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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
PAULO AMADOR THOMAZ ALVES DA CUNHA BUENO
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9
DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS)
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
PAULO AMADOR THOMAZ ALVES DA CUNHA BUENO
CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9
DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS)
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à banca
examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de
DOUTOR em Direito Penal,
sob orientação do Prof.
Doutor Dirceu de Mello.
SÃO PAULO
2007
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3
Banca Examinadora
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
4
Aos meus pais, Amador e Laura,
e à Ângela.
5
Ao Professor Dirceu de Mello,
pela segunda orientação
e permanente exemplo de postura profissional.
Aos amigos Guilherme e Naila Nucci,
incentivadores constantes.
6
A Falência é instituto de direito comercial voltado à satisfação dos débitos
da pessoa jurídica que se torna insolvente. Historicamente, o instituto sempre
esteve disciplinado, também, por normas penais, cuja aplicação constantemente
foi objeto de controvérsias, por força do contexto peculiar que disciplinavam.
A legislação brasileira teve, recentemente, modificada toda a estrutura do
direito falimentar, em razão da publicação da Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro
de 2005, diploma que transformou substancialmente não apenas a dinâmica
pertinente ao direito privado, mas também a sistemática da parte penal e
processual penal.
Dentre as referidas transformações sobressai a previsão expressa de que a
sentença declaratória da falência ou a concessiva de qualquer das duas
modalidades de recuperação da empresa são condições de punibilidade em todos
os delitos previstos no mesmo diploma legal (art. 180).
Tal disposição, inexistente na legislação pretérita, polemiza por introduzir
no sistema legal a debatida e obscura categoria das condições objetivas de
punibilidade, extremamente criticada na doutrina, especialmente por sua
dificuldade de acomodação com o princípio da culpabilidade e por não se
distinguir com clareza dos demais elementos da estrutura do delito.
O objetivo da pesquisa foi, nesse contexto, primeiramente, tentar
identificar as características das condições objetivas de punibilidade, já que a lei
não o fez e, em seguida, confrontá-las com a referida previsão legal, no intuito
de questionar sua adequação e conveniência, em face de todos os tipos penais
estampados na nova lei, o que, ao final pareceu inviável, notadamente diante do
caráter heterogêneo dos delitos, bem como das exigências de cunho garantista
que informam o moderno direito penal.
Palavras-chave: falência; condição; objetiva; punibilidade.
7
Bankruptcy is an established Commercial Law aimed at the payment of
the debts of a legal entity that becomes insolvent. Historically, the establishment
has always been disciplined, also by criminal regulations, whose application has
constantly been object of controversies, due to the peculiar context that they
used to regulate.
Recently, the Brazilian legislation has had the structure of bankrupt law
modified due to the publication of Law nº 11,101, of the 9th of February of
2005, statute that has substantially transformed not only the dynamics relevant
to private Law, but also the systematic of the criminal part and criminal
proceedings.
It can be distinguished among the referred transformations , the expressed
prediction that the bankruptcy statement order or the granting of any of two
modalities for the company’s recovery are punishable conditions in all the
offenses foreseen in the same statute.(art. 180).
Such disposition, inexistent in the previous legislation, is polemic, as it
introduces in the legal system the debated and obscure category of punishable
objective conditions, extremely criticized in the doctrine, specially for being
difficult to accommodate with the principle of culpability and not for being
undistinguished with clarity from the different elements in the offense structure.
The objective of the research was, in this context, firstly to try to identify
the characteristics of the objective punishable conditions, as they have not been
done by the law, and then after that, confront them with the referred legal
prediction, with the purpose of questioning their adequacy and convenience, in
face of all kinds of penalties printed in the new law. In the end it seemed
impracticable, mainly in face of the heterogeneous character of the offenses, as
well as the warranty requirements which impart the modern criminal law.
Key Words: bankruptcy; condition; objective; punishability.
8
Il Fallimento è l’istituto di diritto commerciale rivolto alla soddisfazione
dei debiti della persona giuridica resa insolvente. Storicamente, l’istituto è
sempre stato disciplinato dalle norme penali, la cui applicazione è stata
costantemente oggetto di controversie per via del contesto peculiare che esse
disciplinavano.
La legislazione brasiliana è stata recentemente modificata in tutta la sua
struttura del diritto fallimentare, a causa della pubblicazione della legge n.
11.101, del 9 febbraio 2005, disposizione che ha trasformato sostanzialmente la
dinamica appartenente al diritto privato, nonché la sistematica della parte penale
e della processuale penale.
Tra queste trasformazioni si noti la previsione espressa in cui la sentenza
dichiarativa di fallimento o la concessione di qualsiasi delle due modalità di
ricupero dell’azienda sono condizioni di punibilità in tutti i delitti previsti nella
stessa disposizione legale (art. 180).
Inesistente nella legislazione precedente, questa disposizione è polemica
giacché introduce nel sistema legale la categoria oscura e tanto discussa delle
condizioni oggettive della punibilità, assai criticata nella dottrina, soprattutto per
la difficoltà d’adattamento al principio di colpabilità, ma anche perché non si
distingue con chiarezza dagli altri elementi della struttura del delitto.
Lo scopo di questa ricerca è stato, prima di tutto, cercar d’identificare le
caratteristiche delle condizioni oggettive della punibilità, poiché la legge non
l’ha fatto, per poi confrontarle con la suddetta previsione legale ai fini di
discutere il suo adattamento e le sue convenienze di fronte a tutti i tipi penali
presenti nella nova legge. Questo compito, però, alla fine, si é dimostrato
impraticabile, in particolar modo per il carattere eterogeneo dei delitti, ma anche
per le esigenze di natura garantistica che informano il diritto penale moderno.
Paroli-chiave: fallimento; condizione; oggettive; punibilità.
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 11
2 DIREITO PENAL FALIMENTAR ..................................................................................... 14
3 OS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA ............................ 22
3.1 Argentina ............................................................................................................... 23
3.2 Chile ...................................................................................................................... 24
3.3 Paraguai ................................................................................................................. 26
3.4 Portugal ................................................................................................................. 27
3.5 Espanha ................................................................................................................. 28
3.6 Itália ....................................................................................................................... 29
3.7 França .................................................................................................................... 32
4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA ......................................................................................................................... 34
4.1 Período Colonial – As “Ordenações Filipinas” ..................................................... 35
4.2. O Alvará de 13 de novembro de 1756 .................................................................. 38
4.3 Período Imperial – O Código Criminal do Império do Brasil ............................... 40
4.4 O Código Penal republicano de 1890 .................................................................... 43
4.5 A Consolidação das Leis Penais ............................................................................ 47
4.6 O Decreto-Lei n.° 3.914, de 9 de dezembro de 1941 — A Lei de Introdução ao
Código Penal e à Lei de Contravenções Penais ...................................................................... 48
4.7 O Decreto Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1.945 — A Lei de Falências ............ 49
4.8 A Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2.005 ........................................................ 52
5 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE — COLOCAÇÃO DO TEMA ........... 57
6 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE
PUNIBILIDADE .................................................................................................................... 63
7 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS DE
PUNIBILIDADE .................................................................................................................... 67
7.1 As Condições objetivas de punibilidade e o elemento subjetivo dos delitos ........ 70
7.2 A relação de causalidade e as condições objetivas de punibilidade ...................... 84
7.3 A localização temporal das condições objetivas de punibilidade em relação à
realização do tipo penal ............................................................................................. 100
10
7.4 A localização das condições objetivas de punibilidade em relação ao tipo penal
.................................................................................................................................... 112
7.5 Condições objetivas de punibilidade e condições de procedibilidade (ou de
perseguibilidade) da ação penal ............................................................................................ 124
7.6 Nossa posição ...................................................................................................... 133
8 A SENTENÇA QUE DECRETA A FALÊNCIA, CONCEDE RECUPERAÇÃO
JUDICIAL OU HOMOLOGA A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO CONDIÇÃO
OBJETIVA DE PUNIBILIDADE — O ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101 DE 9 DE
FEVEREIRO DE 2005 E OS CRIMES FALIMENTARES EM ESPÉCIE ......................... 148
8.1 Fraude a credores (artigo 168) ............................................................................ 160
8.2 Violação de sigilo empresarial (artigo 169) ........................................................ 170
8.3 Divulgação de informações falsas (artigo 170) ................................................... 175
8.4 Indução a erro (artigo 171) .................................................................................. 183
8.5 Favorecimento a credores (artigo 172) ................................................................ 188
8.6 Desvio, ocultação ou apropriação de bens (artigo 173) ...................................... 194
8.7 Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (artigo 174) ................................ 198
8.8 Habilitação ilegal de crédito (artigo 175) ............................................................ 201
8.9 Exercício ilegal de atividade (artigo 176) ........................................................... 206
8.10 Violação de impedimento (artigo 177) .............................................................. 208
8.11 Omissão de documentos contábeis obrigatórios (artigo 178) ........................... 216
9 PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101, DE 9 DE
FEVEREIRO DE 2005 ......................................................................................................... 223
10 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 234
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 237
ANEXO ................................................................................................................................. 252
11
1 INTRODUÇÃO
Os crimes falimentares historicamente representam um ponto de notável
polêmica na doutrina penal, fenômeno evidenciado inclusive entre os penalistas
estrangeiros, em razão das características bastante diferenciadas que as infrações
dessa natureza parecem assumir em relação aos demais delitos.
De fato, a evolução histórica dos crimes falimentares, — que
genericamente podem ser resumidos como modalidades específicas de fraudes
—, dá conta de uma alternância substancial de entendimentos quanto ao seu
próprio conteúdo, que parte desde a presunção da falência como crime, até o
sistema atual, que busca acomodar os atos ordinários da quebra e distingui-los
daqueles voltados ao comprometimento do procedimento falimentar.
Nesse passo, os estudos em torno do tema acabaram, inevitavelmente, por
convergirem para a discussão sobre a posição da sentença que decreta a falência
em relação às infrações penais a ela vinculadas, tema sobre o qual recaíram, e
ainda recaem, pesadas divergências.
De fato, a doutrina em geral ostenta pontos de vista muito díspares quanto
à questão, uns admitindo o decreto falimentar como elemento daquela ordem de
crimes, outros o reconhecendo como condição objetiva de punibilidade e,
finalmente, aqueles que vêem na referida sentença uma condição de
procedibilidade da ação penal.
Os próprios argumentos que tentam fundamentar uma mesma posição,
divergem com freqüência, na medida em que procuram acomodar os princípios
que informam o direito penal com os interesses ligados à política criminal.
12
A questão, no entanto, ganhou expressão maior no direito pátrio, com o
advento da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 — a nova Lei de Falências
— que em substituição ao Decreto-lei n.° 7.661/45, passou a disciplinar a
matéria, notabilizando-se, na parte comercial, pela introdução dos institutos da
recuperação judicial e da recuperação extrajudicial.
Na parte penal, pela primeira vez, o legislador explicitou que tanto a
sentença de quebra quanto aquela que conceda qualquer das modalidades de
recuperação à empresa são condições objetivas de punibilidade dos crimes
estampados no mesmo diploma legal (artigo 180).
Entretanto, ao fazer referência expressa às condições objetivas de
punibilidade, o legislador falimentar acabou por introduzir em nosso sistema
jurídico-penal uma categoria de elementos cujos contornos não chegou a definir,
e nem se encontram definidos em qualquer outro diploma pretérito.
Dita previsão, é bem de se ver, talvez não fosse tão significativa caso a
categoria das condições objetivas de punibilidade não representasse um dos
capítulos mais obscuros e controversos na dogmática penal.
Com efeito, muitos autores negam-lhe existência, argumentando que a
idéia de tais condições surgiu a partir de uns poucos casos isolados, em que a
definição da natureza jurídica de certos elementos operantes, não reclamaria a
intromissão de uma categoria diferenciada de elementos na teoria geral do
delito, podendo resolver-se essas questões pontuais dentro da própria estrutura
ordinária do delito.
13
Outros tantos, que reconhecem sua existência, divergem diametralmente
quanto às características e extensão dessas condições, muitas vezes não
distinguindo seus limites em relação aos demais elementos do delito.
A questão, no entanto, torna-se mais delicada quando colocada em termos
práticos, na medida em que a extensão que se empreste às condições objetivas
de punibilidade pode, verdadeiramente, comprometer certas garantias de direito
penal, das quais a mais evidente é a do respeito ao princípio da culpabilidade.
Nesse contexto, as considerações acerca da sentença de quebra ou
concessiva de recuperação como condições objetivas de punibilidade, exigem a
abordagem preliminar sobre o conteúdo geral dessa categoria sui generis, na
tentativa de definir-lhe os contornos e características.
As conclusões obtidas deverão, então, ser submetidas ao confronto com a
previsão genérica fixada pelo legislador falimentar no artigo 180 e, ao depois, de
forma pormenorizada, com as situações descritas nos tipos penais em espécie, a
fim de constatar-se a possibilidade das sobreditas decisões judiciais
acomodarem-se às características das condições objetivas de punibilidade.
Por fim, esse roteiro permitirá obtemperar sobre a conveniência ou não da
inovação legal, bem como indicar os pontos críticos da sistemática que se
estabeleceu, indicando, sem a pretensão de esgotar o tema, a interpretação que
acomode satisfatoriamente a lei e os princípios garantistas que informam o
direito penal hodierno.
14
2 DIREITO PENAL FALIMENTAR
O direito penal, sempre considerado como a ultima ratio — expressão que
decorre de seu caráter subsidiário — em diversos momentos é chamado a
tutelar, por meio do rigor de suas penas, bens jurídicos cuja violação não é
suficientemente afastada através da proteção, sempre menos incisiva, que pode
ser oferecida pelas esferas cível e administrativa do direito, que não dispõem da
categórica nota da punibilidade.
Assim, são tutelados em nossa legislação penal, bens jurídicos de diversas
naturezas, desde os mais fundamentais à garantia do Estado de direito — como a
vida, a liberdade individual, o patrimônio etc. — até aqueles colocados em
dinâmicas específicas como a ordem tributária, o sistema financeiro, o meio-
ambiente, as relações de consumo e de trabalho, entre outros.
Nesse contexto, vê-se que a norma penal tem a possibilidade de atuar,
como de fato atua, em amplo espectro, alcançando e tutelando a ofensa a bens
jurídicos nos mais particulares e variados ramos do direito, quando estes não se
mostrem, por si mesmos, bastantes para garantir a estabilidade de seus sistemas,
daí vindo um dos argumentos por que se afirma o caráter subsidiário do ilícito
penal,
Realmente, a observação perfunctória da própria lei penal comum,
permite constatar que essa categoria de normas freqüentemente entra em
simbiose com os demais ramos do direito, impondo o rigor da pena a fim de
garantir o funcionamento de suas estruturas legais, contra aquelas ameaças em
que os mecanismos peculiares de determinado segmento jurídico se mostrem
insuficientes à prevenção e à repressão de determinadas condutas.
15
Nesse contexto, percebe-se, claramente, em diversos momentos a norma
penal caminhando lado a lado com normas de direito tributário, consumerista,
ambiental, administrativo etc..
O mesmo ocorre, e não poderia ser diferente, com as normas de direito
comercial que, muitas vezes, têm no direito penal o socorro à preservação de
suas estruturas.
De fato, verifica-se uma ampla diversidade de normas penais, tanto na
legislação penal comum quanto na especial, voltadas à preservação do sistema
legal de institutos de direito comercial, como os títulos de crédito, as sociedades
comerciais e, finalmente, a falência.
Com efeito, a falência é instituto onipresente em todas as legislações
comerciais, força da própria situação que disciplina, sem dúvida inevitável em
qualquer sociedade que pratique o comércio. Por essa razão é de toda a
procedência a assertiva de Punzo de que “A história do instituto é a própria
história do comércio.”
1
O termo “falência”, releva notar, do ponto de vista meramente gramatical,
encontra conhecidos sinônimos como “quebra” e “bancarrota”, expressões cuja
distinção em nossa legislação mereceu o destaque de Siqueira:
Quanto ao primeiro, derivado de fallir (do latim fallere, o mesmo que
enganar, faltar ao promettido), vemol-o empregado, bem como o de
fallimento, outro derivado, na Ord. Affonsina.
O segundo, que parece ser o verdadeiro termo portuguez para designar
aquelle estado, vemol-o já empregado na Ord. Ph., L. V, tit. 66, que se
inscreve: Dos mercadores que quebram. E dos que se levantam com
fazenda alheia.
O nosso cód. commercial usava indistinctamente os dois termos.
Bancarrota é o termo que vemos empregado nas legislações italiana,
franceza e belga e para os casos em que se prova culpa ou fraude do
1
PUNZO, Massimo, Il delitto di bancarotta, p. 4, “tradução livre do autor”.
16
devedor. O nosso código criminal de 1830, art. 263, também o
empregava.
2
Diferentemente do que acontece, verbi gratia, na legislação italiana, em
que a bancarrota
3
corresponde à fraude falimentar, em nossa atual legislação
todas as três expressões podem ser havidas com o mesmo significado, e assim
serão empregadas ao longo deste trabalho.
Historicamente, a falência — entendida, em brevíssimas palavras, como
a insolvência da pessoa jurídica — sofreu notáveis transformações desde os
primórdios do comércio sem, no entanto, jamais se afastar de sua essência, que
se resume na tentativa de disciplinar a satisfação dos débitos do falido.
A disciplina dessa ordem de situação, é bem de se ver, apresentou-se, ao
longo da história, em íntima relação com a sanção de natureza penal, sendo certo
que a evolução das sanções decorrentes da falência evidencia as próprias
transformações que as penas sofreram em seus mecanismos e em suas
finalidades através dos tempos.
À chamada teoria da falência-crime corresponde os primórdios do direito
penal falimentar, sendo certo que suas raízes encontram-se nos diplomas legais
da antiguidade, evidenciando-se, nesse sentido, a Lei da XII Tábuas, que
sancionava o insolvente a despeito de qualquer justificativa que pudesse ser
apresentada
4
.
2
SIQUEIRA, Galdino, Direito Penal Brazileiro, v. II, 742.
3
A expressão “bancarrota” tem origem medieval e, segundo Navarro e Rizzi, “(...) tradicionalmente provenía
del banco de los comerciantes que antiguamente se rompía en público, en caso que éstos no pudieran pagar a
sus acreedores (...)” (Guillermo Rafael Navarro e Aníbal Horacio Rizzi, El delito de quiebra, p. 25).
4
Sobre a insolvência na Lei das XII Tábuas salienta Punzo: “In tale primitivo documento della sapienza
giuridica latina è mantenuto il principio, dominante nel mondo antico, secondo cui il debitore insolvente
risponde con la sua persona, senza possibilità di giustificazione e senza speranza di pietà nemmeno per
l’insolvenza dovuta a sventura.” (Massimo Punzo, op. cit., idem).
17
A insolvência era, por si só, considerada e punida como infração penal, de
sorte que ao comerciante insolvente era imposta pena independentemente da
verificação das causas que o levaram a tal estado. A falência era, portanto, o
próprio crime ou, como historia Antolisei “[...] a todos os comerciantes era
atribuída a qualificação de fraudador.”
5
Com o passar dos tempos, a falência-crime evoluiu na direção de
distinguirem-se as características e conseqüências ao devedor de boa-fé e ao de
má-fé. A Benvenuto Straca é atribuída a separação entre as categorias de
falidos
6
, sendo certo que, a partir daí, a falência deixa de ser por si só um crime,
de molde que o crime falimentar passa a ser uma infração penal perpetrada pelo
falido.
A distinção de Straca adentrou ao longo dos séculos na doutrina penal,
sendo certo que, embora a atual concepção doutrinária sobre os crimes
falimentares haja se transformado expressivamente, a distinção entre as
categorias de falidos em função do elemento subjetivo foi totalmente
assimilada
7
, sendo consignada, inclusive, no Livro V das Ordenações Filipinas
(subitem 4.1 supra).
Posteriormente, a sistemática dos crimes falimentares modificou-se ainda
mais, de forma que estes passaram a constituir atos previstos em lei que só se
5
ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari, tributari,
ambientali e dell’urbanistica, p. 12, “tradução livre do autor”.
6
Cf. Conti: “Si attribuisce all’opera di Benvenuto Stracca la prima compiuta delimitazione tra le varie
categorie di falliti [...]” (Luigi Conti, Diritto Penale Commerciale, v. 2, p. 12).
7
A distinção entre as categorias de falidos foi também defendida por Beccaria: “Deve-se, entretanto, não
confundir o falido de modo fraudulento e aquele que o faz de boa fé. O primeiro teria de ser castigado como os
moedeiros falsos, pois não é mais grave o delito de falsificar o metal amoedado, que é a base da garantia dos
homens entre si, do que falsificar essas mesmas obrigações. Contudo, aquele que vai à falência de boa fé, o
desgraçado que pode provar de modo evidente aos seus juízes a falta de fidelidade de outrem, as perdas de seus
correspondentes, ou finalmente imprevistos que a prudência humana não conseguiria evitar e que o privaram de
seus bens, deve ser tratado com menos rigor.” (Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas, p. 74-75).
18
elevam à condição de ilícitos penais em face do decreto de quebra, que, de sua
vez, consistiria numa “condição” do crime, conforme sintetiza Führer:
A falência, em si, constituiria condição de punibilidade, de
procedibilidade ou de existência do crime. Assim, o devedor é punido,
não por ter causado a falência com dolo ou por culpa, mas por ter
praticado, antes ou depois da falência, um ou mais atos capitulados
como crimes na lei falimentar, atos esses que só serão punidos se
existir a declaração de falência.
8
A partir desse enfoque, os crimes falimentares passaram a ser objeto de
profundas discussões dentro da doutrina penal, bastante evoluída e calcada em
princípios cuja acomodação com esta categoria diferenciada de delitos apresenta
polêmicas palmares, consoante a observação de Punzo:
[...] esta figura é considerada como um instituto jurídico bastante
singular, para o qual parece não ser possível aplicar os princípios
gerais e as fórmulas que regem os outros crimes quase como se fosse
um ilícito de natureza distinta e que não se poderia estudar segundo os
critérios comuns, sobre os quais se discute o evento, o dolo, a culpa
etc.
9
De fato, as dúvidas que assombram ainda hoje a sistemática peculiar dos
crimes falimentares, ficam evidenciadas a todo instante, força de sua própria
dinâmica extremamente heterogênea e que, via de efeito, dificulta sua inserção
dentro das estruturas ordinárias do delito, dando azo a complexos
questionamentos, notadamente no plano da imputação objetiva e subjetiva.
As dúvidas em derredor do tema nascem já no que tange à própria
objetividade jurídica dessa modalidade de infrações, entendendo uma primeira
8
FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Crimes falimentares, p. 11-12. Nesse sentido merece considerar o
magistério de Valverde: “Os atos do devedor, enumerados na lei, anteriores todos à sentença declaratória da
falência, positivavam o procedimento irregular do falido na direção e administração da sua empresa ou de seus
negócios e constituíam, assim, as circunstâncias que qualificavam criminalmente a falência. A lei presumia que
o evento danoso a falência — era o resultado desse procedimento irregular do devedor.” (Trajano de
Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 35.
9
PUNZO, Massimo. op. cit., idem, “tradução livre do autor”. Advertência na mesma direção é feita por
Antolisei para quem “[...] non si può e non si deve mai perdere di vista che trattasi di un reato a struttura
singolare, anzi , anômala.” (Francesco Antolisei, Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati
fallimentari, tributari, ambientali e dell’urbanistica, p. 35).
19
corrente, à qual pertencem Luigi Conti, Massimo Punzo e Galdino Siqueira, que
se trata de crimes contra o patrimônio dos credores da falida.
Um segundo grupo — nele se destacando o Marquês de Beccaria e
Francesco Carrara — vê os crimes falimentares entre aqueles que comprometem
a fé pública.
Uma terceira corrente, ainda, entende que são uma modalidade de crimes
contra a Administração da Justiça, pois, como observa Marques, “[...] as normas
em que vêm definidos e tipificados visam tutelar o processo falimentar, tendo
em vista o rateio entre os credores do ativo da massa falida.”
10
. Nessa linha
destacam-se Francesco Carnelutti e José Frederico Marques.
Finalmente, tem ganhado espaço os argumentos daqueles que admitem
que os crimes falimentares sejam pluriofensivos, visto que atingem a um só
tempo, mais de um bem jurídico penalmente tutelado, nesse sentido
posicionando-se Guillermo Rafael Navarro e Aníbal Horácio Rizzi,
Maximilianus Cláudio Américo Führer e Francesco Antolisei, este último
advertindo que “[...] são bastante freqüentes incriminações voltadas à proteção
de uma multiplicidade de interesses, às quais se pode bem atribuir a
denominação de crimes pluriofensivos.”
11
Embora aparentemente os argumentos desse último grupo de autores se
acomodem melhor à estrutura heterogênea dos crimes falimentares, notadamente
quando se tem em vista de consideração as infrações dessa natureza de forma
individual
12
, esse breve panorama, já em torno da objetividade jurídica,
10
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, v. 3, p. 299.
11
ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari, tributari,
ambientali e dell’urbanistica, p. 26, “tradução livre do autor”.
12
Essa consideração é feita por Silva em seus comentários sobre a Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005,
observando que conforme o tipo penal determinado bem jurídico estará mais diretamente atingido do que os
20
evidencia o extremo grau de contrariedades que permeia a disciplina jurídica do
tema.
Mas, sem sombra de dúvida, o epicentro da polêmica que gravita em torno
dessa categoria especial de infrações penais, diz respeito à função que a sentença
de falência desenvolve na estrutura das mesmas.
Com efeito, a natureza jurídica a ser atribuída à referida decisão é, ainda
hoje, objeto de inafastáveis contestações doutrinárias, que decorrem
notadamente da estrutura pouco uniforme dessa espécie singular de delitos, não
se perdendo de vista, ademais disso, os desdobramentos pragmáticos que advêm
do entendimento que se adote
13
, notadamente no que se refere ao plano da
imputação subjetiva.
De fato, o contorno que se dê à sentença de falência pode representar o
ponto de transformação de toda a sistemática a ser empregada na disciplina dos
crimes falimentares, que devendo estar em sintonia com os princípios que
informam a ciência penal hodierna, reclamam uma estrutura diferenciada da que
se assistiu nos últimos tempos e que exija a integração dos elementos objetivos e
subjetivos da figura delituosa com a falência, e não a simples apenação de
determinados fatos porque houve a quebra da empresa. Essas mesmas
considerações já se apresentavam na doutrina contemporânea à revogada Lei de
Falências (Decreto-lei n.° 7.661/45), consoante registra Valverde:
demais: [...] cremos cabível sustentar (o que não deixa de redundar em tipo de classificação a respeito) que
fraude, favorecimento e desvio (artigos 168, 172 e 173) atingem mais diretamente o patrimônio (sentido amplo)
dos credores; que a indução a erro descrita no artigo 171, bem como a habilitação ilegal de crédito, que
atingem mais de perto a administração da justiça; que a omissão de escrituração (art. 178) pode representar
perigo mais próximo relativamente aos ‘interesses envolvidos na massa falida’ [...]” (SILVA, Antonio Paulo C.
O.. Comentários às disposições penais da Lei de recuperação de empresas e falências, p. 20-21).
13
Sobre o problema em torno do decreto de quebra observa Antolisei: “È questo il principale problema che si
presenta nello studio della struttura del reato di bancarrota. La sua importanza non è soltanto teorica, ma anche
pratica, perché dalla soluzione derivano conseguenze notevoli per l’interpretazione e l’applicazione della
legge.” (Francesco Antolisei, Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari,
tributari, ambientali e dell’urbanistica, p. 27).
21
Contra a presunção juris et de jure, de que o fato ou o conjunto de
fatos mencionados na lei, de autoria do falido, fôra a causa da falência
(o dano), insurgem-se os criminalistas, por considerar este nexo de
causalidade, mera criação da lei, como sobrevivência da
responsabilidade penal por dano objetivo do antigo direito falimentar,
absolutamente inadmissível no direito penal moderno, que não
conhece ‘no tocante à culpabilidade (ou elemento subjetivo do crime)
outras formas além do dolo e da culpa ‘stricto sensu’ [...]
14
A fim de se evitar os mesmos erros cometidos no passado, e que de certa
forma têm estigmatizado a disciplina dos crimes falimentares, a próxima etapa
na evolução destes deve buscar a aproximação do evento da falência com a
conduta típica, a ela conectando-se em relação de causalidade material e moral,
conforme a regra que impera em todo o sistema penal, que cada vez mais deve
pugnar pela homogeneização de seus princípios informadores,
Na legislação brasileira, o advento da recém-publicada Lei n.° 11.101, de
9 de fevereiro de 2005 é, sem dúvida, o momento em que se assiste à retomada
dessas questões pela doutrina, sendo, também, a oportunidade para que haja a
acomodação das características dessa espécie sui generis de infrações penais às
exigências que, numa perspectiva garantista, instruem o moderno direito penal.
14
VALVERDE, Trajano de Miranda. op. cit., p. 36-37.
22
3 OS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA.
A falência da pessoa jurídica é, com efeito, instituto reconhecido
universalmente nas legislações estrangeiras, corolário, obviamente, da dinâmica
do comércio que inevitavelmente reclama a disciplina legal do estado de
insolvência empresarial.
Nesse contexto, a quebra da empresa vem sendo maciçamente tratada de
forma diferenciada dentro das legislações vigentes, conforme haja se operado de
forma corriqueira ou de maneira anômala, com interferência de alguma sorte de
manobra — especialmente fraudulenta — e que venha comprometer os direitos
dos credores.
Assim, os crimes falimentares representam um capítulo onipresente na
estrutura legal da falência, diagnóstico que fica evidente quando se passa em
revista a legislação estrangeira referente ao tema.
É bem de se ver que as figuras delituosas guardam evidentes semelhanças
na maioria dos diplomas consultados, divergindo, na maioria das vezes, em
relação ao alcance de seus tipos penais.
No que diz respeito à sentença de quebra percebe-se nitidamente,
diferente do que ocorreu na lei brasileira, não haver grande preocupação em
definir-lhe a natureza jurídica, muito embora essa possa, em alguns casos, ser
claramente extraída pelo contexto e redação empregada.
De qualquer forma, é imperiosa a constatação, ainda que perfunctória, da
dinâmica que é dada às infrações penais de natureza falimentar na legislação
23
estrangeira, especialmente como critério de consideração das disposições aqui
introduzidas nessa disciplina pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
3.1 Argentina
Na Argentina os crimes falimentares ganharam previsão
diretamente no corpo da Parte Especial do Código Penal, ficando a “Ley de
Concursos y Quiebras” (Ley 24.522) afeta exclusivamente às questões de
matéria estritamente comercial.
No Título VI do Código Penal, que trata dos crimes contra o
patrimônio, o Capítulo 5 — sob o nomem juris “Quebrados y otros deudores
punibles” — encontram-se agrupadas as infrações penais relativas às falências
(artigos. 176 a 180).
O legislador argentino adotou a tradicional distinção entre os atos
considerados de falência fraudulenta (artigo 176) e os de falência culposa (artigo
177), estabelecendo, ainda, disposições específicas relativas ao concurso de
agentes (artigo 178).
Vê-se que os tipos penais são bastante enxutos, e elevam à condição
de ilícitos penais, condutas igualmente consagradas a esse título na maioria dos
países que prevêem infrações penais de natureza falimentar em suas legislações
como, verbi gratia, a simulação de dívidas, a ocultação de bens, o favorecimento
a credores e os gastos pessoais excessivos etc.
No que se refere às penas, tanto para a falência fraudulenta quanto
para a falência culposa cominaram-se penas privativas de liberdade, cumuladas
com a “inhabilitación especial”, instituto previsto genericamente no artigo 20 do
24
Código Penal Argentino, que consiste na privação do emprego, cargo ou
profissão e a incapacitação para a obtenção de outro do mesmo gênero. Em
termos comparativos com a legislação pátria a “inhabilitación especial” se
assemelha aos chamados efeitos da condenação previstos em nosso Código
Penal.
No que tange ao decreto de quebra, não houve qualquer referência
expressa à sua natureza jurídica.
Todavia, tanto o artigo 176 (falência fraudulenta)
15
, quanto o artigo
177 (falência culposa)
16
inseriram o decreto de quebra no enunciado de seus
respectivos caput, o que força concluir que tal decreto foi elevado à condição de
elementar dos referidos tipos penais, aí descansando sua natureza jurídica.
3.2 Chile
No Chile, a exemplo do Brasil, a previsão dos crimes falimentares
encontra-se destacada do Código Penal, sendo trazida na legislação especial, in
casu na chamada “Ley de Quiebras” (Lei n.° 18.175, publicada no D.O. de
28.10.82) que, tratando genericamente da questão falimentar, previu, em seu
título XIII (artigos 218 a 234), os chamados “Delitos relacionados con las
quiebras”.
15
In verbis: “Art. 176. Será reprimido, como quebrado fraudulento, con prisión de dos a seis años e
inhabilitación especial de tres a diez años, el comerciante declarado en quiebra que, en fraude de sus acreedores,
hubiere incurrido en alguno de los hechos siguientes:
(...)
16
In verbis: “Art. 177. Será reprimido, como quebrado culpable, con prisión de un mes a un año e inhabilitación
especial de dos a cinco anõs, el comerciante que hubiere causado su propria quiebra y perjudicado a sus
acreedores, por sus gastos excessivos con relación al capital y al número de personas de su familia,
especulaciones ruinosas, juego, abandono de sus negocios o cualquier otro acto de negligencia o imprudencia
manifesta.” (grifamos)
25
Referida legislação distingue, do ângulo subjetivo, três modalidades
de falência: a fortuita, a culposa e a fraudulenta, elevando somente as duas
últimas à condição de ilícito penal, cominando, obviamente, apenações distintas
em cada caso.
As hipóteses de falência culposa, agrupadas nos doze incisos do
artigo 219, relacionam-se com atos de gestão temerária, punindo a atividade
imprudente do empresário que contribui para a quebra, como, verbi gratia,
gastos pessoais excessivos, investimentos de alto risco, assunção de fiança, entre
outros. Os casos de falência fraudulenta vêm previstos no artigo 220, que ao
longo de dezesseis incisos descreve manobras voltadas à redução dos ativos ou
aumento dos passivos da empresa, no intuito de dolosamente comprometer o
pagamento dos credores, neste rol incluindo-se figuras conhecidas na legislação
brasileira como a destruição de livros, o pagamento antecipado de credores, a
ocultação de bens, entre outros.
A estrutura dos delitos falimentares na lei chilena é bastante
minuciosa, descrevendo exaustivamente as figuras delituosas que podem
envolver o processo falimentar. Nesse particular, aliás, percebe-se nítida
semelhança dos tipos penais com a nossa revogada lei de falências (Decreto-Lei
n.° 7.661, de 21 de junho de 1945).
A lei chilena não deixou explícita a natureza jurídica da sentença
declaratória de falência em relação aos seus crimes falimentares, tampouco a
mencionou na descrição das infrações penais.
No entanto, ao tratar do procedimento criminal a ser adotado, deixa
clara a necessidade do decreto de quebra pelo juízo falimentar, para que o juízo
26
criminal possa ser acionado. É o que dispõe o artigo 222 da referida lei, in
verbis:
Art. 222. El tribunal que no tuviere jurisdicción en lo criminal,
cuando estime que pueda configurarse alguna de las presunciones
establecidas en los artículos 219, 220 y 221, oficiará al juez del
crimen poniendo en su conocimiento la declaratoria de quiebra. Igual
comunicación deberá efectuar cuando lo solicite el Fiscal Nacional o
la junta de acreedores.
Embora a “Ley de quiebras” haja silenciado, o artigo acima
timidamente sugere que a natureza jurídica da sentença de quebra, para fins
penais, liga-se ao direito adjetivo, tanto pelo teor do dispositivo quanto por sua
localização dentre as normas de caráter procedimental relativas aos crimes
falimentares.
3.3 Paraguai
No direito paraguaio as figuras delituosas relacionadas às falências
encontram previsão no corpo do próprio Código Penal (Ley n.° 1160/97),
estando concentradas nos artigos 178 a 183, no capítulo dedicado aos “Hechos
punibles contra otros derechos patrimoniales”.
Desde logo, percebe-se que as referidas infrações revelam graves
deficiências no que tange ao conteúdo de seus enunciados, o que decorre
notadamente da redação exaustiva dada aos tipos, que acabaram por se tornar
bastante confusos, notadamente no que tange à distinção entre os tipos dolosos e
culposos, aspecto em que a lei permaneceu omissa, e distribuídos de maneira
quase que aleatória entre artigos e parágrafos, numa acomodação pouco lógica e
por vezes repetitiva.
27
No que pesem as falhas na técnica legislativa, a lei paraguaia
manteve-se medianamente congruente com as figuras criminais de natureza
falimentar de outros países, tipificando a ocultação e a omissão de livros
contábeis, a gestão imprudente, o favorecimento a credores etc.. Vale enfatizar,
no entanto, a previsão das duas qualificadoras (“Casos graves”) trazidas no
artigo 180, que possibilitam o aumento da pena privativa de liberdade para até
dez anos, no caso do falido haver agido com fim de enriquecimento ou colocado
em risco de indigência um número expressivo de pessoas.
No que tange ao decreto de falência, há a previsão expressa no §2.°
de que no crime de “Conducta conducente a la quiebra” o fato só será punível
quando haja ocorrido a cessação de pagamento ou decretada a quebra da
empresa. Embora o dispositivo não defina expressamente a natureza do decreto
de quebra em relação às infrações penais, condiciona a aplicação da pena à
ocorrência desse fato, sendo crível que o legislador implicitamente reconheceu-o
como condição de punibilidade.
3.4 Portugal
O Título II do Código Penal português, que define os crimes contra
o patrimônio, prevê, em seu Capítulo IV, os chamados “Crimes contra direitos
patrimoniais”, dentre os quais encontram-se três artigos relativos a infrações
penais de caráter falimentar, os quais receberam a atual redação a partir da Lei
n.° 65/98.
Sob os nomem juris de “Insolvência dolosa” (artigo 227),
“Insolvência negligente” (artigo 228) e “Favorecimento de credores” (artigo
229), o legislador tipificou modalidades de fraudes e de gestão temerária da
empresa bastante assemelhadas às encontradas nas legislações penais de outros
28
países, descrevendo a título de dolo, condutas, verbi gratia, como o desvio de
bens, a falsificação de livros contábeis, a simulação de dívidas, entre outros, e a
título de culpa os gastos extravagantes, a especulação financeira arriscada e até a
ausência de providências de recuperação diante da insolvência iminente.
Em todos os três artigos a legislação portuguesa condiciona
expressamente a aplicação da pena à declaração judicial da insolvência ou ao
decreto de falência, com a peculiaridade — por sinal bastante interessante — de
que os parâmetros de apenação serão diversos, sobrevindo um ou outro
resultado, reservando-se as penas mais expressivas para a última hipótese.
Vê-se que o legislador português não se preocupou em definir a
natureza dos decretos de insolvência ou falência em relação às infrações penais,
restando à doutrina e à jurisprudência penal o debate sobre a questão.
3.5 Espanha
Na legislação hispânica as infrações penais relativas às quebras
também se encontram incorporadas à Parte Especial do Código Penal, estando
inseridas no Título referente aos “Delitos contra el patrimônio”, mais
precisamente entre os delitos relacionados no Capítulo “De las insolvencias
punibles”.
Reduzidos ao número de três (artigos 259 a 261), os tipos penais
apresentam-se extremamente enxutos, tendo o legislador espanhol nitidamente
divorciado-se da opção por uma previsão exaustiva de diversas formas de
realização de fraudes falimentares, como sói ocorrer em diversas legislações.
29
Embora o Código preveja outras modalidades de fraudes a credores
o fato é que somente relacionou algumas situações diretamente ao estado
falimentar, limitando-se, em síntese, a dar previsão típica às hipóteses de
pagamento antecipado de credores (artigo 259), o agravamento doloso do estado
de insolvência (artigo 260) e a apresentação de contabilidade falsa (artigo 261).
No que se refere ao status da declaração de quebra, verifica-se que
nos três artigos em questão esta vem, sem exceção, inserida nos enunciados
típicos, não havendo qualquer previsão explícita ou exclusiva quanto a sua
natureza jurídica na relação de direito penal.
3.6 Itália
No direito italiano, as infrações penais de natureza falimentar não
foram incorporadas diretamente ao texto do Código Penal, tendo sido alocadas
para o corpo da legislação falimentar (Lei n.° 267 de 16 de março de 1942).
As disposições penais da referida lei mostram-se como das mais
exaustivas, dentre as encontradas nas legislações falimentares estrangeiras,
tendo o legislador dedicado diversos artigos (216-241) à previsão minudente das
infrações penais, bem como ao procedimento penal a ser observado.
A parcela penal da lei de falências italiana, dado seu conteúdo
híbrido, que previu, a um só tempo, normas de caráter substantivo e adjetivo,
foi, com efeito, dividida em quatro capítulos distintos, a saber: i) crimes
cometidos pelo falido (artigos 216-222); ii) crimes cometidos por pessoa diversa
do falido (artigos 223-235); iii) Disposições aplicáveis no caso de concordata
preventiva, de administração controlada e de liquidação administrativa (artigos
236-237); iv) disposições procedimentais (artigos 238-241).
30
Entre os crimes cometidos pelo falido verifica-se a dicotomia
tradicional que separa o delito de falência simples (artigo 217), caracterizada por
atos de imprudência do empresário, e o de falência fraudulenta (artigo 216),
traduzida pela atividade dolosa em prejuízo dos credores. Há, ainda, no mesmo
capítulo, a previsão de circunstâncias agravantes e atenuantes (artigo 219), bem
como de outras figuras delituosas como o recurso abusivo ao crédito (artigo 218)
e a denúncia de credores inexistentes (artigo 220).
No capítulo seguinte, ao tratar dos delitos cometidos por pessoa
diversa do falido, o legislador voltou-se precipuamente contra os atos que
pudessem vir a ser praticados pelos administradores, diretores, síndicos e
liquidantes, basicamente impondo-lhes as mesmas penas da falência fraudulenta
e da falência simples, obviamente conforme a natureza de seus atos.
Com relação à sentença declaratória de falência há, no artigo 7.° da
referida lei, sob o nomem juris “Stato d’insolvenza risultante in sede penale”, a
determinação de que o Procurador da República requeira a decretação da quebra
da empresa que se tornou insolvente em razão de manobras fraudulentas,
disposição que, embora alocada no início da lei, sinaliza de forma tímida a
natureza jurídica da referida sentença, questão que adiante encontra sinais mais
consistentes.
De fato, é no artigo 238 que se encontra a referência expressa aos
efeitos da declaração de falência em relação às infrações penais. Sob o título
“Esercizio dell’azione per reati in materia di fallimento”, merece destaque o
conteúdo do referido dispositivo, in verbis:
Para os crimes previstos nos artigos 216, 217,223 e 224 a ação penal é
exercida após a comunicação da sentença declaratória de falência de
que trata o artigo 17.
31
Inicia-se antes mesmo no caso previsto no artigo 7 e em todos os
outros nos quais concorram graves motivos e que já exista ou seja
apresentado contemporaneamente requerimento para obter a
declaração citada. (tradução livre do autor)
A lei falimentar italiana mostra, quanto ao tema, posição
diferenciada em comparação com a maioria das legislações estrangeiras,
notadamente porque não adotou uma posição uniforme em relação a todas as
figuras delituosas, distinguindo a necessidade de prévia declaração de quebra
para o exercício da ação penal, unicamente em relação à falência simples e à
fraudulenta. É bem de ver-se que em relação aos demais delitos não prescindiu
do mesmo decreto, mas apenas admitiu o início do processo penal mediante a
simples existência de pedido de falência já ajuizado.
Essa postura, diferenciada e inédita, reforça a conclusão de que o
legislador italiano deu à sentença declaratória de falência contornos de condição
de procedibilidade da ação penal, tendo, portanto natureza de ordem
exclusivamente processual, o que se infere por mais de um argumento que
merece destaque, ainda que perfunctório.
Inicialmente porque a questão foi topograficamente inserida dentro
do capítulo IV, que foi dedicado exclusivamente às disposições processuais
relativas aos crimes falimentares. Tangenciando o mesmo argumento, a
abordagem veio no artigo 238, que, conforme salientado, estampa o nomem juris
do exercício da ação por crimes em matéria falimentar. Finalmente, e aí se
ingressa na interpretação do dispositivo legal, verifica-se que a norma é explícita
em relação à quebra como condição para o início da ação penal falimentar e não
à punibilidade de eventual condenado.
Vê-se que o legislador italiano também não foi explícito, como o
legislador brasileiro, em declinar a natureza jurídica do decreto de falência em
32
relação às infrações penais. No entanto, os aspectos sucintamente extraídos do
artigo 238, deixam assente que, ao relacionar a declaração de quebra com a
questão penal, houve apenas a vinculação a desdobramentos de ordem
estritamente processual (v.g., custódia do falido, comunicação ao Procurador da
República, entre outros), o que dá consistente margem de argumentos a ensejar o
entendimento de que tal decreto guarda contornos, na lei peninsular, de instituto
de natureza estritamente adjetiva.
3.7 França
Na França as infrações penais de natureza falimentar também se
encontram fora do corpo do Code Pénal, estando concentradas na legislação
extravagante, in casu no Code de Commerce (Ord. n.° 2000-912 du 18 sept.
2000, com as alterações decorrentes da L. n.° 2005-845 du 26 juillet 2005).
Assim, referido Código prevê, no Título V, capítulo IV, sob a
designação “De la banqueroute et des autre infractions”, os delitos ligados à
falência e institutos correlatos, disciplinando, entre os artigos 654-1 e 654-20, os
tipos penais e o correspondente procedimento penal.
A legislação francesa não apresenta distinções expressivas no que
tange ao elenco das figuras delituosas, prevendo infrações penais já consagradas
na maioria das legislações sobre o tema, como, verbi gratia, a dissimulação
patrimonial, o aumento fraudulento do passivo, além das condutas relativas aos
documentos contábeis como omissões e irregularidades (654-2).
No que tange à pena privativa de liberdade, enquanto regra, é
fixada em cinco anos e multa de 75.000 € (654-3), aumentando-se, em caso de
empresa prestadora de serviços de investimento, para sete anos de prisão e multa
33
de 100.000 € (654-4), além das peines complémentàires, basicamente focadas
em restrições ao crédito, ao comércio e ao exercício de funções públicos (654-
5).
A grande distinção que a legislação francesa apresenta, em
comparação com as demais até aqui analisadas, diz respeito, ainda em relação às
penas, à possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas que
venham a contribuir com a prática de alguma das infrações penais previstas na
mesma lei (654-7), tema inegavelmente polêmico na doutrina penal mundial e
que na legislação gaulesa, no entanto, parece haver se consolidado.
Nesses casos a pena prevista, no próprio Code de Commerce, é a
multa, além das demais previstas genericamente às pessoas jurídicas na parte
geral do Code Pénal (131-39), como a interdição, temporária ou permanente, de
determinadas atividades, a dissolução, o fechamento, temporário ou definitivo e
o confisco de bens.
No que se refere à natureza jurídica da sentença declaratória de
falência, a lei francesa não faz qualquer consideração nesse sentido, muito
embora a abertura de procedimento de liquidação ou de recuperação
(redressement) esteja inserida no caput do art. 654-2, que justamente concentra
a parcela expressiva das infrações penais falimentares. Nessa perspectiva, tem-
se que a natureza jurídica dessas decisões seja de elementos típicos.
34
4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DELITOS FALIMENTARES NA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A análise das infrações penais de natureza falimentar demanda,
necessariamente, a digressão histórica do tema dentro da legislação brasileira,
método de interpretação unanimemente reconhecido na doutrina por ser,
indubitavelmente, fonte de valiosos elementos para a compreensão da norma em
vigor.
Sobre a importância da interpretação histórica é a advertência de Garcia,
no sentido de se “[...] conhecer as leis pela História e a História pelas leis.
Sabendo-se como adveio o texto, pode ter-se idéia nítida da ratio legis, da sua
razão determinante.”
17
Com efeito, é interessante observar que a falência, elevada ao status de
infração penal, é fenômeno de notável registro histórico. De fato, as primeiras
legislações vigentes em solo brasileiro já reconheciam certos casos de quebra
como ilícitos na esfera do direito criminal, verificando-se diversos aspectos na
lei falimentar vigente, cujos primórdios se encontram nitidamente delimitados já
na legislação do período colonial.
Importa advertir que a questão será tratada apenas a partir do
descobrimento, deixando-se de lado o período que o antecedeu, visto que, dada a
característica absolutamente rudimentar das sociedades indígenas que aqui
habitavam, certamente restaria impossível a constatação de elementos mínimos
para que se pudesse chegar a cogitar da noção de crime falimentar.
17
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 159.
35
4.1 Período Colonial — As Ordenações Filipinas
No período compreendido entre o descobrimento, em 1500, e a
proclamação da independência, em 1822, historicamente conhecido por Período
Colonial, é quando tem início a história do direito penal no Brasil, enquanto
sistema positivo.
É certo que o status de mera colônia não permitia que aqui se
estabelecesse um sistema de normas próprias, ficando em vigor, por isso, a
legislação peninsular. Nessa conformidade, a legislação aplicada no Brasil
naquele intervalo foi, invariavelmente, a mesma que vigia em Portugal.
À época do descobrimento vigoravam as primeiras Ordenações do
Reino — editadas entre 1446 e 1447 — que foram chamadas de Ordenações
Afonsinas, embora não haja a mínima notícia de sua aplicação no Brasil, então
recém-descoberto. De vida curta, as Ordenações Afonsinas vigoraram somente
até o Reinado de D. Manoel, o Venturoso, que logo ordenou fossem substituídas
pelas “Ordenações Manoelinas” que, colocadas em vigor por volta de 1521,
também não apontaram qualquer registro no Brasil
18
, certamente pelo fato do
processo de colonização encontrar-se ainda em estágio inicial.
Em meados de 1.603, as Ordenações Manoelinas acabaram sendo
revogadas
19
, por determinação de El-Rey, D. Felipe III de Espanha e II de
18
Edgard Magalhães Noronha, citando o Visconde de Taunay, narra a suposta passagem em que um magistrado
teria solicitado aos vereadores de Piratininga as “Ordenações do Reino”, não logrando êxito em encontrar-se um
exemplar sequer (Direito Penal, v. 1, p. 55).
19
Alguns autores afirmam que as “Ordenações Manoelinas” foram revogadas em 14 de fevereiro de 1569, por
determinação de D. Sebastião surgindo o “Código Sebastiânico”, todavia a maioria não faz referência a tal fato.
Tourinho Filho, no entanto, esclarece que não houve, em verdade sua revogação: “Logo em seguida às
‘Ordenações Manuelinas’, e durante o seu período de vigência, surgiu o Código Sebastiânico, vigendo ao lado
das Ordenações Manuelinas, sem, contudo, revogá-las. Como surgiu tal Código? O Cardeal D. Henrique
designou Duarte Nunes de Leão para fazer uma compilação das lei extravagantes promulgadas depois das
Ordenações Manuelinas, compilação esta que, depois de revista por uma comissão de juristas, foi batizada com
36
Portugal, dando lugar às chamadas Ordenações Filipinas ou Código Filipino,
estas sim tendo sido largamente aplicadas no Brasil, e concentrando toda a
matéria penal ao longo de seu Livro V, notabilizado pela hipertrofia de figuras
delituosas atreladas a penas crudelíssimas que, consoante Dotti, “desvendaram
durante dois séculos a face negra do Direito Penal”
20
.
A despeito dos inegáveis excessos, as Ordenações Filipinas, com a
redação exótica que a notabilizava, já faziam a previsão de modalidades de
delitos falimentares, tratando da matéria em seu Título LXVI, sob o nomem juris
de “Dos Mercadores que quebrão. E dos que se levantão com fazenda alhea”.
As disposições contidas no referido título, descrevem condutas que,
de certa forma, ainda hoje são reconhecidas como infrações penais, guardadas
obviamente as inevitáveis diferenças que quatro séculos trazem. Assim, verifica-
se a previsão de condutas praticadas pelos chamados “Mercadores” como o
desvio de bens, a simulação de dívidas e a ocultação de livros, as quais
encontram eco nas legislações penais falimentares modernas.
O “Mercador” que viesse a praticar qualquer das fraudes descritas,
estaria sujeito às mesmas penas atribuídas aos “públicos ladrões” e
“roubadores”, bem como perpetuamente inabilitado para o “Officio de
Mercador”. Percebe-se que naquela época o crime de quebra era havido como
contra o patrimônio, já se reconhecendo o instituto da inabilitação, existente até
hoje.
Ainda no que tange às penas, também já se via estabelecida a
distinção em razão do conteúdo subjetivo do delito, atribuindo-se sanções
o nome de ‘Código Sebastiânico’ e teve força de lei, pelo Alvará de 14-2-1959. (Fernando da Costa Tourinho
Filho, Processo Penal, v.1, p. 176)
20
DOTTI, René Ariel. Casos criminais célebres, p. 320.
37
expressivamente mais brandas aos casos de insolvência decorrente de culpa,
nesse aspecto verificando-se, com nitidez, os primórdios do que viria a tornar-se
a conhecida distinção entre falência fraudulenta e falência simples. Havia, ainda,
a expressa isenção de pena para aqueles que se tornassem insolventes por caso
fortuito ou motivos de força maior.
As Ordenações Filipinas traziam, ainda, disposições de natureza
eminentemente procedimental, abordando questões como a busca e apreensão de
bens, a prisão processual e a publicação de editais. Ademais disso, consignaram-
se extensas normas relativas aos eventuais cúmplices dos delitos.
É nítida a relação de semelhança e de proximidade que as
disposições das Ordenações Filipinas guardam com as legislações modernas
21
,
tornando seu conteúdo, por via de conseqüência, de grande interesse na
interpretação histórica da ilicitude penal na falência.
De fato, ao que se percebe, algumas das manobras fraudulentas que
hodiernamente têm previsão típica como infrações penais falimentares, já eram
outrora constatadas e igualmente fixadas na legislação criminal, denotando que a
dinâmica dessas modalidades de fraudes, sob certo aspecto, não chegou a ser
efetivamente reformulada, em que pese o desenvolvimento da estrutura
empresarial do país nos séculos subseqüentes, mas apenas atualizada.
21
Nesse sentido está igualmente a conclusão de Requião: “A nova redação começava por enunciar as várias
modalidades de fraude na quebra, não muito diferentes das que ainda são conhecidas...” (Rubens Requião,
Curso de Direito Falimentar, v. 1, p. 15)
38
4.2 O Alvará de 13 de novembro de 1756
A questão falimentar, ao que se percebe, entrou no Brasil através da
porta do direito penal, na conformidade do quanto estabelecido no Livro V das
Ordenações Filipinas (subitem 4.1 retro).
Suas raízes, no entanto, só alcançaram o campo do direito
comercial na legislação lusitana, de maneira efetiva, por conta de uma tragédia
que assolou a capital.
Com efeito, a falência ganhou espectro e estrutura mais ampla, após
um terremoto havido em Lisboa, em 1.° de novembro de 1755, o que teria
ocasionado uma grande turbulência na economia. De fato, ao que se tem notícia,
o estado de calamidade fomentou, a um só tempo, enormes dificuldades no
comércio e, de outra banda, o aumento das fraudes.
Nesse contexto, tornou-se premente a necessidade de modificação
das disposições contidas no Título LXVI, do Livro V das Ordenações Filipinas
(subitem 4.1. retro), missão que coube a Sebastião de Carvalho e Melo — o
Marquês de Pombal — então Primeiro-Ministro de Portugal.
A fim de contornar a situação, o Marquês de Pombal fez promulgar
o Alvará de 13 de novembro de 1756, tido na doutrina como o diploma que
efetivamente instituiu a falência no direito comercial português, deixando de
tratá-la apenas como uma questão de natureza estritamente penal — embora haja
implementado transformações nesse sentido — evoluindo, também, para o
enfoque comercial, absolutamente necessário para a satisfação dos créditos do
falido.
39
Merece destaque a síntese de Paes de Almeida sobre as disposições
introduzidas pelo referido Alvará:
Impunha-se ao falido apresentar-se à Junta do Comércio, perante a
qual ‘jurava a verdadeira causa da falência’. Após efetuar a entrega
das chaves ‘dos armazéns das fazendas’, declarava todos os seus bens
‘móveis e de raiz’, fazendo entrega, na oportunidade, do Livro Diário,
no qual deveriam estar lançados todos os assentos de todas as
mercadorias, com a discriminação das despesas efetuadas..
Ultimado o inventário dos bens do falido, seguir-se-ia a publicação de
edital, convocando os credores.
Do produto da arrecadação, dez por cento eram destinados ao próprio
falido para o seu sustento e de sua família, repartindo-se o restante
entre os credores.
22
De fato, estabeleceu-se um procedimento falimentar fixando-se,
inclusive, um juízo especializado para a matéria, a quem incumbia a apreciação
da existência ou não de fraude na quebra
23
. Distinguiram-se as hipóteses de
falência fraudulenta, culposa e inocente, consoante Requião:
Mas o Alvará, que constitui a nosso ver o ponto de partida para o
estudo da instituição falimentar no direito pátrio, regula não só a
punição penal do crime falimentar, mas também a falência culposa e a
inocente. Assim, determinava que os comerciantes que por culpa
perdessem seus bens, jogando ou gastando demasiadamente,
incorriam nas mesmas penas, exceto que não seriam equiparados aos
‘publicos ladroens”, nem seriam ‘condenados em pena de morte
natural’, mas em penas de degredo.
24
Assim, colônia que era, o Brasil também ficou submetido, em
matéria falimentar, às disposições do Alvará de 13 de novembro de 1756.
22
ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Concordata, p. 6
23
Consoante descreve Ferreira:“Tanto que se achassem instruídos os processos verbais, se convocariam
conferências, que fossem necessárias, para se compreenderem cabalmente as causas da falência, julgada afinal,
segundo seu merecimento, por pluralidade de votos. Julgada a quebra fraudulenta, remeter-se-ia o processo
verbal ao juízo conservador do comércio, o qual pronunciaria e prenderia os culpados, seguindo-se o processo
penal.” (Waldemar Ferreira, Tratado de Direito Comercial, v.14, p.28)
24
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar, v. 1, p. 15
40
4.3 Período Imperial — Código Criminal do Império do Brasil
Com a proclamação da independência se fazia mister que esta se
desse igualmente no campo do direito, de sorte que a nova ordem política não
tardou em providenciar uma codificação penal que a acompanhasse, agora
assentada em bases e critérios bastante distantes daqueles em que estiveram
sedimentadas as Ordenações Filipinas.
Ao clima de reestruturação política trazida pela independência,
somava-se, ainda, um contexto mundial de renovação de valores —
conseqüência clara do movimento iluminista — o que certamente impulsionou
decisivamente a reestruturação jurídica do Brasil independente
25
, e o
surgimento, em 16 de dezembro de 1830, a partir do projeto original de
Bernardo Pereira de Vasconcelos, do Código Criminal do Império.
Diploma unanimemente reverenciado tanto por seu caráter liberal
quanto pela introdução de novos conceitos na dogmática criminal, que serviram,
inclusive, de inspiração a legislações estrangeiras
26
, o Código Criminal do
Império também não deixou de elevar à condição de ilícitos penais determinadas
condutas relativas à falência.
Assim no Título III, dedicado aos “crimes contra a propriedade”,
recebeu o Capítulo II o nomem juris “Banca-rota, estellionato e outros crimes
contra a propriedade”, sendo que o legislador do Império concentrou no artigo
263 toda a matéria relativa aos crimes de natureza falimentar, in verbis: Art.
25
Conforme enfatiza José Henrique Pierangelli, “Os movimentos liberais e as novas doutrinas penais,
aliadas às modificações sociais do tempo, impunham que essas novas concepções viessem
influir na nova legislação” (Códigos Penais do Brasil, p. 8)
26
Segundo Luis Jimenez de Asúa, o “Código Criminal do Império do Brasil” foi fonte de inspiração do Código
Penal Espanhol de 1848 (Tratado de Derecho Penal, v.1, p. 1330)
41
263. A banca-rota que fôr qualificada de fraudulenta, na conformidade das leis
do commercio, será punida com a prisão com trabalho por um a oito annos.”
O Código Criminal do Império adotou uma fórmula bastante enxuta
na elaboração do tipo penal, elevando à condição de infração penal somente os
atos de fraude que viessem a ser praticados no curso da quebra. O conceito de
ato falimentar fraudulento, no entanto, foi expressamente remetido à legislação
comercial.
Tratava-se, com efeito, de norma penal em branco em que o
legislador, sem abrir mão de manter o delito falimentar agregado ao corpo da lei
comum, remeteu, praticamente in totum, o conteúdo do tipo penal para a
legislação comercial.
Na data da publicação do Código Criminal do Império (1830), não
havia ainda legislação comercial brasileira disciplinando a questão falimentar, o
que só veio a ocorrer em 1850 com o advento do Código Comercial.
Assim, o complemento da norma penal, até a vinda do Código
Comercial, ficou por conta do Alvará do Marquês de Pombal.
Com a publicação Código Comercial Brasileiro, em 1850, no título
dedicado às quebras, distinguiu-se a falência em três modalidades: casual, com
culpa e fraudulenta — distinção que implicitamente as Ordenações Filipinas já
faziam — ao depois descrevendo as condutas que caracterizariam cada uma das
situações.
A falência casual seria a decorrente de caso fortuito ou força maior
(artigo 799). A falência com culpa (artigos 800 e 801) importava em condutas
42
semelhantes àquelas que caracterizavam a falência simples no texto da Lei n.°
7.661/45, como, verbi gratia, o excesso de gastos pessoais, as perdas avultadas
em especulação ou em jogos etc.. Por derradeiro, a falência fraudulenta (artigo
802) vinculava-se a condutas até hoje reconhecidas como manobras dolosas em
prejuízo do patrimônio dos credores, como a ocultação de bens, a simulação de
despesas e a falsificação ou omissão de livros.
Interessa notar que o Código Comercial, além complementar o
conteúdo em branco do artigo 263 do Código Criminal do Império, acabou por ir
muito além, adentrando em temas de ordem estritamente criminal e que, por
conseguinte, deveriam ter sido colocados no corpo do Código Criminal. É o que
se percebe em relação às disposições referentes à cumplicidade (artigo 803) e
suas formas de exteriorização.
