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ALEXANDRE DAVID MALFATTI
A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR-IDOSO EM JUÍZO
E A PRERROGATIVA DE FORO
DOUTORADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO-2007
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ALEXANDRE DAVID MALFATTI
A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR-IDOSO EM JUÍZO
E A PRERROGATIVA DE FORO
DOUTORADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO-2007
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RESUMO
Palavras-chave: consumidor, idoso, consumidor-idoso, competência,
prerrogativa de foro, direitos difusos, proteção do consumidor, processo, ação
civil pública, defesa do consumidor em Juízo, acesso à Justiça.
A “proteção do consumidor” desperta um grande
interesse tanto na sociedade como nos órgãos de poder estatal e retrata a
confluência de dois movimentos em prol dos cidadãos: a) o consumerismo e b)
o efetivo acesso à Justiça. O Brasil não deve fugir à regra mundial da
necessária proteção do consumidor-idoso.
A Constituição Federal de 1.988 dispôs
expressamente sobre a obrigação do Estado defender o consumidor (artigos 5
o
,
inciso XXXII e 170, V) e da tutela do idoso pela família, pela sociedade e pelo
Estado (art. 230). Os atos de política pública do Poder Executivo, de edição de
normas pelo Poder Legislativo, de julgamentos do Poder Judiciário e, por fim, da
esfera privada não poderão atuar contra os legítimos interesses do consumidor.
A lei no. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC) e a Lei n.
10.741/2003 (Estatuto do Idoso – EI) cuidaram da regulamentação da relação
de consumo e do idoso, respectivamente.
É possível estabelecer uma conexão entre
aquelas leis, de modo a fixar parâmetros da tutela do consumidor-idoso. Várias
medidas podem facilitar a defesa em Juízo do consumidor-idoso: a) criação de
órgãos judiciários especializados, b) mecanismos que garantam assistência
jurídica, c) inversão do ônus da prova e outras providências internas do
processo, d) prerrogativa de foro.
A prerrogativa de foro do consumidor-idoso
surge, então, como instrumento fundamental para o efetivo acesso à Justiça.
Trata-se de previsão do CDC e do EI que deve ser aplicada em benefício dele
consumidor-idoso, tanto nas ações individuais, como nas ações coletivas. A
interpretação das normas de competência deve ser feita em harmonia com
aquela prerrogativa, sempre de maneira a um resultado útil para a tutela do
consumidor-idoso.
ABSTRACT
Keywords: consumer, senior, consumer-senior, competence, forum
prerogative, diffuse rights, the consumer's protection, process, public civil
action, the consumer's defense in judgment, access to the Justice.
The "consumer's protection" wakes up a great
interest in the society and in the organs of state power and it portrays the
confluence of two movements on behalf of the citizens: the) the consumer's and
b) the cash access to the Justice. Brazil should not flee to the world rule of the
necessary protection of the consumer-senior.
The Federal Constitution of 1.988 disposed
expressly about the obligation of the State to defend the consumer (goods 5o,
interruption XXXII and 170, V) and of the senior's protection for the family, for
the society and for the State (art. 230). The actions of public politics of the
Executive Power, of edition of norms for the Legislative Power, of judgments of
the Judiciary Power and, finally, of the sphere toilet they cannot act against the
consumer's legitimate interests. The law no. 8.078/90 (Code of Defense of the
Consumer - CDC) and the Law n. 10.741/2003 (Statute of the Senior - EI) they
took care of the regulation of the consumption relationship and of the senior,
respectively.
It is possible to establish a connection among
those laws, in way to fasten parameters of the protection of the consumer-
senior. Several measures can facilitate the defense in judgment of the
consumer-senior: the) creation of specialized judiciary organs, b) mechanisms
that guarantee juridical attendance, c) inversion of the obligation of the proof
and other internal providences of the process, d) forum prerogative.
The prerogative of forum of the consumer-
senior appears, then, as fundamental instrument for the cash access to the
Justice. It is forecast of CDC and of EI that should be applied in benefit of him
consumer-senior, so much in the individual actions, as in the collective actions.
