PESSOAL
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 14
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 9
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
161
A máquina tem um espaço reservado para os testemunhos dos ex-combatentes. O P-47 é aqui
destacado principalmente por suas características de segurança e robustez, mas chama a
atenção também as referências ao avião revelando a relação pessoal que mecânicos e pilotos
tinham com seus equipamentos.
5.2.2.15. O Líder
30%
50%
30%
30%
50%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 31
O Líder
PAPEL
COMANDANTE
PILOTO
LÍDER
PESSOA
O Tenente Coronel Nero Moura, Comandante do 1º GAvCa era unanimidade entre seus
comandados, muito embora essa imagem tenha sido construída ao longo da campanha. Finda a
guerra, as reminiscência que os veteranos têm a respeito de seu líder destacam seu
desempenho como Comandante e a pessoa que ele era, havendo destaque também para outras
características, como a importância do papel que desempenhava, sua habilidade como piloto e
seu estilo de liderança.
5.2.2.16. O Relacionamento no Grupo
17%
50%
17%
25%
21%
33%
17%
8%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 32
Relacionamento no Grupo
IDENTIFICAÇÃO APOIO X PILOTOS
APREENSÃO NAS SAÍDAS E
RETORNOS
INFLUÊNCIA DA HIERARQUIA
FAMÍLIA E ACONCHEGO
INFLUÊNCIA NO DESEMPENHO
RELACIONAMENTO APOIO X PILOTOS
RELACIONAMENTO PILOTO X PILOTO
BRINCADEIRAS E TROTES
A mais importante manifestação dos veteranos com respeito às experiências de guerra refere-se
ao relacionamento que se foi desenvolvendo entre seus componentes, independentemente de
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 10
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 24
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
162
função ou hierarquia. Esse tema é o mais prevalente em termos de número de depoimentos,
uma vez que 40% da amostra se manifestou sobre o assunto.
A coesão e o compartilhamento havidos passaram a se expressar principalmente na apreensão
de todos os membros da equipe quando das saídas e retornos de missões de combate, principal
aspecto descrito neste tema.
Outros aspectos de destaque referem-se, especificamente, ao bom relacionamento havido entre
a equipe de terra e de vôo e da convivência, que eles comparam como familiar – eram irmãos –
pelo acolhimento e ambiente que compartilhavam.
5.2.2.17. Relacionamento com a População Italiana
46%
85%
23%
15%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Gráfico 33
Relacionamento com a População Italiana
AFINIDADE
COMPAIXÃO
SOCORRO
ADOÇÃO
Haja vista estarem combatendo em território italiano, os brasileiros interagiam com a população
local e tiveram também contato com os partizanos, por quem, inclusive, alguns pilotos abatidos
foram socorridos, e com os ‘camisas negras’, contingente pró-nazista.
A afinidade dos brasileiros com os italianos estava pressuposta na escolha do Teatro de
Operações da Itália, que antecipava que a presença de imigrantes no Brasil, bem como a
afinidade com a cultura latina, facilitariam a adaptação dos expedicionários.
Apesar dessa familiaridade se manifestar inclusive com a ‘adoção’, por parte dos brasileiros, de
algumas famílias italianas, o que mais emerge, entretanto, é o sentimento de compaixão que a
condição de miséria e sofrimento daquela população despertavam nos membros do Grupo.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 13
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
163
5.2.2.18. Relacionamento com os Americanos
21%
42%
21%
42%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 34
Relacionamento com os Americanos
COMIDA
IDIOMA
ADMIRAÇÃO
CONFRONTO
O relacionamento com os americanos é o quinto item mais mencionado pelos indivíduos dessa
amostra, estando presente no relato de 32% destes. As categorias de idéias que emergem
desse relacionamento revelam, além dos conflitos culturais, uma atitude de confronto,
especialmente relacionada a comparações e competições de desempenho dos brasileiros com
respeito a seus introdutores e, mais tarde, parceiros na guerra.
5.2.2.19. A Base de Pisa
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Gráfico 35
A Base de Pisa
OPERÃO DE
TRANSFERÊNCIA
ESTADO EM QUE
ENCONTRARAM
CONDIÇÕES DE TRABALHO
CONDIÇÕES DE
ACANTONAMENTO
Outro evento marcante para o Grupo foi a sua transferência para Pisa, onde passaram a operar
a partir de uma base aérea recém desocupada pelos aliados. As condições de acantonamento
melhoraram o dia-a-dia do efetivo, mas considerações sobre a operação de transferência, sem
solução de continuidade das missões, aparecem em freqüência equilibrada com relação a outros
aspectos como condições de trabalho e considerações sobre como a encontraram.
5.2.2.20. Diversão
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 19
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 12
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
164
55%
45%
45%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Gráfico 36
Diversão
EM FOLGAS E PROGRAMAS
REGULAMENTARES
EM CONTRAPONTO AO
ESFORÇO DE GUERRA
ATRAVÉS DO CONVÍVIO E
CONFRATERNIZAÇÃO
Na amostra, 18% dos indivíduos mencionaram o espaço que havia para diversão, expressando
idéias, com pesos equivalentes, relacionadas às situações criadas nas folgas regulamentares do
pessoal, ou às manifestações espontâneas surgidas no Grupo. Em todos os casos, a diversão
era vista como um contraponto às demandas relacionadas à guerra.
5.2.2.21. Álcool
50% 50%
100%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Gráfico 37
Álcool
TRISTEZA
COMEMORAÇÃO
DESCANSO E DIVERSÃO
Apesar de comentado por apenas dois dos depoentes, estes informam que bebidas
acompanhavam situações de lazer e diversão ou de extravasamento emocional, em momentos
de tristeza ou alegria, estando presente em diversos momentos fora das operações.
5.2.2.22. Música
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 11
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 2
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
165
25%
100%
50%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Gráfico 38
sica
DISTRAÇÃO E DIVERSÃO
FORMA DE EXPRESSAR
EMOÇÕES E ALIVIAR
TENES
ÓPERA DO DANILO
A música, apesar de se revelar como uma das formas de expressão mais típica do Grupo, esse
tema foi relativamente pouco explicitado (7% dos depoentes). Muito mais do que distrair e
divertir, era veículo sobretudo de expressão e extravasamento emocionais, sendo o maior
exemplo a Ópera do Danilo, destacada neste tema.
5.2.2.23. Família
57%
43%
43%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Gráfico 39
Família
MANIFESTÃO DO
FAMILIAR
INFLUÊNCIA DOS LAÇOS
FAMILIARES
O VALOR DA
CORRESPONDÊNCIA
Aqui, a metade dos depoimentos foram dados por familiares de ex-combatentes, que fizeram
publicar manifestações de carinho e orgulho sobre seus parentes. Quanto a estes, expressam a
influência dos laços familiares e a importância da correspondência para o combatente.
5.2.2.24. Rotina
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 4
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 7
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
166
54%
46%
42%
44%
46%
48%
50%
52%
54%
Gráfico 40
Rotina
ROTINA DO PESSOAL DE
APOIO
ROTINA DOS PILOTOS
Muito embora esta pesquisa tenha privilegiado depoimentos pessoais sobre a experiência dos
ex-combatentes do 1º GAvCa, alguns relativos à descrição da rotina em campanha foram
preservados, a fim de se ilustrar o dia-a-dia de pilotos e pessoal de apoio com relação às suas
atividades de trabalho. Neste tema, portanto, registram-se descrições das várias atividades
conduzidas pelas diversas áreas.
5.2.2.25. Esforço
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Gráfico 41
Esforço
TRABALHO SEM DESCANSO
EXPOSÃO A PERIGO
RISCO DE VIDA
IMPACTO NA FISIOLOGIA
IMPERATIVO DAS MISSÕES
Também era rotineiro o regime de esforço em que trabalhavam os componentes do Grupo de
Caça, caracterizado, principalmente, pelo pouco tempo para descanso e a exposição a perigos,
além de outros tipos de exposições, determinadas pelo imperativo das missões.
5.2.2.26. Missões com a FEB
Pilotos do Grupo de Caça descrevem três ocasiões em que tiveram oportunidade de encontrar
contingentes da Força Expedicionária Brasileira, que também atuavam no TO da Itália,
explicitando a emoção de encontrar patrícios na guerra.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 13
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 13
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
167
5.2.2.27. Esgotamento
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Gráfico 42
Esgotamento
SOBRECARGA
FALTA DE
RECOMPLETAMENTO
MOTIVAÇÃO PARA NÃO
PARAR
Neste tema, os depoentes expressam-se sobre o que levou o Grupo à beira do esgotamento,
apontando unanimemente a sobrecarga de trabalho, seguida da falta de recompletamento de
pilotos. Uma das razões auto-impostas diz respeito à motivação para não parar as atividades, a
despeito das condições em que chegaram no final da campanha.
5.2.2.28. Estratégias de Enfrentamento
40%
60%
80%
60%
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 43
Estratégias de Enfrentamento
BRINCADEIRAS E
GOZAÇÕES
CONTROLE DAS EMÕES
CONTRAFOBIA
OUTRAS
Descrições de como enfrentavam as condições adversas da campanha fazem parte de alguns
dos depoimentos coletados.
Dentre as estratégias, destacam-se as de controle emocional, mormente relacionadas ao manejo
do medo, o qual, principalmente os pilotos, optavam por enfrentar.
As brincadeiras e gozações eram freqüentes entre eles, e entendidas como uma forma de alívio
de tensões e compensação pelo desgaste vivido.
5.2.2.29. A Ofensiva da Primavera
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 5
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 5
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
168
60%
40%
0%
20%
40%
60%
Gráfico 44
A Ofensiva da Primavera
O DIA 22 DE ABRIL
DECISÃO DE PARTICIPAREM
A Ofensiva da Primavera encontra o Grupo em esforço máximo, sofrendo as conseqüências da
falta de recompletamento de pilotos. Mesmo assim acompanham o Comandante na decisão de
permanecerem e participarem dessa operação, sendo que a decisão em si e o máximo de
objetivos atingido pelo Grupo em 22 de Abril, que levou à recomendação para a Presidential Unit
Citation, são os dois aspectos que os depoentes destacam daquele acontecimento.
5.2.2.30. A Eficiência
27%
36%
36%
27%
18%
9%
0%
10%
20%
30%
40%
Gráfico 45
Eficiência
SOLÕES ENCONTRADAS
PRODUTIVIDADE
HABILIDADE DE PILOTAGEM
CAPACIDADE DE ENXERGAR
CAPACIDADE DE NAVEGAR
EXPERIÊNCIA
Apesar do esforço e do desgaste, a experiência em campanha trouxe também, em pouco tempo,
muita experiência ao Grupo, que é descrita por 18% da amostra em termos principalmente de
produtividade e habilidade de pilotagem, dentre outras evidências.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 5
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 11
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
169
5.2.2.31. O Fim da Guerra
54%
8%
15%
23%
23%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Gráfico 46
O Fim da Guerra
FESTEJOS
PASSEIOS
EXPECTATIVA DE RETORNO
FIM DAS HOSTILIDADES
COMISSÕES DE RESGATE
O fim da guerra é descrito por 22% dos indivíduos, que destacam principalmente as
comemorações realizadas e testemunhadas. O cessar das hostilidades, além de abrir a
expectativa de retorno ao Brasil, dá oportunidade para que comissões de resgate, para a
localização de prisioneiros e de corpos de pilotos abatidos, sejam enviadas.
Já outros membros do efetivo conseguem autorização para realizarem passeios pela Europa,
enquanto providências para o retorno são efetivadas.
5.2.2.32. A Volta ao Brasil
46% 46%
38%
38%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 47
A Volta ao Brasil
A VIAGEM DE VOLTA
A CHEGADA
PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS
O PÓS-GUERRA
22% da amostra registram as experiências de retorno ao Brasil, como a viagem de volta,
embarcados, ou transportando os P-47 que seriam incorporados pela FAB, a chegada festiva ao
Rio de Janeiro, situações de entusiasmo e contentamento, e os acontecimentos no período
imediatamente após a chegada.
5.2.2.33. A Presidential Unit Citation
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 13
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 13
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
170
Sobre a Citação Presidencial de Unidade, a medalha atribuída ao Grupo de Caça pelo Governo
dos Estados Unidos por seu desempenho excepcional, três dos veteranos ressaltam sua
importância, vinculando-a a esse desempenho e, especialmente, por ter vindo de um país que
mobilizou uma gigantesca máquina de guerra quando passou a participar do embate.
5.2.2.34. Reflexões
47%
12%
24%
12%
47%
12%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 48
Reflexões
ENSINAMENTOS
VISÕES
SENTIDO
REVOLTA
MATAR E MORRER
HERSMO
Em vários trechos de depoimentos, os indivíduos da amostra manifestam pensamentos que
expressam reflexões diversas sobre a experiência da guerra, categorizados neste tema.
Aqui, os assuntos mais compartilhados referem-se aos ensinamentos trazidos pela guerra, e a
questões relacionadas a matar e morrer, seguidos de depoimentos relativos a avaliações sobre a
guerra em si, além de algumas considerações sobre heroísmo em combate.
5.2.3. RESULTADOS OBTIDOS DO QUESTIONÁRIO
Os resultados obtidos pelo tratamento das respostas ao questionário estão apresentados pela
seqüência de questões, com a respectiva tabela de resultados quantitativos, seguida do gráfico
que ilustra o grau de compartilhamento de cada categoria encontrada. Aqui, os DSC’s relativos a
cada uma das categorias, estão apresentados após cada gráfico, formatados conforme já
explicitado em 5.2.1.
5.2.3.1. Que circunstâncias, antes, durante e depois da Campanha da Itália, o senhor
apontaria como mais desgastantes na participação do 1º GAvCa?
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 17
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
171
Tabela 9
Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 1ª Questão
ITEM CATEGORIA QUANT
PROP
PERGUNTAS
PROP
INDIVÍDUOS
A
Saudade
3 20%
50%
B
Expectativas
17%
17%
C
Falta de apoio e compreensão
3 20%
50%
D
Sobrecarga
3 20%
50%
E
Perdas
2 13%
33%
F
Desconforto
2 13%
33%
G
Outra
17%
17%
TOTAIS
15
100%
Proporcionalidade entre as categorias com relação ao número de indivíduos e de Idéias
Centrais que as compõem, e respectivas porcentagens.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 49
1) Que circunstâncias antes, durante e depois da Campanha da Itália o
senhor apontaria como mais desgastantes na participação do 1º GAvCa?
Saudade
Expectativas
Falta de apoio e
compreensão
Sobrecarga
Perdas
Desconforto
Outra
A - SAUDADE
Antes da Campanha, isto é, durante o treinamento e transporte, o desgaste foi o normal
em tais circunstâncias. O fato de se estar longe de casa, dos amigos e da família tem uma
grande importância, mas nada que impeça o trabalho contínuo e necessário.
Durante o combate elas variavam, em cada caso. Havia pessoas solteiras, casadas, com
ou sem filhos, cada uma com seu sentimento próprio. Como solteiro, o sentimento é
menos desgastante, principalmente pelo voluntariado.
No meu caso pessoal, eu tinha muita saudade da família, do conjunto onde estava. Fui
voluntário em 16/10/43. Casei 10 dias depois. Deixei minha esposa grávida. Conheci
minha filha no regresso - 7 meses de idade. Eu tinha muita saudade. De maneira que isso
fazia com que a gente até chorasse de saudade, e tudo. Isso causava, assim, tristeza, até
lágrimas, de saudades, de saudades de casa.
No caso presente, como estávamos em Grupo, essas circunstâncias foram menos
importantes. Ao mesmo tempo, a gente trabalhava com um ardor muito grande, querendo
172
conquistar o término de uma guerra que já durava muito tempo, naquela ocasião já tinha
mais de cinco anos de duração. PARA MIM TUDO FOI DESGASTANTE.
(AAP140, PIL379, PIL389)
B – EXPECTATIVAS
Antes, o que mais desgastava antes era a expectativa da guerra. O que se via no jornal, o
que se falava. Durante, nós temíamos muito pela grandeza do americano, que nós não
pudéssemos acompanhar a cultura, tanto acadêmica quanto profissional. Depois, como
nos seríamos recebidos no Brasil? O que nos esperava? O que faríamos depois do que
fizemos, que foi grande demais? E eu, o que faria para recuperar o tempo perdido? A
continuidade ... vou recomeçar, como?
(AAP81)
C – FALTA DE APOIO E COMPREENSÃO
A campanha da Itália foi muito mal planejada, mais pela falta de experiência em
operações de guerra desse tipo e muito, muito mesmo, pela má vontade do Alto Comando
da Aeronáutica.
A Aeronáutica, recém-formada por elementos do Exército e da Marinha, ainda não tinha o
espírito de corpo necessário para o empreendimento.
Foi principalmente pelo esforço comum de dois oficiais, na época Major Aviador Nero
Moura e Major Aviador José Vicente Faria Lima que, obedecendo a vontade do Ministro
Salgado Filho, conseguiram organizar a formação do 1º Grupo de Caça.
Esse foi o primeiro desgaste. O julgamento de muitos e muitos oficiais da Aeronáutica era
ora de descrença maldosa, ora de referências até ofensivas. "Era o Grupo de Caça
Níqueis." Essa talvez tenha sido a circunstância mais desgastante antes da campanha.
Meu maior problema e desgaste dentro da família foi convencer meus pais a aceitarem a
minha participação na guerra. Houve muitas tentativas por parte do meu pai para evitar
que eu fosse para a guerra. Depois de várias frustrações, consegui convencê-los de que
eu deveria seguir o meu destino e assim o fiz.
Teve um problema que nós sentimos depois da guerra que foi a saída do Comandante. O
Comandante, como já lhe disse era o Coronel Nero Moura. Com a queda do Presidente,
foi destituído o Comandante, mas de uma maneira, assim, que ele não mereceu.
Um homem que teve um destaque muito grande na guerra, comandou uma unidade que
mereceu um conceito muito favorável dos americanos, uma unidade que se destacou,
depois ele foi destituído assim de uma maneira... como um João Ninguém qualquer, sei
lá, como um nada.
E isso abalou muito todo o grupo. Tanto que teve como exemplo o Capitão que
imediatamente pediu transferência pra reserva. Mas foi uma coisa que chocou muito o
Grupo, todo mundo lamentou, coisa que, isso foi, pouco tempo depois, um mês, dois
meses,não sei pouco tempo depois.
Sofremos muito ao chegarmos ao Brasil. Éramos vistos como estranhos e invejados por
muitos, lamentavelmente!
Foram grandes as decepções e maiores ainda os prazeres e alegrias por haver superado
todas as dificuldades e, obtidos os melhores e mais importantes objetivos de minha
participação na guerra, servindo no 1o. Grupo de Aviação de Caça. Foi a vitória Final
contra o "Nazi-Fascismo", nosso principal objetivo.
(AAP140, AAP276, PIL393)
D - SOBRECARGA
A circunstância mais desgastante, para todos, foi a falta de reposição de pilotos.
Inicialmente o efetivo era de 49 pilotos. A perda mensal (entre mortos, prisioneiros, fadiga
operacional e saúde) era de 3 a 4 pilotos. Sem recompletamento, erro crasso de
planejamento do Ministério da Aeronáutica, nossas esquadrilhas iam-se minguando, e
cada piloto tendo que voar mais para responder ao número de missões que tinham que
ser executadas.
Alem disso, era evidente que a guerra estava em seu fim, a gente tinha conhecimento
que a coisa estava, assim, apertando muito. Os alemães iam se retirando e os
173
bombardeios iam se intensificando, etc. Então as missões se sucediam, muitos pilotos
foram sucateando porque um ficava doente, outro, o médico achava que não tava em
condições físicas e não voava. E o número foi se apertando e os pilotos foram dobrando
o número de missões, enquanto que, em conseqüência, a turma de terra também dobrava
as atividades.
Como o fim da guerra era iminente e a luta cada vez mais feroz, o desgaste do piloto era
imenso, pois a presença da possibilidade da morte nos últimos dias da guerra era
extremamente inconfortante. Foi o que aconteceu ao 1º Tenente Luiz Lopes Dorneles, que
morreu em combate três dias antes do final da guerra.
O que ajudava, e muito, é que cada piloto disputava com os outros quem fazia o maior
número de missões, as quais eram gravadas em forma de bombas em seu avião. Era
uma forma de satisfazer o ego, muito machucado por outras coisas.
Com essa falha, chegamos ao mês final da guerra. Esse desgaste atingiu o seu auge na
ultima semana de Abril, com apenas 22 pilotos. Isto obrigava a cada piloto realizar pelo
menos duas missões por dia, alguns até três, o que era muito além do realizável. A
ofensiva da Primavera teve inicio em dia 9 de Abril e a ultima missão do Grupo foi no dia 2
de Maio de 1945.
É claro que a pessoa fica entre dois limites. A resistência própria e a necessidade do
cumprimento do dever. A pressão é diferente entre cada um, mas, no caso especifico,
contava muito o resultado do Grupo.
Por essa razão, o Comandante do Grupo Americano, desejou retirar o 1º Grupo de Caça
das operações de combate. Foi rechaçado de pronto, pelo Comandante e pelos pilotos.
Este fato seria marcado, para sempre, como um fracasso de cada um, do Grupo e da
Força Aérea Brasileira.
Mas aquilo todo mundo fazia com um espírito de cooperação e boa vontade difícil de ver,
viu? Ah! o esforço, todo mundo tinha um esforço enorme para que a coisa tudo se
cumprisse a contento, corretamente, né?
E assim a coisa apertava e a turma tinha mais entusiasmo ainda em trabalhar, porque
exigia preparar tudo aquilo, bomba durante a noite.
(AAP140, PIL379, PIL393)
E - PERDAS
Ainda durante a campanha, posso indicar como principais desgastes as perdas iniciais
que tivemos em pouco mais de uma semana: 03 pilotos morreram em acidentes e 01
morreu na primeira missão de combate, é o que se chama começar com o pé esquerdo.
Mas esse desgaste foi superado rapidamente e, em 2 meses de ação, já éramos
considerados no mesmo nível dos americanos.
Outra coisa que contribuía durante a guerra era quando não voltava um piloto. Vinha
aquela esquadrilha voando e depois havia o que eles chamam de "peel off", então vai pro
pouso. Quando a gente via somente três já sabia que alguém tinha ficado e aí a tristeza
era comum viu. Não era parente, não era nada, mas parece que na guerra todo mundo se
irmana, e não interessava que eles eram oficiais e nós éramos praças, não interessava
isso, o que interessava é que um companheiro não voltou.
Havia muita tristeza quando não voltava um piloto, então os pilotos contavam: “foi
abatido”, outros contavam: “olha, ele foi abatido mas ele saltou de pára-quedas”. Quando
saltou de pára-quedas havia esperança, agora, não se sabia. Muitos, depois a gente
soube, contaram que foram prisioneiros. Alguns morreram e alguns voltaram. Como eu
dizia, houve muita tristeza.
Inclusive teve um que era irmão do Comandante. Foi o único que voltou. Ele fez tudo
errado. “Não, você não pode fazer isso porque os americanos ...” Chamava-se Danilo
Moura. E os outros, só depois da guerra. Teve um, por exemplo, que até casou né,
quando ele ficou escondido.
(AAP140, PIL393)
F – DESCONFORTO
Durante a campanha, o desgaste inicial foi causado pelo ambiente que nos foi designado
para a nossa base de operações, era uma região plana, ao lado de Tarquínia, constituída
por um terreno semi-alagado, onde a única coisa firme que existia era uma pista de malha
de ferro, com cerca de oitocentos a mil metros de extensão.
174
Os nossos aviões estavam espalhados pela área entre um alagadiço e outro. Transformar
aquilo que vimos na manhã de 06 de outubro de 1944 numa base operacional para
iniciarmos as operações de guerra, poderia parecer uma missão impossível, mas não foi.
Os cerca de 350 homens, inclusive os pilotos, começaram imediatamente a fazer a
locação das barracas operacionais, a drenagem do terreno, a reposição dos aviões, tudo
num afã e entusiasmo contagiante, não se importando com o frio e a chuva do outono
europeu.
A alimentação, a gente estranhava muito. O dia todo, cedinho, já de madrugada, já todo
mundo tava se aprontando, um frio tremendo. Eu me lembro que eu, eu tenho , eu sofro
de um problema de deficiente circulação nas extremidades das mãos, eu fico em
condições que eu não posso fazer nada, e naquela ocasião, com aquele frio eu tava, às
vezes eu chorava do dedo doer, e não sabia porque tava chorando, sabe, porque a dor
era...ardendo, né? Eu sofri muito com o frio, mas, graças a Deus, deu pra atravessar o
inverno.
Uma semana depois as barracas estavam todas em ordem, os aviões já agrupados em
esquadrilha e já tendo acesso à pista! Em suma, aquilo fora transformado numa base
operacional dentro dos padrões de guerra.
Posso considerar a primeira volta por cima do 1º Grupo de Caça. O desgaste foi vencido
e serviu como um elemento aglutinador sob o comando de Nero Moura.
(AAP140, PIL393)
G - OUTRA
Por coincidência eu e meu ala fomos os únicos e realizar a ultima missão, já com ordem
de não atirar a menos que fossemos atacados. Na realidade a população, de um modo
geral, já estava toda nas ruas agitando seus lenços brancos. Entendi perfeitamente, pois
se para nós, com seis meses de guerra já era uma alegria total imagina a sensação deles
de mais de 4 anos de guerra.
(PIL379)
5.2.3.2. E as circunstâncias mais gratificantes ?
Tabela 10
Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 2ª Questão
ITEM CATEGORIA QUANT PROP PERGUNTAS
PROP
INDIVÍDUOS
A
Militarismo e patriotismo
3 43%
50%
B
Importância do que fez
3 43%
50%
C
Fim da guerra
1 14%
17%
TOTAIS
7
100%
Proporcionalidade entre as categorias com relação ao número de indivíduos e de Idéias Centrais que as
compõem, e respectivas porcentagens.
175
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 50
2) E as circunstâncias mais gratificantes?
Militarismo e
patriotismo
Importância do que fez
Fim da guerra
A - MILITARISMO E PATRIOTISMO
A circunstância, mais gratificante, para mim, foi a de pertencer à Força Aérea Brasileira,
Criada em janeiro de 1941, conseguiu organizar uma Unidade Operacional que foi à
guerra e se portou dignamente, como qualquer outra estrangeira.
Foi a única Força Aérea Sul-americana a combater o nazismo, que já havia afundado 39
navios brasileiros com cerca de 1500 mortos, vários deles, cidadãos civis que nada
tinham a ver com a guerra. Recém saído da Academia da Força Aérea, participei de
missões de combate contra esses atacantes.
Com a participação nas operações aéreas de combate, o 1º Grupo de Caça adquiriu um
profissionalismo, uma capacidade operacional e uma vontade de vencer muito grande.
Voei um avião de caça da última geração, daquela época.
Viver na FAB, com a FAB, foi sempre gratificante, mesmo que alguns policiais da FAB
(não eram aviadores) me cassaram na Revolução de 1964 e me proibiram de voar
durante 17 anos. Até o presente ainda não fui anistiado.
Teve uma antes que foi também muito, assim, que mais chocou. Foi o dia que a Bandeira
Brasileira foi hasteada lá no nosso acampamento, o primeiro dia. Mas todo, todo mundo
chorou, com o Comandante lendo o boletim que tava a Bandeira Brasileira sendo
hasteada em território estrangeiro. Foi uma coisa assim, foi triste, aquela tristeza, saudade
... foi o dia.
A experiência de cada um, e do Grupo de um modo geral, permitiu que se formasse, na
Força Aérea Brasileira, a 'Aviação de Caça'. Hoje existem mais de 1500 pilotos de caça
formados na aviação de Caça.
(AAP14, PIL379, PIL389)
B – IMPORTÂNCIA DO QUE FEZ
A circunstância mais gratificante é a sensação de se ter cumprido um dever, onde o que
se empenhava era a própria vida.
Para mim e meus companheiros, foram muitas e variadas oportunidades nas quais nos
sentíamos importantes e responsáveis para que nossos pilotos pudessem executar todas
as missões previstas, com a maior segurança possível e, o mais importante, num clima de
total, absoluta e irrestrita confiança mútua. Graças a Deus!
O americano que apontou o dedo na minha cara e disse que conhecia alguém superior a
mim, repetidas vezes. Eu não agüentei e perguntei ao americano, "quem é essa pessoa?"
Ele disse "essa pessoa é você mesmo! Você pode se superar. Nunca fique satisfeito onde
você está. Queira ser sempre melhor. E lembre-se, se você é bom, existem milhares
melhores do que você. Corra atrás". A partir desse dia eu passei a me superar em todos
os sentidos, até hoje. Não me conformo com a situação estática, corro sempre atrás de
uma situação dinâmica.
176
Explicar o porque disso é muito difícil, mas sem dúvida o que deve ser considerado (sem
ordem de importância) é o amor próprio, o caráter, o exemplo dos companheiros, o
exemplo que se quer passar ao companheiro, a relação familiar e o patriotismo.
(AAP81, AAP276, PIL393)
C - FIM DA GUERRA
Agora, o dia de manifestação de alegria, que todo mundo sentiu, foi no dia que acabou a
guerra. Eu diria uma coisa maravilhosa, que foi um contágio. Foi uma coisa, assim, todo
mundo alegre, todo mundo contente, todo mundo pensando em voltar.
Na minha opinião foi uma coisa maravilhosa aquela notícia: acabou a guerra! Parecia, a
mim pessoalmente. De maneira que o dia foi diferente, parecia que havia uma diferença
no dia, era diferente dos dias anteriores. Eu senti isso.
Mas todo mundo se manifestou assim. Todo mundo ria, todo mundo contente, todo
mundo feliz, todo mundo "oh! vamos embora!".
(AAP140)
5.2.3.3. Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais sofridas para o 1º
GAvCa na Segunda Guerra Mundial?
Tabela 11
Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 3ª Questão
ITEM CATEGORIA QUANT
PROP
PERGUNTAS
PROP INDIVÍDUOS
A
Típicas da guerra
2 33%
33%
B
Falta de apoio
3 50%
50%
C
Não corresponder ao
esperado
1 17%
17%
TOTAIS
6
100%
Proporcionalidade entre as categorias com relação ao número de indivíduos e de Idéias Centrais
que as compõem, e respectivas porcentagens.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Gráfico 51
Agora, com relação às experiências do 1º GAvCa:
3) Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais sofridas para o 1º
GAvCa na Segunda Gerra Mundial?
Típicas da guerra
Falta de apoio
Não corresponder ao
esperado
177
A - TÍPICAS DA GUERRA
Não sei se chamaria à experiência adquirida de sofrida.
É certo que foi um período de intensivo treinamento, mas que necessário para a formação
de um piloto de combate. Sofremos a dureza e a intensidade desse treinamento, mas
necessário e imperioso. Sofremos o combate, é claro, com seus perigos de vitórias e
derrotas. Sofremos a separação da família.
Olha, coisa muito triste é ver a miséria. Era ver gente lá no acampamento, o café - que
era feito o café e coado, né? - aquele pó, tava gente ali esperando aquele pó de café. Era
ver crianças pedindo comida, com fome, era coisa terrível aquela necessidade porque ...
tudo destruído. Os homens, muitos presos, principalmente no sul né, muita gente, outros
no norte, já era um número menor. Mas a miséria era grande. Meu Deus, aquilo, para
muitos, pra mim principalmente, era coisa que chocou muito.
Aquele pessoal pedindo um chocolate, uma coisa, porque o aliado tinha fartura, tudo nós
tínhamos com fartura: era doce, era tudo, tudo mandado com fartura. Agora o que
chamávamos lá, o paisano, não tinha nada. Olha, era triste demais. Essa parte da comida
...
Olha, guerra é uma coisa que devia ser banida do pensamento, só que infelizmente o
homem não se emenda, né?, temos guerra nos dias atuais, mas a miséria, a corrupção,
foi uma coisa horrorosa. Pra mim marcou muito.
Mas tudo o que todos sentiam, o cumprimento do dever e a apresentação como
voluntário, amenizavam esses sentimentos.
(AAP140, PIL379)
B - FALTA DE APOIO
A Falta de RECOMPLETAMENTO. A experiência mais sofrida pelo Grupo de Caça, foi
ver seu efetivo de pilotos diminuindo dos 49 iniciais para 22: 4 mortos em acidentes
operacionais, 5 mortos em combate, 11 abatidos pela anti-aérea FLAK alemã. Dos
abatidos, 3 saltaram em território amigo, 2 uniram-se ao movimento partizam em território
inimigo, 1 (Danilo Moura) conseguiu fazer uma fuga espetacular, retornando à sua base
em Pisa, 5 foram feitos prisioneiros de guerra, ficando em campos de concentração até o
final da guerra, e 05 foram afastados de vôo por motivos de saúde.
Foi, portanto, com o efetivo de pilotos reduzidos à metade do número necessário para um
esquadrão, que começou a famosa ofensiva da Primavera.
Quando o Cel. Ariel Nielsen, Comandante do Grupo 350, ao qual o esquadrão brasileiro
(First Brazilian Fighter Squadron) era subordinado, comunicou aos comandantes o inicio e
o objetivo da ofensiva.
Disse textualmente ao Tenente Coronel Nero Moura: "Os senhores estão dispensados
dessa ação. Seus pilotos, todos com mais de 50 missões de guerra, já chegaram no limite
da exaustão e nada mais seria lícito exigir deles. Cada esquadrão deverá fazer 44
partidas por dia, isso me parece além do que vocês poderão executar."
Nero Moura ouviu calado a recomendação do Cel. Nielsen e apenas respondeu:
“Acho que o senhor está avaliando a situação de maneira incorreta, vou falar com os
meus pilotos e responderei em seguida”.
Houve então uma pequena reunião entre o nosso Comandante e os companheiros
pilotos, onde nos foi relatado o problema. O que passou, na cabeça de cada piloto, foi um
pensamento unânime:
Ser retirado de ação, embora justificável, no final de uma campanha onde o 1º Grupo de
Caça já havia conseguido um recorde excepcional, superior, em alguns setores, ao dos
esquadrões americanos? Esquecer tudo o que haviam feito até então, esquecer nossas
mortes, nossos pilotos abatidos, alguns em campos de CONCENTRAÇÃO na Alemanha,
esquecer o sacrifício feito até então para conquistar o prestigio que desfrutávamos junto
as Forças Aliadas?
Um olhar coletivo do grupo ao Comandante, olhar não de alegria nem de entusiasmo,
mas um olhar profundo de compreensão, um olhar, digamos, solene, de aprovação, foi o
suficiente para o Tenente Coronel Nero Moura voltar em seguida ao Cel. Ariel Nielsen
para dizer: “Podem contar com o 1º Grupo de Caça Brasileiro!”
178
Na ofensiva de Abril de 45, o 1º Grupo de Caça, apesar da inferioridade numérica,
conseguiu uma performance bem superior aos esquadrões americanos, como mostram
todos os relatórios oficiais da Força Aérea do Mediterrâneo. Mas o preço foi alto:
Em 09 de Abril de 1945, foi abatido o Segundo Tenente Armando de Souza Coelho; em
13 de abril, foi morto em combate o Segundo Tenente Frederico Gustavo dos Santos; em
19 de abril, foi ferido em combate o Capitão Aviador Roberto Pessoa Ramos, tendo,
entretanto, regressado à Base; em 22 de abril, foi abatido o Segundo Tenente Marcos
Eduardo Coelho de Magalhães, tendo ficado prisioneiro até o final da guerra; em 26 de
abril, foi morto em combate o Primeiro Tenente Luiz Lopes Dornelles, 5 dias antes do
término da guerra, e, em 30 de abril, 1 dia antes do término, foi abatido o Segundo
Tenente Renato Goulart Pereira.
O maior sofrimento, para o pessoal de apoio, que participou desde o início das operações
do 1
o
. Grupo de Aviação de Caça, foi a falta de apoio logístico da FAB ao pessoal
envolvido. Enfrentamos, inicialmente, grande dificuldade com o frio intenso, em Tarquínia.
Temperaturas entre 10 e 15 graus negativos! Pasmem, sem um agasalho próprio para as
condições existentes! Depois de muita briga e queixas, nos forneceram agasalhos e
abrigos contra aquele frio violento. Depois de recebidos os agasalhos, passamos a
suportar com mais dignidade aquela situação, que chegava ser desesperadora e
humilhante! Graças a Deus, tudo terminou bem, para todos!
Como se vê, foi grande o preço pago, mas, até o final da guerra, o cocar dos aviões
brasileiros não deixaram de estar presentes nos céus italianos.
(AAP276, PIL389, PIL393)
C - NÃO CORRESPONDER AO ESPERADO
A gente tinha medo que não se igualasse ao americano. No entanto, não dito por mim,
mas pelo próprio americano, o 1o. GavCa do Brasil superou a Força Aérea do
Mediterrâneo. No monumento, em Dayton, Ohio, os americanos gravaram no mármore,
para eternizar o nosso conceito, nos chamando de pessoas inigualáveis.
(AAP81)
5.2.3.4. Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais gratificantes?
Tabela 12
Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 4ª Questão
ITEM CATEGORIA QUANT
PROP
PERGUNTAS
PROP INDIVÍDUOS
A
Aprendizado e experiência
4
50% 67%
B
Relacionamento
2
25% 33%
C
Cumprimento do dever
1
13% 17%
D
Outros
1
13% 17%
TOTAIS
8
50%
Proporcionalidade entre as categorias com relação ao número de indivíduos e de Idéias Centrais que as
compõem, e respectivas porcentagens.
179
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Gráfico 52
4) Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais gratificantes?
Aprendizado e
experiência
Relacionamento
Cumprimento do dever
Outros
A - APRENDIZADO E EXPERIÊNCIA
Um jovem inexperiente como eu, antes da guerra, posso afirmar que, durante o período
em que estive na guerra, consegui um alto grau de conhecimentos gerais, sobre a vida,
como um todo, que jamais um jovem da minha idade poderia alcançar e sentir tantas
emoções.
A do treinamento e, logicamente, a experiência do combate. Atingimos, logo no inicio da
carreira, o máximo de profissionalismo. Aprendemos e praticamos tudo que era
necessário pra desempenhar missões de guerra com seriedade e resultados. Com isso,
colocamos o 1º Grupo de Caça em igualdade de condições a qualquer outra unidade
estrangeira.
A experiência mais gratificante foi o que nós assimilamos do americano, para o após
guerra. Tornamo-nos, entre os nossos pares, um dos melhores. Desculpe a franqueza!
A guerra em si é um ensinamento que não se esquece NUNCA. Aprendi muito ... e
continuo aprendendo.
(AAP81, AAP276, PIL379, PIL389)
B - RELACIONAMENTO
Vou falar sob o ponto de vista militar. Uma coisa agradável foi o convívio que parece que
todo mundo se irmana, né? Havia exceções, não tenha dúvida, mas uma coisa bonita que
tinha no Grupo era o convívio, a amizade de um para com o outro etc. Isso foi uma coisa
que eu achei muito importante, muito interessante, todo mundo se ajudava, todo mundo
se ajudava, todo mundo sentia quando um tinha um problema: “puxa companheiro qual é?
o que é que houve?” "Eu não sei e tal ..." Isso foi muito importante, esse convívio, esse
relacionamento. A aprovação dos seus pares.
O 1º Grupo de Caça foi reconhecido por todos os comandos americanos, aos quais
esteve subordinado como uma unidade de elite, tendo inclusive recebido uma Presidential
Citation, citação especial do Presidente dos Estados Unidos, só concedida até hoje a 2
unidades não americanas.
Então repito aqui, a aprovação dos seus pares.
(AAP140, PIL393)
C - CUMPRIMENTO DO DEVER
Ter a certeza que cumpri com muita honra a missão para a qual fui designado. Como
disse nosso Comandante ao Presidente Getúlio Vargas: "Missão Cumprida".
(AAP276)
D - OUTRA
180
Uma coisa que já está incluído no que eu acabei de falar foi essa questão que a gente vê
de sofrimento de um povo em guerra. Porque a gente falar na guerra é uma coisa, a gente
ver o sofrimento daquele povo, o sofrimento de um pai, por exemplo, assistir uma
determinada cena da filha ... e tudo, e ele sabe que aquilo ela tá fazendo porque ela
precisa levar subsistência pra todos, isso deve ser uma coisa de chorar. São coisas assim
que marcam não é? Essas coisas assim chocam.
(AAP140)
5.2.3.5. Na sua opinião, que fatores que favoreceram o desempenho do 1º Gp Av
Ca?
Tabela 13
Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 5ª Questão
ITEM CATEGORIA QUANT
PROP
PERGUNTAS
PROP INDIVÍDUOS
A
Treinamento
2
15% 33%
B
Líder
2
15% 33%
C
Cumprimento do dever
1
8% 17%
D
Entrosamento
4
31% 67%
E
Vontade
4
31% 67%
TOTAIS
13
100%
Proporcionalidade entre as categorias com relação ao número de indivíduos e de Idéias Centrais que
as compõem, e respectivas porcentagens.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Gráfico 53
5) Na sua opinião, que fatores que favoreceram o desempenho do 1º
GAvCa?
Treinamento
Líder
Cumprimento do dever
Entrosamento
Vontade
A - TREINAMENTO
O treinamento não foi unicamente de pilotos, foi na realidade o treinamento de uma
Unidade Operacional. A manutenção em todas as especialidades, inclusive a de médicos,
é que tornava a Unidade e seus aviões em condições operacionais e municiados,
conforme cada missão. Sem esse 'Grupo de Apoio', não há Unidade pronta para
operações.
181
O Treinamento eficiente, tanto do pessoal de vôo como do pessoal de terra (apoio).
Treinamento intensivo, perfeito e profissional, que recebemos da Força Aérea Americana.
(PIL379, PIL393)
B - LÍDER
Um comando excepcional, executado pelo Tenente Coronel Nero Moura que, além de
comandar 350 homens, combatia como piloto, lado a lado a seus comandados. Mandava
e dava o exemplo. O principal fator do Grupo de Caça para consolidar a "doutrina
neromourense" (adjetivei para dar ênfase).
(AAP81, PIL393)
C - CUMPRIMENTO DO DEVER
E finalmente, pela noção do cumprimento do dever. Éramos representantes de uma
Força Aérea e um País, o Brasil.
(PIL379)
D - ENTROSAMENTO
Sinceramente, o grande desempenho do 1o. Grupo de Aviação de Caça, na II Guerra
Mundial, deveu-se ao completo entrosamento entre todos os componentes do Grupo. A
criação de um Espírito de Corpo que se formou logo no início das operações de guerra.
O tratamento concorreu muito. Todo mundo se respeitava, mas um relacionamento,
assim, tão interessado em querer o bem do outro e tudo, de maneira que não havia
aquele rigor que a turma chama de Caxias né? Aquele espírito e tal, não existia. Existia
respeito, existia reconhecimento da autoridade, mas existia também um interesse fraterno
de cada um querendo ver o bem do outro.
Todo mundo sabia que estava ali pra uma missão especial, era uma missão de servir ao
Brasil e vencermos a guerra e de voltarmos todos vitoriosos, não como”o Tenente era
isso”, como “o Capitão era isso”.
O Comandante era um homem compreensivo, tratava todos muito bem, todo mundo
muito bem. Também tava lá com a gente e ele voava também, voava bem, fez várias
missões, mais de cinqüenta. De maneira que esse relacionamento permitiu que o sucesso
fosse também muito grande.
Foi o trabalho em equipe. O nosso trabalho, deixa eu sintetizar, o nosso serviço nunca
era individual. Era sempre a soma do trabalho coletivo. Todas as nossas dificuldades
foram superadas pelo alto esforço e trabalho conjunto de todos nós. Cada um
representava uma multidão. Para mim isso é tudo. Apenas trabalho coletivo. Não havia
maior nem menor.
(AAP81, AAP140, AAP276, PIL393)
E - VONTADE
O Grupo de Caça realmente teve um grande desempenho e eu reputo tudo isso à boa-
vontade de cada um. Não se pode dizer: “Olha, tinha um grupo lá que...não!” Era um
desempenho espontâneo e geral, do oficial ao soldado.
Em primeiro lugar, o fato de todos os componentes do Grupo, do Comandante ao
soldado, mais moderno, terem sido todos voluntários.
A vontade de todos em defender a soberania do Brasil. É bom lembrar que os alemães -
ANTES DA DECLARAÇÃO DE GUERRA - torpedearam 9 navios mercantes, sepultando
no Atlântico 755 brasileiros. Após a declaração afundaram mais 12 navios. Nas paredes
do Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, há 1.497 nomes de vítimas de guerra e,
no subsolo, 438 urnas de mortos na FEB. Destes, 8 são pilotos do 1º GAvCa .
182
Todo mundo fazia o máximo de esforço. Eu me lembro de um dia que se notou que o
piloto tava meio nervoso. "O que é que é isso Tenente, o senhor tá nervoso?" "Não, vai
tomar banho", então ele recomendou assim "o que é isso, mostre que macaco não tem
medo não, quê que é isso Tenente, macaco não tem medo". Aí a gente via o interesse no
relacionamento de um sargento com um oficial. Mas chegou a um ponto do interesse da
missão ser a mais satisfatória possível, ser bem-sucedida .
E a vontade de sempre superar quaisquer obstáculos surgidos durante todo o tempo de
nossa presença no Campo de Operações - vontade, competência e preparo adquirido
durante todo o período de aprendizagem, estes foram, na minha opinião, os grandes
responsáveis pelo grande sucesso e desempenho do nosso 1o. Grupo de Aviação de
Caça a Itália.
(AAP140, AAP276, PIL379, PIL389)
5.2.3.6. Que fatores prejudicaram esse desempenho?
Tabela 14
Resultados Quantitativos Relativos às Respostas da 6ª Questão
ITEM CATEGORIA QUANT PROP PERGUNTAS PROP INDIVÍDUOS
A
Nada
4
57% 67%
B
Falta de apoio
2
29% 33%
C
Provocar mortes
1
14% 17%
TOTAIS
7
100%
A - NADA
Nenhum fator prejudicou o funcionamento operacional da Unidade. Não conheço
nenhum. Fomos incorporados ao 350º Grupo de Caça Americano como o 4º Esquadrão e
operamos da mesma maneira que os outros três.
Fatores que poderiam ter prejudicado: A nossa aparente desigualdade para com a
grandeza americana, considerando principalmente que nós não possuíamos uma força
aérea capaz de entrar em combate. Recordo-me quando o americano usou determinados
pejorativos para me agredir, dizendo: "vocês não têm tradição!" Tradição não se compra
nem existe escola de formação. Tradição, só com o tempo. Hoje eu dou inteira razão ao
americano e toda essa falta de experiência e qualificação que poderia ter prejudicado
nosso desempenho, que foi superado pelo nosso esforço coletivo.
Como comprovação desse fato, citamos que o Grupo de Caça Brasileiro foi distinguido
com a medalha do Governo Americano com a seguinte citação 'The Presidential Unit
Citation for Extraordinary Heroism to 1
st
Brazilian Fighter Squadron'. Não é uma medalha
individual. É uma medalha para a Unidade. Somente duas outras Unidades não
pertencentes à Força Aérea Americana, também a receberam.
(AAP81, PIL379, PIL389, PIL393)
B - FALTA DE APOIO
Os principais fatores que prejudicaram, e por vezes dificultaram, nosso desempenho, foi a
falta de apoio da FAB no quesito referente ao recompletamento do pessoal,
principalmente no referente aos nossos pilotos. Essa falta no recompletamento do pessoal
levou nossos pilotos quase ao ponto de uma "estafa" insuportável, devido à necessidade
de efetuarem, diariamente, até mais de duas missões cada.
Não posso dizer que atrapalhou, mas houve falta de gente no fim, principalmente de
gente no fim, isso fazia com que os elementos se revezassem. Atrapalhou porque
cansava o pessoal, havia preocupação, às vezes o médico tinha que tirar de vôo porque o
piloto estava fazendo muitas missões.
Certa vez, ao receber um piloto, chegando de uma missão, completamente molhado,
183
parecia ter mergulhado em uma piscina com toda a roupa. Assustei-me e perguntei-lhe:
“O que houve, Capitão?” “Estou assustado,vou embora para o Brasil! Isto não é mais para
mim! É preciso ter 'aquilo' preto, isto é para esses 'meninos' mais jovens do que eu!”
Realmente, o piloto acima referido, voltou pra o Brasil, para um descanso necessário e
merecido!
Mas quanto ao resto, de atrapalhar ... o Grupo cumpriu sua missão satisfatoriamente.
(AAP140, AAP276)
C - PROVOCAR MORTES
Outras tantas histórias ouvi; esta, porém de aspecto mais emocional, qual seja, a má
impressão causada por ter provocado grande número de mortes, a seu ver,
desnecessárias. Disse-me, no dia 24 de dezembro de 1944, o Tenente: "se minha mãe
soubesse o que fiz agora, há uma hora e meia atrás, ela, com certeza, não resistiria e
teria um ataque cardíaco, e fatalmente morreria!” É cruel e inaceitável, porém, devido às
circunstâncias, são necessárias e inevitáveis! - Contou-me o Tenente: “assisti dezenas de
soldados saindo de seus abrigos (trincheiras), correndo como verdadeiras tochas
humanas! Incendiadas que foram por bombas com gasolina gelatinosa, altamente
inflamáveis, lançadas por mim e outros companheiros, durante uma missão, em Monte
Castelo!"
Missões como esta eram comuns e afetavam, certamente, a todos, uns com maior ou
menor intensidade estressante, mas afetavam. Com certeza, todos, pilotos e pessoal de
apoio, sofriam diante de tais acontecimentos.
(AAP276)
5.2.3.7. Que fatores o senhor considera terem tornado possível suportar as
dificuldades do dia-a-dia e cumprir as missões?
As respostas a essa questão complementar, oferecidas por três dos entrevistados, foram
agrupadas em uma única categoria, designada Fatores de Resiliência, cujas expressões-chave
resultaram no DSC abaixo:
Um dos fatores importantes é de ordem psicológica: Seguir o exemplo dado pelo
companheiro e tentar até melhorar o seu desempenho, dando também o seu exemplo.
A possibilidade de operar com um equipamento extremamente confiável, o P-47. Com o
tempo você fica como se fosse uma parte integrante da máquina. A lenda que o P-47
sempre trazia você para casa é uma verdade que muito contribuía para o cumprimento
das missões de guerra. Confiança na máquina.
O sentimento de defesa de nossa soberania. Eles nos agrediram AQUI, em nossas
costas, PODE?
Tem aquela coisa gaiata, né? Lá naquela mistura de americano com brasileiro, todo
mundo que não falava inglês falava alguma coisa ...
Bom eu era uma pessoa que era considerada, tanto que aquelas poucas promoções que
eu disse que houve, eu fui um dos promovidos. Tive muito bom tratamento e tudo.
Finalmente, quero observar que o recebimento constante de cartas vindas do Brasil - o
Ministério mantinha um serviço muito bom nesse aspecto - era um refrigério extraordinário
nas nossas aflições. Ao chegar de uma missão de guerra, ouvir que havia chegado a Mala
do Brasil, era mais confortante do que o sucesso da missão recém-cumprida.
Essas coisas da guerra.
(AAP140, PIL389, PIL393)
184
5.2.4. MARCAS DA GUERRA – RESULTADOS OBTIDOS
Finalmente, são apresentados os resultados relativos ao tratamento das respostas enviadas a
Buyers (2004): “Como a guerra marcou sua vida?”
Aqui, as idéias centrais, após categorizadas, foram, por sua vez, agrupadas pelo critério de
expressarem resultados positivos ou negativos.
Os resultados quantitativos estão aqui apresentados, sendo que os respectivos DSC’s serão
inseridos na discussão que será feita no Capítulo a seguir. Eis os resultados:
Tabela 15
Marcas da Guerra – Resultados Quantitativos
CLAS CATEGORIA
QUANT
RESPOSTAS
PROP
RESPOSTAS
PROP RESPOSTAS
POR GRUPO
PROP
INDIVÍDUOS
A – SENSO DO DEVER
CUMPRIDO
14 14% 21% 18%
B – AMADURECIMENTO 13 13% 20% 16%
C – AFILIAÇÃO 11 11% 17% 14%
D – CRESCIMENTO
PROFISSIONAL
11 11% 17% 14%
E – VALORES
ESPIRITUAIS
17 17% 26% 21%
RESULTADOS POSITIVOS
TOTAL 66 67% 83%
A – PERDAS 6 6% 19% 8%
B – VIOLÊNCIA 21 21% 66% 26%
C – MEDO 3 3% 9% 4%
D - OUTRAS 2 2% 6% 3%
RESULTADOS NEGATIVOS
TOTAL 32 33% 40%
TOTAL GERAL 98 100%
185
O Gráfico 54, a seguir explicitará, com respeito à proporção de respostas, a predominância de
idéias relacionadas a resultados pessoais positivos decorrentes da experiência de guerra –
apontados por 83% dos indivíduos, com relação aos resultados negativos – apontados por 40%.
Gráfico 54 - Marcas da Guerra
Comparativo entre Resultados Positivos e Negativos
por Nº de Respostas
67%
33%
RESULTADOS POSITIVOS
RESULTADOS NEGATIVOS
A demonstração visual das respostas positivas categorizadas está apresentada através do
Gráfico 55, seguido dos DSC’s por categoria:
21%
20%
17% 17%
26%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Gráfico 55
Marcas Positivas da Guerra
Proporção de Respostas por Grupo
SENSO DO DEVER
CUMPRIDO
AMADURECIMENTO
AFILIAÇÃO
CRESCIMENTO
PROFISSIONAL
VALORES
ESPIRITUAIS
O Gráfico 56 apresenta a proporção de respostas relacionadas aos resultados negativos,
seguido dos DSC’s associados:
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de
66 indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
186
19%
66%
9%
6%
0%
20%
40%
60%
80%
Gráfico 56
Marcas Negativas da Guerra
Proporção de Respostas por Grupo
PERDAS
VIOLÊNCIA
MEDO
OUTRAS
Assim apresentados, os resultados qualitativos e quantitativos gerados pelo tratamento dos
dados obtidos apoiarão, a seguir, a discussão que se fará sobre os fatores que compõem o
processo de resiliência que emergem da experiência do 1º GAvCa na campanha da Itália.
Porcentagem de indivíduos que manifestaram idéias sobre cada categoria, num total de 32
indivíduos que se manifestaram sobre o tema.
187
6 - DISCUSSÃO
Primeiro, alguma considerações. O que se busca aqui é explorar a qualidade de uma
experiência de vida, vivida por um grupo de caça brasileiro, em um momento na história de
sua Instituição, deste país e do mundo.
Esta qualidade está sendo acessada através de uma metodologia apropriada, que não
depende necessariamente de uma escolha a priori da amostra de estudo. É o caso do
material aqui coletado. As pessoas que compõem as amostras foram alcançadas por sua
acessibilidade, tanto através dos depoimentos que tornaram público, quanto com relação
aos que foram localizados e contatados diretamente pela pesquisadora.
Apesar disso, os resultados relativos às pessoas demonstram que os grupos que
compõem as diferentes amostras, mesmo que em diferentes proporções, as compõem de
uma maneira típica, ou seja, estão nelas proporcionalmente representados postos,
graduações e funções, que, de forma mais específica ou abrangente, remetem à
composição hierárquica e funcional do 1º GAvCa, cuja população representam.
A observação de que, quanto mais recentemente constituída a amostra, mais se acentuam
as curvas relativas a níveis hierárquicos ou funções, típicos de faixas etárias menores,
demonstra que a maior tendência de contribuição corresponde à parcela do efetivo que
era, na ocasião, mais jovem.
Aqui, o Grupo fala pela voz dos mais jovens, mas eles falam como bons representantes,
principalmente tomando-se o conjunto de depoimentos.
Ao serem apresentados como grupo, ou, mais apropriadamente, Unidade, mostram-se em
sua característica mais marcante, sua coesão, já que se entende que foi esta a condição
necessária, mesmo que não suficiente, para que obtivessem o êxito pressuposto na
superação exitosa dos óbices que enfrentaram.
Todo o nosso pessoal teve sucesso, todos sem exceção. Nós sabíamos que não
havia mais aquela grandeza da 1a. Guerra, de 1914, onde havia os 'ases', pilotos
lendários que saíam desafiando os inimigos. Nessa outra guerra a coisa era bem
diferente: se de um lado vinha um 'ás', de outro vinham sessenta aviões, e se você
não fosse abatido por um, seria pelo outro. A guerra na qual estávamos, era uma
guerra de conjunto, do cozinheiro ao piloto, e a necessidade era idêntica porque,
se não tivéssemos um mecânico, um avião, um rádio, um cozinheiro, divertimento,
saúde, de nada adiantaria.
Agora então, sua jovem e uníssona voz, permitirá que sejam exploradas algumas facetas
de suas experiências, sob a perspectiva da Resiliência, a fim de se desvelar seus fatores.
188
Ao longo da apresentação dos diversos fatores, inserções oriundas dos DC’s das três
amostras elucidarão sua presença e seu papel.
Como ponto de partida, propõe-se a análise da variável Adversidade, uma vez se
considerando que, para haver um processo resiliente, é necessário estar configurada uma
circunstância de adversidade ou risco.
Infante (2005) apresenta, como uma das alternativas de medição da adversidade, a
constelação de múltiplos riscos, envolvendo aspectos culturais, sociais, comunitários
familiares e individuais contextualizados.
Objetivamente, pode-se invocar, com base na pesquisa realizada e na bibliografia
consultada, a circunstância de risco pressuposta na prática da atividade aérea, de forma
geral, e na aviação de combate, em particular.
Mesmo se considerando a enorme evolução aeronáutica observada a partir da Primeira
Guerra Mundial e mesmo ao longo da Segunda, encontrando-se altamente enfatizada
naquela altura do conflito, a atividade era, como ainda é, uma situação humanamente
adversa, para cuja adaptação se impõe a utilização de equipamentos e meios de proteção,
além de intenso treinamento, visando principalmente a desenvolver reações
comportamentais automáticas, algumas delas contrárias a impulsos alimentados pelo
instinto de sobrevivência.
Subjetivamente, isso pode ser apreendido do discurso dos pilotos, quando comentam
sobre aspectos da pilotagem.
Íamos o tempo todo no lado inimigo, mudando a direção, a altitude e a velocidade
para dificultar o tiro direto do '88', que não tinha altura para ele. Precisávamos
variar a altitude e isso 'machucava' muito o piloto, além de aumentar a tensão
nesse momento...
Aí você recuperava e essa recuperação era cruel para o físico porque não
tínhamos esse equipamento que os pilotos têm hoje...o momento em que você
puxava o avião era chamado de "chupar laranja", porque o rosto se transformava,
ficava mais comprido e você tinha um ligeiro 'blackout' - perda de consciência -,
então a pessoa demorava um segundo, ou décimo de segundo, e você apagava, a
cabeça caía...
Agora, tinha problemas de saúde, sinusite, tinha que ir pro hospital, ... se bem que
eu sabia que o vôo, era aquilo que tava me causando a sinusite, né?
Compondo a necessária estrutura para que a atividade aérea possa ocorrer, esse mesmo
peso da responsabilidade evocada pelo risco é compartilhado pelo pessoal de apoio:
A guerra é feita por equipes em que muitos funcionam, cada qual no seu setor.
Qualquer falha num desses setores compromete o caminho da vitória, podendo
até levar à derrota, se for um erro de grandes proporções...
Os homens em terra vivem muito mais tempo e o seu trabalho é de uma exigência
sem fim, e não se podem enganar uma só vez apenas; é possível que morra o
piloto...
A manutenção em si era contínua: recebíamos o avião de combate,
inspecionávamos de ponta a ponta e no escurecer, de lanterna, fiscalizávamos
todo o avião para ver se tinha sido atingido...
Acho que fiz muito pouco mas, pensando bem, alguém teria que guardar os bens
e proteger a vida dos companheiros enquanto trabalhavam e dormiam. Eu era um
deles...
189
O Grupo nasceu e operou sob a circunstância de uma guerra mundial a qual, por si só,
sabidamente, impõe suas demandas típicas.
O Brasil, mesmo que só mais tardiamente tenha se envolvido diretamente no conflito, foi
sendo cada vez mais mobilizado ao longo de seu desenvolvimento, especialmente quando
a costa brasileira se revelou estrategicamente importante para as partes envolvidas,
trazendo um clima de apreensão e expectativa, denunciado pelas reuniões de chanceleres
americanos, que se sucediam a cada novo movimento no jogo das forças em conflito.
... o que mais desgastava ... era a expectativa da guerra. O que se via no jornal, o
que se falava...
Quando a guerra estourou em 1939, eu já tinha posição tomada contra o nazi-
facismo. Já tinha mesmo respondido a inquérito policial militar, na Escola Militar do
Realengo, por ter me posicionado contra o Integralismo, então dominante na
mentalidade e formação militar da época...
...havia uma corrente grande pró-nazismo, pró-Alemanha, pró-germânica e outra
grande parte contra a Alemanha... Essa era a característica da fase pré-guerra e
do início da guerra que ainda não havia atingido o Brasil, mas que tinha as suas
conseqüências...
...se vivia o dia-a-dia da guerra...
Ao mesmo tempo, tentava superar seus próprios desafios de desenvolvimento, sob a
influência de um cenário internacional cada vez mais complexo e incerto. Começa-se a
desenvolver no âmbito interno uma atitude defensiva, visualizada principalmente com a
mobilização da Aviação de Patrulha para a defesa territorial marítima.
... e aí passamos a fazer regularmente os vôos de patrulha, que eram divididos
em dois tipos de vôo: uns eram de varredura de locais em que se sabia haver
submarinos, e outro era o de cobertura, propriamente dito, acompanhando os
comboios.
Quando voltei para o Brasil (depois do curso nos Estados Unidos) já entrei na
nossa Patrulha, ... com um avião 'Catalina'. Dizem que eu fiquei com o olho verde
de tanto olhar para o mar...
O ataque a navios brasileiros aumentou esse clima de apreensão e foi conduzindo o país,
inexoravelmente, para sua mobilização bélica.
Depois houve uma sucessão de torpedeamentos de navios nossos, e o povo nas
ruas exigia uma reparação a essa agressão, totalmente descabida, com perdas de
inúmeras vidas valiosas, vidas brasileiras... Havia uma grande reação do povo
pela entrada do Brasil na guerra, que aumentou depois que eles atacaram e
afundaram vinte navios nossos. Antes de o Brasil entrar na guerra, nós fomos
agredidos vinte vezes, mas a gota d'água foram cinco navios afundados em
apenas uma noite.
Então, nós poderíamos dizer que, no Brasil, a situação era de aflição. O clamor
público era dominante, justamente compatível com a agressão alemã. Os alemães
foram demasiadamente perversos contra a Nação brasileira, então fomos à praça
pública... . Participei, a partir de 1942, com 22 anos de idade, de todos os
movimentos que tinham como linha mestra levar o nosso país à guerra, para
liquidar o nazi-fascismo e transformar o Brasil em nação verdadeiramente
democrática. Nós bradávamos aquele grito de guerra...
Há unanimidade na afirmação de que poucos eventos são tão estressantes quanto a
participação ou envolvimento em uma guerra. Os combatentes estão expostos a uma série
de violências para as quais, conforme já se viu, nem sempre o preparo e treinamento
promovem a adequada proteção.
190
Mesmo que a aviação de combate mantenha-se, de uma certa maneira, mais ‘protegida’
do que as tropas da linha de frente...
Uma vez, um oficial de infantaria me disse: "Mas vocês pelo menos morrem
limpos", e era verdade. A grande diferença era essa: enquanto eles ficavam
enterrados na lama ou na neve, nós corríamos aquele risco de duas horas e
quarenta e cinco, mas voltávamos e estávamos numa situação praticamente
normal a essa altura dos acontecimentos...
O sofrimento moral das misérias da guerra para o piloto, ressalvados os abatidos,
é bastante atenuado pela distância que mantém dos seus efeitos...
...essa proteção é relativizada pela exposição ao perigo e pela grande capacidade de
provocar destruição que abatem os pilotos envolvidos.
Todos nós fomos atingidos várias vezes... Somente um oficial nosso nunca foi
atingido, não que ele não se expusesse, muito pelo contrário, era um dos que mais
se expunha. Agora, todos nós fomos atingidos uma ou mais vezes, eu fui cinco
vezes, em cinco missões eu voltei furado, inclusive com balas até no pára-brisa.
Eu estava atacando e alguém estava se defendendo, e desse jeito, uma rajada
pegou no pára-brisa. Levei tiro de todo o jeito, todos nós levamos, não é vantagem
nem desvantagem.. São ossos do ofício, entende?
... a missão que mais me sensibilizou: O quadro da antiaérea dizimando aqueles
B-25 a quem dávamos escolta nunca se apagou de minha memória. Guardo-o até
hoje..
Contou-me o Tenente: “assisti dezenas de soldados saindo de seus abrigos
(trincheiras), correndo como verdadeiras tochas humanas! Incendiadas que foram
por bombas com gasolina gelatinosa, altamente inflamáveis, lançadas por mim e
outros companheiros, durante uma missão, em Monte Castelo!"
Missões como esta eram comuns e afetavam, certamente, a todos, uns com maior
ou menor intensidade estressante, mas afetavam. Com certeza, todos, pilotos e
pessoal de apoio, sofriam diante de tais acontecimentos....morte e destruição eram
a mensagem que levávamos diariamente sob as asas.
Pressuposta a situação de adversidade que envolve uma unidade aérea de combate, é
necessário que os próprios combatentes avaliem especificidades dessa adversidade.
Há duas razões para que se faça isso, a primeira determinada por razões ligadas à
abordagem processual em Resiliência, que, como visto, recomenda que essa visão
subjetiva complemente a constatação objetiva. A segunda decorre do fato de que militares,
e pilotos em particular, são preparados para o enfrentamento das demandas através de
doutrinamento e treinamento específicos, que influenciam na apreciação dos riscos aos
quais estarão expostos.
Para isso, as respostas ao questionário se apresentam como excelentes pontos de partida,
uma vez que as perguntas foram formuladas em contraponto, um deles buscando a
exploração do que os depoentes avaliaram como adversidade, ou seja, as circunstâncias,
experiências e aspectos associados a prejuízos, sofrimento ou insucesso.
Assim, eles começam falando sobre a separação e a dificuldade de estar longe de casa,
dos amigos e principalmente da família e da saudade que sentiam, especialmente os
casados:
Para começar, posso dizer que a gente longe da Pátria, cheio de atribulações,
sentindo saudades da família e dos amigos, não é mole...No meu caso pessoal, eu
tinha muita saudade da família, do conjunto onde estava...Fui voluntário ... Casei
10 dias depois. Deixei minha esposa grávida. Conheci minha filha no regresso...
Eu tinha muita saudade... De maneira que isso fazia com que a gente até
191
chorasse ... Isso causava, assim, tristeza, até lágrimas, de saudades, de saudades
de casa...A saudade dos familiares aumentava e a tensão no acampamento era
cada vez mais presente.
Falam também da falta de apoio, essencialmente institucional, atribuindo-o, por um lado, à
pouca experiência que o Brasil, e o Ministério da Aeronáutica, recém-criado, tinham em
operações militares de guerra...
A campanha da Itália foi muito mal planejada, mais pela falta de experiência em
operações de guerra desse tipo... A Aeronáutica, recém-formada por elementos do
Exército e da Marinha, ainda não tinha o espírito de corpo necessário para o
empreendimento...
...mas por outro, à má-vontade, por parte de um segmento da Aeronáutica, que não via
favoravelmente a decisão do envio do Grupo de Caça à Itália.
...muito, muito mesmo, pela má vontade do Alto Comando da Aeronáutica... Esse
foi o primeiro desgaste. O julgamento de muitos e muitos oficiais da Aeronáutica
era ora de descrença maldosa, ora de referências até ofensivas. "Era o Grupo de
Caça Níqueis." Essa talvez tenha sido a circunstância mais desgastante antes da
campanha...
Essa falta de apoio se fez sentir em alguns aspectos cruciais, como a uniformização
apropriada para o inverno europeu e o recompletamento dos pilotos:
O maior sofrimento, para o pessoal de apoio, que participou desde o início das
operações do 1
o
. Grupo de Aviação de Caça, foi a falta de apoio logístico da FAB
ao pessoal envolvido....Geralmente davam para nós - brasileiros, que somos um
tipo mediano - aqueles macacões feitos para os americanos, que são pessoas
maiores, mais altas, e a gente tinha que dobrar as mangas, ficava folgado no
corpo...
Certa vez, revoltei-me com aquela situação, ao saber que em nosso almoxarifado
havia centenas de uniformes (agasalhos) completos para enfrentar o frio... Para
espanto de todos nós, o Tenente distribuiu a todos nós, mecânicos e rádio-
telegrafistas os uniformes (agasalhos americanos) completos para o frio,
constantes de botas de couro de carneiro invertido, calças e casacos em couro
com lã de carneiro na parte interna, boina e luvas de lã. Parecíamos esquimós...
Os principais fatores que prejudicaram, e por vezes dificultaram, nosso
desempenho, foi a falta de apoio da FAB no quesito referente ao recompletamento
do pessoal, principalmente no referente aos nossos pilotos. Sem
recompletamento, erro crasso de planejamento do Ministério da Aeronáutica,
nossas esquadrilhas iam-se minguando, e cada piloto tendo que voar mais para
responder ao número de missões que tinham que ser executadas...
Quando começou a guerra e perdemos, no mês de novembro, 4 pilotos, um dos
companheiros fez um testamento: "Bom, vai morrer todo mundo, então vou fazer
um testamento", disse ele. Foi um testamento galhofeiro, gaiato, mas no fundo
aquilo era um protesto, uma abertura para dizer que estava faltando
recompletamento...
Essa falta no recompletamento do pessoal levou nossos pilotos quase ao ponto
de uma "estafa" insuportável, devido à necessidade de efetuarem, diariamente, até
mais de duas missões cada...
Outro aspecto que apontam é típico da ‘vida desagradável do soldado’ e dizia respeito ao
desconforto das diversas condições de alojamento, acampamento ou acantonamento, ora
expostos ao calor excessivo, ora ao frio também excessivo, a rações pouco apetitosas, a
restrições à liberdade de ir e vir.
A alimentação, a gente estranhava muito...A comida era horrível! A comida
americana pode ser saudável, mas de paladar horrível. Tínhamos que comer, em
especial, a salada de feijão doce, o que chamávamos de 'carne de bode'..
192
.Como seus amigos americanos, eles não apreciavam muito a ração "C", nem as
cenouras desidratadas... Havia sempre um arroz, um feijão para maquiar aquela
comida de campanha, aquela comida de ração K...
Era um lugar chamado "Aguadulce", que não tinha 'água' nem era 'dulce': era
muito seco e árido... Havia tanto inseto peçonhento, aranhas, lacraias, escorpiões
e mesmo cobras, que os alojamentos de madeira eram construídos sobre pilares...
...Junte a isso a naturais limitações de liberdade impostas pelo regime militar, o
impacto do intenso frio italiano a nos congelar os ossos e as constantes
preocupações de um ataque de surpresa, tudo isso nos atingia a todos, sem
exceção...
Sentiram a apreensão e a expectativa diante da eventualidade de não corresponderem ao
que deles se esperava.
...nós temíamos muito pela grandeza do americano, que nós não pudéssemos
acompanhar a cultura, tanto acadêmica quanto profissional... A gente tinha medo
que não se igualasse ao americano...
O treinamento corria normalmente e naturalmente com muita ansiedade de todos,
porque o critério adotado pelo americano era: 'ou a pessoa passava naquele curso
de formação de pilotos de caça, ou ele teria que regressar ao Brasil'. Então havia
uma relativa ansiedade e expectativa de todos naquele 'dia-a-dia' do vôo...
É o aspecto de treinar e passar aquela fase inicial, de conseguir chegar ao ponto
que se queria, que era ser piloto de Caça.
Isso nós tínhamos que ter sempre em mente: nós estávamos sempre sendo o alvo
da vista deles, eles estavam vendo como nós nos comportávamos, e isso era
muito importante para nós. Era o bom nome da FAB...
Especialmente porque conseguiam avaliar que lhes faltava a experiência mais específica
de combate e de vôo de caça.
...antes nossa Patrulha era uma brincadeira, era esporte puro, era amor pelo País,
vontade de cumprir uma missão, de combater um submarino... Mas então o 1º
GavCa foi formado sem muito preparo. Nós não tínhamos aqui no Brasil pilotos
com treinamento de piloto de caça, treinamento, assim, de uma maneira sistêmica,
mesmo, não tinha...
Então nós tínhamos uma consciência muito grande de como voar um avião, só
não sabíamos voar apenas com instrumentos, não sabíamos dar tiro em avião,
não sabíamos utilizar militarmente uma aeronave...
Expuseram-se à contemplação da miséria e destruição provocadas pela guerra e sofreram
esse impacto em diferentes momentos:
... Porque a gente falar na guerra é uma coisa, a gente ver o sofrimento daquele
povo, o sofrimento de um pai, por exemplo, assistir uma determinada cena da filha
... e tudo, e ele sabe que aquilo ela tá fazendo porque ela precisa levar
subsistência pra todos, isso deve ser uma coisa de chorar... Agora, transporte a
situação deles aqui para o Brasil: seus pais, seus filhos, seus netos, todos
passando fome por necessidade, não por vagabundagem, porque não havia
trabalho. O que eles iriam fazer? Não havia o que se fazer porque estava tudo
destruído, as fábricas, o comércio, não existia nada... Vi soldados italianos
voltando para casa e não a encontrando intacta ou vazia, que choravam como
crianças... Tudo muito tenebroso e assustador...Vi obras de arte destruídas em
segundos. Mas foi e é assim através de toda a História e ainda dizem, com toda
empáfia, que o homem é Sapiens...
Expuseram-se a diversos tipos de ameaças:
...atacar uma posição de artilharia era muito mais perigoso, porque nesses
ataques nós íamos bem baixo, bem baixo mesmo... a artilharia era tão forte que eu
escutava o barulho da metralhadora...
Já levei um 'cacete pelos peitos' logo de saída, o avião balançando todo, aí joguei
fora os tanques, os foguetes e colei o mais que pude no rasante. Achei que tinha
chegado meu dia, eu ouvia aquele "tá-tá-tá”...
Foi tão violenta (a explosão) que o companheiro, não podendo mais sair , passou
dentro do fogo... Do outro lado ele dizia: "Estou praticamente cego, não vejo nada
193
"... O que o salvou é que a explosão foi tão grande que os estilhaços passaram
antes de ele entrar diretamente no fogo...
...fui até o Passo de Brenner, onde passei em cima de Overetto, que era um
paliteiro de antiaérea muito grande. Voei muito próximo de um ninho de
metralhadoras, me acertaram em cheio e acabei eu trazendo 57 furos na minha
fuselagem...
Eu sou devoto de Nossa Senhora de Fátima e comecei a rezar, o 'pau comendo'
em cima de mim! Enquanto tudo isso acontecia ninguém sabia do meu destino,
para eles eu tinha saltado e o pára-quedas não abriu...
...Não tinha o 'flap' para descer, só pela força da gravidade, baixei o trem e vim,
pensando: "seja o que Deus quiser "...
...Os serviços de guarda eram sempre muito tensos e estafantes, pois
aprendemos que, no caso de um ataque inimigo, o primeiro a morrer é a sentinela
e por isso é preciso muito "olho vivo" quando se está no posto...
...A tensão era grande. Qualquer estalido, qualquer barulho, fazia o coração
acelerar e a adrenalina tomava conta do corpo.
... tínhamos que ter muito cuidado porque o circuito do foguete era o mesmo da
metralhadora. De vez em quando um americano ou brasileiro disparava as
metralhadoras...
Algumas vezes aconteceram fatos que hoje podemos classificar de excitantes,
mas na hora em que aconteceram, foram pavorosos e arrepiavam os cabelos...
E testemunharam os companheiros sucumbindo, algumas vezes definitivamente:
Tínhamos também nossas tristezas...Quando as esquadrilhas regressavam
faltando alguém, era motivo de grande apreensão... Se estava faltando um
pensávamos: "Será que aconteceu alguma coisa?" Aí era expectativa: "Quem
ficou?"...Se viessem três queríamos na mesma hora saber quem ficou...Muitas
vezes, aquele que faltou jamais regressaria...
...Quando não regressavam, quando acontecia de perdermos um avião no outro
lado da linha, a choradeira era grande... Era uma imensa tristeza para nós, era
uma parte de nós que ficava lá do outro lado, no campo do inimigo, um irmão
nosso que não havia retornado... Alguns voltaram depois da guerra, outros não.
Concomitantemente, foram protegidos por algumas circunstâncias e condições, as quais,
cumprindo seu papel, contribuíram para suprimir, amenizar, ou mesmo absorver o impacto
das experiências negativas da guerra da qual participaram. A seguir, se apresentam
alguns aspectos da experiência do 1º GAvCa que podem ser considerados Fatores de
Proteção.
Considera-se o primeiro deles, e altamente preponderante, pela intensidade de
depoimentos relacionados ao assunto, a questão do voluntariado. Conforme já exposto,
assim que se decidiu pela formação e envio de um grupo de caça para lutar com os
aliados, o critério de inclusão foi baseado no voluntariado.
Ainda quando a formação do Grupo de Caça era mantida sob sigilo, e os homens-chave
que iriam ser mandados aos Estados Unidos estavam sendo escolhidos, ao serem
convidados, era-lhes dada a prerrogativa e o tempo para pensarem no assunto, mesmo
sendo militares e, portanto, sujeitos a ordens.
Vários se apresentaram como voluntários e, dentre outras, a justificativa mais forte se
apoiava em questões de idealismo político e de patriotismo, afetadas, principalmente, pelo
clima pré-guerra que mobilizava especialmente a juventude.
194
A Segunda Guerra Mundial estourou em um cenário político mundial desenhado por fortes
ideologias, apoiadas por grandes potências mas, ao longo de seu desenvolvimento,
observou-se uma gradual polarização das forças em confronto para dois grandes
contendores: o Eixo e os aliados.
Dada a agressividade das nações do Eixo, e especialmente da força da máquina de guerra
nazista, acompanhada de uma prática de sucessivas quebras de tratados de não-
agressão, que encontrava sua contrapartida na firme decisão de resistência da Inglaterra,
enquanto sua população se via intensivamente agredida pelos sucessivos bombardeios
alemães, a guerra foi se configurando como um embate entre o bem, representado pelos
aliados a defenderem seu sistema de vida e a democracia, e o mal, representado pelos
países do Eixo, com idéias de supremacia e expansionismo.
Tempos felizes, tempos heróicos, tempos tranqüilos. Sim, tranqüilos e singelos
eram os tempos em que bons e maus estava separados por uma linha no terreno.
Pois assim sentíamos nós, os jovens, os que matavam e morriam com um sorriso
nos lábios, porque só aos inimigos agredíamos e só por ele éramos agredidos...
A idéia de estarem envolvidos em uma guerra justa, lutada ao estilo de Minerva contra
Marte, como no mito, aparentemente oferecia o sentido necessário, com caráter protetor
às experiências de violência que provocaram e viveram.
Conforme o Brasil ia se envolvendo, em uma medida muito próxima do próprio
envolvimento dos Estados Unidos, crescia, na população brasileira, a expectativa de que o
Governo Vargas tomasse partido. Essa expectativa, dada a política pendular adotada por
aquele Governo, que se entendia também, no âmbito popular, ser simpático ao Eixo, não
foi rapidamente correspondida.
Após o ataque a Pearl Harbor e, ato contínuo, o início dos ataques no Atlântico,
envolvendo navios brasileiros, o clamor popular foi crescendo e se intensificando ainda
mais, na demorada espera de oito meses pela resposta brasileira.
Em dezembro de 1941 houve o episódio de 'Pearl Harbor', e os Estados Unidos
entraram na guerra, o que desencadeou uma efervescência maior ainda. De uma
certa maneira o Brasil se solidarizou com os Estados Unidos e com a situação de
'Pearl Harbor'...
Esse clima provocou especialmente a motivação juvenil, que impulsionou os voluntários
para o Grupo de Caça:
Veio a declaração de guerra e logo após surgiu a vontade de defendermos o
Brasil... , e era um desejo ardente meu participar porque eu tinha sede de
vingança, eu lutava por aquilo. Talvez a parte mais entusiasmada com isso eram
os estudantes. Isso foi crescendo de maneira que lá pelos idos de 1943, a
indignação contra a situação já era bastante grande. Aquilo foi incutindo em cada
um o desejo de um certo tipo de vingança, e por causa da revolta contra aqueles
torpedeamentos (dos navios brasileiros).
Eu pessoalmente reagia a essas notícias dos torpedeamentos com características
até mais íntimas... No meu entender o que havia de mais certo era realmente a
guerra...
Em combate você vai porque você quer ir, você não é obrigado a ir, você quer ir
por 'n' número de razões. Eu queria ir pra defender o nosso sistema de vida contra
um inimigo que estava querendo dominar o mundo. Estava motivado...
195
Fossem os motivos os mesmos daquela II Guerra Mundial, apresentar-me-ia hoje,
novamente, para outra.
Esse idealismo, passada a etapa de adesão e incorporação, se renova e se atualiza nas
diversas fases da campanha, sempre alimentando a motivação, que se revela na decisão
de enfrentar as dificuldades e desafios que vão se apresentando.
Essa mesma motivação juvenil parecia também ser alimentada pela busca de aventura
que a oportunidade favorecia.
Na época eu era jovem, e como todo jovem eu acalentava um sonho, mas não era
ir para a guerra. Meu sonho era conhecer outros países, outros mundos... Eu fui
para casa e não pensei na missão, no que era ou no que não era... O sujeito com
vinte e poucos anos não pensa se a coisa é ruim ou boa, você quer aventura, não
é? Voltei no dia seguinte e disse que topava a missão...
A juventude dos voluntários é um aspecto a ser considerado sob duas vertentes. Por um
lado, oferecia a energia necessária e a resistência aos esforços psicofísicos necessários
às atividades:
A guerra é atroz nos seus efeitos devastadores, porém é quase pura na lealdade
exacerbada e na dedicação sem limites dos jovens combatentes...Tudo isso nossa
juventude suportou muito bem...Apesar de todos serem jovens, tinham a
maturidade dos homens feitos. A dureza da guerra também provoca essa
maturidade...
Principalmente se observado em contraposição ao esforço exigido do mais antigo.
Além disso, podemos notar que uma turma mais antiga, nunca havia dado um tiro
de avião. Outro mais antigo ainda, nunca tinha feito acrobacia de avião. Isto de
uma certa maneira tornou o treinamento mais difícil porque com mais idade eles
enfrentaram manobras que não tinham feito na sua parte inicial, e o treinamento
foi realmente muito puxado...
Chegou de uma missão ... completamente molhado, dando a impressão que havia
saído de uma piscina. Perguntei-lhe assustado: "O que houve, Capitão?" Ele,
calmamente, demonstrando cansaço, respondeu-me: "Sargento, vou voltar para o
Brasil, isto aqui não é mais para mim, é para esses meninos. É preciso ter 'aquilo
preto' e não tenho mais”...
…God Damn...Brazilian boys?" Imaginem vocês o que será que os americanos
pensavam de nós, brasileiros. Todos nós, já na terceira idade, servindo a
Aeronáutica! Não é piada, não!!!
Mas, por outro, pode ainda se apresentar como fator adverso, expresso na impulsividade e
no arrebatamento juvenis, favorecendo a exposição aos riscos:
Exatamente à meia noite, saímos escondidos para umas aventuras amorosas na
cidade de Tarquínia, que ficava a três quilômetros da base aérea. Uma estrada
tendo com um aviso "OFF LIMITS" para todos os lados. Visto como os tedescos
haviam deixado terreno inteiramente minado, era muito arriscado, mas cabeça de
jovem é assim...
Acidente de verdade com o avião eu não tive, o mais próximo disso foi um
mergulho numa piscina natural com pouquíssima água; eu estava em cima de uma
árvore e os americanos gritavam: "Você não tem coragem!". Daí eu pulei e caí de
mau jeito, possivelmente eu fraturei umas duas vértebras nessa 'prova de
coragem' impensada...
Meu coração de vinte e pouco anos me valeu trinta dias de cadeia. Eu sempre fui
'esquentado' desde garoto e desacatei o sentinela. Nosso querido chefe do
pessoal não me perdoou e me deu trinta dias de cadeia. Quer dizer, cadeia só no
boletim, porque todos os dias eu estava lá trabalhando, só vinha dormir no
'xadrez', porque durante o dia eu estava prestando serviço. Na hora que recebi a
punição eu pensei: "Ótimo, porque agora eu vou ficar trinta dias descansando",
mas me enganei; era só para vir dormir no xadrez, porque o resto do dia eu tinha
que prestar serviço normalmente...
196
O pessoal não sabia porque não festejar o Ano Novo. Começamos a atirar com
os nossos armamentos, coisa de gente jovem. Não houve nada, não atingimos
ninguém, só que ao invés de soltarmos foguetes demos tiros...
A opção pelo voluntariado definiu a seleção ao Grupo de Caça pelo critério da inclusão. É
importante considerar, porém, que, como se tratavam todos de militares, antes da decisão
individual para participarem da guerra, já haviam se submetido a outros processos
seletivos, com critérios de exclusão, que levavam em conta a aptidão para o serviço
militar, e, especificamente para os pilotos, a aptidão para o vôo.
Presume-se, portanto, que todos os escolhidos para o Grupo, possuíam aptidão psicofísica
e gozavam de boa saúde, critérios gerais utilizados para a incorporação de militares ao
serviço ativo, o que provavelmente também teve seu caráter protetivo.
Outro considerável fator de proteção consistiu no preparo e treinamento recebidos pelo
efetivo do Grupo de Caça, inclusive bastante valorizado pelos seus membros, diante da
intensidade de manifestações compartilhadas a esse respeito. Esse fator também é
apontado no questionário como um dos que favoreceram o desempenho do grupo.
Os brasileiros, muito embora não tivessem treinamento para o combate, levaram uma
bagagem de experiência que depois reconheceram como fundamental para seu
desempenho em campanha. Essa experiência foi adquirida através dos vôos realizados
pelo Correio Aéreo Nacional:
O Correio Aéreo para os pilotos do Grupo de Caça teve um efeito muito grande
porque nós aprendemos a voar na Força Aérea... É uma aviação muito parecida
com depois a aviação de caça que nó tivemos na Itália, quer dizer, voar em
relação ao chão, voando, vendo as estradas, interpretando as encruzilhadas...esse
piloto que tinha esse treinamento, quando ele foi pra guerra, ele levou esse
conhecimento que é uma coisa, assim, prática, é uma coisa militar. E foi de uma
eficiência extraordinária...
O vôo era essencialmente por contato visual, e isso nos ensinou muito sobre
deslocamentos a baixa altura, ...nós adquirimos uma prática muito grande,
primeiro de navegar com a carta na mão, olhando a carta e o terreno...Realmente
uma das razões de nosso sucesso foi a identificação exata das referências no
chão, no solo...
O vôo do bolsista era 'ciscando', pulando para cá e para lá...ajudou pela
diversidade de vôo, o que nos dava uma experiência maior do que aquele vôo de
rotina, de instrução...
Enxergávamos muito mais do que os americanos...Na América eles voavam com
a infra-estrutura daquele tempo.. No Correio Aéreo, ... era aquele anjinho babu,
com as asinhas soprando dizendo a direção do vento. Era uma coisa empírica...
Acredito que por essa razão sobrevivemos mais do que as outras turmas. Isso, eu
acredito, nos deu mais versatilidade porque, no vôo do correio, tínhamos que nos
decidir a qualquer momento se voávamos ou não. O seu julgamento era o que
estava em treinamento, e com a repetição se aprendia a decidir melhor...
Contaram também com a grande e organizada estrutura de guerra americana, passando
por três diferentes bases de treinamento, a Escola de Tática Aplicada, em Orlando, a Base
de Aguadulce, no Panamá e, finalmente a Base de Suffolk, em Nova Iorque.
O preparo do Grupo como unidade de combate iniciou-se com o preparo de sua liderança,
representada pelos homens-chave que seguiram para Orlando, enquanto o restante do
efetivo era selecionado e incorporado aqui no Brasil.
197
Esses homens-chave, que seriam os mentores dos mais jovens, por sua vez, receberam
instrução sobre o que de mais atual havia na época, inclusive com a participação de
experientes pilotos, com várias missões de guerra, que lhes provocava admiração e
respeito.
Durante dois meses e meio cada um de nós voou cerca de 140 horas em vôos
táticos, vôos de formação, vôos de ataque rasante e vôos de bombardeio
picado...Os vôos de bombardeio picado que nós realizávamos no Brasil serviam
apenas para dar um certo treinamento, pois eram realizados com aviões antigos.
No Brasil os bombardeios eram feitos com bombas de treinamento, e nos Estados
Unidos nós fizemos o mesmo treinamento com bombas reais. Então dava um
caráter diferente ao treinamento, você se sentia 'mais soldado', com mais 'espírito
de guerra', e isso valia muito porque cada um dava tudo de si para aprender o
máximo...
O mais formidável eram os pilotos ingleses e americanos que nos ensinavam
como se usava um avião: não só para passear mas também para combater e
matar gente...
Nos adestramos o melhor possível para combater mais tarde e cumprir as nossas
missões no Teatro de Operações...
O 'pessoal de chão' fazia a sua parte correspondente de manutenção,
comunicações, informações e armamentos...
Em Aguadulce o Grupo se reuniu e passou a operar como Unidade, inclusive realizando
vôos de interceptação na proteção da zona do Canal do Panamá, enquanto realizava
estágio nas diversas áreas em que atuariam no Teatro de Operações.
Segundo eles, essa fase de treinamento foi importante porque deu o necessário preparo
técnico e operacional a todos os membros.
No Panamá tivemos o primeiro contato com aviões de guerra propriamente
ditos...Nosso objetivo era formar o primeiro Grupo de Caça, uma unidade pronta
para o combate.
O Panamá foi o princípio de todo o Grupo de Caça, tanto na manutenção como na
parte de armamentos, que era o principal elemento para uma guerra...
Cada um teve os seus auxiliares e começamos a instruir os quatrocentos homens
sobre o que se iria fazer na guerra...
Tínhamos que assimilar, em apenas 90 dias, a doutrina de uma unidade de caça
em combate...No primeiro dia que fui para a pista, a fim de assistir a decolagem,
saíram aqueles dois primeiros do grupo, de trem baixo, flap baixo e começaram a
curva. Eu confesso que pensei: "Ou eles vão cair ou o que eu aprendi não estava
certo porque eu ouvi dizer que curva com flap baixo mata"...Aí então começamos a
ter uma razoável sensação da diferença que ainda tínhamos se comparados ao
que seria realmente um treinamento de guerra...e o treinamento foi realmente
muito puxado não só visando o treinamento particular de cada um como
principalmente o treinamento de uma unidade operacional...
Finalmente, passamos todo esse período lá e estávamos em condições de atuar
numa guerra, como atuamos na Itália...
E também porque definiu a doutrina associada a técnicas de sobrevivência que foram
importantes para os pilotos.
O grande Coronel Gabriel P. Disosway repetia sempre: "Aviões, a USAF os faz
em série e quantos quiser por dia; para formar um piloto, gastamos no mínimo 20
anos, portanto abandonem o avião e salvem-se quando estiverem em
emergência...
O treinamento pode ser tão perfeito e as condições simuladas podem impregnar o
piloto de tais reflexos que o aproximem bastante das condições reais de combate.
Depende do treinamento. Pode ser que alguns fatores fora do circulo militar, como
a formação acadêmica, a formação familiar, pode influir numa hora dessas, influi,
influi, mas, não, enfim, tanto, como o treinamento e a adaptação, a absorção do
treinamento como coisa assim certa...
198
Qualquer manobra podia ser executada em esquadrilha sem o menor embaraço
para os seus integrantes... Desempenho de conjunto estratificado graças a
dezenas e dezenas de missões no Panamá e na Itália. Entre nós não havia
surpresas ou hesitações.
Segurei a alça do pára-quedas antes de deixar o avião. Um pressentimento me
dizia que, com aquele tiroteio lá fora, seria atingido pelo menos por um estilhaço
de ‘.88’ quando saísse do P-47. Caso isso acontecesse, como aconteceu de fato,
antes de desmaiar, o instinto me faria comandar a abertura do pára-quedas.
Juntando raciocínio à ação, transmiti minha decisão, soltei o canopy, empurrei o
manche para a frente e deixei a garça. É só o que me lembro do incidente...
Usando tudo o que aprendi na instrução, levei o manche à frente e acelerei o
motor. Com o excesso de potência, readquiri os comandos do avião, colocando-o
novamente em posição normal de vôo...
Saltei e o resto foi esperar a queda do avião - o que eu não vi - e retardar a
abertura do pára-quedas para evitar ser capturado rapidamente. Enfim, segui as
instruções que foram muito bem dadas e repetidas durante nossos treinamentos...
....me lembrei que as instruções eram de que os partisanos - quando ajudavam - o
faziam por intermédio de uma criança. Até ali tudo estava de acordo com o
figurino, por isso continuei andando. E ele me levou na casa dos pais dele...
Finalmente, o equipamento que operaram na guerra, o avião P-47, pode ser também
considerado um fator de proteção. Representando o máximo de tecnologia à disposição,
os pilotos lhe atribuem vantagens como sua robustez e propriedade para as missões que
iriam realizar. Com isso, sentiam-se armados, confiantes, seguros e estabeleceram um
relacionamento de intimidade com a máquina.
... por unanimidade adotamos o P-47 como o avião que nós iríamos combater... o
avião de caça mais robusto que operou na 2a. Grande Guerra - o P-47
Thunderbolt - caça bombardeio que marcou época em todos os teatros de
operações de guerra onde atuou.
Voamos finalmente o P-47 THUNDERBOLT, um avião extraordinário para a
ocasião. Falava-se muito na versatilidade, na maleabilidade do P-51, como se
falava do 'Spitfire', eram aviões leves e muito maleáveis. ... na questão de
combate aéreo a fama era deles. No entanto, dentre os pilotos americanos que
tinham o maior número de vitórias aéreas em combate, eram justamente os pilotos
de P-47, só que o P-47 era tão mais eficiente para caça bombardeio que era
utilizado de preferência nesse tipo de missão, de ataque ao solo.
O avião tinha excelente manobrabilidade, seus comandos eram muitos bons, um
'flap' amplo e o trem largo, o que permitia se pousar com facilidade. Acho que isso
já dá uma descrição boa do P-47 Thunderbolt.
O P-47 é um avião extremamente conciliável, forte, de um motor extraordinário.
Só é um pouco pesado, mas ele se torna mais leve acima de 15, 20 mil pés, então
fica mais maleável. Para a execução de tiros no chão, para bombardeios, para
provar instrumentos ele é muito bom. Só para voar baixo que ele é um pouco
pesado, mas eu considero um avião de confiabilidade excepcional.
O avião salvou muitos pilotos: Nós tivemos gente que bateu, largou não sei
quantos metros de asa para trás e conseguiu voltar para casa voando. Outros
foram atingidos, como eu fui, várias vezes, e numa virada parecia que não havia
nada. Acredito que por esse motivo o meu P-47 era um caça robusto, capaz de
receber vários impactos de antiaérea inimiga. Voltávamos, eram remendados
aqueles furos e ele já estava pronto para o vôo novamente, e o motor era muito
bom, com 18 cilindros, um espetáculo. O P-47 era praticamente imbatível contra
os aviões inimigos que usavam o mesmo tipo de motor.
Eu gostava dele, era um avião onde a gente se sentia seguro lá dentro. Ele fazia
exatamente aquilo o que a gente queria.
Chegamos à conclusão de que realmente ele não era só um avião de caça, era o
melhor do mundo, porque o que esse avião fez em termos de trazer pilotos para
casa de volta depois de atingidos, somente ele poderia fazer. O avião P-47 era
realmente um tanque voador, um avião robusto. Não houve caça bombardeiro
alemão que se comparasse ao P-47 THUNDERBOLT. Era birrento e valente o D-4
de nossa equipe! Nós o adorávamos...
199
Certa vez, num rasgo de pouca inteligência resolvi que iria pousar com uma
bomba presa, até hoje não sei se foi amor ao avião que já me havia trazido tantas
vezes de volta incólume, mas eu vim e pousei.
Além do mais, nós próprios talvez não nos déssemos conta de quanto nos
sentíamos à vontade nos nosso aviões, de como tínhamos a garça na mão.
Foi nesse panorama de guerra, com suas demandas típicas, associadas àquelas
peculiares, desprotegidos em alguns aspectos, amparados em outros tantos, que os
componentes do Grupo de Caça iniciaram sua jornada. Serão agora analisados os fatores
de resiliência que permitiram a superação de cada demanda.
A primeira demanda, aparentemente, foi o confronto com o poderio americano, ajustar as
mútuas expectativas e cumprir a missão.
