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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
RACHEL GOMES LAU
ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO NOS CICLOS: QUE INTERFACES SÃO
ESSAS?
NITERÓI
2007
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FOTO DA CAPA: PIRES, Lívia Barbosa.
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RACHEL GOMES LAU
ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO NOS CICLOS: QUE INTERFACES SÃO
ESSAS?
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação, Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Educação. Área de concentração:
Linguagem, Subjetividade e Cultura
Orientadora: Prof Dr EDITH IONE DOS SANTOS FRIGOTTO
NITERÓI, JULHO DE 2007.
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RACHEL GOMES LAU
ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO NOS CICLOS: QUE INTERFACES SÃO
ESSAS?
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para
obtenção do Grau de Mestre em Educação.
Área de concentração: Linguagem,
Subjetividade e Cultura.
Profª. Drª Cecília Maria Aldigueri Goulart
Universidade Federal Fluminense
Niterói, Julho de 2007
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D
E
STE MODO ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à idéia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado.
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caiero,
Mas um animal humano que a natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, sem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro do horizonte cheio de montes baixos.
1
1
PESSOA, Fernando. O eu Profundo e os Outros Eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p.163.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Neuza e Lauzinho pelo encorajamento, a garra e a
determinação herdada. Vocês me ajudaram a construir o lugar de onde falo.
Ao meu irmão Rodrigo, que me mostra a todos os instantes que ser o mais novo é
uma árdua tarefa quando se tem que corresponder às conquistas do mais velho. Se
prepare!!
Aos meus tios, tias e primos pela torcida, em especial à Márcia e Ronaldo pela
amizade e cumplicidade;
Aos professores, sujeitos de pesquisa, agradeço a oportunidade de ajudar-me a
“raspar a tinta com que me pintaram os sentidos e desencaixotar minhas emoções”;
Aos professores do Caic Núbia Pereira Magalhães, em especial aos amigos
Gisele e Toninho pela rica experiência com os Ciclos de Formação procurando
“encostar as palavras às idéias”;
Às amigas do PEACE, em especial Maria Lúcia, Mônica e Lúcia Helena pelo
carinho e a compreensão advindas das ausências impostas pelo Mestrado.
Às amigas Raimunda, Mônica, Kátia e Ednalva pela acolhida em Niterói
auxiliando-me a “atravessar o Rio a nado”.
Aos amigos Lauriana, Luciana, Lorene e Graziane por comporem junto comigo a
“Diáspora Juizforana”, na bancada da UFF;
Aos amigos Ellen, Patrícia, Sérgio Henrique e Sérgio Sad, por dividirem
angústias, compartilharem alegrias e tristezas, pois juntos fomos “Argonautas das
sensações Verdadeiras”.
Ao amigo Cláudio, por proporcionar-me os sentidos de ver o “Sol de Fora”;
Aos meus professores: Adônia Prado, Ângela Siqueira, Cecília Goulart, Cláudia,
Eda Henriques, José Rodrigues, Paulo César Carrano, Ronaldo Rosas e Waldeck
Carneiro agradeço a dialogicidade dos discursos;
À minha orientadora Edith Frigotto, agradeço a acolhida e a escuta anterior ao
Mestrado, assim como a cumplicidade posterior, os elos discursivos e todas as
orientações que “ora acertando com o que quero dizer, ora errando, caindo aqui,
levantando-me acolá,” auxiliou-me a chegar aqui.
Aos amigos Ana e Jader, por auxiliar-me a ver por cima do muro do horizonte,
ainda que na ponta dos dedos, os montes baixos, Muito obrigada!!
E, por fim ao meu querido Roberto, não tenho palavras, “como se escrever o
fosse uma cousa cheia de gestos, como se escrever fosse uma cousa que me
acontecesse”: VOCÊ!
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RESUMO
Esta pesquisa, realizada na Rede Municipal de Juiz de Fora busca compreender
quais as concepções de alfabetização, dos professores com atuação no primeiro
Ciclo de Formação, bem como compreender os elos discursos de tais concepções
com a perspectiva do letramento em uma proposta de organização escolar por
Ciclos de Formação. A perspectiva teórico-metodológica buscou nos estudos
Bakhtinianos os conceitos de Gêneros Discursivos, Enunciado e Dialogia a partir da
possibilidade de considerar o procedimento Grupo Focal como uma situação de
Gênero, onde a conclusibilidade dos discursos, as alternâncias dos sujeitos, bem
como suas atitudes responsivas diante das temáticas possibilitaram atribuírem
sentidos aos seus discursos. A partir de então, os professores do primeiro ciclo de
duas escolas cicladas do município organizaram discursividades onde foi possível
atribuir duas grandes concepções de Alfabetização, denominadas como: Conteúdo
Mínimo e Leitura de Mundo. Estas concepções o negam os pressupostos do
letramento, mas ora o compreende enquanto prática a ensinar, entendida como
letramento escolar (autônomo), ora o compreende enquanto prática social,
diferentes modos de acesso à escrita, não necessariamente ensinados pela escola,
(ideológico). Nas interfaces destas concepções e a proposta do ciclo, foi possível
compreender que os discursos marcados pela concepção de Alfabetização como
Conteúdo Mínimo não dialogam com a Proposta do ciclo de Formação, assim como
foi possível compreender que os discursos marcados pela concepção de
alfabetização como Leitura de Mundo dialogam com a Proposta de ciclo organizada
no município.
PALAVRAS-CHAVES: Concepções de Alfabetização, letramento e Ciclos de
Formação.
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Resumo em língua estrangeira
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, p.11.
Parte 1 - OS GÊNEROS SECUNDÁRIOS QUE SISTEMATIZAM A
REFLEXÃO:
1 – O lugar de Onde Falo: Os Estudos Bakhtinianos, p.21
1.1- Para uma Concepção Sócio-Ideológica da Língua, p.23
1.2- As Vozes Enunciativas dos Sujeitos de Pesquisa, p.26
1.3- As Vozes que Falam e se Calam no Discurso, p.34
1.4- O Grupo Focal como Possibilidade de gênero Discursivo, p.
2 O ESPAÇO OCUPADO CONCEITUAL E TEMPORALMENTE PELA
ALFABETIZAÇÃO NAS SÉRIES, p. 42
2.1- Do Analfabetismo à Escolarização da Alfabetização, p.42
2.2- Os Sentidos Históricos da Relação: Alfabetização, Ensino e Métodos, p.46
A Inserção da Noção de Letramento, p.55
3 – A LÓGICA DOS CICLOS EM RELAÇÃO AOS PROCESSOS DE ENSINO-
APRENDIZAGEM NA ESCOLA, p.65
3.1- CICLOS: Sentidos e Significados de um conceito, p.65
3.2- Os Ciclos de Alfabetização, p.70
3.3- Os Ciclos de Formação, p.74
Parte 2 OS GÊNEROS SECUNDÁRIOS E O DISCURSO DOS PROFESSORES:
COMPREENDENDO SENTIDOS, p.82
4 - A ESCOLA DO CAMINHO NOVO: UMA PROPOSTA, MUITOS SENTIDOS...,
p.82
4.1- Princípios e linhas Norteadoras da organização do tempo escolar, p.82
Os objetivos e Conteúdos de Língua Portuguesa: Da Proposta de ciclos a
possibilidade de Elos Discursivos, p.87
Duas Escolas, Duas Histórias..., p.98
Caracterizando a Escola D, p.99
Na verdade não se percebe os Mecanismos Sociais e Sutis de discriminação
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}
apoiados pela teoria do Déficit Cultural: Por que os ciclos???, p.102
Caracterizando a Escola M, p.108
5 OS ELOS DISCURSIVOS PRESENTES NOS DISCURSOS DOS
PROFESSORES, P.116
Alfabetização, Letramento e Ciclos: que Interfaces são Essas?, p.116
Alfabetização como Conteúdo Mínimo, p.122
Alfabetização como Leitura de Mundo, p.131
Letramento e Alfabetização: Relações Marcadas por concepções, p.139
Relação Alfabetização/Escolarização e Ensino, p.148
Das Relações Alfabetização e letramento: Os Sentidos Compreendidos ao Aprender
e a Língua, p.157
6 CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: GÊNEROS QUE
REGULAM A PROPOSTA DO CICLO DE FORMAÇÃO NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE
FORA, p.169
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS,p. 181
8 – BILIOGRAFIA, p.191
9ANEXOS,p.
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INTRODUÇÃO
" Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião formada sobre
tudo.(...) “
( Raul Seixas)
Esta pesquisa, realizada na Rede Municipal de Juiz de Fora busca
compreender quais as concepções de alfabetização, dos professores com atuação
no primeiro Ciclo de Formação, bem como compreender os elos discursos de tais
concepções com a perspectiva do letramento em uma proposta de organização
escolar por Ciclos de Formação.
Para começar, julgo necessário esclarecer minha relação com a alfabetização
e a proposta de organização Escolar por Ciclos de Formação cuja trajetória culmina
na presente pesquisa. Minha experiência profissional iniciante como professora com
atuação na Educação Infantil etapas do período (5 anos) e período (6 anos),
proporcionou-me a discussão e definição de objetivos e pressupostos teóricos
contrários à concepção de educação Infantil como escola preparatória para o Ensino
Fundamental, cujo foco era a alfabetização de crianças (entendida como aquisição
do código) e relacionada à lógica de superação do Fracasso escolar.
2
Em 1993,
dando continuidade à minha formação, ingressei no curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Juiz de Fora, e posteriormente, em 1994, prestei concurso
público à rede municipal atuando tanto com turmas de educação Infantil, quanto as
de alfabetização, antigas primeiras séries (7anos)
3
. Meu acesso a essa turma de
2
A idéia de superação do fracasso escolar presente, sobretudo nas séries inicias, associada às
teorias do Déficit e Deficiência Cultural impuseram sobre a educação infantil uma concepção de
escola compensatória, onde o ensino da língua materna se por habilidade e conteúdos vistos
enquanto pré-requisitos para os processos complexos que envolvem a aquisição da leitura e
escrita por parte do aluno.
3
Estas turmas de primeiras séries eram a porta de entrada do aluno no Ensino Fundamental de oito
anos e tinham como objetivo a alfabetização entendida como aquisição do código. Hoje, com a
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alfabetização,não se deu por opção ou afinidade á temática, mas na entrada na
rede, que tem como um dos critérios de escolha da turma o tempo de serviço, este
critério proporciona aos professores mais antigos escolherem turmas que
supostamente estão alfabetizadas(3ª e séries), levando professores sem
nenhuma experiência a ingressarem nas séries iniciais.
A busca por alternativas pedagógicas que extrapolassem a concepção de
alfabetização como aquisição do código, aproximou-me dos estudos da perspectiva
do Letramento, assim como, a responsabilidade com uma prática de alfabetização
letrada e com uma concepção de escrita conceitual o dicotômica dos processos
de oralidade e o condizente com procedimentos teóricos-metodológicos
entendidos como "Métodos de Alfabetização”.
A idéia de método de alfabetização como um único caminho a ser seguido,
cujas referências encontravam-se nos processos sintéticos, analíticos e sintéticos-
analíticos da língua, não atende a uma concepção de alfabetização letrada, portanto
era necessário pensar métodos de trabalho e estratégias de ensino fundamentados
por tal concepção, como também era necessário re(pensar) a extensão do tempo
proposto para construção de uma alfabetização letrada, uma vez que a
complexidade dos processos não se definiam em uma série ou ano.
Paralelo ao processo de construção das inquietações que aliavam
alfabetização, letramento, métodos, ensino e tempo, em 1998, a Secretaria
Municipal de Educação (SME) organizava, junto às escolas, discussões sobre a
prática pedagógica e a organização do ensino, através do Projeto: ”Na Volta às
aulas, a gente faz a escola que a gente quer...”. A síntese das discussões
ocorridas nas 108 instituições escolares do Município culminou na organização de
algumas diretrizes educacionais, dentre elas a organização escolar, facultando às
instituições a opção em organizar-se por Ciclos de Formação. Quinze escolas do
município optaram por tal organização, através do voto direto de seus professores. A
escola em que atuava foi uma das instituições que optaram pela proposta dos ciclos.
nova estruturação do Ensino Fundamental de nove anos, proposta pelo decreto , esta lógica tem
sido transferida para o chamado primeiro ano, que atende alunos com 6 anos
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Entendendo que embora opcional, o processo de implantação exigia
formação, estudo e considerações comuns a todas as instituições, a SME deliberou
algumas diretrizes, como a organização do ensino fundamental em três ciclos de três
anos cada, assim como iniciou um processo de mediação dos pressupostos e
fundamentos da proposta para com os representantes das escolas. A implantação
foi gradual e teve como referência o primeiro ciclo completo (6, 7 e 8 anos),
atendendo as expectativas das escolas com relação à extensão de um processo de
alfabetização para além da aquisição do código. Os demais anos foram sendo
implantados á medida que as crianças avançavam, ou seja, uma etapa a cada ano
escolar.
A participação em tal processo de implantação dos Ciclos de Formação
trouxe-me, em 2000, a possibilidade de experienciar a Coordenação Pedagógica do
segmento à série, do Ensino Fundamental de oito anos. A necessidade de
pensar junto a esses professores a estruturação do final do segundo ciclo (11
anos)
4
, e terceiro ciclo (12, 13, e 14 anos)
5
afastou-me das questões relacionadas à
alfabetização nas séries iniciais, conquanto esta experiência tenha sido definitiva
nos aprofundamentos de meus estudos sobre a Proposta do Ciclo de Formação.
A retomada de meu trabalho com a alfabetização se deu em agosto de 2000,
quando em paralelo à Coordenação Pedagógica passei a integrar a Equipe
Interdisciplinar do Programa Especializado de Atenção ao Escolar (PEACE)
6
, cujo
objetivo era o trabalho com crianças com dificuldades de aprendizagem
7
, garantindo
a continuidade de sua escolarização, intervindo junto a criança, escola e família
8
.
Porém a criação do Programa não se deu com o objetivo de institucionalizar os
alunos com “dificuldades de aprendizagens”, pois a estruturação desta equipe
multidisciplinar, com fonoaudiólogos, psicólogos, assistente social e pedagogos
buscava compreender os processos de aprendizagem dos alunos encaminhados
4
6º ano do Ensino Fundamental de \Nove anos.
5
7º ao 9º ano Ensino Fundamental de Nove Anos.
6
Em sua concepção atual o programa atende a organização de Núcleo, sendo chamado de NEACE
(Núcleo Especializado de Atendimento à Criança Escolar )..
7
Expressão utilizada pelos professores, no ato de preenchimento da ficha de encaminhamento do
aluno á S.E. e esta ao Programa, indicando a não-aprendizagem do aluno.
8
Maiores detalhes ver: LOPES, Ana Lúcia Adriana Costa e. A Criança Nomeada e Seus Lugares
Ocupados: (des) Montando discursos sobre “dificuldades de aprendizagem”. Dissertação de
Mestrado, Faculdade de Educação, UFF, Junho, 2006.
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para o programa, re(significando-os) como aprendentes e reinserindo-os no contexto
escolar.
Entretanto a partir dos estudos sobre os encaminhamentos para o programa
boa parte dos alunos encaminhados tinham como queixa a não aprendizagem da
leitura e escrita nas séries iniciais, conforme nos indica LOPES (2005). Dentre
estes encaminhamentos encontravam-se um numero expressivo de alunos oriundos
de escolas cicladas, mais especificamente alunos no primeiro ciclo. Tal fato me
levou a questionar porque alunos que estavam em escolas cicladas, logo com um
proposta de aprendizagem, alfabetização, currículo, espaço e tempo diferenciados
eram encaminhados para atendimento antes do finalizar o primeiro ciclo de
formação.
Este questionamento aliado a minha pratica e estudos relacionados à
alfabetização e letramento e a proposta de ciclo, levaram-me a organizar como
ponto de partida da pesquisa, a seguinte questão: Qual(is) concepção(s) de
Alfabetização encontra-se presente no discurso dos professores ? Quais as
interfaces destas concepções com a prática do letramento e com a proposta
do ciclo no município de Juiz de Fora? Objetivando buscar não compreender
tais concepções de alfabetização presentes no discurso dos professores envolvidos
com o primeiro ciclo, como também compreender as interfaces destas, com a
perspectiva do letramento na extensão do ciclo de alfabetização e com a proposta
do ciclo no município de Juiz de Fora.
No decorrer do mestrado, ampliei e aprofundei meus estudos sobre a
educação brasileira em geral e em específico os sentidos históricos que foram sendo
atribuídos à alfabetização, escolarização, bem como as práticas do letramento,
através de autores como Soares (2003, 2004, 2005); Soares e Maciel (2000);
Kleiman (1994, 1995); Mortatti (2000, 2004); Goulart (2001) e Kramer (1986), assim
como os estudos relacionados às concepções e implantações do Ciclo de Formação
no país, através de Barreto e Mitrullis (1999, 2001); Barreto e Souza (2004);
Mainardes (1998); Freitas (2003, 2004); Arroyo (1999); Fernandes (2004, 2005),
dentre outros. Contudo tornou-se necessário definir o olhar teórico-metodológico
tanto no que se refere ao campo de pesquisa: definição da instituição, sujeitos,
procedimentos, quanto à relação de sentidos com os autores mencionados.
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Entendendo que os discursos destes professores não eram apenas “uma
velha opinião formada...”, mas textos marcados por elos discursivos cujos sentidos
estabeleciam elos com os discursos teóricos, através de tomadas de posições como:
concordância, discordância, afirmações e objeções, aproximei-me dos estudos
Bakhtinianos, como possibilidade de um olhar teórico-metodológico, a partir da
compreensão sócio-ideológica da língua, e dos conceitos de Gêneros discursivo e
dialogia, marcados ideologicamente no discurso dos professores, tanto no que diz
respeito aos elos discursivos teóricos, enquanto palavras alheias em seus discursos,
quanto na consideração da situação enunciativa do Grupo focal, como uma
possibilidade de gênero, a partir do momento em que a escolha do professor não se
dá pelo gênero do discurso, mas pela intenção de fala, presente nas, atitudes
responsivas, na conclusibilidade do enunciado e alternância dos diálogos.
Portanto, a escolha do grupo focal não atende apenas a um procedimento de
coleta de dados, mas a possibilidade de considerá-lo como um gênero na produção
e compreensão dos sentidos marcados nas concepções de alfabetização dos
professores e nas interfaces com a perspectiva do letramento e proposta do ciclo de
formação no município. Assim a escolha de duas instituições cicladas como campo,
não se definiu por um estudo comparativo, mas na consideração de ambas como
“metaformose ambulante”, onde os sujeitos tem percursos e olhares diferenciados,
mas encontram-se inseridos nos processos de alfabetização, letramento e ciclos,
temáticas que tomo como objeto de estudo.
Ainda como projeto de qualificação, meus critérios de escolha do campo se
davam a partir do Programa (PEACE), com as escolhas das escolas que mais e
menos encaminhavam alunos. Contudo não pretendo em nenhum momento,
analisar situações relacionadas à dificuldade de aprendizagem, por isso optei por
escolher, entre as escolas cicladas, duas instituições marcadas por contextos
diferenciados, como: acesso á proposta do ciclo, a forma de organização curricular,
o número de alunos, de professores e a localização. Assim encontra-se como
escolas-campo, as instituições denominados na pesquisa, de Escola D e Escola
M
19
.
9
Conforme combinado com os professores, seus nomes, bem como, o das instituições, foram
preservados e serão substituídos por letras e referências ao ano em que atuam, em um quadro
apresentado no primeiro capítulo: O lugar de onde falo.
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Meu acesso às duas instituições escolares se deu mediante autorização da
SME, na pessoa da Secretária de Educação, e do consentimento dos professores,
direção e coordenação pedagógica. A efetiva participação dos professores nas
situações dialógicas do grupo focal permitiram-me, não desvelar os sentidos de
seus discursos, como também compreender o quanto o tema da alfabetização e
letramento, embora amplamente discutido ainda se configura como “campo minado”,
onde se tem prazer, desejo, mas também se m inquietações e angústias,
sobretudo, acerca do como fazer, como alfabetizar letrando.
A organização do grupo focal se deu em dois encontros com cada instituição,
de aproximadamente 1h e 30 minutos cada. Para fim de organização das temáticas
sobre alfabetização, letramento e ciclos, montei um roteiro, não de perguntas, mas
de eixos temáticos a serem discutidos, tais como: relatos de experiência com turmas
de alfabetização; a Prática pedagógica, entendida enquanto portadores de textos,
atividades, conteúdos e materiais utilizados; Suporte Pedagógico, entendidos
enquanto, reuniões, planejamentos, etc.) e relatos da experiência com o Ciclo de
Formação. Com relação ao eixo temático Suporte Pedagógico, além da situação
dialógica do grupo focal, também foi utilizado os discursos presentes nas propostas
Político-Pedagógicas das escolas, Planejamentos de língua portuguesa, Proposta do
Ciclo de Formação e o planejamento de língua portuguesa, na compreensão dos
elos entre os gêneros secundários teóricos e os diálogos dos professores. Torna-se
necessário agora esclarecer a organização textual do presente estudo.
A fim de possibilitar ao leitor acompanhar os desfechos teóricos e empíricos
que se desdobram sobre as páginas posteriores, esclareço que o presente texto se
divide em dois momentos. Primeiro o campo teórico-metodológico que me
possibilitou compreender sentidos aos discursos dos professores, o qual denomino
GÊNEROS SECUNDÁRIOS QUE SISTEMATIZAM A REFLEXÃO; em um segundo
momento, esclareço o campo empírico, compreendendo-o nas suas interfaces com
os Gêneros secundários teóricos, o qual denomino OS GÊNEROS SECUNDÁRIOS
E O DISCURSO DOS PROFESSORES: COMPREENDENDO SENTIDOS Para
critérios didáticos de apresentação e entendimentos dos desdobramentos, subdivido
estes dois capítulos
.
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}
Assim dentro do eixo GÊNEROS SECUNDÁRIOS QUE SISTEMATIZAM A
REFLEXÃO, encontra-se como primeiro capítulo, O LUGAR DE ONDE FALO: neste
texto esclareço os pressupostos Bakhtinianos, a partir da compreensão sócio-
ideológica da língua e dos conceitos de Gênero e Dialogia; em um segundo capítulo,
denominado O ESPAÇO OCUPADO CONCEITUAL E TEMPORALMENTE PELA
ALFABETIZAÇÃO NAS SÉRIES, esclareço os sentidos históricos que foram sendo
atribuídos à alfabetização, escolarização, bem como as práticas do letramento,
através de autores como Soares (2003, 2004, 2005); Soares e Maciel (2000);
Kleiman (1994, 1995); Mortatti (2000, 2004); Goulart (2001) e Kramer (1986).
Em um terceiro capítulo, denominado A LÓGICA DOS CICLOS EM
RELAÇÃO AOS PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM NA ESCOLA,
esclareço a trajetória das políticas de implantação dos ciclos no país, sua relação
com a promoção automática, sua definição enquanto ciclo de alfabetização e
posteriormente ciclos de formação, através de Barreto e Mitrullis (1999, 2001);
Barreto e Souza (2004); Mainardes (1998); Freitas (2003, 2004); Arroyo (1999);
Fernandes (2004, 2005), dentre outros.
A partir de então passo a esclarecer o segundo momento do texto: OS
GÊNEROS SECUNDÁRIOS E O DISCURSO DOS PROFESSORES:
COMPREENDENDO OS SENTIDOS. No quarto capítulo, esclareço a proposta de
organização por ciclos de formação no município de Juiz de Fora, a Escola do
Caminho Novo, seu caráter inovador, tanto no que se refere ao acesso facultativo
das escolas à proposta, quanto à relação da mesma com o ciclo inicial de
alfabetização pressupondo uma prática letrada. Para tanto se encontra também a
análise dos objetivos do Ensino de língua Portuguesa, a caracterização de cada uma
das instituições bem como a trajetória de formação continuada dos professores, de
primeiro ciclo A este capítulo denomino A ESCOLA DO CAMINHO NOVO: UMA
PROPOSTA, MUITOS SENTIDOS....
Dando continuação, passo ao quinto capítulo onde busco atribuir sentidos aos
ELOS DISCURSIVOS QUE MARCAM OS DISCUROS DOS PROFESSORES,
através da análise e produção dos dados, considerando os gêneros secundários
que marcaram o grupo focal. Para tanto, organizo os discursos a partir dos eixos
temáticos utilizados no roteiro onde foi possível compreender duas concepções de
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}
alfabetização e suas interfaces com a prática do letramento. Destas interfaces
também encontram-se marcados os sentidos definidos para o processo de
escolarização, aprendizagem e ensino em cada uma das concepções de
alfabetização.
E finalmente,no sexto capítulo busco compreender o diálogo entre os gêneros
secundários que regulam as CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO e os gêneros secundários que regulam a PROPOSTA DO CICLO
DE FORMAÇÃO NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA.
Como Considerações Finais, apresento algumas implicações desta pesquisa
para que a velha opinião formada sobre as discussões que envolvem os processos
de alfabetização como leitura de mundo, associada à perspectiva do letramento e
seus diálogos com a política de organização escolar por Ciclos de Formação no
Município de Juiz de Fora passem a ser uma metamorfose ambulante...
OS GÊNEROS SECUNDÁRIOS QUE SISTEMATIZAM A REFLEXÃO:
“PASSA UMA BORBOLETA por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.”
FERNANDO PESSOA
10
1. O LUGAR DE ONDE FALO: os Estudos Bakhtinianos.
Assim como a originalidade da cor, do movimento e do perfume encontram asas no
vôo da borboleta, a origninalidade desta pesquisa não está em estudar os processos de
alfabetização e letramento, muito menos os que se referem ao Ciclo de Formação, mas
compreender as interfaces destes textos a partir da minha produção de sentidos acerca
dos discursos (textos) dos professores alfabetizadores sobre suas concepções de
alfabetização, letramento e ciclos, a partir de seus elos discursivos com gêneros
secundários teóricos.
Nesta perspectiva, o pesquisador não colhe dados, produz sentidos a partir dos
dados, o pesquisado não é objeto, mas sujeito que enuncia, que marca posição e que
atribui sentido ao que fala... E na busca por compreender “sentido ao vivido
verbalmente...” (FARACO, 2003, p.27), pelos professores das duas escolas cicladas do
Município de Juiz de Fora, no que diz respeito às suas concepções de alfabetização, optei
pelos estudos Bakhtinianos como pressupostos de um olhar teórico-metodológico.
Segundo Faraco, nos tempos colonizados pela ciência, é possível que muitos
busquem, na compreensão das concepções hermenêuticas do Circulo Bakhtiniano, um
método, um conjunto de procedimentos para a análise lingüística de pesquisa. Contudo, é
necessário que se conheça o que o próprio Bakhtin chamará, mais tarde, de lugar da
enunciação, para não se cair no equívoco de utilizar suas concepções com a formalização
de todo científico, mas como grandes diretrizes na construção de um entendimento
amplo de estudo. As ciências humanas, ao contrário das ciências exatas, constituem-se
10
PESSOA, Fernando. O Eu Profundo e Os Outros Eus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p.160
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}
na produção de um saber dialógico, “... em que o intelecto está diante de textos que não
são coisas mudas, mas a expressão de um sujeito.” (ibid, p.42). O limite da exatidão das
ciências humanas consiste em não fundir em um os dois sujeitos, de não sobrepor à
alteridade daquilo que é o outro, sem o transformar em qualquer coisa que é para si.
Para tanto, é necessário corroborar com pressupostos que compreendem a língua
como: ... producto de la actividad humana colectiva, y refleja em todos sus elementos
tanto la organización económica como la socio-política de la sociedad que lo há
generado.”. (BAKHTIN, 1993, p. 227) e sendo produto da atividade humana, a língua não
é um sistema de estruturas e regras, mas é também um campo de disputa, uma arena
onde se encontra em jogo não o que se fala, dialoga ou enuncia, mas também o como
se fala (acentos apreciativos), o que se elenca ao falar (as palavras alheias) e para quem
se fala (destinatários reais e supostos). Essa organização do campo discursivo é marcada
por elementos conceituais lingüísticos e extralingüísticos, relativamente estáveis,
denominados Gêneros. Na distinção dos tipos de gêneros encontra-se um emaranhado
de discursos sociais e individuais relacionados dialeticamente com o que Bakhtin chamou
de Ideologia cotidiana e Ideologia Oficial.
1.1- Para uma concepção Sócio-Ideológica da Língua....
Imbuídos das noções marxistas da primazia da vida vivida, do real concreto, e da
origem da formação da consciência (SOBRAL, 2005), Bakhtin e seus seguidores são
reconhecidos, hoje, como precursores de um pensamento filosófico acerca da concepção
sócio-ideológica da linguagem, cuja produção entendida na perspectiva da enunciação
ressalta a natureza social dos discursos. O círculo Bakhtiniano
11
propõe uma concepção
de Ideologia relacionada aos estudos da linguagem, cuja compreensão diz respeito às
relações estabelecidas entre acontecimentos nas estruturas socioeconômicas e sua
repercussão nas superestruturas ideológicas. Bakhtin procura relacionar a Ideologia com
o movimento da concretude dos acontecimentos na constituição do papel dos signos, da
subjetividade e da consciência.
Para tanto, parte do conceito de “falsa consciência” proposto pelo marxismo como
ocultamento da realidade concreta promovida pelas forças dominantes (Ideologia oficial),
11
Trata-se de um grupo de intelectuais de diversas áreas do conhecimento que possuem em comum a
concepção sócio-ideológica da linguagem, dentre eles merecem destaque Mikhail Bakhtin, Valentin
Voloshinov e Pavel Medvedev.
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para reconstruir, dessa concepção, o que vai chamar de Ideologia do Cotidiano
organizada nos encontros casuais, na proximidade social com as condições de produção
e reprodução da vida. Ambas concepções formam um contexto ideológico completo e
único; tanto a concepção de ideologia oficial, como estrutura ou conteúdo, relativamente
estável, quanto a ideologia do cotidiano, como acontecimento, relativamente instável,
estão ligadas ao uso da linguagem, pois os objetos materiais do mundo recebem função
no conjunto da vida social, advindos de um grupo organizado no decorrer de suas
relações sociais e passam a significar além de suas próprias particularidades materiais
(MIOTELLO, 2005).
Todo signo carrega “pontos de vista”, que representam a realidade a partir de um
lugar valorativo, de uma situação determinada sócio-historicamente, materializada na
comunicação e na interação verbal dos grupos, organizados em campos de atividades
humanas. (Ibid, p.70). Porém a representação da realidade não se sempre no mesmo
nível. Segundo Volochinov, as situações de organização ideológica do signo buscam a
construção de sentidos na Ideologia Cotidiana, cujas bases em padrões não fixos
estabelecem relações com outros sistemas ideológicos, garantindo sentido e concretude
aos mesmos, conforme esclarece:
Acordemos em llamar ideología Coditiana a todo el conjunto de sensaciones
cotidianas las que reflejan y refractan la realidad social objetiva – y a las
expresiones exteriores inmediatamente ligadas a ellas. La ideología cotidiana da
um significado a cada acto nuestro, a cada acción nuestra y a cada uno de
nuestros estados “conscientes”. Del océano inestable y mudable de la ideologia
afloran gradualmente las innumerables islas y continentes de los sistemas
ideológicos: la ciencia, el arte, la filosofia, las teorías políticas. (VOLOCHINOV,
1993, p.238).
O Conceito de Ideologia cotidiana permite-nos perceber os sentidos configurados
nos discursos dos professores alfabetizadores, estabelecidos a partir das relações
ideológicas
12
entre as estruturas sócio-políticas (modelos de implantação dos ciclos de
formação) e o discurso acadêmico sobre a alfabetização, determinando suas condições,
suas formas e seus tipos de comunicação verbal. O aprofundamento das interações
verbais no interior da escola, ainda que superficiais ou mais estáveis, marcam o discurso
do sujeito no que diz respeito aos conteúdos sígnicos que passaram pela prova da
expressão externa e se manifestam em representações, palavras, entonações e
enunciações integradas em um sistema ideológico e realizadas pelo sistema social,
repercutindo no discurso do sujeito, como descrito:
12
A escolha desses dois campos não descarta outras relações.
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(...) os sujeitos inter-agentes inscrevem nas palavras, nos acentos apreciativos, nas
entonações, na escala dos índices de valores, nos comportamentos étnico-sociais,
as mudanças sociais. As palavras, nesse sentido, funcionam como agente e
memória social, pois uma mesma palavra figura em contextos diversamente
orientados. (MIOTELLO, 2005, p.172).
Nessa perspectiva, cabe, também, o estudo das diversas vozes que marcam os
discursos dos professores, como enunciados, no contexto em que as palavras são
carregadas de valores, a partir dos sentidos e dos elos teóricos organizados pelos
professores, enquanto sujeitos que enunciam.
1.2- AS VOZES ENUNCIATIVAS DOS SUJEITOS DE PESQUISA....
[...] quais são as vozes que se deixam ouvir no texto, em que lugares é possível
ouvi-las e quais são as vozes ausentes (...).
MARÍLIA AMORIM
13
Partindo do princípio da organização sócio-ideológica da língua, impunha-se como
tarefa a análise de algumas categorias filosóficas que compreendem a situação de
pesquisa e a análise qualitativa de dados, cujos sujeitos professores encontram-se
organizados tanto no campo de atuação da alfabetização, quanto do ciclo de formação. A
primeira grande decisão foi considerar a relação de alteridade produzida na situação de
pesquisa, bem como as vozes presentes no discurso dos professores, entendidas
enquanto elos discursivos com gêneros secundários teóricos. Muito mais que ouvir,
pretende-se compreender o lugar de quem fala como fala, o que escolhe e considera ao
falar, o que omite ou “simplesmente não fala”, as repetições, as relações dialógicas
assumidas entre os sujeitos quando se privilegia a interação discursiva.
Em um primeiro momento, esclareço a Categoria do Gênero Discursivo e,
posteriormente, a possibilidade de considerar a dinâmica do Grupo Focal como Gênero a
partir das interações dialógicas dos sujeitos mediante o uso de regras lingüísticas, da
língua enquanto estrutura semântica, das regras extralingüísticas e elementos
conceituais, como: a forma com que os sujeitos organizam a alternância dos seus
13
AMORIM, Marília. Vozes e Silêncio no Texto de Pesquisa em Ciências Humanas.. Campinas, SP:
Caderno de Pesquisa, n.116, p.7-19, julho/2002;
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}
discursos, a conclusibilidade e a responsividade semântico-objetal.
Ao buscar compreender as relações entre linguagem, enquanto uma organização
de signos lingüísticos, consciência e atividade mental, Bakhtin coloca em evidência os
limites de uma concepção de língua e linguagem calcada em procedimentos de análises
lingüísticos definidos por uma concepção estruturalista de língua, proposta por Saussure,
como objeto abstrato, pertencente a um sistema sincrônico, homogêneo, cuja fala é
compreendida como manifestação individual. Assim considera a fala enquanto
enunciação de natureza social, conforme citamos:
(...) a fala, esta indissoluvelmente ligada às condições da comunicação, que, por
sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais. (...) A comunicação verbal,
inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de
dominação e de resistência, adaptação ou resistência à hierarquia, utilização da
língua pela classe dominante para reforçar seu poder etc (...). (BAKHTIN, 2004,
p.14).
O emprego da língua, enquanto estrutura e comunicação verbal, é marcado
ideologicamente no interior de Gêneros Discursivos organizados em forma de
enunciados, que refletem as condições específicas de cada campo de atividade humana,
através de elementos como o conteúdo, estilo e estrutura composicional. Quando nos
inserimos em um determinado campo lingüístico, não aprendemos somente a língua,
enquanto sistema, mas determinadas formas de organizações discursivas regularmente
estáveis, denominadas Gêneros do Discurso. Os gêneros são o inesgotáveis e ricos
quanto o seu emprego. À medida que o ser humano organiza atividades estruturadas de
trabalho, cria formas discursivas no interior de tal atividade, como: o diálogo do cotidiano,
o relato do dia-a-dia, a ordem militar e outras.
A extrema heterogeneidade dos gêneros não sugere a impossibilidade de um plano
de estudo dos mesmos, mas a necessidade de romper com a tentativa de definir a
natureza universal do enunciado. É importante atentar para diferença essencial entre os
gêneros primários (simples) e secundários (complexos), pois não se trata apenas de
diferença funcional, como esclarece o próprio Bakhtin:
(...) Os gêneros discursivos secundários (complexos-romances, dramas,
pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publiscísticos, etc.)
surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente
muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) artístico,
científico, sociopolítico, etc. No processo de sua elaboração eles incorporam e
reelaboram diversos gêneros primários, que integram os complexos, se
transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a
realidade concreta e os enunciados reais alheios (...). (BAKHTIN, 2003, p.263).
14
14
Grifos meus.
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Determinada função e condição da comunicação discursiva, de um campo de
atividade, gera um determinado gênero e este gera determinados tipos de enunciados
estilísticos, temáticos, e composicionais relativamente estáveis que orientam a construção
do conjunto do gênero. Aqui cabe retomarmos os fundamentos que nos levaram a propor
e compreender a situação dialógica do grupo focal como gênero discursivo. Primeiro é
necessário esclarecer os fundamentos do mesmo, até então utilizado como
procedimento de análise dos dados.
Embora seja uma técnica empregada muito tempo, encontrava-se direcionada
às pesquisas de Marketing, assim como esteve, nos anos de 1950, associada às
pesquisas que envolviam estudos sobre as reações das pessoas à propaganda de guerra.
Segundo Gatti (2005), o grupo focal não se desenvolveu sistematicamente, como cnica
de pesquisa, nas ciências sociais em geral. Sua redescoberta se deu nos anos de 1980,
momento em que a preocupação com a técnica no uso de pesquisas científicas cresceu,
sobretudo, nas ciências sociais. O trabalho de Gatti, não é o único que apresenta as
contribuições do grupo focal para a pesquisas em geral, mas é considerado referência
nesta pesquisa, uma vez que traz contribuições ao uso do mesmo nas ciências humanas
e sociais se aproximando dos objetivos desta e da possibilidade de considerá-lo como
gênero discursivo.
O grupo focal não é uma condição de entrevista grupal, mas um ambiente de
discussão onde o grupo esclarece pontos de vista, analisa, infere, critica, cria
perspectivas diante da problemática para a qual foi convidado a conversar coletivamente.