The interpretation of the competence norms should be made in harmony with
that prerogative, always in way to an useful result for the protection of the
consumer-senior.
i
A DEFESA DO CONSUMIDOR-IDOSO EM JUÍZO E A
PRERROGATIVA DE FORO
Índice (páginas):
INTRODUÇÃO......................................................................................................i-ii
Capítulo I –A PROTEÇÃO JURÍDICA DO CONSUMIDOR.
1.1. As sociedades industrial e pós-industrial e o consumidor............................1
1.2. A proteção do consumidor na Europa e nos Estados Unidos.......................6
1.3. A proteção do consumidor no Brasil..............................................................11
Capítulo II –A PROTEÇÃO JURÍDICA DO IDOSO.
2.1. O processo de envelhecimento. As características físicas, biológicas e
psíquicas do idoso..................................................................................................26
2.2. Alguns dados do panorama atual do idoso no mundo e no Brasil ...........33
2.3. A tutela jurídica do idoso na Declaração Universal de Direitos Humanos e
em alguns países da Europa..................................................................................39
2.4. A tutela jurídica do idoso no Brasil: a Constituição Federal e o Estatuto do
Idoso ........................................................................................................................44
Capítulo III - O ACESSO À JUSTIÇA DO CONSUMIDOR-IDOSO.
3.1. O acesso à Justiça...........................................................................................52
ii
3.2. Existência dos obstáculos para o acesso à Justiça. Exemplo: as
exigências em excesso para a concessão da Justiça Gratuita..........................65
3.3. Medidas que facilitam o acesso do consumidor à Justiça ..........................72
3.4. A inversão do ônus da prova como a mais conhecida medida que facilita o
acesso do consumidor à Justiça...........................................................................80
3.5. Medidas que facilitam o acesso do idoso à Justiça.....................................96
3.6. Medidas que facilitam o acesso do consumidor-idoso à Justiça. Um
diálogo entre as fontes.........................................................................................105
Capítulo IV – A PRERROGATIVA DE FORO DO CONSUMIDOR-
IDOSO.
4.1. A prerrogativa de foro. Um tratamento desigual em harmonia com o
princípio da igualdade..........................................................................................116
4.2. A competência. Aspectos gerais..................................................................122
4.3. A competência e a prerrogativa de foro.......................................................131
4.4. O consumidor e a prerrogativa de foro........................................................133
4.5. O idoso e a prerrogativa de foro...................................................................141
4.6. O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro. Diálogo das fontes...........158
4.7. O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro. Ações individuais.............164
4.8. O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro. Ações coletivas................173
4.9. O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro. Conexão de Ações...........184
4.10. O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro. Litisconsórcio e
Intervenção de Terceiros. ....................................................................................212
4.11. O consumidor-idoso e a prerrogativa de foro. Execução. .......................224
CONCLUSÕES ..................................................................................................233
iii
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................250
i
INTRODUÇÃO
1. Escolha do Tema.
Evidentemente, a tutela do consumidor tem
ocupado os estudos jurídicos pela atualidade do tema. A face marcante do
cidadão-consumidor desperta interesse sobre os diversos pontos da relação
jurídica de consumo.
A constatação de que o consumidor também
envelhece pode dar a idéia de obviedade. Mas não o é. O Brasil está longe do dia
em que o consumidor, o idoso e mais o consumidor-idoso tenha respeitados os
seus direitos.
Nesta linha, pela identificação da necessidade de
uma tutela efetiva para o consumidor-idoso com a facilitação do acesso à Justiça,
escolheu-se a prerrogativa de foro como tópico essencial de estudo.
2. A Pesquisa.
O trabalho buscou dar ênfase a dois pontos: a)
fundamentação doutrinária dos pontos abordados, inclusive com o apoio de
julgados dos diversos tribunais brasileiros e b) não perder de vista a realidade
brasileira.