Esse confronto, na verdade, já havia se iniciado pouco antes da entrada do Brasil na
guerra, quando a presença americana foi-se tornando mais constante, através do
intercâmbio que começou a se estabelecer entre ambos os países.
Já na época do transporte dos aviões adquiridos pelos brasileiros junto aos americanos
pelo Lend-lease, missões militares passaram a freqüentar regularmente os Estados
Unidos, surgindo daí o confronto cultural que levou à figura do Avestruz, primeiro como
apelido, sintetizando o quanto os brasileiros se sentiam estranhos e, ao mesmo tempo,
estranhavam essas diferenças.
O segundo confronto, no início do treinamento nos Estados Unidos, é superado com a
presença de espírito de um dos líderes e com a marca do mais típico da cultura brasileira,
quando, para suprir a falta de uma canção da aviação brasileira que pudesse ser cantada
em uníssono, na formatura, e para não ficar atrás dos anfitriões, eles rompem marcha
cantando:
“...ó jardineira, porque estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu?”
Na verdade, ao longo dos depoimentos, o que se observa é um misto de admiração e
confronto, assim como algumas alternativas de adaptação:
Pelo reconhecimento:
...o soldado americano é um soldado livre porém muito disciplinado. Numa
inspeção de avião ou do nosso alojamento era uma coisa impressionante, a
atitude do pessoal americano e do pessoal da equipe era de 'bater os
calcanhares'. Pegavam a nossa carabina para verificar se o cano estava limpo, se
a cama estava arrumada, e tínhamos que fazer tudo muito bem-feito, e isso foi um
aprendizado que trouxemos para cá e transmitimos aqui no Brasil... A
camaradagem sempre existiu entre os pracinhas brasileiros e americanos, sem
discriminação de cor ou religião.
....Terminamos o jantar, pagamos a conta e já íamos saindo quando ouvimos uma
discussão entre os dois marujos e o dono do bar, e o pau quebrou... a briga era
por nossa causa, pois o dono do bar havia cobrado um dólar a mais na nossa
conta. ... passei a admirar o povo americano mais que antes.
O Buyers (Oficial de ligação) nos ajudou muito. ... era justamente o mediador
entre o Grupo de Caça e os oficiais americanos; ele era do Pentágono, trabalhava
lá. Ele não só amava o pessoal do Grupo de Caça como a nossa própria Pátria; se
dedicou tanto que hoje ele vive no Brasil como um simples brasileiro.
200
O Coronel Gabriel Disosway foi um homem que influiu muito na formação do 1o.
Grupo de Caça. Para ele não havia diferença entre nós e seus compatriotas norte-
americanos, o que ele ensinava para um ensinava para o outro. De certa forma eu
acho até que foi mais exigente conosco, e criou uma amizade muito grande com
todos nós
Pelo bom-humor:
O brasileiro é espontâneo, brincalhão, e tínhamos em Aguadulce um fator que nos
fazia rir mais, brincar mais. O americano é muito rígido, tinha uma porção de
coisas que queríamos fazer e não podíamos, como pegar caju dos cajueiros, etc.
Tobias não falava quase nada de inglês. Lá pela tantas, o americano perguntou-
lhe o nome: Tobias (two beers), respondeu ele, com segurança. Nesse instante o
homem do bar, que estava em frente aos dois, trouxe duas cervejas para o
Tobias...
Certa manhã, na torre de controle, os oficiais americanos do tráfego estavam
preocupados porque tinham ouvido certos sons diferentes na recepção das
mensagens dos aviões. Perguntaram-me se eu tinha entendido o significado da
última mensagem, e eu disse que de fato tinha entendido, para eles não se
preocuparem, pois se tratava de um piloto brasileiro que estava cantando uma
canção de carnaval da época, cujos sons pareciam muito com palavras da língua
japonesa. Essa canção era "O que é que a baiana tem"...
Nessa questão das comunicações havia até um polonês, filho de americano com
polonês, cujo apelido era 'perchê' , porque toda vez que ele nos ouvia falar: " Olha
ali aquele caminhão ... ", ele dizia assim: " nhão, nhão nhão, perchê ?". Ele voltava
no rádio dizendo coisa e tal e o apelido dele era esse, 'Perchê'...
Quando estáva
m
Pelo confronto e disputa:
O treinamento foi acompanhado pelo Coronel Disosway, até nós embarcarmos
para a Itália, e inclusive teve que vencer no início um pouco o ceticismo dos
instrutores americanos que queriam nos dar instruções como se fossemos menos
experientes... nossos instrutores eram pilotos experimentados e nos olhavam
como garotos, como recrutas, embora nessa época eu já houvesse sido
promovido a Capitão...
O 'Captain Brasil' passou e deu um rasante na pista de Pisa e puxou um
'Tourneau' (pirueta). Eu pensei: "Agora eles vão ver que brasileiro sabe fazer
essas coisas". O segundo avião passou e puxou também; o terceiro estava muito
perto e não conseguiu fazer o 'Torneau', e por conseqüência eu também não
pude. Nós aterramos e fomos para a rotina depois que o avião estaciona: desliguei
tudo, tirei os fones e desabotoei o cinto. Mas quando fui desabotoar vi que já
estava desabotoado! Na afobação de sair na primeira missão de guerra - eu nunca
tinha feito isso na minha vida - esqueci de abotoar o cinto! Se tivesse feito o
Tourneaux , ao invés de demonstrar que brasileiro era bom eles iam dizer que
"esses brasileiros são umas porcarias, não sabem nem fazer um Tourneau que
morrem”...
Quando recebemos os P-47 na Itália, um dia antes os americanos já tinham
recebido os P-47 deles e fizeram um show de acrobacias, 'pintaram e bordaram'
em cima da base. E nós, que sabíamos fazer tudo isso, esperamos o dia seguinte
para fazer o nosso show também. O Coronel Nero, com sua sabedoria e
experiência, disse que não queria show e que quem o fizesse seria preso e
perderia a diária de vôo por três meses. Ele disse que não estávamos lá para dar
show e sim para guerrear. Aí alguém retrucou: "Ah, mas os caras fizeram", e ele
se manteve firme: " Não quero saber disso. O que eu quero é saber o que vamos
fazer e nós temos muito o que fazer contra os alemães"...
E reafirmando o próprio valor: Eu tenho, eu sou, eu posso:
Nós tínhamos muitos problemas com a Língua Inglesa, é lógico, mas os
americanos haviam se preocupado com isso e na Base de Albrook Field tivemos o
aprendizado do idioma norte-americano. Isso veio a nos facilitar muito porque os
relatórios de atendimento eram feitos em inglês, e todos se saíram bem. Cada um
tinha um nível de instrução, alguns até já com o ginásio formado, e não foi muito
difícil...
201
O Aquino chamava de 'avestruzes' os nossos patrícios da FAB que iam buscar
aviões nos Estados Unidos em uma época onde trazer aviões no navio era arriscar
que eles ficassem dentro d'água, no fundo do mar. Então resolveram trazer
voando, e nós - pilotos brasileiros - brilhamos já por causa daquele mesmo motivo
pelo qual nos demos bem na guerra...
Enxergávamos muito mais do que os americanos. Eles não tinham a obrigação de
ter a mesma experiência que nós tínhamos...
Fomos adaptando e melhorando a situação até chegarmos em um ponto no qual
os americanos copiavam o que a gente fazia...
Havia muitas que só os brasileiros faziam porque sabiam voar 'asa dentro de asa',
colados um no outro. Os americanos que tinham, vamos dizer, aquele 'treinamento
de 7 de setembro', desfile, fazendo 'bonitinho' e coisa do gênero, não saíam com
mau tempo, e quando saíam não chegavam no destino. Por isso esse estágio final
foi muito útil e nós chegamos à Itália posteriormente com muita confiança no
nosso próprio trabalho...
A bordo do Colombie não tínhamos qualquer problema com os americanos, havia
o respeito mútuo. Eu, pelo menos, não conheço um caso de agressão entre nós e
eles. Já entre eles isso acontecia, porque os americanos quando bebiam 'perdiam
a cabeça'...
Eu, como era o xerife do nosso Clube 'Senta a Pua', estabeleci que para ir à
Ópera tínhamos que usar túnicas. Muitos falavam: "Eu não vou de túnica", e eu
respondia "Então não vai à Ópera". A gente decidiu fazer isso porque os
americanos saíam do trabalho e iam direto, de macacão, além disso levavam
'Camisas de Vênus' - preservativos - depois enchiam e jogavam lá de cima com as
famílias italianas embaixo, um desrespeito total...
A máquina fotográfica tem uma história muito engraçada, Por que os brasileiros
conseguem sempre as melhores fotos (das missões)?" E tinha um piloto...que era
muito irreverente, tinha uns trinta anos de idade, e ele disse: "Vocês se reuniram
tão formalmente para fazer uma pergunta dessas? Os brasileiros vão lá embaixo !
É só vocês irem lá embaixo e tirarem a mesma fotografia!...
Mas sem deixar de colocar sob perspectiva realística, o peso e a razão das participações:
...Então a gente viu que depois de um certo tempo, quando começaram os feitos
mais importantes, as missões mais importantes, o piloto ia se sentindo parte
daquela guerra, mas uma parte muito mais importante que o americano porque o
americano era centenas de milhares e nós éramos algumas dezenas de pilotos,
mas o nosso avião levava a bandeira, as cores da FAB...
Na esfera psicossocial, um fenômeno muito importante teve início já na ida ao Panamá,
para o treinamento, e está relacionado à coesão que começou a se estabelecer entre os
componentes do Grupo de Caça, que foi se fortalecendo ao longo da campanha. Essa
coesão começa a se organizar a partir do espírito de corpo.
Esse grupo foi formado e eu tenho a impressão de que, já no Panamá, começou
a se formar um certo espírito de corpo. Muito bem comandados pelo Nero Moura,
esse grupo foi aos poucos absorvendo, viu, absorvendo uma noção de
responsabilidade que ... era de todos os integrantes, de qualquer posto, soldados,
motoristas e tudo.
Esse elemento é fortemente ressaltado pelos depoentes através da prevalência de idéias
compartilhadas sobre essa questão em toda as amostras, conforme demonstraram os
resultados quantitativos. A integração ao grupo era feita através de brincadeiras, trotes e
gozações, à guisa de iniciação.
Sinceramente, o grande desempenho do 1o. Grupo de Aviação de Caça, na II
Guerra Mundial, deveu-se ao completo entrosamento entre todos os componentes
do Grupo. A criação de um Espírito de Corpo que se formou logo no início das
operações de guerra...
202
A recepção no Grupo de Caça era sempre feita com muita alegria e com muita
gozação. É como você recebe um calouro na faculdade, então há sempre uma
gozação, que foi uma coisa quase que natural no 1° Grupo de Caça, sempre
naquele ambiente alegre e festivo que no início podia até parecer de mau gosto,
mas era extremamente saudável... Gozadores e gozados se entendiam mais a
partir daí. E formou-se assim essa grande irmandade. Isso era muito comum,
muito comum...
O espírito de corpo desenvolveu-se a partir da convergência de objetivos.
Uma das características pronunciadas do pessoal do Grupo de Caça foi a coesão
que se formou, graças ao estilo do Comando, à qualidade do pessoal selecionado,
ao entusiasmo pela missão a cumprir e à briosa dedicação do pessoal de terra...
Todo mundo sabia que estava ali pra uma missão especial, era uma missão de
servir ao Brasil e vencermos a guerra e de voltarmos todos vitoriosos...
Essa coesão integrava a todos, dentro dos respectivos círculos hierárquicos e entre eles,
entrosando subalternos e superiores, pessoal de terra e de vôo.
Existia respeito, existia reconhecimento da autoridade, mas existia também um
interesse fraterno de cada um querendo ver o bem do outro... Esta coesão se fazia
sentir na horizontal e, também, na vertical, neste caso sem qualquer desgaste
para a hierarquia, pois o respeito não era apenas formal mas, com as raízes mais
profundas de um respeito mútuo de fato.
As vivências compartilhadas foram transformando o espírito de corpo em um
comprometimento mais pessoal, fazendo lembrar o provérbio popular que proclama que é
na adversidade que se prova a amizade.
Não é propriamente só a convivência mas são todas as emoções que você vive
junto: A saudade de casa é comum a todos, o frio é comum a todos, a inaptidão ao
desconforto é comum a todos. Eu vivi numa barraca, no meio da neve, todos
passam mais ou menos pelas mesmas situações, não há um que fique melhor
alojado do que o outro, aquele não, todo mundo a mesma coisa... Depois de
algum tempo, quando embarcávamos nos nossos P-47 para as missões, já não os
atendiam mais então apenas aqueles sargentos e cabos que já conhecíamos,
mas, também, gente como nós, com as mesmas alegrias, sofrimentos, esperanças
e angústias, que compartilhávamos em silêncio...Uma coisa é ver a mão calejada
na hora da continência ou da ferramenta. Outra coisa é auscultar o coração nos
momentos de desabafo das emoções íntimas...
Eu tive a felicidade de ver o sentimento dos pilotos porque eu convivia com eles,
'sentia' os pilotos como eu tenho certeza que muitos deles me 'sentiam', Aquele
período inicial na guerra com meus companheiros, a forma de como cresceu o
companheirismo entre nós, foi uma maravilha...
Esse relacionamento, na medida em que se aprofundava, foi compensando a carência da
família e do aconchego.
O que existia de mais real era a irmandade reinante entre nós. Vivíamos
preocupados uns com os outros. Cada um se abria com o outro dependendo do
grau de amizade, de confiança, porque o grupo era como uma família, todos
trabalhando junto. Você veja, por exemplo, o Brigadeiro, ele me chama de 'meu
irmão' e fez uma dedicação para mim no livro dele: "Ao meu querido irmão ...”.
Mesmo sendo ele um oficial e eu um cabo, ele me considerava como um irmão,
isso para se ter uma idéia de como era essa família do Grupo de Caça...Eu já falei
e vou tornar a dizer: o Grupo de Caça era - e ainda é - uma grande família.
Esse tipo de coesão desenvolveu a mútua confiança.
A nossa manutenção era 'fogo', mesmo, a melhor; os nossos soldados, os nossos
mecânicos eram fantásticos, e por isso nós próprios sentíamos muita confiança na
nossa unidade quando voávamos...
Isso é uma forma de defesa importante, porque se você voar com medo do que o
seu número 'quatro' vai fazer, ou o número 'três' vai fazer, isso é uma coisa, mas
quando você decola sabendo que todo mundo vai junto, a coisa é outra. Você tem
outra disposição, você vai com outro estado de espírito...
203
Deve haver confiança e respeito mútuo, e é o Comandante que deve inspirar este
equilíbrio delicado que jamais foi rompido durante a campanha...
Assim como favoreceu a cooperação.
Todo mundo cooperando uns com os outros, e assim os aviões estavam sempre
disponíveis. A prova é um testemunho do General, que certa vez perguntou:
"Como é que vocês conseguem?" A resposta era simples: um ajudando o outro...
A Seção de Comunicações também desempenhou um papel muito importante,
assim como as demais, no desempenho das operações brasileiras no Teatro de
Operações da Itália, devido à camaradagem, eficiência e dedicação de todos os
seus membros...
Foi o trabalho em equipe. O nosso trabalho, deixa eu sintetizar, o nosso serviço
nunca era individual. Era sempre a soma do trabalho coletivo...
E a solidariedade e companheirismo.
O companheirismo era tão grande e a compreensão tão maravilhosa que foi muito
bom, serviu como lição para o resto da minha vida...
anotei três pontos que me marcaram emocionalmente. O primeiro foi o da
solidariedade existente entre nós. Não excluo o pessoal do chão: oficiais,
sargentos e praças. Ainda em plena juventude, pude observar como cada um se
ligava ao outro...
E foi visto como importante fator a determinar o desempenho e a produtividade dos
militares e do Grupo.
Mas então, à medida que as dificuldades foram surgindo, o nosso desembarque
na Itália, não é, dentro de um tempo adverso, a formação da primeira Base, no
meio de lama e neve, não é?, os primeiros combates, as primeiras perdas em
combate, foi formando no grupo de caça um uma mentalidade extremamente útil
para aquela eventualidade de um grupo de jovens brasileiros largados no meio da
Europa, com uma missão importantíssima que era bem representar a Força Aérea
Brasileira, foi criando o que a gente chama de um elã muito grande... Todas as
nossas dificuldades foram superadas pelo alto esforço e trabalho conjunto de
todos nós. Cada um representava uma multidão. Para mim isso é tudo. Apenas
trabalho coletivo. Não havia maior nem menor... Então éramos conhecidos entre
nós, amigos, colegas e assim o somos até hoje. Foi esse fato importante do Grupo
de Caça que o fez sobressair-se sobre todos os demais.
Enquanto que, para os indivíduos, o Grupo representou uma rede de apoio que ajudou a
enfrentar as demandas da guerra...
Aquele período inicial na guerra com meus companheiros, a forma de como
cresceu o companheirismo entre nós, foi uma maravilha. Falava-se em guerra e
acho que esperávamos aquela coisa de cinema, uma coisa "negra", e só havia
companheirismo, amizade, e durante todo aquele tempo nós nem sentíamos que
estávamos, a qualquer momento, arriscados a não regressar de qualquer missão...
E isso, na minha opinião teve uma influência muito grande em eu resistir àquelas
elucubrações que vêm à noite: afinal de contas o que eu estou fazendo aqui, há
tantos anos foram da minha casa, e não sei mais o que! Era como devia ser na
guerra e graças a Deus, fizemos isso e voltamos em paz...
...para os pilotos, o relacionamento coeso e solidário aparentemente ainda agregava
eficiência à missão.
Durante o vôo, o piloto de caça, apesar de solitário, fica preso ao conjunto,
unindo-se cada vez mais aos companheiros de esquadrilha. Em missões de
guerra esse sentimento representa a metade do sucesso dessa esquadrilha...
Já me referi à homogeneidade que existia nas esquadrilhas do Grupo. Tirando as
mínimas diferenças peculiares a cada indivíduo, o desempenho de todos os pilotos
era igual. Além disso, todos, sem exceção, conheciam perfeitamente o estilo de
cada um dos demais...
O exemplo que a gente tem dos outros. Isso é muito importante, principalmente
numa unidade de combate, a gente sente-se muito satisfeito quando a gente sem
querer a gente dá o exemplo pro outro, e também sente-se muito satisfeito quando
204
a gente faz um coisa positiva porque o exemplo do outro foi esse elemento
positivo, não é? Então isso foi muito, muito, importante, mas muito constante no
1o. Grupo de Caça...
Eu tive a sorte de ser ala desse rapaz pois éramos muito amigos e formamos
uma dupla que de fato foi extremamente positiva...
Há coisas extraordinárias, honro-me muito e me emociono em relembrar isso.
Acho que a melhor coisa que pode acontecer para um guia, para um líder, é ter
um bom ala, e a melhor coisa que pode acontecer para um ala é ter um bom líder.
Sem modéstia, acho que nós tivemos essa qualidade, eu acho que fui um bom ala
e ele um excelente líder...
Muito embora a competitividade, que não deixou de ser observada entre eles, tivesse
resultado semelhante.
Quando um avião da Esquadrilha chegava avariado, todos nós juntávamos para
pô-lo em ordem o mais rápido possível, pois havia entre as esquadrilhas uma
espécie de concorrência para ver quem mantinha sua esquadrilha em melhor
ordem de vôo. Para nós era um motivo de honra. Não sossegávamos enquanto
todos os aviões não estivessem em plena ordem para vôo...
O meu objetivo foi fazer bem minha missão, fazer minhas missões tão bem quanto
os outros e se possível até melhor do que um outro qualquer, era aquela
emulação, emulação, que eu sentia, né?...
O que ajudava, e muito, é que cada piloto disputava com os outros quem fazia o
maior número de missões, as quais eram gravadas em forma de bombas em seu
avião. Era uma forma de satisfazer o ego, muito machucado por outras coisas...
Além da convergência de motivações e objetivos, o compartilhamento das adversidades
parece ter contribuído não só para o fortalecimento dos laços entre os combatentes, mas
também para a atitude de valorização da tarefa que executavam, colocando-a na
perspectiva do conjunto no qual operavam.
Nós de terra, que não tínhamos o privilégio de enfrentar o inimigo cara a cara, nos
sentíamos recompensados e orgulhosos de poder preparar seus aviões para
esses vôos ofensivos. Daí a grande amizade nascida entre o povo da manutenção
e serviços e os Jambocks que pilotavam os Thunderbolts. Amizade feita na luta
não acaba nunca...
Mas esse tipo de afinidade e ligação tão forte também era razão de angústia e sofrimento,
relacionados à expectativa nas saídas das esquadrilhas e na espera pelo seu retorno. Ao
falarem sobre o relacionamento entre o pessoal do Grupo, esse aspecto é o mais
emergente.
A hora da saída para as missões era a 'hora mais comprida' que poderia existir...e
ficávamos naquela apreensão...Durante as decolagens dos aviões, grandes eram
nossas apreensões e responsabilidades. Depois, a angústia da espera. Vaga
ansiedade persiste no ar, enquanto os aviões estão fora... Fosse qual fosse a
esquadrilha que saísse, os que ficavam no chão disfarçadamente iam para o
campo aguardar a volta...A cada instante, consultávamos nossos relógios. Alguns,
inquietos, consumiam cigarros, nervosamente. Estão demorando, que terá
acontecido? Já deviam ter voltado. Olhava-se para o céu e procurava-se descobrir
entre nuvens a silhueta de um avião.
De repente, alguém aponta: "Lá vêm eles". Aí começa a contagem: um, dois, três,
está faltando um, e quando contávamos 'um, dois, três' e não víamos o quarto
avião, apelávamos para as nuvens: " Deve estar escondido, mas ele virá...", só
que não vinha...
Se um piloto faltava, nós éramos tomados de tal ansiedade que até poderíamos
ser 'degolados' pela hélice do avião, querendo saber se ele pulou de pára-quedas
ou se ele foi abatido...
Era profundo o sentimento quando víamos uma esquadrilha regressar
incompleta...Quando não regressavam, quando acontecia de perdermos um avião
no outro lado da linha, a choradeira era grande... e quando o assistente do
205
mecânico via que o avião não regressou chorava feito criança:. "Meu Tenente não
voltou"...
...quando todos os aviões voltavam salvos, embora muitas vezes avariados, a
alegria borbulhava de nossos corações e de nossas almas. Não importava o
tamanho da avaria, o prazer de ter nosso piloto de volta era o maior do mundo...
Foi realmente uma dura prova cumprida com bravura. A torcida do nosso pessoal,
até com orações, para que nossos pilotos não fossem abatidos e a alegria quando
voltavam ilesos, bem que dariam um outro livro...
O Impacto provocado pela experimentação das primeiras perdas em combate, sentidas
com especial intensidade pelos pilotos, e a tentativa de elaboração dessas perdas e do
luto, faz emergir um ritual de despedida, apoiado em um dos símbolos do Grupo de Caça:
o Adelfi, sua solene saudação.
Mordi os beiços para não chorar. Contudo, aquela sua morte, a primeira
acontecida nos céus da Itália com um piloto do 1
o
. Grupo, não nos abateu; ao
contrário, cada um de nós ficou mais motivado para continuar a luta. Bom, demos
um 'Adelfi' para ele - 'adelfi' era, e ainda é, uma saudação especial que somente
nós, do Grupo de Caça, usamos -, depois tomamos um pileque de vermute e
sentimos a morte dele cantando, brincando.
Assim, sem o saberem naquela época, diante da perda de cada companheiro, reuniam-se
e proclamavam: “Entre irmãos, de irmãos, para um irmão!”
Adelfi, em seu sentido semiótico, parecia ainda proclamar, mais do que a irmandade, a
interdependência entre eles, o que torna possível avaliar a intensidade da dor pela perda,
mas que não podia ser completamente expressada, senão através desse ritual simbólico.
Conforme o procedimento adotado no 1o. Grupo de Caça, oferecíamos um
vibrante "Adelfi" ao desaparecido, bebíamos à sua saúde e não se falava mais
nele. Cada um sentia a dor a seu modo, mas nunca externando-a ...
Ainda sobre a coesão, essa foi sendo amalgamada ao longo das diversas etapas da
campanha. Uma dessas etapas foi durante o transporte marítimo do Grupo rumo à Itália, a
bordo do Colombie.
Entre as diversas descrições da viagem, em que cada um viveu mais ou menos
intensamente as experiências de monotonia, extremo desconforto e apreensão, há
menção ao convívio entre os viajantes, e às brincadeiras e diversões formais ou informais,
que os entretiveram.
Como eu dizia, a nossa viagem à Itália foi muito conturbada e nós sofremos
muito... era um navio muito grande e levava tropas americanas de diversos tipos,
além do pessoal de transporte aéreo... Mas apesar de perigosa, aconteceram
algumas coisas divertidas nesta viagem... Foi uma confraternização muito boa,
interessante e que de fato nos alegrou e ajudou o tempo a passar...
É no Colombie que os principais símbolos do Grupo – o avestruz e o Senta a Pua! – se
consolidam em seu emblema, o qual passa a ser orgulhosamente envergado por todos.
O símbolo 'Senta a Pua' nasceu na guerra, mas a idéia já era antiga. Bom, isso é
só uma introdução para dizer que durante a viagem no Colombie alguém disse:
"Nós precisamos bolar o nosso símbolo", e na discussão, disseram: "A coisa que
mais nos caracteriza aqui é o fato de nós sermos 'avestruzes', comendo essas
coisas". O avestruz representa a robustez do avião e também o estômago do
soldado brasileiro que, no Panamá, tinha que agüentar aquelas comidas
diferentes, coisas com as quais os brasileiros não estavam acostumados. Mesmo
assim nós digeríamos tudo, e eles achavam que nós tínhamos um 'estômago de
avestruz'. Todos acharam uma boa idéia, e ficou a pergunta: "Quem é mais
parecido com avestruz aqui?". "O Lima Mendes", concordou o grupo. Aí eu pedi
206
para o Lima Mendes posar um pouquinho, fiz a caricatura dele, depois adaptei a
cara do avestruz e acrescentei as cores , tudo com um significado especial. Cada
um foi dando um palpite e assim surgiu a imagem que foi desenhada pelo Capitão
Fortunato Câmara, que passou as idéias dos pilotos para o papel.
... O Rui sugeriu: "Que tal 'Senta a Pua' ?" e todos concordamos.
Por ser um jargão muito conhecido, vindo do Nordeste, adotaram esse 'Senta a
Pua' como o nosso grito de guerra, e tiveram a idéia de transformá-lo em uma
imagem.
Estávamos ao redor de uma mesinha no navio: eu, Lima Mendes, Rui, o Meira -
se não me engano- então eu desenhei o símbolo. Tem a nuvem, que é o chão do
avião, o vermelho que é o céu de guerra, o escudo que representa o cruzeiro do
sul - céu da nossa Pátria - e assim por diante.
Armei o avestruz com uma pistola que era o "tiro", a defesa é a pistola, o poder de
fogo do avião; depois botei o quepe. Depois cada um foi tendo uma idéia e foi
surgindo o emblema: a fita verde e amarela em volta simbolizando o Brasil, o
escudo, a pistola, tudo tem um significado. Quando nós entramos em combate e
começamos a 'levar tiro' dos alemães, fizemos mais um "flak" (explosão)
estourando perto do avestruz.
É essa a história do 'Senta a Pua': muito simples e eu acho que engraçada
também, bem humorada. Daí surgiu o emblema do Grupo de Caça.
Como afirmaram, tudo, enfim, tem um significado, mas o que de principal parece ter
acontecido com a criação do emblema foi a consolidação das experiências, expectativas,
motivações, valores e estratégias, que passaram então a orientar o Grupo, como se
observou através da pesquisa sobre a simbólica do Grupo. Este, por sua vez, passou a se
organizar em torno de seu Emblema, com orgulho. O Emblema consolida, assim, a
identidade do Grupo, fortemente apoiada por elementos da cultura e sub-culturas das
quais eram oriundos.
... Logo que surgiu o desenho e que chegamos em Tarquínia nos apressamos em
colocar o nosso emblema nas aeronaves que iríamos utilizar, mesmo porque já o
345, 346, 347, esquadrões do 350
th
Fighter Group, já tinham os seus emblemas,
então era orgulho para nós também voarmos com o nosso... O Tenente, com
grande entusiasmo, contando com a cooperação dos nossos sargentos e sua
equipe de pintura, encarregou-se de estampar nas carenagens da seção de
acessórios do motor dos P-47, a insígnia "Senta a Pua!"... Quando saímos de
Tarquínia para as primeiras missões os aviões já decolavam com o "Senta a Pua"
na sua fuselagem... Além disso a expressão 'Senta a Pua!' ajudou muito o 1o.
Grupo de Caça... São quatro coisas que ninguém apaga do Grupo de Caça: a
imagem do Nero Moura, o ‘Senta a Pua’ do 1
o
. Grupo de Caça, o 'Adelfi' - nosso
grito de guerra - e o ‘Carnaval em Veneza’. Essas quatro marcas viverão
eternamente.
Assim, quando desembarcaram na Itália, e tiveram o contato com a realidade com a qual
conviveriam em campanha, se apresentaram já com um nível suficiente de coesão e com
um conjunto organizado de significados compartilhados que os habilitaria para o
enfrentamento das demandas dessa fase, decorrentes, principalmente, do contato com as
visões e as ameaças mais próximas da guerra.
Chegamos a Livorno e desembarcamos para umas barcaças, pois o porto estava
todo destruído. O desembarque em Livorno, Itália, foi outro drama. O porto estava
cheio de navios afundados, apenas com as chaminés acima d`água... Quando
pisamos no solo italiano, precisamente às 14:40 horas, sob forte temporal, só se
via destruição. A primeira impressão foi dantesca e não me saiu da memória. Nós
também já estávamos sofrendo aquele impacto da guerra, porque antes era tudo
treinamento e agora nós estávamos na guerra propriamente dita. Quando
desembarcamos eu tive o primeiro 'medo' na guerra. Outro medo: Naquele mesmo
dia, quando nós chegamos à estação Ferroviária local, vimos duas rodas do trem
no telhado da estação. Perguntamos: "o que é isto??" A resposta: "Foi o
bombardeio de ontem". O som dos canhões bem próximo de nós. O temporal, que
207
parecia arrasar tudo perto de nós. A passarela bamboleante para saltarmos na
terra. Tudo muito tenebroso e assustador até chegarmos à estação ferroviária,
toda destruída, e uma composição à nossa espera, para nos levar a Tarquínia.
Desembarcamos, fomos conduzidos de caminhão até a estação de estrada de
ferro e fomos apresentados a um trem. Outra droga. Aquilo não era uma
composição de estrada de ferro, mas uma decomposição...Nós fomos 'atirados' lá
dentro com o corpo molhado, mas acomodados da melhor maneira possível.
Entramos nesse trem, que era bem vagaroso, andava um pouco e parava, aí veio
o segundo medo, porque normalmente os infiltrados na Itália punham dinamite nos
trilhos para explodir os transportes. Os buracos feitos pelos aviões aliados
facilitavam o banho de chuveiro involuntário que tomávamos naquela travessia até
a pequena Tarquínia. Pegamos chuva no caminho. Juntávamo-nos nos corredores
para não nos molharmos. Como chovia!
...e fomos parar em Tarquínia, uma cidade perto de Roma, do tempo dos
Etruscos. Ela continuava como era antes, um lamaçal tremendo, e eu pensei:
"Acho que nem os Etruscos conseguiriam viver aqui". Nós fomos o último
esquadrão a compor o 350
th
, quando chegamos lá, já haviam três esquadrões
americanos estabelecidos na Base. Na chegada, nos surpreendemos quando o
americano apontou o local onde deveríamos acampar. A parte que nos sobrou
talvez tenha sido a pior e, portanto, mais trabalhosa. Nós olhamos e falamos:
"Como é que nós vamos acampar ali?" O campo todo destruído, não tinha hangar,
não tinha nada. Tínhamos que andar por dentro da água, da lama, era um
verdadeiro lamaçal que nos reservaram...
Apesar desses impactos de chegada, observa-se o surgimento de um outro movimento do
Grupo, que irá caracterizar seu comportamento tanto na Base de Tarquínia quanto mais
tarde, na Base de Pisa, para onde foram transferidos no final de novembro: a organização
do espaço.
No dia da chegada, ninguém ficou sem fazer nada, houve trabalho para todos,
sem exceção. Os cerca de 350 homens, inclusive os pilotos, começaram
imediatamente a fazer a locação das barracas operacionais, a drenagem do
terreno, a reposição dos aviões, tudo num afã e entusiasmo contagiante, não se
importando com o frio e a chuva do outono europeu... Armar barracas e ajeitar o
acampamento era a ordem do dia e acabamos armando as barracas dentro da
água, mesmo. Já à noitinha teríamos um teto para a noite. Dia seguinte, embora
domingo, o trabalho continuou em ritmo acelerado e exaustivo. As barracas eram
de lona, e fizemos bom proveito. Várias ferramentas foram utilizadas: enxadas,
pás, picaretas, serrotes e até machados. Enquanto uns esticavam as lonas das
barracas, outros abriam pequenas valas ao redor das mesmas com a finalidade de
facilitar o escoamento de água das chuvas, pois o terreno era baixo e alagadiço.
Os mais especializados se encarregavam da parte elétrica, puxando fios por todos
os lugares e levantando postes; a energia era fornecida por grupo de geradores
portáteis.
Dia 9 de outubro, ainda continuava a faina; agora, desmanchando caixotes e
arrumando o material. Nesse dia ficamos sem almoço, para dar maior progresso
aos serviços, fazendo últimos retoques no acampamento.Tínhamos como vizinhos
o 345º Esquadrão Americano.
Para 'coroar' a situação, tem uma passagem que de certa forma é cômica: na
nossa montagem de barracas, talvez pela falta de experiência, tivemos o azar de
naquela primeira noite, por volta de meia-noite, duas horas da manhã... Veio
aquela tromba d'água e desfez quase que todo o nosso acampamento, foi uma
coisa terrível. As barracas começaram a desabar porque tinham sido armadas
errado, aquela estaca que se coloca no sentido da lona retesou e saiu tudo
voando, inclusive a própria barraca onde estava o Comandante e aí o Nero ficou
danado da vida, teve que chamar um dos pilotos, que era engenheiro, designá-lo
para fazer uma drenagem da área. Nós tivemos que passar o resto da noite dentro
da água, embaixo da lona, e começar tudo de novo no dia seguinte, mas de
manhã todos trabalhamos para arrumar a bagunça... Foi a primeira experiência de
guerra, como se a guerra se iniciasse ali.
A vida na base de Tarquínia era muito diferente daquela que depois
posteriormente tivemos em Pisa, porque nós vivíamos mais juntos nas barracas.
Resumindo muito, recebemos os aviões e iniciamos os trabalhos e missões. Os
aviões chegavam a atolar, tínhamos que empurrar para não pilonar. Às vezes o
avião tinha que ser tratorado até a pista, porque o barro era enorme, era barro e
208
gelo misturado... Além disso havia um tempo de navegação longo até chegar na
linha de frente. Então a parte operacional em Tarqüinia era muito penosa.
Como sempre todo começo é cheio de imprevistos e tudo toma uma feição maior,
quase que fantasmagórica. Tivemos muitas dificuldades em Tarquínia.
Claro, com o passar do tempo nós transformamos o acampamento, drenamos
aquela água toda, abrimos valas e valetas para podermos nos deslocar, porque
não tinha nem como andar. Uma semana depois as barracas estavam todas em
ordem, os aviões já agrupados em esquadrilha e já tendo acesso à pista! Em
suma, aquilo fora transformado numa base operacional dentro dos padrões de
guerra.
Posso considerar a primeira volta por cima do 1º Grupo de Caça. O desgaste foi
vencido e serviu como um elemento aglutinador sob o Comando de Nero Moura.
Duas ou três semanas e estávamos em condições de iniciar nosso combate.
Superados todos esses percalços, o 1º Grupo de Caça deu início à sua inolvidável
missão.
Além de ‘dar a volta por cima’ nas condições do ambiente, a organização do acampamento
também permitiu uma série de adaptações para que enfrentassem o frio e a falta de
melhores condições sanitárias.
Proporcionou também uma área comum para convívio, quando montam, com mobília
fabricada a partir dos caixotes desocupados, a ‘sala de estar’ da Esquadrilha Amarela.
Situada em uma posição mais ou menos central com relação às demais barracas, atuou
como uma área de socialização e de contato com outras unidades, passando também a
ser utilizada como ‘sala de visitas’ do Grupo, inclusive para o recebimento de autoridades.
Assim, os ‘sem teto’, investem energias e o esforço coletivo para que sua condição de
moradia atenda a outras funções, de convívio, proteção e bem-estar, que não somente
àquelas relacionadas às operações.
Em Pisa, já não mais acampados, mas acantonados, e com um conforto relativamente
maior, essa função de socialização passou a ser atendida pelos clubes Copacabana, das
Praças, e Senta a Pua!, dos Oficiais. As atividades de ambos os clubes favoreceu,
inclusive, um convívio mais próximo com a população local.
...Pisa foi nossa segunda e última base na Itália. Depois de passarmos dois
meses num acampamento, dormindo em barracas de lona com o maior
desconforto, tomando banho, tirando água quente com o capacete, num local
completamente aberto, chegamos a uma cidade que tinha sido parcialmente
bombardeada, e lá encontramos um conforto relativo...A Base Aérea de Pisa
encontrava-se em estado lastimável. Passamos todo o mês de dezembro
arrumando a pista, montando as seções de mecânica, rádio, caldeiraria,
armamento, elétrica, etc...Num grande mutirão montamos o melhor Technical
Supply da Base, com prateleiras feitas com caixas de munição e estantes
montadas com ajuda de sucata recolhida pelos arredores...
Criamos então o nosso "Clube Senta a Pua!", que passou até a ser freqüentado
pelo pessoal da cidade. Começamos a receber alimentos através da FEB,
alimentos brasileiros como arroz, feijão, enfim, coisas que os brasileiros gostam, e
confraternizávamos com os italianos, jogávamos basquetebol, futebol, era uma
vida relativamente boa.
Eles (os graduados e praças) por sua vez tinham sua vida própria. Fizeram um
clube denominado 'Copacabana'. Eles eram uns trezentos e tantos e chegaram
realmente a constituir um lugar para o italiano ir dançar. Alguns deles até casaram
com italianas e chegaram a constituir família...
Era uma reação antagônica à Guerra, a parte social, justamente o desabafo...
209
Ao lado da observação desses comportamentos, os discursos permitem também acessar
algumas estratégias de enfrentamento utilizadas pelo Grupo e pelos indivíduos.
Uma delas aponta para o estilo de manejo da gama de emoções suscitadas pelas
experiências.
Em que pese às observações de Tugade, Fredrickson e Barret (2004), sobre a capacidade
dos resilientes de entenderem a complexidade de suas emoções, valendo-se desse
entendimento para adaptar-se com flexibilidade e mais recursos em resposta às
circunstâncias negativas, o que parece ocorrer entre os membros do Grupo é um certo
distanciamento entre o que experimentaram e a rotulação dessa experimentação.
... ao fazer essa apresentação o Comandante - que já devia ter mais de cem
missões realizadas - estava com a sua mão tremendo. Eu não sabia se aquilo era
'Mal de Parkinson', nervosismo de fumo ou outra coisa parecida. Aquilo me
chamou a atenção e eu fiquei também emocionado, sensibilizado. Eu pensei:
"Essa missão não deve ser muito fácil", foi minha conclusão imediata...
Eu não me esqueço porque o Comandante da esquadrilha se parecia com o 'John
Carradine', aquele ator, com o rosto afilado e um bigode fininho. Ele ouvia a
missão e alisava os bigodes, que eram fininhos e terminavam com uma ponta
torcida. Então eu ficava pensando: "Pelo o que eu sei de bigodes, o pessoal que
tem esse costume é agressivo. E quanto mais levantada a ponta, mais
agressividade o sujeito tem. Mas, enfim, vamos ver como é que vai ser"...
Cheguei ao lado do líder bem emocionado, na ponta dos cascos, como diriam os
gaúchos naquela época...
Quando cheguei, abri o canopi, e a primeira pessoa que estava no avião era o
meu mecânico para me ajudar a sair. O meu mecânico, que era mais moço do que
eu e um excelente profissional, me viu tremendo e perguntou: “ É o frio, Tenente?”
Eu disse: “É...”, mas não era frio não, era aquela emoção ainda de ter chegado da
primeira missão e que eu não tinha forças para sair do avião...
Eu me lembro de um dia (um Sargento) notou que o piloto tava meio nervoso. "O
que é que é isso Tenente, o senhor tá nervoso?" "Não, vai tomar banho", então ele
recomendou assim "o que é isso, mostre que macaco não tem medo não, quê que
é isso Tenente, macaco não tem medo"...
Esse tipo de reação é observado especialmente nos pilotos, descrevendo suas missões.
Aqui, portanto, o que se observa em termos de gerenciamento das emoções, está mais
próximo do que a literatura pertinente descreve com relação aos pilotos. Esse assunto
também faz emergir de suas reflexões uma importante emoção nessas situações: o medo.
Quando eu mergulhei e comecei a ver as 'traçantes' passando junto de mim eu
fiquei afobado, o que eu acho natural, porque a primeira missão é o 'batismo de
fogo', como se diz. Eu me recordo que eu suava demais, e na recuperação eu
puxei com tanta força que a máscara chegou a descer do rosto. Como eu já disse
isso é natural, deve ter acontecido com outros pilotos, mas não é medo, é
afobação mesmo, porque não se tem tempo de sentir medo.
Não era medo, eu não senti medo de morrer, eu senti emoção, eu senti aquilo
para o que estava preparado durante muito tempo. Ninguém vai para o combate
sem estar preparado, porque se não estiver preparado não agüenta. Então não
era medo, mas era uma fortíssima emoção de ter feito a primeira missão, a
emoção de ter jogado bomba, dado tiro em todo lugar, a emoção de ter perdido
um companheiro que horas antes estava falando com você.
Sua audácia ia além do normal, relegando o instinto de conservação no calor do
combate. Medo era uma palavra que não constava do seu dicionário. Certa vez
confessou-me que seu único medo era de perder um ala.
Nós fazíamos o bombardeio, e no momento em que entrávamos lá, esquecíamos
de tudo. Naquela hora vinha a tensão e você pensava: "Será que é hoje?", e no
momento seguinte você 'picava' o avião, ligava as metralhadoras e a câmera e já
210
estava com as bombas armadas, pronto para lançá-las. Aí você não tinha mais
medo, éramos absolutamente profissionais, esquecíamos tudo...
O ‘medo que não era medo’ estava associado ao risco, que conseguiam avaliar, e que se
renovava a cada missão.
A tensão começava pela luta de se ganhar aquele dia, porque disputávamos cada
dia...era acordado pelo Oficial de Operações. Para não acordar os outros
companheiros, ele vinha muito devagarinho até a sua cama e chacoalhava você e
dizia: "...você vai voar". Parecia que eu ouvia: "...você vai morrer" , porque naquela
hora a gente acordava com aquele frio, a realidade da guerra, depois de uma noite
até com um sonho completamente diferente...
Um companheiro disse uma vez: "Você está disputando cada dia a morte". Isso
porque, a cada mês, perdíamos três pilotos, era a média e foi uma aritmética muito
ruim, muito má, mas que foi cumprida à risca...
Não existia mais missão fácil nos últimos dias da guerra, e também não existia
mais missão em que não se morresse e esse era o medo de todo piloto quando
vimos que a guerra estava terminando...
Na proporção em que ia se aproximando o fim da guerra nós sentíamos que o
risco era maior, porque "morrer na véspera só peru", e isso era realmente
doloroso...
Então, nos últimos dias não tinha moleza, pelo contrário, a grande expectativa -
até o Comandante tinha isso - era justamente morrer no final da guerra...
Tinham que superar esse medo, e aparentemente se valiam de defesas racionalizadas e
contrafóbicas:
O medo de 'morrer' todo mundo tem, é instintivo, natural...e no grupo tinha isso,
tinha o medo de 'morrer' que a gente sentia e muita gente chamava de 'receio'; era
o que a gente sentia quando começava a missão, já taxiando no começo da pista
para começar aquela missão. Ao atravessarmos aquelas montanhas íamos para o
lado de lá pensando: "O que vai acontecer? Vou morrer, ficar prisioneiro?". Mas
depois passava. Quando começa a ação, quando você começa a atirar, a matar, a
manobrar, esse medo - esse 'receio' - em geral passa.
Terminei a missão cismado. Acho que tive medo. Abri a alma com o médico. –
“Mais uma missão, não e possível que a bruxa esteja tão atenta em ti. Prometo
que terás a licença depois desta”. A essa altura já lhe havia confessado que
estava amedrontado. Ele, porém, com aquele jeito de gente, tornou a convencer-
me. Fui mais uma vez e mais outra. Como nada me aconteceu, ele me
liberou...Quando regressei do rest-camp era outro homem, nem lembrava mais
daquelas missões passadas. Acredito que o médico manobrou bem, não
permitindo que eu fosse a Roma antes de realizar, pelo menos, duas missões sem
ser atingido pela AAAé alemã...
O céu estava preto, e pensei com os meus botões: "Puxa, vai ser duro isso aqui".
Mas resolvi fazer a missão de qualquer maneira, porque ou eu fazia ali ou então
eu estava derrotado; fiz o mergulho, acertei minhas bombas no alvo, recuperei, e
tudo se normalizou. O que senti nada mais foi do que o medo, que a gente tem
que dominar, não tem jeito.
O medo. O medo é negócio sério...Não sei por que, mas naquele dia aquelas
barragens de fogo, a negra e a branca, me assustaram, me pareceram
diferentes...Pela primeira vez me dei conta objetivamente do perigo que iria correr.
Senti vontade de não mergulhar naquele inferno. Não houve duvida: senti medo!
Medo dos tiros e, principalmente, medo de não dominar o medo. Tinha que
mergulhar já, senão não teria mais coragem para cumprir uma missão 'quente'. E
fui, sabe Deus como...O importante era vencer o medo. Venci.
E de razões e sentido nos quais se sustentar para se preparar, enfrentar e superar o
medo.
... é como eu disse a pouco, não é questão de ter medo, é questão de ter a
preocupação de cumprir a missão e defender o nosso nome na FAB: afinal eu era
um brasileiro entre três americanos, e não podia fazer feio...
A vida ia passando, nós cada dia com as missões mais apertadas e sentindo que
a guerra chegava ao fim, mas sempre com aquele risco de poder não sobreviver.
Entretanto ninguém enfraquecia: todo mundo continuava lutando...
211
Ninguém vai para o combate sem estar preparado, porque se não estiver
preparado não agüenta...
No Grupo como um todo, as emoções desagradáveis eram raramente compartilhadas, e
entendiam haver nessa atitude uma forma de proteção para o conjunto.
O garoto foi perdido em combate. Ninguém o viu saltar nem ouviu nenhuma
mensagem sua. Ficamos mais 48 horas na expectativa de uma notícia - nada. A
conclusão de todos é que havíamos perdido mais um. Conforme o procedimento
adotado no 1o. Grupo de Caça, oferecíamos um vibrante "Adelfi" ao desaparecido,
bebíamos sua saúde e não se falava mais nele. Cada um sentia a dor a seu modo,
mas nunca externando-a ...
Compartilhávamos em silêncio... E às vezes não era tão em silêncio assim. Não
fui só eu a ver comoventes lágrimas e soluções de calejados homens afeitos à
dureza da vida militar, quando algum de nossos companheiros ficava do lado de
lá.
Existe, pois, ainda muita armadura boa que foi e continua a ser usada, tal como
no caso de um deles. Sendo a dele original, aquilo que ela não conseguia
esconder, era excepcional. Um dia alguém o encontrou com os olhos marejados,
como se tivesse acabado de chorar. -"...você está chorando?"- - "Não! Soldado na
guerra chora pra dentro, se chorar pra fora, prejudica os outros."
Se a experimentação da dor, da tristeza e do medo eram defensivamente silentes, outras
emoções aparentemente emergiam com força suficiente para contrabalançar o que se
reprimia.
Emoções positivas estão relacionadas ao comportamento resiliente. Nos discursos aqui
analisados, dentre as palavras descritivas de emoção, depois de ‘dor’, a que mais se
encontra, é ‘alegria’.
A alegria era vista como uma forma de enfrentar as dificuldades e estava relacionada ao
bom-humor, expresso através de brincadeiras, trotes, gozações, ironias e afins, que foram
outra marca característica do relacionamento no Grupo.
Além do espírito de guerra, também tínhamos o espírito de divertimento...
Os rapazes do 1o. Grupo de Caça evitavam preocupações. A guerra que
estávamos fazendo já era preocupação bastante.
No grupo existiam os 'tristes-vidas' e os companheiros que eram mais alegres,
mais eufóricos e que aproveitavam as situações de tristeza para transformar aquilo
num 'Adelfi', num 'Carnaval em Veneza', numa canção para poder viver
(Um companheiro) ria tanto que chegava a sufocar. Como estávamos precisando
rir para aliviar as tensões do vôo e as saudades de casa, ríamos com ele. Cada
pequeno acontecimento como esse, dentro do Grupo, tinha o tom de amenizar a
tensão em que todos vivíamos.
Era assim que as coisas se passavam, tudo era motivo para a gente rir um pouco.
.. voltávamos (das missões) com uma grande alegria, alegria de sobreviver mais
algumas horas, alegria que nós íamos ainda participar de outra missão, então não
era propriamente alegria, tinha... uma alegria saudável,...alegria, que é na guerra,
a coragem de enfrentar tristezas como quem enfrenta um novo inimigo.
Acho que, se não fosse a eterna gozação, com o volume de trabalho que existia e
o pouco lazer disponível, se a gente não tirasse partido das ocasiões, teríamos
mais gente atingida por psicose de guerra depois que regressamos.
Rir e gozar a vida era o lema... O resto era o combate...
‘Amor’ é considerado outra emoção positiva associada à resiliência. No Grupo de Caça
esse tipo de emoção se revelou principalmente sob a forma de compaixão, dedicada à
população italiana, sobre a qual testemunhavam a miséria e o sofrimento provocados pela
guerra.
212
Ao falarem sobre o relacionamento com os italianos, além da afinidade e o apoio, real,
quando foragidos, e emocional, quando ‘adotavam’ uma família, colocam em primeiro
plano a empatia pelo sofrimento que testemunhavam e as iniciativas que tomavam a esse
respeito, em alguns casos como gratidão.
... a fome era um negócio muito sério. Eu não sei se no nosso país não passamos
por isso, porque quando estava fumando tinha pelo menos dois ou três atrás
esperando você jogar a guimba fora pro sujeito pegar o cigarro, ou meninas que
vinham se oferecer por um pedaço de chocolate.
... a miséria, a fome, a falta de tudo, uma coisa muito trágica numa sociedade.
Acho que nunca chegamos a esse ponto e é difícil imaginar o que está por trás
daquilo tudo. Quando víamos uma pessoa não sabíamos o que acontecera com a
mãe dela, o irmão, o tio ou o pai.
O sentimento de ajuda me fez colaborar com as pessoas destituídas de seus bens
com tudo aquilo que eu podia conseguir guardar, e, quando existia folga de guerra,
eu e o meu companheiro íamos, com os produtos por nós economizados, distribuí-
los a uma família
Eu chegava das missões e ia até lá, passava a tarde e auxiliava no que era
possível. Levava cigarros, porque essas coisas eles quase não tinham, mas
cigarros brasileiros eles não queriam porque consideravam ruim, ninguém queria
fumar...
E ajudamos de tudo quanto era jeito para que pudéssemos amenizar o sofrimento
daquele povo. Para nós, soldados, não iria faltar nada, comida, roupas, bebida,
nada. Mas não estávamos satisfeitos em ver aquela 'novidade', o povo morrendo
de fome, famílias colocando suas filhas para se prostituírem, porque tudo o que
eles podiam obter vinha dos soldados, dos militares que estavam ocupando a
Itália.
Outra faceta de um dos companheiros, desconhecida para nós, era o amor pelas
crianças. .. fomos saber que ele comprava chocolates e outras coisas no cassino e
ia para uma quadra adiante, numa esquina um pouco mais afastada, onde ele se
encontrava com a garotada e distribuía o que comprava para aqueles meninos de
Pisa, coisas que eles já não tinham por causa da guerra há meses, anos. O
homem mau tinha sua creche particular...Daí por diante, lhe dávamos tudo o que
tínhamos de biscoitos, chocolates, balas e alimentos...
Estava foragido e mais uma vez me trouxeram o que comer. Era uma vez por dia
e eu sabia que o que me davam, tiravam de si... Eu queria fazer alguma coisa
para ajudar aqueles que me tinham ajudado com o risco de suas vidas...Pedi para
explicar o caso ao nosso Comandante e o que queria fazer... Daí a uns dias
chegava um caminhão com as coisas pedidas. ... Fiz a distribuição entre os que
me tinham ajudado...eu dei algum dinheiro também...Ajudei aquele pessoal porque
eles realmente precisavam. A gente tinha passado momentos de sentar dois ou
três na mesa e praticamente não tinha o que comer; tomávamos um ou dois copo
de vinho e deixávamos a refeição para mais tarde.
Seguindo a tendência de não se darem conta, não compartilharem, ou não explicitarem as
emoções relacionadas às dramáticas experiências que viviam, a música também se revela
como outra importante, e típica, estratégia de enfrentamento dentro do Grupo.
Depois da ‘Canção da Jardineira’, as músicas tinham o seu lado lúdico, que aliviava as
tensões vividas, além de remeterem às coisas do Brasil, das quais estavam saudosos,
estreitando assim os pontos de apoio na identidade cultural.
...Então começou a surgir uma coisa extremamente importante no Grupo de Caça
que foi a 'fase musical'...Era uma coisa espantosa como isso acontece. Nós
cantávamos o 'popopó, piriri, piriró', 'a gatinha parda', coisas assim, eram até meio
infantis mas cantávamos com uma dedicação quase de coral, querendo fazer
vozes diferentes. Era uma grande distração e um grande incentivo para nós,
porque aquilo nos dava um entusiasmo...
A música entre nós do 1º Gp Av Ca sempre esteve presente. A gente podia
lembrar as coisas do Brasil fazendo um pouco de música, ... e isso era bom para o
213
nosso moral. Todos ficavam alegres, todos participavam, e nós tocávamos
bastante. Algumas vezes também criava situações pitorescas. Circulavam
diversas paródias para satirizar os acontecimentos...
Fica também clara uma outra função da musica:
O piloto de combate é especialmente dado a cantorias nas suas horas de folga.
Isto porque precisa desatar os nós produzidos pela tensão de sua atividade. A
aparente brejeirice e acentuada musicalidade do piloto de caça não têm sua
origem num temperamento leviano ou de caráter superficial. Em termos de
comportamento constituiria, antes, uma espécie de farsa ou eufemismo das
reações, diante da dureza dos fatos ou das circunstâncias.
Qualquer unidade de caça, quanto mais ativa e aguerrida, exibe nos seus pilotos
uma descontração que, sabemos, é o pólo oposto de sua atitude em vôo.
E todos cantam, mesmo os desafinados. Fazem-no na guerra como em tempo de
paz. Assim se mantêm unidos e emocionalmente equilibrados.
Além disso, analisando as ocasiões em que as mais importantes peças do seu cancioneiro
emergiram, pode-se considerar que elas tiveram o papel de organizar e elaborar as
vivências mais marcantes, que puderam assim ser compartilhadas pelo Grupo, mas
preservando uma segura distância do potencial provavelmente desestabilizador das
emoções associadas.
Nesse sentido, a marcha ‘Carnaval em Veneza’ parece sintetizar e organizar uma gama de
pesadas demandas do momento da guerra que viviam.
Era carnaval e não só estavam longe do Brasil como saíram para uma missão
especialmente difícil, em que arriscaram a vida, enquanto que, paradoxalmente,
vislumbravam a beleza da cidade de Veneza. Ao retornarem, ouvem o conjunto, no Club,
tocar a ‘Música do Funiculi’, uma das canções italianas mais típicas, para a qual havia uma
paródia carnavalesca brasileira.
Sem planejamento consciente, sem talvez se darem conta daquele sincronismo, três dos
combatentes sentam-se e, energicamente, consolidam numa canção, toda a experiência
de guerra dos brasileiros no Teatro da Itália:
“Eu fui a um carnaval em Veneza, levando umas bombinhas daqui...”
E a força de sua representatividade e significado podem explicar porquê ela acabou se
consolidado na Canção da Aviação de Caça do Brasil.
Além da Canção do Expedicionário e de uma versão brasileira para Lilli Marlene, outra
produção musical que merece destaque é a “Ópera do Danilo”, através da qual contam
uma das aventuras mais marcantes vividas pelo Grupo, pelo retorno à Base, de Danilo
Moura, piloto abatido em combate e foragido.
A fuga do Danilo Moura é uma das histórias mais compartilhadas entre os veteranos,
sendo a Ópera, ou seus trechos, canto obrigatório em suas reuniões.
Emergiu logo após o retorno do Danilo, que impressionou o Grupo reunido, com o relato
dos detalhes de todos os acontecimentos, e de todas as decisões que tomou e alternativas
214
que adotou, para percorrer o território inimigo e atravessar a linha, de maneira bem-
sucedida.
Danilo, depois de libertado, voltou para a nossa base e pôde então contar a sua
história. Ele contou essa história, nós todos ouvindo, enquanto ele, dez quilos mais
magro em apenas um mês, contava, de tal maneira fantástica, que nós, olhando
um para o outro, dissemos: " Isso vale uma ópera". Então resolvemos fazer nossa
própria ópera, em cinco atos: "A Fuga de Danilo Moura".
É a história do aviador que termina no chão, machucado e cercado de partisanos,
eles meio revoltados com aquilo, então chamam a atenção: "Aviatori, que faz
bombardamento, matando gente, trazendo luto ...". Nessa hora, no Grupo de
Caça, todo mundo entrava no coro; até o oficial de operações, que tinha a voz
muito boa, também entrava nessa hora no coro. Essa cena é bem 'operística' e na
encenação a gente fazia o Danilo pulando de pára-quedas, que era de uma
cadeira, e aí o coro de partisanos voltava.
Então essa ópera é hoje uma parte importantíssima do 1° Grupo de Caça, e mais
importante ainda é porque, cinqüenta anos depois, ainda é cantada nas nossas
reuniões, nas noitadas nas bases aéreas, é espantoso.
Em torno da Ópera, pode-se dizer que também se organizam as histórias dos fugitivos e
dos prisioneiros de guerra do Grupo de Caça, e suas alternativas de sobrevivência, que
renderiam um estudo à parte.
Quando retornavam, esses pilotos relatavam suas experiências para o grupo atento,
geralmente após o jantar, e acompanhado de bebida, que se servia à vontade em
ocasiões como essa.
Era comum quando um piloto regressava os comandantes abrirem garrafas de
uísque e o pessoal beber muito. Alguns ficavam 'tontos' e às vezes o narrador
tomava um pileque e ficava com a língua presa.
Aliás, bebida alcoólica era distribuída como ração e seu consumo, tolerado, algumas vezes
incentivado, acompanhando situações de tristeza, alegria, confraternização e convívio fora
das missões.
Cada oficial tinha uma ração quinzenal de uma caixa de cerveja americana, com
12 garrafinhas em cada caixa. Em grupos pequenos, ficávamos palestrando,
contando anedotas, histórias diversas, inclusive sobre as missões que tínhamos
feito, ou que desejávamos fazer na próxima missão. Naturalmente, cerveja entrava
no acontecimento, cada um tirando de sua caixa uma garrafinha já bem gelada
pela temperatura do ambiente.
Era comum um dos companheiros homenagear José Bonifácio, bebendo à sua
saúde. Naturalmente, a homenagem atingia também a José Bonifácio, o moço;
Bonifácio sentado, Bonifácio de pé; estátua e outros Bonifácios.
Na verdade procurava-se um motivo para consumir rações de cerveja, vermute,
vinho, gim e bourbon americano, vendidos no PX (Post Exchange, ou seja,
cantina) de 17 em 17 dias.
Essa letra foi cantada dramaticamente em clima de brincadeira, porre, todos
bebendo, muitos palavrões. Foi uma coisa que mexeu com todos.
Bebia-se muito naquelas reuniões, e os que não se embebedavam é porque
eliminaram parte dela pelo ladrão...
O uso do álcool, aparentemente, atendia a uma função ansiolítica e antidepressiva, mas,
por outro lado, em algumas ocasiões, expunha o combatente a perigo.
Um piloto, depois de abatido, demorou dois dias para voltar. Causa: tomou um
vastíssimo porre, "homérico". Seu companheiro no porre foi um piloto de Spitfire,
abatido e resgatado por um Comando britânico...
(Depois de abatido e socorrido por igleses)... quando cheguei lá(no cassino dos
oficiais) colocaram um copo de vodka na minha frente e depois cantaram uma
215
canção cultural, aquela vibração toda. Eles beberam e quando fui tirar o copo das
mãos seguraram ele e me deram um pileque de vodka. Desmaiei e entrei num
coma alcoólico perigoso... Acordei no outro dia no Hospital Central de Livorno.
Conversando com meu amigo, que ali prestava serviço como oficial médico,
comentei: “Se eu tivesse morrido dessa coma alcoólica e tivessem perguntado por
mim no Brasil, vocês seriam obrigados a responder: “Bem, esse morreu de um
porre de vodka”...
E assim se conduzindo e enfrentando as diversas demandas, o Grupo vai se aproximando
do final da campanha e também do esgotamento. A cada dificuldade, parecem ir
atualizando o tipo de motivação para o combate. Ela se renovava diante de cada perda...
Contudo, aquela sua morte, a primeira acontecida nos céus da Itália com um
piloto do 1o. Grupo, não nos abateu; ao contrário, cada um de nós ficou mais
motivado para continuar a luta.
...ou da saudade de casa...
Isso causava, assim, tristeza, até lágrimas, de saudades, de saudades de casa...
Ao mesmo tempo, a gente trabalhava com um ardor muito grande, querendo
conquistar o término de uma guerra que já durava muito tempo, naquela ocasião já
tinha mais de cinco anos de duração.
...e diante do temor pelo fracasso.
Mas o nosso avião levava a bandeira, as cores da FAB, então, muitas vezes,
vinha na minha mentezinha, um aviso assim "eu não posso fraquejar, eu não
posso fraquejar", então isso tudo fazia com que eu me sobrepunha a essas... não
era estresse, era mais ou menos... uma espécie, talvez seja estresse, mas eu não
sei bem, era o frio, a saudade de casa...
E se traduz, sumariamente, na Vontade, que apontam no questionário como uma categoria
de fatores que favoreceram seu desempenho.
Chegam então ao final de março, com um número reduzido de pilotos para o número de
missões previstas para o Esquadrão.
A falta de pilotos era tão grande que não se podia dar ao luxo de dizer : " Não vou
escalar o 'Fulano' porque o jogo é muito perigoso". Não tinha ninguém para
completar o time, então o que importava era saber quem estava em condições de
voar e punha no avião e ia voar mesmo, porque nós tínhamos um número muito
pequeno de pilotos para responder por uma demanda de missões que exigiria pelo
menos o dobro do que nós tínhamos.
Depois você chega a esse ponto em que eu digo: “O que é que eu to fazendo
aqui nesse Hospital? Eu vou lá e eu vou voar”. Então, aí acho que não tem nada a
ver a se sobrepor ao estresse, não, não tem nada a ver. É o que houve no final da
guerra, por exemplo: Este rapaz sair do Hospital sem alta e fazer uma missão.
Isso era muito bem compreendido pelo chefe do serviço médico quando ele diz
“você merecia uma cadeia ou um elogio” e eu não tomei nenhum dos dois.
Cada um de nós tinha uma sobrecarga muito maior que os americanos. Ninguém
podia se dar ao luxo de estar passando por um período mais delicado. Nós
estávamos numa época em que cada piloto valia demais. A importância de um
piloto era muito grande.
Então, ah, mostra mais ou menos o estado em que o grupo de caça viveu no
último mês da guerra...
E é nesse momento que, mais do que nunca, a figura do Comandante, levantado como
líder, converge a motivação do Grupo.
Nessa altura da guerra, o Comando Aliado no Teatro de Operações da Itália decide pôr em
prática a Ofensiva da Primavera, para quebrar definitivamente a resistência alemã na
Itália.
216
Eu vou contar algumas coisas pra você ver, mais ou menos, nós, como não
tivemos recompletamento, quando chegou o final da guerra - nós começamos em
outubro - então quando chegou o mês de abril, nós estávamos reduzidos a muito
menos do que o mínimo de um efetivo. Tínhamos aviões, quer dizer, se cair um
avião, a gente ia no depósito em Nápoles e pegava um novíssimo e repunha e
saíamos voando combatendo, mas então o que nós não tínhamos eram pilotos,
então, quando chegou no início do mês de abril, nós estávamos muito, muito,
muito desfalcados.
No dia 4 de abril de 1945 teve início a Ofensiva da Primavera, uma estratégia
militar para liquidar com os alemães na Itália de uma vez por todas. O Grupo
estava já na fase do isolamento do campo de batalha, com a cooperação direta
com as forças terrestres, formada por um destacamento aerotático.
Como conseqüência desse acionamento, um esforço máximo é exigido de cada Unidade
Operacional, incluindo-se o 350
th
Fighter Group, ao qual estava engajado o Grupo de Caça
brasileiro. Reunido com os Comandantes de Esquadrões, o Comandante do 350 informa
ao Tenente Coronel Nero Moura que, diante do esforço que seria exigido, e tendo em vista
o reduzido número de pilotos brasileiros, estariam eles dispensados dessa participação.
O Coronel Nero Moura e todos os comandantes dos esquadrões de caças norte-
americanos foram chamados, e disseram que entre o dia 6 de outubro e o dia 29
de abril faríamos a ofensiva máxima, onde colocariam cada unidade dessas
cumprindo 44 sortidas por dia. O 1.o Grupo de Caça era o First Brazilian Fighter
Squadron que, com os outros esquadrões, formavam o Grupo 350, que era
considerado o grupo mais aguerrido do setor do Mediterrâneo, o setor que nós
combatíamos. E o Nero ouvindo aquilo...
O Coronel Ariel Nielsen - Oficial de Operações do 350 th Fighter Squadron - virou-
se então para o Coronel Nero e disse: " Os seus rapazes já chegaram ao limite da
resistência humana. Não precisam fazer esse esforço, inclusive porque vocês só
têm 22 pilotos, e não vamos exigir que um piloto de vocês faça 2 ou 3 missões por
dia. Então vocês poderão ser retirados com honra...
Mas a reação do Comandante Nero Moura foi:
O Nero respondeu: "Vou lhe dizer uma coisa: antes de tomar essa decisão eu vou
consultar os meus rapazes, o pessoal de apoio e os pilotos. Eu tenho certeza de
que eu consultando meus homens eu vou dar uma outra resposta"...
E chegou, diante de seus esgotados comandados e descreveu a situação:
Aí o Nero fez uma reunião conosco. Isso era a alguns quarteirões de onde nós
estávamos, e o Nero veio, no princípio de abril de 1944, e explicou, então, o que
ia acontecer com o Grupo de Caça, todos aqueles que tinham morrido, que
estavam prisioneiros, tudo aquilo que já tinha sido feito de... glorioso mesmo,
entendeu, ah, era a mesma coisa que retirar o time de campo antes do final
quando a gente tava marcando gol!..
Recebendo essa resposta:
Ele não precisou pedir, só o olhar de cada um dos seus companheiros já...
porque ele começou dizendo o seguinte: "tá essa situação, assim, agora eu quero
dizer o seguinte, eu fico pra dar o exemplo". Dito isso ele passou pelo pessoal de
apoio dizendo: "Olha, teremos que rodar dia e noite". O pessoal de apoio falou que
não tinha problema. O Nero foi até nós, os pilotos, e disse a mesma coisa. Mas é
que estávamos desfalcados e tal, então o Nero fez uma reunião com os seus
pilotos e eu tive a honra, a sorte de fazer parte. Ele olhou assim e todos tinham
acenado. Nós respondemos: "Não, Coronel, não vai se fechar o Grupo"...
A liderança de Nero Moura foi-se estabelecendo durante a trajetória do Grupo. Seus
comandados, que contribuíram com seu testemunho a seu respeito, são unânimes com
relação à sua capacidade de comando e liderança, apontando-a como um dos fatores que
favoreceram o desempenho do Grupo. Em virtude dessa ênfase e dessa atribuição, é
217
interessante que se verifique, aos olhos de seus comandados, quais as principais marcas
de seu estilo.
Dos discursos, destacam-se suas características de liderança:
Humilde:
Entre os voluntários do grupo para comandar a unidade os mais votados foram o
Major Nero Moura e o Major José Vicente Faria Neto. Na disputa entre os dois o
José Vicente chegou a dizer para o Ministro Salgado Filho o seguinte: "Olha, eu
tenho as mesmas qualidades do Nero e gostaria de ir porque eu sou mais antigo".
Aí o Nero rebateu dizendo: "Mas ele é Engenheiro. Vamos manter esse homem
aqui no Brasil. Eu tenho muito mais capacidade, muito mais chance de ir para a
guerra, e se eu morrer, morre um piloto. Se ele morrer, morre um Engenheiro,
além de piloto; é melhor ele ficar". O Ministro aceitou a argumentação do então
Major Nero, e foi assim que ele foi para lá.
Congregador:
O nosso Comandante Nero Moura conseguiu uma coisa impar talvez na história
da humanidade: ele conseguiu o que o 'homem' mais deseja no mundo, que é a
unidade. Conseguiu juntar aqueles 450 homens num só, e nós sofríamos, nos
divertíamos, vivíamos conjuntamente, essa é que é a verdade. O Nero Moura era
o símbolo do grupo de caça.
Bem-sucedido:
Se considerarmos que ele era um major aviador; naquela época -1944 - ele
estava com 34 anos de idade e sem nenhuma experiência anterior. Aliás, ele teve
uma experiência: participou da Revolução de 32, o que não foi nada comparado
com uma guerra mundial, mas se portou condignamente durante todo o tempo.
O então Tenente Coronel Nero Moura era um homem singular, um homem que
sabia lidar com os seus comandados, um bravo no combate que tratava os seus
homens com dignidade. Daí vinha o respeito que todos nós tínhamos - e ainda
temos - por ele, por sua memória.
Criava oportunidade para a expressão e o extravasamento da
equipe:
Nas horas de folga, o nosso Comandante estimulava a disputa de partidas de
"futebol". Ele não jogava, mas escalava o S. para uma das equipes e ficava ao
lado do campo gritando: "Passa a bola para o S.", em seguida gritava para os
jogadores da equipe contrária: "Dá um duro nele". Quando o S. queria dar uma
chave de galão, o Comandante gritava: "Não reclama, não, isso é um jogo para
homem!". E a turma aproveitar para tirar a forra.
...De vez em quando, no Clube Senta a Pua, tomávamos umas e outras, e
engrenávamos uma embolada. O Coronel Nero, com sua sabedoria, deixava o
bloco cantando, tirando da roda os coronéis e majores para evitar "grossuras"...
Disciplinado e disciplinador em segurança de vôo:
Não intransigia com a disciplina de vôo. Às vezes ele até fazia vista grossa, mas
em questão de doutrina de emprego militar ele não abria mão, era muito rigoroso.
Focado no objetivo:
O que eu quero é saber o que vamos fazer e nós temos muito o que fazer contra
os alemães".
Discreto:
...tinha um carisma muito grande como líder, mas sem ser um líder bombástico,
de dar ordens de valentia; ele era o mais simples possível, dizia as coisas com
uma simplicidade muito grande...homem que sem nenhum grito, sem nenhuma
chantagem sempre soube conduzir todos no seu mais alto respeito...Nero Moura
voltou conosco e ao chegarmos no Rio de Janeiro ele se apresentou ao Getúlio,
na época, Presidente do Brasil, com três palavras que representam uma
eternidade. Ele disse: -"Presidente, missão cumprida". Naquilo ele procurou
traduzir tudo o que desempenhou durante aquele tempo.
Bom piloto:
Aqui no Brasil o Brigadeiro Nero já era um dos melhores pilotos, inclusive com
curso na França. Foi escolhido para ser o piloto do Presidente da República, na
218
época o Doutor Getúlio Vargas e nunca, jamais em vôo nenhum, houve uma
situação onde ele pusesse em risco a vida do Presidente.
Quando o Nero Moura chegou na guerra tinha a imagem do piloto que voava por
instrumentos, que voava com o Presidente, pessoa culta que tinha até tirado um
curso na França, passado um ano lá. O Nero falava muito bem o francês e voou
todos os aviões de combate franceses.
Participava do esforço:
Como piloto não ficou 'empoleirado' no posto de Comandante e tomou parte ativa
nas missões. Ele era igual a todos nós: nem melhor nem pior. Ninguém se
considerava um "ás", éramos todos iguais e todos combatentes com uma
finalidade única, que era a vitória, haja vista que ele realizou 62 missões de
guerra, se expondo como qualquer outro piloto do Primeiro Grupo de Caça.
Nos levou como líder de terra e de vôo às missões de guerra das mais perigosas,
porque as que nós vivemos e tivemos muita dificuldade ele também viveu
conosco, lado a lado, e sempre saiu-se muito bem.
Bom líder de esquadrilha:
Tinha a grande vantagem de nos levar ao alvo certinho. Na verdade até aí todos
levavam, mas tinha aquele alvo do sujeito chegar bem em cima, e no momento em
que ele identificava o alvo no chão iniciava-se o mergulho para o bombardeio. Era
metade do êxito de se acertar a bomba, porque a bomba era toda subjetiva, não
se tinha bombardeador, não tinha eletrônica, não tinha nada. Era o olho, a mão e o
comando de largar a bomba, e isso só um líder bom é que conseguia fazer muito
bem.
Tinha sorte:
E felizmente ele também era um sujeito de sorte; como dizem hoje, ele era
'quente'. Nero Moura fez algumas missões junto com os outros, em lugares que
era difícil você mergulhar e não trazer nenhuma lembrança do 'flak' alemão. O
Nero tinha uma sorte tremenda: quando ele passava nos lugares mais defendidos
pela antiaérea, passava sempre incólume, não levava tiro. Parecia que ele nem
tomava conhecimento dos tiros, tinha uma sorte muito grande.
Era emblemático:
Cada vez que ele ia com a 'turma' e mergulhava no objetivo superprotegido pela
antiaérea alemã, por incrível que pareça, o alemão parecia dizer: " Não atirem que
é o Nero ... o Nero está ai ! É o Nero Moura que está passando, não atira que ele
é daqueles, é de casa". Ninguém sacava a pistola para atirar quando o Nero
tomava parte na operação, prova disso é que ele nunca trouxe o avião riscado por
um estilhaço sequer da artilharia alemã.
Demonstrava coragem:
Lembro-me de uma vez quando estávamos passando em cima de Casarsa, uma
ponte que derrubou vários pilotos brasileiros, e o P. disse: " Olhe, o senhor está
passando muito baixo, aqui é Casarsa!", e ele disse: " Tu estás assustado feito um
coelho", e continuou passando e os alemães não deram nenhum tiro.
Empático:
Eu sempre tive todo o respeito e admiração porque convivi com ele mais de perto.
Ele sempre foi daquelas pessoas que sabem das coisas, dos detalhes, e
conseguem visualizar a vida íntima de uma outra pessoa e todos esses aspectos...
Até pouco tempo, quando fazíamos reuniões na casa dele, a gente conversava
sobre coisas que estavam me atrapalhando a vida. Mais que um superior, mais
que um Comandante, era um pai, que quando me via chamava: "Meu filho", depois
me abraçava e perguntava: "Como é que vai? Como é que vai a sua esposa?"
Leal:
Ele foi leal ao Presidente Vargas quando este foi deposto em 1945, pedindo
passagem para a reserva. Ele não tinha que fazer isso, ele fez por lealdade ao
Presidente.
Com Valores morais:
Entre nós tivemos uma porção de casos em que ele demonstrou sua grandeza,
seu bom caráter e a sua bondade.
Não se prevalecia do posto:
219
No entanto, durante todo o tempo em que estivemos juntos, jamais tocou com
qualquer um de nós em assuntos políticos. Na Itália houve várias tentativas de
entrevistas e ele se negou a fazê-las.
Convivia com a tropa:
Em poucos dias ele começou a conviver conosco, foi aberta uma roda de
chimarrão, feito um campeonato de voleibol e ele passou a disputar conosco como
se fosse um de nós, e isso criou um ambiente de simpatia muito grande por ele.
Ele adquiriu respeito de nós porque isso ninguém compra, se adquire, e o respeito
é imposto pela própria pessoa que se faz respeitar.
Flexível:
O 'não' dele era quase o início de um 'sim', tamanha a grandeza do seu coração.
Procurava reparar suas falhas:
O Brigadeiro Nero Moura era realmente um homem com um grande coração, e na
minha opinião chegou até a pecar involuntariamente. Por achar que poderia dar a
idéia que estava protegendo o pessoal do Grupo de Caça e nos prejudicar na
Itália, não se manifestou quanto à parte das promoções porque ele não queria
promover a gente lá na Itália com receio de que aqui no Brasil iriam dizer: " Olha,
ele está protegendo o pessoal". Com isso involuntariamente ele prejudicou alguns
de nós, mas quando voltamos ao Brasil ele procurou de toda a maneira ressarcir-
se desse, vamos dizer, 'prejuízo' que ele sem querer causou...procurou o mais
rápido possível fechar aquelas 'cicatrizes' que alguns ainda sentiam, aquela
mágoa por causa das promoções.
Não fazia acepção de pessoas:
Então ele era assim, ele era um amigo e não apenas comigo, mas com todos os
oficiais até o último taifeiro; para ele não havia distinção.
E a opinião geral:
Esse foi o perfil do nosso Comandante que realizou 62 missões de guerra, foi um
homem que realmente marcou sua posição e foi de muita justiça a FAB, muitos
anos depois, eternizá-lo como patrono da aviação de caça do Brasil... Eu acho que
ele foi um grande homem e sem dúvida nenhuma o Grupo de Caça foi muito feliz
em tê-lo como seu Comandante. É assim que me lembro sempre do Brigadeiro
Nero. Esse é o Brigadeiro Nero para mim. Não quero falar mais que eu fico até
emocionado...
Esse líder conseguiu o engajamento de sua equipe no esforço que se seguiria ao longo do
mês de abril, esforço esse que, se por um lado acentuava o desgaste, por outro,
incrementou a produtividade e eficiência de todos, tanto do pessoal de terra quanto dos
pilotos. Os registros de alguns desses resultados encontram-se sintetizados nos DSC’s,
resultados esses que atribuem ao ritmo das missões.
Só o veterano consegue isso. Nós éramos veteranos porque já tínhamos mais de
90 missões e isso nos deu uma prática muito grande de guerra e de
discernimento.
O resultado maior, entretanto, de acordo com os registros históricos, foi obtido pelo Grupo
no dia 22 de abril.
Não queira imaginar o que significou o dia 22 de Abril, a felicidade dos que
operaram da forma que operaram. A grandeza do dia 22 de abril consiste
inicialmente, se fizermos uma comparação, do que era o Grupo de Caça em
relação à Força Aérea dos Estados Unidos. Para se ter uma idéia, nós
significávamos apenas 5% da Força Aérea Tática dos Estados Unidos, então
agora vamos ver os resultados: nós destruímos 15% das viaturas nesse dia e
tivemos 28% das pontes destruídas - e não era fácil destruir uma ponte assim. As
nossas missões eram um 'negócio milagroso', vôos incessantes, um avião atrás do
outro. Também 36% dos depósitos de combustível nós destruímos, e 85% dos
depósitos de munição.
Porque o dia 22 de abril foi significativo? Porque destruímos 85% dos depósitos
de munição dos alemães e isso é o mesmo que arrasar com a logística deles,
torná-los inoperantes...
220
Esse resultado conduziu à proposta do 350º para que o Grupo de Caça do Brasil
recebesse a Citação Presidencial de Unidade.
Nessa citação, um documento de 48 páginas feito pelos americanos, há um
reconhecimento a nosso respeito de que realmente naquele Teatro de Operações
o Primeiro Esquadrão de Caça Brasileiro, o 1o. Grupo de Aviação de Caça, foi o
melhor..
Essa medalha foi criada em 1942, em Pearl Harbor, naquele caos que houve com
o ataque dos japoneses. Duas unidades se sobressaíram porque não entraram em
pânico e conseguiram até decolar os aviões para combaterem o inimigo, então o
Presidente Roosevelt criou a 'medalha presidencial'.
O valor dessa medalha é muito grande porque não é uma medalha para a pessoa,
é uma medalha para a unidade, para quando a unidade se coloca numa posição
de destaque perante as outras. Durante toda a existência dessa medalha somente
duas unidades estrangeiras receberam: uma da Força Aérea Brasileira e outra da
Força Aérea Inglesa.
Para que uma unidade pudesse vencer, era preciso que tivessem várias unidades
do mesmo padrão: se tivessem a melhor manutenção, o melhor desempenho
operacional, destruído mais alvos...e nós conseguimos isso...um orgulho para nós
e crédito para o Brasil. Isso foi o 22 de abril.
Infelizmente na época ela não foi entregue imediatamente, pois dizia-se que ela
só poderia ser concedida a unidades aéreas norte-americanas. Ficou vários anos
sem ser outorgada, até que o Buyers - Capitão da American Air Force John Buyers
- descobriu que a Inglaterra tinha recebido, e então começaram todo o processo
novamente. No ano de 1982 recebemos a Medalha na Base Aérea de Santa
Cruz...
Para o Grupo, pareceu representar não somente o atendimento bem-sucedido das
expectativas para uma unidade aérea de combate, como também o sucesso no confronto
com a superioridade do aliado com quem fizeram a guerra. Veio justamente desse aliado,
o reconhecimento oficial desse sucesso, mormente porque foi proposto pelo Comando do
350º, considerado o mais aguerrido do Teatro do Mediterrâneo.
Uma vez que concretiza o atingimento dos objetivos propostos e da superação das
expectativas para o desempenho do Grupo de Caça, e tendo sido baseada em registros e
documentos oficiais, essa Citação tem sido aqui proposta como evidência de resultado
positivo, a última variável no processo de resiliência a ser aqui discutida.
Não obstante, os discursos aqui analisados permitem também que se verifiquem outras
evidências de resultado resiliente que, segundo Grotberg (2005) incluem estimar o impacto
sobre os outros, aprender com a experiência e reconhecer um incremento do sentido de
bem estar e melhoria da qualidade de vida.
Quanto à estimativa do impacto sobre os outros, em se tratando de combatentes em
guerra, propõe-se aqui analisá-la através das diferentes visões de inimigo, inseridas em
alguns testemunhos.
Simplificando, para mim, uma vez que participei consciente e convictamente de
uma guerra, subdivido os aludidos semelhantes em dois grupos: O inimigo
combatente, sem maior problema, lastimavelmente num retrocesso ao sistema de
Talião, pois não há alternativa, ressalvados os excessos que são questão de
consciência; a população não combatente, com o respeito inato e instintivo,
procurando não atingi-la, desnecessariamente...
...acabamos com as barcaças, voltamos e pegamos as colunas pela cauda e
fomos fazer aquilo tudo, pára-choque com pára-choque, de modo que foram eles
explodindo e pegando fogo. Tudo isso é importante não pela possível aparência
221
dos estragos que nós fizemos, mas é que tudo isso salvaria as vidas das nossas
tropas terrestres. E quanto mais a aviação atuava, menos combate terrestre existia
para essas tropas, essas unidades terrestres menos sofriam...
...então eles procuravam se proteger, e isso é humano ...
Foi enterrado carinhosamente pelos alemães. Na cruz estava a sua identificação -
o famoso dog tag - com seu nome, posto, número e tipo sangüíneo...Quem
escreveu palavras tão belas não poderia ser um nazista, mas um verdadeiro
soldado alemão. Um homem. Naquele momento estava exaltando a espécie
humana...
...porque o soldado da Gestapo não era um soldado alemão qualquer. Era um
partido político dentro do Exército Alemão e não faziam outra coisa a não ser
matar alguém de quem desconfiavam. Eram assassinos, bandidos...
Parece, assim, que conseguiam avaliar o inimigo e o peso do potencial agressivo que lhe
dirigiam, e em que contexto, apesar de não alienarem o quanto isso lhes custava.
Eu mesmo me lembro uma das minhas missões quando eu dei uma volta em cima
de uma estrada e vinha um carrinho pequenininho, vermelho. Eu fiz a primeira
passagem e não atirei, embora fosse hora de atirar em tudo que se movesse.
Desembarcou um homem, e justamente quando eu estava indo embora ele voltou
para dentro do carro; o meu avião já estava voltando e eu tive que atirar. O carro
explodiu, e isso é uma coisa que me repugna até hoje quando eu penso nisso ...
coitado daquele homem, talvez não fosse nem de guerra , talvez fosse até contra
os alemães. Morreu...
...Como a maioria de nós, um dos companheiros já estava chegando ao limite da
resistência. Uma vez no Clube Senta a Pua! Declarou-me que estava começando
a detestar a guerra: "Repugna-me matar gente", concluiu. Todos na roda deram
sua opinião. Lembro-me bem do que se falou ali...
Para a avaliação dos outros dois aspectos, os discursos sintetizados a partir do conjunto
de dados “Marcas da Guerra” mostram-se muito propícios. Inclusive porque uma de suas
categorias, Resultados Negativos, permite visualizar a capacidade dos ex-combatentes em
avaliar as adversidades vividas, e conclui por sua vulnerabilidade. Pela força do impacto,
citaram
a violência,
A brutalidade da guerra marcou minha vida grandemente. A violência e destruição
que uma guerra provoca sempre me deixaram deprimido. A comparação entre o
racional e o irracional. O irracional mata um ser vivo (um só) para a sua
sobrevivência. O racional mata milhões e deixa apodrecerem nos campos de
batalha, por ambição e vaidade.
O que mais me abalou foi a chegada em Livorno, Itália, Tive um choque ao
desembarcar, quando vi o tamanho e o poder destrutivo dos bombardeios aliados,
com a destruição total daquele porto.
Sob o ponto de vista psicológico, jamais poderei apagar dos meus olhos o que vi
durante a campanha. Pude verificar a estupidez de uma guerra, a frieza da
destruição e da violência moral e física de seres humanos. Presenciar a fome e
muito sofrimento da população civil.
A guerra me sensibilizou de muitas maneiras, porém, a situação da miséria total
da população civil, foi que mais me sensibilizou. A miséria que é a guerra e a
miséria que os italianos sofriam com a guerra: a fome, a desorganização das
famílias dos países envolvidos e principalmente a prostituição que ela causou. A
visão de um casal ainda jovem, com duas crianças de colo, e outras duas bem
pequenas, todos esfarrapados e descalços, atarantados e sem rumo, debaixo de
chuva e andando sobre o gelo. A destruição das cidades bombardeadas e a
grande quantidade de crianças vagando sem rumo me impressionaram muito.
Quando eu fui a Forli recolher um dos nossos pilotos que havia sido abatido em
campanha, a cerca de 75 metros de onde eu estava, vi uma triagem sendo feita
entre os soldados aliados chegando do front, conforme a gravidade de seus
ferimentos e encaminhados para os hospitais. Essa visão nunca se apagou na
minha mente.
222
Numa visita que fiz ao Hospital em Livorno, vi um combatente brasileiro ferido em
combate, sem os membros superiores e inferiores, e cego. Ele pedia diariamente
que o matassem, pois não queria viver mais assim. Isso me impressionou
bastante.
A realidade estúpida de uma guerra: Depois de tanto estresse de combate,
especialmente a parte em que eu fui abatido, cuspido, esbofeteado e ameaçado
de morte com uma pistola 45 apontada em minha cabeça pelos camisas negras
italianos, nunca esquecerei essa ocorrência.
A guerra marcou muito a minha vida e nada mais grato que o dia em que ela
terminou. A guerra não vale a pena, pois o que assisti foi fome, miséria e
destruição. Hoje, quando tomamos conhecimento das estatísticas daquele grande
conflito mundial, tenho ódio daquela guerra.
as perdas,
O que mais me marcou na guerra foi a experiência triste de ver nossos
companheiros serem abatidos em missão de guerra. A tristeza da perda dos
companheiros queridos nas missões e as mortes de companheiros foi o que mais
marcou a minha vida na campanha. A perda de vários oficiais amigos,
companheiros de campanha e companheiros em combates.
o medo,
A
s viagens feita
grande impressão, até que o perigo afastou-se com o decorrer do tempo.
e o não reconhecimento.
Apesar de ter sido voluntário, e as condições rudes e difíceis mesmo no ambiente
de campanha, ao regressar para o Brasil, sofri grandes decepções políticas...
Viver na FAB, com a FAB, foi sempre gratificante, mesmo que alguns policiais da
FAB (não eram aviadores) me cassaram na Revolução de 1964 e me proibiram de
voar durante 17 anos. Até o presente ainda não fui anistiado...
Mas para a grande maioria dos depoentes, as marcas foram mais positivas do que
negativas, por terem levado ao
desenvolvimento de valores espirituais,
A guerra me deu uma formação moral de primeira linha e me fez amar ainda mais
o meu Brasil. Deu-me amor ao trabalho e honestidade na vida. A guerra fortaleceu
meu senso de integridade, responsabilidade, solidariedade, minha moral,
dignidade. Sempre tive muito orgulho de ter lutado pela minha Pátria.
A guerra ensinou-me a ver meus semelhantes como a mim mesmo. Saber que a
humanidade é uma só. Que só o amor, a paz e a harmonia, conseguem aproximar
as criaturas de um mundo sem fronteiras. O amor ao meu país, à família e à
Pátria.
Afirmei minha convicção de ajudar o meu próximo. Acredito que, se o espírito de
solidariedade e companheirismo que nos une fosse entendido pelos homens de
hoje, poderíamos construir uma nação mais grandiosa e mais justa.
Cedo tomei consciência do que é a liberdade, o direito à cidadania, e o sentido de
democracia e justiça.Uma melhor compreensão dos problemas relacionados ao
ser humano. Uma conscientização de que é dever de todo ser humano lutar em
prol da libertação de povos oprimidos. Acho que todos os povos devem ser
irmãos.
Vi, na Itália, que meu país, quando luta por causa justa para o seu povo, é capaz
de superar todas as limitações hoje impostas pela política internacional liderada
pelas nações hegemônicas. Sou patriota mas não aceito cabresto.
A experiência da guerra me despertou para viver intensamente a vida e encará-la
como ela se apresenta. Uma grande aventura, onde não se pode dar muita
importância a si mesmo e à vida.
senso do próprio valor e do dever cumprido,
Cedo despertei para as responsabilidades e a consciência do dever a cumprir.
Cumpri a minha obrigação como militar e como cidadão.
Como militar, cumpri minha obrigação com a Pátria. O simples fato de ter sido
convocado para ir à Itália em defesa da Pátria, para mim constituiu algo marcante
223
para toda a minha vida. Quando o Brasil precisou de meus serviços, me
apresentei como voluntário e fui muito bem recebido.
Ter contribuído para o 1º Grupo de Caça, merecer e receber a Presidential Unit
Citation (USA) por serviços extraordinários e heróicos na Itália, para mim foi um
abrir de olhos, dando-se uma experiência singular de campanha de guerra, de
seriedade, do dever, de responsabilidade, de preservação da vida de nossos
pilotos, a quem devotamos todos os nossos esforços.
Cumpri o meu dever e servi minha Pátria, dando o máximo no meu esforço e
cumpri com minha obrigação à Nação. Dei tudo de mim pela causa e pela defesa
de honra do meu País.
amadurecimento,
Cedo tive que tomar a responsabilidade da luta pela sobrevivência. Com
dezesseis anos, entrei para a FAB, com autorização por escrito da família, em
agosto de 1943. Completei dezessete anos e já estava a caminho da guerra. De
menino estudante, virei homem soldado em menos de seis meses, e isso foi o que
realmente marcou a minha vida.
A responsabilidade me deu confiança e ordem que perduraram por toda minha
vida. Minha vida foi muito marcada pela guerra, deu-me muita experiência e
discernimento.
Embora sendo muito jovem, no convívio diário com os problemas de guerra,
obtive grande experiência que até hoje tem me ajudado muito a viver. Todas as
dificuldades enfrentadas durante a guerra ajudaram-me a vencer a luta pela vida.
A guerra me deu conhecimentos gerais, sentido de organização, companheirismo
e aprendi a ser gente. Deu-me garra e coragem de vencedor, e esta foi a minha
meta na vida após a guerra.
Foi marcante em todas as suas passagens, amadureci com coragem, me ensinou
a controlar minhas emoções, a enfrentar o inimigo poderoso com coragem e
destemor, apesar de inúmeras vezes ter visto a morte de frente.
O exemplo de meus companheiros e a maneira com que consegui comportar-me
frente aos perigos que enfrentávamos nas missões de guerra, marcaram de
maneira positiva e indelével o meu caráter para o resto de minha vida.
afiliação,
Fui voluntário e conheci o espírito de amizade e colaboração ente todos os
colegas. A união, o espírito de solidariedade e fraternidade que até hoje existem
entre os companheiros de guerra do 1º Grupo de Caça, aumentaram mais ainda
meu sentimento de camaradagem aos meus colegas de farda.
A camaradagem do nosso grupo que, em todos os momentos de minha vida, quis
ressaltar para com o próximo. Aprendi a socializar com todos os companheiros.
Aprende-se muito convivendo em grupo, fazendo amizades com os militares
americanos, a vivência com pessoas de outros países, diferentes costumes,
partilhar comida, alegria e momentos felizes e de tristeza.
As experiências que mais marcaram minha vida foram a de ter salvo um colega de
uma situação de morte certa, o período em que estive com os “partizanos”, que
me esconderam e protegeram após ter sido abatido, e a alegria do reencontro dos
companheiros que foram feitos prisioneiros e dos quais não se tinha notícias se
estavam vivos ou não.
e crescimento profissional.
Para o pessoal de apoio
:
“Meu treinamento no Panamá e na América do Norte, antes de irmos para a Itália,
marcou muito a minha vida. Foi o meu contato com aviões modernos e atualizados
que me deu, ao longo da vida militar, maior conhecimento profissional
amadurecido e conhecimento de pares e subordinados, que me tornaram um
profissional competente, sendo um exemplo, para minha família”.
O apoio técnico aos mecânicos que tiveram aulas no próprio trabalho com livros
técnicos com seus desenhos ampliados para dar os mínimos detalhes permitiu
aprimorar conhecimentos e trabalhos.
224
A oportunidade para expandir meus conhecimentos, a manutenção do material
bélico. Tive a felicidade de ser o mecânico de armamento do avião A-4. Minhas
metralhadoras foram recordistas em números de tiros“.
Para os pilotos:
“Marcou-me pela responsabilidade de planejamento de missões de guerra,
seleção de alvos, mas também me deu conhecimentos valiosos, no meu ramo,
que mais tarde vieram a servir à Força Aérea Brasileira. A experiência de guerra
me deu conhecimentos que foram úteis para a real operacionalidade da FAB”.
Em tudo a experiência de guerra me ofereceu condições para sucessivas vitórias
na vida civil. Considero-me profissionalmente realizado.”
Para o pessoal da Saúde
Cedo na vida fui despertada para a enfermagem.Tive a experiência de trabalhar
no 12º Hospital Geral em Livorno, em tempo de guerra, que muito me preparou
para melhorar a organização de nossos hospitais da FAB.
Além disso, entendem que o seu desempenho bem-sucedido atendeu também às
expectativas institucionais que determinaram o envio do Grupo à Itália.
A circunstância mais gratificante, para mim, foi a de pertencer à Força Aérea
Brasileira, Criada em janeiro de 1941, conseguiu organizar uma Unidade
Operacional que foi à guerra e se portou dignamente, como qualquer outra
estrangeira.
Atingimos, logo no inicio da carreira, o máximo de profissionalismo. Aprendemos e
praticamos tudo que era necessário pra desempenhar missões de guerra com
seriedade e resultados. Com isso, colocamos o 1º Grupo de Caça em igualdade
de condições a qualquer outra unidade estrangeira.
Eu gostaria de ressaltar que nós tínhamos uma missão muito séria a cumprir: a de
transmitir para as novas gerações tudo aquilo que nós aprendemos, e Graças a
Deus nós conseguimos. Hoje em dia nós temos no Brasil uma mentalidade de
aviação de caça; é lógico que essa aviação de caça evoluiu muito, mas os
princípios básicos, a disciplina, a camaradagem, isso tudo permanece.
E resistem em considerar o que poderia ter prejudicado seu desempenho, de acordo com
a manifestação a esse respeito, de 67% dos questionados, conforme se constatou pelos
resultados obtidos no Questionário.