No que se refere às penas, como seria de se esperar, foram
expressivamente diminuídas em relação àquelas impostas nas Ordenações
Filipinas, tendo sido previstas exclusivamente na modalidade de prisão com
trabalhos e variando seus limites mínimo e máximo entre um e oito anos.
Por fim, releva notar que já no direito imperial o decreto falimentar
era reconhecido como condição para o exercício da ação penal. Filgueiras Júnior
cita acórdão do Supremo Tribunal, declarando nulo processo criminal em que tal
condição foi ignorada, in verbis:
O Supr. Trib., no Acc. De 3 de setembro de 1859, recorrente Manoel
Pinto de Carvalho, recorridos José Pedro dos Santos e outros, declarou
manifesta nullidade o ter-se começado a acção criminal sem que
primeiro tivesse qualificado a bancarrota, como é expresso neste
artigo; pois faltava, por conseguinte a base e corpo de delicto para o
procedimento em juízo criminal, tornando-se por isso tumultuário,
nullo e insubsistente todo o processo.
27
27
FILGUEIRAS JR., Araújo. Código Criminal do Império do Brazil, p. 278.
43
Observadas as principais características dos crimes falimentares no
Período Imperial, conclui-se que as primeiras linhas da noção de fraude na
dinâmica das quebras, semeadas ainda nas Ordenações Filipinas, foram
efetivamente preservadas, muito embora tendo sido sensivelmente buriladas.
4.4 O Código Penal Republicano de 1890
De par com as intempéries de natureza política, a nova ordem
surgida a partir do advento da República, proclamada em 15 de novembro de
1889, com o golpe do Marechal Deodoro da Fonseca, reclamou a substituição da
codificação penal, tarefa que foi atribuída ao Conselheiro Batista Pereira, cujo
projeto, por força do Decreto n.° 847, de 11 de outubro de 1890, foi convolado
no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil.
O código republicano, a despeito das merecidas críticas que sofreu
por conta de graves omissões e imprecisões técnicas, procurou atualizar os
aspectos em que seu antecessor havia caducado, notadamente em função das
substanciais alterações que a Lei Áurea havia trazido ao sistema jurídico.
No que tange aos delitos falimentares verifica-se que embora
tenham sido poucas as modificações trazidas em relação ao diploma imperial,
foram de nítida propriedade.
De fato, situados entre os “Crimes contra a propriedade pública e
particular” (Título XII), o legislador fixou nos artigos 336 e 337, no capítulo
intitulado “Da Fallencia”, as infrações penais de natureza falimentar. Bem de se
ver, no entanto, que apenas o artigo 336 tratou efetivamente da matéria relativa
44
ao tema, visto que o conteúdo do artigo 337 dizia respeito à fraude a credores
praticada por quem não fosse comerciante.
28
O conteúdo do artigo 336 não se distanciou expressivamente do
quanto rezava o artigo 263 do Código Criminal do Império, tratando-se,
igualmente, de norma penal em branco, cujo complemento era expressamente
remetido à legislação comercial em vigor.
Entretanto, o legislador republicano imprimiu algumas
modificações em relação à legislação pretérita, verdadeiramente merecedoras de
louvor.
Por primeiro, tratou de distinguir a falência fraudulenta da culposa,
estabelecendo patamares diferenciados de apenação num e noutro caso,
consoante exige o princípio da culpabilidade. Tal inovação foi de fundamental
relevo, visto que o Código Criminal do Império elevara apenas a falência
fraudulenta à condição de ilícito penal, muito embora o Código Comercial
distinguisse nítida e expressamente as condutas relacionadas à quebra culposa e
à quebra fraudulenta, o que chegou a importar no absurdo entendimento de que a
primeira deveria ser apenada na mesma conformidade da segunda, até que fosse
estabelecida a distinção em lei
29
, em notória desconsideração ao princípio da
excepcionalidade do crime culposo.
Assim, para a falência fraudulenta fixaram-se os limites da pena de
prisão entre dois e seis anos e para a culposa entre um e quatro anos.
28
A mesma crítica foi feita por Siqueira: “A rubrica do capitulo não condiz com a extensão de sua matéria, pois
além da fallencia (art. 336), comprehende tambem a insolvencia, nos termos do art. 337.” (Galdino Siqueira,
Direito Penal Brazileiro, v. II, p. 741.
29
Era o que determinava o Código Comercial então vigente em seu artigo 891, in verbis: “Emquanto no Cód.
Crim. Outra pena se não determinar para a fallencia com culpa, será esta punida com prisão de um a oito
annos.”.
45
Ademais, foi trazida para o corpo do Código Penal (artigo 336, §
3.°), a mesma disposição já contida no Código Comercial que presumia, em
qualquer caso, como fraudulenta a falência dos corretores e agentes de leilão,
prescrição merecedora de indiscutíveis críticas já que reverencia abertamente a
malsinada responsabilidade penal objetiva.
Por fim o caput do artigo 336 coloca, de forma expressa, a
necessidade da declaração de falência para que possa ser iniciada a
correspondente ação penal falimentar, in verbis: “Art. 336. Todo commerciante,
matriculado ou não, que fôr declarado em estado de fallencia, fica sujeito à
acção criminal, se aquella fôr qualificada fraudulenta ou culposa, na
conformidade das leis do commercio.”
Vê-se que o legislador republicano vinculou o decreto falimentar ao
exercício da ação penal, o que leva concluir que o entendimento vigente na
oportunidade, dava à dita declaração natureza processual penal, já que
condicionava o início do processo criminal e não a punibilidade do falido.
Nesse aspecto, torna-se razoável, portanto, concluir que o Código
Penal republicano seguiu os passos do quanto já havia decidido a jurisprudência
do império (subitem 4.3 retro), apenas consignando esse entendimento no texto
legal, a fim de se evitar ações penais antes do decreto de quebra.
No mais, importa observar que o complemento do artigo, já que o
mesmo tratava-se de norma penal em branco, deveria ser buscado na legislação
comercial, consoante expressamente consignado na parcela final do artigo, que
definia os conceitos de falência culposa e fraudulenta.
46
Por ocasião da publicação do Código Penal Republicano, a
disciplina geral relativa às quebras, e, portanto, o complemento que os tipos
penais exigiam, encontrava-se, inicialmente, contida na parte terceira do Código
Comercial (Lei n.° 556 de 25 de junho de 1850). No entanto, o Decreto n.° 917,
de 24 de outubro de 1890, de autoria de Carlos de Carvalho e publicado, note-se,
menos de duas semanas após o Código Penal, derrogou a referida parte da lei
comum, passando, então, a vigorar na questão falimentar e, via de efeito, a
fornecer o complemento às figuras delituosas.
30
Ao que parece, o mencionado Decreto n.° 917 não atendeu
satisfatoriamente as necessidades atinentes à matéria falimentar, de sorte que já
no início do século foi substituído pela Lei n.º 859, de 16 de agosto de 1902
31
(regulamentada pelo Dec. 4.855, de 2 de junho de 1903), que também não
logrou vida longa, sendo revogada por conta da publicação da Lei n.º 2.024, de
17 de dezembro de 1908, que, ao depois, também veio a ser substituída com a
entrada em vigor do Decreto n.° 5.746, de 9 de dezembro de 1929.
32
Toda essa sucessão de diplomas abordando a questão falimentar, é
bem de se ver, mantiveram a distinção entre a falência culposa e a fraudulenta.
30
Este decreto também vinculava o início da ação penal ao decreto de quebra, consoante se depreende de seu
artigo 77, in verbis: Art. 77. O processo criminal contra o fallido correrá em auto apartado, distincto e
independente do commercial; não poderá, porém, ser iniciado antes de declarada a fallencia.
31
Este decreto repetiu, ipsis literis, as mesmas disposições do artigo 77, do Decreto n.° 917, de 24 de outubro de
1890 (nota 130).
32
Sobre a sucessão de normas falimentares destaca Ferreira: “Marcou o Decreto n.° 917, notável avanço e
aprimoramento científico sobre a legislação anterior; mas inaplicado satisfatoriamente, em sua vigência se
verificaram fraudes que ensejaram sua reforma pela Lei n.° 859, de 16 de agosto de 1902, que não teve melhor
sorte, mantendo todavia a mesma disciplina quanto aos crimes falimentares A sobrevida do Decreto n.° 2.024,
de 17 de dezembro de 1908, na matéria, manteve a classificação dos crimes falimentares em culposos e
47
4.5 A Consolidação das Leis Penais
Como conseqüência das deficiências apresentadas pelo código
republicano — que nem foram tantas no que tange aos crimes falimentares —
paralelamente a sucessivas e frustradas tentativas de reforma absoluta, findaram
por colocar em vigor uma vastíssima gama de leis penais especiais, todas
pretendendo sanar as impropriedades havidas no dito código.
Em vista disto, o Desembargador Vicente Piragibe houve por bem
condensar toda aquela farta e extensa legislação em uma consolidação daquelas
que efetivamente se encontravam em vigor, dando origem à Consolidação das
Leis Penais, que se tornou, por força do Decreto n.° 22.213, de 14 de dezembro
de 1932, o estatuto criminal em vigor no Brasil.
No que tange aos crimes falimentares, a Consolidação das Leis
Penais conservou, in totum, os termos empregados no Código Penal de 1890,
não havendo qualquer modificação nem mesmo nas penas cominadas às figuras
típicas que, ademais disso, permaneceram concentradas nos artigos 336 e 337.
Assim, tudo quanto analisado sobre o tema na vigência do Código
Penal de 1890, deve ser igualmente considerado na dinâmica da Consolidação
das Leis Penais, inclusive a necessidade de complemento a ser buscado na
legislação comercial.
fraudulentos, que sua reforma pelo Decreto n.° 5.746, de 9 de dezembro de 1929, conservou coma a ampliação
de uma ou outra figura delitual.” (Waldemar Ferreira, Tratado de Direito Comercial, v. 15, p. 407).
48
4.6 O Decreto-Lei n.° 3.914, de 9 de dezembro de 1941 — A Lei de
Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais
A Consolidação das Leis Penais, que cumpriu a função de cerzir a
“colcha de retalhos” que se tornara a legislação penal brasileira, representou, em
verdade, uma solução transitória para um problema que teria como única
solução a publicação de um novo Código Penal.
Atento a isso, o então Ministro da Justiça, Francisco Campos,
incumbiu ao professor Alcântara Machado, titular da cadeira de medicina legal
da Universidade de São Paulo, a elaboração de um anteprojeto, que foi
publicado em 15 de maio de 1938, posteriormente submetido a uma comissão
revisora presidida pelo próprio Ministro Francisco Campos, e da qual eram
integrantes os pranteados Nelson Hungria, Antonio José da Costa e Silva,
Narcélio de Queiroz, Roberto Lira e Vieira Braga.
Findos os trabalhos, foi publicado o novo Código Penal (Decreto-
Lei n.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940), entrando em vigor a partir de 1.° de
janeiro de 1942.
Um ano após, foi também publicada a “Lei de Introdução ao
Código Penal e à Lei de Contravenções Penais” (Decreto-Lei n.° 3.914, de 9 de
dezembro de 1941), com entrada em vigor fixada para a mesma data que fora
estabelecida para a lei comum, e que conforme Dotti “[...] não é parte integrante
de nenhum destes diplomas. Trata-se de uma lei anexa, que se publica
juntamente com o Código para facilitar a sua aplicação.”
33
33
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal — Parte Gera,. p. 250.
49
Como o Código Penal banira de seu corpo qualquer previsão sobre
os crimes falimentares, coube à Lei de Introdução fazê-lo, a fim de que a matéria
não ficasse descoberta, assim dispondo em seu artigo 2.°, in verbis: “Art. 2.°
Quem incorrer em falência será punido: I – se fraudulenta a falência, com pena
de reclusão, por 2 (dois) a 6 (seis) anos; II – se culposa, com pena de detenção,
por 6 (seis) meses a 3 (três) anos.”
Tal previsão se deu, certamente, porque com a revogação da
Consolidação das Leis Penais que, conforme exposto, tipificava os crimes
falimentares (subitem 4.4. retro) e, por outro lado, com a retirada dessa
categoria de infrações do corpo do Código Penal que se publicava, a matéria
ficaria efetivamente sem previsão legal, até que se publicasse uma nova
legislação falimentar que tipificasse os ilícitos penais dessa natureza, o que, de
fato, só veio a ocorrer em 1945 com o advento da Lei de Falências (Decreto-Lei
n.° 7.661, de 21 de junho de 1945).
Assim, no período compreendido entre a revogação da
Consolidação das Leis Penais e a publicação da Lei de Falências (Decreto-Lei
n.° 7.661, de 21 de junho de 1945), a disciplina legal dos crimes falimentares
permaneceu regida pela Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de
Contravenções Penais.
4.7 O Decreto-Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1945 — A Lei de
Falências
A legislação falimentar, que permanecia regida pelo Decreto n.°
5.746, de 9 de dezembro de 1929 (que, em verdade, apenas alterou a parte
processual da Lei n.º 2.024, de 17 de dezembro de 1908), foi, na década de
quarenta, objeto de nova modificação.
50
Com efeito, o anteprojeto da nova Lei de Falências — elaborado
pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Filadelfo Azevedo, pelo Consultor
Geral da República, Hahnemann Guimarães, pelo Professores, Noé Azevedo,
Joaquim Canuto Mendes de Almeida e Sílvio Marcondes, além do advogado
Luís Lopes Coelho — deu origem à Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1945,
ocasião em que se rompeu com a tradição de concentrar os tipos penais relativos
às falências no corpo da lei penal comum, migrando-os de vez para a legislação
extravagante.
A matéria penal e processual penal foi, na referida lei, disciplinada
nos artigos 186 a 199, que ampliou consideravelmente o rol de figuras
delituosas, tratando-se certamente do primeiro diploma legal a emprestar
contornos bem definidos aos tipos penais, deixando, como quase sempre se vira,
de fazer a previsão genérica da fraude ao crédito, ou de adotar uma fórmula em
branco que praticamente esvaziava da norma penal, transferindo a caracterização
da fraude para normas extra-penais, como ocorrera no Código Criminal do
Império (1830), no Código Penal Republicano (1890) e na Consolidação das
Leis Penais (1932).
Assim, a Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1945, fixou nos artigos
186 a 190 as figuras delituosas propriamente ditas, descrevendo, em detalhes, as
diversas condutas passíveis de apenação, cujas penas privativas de liberdade
atribuídas variavam entre seis meses e quatro anos.
No plano dos tipos penais abandonou-se a dicotomia tradicional que
dividia a falência em culposa ou fraudulenta, passando o legislador a entender,
conforme consignou na Exposição de Motivos, que a “concepção de que
51
tradicionais figuras, sobretudo da pretensa ‘falência culposa’, exprimem crimes
de dolo, de perigo.”
34
Com efeito, abraçou-se o entendimento de que certas condutas,
manifesta e potencialmente perigosas à empresa e aos credores, distanciam-se da
noção de culpa, visto que o risco consciente da produção de um evento é, de
fato, subjetivamente congruente com a noção de dolo, ainda que eventual.
Assim, a única distinção que realmente foi fixada na lei, separou os crimes
falimentares entre os de perigo e os de dano.
É certo, todavia, que a exclusão da modalidade culposa implicou
praticamente apenas na modificação da interpretação do elemento subjetivo de
determinados tipos, que na sua parte objetiva continuaram tendo previsão a
título de ilícitos penais, porém não mais na forma culposa
35
, consoante salienta
Ferreira:
Em verdade, a lei de falências não alude a crime culposo, como o
fizeram as leis anteriores; mas não deixou de punir atos e fatos que
elas como daquela natureza conceituaram e assim na legislação
falimentar universal têm sido admitidos.
36
Nos demais artigos, tratou-se de temas gerais como, v.g., a
responsabilidade dos diretores, administradores, gerentes e liquidantes (artigo
191), o concurso de crimes (artigo 192), a prisão processual (artigo 193), o
34
Essa posição foi duramente criticada por Hungria: “Em matéria de culpabilidade, a contra-marcha foi mesmo
excessiva. A nova lei vai ao extremo de só punir o crime falimentar a título de dolo.” (Nelson Hungria, Novas
questões jurídico-penais, p. 232.
35
Destaque-se, no entanto, a posição de Führer, para quem os delitos falimentares previstos na Lei n.° 7.661/45
seriam todos dolosos apenas em princípio, sustentando que, a despeito da excepcionalidade do delito culposo,
haveria incriminação na forma da culpa stricto sensu nos casos de identidade material entre duas figuras
delituosas, cuja distinção teria de dar-se obrigatoriamente no plano psicológico, mencionando a título de
exemplificativo os artigos 186, inciso VI (escrituração irregular) e 188, inciso VII (escrituração omissa ou falsa),
concluindo tratarem-se de “figuras substancialmente idênticas, que só podem ser distinguidas no terreno
subjetivo, embora sem expressa ressalva legal.” Ademais disso, o mesmo autor ressalvou a hipótese do artigo
186, inciso II (despesas gerais injustificáveis), afirmando sua incompatibilidade com o dolo, tratando-se, por
isso, de delito essencialmente culposo. (Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p.31-32).
36
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, v. 15, p. 411.
52
início da ação penal (artigo 194), os efeitos da condenação (artigos 195 e 196), a
reabilitação criminal (artigos 197 e 198) e, finalmente, a prescrição (artigo 199).
No que toca à sentença declaratória de falência em relação às
figuras penais, o legislador não declinou no corpo da lei a sua natureza
37
. No
entanto, a questão encontrou no Código de Processo Penal (Decreto-lei n.°
3.689, de 3 de outubro de 1941) disposição que lhe conferiu, in lege, certa
identidade.
Isso porque, na vigência do Decreto-lei n.° 7.661/45 cabia ao
referido Código disciplinar o procedimento penal a ser adotado nos crimes
falimentares (Livro II, Título II, Capítulo I), sendo certo que o artigo 507, ao
determinar que a ação penal não poderia iniciar-se antes do decreto falimentar,
conferiu inegável natureza processual à dita decisão.
4.8 A Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005
Decorridos cinqüenta anos, o Decreto-lei n.° 7.661/45, embora fruto
dos estudos de brilhantes comercialistas e, também, penalistas, encontrava-se
evidentemente defasado, em virtude das transformações havidas na estrutura
econômica do país ao longo de seis décadas
38
, razão por que a reestruturação da
legislação falimentar reclamava modificações, iniciando-se, ainda na década de
noventa, o processo legislativo que visava a esse intento.
37
A única referência neste sentido encontra-se na Exposição de Motivos da mesma lei, in verbis: “a punibilidade
desses crimes é subordinada à condição objetiva da falência.”.
38
Nesse sentido merece destaque a consideração de Penteado: “De longa data a sociedade brasileira reclamava
a atualização ou reforma do Dec.-lei 7.661/1945, de ótima qualidade técnica, mas editado para um país
preponderantemente agrícola e ainda pouco urbanizado, que sequer dispunha de indústria de base (a primeira
siderúrgica só veio a produzir no final dessa década).” (Mauro Rodrigues Penteado, Disposições Preliminares.
In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (Coords.).
Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 57).
53
Assim, após alguns anos de debate legislativo em torno das
propostas que se apresentaram, sobreveio a edição da Lei n.° 11.101, de 9 de
fevereiro de 2005, que substituiu in totum o já vetusto Decreto-lei n.° 7.661/45.
A nova lei, cuja relatoria coube ao Deputado Federal Osvaldo
Aniceto Biolchi, veio sedimentada nas evidentes necessidades de reestruturação
do processo falimentar, privilegiando-se a possibilidade de reerguimento das
empresas que apresentassem dificuldades na realização de seus passivos,
objetivo que não era satisfatoriamente alcançado pela lei 7.661/45.
39
Em função dessa perspectiva, deixada clara pelos próprios institutos
que ingressaram na nova dinâmica, é que o próprio Biolchi consignou:
A Lei muda tanto no próprio conceito e no tema, como na
denominação que não se chama mais falência. É a nova Lei de
recuperação judicial e extrajudicial e a falência do empresário e da
sociedade empresária.
40
De fato, no que tange à parcela exclusivamente de direito
comercial, a novel legislação notabiliza-se pela introdução dos institutos da
recuperação judicial
41
(artigos 47-74) e da recuperação extrajudicial (artigos
161-167), como mecanismos para a realização do passivo da empresa, a fim de
evitar-se a quebra.
39
É, da mesma forma, a observação de Coelho: “O direito falimentar brasileiro passa a incorporar regras
especificamente destinadas à preservação da unidade produtiva diante da crise do empresário que a organizou.
Sintoniza-se, dessa maneira, com a ordem jurídica dos países centrais do capitalismo, superando o lamentável
atraso de nossa legislação.” (Fábio Ulhoa Coelho, Falências: principais alterações, In: Revista do advogado, n.°
83, p. 51-55.
40
BIOLCHI, Osvaldo Anicetto. A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, In: Revista do advogado,
n.° 83, p. 7-29.
41
Conforme observa Coelho, a antiga concordata cede lugar à recuperação:“A medida judicial de preservação
do devedor relativamente à falência deixa de ser a concordata (preventiva ou suspensiva) e passa a ser a
recuperação judicial.” (Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à nova lei de falências e de recuperação de
empresas, XXXIX).
54
O processo de modernização legal ficou evidenciado também na
parte penal da nova lei, que imprimiu contornos evidentemente diferenciados
aos tipos penais e ao procedimento em relação à revogada lei falimentar.
De início, percebe-se que a redação dada aos tipos passou a seguir o
modelo praticado no Código Penal e, também, na maioria das leis penais
especiais, descrevendo-se, por primeiro, a conduta delituosa (comando primário)
para, ao depois, atribuir-se os parâmetros da sanção correspondentes ao delito
(comando secundário), adaptação que se fazia necessária, visto que o Decreto-lei
7.661/45 invertera esse sistema.
Os tipos penais foram modificados, tanto em relação às figuras
delituosas já consagradas em sede de criminalidade falimentar, como a fraude a
credores, o desvio de bens, a habilitação ilegal de crédito etc., quanto pela
introdução de figuras absolutamente inéditas, como, verbi gratia, a violação de
sigilo empresarial e a divulgação de informações falsas. A introdução de novos
delitos evidencia que o legislador manteve-se atento ao surgimento de condutas
lesivas aos interesses juridicamente protegidos, e que no passado não tinham o
mesmo relevo.
42
A perfunctória observação dessas figuras, cujo conteúdo será
observado adiante (capítulo 8 supra), deixa evidente um significativo
endurecimento no que tange às penas e a sua aplicação, de sorte que além do
aumento expressivo dos limites das penas privativas de liberdade, consignou-se,
ainda, a possibilidade de serem praticadas infrações penais no curso da
42
Sobre a necessidade da atualização constante da parcela referente às infrações penais, já advertia Valverde
ainda em relação à revogada Lei de Falências: “Uma lei de falências gasta-se depressa no atrito com a fraude.
Os princípios jurídicos podem ficar, resistir, porque a sua aplicação não os esgota nunca. As regras práticas,
que procuram impedir o nascimento e o desenvolvimento da fraude, é que devem com esta evoluir. Contra a
fraude à lei é preciso opor a lei contra a fraude. As brechas, que os ardilosos artifícios conseguem com o tempo
abrir na lei, por mais fechada que seja, necessitam de reparos.” (Trajano de Miranda Valverde, Comentários à
Lei de Falências, v. 1, p. 17).
55
recuperação judicial ou extrajudicial, já que o Decreto-lei n.° 7.661/45 não
previa essa hipótese em relação à empresa concordatária.
43
No que tange à parcela subjetiva, todos os delitos continuaram
punidos apenas a título de dolo, não havendo qualquer exceção culposa, à guisa
do que já se assistia na legislação anterior.
Em boa hora, modificaram-se os dispositivos relativos ao instituto
da prescrição, cuja dinâmica especial prevista na revogada Lei de Falências
(artigo 199), era responsável por expressiva dose do descrédito a que se assistiu
em relação à parte penal daquele diploma
44
, dada a quantidade significativa de
feitos que findavam prescritos.
Assim, a Lei n.° 11.101/2005 passou a adotar os mesmos prazos
prescricionais estabelecidos no Código Penal, harmonizando-se, também nisso,
com a lei comum.
Afora os aspectos de direto material, foram introduzidas sensíveis
inovações no processo penal (artigos 183-188), tratando desde a questão da
competência até o procedimento a ser adotado.
43
Nesse sentido observa Machado: “Um dos princípios da nova Lei é o rigor na punição de crimes relacionados
à falência e à recuperação. Na Lei anterior (Decreto-Lei n.° 7.661/45) só havia tipificação penal em
decorrência da falência. As penas eram brandas, especialmente em razão de serem aplicadas pela prática ou
omissão de atos formais. A lei, de outro lado, não continha definição de crimes decorrentes de atos praticados
sob o regime da concordata.” (Rubens Approbato Machado, Alterações da nova Lei de Falências e de
Recuperação das Empresas, In: Revista do advogado, n.° 83, p. 121-126.
44
Pitombo, com propriedade, registra o estado de coisas que a exígua prescrição produziu na condução dos
processos para apuração de crimes falimentares: “Em realidade, promotores de justiça e juízes de direito
queriam conferir à lei eficácia que o próprio sistema não lhes permitia. Assim, ao invés de se dedicarem à busca
da verdade real, por meio da perquirição de materialidade e autoria delitivas, ambos levavam a persecução
penal a um teatro do absurdo, no qual acusador e magistrado agiam com o único propósito de escapar da
prescrição especial do art. 199, do Dec.-lei 7.661/1945.” (Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, Dos
crimes em espécie, In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes
(Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 535).
56
No que tange à natureza jurídica da sentença falimentar em relação
às infrações penais, consignou expressamente o legislador que esta, bem como a
que concede a recuperação judicial ou extrajudicial, são condições objetivas de
punibilidade dos delitos que previu (artigo 180).
O dispositivo em questão é, certamente, um dos pontos que se
apresenta, ao menos do ângulo da dogmática penal, como dos mais polêmicos,
porquanto introduziu na legislação brasileira a categoria das condições objetivas
de punibilidade — sem, contudo, caracterizá-la — até então debatida
enormemente apenas na doutrina, na qual, diga-se, jamais encontrou
reconhecimento ou identidade unânime.
Uma vez que o legislador falimentar limitou-se a consignar à
sentença de quebra ou concessiva de alguma das formas de recuperação o status
de eventos condicionantes, caberá à doutrina a incumbência de definir os
contornos dessa categoria, bem como considerar a adequação da previsão legal,
tanto do ângulo dogmático quanto pragmático, em relação aos delitos da nova
lei.
Nessa exata direção volta-se o presente trabalho que, antes de
considerar a polêmica questão na dinâmica específica das infrações penais
falimentares (capítulo 8 supra), tomará em consideração as condições objetivas
de punibilidade de forma genérica, a fim de tentar delimitar-lhes o conteúdo
(capítulo 7 supra).
57
5 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE — COLOCAÇÃO DO
TEMA
A ciência penal, a despeito de seu dinamismo e do empenho das inúmeras
mentes que iluminaram o caminho de sua dogmática ao longo dos séculos,
permanece, ainda, extremamente controvertida em diversos pontos de seu
conteúdo, notadamente quando se tem em vista de consideração certos conceitos
que historicamente assumiram contornos de verdadeiros pomos de discórdia nos
estudos acadêmicos.
Tais pontos, cuja polêmica obviamente contribuiu para o próprio
desenvolvimento do direito penal, enquanto ciência, ainda se verificam de forma
recorrente em temas de capital importância, começando pela própria estrutura do
conceito formal-analítico de crime e desbordando para uma série de outros
tópicos de relevo.
Essa mesma sorte assiste ao tema relativo às chamadas condições
objetivas de punibilidade, assunto inevitavelmente capitulado nos índices dos
tratados de direito penal, mesmo dos autores que lhes negam existência ou
conveniência diante dos princípios que regem a ciência penal.
De forma bastante ampla a noção de condição objetiva de punibilidade ou
de crime condicionado, pode ser colocada, segundo Massari, como “[...] um tipo
especial de crime, cuja existência ou punibilidade dependa da ocorrência de um
evento, ao qual a lei atribui uma função.”
45
45
MASSARI, Edoardo. Le condizioni di punibilità nel momento processuale. In: Rivista Italiana di Diritto
Penale, v. 1, parte II, p. 478-496, “tradução livre do autor”.
58
Sem abrir mão de nossas ulteriores considerações acerca da conveniência
de categoria dessa ordem dentro da teoria geral do delito (subitem 7.6. supra),
por agora importa registrar que a noção de condição objetiva de punibilidade
tem tido, inegavelmente, vida reconhecida por expressiva parcela de autores
dentro da ciência penal
46
, o que, no entanto, nem de longe tem-lhe garantido
identidade pacífica.
47
De fato, doutrina e jurisprudência, ao abordarem o tema, deixam nítidas e
até bastante acentuadas as discordâncias de pontos de vista na tarefa de
conceituarem as condições objetivas de punibilidade, o que não tem permitido
chegar-se a um consenso minimamente pacífico acerca do conceito e da
natureza jurídica do instituto, do qual se possa lançar mão. Como observa
Fragoso, trata-se de “[...] matéria extremamente complexa e difícil, em relação à
qual os autores estão longe de ter chegado a qualquer conclusão definitiva.”
48
Em meio a essas advertências preliminares há que se enfatizar, desde
logo, que não se tem por objetivo, nem de longe, tornar o tema estreme de
dúvidas, mas identificar a conveniência e adequação de a sentença declaratória
de falência haver expressamente ganhado a natureza jurídica de condição
objetiva de punibilidade no texto do artigo 180 da Lei n.° 11.101 de 9 de
fevereiro de 2005.
46
É o que expõe Buompadre: “En la dogmática contemporânea se discute sobre la existencia de estas
condiciones. Un sector mayoritario de opinión, aunque con diversos matices, las admite [...]”(Jorge Eduardo
Buompadre, Insolvencia fraudulenta y condiciones objetivas de punibilidad en el derecho penal argentino, In:
Política Criminal, Derechos Humanos y Sistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178).
47
Como adverte Prado,”Embora majoritariamente aceita a existência de tais condições, sua natureza jurídica é
polêmica ainda não solucionada pelos cientistas do Direito Penal.” (Luiz Régis Prado, Curso de Direito Penal,
v. 1, p.547).
48
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (1.ª parte), In:
Revista dos Tribunais, v. 738, p. 741-750.. Ainda mais incisiva é a advertência de Fontán Balestra: “Lo real es
que existe anarquia sobre la naturaleza y especie de las circunstancias que pueden ser agrupadas bajo el rótulo
común condiciones objetivas de punibilidad’, al extremo de que podría decirse que cada autor hace su
clasificación.” (Carlos Fontán Balestra, Tratado de Dedrecho Penal, v. 1, p. 348).
59
A polêmica se apresenta por diversos motivos. De fato, a tentativa de
conceituar as condições objetivas de punibilidade inevitavelmente acaba por
esbarrar em diversos senões — notadamente de ordem estrutural e
principiológica — que sistematicamente impedem a doutrina de chegar a uma
estrutura no menor limite provável de aceitação e, principalmente, que ampare
toda a casuística que se coloque na prática
49
, razão precípua porque a
existência/conveniência do instituto foi historicamente questionada. Kaufmann
foi ao extremo consignando que “[...] resulta totalmente reparable la
circunstancia de que no hay un solo ‘elemento objetivo de la punibilidad’ cuya
clasificación dentro de este grupo no resulte discutible.”
50
De início, percebe-se que as discórdias que imperam em termos
conceituais, é bem de se ver, quase sempre se instalam em razão de uns, ao
conceituarem o instituto, emprestarem-lhe contornos muito amplos, enquanto
que outros adicionam mais elementos às suas definições, impondo-lhes, via de
efeito, contornos mais restritivos, como adverte Antolisei:
As disparidades de pontos de vista referem-se não somente à
individuação das ditas condições, que alguns escritores ampliam
muito, enquanto outros as reduzem a poucos casos, não faltando nem
mesmo quem lhe negue a existência, mas também a essência desta
configuração jurídica.
51
49
Neste sentido denuncia Soler: “La sistemática de estas circunstancias es una de las más discutidas y
complejas del Derecho penal, precisamente por su especialidad, que las hace difícilmente organizables.”
(Sebastian Soler, Derecho Penal Argentino, v. II, p. 206). Também Buompadre: “En verdad, la preocupación
doctrinaria por esclarecer todo lo atinente a la naturaleza y fundamentos de estas condiciones ha conformado
uno de los temas que más discusión ha generado en la dogmática jurídioc penal contemporánea.” (Jorge
Eduardo Buompadre, Op. Cit., idem).
50
KAUFMANN, Armin. Teoría de la normas – Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 286.
51
ANTOLISEI, Francesco. Manuale di Diritto Penale – Parte Generale, p. 751, “tradução livre do autor”. No
mesmo sentido Delitala: “L’esistenza delle condizioni estrinseche di punibilità è oggi generalmente ammeessa.
Ma la loro nozione viene intesa, ora in un senso troppo ampio, ora in un senso troppo ristretto.” (Giacomo
Delitala, Diritto Penale Raccolta degli scritti, p. 56). E, ainda, Mantovani pontualmente quando fala do
Código Penal Italiano: “Per la mancanza di una chiara definizione legislativa e di valide indicazioni nei lavori
preparatori, l’argomento ha formato oggetto di lunghe ed intricate dispute per quanto riguarda sia la essenza
stessa dell’istituto, sia l’individuazione delle singole condizioni obiettive di punibilità, che certi autori tendono
ad estendere e altre a ridurre.” (Ferrando Mantovani, Diritto Penale – parte generale. p. 782).
60
De fato, a extensão, mais ou menos ampla, dada às ditas condições
mostra-se absolutamente conflitante entre os doutrinadores. Indagações de
absoluta pertinência como a vinculação ou a autonomia das ditas condições com
a estrutura causal do delito, sua independência subjetiva em relação aos
elementos típicos, a localização dentro ou fora dos tipos penais, a relação
temporal entre a ocorrência da condição e a execução do delito etc., apresentam
posições muito dessemelhantes.
Com efeito, o alcance que se dê às características das condições objetivas
de punibilidade acaba, muitas vezes, por importar no ingresso além das
fronteiras de outros elementos da estrutura formal analítica do delito, tornando a
questão ainda mais confusa já que se passa a não se ter a noção precisa de quais
são os limites que efetivamente separam, verbi gratia, as condições objetivas de
punibilidade e os elementos do tipo penal.
Notadamente a dificuldade, senão a impossibilidade de se distinguir
claramente as condições objetivas de punibilidade dos demais elementos dos
delitos conduziu, e ainda conduz, a uma série de questionamentos sobre a
própria existência das ditas condições, que, à evidência, não pode confundir-se
com outros componentes da estrutura analítica dos delitos, como obtempera
Bemmann:
“¿Hay precisamente , en el concepto del delito, un espacio para
fenômenos de esa clase? Este espacio debe existir fuera del domínio
de la acción típica, antijurídica y culpable y tampoco ha de
pertenecer a la esfera del Derecho Procesal. Resulta claro, pues, que
solo pueden existir las condiciones objetivas de punibilidad cuando
entre esos dos territórios hay um hueco.”
52
52
BEMMANN, Günter. Zur Frage der objektiven Bedingungen der Strafbarkeit, apud Luis Jiménez de Asúa,
Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 37. Por outras palavras a mesma advertência é, ainda, feita por Kaufmann:
“En efecto; ¿dónde podría encontrarse el criterio que distinguiera cada ‘condición objetiva de punibilidad’ de
un elemento de la acción o de la autoría, o que permitiera diferenciar una (auténtica) condición de la norma de
un presupuesto de perseguibilidad; y cómo podría fundamentarse, por ejemplo, con validez general que el dolo
61
É óbvio que a falta de consenso sobre o ângulo conceitual,
inevitavelmente acaba por refletir-se na prática
53
, de sorte que as hipóteses
concretas que alguns apontam como exemplos de condições objetivas de
punibilidade, são, muitas vezes, entendidas, por outros, como condições de
procedibilidade da ação penal
54
, havendo, ainda, aqueles que rejeitem as duas
possibilidades e limitem a questão dentro do próprio tipo penal
55
. É a
advertência de Maurach:
“Todo este tema es objeto de fuerte controversia. No existe una
claridad total acerca de la esencia de las condiciones de punibilidad,
ni tampoco acerca de su delimitación frente a los presupuestos
procesales.”
56
Diante de tantas incertezas e a fim de chegar-se às considerações
pretendidas no que toca à previsão feita pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de
2005, que consignou pela primeira vez na legislação brasileira a existência das
condições objetivas de punibilidade, fazendo-o na dinâmica dos delitos
falimentares, torna-se imprescindível que o grupo de características que, de
forma genérica, deve envolver o instituto seja previamente destacado,
no deba referirse a las ‘condiciones objetivas de punibilidad’?” (Armin Kaufmann, Teoría de la normas –
Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 285.)
53
Nesse sentido é, também, a advertência de Fragoso: “Vê-se, pois, que as divergências existentes no plano
conceitual, a respeito das condições objetivas de punibilidade, são grandes e sérias. Todavia, as discrepâncias
que surgem na identificação de tais condições, em face das diversas figuras de delito, são incomparavelmente
maiores. Mesmo os partidários da mesma conceituação divergem, alguns vendo condições de punibilidade onde
outros reconhecem elementos do tipo ou pressupostos processuais.” [Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos do
crime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761].
54
Carnelutti adota nomenclatura própria para as condições objetivas de punibilidade e para as condições de
procedibilidade, preferindo denominar estas de condições constitutivas extrínsecas e aquelas de condições
constitutivas intrínsecas. Destaca o autor: “Probablemente en la fórmula que distingue las condiciones de
punibilidad de las condiciones de procedibilidad, se oculta la intuición de la diferencia entre condiciones
constitutivas intrínsecas y condiciones constitutivas extrínsecas, donde me parece está la verdadera diferencia.”
(Francesco Carnelutti, Lecciones de derecho penal – El delito, p. 205).
55
Conforme salienta Noronha, “Quanto às condições objetivas de punibilidade, não se trata também de matéria
pacífica: uns negam a utilidade da distinção, outros confundem-nas com as condições de procedibilidade e
terceiros ainda as consideram diversamente.” (Edgard Magalhães Noronha, Direito Penal, v. 1, p. 106).
56
MAURACH, Reinhart. Derecho Penal – parte general, v.1, p.371. A mesma consideração é feita por Cabana:
“[...] cabe destacar que las condiciones objetivas de punibilidad presentan problemas de diferenciación tanto
respecto a los elementos pertenecientes al injusto culpable cuanto frente a las condiciones de perseguibilidad o
procedibilidad, esto es, frente a los requisitos procesales.” (Patricia Faraldo Cabana, Falsas condiciones
objetivas de punibilidad en los delitos contra la Administración de Justicia, In: El nuevo derecho penal español.
Estudios Penales en Memoria del Preofesor José Manuel Valle Muñiz, p. 1303-1316.).
62
pavimentado-se a questão a fim de que não remanesçam pontos controvertidos
cuja raiz devesse ser sanada um passo atrás.
Importa ainda salientar que, a despeito das conclusões adiante expostas,
relativas à conveniência do reconhecimento da categoria das condições objetivas
de punibilidade dentro da teoria geral do crime (subitem 7.6. supra), o fato de
esta haver sido reconhecida pela novel legislação falimentar, torna, mais do que
nunca, inafastável a necessidade de tentar desenhar-se o conjunto de suas
características — tarefa que demanda, inclusive, a consideração do
desenvolvimento histórico do instituto, — de modo a garantir que, a um
tempo, não se violem os princípios fundamentais que informam a moderna
dogmática do direito penal e que as referidas condições fiquem evidentemente
destacadas dos demais elementos do delito.
Superada essa abordagem prévia e genérica das condições objetivas de
punibilidade, torna-se, então, possível alcançar o cerne deste trabalho e discutir a
sentença de quebra ou a que concede alguma das formas de recuperação a
empresas, diante da estrutura que foi de antemão delineada para as ditas
condições.
63
6 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE CONDIÇÃO OBJETIVA
DE PUNIBILIDADE
De maneira genérica a categoria das condições objetivas de punibilidade
— e essa referência parece ser dos poucos pontos pacíficos que se encontra
nesse tema — deita raízes no direito penal alemão, mais precisamente na
conhecida “teoria das normas” elaborada por Karl Binding entre o final do
século XIX e o começo do século XX.
Para o penalista alemão, existiriam hipóteses em que o delito não ficaria
apenas na pendência da realização do conteúdo da figura típica, mas também de
requisitos externos que condicionariam o aperfeiçoamento do mesmo pela
aplicação da pena
57
ou, conforme noticia Zaffaroni:
“[...] Binding explicó que la legislación contiene otros presupuestos
de la conminación penal, que estarían fuera del delito, pero que
también se distinguen de los presupuestos procesales de la
punibilidad. A partir de entonces, las llamadas condiciones objetivas
de punibilidad se han aceptado axiomáticamente.”
58
Essa observação em particular representaria, segundo a crítica de
Kaufmann, um dos poucos tópicos dentro da referida teoria que acabou
acolhido, de forma genérica, pela doutrina posterior:
“Los ‘elementos objetivos de la punibilidad’ son unas de las pocas
creaciones de la teoría de Binding que han encontrado un
reconocimiento generalizado. Como ‘condiciones objetivas de
punibilidad han sido aceptadas en casi todos los sistemas del derecho
penal.”
59
57
Cf. Alimena: “Nella dottrina germanica i primi accenni si trovano nel BINDING (Grundriss des Deutschen
Strafrechts, § 36, Leipzig, 1913), allorchè questo accennò che il fatto delittuoso non è la sola condizione del
diritto penale. Accanto al fatto delittuoso, ve ne sono altri che, al par di questo ed insieme a questo,
condizionano ora il diritto penale (die Bedingungen des Strafrechts), ora il diritto di persecuzione penale (die
Bedingungen des Strafverfolgungsrechts).” (Francesco Alimena, Le condizioni di punibilità, p. 36)
58
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal, v. 5, p. 52.
59
KAUFMANN, Armin. Teoría de la normas – Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 285.
64
Realmente, após as considerações iniciais de Binding, o tema parece
haver se tornado recorrente entre os penalistas germânicos. Assim, pouco tempo
depois, Beling já fazia expressa referência às condições objetivas de
punibilidade, considerando-as como “elementos adicionais do tipo”, assim
proclamando-as:
“Hay figuras que, aparte de la ejecución culpable del tipo, requieren
aún ciertas circunstancias objetivas, que no es necesario sean
abarcadas por la culpabilidad, y por eso no son características del
delito-tipo, sino elementos puramente objetivos de la figura.”
60
De modo muito semelhante, considerou-as também Von Liszt,
pronunciando conceito que, aliás, tornou-se referência no tema. Para este, “en
una serie de casos el legislador ha hecho depender la efectividad de la sanción
penal de la existencia de circunstancias externas, independientes del acto
punible mismo, y que se añaden a él.”
61
Nesse contexto, ao que parece, a categoria das condições objetivas de
punibilidade foi paulatinamente robustecendo-se dentro da dogmática penal,
iniciando-se no direito germânico — no qual contou com a aceitação de outros
notáveis penalistas como, verbi gratia, Edmundo Mezger, Adolph Merkel,
Reinhart Maurach, Heinz Zipf, Hans-Heinrich Jescheck, entre outros — além de
influenciar a doutrina de outros países.
Alimena
62
destaca que na Itália — país onde o tema ganhou notável
relevo, em função da expressa previsão legal da categoria das condições
objetivas de punibilidade, como adiante se verá — o primeiro autor a fazer,
ainda que timidamente, referência aos delitos condicionados foi Arturo Rocco,
que sustentando a natureza substantiva da querela concluiu que a falta desta
60
BELING, Ernst Von. Esquema de Derecho Penal, p.130.
61
LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 456.
62
ALIMENA,Francesco. Op. Cit., p. 40.
65
importaria na inexistência do crime, o mesmo ocorrendo em relação às demais
hipóteses em que elementos externos ao fato delituoso influenciassem a
imposição da pena.
A exemplo do que ocorrera na Alemanha a noção de condição objetiva de
punibilidade foi ganhando corpo na doutrina italiana, sendo também abordada e
reconhecida por insignes penalistas entre os quais destacam-se Edoardo Massari,
Vincenzo Manzini, Francesco Carnelutti, Giacomo Delitala, Francesco Alimena,
Giuseppe Maggiore, Francesco Antolisei, Biaggio Petrocelli, Alfredo de
Marsico, Remo Pannain, Giulio Battaglini etc..
O acolhimento do instituto na Itália foi tão expressivo, porém não menos
controvertido, que as condições objetivas de punibilidade acabaram por adquirir
vida legal, de forma inédita, com a edição do Código Penal de 1930 (Código
Rocco), que contemplou essa categoria em sua Parte Geral, obrigando mesmo
aqueles que rejeitavam a existência deste instituto, como Eugenio Florian, a
terem de considerá-lo diante da referida previsão.
Muito embora os estudos mais consistentes em torno do tema ainda se
encontrem na doutrina germânica e italiana, a verdade é que nesse contexto
histórico, a categoria das condições objetivas de punibilidade acabou por
ingressar de forma expressiva na doutrina penal estrangeira, sendo tratada com
especial constância nos países de língua hispânica.
No Brasil, o tema não foi descuidado, e antes mesmo do advento da lei
11.101, de 9 de fevereiro de 2005, as condições objetivas de punibilidade já
eram consignadas, também com evidentes contradições, nos trabalhos da
maioria dos autores pátrios, entre os quais Nélson Hungria, Galdino Siqueira,
Edgard Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Heleno Cláudio Fragoso,
66
Francisco de Assis Toledo, Guilherme de Souza Nucci, Luiz Régis Prado,
Miguel Reale Júnior.
Assim, embora um intervalo de tempo não tão expressivo permeie as
primeiras considerações feitas na Alemanha de Binding, se fizeram a respeito da
categoria dos delitos condicionados e a previsão legal do instituto na legislação
pátria em 2005, a verdade é que nesse ínterim o tema foi abordado por uma
expressiva gama de autores, nacionais e estrangeiros, e muito embora grande
parte deles tenha tratado a questão de maneira perfunctória, nota-se claramente
que o assunto voltou a ganhar corpo na dogmática moderna que, como se verá,
assume uma perspectiva garantista evidentemente reelaborada, o que, por via de
conseqüência, produz reflexos na interpretação do instituto.
67
7 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS
DE PUNIBILIDADE.
Inicialmente, importa registrar que, independente das considerações deste
trabalho acerca da conveniência do reconhecimento da suposta categoria das
condições objetivas de punibilidade — que, como adiante será pormenorizado
(subitem 7.7. supra), nunca nos pareceu importar em relevantes benefícios aos
princípios que orientam a ciência penal, nem ao conteúdo programático do delito
— mas, por outro lado, cedendo à vontade do legislador que, com o advento da
Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, reconheceu na norma o polêmico
instituto, sem contudo defini-lo, passa-se à tarefa de tentar delimitar o espectro
das referidas condições, no interesse de reduzir-se ao mínimo os pontos
controvertidos que historicamente gravitam em torno do assunto.
Via de regra, percebe-se que condição objetiva de punibilidade não é um
conceito encontradiço no corpo das legislações penais que, na maioria das vezes,
nem se referem a essa categoria, de sorte que praticamente restou à doutrina a
tarefa de caracterizá-la, identificá-la e conceituá-la.
Não obstante o silêncio das legislações, é certo que, conforme já exposto
(capítulo 6 retro), o Código Penal Italiano, de maneira insólita, efetivamente
estruturou na legislação européia
63
, um sistema relativo às condições objetivas
de punibilidade, caracterizando o instituto e fazendo previsões inclusive no que
toca aos seus desdobramentos, como, verbi gratia, no que se refere à questão da
prescrição (artigo 158 do CP Italiano).
63
Observa Asúa ser o Código Penal Italiano “[...] el único que legisla, en la Parte general, sobre las
condiciones de punibilidad, muy ampliamente entendidas, lo que ha dado margen a variadas interpretaciones
[…] (Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 20)
68
Assim, no desenvolvimento do tema não há como deixar de lado as
disposições do referido Código Penal, visto que sua previsão legal é importante
referência, podendo, inclusive, funcionar como ponto de partida na medida em
que já delimita, embora com superficialidade ímpar, alguma característica do
instituto.
Após tumultuado processo de discussão
64
, o legislador italiano acabou por
definir as condições objetivas de punibilidade, já na Parte Geral do Código
Penal, dispondo seu artigo 44, in verbis: “Quando, para a punibilidade do delito,
a lei requer que se verifique uma condição, o réu responde pelo delito, ainda que
o evento, do qual depende a ocorrência da condição, não seja por ele querido.”
Embora o dispositivo em epígrafe tenha deixado a questão menos obscura,
uma vez que reconheceu no corpo do código as ditas condições, não aliviou as
críticas dos penalistas, certamente em razão das questões que permaneceram em
aberto, malgrado a expressa previsão legal. É o que observa Bettiol:
Este artigo, porém, não esclarece de modo algum a natureza das
condições de punibilidade, pois se limita a apenas a estabelecer a
possível independência entre a condição e a voluntariedade do fato e
não com atinência à economia estrutural do crime.
65
64
O Progetto Preliminare do Código Penal Italiano de 1930 previa a introdução das condições objetivas de
punibilidade, previsão que, no entanto, chegou a ser excluída de sua redação. Mormando expõe a discussão que
envolveu o artigo 47 daquele projeto: “Essa non ebbe vita facile, però, già in seno alla Commissione, poiché il
Cavaglià, al suo primo intervento ne propose immediatamente l’abrogazione sostenendo, con il consenso del
Longhi, dell’Albertini e del Manzini, che le definizioni legali in quanto teoriche sono inutili all’interno di una
coficazione. Sottolineò, al contrario, l’oportunittà di mantenere la norma di cui all’art. 47 del Progetto il
Massari secondo il quale era necessario distinguere ‘le condizioni che attengono all’esistenza del reato, nel
qual caso il reato non si perfeziona se non attraverso il verificarsi di esse, dalle altre per cui si versa in
condizioni di punibilità e per cui il reato si perfeziona anche prima del loro verificarsi, per tutti gli effetti
giuridici, che attengono alla determinazione del momento consumativo’. L’opinione, tuttavia, non superò
l’obiezione di fondo di rendere in concreto impercettibile il confine fra gli elementi essenziali del reato e le
condizioni di punibilità e i compilatori optarono, comunque, per l’abrogazione dell’art. 47 del Progetto
Preliminare.” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In:
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633).
65
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p.277. Em sentido semelhante é também a crítica de Antolisei:
“Siccome, peraltro, la riportata disposizione non spiega in che cosa consistano le condizioni di punibilità ed i
lavori preparatori gettano scarsissima luce per chiarirla, l’argomento ha formato oggeto di lunghe ed intricate
dispute, che hanno determinato nella dottrina e nella giurisprudenza una non lieve confuzione.” (Op. Cit.,
idem). E, ainda, Asúa: “Como hemos advertido, el Código penal italiano ha legislado concretamente sobre estas
condiciones en la Parte general, com una fórmula de excesivo sabor teorético y con una amplitud tal que da
lugar a controversias interpretativas.” (Op. Cit., p. 22).
69
A despeito da procedência das críticas, conseqüência da verdadeira
superficialidade do dispositivo, que acabou por deixar em aberto diversas
questões, é bem de se ver que a característica que efetivamente sobressai do
texto do Código é a de que as condições objetivas de punibilidade devem ser
subjetivamente independentes — sendo, portanto, objetivas — da ação do
agente, critério que também na doutrina é apontado em condição primaz
66
,
embora insuficiente.
67
De fato, remanescem em aberto dúvidas atrozes como, verbi gratia, se as
condições objetivas de punibilidade podem coexistir com o princípio da
culpabilidade; se podem ou não integrar a figura típica; se a conduta do agente
se coloca numa relação de causalidade material no que tange à condição; em que
o momento tais condições se apresentam em relação à execução do delito, entre
outras.
Todas essas questões importaram, inclusive, em opiniões que não
reconheceram a possibilidade de se estruturar uniformemente as referidas
condições. Como considera Jescheck, as condições objetivas de punibilidade
“[...] presentan relevantes diferencias entre si, puesto que, en parte, forman un
verdadero grupo específico, y en parte se aproximan a los elementos del tipo.”
68
Observa-se, no entanto, que não se pode admitir, notadamente na estrutura
cada vez mais garantista do moderno direito penal, que se tenha uma categoria
66
Como aponta Fontán Balestra: “No obstante la apuntada disparidad de opiniones con respecto a las llamadas
condiciones de punibilidad, la doctrina generalizada, y a nuestro juicio la correcta, señala como característica
especifica de esas exigencias que ellas no necesitan ser abarcadas por el dolo del autor.” (Carlos Fontán
Balestra, Tratado de Derecho Penal, t. 1, p. 348).
67
É como, aliás, sintetiza Battaglini: “A lei fala apenas da exclusão da condição do campo do dolo, mas de
modo algum estabelece em que há de consistir o seu conteúdo específico. O legislador evitou a solução do
segundo ponto, porque se viu embaraçado diante das controvérsias da doutrina.” (Giulio Battaglini, Direito
Penal, v. 1, p. 356).
68
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal – Parte general, p. 504.
70
de elementos gravitando na órbita da dogmática, com o condão de condicionar o
aperfeiçoamento da norma, pela aplicação da sanção, e, no entanto, sem possuir
um conteúdo homogêneo de características. Esse estado de incerteza, não
atende, com efeito, às exigências da ciência penal.
Assim, tomando-se a idéia de independência moral como ponto de partida
que é, ao menos, o aspecto que resta mais evidente quando se cogite em
condições objetivas de punibilidade, tanto na inédita previsão do Código Penal
Italiano quanto na doutrina
69
, parte-se para a análise das prováveis
características essenciais do instituto, bem como de seus desdobramentos e
críticas.
7.1 As Condições objetivas de punibilidade e o elemento subjetivo dos
delitos.
Por primeiro, importa salientar que é justamente o suposto caráter
de independência subjetiva que fez com que a doutrina alcunha-se de objetivas
as ditas condições de punibilidade. Conforme registra Carnelutti, “Por esa
extrañeza del evento respecto del momento psicológico (subjetivo) del delito
habla la ley de condición objetiva de punibilidad.”
70
A autonomia da condição em relação à vontade é, com efeito, o
traço primeiro que a doutrina estampa em relação a essas modalidades de
delitos. De fato, a unanimidade dos autores que admitem a existência das
condições objetivas de punibilidade, reconhecem, como Merkel, que ao menos
69
Neste sentido observa Carvalho: “La diversidad de los elementos condicionantes dificulta, indudablemente, su
individualización. Pero ello no impide identificar un rasgo caraterístico general, que poseen todas las
condiciones objetivas de punibilidad: la ajenidad al dolo.” (Érika Mendes de Carvalho, Las “Condiciones
Objetivas de Punibilidad Improprias”: Vestigios de responsabilidad objetiva en el Código Espanhol, In: Revista
de Derecho Penal y Criminologia, n.° 16, p. 221-255).
70
Op. Cit., p. 206. Cf., ainda, Hungria: “Dizem-se condições objetivas porque são alheias à culpabilidade do
agente.” (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 2. p. 28).
71
em princípio “[...] dichas condiciones no tienen nada que ver con la cuestión
relativa a si um hecho pudiera ser imputado como doloso o como culposo.”
71
Embora essa autonomia moral seja a característica preponderante
que a parcela expressiva da doutrina reconhece e da qual, inclusive, deflui o
nome atribuído às ditas condições, mesmo assim não se divorciam dúvidas e
críticas
72
— de inegável conteúdo — quanto a esse particular, já que acaba por
criar-se uma situação evidentemente excepcional dentro da teoria geral do
delito.
73
A primeira grande crítica decorre justamente da indagação de que
se um dado evento ingressa de forma decisiva na aplicação da pena,
condicionando-a, autônomo, porém, em relação à vontade do agente, essa
característica, pergunta-se, não acaba por chocar-se com o imperativo do
princípio da culpabilidade (nullum crimem sine culpa)?
Culpabilidade, lembre-se a apropriada e sintética definição de
Frank, “[...] consiste íntegramente en una relación psíquica con algo
determinado o en la posibilidad de una relación así.”
74
71
MERKEL, Adolf. Derecho Penal – Parte general, p.246. No mesmo sentido destaque-se Von Liszt: “La
culpabilidad — tanto el dolo como la culpa — no comprende las condiciones de punibilidad que se dan fuera de
lacto.” (Franz Von Liszt, Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 457); Bustos Ramírez e Malarée: “Estas
condiciones, en la medida en que son objetivas y que su concurrencia o ausencia no depende de la voluntad en
abstracto, sino voluntad en realización conforme al domínio que el sujeto ejerce sobre la situación.” (Juan J.
Bustos Ramírez e Hernán Hormazábal Malarée, Leciones de Derecho Penal – Parte General, p. 361). Ainda,
Ernst Von Beling, Esquema de Derecho Penal, p. 130; Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos do crime e
condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761.
72
Como salienta Di lorenzo “[...] l’origine donde si svilippò il problema delle condizioni di punibilità è
rappresentata dal problema del requisito psicologico del reato.” (Antimo Di Lorenzo, Le condizioni di
punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di Diritto Penale. p. 414-476.).
73
Mormando, ao comentar o advento do art. 44 do CP italiano faz justamente essa consideração: L’elemento di
novità inserito com l’art. 44 c.p. doveva constituire, allora, um’eccezione alle regole generali in tema di oggeto
del dolo ed il reato condizionale doveva essere inteso come uma norma ‘alla cui perfezione giuridica
concorrono, in uno con gli altri elementi volontari, alcuni altri elementi oggettivi, considerati, cioè,
independenti dalla volontà del soggetto attivo.’” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica delle
condizioni obiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p.
610-633).
74
FRANK, Reinhard. Sobre la estructura del concepto de culpabilidad, p. 25.
72
Notadamente perante a ciência hodierna, em que, obtempera Nucci,
“A importância da culpabilidade se alarga no direito penal moderno, e não
diminui [...]”
75
, a idéia de que determinados elementos se mantenham alheios à
parcela moral das infrações penais sofre inevitável questionamento
76
, por mais
que se tente afastá-los dos elementos do delito.
Diversos autores, mesmo aqueles que reconhecem a existência das
condições objetivas de punibilidade, admitem verdadeira ofensa ao princípio da
culpabilidade, notadamente quando se vê que a casuística que frequentemente se
propõe ao instituto, acaba, em muitos casos, por aproximar demasiadamente as
ditas condições da relação de causalidade material, o que importa, por via de
conseqüência, em confundi-las com o resultado decorrente da conduta e que, de
sua vez, deve necessariamente estar alcançado pela intenção do agente. Dentre
os exemplos que a doutrina sói identificar como delitos condicionados, e que de
forma evidente encontram-se nessa situação, destaca-se, verbi gratia, o crime de
induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio e os crimes ante-falimentares.
Essas situações acabam por dar relevo ao questionamento que se faz
dos supostos eventos condicionantes diante do imperativo da culpabilidade, o
que reforça a necessidade de clarificar as fronteiras das condições objetivas de
punibilidade, sob pena de relevar-se, em segundo plano, aspectos que — a
exemplo da culpabilidade — deveriam manter-se intangíveis em quaisquer
modalidades de delitos. É justamente o que Antolisei, para quem o espectro de
75
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, p. 160.
76
Este é um dos, senão o principal, argumento porque muitos autores rejeitam a idéia das condições objetivas de
punibilidade. Como registra Buompadre: “Otros autores, a su turno, niegan la existencia de estas condiciones,
por cuanto se afirma la aceptación de ellas implicaría una severa restricción al principio de culpabilidad,
constituyendo el último reducto dogmático de la responsabilidad objetiva (Zaffaroni, Bemmann, Abraldes,
etc.).” (Jorge Eduardo Buompadre, Insolvencia fraudulenta y condiciones objetivas de punibilidad en el derecho
penal argentino, In: Política Criminal, Derechos Humanos y Sistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178).
73
hipóteses das condições objetivas de punibilidade não pode ser alargado em
demasia, coloca em destaque:
Em linhas gerais observamos que a tendência de parte da doutrina em
estender o campo das condições objetivas de punibilidade não pode
ser aprovada, porque leva a multiplicar os casos em que a
responsabilidade penal depende de acontecimentos estranhos à
vontade do agente, enquanto a evolução do direito, sem a menor
dúvida, tende à realização sempre mais completa do princípio do nulla
pæna sine culpa.
77
Ainda mais incisiva é a crítica de Pierangelli e Zaffaroni que, em
defesa justamente do respeito ao princípio da culpabilidade, rejeitam de plano a
categoria das condições objetivas de punibilidade:
Tal como foram concebidas, as chamadas ‘condições objetivas de
punibilidade’ dissipam-se numa série de elementos heterogêneos e a
pretensão de sua existência unitária choca, fortemente, com o
princípio da culpabilidade, porque afeta o princípio de que não há
delito sem que, ao menos, revista-se da forma culposa.
78
Em contrapartida, há aqueles que não enxergam qualquer ofensa ao
princípio da culpabilidade, quando se fala nas ditas condições, notadamente
quando se argumenta que estas teriam apenas a função de limitar a incidência da
77
ANTOLISEI, Francesco. Manuale di Diritto Penale – parte generale, p. 754, “tradução livre do autor”. No
mesmo sentido considera Fragoso: “As condições objetivas de punibilidade tendem a desaparecer do Direito
Penal moderno, onde a máxima nulla pœna sine culpa vai adquirindo o sentido de princípio básico e
fundamental de todo o sistema punitivo. Condicionam elas a punibilidade do fato a circunstâncias alheias à
culpabilidade, motivo pelo qual impõe-se uma interpretação restritiva, devendo entender-se, na dúvida, que a
condição é integrante do tipo.” [Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos do crime e condições objetivas de
punibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761].
78
ZAFFARONI, Eugenio Raúl Zaffaroni; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro
Parte Geral, v. 1, p. 658. No mesmo diapasão está Buompadre: “En el estado actual de la dogmática penal,
nuestra doctrina ha puesto de relieve que no debe admitirse ninguna circunstancia que funde la punibilidad sin
que sea abrigada por alguna de las formas del dolo o la culpa, en tanto el principio de que no hay pena sin
culpabilidad no consiente excepciones. De manera que estas llamadas condiciones objetivas de punibilidad no
son más que auténticos elementos del tipo objetivo. (Jorge Eduardo Buompadre, Insolvencia fraudulenta y
condiciones objetivas de punibilidad en el derecho penal argentino, In: Política Criminal, Derechos Humanos y
Sistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178).