A citação de autores buscou dar maior
sustentáculo às explicações articuladas e às posições defendidas, embora em
algumas passagens tenha ela ocupado grande espaço do trabalho. A larga
produção da doutrina nos campos do Direito do Consumidor e do Direito do Idoso
facilitou o direcionamento da pesquisa para idéias difundidas no Brasil, sendo
certo, porém, que o tema “A proteção do consumidor-idoso em Juízo e a
prerrogativa de foro” não foi ponto central e específico de um trabalho acadêmico
em nosso país.
ii
Na tentativa de dar uma feição nacional ao
trabalho, foram colhidos dados da realidade brasileira. Falar-se em proteção do
consumidor-idoso em Juízo prerrogativa de foro sem apresentar considerações
sobre o acesso à Justiça brasileira, implicaria uma diminuição da própria utilidade
do trabalho.
3. Objetivo do trabalho – delimitação do
tema.
No Capítulo “I”, buscou-se enfatizar a necessidade
da tutela do consumidor, destacando-se as realidades no mundo e no Brasil. O
cidadão-consumidor terminou fragilizado, diante das modernas técnicas industriais
e comerciais utilizadas pelo fornecedor, no mercado de consumo. A proteção
jurídica dispensada pela Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)
representou a concretização dos comandos constitucionais da tutela do consumidor
como dever do Estado e como princípio da ordem econômica. A tutela do
consumidor em Juízo e algumas das tormentosas polêmicas sobre medidas que
facilitam a defesa dos seus direitos na demanda judicial foram pontos abordados.
No Capítulo “II”, cuidou-se da necessidade da
tutela do idoso, também com uma identificação das realidades no mundo e no
Brasil. O cidadão-idoso tem características físicas, biológicas e psicológicas que
justificaram a proteção constitucional e legal. A Lei Federal nº 10.741, de 1º. de
outubro de 2.003, que instituiu o Estatuto do Idoso, tornou-se a principal legislação
ordinária de tutela do idoso. Questões importantes sobre a prioridade do idoso na
tramitação dos processos, o alcance das disposições processuais e a prerrogativa
de foro acabaram identificadas e enfrentadas.
No Capítulo “III”, reconheceu-se a necessidade de
novos contornos do tema do acesso à Justiça, numa perspectiva mais ampla de
acesso a uma ordem jurídica justa. Nesta linha, velhos problemas e novos rumos
para um processo mais efetivo e de resultados justos para o consumidor-idoso
foram apontados e estudados. A prerrogativa de foro do consumidor-idoso foi
sublinhada como uma medida essencial para a garantia de acesso à Justiça.
E, por fim, no Capítulo “IV”, foram estudados os
vários aspectos da prerrogativa de foro do consumidor-idoso. Após definição dos
contornos isolados da prerrogativa de foro para o consumidor e para o idoso, foram
analisadas para o consumidor-idoso as diversas circunstâncias do instituto nas
ações individuais e nas ações coletivas. Os desdobramentos processuais da
prerrogativa de foro acabaram estudados, numa perspectiva de problematização.
1
A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR-IDOSO EM JUÍZO
E A PRERROGATIVA DE FORO
Capítulo I – A TUTELA JURÍDICA DO CONSUMIDOR.
1.1. As sociedades industrial e pós-industrial e o consumidor.
A idade contemporânea da história mundial foi marcada
pela revolução francesa
1
e pela revolução industrial
2
. As modificações políticas e
econômicas trazidas pelos dois acontecimentos históricos deram novos rumos à
sociedade ocidental.
A sociedade industrial caracterizava-se pelo
desenvolvimento econômico e pela ampla oferta de bens a um número maior de
pessoas. Os detentores do capital e do trabalho tornaram-se os principais atores
das relações econômicas e sociais. A luta de classes marcou os conflitos sociais e
não raro envolvia um elevado número de pessoas (operários).