A importância encontra-se sobre a interação do grupo e não sobre as perguntas e
respostas entre moderador e membros do mesmo, pois o interesse não é somente sobre
o que pensam as pessoas envolvidas, mas o que expressam, como pensam e expressam
e por que pensam e expressam de tal maneira.
O interesse é na situação de gênero desencadeada pelo grupo focal que ao
extrapolar idéias prévias, surpreende, coloca novas categorias e formas de entendimento,
que dão sentido a novas inferências, perspectivas, idéias, sentimentos, representações,
valores e comportamentos de grupos diferenciados, bem como compreender os fatores
que os influenciam, as motivações que subsidiam as opções, os porquês de determinados
posicionamentos.
Embora a situação dialógica do grupo focal se diferencie de outras situações
grupais, como a entrevista coletiva, segue regras e funções de uma situação de gênero,
em que os diálogos perdem sua relação com o contexto da comunicação ordinária,
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adquirindo matizes deste novo contexto, cujo papel do moderador (pesquisador) é deixar
claro aos participantes que todas as idéias e opiniões interessam, que o certo ou
errado, bom ou mau argumento ou posicionamento; o que se espera o variados pontos
de vista, não consensos.
Enquanto gênero, a situação enunciativa do grupo focal organiza elementos
conceituais que marcam o discurso dos professores, como: as responsividades
possíveis a partir dos elos teóricos com gêneros secundários acerca da alfabetização
relacionada à prática letrada e a proposta do Ciclo, os efeitos de conclusibilidades e as
formas em que se a alternância dos discursos. Para tanto, esclarecemos cada um
deles.
Na situação de gênero do Grupo Focal, a análise da comunicação discursiva não
se organiza apenas entre falantes, mas na relação necessária estabelecida do(s)
falante(s) com os OUTROS participantes da comunicação discursiva, através de suas
atitudes responsivas, pois falar é assumir posicionamentos, como Bakhtin esclarece:
O ouvinte ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso ocupa
simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou
discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo,
etc; essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de
audição e compreensão desde o seu início, às vezes literalmente a partir da
primeira palavra do falante. (IBID, 2003, p. 271)
Os sujeitos ouvintes tornam-se falantes à medida que assumem atitudes de
responsividade diante do outro, ou seja, à medida que organizam seus posicionamentos
diante da temática, ainda que tal posicionamento não se manifeste em ação, marcada por
uma réplica imediatamente expressa, mas se manifeste em comportamentos ou discursos
posteriores, cuja atitude responsiva é entendida como de efeito retardado. Assim, a
responsividade é considerada um elemento conceitual do gênero discursivo grupo focal, à
medida que marca os posicionamentos do grupo, no que diz respeito aos elos discursivos
com gêneros teóricos da alfabetização, letramento e ciclos, compreendidos a partir de
atitudes responsivas como: concordâncias, objeções e execuções.
A atitude responsiva presente no discurso dos sujeitos desta pesquisa é marcada
pelos limites da enunciação, ou seja, pela alternância dos sujeitos do discurso, pois o
falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua
compreensão ativamente responsiva. O enunciado é uma unidade real, precisamente
determinada pela alternância dos sujeitos do discurso, o qual termina com a transmissão
da palavra ao outro, por mais silencioso que seja o “dixi” percebido pelos ouvintes. Ao
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assumir determinada posição o sujeito organiza uma possível conclusibilidade
desencadeadora de uma atitude responsiva do outro, como pergunta-resposta; afirmação-
objeção, afirmação-concordância, proposta-aceitação, ordem-execução.
A conclusibilidade proposta por uma enunciação é determinada por três elementos:
Exauribilidade do objeto e do sentido; projeto de discurso ou vontade de discurso do
falante; formas típicas composicionais e de gênero do acabamento. A exauribilidade
semântico-objetal é diversa nos diferentes campos da comunicação discursiva, mas, ao
se tornar tema do enunciado, ganha uma relativa conclusibilidade em determinadas
condições, em certa situação do problema, em um dado material e em determinados
objetos colocados pelo autor. A exauribilidade é provocada pela vontade discursiva do
falante, que determina todo o enunciado, o seu volume, e as suas fronteiras, conforme
esclarece Bakthin: “Imaginamos o que o falante quer dizer, e com essa idéia verbalizada,
essa vontade é que mediamos a conclusibilidade do enunciado” (IBID, 2003, p. 281). . A
vontade discursiva do falante se realiza, antes de tudo, na escolha de certo gênero de
discurso. Contudo, nem sempre nos é dada a oportunidade de escolher o gênero; no
caso do grupo focal, a vontade discursiva do falante é dada a partir da intenção discursiva
do mesmo com toda a sua individualidade e subjetividade, que é em seguida aplicada e
adaptada ao gênero imposto.
Assim, aprendemos a moldar o discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o
discurso alheio, adivinhamos o seu gênero, determinado volume e uma determinada
construção composicional nas primeiras palavras; prevemos o fim desde o início e temos
a sensação do conjunto do discurso. Uma série de gêneros do discurso é de tal forma
padronizada que a vontade discursiva individual do falante se manifesta na escolha de
um determinado gênero, o que na situação do grupo focal, indica a opção pela intenção
discursiva marcada pela entonação, como expressão e valorização do objeto enunciado
pelo falante. Segundo Bakhtin: “(...) se uma palavra isolada é pronunciada com entonação
expressiva, o é uma palavra, mas um enunciado acabado expresso por uma palavra
(...) (IBID,2003, p.290).
De acordo com o autor, a palavra existe para o falante em três aspectos: como
palavra da ngua neutra e o pertencente a ninguém; como palavra alheia dos outros,
cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra, porque, uma
vez que opero com ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva
indeterminada, ela está compenetrada da minha expressão. Nas duas últimas
abordagens, a palavra é expressiva, mas essa expressão não pertence a ela, nasce do
contato da palavra com a realidade concreta e nas condições de uma situação real;
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contato esse que é realizado pelo enunciado individual, mas que se organiza com base
em enunciados e palavras dos outros, de certo grau de alteridade ou de assimilabilidade,
de um grau de aperceptibilidade e de relevância. Ao evocarmos tais palavras, trazemos
conosco a expressão e o tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos,
como reafirma Bakhtin:
(...) cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos
enunciados precedentes de um determinado campo: ela os rejeita, confirma
completa, baseia-se neles, subentende-se como conhecidos, de certo modo os leva
em conta. (...) (IBID, 2003, p.297).
Os enunciados dos outros podem ser contados por nós com determinado grau de
reassimilação ou silêncio, à medida que nos desencadeiam determinadas
responsividades expressas pelo próprio discurso ou nas seleções dos recursos
lingüísticos e entonações determinadas, não pelo objeto do próprio discurso, mas pelo
discurso do outro sobre o mesmo objeto. A expressão do objeto não é dada apenas pelo
conteúdo semântico-objetal desse enunciado, mas também pelos enunciados dos outros
sobre o mesmo tema; através dele delimitamos o destaque dado, determinamos
elementos, repetições e escolhas de expressões, como delimitamos os elos precedentes
da comunicação discursiva.
Um enunciado é sempre endereçado a alguém, estabelecendo-se nas relações
entre autor e destinatário. Assim, tanto o pesquisador quanto os sujeitos envolvidos
adotam atitudes responsivas frente aos elos discursivos assumidos na situação de
produção de dados, antecipando tanto as respostas quanto à organização dos
enunciados, as concepções e convicções, os seus preconceitos, as simpatias e antipatias,
tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva dos enunciados.
1.3- AS VOZES QUE FALAM E SE CALAM NO DISCURSO...
Entendendo o lugar da enunciação como expressão e constituição da subjetividade
na relação de alteridade, busca-se compreender as tensões, impasses, concordâncias e
limites postos nos textos orais dos sujeitos de pesquisa no que diz respeito às marcas
traçadas pelos seus lugares enunciativos e as muitas vozes que estes lugares
desencadeiam como responsividade diante dos textos estabelecidos na relação dialógica
de sujeitos de pesquisa, entendidos segundo Amorim (2002), como Pesquisador e o
OUTRO.
Reafirmando o que propôs Bakhtin (2003), todo texto em Ciências humanas nasce
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como pensamento sobre o pensamento dos outros, sobre a exposição de vontades,
manifestações ou como inventário científico, cujo sentido interpretativo o está posto no
texto e sim nos elos discursivos, nos sentidos e significados dos discursos dos sujeitos
envolvidos na pesquisa, assim como do pesquisador, cujos textos são determinados tanto
pela idéia (intenção) quanto pela realização dessa intenção.
A luta entre as condições geradoras de um texto determina a sua índole, os lapsos
e omissões, mudança da intenção no processo de realização do discurso e o que nos
interessa enquanto pesquisador, o problema do segundo sujeito, aquele que se coloca no
lugar de produzir, para a pesquisa, atitudes responsivas diante do texto do outro, criando
o que Bakhtin chamou de texto emoldurador, aquele que comenta e/ou avalia o texto do
outro. A interação entre o texto (dado) e o texto emoldurador (contexto) produzido a partir
das interações entre o pesquisador e o outro só é possível quando se privilegia a situação
de produção de tais textos, os lugares enunciativos e as vozes que falam e se calam
como atitudes responsivas do Outro. Eis, pois, necessária a compreensão do lugar das
Vozes no texto.
Segundo Amorim (2001), as vozes representadas na comunicação verbal-oral
estão subordinadas à condição de produção dos textos, em que é possível identificar “...
quais as vozes que se deixam ouvir no texto, em que lugares é possível ouvi-las”, e quais
são as vozes caladas. Assim, em uma situação discursiva, encontramos a voz do
destinatário, considerada por Bakhtin como uma instância interior ao enunciado, um co-
autor que conduz o trabalho de estabelecer sentidos e significados ao texto, tendo como
princípio maior o dialogismo. Portanto a originalidade da pesquisa não se encontra no
sentido real, mas na forma e conteúdo do que é dito.
Em relação à destinação, é preciso levar em conta ainda duas outras vozes que
falam no interior de um enunciado: o destinatário suposto e o destinatário real, aquele que
se localiza posterior à escrita. Segundo Amorim (IBID,2002), o destinatário real é aquele
que efetivamente o texto, participando da construção do sentido, uma vez que todo
texto demanda que alguém o leia e que alguém dele se ocupe, pois a vida de um texto
reside exatamente na sua circulação. O destinatário suposto é uma instância posterior,
mas igualmente interior ao enunciado,
remete-se a uma dimensão histórica e única do
texto.
Mas o enunciado é também marcado pela presença de um terceiro sujeito, o
sobredestinatário, que se distingue dos demais pela sua relação à temporalidade e à
espacialização do texto, liberando o mesmo das limitações de seu contexto e atestando-o
em direção a uma dimensão universalizante. Podemos falar, ainda, de uma terceira voz, a
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voz do objeto que, para Bakhtin, é fundamental na definição e distinção entre os objetos
de pesquisa nas ciências humanas e exatas.
Para o autor, o objeto das Ciências humanas não é o homem, mas o sujeito
produtor de discurso. O autor esclarece mais uma vez a diferença que estabelece entre
seus estudos e os utilizados pela lingüística, entendendo o discurso e a língua em sua
integridade concreta e viva e não como objeto específico. Não se ignora a língua como
estudo metalingüístico, mas aqui o discurso é retomado sob outro ângulo de visão,
diferenciando o uso monológico do discurso, do seu uso polifônico.
A lingüística conhece a forma composicional do discurso dialógico e estuda suas
particularidades sintático-léxico-semânticas enquanto plano da língua. As relações
dialógicas são extralingüísticas, devem personificar-se na linguagem, tornar-se
enunciados, convertem-se em posição de diferentes sujeitos expressas na linguagem
para que entre eles possam surgir relações dialógicas, como afirma o próprio Bakhtin:
”(...) devem tornar-se discurso, ou seja, enunciado e ganhar outro autor, criador de dado
enunciado cuja posição ela expressa.(...)” (IBID,2003, p.184) e esse enfoque é possível
em qualquer parte do enunciado, inclusive em uma palavra solta, caso esta não seja
impessoal, mas como signo da posição semântica de um outro, como representante do
enunciado de um outro, ou seja, como se ouvíssemos nele a voz do outro.
Na certeza de que os procedimentos metodológicos da pesquisa culminavam na
importância de se considerar a situação de produção da enunciação, desencadeada pela
dinâmica do grupo focal como gênero discursivo, encontram-se as múltiplas vozes que se
falam e se calam nos discursos dos professores, sendo necessário esclarecer como se
deu a organização dos dados. Para tanto, nos compete esclarecer o grupo focal
enquanto um procedimento de pesquisa organizado a partir da dialogicidade da interação
discursiva dos professores.
1.4- O Grupo Focal como Possibilidade de Gênero Discursivo:
A organização e desenvolvimento do grupo focal se deu com minha entrada ao
campo e com esclarecimentos tanto sobre os objetivos da pesquisa, quanto
esclarecimentos sobre a interação discursiva, regras e funções explicitadas. Apesar de
se ter uma preocupação inicial com um número significativo de pessoas relacionadas à
alfabetização e ciclos, considerando os três primeiros anos do ensino fundamental de
nove anos, deixei com que as escolas-campo organizassem tal situação, conforme
visualizamos no quadro abaixo:
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ESCOLA D
PROFESSORES ENVOLVIDOS
1º ANO PD-1 Alunos de 6 anos
PD- 2.1 2º ANO
PD- 2.2
Alunos de 7 anos
PD-3.1 3º ANO
PD-3.2
Alunos de 8 anos
De acordo com o quadro da escola D, as situações do grupo focal tinham como
sujeitos os professores regentes do primeiro, segundos e terceiros anos do primeiro ciclo
(considerados os de referência das turmas) sendo um professor de primeiro ano (PD-1),
dois professores de segundo ano (PD-2.1 E PD-2.2) e dois professores de terceiro ano
(PD-3.1 E PD-3.2), no total de cinco professores. O desenvolvimento das interações
discursivas do grupo focal se deu em dois encontros, com intervalo de 15 dias, durante o
tempo de reunião coletiva quinzenal, destes professores, totalizando dois encontros de 1H
e 30M. Vale lembrar que existem mais dois professores desempenhando funções com
estas turmas, Projeto de Literatura e Artes e o Projeto de Inglês. Na ocasião dos grupos
focais, não foi possível viabilizar a participação destes profissionais. O desenvolvimento
das interações discursivas dos professores que compuseram o grupo focal, me
possibilitou atribuir sentidos às suas concepções de alfabetização sendo esclarecidos na
segunda parte da dissertação, o campo empírico.
ESCOLA M
PROFESSORES ENVOLVIDOS
1º ANO PM- 1 Alunos de 6 anos
2º ANO PM-2 Alunos de 7 anos
3º ANO PM-3 Alunos de 8 anos
PROJETO DE RITMO PM-R Alunos do 1º CICLO
PROJETO DE LITERATURA
PM-L Alunos do 1º CICLO
LABORATÓRIO DE
APRENDIZAGEM
PM-LA Alunos do 1º CICLO
{
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}
De acordo com o quadro da escola M, as situações do grupo focal tinham como
sujeitos os professores regentes (considerados os de referência das turmas) que
compunham o primeiro ciclo, bem como os professores de projetos, sendo um professor
de primeiro ano (PM-1), um professor de segundo ano (PM-2), um professor de terceiro
ano (PM-3), um professor de projeto Ritmo e Musicalização (PM-R), um professor de
projeto de Literatura (PM-L) e um professor de Laboratório de Aprendizagem
15
(PM-LA),
no total de seis professores. O desenvolvimento das interações discursivas do grupo focal
se deu em dois encontros, com intervalo de 30 dias. A organização do tempo,
inicialmente, apresentou-se como empecilho, uma vez que estes professores não
possuem espaço para reuniões coletivas durante a semana, as mesmas acontecem em
sábados letivos e se encontravam com pautas delimitadas. A sugestão veio
encaminhada pela direção e os professores que organizaram a carga horária do aluno, de
modo a possibilitar a liberação dos mesmos em dois dias, realizando-se em dois grupos
com 1h30m cada.
Tendo como foco as discussões sobre a temática alfabetização, letramento nos
ciclos, tornou-se necessária a organização de um roteiro
16
e a consideração de que
alguns temas exigiram flexibilização do tempo, em que o moderador trabalha com um
mínimo de intervenção, permitindo ao grupo escolher suas prioridades em face do
assunto a ser tratado e das questões postas. Ainda dentro do desenvolvimento, é
necessário considerar a bibliografia com relação à diferenciação dos grupos no
engajamento das discussões, muito própria da situação do grupo focal; alguns se
engajam rapidamente no trabalho com as discussões, fluindo com entusiasmo, enquanto
outros grupos mostram-se reticentes, cautelosos, aflorando expressões monossilábicas,
permeadas por silêncios e certo constrangimento. Durante o trabalho, há mudanças no
tônus da discussão; de um momento acalorado, passa-se ao silêncio ou a expressões
cautelosas, ou aparecem falas que se desviam do assunto.
Daí a importância da interação entre os participantes. Segundo Kitzinger (1994,
apud, Gatti, 2005, p.39), é essa interação que o diferencial aos grupos focais e que
merece ser explorada no processo investigativo, porque o interesse não é somente “no
que as pessoas pensam, mas em como pensam e por que pensam assim”. Esse
15
. É um espaço pedagógico da escola que investiga e contribui no processo de superação de obstáculos à
aprendizagem pelos/as alunos/as, na sua interação com os conhecimetos escolares, com os outros (adultos
ou o) e com os instrumentos culturais de mediação, existentes ou novos, no desenvolvimento do
pensamento, do conhecimento, da socialização e dos processos comunicativos construídos historicamente.
Secretaria de Educação, Orientações do Projeto Extrapolando a Sala de Aula: outros lugares para
mediação da aprendizagem, 2007, p.7.
16
Encontra-se em anexo.
{
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}
processo não se restringe a consensos ou articulações das normas do grupo e suas
experiências, mas abrange as diferenças entre os indivíduos, seus desentendimentos,
desacordos, seus questionamentos mútuos, suas tentativas de persuadir para cooptar as
idéias, e suas dificuldades de compreensão mútua em relação ao que se diz.
É importante observar, detalhada e cautelosamente, o que os participantes contam
uns aos outros: fatos, histórias e situações, porque esses relatos permitem ao
pesquisador ter pistas de como eles se ancoram em um dado contexto social, de como
estão mobilizados e em que sistema representacional se apóiam.
Em relação à análise do gênero grupo focal, buscou-se compreender os sentidos e
os significados entre o discurso dos professores e seus elos discursivos com gêneros
teóricos sobre a alfabetização e ciclos mediante atitudes responsivas dos mesmos, no
que se refere às concordâncias, repetições, objeções, discordâncias e afirmações
desencadeadas a partir dos temas propostos pelo grupo focal: A EXPERIÊNCIA COM
ALFABETIZAÇÃO, a PRÁTICA PEDAGÓGICA (Portadores de texto, atividades
solicitadas, conteúdos e materiais didáticos); a ORGANIZAÇÃO DAS TURMAS (critérios
de organização, números de alunos e faixa etária; critérios para escolha do professor);
SUPORTE PEDAGÓGICO (Reuniões coletivas, Planejamentos de Língua Portuguesa,
Fichas avaliativas e/ ou relatórios); A PROPOSTA DO CICLO DE FORMAÇÃO.
A partir dessas macro categorias de organização do grupo focal, foi possível
perceber e compreender os elos discursivos teóricos da alfabetização presentes em
seus discursos e como se a interface destes elos com a perspectiva do letramento e
no diálogo com a proposta do ciclo. Para isso, delimitou-se como elementos conceituais
na análise dos discursos: a atitude responsiva dos sujeitos frente aos gêneros teóricos e a
situação do grupo focal, a conclusibilidade dos discursos e a alternância dos mesmos,
bem como o contexto histórico de cada uma das escolas pesquisadas, a
formação/instrução do professor e o diálogo com a proposta do ciclo.
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2 - O ESPAÇO OCUPADO CONCEITUAL E TEMPORALMENTE
PELA ALFABETIZAÇÃO NAS SÉRIES:
O MISTÉRIO das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso
No que os homens pensam delas, (...)
FERNANDO PESSOA
17
2.1- Do Analfabetismo à Escolarização da Alfabetização....
A história da Educação mostra-nos que a condição de analfabetismo da população
brasileira emergiu como um problema político no final do período imperial, com a
proibição do voto dos analfabetos. A partir daí, especialmente no século XX, o
analfabetismo foi se constituindo não como problema político, mas também social,
cultural e econômico, acentuando-se as atitudes de discriminação e marginalização em
relação ao analfabeto, sob o argumento de incapacidade.
A produção de dados estatísticos sobre o analfabetismo deu-se a partir dos anos
de 1940, com a criação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), sendo
considerada como condição de pessoa alfabetizada toda aquela que soubesse ler e
escrever, ainda que apenas o próprio nome. O censo de 1950 evidencia a ampliação do
conceito de alfabetizado, considerando a leitura e escrita de um bilhete simples no idioma
conhecido. Mais adiante, em 2000, o censo evidencia não uma ampliação do conceito
de alfabetização como o associa a uma condição real da escolarização ampliada e
degradada da escola pública: a possibilidade de haver sujeitos analfabetos funcionais,
pessoas que interromperam os estudos, seja por falta de oportunidade, seja por evasão
ou repetência e que se encontram apenas na condição de ler e escrever o próprio nome,
um bilhete simples sem fazer uso social da língua escrita.
Contudo, a relação estabelecida entre alfabetização e escolarização é anterior aos
dados do Censo do IBGE; segundo Mortatti (2004), a educação assume o caráter
mediador entre a família e a sociedade a partir do século XVI, quando também se
assumem referenciais de infância ligados aos sentidos de classes sociais. A Educação
17
PESSOA, IBID, p.160.
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escolar surgiu com reformadores moralistas e religiosos, que lutavam contra o que
consideravam "anarquia" da sociedade medieval, como valorização da língua nacional e
do aprendizado da leitura. O seu sentido religioso, ao longo culo XIX, foi sendo
substituído por um sentido "moderno" e laicizante, com vistas a atender a um projeto
político liberal do estado. Com a criação dos sistemas nacionais de ensino, a escola, em
moldes mais próximos, passou a assumir importante papel como instrumento de
modernização e de progresso da nação, pois passou a prometer a cultura letrada, isto é,
os rudimentos escolares da leitura, de escrita e de cálculo.
No Brasil, a educação escolar tornou-se obrigatória ainda no Império, com a
constituição de 1834; contudo, tal condição não impediu os mecanismos de exclusão, pois
o processo secular de implantação e expansão de um sistema público de ensino foi
acompanhado de intensas discussões sobre o fracasso escolar, tendo como referência
o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita como um importante aspecto na busca de
formas de se efetivar o direito à educação. Se for verdade que a escola não é o único
lugar onde se pode aprender a ler e a escrever, o acesso a esse aprendizado costuma
ocorrer mais dificilmente fora dessa instituição. (IBID, 2004)
Em Minas Gerais, o movimento de expansão das matrículas deu-se em paralelo à
criação dos grupos escolares que estabeleceram uma organização seriada ao ensino
primário, no que diz respeito ao tempo, ao espaço e aos conteúdos. O ensino gradual e
seriado, assim como a organização temporal das disciplinas, estabeleciam relações com
os princípios pedagógicos da Escola Nova e o rompimento com o modelo pedagógico
tradicional, anunciando uma verdadeira revolução copérnica educacional, ao trazer a
criança para o centro da educação. Esse novo modelo tornava obsoletos os antigos
métodos e materiais didáticos e, assim, os idealizadores reformistas incentivavam, em
seus estados, a produção de manuais didáticos segundo os pressupostos metodológicos
da chamada escola ativa, levando-se em conta o processo natural de desenvolvimento da
criança. (MACIEL E FRADE, 2005)
Segundo Mortatti, a associação entre escola, ensino e aprendizagem da leitura e
escrita atribuiu à escola o papel de agente de esclarecimento das “massas” consideradas
iletradas e fator de civilização. A partir de então, ler e escrever tornou-se o fundamento da
escola obrigatória, gratuita e laica, com uso de técnica, organização sistemática e
metódica, estabelecendo à concepção do ensino da leitura e da escrita um sentido dito
moderno de alfabetização das "massas". Assim, o resultado da ação da escola, no ensino
e na aprendizagem inicial da língua escrita tornou-se índice de medida e testagem da
eficiência da ação modernizadora.
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Ainda que tenha havido mudanças na análise dos dados dos censos de 1872 até
os dias atuais, é possível verificar a persistência e a complexidade do problema do
analfabetismo, no Brasil. Mesmo quando os dados revelam que o aumento do acesso e
da ampliação do atendimento escolar se deu na "faixa dos 7 aos 14 anos na proporção de
96,5%, incluindo as áreas rurais, (94,7% das crianças freqüentam alguma instituição de
ensino), ainda são presentes medidas que objetivam o “combate” ao analfabetismo. (IBID,
P.24).
Dentre estas, encontra-se a campanha internacional da Unesco e Nações unidas
para alfabetização, lançada em fevereiro de 2003, que visava a reduzir o analfabetismo
com base na afirmação de que "[...] o conceito e a prática da alfabetização são parte de
um debate mais amplo sobre para que serve a educação" e que alfabetização é uma
"ferramenta do desenvolvimento [...] versátil e testada" (MORTATTI, Ibid, 2004).
Seguindo tais princípios, no Brasil foi lançado em setembro de 2003, o Programa Brasil
Alfabetizado, cuja meta era alfabetizar vinte milhões de pessoas até 2005. Estas medidas
associam educação e alfabetização em sentido propositivo, quando evidenciam a
persistência do analfabetismo, bem como do fracasso escolar associados ao
desenvolvimento da nação.
Buscando compreender que as concepções acadêmicas e populares sobre o valor
das habilidades de ler e escrever acompanham o processo difusor da alfabetização e sua
relação com as teorias sociais que dizem respeito ao seu papel relacionada à
escolarização e ao desenvolvimento sócio-econômico, na ordem social e no progresso
individual, recorro a Graff (1994), na afirmação: “Se o presente nos ensina alguma coisa é
que os supostos lugares da alfabetização e da escolarização não são nem sacrossantos
nem muito bem compreendidos”. (IBID, p. 27). O primeiro desafio é compreender os
sentidos que foram construídos historicamente entre métodos e processos de
alfabetização, sentidos estes retomados pelos estudos de Mortatti (2000), Frade e Maciel
(ibid, 2005).
2.2- Os Sentidos históricos da relação Alfabetização, Ensino e Métodos...
A pesquisa histórica, desenvolvida pelo CEALE (Centro de Estudos de
Alfabetização e Letramento da UFMG), contando com a contribuição de pesquisadores
dos Estados do Mato Grosso e Rio Grande do Sul, tem sido um recurso utilizado na
compreensão dos sentidos estabelecidos entre o conceito de alfabetização e sua relação
com todos de ensino, uma vez que busca recuperar, no presente, as tentativas e
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estratégias utilizadas no passado, encaminhando ações futuras, no que diz respeito à
persistência na gravidade da aprendizagem inicial da língua escrita reincidindo sobre o
nome de fracasso na alfabetização.
Os processos de aquisição da leitura e escrita vêm sofrendo mudanças
paradigmáticas, desde os anos 80, exigindo novas reconfigurações do conceito de
alfabetização, das concepções e práticas de métodos, da natureza de materiais didáticos,
das alternativas de formação de alfabetizadores.
Dentre os estudos mais recentes no campo da história da Alfabetização encontra-
se Alfabetização no Brasil, o Estado do Conhecimento (Soares e Maciel, 2000), obra em
que as autoras analisam as teses e as dissertações produzidas no país, no período de
1961-1998. Das 311 teses e dissertações produzidas neste período, encontram-se
presentes duas pesquisas históricas datadas de 1990, as quais busca-se atribuir elos
discursivos com a presente dissertação, dentre elas, os estudos de Mortatti (2004) como
trabalho organizado na defesa de livre-docência e, atualmente, os estudos intitulados
História da Alfabetização: Produção difusão e circulação de livros (MG/RS/MT Séc.XIX
e XX., organizadas pelas pesquisadoras Frade e Maciel (2005).
Tais estudos buscam compreender os sentidos do conceito de alfabetização a
partir da produção e circulação do gênero secundário, cartilhas escolares, contrapondo-
se a um quadro de pesquisas atuais onde 90% do número de teses e dissertações,
tomam como objeto de investigação a prática pedagógica, sem contudo compreendê-la
como elo discursivo com gêneros teóricos, “a explicação para tal fato é que a
preocupação perene com o fracasso na/da alfabetização de crianças brasileiras e com
fatores que possam explicar ou encontrar soluções para o problema tem demandado
pesquisas de caráter sincrônico”. (FRADE e MACIEL, ibid, 2005, p.12-13).
Assim estes estudos marcam a importância de não compreender os sentidos
configurados pelo conceito de alfabetização, como também sua relação, com os
processos de escolarização, no que diz respeito a políticas de consolidação de métodos
mais rígidos
18
e o surgimento de ideários “construtivistas”, ocorridas na década de 90,
negando a idéia tradicional de métodos e certa “desmetodização”, como fenômeno da
“não-cartilha” por tudo que ela representava em termos de método e de controle externo
da aprendizagem.
Assim a análise histórica dos ideários fundamentados em métodos e destes
consubstanciados em livros e práticas pode esclarecer e ajudar a entender tanto esse
18
Considerados aqueles cujo desenvolvimeto metodológico segue uma ordem e seqüência ininterrupta,
conforme esclarece MORTATTI(2004).
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processo de negação/ruptura, quanto a permanência de determinados saberes
pedagógicos sobre alfabetização. Nessa busca foram utilizados, também, os estudos de
Mortatti (2004), no estabelecimento de momentos que reconstituem a história dos
métodos de ensino de leitura e de escrita, que, na verdade, se traduzem na história dos
sentidos que, ao longo do tempo, foram sendo atribuídos à alfabetização.
O primeiro momento, (aproximadamente 1870) é caracterizado como
Metodização do Ensino da Leitura e é, também, a primeira constituição da alfabetização
como objeto de estudo. Neste momento observa-se a disputa entre os partidários do
"método João de Deus" para o ensino da leitura baseado na palavração e os partidários
dos métodos sintéticos soletração e silabação, em que se baseiam as primeiras
cartilhas produzidas por brasileiros, enfocando o ensino da leitura paralelamente ao
ensino da língua materna e subordinada às ciências que estudam a linguagem, fundando
uma tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente uma questão de todo. Esta
tradição abre caminho para o fortalecimento de disputas hegemônicas acerca do melhor
método de ensino da leitura, mediante o entrecruzamento, no momento seguinte, de
tematizações, normatizações e concretizações a respeito do método analítico para o
ensino da leitura.
O segundo momento instaura-se no Brasil, após a Proclamação da República, e é
de forte influência metodológica, instaura-se após a Proclamação da República, no Brasil,
e é marcado pela Institucionalização do Método Analítico e a organização de um
sistema público de ensino que adaptasse esse todo aos moldes lingüísticos e culturais
brasileiros, através da produção de cartilhas e livros de leitura. Procurando definir as
concepções de métodos analíticos e sintéticos, buscam-se os estudos de Maciel e Frade
(2005, p.49) ao nos apontarem que:
Os métodos de alfabetização, no sentido que conhecemos historicamente,
agrupam-se em métodos sintéticos e métodos analíticos. Os métodos sintéticos
partem das partes para o todo. Na história dos métodos sintéticos temos a eleição
de princípios organizativos diferenciados que privilegiam as correspondências
fonográficas: a letra, o fonema e a sílaba. Para esse conjunto de métodos
denominados sintéticos, propõe-se um distanciamento da situação de uso e
significado, para a promoção de estratégias de análise do sistema da escrita. Os
métodos analíticos, ao contrário, partem do todo para as partes e procuram
romper radicalmente com o princípio da decifração, operando com a idéia de que
primeiro a palavra (método da palavração), a frase (método da sentenciação) ou o
texto (métodos global de contos ou de historietas) tem que ser compreendida,
reconhecida globalmente, para depois ser analisada em componentes como letras
e sílabas. Está presente nesse movimento metodológico a defesa do trabalho com
sentido na alfabetização. Os métodos ecléticos trabalham com os princípios dos
métodos analíticos e sintéticos, simultaneamente
.
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O método analítico para o ensino da leitura, característico deste momento,
buscava organizar-se em três passos: - observação de um objeto ou estampa,
enunciação de sentenças relacionadas entre si, formação de uma pequena história
descritiva do objeto ou estampa; - registro das frases da historieta em colunas verticais,
onde se destacam as palavras, e formação de outras sentenças com essas palavras; e
divisão oral das palavras estudadas em sílabas. As lições eram escritas em quadro
negro, com letra manuscrita vertical, e as sílabas novas, destacadas com giz de cor.
O terceiro momento compreende meados da década de 1920 a meados da
década de 1970 e é crucial do ponto de vista da constituição da alfabetização como
objeto de estudo. Visando uma política nacional de educação, mediante a integração e
generalização, num nível nacional, de iniciativas estaduais renovadoras, da década de
1920, essa aspiração encontra sua síntese nos princípios da “escola nova”, conforme
explicitado. Em relação ao ensino inicial da leitura e escrita, enfatizam-se os aspectos
psicológicos em detrimento dos lingüísticos e pedagógicos. Os novos fins passam a
demandar soluções voltadas para a função socializadora da alfabetização no âmbito da
educação popular, a ser realizada de maneira rápida, econômica e eficaz, a fim de
integrar o elemento estrangeiro, fixar o homem no campo e nacionalizar a educação e a
cultura.
Neste momento, Lourenço Filho assume papel de vanguarda em relação a um
projeto para o ensino da leitura e da escrita, diretamente articulado às urgências
sociopolíticas de âmbito nacional. Assim, a ocupação de cargos estratégicos na
administração educacional e o pioneirismo de suas formulações, sobretudo as contidas
em Testes de ABC, resultantes de pesquisa experimental, confere a esse educador um
prestígio no Brasil e no exterior. Embora o método analítico continue a ser considerado o
"‘melhor e mais científico’"
19
, sua defesa apaixonada e ostensiva vai se diluindo em favor
dos novos fins, para a consecução de que sejam respeitadas tanto a maturidade
individual necessária na criança quanto a necessidade de rendimento e eficiência.
Paralelamente começam a ser utilizados outros métodos, em especial o analítico-
sintético-misto ou “eclético”.
Partindo da necessidade de enfrentar o problema do fracasso na aprendizagem da
leitura e escrita, indicado pelas altas taxas de repetência no grau (atual série), da
escola primária, Lourenço Filho apresenta a hipótese, confirmada pelas pesquisas
experimentais que realizou com alunos do grau, da existência de um nível de
19
Grifos da autora.
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maturidade como requisito para a aprendizagem da leitura e escrita. O problema desse
fracasso do aluno é explicado não em termos de Quociente de Inteligência (QI) ou
interesse como propõem seus contemporâneos, mas como decorrente de diferenças
individuais de nível de maturidade que, em classes heterogêneas de 1º grau, apresentam-
se como velocidades variáveis de aprendizado, com as quais não se trabalha
adequadamente. Lourenço Filho acaba por produzir certa síntese homogeneizadora da
tradição herdada relativamente ao ensino da leitura e da escrita, acusando, sobretudo, a
rotina que se instala nas classes de alfabetização, em decorrência da "inocência
psicológica", com que os sujeitos do passado tratavam tais questões, embora se
denominassem "modernos" e supusessem sintonia com os progressos científicos".
(MORTATTI, Ibid, 2000).
A complexidade dos processos de alfabetização associados às teorias-
metodológicas de ensino provocara uma associação problemática entre alfabetização e
escola; tratava-se de uma concepção de leitura e escrita subordinada ao uso de técnicas
de ensino e, conseqüentemente, medidas de testagem da ação modernizadora do
Estado. A alfabetização torna-se um fenômeno verificável e diretamente dependente de
um nível de maturidade passível de medida; passa a ser compreendida como
aprendizagem da leitura e escrita de um método científico de abordagem – método
clínico-experimental - e de sujeito autorizado do discurso investigativo o especialista em
alfabetização. Desse ponto de vista, o resultado da ação da escola, o ensino e a
aprendizagem iniciais da língua escrita tornaram-se índices de medida e testagem da
eficiência da ação modernizadora.
Retomando o processo de constituição da alfabetização como objeto de estudo, o
quarto momento define-se pelo movimento de desmetodização do processo de
alfabetização (final da cada de 1970). Trata-se da função catalisadora do discurso
oficial sobre a revolução conceitual, representada pelo postulado da construção do
conhecimento lingüístico pela criança. O eixo da discussão é deslocado para o processo
de aprendizagem do sujeito cognoscente e ativo, em detrimento dos métodos de
alfabetização e da relevância do papel da escola e do professor nesse processo. No
entanto, as cartilhas e os métodos considerados tradicionais de ensino continuam a ser
divulgados, explícita ou disfarçadamente, nas classes de alfabetização, distanciando-se
do discurso oficial-acadêmico. Muitas são produzidas com denominações de
"construtivistas" ou "sócio-construtivistas" ou "construtivista-interacionistas"
20
.
Sintetizando com as palavras de Soares (2003), as últimas três décadas assistiram
20
Grifos da autora para indicar pressupostos teóricos que dizem respeito às práticas com alfabetização.
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às mudanças de paradigmas teóricos no campo da alfabetização. Um paradigma
behaviorista, dominante nos anos 60 e 70, é substituído, nos anos 80, por um paradigma
cognitivista, que avança, nos anos 90, para um paradigma sociocultural. O paradigma
cognitivista difundiu-se no Brasil pela via da alfabetização, através das pesquisas e
estudos sobre a psicogênese da língua escrita, divulgada pela obra e pela atuação
formativa de Emilia Ferreiro. Segundo a autora:
Não é necessário retomar aqui a mudança que representou, para a área da
alfabetização, a perspectiva psicogenética: alterou profundamente a concepção do
processo de construção da representação da língua escrita, pela criança, que
deixa de ser considerada como dependente de estímulos externos para aprender
o sistema de escrita – concepção presente nos métodos de alfabetização até
então em uso, hoje designados “tradicionais”
21
e passa a sujeito ativo capaz de
progressivamente (re)construir esse sistema de representação, interagindo com a
língua escrita em seus usos e práticas sociais, isto é, interagindo com material
“para ler”, não com material artificialmente produzido para “aprender a ler”; os
chamados pré-requisitos para a aprendizagem da escrita, que caracterizariam a
criança “pronta” ou “madura” para ser alfabetizada pressuposto dos métodos
“tradicionais” de alfabetização são negados por uma visão interacionista, que
rejeita uma ordem hierárquica de habilidades, afirmando que a aprendizagem se
dá por uma progressiva construção do conhecimento, na relação da criança com o
objeto “língua escrita”; as dificuldades da criança, no processo de construção do
sistema de representação que é a língua escrita consideradas “deficiências” ou
“disfunções”, na perspectiva dos métodos “tradicionais” – passam a ser vistas
como “erros construtivos”, resultado de constantes reestruturações.“
(SOARES,ibid, 2003, p.8).
