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Tomé Sudário Gomes Ferraz dos Santos
A política nuclear brasileira até 1964
Mestrado em História da Ciência
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2007
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Tomé Sudário Gomes Ferraz dos Santos
A política nuclear brasileira até 1964
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em História da Ciência, sob a orientação da
Professora Doutora Lilian Al-Chueyr Pereira Martins.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2007
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SANTOS, Tomé Sudário Gomes Ferraz dos
“A política nuclear brasileira até 1964”
São Paulo, 2007, x, 77 p.
Dissertação (Mestrado) – PUC-SP
Programa: História da Ciência
Orientadora: Profa. Dra. Lilian Al-Chueyr Pereira
Martins
Folha de aprovação
Banca examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Ass.: ___________________________________________________________
Local e data: __________________________________, ____/____/________
DEDICADO a Alfredo Gomes dos Santos que, onde quer que
esteja, está feliz por ter conseguido fazer com que eu chegasse
até aqui. Obrigado, meu pai!
vii
AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Lilian Al-Chueyr Pereira Martins pela orientação e paciência
com um Mestrando em História da Ciência.
Ao Professor Dr. Roberto de Andrade Pereira Martins pelo apoio, conversas e
indicações bibliográficas, bem como informações incorporadas à versão final desta
dissertação.
Ao meu pai Alfredo Gomes dos Santos, que mesmo estando em outra
dimensão, está feliz por ter conseguido me “arrastar” mais do que o pai o “arrastou”.
À minha mãe Tereza Ferraz dos Santos, meu maior exemplo de solicitude,
luta, perseverança, coragem e determinação.
Aos meus filhos Tomé Gomes Ferraz, Tiago Gomes Ferraz e Tertius Sudário
Gomes Ferraz, por entenderem minhas ausências e por sempre acreditarem no pai.
Aos meus irmãos, Josete, Josevaldo, Janivaldo, Telma, Aulo, Angélica,
Demétrio, Dauria, Vital, Virgínia e Homero Ferraz, que estão sempre torcendo para
que eu consiga atingir os meus objetivos, pois consideram estes como sendo deles.
Aos colegas, Izabel, Stella, Mariana, Angélica, Paula, César, Djalma, Ana,
Winston, Renata, Tarik, Alexandre, pelos momentos de convivência, de incentivo e
de lazer que tornaram o caminhar mais suave.
À minha colega e amiga Mariluce Kamisaka, grande mestra na arte de
alfabetizar e educar, pelo apoio e estímulos nos momentos difíceis.
À Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, pela criação do Programa
Bolsa Mestrado, sem a qual o sonho do mestrado tornar-se-ia mais distante.
À colega de escola e professora Sônia, pela revisão cuidadosa do texto.
À Ana Paula, meu agradecimento pelo apoio prestado na fase final de
elaboração da dissertação.
Aos professores e professoras do CESIMA pelo apoio, orientação e
dedicação, mesmo com elevado nível de exigência, jamais perderam a ternura e
foram de extrema importância para a minha formação em História da Ciência.
viii
RESUMO
Esta dissertação analisa um período da política de energia nuclear no Brasil,
desde 1945 até o golpe militar de 1964. Durante esse período, o Brasil vende grande
quantidade de minerais estratégicos (tório) aos Estados Unidos e, embora haja um
empenho para que o país comece a dominar a energia atômica, sucessivos
empecilhos frustram as expectativas. Ao longo dos 20 anos aqui estudados, nota-se
a forte influência norte-americana na política nuclear brasileira, e a oposição entre
tendências nacionalistas (que pretendiam desenvolver no Brasil uma tecnologia
nuclear independente) e as tendências que apoiavam uma dependência dos
Estados Unidos. O conflito permanente entre essas forças opostas pode ter sido um
importante fator que inviabilizou o programa nuclear brasileiro de ser bem-sucedido.
ix
ABSTRACT
This dissertation analyses a period of the Brazilian nuclear energy policy, from
1945 to the military coup of 1964. During this period Brazil sold a large amount of
strategic minerals (thorium) to the United States and, although there was a national
effort to control atomic energy, successive difficulties frustrated those expectations.
Throughout the 20 years studied in this dissertation, it is possible to notice a strong
American influence on the Brazilian nuclear policy, and the opposition between
nationalistic tendencies (that intended to develop an independent nuclear technology
in Brazil) and the tendencies that defended a dependency as regards the United
States. It seems that the permanent conflict between those opposite forces
contributed significantly to cause the downfall of the Brazilian nuclear program.
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................1
CAPÍTULO 1. INÍCIO DA ENERGIA NUCLEAR, NOS ESTADOS UNIDOS..............5
1.1 A fissão nuclear e o “Projeto Manhattan” ....................................................5
1.2 A política nuclear pós-guerra ....................................................................10
1.3 A política nuclear norte-americana na onu................................................16
1.4 A política nuclear interna norte-americana................................................19
1.5 A corrida nuclear .......................................................................................22
1.6 “Átomos para a paz”..................................................................................24
CAPÍTULO 2. BRASIL E A ENERGIA NUCLEAR, 1945-1955..................................29
2.1 O “Projeto manhattan” e a compra de minérios atômicos .........................29
2.2 O Brasil e as discussões sobre energia atômica na ONU.........................32
2.3 A criação do Conselho Nacional de Pesquisas e a nova legislação nuclear
........................................................................................................................37
2.4 petróleo, nacionalismo e riquezas minerais ..............................................43
2.5 O período de café filho e os “Átomos para a paz”.....................................52
CAPÍTULO 3. BRASIL E A ENERGIA NUCLEAR, 1956-1964..................................57
3.1 A CPI sobre energia atômica ....................................................................57
3.2 A nova política nuclear..............................................................................62
3.3 Os centros de pesquisa atômica ...............................................................63
3.4 O projeto de uma usina atômica................................................................67
CAPÍTULO 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................74
1
INTRODUÇÃO
A história nuclear brasileira, ou da política nuclear do Brasil, sempre foi
apontada por uma parte da elite científica da área como cheia de contradições e
muito confusa. Esta pesquisa analisa o desenvolvimento da política nuclear
brasileira no período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, até o golpe militar de
1964.
Iniciamos as nossas pesquisas através da leitura do livro de Dagoberto
Sales
1
, Energia atômica: um inquérito que abalou o Brasil. Esta obra apresenta a
documentação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que atuou de 1956
a 1958 e examinou denúncias de irregularidades relativas à exportação de minérios
radioativos do Brasil para os Estados Unidos e outros aspectos da política nuclear
da época. Este primeiro contato com o tema nos motivou para a escolha do tema da
presente dissertação.
Costuma-se dividir o desenvolvimento nuclear brasileiro em três períodos
distintos: a “fase nacionalista” (1949-1954), a “fase diplomática” (1955-1974), e a
“fase do desenvolvimento dependente”, que teria se iniciado em 1975 estendendo-
se a hoje. Paulo Marques, no livro Sofismas nucleares: o jogo das trapaças na
política nuclear no país, adotou essa cronologia. Carlos Girotti, em Estado nuclear
no Brasil, também utilizou uma divisão semelhante e considerou que 1975 foi um
dos marcos mais importantes
2
.
Tal periodização apresenta problemas, já que a política nuclear brasileira
começa a existir desde 1945, e sofre mudanças importantes em 1964, com o golpe
militar. Assim, ela não permite compreender uma das mais profundas mudanças da
política nuclear brasileira. Luiz Carlos Menezes e David Neiva Simon propõem uma
outra periodização: a primeira, até 1964, de “nacionalismo autonomista”; a segunda,
de 1964 até 1974, de “importação pura e simples e programação modesta”, e a
1
Dagoberto Sales (1914-1982) foi engenheiro e Deputado Federal pelo PSD nas décadas de 1950-
60. Foi o Relator da CPI sobre Política Atômica (1956-58). D. Sales, Energia atômica: um inquérito
que abalou o Brasil. Ver A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, Renato Archer. Energia atômica, soberania
e desenvolvimento, p. 260.
2
P. Marques, Sofismas nucleares, pp. 13, 16-18.
2
terceira, de 1974 a o presente, de “desenvolvimento dependente”
3
. Como
veremos, não se pode dizer que todo o período de 1945 até 1964 apresente uma
política nuclear coerente, mas pode-se afirmar que era muito forte a defesa
nacionalista de uma independência nuclear do Brasil.
Concordamos com Luiz Pinguelli Rosa sobre a importância do golpe militar de
1964 como um divisor de águas na política nuclear brasileira:
É fundamental balizar historicamente a guinada da política nuclear brasileira
após o golpe militar de 1964, partindo do marco do nacionalismo-populismo contra
o qual este golpe se colocou. Em primeiro lugar, o regime militar então implantado
abandonou as premissas de autonomia nacional, adotando a linha norte-americana
de reatores a urânio enriquecido, concretizada pela compra de Angra I. Em
segundo lugar, um discurso nacionalista é retomado com o Acordo Nuclear com a
Alemanha, mas num quadro ideológico do Brasil-potência, integrado na economia
capitalista [...]
4
Após 1964 o discurso nacionalista foi mantido, mas a prática mudou
completamente. Antes do golpe militar, havia a preocupação central com o domínio
da tecnologia e com o combustível nuclear, que deveria ser produzido no Brasil.
Essa era uma diretriz aprovada pelo Conselho de Segurança Nacional em 1956,
defendida por todos os nacionalistas antes e depois dessa data, e que ainda figura
formalmente nos estudos realizados pela CNEN em 1965. No entanto, no período
militar passa-se a considerar a construção de uma usina nuclear como um simples
problema de abastecimento energético, sem uma perspectiva política de domínio
efetivo da tecnologia nuclear
5
. As medidas restritivas impostas pelo regime militar,
como o Ato Institucional n
o
5 (AI-5) de 1968, bloquearam a discussão científica e
política sobre o assunto.
A política nuclear brasileira, no período aqui estudado, precisa ser
compreendida dentro no contexto mundial do período. Durante a Segunda Guerra
Mundial, os Estados Unidos se voltam para a produção de armas nucleares,
desenvolvendo o Projeto Manhattan que culmina com a destruição de Hiroshima e
3
L. C. Menezes & D. N. Simon, “Dois erros em cadeia”, p. 26.
4
L. P. Rosa, A política nuclear e o caminho das armas atômicas, p. 27.
5
Ibid., p. 30.
3
Nagasaki com as bombas atômicas lançadas pelos norte-americanos em agosto de
1945. A enorme importância militar (e, de forma secundária, a utilidade pacífica) da
energia nuclear faz com que os Estados Unidos procurem preservar um monopólio
dessa tecnologia e o domínio das fontes de minerais radioativos, onde quer que eles
existam.
As duas principais linhas de política nuclear norte-americana no período pós-
guerra, até 1964, são as representadas pela Lei McMahon (formalizada pelo Atomic
Energy Act de julho de 1946) e pelo programa “Átomos para a paz” (formalizada pelo
Atomic Energy Act de agosto de 1954). Elas serão estudadas mais adiante, nesta
dissertação.
O Brasil foi imediatamente envolvido na era atômica, como fornecedor de
minérios, por possuir grandes reservas de rio. Para alguns grupos de nosso país,
tudo o que interessava era servir aos interesses norte-americanos. Para outros
grupos, que foram crescendo de importância no período, era necessário que o Brasil
preservasse seus recursos minerais estratégicos e desenvolvesse a tecnologia
necessária para a utilização da energia nuclear. Até 1954, a política norte-
americana, orientada pela Lei Baruch, procurou impedir a expansão da tecnologia
atômica em outros países. No entanto, a rápida corrida armamentista nuclear logo
permite que outros países desenvolvam bombas atômicas, e a política dos Estados
Unidos sofre uma profunda mudança no início de 1955, com o programa “Átomos
para a paz” do presidente Eisenhower. Agora, em vez de tentar proibir o
desenvolvimento da tecnologia nuclear, os Estados Unidos procuram atuar como
parceiros das “nações amigas”, com uma estratégia de controle do uso da energia
atômica apenas para fins pacíficos nos países que ainda não detinham armas
nucleares.
Neste cenário, mesmo que desde os primórdios do desenvolvimento das
pesquisas nucleares o Brasil tenha se alinhado na corrida internacional, buscando
incessantemente essa tecnologia com fins alardeados para uso pacífico da energia
nuclear (mas talvez também para uso militar), surgiram barreiras de ordem científica
e econômica, mas principalmente política, para o pleno desenvolvimento da energia
do átomo no país. Os Estados Unidos criavam grandes dificuldades, mesmo para
países “amigos”, dominarem o ciclo do combustível nuclear. As dificuldades políticas
não eram apenas externas: no Brasil, diferentes grupos defendiam atitudes
4
conflitantes em relação aos minérios radioativos e ao desenvolvimento de um
programa de tecnologia nuclear.
Esta dissertação aborda no primeiro capítulo a situação em que se
desenvolveu o início do programa energia nuclear pelos Estados Unidos, durante a
Segunda Guerra Mundial, bem como a política atômica daquele país no período pós-
guerra. Apresentaremos também algumas informações científicas e técnicas
essenciais para a compreensão da dissertação.
O segundo capítulo mostra o desenvolvimento da política nuclear brasileira e
sua relação com o monopólio nuclear norte-americano até o suicídio do presidente
Getúlio Vargas e o mandato-tampão de João Café Filho (1955). O terceiro capítulo
analisa a política nuclear brasileira desde 1956 (início do governo Juscelino
Kubitschek) até o golpe militar de 1
o
de abril de 1964. O capítulo 4 apresenta alguns
comentários finais e conclusões.
5
CAPÍTULO 1
O INÍCIO DA ENERGIA NUCLEAR, NOS ESTADOS UNIDOS
1.1 A FISSÃO NUCLEAR E O “PROJETO MANHATTAN”
Até 1938, físicos de vários países haviam sido estudados muitos tipos de
reações nucleares, mas em nenhum caso surgira a sugestão de que esses
processos pudessem ser utilizados em larga escala, para produção de energia ou
para fins bélicos. No final de 1938, ao bombardear urânio com nêutrons, Otto Hahn e
Fritz Strassmann descobriram que um dos produtos era bário um elemento de
peso atômico médio. Lise Meitner e Otto R. Frisch perceberam que o núcleo do
urânio devia ter se dividido em pedaços menores, e calcularam a energia liberada
nesse processo, que era muito grande. Comunicaram a descoberta a Niels Bohr.
Este, ao visitar os Estados Unidos no início de 1939, discutiu a descoberta de Hahn
e Strassmann com vários pesquisadores. No final de janeiro desse ano, Bohr e
Enrico Fermi discutiram a reação de quebra (fissão) do núcleo de urânio e Fermi
sugeriu que talvez fossem liberados outros nêutrons no processo de quebra de
núcleos pesados. Se isso ocorresse, seria possível produzir uma reação em cadeia,
com a progressiva quebra de novos núcleos e liberação de novos nêutrons. Estudos
feitos logo depois confirmaram a conjetura de Fermi e determinaram que, em média,
cada fissão era acompanhada pela emissão de 2,5 nêutrons. Desde que esses
nêutrons não fossem perdidos, seria possível assim produzir uma reação em cadeia
que fosse produzindo cada vez mais nêutrons (e cada vez mais energia), podendo
resultar em uma explosão.
Esses conhecimentos estavam disponíveis quando se iniciou a Segunda
Guerra Mundial. Logo depois do princípio da guerra, alguns cientistas suspeitaram
que os pesquisadores alemães poderiam utilizar esse conhecimento para a
construção de uma bomba atômica.
Em função dos insistentes pedidos dos cientistas refugiados Leo Szilard e
Eugene Wigner, o cientista alemão Albert Einstein, que vivia nos Estados Unidos,
6
resolveu, em 2 de agosto de 1939, enviar uma carta ao Presidente Franklin Delano
Roosevelt, expondo a possibilidade de construção de bombas a partir de uma
reação nuclear e alertando sobre a possibilidade de que a Alemanha estivesse
pesquisando a construção dessas bombas no Kaiser Wilhelm Institut, em Berlim.
Senhor: Um recente trabalho de E. Fermi e L. Szilard, que me foi comunicado
em manuscrito, leva-me a esperar que o elemento urânio poderá, em futuro muito
próximo, transformar-se em nova e importante fonte de energia. Alguns aspectos da
questão parecem requerer uma atenta e se necessária, rápida ação por parte da
Administração. Creio, portanto, que é o meu dever chamar a vossa atenção para os
seguintes fatos e recomendações.
6
Einstein descreveu então, em sua carta, a possibilidade da reação em cadeia
utilizando urânio, com a liberação de grande quantidade de energia; e a
possibilidade (embora ainda duvidosa) de utilizar esse processo para a produção de
bombas extremamente poderosas: “Uma única bomba deste tipo, transportada por
um bote e explodindo em um porto, poderia muito bem destruir o porto inteiro
juntamente com uma parte do território vizinho. No entanto, tais bombas podem ser
pesadas demais para serem transportadas pelo ar”
7
. A carta de Einstein (redigida,
na verdade, por Leo Szilard) informava em seguida que não existiam minérios de
urânio adequados nos Estados Unidos e que as melhores jazidas eram as do
Canadá, da Tchecoslováquia e do Congo (que, na época, era uma colônia da
Bélgica).
A carta sugeria que o governo norte-americano se mantivesse em contato
com os cientistas trabalhando no estudo desse processo, bem como a formação de
reservas de urânio para os Estados Unidos e o apoio financeiro governamental para
acelerar as pesquisas existentes. O final da carta insinuava que a Alemanha estava
se preparando para construir uma bomba de urânio:
Estou informado de que a Alemanha interrompeu a venda de urânio das
minas da Tchecoslováquia que ela capturou. Talvez se possa entender que ela
tenha adotado essa ação tão rápida porque o filho do Sub-Secretário de Estado
6
A. Einstein, “The Einstein letter”, p. 11.
7
Ibid.
7
alemão, von Weizsäcker, está ligado ao Kaiser-Wilhelm-Institut de Berlim, onde
uma parte das pesquisas americanas sobre o urânio está sendo repetida
atualmente.
8
O presidente Roosevelt respondeu a Albert Einstein, a 19 de outubro de 1939,
agradecendo as informações e comunicando-lhe a formação de uma comissão para
estudar o assunto. No entanto, até 1942 os Estados Unidos não se dedicaram mais
intensamente ao desenvolvimento da energia nuclear. Havia coisas mais urgentes a
serem feitas e, afinal de contas, os conhecimentos sobre o processo de fissão do
urânio ainda não permitiam sequer ter certeza de que seria possível produzir alguma
arma atômica.
Estudos realizados logo depois mostraram que não eram todos os núcleos de
urânio que podiam sofrer fissão. Os que participavam desse processo eram os
núcleos de U
235
, um isótopo que constitui apenas 0,7 % do urânio natural. O isótopo
mais abundante era o U
238
, que não sofria fissão ao ser bombardeado com nêutrons.
Ele podia no entanto absorver nêutrons e sofria uma série de mudanças, acabando
por se transformar em outro elemento, que foi denominado “plutônio”.
Posteriormente se verificou que o próprio plutônio obtido (Pu
239
) podia sofrer fissão
ao ser bombardeado com nêutrons e ser utilizado em reações nucleares em cadeia.
Assim, sabia-se em 1940 que um bloco de urânio puro, com as porcentagens
usuais de isótopos, o manteria uma reação em cadeia. Bombardeado com
nêutrons, uma pequena parte sofreria fissão, mas a maior parte dos nêutrons seria
absorvida pelo isótopo U
238
, levando à produção de plutônio. No entanto, era
possível modificar o processo de forma artificial. Os nêutrons rápidos, produzidos na
fissão, podem ser absorvidos facilmente pelo U
238
, mas os cleos desse isótopo
não absorvem muito bem nêutrons lentos. Se fosse possível reduzir a velocidade
dos nêutrons, eles seriam mais absorvidos pelo U
235
do que pelo U
238
, e isso poderia
permitir a realização de uma reação em cadeia.
A redução da velocidade dos nêutrons podia ser conseguida fazendo-os
passar por algumas substâncias inertes, como grafite. Desde que o material não
absorvesse os nêutrons, uma seqüência de colisões com núcleos atômicos nessa
substância diminuiria sua velocidade. A redução seria mais rápida utilizando-se
8
Ibid., p. 12.
8
materiais inertes (moderadores) de baixo peso atômico. O hidrogênio comum o
era adequado, pois absorvia nêutrons transformando-se em H
2
(deutério). O
hidrogênio pesado (deutério) era um bom moderador, mas era de difícil obtenção.
Por motivos práticos, adotou-se inicialmente o uso de grafite.