Naquele panorama, surgiu o que se convencionou
denominar conflito de massa e, por conseqüência, um interesse de massa (ou
1
Eric J. HobsBawm - "A Era das Revoluções", p. 43-94. A revolução francesa deu origem ao
modelo ideológico liberal, traduzindo o rompimento com as estruturas existentes (economia agrária,
aristocracia, imobilidade social, privilégios, etc.) e possibilitando a ascensão econômica, política e
social da burguesia. A França forneceu, além dos temas da política liberal, o conceito e o
vocabulário do nacionalismo, os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o
sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A igualdade, a liberdade e a fraternidade
representavam os princípios deste novo modelo.
2
Robert L. Heilbroner - "A Formação da Sociedade Econômica", p. 96-174. Darcy Ribeiro - "O
Processo Civilizatório", p. 190-227. A revolução industrial ocupou-se da produção de bens,
colocando as atividades industriais no centro das atenções político, econômico e social. A formação
da classe operária - e o desenvolvimento do sindicalismo como importante instituição social - fez
surgir a idéia de uma sociedade de massa. Introduziu-se, de forma decisiva e ainda que paulatina,
uma tecnologia pela qual o aumento constante da produção - em larga escala - veio a se consolidar.
A revolução industrial caracterizou-se, ainda, pela produção em massa e o consumo. Ainda sobre o
tema: Antonio Pinto Monteiro – A Proteção do Consumidor em Serviços Públicos Essenciais”,
artigo inserido na Revista AJURIS, março de 1.998, edição especial, p. 220-221.
2
interesse coletivo). Logicamente, o impacto foi maior nos Estados Unidos e na
Europa e menor, nos demais países.
Em nossa dissertação de mestrado
3
, destacou-se a
influência da revolução industrial no Brasil, a partir do magistério de Celso Furtado
4
:
No Brasil, explica Celso Furtado, a evolução econômica
representou um caso especial, se comparado às demais
economias subdesenvolvidas. Houve uma conjugação
entre o controle da exportação por grupos nacionais, a
abundância dos recursos naturais e a grandeza do
mercado interno em formação. Os lucros do setor
cafeicultor acarretaram a absorção da economia de
subsistência preexistente e promoveram a imigração
européia, propiciando a expansão do setor monetário e
dando origem à formação de um mercado interno
relativamente grande. Tudo isto abriu caminho aos
investimentos industriais. Inicialmente, numa primeira
etapa que ocorreu pouco antes da Primeira Guerra
Mundial, o Brasil e outros países subdesenvolvidos
(Argentina, Chile e México) experimentaram um processo
de industrialização induzido pelo crescimento e
diversificação da procura global por produtos primários.
Em 1.929, a participação da produção industrial no
produto interno bruto do Brasil era de 11,7%. Houve no
Brasil e naqueles países subdesenvolvidos,
posteriormente, uma segunda fase de industrialização
substitutiva das importações, mas que, a partir de certo
3
Alexandre David Malfatti – “Direito à Informação no Código de Defesa do Consumidor”, Alfabeto
Jurídico, p. 138.
4
Celso Furtado - "Teoria e política do desenvolvimento econômico", p. 188-203. Ainda sobre o
tema, confira-se Darcy Ribeiro - "O Processo Civilizatório", p. 204.
3
ponto, acabou por exigir custos crescentes em razão das
limitações impostas pela base dos recursos naturais, das
dimensões do mercado local e da dependência
tecnológica.”
No mesmo estudo
5
, destacou-se que a sociedade
industrial não resolveu os problemas sociais, mas deixou transparecer a impotência
do modelo liberal para solucionar os conflitos de massa.
Depois da Segunda Guerra mundial, pode-se dizer que
surgiu uma nova sociedade: a “sociedade pós-industrial” ou “sociedade de
informação”
6
.
Agora, a globalização e a exclusão dominam os
discursos econômicos e sociais
7
. Evidentemente, o incremento tecnológico viabiliza,
neste século XXI, ainda mais a produção de bens e serviços com menos
funcionários e com diminuição de custos. A massa operária que ocupava as
fábricas já não tem o mesmo tamanho.
