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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ROBERTO MARQUES
A ESCOLA NUMA PERSPECTIVA ESPACIAL
NITERÓI
2007
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A ESCOLA NUMA PERSPECTIVA ESPACIAL
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Educação,
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre em Educação. Área
de concentração: Estudos do
Cotidiano da Educação Popular
Orientador: Prof. Dr. VICTOR VINCENT VALLA
NITERÓI, JUNHO DE 2007.
ROBERTO MARQUES
A ESCOLA NUMA PERSPECTIVA ESPACIAL
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Dissertação submetida ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense
como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre em Educação. Área
de concentração: Estudos do
Cotidiano da Educação Popular.
Prof. Dr. Jader Janer
Universidade Federal Fluminense
Prof.ª Dr.ª Maria Tereza Goudard Tavares
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Prof.ª Dr.ª Mônica Dias Peregrino Ferreira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Niterói, Julho de 2007
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Tenho tentado seguir o
método que você me propôs: não escrever nada antes de
analisar minuciosamente. Até descobrir todas as armadilhas possíveis, onde
pode se ocultar a idiotice. Mas não é fácil, creia-me, é muito difícil. Por
momentos a minha razão empenha-se em enganar-me. Leva-me a pensar que
o simples fato de escrever para explicar um tema ou uma idéia, é uma espécie
de magia que me obriga a incluir algo na idéia original; algo que a desfigura,
que a faz parecer diferente do concebido na mente. Ao colocar a idéia no
papel, é como se a manchasse com a própria tinta com que a escrevo e ao
querer limpá-la, começo a sobrecarregá-la de analogias, de adjetivos, de
verborragia, até perceber que a sintaxe, em vez de limpá-la, oculta-a quase por
completo. E, pior ainda, quando me esforço por aprimorá-la, sem perceber,
contamino-a com outra idéia. Outra idéia que costuma ser diametralmente
oposta à original. Então a pluma corre frenética atrás dela, tratando de
atrapalhá-la e eliminá-la. Mas, muitas vezes, o que consigo, e disso me dou
conta quando leio o parágrafo recém-escrito, é fazer uma apresentação
rigorosa e até deslumbrante da idéia parasita que conseguiu, sem fazer o
menor esforço, desalojar minha intuição original. Talvez tudo isso pareça
confuso, mas não é fácil de explicar.
1
1
REBOLLEDO, Francisco. Rasero. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
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AGRADECIMENTOS
À minha mãe e grande amiga, Tania, agradeço porque ‘é tão bonito quando a
gente sente que nunca está sozinho, por mais que pense estar’.
Ao meu irmão, Nícolas, pelo suporte técnico e por estar sempre aí. Enfim, por
ser mesmo irmão.
À Denise Carvalho da Silva, pela companhia e companheirismo, ao longo deste
estranho trajeto.
Ao meu orientador, Victor Vincent Valla, não pela confiança de embarcar
nessa proposta, mas principalmente por me apresentar novos significados para
as palavras coragem e vida.
À professora Regina Leite Garcia, pelo incentivo, cuidado e pela confiança
depositada.
À Maria Emília Silva e Valter Cruz, pela confiança e generosidade.
Ao geógrafo Renato Emerson, por todo o apoio.
Aos professores da escola onde trabalhei e que trouxe como campo de
observação. Antes de tudo, sujeitos que construíram e constroem esse espaço.
À minha amiga Izzi, pelo apoio irrestrito ao projeto. Sem você...
Às minhas queridas Priscila “Japa”, Sheila e Raphaela. Sem vocês...
Aos meus professores: Ângela Siqueira, Cláudia Alves, Paulo Carrano,
Valdelúcia e Joanir, pelos diálogos que me proporcionaram.
À Maria Tereza Goudard Tavares e Jader Janer, pela generosidade.
Aos meus amigos Antônio Veríssimo, Ivia Maksud, José Guilherme e Adriana
Brant, por tudo o que aprendi com vocês e pelo privilégio de tê-los nesse
caminho.
Às minhas amigas Gabriela Jordão e Júlia Pereira e meus amigos Ricardo
Miranda e Leonardo Dresch, porque esse trabalho não é o resultado apenas da
escolha de um punhado de palavras.
À minha querida Rachel Gomes Lau, pelos diálogos, pelos silêncios, pelo
apoio, pela paciência, pela presença... Enfim, por tudo. Mesmo.
Aos culpados diretos por esse projeto: Cláudio Barria e Mônica Peregrino. Seja
pelo início ou pela conclusão deste trabalho, vocês foram mapa e bússola que
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apontaram caminhos.
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RESUMO
Este trabalho propõe uma investigação da escola sob o ponto de vista das suas
especificidades como espaço. Para isso foi necessário percorrer um caminho
pela desnaturalização das noções de espaço, contextualizando-as e
compreendendo que o conceito é uma construção referenciada em elementos
culturais, históricos e sociais. A partir disso, buscou-se referência nas
concepções de espaço trabalhadas principalmente na Geografia,
especialmente com suporte em Doreen Massey e Milton Santos. Para compor
um panorama da organicidade da escola e das percepções dessa organização,
foram realizadas entrevistas com ex-alunos e com uma ex-diretora. As
referências teóricas foram importantes no sentido de confrontar conceitos e
ferramentas de análise espaciais com as entrevistas e observações dos
movimentos do cotidiano da escola. Assim, considerando o cotidiano como
uma dimensão do espaço e a escola como um fenômeno espacial, alguns
momentos e ‘pedaços’ da escola foram investigados, na tentativa de compor
um quadro significativo do funcionamento da unidade escolar: o sistema de
rodízio de turma, o banheiro e seus objetos, o funcionamento do refeitório, a
operacionalização das aulas na sala de informática, a dinâmica do portão de
entrada e a superposição de três escolas oficiais dentro da mesma área. Na
conjugação dessas reflexões foi possível perceber o quanto a escola é uma
conjugação de práticas espaciais, como é o encontro de fenômenos em
diferentes escalas e, em função disso, uma parte do que a uma investigação ou
uma análise espacial pode contribuir para a reflexão sobre a escola.
PALAVRAS-CHAVES: Espaço, escola e cotidiano.
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RESUMEN
Este trabajo propone una investigación de la escuela desde el punto de vista de
sus especificidades como espacio. Para ello ha sido necesario recorrer a uno
camino para la desnaturalización de las nociones de espacio,
contextualizándolas y comprendiendo que e concepto es una construcción
referenciada en elementos cuturales, históricos y sociales. A partir de eso se ha
buscado referencia principalmente en concepciones de espacio trabajadas en
la Geografía, en especial com soporte en Doreen Massey y Milton Santos.
Para componer un mapa de la organicidad de la escuela y de las percepciones
de esa organización se realizaron entrevistas con ex-alumnos y con una ex-
directora. Los referenciales teóricos han sido importantes para confrontar
conceptos y herramientas de análisis espaciales con las entrevistas y
observaciones de los movimientos del día a día escolar. Así, considerando la
cotidianeidad como una dimensión del espacio y la escuela como un fenómeno
espacial se han investigado algunos momentos y ‘pedazos’ de la escuela, en el
intento de componer un cuadro significativo del funcionamento de la unidad
escolar: el sistema de rodizzio de cursos, el baño y sus objectos, el
funcionamiento del comedor o casino escolar, la operacionalización de as
clases en el aula de informática, la dinámica del portón de entrada y la
superposici[on de tres escuelas dentro de la misma área.
En la conjugación de estas reflexiones ha sido posible percibir hasta qué punto
la escuela es encuentro de prácticas espaciales y de fenómenos a diferentes
escalas. De esta manera, la presente disertación desarola una investigación
basada en un anáisis espacial como forma de contribuir com la reflexión sobre
la escuela.
PALABRAS-CLAVE: Espacio, escuela e cotidianeidad.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, p. 11
Da pesquisa e de pesquisar, p. 12
Da trajetória, das questões e das trajetórias das questões, p. 15
1- De Onde Falo e Para Onde, p. 21
De onde falo, de onde olho, (o que) e por que investigo, p. 22
2- Capítulo II
Considerações iniciais
A escola como um espaço, p. 43
Algumas concepções de espaço e a escola escolhida, p. 56
Investigação de uma escola na perspectiva do seu espaço
Uma escoa: onde e como, p. 63
Os rodízios, p. 69
Ainda os fluxos: portas, portões e lugares internos, p.77
Os objetos – alguns objetos, p. 84
Sobreposição de escolas: a questão da forma, p. 97
O espaço como materialização de tempos, p. 109
3- Considerações Finais, p. 113
Novas trajetórias?, p. 114
4- Bibliografia, p. 120
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À Ana Clara, sempre.
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INTRODUÇÃO
DA PESQUISA E DE PESQUISAR
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INTRODUÇÃO
“E eu só quero dizer
Que eu não sei nada de você
E eu só quero dizer
Não sei muito de mim também”
(Herbert Vianna)
Da pesquisa e de pesquisar
O termo “pesquisar” aparece nos dicionários com alguns significados,
todos eles muito semelhantes, porém diferenciados por algumas sutilezas.
Recorro ao “Aurélio” instalado no meu computador e escolho alguns deles
(destacados com grifos meus) para tentar explicar o que entendo e procuro
praticar aqui como pesquisa:
Pesquisar
[De pesquisa + -ar2.]
V. t. d.
1. Buscar com diligência; inquirir, perquirir; investigar:
2. Informar-se a respeito de; indagar, esquadrinhar, devassar:
(Dicionário Aurélio – Século XXI, versão 3.0)
Informar-se a respeito de é, para mim, o princípio de tudo nesse
trabalho. Parafraseando ALGEBAILE, o que aqui escrevo é uma busca de
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entendimentos e não a tentativa de elaborar explicações
2
. Faço pesquisa como
exercício de levantar informações, vasculhar aquilo que não me foi exposto e
que pode me ser útil para tentar compreender o que se coloca como um
desafio a essa tarefa. Pesquisar não significa necessariamente a intenção de
construir respostas, criar leis gerais ou estabelecer verdades. É primeiro o
exercício de colher informações com o intuito de ampliar as possibilidades de
compreensão, e também o de elaborar e ampliar os questionamentos. Por isso,
indagar e inquirir.
O que entendo por pesquisa não se faz sem indagações, tampouco sem
inquirir a si mesmo, ao que se pesquisa e aos caminhos da própria pesquisa,
entendida antes de tudo como processo.
Portanto, neste trabalho, busco informações que me permitam ampliar
os questionamentos e reflexões, bem como as possibilidades de entendimento
dos processos que constroem a escola. Para isso me esforço em estabelecer
constante diálogo com aquilo que pesquiso. Encaro isso como um desafio: a
escola me desafia a tentar entendê-la como espaço em constante movimento.
Inquiri-la de maneira diferente do que fez a Santa Inquisição, séculos
atrás, que extraía verdades – as verdades prévias e inquestionáveis, para
encontrar ali a sua confirmação. A inquisição desta vez se faz pelo confronto de
determinadas verdades e de alguns ‘confortos explicativos’, tentadores ao
desejo de construir explicações, mas muitas vezes nocivos às possibilidades
de entendimentos.
Finalmente, investigar. A primeira idéia que tenho é a do investigador-
detetive, protagonista dos filmes e livros policiais. Aquele que sem embrenha
2
“Inúmeras passagens dessa tese decorrem, exatamente, da minha tentativa de entendimento e não da
minha capacidade de explicação”. ALGEBAILE (2004, p. 18.)
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nas histórias dos fatos e das pessoas, buscando pistas para desvendar o
crime. Fazendo a devida ressalva do ‘crime’, a descrição está bastante de
acordo e se soma muito bem aos termos anteriores. Pesquisar é buscar pistas,
se emaranhar nos acontecimentos para tentar descobri-las entre as penumbras
das rotinas, aproximando a lupa, no desejo de encontrar aquilo que ‘ao olho nu’
escaparia à percepção.
A escola pulsa, se constrói e reconstrói constantemente, e me instiga a
refletir sobre ela, ao mesmo tempo em que se expõe às indagações. Ela se
expõe, mas o completamente, então me obriga a buscar pistas que me
permitam construir incertezas enquanto tento compreendê-la.
Entre as tais incertezas, para me orientar nesse caminho, uma me
parece bem relevante: não defino inicialmente muito bem sobre qual sentido de
escola invisto. Deixo realmente, de início, aberto o termo, pois, longe da
pretensão de falar sobre a escola, como se pudesse me imunizar dos riscos de
ser tão generalista, percebo aos poucos que conexões entre cada uma
delas: a unidade específica, as unidades da rede e até mesmo a instituição
escola pública, no Brasil. Porém, como este o é o objetivo do trabalho (o de
investigar e me aprofundar em tais conexões), aos poucos vai ficando mais
clara essa definição. Não se trata de um descuido, mas de certa necessidade
do encaminhamento da discussão, pois provavelmente a preocupação com
essa definição a priori, de alguma maneira, da forma como escolho conduzir o
trabalho, ‘engessaria’ as reflexões. Assim, essa definição aos poucos vai sendo
trabalhada, construída, de acordo com as conclusões (ou não) a que chego.
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Da trajetória, das questões e das trajetórias das questões
Uma pesquisa não brota do nada. Aliás, penso que as coisas que
povoam e as que saem da nossa cabeça não brotam do nada, como frutos do
acaso, ou nascidas de um ‘estalo’. As informações chegam e, então, os olhos e
os ouvidos recebem da maneira que aprenderam a receber, ou que se
acostumaram, ou do jeito que nossas intenções buscaram. Recebem, primeiro,
como nos permitem e nos traduzem o tempo, a cultura e a história. Enquanto
isso as experiências vão digerindo, rejeitando, interpretando ou mesmo
assimilando todos os sinais. Vez por outra as coisas entram em choque, não
encaixam muito bem ou então não ficam muito confortáveis nas nossas idéias.
Nesse momento, erradamente algumas pessoas podem dizer: ‘criou-se’ uma
questão – como se elas pudessem passar por um período de cativeiro, isoladas
do mundo, para então aparecerem, ‘mais maduras’. Mas, não. Entendo que as
questões e as idéias o construídas na velocidade dos acontecimentos e no
emaranhado das experiências que regem as percepções.
Não fiz de maneira diferente. A idéia de discutir os temas que trago,
deve ser entendida como um processo que se fez ao longo, principalmente, da
minha vida no magistério, mas não somente nela.
Comecei a atuar como professor no último ano da minha graduação, em
1992, quando ainda era estudante do curso de Licenciatura em Geografia, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde então, passei por algumas
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escolas particulares e outras da rede pública, tanto estadual quanto municipal
3
,
o que me permitiu experimentar algumas realidades cotidianas distintas,
governos e políticas educacionais oficiais variadas, além de idéias e práticas
diversas, trazidas pelos alunos, comunidades, professores e toda gama de
trabalhadores das escolas enfim, o que muitas vezes nos acostumamos a
chamar de “comunidade escolar”.
A alegria diante do sucesso de algumas propostas, bem como a
decepção e o desconforto diante de impossibilidades ou entraves, foi aos
poucos se transformando em vontade, quase uma necessidade, de encontrar
novos mirantes, outros olhares e outras lentes para enxergar a escola. Não
queria abdicar da minha posição de professor, de profissional atuante da área,
mas as inquietações pareciam fadadas ao conformismo, caso as mesmas não
se transformassem em investigações e movimentos. Neste momento resolvi
‘colocar um pé’ fora da escola.
No emaranhado da rotina e das exigências institucionais, na pressão das
responsabilidades cotidianas, sentia que não conseguia refletir com clareza
sobre o que se colocava imediatamente diante dos meus olhos. Pesquisar,
então, tornou-se uma imposição da própria prática de professor. Não era mais
possível ter uma atuação de profissional da sala de aula, isolando-a
artificialmente do mundo. Ao mesmo tempo, muitas explicações que se
colocavam a minha frente produziam hiatos, uma vez que se mostravam
insuficientes quando confrontadas com o cotidiano, ou então não se
articulavam de maneira clara.
Desse imbróglio teórico-prático, algumas das principais referências
3
Merece destaque a esfera municipal da cidade do Rio de Janeiro, onde atuo desde 1995. O destaque é
justificado por ter escolhido uma escola municipal como campo de investigação e objeto reflexão, além
de ser a rede que mais tempo tenho de atuação.
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acadêmicas que eu tinha passaram a fazer parte das minhas inquietações de
forma mais incisiva: por que as questões, explicações e teorias que chegam ao
meu conhecimento sobre a escola, falam do seu espaço como se este fosse
uma superfície apenas? Por que o espaço da escola é encarado simplesmente
como um acessório ou um palco de relações e movimentos, um lugar disso ou
daquilo?
Sentia, portanto, a necessidade de tratar a escola como um espaço, de
mergulhar nessas suas particularidades e tratá-la como um fenômeno espacial.
De uma forma surpreendente, minha preocupação com o campo da Educação
acabou me levando de volta para a Geografia. Isso porque foi nela e com base
no pensamento de alguns nomes importantes dessa ciência, que passei a
pensar a educação, em especial e educação blica da cidade do Rio de
Janeiro.
Não se trata de transformar a escola em um objeto da Geografia, mas
ampliar a idéia de objeto e da pertinência em relação a este ou aquele campo.
Mais do que isso, o que diferencia esta proposta de trabalho é a certa
pretensão de trazer uma perspectiva de análise diferente das que tomei
conhecimento até agora. A palavra é mesmo pretensão, pois entendo que fazer
pesquisa e trabalhar ciência é ter a pretensão de chegar a algum lugar, mesmo
não sabendo onde, mesmo tendo que inventar como, ou mesmo que seja a
algum outro ponto de partida.
No primeiro capítulo apresento e reflito sobre o lugar de onde falo e as
implicações da minha posição. Foi do lugar de professor que se construiu a do
pesquisador e onde surgiram as inquietações iniciais que me levaram ao
presente trabalho. Por sua vez, o pesquisador deve se embrenhar por outros
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pontos de observação, outros focos, com o intuito de trazer o que for possível
para a indagação, para o confronto e para a reflexão. A primeira questão que
se coloca é a de como se apresenta a encruzilhada “objetividade-
subjetividade”. Longe de ser um mero exercício intelectual, é necessária a
reflexão, pois sou pesquisador e observador em um campo onde atuo e atuei
como professor. Outra questão, aprofundando mais ainda o debate, é a dos
pontos de vista que a posição instável oferece e também os limites que ela me
impõe. Quer dizer, nesse capítulo tento expor os caminhos da pesquisa, os
olhares que direciono e as posições que percorro. Se algumas questões não
ficam completamente resolvidas, a tarefa de expô-las constantemente é
condição para que a pesquisa seja entendida dentro das suas limitações e
potencialidades.
No segundo capítulo procuro desnaturalizar o conceito, enquanto
exponho algumas concepções de espaço. Procuro, dentro disso, definir as
diretrizes das minhas análises. Nele busco suporte em obras de nomes como
David Harvey e Henry Lefebvre, mas utilizo dois pensadores da Geografia em
especial: Dorren Massey e Milton Santos. Utilizo a palavra ’pensadores’ e não
‘teóricos’ porque não os vejo como teóricos, mas antes de tudo como práticos
4
,
apesar de e em razão da densidade das suas teorias. As concepções de
espaço de ambos não são necessariamente confluentes, mas é nas suas
confluências e em também em algumas contradições que sustento a minha
análise espacial da escola. Também apresento, embasado por eles, algumas
importantes ferramentas analíticas que me ajudam a observar e questionar a
escola.
4
Lembro-me de um congresso de Geografia Urbana em 1991, em Rio Claro (SP), quando vi e
ouvi Milton Santos dizer, com muita ênfase: “Lefebvre me dizia que uma das maiores tristezas
que ele tinha era a de ser visto como um teórico, porque ele é um prático! Um prático!”.
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No mesmo capítulo também apresento a escola que me serve de campo
de observação. Nela e sobre ela investigo, reflito e lanço algumas questões
sobre elementos importantes do seu funcionamento. Para isso conto com um
trabalho de observação e algumas entrevistas. Assim como prefiro omitir o
nome da escola, as pessoas são citadas com nomes fictícios. Primeiro, porque
não se trata de um trabalho sobre esta escola. A razão dessa pesquisa não é
senão a possibilidade de refletir e lançar elementos significativos para a
reflexão da escola pública, ainda que exista (e não como ser diferente) uma
escola específica como campo de observação. Depois, existe um compromisso
ético que me impede de citar nomes (inclusive o da escola) que porventura
possam ter algum tipo de implicação com sua exposição nessas páginas. Quer
dizer, uma das questões que se revela ao meu processo de construção de um
trabalho sobre uma realidade da qual faço ou fiz parte é a de reconhecer os
sujeitos como sujeitos, sem transformá-los ao reduzi-los a objetos inertes. A
objetivação é do pesquisador e ela não pode sobrepor-se às subjetividades.
Nem imagino poder ultrapassar determinados limites da minha própria, uma
vez que entendo que uma pesquisa se faz, também respeitando limites éticos.
A escola é exatamente aquela onde trabalhei durante cinco anos, até o
final de 2006. A sétima escola da rede municipal onde atuei. Durante esse
período alguns dos meus principais questionamentos sobre a educação e
sobre a instituição escola ganharam corpo e se materializaram na forma dessa
pesquisa. Assim, o presente trabalho não tem o intuito de ‘descobrir a pólvora’,
ou trazer luzes novas para o pensamento em Educação. Pretende, sim, dar
vazão da forma mais consistente possível a várias indagações que ganharam
corpo longo de anos, mesmo que não muitos, de prática, bem como as dúvidas
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que se construíram (ou me perseguiram) com base no meu fazer e pensar
como professor da rede pública na cidade e no estado do Rio de Janeiro.