Formando uma grande estrutura de grafite onde eram intercalados pequenos
elementos de urânio (uma “pilha atômica”), uma equipe liderada por Enrico Fermi
conseguiu pela primeira vez, em dezembro de 1942, em Chicago, produzir uma
reação em cadeia auto-sustentada.
Se o único objetivo fosse a produção de energia para fins pacíficos, a
pesquisa poderia prosseguir nessa direção. No entanto, era uma motivação militar
que dirigia o trabalho de investigação da energia nuclear, nos Estados Unidos,
nesse período (durante a Segunda Guerra Mundial). A pilha atômica não podia ser
transformada em uma bomba. Era necessário dispor de um certo volume de plutônio
ou do isótopo U
235
, de tal modo que pudesse ocorrer uma reação em cadeia muito
rápida, produzindo uma explosão. Precisava-se, portanto, produzir grandes
quantidades de plutônio em uma pilha atômica e depois isolá-lo; ou descobrir algum
processo para isolar o U
235
do U
238
. Isso não podia ser feito por processos químicos,
que os dois isótopos sofrem as mesmas reações químicas. Deviam ser utilizados
processos físicos, que fossem influenciados pela ligeira diferença de massa dos dois
isótopos. Foram testados diversos métodos de aumento gradual da proporção de
U
235
, um processo que foi chamado de “enriquecimento do urânio”.
Embora todo o desenvolvimento inicial de pesquisa nuclear tivesse utilizado
urânio como ponto de partida, descobriu-se em 1942 que o tório era outro elemento
que podia ser utilizado. O isótopo mais comum do tório é o Th
232
. Seus núcleos
absorvem nêutrons e se transformam em U
233
, que sofre fissão tão facilmente
quanto o U
235
. Assim, o tório pode ser utilizado para produzir um material físsil, que
pode ser aproveitado em reatores ou em bombas nucleares. Nessa época, no
entanto, os pesquisadores dos Estados Unidos não exploraram essa possibilidade.
O trabalho continuou concentrado no uso do urânio, sobre o qual havia sido feito
um grande volume de pesquisas.
Em junho de 1942 estava bastante claro que seria possível desenvolver armas
nucleares, e para isso foi criado o “Projeto Manhattan”, sob a coordenação do
General Leslie R. Groves. Uma das medidas necessárias era, evidentemente,
9
acumular grandes reservas de urânio (e, embora não fosse tão urgente, também de
tório). Os Estados Unidos passaram, então, a se interessar em pesquisar e fazer
levantamentos das reservas de urânio, bem como de outros minerais atômicos em
qualquer parte do mundo, principalmente nos países de sua esfera de influência,
chamados de países “amigos”, incluindo-se o Brasil, como veremos mais adiante.
Foi montado um grande complexo de enriquecimento de urânio perto de
Knoxville, no Estado de Tennessee, onde foram empregados principalmente dois
métodos: o eletromagnético (semelhante ao sistema utilizado em espectrômetros de
massa) e o de difusão gasosa. Ambos eram métodos extremamente lentos e caros.
Paralelamente, no mesmo local foi montado um reator experimental para gerar
plutônio. Depois, foi montado um reator de grande escala perto de Pasco, no Estado
de Washington.
A partir de 1943 uma equipe liderada por John Robert Oppenheimer, em Los
Alamos, começou a planejar a construção de dispositivos militares que pudessem
utilizar as reações em cadeia do U
235
e do plutônio. Todos os estudos e testes foram
feitos antes que houvesse uma massa significativa desses elementos disponível, de
tal modo que fosse possível construir e utilizar uma bomba logo que tivesse sido
isolada uma quantidade suficientes de U
235
ou de plutônio.
O projeto nuclear norte-americano foi extremamente caro, por causa da
pressa em obter resultados práticos. Foram montados grandes complexos
industriais, para onde foram deslocados milhares de trabalhadores. Até meados de
1945 foram gastos cerca de 2 bilhões de dólares no Projeto Manhattan. Estiveram
envolvidas diretamente cerca de 500.000 pessoas, nesse projeto.
Antes que o primeiro dispositivo nuclear bélico ficasse pronto, a Alemanha se
rendeu. A Itália havia sido derrotada antes. A Segunda Guerra Mundial estava
terminando, mas o Japão ainda resistia. Os militares norte-americanos resolveram
utilizar as armas nucleares contra os japoneses, com a justificativa de acelerar o fim
da guerra.
No dia 16 de julho de 1945 foi detonada a primeira bomba nuclear
experimental em um deserto, na base aérea de Alamogordo, no Estado de New
Mexico. Poucas semanas depois, duas bombas nucleares foram lançadas sobre as
cidades de Hiroshima (dia 6 de agosto) e Nagasaki (9 de agosto). Uma delas
utilizava U
235
, a outra utilizava plutônio.
10
O investimento norte-americano no programa nuclear tinha sido imenso,
durante a Segunda Guerra Mundial. Depois do fim da guerra, continuou havendo um
investimento maciço nessa área. No início da década de 1950, mais da metade do
orçamento norte-americano para pesquisa e desenvolvimento cabia ao
Departamento de Defesa e mais de um terço era destinado à Comissão de Energia
Atômica
9
. A guerra havia terminado, mas poderia haver uma nova guerra. E, se
houvesse, as bombas atômicas teriam um papel central. Isso justificava a
manutenção de um grande esforço para o desenvolvimento de armas nucleares.
1.2 A POLÍTICA NUCLEAR PÓS-GUERRA
Desde o período em que o Projeto Manhattan desenvolvia em segredo as
primeiras bombas nucleares, os participantes do Projeto se preocuparam com o
futuro da energia atômica. O que aconteceria depois que todos conhecessem a
possibilidade de construção dessas armas? Outros países poderiam construí-las,
dentro de alguns anos – e, então, os Estados Unidos poderiam ser atacados.
Quem faria isso? No início de 1945, a Alemanha, a Itália e o Japão estavam
sendo derrotados, e não eram considerados uma futura ameaça nuclear. Os norte-
americanos temiam... seus aliados da Segunda Guerra Mundial e, mais exatamente,
a Rússia. Embora estivessem empenhados, juntos, em vencer a guerra, o havia
confiança mútua.
Em um documento datado de março de 1945, o físico Leo Szilard um dos
principais responsáveis pelo desenvolvimento da energia nuclear – escreveu:
Em poucos meses a guerra da Rússia contra a Alemanha terá terminado.
Será então dada [na Rússia] uma alta prioridade ao trabalho com o urânio, mas
talvez não seja desenvolvido em grande escala industrial até que detonemos nossa
primeira bomba atômica e demonstremos assim o sucesso deste desenvolvimento.
Durante alguns anos depois disso nós quase certamente estaremos à frente da
Rússia. Mas mesmo se assumirmos que podemos nos manter sempre à frente dela
nesse desenvolvimento, isso pode não nos oferecer proteção de ataques nem nos
dar uma vantagem substancial em caso de guerra, daqui a ... anos
10
.
9
S. Schwartzman, Formação da comunidade científica no Brasil, p. 282.
10
L. Szilard, “Atomic bombs and the postwar position of the United States in the World”, p. 13
11
Na continuação do mesmo documento, Szilard continua se referindo várias
vezes ao perigo nuclear que poderia ser representado pela Rússia. Um ataque
repentino não poderia ser evitado, e se a Rússia dispusesse de muitas bombas,
poderia destruir todas as cidades importantes dos Estados Unidos de uma vez.
Depois do ataque, se fosse possível revidar, isso não significaria nada. A opinião
de Szilard – partilhada por quase todos os cientistas, políticos e militares da época
era de que, em uma guerra nuclear, quem atacasse primeiro venceria. E um ataque
poderia ocorrer por causa de um dos países ter medo de que o outro atacasse
primeiro:
O maior perigo que surge de uma competição entre os Estados Unidos e a
Rússia, que levaria a um rápido acúmulo de grande quantidade de bombas
atômicas em ambos países, consiste na possibilidade de ocorrência de uma guerra
preventiva. Tal guerra seria o resultado do temor de que o outro país pudesse
atacar antes, e nenhuma dose de boa vontade por parte de ambas as nações pode
ser suficiente para evitar o início de uma guerra, se houver permissão para que tal
situação explosiva se desenvolva
11
.
Para evitar o surgimento de uma situação como essa, Szilard imaginou se
seria possível estabelecer algum sistema de controle de produção dos materiais
perigosos. Tal controle, segundo ele, precisaria se estender a todos os países do
mundo. Como fazer isso? Ele sugeriu que fossem feitos estudos para verificar o que
poderia ser feito, sob o ponto de vista técnico e político, para exercer tal tipo de
controle. Conjeturou que talvez fosse possível estabelecer algum controle sobre a
manufatura dos materiais necessários à construção de bombas nucleares, com uma
colaboração entre Estados Unidos, Inglaterra e Rússia. Mas a Rússia teria que
aceitar que o controle fosse exercido também dentro de seu território. E como a
Rússia não aceitaria tal tipo de controle a não ser que houvesse reciprocidade e ela
pudesse controlar os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, seria necessário verificar se
esses países estavam dispostos a concordar com isso.
Nota-se preocupações semelhantes às de Szilard em outros documentos da
época. O primeiro, o Jeffries Report, foi escrito por Arthur Compton, diretor da
produção de plutônio do Projeto Manhattan. O estudo sugeria o futuro do
12
desenvolvimento da energia nuclear e foi passado para o General Leslie Groves
oficial que comandava o Projeto Manhattan, como vimos. O Relatório Jeffries
explicava:
O poder nuclear, que ultrapassa qualquer meio de guerra mais antigo,
proporciona ao agressor a tentação de ser capaz de fazer um bem sucedido ataque
repentino [...] infinitamente mais assustador do que aquele de 1939-1940. Um
súbito golpe desta natureza poderia literalmente varrer até mesmo as maiores
nações, ou ao menos todos os seus centros de produção, e decidir a questão no
primeiro dia da guerra. O peso das armas de destruição exigido para realizar esse
ataque será infinitesimal se comparado com o usado presentemente em um dia de
incursão com pesados bombardeios.
12
O Relatório Franck, escrito por alguns dos autores do Relatório Jeffries,
reiterava as vantagens das ações das armas nucleares ofensivas e argumentava
contra a idéia de que os Estados Unidos poderiam permanecer na dianteira, em uma
competição nuclear:
Uma vantagem quantitativa em reservas de poder destruidor armazenado não
nos torna protegidos de um ataque súbito. Exatamente pelo fato de um inimigo
potencial se sentir com medo de ser superado em pessoal e armamentos, pode
haver uma fortíssima tentação de ousar um súbito ataque sem nenhuma
provocação, particularmente se ele suspeitar que nós alimentamos intenções
agressivas contra sua segurança ou em relação à sua esfera de influência. Em
nenhum outro tipo de guerra a vantagem está tão a favor do agressor.
13
A disseminação da energia nuclear apresentou-se aos Estados Unidos como
uma ameaça intolerável e crescente. Continua o Relatório Jeffries:
Uma vez que a área da Terra não aumenta, a vantagem do agressor cresce
constantemente com o aumento do desenvolvimento técnico. Se duas pessoas
estiverem em uma sala de 100 por 100 pés e não tiverem outra arma além de seus
punhos desarmados, o agressor terá somente uma ligeira vantagem sobre seu
11
L. Szilard, “Atomic bombs and the postwar position of the United States in the World”, p. 15
12
H. D. Solkolski, Best of intentions, p. 14.
13
Ibid.
13
oponente. Porém, se cada um tiver uma metralhadora em suas mãos, o agressor
será certamente vitorioso. Com a produção de bombas nucleares, a situação
mundial se aproxima daquela dos dois homens com metralhadoras numa sala de
100 por 100 pés.
14
O chamado “relatório Franck”, assinado em junho de 1945 por vários
cientistas do projeto Manhattan encabeçados por James Franck e enviado a Henry
Stimson, Secretário de Guerra, é outra evidência da mesma atitude. O documento
afirma claramente que não adianta ter esperanças de que, mantendo segredo sobre
as técnicas nucleares norte-americanas, outros países sejam impedidos de chegar
aos mesmos resultados. O relatório aponta a capacidade científica da Inglaterra, da
França, da Alemanha e da Rússia, que lhes permitiria em poucos anos produzir
bombas atômicas, mesmo sem dispor de nenhuma ajuda ou informação dos Estados
Unidos. Também não parecia possível evitar uma corrida pela construção de
armamentos controlando os minérios radioativos, pois os importantes depósitos de
urânio da Tchecoslováquia estavam passando para o controle da Rússia, após a
derrota da Alemanha; e, além disso, era provável que houvesse outros depósitos
importantes na União Soviética, que cobria um quinto do território da Terra
15
.
Estava claro que os Estados Unidos tinham a liderança na pesquisa nuclear e
poderiam acumular um grande arsenal atômico antes que outras nações
construíssem suas primeiras bombas. No entanto, o relatório Franck aponta que isso
não impediria um ataque pelo contrário, poderia motivar um ataque repentino e
devastador, sem provocação, justamente para prevenir um ataque norte-americano.
Uma das possibilidades de prevenção seria, de acordo com o relatório,
dispersar a população e as indústrias norte-americanas em pequenas cidades, pois
isso tornaria muito mais difícil um ataque arrasador. No entanto, tal tipo de medida
teria que ser tomada rapidamente, pois em três ou quatro anos outros países
poderiam ter dominado a tecnologia nuclear, e em oito ou dez anos estariam em
condições iguais às dos norte-americanos
16
.
14
H. D. Solkolski, Best of intentions, p. 14.
15
J. Franck et al., “A report to the Secretary of War”, p. 21.
16
Ibid., p. 22.
14
O relatório tentava desencorajar os Estados Unidos de lançar bombas
nucleares sobre o Japão, pois tal tipo de demonstração provocaria uma forte
desconfiança por parte dos outros países e impediria acordos pacíficos posteriores.
Recomendava uma explosão em um local deserto, diante de representantes das
Nações Unidas. Isso criaria um clima adequado para que o governo norte-americano
pudesse dizer: “Vocês vêem que tipo de arma nós temos, mas não utilizamos.
Estamos prontos a renunciar ao seu uso no futuro se outras nações se unirem a nós
nessa renúncia e concordarem com o estabelecimento de um controle internacional
eficiente”
17
.
Supondo que fosse possível estabelecer mecanismos internacionais de
controle por uma concordância mútua das maiores potências mundiais, o relatório
discute em seguida como esse controle poderia ser exercido. Um dos métodos mais
simples seria o controle dos minerais relevantes, especialmente os minérios de
urânio. Limitando a quantidade de minério que pudesse ser retirada por qualquer
país, seria impedido o uso do urânio para fins bélicos. No entanto, isso também
tornaria impossível o uso pacífico da energia nuclear. Outra possibilidade seria
permitir o uso da energia nuclear, mas impedir o uso dos isótopos radioativos que
podem ser empregados em bombas nucleares, diluindo-os e misturando com
isótopos inertes. De qualquer forma, seria necessário desenvolver rígidos
mecanismos internacionais de controle
18
.
Vemos, assim, a existência de uma forte preocupação com a futura corrida
armamentista, por parte dos cientistas envolvidos no Projeto Manhattan. Certamente
os políticos e militares norte-americanos que tinham conhecimento do Projeto
estavam igualmente preocupados com isso. Logo após a explosão das bombas de
Hiroshima e Nagasaki, o problema se tornou premente.
Gordon Dean, em seu livro Report on the atom, registra que logo após o fim
da Segunda Guerra Mundial fora designada uma comissão de membros do gabinete
do Presidente Truman, além de um grupo de cientistas, para dar resposta à seguinte
pergunta: “About the atom, where do we go from here?”
17
Ibid., p. 24.
18
Ibid., p. 24.
15
A comissão, cuja presidência estava a cargo do próprio secretário de Defesa,
Henry L. Stimson, era composta pelos membros nomeados a seguir
19
: George L.
Harrison, presidente da New York Insurance Co., que atuou como vice-presidente da
Comissão nas ausências do secretário da Defesa; James F. Byrnes, representante
pessoal do presidente Truman, e depois Secretário de Estado; Vannevar Bush,
diretor do Office of Scientific Research and Development; Karl T. Compton;
presidente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT); Ralph A. Bard,
subsecretário da Marinha; William Clayton, secretário assistente de Estado; e James
B. Conant, presidente da Universidade de Harvard.
O grupo de conselheiros científicos era composto pelas autoridades mundiais
na área de energia nuclear, a saber: Robert Oppenheimer, cientista responsável
pelo projeto da bomba atômica; Enrico Fermi; Ernest O. Lawrence, da Universidade
da Califórnia, inventor do cíclotron; e Arthur H. Compton. Havia ainda os generais
George Marshal e Leslie Groves, como assistentes em assuntos militares. Este
último havia sido o responsável pela direção geral do Projeto Manhattan
20
.
Tal Comissão sintetizou as diretrizes norte-americanas para a energia
atômica. No relatório era proposto o seguinte:
1. O monopólio norte-americano dos segredos atômicos estava
inevitavelmente destinado a desaparecer; por isso, impunha-se, com urgência, a
criação de um organismo internacional, confiável para os Estados Unidos, de
controle do uso da energia nuclear. 2. Enquanto não fosse instituído um sistema
internacional de controle, e até que esse organismo passasse a funcionar
eficientemente, os Estados Unidos deveriam fazer tudo para preservar, por
qualquer meio, seu monopólio no domínio das armas [leia-se, da energia] atômicas.
21
A Comissão, ao concluir o relatório, afirmava que os Estados Unidos, cujo
território apresenta riqueza na maioria dos minérios, era um país paupérrimo em
19
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, Renato Archer. Energia atômica, soberania e desenvolvimento,
pp. 57-58.
20
Ibid., p. 58.
21
A. H. Compton, Atomic quest. London: Oxford University Press, p. 220, apud A. Rocha Filho & J. C.
V. Garcia, Renato Archer, p. 58.
16
urânio. Portanto, era necessário que os norte-americanos armazenassem uma
grande quantidade deste produto. Devia-se agir nessa direção, antes que os países
detentores desse minério “acordassem” e tomassem consciência desse fato,
especialmente considerando que as pesquisas feitas em larga escala encontraram,
no Estado do Colorado, apenas carnotita, um minério pobre em urânio
22
. Mesmo o
governo tendo promovido pesquisas de grande envergadura, os resultados foram
pífios, para não dizer negativos.
1.3 A POLÍTICA NUCLEAR NORTE-AMERICANA NA ONU
No dia 24 de janeiro de 1946 a ONU criou a Comissão de Energia Atômica
das Nações Unidas, com objetivos de abrir a todas as nações o uso pacífico da
energia atômica e eliminar as armas nucleares
23
.
O sub-secretário de Estado, Dean Acheson, solicitou que uma comissão de
participantes do Projeto Manhattan (que incluiu Robert Oppenheimer e David
Lilienthal) elaborasse um plano específico para o controle da energia atômica. O
relatório produzido no início de 1946, conhecido como “relatório Acheson-Lilienthal”,
serviu de base para que Bernard Baruch, representante norte-americano na ONU,
apresentasse uma proposta de controle internacional da energia atômica
24
.
Baruch apresentou sua proposta no dia 14 de junho de 1946 quase um ano
depois do lançamento das bombas no Japão. Seu discurso começou assim:
Meus colegas da Comissão de Energia Atômica das Nações Unidas e meus
conterrâneos do Mundo: Estamos aqui para fazer uma escolha entre o rápido e o
morto. Essa é a nossa tarefa.
Por trás do negro portento da nova era atômica há uma esperança que, se for
agarrada com fé, pode trazer nossa salvação. Se falharmos, teremos condenado
cada homem a ser escravo do Medo. Não nos enganemos: devemos escolher a
Paz Mundial ou a Destruição Mundial
25
.
22
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 58.
23
C. A. Girotti, Estado nuclear no Brasil, p. 22.
24
H. D. Sokolski, Best of intentions. p. 13.
25
B. Baruch, “The Baruch plan, presented to the United Nations Atomic Energy Commission, June 14,
1946”, p. 115.
17
O pressuposto do Plano Baruch e dos documentos em que ele se baseou era
o de que a difusão de bombas nucleares levaria inevitavelmente à guerra, e que
numa guerra com armas desse tipo, o agressor sempre venceria. Sabendo disso,
todos teriam um forte motivo para atacar antes do que os outros. Não haveria defesa
possível, e o medo de retaliação não seria suficiente para deter um ataque.