Uma falsa inferência a este quarto momento da alfabetização, enquanto objeto de
estudo encontra-se na crença de que qualquer metodologia de trabalho do professor com
alfabetização é incompatível com o paradigma conceitual psicogenético. Percebe-se que
os estudos relacionados à alfabetização, ora se caracterizam na aproximação do conceito
à codificação e decodificação da língua, dada a uma retomada mecânica de métodos de
ensino, ora se caracterizam por processos de construção e domínio de produção da
leitura e escrita, conforme afirma Soares:
(...) é que, quando se fala em “método” de alfabetização, identifica-se,
imediatamente, “método” com os tipos “tradicionais de métodos sintéticos e
analíticos (fônico, silábico, global, etc.), como se esses tipos esgotassem todas as
alternativas metodológicas para a aprendizagem da leitura e da escrita. Talvez se
possa dizer que, para a prática da alfabetização, tinha-se, anteriormente, um
método, e nenhuma teoria; com a mudança de concepção sobre o processo de
aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria, e nenhum
método.(SOARES, Ibid, 2003, p. 8).
21
Segundo a autora o termo tradicional é utilizado para caracterizar, de forma descritiva e não avaliativa, os métodos
vigentes até o momento da introdução da perspectiva construtivista na área da alfabetização; “esses métodos hoje
considerados “tradicionais” um dia foram “novos” ou “inovadores” o tradicional não se esgota no passado, é fruto
de um processo permanente que não termina nunca: estamos construindo hoje o “tradicional” de amanhã, quando
outros “novos” surgirão. “(SOARES, ibid, 2003, p.8-9).
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Na disputa hegemônica entre métodos e metodologia de trabalho, encontra-se o
professor, que, na insegurança do como fazer, filia-se ao uso de um instrumento didático,
livro, pré-livro ou cartilha que retratam as concepções teórico-práticas consideradas
atuais, na relação teoria e mercador editor. A prática de buscar referenciais em métodos
familiares é constante na prática do professor alfabetizador que organiza mesmo antes
do movimento denominado Desmetodização da Alfabetização, um verdadeiro “frankstein
metodológico”, ou um espontaneísmo tão prejudicial quanto à ortodoxia dos métodos
tradicionais. Contudo, a possibilidade de interação entre alunos e professores
preconizada pelo paradigma construtivista e Socioconstrutivista fez emergir, no interior da
sala de aula, práticas de valorização da oralidade ligadas ao uso e função social da
escrita, introduzindo as discussões sobre a noção de letramento.
2.3- A Inserção da Noção de Letramento ....
O final da década de 80, no âmbito dos estudos e pesquisas acadêmicos
brasileiros, situam-se as primeiras formulações e proposições da palavra "letramento"
para designar algo mais do que então se podia designar com a palavra "alfabetização".
Uma das primeiras obras a registrar o termo letramento foi Adultos não alfabetizados: o
avesso do avesso, de Leda Verdiani Tfouni, que aproxima alfabetização e letramento para
mais tarde diferenciá-los. O mesmo acontece com a coletânea organizada por Roxane
Rojo, Alfabetização e letramento, em que está também presente a proposta de uma
diferenciação entre os dois fenômenos, embora não inteiramente coincidente com a
proposta por Leda Verdiani Tfouni. Ângela Kleiman, na coletânea que organiza Os
significados do letramento, também discute o conceito de letramento, tomando como
contraponto o conceito de alfabetização, e os dois conceitos se alternam ao longo dos
textos da coletânea. Também o livro de Magda Soares, Letramento: um tema em três
gêneros procura conceituar confrontando alfabetização e letramento.
Segundo Goulart (2001), o termo letramento tornou-se necessário uma vez que o
termo alfabetização relacionou-se a uma visão da aprendizagem da leitura e escrita como
codificação de sons em letras, e o oposto, decodificação para ler. Esta concepção supõe
ser a escrita um modo de comunicação criado para transcrever a fala, contrariando os
estudos de Michalowski (apud, Goulart
,
ibid, 2001) onde a escrita se torna mais uma
forma de comunicação. Assumindo a perspectiva de que escrita e oralidade são
processos distintos, contudo indissociáveis, encontra-se a relação alfabetização e
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letramento, cujas definições busca-se em Soares (2004):
(...) é o processo de aquisição da "tecnologia da escrita", isto é, do conjunto de
técnicas - procedimentos, habilidades necessárias para a prática da leitura e da
escrita: as habilidades de codificação de fonemas em grafemas e de decodificação
de grafemas em fonemas, isto é, o domínio do sistema da escrita (...). (SOARES,
2004, p.91).
E por letramento:
(...) o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita, seja para informar
ou informa-se, para interagir com outros, habilidades de orientar-se pelos
protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses protocolos (...)
(ibid, p.91-92).
Contudo, a noção de letramento envolve polêmica, que, segundo Goulart (ibid,
2001), encontra-se na falta de condição para definir critérios de avaliação no
estabelecimento de diferentes níveis, assim como na dificuldade de conceituá-lo,
possibilitando o reconhecimento de letramentos no plural, apresentando várias
perspectivas, como nos indica os estudos de Kleiman (1995):
A reflexão que sujeitos alfabetizados organizam sobre a linguagem, comparados
aos sujeitos analfabetos: ser letrado significa ter desenvolvido e usar uma
capacidade metalingüística em relação à própria linguagem.
Investigação de um grupo social versus outro grupo social, correlacionando com o
sucesso da criança na escola: o letramento significa uma prática discursiva de
determinado grupo social, que está relacionada ao papel da escrita para tornar
significativa essa interação oral, mas que não envolve as atividades específicas de
ler ou de escrever;
Uso do termo letramento contrapondo à tradicional alfabetização: em certas
classes sociais as crianças são letradas porque possuem estratégias orais letradas
antes de serem alfabetizadas;
Definir letramento como um conjunto de práticas sociais que usa a escrita,
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para
objetivos específicos: as práticas da escola tornam-se, assim, apenas um tipo de
prática do letramento, que desenvolve um tipo de habilidade, não outros.
De acordo com as perspectivas apresentadas, o fenômeno do letramento extrapola
saber ler e escrever, assim também como extrapola a agência escola como a única
formadora. Soares (apud, Goulart, 2001) afirma que a verdadeira natureza do letramento
são as formas e as práticas assumidas em determinados contextos sociais, dependendo
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das instituições sociais que propõem e exigem estas práticas. Mais tarde sugere que a
escola pode explorar práticas letradas equivocadas, sustentando a concepção
denominada, MODELO AUTÔNOMO.
O sentido da palavra autonomia confere ao modelo autônomo de letramento uma
concepção de escrita como produto completo em si mesmo não relacionado ao contexto
de sua produção e independente das reformulações estratégicas que caracterizam a
oralidade. A escrita representa uma ordem diferente de comunicação, distinta da oral, pois
as interpretações desta última estão ligadas às funções interpessoais da linguagem.
Deste modelo advêm outras concepções: a primeira é estabelecer uma correlação entre a
aquisição da escrita e o desenvolvimento cognitivo, e, conseqüentemente, a
dicotomização entre a oralidade e a escrita, atribuindo poderes e qualidades intrínsecas
da mesma. Cabe esclarecer os sentidos de cada uma das concepções.
1 - Letramento e desenvolvimento cognitivo:
O argumento que correlaciona a aquisição da escrita e o desenvolvimento cognitivo
utiliza-se de pressupostos que subentendem letrados e não-letrados e, com isso,
pensamento concreto versus pensamento abstrato, limitando-se às efetivas diferenças no
uso de habilidades, como resolução de problemas de classificação, categorização,
raciocínio dedutivo lógico, entre outros, constatados por Luria (1976, apud, KLEIMAN,
ibid, 1995) em pesquisas realizadas na década de 30.
Luria aponta diferenças significativas nas estratégias utilizadas para solução de
problemas tanto por um grupo de engajados políticos quanto camponeses que ainda
viviam em condições de regime feudal. Uma vez que os sujeitos, entrando em contato
com instituições como a escola, tinham acesso à escrita, começavam utilizar princípios de
organização do conhecimento que não estavam contextualmente determinados. Tentando
isolar a correlação entre as variáveis escolarização e aquisição da escrita, Scribner e Cole
investigaram um contexto na Libéria e concluíram que os sujeitos escolarizados
conseguiam explicar os princípios que estariam envolvidos na resolução de tarefas a eles
solicitadas, sem, contudo, apresentar uma maior capacidade em "atitudes abstratas", ou
seja, não é possível atribuir uma capacidade cognitiva às diferenças que se definem na
resolução de uma determinada tarefa. A associação entre escrita e desenvolvimento
cognitivo confere aos grupos escolarizados um status de superioridade comparado aos
grupos considerados iletrados ou não escolarizados, além de estabelecer a dicotomia
entre a oralidade e da escrita.
A Dicotomização da Oralidade e da Escrita:
De acordo com Kleiman, a prática do letramento autônomo confere à escrita uma
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produção de texto tipo ensaio, justamente aquele que mais se diferencia da oralidade
considerada como informal perante a produção de textos escritos. Entretanto, as
diferenças o bem mais relativas, porque nem toda escrita é formal e planejada, nem
toda oralidade é informal e sem planejamento. Neste sentido as reflexões de Bakthin
consideram a prática social da língua escrita e oral como constitutiva da linguagem.
Adotando pressupostos do dialogismo e polifonia do texto, a oralidade e a escrita podem
ser investigadas na perspectiva e incorporação do outro no contexto permitindo pensar a
aquisição da escrita como um processo que continuidade ao desenvolvimento
lingüístico da criança substituindo o processo de ruptura, que subjaz e determina à práxis
escolar.
Qualidades Intrínsecas da Escrita:
Associado aos demais pressupostos que subordinam a oralidade à escrita,
encontra-se também o pressuposto de que a escrita possui qualidades próprias
corroborando com a perspectiva do letramento autônomo onde escrita é considerada
aspecto vital da condição humana, referência para os povos. Ta postulado associado ao
modelo autônomo de Letramento corrobora com a dicotomização entre escrita e
oralidade, considerando esta última como processos simples, subjetivo voltado para a
exterioridade. No plano oposto encontra-se a escrita, enquanto referência e responsável
pela transformação do pensamento dos povos. A este pressuposto da escrita denomina-
se o "mito do letramento", que confere aos sujeitos que tiveram acesso à escrita, uma
gama de efeitos positivos, tanto no campo social, quanto cognitivo.
Assim o analfabeto é visto como elemento cerceado da liberdade e sobrevivência,
imagem comum nas campanhas blicas ou privadas em prol da alfabetização universal.
Nessa perspectiva atribui-se o fracasso como responsabilidade do indivíduo que pertence
ao grupo dos pobres e marginalizados nas sociedades tecnológicas. Contraponto ao
modelo autônomo encontra-se o modelo ideológico de letramento.
Na verdade, esse modelo não deve ser entendido como uma negação ao modelo
autônomo, assim como os correlatos cognitivos da aquisição da escrita na escola não
são negados e, sim, entendidos em relação às estruturas culturais e de poder que o
contexto de aquisição da escrita na escola representa. As diferenças nas práticas
discursivas de grupos socioeconômicos distintos são entendidas como práticas de
letramento que mudam segundo o contexto. Nesta perspectiva o modelo universal de
orientação letrada, o da escola, constitui-se como desenvolvimento lingüístico para
crianças sociabilizadas por grupos dominantes, mas representa uma ruptura no sentido
{
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}
da escrita para crianças fora desse grupo, sejam eles pobres ou de classes médias com
baixa escolarização.
A evidência das perspectivas psicológica e histórica sobre as noções de
letramento, configuradas a partir destes estudos, apontam dois componentes básicos: os
eventos e as práticas. o os conceitos de eventos e práticas do letramento que,
sobretudo, permitem fundamentar a distinção entre os vários modos de ser letrado.
Por eventos de letramento designam-se as situações em que a língua escrita é
parte integrante da natureza da interação entre os participantes e de seus processos de
interpretação. Por práticas de letramento designam-se os comportamentos exercidos
pelos participantes num evento de letramento quanto às concepções sociais e culturais
que o configuram, determinam sua interpretação e dão sentido aos usos da leitura e/ou
da escrita naquela particular situação.
Na vida cotidiana, eventos e práticas de letramento surgem em circunstâncias da
vida social ou profissional, respondendo às necessidades ou interesses pessoais ou
grupais, são vividos e interpretados de forma natural. Na escola, eventos e práticas de
letramento são planejados e instituídos, selecionados por critérios pedagógicos, com
objetivos pré-determinados, visando à aprendizagem e quase sempre conduzidos por
atividades de avaliação. Chama-se a pedagogização do letramento (Street, apud, Soares,
ibid 2004) o processo pelo qual a leitura e a escrita, no contexto escolar, integram eventos
e práticas sociais específicas, associadas à aprendizagem, de natureza bastante diferente
dos eventos e práticas associados a objetivos e a concepções não escolares.
Corroborando Soares (ibid, 2004), trata-se de práticas sociais de letramento
transformadas em práticas de letramento a ensinar (a escola seleciona para tornar
objeto de currículo); estas, por sua vez, transformam-se em práticas de letramento
ensinadas (são aquelas que ocorrem na instância real da sala de aula) que, finalmente,
resultam em práticas de letramento adquiridas (são aquelas de que, entre as
ensinadas, os alunos efetivamente se apropriam e levam consigo para a vida fora da
escola.). Considerando que formas e práticas assumidas pelo contexto escolar dependem
da instituição que a promove, a autora afirma que a Pedagogização do letramento pode
se tornar uma apropriação indevida do letramento social que é “corrompida” pela escola
na forma de letramento escolar. Polêmicas à parte, Goulart acerca da necessidade de se
pensar o letramento nas várias racionalidades do espaço social, de vários modos de ver,
ouvir, falar e ler a realidade, assim como compreender que as orientações propostas pela
escola se configuram em um modo de ser letrado.
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}
Deslocando a discussão de “comopara “por quê” e “para quêensinar e aprender
a língua escrita na fase inicial de escolarização de crianças encontram-se os estudos dos
aspectos discursivos do processo de alfabetização organizados por Smolka e
fundamentados na relação entre pensamento e linguagem, de acordo com as teorias de
L.S. Vygotsky, M. Bakthin e M. Pêcheux. A autora propõe um "confronto" pedagógico-
epistemológico com os resultados das pesquisas de Ferreiro, abordando a alfabetização
como processo discursivo, enfocando as relações de ensino como fundamentais nesse
processo.
No âmbito da perspectiva interacionista, também merece destaque as
tematizações de João Wanderley Geraldi, que produz e divulga, a partir do início da
década de 1980, reflexões e propostas para o ensino da ngua, valendo-se das
contribuições da Análise do Discurso, da teoria da Enunciação e da Sociolingüística.
Dessa abordagem resulta o deslocamento do eixo das discussões de “como” para “por
quê” e “para quem” se ensina e se aprende a língua. (MORTATTI, IBID, 2000).
Mesmo que diferentes do ponto de vista epistemológico, os referenciais do
interacionismo e construtivismo
22
vão sendo incorporados e apresentados, pelo discurso
oficial, como complementares entre si, sobretudo em virtude da abordagem
psicolingüística, comum a ambos. Esse processo, tal como se configura até o presente,
propicia o surgimento de um sujeito e de um discurso acadêmico especializado sobre a
alfabetização e de um "técnico" sobre o assunto com discurso pragmático, antagonizando
os processos de alfabetização e letramento considerados demasiadamente complexos
para uma atualidade, cujo objetivo é “combater o analfabetismo”. Assim mesmo quando
se considera a perspectiva do letramento, ainda se vê, sobretudo na mídia, defesas e
resgates metodológicos, como a única solução para o problema do fracasso escolar na
aquisição da leitura e escrita conforme citação:
Essa discussão se torna pertinente a partir da definição correta do objeto: se é
letrar, a questão de métodos é irrelevante. Se é alfabetizar, o método se torna uma
questão fundamental, e a pergunta, simples: qual método funciona melhor? E a
resposta se torna ainda mais simples dado o acúmulo de evidências sobre a
questão. (OLIVEIRA, 2006).
23
22
Entende-se por Construtivismo a vertente teórico-metodológica com base nos pressupostos da Epistemologia
Genética de Jean Piaget . Interacionismo, a vertente teórico-metodológica
com base nos pressupostos da Psicologia
Social ou Sócio Histórica de L. S. Vygotsky e seguidores.
23
OLIVEIRA, João Batista de Araújo e. Alfabetização: de volta ao futuro. São Paulo: Jornal Folha de São
Paulo, 18/02/06;
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}
Corroborando Kramer (1986), é preciso superar o antagonismo proposto pela
dicotomia: ou se ensina passiva ou mecanicamente as crianças a ler e escrever ou se
possibilita seu contato e convívio com produções, favorecendo sua construção ativa e
dinâmica do código escrito. Ambos são importantes, a compreensão do código escrito tem
um aspecto simbólico, mas é preciso haver a aquisição dos mecanismos básicos deste
código. Aliás, é preciso romper com a idéia de método enquanto técnica pré-definida e de
práticas de letramento enquanto processo natural da alfabetização; ao contrário,
alfabetizar letrando requer pensar em vários modos de ver, ouvir, falar, ler, propor
soluções à realidade e, sem dúvida, compreender as noções de letramento dos alunos,
certos de que todas as crianças numa sociedade letrada têm numerosas experiências
com a linguagem escrita antes de entrar na escola. (GOULART, IBID, 2001)
Entendendo que a superação de tal antagonismo requer pensar em uma proposta
de organização escolar, cuja noção de tempo e espaço viabilize novas relações de poder
capazes de configurar novas relações com o Saber, apresenta-se a Proposta dos Ciclos
de Formação, seus elos discursivos enquanto política educacional e organização do
tempo-espaço na escola.
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}
3 - A LÓGICA DOS CICLOS EM RELAÇÃO AOS PROCESSOS DE
ENSINO/APRENDIZAGEM NA ESCOLA:
Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a quem se deu no
nome de Ano, foi um indivíduo genial, industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para
qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. entra o
milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e
outra vontade de acreditar que daqui por diante vai ser diferente.”
Carlos Drummond de Andrade.
3.1 - CICLOS: Sentidos e Significados Históricos de um Conceito:
A discussão acerca dos Ciclos de Formação tem ocupado um significativo espaço
na produção acadêmica contemporânea tanto como relato de experiências de redes
municipais e estaduais que aderiram à organização (Barreto e Mitrullis, 2001), como
também estudos que buscam evidenciar aspectos desfavoráveis relacionados a um baixo
desempenho dos alunos apontados por indicadores nacionais (GOMES, 2004). De modo
geral, é preciso esclarecer os obstáculos encontrados no levantamento bibliográfico do
tema.
De acordo com Mainardes (1998), existem diversas propostas de organização
escolar intituladas como “‘aceleração da aprendizagem, organização escolar por ciclos,
projetos de adequação/correção idade-série, classes aceleradas’”
24
, etc., todas com o
objetivo de diminuir e/ou eliminar o histórico fenômeno da reprovação; embora não
necessariamente assumam os mesmos referenciais e pressupostos epistemológicos,
todas se fundam na promoção automática
25
. Esta estratégia foi largamente difundida e
defendida, no Brasil, a partir dos anos 1950, tanto por educadores brasileiros como
Almeida Júnior, Anísio Teixeira e outros, como pela Unesco, tendo como objetivo a
eliminação dos altos índices de repetência constatados na época (MAINARDES, ibid,
1998).
24
Grifos do autor.
25
O termo vem sendo focado de diversos modos, aqui se entende que a promoção automática assume um caráter
imediatista, visando o alinhamento da escola às necessidades da reestruturação produtiva com base em
fragmentação curricular e metodológica que no máximo articula disciplinas em uma lógica seriada. Diferenciando-se
desta concepção, encontra-se a progressão continuada como sendo conseqüência de um projeto de escola cuja
unidade
curricular e metodológica de estudo respeita as experiências significativas para a idade dentro de
uma lógica ciclada. (FREITAS, 2003).
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}
Mesmo estando claro que a passagem automática de um nível a outro não é
sinônimo de melhores condições de ensino
26
, as propostas que emergiram dos anos de
1950 a meados de 1970, tais como Organização em níveis São Paulo (1968-1972);
Sistema de avanços progressivos Santa Catarina (1970-1984); Bloco único Rio de
Janeiro (1979-1984) e outras, apoiaram-se na desseriação, apresentando, como aponta
MAINARDES, na “ausência de discussão prévia com os professores, insuficientes
estratégias de capacitação docente, e o não oferecimento das condições necessárias,
além de se perceber dificuldades dos professores com classes muito heterogêneas”.
(IBID, 1998, p. 22). Essa ausência histórica de participação docente em implantações de
políticas que buscavam romper com os mecanismos de retenção na escola brasileira
encontrou na promoção automática o mais controverso recurso, dado o seu caráter
fortemente marcado pela desseriação, ao passo que a progressão continuada não é um
fim em si mesma, mas o resultado de um processo pensado a partir da concepção de
ciclos.
Barreto e Souza (2004) buscam estudar a construção do conceito de ciclos a partir
das perspectivas presentes na legislação brasileira e das iniciativas de reorganização
curricular até então implementadas no Brasil. A primeira menção à palavra ciclo é
encontrada na lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4024/61 (LDB), que
buscava organizar o ensino primário com duração de quatro anos e o ensino ginasial em
dois ciclos: o ginasial, de quatro séries anuais, e o colegial de três, sendo entendido como
ciclo diferentes etapas de escolaridade em uma proposta seriada de organização escolar,
cujos pressupostos teóricos “em alguma medida inspirou-se na reforma Langevin-Wallon”
(ALMEIDA, 2003, apud, Barreto e Souza, 2004, p.3), no que diz respeito à
correspondência entre as fases de desenvolvimento do aluno e os processos de ensino e
aprendizagem, garantido o acesso de todos à cultura geral.
Contudo, medidas como a promoção automática destinada a romper com a
retenção de fluxo escolar, principalmente nas séries iniciais, e redução do analfabetismo
viam-se presentes desde a cada de vinte dos anos de mil e novecentos, evidenciadas
por questões não educacionais, mas sobretudo de ordem econômica, nos países da
América Latina. A própria criação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e a Cultura), datada em novembro de 1946, teve como principal linha
de ação a redução do analfabetismo, assim como o favorecimento no desenvolvimento de
uma educação de base, formação de professores e administradores. Embora a UNESCO
26
Maiores detalhes ver: Almeida Júnior, Antônio. Repetência ou Promoção automática? Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.27, n.65, p.3-15, jan. / mar., 1957 e TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 2ª
ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.
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}
não seja o único órgão internacional a influenciar políticas educacionais no Brasil, tem
sido responsável pela organização de vários eventos e seminários em torno do debate de
políticas públicas de alfabetização de países da América Latina e Caribe. Esta influência
torna-se significativa no que diz respeito aos anos de 1980, quando realizado o Seminário
Regional sobre Alternativas de Alfabetização na América Latina e no Caribe, tornando-se
claros os pressupostos teóricos acerca da alfabetização, assumidos a partir dos estudos
da pesquisadora argentina Emilia Ferreiro.
Essa aproximação, com uma nova concepção de alfabetização, dá-se no Brasil em
um contexto histórico, em que a promoção automática e os ciclos de escolarização
difundidos até então não respondiam aos anseios de melhores condições de ensino. A
exclusão social tornava-se cada vez mais problemática diante da crise econômica e da
não concretização de um modelo desenvolvimentista, proposto pelo regime de governo
militar, que pudesse promover mudanças na qualidade de vida da população (Carvalho,
2002); nesse contexto emergem propostas de órgãos internacionais e concepções de
educação progressista. (Freitas, 2004). Os ciclos até então difundidos vão assumindo não
um caráter de fenômenos bio-psicológicos, mas também fruto de um processo de
construção histórico-social presente nos tempos modernos nos países de capitalismo
avançado, fazendo-se presente na América Latina, inclusive no Brasil. (Barreto e Souza,
IBID, 2004).
As iniciativas de adoção do regime de ciclos escolares ensaiadas aa década de
setenta tiveram como referência, mais próxima ou distante, o sistema de avanços
progressivos adotados nas escolas básicas dos Estados Unidos e da Inglaterra. Nestes
países a progressão escolar foi vista como uma progressão social, em que todos os
indivíduos tinham direito às aulas, independentemente das diferenças de aproveitamento.
Nessa concepção, a função social da escola, enquanto acesso, sobreleva a sua
função escolar propriamente dita. As escolas de origem anglo-saxônica caracterizaram-se
por ser muito mais tolerante em relação às diferenças de aprendizagem manifestas pelos
alunos, do que as escolas de tradição latina das quais derivou o nosso sistema
educacional.
É possível distinguir vários níveis de aprendizagem que podem ser alcançados por
alunos no mesmo ou em diferentes estágios de escolarização e em tempos diversos.
Assim, na Inglaterra, os alunos podem receber o certificado de conclusão do ensino
obrigatório aos 16 anos tendo apresentado um certo nível de desempenho escolar, o que,
segundo as autoras, elege oportunidades educacionais desprivilegiadas para aqueles
cujas oportunidades educacionais não são as mesmas, conforme esclarecem:
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O que se ignora de modo geral no Brasil é que os sistemas de avanços
progressivos, embora inspirados, na sua origem, em uma concepção mais
democrática de educação do que a que se funda na cultura da repetência,
encontram também dispositivos sutis de aliar a seleção social dos alunos aos
meandros da sua trajetória escolar diferenciada.(BARRETO E MITRULLIS, IBID,
2001, p.111).
Assim como as experiências do exterior, nas décadas de 60 e 70, as primeiras
experiências com o regime dos ciclos sofreram fortes influências comportamentalistas
com a justificativa de evocar do aluno a necessidade de assegurar o direito de progredir
em ritmo próprio, a partir de uma concepção linear e cumulativa de conhecimento. O
princípio predominante versava sobre a capacidade de todos aprenderem por etapas que
avançam em estágios, considerando as gradativas dificuldades; tais expectativas
tornaram-se embriões dos ciclos de aprendizagem, dentre eles os Ciclos de
Alfabetização.
3.2 - Os Ciclos de Alfabetização....
Os ciclos de alfabetização se configuram como os primeiros elos discursivos entre
uma proposta de alfabetização entendida a partir da perspectiva letrada e a organização
escolar por ciclos, entendida como uma proposta de extensão do tempo escolar
compreendendo assim os três primeiros anos do ensino fundamental de oito anos como o
ciclo inicial de alfabetização. De acordo com ta perspectiva encontra-se a proposta de
várias redes de ensino, dentre elas: São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
Segundo a proposta de São Paulo, os ciclos básicos apresentam uma mudança na
atuação da escola democrática. A organização pretendia a flexibilização do tempo e
conteúdos programáticos, bem como ser um conjunto de medidas que dava continuidade
ao processo de alfabetização, a partir dos estudos da psicogênese da Língua Escrita,
Psicolingüística e Sociolingüística, conforme se verifica: “(...) Essa proposta de
alfabetização concebe a linguagem como conhecimento construído coletivamente pela
interação dos falantes da língua e exige uma reflexão epistemológica e uma revisão da
interação sujeito, linguagem e alfabetização. (...)”. (AMBROSSETI, 1990. p.50).
Na verdade observa-se que na busca de um referencial de escrita conceitual vão
se associando outras tantas concepções, muitas de cunho desenvolvimentistas com
predominância de uma visão psicologizante do currículo, restritiva, em relação às
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múltiplas dimensões a serem trabalhadas pela escola. O que se pode perceber é uma
mudança de paradigma, que gerou sério impasse entre o questionamento da
possibilidade do ensino da leitura e escrita e de sua metodização e a ênfase no como a
criança aprende a ler e escrever, ou seja, como a criança se alfabetiza identificando o
conceito de alfabetização com sua flexão no plural (alfabetizações), sem, contudo implicar
a noção de "letramento". (Mortatti,IBID, 2004).
É na proposta Mineira que o sistemas de ciclos associam o desenvolvimento da
alfabetização à uma perspectivas do letramento, submetendo o tempo da escola ao
tempo dessas aprendizagens, afirmando o aprendizado em oposição à retenção.
(SEE/MG, 2003, apud, AMBROSSETI, IBID).
A contribuição dos ciclos de alfabetização diz respeito à consolidação de estudos
que indicavam a necessidade de uma maior flexibilidade no tempo destino à
alfabetização, uma vez que tornou-se difundida a concepção de alfabetização como
processo complexo que inicia fora da escola respeitando as funções sócio-econômicas e
culturais do meio, ainda que esta última concepção esteja associada pelos professores a
defesa da teoria da carência e/ou déficit cultural, para compreender a relação entre o
processo de aquisição da língua escrita e as experiências sócio-culturais dos alunos
justificando o êxito ou fracasso da alfabetização.
A pesquisa de Silva (1991): O Estudo Avaliativo sobre o Ciclo Básico de
Alfabetização em Quatro Escolas de São Paulo torna-se gênero teórico a ser
considerado, uma vez que avalia os sentidos que os professores atribuem ao ciclo de
alfabetização, uma necessidade considerada a extensão do tempo, porém polêmico.
Dessa forma a autora compreende que os educadores de maneira geral, não tinham uma
compreensão global e clara do ciclo, tanto no aspecto pedagógico, quanto político. A
proposta elaborada pela Secretaria do Estado de São Paulo, não era do conhecimento da
maioria dos professores.
Contudo, onde se observa uma adesão ao ciclo, os professores faziam elos aos
discursos teóricos, destacando pontos importantes da proposta, como o lúdico no
processo de alfabetização, entendido como a principal referência da proposta de
alfabetização organizada pela Secretaria de São Paulo, pois quando se referiam a não
retenção do ano para ano, demonstravam entender a importância de um tempo
maior para a alfabetização, conforme esclarecido, embora na prática, a análise dos
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}
dados da autora tinha mostrado, que ideologicamente, os professores continuavam
configurando a divisão da para a 2ª rie. Esta divisão era mais presente nas escolas
com maior rejeição à proposta.
Com relação às Mudanças nas Práticas pedagógicas, os procedimentos utilizados
para alfabetizar os alunos eram absolutamente “tradicionais”, tendo como principal
instrumento a cartilha e os exercícios de repetição. Todos os professores se reuniam
durante duas horas para discutir questões pedagógicas, mas onde não havia adesão ao
projeto o horário era realizado como cumprimento de exigência legal e servia para
encaminhar problemas de disciplina e aprendizagem dos alunos, sempre na linha de
transferir para os pais as providências necessárias. Com relação ao remanejamento de
alunos ou agrupamentos considerando o caráter homogêneo de desenvolvimento do
aluno, a pesquisa demonstrou que tal concepção vem sendo superada, contudo nas
escolas com baixa adesão à proposta, não tinha sido revista a política do remanejamento.
Os estudos de Silva consideram, ainda os êxitos da proposta dos Ciclos de
alfabetização, dentre eles, está o fato de a proposta paulista ter passado por um processo
de adesão, pois a efetiva participação na proposta depende da compreensão que se tem
da mesma ao defender novas concepções de educação, de ensino, de aprendizagem e
alfabetização, assim como o apoio pedagógico nas discussões que os envolvem.
Diante do quadro de êxitos e fracassos que vão atribuindo sentido à política dos
Ciclos de Alfabetização, encontram-se as justificativas para se pensar a ampliação de
tempo e espaço na escola agora assumindo os referenciais de ciclos de formação, pois
embora o primeiro apresentasse um avanço no que diz respeito ao conceito e
fundamentos da alfabetização, agora como objeto de estudo, regredia enquanto
capacidade de propor às demais etapas uma organização de ensino como um todo.
Com a ampliação do conceito e da oferta de educação básica, que passou a incluir
a creche, a pré-escola e o ensino médio, os sistemas escolares passaram por um
reagrupamento associados a uma responsabilidade pública. Assim a educação infantil e o
ensino fundamental tornaram-se responsabilidade dos municípios, cuja saída encontrada
por alguns, diante da necessidade de regularização do fluxo escolar, no ensino
fundamental, encontrou na proposta dos ciclos quase um “imperativo”.
27
27
Palavra utilizada por Barreto e Souza (2004).
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3.3 - Os Ciclos de Formação .....
No âmbito nacional, cuja tônica é a modernização da sociedade, e em que o eixo
da educação gira em torno do aumento da competitividade e da cidadania, as justificativas
que sustentam as iniciativas de adoção de ciclos escolares mais uma vez recorrem aos
conhecidos argumentos marcados por determinantes econômicos e demográficos, que
têm forte papel indutor nas políticas públicas dirigidas à expansão e melhoria da
educação básica do país. Os ciclos passam a ser muito valorizados como um tipo de
resposta ao fracasso e à exclusão escolar, visto que, na perspectiva das sociedades do
conhecimento que permeia a orientação das reformas na área, é fundamental que amplos
contingentes da população tenham condições de desenvolver habilidades intelectuais
mais complexas, sejam capazes de processar múltiplas informações e de organizar nas
relações sociais e de trabalho de modo cooperativo e mais autônomo (BARRETO E
MITRULIS, 2001).
Segundo Gohn, (2002), as reformas sempre remetem a relações sociais a relações
de poder, obedecem a necessidades impostas pelas condições econômicas, apóiam-se
no plano do discurso, com grandes objetivos. Cada estado buscou criar um programa ou
"frame" que o destacasse no cenário nacional e o diferenciasse das mesmas reformas
implementadas nos estados administrados por correntes da oposição. Não existem
estudos que possam analisar as relações de poder e mercado estabelecidas entre as
atuais condições de implantações que os ciclos vêm obedecendo. Contudo, nos cabe aqui
compreendê-lo "(...) como decorrência do tipo de mediação que efetiva no interior do
capitalismo monopolista". (FRIGOTTO, 2001, p.134).
Neste sentido as propostas de Ciclos de Formação implantadas após os anos de
1990 buscam, entre avanços e recuos, a construção de uma lógica ciclada, não
compreendida como milagrosa na erradicação dos problemas do sistema educacional
brasileiro, mas sim como uma proposta teórico-metodológica, que nas palavras de Barreto
e Mitrulis (1999, p.28), compreendem:
Períodos de escolarização que ultrapassam as séries anuais, organizados em
blocos que variam de dois a cinco anos de duração. Colocam em xeque a
organização da escolaridade em graus e representam uma tentativa de superar a
excessiva fragmentação e desarticulação do currículo durante o processo de
escolarização.
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Dentre os vários referenciais teóricos assumidos pelas diversas propostas de
implantação dos ciclos de formação, no país, busca-se fundamentar nos referenciais das
propostas de Porto Alegre, denominada Escola Cidadã, e de Belo Horizonte, denominada
Escola Plural, dadas suas condições de referência às demais políticas de implantação
de ciclo no país, bem como no município de Juiz de Fora:
A escola por ciclos procura articular os seus espaços/tempo com o
desenvolvimento biológico, o contexto cultural das crianças e adolescentes
procurando desta forma democratizar o acesso ao conhecimento.”
‘Para responder a estas questões, o ensino é organizado em três ciclos de três
anos cada, dos seis aos quatorze anos. Os três ciclos correspondem à infância, à
pré-adolescência e à adolescência.(AZEVEDO, 2000, p.131).
Assim como a Escola Cidadã, a Escola Plural esclarece:
Na organização tradicional, o eixo central é o processo de
transmissão/assimilação dos conteúdos curriculares em que o aluno deve
assimilar um mínimo de 60% dos conteúdos pré-definidos para a sua aprovação
para a série seguinte, caso contrário deverá repetir esses conteúdos durante mais
um ou vários anos letivos para assimilá-los. A escola Plural traz uma nova
organização baseada em três ciclos: Ciclo (infância) compreendendo alunos de
6 a 9 anos de idade; ciclo (pré-adolescência) compreendendo alunos de 9 a 12
anos de idade; 3º Ciclo (adolescência) compreendendo alunos de 12 a 14 anos de
idade.(DALBEN, 2000, apud, FREITAS, 2003, p.52-53).
Concluindo com FREITAS (2003), a concepção de ciclos de formação difere-se de
uma concepção em série, no que diz respeito às novas relações de tempo e espaço da
escola a serviço de novas relações de poder entre o estudante e o professor, formando
para a vida, propiciando o desenvolvimento de novas relações entre as pessoas e as
coisas. Assim os ciclos não são meras soluções pedagógicas, o instrumentos de
desenvolvimento de novas relações sociais em antagonismos com as relações sociais
vigentes. Dessa forma, as políticas públicas de adoção, em massa dos ciclos de formação
não contribuem para novas relações de poder e não levam em consideração o caráter
autônomo da escola em optar ou não pela adesão à proposta (FREITAS, IBID, 2004),
configurando-se em propostas cicladas em lógica de série.
A esta questão remete-se outra no que diz respeito à maneira como os próprios
educadores se defrontam com sua formação e sua qualificação, inseridos em coletivos
profissionais de ciclos. Sabemos que não se defende propostas inovadoras listando o que
se quer inovar, listando as competências que os educadores devem aprender e montando
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cursos de treinamento para formá-los (Arroyo, 1999), mas é necessário considerar as
identidades, culturas, práticas e escolhas que o educador faz a cada dia.
Seja por opção da escola ou por adesão de grandes redes de ensino, no Brasil, a
proposta dos Ciclos de Formação tem sido pensada para redes blicas de ensino e
relacionadas com as questões de evasão e repetência. Os estudos recentes de
FERNANDES (2005), apontam dados que nos levam a identificar justificativas teóricas e
práticas pedagógicas das propostas que atendem tanto os argumentos e mecanismos de
reprodução das desigualdades sociais, quanto os argumentos e mecanismos de
superação das mesmas.