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CAPÍTULO I
DE ONDE FALO, DE ONDE OLHO, (O QUE) E
POR QUE INVESTIGO
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“Transito entre dois lados / De um lado / Eu gosto de opostos”
(Adriana Calcanhoto – “Esquadros”)
De onde falo, de onde olho, (o que) e por que investigo
Existe uma história antiga, bastante conhecida e que pode ser contada
de forma resumida assim: uma pessoa sobrevoa de avião uma floresta e a
observa durante o vôo, enquanto outra pessoa caminha entre as árvores, por
dentro da floresta. Aquela que está no avião consegue descrever a floresta,
mas não faz idéia das particularidades das árvores, ao passo que a outra pode
observar muito bem cada uma das árvores, mas talvez não tenha noção da
floresta como um todo.
Destaquei a palavra “talvez”, para poder discorrer sobre minha posição e
situação diante do objeto, do próprio trabalho, e também sobre o meu lugar de
observação e reflexão. Consciente das restrições das parábolas e das
metáforas, uso esta pequena história para me auxiliar na difícil tarefa de tentar
me situar e tentar identificar as implicações desta posição ao longo da
pesquisa.
Procuro as árvores da história porque elas podem mostrar muito de si e
talvez, também, fornecer pistas importantes para me permitir compreender a
floresta, não apenas nas suas marcas, mas nos fenômenos que envolvem a
sua existência e nos processos diversos dos quais elas fazem parte.
As marcas contidas no que chamamos de local (ou pontual) são
expressão de movimentos variados, que dizem respeito aos seus arredores,
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aos seus tempos passados e aos tempos outros que ali se cruzam. Tais
marcas não são apenas registros estanques, retratos de um passado – são, em
primeiro lugar, os testemunhos e nuances de fenômenos do presente e das
dinâmicas que compõem e são compostas pelos diversos outros fenômenos,
para além do lugar onde os identificamos. Aquilo que convencionamos chamar
de local ou pontual, carrega as marcas dos seus arredores e do todo em que
se insere. Se aqui tratamos da escola, podemos dizer que cada unidade traz
em si elementos que nos permitem compreender ou reconhecer o sistema de
educação do qual faz parte, bem como, a sociedade e as particularidades da
comunidade a que pertence. É com base em tais pressupostos que se
desenvolve o presente trabalho.
Dentro desta perspectiva, aponta Bourdieu:
“O proveito científico que se retira de se conhecer o
espaço em cujo interior se isolou o objeto estudado (por
exemplo, uma dada escola) e que se deve tentar
apreender, mesmo grosseiramente, ou ainda, à falta de
melhor, com dados de segunda mão, consiste em que,
sabendo-se como é a realidade de que se abstraiu um
fragmento e o que dela se faz, se podem pelo menos
desenhar as grandes linhas de força do espaço cuja
pressão se exerce sobre o ponto considerado (um pouco
à maneira dos arquitetos do século XIX, que faziam
admiráveis esboços de carvão do conjunto do edifício no
interior do qual estava situada a parte que eles queriam
figurar em pormenor). E, sobretudo, não se corre o risco
de procurar (e de ‘encontrar’) no fragmento estudado
mecanismos ou princípios que, de fato, lhe são
exteriores, nas suas relações com outros objetos”.
(Bourdieu, 1989, pp 31-32)
Isso nos indica que aquilo que é pontual, tido mesmo como local, não é
necessariamente o excepcional. É na articulação deste com outras esferas (ou
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mesmo escalas) que nos permitem ampliar as perspectivas de entendimento
dos fenômenos, pois se existem elementos que singularizam aquilo que é tido
como local (ou pontual), por outro lado o podemos esquecer que ele é uma
expressão de articulações e construções diversas, que transcendem as suas
particularidades.
Mais ainda:
“Trata-se de interrogar sistematicamente o caso
particular, constituído em ‘caso particular do possível’,
como diz Bachelard, para retirar deles propriedades
gerais ou invariantes que só se denunciam mediante uma
interrogação assim conduzida (...)”.
(Ibid, pp 32)
Desta forma, o desafio é o de articular constantemente a unidade
escolar e as dimensões diversas que ali se fazem presentes, ou simplesmente
ali esbarram. Mas, é também o de vasculhar nas particularidades aqueles
elementos que são realmente particularidades e aqueles que não são
5
. Assim,
talvez seja possível que essas particularidades abram caminhos para que se
possa compreender aquilo que no geral ou no todo não apareça de forma tão
nítida ou realmente se esconda. Melhor dizendo, a forma particular como
determinados vetores e forças se materializam naquela unidade escolar pode
ser importante para entender a ação, a natureza e o papel desses mesmos
vetores, bem como os processos de construção desse espaço (a escola), não
5
Estabeleço aqui um diálogo com o que SARMENTO (2003, pp 145.) chama de Interpretativismo
Crítico: “O estudo interpretativo das escolas deriva, portanto, e antes de mais, da compreensão da
singularidade de cada uma delas, mesmo se elas se integram num campo institucional”.
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só neste, mas mesmo em outros lugares
6
.
Dentro disso, mais do que um trabalho de identificação e descrição, o
que pretendo aqui é capturar o movimento, a dinâmica das relações que, a
todo tempo, produzem esse espaço não apenas uma determinada escola
(como unidade escolar singular), mas principalmente no sentido de espaço que
é ao mesmo tempo institucional e de relações diversas.
Para tal, entendo que a dimensão do cotidiano é extremamente
importante, uma vez que pode trazer ou expor aquilo do todo que em outras
esferas nem sempre está explícito. É no vivido, no campo das relações
contidas nessa dimensão, que ganham visibilidade os processos e as forças
que atravessam diversos campos da sociedade.
No sentido do que pensava Agnes Heller:
“As grandes ações não cotidianas que são contadas nos
livros de história partem da vida cotidiana e a ela
retornam”.
(HELLER, 2004, pp. 20.)
Por essa razão, concentrando o olhar “na espuma da ‘aparente’ rotina de
todos os dias” (PAIS, 2003, pp. 1), Procuro investigar como se processa a
construção desse espaço que chamamos de escola. Isso porque o cotidiano
6
ALGEBAILE (2004, pp. 29) diferencia as particularidades do que chama de “específico”, sendo este
último referente aos processos supostamente determinados apenas por acontecimentos de um lugar,
enquanto as particularidades “não são simples variações superficiais de um mesmo modelo, nem simples
elementos acessórios a uma estrutura sem variações. São particularidades que designam produções de
sentido diverso e é isto que interessa à análise”.
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pode ser considerado também uma dimensão do espaço
7
e não exatamente o
contrário , conforme veremos no próximo capítulo.
“Não constituiria ele [o cotidiano] uma primeira esfera de
sentido, um domínio no qual a atividade produtora
(criadora) se projeta, precedendo assim criações
novas?”.
(LEFEBVRE, 1991, pp. 19-20)
A provocação de Lefebvre nos leva a pensar o cotidiano como prática,
como criação, como interface de produção material e de sentidos. É o domínio
das resistências e do possível, ainda que não realizado, mas também é o das
rotinas e dos movimentos repetitivos. Essa contradição nos indica um
promissor caminho investigativo, e nos convida a traçar como eixo de análise a
escola numa concepção espacial. Mesmo porque, mais do que existir uma
dimensão espacial do cotidiano, podemos mesmo dizer que não há como
pensar o cotidiano sem espaço e vice-versa. Daí a opção por utilizar também a
dimensão do cotidiano como perspectiva metodológica, na sua potencialidade
de problematizar, ao mesmo tempo em que busco nas categorias espaciais as
ferramentas para analisar a escola.
Seguir na investigação do cotidiano como uma perspectiva metodológica
(PAIS, 2003), e não transformando este em objeto, mas trazendo esta para
uma perspectiva também histórica, pressupõe:
”Aconchegar-se ao calor da intimidade da compreensão,
7
SANTOS (1996, pp. 5): “O espaço considerado primeiro como tendo duas dimensões, depois como
tendo três, depois conforme Einstein, como tendo quatro dimensões, tem também uma quinta dimensão
que é o cotidiano. O espaço tem esta quinta dimensão. Mas, sobretudo, o cotidiano tem como dimensão
essencial no mundo de hoje a dimensão espacial. A dimensão espacial é a dimensão talvez central do
cotidiano do mundo de hoje”.
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fugindo das arrepiantes e gélidas explicações que,
insensíveis às pluralidades disseminadas do vivido,
erguem fronteiras entre os fenômenos, limitando ou
anulando as suas relações recíprocas
8
”.
As possibilidades que se abrem com essa perspectiva me parecem
promissoras e se alinham diretamente ao que entendo do meu posicionamento
com relação ao objeto e também com relação à própria pesquisa. Tal
esclarecimento é fundamental para que seja possível compreender o processo
de construção do presente trabalho e suas implicações.
Sendo assim, vem à tona a questão sobre minha condição e
posicionamento: em qual ponto ou campo me situo, de onde falo e de onde
parte minha observação, no jogo das relações que envolvem minha
participação em diferentes posições.
Para tentar esclarecer e desenvolver melhor os entraves que essa
questão impõe, peço licença ao rigor do formalismo acadêmico e tomo de
empréstimo os versos de Paulo Leminski:
“aqui
nesta pedra
alguém sentou
olhando o mar
o mar
não parou
pra ser olhado
foi mar
pra tudo quanto é lado
8
PAIS, José Machado, 2003, pp 30.
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Escolher uma pedra para dali observar não é tarefa simples e, como
toda escolha, se faz recheada de riscos. Escolhi, então, uma pedra no meio do
mar. Uma pedra mesmo que convive com o regime das marés e das ondas e
que por isso não está, como também é parte do próprio mar. Essa escolha
não foi feita de forma aleatória, mas por imposições da tarefa e do posto (de
professor e de pesquisador) e por comprometimento científico, político e ético.
Ali estou e estive durante anos e, portanto, senti, vivi, experimentei durante
esse tempo e ainda experimento, deste lugar, o objeto e os fenômenos a ele
inerentes. A escolha por esse ponto de observação é, portanto, uma ação e
opção de alguém que tem a pesquisa como objetivo, mas não tem a ilusão de
dissociá-la das subjetividades que lhe são inerentes, pois o mesmo objetivo
não é algo meramente ‘científico’, no sentido clássico de uma produção que,
para se fazer como tal, tem a obrigação de separar sujeito e objeto como se
essa abstração não fosse também historicamente construída.
Trabalho com a busca da indissociabilidade entre teoria e ação, onde o
fazer e o pensar se atravessam, não por opção, mas pela minha condição e
posição de sujeito diretamente relacionado ao espaço pesquisado. Foi da ação
e da experiência que brotaram as questões que originaram esse trabalho; e
que a elas retorna. Portanto, não existe possibilidade de fazer aqui uma
pesquisa pretensamente dissociada do objeto, pretensamente dissociada dos
resultados e das implicações da produção, pois o seu sentido, nesse caso,
existe como parte do pensar uma escola a partir dela e para ela,
principalmente. Pensar este, que não nasce de súbito, mas que veio sendo
construído nessa e nas outras escolas onde atuei, e que continua ao longo
deste trabalho e além da sua conclusão como material acadêmico.
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Isso não significa que esse trabalho se resume a fazer uma autobiografia
numa base espaço-temporal, ou um apanhado de reflexões sobre meus anos
de magistério na rede pública municipal do Rio de Janeiro, ou ainda contar
histórias dos anos de atuação numa determinada escola. Na verdade, a
discussão inicial é sobre as possibilidades e potencialidades que me oferecem
a minha proximidade com o objeto e a minha relação subjetiva com a escola
em questão, explorando, deste modo, aquilo que a posição proporciona.
Contudo, sei que essa posição apresenta limitações, que devem ser
expostas e enfrentadas. As principais dizem respeito ao posto ou lugar que
ocupo nessa escola e, em decorrência disso, do papel que não é dado, em
princípio, por mim. Não é, necessariamente, minha atuação como professor
que impõe determinados limites, mas a do pesquisador também. Quer dizer, se
a ‘dupla identidade’ permite certos saltos, esses saltos não são vôos ilimitados,
nem livres de implicações. Não são apenas potencialidades, mas também
riscos e entraves. Significa dizer que não existe lugar privilegiado para a
investigação, mas existem posições diversas e que conduzem a leituras e
reflexões também diversas. Assim, essa situação permite que eu transite por
posições distintas, mas devo ter sempre em mente que elas possuem também
seus obstáculos, alguns intransponíveis.
Se essa situação é relativamente instável, o olhar e a análise que
produzo, portanto, são resultados das tensões criadas por essas mesmas
posições. Algo como o que de forma aproximada podemos chamar
espacialmente de ‘fronteira’. Ou seja, um lugar onde os limites não se definem
muito bem e estão em construção; onde as forças e tensões mais diversas,
bem como os mais variados vetores encontram campo para disputar quase que
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livremente as verdades, as demarcações e as lógicas.
Na verdade, os limites dessa posição dupla ou tripla estão relacionados
à natureza de determinados movimentos e fenômenos dos quais faço parte.
Além disso, a posição produzida pela tensão pesquisador<=>pesquisado (ou
pesquisador<=>objeto) não me retira nem de uma nem de outra, mas ainda
cria uma terceira, o que faz com que determinadas questões de cunho político
ou ético, por exemplo, possam assumir um caráter aparentemente
contraditório. Isso porque, ao ‘vestir a roupa’ estranha do pesquisador-
professor, tomo consciência de que ela existe porque ambas existem ao
mesmo tempo, tanto a do pesquisador quanto a do professor.
De alguma forma, mesmo a escolha do tema e também de todos os
caminhos tomados nesse trabalho, foram determinados pelas tensões que esta
condição suscitou.
Treze anos atuando em escolas públicas da rede municipal do Rio de
Janeiro, sendo os cinco últimos na escola que trago como campo de
investigação e reflexão, não apenas foram, mas são importantes para a
pesquisa de diversas formas. Seja na escolha da temática, das questões e
inquietações orientadoras do trabalho, nas escolhas das pessoas para as
entrevistas, ou então na percepção das conseqüências imediatas de
determinadas mudanças de regras de funcionamento da unidade, o fato de ser
professor atuante na instituição investigada trouxe algumas possibilidades.
Primeiro, de uma maior aproximação da compreensão da relação subjetiva
com esse espaço. Depois, permitiu uma abertura maior para a compreensão
das demais relações deste mesmo espaço pelos outros sujeitos, que o desejo
de distanciamento, provavelmente, não permitiria. Melhor dizendo, esta
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proximidade, a vivência “de dentro” da escola propiciou o reconhecimento e
algum conhecimento de determinadas relações que de outra forma, acredito,
não seria possível. Nesse raciocínio, trata-se de uma questão de certa forma
epistemológica, pois chega a partir de uma idéia de produção de conhecimento
sobre a escola, a partir da própria escola e dialogando com produções outras.
Mais do que conhecimento sobre a escola, não podemos negar que também
falamos de produção de conhecimento a partir da escola. Isso porque, mesmo
quando saio da escola para buscar elementos que me permitam investigá-la e
compreendê-la, faço isso com pelo menos um dos pés fincados no chão da
escola, tendo como base também as relações que me levam a confrontá-las
com as ferramentas de análise e as teorias e conclusões trazidas de fora deste
espaço. Não quero dizer que isso me legitima ou me reveste de uma
autoridade maior sobre o assunto, nem mesmo tenho a (ingênua) pretensão de
produzir verdades ou análises definitivas, mas que se trata de uma perspectiva
importante e como tal não pode ser desprezada.
Assim, se o objetivo deste trabalho é o de investigar a produção do
espaço “escola” como processo dinâmico e constante, o fato de ter sido
professor desta escola até a conclusão deste trabalho me leva a tensionar
9
constantemente a minha condição de sujeito deste espaço, trazendo inclusive
nos registros de memória recentes fatos, movimentos, bem como sentimentos
integrantes deste processo.
Ao mesmo tempo, o exercício mais importante, talvez, é exatamente
esse: o de tensionar esta posição o tempo todo. Significa trazer para a reflexão
9
A palavra não existe no Dicionário Aurélio (versão 3.0). Encontramos nele a palavra “tencionar”, que
significa “fazer tenção de; projetar; planejar”. Tensionar se refere à idéia de tensão ou tenso, que significa
“estendido com força, esticado, retesado”. Utilizo o termo pensando em estender as possibilidades das
posições, levando-as mesmo ao confronto, às contradições, expondo-as.
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constante o que a posição do pesquisador tem de interferência na pesquisa,
além do que a relação direta entre o sujeito (que é também, neste caso,
observador e parte integrante do objeto observado) e o objeto traz para o
trabalho. Decorre daí a necessidade de fazer como o narrador da poesia
anterior, que falou sobre alguém e sobre o mar, apontando a pedra como o
lugar onde estava o observador.
“Estranhar” foi o verbo principal nesse caminho de reflexão sobre a
posição do observador. Estranhar a escola, o espaço, a própria pesquisa e o
ponto de observação. Em poucas palavras, estranhar a mim mesmo, tanto
quanto os fenômenos e processos observados, foi tarefa árdua e, tenho
consciência, sempre incompleta. Na verdade, incompleta se pensarmos na
investigação e produção científica dentro de uma pseudo-assepsia positivista,
como busca de uma ilusória neutralidade. Daí a necessidade constante (até
mesmo uma obrigação) de deixar claro o papel do observador, seus
referenciais, as suas opções, as orientações do seu olhar, seus caminhos e os
objetivos da investigação.
Por outro lado, a minha condição de sujeito faz com que seja possível
estranhar aquilo que o pesquisador distante, ou o que se faz distante mesmo
existindo neste espaço, não estranhem. Questionar o que surge nesse
caminho, como algo estranho ao cotidiano desse espaço, sabendo que a rotina
faz com que se naturalize este ou aquele fenômeno, fato ou movimento. É esta
possibilidade, quase uma condição, a que considero rica e que ‘pede’ para ser
explorada, mesmo sabendo, também, que a rotina produz olhares, posições e
valores que se arraigam, muitas vezes tornando-se difíceis de serem
percebidos e superados.
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Se a escolha do lugar da pedra, e da própria pedra, são fundamentais,
temos que lembrar sempre, também, que o mar não para. Assim como o mar
dos versos de Leminski, a escola também não parou para ser olhada, por isso
a dificuldade de interpretar aquilo que sempre passou. Toda essa reflexão e
também a investigação, portanto, devem ser entendidas como um recorte, um
retrato na tentativa de se produzir um pensamento sobre algo que é dinâmico.
É no esforço de pesquisar nessa “estreita nesga entre o passado e o
futuro
10
”, que me concentro para produzir uma investigação sobre a construção
de uma realidade, sobre a materialização de ações, símbolos e relações.
Ao delimitar uma determinada escola, não podemos transformar isso em
limites do objeto nem do fenômeno. Os limites reduzem e aprisionam o espaço,
roubando-lhe a riqueza: sua construção pelos processos históricos, os
emaranhados de relações sociais e políticas que por ali passam e circulam,
além daquilo que estes produzem.
Os espaços são dinâmicos, e não existem, de fato, circunscritos a
determinados traçados imaginários ou mesmo físicos (os muros, por exemplo).
Tal delimitação decorre de um recurso metodológico e das necessidades da
investigação, seja ela da produção científica ou não. Mas, não significa que
tratamos de um objeto de fato ‘isolável’, destacado do tempo e do mundo, que
existe por si e para si, ou que ele possa ser entendido a partir de um olhar
único. Por isso, o que aparecer como delimitador neste trabalho deve ser lido
como instrumento de análise, um recorte como recurso e não como limite de
investigação ou dos fenômenos, muito menos como limite espacial.
O segundo problema foi o de “sobrar escola pra tudo quanto é lado” e,
10
SANTOS, 1996, p. 4.
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para isso e a partir daí, fazer escolhas: além da tarefa de escolher o que
observar, escolher a pedra de onde observar.
Quer dizer, um desafio que se colocou também, além de tentar me
equilibrar na pedra, foi o de recolher, entre o que se espalhava (‘pra tudo
quanto é lado’), aquilo que era possível de ser recolhido e que poderia ajudar a
compor olhares e pensamentos claros sobre a construção deste espaço
chamado escola.
Digo ‘olhares’ porque não há um olhar único para qualquer fenômeno
que seja. Então, busco contribuir com vidas sobre alguns olhares
costumeiros e também com suspeitas de outros, que podem ajudar a
compreender a escola. Isso, levando-se em conta que o objetivo do trabalho
não é o de estabelecer leis gerais ou verdades sobre a construção desse
espaço, mas de levantar questões e incertezas, compartilhando minhas
tentativas de explicação.
Neste caso, o fato de não ser um estranho foi de extrema importância,
pois possibilitou que eu tivesse facilidade (naturalidade, por que não?) de
transitar entre códigos, valores e rotinas, sinais vários, fazendo parte deste
universo de significados e ações. Além disso, esse papel duplo ou triplo
11
é
motivo de muita reflexão, antes e durante a própria investigação, pois recai não
sobre a minha participação, mas também no que diz respeito à produção
científica.
Dentro disso, a escolha de um ponto de observação, mesmo não sendo
este ponto único, fechado, definitivo, está impregnada por questões históricas,
sociais, culturais, éticas e políticas, onde se insere a escola, mas também o
11
Inicialmente, professor e pesquisador, mas também pesquisador-sujeito da pesquisa se considero que
a escola pesquisada constitui um ‘nós’, um coletivo do qual sou parte e durante o período dessa pesquisa
não existe sem mim e vice-versa.
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pesquisador. É a partir deste lugar que a história vai ser contada, de onde os
olhares partirão e as questões serão levantadas.
O ponto de partida é a escola – do seu interior, nas suas relações
cotidianas. O eixo da investigação é o seu espaço, ou melhor, a escola dentro
de uma concepção espacial. Faz sentido, uma vez que foi deste e neste lugar
que apareceram as primeiras inquietações, originando o presente trabalho.