O que, então, poderia ser feito? O Plano Baruch propunha a criação de um
organismo internacional que controlasse e tomasse posse de todos os meios de
produção de dispositivos nucleares pacíficos ou não. o bastaria algum tipo de
vigilância ou inspeção internacional. Se houver reatores para fins pacíficos, será
possível retirar deles materiais para a produção de bombas. Conforme o relatório
Acheson-Lilienthal, Concluímos que nenhum sistema de inspeção pode
proporcionar qualquer segurança razoável contra o desvio de tais materiais para fins
de guerra”
26
. Era necessário impedir que qualquer país possuísse qualquer tipo de
dispositivo nuclear, e estabelecer punições rápidas e graves para a nação que
violasse tal regra.
Assim, uma “Autoridade Internacional de Desenvolvimento Atômico” possuiria
todos os materiais nucleares, inclusive jazidas, usinas de purificação de urânio e
tório, equipamentos de enriquecimento de urânio, reatores e seus produtos. Ao
mesmo tempo, a Autoridade Internacional faria uma cuidadosa vigilância para que
não pudesse haver desvios de material nuclear ou o início de desenvolvimento de
artefatos nucleares por qualquer país.
Os Estados Unidos propõem a criação de uma Autoridade Internacional de
Desenvolvimento Atômico, à qual devem ser confiadas todas as fases do
desenvolvimento e uso da energia atômica, começando com o material bruto e
incluindo: (1) Controle ou posse de todas as atividades de energia atômica
potencialmente perigosas para a segurança mundial. (2) Poder de controlar,
inspecionar e autorizar todas as outras atividades atômicas. (3) O dever de
estimular os usos benéficos da energia atômica. (4) Responsabilidades de pesquisa
e desenvolvimento de um tipo afirmativo, com o objetivo de colocar a Autoridade na
fronteira do conhecimento atômico e assim permitir-lhe compreender e detectar
qualquer desvio de uso da energia atômica. Para ser efetiva, a Autoridade deve ser
26
H. D. Sokolski, Best of intentions, p. 15.
18
ela própria o líder mundial no campo do conhecimento e desenvolvimento atômico e
assim suplementar sua autoridade legal com o grande poder inerente na posse de
liderança no conhecimento
27
.
No caso em que algum país se apoderasse de instalações nucleares da
Autoridade Internacional, a Organização das Nações Unidas deveria puni-la
imediatamente ou seja, deviam ser tomadas medidas militares conjuntas contra a
nação infratora. No entanto, até aquele momento, a ONU podia promover ações
militares com a concordância unânime dos cinco grandes poderes: União Soviética,
Estados Unidos, Grã-Bretanha, China e França. Se qualquer um deles mantivesse o
poder de veto, seria impossível puni-los. Assim, o Plano Baruch exigia também uma
mudança de estrutura da ONU, eliminando o poder de veto das grandes potências:
“Não deve haver qualquer veto para proteger aqueles que violarem seus acordos
solenes de não desenvolver ou usar a energia atômica para fins destrutivos”
28
.
Renato Archer criticou o projeto Baruch descrevendo-o como um plano que
pretendia corrigir as injustiças da natureza, com a desapropriação de todas as
jazidas de minérios radioativos em qualquer parte do mundo, uma vez que os países
detentores das reservas não tinham desenvolvido tecnologia e os que
desenvolveram a tecnologia havia ficado sem os minerais radioativos
29
.
Pode-se dizer que a intenção geral do Plano Baruch era boa. Andrei Gromyko,
o representante russo na comissão da ONU, apoiou o espírito geral da proposta de
proibição de armas nucleares e de controle das atividades atômicas
30
. No entanto,
para colocá-lo em prática havia exigências que eram inaceitáveis para a União
Soviética. Algumas delas foram expostas acima: desistir do poder de veto na ONU,
abrir mão da posse de todos os materiais de interesse nuclear, permitir inspeção
internacional dentro da Rússia e dos outros países da União Soviética. Em alguns
momentos o representante soviético deixou claro que a Rússia não abriria mão do
veto; e também insistiu, em certas fases da discussão, que em vez de um controle
internacional poderia bastar um controle nacional. Outros países concordavam que a
27
B. Baruch, op. cit., pp. 117-118.
28
Ibid., p. 119.
29
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 61.
30
E. A. Shils, “Why the failure?”, p. 77.
19
questão do veto poderia ser deixada de lado e que deveria ser obtido um acordo em
relação aos outros pontos, mas os representantes dos Estados Unidos insistiam
nesse ponto
31
.
No entanto, se todos os países aceitassem as mesmas restrições, por que
motivo os russos não aceitariam? É que havia outros problemas. De acordo com o
Plano Baruch, os Estados Unidos estariam prontos para proibir e destruir suas
próprias armas atômicas; no entanto, isso só seria realizado e o poder da Autoridade
Internacional sobre os Estados Unidos seria exercido depois que todo o restante
do mundo estivesse sob controle. Ou seja: os Estados Unidos queriam que todos os
países abrissem mão de sua capacidade de produzir armas nucleares, mas não
abriam mão de suas próprias armas pelo menos na fase inicial
32
. Os
representantes russos na comissão da ONU pediram que os Estados Unidos
desistissem imediatamente de suas armas nucleares e, depois, fossem dados os
outros passos
33
. O resultado dessas exigências dos dois lados foi um impasse e, em
1947, a União Soviética rejeitou formalmente o plano.
O que teria acontecido se a ssia apoiasse o Plano Baruch? É difícil dizer.
No final de 1946 Winston Churchill advertiu que os segredos nucleares não deveriam
ser repassados pelos Estados Unidos à ONU
34
. De um modo geral, os militares
britânicos e norte-americanos se convenceram de que o Plano não devia ser
executado – mesmo se a Rússia o apoiasse.
1.4 A POLÍTICA NUCLEAR INTERNA NORTE-AMERICANA
Paralelamente aos entendimentos que ocorriam na ONU, os Estados Unidos
procuravam estabelecer uma legislação interna relativa à energia nuclear. Logo após
o final da guerra houve uma disputa interna, nos Estados Unidos, entre uma corrente
que defendia o controle internacional da energia nuclear e o abandono das armas
atômicas (posição defendida pela maioria dos pesquisadores do Projeto Manhattan),
e outra corrente que defendia um monopólio norte-americano das armas, sem
controle internacional.
31
Ibid., pp. 78-79.
32
H. D. Sokolski, op. cit., p. 19.
33
E. A. Shils, op. cit., p. 76.
34
H. D. Sokolski, op. cit., p. 21.
20
O general Leslie Groves acreditava que a Rússia demoraria cerca de 20 anos
para conseguir construir bombas nucleares, pois o urânio disponível na União
Soviética era de baixa qualidade, e os russos não teriam capacidade científica e
técnica para avançar rapidamente na produção de armas atômicas
35
. De qualquer
forma, Groves defendia a possibilidade e importância de manter o monopólio norte-
americano de armas atômicas, mantendo em segredo todos os aspectos científicos
e técnicos de sua produção e controlando os minérios nucleares.
A opinião de Groves contrastava com a da maior parte dos cientistas que
haviam participado do Projeto Manhattan. Vimos que o Relatório Franck afirmava
que o monopólio não poderia ser mantido e que haveria uma corrida armamentista
mesmo se os Estados Unidos tentassem controlar os minérios e mantivessem em
segredo os aspectos científicos e cnicos de construção da bomba. Ao contrário de
Groves, o Relatório Franck previa que a Rússia poderia construir bombas atômicas
em um prazo de 5 anos. Por isso, eles defendiam outra estratégia pós-guerra: o
controle internacional da energia nuclear.
O presidente Harry Truman acabou aceitando a opinião de Groves e
rejeitando os conselhos de estabelecimento de um controle internacional da energia
atômica. Ele acreditou que os Estados Unidos poderiam manter o monopólio atômico
durante um longo tempo
36
.
No início de 1946, quando estava começando o desenvolvimento da Guerra
Fria entre Estados Unidos e União Soviética, Truman e o Congresso norte-
americano tinham a opinião de que seria possível manter o monopólio atômico e que
não deveria haver nem controle internacional da energia nuclear, nem transferência
de informações nucleares a outros países – muito menos à Rússia
37
.
O Congresso norte-americano iniciou então os debates sobre a criação de um
sistema interno de controle da energia nuclear. As duas propostas discutidas eram o
Projeto May-Johnson, formulado pelo Departamento da Guerra, segundo o qual a
energia nuclear ficaria sob o controle militar; e, por outro lado, o projeto apresentado
pelo senador Brien McMahon, que propôs uma legislação de controle interno das
35
G. Herken, “A most deadly illusion: the atomic secret and American nuclear weapons policy, 1945-
1950”, p. 58.
36
Ibid.
37
Ibid., p. 62.
21
atividades nucleares por uma comissão composta apenas por pessoal civil, limitando
a possibilidade de usos militares. McMahon era também favorável ao controle
internacional da energia nuclear.
Grande parte dos congressistas e da opinião pública era inicialmente favorável
a essa posição. A situação mudou, no entanto, por causa da grande publicidade
dada a tentativas de espionagem soviética. No segundo semestre de 1945 havia
notícias de que espiões russos tentavam obter informações sobre energia nuclear no
Canadá
38
. No entanto, a informação sobre espionagem se tornou pública em
fevereiro de 1946, quando o repórter Drew Pearson revelou a existência de espiões
russos no Canadá e, logo depois, o repórter Frank McNaughton informou o público
sobre a existência de uma rede de espionagem nos Estados Unidos, envolvendo até
mesmo um importante cientista britânico
39
. Sabe-se que foi o general Groves quem
forneceu a informação a McNaughton, e que ele também divulgou de outras formas
a existência de espiões entre os civis envolvidos com energia atômica,
provavelmente com a intenção de enfraquecer a proposta de McMahon e motivar o
público e o Congresso a favor da manutenção de segredo, do monopólio de armas e
controle militar da energia atômica.
Logo depois da ampla divulgação da rede de espionagem, a opinião pública
realmente mudou e tornou-se contrária à proposta inicial de McMahon, que precisou
ser profundamente modificada antes de ser aprovada. Em agosto de 1946, a lei
finalmente aprovada pelo Congresso norte-americano garantia uma forte
participação militar na Atomic Energy Commission
40
. Além disso, a legislação
aprovada era extremamente rigorosa, estabelecendo o monopólio total do Estado no
que se referia a materiais atômicos, principalmente informações. A lei também previu
punição severa (podendo ser aplicada até a pena de morte) a quem praticasse
espionagem ou traição, cedendo informações nucleares a outros países.
A Lei McMahon considerava ilegal que um cidadão norte-americano possuísse
ou transferisse qualquer material atômico. Para se ter a posse ou transferir tais
materiais era necessária uma autorização expressa da Comissão de Energia
38
Ibid., p. 63.
39
Ibid., p. 64.
40
Ibid., pp. 63-65.
22
Atômica dos Estados Unidos. Foram proibidas pelas autoridades americanas a
exportação ou importação de materiais físseis, bem como ficaram os cidadãos
americanos impedidos de produzir qualquer material físsil fora dos Estados Unidos.
Assim, essa legislação impedia ajudar outros países a se desenvolverem na área da
energia nuclear.
Note-se que essa proibição, embora motivada pelo temor de desenvolvimento
de bombas atômicas em outros países, referia-se a todos os usos da energia
nuclear. Na verdade, até esse momento, nem mesmo existiam usos pacíficos da
energia atômica. As primeiras usinas nucleares para geração de energia elétrica
demoraram bastante para serem construídas.
É curioso que, ao mesmo tempo em que havia o interesse em manter segredo
dos detalhes científicos e cnicos do Projeto Manhattan, havia também o interesse
em divulgar o enorme esforço realizado e os importantes resultados obtidos através
de um caríssimo programa de pesquisa e desenvolvimento. Por isso, pouco depois
da detonação das primeiras bombas atômicas, foram liberadas informações bastante
detalhadas sobre o projeto, como o livro de H. D. Smyth, professor de física da
Universidade de Princeton e consultor do Projeto Manhattan: Atomic energy for
military purposes. Todo o conteúdo desse livro, com algumas adições, foi também
publicado em outubro de 1945 sob a forma de um longo artigo, com a autorização do
general Groves
41
.
1.5 A CORRIDA NUCLEAR
Em dezembro de 1946 houve na ONU uma votação do Plano Baruch, que foi
rejeitado formalmente pela delegação russa. Houve um prosseguimento de
discussões na comissão da ONU a respeito de controle internacional da energia
nuclear, mas apenas “pro forma”
42
. Cada país estava prosseguindo uma linha de
trabalho independente, e a corrida atômica já havia começado.
No período seguinte, o esforço militar norte-americano prosseguiu, com a
produção e explosão experimental de novas bombas no Estado de Nevada e no
41
H. D. Smyth, “Atomic energy for military purposes”.
42
G. Herken, op. cit., p. 69.
23
Oceano Pacífico. Em poucos anos, a União Soviética, a Inglaterra e a França
também conseguiram produzir armas nucleares semelhantes.
Em novembro de 1946 os norte-americanos estavam informados de que os
russos haviam descoberto novas jazidas de urânio na Alemanha, além de estarem
realizando compras desse material da Tchecoslováquia. No final de 1947, se
sabia que os russos estavam trabalhando a todo vapor nos aspectos científicos e
técnicos do controle da energia nuclear
43
.
Apesar disso, no final de 1947 Groves ainda afirmava que a União Soviética
demoraria 20 anos para conseguir construir uma bomba atômica, e essa era também
a opinião de muitos militares e políticos na época. Quando, em setembro 1949, foi
detonada a primeira bomba nuclear russa, muitos atribuíram isso às atividades de
espionagem que haviam sido realizadas nos anos anteriores. No entanto, é pouco
provável que as informações passadas pelos espiões tivesse grande importância
44
.
A situação não era confortável, para os Estados Unidos. A produção de
bombas atômicas estava prosseguindo, e havia sido desenvolvido um procedimento
para a produção em massa dessas bombas. No entanto, o resultado prático era que,
no final de 1948, os Estados Unidos tinham apenas 50 bombas.
Em janeiro de 1950, poucos meses depois do teste atômico russo, o
presidente dos Estados Unidos autorizou o desenvolvimento da bomba de fusão
nuclear (bomba de hidrogênio), cujos estudos haviam sido iniciados algum
tempo.
Muito mais poderosas do que as anteriores, as bombas de hidrogênio
utilizavam uma bomba de fissão (de plutônio ou de U
235
) para desencadear um
processo em cadeia de fusão de núcleos de hidrogênio pesado (H
2
ou H
3
) formando
núcleos de hélio. Um primeiro teste desse tipo de bomba foi realizado no Oceano
Pacífico em maio de 1951, sem produzir os efeitos esperados. Um segundo teste,
com resultados muito fortes, foi realizado em novembro de 1952. A energia liberada
nessa explosão foi cerca de cem vezes superior à soma das explosões de Hiroshima
e Nagasaki.
43
Ibid., p. 71.
44
M. Grodzins & E. Rabinowitch, The atomic age. Scientists in national and world affairs, p. 135.
24
Parecia que os Estados Unidos podiam se manter à frente dos outros países,
com a bomba de hidrogênio. Mas essa vantagem durou pouco tempo. Logo outros
países também fabricaram e explodiram bombas de hidrogênio: a Rússia, em agosto
de 1953; e a Inglaterra, em maio de 1957.
Note-se que houve um intervalo de 4 anos entre as primeiras bombas
atômicas norte-americanas (1945) e as primeiras explosões nucleares russas
(1949). Houve apenas um ano de diferença entre a primeira bomba de hidrogênio
norte-americana (1952) e a russa (1953).
1.6 “ÁTOMOS PARA A PAZ”
Em agosto de 1954 os Estados Unidos aprovaram uma nova legislação,
substituindo a Lei McMahon. Como vimos, essa legislação aprovada em 1946
proibia a transferência de tecnologia nuclear a outros países. Em vez disso, no
espírito do plano “Átomos para a paz”, o presidente Eisenhower assinou a Lei de
Energia Atômica (Atomic Energy Act) de 1954 que permitia apoiar o
desenvolvimento de aplicações pacíficas da energia nuclear em outros países.
Essa segunda fase da política nuclear norte-americana pós-guerra começou a
ser articulada em 1953. Nessa época, os analistas norte-americanos imaginavam
que a União Soviética possuía um número razoável de bombas atômicas, e que
em poucos anos teriam um arsenal suficiente para destruir totalmente os Estados
Unidos em um ataque global
45
. Havia uma séria preocupação com um possível
ataque de surpresa. Em março de 1953 foi feita uma explosão nuclear em Nevada
para testar seu efeito sobre uma cidade (sem habitantes) construída apenas para
isso. O governo estava se preparando para divulgar um alerta à população sobre a
iminência de uma situação crítica, mas descrever as piores possibilidades era
terrível demais e poderia levar os norte-americanos ao pânico.
A situação era grave, mas piorou no segundo semestre de 1953. Até esse
momento, apenas os Estados Unidos dispunham de bombas de hidrogênio, e toda a
análise se baseava na suposição de que a Rússia estava armazenando bombas
de fissão de aproximadamente 40 kilotons. Em agosto desse ano, a União Soviética
anuncia que possui uma bomba de hidrogênio, e poucos dias depois foi realizado
45
H. D. Sokolski, op. cit., p. 26.
25
um teste com a mesma. Mais uma vez, os norte-americanos haviam subestimado a
capacidade dos soviéticos. Agora, a ameaça era muito mais grave, pois uma única
bomba de fusão poderia destruir totalmente New York ou qualquer das cidades dos
Estados Unidos
46
.
documentos que mostram que o presidente Dwight Eisenhower
considerou, nesse momento, que talvez fosse “nosso dever para com as futuras
gerações” desencadear um ataque nuclear preventivo contra a Rússia
47
. Pouco
depois, no entanto, Eisenhower passou a procurar saídas pacíficas para a crise,
através de um início de desarmamento nuclear.
Aos poucos foi sendo esboçado um plano que consistia em reativar a idéia de
uma instituição da ONU que pudesse controlar os recursos atômicos mas sem
exclusividade. Os países que dispusessem de arsenais e reservas nucleares
deveriam fazer uma doação de materiais a essa instituição. Os Estados Unidos
poderiam transferir à ONU uma grande quantidade de material nuclear, e solicitar da
União Soviética uma quantidade equivalente. Isso seria o início de um processo de
redução dos estoques nucleares, podendo ser um primeiro passo para o
desarmamento. A Agência Internacional de Energia Atômica deveria utilizar o
material recebido para fins paficos e este era um outro aspecto importante do
plano. Vários países estavam desenvolvendo seus programas nucleares, e a
tentativa feita pelos Estados Unidos de manter o segredo dos processos nucleares e
de estabelecer um monopólio da energia atômica havia caído por terra vários
anos. Para evitar que mais países entrassem numa corrida nuclear, a Agência
Internacional de Energia Atômica poderia oferecer o uso pacífico da energia nuclear,
de forma controlada e supervisionando o seu uso, de modo a evitar o surgimento de
armas atômicas em novos países
48
.
A nova política norte-americana começou a ser divulgada em dezembro de
1953, durante uma apresentação do presidente Eisenhower às Nações Unidas.
Em seu discurso, Eisenhower enfatizou primeiramente o desenvolvimento das
armas nucleares, e o grande poder destrutivo existente na época. Admitiu também
46
Ibid., p. 27.
47
Ibid., p. 28.
48
Ibid., pp. 28-29.
26
que não existiam mais segredos nucleares, e que os Estados Unidos não estavam
protegidos de um ataque:
Se antes os Estados Unidos possuíam aquilo que poderia ser chamado de
um monopólio do poder atômico, esse monopólio cessou de existir vários anos
atrás. Portanto, embora nosso início antecipado nos tenha permitido acumular
aquilo que hoje é uma grande vantagem quantitativa, a realidade atômica de hoje
compreende dois fatos ainda mais importantes. Primeiro, o conhecimento que
agora várias nações possuem será eventualmente partilhado por outras – talvez por
todas as outras. Segundo, mesmo uma vasta superioridade no número de armas e,
consequentemente, a capacidade de retaliação devastadora, não é uma prevenção
contra o terrível dano material e a perda de vidas humanas que seriam infligidas por
uma agressão de surpresa.
49
Depois, Eisenhower apontou seu objetivo: contribuir para o desarmamento
nuclear, transferindo a energia atômica das mãos dos soldados para as da ONU, e
alterando seu significado de armas de destruição para um poder útil e pacífico
50
. Os
passos principais seriam: o início da transferência de material nuclear para uma
Agência Atômica Internacional; o controle desse material de tal modo que não
pudesse ser utilizado para fins bélicos; o apoio a pesquisas sobre uso pacífico da
energia atômica; a utilização dos materiais transferidos à Agência Atômica
Internacional para fins pacíficos, especialmente em países mais necessitados.