74
norma penal
79
, tratando-se, no dizer de Mormando, de “[...] uma norma de
represamento [...].”
80
Na doutrina de Welzel, de caráter eminentemente finalista, as
condições objetivas de punibilidade são necessariamente externas ao tipo penal
e, portanto, não alcançadas pelo dolo que é ínsito neste. Se o dolo concentra-se
no tipo e a culpabilidade recai sobre o mesmo, a existência de um elemento
externo não importaria qualquer violação ao princípio da culpabilidade
81
. É o
que consignou o referido autor:
“Como la existencia o no existencia de condiciones de punibilidad no
altera en nada el contenido de injusto del hecho, el reconocimiento de
meras condiciones externas, respecto de las cuales no necesita
referirse ni el dolo ni la culpabilidad, es compatible con el principio
de la culpabilidad imperante en el Derecho Penal (cnfr. §§ 19 ss.).”
82
Tamanha celeuma envolve a questão que uma terceira corrente de
autores ao mesmo tempo em que reconhece como inevitável o
79
Neste sentido está D’Ascola: “È indubitabile, infatti, che di responsabilità oggettiva potrà parlarsi in quanto
all’agente vengano senza colpa riferiti elementi costitutivi del reato, adeguati pertanto a segnare in positivo il
campo della responsabilità penale. Al contrario risulterà sicuramente irrelevante che un criterio di riferibilità
oggettiva sia adoperato in relazione ad elementi ai quali si riconnetta l’efficacia di ridurre l’ambitodi
operatività delle norme penali.” (Vincenzo Nico D’Ascola, Punti fermi i aspetti problematici delle condizioni
obiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 36, p. 652-681).
80
MORMANDO, Vito. L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In: Rivista
Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633.
81
Este, aliás, parece ser o entendimento que predominou entre os “finalistas” alemães, consoante a advertência
feita por Asúa: “[...] los modernos penalistas alemanes, enrolados en la nueva escuela de la ‘acción finalista’,
se resuelvan, aunque reconozcan lo controvertido del problema, por considerar lãs llamadas condiciones
objetivas de punibilidad’en el sentido de ser características del delito y no del tipo , que el dolo no tiene
para qué abarcar.(Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 28).
82
WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán – Parte general, p. 70. No mesmo sentido está Carvalho: “Luego,
como el dolo es unicamente la voluntad de acción orientada a la realización del tipo objetivo de un delito — de
lo que se desprende comprende el conocimiento actual de todas las circunstancias objetivas del hecho del tipo
legal (elemento intelectual) y la voluntad incondicionada de realización del tipo (elemento volitivo) és lógico
que en su ámbito no entren los elementos que, como las condiciones de punibilidad proprias, se encuentran
fuera de lo injusto. Y ello para nada importaría una incompatibilidad de tales elementos con el principio de
culpabilidad.” (Érika Mendes de Carvalho, Las “Condiciones Objetivas de Punibilidad Improprias”: Vestigios
de responsabilidad objetiva en el Código Espanhol, In: Revista de Derecho Penal y Criminologia, n.° 16, p. 221-
255). E também Guimerá: “Las condiciones objetivas de punibilidad no son abarcadas por el dolo del sujeto, ya
que las mismas están fuera del tipo, son ajenas al mismo.” [Juan-Felipe Higuera Guimerá, Las condiciones
objetivas de punibilidad y las excusas absolutórias, In: El nuevo Código Penal: Presupuestos y Fundamentos
(Libro Homenaje al Profesor Doctor Don Ángel Torío López), p. 387-410]. Entre os doutrinadores pátrios, Prado
referenda a posição de Welzel: “É mister destacar que carece de fundamentação a objeção feita no sentido de
que as condições objetivas de punibilidade são incompatíveis com o princípio da culpabilidade.” (Luiz Régis
Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 1, p. 548).
75
comprometimento do princípio da culpabilidade, admitem que as condições
objetivas de punibilidade representam uma situação excepcional em relação ao
dito princípio, porém merecem abrigo sob o manto dos interesses de política
criminal.
83
A questão é inegavelmente delicada notadamente quando se
obtempera que, em síntese, um dado evento — independente da vontade do
agente — acaba por fazer nascer a relação jurídico-punitiva, nesse ponto
repousando as maiores objeções quanto à categoria das ditas condições. Como
chega a registrar Hassemer,“Algunos sectores del Derecho Penal aún no han
sido afectados por la tendencia subjetivista. Ocurre esto sobre todo en la
atávicas condiciones objetivas de punibilidad.”
84
Na perspectiva deste trabalho, é inviável pretender-se acomodar o
princípio da culpabilidade com a categoria das condições objetivas de
punibilidade, quando se traça sua existência calcada na autonomia volitiva como
sua única característica, à guisa do que singelamente fez o legislador italiano de
1930. Com efeito, essa única consideração além de trazer uma distinção
insuficiente e, portanto, incapaz de determinar uma categoria diferenciada
dentro da teoria geral do delito, não demonstra possibilidade de acomodação
com o imperativo da culpa.
Nesse contexto, parece que a única forma de minimizar-se a
violação da exigência do nullun crimen sine culpa será balizar o espectro da
pretensa categoria das condições objetivas de punibilidade em relação aos
demais componentes do delito, na tentativa de reduzir-se o espectro de
hipóteses.
83
Neste sentido Jescheck: “De hecho, constituyen restricciones del principio de culpabilidad por razones
políticocriminales.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General, p. 505).
84
HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal, p. 236.
76
Até porque, do que se percebe mesmo a independência volitiva, que
o legislador italiano consignou expressamente, é questão que não se resolve de
forma tão simples, passando pela necessária consideração de um aspecto
preliminar que diz respeito justamente à extensão da autonomia subjetiva que se
dê às condições objetivas de punibilidade. Com efeito, o tema é tão delicado
que, vê-se, a própria idéia de independência acaba por sofrer considerações em
sua amplitude, divergindo a doutrina inclusive quanto a esse particular.
Assim, reparte-se a doutrina em duas correntes bastante distintas: i)
aqueles que entendem que as condições objetivas de punibilidade devem
colocar-se de forma absolutamente independente em relação ao conteúdo
subjetivo do delito; ii) aqueles que, de forma mais ampla, admitem que as
condições objetivas de punibilidade podem ou não estar alcançadas pela
intenção do agente.
85
No primeiro — e mais numeroso — grupo estão, entre outros, Júlio
Fabbrini Mirabete, Galdino Siqueira, Antonio José da Costa e Silva, Damásio de
Jesus, Edgard Magalhães Noronha, Everardo da Cunha Luna, Miguel Reale
Júnior, Guilherme de Souza Nucci, Luiz Régis Prado, Hans Welzel, Franz Von
Liszt, Juan Bustos Ramírez, Juan-Felipe Guimerá
, Francesco Alimena, entre
outros.
85
A mesma observação foi feita por Di Lorenzo na avaliação do artigo 44 do Código Penal italiano: “È evidente
che, nell’art.44, il riferimento ad uma realtà puramente psicológica (‘anche se non lo há voluto’) vive insieme
com la configurazione di uma realtà giuridica (responsabilità obiettiva per l’avvenimento concretante la
condizione); ed è egualmente evidente che in quel riferimento è prospettata una duplice ipotesi: a) che
l’avvenimento da cui dipende il verificarsi della condizione sia voluto; b) che tale avvenimento non sia voluto.”
(Antimo Di Lorenzo, Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di Diritto Penale.
p. 414-476.)
77
No segundo grupo, expressivamente minoritário, destacam-se
Heleno Cláudio Fragoso, Adolph Merkel, Antimo Di Lorenzo e Giulio
Battaglini.
A primeira corrente deixa nítida sua preocupação em distinguir, de
forma evidente, as condições objetivas de punibilidade, dos demais elementos
do delito, de sorte que uma independência psicológica que não se manifeste de
forma absoluta, não serve ao propósito de individuação da pretendida categoria e
torna, ainda, impossível o convívio com o imperativo da culpa.
A segunda corrente — para quem, como Battaglini, a condição
objetiva de punibilidade “[...] pode em muitos casos ser perfeitamente
relacionado com a dita vontade”
86
— acaba por admitir, abertamente, a
intromissão de uma forma de responsabilidade objetiva no sistema jurídico-
penal, e talvez por isso tenha representação minoritária, na medida em que não
coloca a discussão no campo do alcance ou não da vontade do agente em relação
aos eventos condicionantes, mas apenas sustenta que o alcance daquela em
relação a estes é absolutamente irrelevante perante o juízo criminal. Nesta
direção sintetiza Di Lorenzo:
Deve-se, portanto, concluir que não é a falta de uma relação
puramente psicológica entre o agente e o evento-condição que
constitui requisito essencial desta, mas sim a irrelevância jurídica de
tal situação naturalística, em que a norma a iguala plenamente ao caso
no qual o evento condicionante não ingresse no foco da vontade do
agente.
87
A corrente minoritária apega-se ao argumento de que o próprio
enunciado do artigo 44 do Código Penal Italiano, a despeito de ter colocado a
autonomia subjetiva das condições objetivas de punibilidade como sua primaz
86
BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal, v. 1, p. 361.
87
DI LORENZO, Antimo. Op. Cit., idem, “tradução livre do autor”. Conclui, ainda, o mesmo autor sobre o nexo
psicológico: “Non importa se questo nesso, in una particolare ipotesi, sia sempre esistente: la norma non lo
richiede, non lo considera, opera al fuori di esso.” (op. Cit., idem).
78
característica, teria deixado consignada a possibilidade de que se verifique o
vínculo moral, antes dito autônomo.
Isso porque, a expressão ali contida diz que as condições ficariam
caracterizadas “anche se l’evento non è voluto”, criando, ao menos à primeira
vista, um contra-senso, na medida em que a lei italiana, ao mesmo tempo em
que criou e estruturou legalmente as condições objetivas de punibilidade, por
outro lado teria relativizado a principal característica de sua própria criação.
O argumento, no entanto, não sustenta a posição indefinida em
relação à autonomia da vontade, devendo a questão ser enfrentada, justamente
para que não restem dúvidas acerca da necessidade de absoluta independência
subjetiva para que determinado evento possa ser tomado como condição objetiva
de punibilidade, notadamente diante da única legislação que, bem ou mal, às
disciplinou.
Admitindo-se nas condições objetivas de punibilidade um elemento
distinto da figura delituosa, é possível que sua ocorrência dependa da ação do
agente. Ação, todavia, nova e distinta daquela prevista no enunciado típico e já
previamente executada. Ilustra bem tal hipótese o exemplo, repetidamente
apontado na doutrina, da necessidade de ingresso no território nacional para a
punição por delito cometido no exterior (artigo 7.°, § 2.°, alínea a, do Código
Penal).
88
Essa seria a hipótese em que indiscutivelmente a realização da
condição (evento) imposta pela lei ficaria a cargo da vontade do agente, já que
ingressar ou não no território nacional será, em princípio, faculdade deste.
88
Assim, também, Mantovani: “Può, quindi, trattarsi di fatti posti in essere dallo stesso soggetto (es.: presenza
nel territorio italiano dell’autore del delito di cui agli artt. 9 e 10). (Ferrando Mantovani, Diritto Penale –
Parte generale, p. 783).
79
Embora a condição dependa, in casu, da vontade do agente, esta é
absolutamente estranha ao conteúdo do delito que haja praticado, inclusive
materialmente.
Por outras palavras, a realização da condição objetiva de
punibilidade poderia ser fruto da vontade do agente, desde que essa vontade se
manifestasse em relação a um outro fato e que importasse em conduta
absolutamente estranha e independente do delito. De outra sorte não se estará
diante de condição objetiva de punibilidade, mas de outro elemento do delito.
O argumento foi, aliás, bem colocado por Pannain:
Definitivamente a locução do artigo 44 ‘mesmo se o evento não é
desejado’ não significa que a condição pode ser um evento em relação
de causalidade moral, além de material, com a conduta criminosa e
com o agente, mas simplesmente que tratando-se sempre de evento
estranho à estrutura do crime, pode, às vezes, depender de uma
atividade voluntária, diferente daquela executiva do crime.
89
Nota-se, portanto, que a interpretação mais detida da dicção do
Código Penal Italiano, não empresta o argumento pretendido àqueles que,
minoritariamente, não reconhecem a necessidade da absoluta independência
subjetiva das condições objetivas de punibilidade.
Temos, portanto, que ao admitir-se a classe das condições objetivas
de punibilidade, não se pode transigir quanto à total autonomia subjetiva do
evento condicionante, não se admitindo uma posição indefinida — poder ser e
poder não ser — o que, à evidência, importa em dificultar, senão tornar
verdadeiramente impossível, qualquer pretensão de delinear-se uma estrutura de
características uniformes, ou, pior ainda, acabar por se inserir na teoria geral do
89
PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 281, “tradução livre do autor”. Crítico da mesma
expressão, é o magistério de Maggiore: “[...] ha sido bien censurada la expresión del art. 44 ‘aun si el evento no
es querido’, pues habría sido mejor decir, con más propiedad, ‘no obstante que el evento no sea querido por
él.’” (Giuseppe Maggiore, Derecho penal, v. 1 , p. 280).
80
delito, de forma inevitável, uma modalidade de responsabilidade penal objetiva,
como expressamente a reconhece Di Lorenzo, para quem “[...] representa ‘uma
exceção ao princípio geral que o dolo deve compreender todos os elementos do
crime.’”
90
Se na década de trinta, por ocasião da publicação do Código Penal
Italiano, a introdução de fórmulas alheias às exigências do direito penal da culpa
tinha certa aceitação
91
, é bem de se ver que, com o passar das décadas, essa
posição tem suportado críticas cada vez mais incisivas, tornando-se difícil o
acolhimento de que em determinadas situações a lei possa simplesmente fazer
tábula rasa da necessidade do coeficiente subjetivo em relação a elementos
essenciais de certas figuras delituosas.
Assim, na sistemática hodierna, ao se cogitar a hipótese de inserção
de condições objetivas de punibilidade na teoria geral do delito, não há como
admitir-se a irrelevância jurídica do alcance da vontade em relação ao evento
condicionante, criando-se, nessa conformidade, elementos essenciais à
existência do crime que, por simples força da lei, não se subordinam à
necessidade de constatação de qualquer nexo psicológico. Não haveria, nesse
contexto, sequer a necessidade de tentar distinguir-se uma categoria específica,
já que sua constatação decorreria da mera vontade do legislador de fixá-las nas
hipóteses em que queira se ver livre de toda indagação volitiva.
90
DI LORENZO, Antimo. Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di Diritto
Penale. p. 414-476, “tradução livre do autor”.
91
Mormando vai além da mera aceitação de hipóteses isoladas de condições objetivas de punibilidade,
sustentando que, historicamente, parece que o legislador italiano propositalmente pretendeu inserir, com as
disposições do art. 44, uma forma de responsabilidade penal objetiva: “[...] dall’evoluzione storica dell’istituto,
da cui si può trarre il convicimento che esso sia stato creato e mantenuto, nonostante la sua indefinitezza
concettuale, anzi forse proprio per questa, per la sua intrinseca duttilità a ‘fungere da passepartout tutte le volte
in cui per motivi di prevenzione generale o di praticabilità si voglia escludere qualche elemento pur partecipe
della offensività del reato, dall’ambito della colpevolezza.’” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica
delle condizioni obiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre
1996, p. 610-633).
81
Em breve síntese, ou adota-se a irrelevância do evento
condicionante estar ou não alcançado pela vontade do agente, e via de
conseqüência sacramenta-se a responsabilidade penal objetiva na legislação
penal — o que é hodiernamente inaceitável — ou reconhece-se a necessidade de
total independência volitiva em relação ao referido evento, e aí tenta-se
acomodá-lo com o princípio da culpabilidade, opção que, advirta-se, minimiza
porém nem de longe pacifica a questão no que toca à convivência com o dito
princípio, ficando, ainda, esse esforço na dependência da consideração do
evento condicionante em relação a outros elementos da estrutura do delito.
Nesses termos, e ainda assim reservando o direito a futuras
considerações sobre a conveniência do reconhecimento das condições objetivas
de punibilidade, observa-se que a tentativa de fixar-se um grupo de
características capazes de delimitar tal categoria somente pode ser cogitada
quando se admita a necessidade de plena independência volitiva do agente em
relação ao evento condicionante.
Esse deverá ser, por sinal, o primeiro critério a ser observado na
indagação se determinado evento configura-se ou não como condição objetiva
de punibilidade, conforme defende Alimena:
O primeiro critério é o do elemento psicológico, em que se um
determinado evento só adquire relevância jurídica, se estiver em
relação, mesmo que filiforme, com o sobredito elemento, então não se
pode falar em condição de punibilidade. Este é um critério que não se
deve colocar em dúvida.
92
A consideração de Alimena é de toda procedência e, de fato, em se
admitindo a existência da categoria das condições objetivas de punibilidade,
92
ALIMENA, Francesco, Le condizioni di punibilità, p. 81, “tradução livre do autor”. Na mesma linha está
Costa e Silva, para quem da representação e, portanto, do dolo,: “[...] estão excluidas aquellas circumstancias
das quaes depende a applicação ou efficacia da lei penal (no ponto de vista do tempo, do espaço e das pessoas),
as que , constituindo condições de punibilidade [...]” (Antonio José da Costa e Silva, Código Penal dos Estados
Unidos do Brasil Commentado, v. 1, p. 140).
82
como o fez a nova lei falimentar, parece inevitável que a caracterização do
instituto só seja possível sem que a vontade do agente tangencie, ainda que
superficialmente, o evento condicionante.
É bem de se ver, por outro lado, que qualquer tentativa de
caracterização das condições objetivas de punibilidade não pode se limitar a
análise da questão exclusivamente do ângulo subjetivo, visto que este único
aspecto não tem satisfeito minimamente a necessidade de limites claros que
permitam o reconhecimento do instituto.
Isso porque, tomando-se as referidas condições como
acontecimentos que se sucedem à prática do fato delituoso e independentes da
vontade do agente, não se pode perder de vista que existem delitos cujo
resultado (evento) não foi nem previsto nem desejado pelo agente, — como nos
casos de culpa inconsciente —, embora sua ocorrência haja se colocado em
linha direta de causalidade com a conduta típica praticada e decorrendo apenas
da falta de dever de cuidado.
A admitir-se a simples independência da vontade como elemento
suficiente para a caracterização das condições objetivas de punibilidade, correr-
se-ia o risco de que o dano nos delitos culposos pudesse deixar de ser entendido
como elemento do fato típico para ingressar na categoria de condição objetiva de
punibilidade, idéia que já se argumentou no passado
93
, mas que na sistemática
hodierna já não se reconhece mais.
94
93
Entendendo que o resultado é condição de punibilidade nos crimes culposos está Manzini: “il secondo
momento dellímputabilità dei delitti colposi è quello relativo alla condizione obiettiva di punibilità per tal titolo,
consistente nella circonstanza che l’evento non voluto sia collegato alla condota volontariamente contraria alla
polizia o alla disciplina con un nesso causale (causa unica o serie causale non interrotta) di effetiva produzione
materiale, totale o parziale. (Vincenzo Manzini, Trattato Di Diritto Penale Italiano, v. 1, p. 660). Entre nós
Nelson Hungria, reverencia a mesma posição (Comentários ao Código Penal, v.1, t.2, p. 201).
94
Como adverte Noronha: “Ora, no crime culposo é impossível negar-se a estreita causalidade, que tem
relevância normativa, entre a ação e o resultado. Faz ele parte do fato típico [...] (Edgard Magalhães Noronha,
Do crime culposo, p. 70). No mesmo sentido, ainda, Luna: “[...] o resultado é efeito da ação, existindo, entre
83
Toledo, que não aceita a existência da categoria das condições
objetivas de punibilidade é pontual quanto a esse particular:
Como as denominadas condições de punibilidade não são, em geral,
alcançadas pelo dolo ou pela culpabilidade do agente, para os autores
que as fazem abranger o evento danoso — caso de Nélson Hungria,
quanto ao crime culposo — fica muito difícil, nessa e em outras
hipóteses, evitar a intromissão no sistema penal, que tem por base o
princípio da culpabilidade, de uma responsabilidade objetiva, o que se
dá pela transformação de um verdadeiro elemento objetivo do tipo (o
resultado) em mera condição de punibilidade.
95
Assim, a tentativa de dar alguma homogeneidade às características
do instituto demanda, necessariamente, a avaliação também a partir de outros
aspectos do delito
96
, além da autonomia subjetiva, notadamente quanto a
existência ou não de vínculo causal entre as condições objetivas de punibilidade
e a conduta delituosa do agente.
A investigação no plano da imputatio facti, aliás, parece
absolutamente indispensável quando, ao mesmo tempo em que se procura
definir contornos claros às condições objetivas de punibilidade, tenta-se
minimizar os riscos de incidência em responsabilidade penal objetiva.
culpa e resultado, um nexo psicológico, e que a condição de punibilidade não se configura como conseqüência
da ação criminosa, tendo existência independente do crime cometido.” (Everardo da Cunha Luna, O resultado
no direito penal, p. 97); na doutrina italiana Alimena pormenoriza os argumentos porque não reconhece nos
delitos culposos, o resultado como condição objetiva de punibilidade: “Anzi tutto è da osservare che gli scrittori
che concepiscono l’evento colposo, come uma condizione di punibilità, tendono, in genere, a partire da due
premesse errate, di cui uma è quella di definirei l fatto, in rapporto all’elemento psicologico (anzi in rapporto
allá volontà), l’altra è quella di intravedere il legame psicologico tra l’agente ed il fatto, soltanto, quando tale
legame si manifesta, in maniera intensa e di non più intravvederlo, quando si manifesta in maniera poco intensa.
Sono queste le due premesse errate da cui in genere si parte.” (Francesco Alimena, Op. Cit., p. 83); Cfr.,
também, Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán, Derecho Penal, p. 305; Giacomo Delitala, Diritto
Penale Raccolta degli scritti, p. 55-72.
95
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156.
96
Cf. Cabana: “El criterio más relevante a la hora de conferir autonomía dogmática a la categoria de las
condiciones objetivas de punibilidad radica en que no es preciso que sean abarcadas por el dolo ni imputables a
título de imprudencia. Pero cabría interrogarse si, además de este criterio básico de la innecesariedad de que la
imputación subjetiva se proyecte sobre la condición, es preciso acudir a otros criterios individualizadores a la
hora de proceder a la delimitación frente a figuras afines, como ha sostenido un destacado sector doctrinal.”
(Patricia Faraldo Cabana, Falsas condiciones objetivas de punibilidad en los delitos contra la Administración de
Justicia, In: El nuevo derecho penal español. Estudios Penales en Memoria del Preofesor José Manuel Valle
Muñiz, p. 1303-1316).
84
7.2 A relação de causalidade e as condições objetivas de punibilidade
Conforme observado, a mera afirmação de independência subjetiva
das condições objetivas de punibilidade não se mostra, no entender deste
trabalho, como variável suficiente na tentativa de traçarem-se, de forma
definitiva, suas características, de sorte que um critério mais preciso reclama, in
casu, a consideração das referidas condições agora diante de outros aspectos do
delito, sempre tendo como cautela prioritária chegar-se a um conjunto de traços
que possam garantir minimamente a autonomia destas ou, por outras palavras,
que importem em afastar quaisquer confusões com os demais elementos que
integram a estrutura analítica do delito.
Com efeito, pondera-se aqui que, a despeito da necessária e
absoluta autonomia moral das condições objetivas de punibilidade (subitem 7.1.
retro), esse aspecto, por si só, não impediria que ditas condições se
confundissem com outros elementos do delito, de sorte que o “divisor de águas”
deve ser estabelecido sob outros ângulos.
Obviamente se a parcela moral é excluída das ditas condições, os
demais elementos passíveis de caracterizá-las devem ser buscados na porção
objetiva do delito, necessidade percebida também por Mormando: “Excluído, de
fato, que a pesquisa deva ser desenvolvida no terreno dos requisitos da
imputação subjetiva, deve-se necessariamente fazer referência aos critérios que
regem a imputação objetiva.”
97
97
MORMANDO, Vito. L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In: Rivista
Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633, “tradução livre do autor”.
85
Sem abrir mão de posteriores esclarecimentos acerca do momento
da ocorrência das condições objetivas de punibilidade (subitem 7.3. supra) e
admitindo-as, a priori, como um evento posterior à atividade delituosa do agente
e da qual depende a aplicação da sanção imposta na norma penal violada, a
indagação que necessariamente decorre desse contexto é se tais condições
encontram-se ou não em relação de causalidade com a conduta delituosa do
agente.
Novamente a doutrina não encontra consenso mínimo.
98
Inicialmente destaca-se o magistério de Carnelutti que, ao
interpretar as disposições do artigo 44 do Código Penal Italiano, afirma que as
condições objetivas de punibilidade devem, efetivamente, encontrar-se
vinculadas causalmente com a conduta do agente, havendo independência
unicamente no plano moral:
“Pero, más exactamente, la condición objetiva de punibilidad se
denomina condición intrínseca, en cuanto, como dijimos, el evento
condicionante está causalmente relacionado con el evento
condicionado; pero la separación de un evento respecto del otro
adquiere importancia precisamente porque sólo al primero, y no al
segundo, se refiere la intención.
El legislador ha querido decir asi que el evento deducido en
condición sólo entra en el momento físico, pero no en el momento
económico y en el momento psíquico del delito.”
99
Em que pese o entendimento esposado, há que se discordar da
vinculação causal entre a conduta e as condições objetivas de punibilidade por
mais de um argumento.
98
Sobre a relação de causalidade na dinâmica das condições objetivas de punibilidade, sintetiza Di Lorenzo a
acentuada divergência doutrinária: “Questo requisito delle condizioni di puibilità viene indicato variamente in
dottrina, e cioè ora come estraneità al fatto e più specificamente come esclusione di ogni nesso causale con il
comportamento, ora come estrinsecità e cioè come indipendenza normativa dal fatto e, specialmente dal nesso
causale, ora, infine, come estrinsecità al processo esecutivo del reato non estensibile al nesso causale.” (Antimo
Di Lorenzo, Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di Diritto Penale. p. 414-
476.)
99
CARNELUTTI, Francesco. Lecciones de derecho penal – El delito, p. 206.
86
Por primeiro, observa-se que Carnelutti formou suas convicções a
partir da análise do artigo 44 do Código Penal Italiano que, conforme antes
observado (capítulo 7 retro) tratou de disciplinar as condições objetivas de
punibilidade.
Ocorre que, também em consonância com o já exposto, referido
dispositivo estampou unicamente como característica dessas condições sua
autonomia em relação à vontade do agente, prescindindo, portanto, de outros
aspectos que as identificassem com maior clareza, o que importou em maciças
críticas justamente por conta de sua superficialidade.
Ora, o fato de haver unicamente consignado a autonomia moral das
condições em questão, não retira destas as demais características que possam ter
e que, ao silêncio da lei, venham a ser complementadas pela doutrina.
100
Nesse particular, importa recordar que, antes mesmo do advento do
Código Rocco (1930), já se considerava na doutrina a existência da categoria
das condições objetivas de punibilidade e, inclusive, já se traçavam seus
contornos.
101
Assim, o fato de o Código Penal Italiano haver feito referência
apenas à característica essencial das condições objetivas de punibilidade que
é obviamente sua exclusão do coeficiente volitivo não vale dizer que essa é
100
Conforme critica Florian: “Però il códice non definisce le condizioni obbietive di punibilità onde il compito
di identificarle è riservato all’interprete;” (Eugenio Florian, Trattato di Diritto Penale, p. 409).
101
Como, verbi gratia, Edoardo Massari, Le condizioni di punibilità nel momento processuale, In: Rivista
Italiana di Diritto Penale, v. 1, parte II, p. 478-496. Nesse sentido também Saltelli e Romano-Di Falco: “Le
condizioni obiettive di punibilitá esistevano anche nel codice abrogato, ma in questo no si diceva che cosa
fossero e non si determinava se e quale rapporto di correlazione deve intercedere tra tali condizioni e l’elemento
subiettivo del reato.” (Carlo Saltelli e Enrico Romano-Di Falco, Commento teorico-praticodel nuovo codice
penale, v.1, p. 273).
87
sua única faceta, até porque se mostra insuficiente para que se pretenda
caracterizar instituto dessa ordem.
De fato, conforme observado, o esvaziamento do conteúdo
subjetivo do delito em relação às condições objetivas de punibilidade não se
mostrou suficiente para garantir a elas a autonomia necessária dentro da
dogmática penal, visto que não fechou as fronteiras com outros elementos do
delito, perto dos quais permanecem visivelmente passíveis de serem
confundidas.
Assim, não podemos comungar com a idéia de impor-se às
condições objetivas de punibilidade uma necessária relação de causalidade com
a conduta do agente, justamente porque entendimento nessa direção importará
em manter bem abertas as históricas dúvidas que imperam na análise do
instituto, no que tange à ausência de clara delimitação de suas fronteiras.
Com efeito, considerando-se que a doutrina, ao tratar do tema,
freqüentemente lançou mão de processo indutivo de interpretação, partindo de
algumas hipóteses em concreto para, então, tentar construir uma categoria
genérica das condições objetivas de punibilidade, tem-se que o objetivo de
acomodar todas as ditas hipóteses já se encontraria comprometido ao exigir-se a
vinculação causal com a conduta executiva, uma vez que em nem todas as
situações em que, via de regra, se cogita a interferência de um evento
condicionante, haverá o dito vínculo, como, verbi gratia, na necessidade de
ingresso no território nacional para a punição por delito cometido no exterior
(artigo 7.°, § 2.°, alínea a, do Código Penal).
Ora, se a vinculação causal não se encontra de forma constante em
todas as hipóteses concretas em que haja a necessidade da incidência de um
88
evento condicionante para a aplicação da pena, sua exigência já não poderia ser
inserida como característica do instituto, uma vez que não é capaz de incidir de
forma genérica.
Por outro lado, ao entender-se pela necessidade de se adicionar
outros aspectos, além da autonomia subjetiva, que possam atribuir vida própria
às referidas condições dentro da dogmática penal já que na Itália o Código
Penal, e no Brasil a Lei de Recuperação de Empresas, concederam-lhes
existência legal pretende-se evitar que verdadeiros elementos do crime não se
tornem passíveis de serem interpretados como condições objetivas de
punibilidade e, via de efeito, dar chance à fertilização da malsinada
responsabilidade penal objetiva.
A preocupação, ora esposada, decorre do fato de que, ao admitir-se
que a condição objetiva de punibilidade deva encontrar-se na linha de
desdobramento causal, esta poderá acabar por confundir-se com o próprio
resultado do delito, que obviamente encontra-se ligado à conduta pela relação de
causa e efeito.
Ocorre que situação dessa ordem evidentemente não atende às
necessidades do direito penal, que ficaria à mercê de uma estrutura
absolutamente confusa, carecendo de elementos que distinguissem, com clareza,
o resultado do delito do evento condicionante, como bem adverte Pannain: “Se
se admite que a condição possa estar em relação de causalidade com a conduta
criminosa, nunca se terá um critério distintivo entre a condição e o evento.”
102
A acolher-se o ponto de vista de Carnelutti, criar-se-iam, em
síntese, duas categorias de eventos que se encontrariam igualmente conectados
102
PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 279, “tradução livre do autor”.
89
pela relação de causalidade à conduta desenvolvida pelo agente: uma, porém,
alcançada pela vontade e outra independente desta, a título de condição objetiva
de punibilidade.
Tal estado de coisas seria absolutamente catastrófico, visto que
daria azo a interpretar-se que o resultado do delito, que deve necessariamente
estar alcançado pela vontade do agente, seria mera condição objetiva de
punibilidade que, de outra banda, goza de autonomia moral.
Se de um lado essa situação importaria em celeuma na estrutura do
delito, por outro a conseqüência mais preocupante seria a possibilidade evidente
de favorecer-se o surgimento de uma bem acentuada forma de responsabilidade
penal objetiva, na medida em que um elemento (resultado) que a rigor deveria
estar ligado à vontade do agente, poderia estar sujeito, à falta de outro critério
diferenciador, a não se ver mais preso a esta exigência, sob o simples argumento
de tratar-se de condição objetiva de punibilidade.
Carnelutti parece tentar, de certa forma, contornar essa situação
aduzindo que os crimes condicionados, ou seja, que exigem o advento de uma
condição objetiva para que se opere a punibilidade, serão sempre delitos de
perigo, os quais somente se tornariam puníveis quando a eles se visse agregado
um dano causado pela mesma ação, o qual configuraria as ditas condições.
Tal argumento evidentemente não soluciona o problema e, de certa
forma, consolida os receios aqui expostos.
Com efeito, não se pode pretender construir uma categoria de
delitos de perigo que, no entanto, produzem um dano de que depende a
punibilidade. Colocado dessa forma está-se, à evidência, falando em verdadeiros
90
delitos de dano
103
, porquanto se o resultado, e aqui se fala de resultado
naturalístico, é causado pela conduta do agente e deste depende efetivamente a
imposição da pena, está-se, com efeito, diante de autêntico delito de dano, cujo
resultado, por sua vez, deve estar alcançado pela vontade do agente em respeito
ao princípio da culpabilidade.
A admitir-se o parecer de Carnelutti, a verdade é que estar-se-ia
excluindo o resultado do delito da vontade do agente e, via de efeito, criando-se
uma fórmula que redundaria em evidente responsabilidade penal objetiva, uma
vez que a imposição da sanção viria por conta do advento de um elemento do
delito (resultado), a um só tempo estranho à vontade do agente e, contudo,
causado por este.
Assim, a exigência da relação de causa e efeito entre a conduta
delituosa e as condições objetivas de punibilidade, traria como resultado, em
síntese, a efetiva introdução da responsabilidade objetiva em nosso
ordenamento, hipótese que inegavelmente não se acomoda com o vigente
“direito penal da culpa”.
Uma segunda corrente, à qual pertencem Fragoso
104
, Battaglini
105
,
103
Nesse sentido está a crítica de Delitala: “Sostanzialmente si finisce infatti per riconoscere che non si punisce
il pericolo, ma il danno, che la offesa dell’interesse protetto dalla norma non consiste nella semplice esposizione
a pericolo, ma sibbene nella effetiva lesione dell’interesse medesimo.” (Giacomo Delitala, Diritto Penale —
Raccolta degli scritti, t. 1, p. 67).
104
“As condições objetivas de punibilidade, sendo objetivas, e, portanto, alheias à culpabilidade, não atingem o
tipo nem a antijuridicidade da conduta. Tanto faz que se situem na linha desdobramento causal do
comportamento, ou não. Por outro lado, nem todos os elementos da conduta punível, mesmo os que integram o
tipo, são causados pelo agente: assim, por exemplo, a condição de coisa alheia, no furto. O critério de
causalidade, portanto, não pode ser aceito. As condições são apenas objetivas e, assim, o único ponto firme de
que se deve partir é o da independência em relação ao aspecto subjetivo do crime.” [Heleno Cláudio Fragoso,
Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-
761]
105
“Não é admissível que se possa caracterizar a essência específica da condição de punibilidade, afirmando
que se situa ela fora da relação de causalidade material, já que pode ser tomado como condição de punibilidade
também o evento que se enquadre na causalidade material.” (Giulio Battaglini, Direito Penal, v. 1, p. 360).
91
Antolisei
106
e Di Lorenzo
107
, admite que as condições objetivas de punibilidade
podem ou não se colocar na linha de desdobramento causal da conduta do
agente
108
.
Essa posição também não atende satisfatoriamente a necessidade de
fixar-se um critério, além da autonomia volitiva, que garanta identidade as
condições objetivas de punibilidade.
Em que pese as respeitáveis opiniões nesse sentido, é bem de se ver
que, em verdade, colocam as condições objetivas de punibilidade numa relação
de absoluta indiferença com a questão da relação de causalidade
109
, acabando,
em termos práticos, por abrir mão de um critério passível de minimizar as
dúvidas quanto à extensão das referidas condições. Nesse sentido o próprio
Fragoso, a despeito de desconsiderar o aspecto da causalidade na questão,
reconhece que “[...] êste critério pudesse trazer maior segurança na identificação
das condições objetivas de punibilidade [...].”
110
Dentro dessa linha de pensamento, argumenta-se a distinção entre
causalidade normativa e naturalística, de sorte que ao evento condicionante
106
“Per l’identificazioene delle condizione di punibilità bisogna tener presente che deve trattarsi di um
avvenimento non solo futuro e incerto, ma anche estrinseco al fatto che costituice il reato. Non è necessario che
tale avvenimento sia del tutto svincolato, dal punto di vista causale, dal fatto anzidetto; occorre, però, che sai
completamente estraneo al precetto giuridico, e cioè che sia di natura tale da non potersi concepire, rispetto
all’agente, um divieto di realizzarlo.” (Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 753).
107
“Orbene, quando il legislatore costituisce um particolare evento del mondo esteriore quale condizione per la
punibilità di un fatto, dichiara l’irrilevanza di eventuali derivazioni causali che intercedano naturaliter tra il
primo e il secondo.” (Antimo Di Lorenzo, Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista
Italiana di Diritto Penale. p. 414-476.).
108
De forma semelhante, Soler afirma que entre a conduta e as condições objetivas de punibilidade pode
entremear uma vinculação sem, no entanto, definir o que a distinguiria da relação causal. (Sebastian Soler,
Derecho Penal Argentino, v. 2, p. 207).
109
Esse é o pensamento de Mezger: “[...] cuando excepcionalmente la ley no exige tal culpabilidad em
referencia al resultado, ello no implica que en tales casos el resultado no pertenezca al tipo, sino tan sólo que
estamos en presencia de una excepció de la regla general [...] (Edmund Mezger, Tratado de Derecho Penal, t.
1, p. 368).
110
Op. Cit.
92
ficaria exigido apenas o distanciamento causal-normativo, sendo, por via de
conseqüência, indiferente a ligação causal-naturalística.
111
Essa posição referenda a concepção, inaceitável na perspectiva
deste trabalho, de que as condições objetivas de punibilidade seguem uma
disciplina diferenciada dos demais elementos do crime, complementando o
entendimento de que o evento condicionante não se encontra — por vontade da
lei, que viria amparada em razões de política criminal — submetido à
necessidade nem do vínculo psicológico, nem do vínculo causal-naturalístico.
Por outras palavras, Alimena assume esse mesmo entendimento,
colocando-se pela total indiferença da questão causal em relação às condições
objetivas de punibilidade, já que a presença ou ausência de vínculo dessa ordem
não influencia os efeitos do evento condicionante, fundamentando seu
entendimento da seguinte forma:
E, na verdade, o nexo de causalidade tem somente a função de
relacionar um determinado evento com o agente: a primeira condição
para que um indivíduo possa ser responsável por um fato é que o
tenha causado materialmente (imputatio facti). Assim, não é difícil
compreender como é importante o problema da pesquisa se Tício for o
autor material de um determinado fato. Porém, no caso do evento que
funciona como condição, não existe um problema de causalidade
porque não existe um problema de responsabilidade: o sujeito ativo
não é chamado a responder pelo evento que funciona como condição.
Este evento é importante somente em relação ao Estado que manifesta
interesse na punição quando o evento ocorre; interesse este que não se
fará presente no caso em que tal evento não ocorra, mesmo tendo
havido o crime e, portanto, a infração do preceito primário.
112
Em que pese fundamentado com maior cautela, do que os demais
autores que se colocaram de forma indiferente à questão o fizeram, é bem de se
ver que o argumento do autor não se acomoda com a noção garantista do
111
Neste sentido Di Lorenzo: “Non si richiede, cioè, che si tratti di avvenimento naturalmente estraneo al
rapporto dinamico azione-evento, ma normativamente configurato come tale [...]” (Antimo Di Lorenzo, op. Cit.,
idem).
112
ALIMENA, Francesco. Le condizioni di punibilità, p. 23-24, “tradução livre do autor”.
93
moderno direito penal e, via de efeito, não colabora com a identificação das
possíveis características das condições objetivas de punibilidade.
Isso porque, ainda que se entenda que o agente não é convocado a
responder propriamente pelo evento condicionante, é certo que se este se coloca
na linha de desdobramento causal da conduta, dando lugar, inclusive, a
aplicação da pena, não se verifica, ainda, no que se distinguem referidas
condições do resultado do delito, o que reforça a indagação da própria existência
da categoria das condições objetivas de punibilidade.
Considerem-se duas situações:
Se faltar a um determinado delito a realização do resultado exigido
como conseqüência da conduta, não haverá a possibilidade de aplicação da
sanção penal, nesse caso por uma questão de não preenchimento da totalidade
dos elementos típicos.
Se em outra circunstância, a lei exige a ocorrência de um evento,
agora a título de condição objetiva de punibilidade, que seja conseqüência da
conduta típica do agente e de cujo advento também dependa a aplicação da pena,
continua ausente um elemento capaz de distinguir, com exatidão, o que seja
resultado do crime e o que seja condição objetiva de punibilidade.
Esse estado de confusão/indefinição é, inclusive, um argumento
recorrente porque alguns penalistas, como Florian, não aceitam a existência da
categoria das condições objetivas de punibilidade:
“E, então, se na verdade é
exatamente essa circunstância que penetra no fato e o torna delituoso, como é
94
possível considerá-la estranha ao mesmo, como se o crime não se consumasse
justamente com a realização de tal circunstância?”
113
Exatamente por conta de indagações dessa ordem, aliás, de total
acerto, não entendemos como seria possível formar-se um conceito
minimamente claro de condição objetiva de punibilidade sem distingui-lo
também dentro do plano da imputatio facti.
Com efeito, no entender deste trabalho, a despeito de todas as
críticas que a idéia da categoria das condições objetivas de punibilidade já
suporta, tornar a questão da causalidade simplesmente indiferente ao processo
de caracterização do instituto torna, de fato, inviável qualquer chance de
delimitação do mesmo.
Assim, se por um lado procura-se, dentro da parcela objetiva da
estrutura dos delitos posicionar as condições objetivas de punibilidade, por
outro, é certo que tal intento não será alcançado mediante uma posição
intermediária — segundo a qual as condições podem estar ou não ligadas
causalmente à conduta delituosa.
De fato, esta posição intermediária e, por isso mesmo, indefinida,
quanto à relação de causalidade, contribui, em verdade, para preservar incertos
os contornos que o instituto possa ter, notadamente porque desconsidera que um
dos pontos mais delicados da questão diz respeito justamente à extrema
proximidade que poderiam guardar com o resultado do delito, especialmente
quando se tem em conta certas hipóteses que a doutrina insiste em fazer
referência como exemplo de condições objetivas de punibilidade, como, verbi
gratia, no delito de induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio.
113
FLORIAN, Eugenio. Trattato di Diritto Penale, p. 401, “tradução livre do autor”.
95
Realmente, a tentativa de definir os contornos das condições
objetivas de punibilidade tem se mostrado, por outras palavras, na tentativa de
distingui-las dos demais elementos dos delitos.
114
Conforme salientado
anteriormente (subitem 7.1. retro) é verdadeiramente impossível aproximar-se
desse objetivo considerando-se apenas a independência da vontade como
característica do instituto.
Por essa razão, a corrente majoritária da qual fazem parte Bettiol,
Régis Prado
115
, Noronha
116
, Pannain
117
, entre outros, entende que as condições
objetivas de punibilidade não podem, em hipótese alguma, colocarem-se na
linha de causalidade física da conduta praticada pelo agente.
Esse nos parece o entendimento que atende com mais eficiência à
tentativa de se definirem as características do instituto, o que, mesmo adicionado
à independência moral, ainda assim, advirta-se, não garante paz à vida dessa
suposta categoria de condições.
Conforme o exposto até aqui, pode-se notar que a razão essencial
que fundamenta a necessidade da característica de independência causal entre a
conduta perpetrada pelo sujeito ativo do delito e o evento condicionante,
114
É justamente por essa relação de proximidade que muitos autores não reconhecem as condições objetivas de
punibilidade como uma categoria autônoma dentro da estrutura dos delitos. Nesse sentido estão Pierangelli e
Zaffaroni, para quem corre-se o risco de “[...]extrair certos elementos dos tipos objetivos e transladá-los para
este nível, criando, assim, um estratagema capaz de burlar o requisito fundamental de que sejam abarcados pelo
conhecimento, no dolo, ou pela possibilidade de conhecimento, na culpa.” (José Henrique Pierangelli e Eugenio
Raúl Zaffaroni, Manual de Direito Penal Brasileiro Parte Geral, v. 1, p. 658).
115
“De fato, as condições objetivas de punibilidade são alheias à noção de delito ação ou omissão típica,
ilícita ou antijurídica e culpável e, de conseguinte, ao nexo causal.”. (Luiz Régis Prado, Curso de Direito
Penal, v. 1, p.548).
116
“A condição objetiva de punibilidade não está relacionada com a conduta humana, permanece fora de
qualquer relação causal com esta [...]” (Edgard Magalhães Noronha, Do crime culposo, p. 70).
117
“[...] è opportuno precisare che le condizioni di punibilità devono essere fuori sia del rapporto di causalità
materiale, sia del rapporto di causalità morale rispettivamente con la condotta criminosa e col soggeto attivo
(Remo Pannain, Manuale di diritto penale, v.1, p. 278).
96
encontra-se na imperiosa necessidade de distingui-las do resultado que,
consabido, é elemento do delito.
Já observamos que a simples autonomia psíquica, não é suficiente
para garantir que as condições objetivas de punibilidade não se confundam com
outros elementos do delito, de sorte que se a parcela psíquica já se encontra
afastada pelo próprio caráter objetivo das ditas condições, a chance de
encontrar-se o diferencial, por conseguinte, só pode ser buscada na parcela
material da infração penal.
Pois bem, se do ângulo meramente objetivo a infração penal
redunda, em síntese, na conduta humana da qual advém um resultado, estando a
este ligada em relação de causa e efeito, a condição de punibilidade somente
poderá distinguir-se de forma autônoma na medida em que não esteja inserida na
linha de desdobramento fático da conduta desenvolvida pelo agente ou, por
outras palavras, não possa confundir-se com o resultado do delito.
118
Nesse particular não há outra forma de estabelecer-se uma linha
divisória senão exigir-se a independência causal entre a conduta do agente e o
evento condicionante, conforme pondera Bettiol:
[...] enquanto o fato é o complexo dos elementos materiais
reconduzíveis à ação humana, a condição de punibilidade deve
encontrar-se fora de qualquer repercussão que à ação humana possa
ter sob o aspecto da causalidade física ou do da psicológica. Como
afirmou Delitala com exatidão, a condição de punibilidade deve
encontrar-se fora de qualquer relação causal com a ação humana. Se
ela se encontra em relação de dependência causal com a ação, no
sentido de que possa ser considerada como efeito embora remoto da
ação, tal evento não poderá ser considerado condição de punibilidade,
mas será elemento constitutivo do fato.
119
118
É justamente esta a advertência de Pannain: “L’elemento costante e imprescindibile per la sussistenza di
qualsiasi reato è la causalità materiale, che riconduce l’evento, come a sua causa fisica, all’autore del fatto da
cui deriva. Quando, pertanto, ricorre questa peculiare caratteristica dell’evento, si è fuori del concetto di
condizione.” (Remo Pannain, Op. Cit., p. 279).
119
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p. 280.
97
Nessa perspectiva, Vannini, a fim de distinguir o que seja um
evento condicionante dos elementos do delito, propõe que se faça um processo
de eliminação mental da circunstância sobre cuja natureza paire dúvida, e
considerem-se abstratamente os efeitos de sua exclusão:
O critério distintivo seria, portanto, este: se a eliminação mental da
circunstância a que está subordinada a existência do crime conserva
inalterada a harmonia do fato, com a objetividade jurídica que o
caracteriza, essa circunstância se revela mera condição extrínseca de
punibilidade, desejada pela lei por simples razões de conveniência
política. No caso inverso deveríamos considerá-la como constitutivo
do ‘fato criminoso’.
120
A fórmula proposta por Vannini é de importância ímpar quando,
admitido afastamento causal do evento condicionante, tenha-se o propósito de se
distinguir o que pertence ao delito daquilo que é mera condição objetiva de
punibilidade. Dessa forma, considerando-se hipoteticamente a exclusão de
determinado elemento verifica-se o não preenchimento da figura delituosa e, via
de efeito, o comprometimento de sua objetividade jurídica, este não pode ser
tido como condição objetiva de punibilidade, status que só o revestiria se em
nada modificasse a estrutura da infração.
Por outro lado, a necessidade de independência causal entre as
condições objetivas de punibilidade e a conduta do agente, encontra razão de ser
em vista da primeira característica que se tem das ditas condições, qual seja sua
independência moral.
Isso porque, se a autonomia do evento condicionante em relação à
vontade do agente é circunstância que individualmente já levanta, e com bons
argumentos, a violação ao princípio da culpabilidade, por conta do surgimento
120
VANNINI, Ottorino. Manuale di Diritto Penale parte Generale, p.68, “tradução livre do autor”.
98
de uma hipótese de responsabilidade penal objetiva, a prescindir da absoluta
independência causal, as mesmas críticas tornar-se-ão irrefutáveis.
Com efeito, se um determinado evento é fruto da realização da
conduta típica, estando em relação de causa e efeito com esta e, por outro lado,
embora não alcançado pela vontade do agente condiciona-lhe, mesmo assim, a
aplicação da pena, não haverá outra expressão que defina tal estado de coisas
senão responsabilidade penal objetiva. De fato, se o evento encontra-se em linha
de desdobramento fático e, em que pese afastado da vontade por mera afirmação
legal, determina a aplicação da pena, estar-se-á punindo o autor da infração de
forma indubitavelmente objetiva.
Nessa perspectiva é, aliás, imperioso que se tenha atenção a fim de
que verdadeiros elementos do tipo penal, aos quais se dêem o rótulo de condição
objetiva de punibilidade, não venham a se tornar um subterfúgio para a
proliferação de uma forma de responsabilidade penal objetiva por via transversa.
Esta é, aliás, a bem fundamentada crítica de D’Ascola:
[...] é necessário observar como, no sulco de uma estranha tradição
hermenêutica, muito cara na doutrina e na jurisprudência italianas, o
recurso ao esquema do crime condicional tenha sido usado com a
finalidade de camuflar, com as formas da responsabilidade objetiva,
figuras penais nas quais o suposto elemento condicional, era na
realidade constitutivo essencial do fato do crime.
121
Admitindo-se a existência da categoria das condições objetivas de
punibilidade, não parece possível afirmar sua independência moral sem que se
afirme, igualmente, sua independência causal.
Com efeito, o critério meramente psicológico que, como visto, vem
minoritariamente sustentado na doutrina, acaba por tornar a categoria das
121
D’ASCOLA, Vincenzo Nico. Punti fermi i aspetti problematici delle condizioni obiettive di punibilità, In:
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 36, p. 652-681, “tradução livre do autor”.
99
condições objetivas de punibilidade um risco evidente para toda a estrutura
programática do delito.
Primeiramente porque, sustentando-se apenas a autonomia psíquica,
corre-se o risco de ver-se confundido o evento condicionante com o próprio
resultado do delito; e também porque havendo vínculo causal entre a conduta e o
evento que condiciona a punibilidade, a exclusiva independência moral
conduziria a uma inafastável situação de responsabilidade penal objetiva.
Em suma, a independência moral das condições objetivas de
punibilidade deve ser necessariamente completada pela independência causal,
porquanto, ao admitir-se a autonomia subjetiva, sem considerar-se a material,
como único elemento caracterizador das ditas condições, estar-se-á dando azo a
que elementos do tipo penal, que deveriam necessariamente estar alcançados
pela vontade do agente, prescindissem desse conteúdo, o que importaria em
deixar às escâncaras a porta da responsabilidade penal objetiva, situação
verdadeiramente impensável na sistemática hodierna.
Concluindo, nessa ótica, concorda-se com Delitala para quem um
evento para ser admitido como condicionante da punibilidade deve ser material
e psicologicamente independente:
As relações que podem interceder entre o agente e o fato são duas:
uma objetiva e a outra subjetiva, a culpabilidade e a causalidade.
Consequentemente, para que uma determinada circunstância possa ser
considerada como uma condição extrínseca de punibilidade é
necessário, ao nosso sentir, que entre ela e a ação delituosa não
subsista nenhuma dessas duas relações.
122
Não obstante isso, tem-se que essas exclusivas características
bastam apenas para reduzirem-se os senões que atingem a possível categoria das
122
DELITALA, Giacomo. Diritto Penale Raccolta degli scritti, t. 1, p. 73, “tradução livre do autor”.
100
condições objetivas de punibilidade, porém, embora espelhando a perspectiva e
o esforço de distanciamento cada vez maior de situações que envidem ou
tangenciem a possibilidade de responsabilidade penal objetiva, é certo que não
se mostram suficientes para tornar a questão estreme de arrazoadas críticas,
razão pela qual, ainda, outros ângulos devem ser considerados.
7.3 A localização temporal das condições objetivas de punibilidade em
relação à realização do tipo penal
Ademais das questões até aqui levantadas, por si sós
suficientemente polêmicas para demonstrarem as insuperáveis dificuldades em
estabelecerem-se denominadores comuns capazes de construírem um conceito
de condição objetiva de punibilidade, percebe-se que freqüentemente a doutrina
esbarra em outro ponto de discórdia que contribui para tornar o assunto ainda
mais delicado.
Trata-se, com efeito, da localização temporal que um determinado
fato deva ter em relação à realização do tipo penal, para que possa ser admitido
como condição objetiva de punibilidade.
Tal aspecto mostra-se tão importante quanto as demais questões já
expostas, visto que a identificação de outras características, além da
independência material e psicológica com o tipo penal, necessariamente
concorrem para delimitar as fronteiras das condições objetivas de punibilidade e,
por via de conseqüência, reduzirem-se as dúvidas que se colocam em torno do
instituto.
Com efeito, à exemplo dos problemas até aqui expostos, diverge a
doutrina de maneira igualmente expressiva, destacando-se, nesse particular, três
101
posições distintas: i) as condições objetivas de punibilidade devem ser sempre
eventos posteriores (futuros) ao delito; ii) as condições objetivas de punibilidade
podem ser eventos futuros ou concomitantes ao delito; iii) as condições
objetivas de punibilidade podem verificar-se antes, durante ou após a execução
do delito.
Importante destacar, ainda neste ponto, que, admitindo-se qualquer
das três hipóteses, a imposição da sanção ficaria condicionada à ocorrência do
evento condicionante, tanto no que toca ao delito tentado, quanto ao delito
consumado, ressaltando Manzini quanto a este particular:
Sempre quando a lei, para um determinado crime, estabelecer uma
condição de punibilidade do fato, esta deve ocorrer não apenas para a
concretização do delito, mas também para a da tentativa.
123
Assim, releva ter presente que os atos de tentativa não perdem
importância mesmo diante da necessidade de uma condição objetiva de
punibilidade, mantendo-se, portanto, a mesma dinâmica que impera em relação
aos crimes que não demandam tais condições.
Feita essa a breve advertência acerca da conatus, é de se ver que
dentre as três hipóteses enumeradas, admite parcela predominante da doutrina
que, como Welzel, “(...) la punibilidad depende de condiciones ulteriores.”
124
Ou seja, determinado evento só pode ser reconhecido a título de condição
objetiva de punibilidade quando apresentar-se exclusivamente como futuro à
realização — total ou parcial — do tipo penal.
123
MANZINI, Vincenzo. Trattato di Diritto Penale Italiano, v.1, p. 524, “tradução livre do autor”. Na mesma
direção está Régis Prado: “[...] não se verificando a condição objetiva de punibilidade, o delito não será
punível, nem sequer como tentado.” (Luiz Régis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 1, p. 549) e, ainda,
Von Liszt: “Cuando falta, y en tanto cuanto falta, la condición de punibilidad impuesta por la ley, no hay acto
punible, ni siquiera en estado de tentativa.” (Franz Von Liszt, Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 457).
124
WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman – parte general, p. 70. No mesmo sentido destaque-se Pagliaro:
“D’altra parte, la circonstanza che la condizione sai richiesta ‘per la punibilità del reato’sembra indicare che
il nucleo essenziale del reato, cioè la condotta illecita, debba già essere compiuto al momento del cerificarsi
della condizione.” (Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penal – Parte Generale, p. 386).
102
O reconhecimento da condição objetiva de punibilidade como
evento sucessivo, é, por alguns autores, fundamentado a partir da analogia com
as chamadas condições do negócio jurídico
125
, de cunho civilístico, visto que no
direito privado — tal como nos delitos cuja punibilidade se encontra
condicionada a evento posterior — o negócio jurídico acordado entre as partes
teria seu aperfeiçoamento condicionado à ocorrência de um fato futuro.
126
Em termos penais vale dizer: o enunciado típico já se encontraria
realizado em todos os elementos de sua descrição, contida no comando primário
da norma penal. No entanto, somente o advento sucessivo de determinado fato
(condição) exigido pela lei é que possibilitaria a aplicação da pena ou, segundo
as palavras de Cuello Calon, “El hecho no es punible mientras no se realice la
condición de punibilidad.”
127
Essa mesma posição é, em mais palavras, bem explicada por De
Marsico:
Quando a lei exige uma condição objetiva de punibilidade, o crime, já
perfeito abstratamente na coexistência de todos os seus elementos
subjetivos e objetivos, torna-se perfeito também concretamente, na
medida em que é esta que igualmente determina a punibilidade do
crime no caso concreto.
128
125
É a posição de Maggiore: “El delito condicional, en analogía con el negocio jurídico condicionado, existe
aunque se suspenda, respecto a él, la aplicación de la pena.” (Giuseppe Maggiore, Derecho penal, v. 1, p. 280).
Na mesma linha estão Saltelli e Romano- Di Falco: “E, d’altra parte, il problema circa il reato condizionato si
presenta analogo a quello del diritto privato circa l’atto o il negozio giuridico condizionato.” (Carlo Saltelli e
Enrico Romano-Di Falco, Commento teorico-pratico del nuovo Codice Penale, v. 1, p. 273).
126
Deste ponto de vista diverge expressamente Battaglini: “A condição reveste-se aqui de peculiaridades
próprias distintas das condições do negócio jurídico (arts 153 e segs., do Cód. Civil italiano). (...) Ademais, não
é necessário tratar-se de evento sucessivo, o que, ao contrário, é próprio da condição em matéria civil.” (Giulio
Battaglini, Direito Penal, p. 357).
127
CUELLO CALON, Eugenio. Derecho Penal, t. 1, p. 523.
128
DE MARSICO, Alfredo. Diritto Penale – Parte generale, p. 300-301, “tradução livre do autor”. Sobre a
condição objetiva de punibilidade como evento futuro registre-se, ainda, o magistério de Reale: “Ocorrida a
ação antecedente é a mesma impunível se não vier a suceder a conseqüência exigida pela lei penal para que a
mesma seja relevante e punível [...]” (Miguel Reale Júnior, Instituições de Direito Penal, v. 1, p. 229). Na
mesma linha está Antolisei: “Per le identificazione delle condizioni di punibilità bisogna tener presente che deve
trattarsi di un avvenimento non solo futuro e incerto, ma anche estrinseco al fatto che costittuisce il reato.”
(Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale – Parte generale, p. 753). E, ainda, Júlio Fabbrini Mirabete,
Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381.
103
Em virtude dessa relação de sucessão em relação à conduta típica, é
freqüente que se diga que as condições objetivas de punibilidade, nos casos em
que a lei as impõe, encontram-se situadas entre o delito e a pena, ou, como
prefere Jesus, “Situam-se entre o preceito primário e o preceito secundário da
norma penal incriminadora, condicionando a existência da pretensão punitiva do
Estado.”
129
Com efeito, a condição objetiva de punibilidade enquanto evento
posterior é pacífica entre todos os doutrinadores que admitem a sua existência.
Divergente, no entanto, é o reconhecimento desta quando, amplia-se o espectro
temporal para além dos eventos futuros, admitindo-se, também, a caracterização
do instituto a partir de eventos concomitantes e, verdadeiramente polêmicos,
quando anteriores à execução do delito.
A possibilidade de condição objetiva de punibilidade como evento
concomitante à realização do tipo penal, encontrou respaldo em bem
fundamentado argumento no contexto da legislação italiana que, conforme dito
anteriormente, foi a única a, de fato, estruturar as ditas condições no corpo de
seu Código Penal.
Com efeito, embora o artigo 44 do Código Penal Italiano, entre
outras falhas, não tenha sido explícito quanto à característica temporal das
condições objetivas de punibilidade, tal questão encontra melhores
esclarecimentos na interpretação do artigo 158 do mesmo diploma. Referido
dispositivo determina os termos iniciais da prescrição nas diversas modalidades
129
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, v. 1, p. 623. Como também observa Marques “A condição de
punibilidade está colocada entre o preceito primário e a sanção, de forma que o direito concreto de punir
somente tem existência quando a condição se realiza.” (José Frederico Marques, Tratado de Direito Penal, v.
III, p. 396).
104
de delitos, in verbis: “O termo da prescrição decorre para o crime consumado,
do dia da consumação; para o crime tentado, do dia em que cessa a atividade do
culpado; para o crime permanente ou continuado, do dia em que cessa a
permanência ou a continuação. Quando a lei faz depender a punibilidade do
crime da ocorrência de uma condição, o termo da prescrição decorre do dia em
que a condição verificou-se. [...]”.
Com efeito, o artigo supra transcrito deixa assente — em todas as
hipóteses que enumera — que o termo inicial da prescrição encontra-se, sem
nenhuma exceção, em relação direta com a finalização do delito, nunca antes.
Nesse contexto, ao mesmo tempo em que se referenda o caráter posterior das
condições objetivas de punibilidade
130
, dessume-se, também, pela possibilidade
de que o fato concomitante à realização do delito possa assumir a mesma
identidade.
Isso porque, sendo o advento da condição concomitante à prática do
delito, reingressa-se na situação estampada na primeira parcela do dispositivo
em comento, referente ao termo inicial da prescrição no caso do delito
consumado.
