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às mudanças de paradigmas teóricos no campo da alfabetização. Um paradigma
behaviorista, dominante nos anos 60 e 70, é substituído, nos anos 80, por um paradigma
cognitivista, que avança, nos anos 90, para um paradigma sociocultural. O paradigma
cognitivista difundiu-se no Brasil pela via da alfabetização, através das pesquisas e
estudos sobre a psicogênese da língua escrita, divulgada pela obra e pela atuação
formativa de Emilia Ferreiro. Segundo a autora:
Não é necessário retomar aqui a mudança que representou, para a área da
alfabetização, a perspectiva psicogenética: alterou profundamente a concepção do
processo de construção da representação da língua escrita, pela criança, que
deixa de ser considerada como dependente de estímulos externos para aprender
o sistema de escrita – concepção presente nos métodos de alfabetização até
então em uso, hoje designados “tradicionais”
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– e passa a sujeito ativo capaz de
progressivamente (re)construir esse sistema de representação, interagindo com a
língua escrita em seus usos e práticas sociais, isto é, interagindo com material
“para ler”, não com material artificialmente produzido para “aprender a ler”; os
chamados pré-requisitos para a aprendizagem da escrita, que caracterizariam a
criança “pronta” ou “madura” para ser alfabetizada – pressuposto dos métodos
“tradicionais” de alfabetização – são negados por uma visão interacionista, que
rejeita uma ordem hierárquica de habilidades, afirmando que a aprendizagem se
dá por uma progressiva construção do conhecimento, na relação da criança com o
objeto “língua escrita”; as dificuldades da criança, no processo de construção do
sistema de representação que é a língua escrita – consideradas “deficiências” ou
“disfunções”, na perspectiva dos métodos “tradicionais” – passam a ser vistas
como “erros construtivos”, resultado de constantes reestruturações.“
(SOARES,ibid, 2003, p.8).
Uma falsa inferência a este quarto momento da alfabetização, enquanto objeto de
estudo encontra-se na crença de que qualquer metodologia de trabalho do professor com
alfabetização é incompatível com o paradigma conceitual psicogenético. Percebe-se que
os estudos relacionados à alfabetização, ora se caracterizam na aproximação do conceito
à codificação e decodificação da língua, dada a uma retomada mecânica de métodos de
ensino, ora se caracterizam por processos de construção e domínio de produção da
leitura e escrita, conforme afirma Soares:
(...) é que, quando se fala em “método” de alfabetização, identifica-se,
imediatamente, “método” com os tipos “tradicionais” de métodos – sintéticos e
analíticos (fônico, silábico, global, etc.), como se esses tipos esgotassem todas as
alternativas metodológicas para a aprendizagem da leitura e da escrita. Talvez se
possa dizer que, para a prática da alfabetização, tinha-se, anteriormente, um
método, e nenhuma teoria; com a mudança de concepção sobre o processo de
aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria, e nenhum
método.(SOARES, Ibid, 2003, p. 8).
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Segundo a autora o termo tradicional é utilizado para caracterizar, de forma descritiva e não avaliativa, os métodos
vigentes até o momento da introdução da perspectiva construtivista na área da alfabetização; “esses métodos hoje
considerados “tradicionais” um dia foram “novos” ou “inovadores” – o tradicional não se esgota no passado, é fruto
de um processo permanente que não termina nunca: estamos construindo hoje o “tradicional” de amanhã, quando
outros “novos” surgirão. “(SOARES, ibid, 2003, p.8-9).