A proposta apresentada na ONU não deu resultado. No entanto, poucos
meses depois os Estados Unidos formularam sua própria política de partilhar
tecnologia energia nuclear para uso pacífico com outros países. É claro que a
política norte-americana de “Átomos para a paz” tinha muitos aspectos diferentes
daquilo que Eisenhower apresentou inicialmente. O objetivo de iniciar um
desarmamento das grandes potências não estava mais sendo cogitado. O material
nuclear não estava sendo repassado ao controle da ONU. A ajuda atômica que os
Estados Unidos forneceria a outros países não era gratuita, exigia contrapartidas
tanto comerciais quanto políticas. O programa “Átomos para a paz” colocava nas
49
D. Eisenhower, “President Eisenhower’s address before the General Assembly of the United
Nations on the peaceful uses of nuclear energy, December 8, 1953”, p. 125.
50
Ibid., p. 127.
27
mãos dos Estados Unidos um novo instrumento de controle do desenvolvimento
nuclear de outros países, e abria às indústrias nucleares daquele país um mercado
internacional que, antes, estava bloqueado por motivos de segurança.
É relevante indicar em que estágio se encontrava, nesse momento (1954) o
uso pacífico da energia nuclear.
A primeira aplicação não-militar da energia nuclear foi no campo da medicina.
Em agosto de 1946 apenas um ano depois das bombas de Hiroshima e Nagasaki
o laboratório nuclear de Oak Ridge enviou as primeiras amostras de radioisótopos
produzidos em reatores nucleares para uso civil, no Barnard Cancer Hospital, em St.
Louis. Nos anos seguintes, começou a tornar-se comum a utilização de
radioisótopos para diagnóstico e tratamento médico, bem como para pesquisa na
área médica.
Em 1948 o Argonne National Laboratory, operado em Illinois pela
Universidade de Chicago, e o Bettis Atomic Power Laboratory, da Westinghouse
Corporation, anunciam pela primeira vez a existência de planos para comercializar a
energia elétrica produzida a partir de reatores nucleares. No entanto, essa promessa
não se concretizou nos anos seguintes e os reatores nucleares continuaram a ser
utilizados apenas para fins de pesquisa e produção de bombas. A primeira vez em
que se produziu uma quantidade razoável de eletricidade a partir de um reator
nuclear foi em dezembro de 1951, no National Reactor Station, chamado
posteriormente de Idaho National Engineering Laboratory. A produção inicial foi de
apenas 100 kW, ou seja, o suficiente para manter acesas 1.000 lâmpadas elétricas
de 100 W. O custo da energia gerada era altíssimo, e não havia qualquer justificativa
comercial para esse feito tecnológico.
Em 1952, um relatório da Comissão Presidencial de Política de Materiais
transmitiu ao presidente Harry Truman uma visão bastante pessimista da
possibilidade futura de uso da energia elétrica gerada através de reatores nucleares
e sugeriu um forte empenho em pesquisa sobre energia solar.
Na União Soviética, o desenvolvimento de reatores de potência caminhou
mais rapidamente e em junho de 1954 a usina nuclear de Obninsk se tornou a
primeira do mundo a gerar eletricidade em maior escala, com uma potência de
aproximadamente 5 MW o suficiente para iluminar uma cidade com alguns
milhares de habitantes. No mundo ocidental, o passo seguinte foi dado na Inglaterra,
28
com a operação de uma usina nuclear com a potência de 50 MW em Calder Hall, em
agosto de 1956. A energia elétrica produzida nesse reator foi comercializada.
Apenas um ano depois (dezembro de 1957) começa a funcionar a primeira usina
nuclear comercial nos Estados Unidos (em Shippingport, Pennsylvania). Apenas no
início da década de 1960 os reatores nucleares de potência começaram a se
generalizar pelo mundo, ultrapassando o número de 100 e começando a contribuir
significativamente para a geração de energia elétrica em alguns países.
Portanto, quando o programa “Átomos para a paz” foi iniciado, não existia
ainda, na prática, a utilização da energia nuclear para fins de geração de energia
elétrica. Havia apenas poucas aplicações não militares da energia atômica, como o
uso médico de radioisótopos. Havia mais promessas do que realidades, naquele
momento, para os usos pacíficos da energia nuclear.
29
CAPÍTULO 2
O BRASIL E A ENERGIA NUCLEAR, 1945-1955
Muitas análises sobre a história da energia nuclear no Brasil começam
mencionando as pesquisas sobre física nuclear que aqui existiam antes da Segunda
Guerra Mundial. Trata-se de uma relação equivocada. o existia nenhuma relação
entre as pesquisas realizadas por Gleb Wataghin, por exemplo, e as descobertas
sobre possibilidade de utilização da energia nuclear para fins militares ou pacíficos.
Por isso, não mencionaremos aqui essa fase da história da física no Brasil.
2.1 O “PROJETO MANHATTAN” E A COMPRA DE MINÉRIOS ATÔMICOS
O general Leslie Groves, que foi o diretor geral do Projeto Manhattan, além de
coordenar as atividades científicas e de engenharia, também esteve incumbido do
planejamento a longo prazo das conseqüências das descobertas relativas à energia
nuclear. Desde que assumiu o comando, em 1942, Groves iniciou “um programa
clandestino de identificação e compra de materiais atômicos brutos em todo o
mundo”
51
. O nome de código desse anexo secreto do Projeto Manhattan era
“Murray Hill Area”. Para o desenvolvimento dessa atividade, Groves recebeu apoio
direto do Secretário de Guerra, Henry Stimson, e do presidente Franklin Roosevelt.
O Congresso norte-americano não era informado dessas atividades e as compras
eram realizadas com dinheiro repassado diretamente à conta bancária pessoal de
Groves
52
.
Antes da explosão da primeira bomba nuclear norte-americana, embora o
Brasil permanecesse ignorante do desenvolvimento desse tipo de artefato, os
Estados Unidos firmaram um primeiro acordo com o Brasil para pesquisa de
minerais. Esses estudos não localizaram recursos relevantes de urânio que era o
51
G. Herken, op. cit., p. 54.
52
Ibid., p. 55.
30
maior interesse norte-americano mas indicaram a riqueza brasileira em areia
monazítica, fácil de ser coletada em praias brasileiras. Além disso, identificaram
alguns outros materiais importantes para a construção de artefatos nucleares, como
o berílio
53
.
Em 1944 e 1945 os norte-americanos William Durmm Johnson Jr. e William T.
Pecora, do Serviço Geológico dos Estados Unidos, publicaram trabalhos sobre suas
pesquisas a respeito de minerais de berílio no Rio Grande do Norte e de cobalto em
São José do Tocantins
54
. Podem ter existido muitos outros estudos mineralógicos
realizados por norte-americanos no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial,
parcialmente associados à procura de materiais para uso na indústria nuclear.
A compra de minerais radioativos realizada por Groves durante o Projeto
Manhattan envolveu o Brasil. Há um memorando em que ele se referiu à urgência de
adquirir tório brasileiro, por vias secretas, afirmando: “Se jamais houve um tempo
para chegar secretamente a um acordo diplomático secreto, este é o tempo”
55
.
Um documento que apresenta de forma bastante detalhada o Projeto
Manhattan e que foi publicado em outubro de 1945 não permite perceber qual seria
exatamente o interesse que os norte-americanos tinham no tório. Todo o Projeto se
concentrou no uso do urânio. apenas uma breve citação de que o tório também
pode sofrer fissão quando bombardeado por nêutrons rápidos e de que “o tório é
relativamente abundante mas não possui vantagens aparentes sobre o urânio”
56
. O
estudo também mencionava que “O tório está também amplamente distribuído,
ocorrendo como óxido de tório em uma concentração bastante elevada nas areias
monazíticas. Tais areias podem ser encontradas neste país [Estados Unidos], mas
particularmente no Brasil e na Índia Britânica”
57
. Assim, mais do que utilizar
efetivamente o tório, o interesse do general Groves talvez fosse o de armazenar
53
O berílio é um elemento muito raro, encontrado em alguns minérios do Brasil. Trata-se de um metal
de baixo peso atômico e que não absorve nêutrons, servindo por isso como um excelente moderador.
Além disso, apresenta propriedades melhores do que os outros moderadores conhecidos para ser
utilizado em bombas atômicas, como refletor de nêutrons.
54
S. Schwartzman, Formação da comunidade científica no Brasil, p. 444.
55
G. Herken, op. cit., p. 55.
56
H. D. Smyth, “Atomic energy for military purposes”, p. 371.
57
Ibid.
31
reservas estratégicas para uso futuro e (talvez) tentar impedir que o tório fosse
utilizado pelos inimigos.
Quando a Segunda Guerra Mundial estava chegando ao fim, Groves havia
estabelecido praticamente um monopólio das fontes de minerais radioativos no
mundo ocidental. Desde essa época, o principal temor de Groves era que a Rússia
pudesse se tornar inimiga dos Estados Unidos. O governo norte-americano se
empenhou em impedir que qualquer de seus aliados pudessem se apoderar de
equipamentos nucleares alemães. Em uma operação típica, no projeto Alsos, um
ataque por bombardeiros norte-americanos destruiu um centro de pesquisa atômica
da Alemanha, para evitar que caísse nas mãos do exército francês
58
.
O projeto Murray Hill se desenvolveu de forma ampla. Em 1945, o consórcio
de compra de minerais radioativos organizado por Groves, envolvendo sete países,
havia obtido acordos que lhe garantiam o controle de aproximadamente 97% das
jazidas comerciais com alto teor de urânio e de tório conhecidas na época.
Na Conferência Pan-Americana realizada em Chapultepec, no México, em
fevereiro de 1945, os Estados Unidos propuseram um acordo de exportação de
areia monazítica do Espírito Santo. O acordo dava também aos Estados Unidos a
garantia de exclusividade na venda desse minério. O acerto inicial foi feito por
Valentim Bouças e Edward Stettinius Jr. e comunicado em ofício secreto ao
Ministério das Relações Exteriores do Brasil
59
. O acordo foi firmado entre o
Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) e o embaixador dos Estados Unidos
em 10 de julho desse ano, antes da detonação das primeiras bombas nucleares,
sendo ratificado pelo governo brasileiro um s depois. Estava prevista a venda
pelo Brasil de 3.000 toneladas de monazita por ano
60
, durante três anos
(prorrogáveis por 10 triênios), ao preço de 30 a 40 dólares por tonelada
61
. Um bom
preço para venda de “areia”, mas um péssimo preço para um minério de enorme
58
G. Herken, op. cit., p. 56.
59
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 28.
60
Há discordância entre os números apresentados por diferentes autores. O número mais comum é o
de 3.000 toneladas anuais de areia monazítica, mas outras fontes indicam 5.000 (C. A. Girotti, Estado
nuclear no Brasil, p. 21).
61
W. C. F. Chassot, Ata do Simpósio sobre a utilização da energia atômica para fins pacíficos no
Brasil, v. 1, p. 66.
32
importância estratégica. Um ano depois, o Conselho de Segurança Nacional
brasileiro alertou o Governo sobre a inconveniência desse acordo, mas a venda de
areia monazítica foi mantida.
Com a destruição de Hiroshima e Nagasaki, os países que forneciam minérios
radioativos a Groves perceberam que não se tratava de um simples negócio
comercial e sim de uma cooperação militar, relacionada a uma atividade
controversa. Poucos meses depois, a maioria dos países havia interrompido as
exportações desses minerais para os Estados Unidos
62
.
É interessante assinalar que, enquanto o Plano Baruch era discutido na ONU,
o próprio Baruch apoiou Groves a prosseguir na compra clandestina de minério de
tório do Brasil e da Índia
63
. Parece, portanto, que o Plano Baruch era apenas uma
fachada, ou seja, que os Estados Unidos não tinham intenção de ceder a um
controle internacional da energia atômica, e sim queriam apenas criar essa ilusão
junto ao público, ao mesmo tempo em que tentavam defender seus interesses e
manter uma política de exclusão.
2.2 O BRASIL E AS DISCUSSÕES SOBRE ENERGIA ATÔMICA NA ONU
Segundo José Goldenberg, “as aplicações militares da energia nuclear feitas
durante a Guerra Mundial, que atraíram a atenção de alguns militares brasileiros,
destacando-se, entre estes, o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva”
64
.
O almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva (1899-1976), mais conhecido
pelos seus prenomes do que pelo sobrenome, era um militar que havia seguido
carreira acadêmica, tendo sido professor da Escola Naval e presidente da Academia
Brasileira de Ciências. Químico, com pós-graduação em física nuclear na Alemanha,
tinha conhecimentos científicos adequados para compreender a nova área de
pesquisa.
Álvaro Alberto tinha um interesse muito grande pela ciência, focado na
química, na física, na mecânica quântica, como recorda Renato Archer, seu ex-aluno
na Escola Naval:
62
G. Herken, op. cit., p. 56.
63
Ibid. p. 68.
64
J. Goldemberg, “Um programa nuclear alternativo”, p. 12.
33
Durante a guerra, quando se anunciou a explosão da bomba atômica, Álvaro
Alberto desaba a falar nesse assunto, durante as aulas, como se fosse um fato de
conhecimento geral; não exatamente sobre a bomba em si, que era novidade, mas
sobre a energia nuclear, a grande marca do século XX. A Teoria da Relatividade e
a Mecânica Quântica, aliada à descoberta de que o átomo não era a última
partícula da matéria, revolucionaram todos os conhecimentos até então
absolutamente consolidados. Isto marca a volta da indagação, da pesquisa, e é
nesse quadro que Álvaro Alberto se destaca.
65
Segundo Olympio Fonseca, o Almirante Álvaro Alberto pesquisou bastante,
com um poder de captação sui generis:
Não sei se fez coisas novas, mas conhecia muito o assunto (energia nuclear),
tanto que, aqui, ele e o Carneiro Felipe foram os únicos que puderam compreender
o que era a bomba atômica. A bomba chegou como uma surpresa para todo
mundo, só quem compreendeu logo do que se tratava foram os dois.
66
Quando a Organização das Nações Unidas criou sua Comissão de Energia
Atômica, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil foi convidado a
participar. Era admitido pelo mundo que o Brasil possuía grandes reservas de
minerais radioativos. Por isso, o Brasil participou da Comissão de Energia Atômica
da ONU ao lado do Canadá, da Bélgica, Austrália e Índia, na condição de detentor
de reservas. Além destes países, a Comissão de Energia Atômica contava,
evidentemente, com representantes das grandes potências mundiais.
É importante mencionar que em outubro de 1945 havia terminado o período
da ditadura de Getúlio Vargas. Substituído temporariamente por José Linhares,
Vargas foi sucedido em 31 de janeiro de 1946 pelo General Eurico Gaspar Dutra.
Com apoio de seus colegas da Academia Brasileira de Ciências, o almirante
Álvaro Alberto foi indicado em 1946 como representante brasileiro nessa comissão
da ONU, onde foi discutido o Plano Baruch
67
. Como vimos, estava em discussão a
65
Renato Archer. Entrevista gravada em VHS para o Arquivo Álvaro Alberto em 05/06/1995.
FGV/CPDOC. Disponível em <http://www.cpdoc.org.br>
66
Olympio Oliveira Ribeiro da Fonseca. Depoimento, 1977. Rio de Janeiro, FGV/CPDOC. História
Oral, 1985. História da Ciência, convênio FINEP/CPDOC.
67
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit, p. 28.
34
possibilidade de submeter todas as atividades de energia nuclear (incluindo-se a
posse dos minerais estratégicos) a um organismo internacional.
À medida que se informava da importância da energia nuclear (que, na época,
era apenas um instrumento de guerra, mas poderia ter outras aplicações no futuro),
o almirante Álvaro Alberto passou a sonhar com o desenvolvimento desse novo
campo no Brasil. Em maio de 1946, propôs à Academia Brasileira de Ciências que
sugerisse ao governo federal a criação de um Conselho Nacional de Pesquisas.
Uma das principais motivações da proposta era a preocupação com pesquisa e
desenvolvimento de energia atômica no Brasil. Em meados de 1946 a Academia
Brasileira de Ciências propôs efetivamente ao governo brasileiro a criação de um
conselho nacional de pesquisas, mas a proposta não surtiu efeito imediato. Apenas
em 1949 foi formada uma comissão, liderada pelo almirante Álvaro Alberto, para
elaborar o anteprojeto do novo órgão
68
.
Como foi mencionado, o “Plano Baruch” foi apresentado na ONU no dia 14
de junho de 1946. A atitude inicial do almirante Álvaro Alberto foi de crítica diante da
proposta de internacionalizar e colocar sob o controle da ONU as reservas mundiais
de minerais radioativos
69
. Qualificou a proposta norte-americana de “tentativa de
desapropriação”. A Índia também resistiu à proposta, por motivos semelhantes aos
brasileiros.
O Almirante Álvaro Alberto destacou que aceitaria a “correção das injustiças
da natureza”, desde que ampliada aos outros combustíveis de origem mineral, tais
como petróleo e carvão. É importante esclarecer que, nessa época, o Brasil
precisava importar grande quantidade de carvão e petróleo para suprir suas
necessidades.
Álvaro Alberto defendeu também a tese das “compensações específicas”, o
que valia dizer que nenhuma transação comercial com os “minerais estratégicos”
deveria se realizar contra simples pagamentos em dólares. Os países detentores
dos minerais forneceriam a matéria prima em troca de um preço justo e também em
troca de tecnologia, com a prioridade de instalação, em seu território, de reatores
nucleares.
68
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 29; W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, pp. 67-68.
69
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 67.
35
Através do Ministério do Exterior (Itamaraty) Almirante alertou as autoridades
do nosso país que, ou o Brasil se conscientizava do valor e importância dos minerais
radioativos que possuía, ou “vê-los-ia sair por bem ou por mal”:
[...] É minha convicção, Sr. Embaixador, que nos encontramos em face de um
dilema decisivo e irrecorrível: ou nos preparamos para tomar posse de nossas
riquezas naturais no caso específico, atômicas ou nos veremos constrangidos ao
espetáculo degradante de assistirmos, impotentes, à evasão delas, por bem ou por
mal.
70
Até o presidente da Comissão de Energia Atômica dos EUA (1951-1953),
Gordon Dean, viu-se obrigado a afirmar em seu livro Report on the atom: “É
necessário compreender, enfim, o senso de propriedade muito agudo de países
como a Índia, a Austrália e o Brasil, aos quais repugnava se desfazer de recursos
naturais que podem lhes permitir, um dia, produzir energia a baixo custo”
71
.
A Comissão de Energia Atômica da ONU acolheu as propostas do Brasil de
defesa das riquezas minerais dos diversos países e de “compensações específicas”
como “resoluções”, nos dois primeiros relatórios. No entanto, o tema mais importante
discutido na época era o aspecto do Plano Baruch que limitaria o desenvolvimento
da energia nuclear em todos os países e criaria mecanismos internacionais de
controle, antes que os Estados Unidos renunciassem às suas armas atômicas.
Como foi mencionado, a oposição da União Soviética inviabilizou tal proposta.
Diante dessas questões, consideradas mais graves, não se aprofundou o debate de
tudo que o Brasil reivindicava.
É importante enfatizar que o controle dos minerais radioativos era uma parte
importante do Plano Baruch. Em outubro de 1946 Fred Searls, um especialista em
minérios atômicos, escreveu a Baruch que talvez houvesse um modo de obrigar a
Rússia a aderir a um projeto internacional: através do controle prévio das fontes de
minerais nucleares mundiais, de tal modo que a Rússia não tivesse alternativa a não
70
Memorando n. 1, de 25 de novembro 1947, enviado por Álvaro Alberto ao Embaixador Oswaldo
Aranha, chefe da Delegação do Brasil na ONU, apud A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 209.
71
Ibid., p. 62.
36
ser aderir aos países ocidentais, cedendo aos seus interesses
72
. Na época,
ignorava-se a existência desses minerais estratégicos na própria União Soviética.
Ao longo de 1947 o almirante Álvaro Alberto participou ativamente da
Comissão de Energia Nuclear da ONU, criticando o Plano Baruch. Em meados de
1948, foi indicado para a presidência dessa Comissão e pediu instruções ao
Ministério das Relações Exteriores sobre as atitudes que deveria tomar. Foi instruído
pelo Ministro Raul Fernandes, do Itamaraty, a apoiar totalmente o Plano Baruch
73
.
Ou seja: depois de combater com firmeza esse plano, Álvaro Alberto estava
obrigado a prestigiá-lo.
Por fim, como vimos, os Estados Unidos não conseguiram fazer com que a
Comissão de Energia Nuclear da ONU aprovasse o controle internacional da energia
nuclear, por causa da oposição firme da União Soviética. O relatório final da
comissão, em 1948, incluía reivindicações brasileiras de respeito à propriedade
nacional de reservas de minerais radioativos e ao acesso de todos os países à
tecnologia nuclear para fins pacíficos, contrariando assim as expectativas norte-
americanas
74
.