Ademais, fica de todo evidente que a concomitância da condição
em nada tem o condão de modificar ou adicionar dúvidas em relação às
características reconhecidas do instituto, ao contrário do que ocorre quando se
cogita de evento anterior, hipótese que levanta inevitáveis senões até no que se
refere à caracterização da autonomia material e psicológica.
130
Conforme ressalta Mantovani: “Che si tratti di avvenimento successivo si desume, oltre che in via logica,
dall’art. 158/2, poiché altrimenti si farebbe, assurdamente, decorrere il termine di prescrizione dal momento in
cui il fatto illecito non è ancora compiuto.” (Ferrando Mantovani, Diritto Penale – Parte generale, p. 783).
105
Sob esses argumentos, admite Pannain a condição objetiva de
punibilidade quando importe em eventos futuros ou concomitantes à realização
do tipo penal, assim resumindo o argumento que suporta sua posição:
É clara, portanto, a vontade de nunca fixar a decorrência em um
momento no qual o crime ainda não está concluído (n.° 249). Quando,
então, o caput do artigo 158 estabelece que se a lei faz depender a
punibilidade do crime da ocorrência de uma condição, o termo da
prescrição decorre do dia em que a condição verificou-se, prevendo
evidentemente a hipótese de uma condição futura e estabelecendo que
o momento de decorrência deva, em tal caso, ser deslocado para
depois da consumação, mas não exclui a hipótese de condição
concomitante à consumação porque, em tal caso, vale a regra geral
estabelecida para o crime consumado.
131
Colocados em termos práticos e dogmáticos, o evento concomitante
em nada difere do futuro no que tange às conseqüências de uma e de outra
situação
132
, outrossim, não enseja, em relação à característica de independência
das condições objetivas de punibilidade, quaisquer dúvidas além daquelas que já
se levantam amiúde.
Certamente por conta dessa relação de extrema semelhança que
aproxima a condição concomitante e a futura, percebe-se que mesmo a parcela
da doutrina afeta à posição mais reducionista, que reconhece as condições
objetivas de punibilidade só e somente como eventos futuros, não se ocupa de
levantar argumentos contrários à hipótese de concomitância, preferindo limitar-
se a afirmar a exclusividade dos eventos futuros como caracterizadores do
instituto.
131
PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 277-278, “tradução livre do autor”. Na mesma linha
está Manzini: “Condizioni di punibilità del fatto sono quegli elementi obiettivi,estrinseci all’azione o
all’omissione, concomitanti o successivi all’esecuzione del fatto stesso [...]” (Vincenzo Manzini, Trattato di
Diritto Penale Italiano, v. 1, p. 523)
132
Como pondera Battaglini: “A condição pode também não ser um acontecimento separado no tempo da ação
do delito (o que assinala outra distinção relativamente à condição do negócio jurídico). Pode ocorrer, por
exemplo, que o escândalo público se verifique enquanto a ação do incesto está em fase de execução. Admitindo-
se a surpresa em flagrante no jogo de azar (art. 720, do Cód. Penal italiano), como condição de punibilidade,
deve-se admitir também que, nesse caso, ela se concretiza enquanto a ação está em pleno desenvolvimento.”
(Op. Cit., p. 359).
106
Entrementes, a relação temporal entre a condição de punibilidade e
o fato é questão que se torna muito mais delicada quando se cogite que aquela
possa ocorrer em momento anterior à execução do tipo.
Tal posição, que empresta elasticidade máxima à resposta do
problema, acaba, por isso mesmo, tornando a própria discussão sobre o
momento da verificação da condição efetivamente despicienda, uma vez que se
esta verificar-se antes, durante ou após a realização do tipo penal, em nada
influenciará a configuração do instituto. Assim, a discussão da relação temporal
fica, por via de efeito, completamente esvaziada, deixando a caracterização das
condições objetivas de punibilidade mercê de outras variáveis.
Deixando de lado a variável temporal, porém sem aprofundar-se na
questão, Von Liszt afirma textualmente que “El tiempo y el lugar de la
realización de la condición, son indiferentes para el tiempo y el lugar de la
comisión del delito.”
133
, de sorte que para o citado autor o momento em que se
coloca a condição objetiva de punibilidade em relação à execução do delito nada
significa a título de característica, para a configuração do instituto.
Todavia, vê-se que esse entendimento extremado fragiliza a
formulação de um grupo de características que possam identificar essas
condições de maneira mais precisa, uma vez que acaba por dar azo a que as
condições objetivas de punibilidade confundam-se ainda mais com outros
aspectos do delito, notadamente os elementos que integram o tipo penal, sem
qualquer possibilidade de traçar-se um preciso divisor de águas.
133
VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 459. Em igual diapasão está, também, Jescheck: “La
aparición de las condiciones objetivas de punibilidade s indiferente para el lugar y el tiempo del hecho.” (Hans-
Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte generali, p. 508).
107
Com efeito, sempre que se diga de condição que anteceda à
realização do tipo penal, esbarra-se no tema dos chamados “pressupostos” do
delito, que consistiriam em fatos preexistentes necessários à realização da figura
delituosa.
134
Embora se trate de tema paralelo, sobre ele não se pode deixar de
tecer algumas considerações, visto que tangencia a questão em comento sem
com ela confundir-se. Entre aqueles que, como Manzini, admitem os ditos
“pressupostos” “Esses se distinguem dos elementos constitutivos do crime e das
condições de punibilidade, porque são necessariamente antecedentes ao fato,
enquanto os outros são concomitantes ou sucessivos.”
135
A idéia de que existam “pressupostos” do delito
136
não é admitida
com firmeza na doutrina, não pela idéia em si de que haja fatos antecedentes ao
delito de que dependa a existência deste, o que é inegável até mesmo no plano
naturalístico, mas porque o que se pretende elevar a uma nova categoria dentro
da teoria geral do delito, não teria razão de ser ou, conforme as palavras de
Florian, “[...] tudo isto nos parece logomaquia vazia.”
137
Realmente quando à noção de “pressuposto” do delito empresta-se
sentido amplo, acaba-se por esbarrar no conhecido problema da regressão ad
134
Conforme define Bettiol:“Na sistematização lógica dos elementos do delito, a doutrina fala também nos
pressupostos do crime entendendo-se como tais aqueles elementos, requisitos ou fatores que devam preexistir ou
que sejam concomitantes ao fato material para que este possa configurar-se como fato delituoso.” (Giuseppe
Bettiol, Direito Penal, v. 1, p. 268-269).
135
MANZINI, Vincenzo. Trattato di Diritto Penale Italiano, v.1, p. 522, “tradução livre do autor”. Igualmente
Pagliaro sustenta que os pressupostos do crime “[...] si differenziano dalle condizioni per il diverso rapporto
temporale com la condotta illecita.”(Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penale Parte generale, p. 390).
136
Manzini, ao que parece o primeiro a cogitar em “pressupostos”, distingue os “pressupostos do crime” e os
“pressupostos do fato”. Os primeiros surgiriam como pressupostos de uma figura delituosa que se colocasse em
condição de especialidade em relação a outra. Menciona, neste caso, a condição de funcionário público para a
caracterização do delito de peculato que, se inexistente, conduz a alguma figura genérica dos crimes contra o
patrimônio. Já os “pressupostos do crime” consistiriam em elementos prévios exigidos para que o fato previsto
na norma constitua crime, de sorte que sem estes nenhum delito chegaria a se configurar. (Vincenzo Manzini,
Op. Cit., v.1, p. 521-522)
137
FLORIAN, Eugenio. Trattato di Diritto Penale, v. 1, p. 400, “tradução livre do autor”.
108
infinitum, segundo a qual a própria existência do homem ingressaria como
pressuposto
138
. De fato, em nada assiste a inclusão desse entendimento à teoria
geral do crime, que não seria beneficiada pela adição de fatos óbvios e que se
distanciem, de maneira tão evidente, do conteúdo das figuras delituosas, nas
quais se encontram implícitos.
De outra banda, quando se reduz a latitude dos ditos
“pressupostos”, aproximando-os dos antecedentes imediatos da figura típica,
estes, embora não deixem de ser antecedentes do delito acabam por confundir-se
com os próprios elementos do tipo penal.
Sem dúvida, embora, verbi gratia, a condição de gestante no delito
de aborto, ou a existência de anterior matrimônio na bigamia constituam
antecedentes necessários dos mencionados delitos — e, por isso, até possam ser
chamados pelo sinônimo de “pressupostos” — esses fatos encontram-se,
evidentemente, compreendidos pelos tipos penais correspondentes, não
constituindo uma categoria à parte.
Sobre a inexistência de qualquer independência desses
“pressupostos” com os elementos contidos na própria figura delituosa,
obtempera Bettiol:
[...] uma vez que não se afirma que devam ser considerados elementos
do fato somente a ação e o evento e sim devem como tais ser
considerados também todos aqueles elementos, circunstâncias,
condições que devem subsistir para que o fato possa delinear-se. E é
assim que a doutrina mais recente nega ou põe em dúvida a
138
É o que pondera Fragoso: “As dúvidas a que o conceito dá lugar explicam-se em boa parte pela latitude da
expressão pressupostos. Se a esta se dá um sentido amplo, e não técnico, é possível descobrir pressupostos do
crime em vários antecedentes indispensáveis à sua existência, inclusive no próprio fato de estar vivo o agente.”
(Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (1.ª parte), In: Revista
dos Tribunais, v. 738, p. 741-750).
109
necessidade de recorrer a esta noção de pressupostos, que se resolvem
necessariamente em elementos do fato.
139
Raciocinando por via inversa, a falta de algum desses elementos
implicará, efetivamente, no não preenchimento dos enunciados típicos e não na
ausência de um “pressuposto”, a menos que viesse a se admitir a norma penal
como pressuposto do crime, o que seria rematado absurdo visto que é a norma
quem dá existência ao próprio crime.
140
Entendendo que os “pressupostos” do delito confundem-se com os
próprios elementos do delito está Maggiore, para quem “Mirándolo bien, todo
lo que se cita como presupuesto del delito, no es sino un elemento esencial del
hecho, de modo que, si falta dicho presupuesto, falta también el hecho
constitutivo del delito.”
141
Em síntese, não se nega, no plano realístico, a existência de fatos
anteriores dos quais dependem a existência dos delitos, e que se podem chamar
vulgarmente de “pressupostos”. Porém esses fatos não chegam a pertencer a
uma categoria diferenciada dentro da teoria geral do crime. Se colocados a
139
BETTIOL, Giuseppe. Op. Cit., p. 270. No mesmo sentido está Florian: “Quelli che s’indicano come
pressuposti, o sono elementi costitutivi del reato o ne incarnano la ragione e l’essenza caratteristica. (Op. Cit.,
idem).
140
Nesse sentido registra Fragoso: “A norma penal, de forma alguma pode ser considerada um pressuposto do
crime. Como vários autores observaram, a partir de Florian, a norma não é pressuposto do crime, precisamente
porque o cria, não sendo possível separa-la conceitualmente do fato punível. Tanto a norma penal como seus
elementos integrativos referem-se à própria existência do preceito penal. Por outro lado, se se considera o
crime como fato humano, é claro que não existe relação entre este e a norma, e por isso esta não pode ser um
antecedente.” (Heleno Cláudio Fragoso, Op. Cit., idem). Na mesma esteira Bettiol: “Não nos parece, porém que
a norma penal possa ser considerada como pressuposto do crime: ela não é um quid que deva preexistir a fim
de que o crime possa sobreviver, mas é ela mesma quem cria o delito, é o âmago do crime, é aquilo que faz com
que o delito seja aquilo que ele é. Conceitualmente, não se separa do crime mas lhe é imanente e o caracteriza
em cada um de seus elementos. Não se deve — como escreve justamente Delitala — confundir os pressupostos
do fato com os pressupostos da valoração do próprio fato.” (Giuseppe Bettiol, Op. Cit., p. 269). Reticente
também às idéias de que verdadeiros elementos do crime possam ser reduzidos a simples pressupostos está
Nucci:”Não fosse assim poderíamos trivializar totalmente o conceito de delito, lembrando-se que, levado ao
extremo esse processo de esvaziamento, até mesmo tipicidade e antijuridicidade incluam-se nisso as
condições objetivas de punibilidade , não deixam de ser pressupostos de aplicação da pena, pois, sem eles,
não há delito, nem tampouco punição.” (Guilherme de Souza Nucci, Manual de Direito Penal, p. 160).
141
MAGGIORE, Giuseppe. Derecho Penal, v.1, p. 277.
110
infinita distância do delito, não haverá razão relevante para discuti-los no plano
da dogmática penal; se colocados como antecedentes imediatos, acabarão por
confundir-se com os elementos da figura delituosa, já encontrando, portanto,
lugar dentro do próprio fato típico.
Ainda mais enfática nessa direção é a opinião de Gómez:
“[...] los presupuestos del delito no son sino elementos. La muerte de
un hombre causada por otro hombre, es lo que constituye el delito de
homicídio. Luego, es elemento necesario del mismo, de la própria
manera que lo es el sujeto activo, um sujeto pasivo viviente, porque
esta circunstancia la de estar vivo el sujeto contra el cual se dirige
la acción es lo que tiene en cuenta para caracterizar el delito.
Cuando la ley estatuye la pena para el homicidio, dice: el que matare
a otro tendrá tal sanción; y al expresarse así, establece, como
elemento esencial del delito, la vida del sujeto pasivo. ¿A qué
responde, pues, la insitencia en crear la instituición de los
‘presupuestos del delito’.”
142
Da mesma forma, as condições objetivas de punibilidade quando
cogitadas como eventos anteriores à execução do tipo penal, acabam, em
verdade, por não se distinguirem, em nenhum aspecto, dos ditos “pressupostos”
próximos do delito que, por sua vez, conforme dito, trata-se de elementos do
delito.
Com efeito, ainda que se argumente o caráter extrínseco das
condições objetivas de punibilidade em relação à conduta do agente, esse
aspecto em nada estabelece diferenças capazes de extremá-las dos elementos
contidos no fato típico, quando anteriores à realização deste.
Nos exemplos acima citados, a gravidez da gestante e o matrimônio
previamente contraído são fatos, à evidência, extrínsecos à atividade e à vontade
do agente, constituindo circunstâncias prévias aos atos de execução dos delitos
142
GÓMEZ, Eusébio. Tratado de Derecho Penal, t.1, p. 400-401.
111
de aborto e de bigamia, porém, nem por isso alguém nega a estes fatos a
condição de elementares dos tipos penais dos referidos delitos.
Embora extrínsecos à atividade do réu, sua relação temporal de
anterioridade não os coloca fora do processo executivo do delito, hipótese que
só poderia ser cogitada em se tratando de evento posterior ou concomitante.
Clara, nesse sentido, é a posição de Hungria:
Não há confundir as condições em apreço com os chamados
‘pressupostos’ do crime, isto é, fatos ou situações preexistentes, a que
a lei subordina o reconhecimento de determinado crime ou grupo de
crimes. Tais fatos ou situações, embora extrínsecas à atividade do réu,
passam a fazer parte integrante (elemento constitutivo) do crime in
specie.
143
Ademais disso, a cogitar-se a idéia de uma condição que anteceda a
realização do tipo penal, incorrer-se-ia em nítida incongruência lógica, na
medida em que, não se mostra razoável pensar-se em fixar um determinado fato
como condicionante da conseqüência (punibilidade) de outro que sequer
aconteceu (o delito).
Correto, portanto, é que se reconheça que tais fatos integram,
efetivamente, os elementos do delito.
É justamente por esses argumentos que, em relação aos chamados
“crimes pós-falimentares”, não se pode ver na sentença declaratória de falência
uma condição objetiva de punibilidade, visto que se a quebra já ocorrera antes
mesmo do agente ingressar na realização da conduta típica, passou, em verdade,
a integrar o conteúdo do próprio delito. A questão será abordada adiante com
mais atenção ao tratar-se especificamente da sentença que decreta a quebra,
143
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 2. p. 28.
112
concede recuperação judicial ou homologa a extrajudicial, como condição
objetiva de punibilidade dos crimes falimentares (capítulo 8 supra).
Assim, a admitir-se a existência das condições objetivas de
punibilidade, no que se refere ao momento da verificação da condição, a posição
intermediária — evento futuro ou concomitante — parece a mais cabível, visto
que o evento concomitante, em termos doutrinários e práticos, em nada difere do
futuro, enquanto que o evento anterior, por outro lado, acaba por gerar celeuma
em relação às demais características do instituto, contribuindo decisivamente
para a indefinição de suas fronteiras com outros elementos relativos à estrutura
formal do crime e em nada diferindo dos elementos que integram o fato típico.
7.4 A localização das condições objetivas de punibilidade em relação
ao tipo penal.
Definida a necessidade de total autonomia do evento condicionante
em relação a qualquer conteúdo anímico do agente e desvinculando-o da linha
de desdobramento causal da conduta típica, devendo advir em momento
concomitante ou posterior à realização do delito, importa, ainda, considerar as
condições objetivas de punibilidade no que toca a sua localização “topográfica”
dentro da estrutura do delito, a fim de fixar-se ainda mais um elemento
caracterizador, por sinal frequentemente referido nos trabalhos doutrinários
sobre o tema.
Nesse contexto, aspecto que tem ensejado dúvidas na doutrina e que
por outro lado importa em mais um elemento passível de distinguir com maior
clareza a categoria das condições objetivas de punibilidade, diz respeito à
localização destas em relação ao enunciado do tipo penal.
113
O cerne da questão investiga se as condições objetivas de
punibilidade devem ser sempre extrínsecas aos elementos do tipo penal ou, em
outras palavras, estranhas ao seu enunciado descritivo, ou se nele podem se
encontrar previstas sem comprometerem suas características, especialmente
aquela referente a sua autonomia psíquica.
Majoritariamente a doutrina sustenta que as condições objetivas de
punibilidade, como corolário de sua necessária autonomia em relação ao
coeficiente subjetivo dos delitos, devem ser mantidas fora do tipo penal, ou seja,
nesses casos excepcionais a punibilidade do delito, explica Mirabete, “[...] está
na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não
encontradas na descrição típica do crime [...].”
144
Isso à vista de que, devendo o coeficiente subjetivo dos delitos ser
abrangente, vale dizer, alcançar todos os elementos que integram o enunciado do
tipo penal, não se poderia admitir a inserção de uma segunda categoria de
elementos que não estivesse, de sua vez, alcançada pela vontade do agente.
Como conclui Urzúa “[...] una circunstancia cuya realización es independiente
de la voluntad del que actúa no puede integrar la descripción típica.”
145
A questão, como seria de se esperar, foi amplamente debatida na
doutrina italiana, que diante do conteúdo do enunciado do artigo 44 do Código
Penal daquele país, maciçamente reconheceu como característica do evento
condicionante sua colocação à margem das fronteiras do fato típico, como
conclui Ranieri quando ratifica esse entendimento a partir da interpretação da
dicção do referido dispositivo:
“Por lo demás, esto se deduce del texto del art. 44, que al referirse de
modo expreso a la verificación de una condición ‘para la punibilidad
144
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381.
145
URZÚA, Enrique Cury. Derecho Penal – Parte General, p. 349.
114
de un delito’, separa, para mayor razón, lo que pertenece al hecho
típico de lo que está fuera de él y que subordina su punibilidad.”
146
Para os doutrinadores ligados à teoria finalista da ação é comum
argumentar-se no mesmo sentido, visto que se as condições objetivas de
punibilidade são extrínsecas ao dolo e se este, por outro lado, encontra-se
inserido no do tipo penal, logo as ditas condições devem ser exteriores ao
último. É a posição de Jesus:
Elas se encontram fora do crime praticado pelo agente e a sua
ocorrência não depende do dolo. É certo que a segunda característica
se encontra implícita na primeira: se a condição objetiva de
punibilidade se acha fora do crime, é evidente que não depende do
dolo do agente, pois este faz parte do tipo.
147
Esses mesmos pontos de vista vêm sustentados nos trabalhos de
diversos autores, que comungam in totum com a posição externa do evento
condicionante em relação ao enunciado típico, entre os quais se destacam
também, Galdino Siqueira, Magalhães Noronha, Hans Welzel, Heleno Fragoso,
Ernst Von Beling, Adolph Merkel, Franz Von Liszt, Hans-Heinrich Jescheck,
Francesco Antolisei, Cury Urzua, Reinhart Maurach, Remo Pannain, Vincenzo
Manzini, Sílvio Ranieri.
Muito embora a maioria expressiva da doutrina sustente a absoluta
estranheza do evento condicionante em relação ao enunciado típico, é bem de se
ver que, também neste particular, a questão encontra-se sujeita a entendimentos
146
RANIERI, Silvio. Manual de derecho penal, t. 1, p. 173. Assim também proclama Antolisei:“Si aggiunga che
l’art. 44 del códice parla di ‘punibilità del reato’, sicché si deve ritenere che prima del verificarsi della
condizione esista un reato già completo in tutti i suoi estremi. Se, invero, nel sistema della legge la funzione
della condizione di punibilità fosse di integrare il reato, il codice non avrebbe parlato di punibilità del ‘reato’,
ma di punibilità del ‘fatto’” (Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 752). Na mesma linha
Mantovani: “Che si tratti di avvenimento esterno si ricava dalla stessa legge (che parla del ‘verificarsi di una
condizione’ per la ‘punibilità del reato’ e non ‘fatto’), oltre che dalla elementare considerazione che, se si
trattasse di un elemento constitutivo del reato, non vi sarebbe stato bisogno di un’apposita norma.” (Ferrando
Mantovani, Diritto Penale – Parte generale, p. 783).
147
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, v. 1, p. 624. Neste mesmo sentido é o argumento de
Mirabete: “Deve-se entender que, constituindo-se a condição objetiva de punibilidade de acontecimento futuro e
incerto, não coberto pelo dolo do agente, é ela exterior ao tipo e, em consequência, ao crime.” (Júlio Fabbrini
Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381).
115
distintos. De forma divergente destacam-se René Ariel Dotti
148
, Antonio
Pagliaro
149
e Guilherme de Souza Nucci, os dois primeiros sem exporem
maiores pormenores de seus pontos de vista.
Com efeito, embora a localização externa ao tipo seja o que de fato
ocorre na maioria dos casos em que a doutrina faz referência a delitos
condicionados, Nucci discorda de tal posição, sustentando a possibilidade destas
encontrarem-se inseridas já no tipo penal, a partir da consideração de pontual
hipótese contida no artigo 91 da Lei n.° 8.666/ 93:
Nada impede, no entanto, que esteja inserida no tipo penal, embora
mantenha o seu caráter refratário ao dolo do agente, isto é, não precisa
por este estar envolvida. Observe-se o disposto no art. 91 da Lei
8.666/93: ‘Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado
perante a Administração, dando causa a instauração de licitação ou à
celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo
Poder Judiciário: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e
multa” (grifamos). Nesse caso, a condição objetiva de punibilidade,
que é a anulação do contrato em juízo, está inserida no tipo.
150
Acredita-se — com o devido respeito ao insigne autor — que ainda
que se admita a categoria das condições objetivas de punibilidade, no exemplo
utilizado não se pode ver uma hipótese do referido instituto. Trata-se, com
efeito, de condição de procedibilidade da ação penal que, a despeito de inserida
em norma de direito material, não perdeu sua natureza estritamente adjetiva.
Isso porque, no exemplo em questão bem como em outras hipóteses
análogas, a que a doutrina sói fazer referência a título de exemplo de condição
objetiva de punibilidade
151
, os elementos apontados, como observa Toledo, “[...]
148
Para este autor o evento condicionante deve ser alheio à conduta típica, podendo, no entanto, estar contido
“[...] no preceito ou na sanção [...]” (René Ariel Dotti, Curso de Direito Penal – Parte geral, p. 670).
149
Para Pagliaro a condição objetiva de punibilidade é elemento típico, porém estranho à conduta do agente:
“Tutto ciò lascia definir ela condizione obiettiva di punibilità come um elemento del fatto di reato, estraneo alla
condotta illecita [...] (Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penale Parte Generale, p. 386).
150
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 453.
151
Verbi gratia o delito estampado no artigo 236 do Código Penal (Induzimento a erro essencial e ocultação de
impedimento), que reclama o trânsito em julgado da sentença anulatória de casamento.
116
nada mais são do que atos judiciais, para considerá-las elementos do crime ter-
se-á que admitir que tais crimes se consumam nos tribunais e ... por ato do juiz,
não do criminoso.”
152
De fato, uma decisão judicial, que, aliás, é ato jurídico previsto na
lei adjetiva, não pode, simplesmente por estar inserida no tipo penal, assumir
contornos de direito material, devendo sim, ser havida como condição de
procedibilidade da ação penal, à guisa do que ocorre com a representação do
ofendido nos crimes de ação penal pública condicionada ou com a queixa nos
crimes de ação penal privada
153
. Como observa Bettiol “[...] um instituto retira
sua natureza não da colocação que tenha tido num complexo legislativo em vez
de outro, mas dos seus traços característicos e da função que desempenha no
seio da ordenação jurídica.”
154
A natureza de condição de procedibilidade fica mais evidente
quando se tem em consideração a questão colocada em prática. Se o parquet
propõe uma ação penal, para apuração de infração penal capitulada no artigo 91
da Lei de Licitações, antes que a invalidação do certame tenha sido feita pelo
Poder Judiciário, a mesma deverá ser rejeitada pelo Juízo, podendo, contudo, ser
reproposta quando a anulação judicial vier a ocorrer. De qualquer forma, o delito
já se encontra perfeito em todos os seus elementos, de sorte que apenas o
exercício da ação penal é que se encontra na pendência da anulação judicial.
155
152
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156.
153
Nesta mesma linha de raciocínio estão Bustos Ramirez e Malareé: “Aparte de la querella o denuncia en los
llamados delitos privados, entre otros, se encuentran en la Parte Especial del Código Penal casos, como, por
ejemplo, la necesidad de sentencia firme o auto también firme de sobreseimiento del juez o tribunal que mande
proceder contra el acusador o denunciante falso en el delito de acusación y denuncia falsa (art. 456.2 CP), o la
necesidad de declaración civil de quiebra, concurso o suspensión de pagos en el delito previsto em el art. 260
CP.” (Juan J. Bustos Ramírez e Hernán Hormazábal Malarée, Leciones de Derecho Penal – Parte General, p.
362.).
154
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p. 281.
155
Em relação ao artigo 236 do Código Penal (Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento), a
questão se mostra semelhante à do artigo 91 da Lei de Licitações, relevando destacar o entendimento, embora
extenso, de Tourinho Filho, com o qual comungamos, e que se encaixa perfeitamente a esta outra hipótese:
“Parte da doutrina entende que o trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento anule
117
O mesmo Toledo arremata o entendimento de que nessas
circunstâncias, e aí exemplifica com hipóteses semelhantes, o que se tem são
condições de procedibilidade, que a despeito de sua condição heterotópica, não
mantêm vínculo com instituto de direito material;
Com efeito, tanto no crime falimentar, para cuja punição se exige a
sentença declaratória da falência, como no do art. 236 do Código
Penal, para o qual se exige o trânsito em julgado da sentença
anulatória de casamento (parágrafo único), pode-se, com enorme dose
de razão, sustentar que o que fica em suspenso, na dependência
daquelas condições legalmente estabelecidas, não é o crime ou a
tipicidade da conduta, mas sim e tão-somente o exercício da ação
penal. A inclusão na lei substantiva dessa autêntica ‘condição da ação’
pode ser, talvez, a causa da confusão que se tem feito sobre a sua
verdadeira natureza.
156
Importa, ainda, considerar que nesses casos não haveria qualquer
óbice em reconhecer-se uma condição de procedibilidade da ação penal,
tranqüilidade que, por outro lado, não se verifica quando se pretende dar
configuração ao elemento dentro do direito substantivo.
Por outras palavras, não há porque dizer-se que uma decisão
judicial inserida no tipo penal é condição objetiva de punibilidade — sujeita,
portanto, às inafastáveis críticas que temos apontado — se esta pode ser
assimilada no campo do direito processual a título de condição de
procedibilidade. De fato, ao vincular-se elemento dessa ordem a instituto de
direito material, a crítica mínima que se levanta é quanto à possibilidade de sua
independência moral, indagação que, a despeito de possíveis respostas, já não
o casamento (CP, art. 236, parágrafo único) é mera condição objetiva de punibilidade. Temos para nós tratar-
se de condição de procedibilidade. Ele condiciona o exercício da ação penal. De fato. Proposta, se o Juiz
verificar que a sentença anulatória do casamento não transitou em julgado, rejeitá-la-á, nada impedindo sua
renovação, dês que satisfeita a condição. Entretanto, se um brasileiro casado se dirigisse a um país asiático,
onde se admite a poligamia, e lá convolasse núpcias, poderia ser processado aqui pelo crime de bigamia. Se se
provasse, na instrução, que o fato não era punível no país em que foi praticado, a sentença seria absolutória
(CP, art. 7.°, § 2.°, b). Como se vê as situações são diferentes.” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo
Penal, v. 1, p. 494).
156
Op. Cit., p. 157.
118
tem qualquer importância quando lhe é conferido domicílio no direito
processual.
Entende-se aqui, portanto, que uma decisão judicial pode
condicionar a ação penal, porém não pode se apresentar como condição objetiva
de punibilidade, ainda que esteja excepcionalmente inserida no tipo penal.
Nessa conformidade, conclui-se, ao lado da doutrina predominante,
que o evento condicionante não poderá, em qualquer hipótese, encontrar-se
inserido nos elementos do enunciado do tipo penal, até porque, considerando-se
a perspectiva de buscar-se distinguir ao máximo as condições objetivas de
punibilidade dos demais elementos do delito, tem-se que entendimento diverso
não contribui para esse intento, tornando, ao contrário, a questão ainda menos
clara.
Ademais, reverenciando a premissa de que a parcela volitiva deve
ser abrangente e, por conseguinte, alcançar todos os elementos contidos no
enunciado do tipo penal, vê-se que em se admitindo a possibilidade de que em
certas circunstâncias esse imperativo pode ser deixado de lado, estar-se-á
semeando ainda mais espaço para a violação do princípio da culpabilidade, já
tão comprometido neste tema.
Assim, para que a determinado evento possa ser cogitado o status
de condição objetiva de punibilidade, este deverá encontrar-se fora do enunciado
do tipo penal.
A conclusão sob esse ponto, no entanto, não esgota as discussões no
que se refere à localização das condições objetivas de punibilidade.
119
Se de um lado, pode-se concluir que o evento condicionante deve
necessariamente estar excluído do enunciado do fato típico, por outro lado a
localização “topográfica” das condições objetivas de punibilidade admite, ainda,
uma segunda consideração, de conteúdo mais amplo, indagando-se se o evento
condicionante deverá ser, ademais do fato, externo ao próprio delito.
Como indaga Bettiol, “constituí a condição de punibilidade um
requisito do delito, de tal modo que na sua falta ele não subsista, ou é
inteiramente independente do delito e condiciona tão-só a possibilidade de
aplicação da pena?”
157
Nesse ponto particular, já não há uma predominância de
entendimentos tão expressiva em um mesmo sentido, de sorte que parte da
doutrina satisfaz-se com a estranheza apenas em relação ao enunciado típico,
mas não à figura delituosa, enquanto que para outros o evento condicionante
deve apresentar-se externo inclusive ao delito.
Observe-se, também, que enquanto todos os textos, sem exceção,
fazem referência à relação entre o evento condicionante e o enunciado do tipo
penal, boa parcela permanece à margem da mesma questão quanto ao crime.
No entanto, e certamente esse é o grande motivo porque as opiniões
agora divergem diametralmente, essa questão acaba, necessariamente, por trazer
à baila a indagação se a própria punibilidade é ou não elemento do crime,
tratando-se, consabido, de outro problema bastante controvertido dentro da
dogmática penal.
158
157
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p. 277.
158
Como observa Barbosa: “O problema das condições objetivas de punibilidade deve ser resolvido através do
velho e crucial problema de se saber se a punibilidade é elemento essencial e integrante do delito, sem o qual
ele não subsiste, ou se é apenas condição para aplicação da pena.” (Marcelo Fortes Barbosa, Condições
objetivas de punibilidade, In: Justitia, v. 85, p. 137-140).
120
Isso porque, não se pode ignorar a íntima ligação que há entre o
preceito incriminador e o preceito sancionador, conduzindo a inevitáveis
indagações sobre a inclusão ou não da punibilidade dentro da estrutura formal
do delito, como resume Petrocelli:
A questão das relações entre crime e punibilidade está estritamente
ligada, como se sabe, àquela entre preceito e sanção. Ao contrário,
destacar a punibilidade do crime não é possível senão excluindo a
estreita conexão orgânica entre preceito e sanção.
159
De fato, como obtempera Fragoso, “Saber se os acontecimentos a
que nos referimos condicionam a aplicação da pena ou a própria existência do
crime, é questão que depende, de certa forma, da solução dada a uma outra, ou
seja, depende do próprio conceito de crime.”
160
Embora polêmica, a verdade é que diante dessa discussão a questão
contempla apenas duas opiniões: ou se admite que a condição objetiva de
punibilidade situa-se entre o tipo penal e a punibilidade e, sendo essa, elemento
do delito, este desaparecerá quando falhar a referida condição ou, de outra
banda, não se reconhece a punibilidade como elemento do delito e na falta do
evento condicionante desapareceria apenas a possibilidade de aplicação da pena.
Por outras palavras, na primeira hipótese, embora o enunciado
típico estivesse preenchido, o delito, entretanto, estaria incompleto. Na segunda,
ter-se-ia um delito estruturalmente perfeito, porém não aperfeiçoada a aplicação
da norma penal já que a imposição da sanção seria característica desta e não do
delito em si.
159
PETROCELLI, Biagio. Reato e Punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. Fasc. 4
(Ottobre-Dicembre 1960), p. 669-700, “tradução livre do autor”.
160
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In:
Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761.
121
Respeitáveis penalistas posicionam-se num e noutro sentido.
Na Itália, a dicção do artigo 44 do Código Penal, ao prever as
condições objetivas de punibilidade, acirrou ainda mais as críticas daqueles que
viam na punibilidade um elemento do crime. Isso à vista de que referido
dispositivo ao fazer uso da expressão “per la punibilità del reato”, teria deixado
implícito que o legislador quis desvincular a punibilidade da estrutura do crime.
Mesmo assim, o entendimento de que a punibilidade e, via de
efeito, suas condições objetivas integram a estrutura do crime, foi mantido para
muitos doutrinadores. Para Pannain, verbi gratia, a ausência das referidas
condições importa na não realização do delito, assim expondo suas
considerações:
A situação é esta: se a característica indefectível do crime é a
capacidade de produzir aquela conseqüência jurídica específica que é
a pena, isto é, a punibilidade, e sem verificar-se a condição a
punibilidade não existe, é óbvio que a condição é essencial para a
existência do crime.
[...]
Portanto não se pode tratar de elementos extrínsecos ao crime.
161
Aqueles que acolhem a punibilidade como elemento do delito,
seguem, de certa forma, a mesma linha de argumento acima, merecendo
destaque, no entanto, o magistério de Welzel que, propondo o chamado “tipo
penal em sentido amplo” — composto pelo tipo em sentido estrito, pela
antijuridicidade, pela culpabilidade e pelas condições objetivas de punibilidade
— entende que o evento condicionante faz parte desse, que também chama de
conjunto de pressupostos de punibilidade, porém é estranho ao tipo penal stricto
161
PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 274-275, “tradução livre do autor”. Por outras
palavras, ainda, Pagliaro; “E tutto quel che è necessario a fare scattare la sanzione penale rientra, secondo la
premesse di teoria generale, nell’illecito penale, ossia nel reato.” (Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penale
parte generale, p. 386.
122
sensu.
162
Ou seja, para o penalista alemão embora a punibilidade não seja
elemento do crime, suas condições objetivas o são.
Na direção oposta, há aqueles que, a exemplo do argumento
sintetizado por Balestra, entendem que “la amenaza de pena es característica
específica de las leyes penales, no del delito.”
163
Dentro dessa perspectiva, que exclui efetivamente a punibilidade do
conteúdo programático do delito, as condições objetivas de punibilidade
permaneceriam externas ao crime
164
, neste sentido concluindo Jesus que “Se a
punibilidade não é requisito do crime, a circunstância que a condiciona não pode
encontrar-se no crime, mas fora dele.”
165
Dessas breves referências doutrinárias, que muito en passant
evidenciam enorme dissenso sobre a própria “identidade” do delito, percebe-se
que o tema das condições objetivas de punibilidade acaba por servir de “pano de
fundo” para a retomada do debate em torno da estrutura formal dos delitos.
Embora essa discussão surja paralelamente à investigação das
condições objetivas de punibilidade e seja talvez ainda mais delicada do que o
próprio tema central, percebe-se que ela não importa em grandes conseqüências
no que tange ao objetivo inicialmente proposto neste trabalho, qual seja o de
tentar delimitar as características das referidas condições para, em seguida,
162
WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman, p. 69-70.
163
BALESTRA, Carlos Fontán. Tratado de Derecho Penal, t. 1, p. 347
164
Cf. Hungria;“[...] a punibilidade é condicionada a certas circunstâncias extrínsecas ao crime, isto é, diversas
da tipicidade, da injuridicidade e da culpabilidade. São as denominadas ‘condições objetivas de punibilidade’.
Representam um quid pluris indispensável para que à violação da lei penal se siga a possibilidade de punição.”
(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, v. 1, t.II, p. 28).
165
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, v. 1, p. 624. Semelhantes são, ainda, as palavras de Ranieri:
“[...] las condiciones objetivas de punibilidad no completan el hecho típico, sino que solo influyen sobre su
punibilidad, y así como están fuera del hecho, también están fuera de su modelo legal.” (Silvio Ranieri, Manual
de Derecho Penal, t. 1, p. 174).
123
colocá-las diante do disposto no artigo 180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro
de 2005.
De fato, embora o entendimento deste trabalho esteja ao lado
daqueles que não vêem na punibilidade um elemento pertencente à estrutura
programática do delito, aderindo à concepção deste como fato típico,
antijurídico e culpável, conceito que há tempos vem sendo majoritariamente
acolhido na doutrina, tem-se que a discussão desse particular não colabora com
a tentativa de uniformizar os traços que efetivamente devem pertencer às
condições objetivas de punibilidade, porquanto, seja qual for a posição que
venha a ser abraçada quanto a isto, não importará, com efeito, na fixação de
mais um elemento a contribuir na distinção das ditas condições dos demais
elementos do delito.
Com efeito, a estranheza ao conteúdo do enunciado típico, como
aqui sustentado, é, sem dúvida, um elemento capital no processo de distinguir as
ditas condições, importância que, no entanto, não se apresenta quando a mesma
questão é levantada em relação ao próprio delito.
Sem desmerecer a inegável importância dogmática dessa questão,
que ora surge de forma periférica ao tema em discussão, colocada em termos
pragmáticos, quer se entenda a punibilidade como elemento ou não do delito, a
verdade é que a resposta, seja qual for, não irá adicionar nenhum dado relevante
ao objetivo proposto, sendo crível que por esse aspecto, boa parte dos autores
quando trataram da questão das condições objetivas de punibilidade, deixaram
de lado o debate sobre sua vinculação ao delito.
124
7.5 Condições objetivas de punibilidade e condições de
procedibilidade (ou de perseguibilidade) da ação penal.
A categoria das condições objetivas de punibilidade, quando
colocada em discussão na doutrina, acaba, invariavelmente, por ser confrontada
com as chamadas condições de procedibilidade da ação penal
166
, também
denominadas, por um grupo minoritário, de condições de perseguibilidade.
167
Isso porque, em função da relação de extrema semelhança e
proximidade que há entre os dois institutos — já que ambos pressupõem a
existência de um delito completo em todos os seus elementos — especialmente
no que toca aos desdobramentos práticos, aqueles que reconhecem a categoria
das condições objetivas de punibilidade não podem deixar de cotejá-las com a
das condições de procedibilidade.
Por outro lado, também entre os autores que não reconhecem as
condições objetivas de punibilidade há a invariável referência às de
procedibilidade, visto que, sustentam estes, nestas últimas estariam inseridas
algumas das hipóteses em que se cogita a existência das primeiras.
168
Independente da aceitação ou não das condições objetivas de
punibilidade, a verdade é que o primeiro critério diferenciador que a doutrina
procura estabelecer com as de procedibilidade, diz respeito à distinta natureza
jurídica dos dois institutos.
166
Embora as condições de procedibilidade sejam majoritariamente reconhecidas na doutrina, Grinover sustenta
que estas não têm vida independente das condições ordinárias da ação: “As ‘condições de procedibilidade’ não
existem. Os exemplos da doutrina são reconduzíveis à possibilidade jurídica.” (Ada Pellegrini Grinover, As
condições da ação penal (uma tentativa de revisão), p. 198).
167
Assim, Vincenzo Manzini, Trattato Di Diritto Penale Italiano, v. 1, p. 523. Entre nós José Frederico
Marques, Tratado de Direito Penal, v. 3, p. 397.
168
Neste sentido está Luis Jiménez de Asúa, La Ley y el Delito, p. 532.
125
Nesse sentido, enquanto a categoria das condições objetivas de
punibilidade é colocada como instituto de direito material, às condições de
procedibilidade reconhece-se natureza eminentemente processual, conforme
expressa Battaglini:
Às vezes, contudo, não se trata de decidir se determinado evento é
requisito de fato-tipo ou condição de punibilidade, mas se constitui
condição de punibilidade ou condição de procedibilidade. Esta
pertence ao processo e consiste em um pressuposto necessário para a
válida constituição da relação processual.
169
De fato, e nisto a doutrina caminha com relativa tranqüilidade, as
condições de procedibilidade representam obstáculos ligados ao processo penal
e que, por via de conseqüência, são aptas a comprometerem só e somente o
desenvolvimento da ação, sem influírem diretamente sobre a punibilidade como
desdobramento da prática da infração penal
170
e, portanto, também sobre os
possíveis eventos que a condicionem. A distinção de natureza, segundo Prado, é
palmar:
Por derradeiro, cumpre não confundir as condições objetivas de
punibilidade e as condições de procedibilidade, de natureza processual
(v.g., representação do ofendido – arts. 130, § 2.°; 147, parágrafo
único; 225, § 2.°, CP; requisição do Ministro da Justiça – art. 7.°, §
3.°, b; queixa nos crimes contra a honra – art. 145, CP). Estas não
influem na punibilidade do crime, mas representam tão-somente
obstáculo ao início ou prosseguimento da ação penal.
171
Em que pese a natureza jurídica ser um critério diferencial, é bem
de se ver que em termos práticos essa distinção não fica tão evidente, ao ponto
169
Na mesma direção está Von Listz:“Entre las condiciones de la punibilidad, que como requisitos de la acción
pertenecen al Derecho material, deben distinguirse, en cuanto a su concepto y efectos, los llamados
REQUISITOS PROCESALES, es decir, los requisitos necesarios para la eficacia jurídica de los actos
procesales en general, y, especialmente, para la efectividad de la acción pública.” (Franz Von Liszt, Tratado de
Derecho Penal, v. 2, p. 459.).
170
Nesse sentido veja-se Bustos Ramírez e Malarée, para quem as condições de procedibilidade “Se trata de
casos que no condicionan la reacción penal sino su persecución. .” (Juan J. Bustos Ramírez e Hernán
Hormazábal Malarée, Leciones de Derecho Penal – Parte General, p. 361).
171
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 549. De forma semelhante, adverte Mirabete:
“Não se confundem as condições objetivas de punibilidade com as condições de procedibilidade, referentes às
questões ligadas à ação penal, como a do trânsito em julgado da sentença que anula o casamento, no crime
definido no art. 236, a representação do ofendido e a requisição do Ministro da Justiça etc. Estas apenas
126
de afirmar-se com segurança que determinada circunstância pertence a uma ou a
outra categoria. Há que se ter em vista de consideração, portanto, outros
aspectos que permitam estabelecer essa distinção.
A ação penal, tal como qualquer matéria afeta ao direito
instrumental, prende-se a uma série de requisitos para seu exercício válido,
conhecidos como condições de procedibilidade da ação que, em breves palavras
de Nucci, trata-se de “condição ligada ao processo, que, uma vez presente,
autoriza a propositura da ação.”
172
Com efeito, há condições de procedibilidade que são onipresentes
para a persecução penal de qualquer sorte de delitos, às quais Tourinho Filho
denomina de condições genéricas
173
, sendo a mais evidente a própria
possibilidade jurídica do pedido.
Por outro lado, há também condições de procedibilidade de
natureza singular, cuja incidência não se impõe a quaisquer delitos, mas apenas
a algumas hipóteses pontuais. Nessa categoria a doutrina sói referir-se, a título
de exemplos, ao oferecimento da queixa-crime, nos crimes de ação penal
privada
174
, à representação do ofendido, nos crimes de ação penal pública
condicionada à representação etc..
Essas últimas são, em síntese, condições específicas da ação penal,
cuja natureza processual não afeta o conteúdo do fato enquanto ilícito, mas
condicionam o exercício da ação penal, são de direito processual e se atêm somente a admissibilidade da
persecução penal.” (Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381-382).
172
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 453.
173
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, v. 1, p. 478.
174
Nesse sentido concorda Hassemer: “Una clara naturaleza de presupuesto procesal tiene, en cambio, la
querella en los delitos persiguibles a instancia de parte.” (Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal,
p. 303). De forma isolada, Tornaghi vê na queixa uma condição objetiva de punibilidade. (Hélio Tornaghi,
Comentários ao Código de Processo de Penal, v. 1, t. 2.°, p. 95).
127
apenas a persecutio in juditio
175
e que, como ressalta Mezger, “[...] no
pertenecen ya al Derecho Penal, aunque en algunos casos se regulen en el
Código, como la querella [...].”
176
Genéricas ou específicas, é bem de se ver que a conseqüência pela
falta de uma condição será sempre o comprometimento da própria ação penal.
Essas considerações, de inegável acerto, ainda parecem, no
entanto, insuficientes, notadamente quando se tem em consideração que se a
falta de uma condição de procedibilidade impede o início da ação penal, tem-se
que este mesmo efeito se verificará na ausência de uma condição objetiva de
punibilidade.
Realmente, se é colocada em juízo uma ação penal por delito cuja
punibilidade está, ainda que aparentemente, condicionada a um determinado
evento que não se verificou, o feito, à guisa da falta de uma condição de
procedibilidade, não poderá ter início.
Imagine-se uma ação penal proposta pelo delito de induzimento,
auxílio ou instigação ao suicídio. Embora não se concorde, contrariando
expressiva doutrina, com a afirmação de que a ocorrência da morte ou de lesões
corporais graves sejam condições objetivas de punibilidade dessa figura
delituosa, considera-se hipoteticamente, ao menos por agora, ser esta uma
infração penal condicionada.
175
Como registra Jescheck: “En las condiciones objetivas de punibilidad se expresa, en cada caso, el grado
específico del quebranto del orden jurídicamente protegido, mientras que los presupuestos procesales responden
a las circunstancias que se oponen al desarollo de un proceso penal.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de
Derecho Penal Parte General, p. 506.).
176
MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, p. 369. Assim também observa Welzel: “Totalmente fuera
del tipo general están los pressupuestos de procesabilidad, que pertencen al Derecho Procesal, pero que están
128
Se o evento morte ou as lesões corporais graves não ocorrem e
mesmo assim a ação penal é proposta, falta, de forma evidente, um elemento de
que depende a própria configuração da conduta como ilícito. De fato, quer
considere-se como evento condicionante, quer considere-se como resultado do
delito (posição preferida), a verdade é que não haverá ilícito penal a ser punido,
não podendo, por isso, ser recebida a inicial acusatória e, via de efeito, iniciar-se
a correspondente ação penal.
Essa mesma conseqüência, no entanto, ocorrerá caso o parquet
proponha, verbi gratia, uma ação penal sem que tenha havido a representação do
ofendido, naqueles casos em que a lei expressamente a exige, embora essa
circunstância seja maciçamente considerada como uma condição de
procedibilidade.
Nessa linha de raciocínio o evento condicionante exerceria
primeiramente a função de obstáculo processual, já que a efetiva punibilidade
surge concretamente ao final da ação penal, e tal como a condição de
procedibilidade impediria o processamento da ação penal
177
. De certa forma o
próprio Von Liszt ratifica esse entendimento ao afirmar que “Cuando falta, y en
tanto cuanto falta, la condición de punibilidad, no es possible que nazca la
acción penal pública; [...].”
178
reglamentados en el Código Penal, p. Ej. La acción penal [...]” (Hans Welzel, Derecho Penal Aleman Parte
general, p. 70).
177
De certa forma é o que enfatiza Mormando: “[...] il difetto di uma condizione di punibilità equivale, dunque,
sul piano sostanziale al difetto di una condizione di procedibilità sul piano processuale; cosicché intanto si può
operare una reductio ad unum tra le due categorie allorché si dimostri la medesima natura e funzione di
entrambe.” .” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In:
Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633). De forma semelhante
considera também Sabatini: “[...] perchè il reato, anche sussistendo, non è punibile se non intervenga la
manifestaziona di volontà conforme dei soggeti a cui è attribuito questo potere.” (Guglielmo Sabatini, Principi
di diritto processuale penale, v. 1, 236).
178
VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 458. De forma semelhante considera também
Sabatini: “[...] perchè il reato, anche sussistendo, non è punibile se non intervenga la manifestaziona di volontà
conforme dei soggeti a cui è attribuito questo potere.” (Op. cit., idem).
129
É justamente por essas circunstâncias que alguns autores não vêem
qualquer utilidade prática em distinguir-se uma determinada circunstância como
condição objetiva de punibilidade ou como condição de procedibilidade,
considerando a discussão bizantina. É a linha que expressamente segue
Noronha:
Se a punibilidade efetiva está sujeita a procedibilidade — nulla pœna
sine judicio — parece-nos que realmente as duas circunstâncias se
confundem. De qualquer maneira, se distinção houver, será nenhuma
no terreno prático.
179
No entanto, essa visão extremamente pragmática, e acertada,
encontra vozes divergentes que, levando os desdobramentos de ambos os
institutos um passo a frente, entendem haver diferenças muito evidentes nas
conseqüências que se apresentam entre eles.
Assim, muitos autores expressam a distinção entre as condições
objetivas de punibilidade e as de procedibilidade em função dos desdobramentos
num e noutro caso, observando que, enquanto as primeiras importariam na
absolvição do acusado, as segundas acarretariam em vício formal do processo
penal
180
, como salienta Marques:
179
NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, p. 379. Na mesma direção, ainda,
Muñoz Conde e García Arán: “Se trata de obstáculos procesales que, en el fondo, tienen la misma función que
las condiciones objetivas de punibilidad.” (Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán, Derecho Penal
Parte General, p. 419). Mais pormenorizado, neste sentido, está Carnelutti: “Habiendo considerado desde el
principio el delito y la pena como conceptos inseparables, anverso y reverso de la misma medalla, por lo que ni
puede darse pena sin delito ni delito sin pena, considero que esta distinción no tiene ningún fundamento, de
manera que las condiciones de procedibilidad se resuelven en condiciones de punibilidad y viceversa (...)
(Francesco Carnelutti, Lecciones de derecho penal – El delito, p. 206). Pontualmente sobre a sentença de quebra,
registra, entre nós, Nucci: “A propósito, nada impede que consideremos a condição objetiva de punibilidade, no
caso a sentença de quebra, também como condição de procedibilidade.” (Guilherme de Souza Nucci, Código de
Processo Penal Comentado, p. 767).
180
Nesse sentido destaca-se também entre nós Tourinho Filho: “É claro que, não estando satisfeita a condição
de procedibilidade, a conseqüência é a anulação do processo. Contudo, ausente a condição objetiva de
punibilidade, haverá uma decisão terminativa de mérito.” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal,
v. 1, p. 496) Entre os penalistas alemães verifica-se a mesma linha de raciocínio, assim proclamando Maurach:
“Como los presupuestos procesales pertenecen exclusivamente al derecho procesal, no afectan ni al contenido
de ilícito ni a la punibilidad del hecho, sino que si limitan exclusivamente a condicionar la perseguibilidad.
Faltando ellos, no procede absolver, sino sobreseer el procedimiento.” (Reinhart Maurach, Tratado de Derecho
Penal — Parte General, p. 374). Também Jescheck: “Cuanto al tiempo del juicio oral falta una condición de
punibilidad se produce la absolución, pero cuando falta un presupuesto procesal se sobresee el procedimiento.”
(Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General, p. 506.). E Welzel, para quem as
130
Se a sentença declarar inexistente uma condição de perseguibilidade,
não há decisão definitiva ou julgamento sobre o mérito, e sim uma
interlocutória que apreciou apenas o direito de ação ou regularidade da
relação processual. O inverso se dará com as condições de
punibilidade, porque então a sentença apreciará a procedência ou
improcedência da pretensão punitiva, decidindo o meritum causœ.
181
Conseqüência prática dessa distinção é de que o vício formal está
sujeito a reparo, possibilitando, portanto, a interposição de uma nova ação penal,
enquanto a ausência de uma condição objetiva de punibilidade não permitiria o
reingresso em juízo.
Colocados no plano teórico todos esses traços apontados na
doutrina parecem satisfazer a tentativa de distinguir-se um instituto do outro.
Porém, a despeito da absoluta procedência de todos esses
argumentos — tanto no que se refere à natureza quanto aos desdobramentos de
cada uma dessas condições — que não poderiam ser omitidos, tem-se que na
sistemática legal pátria a questão possa se tornar mais simples a partir de outro
critério.
É fato evidente que as condições de procedibilidade, assim
entendidas como os pré-requisitos de ordem processual para a validade do
exercício de ação, encontram acolhimento praticamente unânime dentro da
condições de procedibilidade “No inciden en la punibilidad de un hecho, sino en la admissibilidad de su
persecución procesal. Si faltan, procede el sobreseimiento, pero no la absolución, como en el caso de faltar uno
de los elementos de la punibilidad.” (Hans Welzel, Derecho Penal Aleman, p. 70). Na doutrina italiana destaca-
se Cordero, para quem na falta de uma condição de procedibilidade “[...] l’único epilogo corretto è una sentenza
che dichiari ‘non doversi procedere’; mancando condizioni della pena, invece, l’imputato sarebbe assolto.”
(Franco Cordero, Procedura penale, p. 393). Também Saltelli e Romano-DiFalco: “La conseguenza più
importante della distinzione fra condizioni di punibilità e condizioni di procedibilità consiste in ciò: mentre la
mancanza della condizione di punibilità conduce alla dichiarazione della inesistenza del reato, la mancanza,
invece, della condizione di procedibilità conduce alla sospensione della procedura, ma non alla dichiarazione di
inesistenza del reato.” (Carlo Saltelli e Enrico Romano-Di Falco, Commento Teorico-pratico del nuovo Codice
Penale, v. 1, p. 276-277). E, ainda, Mantovani: “la sentenza assolutoria per difetto della condizione di punibilità
impedisce un secondo processo, ma non così, invece, il proscioglimento per mancanza della condizione di
procedibilità.” (Ferrando Mantovani, Diritto Penale – parte generale, p. 785).
181
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, v. 3, p. 397.
131
dogmática processual penal. Por essa razão, observa Marques que “[...] o
legislador teve o cuidado de caracterizá-las muito bem, sempre que teve de
focalizar quaisquer dessas condições.”
182
Assim, percebe-se que as condições de procedibilidade se
encontram totalmente incorporadas ao nosso sistema, vindo consignadas, via de
regra, na legislação penal ou processual penal, de forma clara, por expressões
como “somente se procede mediante queixa”, “somente se procede mediante
representação” etc., quando não explicitou que o início da ação penal depende
da ocorrência de determinada condição.
Aos eventos assim identificados não se levantam dúvidas quanto a
sua natureza processual, de sorte que a doutrina não diverge quando as
reconhece como condições de procedibilidade.
Se o legislador vier a se omitir quanto à natureza de uma condição
de procedibilidade, o aprofundamento da distinção entre essas e as ditas
condições objetivas de punibilidade seria de capital importância, por força dos
próprios desdobramentos que, como se viu, cada um desses institutos acarreta.
Entretanto, quando localiza explicitamente determinados eventos
dentro do direito processual, não há porque levar o debate adiante, notadamente
porque ao conferir-lhes domicílio dentro do direito adjetivo, em termos práticos
o legislador estará tornando a situação estreme das polêmicas que
inevitavelmente emergiriam se as previsse a título de condições objetivas de
punibilidade, pelos conflitos que esta suposta categoria gera, notadamente
perante o imperativo da culpa, conforme se tem aqui procurado evidenciar.
182
MARQUES, José Frederico, op. cit., p. 399.
132
Sobre essa distinta natureza dos eventos condicionantes, merece destaque a
consideração de Zaffaroni e Pierangelli:
Nenhum problema há em admiti-los, quando são meros requisitos de
perseguibilidade do delito, porque é algo que não diz respeito ao
direito penal e sim ao direito processual penal, e que de, forma
alguma, põe em jogo o princípio da culpabilidade.
183
Essa consideração leva à conclusão de que se é verdade que as
condições de procedibilidade se encontram assimiladas em nosso sistema
jurídico-penal, não é menos verdade que a mesma sorte de aceitação, no entanto,
não assiste às condições objetivas de punibilidade que, conforme tem-se aqui
enfaticamente ressaltado, enfrentam críticas quanto a seu conteúdo que chegam
ao ponto de questionar-se sua existência e conveniência, como categoria distinta
dentro da teoria geral do delito.
Esse distinto reconhecimento doutrinário fica absolutamente
evidente na própria legislação que, como já observado, até o advento do artigo
180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, jamais fez referência à
categoria das condições objetivas de punibilidade, ainda que por meio de
expressões que implicitamente indicassem que determinado evento pertenceria a
essa suposta categoria.
Assim, com a publicação do referido diploma legal as condições
objetivas de punibilidade ingressaram formalmente em nosso sistema, de sorte
que uma vez identificadas, as únicas hipóteses em que se tem reconhecida por
lei esta categoria é em relação aos delitos falimentares.
Obviamente não se pode perder de vista o fato de o legislador
afirmar, textualmente, a natureza jurídica de determinado evento, como
183
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro — Parte
Geral, v. 1, p. 658.
133
pertencente a esta ou àquela categoria, por si só não torna a questão invulnerável
a questionamentos doutrinários; mas se em torno de tal situação, vale repetir,
não gravitam expressivas polêmicas com relação às condições de
procedibilidade, igual sorte não se assiste em relação ao artigo 180 da nova Lei
de Falências, que conferiu à sentença de quebra, ou concessiva de alguma das
formas de recuperação, o status de condições objetivas de punibilidade.
Em havendo alguma situação obscura, em que o legislador não haja
sido explícito quanto à natureza de determinado evento condicionante, o que, no
6ambito deste trabalho, representaria uma exceção à postura que até aqui se
assistiu, outra solução não haverá senão interpretá-la em face de suas
características, tendo-se em vista de consideração as distinções identificadas na
doutrina conforme já exposto.
Assim, em circunstâncias excepcionais, o evento condicionante
colocado em concreto deverá ser tomado em cotejo com as categorias das
condições de procedibilidade e das objetivas de punibilidade, sendo certo que a
última importa, ao nosso sentir, em um conjunto muito mais complexo e
polêmico do que as primeiras, de sorte que, enquanto regra genérica, será
sempre muito mais simples assimilar as questões duvidosas no âmbito
processual penal que, inclusive, prende-se a exigências menores.
7.6 Nossa posição
Conforme já exposto, a doutrina penal historicamente vivenciou, e
ainda hoje vivencia, verdadeira celeuma quando coloca-se em discussão o tema
das condições objetivas de punibilidade, apontando-as como categoria
diferenciada dentro da teoria do crime. Conflito que, é bem de se ver, torna-se
134
ainda mais acirrado quando aqueles que as reconhecem, e não são todos,
procuram definir sua natureza jurídica e traçar seus contornos característicos.
184
Tal estado de coisas não é sem razão.
De fato, ao pretender eleger-se uma categoria que, em princípio,
seja apenas autônoma do conteúdo anímico do delito, esbarra-se,
sucessivamente, em questões e princípios penais inexoráveis, o que acaba por
gerar um inevitável contexto de alta complexidade, produto da multiplicação da
interferência de variáveis que, na tentativa de uniformizar um grupo de
características, torna o reconhecimento efetivo de uma categoria autônoma
dentro da estrutura do delito, algo extremamente dificultoso.
Corolário de tantas incertezas e senões é justamente que se chegue
ao ponto de argumentar, e uma parcela respeitável da doutrina o faz sob variados
argumentos, já pormenorizados, a inexistência de tais condições. É a sintética
advertência que faz Prado:
Em que pese à ampla aceitação alcançada pelas condições objetivas de
punibilidade, autores há que negam peremptoriamente sua existência,
sob fundamentos diversos. Assim, alega-se que tais condições
afrontam o princípio de culpabilidade e, demais disso, não passam
algumas de autênticos elementos do tipo e outras de pressupostos
processuais.
185
Ao ingressar com maior profundidade no tema, vê-se que, se de um
lado é inevitável o surgimento dessas complexas e delicadas questões, de outro,
não é menos verdade que, apesar da doutrina maciçamente ter atuado na
184
É também a consideração de Carvalho: “Es forzoso reconocer, sin embargo, que las condiciones objetivas de
punibilidad no reúnen ciertas características uniformes que permitan su inmediata identificación. Son, mas bién,
elementos heterogéneos que por fuerza de una decision legislativa condicionan la punibilidad de una conducta
típica, antijurídica y culpable.” (Érika Mendes de Carvalho, Las “Condiciones Objetivas de Punibilidad
Improprias”: Vestigios de responsabilidad objetiva en el Código Espanhol, In: Revista de Derecho Penal y
Criminologia, n.° 16, p. 221-255).
185
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 545-546.
135
tentativa de acomodá-las para garantir vida às condições objetivas de
punibilidade, não se tem mostrado possível um consenso mínimo capaz de
distinguir, com ínfima uniformidade, as referidas condições dos demais
elementos do delito, ou ainda, das condições de procedibilidade. Kaufmann
chega a afirmar que as condições objetivas de punibilidade “[...] sólo
constituyen un concepto que tiende a reunir diversos elementos que sólo tienen
en común lo dudoso de su correcto agrupamiento.”
186
Tal estado de coisas reconduz ao inevitável questionamento acerca
da efetiva necessidade de reconhecimento de uma categoria diferenciada de
elementos — sob o nome de condições objetivas de punibilidade — dentro da
estrutura da teoria geral do delito.