Assim, finda a guerra e de volta ao Brasil, restam-lhes algumas reflexões acerca de como
deveriam avaliar o desempenho obtido, e declaram:
Trinta e tantos anos depois, os pais e avós, que somos hoje, queremos quase
repudiar aquelas missões pelo mal que causaram, pois morte e destruição eram a
mensagem que levávamos diariamente sob as asas.
Sim, queremos quase repudiá-las...mas o que volta sempre é a euforia daqueles
momentos vibrantes e singelos, o prazer de reconquistar a cada dia o direito de
viver mais vinte e quatro horas, a tranqüilidade de voar com um amigo ao alcance
de cada asa, de viver com um irmão ao alcance de cada braço.
Confrontam-se também com reflexões sobre dois atributos complementares, pelos os
quais passaram a ser distinguidos pelos demais: a coragem e o heroísmo.
Quanto à coragem, relativizam-na colocando-a sob a perspectiva do treinamento e do
desempenho profissional, que trariam o aparato necessário para enfrentar os riscos sem a
225
necessidade de uma coragem moral mais aflorada. Reforçam aqui a proteção oferecida
pelo do treinamento e pela formação militar.
O vôo para o piloto não requer coragem física. Ultrapassada a fase de adaptação
ao novo meio, dá a sensação de absoluta segurança, reforçada pela certeza do
cone de alternativas que se lhe apresentam, em caso de emergência...
Para o combatente a guerra é um negócio muito primário e mais não requer, pela
posição que em relação a ela assumiu, coragens mais nobres...A alegada
coragem física, em geral, não passa de inconsciência ou do desprezo pelo perigo -
ausência de medo...
...Levei tiro de todo o jeito, todos nós levamos, não é vantagem nem
desvantagem. Aconteceu com todos nós, não é mais coragem nem menos
coragem. São ossos do ofício, entende?...
Já acerca do heroísmo, os ex-combatentes resistem a esse atributo, reservando-se a uma
posição de homens comuns que cumpriram com o seu dever – enfatizando, inclusive, esse
senso do dever cumprido.
...Para o combatente que se desincumbiu de sua missão, não fez mais do que sua
obrigação. Se teve a fortuna de voltar inteiro, física e psicologicamente, merece
apenas o elogio rotineiro do bom cidadão, nada mais...
Eu não escrevi livro nenhum, estou fazendo agora um depoimento para meu neto,
mas estou tomando muito cuidado em passar nesse testemunho ao meu neto
justamente esse lado para que ele entenda, de que o avô pode ter sido
considerado um herói porque, com o tempo você acaba virando lenda, mas que
seu avô foi um homem simples que numa determinada hora soube agir com
grandeza com hombridade sem grandes bravatas. É isso que estou querendo
passar para meu neto...
Retomando o mito do herói, encontram-se elementos míticos irresistíveis presentes na
saga do 1º GavCa:
A juventude, o ideal, a aceitação voluntária do desafio de lutar contra o idealismo opressor
do nazi-fascismo, a certeza de que trariam ao País, e à Aeronáutica, os benefícios do
aprendizado decorrente da experiência em combate, sob a tutela de um líder forte e
inspirador, e sob a poderosa capacitação oferecida pelo P-47 e pela estrutura de guerra
americana. Sua vitória incontestável, contra as expectativas, seguida pela mágoa do não
reconhecimento pleno de sua conquista, pelos seus pares. Além disso, cumpriam mais um
mito agregado à saga do herói: Já haviam passado pelo ritual de iniciação, posto que,
como militares, abandonaram seus pais e família para, em escolas de treinamento e
estágio, cumprirem as etapas necessárias à sua prontidão para o desafio, que aceitaram
voluntariamente, submissos à autoridade e dispostos a morrer e, mais ainda, a renascer, a
partir dessa empreitada.
Aparentemente, porém, aos olhos dos ex-combatentes, esse atributo não lhes é devido
porque não cumpriram com o último aspecto ligado ao mito do herói: não morreram jovens.
Ao contrário, retornaram, amadurecidos e dispostos a transmitir aos mais jovens a
experiência adquirida e os valores amealhados.
Complementarmente, atribuem heroísmo aos companheiros que tombaram.
Ferido mortalmente, não pôde saltar de pára-quedas. Explodiu com seu
Thunderbolt. Morte de aviador, morte de herói! Combateu porque quis,
defendendo o ideal pelo qual viveu...
226
Ao mesmo tempo me pergunto: Que governantes são os nossos, que premiam,
promovem, indenizam, incensam, erigem estátuas para desertores, terroristas,
assassinos frios, degenerados, assaltantes em nome de uma pseudo-democracia?
Nossos heróis, imolados na flor da juventude, não são reverenciados com nomes
de ruas, praças etc, a não ser talvez em suas cidades...
No entanto, se não foram literalmente fiéis à saga do herói no estrito sentido do enredo
mítico, o foram no sentido simbólico do amadurecimento e crescimento pessoal proposto
por Jung. E esperado, como resultado do processo da Resiliência.
...Ninguém chegou pra dizer assim "eu não agüento mais". Você via que já não
agüentava mais. Talvez, talvez nem conversasse com o companheiro de cama, de
quarto, dizendo "eu não agüento mais", mas talvez pensasse. Então, o que se
fazia, apesar de estar nesse ponto, é que eu acho que tem alguma coisa a ver
com a sua resiliência...
227
CONCLUSÕES
Acompanhou-se, assim, a história da participação do 1º GAvCa na Segunda Guerra Mundial,
narrada por alguns de seus membros que, na ocasião, representavam predominantemente seu
contingente mais jovem.
Dessa narrativa emergiram seus argumentos e pontos de vista, focalizados em superposição ao
cenário desenhado pelo contexto histórico e cultural em que se inseriam.
A seqüência proposta para a apresentação dessa narrativa teve como base o modelo conceitual
da Resiliência como processo, o que tornou possível, sob a perspectiva do resultado positivo
diante de um contexto de adversidade, o enquadramento de alguns dos elementos dessa
experiência.
No conjunto de fatores que contribuíram para eliminar, atenuar ou favorecer a adaptação aos
riscos presentes na experiência que viveram, o primeiro deles diz respeito ao fato de terem se
apresentado como voluntários para lutar numa guerra que lhes fazia sentido, que lhes parecia
justa e necessária. Mas delimitaram seus inimigos e respeitaram seus contendores.
E o fizeram com a energia, a saúde e o ideal da juventude sem, entretanto, enaltecerem os
méritos da guerra em si. Essa condição favoreceu o desempenho através da geração de um
nível de motivação que foi se atualizando ao longo do combate, sempre apoiada em valores e
ideais.
Favoreceram, igualmente, o suporte oferecido por uma estrutura de guerra gigantesca e bem
organizada, que supriu e contrabalançou a falta de suporte de sua instituição primária.
Ao intenso treinamento recebido, somaram-se talentos pessoais e o tipo de experiência prévia,
além do fato de já contarem com treinamento militar, resultando num repertório de respostas e
reações que foram acessadas no atendimento a algumas das exigências da campanha e no
enfrentamento de diversas situações de risco de vida.
Foram, também, equipados com o que de mais atual se contava em termos de tecnologia, tanto
o pessoal de apoio quanto, principalmente, os pilotos que, a bordo de suas ‘garças’, sentiam-se
seguros e protegidos.
Assim capacitados e amparados, enfrentaram as condições adversas que os aguardavam.
Pôde-se então verificar que o contexto de adversidade, sem nenhuma surpresa, esteve mais
diretamente relacionado à situação de guerra, num crescendo de demanda representada pela
228
saudade de casa, pelo desconforto no qual viveram durante toda a campanha e pela constante
exposição à violência, à destruição e à perda dos companheiros.
Pôde-se, concomitantemente, verificar algumas outras particularidades do contexto adverso,
representadas, em suma, pela ‘expectativa de não corresponder à expectativa‘, pela sensação
de abandono pela instituição primária e pelas demandas específicas da pilotagem e da
segurança de vôo.
Passaram, então, a enfrentar as adversidades valendo-se primordialmente da criação de
vínculos interpessoais e do crescente fortalecimento desses vínculos, estabelecendo um elevado
nível de coesão grupal, formalizada pelo espírito de corpo.
Oriundos das mais diferentes localidades, contando com formações e experiências pessoais
diversas, estratificados em níveis hierárquicos distintos e distribuídos em funções várias,
compartilhavam motivos e compartilharam sofrimentos e alegrias. Souberam perceber e
respeitar a individualidade dos companheiros. Esse conjunto de aspectos tornou possível, afinal,
o enfrentamento coletivo das demandas.
No tempo em que isso acontecia, fizeram emergir, do âmago do Grupo, símbolos estruturantes,
em torno dos quais foram elaborando e reafirmando sentidos para o que enfrentavam,
sustentados em sua identidade cultural.
Defenderam-se também através do que os símbolos revelavam e ocultavam e, além disso,
protegeram-se, e protegeram o Grupo, das vivências mais sofridas, enquanto ressaltavam as
vivências mais gratificantes. Choraram com discrição e alegraram-se ruidosamente.
Assim também gerenciaram as emoções emanadas por cada tipo de experimentação.
Expressavam o que não podia ser explicitado, através de rituais e canções. Preferiram não
admitir o medo em certas circunstâncias, enquanto se derramaram em compaixão diante do
sofrimento alheio, em outras.
Impactaram-se diante da destruição que causavam mas, apesar de abatidos, também a ela
buscaram dar sentido.
Enfrentaram o caos de ambientes destruídos, desorganizados, desconfortáveis e perigosos,
superando-se na busca de harmonização do entorno para que pudessem garantir o suprimento
de suas necessidades básicas, e preservar o convívio social.
Tudo isso fizeram em grupo, em harmonia com o Grupo que eram, e atuaram como equipe,
direcionados por um líder, que emergiu e se fortaleceu alimentado pela coesão e motivação
potencializadas pelo coletivo.
E responderam ao chamado do líder, e se superaram, e superaram as expectativas, pessoais e
interinstitucionais, para o seu desempenho como Grupo. Receberam o reconhecimento do
poderoso aliado, cujo confronto temiam, mas venceram, protegendo-se em sua cultura e humor,
ao tempo em que, flexivelmente, se beneficiaram das vantagens desse contato.
229
Essa superação se fez evidente através do documento histórico que receberam como Grupo, e
também através da avaliação positiva que individualmente fizeram de sua experiência,
entendendo que houve muitos ganhos, pessoais e institucionais, apesar do sofrimento
empenhado, e declaram:
A circunstância mais gratificante é a sensação de se ter cumprido um dever, onde o que
se empenhava era a própria vida...Explicar o porque disso é muito difícil, mas sem dúvida
o que deve ser considerado (sem ordem de importância) é o amor próprio, o caráter, o
exemplo dos companheiros, o exemplo que se quer passar ao companheiro, a relação
familiar e o patriotismo.
A experiência do 1º GavCa, iluminada pelo conceito de Resiliência, permitiu, assim, o
mapeamento de alguns dos fatores que favoreceram seu desempenho, emanados de sua
própria experiência e estilo de enfrentamento, apesar do conjunto de circunstâncias e situações
de risco aos quais estiveram expostos.
Sofreram com vários impactos, desgastaram-se, viram seus pilotos serem reduzidos,
numericamente, à metade do que seria necessário para responder às saídas de combate, mas
estabeleceram para si o objetivo de chegarem até o fim da guerra e o alcançaram. Mais do que
isso, o alcançaram com méritos e se sentiram amadurecidos e gratificados pela experiência.
Embora a guerra tenha causado transtornos, distúrbios em si, ela trouxe também
ensinamentos de que a guerra não deve existir, muito embora nós tenhamos estado lá.
Esta é uma parte importante na vida de um ser humano, tanto que há muitos brados no
sentido de paz. Mas a guerra traz conhecimento, trouxe conhecimento para nós,
aprendemos como é triste um povo ser tomado, e isso nós sentimos lá no povo italiano...
Então aprendemos um pouco de humanidade, acredito que em muitos dos nossos
companheiros esse sentido de humanidade ficou gravado. É difícil encontrar um
companheiro que seja um sujeito mau, porque essa passagem nos causou sensibilidade”.
Teceram os vínculos que lhe foram fundamentais com tal força, que se mantêm e se atualizam,
várias décadas depois.
A abordagem da Resiliência como processo permitiu que não somente aspectos individuais de
seus componentes estivessem em foco, mas também toda a rede formada pelo entorno cultural,
institucional e organizacional.
A partir desse modelo, pode-se, agora, avaliar a aplicabilidade desse conceito em ambiente de
aviação.
Esse enfoque torna possível a avaliação de circunstâncias e fatores que tragam algum risco
potencial ao desempenho e ao bem-estar dos profissionais que nele operam, incluindo-se não só
aspectos diretamente ligados à prática da atividade em si, como também aspectos mais
circunstanciais, como o peso de contribuição da cultura, clima e apoio institucionais.
Até aqui, entretanto, nenhuma novidade se acrescenta. Fala-se muito em fatores contribuintes
sob o ponto de vista do comprometimento da segurança de vôo. Enfatizam-se muito mais as
conseqüências dos riscos para a produção de resultados negativos: os acidentes e incidentes.
230
O que se acrescenta de novo, porém, através do modelo da Resiliência, é a proposta de uma
mentalidade também voltada à valorização e ao mapeamento de fatores outros, ligados à
proteção contra o risco, ou à sua minimização.
Sabe-se, por exemplo, da importância do treinamento e da doutrina para a minimização de riscos
de acidentes ou incidentes aeronáuticos, através da modelagem do comportamento dos
profissionais da área. Sob o enfoque da Resiliência, pode-se efetivamente avaliar o peso desse
fator quando se analisam processos em atividade aérea.
Um olhar sob o prisma da proteção e do favorecimento de processos, permite oferecer
argumentos legítimos e efetiva sustentabilidade a programas de incentivo, promoção ou
desenvolvimento de fatores que assim atuariam. São questões do interesse direto dos
profissionais da saúde
A medição do processo resiliente, permite que o olhar de prevenção se volte, igualmente, para
os resultados positivos, ou os que superem as expectativas. Então, numa análise de engenharia
reversa, que sejam buscados, como aqui foi feito, os aspectos relacionados ao bom
desempenho.
Essa engenharia reversa, aplicada aos casos de resultado positivo, sob o enfoque da
Resiliência, desvelaria, agora, os fatores contribuintes para o sucesso do processo, e não
somente para os insucessos, representados tanto pelo adoecimento quanto pelos acidentes e
incidentes.
A filosofia que sustenta a investigação de acidentes aeronáuticos busca o mapeamento dos
fatores contribuintes ao acidente, em sua complexidade e interdependência, entendendo que,
dessa análise, emergem fundamentos para recomendações de segurança, formuladas em
termos de medidas de correção processual.
Sob a perspectiva da Resiliência, fatores de proteção poderiam também ser valorizados nessas
análises, contribuindo igualmente para a melhoria de processos, através, como já citado, de
medidas voltadas ao incentivo e promoção, mesmo que, nesse caso, não se esteja diante de um
resultado positivo.
Ainda com relação à investigação de acidentes, situações de risco, definidas pelos incidentes ou
‘quase acidentes’, poderiam considerar a possibilidade de fatores de resiliência e proteção terem
contribuído para a minimização das conseqüências, trazendo igualmente, nesses casos, um
ganho educativo a partir da ocorrência.
Enfim, os ganhos com o aprendizado em todas essas situações, ou seja, ao se considerar não
somente os fracassos processuais mas também, e principalmente, em que bases se apóiam os
sucessos, seriam mais abrangentes e trariam mais oportunidades de melhoria, que não aquelas
sustentadas apenas na análise das falhas.
231
Com o estudo da experiência do 1º GavCa, não se pretende fazer apologia à guerra, ao se
ressaltarem os fatores de sucesso de sua campanha, mas se render à constatação de Sartre
(2005):
Portanto, aqui, insisto, que a Guerra é uma ignomínia e um absurdo que só
acontece pela preguiça e covardia dos homens:além disso, das páginas
precedentes, critico minha omissão relativamente aos esforços que eu poderia
ter envidado para evitá-la. Isso não impede que o ser-para-a-guerra seja uma
estrutura essencial da realidade humana. (p. 149).
E ao se render, considerar os ensinamentos que também a guerra pode gerar.
Da mesma forma, também não se pretende omitir que, mesmo que a filosofia de prevenção de
acidentes aeronáuticos estabeleça a meta do ‘zero acidente’, falhas acontecem e podem ter seu
papel de fortalecimento do sistema, através da experiência e do aprendizado. Pretende-se, isso
sim, acrescentar que uma análise que se pretenda verdadeiramente complexa, deve incluir
também a avaliação de fatores de proteção e resiliência.
Entende-se, afinal, estar demonstrada a viabilidade e operacionalidade do conceito de
Resiliência em ambiente de aviação, inclusive porque a prática aviatória é, em última análise, o
exercício do desafio e da superação das vicissitudes ambientais. Demonstra-se também não só
sua viabilidade, mas as vantagens agregadas através dessa abordagem, em termos de análise e
melhoria de processos.
Resta ainda a retomada das questões norteadoras deste trabalho:
- Por que aeronavegantes, apesar de sua continua e intensa exposição ao risco e à
diversidade de estressores que compõem seu ambiente típico de trabalho, e apesar das
expectativas a esse respeito, preservam condições de saúde e de disponibilidade operacional
bastante satisfatórias? Por que, apesar desses estressores, e a despeito de operarem em um
ambiente fortemente estabelecido em uma série de controles e regulamentações, eles
evidenciam preservar uma elevada motivação profissional?
Não há melhor resposta do que aquelas suscitadas pela análise do desempenho do 1º GAvCa.
Em seus depoimentos, os pilotos demonstraram não relevar os aspectos relacionados ao
desconforto da pilotagem em si. Ao contrário, falaram mais intensamente sobre o prazer e a
segurança de se ter a ‘garça’ na mão e de voar em um sistema confiável e previsível. O pessoal
de apoio também compartilhou desse entendimento e demonstrou identificação com os valores
culturais direcionados para a promoção dessa confiabilidade e previsibilidade.
Quando se contempla a complexidade que rege um sistema aeronáutico, percebe-se que, para
os profissionais, as demandas específicas da pilotagem em si tornam-se bastante relativizadas
diante de elementos outros. Podem ser apontados o sentido que atribuem ao que fazem, a
segurança que sentem em um sistema que se organiza e se diversifica em diversas tarefas para
atender às exigências da atividade. Pode-se falar também do compartilhamento de anseios que,
232
afinal, transcendem à simples questão de se focalizar um meio de transporte, mas antes, de se
revelar a engenhosidade humana empenhada na superação de limites.
O conceito de Resiliência permite abordar as contradições implícitas nos questionamentos
acima, ao postular que um contexto de adversidade não necessariamente contribui para a
ocorrência de má adaptação, que pode estar representada por prejuízos ao desenvolvimento
humano e à instalação de patologias diversas.
E também ao demonstrar que é no âmago dos enfrentamentos que se desencadeia o potencial
humano de resposta aos desafios, amealhando todo o arsenal que estiver disponível,
particularmente através das redes de apoio que puder tecer. E a aventura do vôo se apresenta
como um poderoso exemplo dessa realidade.
O sistema aeronáutico por sua vez, não sendo invulnerável a falhas, o que inclusive se constitui
uma meta irreal para a realidade humana, pode sustentar sua eficiência na promoção de um
sistema resiliente. O investimento, então, seria na competência para enfrentar os seus riscos
implícitos, seus desafios e adversidades, almejando também competência para absorver seus
traumas e fortalecer-se com eles, e ainda para responder a seus óbices e contradições.
Isso se refletiria no incremento de resultados positivos de desempenho seguro e prazeroso por
parte de todos os seus personagens, respeitando, acima de tudo, o valor ligado ao bem comum
que ele representa.
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GLOSSÁRIO
AAAé
Artilharia Antiaérea.
Bandit Nome de código adotado pela Força Aérea Aliada para designar um avião
inimigo no ar.
Blitzkrieg
Termo alemão para guerra-relâmpago, baseada em ataques coordenados
com a participação da infantaria, de veículos blindados e da aviação. Eram
ataques caracterizados pela surpresa, rapidez e brutalidade.
Briefing
Reunião que antecede uma missão, na qual são passados os dados,
instruções e informações sobre a mesma.
Bug Nome de código adotado pela Força Aérea Aliada para indicar qualquer
avião no ar, não identificado.
Estreifar Aportuguesamento da palavra inglesa strafing que, durante a Segunda
Guerra, significava atirar de um caça voando a baixa altura. Quando os
Jambocks, após sua missão de bombardeamento, retornavam à base,
voando a baixa altura e metralhando alvos de oportunidade, estavam
“estreifando”.
Fator Humano Refere-se ao ser humano, em sua complexidade psicofisiológica.
Flak
Iniciais de FlugzeugAbwehrKanone ou FliegerAbwehrKanone, canhão de
defesa antiaérea alemão.
Grito de guerra
Fórmula bradada em uníssono, para excitar o entusiasmo das tropas em
ataque (HOUAISS, 1987).
Panzer Abreviatura de Panzerkampfwagen, veículo blindado de combate.
Tanques de guerra alemães.
Partisano
Do italiano partigiani, aquele que toma partido. Guerrilheiros italianos que
apoiavam os aliados.
Surtida
Saída contra o inimigo, investida, ataque, arremetida.
Tedesco Deriva do italiano tudesco, que significa alemão.
U-boat Forma abreviada de Unterseeboot, designativa dos submarinos da
Marinha Alemã.
Vôo picado
Vôo realizado com o avião em atitude de piquet.
ANEXO A - Navios Brasileiros Afundados Durante a Segunda
Guerra Mundial
DATA NAVIO
LOCAL
TIPO DE NAVEGAÇÃO SUBMARINO
FATALI-
DADES
15/02/1942 Buarque Curaçao Misto U-432 1
18/02/1942 Olinda Cabo Hateras Caravela U-432 46
25/02/1942 Cabedelo Ao largo das Antilhas Vapor Da Vinci 54
07/03/1942 Arabutã Cabo Hateras Cargueiro U-155 1
08/03/1942 Cairu Norfolk/Nova York Misto U-94 53
01/05/1942 Parnahyba Trinidad Cargueiro U-162 7
18/05/1942 Comandante Lyra Fernando de Noronha Cargueiro Barbarigo 2
24/05/1942 Gonçalves Dias Haiti Cargueiro U-502 6
05/06/1942 Paracuri Atlantico Norte -------- U-159 0
07/06/1942 Alegrete Santa Lúcia Cargueiro Misto U-156 0
26/06/1942 Pedrninhas Porto Rico Cargueiro U-203 --------
26/07/1942 Tamandaré Port of Spain Cargueiro U-66 4
28/07/1942 Barbacena Port of Spain Vapor U-66 6
28/07/1942 Piave Port of Spain Petroleiro U-155 1
15/08/1942 Araraquara Costa de Sergipe Cargueiro U-507 131
15/08/1942 Baependi Costa de Sergipe Paquete U-507 270
16/08/1942 Aníbal Benévolo Costa de Sergipe Vapor U-507 150
17/08/1942 Arará Bahia Cargueiro U-507 20
17/08/1942 Itagibe Bahia Vapor U-507 36
17/08/1942 Não Identificado Ao Largo de Cabo Verde -------- U-507 --------
19/08/1942 Jacira Bahia Barca U-507 6
28/09/1942 Antonico Ao largo da Guiana Francesa Cargueiro U-516 16
28/09/1942 Lajes Costa do Pará Vapor U-514 3
28/09/1942 Ozório Pará Cargueiro U-514 5
03/11/1942 Porto alegre Mar Mediterrâneo Cargueiro U-504 1
22/11/1942 Apalóide Ao largo de Cuba Cargueiro U-163 5
12/12/1942 Não Identificado -------- -------- U-159 --------
18/02/1943 Brasilóide Costa da Bahia Cargueiro U-518 0
02/03/1943 Affonso Pena Costa da Bahia Cargueiro Barbarigo 125
01/07/1943 Tutóya Ao Largo da Ilha Bela Cargueiro U-513 7
04/07/1943 Pelotaslóide Costa do Pará Cargueiro U-590 5
01/08/1943 Bagé Costa de Sergipe Vapor U-185 28
26/09/1943 Itapagé 8 milhas da costa de Lagoa Azeda Paquete U-161 22
28/09/1943 Cisne Branco Canoa Quebrada Iate U-161 4
23/10/1943 Campos Costa do Rio de Janeiro Paquete U-170 12
12/12/1943 Shangri-lá Ao Largo de Cabo Frio Pesqueiro U-199 10
20/07/1944 Vital de Oliveira 25 milhas do farol de São Tomé Vapor U-861 99
ANEXO B - Modelo do Questionário Aplicado
Título da Pesquisa
Senta a Pua! Resiliência em ambiente de aviação: a experiência do Primeiro Grupo de Aviação de
Caça do Brasil na II Guerra Mundial
Entrevistadora
Maria Luiza Pigini Santiago Pereira
QUESTIONÁRIO
1. Que circunstâncias, antes, durante e depois da Campanha da Itália, o senhor
apontaria como mais desgastantes na participação do 1º Gp Av Ca?
2. E as circunstâncias mais gratificantes?
Agora, com relação às experiências do 1º Gp Av Ca:
3. Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais sofridas para o 1º Gp Av
Ca na II Guerra Mundial?
4. Que tipo de experiências o senhor apontaria como mais gratificantes?
Agora vamos falar, mais concretamente, sobre fatores:
5. Na sua opinião, que fatores que favoreceram o desempenho do 1º Gp Av Ca?
6. Que fatores prejudicaram esse desempenho?
Finalmente:
7. Que fatores o senhor considera terem tornado possível suportar as dificuldades do
dia-a-dia e cumprir as missões?
ANEXO C - Distribuição de Missões por Piloto
POSTO NOME SAÍDAS OBSERVAÇÃO
2o. Ten Av Res Conv Alberto Martins Torres 100
2º Ten Av Helio Langsch Keller 95
Cap Av Roberto Pessoa Ramos 95 Ferido em campanha por estilhaços de
AAAé, em 23/04/45.
2º Ten Av Pedro de Lima Mendes 95
2º Ten Av Horácio Monteiro Machado 94
1º Ten Av Rui Barbosa Moreira Lima 94
2º Ten Av Álvaro Estórgio de Oliveira e Silva 93
2º Ten Av José Rebelo Meira de Vasconcelos 93
2º Ten Av Renato Goulart Pereira 93 Abatido pela AAAé, em 30/04/45 pulou de
pára-quedas sobre território amigo.
2º Ten Av Luiz Lopes Dornelles 89 Abatido pela AAAé inimiga, morreu em
combate em 26/04/45.
1º Ten Av Newton Neiva de Figueiredo 86
2º Ten Av Marcos Eduardo Coelho Magalhães 85 Abatido pela AAAé inimiga em 22/04/45,
pulou de pára-quedas sobre território
inimigo, quebrou os dois tornozelos e foi
hospitalizado como prisioneiro de guerra
pelos alemães e libertado pelos aliados.
1º Ten Av Luiz Felipe Perdigão Medeiros da Fonseca 85
2º Ten Av Leon Roussoulières Lara de Araújo 80
CAP AV Newton Lagares Silva 79 Substituiu o Major Pamplona em 13/03/45
como Chefe de Operações.
Asp Av Res Conv Fernando Corrêa Rocha 75
Asp Av Res Conv Diomar Menezes 71 Ferido em combate por estilhaços de AAAé
inimiga em 30/04/45.
2º Ten Av Paulo Costa 68
Asp Av Res Conv Roberto Tormim Costa 65
Ten Cel Av Nero Moura 62 Comandante do 1º Grupo de Caça.
Asp Av Res Conv Armando de Souza Coelho 62 Abatido pela Aé inimiga em 09/04/45, pulou
de pára-quedas sobre território amigo.
Asp Av Res Conv Fernando Soares Pereyron Mocelin 59 Ferido em combate por estilhaços de AAAé
inimiga em 02/01/45.
1º Ten Av Theobaldo Antônio Kopp 58 Abatido pela AAAé inimiga em 26/03/45,
pulou de pára-quedas sobre território inimigo
- foi salvo pelos partizanos.
1º Ten Av Othon Correia Netto 58 Abatido pela AAAé inimiga em 26/03/45,
pulou de pára-quedas sobre território inimigo
- foi libertado pelos aliados.
Cap Av Fortunato Câmara de Oliveira 56 Afastado de vôo por motivo de saúde em
09/03/45.
Cap Av Lafayette Cantarino de Souza 55 Afastado de vôo por motivo de saúde em
09/03/45.
Asp Av Res Conv João Milton Prates 55 Afastado de vôo por motivo de saúde em
20/04/45.
Asp Av Res Conv Raymundo da Costa Canário 51 Abatido pela AAAé inimiga em 15/02/45 -
pulou de pára-quedas sobre território amigo.
Maj Av Oswaldo Pamplona Pinto 47 Afastado de vôo por motivo de saúde em
10/03/45.
Asp Av Res Conv Frederico Gustavo dos Santos 44 Abatido por estilhaços de um depósito de
munição que atacara - morto em combate
em 13/04/45.
1º Ten Av Josino Maia de Assis 41 Abatido pela AAAé inimiga em 21/01/45 -
pulou de pára-quedas sobre território inimigo
- ferido na queda, libertado pelos aliados.
1º Ten Av Ismar Ferreira Costa 34 Afastado de vôo por motivo de saúde em
09/02/45.
1º Ten Av João Maurício Campos de Medeiros 32 Abatido pela AAAé - moreu em combate em
02/01/45.
Cap Av Joel Miranda 31 Abatido pela AAAé inimiga em 04/02/45 -
pulou de pára-quedas sobre território
inimigo, quebrando um braço - salvo pelos
partizanos.
2º Ten Av Roberto Brandini 28 Abatido pela AAAé inimiga em 10/02/45,
pulou de pára-quedas sobre território
inimigo, teve fratura de um dos ossos da
cabeça por estilhaços de granada -
hospitalizado como prisioneiro de guerra,
libertado pelos aliados.
1º Ten Av Ismael da Motta Paes 24 Abatido pela AAAé inimiga em 23/12/44 -
pulou de pára-quedas sobre território inimigo
- feito prisioneiro de guerra pelos alemães.
Cap AAF John W. Buyers 21 Oficial de ligação do Exército Americano.
Asp Av Res Conv Fernando de Barros Morgado 19 Iniciou missão em 11/04/45.
2º Ten Av Aurélio Vieira Sampaio 16 Abatido pela AAAé inimiga - morreu em
combate em 22/01/45.
Asp Av Res Conv Jorge Maia Poucinha 16 Iniciou missão em 12/04/45.
Asp Av Res Conv Danilo Marques Moura 11 Abatido pela AAAé inimiga em 04/02/45 -
pukou de pára-quedas sobre território
inimigo, ferindo-se na queda - salvo pelos
partizanos.
1º Ten Av
José Carlos de Miranda Corrêa
8 Oficial de Informações.
Asp Av Res Conv Hélio Carlos Cox 6 Afastado de vôo por motivo de saúde em
14/11/44.
Maj Av Marcílio Gibson Jacques 2 Comandante do Escalão Terrestre.
1º Ten Av Waldir Paulino Pequeno de Mello 1 Morreu em acidente de aviação em
16/11/44.
2º Ten Av Rolland Rittmeister 1 Morreu em acidente de aviação em
16/11/44.
2º Ten Av John Richardson Cordeiro e Silva 1 Abatido pela AAAé em 06/11/44 - morreu
em combate.
2º Ten Av Jorge E. Paranhos Taborda 1 Afastado de vôo por "psiquioncurose" em
13/11/44.
2º Ten Av Dante Isidoro Gastaldoni 0 Morreu em treinamento no Panamá em
18/05/44.
2º Ten Av Oldegard Olsen Sapucaia 0 Morreu em treinamento na Itália em
07/11/44.
Fonte: INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA (Brasil). História geral da aeronáutica brasileira. Rio de Janeiro:
INCAER; Belo Horizonte:Vila Rica, 1991. 3 vol.
ANEXO D - Relação dos Temas delos Quais Foram Classificados os
Depoimentos e Entrevistas dos Membros do 1º GAvCa
1. CLIMA PRÉ-GUERRA
2. EXPERIÊNCIA ANTERIOR
3. VOLUNTARIADO
4. HOMENS-CHAVE
5. TREINAMENTO
6. VIAGEM À ITÁLIA
7. SÍMBOLOS
8. DESEMBARQUE NA ITÁLIA
9. CHEGADA A TARQUÍNIA
10. A PRIMEIRA BASE
11. O INÍCIO DAS ATIVIDADES
12. FATALIDADES
13. ABATIDOS EM COMBATE
14. O P-47
15. O LÍDER
16. RELACIONAMENTO NO GRUPO
17. RELACIONAMENTO COM A POPULAÇÃO ITALIANA
18. RELACIONAMENTO COM OS AMERICANOS
19. A BASE DE PISA
20. DIVERSÃO
21. ÁLCOOL
22. MÚSICA
23. FAMÍLIA
24. ROTINA
25. ESFORÇO
26. MISSÕES COM A FEB
27. ESGOTAMENTO
28. ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
29. OFENSIVA DA PRIMAVERA
30. EFICIÊNCIA
31. O FIM DA GUERRA
32. A VOLTA AO BRASIL
33. A PRESIDENTIAL UNIT CITATION
34. REFLEXÕES
ANEXO E - Depoimentos: Quantidade e Proporção de
Indivíduos por Tema
NÚMERO DE INDIVÍDUOS
ITEM TEMA
APOIO % PILOTOS % TOTAL %
1 CLIMA PRÉ-GUERRA 2 25 6 75 8 13
2 EXPERIÊNCIA ANTERIOR 2 22 7 78 9 15
3 VOLUNTARIADO 5 33 10 67 15 25
4 HOMENS-CHAVE 1 20 4 80 5 8
5 TREINAMENTO 9 50 9 50 18 30
6 VIAGEM À ITÁLIA 6 67 3 33 9 15
7 SÍMBOLOS 5 71 2 29 7 12
8 DESEMBARQUE NA ITÁLIA 5 63 3 38 8 13
9 CHEGADA A TARQUÍNIA 11 79 3 21 14 23
10 A PRIMEIRA BASE 6 67 3 33 9 15
11 O INÍCIO DAS ATIVIDADES 2 20 8 80 10 17
12 FATALIDADES 2 29 5 71 7 12
13 ABATIDOS EM COMBATE 2 14 12 86 14 23
14 O P-47 2 22 7 78 9 15
15 O LÍDER 4 40 6 60 10 17
16 RELACIONAMENTO NO GRUPO 18 75 6 25 24 40
17 RELACIONAMENTO COM A POPULAÇÃO ITALIANA 7 54 6 46 13 22
18 RELACIONAMENTO COM OS AMERICANOS 13 68 6 32 19 32
19 A BASE DE PISA 7 58 5 42 12 20
20 DIVERSÃO 7 64 4 36 11 18
21 ÁLCOOL 0 0 2 100 2 3
22 MÚSICA 0 0 4 100 4 7
23 FAMÍLIA 5 71 2 29 7 12
24 ROTINA 7 54 6 46 13 22
25 ESFORÇO 8 62 5 38 13 22
26 MISSÕES COM A FEB 0 0 3 100 3 5
27 ESGOTAMENTO 2 40 3 60 5 8
28 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO 2 40 3 60 5 8
29 OFENSIVA DA PRIMAVERA 2 40 3 60 5 8
30 EFICIÊNCIA 6 55 5 45 11 18
31 O FIM DA GUERRA 8 62 5 38 13 22
32 A VOLTA AO BRASIL 6 46 7 54 13 22
33 A PRESIDENTIAL UNIT CITATION 1 33 2 67 3 5
34 REFLEXÕES 9 53 8 47 17 28
Quantidade e percentuais de indivíduos que se expressaram sobre cada tema, e sua relação comparativa com os grupos funcionais
“Apoio” e “Pilotos”, na amostra “Depoimentos”.
ANEXO F - Resultados Quantitativos dos Depoimentos
TEMA ITEM CATEGORIA
QUANT DE
EXPRESSÕES-
CHAVE
%
QUANT
INDIV
%
A
CLIMA ANTI-NAZISTA
4 25,00
8 50,00
B
CLAMOR POR RESPOSTA AOS
AFUNDAMENTOS DE NAVIOS
5 31,25
8 62,50
C
SOLIDARIEDADE AOS EUA
2 12,50
8 25,00
D
AMBIENTE DE DEFESA CONTRA
ATAQUES
3 18,75
8 37,50
E
AFUNDAMENTO DO U-199
2 12,50
8 25,00
1. CLIMA PRÉ-
GUERRA
TOTAIS
16
100,00 8
A
EXPERIÊNCIA NO CAN
5 38,46
9 55,56
B
SEM FORMAÇÃO PARA A CAÇA
2 15,38
9 22,22
C
TINHA A FORMAÇÃO MILITAR MAS
SEM EXPERIÊNCIA PARA A GUERRA
4 30,77
9 44,44
D
OUTRAS FORMAÇÕES E OUTRAS
EXPERIÊNCIAS
2 15,38
9 22,22
2. EXPERIÊNCIA
ANTERIOR
TOTAIS
13
100 36
A
MOTIVAÇÃO PELA AERONÁUTICA
3 14,29
10 30
B
MOTIVAÇÃO PELA
AVENTURA/IMPULSO/CURIO-SIDADE
6 28,57
10 60
C
DESEJO DE IR PARA A GUERRA
(IDEALISMO,VINGANÇA, MOTIVAÇÃO
POLÍTICA)
9 42,86
10 90
D
PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS
29,52
10 20
E
FOI ESCOLHIDO, CONVIDADO
14,76
10 10
3. VOLUNTARIADO
TOTAIS
21
100
A
CONTATO COM A AVIAÇÃO DE
GUERRA
333
560
B
CARACTERISTICAS DO
TREINAMENTO
222
540
C
COMPOSIÇÃO DOS HOMENS-CHAVE
444
580
4. OS
HOMENS-
CHAVE
TOTAIS
9
15
TEMA ITEM CATEGORIA
QUANT DE
EXPRESSÕES-
CHAVE
%
QUANT
INDIV
%
A
EXCELÊNCIA DO TREINAMENTO NO
PANAMÁ
36,52
18 16,67%
B
DESCONFORTO NO PANAMÁ
6 13,04
18 33,33%
C
OPERAÇÕES DE GUERRA NO
PANAMÁ
5 10,87
18 27,78%
D
ESPECIFICIDADES DO
TREINAMENTO NO PANAMÁ
8 17,39
18 44,44%
E
CONTATO COM O EMPREGO DA
AVIAÇÃO EM COMBATE
48,70
18 22,22%
F
CONFORTO DE SUFFOLK
48,70
18 22,22%
G
ADAPTAÇÃO AO P-47
5 10,87
18 27,78%
H
ESPECIFICIDADES DO
TREINAMENTO EM SUFFOLK
48,70
18 22,22%
I
IMPORTÂNCIA DO TREINAMENTO
36,52
18 16,67%
J
RISCOS E DEMANDAS DA
PILOTAGEM DE COMBATE
48,70
18 22,22%
5. TREINAMENTO
TOTAIS
46
100,00
255,56%
A
DESCRIÇÃO DA VIAGEM
635
9 67%
B
DESCONFORTO
529
9 56%
C
ASPECTOS POSITIVOS E
DIVERTIMENTOS
423
9 44%
D
CONVÍVIO
212
9 22%
6. A VIAGEM À
ITÁLIA
TOTAIS
17
100,00
A
IMPORTÂNCIA E EFEITO DOS
SÍMBOLOS
2 20%
7 29%
B
EMBLEMA
2 20%
7 29%
C
BANDEIRA
3 30%
7 43%
D
AVESTRUZ
3 30%
7 43%
7. SÍMBOLOS
TOTAIS
10
100%
A
DESCRIÇÃO DO DESEMBARQUE
5 42%
8 63%
B
IMPACTO DO DESEMBARQUE
4 33%
8 50%
C
O VINHO
3 25%
8 38%
8. DESEM-
BARQUE NA
ITÁLIA
TOTAIS
12
100%
A
A VIAGEM DE TREM ATÉ TARQUÍNIA
8 31%
14 57%
B
O QUE ENCONTRARAM
7 27%
14 50%
C
A MONTAGEM DO ACAMPAMENTO E
SUAS DIFICULDADES
11 42%
14 79%
9. CHEGADA A
TARQUÍNIA
TOTAIS
26
100%
TEMA
ITEM CATEGORIA
QUANT DE
EXPRESSÕES-
CHAVE
%
QUANT
INDIV
%
A
ORGANIZAÇÃO DA ROTINA
18%
9 11%
B
O FRIO
5 38%
9 56%
C
OUTROS ÓBICES
4 31%
9 44%
D
SENSAÇÃO DE PERIGO
3 23%
9 33%
10. A
PRIMEIRA
BASE
TOTAIS
13
100 %
A
OBJETIVOS
4 31%
10 40%
B
FUNÇÕES
2 15%
10 20%
C
AS EMOÇÕES DAS PRIMEIRAS
MISSÕES DE COMBATE
7 54%
10 70%
11. INÍCIO
DAS
ATIVIDADES
TOTAIS
13
100%
A
GASTALDONI - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
B
GASTALDONI - REAÇÃO
29%
7 29%
C
CORDEIRO - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
D
CORDEIRO - REAÇÃO
3 14%
7 43%
E
OLDEGARD SAPUCAIA - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
G
WALDYR - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
H
WALDYR - REAÇÃO
15%
7 14%
I
RITTMEISTER - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
K
MEDEIROS - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
L
MEDEIROS - REAÇÃO
15%
7 14%
M
AURÉLIO - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
N
AURÉLIO - REAÇÃO
15%
7 14%
O
SANTOS - DESCRIÇÃO
15%
7 14%
P
SANTOS - REAÇÃO
15%
7 14%
Q
DORNELLES - DESCRIÇÃO
29%
7 29%
R
DORNELLES - REAÇÃO
15%
7 14%
S
IMPACTO
29%
7 29%
12. FATALIDADES
22
100%
A
MOTTA PAES
15%
14 7%
B
ASSIS
4 18%
14 29%
C
JOEL
15%
14 7%
D
DANILO
3 14%
14 21%
E
BRANDINI
29%
14 14%
F
CANÁRIO
15%
14 7%
G
CORREIA NETTO
15%
14 7%
H
KOPP
3 14%
14 21%
I
ARMANDO
15%
14 7%
J
COELHO
3 14%
14 21%
K
GOULART
15%
14 7%
L
IMPACTO
15%
14 7%
13. ABATIDOS EM COMBATE
TOTAIS
22
100%
TEMA
ITEM CATEGORIA
QUANT DE
EXPRESSÕES-
CHAVE
%
QUANT
INDIV
%
A
CARACTERÍSTICAS
5 33%
9 56%
B
SEGURANÇA, ROBUSTEZ E
PROPRIEDADE
6 40%
9 67%
C
RELAÇÃO PESSOAL
4 27%
9 44%
14. O P-47
15
100%
A
PAPEL
3 16%
10 30%
B
COMANDANTE
5 26%
10 50%
C
PILOTO
3 16%
10 30%
D
LÍDER
3 16%
10 30%
E
PESSOA
5 26%
10 50%
15. O LÍDER
TOTAIS
19
100
A
IDENTIFICAÇÃO APOIO X PILOTOS
49%
24 17%
B
APREENSÃO NAS SAÍDAS E
RETORNOS
12 27%
24 50%
C
INFLUÊNCIA DA HIERARQUIA
49%
24 17%
D
FAMÍLIA E ACONCHEGO
6 13%
24 25%
E
INFLUÊNCIA NO DESEMPENHO
5 11%
24 21%
F
RELACIONAMENTO APOIO X
PILOTOS
8 18%
24 33%
G
RELACIONAMENTO PILOTO X
PILOTO
49%
24 17%
H
BRINCADEIRAS E TROTES
24%
24 8%
16. RELACIONAMENTO NO
GRUPO
TOTAIS
45
100%
A
AFINIDADE
6 27%
13 46%
B
COMPAIXÃO
11 50%
13 85%
C
SOCORRO
3 14%
13 23%
D
ADOÇÃO
29%
13 15%
17. REL.
COM A
POP
ITALIANA
TOTAIS
22
100%
A
COMIDA
4 17%
19 21%
B
IDIOMA
8 33%
19 42%
C
ADMIRAÇÃO
4 17%
19 21%
D
CONFRONTO
8 33%
19 42%
18. REL.
COM OS
AMERICA-
NOS
TOTAIS
24
100%
A
OPERAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA
5 23%
12 42%
B
ESTADO EM QUE ENCONTRARAM
4 18%
12 33%
C
CONDIÇÕES DE TRABALHO
6 27%
12 50%
D
CONDIÇÕES DE ACANTONAMENTO
7 32%
12 58%
19. A BASE
DE PISA
TOTAIS
22
100%
TEMA ITEM CATEGORIA
QUANT DE
EXPRESSÕES-
CHAVE
%
QUANT
INDIV
%
A
EM FOLGAS E PROGRAMAS
REGULAMENTARES
6 38%
11 55%
B
EM CONTRAPONTO AO ESFORÇO
DE GUERRA
5 31%
11 45%
C
ATRAVÉS DO CONVÍVIO E
CONFRATERNIZAÇÃO
5 31%
11 45%
20. DIVERSÃO
TOTAIS
16
100%
A
TRISTEZA
1 25%
2 50%
B
COMEMORAÇÃO
1 25%
2 50%
C
DESCANSO E DIVERSÃO
2 50%
2 100%
21.
ÁLCOOL
4
100%
A
DISTRAÇÃO E DIVERSÃO
1 14%
4 25%
B
FORMA DE EXPRESSAR EMOÇÕES
E ALIVIAR TENSÕES
4 57%
4 100%
C
ÓPERA DO DANILO
2 29%
4 50%
22. MÚSIC A
TOTAIS
7
100%
A
MANIFESTAÇÃO DO FAMILIAR
4 40%
7 57%
B
INFLUÊNCIA DOS LAÇOS
FAMILIARES
3 30%
7 43%
C
O VALOR DA CORRESPONDÊNCIA
3 30%
7 43%
23. FAMÍLIA
TOTAIS
10
100%
A
ROTINA DO PESSOAL DE APOIO
7 54%
13 54%
B
ROTINA DOS PILOTOS
6 46%
13 46%
24.
ROTINA
TOTAIS
13
100%
A
TRABALHO SEM DESCANSO
7 33%
13 54%
B
EXPOSIÇÃO A PERIGO
6 29%
13 46%
C
RISCO DE VIDA
3 14%
13 23%
D
IMPACTO NA FISIOLOGIA
2 10%
13 15%
E
IMPERATIVO DAS MISSÕES
3 14%
13 23%
25. ESFORÇO
TOTAIS
21
100%
A
SOBRECARGA
5 56%
5 100%
B
FALTA DE RECOMPLETAMENTO
2 22%
5 40%
C
MOTIVAÇÃO PARA NÃO PARAR
2 22%
5 40%
27.
ESGOTA-
MENTO
9
100%
A
BRINCADEIRAS E GOZAÇÕES
2 17%
5 40%
B
CONTROLE DAS EMOÇÕES
3 25%
5 60%
C
CONTRAFOBIA
4 33%
5 80%
D
OUTRAS
3 25%
5 60%
28.
ESTRATÉ-
GIAS DE
ENFREN-
TAMENTO
TOTAIS
12
100%
TEMA ITEM CATEGORIA
QUANT DE
EXPRESSÕES-
CHAVE
%
QUANT
INDIV
%
A
O DIA 22 DE ABRIL
3 60%
5 60%
B
DECISÃO DE PARTICIPAREM
2 40%
5 40%
29.
OFENS
PRIMAV
ERA
TOTAIS
5
100%
A
SOLUÇÕES ENCONTRADAS
3 18%
11 27%
B
PRODUTIVIDADE
4 24%
11 36%
C
HABILIDADE DE PILOTAGEM
4 24%
11 36%
D
CAPACIDADE DE ENXERGAR
3 18%
11 27%
E
CAPACIDADE DE NAVEGAR
2 12%
11 18%
F
EXPERIÊNCIA
16%
11 9%
30. EFICIÊNCIA
TOTAIS
17
100%
A
FESTEJOS
7 44%
13 54%
B
PASSEIOS
16%
13 8%
C
EXPECTATIVA DE RETORNO
2 13%
13 15%
D
FIM DAS HOSTILIDADES
3 19%
13 23%
E
COMISSÕES DE RESGATE
3 19%
13 23%
31. O FIM DA
GUERRA
TOTAIS
16
100%
A
A VIAGEM DE VOLTA
6 27%
13 46%
B
A CHEGADA
6 27%
13 46%
C
PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS
5 23%
13 38%
D
O PÓS-GUERRA
5 23%
13 38%
32. A VOLTA
AO BRASIL
TOTAIS
22
100%
A
ENSINAMENTOS
8 31%
17 47%
B
VISÕES
28%
17 12%
C
SENTIDO
4 15%
17 24%
D
REVOLTA
28%
17 12%
E
MATAR E MORRER
8 31%
17 47%
F
HEROÍSMO
28%
17 12%
34. REFLEXÕES
26
100%
ANEXO G - Depoimentos: Percentual de Indivíduos por Tema
Porcentagem de indivíduos que manifestaram expressões-chave relativas a cada tema dos Depoimentos, dentre um
total de 59.
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
TEMA
TEMA
CLIMA PRÉ-GUERRA
EXPERIÊNCIA ANTERIOR
VOLUNTARIADO
HOMENS-CHAVE
TREINAMENTO
VIAGEM À ITÁLIA
SÍMBOLOS
DESEMBARQUE NA ITÁLIA
CHEGADA A TARQUÍNIA
A PRIMEIRA BASE
O INÍCIO DAS ATIVIDADES
FATALIDADES
ABATIDOS EM COMBATE
O P-47
O LÍDER
RELACIONAMENTO NO GRUPO
RELACIONAMENTO COM A POPULAÇÃO I
TALIANA
RELACIONAMENTO COM OS AMERICANOS
A BASE DE PISA
DIVERSÃO
ÁLCOOL
MÚSICA
FAMÍLIA
ROTINA
ESFORÇO
MISSÕES COM A FEB
ESGOTAMENTO
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
OFENSIVA DA PRIMAVERA
EFICIÊNCIA
O FIM DA GUERRA
A VOLTA AO BRASIL
A PRESIDENTIAL UNIT CITATION
REFLEXÕES
TOTAIS
% Indivíduos
ANEXO H - Depoimentos: Percentual de Expressões-Chave por Tema
Percentual de expressões-chave suscitadas para cada tema dos Depoimentos.
Total de Respostas por Tema
0% 1% 2% 3% 4% 5% 6% 7% 8% 9%
CLIMA PRÉ-GUERRA
EXPERIÊNCIA ANTERIOR
VOLUNTARIADO
HOMENS-CHAVE
TREINAMENTO
VIAGEM À ITÁLIA
SÍMBOLOS
DESEMBARQUE NA ITÁLIA
CHEGADA A TARQUÍNIA
A PRIMEIRA BASE
O INÍCIO DAS ATIVIDADES
FATALIDADES
ABATIDOS EM COMBATE
O P-47
O LÍDER
RELACIONAMENTO NO GRUPO
RELACIONAMENTO COM A POPULAÇÃO I TALIANA
RELACIONAMENTO COM OS AMERICANOS
A BASE DE PISA
DIVERSÃO
ÁLCOOL
MÚSICA
FAMÍLIA
ROTINA
ESFORÇO
MISSÕES COM A FEB
ESGOTAMENTO
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
OFENSIVA DA PRIMAVERA
EFICIÊNCIA
O FIM DA GUERRA
A VOLTA AO BRASIL
A PRESIDENTIAL UNIT CITATION
REFLEXÕES
ANEXO I - Depoimentos: Proporção de Expressões-Chave
Entre Apoio e Pilotos por Tema
0 102030405060708090100
CLIMA PRÉ-GUERRA
EXPERIÊNCIA ANTERIOR
VOLUNTARIADO
HOMENS-CHAVE
TREINAMENTO
VIAGEM À ITÁLIA
MBOLOS
DESEMBARQUE NA ITÁLIA
CHEGADA A TARQUÍNIA
A PRIMEIRA BASE
O INÍCIO DAS ATIVIDADES
FATALIDADES
ABATIDOS EM COMBATE
O P-47
O LÍDER
RELACIONAMENTO NO GRUPO
RELACIONAMENTO COM A POPULAÇÃO I TALIANA
RELACIONAMENTO COM OS AMERICANOS
A BASE DE PISA
DIVERSÃO
ÁLCOOL
MÚSICA
FALIA
ROTINA
ESFORÇO
MISSÕES COM A FEB
ESGOTAMENTO
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
OFENSIVA DA PRIMAVERA
EFICNCIA
O FIM DA GUERRA
A VOLTA AO BRASIL
A PRESIDENTIAL UNIT CITATION
REFLEXÕES
Seqüência1
Seqüência2
Pilotos
Pessoal de Apoio
Percentual de expressões-chave do pessoal de apoio e dos pilotos em cada tema dos Depoimentos.
ANEXO J - Discursos do Sujeito Coletivo dos Depoimentos
1 CLIMA PRÉ-GUERRA
1. A CLIMA ANTI-NAZISTA
Quando a guerra estourou em 1939, eu já tinha posição tomada contra o nazi-
facismo. Já tinha mesmo respondido a inquérito policial militar, na Escola Militar do
Realengo, por ter me posicionado contra o Integralismo, então dominante na
mentalidade e formação militar da época.
Isso demonstra claramente, voltando ao Brasil da época, como era uma ditadura
fascista do Presidente Vargas onde praticamente toda a cúpula militar era pró-
nazismo. Tinha havido a revolução de 35, a revolução comunista, a revolução
integralista de 38. Estávamos em pleno 'Estado Novo'.
Toda a mocidade estava voltada para a guerra, todos nós ansiávamos em
participar da guerra, e nesse tempo, dentro da escola militar, havia uma corrente
grande pró-nazismo, pró-Alemanha, pró-germânica e outra grande parte contra a
Alemanha. Os cadetes apostavam que a guerra ia durar um mês ou um ano, e o
ambiente era aquele: se vivia o dia-a-dia da guerra. Existiam colegas que
arranjaram mapas da Europa e no mapa já iam colocando os progressos da
Alemanha por lá. Em 1940, ainda na escola militar, fui testemunha de uma vaia
que o corpo de cadetes deu para o embaixador da Alemanha e para o adido militar
alemão, visitas importantes e presentes a convite do próprio Comandante da
escola, um homem conhecido e reconhecido pelo exército como pró-nazista, pró-
Alemanha.
Mas a mocidade brasileira tinha o seu afã de dar uma demonstração contrária
àquela situação pró-guerra: nós queríamos ir para a guerra. Foi formada a escola
da Aeronáutica e dentro dessa escola continuou a mesma guerra já com uma
maioria absoluta de pró-aliados.
Então, nós poderíamos dizer que, no Brasil, a situação era de aflição. O clamor
público era dominante, justamente compatível com a agressão alemã. Os alemães
foram demasiadamente perversos contra a nação brasileira, então fomos à praça
pública. Participei, a partir de 1942, com 22 anos de idade, de todos os
movimentos que tinham como linha mestra levar o nosso País à guerra, para
liquidar o nazi-fascismo e transformar o Brasil em nação verdadeiramente
democrática. Nós bradávamos aquele grito de guerra e num determinado
momento um companheiro subiu na estátua de João Pessoa e disse que se
envergonharia de ser brasileiro se dentro de 24 horas o Brasil não declarasse
guerra.
Naquela época também se dizia muito que o Presidente Vargas era simpático aos
alemães, mas isso era uma voz corrente que depois foi desmentida, e logo depois
disso veio a declaração de guerra.
(AAP81, AAP97, PIL389, PIL407)
1. B CLAMOR POR RESPOSTA AOS AFUNDAMENTOS DOS NAVIOS
Desde fevereiro de 1942 o Brasil sofreu um forte impacto com o afundamento do
primeiro navio mercante nosso fora de águas territoriais.
A partir de um certo momento os alemães não afundavam mais navios em
comboios, mas sim navios que andavam soltos, dentre os quais estavam muitos
navios brasileiros no litoral do Nordeste. Depois houve uma sucessão de
torpedeamentos de navios nossos, e o povo nas ruas exigia uma reparação a essa
agressão, totalmente descabida, com perdas de inúmeras vidas valiosas, vidas
brasileiras.
Os ataques dos submarinos alemães a navios brasileiros causaram centenas de
mortes, entre militares e civis, que nada tinham a ver com o assunto, que estavam
lá meramente como passageiros. E em alguns desses torpedeamentos
aconteciam depois atos selvagens como o metralhamento dos barcos salva-vidas.
Pela constituição o Brasil sempre foi um país neutro, e assim sendo não havia
justificativa para esses ataques. A opinião popular brasileira ficou muito contra
esta guerra dos submarinos alemães e essa indignação proliferava, sobretudo nos
meios estudantis.
Foi por esse tempo que os democratas da época passaram a freqüentar a Liga de
Defesa Nacional e a Sociedade dos Amigos da América, com a finalidade forçar o
Brasil a entrar na guerra contra o nazi-facismo. Entre os civis que lutavam na Liga,
era grande o número de estudantes. A UNE era uma das entidades mais
combativas no sentido de enviar tropas brasileiras para se juntarem aos Aliados.
Havia uma grande reação do povo pela entrada do Brasil na guerra, que
aumentou depois que eles atacaram e afundaram vinte navios nossos. Antes de o
Brasil entrar na guerra, nós fomos agredidos vinte vezes, mas a gota d'água foram
cinco navios afundados em apenas uma noite.
Finalmente, em agosto de 1943, o Congresso declarou 'Estado de Guerra' no
Brasil. E os ataques continuavam e eram muito cruéis, mas depois foram se
tornando menos eficientes com a tática dos aliados.
(PIL371, PIL373, PIL379, PIL389, PIL407)
1. C SOLIDARIEDADE AOS EUA
No ano de 42, depois daquela reunião dos chanceleres em São Francisco e em
Havana, houve a do Rio de Janeiro em Petrópolis, e na reunião em Petrópolis -
contando com os chanceleres de todas as Américas - foi decidido que qualquer
agressão a qualquer ponto da América, fosse ela na América do Norte ou do Sul,
desencadearia uma reação de todos os assinantes daquele protocolo.
Depois disso começaram a haver manifestões populares e até do Governo, cuja
cúpula militar era a favor da Alemanha - tanto o Presidente Vargas quanto a
cúpula militar. Os problemas no Brasil se tornaram complicados, na época em que
nós começamos a construir bases no Nordeste.
Em dezembro de 1941 houve o episódio de 'Pearl Harbor', e os Estados Unidos
entraram na guerra, o que desencadeou uma efervescência maior ainda. De uma
certa maneira o Brasil se solidarizou com os Estados Unidos e com a situação de
'Pearl Harbor'.
(PIL379, PIL389)
1. D AMBIENTE DE DEFESA CONTRA ATAQUES
Eu fui fazer o curso nos Estados Unidos na primeira turma, composta por oito
brasileiros. Quando voltamos dos Estados Unidos nós havíamos feito um curso de
pós-graduação para 'Tenentes Aviadores Americanos', instrutores de aviação
militar.
Além disso nós estávamos formando os pilotos, e nós implantamos no Galeão o
primeiro CPOR da Aeronáutica, e formamos vários instrutores para implantarem
CPOR em outras bases no Brasil.
Grande parte da minha turma permaneceu na escola naquela fase de crescimento
da FAB, que havia sido criada há um ano e meio apenas. Basta dizer que a turma
que precedeu a nossa era composta por dez cadetes, e a nossa turma foi de
oitenta e quatro: veja a explosão que houve com criação da FAB. Isso exigia um
esforço muito grande inclusive por parte dos instrutores, pois cada um de nós tinha
sete alunos de manhã e à tarde, era um esforço sobre-humano.
Fora disso, outros companheiros nossos estavam empenhados nas patrulhas de
proteção dos comboios ao longo do litoral, em todas as bases que nós tínhamos,
bases ainda oriundas da Marinha, em Salvador, Florianópolis, Natal e Recife e
também na Base Aérea do Galeão, e aí passamos a fazer regularmente os vôos
de patrulha, que eram divididos em dois tipos de vôo: uns eram de varredura de
locais em que se sabia haver submarinos, e outro era o de cobertura,
propriamente dito, acompanhando os comboios.
Quando voltei para o Brasil já entrei na nossa patrulha, que saía do Aeroporto
Santos Dumont com um avião 'Catalina'. Dizem que eu fiquei com o olho verde de
tanto olhar para o mar, mas não tinha jeito, tinha que ser o contato direto, visual do
submarino. O Exército tinha as duas bases que eram sede dos aviões de patrulha
que nós estávamos recebendo dos Estados Unidos, aviões modernos.
A FAB, embora nova, estava equipada naquele momento com os aviões mais
modernos que eram utilizados na guerra, e todos esses aviões eram pilotados por
brasileiros. Existia um curso em Recife que era dado pelos americanos para
pilotos brasileiros, curso este de adaptação a esses equipamentos novos que
estavam vindo para a FAB.
Nessa situação foi declarada a guerra.
(PIL367, PIL371, PIL373)
1. E AFUNDAMENTO DO U-199
Nos vôos de patrulha, eu não vi nada, até um determinado dia, quando saí numa
patrulha de manhã cedo até Cabo Frio, para fazer uma varredura em cima de um
comboio que se formava em frente do Rio de Janeiro, comboio este de 50 navios.
Nós fomos fazer uma varredura na rota que os comboios que saiam do Rio do
Janeiro iriam cumprir nas próximas 24 horas na direção Nordeste.
O nosso destino era ir até os Abrolhos e voltar, e quando estávamos na altura de
Cabo Frio recebemos um cifrado dando coordenadas sobre a ação inimiga.
Quando nós voltamos de Cabo Frio, por volta de umas sete, sete e meia, recebi
um rádio do nosso centro de controle do calabouço dizendo que tinha um objeto
misterioso, provavelmente um submarino, quase em frente ao Rio de Janeiro, e
que tinha sido detectado por um avião americano. Já se sabia que havia um U-199
por ali, e nós fomos chamados de volta porque um americano o havia atacado e
então se deu nosso ataque a esse submarino.
Eu localizei o lugar para onde havíamos sido enviados e nos dirigimos para lá;
viemos com sol pelas costas, uma pequena bruma no dia 31 de julho de 1943. Dali
a pouco, nós vimos o submarino no local, a uns 100 quilômetros mar adentro, fora
da Barra do Rio, 100 quilômetros do Pão de Açúcar. Vimos aquele 'troço' enorme
na nossa frente. Era como uma baleia enorme se deslocando dentro da água com
um bigode enorme na frente.
Imediatamente fizemos uma curva em direção ao submarino e, para a nossa
alegria, ele virou para o eixo do nosso mergulho, que é a linha ideal de ataque de
se ter. Era a situação ideal para um ataque a submarino e logo em seguida o
avião abaixou e eu pensei: "Se nós não acertarmos a bomba, nós vamos dar é
uma 'trombada' nesse submarino. Mas vamos afundá-lo de qualquer jeito".
Nós tínhamos 4 bombas, sendo que 3 eram reguladas para 20 metros cada uma,
e a quarta era para o tiro de misericórdia. Passamos por cima e eu joguei três
bombas; ele fez uma curva para a direita e, quando eu olhei para trás, vi que o
submarino não tinha afundado. Ele estava fora d'água com três colunas de água,
duas de um lado e uma do outro, descendo até uma certa profundidade e aí
explodindo. O submarino tinha sido 'estourado' e estava sendo jogado para fora
d'água. Soltamos as bombas e, para sorte nossa, o submarino passou exatamente
quando elas explodiram. Ele chegou a sair da água e ficou parado, foi aquela
confusão.
Quando ele desceu, desceu direto, então fizemos mais uma passagem: tinha
muita gente dentro d'água, aí eu joguei a última bomba que faltava. Não havia
necessidade, mas guerra é guerra, e assim eu joguei a última bomba.
Aí começaram a aparecer os aviões americanos que tinham atacado primeiro,
mas tinham errado as bombas. Eles fizeram um trabalho fantástico porque tinham
um porta-bombas, então eles fingiam o ataque, abriam os porta-bombas e quando
o submarino reagia com as antiaéreas eles fechavam o porta-bomba e voltavam, e
dessa forma mantiveram o submarino na superfície até nós chegarmos para o
ataque.
Os nossos artilheiros estavam com metralhadoras e atiravam para tudo quanto é
lado. Eu tive que ir lá para fazê-los parar porque eles queriam matar tudo quanto é
elemento que estava dentro d'água. Demos uma volta e eles ficaram ali nadando,
então nós jogamos do avião três barcos salva-vidas de borracha. Nós jogamos um
barco de borracha e os americanos jogaram outros dois e doze alemães - o
Comandante, três oficiais e oito marinheiros - embarcaram, amarraram um no
outro e saíram remando. Os que tinham se salvado entraram nos barcos, os que
estavam dentro do submarino já estavam lá no 'fundo' a essa hora. Eu tive até a
oportunidade de transmitir em código morse, em alemão, para eles: " Não remem.
Virá um navio buscar vocês!"
Chamamos o Rio de Janeiro e dali a pouco veio um destroyer que levou 2:15 h
para chegar com aquelas redes do lado, e os prisioneiros finalmente subiram e
fomos com eles ao Galeão, antes de serem mandados para Recife. Eu havia
causado mais mortes, mas o que podia fazer? Era a guerra.
Cheguei de volta no Aeroporto Santos Dumont muito antes e fiquei ali, naquelas
grades, junto com um monte de gente curiosa, e vi os prisioneiros embarcando
num transporte americano para ficarem como prisioneiros no Recife, onde havia
outros prisioneiros alemães. Lá, aliás, eles devem ter levado um 'vidão', pois os
prisioneiros jogavam futebol, comiam bastante e não sofriam mais ataques de
avião.Foi uma experiência curta e incisiva.
(PIL367, PIL371)
2 EXPERIÊNCIA ANTERIOR
2. A A EXPERIÊNCIA DO CAN
O Correio Aéreo para os pilotos do Grupo de Caça teve um efeito muito grande
porque nós aprendemos a voar na Força Aérea.
O treinamento dos nossos pilotos era mais em relação à navegação regional,
Correio Aéreo Nacional. É uma aviação muito parecida com depois a aviação de
caça que nó tivemos na Itália, quer dizer, voar em relação ao chão, voando, vendo
as estradas, interpretando as encruzilhadas, ali é tal coisa, ali é tal coisa.
Só que esse piloto que tinha esse treinamento, quando ele foi pra guerra, ele
levou esse conhecimento que é uma coisa, assim, prática, é uma coisa militar. E
foi de uma eficiência extraordinária. Todos nós voávamos no correio aéreo.
O vôo era essencialmente por contato visual, e isso nos ensinou muito sobre
deslocamentos a baixa altura principalmente, e nos facilitou o cumprimento das
missões. Naquele tempo não tinha estação de rádio aqui nas costas do Brasil. O
Brasil não tinha mapas aéreos, então o piloto tinha que fazer, no correio dele, ele
tinha que fazer viagens duas ou três vezes com um indivíduo que já tinha feito
aquela rota, e ele decora a rota. Mas no litoral nós não precisávamos disso porque
nós fazíamos o que chamávamos 'o cisca'. Se chegava uma nuvem muito forte, a
gente baixava, seguia a praia. E nós decoramos a praia. Nós sabíamos que tipo
de nuvem se podia entrar ou não. Nós tínhamos que conhecer cada lugarzinho
que estava no mapa e o correspondente no chão.
Com isso nós adquirimos uma prática muito grande, primeiro de navegar com a
carta na mão, olhando a carta e o terreno, porque a carta era completamente
diferente do que se enxergava lá embaixo. No canto da carta às vezes tinha um
'anjo babu', gordinho, soprando a direção do vento, mas nós tínhamos umas casas
anotadas aqui, um laranjal ali, uma lagoa não sei onde, e o piloto fazia aquele vôo.
Realmente uma das razões de nosso sucesso foi a identificação exata das
referências no chão, no solo. Esse sentido foi tão desenvolvido em nós pelo tipo
de navegação que fazíamos no Correio Aéreo. O vôo do bolsista era 'ciscando',
pulando para cá e para lá. Se tinha um morro, pulávamos fora, e quando se estava
já conhecendo bem a costa já sabíamos o que vinha pela frente.
A experiência no Correio ajudou pela diversidade de vôo, o que nos dava uma
experiência maior do que aquele vôo de rotina, de instrução. O vôo de instrução
era um vôo demarcado para fazer determinadas coisas e o piloto, aluno, deve
fazer aquilo bem. Já no correio, quando se sai e encontra mau tempo, condições
diversas, tem-se que resolver o problema; não é mais a escola, aquilo não está
programado, e isso lhe dá uma qualificação maior. Isso era o vôo visual e as
vantagens que ele nos dava quando estávamos desempenhando nossas missões
na Guerra.
Enxergávamos muito mais do que os americanos. Eles não tinham a obrigação de
ter a mesma experiência que nós tínhamos, e eu volto ao Correio Aéreo,
responsável pela facilidade de nos identificarmos com o chão. Na América eles
voavam com a infra-estrutura daquele tempo, tinham rádio-faixa, rádio-farol,
semáforos para se orientarem à noite. No Correio Aéreo, conforme já falei, era
aquele anjinho babu, com as asinhas soprando dizendo a direção do vento. Era
uma coisa empírica.
Acredito que por essa razão sobrevivemos mais do que as outras turmas. Isso, eu
acredito, nos deu mais versatilidade porque, no vôo do correio, tínhamos que nos
decidir a qualquer momento se voávamos ou não. O seu julgamento era o que
estava em treinamento, e com a repetição se aprendia a decidir melhor.
(PIL389, PIL393, PIL403, PIL407, PIL459)
2. B SEM FORMAÇÃO PARA A CAÇA
Quando o Brasil entrou na guerra já em 43, e os americanos começaram a retirar
seus pilotos para o Pacífico, daí entrou a patrulha brasileira propriamente dita,
porque antes nossa patrulha era uma brincadeira, era esporte puro, era amor pelo
País, vontade de cumprir uma missão, de combater um submarino.
É verdade que existiam duas unidades que tinham sido treinadas pelos
americanos: o primeiro grupo de patrulha estava no Santos Dumont, e o segundo
no Galeão. Esses dois grupos estavam utilizando a patrulha racionalmente já
como unidade tática de combate.
Foi nessa patrulha que um futuro companheiro do 1 o Grupo de Caça, conseguiu
afundar um submarino alemão. Mas então o 1º Gp Av Ca foi formado sem muito
preparo. Nós não tínhamos aqui no Brasil pilotos com treinamento de piloto de
caça, treinamento, assim, de uma maneira sistêmica, mesmo, não tinha.
(PIL389, PIL393)
2. C TINHA FORMAÇÃO MILITAR MAS SEM EXPERIÊNCIA PARA A GUERRA
Em 1941 formou-se o Ministério e teve início a primeira turma que não chegou a
voar no primeiro ano, mas sim no segundo ano, já dentro de uma orientação norte-
americana. Aviões novos começaram a chegar, com uma parte técnica mais
atualizada.
No terceiro ano nós já estávamos voando: fazendo vôo noturno, acrobacia e vôo
de grupo. O piloto já saía com um treinamento bastante razoável, e nós nos
formávamos oficiais em torno de 200 a 300 horas de vôo.
Essa era a característica da fase pré-guerra e do início da guerra que ainda não
havia atingido o Brasil, mas que tinha as suas conseqüências. O nosso
treinamento não era especificamente destinado a cumprir missões de guerra.
Houve a necessidade de se treinar os pilotos fazendo horas de vôo em aviões
mais avançados.
Quando o Grupo chegou no Panamá a maioria dos pilotos brasileiros já havia
voado bastante, mas a média desses vôos eu não sei exatamente. Eu, por
exemplo, tinha mais de mil horas, e isso era muita coisa naquele tempo. O avião
voava a 250 Km por hora, portanto mil horas era uma coisa muito grande. Eu
acredito que a média do Grupo era em torno de 500 horas, mais ou menos. O
Comandante Nero Moura tinha muito mais, um dos Majores talvez mais ainda,
porém entre os capitães eu era um dos que tinham mais horas de vôo, e isso nos
facilitou muito.
Então nós tínhamos uma consciência muito grande de como voar um avião, só
não sabíamos voar apenas com instrumentos, não sabíamos dar tiro em avião,
não sabíamos utilizar militarmente uma aeronave.
(PIL374, PIL379, PIL389, PIL407)
2. D OUTRAS FORMAÇÕES E EXPERIÊNCIAS
A média de idade dos pilotos brasileiros é de 22 anos e são naturais de dez dos
vinte Estados do Brasil. Um deles nasceu nos EEUU. Dois são atletas de renome
no Brasil, um é corredor de 100 metros e outro é jogador de basquetebol.
Foi tudo muito simples: Guerra e determinação. Eu, na vida civil, antes de
ingressar na Força Aérea, já tinha conhecimento de mecânica. Na Escola de
Aeronáutica, onde servia como praça, antes de me alistar como voluntário no
1ºGrupo de Caça, trabalhava como auxiliar de mecânico com um sargento,
oriundo da Aviação Naval, e que tinha um medo danado de voar nos aviões de
treinamento primário da Escola, e eu, sedento por um vôo acrobático, fazia os
vôos quando se fazia necessário a presença do mecânico para detectar alguma
anomalia no motor em vôo acrobático. O Sargento antiaéreo, para minha
satisfação, só aparecia no final do expediente para assinar o livro.
(AAP226, AAP335)
3 VOLUNTARIADO
3. A MOTIVAÇÃO PARA A AERONÁUTICA
A aviação sempre me seduziu. Me influenciei pela aviação, embora na verdade eu
tivesse tudo para ser um marinheiro. Eu fui criado praticamente com os pés dentro
da água salgada, lidando com navios, vendo navios de guerra, navios mercantes,
mas eu acabei escolhendo a aeronáutica na época de servir,.e me apresentei
voluntário para ir para a Força Aérea.
O espírito de aviação já estava em mim naquela época. Eu queria fazer parte da
tripulação de um bombardeiro, essa era a minha intenção, e fiz o concurso para a
Escola Especialista.
Em dezembro de 1943, quando já estava formado, me apresentei voluntário para
o aspirante. Cheguei para ele e falei: "Estou sabendo que o Brasil vai entrar na
guerra com a FAB e queria ser voluntário", e ele respondeu: "Você já está
escalado".
(AAP44, AAP160, AAP281)
3. B MOTIVAÇÃO PARA AVENTURA/IMPULSO/CURIOSIDADE
Tudo tem um princípio, e isso começou cinqüenta e 'tantos' anos atrás. Eu
perguntei em tom de pirraça: " ... o que é isso? Nunca vi você vestido, só conheço
você de calção de banho, e também nunca vi você lendo ... você sabe ler ? ". Aí
ele disse: " É um negócio do Ministério da Aeronáutica, Curso nos Estados Unidos,
Aviação Militar ".
Esta "coincidência" culminou com a minha decisão. Na época eu era jovem, e
como todo jovem eu acalentava um sonho, mas não era ir para a guerra. Meu
sonho era conhecer outros países, outros mundos. O Brasil já tinha declarado
guerra, já estava em guerra, e apareceu a oportunidade de me convocarem. Para
realizar aquele meu sonho de conhecer outros mundos, acredito que talvez mais
do que por patriotismo, me apresentei voluntário para ir à Itália.
O Comandante da Escola convocou quem desejaria ser voluntário para uma
missão especial na Força Aérea Brasileira. Perguntei o que havia e ele disse que
estava me convidando para uma missão. Eu disse: "Mas que missão?", e ele
respondeu: " Ah, isso não posso dizer. Mas você topa ir a uma missão
relativamente longa, talvez um pouco perigosa?
Eu fui para casa e não pensei na missão, no que era ou no que não era. O sujeito
com vinte e poucos anos não pensa se a coisa é ruim ou boa, você quer aventura,
não é? Voltei no dia seguinte e disse que topava a missão...e assim começou
tudo.
Lembro-me que fui um dos últimos a me apresentar e estava muito curioso sobre
qual seria essa missão. Finalmente fomos chamados e fomos fazer um
treinamento de P-40, em Recife. Depois eu fui avisado que tinha que embarcar
para os Estados Unidos. "Bom", eu pensei, "eu vou, pois nos Estados Unidos não
tem guerra".
Minha despedida para a guerra foi uma despedida quase sem ninguém. Não
avisei minha família, saí por volta de seis horas da manhã quando chegou a
condução da FAB e parti para encontrar os colegas que iriam comigo para a Itália.
Eu queria porque achei que era uma aventura também e você acha que nada vai
acontecer com você, vai acontecer com outro. Tem essas razões. Todos nós
éramos voluntários.
(AAP160, PIL367, PIL386, PIL371, PIL397, PIL459)
3. C DESEJO DE IR PARA A GUERRA
Então veio a declaração de guerra e logo após surgiu a vontade de defendermos
o Brasil. Aberto o voluntariado a maioria se apresentou; no meu caso em
particular, eu já me propunha desde 1939 a ir para a guerra.
Num determinado dia chegou ao meu conhecimento que haveria candidatos para
a guerra, e era um desejo ardente meu participar porque eu tinha sede de
vingança, eu lutava por aquilo. Talvez a parte mais entusiasmada com isso eram
os estudantes. Isso foi crescendo de maneira que lá pelos idos de 1943, a
indignação contra a situação já era bastante grande. Aquilo foi incutindo em cada
um o desejo de um certo tipo de vingança, e por causa da revolta contra aqueles
torpedeamentos (dos navios brasileiros).
Eu pessoalmente reagia a essas notícias dos torpedeamentos com características
até mais íntimas: Fiz o curso primário em Munique e lá eu assisti àquela
campanha do Hitler e a criação da juventude nazista, e como eu era mais moreno
do que eles, muitas vezes, no caminho para o colégio, era atacado. Então eu tinha
mais esse aspecto pessoal e íntimo contra essa coisa do torpedeamento, e tudo já
conduzia a minha ida para a FAB.
Eu creio que isso fez com que fosse tudo tranqüilo; quando o tal 'papel' de
recrutamento passou pela escola, perguntando quem seria voluntário para esse
tipo de unidade, a mocidade toda acompanhou. Me lembro que era uma grande
maioria, todos solteiros, moços, novos, 19-20 anos. Para ser coerente com a
minha formação política, decidi, como fizeram outros colegas, me apresentar como
voluntário. Para minha surpresa e alegria, ao chegar a Aguadulce, lá encontrei
membros da Direção da União dos Estudantes do Brasil.
No meu entender o que havia de mais certo era realmente a guerra. Então ficou
um grupo selecionado primeiro pelo próprio voluntariado, pela vontade de ir para à
guerra, e foi assim que eu entrei: um dia estávamos fazendo uma revisão num UB-
40 lá em Recife quando eu soube daquele 'pano preto'; estavam todos correndo
para falar com o Comandante secretamente. Eu fui e me apresentei ao
Comandante e disse que sabia que estava aberto o voluntariado, falei que era de
Salvador e que queria ser voluntário para a guerra. Faltavam dez dias para me
casar quando isso aconteceu.
Quando nos apresentamos ao então Comandante da Escola de Aeronáutica,
onde éramos instrutores de pilotagem e fomos designados para compor o 1º
Gp.Av.Caça, para ir à guerra, uma aura de entusiasmo fervilhou na Liga, onde eu
já lutava por isso.
Vim para o Rio de Janeiro e levei quase 30 dias para chegar; viajei de caminhão,
de trem, de navio, de ônibus, até que finalmente cheguei ao Rio. Quase fui
impedido de ir para o Panamá porque na véspera, às 6 horas da tarde, eu tive um
acidente e arranquei a rótula - até hoje tenho a marca - e no dia seguinte não
podia nem andar direito, mas fui assim mesmo. Para se ter uma idéia chequei no
aeroporto Santos Dumont à uma da manhã e fiquei até as seis esperando, com
medo de me atrasar. Quando cheguei em Trinidad eu estava com 42 graus de
febre.
Em combate você vai porque você quer ir, você não é obrigado a ir, você quer ir
por 'n' número de razões. Eu queria ir pra defender o nosso sistema de vida contra
um inimigo que estava querendo dominar o mundo. Estava motivado. Sei que vou
morrer, mas quero ir para a Itália.
Fossem os motivos os mesmos daquela II Guerra Mundial, apresentar-me-ia hoje,
novamente, para outra.Todos devem agir e influir para que não haja outra guerra.
No entanto, acho que não devem deixar dúvida a qualquer agressor em potencial
de que somos do carinho, mas também topamos uma
brutalidade...preventivamente.
(AAP81, AAP97, AAP281, PIL370, PIL371, PIL379, PIL389, PIL 407, PIL459)
3. D PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS
A carreira militar na época era bastante cobiçada por todos, a da aviação
especialmente pelo entusiasmo que causava, pela sensação de uma coisa nova.
Havia também a perspectiva profissional: se uma pessoa escolhe uma carreira
militar ela deve saber que um dia poderá se ver face à face com uma situação de
guerra da qual terá inevitavelmente que participar. Isso dava um certo entusiasmo
que poderia trazer à pessoa o alcance profissional de atingir o seu ponto máximo
de treinamento com relativa facilidade. O sonho de todo caçador é algum dia ele
entrar em combate.
(PIL379, PIL459)
3. E FOI ESCOLHIDO/SELECIONADO
O engraçado é que nós íamos voltar para o Brasil, já estávamos quase de volta,
quando um telegrama chegou no consulado e nos interceptou no hotel em Miami
dizendo: "voltem para Eagle Pass". Nós não sabíamos ainda que havia todo um
preparo do 1° Grupo de Caça. Nos receberam com aqueles confetes: “ Vocês são
formidáveis". Nós vimos que tinha alguma coisa por trás e era exatamente o que
nós imaginávamos; ele disse: "Vocês têm todas as condições de irem para o P-47.
Esse esquadrão está chegando em Nova Iorque e vocês vão integrar esse grupo".
Depois de três dias esses três rapazes da reserva com curso completo nos
Estados Unidos se apresentaram ao 1º Grupo de Aviação de Caça. Escolheram
alguns. Eu fui o primeiro escolhido.
(PIL393)
4 HOMENS-CHAVE
4. A CONTATO COM A AVIAÇÃO DE GUERRA
A adaptação aos aviões de caça norte-americanos começou durante os princípios
de 1944, quando os principais elementos foram à Escola de Tática aplicada, em
Orlando, na Flórida, onde permaneceram pelo espaço de dois meses, antes de se
reunirem com os demais componentes do Grupo, no Panamá. Durante dois meses
e meio cada um de nós voou cerca de 140 horas em vôos táticos, vôos de
formação, vôos de ataque rasante e vôos de bombardeio picado.
Os vôos de bombardeio picado que nós realizávamos no Brasil serviam apenas
para dar um certo treinamento, pois eram realizados com aviões antigos. No Brasil
os bombardeios eram feitos com bombas de treinamento, e nos Estados Unidos
nós fizemos o mesmo treinamento com bombas reais. Então dava um caráter
diferente ao treinamento, você se sentia 'mais soldado', com mais 'espírito de
guerra', e isso valia muito porque cada um dava tudo de si para aprender o
máximo.
O mais formidável eram os pilotos ingleses e americanos que nos ensinavam
como se usava um avião: não só para passear mas também para combater e
matar gente. Eu me lembro de um piloto que todo mundo achava um homem
excepcional, porque ele fazia gestos com as mãos imitando um avião perseguindo
o outro, e aquilo para nós era incrível.
Nos adestramos o melhor possível para combater mais tarde e cumprir as nossas
missões no Teatro de Operações. Em Orlando nós voávamos no P-40, um modelo
já mais avançado do que aquele que nós tínhamos em Natal. Lá havia uma Escola
de Caça que funcionava muito bem, e já imperava aquele 'espírito de guerra' que o
americano tinha em si e transmitiu para todos nós. Mais tarde o nosso pessoal foi
para Aguadulce e manteve o mesmo espírito guerreiro.
(AAP226, PIL367, PIL373)
4. B CARACTERÍSTICAS DO TREINAMENTO
Fomos para Orlando na Flórida, que hoje é muito conhecida pela Disneyworld,
mas naquela época ninguém sabia onde era. Nós éramos doze oficiais e
dezesseis subalternos, e fomos todos para o Curso de Tática Aérea.
Ficamos lá uns dois meses e cada um dos homens-chave ficou estudando a sua
parte. Nós fizemos a parte teórica e a parte de vôo. Tivemos dois meses de
instrução, cada um na sua especialidade. Dentre esses homens-chave cada um
tinha uma especialidade: havia "flight leaders" (líderes de vôo), oficiais de
informação, de armamento, de manutenção.
O 'pessoal de chão' fazia a sua parte correspondente de manutenção,
comunicações, informações e armamentos.
Os americanos resolveram que todos os pilotos deveriam voar. Então nós
passamos para o vôo e fomos depois encaixados nas diferentes esquadrilhas. O
nosso vôo começava às 7:00h da manhã e era intercalado com aulas teóricas, e
não parávamos nunca.
O dia-a-dia em Orlando era sempre muito puxado para nós, era inverno e embora
estivéssemos na Flórida, com um clima mais ameno, o clima já exigia
aquecimento, essa coisa toda, porque estava muito frio.
(PIL367, PIL373)
4. C COMPOSIÇÃO DOS HOMENS-CHAVE
Logo que o Brasil entrou na guerra houve a cessão das nossas bases: os
americanos puderam ocupar as bases para fazer os desembarques, e depois foi
combinado entre os governos brasileiro e americano que seria mandado uma força
expedicionária de terra para a Europa e uma unidade da aviação, que seria o 1º
Grupo de Caça.
O Grupo de Caça teve que ser trabalhado aqui, e para isso o Major Nero Moura
foi logo nomeado Comandante do Grupo e, como tal, ele optou pelo voluntariado
dentro da FAB. Aberto esse voluntariado ele escolheu seus homens-chave,
homens que iriam para os Estados Unidos e entrar em uma unidade tática de
combate para aprender o que era uma unidade de combate.
A escolha dos homens-chave foi feita da seguinte maneira: o Ministro Salgado
Filho designou o Major Nero Moura e ele, dentro de uma relação de voluntários,
escolheu os homens-chave. A parte de vôo, que era a mais importante, foi
escolhida pelo Nero por um determinado critério, não só na parte de vôo como na
de armamento e outros serviços.
Paralelamente ele determinou que os seus capitães escolhessem os seus
voluntários para serem os seus tenentes, os sargentos escolherem os seus
voluntários para serem os seus soldados e assim sucessivamente. Aí é que
ficamos sabendo que estávamos indo fazer um treinamento de aviação de caça,
que talvez fôssemos depois mandados para a guerra na Europa caso ainda
houvesse guerra.
Eu já falava inglês e fui designado para "inteligence officer" - oficial de
informações - e durante esses dois meses na Flórida também continuei fazendo
treinamento em terra, de aviação e de vôo.
(PIL367, PIL373, PIL389, PIL403)
5 TREINAMENTO
5. A EXCELÊNCIA DO TREINAMENTO NO PANAMÁ
No Panamá tivemos um curso, talvez um dos melhores tanto para o mundo militar
quanto para o mundo civil, onde nos preparamos para tudo. Para se ter uma idéia,
até hoje utilizo o treinamento que recebi no Panamá, onde inclusive fomos
preparados para a guerra química: hoje se fala muito em guerra atômica, mas
naquela época era guerra química, essa era a grande destruidora da humanidade.
O capitão americano, meu instrutor, me demonstrava a grandeza da Força Aérea
dos Estados Unidos. Uma das características do Grupo de Caça foi que o nosso
treinamento excedeu em muito o treinamento que normalmente se dava a uma
unidade americana ou a outros países. Tanto é que nós havíamos assumido,
depois de um treinamento intensivo, a Base de Aguadulce no Panamá em todos
os seus serviços, inclusive a interceptação de todos os aviões que passavam pela
região.
Eu ratifico o que disse antes, de que os dois cursos foram para mim a coisa mais
útil que tive em toda a minha vida.
(AAP81, PIL367, PIL371)
5. B DESCONFORTO NO PANAMÁ
Mais tarde fomos para Miami e de lá embarcamos para o Panamá, Gostaria de
ressaltar o nosso deslocamento com um navio de transporte e um destroyer.
Acredito que todos ficamos preocupados na zona do Canal, do golfo, quando o
destroyer às vezes passava e fazia aquela cortina de fumaça. O capitão me dizia
que a preocupação deles era de que os japoneses não destruíssem o Canal do
Panamá. Se isso acontecesse o Atlântico então invadiria o Pacífico e as
conseqüências seriam imprevisíveis, não se saberia nem se a América Central
desapareceria e o que seria invadido na América do Sul. Esse foi talvez um dos
primeiros sustos que eu tive, e me perguntava se tinha vindo da Paraíba para
morrer afogado aqui no Panamá ... percebi que o negócio seria difícil.
Tive a felicidade de transpor o Canal do Panamá de navio, o que é uma coisa
raríssima e muito bela: são nove comportas e quando há uma diferença de nível o
navio é suspenso com a pressão da água sob o casco. Me recordo de ter feito
uma carta para meu pai, dizendo: " Papai, banhei-me no Pacífico!".
Era um lugar chamado "Aguadulce", que não tinha 'água' nem era 'dulce': era
muito seco e árido. Ficávamos alojados em edificações de madeira, e todas as
aberturas, portas e janelas possuíam telas para evitar os mosquitos da malária. As
portas sempre, fechadas com a inscrição "Avoid malária", que em brincadeira
dizíamos: "Avó da Malária". Havia tanto inseto peçonhento, aranhas, lacraias,
escorpiões e mesmo cobras, que os alojamentos de madeira eram construídos
sobre pilares em cujas bases havia recipientes com óleo queimado para evitar que
subissem, com telas nas portas e janelas.
A região era muito seca, deserta e quente. Nas horas de folga, hora do almoço,
corria-se para a cantina para tomar até quatro garrafas pequenas de coca-colas
geladas. Não tinha "day-off" (folgas), e as atividades eram contínuas. O sol era
muito quente, mas tínhamos que usar luvas para subir no avião senão
queimávamos a mão, e ficávamos até aliviados quando saíamos em um vôo de
interceptação porque subíamos até 3, 4 mil pés e era mais fresco: o avião todo se
refrescava e nós também.
Nós voávamos a manhã inteira debaixo de muito calor, muito cansaço, e quando
chegava à tarde, depois de uma boa comida, todos estavam cansadíssimos e com
sono, então era aquela aula com metade dos pilotos cochilando. Eu me lembro
muito bem de um deles, um dos que mais dormiam. Que avião é esse?", eu
perguntava, e ele acordava assustado. Mas no fim todos aprenderam direitinho
quais eram os aviões em que podiam atirar e os que deveriam derrubar.
Lá aconteceu uma história bem interessante: quando cheguei ao Panamá recebi
do Tenente 50 dólares, dinheiro para 'sobreviver' um mês inteiro. Entrei num jogo
e um americano me tomou 49 dólares, me deixando com apenas um dólar. Com
esse dólar comprei um baralho por 50 centavos e lancei o ' seven and half ' - o '7 e
meio'- e ganhei do americano tanto dinheiro quanto outros objetos. Recordo-me
que aquele dinheiro todo não coube no meu quepe, e passei a guerra toda com o
dinheiro dessa vitória nas cartas.
Depois de pouco tempo começaram a acontecer pequenos incidentes com os
aviões porque todo mundo estava cansado demais. Então terminou o treinamento.
Tivemos tribulações em nossa viagem aos Estados Unidos, inclusive se falava
muito naquela época que o Mar das Caraíbas era um cemitério de navios.
Grandes navios americanos ali foram afundados, inclusive. Na saída do Canal do
Panamá, o navio que nos conduzia para os EE.UU fundeou, aguardando um
destróier, para comboiá-lo. Ao lançar âncoras, quando grande parte dos
integrantes dormia, provocou susto devido ao grande barulho. Pensaram em
torpedo, já que naquelas bandas também havia submarinos do "Reich". Nós
demoramos mais que o dobro do tempo normal para finalmente chegarmos.
(AAP81, AAP152, AAP250, AAP281, PIL367, PIL403)
5. C OPERAÇÕES DE GUERRA NO PANAMÁ
No Panamá fui indicado para colaborar com os americanos na torre de controle da
cidade de Aguadulce, primeiro porque sabia falar inglês e segundo porque alguns
pilotos brasileiros estavam fazendo operações conjuntas de patrulhamento na
defesa do Canal do Panamá. Era o 'Stand by', o alerta de 24 horas. O motivo era o
seguinte, como os japoneses já estavam em guerra com os Estados Unidos,
naquela parte do Pacífico poderia haver uma surpresa, como em Pearl Harbor, e
por isso criou-se o 'Stand By' porque os pilotos e o pessoal de manutenção se
mantinham 24 horas em atividades. Durante a alta madrugada levantávamos para
atender os aviões na pista. Durante o 'Stand By' os aviões deveriam estar
municiados, as metralhadoras municiadas e os porta-bombas com bombas para o
caso de uma emergência. Se um inimigo fosse atacar a nossa Base já estaríamos
preparados e guarnecidos para isso, tanto na parte de mecânica como na de
armamento. Quando tocava uma sirene você saía e o mecânico já estava sentado
dentro do seu avião dando a partida; ele saía por uma asa e você entrava pela
outra. Em questão de quatro, cinco minutos você já estava voando, recolhido e
recebendo o rumo dado pelo radar. As missões eram só de interceptação. A
esquadrilha ficava em alerta e o radar pegava um avião comercial ou outro
qualquer que estivesse passando em qualquer direção. Eles acionavam a
esquadrilha e assim, obedecendo as ordens do comando no radar, nós íamos
encontrar o avião. A gente tinha que encontrar o avião, ler o número dele e
transmitir para a terra, só então estava terminada a missão de interceptação e nós
voltávamos. Havia vinte bases naquela região, em toda a América Central, que
formavam a rede de proteção do Canal do Panamá. Então qualquer avião, fosse
'teco-teco' ou avião comercial, era interceptado e conduzido até a próxima escolta
pelos aviões de uma daquelas bases. Isso tudo nos deu um treinamento em
interceptação fantástico.
No Panamá nós já começamos a praticar os primeiros vôos por instrumentos,
porque para se fazer a interceptação encontrávamos o céu sempre cheio de
nuvens, sempre fechado. Mas de qualquer maneira para voar você tem que
passar pelas nuvens, então a gente já começou um treinamento bom de vôo por
instrumentos.
(AAP206, AAP243, AAP296, PIL371, PIL403)
5. D ESPECIFICIDADES DO TREINAMENTO NO PANAMÁ
Aguadulce fica na selva do Panamá, e foi lá que iniciou-se o treinamento em
aviões P-40. Nesse período tivemos o treinamento de pessoal de apoio, bem
como dos pilotos. Por três meses os pilotos voaram os "P-40 Warhawks",
treinando bombardeio vertical, ataque a metralhadoras, interceptação, bombardeio
rasante e combate aéreo.
Enquanto isso, os praças se familiarizavam com os aviões e as viaturas
americanas. No Panamá, o Grupo organizado passou a receber instruções dos
americanos e cada um de nós tínhamos um companheiro americano que nos
informava tudo sobre os aviões. Nós passamos a fazer e eles inspecionavam o
que fazíamos, e na parte de armamento tínhamos tudo. Nas escolas brasileiras o
que aprendíamos eram coisas do passado, e na época os americanos nos
ensinaram tudo no Panamá.
Nós tínhamos que nos adaptar e aprender como trabalhar dentro dos moldes do
serviço americano de manutenção, de tiro, armas, bombas, intendência, além de
aprender a preencher perfeitamente aqueles papéis todos, porque a burocracia
dentro do Exército Americano era fogo.
Todo mundo já sabia alguma coisa, então podíamos nos defender bem.
Começamos a aprender por nós mesmos, e tínhamos gente muito boa no
armamento, em rádio, comunicações, mecânicos. Nossos mecânicos eram
extraordinários e de uma dedicação exemplar a toda prova.
No Panamá o nosso Grupo correspondia ao esquadrão americano e passou a ter
quatro esquadrilhas. Quando saímos daqui eram apenas três, mas os padrões
americanos exigiam quatro. Cada esquadrilha era composta por quatro aviões, e
na aviação de caça temos o 'guia' e o 'ala'. O ala cuida da 'cauda' do guia e não
deixa ninguém atacar por trás. Para isso é preciso que o ala voe perto para poder
perceber que manobra ele está fazendo: ele advinha as manobras do guia. É mais
ou menos como a 'Esquadrilha da Fumaça', que treina para fazer aquelas
manobras de acrobacia; na aviação de caça é a mesma coisa, qualquer sinal ou
movimento, o outro advinha. Então eram quatro esquadrilhas: a 'amarela', a
'vermelha', a 'azul', e a minha, que era a 'verde'.