Deste mesmo lugar se desenharam algumas das primeiras reflexões sobre a
dinâmica da escola partindo da vivência e da experimentação, de criar e
recriar a cada dia, de forma coletiva, aparentemente combinada (nem por isso
harmônica) este espaço, sentindo os efeitos desses movimentos e de outros
diversos.
A idéia de levantar essa discussão certamente não é de todo original,
mas entendo ser importante para que possamos compreender as
transformações pelas quais passa a escola pública.
Tal insistência na dimensão espacial da escola decorre principalmente
de minha atuação como professor, vivenciando dentro da escola processos que
as explicações de cunho sociológico, antropológico, histórico, psicológico ou
pedagógico
12
nem sempre dão conta de interpretar ou avaliar
13
. Não que a
concepção espacial da escola seja definitiva, algo que substitui qualquer outra
linha ou campo de conhecimento quando pensamos a escola. Exatamente ao
12
Entendido aqui no sentido de um conhecimento técnico relacionado aos processos de ensino e
aprendizagem. Utilizo um reducionismo extremamente equivocado, sem dúvida, mas nesse caso a
palavra ‘pedagógico’ carrega esse significado para tentar se aproximar da idéia que muitos professores da
rede pública municipal do Rio de Janeiro (destacando a escola observada) costumam ter sobre os debates
pedagógicos, as teorias e os projetos constantemente propostos e /ou implementados pela Secretaria
Municipal de Educação.
13
Não tenho o menor interesse em desqualificar ou reduzir a importância de qualquer campo do
conhecimento, nem área profissional. Porém, entendo que os objetos e fenômenos podem e devem ser
investigados a partir das potencialidades de cada campo, como forma de compreendê-los na sua
complexidade. O que exponho aqui é mais um caminho investigativo, que não observo ser considerado
quando tratamos da escola.
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contrário, significa mais um conjunto de ferramentas de análise que pode e
deve ser trazido para essa investigação, somado e confrontado aos outros.
Assim, essa dissertação pretende percorrer dois caminhos, que podem
ser entendidos como um só: tratar a escola a partir de uma determinada
concepção, valorizando um determinado olhar, ou seja, resgatando sua
dimensão espacial; identificar, partindo dessa dimensão espacial,
algumas transformações pelas quais ela vem sofrendo e que produzem
alterações na sua dinâmica.
Não pretendo com isso conseguir explicar, mas principalmente tentar
entender as especificidades da escola como espaço.
Considero tais transformações da (e na) escola num sentido amplo,
fugindo da armadilha de simplificá-las e encerrá-las como ações por parte das
políticas do Estado, apenas. Tratando-se de um espaço institucional e regido
por instâncias da esfera estatal, com certeza as políticas oficiais têm um peso
significativo e ocupam um papel central nas orientações dos caminhos da
escola. Mas, o exercício que me proponho é exatamente esse: entender como
se criam certas particularidades de um espaço em meio ao esforço (externo e
interno) de homogeneização; como se materializam (ou o) as políticas e os
esforços da gestão pública sobre a escola.
A investigação contou com a consulta a duas categorias de atores
14
:
gestor (diretor) e alunos. Escolhidos não de forma aleatória, mas segundo os
próprios papéis que lhes são conferidos.
14
Utilizo a categoria ‘ator’ no sentido de ser aquele que atua. Esbarrando no que seria uma simplificação
deste nas artes cênicas, como o ator desempenhando um papel que não foi necessariamente por ele
definido, mas que consegue ainda reconstruí-lo, mesmo com as limitações impostas pelo texto. Considero
interessante, nesse caso, porque tratamos aqui de construção do espaço, de pessoas que trazem seus
valores, anseios, desejos, histórias e movimentos para a escola, mas que encontram ali papéis
socialmente, culturalmente e institucionalmente definidos.
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O primeiro por ser o mediador nas relações entre o Estado e a escola,
entre a esfera pública (escola) e a privada (comunidade, famílias), entre as
políticas oficiais e as suas implantações. No caso da escola escolhida, a
principal entrevistada entrou como professora na rede municipal em 1974, em
outra escola situada num bairro próximo. No final dos anos 1980 transferiu-se
para a unidade estudada, onde foi eleita diretora, em 1991. Exerceu este cargo
de 1992 a 2003.
O papel da direção, apesar de ser de por si ambíguo, é chave na
implementação dessas políticas, nos projetos e na gestão do espaço. Não
estou falando sobre autonomia e possibilidades, mas sobre o significado de
uma função e do posto que ela ocupa dentro do jogo de relações cotidianas
que constroem a escola. Aos olhos do poder público é ele o responsável pelo
funcionamento da unidade escolar, pela execução das suas políticas e pela
gestão da escola como um todo. Para o interior da escola (alunos, funcionários
administrativos e professores) é ele o eixo, o topo do poder ali hierarquizado e
aquele que transita nas esferas superiores da instituição, além de ter a
responsabilidade final sobre o seu funcionamento.
Os alunos, por sua vez, podem ser entendidos como os clientes
15
, os
‘educandos’, a demanda, o fluxo. São o destino final, a razão e sentido último,
os sujeitos sociais a serem transformados ou criados, aqueles aos quais se
destina o saber sistematizado. Mas, também são os que ocupam o patamar
dos subjugados nas relações hierárquicas de poder, de acordo com a
organização funcional institucional (ou estrutura administrativa), aqueles que
devem ser ‘educados’ pela escola, ou escolarizados. Na rede pública municipal
15
‘A clientela’, na linguagem cotidiana do universo das escolas, entre salas de professores e outros
lugares.
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do Rio de Janeiro, me arrisco a afirmar que, de uma forma geral, transitam
entre o poder que o mercado confere aos clientes e a submissão dos assistidos
pela caridade.
A descrição dos papéis acima pode ser breve e reducionista, mas nos
ajuda a perceber a importância desses atores (gestor e alunos) no emaranhado
das relações que se estabelecem na escola. Pensando nisso, nos papéis que
lhes conferem, optei ainda por fazer algumas entrevistas no sentido de tentar
me aproximar dos sentidos das suas ações, nos seus sentimentos sobre as
ações do outro, suas razões e impulsos orientadores dos movimentos, suas
relações com os papéis atribuídos a eles e aos outros e, principalmente, suas
reflexões sobre esse espaço.
Além da observação dos movimentos ações no cotidiano escolar, essas
entrevistas me ajudaram na árdua tarefa de buscar caminhos explicativos. Para
isso foi importante ter conhecimento de pessoas que atuam ou atuaram na
unidade escolar, bem como alguma clareza do papel que desempenhavam.
Isso não quer dizer que as entrevistas foram feitas com o intuito de comprovar
esta ou aquela idéia sobre determinado fato, mas exatamente o contrário.
Decidi por algumas pessoas que, por observações e pelo convívio, imaginava
que poderiam trazer visões e fatos diferentes, inclusive divergentes, em relação
aos que eram do meu conhecimento. As entrevistas foram importantes no
sentido de me levar por trilhas e cantos desconhecidos, por vezes
aparentemente irrelevantes, do cotidiano da escola, mesmo para um professor
atuante. Elas me mostraram a riqueza das relações e dos movimentos que se
escondem por trás das cortinas da rotina e do visível
16
, que são inerentes a
16
Visível como o olhar viciado pela rotina, que espera o mesmo e não é capaz de captar as imagens que
circulam ao redor dos movimentos repetidos.
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determinados papéis e permanecem ocultas aos olhares do outro. Fizeram com
que aquele espaço ganhasse uma outra vida, que até então pulsava nas
sutilezas das relações das quais não fazia parte diretamente, apesar de nele
ser também habitante e construtor. Elas contribuíram bastante para ratificar a
importância de se considerar a dimensão espacial da escola.
O que me proponho, portanto, não é fazer uma investigação do (ou
sobre) espaço da escola, mas tratar a escola como espaço.
Trata-se de uma mudança de perspectiva, onde o esforço é o de
desnaturalizar os sentidos de espaço, compreendendo o processo de
construção desses sentidos de forma contextualizada, para depois buscar
reconstruí-los numa perspectiva analítica. Não se trata de encaixar o objeto em
modelos e teorias explicativas, mas do esforço de mudar o olhar sobre o
fenômeno, ou melhor, compreender a escola como um fenômeno também
espacial, tentando mostrar a riqueza de observá-la e investigá-la sob essa
perspectiva.
Para esse exercício, tenho em mente que:
“O espaço reúne a materialidade e a vida que a anima”.
(SANTOS, 2004, pp. 62)
Significa dizer que as relações que se estabelecem na escola são
imanências deste espaço
17
. Investigar ou buscar compreender o papel de tais
relações na produção desse espaço não me levam necessariamente a fazer
17
SOUZA, 2003, p. 17.
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uma etnografia da escola (nem me impedem). Isso porque algumas vezes pode
ser que haja aqui uma aproximação com uma pesquisa etnográfica, o que é
justificável, pois estamos tratando também de algo que é construído a partir de
relações que envolvem questões como, por exemplo, aspectos culturais,
valores e subjetividades. Mas, não é a compreensão desses aspectos o
objetivo desta pesquisa, e sim as articulações e conflitos entre estes e outros,
bem como aquilo que essas articulações e conflitos podem produzir. Isso
porque, do espaço:
“(...) não se pode dizer que seja um produto como
qualquer outro, um objeto ou uma soma de objetos, uma
coisa ou uma coleção de coisas (...)”.
(LEFEBVRE, 1976, p.34
18
)
Não estamos lidando com uma simples identificação de coisas ou
processos, estabelecendo com estes conclusões a partir de lógicas de ‘causa e
efeito’. O propósito deste trabalho é o de estabelecer conexões entre os
elementos que orientam a forma de organização da escola e as suas
implicações. Para isso penso a escola na sua dimensão espacial, ou seja,
antes de tudo como um espaço. Como algo que se movimenta e que se mostra
como o resultado constante e inacabado de correlações de forças, interesses,
políticas e sentidos.
Para identificar sua dinâmica e transformações, utilizo ferramentas
analíticas que me permitem interrogá-la nas suas relações e na composição
18
Apud CASTRO, I. E. de ; GOMES, P.C. da C.; CORREA, R.L. (Org.)., 1995.
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dos diversos vetores que o constroem.
Este é, na verdade, o maior desafio: trazer para a superfície estática do
papel, dinâmicas de processos que se realizam o tempo todo. Investigar
movimentos, conflitos e conexões, como tais, e não como retratos ou objetos.
Daí a importância de transitar entre pontos de vista, entre postos de
observação. Se, por um lado, as questões que se colocam com relação às
limitações tornam essa posição incômoda, por outro me obriga não a
questionar constantemente minha posição, mas a ficar sempre atento aos
movimentos que se apresentam e, por vezes, tentar perceber os que aentão
se ocultavam.
Isso porque esse trabalho e suas questões nasceram da prática, das
ações e ganharam forma e consistência nos caminhos percorridos entre a
escola e as reflexões ‘além-muros’. Foi nas dúvidas sobre teorias e
necessidades práticas de confrontá-las que se construiu esse texto.
Na verdade, acabou se estabelecendo aí um tipo de movimento de
retro-alimentação: prática docente e pesquisa, em diálogo e conflito constante,
produzindo incertezas, indagações e buscando outros horizontes de
entendimento.
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CAPÍTULO II
A ESCOLA COMO ESPAÇO
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“É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares”
(Cecília Meireles – ‘Ou Isto ou Aquilo’)
Considerações iniciais
A escola como um espaço
Durante conversa com um amigo, também educador, sobre o papel e a
importância da escola, sempre voltávamos a um dilema que se coloca
freqüentemente, entre a educação esta entendida num sentido mais amplo,
principalmente fora da escola e a escolarização, ou a educação oficial,
produzida na escola, então institucional. Ao desenvolver determinados
argumentos (utilizados para embasar sua posição e, com isso, reduzir o papel
da escola), emitiu a seguinte frase: “Para mim a escola é apenas um espaço de
socialização como outro qualquer”.
O que me incomodou durante meses nessa frase não foi o certo
reducionismo (que pode ser discutido) referente à escola, mas o modo como o
espaço aparece como acessório ao processo de socialização e, além disso, o
‘como outro qualquer’. A primeira pergunta é sobre este final da frase: existe
um espaço como outro qualquer? Existe o espaço como dimensão
19
ou sempre
ele é um ‘espaço de’?
Além disso, percebi na sua fala algo que se repete em muitas conversas
19
Sem entrar na discussão sobre uma ontologia do espaço, que não é, nem de longe, a proposta deste
trabalho.
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e discursos sobre a escola, ou seja, que pouco se procura pensá-la como um
espaço, apesar de muito se falar sobre espaço da escola.
Tratar a escola como um espaço de socialização ‘como outro qualquer’
retira desta a riqueza das relações e processos que a ela são inerentes, não
como instituição, mas como esfera da vida social, quer dizer, que também dela
não se dissocia. Do contrário, estaremos pensando o espaço “como palco das
ações humanas e não como imanência dessas mesmas ações
20
”.
O fato de o espaço ser tratado como “um fato da natureza, ‘naturalizado’,
através da atribuição de sentidos cotidianos comuns
21
dificulta a conceituação
e mesmo a compreensão de que o sentido atribuído a este está assentado e
referendado em processos sociais, bem como influenciado por matrizes
culturais e dinâmicas históricas. As formas como concebemos e nos
relacionamos com o espaço, além do sentido que a ele atribuímos não são,
portanto, elementos de uma dada natureza, inerente ao ser humano, como
essência. São, antes de qualquer coisa, construções e como tal devem ser
sempre consideradas e tratadas. O que se concebe como espaço não é o
mesmo em qualquer canto do mundo e em qualquer época. As concepções,
quaisquer que sejam, são sempre construções sociais, historicamente e
espacialmente referenciadas. É necessário trazer esses elementos para a
discussão, contextualizando-a e fazendo o mesmo com o conceito.
Assim, se dizemos que a escola é apenas um espaço de socialização,
nisso acabamos encerrando a questão, reduzindo o espaço ao papel de um
palco inerte, ou, quando muito, um apêndice das relações sociais. Confunde-se
aí o espaço com lugar ou paisagem, o que dificulta a ampliação da sua análise.
20
SOUZA, 2003, p. 17.
21
HARVEY, 2006, p. 188.
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Lugar é muitas vezes entendido ou concebido como numa aproximação
com a definição da Física, em que ele é “o limite que circunda o corpo
22
”. Isso
não significa que esteja apenas nos domínios dos limites matematicamente
estabelecidos, o que nos permite expandir essa compreensão também para as
relações sociais diversas, trazendo o ‘lugar’ para o campo da experiência
humana e para as dimensões diversas dos sujeitos e da sociedade. Partindo
desse princípio, o lugar não é apenas o local matematicamente definido, o
ponto, mas o resultado das “características históricas e culturais intrínsecas ao
seu processo de formação
23
”. Portanto, se o lugar o é um simples terreno ou
uma área recortada e delimitada claramente, podemos defini-lo também pela
sua posição ou condição relacional.
“O lugar é o quadro de uma referência pragmática do
mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de
ações condicionadas, mas também é o teatro
insubstituível das paixões humanas, responsáveis,
através da ação comunicativa, pelas diversas
manifestações da espontaneidade e da criatividade”.
(SANTOS, 2004. p 322.)
‘Lugar não é ‘espaço’, mas pelo fato de conter ações e manifestações
muitas vezes é apreendido como tal. Assim, no caso do lugar, cabe pensarmos
como um lugar de algo, ou relativo a algum tipo de função. São as ‘solicitações’
e ‘ordens precisas’ que criam e recriam o lugar.
A escola, portanto, parece se encaixar, em muitas análises, dentro da
22
LEITE, 1998, p. 9.
23
Ibidem, p 15.
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definição de ‘lugar’. Se não um lugar, um objeto que desempenha um papel,
que possui significado e função dentro de um lugar. No caso da escola:
“Allí donde se aprende y eseña siempre es lugar, se crea
un lugar”.
(FRAGO, 1994, pp. 20)
O ‘espaço de socialização’ na verdade pode ser traduzido como um
‘lugar de socialização’, ainda que possa soar um pouco estranho, e também
sem entrar no mérito do que se entende como socialização.
Além do ‘lugar’, outro termo que comumente parece se confundir com o
espaço, quando nos referimos à escola (ou às escolas) é o de ‘paisagem’. Nas
palavras de Milton Santos:
“Tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança,
é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do
visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas
de volumes, mas também de cores, movimentos, odores,
sons, etc.”.
(SANTOS, 1988. p 61.)
“A paisagem é o conjunto de objetos que nosso corpo
alcança e identifica.”
(SANTOS, 1988. p 76)
Também a paisagem se refere ao domínio da percepção, dos sentidos e
da experiência. Ela é, então, o real e a sua interpretação ao mesmo tempo. É o
físico e o simbólico, um recorte do espaço no tempo e do tempo no espaço. É a
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“materialização de um instante da sociedade
24
”. A ela se referem os olhares, as
visões e as percepções da realidade. Sobre a paisagem e seus objetos
despejam os valores simbólicos
25
.
Ao reduzirmos a dimensão espacial da escola ao tratamento de lugar ou
paisagem (ou mesmo de um objeto da paisagem) e nisso encerrarmos a
discussão, trabalhamos com recortes e pré-análises
26
, que muito dificultam e
limitam as investigações e reflexões. Mais ainda, isso também nos leva a crer
que a escola é uma coisa acabada em sua função institucional e oficial, e que
as relações que derivam ou emergem daí são determinadas apenas por esse
mesmo viés institucional, e não influenciadas por ele. Deixamos de perceber,
assim, a dinâmica dos processos diversos que constroem a escola
cotidianamente e que ultrapassam, por exemplo, os limites da sua
institucionalidade, sem dela prescindir. Negamos, portanto, a concepção de
espaço como um produto de relações, ainda que no discurso afirmemos muitas
vezes o contrário.
A diferença que se estabelece é essa: o espaço não é necessariamente
e apenas um campo, mas primeiro é o resultado de relações. Tal fato nos
obriga a lembrar que estamos sempre falando de uma produção, mais ainda,
de algo dinâmico e não de um objeto inerte. Tratamos de uma construção que
deve ser considerada como tal, em termos históricos e sociais.
Sobre essas diferentes abordagens, Milton Santos afirma:
24
SANTOS, 1988, p. 72.
25
SALES, 2000, p. 23-46.
26
Tomo a liberdade de chamar de ‘pré-análise’ as análises que não permitem que o objeto escape aos seus
modelos explicativos, independente deles serem adequados ou insuficientes. Tratar a escola de forma
acessória como um lugar ou apenas na sua condição de paisagem termina por restringir a investigação dos
fenômenos e processos que a ela são inerentes a priori.
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“É preciso fazer claramente a diferença entre aqueles que
apenas dão importância às formas, estudando assim o
espaço em si mesmo (...) e aqueles que procuram
analisar o espaço nas suas relações com a sociedade
(...)”.
(SANTOS, 2004, pp. 58)
Os primeiros citados, nesse caso, entendem o espaço como algo pronto,
material e podemos dizer até limitado, reduzido a um aparato físico, mesmo
levando em conta que esse aparato é histórica e socialmente construído. É o
mesmo que acontece quando se fala em ‘espaço da escola’. Como se isso se
referisse a uma área determinada ou terreno mensurável que fazem parte do
conjunto de relações e fenômenos que denominamos escola.
O segundo caso parece ser mais ampliado, pois coloca como elemento
central, as relações sociais. Na verdade ele fala em ‘relações com a
sociedade’, o que pode nos levar a crer que se trata de duas coisas distintas:
espaço e sociedade, ainda que depois, como referências teóricas, ambos se
relacionem. Não é exatamente essa a idéia do autor, mas de compreender
espaço e sociedade como indissociáveis, mesmo porque:
“a história não se escreve fora do espaço e não
sociedade a-espacial”.
(SANTOS, 1979)
De fato, a sociedade constrói o espaço e este, por sua vez, é parte
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integrante dela. As relações não aparecem após a existência de ambos, mas
não existe sociedade sem espaço e não há porque pensar o espaço sem
sociedade. Por essa lógica podemos começar a traçar linhas de análise a partir
do espaço e não apenas utilizando o espaço. Para isso, faz-se necessário
assumir que o conceito de espaço é uma construção.
Discutir o sentido de algo que faz parte da existência humana e que
aparece para nós como dado, absoluto, não é tarefa das mais simples. Na
verdade, se (e como) partimos do princípio de que nossas percepções e o
sentido que atribuímos às coisas são construções históricas, relacionadas ao
conjunto das construções sociais, etc., então o sentido do espaço deve seguir
esse mesmo princípio. Ou melhor, podemos mesmo dizer que existe uma
teoria do espaço ou um espaço teórico no espaço percebido, ou concebido,
mas oculto, escamoteado na naturalização.
Realmente, dentro de uma cultura como a nossa
27
, onde as coisas
tendem a ser mensuráveis e mensuradas, tendemos também a nos confortar
com as delimitações e concepções baseadas em lógicas cartesianas quando
nos referimos ao espaço. É algo que está posto, que sentimos e vivenciamos,
experimentamos e explicamos por recortes de imagens, geralmente utilizando-
o como referência a alguma outra coisa.
“O espaço é tratado como um fato da natureza,
‘naturalizado’ através da atribuição de sentidos cotidianos
comuns. (...) é tipicamente como atributo objetivo das
coisas, que pode ser medido e, portanto, apreendido”.
(HARVEY, 2006, p. 188)
27
Com valores e matrizes teóricas inerentes ao que nos acostumamos a chamar de ‘cultura ocidental’:
aquilo que nos remete a uma formação judaico-cristã-ocidental, uma matriz de pensamento com raízes
datadas e localizadas na Europa.