5
Alexandre David Malfatti Op. cit., p. 138. Destacou-se: “A preocupação com a igualdade limitou-
se à igualdade de posições jurídico-formais entre as pessoas, ou seja, à garantia de que as trocas
respeitavam os cânones da justiça comutativa (sem vício pela disparidade de poderes). O
liberalismo e a democracia pareciam mais inimigos que aliados; o tríplice slogan da revolução
francesa - liberdade, igualdade e fraternidade - expressava melhor uma contradição do que uma
combinação”.
6
Sobre o tema: a) João Calvão da Silva - "Responsabilidade Civil do Produtor", p. 09-27, b)
Domenico de Mais -A Sociedade Pós-Industrial”, p. 09-101. c) Alain Touraine - "Poderemos
Viver Juntos ? iguais e diferentes", p. 10-25, d) Alvin Toffler - "A Terceira Onda", passim e) Peter
Drucker - "Sociedade Pós-Capitalista", passim.
7
Alain Touraine - "Poderemos Viver Juntos ? iguais e diferentes", p. 15. Destaca-se a seguinte
passagem: "Ainda ontem, para compreender uma sociedade, procurávamos definir suas relações
sociais de produção, seus conflitos, seus métodos de negociação. Falávamos de dominação, de
exploração, de reforma ou de revolução. Hoje só falamos de globalização ou de exclusão, de
distância social crescente, ou, ao contrário, de concentração de capital ou de capacidade de difundir
mensagens e formas de consumo. Tínhamos nos acostumado a nos situar, uns em relação aos
outros, em escalas sociais, de qualificação, de renda, de educação ou de autoridade; substituímos
essa visão vertical por uma visão horizontal: estamos no centro ou na periferia, dentro ou fora, na luz
ou na sombra."
4
Nesta linha, os conflitos de massa ultrapassam os limites
da relação de trabalho, incidindo sobre outros temas como meio ambiente, valores
culturais, consumo, saúde, educação, habitação, etc. Como salientado pelo
professor Sérgio Shimura
8
, às lesões às pessoas, sejam na qualidade de
consumidores, contribuintes, moradores e mutuários, têm aumentado
significativamente.
Até mesmo o papel do Estado neste início de século XXI
é questionado, em que sua nova estrutura operacional poderá ser um warfare state,
um workfare state ou um welfare state.
O movimento consumerista é qualificado como um
movimento de massa. A coletividade dos consumidores possui interesses e direitos
comuns e que, em grande parte, se contrapõem aos interesses e direitos dos
empresários (fornecedores).
Trata-se do típico exemplo de massificação das relações
jurídicas. E, nesta nova fase social, introduz-se a discussão sobre o acesso à
Justiça, para que os direitos sociais (ao trabalho, à saúde, à segurança material, ao
consumo e à educação) sejam assegurados (efetivados e não apenas
proclamados)
9
.
No conflito de massa oriundo da relação de consumo,
tem-se numa ponta o empresário que detém a tecnologia da produção ou da
prestação de serviços. Usualmente, além do conhecimento, o empresário é
poderoso economicamente. Na outra ponta, há o consumidor que, além de não
possuir o conhecimento da aludida tecnologia, apresenta-se como uma pessoa de
limitada capacidade econômica.
8
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua Efetividade”, p. 35.
9
Mauro Cappelletti - artigo “Formas Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil”, Revista
de Processo no. 05/128. No Brasil: a) Ada Pellegrini Grinover - palestra “A tutela jurisdicional dos
interesses difusos” apresentada em 1.978 à conferência nacional da Ordem dos Advogados,
posteriormente atualizada e reproduzida no livro “O processo em sua unidade - II”, Forense, 1.984,
págs. 88/121 e b) José Carlos Barbosa Moreira - nos artigos “A ação popular no direito brasileiro
como instrumento de tutela dos chamados “interesses difusos””, publicado na obra “Temas de
5
A fraqueza do consumidor é notória, traduzindo um
desequilíbrio de forças, como acentuado por Sérgio Shimura
10
, em que o lesado
não dispõe da mesma capacidade técnica e nem de fôlego financeiro para enfrentar
o causador da lesão. O conflito entre aquelas forças desiguais ganha visibilidade e
repercussão.