No que diz respeito ao contexto geral (espaço escolar, ambiente externo em que a
escola está inserida e a comunidade em torno) é comum entre escolas que aderiram aos
ciclos situações de violência, roubos e depredações, pressupondo que fatores
relacionados ao papel da escola pública para alunos pertencentes às classes
desfavorecidas economicamente encontram-se como justificativa teórico-prática da
implantação dos ciclos:
(...) as questões relativas à violência e indisciplina interferem numa proposta de
trabalho que tem como premissa a estabilidade do corpo docente, a continuidade
das ações pedagógicas, o respeito ao ritmo próprio do aluno e a sua autonomia, a
não-retenção como base de uma avaliação contínua. (FERNANDES, 2005, p.63.)
Também são apontados como fatores aqueles que dizem respeito ao
funcionamento da escola bem como ao seu projeto político-pedagógico; uma vez dada a
implantação, é comum um grande rodízio de professores trabalhando menos de um ano,
ou de um a dois anos na proposta, pressupondo que a organização da escola em ciclos
significa uma mudança de ordem estrutural e não apenas alterações pontuais, cuja
rotatividade de professores impede que se reestruture uma nova lógica de organização
espaço-temporal, de estruturação curricular, de avaliação e de organização do trabalho.
Ainda dentro das Condições Escolares, encontra-se um conjunto denominado Apoio e
recursos em que foram analisados dados referentes à “carência de pessoal de apoio
pedagógico” e a “falta de recursos pedagógicos”. Contrário ao quadro de professores, os
dados evidenciaram maior incidência de apoio e recursos nas escolas cicladas, segundo
as observações dos professores.
Com relação à disponibilidade de carga horária do professor para permanecer na
escola em que trabalha, 89,6% dos professores das escolas com ciclos responderam que
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}
concentram mais a sua carga horária de trabalho em uma ou duas escolas, sugerindo
mais tempo na tomada de compromisso com a escola, na responsabilidade com a
aprendizagem dos alunos, bem como maior participação na elaboração do projeto
pedagógico.
A formação continuada dos professores também foi analisada. Os dados mostram
grande concentração dos mesmos ao participarem de atividades de formação continuada
tanto nas escolas seriadas quanto nas cicladas; a pequena diferença indica que ainda é
inexpressiva a preocupação com a formação dos professores nesse contexto. Os
professores das escolas cicladas participam mais de projetos interdisciplinares e oficinas
e menos de cursos, grupos de estudos e seminários. As atividades de maior relevância
estão associadas à participação prática e tendem a reunirem-se mais vezes em conselhos
de classe, preocupando-se com o acompanhamento constante dos alunos e com sua
avaliação contínua.
Quanto à participação dos professores na elaboração do projeto pedagógico da
escola, existe uma diferença que pode ser significativa: nas escolas seriadas, os
professores que declararam ter os projetos pedagógicos de sua escola elaborados pela
Secretaria de Educação representam o dobro do percentual de professores das escolas
com ciclos. No entanto, esta participação é mais interrompida à medida que se torna uma
participação provisória, pois os professores de escolas cicladas apresentam maior
rotatividade.
Observou-se que mesmo seguindo propostas em redes públicas de ensino, as
implantações até então organizadas levaram em condição a participação dos professores
na elaboração do Projeto Político-pedagógico das escolas e, com isso, acabaram
solicitando e possibilitando maior participação do corpo docente nas tomadas de
decisões, o que indica um fator para a construção de novas relações de poder. Com
relação às justificativas pedagógicas foi comum encontrar um modelo de currículo
pautado em temáticas e projetos, assim como uma incoerência entre a compreensão e
organização de conhecimentos, levando em consideração o fator tempo, como esclarece
a autora:
(...) incoerência entre a concepção de conhecimento existente nos currículos e a
concepção de tempo, que a organização em ciclos requer, faz com que gerações
de estudantes fiquem sujeitas a instabilidade em relação ao que aprendem,
terminando o ensino fundamental ou até mesmo a escolaridade básica com
defasagem de conteúdo e algumas competências pouco desenvolvidas, como a
leitura, por exemplo.(SILVA, IBID,ano, p.74).
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Com relação à avaliação o que ainda prevalece é a idéia de que se não houver
reprovação, não é necessário avaliar, pois em nossa cultura escolar, avaliação ainda é
sinônimo de medida, de quantificação com fins de aprovação ou reprovação, numa
perspectiva seletiva e classificatória. Convivendo com duas lógicas, a escola em ciclos
demonstra estar a meio caminho de uma escola diferenciada da escola seriada, mas que
ainda não está plenamente organizada. “Professores entendem que não precisam avaliar,
alunos entendem que não mais precisam estudar e pais entendem que seus filhos, se não
são reprovados, não estão aprendendo”.(FERNANDES, IBID, p.77).
Em suma, a proposta de organização escolar por ciclos de Formação tem se dado
em contextos em que os índices de violência são maiores sugerindo tanto o benefício dos
alunos destes contextos pelo fato de não serem retidos, evadindo menos e na melhor das
hipóteses, configurando novos espaços de relação de poder como também perpetuando
desigualdades sociais em que o ciclo pode vir a assumir a função de “escola pobre para
pobres” , assim como já nos revelou Barreto e Mitrullis (2001).
O levantamento bibliográfico acerca dos Ciclos de Formação revela-nos que
algumas temáticas, tais como Avaliação, Promoção automática, assim como relatos de
experiências das implantações já realizadas representam a maioria das publicações sobre
o tema, pouco ou nada se produz sobre as concepções e referenciais assumidos pelos
Ciclos o que sugere não uma confusão de nomenclaturas, conforme descrito, mas
também uma confusão de sentidos e significados dados à concepção de tempo, espaço,
currículo e principalmente, incoerência entre a concepção de conhecimento e tempo.
O levantamento bibliográfico acerca dos Ciclos de Formação nos revela que
algumas temáticas tais como Avaliação, Promoção automática assim como relatos de
experiências das implantações já realizadas representam a maioria das publicações sobre
o tema, pouco ou nada se produz sobre as concepções e referenciais assumidos pelos
Ciclos o que sugere uma confusão de nomeclaturas, conforme descrito, mas também
uma confusão de sentidos e significados dados à concepção de tempo, espaço, currículo
e principalmente, incoerência entre a concepção de conhecimento e tempo, como
apontado por Fernandes. A definição da proposta de ciclo tem se dado em analogia a
proposta de série, talvez por isso o maior referencial do ciclo seja a promoção automática,
uma analogia ao maior referência da série, a aprovação/reprovação. Talvez a isto dá-se o
fato de Estudos recentes apontarem que apenas em relação aos ciclos de alfabetização
parece haver um relativo consenso entre os professores, na irreversibilidade do processo,
nas redes em que estão instalados mais tempo, (BARRETO E MITRULLIS, IBID,
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}
2001). Embora não se defenda a concepção de ciclos de aprendizagens contida nos
ciclos de alfabetização, não se pode negar que a concepção de alfabetização que vem
sendo defendida a partir de sua criação pode ser responsável pelo consenso na
irreversibilidade do processo.
Partindo do princípio que a proposta dos Ciclos de Formação pode oferecer uma
distribuição diferenciada do tempo no interior da escola no que diz respeito ao
rompimento com o estabelecimento de níveis de ensino, conteúdos e programas partimos
a uma compreensão de como tal proposta vem se construindo no município de Juiz de
Fora.
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OS GÊNEROS SECUNDÁRIOS E O DISCURSO DOS PROFESSORES:
COMPREENDENDO SENTIDOS .
“ No mesmo prato
O menino, o cachorro e o gato.
Come a infância do Mundo.
ADÉLIA PRADO
28
4 . A ESCOLA DO CAMINHO NOVO: UMA PROPOSTA, MUITOS SENTIDOS....
4.1- Princípios e linhas norteadoras da organização do tempo escolar:
Em 1997, a Secretaria Municipal de Educação do Município de Juiz de Fora deu
início aos princípios da gestão 97-2000, a partir de um diagnóstico da situação de
ensino. São considerados os seguintes pilares: - garantir o acesso e a permanência do
aluno na escola; - desenvolver a educação de qualidade; - valorizar e qualificar o
profissional da educação e - consolidar o processo democrático de gestão do Sistema
Municipal de Educação. (CARVALHO, 2002) Com base nesses pilares, em 1998, deu-se
início ao movimento de construção das linhas norteadoras e as decorrentes estratégias de
ações através do projeto “Na volta às aulas a gente mostra a escola que a gente
quer”. As discussões foram organizadas no interior de cada instituição de ensino e dentre
vários aspectos a serem abordados destacaram-se a organização do tempo escolar e o
fortalecimento do projeto Político Pedagógico, na consolidação do trabalho de cada
instituição. A partir das análises dos documentos produzidos no interior das escolas, a
equipe da SME pôde perceber a insatisfação de algumas escolas com o que, até então,
havia se construído de diretrizes, assim como uma ausência de explicitações, no que diz
respeito ao ideal de escola que se desejava construir. Diante dos fatos, a SME optou pela
construção de um documento único, contendo linhas norteadoras e princípios éticos-
políticos-culturais, resumidamente expostos:
Educação humana, crítica, criativa, que busque ajudar a criança a crescer através
de um trabalho de qualidade, desenvolvido por profissionais/educadores ousados,
motivados, éticos, comprometidos, qualificados e competentes, contando com a
participação dos pais;
Desenvolvimento de um ensino numa perspectiva interdisciplinar, permeado por
temas transversais;
28
PRADO. ADÉLIA. Roça. In: Coração Disparado. Rio de Janeiro: Record, p. 29, 2006.
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Valorização das vivências pessoais dos alunos e respeito à sua cultura;
Trabalho com conteúdos atualizados, permitindo uma vida num ambiente
democrático, agradável, de paz, num clima de respeito entre alunos e professores
para a construção da cidadania;
Aluno como centro de todo o processo de ensino-aprendizagem;
Desenvolvimento de um trabalho democrático, participativo, integrado, eficiente e
solidário;
Estimulação de práticas pedagógicas inovadoras;
A escola como campo de pesquisa e produção do conhecimento;
Definição de um projeto político-pedagógico para cada instituição;
Além da falta de explicitação dos ideais de educação pretendidos, também se
observou uma divergência entre as escolas em relação à estrutura e organização: das
108 escolas que participaram do projeto, 28 colocaram-se a favor da permanência no
regime de seriação e 15 escolas optaram pelo regime de ciclos, sendo que 35
manifestaram dúvidas com relação a definição de uma organização e 30 não se
posicionaram. Diante do quadro a SME, através da Resolução 001/99, criou a
possibilidade das escolas optarem pela implantação do primeiro ciclo inicial do ensino
fundamental, abrangendo crianças de 6, 7 e 8 anos e assumindo, já em 1999, a proposta
do ensino fundamental de nove anos com a incorporação dos alunos de seis anos, assim
como a opção de permanecer com o regime seriado.
Segundo Carvalho, não houve, por parte das escolas, nenhuma opção declarada
por estratégias, planos de ações que pudessem conduzir a prática de tais inspirações. Em
um primeiro momento, a proposta dos ciclos de formação o foi declarada como um
“caminho novo”, até porque as práticas já legitimadas nas instituições estaduais de ensino
do Estado de Minas Gerais fizeram por disseminar o “pânico”, uma vez dadas as
circunstâncias de implantação, assim como seu caráter de regularização de fluxo,
culminando na promoção automática. Acreditando que os princípios almejados versavam
sobre uma nova proposta de organização escolar, a Secretaria Municipal de Educação
(SME), entendeu que os resultados dos relatórios produzidos pelas escolas indicavam a
discordância quanto à manutenção do regime seriado, ao passo que indicavam a adoção
da organização em ciclos, conforme explicita Sarmento (1999,p. 2),
(...) nos relatórios das escolas, verificamos que havia uma nítida divisão entre
aquelas que defenderam a organização seriada e as que vêem em outras
alternativas de ensino uma possibilidade de superar o tradicional, criando maiores
condições para a aprendizagem do aluno.”
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De acordo com a autora, as nove escolas que optaram pela proposta do ciclo
assim o fizeram objetivando romper com uma cultura tradicional instalada, procurando
revisar conceitos como organização do tempo escolar, aprendizagem, avaliação e
metodologia de trabalho, levando em consideração o respeito pelas diferenças individuais
e o aluno como sujeito do processo histórico. Tal revisão conceitual foi orientada a partir
das questões-formadoras, como: Por que a mudança? Como fazer a Travessia? O que
mudar? Mudar em função de quê? Para atingir que objetivos? Tais questões organizavam
as discussões entre a SME e os representantes das escolas que optaram pela proposta,
dentre eles, diretores, coordenadores e professores que se responsabilizavam por um
contínuo de discussões no interior de cada instituição ciclada. Quanto à organização do
tempo escolar, firmou-se a constituição do ensino fundamental de noves anos, com carga
horária mínima de 200 dias letivos, 800 horas de atividades e a exigência de 75% (setenta
e cinco por cento) da carga horária efetiva cumprida no ciclo, que se subdivide da
seguinte forma:
PRIMEIRO CICLO: duração de 03 anos/períodos característicos da infância,
alunos de 6-7; 7-8 e 8-9 anos;
SEGUNDO CICLO: duração de 03 anos/períodos característicos de pré-
adolescência, alunos de 9-10; 10-11 e 11-12 anos;
TERCEIRO CICLO: duração de 03 anos/períodos característicos da adolescência,
alunos de 12-13; 13-14 e 14-15 anos.
Buscando organizar os textos produzidos, até então pelas discussões que
culminaram na adoção dos ciclos por algumas escolas da rede, a SME, em janeiro de
1999, organiza um Caderno intitulado “A Escola do Caminho Novo”, contendo um
histórico dos movimentos e discussões que levaram as escolas a optarem pela proposta,
assim como os referenciais e experiências compartilhadas com as propostas de ciclos em
outros municípios. A justificativa pela implantação se deu como uma vontade das escolas
mediante o movimento nacional de implantação de ciclos, sendo considerada como
alternativa na resolução de problemas considerados “crônicos”, como evasão e
repetência, assim como se assume o referencial teórico das experiências dos municípios
de Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte e Distrito Federal, no que diz respeito às
concepções de aprendizagem e à importância de se considerar a interação do homem
com o meio possibilitados por desafios cognitivos e situações problemáticas. Na verdade,
pretendia-se repensar as concepções de educação e aprendizagem sem contudo
alimentar uma compreensão de ciclo pautada na promoção automática, como esclarece
Sarmento (1999, p.5), “... A preocupação dos professores estava em superar a idéia de
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}
que adotar a organização em ciclos significasse promover o aluno sem saber.”
Com objetivo de promover às escolas o acesso às experiências de ciclo
construídas pelos municípios citados, a SME encaminhou um conjunto de materiais que
continha análises e críticas das implantações realizadas, assim como indicação
bibliográfica de autores que vinham discutindo as propostas. O acompanhamento de tal
estudo foi realizado pela equipe da SME e representantes das escolas e revelou que o
acesso a autores como Piaget, Vygotsky e Bruner, não se mostrava novo; contudo o
era o suficiente para o rompimento de “comportamentos cristalizados” e valores
incorporados ao dia-a-dia da escola. Deu-se início, então, à segunda fase das discussões
acerca dos objetivos, dos conteúdos e das etapas de avaliação definidas por cada
instituição. Com relação aos objetivos gerais e específicos a serem alcançados no
primeiro ciclo, buscou-se apoio nos Parâmetros Curriculares Nacionais, no
estabelecimento de relações entre os conteúdos de Língua Portuguesa, Matemática,
Geografia, História e Ciências, assim como na organização simultânea de uma ficha de
acompanhamento do desenvolvimento dos alunos neste ciclo.
O estabelecimento de gêneros teóricos, como objetivos e conteúdos de atividades,
foi proposto para todas as áreas citadas, tornando-se relevante para esta pesquisa
explicitar os que se referem ao ensino de língua portuguesa, na possibilidade de se
tornarem elos discursivos com as concepções de alfabetização, a perspectiva do
letramento e a própria proposta do ciclo de Formação.
4.2 - Os Objetivos e conteúdos de Língua Portuguesa: Da Proposta de Ciclos à
possibilidade de elos discursivos......
A estrutura do Programa de Língua Portuguesa, proposta pela Escola do Caminho
Novo, sugere a mesma organização encontrada nos Parâmetros Curriculares Nacionais
de Língua Portuguesa, no que diz respeito à subdivisão do ensino da língua em blocos de
conteúdos, como:- Linguagem oral; - Prática de Leitura; - Produção de Texto e -
Conhecimentos lingüísticos. Para cada um dos blocos, organizou-se objetivos gerais e
específicos, assim como as atividades afins.
Assim, encontra-se como objetivo geral do bloco Linguagem oral a capacidade do
aluno compreender as mensagens recebidas, refletindo e opinando com desenvoltura
sobre as mesmas. São elencados como objetivos específicos deste bloco, as situações
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de ensino-aprendizagem que proporcionam ao aluno organizar idéias e expressá-las em
público.
Quanto aos objetivos gerais do bloco Práticas de Leitura, o ensino da mesma
pressupõe a leitura de mundo como possibilidade de inferências na organização de leitura
reflexiva, crítica e participativa. Enquanto como objetivos específicos encontram-se a
capacidade de ler com entonação e ritmo para diversos fins; compreender e diferenciar os
diversos portadores textuais, tais como: poesia, literatura, propaganda, desenho,
quadrinho e outros;
Com relação ao bloco Produção de texto, percebe-se que a prática da produção
textual dos alunos é enfatizada desde o primeiro ciclo, pois, a partir das práticas orais e
leitura de mundo, objetiva-se estimulá-lo a produzir diferentes tipos de textos, escolhendo
adequadamente qual a norma a ser utilizada nas diferentes situações de comunicação.
Dentre os objetivos específicos encontram-se o estímulo à prática de produção de textos
espontâneos tanto coletivos, quanto individuais e o confronto da produção escrita com o
modelo padrão.
O Bloco Conhecimentos lingüísticos organiza-se na culminância dos demais, tendo
por objetivo geral proporcionar ao aluno conhecimentos lingüísticos a partir da prática da
leitura e escrita.
A leitura geral da Proposta para o Ensino de Língua Portuguesa, no ciclo, evidencia
a presença de um tema em todos os objetivos específicos dos blocos de conteúdos, a
preocupação com o ensino da língua padrão, através da pronúncia correta de palavras
(Linguagem oral), do uso adequado da variedade padrão da língua (Prática de Leitura);
no confronto entre a produção escrita do aluno com o modelo padrão (Produção de texto)
e da necessidade de distinção entre a linguagem coloquial e a linguagem escrita
(Conhecimentos Lingüísticos).
A ausência de referenciais teóricos que esclarecem o que se quer dizer com o
trabalho sob a perspectiva da língua padrão pode sugerir tanto práticas em que oralidade
e escrita, embora processos distintos, não se antagonizam, como sugerir práticas em que
a oralidade acontece em subordinação à escrita e, conseqüentemente, a compreensão de
padrão, como pertencente a norma "culta". A leitura dos conteúdos propostos para o
ensino de língua portuguesa sugere, de início, uma perspectiva do ensino da língua
voltado tanto para aquisição e o uso da tecnologia, quanto à função social da escrita.
As situações chamadas eventos de letramento encontram-se marcadas nas
práticas sugeridas no trabalho com linguagem oral, como: correio de cartas, contação de
histórias, dramatizações, leitura de cartazes, dentre outras, com destaque para
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adequação da linguagem às situações comunicativas mais formais que acontecem na
escola. Contudo, o fato de constarem na proposta não é o suficiente para garantí-los
como tal, uma vez que práticas e eventos de letramento podem sugerir práticas de
letramento escolar, em que as situações de uso social da língua transformam-se em
atividade a ser ensinadas.
No diálogo com os objetivos e blocos de conteúdos de língua Portuguesa,
encontram-se presentes elos discursivos com as concepções de avaliação e
aprendizagem. Em relação à avaliação, assume-se como referencial a escola Candanga,
proposta do Distrito Federal, no que se refere à superação do ato de medir
quantitativamente resultados esperados. Alega-se que a mesma contempla questões
ligadas à avaliação do processo ensino/aprendizagem, como, também, avaliação da
organização do trabalho escolar, tanto no que diz respeito ao processo de construção de
conhecimento do aluno, quanto à ação pedagógica expressa no projeto político-
pedagógico, de cada uma das escolas.
A perspectiva avaliativa assumida é a qualitativa. Leva-se em consideração: o
aluno e seu desenvolvimento crítico e convivência participativa; o material didático
utilizado; a capacidade político-pedagógica do professor e a convivência criativa entre
escola e comunidade. Entende-se que o registro descritivo em fichas de
acompanhamento dos alunos é um dos instrumentos sugeridos pela concepção avaliativa,
assim também como registros do processo e produto do trabalho conforme descritos no
documento:
(...) do aluno (deve abranger todas as produções de todas as áreas de
conhecimento, exercícios, trabalhos, pesquisas, etc., como também sua
auto-avaliação). Do Grupo-Classe (deverá abranger a avaliação das
atividades, o conhecimento construído, apontando os avanços e
dificuldades, mas também os caminhos para uma nova ação). Do professor
(deverá abranger o acompanhamento do processo de cada aluno, grupo-
classe e do seu próprio processo).(SARMENTO, IBID, 1999, p.19).
Ainda relacionado ao registro avaliativo, é necessário considerar que não se
relaciona apenas na avaliação do professor sobre o aluno, mas na avaliação do aluno
perante ele mesmo, na avaliação do grupo e na avaliação do professor. Com relação à
avaliação do aluno, o texto sugere critérios, como: avanços, necessidades, relação com o
grupo, contribuições, freqüência, envolvimento nas tarefas, o que produz sozinho, com os
colegas, ou com o professor e o que ainda não consegue produzir, mesmo com mediação
do professor.
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Em relação à avaliação do grupo-classe, considera-se, além dos avanços e
necessidades, o desenvolvimento das atividades e as relações inter e/ou intragrupais; em
relação à avaliação do professor, considera-se a consonância entre seus objetivos e os
propostos pelo ciclo, os recursos metodológicos, seu papel , avanços e reformulação de
sua proposta. O documento aponta, ainda, a atribuição de conceitos avaliativos do aluno
e utilizados como sínteses de produção; são eles: P (plenamente Satisfatório), S
(Satisfatório), NS (Não-Satisfatório).
Encontra-se, ainda, anexado ao caderno, um texto organizado que busca no
referencial da proposta de São Paulo apresentar as contribuições da Filosofia, História da
Educação Brasileira e da Psicologia na discussão da avaliação, bem como do processo
de registro que ela desencadeia. O mesmo ressalta a importância de se pensar as bases
teóricas que possibilitam o educador entender o processo de construção de conhecimento
do aluno, uma vez que tais bases indicaram o caminho a ser seguido no processo de
avaliação, conforme esclarece: “... quando o educador não sabe qual caminho seguir para
medir o processo de elaboração de conhecimento de seus alunos, com certeza vai se
espelhar no seu próprio processo de materialização do saber”. (SANTOS, 1999, p.10)
O texto salienta a importância de se repensar visões de mundo, conceitos, valores
e princípios em torno das concepções de aprendizagem e desenvolvimento, utilizando os
estudos da Psicologia do Desenvolvimento no que se refere a Piaget, Vygotsky e Wallon.
As contribuições de Piaget referem-se ao entendimento de que o conhecimento não é
cópia e nem memorização da realidade, baseando-se no princípio de que a inteligência
cumpre uma função adaptativa na medida em que permite retirar informações do meio e
organizá-las. De acordo com tal contribuição, assume-se uma perspectiva construtivista,
cujo sujeito desempenha um papel ativo na sua aprendizagem. Ao apontar as
contribuições de Vygotsky, o texto faz uma analogia a Piaget, deixando claras as bases
epistemológicas diferenciadas de ambos no que se refere ao entendimento do sujeito
histórico e social, em que a aprendizagem ocorre no estabelecimento de relações sociais
destacando, sem entrar em detalhes, os conceitos: instrumento, mediação simbólica,
Zona de Desenvolvimento Proximal e Zona de Desenvolvimento Real.
As contribuições de Henry Wallon referem-se ao entendimento da construção
social da personalidade humana; no que diz respeito à contribuição para a proposta do
ciclo, torna-se papel da escola provocar o aluno através de tarefas que desafiem as
capacidades do mesmo na relação com o mundo.
Em resumo, o primeiro caderno síntese da Proposta do Ciclo, no município de Juiz
de Fora, busca fazer um resgate histórico que antecede a opção, estruturar a organização
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do tempo escolar, no que se refere a definição dos ciclos, assim como estabelecer
referenciais teóricos norteadores com algumas experiências cicladas no país, justificadas
enquanto propostas que superam uma prática pedagógica homogênea, individualista,
autoritária, mecânica e fragmentada, cuja avaliação não faz relações com o trabalho
cotidiano tornando-se classificatória e cognitiva.
Dando continuidade a expansão da implantação dos ciclos, foi editada a resolução
N
º
02/2000 CME (Conselho Municipal de Educação), definindo que o sistema de
organização das escolas do município poderia se dar tanto pela proposta do ciclo, quanto
da série. Esta resolução foi publicada em um segundo caderno que continha as reflexões
do grupo representante das escolas de Ciclo acerca da organização do tempo e do
trabalho no interior da escola. Segundo a proposta elaborada pela comissão, os alunos e
professores passam a ser o eixo no qual serão organizados seus espaços e tempos de
formação.
O caminho encontrado na promoção de um diálgo entre as disciplinas, procurando
resgatar o prazer da construção do saber de alunos e professores, foi o trabalho com
projetos.
29
A construção de uma proposta coletiva de trabalho no interior das escolas
possibillitou maior articulação entre os ciclos, tocando na “ferida” da organização escolar
ao considerar a distribuição do tempo.
Nas turmas iniciais a organização ocorria sem maiores problemas, com um
professor responsável pela turma, o que não ocorria com as quatro últimas turmas do
fundamental nas quais o trabalho do professor era regulamentado por módulos-aula de
cinqüenta minutos . A questão veio à tona quando se tinha, no segundo ciclo (alunos de 8,
9 e 10 anos), duas estruturas de tempo diferenciadas, e perpetuá-las significava manter a
mesma lógica, com nome diferenciado; alterá-la significava repensar novo tempo de
trabalho para o professor.
O sindicato dos professores mobilizou toda a categoria da rede municipal, que
pressionou o legislativo a aprovar a Lei Municipal 9372, de 10 de Março de 2000, em que
todos os professores regentes passam a ter uma jornada de vinte horas semanais de
trabalho, das quais 18 horas/aulas são reservadas à regência “ficando as horas restantes
da jornada destinadas ao exercício de atividades docentes extraclasse, não sendo estas
atividades obrigatoriamente, exercidas na escola”, deixando claro que a duração da
hora/aula era de 50 minutos. (JUIZ DE FORA, 2000c, p.100, apud, CARVALHO, 2002,
29
Segundo CARVALHO (2002), a SME ofereceu cursos e oficinas voltados para a formação de todos os
professores da rede. Por três anos consecutivos foram oferecidos cursos sobre Pedagogia de Projetos
ministrados por professores da rede municipal de Belo Horizonte, assim como a presença de dois
professores de Porto Alegre, divulgando as experiências dos Complexos Temáticos desenvolvidos pela
Escola Cidadã.
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}
p.118).
Demonstrando descontentamento com a falta de discussões e definições do que
seria considerada como atividade extraclasse, a SME, na pessoa da secretária, divulgou o
parecer 002/2000, com o objetivo de orientar as escolas em relação ao cumprimento da
lei, em termos de regulamentação do tempo do professor, considerando que, do período
destinado para a jornada de trabalho do professor, 25% deveriam ser reservados aos
estudos, planejamento e avaliação do trabalho didático, atribuições entendidas como o
tempo destinado ao trabalho individual, preparação de aulas e correção de tarefas dos
alunos e trabalho coletivo, tais como reuniões administrativas e pedagógicas, estudos e
atendimento aos pais.
A organização desse tempo deveria estar de acordo com a proposta pedagógica
de cada escola, independentemente da organização ciclada ou seriada, uma vez que
tanto a lei quanto o parecer regulamentavam a carga horária de trabalho do professor da
rede municipal. Contudo, a forma e os critérios para a distribuição dos professores no
interior dos ciclos diferenciavam-se da organização por série, sendo facultado à escola
pensá-los de acordo com a proposta político-pedagógica.
Levantadas considerações acerca da estrutura de implantação e implementação da
proposta do ciclo no município de Juiz de Fora, corrobora-se com Carvalho (ibid) no
entendimento de que tal proposta foi se construindo num processo de diálogo marcado
por avanços e recuos advindos dos conflitos gerados no interior das escolas, na relação
com o sindicato, no confronto com valores e crenças arraigados na prática pedagógica, na
organização da escola e na própria formação docente.
Passados Sete Anos .......
O diálogo entre SE e escolas cicladas não é mais o mesmo. Acontecimentos, como
mudanças na própria configuração organizacional da mesma, que nos últimos cinco anos
passou por duas configurações distintas, Gerência de Educação Básica e,
posteriormente, Secretaria, ilustram que as discussões focaram uma estrutura
administrativa que objetivava adequação ao modelo difundido pela reforma administrativa
da então gestão municipal, modelo este que representava não na mudança de
nomeclatura, mas também na posição subalterna da Gerência frente à tomada de
decisões e previsão orçamentária, acarretando cortes na folha de pagamento e a
conseqüente inviabilização de vários projetos escolares, inclusive aos que se referem às
escolas cicladas.
A atual retomada da Secretaria (SE), enquanto estrutura e funcionamento, não
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desconsidera as escolas cicladas, mas não dialoga. Na verdade, as escolas possuem
conflitos que não conseguem resolver e não encontram respaldos no diálogo com a
Secretaria, cujo foco atual se encontra nas escolas de Tempo Integral, levando-nos a
corroborar com Barreto e Mitrullis (2001), no que diz respeito ao entendimento de que
propostas educacionais, como os ciclos, são consideradas como “verdadeiras e
democráticas” pelos grupos políticos envolvidos com o processo inicial da implantação,
como se a proposta fosse representante ou herdeira exclusiva de um ideário partidário.
No entanto, a proposta é também o posicionamento das escolas que optaram por ela,
mediante reflexões.
Durante os anos de 2004 e 2005, os encontros com as escolas cicladas se deram
entre os representantes das instituições e SE. A síntese dos trabalhos aponta uma
necessidade de recomposição curricular, no que diz respeito aos fundamentos, conteúdos
e atividades, assim como a manutenção de garantias, como: quadro de pessoal efetivo
com direito à substituição, quando necessário; viabilização do coordenador pedagógico
para todas as instituições e definição de um processo de formação docente contínuo.
Segundo o relatório destes encontros, os diretores se comprometiam dar
continuidade às discussões iniciadas no grupo-representante, no interior de cada uma de
suas escolas. O que a princípio não revela empecilho, assim não se tem apresentado. O
que tudo indica é que a ausência dos professores nestes grupos manteve as discussões
em um nível não suficiente para desatar os “nós” enfrentados pelos mesmos, no cotidiano
da sala de aula.
O último encontro das escolas cicladas com a SE, no final de 2006, revelou uma
intensa insatisfação de algumas instituições que demonstravam não mais assegurar os
princípios que as levaram à opção pela implantação, justificando a ausência de uma
política de formação e a impossibilidade da manutenção de uma proposta complexa
diante da rotatividade de professores. A situação se agrava com a mudança de direção de
algumas escolas, cujos diretores eleitos consideram que os fatores mencionados são um
descaso da SE para com as escolas cicladas.
Assim, no início de 2006, das quinze instituições cicladas, duas optaram por
retornar à prática da série, assim como outras iniciaram um processo de questionamento
e discussão das atuais práticas, mostrando um grande descontentamento, embora de
início não representado pela retomada à prática da série. Dentre estas instituições
cicladas, encontra-se a Escola D, que embora não tenha retomado a proposta da rie,
discutiu tal possibilidade durante o ano de 2006, conforme os relatos da SE.
Esclarecidos os percursos e os elos discursivos que se fazem presentes na
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proposta de implantação do Ciclo, cabe, agora, apresentar cada uma das escolas campo
considerando a caracterização das mesmas e as experiências dos professores sobre
alfabetização, letramento e ciclos. A partir de então busco compreender os sentidos que a
proposta geral se aprensenta em cada uma das escolas-campo, bem como no discurso
dos professores.
4.3 - Duas Escolas, Duas Histórias............
A escolha da ESCOLA D e ESCOLA M deu-se, inicialmente, pela opção na
organização escolar por ciclos de formação e, posteriormente, por se apresentarem como
contextos diferenciados, considerando o acesso à proposta do ciclo, a forma de
organização curricular, o número de alunos, professores e a localização.
A aproximidade com os campos revelou-me que as questões sobre o ensino da
língua escrita e leitura, ou seja, alfabetização, encontravam-se no foco das discussões
das duas instituições, embora as justificativas para tanto fossem diferenciadas. A escola
D encontrava-se na tentativa da construção de uma proposta de alfabetização e na
reafirmação da proposta do ciclo, enquanto que a escola M encontrava-se na
consolidação de uma proposta de alfabetização aliada à prática do ciclo de formação.
Na verdade, buscou-se compreender as concepções de alfabetização presentes no
discurso dos professores da escola D, em meio à tensão e dificuldades dos mesmos ao
pensar uma proposta de alfabetização e ao pensar a própria proposta do ciclo, bem como
compreender as concepções de alfabetização dos professores da escola M, subsidiadas
por uma proposta diferenciada de organização curricular que, de acordo com o Projeto
Político-pedagógico (2006), também se justifica na adoção da proposta do ciclo de
Formação.
Para uma maior compreensão do campo discursivo dos professores do primeiro
ciclo, de ambas as instituições, com atuação na chamada fase da alfabetização elencou-
se um breve histórico das instituições, quanto a caracterização; os pressupostos que
levaram à implantação do ciclo, a proposta de alfabetização, organização curricular do
aluno, organização da jornada de trabalho do professor, no que diz respeito à viabilização
de tempo para estudos e discussões e as formas utilizadas no registro avaliativo. Para
tanto, se levou em consideração os registros escritos do Projeto Político-pedagógico
{
PAGE
}
(PPP)
30
de cada instituição, no ano de 2002, dado o seu caráter de conter as justificativas
e pressupostos da implantação dos ciclos de formação e o atual PPP, datado de 2006, na
definição dos demais pontos elencados. Quanto aos dados referentes à trajetória
acadêmica e profissional dos professores em relação ao lugar e aos sentidos produzidos
pelo seu discurso sobre a alfabetização, optou-se por um questionário.
4.4- Caracterizando a ESCOLA D:
A escola D possui uma história ímpar, dentre as demais escolas do município, no
que se refere a sua história, seus alunos e a proposta do ciclo de Formação. Os sentidos
e os elos discursivos que marcam sua trajetória estão postos nos seus dois Projetos
Político-pedagógicos, bem como nos discursos dos seus professores com atuação no
primeiro ciclo, sendo que destes apenas um encontra-se presente desde a implantação
do ciclo. Recontar sua história é como montar um quebra-cabeça em que algumas peças
estão incialmente fora do alcance. Embora muito tenha a se contar, é difícil fazê-lo sem o
envolvimento apaixonado de quem também é professor e tem o privilégio de se encontrar
na posição de pesquisador. Vamos a história...
Até março de 1999, a escola D era administrada pelas Aldeias S.O.S.
31
no Brasil e
atendia apenas as crianças sob a guarda da referida instituição, passando, a partir de
então, a ser administrada pelo poder público municipal em regime de Comodato
32
como
segundo endereço de outra instituição pública municipal localizada no mesmo bairro.
Atende crianças de Educação Infantil ao terceiro ciclo, na seguinte disposição:
duas turmas de educação infantil (primeiro e segundo período), cinco turmas de primeiro
ciclo (uma de primeiro ano, duas de segundo ano e duas de terceiro ano); sete turmas de
segundo ciclo, três turmas de terceiro ciclo, três turmas de Ensino de Suplência Modular
33
(5ª a série) que devem ter seu término em 2007, 2 turmas de Projeto Caminhar I (de
a série) e 1 turma de Projeto Caminhar II (de a série), totalizando 21 turmas e
contando com 520 alunos.
30
Conforme já esclarecido, além dos grupos focais se considerou também os diálogos presentes nos textos
do Projeto Político Pedagógico (PPP) de cada uma das escolas pesquisadas.
31
Entidade sem fins lucrativos, presente em diversas regiões do Brasil e em 132 países. Através do
Programa de Casas-Lares, acolhe crianças em situação de risco social. Maiores informações ver: {
HYPERLINK "http://www.aldeiasinfantis.org.br" }.
32 O artigo 579, do digo Civil, define o comodato como: o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis
que se perfaz com a tradição do objeto. Nesse conceito se encontram os três elementos básicos do
contrato: a gratuidade do negócio, a não-fungibilidade do objeto e a necessidade e sua tradição para o
aperfeiçoamento do ajuste. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Vol3. São Paulo: Saraiva, 2002 p.256.
33
Denomin-se de Suplência Modular, a proposta de Educação de Jovens e Adultos (EJA), onde o aluno
possui um vínculo semi-presencial com a instituição escolar. Seus estudos organizam-se por módulos de
conhecimento, cujas vidas são tiradas por professores, em regime de plantões semanais. Ao final dos
módulos de uma determinada disciplina, o aluno presta uma avaliação e se aprovado, parte para novos
módulos das demais áreas do conhecimento.
{
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}
Possui um espaço físico privilegiado com 10 salas, sendo 7 utilizadas para aula
presencial com turmas, uma para aulas de informática, equipada com 10 micro-
computadores, uma sala destinada ao trabalho de Arte,
34
equipada com pia, uma sala
utilizada como laboratório de aprendizagem, quatro banheiros para alunos, uma
biblioteca, uma sala de recursos,
35
um refeitório, uma cozinha, uma despensa, um
depósito, sala e banheiros de professores, depósito de material de Educação Física, uma
sala para direção, uma secretaria, um pátio coberto e um pátio descoberto, um auditório,
um camarim, bem como utiliza, durante os dias letivos, o campo de futebol da Aldeia
S.O.S.