Paralelamente às discussões teóricas na ONU, os Estados Unidos
prosseguiam na importação de 3.000 toneladas de areia monazítica brasileira por
ano, aproveitando o acordo firmado em meados de 1945 e que terminaria em
meados de 1948. Consciente do valor desse minério, o Conselho de Segurança
Nacional alertou em 1946 o governo brasileiro sobre a inconveniência do acordo,
mas a venda foi mantida.
Ocorreu, nessa época, uma disputa entre forças políticas com diferentes
interesses. Carlos Girotti apontou que, desde o início do período pós-guerra, havia
tendências opostas dentro do Estado brasileiro. Havia grupos que se opunham à
exportação da areia monazítica, e outros que a apoiavam
75
. Com o passar do ano
sucederam-se conflitos entre as tendências nacionalistas e as pró-americanas, cada
uma delas movimentando suas forças e obtendo sucessos temporários.
72
G. Herken, op. cit., p. 68.
73
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 30.
74
Ibid., p. 30.
75
C. A. Girotti, Estado nuclear no Brasil, pp. 24-26.
37
Enquanto o Ministério do Exterior era favorável aos interesses norte-
americanos, o Conselho de Segurança Nacional (CSN) procurava defender
interesses nacionalistas. No dia 20 de fevereiro de 1947 o Presidente Dutra criou a
Comissão de Fiscalização de Minerais Estratégicos, vinculada ao CSN, que propôs a
nacionalização de todas as minas de urânio e de tório do país
76
. Acirrou-se a
disputa, dentro do Estado, de setores interessados ou não na exportação de material
radioativo bruto.
Nesse mesmo ano (outubro de 1947) o governo Norte-Americano anunciou
sua intenção de prorrogar o acordo por mais três anos e, apesar de haver oposição
do CSN, a renovação foi aprovada e a exportação do minério prosseguiu
77
. Pior
ainda: em novembro de 1948 o Ministério das Relações Exteriores assinou novo
acordo com os Estados Unidos, garantindo-lhe direito de pesquisa de minerais
radioativos no território brasileiro e subordinando todas as pesquisas brasileiras
desses minerais à supervisão norte-americana, que poderia vetar a divulgação de
qualquer resultado obtido
78
.
Observamos, assim, o interesse norte-americano em mapear as nossas
reservas de urânio e de outros minerais atômicos, e carreá-los para os Estados
Unidos, levando milhares de toneladas de areia monazítica do Espírito Santo a
preço de bagatela, como vimos neste capítulo, sem, no entanto, oferecer qualquer
contrapartida que contribuísse para o Brasil avançar no campo da energia nuclear.
2.3 A CRIAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE PESQUISAS E A NOVA
LEGISLAÇÃO NUCLEAR
Nos primeiros anos do período s-guerra houve diversas tentativas de criar,
no Brasil, instituições voltadas para o desenvolvimento da energia nuclear. Em 1946
muitos países criaram suas Comissões Nacionais de Energia Atômica, e nesse
mesmo ano o Ministro das Relações Exteriores, embaixador João Neves da
Fontoura, designou uma comissão que elaborou um projeto de decreto-lei para a
criação, no Brasil, de um Conselho de Energia Atômica. No ano seguinte (1947) um
dos embaixadores do Brasil junto à ONU, João Carlos Muniz, salientou ao governo a
76
Ibid., p. 24.
77
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 67.
78
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 30.
38
premência de criação de um Conselho Nacional de Pesquisas, cuja principal
justificativa era a necessidade de que o país se dedicasse à pesquisa atômica
79
.
Várias pressões (incluindo a do Conselho de Segurança Nacional) levaram o
presidente Eurico Gaspar Dutra a instituir, em 12 de abril de 1949, uma comissão,
presidida por Álvaro Alberto, para elaborar um anteprojeto de lei para a criação do
Conselho Nacional de Pesquisas. Em um prazo curtíssimo (apenas um mês) o
projeto estava pronto, e foi encaminhado por Dutra ao Congresso Nacional no dia
12 de maio. A “exposição de motivos” da comissão
80
, bem como o texto do projeto
de lei, indicavam em vários pontos que um dos principais motivos para a criação do
novo órgão era o desenvolvimento de pesquisas sobre energia atômica.
Apesar da rapidez de elaboração do projeto, sua aprovação levou quase dois
anos. O Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) foi criado no dia 15 de janeiro de
1951, pela lei n
o
1.310. A mesma lei tornou o comércio de minerais atômicos um
monopólio do Estado e determinou restrições à sua venda: urânio e rio
poderiam ser exportados em condições especiais. É bem possível que a inclusão
desses pontos, polêmicos dentro do Brasil e delicados sob o ponto de vista
diplomático, tenha retardado a aprovação da lei.
Os artigos iniciais da Lei de criação do CNPq são “inocentes”, tratando de
suas competências gerais
81
:
Art. 3º Compete precipuamente ao Conselho:
a) promover investigações científicas e tecnológicas por iniciativa própria, ou
em colaboração com outras instituições do país ou do exterior;
b) estimular a realização de pesquisas científicas ou tecnológicas em outras
instituições oficiais ou particulares, concedendo-lhes os recursos necessários, sob a
forma de auxílios especiais, para aquisição de material, contrato e remuneração de
pessoal e para quaisquer outras providências condizentes com os objetivos
visados;
79
A. A. M. Silva, “Exposição de motivos enviada ao senhor Presidente da República, General Eurico
Gaspar Dutra, pela Comissão incumbida de elaborar o anteprojeto de estruturação do Conselho
Nacional de Pesquisas”, p. 189.
80
Ibid.
81
O texto da Lei 1.310 de 15 de janeiro de 1951 é transcrito, parcialmente, em: A. Rocha Filho & J. C.
V. Garcia, op. cit., pp. 211-212.
39
c) auxiliar a formação e o aperfeiçoamento de pesquisadores e técnicos,
organizando ou cooperando na organização de cursos especializados, sob a
orientação de professores nacionais ou estrangeiros, concedendo bolsas de estudo
ou de pesquisa e promovendo estágios em instituições técnico-cientificas e em
estabelecimentos industriais no país ou no exterior; [...]
No entanto, quando se avança na leitura, aparecem os pontos delicados:
Art. 3º, § O Conselho incentivará, em cooperação com órgãos técnicos
oficiais, a pesquisa e a prospecção das reservas existentes no país de materiais
apropriados ao aproveitamento da energia atômica.
§ Para efeito desta lei, serão considerados materiais apropriados ao
aproveitamento da energia atômica os minérios de urânio, tório, cádmio, lítio, berílio
como boro e os produtos resultantes de seu tratamento, bem como a grafita e
outros materiais que venham a ser discriminados pelo Conselho.
Art. É proibida a exportação, por qualquer forma, de urânio e tório e seus
compostos e minérios, salvo de governo para governo, ouvidos os órgãos
competentes.
§ A exportação de minério de berílio poderá ser feita mediante
autorização expressa do Presidente da República, após a audiência dos órgãos
especializados competentes.
§ A infração do disposto neste artigo constitui o crime previsto no Decreto-
lei 431, de 18 de maio de 1938, art. 3º, inciso 18, e sujeita o infrator à pena de 2
a 4 anos de reclusão, sem prejuízo de outras penalidades em que possa incorrer.
Art. Ficarão sob controle do Estado, por intermédio do Conselho Nacional
de Pesquisas ou, quando necessário, do Estado Maior das Forças Armadas, ou de
outro órgão que for designado pelo Presidente da República, todas as atividades
referentes ao aproveitamento da energia atômica, sem prejuízo da liberdade de
pesquisa científica e tecnológica.
§ Compete privativamente ao Presidente da República orientar a política
geral da energia atômica em todas as suas fases e aspectos.
§ Compete ao Conselho Nacional de Pesquisas a adoção das medidas,
que se fizerem necessárias à investigação e à industrialização da energia atômica e
de suas aplicações, inclusive aquisição, transporte, guarda e transformação das
respectivas matérias primas para esses fins.
§ O Poder Executivo adotará as providências que julgar necessárias para
promover e estimular a instalação no país das indústrias destinadas ao tratamento
40
dos minérios referidos no § do art. e, em particular, à produção de urânio e
tório e seus compostos, bem como de quaisquer materiais apropriadas ao
aproveitamento da energia atômica.
Pouco depois da criação do Conselho, no dia 31 de janeiro de 1951, Gaspar
Dutra é substituído pelo novo presidente eleito, Getúlio Vargas. Em abril de 1951,
Vargas empossou o Almirante Álvaro Alberto, que contava 63 anos à época, no
cargo de primeiro Presidente do CNPq. Tanto a criação do Conselho quanto seu
dinamismo inicial são geralmente atribuídos ao esforço pessoal do almirante. Essa
visão transparece em depoimentos de pessoas que participaram do início do CNPq.
Carlos Chagas, por exemplo, afirmou que Álvaro Alberto emprestou ao Conselho,
logo no início de sua fundação, uma “ousadia e autonomia” que lhe eram
intrínsecas, voz corrente entre os cientistas que tiveram o privilégio de serem seus
contemporâneos e de trabalharem com ele. E continua Carlos Chagas:
ele podia fazer o que fez porque não respeitava regulamentos, avisos de
ministro, notas, nada disso. Além disso, tanto no tempo do Dutra, como no tempo
do Vargas, ele tinha aberta a porta do Catete; entrava à hora que queria, pedia uma
audiência e marcavam logo para o dia seguinte, o que era indispensável. E, assim,
ele deu uma vida admirável ao Conselho, conseguiu o máximo de recursos que se
podia conseguir e dava uma grande independência de ação aos seus auxiliares
mais diretos, como o Costa Ribeiro e eu.
82
Não há dúvidas de que Álvaro Alberto foi um personagem importante de
nossa história; mas não se deve pensar que um indivíduo possa desempenhar um
importante papel político na vida cienfica de um país apenas por seu poder
pessoal. Se ocorreu a criação do Conselho Nacional de Pesquisas, isso se deve ao
poder e influência do grupo que o apoiava. Não há dúvidas de que o almirante é a
ponta visível de um iceberg científico, político e militar (talvez também econômico). A
história das contribuições de Álvaro Alberto à política nuclear brasileira deveria ser a
história de uma pessoa que representava um determinado grupo. Infelizmente, essa
história ainda não foi contada.
82
Carlos Chagas. Depoimentos, 1976. Rio de Janeiro, FGV/CPDOC. História oral, 1985. História da
Ciência, convênio FINEP/CPDOC.
41
Com a criação do CNPq, inicia-se nova batalha em defesa do acesso
brasileiro ao domínio da tecnologia do ciclo do combustível nuclear. Posicionando-se
veementemente contrário à tentativa de “controle internacional” das nossas jazidas
de minerais atômicos, o CNPq adotou o “princípio das compensações específicas”
defendido por Álvaro Alberto, isto é, poderia o Brasil comercializar os minerais
atômicos, desde que recebesse não só pagamento em dinheiro como também aquilo
de que necessitasse para desenvolver a tecnologia nuclear, incluindo informações
técnicas sobre energia nuclear, equipamentos e treinamento de pessoal.
Qual era a situação da exportação da areia monazítica para os Estados
Unidos, neste momento?
Durante o governo Dutra, havia sido promulgada uma nova Constituição. Ela
introduzia novas regras sobre minerais radioativos, impedindo entre outras coisas a
existência de contratos de exclusividade de exportação para um único país. Em
1950, o governo brasileiro recebeu um informe dos Estados Unidos de que pretendia
prorrogar novamente o acordo de importação de monazita. O governo brasileiro
respondeu que era impossível manter o acordo antigo, por causa da nova
constituição
83
. Além disso, o Conselho de Segurança Nacional brasileiro queria uma
alteração das cláusulas do acordo de exportação de areia monazítica. No entanto, o
governo norte-americano não aceitou a proposta e, mesmo sem haver a assinatura
da prorrogação do acordo, a exportação continuou a ocorrer, com venda de 1.000
toneladas em 1950 e igual quantidade no ano seguinte. Ou seja: na prática, a
situação não havia se modificado. No entanto, o Conselho Nacional de Pesquisas e
o Conselho de Segurança Nacional pressionavam o governo brasileiro pela
interrupção total das exportações.
Conforme comentou alguns anos depois o general Juarez Távora,
Desde o início de minha ação como Chefe do Gabinete Militar da Presidência
da República, pude observar certa divergência entre o Conselho Nacional de
Pesquisas e a Divisão de Assuntos Econômicos do Itamaraty [Ministério do
Exterior], no apreciarem o interesse do Governo americano em cooperar para o
desenvolvimento de nosso programa de energia atômica e no conduzirem as
negociações para a celebração de acordos, de governo a governo, regulando a
83
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 30.
42
exportação de nossos minerais radioativos e a obtenção, em contrapartida, de
assistência técnica e de equipamentos especiais indispensáveis à realização
daquele programa.
84
Durante alguns meses ficaram paralisadas as negociações nucleares entre o
Brasil e os Estados Unidos, até que em novembro de 1951 Gordon Dean, presidente
da Comissão de Energia Atômica norte-americana, veio ao Brasil para tratar do
assunto. Álvaro Alberto foi enviado ao exterior, havendo suspeitas de que isso
ocorreu para não interferir nas negociações
85
. No início de 1952 o presidente em
exercício do CNPq, tenente-coronel Dubois Ferreira, foi chamado ao Ministério das
Relações Exteriores e recebeu instruções para que o Conselho deixasse de exigir as
“compensações específicas”, autorizando exportação de minerais radioativos.
Dubois Ferreira obedeceu a ordem.
Em fevereiro de 1952 foi efetivamente assinado um novo acordo entre o Brasil
e os Estados Unidos, sem as “compensações específicas”. O novo acordo, com
duração de três anos, previa a exportação de 2.500 toneladas de areias monazíticas
por ano, sem que fossem incorporadas as restrições e as compensações defendidas
pelo CNPq
86
. No primeiro ano do acordo foram exportadas mais de 7.500 toneladas,
ou seja, a quantidade total autorizada para o período de três anos.
No mesmo dia em que foi assinado o novo acordo (21 de fevereiro de 1952)
foi criada a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME), uma
comissão que responderia diretamente ao Ministério das Relações Exteriores. Era
composta de funcionários dos ministérios da Fazenda, da Agricultura, das Forças
Armadas, do CNPq e da Cacex. A CEME assumiu o controle de venda desses
minerais e, mesmo sem seus membros nomeados, aprovou imediatamente a
exportação de monazita sem qualquer restrição ou compensação especial
87
. O
CNPq participava dessa nova comissão, mas de forma minoritária.
Em 13 de maio de 1952, em sua 8ª sessão, a CEME autoriza a exportação de
berilo, contra o voto do coronel Luiz Corrêa Barbosa, representante do Estado Maior
84
J. Távora, Átomos para o Brasil, p. 24.
85
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 31.
86
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 68.
87
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 32.
43
das Forças Armadas (EMFA). Em sua 15ª sessão, a CEME recebe de Pedro
Beranger, da Carteira de Exportação e importação (CEXIM), relato de telefonema do
Embaixador Walter Moreira Salles, de Washington, ao ministro da Fazenda, Horácio
Lafer e, deste, ao Presidente do Banco do Brasil, pedindo urgência na aprovação da
exportação do tório
88
.
Somente sete meses depois da aprovação, em 22 de setembro de 1952, o
Conselho de Segurança Nacional foi informado sobre o novo acordo. O Conselho
enviou ao presidente Getúlio Vargas dois documentos, reafirmando os princípios de
defesa das riquezas atômicas brasileiras da lei 1.310 de 1951 que criara o CNPq
89
.
No entanto, esse esforço não teve resultados imediatos.
2.4 PETRÓLEO, NACIONALISMO E RIQUEZAS MINERAIS
A defesa dos minerais atômicos brasileiros associou-se, nessa época, à
campanha pelo monopólio estatal do petróleo.
Desde a década de 1930, existia no Brasil uma campanha para a
nacionalização dos bens do subsolo, em função da presença de trustes (reunião de
empresas para controlar o mercado) que se apossavam de grandes áreas de
minérios, como o ferro. Um das pessoas que desempenhou papel chave na
campanha pela defesa do petróleo foi Monteiro Lobato. Depois de uma viagem aos
Estados Unidos, em 1931, Lobato retorna entusiasmado com o modelo de país
próspero que conhecera e passa a defender as riquezas naturais do Brasil e sua
capacidade de produzir petróleo, através de contribuições de artigos para jornais e
palestras para promover a conscientização popular. No entanto, até essa época não
havia sido encontrado petróleo comercialmente explorável no país.
No final da cada de 1930, Manoel Ignácio Bastos, engenheiro que
trabalhava para a delegacia de Terras e Minas, encontrou no município de Lobato,
na Bahia, amostras de uma substância negra que, após ser analisada pelos
engenheiros Antonio Joaquim de Souza Carneiro, da Escola Politécnica de São
Paulo e Oscar Cordeiro, da Bolsa de Mercadorias, foi identificada como sendo
88
Ibid., p. 244.
89
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, pp. 68-69.
44
petróleo. Uma sonda enviada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM) mostrou a existência de petróleo abundante na região.
Os nacionalistas utilizaram o êxito do poço de Lobato para defender a
necessidade de que o país reduzisse sua dependência do petróleo estrangeiro,
pesquisando e explorando o petróleo nacional. Em 1939 o governo Getúlio Vargas
instalou o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), com a primeira Lei do Petróleo do
país, para estruturar e regularizar as atividades envolvidas, desde o processo de
exploração de jazidas até a importação, exportação, transporte, distribuição e
comércio de petróleo e derivados. Este decreto tornou o recurso patrimônio da
União.
Durante a Segunda Guerra Mundial o assunto ficou morto. No s-guerra, o
general Eurico Gaspar Dutra enviou ao Congresso, em 1947, o anteprojeto do
Estatuto do Petróleo. A proposta abria concessões à participação do capital
estrangeiro na prospecção e exploração do petróleo. O argumento principal para
essa abertura era o de que o país não tinha nem capital, nem técnica, para explorar
seu próprio petróleo e deveria depender do capital e da técnica dos países
desenvolvidos, caso contrário o petróleo continuaria debaixo da terra.
Os nacionalistas, pelo contrário, argumentaram que se o Brasil não criasse
uma empresa estatal, fatalmente aquele produto estratégico para o desenvolvimento
econômico, seria controlado pelas grandes corporações internacionais Standard
Oil, Shell, Texaco, Mobil Oil, Esso, etc. e que desta forma o país se veria refém
daquelas grandes companhias.
Para defender a posição do novo governo, o general Juarez Távora, que
participara da Revolução de 1930 ao lado de Getúlio Vargas, apresentou-se no
Clube Militar, entre os dias 21 de abril a 16 de setembro de 1947. Defendeu o capital
internacional e uma aproximação com os Estados Unidos. Imediatamente surgiram
críticas e o general Hora Barbosa, em três encontros também realizados no Clube
Militar, fez uma defesa da necessidade do monopólio estatal. Essas discussões
despertaram o interesse público e o assunto começou a ser fortemente discutido nos
jornais.
A polêmica durou alguns anos. Em dezembro de 1951, Getúlio Vargas enviou
ao Congresso o projeto 1516 que previa a criação de uma empresa mista, com
controle majoritário da União. Este projeto sofreu um substituto que afirmava um
45
rígido monopólio estatal, excluindo qualquer participação privada nele. Pelo país
afora os debates se acenderam. Finalmente, depois de uma batalha parlamentar de
23 meses, o Senado terminou por aprovar a lei 2.004 de criação da Petrobrás,
sancionada por Vargas em 03 de outubro de 1953.
O movimento nacionalista de defesa dos interesses brasileiros na área nuclear
se fortaleceu nessa mesma época, provavelmente impulsionado pelo sucesso do
movimento “o petróleo é nosso”
90
.
O ano em que a Petrobrás foi criada (1953) marcou um grande esforço por
parte do Conselho Nacional de Pesquisas, com apoio do Conselho de Segurança
Nacional, para resguardar os interesses atômicos brasileiros e obter apoio
estrangeiro para o domínio da tecnologia nuclear. Em outubro desse ano, Álvaro
Alberto encaminhou ao presidente Getúlio Vargas a Exposição de Motivos n
o
32 do
CNPq, propondo uma política nacional para a energia nuclear
91
. Esse documento
defendia a produção, no Brasil, de urânio enriquecido e construção de reatores.