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É importante também, neste momento, enfrentar essa certa
‘naturalização conceitual’ do espaço e tentar compreender os processos que
levam a tratá-lo como algo estabelecido, anterior a qualquer processo, para
então buscar conceitos e ferramentas de análise que nos permitam pensá-lo na
sua complexidade.
Essa concepção naturalizada e que se apresenta quase como certo
elemento intrínseco a tudo na nossa vida, dificulta um maior questionamento
sobre sua construção, principalmente teórica, mas também uma reflexão mais
aprofundada sobre as relações e processos que a constroem. Mais ainda,
como desdobramento dessa naturalização, podemos perceber que dentro da
nossa sociedade:
“(...) O espaço é tratado tipicamente como um atributo
das coisas que pode ser medido e, portanto, apreendido”.
(Ibidem)
Essa situação transfere o espaço de maneira única ao campo da
experiência e da subjetividade; daí a dificuldade em questionar o que está no
domínio exclusivo dos sentidos e da experiência. É a mesma experiência que
nos impele a atribuir o valor de ‘real’ ao que se aproxima e é apreendido nas
nossas relações. É a percepção da experiência espacial e ela própria que se
transforma, assim, em concepção de espaço. Mas, o que não podemos
esquecer é que as experiências não são isoladas; elas são, primeiro, relações
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e por isso não estão soltas nem são acasos fortuitos, nem mesmo condições
‘dadas’. As experiências são contextualizadas, carregam as marcas dos
tempos e lugares onde se inserem e como tal devem ser tratadas.
Em outras palavras:
“(...) sociedades ou subgrupos distintos possuem
concepções de espaço diferentes”.
(Ibidem, p. 189)
Mais ainda, numa perspectiva materialista:
“(...) cada modo distinto de produção ou formação social
incorpora um agregado particular de práticas e conceitos
do tempo e do espaço”.
(Ibidem, p. 189)
Esse raciocínio nos leva a concluir que são também as relações sociais
e relações de produção que constroem concepções de espaço, inclusive a de
que na nossa sociedade, e em especial com relação à escola, o espaço seja
minimizado na sua importância e tratado apenas na sua materialidade.
Ou seja, utilizando a idéia de Harvey, é a prática que rege a relação com
o espaço e, por extensão, sua concepção. Podemos estender a perspectiva e
concluir que é o fazer, a base da concepção de espaço de um determinado
grupo ou sociedade. Fazer no sentido amplo, envolvendo não as relações
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produtivas e de uma produção social, mas fazer que nos remete ao ser
28
. A
idéia de espaço e da relação com o espaço, portanto, está intimamente ligada
com as práticas e a idéia de ser dentro de uma determinada sociedade, num
determinado contexto. Destrinchar as relações que se constroem, mas que
também constroem as concepções de espaço, portanto, pode significar
encontrar caminhos que ajudem a compreender as relações sociais e as
construções de subjetividades num certo contexto.
Ao analisar uma escola na sua dimensão espacial, é possível que
encontremos elementos significativos da produção de subjetividades no
processo de escolarização.
Assim como na nossa sociedade as coisas, materiais ou não, tendem a
se transformar em coisas em si e daí em mercadorias, a relação que
estabelecemos com o espaço não é diferente. O aparato conceitual com o qual
lidamos está impregnado desses valores e dessa lógica, que retira o que
poderia ser de cunho subjetivo, mesmo uma significação, e lhe empresta um
significado
29
. Por essa razão fica mais claro compreender que o movimento
que constrói as relações desiguais e as desigualdades diversas na nossa
sociedade (seja ela material, de direitos, etc.) é o mesmo que tende a retirar os
sujeitos do espaço e o espaço dos sujeitos. É a valorização do tempo em
detrimento do espaço – como se fôssemos, em primeiro lugar, temporais.
28
HARVEY, 2004, p. 190.
29
Chamo de significação a atribuição de valor e construção do signo, que está relacionada ao sentido, ou
aos sentidos. Esta se remete aos elementos culturais e construções diversas, que cria uma concepção de
espaço ligada ao pertencimento, ao vivido. Ao contrário, o significado pode ser entendido aqui como a
leitura que se estabelece por meio da homogeneização, ou pela massificação, ao construir idéias que
ganham peso de senso comum e terminam por retirar das pessoas o signo, a reflexão e apropriação do
espaço. Estabeleço nesse caso um diálogo com Odete Seabra (1996), ao desenvolver as idéias de Henry
Lefebvre sobre o movimento conflituoso entre apropriação e propriedade. O que busco nesse momento é,
a partir dessa reflexão, levantar questão sobre como se o movimento que naturaliza a concepção de
espaço na nossa sociedade, fazendo com que este seja tratado muitas vezes como um elemento acessório e
não como dimensão da mesma.
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Como, também, se fosse possível essa relação tempo-espaço numa dicotomia,
como duas dimensões distintas que se conectam, e não como inter-
relacionados.
O tempo reina absoluto e não é tratado como uma abstração. Por isso,
na nossa sociedade, o tempo conduz as relações, por isso também o espaço é
acessório. A escola se torna o fluxo, ou um apanhado de fluxos: de alunos de
professores, de investimentos econômicos, do tempo visto como investimento e
de horas medidas. O espaço é encarado como acessório ao fluxo. Ele se torna,
a partir dessa lógica, nada mais do que uma forma onde se processam
fenômenos temporais. É o ‘espaço’ da escola e o ‘horário’ (tempo apreendido,
medido) de aula. É o ‘calendário’ escolar. É a ‘idade’ escolar: a escola
confecciona o sujeito pela temporalidade. As preocupações com a correção de
fluxo
30
, ou com as reprovações, são sempre maiores do que as atenções
dadas, por exemplo, às condições materiais e dos equipamentos. “Todos estão
na escola”, é a máxima do discurso oficial, sem que haja uma maior reflexão
sobre o que isso representa e em que condições estão. Isso, sem falar que
estar significa uma condição de transitoriedade, diferente de ser, que indica
existência. Voltamos ao tempo e espaço como dicotomia.
Nada mais lógico, então, do que a dimensão espacial da escola não ser,
na maioria das vezes, valorizada e apreciada nas suas especificidades, mas
traduzida como uma parte, um objeto integrante de um arranjo. Faz sentido,
pois o os sujeitos são impelidos ao não pertencimento, a medir o tempo da vida
e simplesmente tratar o espaço na medida das outras relações sociais.
30
Correlação direta da faixa etária com a seriação escolar. O fluxo corresponde à passagem do aluno
pelos estágios de escolarização, que são temporais, ao longo da sua vida escolar. A chamada correção de
fluxo diz respeito aos planejamentos, ações e políticas que tem o objetivo de fazer com que o aluno em
idade fora da esperada seriação seja capaz de voltar à série correspondente, preferencialmente antes do
final da vida escola institucionalmente desejada.
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Não quero, com isso, desqualificar ou ignorar a importância e o papel
das subjetividades no que diz respeito às concepções de espaço, mas o
interessante é escapar da tentação de se atribuir essa subestimação do espaço
a um etéreo ‘senso comum’ e enfrentar o desafio de conceitualizar ou procurar
conceitualizações de espaço que atendam aos propósitos dessa pesquisa e
permitam estabelecer um diálogo com diversos fenômenos relativos à escola.
A escola é um espaço delimitado fisicamente, mas ao delimitá-lo não
necessariamente o estamos limitando. O prédio escolar é um objeto da
paisagem, sem dúvida, mas a escola não é o prédio, por mais que ele seja um
elemento importante da sua constituição. Isso significa que o esforço em traçar
os limites do objeto deve ser também o esforço em conceber tais linhas como
abstrações e como referências necessárias metodologicamente, no sentido de
circunscrever aquilo sobre o que se pretende trabalhar. Dimensões diversas de
fenômenos e processos atravessam seus muros em várias direções, fazendo
com que este espaço, por ser espaço, seja pulsante, jamais acabado e sempre
em construção
31
. Daí a importância e a riqueza de identificar, reconhecer,
conhecer e pensar a escola na sua dimensão como espaço. Daí, também, a
necessidade de compreendê-la na sua especificidade como instituição e como
unidade.
Trazer a escola para uma perspectiva de análise espacial significa, antes
de qualquer coisa, trazê-la aos conceitos e sentidos de espaço diversos e, para
isso (e a partir disso), expô-la ao conjunto de ferramentas teóricas que
permitam assim buscar compreendê-la.
31
MASSEY, 2004. p. 8.
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Algumas concepções de espaço e a escola escolhida
Tratar a escola na sua dimensão espacial nos obriga, antes de tudo, a
explorar concepções de espaço que auxiliem de maneira significativa tal
exercício. Duas possibilidades aqui se apresentam: destrinchar concepções
diversas, para depois trazê-las com suas ferramentas de análise; ou então,
‘deixar a escola falar’ como espaço, para buscar as ferramentas necessárias.
Não encaro tais possibilidades como excludentes. Pelo contrário, considero
complementares os dois caminhos.
Primeiro, porque é importante conhecer determinados conceitos, ainda
que o processo de investigação e as reflexões terminem por reescrevê-los ou
mesmo descartá-los. É importante que tais referências sejam utilizadas e
expostas ao seu limite, caso contrário, corremos o risco de cair nas armadilhas
da mesma naturalização aqui criticada. Não fazer qualquer reflexão anterior
pode significar trair o próprio argumento, como que andando em círculos.
Ao mesmo tempo, é fundamental deixar também que a escola ‘fale’, sem
reduzir o objeto ao papel do simples (ou mesmo do complexo) observável.
Quer dizer, cabe tratar a escola como um objeto aberto, entendendo que se
trata de algo que se define também nas suas relações.
Assim, se por um lado o domínio de conceitos e concepções é sempre
importante para uma investigação consistente, por outro é a própria escola que
tensiona a teoria e induz à elaboração de outras. Dentro disso, é importante
lembrar que os conceitos não são ferramentas de uso exclusivo de um ou outro
campo. Porém, o construídos dentro de determinadas lógicas, que dizem
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respeito, por sua vez, ao conjunto de conceitos que se referem aos objetos e
preocupações desses campos. Por exemplo:
“Oscar Niemeyer chega a dizer que a grande
maestria de sua arte está não na construção concreta
que ocupa o espaço, mas sim na maneira de produzir
vazios.”
(MARTINS, 2004. p. 24.)
O trecho acima traz a idéia de espaço como construção, eminentemente
física. Faz todo o sentido essa idéia, pois sua preocupação é com a forma, com
o objeto físico e os desdobramentos da sua construção. Neste caso a
dicotomia entre o ocupado e o vazio nos transporta à idéia de paisagem, dentro
da Geografia, apesar do uso da palavra espaço. Esta é a ‘materialização de um
instante’
32
, a forma, física e produzida. No caso em questão, Niemeyer se
ocupa do objeto da paisagem e da sua relação com o conjunto da paisagem.
Não importa ali ultrapassar a idéia do vazio e do ocupado físicos, utilizando-os
para desenvolver idéias como as do uso, por exemplo. Numa escola, o vazio
pode significar a possibilidade de disputa de uso, ou simplesmente o exercício
de poder, ou ainda uma mudança na função do espaço ou de parte dele.
Trabalhar a escola como um espaço apenas nessa concepção seria perder a
dimensão de boa parte das suas relações e do seu movimento.
Mesmo a relação entre o ocupado e o vazio pode ganhar outra
dimensão, que não a material, se distanciando da confusão conceitual com a
paisagem:
32
SANTOS, 1988, p. 72.
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“Para que alguma coisa relevante ocorra é preciso criar
um espaço vazio
33
.”
“O vazio no teatro permite que a imaginação preencha as
lacunas. Paradoxalmente, quanto menos se oferece à
imaginação, mais feliz ela fica, porque é como um
músculo que gosta de se exercitar em jogos
34
.”
(BROOK, 1999. p 23)
No teatro a materialidade das formas se funde com a imaterialidade da
percepção e da imaginação. O vazio não é o vazio apenas da ausência do
objeto físico, mas é também o da ausência da imposição do signo, da imagem,
do gesto, da voz, dos movimentos e das demarcações diversas. É o físico e
material que necessita do significado, da história, do conteúdo imaterial
colocado pelos atores e pelo público. Ainda assim, o vazio é físico e também
produzido numa intencionalidade, tal qual a idéia da arquitetura de Niemeyer.
As duas concepções apresentadas nos mostram como elas são
significativas dentro do campo que as geraram. Em ciências sociais, mas
também nas chamadas ciências exatas, encontramos formas de conceitualizar
o espaço de acordo com o que esses campos representam, com o que se
preocupam, com o que produzem, e como se dão essas relações de produção
de conhecimento e operacionalização de movimentos dentro dos seus eixos
teóricos. Quer dizer, nem sempre se trata de um a concepção única dentro de
um campo.
33
BROOK, Peter, apud MARTINS, Marcos B., 2004, p. 31.
34
Ibidem.
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Na Sociologia, Pierre Bourdieu, por exemplo, trabalha com a idéia de
‘espaço social’, sem materialidade explícita e, de maneira bastante
simplificada, definido como um conjunto de relações e posições de agentes
35
.
Não descarto essa nem outras concepções, uma vez que se encontram
estruturadas dentro de determinadas matrizes pertinentes aos seus campos de
saber e ação. Mas como referências principais, utilizo pensamentos e a
produção de origem na Geografia para me dar suporte na tarefa de tratar a
escola na sua dimensão espacial. Dentro deste campo, debruço-me sobre o
trabalho e o pensamento, em especial, de Doreen Massey e de Milton Santos,
como ferramentas e, principalmente, como possibilidades de interpretação e
investigação.
A escolha pela Geografia é uma escolha por uma ciência que tem na
sua raison d’être o trabalho com o espaço e um pensamento sobre o espaço.
Quer dizer, o espaço não é objeto, mas é visto também como possibilidade
analítica, uma vez que é entendido como dimensão da sociedade. Trata-se de
uma ciência do espaço, sem dúvida, seja ela descritiva
36
ou esteja ela
preocupada com a produção (ou com relações de poder).
Milton Santos se esforçou em desenvolver ferramentas conceituais
sobre e para a investigação, ao mesmo tempo, do espaço e espaciais sobre os
fenômenos. Apesar de o tratar o espaço como algo unicamente material, foi
no trabalho partindo da sua materialidade que propôs e desenvolveu
importantes categorias de análise. Sistemas de categorias como forma, função,
estrutura e processo, fixos e fluxos, sistema de objetos e sistema de ações, ou
outras como horizontalidade e verticalidade, são algumas ferramentas
35
BOURDIEU, 2000, p. 133.
36
“Descrição e explicação são inseparáveis. O que deve estar no alicerce da descrição é a vontade de
explicação (...)”. SANTOS, 2004, p. 18.
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importantes e que podem, no seu conjunto, ser interessantes para ajudar a
investigar e pensar a escola, uma vez que esta, mais do que um objeto, é um
produto da sociedade, uma construção resultante de relações diversas,
principalmente produtivas.
Por sua vez, Doreen Massey trata o espaço como esfera da existência
de trajetórias, como produto constante de inter-relações, como algo em
processo, um devir, que ‘está sempre sendo feito – nunca está finalizado,
nunca se encontra fechado’
37
’. Essa idéia é interessante de ser transportada
para a escola: por mais que sua forma pouco se altere, lidamos com um objeto
que aglutina pessoas, com histórias, valores, anseios, enfim, movimentos em
diversos sentidos.
Não é a materialidade, para Massey, que caracteriza o espaço. Sobre
essa questão, ela deixa bem claro:
“Talvez de forma a mais surpreendente, dadas asa
conceitualizações hegemônicas, o espaço não é uma
superfície.”
(MASSEY, 2004, p 17)
Numa primeira análise, as concepções de espaço de Massey e Santos
parecem ser bastante contraditórias. De fato, a materialidade encontrada na
produção do espaço em Milton Santos não encontra eco nas relações e na
ausência de superfície do espaço de Doreen Massey. Porém, quando
problematizo a escola como espaço e ‘deixo que ela fale’ como objeto, percebo
37
MASSEY, 2004, p. 8.
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que as duas concepções me servem como complementares. Isso porque a
escola é inegavelmente material: é um objeto físico que tem na forma e na sua
função (principalmente nesta) aquilo que condiciona sua existência. Suas
especificidades como objeto físico, como arquitetura ou como forma, trazem,
por exemplo, uma carga simbólica com relação a sua função, conforme foi
levantado em outras situações:
“O valor simbólico de um prédio escolar está relacionado
com o valor social atribuído aos códigos emitidos por sua
forma arquitetônica que, por sua vez, está atrelada ao
valor atribuído ao tipo de escola associado à sua forma
arquitetônica.”
(SALES, 2000, p. 261)
“O valor atribuído aos diversos tipos de escolas é fruto de
um processo sócio-histórico de julgamento social, que se
estabelece e se manifesta nas representações sociais de
escola que os sujeitos compartilham em um dado
contexto”
(Ibidem, p. 262)
Porém, ela é também um produto de inter-relações, é o encontro de
trajetórias e a coexistência delas. São as trajetórias que produzem a escola,
que tensionam as políticas oficiais e as funções social e institucionalmente
determinadas.
“O espaço, então, é o produto das dificuldades e
complexidades, dos entrelaçamentos e não
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entrelaçamentos de relações.”
(MASSEY, 2004. p. 17)
Pensar a escola com base nessas concepções, portanto, é trabalhar ao
mesmo tempo a sua materialidade e suas inter-relações. Como uma
construção física, mas que não pode ser vista acabada nesses limites, pois o
espaço não é fragmentado. Mais do que contextualizá-la, no tempo e na
sociedade, capturar os movimentos, as trajetórias, os fluxos e as correlações
de forças passa a ser fundamental, se pretendemos mergulhar nesse espaço
(escola).
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Investigação de uma escola na perspectiva do seu espaço
Uma escola: onde e como
A escola escolhida como campo de observação e análise dessa
pesquisa se localiza numa área de subúrbio do Rio de Janeiro, no bairro de
Irajá (área destacada no mapa abaixo).
{ EMBED Unknown }
(Fonte: <www.rio.rj.gov.br/armazemdedados.)
Ao contrário dos suburbs
38
da América do Norte, o que é chamado de
subúrbio na cidade do Rio de Janeiro se caracteriza por outro passado, bem
distinto: na maioria são antigos bairros operários, ou então com a ocupação
marcada pela expansão das linhas ferroviárias urbanas
39
. Ao longo do tempo, a
escassez de determinados serviços e equipamentos urbanos, bem como a
qualidade e a quantidade dos investimentos (seja por parte do Estado ou do
38
Os ‘suburbs’, nos EUA, são bairros afastados do centro urbano. Situam-se longe dos fluxos intensos, da
poluição e agitação dos núcleos das metrópoles. Os terrenos são mais valorizados, muitas vezes
organizados em condomínios ou grandes projetos de mercado imobiliário. Em função disso as populações
que os habitam costumam apresentar poder aquisitivo relativamente elevado. O fenômeno da
‘suburbanização nos EUA tem origem na primeira metade do século XX, especialmente ligado aos
investimentos privados, em associação com a construção de largas vias de acesso entre essas áreas e os
centros das cidades e a expansão da indústria automobilística. No Rio de Janeiro, o ‘subúrbio’ tem seu
passado nas vilas operárias e expansão das linhas de trens urbanos. Deste modo, são áreas historicamente
proletárias, habitadas por população de poder aquisitivo inferior ao de bairros mais centrais e dotados de
melhor oferta de equipamentos urbanos. Não podemos aqui ‘congelar’ os bairros cariocas nessa
descrição, como se isso explicasse o que eles são, mas ao dizer que Irajá é um bairro de subúrbio, chamo
atenção ao fato de que a cidade possui processos de construção do seu espaço bem diferenciados, ainda
que internamente funcionem de forma combinada. Considero, portanto, relevante situar, no tempo e no
espaço, onde se insere a escola observada e trazer aqui algumas características importantes para
enriquecer a compreensão de determinadas relações.
39
Uma curiosidade: não é raro encontrar pessoas na cidade do Rio de Janeiro que ligam o subúrbio ao
trajeto das linhas de trens urbanos.
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setor privado) diretamente associados ao baixo valor do solo urbano na
região
40
, fizeram com que se estabelecesse gradativamente uma população de
renda mais baixa do que das áreas centrais da cidade. Tal gica não deve ser
levada como definitiva para explicar o processo de ocupação e configuração
socioeconômica do bairro, nem devemos entender com isso que existe grande
homogeneidade com relação a esses aspectos. As condições de vida da
população e as condições materiais deste e de outros bairros devem ser
entendidas também de forma relativa, dentro da cidade do Rio de Janeiro.
Segundo dados publicados no caderno “Retratos do Rio”, do jornal O
Globo, em 24 de maio de 2001
41
o IDH
42
de Irajá era o 72º (0,736) entre os 161
bairros da cidade. De acordo com o “Armazém de Dados
43
”, em 2000 o bairro,
analisado em conjunto com Vista Alegre, ocupava o 101º lugar entre 126, no
indicador de desigualdade social, com 0,46 pelo índice de Gini
44
. Esses dados,
mesmo com os limites das suas superficialidades, nos ajudam a compor um
panorama preliminar do bairro onde se insere escola escolhida.
A escola analisada se localiza numa rua secundária, repleta de casas,
vilas e prédios de três ou quatro andares, compondo uma paisagem suburbana
carioca típica. Vale lembrar que boa parte são alunos de famílias moradoras do
40
Mesmo entre os bairros considerados suburbanos encontramos diferenças significativas quanto ao valor
do solo urbano e oferta de serviços, regidas por fatores que vão desde o histórico e simbólico até a
violência urbana e os investimentos por parte do poder público.