Seu relacionamento com a Aldeia é considerado tenso pela vice-direção, pois tanto
os administradores da instituição, quanto as “mães-sociais”
36
, alegam uma discriminação
da escola para com os “aldeanos”, crianças, jovens e adolescentes em situação de risco
ou abandono social quando da tomada decisões frente a indisciplina de alguns alunos
oriundos da Aldeia. De acordo com a vice-direção, as mães-sociais responsabilizam-se,
contratualmente, por tarefas domésticas e não participam da vida escolar das crianças.
Quando acontece a necessidade de comunicação da escola com a Aldeia, não há a quem
procurar, às vezes a administração comparece, mas as alternativas encontradas são
sempre permissivas, segundo os relatos da direção e vive-direção. A queixa da Aldeia, de
discriminação sofrida pelas crianças frente à escola, é negada pela direção que
argumenta o contrário, as crianças e a própria Aldeia consideram-se discriminadas, ao
atribuir ao "seu" espaço uma invasão pelos demais alunos do bairro.
Na verdade não percebe os mecanismos sociais e sutis da discriminação
apoiados pela teoria do déficit cultural ....... por que Os ciclos???
No momento da municipalização, a escolha do diretor e do coordenador
pedagógico deu-se por indicação da SE, privilegiando profissionais advindos das
discussões prévias sobre a proposta dos ciclos. Apesar de nada escrito, percebe-se que,
em meio à efervescência do Ciclo de Formação, encontrava-se a iniciativa da Secretaria
em sustentar a opção entre série e ciclo para as escolas em funcionamento e conduzia as
discussões da proposta ciclada nas escolas que estavam sendo criadas no momento ou
34
Entendida como aula de Educação Artística.
35
O nome que se atribui para a sala organizada com recursos para uso pedagógico, tais como, vídeo,
televisão, DVD, aparelho de som e retroprojetor.
36
Nome dado às mulheres que se responsabilizam por um grupo de dez crianças. São exigências do
cargo: estado civil solteira e aprovação em processo seletivo, sendo um cargo remunerado e com
direitos trabalhistas.
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}
após a implantação, como é o caso da escola D que, de acordo com o Projeto Político-
pedagógico organizado em 2002, logo se dedicou a promover a reflexão entre os
profissionais da escola quanto à viabilização da proposta do ciclo implantada em 2000,
bem como reuniões com pais na tentativa de esclarecimento de tal proposta. Porém a
convicção presente na proposta, em 2000, passados os anos e os professores, não
condiz com os atuais argumentos que buscam na prática da série a retomada das
diretrizes.
Embora não se apresente em forma de justificativa, os caminhos os quais levaram
à opção pelo ciclo, consta no PPP (2002, p.4) que a mesma se deu sob processo de
reflexão da escola, acerca da ... continuidade de alguns trabalhos existentes e como
desenvolver outros, além do relacionamento interpessoal, trabalho de equipe, relação
professor/aluno.” Mesmo que não esteja claro quais os trabalhos desenvolvidos que
subsidiaram a proposta do ciclo, consta no PPP (2002) que estes estão relacionados à
melhoria da aprendizagem dos alunos, afirmando que os mesmos “tinham uma
defasagem de conhecimento e competências”, e um “... histórico da promoção
automática, com um professor auxiliar procurando propiciar aos alunos em questão
subsídios para saná-las, sempre com entrosamento com o professor regente,
coordenador, diretora e outros profissionais” foi a maior justificativa para se pensar na
proposta do ciclo. O PPP (2006) legitima as razões pelas quais se continua sustentando a
opção, mesmo quando se percebe, pelo discurso dos professores e direção, um
desnorteamento dos princípios da proposta:
Em uma parcela considerável dessas crianças e adolescentes percebemos atitudes
de indisciplina, desinteresse e pouca orientação familiar no que tange à escola e a
preparação para a vida, além de observarmos um número expressivo com
dificuldades de aprendizagem marcantes, o que leva a uma reflexão mais
acentuada sobre o problema e, neste caso, entende-se que o Ciclo de Formação
nos oportuniza melhores caminhos. (PPP, 2006, p.6)
A idéia de que a comunidade é formada por alunos “carentes tanto
emocionalmente quanto financeiramente (PPP,2006,p.8) vem sendo utilizada na
sustentação de uma concepção equivocada de ciclo, em que conceitos de tempo e
espaço tornam-se figurativos, significando a ampliação cronológica para um determinado
saber cujos aprendentes portadores de “dificuldades” necessitam. Eis, pois, a questão:
seria essa “dificuldade”, “carência” relacionada à aprendizagem da leitura e escrita, na
fase da alfabetização? Analisando os dados de organização das turmas de 2001,
verificou-se, dentre as demais turmas da escola, três turmas-projeto: duas de
Alfabetização e uma sem especificação, chamada turma 11. Esta organização de turmas
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}
nos proporcionou, de antemão, perceber que a escola possui turmas com níveis
diferenciados de alfabetização, uma vez que se busca agrupar alunos alfabetizados e
não-alfabetizados. Esse fato se confirmou com a entrada no campo, mediante
caracterização das turmas e do conhecimento de que a escola mantém uma turma na
terceira fase - C8, cujos alunos já passaram pela trajetória da alfabetização, não se
alfabetizaram e foram agrupados nesta turma.
Os critérios que levaram a tal reagrupamento são considerados subjetivos, pois se
espera um nível de desenvolvimento considerado ideal para cada etapa, contudo não
registrado em planejamentos, conteúdos ou programas. Estes professores tiveram acesso
aos objetivos de língua portuguesa sugeridos pelo documento do ciclo, mas dizem ser
insuficiente comparado ao que esperam de um planejamento: o como fazer.
Quanto à organização da jornada de trabalho do professor, no que diz respeito ao
espaço destinado às reuniões pedagógicas e grupos de estudo, existem com duas
horas/semanais de duração, organizadas de acordo com a jornada de trabalho do
professor, prevista na lei Municipal 9372/00; porém não foram suficientes para se
efetivarem em espaços reais de discussão e superação de pressupostos como o “déficit
cultural” e “deficiência cultural”. O fato é que as discussões entre SE e representantes das
escolas parecem não ter atingido o chão desta escola e, se o atingiu, disseminou-se na
grande rotatividade docente marcada pela reivindicação do coletivo em relação à
efetivação de um maior número de professores, superando o quadro de 12 professores
efetivos para 15 professores contratados, em 2002. O mesmo ocorre nos dias atuais:
considerando o primeiro ciclo, dos cinco professores existentes, apenas 2 são efetivos e
três contratados.
Com relação ao tempo e espaço destinados às discussões destes professores, em
reuniões coletivas semanais, a escola D, junto com seus professores, organizou a carga
horária do aluno (20horas semanais) e a do professor (15 horas de regência + 5
extraclasse), de modo a possibilitar as reuniões coletivas, acontecendo uma vez por
semana com duração de 1h30min. Como tal prática não era recorrente em todas as
escolas do município, sobretudo nas cicladas, tornou-se reinvindicação de todos os
professores da rede. A solução encontrada pela SE foi estabelecer o pagamento de
adicional de 4% (lei 11.169/06) , ao salário dos professores que participassem, ao menos,
em dois encontros mensais de 2 horas ou um encontro mensal de 4 horas.
Conclusão: diante da resolução, os professores da Escola D, que se
encontravam quatro vezes por mês, entendendo que esta carga pertencia a cinco horas
extraclasse, negaram-se a continuar os encontros para além da carga estabelecida na lei.
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Assim, a escola D tem dois momentos mensais de reuniões com duração de duas horas
cada.
Para além das questões relacionadas ao tempo de discussão, encontram-se,
também, aquelas relacionadas à função e organização destes espaços coletivos,
denominados reuniões pedagógicas. Como uma prática institucionalizada na Escola D,
pois consta inclusive no PPP (2006), as reuniões pedagógicas sempre o iniciadas por
uma confraternização entre os professores, coordenação e diretores, que comparecem
com algum com “gênero alimentício”. Este fato tem afastado os professores de uma
discussão das questões que envolvem o pedagógico da escola, pois, após a
confraternização, dá-se início aos informes administrativos e, quando há tempo, passa-se,
então, às questões pedagógicas (planejamentos, avaliações e outras).
Nas reuniões observadas, foi constante a reivindicação dos professores em
relação ao planejamento de ensino, tanto coletivo do ciclo, quanto coletivo da escola. Ao
justificar os objetivos da pesquisa, deixei claro que buscava analisar documentos, como,
por exemplo, o PPP e os planejamentos de Língua Portuguesa do primeiro ciclo, e logo
me foi esclarecido que os planejamentos estavam em fase de organização e que cada
professor seguia o seu.
Em relação à avaliação, assim como aos planejamentos, a prática de relatório ou
fichas descritivas sobre os alunos não era uma constante e muito menos exigida pela
escola. Os registros escritos, como prática avaliativa, assim como sugere a proposta do
ciclo, não se encontravam marcados nos discursos destes professores e, quando
realizados, não se faziam por questão de concepção ou relação com a prática do ciclo,
mas como prática isolada de alguns professores.
O grupo de professores do primeiro ciclo (um da ano, dois do ano e 2 do
ano) tem experiência de trabalho, na rede municipal, entre a faixa dos cinco aos doze
anos, bem como outras experiências em rede estadual ou privada. Embora,
aparentemente, esta média seja considerada significativa, para um maior conhecimento
dos professores sobre as políticas municipais de ensino, esse tempo não se refere à
escola D, ou seja, embora tenham um percurso significativo pela rede, estes professores
têm pouco tempo nesta escola. Apenas um professor com mais de cinco anos na escola
(PD-1).
Assim, a rotatividade dos professores é uma constante no quadro da escola D. Dos
cinco professores do primeiro ciclo, apenas dois são efetivos (PD1 e PD-3.2) e destes
apenas um tem mais de cinco anos na escola, portanto participou do processo de
implantação do ciclo nesta escola. A PD-3.2 também tem experiência significativa com o
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ciclo, porém em outra instituição; os demais possuem vínculo empregatício por via de
contrato e experienciam o ciclo pela primeira ou segunda vez.
Considerando a faixa etária, esses professores encontram-se entre os trinta e
cinqüenta anos. Apenas dois iniciaram estudos na Educação Infantil, os demais iniciaram
no Ensino Fundamental; todos transitando entre as redes pública e privada, sendo que
dois professores fizeram o ensino supletivo, como recurso para conclusão do ensino
médio e, posteriormente, o curso de Magistério. Todos os professores do grupo possuem
curso superior com licenciatura, variando entre Pedagogia e Matemática.
Em relação à experiência docente, todos possuem mais de dois anos de trabalho
efetivo ora com a educação infantil, ora com as séries iniciais do ensino fundamental.
Com exceção de um professor, todas as demais trajetórias, tanto discentes quanto
docentes, foram experienciadas na organização seriada de escola, apenas um possui
experiências com classes multisseriadas, na zona rural do município, cuja "missão"
37
nesta instituição sea turma de terceiro ano do ciclo não alfabetizada. A seguir o quadro
do magistério do primeiro ciclo da escola D:
Professores Graduação
Pós-
graduação
Tempo de
magistério
Vínculo com a
SE
Tempo de
alfabetizador
Tempo de
ciclo de
formação
PD- 1
(1º ano)
Pedagogia Educação
Infantil
9 anos Efetivo 4anos 7 anos
PD-2.1
(2º ano)
Matemática
Matemática
6 anos Contratada Não
respondeu
Um ano
PD-2.2
(2º ano)
Pedagogia Psicopeda-
gogia
12 anos Contratada 7 anos Um ano
PD-3.1
(3º ano)
Pedagogia Psicopeda-
gogia
10 anos Efetivo 5 anos 7 anos
PD-3.2
(3º ano)
Pedagogia Educação
e Saúde
5 anos Contratada 3 anos 2 anos
4.5 - Caracterizando a ESCOLA M ...
A escola M encontra-se localizada em um bairro periférico do município de Juiz de
Fora, região de granjas e sítios, foi fundada em 1969 com o objetivo de atender demanda
proveniente dessa região. O número insuficiente de alunos, na época, proporcionou-lhe a
organização com turmas multisseriadas, bem como um diretor, um secretário e um
37
Missão foi a palavra sugerida pelos professores ao se referirem à tarefa de alfabetizar os alunos da
turma da PD-8.2.
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coordenador pedagógico itinerante atendendo a outras escolas da região com as mesmas
características. As famílias das crianças pertencem a uma população de baixa renda,
recebem em média um salário mínimo por mês. A forma de inserção no mercado de
trabalho é a do trabalho doméstico em granjas e em pequenos sítios da localidade:
caseiros, jardineiros, lavadeiras, passadeiras de roupas, faxineiras, empregadas e
empregados domésticos. Muitas crianças pertencem a famílias numerosas, cuja
sobrevivência depende dos programas sociais do governo (bolsa escola e bolsa família),
de doações provenientes de organizações não governamentais e de igrejas da região.
O crescimento da população periférica na região ocasionou a super lotação da
rede física que, em 2004, passou a contar com outro espaço, alugado pelo município. A
casa de dois andares pode ser considerada como granja e teve suas instalações
adaptadas para o funcionamento de escola, revelando um espaço improvisado e
insuficiente, no seu interior, cujos cômodos tornaram-se salas de aula, atendendo a 220
alunos, sendo duas turmas de educação infantil (primeiro e segundo período), três turmas
de primeiro ciclo ( , e anos), três turmas de segundo ciclo (1º, e 3º anos) e três
turmas de terceiro ciclo (1º, 2º e 3º anos).
A opção pela implantação do ciclo de formação veio em 2000, mediante as
discussões do projeto “Na volta às aulas a gente mostra a escola que a gente quer”,
optando, inicialmente, pela implantação do primeiro ciclo, sendo as demais etapas
gradativas, ano a ano . Segundo o PPP (2002), a escola precisava perguntar sobre si
mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade caracterizada pela
globalização da economia e das comunicações, pela informatização da vida social, pelo
pluralismo político e emergência do poder descentralizado. A resposta encontrada foi a
construção de uma escola que atenda aos alunos e retrate a história real de cada um,
conhecendo e entendendo a dramaticidade de suas existências, preocupando-se em
promover uma escola para rico, pobre, preto, branco, homem e mulher e no tratamento
dos sujeitos que têm biografia, identidade e que estão se preparando para viver o mundo
de hoje e não o de amanhã. Então se tornou princípio ouvir as vozes da comunidade
escolar, considerando seus pensamentos, procurando atribuir sentidos e significados
sobre as experiências vividas, através de uma concepção teórico-metodológica que
aponta para a construção de conhecimentos e elaboração de experiências, vinculando à
“...idéia de apropriação da cultura humana e na opção por uma escola organizada por
ciclos de formação.” (PPP, 2006, p. 9 ).
Em relação à organização curricular, a escola M destaca-se entre as demais
escolas da rede municipal, cujo eixo temático encontra-se nos Estudos Antropológicos e
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}
cujos alunos e professores refletem sobre os processos de construção de identidades, as
relações étnico-raciais no cotidiano escolar e a diversidade, de acordo com o PPP (2006,
p.14):
Na relação com as demais áreas do conteúdo escolar, a concepção antropológica
instiga um olhar sobre a importância da cultura na escola, abrindo espaço para
uma proposta pedagógica que valoriza as histórias orais, as tradições, as
memórias e as narrativas das crianças e seus familiares.
Dentre os estudos antropológicos encontra-se a realização, por parte de alunos e
professores, de pesquisa bibliográfica de literatura infantil e de livros que se dedicavam ao
estudo étnico e racial. Assim, deu-se origem a inúmeros projetos de trabalho que
buscavam discutir tempos e lugares, histórias e desejos, diferenças e semelhanças,
explorações e atos de solidariedade, mitos e lendas, ritmos musicais, canções populares
e práticas culturais de povos diversos.
Estes estudos são registrados pelos alunos, nas mais variadas formas de
representação, como: papel machê, contagem e recontagem de histórias, criação de
textos orais e letras de músicas, oficinas de artesanato, modelagem, pintura, dança e
capoeira. Aliados a estes se encontra também a preocupação com os conceitos de
estética e de belo, apresentando às crianças novas possibilidades na valorização de suas
aparências.
Ao lado dos projetos de trabalho elegem-se quatro projetos complementares com
funcionamento no contraturno: Projeto Fio da História: memórias e Narrativas; Projeto
dançando na escola; Projeto Virando o Jogo e Projeto Tecer e Bordar. Além das
disciplinas do tronco comum, todos os ciclos possuem estudos antropológicos, sendo que
o primeiro ciclo possui, ainda, ritmo e movimento; o segundo e terceiro ciclos inglês e
artesanato.
A oportunidade de registrar tais práticas surgiu com a pesquisa oficializada pelo
FAPEB
38
que organizou três ações no seu interior: - O currículo e a formação
continuada dos professores; - As teorias sobre os estudos étnico-raciais e a - proposta de
implementação da lei 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-
brasileira no ensino fundamental e médio, em todos os sistemas de ensino. Essas ações
se subdividiram em outros tantos objetivos cujos focos eram a história da África e do povo
africano e elevação da auto-estima da criança e adolescente afro-descendente, bem
como o envolvimento do coletivo da escola na construção da proposta político-
pedagógica.
38
Fundo de Pesquisa na Educação Básica, criado pela Prefeitura de Juiz de Fora no ano de 2003.
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}
Dessa forma não existe uma proposta isolada para a alfabetização mas uma
contemplação da mesma na organização curricular das séries iniciais, como linguagem
oral, escrita e leitura para as duas turmas de Educação Infantil; linguagem oral e escrita,
para a primeira etapa do primeiro ciclo e língua portuguesa para a e etapas do
primeiro ciclo. Também de acordo com os objetivos do ensino de língua portuguesa para
o ciclo, a escola enfatiza a produção textual desde o primeiro ciclo, com base na
concepção de escrita conceitual.
A avaliação processual do aluno encontra-se justificada com base na organização
do tempo escolar em ciclos de formação, cujos instrumentos são textos descritivos do
desempenho individual e/ou em pequenos grupos, registrando, de forma continuada, as
observações e análises dos professores, através de portifólios que, ao final de cada
semestre, contêm: exercícios individuais e/ou em grupo avaliados por fichas de
acompanhamentos de atividades; relatórios descritivos do desenvolvimento das
aprendizagens e preenchimento das fichas de desenvolvimento de habilidades e
conhecimentos ao final da última etapa do desenvolvimento de cada ciclo.
A jornada de trabalho dos professores segue a legislação prescrita pelo
município. O tempo coletivo destinado às discussões e planejamentos é organizado aos
sábados com a participação de todos; contudo, o grupo do primeiro ciclo manifestou
interesse por um horário específico de encontro, além do já concretizado. Justificam que é
necessário repensar a prática nas séries iniciais, principalmente aquelas advindas da
alfabetização e letramento, bem como as concepções assumidas. Do grupo de seis
professores do primeiro ciclo, que participaram da situação dialógica do Grupo Focal, três
são professores regentes, ou seja, os referência de cada uma das turmas (um do ano,
um do ano e um do ano) e três são professores de Projetos extracurriculares, como
Ritmo e Música, Literatura e Laboratório de Aprendizagem, atuando com todas as turmas
do primeiro ciclo.
Este grupo de professores possui considerável trajetória na prática docente, pois
encontram-se na faixa dos três aos vinte anos de profissão, sendo que na rede municipal
a média se encontra entre os dez anos. Destes anos, boa parte se destina ao trabalho
com alfabetização, considerando os três primeiros anos do ensino fundamental. Dos seis
professores que participaram da situação dialógica do grupo focal, apenas dois possuem
vínculo por contrato temporário, os outros quatro são efetivos na escola por mais de
quatro anos. Esta condição nos permite concluir que a maioria destes profissionais,
embora não tenham optado pela implantação do ciclo (apenas dois: PM-LA: PM-1), estão
na escola por um tempo razoável e de acordo com suas discursividades estabelecem um
{
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}
diálogo considerável com a proposta do ciclo de formação.
De forma diferenciada da escola D, na escola M, a rotatividade de professores
contratados e efetivos o é uma constante, no momento. Segundo os discursos dos
mesmos, esta condição já foi presente na escola, mas após a implantação do ciclo isto se
regularizou e mudanças nas vagas de substituição, ou seja, professores efetivos
mas sedidos para outros órgãos e serviços, como a S.E., cujas lotações são preenchidas
por professores contratados.
Considerando a faixa etária, estes professores encontram-se entre os trinta e
sessenta anos, todos os professores cursaram o ensino fundamental entre as redes
privadas e cicladas. Todos os professores do grupo possuem curso superior com
licenciatura variando entre Pedagogia e Letras.
A constituição e organização deste grupo focal a partir dos critérios da escola M, ou
seja, incluir os professores dos projetos extracurriculares me permitiu atribuir sentidos a
uma organização de escola por ciclos de formação. Estes três professores, responsáveis
por projetos de literatura, Ritmo e Musicalização e Laboratório de Aprendizagem, dao
suporte ao trabalho do professor regente, bem como á própria proposta do ciclo. De
acordo com o quadro, se denominou PM-1, a professora regente do ano, PM-2, a
professora regente do ano e PM-3, a professora regente do ano do ciclo, assim
como PM-R, a professora do Projeto Ritmo e Musicalização, PM-L, a professora do
projeto de Literatura e PM-LA, a Professora do Projeto de laboratório de aprendizagem. O
quadro abaixo nos orienta perceber o lugar de onde falam.
Professores Graduação
Pós-
graduação
Tempo de
magistério
Vínculo com
a
SE
Tempo de
alfabetizador
Tempo de
ciclo de
formação
PM-1
(1º ano)
Pedagogia Não
especificou
9 anos Efetivo 6 anos 4 anos
PM-2
(2º ano)
Letras Não
especificou
15 anos Efetiva 6 anos 1 ano
PM-3
(3º ano)
Pedagogia
Curso de 1
ano da Uerj
20 anos Contratada
20 anos 1 ano
PM-R
(1º ciclo)
Pedagogia Mestranda 5 anos Efetivo 2 anos 2 anos
PM-L
(1º ciclo)
Pedagogia Não
especificou
12 anos Efetiva 10 anos 3 anos
PM-LA
(1º ciclo)
Normal
Superior
Não
especificou
18 anos Efetiva 18 anos 4 anos
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}
Assim, conhecendo melhor os lugares de onde os professores falam,
considerando tanto sua experiência com a Proposta do Ciclo, quanto sua experiência com
a alfabetização, passo agora à compreensão dos sentidos marcados em seus diálogos,
através dos elos discursivos entre o lugar de onde falam e os gêneros teóricos
Alfabetização, Letramento e Ciclos.
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5 - ELOS DISCURSIVOS PRESENTES NOS DISCUROS DOS PROFESSORES:
Cada palavra uma folha
No lugar certo.
Uma flor de vez em quando
No ramo aberto.
Um pássaro parecia
Pousado e perto.
Mas não: que ia e vinha o verso
Pelo universo
CECÍLIA MEIRELES
39
5.1 - Alfabetização, Letramento nos Ciclos: Que Interfaces São Essas?
A produção e compreensão dos sentidos presentes nas concepções de
alfabetização dos professores do primeiro ciclo Escola D e M, do município de Juiz de
Fora, organizaram-se, inicialmente, a partir do roteiro proposto para a dinâmica do Grupo
Focal. Como o objetivo era propor uma situação discursiva de interação dos sujeitos, o
roteiro teve como finalidade desencadear temáticas, cujos sentidos foram atribuídos pelos
professores.
Como a vontade discursiva dos mesmos não se organizava a partir da escolha do
gênero, uma vez que a situação discursiva do grupo focal lhes é estruturada e neste
sentido encontra-se imposta, se organizava a partir de suas intenções discursivas ao se
posicionar diante das temáticas ora sugeridas pelo roteiro do grupo focal, ora colocadas
sobre as responsividades e/ou conclusibilidades à fala do outro.
Essa possibilidade configurou ao grupo focal dois sentidos, o primeiro se remete ao
seu uso como procedimento de produção dos dados de uma pesquisa e o segundo, se
remete ao caráter dialógico da interação discursiva dos professores me possibilitando
atribuir sentidos não só ao que se fala, mas como se fala e em que situação se fala.
Assim, o contexto diversamente marcado das escolas M e D também organizaram
39
MEIRELLES, Cecília. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, P.259.
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}
sentidos às interações discursivas dos professores. Embora não se tenha percebido
resistência na participação dos mesmos à situação do grupo focal, foi possível perceber
que alguns temas provocam tensões, incômodos e objeções. Na escola D falar de
alfabetização e letramento, assim como falar de experiências docentes é remeter-se ao
relato cotidiano de práticas que embora significativas, não apresenta elos discursivos com
propostas ou planos de estudo/planejamentos da escola ou do ciclo. Para este grupo de
professores a situação interativa do grupo focal se revelou um rico momento de ao relatar
práticas também atribuir sentidos a um discurso da proposta do ciclo.
Na escola M, falar de alfabetização e letramento na prática dos ciclos e buscar elos
com textos teóricos e estudos que embasam uma concepção de alfabetização como
leitura de mundo. As interações discursivas destes professores se revelaram
extremamente dialógicas, tanto no que se refere aos elos discursivos, quanto às atitudes
responsivas dos professores que expressaram sentimentos de angústias e inquietações,
assim como atribuíram ás discussões sentidos para organização dos objetivos e trabalho
com alfabetização. Assim como possibilidade de gênero discursivo, a situação do grupo
focal se organizou a partir de um roteiro temático, cuja finalidade não se definia por
perguntas e respostas, mas por temas a serem debatidos e sugeridos a partir da intenção
discursiva dos professores, tais como:
A EXPERIÊNCIA COM ALFABETIZAÇÃO: sugerindo um aquecimento às
discussões tal temática propôs que cada professor contasse um pouco da sua experiência
com alfabetização, de modo ser possível atribuir sentidos ao lugar de onde os sujeitos
enunciam;
A PRÁTICA PEDAGÓGICA: dada à interação discursiva dos grupos, foi possível
compreender as estratégias e metodologias utilizadas no trabalho com alfabetização,
assim como atribuir sentidos destas enquanto portadoras de concepções. Assim, foi
solicitado que enunciassem sobre os Portadores textuais que mediam as aprendizagens
com leitura e escrita, as atividades solicitadas, conteúdos e materiais didáticos.
O SUPORTE PEDAGÓGICO foi o nome dado às situações discursivas ocorridas
dentro da escola em que seria possível compreender os elos discursivos teóricos que
embasam tanto as concepções de alfabetização presentes no discurso dos professores,
quanto sua relação com uma proposta letrada, a partir de gêneros secundários teóricos
organizados sob um registro escrito, como: Reuniões coletivas, Planejamentos de Língua
Portuguesa, Fichas avaliativas e/ ou relatórios;
{
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}
A PROPOSTA E A EXPERIÊNCIA COM O CICLO DE FORMAÇÃO: esta temática
foi proposta como possibilidade de compreensão dos sentidos discursivos nas interfaces
concepções de alfabetização e letramento, a proposta teórica do ciclo de formação no
município de Juiz de Fora e o diálogo de ambas (concepções e propostas) compreendido
a partir do discurso dos professores. Assim, foi solicitado que os professores
enunciassem sobre o seu acesso à proposta do ciclo tanto teórico, quanto prático, assim
como seu posicionamento diante da proposta do ciclo.
Esclareço que os sentidos estabelecidos no discurso dos professores foram se
constituindo a partir de elementos conceituais que organizaram a situação discursiva, tais
como: a alternância dos discursos, a conclusibilidade, entendidas como atitudes
responsivas dos falantes no que diz respeito a afirmações, objeções, concordâncias,
discordâncias e constrangimentos ao manifestar sua vontade discursiva na abordagem
dos temas.
Vale lembrar que a trajetória de pesquisa tornou claro o contexto diversificado e
único de cada instituição, bem como de seus professores, na relação com a compreensão
da proposta do ciclo. Contudo, quanto às concepções de alfabetização e às práticas do
letramento, a diversidade cultural de cada instituição, de início, nos ensinou que não é
possível conviver com apenas uma concepção. Mesmo quando os elos discursivos
teóricos com propostas de alfabetização e ciclo se encontram marcados nos Projetos
Político-pedagógicos das escolas, é possível compreender, no discurso dos professores,
os diversos sentidos que vão sendo atribuídos ao seu posicionamento diante das
propostas e concepções.
Assim foi possível atribuir sentidos às Concepções de alfabetização entendidas
como aquisição do código e associadas a uma perspectiva de letramento escolar distante
das práticas de letramento sociais, como atribuir sentidos às concepções de alfabetização
ampliadas e marcadas pelo uso social das práticas do letramento, nas duas escolas. Tal
compreensão veio ao encontro de uma produção analítica dos dados, cujo objetivo nunca
foi estabelecer um estudo comparativo entre as instituições, mas, sim, compreender os
sentidos de tais concepções em contextos diversamente marcados.
Considerados os critérios de organização e produção dos dados, tornou-se
relevante o reagrupamento dos discursos, considerando, inicialmente, o elemento
conceitual presente na situação de gênero do grupo focal, alternância do discurso dos
professores, assim como a intenção discursiva, independente da escola que estão
inseridos, sem, contudo, negar o contexto de origem. Assim sendo, nos enunciados dos
{
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}
professores encontram-se muitas concepções as quais optamos por reagrupar em duas
grandes categorias, denominadas na pesquisa como: ALFABETIZAÇÃO COMO
CONTEÚDO MÍNIMO e ALFABETIZAÇÃO COMO LEITURA DE MUNDO.
Durante as situações discursivas do Grupo Focal, foi possível compreender que, ao
enunciarem sobre suas experiências e práticas com alfabetização, os professores faziam
elos ao ensino da língua a partir do estudo das partes: letras, sílabas, sons, formação de
palavras e frases que me possibilitassem atribuir sentidos aos seus discursos a partir de
um mínimo, entendido como alfabetização, assim como foi possível compreender que,
para um grupo de professores, alfabetização era entendida como processo que
extrapolava o ensino dos sinais gráficos. Os sentidos por mim compreendidos foram de
uma concepção de alfabetização como leitura de mundo, uma vez que esta concepção
faz elo com a proposta de língua portuguesa do município, assim como faz elos com os
estudos de Paulo Freire.
A partir dos sentidos atribuídos às concepções de alfabetização, foi possível
perceber elos com a NOÇÃO DE LETRAMENTO a partir de uma perspectiva Autônoma e
Ideológica, defendidas por Kleiman (1995). As interfaces alfabetização e letramento,
também, proporcionaram atribuir sentidos às relações com a ESCOLARIZAÇÃO, ENSINO
e as CONCEPÇÕES de LINGUAGEM e APRENDIZAGEM. Das relações estabelecidas
entre as concepções de alfabetização e as concepções de letramento entendemos se
ou existência de relações com a prática do ciclo de Formação, tornando-se o fechamento
das análises tal relação, no que diz respeito à COMPREENSÃO DA PROPOSTA DO
CICLO, no que se refere aos acessos que os professores tiveram à proposta e em relação
entre a existência do primeiro ciclo e as concepções de alfabetização e letramento
marcadas. Para uma maior organização dos sentidos compreendidos na organização do
presente trabalho, encontra-se o diagrama abaixo:
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}
ALFABETIZAÇÃO
COMO
CONTEÚDO MÍNIMO
ALFABETIZAÇÃO
COMO
LEITURA DE MUNDO
Relação Alfabetização / Letramento /
Escolarização e Ensino
Concepções de linguagem e aprendizagem
Noções de
Letramento
Perspectiva Autônoma
do letramento
Perspectiva Ideológica
do letramento
Os DIÁLOGOS COM A
PROPOSTA DO CICLO
EXPERIÊNCIA COM ALFABETIZAÇÃO, a PRÁTICA
PEDAGÓGICA;
SUPORTE PEDAGÓGICO e
A PROPOSTA DO CICLO DE FORMAÇÃO.
Alternância dos diálogos, a conclusibilidade e as atitudes
responsivas: afirmação, objeção, concordância,
discordância e constrangimentos levaram às c
oncepções
{
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}
5.2 - A Alfabetização Como Conteúdo Mínimo.
A evolução histórica do conceito de alfabetização tem nos apontado para uma
compreensão ampla do conceito. A partir do ano de 1962, é possível identificar, como
critério do Censo, a passagem da alfabetização strito sensu, ou seja, como habilidade
restrita ao saber ler e escrever, para um conceito amplo cujos estudos da perspectiva do
letramento muito vieram a contribuir, assim como os estudos recentes da história da
alfabetização no Brasil. (FRADE E MACIEL, IBID, 2005)
Estes nos auxiliam a traçar a relação alfabetização, métodos e escolarização, no
que diz respeito à incidência de determinadas metodologias na consideração da
alfabetização como objeto de estudo e na conseqüente relação com os métodos enquanto
caminho único, impondo ao uso da técnica a eficiência responsável de um ensino, dado
em processo de escolarização, cujos objetivos encontram-se na promoção da condição
de alfabetizado, inicialmente apontada como atitude de ler e escrever, para,
posteriormente, considerar a possibilidade de uma leitura e escrita mais ampla, sendo
capaz de não decodificar sinais gráficos, como também reler o mundo ao seu redor.
(FREIRE, 1982).
O conceito de alfabetização tem nos revelado, através do discurso dos
professores, que embora a produção teórica envolvendo o objeto alfabetização tem sido
constante, nos últimos anos, ainda há um constrangimento, por parte dos professores, em
compreender os elos discursivos entre teoria e prática com alfabetização. Embora
reconheçam a necessidade de um ensino da língua materna pautado na compreensão da
leitura de mundo e da escrita conceitual, acabam por focar um ensino de automatismos
básicos, justificados pela necessidade de aquisição do código como pré-requisito para os
processos de uso.
De acordo com Saviani (apud, Kramer, 1986), não se quer desconsiderar a
importância da aquisição destes automatismos, aprendizagens relacionadas ao
conhecimento da escrita, mas relacioná-los com o seu uso social, evitando, assim, que as
crianças desenvolvam uma relação artificial com a escrita na escola. A questão posta
encontra-se na distância entre o discurso acadêmico da alfabetização, na defesa da
construção de uma leitura e escrita de mundo, não restrita à capacidade do indivíduo de
saber ler e escrever, e o discurso do professor considerando sua experiência e prática
com a alfabetização, que não nega as práticas do letramento, contudo busca
compreender o “como alfabetizar letrando”.
{
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}
De um modo geral, a compreensão das concepções de alfabetização dos
professores perpassa pela compreensão de suas muitas vozes faladas e caladas. Na
busca da construção de um texto emoldurador acerca dos seus discursos, tenho como
certeza a relação de alteridade organizada na compreensão e produção dos mesmos, no
que diz respeito à alternância dos discursos e à conclusibilidade presente nos mesmos e
em suas atitudes responsivas de concordâncias e afirmações, no que diz respeito à
consideração de uma Concepção de alfabetização como Conteúdo Mínimo.
De acordo com o dilema posto por Kramer os professores de ambas as
instituições, ao salientarem a prática e experiência com alfabetização, tendem a enunciá-
la como dilema, à medida que é necessário propor um ensino com base na aquisição de
mecanismos básicos associados às atividades significativas que proporcionem
aprendizagem das convenções em meio ao uso social das mesmas, conforme é possível
compreender em duas diferentes situações discursivas, presentes nas escolas D e M e
organizadas a partir de responsividades acerca do “como alfabetizar”. No trecho a seguir,
assim como os posteriores optou-se por um traço contínuo na marcação e exposição
didática de ambas situações:
PM-R : (...) Uma coisa que eu o sei fazer ainda, um desafio que me instiga muito, como
fazer, não criar um esquema de alfabetizar a criança com BA,BE,Bi,BO,BU, quebrando esse
processo todo, mas não ficar como eu fiz, só dando valor ao social, vamos ler o jornal...
tinha que ser mais sistematizado, esse é um nó meu.
(ALTERNA O DISCURSO E ABRE PARA POSSÍVEIS RESPONSIVIDADES)
PM- 1: é um sim, eu, por exemplo, já trabalho com a turma de seis anos dois anos, a
minha prática toda eu penso que permeia mais pela reflexão do aluno estar descobrindo o
processo de escrita sim, então ... eu trabalho muito com o que eles trazem, papel de bala, e na
hora de construir a escrita, geralmente sou eu e ele, ali, ou o coletivo instigando como se
escreve, e aí passa também um pouco pela colocação da PM-R, porque esse processo é muito
demorado do que um método estabelecido de alfabetização, um método silábico, mas eu acho
que a percepção do aluno em cima do processo de construção dele é mais satisfatório.
_______________
PD-1.1: Ahhh!!! não sei se é isso... eu estou me sentindo mais tradicional... Mais em
defasagem... eu trabalho mais leitura, mais interpretação, vocabulário... (P3.1) (POSSO TE
INTEROMPER): Olha, eu não sou tradicional, mas esse ano eu estou, não é sua culpa eu acho
assim, sabe o que acontece, na escola eles gostam de turmas calmas, sem agitação, não é
não? Quando tem muito tumulto as pessoas vão ver o que esacontecendo e pra você está
acrescentando pros outros não. As pessoas estranham menininho no chão.
Os professores posicionam-se diante da tensão posta no como ensinar, através de
práticas que buscam sentidos no discurso teórico sobre alfabetização e na busca por
caminhos metodológicos; tendem a focar um dos lados da curvatura da vara: os
processos de aquisição do código e os processos de usos sociais do mesmo, em que um
{
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}
grupo assume como ensino processos que levam a uma concepção de alfabetização
como leitura de mundo, e outro, uma concepção de alfabetização como conteúdo mínimo.
Os sentidos que possibilitaram compreender a concepção de alfabetização como
conteúdo mínimo encontram-se marcados nas concordâncias, afirmações e repetições
dos professores, ao listarem conteúdos e atividades que enfatizam o princípio silábico
da língua portuguesa, a ordenação dos conteúdos seguindo etapas e níveis de
progressão e a utilização de eventos de letramentos como prática a ensinar. Esse
arranjo leva-nos a inferir a presença de uma ideologia cotidiana da alfabetização que
dialoga com uma construção de uma práxis pedagógica que tende a escolarizar os
processos de alfabetização em uma compreensão de currículo único, pressupondo uma
“teoria geral de currículo”, em que primeiro ensinam-se as letras, depois as sílabas
(canônicas), pois as consideradas complexas, como encontros consonantais e dígrafos,
requerem uma maior habilidade do falante e escritor, passando a formação de pequenas
palavras e pequenos textos. Tal posicionamento é sentido nas duas situações discursivas
diferentes:
PD-1 : (...) Comecei com a história do patinho feio pra trabalhar as diferenças, o respeito às
diferenças, depois da história eu fui pra música do Pato Pateta, com expressão corporal.
