PARA COMEÇAR...ESCREVER É PRECISO
Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo
e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de
um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se
corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos,
para saber o que seremos. (FREIRE, 2005 P.33)
“Esse Ciep é uma cachaça!/ Só penso em sair daqui quando me
aposentar.../ Esse é meu último ano, dessa vez falo sério./ Ah, não. Eu
fico por aqui mesmo. Todo mundo já me conhece, já sabe tudo da
minha vida...Já pensou ir para outro lugar e ter que contar tuuuudinho
de novo?/ Por que você continua lá na Maré, não tem outro lugar para
você trabalhar?/ Ah, eu gosto daqui, das crianças, de vocês.../ Deus
me livre, Maré e “Brizolão”, ninguém merece!.../ Às vezes penso em
sair, conhecer outra realidade...mas tenho medo de me arrepender/ Ah,
sei lá já acostumei aqui com o povo/Minha história é aqui, tô
enraizada aqui/ Me constituí profissionalmente aqui, tudo que sei
aprendi aqui: nesse Ciep.../ Aqui a gente vive uma relação de amor e
ódio...e vai vivendo, vivendo, quando vê, já é, já
passou..”.(informação verbal)
Para dar início a esta dissertação, trago alguns fragmentos de vozes ouvidas por mim
ao longo destes 16 anos em que estou no Ciep Ministro Gustavo Capanema, escola da Rede
Municipal de Ensino, em funcionamento desde 1985, no Complexo da Maré. Confesso que
algum ou alguns desses fragmentos já saiu/saíram da minha boca em determinados momentos.
Falas soltas, ditas em lapsos de alegrias, conflitos, tristezas, aparentemente sem a menor
importância ou sentido. Hoje entendo portadoras de muitos significados. Palavras repletas de
ideologias, marcadas por histórias pessoais e coletivas que são uma espécie de ponte lançada
entre mim e os outros (Bakhtin, 1995, p.113), mostrando-me a todo instante que não sendo
únicas, se constituem “em território comum do locutor e interlocutor” e que, embora ditas no
mesmo território, manifestam a complexidade do lugar e das relações que nele se dão.
Há tantos anos atuando em uma mesma escola, fazendo sempre o mesmo
trajeto, vendo as mesmas pessoas, no mesmo lugar, vamos pensando também que tudo já nos
é tão familiar que temos o domínio das situações, que já conhecemos suficientemente as
pessoas com quem lidamos no dia-a-dia, e que já sabemos até a maioria das respostas para os
questionamentos cotidianos que surgem nessa relação. Aos poucos, sorrateiramente, essa
rotina começa a nos desafiar com perguntas – das mais simples, inclusive – e você se dá conta