41
A publicação citada divulgou dados de pesquisa realizada em conjunto pelo Pnud (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento), Prefeitura do Rio de Janeiro e Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada)
42
Índice de Desenvolvimento Humano Índice criado pelos economistas Mahbub ul Haq e Amartya
Sem, em 1991. Esse índice leva em consideração dados sobre educação, longevidade e renda. No relatório
do Rio o IDH foi calculado com base na renda per capita, taxa de alfabetização dos maiores de 15 anos e
a expectativa de vida.
43
Banco de dados quantitativos sobre a cidade, disponibilizado pela Prefeitura do Rio de Janeiro no sítio
<www.rio.rj.gov.br>
44
O índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda
domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não desigualdade (a renda de todos os indivíduos
tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da
sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula).
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bairro ou da região
45
, alguns décadas, e não raros o os pais que foram
também alunos da escola. No corpo docente, há muitos professores moradores
do bairro e outros vizinhos e cinco que também estudaram ali. Esses dados
conferem à escola uma carga afetiva e simbólica impossível de ser ignorada e
que tem importância quando nos referimos ao seu uso, aos seus significados e
mesmo à sua gestão. Ao longo do tempo a escola esteve associada, entre a
comunidade, a uma imagem de disciplina, seriedade e qualidade, construída
principalmente ao longo da gestão do seu primeiro diretor, que permaneceu no
cargo de 1963
46
até 1986.
A unidade conta com um bloco principal de dois pavimentos, um anexo,
térreo, e uma quadra polivalente. Na entrada do bloco principal ficam as salas
do setor administrativo (secretaria e direção), sala de professores, uma área
coberta (que funciona como a parte coberta do pátio), refeitório, dois banheiros,
um auditório e sala de informática. No andar superior, encontramos as salas de
aula regulares, uma sala de leitura, uma sala de informática do “Pólo de
Educação Pelo Trabalho” e dois banheiros, hoje desativados para uso dos
alunos (um funciona como uma espécie de almoxarifado e outro como um
banheiro de uso do pessoal do setor de limpeza). No prédio anexo, além de
uma sala para aula de música e um laboratório de Ciências, funcionam
atualmente as oficinas do lo. É como uma extensão do passado da escola:
ela foi um Ginásio Industrial (assim foi fundada), onde os alunos tinham
aulas de marcenaria e outros, dentro do conjunto do que era chamada
45
Utilizo o termo ‘região’ para a área do bairro de Irajá e outras localidades ao redor, em especial Vila da
Penha, Vicente de Carvalho, Vista Alegre, Rocha Miranda e Vaz Lobo. São bairros e sub-bairros que
guardam uma história comum, principalmente das relações entre seus habitantes, apesar da diferenciação
administrativa desenhada pela prefeitura. Pela Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, o bairro
faz parte da CRE (Coordenadoria Regional de Educação) e da XIV RA (Região Administrativa, que
engloba os bairros de
Colégio, Irajá, Vicente de Carvalho, Vila Cosmos, Vila da Penha e, Vista Alegre.).
46
A escola foi fundada oficialmente em 1964, mas já funcionava em 1963.
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disciplina “Artes Industriais”. Com a fusão dos estados da Guanabara e do Rio
de Janeiro (1974), a escola passou de “Ginásio Industrial” para “Escola
Municipal”.
Não se trata apenas de uma mudança de nomenclatura, mas de uma
sutil alteração na função da escola: o caráter profissionalizante sai de cena.
Poderíamos até dizer que, com a existência de um “Pólo de Educação Pelo
Trabalho” funcionando na escola, com suas oficinas, etc., o caráter
profissionalizante retorna, ou não desaparece. A afirmação não resiste quando
analisamos dois aspectos do Pólo. O primeiro é o próprio sentido deste projeto:
não é o de profissionalizar, mas de ser complementar ao trabalho do chamado
núcleo comum. Quer dizer, o trabalho aparece como meio e não como fim
dentro desta proposta. Dentro disso, o lo conta com alunos da rede
municipal que não são, na sua maioria, daquela escola. Há uma cota, pequena,
para os alunos da própria escola, deixando a maioria das vagas para os alunos
de outras escolas, que ali se inscrevem e freqüentam os cursos. Depois, não
uma certificação para esses cursos, além do que não têm mesmo o objetivo
de profissionalizar, formar mão-de-obra, mas de oferecer atividades
alternativas ou complementares ao núcleo básico regular da rede.
Os horários das oficinas não se alinham, necessariamente, aos horários
da grade da escola de ensino fundamental. Isso gera, por vezes, alguns
incômodos ao funcionamento da escola e gera preocupações extras com
controle dos fluxos, pois o portão de entrada, por exemplo, é o mesmo, os
banheiros são os mesmos, mas as salas não são e os horários de entrada e
saída, bem como o horário de recreio também não são comuns. O horário de
recreio da escola e o horário de chegada de alunos para algumas oficinas
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muitas vezes coincidem, o que torna complicada a situação das pessoas
envolvidas no controle do espaço. Essa superposição de escolas com funções
diferenciadas e funcionamentos diferentes, dividindo o mesmo espaço, termina
por comprometer o funcionamento de ambas, ainda que as direções procurem
estabelecer uma harmonia no funcionamento. O controle do tempo e a
dificuldade de possibilidade de exercer esse controle nos levam a pensar sobre
as condições em que se desenvolvem ambas as atividades.
Exemplificando, quando as turmas descem para o pátio no seu horário
de recreio, é necessário fazer um controle do refeitório, da sua entrada. Ao
mesmo tempo, as salas do prédio anexo (Pólo) ficam expostas aos fluxos dos
alunos da escola. Essa questão foi resolvida parcialmente com a colocação de
uma grade entre os prédios. Parcialmente, porque assim a quadra também
ficou separada do prédio principal, além de ter sido reduzida a área de
utilização dos alunos durante o recreio. Esta situação nos mostra o quanto o
fluxo e a necessidade do seu controle condicionam o arranjo dos objetos e dos
tempos, com o intuito de preservar o funcionamento da escola.
Em termos quantitativos, foram 915 matrículas no ano de 2006. Na
verdade, contando entradas e saídas (transferências e evasão), ao longo desse
ano a escola ficou com 875 alunos. No turno da manhã são 440
47
, enquanto no
turno da tarde são 435
48
, dispostos em turmas conforme a tabela abaixo.
Turno: Manhã
Série
47
460 matrículas em 2006.
48
455 matrículas em 2006.
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Turma 502
504
506
602
604
606
702
705
801
803
804
Alunos
matriculados
40 42 40 42 41 42 43 43 43 43 41
Alunos
freqüentando
39 40 39 42 40 36 43 38 43 40 40
Total: 440 (460 matrículas)
Turno: Tarde
Série
Turma 501
503
505
507
601
603
605
701
703
704
802
Alunos
Matriculados
39 41 41 40 45 41 40 43 42 41 42
Alunos
Freqüentando
38 39 39 35 43 41 39 42 41 36 42
Total: 435 (455 matrículas)
As turmas são alocadas em salas, todas elas localizadas no andar
superior do prédio principal da escola. Nesse andar, todas as salas se
comunicam por um largo corredor central. Além das salas das turmas, ainda
uma sala de leitura
49
, uma sala de informática utilizada pelo Pólo de Educação
pelo Trabalho
50
, duas salas bem pequenas, que servem de depósito para o
material de limpeza, e dois banheiros. No período da pesquisa, os banheiros se
49
Atualmente as escolas da rede pública da Prefeitura do Rio de Janeiro não contam com bibliotecas. Em
lugar disso foram instaladas ‘salas de leitura’. De funcionamento e sentido diverso ao das bibliotecas
(centros de referência), as salas de leitura’ m o papel de atuar como um espaço destinado ao
desenvolvimento do hábito da leitura.
50
Utilizarei aqui o nome ‘Pólo’ para citar o ‘Pólo de Educação Pelo Trabalho’ trata-se de projeto
paralelo da Secretaria Municipal de Educação, juntamente com o ‘Núcleos de Artes’ e Clubes
Escolares’. Na escola em questão, a maior parte das aulas do lo funciona em prédio anexo, mas sua
secretaria e uma sala de informática ficam no prédio principal.
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encontravam a disposição apenas para o pessoal da Comlurb
51
, ou professores
e funcionários que desejassem utilizá-lo. Ou seja, são doze salas no andar,
sendo dez destinadas ao uso com aulas do currículo regular. Porém, são dez
turmas por turno, o que só é possível com o que chamam de ‘rodízio de
turmas’.
Os rodízios
dois tipos de rodízios. Um deles se organiza com base na semana
letiva e o outro no horário do turno letivo.
No primeiro caso, as turmas se revezam com relação aos dias de folga
da semana. Desta forma, os cinco dias de aulas semanais começam na
segunda e terminam no sábado, com uma ou outra turma ‘de folga’ em um dia.
Quando uma turma tem seu dia de ficar em casa, outra ocupa a sala. Assim,
numa escola hipotética de cinco salas e seis turmas, é possível organizar o
horário com pelo menos uma turma migrando de sala em sala a semana
inteira, enquanto outras têm salas fixas.
No caso da escola estudada, o rodízio é outro. Trata-se de uma
dinâmica feita com base na organização do horário diário. A mesma gica do
rodízio anterior vale para esse, porém utilizando o horário diário e as atividades
e aulas realizadas fora das salas.
Quer dizer, como nesse caso nove salas para dez turmas, significa
que nove turmas têm suas salas específicas e uma ‘sobra’ – fica onde é
51
Desde 2004 a prefeitura substituiu na escola o pessoal encarregado dos serviços de conservação e
limpeza, então terceirizados, por trabalhadores da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb),
que passou a contar com um setor específico para as escolas.
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possível. A estratégia é deslocar a turma do rodízio para uma sala, sempre que
uma outra turma está em horário de Educação Física (na quadra), laboratório
ou outra atividade externa, ou ainda com alguma ‘brecha’ no horário. Não se
trata de improviso da direção, mas de uma condição atípica, contraditoriamente
incorporada ao funcionamento da escola: o horário é montado para que isso
aconteça. sempre uma sala prevista no horário para ficar liberada, seja por
uma turma estar em horário de alguma aula fora da sala de aula (Educação
Física, por exemplo), ou por alguma turma entrar mais tarde ou sair mais cedo
que o horário regular.
Aquilo que Certeau chamaria de ‘tática’ ou ‘astúcia’, ou o que Paulo
Freire identifica como ‘manha’, acontece às avessas. Não são os ‘fracos’ nem
as classes populares ou os trabalhadores, mas aqui é o próprio poder público,
a administração oficial, que ‘dribla’ as estatísticas e incorpora às escolas um
contingente superior àquele inicialmente pensado para elas. Considerando que
as próprias salas ultrapassaram o limite de ocupação
52
e que as políticas de
expansão da oferta para atender a essa demanda são no mínimo insuficientes,
a sala passa a ser utilizada por mais de uma turma, porém com um controle do
fluxo e do tempo que permite essa proeza, sem concomitância. O ‘drible’ oficial
vai além: consiste em transformar aquilo que aparentemente era improviso em
algo definitivo, naturalizando e incorporando essa estratégia à rotina.
Aqui vale uma ressalva. O termo ‘estratégia’ não é empregado como o
conceito utilizado por Michel de Certeau. Utilizo uma expressão corrente do
vocabulário da própria Secretaria de Educação e suas Coordenadorias, que
costumam assim definir os planejamentos sobre determinadas ações,
52
Essa posição é a defendida pelos sindicatos, porém refutada pela Secretaria.
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geralmente imediatas, e que não constavam em um plano inicial.
“(...) no começo era assim: está faltando professor. Aí, no
histórico [escolar] você não pode colocar ‘sem professor’.
Inventa qualquer coisa, faz uma estratégia. O que é essa
estratégia? É... Não tem [aula de] música (o certo é ter
música pra todo mundo). Ah! O professor de inglês não
canta? A Escola não canta hino? nota pra todo
mundo”.
(Selma, Ex-diretora da escola)
Tais estratégias são faces de uma relação que merece uma atenção
especial. Nem sempre essas determinações são documentadas. Muitas vezes
são impostas ou repassadas em contato das instâncias superiores (geralmente
órgãos da Secretaria ou CRE’s
53
) com a direção. São comuns normas impostas
de maneira informal, mas que algumas vezes chegam a ganhar status de
política oficial. Controle sobre notas, deliberações sobre disciplina, composição
de horários, enfim, boa parte da rotina da escola é controlada ou comandada
desta maneira. Não são raros os casos de determinações informais que entram
num certo senso comum e passam a se confundir com as políticas oficiais.
No caso do rodízio, a determinação para que seja realizado não é, a
princípio, da direção da escola, mas chega a estas através das CRE’s.
Algumas vezes mais de um rodízio, justificados pela necessidade de
aumentar o mero de vagas e pela possibilidade (matemática, e não
necessariamente material) do mesmo ser implementado na escola. Quer dizer,
53
Coordenadoria Regional de Educação instâncias intermediárias que têm a função primeira de
gerenciar as escolas da sua região. São responsáveis, por exemplo, pela implementação de alguns projetos
específicos e pela fiscalização e acompanhamento das atividades das escolas. A Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro divide a rede em 10 CRE’s, cada qual com uma área de abrangência e
número de escolas diferente.
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num momento de aumento de procura por vagas, a Coordenadoria solicita que
determinada escola crie um número determinado de turmas, superior ao
número de salas, justificando que possibilidade de organizar os horários
para que isso aconteça.
Se por um lado, analisando de forma estatística, o rodízio permite que
haja um aumento no mero de alunos a partir de um aumento na oferta de
vagas, por outro as implicações de tal sistema são muitas.
Para o funcionamento da escola representa um certo transtorno, ainda
que minimizado pela naturalização imposta pelo hábito. São cerca de quarenta
alunos de uma turma e cerca de quarenta alunos de outra, que muitas vezes
‘se encontram’ durante o horário de aula e que devem fazer uma troca de
posições, de maneira acelerada. Sendo mais claro: uma turma sai e outra entra
na mesma sala, mas isso não pode ser muito demorado, pois atrapalha o
andamento das aulas nas outras salas. O encontro de oitenta alunos num
corredor deve ser aligeirado para que o início da aula nessa sala e as aulas ao
redor não sejam prejudicados.
Aparentemente podemos supor que tal sistema causa um pequeno
transtorno, sem maiores repercussões além do momento em que acontece a
transição. Será?
“Nossa turma já foi de rodízio. Nossa! Era ‘boooom’.
[risos]”.
“Era muito ruim. Porque você pega, por exemplo, a
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professora (...), de Ciências, que gostava de fazer
trabalho e colocar cartazes, essas coisas... a nossa turma
não dava, porque quando a gente ia ver, no dia seguinte
o trabalho não ‘tava’ lá: tinham arrancado, ou
rasgado...”.
“A gente tinha umas salas marcadas, mas acabava
entrando onde dava, porque vira e mexe tinha gente na
sala, a aula não tinha acabado (...)”.
(depoimentos de Paula
54
, ex-aluna da escola de 2002 a
2005)
Não são poucos os casos de ‘dribles’ na relação demanda-oferta,
quando o assunto é educação pública no Brasil: turmas e séries diferentes na
mesma sala, quatro turnos de aula, rodízios, etc. A questão é como essa
verdadeira economia de guerra se incorpora às políticas oficiais, tendo
repercussões significativas no processo de escolarização.
No caso do rodízio, é interessante também como essa ação expõe o
lado burocratizante da relação da prefeitura com a população. A ampliação do
número de alunos num determinado prédio deveria implicar em transformações
físicas do mesmo prédio, não em relação apenas ao número de salas, mas
também em relação aos outros objetos desse sistema, como os banheiros,
refeitório, etc. Isso, sem falar na estrutura num sentido mais amplo, como
número de merendeiras, professores e pessoa de apoio. Mas, não é o que
acontece aqui. Essa situação nos leva a refletir, de forma mais ampliada, sobre
a relação que esfera do Estado estabelece com a própria população: uma
relação de mercado, uma relação de oferta de serviço. Os alunos e seus pais
54
Nome fictício.
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são levados à condição de clientes, de consumidores, dentro de um terreno
que não lhes pertence. Quer dizer, ao conceber os alunos como estatísticas de
fluxos dentro de um sistema, é papel do gestor (diretor), organizá-los de
maneira funcional, desconsiderando o que isso pode vir a trazer para o seu
rendimento ou para a sua relação com a escola. A escola não lhe pertence: ela
é de propriedade da Prefeitura e isso deve ser lembrado o tempo todo.
Enquanto isso, o tempo passa a ser o elemento principal e a ele devem se
orientar as formas e os objetos.
Por isso, talvez, o termo “reprovação” tenha se tornado maldito e passou
a ser substituído por “retenção”. “Reprovação” nos remete ao julgamento,
algum tipo de juízo ou avaliação, enquanto “retenção” nos transporta ao fluxo
obstruído, bloqueado, interrompido.
No caso do rodízio, os obstáculos à fixação são obstáculos também ao
uso, a construção de significados e relações afetivas com o espaço. Restam
aos alunos dessas turmas, as relações construídas em trânsito, as
afetuosidades descoladas do lugar. Pelo menos de um lugar específico,
ofertado às outras turmas: a sala de aula. Quer dizer, todas as turmas têm suas
salas e nelas constroem relações de pertencimento, se habituam aos seus
cantos, enfim, as usam de forma ampla. No ano de 2006, por exemplo, durante
uma semana de culminância de atividades, a decoração das salas ficou por
conta das turmas: duas turmas por sala (dois turnos). Obviamente, a turma de
rodízio ficou deslocada dessa dinâmica, vindo a se inserir em uma sala
qualquer.
A escola, nesse caso, se opõe ao pertencimento, reforça as concepções
de “utilidade” e “finalidade”, no sentido de que as coisas servem mais do que
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elas são. Ela tenta roubar-lhes as subjetividades e possibilidades de
protagonismo, atribuindo-lhes papéis muito bem definidos. Digo que tenta
porque, por mais que se tente impor, não passividade, mas resistência,
senão re-existência
55
. Mais do que se opor a uma determinada ação, a tarefa é
a de conseguir definir e estabelecer as suas lógicas de uso em meio ao
movimento institucional de transformação dos sujeitos em objetos.
Os rodízios revelam uma opção do órgão gestor pelo tempo sobre o
espaço. O controle do fluxo sobre as condições materiais de funcionamento.
Isso nos leva a pensar que a escola é a convergência de trajetórias que ali se
transformam em fluxos.
As trajetórias de cada aluno, de cada professor, de cada funcionário e da
escola: suas histórias, seus anseios e seus movimentos. No momento que ali
coincidem e ali se confrontam, se complementam, também geram conflitos,
constroem esse espaço, produzem novas relações. A institucionalidade que
confere a esta forma uma função, contribui para homogeneizar e tentar
transformar essas mesmas trajetórias em fluxos anônimos, a serviço do
funcionamento de um sistema organizado pelo Estado.
Se as trajetórias nos transportam à dimensão do vivido, da experiência,
da construção, do protagonismo e da autoria, os fluxos o homogêneos, ou
tendem a uma homogeneidade como movimento. O fluxo é a produção, no
sentido das relações sociais de produção.
A opção pelos rodízios de turma como estratégia de ação às
necessidades das classes populares escamoteia duas vertentes do sistema: a
55
O jogo de palavras entre ‘resistir’ e ‘re-existir’ não é de todo original. Tomo emprestado de alguns
artigos e de uma palestra proferida pelo geógrafo Carlos Walter Porto Gonçalves, em 14 de março de
2007, na Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, quando se referia a América
Latina e os movimentos populares no continente.
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ausência de investimentos e a massificação.
Se o sistema de rodízio é uma diacronia dentro de uma instituição que
destina lugares para atividades específicas e tem nessa estrutura um elemento
primordial ao seu funcionamento, a sua existência nos leva a pensar que se
trata, antes de tudo, de uma mudança importante na dinâmica do espaço: ao
invés dos elementos que na parte interna podemos considerar como fixos
(salas de aula, laboratórios, etc.), são os fluxos
56
(grade de horários,
deslocamentos de turmas, etc.) e sobre eles a opção de controle do espaço. É
na gestão a partir dos movimentos internos que a escola funciona. As portas
são mais importantes do que as paredes, pois elas controlam as passagens, os
caminhos e as andanças dos alunos e de todos. Ter controle sobre os fluxos
significa ter controle sobre a dinâmica do espaço. Gerenciar os fluxos é o
primeiro passo para fazer funcionar essa escola.
Ainda os fluxos: portas, portões e lugares internos
Os rodízios podem ser considerados nocivos ao rendimento e à
realidade escolar, para uns. Para outros pode significar uma engenharia
interessante quando a questão é ampliar o número de matrículas na rede. Em
ambos os casos, o como negar que se trata de uma dinâmica no mínimo
estranha, a então, ao cotidiano escolar. Há, contudo, outras situações
rotineiras, mas que exatamente pela aparente normalidade nos revelam
interessantes aspectos do funcionamento da escola.
Uma delas é a que se refere ao portão de acesso ao terreno da escola.
56
SANTOS, Milton. 2004, p. 61-62.
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Na verdade dois portões: um maior, para a entrada de carros e cargas, e
outro menor, para a entrada das pessoas. O portão, porém, não é apenas um
objeto. Ele não só funciona como também representa a entrada e o bloqueio do
acesso para aqueles indesejados. Sem grandes divagações, uma simples
observação de um dia letivo de portão da escola permite que identifiquemos
diversos momentos de aproximação das pessoas em relação a ele. os que
simplesmente chegam e entram ou saem, pois estão no horário de entrada ou
saída, então com o portão aberto.
os que chegam fora desses horários, então, se querem entrar,
tentam, insistentemente, falar com alguma pessoa na parte interna do
terreno
57
. Como a parte entre o portão e a entrada do prédio o é uma parte
de grande circulação por parte de alunos e outras pessoas da escola, muitas
vezes ocorre uma significativa demora na chegada de alguém que possa pegar
a chave a abri-lo, ou simplesmente atender a pessoa. Em função de questões
relativas a diversos fatores como, por exemplo, à segurança, procura-se
manter o portão sempre fechado, exceto nos horários rotineiros de entrada e
saída de turmas.