Depois com a letra P, depois trabalhei a palavrinha, a letra da música pra circular a palavrinha,
número de letra e pedacinhos. Na palavra pato, trabalhamos o PA, PE, PI, PO, PU, nada
isolado também, outras coisas que começam com P. (...) Eu não trabalho com os meninos
jornal, o que eu trabalhei foram livrinhos de história mesmo, músicas que nós cantamos, textos
pequeninos que eu tiro de livros próprios pra alfabetização, até eu tenho uma cartilha antiga,
mas não é texto de cartilha, aquela coisa o boi bebe... (...) Cartilha PIPOCA, tem textos
pequeninos e dentro deste texto eu faço leitura, peço pra olhar palavras que conhecem e
que eles conseguem ler e..., cartelas de bingo; a gente fez leitura, poesia eu trabalhei muito
pouquinho, mais livrinho de história, depois a gente reproduz o livrinho....
(CONCLUI A FALA, TODAS PERMANECEM QUIETAS E EM SEGUIDA PD- 3.2 COMEÇA
FALAR ).
PD-3.2 : É uma sala problemática, as crianças não sabem ler, não sabiam!! Eu estou
trabalhando com muito afinco, ponho a cadeira do lado, trabalho com letrinhas, juntar letrinhas
e a gente vai formando as palavras, então eles conseguem ler... Conhecem a letrinha, a sílaba
e formar frase. Muitos conteúdos eles passaram direto, então a gente avança com texto volta
nas sílabas... (...) Eu dou um texto depois a gente trabalha interpretando o texto, não é
gramática pura e simples, é a interpretação do que você leu, isso até o final do ano eles vão
saber. Todo dia a gente e o texto, eles lêem, depois lêem comigo e a gente trabalha o texto
responde as perguntas, pro texto ficar feito, qual a intenção, nem adianta enquanto a gente
não resolve o texto não anda e todo mundo é capaz de entender, são textos fácies. Depois a
gente explora as palavrinhas, significado, como se escreve“ .
_____________________
(A SITUAÇÃO DISCURSIVA DESTE GRUPO CAUSA INCÔMODO AO PROFESSOR QUE
ORGANIZA COMO RESPONSIVIDADE)
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}
PM-2: (...) a gente aprende, porque eu fiz curso de letras então a gente aprende que o
português é uma língua silábica, então eu faço uso da sílaba, do método fônico, eu não dou
conta desse processo todo, até por conta de natureza, pois sou muito ansiosa, eu comprei
meus presentes de natal e dei todos (...) Eu percebi neste texto (As Muitas Facetas da
Alfabetização) que tem dois pontos aqui: um é a alfabetização como aprendizagem da leitura e
da escrita e a outra é a construção do saber como conquista do poder, eu acho que no caso
do ciclo, ela pega parte do primeiro ciclo e a segunda parte, o segundo ciclo, eu e a P6
pegamos a parte do ler e escrever, quando chega na PM-8, ela começa a trabalhar essa
coisa de construção do saber como conquista do poder... (...) eu acho que isto não se dá ao
mesmo tempo, não tem como na primeira série isso acontecer...”
Tal associação entre o processo de alfabetização e o princípio silábico da língua
não acontece por acaso e está marcada na trajetória histórica da alfabetização no Brasil.
Desde que a alfabetização tornou-se um problema político, considerada como fator de
desenvolvimento do país, sua garantia ao indivíduo deu-se por processos de
escolarização e, conseqüentemente, um ensino traçado na concepção de método como
um único caminho a ser seguido. Dadas as disputas políticas e epistemológicas de
métodos considerados sintéticos e analíticos, é fato que o ensino da língua materna recai
sobre a sílaba, como unidade básica de estudo e compreensão de palavras e sons. Nem
mesmo a ruptura conceitual posta pelo paradigma psicogenético, ainda que não
desconsiderada, não rompe com o princípio silábico da língua imposto aos processos de
ensino, ao considerar a sílaba a unidade sonora mais perceptível na pronúncia da língua,
orientando a construção da escrita pela criança com base nas hipóteses fonográficas.
Não se pretende negar a origem silábica das línguas alfabéticas (Soares, 2005
p.38), mas discutir a associação deste princípio como condição para se aprender a ler e
escrever, isto é, como aquisição de automatismos básicos
40
por parte do aluno, sem
estabelecer relação com os possíveis usos sociais em que a escrita se insere de acordo
com o que se pode emoldurar como texto a partir da compreensão dos discursos. Os
professores acreditam que o uso de portadores textuais (enquanto gêneros secundários)
é condição suficiente para se estabelecer um vínculo com usos sociais (gêneros
cotidianos) cuja culminância do processo define-se por um conteúdo mínimo resumido no
trabalho com letras, sílabas e frases.
Não se desconsidera os processos de compreensão e significado da palavra, mas
subordina-se aos processos de aquisição do código, entendidos como automatismos em
que a linguagem escrita baseia-se na representação do aspecto sonoro, sendo
necessária uma instrução direta para que as crianças desenvolvam a capacidade de
40
Automatismos básicos definidos como certas habilidades de natureza motora e cognitiva importantes
para o processo de alfabetização, embora não sejam condição prévia para o aprendizado da escrita.
SOARES e BATISTA (2005)
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}
segmentar e analisar as palavras em fonemas e com isso desenvolvam a consciência
fonológica (atenção consciente ao extrato sonoro da língua). Assim, como indicam os
estudos de Smolka (2003), o trabalho com o texto configura-se como técnica de
motivação, é para ser lido, montado para adultos evidenciando apenas determinadas
propriedades estruturais da escrita. Não é um texto escrito para ser ouvido e curtido, é um
texto para “funcionar” como história, fazendo parte de um método de alfabetização e tem
a função específica de trabalhar a estrutura gráfico-sonora das palavras.
Associada à idéia de que o ensino da leitura e escrita se inicialmente com base
na sílaba, como unidade sonora, está a idéia de que este ensino se organiza em níveis e
etapas da mais simples às mais complexas. É preciso considerar que o fato de se
estabelecer etapas para o ensino da língua não é de tudo o mais questionável, mas, sim,
a relação que tal etapização se ao abstrair o processo de alfabetização das diferentes
práticas sociais em que ela se realiza e das condições concretas que a viabilizam,
conforme nos indicou Kramer (IBID).
Diante dos sentidos compreendidos a partir da concepção de alfabetização como
Conteúdo mínimo, foi possível perceber que, embora os princípios e pressupostos de
organização do ensino da língua sejam os mesmos, ou seja, princípio silábico da língua e
a organização do mesmo em níveis e etapas, as atitudes responsivas que os
desencadearam foram diversas. Enquanto os professores que marcam seus discursos na
concepção de alfabetização como conteúdo mínimo, da escola D, assim o fazem como
posicionamento diante da falta do que chamamos Suporte Pedagógico (Planejamentos
teóricos), ou seja, buscam um caminho a ser seguido, os professores da Escola M,
justificam sua concepção com base no conteúdo mínimo respaldado na longa experiência
com métodos de alfabetização, ou seja, sempre fizeram assim.
Contudo, é possível compreender que, ao enunciarem de lugares diferentes, o
excluem certo tom de constrangimento diante de seus posicionamentos. Para o grupo da
escola D, os sentidos do constrangimento se constroem na relação com a situação de
pesquisa e a exposição de fragilidades institucionais, como a própria organização
pedagógica da instituição, a ausência de referenciais teóricos que subsidiam as propostas
tanto de alfabetização, quanto de ciclo. Para o grupo da escola M, o constrangimento
marcado pela concepção de alfabetização como conteúdo mínimo, encontra-se posto na
sua relação com a proposta da escola e com os demais professores, marcados pela
concepção de alfabetização como Leitura de Mundo.
Estes professores possuem em comum a compreensão do ensino voltado não
para aquisição do código, mas como pré-requisito direcionado às não-aprendizagens da
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}
leitura e escrita por parte de alguns alunos. Ao estabelecer níveis de ensino para a
aquisição da língua, os professores concordam com a prática de sondar as habilidades e
competências ainda não adquiridas por estes alunos e daí propõem um nivelamento de
ensino adequado aos alunos que consideram serem portadores de dificuldades de
aprendizagem na leitura e escrita.
Embora tal atitude responsiva encontre-se presente nas duas escolas, evidencia,
sobretudo na escola D, que, ao estabelecer níveis de leitura e escrita, o faz a partir de
sondagens prévias acerca do que o aluno não consegue fazer sozinho, isto é, na
etapização de conteúdos e habilidades que faltam aos alunos, pois se parte do princípio
de que existe um nível ideal de desenvolvimento ainda não atingido pelos mesmos,
conforme relatam:
PD-2.2: Eu fui observando, dando tarefas e exercícios e coletando o que eles
sabiam e o que eles não sabiam”
(CONCLUI E LEVA A PD-2.1 A RELATAR SUA PRÁTICA.)
PD-2.1: Eu peguei leitura simples, comecei saltar na turma, esporadicamente
como se estivesse pesquisando... Fazendo atividades esporádicas... Quem sabia
ler, quem não sabia, fui detectando as dificuldades da turma. Hoje eu já conheço e
sei dizer, aluno por aluno, qual a dificuldade de cada um, a partir daí, estou
montando meu planejamento. Da própria leitura eu tiro a escrita, toda a gramática,
ditado, produção de texto, a contextualização “ .
Portanto, o estabelecimento de níveis progressivos do ensino da língua organiza-
se a partir do princípio silábico e da sua didatização que atende a um maior controle do
processo de escolarização, que impõe sobre a concepção de desenvolvimento humano
um caráter inatista e etapista, em que não se desconsidera os processos de significado e
compreensão da língua, mas os subordina a uma aquisição de conteúdos mínimos como
pré-requisitos. Não diferente encontra-se a utilização de eventos de letramentos como
prática a ensinar, isto é, a prática discutida pelos professores de ambas as escolas
encontra-se marcada por situações em que os eventos de letramento acontecem
mediante leitura e trabalho com diferenciados portadores de texto: literatura, jornal...
Contudo, também se configuram como estratégias para o trabalho do conteúdo mínimo da
língua, subtraídos em palavras, sílabas, elementos gramaticais, etc.
Ao lado da concepção de alfabetização como conteúdo mínimo encontra-se,
também representado no discurso dos professores, um grupo que busca compreender os
processos sociais da escrita, associando-os aos processos de aquisição do código, para
estes nos apropriamos dos sentidos estabelecidos por Freire, acerca da concepção de
alfabetização como leitura de mundo.
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5.3 - Alfabetização Como Leitura De Mundo
Coexistindo ao lado do grupo de professores que concebe a alfabetização como
conteúdo mínimo, encontram-se aqueles que acreditam e discutem processos mais
amplos de aquisição da escrita para além dos relacionados ao uso dos sinais gráficos.
Estes professores defendem uma concepção de alfabetização associada aos processos
de uso social da escrita, tomando como referência os estudos freirianos e a perspectiva
de leitura de mundo, corroborando com a consideração que o ensino da leitura e escrita é
para além da repetição de palavras, fonemas e grafemas, mas na capacidade de utilizá-
las na releitura do mundo.
Buscando compreender processos que extrapolassem o entendimento de métodos
de alfabetização como um único caminho a ser seguido para apropriação da escrita,
Paulo Freire retoma, em seus estudos, os sentidos produzidos pela língua, resgatando o
contexto da enunciação e o lugar do sujeito que a produz, sendo o ponto de partida, no
Brasil, dos estudos contemporâneos acerca da perspectiva do letramento. Juntamente
com Emília Ferreiro, Freire assume uma posição de ruptura com paradigmas empiristas e
aprioristas do ensino da leitura e escrita, buscando paradigmas que relacionassem sujeito
e objeto com o meio, considerando a possibilidade de construção do conhecimento e não
apenas apropriação pelo sujeito.
Incomodado pelo contexto sociopolítico de produção do analfabetismo, localizado
em sua região natal, o nordeste brasileiro, na década de sessenta, Freire inicia um árduo
trabalho de alfabetização de adultos, tendo como concepção um ensino da língua
marcado pelos sentidos daqueles que a produz. Ainda que a interpretação do que
convencionamos chamar de “método Paulo Freire” busque no princípio silábico da língua
um caminho metodológico para o ensino do código, não é possível negar todo um
contexto de produção de sentidos em que tal ensino se inseriu, sendo representativo de
um legado acerca de uma concepção do ensino de leitura e escrita nos seus usos sociais,
ou seja, o que hoje chamamos de um ensino com base nas práticas do letramento.
Segundo Soares (IBID, 2003) quando se fala em “métodos de alfabetização”,
sempre nos referimos aos processos silábicos, palavração, setenciação na definição de
um único caminho para aquisição da leitura e escrita. Nessa perspectiva, torna-se
incorreto afirmar sua concepção como “método”, mas sim uma concepção de educação
como prática da liberdade, conscientização, como meio de democratização da cultura,
como oportunidade de reflexão sobre o mundo e a posição do lugar do homem, que além
do trabalho com as famílias silábicas da Eva e da Uva, propõe-se uma discussão contra a
distância entre Evas e Uvas e a experiência dos alfabetizandos.
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Tendo como “pano de fundo” tal concepção, encontra-se um grupo de professores
da presente pesquisa que, embora não expresse oralmente os ideais e concepções que
produzem sentidos aos seus enunciados, compartilha da crença de que o processo de
leitura e escrita é construído e que tal construção não se dicotomizada dos seus usos
sociais; portanto leitura e escrita são consideradas processos distintos, mas não
dicotômicos. Com base em estudos recentes, ocorridos no interior da escola, a partir do
texto de Soares, As muitas facetas da Alfabetização, os professores desencadearam as
seguintes interlocuções:
PM-R: Eu concordo com a Ana, os dois processos acontecem ao mesmo tempo, a
coisa acontece ao mesmo tempo, a coisa vai junto, o conhecimento da escrita e o
social (vai lendo placas, ponto de ônibus) ela vai elaborando estratégias para ler
para e começar a ter acesso à escrita, esse empoderamento que está falando.
(CONCLUI E PROVOCA O GRUPO, ONDE PM-L SE POSICIONA)
PM-L: Eu também concordo, eu acho que as duas coisas acontecem, eu acho até
que é muito difícil pra mim... eu tenho essa preocupação quando estou
trabalhando com as crianças, de ensinar o código e ao mesmo tempo estarem
sabendo lidar com questões, entendendo todo processo de questões políticas de
entendimento e também questões de opinar, tomar decisões, entendimento do
texto, interagir com o texto.
A preocupação em associar os processos de uso social aos da aquisição do código
encontra-se posta não nos sentidos semântico-objetais dos discursos, mas nas
atitudes responsivas dos professores presentes também na organização do Projeto
Político-pedagógico da escola M, nas atividades propostas pelos mesmos, na própria
organização da grade curricular, que contempla, nos anos iniciais do ensino
fundamental, a disciplina práticas de leitura e escrita associada aos estudos
antropológicos e aos projetos macros da instituição. A escrita faz parte do cotidiano
escolar, a própria exposição do alfabeto no interior das salas de aula passa por uma
organização de projeto, cuja culminância são os desenhos espontâneos e a montagem
dos mesmos, bem como a criação de livros, dicionários e outras produções coletivas de
cada turma.
As atividades em geral, bem como a escrita, sugerem práticas a partir da
concepção de escrita conceitual, espontânea ou inventada, conforme esclarece Goulart
(2000), como sendo a escrita realizada espontaneamente pela criança, motivada pela
necessidade de expressão verbal e pelo significado da mesma no contexto de produção,
sem que se reforce a necessidade de correção ortográfica. A este princípio encontra-se
incorporada a idéia de que as crianças estão regularmente reelaborando seus
{
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}
conhecimentos ao procurar formas de organização dos próprios textos e, diante desta
reelaboração, os processos de reflexão da escrita pressupõem a relação com o outro,
sendo colega ou professor e o próprio processo de criação conforme se observa através
da responsividade desencadeada no discurso dos professores sobre suas práticas com o
ensino da leitura e escrita:
(O GRUPO É LEVADO A PENSAR AS PRÁTICAS COM ALFABETIZAÇÃO).
PM-3: (...) Eu levava o desenho pronto pro aluno fazer, aqui eu aprendi que ele
faz, ele desenha, ele cria é muito bom(...).
(CONCLUI E ABRE PARA OUTROS POSICIONAMENTOS)
PM-1: Ah sim, eu trabalho muito com o desenho deles, nomeia o desenho, a bala
por exemplo, eu fiz um trabalho legal com a bala por que a gente trabalhou até
com gráfico em relação a isto, sabor de bala que mais gostavam, a escrita do
sabor, o papel da bala, mas eles sempre pensando como escrevia e fazia aquela
embalagem e em nenhum momento eu parti pra parte, eu acho até que se eu
tivesse partido para análise das partes, o processo seria mais rápido, mas não
teria a construção deles.
(OS POSICIONAMENTOS LEVAM A UMA CONCORDÂNCIA)
PM-2: Eu aprendi isso aqui no ciclo, a confecção é partir do desenho deles, não
como a PM-1 que parte do desenho deles, eu aproveito a atividade desenhada,
então assim, eu ia trazer um alfabeto todo prontinho com gravuras e a direção me
falou que aqui não era assim. (PM-3. RI DIZ QUE ACONTECEU IGUAL A ELA).
Então pensei como ia fazer o alfabeto e aprendi que eles desenhavam e eu
comecei a explorar o desenho da criança meus alunos da série desenhava muito
pouco eu levava tudo pronto, então era um círculo eu levava xerocado. Hoje eu
aprendi a contar a história do círculo e pedir a eles pra desenharem o círculo.
Então o desenho deles é o que exponho na sala, mas ainda uso xerox e
mimeógrafo, mas eu aprendi a não usar tanto e saber usar a criação da criança,
eu não gostava de desenhar e colorir então não explorava isso das crianças.
(CONCLUI)
PM-L: Na união das questões que envolvem a técnica da leitura e escrita e a
prática do letramento, eu comecei a escrever algumas coisas aqui, então pra
fazendo as duas coisas ao mesmo tempo, eu sempre trabalhei com experiência.
Tudo que as crianças trazem, o jornal, experiências concretas e aproveitando esse
momento, cartazes, para que servem diversos tipos de textos, confecção de
correio na sala de aula, por exemplo, cartas, bilhetes. A gente aproveitava todos
os momentos para estar escrevendo; o próprio bilhete que a escola envia para os
responsáveis, a gente lê e entende o significado, a gente aproveita os momentos e
a P6 estava falando a questão da alfabetização desse enfretamento com a criança
para o ensinamento com o código, eu trabalhei muito com o aluno no
enfrentamento, no sentido de esperá-lo descobrir a sílaba, ter paciência, ajoelhar
na frente e dizer: e aí, como é? É muito cansativo, ele vai juntando uma letrinha
com a outra, é um processo longo, demorado, mas que vai se construindo e a
criança vai, e ele se sente bem porque o tempo está sendo dedicado pra ele e eu
acho que algumas crianças rendem mais, como uma turma que peguei três anos
atrás, uma turma com crianças com problemas familiares e quando eu comecei,
senti que eles foram, apesar das dificuldades.
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}
Os sentidos produzidos pelo discurso dos professores mediante a situação
dialógica do grupo focal me possibilitou perceber que, sobretudo, na escola M, há uma
concepção de escrita e ensino da língua congruente com a práxis pedagógica com base
na concepção de alfabetização como leitura de mundo, o que não significa a ausência de
uma concepção como conteúdo mínimo, muito presente no discurso das professoras PM-
2 e PM-3, recém-chegadas à escola e com grande experiência em alfabetização definida
a partir da aquisição de um código por meio de um método.
As situações dialógicas do grupo focal proporcionaram uma maior compreensão de
como as concepções coexistem e quais os argumentos utilizados pelo grupo defensor da
alfabetização como leitura de mundo e em contrapartida, quais os argumentos utilizados
pelos demais professores, na defesa de um ensino pautado nos métodos, sem, contudo,
negar os processos de uso social, conforme esclarecemos. Eles percebem que falam
de lugares diferenciados dos demais e tentam justificá-los utilizando para isto os próprios
argumentos dos professores defensores da alfabetização como leitura de mundo, dentre
eles a concepção de aprendizagem com base em pressupostos aprioristas, entendendo o
aprender intimamente relacionado aos processos de maturação biológica do
desenvolvimento humano.
Assim, tanto os professores defensores da concepção de alfabetização como
leitura de mundo, como os defensores da alfabetização como conteúdo mínimo,
acreditam que o aprender é inerente a um processo que é “estaloou “insight” do aluno,
entendido como um respeito pelo tempo maturacional do mesmo e pouco diálogo no que
diz respeito ao papel do professor como mediador destas aprendizagens. O Diferencial é
que os professores que marcam a concepção de alfabetização como Conteúdo Mínimo
justificam suas práticas como condição de tal pressuposto sugerindo que a questão não é
metodológica, pois em um dado momento o aluno também aprende sozinho. Conforme
verificamos a situação discursiva abaixo desencadeada após as já apresentadas:
PM-2: (...) agora tem uma coisa que eu percebo, que o menino a gente leva até
certo ponto depois ele vai sozinho, a gente o faz mais nada, não. Entendeu, o
menino aprende as sílabas; quando chegaram ao que as cartilhas chamam de
“sílaba casada” eu não precisei ensinar nada disso que br faz BRAAAAA, eles
descobrem agora essa parte social da escrita eu acho que tenho que pensar um
pouco, deixa pra segunda série, no ano que vem (ri).
(CONCLUI E LEVA PM-3 A LEMBRAR-SE DA SUA EXPERIÊNCIA).
PM-3: (...) isso que a PM-2 falou acontecia numa época que você não conhece o
método da Abelhinha, o que ela falou é certo, a gente começa PPPPPP a PIPA!!!!
depois de umas oito letras, você perguntava o D da? - Dália, DA, DE, DI, DO, DU,
é certo o que ela falou você uma família, duas, depois eles começam sozinhos:
RA, RE, RI, RO, RU RATO, o trabalho maior eram os três meses iniciais, esta é
{
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}
uma experiência que a PM-2 me lembrou, nem sei se existe mais, a gente voava,
era legal, a Abelhinha VAIIII (aí corria) e a Abelhinha VEMMMM. Aí, como ela
falou, depois de umas dez letras eles já sabiam.”
(PM-2 INTERROMPE E COMPLETA)
PM-2: Eu acho que eu falei que o importa o método, o problema da
alfabetização não está no método, eu acho que não está!!
Na verdade, a tensão existe por conta de uma discordância metodológica, entre os
dois grupos de professores, agravada por uma falta de argumentação do grupo da
alfabetização como leitura de mundo, em relação à não ruptura epistemológica do
aprender assumida pelos professores da concepção de alfabetização como conteúdo
mínimo. Tal fato torna-se evidente mediante a preocupação de todos os professores,
sobretudo aqueles que defendem a alfabetização como leitura de mundo, a respeito do
baixo desempenho dos alunos, tanto da escola M, quanto da escola D, medido pela
Avaliação Nacional Prova Brasil, acerca dos processos de aquisição da escrita.
Vale lembrar que não é objeto de estudo desta pesquisa analisar os conhecimentos
medidos por tal avaliação, ainda que não os desconsidere como influenciáveis em todo
processo, mas buscar compreender a insatisfação que tal avaliação gera no professor, a
ponto de se questionar práticas conceituais, por mais que as defenda, em prol de práticas
dirigidas ao ensino da língua enquanto aquisição do código. Esse momento crucial vivido
por estes professores leva-nos a compreensão de que as práticas pedagógicas com o
ensino da leitura e escrita partem do uso social, tanto como contexto, quanto produção,
isto é, partem tanto das experiências de mundo dos alunos, quanto da sua organização
coletiva, mas não se o conta de que não há uma ruptura epistemológica com uma
concepção de aprendizagem apriorista, conforme esclareceremos em análise posterior, o
discurso se fragiliza e produz um sentido de afirmação com objeção, na nítida impressão
de que as relações alfabetização/escolarização e ensino representam um terreno
pantanoso e polêmico.
Na compreensão dos sentidos produzidos nos discursos dos professores em
relação ao “nó” da alfabetização, representado pela crença em uma concepção de
alfabetização para além do código, cujos processos metodológicos tendem a uma
compreensão de escrita conceitual não coerente com pressupostos epistemológicos que
concebem o aprender subjugado ao desenvolvimento maturacional, encontram-se os
processos nacionais de avaliação que, justificados como iniciativas que buscam
compreender os reais processos de ensino das escolas brasileiras, não fazem por apenas
medir o nível de desempenho dos alunos, sem propor aos professores estudos que levam
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}
à discussão do que se considera “um bom desempenho da leitura e escrita”.
A análise das concepções de alfabetização presente no discurso dos professores
permitiu-nos compreender como os grupos assumem posicionamentos diferenciados,
embora marcados ideologicamente por alguns princípios comuns, e mais, como a
existência de ambas as concepções no interior de uma mesma instituição marca o lugar
de tensão, ao passo que proporciona ricos momentos de discussão do grupo. A partir de
então se tornou necessário discutir as noções de letramento postas nos eventos e
práticas letradas presentes no discurso dos professores marcados pelas concepções de
alfabetização como Conteúdo Mínimo e Leitura de Mundo.
5.4 - Letramento E Alfabetização: Relações Marcadas Por Concepções.
A análise das práticas e eventos letrados, assim como da relação entre a noção de
letramento e concepções de alfabetização presentes no discurso dos professores, fez-se
necessária a partir do momento em que se entende que são processos indissociáveis,
presentes até mesmo na concepção de alfabetização como conteúdo Mínimo, pois a
perspectiva do letramento não é negada pelo grupo de professores que marca tal
concepção e muito menos se encontra presente apenas na alfabetização como leitura de
mundo. A questão encontra-se em compreender o lugar ocupado pelos eventos e
práticas do letramento a partir do posicionamento dos professores frente a cada
concepção explicitada e como tal posicionamento se configura na crença de modos
letrados, cujo conhecimento escolar assume ora uma perspectiva letrada autônoma, ora
uma perspectiva Ideológica.
A relação entre alfabetização e letramento é indiscutível, a partir do momento em
que alfabetização tem se remetido a uma visão de aprendizagem voltada à
codificação/decodificação de sons em letras e, nessa perspectiva, os estudos do
letramento têm sido úteis tanto na compreensão dos usos sociais nos processos de
ensino-aprendizagem da linguagem escrita, quanto no auxílio da problematização das
práticas pedagógicas com a leitura e escrita e a proposta do ciclo de formação.
Contudo, considerando que o letramento se remete ao uso social da escrita, muitas
questões se impõem, dentre elas, o que considerar como um sujeito letrado? Ou, o que é
fazer uso social da escrita? Requer ser um sujeito alfabetizado? O estudo da perspectiva
do letramento tem nos referenciado para a consideração de que, em uma sociedade
marcada pela prática da escrita como a nossa, não é possível identificar sujeitos iletrados.
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}
Assim, segundo Tfouni (2005), os estudos sobre o letramento não se restringem
somente às pessoas que adquiriram a escrita, mas também àquelas pessoas que não
tiveram acesso a ela. Nessa perspectiva, encontra-se a criança e suas numerosas
experiências com a linguagem escrita antes de entrar na escola. Assumir tais princípios
significa posicionar-se frente à negação de sujeitos iletrados, bem como do uso social que
estes fazem da escrita; porém estes usos sociais não são sempre os mesmos e variam de
acordo com as estruturas de participação e domínio nos quais a escrita encontra-se
inserida. Portanto, não se justifica pensar em níveis de letramento, mas modos
diferenciados de ser letrado, bem como a relação estabelecida entre esses modos
presentes nas situações sociais do dia-a-dia e aqueles mediados pela escola como
conhecimentos que constituem a chamada cultura letrada.
A organização semântico-objetal e as atitudes responsivas dos discursos dos
professores, representados pela concepção de alfabetização como conteúdo mínimo
permitem-nos inferir que as situações de uso social da língua não são negadas. uma
preocupação em não focar o ensino do código pelo código, mas a uma didatização do
letramento provocada por situações de uso social planejadas pelo professor, geralmente
através de portadores textuais, como textos, livros didáticos, cartilhas ou livros de
literatura escolhidos sob critérios do professor, quase sempre envolvidos com o ensino da
língua em consonância com a concepção de alfabetização como conteúdo mínimo.
Na verdade, o uso social da língua não é percebido fora do espaço da escola e,
portanto, também precisa ser ensinado. Este grupo de professores corrobora com o que
Street (apud, Soares 2004) denominou Pedagogização do Letramento, processo pelo qual
a leitura e a escrita, no contexto escolar, integram eventos e práticas sociais específicas,
associadas à aprendizagem, de natureza bastante diferente dos eventos e práticas de uso
social do dia-a-dia. É comum perceber, em alguns discursos, certa surpresa diante da
participação dos alunos em eventos sociais de letramento não escolar, sobretudo na
escola D, cujos professores se posicionam diante dos alunos como portadores de déficit
cultural, considerando a realidade social em que se encontram:
(LEVADAS A DIZER SOBRE SUA PRÃTICA COM ALFABETIZAÇÃO,
ASSUMEM COMO POSICIONAMENTOS)
PD-3.2: A salada de fruta eu faço, colocamos avental, lavamos as mãos e
fazemos, então eles aprendem a fazer, participam do texto, copiam,
interpretam e sabem e me explicam, então é o primeiro passo. Também a
carta pro namorado, a fofoca do dia, a notícia do jornal, todos esses materiais eu
trago, ando de bolsa cheia. A notícia do dia, o que aconteceu. Você pega o
menino, fala de futebol, descreve o jogo e todo mundo quer dar palpite. Alguns
fazem direitinho, vou pro quadro explico como é a letra, é um tempo mas esse
trabalho é bom porque envolve tema, brincadeira de rodas e cantigas, hoje
{
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}
teve uma poesia, depois que eu escrevi toda poesia, a gente explora porque
dos parágrafos, eu disse que era uma menina de oito anos que havia feito, eles
não acreditaram, qualquer um pode fazer, eu conto minha história para envolvê-
los.
(CONCLUI E SUGERE QUE OUTRAS PESSOAS SE MANIFESTEM)
PD-2: Eu tenho trabalhado com poesia, jornal, usado bastante o livro deles
também, não muito, também eles já estão dando conta de ler, poesias, eles
adoram poesias, o folclore eu usei muita poesia, músicas, escreve as palavrinhas
que não conhecem, explorei jornal, impressionante como eles trazem de casa
dever com jornal, eu tenho pedido textos, notícias e reportagens e eles sempre
trazem. Eu já sei os que não trazem já recorto e ajudo.
(PD-3.2 RETOMA A SITUAÇÃO DISCURSIVA MARCADA POR UMA
RESPONSIVIDADE DE SURPRESA E CONCORDÂNCIA COM A PD-2)
PD-3.2: Na matéria história dei uma pesquisa pra casa, pois estávamos falando
de profissões porque nós vamos trabalhar agora o que você gostaria de ser, mas
antes nós vamos explorar atividades que eles conhecem. Dei como pesquisa
uma entrevista com a mãe, não é que trouxeram médico, carpinteiro.
(PESQ. PROVOCA COM OBJEÇÕES MARCADAS PELOS DISCURSOS
ANTERIORES)
Pesq.: Alguns alunos não estão em situação de risco social? Como solicitaram
ajuda das mães?
(PD-3.2 ASSUME A RESPONSIVIDADE E SE RESPALDA)
PD-3.2: Uma não trouxe, outros trouxeram, o H.não trouxe.
As situações de eventos de letramento, como, por exemplo, a confecção da salada
de fruta, ainda que prazerosa para as crianças, como narra a professsora, não partiu
delas, muito menos uma consulta prévia a respeito do hábito de comer frutas e quais as
mais comuns, no ímpeto de propor uma situação prática envolvente. O professor
transforma o uso social da oralidade em situação de eventos de letramento a ensinar,
seleciona um determinado conteúdo, no caso o uso de letras, escrita e uso de parágrafos,
utilizando como figura fundo a situação da salada de fruta.
O mesmo acontece com os portadores textuais como a poesia, o jornal que se
transformam em uso figurativo em que eventos e práticas de letramento são motivacionais
para as práticas de aquisição do código. Nessa perspectiva, considera-se o letramento
escolar como um uso social da escrita comum em espaços ditos da cultura letrada, dentre
eles a escola, e se desconsidera o uso social da escrita presente no dia-a-dia, mesmo
quando os sujeitos não foram ainda alfabetizados ou (ainda) não tiveram acesso à escrita.
Assim, a presença de portadores textuais, no contexto familiar dos alunos, causa
surpresa, primeiro porque isso é desconsiderado e segundo porque essa
presença/ausência ao acesso à leitura e escrita justifica o êxito ou o fracasso escolar de
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}
alguns alunos mediante a aquisição da língua, uma vez que o argumento utilizado é a
falta de acesso ao material escrito e seu uso social devido a carência cultural na qual os
alunos encontram-se inseridos.
Nessa perspectiva não percebem uma concepção de letramento autônomo
associada à concepção de alfabetização como conteúdo mínimo, cuja escrita é vista
como um produto completo em si mesma, não estando inserida em um contexto de
produção, não depende da oralidade e é entendida como fator correlacionado ao
desenvolvimento cognitivo, por isso o letramento assume práticas a serem ensinadas.
A idéia é de que os sujeitos, uma vez inseridos na escola e, conseqüentemente, no
processo de escrita, começam utilizar princípios de organização do conhecimento que
não estavam contextualmente determinados. O sentido ideológico posto nesta crença é a
consideração de que o pensamento humano só se transforma e evolui com a aquisição da
escrita; a este pressuposto, Kleiman (IBID) denomina o “Mito do Letramento” que confere
efeitos positivos, no campo social e cognitivo, dos sujeitos ditos alfabetizados, ao passo
que confere ao analfabeto uma visão de indivíduo cerceado da liberdade e sobrevivência,
aliás muito comum em campanhas públicas ou privadas em prol da alfabetização
universal.
Pode-se dizer que a perspectiva do letramento autônomo atribui à escrita uma
perspectiva etnocêntrica, pois somente com a aquisição da mesma é possível
desenvolver raciocínio lógico-dedutivo, assim como a capacidade de fazer inferências
para solucionar problemas etc. Uma forma de acabar com o etnocentrismo parece ser
começar a considerar alfabetização e o letramento como processos interligados, porém
separados enquanto abrangência e natureza. Outro modo é passar a considerar o
letramento como um “continuum” Tfouni, (IBID) associado a uma concepção de
alfabetização como leitura de mundo.
No discurso dos professores marcados pela concepção de alfabetização como
leitura de mundo, os usos sociais da escrita não estão subordinados aos eventos de
letramento escolar, como prática a ser ensinada; ao contrário, a escrita faz parte do
contexto escolar em todas as etapas pesquisadas, seis, sete e oito anos. As situações de
eventos de letramento não são práticas motivacionais, mas se encontram intensamente
relacionadas à concepção de escrita conceitual e espontânea, bem como a concepção de
alfabetização como leitura de mundo.
O conhecimento de mundo, assim como o uso social da escrita, organizados pelas
crianças anterior à entrada na escola, define-se como o caminho para que sejam
explorados outros modos diferenciados de se conceber a prática letrada. Dessa forma,
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}
não se estabelece uma correlação entre aquisição da escrita e desempenho cognitivo,
muito menos uma relação dicotômica entre oralidade e escrita.
Ao contrário, as crianças aprendem lendo e escrevendo e, de acordo com Goulart
(IBID), fazem uso e estabelecem funções sociais da linguagem escrita orientando as
atividades cotidianas da turma, convidadas a escrever, do jeito que podem e sabem,
textos socialmente significativos. Essa prática culmina na escrita espontânea das
crianças, regulada pelas situações e práticas letradas que se subordinam ao
conhecimento de mundo e na própria organização curricular da escola que prevê um
tratamento social para os conteúdos, justificados pelo Projeto Político-pedagógico da
escola e contemplados para a comunidade na qual se encontra inserida.
O caminho apresentado pelos professores desta concepção, para que se privilegie
situações e eventos de letramento presentes nas práticas discursivas dos alunos, é partir
de suas experiências, entendendo-as como a forma em que a escrita se encontra no
contexto do dia-a-dia. Por isso, situações elencadas, como a escrita espontânea de
histórias, possuem as temáticas pensadas pelos alunos e reelaboradas no interior da sala
de aula, onde a produção coletiva de textos e a produção individual se apresenta de
forma rica, no que diz respeito à qualidade do material escrito. Assim, a escrita não “brota”
de situações artificiais, mas de eventos e práticas de letramento que embasam idéias e
hipóteses acerca do significado e compreensão das palavras.
A compreensão dos diversos modos de ser letrado não se configura na
predominância do letramento escolar e muito menos na consideração de padrões
dominantes de escrita; esses professores concordam que o desenvolvimento da língua
oral e o desenvolvimento da escrita se influenciam mutuamente, pois uma
consideração das habilidades comunicativas dessas crianças.
A exposição das mesmas a eventos de letramento, como leitura de livros infantis e
atividades de faz-de-conta, expande seus conhecimentos sobre a estrutura textual e
sobre a escrita, pois ouvem e discutem os textos com os professores, adultos letrados
que auxiliam a estabelecer relações entre a linguagem oral e as estruturas do texto
escrito, facilitando o processo de aprendizagem da decodificação da palavra escrita a
partir das próprias inferências.
É importante ressaltar que estes professores possuem um significativo papel na
interação das crianças com as situações letradas; contudo esse papel é mais
posicionamento intuitivo do que teórico, pois, na verdade, quando angustiados sobre
aspectos da não aprendizagem da leitura e escrita de alguns alunos, bem como análise
dos resultados de avaliações sistêmicas nacionais que não condizem com suas
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avaliações, esses profissionais tendem a justificar a dificuldade no aluno, no sistema, na
família e em outros fatores, os quais mereceram nossa análise posteriormente.
De antemão é preciso compreender que a concepção de alfabetização como
leitura de mundo pressupõe uma perspectiva do letramento ideológico, assim como busca
relacionar lingua oral e escrita como práticas não subordinadas, o que falta a esses
professores é a discussão sobre o seu papel diante deste processo, ainda que o façam de
forma espontânea, entendida como uma prática não refletida.