Eu, como oficial de inteligência, dava aulas de aeronaves. Era uma silhueta
projetada em uma tela e o piloto tinha que saber imediatamente que avião era
aquele: não se podia analisar os detalhes do avião, ele tinha que instintivamente
saber se o avião era inimigo ou amigo, porque se demorasse muito levava um tiro
do outro avião e daí não dava mais tempo de ver coisa nenhuma, ia direto para o
chão.
Mas no geral tudo se passou muito bem no Panamá. Tivemos que aprender tudo
isso, e o nosso pessoal aprendeu direito. No fim todos aprenderam direitinho quais
eram os aviões em que podiam atirar e os que deveriam derrubar.
(AAP81, AAP84, AAP226, AAP243, AAP296, PIL367, PIL389, PIL403)
5. E CONTATO COM O EMPREGO DA AVIAÇÃO DE COMBATE
No Panamá tivemos o primeiro contato com aviões de guerra propriamente ditos.
Aqui no Brasil não tínhamos nada com referência à guerra e os americanos nos
deram toda a instrução necessária para enfrentarmos a guerra, naturalmente.
Nosso objetivo era formar o primeiro Grupo de Caça, uma unidade pronta para o
combate. O Panamá foi o princípio de todo o Grupo de Caça, tanto na manutenção
como na parte de armamentos, que era o principal elemento para uma guerra.
Cada um teve os seus auxiliares e começamos a instruir os quatrocentos homens
sobre o que se iria fazer na guerra. A essa altura já sabíamos que estávamos indo
para a Itália, que éramos um grupo de aviação de caça e que faríamos parte de
um esquadrão americano - que nós chamávamos de 'grupo' mas lá nos Estados
Unidos era 'esquadrão' - e iríamos lutar junto com eles lá.
Foi uma das partes mais duras que enfrentamos, principalmente os pilotos.
Tínhamos que assimilar, em apenas 90 dias, a doutrina de uma unidade de caça
em combate. Para cumprir esse complexo treinamento, os pilotos eram obrigados
a ter alguns requisitos essenciais, tais como reflexos rápidos, decisões adequadas
nas situações de emergência, grande combatividade, qualidades essenciais de
pilotagem e um aproveitamento médio na execução destas missões. Com
tamanha gama de exigências, mais de uma dezena de pilotos não teve tempo de
se adaptar a esse tipo de vôo.
Em Aguadulce foram formados os diversos "flights": o vermelho (o "red"), o azul
("blue"), o verde ("green") e o amarelo ("yellow"), além de mais um outro "flight
leader" que foi formado, o "brown flight" (marrom), e que tinha os piores pilotos. Eu
ficava com eles tentando melhorá-los para os outros vôos, mas esse "brown flight"
me deu muito trabalho. O pessoal não queria voar, era difícil, as coisas nunca
funcionavam direito, dificilmente a gente conseguia sair do chão e voar. Quando
conseguíamos sair tínhamos que voltar logo porque um dos aviões sempre dava
pane. Alguns desses pilotos não foram para a Itália e voltaram diretamente para o
Brasil.
Antes propriamente do início da instrução, nós fomos espalhados por campos que
havia em redor do canal onde aviões estavam estacionados e escondidos debaixo
das árvores. Esses aviões eram preparados para interceptar qualquer aeronave
que se aproximasse do canal. No primeiro dia que fui para a pista, a fim de assistir
a decolagem, saíram aqueles dois primeiros do grupo, de trem baixo, flap baixo e
começaram a curva. Eu confesso que pensei: "Ou eles vão cair ou o que eu
aprendi não estava certo porque eu ouvi dizer que curva com flap baixo mata".
Aí então começamos a ter uma razoável sensação da diferença que ainda
tínhamos se comparados ao que seria realmente um treinamento de guerra.
Quando começamos o vôo, já no P-40, todo esse treinamento foi feito e
enfatizado. Realmente nós tínhamos feito um ou dois tiros terrestres de avião, mas
era uma coisa absolutamente ultrapassada, e começamos a verificar que a
distância era muito grande do que na realidade já se efetivava para um
treinamento de guerra.
Além disso, podemos notar que uma turma mais antiga, nunca havia dado um tiro
de avião. Outro mais antigo ainda, nunca tinha feito acrobacia de avião. Isto de
uma certa maneira tornou o treinamento mais difícil porque com mais idade eles
enfrentaram manobras que não tinham feito na sua parte inicial, e o treinamento
foi realmente muito puxado não só visando o treinamento particular de cada um
como principalmente o treinamento de uma unidade operacional.
Em um dos últimos treinamentos o Capitão resolveu fazer um vôo noturno de 16
aviões. Então estavam os 16 aviões voando, e quando ia terminar o vôo caiu um
nevoeiro sobre o campo que nós operávamos e aí nos deslocaram para um outro
campo, que nós não conhecíamos. O Capitão, ao invés de separar as
esquadrilhas, fez um ' peel off' (manobra de pouso) geral. Foi um ' peel off' de 16
aviões num campo que ninguém conhecia ... foi um "Deus nos acuda". Eu só ouvia
aquele papo no rádio: " Não estou te vendo, aonde você está?". Um dos pilotos,
quando pousou deu um cavalo de pau e veio até uma ambulância à força. Eu era
o décimo sexto e estava preocupado porque o P-40 tem um comando para abaixar
o farol e um comando para ligar, e eu já tinha errado uma vez e não conseguia
abaixar. Só sei que quando pousei eu vi uma hélice de avião parada, o piloto sem
saber para onde ia, uma bagunça, mas graças a Deus não aconteceu nada.
Finalmente, passamos todo esse período lá e estávamos em condições de atuar
numa guerra, como atuamos na Itália.
(AAP296, PIL367, PIL379, PIL389)
5. F CONFORTO EM SUFFOLK
Após o estágio no Panamá, Aguadulce, local escaldante, desconfortável e pobre,
chegamos ao paraíso.
Não ficamos qu
a
ambiente, mas a vida era mais suave do que no Panamá.
Nesse período era feito o curso de manhã até as 5 horas da tarde, de segunda a
sexta. Éramos liberados sábados e domingos, embora à meia noite de domingo
tivéssemos que estar presentes de novo na escola.
Sábados e Domingos nós não voávamos, era uma coisa mais civilizada. De
manhã fazíamos ginástica num clube que tinha perto do nosso campo, o lugar do
pessoal mais rico e mais "high society" nos Estados Unidos. Esse pessoal vinha
para o mesmo clube onde fazíamos ginástica e depois, à noite, dançávamos com
as moças nas festas que faziam por lá. Mas, assim mesmo, o trabalho era muito
duro, exigia muito esforço de todos nós.
(AAP152, AAP243, PIL367, PIL386)
5. G ADAPTAÇÃO AO P-47
Saímos do Panamá e fomos para Nova York. Chegamos aos Estados Unidos num
dia brilhante, 04 de julho; desembarcamos e fomos então deslocados de trem para
um campo em Long Island chamado de 'Sufolk Field', onde fomos tomar contato
finalmente com os aviões que usamos na Itália, os P-47 THUNDERBOLT. Quando
fomos para Long Island, chegamos lá como uma unidade de caça já feita,
completa, e lá começamos a usar os aviões.
Foi fácil adaptar-se ao novo avião graças à facilidade e a capacidade do brasileiro,
pois na minha opinião não existe raça mais inteligente e adaptável do que o
brasileiro, e nos ajustamos em somente 2 meses. A parte técnica foi só uma
questão de repasse, porque toda a técnica de guerra, tudo sobre armamento e
manutenção de motor nós já tínhamos feito durante quase 6 meses no Panamá
nos outros aviões.
A mudança dos P-40 para P-47, não trouxe para o Armamento nenhuma
novidade, exceto alguns detalhes de posicionamento. O Armamento básico era o
mesmo. Tanto no Panamá como nos EEUU, o treinamento dos pilotos era intenso
e conseqüentemente, para o pessoal do Armamento, também o foi.
Mas enfim, fizemos nosso treinamento no P-47, que era um avião bastante
diferente do P-40, no qual nós havíamos treinado. Foi ao mesmo tempo diferente e
melhor para nós que íamos para uma zona de combate, porque o P-47 é
realmente um avião fantástico de robustez , de armamento, de tudo. De forma que
o nosso treinamento nos Estados Unidos foi um treinamento de aperfeiçoamento
no avião em que nós íamos atuar na Itália.
E tudo correu muito bem; não houve acidentes, não houve coisa nenhuma, todo
mundo ficou treinado. Foi um período muito agradável, um companheirismo muito
grande além de um avião maravilhoso. Os norte-americanos acharam que já
estava ótimo e que estávamos prontos para ir para a Itália.
(AAP152, AAP160, PIL367, PIL371, PIL389)
5. H ESPECIFICIDADES DO TREINAMENTO EM SUFFOLK
Lá permanecemos durante dois meses antes de sermos enviados à Itália, sob o
comando do Coronel Nero, um veterano com 14 anos de atividade aérea. Como
Oficial de Ligação seguiu para a Itália, o Major John W. Buyers, que fez mais de
vinte missões com os brasileiros.
Dos Estados Unidos foram designados 24 elementos, sargentos e um oficial para
fazer o curso de P-47. Somente um elemento era de comunicações e os demais
eram de manutenção. O curso de P-47 durou 30 dias, e nesses 30 dias tivemos
um conhecimento completo do avião para transmitirmos aos nossos colegas.
Era uma grande aeronave porém muito trabalhosa na parte mecânica, mas ainda
assim um ótimo avião que proporcionou aos pilotos um contato bem próximo. Na
parte mecânica eu ganhei um sargento americano de 'presente' chamado O'Hara,
que era meu companheiro. Com ele aprendi a manusear o avião; todos os
mecânicos de avião tinham um mecânico americano especializado em P-47.
Depois passamos a ter, no teatro de operações, esse zelo permanente, e repito a
vocês que o nosso zelo era tão grande que o avião chegava de uma missão,
inspecionávamos o avião todinho e às vezes entrávamos pela noite, e com a
lanterna examinávamos o avião para ver se tinha sido atingido.
(AAP226, AAP243, AAP281, PIL393)
5. I IMPORTÂNCIA
O treinamento corria normalmente e naturalmente com muita ansiedade de todos,
porque o critério adotado pelo americano era: 'ou a pessoa passava naquele curso
de formação de pilotos de caça, ou ele teria que regressar ao Brasil '. Então havia
uma relativa ansiedade e expectativa de todos naquele 'dia-a-dia' do vôo. É o
aspecto de treinar e passar aquela fase inicial, de conseguir chegar ao ponto que
se queria, que era ser piloto de Caça.
O vôo para o piloto não requer coragem física. Ultrapassada a fase de adaptação
ao novo meio, dá a sensação de absoluta segurança, reforçada pela certeza do
cone de alternativas que se lhe apresentam, em caso de emergência.
O emprego do avião como arma de guerra não requer do piloto nenhuma perícia
especial ou extraordinária senão a simples proficiência técnica, como qualquer
outra arma. O combatente, militar ou cidadão-soldado, na hora do pau, não tem
distinções, desde que um e outro tenham sido adequadamente treinados. O
paisano, no comando de ação específica, pode desincumbir-se com a mesma
eficiência. Em conjunto, entretanto, e a maior prazo, a formação do militar da ativa
lhe propicia outra experiência e recursos, em termos de comando.
As diferenças entre a ação em combate e as ações em treinamento são sobretudo
de ordem psicológica. O treinamento pode ser tão perfeito e as condições
simuladas podem impregnar o piloto de tais reflexos que o aproximem bastante
das condições reais de combate. Depende do treinamento. Pode ser que alguns
fatores fora do circulo militar, como a formação acadêmica, a formação familiar,
pode influir numa hora dessas, influi, influi, mas, não, enfim, tanto, como o
treinamento e a adaptação, a absorção do treinamento como coisa, assim, certa.
(PIL371, PIL379, PIL393)
5. J RISCOS E DEMANDAS DA PILOTAGEM DE COMBATE
Fizemos uma adaptação completa ao tipo de avião de maneira que o treinamento
não apresentava nenhuma novidade maior. As grandes novidades daquela época
eram, primeiro, a impossibilidade de ter uma quase sensação de combate aéreo
real porque às vezes encontrávamos os 'Hell Cats' da marinha americana e a
gente se engalfinhava, mas ninguém sabia com quem estava brigando. De fato,
quando se olhava, estava todo mundo enrolado naqueles combates e aquilo dava
uma razoável sensação da realidade da coisa no teatro de operações.
Outro fato bastante específico foi o vôo noturno. O vôo noturno, voltando um
pouquinho atrás, já tinha dado um problema no Panamá. Já quando fomos para os
EUA numa noite de lua cheia com neblina muito forte, ficou a dúvida do Coronel
Nero Moura se soltava ou não os instrutores. A situação era ruim e ele resolveu
subir e voar com um dos pilotos para ter uma sensação de como estava lá em
cima, e aí resolveu soltar. Eu me lembro que estávamos na cabeceira da pista,
eram quatro aviões, quando vi pousar um avião sem canopi. Não sabíamos direito
o que era e decolamos: e estávamos voando, muita gente com dificuldade de se
achar. Eu estava voando muito bem, mas em um certo momento eu tive a
sensação de que a minha esquadrilha estava fazendo uma curva e eu não
consegui acompanhar. Aí eu dei uma olhada rápida para dentro e vi que eu não
estava nem ganhando nem perdendo altura, depois não vi mais nada e senti uma
pressão na perna esquerda: eu já sabia que era muita velocidade, que o avião
tinha uma tendência a ir para a direita, e quando olhei eu já estava a umas 250
milhas e sem saber o que estava acontecendo. O Capitão estava lá atrás me
perguntando: "Onde você vai?". Oras, se eu soubesse não estava indo! O que me
salvou foi a lua na praia: quando vi a lua e a praia eu vi que estava num pique
desgraçado. Me recuperei, entrei em formatura de novo e o companheiro achou
que eu tinha dormido. Então ele ficava me perguntando a todo momento que horas
eram. Fui voando, passei 100% de oxigênio, chegamos e fizemos o 'peell off', e
quando cheguei lá em cima eu não conseguia respirar mais. O oxigênio tinha
acabado, então tirei a máscara, vim de qualquer maneira e pousei. O avião que
havia pousado sem canopi era do Nero Moura. O Torres pediu para ele fechar
mais a curva e chegar mais depressa e ele entrou em parafuso, recuperou e viu
luzes, mas não eram luzes, eram estrelas. Ele puxou mais ainda e entrou num
segundo parafuso, soltou o canopi para pular de pára-quedas e foi quando ele viu
a lua na praia e se recuperou para pousar. Desde esse dia, tenho certeza, eu tive
a corrente sangüínea travada; eu acho que perdi a circulação, porque perdi
totalmente a noção do que estava fazendo.
Eu tenho uma história significativa para contar, que aconteceu durante o período
que passei no Panamá. Aconteceu num pouso de emergência, numa
aproximação: o trem de pouso não desceu e eu procurei pousar ao lado da pista
para não atrapalhar o pouso dos outros colegas que estavam voando. Graças a
Deus correu tudo bem e consegui pousar sem uma avaria maior no avião.
Acidente de verdade com o avião eu não tive, o mais próximo disso foi um
mergulho numa piscina natural com pouquíssima água; eu estava em cima de uma
árvore e os americanos gritavam: " Você não tem coragem!". Daí eu pulei e caí de
mau jeito, possivelmente eu fraturei umas duas vértebras nessa 'prova de
coragem' impensada. Um episódio mais significativo aconteceu durante o
treinamento, quando a nossa esquadrilha teve que fazer um pouso de emergência
numa base da marinha devido ao mau tempo. Tivemos que ficar bastante tempo
aguardando melhoria de tempo para poder regressar à nossa base de origem.
O grande Coronel Gabriel P. Disosway repetia sempre: "Aviões, a USAF os faz
em série e quantos quiser por dia, para formar um piloto, gastamos no mínimo 20
anos, portanto abandonem avião e salvem-se quando estiverem em emergência.
Como mecânico de avião que era, eu estava fazendo revisão num P-40. Tirei o
carburador do motor para fazer limpeza e regulagem. Como se tratava de um
serviço que não poderia ser feito na pista, levei-o para o hangar onde estava um
P-39, em linha de vôo, regulando seu caminhão e suas metralhadoras.
Inadvertidamente, passei em frente do avião, quando o canhão disparou. A minha
sorte: " Graças a Deus", naquele momento eu estava descendo um degrau,
quando ouvi um estampido e senti o deslocamento de ar sobre a minha cabeça.
Com o susto, caí no chão. Os companheiros brasileiros e americanos que ali
estavam, correram para me socorrer, pensando que eu havia sido atingido, mas
nada me aconteceu, a não ser, o fato de que nasci de novo.
(AAP295, PIL379, PIL389, PIL393)
6 VIAGEM À ITÁLIA
6. A DESCRIÇÃO DA VIAGEM
Depois de um período de quase três meses em Long Island, no Estado de New
York, nos deslocamos para o embarque no Colombie. Devemos começar pela
Base de Virgínia, para onde fomos deslocados e ficamos de quarentena, sem
contato com o mundo externo, por causa do receio da Quinta Coluna.
No dia 19 de setembro, às 5:00 da matina, saímos de trem da Base de Patrick
Henry, com destino ao porto de embarque Newport News. Lá embarcamos em um
navio francês sob bandeira americana, o SS Colombie, arrendo ao governo
americano para o transporte de tropas. Foi à noite o embarque no Colombie e
partimos numa viagem tranqüilíssima, muito embora o navio estivesse
transportando simplesmente 5 mil pessoas.
Dormimos a noite de 19, no navio ancorado no porto, aguardando a formação do
comboio. O navio zarpou no dia 20 de setembro, às 6:30 da manhã, com um lindo
céu e um mar de almirante. Foi uma viagem muito arriscada porque era uma zona
freqüentada pelos submarinos alemães, mas tínhamos uma belíssima escolta. Os
alemães estavam por lá porque era a principal via de transporte de material para
os frontes Europeus pelos Estados Unidos.
No final da tarde, fomos incorporados a um grande comboio, composto por navios
de carga, de transporte de tropas e de dois super-petroleiros, escoltados por dois
destroyers, dois cruzadores e alguns contra-torpedeiros. No dia 23, chegaram
mais 3 destroyers, um encouraçado e mais alguns navios de transportes que, pela
rota, pareciam vir da América do Sul ou Central. Levamos um tempo enorme para
atravessar, cheio de navios de guerra em volta, navios de transporte, aviões em
cima, quadrimotores, hidroaviões de patrulha.
Passamos ao anoitecer pelas Bermudas, e no dia 27, pelas ilhas de São Jorge,
pois o comboio quis ficar um pouco afastada dos Açores. No dia 2 de outubro,
vários aviões aliados passaram a acompanhar o comboio, dando proteção aos
navios contra possíveis ataques de submarinos ou aviões do inimigo.
Diariamente, após arrumação de beliche e do café, éramos enviados ao convés,
onde tínhamos exercícios de evacuação do navio, ginástica e, após o almoço,
duas horas de repouso no convés. A água e a comida eram racionadas, pois os
navios navegavam em ziguezagues, procurando despistar possíveis submarinos
inimigos, o que atrasava a viagem...E assim, de exercícios, ginásticas, jogos,
música, rink de box, onde o Capelão de bordo premiava o vencedor com maçãs ou
pacotes de cigarros, os dias foram passando.
Voltemos à travessia. Viagem cheia de angústias e preocupações, viagem cheia
de incidentes engraçados e outros não tão engraçados assim, porém plena de
risos, cantorias e brincadeiras. E depois de 17 dias de viagem chegamos no Porto
de Nápoli. Mesmo que fosse um dia apenas, já era tempo demais. Então
chegamos na Itália.
(AAP101, AAP160, AAP281, PIL367, PIL389, PIL407)
6. B DESCONFORTO
A viagem pelo Atlântico Norte foi penosa, muito conturbada, desgastante, com
muitos problemas. O perigo constante dos "U Boats", o SS Colombie lotado como
sardinhas em lata, treinamento diário de salvamento, banho de água salgada,
privadas comunitárias sem portas, mar tempestuoso em grande trecho, com
lavagem constante no convés cheio de vômitos dos enjoados, obrigando-nos a
recolhermo-nos aos porões, dormitórios com macas umas sobre a outras,
alimentação seca e servida em pé, além da interminável fila para o café da manhã,
almoço e janta.
O nosso asseio corporal era feito com um capacete de água por dia, e usávamos
um sabão especial. Recebíamos um capacete de água e estava incluída também
a lavagem de roupa. Com aquele mesmo capacete, tínhamos que fazer nossa
higiene, lavar a nossa roupa e o local onde nos encontrávamos. Foi quando
aprendi uma coisa desagradável: os americanos tinham um sabão para água
salgada que usávamos para tomar banho, só aquele sabão fazia espuma e toda
vez que se passava na pele era um pedaço dela que saía. Eu me recordo dos
esquimós, que usam aquela gordura para combater o frio. Nós éramos
conseqüência da sujeira, e imagine que nossa viagem durou quase dezoito dias.
Não é preciso falar muito para dizer como chegamos na Itália: foram quatorze dias
no convés, deitados, e creio que não cheirávamos muito bem; só viemos a
perceber isso quando desembarcamos em Livorno.
O treinamento de sobrevivência era muito intensivo porque justamente naquela
época os alemães já estavam atuando com os submarinos no Atlântico. Como já
disse o treinamento era muito duro, você já estava confuso e não sabia mais se
era treinamento ou se era verdade. Eram tiros, bombas de profundidade, uma vida
bastante tumultuada. Tínhamos um comboio de mais ou menos 30 embarcações
com normas rígidas, uma delas era que você não podia tirar o colete salva-vidas,
tinha que dormir com aquilo no corpo. Geralmente davam para nós - brasileiros,
que somos um tipo mediano - aqueles macacões feitos para os americanos, que
são pessoas maiores, mais altas, e a gente tinha que dobrar as mangas, ficava
folgado no corpo, além de um calor 'desgraçado'. As pessoas como eu, que fui
criado em beira de praia, que estavam acostumadas com o mar - com o balanço
do mar - e que não enjoavam tinham que tratar dos enjoados, levar comida, limpar
vômito, era terrível.
Havia uma porção de " não pode " lá dentro: às 6 horas se apagavam as luzes e a
gente não podia caminhar, eu não podia fumar, era horrível. Eu quase que
considero aquela viagem pior do que a guerra.
Tristemente me lembro da alimentação. Por necessidade da própria embarcação
que não tinha capacidade, era oferecida só uma refeição por dia. Não é o caso
dela ser boa ou ruim, mas só comíamos com cartãozinho picotado; a fila do
refeitório começava de manhã e não acabava mais. Naquela época existia um
medicamento, a "Atebrina", que depois de comermos o enfermeiro americano
colocava na nossa boca.
Como eu dizia, a nossa viagem à Itália foi muito conturbada e nós sofremos muito.
O nosso alojamento ficava na quilha do navio, foi uma coisa dificílima. O que eu
posso dizer, o que eu guardo na memória sobre a viagem no Colombie é que foi
muito duro, era um navio muito grande e levava tropas americanas de diversos
tipos, além do pessoal de transporte aéreo. Era muita gente a bordo do navio,
milhares de pessoas. Tudo isso nossa juventude suportou muito bem. Eu,
pessoalmente, tinha saído de uma operação de amígdala e ainda me ressentia; na
época, era traumatizante.
Quando chegamos, para se ter uma idéia, o nosso navio foi afastado até a costa
da África; nós estávamos sonhando com Gibraltar e fomos até costa da África, o
dobro do tempo, perseguidos mais de uma vez. Mas chegamos, finalmente, em
Nápoles.
(AAP81, AAP152, AAP160, AAP281, PIL407)
6. C ASPECTOS POSITIVOS E DIVERTIMENTO
Mas apesar de perigosa, aconteceram algumas coisas divertidas nesta viagem.
Por exemplo, tínhamos o Comandante de terra, que não gostava que os soldados
jogassem ou falassem alto depois de uma determinada hora, essas coisas.
Fizemos um jornalzinho e eu colaborava com piadas. Uma vez eu coloquei no
jornal: "O fulano vai mandar prender o Colombie porque estão jogando muito aqui".
Saíam coisas assim.
Com relação à tranqüilidade a viagem foi absoluta, por que estávamos cercados
de um porta- aviões, um cruzador, vários destroyers e inclusive um submarino.
Tudo isso nos deu conforto absoluto.
Às 11:00 do dia 1 de outubro de 1944, em plena travessia para a Itália e
justamente na ocasião em que passávamos por Gibraltar, recebi uma mensagem
do exmo. Sr. Presidente dos EEUU, Franklin D. Roosevelt.
No navio embarcou uma turma de americanos, uma organização do exército
composta de artistas, algumas garotas também, músicos que iam distrair a tropa
no fronte. Assim, fizemos uma viagem debaixo do " boogie hoogie", mas não teve
strip-tease. Elas só dançavam e o nosso pessoal tomava parte.
Nos finais da tarde, e também após o jantar, afinávamos os instrumentos e
mandávamos ver, tocando e cantando sambas, marchinhas de carnaval, sempre
acompanhados pelos afinados "tenores de banheiro" do Grupo. Nós, os "artistas",
por estarmos prestando serviço de recreação, tínhamos direito a mais uma
refeição por dia, o que matava de inveja os comilões. Nossos pilotos, fantasiados
de "Andrew Sisters" cantando e rebolando, faziam a galera delirar, uma vez que
aquelas irmãs americanas estavam na crista da onda.
Foi uma confraternização muito boa, interessante e que de fato nos alegrou e
ajudou o tempo a passar.
(AAP41, AAP101, AAP281, PIL407)
6. D CONVÍVIO
O navio transportava contingentes de militares de várias categorias americanas do
Exército, de Fuzileiros Navais, da Força Aérea, na sua grande maioria, brancos
que não se misturavam com um grande contingente de soldados pretos do
exército do "Tio Sam", que ficavam no convés junto com os brasileiros, que,
moleques demais, botavam o apelido neles de "Laurindo", em homenagem ao
popular samba da época: "Laurindo sobe o morro cantando, não acabou a Praça
Onze, não acabou. Vamos esquentar os nossos tamborins”, etc...
Nós e os americanos comíamos no mesmo refeitório, mas os brasileiros ficavam
aqui e os americanos acolá, em áreas separadas, mas digamos que não havia
bloco.
(AAP101, AAP281)
7 SÍMBOLOS
7. A IMPORTÂNCIA E EFEITOS
O símbolo do 1º Grupo de Caça foi desenvolvido pelo então Capitão Fortunato
Câmara de Oliveira. Logo que surgiu o desenho, e que chegamos em Tarquínia,
nos apressamos em colocar o nosso emblema nas aeronaves que iríamos utilizar,
mesmo porque já o 345, 346, 347, esquadrões do 350
th
Fighter Group, já tinham
os seus emblemas, então era orgulho para nós também voarmos com o nosso.
Quando saímos de Tarquínia para as primeiras missões, os aviões já decolavam
com o "Senta a Pua" na sua fuselagem.
Eu me lembro quando vi este símbolo na carenagem (fuselagem) dos aviões pela
primeira vez, inclusive porque eu tinha um companheiro muito ligado que
trabalhava com o Fortunato e ajudou a pintar, era o Adolfo. O Adolfo gostava muito
de pintura, ele e o Bocchetti ajudaram justamente a fazer as pinturas desses
aviões. Eu me recordo de uma expressão do Fortunato, porque ele fazia questão
que tivesse aquelas duas garras do avestruz que pareciam estar 'freiando no
espaço'.
Além disso a expressão 'Senta a Pua !' ajudou muito o 1º Grupo de Caça. Era
uma expressão de minha infância e na Paraíba se usava muito quando queríamos
dar um sentido mais enérgico, era quase uma reação: "Sent'a Pua nesse cidadão
!", por exemplo. O Capitão Fortunato foi felicíssimo quando colocou o "Senta a
Pua" associado ao emblema, é algo que já nascia para ser eternizado, ninguém
jamais apagará essa imagem.
São quatro coisas que ninguém apaga do Grupo de Caça : a imagem do Nero
Moura, o "Senta a Pua" do 1º Grupo de Caça, o 'Adelfi' - nosso grito de guerra - e
o "Carnaval em Veneza". Essas quatro marcas viverão eternamente.
(AAP81, AAP160)
7. B O EMBLEMA
O símbolo 'Senta a Pua' nasceu na guerra, mas a idéia já era antiga. Bom, isso é
só uma introdução para dizer que durante a viagem no Colombie alguém disse: "
Nós precisamos bolar o nosso símbolo e, na discussão, disseram: "A coisa que
mais nos caracteriza aqui é o fato de nós sermos 'avestruzes', comendo essas
coisas". O avestruz representa a robustez do avião e também o estômago do
soldado brasileiro que, no Panamá, tinha que agüentar aquelas comidas
diferentes, coisas com as quais os brasileiros não estavam acostumados. Mesmo
assim nós digeríamos tudo, e eles achavam que nós tínhamos um 'estômago de
avestruz'. Todos acharam uma boa idéia, e ficou a pergunta: "Quem é mais
parecido com avestruz aqui?" "O Lima Mendes", concordou o grupo. Aí eu pedi
para o Lima Mendes posar um pouquinho, fiz a caricatura dele, depois adaptei a
cara do avestruz e acrescentei as cores, tudo com um significado especial. .
Estávamos ao redor de uma mesinha no navio: eu, Lima Mendes, Rui, o Meira - se
não me engano - então eu desenhei o símbolo. Tem a nuvem, que é o chão do
avião, o vermelho que é o céu de guerra, o escudo que representa o cruzeiro do
sul - céu da nossa Pátria - e assim por diante.
Armei o avestruz com uma pistola que era o "tiro", a defesa é a pistola, o poder de
fogo do avião; depois botei o quepe. Depois cada um foi tendo uma idéia e foi
surgindo o emblema: a fita verde e amarela em volta simbolizando o Brasil, o
escudo, a pistola, tudo tem um significado. Tudo, enfim, tem um significado.
Quando nós entramos em combate e começamos a 'levar tiro' dos alemães,
fizemos mais um "flak" (explosão) estourando perto do avestruz.
Então veio o termo 'SENTA A PUA' , trazido pelo Tenente Rui Moreira Lima.
'Senta a pua' era um termo do Norte, e o Comandante dele chamado Capitão
Firmino, mais conhecido como Firmino da Paraíba , toda vez que ia entrar em
ação, fazer alguma coisa, dizia: "Senta a Pua !". Dizia 'Senta a Pua' para tudo:
entrava na caminhonete e já falava para o motorista, "Senta a Pua, Zé !" - ele
chamava todo mundo de Zé. O Rui sugeriu: "Que tal 'Senta a Pua' ?" e todos
concordamos. Por ser um jargão muito conhecido, vindo do Nordeste, adotaram
esse 'Senta a Pua' como o nosso grito de guerra, e tiveram a idéia de transformá-
lo em uma imagem
Cada um foi dando um palpite e assim surgiu a imagem. É essa a história do
'Senta a Pua': muito simples e eu acho que engraçada também, bem humorada.
Daí surgiu o emblema do Grupo de Caça.
(AAP160, PIL407)
7. C A BANDEIRA
Ficou uma lembrança gratificante que foi o desfile das nossas tropas armadas
com a Bandeira brasileira. Fico emocionado mesmo, em especial nós, sargentos,
oficiais, profissionais, os nossos soldados agarrados ao fuzil com lágrimas
escorrendo na face. Foi tão especial que tivemos um elogio na nossa folha de
alterações sobre esse desfile do Canal do Panamá, foi o 'fecho de ouro' da nossa
estada onde fizemos o melhor: os pilotos, os mecânicos, os rádios.
E, por mais de um ano a fio, aquela Bandeira, que foi à guerra conosco,
simbolizou galhardamente, não apenas a Pátria, mas também o carinho feminino
das mães, esposas e noivas deixadas para trás, cujo espírito vivia conosco,
marchando apreensivo ante as brisas da dúvida, drapejando alegre nos ventos do
heroísmo, baixando a chorar sobre o ataúde dos mortos.
Dois fatos de grande importância marcaram o dia 14 de outubro de 1944: O
hasteamento do Pavilhão nacional, na Base Aérea de Tarquínia, e os primeiros
vôos de treinamento:
“Na história dos povos coube-nos assim a honra de sermos a primeira Força
Aérea Sul-americana que cruzou o oceano e veio alçar suas asas sobre os
campos de batalha europeus. Antes de entrar em ação no Velho Mundo, o 1º
Grupo de Caça cumpriu o sagrado dever de plantar em território inimigo a
Bandeira do Brasil:
Camaradas! Para frente, para a ação, com pensamento fixo na imagem da Pátria,
cuja honra e integridade juramos manter incólumes. Cumpre-nos tudo enfrentar
com fortaleza de ânimo, a fim de manter intacto esse tesouro jamais violado: a
honra do soldado brasileiro! E nós o faremos, custe o que custar".
O boletim, que soube tão bem traduzir à tropa nos sentimentos, foi lido perante a
tropa formada naquela manhã alegre, quando os ventos do Mediterrâneo
desfraldaram pela primeira vez o Pavilhão Auriverde de um país longínquo, cujo
povo, amante da paz, sabe também lutar pela liberdade e reagir à agressão.
(AAP41, AAP268, AAP281)
7. D AVESTRUZ
A comida era horrível! A comida americana pode ser saudável, mas de paladar
horrível. Tínhamos que comer, em especial, a salada de feijão doce, o que
chamávamos de 'carne de bode'. O vôo era encerrado às doze horas, então nós
íamos para o rancho onde havia uma grande dificuldade de assimilação à comida
americana, havia até gente que saía do rancho sem comer nada. A nossa
salvação era um lugar que havia e onde íamos à noite para comermos, mesmo
que pagando. Mas, enfim, havia a necessidade de se comer e aos poucos todos
foram se habituando. Daí veio o nosso apelido de "avestruzes", porque tudo que
nos davam, nós comíamos.
'Avestruzes' foi o apelido que nos deu um velho major da FAB que já morreu como
Brigadeiro: Major Aquino. Por sinal quando ele estava de passagem pelo Panamá
eu o convidei para voar conosco. Ele saiu na minha esquadrilha e disse para mim
que estava muito velho, mas eu tinha uma admiração por ele porque ele fazia
acrobacias em baixa altitude. Ele chegou e disse: "Ah, não dá mais não. Você sai
sozinho que eu não vou mais, não". O Aquino chamava de 'avestruzes' os nossos
patrícios da FAB que iam buscar aviões nos Estados Unidos em uma época onde
trazer aviões no navio era arriscar que eles ficassem dentro d'água, no fundo do
mar. Então resolveram trazer voando, e nós - pilotos brasileiros - brilhamos já por
causa daquele mesmo motivo pelo qual nos demos bem na guerra: nós sabíamos
navegar visualmente muito bem e trouxemos AT19, BT15 e um B25.
E lá em Nova York era aquele bando de gente com aquele quepe branco,
pareciam mesmo avestruzes, e ainda por cima comendo as coisas mais
disparatadas para o brasileiro: feijão com açúcar, leite em pó, café ralo parecendo
um chá ... Nós comíamos aquilo, e só mesmo um estômago de avestruz para
agüentar a dieta.
(AAP201, PIL386, PIL407)
8 DESEMBARQUE NA ITÁLIA
8. A DESCRIÇÃO
No dia 3 de outubro, passamos próximo à ilha da Sicília e no dia 4 de outubro,
data do meu aniversário e quando eu estava completando 18 anos, o navio
fundeou no porto italiano de Nápoles. Quando nós chegamos em Nápoli o pessoal
pensou: "Oba, vamos desembarcar aqui !", só que o navio ficou ancorado o dia
todo e nós pensamos: "O que será que está acontecendo?". Era impossível o
navio encostar no cais, uma vez que grande quantidade de navios, barcos,
sucatas de guindastes, vagões e destroços, estavam impedindo qualquer
aproximação. Permanecemos afundeados ao largo até o dia seguinte, dia 5,
quando o navio zarpou rumo norte, e começou a subir a costa devagar, e levamos
a noite toda de viagem para chegar.
Na manhã seguinte, dia 6 de outubro, finalmente o navio aportou ao cais de
Livorno. Fazia poucos dias que esta cidade havia sido tomada pelos americanos.
Não havia tempo, nem disposição para nenhuma arrumação ou limpeza. Tudo
ficou como encontrado pelos americanos. Na bacia do porto só se viam mastros
de navios afundados, as instalações, armazéns, docas, tudo destruído.
O desembarque em Livorno, Itália, foi outro drama. Desembarcamos para umas
barcaças, pois o porto estava todo destruído. O porto estava cheio de navios
afundados, apenas com as chaminés acima d`água. Desembaraçamos do S.S.
Colombie para umas balsas de invasão, aquelas que tem na proa um grande
portão que, ao ser arriado formava uma prancha de desembarque.
Quando pisamos no solo italiano, precisamente às 14:40 horas, sob forte
temporal, só se via destruição. Chovia, não precisava dizer que o frio estava
dando boas-vindas, não aos cariocas e nordestinos e, sim, à turma dos "pampas,
que sorria de mostrar os sisos. Tocamos solo italiano numa praia próxima da linha
férrea.
(AAP41, AAP101, AAP152, AAP160, AAP250)
8. B IMPACTO
Com 17 dias de viagem nós chegamos ao porto de Livorno. A primeira impressão
foi dantesca e não me saiu da memória. Nós também já estávamos sofrendo
aquele impacto da guerra, porque antes era tudo treinamento e agora nós
estávamos na guerra propriamente dita. Aquilo para nós foi o primeiro choque, já
desembarcando em Livorno e vendo aqueles navios todos afundados, navios de
ponta cabeça, em cima do cais. Nós desembarcamos em barcaças para chegar ao
porto porque o navio não tinha capacidade de se aproximar devido aos inúmeros
navios que tinham sido afundados. O porto estava todo destruído, então foi o
primeiro impacto.
O som dos canhões bem próximo de nós. O temporal, que parecia arrasar tudo
perto de nós. A passarela bamboleante para saltarmos na terra. Tudo muito
tenebroso e assustador até chegarmos à estação ferroviária, toda destruída, e
uma composição à nossa espera para nos levar à Tarquínia. A sensação era
bastante triste, a cidade toda arrasada, gente maltrapilha. O espetáculo visual foi
chocante para quem não estava acostumado com aquilo.
Quando desembarcamos eu tive o primeiro 'medo' na guerra. Outro medo:
Naquele mesmo dia, quando nós chegamos à estação Ferroviária local, vimos
duas rodas do trem no telhado da estação. Perguntamos: "o que é isto??" A
resposta: "Foi o bombardeio de ontem". Os vagões todos perfurados, os assentos
de madeira onde nos acomodamos, como sardinhas em lata. Daí em diante, eu
nunca mais tive medo.
(AAP81, AAP160, AAP296, PIL379)
8. C O VINHO
Chegamos, finalmente, à Itália. Os 'avestruzes' loucos para saborearem todos os
chucrutes e pizzas que encontrassem pela frente. No navio o pessoal tomava
aquele vinho e ficávamos sonhando como seria a alimentação na Itália. Em um
dado momento, apareceram italianos vendendo vinho. Estávamos com fome, sede
e frio. Por inocência, eu e vários companheiros adquirimos o famoso vinho italiano
e ainda enchemos os nossos cantis, jogando fora a água neles contida e nos
fartamos.
Após alguns goles servidos, ouvimos a voz do Capitão: "Atenção, este vinho pode
estar envenenado pois os italianos ainda são nossos inimigos". Nesse episódio um
grupo de americanos chegou falando palavrões, nos repreendendo, porque eles
costumavam envenenar as tropas daquela forma... chegou um oficial americano,
xingando até a nossa bisavó: "Seus ... os fascistas envenenam o vinho e dão para
a tropa - inocentes como vocês". Só que a advertência chegara tarde, uma vez
que já tinha "nego" falando de boca mole e o cantil mais do que "reabastecido".
A turma começou a sentir dores de barriga e enjôo. Eu me recordo muito bem que
fiquei sentado numa calçada quando esperava o trem chegar, imaginando se o
efeito do veneno viria ou não. Eu tive medo pela primeira vez...Foi talvez o maior
susto de toda a guerra, mas Deus nos protegeu e nada nos aconteceu.
(AAP81, AAP101, AP296)
9 CHEGADA A TARQUÍNIA
9. A A VIAGEM DE TREM
Desembarcamos, fomos conduzidos de caminhão até a estação de estrada de
ferro e fomos apresentados a um trem. Outra droga. Aquilo não era uma
composição de estrada de ferro, mas uma decomposição. O trem que nos levaria
a Tarquínia, nossa primeira base de operações que ficava cerca de 150 a 200
quilômetros mais para o sul, era constituído por vagões que haviam sido
metralhados anteriormente por aviões americanos.
Pobre trem, parecia mais como um cara que dera entrada num UTI. Os bancos do
trem, tanto o assento quanto o encosto, eram de madeira, composto de sarrafos,
cuja maioria havia sido retirada para "souvenir". Vagões pequenos, com quatro
rodas, blindados. Algumas janelas também tinham sido retiradas, quem sabe por
economia de guerra, ou para evitar que algum malfeitor as quebrasse. Os buracos
feitos pelos aviões aliados facilitavam o banho de chuveiro involuntário que
tomávamos naquela travessia até a pequena Tarquínia. Pegamos chuva no
caminho. Juntávamo-nos nos corredores para não nos molharmos. Como chovia!
Nós fomos 'atirados' lá dentro com o corpo molhado, mas acomodados da melhor
maneira possível. Entramos nesse trem, que era bem vagaroso, andava um pouco
e parava, aí veio o segundo medo, porque normalmente os infiltrados na Itália
punham dinamite nos trilhos para explodir os transportes.
Viajamos o resto do dia. Depois de tão confortável viagem, no dito trem,
chegamos finalmente nos Estados Unidos de Tarquínia. Nossa viagem transcorreu
por toda a noite, e chegamos já de dia.
(AAP4, AAP81, AAP101, AAP134, AAP152, AAP250, PIL367, PIL379)
9. B O QUE ENCONTRARAM
...e fomos parar em Tarquínia, uma cidade perto de Roma, do tempo dos
Etruscos. Ela continuava como era antes, um lamaçal tremendo, e eu pensei: "
Acho que nem os Etruscos conseguiriam viver aqui". A nossa chegada foi outro
episódio 'triste' para os brasileiros. Chovia demais, dia e noite sem parar. Segundo
informações obtidas com moradores, aquela área era um alagadiço que Mussolini
havia mandado preparar para plantio de arroz.
Nós fomos o último esquadrão a compor o 350
th
. Quando chegamos lá já haviam
três esquadrões americanos estabelecidos na Base. Conclusão: devido à chuva, o
local era uma parte plena à beira do mar, e com a chuva tinha se transformado em
uma verdadeira lagoa. Na chegada, nos surpreendemos quando o americano
apontou o local onde deveríamos acampar. A parte que nos sobrou talvez tenha
sido a parte pior e, portanto, mais trabalhosa. Tinha mais barro, deu muito trabalho
para instalar as barracas, instalar a própria linha de vôo, não era tão bem colocada
como a dos americanos, que ficavam na parte mais ao sul, onde era mais seco.
Nós olhamos e falamos: " Como é que nós vamos acampar ali?" O campo todo
destruído, não tinha hangar, não tinha nada. Tínhamos que andar por dentro da
água, da lama, era um verdadeiro lamaçal que nos reservaram. Posso dizer que
era uma lagoa porque a água vinha até o joelho, e não pudemos fazer nada na
primeira noite porque já chegamos ao entardecer.
Começamos a Guerra em Tarqüínia e, por incrível que pareça, estávamos em um
local que estava sendo adaptado para estacionamento de aviões, pista, etc. A
área em que os aviões ficavam era um lamaçal tremendo que eles chegavam a
atolar, havia lama até a canela. Seguimos para o campo de aviação, local onde
iríamos ficar acampados. Nosso equipamento todo já se encontrava na antiga
Base de Treinamento dos pára-quedistas italianos. Não houve tempo para limpar
toda a área das minas deixadas pelos alemães, portanto somente deveríamos
trafegar nas áreas já desminadas e demarcadas. Fora disso era arriscado pisar
numa mina.
Coube a nós uma área mais ou menos elevada que foi escolhida para nosso
acampamento, e os aviões já estavam numa área mais baixa, que, com chuva,
virava pantanosa. Nossos oficiais de ligação com os americanos, nos mostraram
onde estavam as caixas com nosso equipamento, assim como as barracas de
lona. Eram barracas mais ou menos para 20 pessoas.
Armadas as barracas, eu e meus companheiros, pré-escalados para aquele lazer,
fomos fazer o reconhecimento da área. Saímos não só para fazer o dito
reconhecimento, como também já era hora de pegar o boião do saudoso
Longarina, famoso chefe dos mestres-cucas do Grupo, que recebeu esse
carinhoso apelido por ser magro e comprido. Companheirão era ele. Após o lauto
almoço, saímos andando pelos arredores e nos distanciamos do acampamento e
demos de cara com uma construção de alvenaria, que parecia um bebedouro de
gado. Como durante a viagem de navio éramos aquinhoados com um balde de
água salgada por dia, não tivemos dúvida em limpar a convidativa piscina, para
"tirar a forra" de tantos dias que passamos lavando o rosto e "aquelas partes" com
o dito balde de água. O suposto bebedouro era abastecido por água corrente e
cristalina, o que convidava para sua inauguração. Meus amigos, creiam! Não fosse
o inseparável cantil que estava sempre à mão, abastecido de vinho até a boca,
talvez fosse a primeira baixa do Grupo em Tarquínia, e sabem por quê? Sem me
aperceber que a água estava quase congelada, atirei-me nela como se estivesse
me atirando nas águas mornas de uma piscina. Não preciso dizer que tive um
choque térmico e por pouco não virei picolé.
Isso é o que se pode chamar de moleza: turismo diferente dos demais. E, para
completar a moleza, a chuva intensa acompanhada de fortes ventos que iam
derrubando as barracas que tinham sido montadas...Esta é uma das verdadeiras e
variadas histórias, que aconteceram durante o cruzeiro turístico que fiz em
companhia do nosso inigualável 1º Grupo de Aviação de Caça, e ali começou a
vida da Unidade.
(AAP101, AAP160, AAP250, AAP296, PIL367, PIL379, PIL393)
9. C A MONTAGEM DO ACAMPAMENTO E SUAS DIFICULDADES
Chegamos a Tarquínia no dia 7 de outubro de 1944. No dia da chegada, ninguém
ficou sem fazer nada, houve trabalho para todos, sem exceção. Logo de saída foi
feita uma programação e determinação de turmas para executarem os diversos
serviços necessários à nossa instalação. Armar barracas e ajeitar o acampamento
era a ordem do dia e acabamos armando as barracas dentro da água, mesmo. Já
à noitinha teríamos um teto para a noite. Dia seguinte, embora domingo, o trabalho
continuou em ritmo acelerado e exaustivo. As barracas eram de lona, e fizemos
bom proveito. Várias ferramentas foram utilizadas: enxadas, pás, picaretas,
serrotes e até machados. Enquanto uns esticavam as lonas das barracas, outros
abriam pequenas valas ao redor das mesmas com a finalidade de facilitar o
escoamento de água das chuvas, pois o terreno era baixo e alagadiço. Os mais
especializados se encarregavam da parte elétrica, puxando fios por todos os
lugares e levantando postes; a energia era fornecida por grupo de geradores
portáteis.
Dia 9 de outubro, ainda continuava a faina; agora, desmanchando caixotes e
arrumando o material. Nesse dia ficamos sem almoço, para dar maior progresso
aos serviços, fazendo últimos retoques no acampamento.Tínhamos como vizinhos
o 345º Esquadrão Americano.
"Soldado é superior ao tempo", era uma frase que o Capitão tinha como seu
slogan. Usava essa frase vez por outra. Uma dessas vezes foi quando estávamos,
em Tarquínia, todos reunidos em forma, aguardando as ordens para a distribuição
de vários serviços. O tempo ameaçava temporal. Ao ver o tempo ameaçador, o
Capitão iniciou suas ordens bradando em voz alta: "Soldado é superior ao tempo".
Tão logo terminou suas palavras, iniciou-se uma chuva de pequenos granizos.
Logo em seguida, aumentou o tamanho dos granizos e ele teve que se abrigar
ligeiro. Daquele dia em diante, ele não mais desafiou o tempo.
Para 'coroar' a situação, tem uma passagem que, de certa forma, é cômica: na
nossa montagem de barracas, talvez pela falta de experiência, tivemos o azar de
naquela primeira noite, por volta de meia-noite, duas horas da manhã, vir um
vendaval, o que era coisa costumeira naquela época, e derrubar uma porção
delas, fazendo desabar metade do acampamento, por termos esticado demais as
lonas, provocando um grande corre-corre. Veio aquela tromba d'água e desfez
quase que todo o nosso acampamento, foi uma coisa terrível. As barracas
começaram a desabar porque tinham sido armadas errado, aquela estaca que se
coloca no sentido da lona retesou e saiu tudo voando, inclusive a própria barraca
onde estava o Comandante, e aí o Nero ficou danado da vida, teve que chamar
um dos pilotos, que era engenheiro, designá-lo para fazer uma drenagem da área.
Nós tivemos que passar o resto da noite dentro da água, embaixo da lona, e
começar tudo de novo no dia seguinte, mas de manhã todos trabalhamos para
arrumar a bagunça. O Grupo parou ali por uns quatro ou cinco dias até a gente
poder se estabelecer novamente. Foi a primeira experiência de guerra, como se a
guerra se iniciasse ali.
Nossa higiene pessoal era só no "Dry Cleaners". O nosso banheiro não tinha água
quente e descobrimos que os americanos do 350th, Unidade da qual fazíamos
parte, tinham água quente. Pegávamos o capacete e a toalha e começamos então
a tomar banho do lado americano até que o nosso lado foi refeito. Fazia muito frio,
assim podia-se melhorar nossa limpeza corporal. Para melhorar essa situação,
posteriormente foi instalada uma barraca de lona para banho. Foi feito um cercado
de lona de 2 metros de altura e 3x6m de área, no qual foram colocados três
tambores cheios de água, que eram aquecidos. A água era aquecida por um
dispositivo a querosene dentro de um tambor de duzentos litros. O banho era feito
com uma cuia, magistralmente manejada pelo Cabo Rosa.
Agasalho insuficiente, 6 cobertores, cama de lona-maca - três em cima, três em
baixo. As nossas barracas eram aquecidas por carvão e tínhamos, em cada
barraca, um aquecedor onde colocávamos esse carvão. Acontecia que, pela
nossa falta de experiência, o pessoal colocava todo o carvão e o aquecedor ficava
incandescente; havia casos da incandescência subir pela chaminé e colocar fogo
na barraca. Mas depois o pessoal aprendeu.
A vida na Base de Tarquínia era muito diferente daquela que depois
posteriormente tivemos em Pisa, porque nós vivíamos mais juntos nas barracas.
Resumindo muito, recebemos os aviões e iniciamos os trabalhos e missões. Os
aviões chegavam a atolar, tínhamos que empurrar para não pilonar. Às vezes o
avião tinha que ser tratorado até a pista, porque o barro era enorme, era barro e
gelo misturado. Era necessário um trator puxá-los fora da lama até um ponto mais
alto para que pudessem taxiar para a cabeça da pista. Tenho fotografias que
comprovam esta situação. Além disso, havia um tempo de navegação longo até
chegar na linha de frente. Então, a parte operacional em Tarquínia era muito
penosa.
Como sempre, todo começo é cheio de imprevistos e tudo toma uma feição maior,
quase que fantasmagórica. Tivemos muitas dificuldades em Tarquínia. Claro, com
o passar do tempo nós transformamos o acampamento, drenamos aquela água
toda, abrimos valas e valetas para podermos nos deslocar, porque não tinha nem
como andar. Duas ou três semanas e estávamos em condições de iniciar nosso
combate. Superados todos esses percalços, o 1º Grupo de Caça deu início à sua
inolvidável missão.
(AAP4, AAP81, AAP101, AAP152, AAP160, AAP250, AAP265, AAP268, AAP281,
PIL379, PIL393)
10 A PRIMEIRA BASE
10. A ORGANIZAÇÃO DA ROTINA
Finalmente, tudo ficou pronto para funcionar, parecendo até uma pequena base.
Ao centro, o rancho, a cantina, o posto médico e órgão administrativos,
circundados pelos alojamentos do pessoal, na periferia dos quais se isolaram
banheiros e privadas. A bóia era servida ao ar livre, em longas filas, nas quais a
utilização de marmitas de campanha irmanava oficiais e praças; e assim continuou
sendo por muito tempo, até que se ultimasse a instalação da comprida barraca-
refeitório e fosse equipado com louça modesta o rancho dos oficiais.
A Seção Mecânica, embora mal instalada, logo na primeira semana, iniciou o
recebimento e preparo dos trinta aviões P-47, com os quais os pilotos começariam
a operar. O chefe das operações, já havia feito a denominação técnica das
esquadrilhas e numeração correspondente dos aviões. Assim, as esquadrilhas
ficaram sendo A, B, C, e D, e os aviões numerados A-1, A-2 e B-1, B-2... E assim
por diante.
Cada piloto tinha o seu próprio avião. Os mecânicos foram distribuídos por
esquadrilhas e por avião. Não sei o critério adotado, mas fiquei muito contente ao
ser designado para mecânico do Comandante do Grupo, o avião nº 1. Para meu
ajudante, fora escalado o praça antigo, oriundo da Marinha. Baixinho, franzino,
muito engraçado e espirituoso, tinha a habilidade de imitar as pessoas, fazendo-
nos rir. Durante a campanha repartimos alegrias e tristezas. Haverei sempre de
recordá-lo.
Estávamos tecnicamente subordinados aos oficiais especialistas. Na primeira
semana houve muito trabalho na pista para o pessoal da Mecânica: o avião seria
vistoriado meticulosamente, parte por parte, antes de proceder ao "cheque" do
motor, o qual deveria dar 2.700 rpm e 52 polegadas de mercúrio de compressão,
para ser considerado OK, isto é, pronto para decolagem.
O pessoal de comunicações procedia o bom funcionamento do rádio, fazendo
chamadas com a torre de controle, para teste, regulando o VHF, fazendo as
trocas dos cristais, etc.
Rotina semelhante era seguida pelos mecânicos de armamento; retirando a
estocagem das metralhadoras e instalando-as no avião, municiando-as e
preparando os cabides para receberem as bombas.
(AAP268)
10. B O FRIO
Base Aérea de Tarquínia, novembro de 1944. Já a temperatura natural não mais
era tropical. O Grupo de Caça enfrentou inúmeras dificuldades, tendo nos
marcado mais profundamente o clima, com temperaturas variando em torno de 11
graus centígrados, dificultando bastante a nossa sobrevivência, além de não
estarmos acostumados com temperatura tão baixa e não termos nenhum agasalho
para suportar o frio local. O inverno era tão intenso que a água virava gelo e não
estávamos acostumados com isso, tínhamos dificuldades de saúde provocada por
esse clima.
Nós pegamos um forte inverno italiano e aqui vale uma pequena crítica com
relação ao nosso serviço. Os americanos nos deram botas cobertas com lã de
carneiro, assim como o macacão e o blusão, mas não sei porquê isso não foi
distribuído e a fila do dispensário médico todo dia era enorme, todos resfriados.
Daí houve a interferência do lado americano, perguntando porque não distribuíam
esse material, e só então começamos a nos agasalhar e enfrentar o frio. O
Comando teve que rapidamente providenciar agasalhos e aquecedores para
todos, sem o qual certamente não conseguiríamos agüentar a friagem.
Nossos alojamentos eram de lona, de tal forma que poderíamos abri-los
lateralmente, puxando e amarrando a lona para um lado ou outro. As noites eram
muito frias e nossas lonas eram todas na posição fechadas para nos agasalhar
melhor. Nossas camas eram também de lona, o que não nos dava muito agasalho
contra a frieza. Nossa salvação eram uns sacos de dormir, bem acolchoados e
com zíperes ao pé e num dos lados, de modo que poderíamos ter um grande
lençol acolchoado ou então um tubo, onde entrávamos por cima e nos
agasalhávamos da melhor maneira possível dentro do saco de dormir, e assim
conseguíamos passar mais ou menos. Éramos oito oficiais em cada barraca,
quatro de cada lado.
A barraca não tinha calefação. Tinha um uma espécie de um fogareiro que a
barraca ficava quente. Chegava à noite, ela ia estufando, estufando por causa do
ar quente, né? Mas lá fora era gelo e barro ou água. Chovia também muito em
Tarquínia.
Nossa latrina ficava a uns 50 metros ou mais da barraca. A gente, pra fazer as
necessidades, tinha que sair da barraca com um frio danado, de modo que
fazíamos tudo para não levantarmos à noite para nos aliviarmos. Não tínhamos
armários, portanto tudo que possuíamos tinha que ser guardado em malas ou
sacos, que colocávamos debaixo de nossas camas de lona.
Eu passei por momentos difíceis! Em pleno inverno, acordávamos mais ou menos
às 6:00 horas da manhã, ainda escuro, para irmos fazer "pré-flight" nos aviões P-
47. Íamos da barraca até a pista, a pé, caminhando em valas com gelo (água
congelada), temperatura mais ou menos de 2 a 5 graus centígrados. Não
tínhamos sequer um agasalho. Usávamos os cobertores para nos envolvermos
neles e nos aquecer. Chegávamos aos aviões e eles estavam cobertos de gelo.
Nós, os mecânicos de avião, usávamos vassouras para varrer o gelo que havia
sobre as asas e o "canopy". Quantos tombos levamos, visto que as asas dos
aviões ficavam muito escorregadias. Fazíamos "pré-flight" às 7:00 horas. A forte
neblina e a cerração impediam que os vôos iniciassem antes das 11:00 horas. O
pior é que nossos vizinhos, os americanos, começavam o pré-flight às 9:00. Certa
vez, revoltei-me com aquela situação, ao saber que em nosso almoxarifado havia
centenas de uniformes (agasalhos) completos para enfrentar o frio. Pedi aos
nossos chefes de equipe que ponderassem junto aos nossos superiores
hierárquicos a mudança do horário para o "pré-flight", a exemplo dos americanos.
Não consegui que nenhum outro chefe de equipe se dispusesse a falar com o
responsável por aquela determinação. Tomei, então, a iniciativa de falar, eu
mesmo, com o nosso Comandante de Esquadrão terrestre. Para surpresa geral,
no dia seguinte, após o café da manhã, foi anunciado, no alto-falante existente no
acampamento, o seguinte aviso: "Atenção, senhores mecânicos e rádio-
telegrafistas de vôo, apresentem-se no almoxarifado do Grupo". Para espanto de
todos nós, o Tenente distribuiu a todos nós, mecânicos e rádio-telegrafistas os
uniformes (agasalhos americanos) completos para o frio, constantes de botas de
couro de carneiro invertido, calças e casacos em couro com lã de carneiro na
parte interna, boina e luvas de lã. Parecíamos esquimós.
(AAP276, AAP281, AAP305, PIL393, PIL459)
10. C OUTROS ÓBICES
Tarquínia foi um período de adaptação muito difícil para nós todos, já com os três
pilotos “asa branca” integrando cada um uma esquadrilha. Os outros vieram
depois, e depois, já em Pisa, vieram mais dois reservistas. Então fomos 9 da
reserva, e todos esses fizeram o mesmo treinamento que eu, só que foram
integrar já quando o 1° Grupo já estava na Itália, com experiência de combate.
Depois, desenvolvemos a manutenção das metralhadoras e porta-bombas. A
manutenção sofreu muito porque os aviões ficavam na lama e o pessoal, apesar
de já ter tido algum treinamento, nunca tinha vivido a experiência direta de colocar
a bomba no avião, quer dizer, pegar a bomba e encaixá-la com um carrinho ali, na
lama. Nos Estados Unidos tínhamos um carrinho de bomba, porque a pista era de
concreto. No cimento os carros de bomba têm um certo nível, mas onde
estávamos agora os aviões ficavam estacionados em cima da grama, e a
dificuldade dos mecânicos de armamento era muito grande. Inclusive eles
pegavam a bomba no peito para colocar no avião. Na parte do cimento, existia um
sistema de macaco hidráulico que conduzia a bomba. Foi uma época muito difícil.
Tínhamos umas botas pesadas, que, acumulada com aquela lama pesavam ainda
mais, e era difícil pegar uma bomba de 250 libras; 500 libras é igual a 250 quilos, e
pegávamos as bombas à unha e as colocávamos no porta-bombas do avião. A
bomba escorregava a todo momento, as mãos cheias de barro, era muito pesada
e arredondada. Isso dificultava sobremaneira, era um sacrifício muito grande.
Finalmente tivemos que bolar um sistema de carregar a bomba num carrinho e
botar embaixo do avião. Como os americanos tinham alguns carrinhos com
sistema hidráulico jogados num depósito, pegamos esses carrinhos e apanhamos
as bombas que tinham alças que protegiam os ganchos de fixação no avião e
adaptamos a esses carrinhos, para levar essas bombas para baixo do avião.
Chegando lá, batíamos o pé, levantávamos a bomba que se encaixava direitinho,
e isso facilitou muito, ganhávamos muito tempo com isso. O carrinho nos foi útil e
batizamos ele de 'bambino'; demos esse apelido porque ele era como uma criança
que nos ajudava a fazer aquele serviço tão pesado. Fomos adaptando e
melhorando a situação até chegarmos em um ponto no qual os americanos
copiavam o que a gente fazia.
Sobre as condições de trabalho, o nosso pessoal de armamento sempre lutou
com entusiasmo além do limite, a ponto de colocarem essas bombas de 500 libras
no braço até chegar ao suporte, e isso influenciou, junto com a mecânica, a
disponibilidade que foi tão acentuada, que chegamos à média de 84%.
E daí em diante a vida começou. Para nós começou a melhorar porque a
capacidade do ser humano é tremenda em ir se adaptando.
(AAP281, AAP296, PIL379, PIL393)
10. D SENSAÇÃO DE PERIGO
Embora não estivéssemos na linha de frente, estávamos sujeitos a ser atacados a
qualquer momento. O clima era muito tenso e a inquietação pairava em todo o
acampamento, pois não sabíamos por onde seríamos atacados ou quando tal fato
ocorreria. Quando notícias do "front" chegavam a nós, o clima era de total
insegurança. Notícias do que estava acontecendo com os nossos pilotos e aliados,
sempre obtínhamos. A tensão aumentava a cada dia. As informações eram
desencontradas, ora o piloto sobrevivia, ora era abatido. No acampamento, todos
viviam muito apreensivos, pois não tínhamos controle sobre os ocorridos, não
sabíamos como estava a nossa Pátria e nem tampouco como estava o perfil geral
da guerra. O jeito era aguardarmos ordens superiores e, com isso, o tempo
passava. A saudade dos familiares aumentava e a tensão no acampamento era
cada vez mais presente.
Tribunal da Madrugada - Itália - Tarquínia, 29 de outubro de 1944, numa noite
muito fria e sem luar. No acampamento, o maior silêncio. Exatamente à meia
noite, saímos escondidos para umas aventuras amorosas na cidade de Tarquínia,
que ficava a três quilômetros da Base aérea. Uma estrada tendo com um aviso
"OFF LIMITS" para todos os lados. Visto como os tedescos haviam deixado
terreno inteiramente minado, era muito arriscado, mas cabeça de jovem é assim.
Afinal de contas: "non trovamo niente de singnorina" o que trovamos foi uma
cantina e então enchemos a cara de vinho. Que frustração!... Ao regressar à Base,
logo de cara encontramos dois "piranhões", isto é, o Capitão e o Tenente Super-
Caxias, que por ser muito baixo, seu apelido entre nós era "Tenente Meio
Expediente". Aí o velho pernambucano, com aquela voz forte mas ligeiramente
rouca, gritou: "Tá todo mundo preso, até você! Desta vez filho "agregado" terá que
ser enquadrado". O Capitão não gostava de mim, era doido para me dar uma
cadeia; foi ele quem me apelidou de "filho agregado do Cel. Nero". Mas valeu.
Estávamos próximos à barraca de manutenção das metralhadoras, onde dois
tambores de gasolina serviam de tanques para limpeza de metralhadoras. Os
tambores estavam cheios de gasolina azul. O Sargento chegou com um pincel
embebido com gasolina, e ninguém sabe porque quedas d`água, começou a jogar
gasolina em um tambor que queimava combustível para aquecimento da barraca.
Quando notei o que poderia acontecer, gritei ao Sargento para não continuar, mas
já era tarde: o fogo atingira os tambores de gasolina e a barraca foi pelos ares.
Felizmente, não feriu ninguém, mas as metralhadoras e ferramentas foram
também pelos ares.
(AAP94, AAP296, AAP305)
11 INÍCIO DAS ATIVIDADES
11. A OBJETIVOS
Quando nós chegamos na Itália encontramos a guerra, academicamente falando,
na segunda fase de combate que era a interdição do campo de batalha: não
permitir que o inimigo trouxesse suprimentos para a linha de frente. Nós fomos
treinados para fazer a guerra total, principalmente a obtenção de superioridade
aérea - avião contra avião - destruir o avião inimigo para poder ter liberdade de
manobra na terra. Chegamos na Itália e essa fase já estava realizada: não existia
a reação aérea alemã e a italiana era muito pouca, quase não existia. Nós fomos,
então, designados para outro tipo de missão, que era o ataque a alvos
estratégicos.
Já se vão muitos anos desde a minha primeira missão. Todos nós, mais antigos
do grupo, comandantes de esquadrilha, fizemos a primeira missão sempre dentro
de uma esquadrilha americana. Eram três oficiais americanos já experientes,
provados no combate, e um brasileiro 'novato' que teria o primeiro contato com o
fogo antiaéreo. O objetivo era apenas sentir o 'cheiro da coisa' em ação. Não era
interessante colocar os quatro pilotos novos fazendo uma primeira missão, porque
não se podia imaginar qual seria a reação desses quatro vendo aquele fogo pela
primeira vez. Por prudência, por experiência deles, toda 'primeira missão' de um
piloto era feita com gente já experiente, nunca vários pilotos novos na mesma
esquadrilha, e foi assim que eu fiz a minha primeira missão.
Vários pilotos brasileiros voaram com os americanos para se familiarizarem com
as missões que nós íamos executar. Com três missões os americanos
consideravam que tínhamos conhecimento suficiente do Teatro de Operações
para operarmos sozinhos. Com o primeiro abatimento em combate, companheiro
muito querido que, nesta primeira missão como ala de um americano, foi abatido e
morreu, foram suspensos esses vôos mistos, e passamos a voar
independentemente, com os nossos comandantes de esquadrilha comandando as
ações, então nós passamos a fazer as nossas operações.
(PIL373, PIL386, PIL389, PIL403)
11. B FUNÇÕES
Aqui chegando, estudei o ambiente e as necessidades do pessoal. Um capelão
pode e deve ultrapassar sua atividade religiosa, transformando-se no amigo mais
velho, no conselheiro experimentado. Na guerra, quando todas as previsões e
argumentos humanos perdem sua razão de ser, a religião - e não me refiro ao
ritual religioso - consegue confortar, reconstruir a esperança.
Na mesma tarde, pilotos brasileiros alçaram as asas em treinamento de
navegação pela Toscana adjacências, travando conhecimento com a nova Base
de Operações. O Tenente, com grande entusiasmo, contando com a cooperação
dos nossos sargentos e sua equipe de pintura, encarregou-se de estampar nas
carenagens da seção de acessórios do motor dos P-47 a insígnia "Senta a Pua",
famosos avestruz desenhado pelo Capitão Fortunato Câmara de Oliveira.
(AAP 44, AAP268)
11. C AS EMOÇÕES DAS PRIMEIRAS MISSÕES DE COMBATE
O meu primeiro vôo foi decolando ainda em Tarquínia. A ordem que nós tínhamos
era fazer o reconhecimento do Teatro de Operações. Eu voei praticamente com a
metade do esquadrão, porque o Comandante comandou quatro esquadrilhas no ar
e nós fizemos um sobrevôo no Teatro de Operações. Fomos até o Lago de Garda,
depois desviamos um pouco para o Vale do Pó e regressamos à Base. Não
fossem algumas explosões de 88, perto de Verona, praticamente teria sido um
'passeio'. Só na primeira missão é que eu fui realmente ter contato com o fogo
inimigo: fizemos um bombardeio picado e um ataque rasante.
Eu considero minha primeira missão a mais emocional, a mais emotiva. Acho que
eu fui um dos primeiros a voar. Nesse dia vários oficiais menos categorizados
fizeram uma missão. Eu não esperava fazer a missão nesse dia porque as
missões estavam sendo feitas pelos capitães, para se adaptarem junto com os
americanos. Quando fui contatado pelo Capitão ele chegou numa vala onde
estávamos trabalhando e disse: " Vocês vão voar". Eu até perguntei: " Mas, agora
?", "É, vão voar agora, vamos lá, com os americanos, fazer uma missão", ele
respondeu. Era uma coisa que eu sempre esperei, mas na hora em que chegou eu
titubeei. "Mas, e os capitães não vão fazer ? ", ainda insisti. "Os capitães não vão
fazer, os que podem não estão aqui, alguns foram para Roma". Enfim nos
preparamos e fomos para o lado americano, se não me engano o Esquadrão 347.
O comandante nos informou que a missão era muito perigosa. Ele até nos
convidou para almoçar primeiro enquanto esperávamos as fotografias. Só que eu
não estava muito entusiasmado, mas de qualquer maneira fomos almoçar, e
lembro-me muito bem que uma das coisas que tinha para comer era macarrão
com muito molho de 'catchup'. Éramos oito pilotos, apenas nós dois brasileiros e
seis americanos, e comemos como se nada fosse acontecer, só que eu mal podia
botar a comida na boca porque não estava com o menor apetite. Chegaram as
fotografias e todos examinaram, eu também olhei, mas era a mesma coisa de não
ver nada.
Fui conduzido à sala de briefing e uma coisa me chamou muito a atenção: ele
apresentou um mapa da região e qual o objetivo que nós iríamos atacar. Mas, ao
fazer essa apresentação o Comandante - que já devia ter mais de cem missões
realizadas - estava com a sua mão tremendo. Eu não sabia se aquilo era 'Mal de
Parkinson', nervosismo de fumo ou outra coisa parecida. Aquilo me chamou a
atenção e eu fiquei também emocionado, sensibilizado. Eu pensei: "Essa missão
não deve ser muito fácil", foi minha conclusão imediata. Quando nos foi
comunicado que era uma missão muito perigosa, eu olhei para o companheiro e
ele muito entusiasmado disse para mim: " Imagine a nossa sorte: mal saímos dos
oficiais e já vamos entrar em combate ! "
Eu era o número 4 de uma esquadrilha de quatro aviões de americanos: três
americanos e eu lá atrás. Fui escalado para fazer um vôo com um líder americano
bastante experimentado. Eu não me esqueço porque o Comandante da
esquadrilha se parecia com o 'John Carradine', aquele ator, com o rosto afilado e
um bigode fininho. Ele ouvia a missão e alisava os bigodes, que eram fininhos e
terminavam com uma ponta torcida. Então eu ficava pensando: "Pelo o que eu sei
de bigodes, o pessoal que tem esse costume é agressivo. E quanto mais
levantada a ponta, mais agressividade o sujeito tem. Mas, enfim, vamos ver como
é que vai ser".
Entrei no avião e fiquei aguardando o combinado. Cheguei ao lado do líder bem
emocionado, na ponta dos cascos como diriam os gaúchos naquela época, e
pronto para entrar em ação. Feita a decolagem cumpri a minha obrigação
direitinho, como ala número dois e prosseguimos para o objetivo.
O Comandante se chamava, por coincidência, 'Captain Brasil'; quando chamavam
"Brasil" pelo rádio, eu respondia, mas não era eu, era ele!
Eu me recordo que fomos atacar uma posição de artilharia muito bem defendida
pela artilharia antiaérea. Esse alvo era muito próximo da chamada 'linha de frente',
quer dizer, você atravessava e um minuto depois estava em cima da posição. O
objetivo era a mesma zona, e a antiaérea já começou em cima da primeira
esquadrilha. Aí veio aquela situação de principiante, a primeira lição de verdade:
fizemos a aproximação e já sentimos a violência com que o inimigo nos recebeu,
porque, afinal, os inimigos também tinham a missão deles, que era a de defender
a sua artilharia.
O Comandante se aproximou, fez o mergulho inicial, e eu procurei,
imediatamente, acompanhá-lo no mergulho. Eu confesso que estava um pouco
perdido, mas por sorte consegui ver o pipocar dos canhões lá em baixo, e logo nós
estávamos imersos numa atmosfera de cogumelos de explosões de canhões .88 e
.40 e tudo quanto era tipo de arma de fogo.
Chegando ao túnel, ele mergulhou e jogou a bomba lá dentro. Veio outro e
mergulhou, e quando chegou a minha vez, o túnel já tinha passado, eu tinha que
fazer uma manobra inclinada para pegá-lo de novo. Quando eu fiz isso bati com a
cabeça no Canopi (vidro da cabine) e pensei: "Pôxa, não sabia que era tão
ardoroso, assim"...
Quando eu mergulhei e comecei a ver as 'traçantes' passando junto de mim eu
fiquei afobado, o que eu acho natural, porque a primeira missão é o 'batismo de
fogo', como se diz. Eu me recordo que eu suava demais e, na recuperação, eu
puxei com tanta força que a máscara chegou a descer do rosto. Como eu já disse
isso é natural, deve ter acontecido com outros pilotos, mas não é medo, é
afobação mesmo, porque não se tem tempo de sentir medo.
A sua concentração é toda em cumprir a missão e se esquivar do fogo inimigo,
com ações evasivas para que eles possam fazer um tiro errado, porque os
atiradores de chão atiravam num ponto à frente do eixo do avião. Se eu saísse
derrapando, eles atiravam em um ponto e eu estava indo para outro, então isso
era uma ação evasiva. Entre cada duas traçantes que nós víamos, havia mais
quatro balas, e isso preocupava o piloto, sem dúvida.
Soltei minhas bombas e até hoje estou para saber aonde elas foram cair, pois não
tive possibilidade de olhar para trás e nem nada, e dei 'Graças a Deus' de ter feito
isso. Na minha cabeça só vinha: "Tudo o que Seu Mestre mandar faremos todos".
Tinha medo de me perder, era a primeira vez que eu saía para combate, era até
meio velhaco.
Consegui acompanhar o líder, ele recuperou e eu joguei as bombas, me
recuperando também atrás dele, até que ele depois resolveu fazer a travessia do
Rio Pó embaixo, metralhando as posições por lá. E aí foi um espetáculo para mim,
porque as luzes incandescentes tomaram conta do meu azul do céu: eram as
"traçantes", rajadas da antiaérea inimiga. Acertaram duas balas no meu avião,
então meu primeiro vôo foi de 'meter medo'.
Procurei fazer o possível e me mantive sempre na ala do Comandante, até que
ele determinou o regresso para Tarqüínia. Na volta, percebi que não estavam
conosco os elementos que, com a decolagem inicial, deveriam estar presentes.
Não entendi aquilo, mas cumpri a minha parte.
Chegamos ao campo e fizemos o 'peel off'.
Quando cheguei, abri o canopi, e a primeira pessoa que estava no avião era o
meu mecânico para me ajudar a sair. O meu mecânico, que era mais moço do que
eu e um excelente profissional, me viu tremendo e perguntou: “ É o frio, Tenente?”.
Eu disse: “ É...”, mas não era frio não, era aquela emoção ainda de ter chegado da
primeira missão e que eu não tinha forças para sair do avião. Não era medo, eu
não senti medo de morrer, eu senti emoção, eu senti aquilo para o que estava
preparado durante muito tempo. Ninguém vai para o combate sem estar
preparado, porque se não estiver preparado não agüenta. Então não era medo,
mas era uma fortíssima emoção de ter feito a primeira missão, a emoção de ter
jogado bomba, dado tiro em todo lugar, a emoção de ter perdido um companheiro
que horas antes estava falando com você.
Bem, cheguei a
o
Quando cheguei na sala já tive uma notícia desagradável: ao mesmo tempo em
que eu decolara um outro brasileiro em uma outra esquadrilha decolara também,
só que esse não tinha voltado, foi abatido. Isso confirmou a minha impressão
desagradável sobre o tipo de alvo a que nós, brasileiros e tão poucos, já de cara
enfrentaríamos.
O comandante da esquadrilha perguntou o que eu achara e eu comentei com ele
que, pela amostra do que eu tinha presenciado e participado, eu julgava que
pouca gente iria voltar para o Brasil, afinal logo na primeira missão eu tinha levado
"sopapos" de tudo que era jeito. Não fui atingido, mas faltou pouco.
Quando eu saí para fumar um cigarro estava difícil de acertar a ponta do cigarro
na boca. Eu tremia feito vara verde! Mas graças a Deus eu saí ileso, não fui
atingido. Fui atingido em outras missões, mas não nessa. É por esse motivo que
considero essa a missão memorável do ponto de vista da emoção e da
importância que teve para mim: uma resistência antiaérea muito grande que me
deixou preocupado com o futuro das nossas missões. Então a primeira missão,
principalmente nas condições em que eu fiz, foi terrível. Isso foi uma coisa que me
choca profundamente até hoje.
O segundo vôo foi com um americano que era mais esportivo. Ele entrou mal para
bombardear e, quando eu fui entrar, já tive que entrar de dorso. Quando eu
regressei, onde estavam os meus amigos americanos? Tinham sumido. Então eu
voltei sozinho para a Base.
No terceiro vôo o líder da esquadrilha americana era mais, vamos dizer assim,
atento à guerra, então ele conduziu o vôo melhor e pudemos fazer o bombardeio
dentro dos padrões. E assim foi o meu início por lá, quer dizer, logo no primeiro dia
peguei no pesado e me receberam com toda a pompa e galhardia das
metralhadoras.
(PIL371, PIL373, PIL374, PIL386, PIL393, PIL403, PIL407)
12 FATALIDADES
12. A GASTALDONI - DESCRIÇÃO
Não passava muito na cabeça de alguém a hipótese de um acidente, mas
infelizmente num determinado dia nós soubemos do desaparecimento do Tenente
Dante Isidoro Gastaldoni. Ninguém viu o acidente diretamente, mas ele estava
participando de um treinamento chamado de "cobrinha" quando em um
determinado momento ele se desgarrou e não viram mais ele. A esquadrilha voltou
com eles e o avião foi encontrado alguns quilômetros do local onde estiveram
fazendo treinamento, espatifado no chão. Ficou muito difícil determinar a causa
efetiva do que poderia ter acontecido, se ele desmaiou ou perdeu o controle. Enfim
ficou uma incógnita, e isso chocou mais do que propriamente o acidente pois,
além de perder um grande companheiro, havíamos perdido um oficial excelente,
um rapaz brilhante.
(PIL379)
12. B GASTALDONI-REAÇÃO
Começamos a sentir o verdadeiro peso da situação com a morte do Tenente
Gastaldoni. Sempre nos vinha a pergunta: " O que aconteceu ? Por que?"
Infelizmente foi a nossa primeira perda humana entre os pilotos. Como toda perda
humana, ainda mais se tratando de um companheiro, foi muito triste. Fica aquele
trauma, mas como a vida continua todo mundo tinha que estar pronto e voando, e
a cabeça passava a funcionar em torno daquilo no que a pessoa está envolvida.
Mas permanece eternamente na cabeça da gente a perda de um companheiro.
(AAP281, PIL379)
12. C CORDEIRO – DESCRIÇÃO
O mês de novembro foi um mês que nos marcou muito porque ficamos na
expectativa da tal 'estatística de perda' de três pilotos por mês. Não quer dizer que
os três morriam por mês, às vezes morriam quatro, às vezes dois.
Então no dia 6 de novembro nós tivemos a perda do Tenente Cordeiro em sua
primeira missão de guerra...O Cordeiro, que era um sujeito zangado, prometeu: "
Eu vou derrubar a barraca do Comandante." Mas ninguém pensou que ele fosse
mesmo fazer isso, e na hora que ele saiu com o avião para fazer experiência,
começou a passar baixo na barraca do Coronel Nero Moura, até que o
deslocamento de ar afrouxou os prendedores e quase que a barraca caiu de
verdade, se é que não caiu um pedaço dela. O Cordeiro foi preso, mas uma prisão
'solta' porque não tinha cárcere nem alojamento, era uma barraca grande que
cabiam 12 pessoas. Daí por diante ele passou a se isolar, e morreu isolado. Ele
ficava lendo e nós o chamávamos para brincar, para rir e ele dizia : " Não, estou
chateado, não quero". Eu acho que ele devia pensar no ato que tinha cometido e
que não tinha dado resultado nenhum, foi um ato errado. John Cordeiro e Silva
não conseguiu saltar de pára-quedas porque não tinha altura e fez um pouso
forçado nos Apeninos. O avião explodiu e ele morreu. O Cordeiro foi um
companheiro que eu conheci na Escola da Aeronáutica. Quando eu fui dar um
trote nele ele reagiu, mas eu não quis brigar com ele e disse: " Olha, nós vamos
brigar mais tarde, quando você estiver mais adaptado". Na época em que
estávamos mais adaptados já éramos bons amigos e fomos para a guerra juntos.
Ele foi o último companheiro a chegar no Panamá e foi ele quem reportou para
nós o que se falava do Grupo de Caça no Rio de Janeiro. Ele disse: "Nos chamam
de 'grupo de caça níqueis' ". Aquilo nos irritou muito e cada vez que chegava uma
notícia dessas era motivo para redobrarmos e temperarmos mais o espírito de luta
e de corpo da Unidade.
O dilema do John era saltar ou tentar um pouso forçado. Por não ter mais altura
suficiente para o salto, decidiu trazer o avião ao solo. Hábil, escolheu o único local
naquela quantidade de picos perigosos dos Apeninos: um pequeno vale nas linhas
amigas, mínima possibilidade de salvar-se, pousando sem rodas. Não parou um
instante de se comunicar com o capitão americano, líder da esquadrilha. Manteve
sempre a cabeça clara. Ao tocar o solo, explodiu, perdeu a vida. Foi a primeira e
única missão de guerra, e ele foi levado para um lugar onde tinha muito tiro, que
era em Bolonha, num ataque aéreo.
(PIL389)
12. D CORDEIRO-REAÇÃO
Foi um baque muito grande. Atacamos o objetivo e a esquadrilha de trás se
distanciou um pouco para fazer o ataque. Na recuperação a minha esquadrilha
não puxou para o alto e quase que colou no solo e começou a pegar alvos logo ali
perto de Bolonha, então eu fui seguindo, atirando no que eles atiravam, sem ter
muita noção do que eu estava fazendo. Logo em seguida pelo rádio eu ouvi a
seguinte conversa entre dois pilotos americanos: " Ele se foi ...(He is gone)" , dizia
um deles, e o outro perguntava: " Quem se foi ? (Who is gone ?)", e a outra voz
respondia: " Eu acho que foi o brasileiro (I think it was the brazilian)". Aquilo na
minha mente foi como se tivesse estourado uma bomba dentro de mim; como
éramos dois brasileiros eu até tive instintivamente uma reação de me apertar, de
dizer: " Não, eu estou vivo ! Então, foi o Cordeiro que morreu ...". Para mim tinha
acabado a missão, o resto era voltar para casa e chorar pelo companheiro
perdido.
Quando eu pousei na Base, já havia corrido a notícia que o Cordeiro tinha sido
abatido e estava morto, porque ele explodiu no chão. Pelo que os americanos
contaram depois, ele manteve contato até cair. E posso dizer o seguinte: ele
morreu como um herói, porque ele tinha um entusiasmo muito grande, até acho
que se nós fizéssemos corpo mole, por qualquer motivo, o americano diria: " Não,
é muito perigosa essa missão, vocês são aspirantes". E eles nem sabiam o que
era um aspirante. "
Eu fico muito emocionado quando lembro dele. Ficamos chateados de terem
levado ele para um lugar com tanto ataque aéreo, parecia um 'paliteiro'.
Me recordo muito bem da carta que o Comandante Nero Moura fez ao pai dele,
assim como me recordo da resposta. O pai dele, se me lembro, era médico e em
algumas linhas da carta dizia assim: " Meu filho John em suas cartas só dizia
coisas úteis e agradáveis...mas no seu entender a guerra era o que havia de mais
importante para meu filho. Ele morreu consciente na guerra". Naquele episódio
iniciou-se a nossa verdadeira missão de guerra.
Mordi os beiços para não chorar. Contudo, aquela sua morte, a primeira
acontecida nos céus da Itália com um piloto do 1º Grupo, não nos abateu; ao
contrário, cada um de nós ficou mais motivado para continuar a luta. Bom, demos
um 'Adelfi' para ele - 'adelfi' era, e ainda é, uma saudação especial que somente
nós, do Grupo de Caça, usamos -, depois tomamos um pileque de vermute e
sentimos a morte dele cantando, brincando.
(AAP81, PIL389, PIL393)
12. E OLDEGARD SAPUCAIA – DESCRIÇÃO
No dia seguinte, dia 7, um outro colega nosso, Tenente Oldegard Sapucaia,
morreu por causa da burocracia da Força Aérea Americana, ou da Fábrica dos P-
47, a 'Republic', ou de quem for. Por que ele morreu assim? Porque quando
chegamos na Itália nós passamos a combater nos P-47 com o 'canopi de bolha',
que era uma bolha de vidro que nos cobria. Eles tiraram algumas coisas do P-47
anterior, como a quilha, e isso ofendeu muito a aerodinâmica do avião, de tal
modo que, se você fizesse uma manobra que tivesse que cruzar os comandos,
eles prendiam e você vinha até o chão e morria.
O Oldegard morreu porque a burocracia da Fábrica Republic chegou atrasada.
Eles mandaram proibir qualquer vôo em que o avião tivesse que cruzar os
comandos dois dias depois que ele morreu.
(PIL389)
12. F WALDYR – DESCRIÇÃO
No dia 16 haveria um vôo especial, filmando o Grupo de Caça, uma espécie de
'propaganda' para passarem no Brasil. Nesse episódio, perdemos mais dois
pilotos, designados para cumprir uma missão fotográfica à bordo de um C-47. Eles
estavam atrás do cinegrafista, com suas máquinas fotográficas, e nós estávamos
passando próximos a eles, num vôo combinado, onde tínhamos o rumo do C-47.
No momento em que nós íamos passar, o Comandante da nossa esquadrilha
disse: "Dentro de dois segundos vou passar por você". Nesse momento, o piloto
do C-47 fez um pequeno desvio, acho que ele queria ver a esquadrilha, e o nosso
avião - o número 2 - bateu na asa do C-47. Aquilo aconteceu em segundos; eu
gritei que ia bater e já estava batendo, e todos então ficaram cuidando do avião nº
2 - e eu fiquei olhando o C-47 perder grande parte da asa. O avião entrou em
parafuso e o piloto ainda conseguiu sair, mas puxou com muita velocidade, houve
um deslocamento do filete de ar, e ele perdeu o comando do avião outra vez. O
avião entrou em parafuso para o outro lado e foi até o chão, batendo; subiu uma
fumaça preta com uma chama de mais ou menos 3.000 pés de altura, 900 metros.
Eu vi que tinha morrido todo mundo lá embaixo. A esquadrilha estava desfeita e
estavam todos seguindo o outro piloto, e fiquei dizendo: " Salta, salta!". No
momento da batida, ele ficou ferido na cabeça. Naquele tempo não havia esse
capacete que defende o piloto de um choque. Mas ele acordou e saltou de pára-
quedas, numa altura de 600, 700 metros e, quando o vimos novamente no
acampamento, ele já estava recuperado. O Tenente ficou muito abalado e o
Capitão mais ainda. Creio que o Tenente deve ter se julgado culpado por ter
passado tão perto, mas na realidade o morto é que foi o culpado. O Capitão era
um homem de firmeza muito grande na sua liderança, foi um dos pilotos que mais
se distinguiu no treinamento, portanto ele não podia ter errado. Morreram nesse
acidente o 2º Tenente Roland Rittmeister e o 1º Tenente Waldir Paulino Pequeno
de Melo.
O Waldir dizia que sabia que ia morrer, mas queria ir para a Itália, ele repetiu isso
muitas vezes em Natal. Fez uma missão de guerra, que está anotada nos anais do
Globo. Foi o meu 'ala', era um amigo dileto meu. Nessa missão de fotografia, que
ele não queria fazer, fui eu quem o convenceu a fazê-la. Ele disse que não tinha
filme e arrumei o filme para ele. Depois, ele disse que só tinha filme preto e branco
e eu peguei um colorido, sem autorização, porque filme colorido era raro naquele
tempo. Ele foi para lá, tirou a fotografia e morreu.
(PIL389)
12. G WALDYR – REAÇÃO
Após a tragédia pousamos isoladamente. Confesso que fui para a barraca e entrei
em "parafuso". Senti-me culpado pela morte do Waldyr. Por que insistira tanto para
o garoto ir naquele avião fatídico? Chorei e me embebedei com vermute.
Blasfemei contra mim, contra a guerra e contra tudo... me ajudaram a sair da crise
de nervos. No dia seguinte o show continuou. A guerra não parou um instante.
(PIL389)
12. H RITTMEISTER – DESCRIÇÃO
"Hoje já posso ser chamado de piloto de guerra". Rittmeister acabara de cumprir
sua primeira missão de combate. A felicidade que trouxe na alma naquele dia 16
de novembro de 1944, após regressar da missão, durou pouco. Uma hora depois,
o pessoal do 1º Grupo assistiu à grande tragédia que se desenrolou sobre a Base
de Tarquínia. Um choque no ar entre o C-47 e o Thunderbolt deu início ao show
macabro. Voavam no C-47, com a missão de fotografar uma esquadrilha brasileira
os colegas Rittmeister e Waldyr. Ambos faleceram na terrível explosão.
(PIL389)
12. I MEDEIROS – DESCRIÇÃO
Quando a guerra acabou, fomos por terra buscar os documentos do Dornelles. A
Prefeitura trouxe também os documentos do Medeiros, que havia constado como
prisioneiro, por informação de uma rádio alemã que fazia guerra de nervos
radiofônica. Até aquele momento da entrega dos documentos, nós não sabíamos
se o Medeiros havia, de fato, morrido ou não.
(PIL371)
12. J MEDEIROS – REAÇÃO
Eu fiquei demasiadamente abalado quando o Medeiros foi abatido. A primeira
notícia que chegou foi que ele tinha saltado de pára-quedas e estava salvo, mas
depois viemos a saber que ele tinha saltado de pára-quedas e havia caído num fio
de alta tensão e desapareceu. Ele era filho de Maurício de Medeiros, um grande
jornalista na época.
(AAP81)
12. K AURÉLIO – DESCRIÇÃO
"Salta Aurélio! Salta Aurélio..." "-O que houve, Jambock Blue Leader? O que
houve com o garoto, Horácio?” “O Aurélio ficou! Acertaram o Aurélio...!"
A 16ª missão, no dia 22, foi sua última missão. Realizou-a em Milão também. A
Red já vinha regressando, com o objetivo principal bombardeado e voando baixo,
à procura de viaturas inimigas para o ataque rasante com metralhadoras. Pela
descrição dada pelos companheiros de esquadrilha, o Aurélio foi atingido no
próprio avião. Ferido mortalmente, não pôde saltar de pára-quedas. Explodiu com
seu Thunderbolt. Morte de aviador, morte de herói! Combateu porque quis,
defendendo o ideal pelo qual viveu. Não tinha mais obrigação de voar em
combate, sua tarefa de vôo terminou no Panamá, quando passou a controlador de
radar.
(PIL389)
12. L AURÉLIO – REAÇÃO
O Aurélio representou para nós a força da perseverança. Sua perda fez com que
mais caprichássemos nas missões. Acho até que ficamos com raiva, o que era
mal. A guerra, quando feita com raiva, dá nisso, a gente deixa de raciocinar
claramente e, às vezes, paga uma prenda que pode ser fatal.
(PIL389)
12. M SANTOS – DESCRIÇÃO
Nós estávamos atacando uma área grande de depósito de munições e, para se
ter uma idéia de grandeza, era uma área descampada, de quinhentos por
quinhentos metros, onde existiam várias cabanas meio enterradas no solo. Eu
ataquei um depósito desses e, na recuperação, fiquei olhando para trás ,para ver o
meu ala, que era o Tenente Santos, que mergulhou no depósito ao lado. O meu
alvo não explodiu nessa hora, mas outros explodiram bem quando o Santos entrou
no mergulho dele e 'deu no gatilho'. Na mesma hora surgiu aquela 'bombinha
atômica' na frente dele e, por estar enterrada, a munição só podia explodir para
cima. Então saiu aquela língua de fogo com aquele cogumelo, e ele entrou nesse
cogumelo com o avião dele. Não pôde desviar porque tinha dado esse tiro a 200-
300 metros do depósito, não tinha como escapar. E eu presenciei tudo, quando ele
saiu daquela bola de fogo, imagina-se a que temperatura. Eu não sei nem se ele já
não estava morto. Se não tivesse morrido, deveria estar completamente
transtornado, porque o fogo era tanto, a temperatura tão alta, que quando saiu
dessa bola de fogo, a asa direita dele se desprendeu como se fosse uma folha de
papel. Aí o avião entrou no dorso e veio até bater, ricocheteou no chão e foi cair
mais adiante. O resto, eu só pude saber mais tarde, depois de terminada a guerra,
quando eu fui ao Norte da Itália, numa expedição para o território inimigo, recolher
pilotos que tivessem saltado de pára-quedas ou pilotos que tivessem morrido.
Quando eu cheguei lá para buscar o corpo do Santos, pude constatar que, antes
do avião bater, ele havia saltado do avião. Ele caiu a uns 200 metros antes do
avião bater no chão no primeiro ricochete e, na segunda batida, é que o avião
explodiu e fez uma cratera do tamanho de uma sala. Ele conseguiu abrir o canopi
porque estava de dorso baixo, cerca de 15 metros de altura, e deve ter morrido na
queda ou talvez já estivesse completamente desacordado com a temperatura,
talvez até cego.
(PIL373)
12. N SANTOS – REAÇÃO
Tive uma missão mais 'marcante', que deixou marcas mais profundas. Foi quando
vi um ala meu morrer, porque uma coisa é ser abatido e a pessoa saltar de pára-
quedas e outra coisa é você ver a pessoa bater no chão.
Foi enterrado carinhosamente pelos alemães. Na cruz estava a sua identificação -
o famoso dog tag - com seu nome, posto, número e tipo sangüíneo. Tiveram ainda
os alemães o cuidado de colocar uma placa de bronze sobre a cruz, com os
seguintes dizeres:
DEN. FLIEGERTOD. GEFALLENA . M. 12.04.1945
SANTOS. FREDERICO. - G -- BRASIL - T43 –
A Tradução:
HOMENAGEM AO AVIADOR MORTO EM COMBATE EM 12.04.1945
FREDERICO GUSTAVO DOS SANTOS
BRASIL
Quem escreveu palavras tão belas não poderia ser um nazista, mas um
verdadeiro soldado alemão. Um homem. Naquele momento, estava exaltando a
espécie humana.
(PIL389)
12. O DORNELLES – DESCRIÇÃO
O Luiz Lopes Dornelles era um gaúcho sisudo, de poucas brincadeiras, acima de
tudo um piloto de primeira categoria. Eu tinha muita admiração por ele. O
Dornelles não freqüentava o cassino de oficiais prolongadamente, não fazia as
brincadeiras que nós fazíamos, enfim, era sempre discreto e ficava quieto. Cinco
dias antes do fim das hostilidades, eu saí de reserva numa missão, com o
Dornelles como Comandante da Esquadrilha. Decolamos e já era uma daquelas
missões, embora ofensivas, sem alvo pré-determinado, porque já era no recuo e
na fuga dos alemães . Então o Dornelles decolou, passou sobre La Spezia e subiu
no eixo ferroviário, que ia finalmente dar lá em Milão. Chegamos em Alessandria
junto com o trem que acabava de encostar na estação e o Dornelles saiu da
formação, voando baixo, porque havia uma cobertura de antiaérea. Mas, quando o
Dornelles passou, ele já foi atingido na ida e já saiu pegando fogo, batendo nos
prédios da cidade logo adiante. Eu ainda gritei para o número dois: "Entra sobre
outro ângulo", tentando poupar os demais, para não sermos atingidos. Sua
audácia ia além do normal, relegando o instinto de conservação no calor do
combate. Medo era uma palavra que não constava do seu dicionário. Certa vez
confessou-me que seu único medo era de perder um ala. Um fatalista! Muitas
vezes declarou que não chegaria a 90 missões. Acertou, foi abatido e morto com
89.