Exatamente o horário rotineiro, as pessoas que ficam do lado de fora da
escola e o funcionamento da unidade criaram uma situação problemática que,
por sua vez, obrigou a direção a tomar uma medida com base numa reflexão
sobre o tempo e o espaço. Havia reclamações sucessivas de professores e
preocupação da direção com os jovens que ficavam do lado de fora da escola
com o objetivo de se encontrar com os alunos. Alguns desses eram ex-alunos,
que foram convidados a se retirar, ou então que abandonaram a escola. É fato
57
Existe uma janelinha no meio do portão de ferro, mas ela pode estar fechada. Isso, porém, não impede
que se trave contato com pessoas no interior, uma vez que brechas pelo portão que permitem que se
possa observar parte da área interna.
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que uma boa dose da preocupação passava por uma questão de preconceito
58
,
mas também não podemos deixar de mencionar que alguns dos que
participavam desses encontros estavam realmente na época ligados à
criminalidade. A solução encontrada pela direção para se livrar do evento
indesejado sem entrar em conflito foi tão simples quanto inteligente.
Percebendo que os jovens de fora da escola ficavam ali para se
encontrar com determinados alunos mais velhos, a direção inverteu os turnos.
Até então, as turmas de alunos mais novos ficavam no turno da manhã,
enquanto as turmas de alunos mais velhos freqüentavam o turno da tarde
59
.
Era nesse turno (principalmente no horário da saída) que se acumulavam nas
proximidades do portão os jovens indesejados. Ao trocar as turmas de turno,
colocando os mais velhos para chegar cedo, a direção mexeu com a rotina dos
jovens. Ora, se não estão na escola e não trabalham, não motivo para
acordar cedo, então eles não se aglomeram na calçada e no portão. Ao mesmo
tempo, como seus colegas não estão no turno da tarde, não há motivo,
também, para ir até a escola. A medida surtiu efeito. A entrada da manhã e a
saída da tarde passaram a ser mais tranqüilas para a ordem da escola.
outras práticas espaciais relacionadas às funções de certos lugares
internos, que compõem a unidade escolar. O refeitório, por exemplo, é um
importante ‘pedaço’ da escola. Sua função inicial (lugar da alimentação dos
58
Vale lembrar que a juventude muitas vezes transita entre a potencialidade e a periculosidade, em termos
de imagem. Fica bem evidente a dicotomia que se estabelece aqui entre os que estão em processo de
escolarização (alunos) e aqueles para quem o conflito com o mesmo processo representou a exclusão do
sistema (ex-alunos). Ver Cecília Coimbra e Maria Lívia do Nascimento, “Jovens Pobres: O Mito da
Periculosidade”, in FRAGA, P.C.P., & IULIANELLI, J.A.S. (Organizadores). Jovens em Tempo Real,
DP & A, 2003.
59
uma tradição em se agrupar alunos mais novos, de comportamento mais condizente com certo
padrão de escola, com melhor rendimento acadêmico, etc., em turmas específicas. O mesmo acontece
com alunos repetentes, os que pararam de estudar, os identificados como portadores de’ problemas’ (nem
sempre clinicamente diagnosticados) e mais estranhos ao padrão escolar, em outras turmas. O próprio
programa da SME utilizado para compor as turmas (Sistema Acadêmico) tem como critério de separação
as idades.
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alunos) depende de uma dose de organização para que se cumpra com
eficiência. O número de alunos, o tempo de merenda, os seus equipamentos, a
equipe de trabalho, enfim, são alguns dos elementos que fazem parte da sua
existência e influenciam diretamente a qualidade do seu funcionamento.
O horário da manhã conta com um recreio de 20 minutos, de 09:40h até
10:00h, enquanto à tarde vai de 14:40 até 15:00h. Durante esse período é
servido o almoço. Quer dizer, o almoço, hoje, é dividido por turno, mas
anteriormente (até 2004) havia recreio com lanche, o que permitia que o
almoço fosse servido em conjunto para os dois turnos. Vale ressaltar que o
número de crianças que almoçam na escola aumentou
60
, o que levou a um
aumento também do fornecimento de comida para o almoço por parte da
Prefeitura. A procura maior, segundo uma merendeira, é na parte da manhã.
Ao passar essa informação (aumento da procura, mesmo com o horário pouco
usual para o almoço) para uma antiga diretora, sua conclusão foi imediata:
“Meu deus! Estão mais pobres.”
(Selma, ex-diretora)
A conclusão por si só mereceria uma investigação mais apurada das
condições de vida dos alunos ao longo desse tempo
61
, mas a lógica que levou
a ex-diretora a tal exclamação foi simples: Quando o almoço era servido no
60
Fiquei surpreso, ouvir de uma merendeira, a informação de que, apesar do horário ser bem mais cedo
do que o habitual para o almoço, depois da mudança de horários o número almoços servidos aumentou.
61
Não é esse o objetivo deste trabalho. Tal investigação quantitativa e qualitativa fugiria aos objetivos
iniciais dessa pesquisa, razão pela qual não me debrucei nesse levantamento.
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horário intermediário dos turnos, coincidia com o horário de almoço comum de
todas as casas. Ficavam na escola para almoçar, portanto: aqueles que
entravam no turno da tarde e por algum motivo chegavam mais cedo (faziam
algum curso pela manhã, demoravam mais na condução, etc.); os que saíam
dali para alguma atividade externa na parte da tarde e não tinham tempo de
almoçar em casa; os que ficavam na escola para oficinas na parte da tarde; os
que preferiam, por algum motivo qualquer, almoçar na escola
62
; finalmente,
aqueles para os quais essa era a única possibilidade de se alimentar. A
maioria, no caso dessa escola, saía do turno da manhã direto para almoçar em
casa. Os da tarde chegavam perto do horário de entrada, depois da hora do
almoço. Quando nos deparamos com a informação do aumento do número de
almoços servidos num horário anterior às 10 horas da manhã, temos realmente
que nos perguntar sobre as possibilidades desses jovens se alimentarem
diariamente, seja no café da manhã, no almoço ou em ambos.
O refeitório (destinado à merenda e ao almoço) possui 12 mesas, com
quatro cadeiras cada, o que um total de 48 alunos por vez. Assim como o
rodízio de turma, também é feito um ‘rodízio’ de cadeiras e pratos. o 200
pratos plásticos e colheres correspondentes
63
, que os alunos, em fila, pegam e
levam para as mesas. A fila estaciona quando o refeitório está completo, pois a
pessoa que controla a porta de entrada impede a passagem
64
dos outros
alunos.
Ao longo dos 20 minutos de recreio os alunos devem descer para o
pátio, entrar no refeitório, pegar o prato preparado pelas merendeiras, comer
62
Gostavam da comida, gostavam de ficar na escola, ficavam para alguma pesquisa em grupo, tinham que
preparar sua comida em casa, etc.
63
Existem (poucas) escolas que disponibilizam garfos, mas nesta só há colheres.
64
Pode ser a própria diretora, um funcionário da secretaria, uma merendeira, um funcionário da limpeza,
ou mesmo o chamado ‘agente educador’ (função correspondente a do antigo ‘inspetor de disciplina’).
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e sair. Seria simples, não fosse o fato de haver uma fila esperando que um se
levante para outro poder entrar. Nesse sistema fast food a inadequação do
espaço é solucionada pelo controle rigoroso do tempo: come-se rápido para
que todos comam.
Como a fila é numerosa, o tempo de espera não é tão pequeno e ela se
forma exatamente no pátio onde todos os alunos descem para o recreio, o
são raros os “incidentes”. Brigas e brincadeiras diversas (algumas mais
enérgicas) são comuns na dinâmica da fila do refeitório. O que para a direção é
sinal de indisciplina, pode ser considerado indisciplina mesmo, uma vez que as
condições de disciplinamento oferecidas pela instituição são extremamente
frágeis. Assim, no jogo das relações que constroem esse espaço, a fila acaba
se transformando numa peça mais integrada ao movimento do pátio do que do
refeitório.
A prática do refeitório no horário da refeição é massificadora e
massificada. Transcorre numa corrente temporal restritiva, pouco chance de
movimentos. Não quer dizer que tudo aconteça em tensa paz nesse lugar. Pelo
contrário, ‘guerras’ com cascas de frutas ou macarrão fazem parte da história
do refeitório, mas uma vez dentro dele, as possibilidades de retaliação, de
punição, são maiores. Ao mesmo tempo, determinados movimentos permitidos
no pátio não são nem de perto tolerados no refeitório. Talvez por esse motivo
as repercussões das indisciplinas ocorridas dentro dele sejam ampliadas em
relação ao que acontece em outros pedaços
65
da escola.
65
Chamo de pedaços os lugares internos, certas áreas com funcionalidades definidas e demarcadas
territorialmente dentro da escola. Porém, como são demarcações dentro de um espaço (a escola), estão
sempre em construção, o que nos permite pensar que mesmo os seus usos se encontram em constante
definição e redefinição. Neles os alunos transitam, estacionam, praticam e deixam marcas. O refeitório, o
corredor, a quadra, são exemplos de pedaços da escola. Eles foram confeccionados com finalidades
específicas para atender ao conjunto da escola, porém, o cotidiano e as suas relações insistem em
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Fora do horário do recreio, porém, o refeitório se transforma em sala de
estudos, sala de pesquisa, de confecção de trabalhos, de conversas, etc.
Como os responsáveis pelo funcionamento da escola estão agora mais
preocupados com as salas de aula e o corredor, enfim, com o andar superior, o
refeitório fica praticamente livre para ser usado, apropriado pelos alunos. Os
que estão em tempo vago (seja por falta de algum professor ou qualquer outra
razão), os que por algum motivo não estão na quadra durante a aula de
Educação Física, os que solicitam ao professor para ir ao banheiro, enfim,
vários alunos que estão fora do rigor do horário da grade de disciplinas acabam
por utilizar o refeitório e suas mesas de diversas maneiras, redefinindo e
ampliando o seu uso. Essa redefinição não exclui a função inicialmente
atribuída a ele, mas negocia o seu tempo.
A dinâmica da construção de sentidos e de usos que se processa em
relação ao refeitório revela o embate cotidiano de forças que se estabelece no
espaço institucional. Nas práticas cotidianas, na dimensão do vivido as
negociações, as imposições e resistências acontecem, ainda que de forma
sutil, revelando também certas desconexões entre as ações institucionais e as
classes populares. Desconexões, por exemplo, entre demanda e oferta de
serviços, entre qualidade da assistência e possibilidade de ação.
O refeitório é um dos pedaços dessa escola, que conta também com
outros, como o corredor, no andar superior, e o pátio, no térreo. Neles, as
dinâmicas ultrapassam, ainda que dentro de certos limites, as barreiras do
funcionamento institucional, ao mesmo tempo em que expõem as fragilidades
dessas próprias ações institucionais
66
.
construir novos usos diariamente.
66
Ao falar sobre ‘fragilidade da ação da instituição’, não quero dizer necessariamente que a instituição é
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
Os objetos – alguns objetos
Além do refeitório, no andar rreo também se encontram os banheiros
de uso dos alunos. Apesar de existirem dois no andar superior, onde ficam as
salas de aula das turmas regulares, eles são pequenos e não se encontram
disponíveis para que os alunos os utilizem. No térreo, então, são dois um ao
lado do outro, comunicando-se com o mesmo pátio coberto onde estão
também o refeitório, o auditório, bebedouros e a sala de informática. Os
banheiros foram reformados cinco anos e se encontram em estado físico
razoável. São mantidos limpos pelo pessoal responsável
67
, mas as buas dos
vasos sanitários praticamente inexistem (tanto no banheiro feminino quanto no
masculino). Os dois banheiros contam com quatro vasos sanitários (sendo que
no masculino um está interditado), e três pias. No banheiro masculino há
também três mictórios. Não há sabonete ou sabão e nem mesmo um recipiente
específico para isso. Inverso ao que pregam as aulas com relação aos hábitos
de higiene, a limpeza das mãos após a utilização do banheiro é feita somente
com água. Também não existe nada para enxugar as mãos e o papel higiênico
deve ser pedido ao pessoal da limpeza ou direção. Segundo a direção, essa
medida pode não ser a melhor, mas teve que ser tomada. O argumento é que:
frágil, mas chamo a atenção para o fato de que a “escola-instituição” é também a “escola-esfera do
Estado”. Com isso, devemos levar em conta que as suas ações são definidas por essa outra instituição, que
por sua vez é a gestora e de onde partem as políticas definidoras da sua relação com as populações
assistidas.
67
Atualmente a conservação das escolas da rede pública municipal do Rio de Janeiro é feita pela Comlurb
(Companhia Municipal de Limpeza Urbana), órgão da prefeitura responsável pela limpeza da cidade.
Inicialmente as escolas contavam com funcionários próprios, ao longo da década de 1990, estes foram
sendo substituídos por trabalhadores de empresas terceirizadas. Em 2002/2003 a Comlurb passou a fazer
a manutenção das escolas.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
os papéis não ficam nos banheiros para que os
alunos não joguem ou brinquem com eles, pois
molham e jogam no teto, entopem os vasos, etc
.”
(Declaração de Célia
68
, diretora adjunta)
Ela disse ainda que tentou, certa vez, deixar os papéis nos banheiros e
que para isso foi até as salas e explicou o que pretendia. Porém, o problema
continuou e como solução voltou a manter sob seu controle os rolos de papel
higiênico e passar para os alunos quando eles os pedem. De forma muito sutil,
aqui a preocupação da direção com a gestão parece se misturar, ou mesmo
ofuscar o papel educativo da ação. Preservar o prédio escolar, os recursos
materiais existentes e garantir o funcionamento da escola deveriam ser, com
razão, algumas das incumbências das direções. Contudo, parecem estacionar
aí as suas funções e ações: administrar os recursos, prestar contas e se
desdobrar em tarefas que permitam o funcionamento, principalmente
burocrático e administrativo da escola
Por um lado, essa situação rotineira, administrada da maneira como
descrita, nos mostra um lado no mínimo impessoal da relação da escola com
os alunos. Por outro, dá indícios interessante das orientações e rumos da
direção, ou das direções da rede.
“V
ocê é o gestor. (...) Não dirige mais. Você é o
responsável pela parte administrativa (...)
(Selma ex-diretora)
68
Nome fictício
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
Essa mudança conceitual
69
é significativa para o cotidiano da escola,
pois transforma o cargo em algo eminentemente técnico e o mesmo passa a
ser esperado do funcionamento da escola. Ou seja, para um ambiente onde
algumas centenas de pessoas convivem, se relacionam, interagem, etc., as
soluções dos seus problemas do dia a dia devem passar por respostas
objetivas e técnicas. A questão do papel higiênico, por exemplo, parece que
pouco tem de pedagógica ou educativa, ainda que seja numa escola. O
objetivo é solucionar o problema do papel e do banheiro, por mais que haja
alunos envolvidos nessa situação. A solução encontrada foi tão simples quanto
simplista, mas deve ser considerada dentro de um contexto que praticamente
empurra a direção da escola para esse caminho. Talvez possamos
compreender um pouco o que representa a direção da escola hoje, tanto para a
Secretaria (e CRE’s) quanto para a comunidade escolar, compreendendo
algumas transformações pelas quais passou esta unidade.
Ao ser indagada sobre diferenças importantes entre o funcionamento da
escola com primeiro diretor e durante o seu período na direção (anos 1990), a
ex-diretora respondeu:
“[Na época do primeiro diretor] Tinha diretor, diretor
adjunto, secretário, coordenador de turno, coordenador
de área [do conhecimento] (que tinha menos tempos em
sala para ser coordenador), inspetor, orientador
pedagógico...”
(Selma ex-diretora)
69
O Dicionário Aurélio Século XXI (versão 3.0), por exemplo, chega a definir o diretor como “guia,
mentor”, enquanto gestor aparece como “gerente, administrador”. Isso, definindo gerente como aquele
“que ou quem gere ou administra negócios, bens ou serviços”.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
“[Sobre o período em que atuou como diretora] Não tinha
agente administrativo. Éramos eu e a adjunta e a gente
tinha que fazer prestação de contas, tinha que fazer
quadro de horário e ainda tinha que fazer inventário."
(idem)
Saltam aos olhos as diferenças de estrutura nesse breve relato, mas o
que está em jogo, também, são as orientações, a mudança de papel do cargo.
A preocupação da ex-diretora era, primeiro, com a prestação de contas. De
fato, desde o início dos anos 1990, sob a idéia de descentralização e calcada
na busca da qualidade administrativa
70
, as escolas da rede passaram a receber
verba diretamente de fundos destinados à educação
71
. Pode parecer, com isso,
que as unidades escolares passaram a gozar de maior autonomia. Mas, na
realidade isso é, no mínimo, questionável.
“Deu autonomia financeira, mas não tem autonomia...
você é chamado de gerente, você é o gestor..."
“Eu acho que não... é impressionante, né? A gente tem o
dinheiro, mas não tem mais autonomia... porque hoje
cobram mais. E eu acho que essa questão de dinheiro
ficou muito pior, porque é assim: (...) você recebe (...) e
tem (...) prazo muito curto pra comprar e tem limitações -
não pode comprar isso não pode comprar aquilo (...)"
“[Em época de prestação de contas] é uma coisa de
louco!”
“Ainda tem essa história da gerência, (...) que é: os bens;
você todo final do ano contar o que tem contar cadeira,
contar computador, contar isso, contar aquilo... aí fica
complicado."
70
SILVA, Maria E. P., 2000.
71
Ex: PDDE e Fundo Rotativo.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
“A gente não é contador
72
!"
(Selma)
Se nas atribuições em relação à escola a direção passou a exercer o
papel de administração pura e simples, nas suas relações com as
coordenadorias parece que as expectativas também acompanharam o
processo. Sobre o que parece ser o papel do diretor para as CRE’s, a mesma
ex-diretora declara:
“Passador de recados. (risos)"
Depois, séria: "Cumpridor de ordens.”
Gradativamente essa mudança parece ter sido sentida pela comunidade
escolar, refletindo em novas relações nesse espaço, em novas práticas
espaciais e construção de novos sentidos. Perguntada sobre as principais
diferenças entre o primeiro (1992) e o último ano como diretora (2003),
respondeu:
“A comunidade respeitava mais... via a escola com outros
olhos."
72
Nesse caso ela se referiu ao profissional da contabilidade, pois identifica que uma grande parte das
atribuições atuais das direções se resume ao campo da Contabilidade, o que reforça sua sensação de
exercer uma gerência, mais do que uma direção de escola.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
Depois, sobre os motivos da mudança em doze anos e se ela identifica o
que conduziu tal mudança:
“Isso começou quando a gente começou a perder poder
junto à CRE... quando entrou conselho tutelar... a gente
dava uma ordem e era descumprida.”
“Quando eu comecei a não poder barrar aluno (...) em
qualquer situação.”
De acordo com ela no início dos anos 90, quando entrou para a direção,
havia sido criado um lema para a escola. Era o “resgata escola
73
”, pois os pais
queriam:
“Quando eu entrei, o lema era 'resgata escola'. Eles [os
pais] queriam uniforme certo, horário certo... queriam a
escola dos tempos do Inácio
74
".
É claro que “os tempos do Inácio” devem ser contextualizados, assim
como as diferenças entre o início e o final da direção de Selma também devem
ser vistas no bojo das transformações da sociedade, da estrutura política e
econômica do Brasil e do Rio de Janeiro. Mas, também não podemos atribuir à
instituição uma passividade diante das estruturas dos processos históricos,
econômicos e sociais, como se fosse uma resultante simples de um somatório
de vetores. A idéia do ‘resgate da escola’ como desejo dos pais e alunos passa
73
Nome verdadeiro da escola é aqui omitido.
74
Nome fictício para o primeiro diretor da escola, que esteve no cargo de 1963 a 1988.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
pela percepção da perda da sua institucionalidade e mesmo da legitimidade.
Mais ainda, parte de uma referência viva na memória; daí a idéia de ‘resgate’,
como se algo tivesse sido ‘perdido’. Colocando isso cronologicamente, o
projeto de ‘resgate’ apareceu no início da década de 90 e a diretora lamentou a
perda do respeito da escola pela comunidade na década seguinte. São dois
momentos recortados num processo que veio numa torrente desde antes da
entrada da diretora (Selma), e desembocou na perda de valor (que ela
identifica como perda de respeito).
O que a comunidade queria nada mais era do que o funcionamento
dentro daquilo que ela entende como institucional, agregando valores que ela
identifica como institucionais. A sonegação desses valores por parte do Estado,
a retirada de determinadas práticas de maneira unilateral, acaba recaindo
sobre a própria imagem da instituição e por conseqüência, das unidades. Aliás,
como utilizamos a noção de espaço como construção e encontro, mais do que
nunca são as particularidades das unidades, nas suas relações com a
comunidade e nas produções internas, que permanecem como resistência
75
.
As possibilidades, portanto, parecem ser determinadas pelas especificidades
locais e dos sujeitos que ali se encontram. Mas, são condicionadas pela
intensidade das políticas e práticas oficiais, pois constituem um sistema
hegemônico de ações e objetos nesse espaço.
Além do que a questão anterior suscitou, outros dois fatos chamam a
atenção com relação ao banheiro: o posicionamento na organização
arquitetônica (e funcionamento atual da escola) e a ausência de chuveiro.