Essa reflexão traz à tona as demais concepções, como o que se espera que seja o
aprender, bem como a relação entre alfabetização, letramento, escolarização e ensino,
auxiliando o professor a se posicionar de forma coerente frente às situações tensas, como
a não-aprendizagem de alunos, sem contudo reproduzir o discurso ideológico de se
responsabilizar o indivíduo ou o meio por tal condição.
Dessa forma, tornou-se fundamental compreender o discurso destes professores
entendidos como o seu posicionamento na convergência de polêmicas e dilemas, acerca
das concepções de alfabetização como conteúdo mínimo e leitura de mundo, no que diz
respeito ao calado ou silenciado nos seus discursos sobre a relação histórica entre
alfabetização, letramento, escolarização e métodos, bem como a sua compreensão do
que seja o aprender, tanto na escola, quanto fora dela.
5.5 - Relação Alfabetização / Escolarização E Ensino
Sabe-se que o ensino da leitura e da escrita não se exclusivamente no interior
da escola, mas a criação desta está intimamente ligada ao ensino da língua materna e
cálculos. A alfabetização se torna objeto de estudo a partir do momento em que se torna
um processo de escolarização. Mas o que significa isto?
Segundo o Dicionário Aurélio (2001)
41
escolarizar é submeter(-se) ao ensino
escolar, exigindo um complemento que, segundo Soares (IBID) , identifica-se com pessoa
ou conteúdo. Da compreensão popular do verbo escolarizar, percebe-se dois grandes
equívocos, o primeiro diz respeito à relação escolarização e o verbo submeter(-se) que
pressupõe a existência de um conhecimento e conteúdo que deve ser submetido a
alguém como conhecimento escolar acima de tudo. O segundo equívoco consta na
negação ou distância entre o conhecimento considerado escolar e o conhecimento social
não escolarizável.
Na verdade, os processos de aquisição do digo, aqueles relacionados aos
41
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: Minidicionário da Língua Portuguesa.Nova
Fronteira; Rio de Janeiro, 2004
{
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}
automatismos básicos da leitura e escrita, assim como os processos de significação e
compreensão, ou seja, os usos sociais da escrita, constituem-se tanto no interior da
escola, quanto fora dela. Sabemos que a escola possui como uma das funções sociais, a
construção/produção de Gêneros Secundários de conhecimento, reelaborados e
incorporados por gêneros primários, que se integram aos complexos, transformando-se
em enunciados reais alheios.
Contudo, quando o discurso dos professores marca a concepção de alfabetização
como conteúdo mínimo, as situações de aprendizagem, entendidas nas interfaces de
gêneros primários e secundários, restringem-se à descrição dos objetivos a serem
atingidos como controle do processo de escolarização e não dizem respeito ao processo
de alfabetização. Por esse motivo, muitas vezes, os processos de alfabetização
confundem-se com os de escolarização, atendendo a um ponto de vista ideológico.
(TFOUNI, 2005).
Ao buscar compreender a alfabetização através de um mínimo de habilidades e
conteúdos, os professores retratam não só os dilemas metodológicos como também
indicam que o interesse pela alfabetização se relaciona com a expansão da escolarização
e com a produção de significados e saber escolar determinado por relações de poder. O
silenciado no discurso dos professores é a presença de um instrumental lógico e
positivista que elege certas habilidades para usar a linguagem escrita atendendo a
interesse do capital que mede as exigências do ler e escrever e dita o que é ser um
sujeito alfabetizado. Segundo Tfouni (IBID), a ideologia instrumental encontra-se em uma
abordagem formalista da escrita definida por regras, exortações sobre o que fazer e o que
não fazer quando se escreve, relacionados a temas como “prontidão”, e correspondência
fonema-grafema.
Essa relação instrumental entre alfabetização e processos de escolarização afeta
as relações de ensino e os transforma em tarefa de ensinar. Segundo Smolka (2003), as
relações de ensino se constituem nas interações sociais, mas a tarefa de ensinar se
constitui na escola, vira profissão e freqüentemente “missão”. Com isso não se pretende
desacreditar na tarefa de ensinar como instrumento do professor, mas propor uma
reflexão do quanto esta tarefa encontra-se carregada do instrumental ideológico acerca
da alfabetização, negando as relações de ensino, no que diz respeito aos usos sociais da
escrita, e transformando-se em tarefas de ensinar.
Diferentemente destas relações encontra-se a concepção de alfabetização como
leitura de mundo, cuja tarefa de ensinar não se sobrepõe às relações de ensino; aliás, as
relações entre escolarização e alfabetização se definem por relações de ensino
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dialógicas, onde se buscam metodologias de trabalho que contemplem, acima de tudo, os
processos de uso social da escrita concomitante com o entendimento de que tais
processos são construídos e o, simplesmente, apreendidos através de estratégias ou
métodos considerados eficazes.
Sob essa perspectiva, a alfabetização não é vista como o ensino de um sistema
gráfico que equivale a sons, mas é vista sob a perspectiva de interdependência entre
oralidade e escrita, isto é, ambos os sistemas de representação influenciam-se
igualmente (Tfouni, 2005). Assim, o processo de representação que o indivíduo deve
aprender a dominar durante a alfabetização não é linear, é um processo complexo que
acompanha a representação dos sons e grafemas até um nível mais complexo, como
representar um locutor ausente durante a produção de uma carta.
Na responsividade do discurso dos professores que concebem a alfabetização
como conteúdo mínimo, assim como a alfabetização como leitura de mundo, encontra-se
posta a instituição da tarefa de ensinar, sendo que, nesta última, as relações de ensino
encontram-se em destaque e não subjugadas ao como fazer ou ao conteúdo. Contudo,
mesmo partindo-se de lugares supostamente diferenciados, e assim o o no que diz
respeito às relações de ensino e a tarefa de ensinar, ambas as concepções revelam um
incômodo marcado pela tarefa de ensinar aos que não aprendem. No caso da escola D, o
histórico da instituição, bem como o público é entendido como portadores de déficits
culturais, estando aquém das habilidades e conteúdos elencados como parâmetros da
tarefa de ensinar. Diante do constrangimento posto em relação ao como alfabetizar, os
professores buscam, nos livros didáticos, as atividades que referenciam sua prática, mas
sem, contudo discutirem as concepções presentes nos mesmos, enunciando logo de
imediato uma distância entre o discurso oral e o discurso escrito, aos quais o aluno tem
acesso, e os gêneros teóricos postos nos livros didáticos. Essa distância é entendida
como déficit cultural do aluno que não tem acesso a uma “cultura letrada”:
PD-1:
(...)
pra seis anos a gente o tem livros chegam pra alfabetização .... eu
não sei se a nossa escola tá tão defasada assim.
(CONCLUI E DESENCADEIA RESPONSIVIDADE IMEDIATA DA PD-7.1)
PD-2.1: Nossa não!!! Todo lugar!!! Têm livros de série que trazem textos de
duas páginas, três páginas e não tem como.
(CONCLUI E PROVOCA VÁRIAS ATITUDES RESPONSIVAS AO MESMO
TEMPO).
Murmúrios: Por mais que a gente faça não tem como!!!
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(NOVOS POSICIONAMENTOS DIANTE DA TEMÁTICA)
PD-1: Por mais que a gente faça tem que adaptar, eu te mostrei (A PASTA DE
ATIVIDADES) . Eu vejo que algumas coisas eles dão conta de fazer, palavras
cruzadas, eu faço os desenhos no quadro, vou sondando a figura, eles falam o
nome, pergunto: começa com quê? Eles falam o som e vão fazendo livros pra eles
não tem não!!!”
(CONCORDA E SE DEFENDE)
PD-2.1: Os livros pra eles não não, mas todas as escolas são assim, aqui eu
ainda achei um que dá pra tirar alguns exercícios, entendeu alguma coisa.”
Nesta relação entre a tarefa de alfabetizar encontra-se um processo de
escolarização com características lineares e estáticas, em que o professor é colocado e
se coloca no lugar de quem se apodera do conhecimento “submetendo-o” ao aluno.
Pensa que sua tarefa é dar conhecimento à criança e com isso tende a monopolizar o
espaço na sala de aula. No jogo da tarefa de ensinar vale adaptar atividades para atender
a um nível de desenvolvimento esperado, vale acreditar que os alunos não aprendem
porque são defasados, dadas às condições culturais em que estão inseridos, vale recorrer
às próprias memórias, no que diz respeito às diretrizes do que ensinar, numa atitude não
consciente, decorrente da sua falta de conhecimento e posicionamento crítico em relação
ao seu próprio papel e sua função como professor, no contexto e funcionamentos sociais.
Para evidenciar tal ponto de vista busco destacar a enunciação abaixo a respeito da
organização da tarefa de ensinar:
(ATITUDES RESPONSIVAS QUE BUSCAM JUSTIFICAR UMA PRÁTICA)
PD-3.2: Mas nada orientado; eu faço porque fizeram comigo e como eu descobri,
uma experiência que eu vivi, eu acho que estou fazendo por aí, ninguém que
dissesse não faz que está certo ou errado. Eu queria ter orientação, apesar de já
ter trabalhado com o ciclo e de não acreditar; eu espero e na sala de aula não vou
lembrar se estou na série ou ciclo, eu tenho que dar o conteúdo, eu o vou ficar
preocupada se eles não vão avançar; eu sou a professora; eu tenho que dar, sou
profissional e é assim, parto daí, pego o gancho e segue
.
A presente enunciação também retrata uma condição não singular entre os
professores: o fato de o professor ocupar uma posição de responsável pelo processo de
alfabetização, assumindo sozinho a tarefa de ensinar crianças a ler e escrever, e nesse
jogo não se encontra apenas a posição do professor, mas um imaginário ideológico.
No jogo das relações acadêmicas, professores e alunos assumem condições e
executam suas tarefas de acordo com as representações sociais já descritas e não
questionadas. De acordo com o descrito por Smolka, a professora, ao escrever na lousa e
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}
propor exercícios como o descrito nas enunciações, vê-se desempenhando a função dada
a ela em relação à tarefa de ensinar e imagina que está alfabetizando as crianças. Ao
escrever as famílias silábicas, imagina ser pré-requisito para as crianças aprenderem a ler
e escrever. Ao falar para os alunos, imagina que os mesmos entendem, assim como
imagina que eles entendem as atividades propostas como cópias de sílabas, textos,
montagem palavras e outras citadas.
No caso dos discursos marcados pela concepção de alfabetização como leitura de
mundo, o ensino da língua é pautado nos processos de compreensão e significado cuja
tarefa de ensinar pressupõe a escrita conceitual e espontânea dos alunos. Contudo, não
negam que alguns não aprendem, ou não aprenderam ainda, e também tendem a
justificar suas não-aprendizagens em fatores socioeconômicos, mas há diferença entre os
posicionamentos de ambos os discursos determinados pelo “lugar” de onde falam.
No caso dos discursos marcados pela concepção de alfabetização como leitura de
mundo, as responsividades o tensas e as alternâncias discursivas revelam que são
necessárias muitas justificativas, que embora busquem no indivíduo a resposta para sua
não-aprendizagem, não se relaciona às teorias e crenças em déficit ou diferença cultural.
Na verdade, diante de relações de ensino, dialogicamente estabelecidas, torna-se
conflituoso explicar por que alguns não estão aprendendo e, historicamente, temos
relacionado o sucesso e o fracasso escolar dos alunos à trajetória familiar dos pais
Charlot(2000), aos condicionantes pedagógicos, sugeridos por Lahire(2004),como o
acompanhamento dos pais às tarefas escolares dos filhos e a negação de eventos e
práticas de letramento o escolar. Diante de tal tensão e sem muitas respostas para o
fato de alguns não lerem e escreverem, sobretudo, ao final do terceiro ano do ciclo, os
professores tendem a atribuir sentidos aos seus discursos, fazendo elos discursivos com
uma concepção de aprendizagem subjetivista.
Esta condição é presente nos discurso dos professores, tanto aos que se referem à
concepção de Alfabetização como Conteúdo Mínimo, quanto aos que se referem à Leitura
de Mundo, contudo, na primeira, a não-aprendizagem de alguns, ou seja, a não
correspondência dos alunos à tarefa de ensinar, não se relaciona à possibilidade de não
compreensão entre o que o professor fala e o que o aluno aprende, mas à idéia do déficit,
enquanto, na segunda, se refere à concepção de aprendizagem subjetivista.
Contudo, mesmo que de lugares diferenciados, falar das não-aprendizagens
relacionadas à leitura e escrita de alunos é um entrave na prática do professor
alfabetizador, mesmo quando a tarefa de ensinar não sobrepõe à relação de ensino. Essa
condição pode ser percebida tanto nas enunciações já descritas, como nas a seguir:
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}
(CONCLUSÕES QUE JUSTIFICAM O NÃO-APRENDER)
(...) PD-2.2: ”eu acho que a gente tem que envolver a família, eles acham muito
bom o professor ficar assim e eles nada. Vocês sabem que em outra escola a
comunidade é muito pior que aqui, mas a comunidade vai, traficante ... eu estou
chamando, mando bilhetes e estão vindo.
(CONCLUI E OUTROS DEMONSTRAM CONCORDAR).
PD-1: Eu falei pra diretora que vou pedir uma reunião extra, por causa de falta
de material, falta de compromisso.
(PD-2.2 RETOMA O DISCURSO DANDO CONTINUIDADE À
RESPONSIVIDADE)
PD-2.2: Hoje eu ouvi uma coisa de uma criança que me doeu: eu não trouxe o
dever pronto porque eu pedi pra minha mãe e ela falou que estava fazendo janta.
Bonito isso, eu lavo, passo, cozinho e faço os deveres com meu filho. Não vai um
dia sem fazer, ontem eu estudei com ele até 10 horas da noite... nós falamos
isto em muitas reuniões, nós que estamos aqui o dia todo, tem que chegar em
casa lavar, passar, cozinhar, cuidar de marido e aí.(...)
_______________________________
(EM OUTRA SITUAÇÃO DISCURSIVA, PM-2 BUSCA NA RESPONSIVIDADE
DAS COLEGAS, JUSTIFICAR AS NÃO-APRENDIZAGENS DOS ALUNOS, AS
QUESTÕES FAMILIARES E ECONÔMICAS, A OBJEÇÃO PARA ENUNCIAR
QUE A QUESTÃO, ENTÃO NÃO É O MÉTODO.)
(...) PM-2: Eu acho que eu falei que não importa o método, o problema da
alfabetização não está no método, eu acho que não está!! Está na parte social, né!
Nas condições sociais da família, de tudo?
(CAUSA INCÔMODO NA PM-6 QUE RESPALDA).
PM-1 : Então, mas não acho que a questão seja só a família!
PM-2: Mas eu também não acho que é só a família...
PM-3: A própria escola, falta professor... A própria criança, engloba tudo.
(CONSTRANGIMENTO COM O EMBATE, INCLUI OUTROS FATORES ÀS NÃO-
APRENDIZAGENS E ABRE PARA OUTROS POSICIONAMENTOS.)
PM-2: É porque parece dentro de tudo que eu tenho lido de alfabetização, que a
culpa é o método, é o Fônico, um derrubava o outro, esse é o tchan! E as
conclusões que se chegam é que não é essa a questão.
Neste último trecho é possível perceber que as questões socioculturais justificam
não as não-aprendizagens, como também justificam a tarefa de ensinar com base na
concepção de alfabetização como conteúdo mínimo, pois se existem outras questões que
envolvem o processo de alfabetização como um todo, não são aquelas endereçadas aos
métodos de alfabetização, como instrumento da tarefa de ensinar, que realmente
importam no desenrolar de todo processo.
Considerar que alguns aprendem e outros não, como processo natural da relação
alfabetização e escolarização, atende também à tarefa de ensinar como um processo
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que, mesmo mínimo e calcado em habilidades organizadas instrumental e
estruturalmente, não influencia o processo de alfabetização diante do peso atribuído à
realidade sociocultural dos alunos. Não se quer, com este ponto de vista, admitir a não
existência de especificidades ao aprender, por parte de alunos com necessidades
especiais reais ou não, apenas questionar o uso dos fatores socioculturais como condição
para não-aprendizagens, assim como perceber as concepções de
aprendizagem/desenvolvimento e linguagem que estão postas nos discursos acima partir
do entendimento da prática do professor como tarefa a ensinar. Trataremos agora desta
análise.
5.6 - Das Relações Alfabetização E Letramento: Os Sentidos Compreendidos Ao
Aprender E À Língua.
As várias vozes presentes nos discursos dos professores levaram-nos a
compreensão dos sentidos ideologicamente construídos no seu cotidiano a partir da
consideração do que os mesmos denominaram como o “nó” da alfabetização, impõe-se
sobre um dilema: ou se ensina a ler e escrever como aquisição de código, ou se explora a
compreensão e significados sociais da leitura e escrita, ou seja, o Como alfabetizar
letrando.
O aprofundamento das interações verbais marcou o discurso dos professores, no
que diz respeito aos conteúdos sígnicos que passaram pela prova da expressão externa
e se manifestam nas concepções de aprendizagem/desenvolvimento e de linguagem dos
mesmos. Tais concepções encontram-se de forma implícita nos discursos dos
professores, como um conjunto de idéias que orientam sua prática, expressa em seus
atos, conteúdos e formas do que se pressupõe que o aluno aprenda, do que se
pressupõe que seja aprendizagem e do que se pressupõe ser a língua.
A organização das práticas com alfabetização orientadas sob uma escolha
metodológica que pressupõe o ato de alfabetizar como tarefa a ensinar, de acordo com o
defendido, alia-se a concepções empiristas e subjetivistas do ato de aprender, bem como
da compreensão que se tem da língua enquanto estrutura. Historicamente, as teorias
empiristas delegam ao ato de conhecer uma relação com o objeto (meio ambiente)
advinda da expressão “empeiria”, em que tudo que diz respeito ao conhecimento se
encontra no meio, sendo aprendido pelos sentidos.
Segundo Moll (1999), a gênese de tal postura encontra-se nos estudos de John
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Locke e na defesa de tese da “tábula rasa”, segundo a qual nascemos como folha de
papel em branco, nas quais o meio vai inscrever o conhecimento pela experiência
auditiva, visual, tátil, gustativa e olfativa. Nessa postura, o conhecimento pré-existe ao
sujeito, ao aluno, cujo papel é de receptor passivo que necessita ser moldado.
A pedagogia centra-se na figura do professor que monta programas, atividades a
ensinar seguindo um grau de complexidade referenciado por ele e por um padrão de
desenvolvimento dominante. A ênfase nas técnicas e todos que melhor transmitem os
conteúdos que já se encontram organizados no meio, supervalorizam a escola, no que diz
respeito ao lugar que a mesma ocupa como fonte de conhecimento. O papel da
experiência nos processos de aprendizagem é absolutizado pelo empirismo “(...) como
algo que se impõe por si mesma, sem que o sujeito tenha de organizá-la, isto é, como se
ela fosse impressa diretamente no organismo sem que uma atividade do sujeito seja
necessária a sua constituição(...)”(MOLL, 1999, p.75).
Segundo a autora, a tendência epistemológica empirista revela-se em dois
enfoques pedagógicos: aquele considerado tradicional e o comportamentalista. A estes se
associa a concepção de que o aluno precisa memorizar e fixar informações as mais
simples e parciais possíveis acumulando-as com o tempo. Neste sentido, encontra-se
também configurada a ênfase nos processos de alfabetização definidos por um método, o
uso de cartilhas, como modelo típico capaz de organizar tal ensino, pois, se o
conhecimento pré-existe ao sujeito, é necessário se pensar a técnica, o instrumento que
melhor possibilite a apreensão do mesmo, entendido como conteúdo.
Tal concepção subsidia a compreensão da alfabetização como conteúdo mínimo,
impondo sobre o professor a tarefa de ensinar e marcando seu discurso na queixa de
alguns, relacionada à falta de Planos Curriculares organizados pela escola. Embora
cada qual venha se organizando e estabelecendo sentidos aos elos discursivos
dominantes sobre alfabetização e Letramento, a ausência de um caminho comum
percorrido por todas é lamentada por esse grupo de professores.
À essa tendência empirista de conceber a organização da aprendizagem associa-
se uma tendência apriorista, não menos relevante, pois a organização do conhecimento
explica-se tanto por meios externos ao sujeito, quanto internos. Tal organização
compreende sentidos à alfabetização, enquanto objeto de estudo, pois mesmo quando se
considera imperativo o uso de cnicas e métodos de alfabetização, como necessários a
uma aquisição da leitura e escrita eficaz por parte do aluno, ainda se encontram
presentes, no quadro da educação brasileira, crianças que, mesmo expostas aos
métodos, não aprenderam a ler e escrever.
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A compreensão das não-aprendizagens de alguns e, conseqüentemente, as
aprendizagens de outros, busca sentidos em gêneros secundários da Psicologia que
compreendem a aprendizagem humana não somente posta na relação do sujeito com o
meio, mas em processos internos do sujeito, ou seja em estruturas endógenas, a priori ao
nascimento.
Dentre as disputas hegemônicas entre métodos de alfabetização sintéticos e
analíticos, encontra-se a necessidade de justificar a não-aprendizagem de alguns alunos
no diálogo advindos com pesquisas experimentais, sobretudo do campo da Psicologia e
da consideração do aprender subordinado aos processos de maturação de estruturas
endógenas. Esse discurso configura, para o campo da alfabetização, um afastamento
com elos discursivos pedagógicos e lingüísticos e uma aproximação marcante com uma
perspectiva psicológica da alfabetização, cuja base é a crença em um nível de maturidade
do desenvolvimento biológico da criança como pré-requisito para a alfabetização. Assim o
desenvolvimento infantil é entendido como a evolução de estruturas endógenas existentes
nos sujeitos se constituindo em aprendizagens reconhecidas como “estalo” e/ou “insight”.
Com base na Psicologia Gestaltista, esta concepção busca conceber a apropriação
do conhecimento substituindo o empirismo absolutista por um relativismo genético, pois o
conhecimento encontra-se no sujeito e está passível ao desenvolvimento biológico
dominante. Assim, é comum pensar em um ensino que leve em consideração as etapas
de desenvolvimento organizadas a partir da consideração de classes homogêneas, ou
seja, classes que se organizam de acordo com o nível de desenvolvimento do aluno.
O conhecimento acerca do nível de cada aluno é obtido por testes de QI. No
Brasil, encontram-se como pioneiros os chamados testes ABC, organizados por Lourenço
Filho, com o objetivo de reordenar turmas respeitando os níveis de desenvolvimento dos
alunos. Embora, no Brasil o acesso a tal concepção seja datado nos anos de mil
novecentos e sessenta, setenta, ainda se encontra presente na contemporaneidade,
justificada por outras concepções, dentre elas o déficit e a deficiência cultural, pois diante
da persistência de crianças escolarizadas e não aprendentes da leitura e escrita,
engrossando os índices de evasão e repetência, a queixa recai e justifica-se no sujeito, no
seu desenvolvimento que é deficitário e assim o é por conta do meio que não o solicita o
suficiente, uma vez que a concepção de cultura erudita dominante, não é aquela que
circula entre as classes populares, onde se encontra o contingente de alunos não
aprendentes, entendidos como portadores de um déficit cultural.
Os sentidos atribuídos aos discursos dos professores pertencentes à concepção de
alfabetização como conteúdo mínimo é a crença em ambas as concepções de
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aprendizagem (empirista e subjetivista), pois, em geral, existe uma tendência em
organizar o ensino, seja dando ênfase ao uso da técnica, seja considerando as etapas de
desenvolvimento, ou seja a não consideração da relação entre sujeito e meio na
construção do conhecimento, justificando as não aprendizagens a um déficit cognitivo ou
cultural.
Contudo, os discursos que marcam a concepção de alfabetização como leitura de
mundo, quando movidos a enunciarem sobre as situações de não-aprendizagem de
alguns alunos, não se diferenciam dos discursos que marcam a concepção do conteúdo
mínimo, ou seja, os elos discursivos são os mesmos. Porém os sentidos atribuídos às
duas concepções se deferenciam o que se refere ao lugar de onde estes grupos
enunciam e a intenção discursiva dos mesmos. Enquanto que para o grupo de
alfabetização como conteúdo mínimo enunciar sobre as não-aprendizagens e entendê-las
sob uma perspectiva de déficit cultural, para o grupo da concepção como leitura de
mundo, enunciar sobre as não-aprendizagens é tenso e a tomada de elos discursivos
tende a uma ênfase maior na perspectiva psicologizante em detrimento das teorias de
déficit cultural.
Na verdade, nas duas últimas décadas, os sentidos compreendidos pelos
professores acerca do movimento denominado desmetodização da alfabetização, foi o
entendimento de que o processo de alfabetização não poderia ser construído sob
qualquer perspectiva metodológica. Diante de uma imposição do discurso sobre a
Psicogênese da Língua Escrita, como modismo, as relações ensino e aprendizagem
tornaram-se confusas e o marcadas no discurso dos professores na compreensão das
aprendizagens a partir de processos internos do aluno. É comum enunciarem sobre o
“respeito ao ritmo de cada um” ou “cada um tem seu tempo”.
Estes elos discursivos encontram-se postos nos discursos dos dois grupos de
concepções sobre alfabetização e letramento. Contudo, não possui a mesma intenção
discursiva, muito menos são movidos pelas mesmas responsividades. Os professores,
defensores da alfabetização como leitura de mundo encontram respaldo teórico para
justificar sua prática com a escrita conceitual, dentro de uma perspectiva de letramento
ideológico, mas são submetidos aos elos discursivos de uma perspectiva psicologizante,
embora sua intenção discursiva possibilite perceber que se encontram no processo de
compreenderem outros sentidos aos elos discursivos da alfabetização e letramento.
As teorias de conhecimento com base nos pressupostos filosóficos do
Interacionismo buscam romper com a relação dual entre sujeito e objeto, cuja ênfase
segue a metáfora da “curvatura da vara”, onde se entende que o conhecimento encontra
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no sujeito e se espera a maturação ou se entende que o conhecimento encontra-se no
meio, cabendo-o apenas apropriar-se.
O interacionismo busca romper com tal paradigma relacionando sujeito,
conhecimento e meio em um processo de construção, não mais de apropriação. O
conhecimento humano passa a ser considerado como construído nas relações do sujeito
com a realidade. Esse processo é constituído pelas interações estabelecidas entre o
sujeito e o objeto do conhecimento, portanto entre o homem e o mundo (MOLL, 1999).
Nessa perspectiva, os trabalhos de pesquisa realizados por Jean Piaget são
significativos para a compreensão do homem enquanto sujeito epistêmico (sujeito do seu
próprio conhecimento). Piaget investiga os processos internos de construção do
conhecimento, estabelecendo questões que constituíram a “espinha dorsal” da sua teoria,
a busca pela Gênese do conhecimento humano, investigando as manifestações, reações
e comportamentos frente às situações contextuais desde o nascimento.
Embora a intenção do autor sempre estivesse voltada para a compreensão de tal
gênese do conhecimento, seus estudos influenciaram uma rie de concepções e teorias
subjacentes que marcaram ideologicamente a concepção de educação, o papel e a
função da escola, bem como do professor, e o entendimento do que seja o aprender e a
relação ensino-aprendizagem. Dessa forma a Epistemologia genética respaldou, no que
diz respeito à alfabetização, os trabalhos da pesquisadora Emília Ferreiro e a
compreensão de um processo de escrita conceitual.
Ainda que tal paradigma represente enorme relevância, os sentidos compreendidos
no discurso dos professores, sobretudo na concepção de alfabetização como conteúdo
mínimo, não rompem com pressupostos aprioristas de aprendizagem. Mesmo quando se
considera a relação sujeito e objeto permeado pelo meio, ainda se considera a construção
de conhecimento dependendo de estruturas endógenas, consideradas a base do
processo adaptativo, ou de aprendizagem. Estes sentidos equivocados de discursos
apropriados como modismo, configuraram em uma consideração imediatista de meio que
vem acarretando um determinismo sociocultural.
No caso da alfabetização, compreende-se que ela é um processo de construção;
contudo há uma equivocada compreensão das etapas ou estágios de construção de
escrita, organizados por Ferreiro, que leva à associação direta com a idade cronológica
da criança, cujo meio passa a ser a variável que vai justificar a distância ou a proximidade
de ambas.
No caso do discurso dos professores defensores da concepção de alfabetização
como leitura de mundo, fica claro que existe uma defesa dos processos de construção da
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escrita e, embora pouco explicitado, fica claro também que o professor desempenha um
papel de problematizador na relação do aluno com a escrita; contudo as relações entre
ontogênese (processo de desenvolvimento cognitivo) e filogênese (processo de
desenvolvimento da espécie humana) neste processo de aquisição, isto é, a relação dos
processos de aprendizagem da escrita com o meio social, são compreendidas como
construção natural influenciadas pelo meio, cujo ápice encontra-se na construção
ideológica dominante de meio ambiente favorecedor de tais aprendizagens. Assim, as
não-aprendizagens são entendidas a partir de fatores psicologizantes do desenvolvimento
maturacional do aluno.
Não obstante os professores de ambas concepções de alfabetização e letramento,
atribuem sentidos aos seus discursos às teorias empiristas, aprioristas ou interacionistas,
não rompendo com o legado do inatismo e na crença do desenvolvimento endógeno
como base para aprendizagens da leitura e escrita. Ainda que se considere o meio, sua
relação com os processos de aprendizagens é pouco especificada e os professores ficam
com a idéia de que o conhecimento da escrita é construído, mas também se relaciona ao
um processo interno, a uma noção de maturação, por isso o dão conta de romper com
o inatismos presentes nos pressupostos interacionistas e muito menos fazer uma
discussão politizada em torno da não-aprendizagem de alguns alunos. O trecho a seguir
exemplifica a tensão dialógica e mostra como o discurso vai se organizando, partindo de
uma concepção reducionista das questões que envolvem a alfabetização, evoluindo a
uma abrangência pouco esclarecedora.
PESQ: QUAIS AS QUESTÕES QUE ENVOLVEM O COMPLICADO PROCESSO
DE TRABALHAR COM A ALFABETIZAÇÃO E A FUNÇÃO SOCIAL DA
ESCRITA:
PM-2: “é também uma questão metodológica.”
PM-3: “eu acho que são todas...”
(O GRUPO FICA EM SILÊNCIO POR ALGUNS SEGUNDOS).
TODAS: “no afetivo, no cognitivo...”
PM-LA: “eu acho que tem que entrar a vontade da criança, quando chega uma
determinada idade, ela começa querer ou não querer; se ela não quer e disse
que não gosta de escola, você precisa tentar reverter este quadro.”
PM-3.: “Mas isso é o social”.
PM-LA.: “NÃO...”
TODAS: “Aí é emocional que interfere na aprendizagem...”
PESQ.: E O QUE CHAMAMOS DE SOCIAL?
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PM-3.: “fatores relacionados ao econômico, desemprego...”
PESQ.: Eu queria entender o que os fatores de desemprego e econômico têm a
ver com alfabetização?”
PM-R.: “eu acho que o social está muito vinculado com o cultural, tem família que
não reconhece a função social da escrita, não tem jornal, e isso na vida fora é
visto no ônibus, mas em casa não tem suporte e nãomesmo importância que a
criança que tem a leitura em casa. Eu vejo muito pelo lado da criança que tem um
pai que reconhece o valor da escrita. Uma coisa que me incomoda é o fato das
crianças que têm mais dificuldades para ler e escrever são os meninos de escola
pública, e o ensino desta escola não é pior em comparação com a particular...
O trecho acima mostra como são tensos os elos discursivos que vão
compreendendo sentidos ao discurso dos professores, relacionados aos fatores que
influenciam na aquisição da leitura e escrita dos alunos. Embora a intenção discursiva
seja a de considerar vários aspectos, não havendo sobreposição de alguns em detrimento
de outros, está ideologicamente marcada a responsabilidade do sujeito sobre seu
aprendizado, pois ele que pertence ao meio, o que não aprende ou sofre de problemas
cognitivos, afetivos ou emocionais.
Da abrangência de questões é possível perceber um afunilamento no que diz
respeito à função social da escrita, mesmo que ainda relacionada com a idéia do déficit
cultural, pois no primeiro momento acredita-se que as não-aprendizagens derivam de uma
falta de reconhecimento por parte das famílias dos alunos, da função social da escrita. A
evolução de tais pressupostos vão colocando em “xeque” as concepções do grupo, o qual
é capaz de perceber que, na verdade, os alunos fazem um reconhecimento social da
escrita, diferenciado do reconhecimento social que eles esperam, pois percebem que as
situações letradas ocorridas na escola diferenciam das situações letradas da vida
cotidiana. Vejamos os discursos:
PESQ.: No acesso da função social da leitura e da escrita, eu acho que já
um pouco de caminho pra gente...porque se a gente percebe que esses meninos
têm uma dificuldade no acesso e não são menos capazes, qual o papel da escola,
do ponto de vista da alfabetização? Será que é ficar discutindo método ou
favorecer este acesso e pensar nessa metodologia?
(O DISCURSO ACIMA DESENCADEIA ATITUDE DE DEFESA).
PM-2.: “Qual a melhor metodologia pra dar esse acesso?”
PESQ.: “Como dar o acesso? O que vocês acham?”
PM-2.: “Ela já dá, ela já recebe o aluno!!!”
PESQ.: A questão é essa: o papel da escola é dar outros acessos à leitura e
escrita, que as famílias de classe pobre não têm. Como seria o trabalho na sala de
aula?”
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PM-L: “Eu acho que é fazer o que a gente já está fazendo dentro da escola.”
PESQ.: “Fazendo o quê? Nomeia!”
PM-L.: “Eu acho que você tem que olhar para aquela criança e pensar enquanto
um ser único, esse menino precisa de quê? Atendimento individualizado? O que
eu vou fazer?”
PESQ.: “Então o que fazer?”
PM-L: “Bom, aí a escola precisa de uma estrutura, o professor de apoio...”
PESQ.: “Isso é acesso à leitura?”
PM-1.: “Na minha sala, por exemplo, eu acho que tenho que dar o máximo de
atividades para eles, principalmente em relação a brincadeiras, a pegar livros, a
linguagem...”
PM-L.: “Isso, mas exatamente, a linguagem. E isto vojá está acrescentando ao
projeto, porque uma questão que é material e que ajuda. E uma questão
que são oportunidades que você provoca, não adianta chegar com uma pilha de
livros na sala de aula; pode chegar com 1000 livros, dependendo da maneira que
você chegar, aquele livro faz o efeito e o acesso e você pode ter 30 livros e não
saber dar o acesso. Claro que eu acho que a gente tem que ter os 30 livros e
saber dar o acesso, através dos livros, mas tem outra questão: não é só com
material que a gente dá o acesso...”
Na discussão do que seja dar o acesso à leitura e escrita, os professores que
marcam a concepção da leitura de mundo, começam a considerar o papel desempenhado
por eles, uma vez que não bastam recursos e suportes materiais, mas é necessário definir
o como fazer, como dar o acesso à leitura e escrita para alunos que, embora provenientes
das classes desfavorecidas economicamente, assim não são culturalmente.
Embora nesta situação discursiva encontrem-se marcados os discursos de
professores de ambas as concepções de alfabetização, tendem atribuir aos seus
discursos uma concepção de desenvolvimento subordinada aos processos de
aprendizagens, assim como conceber a linguagem como uma prática social, em que
aprender a ler e escrever envolve práticas sociais de uso.
Assim, os elos discursivos dos professores, relacionados a uma perspectiva
psicologizante da alfabetização e a concepções empiristas e subjetivistas do aprender,
assim como suas intenções discursivas, dialogam com os sentidos de rompimento ou
justificativas que, com discursos dominantes da reprodução social da desigualdade, vão
sendo incorporados pelos discursos teóricos e historicamente construídos.
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6 - CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: GÊNEROS QUE
REGULAM A PROPOSTA DO CICLO DE FORMAÇÃO NO MUNICÍPIO DE JUIZ DE
FORA.
Ai, palavras, ai, palavras,
Íeis pela estrada afora,
Erguendo asas muito incertas,
Entre verdade e galhofa,
Desejos do tempo inquieto,
Promessas que o mundo sopra.
Ai, palavras, ai, palavras,
Mirai-vos: que sois, agora?
CECÍLIA MEIRELES
42
Dada a compreensão das concepções de alfabetização como Conteúdo Mínimo e
Leitura de Mundo marcadas nos enunciados dos professores, no que diz respeito à
relação estabelecida com as perspectivas do letramento autônomo e ideológico, bem
como o lugar ocupado pela alfabetização, letramento, escolarização, ensino e as
concepções do aprender postas na prática pedagógica como tarefa a ensinar ou relações
de ensino, passa-se ao diálogo de tais pressupostos com a proposta do Ciclo de
Formação organizada pelas instituições pesquisadas, no município de Juiz de Fora.
Para tanto, se considerou o acesso que ambos os grupos de professores tiveram
no momento da e na implantação da proposta do ciclo, entendido como estudos
antecedentes à proposta, a opção pela mesma e estudos subseqüentes; a compreensão
da proposta do ciclo desencadeada por tal acesso e qual o posicionamento desses
professores a respeito do trabalho com alfabetização e letramento relacionado com o
ciclo; a existência de diálogos entre a proposta do ciclo e as concepções de alfabetização
e letramento.
O esclarecimento e o posicionamento dos professores marcados pela concepção
de alfabetização como conteúdo mínimo, em relação ao acesso à proposta do ciclo,
mostrou-se diverso; apenas um professor participou do processo que antecedeu a
implantação, marcado pelas discussões do projeto "Na volta às aulas, a gente faz a
escola que a gente quer", sendo que, para os demais, esta é a primeira ou segunda
42
IBID, P. 161.
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experiência, entendida como atuação e não representa acesso aos pressupostos da
organização escolar por Ciclos de Formação, bem como o conhecimento dos documentos
oficiais que esclarecem e dialogam com a proposta.
PD-1:A experiência que eu tenho é daqui da escola, mas estou desde 2000. Eu já vim
sabendo que aqui era ciclo. Já estava praticamente implantado. Foi complicado, né! As
diferenças são grandes, não sei se é um problema daqui da escola ou se todas são assim...
