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assim por diante). Ainda assim, permanece o ideal de que a melhor tradução – seja de um
texto para outro, ou do pensamento para a linguagem – é aquela que traria o mínimo de
distorções possíveis nessa transposição – note-se bem, da mesma coisa – de um plano para o
outro. O modelo que é o texto original (ou o pensamento, ou a teoria psicanalítica) é
transposto para a tradução (ou a linguagem, ou a prática clínica) de modo que permaneça o
mais intacto possível. Afinal, “transpor” significa precisamente mover algo de um lugar para
o outro (mantendo, o mais possível, as mesmas características do objeto antes de ser movido).
Essa concepção do processo de tradução e escrita, que tem conseqüências diretas sobre
a concepção do processo de leitura, não poderia ser mais oposta ao que Ogden apresenta em
seus textos. Da leitura do parágrafo inicial de “Uma nova leitura”, além das outras citações às
quais fomos remetidos (notadamente, aquela que coloca o leitor como co-autor silencioso do
texto), já podemos apreender algumas características dessa concepção. No fundo, estamos
tratando aqui, o tempo todo, do conceito de terceiro analítico, sem que o pudéssemos nomear
com clareza até agora. Para fazê-lo – isto é, para criar no texto um espaço no qual o conceito
de terceiro analítico possa ser pensado –, será necessário traçar um paralelo entre as palavras
iniciais de Sujeitos da Análise e esse conceito, introduzido neste mesmo livro e retomado em
vários textos subseqüentes:
É tarde demais para voltar atrás. Depois de ter lido as palavras iniciais deste
livro, você já começou a adentrar a desconcertante experiência de se
perceber transformado em um sujeito que você ainda não conhece, mas
mesmo assim reconhece. O leitor deste livro precisa criar uma voz com a
qual falar (pensar) as palavras (pensamentos) que o constituem. [...] Você,
leitor, precisa permitir que eu ocupe você, seus pensamentos, sua mente, já
que não tenho outra voz com a qual falar a não ser a sua. Se você for ler este
livro, precisa permitir-se pensar meus pensamentos, enquanto eu preciso
permitir a mim mesmo converter-me em seus pensamentos, e nesse instante
nenhum de nós será capaz de reivindicar o pensamento como sua criação
exclusiva (OGDEN, [1994b] 2003b, p. 1)
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.
Leitura e escrita, aqui, constituem mais do que meras apreciação ou exposição de
idéias mais ou menos desinteressadas. Trata-se de uma experiência intersubjetiva que dá
origem a um terceiro sujeito – o terceiro sujeito da leitura, se quisermos assim.
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“It is too late to turn back. Having read the opening words of this book you have already begun to enter into
the unsettling experience of finding yourself becoming a subject whom you have not yet met, but nonetheless
recognize. The reader of this book must create a voice with which to speak (think) the words (thoughts)
comprising it. [...] You, the reader, must allow me to occupy you, your thoughts, your mind, since I have no
voice with which to speak other than yours. If you are to read this book, you must allow yourself to think my
thoughts while I must allow myself to become your thoughts and in that moment neither of us will be able to lay
claim to the thought as our own exclusive creation.”