De fato, no entender deste trabalho, após analisados todos os óbices
que a doutrina enumera em relação às ditas condições, tem-se mostrado muito
mais trabalhoso e ainda menos satisfatório, tentar atingir-se um mínimo
denominador comum, capaz de justificar a contento o reconhecimento de uma
categoria à parte, do que, inversamente, buscar encaixar as poucas e pontuais
hipóteses que a doutrina enumera — e mesmo este rol não se apresenta de forma
pacífica — dentro dos elementos que são unanimemente reconhecidos na teoria
do delito.
Neste ponto, aliás, interessa observar que quando se cogita em
condições objetivas de punibilidade a doutrina comporta-se de forma peculiar,
articulando um processo em que parte da casuística concreta para, então, tentar
configurar a categoria genérica das ditas condições, processo indutivo que
inevitavelmente conduzirá ao comprometimento da indispensável formulação de
186
KAUFMANN, Armin. Teoría de la normas – Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 286.
136
uma estrutura analítica única e geral para todas as modalidades de infrações
penais.
Em suma, reconhecer-se a categoria das condições objetivas de
punibilidade importa, com efeito, em dificuldades e incertezas maiores do que
aquelas que se apresentam nos casos em que, de forma pontual, se cogita de sua
existência.
Bem por isso, e sedimentado em diversos aspectos, este trabalho
coloca-se ao lado daqueles que não reconhecem a necessidade e, via de
conseqüência, a própria existência da categoria das condições objetivas de
punibilidade, entendimento que, em face da previsão normativa expressa de sua
existência, a partir do artigo 180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005,
nos obriga a retomar a tentativa de desenhar suas características, coisa que o
legislador não fez, de molde a que se chegue a um denominador que, a um só
tempo, conflite minimamente com os princípios fundamentais do direito penal e
se destaque, da maneira mais evidente possível, dos demais elementos do delito,
a fim de que, em seguida, se possa cotejar essas conclusões diante do referido
dispositivo da nova lei falimentar (capítulo 8 supra).
Malgrado esse encargo decorrente da novel legislação falimentar,
visto que até então o debate poderia permanecer em terreno estritamente
doutrinário, há que se consignar as razões, das quais não se pode abrir mão, já
que não parece haver qualquer vantagem no reconhecimento da categoria das
condições objetivas de punibilidade.
Inicialmente, nota-se que, conforme dito, seria verdadeiramente
impossível admitir-se a categoria das condições objetivas de punibilidade, sem
137
que houvesse o comprometimento da uniformidade da estrutura formal dos
delitos.
Isso porque, do momento em que se passa a admitir que em alguns
crimes, por poucos que sejam, exista uma categoria a mais que se insere de
forma absolutamente particular na estrutura do delito, condicionando a aplicação
da pena, estar-se-á, à evidência, comprometendo-se a uniformidade desta
estrutura, que passaria a não ser a mesma para toda a categoria e sorte de
infrações penais.
Por mais que se argumente que diante de uma condição objetiva de
punibilidade o delito já se encontra estruturalmente perfeito
187
, o fato é que seu
aperfeiçoamento pela efetiva aplicação da pena, ficaria na dependência de mais
uma variável ou, pelas palavras de Maurach, “[...] para que entre en acción el
efecto sancionador se requieren más elementos que aquellos que bastan para el
ilícito que configura el tipo.”
188
É certo que alguns autores não vêem qualquer problema nesta
eventual modificação de estrutura
189
, e que, como teoriza Alimena, o
reconhecimento da categoria das condições objetivas de punibilidade
necessariamente importará em uma estrutura diferenciada para os casos em que
esta se verifique:
Em substância, o crime e a pena estão ligados por uma relação de
causa e efeito, em que, ubi crimen ibi pœna. Isto, porém, acontece no
187
Cfr. Ranieri: “Em efecto, el hecho típico está ya completo es sus partes, independientemente e que se
verifique la condición [...] (Sílvio Ranieri, Manual de Derecho Penal, t. 1, p. 173).
188
MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho Penal Parte General, p. 374. No mesmo sentido está Cabana:
“Son, en definitiva, circunstancias adicionales que operan como factores excepcionalmente agregados a los
elementos objetivos y subjetivos de imputación.” (Patricia Faraldo Cabana, Falsas condiciones objetivas de
punibilidad en los delitos contra la Administración de Justicia, In: El nuevo derecho penal español. Estudios
Penales en Memoria del Preofesor José Manuel Valle Muñiz, p. 1303-1316).
189
Como pondera Bettiol, que acolhe a concepção tripartida do delito: “[...] sob o aspecto teleológico, a
tripartição tem um valor meramente programático: é um sistema que espelha uma realidade, mas que não se
superpõe à própria realidade quando esta, em casos marginais, rebela-se contra a possibilidade de uma
tripartição.” (Giuseppe Bettiol, Direito Penal, v.1, p.273).
138
maior número dos casos: em alguns casos (e são uma minoria) a pena
está em relação, não somente com o crime, mas também com a
condição, na qual se estabelece o princípio ubi crimen et conditio ibi
pœna. Disto retiramos que o princípio, nulla pœna sine crimine, deve,
nos casos em que é previsto uma condição, ser modificado para nulla
pœna sine crimine et condicione. A condição, portanto, não pode ser
considerada como um requisito do crime.
190
As considerações de Alimena são, de fato, inevitáveis quando se
sustente a existência do evento condicionante, de sorte que o aperfeiçoamento
do delito pela imposição da pena estaria sujeito a duas estruturas distintas, uma
delas, em caráter excepcional, adicionando o referido evento e outra não.
Se de um lado pode-se aqui concordar com a possibilidade de
reconhecimento da categoria das condições objetivas de punibilidade passaria
inevitavelmente por um processo de “desuniformização estrutural”, o que
ocorreria no interesse de garantir sua inserção na teoria geral do delito, por
outro, tal estado de coisas não nos parece verdadeiramente satisfatório.
Isso porque se deve obtemperar que a estrutura formal analítica das
infrações penais foi construída pela doutrina alicerçada nas garantias que, ao
longo dos séculos, foram conquistadas e elevadas à condição de princípios de
direito penal. É o caso, verbi gratia, da tipicidade, que enquanto elemento do
fato típico, nada mais é do que a exteriorização do princípio da legalidade dentro
da referida estrutura, bem como da culpabilidade, decorrência do imperativo do
nullun crimen sine culpa.
O reconhecimento da categoria das condições objetivas de
punibilidade, como se tem aqui enfatizado, importaria, no entanto, na criação de
um elemento adicional dentro da estrutura formal do delito o qual não se
sujeitaria às mesmas exigências principiológicas impostas aos demais elementos
190
ALIMENA, Francesco. Le condizioni di punibilità, p. 58, “tradução livre do autor”.
139
da figura delituosa. Toledo, com razão, chega a observar que as condições
objetivas de punibilidade “[...] criam uma categoria nova de elementos do crime,
que não são típicos!...”
191
Tal estado de coisas, numa perspectiva penal atual, mostra-se como
um perigoso subterfúgio para que a efetiva aplicação da pena se desvie dos
imperativos que servem de garantia e, bem por isso, devem verificar-se de forma
completa.
O argumento fica evidente quando se fala que as condições
objetivas de punibilidade não devem estar alcançadas pela vontade do agente,
embora sua punição esteja na dependência direta de seu advento.
Tal consideração converge para a inevitável questão da violação ao
princípio da culpabilidade que, depurado ao longo dos tempos, como lembra
Bettiol, “[...] leva o juiz a indagações psicológicas cada vez mais sutis.”
192
, de
sorte que o direito penal moderno há tempos vem garantindo maior relevo a este
aspecto e, por conseguinte, caminhando na mão contrária da vetusta
responsabilidade penal objetiva.
Com efeito, a orientação cada vez mais garantista da sistemática
hodierna, tem procurado banir os últimos resquícios — por mais tímidos que
sejam — de responsabilidade sem culpa que pontualmente se apresentem na
sistemática penal.
Às condições objetivas de punibilidade, notadamente naquelas
hipóteses em que a doutrina as apresenta como determinantes da lesão ao bem
191
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156.
192
Op. Cit.,p. 275.
140
protegido, como no caso do delito de induzimento, auxílio ou instigação ao
suicídio, não há como negar-se a evidente situação de responsabilidade penal
objetiva. Tanto isso é verdade que há doutrinadores que não rejeitam esse estado
de coisas e abertamente admitem esses casos que, como resume Pagliaro,
“integram uma hipótese de responsabilidade objetiva mista com dolo: na
essência são verdadeiros eventos ‘mascarados’.”
193
Com efeito, se por ocasião do Código Penal Italiano de 1930
admitia-se a introdução de formas de responsabilidade penal objetiva, é bem de
se ver que hodiernamente situações excepcionais dessa ordem não se acomodam
com o atual relevo emprestado ao coeficiente subjetivo dos delitos.
194
O perfunctório panorama de que o aperfeiçoamento da norma penal
fique condicionado ao advento de fato absolutamente estranho à vontade do
agente, por si só já não revela possibilidade de acomodação com o princípio da
culpabilidade
195
que, entrementes, ficará comprometido, como observa
Buompadre:
“Si todo hecho, para ser merecedor de una pena, debe ser culpable,
es decir, ser alcanzado por el dolo o por la culpa, y si las condiciones
objetivas de punibilidad no pertenecen al tipo ni quedan abarcadas
por la culpabilidad del autor, va de suyo que estas condiciones no
193
PAGLIARO, Antonio. Principi di Diritto Penale parte general, p. 387, “tradução livre do autor”.
Impressiona a posição de Saltelli e Romano-Di Falco quanto a este particular: “Il codice non esige che l’evento
da cui dipende il verificarsi di una condizione sia voluto, perchè, rispetto ai reati nei quali esso pone una
condizione al cui verificarsi subordina la punibilità, intende rendere più severa la repressione.” (Carlo Saltelli e
Enrico Romano-Di Falco, Commento teorico-pratico del nuovo Codice Penale, v. 1, p. 273).
194
Conforme critica Zaffaroni, acerca das disposições do Código Penal Italiano que reverenciam a categoria das
condições objetivas de punibilidade: “[...] son manifestaciones autoritarias del código italiano y que son, por
ende, inconstitucionales, como meras formas de responsabilidad objetiva. En efecto, la transformación de
elementos típicos en las pretendidas ‘condiciones objetivas’ es una nefasta forma de responsabilidad objetiva
[...]” (Eugenio Raul Zaffaroni, Tratado de Derecho Penal Parte General, t. v, p. 54).
195
Neste sentido está Benito: “La delimitación del injusto o del tipo punible por mérito de la concurrencia de
una circunstancia objetiva, extraña al ámbito de la conducta del sujeto activo del mismo, supone, por su propria
existencia y efectos derivados, una infracción del principio de la culpabilidad, toda vez que aquella delimitación
no resulta englobada en la culpabilidad. (José Luis Barron de Benito. La referencia a la cuantia del seguro
obligatorio como condicion objetiva de punibilidad de los ilicitos culposos con resultado de daños. Afectacion
del principio de culpabilidad tras la reforma del codigo penal por la ley organica 3/1989, de 21 de junio, In:
Actualidad Penal, n.° 45, p. 527-536).
141
pueden ser admitidas en el marco de un derecho penal de la
culpabilidad.”
196
Nessa perspectiva, é inevitável que a idéia da categoria das
condições objetivas de punibilidade seja rejeitada, à luz dos questionamentos
decorrentes dos influxos do “direito penal da culpa”, conforme a crítica incisiva
de Zaffaroni:
“La circunstancia de que representen um ataque al principio de
culpabilidad ha determinado que muchas hipótesis de responsabilidad
objetiva se canalizasen por esa via y, prácticamente, puede afirmarse
que es el último reducto dogmático de la responsabilidad objetiva.
Dadas estas características, otro sector doctrinario niega la
existencia de condiciones objetivas de punibilidad. Creemos que es la
tesis correcta, particularmente si tenemos en cuenta que esa
ubicación de ‘nexo al tipo’que no necesita de la tipicidad subjetiva
correspondiente, es abertamiente la confesión de que con ellas se
postula la restauriación de la responsabilidad objetiva.”
197
Nessa conformidade a conclusão inevitável é de que a categoria
das condições objetivas de punibilidade, por mais que a doutrina que as acolhe
tenha tentado sustentar, além de importar na introdução de mais um elemento na
estrutura do delito, acabaria por conflitar com o imperativo da culpa
198
, razão
porque sua existência a título de instituto de direito material não deveria ser
admitida.
O único argumento que ainda parece sustentar a defesa das
condições objetivas de punibilidade seriam razões de política criminal,
expressão certamente tão eloqüente quanto superficial e que, notadamente na
espécie, parece disfarçar o nefasto interesse de manterem-se abertas as portas da
196
BUOMPADRE, Jorge Eduardo. Insolvencia fraudulenta y condiciones objetivas de punibilidad en el derecho
penal argentino, In: Política Criminal, Derechos Humanos y Sistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178.
197
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Op. Cit., p. 55. No mesmo sentido, na doutrina italiana destaque-se o
argumento de Florian: “In definitiva questa categoria, se non nell’intenzione dei suoi fautori certo nel risultato,
si riduce ad escludere come necessario, per certe parti del reato, il concorso dell’elemento soggetivo.” (Eugenio
Florian, Trattato di Diritto Penale, p. 401).
198
Segundo a conclusão de Zaffaroni sobre o tópico das condições objetivas de punibilidade o se acepta el
principio de culpabilidad o se rechaza la existencia de condiciones ‘objetivas’ de punibilidad.” (Eugenio Raul
Zaffaroni, Op. Cit., p. 57).
142
responsabilidade penal objetiva, como nos pareceu pretender o legislador penal
italiano de 1930. Realmente, o instituto não se sustenta à luz da dogmática penal
vigente, porém, como registra Hassemer “Se puede forzar un argumento
calificado de ‘politicocriminal’al que casi siempre se recurre cuando fracasan
los sistemáticos y juridicoéticos.”
199
Por conta de todos esses aspectos, é importante considerar,
finalmente e inclusive à vista dos interesses político-criminais, sobre a real
necessidade de construir-se essa categoria dentro da estrutura do delito, cuja
cogitação, à evidência, partiu sempre de algumas hipóteses concretas para a
tentativa de construção de um elemento diferenciado, ao invés de antes procurar
encaixar essas situações pontuais dentro dos elementos — materiais ou
processuais — já existentes e que poderiam, de forma satisfatória, mais simples
e menos polêmica, responder às poucas situações duvidosas que se levantam.
200
Neste particular comunga-se aqui com Florian quando conclui que
“[...] parece, portanto, não ser possível acolher doutrinariamente esta categoria,
visto que é imprecisa e complica inutilmente coisas simples.”
201
Por outras palavras, as hipóteses que alguns chamam de condições
objetivas de punibilidade poderiam ser perfeitamente acolhidas e assimiladas
como pertencentes a outros elementos do delito, como, aliás, vários autores,
entre os quais Asúa, têm insistido:
“Ya dije que las condiciones objetivas y extrínsecas de punibilidad
que mencionan los autores, no son propriamente tales, sino elementos
valorativos y, más comúnmente, modalidades del tipo. En caso de
199
HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal, p. 238.
200
Conforme expõem García: “[...] la teoria jurídica del delito resultaría más clara si se suprimieran, de los
‘caracteres que lo forman’ las condiciones objetivas de punibilidad, que por no ser constantes y por estar tan
discutidas, no pueden ser ‘caracteres del delito’” (Diego Vicente Tejera García, Comentários al Código de
Defensa Social, apud Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 40).
201
FLORIAN, Eugenio. Op. cit., idem, “tradução livre do autor”.
143
ausencia funcionarán como formas atípicas que destruyen la
tipicidad.
A nuestro entender, las más genuinas condiciones objetivas son los
presupuestos procesales a que a menudo se subordina la persecución
de ciertas figuras de delito, como la calificación de la quiebra.”
202
Por todos os aspectos até aqui expostos, tem-se, em síntese, que a
idéia da categoria das condições objetivas de punibilidade não nos traz qualquer
simpatia, visto que se de um lado sua existência tem se mostrado muito mais
onerosa do que proveitosa, já que as dúvidas que se colocam em relação a umas
poucas hipóteses concretas, poderiam ser respondidas, ao menos do ângulo
dogmático, de forma menos custosa aos princípios de direito penal e à clareza da
estrutura dos delitos, por outro, toda tentativa de traçar-se um grupo de
características comuns capazes de construir uma categoria diferenciada para
esses eventos condicionantes, acaba por confrontar diretamente com garantias e
princípios penais essenciais, o que não permitiu que até hoje se formasse na
doutrina um mínimo denominador comum em torno de suas características.
Retornando à origem das condições objetivas de punibilidade,
dentro da “teoria das normas”, de Binding, Kaufmann sustenta o mesmo ponto
de vista e inconformismo:
202
ASÚA, Luis Jiménez de. La Ley y el Delito, p. 531-532. No mesmo sentido está Florian: “A nostro aviso,
pertanto, le accennate ipotesi s’ingranano senz’altro nella categoria degli elementi costitutivi del reato, anche
se non lo sono del fatto; anche se non create dall’attività dell’agente, si riferiscono però al fatto quale da lui
comesso od all’evento da lui cagionato col suo comportamento. D’altronde non sarà sempre agevole distinguere
queste condizioni dagli elementi costitutivi e dalle circonstaze del reato. Talora poi vengono qui assunte
addirittura condizioni di procedibilità, condizioni necessarie per l’esercizio dell’azione penale [...]” (Eugenio
Florian, op. cit., idem). A mesma advertência é, ainda, feita por Kaufmann: “En verdad, cada vez se impone más
desde los distintos puntos de vista, la idea de que las llamadas condiciones objetivas de punibilidad, en parte,
importan presupuestos de perseguibilidad, y en parte son simples elementos del tipo (elementos de la acción) o
bien son en parte ‘puros elementos del deber’.” (Armin Kaufmann, Teoría de la normas – Fundamentos de la
dogmática penal moderna, p. 286.). Na doutrina pátria, Toledo expressamente rejeita a existência de qualquer
conceito de condição objetiva de punibilidade, concluindo, tal como Asúa, que as hipóteses que repetidamente se
apresentam a título de exemplo, por suas características próprias, estariam inseridas em outros institutos: “[...]
pensamos nós que o exame mais detidos dos casos apresentados para justificar a existência das mencionadas
‘condições’ revela, sem muita dificuldade, que alguns deles se identificam perfeitamente com as denominadas
‘condições de procedibilidade’ (condições específicas da ação penal); os demais ou são características da
conduta típica, portanto elementos do tipo, ou dizem respeito ao resultado, também elementos objetivos do
tipo.” (Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156).
144
“Lo que Binding ha designado como ‘condiciones objetivas de
puibilidad’ no es um grupo cerrado de elementos que pueda
reconocerse según su estructura especial. Al contrario, se trata de
casos de la más diversa especie, que dogmáticamente no pueden ser
reducidos a un común denominador. Precisamente en el punto en que
la teoría de las normas ha alcanzado una resonancia general, resulta
insostenible.”
203
Nesse contexto, pode-se concluir que a busca insistente de uma
estrutura que fosse capaz de esclarecer, de forma satisfatória, as escassas
dúvidas concretas que se apontam, poderiam ser satisfeitas mediante respostas
distribuídas dentro de elementos consagrados, não se mostrando, em síntese,
necessária a introdução de um novo elemento cujas fronteiras não se consegue
desenhar. Em relação aos poucos casos obscuros que fomentaram o surgimento,
na doutrina, das condições objetivas de punibilidade, concorda-se neste trabalho
com Florian quando conclui que “[...] alcançar-se-á a clareza retornando ao
antigo, isto é, à simples categoria dos elementos constitutivos, abandonando a
nova e oscilante figura jurídica, tão exaustivamente fantasiada.”
204
No entanto, se na ciência penal pátria a questão das condições
objetivas de punibilidade foi discussão que sempre se manteve no plano
estritamente doutrinário, é bem de se ver, como já dito, que após o advento da
Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, o instituto ganhou vida expressa
quando reconheceu, em seu artigo 180, que a sentença declaratória de falência, a
que concede recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação
extrajudicial à empresa, são condições objetivas de punibilidade.
Como advertido ao início deste capítulo, a partir de então, tem-se a
contingência de, ao invés de rejeitar a categoria das referidas condições
205
, por
203
KAUFMANN, Armin. Op. cit., p. 287.
204
FLORIAN, Eugenio. op. cit., p. 400, “tradução livre do autor”.
205
Situação semelhante ocorreu a partir do Código Penal Italiano de 1930, diante da expressa previsão das
condições objetivas de punibilidade na Parte Geral (art. 44), registrando Asúa que alguns doutrinadores “[...] se
145
conta dos argumentos até agora pormenorizados, ter de desenhar, diante da nova
previsão legal, seus contornos, já que o dispositivo citado limitou-se a afirmar
sua existência sem, no entanto, delimitar suas características mínimas.
É de se observar, ainda, que embora a referida norma haja
reconhecido a categoria das condições objetivas de punibilidade, não significa
que a questão em relação às infrações penais da mesma lei tenham se tornado
pacífica, aspecto que será abordado com cautela mais adiante (capítulo 8 supra).
Por agora, feitas as considerações pelas quais não se vê qualquer
vantagem nas condições objetivas de punibilidade, importa, diante da previsão
legal, apenas considerar suas características para, em seguida, cotejá-las com as
disposições da nova lei falimentar (capítulo 8 supra), reservando, inclusive,
considerar sobre a possibilidade das figuras típicas lá estampadas acomodarem-
se, em sua totalidade, a um único grupo de características traçadas a título de
condições objetivas de punibilidade.
Assim, por todo exposto ao longo dos subitens do presente capítulo,
cumpre sintetizar o grupo de características a serem preenchidas para que dado
evento possa ser reconhecido como condição objetiva de punibilidade.
Por razões lógicas e em conformidade com o quanto se tem aqui
sustentado, o caráter de independência volitiva, que garante às ditas condições o
caráter objetivo, deve ser considerado como conseqüência das demais
características, observadas no plano da imputatio facti
206
, única forma de
ven precisados a a aceptarlas por imperio del art. 44 [...]” (Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal,
v. VII, p. 45)
206
Conforme considera Pannain: “[...] le condizioni di punibilità sono un quid di autonomo, di distinto
dall’evento e dagli altri elementi del reato; devono, perciò possedere caratteri che imprimano ad esse una suitas
inconfondibile, e che, perciò, non possono essere quelli di alcuno degli altri elementi del reato.” (Remo
Pannain, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 276).
146
reduzir-se o espectro do instituto e, via de conseqüência, diminuir a
possibilidade de alargamento das hipóteses de responsabilidade penal objetiva.
Assim, inicialmente, importa reiterar que o evento condicionante
deve encontrar-se situado fora do enunciado típico, tanto para que não se
confunda com os próprios elementos do delito, quanto para que se possam ver
reduzidos os conflitos com o imperativo da abrangência subjetiva de todos os
elementos típicos (subitem 7.4. retro).
Considerada sua estranheza ao tipo penal, o evento condicionante
deve, também, encontrar-se afastado da linha de desdobramento causal da
conduta típica desenvolvida pelo agente ou, por outras palavras, não se
apresentar em relação de conseqüência com o delito perpetrado, o que se
sustenta no intuito de evitar-se que, na prática, deixe-se em aberto a
possibilidade de que o próprio resultado do delito, por simples manobra legal,
não se veja alcançado pela necessidade de imputação subjetiva, via de efeito
comprometendo o princípio da culpabilidade (subitem 7.2. retro). Nesse sentido,
não se vê no evento morte ou nas lesões corporais de natureza grave, um evento
condicionante do delito de induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio.
207
Trata-se de verdadeiros resultados que devem ser creditados ao agente ao menos
a título de dolo eventual.
No que tange ao aspecto temporal, somente poderá ser admitido a
título de evento condicionante aquele que se coloque em relação de
concomitância ou sucessão à execução do delito, de sorte que qualquer outro
elemento preexistente deve ser admitido como integrante da figura delituosa e
207
Igualmente se posiciona Silveira para quem no delito do artigo 122 do Código Penal “[...] é evidente a
relação de dependência causal, objetiva e subjetiva, do evento morte ou lesão grave com a ação do induzidor,
instigador ou auxiliador ao suicídio.” (Euclides Custódio da Silveira, Direito Penal (Crimes contra a pessoa), p.
100).
147
não como condição objetiva de punibilidade (subitem 7.3. retro). Por essa razão,
tem-se que nos crimes pós-falimentares a sentença de quebra não pode, de
plano, ser cogitada como condição objetiva de punibilidade, situação que será
pormenorizada adiante (capítulo 8 supra).
Por fim, somente o conjunto concomitante desses aspectos de
ordem objetiva é que permite a configuração da característica principal do
instituto — a autonomia volitiva do evento condicionante — que, conforme dito
(subitem 7.1. retro) deve apresentar sua independência subjetiva de forma plena,
razão precípua porque se insiste, também no distanciamento causal.
Nesse contexto — reiterando, a particular antipatia deste trabalho
pela idéia da categoria das condições objetivas de punibilidade, mas
reconhecendo ainda a necessidade de traçar seus contornos diante da previsão
legal na lei falimentar — e pelos fundamentos pormenorizados, procura-se fixar
as características que, no entender deste trabalho, contrastariam minimamente
com os princípios que informam a ciência penal hodierna e, de certa, forma
distanciaria o instituto dos demais elementos do delito.
Pavimentada a questão das condições objetivas de punibilidade, de
forma genérica, por meio dessas considerações importa, então, observá-las à luz
da dinâmica da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, ponderando a
adequação da norma contida no artigo 180 que estabeleceu genericamente para
todas as infrações penais estampadas no mesmo diploma legal, a declaração de
falência, a concessão de recuperação judicial ou extrajudicial como condições
objetivas de punibilidade.
148
8 A SENTENÇA QUE DECRETA A FALÊNCIA, CONCEDE A
RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU CONCEDE A RECUPERAÇÃO
EXTRAJUDICIAL COMO CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE
— O ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101 DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 E
OS CRIMES FALIMENTARES EM ESPÉCIE
Conforme observado, a nova legislação falimentar, diferentemente da
legislação que a antecedeu (Decreto-Lei n.° 7.661/45), inovou ao declarar
expressamente a natureza jurídica da sentença que decreta a falência ou que
concede a recuperação judicial ou extrajudicial da empresa, como condições
objetivas de punibilidade de suas infrações penais, agrupadas entre os artigos
168 a 177 da mesma Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. É o que ficou
proclamado no artigo 180, in verbis: “Art. 180. A sentença que decreta a
falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial
de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das
infrações penais descritas nesta Lei.”
Porém, muito além desse aspecto, é bem de se ver que o referido diploma
legal foi, na legislação brasileira, a primeira norma a efetivamente fazer
referência ao instituto das condições objetivas de punibilidade, sem, no entanto,
definir-lhe as características, tentativa que preliminarmente empreendemos
(capítulo 7 retro), antes de traçar nossas considerações acerca da conveniência
desta previsão legal, especialmente na dinâmica em que foi colocada.
Conforme salientado, ao consignar nossa posição, no sentido de não
visualizarmos qualquer vantagem ou conveniência no reconhecimento da
categoria das condições objetivas de punibilidade, (subitem 7.6 retro), a
doutrina, ao tratar do tema, freqüentemente parece adotar um processo indutivo
em que, a partir de algumas poucas hipóteses concretas, tenta buscar um
149
conjunto uniforme de características às ditas condições. Ocorre que, além de não
se haver, até hoje, conseguido alcançar minimamente um grupo de
características comuns, capazes de garantir às ditas condições o status de
categoria
208
, também não há na doutrina consenso sequer quanto às hipóteses
legais em que estas se verificam, de sorte que eventos que uns entendem como
condições objetivas de punibilidade, outros reconhecem natureza jurídica
distinta.
É justamente o que ocorre em relação ao decreto falimentar que, embora
alguns autores recorrentemente exemplifiquem como hipótese de condição
objetiva de punibilidade, outros, que inclusive admitem a existência de tais
condições, não entendem que tal hipótese possa ser dessa forma admitida. Esse
ponto não escapa do mesmo grau de polêmica que notabiliza a própria existência
e contornos da categoria das condições objetivas de punibilidade.
Assim, reconhecem a sentença de falência como condição objetiva de
punibilidade dos crimes falimentares — sem, contudo, aprofundar a questão —
Galdino Siqueira, Miguel Reale Júnior, Nelson Hungria, Luiz Régis Prado, René
Ariel Dotti, Ernst Von Beling, Reinhardt Maurach, Franz Von Listz, Antimo Di
Lorenzo, Edmund Mezger, Francisco Muñoz Conde e García Arán, Giulio
Battaglini e Hans Welzel (os últimos quatro autores apenas em relação aos
crimes antefalimentares).
Em sentido contrário, encontramos Everardo da Cunha Luna, Juan Bustos
Ramirez, Carlos Fontán Balestra, Luis Jimenez de Asúa, Henrique Cury Urzua,
208
Alguns autores sustentam que as condições objetivas de punibilidade não possuem, de qualquer forma, caráter
homogêneo. Neste sentido está Mezger: “La exacta delimitación de estas llamadas condiciones objetivas de
penalidad se dificulta más aún a causa de que no revisten carácter unitario.” (Edmund Mezger, Tratado de
Derecho Penal, p. 370). E, ainda, Reinhart Maurach, Derecho Penal Parte General, p. 373.
150
Francisco de Assis Toledo, José Frederico Marques, Antônio Pitombo e Eusébio
Gómez.
Consideradas as características absolutamente peculiares das infrações
penais falimentares, bem como a diversidade de tipos penais estampados na Lei
n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a questão não parece passível de respostas
genéricas e, menos ainda, de previsões legais com a amplitude que emprestou o
legislador. A situação exige um processo detido de análise, capaz de decantar as
hipóteses em que os eventos arrolados no artigo 180 possam ser ao menos
debatidos a título de condições objetivas de punibilidade, bem como identificar a
natureza jurídica dos mesmos nos demais casos.
O que não será possível, e neste particular adiantamos parte de nosso
ponto de vista, é afirmar que, em qualquer infração penal arrolada na Lei n.°
11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a sentença de quebra ou a que concede
recuperação judicial ou extrajudicial, possua natureza de condição objetiva de
punibilidade, o que se conclui por variados aspectos, os quais podem ser
diagnosticados de antemão a título genérico, antes de ingressar-se na análise
detida de cada uma das figuras delituosas.
De início, há que se considerar, coisa que o legislador também não fez,
duas categorias distintas de delitos falimentares, levadas em conta na doutrina
em função da situação cronológica do evento condicionante. Assim, afirma-se,
com razão, a dicotomia entre delitos pré-falimentares e delitos pós-falimentares.
Os primeiros seriam aqueles em que a conduta típica tenha sido executada
no período que antecedeu o evento condicionante. Os segundos, por outro lado,
teriam a realização da figura delituosa após a ocorrência do dito evento. Essa
classificação, releva notar, deve ser considerada, também em relação à sentença
151
que concede recuperação judicial ou extrajudicial, visto que, na conformidade
do citado artigo 180, são colocadas, igualmente à sentença de quebra, como
condições objetivas de punibilidade, nesse particular funcionando da mesma
forma como eventos condicionantes.
Embora a utilidade dessa classificação nem sempre seja reconhecida
209
, a
distinção é fundamental
210
, especialmente quando se discute a natureza jurídica
da sentença de quebra, ou das que concedem recuperação.
Isso à vista de que, conforme já sustentado de forma genérica (subitem
7.3. retro), só e somente os fatos que se apresentem contemporâneos ou
posteriores à execução do tipo penal é que podem ser cogitados como
pertencentes à categoria das condições objetivas de punibilidade.
De fato, pelos argumentos expendidos alhures, fica muito difícil
argumentar que um evento possa condicionar a aplicação da sanção de um crime
que sequer ingressou em fase de execução, razão por que não se mantém a
afirmação de que nos chamados crimes pós-falimentares os eventos relacionados
no artigo 180 possam ser reconhecidos como condições objetivas de
punibilidade.
209
Neste sentido está Führer: “Não há dúvida que existem crimes praticados antes da falência e crimes
praticados depois da falência. Entre as duas situações, porém, inexiste qualquer diferença ontológica, não
havendo interesse em se dizer que os primeiros seriam crimes ‘condicionais’e os outros não. Na verdade, todos
eles dirigem-se a um único fim, qual seja, o de lesar ou colocar em perigo os interesses da massa falida. Num
sentido amplo, não existe, portanto, nenhuma diferença essencial entre crimes antefalimentares e crimes pós-
falimentares.” (Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p. 27)
210
Carrara considerava a distinção entre os crimes pré-falimentares e pós-falimentares de capital importância,
sobretudo no que tange ao perfil criminológico do agente. Para o referido autor, os delitos pré-falimentares
importam numa situação mais grave na medida em que o agente tenha dado causa à quebra da empresa por meio
de manobras fraudulentas, o que deveria ensejar uma sanção expressivamente severa. Os delitos pós-
falimentares, de outra banda, representariam uma situação menos reprovável, porquanto o falido, diante de sua
insolvência, encontrar-se-ia sob influência do pânico da iminente miséria e de outros receios análogos
decorrentes da insolvência, concluindo, assim, que “[...] sotto il punto di vista giuridico presenta un delitto
essenzialmente minore nella forza volitiva del delinqüente: ciò è incontrastabile.” (Francesco Carrara, Pensieri
sulla nozione della bancarotta, In: Opuscoli di Diritto Criminale, v. V, p. 160-176.)
152
Como fatos antecedentes do próprio crime, os referidos eventos são, em
verdade, autênticos elementos do delito, passando a integrar o conjunto de
circunstâncias preexistentes que se acham contempladas na figura delituosa e,
via de efeito, alcançadas pelo prévio conhecimento do agente, o que não se
acomoda com a característica de incerteza e de autonomia subjetiva do evento
condicionante.
Nesse panorama, a previsão genérica estabelecida no artigo 180 da nova
lei falimentar, não se sustenta com a amplitude que lhe foi dada.
Realmente, mesmo aqueles que, nos crimes pós-falimentares não
reconhecem, nos eventos arrolados no referido artigo, um elemento do delito,
mas um pressuposto deste, rejeitam, pelos mesmos argumentos, qualquer
excogitar na direção de uma hipótese de condição objetiva de punibilidade,
como se vê em Fragoso:
A condição objetiva de punibilidade somente pode ser um
acontecimento futuro ou concomitante e incerto, pois de outra forma
não teria sentido a sua disciplina jurídica. As condições anteriores à
ação ou omissão devem ser consideradas pressupostos do crime.
Assim sendo, a sentença declaratória de falência é pressuposto dos
crimes falimentares praticados posteriormente à mesma, [...]
211
Ademais disso, um outro argumento, agora relativo à prescrição, vem
reforçar o equívoco legislativo em não distinguir os crimes pós-falimentares.
Com efeito, a prescrição penal nos delitos previstos na Lei n.° 11.101, de
9 de fevereiro de 2005, à guisa do que ocorreu no Código Penal Italiano (art.
211
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In:
Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761. No mesmo sentido está Pannain: “Se si esaminano, invece, quelle
ipotesi nelle quali l’attività criminosa segue alla dichiarazione di fallimento (es. Art. 216 cpv. legge fall.), la
dichiarazione stessa é un presupposto della condotta criminosa, perchè non possono ipotizzarsi condizioni di
punibilità anteriori alla consumazione.” (Remo Pannain, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 283).
153
158
212
), foi disciplinada de forma peculiar no que tange ao seu termo inicial que,
na conformidade do artigo 182
213
, terá início a partir do advento da condição
objetiva de punibilidade, in casu com o decreto falimentar ou com a sentença
que concede recuperação à empresa.
A situação é, de certa forma, análoga àquela adotada pelo Código Penal
Italiano, que fixa o início da contagem da prescrição nos delitos condicionados,
a partir da ocorrência do evento condicionante.
Ocorre que, enquanto no Código Penal Italiano fica evidenciado que a
condição objetiva de punibilidade nunca será um evento anterior à conduta — já
que a punibilidade é pretensão que sucede o delito já realizado — a lei
falimentar pátria ignorou o fato de que previu modalidades de delitos cuja
conduta típica é passível de desenvolver-se após o surgimento do evento
condicionante (delitos pós-falimentares), não distinguindo, contudo, estas duas
situações no que tange ao termo inicial da prescrição.
Esse estado de coisas revela grave impropriedade do legislador brasileiro,
quando se tem em consideração que nos crimes pós-falimentares a contagem do
prazo prescricional, segundo a determinação legal, deverá ter início antes
mesmo da prática da própria infração penal.
Ora, a situação colocada dessa forma, permite ponderar que um delito
pós-falimentar possa ter sua pretensão punitiva prescrita antes mesmo da
212
In verbis: Art. 158. Decorrenza del termine della prescrizione. Il termine della prescrizione decorre per il
reato consumato, dal giorno della consumazione; per il reato tentato, dal giorno in cui é cessata l’attività del
colpevole; per il reato permanente o continuato, dal giorno in cui è cassata la permanenza o la continuazione.
Quando la legge fa dipendere la punibilitá del reato dal verificarsi di una condizione, il termine della
prescrizione decorre dal giorno in cui la condizione si è verificata. Nondiemo, nei reati punibili a querela, istanza
o richiesta, il termine della prescrizione decorre dal giorno del commesso reato.”
213
In verbis: Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lei
n.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, da
concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.
154
execução do delito, o que evidencia, em termos práticos, a falha palmar em que
se incidiu.
Por outro lado, se a sentença de quebra e a que concede alguma forma de
recuperação fosse, ao menos no tange aos crimes pós-falimentares, havidas
como elementos do delito, ou até como pressupostos deste, não haveria qualquer
problema nesse sentido, visto que o início da prescrição viria a partir da
execução do tipo penal, seguindo a regra geral do instituto.
Toda essa situação aqui evidenciada deixa claro que, conforme advertido
(subitem 7.3. retro), qualquer fato anterior ao próprio delito não pode ingressar
na categoria das condições objetivas de punibilidade a fim de evitar, como
adverte Pagliaro,“[...] o absurdo de deixar decorrer o termo prescricional de um
momento em que não só o fato ilícito não se concluiu, mas nem mesmo se
formou o seu núcleo essencial.”
214
Esse aspecto, por si só, já deixa assente que o legislador, ao pretender
introduzir a categoria das condições objetivas de punibilidade, de forma
genérica na Lei de Falências, o fez de maneira absolutamente descompassada,
visto que não considerou que as infrações penais de natureza falimentar não
apresentam uma estrutura homogênea que permita afirmar que em todos os
casos, a sentença de quebra ou concessiva de recuperação possa assumir a
natureza de evento condicionante, especialmente em função da relação temporal
que se estabeleça entre estas e a execução do delito.
214
PAGLIARO, Antonio. Principi di diritto penal parte generale, p. 390, “tradução livre do autor”. Na
mesma direção está D’Ascola: “[...] sembra del tutto esatto il criterio di segno negativo secondo il quale la
condizione non potrà mai consistere in un evento antecedente rispetto alla condotta del colpevole e ciò perché,
altrimenti, si finirebbe per immaginare la possibilità che la prescrizione del reato inizi a decorrere ancor prima
della sua stessa consumazione , dato che l’art. 158 cpv.c.p. fissa, per i reati condizionali, la decorrenza del
termine di prescrizione a partire dal momento in cui si verifica la condizione stessa.” (Vincenzo Nico D’Ascola,
155
Nessa conformidade, os delitos pós-falimentares não podem ser havidos
como condicionados e, a despeito da expressa previsão legal, os eventos
arrolados no referido artigo 180 devem ser tomados nesses casos, como
elementos típicos e, por via de conseqüência, contemplados pela vontade do
agente tal como os demais que integram a figura delituosa. Esse aspecto da lei, à
evidência, reclama célere reparo, especialmente no que tange à questão
prescricional que, conforme salientado, contraria o bom senso.
215
Afastadas essas hipóteses do âmbito das condições objetivas de
punibilidade, resta, então, a análise da questão em relação aos delitos pré-
falimentares, ou seja, naquelas hipóteses em que os eventos relacionados no
artigo 180, se apresentem concomitantemente ou após a realização dos tipos
penais.
Com efeito, também nesses casos não há uma uniformidade casuística que
permita sustentar que a sentença de quebra ou concessiva de recuperação são,
genericamente, condições objetivas de punibilidade, o que se percebe por mais
de um ângulo.
Conforme sustentado ao traçar as características das condições objetivas
de punibilidade (capítulo 7 retro), estas devem ser elementos estranhos ao
enunciado do delito (subitem 7.4. retro), especialmente porque este deve estar
alcançado, de forma abrangente, pela vontade do sujeito ativo, enquanto que as
Punti fermi i aspetti problematici delle condizioni obiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e
Procedura Penale, v. 36, p. 652-681).
215
Nucci sustenta que nos crimes pós-falimentares deve-se tomar como termo inicial da prescrição a data da
consumação do delito: “[...] quando a conduta criminosa se concretizar após o advento da sentença de falência
ou decisão de concessão de recuperação judicial ou extrajudicial, torna-se absurdo supor que a prescrição já
começara, isto é, antes de o agente atuar já se computava prescrição contra o Estado. Nessas situações, a
prescrição deve ter, como regra geral, o disposto no art. 111, I e II, do Código Penal (começa a prescrição da
data em que o crime se consumar ou em que se der a cessação da atividade criminosa em caso de tentativa).”
(Guilherme de Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas, p. 576.
156
ditas condições, ao contrário, devem justamente permanecer afastadas de
qualquer conteúdo volitivo, corolário de sua própria natureza objetiva.
Ademais disso, todo elemento fixado no enunciado descritivo integra o
tipo penal, de sorte que o evento condicionante, considerado enquanto categoria
distinta, não pode se encontrar lá inserido, sob pena de não se distinguir dos
próprios elementos típicos e, via de conseqüência, não fixar um grupo
objetivamente diferenciado dentro da teoria geral do delito.
Em que pesem essas características, aceitas de forma predominante na
doutrina, é bem de se ver que o legislador falimentar as ignorou de maneira
evidente, porquanto, embora haja fixado a sentença de quebra ou as que
concedem qualquer forma de recuperação à empresa como condições objetivas
de punibilidade, em diversas ocasiões inseriu os supostos eventos
condicionantes diretamente nos enunciados dos tipos penais.
É ao que se assiste nos delitos de Fraude a credores (artigo 168),
Divulgação de informações falsas (artigo 170), Indução a erro (artigo 171),
Favorecimento de credores (artigo 172), Desvio, ocultação ou apropriação de
bens (art. 173), Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art. 174),
Habilitação ilegal de créditos (art. 175), Violação de impedimento (art. 177) e
Omissão de documentos contábeis obrigatórios (art. 178).
Em todas essas infrações, os supostos eventos condicionantes pertencem
expressamente à estrutura do fato típico e, a despeito das respeitáveis opiniões
em contrário (subitem 7.4 retro), tem-se que essa característica não se acomoda
com aquelas que envolvem as condições objetivas de punibilidade.
157
Essa assertiva fica evidente quando se pondera que, se a característica
inafastável do delito condicionado é que o enunciado deste esteja realizado em
todos os seus elementos, de sorte que o evento condicionante viria em seguida,
apenas limitar a aplicação da pena, não há como afirmar que, estando a sentença
de quebra ou concessiva de recuperação inseridas no tipo, possam ser havidas a
este título. E não podem justamente porque, enquanto não se realizarem, o
próprio tipo penal não estará completo, de molde a poder cogitar-se do
aperfeiçoamento da punibilidade, momento que inegavelmente se sucede à
realização integral do enunciado.
Essa é, sem dúvida, outra impropriedade palmar em que o legislador
incidiu, visto que não poderia estabelecer um sistema em que as supostas
condições objetivas de punibilidade não se distinguem, no plano objetivo, dos
demais elementos do tipo penal.
Outros ângulos, no entanto, demonstram que, à evidência, o dispositivo
em comento foi falho, em função da configuração incompatível com a
diversidade de características das figuras delituosas com as quais se relaciona.
De fato, percebe-se que a referida lei previu infrações penais em que os
supostos eventos condicionantes encontram-se diretamente na linha de
desdobramento da conduta perpetrada pelo agente, o que fica bastante evidente
especialmente naqueles casos em que o delito vise justamente ao
comprometimento da saúde financeira da empresa. É a hipótese, verbi gratia, da
Violação de sigilo empresarial (artigo 169) e da Divulgação de informações
falsas (artigo 170).
Conforme observado alhures (subitem 7.2. retro), o evento condicionante
não pode encontrar-se causalmente ligado à conduta do agente, sob pena de, a
158
um só tempo, confundir-se com o próprio resultado do delito — ainda que a
norma o nomeie como condição objetiva de punibilidade — e, por via de
conseqüência, apresentar-se subjetivamente vinculado ao sujeito ativo, o que, de
novo, contrasta com o próprio caráter objetivo das ditas condições.
Em síntese, a conduta do agente não pode haver contribuído para o
decreto de falência ou para a concessão de recuperação, para que estas possam
ser reconhecidas como condições objetivas de punibilidade, consideração que,
por sinal, Mirabete já fazia ainda na vigência da antiga Lei de Falências
(Decreto-lei n.° 7.661/45): “Exemplo de condição objetiva de punibilidade é a
sentença declaratória de falência em relação aos crimes falimentares (nas quais a
ação é anterior à decisão), desde que a conduta não tenha sido a causa da
quebra.”
216
Por mais que funcionalmente o legislador insista em atribuir aos eventos
indicados a nomenclatura de condições objetivas de punibilidade, é bem de se
ver que a norma não pode se distanciar dessa forma da realidade, de sorte que
atribuir-se o caráter de objetividade a um evento que foi causado e até buscado
pelo agente, ainda que de forma eventual, não enseja qualquer chance de
acomodação na estrutura da referida categoria.
A própria autonomia volitiva — característica maior das condições
objetivas de punibilidade — não se mostra passível de acomodação em certas
hipóteses. Veja-se, verbi gratia, a figura da Divulgação de informações falsas
(artigo 170). Seu enunciado prevê expressamente a finalidade específica de levar
o devedor à falência. Como é possível o legislador pretender afirmar que, em
hipótese dessa ordem, há a independência da vontade, quando o enunciado do
216
Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381.
159
delito taxativamente conduz o dolo do agente à sua expressão superlativa,
justamente na direção do suposto evento condicionante?
A incongruência é de clareza solar. Não há como descrever um tipo penal
fixando a finalidade específica de produzir determinado evento como elementar
e, alguns artigos adiante, afirmar o caráter meramente objetivo
217
do mesmo
evento. In casu, se não restar comprovado o dolo do agente, direta e
especificamente voltado à produção da quebra da empresa, a conduta será
inclusive atípica.
O conjunto desses argumentos evidencia que o legislador falimentar
debruçou atenção aquém do necessário, no estudo preliminar das condições
objetivas de punibilidade, haja vista que desconsiderou a diversidade de
circunstâncias que as figuras delituosas capituladas apresentam entre si.
Esse estado de coisas mostra-se ainda mais crítico em razão da ausência
de norma que descreva as condições objetivas de punibilidade, restando apenas
um grupo de infrações particulares que não apresentam um conjunto uniforme
de traços comuns, passíveis de permitir, pelo processo indutivo, estabelecer-se
um rol de características gerais que configurassem as referidas condições.
Realmente, o legislador agiu com impropriedade ímpar ao introduzir, na
lei penal brasileira, pelos portões dos crimes falimentares, a categoria das
condições objetivas de punibilidade, sendo de absoluta procedência a crítica de
Pitombo ao artigo 180 do novel diploma falimentar:
Por capricho acadêmico, conseguiram classificar a sentença
decretatória da falência como condição objetiva de punibilidade,
perspectiva torta que vingou na versão final aprovada pelo Congresso
217
Nesse particular divergimos diametralmente de Reale Júnior quando afirma: “A declaração de falência é
condição objetiva de punibilidade nos crimes falimentares e evidentemente não integra a vontade do agente.”
(Miguel Reale Júnior, instituições de Direito Penal, v. 1, p. 229).
160
Nacional (art. 180, da Lei n.° 11.101/05), mas que não se sustenta
frente à melhor interpretação.
218
Consignadas — de forma genérica — as razões pelas quais não se vê a
possibilidade de acomodar-se a sentença de quebra ou concessiva de
recuperação na categoria das condições objetivas de punibilidade, em relação à
totalidade das infrações penais contidas na Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de
2005, como determinou o artigo 180 do mesmo diploma, importa, então,
considerar a questão de forma pontual, em relação a cada uma das onze
infrações penais estampadas na referida lei.
A análise individual, é fundamental advertir, não tem por objetivo
detalhar de forma completa todos os aspectos dos tipos penais, mas apenas das
situações contextualizadas em seus enunciados, a fim de que se possa
aprofundar a questão da natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva
de recuperação, objetivo da presente pesquisa.
8.1 Fraude a Credores
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a
falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação
extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos
credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou
para outrem.
Pena — reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1.° A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o
agente:
218
PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Velhos Fantasmas, In: Boletim do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, n.° 148, p. 11.
161
I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que
neles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;
III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais
armazenados em computador ou sistema informatizado;
IV – simula a composição do capital social;
V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos
de escrituração contábil obrigatórios.
Contabilidade paralela
§ 2.° A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor
manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade
exigida pela legislação
§ 3.° nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis,
auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para
as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua
culpabilidade.
Redução ou substituição de pena
§ 4.° Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de
pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas
fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão
de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de
direitos, pelas de perda de bens e valores e pelas de prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas.
O art. 168 é, na verdade, a quase repetição do art. 187 da revogada
Lei de Falências (Decreto-Lei n.° 7.661/45), tipo penal em que descansava a
expressiva estatística de incidências, corolário, certamente, da amplitude do
162
enunciado que genericamente previa a prática de qualquer sorte de fraude em
prejuízo dos credores da massa falida.
O artigo em comento não repete, ipsis literis, a redação empregada
na legislação anterior, de conteúdo inegavelmente mais enxuto. De fato, foi
expandido não apenas em função da criação dos novos institutos da recuperação,
mas também pela inserção de causas de aumento (§s 1.° e 2.°) e de diminuição
de pena (§ 4.°), bem como de disposições relativas ao concurso de agentes (§
3.°).
A idéia central do caput, contudo, permanece focada na previsão
genérica da fraude — daí Batista denominar o delito de “estelionato falencial”
219
— assumindo, por outro lado, incidência residual, porquanto terá aplicação
quando a manobra fraudulenta não vier descrita de maneira específica em algum
dos incisos ou até em outro artigo do mesmo diploma legal, técnica que o
legislador houve por bem adotar em relação às fraudes mais evidentes no meio
empresarial.
O núcleo do tipo penal descreve conduta comissiva, traduzida pelo
verbo praticar que significa fazer, cometer, realizar, executar, levar a efeito ato
fraudulento capaz de comprometer o patrimônio dos credores da empresa.
Sendo a prática da fraude a conduta nuclear do delito em questão, e
não estando definidos os seus contornos nem no tipo penal em apreço, nem em
outro de nossa legislação
220
, deve ser havida, conforme genericamente exposta
na doutrina, como o artifício, o logro ou a manobra ardilosa, voltada, em
219
Nilo Batista, Lições de Direito Penal Falimentar, p. 111.
220
A expressão fraude já era encontrada em diversos outros tipos penais como, verbi gratia, os dos arts. 179
(fraude à execução), 335 (Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência) e 358 (violência ou fraude em
arrematação judicial), todos do Código Penal, sem, no entanto, ter definidos os seus elementos.
163
qualquer caso, a alcançar uma vantagem indevida ao agente; ou, conforme a
definição de Garraud, muito apropriada à dinâmica da fraude falimentar:
A fraude é um processo de execução de delitos contra a propriedade
que consiste em obter, por uma manobra mentirosa a entrega de um
valor (dolo), ou em frustrar, por apropriação fraudulenta, a confiança
de um credor (fraude propriamente dita) .
221
Na análise da parcela objetiva do tipo penal vê-se, ainda, que, na
esteira da legislação anterior, a fraude falimentar não se aperfeiçoa enquanto
delito, mediante a simples prática de manobra fraudulenta. Há, ainda, a
exigência de que a fraude resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.
Ao abordar a questão do resultado nesses termos, o legislador
acabou por elevar a fraude a credores à condição de crime de perigo, na medida
em que entendeu bastante a simples exposição a risco do bem jurídico protegido
in casu, o patrimônio dos credores. Embora haja previsto também o efetivo
prejuízo aos credores, é bem de ver-se que equiparou, para fins de resultado, o
prejuízo real à simples ameaça.
No que tange ao elemento subjetivo, vê-se que o delito é punido
exclusivamente a título de dolo, agregando-se, no entanto, ao dolo genérico, o
dolo específico, introduzido no tipo penal pela expressão com o fim de obter ou
assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. A vantagem referida é
aquela de natureza econômica, o que fica subentendido notadamente em função
221
René Garraud, Traité Theorique et Pratique du Droit Penal Français, t. VI, p. 305, “tradução livre do autor”.
Cf., ainda, o magistério de Guilherme de Souza Nucci, “fraudar significa lesar ou enganar com o fito de obter
proveito.” (Código Penal Comentado, p. 717.). Mais pontual em relação ao tema é a definição de NOSTRE, ao
comentar o artigo em tela: “A fraude, seja no âmbito penal, seja no âmbito civil, caracteriza-se pelo vício do ato
jurídico, consistente tanto na manipulação de seus requisitos e pressupostos quanto no desvirtuamento dos
efeitos previstos pelo ordenamento. Nesse contexto, o ato fraudulento somente se perfaz se sua realização tiver
sido conseqüência de engodo, simulação, falsidade ou induzimento em erro, bem assim, se seus efeitos forem
deliberadamente distintos daqueles normalmente previstos no ordenamento.” (Guilherme Alfredo de Moraes
Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes
(Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 538).
164
da objetividade jurídica do delito que descansa na proteção do patrimônio dos
credores da empresa.
O tipo penal cuidou de prever tanto o fim de obter quanto o fim de
assegurar a vantagem indevida visada pelo agente. Embora muito próximas, as
duas situações mereceram distinção a fim de concederem ao tipo penal maior
alcance. As duas hipóteses se distinguem notadamente no que importa à
seqüência das ações do agente que visa à vantagem indevida em prejuízo dos
credores. No primeiro caso pratica a fraude para alcançar a vantagem indevida
previamente visada. No segundo, já obteve a vantagem indevida, por meios não
fraudulentos, mas mesmo assim ilícitos, e ao depois se utiliza da fraude para
garantir-lhes a posse.
O § 1.° contempla hipóteses das chamadas causas de aumento de
pena, ou seja, circunstâncias que eventualmente podem vir a se agregar à
conduta do caput, obrigando o aplicador da norma, na terceira etapa do sistema
trifásico (art. 68 do Código Penal), a exasperar a sanção.
De maneira geral, vê-se
que o parágrafo agrupa hipóteses que determinam o agravamento da pena em
função do meio que o agente venha a empregar para obter ou assegurar a
vantagem indevida.
As circunstâncias descritas nos cinco incisos dão conta de que, na
consecução da fraude, o agente empregou meios que ou se relacionam com
alguma forma de falsidade (incisos I, II e IV), ou de que o agente atuou no
sentido de comprometer o acesso a dados e informações da empresa (incisos III
e V), circunstâncias que, é certo, importam em evidentes dificuldades na
equalização dos débitos da empresa.
165
O § 2.° traz mais uma hipótese de causa de aumento de pena, esta
voltada à questão da contabilidade paralela, no jargão popular conhecida como
“caixa dois”. A contabilidade paralela consiste, em síntese, na omissão de
lançamentos de ativos e passivos na escrituração contábil da empresa, de sorte
que formalmente esta irá expressar falsamente a movimentação financeira que
transitou no caixa.
O §3.° trata do concurso de agentes na fraude falimentar, disposição
que se trata da quase repetição do quanto disposto no art. 29 do Código Penal,
que estabelece a regra geral em sede de concurso de agentes. No entanto, ao
invés da previsão genérica, traduzida no dispositivo do Código pelo pronome
relativo quem, preferiu o legislador falimentar enfatizar as figuras dos
contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais, providência
evidentemente inútil.
O § 4.° contempla hipótese de causa de diminuição de pena, ou
seja, circunstâncias em que o agente, que haja praticado qualquer uma das
fraudes descritas ao longo do mesmo artigo, possa ser beneficiado com a
aplicação de causa de diminuição de pena ou com a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Certamente calçado na presunção da menor extensão dos danos,
impôs o legislador, como pressuposto objetivo elementar para a concessão de
qualquer dessas duas modalidades de benefício, que a fraude praticada envolva a
falência de microempresa (ME) ou de empresa de pequeno porte (EPP), ficando,
portanto, as empresas de maior porte desde logo excluídas da possibilidade de
alcançarem qualquer dos benefícios.
166
Feitas essas considerações preliminares de conteúdo absolutamente
perfunctório e genérico, já que o escopo do presente estudo não é a análise
minudente dos tipos penais, importa considerar a questão da natureza jurídica da
sentença de quebra ou concessiva de recuperação, diante do delito do artigo 168.
Por primeiro, importa considerar duas situações distintas que, via de
efeito, demandam considerações também separadas. A primeira em relação à
hipótese da fraude ser perpetrada após a declaração de quebra ou à concessão de
recuperação. A segunda no caso de fraude pré-falimentar.
Na primeira situação, a sentença falimentar ou concessiva de
recuperação são elementares do tipo penal porque, conforme observado (subitem
7.3 retro), e este é um aspecto em que a doutrina apresenta pouca discórdia, as
condições objetivas de punibilidade só podem se configurar como evento
concomitante ou posterior à prática da conduta típica.
A uma, porque a punibilidade surge como conseqüência da prática
do crime, de sorte que as condições de que dependa assumem, por via de efeito
lógico, a mesma relação de posterioridade; a duas, porque os eventos que se
encontrem como antecedentes da conduta típica, acabam por ingressar no
conjunto de elementos preexistentes obrigatoriamente cobertos pela vontade do
agente, vínculo psicológico que contraria o próprio caráter objetivo que é a
essência das condições em questão.
Sobre a descaracterização da sentença de quebra ou concessiva de
recuperação como eventos condicionantes, quando a conduta lhes seja sucessiva,
também está Nucci, para quem “Nessa hipótese, não se está cuidando de
167
condição objetiva de punibilidade, mas de mera fraude cometida contra os
credores durante o processo de falência ou recuperação.”
222
Assim, na fraude pós-falimentar a sentença de quebra ou concessiva
de recuperação tem natureza de elemento do tipo penal e não de condição
objetiva de punibilidade.
No que se refere à segunda hipótese, quando a Fraude a credores
vier a ser perpetrada antes do decreto de falência ou da concessão de
recuperação à empresa, a questão assume outro enfoque na medida em que pelo
menos a característica de posterioridade do evento condicionante em relação à
conduta estaria preenchida.
No entanto, a questão deve ser considerada por outros ângulos,
notadamente aquele relativo ao conteúdo subjetivo do delito, que na espécie
parece não se acomodar, satisfatoriamente, com a categoria das condições
objetivas de punibilidade.
Nesse sentido, releva notar, por primeiro, que os supostos eventos
condicionantes encontram-se inseridos taxativamente no enunciado típico,
aspecto que, conforme antes salientado (subitem 7.4 retro), não se admite em
relação às condições objetivas de punibilidade, visto que todos os elementos
típicos devem estar necessariamente alcançados pela vontade do agente.
Esse aspecto, por outro lado, prenuncia o contexto da necessidade
de uma indispensável relação entre o agente e os ditos eventos condicionantes, o
222
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, p. 553. Assim Também Manoel
Pedro Pimentel, Legislação Penal Especial, p. 120.
168
que afasta qualquer possibilidade de admiti-los como condições objetivas de
punibilidade.
Essa necessidade assume contornos práticos porque, conforme
pacificamente sustentado na doutrina, as manobras fraudulentas de que trata o
artigo em tela, só adquirem relevância quando levadas a efeito dentro da
chamada “zona de risco penal”, ou seja, naquele período que antecede a quebra
ou a recuperação, quando a empresa já apresente sintomas evidentes da
possibilidade de ocorrência dos referidos eventos, conforme sintetiza Nostre:
A fraude a credores de que ora se trata é aquela praticada já em
momento de desequilíbrio financeiro do devedor. Na recuperação
judicial, desde seu requerimento (art. 48). Na recuperação
extrajudicial, desde o início das tratativas com os credores para o
estabelecimento do plano de recuperação a ser homologado
judicialmente. Já na falência o momento de início da crise é de mais
difícil determinação, podendo retroceder aos momentos iniciais do
período de endividamento temerário que acaba por ensejar a falência
[...]
223
De fato, as manobras que se distanciam da “zona de risco penal”
não são reconhecidas como configuradoras de Fraude a credores, justamente
porque neste período tem-se a certeza de que a ocorrência dos supostos eventos
condicionantes se não são diretamente buscados pelo agente, são ao menos
previsíveis em função da crise financeira.
224
É certamente por isso que a
sentença de quebra ou concessiva de recuperação foi inserida no enunciado do
tipo penal.
Se o agente atua no sentido de esvaziar fraudulentamente os ativos
da empresa e levá-la ao estado falimentar ou de recuperação em prejuízo de seus
credores, fica evidente que tais eventos foram visados e até causados pelo
223
Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO,
Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 538
224
Nesse mesmo entendimento está SILVA “Não tem sentido, realmente, falar-se em fraude falimentar se a
manobra artificiosa teve lugar, por exemplo, anos antes da quebra e não contribuiu, por si só, para agravar
situação dos credores que àquela viera a acorrer.” (Antonio Paulo C. O. Silva, Comentários às disposições
penais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, p. 74).
169
agente, situação que não guarda qualquer semelhança com a categoria das
condições objetivas de punibilidade.
Se, por outro lado, a vontade do agente não é diretamente voltada à
quebra ou à recuperação, porém o estado financeiro crítico que caracteriza a
“zona de risco penal” as torna previsíveis, ao atuar fraudulentamente,
antecipando-se na tentativa de resguardar patrimônio em prejuízo de seus
credores, é evidente que estará assumindo o risco da ocorrência dos eventos que
em tese condicionam a punibilidade, razão por que lhe devem ser creditados,
ainda que a título eventual.