Como ficam no andar rreo e as aulas acontecem no andar superior, o
75
Novamente podemos pensar também em re-existência, como possibilidade de existir em meio às forças
hegemônicas.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
acesso aos banheiros é dificultado fora do horário de recreio, pois atrapalha o
andamento das aulas. Fora do recreio, o aluno demora um tempo razoável até
descer, utilizar o banheiro e subir. Nem é preciso dizer que ir ao banheiro é
também um evento, uma vez que o tempo de deslocamento torna-se um
excelente álibi para fugir das aulas, encontrar colegas, observar as outras
salas, etc. Além do tempo, ao sair do andar superior o aluno entra numa
espécie de campo de instabilidade do sistema de controle, pois sai do setor
possível de ser observado pelos professores (andar superior) para o setor de
observação da coordenação (térreo). Essa transição esbarra tanto na
inexistência de comunicação direta entre professores e coordenação quanto
nos diferentes ritmos de trabalho de ambos: professores em sala e
coordenação/direção em atividades administrativas. Ou seja, encontram aí um
ponto frágil do sistema de controle interno dos fluxos. Exatamente por isso a
direção freqüentemente pede para que professores não deixem os alunos irem
ao banheiro ou ao bebedouro em horário de aula.
Percebendo essa zona de vulnerabilidade da vigilância, alguns alunos
tentam faze uso dela sempre que possível. Os dribles são os mais diversos,
mas giram sempre em torno do “jogo do subserviente”. Por exemplo, quando
um aluno pede para ir ao banheiro e o professor permite, então ele desce e vai
para outro lugar. Demora um pouco, passa na direção e diz que o professor
pediu para pegar giz, ou qualquer outra coisa. Ao voltar para a sala, mesmo
com a demora, o argumento é que estava falando com a diretora ou
coordenadora. Usa o giz, então, como álibi de que estava realmente no setor
da secretaria e direção. Ao ser abordado pela diretora ou coordenadora,
quando demora muito para subir para as salas e fica no pátio, seja depois da
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
hora do recreio ou no trânsito entre uma aula de Educação Física (quadra) e as
outras aulas, diz que o professor deixou ir ao banheiro e que aproveitou para
‘falar rapidinho’ com alguém. É claro que as pessoas não são ‘enganadas’ com
a facilidade com que descrevo, mas o sistema permite que haja esse certo
desgaste, o que faz com que a direção, de vez em quando, reitere o pedido de
não deixar os alunos saírem para ir ao banheiro durante o horário de aula. Na
impossibilidade de uma vigilância eficiente e na necessidade de exercer a
função de gestão, medidas proibitivas e cerceamentos vão fazendo parte cada
vez mais do cotidiano da escola. Não que jamais tenham feito parte, mas agora
tendem a ser os alicerces do funcionamento (burocrático) da unidade escolar.
Aluno fora de sala, num sistema que gradativamente parece se resumir
a função de controle, mas que não disponibiliza objetos nem possibilita ações
suficientes para isso, se transforma num transtorno ao funcionamento ‘normal’
da escola. Isso porque aparentemente as salas se tornaram uma espécie de
micro-espaços de contenção, dentro de um sistema com funcionamento que
aparenta se fragilizar na estrutura.
Talvez por esse motivo, no início do ano letivo de 2005, a diretora tenha
dito, durante reunião com os professores:
O maior favor que vocês podem nos fazer
direção] é manter os alunos em sala."
(Lara
76
, diretora da escola)
A chegada do agente educador
77
, no segundo semestre de 2006, trouxe
76
Nome fictício.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
maior possibilidade de controle sobre esse fluxo indesejado, mas este
funcionário muitas vezes está ocupado em outras tarefas
78
que o a de vigiar
o corredor ou o tio. Ainda assim, sua presença representou uma melhora
sensível na dinâmica da escola, pois passou a ser um elemento importante nos
lugares que eram verdadeiros ‘pontos cegos’ aos poderes e ações da direção
ou dos professores, como, por exemplo, o corredor do andar das salas
Se a disposição do banheiro dentro do arranjo de lugares da escola
chama a atenção quando analisado na dinâmica de funcionamento da escola,
outro fato ligado ao banheiro também traz algumas interrogações: o chuveiro,
ou melhor, sua inexistência. Isso nos traz uma pergunta imediata: e após as
aulas de Educação Física? Vale lembrar que as aulas de Educação Física
acontecem, na grande maioria das vezes, na quadra ou seja, numa área
externa, fora do prédio onde ficam as salas das outras aulas. Como o tempo
entre as aulas de Educação Física e as das outras disciplinas é o mesmo que
entre qualquer outra, o deslocamento das turmas entre elas ‘invade’ o horário
de uma ou outra aula. Há, nesse caso, uma tolerância por parte dos
professores com relação ao horário de entrada e saída das aulas de Educação
Física. Ou seja, alguns encerram a aula mais cedo, liberado os alunos para a
quadra uns 5 minutos antes do final do seu tempo, ou então permitem que os
alunos cheguem uns minutos depois do início da aula (quando Educação
Física no horário anterior), ou a própria aula de Educação Física fica reduzida
em alguns minutos, seja no início ou no final (ou em ambos).
Em qualquer uma das situações descritas, a informalidade o tom. O
movimento, o deslocamento no espaço não faz parte do planejamento. A
77
Cargo com função semelhante a dos inspetores de disciplina.
78
Carimbar e distribuir cadernetas, abrir e fechar portões, etc.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
organização baseada no tempo não conta com o espaço, que aqui é físico
ele é real e agora se apresenta como problema. Assim como o relógio
materializa o tempo no espaço, aqui o deslocamento é a materialização do
fluxo na superfície. É nesses momentos que o pensar a escola e a sua
dinâmica, sem levar em conta uma reflexão espacial sobre a ela, encontra
limitações. Na verdade, não chegam a ser exatamente limitações, mas
encontram eventos e impasses que obrigam a redirecionar as análises para
uma perspectiva espacial.
Quer dizer, mesmo com a ordem na escola se restabelecendo mediante
a adaptação feita pelos professores em caráter informal
79
e tudo voltando a sua
normalidade, algumas conclusões podem ser tiradas. Primeiro, na articulação
de escalas. Se os horários são matematicamente montados, seja por meio de
programas para isso
80
ou não, eles são re-interpretados e reconstruídos nas
práticas cotidianas, ainda que o sistema imponha limites de ação. A rigidez da
imposição da estrutura oficial, por sua vez, não é absoluta, pois consegue
fluidez no seu funcionamento na medida em que essas relações cotidianas a
reconstroem. Algumas vezes, porém, as mesmas relações cotidianas que
reconstroem e redefinem as ações, também estão impregnadas daquilo que as
limitam. Provavelmente foi esse o sinal dado pelos alunos quando, ao levantar
plataforma de propostas de uma determinada chapa na eleição do grêmio
estudantil, pleiteavam a possibilidade de sair de bermuda da escola, sempre
que o último tempo fosse de Educação Física. A direção optou pela
imutabilidade do uniforme os alunos continuaram a sair com a calça vestida
79
Mesmo quando essas adaptações vêm por parte de um pedido ou mesmo em reunião com a direção,
continuo classificando como informal ou, no mínimo, não oficial.
80
A SME utiliza nas escolas o programa ‘Urânia’, que constrói o horário mediante disponibilidade dos
professores, carga horária das disciplinas, etc.
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por cima da bermuda, retirando-a ao ultrapassar o portão.
Em segundo lugar, temos que voltar a questão do tempo como eixo
orientador das práticas, ou melhor, das teorizações e planejamentos sobre as
práticas espaciais. O horário é o grande organizador da escola. Dos lugares da
escola espera-se que atendam às normas temporais estabelecidas
previamente. Acontece que, quando há troca de horário os professores se
deslocam e os alunos e as turmas devem permanecer nas suas salas. Quando
os alunos vão para o corredor, isso constitui uma situação de certa indisciplina,
permitidas até certo ponto e no corredor, até quando as aulas se reiniciam.
Como se estivessem, neste momento, numa certa ‘margem de tolerância’. Mas,
quando uma turma inteira se desloca para a quadra e dela retorna, cobrindo
um trajeto maior que a área do corredor, passando por pedaços diferentes da
escola, um peso diferenciado nesse evento. O mais interessante é que isso
não foi considerado na organização da escola, senão não haveria
informalidade nem improviso na sua condução.
Ocorre então uma revalorização do espaço em relação ao tempo, ainda
que esta se faça mediante a necessidade de reorganizar e readequar a ordem
das coisas a uma ordem temporal. O cumprimento do horário necessita de uma
prática espacial ou de um controle sobre o espaço que permita isso. Por sua
vez, o controle sobre o espaço, no caso sobre o deslocamento espacial, se faz
no sentido de reafirmar a temporalidade como elemento primordial da
organização da instituição e da unidade. Fica, pois, a idéia de que tempo e
espaço são dimensões ao mesmo tempo contraditórias, complementares e
indissociáveis.
Como a troca da quadra para a sala de aula deve ser feita de maneira
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
imediata, torna-se desnecessário o chuveiro. Resumindo: não tempo para o
banho; como no caso dos sabonetes, após a atividade física não banho,
logo, não necessidade de um lugar na escola para isso. Os banheiros o
banheiros simples e não vestiários. Eles são pequenos para uma turma trocar
de roupa após atividades como as aulas de Educação Física.
Parece que encontramos aqui uma contradição, se pensamos em
termos da educação, atividade física e higiene. O papel pedagógico da escola
é colocado em cheque nessas situações. De fato, é mesmo uma incoerência,
quando nos baseamos apenas em pressupostos pedagógicos; porém, faz parte
da mesma lógica que reduz as possibilidades de uso do espaço da escola
pelos alunos, tutelando e vigiando seus movimentos, gerenciando seus fluxos.
O sinal que é dado parece claro: a sobreposição do tempo sobre o espaço
como estratégia para organizar o sistema é parte de um processo que
transforma a aula em elemento burocrático-administrativo, pois as funções da
escola talvez não sejam atreladas apenas ao seu papel no campo da
Educação
81
.
Sobreposição de escolas e a questão da forma
Durante o dia essa escola funciona como duas. À noite ela se transforma
numa terceira. Melhor explicando, durante o dia funciona a escola regular da
rede municipal e um programa, também da SME, denominado “Pólo de
Educação Pelo Trabalho”. Segundo definição da própria secretaria:
81
ALGEBEILE, 2004.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
“Os Pólos de Educação pelo Trabalho são Unidades
Educacionais, supervisionadas pelo Programa de
Extensão Educacional, que atendem prioritariamente
alunos matriculados na Rede, oferecendo oficinas tendo
o Trabalho como princípio educativo”.
<www.rio.rj.gov.br/sme>
Em termos funcionais, ele opera com oficinas diversas. No caso, o Pólo
dessa escola oferece algumas oficinas, como as de “Fotografia e Vídeo” e
“Educação Para o Lar”. São poucos os alunos do projeto, comparados ao
contingente da escola regular, mas alguns são alunos também da escola. Não
me preocupo aqui em detalhar o funcionamento do Pólo, mas reconhecê-lo
como uma unidade paralela que convive sobreposta ao mesmo espaço da
escola de núcleo comum da rede. As implicações desse fato são interessantes
e conferem a este espaço uma configuração diferenciada.
Por um lado, contar com um programa de oficinas significa uma
ampliação das possibilidades pedagógicas e da diversificação do trabalho.
Porém, essa convivência cria situações peculiares, pois as condições de
trabalho são diferentes em pontos simples, mas de significado importante,
como o número de alunos por sala, as expectativas com relação ao trabalho,
os horários e relação com a SME. Outro elemento relevante é a circulação de
alunos, como foi mencionado anteriormente. Como os horários das duas
unidades não são necessariamente o mesmo (ainda que ambas as direções
caminhem no sentido de reduzir ao máximo os conflitos nesse sentido), mas o
acesso de entrada é comum, o controle sobre o portão, por exemplo, é motivo
de desconforto principalmente por parte da direção da escola regular, pois
sobre ela recai a maior responsabilidade sobre o funcionamento deste espaço
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
físico.
O convívio, portanto, dos dois sistemas no mesmo espaço torna esta
escola um espaço diferenciado. A construção do seu espaço passa pelos dois
sistemas de ações distintos, por vezes concomitantes, associados a um
sistema de objetos que podemos dividir em dois, mesmo não definidos assim
claramente. Isso porque, por mais que façam parte da mesma unidade física,
funcionem no mesmo prédio e se abriguem sob a mesma forma, eles se
utilizam de maneiras distintas dos mesmos objetos, na maior parte das vezes
se utilizam dos mesmos objetos da mesma maneira, mas em outros momentos
fazem uso de determinados objetos, enquanto o outro não faz. Esse
emaranhado de usos, funções e sistemas, muitas vezes dificulta a
compreensão, ao observador inadvertido, do que é exatamente parte do
espaço do Pólo e o que é parte do espaço da escola regular.
O Pólo e a escola regular por vezes se fundem, apesar de serem duas
situações distintas. Essa fusão ou confusão de compreensão se deve a cinco
motivos: estão no mesmo espaço físico, funcionam no mesmo horário,
atendem aos mesmos alunos, com um corpo de professores que praticamente
não se distingue de imediato e estão sub a tutela da mesma secretaria. O que
os diferencia, portanto, é basicamente a ação, ou melhor, as ações
combinadas sobre o mesmo arranjo de objetos.
Ao final do segundo turno letivo, porém, acontece talvez a grande
transformação da escola. É quando tem início o turno da noite e ela muda até
mesmo de nome
82
. Muda também a direção e o corpo de professores
83
, assim
como mudam os alunos, a secretaria gestora, o programa, a esfera de governo,
82
Vale lembrar que o Pólo recebe o mesmo nome da escola regular
83
Há duas professoras que trabalham na rede municipal e estadual, neste mesmo prédio.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
enfim, poderíamos quase dizer que a escola muda de função, mesmo sem
deixar de ser escola. Mais ainda, sem mudar a forma.
Durante o dia, tanto a escola quanto a unidade de extensão são geridas
pela SME, mas na parte da noite a escola fica sob responsabilidade e uso da
Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Funciona ali mesmo o
ensino noturno para alunos do ensino médio.
Essa situação nos remete a uma reflexão e um questionamento com
relação a forma e aos objetos: se, de maneira bastante resumida a escola pode
ser entendida como o lugar destinado processo de escolarização, o que é, o
que representa e o que se espera dessa escolarização num sistema que não
incorpora o espaço físico, a forma mesmo, como elemento constituinte desse
processo?
O edifício de uma escola é construído com o intuito de comportar a
tarefa de escolarizar. Esta, por sua vez, diz respeito, entre outras coisas, aos
processos de transmissão de saberes legitimados e sistematizados, bem como
valores e condutas. Acontece que, mesmo aceitando a explicação simplista
não podemos conceber um sem o outro. Mesmo entendendo que a
escolarização não é um processo que ocorre somente na escola, é nela que
encontra o seu principal campo. Ao mesmo tempo, a escola é um espaço que
existe como tal pela definição da sua função de escolarização. Ou seja, é
sua função que a faz ser o que é. Assim, mesmo as mudanças na sua forma,
considerada como aparato e estrutura física, remetem imediatamente a sua
função. O que chama a atenção, aqui, é o fato de a forma ser, praticamente,
desconsiderada, quase como se a escola pudesse existir sem ela.
A idéia do prédio de uma escola de horário diurno ser utilizado para o
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
noturno não é de todo estranha. O que devemos considerar, porém, é como
isso se processa, pois falamos de dois segmentos bem distintos (Ensino
Fundamental e Ensino Médio Noturno), num mesmo espaço que o foi
pensado inicialmente para tal. Temos que buscar explicações não nas
limitações da escola em si, mas nas estruturas e processos nos quais ele se
insere e dos quais ela é peça importante.
Os “Grupos Escolares” de Belo Horizonte do início do século XX
84
, por
exemplo, possuíam uma estrutura física e uma organização interna dessa
estrutura que era razão direta da função definida e desenvolvida pelo Governo
de Minas Gerais direcionado por concepções ideológicas e práticas políticas
do lugar e da época. Voltando no tempo, falamos de uma proposta oficial de
escolarização pensada para a construção do cidadão do Brasil republicano e
industrial. De acordo com FARIA FILHO (1998):
Os prédios construídos para funcionamento de
grupos escolares dispõem das seguintes
acomodações: saletas de entrada, onde são colocados
vestiários para guardar chapéus e capas das crianças;
alpendres largos para facilitar as entradas
independentes nas diversas salas; salas de aula
bastante espaçosas, iluminadas e bem ventiladas,
sendo em número e dimensões calculadas em razão
de 40 crianças em cada sala e com ambiente de 5
metros cúbicos para cada menino; um vasto salão
para museu; gabinetes para diretoria e professores;
dependências para instalação de reservados e,
finalmente, galpões para exercícios físicos e trabalhos
manuais.”
A descrição acima demonstra que o projeto de educação, ou melhor, o
84
Mais especificamente iniciados em 1908.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
projeto de escolarização estava diretamente relacionado ao projeto
arquitetônico
85
, de maneira interdependente. Também não podemos
compreender este fato sem ter em mente o período de crise que a República,
como um projeto ainda inacabado, passava na época, sob influência das
estruturas sociais e econômicas herdadas do período monárquico. Daí um
projeto oficial grandioso, com o objetivo de atender principalmente à população
pobre de Belo Horizonte, inserindo-a num universo mais “culto”, mercantil e
urbano.
Do mesmo modo, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, conhecido
hoje como Escola Parque, inaugurado em 1950, foi palco do projeto
educacional de Anísio Teixeira. Ou melhor, ‘palco’ não é a melhor palavra, pois
nos remete à idéia de algo inerte, sobre onde ações se desenvolvem. No caso,
foi o espaço pensado e realizado por Anísio Teixeira enquanto ocupou o cargo
de Secretário Estadual de Educação da Bahia. O ambicioso projeto
educacional tinha como base a concepção de escola em horário integral e
trazia a idéia de uma escola cuidando da alimentação, higiene, socialização e
preparação para o trabalho e cidadania, em contraponto com as desigualdades
encontradas na sociedade brasileira. Para isso, o Centro:
“Contava com quatro escolas-classe, de nível primário,
com funcionamento em dois turnos, projetadas para mil
alunos cada, e uma escola-parque, com sete pavilhões,
destinados às chamadas práticas educativas,
freqüentadas pelos alunos em horário diverso ao da
escola-classe, de forma que as crianças permanecessem
o dia completo em ambiente educativo”.
(MAURÍCIO, 2004)
85
Entendido aqui num sentido bem simplificado, como projeto de elaboração matemática de um espaço
físico, sem entrar no mérito da Arquitetura em si, como campo de conhecimento ou disciplina acadêmica.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
Para o projeto arquitetônico foi chamado o renomado pintor e arquiteto
Diógenes Rebouças, além de Hélio Duarte, que tiveram a incumbência de
projetar um espaço que atendesse às ambições de abrigar um grande número
de alunos até 18 anos, realizando atividades diversas. Mostrando a importância
que o projeto educacional atribuía às artes e ao espaço
86
, dentro deles
encontram-se pinturas murais de artistas como rio Cravo, Jenner Augusto e
Carybé.
Tomando como base o pensamento de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro
elaborou, no estado do Rio de Janeiro o projeto dos “Centros Integrados de
Educação Pública”, mais conhecidos pela sigla CIEP. Implantados na gestão
do governador Leonel Brizola, a partir de 1985, o desenho das unidades era
assinado por Oscar Niemeyer e tinha o objetivo de abrigar também uma escola
de horário integral. Pela idéia do projeto, denominado Programa Especial de
Educação, os CIEP deveriam atender a três requisitos fundamentais para o
funcionamento do projeto. Destaco duas:
Espaço para a convivência e as múltiplas
atividades sociais durante todo o largo período da
escolaridade
87
, tanto das crianças como para as
professoras. O tempo indispensável, que é igual ao da
jornada de trabalho dos pais, em que a criança está
entregue à escola”.
(RIBEIRO, 1995, pp 22.)
86
Inclusive ao valor simbólico do espaço escolar.
87
Grifo meu.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
Nos três casos fica clara a relação entre a função-concepção
88
de escola
e a elaboração da forma; a organização de um determinado espaço, a
construção física de um objeto não se ao acaso, ou por uma idealização
estética desconectada de sua orientação funcional. A forma tinha o intuito de
ser potencializadora de atividades escolares e estimuladora da integração das
pessoas envolvidas com o ambiente escolar. Nessa lógica:
Os prédios dos CIEP’s deveriam situar-se
preferencialmente em áreas carentes. (...) Cada escola
teria três blocos. No bloco principal, com três andares,
estariam as 24 salas de aula, um centro médico, a
cozinha e o refeitório, além das áreas de apoio e
recreação. No segundo bloco ficaria o ginásio coberto,
com quadra esportiva polivalente, arquibancada e
vestiários. No terceiro bloco estaria a biblioteca e, sobre
ela, a moradia dos alunos residentes”.
(CUNHA, 2001, p. 142)
Mais recentemente, na cidade de São Paulo, o projeto dos Centros
Educacionais Unificados (CEU) foi implantado. Começaram a funcionar em
2003, com gigantescas construções que tinham a intenção de funcionar como
intervenções educacionais em bairros periféricos, tentando contribuir para
reverter as desigualdades naquela capital.