Diante da falta de cooperação dos Estados Unidos
92
, propunha que o Brasil
procurasse o apoio científico e tecnológico de outros países, como Itália, Inglaterra,
Alemanha e França.
Outras iniciativas foram tomadas na mesma época. No final de 1953 foi criado
em Belo Horizonte o Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR), vinculado à
Universidade Federal de Minas Gerais. O novo instituto surgiu por iniciativa de
professores da Escola de Engenharia e da Faculdade de Filosofia da Universidade
Federal de Minas Gerais, sob a liderança de Francisco de Assis Magalhães
Gomes
93
. Utilizando verbas do governo estadual e do CNPq o Instituto enviou para o
exterior vários engenheiros e físicos, para adquirirem formação especializada sobre
energia nuclear.
90
L. P. Rosa, A política nuclear e o caminho das armas atômicas, p. 27.
91
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., pp. 32-33.
92
A interpretação da Lei McMahon era tão rígida que os Estados Unidos proibiram a participação de
pessoal brasileiro nos cursos de engenharia nuclear de Oak Ridge, onde se estudava o projeto, a
construção e a operação de reatores. Ver T. R. Medeiros, Entraves ao desenvolvimento da tecnologia
nuclear no Brasil: dos primórdios da era atômica ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, p. 55.
93
R. Biasi, A energia nuclear no Brasil, p. 25.
46
Embora o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas tivesse sido criado alguns
anos antes com a intenção de desenvolver pesquisas sobre energia nuclear, nunca
preencheu essa função. Assim, o IPR pode ser considerado como a primeira
instituição de pesquisa no Brasil a se dedicar a essa área
94
.
O presidente Getúlio Vargas solicitou ao Conselho de Segurança Nacional um
estudo sobre a política de energia atômica. O Conselho respondeu através de um
documento de 25 de novembro de 1953, defendendo todos os princípios
apresentados na Exposição de Motivos n
o
32 do CNPq. Diante dessas
manifestações, no dia 30 de novembro Vargas aprovou uma política nuclear
nacionalista, protegendo as reservas de minerais radioativos do país, exigindo
compensações específicas para a exportação desses minerais, e abrindo a
possibilidade de cooperação com “todos os países amigos, sem restrições”, tendo
em vista “um progresso mais rápido”
95
.
Após essa decisão, Getúlio Vargas autorizou Álvaro Alberto a viajar para a
Europa e tentar obter a tecnologia nuclear necessária. Uma de suas medidas foi
estabelecer uma cooperação com Itália e Grã-Bretanha para formação de
pesquisadores
96
.
Os dois pontos principais para o desenvolvimento de reatores nucleares
utilizando água leve como moderador eram a purificação química do urânio e, depois
o seu enriquecimento. Álvaro Alberto, em missão sigilosa, procurou o apoio da
França e da Alemanha para obter a tecnologia desses dois processos. Acertou com
a Société des Produits Chimiques des Terres Rares o fornecimento de uma usina
para purificação do urânio, obtendo o apoio da comissão francesa de Energia
Atômica para essa compra. Um técnico dessa empresa veio ao Brasil visitar Poços
de Caldas, onde existiam as melhores reservas brasileiras de urânio conhecidas,
para estudar a instalação da usina
97
.
Embora a Alemanha estivesse ainda sob ocupação pós-guerra e houvesse
proibições de desenvolvimento de tecnologia nuclear, sabia-se que estavam
94
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 69.
95
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 33.
96
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 69; T. R. Medeiros, Entraves ao desenvolvimento da tecnologia
nuclear no Brasil: dos primórdios da era atômica ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, p. 55.
97
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 33.
47
sendo desenvolvidas novas técnicas de enriquecimento do urânio, utilizando
processo de ultra-centrifugação. Álvaro Alberto, que havia estudado física na
Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial, visitou três universidades daquele
país e iniciou entendimentos para o fornecimento de tecnologia nuclear
98
. Por
ocasião dessa viagem, o Conselho de Segurança Nacional alertou o presidente
Getúlio Vargas sobre a necessidade de manter essas negociações sob absoluto
sigilo.
Em dezembro de 1953, como vimos, o governo dos Estados Unidos iniciou
uma nova política nuclear, representada pelo programa “Átomos para a paz”. O
programa abria o uso de energia nuclear para fins pacíficos às nações que tivessem
interesse, impedindo porém a produção de armas atômicas
99
. Talvez isso tivesse
dado uma esperança aos nacionalistas brasileiros de conseguir enfim desenvolver a
energia atômica, sem interferência norte-americana.
Em janeiro de 1954 o governo brasileiro realizou o pagamento de 80.000
dólares por três ultra-centrífugas alemãs. Foram também enviados três químicos
brasileiros à Alemanha, para serem treinados na manipulação dos equipamentos e
de gases pesados
100
. Previa-se que a construção dos equipamentos demoraria
poucos meses. O sigilo das negociações parecia estar sendo mantido, nessa época.
Ao mesmo tempo que Álvaro Alberto buscava apoio na Europa, continuavam
a ocorrer no Brasil entendimentos diplomáticos para venda de minérios radioativos
aos Estados Unidos. Em 9 de março de 1954 foram elaborados, na embaixada
norte-americana, dois documentos secretos prevendo a possibilidade de pesquisa
de minerais radioativos no Brasil e a venda de urânio brasileiro aos Estados
Unidos
101
:
1. O governo dos Estados Unidos da América e o governo dos Estados
Unidos do Brasil, através de seus respectivos órgãos responsáveis, acordam, por
meio deste, cooperar em um programa visando ao levantamento dos recursos do
Brasil em minerais radioativos, especialmente na parte referente ao urânio. 2. O
98
Ibid., p. 33.
99
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 69.
100
T. R. Medeiros, Entraves ao desenvolvimento da tecnologia nuclear no Brasil, p. 56.
101
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 34.
48
Programa aqui referido abrangerá os campos gerais da pesquisa, localização,
determinação quantitativa e avaliação metalúrgica dos recursos em minerais
radioativos. A procura será feita, de preferência, nas regiões do Brasil em que,
geologicamente, seja mais provável a existência de urânio. Relatórios: Qualquer
informação atinente à identificação, localização, distribuição, valor e volume dos
minerais ou minérios de urânios descobertos ou estudados, no campo ou nos
laboratórios, no decorrer da execução do presente acordo, somente poderá ser
divulgada com a aprovação prévia de ambos os governos.
102
O segundo dos “documentos secretos” apresenta de forma mais ampla e clara
o tipo de relacionamento que os Estados Unidos pretendiam ter com o Brasil no
campo atômico:
Excelência
103
: Em recente palestra com Vossa Excelência a respeito da
energia atômica, chegamos à conclusão de que a cooperação entre o governo dos
Estados Unidos do Brasil e o governo dos Estados Unidos da América, neste setor,
poderia proporcionar importantes e permanentes benefícios aos povos de nossos
dois países. Meu governo, para prosseguir em seu programa de energia atômica,
está interessado na aquisição de minérios brutos de fontes situadas no hemisfério
ocidental, e indícios de que podem existir, no Brasil, depósitos de minérios ricos
em urânio economicamente exploráveis. 1. Pesquisas. O governo dos Estados
Unidos da América fornecerá mediante um acordo complementar, válido por
período de tempo mutuamente satisfatório, técnicos de campo, equipamentos e
material de laboratório, e treina técnicos brasileiros. Pode começar,
imediatamente, a realizar um eficiente programa de pesquisas em cooperação com
órgãos brasileiros credenciados. 2. Mineração e aproveitamento de minérios. Em
conexão com o aproveitamento dos minérios ricos em urânio, abrangido pelos
acordos de compra previstos na alínea b do item 3, abaixo, meu governo está
disposto a auxiliar, pelos meios mais práticos possíveis, o aperfeiçoamento dos
processos de mineração e aproveitamento de tais minérios. Essa ajuda poderia ser
prestada através de convênios mutuamente aceitáveis, com repartição do governo
ou firmas particulares. 3. Cooperação Técnica. a) Em retribuição à cooperação
brasileira, no desenvolvimento desse programa concernente a materiais
102
“Documento secreto nº 1”, datado de 9 de março de 1954, in: A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op.
cit., p. 219.
103
O documento não indica o nome da pessoa a quem era dirigido.
49
estratégicos, a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos fornecerá ao
Conselho Nacional de Pesquisas do Brasil informações técnicas no campo da
tecnologia de laboratório, o que ajudará o governo do Brasil a se preparar para o
momento em que a energia atômica econômica for uma realidade. Tal cooperação
incluirá a transmissão de informações técnicas de caráter não militar, fornecimento
de assistência técnica, criação de órgãos de consulta e, mediante acordos
mutuamente satisfatórios, a previsão do treinamento de cientistas e técnicos no
campo da energia atômica. Esta assistência se processaria, naturalmente, dentro
das limitações legais, que dizem respeito ao fornecimento de tais informações e
assistência nos Estados Unidos. Tenho a impressão de que o governo de V. Exa.
Está em condições de participar de um programa dessa natureza, nas seguintes
bases: b) Minérios brutos. No caso de virem a ser descobertos no Brasil,
importantes jazidas de minérios ricos em urânio, o governo brasileiro permitirá a
compra, pelos Estados Unidos, do minério de urânio em bruto, mediante contratos
de compra individuais, válidos por dez anos, a menos que prazos mais curtos sejam
negociados. Os entendimentos a respeito desses contratos de compra levarão em
conta as possibilidades de produção dos depósitos brasileiros, as necessidades
internas vigentes do Brasil, em urânio, as necessidades vigentes dos Estados
Unidos, para fins defensivos, o custo de produção e uma razoável margem de lucro.
Para coordenar e facilitar o programa de cooperação fica entendido que, durante a
vigência desse acordo, representantes do Ministro das Relações Exteriores do
Brasil, da Embaixada Americana, do Conselho Nacional de Pesquisas brasileiro e
da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos poderão se reunir, de acordo
com as necessidades, para rever o acordo e fazer sugestões sobre o andamento
das diferentes fases do programa. Este acordo será válido por dez anos, a menos
que seja revogado por mútuo assentimento dos dois governos. A presente nota e a
resposta de V. Exa., contendo a aprovação do governo brasileiro às iniciativas
visadas, constituirão um acordo entre os Estados Unidos do Brasil e os Estados
Unidos da América para o início do programa aqui esboçado”.
104
Estava, portanto, sendo negociado um amplo acordo de cooperação atômica
nessa época, mas através de documentos secretos, como estes.
104
“Documento secreto 2”, datado de 22 de março de 1954, in: A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia,
op. cit., pp. 220-221.
50
O Ministério das Relações Exteriores apoiou as pretensões norte-americanas
e o embaixador Edmundo Barbosa da Silva defendeu na CEME, em junho, a
proposta norte-americana de troca de tório brasileiro por trigo. O representante do
Conselho de Segurança Nacional na CEME, major Waldir Moreira Sampaio,
protestou contra essa proposta e lembrou que o acordo de 1952 havia perdido a
validade.
Em julho de 1954 as três ultra-centrífugas alemãs encomendadas pelo Brasil
estavam prontas. Para acelerar a importação e manter o sigilo, o presidente Getúlio
Vargas determinou ao CNPq que pedisse ao Ministério de Relações Exteriores que
facilitasse o processo de importação, sem necessidade dos trâmites usuais. O efeito
do pedido, no entanto, foi inesperado. O diplomata Edmundo Barbosa da Silva
avisou a embaixada norte-americana sobre os equipamentos. No dia seguinte, as
ultra-centífugas foram apreendidas pelas forças militares norte-americanas de
ocupação (Alto Comissariado do Pós-Guerra) da Alemanha
105
.
O Brasil tentou negociar a liberação das ultra-centrífugas com os Estados
Unidos. Em agosto de 1954 Álvaro Alberto foi enviado por Vargas à Alemanha, e
foi informado de que a apreensão foi ordenada pela Comissão de Energia Atômica
dos Estados Unidos. Álvaro Alberto viajou então para a América do Norte,
encontrando-se com Lewis Strauss, Presidente da Comissão de Energia Atômica,
que afirmou não existirem essas ultra-centrífugas e chamou Álvaro Alberto de
maluco
106
. Diante dessa resposta, não havia mais possibilidade de negociar.
Ao mesmo tempo (agosto de 1954), o Ministério das Relações Exteriores e a
embaixada norte-americana decidiram acelerar a exportação de rio, com
pagamento de trigo. Novamente, as diretrizes do CNPq, apoiadas pelo Conselho de
Segurança Nacional, foram ignoradas. O governo brasileiro aceitou a troca de 5.000
toneladas de monazita e igual quantidade derio e terras raras por 100.000
toneladas de trigo
107
. À primeira vista, o acordo poderia parecer interessante, que
o Brasil recebia 20 toneladas de trigo por cada tonelada de areia. No entanto, o
105
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 34.
106
Ibid., p. 34.
107
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, pp. 69-70.
51
acordo foi duramente criticado depois, porque o valor da monazita era muito superior
a isso.
O acordo foi assinado por Getúlio Vargas no dia 20 de agosto de 1954
quatro dias antes do suicídio do presidente. Algumas pessoas, como Renato Archer,
associaram o suicídio de Vargas à pressão norte-americana relacionada à questão
nuclear
108
.
Sobre essa troca dos “materiais estratégicos” do Brasil por trigo norte-
americano, vejamos o que dizia o Jornal do Brasil em 21 de agosto de 1954:
Washington, 20 (AP) – O Departamento de Agricultura anunciou hoje que, em
troca de três materiais estratégicos do Brasil, entregará a este país cem mil
toneladas de trigo dos estoques do Estado. Por sua vez, o Brasil entregará aos
Estados Unidos tório para seu programa de energia atômica, monazita fonte de
tório e terras raras. As cem mil toneladas de trigo, equivalentes a 3.733.000 de
“bushels”
109
, serão retiradas das reservas do Estado, que somam 767 milhões de
“bushels”. Assinalou o Departamento de Agricultura, em seu comunicado, que a
transação reduzirá os excedentes de trigo dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo,
proverá de trigo um país amigo, sem necessidades de gastar seus escassos
dólares. A transação, negociada em cooperação pelos Departamentos de
Agricultura e de Estados, assim como outros organismos oficiais interessados, será
concretizada por canais comerciais americanos privados.
110
Os números apresentados nesta notícia são interessantes. O trigo que estava
sendo transferido para o Brasil era uma parte do excedente de trigo, e mesmo assim
representava apenas 0,5% dessas reservas.
Assim, a política nuclear durante o governo Vargas, que em certos momentos
dava esperanças de um forte apoio ao desenvolvimento nacional, terminou de forma
lamentável.
108
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 39.
109
Bushel: uma medida de volume de cereais, correspondente a 35,238 litros nos EUA e a 36,367
litros na Inglaterra.
110
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 225.
52
2.5 O PERÍODO DE CAFÉ FILHO E OS “ÁTOMOS PARA A PAZ”
Como vimos, quatro dias depois de assinar o “acordo do trigo”, Getúlio Vargas
se suicidou (24/08/1954). A presidência foi assumida pelo vice-presidente, João Café
Filho, que designou Juarez Távora para chefe da Casa Militar. Como vimos
anteriormente, Juarez vora havia defendido, alguns anos antes, a entrada do
capital estrangeiro para a exploração de petróleo no Brasil.
No final de 1954 a Alemanha recuperou sua soberania, terminando a
ocupação e as restrições militares que haviam sido impostas desde 1945. O CNPq
comunicou ao Presidente Café Filho que não havia qualquer restrição legal à
importação das ultra-centrífugas, mas a presidência não toma qualquer atitude
111
. O
chefe da Casa Militar, Juarez Távora, enviou o comunicado do CNPq ao Conselho
de Segurança Nacional para “estudos”, mas não foi tomada nenhuma nova
providência e o CNPq não foi autorizado a reiniciar as negociações com a
Alemanha.
Em novembro de 1954, Juarez Távora encaminhou ao Conselho de
Segurança Nacional (que, agora, estava sob seu controle) documentos orientando a
elaboração de novas diretrizes da política atômica, favorável aos Estados Unidos. O
material encaminhado por Távora ao CSN incluía quatro “documentos secretos” em
inglês, dois dos quais já foram mencionados. O Conselho seguiu as instruções
recebidas, redigiu e encaminhou ao Presidente da República uma nova proposta de
política atômica, restabelecendo um tratamento preferencial para os Estados Unidos
e proibindo o CNPq de manter entendimentos no exterior
112
. O documento foi
aprovado pelo presidente Café Filho no dia 25 de novembro.
É importante mencionar alguns trechos do terceiro “documento secreto”, que
criticava o almirante Álvaro Alberto:
Durante cerca de três anos, os Estados Unidos vêm tentando estabelecer um
acordo sobre energia atômica com o Brasil sem maior sucesso. A principal figura,
nessas negociações do lado brasileiro, tem sido o almirante. Os Estados Unidos
chegaram à conclusão de que, provavelmente, é impossível chegar a qualquer
111
Ibid., p. 35.
112
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 70; A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 35.
53
entendimento mutuamente satisfatório, mediante novas negociações com o
almirante ou com o Conselho, tal como se acha, atualmente, constituído.
113
Vê-se, assim, que esse documento, provavelmente oriundo da Embaixada
Norte-Americana, apresentava Álvaro Alberto como um obstáculo para a
colaboração entre os dois países. Também sugeria que seria preciso mudar a
constituição do CNPq.
Em janeiro de 1955 o Conselho Nacional de Pesquisas criou a Comissão de
Energia Atômica, procurando assim retomar suas atividades na área
114
. No entanto,
devido à nova política que havia sido instaurada após a morte de Getúlio Vargas e
às pressões sofridas, Álvaro Alberto se demitiu da presidência do CNPq no dia 13 de
janeiro de 1955. Foi substituído por José Alberto Baptista Pereira um dos poucos
membros do Conselho Nacional de Pesquisa que havia criticado a política das
“compensações espeficas” – por escolha de Juarez Távora.
O Conselho de Segurança Nacional, que agora era controlado por Távora,
enviou ao CNPq, no dia seguinte à demissão de Álvaro Alberto, um ofício que
insistia na proibição de que aquela entidade fizesse qualquer negociação com o
exterior
115
. O novo presidente do CNPq decidiu interromper a construção da usina de
purificação de urânio, em Poços de Caldas, que seria construída com tecnologia
francesa, alegando que não estava comprovada sua viabilidade.
Possivelmente por influência do programa “Átomos para a paz”, em março de
1955 a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência promoveu um “Simpósio
sobre as Realizações e Possibilidades da Física Atômica no Brasil”
116
. A
comunidade científica estava fortemente interessada no assunto, embora pouca
coisa tivesse sido realizada.
As ações do governo brasileiro continuaram a privilegiar os Estados Unidos.
Em junho de 1955 foi firmado um novo acordo secreto de venda de 300 toneladas
de óxido de tório produzido a partir da monazita pela empresa Orquima.
Comparados com os números anteriores, pode parecer que a exportação para os
113
“Documento secreto nº 3”, sem data (1954), in A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 222.
114
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 70.
115
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 35.
116
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 70.
54
Estados Unidos estava diminuindo, mas é preciso lembrar que, antes, era exportada
a areia em estado bruto, e agora tratava-se de uma substância química isolada a
partir da areia.
A areia monazítica, em si, é uma mistura de vários minerais diferentes. Os
principais são monazita, zirconita (silicato de zircônio, podendo conter háfnio),
ilmenita (óxido de ferro e titânio) e rutilo (óxido de titânio). A partir da areia bruta,
primeiramente se separa a monazita dos outros minerais.
A monazita, em si, é um fosfato de elementos de terras raras, com
quantidades variáveis de rio e urânio. Também contém lantânio e cério em
quantidades apreciáveis. Esses elementos podem ser separados da monazita por
procedimentos químicos. Obtém-se no máximo 12% em peso de óxido de tório a
partir da areia monazítica, e areias com menos de 1% não eram consideradas
comercialmente viáveis
117
. Considerando uma porcentagem de 5%, as 300
toneladas de óxido de tório que estavam sendo negociadas com os Estados Unidos
correspondiam a cerca de 6.000 toneladas de areia monazítica. Era uma quantidade
imensa
118
.
Em agosto de 1955, o governo brasileiro assinou dois acordos de colaboração
com os Estados Unidos dentro do programa de “Átomos para a paz”
119
. Por meio de
um deles (Programa Conjunto para o Reconhecimento e a Pesquisa de Urânio no
Brasil), os Estados Unidos ficavam autorizados a realizar prospecção de minérios de
interesse atômico no Brasil. Pelo segundo (Acordo de Cooperação para o
Desenvolvimento de Energia Atômica com Fins Pacíficos), o Brasil compraria dos
Estados Unidos três reatores de pesquisa, utilizando urânio enriquecido norte-
americano. Durante um período de cinco anos, seriam fornecidos até 6 kg de urânio
enriquecido a 20%, para uso como combustível nesses reatores. Eles seriam
colocados em laboratórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os
117
Esta é a estimativa superior, que não se aplicava à monazita brasileira. Esta tinha um teor de 4 a
6% de óxido de tório. Ver D. Sales, Energia Atômica. Um inquérito que abalou o Brasil, p. 73.
