levou na casa dos pais dele. O pai não estava, apenas a mãe. Eu pedi água para
ela e ela disse: "Vino", e eu disse: "Então me dá o vinho". Então começamos a
beber, porque a água era mais difícil de se conseguir do que o vinho, porque eles
mesmos o faziam.
Quando o pai chegou, lá pelas 10 horas da noite, ele conversou comigo e falou:
"Então eu vou buscar um inglês, que está foragido aqui nessa região, para poder
tirar você daqui". Fiquei no estábulo, porque lá era bem quente, e já estava
cansado de beber vinho - estava ficando de pileque - quando chegou o sujeito e
disse: "O inglês está aí fora".
Peguei a minha pistola, armei, saí e cheguei a uns dois metros perto de um vulto e
disse: "Você que é o inglês?". Aí ele me respondeu: "Não, sou soldado do Oitavo
Exército. Estou aqui desde 1942". Eu insisti: "Mas você é ou não é inglês? Sua
pronúncia não é de inglês", e ele respondeu: "Eu sou sul-africano". Isso já mudava
as coisas, porque a pronúncia do pessoal da África do Sul não é a mesma do
inglês. Aí eu disse: "Quero ver a sua cara". Então fiz ele passar na minha frente e
entramos na luz da lamparina: ele era louro, olhos azuis, aquele cabelo meio
crespo que os ingleses têm. E ele disse: "Meu nome é Steve", e assim ficamos nos
conhecendo.
Eu tive sorte porque aquela neblina, que eu tinha encontrado na minha missão,
durou mais dois ou três dias sobre o Vale do Pó, de forma que, no outro dia, ainda
tinha cerração, e isso ajudou o Steve a me tirar de lá sem sermos visto. Se o
tempo estivesse limpo, isso não teria acontecido, e os alemães não poderiam
fazer o que eles fizeram depois, um círculo para achar três pilotos: um americano,
o Tenente Danilo Moura e eu. Naquele mesmo dia foram abatidos três pilotos
naquela região, e os alemães fizeram o que se chama 'rastrelamento'. Mas,
quando eles fizeram esse rastrelamento, eu já estava bem longe, então não me
acharam.
O Steve me levou para a casa desse Venturino Tranqüilo, um arrendatário de
terras. Eu não podia ficar na casa dele porque não tinha quarto nenhum na casa,
então fui parar num paiol de milho. Fiquei metido entre as espigas de milho,
sentindo um frio 'desgraçado'. Eu tinha trocado as minhas roupas por umas calças
e uma camisa de algodão, mas de qualquer maneira, eu estava relativamente bem
acomodado. E como ninguém deveria saber que eu estava lá, nem ao paiol eles
iam. Para todos os efeitos, não existia ninguém lá, e foi assim durante vários dias.
Certa vez apareceu um tal de 'Mário', que se dizia espião inglês, e acabei tendo
que ir para uma outra casa, para ser examinado por um médico, que atendia pelo
nome de 'Tino'. O médico que foi me atender, Tino Guioto, não conseguiu saber
exatamente porque o braço inchou, ficou com uma coloração preta, mas ele não
conseguiu saber direito. Então pediu a um outro médico para ajudá-lo, uma
pessoa mais qualificada, experiente. Ele virou, puxou o braço para um lado e disse
assim: "Olha, você está com fratura na cabeça do úmero". Eu perguntei: "E
agora?", e o Tino me respondeu: "Vamos fazer o seguinte: eu trabalho no Hospital
de Campo Sampero, então você vai até lá e eu vou tirar uma radiografia do seu
braço, para saber exatamente como eu vou engessar porque, se eu engessar de
qualquer jeito, você vai ficar aleijado para o resto da vida, ou então vai ter que
quebrar tudo de novo. Se viver, depois da guerra poderá consertar o braço". E
assim foi.
Até Campo Sampero, era uma jornada difícil, tinha 18 quilômetros para andar,
quer dizer, eu não podia andar tanto com o meu pé quebrado também, então
arranjei uma charrete. Mas, para andar 18 quilômetros de charrete, também não
dava, então arranjou-se uma casa mais perto do hospital, onde eu deveria dormir.
O Tranqüilo ia lá de manhã cedo, me pegava, e a gente ia para o hospital de
charrete, andava mais uns 6 ou 8 quilômetros.
No hospital, as freiras eram também as enfermeiras, mas esse hospital ,a Divisão
de Infantaria da Aviação alemã tinha tomado conta, tinha feito o Q.G. lá no
hospital. Isso quer dizer que a parte da frente era o Q.G., e na parte de trás era o
hospital. Tinha ainda outra dificuldade porque o médico, Tino, não 'mandava' lá,
ele apenas trabalhava, mas a direção não era dele, era só de oficiais e médicos
alemães. Então, como é que eu ia utilizar o equipamento de Raio X sem que os
alemães soubessem? As freiras inventaram o seguinte: "Vamos fazer uma
homenagem ao médico alemão, e esta homenagem tem que durar uma hora". Era
o tempo de eu entrar, fazer as radiografias e sair, e assim foi feito. Mas acontece
que, não sei se por causa de um defeito qualquer, a radioscopia não deu certo,
então eu teria que fazer a radiografia mesmo. Eu tive que voltar lá 10 dias depois,
e já estava ficando mais ambientado porque, quando eu entrei pela primeira vez e
passei pelo guarda do Q.G., eu olhei e pensei: "Não devia ter vindo aqui, porque
aqui é a toca do lobo". Mas, na segunda vez, eu já estava mais 'sem vergonha', e
então pude fazer as coisas com mais naturalidade. A radiografia, então, mostrou