Questão de conteúdo, o que trabalhar, por que não trabalhar, né, forma de avaliar; a gente
vem de uma forma totalmente tradicional, do conteúdo, da avaliação, de como cobrar e é
completamente diferente a proposta do ciclo.
(CONCLUI)
PD-2.1: É minha primeira escola de ciclo, eu gosto, acho uma proposta interessante que
precisa aparar algumas arestas, mas eu acredito. Acredito mesmo!!!! . Comecei esse ano.
(CONCLUI E LEVA A PD- 3.1 RELATAR SUA EXPERIêNCIA DIFERENCIADA COM O
PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO CICLO)
PD-3.1: Trabalho no ciclo desde 99, em outra escola; foi um período muito bom, muito rico,
porque teve muito estudo, muito debate, muitos encontros com o pessoal da secretaria,
quando a gente tava implantando o ciclo na outra escola e foi uma coisa tão fundamentada,
bem-estruturada que eu vejo não existe essa angústia que a J. disse quanto à avaliação, o
que não dar, nós discutimos muito e isso enriqueceu o trabalho. Eu acho que o ciclo vale a
pena porque ele oportuniza muito as crianças.
(CONCLUI E DESENCADEIA ATITUDE RESPONSIVA NA PD-2.2)
PD-2.2: É o primeiro ano que eu trabalho com ciclo. Quando eu cheguei na escola é que me
falaram que era ciclo. Eu assumi eventual, mas estou mais no C7 do que..., às vezes fico
um pouco, como se diz... preocupada com a aprendizagem das crianças porque
independentemente de ser série ou ciclo eu acho que a gente deveria ter isso que a PD-3.2.
(CONCLUI E ALTERNA-SE O DISCURSO)
PD- 3-2: Não é a primeira vez , trabalhei com o ciclo no Maria Catarina Barbosa e eu sou
totalmente contra, é como se a criança ficasse rodando em círculo, não faz, não progride .
Não gosto do ciclo; trabalho mas não acredito no ciclo, ele não leva a nada... é paliativo,
podia se dar um nome paliativo, não leva a nada.
_______________________________
PM-2: Minha experiência no ciclo começou este ano eu havia trabalhado com série e
assim, pra ser sincera, eu ainda me sinto muito perdida tirando a questão da ... Eu não sei,
faço uma confusão de progressão automática com promoção, sempre faço confusão com
estes dois termos.
(CONCLUI E SUGERE O DISCURSO DA PM-3, UMA VEZ QUE ESTA TAMBÉM TEM
POUCA EXPERIÊNCIA COM O CICLO)
PM-3: Eu também sou nova no ciclo, é minha primeira experiência nessa escola! Mas como
ela não tem muita diferença eu venho fazendo normalmente.
De modo geral, os professores, cujas concepções de Alfabetização são marcadas
pelo Conteúdo Mínimo, posicionam-se frente à proposta do ciclo como sendo uma
organização escolar diferente da série, mas, quando levados a tematizar e nomear o que
chamam de diferenças, acabam por relatar as dificuldades que estão enfrentando com tal
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proposta, como a falta de clareza dos “conteúdos” e “planejamentos” e um entendimento
da mesma como prática frouxa e permissiva, preocupando-se com a aprendizagem dos
alunos.
Os sentidos compreendidos por esta concepção de ciclo m sido responsáveis
pela produção de crianças que se encontram em processos iniciais da leitura e escrita
(Frigotto, 2005), uma vez que o diálogo entre a proposta do ciclo e o discurso dos
professores resume-se na promoção automática, como sendo a diferença percebida com
a série.
Embora a retomada das discussões com as escolas cicladas, nos anos de 2004 e
2005, tenha gerado uma síntese em que se aponta a necessidade de recomposição
curricular, no que diz respeito às atividades e conteúdos propostos, bem como a
efetivação de um maior número de professores e coordenadores pedagógicos nessas
escolas, nas instituições pesquisadas, o grupo de professores marcado pela concepção
de alfabetização como conteúdo mínimo ainda parece à deriva da proposta, configurado
por uma realidade que extrapola os muros do município e ganha estudos maiores, como
os de Fernandes (IBID), que observa, de modo geral, nos Ciclos de Formação
implantados, a existência de uma maior porcentagem de professores trabalhando
menos de um ano ou de um a dois anos.
O fato de possuírem pouco ou nenhum tempo de atuação na proposta do Ciclo e
não participação em formação continuada leva-nos a inferir que, embora a opção
facultativa pressuponha uma participação democrática dos professores na adesão da
proposta, se configura como tal para os professores efetivos que tiveram a opção de
atuar em uma escola ciclada.
No caso dos professores contratados, maioria representativa da concepção de
alfabetização como conteúdo mínimo, o critério de escolha não segue a opção pela
proposta, mas as regras do Cadastro de Contratação Temporária
43
. A circulação anual
destes profissionais, em uma rede de ensino que se propõe à organização escolar por
série e ciclo, configura-se em um entrave à política do ciclo e à proposta de formação que,
na impossibilidade de se organizar de forma continuada, tende a ser ignorada. O
43
Este modo de vínculo empregatício segue as regras do Cadastro de Contratação de Professores
estabelecidas entre a SE e o Sindicato dos Professores (SINPRO). Assim, as vagas são disponibilizadas
pela SE que segue primeiro a ordem de classificação da listagem de professores concursados e não
efetivados, quando não se extrapolam os prazos destinados para validação do concurso. Quando não existe
esta listagem, a SE organiza no final do ano letivo um cadastro, com edital, inscrição e prova de títulos para
todos os professores que desejarem contratação na rede. A classificação final é a ordem estabelecida para
se pleitear as vagas ociosas do quadro efetivo do magistério. Isto significa que os professores contratados
quase sempre têm seus contratos renovados, uma vez cadastrados, o que não representada a possibilidade
de retorno à escola anterior, pois é remota a possibilidade de, ao ter acesso às vagas restantes, encontrar
uma na escola em que trabalhou no ano anterior; a vaga quase sempre é preenchida por outro professor.
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resultado são compreensões difusas e às vezes antagônicas da proposta do ciclo, que, de
acordo com Mainardes (2006), são simplesmente “implementadas” no contexto da prática,
sujeitas a interpretações dos professores que nela atuam a partir de suas histórias,
experiências, valores e propósitos:
(...) os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus
textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente
mal entendidas, réplicas podem ser superficiais etc. Além disto, interpretação é
uma questão de disputa. Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez
que se relacionam com interesses diversos, uma ou outra interpretação
predominará, embora desvios ou interpretações minoritárias possam ser
importantes.”
(
BOWE et al, 1992, p. 22, apud, MAINARDES, 2006, p. 2).
As compreensões de ciclo definidas por este grupo não são suficientes para fazê-
los repensar sua concepção de alfabetização como conteúdo mínimo. A ausência de
acesso aos pressupostos teóricos assumidos pelos documentos oficiais e pelo Programa
de Língua Portuguesa dos Ciclos de Formação e o enraizamento de práticas
historicamente construídas, com uma concepção de alfabetização como aquisição do
código, não os permitiram romper com “comportamentos cristalizados”, como sugere a
proposta do Ciclo.
O ensino da língua materna não se organiza como linguagem oral, prática de
leitura, produção de texto e conhecimentos lingüísticos, seguindo as orientações do
Programa e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, ou seja, não se
atribui sentidos entre estes descritores e as concepções dos professores marcadas pelo
Conteúdo Mínimo. Mesmo quando o professor responsabiliza a ausência do que
chamamos suporte pedagógico (planejamentos, reuniões e roteiros) na justificativa da
ausência de diálogos com a proposta do ciclo, é necessário considerar o que ele espera
destes Suportes.
A idéia de planejamento encontra-se associada à tarefa de ensinar e ao
instrumento utilizado, isto é, o que ensinar e como fazer. A concepção de escrita
associada é a padrão dominante, que não nega a perspectiva do letramento, mas o
subordina à aquisição do digo, em que a existência dos três anos iniciais do ciclo
destinados à alfabetização não se configura em um trabalho associado à perspectiva do
letramento, mas um trabalho que se sobrepõe ao mesmo, definido por uma concepção de
língua como um sistema estruturado, ordenado e apropriado individualmente pelo aluno.
Destas relações entre ciclo, como prática não definida, e alfabetização e
letramento, como prática a ensinar um conteúdo mínimo da língua, ideologicamente
marcada na história da alfabetização no Brasil, encontra-se o posicionamento deste grupo
{
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}
de professores, que, embora verbalmente não se opõe à política do ciclo, com exceção de
um professor, o teme por não definir uma prática congruente com o mesmo e não rompe
com o temido pelo discurso oficial da proposta em relação a uma organização ciclada
definida pelo caráter ideológico
44
da promoção automática
45
.
Essa falta de diálogo entre a compreensão e organização do conhecimento,
considerando os três anos iniciais da alfabetização e letramento, gera instabilidade em
relação à aprendizagem dos alunos e gera o que eles chamam de defasagem de
conteúdo. Na verdade, o que entendem como déficit cultural configura-se no
posicionamento dos mesmos diante de concepções de alfabetização, letramento, ciclos,
escolarização e aprendizagem, ideologicamente marcadas pelos fundamentos teóricos da
deficiência cultural que tem se estabelecido como Handicap
46
, onde o aluno é pensado
como deficiente sociocultural, assumindo uma posição de objeto cujo ideal de ensino
volta-se ao que lhe falta, suas “lacunas” e “carências”. (CHARLOT,IBID)
A concepção de avaliação atende a alfabetização como conteúdo mínimo e a
ausência de diálogos com a proposta do ciclo não rompe com os critérios que buscam a
medição do que o aluno aprendeu, muito menos se avalia os recursos e instrumentos
utilizados para tal. Entre esses professores existe a prática comum de se converter nota
em conceito e o não estabelecimento de relações avaliativas entre as áreas de
conhecimento: língua portuguesa, matemática, história, geografia e ciências.
Diante dos fatos, se esclarece a justificativa teórica de manter a proposta do ciclo
como sendo opção para uma escola inserida em um contexto socioeconômico
desfavorecido atrelado a uma situação de violência. O que se encontra implícito nos
discursos destes professores é o fato de submeter relações sociais a relações de poder
ideologicamente marcadas por uma concepção dominante do saber, cuja ampliação do
tempo destinado ao aprender não tem significado situações efetivas com a aprendizagem,
44
Ideológico no sentido de ser a promoção automática uma estratégia para agilizar o fluxo escolar, com
intenção de reduzir gastos financeiros com o sistema educacional ocasionados pela retenção de alunos.
Maiores detalhes ver: MAINARDES, Jefferson. A promoção Automática em Questão: argumentos,
implicações e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos: Brasília, V. 79, n. 192, p. 16-29,
maio/ago. 1998.
45
O termo vem sendo focado de diversos modos, aqui se entende que a promoção automática
assume um caráter imediatista, visando o alinhamento da escola às necessidades da reestruturação
produtiva com base em fragmentação curricular e metodológica que, no máximo, articula disciplinas em
uma lógica seriada. Diferenciando-se desta concepção, encontra-se a progressão continuada como sendo
conseqüência de um projeto de escola cuja unidade curricular e metodológica de estudo respeita as
experiências significativas para a idade dentro de uma lógica ciclada. (Freitas, 2003).
46
Segundo o Dictionnaire historique de la langue française (1993), a palavra vem do inglês han in cap (a
mão no chapéu), nome de um jogo de azar. A seguir, entre no vocabulário hípico (1754): para igualar as
chances numa corrida, impõe-se o handicap para um cavalo sabidamente mais rápido. O termo vai ser
apropriado pela Sociologia da Reprodução como compensação de uma deficiência no qual a pessoa
padece. Ver CHARLOT (2000).
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}
conforme compartilhamos com Freitas (2004, p. 156) “...não basta dar mais tempo para o
aluno aprender. É preciso exercer uma ação eficaz no tempo adicional que ele passa na
escola. A mera passagem do tempo não gera aprendizagem.”
Com posicionamentos diferenciados encontram as relações estabelecidas entre
alfabetização, letramento e ciclos propostas pelo grupo de professores que marcam a
concepção de alfabetização como leitura de mundo; todos pertencem ao quadro efetivo
do magistério, possuem mais de cinco anos de experiência com alfabetização e mais de
três anos de trabalho efetivo na instituição pesquisada, sendo que dois professores do
grupo participaram do processo de implantação.
Quando solicitados a enunciarem sobre o acesso que tiveram à proposta, bem
como suas atuais experiências com a mesma, esclarecem que o acesso advém de uma
tentativa de rompimento com a lógica fragmentada de conceber o conteúdo, avaliação e
relação professor-aluno, anterior ao acesso à política do ciclo, quando participantes de
projetos e propostas de trabalhos consideradas “desafiadoras”, como classes
multisseriadas em zonas rurais e alfabetização de jovens e adultos que passaram pela
escola regular, não se alfabetizaram e ingressaram na EJA (Educação de Jovens e
Adultos), bem como outras:
PM-L: A minha experiência com ciclo começou regularmente aqui, dois anos atrás; mas eu
tinha uma experiência na Educação de jovens em uma escola municipal, no centro da
cidade, com adolescentes que ainda não haviam sido alfabetizados e foi uma experiência
de trabalho em respeitar muito o desenvolvimento de cada um e valorizar o que o aluno
sabia e a conquista dele. Quando eu cheguei na escola achei mais fácil trabalhar com ciclo
por causa dessa experiência. (...) Eu sempre fui voltada para isso, lembro da minha
formação, do meu trabalho do ‘prezinho’, em Bicas, então eu cheguei com o
pensamento de valorizar o que a criança já tem e pode fazer.
(CONCLUI E D POR DIANTE AS DEMAIS TAMBÉM ORGANIZAM SEUS DIÁLOGOS
COM AS EXPERIÊNCIAS ANTERIORES AO CICLO)
PM-LA: Eu acho legal no ciclo é a oportunidade e a chance que ele ao aluno, mas eu já
trabalhava com turma multisseriada, trabalhei dezesseis anos; os alunos ficavam comigo
quatro anos, então foi mais fácil. As dificuldades que eles não conseguiam superar na
primeira, quando observavam os da segunda, terceira e quarta aprendiam, e eles partiam
da dificuldade. Alguns observam o conteúdo das outras séries e sabiam e isso facilitou
meu trabalho com ciclo e eu não tive tantas dificuldades.
(CONCLUI)
PM-R: Estou trabalhando aqui desde o ano passado, não tenho experiência com o ciclo e
eu acho que até hoje é muito difícil, igual disse a PM-2., mas a gente sabe que é uma
experiência nova, mexe com os tempos e os espaços, como fazer? Acho que está todo
mundo fazendo. respeitando o tempo da criança, é uma flexibilidade do tempo difícil, nós
passamos por uma escola seriada e como professora ainda precisamos fazer a nova
construção do tempo. Mas acho que é um respeito muito grande pelo tempo da professora,
a gente vê isso, não é PM-3.?
{
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}
(CONCLUI ALTERNANDO RESPONSIVIDADE À PM-3)
PM-3: Agora eu estou achando que funciona bem, a gente o progresso da criança, cada
uma no seu tempo, e esse surpreende a gente, às vezes se espera uns cinco meses e
quando vai ver três, ela já sabe.
(CONCLUI)
PM-2.: Mas eu acho o ciclo falho ainda...
(ASSUME UMA ATITUDE RESPONSIVA DE EFEITO-RETARDADO E ABRE PARA
OUTRAS RESPONSIVIDADES.)
PM-1.: Eu e AP. somos as que chegaram primeiro, em relação a hoje.
Estes professores conseguem relacionar a política dos ciclos de Formação com
uma compreensão que extrapola o caráter ideológico da promoção automática,
expressando verbalmente a necessidade de se (re)pensar relações de espaço-tempo no
interior da escola e do grau de complexidade envolvido nesta definição, uma vez que não
a consideram uma proposta fácil, cuja construção é contínua e busca romper com uma
lógica da qual eles se construíram (seriada).
Tal proposta não se justifica pelo “déficit cultural”, embora se encontre presente
uma perspectiva psicologizante da alfabetização, sobretudo, quando se relaciona as não-
aprendizagens da leitura e escrita, conforme esclarecemos. Ao contrário, estes
professores possuem consciência política do papel da escola frente a uma comunidade
desfavorecida economicamente, o que tem revelado uma enorme tensão na prática, uma
vez que a função social da escola, em uma lógica ciclada, muito se diferencia de uma
função social da escola seriada, que tem sua construção e princípios embasados pela
lógica capitalista. Nas relações construídas sob o diálogo com uma lógica ciclada, a
coexistência de concepções de alfabetização se faz presente e se revela extremamente
dialógica e propulsora de efetivos espaços de debates e discussões acerca da
alfabetização, bem como da prática em geral com o ciclo.
As relações estabelecidas entre ciclos, alfabetização e letramento encontram-se
marcadas tanto no discurso dos professores, quanto na organização curricular proposta
pelo Programa de Língua Portuguesa da Proposta do Ciclo, cujo objetivo é a leitura de
mundo, na prática oral de textos e na produção conceitual e espontânea da escrita
enfatizada desde o primeiro ciclo. Assim, o letramento não se define apenas como
escolar, mas como prática social marcada pelas experiências com a escrita anterior a
entrada na escola.
Neste sentido, a existência de três anos destinados à alfabetização não é
figurativa e culmina com uma concepção de avaliação processual, escrita conceitual e
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}
progressão continuada. Isto não significa afirmar que não existem alunos com dificuldades
para ler e escrever, mas o próprio encaminhamento que se ao fato pressupõe uma
concepção que não se restringe à compensação do que lhe falta, mas à busca por
aprendizagens construídas, em que aprender não se define apenas como habilidade
adquirida, mas, sobretudo, como habilidade construída e mediada pelo outro, entendido
como o professor ou os pares.
Assim, as relações ciclo, alfabetização e letramento encontram-se marcadas na
compreensão de uma organização curricular o definida por conteúdo, mas por eixos
temáticos, encontram-se na avaliação e nos instrumentos descritivos usados, encontram-
se nas relações de poder não submetidas às relações sociais, cujo discurso relaciona-se
com as concepções e práticas. Apenas no que se refere à concepção de aprendizagem
observou-se uma incoerência epistemológica, pois embora concebam a aprendizagem
como um processo construído por interações sociais, necessitam explorar e compreender
melhor o papel do professor diante destas interações e amesmo esclarecer as bases
epistemológicas do que se chama interação, o que não se configura um entrave apenas
a estes professores, mas a todas as propostas do ciclo no país, uma vez que, revista a
bibliografia sobre o tema Ciclo, nada se tem dito ou estudado sobre os referenciais
epistemológicos da proposta no que diz respeito à compreensão espaço-tempo, relações
de poder, interações sociais, aprendizagem e desenvolvimento.
Embora a proposta do Ciclo de Formação pressuponha o trabalho com as etapas
de desenvolvimento humano, é necessário esclarecer as bases epistemológicas de uma
compreensão de desenvolvimento que não se reduza à determinação biológica.
Passados sete anos da implantação dos ciclos no município de Juiz de Fora, os
sentidos expressos nos discursos dos professores relacionados à proposta encontram-se,
sobretudo, na organização de três ciclos de três anos, na consideração do primeiro ciclo
como destinado ao processo de alfabetização e relacionado a uma perspectiva letrada.
Contudo, a compreensão do que seja uma prática letrada tem assumido lugares e
intenções discursivas diversas. Enquanto os professores da concepção de alfabetização
como conteúdo mínimo buscam sentidos em uma prática letrada, com objetivos a ensinar,
os professores da concepção de alfabetização como leitura de mundo buscam sentidos
em uma prática do letramento social, cujo acesso não se na escola. Estes professores
conseguem estabelecer sentidos e diálogos com uma proposta de ciclo que dialoga com a
Escola do Caminho Novo, assim como concepções de aprendizagem e linguagem mais
congruentes.
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}
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Minha trajetória como professora alfabetizadora possibilitou-me atribuir sentidos a
uma prática letrada, cujo ensino da língua não se determina pelo acesso ao código, à
decodificação/codificação de sinais sonoros em sinais gráficos, mas se encontra, acima
de tudo, inserido em uma função social da escrita, pois lemos e escrevemos para alguém,
ainda que, de imediato, não conhecemos o ouvinte/destinatário real.
A possibilidade de elos discursivos com os estudos Bakhtinianos levou-me ao
encontro de uma concepção de língua defendida, enquanto palavras alheias, pois,
assim como os professores sujeitos de pesquisa, muitas vezes, me apropriei dos
discursos, palavras alheias e intenções discursivas que me proporcionaram elos com os
gêneros defendidos, embora nem sempre tivesse clareza dos mesmos, pois quem fala,
fala de um lugar.
Assim, a presente pesquisa não é minha tentativa de explicação dos elos
discursivos que relacionam alfabetização, letramento e ciclos. Na verdade, ela é minha
tentativa de atribuirr sentidos às interfaces destes gêneros, cuja originalidade se encontra
na minha intenção discursiva, na minha relação de alteridade com o campo discursivo da
alfabetização. Compreender as concepções de alfabetização dos professores que atuam
no ciclo possibilitou-me compreender o lugar de onde falam, enquanto enunciados
ideologicamente marcados por elos discursivos com gêneros teóricos.
Aliás, minha relação de alteridade com a alfabetização, letramento e ciclos revelou-
se o maior desafio desta pesquisa. Aproximar-me deste campo discursivo, como
pesquisadora, significou, em muitos momentos, não ser levada a compreender os meus
sentidos, aqueles com os quais dialoguei durante a docência, mas compreendê-los
enquanto discurso do outro, sentidos que não são os meus e que, acima de tudo, não
apenas dos professores, mas os sentidos que eles próprios construíram, a partir de
palavras alheias, de elos discursivos, na situação discursiva da pesquisa.
Nesta compreensão de sentidos encontra-se como fundamental a organização
discursiva proporcionada pela dialogicidade do Grupo Focal. Este foi, sem dúvida, mais
do que um procedimento de coleta de dados, ele foi a possibilidade de compreendermos
a situação enunciativa dos professores como Gênero, pois, diante de uma organização
{
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}
relativamente estável, os professores não narraram a própria prática, mas se
posicionaram diante de seus discursos, se colocando em uma situação organizada para
tal, em que elementos conceituais, como as alternâncias de seus discursos; as
conclusibilidades ora semântico-objetais, ora de efeito-retardado, permitiram-nos
compreender suas atitudes responsivas diante das suas enunciações, configurando a
dialogicidade do Grupo Focal, enquanto gênero discursivo. Nenhum procedimento de
pesquisa me proporcionaria compreender os sentidos das interações discursivas dos
professores.
Deste modo, iniciei a árdua tarefa de pensar critérios na escolha das instituições,
coerentes com os referenciais defendidos; não se pretendia fazer estudo de caso, por isso
não tinha sentido a escolha de uma instituição, como também não se pretendia um estudo
comparativo, equívoco que a escolha de duas instituições poderia levar-me a construir.
Assim, mais uma vez, os referencias bakhtinianos auxiliaram-me a esclarecer os elos
teóricos necessários a esta tarefa de escolher as instituições, consciente de que a
trajetória tanto da escola D, quanto da Escola M diferenciava-se na relação com a
Alfabetização e Ciclos, portanto estes professores me possibilitariam atribuir sentidos às
suas concepções de alfabetização, a partir do diálogo que eles e escola construíram com
os elos teóricos. Diálogos estes marcados por lugares distintos.
Não posso negar que, além de contextos diversamente marcados, também me
preocupei com a minha relação de autoridade com o campo. Uma vez que se punha
como dificuldade afastar-me dos meus diálogos com o campo da alfabetização e Ciclos,
procurei, dentre os contextos diversos, duas instituições escolares com as quais não
havia nenhum envolvimento prévio, pois, apesar de saber que isto seria inevitável, meu
envolvimento com os sujeitos professores se deu a partir da compreensão dos sentidos
de seus discursos.
Desta forma foi possível atribuir sentidos a duas grandes concepções de
alfabetização presentes no discurso dos professores: a Concepção de Alfabetização
como Conteúdo Mínimo e a Concepção de Alfabetização como Leitura de Mundo. Embora
tal organização possa representar, de imediato, categorias antagônicas, esclareço que
este não foi o critério utilizado na organização. A partir das situações discursivas do
Grupo Focal, os professores enunciavam sobre suas práticas, como o fazer no trabalho
com alfabetização e, a partir de então, compreendi esses dois sentidos às suas
concepções de letramento.
Assim, no discurso que marca a concepção de alfabetização como Conteúdo
Mínimo, pude compreender que os elos discursivos diziam respeito a uma organização do
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}
ensino da língua, entendido como um mínimo, que tinha como pressuposto o trabalho
com o princípio silábico da língua, apresentado em níveis e etapas, considerando desde
aprendizagens simples às mais complexas (trabalho com letras, sílabas, palavras,
pequenas frases e pequenos textos).
Também foi possível compreender que as práticas com o letramento não se
encontravam negadas no discurso da alfabetização como Conteúdo Mínimo. Na verdade,
minha primeira aproximação teórica com o discurso destes professores se revelou tensa,
pois não conseguia compreender por que uma concepção com sentidos historicamente
marcados no ensino da língua, focado na aquisição do código, também fazia elos com
situações teoricamente denominadas eventos e práticas de letramento. Os sentidos
presentes nos discursos dos professores levaram-me a compreender a perspectiva do
letramento escolar, uma vez que não se encontra negado, mas é compreendido como
uma prática a ser ensinada pela escola. Isto se tornou claro mediante a surpresa dos
professores em perceber que seus alunos tinham acesso à escrita fora da escola.
No discurso que marca a concepção de Alfabetização como Leitura de Mundo foi
possível compreender que os sentidos da Alfabetização associam-se ao do Letramento. O
acesso à leitura e escrita não é visto como uma tarefa a ser ensinada pela escola, mas
antecede a entrada do aluno à mesma. Nesta concepção o trabalho com a escrita é
organizado a partir de elos discursivos com a Psicogênese da Língua escrita, em que se
considera o processo de construção da mesma, o enfoque à escrita espontânea de
textos, independente do ano escolar do aluno. O letramento não é compreendido como
um item a mais do currículo, mas estabelece sentidos com o ensino do código.
Alfabetização e letramento são processos que se associam.
Contudo, foi possível compreender que, embora ideologicamente marcadas no
discurso deste professores, ambas as concepções não se apresentam como certezas. Os
professores posicionam-se de forma tensa, pois também se encontram inseridos na
polêmica: ou se ensina passivamente a ler e escrever, ou se ensina os processos sociais
da escrita. Mesmo quando se considera a alfabetização como Leitura de Mundo e,
portanto, uma associação entre alfabetização e letramento, não vista como prática a
ensinar, o posicionamento dos professores se mostra fragilizado na defesa de suas
concepções, quando não conseguem explicar por que alguns alunos ainda não
aprenderam a ler e escrever e quando se sentem extremamente incomodados com os
resultados do desempenho de seus alunos em avaliações censitárias, como a organizada
pelo CEALE.
Dessa forma, ambas as concepções de alfabetização também foram
{
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}
compreendidas a partir de suas relações com os processos de escolarização e ensino,
numa tentativa de estabelecer sentidos ao lugar ocupado pela alfabetização e letramento
na escolarização, bem como compreender o lugar ocupado pelo professor como mediador
de tais aprendizagens. Essa compreensão possibilitou-me entender que, em ambas as
concepções de alfabetização, os elos discursivos com o papel e função do professor
como mediador da construção de aprendizagens por parte do aluno foram pouco
explicitados.
Também foi possível atribuir sentidos aos discursos de ambas as concepções no
que se refere às concepções de aprendizagem e língua presentes. Ao se enunciar sobre
suas práticas com alfabetização, os professores não expressam suas concepções de
alfabetização, como também expressaram suas concepções de
aprendizagem/desenvolvimento e linguagem. Embora enunciem de lugares e intenções
discursivas diversos, ambos os discursos (conteúdo mínimo e leitura de mundo) são
marcados por uma concepção ora empirista, ora subjetivista do aprender. Em relação à
concepção da língua, a concepção de conteúdo mínimo tende uma compreensão da
língua enquanto sistema e estrutura, enquanto a concepção de leitura de mundo tende a
uma Concepção de língua como campo enunciativo.
Destas relações procurei atribuir sentidos às interfaces com a proposta do Ciclo de
Formação, no Município de Juiz de Fora, denominada a Escola do Caminho Novo. A
análise do discurso teórico acerca da proposta possibilitou-me compreender os elos
discursivos que dialogavam com o discurso dos professores. Sendo assim, a concepção
de Alfabetização como Conteúdo Mínimo, embora organizada sobre a prática do Ciclo,
não se relaciona com a proposta. O acesso à mesma não ocorreu da mesma forma para
todos os professores, cada qual construiu sua trajetória na prática do ciclo, cujo acesso
tem se compreendido pela atuação e não pela formação, ainda que paralela. Estes
professores são, na sua maioria, contratados e não optaram pela Proposta do Ciclo.
Contudo, o se posicionam contra a proposta, deixando claro que, na verdade, não
sabem o que fazer para diferenciá-la da lógica da série. O elemento que estabelece tal
diferença é a promoção automática.
Assim, a extensão da alfabetização, entendida, no primeiro ciclo, como
alfabetização inicial, não compreende uma organização do trabalho com alfabetização. O
ensino da língua, com base no princípio silábico e etapização de conteúdos, como letras,
sílabas, sons, palavras e frases, acontece em todos os anos e, freqüentemente, existe a
queixa de que, ao final do terceiro ciclo, os alunos pouco ou nada lêem e escrevem.
O Processo de avaliação também não rompe com a lógica da medição e não são
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}
seguidos os roteiros e fichas de acompanhamento sugeridos na proposta, apenas são
utilizados conceitos para nomear o desempenho dos alunos mediante avaliações.
As reuniões pedagógicas atendem a um dispositivo legal, embora os professores
se queixem de uma falta de organização curricular e de planejamentos, não mobilizam-se
para a construção destes. Assim, esses discursos marcados pela concepção de
alfabetização como conteúdo mínimo organizam poucos elos discursos com a proposta
do Caminho Novo.
Diferentemente, mas não de forma antagônica, encontram-se os discursos da
Concepção de Alfabetização como Leitura de Mundo. A análise destes discursos
possibilitou-me compreender os elos discursivos organizados sobre a prática do Ciclo. O
acesso dos professores à proposta não ocorreu da mesma forma, mas não se limitou ao
período pré e pós-implantação. Esses professores construíram sua trajetória a partir da
opção por atuar em uma lógica ciclada e por um processo de formação contínuo, no
interior da escola. São, na sua maioria, efetivos e estão na instituição por mais de três
anos.
As situações discursivas no interior da escola proporcionam a este grupo, bem
como o da concepção de alfabetização como conteúdo mínimo, situações dialógicas, em
que ambas as concepções coexistem, se fortalecem e se enfraquecem, colocando os
sujeitos frente a seus elos discursivos e à possibilidade de compreendê-los.
Assim, a extensão da alfabetização, entendida no primeiro ciclo como alfabetização
inicial, compreende uma organização curricular e de planejamento para tal, em que a
escrita espontânea, produção coletiva e individual de textos, o acesso à função social da
escrita, a discussão de eixos temáticos estabelecem diálogo com a proposta do Ciclo no
município. Contudo, esses discursos se fragilizam diante da não-aprendizagem de alguns
alunos. Embora não se responsabilize a prática do ciclo, tendem a responsabilizar o
aluno, em uma compreensão do aprender que dialoga com uma perspectiva
psicologizante.
Nesses discursos também são frágeis os sentidos atribuídos à relação
ensino/aprendizagem, pois, embora não justifiquem as não-aprendizagens como condição
de uma deficiência ou carência cultural dos alunos, não os omite dos discursos,
entendendo-as como fatores que influenciam. Contudo, os elos discursivos que dialogam
com essas concepções contrariam a concepção de alfabetização como Conteúdo Mínimo,
compreendendo momentos tensos, acompanhados de justificativas.
O processo de avaliação também se mostra coerente com uma lógica ciclada; as
fichas de acompanhamento se organizam enquanto portifólios, onde vão se organizando
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}
algumas atividades dos alunos, as quais auxiliaram a avaliação, mediante conselho de
classe. Estes portifólios também são usados em momentos de reuniões com os pais,
quando se discutem as atividades e o desempenho dos alunos.
As reuniões pedagógicas não são direcionadas ao grupo do primeiro ciclo, mas ao
coletivo de professores da escola. Embora os diálogos com a proposta do ciclo
acontessem neste espaço, os professores que marcam a concepção de alfabetização
como leitura de mundo, da escola M, compreenderam a necessidade de se efetivar um
espaço próprio para as discussões e de elos teóricos do grupo do primeiro ciclo. Esta
conclusão veio ao final das situações discursivas do grupo focal, quando foi possível,
tanto para mim quanto para os professores, compreendermos os sentidos de seus
discursos.
Diante de tais considerações, não compreendi novos sentidos às concepções
de alfabetização e letramento nas interfaces com a proposta do ciclo, como também
compreendi novas questões. Dentre elas, percebi que embora organizadas sobre uma
prática ciclada, as concepções de alfabetização e letramento marcadas no discurso dos
professores pesquisados apresentam uma preocupação, denominada pelos mesmos
como um “nó” , ou seja, como alfabetizar letrando. Nesta perspectiva a extensão do
tempo proposta pelo ciclo inicial de alfabetização ainda que propicia um maior diáloga
com uma prática letrada, mas é condição suficiente para tal, pois é necessário também,
compreender novas relações de espaço, tempo e poder.
Outra questão que se fez presente e relacionada à anterior, diz respeito ao
incômodo dos professores com as avaliações censitárias e amostrais organizadas na
consideração do desempenho dos alunos frente à leitura e escrita. Segundo os discursos
dos professores, sobretudo, da concepção de leitura de mundo, estas avaliações não
dialogam com uma proposta letrada e não avaliam o processo de aprendizagem do
aluno.
E considerando as interfaces alfabetização e letramento em uma proposta ciclada
pude perceber o quanto os elos discursivos, sobretudo aqueles que marcam uma
compreensão epistemológica dos pressupostos dos ciclos, encontram-se difusos. O
levantamento bibliográfico acerca do tema ciclo revelou-me que muitas são as produções
que discutem a promoção automática, a avaliação, assim como relatos de experiências e
implantações. Mas é necessário se definir com clareza as concepções epistemológicas
para o ciclo.
Quando levados a tematizar sobre sua experiência no ciclo, os professores,
especialmente da concepção de Alfabetização como Conteúdo Mínimo, o definiam como
{
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}
nova organização do tempo e espaço na escola. Mas o que significa isto? São
necessários elos discursivos que apontem compreensões de espaço, tempo, bem como
relações de poder, para que se tenha consciência do lugar que se fala.
Assim, sem muitas pretensões, a presente pesquisa responde algumas questões e
nos suscita novos passos .....MAS ISSO É UMA OUTRA HISTÓRIA!!!
47
47
WEÍAND. Abílio Maíworm. Relações Étnico-Raciais e Cotidiano Escolar. 1ª Exposição Fotográfica da E.M.
José Calil Ahouagi. Juiz de Fora. Minas Gerais
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9 – ANEXOS.
ROTEIRO DE ENTREVISTA DO GRUPO FOCAL
INDICADORES TEMAS QUESTÕES
AVALIAÇÃO DO
TRABALHO NO
CICLO DE
FORMAÇÃO
- Experiência de trabalho com o
ciclo;
- Chegada na escola;
- Aspectos favoráveis e
desfavoráveis do trabalho no
ciclo;
- Qual o tempo de atuação no
ciclo? Como se deu a entrada
na escola?
- quais os fatores favoráveis e
desfavoráveis de se trabalhar
como ciclo?
EXPERIÊNCIA COM
ALFABETIZAÇÃO
- Experiência de trabalho com o
1º ciclo;
- Experiência de trabalho com a
alfabetização.
- Quais as demais experiências
docentes com alfabetização?
- Quem alfabetiza? Como isso
se dá no ciclo?
- Se hoje fosse possível
escolher qual a etapa/série você
atuaria?
- Quais os cursos, oficinas,
livros, palestras, estudos ligados
à alfabetização cursados nos
últimos anos?
ORGANIZAÇÃO DA
TURMA
-Número de alunos das turmas
regulares;
- Faixa etária das turmas
regulares;
- Critérios da escola para escolha
do professor das turmas regulares
e projeto;
- Quais os critérios para a
escolha dos professores de
cada turma?
- Qual o número de alunos e
faixa etária?
DIAGNÓSTICO
INICIAL DAS
TURMAS
-Atividades utilizadas para se
conhecer a turma;
- Utilização de dossiês e
relatórios;
- Práticas iniciais de leitura e
escrita;
- Critérios para se conhecer as
turmas;
- Conhecimentos prévios das
crianças com relação a leitura e
escrita
- Quais as estratégias utilizadas
para se conhecer melhor a
turma?
- Conhecimentos que as
crianças possuem quando
entram para escola?
- Como se apresenta a leitura e
escrita para as crianças?
- Quando se dá e quais os
critérios de encaminhamento
para o laboratório de
aprendizagem? Como se o
acompanhamento?
PRÁTICA
PEDAGÓGICA
- Portadores de texto;
- Atividades solicitadas;
- Conteúdos;
- Materiais didáticos;
- Quais as atividades que
solicitam a escrita?
- Quais as atividades que
solicitam a leitura?
- Quais os critérios na
elaboração de tais atividades?
-Quais os conteúdos
ANEXO
:I
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}
explorados?
- Quais os materiais didáticos
utilizados?
ALUNOS DAS
TURMAS
REGULARES
- Nível de letramento e escrita
propositiva;
- Quais as atividades de leitura e
escrita em que os Alunos não
demonstram necessitar de
mediação?
- Quais as atividades em que é
necessária a mediação?
- Quais não fazem mesmo
diante da mediação?
- Existem alunos que ainda não
lêem e escrevem? Quais os
fatores considerados nestes
casos?
- Qual o encaminhamento dado
a estes alunos no final de um
ano letivo?
SUPORTE
PEDAGÓGICO
- Reuniões coletivas;
- Planejamentos de Língua
Portuguesa;
- Fichas avaliativas e/ ou
relatórios;
- Do que se tratam as reuniões
coletivas?
- Existe algum tipo de
planejamento de língua
Portuguesa?
- Como se o os registros do
desempenho escolar dos
alunos?
Livros Grátis
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