118
É curioso que, no ano seguinte, uma notícia publicada nos Estados Unidos mencionou que “as
compras de tório brasileiro foram relativamente pequenas e neste ano foram de um total de 300
toneladas de óxidos de tório”. Ver “U.S.-Brazilian uranium agreements”, Science 124: 530, 1956. Se
essa foi uma quantidade “relativamente pequena”, qual teria sido a importação em anos anteriores?
119
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 70; A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 36.
55
pesquisadores brasileiros poderiam utilizar esses reatores, mas não poderiam ter
acesso ao seu núcleo, ao combustível nuclear e aos resíduos produzidos. Dessa
forma, os brasileiros não poderiam obter nenhum material que pudesse ser utilizado
para a construção de uma bomba nuclear. Para a execução do acordo nuclear Brasil
Estados Unidos foi criada uma comissão para cuja presidência Juarez vora
indicou seu primo, Elysiário Távora, que na época era funcionário da Embaixada
Norte-Americana
120
.
Seria necessária, sob o ponto de vista cnico, a colaboração de pessoal
norte-americano para localizar minerais radioativos no Brasil? Provavelmente não.
Um indício de que os brasileiros tinham condições de fazer esse tipo de prospecção
sozinhos é uma declaração do geólogo Robert Ninninger, que chefiou a delegação
norte-americana na Conferência de Ciência e Tecnologia realizada em Genebra, em
agosto de 1955. De acordo com Renato Archer, Ninninger declarou: “Examinando os
métodos de pesquisa descritos nos documentos apresentados à consideração desta
conferência, quero declarar que os Estados Unidos, se fossem obrigados a
pesquisar minerais radioativos em grandes áreas, adotariam os sugeridos pelo Brasil
e pela Rússia”
121
.
Em novembro do mesmo ano (1955), durante a presidência interina de Carlos
Luz, foi divulgada a existência do Acordo do Trigo, mencionado anteriormente,
pelo qual o Brasil permitia a venda de tório aos Estados Unidos em troca do
fornecimento de trigo. Ainda no período dessa presidência, antes da posse de
Juscelino Kubitschek, foi firmado em janeiro de 1956 um convênio entre o CNPq e a
USP, dentro do programa “Átomos para a paz”, para a criação de um centro de
pesquisas atômicas e instalação do primeiro reator nuclear de pesquisa no país. O
custo do projeto era de 900 mil dólares
122
. Desse convênio resultou, no final de
agosto, a fundação do Instituto de Energia Atômica (IEA), junto à USP, atualmente
denominado Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN).
Vemos, assim, que no período imediatamente posterior à morte de Getúlio
Vargas, a tendência pró-americana teve maior força no jogo político nuclear
120
A. Rocha Filho & J. C. V. op. cit., p. 35.
121
Ibid., p. 226.
122
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 71.
56
brasileiro. As exportações de minérios radioativos foram aumentadas, foi autorizada
a prospecção pelos norte-americanos, e o Brasil começou a aderir ao programa
“Átomos para a paz”. A política nacionalista do Conselho de Segurança Nacional
(CSN) e do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) foi praticamente aniquilada.
57
CAPÍTULO 3
O BRASIL E A ENERGIA NUCLEAR, 1956-1964
3.1 A CPI SOBRE ENERGIA ATÔMICA
Após bastante turbulência política, tomou posse no dia 31 de janeiro de 1956
o presidente eleito Juscelino Kubitschek. No seu primeiro ano de mandato precisou
enfrentar os conflitos que ocorriam com relação à política atômica nacional.
Os acordos brasileiros de exportação de minerais de interesse atômico para
os Estados Unidos provocaram muitas críticas. Em dezembro de 1955 o Congresso
Nacional aprovou a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
discutir a energia atômica no Brasil
123
. O presidente da Comissão foi o deputado
Gabriel Passos, e seu relator foi o deputado Dagoberto Salles. Um dos membros da
Comissão foi o deputado federal Renato Archer, que muitos anos depois (1985-
1987) foi ministro da Ciência e Tecnologia.
A CPI iniciou seus trabalhos em abril de 1956, ouvindo depoimentos de
cientistas, militares e políticos. O relatório final foi aprovado em 1958 e defendia
interesses nacionalistas, contrários aos acordos firmados com os Estados Unidos. O
inquérito realizado foi parcialmente divulgado em um livro publicado por Dagoberto
Salles, através do qual é possível conhecer muitos detalhes do que ocorreu na
época
124
.
Paralelamente às discussões que ocorriam no Congresso Nacional, a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência organizou no final de abril de 1956
um “Simpósio sobre a Utilização da Energia Atômica para Fins Pacíficos no Brasil”,
em que foi discutida de forma acalorada a questão da exportação de minérios.
Durante as discussões sobre a política atômica no Congresso, o deputado
Carlos Lacerda acusou o presidente Juscelino de haver autorizado a exportação
123
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 71.
124
D. Sales, Energia Atômica. Um inquérito que abalou o Brasil.
58
irregular de monazita. Na verdade, estava apenas sendo cumprido o acordo
assinado nos governos anteriores; mas o presidente resolveu esclarecer o assunto.
Em maio, foi informado pelos deputados Renato Archer, Vieira de Melo e pelo
general Nelson de Mello da existência de documentos secretos entre o Brasil e os
Estados Unidos sobre política nuclear, mencionados no capítulo anterior. O
presidente Kubitschek determinou a entrega dos documentos ao deputado Renato
Archer, e sua divulgação, que ocorreu durante os trabalhos da CPI.
Na Comissão Parlamentar de Inquérito, as discussões e investigações
focalizaram principalmente a exportação de areia monazítica para os Estados
Unidos, embora houvesse outros temas também importantes. Foram discutidos
aspectos tais como o valor comercial do tório, o preço de venda da areia monazítica,
a quantidade vendida, o estado das reservas ainda existentes no Brasil e temas
semelhantes.
O “Prefácio” escrito por Gondim da Fonseca para o livro de Dagoberto Salles
indica alguns dos pontos mais gritantes. As reservas de areia monazítica verificadas
no Rio de Janeiro e no Espírito Santo correspondiam a cerca de 70 ou 80 mil
toneladas. O acordo inicial entre o Brasil e os Estados Unidos, em 1945, estabelecia
a venda de 3.000 toneladas por ano, durante 3 anos, podendo o acordo ser
prorrogado dez vezes. Fazendo as contas, conclui-se que estavam comprometida a
venda de 90.000 toneladas, superior à totalidade das reservas conhecidas. Na
prática, de 1945 até a época da CPI, teriam sido vendidas (de acordo com os
registros oficiais) cerca de 32.000 toneladas de monazita, bruta ou industrializada
(sob a forma de óxido de rio). Isso corresponderia a quase metade das reservas
conhecidas na época
125
. Ou seja: as praias monazíticas do Brasil estavam sendo
transferidas para a América do Norte.
Os dados mais detalhados contidos no relatório da CPI eram de fato
assustadores. Um dos engenheiros consultados, Ignácio Avelino de Oliveira, indicou
que existiriam cerca de 53.000 toneladas de areia monazítica no Espírito Santo e
20.000 no Rio de Janeiro. Essas estimativas se referiam a areias com teor de
monazita superior a 1% e que eram exploráveis comercialmente. Outro engenheiro,
125
D. Sales, Energia Atômica. Um inquérito que abalou o Brasil, pp. [15]-[17]. Indicamos aqui as
páginas entre colchetes, porque esta parte do livro não apresenta a numeração das páginas.
59
no entanto, Ernesto Bastos Pouchain, declarou à Comissão que as reservas
conhecidas, de acordo com os dados oficiais mais atuais, considerando descobertas
recentes de depósitos antes desconhecidos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do
Norte, eram de 45 mil toneladas
126
.
Quanto à quantidade total que havia sido extraída, existia o valor “oficial”
acima citado, de cerca de 32.000 toneladas, mas suspeitava-se que o valor real
fosse três vezes maior. O geólogo Othon Leonardos afirmou que a quantidade total
retirada desde o início poderia ter sido de aproximadamente 110.000 toneladas, e o
engenheiro Heitor Façanha da Costa comentou: “Mais ou menos; esses dados
devem variar em torno de 100.000 toneladas. tempos atrás a fiscalização era
deficiente, não se tomava o devido cuidado, e saía monazita sem ser escriturada,
como lastro de navios”
127
. Para agravar a situação, o engenheiro completou que a
areia levada para o exterior era a de melhor qualidade, com alta concentração de
monazita
A menção a “lastro de navios” era uma explicação dada para o
desaparecimento pido de muitas praias brasileiras. Os navios norte-americanos
que traziam mercadorias para o Brasil e que não levavam do nosso país igual peso
de mercadorias costumavam encher os porões com areia monazítica, até que o
navio ficasse no nível adequado, no mar.
Quanto ao preço, o acordo de 1945 havia estabelecido um valor entre 30 e 40
dólares por tonelada, inferior ao preço do minério de manganês. O valor total
apurado desde 1945 até a época da CPI tinha sido de apenas 7 milhões de lares,
não tendo assim um efeito significativo na economia brasileira da época. No entanto,
“o desfalque energético foi da ordem de cinco bilhões de toneladas de carvão”,
segundo o relatório da Comissão
128
.
Gondin da Fonseca comentou sobre a venda:
Leram? Entregamos aos Estados Unidos, por sete milhões de dólares,
energia de valor equivalente a cinco bilhões de toneladas de carvão. Ora, uma
tonelada de carvão betuminoso sem escolha, a granel, custa hoje 4.000 cruzeiros
126
D. Sales, op. cit., pp.71-73.
127
Ibid., pp.73-74.
128
Ibid., pp. [15], 70.
60
nos depósitos do Rio de Janeiro ou de São Paulo. Assim, cinco bilhões de
toneladas valem vinte trilhões de cruzeiros. O dólar vogava, então, na casa dos
trinta cruzeiros. Mesmo, porém, a cem cruzeiros, seriam duzentos bilhões de
dólares. Moraram? Os Estados Unidos roubaram-nos, pagando 7 milhões de
dólares por mercadorias que valiam 200 bilhões de dólares. Leiam atentamente:
bilhões. A diferença contra nós foi de 199.993 (cento e noventa e nove bilhões e
novecentos e noventa e três milhões de dólares)
129
.
Na época, era possível avaliar a energia nuclear que poderia ser liberada
pelo rio, em um reator. Utilizando informações tiradas de estudos norte-
americanos, o relatório informou que “enquanto uma libra de carvão pode ser
transformada em cerca de um quilowatt-hora de energia elétrica, uma libra de
combustível atômico, plenamente consumida, produzirá cerca de dois e meio
milhões de kilowatts-hora, isto é, uma libra de combustível atômico é o equivalente
a, aproximadamente, 1.250 toneladas de carvão betuminoso”
130
. Esse cálculo
supunha o aproveitamento total do combustível. No caso de um reator que utilizasse
apenas o isótopo 235 do urânio, o rendimento seria apenas 0,7% do valor indicado.
No entanto, se conhecia a possibilidade de transformar o isótopo 238 em plutônio
e, assim, aproveitar todo o potencial nuclear do urânio. Levando em conta o preço
de mercado do carvão, na época (cerca de 5 dólares por tonelada), podia-se avaliar
que uma libra de um isótopo fissionável valeria 6.000 dólares
131
.
As avaliações apresentadas à CPI pelos físicos brasileiros Marcelo Damy de
Souza Santos e José Leite Lopes eram semelhantes a essa. Leite Lopes comentou
que não se poderia vender o minério por um preço como 100 ou 200 dólares por
quilo (não a tonelada, veja-se bem), mas que talvez se pudesse pensar na
conveniência de vendê-lo por mil dólares o quilo. Note-se que ele se referiu ao
minério bruto, não o tório propriamente dito. No entanto, o relatório também informou
que a Orquima vendeu aos Estados Unidos “com resultados compensadores” o
óxido de rio puro, produzido no Brasil, por cerca de 9 dólares o quilo
132
. Era um
preço irrisório.
129
Ibid., pp. [15]-[16].
130
Ibid., p. 62.
131
Ibid., pp. 62-63.
132
Ibid., pp. 64-66.
61
um outro dado interessante, no relatório da CPI, sobre a Orquima. Essa
empresa química se equipou para poder tratar anualmente 5.000 toneladas de
monazita, delas extraindo 250 toneladas de óxido de tório
133
. Note-se que não eram
5.000 toneladas de areia, e sim de monazita. De fato, de acordo com informações
colhidas pela Comissão, a monazita brasileira (já separada da areia) continha cerca
de 4 a 6% de óxido de tório. Ora, 250 toneladas de óxido de tório o exatamente
5% de 5.000 toneladas, portanto esta quantidade era de monazita separada dos
outros minerais contidos na areia. A quantidade de areia processada pela Orquima
devia ser pelo menos dez vezes superior a isso. Essa empresa estava portanto
aparelhada para destruir rapidamente todas as reservas de areia monazítica do país
e vender o tório aos Estados Unidos.
O relatório da CPI publicado pelo deputado Dagoberto Salles indica também
um cuidado tomado pela Comissão em obter informações sobre as negociações com
os Estados Unidos que violaram as normas já adotadas no Brasil, como a de
“compensações específicas”. Ficou claro que houve uma pressão política direta dos
Estados Unidos sobre autoridades brasileiras, nos casos que foram analisados
134
.
A Comissão também analisou as iniciativas tomadas pelo CNPq, sob a
presidência de Álvaro Alberto, para construir usinas de purificação química do urânio
e para adquirir ultracentrífugas capazes de realizar o seu enriquecimento. Essas
tentativas foram consideradas importantes e válidas pela comissão, que julgou que
“o Brasil [...] tinha diante de si pela primeira vez reais perspectivas de solução ao
problema de desenvolvimento da indústria de energia nuclear”
135
. No entanto, essas
iniciativas foram bloqueadas durante o governo Café Filho, graças a manobras e
pressões realizadas pelos Estados Unidos com apoio do general Juarez Távora.
Ficou também claro que Álvaro Alberto havia sido pressionado pelo menos general
Távora a pedir sua demissão da presidência do CNPq por causa dos documentos
secretos norte-americanos
136
.
A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre política atômica continuou seus
trabalhos durante os anos de 1956 e 1957, aprovando seu relatório em 25 de março
133
D. Sales, op. cit., p. 79.
134
Ibid., pp. 97-101.
135
Ibid., pp. 133.
136
Ibid., pp. 134-143; 147-151.
62
de 1958. O relatório final da CPI não fez críticas nem procurou apontar erros e
culpados, mas recomendou a adoção de uma política de defesa dos interesses
nacionais.
3.2 A NOVA POLÍTICA NUCLEAR
A Comissão Parlamentar de Inquérito expôs claramente, de forma
documentada, os abusos e irregularidades que estavam ocorrendo mais de dez
anos no que se refere à exportação de minérios atômicos e outros pontos da política
nuclear. Diante de todas essas denúncias e da mobilização da opinião pública, e sob
pressão de vários deputados e militares nacionalistas, o presidente Juscelino
Kubitschek formou uma comissão de estudos e depois aprovou em agosto de 1956
uma nova política atômica que se baseava nos princípios defendidos pelo CNPq
durante a gestão de Álvaro Alberto
137
. O governo prometia apoio ao
desenvolvimento de uma indústria nacional para tratamento de minerais de interesse
nuclear; controle governamental sobre esses minerais; e vincular a exportação dos
mesmos a compensações específicas, ou seja, a uma contrapartida científica e
tecnológica que auxiliasse o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. Ficava
também claro que o Brasil poderia recorrer a qualquer país para obter o necessário
desenvolvimento científico e tecnológico na área atômica.
Juscelino adotou também várias medidas práticas: ordenou a construção da
usina de purificação de urânio que já havia sido encomendada à França; enviou uma
comissão para buscar as ultra-centrífugas na Alemanha; e cancelou os acordos com
os Estados Unidos de prospecção de minerais radioativos e de exportação de tório.
Desta vez, as ultra-centrífugas foram efetivamente trazidas para o Brasil e entregues
ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo. Foram reiniciados
contatos com vários países europeus, como a Inglaterra e a Bélgica, para
colaboração na área nuclear. A partir dessa fase, o deputado Renato Archer passou
a ser uma figura de destaque nesse setor.
Pode-se considerar que o avanço na política atômica durante o governo
Juscelino Kubitschek foi devido, em grande parte, às discussões da Comissão
Parlamentar de Inquérito.
137
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 71; A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 38.
63
Segundo Renato de Biasi, as duas (não três) ultra-centrífugas compradas pelo
Brasil foram efetivamente instaladas no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Montadas e testadas, nunca foram utilizadas para o enriquecimento do urânio: “O
prof. Ivo Jordan e sua equipe, que montaram e utilizaram os aparelhos, fizeram
muitas experiências e testes com os mesmos, mas empregaram neônio e outros
gases nobres nessas provas”
138
. Biasi afirma que isso ocorreu porque “à época não
havia maior interesse no enriquecimento do urânio”. É uma explicação que não
satisfaz, que a compra das ultra-centrífugas fazia parte de um “pacote”
tecnológico, incluindo a purificação do urânio de Poços de Caldas e o seu
enriquecimento através da aparelhagem alemã. Também não se compreende o
motivo pelo qual os aparelhos foram levados para uma instituição sem nenhuma
vocação para a pesquisa sobre energia nuclear, em vez de serem enviados para o
Instituto de Pesquisas Radioativas de Belo Horizonte, por exemplo.
Em outubro do mesmo ano (1956) foram criados a Comissão Nacional de
Energia Nuclear (CNEN) e o Fundo Nacional de Energia Nuclear. A CNEN, criada
pelo decreto 40.110 de 10 de outubro de 1956, estava ligada diretamente à
Presidência da República, devendo controlar o monopólio nacional de minerais de
interesse nuclear, promover pesquisas e aplicações pacíficas da energia atômica
139
.
A CNEN assumiu assim funções que anteriormente cabiam ao CNPq. Tinha por
objetivo inicial executar uma política nuclear nacionalista e chegou a manter contato
com vários países, mas acabou estabelecendo uma estreita colaboração com os
Estados Unidos, dentro do programa “Átomos para a paz”
140
.
3.3 OS CENTROS DE PESQUISA ATÔMICA
Como resultado do convênio firmado no ano anterior entre a USP e o CNPq,
foi oficialmente criado através do decreto 39.872 de 31 de agosto de 1956 o Instituto
de Energia Atômica (IEA), em São Paulo, sob a direção do físico Marcelo Damy.
Embora criado no período em que se formava a nova política nuclear do governo
Juscelino Kubitschek, os acordos anteriores continuavam a vigorar e a criação do
IEA enquadrava-se dentro dos entendimentos do programa “Átomos para a paz”.
138
R. Biasi, A energia nuclear no Brasil, p. 23.
139
Ibid., p. 30
140
L. P. Rosa, A política nuclear e o caminho das armas atômicas, p. 28.
64
Além de atividades de pesquisa, o IEA criou também um curso de Engenharia
Nuclear, que passou a funcionar desde o ano de sua criação
141
.
Em julho de 1957 começou a funcionar o reator nuclear do IEA, fabricado nos
Estados Unidos pela empresa Babcock & Wilcox. Era um reator tipo piscina,
moderado a água, com apenas 5 Mw de potência, que utilizava urânio levemente
enriquecido
142
. O programa “Átomos para a paz” custeou parte do investimento
(350.000 dólares), “emprestava” 6 kg de urânio enriquecido de cada vez, e
proporcionava assistência técnica
143
.
Esse reator serviu para a produção de radioisótopos de uso na medicina, e
para pesquisas de reprocessamento dos elementos de combustível nuclear. No
contrato de sua compra havia uma série de cláusulas que limitavam as pesquisas do
ciclo de combustível nuclear e que impediam o uso dessa tecnologia para fins
militares.
Os pesquisadores do Instituto de Energia Atômica se dedicaram ao
desenvolvimento de técnicas para trabalhar com o material irradiado no reator, e
para a separação do plutônio produzido a partir do urânio 238, e do urânio 233
produzido a partir do tório irradiado
144
. Tratava-se de experimentos em pequena
escala, que o IEA não podia trabalhar com os próprios elementos combustíveis do
reator de pesquisa, devido ao acordo com os Estados Unidos. Apesar disso, pode-se
dizer que em 1961 o Instituto já havia dominado os processos de separação química
dos elementos radioativos e que dispunha de conhecimento técnico para operar em
uma escala mais ampla.