Em ambas as situações, a quebra e a recuperação não assumem o
caráter objetivo que exige a categoria das condições objetivas de punibilidade.
Em síntese, o caráter objetivo não se acomoda com uma fraude, de
sorte que a falência não pode nesta modalidade delituosa ser havida como
evento estranho à vontade do agente. É o que bem proclamam Chauveau e
Hélie:
Assim, em matéria de falência fraudulenta, a fraude ou, em outros
termos, a culpabilidade do agente deve ser expressamente declarada:
ela não pode implicitamente resultar de qualquer fato, porque este
fato, qualquer que seja, não a supõe necessariamente, porque a pena
não pode ter por base uma indução extraída de um fato: é preciso que
a culpabilidade seja completamente estabelecida pelo júri.
225
Por esses argumentos conclui-se que, da forma com que foi
redigido, o artigo 168 não permite reconhecer a sentença de falência ou
concessiva de recuperação como condições objetivas de punibilidade.
225
CHAUVEAU, Adolphe; HÉLIE, Faustin. Theorie du Code Pénal, t. II, p. 348.
170
8.2 Violação de sigilo empresarial
Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo
empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços,
contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade
econômica ou financeira:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa
Ao introduzir a figura delituosa do art. 169, o legislador falimentar
inovou completamente em relação ao extinto Decreto-Lei 7.661/45, visto que o
dispositivo em tela não deita quaisquer raízes na legislação anterior, nela não se
encontrando qualquer tipo penal semelhante.
O fundamento principiológico das figuras penais que, de maneira
geral, punem a violação de segredos, remete à proteção constitucional da
intimidade, art. 5.°, inciso X
226
, salientando-se que tal garantia alcança não
apenas as pessoas físicas, mas também as jurídicas, sendo o delito de violação
de sigilo empresarial exemplo verdadeiro de que a empresa também é alcançada
pela proteção a intimidade.
Nota-se ser o art. 169 da Nova Lei de Falências talvez o primeiro
dispositivo penal genuinamente voltado à tutela da intimidade da pessoa
jurídica
227
, o que é digno de aplausos, considerando-se que a legislação
226
Art. 5.° (...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
227
Antes da nova Lei de Falências, a Lei 7.492 de 16 de junho de 1986 – “Lei do colarinho branco”, previa
dispositivo que, embora voltado a preservar a higidez do Sistema Financeiro Nacional, protegia, ao mesmo
tempo, uma determinada fatia da intimidade das instituições financeiras, consoante se depreende do tipo penal
abrigado no art. 18 daquele diploma legal, in verbis:
Art. 18. Violar sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante do
sistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício.
Pena — reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa
171
brasileira é ainda muito tímida, mesmo no que se refere à tutela penal da
intimidade das pessoas físicas.
228
O tipo penal abrange três condutas distintas, voltadas a proteger o
sigilo de informações no âmbito das empresas devedoras, a fim de evitar que o
vazamento de determinados dados venha a cooperar ainda mais para os óbices à
superação da dívida.
A primeira conduta é descrita pelo verbo violar que, na hipótese,
significa a revelação ou devassa abusiva de informação sigilosa. Viola um
segredo aquele a quem este foi direta e formalmente confiado, de maneira
originária ou sucessiva, assumindo o sigilo pela informação recebida.
O segundo núcleo do tipo — explorar — implica na tipicidade da
conduta daquele que tira ou tenta tirar proveito ou partido da informação sigilosa
de que seja detentor.
Finalmente o legislador previu conduta de divulgar, cujo
significado é tornar público, difundir determinada informação sigilosa. A
divulgação é a conduta de conteúdo mais amplo dentre a três previstas no tipo
penal, importando notar que nessa modalidade, a despeito de opiniões em
contrário, é bastante que a informação seja divulgada a um indivíduo, não se
exigindo, para a realização da conduta nuclear, a ampla comunicação a mais de
uma pessoa.
229
228
A doutrina já advertia sobre a importância da intimidade dos entes jurídicos, observando Costa Júnior que a
previsão de ilícitos penais relacionados à intimidade das pessoas físicas “não exclui que as pessoas morais
possam vir a ser tuteladas, mormente em matéria de segredo, que poderá inclusive revestir-se de considerável
valor patrimonial.” (Paulo José da Costa Júnior e Luiz Vicente Cernicchiaro, Direito Penal na Constituição, p.
229)
229
A questão é a mesma que se levanta em relação ao crime de Divulgação de segredo (artigo 153, Código
Penal). Sobre a necessidade do conhecimento por um número indeterminado de pessoas estão Cezar Roberto
Bitencourt (Manual de Direito Penal,, v.2, p. 514), Paulo José da Costa Júnior (Curso de Direito Penal, p. 344),
Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, v. VI, p. 251), Fernando Capez (Curso de Direito Penal – Parte
172
Norma protetora da intimidade da pessoa jurídica, o objeto material
do delito é o sigilo empresarial ou o dado confidencial relacionado a uma
operação ou serviço da empresa. Sigilo empresarial é a relação de segredo que
se estabelece em derredor de determinadas informações de uma empresa, que
deverá ser preservada num círculo restrito de pessoas.
Dado confidencial importa em expressão semelhante, porém, in
casu, de conteúdo mais restrito, visto que deverá referir-se necessariamente a
uma operação ou serviço da empresa. A operação a que se refere poderá ser de
natureza comercial ou, numa acepção mais abrangente, qualquer medida voltada
à consecução de um objetivo financeiro. Serviço, em uma acepção estritamente
econômica, consiste no conjunto de pagamentos referentes a um empréstimo ou
dívida, incluindo aí não apenas o principal, mas todas as despesas e valores
acessórios.
Ainda acerca do objeto material, é imprescindível a avaliação do
conteúdo e da natureza da informação, visto que informações que, de plano,
verificar-se não terem o condão de comprometer a empresa, quer por sua
insignificância, quer pela ausência de relação com a saúde financeira da
empresa, ficarão excluídas do tipo penal por manifesta falta de potencial lesivo.
Obviamente essa avaliação se desenvolverá tanto no plano da conduta como da
causalidade, visto que o tipo penal prevê a causação de um resultado.
O objeto jurídico, de sua vez, repousa na proteção patrimonial dos
credores da empresa, que poderão ver comprometida a perspectiva do
pagamento de seus créditos pela total ruína econômico-financeira da devedora.
Especial, v.2, p. 338), Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, v. 2, p. 214). Entendendo ser bastante
o conhecimento por parte de uma única pessoa estão Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, p.
485), Celso Delmanto e outros (Código Penal Comentado, p.307).
173
Atento ao fato de que nem toda abertura de segredo poderá ser tida
como criminosa, o legislador inseriu no próprio enunciado do tipo penal
elemento normativo — sem justa causa — ligado diretamente à noção de
ilicitude, exigindo, portanto, um juízo de valor sobre a antijuridicidade já no
campo da tipicidade. Haverá justa causa para a revelação de segredo nas
hipóteses de delatio criminis, cumprimento do dever de testemunhar a verdade,
apreensão de documentos e no exercício do direito de defesa em juízo.
230
O tipo penal em tela é material, perfazendo-se somente quando a
violação de sigilo venha a contribuir com a inviabilidade econômica ou
financeira da empresa, o que força concluir que se trata de crime antefalimentar.
Esses aspectos são de capital importância na consideração da
natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva de recuperação que,
embora não se encontrem inseridas no enunciado do delito, no contexto
particular da Violação de sigilo empresarial não completam as características
que lhes dariam domicílio na categoria das condições objetivas de punibilidade.
Com efeito, não se põe em dúvida que tanto a falência quanto a
recuperação são conseqüências da inviabilidade econômico-financeira de uma
empresa, situação que na figura do artigo 169, deve haver sido causada também
pela conduta do agente. Ora, se o estado de inviabilidade foi causado pelo
agente, por via de efeito, a quebra ou a recuperação também o foram, já que
representam o estado jurídico superlativo da ruína preexistente, de que a ação do
agente foi concausa.
230
Neste sentido Fernando Capez, “Curso de Direito Penal – parte especial”, v.2, p.358.
174
Esse estado de coisas contrasta com a categoria das condições
objetivas de punibilidade porque, conforme observado (subitem 7.2 retro), entre
suas características exige-se a necessidade do distanciamento causal entre a
conduta do agente e o evento condicionante, sob pena de não haver uma
distinção exata com o próprio resultado.
É justamente esse distanciamento que não se verifica no caso
vertente, uma vez que se tem o delito como consumado com a contribuição para
a inviabilidade da empresa, aperfeiçoando-se, no entanto, com a possibilidade de
aplicação da pena, apenas quando sobrevier a quebra ou a recuperação, que
também são conseqüências, ainda que parciais, da mesma conduta do agente.
Em síntese, pelos desdobramentos diretos da prática do delito, esse se consuma
um passo atrás, mas a possibilidade da pena surge um passo depois, a partir de
eventos que são frutos da mesma ação.
Fica evidente, nessa circunstância, a relação de causalidade entre a
violação de sigilo, a inviabilidade econômico-financeira e a
falência/recuperação.
Essa conexão causal material, ademais, deixa assente que a vontade
do sujeito ativo também se apresenta ligada aos supostos eventos
condicionantes, o que importa em mais um elemento que descaracteriza a
natureza de condições objetivas de punibilidade.
Isso à vista de que, quando o legislador estabelece como resultado
do delito a contribuição para a inviabilidade econômico-financeira da empresa,
deixa implícito que a mesma já se encontra em dificuldades dessa mesma
175
ordem
231
, previamente à violação do sigilo, estado que, obviamente, deve ser
conhecido pelo agente que justamente busca agravar a situação de fragilidade.
Reiterando que a quebra ou a recuperação representam estados
jurídicos conseqüentes da inviabilidade econômico-financeira, força reconhecer
que se aquelas não foram diretamente visadas pelo agente, este no mínimo
assumiu com sua conduta o risco de suas ocorrências, que eram, com efeito,
previsíveis nas circunstâncias em que a empresa já se encontrava. Em suma, se
os supostos eventos condicionantes não chegaram a ser objeto de dolo direto,
pela situação contextualizada, pelo menos terão sido de dolo eventual, o que não
se acomoda com a exigência de independência volitiva das condições objetivas
de punibilidade.
Essas considerações evidenciam mais uma vez o desacerto
legislativo nas disposições do artigo 180, visto que, ao se considerar que no
delito de Violação de sigilo empresarial a sentença de quebra ou concessiva de
recuperação são condições objetivas de punibilidade, estar-se-á criando uma
presunção de caráter meramente funcional, mas distorcida do ponto de vista
realístico, na medida em que a conduta do agente encontra-se conectada material
e subjetivamente aos referidos eventos, que a lei sustenta serem meramente
condicionantes da punibilidade.
8.3 Divulgação de informações falsas
Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa
sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou
de obter vantagem:
231
Neste sentido observa Nucci: “Note-se, ademais, que a figura criminosa exige um empresário devedor,
afinal, é este que corre o risco de ver seu negócio ruir, caso a informação sigilosa chegue ao mercado.”
(Guilherme de Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas, p. 560).
176
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa
Ao estabelecer o delito de divulgação de informações falsas, a lei
n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 também agiu com ineditismo, visto que
infração penal em questão não encontra correspondente, nem mesmo
semelhante, na legislação falimentar pretérita.
Trata-se, a exemplo do artigo anterior, de dispositivo voltado a
proteger, com a maior eficácia que a norma penal teoricamente promete, a
empresa que se encontre devedora e, portanto, fragilizada em sua saúde
financeira, de investidas desleais que possam comprometer ainda mais sua
situação.
Na espécie, o tipo penal visa especialmente proteger a empresa,
cuja recuperação judicial haja sido decretada, das chamadas “intrigas
empresariais” ou seja, da propagação de inverdades acerca de sua condição
econômica durante o curso da recuperação judicial, visando à falência desta ou
ao auferimento de vantagem.
A situação ventilada pelo legislador vem se mostrando
extremamente atual, sendo cada vez mais freqüentes os desastres empresariais
causados pela veiculação de informações inverídicas, conseqüência da
instabilidade produzida no segmento em que a pessoa jurídica atue. Nesse
panorama, é oportuna a referência à escandalosa falência da empresa norte-
americana “Enron”, ocorrida, justamente, segundo amplamente noticiado na
imprensa mundial, por conta de informações de auditoria falsas fornecidas pela
Andersen.
177
A nova Lei de Falências, visando, então, evitar situações desta
ordem, deixou nítido que o legislador evoluiu e atualizou substancialmente a
visão legal da dinâmica empresarial, agora reconhecendo expressamente as
suscetibilidades de uma empresa em dificuldades financeiras, bem como a
relevância de determinadas variáveis — como o segredo e a reputação —, antes
deixadas de lado, mas que podem ser de importância decisiva para o processo de
reerguimento econômico-financeiro.
Embora a reputação da empresa possa ser atingida pela realização
da conduta típica, o dispositivo em tela não visa diretamente à proteção da honra
objetiva da pessoa jurídica, mas, na realidade, garantir a eficácia da recuperação
judicial, ou melhor dizendo, evitar seu fracasso, em razão de intrigas
oportunistas. De forma mais ampla, entende Pitombo sobre o artigo em
comento:
Assim, o objeto jurídico se alicerça nos princípios da ordem
econômica (art. 170, da CF), afinal, tanto a livre iniciativa, como a
livre concorrência podem ser maculadas pela conduta ilícita, sem falar
nas conseqüências no âmbito do direito de propriedade.
232
Embora, conforme dito, o dispositivo em questão seja inédito na
dinâmica falimentar, é bem de se ver que a importância da veracidade das
informações que circulem a respeito de uma pessoa jurídica já foi, de forma
semelhante, prevista anteriormente em nossa legislação, que contempla no art.
3.° da Lei n.° 7.492, de 16 de junho de 1986
233
(define os Crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional), dispositivo de conteúdo bastante próximo,
colocado, no entanto, no âmbito das instituições financeiras, porém, igualmente
232
PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Divulgação de Informações falsas. In: SOUZA JÚNIOR,
Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação
de Empresas e Falência, p. 544.
233
In verbis:
Art. 3.° Divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira:
Pena — reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa
178
atento aos revezes que uma informação falsa possa produzir a esse perfil de
empresa.
É, com efeito, apropriada a introdução de tipo penal incriminador
nessa direção, no corpo da lei falimentar, uma vez que a competitividade de
mercado demonstra, cada vez mais, o emprego de toda sorte de estratégias,
mesmo aquelas despidas de mínimo conteúdo ético-empresarial.
O enunciado primário da figura delituosa em questão abriga dois
núcleos típicos — divulgar e propalar — ambos relacionados à publicidade que
se dê a informações de conteúdo inverídico, sendo certo que, tendo em vista que
em nenhuma das duas condutas há a exigência, explícita ou implícita, de
qualquer condição especial do agente, o delito será sempre comum.
Divulgar significa tornar público, difundir, disseminar uma
informação falsa. Trata-se de conduta de iniciativa do próprio idealizador
originário da informação falsa, que além de engendrar falácia, ainda a divulga a
terceiro(s).
Tal como no tipo penal imediatamente anterior, violação de sigilo
empresarial, para a realização da conduta típica é bastante que haja a divulgação
a uma única pessoa, não se exigindo, a despeito de abalizadas opiniões em
contrário
234
, a ampla comunicação a terceiros. Acerca desta divergência
doutrinária, reportamo-nos aos argumentos já ventilados no subitem anterior.
Convém, no entanto, reforçar o argumento, observando que a
divulgação de uma informação falsa, ainda quando se faça a uma só pessoa
poderá expor a empresa, já debilitada, ao risco da bancarrota, notadamente se
234
Cf. Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, op. cit., idem.
179
esta única pessoa for peça importante para o restabelecimento da pessoa jurídica
como, verbi gratia, no caso de um potencial cliente em vias de fechar
importante transação comercial.
Propalar, de sua vez, é expressão sinônima a divulgar, diferindo-se
porque enquanto esta redunda do próprio criador da informação falsa, a
propalação decorre da conduta de terceiro que simplesmente toma conhecimento
de informação sabidamente inverídica e a dissemina a fim de cavar a falência da
empresa ou de auferir alguma sorte de vantagem.
Da análise das condutas nucleares, vê-se que a objetividade material
do delito volta-se para a proteção da credibilidade das informações que venham
a ser divulgadas a respeito da empresa em recuperação, interessando-se a lei
penal por aquelas que tenham conteúdo falso.
Informação falsa é qualquer dado cujo conteúdo seja inverídico,
devendo estar necessariamente relacionada com as atividades desempenhadas
pela empresa que in casu, encontra-se em recuperação judicial.
É importante notar que independentemente da finalidade buscada
pelo agente — a falência da empresa ou o auferimento de vantagem — deve-se
ter em conta que não será qualquer informação falsa que se venha a divulgar ou
propalar em relação à empresa, que realizará o tipo penal. Com efeito, a
informação falsa deverá, ao menos potencialmente, ter o condão de levar a
empresa à bancarrota ou de propiciar alguma sorte de vantagem ao agente.
De fato, se a falsa afirmação for absolutamente inócua, ou
absolutamente inverossímil, ao ponto de não gerar um mínimo de credibilidade,
180
não se poderá ter o tipo penal como realizado, por ausência de ofensividade ao
bem jurídico penalmente tutelado.
Recomenda-se, quanto a isto, seguir-se o mesmo critério que se tem
em consideração com relação às fraudes em geral, exigindo-se dessas o
potencial mínimo para levar alguém a erro. Na espécie, insista-se, há de haver na
informação, ao menos no menor limite provável, um conteúdo crível.
No que se refere ao meio de divulgação, o legislador, certamente a
fim de garantir ampla proteção ao bem jurídico, lançou mão de fórmula
abrangente, dando à norma penal o condão de alcançar a divulgação de
informações falsas por qualquer meio que venha a ser empregado.
Nessa conformidade, estará dentro da conduta típica desde a
simples divulgação verbal, até aquela que se venha a fazer pelos meios de
comunicação mais complexos, encontrando-se entre esses dois extremos a
comunicação por rádio, televisão, jornal, e-mail, home pages, carta, telegrama,
fonograma, panfletos etc. Pouco importa o quão inédito ou exótico seja o meio
utilizado, bastando que seja eficaz para que leve a informação falsa ao
conhecimento de pelo menos uma pessoa.
O sujeito passivo será a empresa em prejuízo de quem se venha a
divulgar a informação falsa, sendo elementar do delito que a empresa se
encontre, previamente à conduta delituosa, em recuperação judicial, assim
decretada pelo juízo competente. Estando em recuperação extrajudicial a
conduta estará fora do tipo penal.
181
Também no delito em tela vê-se que a sentença que concede a
recuperação judicial não se acomoda na categoria das condições objetivas de
punibilidade.
Trata-se, com efeito, de evento preexistente à prática da conduta
típica, sendo certo, bem por isso, que deve encontrar-se alcançado pelo dolo do
agente que, dessa forma, deverá ter o prévio conhecimento de que a empresa
encontra-se em estado de recuperação.
Por via inversa, caso o agente desconheça essa situação legal, não
se poderá ter como realizada a infração penal pela ausência do dolo, que
necessariamente abrange todos os elementos do enunciado, inclusive o estado de
recuperação.
Esse entendimento, evidentemente, contrasta com a natureza das
condições objetivas de punibilidade e, a admitir-se que neste caso a sentença
concessiva da recuperação judicial encontra-se na referida categoria, haveria que
se reconhecer como típica a conduta do agente que divulgasse ou propalasse
informações falsas sobre a empresa, visando aos fins estampados na parcela
final do tipo, mesmo desconhecendo previamente seu estado de recuperação.
Tal estado de coisas, à evidência, contraria flagrantemente o
imperativo da culpa, evidenciando a impropriedade em que o legislador incidiu
ao fixar genericamente a sentença de quebra ou concessiva de alguma das
formas de recuperação como condições objetivas de punibilidade para todos os
delitos previstos na novel lei falimentar.
Na espécie, tanto pelo fato de a concessão da recuperação ser
anterior à conduta, quanto por estar inserida expressamente no tipo penal, fica
182
afastada qualquer possibilidade de sustentar-se que se trata de condição objetiva
de punibilidade, devendo ser havida, a despeito da previsão legal, como
elemento típico e, portanto, sujeito ao alcance do conteúdo anímico do agente.
A mesma interpretação cabe no que tange à sentença de falência,
que também não poderá ser havida como condição objetiva de punibilidade, já
que se encontra, igualmente, inserida no tipo penal e, embora não se apresente
como fato preexistente, está, no contexto do tipo penal, situada diretamente na
linha de desdobramento fático da conduta do agente.
Malgrado se trate de delito formal, não se exigindo, portanto, que a
quebra da empresa venha efetivamente a acontecer, nem tampouco que o agente
venha a auferir a vantagem que foi visada, a verdade é que o eventual decreto de
falência encontra-se ligado à conduta do agente em necessária relação de causa e
efeito e, embora seu advento represente apenas o exaurimento do delito, não se
pode negar-lhe, ao menos do ângulo realístico, o caráter de resultado do mesmo.
Também o coeficiente subjetivo do delito em questão, conforme
mencionado alhures (capítulo 8 retro), reforça a impropriedade do legislador ao
fixar a sentença de quebra como condição objetiva de punibilidade.
Com efeito, ao dolo genérico, entendido como a vontade livre e
consciente de praticar-se a conduta típica, há de haver necessariamente agregado
o chamado dolo específico, que é a especial finalidade a ser alcançada com a
prática do delito, na espécie consistente no fim de levar a empresa devedora à
falência ou obter vantagem.
Ora, se é característica das condições objetivas de punibilidade a
absoluta autonomia volitiva (subitem 7.1 retro) do agente em relação aos
183
eventos condicionantes, é evidente que essa exigência típica não se acomoda
com o dolo específico — consabido, expressão superlativa do conteúdo anímico
delituoso.
De fato, especialmente no toca ao delito em comento, o legislador
ao mesmo tempo em que exigiu a vontade do agente diretamente focada ao
decreto de quebra, poucos artigos depois afirmou que o mesmo é condição
objetiva de punibilidade de todos os crimes previstos no diploma legal.
Por todos esses argumentos, tem-se que, no delito de Divulgação de
informações falsas, é absolutamente inviável afirmar-se que a sentença de
falência ou concessiva de recuperação são condições objetivas de punibilidade,
tratando-se, em ambos os casos, de elementos típicos, razão pela qual devem
necessariamente estar alcançados pela vontade do agente.
8.4 Indução a erro
Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações
falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação
extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os
credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador
judicial:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O delito de indução a erro representa mais uma inovação
introduzida pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, sendo certo que a
anterior Lei de Falências (Decreto-lei n.° 7.661/45), não contemplava
dispositivo sequer semelhante.
184
O enunciado da infração penal em questão resume-se no
comprometimento do regular andamento do processo de falência ou de
recuperação judicial ou extrajudicial, em que o agente venha a atuar
introduzindo dados falsos, ou deixando à margem dos referidos feitos, as
informações que não lhe sejam convenientes, mas que em juízo seriam
relevantes.
Por isso, as condutas típicas são dirigidas ao induzimento em erro
daqueles que obrigatoriamente atuam nos processos de falência e recuperação
(juiz, representante do parquet, credores, assembléia-geral de credores, Comitê
ou administrador judicial) e, direta ou indiretamente, zelam pela observância do
procedimento legal, sendo-lhes, assim, devidas as informações na extensão e
conteúdo necessários.
Sobressai, portanto, a objetividade jurídica focada na proteção da
administração da justiça, na espécie visando resguardar o correto andamento dos
processos de falência e de recuperação, judicial ou extrajudicial, colocados em
juízo. Tendo os crimes falimentares caráter pluriofensivo (capítulo 2 retro), na
figura da Indução a erro, a proteção do patrimônio dos credores aparece em
segundo plano.
Sonegar significa encobrir, ocultar com fraude, deixando
transparecer seu desconhecimento ou inexistência. Omitir importa,
simplesmente, em não mencionar, não manifestar-se. Igualmente à sonegação
traduz-se em conduta passiva do agente que deixa de prestar a informação que
deveria, sendo mister, obviamente, que haja o dever jurídico de prestá-las.
235
235
Cf. Nostre: “Em ambas as hipóteses a conduta omissiva somente será relevante se o agente tinha o dever
jurídico de prestar a informação ou de trazê-las ao conhecimento das pessoas envolvidas no processo
falimentar.”
(Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de;
PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e
Falência, p. 545).
185
Prestar informações falsas, por outro lado, é conduta ativa,
consistente na comunicação de dados sabidamente inverídicos no curso dos
feitos de falência ou de recuperação.
Em quaisquer das condutas apontadas o objeto material do delito
será sempre a informação que deva ser prestada, tanto por força da lei como de
requerimento da autoridade competente.
Trata-se, com efeito, de modalidade específica de falsidade
ideológica
236
, prendendo-se, por isso, às exigências ordinárias desse delito
(artigo 299, Código Penal), salientando-se, por isso, a relevância da informação
sonegada, omitida ou inverídica, de sorte que somente terão expressão para fins
penais, aquelas que tenham potencial de comprometer o regular andamento da
falência ou da recuperação. Conforme expressa Nucci, “Dados fúteis são
inoperantes para ferir a administração da justiça.”
237
Da mesma forma, a informação omitida, sonegada ou prestada
inveridicamente deverá ter o potencial de levar a erro as pessoas indicadas no
enunciado típico.
238
A informação grosseiramente falsa e, portanto, sem
potencial de engano, torna atípica a conduta.
Ao dolo genérico o tipo penal exige, ainda, a adição do específico
consistente justamente no intuito especial de levar a erro o juiz, o representante
ministerial, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o
236
Nesse sentido Silva: “É modalidade de falsidade ideológica contemplada no Código Penal (aqui especificada
ao se mencionar ambiente em que pode ocorrer).” (Antonio Paulo C.O. Silva, Comentários às disposições
penais da lei de Recuperação de Empresas e Falências, p. 127).
237
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 562.
238
Neste sentido observa Migliari Júnior: “Não se exige que tais pessoas do processo sejam efetivamente
enganadas, mas, sim, que exista potencial suficiente para que possam ser induzidos a erro. Se o forem, tratar-
186
administrador judicial, de molde a comprometer o regular andamento da falência
ou da recuperação.
As peculiaridades do delito de Indução a erro, por alguns aspectos,
não permitem que a sentença de quebra ou concessiva de alguma das formas de
recuperação sejam havidas como condições objetivas de punibilidade,
importando, preliminarmente, distinguirem-se algumas situações.
Por primeiro, embora o tipo penal consigne a existência de processo
de falência, recuperação judicial ou extrajudicial em andamento, deve-se atentar
para o fato de que não exigiu a prévia decisão de quebra ou concessiva de
recuperação, de sorte que o delito poderá se desenvolver tanto antes quanto após
as referidas decisões, muito embora seja crível que a maioria das hipóteses em
concreto irão se apresentar após o advento das ditas decisões.
Principalmente em relação à falência, a hipótese do delito ser
praticado antes da quebra parece pouco provável, mas não impossível,
notadamente quando esta vier a ser requerida pelo próprio devedor (artigos 105-
107 da Lei de Falências).
Considerando que as condições objetivas de punibilidade têm como
uma de suas características a relação de concomitância ou posterioridade em
relação à conduta típica (subitem 7.3 retro), porquanto a possibilidade de
aplicação da pena se apresenta em relação lógica de sucessão, a omissão,
sonegação ou prestação de informações falsas que venham a ocorrer no período
posterior ao decreto de quebra ou da decisão que conceda recuperação à
empresa, deverão ser havidas como elementos típicos estando, portanto,
se-á de exaurimento do crime, eis que sua consumação já existiu com a conduta de sonegar, omitir ou prestar
informações falsas.” (Arthur Migliari Júnior, Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 137).
187
envolvidas pelo dolo do agente. Não se tratarão, assim, de condições objetivas
de punibilidade.
Remanesce a questão quando a conduta vier a se desenvolver antes
das referidas decisões.
Por outro fundamento, também nesses casos não se estará diante de
hipótese de condição objetiva de punibilidade.
Com efeito, embora não declarada a falência ou concedida a
recuperação da empresa, ao praticar alguma das falsidades típicas, o agente já
deverá encontrar-se em procedimento judicial, quando, obviamente visa
diretamente ou ao menos prevê um destes eventos, perspectiva que, de antemão,
contrasta com a autonomia volitiva das condições objetivas de punibilidade.
Notadamente em relação às hipóteses de recuperação, importa
lembrar que os procedimentos em juízo são de iniciativa do empresário, que tem
nelas um benefício legal a ser pleiteado, de sorte que sua concessão será sempre
buscada diretamente.
A partir dessa observação, tome-se de exemplo, e essa parece uma
das poucas hipóteses plausíveis de indução a erro antefalimentar (ou ante-
recuperação), o empresário que pretende obter o benefício da recuperação
judicial. Determina a Lei de Falências que ingresse com pedido em juízo,
apresentando uma série de informações (artigo 51) cujo conteúdo, obviamente,
deverá ser verídico. Supondo que as preste falsamente, no intuito evidente de ver
concedida a recuperação, ter-se-á, em tese, configurado o tipo penal, que se
aperfeiçoará com a decisão judicial visada.
188
Ora, in casu a dita decisão não funciona como condição objetiva de
punibilidade, justamente porque, embora o delito seja formal, importou em
evento diretamente buscado pelo agente, estando sua ocorrência, portanto, em
relação de causalidade objetiva e subjetiva, o que não se acomoda com a dita
condição.
Note-se, ademais disso, que se o delito em tela se desenvolve,
obrigatoriamente, na dinâmica colocada em juízo, e por isso trata-se de crime
contra a administração da justiça, a quebra ou a concessão de recuperação
judicial ou extrajudicial, são eventos cuja ocorrência, quando não diretamente
buscada, é previsível como conseqüência da sonegação, omissão ou
fornecimento de informações falsas do agente, de sorte que a este devem ser
atribuídos ainda que a título de dolo eventual.
Em síntese, as peculiaridades do delito em questão não permitem
afirmar-se a desconexão subjetiva do agente com os supostos eventos
condicionantes, o que, via de efeito, não lhes confere domicílio na categoria das
condições objetivas de punibilidade.
Nessa conformidade, também na Indução a erro não se vê uma
hipótese de delito condicionado, não amparando o conteúdo do artigo 180 da Lei
de Falências.
8.5 Favorecimento de credores
Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a
falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de
recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou
gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em
prejuízo dos demais.
189
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio,
possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.
O delito em tela representa mais uma inovação introduzida pela Lei
de Recuperação de Empresas e, embora se possa buscar sua raiz legal por
aproximação a outro dispositivo da legislação anterior, o nomem juris e o
enunciado típico são absolutamente inéditos.
Com efeito, o atual artigo 172 encontra sua referência no artigo
188, inciso II da revogada Lei de Falências
239
(Decreto-Lei n.° 7.661, de 21 de
junho de 1945), que punia o favorecimento a credores unicamente quando
houvesse o pagamento antecipado de algum credor e, em conseqüência, o
prejuízo de outros. A lei n.° 11.101/2005 imprimiu expressiva evolução no
enunciado do delito, ampliando o espectro descritivo do tipo penal, de molde a
alcançar uma gama maior de atos semelhantes, o que fica assente quando
salienta a caracterização da infração penal ao punir qualquer “[...] ato de
disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação [...]”.
Pretende o legislador, dessa forma, garantir tratamento paritário aos
credores da empresa, punindo as manobras que importem na saída ou na
assunção de compromisso patrimonial, visando ao benefício de um(s) credor(es)
em prejuízo de outro(s).
240
Trata-se, em síntese, de modalidade de fraude
239
Decreto-Lei n.° 7.661/45
Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo antecedente, quando com a falência concorrer
algum dos seguintes fatos: [...]
II – pagamento antecipado de uns credores em prejuízo de outros;
240
Conforme salienta ABRÃO, “Ao devedor se impõe um tratamento igual aos credores, salvo o título legal à
preferência (CC, art. 1556): á a par conditio creditorum, princípio básico do procedimento falimentar” (Nelson
Abrão, Curso de Direito Falimentar, p.389-390).
190
falimentar, característica que já era reconhecida ainda na vigência da lei
anterior.
241
Ato de disposição deve ser compreendido como aquele voltado a
transferir bem do devedor para o credor. Ato de oneração, de sua vez, importa
na aplicação de ônus sobre bem em favor de certo credor, que passa a
beneficiar-se dessa condição. Por fim, ato gerador de obrigação importa na
concessão de determinados direitos a credores que, em função disso, assumem a
possibilidade de exigi-los.
Trata-se, com efeito, de crime próprio que só pode ser cometido
pelo empresário, gestor judicial ou administrador judicial, ressaltando, embora
inutilmente, o parágrafo único do mesmo artigo, a incidência do tipo penal
também em relação ao credor que, previamente acertado com o agente, possa ser
beneficiado pela conduta delituosa.
242
Considerando-se que as condutas apontadas no tipo penal são
hipóteses corriqueiras no dia-a-dia da maioria das empresas, não se podendo,
por isso, elevá-las, por si sós, à condição de ilícitos penais, sem que sejam
consideradas suas condições e seus objetivos, a configuração do delito em tela, é
bem de se ver, pode ser bastante complexa.
Com efeito, se por um lado houve a ampliação das condutas
descritas a título de Favorecimento de credores, em comparação à lei anterior, de
241
Assim se pronunciava o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis: “O inc. II do art. 188
da LF visa incriminar o ato que altere, em proveito do devedor ou de outrem, a entrada para a massa de bens a
ela destinados, subtraindo-os à execução concursal. Não é todo ato de alienação, entretanto, que configura o
desvio, já que este tem como substrato a fraude, pelo que só aqueles praticados com a intenção de prejudicar os
credores enquadram-se no referido tipo penal.” (RT 734/669).
242
A lei falimentar chilena faz advertência bastante semelhante, presumindo a cumplicidade daqueles que, tendo
conhecimento da insolvência do empresário vierem a receber pagamentos antecipados de dívidas. É o que dispõe
a “Ley de quiebras” (Ley n. 18.175, publicada no D.O. de 28.10.82), em seu artigo 221, n.° 6, in verbis: “6. Los
que, con conocimiento de la cesación de pagos, obtuvieren el pago anticipado del todo o parte de su crédito,”.
191
outra parte, talvez tenha se tornado mais delicada a questão da prova, que deverá
demonstrar que determinado ato efetivamente divorciou-se da gestão dos
interesses da empresa, para atender ao de algum (uns) credor (es) em detrimento
de outros, fraudando, assim, a par conditio creditorum.
Além de aspectos objetivos, que a doutrina e a jurisprudência da lei
anterior já apontavam no intuito de balizar o alcance do tipo
243
, o ponto
primordial que distingue a conduta lícita da ilícita descansa na finalidade
específica de favorecimento indevido.
No conteúdo do dolo específico, inserido no tipo, encontra-se o
efetivo divisor de águas que, por sinal, acentua que o delito trata-se de
modalidade de fraude, condição que não se deve perder de vista, notadamente
diante de eventuais dúvidas que possam surgir em relação à determinada
situação concreta, já que fatos que não tenham finalidade fraudulenta não se
enquadram no tipo.
244
Além de perimetrar o alcance do tipo penal, o dolo específico
mostra-se de capital importância na consideração da natureza jurídica para fins
penais, da sentença de quebra ou concessiva de recuperação, que deve ser
considerada sob enfoques diversos, quando a conduta se apresente anterior ou
posteriormente a tais decisões.
243
Critério importante que foi pacificado na doutrina, ainda na vigência da antiga Lei de Falências, como
elemento indicador da prática do delito do art. 188, inciso II, da Lei n.° 7.661/45, dava conta da configuração do
tipo penal só e somente quando ocorresse o pagamento de dívida vincenda e houvesse, na época, outras já
vencidas. Como registrava Betanho “O pagamento antecipado diz respeito a dívida não vencida; assim, o
pagamento de dívida vencida não configura o tipo.” (Luiz Carlos Betanho, Falência. In: FRANCO, Alberto
Silva et al. Leis penais e sua interpretação jurisprudencial, p. 1474).
244
Neste sentido observa e exemplifica Nostre: “Se as condutas forem praticadas com propósito empresarial,
evidentemente, não haverá crime. Assim, se o devedor hipotecar bem em favor de instituição financeira para
obter redução da taxa de juros incidente sobre suas atividades financeiras, ainda que tenha criado ônus que
favorece um credor, não se configura o delito.”
(Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA
192
Embora os ditos eventos estejam inseridos no corpo do enunciado
do tipo penal, o que já contrasta com a característica extrínseca das condições
objetivas de punibilidade (subitem 7.4 retro), nota-se que a questão merece,
ainda, ser considerada por outros ângulos.
Inicialmente, quando os atos de disposição, oneração ou geradores
de obrigações se derem após a sentença de quebra ou concessiva de recuperação,
essas decisões ingressam como elementos típicos do delito, estando, portanto,
alcançadas pelo prévio conhecimento do agente, que age de molde a
comprometer a par conditio creditorum e, via de efeito, o próprio andamento do
feito colocado em juízo.
Conforme observado alhures (subitem 7.3. retro) não se pode
acolher um fato que anteceda a própria infração penal como evento
condicionante da punibilidade. Esta é, necessariamente, conseqüência da prática
de um delito, o qual nestas circunstâncias, ainda nem teria sido perpetrado.
Remanesce a discussão quanto aos atos de disposição, oneração
patrimonial ou geradores de obrigações, levados a efeito antes da ocorrência dos
supostos eventos condicionantes.
Notadamente no caso do período que antecede a falência ou as
recuperações, o aplicador da lei penal poderá ver-se diante de dúvida minaz ao
analisar determinado ato do empresário, especialmente considerando que tal
período, via de regra, caracteriza-se pelo emprego de toda ordem de esforços a
fim de se contornarem as dificuldades financeiras da empresa, observando-se,
JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresas e Falência, p. 547).
193
muitas vezes, verdadeiras “ginásticas” com o ativo da empresa no intuito de
contornar-se o passivo.
245
Nessas circunstâncias, inegavelmente críticas, a prática de
determinados atos capazes de importar em prejuízo aos credores torna-os
suspeitos, configurando-se o ilícito penal, no entanto, só e somente quando
estiver demonstrada a finalidade específica de beneficiar-se algum (uns) credor
(es) em detrimento dos demais. Conforme enfatizado, o limite entre o ato lícito e
o ilícito no Favorecimento de credores descansa na fraude.
Ora, nessas circunstâncias, fraude só haverá quando o empresário
em dificuldades — antevendo a quebra ou uma das formas de recuperação —
antecipa-se e promove algum dos atos enumerados no tipo penal.
Não estando diagnosticada essa antevisão do agente, os atos
referidos no tipo penal não se configuram como fraude que, ressalta-se, deve
sempre visar ao prévio benefício de um em prejuízo de outro, no caso da
empresa ingressar em falência ou recuperação.
Assim, vê-se que os supostos eventos condicionantes não podem ser
havidos como condições objetivas de punibilidade, uma vez que o
comprometimento do regular andamento da provável falência ou recuperação
acaba sendo necessariamente visado pelo agente, que atua no intuito de fraudá-
las.
245
Exemplifica Abrão: “Muitas vezes o devedor assim procede a fim de evitar a caracterização de um delito
autônomo: é o caso, p.ex., do empresário que, tendo em seu poder adiantamentos para mercadorias, deles lança
mão para outros fins. Na ânsia de escapar aos processos criminais por apropriação indébita, passa a vender a
terceiros até mesmo bens instrumentais do estabelecimento (máquinas, utensílios), que fazem os pagamentos aos
credores do vendedor; ou, então, efetua o devedor dação em pagamento com bens que não correspondem aos
previstos no contrato.” (Nelson Abrão, Op. Cit.p. 390).
194
Nesse sentido, importa lembrar que os crimes falimentares são
pluriofensivos, sendo certo que a administração da justiça é um dos bens
jurídicos protegidos que, na espécie, fica comprometido, na medida em que a
conditio par creditorum é previamente fraudada pelo sujeito ativo.
Embora a falência ou a recuperação não sejam necessariamente
visadas pelo agente, o comprometimento do andamento das mesmas o é, de sorte
que a possibilidade desses eventos não se apresenta acromática do ângulo
subjetivo, estando sim alcançadas ao menos de forma eventual pela vontade.
Assim, também no Favorecimento a credores antefalimentar, não se
estará diante de hipótese de delito condicionado, por faltar o requisito da
autonomia subjetiva.
Por todo exposto, conclui-se que o decreto de falência, a sentença
concessiva de recuperação judicial e a homologação de plano de recuperação
extrajudicial não são condições objetivas de punibilidade do delito do artigo 172
da Lei de Falências.
8.6 Desvio, ocultação ou apropriação de bens
Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao
devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da
aquisição por interposta pessoa:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O delito do artigo 173 da nova Lei de Falências encontra
correspondência no revogado Decreto-lei n.° 7.661/45, sendo certo que no
extinto diploma a questão era tratada em dois tipos penais distintos.
195
O artigo 188, inciso III e o artigo 189, inciso I, cuidavam do desvio
e da ocultação de bens, sendo certo que o primeiro tipo referia-se à conduta
antefalimentar, com pena de reclusão entre 1 e 4 anos, enquanto que o segundo
punia a mesma infração quando pós-falimentar, atribuindo a pena entre 1 e 3
anos na forma da reclusão.
246
O tipo penal visa, com efeito, preservar os bens da empresa, falida
ou em recuperação judicial, visto que esses respondem pelo passivo, de sorte
que a objetividade jurídica do delito descansa, precipuamente, na proteção ao
patrimônio dos credores que possam ser prejudicados com o esvaziamento dos
bens da pessoa jurídica devedora, estabelecendo três núcleos típicos que
caracterizam o delito, todos de maneira comissiva.
Apropriar significa tomar como sua a posse de determinados bens
pertencentes a terceiro, no caso à pessoa jurídica devedora. Desviar tem o
sentido de modificar o destino legal que os bens deveriam ter em face da quebra
ou da recuperação.
247
Ocultar traduz-se como, esconder, encobrir, não revelar a
existência ou paradeiro de determinados bens quando instado a fazê-lo.
O tipo penal visa só e somente àqueles atos que forem perpetrados
no intuito de reduzir os ativos da empresa a fim de excluí-los do concurso de
credores, tratando-se, por isso, de modalidade de fraude, o que fica bastante
evidente inclusive por conta da parcela final do artigo, que adverte pontualmente
246
Ferreira discordava dessa distinção estabelecida pelo Decreto-lei 7.661/45: “Estabeleceu, indubitavelmente, a
dualidade de penas, mais grave ma do que a outra, para o mesmo crime. É que, como já se viu, no número
anterior, está sujeita à pena do art. 188, n. III, a de reclusão por um a quatro anos, o devedor, quando, com a
falência concorra o desvio de bens. Ora, decretada a falência, o devedor é falido. Desviando ou ocultando bens
da massa, o crime é o mesmo, quer o desvio se dê antes ou depois de declarada a falência, pois que, nas duas
hipóteses, os bens são da massa, há de aplicar-se a pena mais leve. In dúbio pro reo. Mesmo porque não se pode
distinguir onde a lei não distinguiu.” (Waldemar Martins Ferreira, Instituições de Direito Comercial, v. 5, p.
389). A mesma opinião foi referendada por Führer (Maximilianus Cláudio Américo Füher, Crimes Falimentares,
p. 85).
247
Valverde observa que: “no desvio dá-se a subtração fraudulenta, por atos positivos, de bens da massa falida
(...)” (Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 78).
196
sobre a venda por interposta pessoa, também conhecida como “venda
simulada.”
248
Sobre isso, importa notar que, caso os bens adquiridos pela
interposta pessoa já pertençam à massa falida, essa estará incursa como autora
do delito do artigo 174 (Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens), e não
como co-autora de Desvio, ocultação ou apropriação de bens.
O delito em questão representa, por sem dúvida, uma das fraudes
falimentares de maior incidência em juízo, certamente porque a retirada do
patrimônio da empresa será o primeiro impulso do agente na tentativa de
resguardar alguns bens.
O delito é material, encontrando seu resultado na diminuição do
patrimônio da empresa em detrimento dos credores e, embora exclusivamente
doloso, o tipo penal não chega a exigir a finalidade específica que, no entanto,
fica implícita no delito.
Quanto à natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva de
recuperação judicial essas não são, na espécie, condições objetivas de
punibilidade, mas elementos do tipo penal.
Isso porque, além de estarem inseridas na descrição típica, esta dá
conta de que a conduta delituosa demanda o preexistente estado falimentar ou de
248
Conforme descreve Nostre: “Trata-se da conduta em que se transfere simuladamente a propriedade de bens
da empresa devedora para o nome de pessoas que se oferecem apenas para figurar como titulares aparentes de
direitos, fraudando a lei: os denominados laranjas.” (Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In:
SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à
Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 548).
197
recuperação judicial, de molde que a execução do delito deverá ser sempre
posterior às referidas decisões.
249
A ocultação, desvio ou apropriação fraudulentas que ocorram antes
do decreto de quebra ou da concessão de recuperação, poderão dar lugar à
incidência do artigo 168, de espectro mais amplo, sendo, no entanto atípicas em
relação ao artigo 173.
Trata-se, portanto, de delito necessariamente pós-falimentar (ou
pós-recuperação), de sorte que os supostos eventos condicionantes, justamente
por se colocarem em relação de anterioridade à conduta, encontram-se cobertos
pelo conhecimento e pela vontade do agente, sendo, por isso, elementos típicos.
Aliás, o delito só é praticado porque o agente tem ciência do estado
precário da empresa e age justamente na tentativa de destacar parte do
patrimônio do alcance do concurso creditício, de modo que a vontade é
projetada sobre a falência ou sobre a recuperação judicial, razão por que não se
pode considerá-las como condições objetivas de punibilidade.
De fato, característica indefectível das referidas condições é a
relação de contemporaneidade ou posterioridade à realização do delito (subitem
7.3 retro), de sorte que qualquer elemento que se apresente dantes ingressará na
categoria de elemento do tipo penal.
Pontual nesse aspecto é o magistério de Nucci:
249
A característica de delito necessariamente pós-falimentar foi bastante criticada por Silva: “(...) simplesmente
não mais será possível falar no desvio de bens antes da falência (esmagadora maioria dos casos como, há
décadas, vem se percebendo) simplesmente porque mencionou-se apenas ‘massa falida’ (o que pressupõe
quebra decretada), ‘deslembrando-se’ do que poderia ocorrer neste aspecto antes daquela.” (Antonio Paulo
C.O. Silva, Comentários às disposições penais da lei de Recuperação de Empresas e Falências, p. 154).
198
Se o tipo penal prevê, como é o caso do art. 173, condutas passíveis de
ocorrência após a falência já ter sido decretada ou a recuperação
judicial, concedida, não é possível cuidar-se de condição objetiva de
punibilidade. Na realidade, a existência dos termos recuperação
judicial e massa falida, no tipo, está a demonstrar que o desvio de
bens, apropriação ou ocultação antes da recuperação ou falência é
conduta atípica. Possivelmente, conforme o caso concreto, pode-se
encaixar a situação no art. 168 desta Lei.
250
Nessa conformidade, o delito de Desvio, ocultação ou apropriação
de bens também dá conta da impropriedade das disposições do artigo 180, visto
que nesta espécie os supostos eventos condicionantes são evidentes elementos
típicos.
8.7 Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens
Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe
pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira,
receba ou use:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O delito em questão não encontra correspondente similar na
legislação pretérita, tratando-se, assim, de mais uma inovação da Lei n.°
11.101/2005 que, é bem de se ver, complementa as disposições da parcela final
do artigo antecedente.
Segundo alguns doutrinadores, trata-se de modalidade especial de
receptação, com algumas peculiaridades decorrentes da dinâmica falimentar em
que se insere. Nesse sentido, é a adequada consideração de Migliari Júnior: “Tal
dispositivo é norma especial com relação ao crime de receptação do Código
250
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 565.
199
Penal (art. 180), mas possui uma distinção ímpar que é a tipificação do crime de
usar bem pertencente à massa falida.”
251
Trata-se, em síntese, de figura que vem complementar o delito
antecedente (artigo 173 — Desvio, ocultação ou apropriação de bens), já que
pune a conduta do agente que atua de molde a assumir a indevida posse dos bens
da falida que, é certo, devem ser preservados em favor dos credores.
No patrimônio dos credores encontra-se a precípua objetividade
jurídica do delito que, secundariamente, protege também a administração da
justiça na proteção do regular andamento do procedimento falimentar.
O enunciado reparte-se em dois, prevendo-se na primeira parcela os
atos praticados diretamente pelo agente. Adquirir significa comprar, obter por
compra. Receber traduz-se em aceitar, tomar, aceitar em pagamento, entrar na
posse. Usar corresponde a empregar, utilizar, servir-se do bem que deveria estar
à disposição da massa e de seus credores.
Na segunda parcela do artigo, buscam-se os atos voltados a influir
terceiro de boa-fé para que assuma a posse dos bens, também por aquisição,
recebimento ou uso. Influir deve ser entendido como induzir, inspirar, insuflar,
tratando-se, assim, de atividade voltada a exercer efeito sobre a vontade do
terceiro que desconheça a natureza dos bens. Nesse caso só haverá a
configuração do delito caso o terceiro venha efetivamente a adquirir, receber ou
251
MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 145. No mesmo
sentido está Andreucci: “O tipo penal em análise se assemelha à receptação, nas modalidades simples dolosa
própria (adquirir, receber,usar) e simples dolosa imprópria (influir), podendo-se falar em um tipo de receptação
falimentar. (Ricardo Antonio Andreucci, Dos crimes em espécie. Previsão legal dos crimes e das penas. Análise
confrontada com as previsões contidas no Dec. Lei n.° 7.661/45. In: DAOUN, Alexandre Jean (coord.). Crimes
falimentares — de acordo com a Lei n.° 11.101/2005, p. 81).
200
utilizar bem da massa falida, comprometendo o patrimônio que responde pelos
débitos da empresa. Há de haver, portanto, ofensa ao bem jurídico tutelado.
O tipo penal ainda é explícito no sentido de que não é toda e
qualquer aquisição recebimento ou uso que se eleva à condição de ilícito penal.
Com efeito, o elemento normativo “ilicitamente” delimita o raio de atuação da
norma penal, ficando ressaltado, embora a colocação diretamente no tipo tenha
apenas a função de reforçar o conteúdo ilícito da conduta, que só e somente as
condutas que sejam vedadas no procedimento falimentar é que darão lugar à
infração penal.
252
O delito é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa,
observando-se que neste caso o objeto material restringe-se ao bem pertencente
à massa falida — móvel ou imóvel —, ficando a recuperação judicial ou
extrajudicial excluídas do tipo penal.
No que tange à parcela subjetiva do delito, esse é punido apenas a
título de dolo na sua forma direta, de sorte que deve ser diagnosticado o prévio
conhecimento por parte daquele que adquire, recebe ou utiliza o bem, que este
provém da massa falida, e que sua conduta contraria os imperativos legais que
informam o procedimento de quebra. A mesma consciência deverá ser
constatada em relação àquele que influencia o terceiro de boa-fé.
Feitas essas considerações genéricas sobre o delito, importa
observar a questão relativa às condições objetivas de punibilidade.
252
Cf. Nostre: “O juízo de antijuridicidade, inserto na análise da tipicidade, depende da verificação das
previsões legais quanto à disposição de bens da massa, afirmação esta que veio a ser reforçada pelo legislador
ao empregar o advérbio ilicitamente. (Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR,
Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação
de Empresas e Falência, p. 548).
201
Nesse sentido, observe-se que o delito é necessariamente pós-
falimentar, de sorte que quaisquer das condutas típicas somente têm relevância
penal quando se desenvolverem após o decreto de quebra, situação que,
conforme enfatizado, contrasta com a categoria das condições objetivas de
punibilidade.
De fato, além da sentença de quebra encontrar-se abrangida no
enunciado típico, mais um aspecto que não permite reconhecer o artigo 174
como delito condicionado, a relação de posterioridade da conduta com a referida
decisão obriga a que essa esteja alcançada pela vontade do agente, que atua
justamente visando ao comprometimento da falência.
Assim, na Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens a sentença
de quebra não é condição objetiva de punibilidade, mas elemento do tipo penal,
estando, dessa forma, coberta pelo coeficiente subjetivo do delito.
8.8 Habilitação ilegal de crédito
Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou
recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou
reclamações falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O presente artigo encontra sua origem no revogado art. 189, inciso
II, da anterior Lei de Falências
253
, havendo, também, dispositivo semelhante no
artigo 14 da Lei n.° 7.492/ 86 (define os crimes contra o Sistema Financeiro
253
Art. 189. Será punido com reclusão de um a três anos:
(...)
II – quem quer que, por si ou interposta pessoa, ou por procurador, apresentar, na falência ou na concordata
preventiva, declarações ou reclamações falsas, ou juntar a elas títulos falsos ou simulados;
202
Nacional). A nova redação dada à Habilitação ilegal de crédito, é bem de se ver,
imprimiu poucas modificações em relação ao dispositivo revogado.
Inicialmente foi suprimida a expressão “concordata preventiva”,
dando lugar à “recuperação judicial” e à “recuperação extrajudicial”, o que
consiste na atualização legislativa do delito, visto que as modalidades de
concordata desapareceram na novel legislação.
Foram, ainda, excluídas as expressões “por interposta pessoa” e
“por procurador”, as quais, diga-se, mostravam-se absolutamente
desnecessárias, uma vez que, diante das disposições do art. 29 do Código Penal,
a possibilidade de concurso destes já estaria alcançada pelas regras gerais que
informam a co-delinqüência.
O tipo penal visa evitar o comprometimento, ainda maior, da
higidez patrimonial de uma empresa já enfraquecida, bem como o regular
andamento dos processos de recuperação e falência, sancionando a apresentação
de créditos inverídicos. Pune-se, em síntese, a manobra fraudulenta consistente
na criação dolosa de débitos inexistentes da empresa.
O enunciado descreve duas condutas típicas. A primeira consistente
na apresentação de relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamações
falsas. Apresentar, in casu, significa propor, indicar, expor, aduzir, manifestar
relação creditícia inexistente com a empresa falida ou em recuperação, mediante
qualquer das três formas estampadas no tipo, sobre as quais sintetiza Nostre:
Relação de créditos é o rol de créditos que se reconhece. Habilitação
de créditos é documento em que, comprovando créditos, requer-se a
habilitação para recebê-los. Reclamação é qualquer pedido, reclamo,
para receber pagamento ou vantagem pretensamente devida.
254
254
NOSTRE, Guilherme Alfredo de Moraes. Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO,
Antônio Sérgio Altieri de Moraes (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 551.
203
Na segunda parcela do artigo, previu-se, ainda, a conduta de “juntar
a elas título falso ou simulado”. O “título” de que fala o enunciado do delito é
aquele referente à obrigação creditícia a ser adimplida pela empresa, nesse
conceito inserindo-se os títulos de crédito em geral, como notas promissórias,
cheques, duplicatas etc.
O título deverá, no entanto, apresentar-se ideológica ou
materialmente falso. Será ideologicamente falso quando representar dívida
inverídica ou, por outras palavras, expressar um crédito fictício para com a
empresa, muito embora o documento representativo da dívida apresente-se
extrinsecamente genuíno. Seria o caso, verbi gratia, da nota promissória emitida
pelo empresário em favor de alguém, porém referente a débito de transação
comercial que jamais ocorreu. Em seus elementos externos o título de crédito é
verídico, porém seu conteúdo não corresponde à verdade.
Será, por outro lado, materialmente falso, o título de crédito cujo
elemento que o torna inverídico recaia em seus aspectos físicos ou externos,
como, verbi gratia, a hipótese de cheque impresso falsamente, portanto não
confeccionado pela instituição financeira a que se refere a conta, apontando a
empresa como emitente e em nome dela subscrito.
Por último, o enunciado do delito faz menção ao título simulado,
que não deixa de ser uma espécie, da qual é gênero o título falso. A simulação,
no entanto, consiste na falsidade bilateral, ou seja, o título de crédito, além de
ideologicamente falso, é produzido mediante o concerto dos supostos devedor e
credor que conjuntamente criam um débito inverídico para a empresa.
255
255
A simulação é, com efeito, manobra fraudulenta verificada amiúde na dinâmica falimentar, conforme
descrevia Valverde ainda na vigência do Decreto-lei n.° 11.101/45: “Em regra, o declarante do crédito está
204
No que se refere ao sujeito ativo, nota-se que se está diante de
hipótese de crime comum, visto que o tipo penal não impôs a exigência de
qualquer condição diferenciada ao agente. Destarte, qualquer um, inclusive o
próprio empresário, poderá ser autor do delito em tela.
O enunciado não determina a produção de resultado naturalístico
para a consumação do delito, tratando-se, por isso, de crime formal. Com efeito,
se em decorrência da habilitação de crédito ilegal houver, verbi gratia, a
diminuição do patrimônio da empresa ou da massa, em prejuízo dos legítimos
credores, tal hipótese constituirá mero exaurimento do delito.
A exemplo da totalidade das infrações penais da Lei n.°
11.101/2005, o delito em questão é punido exclusivamente a título de dolo,
observando-se que, embora a norma não faça exigência explícita de qualquer
propósito especial do agente voltado à obtenção de vantagem indevida, para si
ou para outrem, esta circunstância fica, no entanto, implícita pelas próprias
características do delito.
De fato, a habilitação ilegal de créditos trata-se de modalidade de
fraude levada a efeito através de falsidade. Ora, não se levantam dúvidas de que
o conteúdo anímico da fraude descansa no intento de alcançar alguma sorte de
ganho indevido.
256
Quando inócua, a fraude não tem significado e relevância
combinado com o falido ou o concordatário, que preparou com antecedência a sua escrituração de modo a
aparentar a legitimidade do crédito. É a simulação fraudulenta, que reveste geralmente a forma de títulos de
crédito, em particular, notas promissórias.” (Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, v.
3, p. 79.). Neste mesmo sentido, Guilherme Alfredo de Moraes Nostre: “O título simulado não deixa de ser
ideologicamente falso. Mas a falsidade ideológica na simulação é bilateral. O título é verdadeiro materialmente,
credor e devedor reconhecem os elementos intelectuais nele lançados, mas o fazem porque estão forjando a
existência daquela relação jurídica que, em última análise, é falsa.” (Art. 175. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco
Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de
Empresas e Falência, p. 551).
256
Assim, Garraud:“La fraude ne se présume pas, et les faits matériels constitutif de la banqueroute ne
prendront un caractère criminel que s’il résulte des débats la preuve que l’accusé a agi avec intention
205
perante a ciência criminal. O mesmo se diga em relação à falsidade que somente
tem importância perante o direito penal quando voltada a fins ilegítimos.
257
No que tange à sentença de quebra ou concessiva de recuperação
judicial ou extrajudicial, vê-se que na espécie são decisões que necessariamente
antecedem a conduta delituosa, razão primeira por que não se pode falar que se
trate de condições objetivas de punibilidade, mas sim de elementos que
ingressam previamente na construção do tipo penal.
Ademais disso, o próprio enunciado típico deixa evidente que a
conduta do agente somente pode se desenvolver no curso dos processos de
falência ou de quebra, sendo certo que essa se volta justamente ao
comprometimento do escorreito andamento dos referidos feitos, mediante a
apresentação de créditos ilegítimos.
Ora, além de estarem inseridas na descrição do tipo penal — mais
um aspecto que contrasta com a categoria das condições objetivas de
punibilidade —, é assente que a quebra ou a recuperação são estados da empresa
previamente conhecidos pelo agente, o que fica patente quando se pondera que
esse sequer poderia apresentar os supostos créditos ou títulos, se desconhecesse
a existência dos procedimentos em juízo.
Assim, não há como pretender-se afirmar a desvinculação volitiva
do agente em relação à quebra ou à recuperação, o que evidencia pontualmente
um estado de coisas que conflita com a característica precípua das condições
objetivas de punibilidade.
frauduleuse, c’est-à-dire en cette direction de la volonté que réside la fraude, puisque la banqueroute est un vol
au préjudice de la masse.” (René Garraud, Traité Theorique et Pratique du Droit Penal Français, t. VI, p. 609)
257
Conforme, aliás, descreve o enunciado do artigo 299 do Código Penal, há de haver “(...) o fim de prejudicar
direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”, de maneira que não será
qualquer falsidade, por si só, que dará ensejo a atuação da justiça penal.
206
Por essas considerações, confirma-se que no delito de Habilitação
ilegal de crédito a sentença de falência ou concessiva de alguma forma de
recuperação da empresa não é condição objetiva de punibilidade, mas elementar
do tipo penal, devendo estar, por isso, alcançada pela vontade do agente.
8.9 Exercício ilegal de atividade
Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou
incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
O Exercício ilegal de atividade representa mais uma inovação
introduzida na parte penal da nova Lei de Falências, não encontrando, portanto,
correspondente similar na legislação falimentar antecedente, muito embora se
trate, como observa Migliari Júnior, “[...] de norma específica em relação ao
crime do artigo 359 do Código Penal.”
258
A infração penal visa garantir a efetividade das decisões judiciais
que trazem como consectário ao falido, certas limitações no âmbito patrimonial
e profissional. Predomina, portanto, a objetividade jurídica voltada à
administração da justiça que ficará, certamente, comprometida sempre que uma
decisão sua vier a ser descumprida.
No enunciado do delito verifica-se um único núcleo típico no verbo
“exercer”, que significa executar, desempenhar, pôr em ação, praticar algum ato
ou atividade cujo desempenho encontrava-se cerceado por força de decisão
judicial arrimada na Lei de Falências.
258
MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 149.
207
O núcleo pressupõe a relação de freqüência no exercício da
atividade, o que revela estar-se diante de hipótese de crime habitual. Por via de
conseqüência, esse aspecto deixa afastado do tipo penal os atos pontuais ou
eventuais que venham a desrespeitar os impedimentos de que trata o artigo.
Trata-se de crime próprio que só pode ser cometido pelo falido, já
que a inabilitação e a incapacitação são efeitos decorrentes exclusivamente da
sentença falimentar.
A inabilitação, nos termos do artigo 102 da Lei de Falências
259
, é a
proibição do exercício de qualquer atividade empresarial, a partir do decreto de
quebra e até que haja a extinção das obrigações.