(PIL389, PIL371)
12. P DORNELLES – REAÇÃO
A perda do Dornelles foi uma brutal injustiça. Morreu voando a missão 89. Um
fatalista! Muitas vezes declarou que não chegaria a 90 missões. Acertou, foi
abatido e morto com 89. Duas horas depois, Alessandria era ocupada pela FEB.
Por duas horas apenas, poderia ter sido salvo. Foi um triste fim de guerra para o
Dornelles e nós todos ficamos muito impressionados com aquilo.
No dia do Dornelles, foi tudo diferente. Foi tudo dramático, pela rapidez dos
acontecimentos, pela violenta eficiência do Dornelles e do revide inimigo, pelo
próprio desfecho da ação. Trago ainda a última visão do local, ao nos afastarmos,
com duas colunas se erguendo de Alessandria, uma do vapor branco do alvo
atingido e outra da fumaça negra de um P-47 abatido.
(PIL389)
12. Q IMPACTO
O 1º Grupo de Caça entrou com o pé esquerdo na guerra. Entre 6 e 16 de
novembro de 1944, perdemos quatro pilotos. Olhávamo-nos como a perguntar um
para o outro. "Quem será o próximo?" Alguns fizeram seu testamento. O do
Dornelles, por exemplo, me veio às mãos pelo Motta Paes:
“Motta: podes ficar com meus cigarros, para não andares filando o dos outros; há,
na mala, um pacote que é do Brandini, mas ele não precisa dele, pois não se
compreende que um rapaz que estudou para padre conquiste mulheres em troca
de cigarros. Como, para se fumar, é preciso que os cigarros estejam acesos,
podes pegar os fósforos também. O Rocha, como melhor americano que
brasileiro, pode lançar mão das cervejas. O Medeiros com certeza gostará do meu
espelho e da escova para alisar aquilo que ele chama de bigode. Meira, se não te
chateias, senta a pua nas minhas camisas, afinal eu as ia pôr fora mesmo.
Medeiros, dá o retrato da russa para o Waldyr e diz que o endereço é Rua
Inhangá, 27 - apto. 340; afinal, ela gostará de estar com alguém que me conhecia
e o pequeno Waldyr passará uns dias acompanhando (sim, porque ela não
aguentará mais do que isso). Diz a Janjão que tamanho é documento ...para
quebrar pedra na pedreira. O Cauby parece que está precisando de uma escova
de dentes. Tenho uma que é tua. O Palmolive para o Cox. O cachimbo para o
Brandini e a pistolinha também. Os dois devem combinar, não? O Rocha, se não
tiveres a cabeça tão cheia de coisas, poderia usar o meu quepe. Roland, os filmes
coloridos, com meus cumprimentos. O resto, com exceção de roupas, mandem
para minha irmã Maria Lopes Dornelles - Rua Duque de Caxias, 1.228 - Porto
Alegre - RS.
10 de novembro de 1944 - dia em que completamos o interstício de 2o. Tenente.”
Todas essas coisas que aconteceram, pelos menos para mim, foram
extremamente penosas. Mas o que faz o guerreiro não se abater é sempre o
exemplo do companheiro ao lado.
(PIL389, PIL393)
13 ABATIDOS EM COMBATE
13. A MOTTA PAES
Ele foi um dos oito abatidos pela Aaé alemã, tendo sido o primeiro a cair do lado
de lá e o último a regressar ao Grupo. Foi justamente em Isola que Motta Paes
sentiu o poder do flak tedesco:
“No mergulho contra um trem, composto por vagões-tanque, estacionado no pátio
de manobras, iniciei o tiro e, no mesmo momento, ouvi o barulho do impacto de
projetis da antiaérea no meu avião. A cabina encheu-se de fumaça. No ato da
recuperação, o motor rateou e parou de estalo. Estava a pouco mais de 500
metros. Pensei imediatamente num incêndio a bordo. Soltei o canopy e desliguei o
fone e o microfone, dispondo-me a saltar de pára-quedas.”
No momento em que ia abandonar o Thunderbolt, o motor voltou a funcionar.
Tentaria regressar. Com o Thunderbolt ferido mortalmente, foi aí que viu com
tristeza que a hora de abandonar sua garça era chegada. Era o fim. Sem potência
para ganhar altura e com velocidade reduzida, não havia mais alternativa – o salto
de pára-quedas seria o caminho indicado. E o P-47, voando em linha reta,
soltando aquela coluna de fumaça, tornou-se, de repente, uma atração para os
artilheiros alemães. Todas as baterias disponíveis na área passaram a atirar no
Motta. Tinha que sair dali enquanto seu avião pudesse voar. A máquina deu seu
último arranco e parou de funcionar. Motta não abusou da sorte. Com movimentos
coordenados e raciocínio claro, atirou-se no espaço, a pouco mais de 600 metros
de altura.
Antes de comandar a abertura do pára-quedas, teve sangue frio suficiente para
fazê-lo no limite de segurança, isto é, o mais baixo possível. Sua queda foi rápida,
seu primeiro contato foi com a água gelada mesmo. Maldisse o azar na hora da
queda, mas não perdeu tempo. Retirou os arreios que o prendiam ao pára-quedas,
deixou que a correnteza o levasse para longe e nadou para sair dali. Com as mãos
enregeladas, galgou a margem e, molhado como um pinto, afastou-se do lugar do
salto. Se lhe dessem 10 minutos, talvez se livrasse dos alemães.
Aconteceu, porém, o inesperado, uma surpresa mesmo. Logo que pisou terra
firme, um bando de italianos passou a acompanhá-lo de perto. Motta, em pânico
pedia, gesticulava e até ameaçava, na esperança que aquela boa gente o
deixasse em paz. Mas nada, o número de curiosos aumentava a cada minuto.
Saiu de lá meio desanimado e marchou através de um campo limpo. Antes de
percorrer 50 metros, ouviu o barulho de motocicleta e as ordens de militares
alemães: Halt! Apesar das ordens virem em alemão, pelos gestos ,compreendeu
que deveria levantar os braços, mas não levantou. Aproximou-se um cabo alemão
e lhe confiscou a Colt 45. Havia em seus olhos um sentimento íntimo de simpatia.
A patrulha levou-o a S. Benedetto. Três italianos tentaram agredi-lo, sendo
impedidos por seus captores. São aquela parcela da humanidade que, não se
respeitando, falta também com respeito à dignidade humana de seus
semelhantes. Atravessaram o rio Pó em um pontão móvel, prosseguindo viagem
rumo a Mântova. Foi encaminhado para a sede de uma unidade antiaérea, cujo
Comandante o recebeu militarmente, tratando-o como prisioneiro, porém com a
distinção devida a um oficial.
“Tratou-me com uma atitude paternalista. Deixei que ele pensasse o que
quisesse, tanto se me dava.”
Em Mântova respondeu a ligeiro interrogatório. Deram-lhe café e algumas
facilidades, na esperança de que dissesse alguma coisa. Somente nome, posto e
número de série constava do repertório do Motta.
“A gente se sentia muito mal-educado, principalmente quando as perguntas eram
feitas com delicadeza, tato e respeito.”
Deixou Mântova com destino a Verona, andando a pé, de caminhão, ônibus,
carroça e até bonde. Como a distância era muito grande, e por ter andado muito a
pé, as meias molhadas e as pesadas botinas causaram-lhe bolhas nos dois pés.
Foi parar em uma colina, onde existia um grande castelo medieval, transformado
em prisão. Chegaram a Frankfurt no dia 28 de dezembro. A toque de caixa e gritos
dos guardas, deixaram o trem. Chegaram, afinal, a um grande prédio, todo branco,
de estrutura baixa, tendo uma grande área coberta. Era um campo de
interrogatório da Força Aérea Alemã. Enquanto invernou nesse campo, não deram
sossego ao nosso “Moita”.
Cada interrogatório tinha a duração de 1 a 2 horas. Seus intérpretes,
principalmente o que se dizia padre católico no interior da Bahia, explicava-lhe
que, se não falasse, iria ter um período de “mau tempo” nas mãos dos carcereiros.
A cada advertência, Motta mais se fechava.
“Nada havia a fazer, senão esperar. Ficar deitado, encolhido, esperando o frio
passar, esperando a noite passar; esperando a chamada para os interrogatórios,
esperando pelo prato de sopa da tarde. Para passar o tempo, pensar nas coisas
boas da vida, minha terra, meus pais, amigos de infância do Colégio Arnaldo em
Belo Horizonte; pensar no pessoal do 1º Grupo de Caça e imaginar o que
estariam fazendo naquela hora; pensar nos prisioneiros que por ali passaram e
que muitos talvez não estivessem vivos; pensar que as coisas sempre passam e
que o meu tempo naquela solitária haveria de passar também. Aí está o meu
passatempo durante os intermináveis 15 dias de solitária em Frankfurt.”
Meteram-no, junto com outros prisioneiros americanos, em um trem de carga, que
os levou a Westzlar, campo de distribuição de prisioneiros da Força Aérea Alemã.
Chegar ao campo de concentração era a meta de todos. É como se fossem
chegar à casa. No dia 24 de janeiro ele ia, finalmente “fixar residência” no
Stalagluft nº 1.
Nesses dias em que permaneceram no campo, os prisioneiros passeavam nos
arredores. Um fato que muito os impressionou foi o que viram num campo de
concentração de prisioneiros políticos e judeus. Localizados próximo a Barth.
“Ainda guardo com repugnância o que vi. O campo tinha capacidade aparente
para alojar 300 homens e abrigava 2.000. Camas e instalações sanitárias quase
não existiam e as que vimos eram de uma sujeira impressionante. Os prisioneiros,
de aspecto miserável, causado pelo sofrimento e torturas passados no cativeiro,
nos disseram que deixavam aquele lugar infecto todas as madrugadas às 4h30
min, para realizar trabalho escravo, muitas vezes distante dali alguns quilômetros.
Regressavam à noitinha, fosse verão ou inverno, estivessem doentes ou não. A
única comida diária constava de uma pequena fatia de chouriço, nem sempre em
bom estado e um pedaço de pão preto para o almoço. O jantar era apenas um
prato de sopa rala, servida à noite. Muitos não regressavam do trabalho, morriam
por lá ou nos deslocamentos. Alguns companheiros mais chegados a mim se
declaravam constrangidos por terem estado tão próximo daqueles vizinhos e em
situação tão superior”.
Como não há mal que sempre dure, um dia os russos bateram às portas de
Stettin. A alegria foi grande e a maioria dos companheiros começou a se arrumar
para partir. Com a chegada a Reims, as coisas não correram tão risonhas. Ali
começou uma nova batalha, voltar a Pisa. Como o Comandante em Reims nada
sabia da Força Aérea Brasileira, e muito menos do 1º Grupo de Caça, despachou-
o em frente, junto com outros prisineiros considerados casos especiais. Mas
‘guerra é guerra’, e lá partiu Motta para San Valéry. Chegaram a Paris e se
dirigiram à Embaixada do Brasil, entrando em contato com nosso Embaixador, que
recebeu o Motta e o Varolli sem grandes efusões. Falando claramente, o homem
nem chegou mesmo a se interessar pelo que eram, porque estavam ali e o que
desejavam. Depois dessa recepção, voltaram ao Comando Militar Americano.
Chegaram, finalmente, a Marselha. A partir daí, o Comandante não sossegou
enquanto não fez contato com o 1º Grupo de Caça. Finalmente, Motta viu outra
vez a farda cáqui da Força Aérea Brasileira.
“Aquele instante foi um momento de muita emoção para mim. Foi quando tive
certeza de que voltaria.”
Todos nós estávamos alvoroçados com a chegada do Motta. Era o último da
série.
(PIL365)
13. B ASSIS
O garoto foi perdido em combate. Ninguém o viu saltar nem ouviu nenhuma
mensagem sua. Ficamos mais 48 horas na expectativa de uma notícia - nada. A
conclusão de todos é que havíamos perdido mais um. Conforme o procedimento
adotado no 1º Grupo de Caça, oferecíamos um vibrante "Adelfi" ao desaparecido,
bebíamos sua saúde e não se falava mais nele. Cada um sentia a dor a seu modo,
mas nunca externando-a .
O companheiro descreve a queda do Assis:
Era minha 37a. missão. Objetivo: Bombardeio de um depósito de combustível em
Piacenza e ataques com metralhadoras a alvos de oportunidade. Após o
bombardeio, perdemos altura para a segunda parte da missão. Com a destruição
de alguns caminhões e vagões ferroviários, entramos na região de Milão, onde
encontramos uma forte oposição da artilharia antiaérea inimiga.
Em determinad
o
baixo e pelos lados, e não encontrei nenhum vestígio de grandes danos à
aeronave. Disso dei conhecimento a ele. No entretanto, ele confirmou que seu
avião fora atingido e que estava com muita dificuldade, usando as duas mãos
para manter o avião em vôo. Continuamos então, a subida, em direção à nossa
Base Aérea de Pisa. Atingimos a altitude de cruzeiro e já estávamos a cerca de 5
minutos do cruzamento dos Apeninos, onde passava a linha de combate, quando
vi um início de fogo na saída do escapamento do "super-charger", na parte
superior da fuselagem, sem visibilidade para o piloto. Aí fiquei em um tremendo
dilema. Se avisasse ao Assis dessa ocorrência ele, certamente, iria pular de pára-
quedas, quando estávamos tão perto de alcançar o território amigo, onde poderia
saltar sem perigo de ser prisioneiro de guerra.
Por outro lado,
s
momento, o fogo tinha desaparecido. Tentei avisá-lo sem sucesso, pois já havia
desligado os fones. Permaneci como mero expectador.
Quando livre, fi
c
pessoa devia ficar rodando até ter certeza absoluta que o pára-quedas tinha sido
aberto, e nesse momento devia-se sair rapidamente. Foi o que eu fiz: abriu-se o
pára-quedas e saí dali. De uma ou de outra maneira, a gente acabava tendo
notícias de que "Fulano foi preso" ou "Fulano morreu". Mas do Assis nunca
apareceu nada, ninguém tinha notícia dele, e realmente eu fiquei com aquele
drama de consciência, se eu devia ter dito ou não que o avião estava pegando
fogo, e isso ficou comigo até quando acabou a guerra, alguns dias depois. Teria
eu contribuído erradamente para provocar o salto de pára-quedas? Só fiquei
tranqüilo quando ele disse que iria saltar de qualquer maneira, pois já sentia o
cheiro de gasolina no avião e o motor já estava parando.
E Asis descreve sua experiência:
Tenho até hoje em minha mente, a visão do que aconteceu quando fui atingido.
Assim que levantei o nariz do D-2, para sair do rasante, vi na minha direção, bem
na frente, uma bateria de 4 canhões, que me pegaram de jeito. A impressão que
tive foi a de que vinha rodando de Cadillac no asfalto liso, a grande velocidade, e,
de repente, peguei uma estrada esburacada. Tudo aconteceu em fração de
segundos. O impacto acertou a asa direita e, em seguida, o motor, mas eu não
notei. Agarrei o manche com as duas mãos, tentando manter o avião voando.
Minhas esperanças de chegar à Base de Pisa foram diminuindo à proporção em
que um forte cheiro de gasolina invadia a nacele. Liguei o oxigênio para 100% e
mantive o rumo da Base. Mas o motor passou a dar trancos e a ratear, quase
parando a cada solavanco. Mais um tranco no motor e este parou de vez.
Não perdi tempo, saltei de pára-quedas. Ao chegar ao chão, os partisanos
levaram-me para a carcaça de uma Balila italiana, que se encontrava perto de
onde eu saltara, e disseram-me que, se não fosse descoberto pelos alemães,
viriam buscar-me à noite. Lembro-me que abri a bolsa de fuga e tomei dois
pervitin. Queria manter-me acordado e alerta para o que desse e viesse.
Não durou muito minha alegria porque logo chegaram os alemães. Levantei-me
de mão para cima, quando fui suspreendido por um soldado tártaro que me
apontava o fuzil. Atirou para valer. A bala alojou-se próximo de onde eu estava, na
carcaça do pequeno Fiat. Mal me refiz do susto e outro tiro partiu, silvando sobre
minha cabeça. O cara estava mal-intencionado. Enquanto raciocinava ouvi
claramente alguém pronunciar a palavra pistole. Vi tudo. Desfiz-me imediatamente
da minha Colt 45. O tártaro baixou a arma; seu comandante aproximou-se e eu
apareci de corpo inteiro. Naquele instante teu amigo passou a ser prisioneiro de
guerra.
A vida ali se resumia a quase nada, fora o interrogatório. Comia uma vez por dia
uma sopa gelada, com aquela nata gordurosa em cima. Horrível! A dor no
estômago e o isolamento mexiam com o moral da gente. O pensamento se fixava
em minha família, no Brasil e os amigos em Pisa. Tinha que reagir evitando
pensar. Para distrair, passei a reconstituir mentalmente as missões que havia
realizado e a lembrar-me do que havia visto entre Verona e Bolzano. Com isso,
passei a sentir-me melhor.
Em Bolzano, o
s
agressão. Realmente, os civis, quando nos viam, nos xingavam e, os mais
exaltados, nos cuspiam, inclusive os civis alemães. Como xingamento é um troço
internacional, bastava ver a cara deles e o jeito de falar para saber que nossas
mamães estavam sendo atingidas.
Com a convivência, promiscuidade, falta de higiene e conforto, fome também, o
homem vai aos poucos perdendo até um pouco de sua dignidade. É preciso que
de vez em quando a gente seja sacolejado para voltar à realidade. Você não pode
imaginar o que a fome é capaz de fazer com um indivíduo. Não tínhamos mais que
uma batata inglesa por dia e um caldo verde como refeição no campo de
prisioneiros. Nossa única salvação eram as sacolas distribuídas pela Cruz
Vermelha Internacional, de 15 em 15 dias, que continham objetos de limpeza, uma
pequena porção de biscoitos e chocolates. Meu pensamento só era em comida.
Nada mais me preocupava. A angústia da fome era tão grande que um dia resolvi
catar na lata do lixo do acampamento algo que eu possivelmente pudesse comer.
Enquanto fazia isso, o Coronel americano, que também era prisioneiro, mas, por
força de ser o mais graduado de nós, se tornara nosso Comandante, vendo o que
eu estava fazendo, chegou junto a mim, me tocou no ombro e disse: "meu amigo,
o que nós aqui recebemos para comer permite que sobrevivamos, mas o que você
esta tentando fazer é morte certa". Foi aí que caí em mim, e percebi até que grau
miséria eu teria chegado. Tive um choque tão grande, comigo mesmo, que
agradeci ao Coronel, e levantei-me para nunca mais descer a esse grau de
desespero.
Já não podia andar. Minha fraqueza era tal que havia perdido até a noção de
segurança. Seguíamos em pelotões de 30 homens, com uma escolta de soldados
alemães e dois cachorros. Lembrei-me naquele momento de meus tempos de guri
no Rio Grande do Sul, quando levava as ovelhas, ajudado por três cães pastores,
para o local do banho contra sarna. Como os cães pastores não davam folga às
ovelhas, os pastores alemães também não nos davam folga. Meus pés eram uma
verdadeira chaga. Já não dava acordo de mim, agia por instinto. Era o homem que
ainda existia dentro de mim que me impelia para frente. Reuni minhas energias e
resolvi continuar marchando ... só que não consegui; não havia força que fizesse
andar. E daí existe um troço chamado solidariedade humana que é maior que tudo
o mais. Dois companheiros se ofereceram para me carregar. Imagina só a
grandeza desses caras. Eu, todo sujo, fedorento, sem banho, piolhento, e ainda
mais um estrangeiro para eles, fui socorrido na hora certa. Isso é a prova de que,
na época, hoje e sempre, nem tudo está perdido. O homem que vibra, tem alma,
raciocina, não se bestializa facilmente. É, nem tudo está perdido.
Mesmo doente e no estado miserável em que me encontrava, ainda tinha um
pouco de vislumbre para filosofar. E logo corria no meu sangue, que alimentava a
mente, aquela vontade de viver, de lutar para rever o meu país, minha família,
meus amigos em Pisa. Luta tremenda!
Se isso vale alguma coisa como ensinamento, aqui estou eu, vivo, contando essa
história. Enquanto houver vida no homem e sobrar dignidade, ele pode sobreviver.
Naquele tumulto desgraçado, sobrevivi porque impus a mim mesmo sobreviver.
O retorno à Base:
Dois dias depois da cessação de hostilidades na Itália, um nosso companheiro do
345º Grupo Americano retornou a Pisa dando-me notícias de que o Ten. Assis e
Ten. Corrêa Neto, estariam num campo de prisioneiros na cidade de Musberg, na
Alemanha. Pedi ao Cel. Nero Moura permissão para ir até a Alemanha em nosso
avião B-25, a fim de recuperá-lo e trazê-los de volta para Pisa. Permissão dada, e
imediatamente decolamos em direção à Alemanha. Para encurtar a história,
finalmente fomos encontrar esses nossos dois companheiros num Hotel "La
France" em Paris, França, hotel esse especialmente preparado para ex-
prisioneiros de guerra. Encontramos os dois colegas vestidos em uniformes
americanos, pois os uniformes brasileiros haviam se estragado por total. Ambos
estavam completamente depauperados, muito magros e fracos, resultados de
maus tratos, falta de alimentação e marchas forçadas de longos cursos.
O reencontro foi emocionante, pois com ele eu havia voado, como seu ala, desde
o início do treinamento no Panamá. Ficou sendo mais que um amigo, um irmão e
compadre.
Quando o vi descer do B-25 que o trouxe de Paris, onde foi localizado em
processo de retirada para os EE.UU, pelos americanos, cheguei a pensar que a
vida de prisioneiro não seria tão dura quanto se imaginava, pois o Assis parecia
bem e até ligeiramente gordinho. Uma semana após, já em mãos do serviço
médico, ele emagrecia a olhos vistos. Cheguei a interpelar o médico responsável
brincando: "Caramba, ele chegou gordinho e está emagrecendo rapidamente nas
mãos de vocês" O médico me respondeu: "Ele não estava gordo e, sim inchado"
Tivera basite e piorréia e estava completamente desnutrido.
Ele tinha passado o diabo naqueles campos de concentração, mas não
propriamente por maus tratos. Há um engano muito grande sobre esse assunto:
aquilo que se vê no cinema, dos judeus, aquilo era um programa restrito da 'S.S.'
do Hitler, as forças armadas não participavam daquilo. É claro que a vida era
difícil, no lugar de dez dormiam quarenta, não tinha comida, mas aquele tipo de
atrocidade nunca aconteceu. Então o problema dele foi esse, teve uma série de
doenças e foi libertado em Nuremberg pelas tropas do General Patton. Mas era
duro porque os prisioneiros ficavam sem aquecimento, a alimentação era muito
pouca pois o próprio alemão não tinha alimentação nem para si próprio, apesar da
ajuda da Cruz Vermelha.
Com o Assis, e especificamente com o Correia Netto, ocorreu um fato que é
proibido pela Convenção de Genebra: a retirada para trás de campos de
concentração. Eles foram inicialmente para Frankfurt e, quando as tropas aliadas
começaram a chegar, eles evacuaram esse campo para um campo mais à
retaguarda, fazendo com que os prisioneiros andassem mais de três dias e noites
debaixo de chuva, o que é terminantemente proibido. O Eisenhower fez uma
declaração que, se isso acontecesse novamente, eles começariam a matar
prisioneiros alemães nos Estados Unidos. Nessa, o Assis quase 'fica' porque, se a
pessoa ficasse cambaleando e caindo, o alemão deixava para trás. Os americanos
é que ajudaram e conseguiram colocá-lo numa ambulância e ele chegou então a
Müsberg, onde eles foram salvos.
Uma curiosidade na época da libertação do Assis é que, naquela confusão toda,
todos estavam livres, então um americano chegou para ele e perguntou se,
quando ele era prisioneiro, os alemães não tomaram nada dele. Ele disse que sim,
que os alemães tinham tomado algumas cartas que ele tinha da mulher e um
relógio universal, que foi comprado quando ele se tornou aspirante. O americano
disse para ele ir até o corpo da guarda do campo que era capaz dele achar o que
tinha sido roubado. O Assis achou que era uma tremenda gozação porque, depois
de passar pela Itália, percorrer um pedaço da Alemanha, jamais iria encontrar
alguma coisa.
Mas ele resolveu ir, e chegando lá encontrou o relógio pendurado e as cartas.
Veio para casa com tudo, trouxe sua identificação do campo de prisioneiros e o
chamado dog tag que ele usava. É difícil de entender como isso foi possível num
clima de guerra.
Recuperou-se bem e regressou ao Brasil junto com 19 pilotos que transportaram,
voando dos EE.UU., os 19 aviões que sobraram da campanha.
(PIL367, PIL379, PIL389, PIL459)
13. C JOEL
Eu fui acertado várias vezes e, no dia em que fui abatido, parece que me
acertaram com uma rajada, mas até hoje eu não sei se foi mesmo isso. Para mim
o que importava é que tinham me acertado. Nesse dia eu não tive aqueles
pontinhos luminosos no céu, os "traçantes", porque, do contrário, talvez eles não
tivessem me acertado. Eu fui atingido sem saber que estava sendo alvejado,
porque a 'traçante' dá à você uma indicação do fogo inimigo e, sabendo que existe
fogo inimigo, você tem maior capacidade de se defender. Agora, nesse dia, não
teve 'estrela' nenhuma.
Me acertaram logo na parte baixa, os carburadores do avião, a parte de gasolina,
e ele começou a pegar fogo imediatamente. Eu nem sabia que o Danilo, o meu
ala, tinha sido atingido porque, quando o meu avião começou a pegar fogo, eu
estava baixo, num rasante de tiro. Mesmo com aquela fumaça toda, ainda
controlei mais ou menos o avião, pensei e disse: "Vou saltar", e saltei.
Quando eu saltei e meu pára-quedas abriu, eu vi tudo em verdadeira grandeza.
Eu estava a uns 400 metros de altura, ele abriu, deu aquele primeiro galeio e,
quando voltei, dei de cara na neve. Esfolei o rosto, perdi os meus óculos; esfolei o
nariz todo e a minha cara. E aí começou uma história ...
Tenho um pouco a falar sobre essa missão, ela deveria ter sido pacífica e calma,
porque o Vale do Pó todo estava coberto de neblina. Dos Apeninos aos Alpes
você olhava e era apenas um lençol branco cobrindo aquilo tudo. Para encontrar
um objetivo para as nossas bombas, que era perto da fronteira da Áustria, tivemos
dificuldades mas, numa abertura de cerração, deu para ver uns trilhos de estrada
de ferro, e então nós jogamos as bombas lá mesmo.
Estávamos voltando quando, numa outra abertura na neblina, eu vi um trem lá
embaixo; desci e disse: "Vamos ver o que é". Era um trem que estava estacionado
numa linha, parado. Então, primeiro mergulhei para atirar, e quando eu cheguei a
uma diferença de tiros de 500, 600 metros mais ou menos - uma distância que a
gente atira no P-47 - eu vi que, do lado dos vagões, tinha aquelas marcas de fogo,
de labaredas. Então eu disse para o pessoal: "Já foi 'estreifado'. Não vou atirar", e
comecei a subir, quando fui atingido e o avião começou a pegar fogo. Procurei
subir, controlei por instrumento a subida e, quando julguei estar a uns 400, 500
metros de altura, eu disse: "Está na hora", e saí do avião.
Desamarrei o meu cinto, levantei o meu banco com a perna direita e, com o pé
direito, dei uma pancada no manche. Eu deveria sair na tangente porque ou eu
fazia isso ou virava de dorso e caía, por causa da gravidade. Quando eu fiz isso,
furei na tangente, mas um fio do meu fone de ouvido ficou preso e então fez uma
alavanca e o meu pé foi para cima: eu fiquei de cabeça para baixo e fui para cima
do avião. Naquele momento eu pensei: "Vou para a fuselagem". Então eu
mergulhei de lado, empurrei meu corpo para longe do avião e, quando eu saí da
fumaça e fui abrir o pára-quedas, estava tudo em verdadeira grandeza. Na
realidade eu estava a uns 400 metros porque o pára-quedas mal abriu no primeiro
galeio e eu entrei no chão de cara. Além de me esfolar todo, eu já estava com um
braço inutilizado e só tinha o braço direito funcionando.
Quando eu saltei, não tive ajuda nenhuma, apenas um camponês que disse: "Eu
escondo o seu pára-quedas". Depois de me livrar do pára-quedas, ele perguntou:
"O senhor não quer mudar de roupa?", mas eu não consegui ,com uma mão só,
abrir o zíper, de modo que fiquei com ela. Ele disse que os alemães estavam
vindo, então fiquei fardado mesmo, como estava, e pensei: "Vou sair já daqui", e
comecei a andar. No fim de algum tempo é que eu cheguei na casa de uma
mulher, bati e pedi água. Ela olhou para mim e fechou a porta.
Continuei andando mais um pouco e, a uns cem metros depois, tinha um menino
de mais ou menos 12 anos que olhou para mim e eu disse: "E aí bambino? Eu
quero água". Ele disse para eu ir com ele, e me lembrei que as instruções eram de
que os partisanos - quando ajudavam - o faziam por intermédio de uma criança.
Até ali tudo estava de acordo com o figurino, por isso continuei andando. E ele me
levou na casa dos pais dele. O pai não estava, apenas a mãe. Eu pedi água para
ela e ela disse: "Vino", e eu disse: "Então me dá o vinho". Então começamos a
beber, porque a água era mais difícil de se conseguir do que o vinho, porque eles
mesmos o faziam.
Quando o pai chegou, lá pelas 10 horas da noite, ele conversou comigo e falou:
"Então eu vou buscar um inglês, que está foragido aqui nessa região, para poder
tirar você daqui". Fiquei no estábulo, porque lá era bem quente, e já estava
cansado de beber vinho - estava ficando de pileque - quando chegou o sujeito e
disse: "O inglês está aí fora".
Peguei a minha pistola, armei, saí e cheguei a uns dois metros perto de um vulto e
disse: "Você que é o inglês?". Aí ele me respondeu: "Não, sou soldado do Oitavo
Exército. Estou aqui desde 1942". Eu insisti: "Mas você é ou não é inglês? Sua
pronúncia não é de inglês", e ele respondeu: "Eu sou sul-africano". Isso já mudava
as coisas, porque a pronúncia do pessoal da África do Sul não é a mesma do
inglês. Aí eu disse: "Quero ver a sua cara". Então fiz ele passar na minha frente e
entramos na luz da lamparina: ele era louro, olhos azuis, aquele cabelo meio
crespo que os ingleses têm. E ele disse: "Meu nome é Steve", e assim ficamos nos
conhecendo.
Eu tive sorte porque aquela neblina, que eu tinha encontrado na minha missão,
durou mais dois ou três dias sobre o Vale do Pó, de forma que, no outro dia, ainda
tinha cerração, e isso ajudou o Steve a me tirar de lá sem sermos visto. Se o
tempo estivesse limpo, isso não teria acontecido, e os alemães não poderiam
fazer o que eles fizeram depois, um círculo para achar três pilotos: um americano,
o Tenente Danilo Moura e eu. Naquele mesmo dia foram abatidos três pilotos
naquela região, e os alemães fizeram o que se chama 'rastrelamento'. Mas,
quando eles fizeram esse rastrelamento, eu já estava bem longe, então não me
acharam.
O Steve me levou para a casa desse Venturino Tranqüilo, um arrendatário de
terras. Eu não podia ficar na casa dele porque não tinha quarto nenhum na casa,
então fui parar num paiol de milho. Fiquei metido entre as espigas de milho,
sentindo um frio 'desgraçado'. Eu tinha trocado as minhas roupas por umas calças
e uma camisa de algodão, mas de qualquer maneira, eu estava relativamente bem
acomodado. E como ninguém deveria saber que eu estava lá, nem ao paiol eles
iam. Para todos os efeitos, não existia ninguém lá, e foi assim durante vários dias.
Certa vez apareceu um tal de 'Mário', que se dizia espião inglês, e acabei tendo
que ir para uma outra casa, para ser examinado por um médico, que atendia pelo
nome de 'Tino'. O médico que foi me atender, Tino Guioto, não conseguiu saber
exatamente porque o braço inchou, ficou com uma coloração preta, mas ele não
conseguiu saber direito. Então pediu a um outro médico para ajudá-lo, uma
pessoa mais qualificada, experiente. Ele virou, puxou o braço para um lado e disse
assim: "Olha, você está com fratura na cabeça do úmero". Eu perguntei: "E
agora?", e o Tino me respondeu: "Vamos fazer o seguinte: eu trabalho no Hospital
de Campo Sampero, então você vai até lá e eu vou tirar uma radiografia do seu
braço, para saber exatamente como eu vou engessar porque, se eu engessar de
qualquer jeito, você vai ficar aleijado para o resto da vida, ou então vai ter que
quebrar tudo de novo. Se viver, depois da guerra poderá consertar o braço". E
assim foi.
Até Campo Sampero, era uma jornada difícil, tinha 18 quilômetros para andar,
quer dizer, eu não podia andar tanto com o meu pé quebrado também, então
arranjei uma charrete. Mas, para andar 18 quilômetros de charrete, também não
dava, então arranjou-se uma casa mais perto do hospital, onde eu deveria dormir.
O Tranqüilo ia lá de manhã cedo, me pegava, e a gente ia para o hospital de
charrete, andava mais uns 6 ou 8 quilômetros.
No hospital, as freiras eram também as enfermeiras, mas esse hospital ,a Divisão
de Infantaria da Aviação alemã tinha tomado conta, tinha feito o Q.G. lá no
hospital. Isso quer dizer que a parte da frente era o Q.G., e na parte de trás era o
hospital. Tinha ainda outra dificuldade porque o médico, Tino, não 'mandava' lá,
ele apenas trabalhava, mas a direção não era dele, era só de oficiais e médicos
alemães. Então, como é que eu ia utilizar o equipamento de Raio X sem que os
alemães soubessem? As freiras inventaram o seguinte: "Vamos fazer uma
homenagem ao médico alemão, e esta homenagem tem que durar uma hora". Era
o tempo de eu entrar, fazer as radiografias e sair, e assim foi feito. Mas acontece
que, não sei se por causa de um defeito qualquer, a radioscopia não deu certo,
então eu teria que fazer a radiografia mesmo. Eu tive que voltar lá 10 dias depois,
e já estava ficando mais ambientado porque, quando eu entrei pela primeira vez e
passei pelo guarda do Q.G., eu olhei e pensei: "Não devia ter vindo aqui, porque
aqui é a toca do lobo". Mas, na segunda vez, eu já estava mais 'sem vergonha', e
então pude fazer as coisas com mais naturalidade. A radiografia, então, mostrou
exatamente a fratura da cabeça do úmero e o caminho que ele devia fazer para
consertar o meu braço.
Depois que eu já estava na casa de uma outra menina, a Franca, tive que
engessar, mas isso também foi um problema pois, se eu engessasse o braço da
forma correta, seria um indício para qualquer pessoa de que o braço estava
fraturado. Então o médico engessou diferente, de maneira mais discreta, e disse
assim: "Olha, com essa posição ninguém vai saber que você está engessado,
certo?". E assim foi feito.
Já fazia uns 20 dias, quando os alemães começaram a se retirar e a cercar uma
porção de coisas por lá, então eu tive que retirar o gesso porque, se me
encontrassem engessad,o saberiam que um médico tinha me atendido, e eles
iriam atrás desse médico. Então tiraram o gesso fora, meu braço meio 'caído', eu
mal mexia os dedos. Então passei a fazer terapia em outro hospital ,com outras
irmãs de caridade. Chegava lá 8:00, 9:00 h da noite, tudo escuro, e elas estavam
cantando, fazendo renda, costura, e uma delas é que fazia a minha reativação dos
nervos. E assim foi durante vários dias.
Depois desse período, o que aconteceu foi o seguinte: eu estava em uma casa,
mas não era um lugar onde eu deveria ficar, então eu saía cedo e passava o dia
todo no campo, andando de um lado para outro. Outras vezes eu nem comia, não
tinha água para beber, não tinha nada. Eu ficava rodando assim, e acabei ficando
moreno, queimado do sol de Copacabana ou do Guarujá. Mas encontrava sempre
com o Steve, a gente sempre se cruzava porque ele sabia aonde eu ia, e vinha me
encontrar, para a gente bater um papo. Ele trazia cigarros para mim, porque
cigarro era uma coisa difícil de se conseguir, estava tudo racionado. E assim foi
até o fim, quando eu fui para a casa do Venturino Tranqüilo, e fiquei com ele lá.
Quando os alemães começaram a passar, eu disse para ele: "Olha, Steve tem
aqui a minha pistola 45. Sobrou um pente de munição, tem 6 tiros e você pode
usar um na agulha que é o sétimo disparo". Ele respondeu: "Não. Você é um
oficial e eu não posso pegar a sua arma". Eu disse: "Leva. Eu não vou usar,
mesmo. Com o braço como eu estou aqui, não vou fazer nada". Mas, mesmo
ferido, eu acompanhava os partisanos nos ataques às tropas alemãs. E o Steve,
juntamente com outro, que era o chefe dos partisanos, é quem comandava esses
ataques. Eram uns poucos guerrilheiros, que faziam emboscada, atiravam,
tomavam o que podiam e saíam: a ação não durava mais do que 5 minutos.
Quando o problema era com o exército alemão as coisas ainda funcionavam, mas
com a 'S.S.' - que era uma tropa de mentalidade 'hitlerista' - o 'negócio' era
diferente, pois eles eram altamente agressivos. Eles reagiam mesmo, não tinha
conversa. Já o exército alemão queria paz, quer dizer, eles já não estavam mais
motivados e sabiam que a guerra estava perdida, portanto, não tentavam mais
lutar. Mas os outros, os da 'S.S.', não, eles iriam lutar até o último homem.
Foi numa dessas que pegaram o Steve: um capitão da SS olhou para ele e disse
assim: "Você é inglês, não é? Você é meu". Deu dois tiros nele.
Depois, nós voltamos para a Base, e de lá fomos até o Serviço Secreto Inglês. Os
ingleses trabalham em silêncio mas são eficientes, uma turma que trabalha para
valer mesmo, tanto que os vôos noturnos na Itália só eram feitos pela RAF; os
americanos não faziam esses vôos de observação. Eles, especialmente na
Europa, tinham um controle grande, porque o controle deles não era de um dia
para o outro, mas sim de uma guerra para a outra. Lá, me interrogaram durante
umas 4 ou 5 horas, depois assinei um documento dizendo que não divulgaria as
datas nem os nomes das pessoas que tinham me ajudado, durante os próximos
cinco anos, e foi o que eu fiz.
(PIL403)
13. D BRANDINI
O Tenente Brandini estava como ala e nós realizamos o bombardeio
normalmente. Nós fomos em busca de objetivos de oportunidade em cima de
Ferrara. Estávamos nos aproximando abertos, em linha de frente, em silêncio total
sem nenhum tiro em cima de nós, e estranhamos essa calmaria. Fomos nos
aproximando, procurando e, de repente, eles abriram tudo que tinham em cima de
nós. O céu ficou 'cor de rosa' de traçantes, e, nessa altur,a o que se fazia sempre
era colar no chão, porque as armas antiaéreas estão sempre voltadas para pontos
altos e, se você colar no chão, eles param de atirar, pois acabariam atirando neles
próprios. Então, nós colamos no chão.
Nos afastamos da região defendida, ganhamos altura, já estávamos com pouca
gasolina, e eu disse: " Vamos voltar para a Base?" Foi quando eu ouvi o Brandini
dizer: "Meu avião está enchendo de fumaça" Estávamos então ganhando altura
para cruzar o Pó, e o Brandini dizendo: "Meu avião está enchendo de fumaça". De
repente ele falou: "Meu motor parou" O fato é que não havia nada a ser feito e o
Brandini ia saltar de pára-quedas.
O Brandini estava para saltar quando foi atingido na cabeça por estilhaços de
granada, mas, como ele já estava com a mão na alça do pára-quedas para saltar,
deve ter acontecido que ele puxou a alça e o pára-quedas abriu dentro da cabine.
Pela sucção, o pára-quedas saiu, e o Brandini foi 'chupado'. O pára-quedas se
prendeu na empenagem do avião, no leme de direção lá trás, e o avião desceu.
Era o avião, o pára-quedas e o Brandini, badalando na ponta. Quando o avião
chegou próximo ao chão, por razões aerodinâmicas, o pára-quedas se
desprendeu e abriu, em tempo de salvar o Brandini. O companheiro disse que fez
duas ou três passagens em cima dele e viu que ele estava completamente sem
reação. Demos o Brandini como morto e o companheiro chegou a ver os alemães
se dirigindo para o local, porque isso tudo foi visto: o pára-quedas caindo numa
zona muito defendida, que era o Rio Pó, os alemães já se dirigindo com os
cachorros, essa coisa toda, igual como se vê em cinema. Eles iam para pegar o
Brandini, mas acontece que ele não estava morto; graças a Deus estava vivo.
Transcrevo aqui suas palavras: "Achei melhor saltar logo. Em segundos pensei
num mundo de coisas, menos em morrer. Segurei a alça do pára-quedas antes de
deixar o avião. Um pressentimento me dizia que, com aquele tiroteio lá fora, seria
atingido pelo menos por um estilhaço de .88 quando saísse do P-47. Caso isso
acontecesse, como aconteceu de fato, antes de desmaiar, o instinto me faria
comandar a abertura do pára-quedas. Juntando raciocínio à ação, transmiti minha
decisão, soltei o canopy, empurrei o manche para frente e deixei a garça. É só o
que me lembro do incidente.”
A causa de não haver dado acordo de si ao chegar ao chão, foi conseqüência de
ter sido atingido por um estilhaço de granada no parietal esquerdo ao deixar o
Thunderbolt. Conforme previra, o instinto de conservação fê-lo comandar a alça
antes de desmaiar. Aquele não era o seu dia.
Quando Brandini acordou do desmaio, ouviu vozes ao redor. Estava deitado sobre
uma cocheira forrada por um colchão de campanha...tudo estranho. Colocaram-no
em seguida em um carro Mercedes e o levaram até Ferrara. Em Ferrara, curiosos
italianos o descobriram, identificando-o como aviador americano. Imediatamente
formaram piquetes de linchamento. Alegavam que os aviadores traziam destruição
e morte para suas indefesas cidades. Os guardas alemães chegaram a manobrar
para que aquela gente não retirasse o Brandini de sua guarda.
O Hospital de Todeschini estava pleno de feridos graves, a maioria na cabeça. Ali
se fazia trepanação de crânio. Brandini estranhou que os médicos, ao lhe fazerem
perguntas profissionais, de vez em quando intercalassem algumas sobre sua
família, endereço, tipo de avião que voava, etc. A estas não respondia. Guerra é
guerra! Tudo é válido para tirar informações do inimigo.
O estilhaço foi extraído do parietal, tendo a forma de mapa do Brasil, com o
estado gaúcho um pouco mais 'gordo'. Um fato interessante é que ele era o único
estrangeiro da enfermaria. Os outros feridos eram alemães.
Levaram-no para um hospital-prisão civil em Mântova. Nessa cidade nasceram,
viveram e morreram os avós maternos de Brandini. Ces't la Guerre! Ignora tudo,
inclusive nossos sentimentos.
O deslocamento do hospital para o campo de concentração foi feito a pé.
Andaram mais ou menos 5 km. Como todos os prisioneiros estavam em
convalescença, chegaram exaustos. Aí o Brandini foi interrogado pela primeira vez
por um profissional. Na ocasião, reconheceram seu uniforme e o identificaram
como brasileiro. Tentando assustá-lo, disseram-lhe que ele havia mentido, se
fazendo passar por americano. Como tal, perderia a prerrogativa de prisioneiro
militar, passando a ser interrogado pela SS. Brandini retrucou com veemência e
argumentou, batendo na seguinte tecla: "Se eu pus na ficha que era americano é
porque nasci no Brasil, que fica na América do Sul". Se essa história colou ou não,
nem o Brandini soube. Deixaram-lhe em paz após o interrogatório. Passou frio e
fome. Dormia no chão. No dia 3 de maio, apareceu a primeira coluna de tanques
dos americanos. Era a liberdade de 'Portinari'. Reencontro emocionante com os
Jambocks em Pisa. Nossa alegria era contagiante. Ninguém o imaginava vivo.
Dado como morto, 'ressuscitou' depois da guerra.
(AAP4, AAP81, PIL389)
13. E CANÁRIO
Canarinho foi atingido pela antiaérea tedesca e foi obrigado a abandonar o
aparelho, de pára-quedas. Conseguiu safar-se normalmente e não houve maiores
percalços na descida. Uma vez no chão, desfez-se do pára-quedas, quando
percebeu a aproximação de tropas, que pôde divisar, ao longe, resolveu correr
morro acima para escapar à captura
No topo da colina, exausto, com a língua maior que a gravata, desanimou ao
sentir-se cercado por soldados, que surgiam de todos os quadrantes. – “Estou
perdido!” Mas, à medida que os infantes se aproximavam, reconheceu-lhes o
uniforme - Halleluia! Eram da FEB! Uma patrulha brasileira! Os pracinhas,
entretanto, se aproximaram com cautela, por falta de identificação daquele aviador
todo encapotado, na realidade irreconhecível à primeira vista.
Percebendo a dúvida, Canarinho usou a senha infalível, aos berros: - Eu sou
brasileiro - P...Q...P...! Essa senha, nestas circunstâncias, é o processo mais
eficiente de identificação. Esta força de expressão tão lusa e brasileira desanuviou
logo o ambiente e provocou, de imediato, um perfeito clima de cordialidade e
confraternização.
(PIL371)
13. F CORREIA NETTO
“A minha última missão foi a de número 58. Uma missão bonita do meu ponto de
vista de aviador, de combatente. Nós saímos depois do "briefing", uma esquadrilha
composta de oito aviões. Eu comandava o primeiro elemento. Foi um vôo
interessante porque havia uma cobertura de nuvens entre a nossa Base de
decolagem em Pisa e a cidade de Veneza, o primeiro ponto antes de partirmos
para o objetivo, que era destruir uma ponte sobre o Rio Pó.
A missão foi realizada muito bem, os companheiros todos voando em grupo
dentro das nuvens. Atravessamos essa parte difícil e chegamos até Veneza,
quando fomos despertados pela violência da antiaérea. Mas conseguimos
sobrevoar e atingir o ponto - a Ponte de Casarsa. As duas esquadrilhas tomaram
posição e mergulhamos, um depois do outro, conseguindo atingir o objetivo: a
destruição de parte da ponte, pelo menos. Foi então que houve problemas na
segunda esquadrilha, da qual o Armando fazia parte. Ele foi atingido e, depois do
bombardeio realizado, determinei ao companheiro que voltasse, dando proteção
ao Armando.
Eu tive que prosseguir na missão porque estava determinado a experimentar os
foguetes pela primeira vez no Grupo de Caça. Aliás, é interessante comentar o
que se sucedeu antes disso: naquela época, eu era auxiliar de operações do
Grupo e fiquei interessado em cumprir a primeira missão usando os foguetes.
Cada avião levava seis foguetes, e os disparos poderiam ser em rajadas, ou
poderiam ser sucessivamente de dois em dois. Ao pedir autorização para
experimentar os foguetes na nossa Base, eu recebi a negativa do comando
americano, eles disseram que eu deveria experimentar no inimigo. Não tínhamos
foguetes o suficiente para experimentarmos no treinamento: tinha que ser direto
no inimigo. A minha dúvida era se eu precisaria me aproximar muito da antiaérea
inimiga para estabelecer um bom alcance e disparar os foguetes.
Durante a execução dessa missão, eu tive a necessidade - por ser a primeira vez
que eu utilizava aquele material - de atirar uma, duas, três vezes, e fui atingido
como conseqüência do desconhecimento do material e da resistência que o
inimigo oferecia naquele ponto. Levei um 'tranco' no motor, que parou de estalo,
porque acredito ter sido atingido por um canhão de 20 mm. Fez-se aquele silêncio
e eu só tive a solução de recuperar o avião numa posição para fugir dos tiros e, lá
em cima jogar fora o canopi e levar o avião para a frente, saltando depois da
recuperação. È uma sensação naturalmente violenta, mas tem que se escapar
dessa maneira.
Saltei e o resto foi esperar a queda do avião - o que eu não vi - e retardar a
abertura do pára-quedas, para evitar ser capturado rapidamente. Enfim, segui as
instruções, que foram muito bem dadas e repetidas durante nossos treinamentos.
Cheguei ao solo, apanhei o pára-quedas e procurei fugir da chegada dos soldados
que, em terra, já tinham visto a artilharia me derrubar. Para atingir o solo, tive que
escapar das balas e de outras coisas. A Itália é rendada de fios de alta tensão, e
esses fios passavam ao lado do canal onde eu iria cair, com certeza. Retardei o
salto ao máximo, puxando as cordas do pára-quedas, com isso, descendo mais
rápido e procurando fugir de cair em cima dos fios. Você puxa mais de um lado e o
pára-quedas acompanha o movimento; é uma forma eficaz de manobrá-lo no ar.
Finalmente, cheguei ao solo e dei um puxão forte, e mesmo assim eu caí sentado
violentamente sobre o calcanhar.
Verifiquei que não tinha quebrado nada e então tratei de fazer as outras coisas
que estavam no procedimento: recolhi o pára-quedas e o escondi porque, se o
pára-quedas fosse encontrado, rapidamente iriam me descobrir. A Itália, naquela
época, era como uma mesa de bilhar para mim: caí no meio de uma imensa "mesa
de bilhar". O único lugar que eu tinha para me esconder era dentro de um canal,
pois eu havia caído ao lado dele. Assim eu fiz, mas já havia gente chegando e vi
pessoas do outro lado do canal, perto da caldeira onde eu pretendia me esconder
... mas tudo isso ficou só no desejo. Apareceu um italiano no lado de lá, e outro do
lado da caldeira. Eu desconfiei que já era tarde demais, tinha demorado muito
para chegar ao solo e, com isso, chegara uma turma e um guarda alemão, me
apontando sua arma.
Fui obrigado a me levantar, de mãos para o alto; fui desarmado e me conduziram
preso para um quartel de alemães nas proximidades. Assim foi a minha chegada
ao solo.
Eu me lembro que, na ocasião, me perguntaram o que eu achava, que sensação
eu havia tido ao cair. Naquela época ainda não se falava nisso, mas eu tinha a
impressão de que tinha caído na Lua, por causa do abandono em que eu me senti
na ocasião, isolado do meu mundo. Há uma sensação de completo abandono,
sensação de fim de carreira, a situação que o homem se encontra é terrivelmente
confusa. Talvez aja com a superioridade de quem está perdido, talvez não. Não
cheguei a nenhuma conclusão, embora tenha pensando no assunto naquela hora.
De uma coisa, porém, estou certo, a atitude do prisioneiro, seja ele de que raça
for, será sempre função do moral e do doutrinamento recebido.
Depois de preso, fui levado para o quartel, onde os alemães me identificaram
como americano porque eu não respondia às perguntas diretamente, mas cumpria
aquilo que eu era obrigado a fazer. Eu me declarei brasileiro número 613, era o
que eu podia responder. Eles não entendiam a minha língua e tentaram em
alemão, em inglês, italiano, e eu sempre fugindo de entendê-los. Só era obrigado
a responder pelo Tratado de Genebra, e eu só podia responder aquilo mesmo:
"Oficial brasileiro número 613".
Feito isso, fui conduzido para outros lugares sucessivamente, onde fui novamente
interrogado pelos alemães no local. Depois, mais tarde, fui aprisionado num quarto
debaixo de uma escada, onde me trancaram a pregos: com um martelo, eles
pregaram a porta e me deixaram aguardando.
Os cubículos onde guardavam os prisioneiros na operação-interrogatório, além da
quase total ausência de alimentos, eram também absolutamente sem conforto. Se
o Cauby tivesse passado por lá diria que era pra quebrar a maldade da gente.
Nesses cubículos o pessoal ficava submetido à prova de fome e paciência, a fim
de "desembuchar" o que sabia. Julgo assim pelos comentários posteriores,
segundo os quais, alguns rapazes lá ficaram semanas, interrogados a todas as
horas, enquanto outros só permaneciam horas.”
O padre interrogador não deixou nosso colega em paz durante dois dias e duas
noites. Muita conversa fiada e sempre com o mesmo objetivo - colher informações
militares. O religioso passara o tempo a lhe relembrar o Nordeste. Com apenas 24
anos, esgrimia seu raciocínio contra o do interrogador profissional como um
experimentado adulto. Depois dessas amenidades, o padre lhe deu a notícia da
morte de Medeiros.
“Ao saber da morte do meu amigo Medeiros teria eu escondido, também no olhar,
a perturbação que me passou na alma? E assim, sucessivamente, foram
acontecendo coisas desse tipo até eu chegar a um campo de concentração:
Nuremberg. Quer dizer, a história aconteceu rapidinho assim: foram alguns dias de
pequenas coisas desagradáveis, sem alimentação, bebendo água quente como se
fosse café, coisas desse tipo, que foram se abatendo no organismo e criando
problemas de perda de peso, de tal maneira que, em um mês desde que fui preso,
eu tinha perdido mais de 11 quilos.
Daí por diante, também se passaram vários deslocamentos, ora de carroça, ora
de trem, ora de caminhão, até eu chegar nesse campo de concentração e de
interrogação, onde finalmente sosseguei um pouco. Sofri um interrogatório que
eles faziam com todos os prisioneiros e, terminado o interrogatório, fomos
enviados, num ônibus especialmente arranjado para isso, até o local onde
ficaríamos presos. Só que esse local era um campo de concentração, e tinha que
ser evacuado rapidamente, porque os ingleses iriam bombardeá-lo à noite e não ia
sobrar nada de quem ficasse ali.
Chegando nesse campo de concentração. Para surpresa minha, eu vi um
companheiro que já tinha caído antes de mim , o Tenente Josino Maia de Assis.
Ao nos avistarmos, nos cumprimentamos e ele perguntou pelos companheiros,
como estava a situação, como estava o Meira, enfim como é que estavam os
"amigões" dele - os mais íntimos - esquecendo até o meu nome. Aí eu notei que
ele estava atacado de alguma coisa, porque estava sangrando nas gengivas. Eu
fiquei sabendo depois que era conseqüência do tempo em que já era prisioneiro
antes de mim, um mês e pouco.
Ele me deu informações de que ele e os companheiros iriam marchar numa
direção Nordeste daquele ponto, porque os aliados queriam evitar o transtorno de
prisioneiros marchando em estradas, e estavam impedindo o avanço das tropas,
atrapalhando de um lado e de outro. Então seguimos as instruções ali recebidas, e
fomos até um americano, que era o chefe do campo. Os alemães faziam o
seguinte: quando eles precisavam deslocar os prisioneiros, passavam o comando
para aqueles americanos mais antigos e, com isso, habilmente, cumpriam a
missão deles. Eles faziam com que companheiros comandassem os próprios
companheiros. Isso foi feito e nos deslocamos vários quilômetros, procurando
sempre estradas secundárias; nos deslocávamos de dia e de noite, a qualquer
tempo.
Foi uma marcha difícil até chegarmos ao nosso destino, e muitas coisas
aconteceram, tornando o deslocamento movimentado. Um exemplo: quando era
determinado que nós iríamos dormir em uma fazenda, eles diziam: "Vocês vão
dormir naquele galpão ali" - um galpão de feno que o pessoal procurava. Nós
fazíamos parte de um batalhão, de uma companhia, um pelotão, um grupo de
ranchos, que eram seis, e nós tomávamos a iniciativa de procurar um local para
deitar e dormir, enquanto outros companheiros tomavam as suas ações de
procura de alimentos. O pessoal viajava junto, comia junto, era uma maneira
prática de se chegar até um determinado lugar e ocupá-lo pacificamente. Isto é, os
meus companheiros de rancho procuravam negociar os quitutes que a Cruz
Vermelha nos oferecia nas caixas, com os elementos locais arranjados, umas
batatinhas para cozinhar, coisas assim. O nosso problema maior era sempre
comer, estarmos alimentados. Um outro corria - que era o meu caso - para
guardar um lugar no galpão, que nos era reservado para pernoite, e assim garantir
lugar para os seis companheiros. Outros dois iam procurar pedaços de material
para fazer fogão, fogo, e para cozinhar a nossa alimentação ... trabalho em
equipe, mesmo.
Houve uma ocasião que foi até interessante: ao chegarmos a uma dessas
fazendinhas, o proprietário chegou e disse: "Olha, aqui eu só peço uma coisa a
vocês em troca" - isso porque ele sabia que nós estávamos sendo conduzidos,
presos, pelos guardas alemães. Então ele disse: "Como pagamento por fornecer
um pedacinho de madeira para vocês fazerem fogo, um lugar para vocês
dormirem e tudo mais, quero que vocês vão defecar ali, nas plantações". Isso
porque ele precisava do adubo e era uma maneira prática de resolver o problema,
então todos atenderam o pedido com o maior prazer.
Outro dia, em uma dessas fazendas, eu estava cansado e tirando um cochilo
quando, de repente, começou um bombardeio e foi uma correria dentro do galpão,
aquele barulho. O bombardeio era uns três ou quatro quilômetros longe dali, mas o
barulho que eu estava sentindo naquela ocasião, me fez sair correndo alucinado:
pensei que estavam me bombardeando diretamente. Mas não, era a impressão
que você tinha, ficando o tempo todo sobre uma guerra de nervos e correndo o
risco de ser bombardeado ou coisa do gênero. Eu resolvi contar sobre isso porque
nem tudo passou suave, ser acordado por um bombardeio desse tipo e sair
correndo feito um louco, até ver que os outros estavam calmamente conversando
... você dá esse tipo de vexame.
Mas, nesses deslocamentos, havia os companheiros que gostavam de cozinhar.
Eles quase chegavam a sair aos bofetões para ver quem iria cozinhar. Eu ficava
admirado como os americanos eram nesse ponto: os americanos eram os mais
brigões, e tudo porque queriam cozinhar. Por mim eu ficava lavando as latas, os
pratos que eram latas (cada um tinha uma lata para comer), eu preferia lavar os
talheres e as latas.
Então a vida foi nos levando, até que chegamos a um determinado ponto da
marcha em que as exigências estavam acima da possibilidade física dos últimos
companheiros. Éramos o último agrupamento daquele batalhão, daquela divisão
de prisioneiros que estava andando por ali. Por sermos os últimos, nós estávamos
com a nossa resistência baixa, ainda sem alimento, desacostumados com a
caminhada, estávamos em uma situação muito ruim. Eu estava ainda me sentindo
bem, graças aos ensinamentos que eu tive na minha formação de Escola Militar.
Eu fui cadete da Escola Militar e fiz uma série de manobras, portanto, sabia como
usar o sapato, a meia , essa coisa toda, e me dei muito bem com isso. Então, a
minha resistência era boa.
Durante essas marchas que fizemos, muita coisa aconteceu com relação ao
comportamento dos prisioneiros e dos próprios americanos, companheiros que se
faziam de enfermeiros para socorrer os outros. Houve ocasiões em que apareciam
pessoas com vários calos, um em cima do outro, que tentaram andar descalças e
não conseguiram prosseguir. Ainda tinha outros que apareciam com disenteria,
por causa da alimentação misturada e indevida; arriscando-se para matar a fome
comiam qualquer coisa. Muitos companheiros se deram mal, com fortes diarréias,
daquelas em que o sujeito parava, nem se acocorava e fazia as necessidades em
pé mesmo, cenas desagradáveis para nós, que participamos daquela campanha.
Mas o que mais me impressionou nisso tudo foi a coragem dos homens mais
sadios e mais dispostos, que procuravam ajudar os companheiros o tempo todo.
Esses, quero dizer, andavam mais do dobro. Eles andavam, voltavam, davam
remédio e ficavam voltando para acompanhar os companheiros doentes. Era uma
demonstração de solidariedade, de companheirismo a toda prova: isso eu vi e não
me esquecerei nunca mais. São coisas que acontecem só numa situação dessas.
Depois retomávamos a marcha, sempre sobre a promessa de que ia haver
comida mais adiante. A turma marchava, cansava, parava e ficava nessa situação
de cansaço, mas finalmente chegamos ao campo de Müsberg. Eu novamente
havia me perdido do Assis durante a marcha, e fomos nos reencontrar lá. Meu
alojamento até que era um pouco melhor, menos depredado, mas o alojamento do
Assis era pior do que o meu, isso porque ele demorou mais e pegou um
alojamento mais estragado. O campo era de uma organização impressionante,
tinha vários barracos grandes, de madeira, com dois alojamentos, e entre eles
estava o lugar para cozinhar as refeições. Os alojamentos estavam depredados
por causa da cata de madeira para fazer fogo e cozinhar os alimentos; a turma
andava tirando as tábuas dos assoalhos, até mesmo algumas camas foram
prejudicadas. As camas eram em grupos de quatro e oito sobrepostas, e muitas
não tinham as tábuas completas.
Mas esses campos de concentração eram realmente muito bem organizados, por
exemplo, na parte das privadas dos alojamentos. Havia agrupamentos de 40
latrinas em linhas de 4 por 4, mais ou menos, então estavam sempre sendo
utilizadas por um número de pessoas muito grande. Vale a pena saber que havia
mais de 20 mil pessoas presas, e na grande área eram 120 mil, pelo que se sabia.
Por esse motivo tudo tinha que ser muito bem feito, muito bem organizado. As
fossas eram drenadas e levadas para aproveitamento químico. São aspectos que
estou abordando porque eu senti isso e me admirei com a organização.
Vou tentar resumir. Pela manhã o pessoal de cada barraca formava na frente da
mesma respondendo à primeira chamada. Em seguida voltávamos para o
alojamento para a faxina. Depois vinha o trabalho importante: que fazer para
comer? Cada um de nós ia tratar de negociar cigarros por comida e, incrível como
pareça, por lenha seca também. A lenha era negociada, a maioria, com os russos.
Eram pedaços de madeira do tamanho e da espessura de um lápis comum. O
gozado era a pechincharia que fazíamos. Quase toda a manhã era gasta nesse
troca-troca. Com essa ajuda e com o que havíamos preparado com a ração da
Cruz Vermelha, após criteriosa divisão entre os membros do grupo, fazíamos que
almoçávamos. E depois do almoço, qual era a conversa? Conversa sobre comida.
Aquilo era uma obsessão Só quem já sentiu fome é eu pode avaliar o que estou te
contando. É horrível. Logo mais à tarde era a hora da leitura do jornalzinho
clandestino que trazia as notícias da BBC de Londres, captadas no rádio dos
prisioneiros. As coisas aconteciam e a gente não procurava a causa. O que se
comentava era que havia entre os guardas uma pequena "quinta-coluna" que
ajudava a turma mais antiga. Dizia-se que o rádio veio direto lá de fora ou em
peças, sendo montado por um técnico nosso. Uma notícia que lembro, e que hoje
me emociona, foi a mensagem que o General Patton enviou ao Comando alemão,
proibindo futuros deslocamentos dos prisioneiros aliados. Depois uma cansativa
revista de recolher, e cama.
Depois de uma temporada lá, começaram os contatos com os companheiros
presos. Eu digo "presos" porque os campos eram cercados por arame farpado
com uns 3 metros de altura que me dava a impressão de estar dentro de um
'bombril' permanente. O sujeito, além de atravessar aquela cerca, ainda tinha que
passar por dentro daquele 'bombril' e, de pontos em pontos, havia postos com
metralhadoras para evitar a fuga.
Víamos alguns aviões voando, fazendo a regulação do tiro de artilharia, o que
demonstrava que as tropas do General Patton estavam se aproximando. Então um
dia, em uma determinada hora, ouvimos algumas rajadas de metralhadoras que
nos assustaram e fez muita gente procurar abrigo. No dia 29 de abril, mais ou
menos às dez horas, além dos tiros de artilharia, podíamos ouvir também as
rajadas de metralhadoras. Houve um certo pânico, alguns correram para as
trincheiras existentes no stalagluft, outros deitaram-se apavorados. Os guardas
alemães desapareceram como por encanto. Tudo isso durou pouco, talvez alguns
segundos.
Uma bandeira americana apareceu no mastro da cidade de Musberg. Em seguida
veio uma gritaria infernal, mas ao mesmo tempo alegre. Foi o que aconteceu
quando as tropas ultrapassaram o campo e não se via mais guarda nenhum: todo
mundo 'meteu o pé' e nós ficamos felizes de ver, do outro lado da cidadezinha de
Müsberg, a bandeira americana. As tropas avançaram e ocuparam o campo, e
aquilo foi uma alegria muito grande. Era a liberdade. Para nós, prisioneiros, aquele
instante representou realmente o fim da guerra.
Quando aquele tanque de Patton rasgou a cerca de arame, levando tudo de
roldão e trazendo no capô uma 1º tenente americana, descrita por Correia Netto
como a encarnação da beleza. Houve quem desse no pé pelo buraco feito na
cerca e outro tanto pelo próprio portão do campo.
Depois disso, os próprios americanos começaram a fugir, porque chegou a
Ditadura Militar Americana. Eles haviam deixado de ser prisioneiros e agora
estavam com as tropas não mais na condição de presos mas, para não atrapalhar
o deslocamento das tropas pelas estradas, estavam ajudando a libertar outros
prisioneiros como nós. A coisa agora era outra: tinha acabado o domínio alemão e
começado o domínio americano. Mesmo assim todos os dias a revista diária ao
entardecer registrava a falta de alguns ex-prisioneiros, que escapavam ao longo
do dia.
A alegria durou pouco. Logo a disciplina foi estabelecida. Na hora da confusão,
em que entre risos, lágrimas, gritos e tudo o mais emocionava e contagiava a
todos, a velha disciplina militar compareceu de corpo inteiro. Deixamos Musberg
no dia 10 de maio Foi quando acreditei e provei novamente o gosto de ser livre.
Coisa boa é a liberdade. Antes de entrarmos no caminhão que nos conduziria ao
aeroporto, houve uma desinfecção obrigatória. Trabalho rápido e eficiente. Como
os percevejos, piolhos e outros insetos tomavam contato com a novidade do DDT
pela primeira vez, morriam de estalo.
No Havre a coisa era diferente. Embora estivéssemos instalados em barracas de
lona, comia-se bem. Lá estava na entrada da grande barraca do Rancho: Take all
you want, but eat all you take! Por mais que se quisesse obedecer era difícil se
cumprir a prescrição. Alguns médicos e oficiais da administração do campo
explicavam os riscos de uma indigestão se comêssemos em excesso, coisa que
passou a acontecer com freqüência nos primeiros dias. Que não receássemos
mais a falta de alimentos, estávamos livres e suprimento de boca não era mais
problema.
Chegou a hora daquela turma toda, que estava organizada em batalhões,
companhias e pelotões, ir até um campo de pouso próximo e pegar uma ponte
aérea para o Havre, onde nós teríamos a nossa liberdade. Isso aconteceu
sucessivamente, vários dias, até que, no Havre, nós nos sentimos livres para
vermos os companheiros brasileiros que estavam em Pisa.
Conseguimos um vôo que nos levou até Paris. Foi um período já de alívio muito
grande, cada um já tinha perdido os quilos que tinha que perder, sofrido as
verminoses, e realmente chegou o dia, em Paris, quando fomos surpreendidos
com a chegada dos companheiros brasileiros, que tinham ido lá para nos apanhar,
em um avião B-25. A história terminou de uma maneira muito simpática, muito
agradável.
(PIL374)
13. G KOPP
Quem estava comandando a esquadrilha era o Tenente Theobaldo Kopp. Nós
havíamos descoberto por lá uns depósitos de munição que se atingia com grande
facilidade, pois até então não tinham defesa antiaérea nenhuma, então aquilo era
um carnaval. A gente fazia outra missão qualquer, depois passava lá para destruir
um depósito de munição. Nesse dia o Kopp voltava de um período no hospital por
causa de um problema de pele lá qualquer, e eu disse: " Olha, depois nós vamos
passar nos depósitos de munição". Aí um dos companheiros gritou: " Olha que
eles já puseram lá umas antiaéreas ...", e eu retruquei: " Eu mostro onde é e fico
no alto para chamar a atenção das posições. Você vai lá embaixo e ataca", e
assim foi feito. O Kopp resolveu atacar um alvo que já estava proibido, porque os
alemães tinham colocado muita antiaérea lá, era um depósito de munições muito
visível, e foi derrubado.
Mas por azar do Kopp, eles o atingiram logo na primeira passagem e ele saiu
subindo já em chamas e virou o avião, eu pensei até que fosse comandando. Só
fui saber quando a guerra acabou que não foi, porque o avião é que virou sozinho
por causa dos acertos que levou.
O avião do Kopp virou de dorso, sem comando, e ele saltou de pára-quedas e nós
quatro, contrariando as normas, ficamos sobrevoando o local. Enquanto
estávamos sobrevoando o local os alemães não colocaram a cabeça de fora, e
essa 'indisciplina operacional' acabou sendo transformada em procedimento legal,
mais tarde. Enquanto Kopp descia suavemente de pára-quedas, nós nos
mantivemos na área do salto. Isso contrariava as normas de segurança, mas,
naquele momento, "bolas pra segurança", queríamos ver nosso irmão pousar.
Caiu sobre um terreno lavrado, sendo socorrido por dois ciclistas que
acompanhavam a descida do pára-quedas. O companheiro ainda quis queimar os
dois, porém recuou do ataque, dada a segurança com que os mesmos se
aproximavam do Kopp. Só podiam ser partisanos. Graças a Deus eram ... e
salvaram o "Alemão" de morte certa. Reportamos esse fato no regresso e, dois
dias depois, já chegava do QG do XXII Comando Aerotático uma ordem para os
pilotos permanecerem na área do salto de qualquer piloto atingido por Aaé, até a
chegada do socorro partisano. Nem os alemães nem as "brigadas neras" saiam
dos seus esconderijos enquanto os Jabos estivessem sobrevoando a área. Foram
os Jambocks que, mais uma vez, descobriram uma boa "dica".
Ele foi ajudado por uns partisanos que apareceram por lá de bicicleta. Os dois
partisanos pegaram o Kopp, que já tinha escondido o pára-quedas, e puseram ele
no aro da bicicleta fugindo na direção de um bosque.
Foi quando começou a aventura do Kopp, contada depois na 12a. Força Aérea.
Resumindo essa história, ele caiu numa rede de partisanos comandada pelo Sr.
Sílvio Terzo, cujo nome de guerra era 'Gora'. Junto a ele havia um italiano, vindo
da América, que falava muito bem o inglês e fazia a cobertura dos fugitivos. O
Kopp foi, então, socorrido por esses caras. Ocorreram um monte de incidentes. De
vez em quando aparecia uma patrulha de "camisas neras" - camisas negras - e
eles ficavam escondidos. A técnica que os partisanos usavam era a de colocar
duas crianças na frente: as crianças vinham andando e, quando viam qualquer
movimento de tropas, faziam um sinal, e o pessoal lá trás nos arbustos, se
escondia.
“Eu me impunha um castigo severo, pois meu desejo era sentar e pedir que o
mundo se acabasse. Mas tinha que chegar ao meu destino, e tinha que fazer um
esforço sobre-humano para cumprir minha tarefa. Sentia-me arrasado, com o
corpo todo dolorido e qualquer movimento que fizesse, representava um esforço
grande e, também, muitas dores. Lembrava-me freqüentemente do poema de
Rudyard Kipling - "Se" - e lembrava-me das palavras - "Se és capaz ... Se és
capaz ..." e encontrava forças para prosseguir na jornada mais dura que até então
encontrara.”
Nesse tempo em que esteve com os partisanos, o Kopp encontrou um capitão
alemão que tinha desertado, estava cansado da guerra. Esse alemão serviu muito
aos partisanos. Ficava lá, tomando a sua cervejinha com as moças, e só era
requisitado quando um partisano era preso e caía nas mãos dos alemães, num
hospital ou num outro lugar qualquer. Ele, que tinha sua farda de capitão e falava
fluentemente o alemão, juntava meia dúzia de partisanos, também fardados de
alemães, e fazia o papel de falso oficial e tirava, às vezes de dentro da própria
Gestapo, os partisanos presos. As figuras principais do grupo do Gora eram ele e
o lugar- tenente, o 'Americano', que era um sujeito muito sagaz, bravo, falava bem
alemão ou qualquer outro idioma. Ele ficou até o fim da guerra com esse pessoal e
teve uma série de experiências fantásticas.
Quando chegou por volta do dia 22 de abril, os tanques americanos já haviam
passado por lá e não havia mais guerra naquela área. O pessoal já havia cruzado
o Pó e estavam até fazendo um cerco no Passo de Brenner, desbordando Verona
e entrando no Largo de Garda. O Kopp foi ao Gora e disse que já tinha acabado a
guerra, estavam passando caminhões e tanques americanos, e queria voltar para
Pisa. Confabularam e o Gora concordou: chamou o americano e pediu que ele
fosse com o Kopp mas, quando vinham pela estrada, tranqüilamente, ele sentado
no aro da bicicleta do Americano, apareceu um pelotão alemão.
Não era um pelotão completo. O Kopp classificou como sendo alguns muito
jovens e outros com mais de 40 anos, o que mostra a dificuldade que os alemães
estavam tendo para o recrutamento. Quando eles se encontraram, houve um
impacto, os grupos estacaram, o pessoal da bicicleta parou de um lado e o outro
grupo, parou do outro. Os alemães começaram a atirar, e nisso o grupo do Gora
saltou e entrou numa vala; o Americano, que falava alemão, acenou e levantou
uma bandeira, um lenço branco, e disse para os alemães que tinha acabado a
Guerra, para que eles parassem com isso. Os alemães não se mexeram e ele foi
criando mais coragem, até que colocou a cabeça de fora e um franco atirador
alemão atirou, acertando-o na testa. Isso criou pânico porque sobrou somente o
Kopp e outro partisano, que deu ao Kopp um revólver calibre 38, com dois ou três
tiros, e disse para ele manter o pessoal atrás da casa, onde os alemães estavam
escondidos. Nesse intervalo, o partisano saiu rastejando e foi buscar reforços, e o
Kopp contou mais tarde que ficou com medo dele não voltar mais. Mas ele voltou,
acompanhado por um número bem expressivo de partisanos, muito superior e
muito mais bem armado do que a patrulha alemã. Houve um tiroteio, fizeram um
cerco nos alemães e um tanque americano que estava passando, atirou.
Os alemães se renderam, e o companheiro do Americano resolveu fazer o
julgamento pela morte do amigo ali mesmo, sem júri, advogado, coisa nenhuma.
Guerra é guerra e, no final da guerra, não existia muita piedade; os alemães foram
condenados à morte. Não foi nem por pistola nem fuzilamento, foi o sujeito segurar
a gravata do outro e atirar na nuca, e assim mataram todos os alemães do grupo.
Enquanto eles estavam sendo sacrificados, assassinados, os que ainda estavam
vivos pediam ajuda ao Kopp, implorando para que ele intercedesse. O Kopp disse
que não ia se meter porque aqueles sujeitos estavam com muita raiva dos
alemães por terem assassinado o homem mais importante que tinham na
organização. Os partisanos tranqüilamente metralharam todos, e o Kopp assistiu
aquilo; deve ter sido uma experiência emocionante, um aspecto da guerra ao qual
ele não estava habituado, pois a guerra dele era de avião. Os alemães foram
todos mortos.
Ele finalmente foi encontrado quando a guerra acabou. Estávamos em uma
comitiva junto aos americanos que nos levou até Paris, pois lá havia uma agência
americana de repatriamento de todos os prisioneiros que estavam em vários
lugares. Quando chegamos lá fomos numa condução da Força Aérea para a tal
agência e perguntamos pelo Kopp e eles verificaram que o Kopp já havia voltado.
O Kopp voltou para o nosso meio e respondeu ao interrogatório em Florença.
Podemos chamar a atenção sobre o Kopp a respeito do fato de que a mãe e a
irmã dele moravam próximo à cidade de Garda, em pleno território inimigo.
Quando terminou a guerra, foram procurar a mãe dele no outro lado. Faço essa
ressalva para mostrar que a mãe do Kopp estava nas linhas inimigas e, se os
alemães soubessem disso, poderiam torturá-la, matá-la, porque o soldado da
Gestapo não era um soldado alemão qualquer. Era um partido político dentro do
Exército Alemão e não faziam outra coisa a não ser matar alguém de quem
desconfiavam. Eram assassinos, bandidos.
Certa vez, quando passávamos perto de Garda, fizemos uma brincadeira com o
Kopp, um dos pilotos largou uma bomba em 'Pesqueira de Garda' e atingiu uma
fábrica. A gente disse: "Cuidado que a mãe do Kopp pode estar lá rezando na
porta da igreja". Quando eles chegaram em Milão, depois da guerra, falaram com
a mãe dele e verificaram que estava tudo calmo. Mais tarde, veio uma leva de
imigrantes da Itália e, nessa leva, veio a bagagem da mãe do Kopp. Quando ele
veio receber a bagagem da mãe e da irmã, que vinham morar no Brasil, encontrou
justamente o 'Gora', o chefe dos partisanos. Foi uma festa de abraços com todas
as emoções que o sujeito sente nessa hora. O Kopp convidou a todos para
almoçar na casa da Ivone, sua mulher.
(PIL369, PIL389, PIL371)
13. H ARMANDO
O objetivo principal da missão era um QG alemão. O Flak era intenso. Após o
bombardeio continuaram a nos perseguir, inclusive com .88. Foi justamente um
tiro desse canhão que atingiu o P-47 do Armando. Ouvi a voz do Armando: 'estou
seriamente atingido, há muita fumaça na nacele. Vou saltar!' Em seguida chamei
'Mayday' para o 'Cooler' (cobertura de radar). Rumei para o leste ouvindo o
Armando me animar com pitorescas informações sobre o estado as coisas em seu
avião. - 'Essa m... está cheia de fumaça, não vou aguardar p... nenhuma, vou é
saltar.' As coisas estavam realmente pretas. Pretas de tudo, de fumaça e de falta
de condições de vôo do avião. Seu pára-quedas abriu normalmente. Notei que
havia combate em terra. O vento soprava a oeste, impelindo Armandinho na boa
direção. Fiz uma passagem rasante tão logo o pára-quedas tocou no solo e pude
ver os ingleses, com seus capacetes típicos, surgindo das casas para acudir o
Armando. Exultamos com a sorte do nosso companheiro.
(PIL371)
13. I COELHO
Particularmente dois fatos marcaram bem o dia 22 de Abril: foi o primeiro dia em
que assumi o Comando de uma esquadrilha, este foi o lado bom. O lado triste é
que neste vôo perdemos um colega de turma, o Tenente Coelho, e só
posteriormente viemos a saber que ele tinha saltado de pára-quedas, ido para um
hospital e terminado prisioneiro. Quando a esquadrilha voltou para a Base,
perguntei sobre ele mas ninguém sabia. Ele tinha sumido. Fiquei muito chateado
e disse: "Puxa, esse cara foi meu ala e você o largou para trás". Não tinha
explicação, a gente estava com o sangue quente e eu apenas reclamei.
Do meu lado, as instruções eram que, se tivéssemos perdido o contato com a
esquadrilha, deveríamos regressar imediatamente para o território amigo, para não
ficarmos descobertos. A idéia que tínhamos era a de que o Coelho poderia ter
ficado sem comunicação e tivesse regressado. Não havia uma explicação
autêntica do porquê ele não haver retornado daquela missão.
O próprio Coelho foi quem nos contou sua aventura, mais tarde. Quando nos
dirigíamos para o ataque à essa tropa alemã ele viu um tanque e mergulhou para
atacar. No mergulho, o tanque o acertou antes dele atacar, o avião perdeu o
controle e ele saltou de pára-quedas, sem ter a chance de avisar ninguém do que
tinha acontecido. Só aí é que eu vim a saber que realmente não tinha perdido um
companheiro, apenas ele tinha ficado algum tempo fora de atividade:
“Fui designado para a Esquadrilha Verde. Eu era o oitavo. Esta situação fazia com
que, principalmente nas missões de bombardeio em mergulho, o meu P-47 ficasse
mais exposto ao "FLAK" inimigo. Executei ao todo 84 missões completas de
combate, todas na região norte da Itália. Fui abatido na 85ª missão, no dia 22 de
abril de 1945, sendo esta a 2ª missão que eu fazia naquele dia. No momento q
u
tendo eu saltado de pára-quedas à altura aproximada de 500 pés.
Tão logo o meu pára-quedas abriu, ouvi o barulho provocado por metralhadoras
no solo e logo percebi que estavam atirando contra mim. Um tiro acertou minha
perna esquerda e outros tiros acertaram em várias cordas do meu pára-quedas,
cortando-as. A minha descida foi acelerada e caí com muita força no telhado de
uma casa de dois andares, quebrando as duas pernas e os pés.
Pouco depois, chegaram à casa, cinco soldados alemães, comandados por um
cabo. Pediram que eu jogasse para eles a minha pistola e encostaram-se à beira
do telhado, junto às duas escadas. Com bastante dificuldade, eles conseguiram
me tirar do telhado e me carregaram em uma maca até uma outra casa,
colocando-me no chão da sala.
Os cinco alemães me trataram com toda a cortesia, principalmente o cabo, que se
dizia muito orgulho, pois havia sido a sua bateria que derrubara o meu avião.
Quando o cabo alemão se afastou para telefonar para o seu Comandante, a fim de
relatar o ocorrido e pedir instruções, chegaram à casa dois tenentes italianos
fascistas, com suas camisas pretas, portanto cada um uma metralhadora, e
informaram que foram eles que haviam atirado em mim e que eu devia ser morto
ali mesmo. Os alemães ficaram indignados e não concordaram mas, como eu só
podia me comunicar com eles em italiano, os dois tenentes procuraram convencer
os alemães que eu era italiano, lutando do lado dos aliados e me fingindo
brasileiro. Mostrei a eles
q
Um dos alemãe
s
rosto. Como eu virei a cabeça e o cuspe caiu no chão, ele ficou com raiva e me
deu uma bofetada. Enquanto isso, o outro tenente apontou a sua pistola para a
minha têmpora e, por várias vezes, fez o movimento de colocar a bala na agulha,
indicando que, a qualquer momento, poderia atirar. O cabo, que estava ao
telefone, ao ouvir o barulho da bofetada, largou o telefone com muita raiva, tirou a
pistola do coldre e foi em direção aos dois tenentes, gritando com eles em alemão.
Os italianos tentaram argumentar, mas o Cabo estava realmente indignado. Disse
algumas palavras para os tenentes e, como eles não se moveram, deu três ou
quatro tiros em direção aos seus pés. Com os tiros, os tenentes se assustaram e
saíram correndo da casa. O cabo Shimidt, com o rosto todo vermelho, virou-se
para mim e disse, em um italiano misturado com alemão: "italiano em frente, não
pum pum, que pum pum brasiliano, pum pum paisano, pum pum tuti, em frente,
corriri".
Depois que os t
e
Assim que a noite chegou, eles colocaram a minha maca no chão de um pequeno
caminhão e, de cada lado, nos bancos laterais, iam sentados cinco soldados. A
viagem foi bastante acidentada, pois as estradas estavam muito danificadas e, em
vários momentos, aviões aliados passaram sobre o comboio, obrigando os
motoristas a sair da estrada para procurar abrigo. As dores que eu sentia eram
bem fortes, mas o medo de morrer pelos aviões aliados era maior, e me mantinha
atentamente acordado. Em determinado trecho, quando estávamos fora da
estrada, o soldado que estava mais próximo da minha cabeça, se abaixou e
perguntou se eu falava francês. Tendo respondido que sim, ele me disse que era
russo, que havia sido prisioneiro no início da invasão da Rússia e que
posteriormente, em troca de um melhor tratamento, havia concordado em lutar
pelos alemães. Pediu que eu lhe sugerisse o que devia fazer, pois sabia que a
guerra estava no fim e que, os alemães estavam derrotados e que, se voltasse
para a Rússia, seria morto. Disse a ele que, realmente, o fim da guerra estava por
poucas semanas, e que o único conselho que eu podia dar era para que ele
procurasse trocar o uniforme por roupas civis, se escondesse em algum lugar e
tentasse se fazer passar por refugiado de guerra, sem nunca mencionar a sua
nacionalidade.
Algumas horas depois, em plena madrugada, ouvi alguém próximo do nosso
caminhão perguntar, em perfeito Português: Brasileiro onde você está? Ele me
disse que o seu pai, que era alemão, mandou-o para a Alemanha, a fim de
estudar. No ano seguinte estourou a guerra e ele foi convocado. Escolheu a
aviação e saiu piloto de caça. Participou de várias missões, inclusiva da batalha na
Inglaterra. Quando o Brasil declarou guerra às nações do Eixo, os seus superiores
acharam que ele não mais merecia confiança e o tiraram de vôo, e o designaram
para uma unidade de canhões antiaéreos. Perguntou-me o que eu achava que ele
devia fazer, e eu dei a ele o mesmo conselho que dera ao russo. Disse a ele que a
divisão brasileira estava próxima daquela região e que ele, em roupas civis,
poderia aguardar a chegada dos brasileiros e procurar obter alguma assistência,
sem dizer que havia lutado pelos alemães.
Quando o dia estava clareando, o nosso caminhão foi levado para uma casa à
beira da estrada e estacionado dentro de uma garagem. Pouco depois, o cabo
Shimidt apareceu com um triciclo que tinha, entre as duas rodas dianteiras, uma
plataforma de madeira. Os alemães me tiraram da maca e colocaram-me sentado
na plataforma de madeira, com as pernas esticadas para frente. O cabo Shimidt foi
pedalando o triciclo e dois soldados nos acompanharam em bicicletas.Fui
informado por eles que estavam me levando para o Hospital de Reggio Emiglia e
que deveríamos levar umas duas horas até o Hospital.
Já era dia claro, provavelmente sete ou oito horas, mas a viagem levou muito
mais tempo do que o previsto pois, durante o percurso, fomos sobrevoados umas
seis ou sete vezes por esquadrilhas de caça aliados, inclusive por Jambocks. A
cada aproximação dos aviões, os alemães saíam da estrada e duas vezes o
triciclo virou, me atirando para fora, o que provocava dores fortes em minhas
pernas. Por volta do meio-dia, chegamos ao Hospital, que estava ocupado pelos
alemães, mas era uma construção permanente, de aspecto bonito e bastante
grande. Ao atravessarmos o portão, a sentinela foi informada que eu era um oficial
aviador ferido e ele disse que o Comandante do Hospital já havia avisado que
iríamos chegar. Quando chegamos à porta do Hospital, aproximou-se um capitão
médico, se apresentou e mandou que me colocassem em uma maca e me
levassem imediatamente para a sala de emergência.
Este Capitão, Dr. Lubben, falava fluentemente francês e, nesta língua, passamos
a nos comunicar. Ele me informou que o Hospital estava praticamente sem
recursos, o Raio-X não estava funcionando e não dispunha de anestésico, mas
que ele era ortopedista e faria tudo para me ajudar. Ele reduziu as minhas fraturas,
quatro na perna esquerda e duas na perna direita e nos pés, disse que achava
que tinha feito um bom trabalho, e colocou o gesso. Nós levávamos, em um bolso
do macacão, uma caixa de primeiros socorros com vários medicamentos, inclusive
morfina. Por causa do medo de ser assassinado, eu evitei aplicar em mim a
morfina, que aliviaria as minhas dores. Por esse motivo, pude dar morfina ao
Capitão, a fim de que ele pudesse aplicá-la em algum ferido alemão, que estivesse
sofrendo mais do que eu.
Terminado o seu trabalho, o médico mandou que me levassem e fui conduzido
para um quarto particular com uma só cama e uma grande janela, com vista para
a auto-estrada. Depois do jantar, o médico veio para o meu quarto, fechou a porta
e, tirando um mapa de bolso, pediu que eu indicasse no mapa a posição das
tropas russas, pois ele só acreditava nas informações da BBC de Londres e havia
mais de um mês que ele não conseguia ouvir aquela emissora. Tracei no mapa, a
posição das tropas russas e a cidade de Leipzig aparecia como já ocupada pelos
russos. O médico baixou a cabeça, apertou-a com as mãos e tive a impressão de
que estava rezando.Quando levantou a cabeça, vi que seus olhos estavam cheio
de lágrimas, e ele me disse que a sua esposa e um filho pequeno moravam em
Leipzig e quando começou a perceber que a Alemanha estava perdendo a guerra,
passou a rezar, pedindo a Deus que fossem os aliados os primeiros a chegar à
sua cidade.
Todas as noites, o Capitão, um tenente-médico e uma enfermeira, vinham ao meu
quarto e jogávamos bridge. Durante o dia, eu via o movimento na auto-estrada e,
por volta do 5º ou 6º dia, percebi um aumento no movimento de veículos e
imaginei que fosse uma grande retirada dos alemães. No dia seguinte, comecei a
ouvir o barulho da batalha e pude imaginar que a frente de combate estivesse bem
próxima de Reggio Emiglia.
Logo depois do jantar, o Capitão entrou no meu quarto e me informou que ele ia
evacuar o Hospital, que iria deixar ali 12 feridos alemães, que não tinham
condições de serem transportados, e que, por este motivo, eu também ficaria, já
que a Convenção de Genebra mandava deixar o mesmo número de soldados
inimigos, e eu era o único aliado no Hospital. Como, dos que iam ficar, eu era o
único Oficial, ele ia passar a mim o Comando do Hospital e deixaria também um
enfermeiro e uma enfermeira para cuidar de nós. Algum tempo depois, o Capitão
voltou ao meu quarto, acompanhado do tenente e três subalternos, deu voz de
posição de sentido, leu alguma coisa em alemão, que eu suponho ter sido a
passagem de Comando, e me entregou uma pistola.
Terminada a cerimônia, o Capitão dispensou as outras pessoas, fechou a porta e
disse que queria se despedir de mim. Perguntou se eu conhecia o Dr. Mário Jorge,
um ortopedista brasileiro que havia estudado com ele em Munich. Fiquei muito
impressionado, pois eu conhecia pessoalmente o Dr. Mário Jorge, que era Diretor
do Hospital dos Acidentados no Rio de Janeiro e havia tratado de minha mãe,
quando ela sofreu um acidente de automóvel. Na hora da despedida, o Capitão
disse que a vida não tinha mais sentido para ele, pois tinha certeza que nunca
mais veria a sua esposa e seu filho. Eu respondi que ele não devia ser tão
pessimista, que a guerra estava no fim e que os russos não tinham por que fazer
mal aos seus entes queridos, mas se ele estava tão certo desta tragédia que o que
devia fazer era permanecer à testa do Hospital, cuidando dos feridos, e se deixar
fazer prisioneiros pelos aliados. Ele olhou fixo para mim, deu um sorriso e disse:
"Marcos, eu sou um soldado e, como tal, obedeço a ordens". Ele agradeceu, saiu
do quarto e, logo depois, eu ouvi os ruídos das viaturas se afastando. Durante esta
noite, morreram três feridos alemães.
Pouco depois, ouvi um grande barulho nos corredores do Hospital e, de repente, a
porta se abriu, o enfermeiro e a enfermeira alemães entraram no quarto
apavorados, e se meteram embaixo da minha cama. Logo atrás dos dois,
entraram quatro partisans, armados até os dentes, e perguntaram se eu era o
Oficial brasileiro. Informei que sim e que estaria no Comando do Hospital até a
chegada ali da primeira unidade aliada. O chefe dos partisans que, de vez em
quando, dava uns pontapés nos dois enfermeiros, disse que eles iam matar todos
os alemães que estavam no Hospital, pois eles eram uns porcos e não mereciam
continuar vivos.
Fiquei indignado e tentei contornar a situação, inventando que o Comandante do
Hospital havia me dito que, antes de partir, havia enviado um mensageiro ao
encontro dos brasileiros, informando que ele iria deixar no Hospital doze alemães,
dois enfermeiros e um piloto brasileiro. O chefe Partisan voltou a dizer que todos
os alemães eram uns porcos e que eu não podia denunciá-los. Não vendo outra
saída, passei a mão por baixo do meu travesseiro, peguei a pistola, apontei-a para
o chefe e lhe disse que, se alguém ali fosse assassinado, todos nós morreríamos.
Os quatro partisans levaram um susto ao verem que eu estava armado e
apontando a arma para o seu chefe. Trocaram algumas palavras entre si, e o
chefe virou-se para mim e disse: "O senhor não sabe a maldade que existe dentro
de cada alemão mas, como a maioria dos que estão aqui já estão quase mortos,
nós vamos deixá-los viver em sua homenagem". Um dos partisan colocou sobre a
minha cama uma saca com frutas e uma galinha, pronta para ser cozinhada, e os
quatro partiram.
Este foi o momento mais duro da minha experiência, e quando o meu medo foi
maior. Ao longo de todo este dia, vi várias unidades americanas passando na
auto-estrada e, por volta do meio-dia, comecei a ver grupos de soldados alemães,
caminhando em sentido contrário, com as mãos nas cabeças e escoltados por
poucos soldados americanos. Algumas vezes passavam pequenos grupos de
alemães sem escolta, e duas vezes vi, da janela, alguns partisans, escondidos
entre as árvores, metralharem soldados destes grupos e vários soldados caírem.
Durante este dia, morreram seis dos feridos que ainda estavam no Hospital e,
quando a noite já havia chegado, entrou no Hospital um grupamento médico
americano, comandado por um major, que veio imediatamente falar comigo.
Cumprimentamo-nos e eu lhe disse da minha grande alegria em vê-lo. Ele me
disse que sabia da divisão de infantaria brasileira lutando na Itália, mas não sabia
nada sobre o Grupo de Caça e que estava satisfeito em poder me ajudar e que, no
dia seguinte, eu seria levado para o hospital de evacuação americano em
Bolonha. Realmente, no dia seguinte, bem cedo, dois padioleiros americanos me
passaram para uma maca e me levaram para uma ambulância.
Esperamos algum tempo, enquanto foram colocados na mesma ambulância os
três feridos alemães que ainda estavam vivos. Ao longo do percurso que fizemos,
por estradas bastante danificadas, a ambulância fez quatro paradas para
descanso dos feridos e atendimento médico. As paradas eram feitas em pequenos
hospitais de campanha. Nós éramos retirados da ambulância e médicos e
enfermeiros nos atendiam e confortavam. Ao verem no meu dog-tag que eu era
piloto, imediatamente mandavam me servir uma dose de scotch. Em conseqüência
deste fato, quando chegamos ao nosso destino, que era o Hospital de Evacuação
Americano, nos arredores de Bolonha, eu estava me sentindo bastante bêbado, e
tentei disfarçar da melhor maneira possível.
Ao chegar ao Hospital de Bolonha, fui levado imediatamente para a sala de
emergência, aonde o médico pediu que eu relatasse o que havia ocorrido e
imediatamente mandou que tirassem os aparelhos de gesso e me levassem para
o Raio-X. Pouco depois de me levarem de volta para a sala de emergência, o
médico veio falar comigo e disse que estava admirado com a técnica e eficiência
do médico alemão, pois as minhas fraturas estavam perfeitamente reduzidas e
que ele ia engessá-las novamente.
Terminado o trabalho do médico, fui levado para uma grande barraca aonde havia
umas vinte camas, quase todas ocupadas. Logo depois, veio falar comigo um
padre do exército americano, pois no dog-tag estava anotado minha religião. Pela
manhã do dia seguinte, veio me ver o Comandante do Hospital e me condecorou
com a "Purple Heart Medal", o que me deixou muito orgulhoso.
À tarde, o Comandante voltou, com um semblante muito sério, e pediu desculpas,
pois haviam informado a ele que aquela condecoração só era agraciada a feridos
americanos e que, portanto, ele era obrigado a me pedir que eu a devolvesse.
Fiquei neste Hospital dois dias, e depois fui levado para o Hospital de Livorno,
aonde trabalhava uma equipe médica brasileira. Logo após a minha chegada,
recebi a visita muito amiga de um companheiro, com quem voei como ala na
quase totalidade das missões. Ele fez muita festa ao me ver e, depois de me
abraçar, foi para o pé de minha cama e, disfarçadamente, começou a passar a
mão nas minhas pernas.”
Na verdade o Coelho caiu prisioneiro no dia 22 e já estava solto no dia 26 de abril
e, depois de três ou quatro dias no hospital, o Coelho voltou para Pisa. Essa é a
sua história.
(PIL379, PIL382, PIL389)
13. J GOULART
Fomos para o norte da Itália em busca de alvos de oportunidade, porque os
alemães já estavam fazendo uma retirada desordenada pelo norte do Vale do Pó,
então nós soltamos duas bombas num alvo que achamos conveniente. Não me
recordo bem, mas creio que foi uma ponte.
Depois nós baixamos para fazer ataques rasantes: qualquer viatura que
passasse, nós teríamos condições de atacar. Depois de algum tempo, tendo gasto
apenas a metade da munição, o Comandante resolveu voltar porque realmente
não havia alvos que se destacassem e o tempo já estava se esgotando. Quando
nós já estávamos subindo a uns 600 metros, eu vi um canhão sendo rebocado por
seis cavalos brancos. Achei aquilo bonito e pedi permissão ao Comandante para
dar uma baixada a um passo e voltar à formatura, essa era a minha intenção.