Em 1962 foi criada a Divisão de Metalurgia Nuclear do Instituto de Energia
Atômica, para realizar estudos sobre a fabricação dos elementos combustíveis para
reatores de pesquisa. A equipe dessa divisão trabalhou na produção do combustível
nuclear de um conjunto subcrítico “Re-suco” que foi instalado na Universidade
Federal de Pernambuco, e para o reator “Argonauta” que foi instalado em 1964 no
Instituto de Engenharia Nuclear do Rio de Janeiro
145
.
141
R. Biasi, op. cit., p. 32
142
W. C. F. Chassot, op. cit., v. 1, p. 72.
143
“U.S.-Brazilian uranium agreements”, Science 124: 530, 1956.
144
R. Biasi, op. cit., pp. 32-33
145
Ibid., p. 33
65
Ao longo de sua trajetória, o Instituto de Energia Atômica formou grande
quantidade de pessoas qualificadas para o trabalho na área nuclear, além de
desenvolver técnicas relacionadas à construção e operação de reatores nucleares.
No entanto, o know-how obtido no IEA não foi utilizado, como poderia, no
desenvolvimento de projetos nucleares nacionais de grande porte.
O segundo reator nuclear a operar no Brasil foi instalado no Instituto de
Pesquisas Radioativas de Belo Horizonte, que havia sido criado em 1953. Era um
reator de pesquisas do tipo TRIGA, com potência de apenas 10 kw, que entrou em
funcionamento em 1960. O equipamento, da linha de água leve (LWR) e urânio
enriquecido, foi adquirido da empresa General Electric dos Estados Unidos, pelo
preço de 140 mil dólares.
146
Depois de absorver conhecimentos sobre a tecnologia nuclear e formar uma
boa quantidade de especialistas, o Instituto de Pesquisas Radioativas procurou dar
uma contribuição fundamental para o desenvolvimento da energia atômica no país.
Um grupo de pesquisadores do IPR começou a se dedicar à análise do rio como
combustível nuclear, já que esse material é muito mais abundante no Brasil do que o
urânio
147
. Como foi explicado, o tório não é um elemento físsil, mas quando
irradiado por nêutrons transforma-se no isótopo urânio 233, que é físsil. Partindo-se
de um reator de urânio natural, moderado por grafite ou água pesada, era possível
produzir plutônio. Esse elemento, misturado ao tório, poderia ser utilizado em outro
reator, gerando U
233
que, por sua vez, poderia ser utilizado como combustível
nuclear. Esse tipo de reator regenerador ou reprodutor (breeder) possibilitaria um
aproveitamento das reservas minerais do Brasil, eliminando a curto prazo a
necessidade de importação de urânio enriquecido e proporcionando independência
na área atômica. Uma das propostas do grupo era um reator utilizando água pesada
como moderador e que pudesse utilizar três tipos de combustível: urânio enriquecido
e tório; urânio natural; e plutônio com tório
148
.
O “grupo do tório” do Instituto de Pesquisas Radioativas funcionou
primeiramente de modo informal durante alguns anos, surgindo de forma organizada
146
P. Marques, Sofismas nucleares, p. 51; R. Biasi, A energia nuclear no Brasil, p. 25.
147
R. Biasi, op. cit., p. 26.
148
Ibid., p. 27.
66
apenas em 1965, com a publicação de uma obra dos engenheiros Jair Carlos Mello
e Carlos Werth Urban
149
. O grupo fez muitos estudos, desenvolveu projetos, mas
não chegou a montar nenhum protótipo do reator almejado. O grupo foi extinto em
1969, quando a orientação governamental do período militar decidiu que as usinas
nucleares brasileiras utilizariam urânio enriquecido e água leve
150
.
O terceiro grupo brasileiro de pesquisas de energia nuclear se desenvolveu
nesse mesmo período no Rio de Janeiro. Durante a década de 1950 diversos
professores brasileiros fizeram estudos sobre energia nuclear no exterior. O
professor Hervásio Guimarães de Carvalho, da Escola Nacional de Engenharia
(atualmente pertencente à UFRJ, no Rio de Janeiro), desenvolveu uma pós-
graduação em engenharia nuclear na North Carolina State College School of
Engineering, de 1952 a 1954. Ao retornar ao Brasil, iniciou cursos de introdução à
engenharia nuclear na Escola Nacional de Engenharia e no Instituto Militar de
Engenharia. Foi nessa segunda instituição que houve um interesse maior pela nova
área e, a partir de 1958, foi criado o curso de Engenharia Nuclear, que operava
como uma especialização, com duração de um ano
151
. Este foi um centro brasileiro
extremamente importante de formação de pessoal na área de energia atômica.
Além das atividades de ensino, o Instituto Militar de Engenharia começou a se
preparar para contribuir efetivamente para um projeto brasileiro de energia nuclear.
Na época, a tendência dominante entre os nacionalistas era a de que deveriam ser
desenvolvidos reatores com urânio natural e água pesada, para possibilitar a
independência nuclear, que o enriquecimento do urânio era um processo muito
mais complexo e caro. Por isso, foi formado em janeiro de 1964, no IME, o Grupo de
Pesquisa e Desenvolvimento da Água Pesada
152
. Mesmo depois do golpe militar de
1964 o IME prosseguiu esses estudos, procurando viabilizar a construção de uma
usina piloto para produção de água pesada no início de 1972. No entanto, a decisão
do governo brasileiro de importar uma usina nuclear de urânio enriquecido jogou fora
todo esse esforço.
149
Ibid., p. 26.
150
S. Schwartzman, Formação da comunidade científica no Brasil, p. 290.
151
R. Biasi, op. cit., p. 41.
152
Ibid., pp. 33-34.
67
O Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) da antiga Universidade do Brasil (hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro) foi criado em 1963. Logo após sua criação,
vários professores e técnicos do IEN foram enviados para os Estados Unidos, para
se aperfeiçoarem em centros de pesquisa nuclear, especialmente no Argonne
National Laboratory. Com auxílio do Argonne, o Instituto de Engenharia Nuclear
projetou e construiu o único reator de pesquisa efetivamente produzido no Brasil, o
“Argonauta”, com potência de 10 kW. Uma parte dos componentes do reator foi
importada dos Estados Unidos, mas uma fração significativa (93%) foi fornecida pela
indústria nacional. Os elementos combustíveis foram produzidos pelo Instituto de
Energia Atômica de São Paulo, embora o urânio enriquecido fosse norte-
americano
153
. O coordenador do trabalho de construção do Argonauta coube ao
coronel Dirceu Coutinho. Após diversos testes, o reator atingiu a criticalidade em
fevereiro de 1965 e foi oficialmente inaugurado no dia 7 de maio do mesmo ano,
com a presença do presidente militar Humberto Castello Branco.
Assim como no caso do Instituto de Energia Atômica, o Instituto de Energia
Nuclear mostrou competência para dominar rapidamente algumas das técnicas
essenciais de construção e operação de reatores nucleares. Quando ocorreu o
golpe militar de 1964 as duas instituições tinham a possibilidade de servir de apoio
para um programa nuclear nacionalista de grande porte. No entanto, essa
experiência não foi aproveitada, posteriormente.
3.4 O PROJETO DE UMA USINA ATÔMICA
O governo Juscelino Kubitschek foi sucedido, em janeiro de 1961, pelo do
presidente Jânio Quadros. No entanto, sete meses depois ele renunciou, seguindo-
se uma crise institucional e um período parlamentarista (setembro de 1961 a janeiro
de 1963), acabando por assumir o governo o vice-presidente João Goulart, depois
de grande resistência dos militares. Tanto Jânio Quadros quanto João Goulart eram
favoráveis a uma aproximação política e comercial com a União Soviética.
Até esse momento, o desenvolvimento dos institutos de pesquisa nuclear
havia criado condições de planejamento de uma usina de potência, mas nada havia
ainda sido realizado efetivamente. Vejamos, no entanto, as tentativas ocorridas.
153
Ibid., p. 39.
68
Em 1956, logo após o lançamento do programa “Átomos para a paz”, uma
empresa norte-americana de energia elétrica, a AMFORP (American and Foreign
Power), que controlava a distribuição de eletricidade em várias cidades do sudeste
brasileiro, estudou a possibilidade de instalar uma usina nuclear de médio porte (10
MW) perto de Cabo Frio. No entanto, os estudos realizados mostraram que o
investimento necessário seria de aproximadamente 20 milhões de dólares, e o
projeto foi abandonado
154
.
Na cada de 1950 alguns físicos brasileiros importantes, como Mário
Schemberg, José Leite Lopes, Jayme Tiomno, Marcelo Damy e Francisco
Magalhães Gomes, que defendiam uma política nuclear nacionalista, propuseram a
construção de um reator nuclear utilizando urânio natural, o que poderia ser feito
mais rapidamente e com menor dependência dos Estados Unidos
155
.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) iniciou em 1959 estudos
sobre a possibilidade de instalar uma usina nuclear com potência de 150 a 200 MW
nas margens do rio Mambucaba, no Estado do Rio de Janeiro (em uma praia vizinha
a que hoje estão instaladas as usinas de Angra 1 e 2). Em dezembro de 1959
chegou a ser criada a Superintendência do Projeto Mambucaba, que contratou
empresas nacionais e estrangeiras para estudos sobre essa possibilidade. Um grupo
de engenheiros nucleares (incluindo Jair Mello e Sérgio Salvo Brito) elaborou um
pré-projeto de um reator utilizando urânio natural com água pesada que pudesse,
posteriormente, utilizar também tório, adicionado ao plutônio produzido na primeira
fase de funcionamento
156
. Os primeiros entendimentos realizados apontaram para a
viabilidade de contar com colaboração técnica francesa para o projeto.
O projeto o se desenvolveu segundo Renato de Biasi, por motivos
econômicos
157
. Pouco depois a CNEN passou a estudar a instalação de uma usina
ainda maior (com cerca de 300 MW de potência). A proposta chegou a ser divulgada
em 1963 pelo presidente João Goulart.
É importante mencionar que o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e
Social (1963-1965) do governo Goulart, dando prosseguimento à política atômica do
154
R. Biasi, op. cit., p. 51.
155
L. P. Rosa, op. cit., p. 29.
156
Ibid., p. 29.
157
R. Biasi, op. cit., p. 51.
69
governo Juscelino Kubitschek, mencionava a importância do uso da energia nuclear
e estabelecia:
A construção de centrais nucleares no Brasil obedecerá à política de
independência do suprimento externo de combustível, da utilização de matérias
primas nucleares existentes no país e de máxima participação da indústria nacional.
Nesse sentido, foi definido um programa baseado na construção de centrais a
urânio natural, com aproveitamento do plutônio formado em uma segunda linha de
reatores, funcionando no ciclo plutônio-tório e urânio 233-tório.
158
Na década de 60 também se tentou, através da Comissão Nacional de
Energia Nuclear, comprar dos ingleses um reator de potência de urânio natural,
resfriado a gás, cuja tecnologia poderia ser dominada no país com bastante
facilidade
159
. Além disso, como vimos, o “grupo do tório” do Instituto de Pesquisas
Radioativas de Belo Horizonte objetivava no início da década de 1960 a construção
de um reator de urânio natural e água pesada de 30 Mw
160
. Vencendo-se esta fase,
seria considerado se construir no Brasil uma usina nuclear comercial de grande
potência, com tecnologia adquirida no desenvolvimento do protótipo. Essa opção,
defendida pelos físicos e pelos militares e políticos nacionalistas, na época,
permitiria uma autonomia ao programa nuclear brasileiro. A Argentina e a Índia
seguiram exatamente este caminho, e obtiveram bons resultados com reatores de
urânio natural desenvolvidos sem dependerem de tecnologia estrangeira
161
.
Em 1º de abril de 1964 ocorreu o golpe militar. Poucos meses depois, o
Projeto Mambucaba foi completamente desativado. Conforme o deputado Renato
Archer avaliou em 1967, a política nuclear brasileira havia voltado a uma situação de
completa dependência em relação aos Estados Unidos
162
.
Em 1965 foi firmado um Acordo de Cooperação Nuclear entre o Brasil e os
Estados Unidos, pelo qual o Brasil se comprometia a adquirir daquele país seus
equipamentos nucleares e respectivo combustível (urânio enriquecido). Foram
158
T. R. Medeiros, Entraves ao desenvolvimento da tecnologia nuclear no Brasil, p. 63.
159
J. Goldenberg, “Um programa nuclear alternativo”, p. 13.
160
R. Biasi, op. cit., p. 157.
161
L. P. Rosa, op. cit., pp. 10, 20.
162
A. Rocha Filho & J. C. V. Garcia, op. cit., p. 42.
70
iniciadas nessa época as negociações que levaram à construção da usina nuclear
Angra I, de grande porte.
Durante o regime militar, as tentativas nacionalistas anteriores de domínio e
independência da tecnologia nuclear foram rapidamente abandonadas. As Diretrizes
da Política Nacional de Energia Nuclear, estabelecidas em 23 de dezembro de 1967,
caracterizaram uma mudança completa de rumo. Entre outras medidas, a Comissão
Nacional de Energia Nuclear passou a ser subordinada ao Ministério de Minas e
Energia, perdendo assim sua autonomia e tornando-se um órgão executor dentro de
políticas energéticas mais amplas
163
.
Em 1967 foi organizado um grupo de trabalho com representantes do
Conselho de Segurança Nacional, do Ministério de Minas e Energia, da CNEN e da
Eletrobrás, para estudar a possibilidade de instalação de uma usina nuclear de
grande porte para produção de eletricidade
164
. Era, evidentemente, impossível
realizar um salto a partir da experiência dos grupos brasileiros com reatores
experimentais para uma grande usina de 500 MW de potência. Assim, em vez de dar
apoio ao desenvolvimento de uma tecnologia nacional, ficou clara a opção pela
compra de tecnologia estrangeira. A partir desse momento começaram a ser dados
os passos que levaram à aquisição da usina nuclear de Angra dos Reis,
abandonando-se os princípios defendidos anteriormente.
A opção final do governo militar, como é bem conhecido, foi adquirir uma
usina nuclear usando urânio enriquecido (vendido pelos Estados Unidos), fabricada
no exterior (pela Westinghouse).
163
R. Biasi, op. cit., p. 142.
164
Ibid., p. 52.
71
CAPÍTULO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No período estudado nesta dissertação e também posteriormente o Brasil
não conseguiu atingir uma maturidade em relação à sua política de energia nuclear.
O que impediu o Brasil de construir suas próprias usinas atômicas? O que levou à
saída descontrolada de minérios de tório de importância estratégica?
Um dos fatores que se apontam para o fracasso das pesquisas nucleares foi a
falta de recursos, ou recursos mal empregados. De 1951 (ano de criação do CNPq)
a 1953, por exemplo, 75% do total de recursos do Conselho para ciências exatas
foram destinados ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que não realizava
pesquisas na área de energia atômica e sim pesquisas sobre física básica
165
. O
Instituto de Pesquisas Radioativas de Belo Horizonte recebeu um auxílio mínimo, no
mesmo período. Teria sido a distribuição de recursos, ou a falta de recursos, o
problema principal?
É claro que, sem dinheiro, não poderia haver o desenvolvimento de uma
tecnologia nuclear nacional. Mas o Brasil tem dinheiro; e não precisaria investir
quantias equivalentes à construção da usina hidroelétrica de Itaipu para iniciar seu
desenvolvimento nuclear. Certamente não houve um investimento maciço de
recursos na área de energia nuclear, mas a questão central não é essa e sim
compreender o motivo pelo qual não houve esse investimento.
Certamente um complexo de causas, mas podemos apontar um ponto
significativo. A falta de unidade de pensamento, quanto à política nuclear, das várias
forças políticas brasileiras, pode ter sido o principal fator que impediu uma ação
decisiva por parte do governo federal para a implementação de uma indústria
nuclear nacional.
Podemos fazer uma comparação com outros países. As primeiras iniciativas
sobre energia atômica na Índia e na Argentina começaram, como no caso do Brasil,
165
T. R. Medeiros, Entraves ao desenvolvimento da tecnologia nuclear no Brasil, p. 57.
72
logo após a discussão do Plano Baruch na ONU
166
. A situação econômica desses
dois países não era melhor do que a do Brasil. A Argentina recebeu seu primeiro
reator em 1956, dentro do programa “Átomos para a paz”. No entanto,
imediatamente depois aquele país tomou a decisão de construir seus próprios
reatores, e conseguiu
167
.
Nos casos da Índia e da Argentina houve políticas coerentes que levaram à
construção de reatores nucleares com tecnologia própria na década de 1960,
utilizando urânio natural, como já havia sido feito no Canadá e na França.
Conforme comentou Maria Regina Soares de Lima,
O estágio subdesenvolvido das atividades nucleares do Brasil naquela época
[década de 1960] era uma conseqüência direta do padrão descontínuo seguido por
sua política nuclear desde o início. Este aspecto peculiar do caso brasileiro
contrasta de forma aguda com o exemplo da Argentina, pois esta exibiu durante um
longo período de tempo uma política nuclear consistente dirigida para um máximo
de autonomia no desenvolvimento e controle da energia nuclear.
168
Conforme a autora comenta, não ocorreram simples mudanças de atitude ao
longo do tempo, mas também inconsistências, com atitudes contraditórias de um
mesmo governo. Um exemplo claro é que, mesmo havendo uma legislação clara de
defesa dos minérios estratégicos, o Brasil continuou a colaborar com o esforço
norte-americano de controlar as reservas de materiais fissionáveis brutos
169
. Nos
acordos de venda de areia monazítica e óxido de rio, as normas de
“compensações específicas” estabelecidas pelo CNPq foram claramente violadas
pelo próprio governo que as havia sancionado.
De fato, vimos que desde a Segunda Guerra Mundial, houve dois pontos de
vista conflitantes a respeito da energia nuclear, no Brasil. Um deles defendia o
desenvolvimento de um programa nuclear autônomo; o outro acreditava que
somente haveria energia nuclear no Brasil se o país se aliasse aos Estados Unidos.
166
M. R. S. Lima, The political economy of Brazilian foreign policy: nuclear energy, trade, and Itaipu,
p. 76.
167
Ibid., p. 115.
168
Ibid., p. 106.
169
Ibid., p. 107.
73
Houve conflitos de orientação quanto à política nuclear particularmente
durante os governos Vargas e Café Filho (1951-1954). O CNPq e o Conselho de
Segurança Nacional exigiam a inclusão de compensações específicas nos acordos
de exportação de areia monazítica, enquanto o Ministério das Relações Exteriores
deixava de lado essa exigência
170
. A política realmente adotada foi a preconizada
pelo Ministro das Relações Exteriores, João Neves da Fontoura, e pelo general
Juarez Távora, que defendiam cooperação com os Estados Unidos
171
. No entanto,
não sabemos exatamente quais as forças que estavam atuando, neste e em outros
conflitos. Certamente não se tratava de uma oposição entre civis e militares, pois
havia importantes apoios civis e militares dos dois lados. A situação era complexa, e
a presente dissertação apenas permitiu um vislumbre das contradições políticas
brasileiras do período estudado.
A posição do próprio Getúlio Vargas, de acordo com Maria Regina Soares de
Lima, era ambígua, que ele parece não ter dado tanta importância ao
desenvolvimento da energia nuclear, priorizando o apoio econômico e militar dos
Estados Unidos, bem como a cooperação no desenvolvimento da indústria
petrolífera. Para ele, as reservas de minerais estratégicos podiam ser utilizadas em
barganhas mais importantes
172
.
Após a morte de Getúlio Vargas, a Comissão Parlamentar de Inquérito
mostrou a todos os brasileiros as lutas secretas existentes na área atômica.
Conforme José Leite Lopes comentou, “O ensinamento importante foi a revelação da
existência de poderosas forças internacionais e de grupos nacionais contra o
desenvolvimento autônomo do país no setor da energia nuclear”
173
.
A existência desses conflitos de interesse com relação à política nuclear
brasileira, bem como a forte pressão exercida pelos Estados Unidos, pode ter sido o
principal fator que impediu o governo brasileiro, em todo o período estudado, de
investir de forma coerente e contínua os recursos necessários para que nosso país
adquirisse uma independência nessa área. A exportação descontrolada de minérios
estratégicos também pode ser compreendida da mesma maneira.
170
Ibid., p. 108.
171
Ibid., p. 115.
172
Ibid., p. 108.
173
T. R. Medeiros, op. cit., p. 59.
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