Ademais, a inabilitação poderá advir, também, a título de efeito da
condenação penal por crime falimentar (artigo 181, inciso I), sendo certo que
seus efeitos perdurarão por mais cinco anos após a extinção da punibilidade
(artigo 181, § 1.°).
A incapacitação, de sua vez, é a perda por parte do falido, do direito
de gerir ou dispor de seu patrimônio, consoante determina o artigo 103 da
mesma lei .
260
O crime será sempre doloso, salientando-se a necessidade do prévio
conhecimento por parte do falido, de seu estado de inabilitação ou
incapacitação.
259
In verbis: “Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da
decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1.° do art. 181
desta Lei. Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência que
proceda à respectiva anotação em seu registro.”
260
In verbis: “Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar
os seus bens ou deles dispor.”.
208
O delito é necessariamente pós-falimentar, já que a incapacidade ou
a inabilitação só podem surgir na dinâmica do processo falimentar como
conseqüência da quebra, colocando-se, assim, em relação de sucessão a essa.
Esse aspecto, à guisa do foi argumentado em relação a outros tipos
penais falimentares, evidencia que, no que se refere à natureza da sentença de
quebra, essa não pode ser havida como condição objetiva de punibilidade.
Com efeito, conforme observado (subitem 7.3. retro), à categoria
das condições objetivas de punibilidade só podem ser admitidos eventos
concomitantes ou posteriores à realização da conduta delituosa. De fato, sendo a
punibilidade elemento que sucede à prática de um delito, o evento que a
condiciona, por exercício de lógica, também deverá sê-lo.
Quanto aos eventos anteriores à conduta, estar-se-á diante de
verdadeiros elementos do delito, os quais, dada sua preexistência, são
necessariamente abrangidos pelo conhecimento e pela vontade do agente,
contrastando, por conseguinte, com as características de um evento
condicionante.
Assim, a sentença que decreta a falência é elemento do delito do
artigo 176, dele ficando excluída a sentença concessiva de alguma forma de
recuperação, visto que a inabilitação e a incapacitação são conseqüências ligadas
exclusivamente à falência.
8.10 Violação de impedimento
Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o
administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o
209
oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de
massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes,
entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos
respectivos processos:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
O artigo 177 da nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência
encontra seu antecedente histórico nas disposições do artigo 232 do Código
Penal de 1890
261
e, sucessivamente, no artigo 190 da revogada Lei falimentar
262
,
sendo certo que, em relação a este último, poucas modificações foram
introduzidas no texto atual.
Inicialmente houve a necessária atualização legislativa do
enunciado do tipo penal, notadamente em função do desaparecimento do
instituto da concordata, dando lugar às modalidades de recuperação. Assim,
substituiu-se a figura do “síndico”, pelo “administrador judicial” e pelo “gestor
judicial”.
Ademais disso, o legislador imprimiu algumas modificações no
comando primário do tipo penal, certamente no intuito de garantir-lhe contornos
mais precisos. Nessa perspectiva substituiu a expressão “direta ou
indiretamente” pela “por si ou por interposta pessoa”. Também deixou explícita
a necessidade de que os sujeitos ativos enumerados no enunciado do delito
261
“Art. 232. Haver para si, directa ou indirectamente, ou por algum acto simulado, no todo ou em parte,
propriedade ou effeito em cuja administração, disposição ou guarda, deva intervir em razão do officio; entrar em
alguma especulação de lucro, ou interesse, relativamente à dita propriedade ou effeito:
Penas – de prisão cellular por um a seis meses, de perda do emprego e multa de 5 a 20% da propriedade, effeitos
adquiridos ou interesse que auferir da negociação. Em todo caso a acquisição será nulla.
Paragrapho único. Em iguaes penas incorrerão os peritos, avaliadores, partidores, contadores, tutores, curadores,
testamenteiros, depositários, administradores de massas falidas e syndicos de sociedades em liquidação, quando
commetterem o mesmo crime.”
262
“Art. 190. Será punido com detenção, de um a dois anos, o juiz, o representante do Ministério Público, o
síndico, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro que, direta ou indiretamente, adquirir
bens da massa, ou, em relação a eles, entrar em alguma especulação de lucro.”
210
“tenham atuado nos respectivos processos”. Tais modificações serão, mais
adiante, pormenorizadas.
Por fim, modificou o preceito sancionador do delito, elevando os
limites mínimo e máximo da pena, que na lei anterior variava entre 1 e 2 anos,
para 2 a 4 anos de reclusão, acrescentando, cumulativamente, a pena de multa.
Sob o nomem juris de violação de impedimento, o artigo 177 da Lei
de Recuperação de Empresas e Falência deu foros de ilícito penal à proibição de
que certas pessoas, em razão do ofício que desempenham, venham a adquirir
bens que, de alguma forma, se encontram sob sua responsabilidade, ou como
sintetiza Betanho:
O dispositivo indica uma série de pessoas que têm envolvimento no
processo falimentar e que estão impedidas de adquirir bens da Massa
ou de, prevalecendo-se de sua posição, fazer algum negócio relativo
aos mesmos bens, com o intuito de lucro.
263
O tipo penal visa, com efeito, garantir que os processos falimentares
e as recuperações judiciais tramitem em juízo, guiados unicamente pela
finalidade de satisfazer os interesses dos credores, com os quais não deverão
concorrer interesses pessoais. Processos dessa natureza devem, portanto, pautar-
se pela moralidade e pela ética, princípios que se tornam questionáveis quando
desaparece o imperativo de imparcialidade dos envolvidos no processo. Como
observava Abrão, ainda na vigência da anterior Lei de Falência, “Incumbidas, de
qualquer modo, de zelar pelos interesses da massa, as pessoas enumeradas no
art. 190 não podem ter interesses próprios no procedimento falimentar.”
264
Notadamente no que se refere à empresa que se encontre em
263
BETANHO, Luiz Carlos. Falência. In: FRANCO, Alberto Silva et al. Leis penais e sua interpretação
jurisprudencial, p. 1484.
264
ABRÃO, Nelson. Curso de Direito Falimentar, p.386.
211
processo falimentar ou de recuperação judicial, a fragilidade de sua situação
jamais deverá ser encarada como um mercado de oportunidades, mas como um
ente jurídico que necessita de cuidados, estremes de qualquer outro interesse
além do pagamento de seus passivos.
Previsão nesse sentido não é inédita em nosso ordenamento
jurídico, salientando-se, no campo do direito privado, as disposições contidas no
artigo 497, inciso III, do Código Civil (antigo artigo 1.133) que expressamente
grava de nulidade a aquisição, por juízes, secretários de tribunais, arbitradores,
peritos e outros serventuários da justiça, ainda que em hasta pública, de bens e
direitos, objeto de litígio, no lugar onde servirem.
Congruentes os fundamentos, tanto na esfera penal como na civil,
que dão suporte à proibição nesse sentido, destacados com clareza no magistério
de Santos:
A proibição, em casos tais, tem dupla finalidade: visa não somente
garantir a isenção, a imparcialidade dessas pessoas, que no processo
têm interferência, senão também colocar a justiça acima de quaisquer
suspeitas, livrando-a de acusações que pudessem influir para seu
desprestígio.
265
Assim, diferentemente do que ocorre em relação à maioria das
figuras delituosas previstas na Lei de Recuperação de Empresas e Falência, o
artigo em comento não traz a descrição casuística de mais uma modalidade de
fraude. Trata-se de modalidade delituosa que tem em conta a preservação do
andamento do processo de recuperação ou de falência, a fim mantê-lo, ao menos
em relação àqueles que em nome da justiça nele atuam, imparcial e, portanto,
acima de desconfianças.
265
SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, v. 16, p. 144. Cf., ainda, Jones Figueiredo
Alves, Novo Código Civil Comentado, p. 441.
212
É por conta dessa característica singular, que Abrão situou a
violação de impedimento entre os chamados “crimes contra a administração da
justiça”
266
, ou seja, aqueles que, segundo Noronha, descrevem fatos que “[...]
não atentam apenas contra a instituição da justiça, mas também contra a função,
atingindo-a no prestígio e eficácia que lhe são absolutamente indispensáveis.”
267
Tendo, então, sua objetividade jurídica voltada para a administração
da justiça, o tipo penal distingue duas condutas puníveis: a primeira consistente
na aquisição de bens da empresa, falida ou em recuperação judicial; a segunda
na especulação de lucro em relação aos mesmos bens. Qualquer das condutas,
registre-se, tornar-se-á passível de apenação, quando vier a ser praticada por
alguma das pessoas indicadas no tipo penal.
No que tange à primeira parcela do tipo, a conduta representada
pelo núcleo — “Adquirir” — deve ser entendida como a obtenção por compra,
permuta ou qualquer outro meio que implique na transferência da propriedade
de algum bem pertencente à empresa falida ou em recuperação, pouco
importando tratar-se de bens móveis ou imóveis, já que não foi empregada
nenhuma fórmula restritiva nessa direção.
Além da aquisição de bens da empresa, o legislador puniu, aí na
segunda parte do tipo, a prática de qualquer manobra voltada à especulação de
lucros em relação aos bens da massa ou da empresa em recuperação judicial.
Seria o caso, verbi gratia, do gestor que passa atuar como corretor na locação
dos imóveis pertencentes à falida, percebendo comissão de corretagem.
266
ABRÃO, Nelson. op. cit., p.385.
267
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, v. 4, p. 355.
213
Não há necessidade de comprovar-se que a aquisição ou a
especulação tenha, de alguma forma, onerado ou até beneficiado a empresa.
268
O
delito em questão não se trata de modalidade de fraude, que demandaria a
indagação de prejuízo, a simples realização da conduta já consuma o delito que
é, portanto, formal.
Em qualquer uma das formas de conduta previstas, o delito será
sempre próprio, porquanto somente as pessoas enumeradas, numerus clausus, no
enunciado do tipo penal é que estarão impedidas de adquirir bens ou
especularem lucros da empresa.
O legislador destacou no tipo penal as características pessoais dos
sujeitos ativos passíveis de praticarem o delito, relacionando os principais
envolvidos na dinâmica dos processos de falência e de recuperação judicial,
ficando, destarte, impedidos o juiz, o representante do parquet, o administrador
judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou
o leiloeiro.
Observe-se que o rol dos impedidos é taxativo e absolutamente
exaustivo, não dando, por isso, azo à interpretação extensiva.
Após enumerar as pessoas impedidas, cuidou o legislador de
salientar a Violação do impedimento levada a efeito por interposta pessoa,
pondo em destaque a hipótese do delito praticado por intermediário, que em seu
nome formaliza os atos de aquisição ou especulação, ocultando o verdadeiro
agente que estaria impedido em razão de sua condição pessoal. É o vulgarmente
conhecido “testa-de-ferro”, “laranja” ou “homem de palha”.
268
Cf. Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p. 94.
214
A advertência tem fundamento na medida em que, como atentava
Valverde, ainda na vigência do Decreto-lei n.° 7.661/45, “[...] a violação do
preceito proibitivo é quase sempre levada a efeito indiretamente, por interposta
pessoa.”
269
Assim, em ocorrendo violação de impedimento por interposta
pessoa, esta, desde que consciente do impedimento, também se sujeitará às
penas do delito, na conformidade das disposições relativas ao concurso de
agentes, previstas no artigo 29 do Código Penal, haja vista que concorreu para a
prática do mesmo.
No que se refere à sentença de falência ou concessiva de
recuperação, está-se diante de outra hipótese em que não é possível afirmá-las
como condições objetivas de punibilidade.
Com efeito, percebe-se que a falência ou a concessão de
recuperação judicial são decisões que obrigatoriamente antecedem a conduta
delituosa do agente — em qualquer das duas modalidades descritas no tipo
penal.
Tal estado de coisas, não permite que as referidas decisões sejam
incluídas na categoria das condições objetivas de punibilidade que, conforme
observado (subitem 7.4 retro), devem ser sempre concomitantes ou posteriores à
execução do delito.
Ora, se não houver a prévia falência ou recuperação judicial nem
mesmo o enunciado típico terá possibilidade de ser completado, circunstância
que fica evidente quando se percebe que o legislador faz uso do verbo no tempo
269
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 84.
215
pretérito — “[...] tenham atuado nos respectivos processos” — para consignar a
circunstância de impedimento dos agentes, concluindo-se que a quebra ou a
recuperação, como também a participação dos agentes nos feitos
correspondentes, antecedem necessariamente as condutas nucleares.
Além da relação de anterioridade dos supostos eventos
condicionantes em relação à execução do delito, o tipo penal em comento deixa
evidente a total impossibilidade de afirmar-se a autonomia volitiva do agente no
que tange ao estado falimentar ou de recuperação.
De fato, a conduta delituosa descrita só alcança o status de infração
penal porque os sujeitos ativos explicitados na norma, conhecendo a situação
legal da empresa e tendo atuado nos feitos de recuperação judicial ou falência,
passam a agir justamente no interesse de beneficiarem-se de negócios
envolvendo o patrimônio que se encontra comprometido.
Portanto, o desconhecimento da situação da empresa por parte dos
agentes parece, do ponto de vista prático, absolutamente improvável, força do
próprio enunciado típico, não havendo como sustentar-se que a sentença de
falência ou concessiva de recuperação judicial possa ser havida como autônoma
em relação à vontade.
Assim, no delito de Violação de impedimento, a decisão de quebra
ou a concessão de recuperação judicial são elementos do tipo penal, tratando-se,
assim, de mais uma figura delituosa que evidencia a impropriedade do artigo
180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
216
8.11 Omissão de documentos contábeis obrigatórios
Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois
da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou
homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de
escrituração contábil obrigatórios:
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não
constitui crime mais grave.
O delito de Omissão de documentos contábeis obrigatórios encontra
seu correspondente no artigo 186, inciso VI, da revogada Lei de Falências
(Decreto-lei 7.661/45).
270
Trata-se de figura penal que tem em consideração a obrigação de
manter-se em ordem toda a contabilidade da pessoa jurídica, ou, como observa
Migliari Júnior “A intenção do legislador foi a de exigir que o empresário
continue a escriturar seus documentos normalmente, procurando manter a
confiança em suas elaborações fiscais e contábeis.”
271
Deixar pressupõe conduta omissa consistente em pôr de lado, não
considerar, não fazer. Pune-se, por primeiro, o agente que deixa de elaborar os
documentos de escrituração contábil obrigatórios, o que importa na ausência —
total ou parcial — dos mesmos. Igualmente tratada será a conduta de deixar de
escriturar, hipótese em que apesar de elaborados os documentos contábeis, o
agente deixa de registrá-los. Finalmente deixar de autenticar significa não
certificar conforme as exigências legais.
270
In verbis: “Art. 186. Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando concorrer com a
falência algum dos seguintes fatos: [...]
VI — inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa;”
271
MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 152.
217
Sendo, em qualquer hipótese, delito omissivo, esse somente poderá
ser imputado a quem recair o dever legal de manter a regularidade da
documentação contábil da pessoa jurídica.
O enunciado típico demonstra, ademais, estar-se diante de norma
penal em branco, visto que o rol de documentos contábeis a serem mantidos em
dia e formalmente em ordem pela empresa, será determinado pela legislação
extra-penal.
272
É delito punido exclusivamente a título de dolo, bastando que este
seja genérico.
Feitas estas considerações de caráter geral, importa observar que o
delito em questão representa um dos pontos críticos, ao menos do ângulo
dogmático, em que o legislador falhou de forma evidente, ponto que, aliás,
converge exatamente na direção da questão das condições objetivas de
punibilidade.
Com efeito, nos termos em que foi estabelecida, a Omissão de
documentos contábeis obrigatórios não possibilita o reparo dos problemas
diagnosticados ainda na vigência do Decreto-lei n.° 7.661/45, quando o artigo
186, inciso VI, correlato ao atual artigo 178, era aplicado de forma praticamente
mecânica, sem fazer-se uma apreciação adequada de seu conteúdo volitivo
273
,
nem tampouco investigarem-se os reflexos e riscos efetivos que as falhas na
272
Conforme observa Nucci: “Cuida-se de norma penal em branco. As variadas leis, regendo as atividades
empresariais em geral, possuem, para cada tipo de comerciante ou empresário, um rol de livros necessários
para, em suma, registrar as atividades realizadas no dia-a-dia, justamente para servir de prova da lisura dos
negócios efetivados e para propiciar a fiscalização eficiente dos agentes do Estado e, também, quando o caso,
dos credores e financiadores do empreendimento.” (Guilherme de Souza Nucci, Leis Penais e Processuais
Penais Comentadas, p. 572).
273
Conforme a acertada crítica de Führer, na vigência da revogada Lei de Falências muitos autores “[...]
consideravam a irregularidade da escrituração ‘um simples fenômeno naturalístico’, bastando para a punição a
218
escrituração contábil teriam carreado à dinâmica falimentar. Como consignava
Valverde “O simples fato positiva o crime, pois que revela uma conduta
irregular do comerciante [...].”
274
Da forma que foi publicado, o atual artigo 178 não se esquiva da
mesma sorte de críticas, notadamente porque o enunciado típico dá conta de um
delito exclusivamente doloso e de perigo abstrato, cuja prática traz a presunção
absoluta de risco aos credores da empresa, configurando-se o ilícito penal
independentemente de qualquer constatação concreta nesse sentido, ou do
intuito nessa direção, ficando o agente sujeito à apenação pelo simples advento
da recuperação ou da quebra.
Ora, não resta dúvida de que o comprometimento da documentação
contábil pode ser, e muitas vezes o é, um mecanismo de fraude aos credores da
empresa, razão por que o artigo 168 (Fraude a credores), § 1.°, incisos I, II e V
do mesmo diploma legal, justamente eleva à condição de causa de aumento de
pena as manobras que se façam na contabilidade da empresa com tal propósito.
Nestes casos ficam evidentes os riscos aos credores.
No entanto, quando os vícios na escrituração contábil são colocados
de forma autônoma e isolada a título de crime de perigo abstrato, sem que se
exija ou demonstre estarem minimamente vinculados ao comprometimento da
falência ou à recuperação da empresa, como é o caso em apreço, cria-se uma
situação que contrasta de forma evidente com o princípio culpabilidade.
275
simples realização material do fato, independentemente de qualquer culpa.” (Maximilianus Cláudio Américo
Führer, Crimes Falimentares, p. 65).
274
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 59.
275
A discussão em torno dos tipos penais incriminadores que se apresentaram em nossa legislação de forma
análoga é antiga, sendo congruente com a crítica hodierna o ponto de vista de Alves Júnior, feito ainda na
vigência do Código Criminal do Império (1830), sob a questão da escrituração contábil irregular: “Podem haver
razões muito procedentes, e circumstancias muito peculiares, que tenham levado o negociante em ser omisso,
em um facto em que elle tem tudo a perder, porque a regularidade da escripturação é uma garantia para o
negociante e desde que esta circumstancia se provar, desde que a negligencia a ninguém prejudica senão ao
219
Como registra Pitombo, “Tem de existir algum nexo entre a conduta de omitir
documentos contábeis e o fato atinente à falência, sob pena de infringir-se o
nullum crimen nulla pœna sine culpa.”
276
A completa desvinculação com os fatos da dinâmica falimentar
representa, com efeito, o centro de gravidade da polêmica que se estabelece em
torno do delito em questão, aspecto que é extremamente relevante no processo
de investigação sobre a natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva de
recuperação, objeto do presente trabalho.
Considerando-se, por primeiro, a hipótese da Omissão de
documentos contábeis obrigatórios, perpetrada antes do decreto de quebra ou da
concessão de recuperação, verifica-se o único caso na Lei de Falências em que
tais decisões talvez pudessem ser cogitadas como condições objetivas de
punibilidade, já que ficam razoavelmente preenchidas as características que
configuram a dita categoria.
De fato, a principal crítica que se faz em relação ao delito em tela,
— a desvinculação com o fato da falência ou das recuperações —, importa, ao
mesmo tempo, na configuração de característica fundamental das condições
objetivas de punibilidade, qual seja, a desvinculação causal com os eventos
condicionantes (subitem 7.2 retro).
277
proprio negociante, desde que emfim esta irregularidade não importe em fraude, como julgal-à até sufficiente
para a culpa? Ao prudente arbítrio do Juiz compete decidir sem ser escravo da disposição litteral da lei.”
(Thomaz Alves Júnior, Annotações Theoricas e Praticas ao Codigo Criminal, t. 1, p. 689).
276
PITOMBO, Antonio Sérgio Altieri de Moraes. Art. 178. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de;
PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e
Falência, p. 554.
277
Como observava Pimentel, sobre o revogado artigo 186, inciso VI, da revogada Lei de Falências: “Não é
preciso que a falência tenha tido origem na inexistência dos livros. Basta que tal inexistência concorra com a
falência.” (Manoel Pedro Pimentel, Legislação Penal Especial, p. 111).
220
Essa característica traz, como conseqüência, a desvinculação
volitiva entre a omissão dos documentos contábeis e os eventos condicionantes,
situação que também, ao mesmo tempo em que importa em aspecto precípuo das
condições objetivas de punibilidade (subitem 7.1 retro), é alvo de maciças e
procedentes críticas, uma vez que o agente é chamado a responder por crime
falimentar sem jamais ter visado tal resultado ou o comprometimento dos feitos
dessa natureza. Se com esse intuito agir estará certamente incidindo em outro
tipo penal.
Nesse contexto, é importante frisar que a desvinculação material e
moral que se faz entre as condutas tipificadas no artigo 178 e a quebra ou a
recuperação, é conclusão obtida por via indireta, já que, conforme dito, quando
atrelada à vontade do agente, que dolosamente deixa de cumprir com as
formalidades da contabilidade da empresa, haverá inevitavelmente a
configuração de alguma modalidade de fraude, da qual são hipóteses mais
prováveis a causa de aumento de pena do artigo 168 (Fraude a credores) ou,
conforme as circunstâncias, o delito do artigo 171 (Indução a erro).
278
Ratifica
essa interpretação a própria ressalva feita no comando secundário do artigo em
tela, registrando sua incidência somente se o fato não constituir crime mais
grave
279
, disposição que consignou o caráter subsidiário desse delito.
278
Na vigência do revogado Decreto-lei n.° 7.661/45 verificava-se a mesma polêmica entre os delitos dos artigos
188, inciso VII e o do artigo 186, inciso VI. Conforme registrava Führer havia identidade material entre os dois
tipos penais, entendendo, por isso, que o primeiro tratava-se de crime doloso enquanto o segundo era
caracterizado pela culpa (Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p. 64). No caso da Lei
n.° 11.101/2005, não há a mínima possibilidade de afirmar-se haver qualquer modalidade de delito culposo,
ponto de vista que, aliás, já era defendido ainda na vigência da lei falimetar anterior (neste sentido v. Euvaldo
Chaib, Crime Falimentar — Punibilidade exclusivamente a título de dolo, In. Revista dos Tribunais, v. 555, p.
297-301).
279
Conforme Migliari Júnior: “Trata-se de verdadeiro crime subsidiário, eis que a imposição da punibilidade só
é exigível se o fato não constituir crime mais grave, o que de fato poderá ocorrer, como a falta de elaboração
dos documentos de escrituração obrigatórios visando a sonegação de bens e valores, ou desvio de bens,
procurando, dessa maneira, angariar vantagens. Logicamente não se tratará do presente delito, mas de um dos
anteriormente existentes.” (Arthur Migliari Júnior, Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 152).
Nucci referenda esse ponto de vista ampliando ainda mais a casuística subsidiária do delito: “o tipo
penal se auto-intitula tipo de reserva, vale dizer, somente se utiliza o disposto no art. 178, caso não se encontre
outro delito, previsto nesta Lei, mais grave. Exemplo: se não se anota determinado negócio para acobertar o
envolvimento do juiz da falência, que adquiriu bem da massa falida, deve-se usar o disposto no art. 177,
221
Ora, se de um lado esse estado de coisas, de certa forma, permitiria
referendar a quebra ou a concessão de recuperação como eventos
condicionantes, por outro reforça nosso ponto de vista (subitem 7.6 retro) sobre
a inconveniência da categoria das condições objetivas de punibilidade, uma vez
que acaba por configurar-se numa figura penal de conteúdo dogmático
questionável, tanto que praticamente foi deixada de lado do texto da nova Lei de
Falências, por não se acomodar com o imperativo da culpa.
Essa situação é evidente. O delito recebe merecidas críticas porque
descreve e pune uma conduta subjetivamente desvinculada da falência ou da
recuperação. Por outro lado, essa mesma malsinada desvinculação com os
eventos condicionantes da punibilidade — que o inconformismo da doutrina
chega a sugerir ser contornada
280
— é, justamente, a característica essencial dos
delitos condicionados.
De fato, a ser aplicado nos termos em que foi colocado, tanto pelo
conteúdo de seu enunciado quanto por seu caráter condicional expressado no
artigo 180 da mesma lei, permanecerá em vigor o mesmo estado de coisas que
outrora era criticado por Ferreira, quando observava que “[...] a lei pune
deixando-se de lado o mencionado art. 178.” (Guilherme de Souza Nucci, Leis Penais e Processuais Penais
Comentadas, p. 573).
280
Pitombo, crítico severo do dispositivo em comento, chega a propor uma interpretação mais ampla ao tipo
penal, como forma de acomodar-se a figura delituosa às exigências dogmáticas: “A única forma de considerar-
se a conduta — se típica, dada a exclusão das hipóteses de fraude (art. 168, da Lei 11.101/2005) e de indução a
erro (art. 171, da Lei 11.101/2005) seria exigir-se o prejuízo ou perigo de dano a credores ou à massa
falida.” (Antonio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, op. cit., idem.). Na mesma linha está Batista: “Embora
estejamos diante de um crime de perigo presumido, se for possível estabelecer, mediante seguro juízo ex post,
que a omitida elaboração ou escrituração dos documentos obrigatórios em nada perturbaria a reconstrução
aziendal, ou mesmo perturbando-a não produziria ou implicaria o prejuízo aos credores (ou o faria de forma
insignificante), a conduta seria impunível: a presunção de perigo não pode impor-se sobre a racional
demonstração de sua impossibilidade, não só pela prevalência do princípio da lesividade, como pela expansão
analógica da regra acerca do crime impossível.” (Nilo Batista, Lições de Direito Penal Falimentar, p. 196-197).
Alguns julgados sustentam a mesma linha, in verbis: “Não ocorre o crime falimentar quando a inexistência de
um dos livros obrigatórios, e o atraso na escrituração dos demais, bem como a falta de rubrica judicial nos
mesmos, não acarretou prejuízo aos credores, nem foi o elemento caracterizados causal da quebra.” (RT
499/350). Na mesma direção: RT 353/227, 413/255, 273/129.
222
exatamente aquela inexistência de livros, sem aludir ao elemento subjetivo do
crime.”
281
Releva notar, contudo, que a única característica das condições
objetivas de punibilidade não preenchidas pelo artigo 178 decorre da inserção
dos eventos condicionantes no enunciado típico que, conforme observado
(subitem 7.4 retro), é aspecto que, na prática, poderá ser utilizado como
argumento para exigir-se a vinculação entre a omissão de documentos e a quebra
ou a recuperação, na tentativa de, assim, contornarem-se as falhas legislativas.
Por derradeiro, registre-se que a situação, no entanto, será outra
quando a Omissão de documentos contábeis obrigatórios ocorrer após o decreto
de quebra ou da concessão de recuperação à empresa.
Se — como repetidamente sustentado — as ditas decisões forem
anteriores à prática de alguma das condutas típicas, o delito se apresentará como
pós-falimentar, razão por que aquelas não poderão ser reputadas como
condições objetivas de punibilidade.
De fato, sendo o estado falimentar ou de recuperação preexistente à
conduta típica, estas situações (quebra ou recuperação) serão do prévio
conhecimento do agente, estando, por via de efeito, cobertas por sua vontade,
estado de coisas incompatível com os traços essenciais dos eventos
condicionantes.
Assim, quando a Omissão de documentos contábeis obrigatórios se
apresentar como delito pós-falimentar, as sentenças de quebra ou concessivas de
recuperação deverão ser havidas como elementos do delito.
281
FERREIRA, Waldemar Martins. Tratado de Direito Comercial, v. 15, p. 440.
223
9 PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101,
DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005
Conforme ficou evidenciado, a categoria das condições objetivas de
punibilidade, por si só, representa um verdadeiro “calcanhar de Aquiles” na
doutrina penal, que diverge no grau superlativo, até mesmo, quanto a sua
existência.
Mesmo na Itália, único país a fazer certa descrição das condições
objetivas de punibilidade no corpo de seu Código Penal (artigo 44), o desacordo
na doutrina é evidente, tanto no que tange às características quanto à casuística
concreta das hipóteses de crimes condicionados.
O conjunto de senões leva a concluir pela impossibilidade de acomodar-se
a idéia das condições objetivas de punibilidade aos princípios que
hodiernamente informam a ciência penal, especialmente o da culpabilidade
(subitem 7.6 retro).
Em que pese nosso ponto de vista preliminar, essa suposta categoria
passou, obrigatoriamente, a ter de ser levada em conta na doutrina pátria, visto
que, de forma expressa, ingressou in lege a partir do artigo 180 da Lei n.°
11.101, de 9 de fevereiro de 2005.
Ocorre que, a despeito da referência legal, consignando que a sentença
que decreta a falência ou a que concede qualquer das duas formas de
recuperação à empresa, são condições objetivas de punibilidade dos crimes
falimentares, é bem de se ver que a disposição em questão estampa erros
palmares.
224
A heterogeneidade dos tipos penais, com efeito, não permite que, pelo
processo indutivo, se chegue a um denominador comum sobre as características
das condições objetivas de punibilidade, já que as decisões judiciais que
supostamente deveriam funcionar como eventos condicionantes, não se
apresentam de maneira uniforme em todas as modalidades de crimes
falimentares. Esse é o principal fator do desacerto legislativo nas disposições do
artigo 180.
De fato, embora o dispositivo em comento consigne que a sentença
falimentar, bem como as concessivas de qualquer forma de recuperação “[...] é
condição objetiva de punibilidade das infrações descritas [...]”, é bem de se ver
que tais decisões, em diversos casos, funcionam como verdadeiros elementos do
tipo penal, notadamente quando inseridos no mesmo, ou apontados como
acontecimentos preexistentes à conduta. Em outros casos, as supostas condições
encontram-se em nítida relação de causa e efeito com a conduta, o que evidencia
tratarem-se de verdadeiros eventos do delito.
Essa diversidade de situações impede, portanto, a disposição generalista
da norma em questão que, em verdade, fez referência a um instituto até então
desconhecido em nossa legislação e cujos contornos também não identificou.
Consignadas as razões por que entendemos ter havido um desacerto
legislativo nas disposições do artigo 180 da Lei de Falências (capítulo 8 retro), e
pormenorizadas as impropriedades que conduzem a tal conclusão, na análise
individual de cada uma das infrações penais falimentares, resta apenas
considerar se, diante da diversidade de circunstâncias que permeiam os delitos
em espécie, é possível agrupar os supostos eventos condicionantes sob um
mesmo denominador na teoria do delito, capaz de determinar-lhes a natureza
jurídica na peculiar estrutura dos crimes falimentares.
225
Nesse particular a questão pode ser considerada, a um só tempo, tanto do
ângulo material quanto processual, sem risco de maiores conflitos.
Com efeito, a sentença de quebra e a concessiva de recuperação tem, à
evidência, inegável importância na própria estrutura das infrações penais
falimentares, tanto é que o legislador fez questão de fixá-las dentro de categoria
indiscutivelmente ligada ao direito material.
Embora os referidos eventos não se apresentem minimamente aptos a
serem agrupados a título de condições objetivas de punibilidade, categoria
excepcional, por si só polêmica e vulnerável a sensíveis argumentos (subitem
7.6 retro), nota-se que, por outro lado, podem ser considerados dentro da própria
estrutura formal ordinária do delito.
Consabido, todas as condutas delituosas tipificadas a título de infrações
penais falimentares ganham relevância jurídica só e somente com o advento da
sentença de quebra (pela novel legislação, também com alguma das formas de
recuperação) que, na acertada síntese de Marques “[...] é um plus que se
acrescenta ao ato para transformá-lo em fato típico.”
282
Realmente, sem que se verifique algum desses eventos não haverá o
próprio objeto jurídico da infração, posto que a dinâmica falimentar que a lei
penal tutela em situações particulares, não terá tido existência.
Os referidos eventos são, portanto, o baricentro da própria ilicitude das
infrações penais falimentares ou, conforme as palavras de Carrara, “[...] o
282
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, v. 3, p. 300.
226
substrato material de um malefício”
283
, sem os quais a conduta típica é
absolutamente inócua, uma vez que não poderá constituir ofensa ao interesse
juridicamente tutelado que, por sinal, nem chega a ganhar vida.
Assim colocados, dessume-se que os ditos eventos são, em qualquer caso,
elementos constitutivos dos crimes falimentares, na medida em que a
ofensividade das infrações penais na presença deles se desenvolve ou sobre eles
se projeta, ora como causa, ora como elemento preexistente, vindo a talho de
foice o ponto de vista de Mantovani, sobre a natureza de eventos desta ordem:
Devem considerar-se elementos constitutivos os acontecimentos que
se prendem à ofensa do bem protegido e que concentram em si a
‘ofensividade do fato’ e, portanto, a própria razão da incriminação.
Sem eles, de fato, faltaria ao crime a ofensa típica.
284
Com efeito, é fato inconteste que a sentença de quebra ou concessiva de
recuperação integra os delitos falimentares, ainda que eventualmente não se
encontrem expressas no enunciado de alguns tipos penais. E integram de forma
a dar existência ao próprio bem jurídico, sem o qual, é bem de se ver, o delito
não se aperfeiçoa, tornando, inclusive, atípicas as condutas descritas a título de
infrações penais.
285
É bem por isso que Greco Filho afirma textualmente que a
sentença falimentar “[...] se trata de elemento do tipo penal, ainda que implícito
ou genérico.”
286
O entendimento do autor é de total procedência, o que se percebe quando
justamente se pondera que a ausência destes eventos conduz à atipicidade da
conduta do agente, de sorte que devem, então, ser reconhecidos como elementos
283
CARRARA, Francesco. Programma del corso di diritto criminale, v. VII, p. 86, “tradução livre do autor”.
284
MANTOVANI, Ferrando. Diritto Penale Parte generale, p. 783, “tradução livre do autor”.
285
Tanto é assim que ASÚA considera que “En caso de ausencia funcionarán como formas atípicas que
destruyen la tipicidad.” (Luis Jimenéz de Asúa, La Ley y el Delito, p. 532).
286
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, p. 381. Na mesma direção está Marques: “Parece-nos,
porém, que a sentença falimentar compõe o tipo como um dos elementos constitutivos da descrição legal.” (José
Frederico Marques, op.cit., idem). Também Carlos Fontán Balestra, Tratado de derecho penal, t. 1, p. 349 e
Eugenio Raúl Zaffaroni, Tratado de Derecho Penal, v. 5, p. 57.
227
do tipo penal, ainda que a este se empreste extensão mais ampla do que
simplesmente a do enunciado, alcançando, também, os elementos que compõem
a figura delituosa em sua totalidade. Esse juízo harmoniza-se com o ponto de
vista de Balestra para quem “Una acción no es típicamente antijurídica si no
contiene todos los requisitos de una figura legal.
287
De certa forma, o mesmo argumento é empregado por Gómez para
rechaçar o status de condição objetiva de punibilidade à sentença de quebra:
“Se cita como ejemplo de condición objetiva de punibilidad, la de la
declaración del estado de falencia para la punibilidad del delito de
quiebra. Pero el error es evidente: la declaración susodicha es
necesaria para que el delito exista y no para su punibilidad. Esta se
produce, no por otra cosa sino porque concurren todos los hechos
constitutivos del delito de quiebra y, entre ellos, la declaración de
falencia, que es esencial.”
288
Nesse contexto, em que os eventos em questão em verdade pertencem à
figura delituosa e acabam por determinar a própria ilicitude da conduta, reforça-
se a conclusão da impropriedade em afirmá-las como meras condições objetivas
de punibilidade, visto que, como sustenta Soler, essas últimas “Son
circunstancias que no afectan ni la antijuridicidad ni la culpabilidad de la
acción [...]”.
289
Esse entendimento, ao que parece, vem ganhando corpo no próprio direito
italiano que, conforme sustentado (capítulo 7 retro) foi o único a disciplinar a
categoria das condições objetivas de punibilidade no corpo de sua legislação.
Isso se afirma à vista do entendimento esposado pela “Comissione Pagliaro” na
Bozza di articolato para Reforma do Código Penal Italiano que, em seu artigo 13
registra: “Prever como condições de punibilidade objetivamente operantes
287
BALESTRA, Carlos Fontán. Tratado de derecho penal, t. 1, p. 349.
288
GÓMEZ, Eusébio. Tratado de Derecho Penal, t.1, p. 401.
289
SOLER, Sebastian. Derecho Penal Argentino, v. 2, p. 208.
228
somente os acontecimentos estranhos à ofensa típica do crime.” (tradução livre
do autor).
De fato, a punibilidade, bem como as possíveis circunstâncias que possam
condicioná-la, por apresentar-se como conseqüência da conduta típica,
antijurídica e culpável, destes elementos deve diferenciar-se de forma
evidente.
290
Na questão em apreço, se não ocorre o decreto de quebra ou a concessão
de alguma das modalidades de recuperação, a infração penal ainda não estará
revestida da nota da antijuridicidade, significando, por via de conseqüência, que
o delito está incompleto, não se podendo, portanto, cogitar-se em sua
punibilidade .
291
Assim, conclui-se que, perante o direito substantivo, a sentença
declaratória de falência ou concessiva de alguma das formas de recuperação
devem ser havidas como elementares da figura delituosa, cuja ausência conduz à
atipicidade do delito.
Esse é, efetivamente, o único denominador comum a todas as infrações
penais previstas na Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, ao menos no que
interessa ao direito material.
290
Conforme considera Balestra: “Por eso, porque el tipo es la suma de los requisitos que definen la conducta
punible, no consideramos necesario incluir en la definición las condiciones objetivas de punibilidad, ni ningún
otro agregado referido a la adecuación, que resulta ya de la calificación tipicamente antijurídica.” (Carlos
Fontán Balestra, Op. cit., idem).
291
Adverte Mormando que as condições objetivas de punibilidade devem estar afastadas dos elementos ligados à
ilicitude do delito: “I problemi relativi alla natura delle condizioni obietivi di punibilità ed al rapporto con gli
elementi costitutivi del reato possono trovare adeguata soluzione solo se le prime vengono considerate estranee
all’interesse del reato.” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di
punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633.
229
A despeito dessa consideração, feita exclusivamente à luz do direito
substantivo, observa-se que os adventos da quebra ou da recuperação podem, no
caso da referida lei, ser interpretados, de modo complementar, sob o ângulo do
direito instrumental.
De fato, considerando a lastimável previsão estampada no artigo 180 do
mesmo diploma, deduz-se que, se o legislador pretendia imprimir um contorno
diferenciado em relação à sentença de quebra ou à concessiva de recuperação —
já que seria despiciendo reiterá-las como elementos da figura delituosa, o que
realmente são —, tal intento seria, como realmente é, impossível a título de
condições objetivas de punibilidade, dadas as características absolutamente
heterogêneas das infrações penais envolvidas, conforme enfatizado (capítulo 8
retro).
Por outro lado, o intento de ressaltar a sentença de quebra ou concessiva
de recuperação na dinâmica penal-falimentar poderia ser alcançado, de forma
menos traumática e onerosa à dogmática, e sem retirar-lhes a característica de
elementos dos crimes, dentro do direito adjetivo. Aliás, é justamente por conta
dos inevitáveis senões que, à evidência, fragilizam dogmaticamente as atuais
disposições do artigo 180, que certos autores, como Toledo, já entendiam que à
sentença de quebra sempre deveria ser reconhecida natureza jurídica processual
penal, situando-a entre as condições de procedibilidade:
Com efeito, tanto no crime falimentar, para cuja punição se exige a
sentença declaratória da falência, como no do art.236 do Código
Penal, para o qual se exige o trânsito em julgado da sentença
anulatória do casamento (parágrafo único), pode-se, com enorme dose
de razão, sustentar que o que fica em suspenso, na dependência da
superveniência daquelas condições legalmente estabelecidas, não é o
crime ou a tipicidade da conduta, mas sim e tão-somente o exercício
da ação penal. A inclusão na lei substantiva dessa autêntica ‘condição
230
da ação’ pode ser, talvez, a causa da confusão que se tem feito sobre a
sua verdadeira natureza.
292
Realmente, se, ao invés de conferir aos ditos eventos o status explícito de
condições objetivas de punibilidade, houvesse o legislador situado-os entre as
chamadas condições de procedibilidade (subitem 7.5 retro), a questão tornar-se-
ia muito menos polêmica e, via de efeito, distanciada de críticas tão severas
quanto procedentes.
Nesse particular, percebe-se que a Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de
2005, representou um notável retrocesso em relação à legislação que
imediatamente a antecedeu.
De fato, embora o revogado Decreto-lei n.° 7.661/45 não contivesse
norma expressa definindo a natureza jurídica da sentença de quebra, é bem de se
ver que esta era reconhecida como condição de procedibilidade, haja vista que o
Código de Processo Penal (Decreto-lei n.° 3.689, de 3 de outubro de 1941), que
na vigência daquela lei disciplinava o procedimento nos crimes falimentares
(Livro II, Título II, Capítulo I), deixava implícita a natureza adjetiva do referido
evento, por conta do disposto em seu artigo 507, in verbis: “Art. 507. A ação
penal não poderá iniciar-se antes de declarada a falência e extinguir-se-á quando
reformada a sentença que a tiver decretado.”
Essa disposição tornava a questão livre de maiores polêmicas em termos
práticos, na medida em que expressamente o início da ação penal ficava
292
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 157. Também Urzua, embora admita a
existência da categoria das condições objetivas de punibilidade, reconhece que às condições de procedibilidade:
“[...] pertenece, característicamente, la declaratoria de quiebra en los delitos de quiebra fraudulenta.” (Enrique
Cury Urzúa, Derecho Penal – Parte General, p.348).
231
condicionado à sentença falimentar, proclamando Espínola Filho que nesta
deitava-se “[...] o alicerce do processo penal.”
293
Obviamente, o conteúdo do dispositivo do Código de Processo Penal não
afastava os entendimentos da doutrina que viam na sentença de quebra uma
condição objetiva de punibilidade, porém nessas circunstâncias a discussão
permanecia no campo estritamente doutrinário.
A despeito dessas posições divergentes, quase sempre pouco
aprofundadas na questão, é bem de se ver que, na vigência da revogada Lei
falimentar, a natureza jurídica do decreto de quebra ficou in lege, ligada ao
direito processual, visto que na disposição do Código de Processo Penal, tratava-
se, de verdadeira condição de procedibilidade da ação penal.
Nessa mesma direção, aliás, havia caminhado a Câmara Federal no curso
do processo legislativo que deu origem à Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de
2005, entendimento que, no entanto, não se sustentou no Senado, conferiu à
sentença de quebra o status de condição objetiva de punibilidade, consoante
historia Bittencourt:
O Substitutivo aprovado na Câmara Federal condicionava o início da
ação penal à ‘decretação da falência’ (art. 204), configurando, nessa
hipótese, condição de procedibilidade, ou seja, um autêntico requisito
específico da ação penal, sem o qual não se poderia iniciá-la. Contudo,
esse texto foi alterado no Senado, constando expressamente que a
referida decisão judicial é condição objetiva de punibilidade (art.
180).
294
A alteração do Senado foi de infelicidade ímpar. Estabeleceu-se em lei,
conforme dito, um instituto cuja própria existência e utilidade são duvidosas e
cujas características, ademais, são totalmente incertas. Outorgou-se-lhe
293
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo Espínola. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. 5, p. 84.
294
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Aspectos procedimentais e político-criminais dos crimes disciplinados na
nova lei falimentar, In: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.° 148, p. 7-10.
232
amplitude que não se acomoda, de forma geral, às características dos tipos
penais que foram estabelecidos na nova lei, de sorte que, se a questão em torno
das condições objetivas de punibilidade importava em discussões apenas no
campo doutrinário, a partir das disposições do artigo 180 da nova lei, o tema
ganhou foros de cidade.
Tamanha celeuma, é bem de se ver, teria sido evitada caso o legislador
houvesse apenas vinculado o início da ação penal ao decreto de quebra ou à
concessão de recuperação.
De fato, se os eventos arrolados no artigo 180 da referida lei houvessem
sido reconhecidos como condições de procedibilidade da ação penal, as
características de direito material ligadas aos mesmos seriam preservadas,
admitindo que, conforme acabamos de sustentar, genericamente integram todas
as figuras delituosas previstas na mesma lei, permanecendo, no entanto,
passíveis de identidade própria no contexto individual de cada uma das infrações
penais, apresentando-se, verbi gratia, como circunstâncias preexistentes, como
resultado do delito.
Também do ângulo prático, mostra-se mais interessante à persecutio
criminis que o decreto de quebra e a concessão de recuperação sejam tratadas
como condições de procedibilidade. Isso porque, conforme o entendimento
doutrinário predominante (subitem 7.5 retro), se é proposta uma denúncia por
crime falimentar, antes da ocorrência de algum dos ditos eventos, e os mesmos
forem admitidos como condições de procedibilidade, a ação deverá ser extinta
sem julgamento do mérito, podendo ser oferecida novamente sobre os mesmos
fatos, em sobrevindo algum dos eventos condicionantes. De outra banda, em se
reconhecendo tratar-se de condições objetivas de punibilidade haverá uma
233
decisão definitiva de mérito que obstará o reinício da ação penal na hipótese do
advento posterior da condição.
Assim, o contorno de instituto de direito procedimental, além de enfatizar
a condição que daria início ao processo criminal — que, aliás, só pode mesmo
ter início quando se completem todos os elementos da figura delituosa, sob pena
de faltar-lhe justa causa —, também garantiria a possibilidade dos fundamentos
de uma ação penal proposta de maneira açodada, voltar a serem levados a juízo
após o advento da condição processual.
Dessa forma, e por conta de todas as contrariedades que, tanto do ponto de
vista prático quanto acadêmico, inquinam o atual conteúdo do artigo 180,
conclui-se que a sentença que decreta a falência, concede recuperação judicial
ou concede recuperação extrajudicial deveriam ter sua natureza jurídica
modificada no texto legal, e passar a serem admitidas como condições de
procedibilidade da ação penal, entendimento que, de outra parte, não retiraria o
conteúdo substantivo que as referidas decisões apresentem em relação aos tipos
penais em espécie, submetendo-as às mesmas exigências que se operam em
relação às categorias de direito material a que possam individualmente
pertencer, especialmente no que tange ao princípio da culpabilidade.
234
10 CONCLUSÃO
A dinâmica penal-falimentar, no que tange à natureza jurídica da sentença
de quebra, sofreu notável modificação na disciplina imposta pela Lei n.° 11.101,
de 9 de fevereiro de 2005. De fato, ao estabelecer que tal evento, igualmente à
sentença que concede alguma das formas de recuperação à empresa, é condição
objetiva de punibilidade, o legislador incidiu em equívoco dogmático palmar,
consoante sustentado neste trabalho, o que importa nas seguintes conclusões:
1. As condições objetivas de punibilidade são eventos posteriores ou
concomitantes à execução da conduta típica, estranhos ao enunciado do tipo
penal, causalmente desvinculados da conduta do agente e estranhos à sua
vontade (capítulo 7, retro).
2. Nos crimes pós-falimentares, a sentença que decreta a falência ou que
concede a recuperação judicial ou extrajudicial não pode ser tomada como
condição objetiva de punibilidade, já que nesses casos o suposto evento
condicionante preexiste à conduta. Trata-se, portanto, de elementos do tipo
penal que, por serem anteriores à execução do delito, estão alcançados pela
vontade do agente.
3. Nos delitos em que a sentença de falência ou concessiva de qualquer
das duas modalidades de recuperação da empresa, estiver inserida no enunciado
descritivo do tipo penal (artigos 168, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 177 e 178),
também estar-se-á diante de elementos típicos que, devendo ser alcançados pela
vontade do agente, não podem ingressar na categoria das condições objetivas de
punibilidade;
4. Nos delitos em que a falência ou da recuperação judicial forem
previstas como conseqüências da realização da conduta típica, os referidos
235
eventos não se apresentam como condições objetivas de punibilidade, mas como
resultado do delito. Verbi gratia, o delito de Violação de sigilo empresarial
(artigo 169).
5. No delito de Divulgação de informações falsas (artigo 170), a falência é
expressamente apontada como objeto do dolo específico do agente, previsão
evidentemente incongruente com o caráter objetivo que o artigo 180 conferiu ao
mesmo evento.
6. Todos esses aspectos evidenciam uma profunda diversidade nas
características e na função que a sentença de quebra e a concessiva de
recuperação, desempenha em relação a cada delito previsto na nova Lei de
Falências. Esse estado de coisas não permite identificar um grupo de
circunstâncias homogêneas a essas decisões, que permita lhes atribuir o caráter
genérico de condições objetivas de punibilidade. De fato, na conformidade com
que foram elaborados os tipos penais não é sequer possível distinguir os
supostos eventos condicionantes dos demais elementos do delito.
7. Assim, do ângulo do direito material, a sentença declaratória da
falência ou concessiva de alguma das formas de recuperação da empresa devem
ser admitidas como elementos típicos da figura delituosa, visto que, ainda
quando não estejam expressas no enunciado do tipo penal, determinam a
antijuridicidade dos delitos falimentares, fazendo surgir, inclusive, o objeto
jurídico dos delitos dessa espécie.
8. Essas observações sob o prisma material, por outro lado, não impedem
que se faça a consideração dos supostos eventos condicionantes do ponto de
vista do direito processual. Com efeito, quando se pretendeu dar destaque à
função desempenhada pela sentença de quebra ou concessiva de recuperação nos
236
crimes falimentares, o legislador deveria tê-las identificado como condições de
procedibilidade da ação penal, tal como consignava o Código de Processo Penal
(artigo 507), em relação aos delitos da revogada Lei de Falências (Decreto-lei
n.° 7.661/45).
9. As condições de procedibilidade da ação penal representam, do ângulo
dogmático, categoria que não suporta as inconciliáveis críticas que a doutrina
tece em relação às condições objetivas de punibilidade, uma vez que não
colocam em xeque exigências de conteúdo principiológico, especialmente no
que toca à questão da culpabilidade.
10. No que se refere ao aspecto pragmático, ao se admitir que a sentença
de quebra ou concessiva de recuperação sejam condições de procedibilidade,
uma ação penal falimentar, hipoteticamente proposta antes dos referidos eventos
e, obviamente julgada nula por faltar-lhe uma condição processual específica,
poderia ser reapresentada em torno dos mesmos fatos, após o advento da
referida condição. O mesmo não ocorre caso se tratem os mesmos eventos como
condições objetivas de punibilidade. Sendo, então, elementos ligados ao direito
material, haveria, na mesma hipótese, uma decisão absolutória de mérito, o que
impediria o reingresso em juízo com base nos mesmos acontecimentos.
11. Por todo esse contexto é recomendável que se modifique o conteúdo
do artigo 180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, passando a
reconhecer-se a sentença de quebra e a concessiva de alguma das formas de
recuperação como condições de procedibilidade da ação penal falimentar,
categoria evidentemente menos polêmica e conflitante com as garantias de
direito penal e, por outro lado, mais eficiente à persecutio criminis.
237
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TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal, v. 1, t. 2. Rio
de Janeiro: Forense, 1956.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 19.ª ed. e rev.
atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1997.
URZÚA, Enrique Cury, Derecho Penal – Parte General. 7.ª ed. ampliada.
Santiago do Chile: Universidad Católica de Chile, 2005.
VALVERDE, Trajano de Miranda, Comentários à Lei de Falências. v.1 e 3,
3.ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1962.
VANNINI, Ottorino. Manuale di Diritto Penale Parte General. Firenze:
Carlo Cya, 1947.
251
WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman – Parte General. 4.ª ed.. Trad. Juan
Bustos Ramírez e Sergio Yánez Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1993.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Tratado de Derecho Penal Parte General. t.
5. Buenos Aires: Ediar, 1988.
252
ANEXO
253
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI N
o
11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005.
Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e
a falência do empresário e da sociedade
empresária.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1
o
Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência
do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.
Art. 2
o
Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade
de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade
seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às
anteriores.
Art. 3
o
É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a
recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do
devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.
Art. 4
o
(VETADO)
CAPÍTULO II
DISPOSIÇÕES COMUNS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL E À FALÊNCIA
Seção I
Disposições Gerais
Art. 5
o
Não são exigíveis do devedor, na recuperação judicial ou na falência:
I – as obrigações a título gratuito;
II as despesas que os credores fizerem para tomar parte na recuperação judicial ou na
falência, salvo as custas judiciais decorrentes de litígio com o devedor.
Art. 6
o
A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação
judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor,
inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.
254
§ 1
o
Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar
quantia ilíquida.
§ 2
o
É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou
modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza
trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8
o
desta Lei, serão processadas
perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no
quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
§ 3
o
O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1
o
e 2
o
deste artigo poderá
determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na
falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.
§ 4
o
Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese
nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do
deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o
direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de
pronunciamento judicial.
§ 5
o
Aplica-se o disposto no § 2
o
deste artigo à recuperação judicial durante o período de
suspensão de que trata o § 4
o
deste artigo, mas, após o fim da suspensão, as execuções
trabalhistas poderão ser normalmente concluídas, ainda que o crédito já esteja inscrito no
quadro-geral de credores.
§ 6
o
Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as
ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da
falência ou da recuperação judicial:
I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;
II – pelo devedor, imediatamente após a citação.
§ 7
o
As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação
judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e
da legislação ordinária específica.
§ 8
o
A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a jurisdição
para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor.
Seção II
Da Verificação e da Habilitação de Créditos
Art. 7
o
A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base
nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe
forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou
empresas especializadas.
§ 1
o
Publicado o edital previsto no art. 52, § 1
o
, ou no parágrafo único do art. 99 desta
Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial
suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.
§ 2
o
O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na
forma do caput e do § 1
o
deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no
255
prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1
o
deste artigo, devendo
indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8
o
desta Lei
terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.
Art. 8
o
No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7
o
, §
2
o
, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público
podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de
qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de
crédito relacionado.
Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos
arts. 13 a 15 desta Lei.
Art. 9
o
A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7
o
, § 1
o
, desta
Lei deverá conter:
I – o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer
ato do processo;
II o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de
recuperação judicial, sua origem e classificação;
III os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem
produzidas;
IV a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo
instrumento;
V – a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.
Parágrafo único. Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidos
no original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro processo.
Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7
o
, § 1
o
, desta Lei, as habilitações de
crédito serão recebidas como retardatárias.
§ 1
o
Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os titulares
de créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas deliberações da
assembléia-geral de credores.
§ 2
o
Aplica-se o disposto no § 1
o
deste artigo ao processo de falência, salvo se, na data da
realização da assembléia-geral, já houver sido homologado o quadro-geral de credores
contendo o crédito retardatário.
§ 3
o
Na falência, os créditos retardatários perderão o direito a rateios eventualmente
realizados e ficarão sujeitos ao pagamento de custas, não se computando os acessórios
compreendidos entre o término do prazo e a data do pedido de habilitação.
§ 4
o
Na hipótese prevista no § 3
o
deste artigo, o credor poderá requerer a reserva de valor
para satisfação de seu crédito.
§ 5
o
As habilitações de crédito retardatárias, se apresentadas antes da homologação do
quadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e processadas na forma dos arts.
13 a 15 desta Lei.
256
§ 6
o
Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitaram seu
crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de
Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação judicial a retificação do
quadro-geral para inclusão do respectivo crédito.
Art. 11. Os credores cujos créditos forem impugnados serão intimados para contestar a
impugnação, no prazo de 5 (cinco) dias, juntando os documentos que tiverem e indicando
outras provas que reputem necessárias.
Art. 12. Transcorrido o prazo do art. 11 desta Lei, o devedor e o Comitê, se houver, serão
intimados pelo juiz para se manifestar sobre ela no prazo comum de 5 (cinco) dias.
Parágrafo único. Findo o prazo a que se refere o caput deste artigo, o administrador
judicial será intimado pelo juiz para emitir parecer no prazo de 5 (cinco) dias, devendo juntar
à sua manifestação o laudo elaborado pelo profissional ou empresa especializada, se for o
caso, e todas as informações existentes nos livros fiscais e demais documentos do devedor
acerca do crédito, constante ou não da relação de credores, objeto da impugnação.
Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com os
documentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias.
Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos a ela
relativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre o mesmo
crédito.
Art. 14. Caso não haja impugnações, o juiz homologará, como quadro-geral de credores,
a relação dos credores constante do edital de que trata o art. 7
o
, § 2
o
, desta Lei, dispensada a
publicação de que trata o art. 18 desta Lei.
Art. 15. Transcorridos os prazos previstos nos arts. 11 e 12 desta Lei, os autos de
impugnação serão conclusos ao juiz, que:
I determinará a inclusão no quadro-geral de credores das habilitações de créditos não
impugnadas, no valor constante da relação referida no § 2
o
do art. 7
o
desta Lei;
II julgará as impugnações que entender suficientemente esclarecidas pelas alegações e
provas apresentadas pelas partes, mencionando, de cada crédito, o valor e a classificação;
III fixará, em cada uma das restantes impugnações, os aspectos controvertidos e
decidirá as questões processuais pendentes;
IV determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e
julgamento, se necessário.
Art. 16. O juiz determinará, para fins de rateio, a reserva de valor para satisfação do
crédito impugnado.
Parágrafo único. Sendo parcial, a impugnação não impedirá o pagamento da parte
incontroversa.
Art. 17. Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo.
Parágrafo único. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à
decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou
257
classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto em
assembléia-geral.
Art. 18. O administrador judicial será responsável pela consolidação do quadro-geral de
credores, a ser homologado pelo juiz, com base na relação dos credores a que se refere o art.
7
o
, § 2
o
, desta Lei e nas decisões proferidas nas impugnações oferecidas.
Parágrafo único. O quadro-geral, assinado pelo juiz e pelo administrador judicial,
mencionará a importância e a classificação de cada crédito na data do requerimento da
recuperação judicial ou da decretação da falência, será juntado aos autos e publicado no órgão
oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da data da sentença que houver julgado as
impugnações.
Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do
Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência,
observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil,
pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de
descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos
ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.
§ 1
o
A ação prevista neste artigo será proposta exclusivamente perante o juízo da
recuperação judicial ou da falência ou, nas hipóteses previstas no art. 6
o
, §§ 1
o
e 2
o
, desta Lei,
perante o juízo que tenha originariamente reconhecido o crédito.
§ 2
o
Proposta a ação de que trata este artigo, o pagamento ao titular do crédito por ela
atingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no mesmo valor do
crédito questionado.
Art. 20. As habilitações dos credores particulares do sócio ilimitadamente responsável
processar-se-ão de acordo com as disposições desta Seção.
Seção III
Do Administrador Judicial e do Comitê de Credores
Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado,
economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.
Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á,
no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável pela condução do
processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem
autorização do juiz.
Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além
de outros deveres que esta Lei lhe impõe:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do
caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei,
comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a
natureza, o valor e a classificação dada ao crédito;
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;
258
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem de
fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;
e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2
o
do art. 7
o
desta Lei;
f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;
g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos previstos nesta
Lei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões;
h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas
para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;
i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;
b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de
recuperação;
c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;
d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o inciso
III do caput do art. 63 desta Lei;
III – na falência:
a) avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores terão à sua
disposição os livros e documentos do falido;
b) examinar a escrituração do devedor;
c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida;
d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não for
assunto de interesse da massa;
e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado da assinatura do termo de
compromisso, prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e circunstâncias que
conduziram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dos
envolvidos, observado o disposto no art. 186 desta Lei;
f) arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação, nos
termos dos arts. 108 e 110 desta Lei;
g) avaliar os bens arrecadados;
h) contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização judicial, para a
avaliação dos bens caso entenda não ter condições técnicas para a tarefa;
i) praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores;
259
j) requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos a
considerável desvalorização ou de conservação arriscada ou dispendiosa, nos termos do art.
113 desta Lei;
l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a cobrança de
dívidas e dar a respectiva quitação;
m) remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, bens apenhados,
penhorados ou legalmente retidos;
n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujos
honorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores;
o) requerer todas as medidas e diligências que forem necessárias para o cumprimento
desta Lei, a proteção da massa ou a eficiência da administração;
p) apresentar ao juiz para juntada aos autos, até o 10
o
(décimo) dia do mês seguinte ao
vencido, conta demonstrativa da administração, que especifique com clareza a receita e a
despesa;
q) entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu poder, sob
pena de responsabilidade;
r) prestar contas ao final do processo, quando for substituído, destituído ou renunciar ao
cargo.
§ 1
o
As remunerações dos auxiliares do administrador judicial serão fixadas pelo juiz,
que considerará a complexidade dos trabalhos a serem executados e os valores praticados no
mercado para o desempenho de atividades semelhantes.
§ 2
o
Na hipótese da alínea d do inciso I do caput deste artigo, se houver recusa, o juiz, a
requerimento do administrador judicial, intimará aquelas pessoas para que compareçam à sede
do juízo, sob pena de desobediência, oportunidade em que as interrogará na presença do
administrador judicial, tomando seus depoimentos por escrito.
§ 3
o
Na falência, o administrador judicial não poderá, sem autorização judicial, após
ouvidos o Comitê e o devedor no prazo comum de 2 (dois) dias, transigir sobre obrigações e
direitos da massa falida e conceder abatimento de dívidas, ainda que sejam consideradas de
difícil recebimento.
§ 4
o
Se o relatório de que trata a alínea e do inciso III do caput deste artigo apontar
responsabilidade penal de qualquer dos envolvidos, o Ministério Público será intimado para
tomar conhecimento de seu teor.
Art. 23. O administrador judicial que não apresentar, no prazo estabelecido, suas contas
ou qualquer dos relatórios previstos nesta Lei será intimado pessoalmente a fazê-lo no prazo
de 5 (cinco) dias, sob pena de desobediência.