Porém quando baixei e estava na distância de tiro, fui atingido pela antiaérea. Os
disparos atingiram também a caixa de munição e os cartuchos começaram a
disparar automaticamente na asa esquerda. Consegui desvirar o avião, já tinha
soltado o canopi, desamarrado o cinto, motor a toda força e com o avião muito
difícil de controlar, porque derrapava muito. O ar entrava com violência dentro da
cabine e eu fui conseguindo ganhar altura ali. Imediatamente o meu ala se pôs
embaixo de mim para me acompanhar e, muito nervoso, ficou falando pelo rádio.
Ouvi o companheiro dizer, lá de longe: " Silêncio, silêncio, deixa o Goulart!".
E fomos voando, nos afastando do fogo que insistia em querer a me acertar.
Consegui ganhar altura e passei o Lago de Garda e, quando estava em cima
desse lago, o companheiro disse para mim: "Olha, é bom você pular porque o fogo
já está passando para a fuselagem, você não vai conseguir agüentar o avião!". Eu
aí me excitei, porque pensei: "Puxa, eu vou cair agora, aqui dentro desse lodaçal,
e vou morrer afogado, não vou conseguir sair daqui".
Ainda consegui voar mais uns dois ou três minutos, já estava em terra firme, aí
fiquei de cócoras no assento, botei uma mão no pára-brisa e dei um chute no
manche. O avião me 'cuspiu' por cima dele, olhei para baixo e vi o P-47 caindo em
parafuso, e só então eu comandei a abertura do pára-quedas, que se abriu, me
deu um tranco violento mas não me feriu, não houve nada mais sério. Eu estava
alto, uns mil e quinhentos pés, e fui baixando.
Na medida em que eu ia descendo, foi aparecendo aquele murmúrio, as pessoas
se aproximando, e me dirigi a um local descampado, um terreno que tinha sido
recém arado, ainda estava 'fofinho'. Pousei e o pára-quedas caiu em cima de mim
e, quando me levantei, dois sargentos ingleses já estavam se aproximando de
mim. Aí o povo todo se aproximou, viu que eu era brasileiro, porque nós tínhamos
um 'Brasil' marcado na manga, e bateram muitas palmas, me saudaram, enfim, foi
uma felicidade.
Recolhi o pára-quedas e, nesse momento, passou o companheiro por cima de
mim, sobrevoando e balançando as asas, então eu acenei com o papo-amarelo
mostrando que estava tudo bem. Depois, fui a um acampamento de ingleses, e
uma condução me levou até Forli. Andei três horas de jipe e fui parar justamente
numa base.
No dia seguinte, um B-25 me levou de volta para Pisa, onde eu estava escalado
para uma missão de tarde que não se realizou, porque felizmente a guerra tinha
terminado. Voei noventa e três missões, fui atingido apenas três vezes, sendo que
na última eu fui abatido.
(PIL386)
13. K IMPACTO
Nós ficávamos esperando os pilotos chegarem após suas missões para então
conduzirmos o interrogatório. Ocorreu de um piloto não voltar...A esquadrilha
voltou com três elementos ao invés de quatro, o que foi um choque para nós, pois
a emoção se transformou em tristeza porque houve um baque de um companheiro
nosso que tinha sido abatido em território inimigo. Nós mais ou menos sabíamos
da situação em que ele estava, que ele se encontrava. O que de fato acontecia era
o seguinte: o piloto caía e a esquadrilha ficava sobrevoando o local em que ele
havia caído, para verificar quais eram as circunstâncias em que ele estava sendo
atendido no chão. Ele podia estar numa área de partisanos, numa área de
alemães que os aprisionariam, ou eles podiam ter se escondido no mato e se
defendido, como houve o caso do piloto Danilo Moura.
(AAP4)
14 O P-47
14. A CARACTERÍSTICAS
Voamos finalmente o P-47 THUNDERBOLT, um avião extraordinário para a
ocasião. A particularidade interessante dessa aeronave é a seguinte: é composta
de 7 mil peças e o peso dela é de 7 toneladas. A fábrica da Republic, do P-47, era
em Farmingdale, e lá produzia-se o avião de hora em hora. Saía um avião a cada
hora para fazer a prova de tiro e já era entregue para combate.
Com relação ao P-47 ocorria o seguinte: falava-se muito na versatilidade, na
maleabilidade do P-51 como se falava do 'Spitfire', eram aviões leves e muito
maleáveis. Só que havia o seguinte, esses caças é que faziam as escoltas, então
eles é que entravam em combate; na questão de combate aéreo a fama era deles.
No entanto dentre os pilotos americanos que tinham o maior número de vitórias
aéreas em combate eram justamente os pilotos de P-47, só que o P-47 era tão
mais eficiente para caça bombardeio que era utilizado de preferência nesse tipo de
missão, de ataque ao solo...Basta um dado para dar uma idéia: O C-47, que é o
DC-3 cargueiro, pesa sete toneladas e pouco. Pois o P-47 Thunderbolt pesa
quase sete toneladas também, de maneira que podemos ver a robustez de um
avião que é um monomotor, mas uma máquina cuja potência equivalia
praticamente aos dois motores do C-47, que eram dois motores de 1250 cada, e o
do P-47 um de 2200 cavalos.
Tinha um motor de 18 cilindros muito potente, dois mil cavalos na decolagem e
dois mil e oitocentos cavalos com injeção de água, que era mais utilizada em
combate. Uma particularidade do avião P-47 é que ele usava água misturada com
gasolina, isso dava para 40 galões, 15 minutos. O piloto quando mergulhava para
soltar a bomba e fugir da bateria antiaérea ligava a injeção de água, um ponto-
morto. Os alemães atiravam e ele subia na vertical. Como podia ser água e
gasolina? Simples: primeiro o piloto empobrecia a mistura para aquecer mais o
motor, a cabeça do êmbolo estando bem quente, e quando entrava o jato de água
e gasolina - a molécula da água é 1 e a da gasolina é de 0,7 - a tendência é de a
molécula da água cair primeiro. Isso refrigerava a cabeça do êmbolo e a queima
era total. Era uma injeção de metanol que você injetava cinco cilindros, e com
aquilo você tinha uma potência aumentada em 15 segundos. Isso em combate
salvou as vidas de muitos pilotos.
Às vezes, na decolagem, se o campo era curto, a gente usava também a injeção
de água, mas além dessa potência de motor ele tinha um super compressor no
último terço, no interior da fuselagem, que comprimia o ar que vinha do
escapamento do motor. Isso acionava uma turbina e comprimia o ar para dentro
do carburador. Evidentemente que essa ventoinha era acoplada na turbina, e isso
permitia que o avião voasse acima de seis mil pés e tivesse uma manobrabilidade
muito grande.
A velocidade de decolagem do P-47 era em torno de 120 milhas, e a velocidade
do pouso já podia ser um pouco menor porque o avião já estava leve, sem
combustível, sem armamento, sem as bombas, foguetes ou munição das
metralhadoras. Com o avião mais leve o comportamento dele é outro,
aerodinamicamente falando.
O rádio dele, entretanto, era um de seus pontos fracos porque embora fosse muito
bom, só tinha quatro canais de VHF. Esses canais só permitiam que o piloto se
comunicasse com outro avião numa mesma freqüência, ou então com a torre e
estações de controle no chão.
O Thunderbolt tinha oito metralhadoras calibre ponto 50 e cada uma comportava
trezentos cartuchos, o que dava uma potência de fogo bastante grande. Essas
metralhadoras eram harmonizadas para concentrarem um tiro a cerca de trezentos
e cinqüenta metros, e havia uma convergência de todas as metralhadoras. No fim
da guerra nós passamos a utilizar também três foguetes de cada lado das asas:
eram três numa asa e três na outra, de calibre 105 mm, transportados dentro de
tubos, o que era um inconveniente porque houve casos em que os tubos arriaram
e isso atrapalhava a pilotagem, mas foi muito raro isso acontecer. Logo em
seguida surgiu os que eles chamavam de 'suporte zero': em vez de ter aquele tubo
era apenas um suporte para prender o foguete.
O P-47 podia transportar no máximo duas mil libras de carga, mas normalmente
na Itália só operávamos com duas bombas de quinhentas libras penduradas nas
asas e um "belly tank" na fuselagem.
Possuía dois tanques, um tanque auxiliar e o principal, com alto vedante e, além
disso, poderia levar tanques externos pendurados nas asas, para vôo de
translado. Durante a missão a gente sempre utilizava um "belly tank" (tanque de
barriga), que era um tanque menor acoplado embaixo da fuselagem do avião.
Esse P-47 ainda tinha uma capota que deslizava para a gente fechar e não era
totalmente transparente. Depois, quando chegamos na Itália passamos a utilizar
os aviões com um 'canopi de bolha' que dava uma ampla visão na rolagem para
decolar e pousar. Normalmente pousávamos e decolávamos com o canopi aberto
para, no caso de uma emergência, podermos abandonar rapidamente a aeronave.
O avião tinha excelente manobrabilidade, seus comandos eram muitos bons, um
'flap' amplo e o trem largo, o que permitia se pousar com facilidade. Acho que isso
já dá uma descrição boa do P-47 Thunderbolt.
(AAP243, PIL373, PIL386, PIL389, PIL371)
14. B SEGURANÇA, ROBUSTEZ E PROPRIEDADE
Durante a Segunda Guerra Mundial cada nação tinha o seu tipo de avião de caça,
e o americano considerava três deles como os melhores da América: o P-47
THUNDERBOLT, o P-38 LIGHTNING e o P-51 MUSTANG.
Quando o pessoal estava fazendo o curso em Orlando eles foram apresentados a
vários pilotos com experiência de combate, e cada um deles contou uma história
sobre a guerra e os aviões utilizados por eles. Um deles se chamava Robert
Johnson, um piloto que tinha 33 vitórias no ar e começou a guerra como Segundo
Tenente. Ele chegou em Washington como Tenente Coronel e o avião que
recebeu mais ênfase por parte dele em sua palestra, foi o P-47. Aí concluindo ele
disse para a gente: "Se vocês quiserem outro avião, eu se fosse vocês escolhia o
P-47".
Então por unanimidade adotamos o P-47 como o avião que nós iríamos
combater... Em Suffolk conhecemos o avião de caça mais robusto que operou na
2a. Grande Guerra - o P-47 Thunderbolt - caça bombardeio que marcou época em
todos os teatros de operações de guerra onde atuou.
O P-47 é um avião extremamente conciliável, forte, de um motor extraordinário.
Só é um pouco pesado, mas ele se torna mais leve acima de 15, 20 mil pés, então
fica mais maleável. Para a execução de tiros no chão, para bombardeios , para
provar instrumentos ele é muito bom. Só para voar baixo que ele é um pouco
pesado, mas eu considero um avião de confiabilidade excepcional.
Não havia outro caça melhor para as missões de bombardeio em mergulho e
ataque a alvos terrestres. O avião salvou muitos pilotos: outros tipos de avião
como o P-40 ou o P-51, quando levavam um tiro e perdiam aquele líquido,
obrigavam o piloto a saltar em cinco minutos. Esses aviões não teriam agüentado;
por esse motivo o P-47 se tornou um avião absolutamente próprio para esse tipo
de caça bombardeio.
Nós tivemos gente que bateu, largou não sei quantos metros de asa para trás e
conseguiu voltar para casa voando. Outros foram atingidos, como eu fui várias
vezes, e numa virada parecia que não havia nada. Acredito que por esse motivo o
meu P-47 era um caça robusto, capaz de receber vários impactos de antiaérea
inimiga. Voltávamos, eram remendados aqueles furos e ele já estava pronto para o
vôo novamente, e o motor era muito bom, com 18 cilindros, um espetáculo. O P-47
era praticamente imbatível contra os aviões inimigos que usavam o mesmo tipo de
motor.
Houve um caso de um companheiro nosso que, naquele afã de atingir o
caminhão que estava próximo a uma olaria, bateu com a asa na recuperação em
uma chaminé, que por ser super resistente arrancou mais de um metro de asa
dele. Apesar disso ele recuperou o avião, que quase caiu, e retornou até a Base e
pousou. Esse é um exemplo da 'robustez' do avião.
Tivemos outros casos também de um avião que, numa decolagem, bateu num
poste de trem elétrico que ficava logo na cabeceira da pista. Ele, com todo aquele
peso de bomba, foguete, metralhadora, bateu e largou a bomba do lado que
bateu, retornou e pousou. A asa ficou intacta, mas o poste entrou até a longarina,
que é um verdadeiro 'trilho de estrada de ferro', e agüentou tudo. Do contrário o
piloto teria caído numa situação desfavorável, porque decolando cheio de
explosivos, com bombas, foguetes e o resto, seria provável que aquilo tudo
explodisse também.
Em dada missão, o avião ficou bastante danificado: furou o pneu, estourou o
oxigênio, acabou com o sistema hidráulico e ele perdia a sustentação com muita
velocidade, mas voava, então voltamos. Eu estava razoavelmente preocupado
porque a pista era de concreto, e havia sempre um prolongamento de chapas de
aço, e eu não sabia o que ia acontecer com o pneu furado. Não tinha o 'flap' para
descer, só pela força da gravidade, baixei o trem e vim, pensando: "seja o que
Deus quiser". Mas o avião era espetacular e agüentou; não consegui mantê-lo na
pista, ele ficou saindo e entrou pela grama, mas não quebrou, não deu cavalo de
pau, agüentou até o fim.
Eu gostava dele, era um avião onde a gente se sentia seguro lá dentro. Ele fazia
exatamente aquilo o que a gente queria. No bombardeio ele era muito bom para
atirar em objetivos terrestres. As oito metralhadoras eram um arraso porque eram
de uma potência tremenda de fogo. Por exemplo, você atirava em um caminhão e
queria uma rajada pequena. Você explodia o tanque, o motor do caminhão e
aquele 'troço' ficava pegando fogo.
Em determinada missão, da qual existem cenas boas tiradas pela câmera do meu
avião, fomos "atacar" um depósito de munições camuflado, e ao fazer o meu
ataque, a explosão foi tão forte que não consegui evitar que o meu avião passasse
por dentro dela. Foi a missão em que o meu avião voltou mais danificado e tive
que pousar seguindo as instruções pelo rádio dadas pelo Capitão, pois o meu
pára-brisa estava coberto de óleo e eu não tinha qualquer visibilidade.
Chegamos à conclusão de que realmente ele não era só um avião de caça, era o
melhor do mundo, porque o que esse avião fez em termos de trazer pilotos para
casa de volta depois de atingidos, somente ele poderia fazer. O avião P-47 era
realmente um tanque voador, um avião robusto, O P-47 para mim foi o melhor
avião de caça do mundo e como tal ele foi fantástico, não houve caça
bombardeiro alemão que se comparasse ao P-47 THUNDERBOLT.
(PIL 373, PIL379, PIL382, PIL386, PIL389, PIL403)
14. C RELAÇÃO PESSOAL
Com ele pousei sem rodas em duas ocasiões, por culpa dos artilheiros alemães.
Aterrei de barriga - belly landing - como denominávamos esse tipo de aterragem.
De outra feita, levou chumbo no canopi (bolha de plástico que protege piloto de
caça), obrigando-me a ejetá-lo. Voltou para Pisa morto de frio. Em seguida, em
Sermide, recebeu um direto de 20 mm o profundor esquerdo que quase o fez cair.
Veio torto para a Base, pousando inicialmente em uma roda só. No Passo de
Brenner perdeu o belly tank (tanque externo auxiliar) com uma sobra de .88 Voltou
na conta da gasolina. Além de beber muito, com o motor funcionando
normalmente, foi ajudado pela sucção que sifonava a gasolina dos tanques
internos. Cheguei quase em "pane seca" em Pisa. A pequena cidade de Sassuolo,
em uma recuperação baixa, ao destruir um tanque alemão, destruiu um poste e
"fez a barba" na copa de uma árvore, levando souvenirs para Pisa. Outras vezes
era atingido por tiros de metralhadora e nada me dizia. Somente no regresso é
que eu via o estrago. Era birrento e valente o D-4 de nossa equipe! Nós o
adorávamos.
Certa vez, num rasgo de pouca inteligência resolvi que iria pousar com uma
bomba presa, até hoje não sei se foi amor ao avião que já me havia trazido tantas
vezes de volta incólume, mas eu vim e pousei. A bomba ficou quase raspando no
chão, uns 30 centímetros do solo, e eu taxiei. Quando eu cheguei no
estacionamento foi um pavor, todo mundo fugindo porque viram o avião com a
espoleta ativa e a bomba pendurada. Logo em seguida veio o pessoal e desarmou
a bomba, ficando tudo seguro novamente, mas hoje, em sã consciência, eu
reconheço que ninguém deve fazer uma coisa dessas.
Estava por casualidade o General Comandante da 22ª Força Aerotática, que
mandou me chamar e disse: "Foi o senhor o piloto que pousou com aquela bomba
pendurada na asa ?". Eu disse: "Foi, sim senhor". Ele então complementou: "Em
primeiro lugar os meus cumprimentos pela sua coragem. Em segundo lugar (de
dedo em riste), nunca mais faça uma coisa dessas, porque aviões iguais a esse
que o senhor salvou nós fazemos trinta por dia, e um piloto experiente de guerra
demora três anos para estar pronto. Então nunca mais repita uma coisa dessas!".
E ele tinha toda a razão, foi um rasgo de pouca inteligência, como eu mesmo
classifico. Hoje eu acho graça.
Além do mais nós próprios talvez não nos déssemos conta de quanto nos
sentíamos à vontade nos nosso aviões, de como tínhamos a garça na mão.
Um dos sargentos mecânicos conta:
“Em Pisa, certa vez, manifestei a vontade e um grande sonho, que seria o de voar
no meu avião A-3, ao Tenente. Ele, muito calmamente conversou comigo e disse:
"Olha, voar até que seria possível", e explicou-me como, porém havia um grande
risco. "Se nos pegarem, serei punido e possivelmente proibido de continuar
voando". Sensibilizado pela atenção dada e pela consideração, agradeci ao
Tenente e desisti de realizar aquele meu grande sonho-fantasia.”
(AAP276, PIL373, PIL389, PIL371)
15 O LÍDER
15. A PAPEL
Entre os voluntários do Grupo para comandar a Unidade os mais votados foram o
Major Nero Moura e o Major José Vicente Faria Lima Neto. Na disputa entre os
dois o José Vicente chegou a dizer para o Ministro Salgado Filho o seguinte:
"Olha, eu tenho as mesmas qualidades do Nero e gostaria de ir porque eu sou
mais antigo". Aí o Nero rebateu dizendo: "Mas ele é Engenheiro. Vamos manter
esse homem aqui no Brasil. Eu tenho muito mais capacidade, muito mais chance
de ir para a guerra, e se eu morrer, morre um piloto. Se ele morrer, morre um
Engenheiro, além de piloto; é melhor ele ficar". O Ministro aceitou a argumentação
do então Major Nero, e foi assim que ele foi para lá.
O Brigadeiro Nero Moura era a viga mestra do Primeiro Grupo de Aviação de
Caça. Eu considero demais o Brigadeiro Nero. Tenho grande experiência de
comando, convivi com grandes mestres, mas nunca ninguém se comparou ao
Nero Moura.
O nosso Comandante Nero Moura conseguiu uma coisa impar, talvez na história
da humanidade: ele conseguiu o que o 'homem' mais deseja no mundo, que é a
unidade. Conseguiu juntar aqueles 450 homens num só, e nós sofríamos, nos
divertíamos, vivíamos conjuntamente, essa é que é a verdade. O Nero Moura era
o símbolo do Grupo de caça.
(AAP81, AAP160, PIL389)
15. B COMANDANTE
O Brigadeiro Nero Moura foi nosso Comandante durante todo o período, desde a
fundação do Grupo, treinamento e combate. Foi designado como Comandante do
Grupo ainda como Major Aviador e promovido a Tenente-Coronel durante a época
de treinamento no Panamá. Ele foi até o fim, até a chegada no Brasil, como
Tenente-Coronel, voluntário como todos.
Se considerarmos que ele era um Major Aviador; naquela época -1944 - ele
estava com 34 anos de idade, e sem nenhuma experiência anterior. Aliás, ele teve
uma experiência: participou da Revolução de 32, o que não foi nada comparado
com uma guerra mundial, mas se portou condignamente durante todo o tempo.
O então Tenente Coronel Nero Moura era um homem singular, um homem que
sabia lidar com os seus comandados, um bravo no combate, que tratava os seus
homens com dignidade. Daí vinha o respeito que todos nós tínhamos - e ainda
temos - por ele, por sua memória.
O ambiente do Grupo foi um ambiente profissional, de respeito e disciplina
durante todo o tempo. A seguir, alguns exemplos do seu estilo de Comando:
19 de abril de 1944, Base de Aguadulce, Panamá 13:00 horas, aquele sol
violento, 43 graus mais ou menos, saindo do após almoço (cardápio: carne de
cavalo), vi então um jipe muito lindo, debaixo de um arvoredo que fazia enorme
sombra. Ora, não tive dúvida: vou descansar por aqui mesmo. Mas, sem perceber
coisa alguma, ou de quem seria aquele Jipe, também equipado com geladeira
portátil, sentei-me à frente e bebi uns três copos d’água mas, quando os caras iam
passando e pediam-me água, eu dava. Resultado: a água acabou e passei a tirar
um cochilo.
Quinze minutos depois, duas pessoas sentaram-se no banco traseiro e foram logo
dando ordens: "Toca para a ordely room", e nem olhe pra trás. Dei partida,
engrenei a 1ª e, uns 30 metros depois, o Coronel Nero gritou: "passa a marcha,
rapaz". E, quando tentei, o cambio estourou, foi aquele barulho infernal. Aí, o
Coronel Americano, Gabriel Disosway, disse: "God dame it, fuck Brazilian drive".
Depois que aprendi um pouco de inglês é que fiquei sabendo do que é que ele
xingou.
Aí o Comandante Nero disse: "Vá à garagem e manda trazer aqui outro Jipe, mas
sem você junto, e se apresente na Casa das Ordens às 15:00. Entendeu bem?"
"Sim, senhor”, respondi. 4:00 horas da tarde - "Orderly room". Apresentação:
"Pronto, Comandante, aqui estou" "Ah! É você quem transformou em albergue, e
posteriormente em sucata, aquele Jipe? E o que foi feito da água que estava na
geladeira?"
Respondi afirmativamente: "Bebi dois copos e o restante fui dando a quem
passava, pois eles pediam-me; aí o líquido acabou! Eu sou aquariano e minha
saudosa vó, que era astróloga autodidata e nunca errava suas previsões, sempre
me avisava: "Aquariano jamais poderá negar água a ninguém; caso contrário,
receberá a Lei do Retorno". "Sua avó é biruta e mentirosa, que besteira!"
Mas, em seguida, o Coronel Nero Moura olhou-me bem e, de repente, disse:
"Olha, seu malandrinho, desta vez você está dispensado, mas não tem nada a ver
com essa invenção de sua avó mineira. Suma daqui". No dia seguinte, encontrei-
me com o bom Tenente, que chegou perto de mim, dando a maior gargalhada,
dizendo! "Sua sorte é que meu irmão também é de aquário e deve ter ficado meio
assustado".
Barraca do Comandante Nero: 30/10/1944 - 05:30 hs da manhã, Justiça e Discip
l
O Coronel Nero Moura já estava fazendo seu preparo físico, quando chegamos e
o Capitão disse: "Punição, Comandante, punição para eles". O Coronel Nero
perguntou: "Qual é a alteração?" e ele disse: “Responda o mais antigo de vocês."
S..., 21 anos; C..., 20 anos; A..., 19 anos; S..., 18 anos.
Então S..., que mal falava Português, começou a se expressar: " Nasci em Santa
Catarina, pouco falo Português, sotaque todo alemão. Somos muito religiosos;
fomos à Missa do Galo para nós ganharmos a guerra e o Comandante não morrer
em combate; foi só isso!"
O Comandante deu um sorriso e disse: "Estou escalado para sair com a 1ª
missão. À tarde vamos resolver isso". O Soldado S...,então, acrescentou: "Deus
proteja a sua missão, o senhor vai voltar logo, por isso nós fomos à Missa do Galo
".
O Comandante balançou a cabeça e disse: "Seu mentiroso, Missa do Galo em
outubro?" S...: "Na minha terra tem três Missas do Galo por ano". Resultado: não
sabemos o que aconteceu; não se falou mais na punição, nem na Missa do Galo.
Seu nome de Guerra era S. Conhecia o regulamento de trás para frente, e tornou-
se um verdadeiro "Caxias" para todo subalterno. Creio que talvez necessitasse
esconder-se por trás de uma máscara de dureza. Na Itália, foi o encarregado da
disciplina da tropa.
Durão como era, não tinha muitos amigos e era, de certa forma, detestado pela
tropa, que nada podia fazer. O Coronel Nero Moura tinha pleno conhecimento
desse fato e, portanto, na história que segue, dava vazão para os praças, nos
jogos de futebol:
Nas horas de folga, o nosso Comandante estimulava a disputa de partidas de
futebol. Ele não jogava, mas escalava o S. para uma das equipes e ficava ao lado
do campo, gritando: "Passa a bola para o S.", em seguida, gritava para os
jogadores da equipe contrária: "Dá um duro nele". Quando o S. queria dar uma
chave de galão, o Comandante gritava: "Não reclama, não, isso é um jogo para
homem!". E a turma aproveitar para tirar a forra.
De vez em quando, no Clube Senta a Pua, tomávamos umas e outras, e
engrenávamos uma embolada. O Coronel Nero, com sua sabedoria, deixava o
bloco cantando, tirando da roda os coronéis e majores, para evitar "grossuras".
Não intransigia com a disciplina de vôo. Às vezes ele até fazia vista grossa, mas
em questão de doutrina de emprego militar ele não abria mão, era muito rigoroso.
Quando recebemos os P-47 na Itália, um dia antes os americanos já tinham
recebido os P-47 deles e fizeram um show de acrobacias, 'pintaram e bordaram'
em cima da Base. E nós, que sabíamos fazer tudo isso, esperamos o dia seguinte
para fazer o nosso show também. O Coronel Nero, com sua sabedoria e
experiência, disse que não queria show e que quem o fizesse seria preso e
perderia a diária de vôo por três meses. Ele disse que não estávamos lá para dar
show e sim para guerrear. Aí alguém retrucou: " Ah, mas os caras fizeram", e ele
se manteve firme: " Não quero saber disso. O que eu quero é saber o que vamos
fazer e nós temos muito o que fazer contra os alemães".
Nero Moura voltou conosco e, ao chegarmos ao Rio de Janeiro ele se apresentou
ao Getúlio, na época, Presidente do Brasil, com três palavras que representam
uma eternidade. Ele disse:
"Presidente, missão cumprida".
Naquilo ele procurou traduzir tudo o que desempenhou durante aquele tempo.
E graças a isso, à pessoa dele, o Coronel Nero Moura hoje é o Patrono da
Aviação de Caça da FAB, por todas as suas qualidades profissionais e morais,
pelo seu comportamento em paz e na guerra. Foi um homem excepcional.
Para mim é o máximo que poderia acontecer ele ter sido escolhido e considerado
o patrono da Caça da Força Aérea Brasileira. Era assim o respeitadíssimo
Comandante Nero Mora. Incomparável!
(AAP94, PIL373, PIL379, PIL389, PIL459)
15. C PILOTO
Aqui no Brasil o Brigadeiro Nero já era um dos melhores pilotos, inclusive com
curso na França. Foi escolhido para ser o piloto do Presidente da República, na
época o Doutor Getúlio Vargas e nunca, jamais em vôo nenhum, houve uma
situação onde ele pusesse em risco a vida do Presidente.
Quando surgiu a guerra ele apresentou-se voluntário e talvez o Getúlio Vargas
nem quisesse que ele fosse, e por isso o Nero praticamente exigiu que queria ir
para a guerra. Como era um oficial muito competente e bem relacionado, o
Ministro da Aeronáutica na época, Salgado Filho, o escolheu por todos os seus
atributos, bem como por seu conhecimento e trato com os subordinados.
Quando o Nero Moura chegou na guerra, tinha a imagem do piloto que voava por
instrumentos, que voava com o Presidente, pessoa culta que tinha até tirado um
curso na França, passado um ano lá. O Nero falava muito bem o francês e voou
todos os aviões de combate franceses.
Como piloto não ficou 'empoleirado' no posto de Comandante e tomou parte ativa
nas missões. Ele era igual a todos nós: nem melhor nem pior. Ninguém se
considerava um "ás", éramos todos iguais e todos combatentes com uma
finalidade única, que era a vitória, haja vista que ele realizou 62 missões de
guerra, se expondo como qualquer outro piloto do Primeiro Grupo de Caça.
Nos levou, como líder de terra e de vôo, às missões de guerra das mais
perigosas, porque as que nós vivemos e tivemos muita dificuldade ele também
viveu conosco, lado a lado, e sempre saiu-se muito bem.
Tinha a grande vantagem de nos levar ao alvo certinho. Na verdade até aí todos
levavam, mas tinha aquele alvo do sujeito chegar bem em cima, e no momento em
que ele identificava o alvo no chão iniciava-se o mergulho para o bombardeio. Era
metade do êxito de se acertar a bomba, porque a bomba era toda subjetiva, não
se tinha bombardeador, não tinha eletrônica, não tinha nada. Era o olho, a mão e o
comando de largar a bomba, e isso só um líder bom é que conseguia fazer muito
bem.
E felizmente ele também era um sujeito de sorte; como dizem hoje, ele era
'quente'. Nero Moura fez algumas missões junto com os outros, em lugares que
era difícil você mergulhar e não trazer nenhuma lembrança do 'flak' alemão. O
Nero tinha uma sorte tremenda: quando ele passava nos lugares mais defendidos
pela antiaérea, passava sempre incólume, não levava tiro. Parecia que ele nem
tomava conhecimento dos tiros, tinha uma sorte muito grande.
Cada vez que ele ia com a 'turma' e mergulhava no objetivo superprotegido pela
antiaérea alemã, por incrível que pareça, o alemão parecia dizer: " Não atirem que
é o Nero ... o Nero está ai ! É o Nero Moura que está passando, não atira que ele
é daqueles, é de casa". Ninguém sacava a pistola para atirar quando o Nero
tomava parte na operação, prova disso é que ele nunca trouxe o avião riscado por
um estilhaço sequer da artilharia alemã.
Lembro-me de uma vez quando estávamos passando em cima de Casarsa, uma
ponte que derrubou vários pilotos brasileiros, e o P. disse: " Olhe, o senhor está
passando muito baixo, aqui é Casarsa!", e ele disse: " Tu estás assustado feito um
coelho", e continuou passando e os alemães não deram nenhum tiro.
(AAP160, PIL373, PIL389)
15. D O LÍDER
Era um homem equilibrado, de muito caráter profissional e um bom piloto. Nero
somente conhecia alguns homens chaves que levou no início para os Estados
Unidos, os outros todos eram pessoas muito mais novas do que ele e que foram
escolhidos mais pelos próprios comandantes de esquadrilha. Mesmo assim, Nero
Moura soube comandar todos com muita disciplina, compreensão e exemplo.
Eu sempre tive todo o respeito e admiração porque convivi com ele mais de perto.
Ele sempre foi daquelas pessoas que sabem das coisas, dos detalhes, e
conseguem visualizar a vida íntima de uma outra pessoa e todos esses aspectos.
Fora isso, ele tinha um carisma muito grande como líder, mas sem ser um líder
bombástico, de dar ordens de valentia; ele era o mais simples possível, dizia as
coisas com uma simplicidade muito grande.
Em todos esses anos foi um homem ímpar, um líder nato, homem que sem
nenhum grito, sem nenhuma chantagem sempre soube conduzir todos no seu
mais alto respeito.
Houve um fato na Itália que é capaz de ilustrar tudo isso: Certa vez o Comandante
Nero nos reuniu em Pisa para fazer um comentário de uns quatro ou cinco, que
haviam escrito cartas nas quais haviam referências que não eram boas a ele,
essas coisas que os moços fazem sem pensar. O Nero fez uma reunião com seus
oficiais e disse o seguinte:
"Olha, eu estou recebendo trechos de cartas de vocês censurados no Brasil, que
falam mal de mim. Eu já disse aos 'sem-vergonhas' do Gabinete do Ministro que
não censurassem as cartas de vocês. Eles fizeram mais do que isso, mandaram
de volta as cartas fotografadas, tiraram fotocópia delas. Já protestei
veementemente contra esse tipo de censura que eles fazem, não aceito, não
admito e estou avisando a vocês para que saibam que, apesar de tudo, essas
coisas podem acontecer. Essas cartas me atingem num ponto que é muito
importante para mim, mas que eu - conhecendo os senhores, conhecendo os
homens que eu comando - vou esquecer e recomendar a vocês que pensem, mas
não escrevam. Podem até pensar alto, desde que eu não ouça. E fiquem certos
que isso não vai modificar o meu pensamento a respeito de vocês. O que recebi
está aqui na minha mão e nesse momento vou rasgar, tocar fogo nisso e dar por
encerrado".
Dito isso ele puxou um isqueiro, botou fogo nas cartas e disse que estava
encerrado o assunto. Nós continuamos respeitosos com ele e o admirando muito
mais, e aqueles que escreveram, como eu havia escrito, ficamos todos com 'cara
de bobo'. É uma atitude que muito pouca gente tomaria naquela situação.
Na Ofensiva da Primavera, Nero fez uma reunião com os seus pilotos e eu tive a
honra, a sorte de fazer parte. Ele não precisou pedir, só o olhar de cada um dos
seus companheiros já... porque ele começou dizendo o seguinte "tá essa situação,
assim, agora eu quero dizer o seguinte, eu fico pra dar o exemplo". Ele olhou
assim e todos tinham acenado.
Ele foi leal ao Presidente Vargas quando este foi deposto em 1945, pedindo
passagem para a reserva. Ele não tinha que fazer isso, ele fez por lealdade ao
Presidente. Entre nós tivemos uma porção de casos em que ele demonstrou sua
grandeza, seu bom caráter e a sua bondade.
Acho que isso diz tudo, quem foi esse homem, Nero Moura.
(PIL379, PIL389, PIL393)
15. E PESSOA
O Brigadeiro Nero Moura foi um grande Comandante e um grande amigo, tinha
qualidades fantásticas. Era um homem que resolvia tudo com a maior facilidade,
com clareza, com simplicidade.
Ele foi amigo pessoal do Presidente Getúlio Vargas, seu piloto direto, e convivia
com ele. No entanto, durante todo o tempo em que estivemos juntos, jamais tocou
com qualquer um de nós em assuntos políticos. Na Itália, houve várias tentativas
de entrevistas e ele se negou a fazê-las.
Quando ele foi nomeado, a maioria dos Tenentes e dos Capitães não conhecia
pessoalmente o Brigadeiro Nero Moura. Todos estavam 'tateando' a figura dele
porque ele estava vindo de um gabinete, no qual era homem de confiança do
Presidente Vargas, piloto do Presidente, um homem da maior confiança do
Salgado Filho. Mas nós não conhecíamos nada dele, não sabíamos se ele era um
bom comandante ou não. Em poucos dias ele começou a conviver conosco, foi
aberta uma roda de chimarrão, feito um campeonato de voleibol, e ele passou a
disputar conosco como se fosse um de nós, e isso criou um ambiente de simpatia
muito grande por ele. Ele adquiriu respeito de nós porque isso ninguém compra,
se adquire, e o respeito é imposto pela própria pessoa que se faz respeitar.
Não era de grandes feitos heróicos, de grandes derramações, nada disso; a gente
chegava com um problema, ele conversava com a gente e a gente ia embora com
o problema resolvido.
Para mim foi a maior figura do Grupo de Caça, não por ser o 'Comandante', mas
sim porque ele, como piloto, era enérgico e bondoso. O 'não' dele era quase o
início de um 'sim', tamanha a grandeza do seu coração.
O Brigadeiro Nero Moura era realmente um homem com um grande coração, e na
minha opinião chegou até a pecar involuntariamente. Por achar que poderia dar a
idéia que estava protegendo o pessoal do Grupo de Caça e nos prejudicar na
Itália, não se manifestou quanto à parte das promoções porque ele não queria
promover a gente lá na Itália com receio de que aqui no Brasil iriam dizer: " Olha,
ele está protegendo o pessoal". Com isso involuntariamente ele prejudicou alguns
de nós, mas quando voltamos ao Brasil ele procurou de toda a maneira ressarcir-
se desse, vamos dizer, 'prejuízo' que ele sem querer causou.
Mais tarde quando estava no Rio de Janeiro como Ministro da Aeronáutica, Nero
Moura procurou o mais rápido possível fechar aquelas 'cicatrizes' que alguns ainda
sentiam, aquela mágoa por causa das promoções. Ele procurou de todas as
maneiras satisfazer a todos, tomando várias providências: promovendo,
arranjando emprego e assim por diante.
Gostaria de assinalar aqui e chamar a atenção para o espírito fraternal do nosso
Comandante, Nero Moura. Certa madrugada, quando estava de guarda, o frio era
intenso, além da tensão costumeira, estava ansioso para terminar a minha hora no
posto, para me recolher. De repente, quem me aparece no meio da escuridão?
Era o nosso Comandante, a pé, e sozinho, que veio procurar um enfermeiro para
socorrer um dos nossos pilotos, que passava mal com problemas digestivos.
Poderia ter escalado seu ajudante de ordens ou outro elemento para a missão,
mas não. Preferiu não incomodar ninguém, veio sozinho desde o acantonamento
dos Oficiais, que estavam alojados no antigo Hotel Netuno, no outro lado do rio
Arno, a um quilômetro de distância. Era assim o nosso Comandante, solidário e
amigo de todos do Grupo.
Até há pouco tempo, quando fazíamos reuniões na casa dele, a gente conversava
sobre coisas que estavam me atrapalhando a vida. Mais que um superior, mais
que um Comandante, era um pai, que quando me via, chamava: "Meu filho",
depois me abraçava e perguntava: "Como é que vai? Como é que vai a sua
esposa?"
Então ele era assim, ele era um amigo e não apenas comigo, mas com todos os
oficiais até o último taifeiro; para ele não havia distinção.
Eu acho que ele foi um grande homem e sem dúvida nenhuma o Grupo de Caça
foi muito feliz em tê-lo como seu Comandante. É assim que me lembro sempre do
Brigadeiro Nero. Esse é o Brigadeiro Nero para mim. Não quero falar mais que eu
fico até emocionado.
Esse foi o perfil do nosso Comandante que realizou 62 missões de guerra, foi um
homem que realmente marcou sua posição e foi de muita justiça a FAB, muitos
anos depois, eternizá-lo como Patrono da Aviação de Caça do Brasil.
(AAP99, AAP160, PIL367, PIL379, PIL389)
16 RELACIONAMENTO NO GRUPO
16. A IDENTIFICAÇÃO APOIO X PILOTOS
Nós de terra, que não tínhamos o privilégio de enfrentar o inimigo cara a cara, nos
sentíamos recompensados e orgulhosos de poder preparar seus aviões para
esses vôos ofensivos. Daí a grande amizade nascida entre o povo da manutenção
e serviços e os Jambocks que pilotavam os Thunderbolts. Amizade feita na luta
não acaba nunca.
Eu era mecânico de armamento do avião A-4. O piloto foi o recordista de missões,
e as minhas metralhadoras foram recordistas em números de tiros!
Toda vez que me sobrava tempo, corria aos campos de aviação, entrava nos
hangares, extasiando-me com os aeroplanos, essas máquinas maravilhosas,
concebida pela inteligência do homem, feito à imagem e semelhança do Criador.
Por coincidência, cheguei ao Grupo dia 10 de dezembro de 1944, data do meu
jubileu de reservista e dia de N.S.ª de Loreto, Padroeira da Aviação. Muita
coincidência, não acha? Até dá para desconfiar...
Dir-se-ia que um pedaço nosso acompanha os aviões em vôo. Os homens do solo
são como cegos, que encadernam livros, mas não podem lê-los; e o piloto é a
criatura feliz que manuseia os volumes em volta, sentam os cegos para escutá-lo.
Sim, era a dor que mais nos comovia. Cegos porque não víamos e surdos porque
não ouvíamos.
(AAP44, AAP140, AAP268, AAP320)
16. B APREENSÃO NAS SAÍDAS E RETORNOS
A hora da saída para as missões era a 'hora mais comprida' que poderia existir.
Não me lembro bem da autonomia de vôo dos P-47, mas garanto que é superior a
duas horas. Seriam as horas mais compridas da vida da gente.
Roncam os motores, rolam devagar, iniciam a decolagem: um, mais outro... uma
esquadrilha, duas, três... a cena se repete dia em fora, deixando angústia
indefinível no mecânico, no servente, em todo pessoal de terra.
Nosso procedimento era o seguinte: decolavam os aviões - saíam quatro por vez -
e ficávamos na torcida dessa saída porque podia dar pane, podia haver um fator
qualquer. Às vezes ao invés de sair quatro só saíam três, e ficávamos naquela
apreensão.
Durante as decolagens dos aviões, grandes eram nossas apreensões e
responsabilidades. Depois, a angústia da espera. Vaga ansiedade persiste no ar,
enquanto os aviões estão fora. Todos, sem exceção, ficávamos na torcida para,
quando voltassem da missão, enxergarmos a esquadrilha.
A cada instante, consultávamos nossos relógios. Alguns, inquietos, consumiam
cigarros, nervosamente. Estão demorando, que terá acontecido? Já deviam ter
voltado. Olhava-se para o céu e procurava-se descobrir entre nuvens, a silhueta
de um avião. Perscruta-se o espaço, buscando ouvir um roçar de motor. Nós
ficávamos apreensivos, esperando a chegada, e quando eles começavam a
regressar a gente já ficava 'caçando' no horizonte para ver se foi tudo bem, se
regressaram todos.
Fosse qual fosse a esquadrilha que saísse, os que ficavam no chão,
disfarçadamente, iam para o campo aguardar a volta. Na entrada do tráfego,
contávamos os aviões...se não houve falta, voltávamos imediatamente para o
Clube Senta a Pua, não permitindo que os companheiros que regressavam
soubessem a causa de nossa presença na Sala de Operações. Preferíamos estar
sempre cumprindo uma missão a ficar no chão, pois assim só tínhamos que tomar
conta daqueles poucos que estavam voando conosco.
A angústia da espera que os nossos aviões voltassem levava cerca de 3 ou 4
horas, e quando todos os aviões voltavam salvos, embora muitas vezes avariados,
a alegria borbulhava de nossos corações e de nossas almas. Não importava o
tamanho da avaria, o prazer de ter nosso piloto de volta era o maior do mundo.
Tínhamos também nossas tristezas. De repente, alguém aponta: "Lá vêm eles". Aí
começa a contagem: um, dois, três, está faltando um, e quando contávamos 'um,
dois, três' e não víamos o quarto avião apelávamos para as nuvens: " Deve estar
escondido, mas ele virá ...", só que não vinha.
Quando as esquadrilhas regressavam faltando alguém, era motivo de grande
apreensão para a rapaziada de terra. Se estava faltando um pensávamos: "Será
que aconteceu alguma coisa?". Aí era expectativa: " Quem ficou?"...Se viessem
três queríamos na mesma hora saber quem ficou.
Muitas vezes, aquele que faltou jamais regressaria. Era uma tristeza para todos.
Alguns voltaram depois da guerra, outros não.
Se um piloto faltava, nós éramos tomados de tal ansiedade que até poderíamos
ser 'degolados' pela hélice do avião querendo saber se ele pulou de pára-quedas
ou se ele foi abatido. A gente queria mesmo era saber o que aconteceu com
aquele outro irmão nosso que ficou do outro lado. Era profundo o sentimento
quando víamos uma esquadrilha regressar incompleta.
Quando não regressavam, quando acontecia de perdermos um avião no outro
lado da linha, a choradeira era grande, pois prezávamos nossos pilotos como se
irmãos fossem. Era uma imensa tristeza para nós, era uma parte de nós que
ficava lá do outro lado, no campo do inimigo, um irmão nosso que não havia
retornado.
E numa delas aconteceu...e quando o assistente do mecânico via que o avião não
regressou chorava feito criança: para você ver a esperança que tinham os
mecânicos no regresso do seu piloto e do seu avião.
Como mecânico, eu falava diariamente com o Tenente, antes das partidas para as
missões de combate. Quase no fim da guerra, respeitando a mesma rotina de
checagem de avião, me despedi do Tenente, que estava saindo para mais uma
missão. Ele não retornou. Seu avião foi abatido pelos alemães. "Meu tenente não
voltou"...
Compartilhávamos em silêncio... E às vezes não era tão em silêncio assim. Não
fui só eu a ver comoventes lágrimas e soluções de calejados homens afeitos à
dureza da vida militar, quando algum de nossos companheiros ficava do lado de
lá.
Foi realmente uma dura prova cumprida com bravura. A torcida do nosso pessoal,
até com orações, para que nossos pilotos não fossem abatidos e a alegria quando
voltavam ilesos, bem que dariam um outro livro.
(AAP81, AAP140, AAP152, AAP160, AAP181, AAP243, AAP268, AAP281,
AAP311, AAP342, PIL389, PIL371)
16. C INFLUÊNCIA DA HIERARQUIA
Uma das características pronunciadas do pessoal do Grupo de Caça foi a coesão
que se formou, graças ao estilo do Comando, à qualidade do pessoal selecionado,
ao entusiasmo pela missão a cumprir e à briosa dedicação do pessoal de terra.
Esta coesão se fazia sentir na horizontal e, também, na vertical, neste caso sem
qualquer desgaste para a hierarquia, pois o respeito não era apenas formal mas,
com as raízes mais profundas de um respeito mútuo de fato.
Um dos fatores que, a meu ver, contribuiu muito para esse perfeito entendimento
entre os Oficiais e os Sargentos e Praças foi aquele que, imprevisivelmente,
contribuiu para esse resultado embora se tratasse originalmente de uma tarefa
quase que burocrática: Foi a questão da censura interna da correspondência
particular expedida.
A censura da correspondência existia e deveria ser observada. A correspondência
dos Sargentos era feita por nós. Como a missão era ingrata, quem efetuava a
distribuição da tarefa diária à tenentada era o Capelão do Grupo.
Não havia comentários entre nós sobre o conteúdo dessa correspondência, mas o
seu efeito não tardou a se fazer sentir em cada um de nós. Difícil avaliar até que
grau isso afetava a cada um, mas, julgando por mim, presumo que o mesmo
acontecesse com todos. Uma coisa era apenas conhecer um sargento
competente, dono dos segredos das nossas máquinas ou das nossas armas ou,
ainda, dos nossos rádios e câmeras de filmagem. Outra coisa era conhecer esse
mesmo homem na intimidade do extravasamento de suas saudades pelos seres
queridos que deixara naquele longínquo Brasil. Uma coisa é ver a mão calejada na
hora da continência ou da ferramenta. Outra coisa é auscultar o coração nos
momentos de desabafo das emoções íntimas.
Depois de algum tempo, quando embarcávamos nos nossos P-47 para as
missões, já não nos atendiam mais então apenas aqueles sargentos e cabos que
já conhecíamos, mas, também, gente como nós, com as mesmas alegrias,
sofrimentos, esperanças e angústias, que compartilhávamos em silêncio:
“Para você ter uma idéia da consideração que o Capitão tinha comigo, fui o
primeiro a saber da decisão que ele tomou em voltar para o Brasil. Chegou de
uma missão em meu avião, completamente molhado, dando a impressão que
havia saído de uma piscina. Perguntei-lhe assustado: ‘O que houve, Capitão?’ Ele,
calmamente, demonstrando cansaço, respondeu-me: ‘Sargento, vou voltar para o
Brasil, isto aqui não é mais para mim. É para esses meninos. É preciso ter 'aquilo
preto' e não tenho mais’. Realmente, foi a sua última missão. Regressou para o
Brasil. Se eu já o admirava, passei a admirá-lo mais ainda, pela sua sinceridade e
honestidade.”
“Expus ao Capitão, com todos os detalhes nosso problema (com o frio), e notei
que ele ficou muito surpreso, pois nunca fora informado dessas irregularidades. Na
hora, o Capitão pediu-me sugestões para melhorar nossa situação: Falei: ‘Capitão,
se o senhor se dispuser a mudar o horário do pré-flight, a exemplo dos
americanos, e mandar distribuir os uniformes (agasalhos) para frio que estão em
nosso almoxarifado, mesmo sendo americanos, pelo menos até que cheguem os
abrigos que certamente virão do Brasil, ficaremos imensamente gratos’. De
imediato o Capitão perguntou-me: ‘Sargento, você acha que isso vai resolver o
problema do frio?’ Respondi-lhe que pelos menos minimizaria nossa situação
desesperadora.
Um detalhe: quando terminei esse desabafo com o Capitão, os mais antigos que
eu, pois eu era um Terceiro Sargento novíssimo, disseram-me: ‘você vai ser
mandado de volta para o Brasil, o Capitão é muito Caxias’. Contei-lhes que esta
não fora a minha impressão, achei-o bastante compreensível. Teve um final feliz a
minha conversa com o Capitão, apesar do medo dos mais antigos que eu, graças
a Deus. Eu não suportava mais tanto sofrimento e humilhação. Fiquei gostando
mais ainda do Capitão.”
“Um dia alguém disse ao Coronel que eu também era ‘fígaro’ e então cortei o
cabelo dele. Depois de se mirar no espelho, o Coronel disse: ‘Olha, você como
barbeiro, é um bom mecânico. E como mecânico, é um ótimo barbeiro’. Mas
mesmo assim, ele e outros sempre me dão preferência.”
“Tive uma prisão que foi, ao final, uma grande alegria, pelo reconhecimento.
Trabalhava eu com o Capitão e cheguei ao prédio-acampamento às 10:00 horas
da noite. O guarda anotou o meu nome e fui punido com quatro dias de prisão. Ao
sair da prisão, eu ia representar. O meu chefe disse: ‘Deixe, que eu vou justificar
por escrito’. Realmente fez, e a conseqüência foi a mais digna das atitudes por
parte do Tenente. No dia seguinte, foi tornado público no Boletim: ‘Considerando
injustiça a punição imposta, torno sem efeito a mesma e seja substituída a página
do boletim que publicou tal punição’.”
(AAP81, AAP94, AAP276, PIL371)
16. D FAMÍLIA E ACONCHEGO
Aquele período inicial na guerra com meus companheiros, a forma de como
cresceu o companheirismo entre nós, foi uma maravilha. Falava-se em guerra e
acho que esperávamos aquela coisa de cinema, uma coisa "negra", e só havia
companheirismo, amizade, e durante todo aquele tempo nós nem sentíamos que
estávamos, a qualquer momento, arriscados a não regressar de qualquer missão.
No meu desempenho anotei três pontos que me marcaram emocionalmente. O
primeiro foi o da solidariedade existente entre nós. Não excluo o pessoal do chão:
oficiais, sargentos e praças. Ainda em plena juventude, pude observar como cada
um se ligava ao outro.
O que existia de mais real era a irmandade reinante entre nós. Vivíamos
preocupados uns com os outros. Cada um se abria com o outro dependendo do
grau de amizade, de confiança, porque o Grupo era como uma família, todos
trabalhando junto.
Eu já falei e vou tornar a dizer: o Grupo de Caça era - e ainda é - uma grande
família. Todos os pilotos eram considerados da mesma maneira, não havia um
único de quem não gostássemos, mas em qualquer família sempre há aqueles
com quem você tem mais afinidade. Não quero com isso dizer que algum piloto
era um 'inimigo', só que alguns eram mais 'secos' do que outros, variava de acordo
com o gênio das pessoas, e claro que havia aqueles que eram como um irmão de
verdade. Você veja, por exemplo, o Brigadeiro, ele me chama de 'meu irmão' e fez
uma dedicação para mim no livro dele: "Ao meu querido irmão ...”. Mesmo sendo
ele um Oficial e eu um Cabo, ele me considerava como um irmão, isso para se ter
uma idéia de como era essa família do Grupo de Caça. "
O companheirismo era tão grande e a compreensão tão maravilhosa que foi muito
bom, serviu como lição para o resto da minha vida.
E isso, na minha opinião teve uma influência muito grande em eu resistir àquelas
elucubrações que vêm à noite: afinal de contas o que eu estou fazendo aqui, eu
sou um oficial da reserva e a tantos anos foram da minha casa, e não sei mais o
que!
Era como devia ser na guerra e, graças a Deus, fizemos isso e voltamos em paz.
(AAP160, AAP243, PIL386, PIL389, PIL393, PIL397)
16. E INFLUÊNCIA NO DESEMPENHO
Você me pergunta o que é que fez o Grupo de Caça. Não é propriamente só a
convivência mas são todas as emoções que você vive junto: A saudade de casa é
comum a todos, o frio é comum a todos, a inaptidão ao desconforto é comum a
todos. Eu vivi numa barraca, no meio da neve, todos passam mais ou menos pelas
mesmas situações, não há um que fique melhor alojado do que o outro, aquele
não, todo mundo a mesma coisa. Então, é esse convívio, né?
Mas então, à medida que as dificuldades foram surgindo, o nosso desembarque
na Itália, não é, dentro de um tempo adverso, a formação da primeira Base, no
meio de lama e neve, não é, os primeiros combates, as primeiras perdas em
combate, foi formando no Grupo de caça um uma mentalidade extremamente útil
para aquela eventualidade de um grupo de jovens brasileiros largados no meio da
Europa, com uma missão importantíssima que era bem representar a Força Aérea
Brasileira, foi criando o que a gente chama de um elã muito grande.
Esse Grupo foi formado e eu tenho a impressão de que, já no Panamá, começou
a se formar um certo espírito de corpo. Muito bem comandados pelo Nero Moura,
esse Grupo foi aos poucos absorvendo, viu, absorvendo uma noção de
responsabilidade que não era privativa do oficial da ativa, de maneira geral, não
era, também, exclusiva do piloto. Ela era de todos os integrantes, de qualquer
posto, soldados, motoristas e tudo.
Durante o vôo, o piloto de caça, apesar de solitário, fica preso ao conjunto,
unindo-se cada vez mais aos companheiros de esquadrilha. Em missões de
guerra esse sentimento representa a metade do sucesso dessa esquadrilha. O
líder é exemplo a seguir. O ala de qualquer piloto de caça fica tão ligado ao líder
que este assume para com ele cuidados especiais. Lendo a história dos pilotos de
caça da 2a. Grande Guerra, observa-se que todos tinham o mesmo cuidado sobre
seus alas. São sentimentos tão íntimos que dificilmente alguém pode explicar.
Cada esquadrilha tinha uma barraca e era lá onde fazíamos o nosso papo, as
nossas discussões, as tertúlias, as discussões sobre acrobacia, uns até querendo
ensinar. Sempre aparecia alguém criticando, e era muito engraçada e muito
instrutiva essa conversa.
Se houvesse algum defeito na fuselagem do avião, esse defeito era retirado e o
armamento entrava em ação. O avião às vezes ia para o hangar para fazer uma
manutenção maior, e nessas alturas não podia entrar no hangar com bombas nem
municiado, então tinha que tirar tudo lá fora. A intenção era a de todo mundo
colaborar. Normalmente teria que levar três dias de manutenção. Sabe em quanto
tempo nós fazíamos? Uma noite. Quando o avião vinha para o hangar todos
aqueles elementos do grupo, por exemplo do grupo "fight C", iam ajudar. Todo
mundo cooperando uns com os outros, e assim os aviões estavam sempre
disponíveis. A prova é um testemunho do General, que certa vez perguntou:
"Como é que vocês conseguem?" A resposta era simples: um ajudando o outro.
A Seção de Comunicações também desempenhou um papel muito importante,
assim como as demais, no desempenho das operações brasileiras no Teatro do
Operações da Itália, devido à camaradagem, eficiência e dedicação de todos os
seus membros.
Então éramos conhecidos entre nós, amigos, colegas e assim o somos até hoje.
Foi esse fato importante do Grupo de Caça que o fez sobressair-se sobre todos os
demais.
(AAP206, AAP243, AAP296, PIL389, PIL393)
16. F RELACIONAMENTO APOIO X PILOTOS
Para os pilotos:
“Um Grupo de Caça em tempo de guerra, em campanha, é um corpo sensível. Os
homens que voam se cobrem de glórias e morrem jovens. Os homens em terra
vivem muito mais tempo e o seu trabalho é de uma exigência sem fim, e não se
podem enganar uma só vez apenas; é possível que morra o piloto. Deve haver
confiança e respeito mútuo, e é o Comandante que deve inspirar este equilíbrio
delicado que jamais foi rompido durante a campanha. Os pilotos,
reconhecidamente, nunca se esqueceram daqueles que não podiam voar.
Um dos Sargento, falando pelos seus colegas, demonstrou grande admiração
pelos pilotos do Grupo, dizendo ainda: "Todos os nossos pilotos são bons
combatentes". Nós, que trabalhamos nos aviões para mantê-los disponíveis, o
fazíamos com satisfação, cumprindo com as nossas obrigações, porque
sabíamos, ao ver os aviões voltarem com grandes danos causados pela artilharia
antiaérea, que os nossos pilotos também estavam cumprindo com o seu dever.
A nossa manutenção era 'fogo', mesmo, a melhor; os nossos soldados, os nossos
mecânicos eram fantásticos, e por isso nós próprios sentíamos muita confiança na
nossa unidade quando voávamos.
Isso é uma forma de defesa importante, porque se você voar com medo do que o
seu número 'quatro' vai fazer, ou o número 'três' vai fazer, isso é uma coisa, mas
quando você decola sabendo que todo mundo vai junto a coisa é outra. Você tem
outra disposição, você vai com outro estado de espírito.”
(PIL371, PIL379)
Para o pessoal de Apoio:
“Eu tive a felicidade de ver o sentimento dos pilotos porque eu convivia com eles,
'sentia' os pilotos como eu tenho certeza que muitos deles me 'sentiam', e nos
orgulhávamos de nossos pilotos. Era sincero o sentimento daqueles que lidavam
diretamente com os pilotos. Sentíamos orgulho em atendê-los na saída e chegada
das missões.
Isso me faz lembrar do Tenente. Ele saiu com o meu avião, e como o avião saía
bem pesado! O piloto, na cabeceira da pista, dava todo o motor e procurava já
colocar o avião em linha de vôo, e nós ficávamos assistindo a decolagem. Lá da
pista eu estava olhando e falando: ‘Levanta esse nariz’, e o avião bateu com a
hélice no chão. Ele fez a missão toda e, na volta, ajudei a cortar a mistura e o
avião começou a balançar; olhei para ele e disse: ‘Tenente, esse avião não
trepidou?’. Ele respondeu: ‘Trepidou sim, olha só para a hélice!’. ‘E por que o Sr.
não voltou?’, eu perguntei; e daí veio uma resposta de homem valente: ‘não voltei
porque já tinha abortado duas missões e eu não queria ser taxado de covarde’. Eu
tive a alegria de contar essa história ao filho dele, assim com estou contando aqui,
ligeiramente emocionado.
Só compreende isso quem viveu cada momento. E que momentos nós vivemos!”
(AAP81, AAP181, AAP226, AAP268, AAP281, AAP342)
16. G RELACIONAMENTO PILOTO X PILOTO
Já me referi à homogeneidade que existia nas esquadrilhas do Grupo. Tirando as
mínimas diferenças peculiares a cada indivíduo, o desempenho de todos os pilotos
era igual. Além disso, todos, sem exceção, conheciam perfeitamente o estilo de
cada um dos demais. Qualquer manobra podia ser executada em esquadrilha sem
o menor embaraço para os seus integrantes. Desempenho de conjunto
estratificado graças a dezenas e dezenas de missões no Panamá e na Itália. Entre
nós não havia surpresas ou hesitações.
Tinha de tudo naquele grupo de voluntários: Eu nasci em Colinas, Maranhão;
outro no Rio de Janeiro, Piauí; outro em Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul;
outro em Curitiba, Paraná; outro em São Paulo; um deles em São Pedro da
Aldeia, Estado do Rio; outro em Pernambuco; e assim nasceu toda a plebe do 1º
Grupo de Caça. Cada um na sua cidade, no seu Estado, dentro do Brasil...Tudo
certinho. Até o Major americano da USAF, que foi nosso oficial de Ligação na
Itália, nasceu em Juiz de Fora, uai! Um deles não, nasceu na cidade de Norfolk,
Virgínia, USA.
O exemplo que a gente tem dos outros. Isso é muito importante, principalmente
numa unidade de combate, a gente sente-se muito satisfeito quando a gente, sem
querer, a gente dá o exemplo pro outro, e também sente-se muito satisfeito
quando a gente faz um coisa positiva, porque o exemplo do outro foi esse
elemento positivo, não é? Então isso foi muito, muito, importante, mas muito
constante no 1º Grupo de Caça.
Certa vez decolei de Líder de Elemento, tendo um companheiro como Ala. Após o
bombardeio picado em depósitos de munição, o Líder da Esquadrilha resolveu
voltar ao local e atacar outra vez os depósitos de metralhadoras. No primeiro
passe de dois dos companheiros, vi quatro posições de canhões 20 mm atirando
contra eles. Eu e meu ala abandonamos a formatura e fomos atacar as peças de
artilharia alemã. Com isso, não só tentaríamos destruir os artilheiros, matando-os,
como também desviaríamos sua atenção dos nossos companheiros. Foi o espírito
de solidariedade que agiu em fração de segundos.
Diria que o comando dessa ação partiu do subconsciente. Tudo aconteceu muito
rápido. Fomos felizes, em parte, em nossa ação, pois destruímos duas das quatro
peças de artilharia, entretanto, mal recuperamos do mergulho e meu avião foi
atingido no aileron esquerdo. O P-47, sem que eu comandasse, executou um
tonneaux rápido, de volta e meia, ficando eu de cabeça pra baixo a menos de cem
metros de altura. Instintivamente destravei o cinto de segurança com a intenção de
abandonar o avião. Por essa pressa, dei uma cabeçada no canopy. Usando,
porém, tudo o que aprendi na instrução, levei o manche à frente e acelerei o
motor. Com o excesso de potência, readquiri os comandos do avião, colocando-o
novamente em posição normal de vôo. O fogo antiaéreo não me deixou um só
segundo, e o Ala a meu lado. Era a solidariedade outra vez. Saí daquela situação
em vôo rasante, evitando a AAé que me perseguia de perto. O avião, com o
aileron atingido, fazia um vôo pouco confortável. Finalmente cheguei a Pisa, tendo
estolado a poucos metros do chão, sobre a pista, no momento em que reduzi a
potência do motor. O ensinamento que tirei dessa missão foi o da solidariedade
existente ente nós: Pura, cristalina, sem egoísmos.
Desde o início eu fiquei como ala de um dos companheiros, que era um oficial
extraordinário, com uma competência também extraordinária e eu o admirava
muito. Admirava muito era a sua capacidade de se adaptar ao combate, e eu
podia dizer isso porque eu era o ala dele e, no início, eu confesso que tinha
dúvidas, pensava: "Será que esse rapaz vai dar conta do recado?". Ele
demonstrou uma capacidade incrível como piloto, era o que se chama de 'piloto de
caça nato', tinha as condições de piloto de caça mesmo antes de ser piloto de
caça. Eu tive a sorte de ser ala desse rapaz pois éramos muito amigos e
formamos uma dupla que de fato foi extremamente positiva.
Há coisas extraordinárias, honro-me muito e me emociono em relembrar isso.
Acho que a melhor coisa que pode acontecer para um guia, para um líder, é ter
um bom ala, e a melhor coisa que pode acontecer para um ala é ter um bom líder.
Sem modéstia, acho que nós tivemos essa qualidade, eu acho que fui um bom ala
e ele um excelente líder.
(PIL371, PIL386, PIL389, PIL393)
16. H BRINCADEIRAS E TROTES
A recepção no Grupo de Caça era sempre feita com muita alegria e com muita
gozação. É como você recebe um calouro na faculdade, então há sempre uma
gozação, que foi uma coisa quase que natural no 1° Grupo de Caça, sempre
naquele ambiente alegre e festivo que no início podia até parecer de mau gosto,
mas era extremamente saudável. Isso era muito comum, muito comum.
Havia um indivíduo que era maníaco em dar apelidos a todos nós. Sempre criava
apelidos para todos. Uns pegavam; outros, não. O meu era "Jacaré". Não me opus
ao apelido, e ele pegou. Faz parte de nossa vida e de nossa camaradagem.
Certamente uma brincadeira sem maldade. Seguem outros apelidos: Billitank -
Boy - Conterrâneo - Camburão - Lua Cheia - Cachorro Magro - Bicolino -Boy
Octávio ...
As gozações eram muito freqüentes, mas sempre se tratava de serviço de missão
de coisa, de guerra, a seriedade era de uma de um de uma de um nível
extremamente grande, severo. A gente via, por exemplo, um comandante de
esquadrilha que era um brincalhão e tal mas, na hora que ele tava comandando
uma esquadrilha, ele não admitia que qualquer um dos seus dos companheiros da
sua esquadrilha fizesse uma brincadeira, mas não admitia! E nós não fazíamos
mesmo, era uma coisa levada muito a sério.
Então a camaradagem já começou na viagem pra lá. A camaradagem entre todos,
os pilotos, os médicos, nós tínhamos uma ligação muito grande.
(AAP250, PIL393)
17 RELACIONAMENTO COM A POPULAÇÃO ITALIANA
17. A AFINIDADE
Nossa afinidade com a população civil italiana era muito boa - afinidade de latinos,
idioma semelhante e o fato de ser a Itália a origem de grande parcela da nossa
população.
Nós, lá na Itália, tínhamos mais facilidade em conversar e nos comunicar com os
italianos e procurávamos de qualquer maneira nos relacionarmos o melhor
possível.
(Em Pisa) Tínhamos mais convívio com a população e fomos logo muito bem
recebidos; recepção carinhosa que nos foi dada pelo povo italiano.
Eles estavam voltando pouco a pouco para a cidade, porque a maioria tinha
abandonado tudo, com medo dos bombardeios. À proporção em que eles iam
chegando, ia se restabelecendo o comércio, as atividades, enfim, as atividades
normais de uma cidade. Criamos então o nosso "Clube Senta a Pua", que passou
até a ser freqüentado pelo pessoal da cidade. Começamos a receber alimentos
através da FEB, alimentos brasileiros como arroz, feijão, enfim, coisas que os
brasileiros gostam, e confraternizávamos com os italianos, jogávamos
basquetebol, futebol, era uma vida relativamente boa.
Chegamos ao fim da guerra e a cidade já estava quase toda voltando, a
população civil sendo amparada pelos americanos, e nesse tempo todo nós
tínhamos os nossos programas, tínhamos gente conhecida lá, fizemos relações.
Para eles, os cigarros tinham que ser americanos ou nada feito. Nos passeios que
fizemos com as "pequenas", fomos, muitas vezes, professores de geografia. Avalie
que uma das minhas namoradas me perguntou se o Brasil era uma ilha. Pensam
que o Brasil é uma ilha e São Paulo é que é um grande país. Agora, entretanto,
deixamos o Brasil melhorado...
Não podemos deixar de mencionar também o fato de um de nós haver combatido
sobre a terra de seus pais - a Itália, e, mais ainda, haver lançado bombas em
Mântova e Verona, cidades onde nasceram seus avós. O dever acima de tudo.
(AAP41, AAP99, AAP160, PIL371, PIL386, PIL389)
17. B COMPAIXÃO
As coisas por lá estavam difíceis: faltavam alimentos, um dividia com o outro o
pouco que tinha. As crianças andam maltrapilhas e esfarrapadas e nas fisionomias
dos adultos lêem-se as provações e tristezas pelas quais este povo está
passando.
Por outro lado, com a paralisação das atividades econômicas no país e a ingente
luta para a população sobreviver, quem podia chegar às forças de ocupação o
fazia, à busca de qualquer tipo de atividade remunerada, de preferência com
certos gêneros que faltavam. Tristemente, a moeda mais forte do que qualquer
outra era o chocolate, ou uma carne enlatada, para acompanhar a pastasciutta.
Muitos vendiam as filhas, na grande maioria menores, até por uma barra de
chocolate. Era muito fácil você estar fora da situação e falar: " O italiano sempre foi
depravado, mesmo, eles gostam é de 'enfeitar o pavão' ". Agora, transporte a
situação deles aqui para o Brasil: seus pais, seus filhos, seus netos, todos
passando fome por necessidade, não por vagabundagem, porque não havia
trabalho. O que eles iriam fazer? Não havia o que se fazer porque estava tudo
destruído, as fábricas, o comércio, não existia nada. A única solução era mesmo a
de se vender aos soldados, procurar agradá-los de qualquer maneira, para obter
alguma coisa em troco.
Os brasileiros morriam de pena das meninas e nunca entravam neste "jogo", pelo
contrário, fizeram inúmeros amigos entre as famílias locais, e as protegiam,
fornecendo alimentos e ajuda diversa dentro da medida do possível. Um dia,
estavam num bar, quando presenciaram uma das meninas que protegiam,
abraçada com um americano. Em síntese foi aquela "gozação", pois enquanto os
brasileiros sustentavam as famílias, os americanos se divertiam com as mesmas.
Em Pisa não tivemos nenhuma aproximação com a sociedade de uma maneira
efetiva, apenas às vezes conhecíamos uma família aqui, um outro conhecia ali,
nada além disso. Mas nas tardes do 'sorvete de chocolate', nós deixávamos que
muitas famílias e moças viessem, porque a fome era um negócio muito sério. Eu
não sei se no nosso País não passamos por isso, porque quando estava fumando,
tinha pelo menos dois ou três atrás esperando você jogar a guimba fora pro sujeito
pegar o cigarro, ou meninas que vinham se oferecer por um pedaço de chocolate.
Era um negócio muito sério a miséria, a fome, a falta de tudo, uma coisa muito
trágica numa sociedade. Acho que nunca chegamos a esse ponto e é difícil
imaginar o que está por trás daquilo tudo. Quando víamos uma pessoa, não
sabíamos o que acontecera com a mãe dela, o irmão, o tio ou o pai.
O episódio que mais marcou minha participação na presença brasileira nos
campos da Itália, e de que muito me orgulho, foi poder ajudar os italianos
desabrigados na localidade de Pisa. O sentimento de ajuda me fez colaborar com
as pessoas destituídas de seus bens com tudo aquilo que eu podia conseguir
guardar, e, quando existia folga de guerra, eu e o meu companheiro íamos, com
os produtos por nós economizados, distribuí-los a uma família de que não mais
recordo o nome, mas de quem ainda tenho uma fotografia que tiramos em meio
aos escombros da cidade.
Eu chegava das missões e ia até lá, passava a tarde e auxiliava no que era
possível. Levava cigarros, porque essas coisas eles quase não tinham, mas
cigarros brasileiros eles não queriam porque consideravam ruim, ninguém queria
fumar. Nós fumávamos 'Iolanda 500', um tremendo 'mata rato', e nem italiano
fumava aquilo, mas era o cigarro que mandavam para nós na Itália.
Houve uma passagem curiosa que para mim tornou-se um hábito. No nosso
convívio na Igreja, conhecemos várias famílias locais. Por sabermos das carências
do cotidiano (café, açúcar, chocolates, cigarros, fósforos, etc.), eu costumava
adquirir minha cota na cantina e doava à família Faggioli. Como o açúcar era
coisa rara, eu comentei com a senhora da casa que o café, para mim, era sempre
com pouco açúcar, e daí para o café sem açúcar tornou-se um hábito. "Para ele,
café é sem açúcar". Até hoje o café para mim pode ser com ou sem açúcar.
Uma outra faceta de um dos companheiros, desconhecida para nós, era o amor
pelas crianças. Depois de um certo tempo, notamos que o baixinho passou a
interessar-se por adquirir as rações dos colegas que abrissem mão de sua parte.
A princípio desconfiamos que se tratasse de algum rabo-de-saia. Logo
descobrimos a razão. Só então nós fomos saber que ele comprava chocolates e
outras coisas no cassino e ia para uma quadra adiante, numa esquina um pouco
mais afastada, onde ele se encontrava com a garotada e distribuía o que
comprava para aqueles meninos de Pisa, coisas que eles já não tinham por causa
da guerra há meses, anos. O homem mau tinha sua creche particular. A cada 17
dias, reunia as crianças pobres de Pisa, na velha estação da estrada de ferro,
distribuindo as rações adquiridas.Fazia tudo escondido. Quando foi descoberto,
ficou encabuladíssimo. Daí por diante, lhe dávamos tudo o que tínhamos de
biscoitos, chocolates, balas e alimentos. Apareceram no cassino de oficiais, em
Pisa, alguns garotos que perguntaram por ele. Alguém disse: " Ele morreu", e os
garotos caíram no choro. Era um sujeito formidável.
O Capelão recebeu, ainda em vida, o título de Cidadão Honorário de Pisa.
Nenhum brasileiro foi tão conhecido e amado naquela cidade quanto ele.
Merecidamente. Quando deixamos Pisa, de regresso ao Brasil, seu nome foi
citado oficialmente na proclamação da Giunta Comunale, ressaltando sua obra de
assistência social.
Estava foragido e mais uma vez me trouxeram o que comer. Era uma vez por dia
e eu sabia que o que me davam, tiravam de si. Eu queria fazer alguma coisa para
ajudar aqueles que me tinham ajudado com o risco de suas vidas. Pensei no maior
problema existente: A falta de alimentos. Pedi para explicar o caso ao nosso
Comandante e o que queria fazer. Se ele podia mandar cigarros, açúcar,
chocolate, café, queijo, arroz, feijão e tudo o mais. Daí a uns dias chegou um
caminhão com as coisas pedidas. Após a chegada do caminhão - que demorou
uns dois, três dias - eu distribuí cigarros, pois ninguém tinha cigarros por lá. O
Nero parece que mandou uns 20 mil pacotes de cigarros, algo assim, além
daquelas latas de queijo, feijão, arroz. Fiz a distribuição entre os que me tinham
ajudado. Eu distribuí tudo eqüitativamente como eu achei mais justo: quem me
ajudou bastante recebeu mais. Além dos alimentos e dos cigarros, eu dei algum
dinheiro também, o dinheiro que eu tinha disponível, que o Nero Moura me
mandou. O Nero mandou arroz, feijão, chocolate, queijo, presunto, essas coisas
todas que por aqui sobravam e por lá não tinham.
Ajudei aquele pessoal porque eles realmente precisavam. A gente tinha passado
momentos de sentar dois ou três na mesa e praticamente não tinha o que comer;
tomávamos um ou dois copo de vinho e deixávamos a refeição para mais tarde.
Depois regressei à nossa Base em Pisa.
Esta experiência, de ajudar os desabrigados em meio a uma guerra desumana, ao
contrário de muitos outros meus companheiros de farda, onde eu me preocupava
com aquelas situações, foi provocada pela minha própria situação passada de
extrema pobreza, quando vivia em meio a um sertão seco, sem perspectivas de
vida, o que me fez resolver buscar melhores condições de vida no sul do Brasil e
no meio militar. Sinto-me feliz em ter contribuído, mesmo que tivesse sido em tão
pequena escala, para o amparo a uma família numa total miséria, provocada por
uma guerra feroz.
E ajudamos de tudo quanto era jeito, para que pudéssemos amenizar o sofrimento
daquele povo. Para nós, soldados, não iria faltar nada, comida, roupas, bebida,
nada. Mas não estávamos satisfeitos em ver aquela 'novidade', o povo morrendo
de fome, famílias colocando suas filhas para se prostituírem, porque tudo o que
eles podiam obter vinha dos soldados, dos militares que estavam ocupando a
Itália.
Eu costumo dizer sobre a última missão que eu fiz que já não era mais missão. Eu
achava que os italianos estariam muito mais satisfeitos do que nós quando a
guerra acabasse, porque eles sofreram muito mais que a gente.
“Vim ajudar vocês a se livrarem do julgo nazista e agora já cumprimos nossa
missão e está na hora de regressarmos à nossa Pátria. Agora, o futuro de vocês a
Deus pertence. Eu acredito que a Itália, com a capacidade desse povo ordeiro,
trabalhador, vai se reerguer e vocês vão esquecer que existiu uma guerra”.
(AAP44, AAP160, AAP202, AAP278, AAP305, PIL369, PIL371, PIL379, PIL386,
PIL389, PIL403)
17. C SOCORRO
Quando acabou a guerra eu estava com algumas famílias de partisanos. Passei a
ter um profundo respeito por aqueles que arriscavam suas vidas para me ajudar.
Isso porque, caso fossem apanhados pelos alemães, o castigo seria exemplar,
como muitas vezes tinha acontecido: o chefe da casa era enforcado e a casa
queimada”.
No final da guerra passamos nos lugares onde ele esteve foragido com os
partisanos. Era uma festa enorme em todos os lugares que nós íamos:
visitávamos aquelas famílias, eles confraternizavam e era uma alegria muito
grande. Inclusive eles haviam corrido um grande risco, pois se os alemães
pegassem alguém que tivesse dando guarida ao aliado, na certa essa pessoa
seria fuzilada.
Mas é justamente esse perigo que une as pessoas, fundamenta uma amizade.
(PIL369, PIL386, PIL403)
17. D ADOÇÃO
Chegamos ao fim da guerra e a cidade já estava quase toda voltando, a
população civil sendo amparada pelos americanos, e nesse tempo todo nós
tínhamos os nossos programas, tínhamos gente conhecida lá, fizemos relações.
Eu, por exemplo, conheci um 'senhorinha' cuja família foi toda destruída num
bombardeio junto com dez mil pessoas. Ela então me apresentou a duas pessoas,
mãe e filha, e passei a conviver com elas quase todos os dias.
Eu 'adotei' uma família em Pisa e não faltava nada para eles, eu dava tudo que
era possível, apesar de ser ainda um garoto. Mas como fui criado com muita
responsabilidade e aprendi a respeitar a família dos outros e os mais velhos, eu
tinha esse sentimento dentro de mim, esse ensinamento, então eu adotei essa
família e para eles não faltava nada. Eu dava tudo o que eles precisavam
desinteressadamente. Eles tinham filhas, mas eram a minha família e eu me
ofendia quando alguém se 'metia a besta' para o lado delas. Quando alguém
comentava: "Ah, aquela ali é bonitona", eu dizia: " Não te mete, porque é a minha
família". Eu não tinha pai, mãe ou irmãos lá, eles estavam todos longe, no Brasil,
por isso adotei os italianos como minha família e brigava para defendê-los.
Durante o período em que fiquei na Itália eu procurei amenizar o máximo possível
as suas necessidades.
A nossa saída foi emocionante, especialmente para mim quando me despedi
dessa família de quem eu cuidava. Nós iríamos ter que deixar as famílias italianas
para voltar para as famílias brasileiras, e recebemos ordens de não dizer que
iríamos nos deslocar de Pisa para Nápoles em um determinado dia. Essa ordem
tinha como objetivo evitar uma concentração de pessoas na frente do quartel,
porque, é lógico, eles iriam querer, depois de dez meses de convivência conosco,
se despedirem de nós. Acontece que alguém deixou vazar essa proibição e
justamente no dia do nosso deslocamento. Quando clareou o dia, a rua estava
lotada de pessoas e famílias para se despedirem dos brasileiros.
Vou falar como foi com a minha família, que também veio se despedir, uma coisa
muito emocionante; era choro daqui, choro de lá, porque eu também guardava o
sentimento de quem ia deixar a família italiana para vir para o seio da família
brasileira. " O que vai ser de nós ? ", eles perguntavam, aquela lamentação.
"Agora que vocês vão embora, quem vai nos ajudar?". E o que eu podia dizer? "
Não sei, não posso dizer nada. Não posso ficar aqui na Itália, e se eu ficasse seria
mais um para passar fome junto com vocês. Eu tenho que ir, sou um militar e
tenho que ir para a minha Pátria.
Infelizmente, não mantive mais contato com eles porque, quando cheguei da
guerra, aconteceram tantas coisas nas vidas dos expedicionários, que perdemos a
noção do tempo, e eu, em especial, perdi o contato com eles.
(AAP160, PIL386)
18 RELACIONAMENTO COM OS AMERICANOS
18. A A COMIDA
A comida era horrível. O almoço era duro de digerir, a comida era adocicada e,
invariavelmente todos os dias, tínhamos vagem cozida e roast-beef de cavalo.
Sentíamos falta de uma comida salgada. Tínhamos uma dúzia de pastilhas de sal,
e quando a comida não era salgada, tomávamos aquilo, feito uma aspirina, um
remédio qualquer. Tomávamos uma dúzia daquilo por dia.
Um dia surpreendi um Suboficial conversando com uns sargentos sobre os efeitos
negativos que a comida americana produzia nos seus soldados, tirando-lhes o
vigor viril. Constava que eles temperavam a comida com alguma droga, ali
colocada para esse fim. Como os três haviam abusado na janta, comendo um
pouco mais que o normal, ficaram seriamente preocupados.
Um dos soldados, muito esperto, fez amizade com uma família nas proximidades
do campo (Panamá) e combinou um jantar, que essa família preparou para um
grupo de companheiros. Foi um verdadeiro banquete, que se repetiu algumas
vezes.
Nós estivemos em Aguadulce, no Panamá, por um bom período, mas depois o
rendimento do Grupo começou a baixar. Então nós tivemos uma série de
acidentes, e o pessoal do chão estava todo nervoso, enfim, uma enorme
intranqüilidade no Grupo. Então se descobriu o motivo: era a falta do feijão e da
carne seca. Brasileiro que não come feijão nem carne seca não fica bom dos
nervos. Então o Nero Moura pediu, e mandaram uma remessa de comida nossa, o
Grupo se reanimou e voltou à normalidade.
Essa alimentação continuou até o fim da guerra porque acompanhou o Grupo:
para onde nós íamos aquele suprimento de alimentação ia também. Durante a
estada na Itália, o Grupo usou alimentos brasileiros e americanos, e as rações das
cantinas. Como seus amigos americanos, eles não apreciavam muito a ração “C”,
nem as cenouras desidratadas. O pessoal da cozinha tinha um praça americano
para traduzir as etiquetas das embalagens.
(AAP140, AAP226, AAP250, PIL403)
18. B IDIOMA
O primeiro contato dos americanos conosco foi muito bom, eles já tinham, a essa
altura do jogo, uma certa 'tarimba' em lidar com os oficiais aliados, porque aliados
da mesma língua - que era o Inglês - era bem mais fácil.
Já com os aliados que falavam outro idioma, era um pouco mais difícil, como era o
nosso caso, os únicos sul-americanos. Nenhum outro país latino-americano
mandou tropas para a Segunda Guerra Mundial nesta fase de operações.
No Panamá realmente tive grandes dificuldades. Lembro-me de uma cena,
durante o trabalho de manutenção em um avião P-40. Os mecânicos brasileiros,
no início, trabalhavam com mecânicos americanos, que era nossos instrutores.
Falar inglês, bem poucos de nós falávamos! Felizmente eu entendia, e me fazia
entender. Eu trabalhava com mais um colega que não entendia uma só palavra
em inglês, e costumava ficar nervoso. Certa vez, deu para rir durante uma aula
dada por um sargento americano. De repente, vi o americano com uma chave de
fenda enorme, tentando atingir o B...! Tomei um grande susto! Dei um grito, mais
ou menos assim: "Stop you, guy! Are you crazy?" O americano disse-me: "He is a
son of a bitch. He is jocking". Para convencer o americano de que o companheiro
estava rindo de nervoso, pois não estava entendendo uma só palavra, e não
debochando, como ele supunha, não foi fácil! Felizmente a briga terminou e voltou
tudo à calma.
Durante uma ronda noturna, dentro da Base Aérea de Albrook Field, eu e um
companheiro fomos obrigados a pôr em prática os procedimentos de guerra
aprendidos em treinamentos anteriores. Ele não sabia falar Inglês e, ao aparecer
um Jipe com o Oficial de Dia, deveríamos iniciar o procedimento. Havíamos
combinado que ele, para treinar, deveria ser o primeiro a pôr em prática o
aprendido. Durante todo o tempo, eu fazia com que ele falasse, na ordem, todo o
procedimento a pôr em prática ao interceptar alguém "desconhecido". Então, como
disse, apareceu um Jipe com o Oficial de Dia. Eu falei "Chegou a hora, inicie o
procedimento”. Com um vozeirão que lhe era peculiar, bem alto, gritou: "Halt..." e
nada mais! Ele, assustado disse: ”Continua você, que eu esqueci o resto!" Então
eu continuei o procedimento. "Who is there? Advance to be recognized. Drop your
identification card. About face. What's your name?" Este era mais ou menos o
procedimento, e ele não passou do "Halt"!
Nós tínhamos muitos problemas com a Língua Inglesa, é lógico, mas os
americanos haviam se preocupado com isso e, na Base de Albrook Field, tivemos
o aprendizado do idioma norte-americano. Isso veio a nos facilitar muito porque os
relatórios de atendimento eram feitos em inglês, e todos se saíram bem. Cada um
tinha um nível de instrução, alguns até já com o ginásio formado, e não foi muito
difícil.
Certa vez, chegou uma comissão de oficiais americanos e um me perguntou, na
pista; "Qual é o dia da sua folga?" falando em Inglês. Fiquei embaraçado porque o
meu Inglês era de "beira de praia", e não dava para responder às perguntas.
Deixou-me o momento para reflexão e o mesmo oficial me perguntou se eu havia
entendido. Respondi que não falava Inglês por não entender bem o idioma. De
imediato, o oficial, .me respondendo em Português muito sorridente e brincalhão:
"Azar seu", me dizendo que a minha folga seria numa quinta-feira. Daí perguntei
se em guerra tinha folga também, ele me respondeu, "claro que tem!". Era o Oficial
de Ligação.
Nas folgas programadas, fomos a New York hospedando-nos no Nickabooker
Hotel. Numa certa manhã, pelas 11:30 horas, estávamos ansiosos para
encontrarmos um colega para fazer companhia no almoço, e que falasse Inglês.
Naquele formigueiro era difícil. Sorte! De repente, encontramos outro
companheiro, que tinha a mesma intenção. Descendente de alemães, falava bem
o inglês. Andamos um pouco e... "Restaurante Lobster", especialidade em frutos
do mar, obviamente.
Ambiente chique, sentados, aguardamos o garçom. Este apareceu com uma
bandeja com pequenas tigelas, com várias espécies de peixes e crustáceos,
umas doze ao todo. Perguntei ao colega: "Não tem cardápio?" Respondeu: "Acho
que não, esse deve ser o prato do dia". Pedimos uma garrafa de vinho e nos
fartamos, dividindo tudo. Terminado, chamou o garçom. Este olhou admirado as
tigelas vazias, coçou a cabeça e disse: "Paguem só o vinho, os senhores
comeram as amostras". Tobias não f
a
homem do bar, que estava em frente aos dois, trouxe duas cervejas para o Tobias.
O americano, meio intrigado, voltou a perguntar-lhe o nome: Outra vez: Tobias,
responde. Mais duas cervejas foram servidas, antes mesmo de haverem
consumido as duas primeiras. O companheiro do Tobias desconversou e caiu fora.
Deveria ter pensado que seu colega brasileiro era meio doido, pois toda vez que
lhe perguntava o nome, ele, em vez de responder, ordenava a vinda de mais duas
cervejas ...
Certa manhã, na torre de controle, os oficiais americanos do tráfego estavam
preocupados porque tinham ouvido certos sons diferentes na recepção das
mensagens dos aviões. Perguntaram-me se eu tinha entendido o significado da
última mensagem, e eu disse que, de fato, tinha entendido, para eles não se
preocuparem, pois se tratava de um piloto brasileiro que estava cantando uma
canção de carnaval da época, cujos sons pareciam muito com palavras da língua
japonesa. Essa canção era "O que é que a baiana tem?", com palavras
monossilábicas que se assemelhavam bastante com as palavras japonesas, e isso
fez com que eles ficassem preocupados.
Nessa questão das comunicações havia até um polonês, filho de americano com
polonês, cujo apelido era 'Perchê' , porque toda vez que ele nos ouvia falar: "Olha
ali aquele caminhão ...", ele dizia assim: "nhão, nhão nhão, perchê?". Ele voltava
no rádio dizendo coisa e tal e o apelido dele era esse, 'Perchê'.
Quando estávamos aprendendo o castelhano, no Panamá, fomos para EEUU.
Quando estávamos assimilando alguma coisa, Itália. Apelidei o nosso novo idioma
de "liberamelitálico".
(AAP152, AAP161, AAP206, AAP276, AAP277, AAP281, PIL371, PIL373)
18. C ADMIRAÇÃO
Quanto à comunicação pessoal, logicamente surgiam algumas dificuldades, mas
tudo saiu bem porque o soldado americano é um soldado livre porém muito
disciplinado. Numa inspeção de avião ou do nosso alojamento era uma coisa
impressionante, a atitude do pessoal americano e do pessoal da equipe era de
'bater os calcanhares'. Pegavam a nossa carabina para verificar se o cano estava
limpo, se a cama estava arrumada, e tínhamos que fazer tudo muito bem feito, e
isso foi um aprendizado que trouxemos para cá e transmitimos aqui no Brasil.
Durante o período de treinamento no P-47, estávamos baseados em Suffolk Field,
Long Island, próximo à cidade de New York. Uma noite em que saímos para dar
um passeio em New York, entramos para jantar em um restaurante italiano na
Avenida 42. Éramos três. No restaurante havia dois marujos americanos
comendo.Terminamos o jantar, pagamos a conta e já íamos saindo quando
ouvimos uma discussão entre os dois marujos e o dono do bar, e o pau quebrou.
Ficamos olhando espantados, quando entrou um aspirante da U.S. Navy, que
falava Português fluentemente, e nós perguntamos qual o motivo da briga. Ele nos
disse que a briga era por nossa causa, pois o dono do bar havia cobrado um dólar
a mais na nossa conta. Chegou a polícia, levou os marujos para a delegacia e nós
pedimos ao Aspirante que nos levasse lá para que pudéssemos fazer alguma
coisa pelos rapazes. Quando lá chegamos, fizemos uma "vaquinha" para pagar a
fiança de 300 dólares em que até o aspirante contribuiu com 20 dólares, e
soltamos os dois marujos. Tiramos uma foto do grupo, que guardo até hoje. Após
esse fato, passei a admirar o povo americano mais que antes.
O Major John Buyers era um americano que fazia parte do nosso grupo. O Buyers
nos ajudou muito. Ele falava do grande interesse dele em condecorar o pessoal do
Grupo de Caça e uma das tristezas dele é que muitas das condecorações que ele
propôs ao pessoal subalterno, foram negadas pelos norte-americanos porque não
era hábito deles dar condecorações ao pessoal subalterno. O Major Buyers era
justamente o mediador entre o Grupo de Caça e os oficiais americanos; ele era do
Pentágono, trabalhava lá. Ele não só amava o pessoal do Grupo de Caça como a
nossa própriaPpátria; se dedicou tanto que hoje ele vive no Brasil como um
simples brasileiro.
O Coronel Gabriel Disosway foi um homem que influiu muito na formação do 1º
Grupo de Caça. Para ele não havia diferença entre nós e seus compatriotas norte-
americanos, o que ele ensinava para um ensinava para o outro. De certa forma eu
acho até que foi mais exigente conosco, e criou uma amizade muito grande com
todos nós. Esse homem foi extremamente útil ao sucesso que obtivemos
posteriormente, e nunca perdeu a oportunidade de nos parar num momento
qualquer e dizer: "Lembrem, os senhores estão treinando para um combate. Esta
é a última chance que os senhores tem; vamos prestar atenção e vamos levar isso
a sério! ".
Quando começávamos a correr riscos, a fazer manobras que fossem arriscadas
ou que não estavam previstas, ele dizia: " Eu não quero ninguém morto, porque
'morto' dá trabalho, tem que arranjar pelotão para dar tiro, toque de silêncio,
enterrar, cerimônia fúnebre, e eu não quero ser testemunha do enterro de nenhum
brasileiro."
Esse homem foi ao mesmo tempo rígido na disciplina e bravo na maneira de
fiscalizar, competente sobretudo na maneira de voar, porque ele era um piloto de
caça excepcional com uma personalidade de grandeza, esportiva, que na hora de
lazer estava lá, brincando conosco.
(AAP81, AAP205, AAP281, PIL389)
18. D CONFRONTO
A camaradagem sempre existiu entre os pracinhas brasileiros e americanos, sem
discriminação de cor ou religião.
Os americanos nos trataram cordialmente em Orlando, porque os nossos
instrutores eram pilotos experimentados e nos olhavam como garotos, como
recrutas, embora nessa época eu já houvesse sido promovido a Capitão.
Aguadulce era o começo de convivência, e como tal havia uma cooperação
mútua, afinal sempre se leva um pouco de tempo para se conhecer as pessoas. O
relacionamento de terra é importante para o vôo e o relacionamento do vôo, lá em
cima, é mais importante ainda: unidade, decisão. O brasileiro é espontâneo,
brincalhão, e tínhamos, em Aguadulce, um fator que nos fazia rir mais, brincar
mais. O americano é muito rígido, tinha uma porção de coisas que queríamos
fazer e não podíamos, como pegar caju dos cajueiros, etc.
Uma noite, e como parte de nosso treinamento e adaptação ao sistema norte-
americano, estávamos em serviço de guarda, sendo um grupo brasileiro e um
grupo americano. Num dado momento, nos aparece uma patrulha americana que,
cautelosamente, se aproximou de nós e exigiu que nos identificássemos.
Mandamos na frente o mais velho e mais experiente, já com cabelos grisalhos.
Pensávamos que seria melhor. Então o diálogo começou assim:
"Identification, please", diziam os americanos, e imediatamente jogamos nossas
carteiras de identificação no chão para os americanos pegarem. "Advance to be
recognized" dizia outro americano ...Então o ... deu um passo para frente e o
americano, com um "flashlight" no rosto dele, diz: God Damn...Brazilian boys?"
Imaginem vocês o que será que os americanos pensavam de nós, brasileiros.
Todos nós já na terceira idade servindo a Aeronáutica! Não é piada, não!!! Depois
de todos nos identificamos, foi um riso só!
O treinamento foi acompanhado pelo Coronel Disosway, até nós embarcarmos
para a Itália, e inclusive teve que vencer no início um pouco o ceticismo dos
instrutores americanos, que queriam nos dar instruções como se fossemos menos
experientes. Mas esse foi mais um fator ao qual eu atribuo a eficiência do Grupo
de Caça, não a eficiência de um ou de outro somente, mas do Grupo de Caça
como um todo, e temos inclusive documentos oficiais dos americanos que falam
disso.
Uma das coisas, por exemplo, eram as missões com mau tempo, que eram
conduzidas pelo radar. Havia muitas que só os brasileiros faziam porque sabiam
voar 'asa dentro de asa', colados um no outro. Os americanos, que tinham, vamos
dizer, aquele 'treinamento de 7 de setembro', desfile, fazendo 'bonitinho' e coisa do
gênero, não saíam com mau tempo, e quando saíam não chegavam no destino.
Por isso, esse estágio final foi muito útil e nós chegamos à Itália posteriormente
com muita confiança no nosso próprio trabalho.
A bordo do Colombie não tínhamos qualquer problema com os americanos, havia
o respeito mútuo. Eu, pelo menos, não conheço um caso de agressão entre nós e
eles. Já entre eles isso acontecia, porque os americanos, quando bebiam,
'perdiam a cabeça'. Mas tivemos também um companheiro que andou fazendo
bobagem, e criou alguns problemas para nós. Mas era uma alma boníssima,
contudo tinha alguns problemas mal resolvidos, quem sabe de infância.
Eu, como era o xerife do nosso Clube 'Senta a Pua', estabeleci que, para ir à
Ópera tínhamos que usar túnicas. Muitos falavam: "Eu não vou de túnica", e eu
respondia "Então não vai à ópera". A gente decidiu fazer isso porque os
americanos saíam do trabalho e iam direto, de macacão, além disso levavam
'Camisas de Vênus' - preservativos - depois enchiam e jogavam lá de cima com as
famílias italianas embaixo, um desrespeito total.
A máquina fotográfica tem uma história muito engraçada porque, com aquela
freqüência de serem premiadas as cinco melhores fotos, eles acabaram fazendo
uma reunião. Houve uma reunião com o Nero Moura e mais três Comandantes,
além dos oficiais de operações, e na pauta estava seguinte pergunta : " Por que os
brasileiros conseguem sempre as melhores fotos?". E tinha um piloto...que era
muito irreverente, tinha uns trinta anos de idade, e ele disse : " Vocês se reuniram
tão formalmente para fazer uma pergunta dessas? Os brasileiros vão lá embaixo !
É só vocês irem lá embaixo e tirarem a mesma fotografia !