Como arquitetura escolar pública e em especial a de
áreas periféricas –, o CEU apresenta concepção no
mínimo pouco usual. De grande porte (pode receber mais
88
Mais do que uma função atribuída social ou politicamente a um determinado espaço, nesse caso a
concepção de educação é algo que ultrapassa a de escola. Ou seja, a função de escolarização é condição
da construção das unidades escolares, porém, são as concepções de educação que orientam as diferentes
elaborações arquitetônicas dos edifícios.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
de 2400 alunos), o complexo não se intimida em abrir-se
para o entorno, ainda que a paisagem, (...) retrate as
mazelas de áreas quase sempre esquecias pelo poder
público. Estabelece-se, assim, o contraste entre o
referencial urbano positivo e a vizinhança empobrecida,
que, a partir da presença do equipamento público de
qualidade, esboça mudanças para melhor”.
(MELENDEZ, 2003)
Nesse caso a proposta é mais explícita com relação ao papel do Estado,
principalmente no tocante a educação. A forma não se resume a um simples
desenho ou abrigo de movimentos, mas amplia suas funções, assumindo a de
potencializar as propostas pedagógicas dentro da escola e intervir no espaço
da comunidade, tentando integrá-la ao que é considerado como espaço
urbano
89
.
O projeto arquitetônico dos CEU foi desenvolvido por Alexandre
Delijaicov, André Takiya e Wanderley Ariza, arquitetos da Divisão de Projetos
do Departamento de Edificações da Prefeitura de São Paulo. Isso significa que
faziam parte de uma política maior e não apenas de intervenções destacadas
de uma secretaria.
Quatro momentos distintos da história do país, em quatro estados, foram
brevemente mencionados, a partir das formas arquitetônicas produzidas para
abrigar a função de escolarizar, dentro de determinados preceitos referentes
aos processos sociais dos quais faziam parte. No primeiro, período pós-
monarquia, início do século XX, em Minas Gerais, desenvolveu-se um projeto
educacional oficial com o objetivo de inserir aquela população nas
transformações que esperavam e desejavam os grupos políticos e econômicos
89
Tomo a liberdade de utilizar a denominação “espaço urbano” como o espaço atendido pelos serviços
urbanos essenciais, como água, luz, esgoto, calçamento, etc., que muitas vezes servem de referência para
se estabelecer dicotomias de espaços dentro da cidade, como ”favela” em oposição à cidade, como se
ambas não fizessem parte de um mesmo processo de construção do meio urbano.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
dominantes.
No caso de Anísio Teixeira, anos 1940/50, num Brasil de crescente
urbanização, porém associada a desigualdades econômicas e sociais cada vez
mais ampliadas, vislumbrou-se uma educação democrática e democratizante,
como maneira de abrigar e corrigir esses impasses. Para isso projetou-se a
Escola-Parque. Essa proposta deu origem ao programa dos CIEP’s (terceiro
caso citado), no Rio de Janeiro, em 1985 e 1994, e aos CEU, no município de
São Paulo, em 2003. Nomes de peso assinaram os projetos arquitetônicos,
talvez mostrando a importância dada à forma, dentro das propostas de escola.
Isso não significa, contudo, que todos esses projetos foram bem
sucedidos, nem defendo que as propostas educacionais devem sempre
encampar projetos arquitetônicos de destaque. Utilizo esses quatro exemplos
para fazer um contraponto com a escola da rede municipal do Rio de Janeiro
que cede o seu prédio para a utilização do curso noturno gerido pela secretaria
estadual. O contraste é trazido quase como uma pergunta: o que sugere uma
proposta de educação que minimiza a importância da forma no processo de
escolarização, ao ponto de utilizar como escola espaços físicos que não
necessariamente foram projetados para escolas desse tipo?
Desde a última década do culo XX, o ensino noturno oferecido pela
Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro
90
tem acontecido não
apenas nos estabelecimentos púbicos estaduais, mas também em edifícios de
escolas particulares e públicas municipais (como é o caso aqui estudado). No
caso dos estabelecimentos públicos municipais, firma-se um acordo entre os
dois governos, onde no termo de cessão são definidas as atribuições e
90
Utilizarei a siga SEE.
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
responsabilidades de ambos.
Destaco dois trechos do Termo de Cessão de Uso 147/2004 que
deixam bem claro o caráter precário do acordo firmado entre o Governo do
Estado e a Prefeitura do Rio e Janeiro:
“CLÁUSULA TERCEIRA – É vedado ao ESTADO (SEE):
I. Utilizar a sala de Biblioteca e sala de vídeo dos
próprios municipais bem como os respectivos
equipamentos;
(...)
IV. Utilizar os equipamentos de informática dos
prédios cedidos.”
“O ESTADO (SEE) reconhece que a Cessão de Uso lhe é
concedida em caráter eminentemente precário, podendo
ser cancelada a qualquer tempo e critério exclusivo do
Prefeito, obrigando-se a desocupar os imóveis, tão logo
receba a ordem de desocupação, sem direito a qualquer
indenização, independentemente de interpelação ou
notificação judicial, sob pena de desocupação
compulsória por via administrativa, respeitada a
conclusão do ano letivo correspondente.”
(TERMO DE CESSÃO DE USO Nº147/2004)
Não bastasse a precariedade das condições firmadas nas letras dos
termos de cessão, salta aos olhos a inadequação de um prédio e de um
sistema de objetos que não sofreu praticamente nenhuma alteração para
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
abrigar uma escola com as especificidades de um curso noturno. Vale lembrar
que as escolas da rede municipal funcionam com alunos de 5ª a rie do
Ensino Fundamental e um bom número delas conta ainda com o segmento
do Ensino Fundamental (1ª a série). Ao abrir a escola para o terceiro turno,
nas especificações do contrato, não são levadas em conta as condições
materiais da escola, nem na estrutura física em si (banheiros, espaço de
circulação, etc.), nem nos equipamentos e objetos (cadeiras, mesas, etc.).
Assim, os alunos do curso noturno ficam em situação de desconforto, pois são
mais velhos e maiores do que a maioria dos alunos das séries dos turnos
anteriores. Mesmo que não se encontrem, ficam os registros: ambiente das
salas é construído ao longo do dia pelos seus ‘habitantes’ diurnos, os alunos
mais novos, que colam cartazes, trabalhos diversos, enfim, deixam marcas do
seu uso nas salas, no corredor, no pátio. Esses vestígios parecem dizer que os
freqüentadores do turno da noite são ‘intrusos’, que eles estão ai em caráter
provisório, ou por meio de algum tipo de permissão. O mesmo a direção do
curso noturno, ocupa um espaço que foi dividido da sala de professores.
Interessante o contraste das duas escolas que coexistem durante o dia,
com a que ocupa o espaço no turno da noite. Pela manhã e à tarde as duas
dividem o indivisível, atuam, exercem, praticam e usam o espaço, enquanto à
noite a escola ocupa, adentra e funciona de forma contraditoriamente marginal.
O espaço como materialização de tempos
disse aqui que o deslocamento de alunos, a pequena e rápida
migração entre quadra e sala de aula representa a materialização de um fluxo.
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Aquilo que os números, as grades de horários e os planejamentos não
alcançam, se revela num movimento real e cotidiano. A escola, por ser espaço
é o encontro de histórias, trajetórias, vetores e tempos diversos. É possível
encontrar pistas dos seus encontros, superposições e desencontros em vários
lugares e instantes, mas talvez um dos mais explícitos nesse sentido seja a
sala de informática.
Localizada no térreo, em comunicação direta com o pátio, a sala de
informática foi sala de multimeios
91
(onde havia aula de inglês), sala de
música e sala de aula regular. Nela há 16 computadores, todos com programas
básicos instalados: pelo menos editor de texto, navegador para internet,
programa de apresentação. A escola é uma das 473 que possuem laboratório
de informática, porém, 1296 unidades possuem computador e impressora para
fins administrativos
92
. Os equipamentos da sala são simples para um
laboratório de informática: um condicionador de ar, um quadro branco, duas
bancadas grandes (onde ficam os computadores), cadeiras acolchoadas, uma
mesa com cadeira, um sistema de alarme
93
e um roteador
94
. também uma
impressora, utilizada quase exclusivamente pelo setor administrativo.
Numa análise fria dessa descrição, poderíamos supor que a escola se
encontra razoavelmente informatizada. Contudo, ao somarmos a esses dados
alguns outros e a eles uma simples observação da dinâmica de utilização da
sala de informática, veremos que não basta a presença física de alguns
computadores para concluirmos que a escola está informatizada.
Uma turma é composta de 35 alunos, outra conta com 36, e todo o
91
Algo como uma sala ambiente com uma maior concentração de recursos pedagógicos materiais, como
vídeo, livros, etc.
92
Fonte: <www.rio.rj.gov.br/sme>
93
A sala já foi arrombada e levaram os poucos computadores há alguns anos.
94
Equipamento usado para fazer comunicação entre diferentes redes de computadores.
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restante varia entre 38 e 43 alunos. Isso significa que mais do que o dobro
de alunos do que a sala de informática comporta, em condições reais de
utilização por todos. Mesmo que fiquem dois alunos por computador, ainda
assim “sobram” alunos e falta espaço, porque a área da sala de informática é
menor do que a das salas de aula comuns. A escassez de programas,
associada à lentidão e à precariedade da rede, transformam as aulas na sala
de informática numa caricatura do que elas poderiam ser, se as condições
fossem pelo menos um pouco melhores
95
.
A estratégia de alguns professores é deixar metade da turma durante a
primeira parte da aula em sala comum, enquanto a outra metade fica na sala
de informática, trocando na metade do tempo de aula. Essa tática nem sempre
funciona com tranqüilidade, pois as salas de aula ficam no andar superior, o
que torna praticamente impossível o controle quando se está mais preocupado
com a sala de informática, situada no andar térreo.
O tempo da informática na escola pública da rede do município do Rio
de Janeiro não é o tempo de hoje na informática. Gera reações diversas, de
acordo com a aproximação ou distância desse tempo. Para os alunos que
transitam pela internet e têm acesso a computadores fora da escola com
freqüência (seja em casa, em lan house ou na casa de alguém próximo), as
aulas na sala de informática valem muito mais pela quebra de rotina do que
pelos computadores em si. Primeiro porque certamente os computadores e a
conexão são bem mais eficientes fora da escola do que ele encontra no
laboratório de informática.
Porém, para outros, considerados “excluídos digitais”, mesmo o
95
São 16 computadores, mas nem sempre é possível contar com todos, em função de problemas técnicos.
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laboratório precário é um laboratório. É uma possibilidade de acesso. Isso não
significa que se trata de ignorância por parte desse grupo, mas do
reconhecimento das limitações da sua condição e da necessidade do uso dos
objetos, inclusive nas condições que se apresentam.
“é bem provável que esses setores da população [os
pobres, os lentos] tenham uma enorme lucidez sobre sua
situação social (...). Mas clareza de que uma melhoria
significativa seja uma ilusão (...) a não ser que se
configure uma conjuntura com indicações de
possibilidades reais de melhora (...).”
(VALLA, 2004, p.150)
Ou seja, a modernidade tardia que se instala na escola nas mesmas
condições de todos os outros objetos pode ser a modernidade ou pode ser o
tardio, quando contextualizamos, relativizamos nos termos dos atores, das
suas inserções e das suas trajetórias:
“Os pobres, os migrantes, as minorias, aqueles que não
têm a possibilidade de exercer plenamente a
modernidade, colocam-se mais facilmente com a
possibilidade de perceber as situações, ainda que
confusamente (...).”
(SANTOS, 2001, p 15)
Neste ponto emerge também a imaterialidade desse espaço, como
“produto das dificuldades e complexidades, dos entrelaçamentos e dos não-
entrelaçamentos de relações, desde o inimaginavelmente cósmico até o
{ PAGE \* MERGEFORMAT }
intimamente pequeno” (MASSEY, 2004, p. 16). São as estruturas políticas e
processos sociais produzindo e orientando uma relativa modernidade ao
encontro de determinados sujeitos e suas trajetórias, construindo e
reconstruindo esse encontro, como novas trajetórias. Ao mesmo tempo, a
materialidade também se revela na obsolescência dos objetos. Estes, por sua
vez, não devem ser vistos de forma isolada, mas como parte integrante de um
sistema, inseridos nas ações que vêm conferindo à escola pública da rede
municipal do Rio de Janeiro uma variação na sua função de escolarização.
Trata-se de uma escolarização para as massas, cada vez mais
desinstitucionalizada, ainda que se processe na escola oficial.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
NOVAS TRAJETÓRIAS?
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“Sei que às vezes uso palavras repetidas,
mas quais são as palavras que nunca são ditas?”
(Renato Russo)
Novas trajetórias?
A escola é um espaço. Talvez essa frase resuma, de forma categórica, a
intenção deste trabalho: reafirmar a escola como um espaço. Além das suas
especificações físicas, da sua paisagem e de ser um objeto na paisagem, é
algo em construção, um devir, que não se limita aos muros e paredes, por mais
que seu funcionamento pareça estar circunscrito a eles.
Para chegar a fazer essa afirmação, foi necessário um exercício intenso
de destrinchar as idéias de espaço e de escola, articulando-as. Exatamente por
isso o segundo capítulo não foi dividido em dois. Aparentemente poderia haver
um capítulo discutindo as concepções de espaço e outro exercitando a
aplicabilidade de ferramentas analíticas em sobre os dados levantados sobre a
escola. Fazer tal separação, contudo, retirava do trabalho o que entendo que é
a sua autenticidade: não fazer uma teoria do espaço aplicada à escola, mas
analisar a escola numa concepção espacial. Essa ‘não divisão’ foi um risco,
mas necessário, pois caso contrário não estaria reafirmando a dimensão
espacial, mas o espaço como objeto apenas e uma separação entre teoria e
prática.
No documentário intitulado “Espelho da Alma”, o cineasta alemão Wim
Wenders diz que prefere usar óculos, porque muita imagem e muita
informação nos bombardeando o tempo todo. Os óculos possuem molduras
(“frames”), que enquadram e selecionam o que se vê. É nesse sentido que
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tento propor a investigação e análise sobre a escola. Ao concentrar o olhar
sobre ela numa perspectiva espacial, a atenção pode ser dada a determinados
fenômenos e dinâmicas que nem sempre se revelam quando temos outras
preocupações. Uma análise em bases espaciais necessita de uma reflexão, por
exemplo, que leve em conta as articulações e os conflitos. Isso porque o
espaço é articulação, é produção e é inacabado.
Articulação de escalas e fenômenos. Articulação também de políticas e
vivências, que devem ser analisadas mesmo nas suas interações e
impossibilidades, mas não como elementos absolutos. É a sala de informática,
por exemplo, que se apresenta como uma política que se materializa, mas que
é atravessada pelas possibilidades e impossibilidades reveladas quando esta
se torna parte do cotidiano. Nela o simbolismo, a técnica, as experiências,
enfim, vários elementos entram em contato, se sobrepõem, ou mesmo se
destacam – como só ali podem fazê-los.
Produção que nos remete ao embate de forças, ao conflito, mas que traz
também o fazer. A re-significação pelo uso, a prática coletiva de criar e recriar,
como ações que se processam no espaço. É o refeitório, que do seu papel
definido pela estrutura oficial, se transforma pela ocupação. Vai da estranha
célula, que enclausura ao fornecer a refeição, ao espaço de construção
coletiva, tomado pelas pesquisas em grupo, pelas conversas fora da aula,
pelas comemorações de aniversário.
Inacabado, porque é dinâmico. Abriga os fluxos, mas não de forma
passiva. Encampa as histórias e trajetórias, nelas se redefinido a cada dia. É
inacabado porque é produção e porque é articulação. Os rodízios de turma, ao
retirar a possibilidade de uso desta ou daquela sala, tensiona outras formas de
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apropriação, para além da fixação. Expõe as mazelas de determinadas
políticas, mas também as reinvenções cotidianas.
Pensar a escola nessa perspectiva significa, também, reconhecer as
reflexões como reflexões sobre recortes de uma realidade que já passou.
Significa, com isso, ter a preocupação em capturar os movimentos nos
contextos em que eles se desenvolveram, como construções. Daí a
necessidade de articular escalas e vetores. Isso, não nas hierarquias da
estrutura do Estado, mas também nas relações com os processos sociais, as
interações culturais.
Com isso, corri o risco de não aprofundar a investigação sobre este ou
aquele fenômeno. Não é o objetivo desta dissertação mergulhar, por exemplo,
na idéia dos rodízios de turmas, vasculhando suas implicações pedagógicas,
suas percepções pelos sujeitos envolvidos ou a validade e justificativa teórica
do poder público para permitir e estimular sua existência. Também não significa
que isso não possa ser feito ou que não tenha importância. O que importava
era investigá-lo e levantar questões sobre o referido rodízio, analisando-o como
uma prática espacial, como estratégia dentro de uma correlação de elementos
que constroem o espaço. O interesse maior foi o de apontar, tentando mostrar
de forma consistente, algumas lógicas existentes na dinâmica da escola.
Lógicas que se revelavam quando partia do princípio de serem práticas
espaciais e que como tal poderiam ser tratadas.
O mesmo raciocínio foi levado à investigação com relação ao refeitório e
os processos que envolvem o seu funcionamento. A re-significação do lugar, a
disputa e os acordos que envolvem o seu uso, o seu papel dentro do arranjo de
sistemas da escola, são questões de ordem espacial, que devem ser
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analisadas no seu conjunto. Tais questões influenciam diretamente, não
apenas o refeitório isoladamente, mas o próprio funcionamento da escola.
Não foram escolhidos assuntos ou pontos da escola ao acaso. A
observação os indicou como caminhos, pois levantou suspeita sobre a
espacialidade da escola que eles poderiam revelar. A conjugação de três
unidades educacionais, três instâncias de escolarização no mesmo bloco de
concreto, por exemplo, é algo que nos remete às ações e funções que esse
espaço abriga, ao mesmo tempo em que problematiza esse espaço nas suas
especificidades, por exemplo, como contato na relação do Estado com a
população pobre. O mesmo acontece quando nos analisamos os objetos e as
condições de uso dos banheiros e da sala de informática nessa perspectiva. A
simples constatação da existência deles talvez o fosse suficiente para isso,
mas ao relacionarmos esses conjuntos como um sistema integrado ao sistema
de ações que se processam na escola, eles ganham outro significado e
importância.
É esse um dos principais objetivos deste trabalho: propor uma análise
dos fenômenos de forma articulada com diferentes escalas (sejam estas
temporais, espaciais ou dos próprios fenômenos). Quer dizer, não ficar
satisfeito com explicações que se iniciem e terminem neles próprios, sem
passar por outros campos.
Uma escola não é um objeto possível de isolar, sem prejuízo para a
consistência das questões que sobre ela possam se construir. Ela extrapola os
seus muros, em vetores que atuam nos dois sentidos, entre o interno e o
externo. São políticas educacionais atreladas a interesses de cunho ideológico
mais amplo, que encontram no cotidiano as aplicabilidades e resistências. Por
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sua vez, é também no âmbito das expectativas e ações da comunidade escolar
e das comunidades onde se inserem as escolas, que surgem pressões e
demandas, outras forças na construção de uma realidade. Essa característica
de certa liminaridade se materializa nas práticas e na construção, que o
eminentemente espaciais. A articulação entre as políticas oficiais e o cotidiano,
portanto, são tornadas fato quando praticadas no espaço.
A análise da escola que serviu de campo de observação, portanto, não
poderia ser feita separada da reflexão sobre o espaço. Ela é integrante e a ele
está associada de forma direta, onde ambos se complementam. As descrições,
os questionamentos e análises, o também teorias que precisavam ser
explicitadas e confrontadas. Mesmo com o risco, a pesquisa tinha a
necessidade de um capítulo onde a descrição fosse também um exercício de
construção teórica, de livre uso de ferramentas analíticas, sem a preocupação
de apontar diretamente quais eram utilizadas nesse ou naquele momento, nem
de mostrar como se aplicam. Um trabalho que se ocupa de investigar sob uma
perspectiva do espaço não é simplesmente um trabalho de aplicação pura e
direta de alguns conceitos e categorias. Estes são importantes e
imprescindíveis, mas este trabalho é, em primeiro lugar, o resultado da
construção de diálogos com o objeto onde a partir daí se construíram os
caminhos investigativos.
Finalmente, partindo do princípio de que a escola é um espaço e, como
tal, é o produto de relações sociais, processos históricos, trajetórias,
experiências e interações culturais, podemos supor que ela também pode nos
mostrar muito de vários desses elementos. Assim, uma segunda intenção
deste trabalho foi também de identificar alguns desses elementos e a forma
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como se manifestam na escola. Quer dizer, a partir do momento que o espaço
é relacional e produção, uma investigação consistente sobre essas mesmas
relações pode nos dizer muito sobre os próprios vetores envolvidos nelas.
A utilização da escola de Ensino Fundamental por uma unidade do
Ensino Médio noturno nos importantes indícios da relação entre o Governo
do Estado do Rio de Janeiro e a população por ele assistida, principalmente
quando investigamos as condições (inclusive legais) de funcionamento da
referida escola noturna. O mesmo é possível estender aos rodízios de turma e
da sala de informática, no tocante às políticas da Prefeitura e a população mais
pobre da cidade.
Com certeza esse trabalho não tratou de um tema inédito, nem tive a
pretensão de ser completamente original. A idéia inicial foi a de buscar direções
por onde pensar a escola que pudessem se combinar às que costumamos
seguir. Isso quer dizer que nem o tema nem as categorias apresentadas são
necessariamente novos. Mas a importância de se tratar a escola como um
espaço está em pensá-la como construção e não como um prédio meramente
físico, onde dentro dele se processam fenômenos. Pensar como construção
desnaturaliza a escola, inclusive como concepção, nos forçando a pensar ainda
mais no seu papel.
Por outro lado, essa forma de tratar a escola abre alguns caminhos que
parecem interessantes, como por exemplo, em relação à espacialidade e
territorialidade. Essas questões, contudo, podem ser mais bem destrinchadas
em investigações e reflexões futuras.
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BIBLIOGRAFIA
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