Parágrafo único. Decorrido o prazo do caput deste artigo, o juiz destituirá o
administrador judicial e nomeará substituto para elaborar relatórios ou organizar as contas,
explicitando as responsabilidades de seu antecessor.
260
Art. 24. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador
judicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade do
trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.
§ 1
o
Em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5%
(cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor
de venda dos bens na falência.
§ 2
o
Será reservado 40% (quarenta por cento) do montante devido ao administrador
judicial para pagamento após atendimento do previsto nos arts. 154 e 155 desta Lei.
§ 3
o
O administrador judicial substituído será remunerado proporcionalmente ao trabalho
realizado, salvo se renunciar sem relevante razão ou for destituído de suas funções por
desídia, culpa, dolo ou descumprimento das obrigações fixadas nesta Lei, hipóteses em que
não terá direito à remuneração.
§ 4
o
Também não terá direito a remuneração o administrador que tiver suas contas
desaprovadas.
Art. 25. Caberá ao devedor ou à massa falida arcar com as despesas relativas à
remuneração do administrador judicial e das pessoas eventualmente contratadas para auxiliá-
lo.
Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das classes
de credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição:
I 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois)
suplentes;
II 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia
ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes;
III 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com
privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.
§ 1
o
A falta de indicação de representante por quaisquer das classes não prejudicará a
constituição do Comitê, que poderá funcionar com número inferior ao previsto no caput deste
artigo.
§ 2
o
O juiz determinará, mediante requerimento subscrito por credores que representem a
maioria dos créditos de uma classe, independentemente da realização de assembléia:
I a nomeação do representante e dos suplentes da respectiva classe ainda não
representada no Comitê; ou
II – a substituição do representante ou dos suplentes da respectiva classe.
§ 3
o
Caberá aos próprios membros do Comitê indicar, entre eles, quem irá presidi-lo.
Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas
nesta Lei:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;
261
b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;
c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos
credores;
d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;
e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;
f) manifestar-se nas hipóteses previstas nesta Lei;
II – na recuperação judicial:
a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta)
dias, relatório de sua situação;
b) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;
c) submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas
hipóteses previstas nesta Lei, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus
reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da
atividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação
judicial.
§ 1
o
As decisões do Comitê, tomadas por maioria, serão consignadas em livro de atas,
rubricado pelo juízo, que ficará à disposição do administrador judicial, dos credores e do
devedor.
§ 2
o
Caso não seja possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o impasse
será resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo juiz.
Art. 28. Não havendo Comitê de Credores, caberá ao administrador judicial ou, na
incompatibilidade deste, ao juiz exercer suas atribuições.
Art. 29. Os membros do Comitê não terão sua remuneração custeada pelo devedor ou
pela massa falida, mas as despesas realizadas para a realização de ato previsto nesta Lei, se
devidamente comprovadas e com a autorização do juiz, serão ressarcidas atendendo às
disponibilidades de caixa.
Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador judicial
quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de
membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de
prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.
§ 1
o
Ficará também impedido de integrar o Comitê ou exercer a função de administrador
judicial quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3
o
(terceiro) grau com o devedor,
seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou
dependente.
§ 2
o
O devedor, qualquer credor ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz a
substituição do administrador judicial ou dos membros do Comitê nomeados em
desobediência aos preceitos desta Lei.
§ 3
o
O juiz decidirá, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sobre o requerimento do § 2
o
deste artigo.
262
Art. 31. O juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado,
poderá determinar a destituição do administrador judicial ou de quaisquer dos membros do
Comitê de Credores quando verificar desobediência aos preceitos desta Lei, descumprimento
de deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou a
terceiros.
§ 1
o
No ato de destituição, o juiz nomeará novo administrador judicial ou convocará os
suplentes para recompor o Comitê.
§ 2
o
Na falência, o administrador judicial substituído prestará contas no prazo de 10 (dez)
dias, nos termos dos §§ 1
o
a 6
o
do art. 154 desta Lei.
Art. 32. O administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos prejuízos
causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa, devendo o dissidente
em deliberação do Comitê consignar sua discordância em ata para eximir-se da
responsabilidade.
Art. 33. O administrador judicial e os membros do Comitê de Credores, logo que
nomeados, serão intimados pessoalmente para, em 48 (quarenta e oito) horas, assinar, na sede
do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as
responsabilidades a ele inerentes.
Art. 34. Não assinado o termo de compromisso no prazo previsto no art. 33 desta Lei, o
juiz nomeará outro administrador judicial.
Seção IV
Da Assembléia-Geral de Credores
Art. 35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:
I – na recuperação judicial:
a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo
devedor;
b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;
c) (VETADO)
d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4
o
do art. 52 desta Lei;
e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;
f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;
II – na falência:
a) (VETADO)
b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;
c) a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 desta Lei;
d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.
263
Art. 36. A assembléia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital publicado no
órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, com
antecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá:
I local, data e hora da assembléia em 1
a
(primeira) e em 2
a
(segunda) convocação, não
podendo esta ser realizada menos de 5 (cinco) dias depois da 1
a
(primeira);
II – a ordem do dia;
III local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do plano de recuperação
judicial a ser submetido à deliberação da assembléia.
§ 1
o
Cópia do aviso de convocação da assembléia deverá ser afixada de forma ostensiva
na sede e filiais do devedor.
§ 2
o
Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem no
mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classe
poderão requerer ao juiz a convocação de assembléia-geral.
§ 3
o
As despesas com a convocação e a realização da assembléia-geral correm por conta
do devedor ou da massa falida, salvo se convocada em virtude de requerimento do Comitê de
Credores ou na hipótese do § 2
o
deste artigo.
Art. 37. A assembléia será presidida pelo administrador judicial, que designará 1 (um)
secretário dentre os credores presentes.
§ 1
o
Nas deliberações sobre o afastamento do administrador judicial ou em outras em que
haja incompatibilidade deste, a assembléia será presidida pelo credor presente que seja titular
do maior crédito.
§ 2
o
A assembléia instalar-se-á, em 1
a
(primeira) convocação, com a presença de
credores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em
2
a
(segunda) convocação, com qualquer número.
§ 3
o
Para participar da assembléia, cada credor deverá assinar a lista de presença, que
será encerrada no momento da instalação.
§ 4
o
O credor poderá ser representado na assembléia-geral por mandatário ou
representante legal, desde que entregue ao administrador judicial, até 24 (vinte e quatro) horas
antes da data prevista no aviso de convocação, documento hábil que comprove seus poderes
ou a indicação das folhas dos autos do processo em que se encontre o documento.
§ 5
o
Os sindicatos de trabalhadores poderão representar seus associados titulares de
créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho que não
comparecerem, pessoalmente ou por procurador, à assembléia.
§ 6
o
Para exercer a prerrogativa prevista no § 5
o
deste artigo, o sindicato deverá:
I apresentar ao administrador judicial, até 10 (dez) dias antes da assembléia, a relação
dos associados que pretende representar, e o trabalhador que conste da relação de mais de um
sindicato deverá esclarecer, até 24 (vinte e quatro) horas antes da assembléia, qual sindicato o
representa, sob pena de não ser representado em assembléia por nenhum deles; e
II – (VETADO)
264
§ 7
o
Do ocorrido na assembléia, lavrar-se-á ata que conterá o nome dos presentes e as
assinaturas do presidente, do devedor e de 2 (dois) membros de cada uma das classes
votantes, e que será entregue ao juiz, juntamente com a lista de presença, no prazo de 48
(quarenta e oito) horas.
Art. 38. O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado, nas
deliberações sobre o plano de recuperação judicial, o disposto no § 2
o
do art. 45 desta Lei.
Parágrafo único. Na recuperação judicial, para fins exclusivos de votação em assembléia-
geral, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da
véspera da data de realização da assembléia.
Art. 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral de
credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na
forma do art. 7
o
, § 2
o
, desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio
devedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105,
inciso II do caput, desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na
data da realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão
judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§
1
o
e 2
o
do art. 10 desta Lei.
§ 1
o
Não terão direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum
de instalação e de deliberação os titulares de créditos excetuados na forma dos §§ 3
o
e 4
o
do
art. 49 desta Lei.
§ 2
o
As deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas em razão de posterior
decisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de créditos.
§ 3
o
No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam resguardados
os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos
prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa.
Art. 40. Não será deferido provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório dos
efeitos da tutela, para a suspensão ou adiamento da assembléia-geral de credores em razão de
pendência de discussão acerca da existência, da quantificação ou da classificação de créditos.
Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:
I titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes
de trabalho;
II – titulares de créditos com garantia real;
III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou
subordinados.
§ 1
o
Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe
prevista no inciso I do caput deste artigo com o total de seu crédito, independentemente do
valor.
§ 2
o
Os titulares de créditos com garantia real votam com a classe prevista no inciso II do
caput deste artigo até o limite do valor do bem gravado e com a classe prevista no inciso III
do caput deste artigo pelo restante do valor de seu crédito.
265
Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores
que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral,
exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do inciso
I do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de
realização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.
Art. 43. Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras,
controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por
cento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham
participação superior a 10% (dez por cento) do capital social, poderão participar da
assembléia-geral de credores, sem ter direito a voto e não serão considerados para fins de
verificação do quorum de instalação e de deliberação.
Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica ao cônjuge ou parente,
consangüíneo ou afim, colateral até o 2
o
(segundo) grau, ascendente ou descendente do
devedor, de administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal
ou semelhantes da sociedade devedora e à sociedade em que quaisquer dessas pessoas
exerçam essas funções.
Art. 44. Na escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores, somente os
respectivos membros poderão votar.
Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes de
credores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.
§ 1
o
Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta
deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos
presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.
§ 2
o
Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada
pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.
§ 3
o
O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de
quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições
originais de pagamento de seu crédito.
Art. 46. A aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência, prevista no
art. 145 desta Lei, dependerá do voto favorável de credores que representem 2/3 (dois terços)
dos créditos presentes à assembléia.
CAPÍTULO III
DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Seção I
Disposições Gerais
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de
crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do
emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação
da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
266
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido,
exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes
requisitos, cumulativamente:
I não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em
julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III não ter, menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com
base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa
condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge
sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do
pedido, ainda que não vencidos.
§ 1
o
Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e
privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
§ 2
o
As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições
originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos,
salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.
§ 3
o
Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou
imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos
respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive
em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de
domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os
direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação
respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4
o
do
art. 6
o
desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital
essenciais a sua atividade empresarial.
§ 4
o
Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o
inciso II do art. 86 desta Lei.
§ 5
o
Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos
creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou
renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não
renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias
permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4
o
do art. 6
o
desta Lei.
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a
cada caso, dentre outros:
I concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas
ou vincendas;
267
II cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de
subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos
termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus
órgãos administrativos;
V concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de
poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída
pelos próprios empregados;
VIII redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo
ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de
garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo
como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se
inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento
dos créditos, os ativos do devedor.
§ 1
o
Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua
substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da
respectiva garantia.
§ 2
o
Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como
parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor
titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação
judicial.
Seção II
Do Pedido e do Processamento da Recuperação Judicial
Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
268
I a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da
crise econômico-financeira;
II as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as
levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da
legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
III a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer
ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor
atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a
indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários,
indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e
a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato
constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
VI a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do
devedor;
VII os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais
aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em
bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
VIII certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do
devedor e naquelas onde possui filial;
IX a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure
como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores
demandados.
§ 1
o
Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no
suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e,
mediante autorização judicial, de qualquer interessado.
§ 2
o
Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as
microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil
simplificados nos termos da legislação específica.
§ 3
o
O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os
§§ 1
o
e 2
o
deste artigo ou de cópia destes.
Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o
processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
269
I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;
II determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor
exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;
III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do
art. 6
o
desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas
as ações previstas nos §§ 1
o
, 2
o
e 7
o
do art. 6
o
desta Lei e as relativas a créditos excetuados na
forma dos §§ 3
o
e 4
o
do art. 49 desta Lei;
IV determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto
perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;
V ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas
Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.
§ 1
o
O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:
I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da
recuperação judicial;
II a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a
classificação de cada crédito;
III a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7
o
, §
1
o
, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial
apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.
§ 2
o
Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer
tempo, requerer a convocação de assembléia-geral para a constituição do Comitê de Credores
ou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2
o
do art. 36 desta Lei.
§ 3
o
No caso do inciso III do caput deste artigo, caberá ao devedor comunicar a
suspensão aos juízos competentes.
§ 4
o
O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento
de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembléia-geral de
credores.
Seção III
Do Plano de Recuperação Judicial
Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo
improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da
recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:
I discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme
o art. 50 desta Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito
por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
270
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores
sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de
eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.
Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano
para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes
de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.
Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para
o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de
natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação
judicial.
Seção IV
Do Procedimento de Recuperação Judicial
Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação
judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata
o § 2
o
do art. 7
o
desta Lei.
Parágrafo único. Caso, na data da publicação da relação de que trata o caput deste artigo,
não tenha sido publicado o aviso previsto no art. 53, parágrafo único, desta Lei, contar-se-á da
publicação deste o prazo para as objeções.
Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz
convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.
§ 1
o
A data designada para a realização da assembléia-geral não excederá 150 (cento e
cinqüenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.
§ 2
o
A assembléia-geral que aprovar o plano de recuperação judicial poderá indicar os
membros do Comitê de Credores, na forma do art. 26 desta Lei, se já não estiver constituído.
§ 3
o
O plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações na assembléia-geral, desde
que haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem diminuição dos
direitos exclusivamente dos credores ausentes.
§ 4
o
Rejeitado o plano de recuperação pela assembléia-geral de credores, o juiz decretará
a falência do devedor.
Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores
ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor
apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da
Lei n
o
5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do
devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou
tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.
§ 1
o
O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve
aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de
forma cumulativa:
271
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os
créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou,
caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1
(uma) delas;
III na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos
credores, computados na forma dos §§ 1
o
e 2
o
do art. 45 desta Lei.
§ 2
o
A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1
o
deste artigo
se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver
rejeitado.
Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao
pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias,
observado o disposto no § 1
o
do art. 50 desta Lei.
§ 1
o
A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo
judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei n
o
5.869, de 11 de janeiro de 1973
- Código de Processo Civil.
§ 2
o
Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser
interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.
Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais
ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o
disposto no art. 142 desta Lei.
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá
sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária,
observado o disposto no § 1
o
do art. 141 desta Lei.
Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá em
recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se
vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.
§ 1
o
Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento de
qualquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nos
termos do art. 73 desta Lei.
§ 2
o
Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas
condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados
os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.
Art. 62. Após o período previsto no art. 61 desta Lei, no caso de descumprimento de
qualquer obrigação prevista no plano de recuperação judicial, qualquer credor poderá requerer
a execução específica ou a falência com base no art. 94 desta Lei.
Art. 63. Cumpridas as obrigações vencidas no prazo previsto no caput do art. 61 desta
Lei, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará:
272
I – o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente podendo
efetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta)
dias, e aprovação do relatório previsto no inciso III do caput deste artigo;
II – a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas;
III a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazo
máximo de 15 (quinze) dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo
devedor;
IV – a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial;
V – a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis.
Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus
administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do
Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:
I houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido
em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia
popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;
II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;
III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;
IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:
a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação
patrimonial;
b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou
gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;
c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu
funcionamento regular;
d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do
art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;
V negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos
demais membros do Comitê;
VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.
Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz
destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do
devedor ou do plano de recuperação judicial.
Art. 65. Quando do afastamento do devedor, nas hipóteses previstas no art. 64 desta Lei,
o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial
que assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando-se-lhe, no que couber,
todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial.
273
§ 1
o
O administrador judicial exercerá as funções de gestor enquanto a assembléia-geral
não deliberar sobre a escolha deste.
§ 2
o
Na hipótese de o gestor indicado pela assembléia-geral de credores recusar ou estar
impedido de aceitar o encargo para gerir os negócios do devedor, o juiz convocará, no prazo
de 72 (setenta e duas) horas, contado da recusa ou da declaração do impedimento nos autos,
nova assembléia-geral, aplicado o disposto no § 1
o
deste artigo.
Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá
alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade
reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente
relacionados no plano de recuperação judicial.
Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a
recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou
serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de
falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.
Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a
fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de
recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência,
no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação.
Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão
deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de
recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei n
o
5.172, de 25 de
outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.
Art. 69. Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao
procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, a
expressão "em Recuperação Judicial".
Parágrafo único. O juiz determinará ao Registro Público de Empresas a anotação da
recuperação judicial no registro correspondente.
Seção V
Do Plano de Recuperação Judicial para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1
o
desta Lei e que se incluam nos conceitos de
microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às
normas deste Capítulo.
§ 1
o
As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei,
poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de
fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.
§ 2
o
Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na
recuperação judicial.
Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no
art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:
274
I abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de
repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3
o
e 4
o
do art. 49 desta Lei;
II preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas,
corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);
III preverá o pagamento da 1
a
(primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e
oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;
IV estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador
judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.
Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não
acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não
abrangidos pelo plano.
Art. 72. Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação
judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembléia-
geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se
atendidas as demais exigências desta Lei.
Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial e
decretará a falência do devedor se houver objeções, nos termos do art. 55 desta Lei, de
credores titulares de mais da metade dos créditos descritos no inciso I do caput do art. 71
desta Lei.
CAPÍTULO IV
DA CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA
Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:
I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;
II pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53
desta Lei;
III quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4
o
do art. 56
desta Lei;
IV por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na
forma do § 1
o
do art. 61 desta Lei.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede a decretação da falência por
inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II
do caput do art. 94 desta Lei, ou por prática de ato previsto no inciso III do caput do art. 94
desta Lei.
Art. 74. Na convolação da recuperação em falência, os atos de administração,
endividamento, oneração ou alienação praticados durante a recuperação judicial presumem-se
válidos, desde que realizados na forma desta Lei.
CAPÍTULO V
DA FALÊNCIA
275
Seção I
Disposições Gerais
Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a
preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os
intangíveis, da empresa.
Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da
economia processual.
Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre
bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não
reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terão
prosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar a
massa falida, sob pena de nulidade do processo.
Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do
devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento proporcional
dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelo
câmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta Lei.
Art. 78. Os pedidos de falência estão sujeitos a distribuição obrigatória, respeitada a
ordem de apresentação.
Parágrafo único. As ações que devam ser propostas no juízo da falência estão sujeitas a
distribuição por dependência.
Art. 79. Os processos de falência e os seus incidentes preferem a todos os outros na
ordem dos feitos, em qualquer instância.
Art. 80. Considerar-se-ão habilitados os créditos remanescentes da recuperação judicial,
quando definitivamente incluídos no quadro-geral de credores, tendo prosseguimento as
habilitações que estejam em curso.
Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente
responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos
jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para
apresentar contestação, se assim o desejarem.
§ 1
o
O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio que tenha se retirado
voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto
às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem
sido solvidas até a data da decretação da falência.
§ 2
o
As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ou
liquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão sujeitos às
obrigações que cabem ao falido.
Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos
controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será
apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da
276
sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no
Código de Processo Civil.
§ 1
o
Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de
encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo.
§ 2
o
O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a
indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano
provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.
Seção II
Da Classificação dos Créditos
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta)
salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição,
excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964 da Lei n
o
10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta
Lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em
garantia;
V – créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei n
o
10.406, de 10 de janeiro de 2002;
b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta
Lei;
VI – créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao
seu pagamento;
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite
estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
VII as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou
administrativas, inclusive as multas tributárias;
277
VIII – créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.
§ 1
o
Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem
objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de
alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.
§ 2
o
Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento
de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.
§ 3
o
As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações
neles estipuladas se vencerem em virtude da falência.
§ 4
o
Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência
sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados
da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços
prestados após a decretação da falência;
II – quantias fornecidas à massa pelos credores;
III despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu
produto, bem como custas do processo de falência;
IV custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido
vencida;
V obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação
judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos
a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no
art. 83 desta Lei.
Seção III
Do Pedido de Restituição
Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em
poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição.
Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito e
entregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se ainda
não alienada.
Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:
I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que o
requerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua venda, o
respectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;
278
II da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de
adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3
o
e 4
o
, da Lei n
o
4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais
prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;
III dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese de
revogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.
Parágrafo único. As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após o
pagamento previsto no art. 151 desta Lei.
Art. 87. O pedido de restituição deverá ser fundamentado e descreverá a coisa reclamada.
§ 1
o
O juiz mandará autuar em separado o requerimento com os documentos que o
instruírem e determinará a intimação do falido, do Comitê, dos credores e do administrador
judicial para que, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, se manifestem, valendo como
contestação a manifestação contrária à restituição.
§ 2
o
Contestado o pedido e deferidas as provas porventura requeridas, o juiz designará
audiência de instrução e julgamento, se necessária.
§ 3
o
Não havendo provas a realizar, os autos serão conclusos para sentença.
Art. 88. A sentença que reconhecer o direito do requerente determinará a entrega da
coisa no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
Parágrafo único. Caso não haja contestação, a massa não será condenada ao pagamento
de honorários advocatícios.
Art. 89. A sentença que negar a restituição, quando for o caso, incluirá o requerente no
quadro-geral de credores, na classificação que lhe couber, na forma desta Lei.
Art. 90. Da sentença que julgar o pedido de restituição caberá apelação sem efeito
suspensivo.
Parágrafo único. O autor do pedido de restituição que pretender receber o bem ou a
quantia reclamada antes do trânsito em julgado da sentença prestará caução.
Art. 91. O pedido de restituição suspende a disponibilidade da coisa até o trânsito em
julgado.
Parágrafo único. Quando diversos requerentes houverem de ser satisfeitos em dinheiro e
não existir saldo suficiente para o pagamento integral, far-se-á rateio proporcional entre eles.
Art. 92. O requerente que tiver obtido êxito no seu pedido ressarcirá a massa falida ou a
quem tiver suportado as despesas de conservação da coisa reclamada.
Art. 93. Nos casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o direito
dos credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação processual civil.
Seção IV
Do Procedimento para a Decretação da Falência
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
279
I sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a
40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à
penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação
judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou
fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos
ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a
terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os
credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a
legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens
livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar
os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua
sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação
judicial.
§ 1
o
Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o
pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.
§ 2
o
Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se
possam reclamar.
§ 3
o
Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído
com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9
o
desta Lei, acompanhados, em
qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da
legislação específica.
§ 4
o
Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído
com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.
§ 5
o
Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os
fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão
produzidas.
Art. 95. Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperação
judicial.
280
Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não será
decretada se o requerido provar:
I – falsidade de título;
II – prescrição;
III – nulidade de obrigação ou de título;
IV – pagamento da dívida;
V qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança
de título;
VI – vício em protesto ou em seu instrumento;
VII apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação,
observados os requisitos do art. 51 desta Lei;
VIII cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de
falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não
prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
§ 1
o
Não será decretada a falência de sociedade anônima após liquidado e partilhado seu
ativo nem do espólio após 1 (um) ano da morte do devedor.
§ 2
o
As defesas previstas nos incisos I a VI do caput deste artigo não obstam a
decretação de falência se, ao final, restarem obrigações não atingidas pelas defesas em
montante que supere o limite previsto naquele dispositivo.
Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:
I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;
III o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da
sociedade;
IV – qualquer credor.
§ 1
o
O credor empresário apresentará certidão do Registro Público de Empresas que
comprove a regularidade de suas atividades.
§ 2
o
O credor que não tiver domicílio no Brasil deverá prestar caução relativa às custas e
ao pagamento da indenização de que trata o art. 101 desta Lei.
Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias.
Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, o
devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito,
acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência
não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o
levantamento do valor pelo autor.
Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:
281
I – conterá a síntese do pedido, a identificação do falido e os nomes dos que forem a esse
tempo seus administradores;
II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias
contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1
o
(primeiro) protesto
por falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido
cancelados;
III ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação
nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos
respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência;
IV explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no § 1
o
do
art. 7
o
desta Lei;
V ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, ressalvadas as
hipóteses previstas nos §§ 1
o
e 2
o
do art. 6
o
desta Lei;
VI proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido,
submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se houver, ressalvados os
bens cuja venda faça parte das atividades normais do devedor se autorizada a continuação
provisória nos termos do inciso XI do caput deste artigo;
VII determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes
envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando
requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei;
VIII ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da falência no
registro do devedor, para que conste a expressão "Falido", a data da decretação da falência e a
inabilitação de que trata o art. 102 desta Lei;
IX nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma do
inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do inciso II do
caput do art. 35 desta Lei;
X determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outras
entidades para que informem a existência de bens e direitos do falido;
XI pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o
administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109
desta Lei;
XII determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembléia-geral de
credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda autorizar a manutenção do
Comitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial quando da decretação da
falência;
XIII ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às
Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver
estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo a íntegra da decisão que
decreta a falência e a relação de credores.
282
Art. 100. Da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a
improcedência do pedido cabe apelação.
Art. 101. Quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado, na sentença que
julgar improcedente o pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos em
liquidação de sentença.
§ 1
o
Havendo mais de 1 (um) autor do pedido de falência, serão solidariamente
responsáveis aqueles que se conduziram na forma prevista no caput deste artigo.
§ 2
o
Por ação própria, o terceiro prejudicado também pode reclamar indenização dos
responsáveis.
Seção V
Da Inabilitação Empresarial, dos Direitos e Deveres do Falido
Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da
decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no
§ 1
o
do art. 181 desta Lei.
Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da
falência que proceda à respectiva anotação em seu registro.
Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de
administrar os seus bens ou deles dispor.
Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência,
requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens
arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada,
requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.
Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres:
I assinar nos autos, desde que intimado da decisão, termo de comparecimento, com a
indicação do nome, nacionalidade, estado civil, endereço completo do domicílio, devendo
ainda declarar, para constar do dito termo:
a) as causas determinantes da sua falência, quando requerida pelos credores;
b) tratando-se de sociedade, os nomes e endereços de todos os sócios, acionistas
controladores, diretores ou administradores, apresentando o contrato ou estatuto social e a
prova do respectivo registro, bem como suas alterações;
c) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros obrigatórios;
d) os mandatos que porventura tenha outorgado, indicando seu objeto, nome e endereço
do mandatário;
e) seus bens imóveis e os móveis que não se encontram no estabelecimento;
f) se faz parte de outras sociedades, exibindo respectivo contrato;
g) suas contas bancárias, aplicações, títulos em cobrança e processos em andamento em
que for autor ou réu;
283
II depositar em cartório, no ato de assinatura do termo de comparecimento, os seus
livros obrigatórios, a fim de serem entregues ao administrador judicial, depois de encerrados
por termos assinados pelo juiz;
III não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e
comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na
lei;
IV comparecer a todos os atos da falência, podendo ser representado por procurador,
quando não for indispensável sua presença;
V entregar, sem demora, todos os bens, livros, papéis e documentos ao administrador
judicial, indicando-lhe, para serem arrecadados, os bens que porventura tenha em poder de
terceiros;
VI – prestar as informações reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ou
Ministério Público sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência;
VII – auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza;
VIII – examinar as habilitações de crédito apresentadas;
IX – assistir ao levantamento, à verificação do balanço e ao exame dos livros;
X – manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz;
XI – apresentar, no prazo fixado pelo juiz, a relação de seus credores;
XII – examinar e dar parecer sobre as contas do administrador judicial.
Parágrafo único. Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei lhe
impõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de desobediência.
Seção VI
Da Falência Requerida pelo Próprio Devedor
Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos
para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões
da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes
documentos:
I – demonstrações contábeis referentes aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as
levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da
legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório do fluxo de caixa;
II relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e
classificação dos respectivos créditos;
284
III relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva estimativa de
valor e documentos comprobatórios de propriedade;
IV prova da condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigor ou, se não
houver, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de seus bens pessoais;
V – os livros obrigatórios e documentos contábeis que lhe forem exigidos por lei;
VI relação de seus administradores nos últimos 5 (cinco) anos, com os respectivos
endereços, suas funções e participação societária.
Art. 106. Não estando o pedido regularmente instruído, o juiz determinará que seja
emendado.
Art. 107. A sentença que decretar a falência do devedor observará a forma do art. 99
desta Lei.
Parágrafo único. Decretada a falência, aplicam-se integralmente os dispositivos relativos
à falência requerida pelas pessoas referidas nos incisos II a IV do caput do art. 97 desta
Lei.
Seção VII
Da Arrecadação e da Custódia dos Bens
Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicial
efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens, separadamente ou em
bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz, para esses fins, as medidas
necessárias.
§ 1
o
Os bens arrecadados ficarão sob a guarda do administrador judicial ou de pessoa por
ele escolhida, sob responsabilidade daquele, podendo o falido ou qualquer de seus
representantes ser nomeado depositário dos bens.
§ 2
o
O falido poderá acompanhar a arrecadação e a avaliação.
§ 3
o
O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para a
massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às autoridades
competentes, determinando sua entrega.
§ 4
o
Não serão arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis.
§ 5
o
Ainda que haja avaliação em bloco, o bem objeto de garantia real será também
avaliado separadamente, para os fins do § 1
o
do art. 83 desta Lei.
Art. 109. O estabelecimento será lacrado sempre que houver risco para a execução da
etapa de arrecadação ou para a preservação dos bens da massa falida ou dos interesses dos
credores.
Art. 110. O auto de arrecadação, composto pelo inventário e pelo respectivo laudo de
avaliação dos bens, será assinado pelo administrador judicial, pelo falido ou seus
representantes e por outras pessoas que auxiliarem ou presenciarem o ato.
285
§ 1
o
Não sendo possível a avaliação dos bens no ato da arrecadação, o administrador
judicial requererá ao juiz a concessão de prazo para apresentação do laudo de avaliação, que
não poderá exceder 30 (trinta) dias, contados da apresentação do auto de arrecadação.
§ 2
o
Serão referidos no inventário:
I os livros obrigatórios e os auxiliares ou facultativos do devedor, designando-se o
estado em que se acham, número e denominação de cada um, páginas escrituradas, data do
início da escrituração e do último lançamento, e se os livros obrigatórios estão revestidos das
formalidades legais;
II – dinheiro, papéis, títulos de crédito, documentos e outros bens da massa falida;
III – os bens da massa falida em poder de terceiro, a título de guarda, depósito, penhor ou
retenção;
IV os bens indicados como propriedade de terceiros ou reclamados por estes,
mencionando-se essa circunstância.
§ 3
o
Quando possível, os bens referidos no § 2
o
deste artigo serão individualizados.
§ 4
o
Em relação aos bens imóveis, o administrador judicial, no prazo de 15 (quinze) dias
após a sua arrecadação, exibirá as certidões de registro, extraídas posteriormente à decretação
da falência, com todas as indicações que nele constarem.
Art. 111. O juiz poderá autorizar os credores, de forma individual ou coletiva, em razão
dos custos e no interesse da massa falida, a adquirir ou adjudicar, de imediato, os bens
arrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de classificação e preferência entre eles,
ouvido o Comitê.
Art. 112. Os bens arrecadados poderão ser removidos, desde que haja necessidade de sua
melhor guarda e conservação, hipótese em que permanecerão em depósito sob
responsabilidade do administrador judicial, mediante compromisso.
Art. 113. Os bens perecíveis, deterioráveis, sujeitos à considerável desvalorização ou que
sejam de conservação arriscada ou dispendiosa, poderão ser vendidos antecipadamente, após a
arrecadação e a avaliação, mediante autorização judicial, ouvidos o Comitê e o falido no
prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
Art. 114. O administrador judicial poderá alugar ou celebrar outro contrato referente aos
bens da massa falida, com o objetivo de produzir renda para a massa falida, mediante
autorização do Comitê.
§ 1
o
O contrato disposto no caput deste artigo não gera direito de preferência na compra
e não pode importar disposição total ou parcial dos bens.
§ 2
o
O bem objeto da contratação poderá ser alienado a qualquer tempo,
independentemente do prazo contratado, rescindindo-se, sem direito a multa, o contrato
realizado, salvo se houver anuência do adquirente.
Seção VIII
Dos Efeitos da Decretação da Falência sobre as Obrigações do Devedor
286
Art. 115. A decretação da falência sujeita todos os credores, que somente poderão
exercer os seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente responsável na
forma que esta Lei prescrever.
Art. 116. A decretação da falência suspende:
I o exercício do direito de retenção sobre os bens sujeitos à arrecadação, os quais
deverão ser entregues ao administrador judicial;
II – o exercício do direito de retirada ou de recebimento do valor de suas quotas ou
ações, por parte dos sócios da sociedade falida.
Art. 117. Os contratos bilaterais o se resolvem pela falência e podem ser cumpridos
pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da
massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante
autorização do Comitê.
§ 1
o
O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90 (noventa)
dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias,
declare se cumpre ou não o contrato.
§ 2
o
A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente
o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito
quirografário.
Art. 118. O administrador judicial, mediante autorização do Comitê, poderá dar
cumprimento a contrato unilateral se esse fato reduzir ou evitar o aumento do passivo da
massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, realizando o
pagamento da prestação pela qual está obrigada.
Art. 119. Nas relações contratuais a seguir mencionadas prevalecerão as seguintes regras:
I o vendedor não pode obstar a entrega das coisas expedidas ao devedor e ainda em
trânsito, se o comprador, antes do requerimento da falência, as tiver revendido, sem fraude, à
vista das faturas e conhecimentos de transporte, entregues ou remetidos pelo vendedor;
II – se o devedor vendeu coisas compostas e o administrador judicial resolver não
continuar a execução do contrato, poderá o comprador pôr à disposição da massa falida as
coisas já recebidas, pedindo perdas e danos;
III não tendo o devedor entregue coisa móvel ou prestado serviço que vendera ou
contratara a prestações, e resolvendo o administrador judicial não executar o contrato, o
crédito relativo ao valor pago será habilitado na classe própria;
IV o administrador judicial, ouvido o Comitê, restituirá a coisa móvel comprada pelo
devedor com reserva de domínio do vendedor se resolver não continuar a execução do
contrato, exigindo a devolução, nos termos do contrato, dos valores pagos;
V tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em bolsa ou mercado, e
não se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e pagamento do preço, prestar-se-á
a diferença entre a cotação do dia do contrato e a da época da liquidação em bolsa ou
mercado;
VI – na promessa de compra e venda de imóveis, aplicar-se-á a legislação respectiva;
287
VII – a falência do locador não resolve o contrato de locação e, na falência do locatário,
o administrador judicial pode, a qualquer tempo, denunciar o contrato;
VIII caso haja acordo para compensação e liquidação de obrigações no âmbito do
sistema financeiro nacional, nos termos da legislação vigente, a parte não falida poderá
considerar o contrato vencido antecipadamente, hipótese em que será liquidado na forma
estabelecida em regulamento, admitindo-se a compensação de eventual crédito que venha a
ser apurado em favor do falido com créditos detidos pelo contratante;
IX – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica,
obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e
obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento
de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa
falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer.
Art. 120. O mandato conferido pelo devedor, antes da falência, para a realização de
negócios, cessará seus efeitos com a decretação da falência, cabendo ao mandatário prestar
contas de sua gestão.
§ 1
o
O mandato conferido para representação judicial do devedor continua em vigor até
que seja expressamente revogado pelo administrador judicial.
§ 2
o
Para o falido, cessa o mandato ou comissão que houver recebido antes da falência,
salvo os que versem sobre matéria estranha à atividade empresarial.
Art. 121. As contas correntes com o devedor consideram-se encerradas no momento de
decretação da falência, verificando-se o respectivo saldo.
Art. 122. Compensam-se, com preferência sobre todos os demais credores, as dívidas do
devedor vencidas até o dia da decretação da falência, provenha o vencimento da sentença de
falência ou não, obedecidos os requisitos da legislação civil.
Parágrafo único. Não se compensam:
I os créditos transferidos após a decretação da falência, salvo em caso de sucessão por
fusão, incorporação, cisão ou morte; ou
II os créditos, ainda que vencidos anteriormente, transferidos quando já conhecido o
estado de crise econômico-financeira do devedor ou cuja transferência se operou com fraude
ou dolo.
Art. 123. Se o falido fizer parte de alguma sociedade como sócio comanditário ou cotista,
para a massa falida entrarão somente os haveres que na sociedade ele possuir e forem
apurados na forma estabelecida no contrato ou estatuto social.
§ 1
o
Se o contrato ou o estatuto social nada disciplinar a respeito, a apuração far-se-á
judicialmente, salvo se, por lei, pelo contrato ou estatuto, a sociedade tiver de liquidar-se, caso
em que os haveres do falido, somente após o pagamento de todo o passivo da sociedade,
entrarão para a massa falida.
§ 2
o
Nos casos de condomínio indivisível de que participe o falido, o bem será vendido e
deduzir-se-á do valor arrecadado o que for devido aos demais condôminos, facultada a estes a
compra da quota-parte do falido nos termos da melhor proposta obtida.
288
Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da
falência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento dos
credores subordinados.
Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos
com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem
a garantia.
Art. 125. Na falência do espólio, ficará suspenso o processo de inventário, cabendo ao
administrador judicial a realização de atos pendentes em relação aos direitos e obrigações da
massa falida.
Art. 126. Nas relações patrimoniais não reguladas expressamente nesta Lei, o juiz
decidirá o caso atendendo à unidade, à universalidade do concurso e à igualdade de
tratamento dos credores, observado o disposto no art. 75 desta Lei.
Art. 127. O credor de coobrigados solidários cujas falências sejam decretadas tem o
direito de concorrer, em cada uma delas, pela totalidade do seu crédito, até recebê-lo por
inteiro, quando então comunicará ao juízo.
§ 1
o
O disposto no caput deste artigo não se aplica ao falido cujas obrigações tenham
sido extintas por sentença, na forma do art. 159 desta Lei.
§ 2
o
Se o credor ficar integralmente pago por uma ou por diversas massas coobrigadas,
as que pagaram terão direito regressivo contra as demais, em proporção à parte que pagaram e
àquela que cada uma tinha a seu cargo.
§ 3
o
Se a soma dos valores pagos ao credor em todas as massas coobrigadas exceder o
total do crédito, o valor será devolvido às massas na proporção estabelecida no § 2
o
deste
artigo.
§ 4
o
Se os coobrigados eram garantes uns dos outros, o excesso de que trata o § 3
o
deste
artigo pertencerá, conforme a ordem das obrigações, às massas dos coobrigados que tiverem o
direito de ser garantidas.
Art. 128. Os coobrigados solventes e os garantes do devedor ou dos sócios
ilimitadamente responsáveis podem habilitar o crédito correspondente às quantias pagas ou
devidas, se o credor não se habilitar no prazo legal.
Seção IX
Da Ineficácia e da Revogação de Atos Praticados antes da Falência
Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante
conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste
fraudar credores:
I o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal,
por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;
II o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por
qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;
289
III – a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal,
tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto de
outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca
revogada;
IV a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da decretação da
falência;
V – a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da decretação da falência;
VI a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou
o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens
suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver
oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do
registro de títulos e documentos;
VII os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por
título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da
falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.
Parágrafo único. A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa
ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo.
Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores,
provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o
efetivo prejuízo sofrido pela massa falida.
Art. 131. Nenhum dos atos referidos nos incisos I a III e VI do art. 129 desta Lei que
tenham sido previstos e realizados na forma definida no plano de recuperação judicial será
declarado ineficaz ou revogado.
Art. 132. A ação revocatória, de que trata o art. 130 desta Lei, deverá ser proposta pelo
administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público no prazo de 3 (três)
anos contado da decretação da falência.
Art. 133. A ação revocatória pode ser promovida:
I contra todos os que figuraram no ato ou que por efeito dele foram pagos, garantidos
ou beneficiados;
II contra os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, da
intenção do devedor de prejudicar os credores;
III contra os herdeiros ou legatários das pessoas indicadas nos incisos I e II do caput
deste artigo.
Art. 134. A ação revocatória correrá perante o juízo da falência e obedecerá ao
procedimento ordinário previsto na Lei n
o
5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de
Processo Civil.
Art. 135. A sentença que julgar procedente a ação revocatória determinará o retorno dos
bens à massa falida em espécie, com todos os acessórios, ou o valor de mercado, acrescidos
das perdas e danos.
290
Parágrafo único. Da sentença cabe apelação.
Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as partes
retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou
valores entregues ao devedor.
§ 1
o
Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia
ou revogado o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários
emitidos pelo securitizador.
§ 2
o
É garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danos
contra o devedor ou seus garantes.
Art. 137. O juiz poderá, a requerimento do autor da ação revocatória, ordenar, como
medida preventiva, na forma da lei processual civil, o seqüestro dos bens retirados do
patrimônio do devedor que estejam em poder de terceiros.
Art. 138. O ato pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que praticado com base
em decisão judicial, observado o disposto no art. 131 desta Lei.
Parágrafo único. Revogado o ato ou declarada sua ineficácia, ficará rescindida a sentença
que o motivou.
Seção X
Da Realização do Ativo
Art. 139. Logo após a arrecadação dos bens, com a juntada do respectivo auto ao
processo de falência, será iniciada a realização do ativo.
Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a
seguinte ordem de preferência:
I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco;
II alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas
isoladamente;
III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do
devedor;
IV – alienação dos bens individualmente considerados.
§ 1
o
Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas
mais de uma forma de alienação.
§ 2
o
A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de
credores.
§ 3
o
A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários
à operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de
contratos específicos.
§ 4
o
Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registro
público, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo.
291
Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas
filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
I todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei,
sub-rogam-se no produto da realização do ativo;
II o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do
arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da
legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
§ 1
o
O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4
o
(quarto) grau, consangüíneo ou afim, do
falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.
§ 2
o
Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante
novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do
contrato anterior.
Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se
houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades:
I – leilão, por lances orais;
II – propostas fechadas;
III – pregão.
§ 1
o
A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este artigo será
antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias de
antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa
ou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo
conhecimento da venda.
§ 2
o
A alienação dar-se-á pelo maior valor oferecido, ainda que seja inferior ao valor de
avaliação.
§ 3
o
No leilão por lances orais, aplicam-se, no que couber, as regras da Lei n
o
5.869, de
11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
§ 4
o
A alienação por propostas fechadas ocorrerá mediante a entrega, em cartório e sob
recibo, de envelopes lacrados, a serem abertos pelo juiz, no dia, hora e local designados no
edital, lavrando o escrivão o auto respectivo, assinado pelos presentes, e juntando as propostas
aos autos da falência.
§ 5
o
A venda por pregão constitui modalidade híbrida das anteriores, comportando 2
(duas) fases:
I – recebimento de propostas, na forma do § 3
o
deste artigo;
292
II – leilão por lances orais, de que participarão somente aqueles que apresentarem
propostas não inferiores a 90% (noventa por cento) da maior proposta ofertada, na forma do §
2
o
deste artigo.
§ 6
o
A venda por pregão respeitará as seguintes regras:
I recebidas e abertas as propostas na forma do § 5
o
deste artigo, o juiz ordenará a
notificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de seu inciso II, para
comparecer ao leilão;
II – o valor de abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante presente,
considerando-se esse valor como lance, ao qual ele fica obrigado;
III caso não compareça ao leilão o ofertante da maior proposta e não seja dado lance
igual ou superior ao valor por ele ofertado, fica obrigado a prestar a diferença verificada,
constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a cobrança dos valores pelo
administrador judicial.
§ 7
o
Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimado
pessoalmente, sob pena de nulidade.
Art. 143. Em qualquer das modalidades de alienação referidas no art. 142 desta Lei,
poderão ser apresentadas impugnações por quaisquer credores, pelo devedor ou pelo
Ministério Público, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da arrematação, hipótese em que os
autos serão conclusos ao juiz, que, no prazo de 5 (cinco) dias, decidirá sobre as impugnações
e, julgando-as improcedentes, ordenará a entrega dos bens ao arrematante, respeitadas as
condições estabelecidas no edital.
Art. 144. Havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante requerimento
fundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades de alienação judicial
diversas das previstas no art. 142 desta Lei.
Art. 145. O juiz homologará qualquer outra modalidade de realização do ativo, desde que
aprovada pela assembléia-geral de credores, inclusive com a constituição de sociedade de
credores ou dos empregados do próprio devedor, com a participação, se necessária, dos atuais
sócios ou de terceiros.
§ 1
o
Aplica-se à sociedade mencionada neste artigo o disposto no art. 141 desta Lei.
§ 2
o
No caso de constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor,
estes poderão utilizar créditos derivados da legislação do trabalho para a aquisição ou
arrendamento da empresa.
§ 3
o
Não sendo aprovada pela assembléia-geral a proposta alternativa para a realização
do ativo, caberá ao juiz decidir a forma que será adotada, levando em conta a manifestação do
administrador judicial e do Comitê.
Art. 146. Em qualquer modalidade de realização do ativo adotada, fica a massa falida
dispensada da apresentação de certidões negativas.
Art. 147. As quantias recebidas a qualquer título serão imediatamente depositadas em
conta remunerada de instituição financeira, atendidos os requisitos da lei ou das normas de
organização judiciária.
293
Art. 148. O administrador judicial fará constar do relatório de que trata a alínea p do
inciso III do art. 22 os valores eventualmente recebidos no mês vencido, explicitando a forma
de distribuição dos recursos entre os credores, observado o disposto no art. 149 desta Lei.
Seção XI
Do Pagamento aos Credores
Art. 149. Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma do art.
84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com a
realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação
prevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisões
judiciais que determinam reserva de importâncias.
§ 1
o
Havendo reserva de importâncias, os valores a ela relativos ficarão depositados até o
julgamento definitivo do crédito e, no caso de não ser este finalmente reconhecido, no todo ou
em parte, os recursos depositados serão objeto de rateio suplementar entre os credores
remanescentes.
§ 2
o
Os credores que não procederem, no prazo fixado pelo juiz, ao levantamento dos
valores que lhes couberam em rateio serão intimados a fazê-lo no prazo de 60 (sessenta) dias,
após o qual os recursos serão objeto de rateio suplementar entre os credores remanescentes.
Art. 150. As despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da
falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades previstas no inciso XI
do caput do art. 99 desta Lei, serão pagas pelo administrador judicial com os recursos
disponíveis em caixa.
Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três)
meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por
trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.
Art. 152. Os credores restituirão em dobro as quantias recebidas, acrescidas dos juros
legais, se ficar evidenciado dolo ou má-fé na constituição do crédito ou da garantia.
Art. 153. Pagos todos os credores, o saldo, se houver, será entregue ao falido.
Seção XII
Do Encerramento da Falência e da Extinção das Obrigações do Falido
Art. 154. Concluída a realização de todo o ativo, e distribuído o produto entre os
credores, o administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 1
o
As contas, acompanhadas dos documentos comprobatórios, serão prestadas em autos
apartados que, ao final, serão apensados aos autos da falência.
§ 2
o
O juiz ordenará a publicação de aviso de que as contas foram entregues e se
encontram à disposição dos interessados, que poderão impugná-las no prazo de 10 (dez) dias.
§ 3
o
Decorrido o prazo do aviso e realizadas as diligências necessárias à apuração dos
fatos, o juiz intimará o Ministério Público para manifestar-se no prazo de 5 (cinco) dias, findo
o qual o administrador judicial será ouvido se houver impugnação ou parecer contrário do
Ministério Público.
294
§ 4
o
Cumpridas as providências previstas nos §§ 2
o
e 3
o
deste artigo, o juiz julgará as
contas por sentença.
§ 5
o
A sentença que rejeitar as contas do administrador judicial fixará suas
responsabilidades, poderá determinar a indisponibilidade ou o seqüestro de bens e servirá
como título executivo para indenização da massa.
§ 6
o
Da sentença cabe apelação.
Art. 155. Julgadas as contas do administrador judicial, ele apresentará o relatório final da
falência no prazo de 10 (dez) dias, indicando o valor do ativo e o do produto de sua
realização, o valor do passivo e o dos pagamentos feitos aos credores, e especificará
justificadamente as responsabilidades com que continuará o falido.
Art. 156. Apresentado o relatório final, o juiz encerrará a falência por sentença.
Parágrafo único. A sentença de encerramento será publicada por edital e dela caberá
apelação.
Art. 157. O prazo prescricional relativo às obrigações do falido recomeça a correr a partir
do dia em que transitar em julgado a sentença do encerramento da falência.
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por cento)
dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para
atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;
III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se o
falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;
IV o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se o
falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.
Art. 159. Configurada qualquer das hipóteses do art. 158 desta Lei, o falido poderá
requerer ao juízo da falência que suas obrigações sejam declaradas extintas por sentença.
§ 1
o
O requerimento será autuado em apartado com os respectivos documentos e
publicado por edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação.
§ 2
o
No prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação do edital, qualquer credor pode
opor-se ao pedido do falido.
§ 3
o
Findo o prazo, o juiz, em 5 (cinco) dias, proferirá sentença e, se o requerimento for
anterior ao encerramento da falência, declarará extintas as obrigações na sentença de
encerramento.
§ 4
o
A sentença que declarar extintas as obrigações será comunicada a todas as pessoas e
entidades informadas da decretação da falência.
§ 5
o
Da sentença cabe apelação.
§ 6
o
Após o trânsito em julgado, os autos serão apensados aos da falência.
295
Art. 160. Verificada a prescrição ou extintas as obrigações nos termos desta Lei, o sócio
de responsabilidade ilimitada também poderá requerer que seja declarada por sentença a
extinção de suas obrigações na falência.
CAPÍTULO VI
DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e
negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.
§ 1
o
Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária,
derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como
àqueles previstos nos arts. 49, § 3
o
, e 86, inciso II do caput, desta Lei.
§ 2
o
O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento
desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos.
§ 3
o
O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver
pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou
homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.
§ 4
o
O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretará
suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de
falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial.
§ 5
o
Após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão desistir da
adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários.
§ 6
o
A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título
executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do caput, da Lei n
o
5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação
extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições,
com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.
Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação
extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por
credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por
ele abrangidos.
§ 1
o
O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos
no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma
natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a
todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos
constituídos até a data do pedido de homologação.
§ 2
o
Não serão considerados para fins de apuração do percentual previsto no caput deste
artigo os créditos não incluídos no plano de recuperação extrajudicial, os quais não poderão
ter seu valor ou condições originais de pagamento alteradas.
§ 3
o
Para fins exclusivos de apuração do percentual previsto no caput deste artigo:
296
I o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da
véspera da data de assinatura do plano; e
II não serão computados os créditos detidos pelas pessoas relacionadas no art. 43 deste
artigo.
§ 4
o
Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua
substituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular da
respectiva garantia.
§ 5
o
Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial só poderá ser afastada se o
credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de
recuperação extrajudicial.
§ 6
o
Para a homologação do plano de que trata este artigo, além dos documentos
previstos no caput do art. 162 desta Lei, o devedor deverá juntar:
I – exposição da situação patrimonial do devedor;
II as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social e as levantadas
especialmente para instruir o pedido, na forma do inciso II do caput do art. 51 desta Lei; e
III os documentos que comprovem os poderes dos subscritores para novar ou transigir,
relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza,
a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos
respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente.
Art. 164. Recebido o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial
previsto nos arts. 162 e 163 desta Lei, o juiz ordenará a publicação de edital no órgão oficial e
em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor,
convocando todos os credores do devedor para apresentação de suas impugnações ao plano de
recuperação extrajudicial, observado o § 3
o
deste artigo.
§ 1
o
No prazo do edital, deverá o devedor comprovar o envio de carta a todos os credores
sujeitos ao plano, domiciliados ou sediados no país, informando a distribuição do pedido, as
condições do plano e prazo para impugnação.
§ 2
o
Os credores terão prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação do edital, para
impugnarem o plano, juntando a prova de seu crédito.
§ 3
o
Para opor-se, em sua manifestação, à homologação do plano, os credores somente
poderão alegar:
I – não preenchimento do percentual mínimo previsto no caput do art. 163 desta Lei;
II – prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94 ou do art. 130 desta
Lei, ou descumprimento de requisito previsto nesta Lei;
III – descumprimento de qualquer outra exigência legal.
§ 4
o
Sendo apresentada impugnação, será aberto prazo de 5 (cinco) dias para que o
devedor sobre ela se manifeste.
§ 5
o
Decorrido o prazo do § 4
o
deste artigo, os autos serão conclusos imediatamente ao
juiz para apreciação de eventuais impugnações e decidirá, no prazo de 5 (cinco) dias, acerca
297
do plano de recuperação extrajudicial, homologando-o por sentença se entender que não
implica prática de atos previstos no art. 130 desta Lei e que não há outras irregularidades que
recomendem sua rejeição.
§ 6
o
Havendo prova de simulação de créditos ou vício de representação dos credores que
subscreverem o plano, a sua homologação será indeferida.
§ 7
o
Da sentença cabe apelação sem efeito suspensivo.
§ 8
o
Na hipótese de não homologação do plano o devedor poderá, cumpridas as
formalidades, apresentar novo pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial.
Art. 165. O plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologação
judicial.
§ 1
o
É lícito, contudo, que o plano estabeleça a produção de efeitos anteriores à
homologação, desde que exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma de
pagamento dos credores signatários.
§ 2
o
Na hipótese do § 1
o
deste artigo, caso o plano seja posteriormente rejeitado pelo
juiz, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condições
originais, deduzidos os valores efetivamente pagos.
Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação
judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua
realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.
Art. 167. O disposto neste Capítulo não implica impossibilidade de realização de outras
modalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores.
CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES PENAIS
Seção I
Dos Crimes em Espécie
Fraude a Credores
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a
recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte
ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida
para si ou para outrem.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Aumento da pena
§ 1
o
A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:
I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
II omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar,
ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;
298
III destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em
computador ou sistema informatizado;
IV – simula a composição do capital social;
V destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração
contábil obrigatórios.
Contabilidade paralela
§ 2
o
A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou
movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.
Concurso de pessoas
§ 3
o
Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros
profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste
artigo, na medida de sua culpabilidade.
Redução ou substituição da pena
§ 4
o
Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se
constatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz
reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas
restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à
comunidade ou a entidades públicas.
Violação de sigilo empresarial
Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dados
confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado
de inviabilidade econômica ou financeira:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Divulgação de informações falsas
Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em
recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Indução a erro
Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de
falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro
o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o
administrador judicial:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Favorecimento de credores
Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a
recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou
299
oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em
prejuízo dos demais:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-
se de ato previsto no caput deste artigo.
Desvio, ocultação ou apropriação de bens
Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação
judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens
Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ou
influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Habilitação ilegal de crédito
Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial,
relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falso
ou simulado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Exercício ilegal de atividade
Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisão
judicial, nos termos desta Lei:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Violação de impedimento
Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial,
o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou
por interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em
relação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivos
processos:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Omissão dos documentos contábeis obrigatórios
Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que
decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação
extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:
Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais
grave.
300
Seção II
Disposições Comuns
Art. 179. Na falência, na recuperação judicial e na recuperação extrajudicial de
sociedades, os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de
direito, bem como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os
efeitos penais decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade.
Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a
recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade
das infrações penais descritas nesta Lei.
Art. 181. São efeitos da condenação por crime previsto nesta Lei:
I – a inabilitação para o exercício de atividade empresarial;
II o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração,
diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a esta Lei;
III – a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.
§ 1
o
Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente
declarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade,
podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal.
§ 2
o
Transitada em julgado a sentença penal condenatória, será notificado o Registro
Público de Empresas para que tome as medidas necessárias para impedir novo registro em
nome dos inabilitados.
Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do
Decreto-Lei n
o
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia
da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano
de recuperação extrajudicial.
Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja
contagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do
plano de recuperação extrajudicial.
Seção III
Do Procedimento Penal
Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência,
concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial,
conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta Lei.
Art. 184. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.
Parágrafo único. Decorrido o prazo a que se refere o art. 187, § 1
o
, sem que o
representante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer credor habilitado ou o
administrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observado o
prazo decadencial de 6 (seis) meses.
301
Art. 185. Recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos arts. 531 a
540 do Decreto-Lei n
o
3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.
Art. 186. No relatório previsto na alínea e do inciso III do caput do art. 22 desta Lei, o
administrador judicial apresentará ao juiz da falência exposição circunstanciada, considerando
as causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença, e outras
informações detalhadas a respeito da conduta do devedor e de outros responsáveis, se houver,
por atos que possam constituir crime relacionado com a recuperação judicial ou com a
falência, ou outro delito conexo a estes.
Parágrafo único. A exposição circunstanciada será instruída com laudo do contador
encarregado do exame da escrituração do devedor.
Art. 187. Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial,
o Ministério Público, verificando a ocorrência de qualquer crime previsto nesta Lei,
promoverá imediatamente a competente ação penal ou, se entender necessário, requisitará a
abertura de inquérito policial.
§ 1
o
O prazo para oferecimento da denúncia regula-se pelo art. 46 do Decreto-Lei n
o
3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, salvo se o Ministério Público,
estando o réu solto ou afiançado, decidir aguardar a apresentação da exposição
circunstanciada de que trata o art. 186 desta Lei, devendo, em seguida, oferecer a denúncia em
15 (quinze) dias.
§ 2
o
Em qualquer fase processual, surgindo indícios da prática dos crimes previstos nesta
Lei, o juiz da falência ou da recuperação judicial ou da recuperação extrajudicial cientificará o
Ministério Público.
Art. 188. Aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código de Processo Penal, no
que não forem incompatíveis com esta Lei.
CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 189. Aplica-se a Lei n
o
5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil,
no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei.
Art. 190. Todas as vezes que esta Lei se referir a devedor ou falido, compreender-se-á
que a disposição também se aplica aos sócios ilimitadamente responsáveis.
Art. 191. Ressalvadas as disposições específicas desta Lei, as publicações ordenadas
serão feitas preferencialmente na imprensa oficial e, se o devedor ou a massa falida
comportar, em jornal ou revista de circulação regional ou nacional, bem como em quaisquer
outros periódicos que circulem em todo o país.
Parágrafo único. As publicações ordenadas nesta Lei conterão a epígrafe "recuperação
judicial de", "recuperação extrajudicial de" ou "falência de".
Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados
anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei n
o
7.661, de 21 de junho de 1945.
302
§ 1
o
Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em
curso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua
arrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de credores e da conclusão do
inquérito judicial.
§ 2
o
A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o
pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no
âmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação
judicial para microempresas e empresas de pequeno porte a que se refere a Seção V do
Capítulo III desta Lei.
§ 3
o
No caso do § 2
o
deste artigo, se deferido o processamento da recuperação judicial, o
processo de concordata será extinto e os créditos submetidos à concordata serão inscritos por
seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário.
§ 4
o
Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação
de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até a decretação, o
Decreto-Lei n
o
7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na decisão que decretar a falência,
o disposto no art. 99 desta Lei.
§ 5
o
O juiz poderá autorizar a locação ou arrendamento de bens imóveis ou móveis a fim
de evitar a sua deterioração, cujos resultados reverterão em favor da massa. (incluído pela Lei
nº 11.127, de 2005)
Art. 193. O disposto nesta Lei não afeta as obrigações assumidas no âmbito das câmaras
ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira, que serão ultimadas e
liquidadas pela câmara ou prestador de serviços, na forma de seus regulamentos.
Art. 194. O produto da realização das garantias prestadas pelo participante das câmaras
ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação financeira submetidos aos regimes
de que trata esta Lei, assim como os títulos, valores mobiliários e quaisquer outros de seus
ativos objetos de compensação ou liquidação serão destinados à liquidação das obrigações
assumidas no âmbito das câmaras ou prestadoras de serviços.
Art. 195. A decretação da falência das concessionárias de serviços públicos implica
extinção da concessão, na forma da lei.
Art. 196. Os Registros Públicos de Empresas manterão banco de dados público e
gratuito, disponível na rede mundial de computadores, contendo a relação de todos os
devedores falidos ou em recuperação judicial.
Parágrafo único. Os Registros Públicos de Empresas deverão promover a integração de
seus bancos de dados em âmbito nacional.
Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se
subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei n
o
73, de 21 de
novembro de 1966, na Lei n
o
6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei n
o
2.321, de 25
de fevereiro de 1987, e na Lei n
o
9.514, de 20 de novembro de 1997.
Art. 198. Os devedores proibidos de requerer concordata nos termos da legislação
específica em vigor na data da publicação desta Lei ficam proibidos de requerer recuperação
judicial ou extrajudicial nos termos desta Lei.
303
Art. 199. Não se aplica o disposto no art. 198 desta Lei às sociedades a que se refere o
art. 187 da Lei n
o
7.565, de 19 de dezembro de 1986.
Parágrafo único. Na recuperação judicial e na falência das sociedades de que trata o
caput deste artigo, em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados de
contratos de arrendamento mercantil de aeronaves ou de suas partes.
§ 1
o
Na recuperação judicial e na falência das sociedades de que trata o caput deste
artigo, em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados de contratos de
locação, arrendamento mercantil ou de qualquer outra modalidade de arrendamento de
aeronaves ou de suas partes. (Renumerado do parágrafo único com nova redação pela Lei nº
11.196, de 2005)
§ 2
o
Os créditos decorrentes dos contratos mencionados no § 1
o
deste artigo não se
submeterão aos efeitos da recuperação judicial ou extrajudicial, prevalecendo os direitos de
propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, não se lhes aplicando a ressalva contida
na parte final do § 3
o
do art. 49 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 3
o
Na hipótese de falência das sociedades de que trata o caput deste artigo,
prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa relativos a contratos de locação, de
arrendamento mercantil ou de qualquer outra modalidade de arrendamento de aeronaves ou de
suas partes. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)
Art. 200. Ressalvado o disposto no art. 192 desta Lei, ficam revogados o Decreto-Lei n
o
7.661, de 21 de junho de 1945, e os arts. 503 a 512 do Decreto-Lei n
o
3.689, de 3 de outubro
de 1941 - Código de Processo Penal.
Art. 201. Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação.
Brasília, 9 de fevereiro de 2005; 184
o
da Independência e 117
o
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