O 'Captain Brasil' passou e deu um rasante na pista de Pisa e puxou um
'Tourneau' (pirueta). Eu pensei: "Agora eles vão ver que brasileiro sabe fazer
essas coisas". O segundo avião passou e puxou também; o terceiro estava muito
perto e não conseguiu fazer o 'Torneau', e por conseqüência eu também não
pude. Nós aterramos e fomos para a rotina depois que o avião estaciona: desliguei
tudo, tirei os fones e desabotoei o cinto. Mas quando fui desabotoar, vi que já
estava desabotoado! Na afobação de sair na primeira missão de guerra - eu nunca
tinha feito isso na minha vida - esqueci de abotoar o cinto! Se tivesse feito o
Tourneaux , ao invés de demonstrar que brasileiro era bom eles iam dizer que
"esses brasileiros são umas porcarias, não sabem nem fazer um Tourneau que
morrem”.
Então a gente viu que depois de um certo tempo, quando começaram os feitos
mais importantes, as missões mais importantes, o piloto ia se sentindo parte
daquela guerra, mas uma parte muito mais importante que o americano, porque os
americanos eram centenas de milhares e nós éramos algumas dezenas de pilotos,
mas o nosso avião levava a bandeira, as cores da FAB.
(AAP41, AAP81, AAP84, PIL371, PIL389, PIL393, PIL403, PIL407)
19 A BASE DE PISA
19. A OPERAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA
No dia 2 de dezembro de 1944, com a estabilidade da frente de combate, o 1º
Grupo de Caça, deslocou-se acompanhando o 350° Regimento de Aviação de
Caça, para a Cidade de Pisa, situada a poucos quilômetros da linha de contato.
O objetivo sempre foi que as unidades de caça estivessem o mais próximo
possível das linhas de frente para ganhar tempo no território inimigo, ao invés de
estarem perdendo tempo em deslocamentos, como nós perdíamos em Tarquínia,
40 minutos na ida e 40 na volta, ainda em território amigo.
Então, logo que a coisa se acomodou, o Grupo foi transferido para Pisa, sem
pararmos as operações. Nós movemos o Grupo inteiro, no mês de dezembro, para
Pisa, que era praticamente encostada na Linha Gótica, nos Apeninos.
Essa transferência foi uma experiência maravilhosa porque seguiu um grupo de
terra na frente e depois seguiu outro, enquanto os aviões estavam voando e
fazendo as missões. Quando os P-47 voltassem, não pousariam mais em
Tarquínia, pousariam então em Pisa, onde já estaria todo o Grupo. O pessoal de te
r
na frente, preparando as instalações, de maneira que, num determinado dia, nós
decolamos para uma missão e, quando pousamos, já o fizemos em Pisa.
A mudança, no meu caso, foi feita durante uma missão: eu fiz uma missão e, na
volta, ao invés de pousar em Tarquínia, pousei em Pisa, onde já estava tudo
preparado para receber uma esquadrilha que viesse com problemas: havia
médicos, pronto socorro, tudo que fosse necessário. Não houve nenhuma
interrupção no ritmo.
De forma que foi uma operação muito bem preparada e bem coordenada porque,
de Tarquínia a Pisa, há uma distância regular. Chegando lá, estava tudo
funcionando no chão, de forma que foi um sucesso.
(AAP268, AAP281, PILPIL379, PIL393, PIL403)
19. B ESTADO EM QUE ENCONTRARAM
Era uma pena ver o estado em que se encontrava a cidade de Pisa, conseqüência
dos bombardeios, bastante danificada. Encontramos a cidade semi-destruída e,
segundo as autoridades, ainda minada, ou seja, cheia de armadilhas. Não se
podia, caso achasse, pegar objetos aparentemente abandonados. Binóculos,
quadros em paredes, canetas, máquinas fotográficas, abrir janelas, sentar em
cadeiras de molas, puxar cordas de descargas, etc. Isso em prédios e casas
abandonadas.
Pisa é a cidade onde se encontra a famosa torre inclinada, a qual foi construída
entre os anos de 1174 e 1350. Toda de mármore, estilo romântico, o motivo de
sua inclinação até hoje é desconhecido. A torre era o campanário da catedral, que
ficava vizinho.
A sudeste de Pisa ficava o aeródromo, que servia de base aos brasileiros e
americanos. Nada mais que uma antiga pista de concreto, aumentada com o
prolongamento de chapas de aço. Um prédio central servia de sede aos
departamentos de operações, informações e ao depósito de pára-quedas. De
resto, eram estruturas metálicas de hangares destruídos. Os aviões ficavam
guardados na vizinhança, assim como as barracas de lona em que funcionavam
as seções de manutenção de aviões, armamento, comunicações e almoxarifado
técnico.
A Base Aérea de Pisa encontrava-se em estado lastimável. Passamos todo o mês
de dezembro arrumando a pista, montando as seções de mecânica, rádio,
caldeiraria, armamento, elétrica, etc. Num grande mutirão montamos o melhor
Thechnical Suply da Base, com prateleiras feitas com caixas de munição e
estantes montadas com ajuda de sucata recolhida pelos arredores.
Por minha formação religiosa cristão-apostólica romana, eu freqüentava
regularmente a Igreja mais próxima de nosso acampamento em Pisa, que ficava
na mesma rua. Houve uma aproximação com o pároco. Os altares eram
iluminados com algumas velas, porque não havia luz elétrica funcionando em Pisa,
na época. Nós comentamos que talvez pudéssemos puxar um ramal de energia do
nosso acampamento para os altares da Igreja. E assim foi feito, só que, ao
ligarmos as luzes nos altares, houve um curto geral e apagaram-se as luzes do
acampamento todo. Foi um momento de pânico e horror. Foi só desligarmos a
energia que havíamos ligado, que tudo voltou ao normal, e os altares voltaram à
iluminação de velas.
Os pilotos nossos, junto com os americanos, ficaram hospedados no "Albergue
Netuno", à margem do Rio Arno. O edifício do Hotel, esburacado, sujo e bastante
danificado pelas bombas, que também destruíram todas as pontes da Cidade,
mesmo assim, deu abrigo à oficialidade do 1º Grupo de Caça.
Na margem oposta do rio Arno, outro prédio servia de quartel aos graduados e
soldados e ao pessoal da administração. Esse prédio, anteriormente, havia sido a
sede do partido fascista em Pisa.
(AAP101, AAP152, AAP202, AAP268)
19. C CONDIÇÕES DE TRABALHO
Em Pisa, apesar da Base já ter sido bombardeada, tivemos uma cena de apoio
melhor, uma pista melhor, também. Temos que ressaltar que estávamos
acantonados no centro de Pisa, não como em Tarquínia onde estávamos perto
dos aviões.
Em Pisa nossa sorte mudou. Os pilotos começaram a operar já com bastante
desembaraço, não obstante a perda de mais três oficiais.
O sistema de trabalho era semelhante ao de Tarquínia, porém diferia num ponto:
éramos divididos em três turmas, mas o tempo era dividido ao meio, e esse
sistema funcionava muito bem. Mas essa parte operacional mudou. Em Tarquínia,
como já disse, a parte operacional era muito penosa, e em Pisa era menos, a
começar pelas instalações.
A vida em Pisa não tinha sábado nem domingo. Estávamos em guerra, então a
alvorada era às 4 da madrugada; um jipe apanhava os mecânicos indicados para
as primeiras missões, que geralmente eram de 4 aviões. Nos deslocávamos para
o campo em Pisa e, como era inverno, encontrávamos as asas cobertas de gelo.
Tínhamos que tirar todo aquele gelo para depois verificar o motor para ver se
estava em condições. Entre seis e meia e sete horas, chegavam os pilotos e
tomavam os seus aviões; cada piloto era dono de um avião, cada avião tinha um
piloto, um mecânico e um assistente.
A vida da gente era cheia de obrigações e baseada no preparo para o
cumprimento das missões de guerra. Nós éramos escalados para cumprir missões
e tínhamos que estar preparados para isso.
Houve um episódio pitoresco: nós estávamos municiados, até então não tínhamos
armamento, e chegou o Natal, o dia 31, e o pessoal não sabia porque não festejar
o Ano Novo. Começamos a atirar com os nossos armamentos, coisa de gente
jovem. Não houve nada, não atingimos ninguém, só que, ao invés de soltarmos
foguetes, demos tiros.
Com o recrudescimento da ofensiva aliada nosso trabalho aumentou e
evidentemente os dois pilotos também. Em guerra não há dia santo, feriado,
semana santa, carnaval, natal e ano bom. É pau puro.
(AAP152, AAP243, AAP268, AAP281, PIL374, PIL393)
19. D CONDIÇÕES DE ACANTONAMENTO
Pisa foi nossa segunda e última Base na Itália. Depois de passarmos dois meses
num acampamento, dormindo em barracas de lona, com o maior desconforto,
tomando banho tirando água quente com o capacete, num local completamente
aberto, chegamos a uma cidade que tinha sido parcialmente bombardeada, e lá
encontramos um conforto relativo.
Pisa era diferente de Tarquínia, pois Tarquínia foi uma cidade fundada dois mil
anos antes de Cristo. Pisa foi uma cidade antiga, também, mas é porto de mar,
mais próxima, aquela coisa toda. Por esse motivo Pisa não tinha aquela
estagnação de Tarquínia. Pisa tinha sempre movimento. Foi, como Florença, um
centro cultural da Itália.
Tarquínia era um campo com um estrado que eles usavam para fazer os campos
de aviação. Pisa era a mesma coisa: um hangar havia sido destruído e o campo
de aviação de lá tinha sido improvisado, e o acampamento que se fez,
aproveitando as instalações antigas, foi então montado com barracas, para
podermos fazer a manutenção.
Ficamos hospedados no antigo 'Albergo Nettuno', um prédio de esquina com
cinco andares sendo que uma parte estava um pouco afetada por estilhaços de
um bombardeio, de onde tiraram 280 minas, para podermos ocupá-lo. O pessoal
de Engenharia esteve lá e tirou as minas que os alemães tinham deixado.
Dormíamos num prédio de alvenaria que, nos bons tempos, tinha sido o melhor
hotel da cidade, tinha sido hotel mas depois foi ocupado pelos americanos né?
Com a guerra, ele estava bem arrebentado, mas já eram instalações diferentes,
não tinha aquela umidade, era um chão ladrilhado, assoalhado. Nós ocupamos
dois andares. Justamente no último andar é que ficava a vala comum, e era onde
ficavam os oficiais mais modernos. Eram três salas, e nessas salas, as camas
eram postas lado a lado, mais ou menos dentro de um critério onde entrava a
preferência do dono da cama. A preferência, às vezes, era do colega mais antigo,
que escolhia o lugar melhor, perto da janela, mas enfim, nos espalhamos, sem
nenhuma sistemática, como tinha em Tarquínia. Em Pisa era tudo misturado, e
lembro-me que, na sala onde eu dormia, era cada um de uma esquadrilha
diferente.
No meu andar, a vala comum, onde tinha a tenentada, o meu quarto tinha a
parede rachada e a temperatura dentro do quarto era a mesma que fora: 'zero'
graus no inverno. Em dezembro era frio Não tinha teto, tinha era lona, né? Essa
lona, de vez em quando a água ficava em cima da lona e alguns engraçadinhos
pegavam sua pistola e atiravam: "pam", e aí furava a lona, até que o Coronel Nero
baixou uma ordem que era proibido dar tiro dentro do quarto. A gente tinha umas
coisas assim, que era muito bom lá. Mas o lugar nos servia perfeitamente.
O banheiro era só constituído de uma pia e uma latrina. O banho era feito em
capacete, mas dava para quebrar um galho. Algum tempo depois, do outro lado do
rio, no quartel dos praças, foi feito um chuveiro coletivo, e aí nós nos
deslocávamos para o banho, que não podia ser diário mas era com mais
constância e com maior conforto.
De uma certa maneira era melhor, de outra, pior do que Tarquínia, porque nas
barracas nós já tínhamos descoberto uma maneira de fazer um aquecimento que
mantinha a coisa confortável e, no Hotel, nós quisemos repetir e os americanos
não deixaram porque achavam que iríamos incendiar o Hotel.
Então tínhamos que recorrer aos cobertores e, naquela época, os americanos já
começaram a vender aqueles sacos acolchoados, que entrávamos e fechávamos,
e um capuz, que chamávamos de 'vovózinha', que as mulheres - as mães - faziam
em tricot e nos mandavam. Era parecido com essas de corredor de fórmula um,
que fica só o nariz do lado de fora. Na patrulha, de madrugada, eu tinha medo de
bater a orelha e ela cair de tão dura que estava: era frio dentro e fora do Hotel
mas, por outro lado, nós estávamos mais bem instalados.
Dali nós partíamos para as nossas missões, e também para as nossas aventuras
porque, afinal, nós estávamos numa cidade.
Não se podia sair muito das cercanias por causa das minas, porque ninguém
sabia onde tinha uma e a qualquer momento você poderia pisar em cima de uma
delas, e por outro lado nós ficamos afastados do nosso pessoal de apoio, porque
ficamos de um lado do rio Arno e eles ficaram do outro. As pontes do rio Arno
tinham sido destruídas, portanto se alguém quisesse ir para o outro lado, tinha que
andar não sei quantos quilômetros e dar a volta.
Mas íamos suportando aquilo dentro do possível, e depois de um certo tempo
alguém descobriu um antigo restaurante que havia por lá, na Praça Garibalbi, e
resolvemos recuperar aquela ruínas todas e fazer um restaurante só para nós.
O tempo que nós passamos lá foi engraçado, por exemplo, durante as nossas
refeições. Almoçávamos no restaurante, onde havia um bar, e já havia, digamos,
um convívio mais intenso entre todos os pilotos de uma esquadrilha e de outra,
porque não ficavam retidos nas suas barracas. Nós jantávamos todas as noites
em mesas com toalha, luz de vela, garçonetes muito simpáticas, tínhamos música
ao vivo, um conjunto de três músicos e a comida era toda enlatada, inclusive o ovo
era em pó.
Tinha um cassino onde a gente se encontrava, tomava um whisky de tardinha
esperando as missões do dia seguinte, porque o Chefe de Operações ficava
cozinhando a gente até às 18:00 h.
Quando chegou o inverno, os americanos ocuparam um cinema em Pisa e o
transformaram em ginásio de basquetebol com a intenção de organizarem um
torneio. Eram quatro times: três esquadrões americanos e mais o nosso. Como só
tínhamos três jogadores com altura para disputar o torneio, nós integramos o time
do Q.G. do 350 th e disputamos lá o campeonato; nosso time tirou o segundo
lugar. Também jogamos basquetebol várias vezes contra os italianos, no campo
que eles tinham por lá, e essa era a vida em Pisa.
A vida começou a se tornar mais agradável do ponto de vista de 'fora da missão'.
Não havia mais ataque da aviação alemã, então nós nos sentíamos
razoavelmente protegidos naquela área.
Houve um dia, porém, que uma coisa nos deixou muito preocupados, se não me
engano era 23 ou 24 de dezembro. Estávamos numa das maiores festas do Clube
quando entrou o Capitão acompanhado por um oficial que mandou parar com
tudo. Paramos assustados com o aviso de que os alemães tinham rompido as
linhas americanas e teríamos que nos preparar para recuar. Fechamos o Clube
quando começou a odisséia de retirada: colocar nos jipes os galões de gasolina,
receber armamentos e assim por diante.
Recordo-me de um fato interessante: a estrada ficou interrompida durante 72
horas na subida de tropas para guarnecer o fronte. Mas eles avançaram bastante
e fomos obrigados a recuar. Aquilo foi, talvez, o último dos esforços dos alemães
para tentar romper as linhas americanas.
Acho que seria interessante falarmos um pouco sobre aquele problema da quase
retirada, porque mostra como estávamos próximos da linha de frente. Em
dezembro de 1944, em La Spezia, uma divisão americana foi atacada pelos
alemães e começou a recuar, então houve por bem, por parte do Comando
americano, nos preparar para qualquer eventualidade de retirada. Íamos para a
pista de capacete de aço e recebíamos armamento e uma pequena bagagem para
ir para a retaguarda, olhávamos para o céu, para ver se tinha pára-quedistas, mas
felizmente isso não aconteceu, porque os alemães já estavam enfraquecidos.
Em Pisa, as instalações eram mais confortáveis. Mudou muito e para melhor.
Creio que em Pisa, foi melhor para todos nós, apesar dos pesares.
(AAP81, AAP152, AAP281, PIL379, PIL386, PIL393, PIL403)
20 DIVERSÃO
20. A EM FOLGAS E PROGRAMAS REGULAMENTARES
Além do espírito de guerra também tínhamos o espírito de divertimento. Havia o '
day off ', o dia de folga, e tínhamos as nossas noitadas, nossas boates. O 'Cuban
Club',nos EUA, por exemplo, era espetacular. Eu me recordo muito bem de um
companheiro que, quando estávamos naqueles dias de amores fúteis e ele
bebendo, num determinado momento olhou para nós e naquele gesto de
embriaguez, disse: "Este é o melhor país do mundo. Não existe nada igual a esta
terra. Toda vez que pronunciam o meu nome, Tobias, o garçom traz duas cervejas
(two beers), então, continuem falando no meu nome". Em Long Island, eu e um
companheiro compramos um Ford 1942, para sair à noite, e tivemos que doá-lo ao
Cabo americano quando fomos embora. Não era fácil vendê-lo.
Eu acabava de ser agraciado com o esperado "three day pass". Como de
costume, fui buscá-lo no "Orderly Room". Depois entrei num carteado e consegui
ganhar mais de US$ 1.000,00 (o primeiro Jack Pot). Aluguei um automóvel
conversível com motorista e convidei dois companheiros que também tinham sido
agraciados com o "three day pass".
Depois de conhecer todo o Panamá, numa tarde tropical, fomos a um "spot"
erótico e tiramos várias fotografias, acionando dólares e o famoso "take it off".
Tudo bem, porém o companheiro mandou revelar as fotografias no PX de Albrook
Field, dando o endereço certo. As fotografias chegaram ao seu destino, com um
adendo: Aos cuidados do Comanding Officer. Como não poderia deixar de ser ao
contrário, o trio ditoso foi chamado ao "Orderly Room", em forma, posição de
sentido, ouviu as pregações do Capitão que, além das ameaças, das punições
cabíveis, a que mais calava no fundo da alma era a volta para o Brasil dos três
elementos "por não terem condições morais de continuar no Grupo, etc, etc, etc.
Ao lado, o Capitão, que se fazia representar na cerimônia de nossa degradação,
sem nada dizer, acenou ao outro Capitão para que o acompanhasse. Esse
Capitão retorna, ainda com as fotografias nas mãos. Separava-as uma por uma e
nos mostrava, tecendo comentários, e as rasgava, sem só nem piedade, tendo
nos dispensado com: "Voltem para os seus trabalhos e aguardem". E assim,
ganhei o meu segundo "Jack Pot", não é vero?
Isso fazia parte da nossa alegoria, da fantasia, porque a guerra não tem só uma
parte, tem também a parte feminina, bonita.
A cada 25 missões o piloto tinha o direito de escolher entre três lugares: Roma,
Capri ou Canes para ter cinco dias de descanso. Lá os americanos utilizavam os
melhores hotéis e os faziam de centro para descanso, que na realidade eram
'centros de descanso de voar', porque a atividade era muito maior do que a
atividade lá no campo.
Houve uma fase em que fiz um sacrifício porque as forças americanas levaram
um grupo de Ópera para Pis,a e lá fizeram um trabalho constante para as Forças
Armadas. Diariamente, à noite, depois do expediente, começava a Ópera lá pelas
oito horas, e foi quando tive a oportunidade de conhecer as melhores óperas do
mundo. Aí ocorreu uma coisa interessante, que foi a chegada em Pisa da
companhia 'Angelus', uma companhia de Ópera que cantava em teatros
importantes.
Naquela época aquilo era interessante. Foi a fase em que aproveitei mais as
saídas noturnas depois do expediente, e eu vi logo uma grande ocasião para nós
nos divertirmos, e fiz grande propaganda junto aos companheiros.
E os meus companheiros todos, alguns de própria vontade e outros influenciados
mesmo, foram para a Ópera, que começou a ser um grande programa, cheio de
coisas engraçadas. As intervenções que o povo fazia após uma ária, com os
'bravos' e gritos, nós fazíamos de uma maneira diferente, mais ou menos liderados
por um companheiro, que usava umas palavras que não eram as palavras
corretas.
Ele chegava a gritar 'qualira' ao invés de 'bravo'. "Qualira" é uma expressão do
norte que significa 'homem efeminado', mas por não conhecerem esse termo, os
cantores agradeciam e nós continuávamos gritando: 'qualira, qualira', e eles nem
sabiam o que era isso. Era uma graça que só nós é que podíamos saber.
(AAP31, AAP81, AAP152, AAP296, PIL379, PIL393)
20. B EM CONTRAPONTO AO ESFORÇO DE GUERRA
Geralmente a saída era para ir num bar, tomar uma cervejinha, bater um papo,
dar um voltinha, o resto era dormir porque não agüentava mais. Tinha uma turma
que gostava de jogar um baralhinho, mas eu nunca fui de jogo; uma ou duas
vezes entrei e sempre perdi, então não jogava. Depois eu vim da guerra e um
compadre meu disse: "Você sabe porquê não ganhava? Porque eu roubava todas
as vezes". Por isso, sempre que tinha uma rodada de pôquer, eu estava fora.
Para aliviar mais a tensão, alguns soldados nossos foram visitar a cidade de
Tarquínia. Como também havia muitos soldados aliados visitando aquela cidade,
estavam surgindo alguns desentendimentos com a população civil. O nosso
Comandante, então, proibiu a nossa ida até Tarquínia, a fim de manter a ordem e
a disciplina. Assim, ficamos sem lazer para aliviarmos nossa tensão. Então nos
sujeitamos ao confinamento no acampamento aguardando os acontecimentos de
combate.
Além disso cada um tinha o seu livro para ler, outros gostavam de jogar um
pouquinho de baralho, havia muita diversão. Isso era necessário para que o moral
se mantivesse elevado.
Ah, as brincadeiras, que os militares, tem outro tipo ... as gozações, as gozações.
Isso era muito comum, muito comum. As gozações eram muito freqüentes.
Era assim que as coisas se passavam, tudo era motivo para a gente rir um pouco.
Acho que, se não fosse a eterna gozação, com o volume de trabalho que existia e
o pouco lazer disponível, se a gente não tirasse partido das ocasiões, teríamos
mais gente atingida por psicose de guerra depois que regressamos.
(AAP140, AAP296, AAP305, PIL374, PIL393)
20. C ATRAVÉS DO CONVÍVIO E CONFRATERNIZAÇÃO
Em Tarquínia, nossa movimentação diária era bastante intensa, mas também não
tanto assim que não tivéssemos horas de lazer entre uma missão e outra, e então
levantávamos as lonas laterais das barracas e, em grupos pequenos, ficávamos
palestrando, contando anedotas, histórias diversas, inclusive sobre as missões
que tínhamos feito, ou que desejávamos fazer na próxima missão.
Naturalmente, cerveja entrava no acontecimento, cada um tirando de sua caixa
uma garrafinha já bem gelada pela temperatura do ambiente. As garrafas vazias
retornavam para a caixa, pois não era permitido jogá-las no chão. As tampinhas
sempre voltavam para o "gargalo da garrafa". Eventualmente jogávamos a caixa
com garrafas vazias no depósito de lixo. A nossa conveniência, depois que toda
cerveja havia sido tomada, assim era somente uma vez que as teríamos que jogar
fora.
Muitas vezes essas garrafas eram convenientes, pois nas noites frias nós as
utilizávamos para nos aliviar à noite, assim não teríamos que sair do saco e
enfrentar a baixa temperatura do ambiente.
Um certo dia, um companheiro e um grupo estavam deitados ou sentados,
buscando o sol de tardinha, conversando e contando vantagens, como de
costume. Teve ele vontade de beber uma cervejinha, e anunciou: "E, agora vou
tomar uma cervejinha americana". Meteu a mão na caixa de cerveja e puxou uma
geladinha, tirou a tampa e levou ao gargalo à boca e tomou um bom gole. Só que,
sem perceber, puxou uma garrafa supostamente com cerveja, mas que estava
repleta de outra coisa. Saiu cuspindo por todos os lados, debaixo da gozação de
todos nós. Foi uma lição para ele, pois nunca mais misturou garrafa nova com
garrafas velhas. Também nunca conseguiu se livrar de nossas gozações a
respeito.
Mas o que em Pisa foi muito importante ocorreu mais ou menos em final de
fevereiro ou março, foi quando, nessa vida não operacional mas na vida fora de
operações, criou-se o 'Clube Senta a Pua', onde passamos a fazer as nossas
refeições mais 'abrasileiradas'. Havia sempre um arroz, um feijão para maquiar
aquela comida de campanha, aquela comida de ração K, e havia um bar muito
bom onde nós nos reuníamos.
Conseguimos fazer o nosso próprio refeitório e recebíamos alguma coisa,
tínhamos o nosso próprio cozinheiro e acabamos fazendo o Clube. Na parte da
tarde íamos para lá e tomávamos chocolate, e sempre tinha umas moças para
ajudar. Tinha uma 'dança' daqui e outra de lá, e nós convidávamos o pessoal de
lá, às vezes os americanos, e nós íamos naquela vida continuada.
Eles (os graduados e praças) por sua vez tinham sua vida própria. Fizeram um
clube denominado 'Copacabana'. Eles eram uns trezentos e tantos e chegaram
realmente a constituir um lugar para o italiano ir dançar. Alguns deles até casaram
com italianas e chegaram a constituir família:
“Para não dizer que tudo era só trabalho, inauguramos, em dezembro, o nosso
badalado Clube Copacabana, instalado no 1º andar de nosso quartel. O Clube
Copacabana ficava em frente ao prédio do nosso alojamento, em Pisa. Havia um
salão e fizemos lá o Clube para as nossas aventuras da época. Pegávamos um
caminhão, encostávamos numa cidade e oferecíamos alimentação, em troca
apanhávamos algumas garotas italianas, as trazíamos para o clube e fazíamos
uma noitada, uma coisa espetacular.
Ao lado, estava instalado o clube de 350th Figther Group, que disputava com o
nosso a maior presença das "Signorinas" para os bailes, as quais deveriam ser
apanhadas, em caminhões utilizados comumente para transporte de tropas, nas
cidades vizinhas de Lucas e Viaregio. Acontece que nós, "primos pobres" do
Grupo de Caça, só dispúnhamos de um veículo, liberado a duras penas para
transporte das damas, enquanto os gringos, "primos ricos", esnobavam com
quatro a cinco veículos.
Prendadas "ballerinas", assim que desembarcavam dos veículos do Tio Sam,
disfarçavam e "de fininho", iam para o Copacabana dançar e comer os famosos
lanches preparados pelos nossos cucas.
Um pouco antes do final do "ballo", elas, aos poucos, iam saindo do nosso Clube,
indo para o salão dos gringos. Uma bela noite, no final do rala-rala, os americanos,
de cara cheia, resolveram que não iriam transportar, de volta, as meninas em seus
"trucks". O motivo alegado era muito simples: "quem pariu Mateus que o embale",
isto é, os brasileiros teriam que transportar todas as bambinas em um só
caminhão.
A zorra estava formada, e em poucos minutos, saiu uma briga para ninguém botar
defeito, envolvendo todos os pinguços que se encontravam no local. Como
sempre em toda boa briga, a gente bate e a gente leva, e no final, entre mortos e
feridos, salvaram-se todos. Alguns milicos, de ambos os lados, que não quiseram
participar da disputa, resolveram festejar o evento, trazendo dos dois clubes,
vinhos e cervejas. Como por um milagre, a briga acabou no ato e todos,
principalmente aqueles que estavam de olho roxo, nariz sangrando e outras
equimoses normais desse evento, passaram a "encher o pote", acompanhados
pelas meninas, que pela matina, foram levadas em um comboio misto para suas
cidades. A partir de então, ficou combinado com as "damas" que elas deveriam
freqüentar os dois clubes, solução salomônica que contentou a todos.”
Era uma reação antagônica à Guerra, a parte social, justamente o desabafo.
(AAP81, AAP101, PIL379, PIL393, PIL459)
21 ÁLCOOL
21. A TRISTEZA
A tensão entre nós, pilotos, aumentou ainda mais. Em dois dias perdemos dois
amigos, dois excelentes pilotos de caça. Como no teatro, o show deve prosseguir.
Escondemos nossas tristezas em alguns canecos de vermute. Cada um manteve
na alma a saudade (dos) dois meninos sacrificados naquela guerra cruel e
desumana.
(PIL389)
21. B COMEMORAÇÃO
Era comum, quando um piloto regressava, os comandantes abrirem garrafas de
uísque e o pessoal beber muito. Alguns ficavam 'tontos' e, às vezes, o narrador
tomava um pileque e ficava com a língua presa.
Um piloto, depois de abatido, demorou dois dias para voltar. Causa: tomou um
vastíssimo porre, "homérico". Seu companheiro no porre foi um piloto de Spitfire,
abatido e resgatado por um Comando britânico.
Troquei de macacão porque o outro estava todo sujo de óleo, até jogaram fora, e
fomos para o 'oficial club' deles. Esse rapaz de quem falei hoje é um grande amigo
nosso, membro honorário do Grupo de Caça, que freqüenta todas as reuniões do
Grupo. Ele me disse: "Agora é que você vai ter a missão mais difícil, que é tomar a
vodka fabricada por esses caras, na cozinha deles, porque é o cozinheiro que
fabrica a vodka e você vai tomar um pileque". Respondi: " Não vou tomar pileque
coisa nenhuma, estou com dor de cabeça, chateado".
Engano meu, pois quando cheguei lá, colocaram um copo de vodka na minha
frente e depois cantaram uma canção cultural, aquela vibração toda. Eles beberam
e, quando fui tirar o copo das mãos seguraram ele e me deram um pileque de
vodka. Desmaiei e entrei num coma alcoólico perigoso.
Acordei no outro dia no Hospital Central de Livorno. Conversando com meu
amigo, que ali prestava serviço como Oficial Médico, comentei: “Se eu tivesse
morrido dessa coma alcoólica e tivessem perguntado por mim no Brasil, vocês
seriam obrigados a responder: “Bem, esse morreu de um porre de vodka.”
(PIL389)
21. C DESCANSO E DIVERSÃO
Cada oficial tinha uma ração quinzenal de uma caixa de cerveja americana, com
12 garrafinhas em cada caixa. Em grupos pequenos, ficávamos palestrando,
contando anedotas, histórias diversas, inclusive sobre as missões que tínhamos
feito, ou que desejávamos fazer na próxima missão. Naturalmente, cerveja entrava
no acontecimento, cada um tirando de sua caixa, uma garrafinha já bem gelada
pela temperatura do ambiente.
Um dia, em Pisa, um companheiro resolveu sair do sério e tomar 'umas e outras'.
Chamou o barman, um italiano meio 'fajuto' que nunca soubemos se tinha origens
fascistas ou não, e lhe ordenou a fazer um cock-tail batizado previamente por ele
de 'Senta a Pua!'.
Ponto alto da bebida, a nossa cachaça, que o Comandante guardava em estoque
para servir aos estrangeiros incautos, animados em testá-la. Era uma mistura de
cachaça com cachaça, um pouco de rum, vermute, strega, bagaceira, umas gotas
de vinho verde e guaraná, este com a finalidade de colorir a bebida. Tal dinamite
era colocada em um vasilhame maior e batida manualmente pelo homem do bar.
A apresentação, em um copo branco, próprio para servir uísque, tinha a cor de
guaraná. Juntava-se mais um ou dois cubos de gelo e o 'Senta a Pua!' estava
pronto para derribar um boi.
A receita se perdeu no tempo. Só lembra dela quem a sentiu de perto.
Era comum um dos companheiros homenagear José Bonifácio, bebendo à sua
saúde. Naturalmente, a homenagem atingia também a José Bonifácio, o moço;
Bonifácio sentado, Bonifácio de pé; estátua e outros Bonifácios.
Na verdade procurava-se um motivo para consumir rações de cerveja, vermute,
vinho, gim e bourbon americano vendidos no PX (Post Exchange, ou seja, cantina)
de 17 em 17 dias.
Bebia-se muito naquelas reuniões, e os que não se embebedavam é porque
eliminaram parte dela pelo ladrão.
(PIL389, PIL459)
22 MÚSICA
22. A DISTRAÇÃO E DIVERSÃO
Então começou a surgir uma coisa extremamente importante no Grupo de Caça
que foi a 'fase musical'. Um dos companheiros, grande conhecedor do folclore do
norte, tinha aquelas canções, algumas que até hoje são cantadas nas bases de
caças.
Era uma coisa espantosa como isso acontece. Nós cantávamos o 'popopó, piriri,
piriró', 'a gatinha parda', coisas assim, eram até meio infantis mas cantávamos
com uma dedicação quase de coral, querendo fazer vozes diferentes. Era uma
grande distração e um grande incentivo para nós, porque aquilo nos dava um
entusiasmo...
(PIL393)
22. B FORMA DE EXPRESSAR EMOÇÕES E ALIVIAR TENSÕES
A música entre nós do 1º Gp Av Ca sempre esteve presente. A gente podia
lembrar as coisas do Brasil fazendo um pouco de música, e eu até ajudava
bastante porque os companheiros gostavam de cantar aqueles boleros, aqueles
sambas, e isso era bom para o nosso moral. Todos ficavam alegres, todos
participavam, e nós tocávamos bastante. Algumas vezes também criava situações
pitorescas. Circulavam diversas paródias para satirizar os acontecimentos.
O piloto de combate é especialmente dado a cantorias nas suas horas de folga.
Isto porque precisa desatar os nós produzidos pela tensão de sua atividade. A
aparente brejeirice e acentuada musicalidade do piloto de caça não têm sua
origem num temperamento leviano ou de caráter superficial. Em termos de
comportamento constituiria, antes, uma espécie de farsa ou eufemismo das
reações, diante da dureza dos fatos ou das circunstâncias.
Qualquer unidade de caça, quanto mais ativa e aguerrida, exibe nos seus pilotos
uma descontração que, sabemos, é o pólo oposto de sua atitude em vôo. E todos
cantam, mesmo os desafinados. Fazem-no na guerra como em tempo de paz.
Assim se mantêm unidos e emocionalmente equilibrados.
Quando o Capitão regressou ao Brasil, por estafa aérea, foi designado para ir
antes aos Estados Unidos, apressar a vinda de duas turmas de novos pilotos que
se encontravam com o treinamento adiantado, em condições, portanto, de entrar
em combate.
Na despedida do "Velho", prestamos-lhe grande homenagem com a presença de
alguns artistas italianos, que vieram tocar e cantar em show especial para ele.
Nessa oportunidade, fizemos uma paródia da música "Leva meu Samba", de
Ataulpho Alves, que foi cantada para o Pamplona:
"Vai, vai Pamplona,
Nossa esperança,
Dizer lá pro gringo
Que o Jambock sofre e cansa.
(Lá...lá...lá...Rá...)
Vai dizer que é preciso
Mais gente chegar
Ou o Grupo vai parar!!!"
Com a melancolia da cadência do grande samba de Ataulpho, enviamos nossa
mensagem que, na realidade, era um brado de socorro. Pamplona partiu, e com
ele se foi a nossa última esperança de obter recompletamento. Fracassou.
Levaram-no para o lugar errado.
E a música dava uma ligação muito grande a todos os componentes, era melhor
do que conversa: cantar era melhor do que conversar...
(PIL371, PIL374, PIL389, PIL393)
22. C ÓPERA DO DANILO
Havia na ocasião do retorno do Danilo, no Teatro Municipal de Pisa, que os
americanos mudaram o nome para 'Teatro Thunderbolt', a 'Real Ópera de Roma'
uma companhia da 'Ópera Real' em Pisa. Acho de grande importância essa
presença da Ópera, porque coincidiu que em princípio de março chegou fugido do
território inimigo, depois de ter sido abatido, o Tenente Danilo Marques Moura.
Danilo, depois de libertado, voltou para a nossa Base e pôde então contar a sua
história. Ele contou essa história, nós todos ouvindo, enquanto ele, dez quilos mais
magro em apenas um mês, contava, de tal maneira fantástica, que nós, olhando
um para o outro, dissemos: " Isso vale uma ópera". Então resolvemos fazer nossa
própria ópera, em cinco atos: "A Fuga de Danilo Moura".
Como forma de passar o tempo e brincar com ele, fizemos a 'Ópera da Fuga do
Danilo Moura'. É uma variação de músicas contando a história dele em cinco atos.
É claro, fomos influenciados por aquelas árias, aquela coisa toda, que ainda
estava nos nossos ouvidos, e juntamos primeiramente o Perdigão, que fez grande
parte do libreto da ópera. O Rui Moreira Lima e eu contribuímos com a parte
musical, porque éramos mais musicais, cantávamos juntos e tudo. Tínhamos uma
musicalidade talvez um pouco maior do que os outros.
O relatório do Danilo assustou os americanos porque, em termos de fuga, ele fez
tudo ao contrário. O Meirinha chateava muito o Danilo, e quando ele falava alguma
coisa, o Meirinha interrompia: "Pô, isso não é italiano e você nem sabe, seu
burro!". O Danilo respondia: "Mas eu falei e o cara entendeu!" ... essas eram as
brincadeiras que fazíamos com o Danilo e levamos até o final.
O cara que tinha capacidade para fazer isso era o Perdigão, embora fosse o
sujeito mais 'desentoado' possível, um camarada que não tinha nada musical, mas
tinha uma inteligência e era brilhante para escrever, um poeta natural. Tudo ele
fazia bem na parte intelectual, só cantar é que não era de bom tom. Reuniu-se o
Perdigão, Rocha, Pessoa Ramos, eu, Cauby, Meirinha, mas quem fez mesmo a
ópera foi o Perdigão, o Rocha e o Rui.
Nós três é que concorremos com as músicas, mas a ópera não foi feita só pelo
Rui, Rocha e Perdigão, porque, como nós trabalhamos durante quase um mês ali
no Clube, e cantávamos aquilo tudo, sempre vinha outros companheiros e davam
palpites, e eram sempre bem-vindos. Inclusive um que deu uma participação
extraordinária que foi o Cauby. Tem um trecho da ópera que tem um "Olha lá, olha
lá", e essa parte foi do Cauby, é uma parte importantíssima da ópera, onde
fazemos uma encenação e, quando chega nesse "olha lá" está todo mundo atento
e aplaude, é muito engraçado.
Depois de um mês, tínhamos a ópera pronta e a encenamos, e nunca mais
depois, fosse durante a guerra e mesmo depois da guerra; não houve, porém, uma
única reunião do Grupo de Caça onde pelo menos algum trecho da ópera fosse
cantado.
Essa ópera era muito engraçada porque nós usávamos trechos musicais de
óperas famosas, usávamos músicas que o Rui tinha trazido do Nordeste, músicas
folclóricas, canções conhecidas, e também sambas de breque. Então era uma
'rapsódia musical', uma salada das mais engraçadas do mundo, e que contava
seriamente a história do Danilo desde da hora em que ele saiu, no café da manhã,
até a hora que ele foi abatido e depois, então, quando começou a fuga - que aliás
foi uma coisa extraordinária.
Pode, é claro, ter havido fugas mais heróicas, mas não houve nunca nenhuma
fuga tão eficiente, tão astuciosa, tão correta na maneira de 'desfazer' a coisa que
devia ser feita no momento. Ele pareceu tão errado que de tal maneira chegou até
a surpreender o possível inimigo, que estava à procura dele. Quando a fuga foi
relatada no Quartel General de Florença, os americanos, com toda a certeza
sacudiam, a cabeça e não acreditaram.
Então essa ópera é hoje uma parte importantíssima do 1° Grupo de Caça, e mais
importante ainda é porque cinqüenta anos depois ainda é cantada nas nossas
reuniões, nas noitadas nas bases aéreas, é espantoso.
É a história do aviador que termina no chão, machucado e cercado de partisanos,
eles meio revoltados com aquilo, então chamam a atenção: "Aviatori, que faz
bombardamento, matando gente, trazendo luto ...". Nessa hora, no Grupo de
Caça, todo mundo entrava no coro; até o Oficial de Operações, que tinha a voz
muito boa, também entrava nessa hora no coro. Essa cena é bem 'operística' e, na
encenação, a gente fazia o Danilo pulando de pára-quedas, que era de uma
cadeira, e aí o coro de partisanos voltava.
Mas o Danilo tinha uma coisa muito engraçada: ele trocava, às vezes, algumas
palavras; ele não dizia por exemplo, 'nordeste' mas sim 'nordoleste', e era uma
grande gozação quando o Danilo pronunciava a palavra nordoleste. Nós
resolvemos botar na ópera e fazer como que esta direção que o Danilo tomou
fosse o segredo da fuga dele, porque ninguém sabia para onde ele tinha ido.
Então pusemos em música, mais ou menos assim: O partisan chefe olha para o
Danilo e pergunta para que lado que ele quer ir, dá uma roupa para ele se vestir
de italiano, o que de fato ocorreu, tirando as vestimentas militares, e dá uma roupa
de camponês para ele, depois pergunta: "E agora, para que lado você quer fugir?".
Ele pensa e responde que quer ir para nordoleste, direção que deixa os italianos
completamente estupefatos. "
(PIL389, PIL393)
23 FAMÍLIA
23. A MANIFESTAÇÃO DO FAMILIAR
Carta de uma filha:
A II Guerra Mundial trouxe para meus pais a oportunidade de se conhecerem e
começarem uma linda estória de amor, luta e cumplicidade, e tenho certeza que
continua até hoje, em outra dimensão.
Meu pai, como um jovem militar brasileiro, e minha mãe, como uma jovem civil
italiana, enfrentaram, cada um de seu lado os horrores dos bombardeios, mortes,
perdas materiais e morais. Porém, o que para nós, filhos e netos, ficou mais
evidenciado, foi o fato de que o sofrimento desenvolveu neles, de uma forma até
comovedora, o sentimento de solidariedade não só para com a família, mas com
todos os que cruzaram seu caminho e de amizade. Amizade esta que ultrapassou
os momentos mais difíceis e continuou através de todos estes anos, onde a força
do passado manteve viva a chama e o contato entre os que participaram da
mesma história.
Nestes últimos anos, meu pai já não podia desfilar com os "companheiros" nas
solenidades, porém tentava encontrá-los através da televisão e os apresentava a
mim com muito orgulho e suas lágrimas ao acompanhar o Hino Nacional, tenho
certeza, tinham a mesma intensidade de respeito e emoção quando o fazia
enquanto jovem. É um prazer m
u
E de um filho:
Pai!
Como é duro ser Comandante de uma Força Aérea Tática(FAT)!
Será que você gostaria de estar aqui no meu lugar? E não sei se queria estar no
seu. É verdade que eu admiro o que significam suas estrelas, mas o trabalho que
dá para usá-las é muito grande para a minha disposição. Por enquanto, eu quero
voar por prazer, é que vou ter que me imbuir das responsabilidades. Terei que dar
duro.
Você também, do jeito que está, não dá para ficar mais dando duro. O negócio é
olhar para baixo e ficar gozando os tempos passados.
Sabe de uma coisa? (Se bem que eu não devesse dizer isto porque acaba você
ficando mascarado). Acho que você era o pai que eu queria ter. Acho que tive
sorte, tanto como você com a mãe. Sempre alguém tem alguma coisa a reclamar
dos pais. Eu acho que vocês são como deveriam ser, sem tirar nem pôr.
Acho que todo filho gostaria de ter orgulho em olhar para um cara e dizer para o
outro: "Este é o meu pai". Estou dizendo isto lembrando-me do dia da
inauguração, quando eu estava olhando o Batalhão em forma, e de vez em
quando, alguém perguntava alguma coisa sobre a tropa, e eu dizia o que tinha que
dizer e acabava em você: "E aquele ali é meu pai". Geralmente diziam: "Puxa!
Deve ser bacana ter um pai assim". E é verdade...
Carta de um pai:
Sê um patriota verdadeiro e não te esqueças que a força somente deve ser
empregada a serviço do direito. O povo desarmado merece o respeito das forças
armadas. Estas não devem esquecer que é este povo que deve inspirá-la nos
momentos graves e decisivos. O soldado não conspira contra as instituições pelas
quais jurou fidelidade. Se o fizer, trai os seus companheiros e pode desgraçar a
nação.
Outro pai incentiva:
Ante esta desgraça infinda
Que meu ser na vida aterra,
Eu tenho um orgulho ainda:
Meu filho partiu para a Guerra;
Com a coragem dos bravos
Apresentou-se à nação
“Jamais seremos escravos
do vil nazismo alemão!”
Deixou a terra querida
Tão cheia de encantos mil
Foi hipotecar a vida
Pela glória do Brasil.
Eu tenho um orgulho imenso
Do valor que isto encerra,
Sinto saudades se penso:
Meu filho partiu pra Guerra.
Empenhar o sangue, a vida
Qual destemido guerreiro
Pela Pátria estremecida
E o pavilhão brasileiro.
Vai meu filho, sê forte
Rasga esse céu cor de anil
Enfrenta a dor, zomba a morte:
Não és meu, és do Brasil.
(AAP94, AAP264, PIL384, PIL389)
23. B INFLUÊNCIA DOS LAÇOS FAMILIARES
Estou para ver um povo mais sentimental e afetivo do que o brasileiro.
Consultando o meu humilde diário, posso ver o quanto sofria por estar ausente
dos meus. Não era só eu. Era regra geral.
Quando fui para a guerra já fui afiançado, e para não perder a aliança, em Pisa,
eu a coloquei no bolso externo da minha jaqueta. Ao terminar a guerra, fiz parte da
escolta que conduziu o material para o embarque em Nápoles. Numa destas idas
e vindas, o Comando mandou recolher todo o fardamento americano que nós
usávamos na Itália, para ser doado à Cruz Vermelha. Os companheiros de quarto
meus, como eu estava ausente, recolheram tudo sem examinar nada. Quando
regressei a Pisa, qual foi minha surpresa ao não mais encontrar minha jaqueta, e ,
nessa história, lá se foi minha aliança.
Até hoje, minha noiva, que hoje é minha esposa, já com 53 anos de casados, não
acredita nesta história.
Um dos nossos companheiros, uma vez, foi ao Stork Club famoso night club de
Nova York, na época da guerra, para ficar noivo. Encomendou jantar para dois e,
antes de servir, ligou do próprio local, para a noiva no Brasil. Com emoção ouviu o
‘sim’ esperado. Continuou a jantar, conversando com ela pelo telefone. Os
garçons não entenderam bem o que estava se passando. Calmamente mandava
servir o outro prato como se a noiva estivesse presente. Jantou com ela em
pensamento. Era um romântico, uma criatura onde o lado humano tinha destaque
todo especial. Seu soldo foi consumido naquele jantar.
Ansiávamos pelo fim daquilo para regressar à pátria e rever a família e os amigos.
Isso era um incentivo, uma motivação, para nosso esforço de guerra, dávamos
tudo de nós para manter aqueles aviões voando.
(AAP140, AAP202, PIL389)
23. C VALOR DA CORRESPONDÊNCIA
Correspondência, naquela ocasião era mais cobiçada que alimento ou dinheiro.
Como era agradável receber uma carta! Só quem esteve na guerra pode sentir o
valor que tem uma carta para um combatente. Esse conceito creio ser universal.
No dia 12 de outubro recebemos a primeira mala aérea vinda do Rio de Janeiro,
trazendo-nos cartas e pequenas encomendas.
Durante todo o período que passei na Itália, fui o recordista em receber
correspondências do Brasil. Motivo - minha namorada escrevia uma carta por dia,
juntava todas de uma semana e levava ao local destinado a enviar
correspondência para os expedicionários. Quando chegava a correspondência, eu
corria e recebia, sempre, no mínimo sete cartas. Todos os meus companheiros já
sabiam e brincavam muito comigo.
Em tempo de guerra não existe maior fator para elevar o moral de uma tropa do
que uma carta de casa.
(AAP140, AAP276, PIL389)
24 ROTINA
24. A ROTINA DO PESSOAL DE APOIO
A guerra é feita por equipes em que muitos funcionam, cada qual no seu setor.
Qualquer falha num desses setores compromete o caminho da vitória, podendo
até levar à derrota, se for um erro de grandes proporções. A nossa equipe do 1º
Grupo de Caça foi composta de vários especialistas e artífices, como mecânicos
de aviação, rádio-telegrafistas, fotógrafos, pessoal de segurança, motoristas,
enfermeiros, médicos, taifeiros e outros.
“Como Sargento rádio-telegrafista de vôo e especialista em rádio-comunicações,
fiz parte da Seção de Comunicações. Essa seção tinha por finalidade manter o
sistema de comunicações dos aviões em pleno funcionamento. A rádio-
comunicação desse tipo de aviões era constituída de dois sistemas distintos: o
VHF era um canal distinto, destinado a ser usado somente quando havia
problemas de socorro, cujo código era 'May Day'. O segundo, IFF, era destinado à
distinção do avião amigo do inimigo. Esse equipamento usava códigos que eram
mudados de vez em quando, conforme as instruções da sala de operações, e
também possuía um dispositivo de autodestruição, para o caso do avião cair nas
mãos do inimigo.”
“A Manutenção em si era contínua: recebíamos o avião de combate,
inspecionávamos de ponta a ponta e, no escurecer, de lanterna, fiscalizávamos
todo o avião para ver se tinha sido atingido.”
“O Armamento ia para a pista juntamente com o pessoal de manutenção. Já
tínhamos os aviões preparados na véspera para a missão de manhã cedo, e
fazíamos apenas uma ligeira inspeção. Essa preparação competia geralmente de
duas bombas de 500 libras e 300 tiros para cada metralhadora; a fita de munição
era de 'ponto 50', talhada para determinados tipos de missão. Fazíamos 4 por um:
quatro tiros perfurantes mais um traçante para orientar o piloto na correção da
mira, do alvo. Fazíamos isso tudo e o piloto saía, e quando regressava,
reabastecíamos de bomba, munição e etc.
Já no final da guerra estávamos usando foguetes também, uma adaptação feita
para o avião porque ele não tinha sido construído para isso, então adaptamos para
seis foguetes, três em cada asa, e fazíamos essa reposição logo após cada
missão: foguetes, bombas e munição, e o avião estava apto para sair de novo.
“No Natal de 1954, que redundou nas comemorações da passagem do ano,
passado o perigo, deu-se a explosão de uma bomba de um P-47, que caiu numa
vala, no fim da pista, e pegou fogo. Estava eu fazendo a barba numa barbearia
improvisada, uma lona, quando o sopro da explosão quase desmontou a barraca,
e a navalha cortou-me o lábio superior. Ainda bem que não estava no pescoço.”
“Nós do Armamento, só preparávamos o avião depois que a Manutenção nos
dava o avião como disponível para voar. Se ele não estivesse disponível, não valia
a pena colocar a bomba, então, por esse motivo, passávamos na Sessão de
Manutenção e sabíamos quais eram os aviões disponíveis para a missão do dia
seguinte. Isso nós fazíamos com antecedência, na véspera: botávamos as
bombas, remuniciávamos as metralhadoras, fazíamos uma vistoria de um modo
geral e verificávamos o visor de bombardeio, que era importante. O visor de tiro
tinha que estar sempre correto, arrumadinho.”
“A missão das Informações no Teatro de Operações de guerra se pautava em
conhecer profundamente todo o dispositivo inimigo dos alemães. Esse
conhecimento ia desde a linha de frente até a fronteira da Itália. Nessa ocasião,
eram estudados os pontos de apoio, a concentração de tropas, a concentração de
blindados e a concentração de forças inimigas no Teatro de Operações. Também
era levado em consideração o volume e a quantidade de depósitos de munição,
depósitos de combustível e parques de viaturas. Além disso, era muito bem
estudado o contorno da linha de frente para que, quando houvesse uma missão de
atacar posições na linha de frente, os pilotos estivessem completamente
conhecedores da sua posição.
Também é interessante notar que se fazia um estudo da geografia do Teatro.
Esse estudo permitia que os pilotos, se deslocando no Teatro conhecessem
rapidamente a sua destinação: se estavam em cima de uma cidade e precisavam
ir para outra eles já sabiam o rumo, pois tinham estudado a geografia da área que
estavam sobrevoando. Em muito facilitou essa identificação desses pontos,
dessas áreas, desses locais, dessas referências, a experiência adquirida nos vôos
do Correio Aéreo Nacional. Isso permitiu aos nossos pilotos um grande
desembaraço na observação do terreno para seguirem os seus vôos.
Seguindo também a observação do treinamento, da missão da Informação no
Teatro de Operações, havia a necessidade de que se conhecesse muito bem as
posições da artilharia antiaérea, que era, na verdad,e o pior inimigo para o nosso
caçador, uma vez que eles tinham vários calibres, vários alcances, e suas
posições bem alocadas em determinados pontos de defesa. Naturalmente, os
nossos pilotos teriam que sobrevoar aquelas áreas, e a artilharia antiaérea era, de
fato, muito pesada e muito forte para atacar os nossos aviões.
Para se obter esse conjunto de informações volumosas e detalhadas, para se
poder operar, é claro que deveria existir uma fonte de informações. O Primeiro
Grupo de Caça era subordinado ao '350 th Fighter Group' norte-americano, de tal
maneira que essa subordinação fazia com que eles tivessem a obrigação de gerar
todas as informações para nós. Quais eram essas informações? Relatórios,
análises, sínteses, até a biografia de chefes alemães nos eram fornecidas, além
das informações relativas às áreas de partisanos. Conhecendo isso, um piloto, ao
ter que se lançar de pára-quedas, sabia que podia escolher uma área daquelas,
que cairia nas mãos de amigos.
Essas fontes de informações também eram complementadas com fotografias
aéreas verticais em várias escalas, fotografias oblíquas, cinemas, relatórios de
pilotos, porque eles tinham visto tudo com os seus próprios olhos: o terreno, o
inimigo e suas posições, as destruições que tinham causado. E por último, eles
davam o conjunto de detalhes dos coordenadores aéreos avançados. O que vem
a ser isso? O coordenador aéreo avançado era uma equipe de dois pilotos, num
avião pequeno, voando abaixo da altura, subindo a linha de frente de tal maneira
que, a um pedido da Força Terrestre, poderia indicar onde estavam sendo
realizadas as resistências mais intensas dos alemães, como também os contra-
ataques que estavam fazendo contra as tropas americanas. Esses pilotos davam
uma posição exata para os nossos pilotos atacarem.
Posteriormente, no início de abril de 1945, o Alto Comando da Força Aérea
Americana na Itália resolveu dividir o Teatro de Operações em faixas com a
largura de 30 quilômetros cada, e atribuiu a cada unidade aérea a
responsabilidade de atuar nessa área, visando principalmente a interdição para
movimentação das tropas inimigas. Isso significava atacar todos os meios de
comunicação, ferrovias, rodovias, entroncamentos ferroviários, estacionamentos
de carros e de viaturas, de maneira que o indivíduo ficasse completamente
imobilizado. E também dava responsabilidade à Unidade Aérea do 1º Grupo de
Caça de selecionar os objetivos principais e primordiais dentro dessas faixas.
“O Capelão tornou-se um dos mais populares oficiais do Grupo, notadamente
entre Praças. Sempre estava em todas e com todos, fazendo amigos e os
encorajando a prosseguir na luta, a superar o frio e a suportar a saudade. Além de
Capelão, conselheiro - inclusive sentimental (casou vários soldados e sargentos
com italianas em Pisa) - chefiava o Serviço de Censura Militar, cabendo-lhe a
tarefa de ler a correspondência dos integrantes da corporação enviada ao Brasil, e
responsável pela catalogação dos documentos históricos da unidade. Em Pisa,
tornou-se conhecido pela assistência que dava aos flagelados de guerra,
notadamente aos órfãos. Em reconhecimento dessa tarefa, a Cúria Metropolitana
de Pisa convidou a oficiar a missa solene, comemorativa da Vitória, na badalada
catedral da cidade do histórico Campanille Pendente.”
“No Grupo, apesar de pertencer ao "Quadro de Manobras e Reparos "QMR",
minha função era um tipo de "pau para toda obra". Tirava guarda de 24 em 24
horas, e nas horas de folga ainda carregava algumas "pedrinhas". Eu participe
mais ativamente da segurança do pessoal, dando guarda em vários setores,
principalmente no nosso acantonamento na cidade de Pisa e, como sentinela
sentia também as tensões de uma guerra. Quando era soldado recruta, aprendi
que sempre que uma unidade militar é atacada o primeiro a morrer é a sentinela e
por isso é preciso muito olho vivo quando se está no posto. Acho que fiz muito
pouco mas, pensando bem, alguém teria que guardar os bens e proteger a vida
dos companheiros enquanto trabalhavam e dormiam. Eu era um deles.”
(AAP4, AAP4, AAP99, AAP152, AAP206, AAP281, AAP296)
24. B ROTINA DOS PILOTOS
O Grupo começou com o mínimo minimorum. Nós começamos com 39 pilotos
para quatro esquadrilhas, então quatro esquadrilhas, seriam, esquadrilhas de nove
pilotos cada esquadrilhas - eram 8 pilotos efetivos e um reserva - a verde, a
amarela, a vermelha e a azul -, yellow, red, blue e ... enfim (green), éramos 39
pilotos, quer dizer, além dos 38, tinham mais alguns, mas nós perdemos, logo no
início, nós perdemos alguns pilotos em acidentes e também em combate, né?
Morreram ou foram abatidos.
As missões eram normalmente de bombardeio picado, uma operação onde o
avião mergulha sobre o objetivo determinado, até uma certa altura, e lança as
bombas sobre aquele objetivo. É chamado de 'picado' porque o avião representa
uma atitude de 'piquet'.
Logo depois, quando acabava o bombardeio, era feita uma segunda fase, de
procura por alvos de oportunidade. Então éramos, de uma maneira geral, oito
aviões, às vezes doze, poucas vezes, somente quatro aviões.
Nós nos apresentávamos na sala de Operações e Informações, escalados para
uma determinada hora, para uma missão, sobre a qual nós não sabíamos nada
até aquele momento. Então, o Oficial de Informações, que havia recebido a
missão de um escalão superior, determinava os objetivos. E aí, o nosso pessoal
preparava tudo o que era necessário passar para o piloto, e havia a chamada
operação "briefing", que era a informação via operações para os pilotos, sobre
tudo aquilo que iria ser feito na missão, de tudo aquilo que os pilotos deviam saber
em relação àquela missão. Então era mostrado o mapa da situação, onde era
bastante especificada a chamada "bomb line" ou 'linha de frente', definindo a partir
de onde era território inimigo. Era destinado o objetivo principal, mas sempre havia
o objetivo alternado, aquele que seria atacado se o principal não pudesse ser
efetuado por razões normalmente meteorológicas. Sabia-se também sobre o
número de aviões e as bombas que seriam lançadas; as metralhadoras
normalmente eram lançadas totalmente e, em alguns casos, se levavam foguetes.
Todos os aviões tinham um tanque suplementar de combustível, que era chamado
de "belly tank", que não tinha indicador de consumo, tinha que ser gasto até o
motor dar uma 'rateada'. Então, normalmente a gente decolava, se reunia, e fazia
a subida para altitude de cruzeiro, de 10.000 a 12.000 pés, para que pudéssemos
passar os Apeninos e, além disso, era a altitude mais aconselhada para sofrermos
menos ações da artilharia de 88 milímetros.
Então a gente se deslocava num tipo de formação chamada 'linha de frente', e ia
em direção ao objetivo. Nesse caminho, nunca era seguida uma reta constante.
No início, os pilotos mandavam-nos fazer muito zigue-zague, para evitar a
antiaérea, depois - com a experiência - se verificava que, do chão para 12.000
pés, um tiro de antiaérea levava mais ou menos dez segundos, então a gente
ficava na reta e contava : '1001, 1002, 1003', e quando chegava em '1008',
mudávamos de rumo. Normalmente a antiaérea explodia ali e não acertava, quer
dizer, o '88' só nos acertava numa casualidade ou com um tiro de sorte, e a gente
ia assim, até atingir o objetivo.
Se o alvo estivesse descoberto, o Comandante da esquadrilha mandava voltar à
posição de mergulho: as esquadrilhas ficavam uma ao lado da outra e era então
iniciado o mergulho individual, onde cada um mergulhava e fazia a sua pontaria,
soltava as bombas, e já havia uma certa instrução sobre a recuperação ser pela
direita ou pela esquerda. Este era um momento em que poderíamos ser atingidos,
porque eles usavam as baterias de 40 e de 20 milímetros.
Eles não atiravam propriamente no avião, atiravam com espoletas para explodir
numa determinada altitude, então aquilo formava um prato de explosões onde o
avião tinha que passar. A gente ia mais baixo que 5.000 pés para lançar as
bombas e era nesse momento que cada um levava a sua, pegava 'pequena' ou
escapava, mas de uma maneira geral eles sempre acabavam acertando alguém.
Lançávamos a bomba e nos recuperávamos. Normalmente o piloto que estava por
trás tinha a possibilidade de ver o resultado do piloto da frente, se ele tinha
acertado ou se tinha batido de lado, etc. O último avião é que não tinha ninguém
para olhar os resultados dele. Então chegou uma determinada época em que eles
colocaram a chamada 'máquina fotográfica K-25', que ia antes da ponta da asa. A
pessoa que carregava essa máquina era obrigada a fazer um outro mergulho e
tirar fotografias, para obter o resultado do bombardeio.
Então as esquadrilhas se separavam, e normalmente o ataque de oportunidade -
strafing - não tinha mais do que uma esquadrilha; quando tinha oito ou doze cada
uma, tinha a sua área determinada e saía para aquela área. Cada esquadrilha
separava os seus elementos, cada elemento se separava um pouco para que a
pessoa pudesse ter uma visão do vôo e tentar enxergar algum alvo e etc. A ordem
então era: "Tudo que se mexer, atira". Não queríamos saber se era uma bicicleta
ou um trem, "mexeu, atira".
Além disso, havia os depósitos de munição camuflados, depósitos de combustível
também, e às vezes a gente pensava que era um monte de feno, aquele campo
bonito. Mas não, era depósito de munição. Quando o tempo esgotava, a
esquadrilha se reunia e voltava para a sua Base.
Certas vezes as condições atmosféricas não eram excelentes e então,
normalmente, se subia para passar acima das nuvens e, chegando no Vale do Pó,
o piloto passava para baixo e pedia o auxílio do radar. Naquele tempo não tinha o
radar que podia direcionar, mas ele orientava para que a gente pudesse passar
para uma altitude de segurança, por causa dos Apeninos, e dirigia a esquadrilha
em direção ao mar. Depois que ele sabia que a gente tinha saído fora das
elevações, mandava começar a descer e íamos obedecendo, até que se via o mar
a uma baixa altitude. Eles então davam o rumo para voltar para a Base.
Em princípio a conversa de rádio do Primeiro Grupo de Caça na Itália era a mais
sucinta possível, porque éramos todos no mesmo suporte de radar, fosse pela
navegação ou fosse para situações de emergência. Quando você tinha um
problema qualquer e precisava chegar o mais rápido possível para as suas linhas,
você pedia 'may day', que significa 'ajude-me'. Era só falar o 'may day' e ele tinha
você no radar e te dava um rumo para você seguir, então a comunicação era a
mais sucinta possível e tudo era por código.
O Grupo de Caça era 'Jambock' e a esquadrilhas tinham cores como código:
Jambock vermelho, Jambock verde, Jambock azul, Jambock amarelo. Então era
'Jambock' e a cor da esquadrilha. A Torre de Pisa era chamada de 'Blackball' e as
comunicações rotineiras todas tinham uma espécie de forma resumida: por
exemplo, 'tanque' queria dizer 'livre para pousar'. Mas, de uma forma geral, a
comunicação era objetiva e de uma eficiência fantástica e, dentro dessa eficiência
nós, como já disse, pela homogeneidade de nosso Grupo e pelo treinamento que
nós recebemos, pela motivação, nos sobressaímos nesses termos.
Nós operávamos muito com um controlador aéreo avançado, eram os 'Rovers'.
'Rover', em inglês, significa 'ambulante', então em determinadas missões ia
sempre um oficial de caça bombardeio junto com o corpo do exército, com a
unidade terrestre e era 'Rover Jô' e 'Rover Pete'. Você se comunicava com ele e
então ele informava você sobre o que estava precisando...
Difícil era saber qual o pior alvo de ser atacado, dependia de você saber se era
bomba, foguete ou tiro de metralhadora. As bombas são mais difíceis de acertar
porque a percentagem de acerto de cada um é de 80% se o piloto for excelente.
Se ele for médio, talvez acerte 40%, 50%. E se ele é ruim, não vai acertar quase
nada. De forma que depende do treinamento, do momento que você inicia a sua
operação de mergulho, tudo isso é muito importante, o modo como você inicia o
seu mergulho e a sua concentração para poder jogar a bomba. E depende do alvo
também, se é trilho de Estrada de Ferro, se é uma ponte ou se é um depósito de
munição: quanto maior o alvo, melhor.
Eu joguei bombas em Bolonha, em alojamentos dos soldados alemães, e Bolonha
era um inferno de artilharia aérea: você 'botava a cara' lá e os caras começavam a
atirar. Você voltava de lá e olhava para trás: era aquela nuvem feita da fumaça das
granadas estouradas. Tinha uma ponte que eu me lembro muito bem, a Ponte de
Custeno. Nós fizemos umas seis ou sete missões com oito aviões para derrubar
essa ponte, que tinha uma elevação e passava por um vale, apenas os trilhos de
estrada de ferro em cima de uma armação, de forma que ela era esguia, parecia
um fio de linha. Aí você acertava para um lado e para o outro, mas a ponte
continuava intacta e rindo da gente. Até que um dia acertaram, conseguiram
acertar uma bomba nessa Ponte Custeno. Nunca me esqueci, mesmo porque, na
minha terra, tinha um ferreiro italiano que era de lá. Depois fiquei conhecendo o
ferreiro e me tornei amigo dele.
Em uma das missões, a faixa que deveríamos cobrir no regresso, em busca de
alvos terrestres para o strafing, era paralela à costa do Mar Adriático. Quando
estávamos a caminho, a uns 4.5000 pés, ouço uma voz muito minha conhecida,
convidando-nos a dar uma olhada em Veneza, que brilhava transparente ao sol
daquela manhã: "Vamos até lá, está linda".
De fato, lá esta
v
proibido sobrevoar essa cidade. Pretendia chegar só um pouquinho mais perto
para ver melhor. Veneza servia na época de local de lazer dos chefes da máquina
guerreira alemã e, por tal razão, era super defendida de possíveis incursões
através dos seus inimigos. Sobrevoar Veneza era uma temeridade. E, totalmente
inútil, do ponto de vista das missões dos caça-bombardeiros. Mas vá lá...! Vamos
dar uma espiada rápida e voltar para a faixa do terreno que começava logo ali, ao
sul da cidade translúcida! Não deu outra! Já estávamos nos virando para a rota
certa e voávamos em formação relativamente solta, quando o tedesco começou a
atirar com seu 40mm. Mal nos aproximamos de Veneza, as baterias antiaéreas
tedescas iniciaram uma precisa atuação contra a esquadrilha.
Ao meu berro de "Flack", começamos a dançar. Aquela dança de vida ou morte,
tentamos nos livrar da saraivada certeira das explosões. Tudo foi tão rápido! O
Tenente que vinha logo atrás de mim, gritou: estão atirando em você". Nesse
instante, o projétil explodiu tão perto de mim que o deslocamento do ar provocado
pela explosão fez com que meu P-47 se deslocasse para cima uns 20 metros no
mínimo. Rapidamente, entrei em mergulho para sair do alcance de ângulo e,
minutos mais tarde, já estava tudo em formação normal outra vez. Realmente, foi
a única vez que me acertaram. Felizmente, ninguém abatido. Mas uma das
explosões foi tão próxima da minha garça que, com o empuxo, meu motor chegou
a engasgar. Um barulho de chuva de pedra caindo em telhado de zinco eu ouvi,
nitidamente.
Saímos dali a toda, e só fui me refazer juntando o meu pessoal, uns cinco ou dez
minutos depois. O meu mecânico, examinado a garça, já no estacionamento,
balbuciou para mim: "Pô, Capitão, tem risco de estilhaço em toda a fuselagem.
Olha este aqui: do capô até a cauda. O mecânico, mais tarde, veio me comunicar
que encontrara um furo de estilhaço na cauda do meu avião do tamanho da minha
unha do dedo mindinho. Puxa, que inspeção rigorosa foi essa!
(PIL371, PIL379, PIL393, PIL403, PIL407, PIL459)
25 ESFORÇO
25. A TRABALHO SEM DESCANSO
Todos nós, cada um com seu avião, lutávamos para mantê-lo em perfeitas
condições o tempo todo. Quando um avião da Esquadrilha chegava avariado,
todos nós juntávamos para pô-lo em ordem o mais rápido possível, pois havia
entre as esquadrilhas uma espécie de concorrência para ver quem mantinha sua
esquadrilha em melhor ordem de vôo. Para nós, era um motivo de honra. Não
sossegávamos enquanto todos os aviões não estivessem em plena ordem para
vôo.
Dia e noite, agachados ou trepados em escadas, levávamos horas e horas, muitas
vezes num trabalho monótono e difícil, não muito limpo, a fim de manter em forma
os motores do P-47.
Naquele inverno rigoroso, com os membros adormecidos pelo frio intensíssimo,
nos lançávamos com vibração, entusiasmo e força de vontade, na faina de
substituir peças, testar os motores e mantê-los em perfeito estado técnico para
levantar vôo a qualquer hora. Conscientes de nossas responsabilidades, éramos
escrupulosos nos trabalhos de manutenção dos aviões, armamento e
comunicações. Cada qual se esforçava para que sua esquadrilha e seu avião
fossem o melhor. Havia um grande espírito de equipe. Ninguém mais do que o
mecânico sofria quando um P-47 deixava de regressar à Base.
Sem querer "puxar a brasa para nossa sardinha", do pessoal de terra, a turma do
Armamento foi a mais sacrificada, o que eu considero mais importante naquela
guerra, com exceção dos pilotos, que também eram sacrificados. Entre uma
missão e outra, tínhamos de deixar o material preparado, munição para as oito
metralhadoras ‘ponto 50’, bombas de 500 ou 1000 libras, foguetes, três em cada
asa, pesados e enjambrados. Posteriormente, essa parafernália foi trocada por
trilhos já fixado nas asas, bombas napalm, câmaras fotográficas, etc.
Para nós, de Armamento, a vida era muito dura, muito cansativa. Trabalhávamos
muito e tínhamos um expediente muito grande. Todo o pessoal do Armamento
trabalhava em demasia, tanto quanto o pessoal da Manutenção e o pessoal do
reabastecimento. Entre uma e outra missão, mal dava para fumar um cigarro.
Tínhamos um trabalho árduo, cansativo; chegávamos no quartel, tomávamos um
banho, jantávamos e íamos descansar.
Em virtude dos aviões deverem estar sempre disponíveis, eu trabalhava até tarde
e, no regresso, não queríamos mais nada a não ser o repouso. Por coincidência,
estávamos num alojamento dos mais antigos, éramos doze elementos, então
fomos apelidados de os 'doze apóstolos'. Não tínhamos tempo para divertimento
porque tínhamos que nos preparar para o dia seguinte: às quatro da madrugada,
íamos para o campo preparar os aviões, então não tínhamos tempo para
brincadeiras e nem para lazer.
Graças ao nosso desempenho, nosso treinamento, aquilo não foi nenhum 'bicho
de sete cabeças'. Nos esforçávamos de tal maneira que nunca um avião ficou
parado sequer um minuto por falta de manutenção. Posso até estar exagerando
mas, se aquele avião tivesse que fazer uma missão uma hora após a chegada, ele
estaria pronto para ir para o combate.
No verão, quando os pilotos regressavam mais ou menos dez horas da noite, nós
deixávamos o avião prontinho para o dia seguinte, às vezes saindo do
acampamento quase à meia-noite. Íamos comer alguma coisa para no dia
seguinte levantar às 5 da manhã, porque os aviões, já nesse horário, decolavam.
Era essa a ordem das coisas: primeiro o avião, depois o estômago.
Eu era solteiro, nada me preocupava, no meu entender só existia uma coisa:
trabalhar bem, bem e bem. Nunca fui chamado à atenção e tive a convicção de
que eu exercia minhas funções com dedicação e amor ao trabalho. Nunca medi
esforços para dar 15 e, ás vezes, mais horas de trabalho ao dia.
Meu coração de vinte e pouco anos me valeu trinta dias de cadeia. Eu sempre fui
'esquentado' desde garoto e desacatei o sentinela. Nosso querido chefe do
pessoal não me perdoou e me deu trinta dias de cadeia. Quer dizer, cadeia só no
Boletim, porque todos os dias eu estava lá trabalhando, só vinha dormir no
'xadrez', porque durante o dia eu estava prestando serviço. Na hora que recebi a
punição eu pensei: "Ótimo, porque agora eu vou ficar trinta dias descansando",
mas me enganei; era só para vir dormir no xadrez, porque o resto do dia eu tinha
que prestar serviço normalmente.
(AAP81, AAP152, AAP160, AAP243, AAP268, AAP296, AAP343)
25. B EXPOSIÇÃO A PERIGO
Riscos para o pessoal de terra:
A cidade de Pisa e toda a zona de operação militar estava sem água, sem luz,
com toque de recolher para os civis às 21:00. Dessa hora em diante podia se
esperar tudo, a tensão era enorme. Certa noite, por volta de uma hora, aconteceu
um fato que podemos classificar de excitante. Estava eu no meu posto quando
ouvi um barulho enorme de vidros se quebrando e um vozerio. Imediatamente,
fuzil e dei um tiro para o alto e acendi a minha lanterna em cima do grupo. Eram
umas cinco pessoas civis, apontei a arma e quase atirei em cima delas; felizmente
tive um lampejo de bom senso e não atirei. Não eram inimigos, e sim civis que
desobedeciam a ordem de recolher. Provavelmente estavam bêbados. Liberei-os
na hora, depois de passar-lhes um "pito".
E assim eram os meus dias de tensão quando estava na guarda...Os serviços de
guarda eram sempre muito tensos e estafantes, pois aprendemos que, no caso de
um ataque inimigo, o primeiro a morrer é a sentinela e por isso é preciso muito
"olho vivo" quando se está no posto. Nessa ora a vida de todos os companheiros
estava nas minhas mãos.
A tensão era grande. Qualquer estalido, qualquer barulho, fazia o coração
acelerar e a adrenalina tomava conta do corpo. Algumas vezes aconteceram fatos
que hoje podemos classificar de excitantes, mas na hora em que aconteceram,
foram pavorosos e arrepiavam os cabelos.
O Armamento ia para a pista juntamente com o pessoal de manutenção. Já
tínhamos os aviões preparados na véspera para a missão de manhã cedo, e
fazíamos apenas uma ligeira inspeção.
Quando o avião pousava o pessoal estava já em cima da asa abrindo um tampão
para botar munição nas metralhadoras e então vinha o carrinho, o dito 'bambino',
para botar as bombas embaixo, no porta-bombas. Os foguetes eram perigosos,
porque era uma adaptação feita na hora e tínhamos que ter muito cuidado porque
o circuito do foguete era o mesmo da metralhadora. De vez em quando, um
americano ou brasileiro disparava as metralhadoras, ou vice-versa; o interruptor
era um só, para baixo ou para cima, e se o piloto bobeasse, dispararia a
metralhadora ou o foguete na pista.
(AAP99, AAP296,)
E para os pilotos:
Em termos de risco antiaéreo atacar uma posição de artilharia era muito mais
perigoso, porque nesses ataques nós íamos bem baixo, bem baixo mesmo. Então,
eles procuravam se proteger, dificultando nossos ataques, e isso é humano. Sol
de cauda para nós - porque eles ficavam ofuscados pelo sol - era a tática que nós
usávamos, e eles tinham também que se contrapor a isso.
Mas o nosso avião levava a bandeira, as cores da FAB, então, muitas vezes,
vinha na minha mentezinha, um aviso assim "eu não posso fraquejar, eu não
posso fraquejar", então isso tudo fazia com que eu sobrepunha a essas, não era
estresse, era mais ou menos uma espécie, talvez seja estresse, mas eu não sei
bem, era o frio, a saudade de casa, o fato, por exemplo, de eu não ter na frente
uma oportunidade de carreira. O meu objetivo foi fazer bem minha missão, fazer
minhas missões tão bem quanto os outros e se possível até melhor do que um
outro qualquer, era aquela emulação, emulação, que eu sentia, né?
Eu participava como o número 3 em uma esquadrilha. Já havíamos praticamente
terminado a missão e estávamos regressando, a 10 mil pés de altitude, quando o
companheiro avistou uma série de carros de estrada de ferro estacionados num
pátio de manobra e comentou: "Olha lá quantos carros! Vou descer para atacar".
Eu ainda retruquei: "acho que vais encontrar lixo. Os alemães nunca deixaram um
vagão sequer num pátio de manobra, como iriam deixar mais de 20 carros
estacionados?". Ele falou que não tinha importância, para eu ficar que ele iria lá
ver.
Fiquei, como de cadeira cativa, sobrevoando e assistindo o ataque dele. Ele teve
sorte porque começou a atirar ainda de uma certa distância: cheguei a ver aquela
poeira das balas que atingiam o chão, quando, repentinamente, tive a impressão
de estar tremendo porque o chão todo tremeu e todos os vagões explodiram ao
mesmo tempo, uma coisa violentíssima. Todos os que estavam voando no Vale do
Pó comentaram: "Olha a fumaça, chegou a 10 mil pés". Foi tão violenta que o
companheiro, não podendo mais sair , passou dentro do fogo da explosão. Do
outro lado, ele dizia: "Estou praticamente cego, não vejo nada ".
Encostamos nele e ele começou a se recuperar. Na ponta da asa tem a parte que
cobre as luzes, uma peça de plástico; aquilo tudo derreteu, uma parte imensa do
avião ficou preta, um negócio escandaloso. O que o salvou é que a explosão foi
tão grande que os estilhaços passaram antes de ele entrar diretamente no fogo.
No filme real conseguimos perceber determinados destroços passando em frente
do avião, algo fora de qualquer comentário, que chamou a atenção de todos que
estavam voando no Vale do Pó. E ninguém conseguiu saber porquê os alemães
tinham deixado tantos vagões com munição naquele pátio.
Certa vez nós estávamos já na fase de alvos de oportunidade, em vôo bastante
baixo, quando o Comandante da esquadrilha, de repente, disse: "Ih, o campo de
Vila Franca pela frente, vamos fazer um 'break' de noventa graus". Eu, como
estava atrás, raciocinei que ele, fazendo uma quebrada de noventa graus e eu
fazendo atrás, estaria mais distanciado ainda do campo. Mas eu me esqueci que,
nesse campo em particular, o Vila Franca, as instalações ficavam num local e a
pista ficava afastada, de maneira que quando eu terminei a curva, eu vi aquela
faixa preta na minha frente e aí eu vi imediatamente onde eu estava.
Se eu não visse, eu ouviria, porque a artilharia era tão forte que eu escutava o
barulho da metralhadora. Já levei um 'cacete pelos peitos' logo de saída, o avião
balançando todo, aí joguei fora os tanques, os foguetes e colei o mais que pude no
rasante. Achei que tinha chegado meu dia, eu ouvia aquele "tá-tá-tá", então
repentinamente veio o silêncio completo. Eu não entendi nada, qual o motivo de
ter parado aquilo tudo, e quando eu olhei, um membro da esquadrilha tinha
resolvido subir para fugir da antiaérea, então todo mundo saiu de onde estava
atirando e passou a atirar nele, porque ele ficou um alvo dando sopa. Por incrível
que pareça ninguém acertou nada e ele conseguiu ir embora.
Aquele piloto me ajudou, porque eu fiquei livre daquela situação. O avião ficou
bastante danificado: furou o pneu, estourou o oxigênio, acabou com o sistema
hidráulico e ele perdia a sustentação com muita velocidade, mas voava, então
voltamos. Eu estava razoavelmente preocupado porque a pista era de concreto, e
havia sempre um prolongamento de chapas de aço, e eu não sabia o que ia
acontecer com o pneu furado. Não tinha o 'flap' para descer, só pela força da
gravidade, baixei o trem e vim, pensando: "seja o que Deus quiser ". Mas o avião
era espetacular e agüentou; não consegui mantê-lo na pista, ele ficou saindo e
entrou pela grama, mas não quebrou, não deu cavalo de pau, agüentou até o fim.
Fomos para o Passo de Brenner, onde tinha uma estrada ligando-o ao Lago de
Garda, e poucos quilômetros adiante havia três tanques que estavam camuflados
e não permitiam que se entrasse lá: era só colocar a 'cabeça prá fora' e já se era
atacado, por esse motivo os americanos não podiam entrar.
Quando nós chegamos em cima desse local entramos em contato com o 'Rover
Jô' - destacamento aerotático que ficava na frente de combate - e demos a nossa
posição. Nosso Comandante nessa missão era o próprio Coronel Nero Moura.
Quando chegamos e estávamos circulando, fazendo uma espiral lá em cima, eu vi
a camuflagem e avisei o Comandante, dizendo que estava também vendo os
tanques. o Nero Moura disse para mim : "Olha, vai atacar os tanques e assume o
Comando da esquadrilha".
Quando eu fui entrar, entrei errado, um pouco confuso pelo calor do combate; eu
deveria ter passado pelo lago de Garda e ter entrado de leste para oeste. Mas eu
quis atacar e entrei na posição que era errada porque se fosse atingido não teria
como sair de lá, e foi o que aconteceu. Foi um tiroteio muito grande, eram umas
quatro horas da tarde, o sol já estava atrás do morro e estava escuro lá dentro do
vale, muito escuro. Logo que eu entrei, eu já avisei pelo rádio: "Não entra mais
ninguém porque está um tiroteio muito forte e o espaço é muito pequeno!". Dito
isso, fiz o ataque ao primeiro tanque: a tática é se atacar por baixo, pela esteira. O
ricochete com a munição incendiária pega no tanque e o incendeia, e eu fiz isso.
Mas houve um incidente quando eu entrei: eu disse para avisarem o 'Rover Jô'
que nós só tínhamos metralhadora, e atacar tanque com metralhadora é
complicado. Aí recebi uma mensagem que, traduzida, diria o seguinte: "Vale a
pena trocar o avião pelo tanque". Então eu incendiei esse tanque, mas recebi um
tiro não sei de qual calibre que pegou exatamente nas seis garrafas de oxigênio do
meu avião. O impacto foi forte, não sei se o disparo veio do próprio tanque, mas a
explosão do tiro junto com a explosão do oxigênio deu um clarão como se o avião
estivesse pegando fogo, mas foi só um susto. Eu estava com bastante velocidade
e fui para o segundo tanque, já com um pouco de dificuldade para atirar, e
também acertei. Com dois alvos destruídos parti para o terceiro tanque, tirando
todos os três de circulação. Só que quando terminei o ataque, minha velocidade já
não era muito grande, então puxei o avião para ganhar altura e voltar.
O local onde eu estava era muito estreito, era uma curva que eu teria que fazer
muito fechada e quando ele passou para uma velocidade que era segura para o
avião - 140, 150 milhas - a asa caiu, como se eu tivesse perdido os comandos. Eu
imediatamente comuniquei: "Perdi os comandos!". Soltei a bolha de vidro - o
canopi - e quando ela caiu do avião, o companheiro reportou ...: "Ele saltou e o
pára-quedas não abriu!". A essa altura eu ainda não havia saltado realmente,
estava tirando o fone dos ouvidos e só ouvi esta parte; joguei-os no fundo do
avião, entre minhas pernas, e só então iniciei o procedimento de abandonar o
avião.
Eu tinha muito medo do frio se caísse prisioneiro, então eu usava uma bota de
combate para o inverno, forrada com pele de carneiro. Foi essa bota que me
ajudou nessa hora, porque eu não sou pára-quedista e confesso que todas as
vezes que tinha que saltar eu tinha medo. Fui experimentar para ver se saía do
avião e botei os meus pés nos cabos de comando: levantei o nariz do P-47 e
comandei. Nisso meu corpo ficou do lado de fora, eu já estava com os pés presos
e ia ficar no ar porque não estava em cima da cadeira, que era a maneira correta
de se abandonar o avião.
Nessa luta de controlar o avião ele picou, adquiriu velocidade e, para não bater no
morro, eu puxei o avião. Foi quando ele atendeu ao comando. Pensei na mesma
hora: "Não vou mais saltar". Baixei a cadeira, me ajeitei na cabine debaixo de
muitos tiros e fui até o Passo de Brenner, onde passei em cima de Overetto, que
era um paliteiro de antiaérea muito grande. Voei muito próximo de um ninho de
metralhadoras, me acertaram em cheio e acabei eu trazendo 57 furos na minha
fuselagem.
Eu sou devoto de Nossa Senhora de Fátima e comecei a rezar, o 'pau comendo'
em cima de mim! Enquanto tudo isso acontecia ninguém sabia do meu destino,
para eles eu tinha saltado e o pára-quedas não abriu. Quando cheguei em cima do
Largo de Garda, que era o lado amigo, 'pesquei' o capacete, conectei o fone e
chamei o Comandante Nero. O Nero perguntou: "Onde é que tu estás? Tu estás
no 'Rover Jô'?", e eu respondi: "Não, eu estou voando aqui em cima do Largo de
Garda. Estou voando no meu avião!". O Comandante rebateu na mesma hora:
"Mas tu não saltaste tchê?", e eu expliquei que não, mas que depois contava
melhor.
Encontrei-me com a esquadrilha e fomos embora; eu quis pousar em Guedi, que
era um campo de pouso dos alemães que recentemente tinha sido tomado pelos
aliados, e a torre disse para não pousarmos porque a base estava cheia de
explosivos. Eu não estava confiando muito no avião porque ele estava tremendo
bastante, então eu disse que ia pousar de qualquer maneira e acabei chegando na
Base são e salvo.
(PIL373, PIL379, PIL389, PIL393)
25. C RISCO DE VIDA
A tensão começava pela luta de se ganhar aquele dia, porque disputávamos cada
dia. Um companheiro disse uma vez: "Você está disputando cada dia com a
morte". Isso porque a cada mês perdíamos três pilotos, era a média e foi uma
aritmética muito ruim, muito má, mas que foi cumprida à risca.
Nós fazíamos o bombardeio e, no momento em que entrávamos lá, esquecíamos
de tudo. Naquela hora vinha a tensão e você pensava: "Será que é hoje?", e no
momento seguinte você 'picava' o avião, ligava as metralhadoras e a câmera e já
estava com as bombas armadas, pronto para lançá-las. Aí você não tinha mais
medo, éramos absolutamente profissionais, esquecíamos tudo.
Uma vez, um oficial de infantaria me disse: "Mas vocês pelo menos morrem
limpos", e era verdade. A grande diferença era essa: enquanto eles ficavam
enterrados na lama ou na neve nós corríamos aquele risco de duas horas e
quarenta e cinco, mas voltávamos e estávamos numa situação praticamente
normal a essa altura dos acontecimentos.
Mas então, o que eu to dizendo de mim o quanto o Grupo todo - eram dois ou três
capitães e o resto era a tenentada - fazendo um esforço sobrenatural, consciente,
alegre. Alegre, porque nós saíamos pra fazer a missão, às vezes um pouco com o
sobrecenho franzido, não é?
Mas voltávamos com uma grande alegria, alegria de sobreviver mais algumas
horas, alegria que nós íamos ainda participar de outra missão, então não era
propriamente alegria, tinha ... uma alegria saudável, uma alegria saudável.
(PIL379, PIL389, PIL393)
25. D IMPACTO NA FISIOLOGIA
Íamos o tempo todo no lado inimigo, mudando a direção, a altitude e a velocidade
para dificultar o tiro direto do '88', que não tinha altura para ele. Precisávamos
variar a altitude e isso 'machucava' muito o piloto, além de aumentar a tensão
nesse momento.
No momento em que cobríamos o nariz, era hora de se mandar a bomba. Aí você
recuperava e essa recuperação era cruel para o físico porque não tínhamos esse
equipamento que os pilotos têm hoje, que aperta o ventre e as pernas e não deixa
o sangue descer, mantém a pressão e mantém um pouco o sangue na cabeça.
Para nós o momento em que você puxava o avião era chamado de "chupar
laranja", porque o rosto se transformava, ficava mais comprido e você tinha um
ligeiro 'blackout' - perda de consciência -, então a pessoa demorava um segundo,
ou décimo de segundo, e você apagava, a cabeça caía.
Existem fotografias de pessoas que fizeram testes para ver a atitude do piloto, e a
pessoa vendo as fotos não tem vontade de fazer aquilo, era uma sensação
horrível.
Agora, tinha problemas de saúde, sinusite, tinha que ir pro hospital, mas fazia
sempre força pra sair mais rápido do hospital pra voltar pro vôo, se bem que eu
sabia que o vôo, era aquilo que tava me causando a sinusite, né? E aquele
problema.
(PIL389, PIL393)
25. E IMPERATIVO DAS MISSÕES
Atingido pela AAé e com o avião prestes a explodir, um dos companheiros
resmungou por mais alguns segundos e saltou de pára-quedas. No chão, acenou
com o papo-amarelo. No dia seguinte, foi apanhado pelo nosso B-25, em Forli; à
tarde estava voando outra vez.
Ninguém no Grupo, gozando saúde, podia se dar ao luxo de recusar um vôo, até
mesmo numa ocasião como esta. Já estávamos pobres de pilotos. As missões
tinham que sair.
No final da guerra, eu tive um ataque de sinusite maior eu fui pro Hospital, me
fizeram umas punções, depois injetam lá dentro um líquido qualquer e aquilo fica,
fica saindo, e no dia seguinte ainda tava saindo muito material e coisa. Eu fugi do
Hospital e me apresentei na linha de vôo e fui fazer uma missão. E na missão,
evidentemente, eu vim todo cheio de ... de sangue e aquele material que tava ali
por causa da descompressão, na minha máscara e tal. E aí eu fui mandado pro
Capitão médico e ele, então, me disse: "Eu acho que eu tinha que dar uma cadeia
pra você. Você merece uma cadeia, ou então um elogio, por você ter feito isso que
você fez. Você quer saber de uma coisa? Não vou fazer nem uma coisa nem
outra, viu, vai tomar uísque, e encerrou o assunto".
Eu fiz algumas missões apenas e deixei meus companheiros na incumbência de
as continuar fazendo. Esse foi um fato triste porque eu sabia o que cada um
estava passando toda vez que cada um saía para uma missão. Aquela contagem
do número de aviões regressando era um momento de tensão muito grande e eu
sabia que não ia estar mais lá, porque eu tinha sido afastado, estava no Hospital e
não podia mais voar. Eu sentia muitas dores e não queria dizer para ninguém
porque achava que a minha presença era necessária dentro do Grupo, até que o
companheiro me 'dedurou' e disse que eu estava com um problema, disse que, de
noite, eu ficava gemendo. Fui para o Hospital e eles constataram duas vértebras
cervicais com fratura. Estavam deformadas.
(PIL379, PIL389, PIL393)
26 MISSÕES COM A FEB
Nós fizemos várias missões dentre as que realizamos em apoio à Força
Expedicionária Brasileira. Já no finalzinho da guerra, havia um entrosamento, uma
coordenação, para o caso da frente brasileira precisar de auxílio aéreo: se isso
acontecesse, o Grupo de Caça seria enviado. Talvez até por razões de sangue,
certas missões foram atribuídas a nós, porque 'brasileiro com brasileiro', era mais
um estímulo para que nós cumpríssemos bem a missão.
Eu mesmo participei de uma missão envolvendo a FEB, pedida diretamente pelo
general Castelo Branco. Mandaram uma fotografia onde estava localizada a
artilharia alemã que a FEB queria destruir e que não os deixavam avançar, pois
estavam numa posição melhor que a dos nossos soldados. Havia um pequeno
córrego dentro dos Apeninos, na montanha, e esse córrego tinha uma pinguela no
lado norte e outra no lado sul, eram muito parecidas.
Quando chegamos no 'briefing' estudamos bastante essa fotografia, porque era
exatamente na 'terra da ninguém'; qualquer erro de bomba ali, poderia matar os
soldados brasileiros. Estávamos bem treinados no lançamento de bombas e
geralmente fazíamos o 'pingo' e acertávamos bem na área do alvo, ou muito
próximo dele. Em suma, o aproveitamento do Primeiro Grupo de Caça era bom, e
saímos para fazer essa missão.
O Comandante da Esquadrilha jogou a bomba exatamente na pinguela norte e
não percebeu que ia jogar a outra bomba no mesmo local onde eu ia lançar as
minhas. Antecipando-me, completei o bombardeio e acertamos tanto a pinguela
norte quanto a sul. Quando terminamos a missão o companheiro ficou muito
irritado comigo: éramos amigos, ele não tolerou aquilo e partiu para a briga
comigo: "Você quer me desmoralizar?", ele perguntava. Fiquei apavorado, pedindo
calma, então chegou o Oficial de Informações, com a caminhonete.
Como era norma, ele perguntou o que estava havendo, pediu para pararmos com
aquilo porque o General Mascarenhas estava ao telefone, querendo falar com o
Comandante da Esquadrilha. Ele foi com a cara zangada comigo. O General
Mascarenhas disse que queria cumprimentar o Comandante da Esquadrilha pela
precisão do disparo que tinha acabado com a artilharia, confirmou que a FEB já
havia ocupado a situação e elogiou mais ainda os membros da esquadrilha, que
haviam descoberto uma companhia de fuzileiros acantonada, e a destruíram.
Isso é um retrato fiel da guerra: eu havia errado um alvo e atingido outro sem
querer. A bomba podia ter caído em lugar errado e ter pegado brasileiros, e
certamente hoje eu não estaria contando essa história com tanta ênfase.
Em outra ocasião, na faixa da linha de frente, em terreno montanhoso, avistei
sobre uma lombada, o perfil de um grupo de combate que se deslocava,
enfileirado, com um muar carregando o que parecia ser um morteiro.
Relativamente longe ainda, não lhes podia reconhecer o uniforme. O perfil dos
capacetes indicava tropa aliada. O fato de prosseguirem tranqüilamente, sem
marcha, o confirmava, pois fossem alemães, provavelmente procurariam abrigo à
aproximação de um avião de caça.
Mas, mesmo assim de longe, havia alguma coisa no seu modo de caminhar, na
sua ginga descontraída, que me dizia que eram brasileiros. Sobrevoei-os rente às
suas cabeças. Só então pararam e me saudaram, acenando os braços erguidos.
Eram pracinhas. Dei mais uma volta e, balançando as asas fiz mais uma firula
qualquer em sua homenagem. Sabendo estar próximo à pista de onde operavam
os nossos companheiros da 1a. Esquadrilha de Ligação e Observação - a ELO -
resolvi completar essa parte da missão de relações com nossos conterrâneos,
com algumas passagens baixas sobre a sua Base, fazendo balançar as asas dos
Piper’s verde-oliva, com o remuo do vôo rasante.
E eu me recordo de outra delas que nós realizamos em Monte Castelo. A FEB
havia feito três tentativas para subir lá e tomar conta do morro, e uma dessas
missões nós fizemos com bombas incendiárias. Em cima do morro as trincheiras
estavam todas feitas, o que dificultava justamente a subida das tropas brasileiras;
qualquer brasileiro que colocasse a cabeça de fora, eles metralhavam lá de cima.
Era imprescindível que essas trincheiras perdessem a sua ação, ficassem inativas,
e fomos atacar essas trincheiras, usando bombas incendiárias. A pessoa
mergulhava longitudinalmente numa trincheira e largava a bomba incendiária.
Essas trincheiras nós conseguimos desativar nesse ataque. A FEB conseguiu
subir e tomou conta do Monte Castelo, e foi a última missão realizada por nós em
apoio à FEB, para a vitória deles. Foram momentos de emoção bem brasileira.
(PIL371, PIL373, PIL389)
27 ESGOTAMENTO
27. A SOBRECARGA
Do pessoal de Apoio:
Para começar, posso dizer que a gente longe da Pátria, cheio de atribulações,
sentindo saudades da família e dos amigos, não é mole. Junte a isso a naturais
limitações de liberdade, impostas pelo regime militar, o impacto do intenso frio
italiano a nos congelar os ossos e as constantes preocupações de um ataque de
surpresa, tudo isso nos atingia a todos, sem exceção.
Estava trabalhando no meu avião quando, de repente, fui acometido de uma
violenta crise nervosa. Dei um grito meio de louco, joguei as ferramentas para o ar
e saí correndo sem rumo definido. Imediatamente fui cercado pelos colegas, que
me acudiram, levando-me para a enfermaria do nosso quartel.
Segundo os médicos, fui diagnosticado como estando sob violento ataque de
icterícia e forte depressão nervosa. Considerando-se que estávamos todos sob
tensão, virando na pista dia e noite para colocar as garças em forma, trabalhando
sob precárias condições, a céu aberto e sob aquele intenso frio, qualquer um que
não estivesse em pleno gozo de saúde terminaria entrando em parafuso. Foi o
meu caso.
(AAP134, AAP181)
Dos Pilotos:
Mas tinham as missões que não eram fáceis, e a cada dia ficavam mais duras. A
antiaérea alemã ficava também cada dia mais forte e, infelizmente, perdíamos
uma média de dois pilotos por mês.
Depois que fui abatido, veio um avião me buscar e fui para o Hospital de Livorno.
Quando acordei no dia seguinte, estava cheio de fios no braço. "O que houve?",
perguntei, e o doutor me respondeu: "Tu quase morreste de porre! Se me
perguntassem se tinhas morrido de guerra, eu teria que responder que tinha sido
de porre”.
Enquanto estávamos nesse diálogo, o Capitão telefonou de Pisa, perguntando
como eu estava. Entrei na linha e ele me perguntou: "Você está pronto para fazer
uma missão?". Eu disse que estava, porque não havia piloto que estivesse ou não
pronto, tínhamos que estar sempre prontos porque senão não saía a missão, e o
Nero Moura tinha assumido a responsabilidade de que íamos cumprir 44 sortidas
por dia, então eu voltei para Pisa e voei.
Não existia mais missão fácil nos últimos dias da guerra, e também não existia
mais missão em que não se morresse, e esse era o medo de todo piloto quando
vimos que a guerra estava terminando. Os tanques paravam em posições e
defendiam-se com unhas e dentes contra os aviões e derrubavam muita gente.
Então, nos últimos dias não tinha moleza, pelo contrário, a grande expectativa -
até o Comandante tinha isso - era justamente morrer no final da guerra.
A vida ia passando, nós cada dia com as missões mais apertadas e sentindo que
a guerra chegava ao fim, mas sempre com aquele risco de poder não sobreviver.
Entretanto, ninguém enfraquecia: todo mundo continuava lutando.
Aí houve uma coisa muito engraçada: o nosso Comandante Nero Moura publicou
em Boletim o seguinte: "Por motivo de serviço, fica extinta a Esquadrilha Amarela.
Seus remanescentes passam a integrar a Esquadrilha Verde”. Quando li isso, sem
maldade, eu pensei que seria muito mais próprio que o Boletim saísse assim: "Por
ter sido dizimada pelo inimigo, fica extinta a Esquadrilha Amarela".
(PIL386, PIL389, PIL393)
27. B FALTA DE RECOMPLETAMENTO
A falta de pilotos era tão grande que não se podia dar ao luxo de dizer : "Não vou
escalar o 'Fulano' porque o jogo é muito perigoso". Não tinha ninguém para
completar o time, então, o que importava era saber quem estava em condições de
voar, e punha no avião e ia voar mesmo, porque nós tínhamos um número muito
pequeno de pilotos, para responder por uma demanda de missões que exigiria
pelo menos o dobro do que nós tínhamos.
Cada um de nós tinha uma sobrecarga muito maior que os americanos. Ninguém
podia se dar ao luxo de estar passando por um período mais delicado. Nós
estávamos numa época em que cada piloto valia demais. A importância de um
piloto era muito grande.
Quando tivemos o Major, os Capitães e o Tenente voltando ao Brasil por estafa
aérea, foram mais 4 perdas, mais 4 pilotos, e fizemos uma despedida, um "até
amanhã" para eles. Fomos ao Pamplona, que era o nosso homem de Operações,
e dissemos: "Olha, Pamplona, vamos fazer uma música, o 'Canto das
Pastorinhas'. Vou trocar a letra e vou cantar com o pessoal". Essa letra foi cantada
dramaticamente em clima de brincadeira, porre, todos bebendo, muitos palavrões.
Foi uma coisa que mexeu com todos.
Quando começou a guerra e perdemos, no mês de novembro, 4 pilotos, um dos
companheiros fez um testamento: "Bom, vai morrer todo mundo, então vou fazer
um testamento", disse ele. Foi um testamento galhofeiro, gaiato, mas no fundo
aquilo era um protesto, uma abertura para dizer que estava faltando
recompletamento.
Depois você chega a esse ponto em que eu digo: “O que é que eu to fazendo
aqui nesse Hospital? Eu vou lá e eu vou voar”. Então, aí acho que não tem nada a
ver a se sobrepor ao estresse, não, não tem nada a ver. É o que houve no final da
guerra, por exemplo: Este rapaz sair do Hospital, sem alta, e fazer uma missão.
Isso era muito bem compreendido pelo Chefe do Serviço Médico quando ele diz
“você merecia uma cadeia ou um elogio” e eu não tomei nenhum dos dois.
Como a maioria de nós, um dos companheiros já estava chegando ao limite da
resistência. Uma vez no Clube Senta a Pua! Declarou-me que estava começando
a detestar a guerra: "Repugna-me matar gente", concluiu. Todos na roda deram
sua opinião. Lembro-me bem do que se falou ali.
Então, ah, mostra mais ou menos o estado em que o Grupo de Caça viveu no
último mês da guerra.
(PIL389, PIL393)
27. C MOTIVAÇÃO PARA NÃO PARAR
Foi um mês duro para nós (o mês de abril), porque os três pilotos da estatística
foram perdidos. Um morreu com 86 missões, outro foi abatido com 66 missões e
assim foi uma 'limpa' no 1º Grupo de Caça, ainda sem recompletamento.
Acho que, se a guerra durasse uma ou duas semanas a mais, teríamos que
aceitar a sugestão do Coronel Nielsen: o Grupo teria que parar de voar, o que
seria uma vergonha nacional para nós. Sofremos muitas baixas, mas não
arredamos o pé e voamos até o final da guerra, dia 2 de maio de 45.
Quando os americanos tinham 35 missões de guerra eles voltavam para casa;
conheci americanos que fizeram até 100 missões de guerra, mas o normal da
maioria eram 35 missões. Se completasse 25 missões nos bombardeios, o piloto
também poderia voltar para casa. E nós não tivemos recompletamento.
O nosso Grupo foi melhor, inclusive por esse motivo, porque não tínhamos pilotos
de recompletamento. Fomos obrigados a voar 94, 95, 100 missões, foi uma média
de missões muita alta para cada piloto.
Quando o companheiro teve aquela balançada eu fui um dos primeiros que saiu
com ele. Saí com ele, fizemos um passeio de B-25 até Nápoles para apanhar
alguns aviões para trazer, e eu tive uma conversa muito grande com ele e,
naquela dúvida, ele dizia: "Eu não posso faltar ao que eu já fiz, não posso faltar ao
meu pai, à minha família, mas eu estou sentindo...". Creio que foi porque ele tinha
um caráter muito bom, era um sujeito extremamente patriota, muito bom piloto e
com um caráter muito forte; acho que seria a morte para ele se ele parasse.
É claro que nessa hora você aconselha, mas não passando a mão na cabeça.
Isso nos prejudicou muito, mas não afetou nosso moral: cada vez mais tínhamos
vontade de cumprir a missão para mostrar que o Brasil não ia fechar só porque
não tinha reservas, e foi quando mais nos tornamos 'veteraníssimos'.
(PIL389, PIL393)
28 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
28. A BRINCADEIRAS E GOZAÇÕES
Os rapazes do 1º Grupo de Caça evitavam preocupações. A guerra que
estávamos fazendo já era preocupação bastante.
No Grupo existiam os 'tristes-vidas' e os companheiros que eram mais alegres,
mais eufóricos, e que aproveitavam as situações de tristeza para transformar
aquilo num 'Adelfi', num 'Carnaval em Veneza', numa canção para poder viver. O
companheiro dizia, com muita propriedade, que cada dia que passava era um dia
que ele ganhava a mais de vida.
As piadas do Zé Fidélis eram boas, mas boas mesmo, eram as gargalhadas de
um dos companheiros, lendo-as para nós. Ele ria tanto que chegava a sufocar.
Como estávamos precisando rir para aliviar as tensões do vôo e as saudades de
casa, ríamos com ele. Cada pequeno acontecimento como esse, dentro do Grupo,
tinha o tom de amenizar a tensão em que todos vivíamos.
Era assim que as coisas se passavam, tudo era motivo para a gente rir um pouco.
Acho que, se não fosse a eterna gozação, com o volume de trabalho que existia e
o pouco lazer disponível, se a gente não tirasse partido das ocasiões, teríamos
mais gente atingida por psicose de guerra depois que regressamos.
Gozadores e gozados se entendiam mais a partir daí. E formou-se assim essa
grande irmandade. A estas qualidades reunia alegria, que é na guerra a coragem
de enfrentar tristezas como quem enfrenta um novo inimigo.
Rir e gozar a vida era o lema... O resto era o combate.
(AAP140, PIL389)
28. B CONTROLE DAS EMOÇÕES
Olhando em volta de nós, reconhecemos em vários companheiros do Grupo as
suas armaduras. Cada um usando-a a seu feitio, mas sempre armadura.
O Comandante, por exemplo, pode ser apontado como o cabeça de fila. Sua
armadura ainda hoje é usada para encobrir seu coração. Coração imenso. Não
pode nem deve ficar à flor da pele. Então, a armadura do Nero Moura se
manifestava por um não redondo e frontal, antes mesmo que postulante pudesse
expor o que veio pleitear. Essa negativa representava apenas o início do processo
em que passava a empenhar-se, de corpo e alma, para atender a quem lhe pedia
ajuda.
Considero a armadura de outro companheiro uma das mais reforçadas do modelo
criado e desenvolvido nas Alterosas. Outro, bravo e pequenino, armava-se com
um poderoso e solene palavrão. Já a de outro consistia naquele leve sorriso,
puxado a gozação, com o qual procura ainda hoje desmontar o interlocutor. Tem a
sua na cara, pois, à mais leve sugestão de amena lisonja, transforma a testa em
campo arado, cerra os olhos, projeta o queixo e eriça o bigode. Outro ainda, usa o
bom humor, com a irreverência arguta a esconder a verdade, com pinceladas
surrealistas. Outro usava uma capa de sisudez, sendo na realidade um jovem
alegre e brincalhão.
Existe, pois, ainda muita armadura boa, que foi e continua a ser usada, tal como
no caso de um deles. Sendo a dele original, aquilo que ela não conseguia
esconder, era excepcional. Um dia alguém o encontrou com os olhos marejados,
como se tivesse acabado de chorar. -"...você está chorando?"- - "Não! Soldado
A sensação de voltar para casa após a primeira missão é de alívio, alívio natural;
é como eu disse a pouco, não é questão de ter medo, é questão de ter a
preocupação de cumprir a missão e defender o nosso nome na FAB: afinal eu era
um brasileiro entre três americanos, e não podia fazer feio. Isso nós tínhamos que
ter sempre em mente: nós estávamos sempre sendo o alvo da vista deles, eles
estavam vendo como nós nos comportávamos, e isso era muito importante para
nós. Era o bom nome da FAB.
Quando cheguei, abri o canopi, e a primeira pessoa que estava no avião era o
meu mecânico, para me ajudar a sair. O meu mecânico, que era mais moço do
que eu e um excelente profissional, me viu tremendo e perguntou: " É o frio,
Tenente?". Eu disse: "É", mas não era frio não, era aquela emoção ainda de ter
chegado da primeira missão e que eu não tinha forças para sair do avião. Não era
medo, eu não senti medo de morrer, eu senti emoção, eu senti aquilo para o que
estava preparado durante muito tempo.
Ninguém vai para o combate sem estar preparado, porque se não estiver
preparado, não agüenta. Então não era medo, mas era uma fortíssima emoção de
ter feito a primeira missão, a emoção de ter jogado bomba, dado tiro em todo
lugar, a emoção de ter perdido um companheiro, que horas antes estava falando
com você.
(PIL373, PIL389, PIL393)
28. C CONTRAFOBIA
Os pilotos faziam as missões como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Voltavam com os aviões atingidos. Encaravam o perigo sem rasgos de heroísmo,
mas a valentia de quem de fato é bravo.
Do combate aéreo falta-nos experiência - permanece no terreno teórico dos
combates simulados. Na ação específica de caça-bombardeio, o que faz a
diferença, obviamente, é a antiaérea. Quanto a esta, parece-me existirem três
atitudes alternativas:
A primeira, perigosa e inconseqüente, seria a de não tomar conhecimento da
antiaérea e meter os peitos, de qualquer maneira. A segunda, para mim a certa,
evitá-la o quanto possível, amenizando os seus efeitos, mas, a partir daí, sentar a
pua com o máximo de agressividade, o que também é uma forma de defesa. A
terceira seria a de recuar sempre que a antiaérea for intensa, solução absurda,
pois assim teria sido mais prático não decolar para a missão. Esta última conduz
ainda, a meu ver, àquelas meias-medidas que, no fim, podem até mesmo ser mais
arriscadas.
Na Itália, o médico foi o confessor dos pilotos. Estava sempre a par de tudo sobre
nós. Somente ele conseguia saber o que nos ia por dentro.
Certa vez, passei por um período de "pé frio" em minhas missões. O primeiro
tranco foi quando pousei em Forli com o avião trepidando muito e completamente
coberto de óleo. Apelei para ele me mandar descansar em Roma. - "Não, voa mais
uma missão, depois eu te dou a licença. Se fores agora poderás ter problemas no
futuro." Aceitei o conselho e fui voar no dia seguinte. Quando executava o
bombardeio picado em Borgoforte, lá em cima, no norte da Itália, a hélice do
Thunderbolt disparou. Voltei, não sei como. No tráfego de Pisa, o motor grimpou.
Pousei em emergência. À noite, falei com o médico. Disse-lhe que tomei um susto
muito grande, precisando relaxar. - "Nada disso, voarás amanhã e pronto. Prometo
que terás a tua licença."
Ninguém sabia desse diálogo, aliás, ninguém soube até hoje. Ficou entre o
médico-confessor e eu. Outra missão foi feita. Bombardear a ponte de Ora no
Passo de Brenner. Mal piquei e um tiro de .88 levou meu belly-tank. Terminei a
missão cismado. Acho que tive medo. Abri a alma com o médico. – “Mais uma
missão, não é possível que a bruxa esteja tão atenta em ti. Prometo que terás a
licença depois desta”. A essa altura já lhe havia confessado que estava
amedrontado. Ele, porém, com aquele jeito de gente, tornou a convencer-me. Fui
mais uma vez e mais outra. Como nada me aconteceu, ele me liberou.
Quando regressei do rest-camp era outro homem, nem lembrava mais daquelas
missões passadas. Acredito que o médico manobrou bem, não permitindo que eu
fosse a Roma antes de realizar, pelo menos, duas missões sem ser atingido pela
AAé alemã.
O medo. O medo é negócio sério. Fui atacar a ponte de Casarsa. Quando íamos
iniciar a aproximação para o mergulho do bombardeio picado, apareceram as
explosões das granadas do .88 alemão, com aquelas bolotas pretas que tanto
temíamos! Olhei para baixo e vi meu Comandante de Esquadrilha já mergulhando,
passando por dentro do prato negro daquela flak infernal e entrando, no outro, na
altura boa da antiaérea de 20 mm. Ficou envolvido na fumaça branca,
característica desse tipo de arma! Não sei por que, mas naquele dia aquelas
barragens de fogo, a negra e a branca, me assustaram, me pareceram diferentes.
Pela primeira vez me dei conta objetivamente do perigo que iria correr. Senti
vontade de não mergulhar naquele inferno. Não houve duvida: senti medo! Medo
dos tiros e, principalmente, medo de não dominar o medo. Tinha que mergulhar já,
senão não teria mais coragem para cumprir uma missão 'quente'. E fui, sabe Deus
como.
O importante era vencer o medo. Venci. No final da guerra também tive medo,
mas um medo diferente. É que julgava uma injustiça morrer naquela hora, quando
sentia, sabia, estava certo de que os alemães tinham perdido a guerra. Na
proporção em que ia se aproximando o fim da guerra, nós sentíamos que o risco
era maior, porque "morrer na véspera, só peru", e isso era realmente doloroso.
Eu fui fazer uma missão de bombardeio e, na hora que cheguei perto do alvo, me
deu um receio: "Puxa, será que eu vou entrar nesse fogo aí, de .88?". O céu
estava preto, e pensei com os meus botões: "Puxa, vai ser duro isso aqui". Mas
resolvi fazer a missão de qualquer maneira, porque ou eu fazia ali ou então eu
estava derrotado; fiz o mergulho, acertei minhas bombas no alvo, recuperei e tudo
se normalizou. O que senti nada mais foi do que o medo que a gente tem que
dominar, não tem jeito.
(AAP181, PIL371, PIL386, PIL389)
28. D OUTRAS
Pilotar é agradável para o homem. Voar, sob o prisma locomoção, está para andar
a pé assim como a poesia está para a locução do cotidiano, no terreno das
expressões do pensamento. O avião, meio, pode, por extensão, ser objeto do
mesmo gosto que se tenha pelo vôo finalidade.
Na sua maioria, na sua totalidade, pilotos que viveram a Ofensiva da Primavera,
eles, de alguma maneira, maior ou menor, eles tiveram que se sobrepor,
sobrepujar aquilo que a gente poderia chamar de cansaço, de "não agüento mais".
Eu fui até Capri com um dos companheiros, tomamos uns drinks, fizemos umas
farrinhas aqui, outras ali, e voltamos para Pisa. Ele voltou 'impávido colosso', como
diz o Hino Nacional, de cabeça erguida.
Voei muito próximo de um ninho de metralhadoras, me acertaram em cheio e
acabei eu trazendo 57 furos na minha fuselagem. Eu sou devoto de Nossa
Senhora de Fátima e comecei a rezar, o 'pau comendo' em cima de mim!
Ninguém chegou pra dizer assim "eu não agüento mais". Você via que já não
agüentava mais. Talvez, talvez nem conversasse com o companheiro de cama, de
quarto, dizendo "eu não agüento mais", mas talvez pensasse. Então, o que se
fazia, apesar de estar nesse ponto, é que eu acho que tem alguma coisa a ver
com a sua resiliência, agora, o quanto, eu acho que é um pouco diferente, um
pouco diferente.
(PIL371, PIL389, PIL393)
29 A OFENSIVA DA PRIMAVERA
29. A O DIA 22 DE ABRIL
O dia 22 de abril foi um dia áureo para o 1º Grupo de Caça, e hoje é considerado
o Dia de Aviação de Caça do Brasil. Os brasileiros ainda se destacaram naquele
famoso dia 22 de abril de 1945 com os dados estatísticos muito claros e precisos
do êxito das nossas operações. Com as operações já no final, as missões
praticamente se tornaram um reconhecimento armado, procura de alvos de
oportunidade.
Não queira imaginar o que significou o dia 22 de Abril, a felicidade dos que
operaram da forma que operaram. A grandeza do dia 22 de abril consiste
inicialmente, se fizermos uma comparação, do que era o Grupo de Caça em
relação à Força Aérea dos Estados Unidos. Para se ter uma idéia, nós
significávamos apenas 5% da Força Aérea Tática dos Estados Unidos, então
agora vamos ver os resultados: nós destruímos 15% das viaturas nesse dia e
tivemos 28% das pontes destruídas - e não era fácil destruir uma ponte assim. As
nossas missões eram um 'negócio milagroso', vôos incessantes, um avião atrás do
outro. Também 36% dos depósitos de combustível nós destruímos, e 85% dos
depósitos de munição.
Porque o dia 22 de abril foi significativo? Porque destruímos 85% dos depósitos
de munição dos alemães e isso é o mesmo que arrasar com a logística deles,
torná-los inoperantes, e por isso é que os americanos propuseram a citação
presidencial.
Os alemães estavam perdidos, espalhados pelo Vale do Pó e o objetivo primordial
era evitar que eles escapassem de volta para a Alemanha, destruindo o máximo
possível, dificultando o máximo, destruindo o que encontrássemos no caminho.
Eu me recordo como se fosse hoje, do relatório feito 24 horas depois do posto de
observação dos americanos; eles mandaram aquele relatório com o sentimento de
quem viveu a história, o momento. Foi muito comentado, inclusive, que a ofensiva
do 22 de abril foi um ato semelhante à bomba atômica que jogaram em cima do
Japão, acabando-se a guerra, só que para nós, ao invés de morrerem um ou dois
milhões de japoneses, a guerra se encerrou ali.
O dia 22 de abril foi o dia da consagração do Grupo de caça, uma coisa ímpar na
história, e jamais teremos um outro dia como aquele porque foi destinado ao 1º
Grupo de Caça do Brasil.
(AAP4, AAP81, PIL379)
29. B DECISÃO DE PARTICIPAREM
Eu vou contar algumas coisas pra você ver, mais ou menos, nós, como não
tivemos recompletamento, quando chegou o final da guerra - nós começamos em
outubro - então quando chegou o mês de abril, nós estávamos reduzidos a muito
menos do que o mínimo de um efetivo. Tínhamos aviões, quer dizer, se cair um
avião, a gente ia no depósito em Nápoles e pegava um novíssimo e repunha e
saíamos voando combatendo, mas então o que nós não tínhamos eram pilotos,
então, quando chegou no início do mês de abril, nós estávamos muito, muito,
muito desfalcados.
No dia 4 de abril de 1945 teve início a Ofensiva da Primavera, uma estratégia
militar para liquidar com os alemães na Itália de uma vez por todas. O Grupo
estava já na fase do isolamento do campo de batalha com a cooperação direta
com as forças terrestres, formada por um destacamento aerotático.
O Coronel Nero Moura e todos os comandantes dos esquadrões de caças norte-
americanos foram chamados, e disseram que entre o dia 6 de outubro e o dia 29
de abril faríamos a ofensiva máxima, onde colocariam cada unidade dessas
cumprindo 44 sortidas por dia. O 1.o Grupo de Caça era o First Brazilian Fighter
Squadron que, com os outros esquadrões, formavam o Grupo 350, que era
considerado o grupo mais aguerrido do setor do Mediterrâneo, o setor que nós
combatíamos. E o Nero ouvindo aquilo.
O Coronel Ariel Nielsen - Oficial de Operações do 350 th Fighter Squadron - virou-
se então para o Coronel Nero e disse: " Os seus rapazes já chegaram ao limite da
resistência humana. Não precisam fazer esse esforço, inclusive porque vocês só
têm 22 pilotos, e não vamos exigir que um piloto de vocês faça 2 ou 3 missões por
dia. Então vocês poderão ser retirados com honra."
O Nero respondeu: "Vou lhe dizer uma coisa: antes de tomar essa decisão eu
vou consultar os meus rapazes, o pessoal de apoio e os pilotos. Eu tenho certeza
de que eu consultando meus homens eu vou dar uma outra resposta".
Aí o Nero fez uma reunião conosco. Isso era a alguns quarteirões de onde nós
estávamos, e o Nero veio, no princípio de abril de 1944, e explicou, então, o que
ia acontecer com o Grupo de Caça, todos aqueles que tinham morrido, que
estavam prisioneiros, tudo aquilo que já tinha sido feito de... glorioso mesmo,
entendeu, ah, era a mesma coisa que retirar o time de campo antes do final
quando a gente tava marcando gol! Ele não precisou pedir, só o olhar de cada um
dos seus companheiros já, porque ele começou dizendo o seguinte: "tá essa
situação, assim, agora eu quero dizer o seguinte, eu fico pra dar o exemplo". Dito
isso ele passou pelo pessoal de apoio dizendo: "Olha, teremos que rodar dia e
noite". O pessoal de apoio falou que não tinha problema. O Nero foi até nós, os
pilotos, e disse a mesma coisa. Mas é que estávamos desfalcados e tal, então o
Nero fez uma reunião com os seus pilotos e eu tive a honra, a sorte de fazer parte.
Ele olhou assim e todos tinham acenado. Nós respondemos: "Não, Coronel, não
vai se fechar o Grupo".
Seria uma vergonha para o Brasil se aquele grupo de voluntários fechasse,
porque era o que acabaria acontecendo. O pior disso tudo era que o número de
voluntários era grande, o que não houve foi a previsão para mandar os voluntários
fazerem o curso na América. Então topamos e começamos a Ofensiva da
Primavera nesse mês de abril.
O Nero voltou ao Comandante e disse, "o 1.o Grupo de Caça ficará até o último
dia, seja qual for o número de pilotos que eu possa dispensar".
Decerto nessa hora o coronel Nielsen, que era o Comandante Geral, conhecendo
já o comportamento dos brasileiros, não teve surpresa nenhuma, mas acredito
que, depois ele contou quando nos reunimos, nós nos reunimos muitas vezes
depois, ele teve uma alegria muito grande, de ver a reação de um dos seus
esquadrões diante dessa coisa.
(PIL389, PIL393)
30 EFICIÊNCIA
30. A SOLUÇÕES ENCONTRADAS
O primeiro é sobre um cabo que nós tínhamos como mecânico. Num determinado
momento um P-47 pegou fogo na pista, então os americanos surgiram com três,
quatro caminhões contra incêndio. Começaram a jogar espuma e o P-47 ainda
estava em chamas, e ninguém detinha o fogo. Esse cabo então disse que ia
apagar o fogo sozinho: ele saiu por dentro da espuma, meteu a mão, subiu e
entrou no avião, pulou lá dentro e cortou a mistura do avião, parando o fogo.
Todos bateram palmas e ele se levantou como um herói, com jeito simples, e eu vi
a cara dos americanos praticamente desmoralizados. Então, eu considero esse
ato do cabo "comidinha" - que era o apelido dele - um símbolo de coragem. O
avião poderia ter explodido naquele momento se não fosse a intervenção dele.
Outra, sendo muito criativo, estudou bem a função da "Time Valve" do trem de
pouso, e concluiu que poderia reduzir a resistência ao avanço na decolagem dos
P-47, dando portanto mais sustentação e segurança ao piloto. A pane era a
seguinte: eram necessários vários comandos para subir e descer o trem de pouso
e o defeito estava na famosa válvula de tempo que comanda a descida e a subida.
Eu e o chefe da linha fomos no cemitério dos aviões, porque os americanos,
quando aparecia algum problema, simplesmente jogavam fora o avião. Nós
apanhamos todas as válvulas e pensamos: "Por que razão acontece isso?". O que
pensamos depois foi incrível: a carteira de cigarro tem aquela lâmina de alumínio
e, não sei porque, tiramos a medida da cabeça do êmbolo com aquela medida do
papel laminado. Colocamos aquela válvula ali e colocamos num trem: não deu
defeito. Executamos várias operações e não apresentou nenhum defeito. Nos
perguntamos: "Ué, será que essa espessura resolveu o problema?".
Aí, ele disse: "Vamos colocar em todos os aviões, mas como isso é uma coisa
absurda vamos ficar quietos, não vamos dizer nada para ninguém" Depois de
várias experiências, conseguiu reduzir em três segundos o tempo de recolhimento
do trem de pouso e porta, dando mais segurança na decolagem. E assim
pegamos todas as válvulas e substituímos em todos os aviões, aí acabou a pane
do trem de pouso.
Os americanos fizeram aquela inspeção semanal e mensal e olharam naquele
formulário que dizia quais os defeitos que o avião apresentava, e como foi retirado
e não apresentava mais defeito no trem de pouso. Aí mandaram o famoso Martim
Sargent, que tinha uma força tremenda na Força Aérea, e ele perguntou para o
companheiro porque não tinha mais defeito no trem de pouso. Foi quando eu
disse: "E agora? Como é que nós vamos resolver esse problema?", e ele falou:
"Pode contar que eu agüento a mão". Eu então contei o que estava havendo, e
oito dias depois veio uma ordem técnica americana para substituírem todas as
válvulas pela nova, e a nova já vinha com aquela medida.
Para facilitar o nosso trabalho, foi bolado colocar as bombas em cavaletes, onde
eram espoletadas e com os respectivos arames do inerte travadores das
ventoinhas. Em princípio, os americanos não aprovaram a idéia, achando-a
perigosa. Provamos que, se uma bomba cai inerte, de centenas ou mesmo de
milhares de pés e não explode, não poderia oferecer perigo, mesmo com um
impacto forte. Aprovaram-na.
(AAP81, AAP152, AAP143)
30. B PRODUTIVIDADE
Todo o nosso pessoal teve sucesso, todos sem exceção. Nós sabíamos que não
havia mais aquela grandeza da 1a. Guerra, de 1914, onde havia os 'ases', pilotos
lendários que saíam desafiando os inimigos. Nessa outra guerra a coisa era bem
diferente: se de um lado vinha um 'ás', de outro vinham sessenta aviões, e se você
não fosse abatido por um, seria pelo outro. A guerra na qual estávamos era uma
guerra de conjunto, do cozinheiro ao piloto, e a necessidade era idêntica porque
se não tivéssemos um mecânico, um avião, um rádio, um cozinheiro, divertimento,
saúde, de nada adiantaria.
Eu era chefe de armamento da esquadrilha C, e sempre que saía um avião para
missão, na volta tínhamos que fazer uma inspeção. Nessa inspeção acontecia, às
vezes, que o avião vinha avariado, e um avião avariado é um avião fora de
combate, e isso não podia acontecer. Com a habilidade do brasileiro, quando
vinha um rombo na asa tínhamos que tirar essa asa, levar para o hangar e era a
perda de um dia; o avião não estaria pronto para o dia seguinte. No rombo
colocávamos uma chapa com rebitador, e depois vinha uma outra chapa na outra
asa para coincidir e não haver atrito, e com isso o avião estava sempre disponível.
Numa bela tarde tive uma comissão de inspetores americanos examinando os
meus aviões; eu era chefe de armamento de uma esquadrilha. Trabalhávamos
naturalmente e mantínhamos o material conforme as instruções programadas, as
instruções técnicas, manutenção perfeita, tudo direitinho. Havia um livro para
reportagem dos defeitos apresentados nos porta-bombas e nas metralhadoras, e
um dia essa comissão me apareceu lá e começou a olhar, sem conversar comigo,
mas vendo o nosso trabalho. Depois de algum tempo o avião saiu para a missão e
o chefe da comissão veio falar comigo: "O Senhor é o chefe da equipe? Porque
não anota defeitos no material de armamento?". Eu disse: "Quando se não
apresenta defeito nenhum, não há motivo para anotar". Eles saíram de boca
fechada e foram embora, não falaram mais nada a respeito.
A Seção de Comunicação teve também rendimento máximo no uso dos
equipamentos devido a muito trabalho das equipes de especialistas e de apoio,
muitas vezes em condições adversas de temperatura, localização improvisada e
ameaças de ataques do inimigo, o que foi bastante reconhecido tanto pelas
autoridades nacionais quanto pelas autoridades americanas. Também devido ao
trabalho e esforço de seu chefe, que até conseguia apanhar material de rádio-
comunicações dos aviões que eram considerados inúteis.
Não era o suficiente ter-se um bom avião e um bom piloto sem a mecânica
compatível com a disponibilidade absoluta. Eu me recordo bem desse problema
de disponibilidade: se fala muito nos livros que 84% era a média, mas nós
atingimos muito mais do que isso.
(AAP81, AAP206, AAP243, AAP296)
30. C HABILIDADE DE PILOTAGEM
A missão 'Fita Azul' que eu considero foi a destruição no campo de Gued contra o
avião alemão - um JU 88 - que estava estacionado nesse campo. Gued era uma
cidade onde tinha um campo de aviação alemão, um aeródromo. Ela já tinha sido
visitada anteriormente por brasileiros, mas a ação da artilharia foi tão forte que
desistiram de atacar e foram embora.
Eu vi o aeródromo depois que voltava de uma missão no Passo de Brenner, um
bombardeio. Tinha nevado muito no dia anterior e a neve que caiu furou a rede de
camuflagem dos alemães. Eu vi a silhueta do JU 88 lá embaixo e perguntei se os
outros também estavam vendo e eu falei que ia atacar: Pedi para que o meu ala
ficasse de ' top cover ' (cobertura de topo) e voei para bem longe, bem baixo e os
alemães nem desconfiaram. Eu disse pelo rádio: "Fica longe para não
desconfiarem do ataque!". Eu tinha avistado uma igreja, a guarita da entrada do
campo e na continuação da reta, passando a pista, lá estava o avião camuflado. Vi
a igreja de Gued e pensei que se conseguisse fazer uma curva que ficasse na reta
'igreja-guarita' o avião estaria perdido.
Quando acabei de fazer a curva e vi as duas, me coloquei bem perto do chão e
ouvi no rádio: "Capitão, o seu avião está pegando fogo!". Eu pensei: "Coitado",
pensando que era outro piloto. Fiquei com pena imaginando perder um colega
numa hora dessas. Quando cheguei na pista fiz uma manobra onde se coloca o
bico para baixo, ficando a 45 graus em posição de atirar, e comecei a disparar:
eles também atiraram em mim e terminei quase grudado no chão, desaparecendo.
Já em terra, fui chamado pelo oficial de informações, que fez o interrogatório. Eu
perguntei qual foi o capitão de esquadrilha que pegou fogo e ele me respondeu:
'nenhum'. Eu disse que tinha ouvido nitidamente: "Capitão, o seu avião está
pegando fogo!". O aspirante confirmou que foi ele quem tinha falado porque estava
saindo uma fumaceira atrás do meu avião. Mas não era fumaça: eu estava tão
baixo que levantava aquele tufo de neve, baixo o suficiente só para a hélice não
bater no chão.
Fui para o quarto, lá para as 8-9 horas da noite, então chegou um companheiro
dizendo que tinha um negócio para mim. Eu imaginei o que era: o Nero Moura me
suspendendo de vôo. "Vou ficar um tempo no chão", pensei na hora. Chegando lá
ele me disse que os americanos que passaram por lá depois de mim 'plotaram' o
avião JU 88 pegando fogo e disseram que era uma esquadrilha brasileira que
tinha passado antes. Foi assim a melhor missão que fiz, me deu até um cluster no
meu Air Medal. "
Devido à falta da aviação alemã às vezes havia brincadeiras e até ataques
simulados entre os aviões. Era sempre na seguinte ocasião: os motores eram
trocados com o número de hora muito reduzido por causa do excesso de potência
que era exigido deles, por isso quando iam perdendo um pouquinho a
compreensão, já eram substituídos. Cada motor novo, quando instalado, tinha que
perfazer cinco horas de amaciamento, sendo que depois da terceira hora do
regime pleno era a hora da brincadeira.
Sempre havia vários aviões amaciando e corria nessa época, como corria entre os
próprios pilotos, aquela coisa de que o P-47 era um 'bonde', um 'troço pesado',
que avião bom era o P-51. Um dia um garoto nosso estava fazendo o chamado
slowtime, que eram essas cinco horas, e já estava além do meio do slowtime
quando apareceu um P-51 de não sei onde, também fazendo slowtime ou vindo
para Pisa. Os dois se engajaram num 'dogfight' ("briga de cão"), combate
simulado, e ele 'deu um banho' no P-51 em cima de Pisa. Foi fantástico, gente
torcendo nas ruas, aplaudindo.
As câmeras K-25 eram muito modernas e tiravam fotografias panorâmicas em
série: apertava-se o gatilho e ela saía fotografando. Ela era usada no final do
bombardeio quando o 'número quatro' da esquadrilha vinha sozinho e descia
naquele fogaréu de tiros para fazer essa fotografia. Era uma máquina de muita
eficiência e nitidez; o Comando Aerotático entregou para os pilotos que usaram a
máquina no P-47, um prêmio. Cada mês eram escolhidas as cinco melhores, e
dessas cinco o 1º Grupo de Caça sempre esteve entre as três primeiras e um dos
Tenentes sempre esteve em primeiro lugar.
A importância da fotografia era que ela esclarecia o bombardeio na mesma hora
que você acabava de fazê-lo. De um modo geral a câmera estava sempre no
'número quatro' de cada esquadrilha. O Tenente gostava de fotografar a antiaérea,
o que é uma das missões mais difíceis e perigosas porque tem horas que você
fica parado e pode ser atingido.
Ele fez noventa e cinco missões e nunca foi atingido. Houve uma missão de
fotografia muito interessante no Passo do Brenner. Eu não participei, mas lembro
dos comentários a respeito dessa missão. Era um lugar muito defendido pela
antiaérea.
Ele desceu tanto para tirar uma fotografia com essa máquina que na foto saiu um
alemão que estava de sentinela. O alemão saiu com aquela cara de espantado
olhando para o avião, deve ter ficado assustado ao ver o P-47 passar tão baixo
por ele. Isso foi muito comentado e o Tenente levava isso na brincadeira, o que
era costume dele.
Voando em ala, o garoto de 18 anos, ao atacar um blindado em posição altamente
desfavorável, conseguiu destruí-lo; mas ao recuperar seu Thunderbolt, bateu
violentamente em uma chaminé, perdendo 1,20m de sua asa direita. A brutalidade
do impacto, o susto do inesperado e a dificuldade de controlar o que sobrara de
aerodinâmica do avião, mostraram que ele não era apenas um piloto, mas o super
piloto. O Thunderbolt foi heroicamente conduzido até Pisa, onde aterrissou sem
incidentes.
Naquele dia, seu P-47 foi visitado pela maioria dos pilotos das Unidades baseados
em Pisa - ingleses, americanos, canadenses e sul-africanos - e todos faziam a
mesma pergunta: "Mas como ele conseguiu?". É que não sabiam que o piloto era
reconhecido entre os companheiros do 'Senta Pua' como um dos mais 'finos'.
(PIL371, PIL389, PIL393, PIL407)
30. D CAPACIDADE DE ENXERGAR
O veterano tem a capacidade de ver mais do que os outros, ele está mais
habituado ao terreno, e o correio aéreo nos ensinou a olhar para o chão e a
identificar coisas no solo. Olhávamos, fotografávamos e guardávamos no
'computador' da cabeça para depois repetir aquela rota e não nos perdermos.
Nós tínhamos dois pilotos no Grupo conhecidos como aqueles sujeitos que
identificavam tudo. Eles eram muito hábeis e tinham uma vista muito boa, além do
fato de ambos serem veteranos ter ajudado muito. Uma vez um deles vinha a
14.000 pés e disse: "Estou vendo um caminhão!", e eu disse que ele estava certo.
Estávamos a 14.000 pés e ele mergulhou, atacou o caminhão e todos ficaram
olhando a explosão lá embaixo enquanto ele voltava e entrava em forma de novo.
Cabe chamar a atenção para um detalhe muito importante dessa observação dos
nossos pilotos quando os mesmos regressavam das missões: o Capitão certa vez
vislumbrou que os tanques aliados já haviam ultrapassado em muito a linha de
frente aliada, de maneira que com isso tinha se constatado o rompimento da linha
de frente alemã. A primeira notícia que chegou ao alto Comando foi essa, dada
pelo Grupo de Caça, que transmitiu a informação dos tanques aliados muito além
das tropas alemãs e constatou-se que se havia quebrado a resistência naquele
ponto, que era muito sensível à defesa.
Outro ponto importante também observado foi quando houve no lago de Garda o
lançamento de embarcações anfíbias para cortar o caminho entre o seguido pela
estrada e o ponto onde as tropas aliadas queriam chegar. Quando essas
embarcações anfíbias foram lançadas na água foi constatado por uma esquadrilha
do Grupo de Caça, que comunicou imediatamente por rádio à Base, que por sua
vez comunicou ao superior. Foi uma notícia sensacional, útil e imediata porque
não havia conhecimento dessa informação ainda.
Numa das missões um companheiro assinalou um destroyer num jardim ao norte
da Itália, e reportou : "Eu vi um destroyer". Nós gargalhamos, os americanos
tiraram sarro dizendo que não podia ter um destroyer num jardim, mas uma
semana depois descobrimos que tinha mesmo um destroyer lá. Não sei se foi o
Mussolini que deu o destroyer para Gabriel Danuci, o poeta, e ele botou metade
do navio como alegoria no jardim dele.
Outro também tinha uma visão muito boa e tirava suas conclusões; foi ele quem
descobriu que os partisanos, quando queriam indicar que eram simpáticos aos
pilotos aliados, penduravam a roupa na corda em forma de 'V'. Ele começou a
assinalar isso, observando que em alguns quintais a roupa estava em forma de 'V'.
Quando foram verificar constataram que era realmente a casa de um simpatizante,
gente que trabalhava em benefício das fugas de nossos pilotos.
Certa vez nós estávamos num vale do Lago de Garda quando ouvimos um
diálogo entre o 'Rover Jô' e uma esquadrilha americana. Essa esquadrilha estava
dizendo que, pela falta de visibilidade, não conseguia atingir o tal ponto que o
pessoal do exército queria que eles atingissem. Era a décima de montanha, uma
divisão fabulosa que estava numa estrada à beira do rio, sem acostamento, sem
nada, e em frente havia um morro onde os alemães tinham peças de artilharia
pesada dominando a estrada, e não passava ninguém por ali.
Eles já estavam lá por 24 horas, e a falta de visibilidade era um daqueles aspectos
onde os brasileiros levavam vantagem: mil metros de visibilidade para o americano
era falta de visibilidade, mas para o brasileiro não. Nós entramos em contato com
o 'Rover Jô' e ele disse o que era, e nós vimos a tal pedra, fomos para lá e fizemos
um mergulho raso. O lugar parecia uma caçapa de mesa de sinuca, porque atrás
era aberto, o lado da estrada é que tinha as aberturas onde nós bombardeamos.
Das oito bombas seis pegaram dentro da caçapa e duas foram estourar lá em
baixo. Aí nós viemos contra a caçapa com as metralhadoras, com as 'Ponto 50',
nas janelinhas.
Quando nós acabamos de passar não tinha mais um alemão que fosse lá dentro.
Os que conseguiram escapar, escaparam. Nós vimos a décima de montanha se
deslocar e fomos em frente. O interessante é que depois de concluídas as
operações nós saímos em várias comitivas que o Comando escalou para
buscarmos documentos dos companheiros abatidos, e eu estava num desses jipes
com outros companheiros. Eu estava sempre nessas incumbências porque eu era
poliglota e falava um italiano atravessado, então quando chegamos ali naquele
local a décima de montanha estava acantonada ali perto, e tinha um soldado
americano na estrada.
Nós paramos o jipe e perguntamos por curiosidade: "Escuta, o que é aquilo ali em
cima?", e apontamos para o local que tinha as peças de artilharia alemãs, onde
havíamos acabado de bombardear. O soldado respondeu: "Ah, nós estávamos já
há dois dias ali naquela estrada e não conseguíamos passar por causa dos
alemães. Aí vieram umas ... de quatro aviõezinhos e acabaram com eles". Mas
falou com aquele desprezo: "Quatro aviõezinhos de ... " (risos), de maneira que
esse foi um dos exemplos dessa colaboração com o 'Rover Jô', que era
importantíssimo para as tropas de terra.
O Grupo de Caça, nesse desenvolvimento todo, fez uma atuação brilhante.
(AAP4, PIL371, PIL393)
30. E CAPACIDADE DE NAVEGAR
É meio difícil tocar no assunto. É delicado. Trata-se da habilidade do piloto.
Parece um pouco cabotino falar nisso, mas vou falar, foi um ponto que me marcou
durante meu tempo na Itália.
Com 20, 30 missões as nossas esquadrilhas eram mais eficientes do que as dos
americanos, e isso foi dito pelos próprios americanos. Lembro-me, pessoalmente,
de um episódio: o tempo estava fechado e eu era o Comandante da primeira
esquadrilha e teria que decolar às oito horas. Já eram dez e pouco e o tempo
ainda estava muito fechado e eles não liberaram para decolagem, então o
Comandante Nielsen - Comandante do 350 - desceu as escadas, olhou para os
dois lados, olhou para o nosso lado e para o lado dos americanos, foi para a porta
da nossa sala e nos disse assim: "Decola que o alemão já está começando a
correr". Quer dizer, a opção dele - instintiva - foi a de mandar os brasileiros
primeiro. Isso dá uma idéia do conceito que nós desfrutávamos junto ao Comando
americano, e nós decolamos e, como sempre, varamos o mau tempo com auxílio
do radar, fomos lá e fizemos uma razoável 'lenha' naquelas colunas que já se
locomoviam em fuga.
Em outra missão, decolamos oito aviões. Green e Blue iriam tentar destruir as
duas pontes paralelas existentes em Piacenza. Não estávamos sozinhos nessa
missão. Além dos Jambocks, foram escalados para este alvo mais 16
Thunderbolts de um dos esquadrões do 350th. Os ataques estavam previstos com
a precisão de minutos, para que uma força não interferisse com a outra.
Ambas chegaram ao alvo no minuto certo, entrou, porém o imponderável - existia
uma espessa cobertura de nevoeiro sobre as pontes impedindo o bombardeio. O
nosso Comandante e o Comandante do esquadrão americano, após trocarem
algumas palavras pelo rádio resolveram fazer uma órbita de espera sobre o
objetivo, aguardando que o sol dissolvesse o nevoeiro. O tempo estava passando,
a gasolina diminuindo e o nevoeiro lá embaixo firme, reforçado ainda por uma
cortina de fumaça lançada pelos alemães. Com vinte minutos de espera, a turma
do 350th foi para o alvo de alternativa. Não acreditaram.
Mas nós ficamos. Na verdade, os pilotos americanos, embora excelentes, não
tinham a vivência dos nossos comandantes de esquadrilhas, todos eles veteranos
do Correio Aéreo Nacional, habituados a voar visual, distinguindo com um simples
golpe de vista se o mau tempo era ou não para valer.
Era regra do 1º Grupo de Caça, se uma esquadrilha fosse escalada para cumprir
uma missão, esta teria que ser levada até o fim. As pontes eram importantes,
estava a guerra aérea em plena segunda fase de operações: interdição do campo
de batalha. E o Comandante esperou. Mandou que reduzíssemos a potência dos
motores para economizar combustível e, pacientemente, aguardou a dissipação
do nevoeiro. E, de repente, as duas pontes apareceram inteirinhas lá embaixo.
Prevaleceu a experiência.
Foi ordenado o ataque. No meio das explosões de granadas de 88 e 20 mm, os P-
47 mergulharam um após o outro. Dois aviões atingiram o objetivo, destruindo-o e
três da nossa Blue conseguiram pegar a ponte rodoviária. Fiquei empolgado,
como assistente, desse grande êxito, e caprichei no meu mergulho. Como não
queria errar, fui um pouco mais baixo do que o permitido para soltar as minhas
bombas. Foi um impacto direto. Acertei em cheio. Na recuperação entrei no
nevoeiro por fração de segundos, e bem ouvi a velha solidariedade na palavra do
companheiro, que avisou ao Comandante que eu desaparecera! 'Não foi desta
vez', entrei no ar com a voz embargada pela emoção do resultado obtido.
Recebemos um elogio individual do Coronel Ariel W. Nielsen, Comandante do
350th Fighter Group, ressaltando a habilidade dos pilotos do 1º Grupo de Caça.
(PIL386, PIL371)
30. F EXPERIÊNCIA
Íamos fazendo nossos ataques, que dependiam do grau de periculosidade e que
por sua vez dependia do alvo propriamente dito. Se você fosse atacar um alvo que
estava muito bem defendido com uma barragem, provavelmente você seria
atingido. Se o alvo fosse uma coluna de caminhões e eles eram surpreendidos
imediatamente eles se preparavam para rebater o ataque e abriam fogo com
armas leves, metralhadoras 'ponto 30' e '20 milímetros'. Então nessa hora corria-
se muito risco, mas eles também corriam porque o pessoal já estava muito
treinado, sabia atirar e chegávamos ao ponto de atirar e saber quantos tiros
saíam; quando chegávamos ao fim sabíamos quantas rajadas ainda restavam.
Só o veterano consegue isso. Nós éramos veteranos porque já tínhamos mais de
90 missões e isso nos deu uma prática muito grande de guerra e de
discernimento.
(PIL389)
31 O FIM DA GUERRA
31. A FESTEJOS
O fim da guerra foi um dos momentos que mais me marcaram porque eu estava
esperando ser escalado para uma missão quando de repente soou no microfone:
"The war is over", quer dizer, "A guerra terminou". Quando acabaram de dizer isso
no aeroporto de Pisa foi aquela euforia, pessoas de vários esquadrões se
encontrando, se abraçando e eu vi muito marmanjo se debulhar, chorar ... era o
fim da guerra.
Houve centenas de expressões de satisfação, porém essa talvez expresse melhor
o sentimento de todos os colegas, dizendo: "Estou satisfeito em ver tudo
terminado. Eu me considero feliz por ter contribuído com um pequeno esforço".
O fim da guerra foi motivo de júbilo para o mundo todo, não só para o pessoal do
Grupo de Caça. Foi uma comemoração onde encheram a cara de vinho, de
vermute, de Strega. Foi um verdadeiro carnaval em Pisa.
Os oficiais que sempre andavam armados de '45' dispararam as pistolas para o
céu, foi uma algazarra, um barulho tremendo, pegaram as armas e fizeram um
tiroteio. Deixaram Pisa de cabeça para baixo, os italianos ficaram apavorados
porque não sabiam o que estava acontecendo, quando estávamos apenas
festejando o término da guerra.
Lá os italianos gritavam na rua "Finito la Guerra !!". Desapareceram todas as
forças, praticamente todos foram desarmados, foi o melhor tempo que passei em
toda a minha vida, despreocupado de tudo.
O clima era de euforia total, a população toda na rua, com lenço branco,
sentíamos quase os aplausos, estávamos nos sentindo no conforto de que toda
aquela agonia tinha passado, estava terminando naquele momento. Aí, como eu
costumo dizer, a alegria deles foi muito maior do que a nossa, porque eles
sofreram por muito mais tempo do que nós naquele período de operações.
A rendição incondicional dos exércitos alemães aos aliados significava o fim da
guerra e nosso regresso ao Brasil. Eis que surge uma idéia de deixar marcada a
passagem do 1º Grupo de Caça pelo teatro de luta na Itália. Esta idéia deveu-se
exclusivamente a um dos Soldados: a colocação do nosso quartel de uma placa
de mármore.
A placa foi inaugurada às 8:30 h do dia que não me recordo, porém acho que foi
num dos últimos dias do mês de maio, ou princípio de junho. A placa estava
coberta com a Bandeira Nacional e foi descoberta pelo Tenente, sob os aplausos
gerais dos presentes. Nosso Capelão abençoou a referida placa, cujos dizeres
são: "Aqui estava o 1º Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira, conquistando
para o povo italiano e para o mundo os elevados ideais do direito, da honra, da
justiça e da liberdade".Pisa , 8 de maio de 1945 Dia da Vitória. 50 anos depois,
verificamos que a placa ainda estava no mesmo local que a colocamos.
Parece engraçado dizer isso, mas na guerra não havia nenhuma das
preocupações hoje existentes, nada me faltava e eu tinha tudo. Cessou-se o fogo
e não mais havia necessidade de nada, então regressamos ao Brasil.
(AAP81, AAP160, AAP226, AAP268, PIL379, PIL386, PIL389)
31. B PASSEIOS
Terminada a guerra, a alegria foi geral. Por condescendência do Cel. Nero Moura,
fomos dispensados, em grupo, por uns dias para irmos para onde bem
entendêssemos, e antes de chegar o dia do retorno começamos a ser
dispensados, primeiro em uma semana, depois reduzia-se para 05 dias, 03 dias
até o dia marcado. Foi uma "barata-voa".
Conheci Firenze, Luca, Roma (vi o Papa), Nápoles e outras cidades célebres.
Tudo por conta própria e de carona, o que não faltava.
(AAP152)
31. C EXPECTATIVA DE RETORNO
Acredito que cada um deve pensar o que as nossas cabeças estavam pensando
naquele dia, no retorno ao Brasil. Finalmente a Guerra acabara, muito embora ela
ainda perdurasse até o dia 8, mas para nós na Itália acabou dia 02 mesmo.
Foi uma felicidade tremenda porque todos queriam regressar ao Brasil e queriam
que terminasse a guerra, o que felizmente aconteceu. Os alemães renderam-se, e
terminada a guerra foi aquela alegria imensa de regressar imediatamente ao
Brasil.
Passamos a aguardar o retorno. Embarcamos em viaturas, caminhões, e fomos
para o sul da Itália, em Nápoles precisamente. Não é preciso dizer o tamanho de
nossa alegria, pois íamos voltar para a nossa terra, ter contato com os nossos
entes queridos, matar as saudades.
Mas houve companheiros nossos que se alistaram para ir combater no Japão; eu
não quis, para mim bastava. A espera para ver os entes queridos era uma
ansiedade muito grande, tão grande que o nosso estabelecimento de aguardo do
retorno, que foi em Nápoles, não tinha nem colchão, mas ninguém reclamou,
todos estavam felizes da vida porque íamos voltar.
(AAP243, AAP281)
31. D O FIM DAS HOSTILIDADES
No final de abril já era evidente para todos nós que o final estava muito próximo:
os alemães já estavam na correria, já tinha sido rompida a linha de frente, os
americanos aprofundavam a todo vapor e mesmo deixando alemães para trás eles
queriam chegar no Passo de Brenner para fechar as saídas, de maneira que
contávamos que o fim estava por poucos dias. No dia 2 de maio, houve a última
missão que na realidade não chegou ser propriamente uma missão: apenas dois
aviões, eu e o meu ala saímos já com instruções de não atirar, só para fazer um
reconhecimento armado.
A centésima missão de combate na Itália foi a que me deu a maior emoção,
porque nós sabíamos que estávamos a ponto da guerra terminar a qualquer
momento. Saíamos atrás de alvos de oportunidade como vínhamos fazendo nas
últimas missões, em outras palavras, perseguindo as tropas alemãs que se
retiravam rumo ao Norte, quando a certa altura o Cooler, com o controle de radar,
transmitiu solenemente: "Atenção, todos os vôos, não ataquem. Repito, não
ataquem! A guerra acabou!", eu senti o cabelo arrepiar no pescoço, essa coisa
toda, num só choque.
Tomamos conhecimento do final da guerra no dia 1º de maio de 1945, no início
da madrugada, mais ou menos uma hora da manhã. Estávamos no Hotel Nettuno
tomando um último drinque antes de dormir quando chegou um rádio
determinando que, a partir daquele momento, não hostilizássemos mais nenhuma
tropa alemã.
Realizei, como todos nós, esse tipo de missão, no final sobrevoávamos o território
inimigo, mas nunca fomos hostilizados. Nós íamos para cima do mar, largávamos
as bombas para voltar e pousar, e isso para nós foi o fim da Guerra.
Eu pensei nos meus pais, nos pais dos que haviam morrido, foi um aglomerado
emocional indescritível, de modo que eu sempre digo: esta foi a missão que mais
me comoveu. Foi a missão em que, inclusive, não ataquei ninguém, a guerra
acabou e a gente sabia que não ia perder mais companheiro nenhum...era o fim
da guerra, era o fim da matança e da destruição e estávamos vivos! Nessa hora
lembrei-me dos meus pais.
(PIL371, PIL373, PIL379)
31. E COMISSÕES DE RESGATE
Nesse período, entre o dia 1º de maio e a assinatura do armistício, no dia 8, o
Coronel Nero mandou 3 expedições: uma para o Norte da Itália, outra para
Nordeste e uma outra para o Noroeste. Alguns dos nossos companheiros que
estavam prisioneiros já tinham até voltado à Pisa, mas a maioria ainda não tinha
regressado, e havia também os que estavam fugindo no meio dos partisanos. No
dia 2 de maio, logo depois da guerra ter terminado, eu, o Tenente e mais dois
fomos designados para seguirmos para o Norte da Itália a fim de pesquisarmos a
existência ou não de prisioneiros brasileiros naquela área. Partimos de Pisa e
fomos até Florença, de Florença à Bolonha e percorremos toda a estrada a oeste
e leste da Itália, isto é, de Bolonha a Milão.
No caminho, antes de chegar a Milão, encontramos ainda os dois postes onde
havia sinais da execução de Benito Mussolini e sua secretária, Clara Petrarco, que
tinha ocorrido na véspera de nossa passagem. Quando chegamos em Milão
encontramos a cidade recém ocupada pelos partisanos, que estavam com o seu
quartel-general na central ferroviária. Depois de estudar o problema dos
prisioneiros, como nada havia a fazer, regressamos.
Chegou então o Capitão, que pediu autorização ao Comandante para ir procurar a
mãe e a irmã dele que moravam ao norte da Itália. O curioso era que já era a
terceira vez que ele fazia esse pedido ao Nero; na primeira vez ele queria ir aos
Estados Unidos para procurar a irmã e uma outra vez ele disse que queria ir à um
outro país, não me lembro qual, também para procurar por ela. Na ocasião não era
absolutamente possível porque nós estávamos em treinamento no Panamá ou
estávamos no Estados Unidos, mas agora com término da guerra ele disse: "Vai,
meu filho, vai procurar a sua irmã e a sua mãe". Num jipe seguimos até o Lago de
Garda e procuramos.
Então fiz poucas dessas missões de sobrevoar e jogar bombas no mar. Fui para
buscar o Santos, tomei as primeiras medidas, tive todo o apoio do Prefeito lá e
regressei, porque eles ficaram preparando o corpo, embalsamado, e voltei uma
semana depois para trazer o corpo de volta.
No regresso passei para pegar o Joel, e houve um fato que julgo curioso e me
permito relatar. Passei lá e encontrei o Joel sentado numa mesa com uma família
italiana que o tratou muito bem, com vinho, pão, queijo, num papo muito
agradável. Eu disse "Joel, o Nero mandou te buscar!", e ele respondeu: "Fala para
o Nero que aqui está muito bom, que eu não vou não". São coisas curiosas e
engraçadas que devem ser relatadas para permanecerem na memória.
(AAP206, PIL373, PIL386)
32 A VOLTA AO BRASIL
32. A A VIAGEM DEVOLTA
A viagem de volta, após uma quarentena em Nápoles, foi tranqüila. Agora sem
escolta, deixamos a milenar e bela Itália. Euforia geraL.
Eu ia para o tombadilho às vezes e ficava olhando para o horizonte, onde deveria
estar o Brasil, e ficava passando a minha vida. Eu tinha vinte e poucos anos de
idade e ficava passando a minha vida e algumas coisas, e assim mesmo eu
custava a acreditar. Às vezes me vinham lembranças da guerra, às vezes
lembranças da faculdade, às vezes vinham lembranças de outras coisas, da
fazenda e etc. Mas enfim estava sentindo que estava vivendo de novo, era um
sentimento extraordinário.
Na altura do Equador, festa em homenagem ao inabdicável "Rei Netuno". Muita
gente na amurada para ver a referida linha, que diziam ser vermelha.
Eu já estava há mais de dois anos fora de casa, então estava extremamente
ansioso. Alguns pilotos já tinham ido para os Estados Unidos trazer alguns aviões
e eu fiquei junto com alguns pilotos que não estavam em condições de vôo, além
de que não tinha lugar para todo mundo trazer os aviões. Viemos de navio junto
com o primeiro escalão da Força Expedicionária, fomos para perto de Nápoles e
depois chegou o dia de embarcar em um navio de transporte de tropas.
Como todo navio de transporte de tropas, não era nada confortável, beliches em
cima de beliches, tudo amontoado, mas só o fato de nós estarmos voltando para
casa fez dessa a viagem mais maravilhosa que eu já fiz.
Eu não via os dias passarem, sempre ouvi dizer que a entrada da Baía de
Guanabara era a coisa mais maravilhosa do mundo, então eu disse: "Não pode
ser mais lindo do que isso".
Alegria indizível ao ver de novo os parentes mais chegados. Nas proximidades,
talvez de Fernando de Noronha, soubemos a bordo que o nosso cruzador "Bahia"
fora a pique. Os filhos da Candinha haviam espalhado que inúmeros submarinos
tedescos ignoravam o armistício e resolveram fazer guerra por conta própria, mas
alguns abordaram em portos neutros a fim de internamento. Em face disso, gerou-
se a intranqüilidade novamente; o Bahia foi vítima de um deles.
Tudo ficou esclarecido posteriormente: foi acidente. Particularmente não acreditei
na versão porque conheço bem a disciplina germânica. Aquela gente, passando
anos mergulhada no oceano, sem o mínimo conforto, devia estar ansiosa para que
tudo terminasse.
(AAP152, PIL371, PIL374, PIL379, PIL386, PIL393)
O transporte dos 19 aviões:
Ao terminar a guerra o Grupo de Caça tinha direito a mais 19 aviões que não
haviam sido utilizados. Num arranjo feito, esses aviões, ao invés de serem
entregues na Itália e trazidos ao Brasil de navio, foram entregues diretamente nos
Estados Unidos, de maneira que os próprios pilotos do Primeiro Grupo de Caça
pudessem trazer os aviões voando.
O Comandante designou, por ordem de antigüidade, os 19 pilotos mais antigos,
na realidade 20 porque veio um de reserva.
Fomos então para os Estados Unidos, via Nápoles - norte da Itália -, passando por
Casa Blanca, Ilha de Santa Maria, Arquipélago dos Açores, Canadá e Nova
Iorque. Em Nova Iorque ficamos algum tempo e fomos recepcionados pelo
embaixador do Brasil, além das altas autoridades da 'United States Air Force' e
conduzidos a uma visita ao Pentágono. Houve algumas recepções e dali fomos
para Kelly Field, onde recebemos os 19 aviões.
A nossa viagem de volta ao Brasil seria via Estados Unidos porque iríamos trazer
os aviões que lá estavam de volta ao Brasil. Eu estou encerrando com isso,
basicamente, a nossa missão, mas ainda restava essa viagem de volta ao Brasil, a
que fizemos sob o Comando do nosso Comandante Nero Moura via América
Central até o Amapá.
O Comandante resolveu trazer os aviões pela América Central, e a primeira etapa
foi uma etapa difícil, de Kelly Field até Brownsville, que é na fronteira. O Nero
tentou trazer os 19 aviões voando juntos mas a temperatura estava alta e o vôo se
tornou cansativo. Quando ele chegou em Brownsville optou por separar e as
esquadrilhas vieram voando separadamente. Quando chegamos tivemos um
problema difícil porque no campo só havia um bocal de reabastecimento, e
tínhamos 19 aviões. Não havia trator e os aviões tinham que ser empurrados à
mão para ser reabastecidos, e perdemos quase o dia inteiro. Estava chovendo e
dali em diante os campos iriam ficar pior. Fomos dali até Allbrook Field, no
Panamá, onde o Nero resolveu abandonar a idéia de irmos pela América Central.
Depois da decolagem de Manágua fizemos um sobrevôo sobre Aguadulce,
porque foi naquela Base o nosso início de unidade. Constatamos que estava tudo
arrasado, eles tinham posto tudo abaixo: de Aguadulce não restava mais nada, a
não ser a nossa lembrança. Fomos pelas ilhas Curaçau, Trinidad, voamos em
cima d'água nos P-47, mas tornou-se muito mais fácil. De Trinidad entramos no
Brasil por Macapá.
Lembro-me de quando cruzamos o Iapoque, o Coronel Nero transmitiu:
Chegamos! É o Brasil minha gente! Os dezenove aviões desandaram a fazer
todas as cabriolas e evoluções imagináveis, numa espontânea demonstração da
nossa alegria pelo regresso.
Terrinha danada esta, que a gente espinafra e critica, mas que sempre nos dá
uma enorme emoção quando se regressa. Depois desse desabafo acrobático, o
resto da viagem continuou ordeiro.
Nesse estágio houve um incidente do qual eu lamento, mas essas coisas
acontecem. Em nosso pouso no campo da selva Amazônica houve um
desencontro de procedimento correto. O Capitão pousou na minha frente e fez um
pouso curto; talvez ele tenha atingido a metade da pista, e eu que vinha atrás fiz
um pouso longo havendo portanto um abalroamento dos dois aviões que exigiu
providências posteriores sem o aproveitamento das duas aeronaves.
Como conseqüência eu, que estava querendo chegar ao Brasil fazendo uma
passagem de guerra, não pude ter esse prazer; cheguei de passageiro no avião
que acompanhava o grupo. Os companheiros chegaram fazendo aquele festival
de alegria e eu tive que assistir, mas isso são coisas de quem voa só podia
acontecer com quem voa.
Depois fomos para Belém, de Belém fomos para Fortaleza, de Fortaleza fomos à
Recife, de Recife fomos à Salvador , de Salvador à Vitória. Estávamos preparados
para chegar ao Rio de Janeiro quando houve uma ordem de pernoite em Vitória
porque só poderíamos chegar no Rio de janeiro no dia seguinte de manhã, pois
tudo havia sido preparado com essa finalidade. É claro que ninguém gostou,
estavam todos loucos para chegar em casa.
Assim fomos pousando em todas as bases brasileiras: Belém, Fortaleza, Natal,
Recife, Salvador, Vitória e em todos esses lugares fomos homenageados pela
guarnição da cidade, pelo Comandante, oficiais, até que finalmente chegamos ao
Rio de Janeiro.
32. B A CHEGADA
Essa é outra parte que me deixa arrepiado. Vou dizer que foi uma apoteose, não
só os parentes, mas com o povo todo, pela avenida Rio Branco, desde o Cais do
Porto, nos recebendo.
Para mim foi uma emoção enorme o término da guerra, mas muito maior foi a
chegada ao Rio de Janeiro, porque nós fomos recebidos por milhares de barcos
soltando foguetes, bandas de música e o povo gritando 'vivas', e isso desde alta
madrugada até por volta de duas, três horas da tarde. Eu chorei o tempo todo
sentindo essa emoção tão grande que eu nunca mais senti outra vez na vida.
Ao avistarmos a Guanabara começamos a sentir a sensação alegre do retorno,
não só à Pátria, mas aos entes queridos. Ao chegarmos ao Cais do Porto
começamos a nos deslocar nas viaturas, caminhões abertos, e começamos a
cruzar com o povo.
Quando nós entramos no Rio de Janeiro, a cidade toda em festa, e atracamos no
caís do porto, a população do Rio de Janeiro que podia se movimentar foi toda
para as ruas.
Do Cais do Porto seguimos para a avenida Rio Branco, totalmente tomada pela
cidade que olhava para nós, muitos parentes já nos procurando. Alguns
encontravam, outros não, mas a alegria fazia o indivíduo sair do caminhão e dar
aquele abraço, ou então as pessoas subiam no caminhão para fazer a mesma
coisa.
Desfilamos em caminhões e a balbúrdia era tão grande que era transbordante de
alegria; as pessoas desciam ou subiam nos caminhões, foi uma coisa estrondosa,
a começar por entrarmos pela Baía de manhã, ao revermos a Guanabara foi onde
começou a alegria. Foi uma coisa que até hoje está muito bela na nossa
lembrança e não há como esquecer.
Quando desembarcamos foi uma emoção extraordinária, e mais extraordinário
ainda, foi quando, olhando no cais do porto, enxerguei minha mãe que não via há
tantos anos. Minha mãe estava na comitiva do Presidente da República Getúlio
Vargas, ao lado da Dona Darci Vargas e ao lado da Ausirinha. Isso porque tinha
um colega meu que era médico e filho do Getúlio, ... e por intermédio dele minha
mãe escreveu para o secretário dizendo que queria me esperar no navio, onde
fosse, então ela foi convidada pelo secretário da Dona Darci Vargas para
acompanhá-los.
Quando fomos chegar em um lugar para dormir, já eram nove horas da noite.
Imagine, desde a madrugada até nove horas aquela foi aquela manifestação
incrível.
(AAO281, AAP296, PIL379, PIL386, PIL393)
A Chegada Dos 20 Pilotos
O nosso penúltimo vôo, de Kelly Field para o Rio de Janeiro com 19 caças P-47
THUNDERBOLT no final da guerra, foi em Vitória. Lá o governador nos recebeu
com um banquete e no dia seguinte viemos para o Rio de Janeiro. Nesse vôo
pedimos licença para tirar o "bellytank" e o avião ficou mais ou menos como um
'teco-teco' nas nossas mãos. O Comandante Nero Moura era muito rigoroso com
relação à crítica de vôo, principalmente no que se relacionava à segurança.
Finalmente chegamos no fundo da baía com um céu azul, absolutamente azul,
sem uma nuvem sequer: era 16 de julho de 1945, e nós estávamos todos muito
emocionados, sabendo que na hora que a roda tocasse o chão nós tínhamos
voltado, estávamos em casa.
O Comandante Nero Moura comandou uma 'cobrinha' e nós nos despencamos de
dez mil pés e sobrevoamos a cidade a baixa altitude. O nosso mergulho foi
iniciado no fundo da Baía e foi eletrizante porque passamos baixo, mas nunca
menos do que o 'Edifício da Noite' por ordem do Comandante, e fomos sair lá na
Urca, Copacabana.
Nero Moura comandou um 'mergulho' antes de seguirmos para o campo dos
Afonsos, e resolveu fazer uma passagem pela Avenida Rio Branco, enseada do
Botafogo, subiu o Pão de Açúcar e desceu em Copacabana, ali pelo Leme.
Isso já tinha sido combinado entre nós lá em Vitória, e assim realizamos o vôo
com alguns 'senões'. O primeiro 'senão' foi quando ele iniciou o mergulho e disse:
"Atenção, vou mergulhar. Não quero ninguém voando abaixo do edifício da noite",
ele salientou. O edifício da noite era o edifício mais alto do Rio de Janeiro, mas
acontece que só ele passou acima do edifício: todos ou outros passaram abaixo,
contrariando as ordens do nosso Comandante.
Quando mergulhamos o avião do Assis estourou a tubulação de óleo, espalhando
óleo pelo pára-brisa, e ele disse: " Estou em emergência, vou pousar nos
Afonsos". Ele de fato seguiu para os Afonsos e foi o primeiro a pousar.
O Nero ficou zangado com nossa 'molecagem' e falou: "Eu disse para não passar
abaixo do edifício da noite!". Aí alguém, não lembro quem foi, disse assim: "Mas
todo mundo entendeu que era para passar abaixo do edifício da noite". "Eu não
disse isso, seu malcriado!", brigou o Nero Moura. Ele fazia tudo isso de pura
brincadeira, era um gozador e aquilo era só para 'movimentar' um pouco as
coisas.
No 'Posto Seis', em cima do Forte, ele reuniu o esquadrão e fomos para os
Afonsos, onde fomos recebidos festivamente por nossos familiares e autoridades.
Era enfim a chegada ao Brasil, felizmente.
Pousamos nos Afonsos, mas antes fizemos um show aéreo com picadeiro
formado pela população, parentes daquela turma que estava chegando e muita
gente da FAB que estava lá até por curiosidade. Teve também a ilustre presença
do Presidente Getúlio Vargas que lá estava para nos receber.
Chegamos ao Rio no dia 16 de junho de 1945, num dia esplendorasamente lindo,
de um azul brilhante, sem uma única nuvem no céu.
32. C PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS
A viagem foi agradável porque foi uma viagem platônica, onde os desejos de
todos eram revelados, e tive ali uma grande vitória; a nossa viagem de regresso foi
excelente. O que mais se falava nos navios era sobre a comida, uma roda
contando como seria a feijoada, outra como seria a carne assada e etc.
Fomos à Praça Tiradentes e tinha um restaurante lá. Éramos em uns oito e
dissemos para fecharem o restaurante e trouxessem tudo o quanto pedíssemos: "
Uma travessa de camarão, uma travessa de carne ... junta tudo, traz e põe na
mesa que vamos entrar num banquete !". Entramos lá 9 ou 10 horas da manhã e
fomos até às 5 horas da manhã do dia seguinte; pegamos uma mesa grande,
pedíamos a cerveja e colocávamos na mesa, até enchermos a mesa de cascos.
Quando não cabia mais nenhuma cerveja nós tirávamos da mesa e colocávamos
em outra. Enchemos umas três mesas daquelas e 'matamos' aqueles
pensamentos que tivemos na saída e que no retorno se tornou realidade.
Mas aconteceu um fato desagradável. A minha família é toda de São Paulo, então
a Rede Ferroviária colocou um trem à nossa disposição e lá se foram os pracinhas
que eram do interior de São Paulo ou da capital. Quando chegamos em São José
dos Campos um desastre matou um expedicionário; com o choque de trem eu
perdi meu quepe e nem sei para onde ele foi, de tão grande o choque. Felizmente
houve poucos feridos. Em um acidente mortal, um pracinha que estava na
plataforma caiu por causa do choque e morreu.
(AAP81, AAP226, AAP243, PIL389, PIL397)
O retorno dos 20 pilotos:
Quando pousamos entramos em forma, ainda dentro do regulamento cruel,
porque talvez já tivesse visto minha esposa, e estava fogueteando para ir falar
com ela, mas antes o Presidente passou a revista naqueles 19 pilotos.
O Nero Moura disse aquela frase famosa: " Presidente, missão cumprida". Foi
curto e grosso, sem rodeios nem pose de herói.
Já fora de forma fomos abraçar os nossos familiares. Foi uma emoção muito
grande abraçar minha esposa, ainda hoje a gente sente o calor dessa emoção no
momento do abraço.
O 1 o Grupo de Caça só foi condecorado depois que chegamos da Itália. Quando
chegamos aqui houve uma solenidade no Campo dos Afonsos e na hora da
distribuição das medalhas eles foram dando por ordem de grandeza crescente.
Alguns ganhavam uma estrela, outros duas e outros três estrelas. O Presidente
Getúlio Vargas estava presente, o Ministro Salgado Filho também e outros.
Minha relação com meus familiares foi felicíssima, todos estavam muito contentes
e sem saber que guerra era aquela que o sujeito ia e voltava feliz da vida. Foi
muito bom para meus irmãos, meu pai, foi ótimo. Minha experiência no 1 o Grupo
de Caça marcou-me para a vida inteira e moldou a maneira de me conduzir ao
meu semelhante. Foi realmente uma grande escola.
Agora, quando tudo terminou, asseguro que me agradaram alguns aspectos
dessa vida em campanha: a boa camaradagem, os ensinamentos e as novidades
que vimos; entretanto, estou certo que me sinto imensamente feliz por voltar ao
Brasil.
32. D O PÓS-GUERRA
Em 1945, fiquei noivo da namorada que havia deixado ao partir para a guerra. Em
16 de fevereiro de 1946, casei-me. Em 3 de março de 1947, nasceu nossa
primeira filha, ... hoje com 52 anos, farmacêutica e empresária; em 7 de junho de
1948, nasceu nossa segunda filha, Iara, hoje com 51 anos, médica psiquiatra.
Sheila tem dois filhos: Alessandro, com 28 anos e Leonardo, com 26 anos. Iara
tem um filho, Igor, com 22 anos, todos formados.
Ao chegar no Brasil fui muito bem recebido, mas é claro que com discrição. Como
eu era da reserva me apresentei ao gabinete do ministro e fiquei à disposição até
que fui desligado. Depois entrei na aviação comercial, onde fiquei 22 anos e meio
até a companhia fechar. Com toda a experiência e camaradagem que eu aprendi
durante a minha estada no Grupo de Caça, eu me saí muito bem na aviação
comercial, alcancei todos os postos, fui instrutor de todos os equipamentos até ela
fechar.
Chegamos ao Brasil e fui para a escola fazer meu curso; saí oficial e servi a onze
ministros. Tive a felicidade sair de serviço com 39 anos de idade. Fui para a
CETEL e foi minha segunda grande vitória, pois lá fui promovido 5 vezes em seis
meses e cheguei ao último posto. Me aposentei e fiz a transição da Guerra para a
paz.
Com isso nós chegamos, foi uma alegria muito grande, as famílias lá estavam
esperando os guerreiros, e ficamos no Brasil sediados a partir de então na Base
Aérea de Santa Cruz.
É uma vergonha, mas tu bem sabes quanto sofremos após nosso regresso ao
Brasil. Ter ido à guerra como voluntários nos deu certos títulos pejorativos. Um
deles foi o de nos chamarem de 1º Grupo de Caça Níqueis.
(AAP81, AAP226, PIL374, PIL389, PIL397)
33 A PRESIDENTIAL UNIT CITATION - SUA IMPORTÂNCIA
A ofensiva do 22 de abril foi o dia máximo do esforço, o dia de mais vitórias
conseguidas no Teatro de Operações na Itália para nós do Primeiro Grupo de
Caça. A quantidade de ataques que o Grupo conseguiu fazer ficou consagrada no
papel que os americanos fizeram propondo ao Governo dos Estados Unidos dar
ao Primeiro Grupo de Caça a medalha americana chamada "Presidential Unit
Citation". Nessa citação, um documento de 48 páginas feito pelos americanos, há
um reconhecimento a nosso respeito de que realmente naquele teatro de
operações o Primeiro Esquadrão de Caça Brasileiro, o 1º Grupo de Aviação de
Caça, foi o melhor daquele teatro.
Essa medalha foi criada em 1942, em Pearl Harbor, naquele caos que houve com
o ataque dos japoneses. Duas unidades se sobressaíram porque não entraram em
pânico e conseguiram até decolar os aviões para combaterem o inimigo, então o
Presidente Roosevelt criou a 'medalha presidencial'.
O valor dessa medalha é muito grande porque não é uma medalha para a pessoa,
é uma medalha para a unidade, para quando a unidade se coloca numa posição
de destaque perante as outras. Durante toda a existência dessa medalha somente
duas unidades estrangeiras receberam: uma da Força Aérea Brasileira e outra da
Força Aérea Inglesa.
Para que uma unidade pudesse vencer era preciso que tivessem várias unidades
do mesmo padrão: se tivessem a melhor manutenção, o melhor desempenho
operacional, destruído mais alvos ... e nós conseguimos isso, mesmo
representando, dito por eles, apenas 5% da força aerotática. Entre 6 de outubro e
29 de abril destruímos 29% de veículos motorizados, 28% de pontes, 36% de
depósitos de combustível e 85% de depósitos de munição, um orgulho para nós e
crédito para o Brasil. Isso foi o 22 de abril.
Infelizmente na época ela não foi entregue imediatamente, pois dizia-se que ela
só poderia ser concedida a unidades aéreas norte-americanas. Ficou vários anos
sem ser outorgada, até que o Buyers - Capitão da American Air Force John Buyers
- descobriu que a Inglaterra tinha recebido, e então começaram todo o processo
novamente. No ano de 1982 recebemos a medalha na Base Aérea de Santa Cruz.
(AAP81, PIL379, PIL389)
34 REFLEXÕES
34. A ENSINAMENTOS
A história do sucesso do 1º Grupo de Caça está no trabalho árduo, determinação
e seleção dos homens chaves que ensinaram seus jovens pilotos a combater.
Eu era garoto, tinha 17 anos passando para os 18, contudo tenho certeza de que
assimilei o suficiente para ser preparado para a guerra, e essa preparação para a
guerra nos conduziu para a paz, mas uma paz mais orientada, disciplinada, mais
sábia, com poder de decisão.
No 1º Grupo de Caça, nos estágios que fizemos, eu estava sempre presente e
atento. Nas horas vagas, eu devorava os manuais técnicos como podia. Assim,
quando voltei após o término da guerra, com todos os conhecimentos de ponta da
época, senti-me seguro.
Para mim foram deveras importantes os cursos que fiz no Panamá e nos EEUU,
e, até hoje, convivo para não dizer a todos os momentos, com as experiências
adquiridas naquela época, ensinamentos e os momentos vivenciados na guerra.
Esses cursos e a guerra foram as maiores escolas da minha vida.
Embora a guerra tenha causado transtornos, distúrbios em si, ela trouxe também
ensinamentos de que a guerra não deve existir, muito embora nós tenhamos
estado lá. Esta é uma parte importante na vida de um ser humano, tanto que há
muitos brados no sentido de paz. Mas a guerra traz conhecimento, trouxe
conhecimento para nós, aprendemos como é triste um povo ser tomado, e isso
nós sentimos lá no povo italiano.
Então aprendemos um pouco de humanidade, acredito que em muitos dos nossos
companheiros esse sentido de humanidade ficou gravado. É difícil encontrar um
companheiro que seja um sujeito mau, porque essa passagem nos causou
sensibilidade.
Quanto à coragem física, o piloto militar, em ação de guerra, se situa numa
posição privilegiada em relação aos seus companheiros de outras armas. Vive
com bastante conforto, realiza sua missão com uma exposição relativamente curta
ao risco da reação do inimigo e volta logo para o seu abrigo. A coragem moral tem
pouco a ver com a guerra, para o combatente. É pródiga entre os não
combatentes, quer onde se firam os combates quer de onde se partem os
combatentes. Para o combatente a guerra é um negócio muito primário e mais e
não requer, pela posição que em relação a ela assumiu, coragens mais nobres. A
violência é filha do medo. Coragem física não é o oposto do medo. Coragem
física, por si só, é um fenômeno muito raro, mesmo porque requer, como apoio,
coragem moral. A alegada coragem física, em geral, não passa de inconsciência
ou do desprezo pelo perigo - ausência de medo.
O sofrimento físico, a não ser que seja abatido, não existe. O sofrimento moral
das misérias da guerra para o piloto, ressalvados os abatidos, é bastante
atenuado pela distância que mantém dos seus efeitos. É mais agudo, apenas, na
hora da visão da cama vazia do companheiro que não voltou. Os problemas de
consciência, no que toca ao sofrimento que pode infligir aos seus semelhantes,
são muito complexos. Simplificando, para mim, uma vez que participei consciente
e convictamente de uma guerra, subdivido os aludidos semelhantes em dois
grupos: O inimigo combatente, sem maior problema, lastimavelmente num
retrocesso ao sistema de Talião, pois não há alternativa, ressalvados os excessos
que são questão de consciência; a população não combatente, com o respeito
inato e instintivo, procurando não atingi-la, desnecessariamente.
Na Itália, as pu
n
FAB é o resultado de uma dura caminhada na qual tanto de seus antecessores
ficaram mortos ou feridos, física ou moralmente.
Eu gostaria de ressaltar que nós tínhamos uma missão muito séria a cumprir: a de
transmitir para as novas gerações tudo aquilo que nós aprendemos, e Graças a
Deus nós conseguimos. Hoje em dia nós temos no Brasil uma mentalidade de
aviação de caça; é lógico que essa aviação de caça evoluiu muito, mas os
princípios básicos, a disciplina, a camaradagem, isso tudo permanece.
Concluindo, daquele Grupo coeso que trabalhava e sofria em conjunto, em
condições psicológicas tão especiais, saiu um tipo de soldado disciplinado e rijo,
hoje vivendo de suas lembranças, com a consciência tranqüila de haver cumprido
seu dever em defesa da liberdade.
(AAP81, AAP181, AAP226, AAP281, AAP335, PIL386, PIL389, PIL371)
34. B VISÕES
Gostaria de narrar um outro caso. Um caso de puro amor de mãe para filho, só
que de uma gata. Foi um fato tão emocionante na hora em que aconteceu, que a
memória o guardou até hoje, depois de mais de 50 anos.
Estava eu de guarda, naquela noite fria e chuvosa, aquele frio de "rachar", quando
observo ao longe, a uns trinta metros de distância, aquele vulto de animal trazendo
na boca um outro. Largou-o no chão e dirigiu-se para mim. Foi quando vi que se
tratava de uma gata. Ela chegou até os meus pés, parou, olhou para mim, deu um
miado e eu notei que com aquele miado estava querendo dizer alguma coisa.
Fiquei imóvel sem entender bem o que ela queria. Depois de alguns minutos de
contato, como eu não me movesse, ela resolveu retornar para onde havia largado
sua cria. Depois de alguns passos, parou, olhou pata trás como quem diz: "Vem
comigo". Isso eu entendi bem, estava me chamando. Resolvia acompanhá-la para
ver o que estava acontecendo. Afinal o que ela queria de mim?
Chegamos onde estava o seu gatinho. Ela deu mais um miado e observei que o
gatinho estava morto. Sento toda a emoção de ver aquela mãe sofrendo pela
morte do seu filho e talvez me considerando um deus, no seu apelo para que eu o
salvasse. Peguei o gatinho em minhas mãos, acariciei-o, ela observou
atentamente, acompanhando os meus movimentos. Ao mesmo tempo fiz também
carinho nela, alisando sua cabeça. Tenho certeza de, que ela notou a minha
solidariedade com a sua dor. Recoloquei novamente o gatinho no chão e, alisando
os dois, dei a entender a ela que não tinha poderes para ressuscitar seu filhote.
Ela tornou a agarrá-lo com a boca, afastou-se e sumiu na escuridão daquela noite
fria e chuvosa. E, fiquei ali parado, pensando emocionado; a guerra também tem
dessas coisas.
(AAP99, PIL389)
34. C SENTIDO
Rio de Janeiro - 14 de Fevereiro de 2000
Estou ainda muito jovem pois, em data de 8 de Maio de 1999 completei 84 anos.
Desejava externar uma estranha coincidência minha: O Grupo de Caça chegou a
Livorno, na Itália, no dia 6 de outubro, dia de aniversário de minha esposa e a
guerra terminou no dia 8 de maio, dia do meu aniversário. Que tal?
Tempos felizes, tempos heróicos, tempos tranqüilos. Sim, tranqüilos e singelos
eram os tempos em que bons e maus estava separados por uma linha no terreno.
Pois assim sentíamos nós, os jovens, os que matavam e morriam com um sorriso
nos lábios, porque só aos inimigos agredíamos e só por ele éramos agredidos. A
guerra é atroz nos seus efeitos devastadores, porém é quase pura na lealdade
exacerbada e na dedicação sem limites dos jovens combatentes.
O 1º Grupo de Caça sempre funcionou bem, desde os nossos valorosos pilotos de
caça que, arriscando suas vidas, souberam defender a pátria e os ideais
democráticos, até o simples taifeiro que preparava a comida para todos nós.
Perguntaram-me se valeu a pena, e respondo novamente: "Cumpri com meu
dever de soldado, jurando defender a Pátria, com sacrifício da própria vida, se
preciso for". Cumpri o meu dever para com a Pátria, que é eterna, e tenho minha
consciência tranqüila.
Lembrei-me então de uma anedota publicada em seleções, "Piada de Caserna".
Um Tenente Americano, fazendo uma preleção à tropa disse: "O maior heroísmo
não é morrer pela Pátria". Perplexidade geral, e ele continuou: "É fazer com que o
inimigo morra pela dele".
A maioria das pessoas civis, que não conheceram a guerra, têm uma idéia
distorcida de como se desenvolve o conflito, e para essas pessoas é bom
esclarecer que nem todos os participantes de uma guerra têm a obrigação de
pegar um fuzil e sair por aí matando inimigos.
(AAP99, AAP152, AAP243, PIL381)
34. D REVOLTA
Um fato me deixou chocado. Voltava de carona num carro guindaste de bombas,
para o campo, quando tivemos de parar para dar passagem a centenas de
prisioneiros alemães devidamente escoltados. Eram na maioria adolescentes de
15 a 17 anos, talvez menos, numerosos feridos, com bandagem na cabeça,
braços na tipóia, alguns mancando. Como é que um povo que produziu um
Beethoven, um Brahms, Bach, Handel, Shumann, Lebnitz, Kant, Goethe, Heine,
Kepler, Gauss e milhares de vultos em todas as gamas de ciência, arte, literatura,
filosofia, matemática, química, etc... deixou-se cair na armadilha de um louco?
Coisas de guerra.
Vi soldados italianos voltando para casa e não a encontrando intacta ou vazia,
que choravam como crianças. Vi obras de arte destruídas em segundos. Mas foi e
é assim através de toda a História e ainda dizem, com toda empáfia, que o homem
é Sapiens.
Ao mesmo tempo me pergunto: Que governantes são os nossos, que premiam,
promovem, indenizam, incensam, erigem estátuas para desertores, terroristas,
assassinos frios, degenerados, assaltantes em nome de uma pseudo-democracia?
Nossos heróis, imolados na flor da juventude, não são reverenciados com nomes
de ruas, praças etc, a não ser talvez em suas cidades.
Agora, a guerra em si - e isso é uma opinião pessoal minha - é um dos processos
mais criminosos de se matar pessoas, principalmente jovens. É um genocídio,
porque se os fazedores de guerra, que são geralmente comerciantes de
armamentos, são defensores de soberanias e submetem alguém ao poder do mais
forte, eles deviam fazer a guerra entre eles. Poderiam usar luvas de boxe,
espadas, revólveres, e eles que fizessem a guerra deles. Mas isso é uma
montagem, é um marketing que prepara o jovem para ir para a guerra; só o jovem
é que vai para a guerra. Basta você procurar na história.
É tudo uma vergonha para o homem, esse 'animal' que anda ereto, que fala, que
se comunica. Tem tantas maneiras da gente evitar uma conflagração, uma guerra
desse tipo, como foi o caso da 2a. Guerra Mundial. O Brigadeiro Nero Moura fez
um discurso na inauguração do monumento aos combatentes da FAB em Dayton,
Ohio, na Base de Ray Patterson, onde tem o Museu da Força Aérea Americana, e
terminou dizendo assim: " Que seja esse o último monumento a ser erigido em
nome de uma vitória através de uma guerra".
Quando Santos Dumont, o primeiro homem a voar mais pesado que o ar, criou ou
inventou o avião, a idéia dele não era a de encher o avião de bombas ou de tiros e
sair matando os outros. Foi no sentido de uma confraternização, de boa vontade
universal entre os povos. Então, a minha mensagem é que não haja mais guerra e
que o Brasil, pelo menos o nosso País, que é um país de paz, que tem um
potencial, uma mentalidade de paz e uma vontade de se tornar tão grande quanto
os outros que existem por aí, se mantenha assim. São justamente esses grupos
de poder que provocam as guerras. Eu acho que devia se ter mais respeito pela
mocidade de todos os países do mundo, todas as nações, todos os povos e não
se praticar esse ato covarde, que é a guerra.
(AAP152, PIL389)
34. E MATAR E MORRER
Existem dois tipos de medo, o de morrer e o de matar. O medo de 'morrer' todo
mundo tem, é instintivo, natural. O medo de 'matar' as pessoas mais sensíveis
também tem, e no Grupo tinha isso, tinha o medo de 'morrer' que a gente sentia e
muita gente chamava de 'receio'; era o que a gente sentia quando começava a
missão, já taxiando no começo da pista para começar aquela missão. Ao
atravessarmos aquelas montanhas íamos para o lado de lá pensando: "O que vai
acontecer? Vou morrer, ficar prisioneiro?". Mas depois passava. Quando começa a
ação, quando você começa a atirar, a matar, a manobrar, esse medo - esse
'receio' - em geral passa.
A vida operacional era muito penosa porque você saía da barraca de manhã e era
acordado pelo oficial de operações para não acordar os outros companheiros. Ele
vinha muito devagarinho até a sua cama e chacoalhava você e dizia: " ... você vai
voar ". Parecia que eu ouvia: " ... você vai morrer " , porque naquela hora a gente
acordava com aquele frio, a realidade da guerra, depois de uma noite até com um
sonho completamente diferente. Fazíamos a primeira refeição do dia e depois
seguíamos na caminhonete no meio do barro até pegar o avião.
Todos nós fomos atingidos várias vezes. Somente um oficial nosso nunca foi
atingido, não que ele não se expusesse, muito pelo contrário, era um dos que mais
se expunha. Agora, todos nós fomos atingidos uma ou mais vezes, eu fui cinco
vezes, em cinco missões eu voltei furado, inclusive com balas até no pára-brisa.
Eu estava atacando e alguém estava se defendendo, e desse jeito uma rajada
pegou no pára-brisa. Levei tiro de todo o jeito, todos nós levamos, não é vantagem
nem desvantagem. Aconteceu com todos nós, não é mais coragem nem menos
coragem. São ossos do ofício, entende?
Mas tem o medo de 'matar', é aquele piloto que se sente mal quando mata, que
chora de noite porque matou e que tem vontade de desistir de tudo, que pensa:
"Não faço mais isso". Alguns pilotos tiveram esse medo também e vinham falar
com o "intelligence officer", uma espécie de 'confessor' que dava conselhos e
conversava. Mas quem era eu para dar conselhos? Eu dizia o que estava sentindo
também e falava para eles : "Olha, essa guerra está para acabar, você não vai sair
daqui fugido, agüenta mais um pouquinho", e a maioria deles agüentou e
terminaram bem.
No dia 24 ou 25 de dezembro de 1944, o Tenente chegou de uma missão de
guerra, completamente abatido, e lhe perguntei o que havia acontecido. A
resposta foi: "Se minha mãe pudesse imaginar o que fiz hoje, certamente teria um
infarto. Ela é muito religiosa (católica). A missão foi o lançamento de bombas
incendiárias com o uso de napalm". O Tenente contou-me que viu vários soldados
alemães saindo dos abrigos correndo, como verdadeiras tochas humanas, tudo
provocado pelas bombas incendiárias que lançou. Realmente foi uma cena brutal.
Eu mesmo me lembro uma das minhas missões quando eu dei uma volta em cima
de uma estrada e vinha um carrinho pequenininho, vermelho. Eu fiz a primeira
passagem e não atirei, embora fosse hora de atirar em tudo que se movesse.
Desembarcou um homem, e justamente quando eu estava indo embora ele voltou
para dentro do carro; o meu avião já estava voltando e eu tive que atirar. O carro
explodiu, e isso é uma coisa que me repugna até hoje quando eu penso nisso ...
coitado daquele homem, talvez não fosse nem de guerra , talvez fosse até contra
os alemães. Morreu.
Em dada missão, quando chegamos a um determinado local nós vimos as tropas
em umas três ou quatro estradas que convergiam para uma passagem onde havia
anteriormente uma ponte no rio, e essa ponte havia sido obstruída. Então os
alemães montaram com barcaças uma ponte flutuante. Aí no bom português eu
disse: "Número três e número quatro, ataquem as barcaças. Nós vamos atacar o
alvo e depois voltamos". Quer dizer, acabamos com as barcaças, voltamos e
pegamos as colunas pela cauda e fomos fazer aquilo tudo, pára-choque com pára-
choque, de modo que foram eles explodindo e pegando fogo. Tudo isso é
importante não pela possível aparência dos estragos que nós fizemos, mas é que
tudo isso salvaria as vidas das nossas tropas terrestres. E quanto mais a aviação
atuava, menos combate terrestre existia para essas tropas, essas unidades
terrestres menos sofriam.
Ah, conterrâneo, vocês está vendo aqueles oito P-47 que acabaram de decolar?
Aqueles meninos passaram por aqui agora. Estavam alegres, risonhos, pareciam
até que iam a uma festa. Quem voltará? Hoje já é dia 22 de abril e essa guerra
não acaba. E esses meninos se arriscando...Quem voltará? Quem ficará para
sempre? É uma dúvida que não me sai da cabeça. Revolta-me, às vezes, ter que
cooperar para colocar os aviões em condições de vôo. Para quê? Para matar
esses meninos? Para eles matarem os outros meninos do lado de lá?
Não, sou um revoltado contra qualquer guerra. Depois de uma missão, ao chegar
ao Albergo Nettuno, enchi a cara de uísque. Queria apagar a lembrança amarga
daquele quadro produzido pela ferocidade dos homens. Esta foi a missão que
mais me sensibilizou: O quadro da antiaérea dizimando aqueles B-25 a quem
dávamos escolta nunca se apagou de minha memória. Guardo-o até hoje.
Selvagem mesmo é o homem em guerra. E invocam ideais. E os moços a morrer.
Trinta e tantos anos depois, os pais e avós, que somos hoje, queremos quase
repudiar aquelas missões pelo mal que causaram, pois morte e destruição eram a
mensagem que levávamos diariamente sob as asas.
Sim, queremos quase repudiá-las...mas o que volta sempre é a euforia daqueles
momentos vibrantes e singelos, o prazer de reconquistar a cada dia o direito de
viver mais vinte e quatro horas, a tranqüilidade de voar com um amigo ao alcance
de cada asa, de viver com um irmão ao alcance de cada braço.
(AAP276, PIL367, PIL371, PIL373, PIL381, PIL389, PIL393, PIL395)
34. F HEROÍSMO
No estrito sentido do combatente em ação numa guerra, para mim não existem
heróis, a não ser como apelação e retórica ou no sentido simbólico em que,
validamente, se cultua a memória dos que se sacrificaram. Para o combatente que
se desincumbiu de sua missão, não fez mais do que sua obrigação. Se teve a
fortuna de voltar inteiro, física e psicologicamente, merece apenas o elogio
rotineiro do bom cidadão, nada mais.
Se tiver de combater com o sacrifício de suas convicções e ao arrepio de sua
consciência, que tenha a coragem moral de arrostar as outras conseqüências de
sua insubordinação e de negar-se a combater, como o fizeram tantos no caso da
guerra estúpida do Vietnã.
Eu não escrevi livro nenhum, estou fazendo agora um depoimento para meu neto,
mas estou tomando muito cuidado em passar nesse testemunho ao meu neto
justamente esse lado para que ele entenda, de que o avô pode ter sido
considerado um herói porque, com o tempo você acaba virando lenda, mas que
seu avô foi um homem simples que numa determinada hora soube agir com
grandeza, com hombridade, sem grandes bravatas. É isso que estou querendo
passar para meu neto.
(PIL371, PIL393)
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