Por isso, a “proteção do consumidor” como anotado por
João Calvão da Silva
11
desperta um grande interesse tanto na sociedade como nos
órgãos de poder estatal e retrata a confluência de dois movimentos em prol dos
cidadãos: a) o consumerismo e b) o efetivo acesso à Justiça.
Todavia, a insuficiência do modelo liberal tornou
insatisfatórias as soluções do direito civil e do processo civil
12
tradicionais, na busca
de uma resposta satisfatória ao conflito social entre consumidores e empresários ou
mesmo para o efetivo acesso à Justiça
13
.
Direito Processual”, e “A legitimação para a defesa dos interesses difusos no direito brasileiro”,
publicado na Revista Forense número 276/1.
10
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua Efetividade”, p. 36.
11
João Calvão da Silva – “Responsabilidade Civil do Produtor”. No livro há rica indicação
bibliográfica sobre a história da proteção do consumidor, p. 28-43, destacando-se: “Esse imperativo,
o imperativo de proteção do consumidor, rapidamente foi guindado a “postulado político”, comum
aos diversos países economicamente desenvolvidos. Isto explica, de um lado, que a proteção ao
consumidor e a sua problemática passassem a ser tratadas de um modo geral, global e sistemático,
e que, por outro, fosse crescente o empenhamento consciente na matéria dos órgãos legiferantes”.
12
Como ilustra o professor Sérgio Shimura – Tutela Coletiva e sua Efetividade”, p. 36, destacando-
se: “As formas tradicionais de reunião de direitos em um único processo por meio do litisconsórcio,
também nem sempre se mostram adequadas, pelos inúmeros incidentes que cada litigante pode
gerar (ex.: prazos em dobro, incontáveis recursos, habilitação em caso de falecimento, etc.), tudo
conspirando contra a celeridade. De outro lado, a fragmentação de milhares de processos, tendo
como pano de fundo a mesma hipótese fática (ex.: um produto defeituoso lançado no mercado), leva
à dispersão e à contradição das decisões, constituindo fator de perplexidade ao jurisdicionado, além
de sobrecarga da máquina judiciária”.
6
1.2. A proteção do consumidor na Europa e nos Estados Unidos.
Jorge Pegado Liz
14
ensina que o movimento de proteção
do consumidor tem origem nos Estados Unidos com a criação de instituições –
Consumers Research In.”, em 1.929 e “Consumers Union of the United States”, em
1.936 – voltadas ao estudo de produtos e à informação aos consumidores.
Na mesma época, na Europa também começaram a
surgir as primeiras instituições e publicações em favor dos consumidores: a) na
Inglaterra, a “Consumers Association” é fundada em 1.957; b) na Alemanha a
Federação das uniões dos consumidores data de 1.953; c) na França, desde os
anos 50 existe a “Union Féderale de la Consommation (UFC)”; c) na Dinamarca, em
1.947 foi fundado o “Danske Forbrugerrad” (Conselho Dinamarquês de
Consumidores); na Suécia, em 1.956 foi criado o “Statens Konsument Rad
(Conselho Nacional de Consumo); d) na Noruega, em 1953 foi criado o
Forbrukerradet” (Conselho dos Consumidores) e na Itália, em 1.955 foi fundada a
Unione Nazionale Consumatori”.
Como reconhecido pela doutrina
15
, o marco para o
movimento consumerista ocorreu em 15 de março de 1.962 com a proclamação
pelo presidente Kennedy da mensagem dirigida ao Congresso com os direitos
fundamentais dos consumidores, sublinhando a célebre frase: "somos todos, por
13
Não bastava a simples aplicação do princípio "pacta sunt servanda" (dogma da liberdade
contratual). Além disso, era insuficiente a previsão abstrata no ordenamento jurídico para exercício
do direito de ação perante o Poder Judiciário, como concretização do acesso à Justiça.
14
Jorge Pegado Liz - “Introdução ao Direito e à Política do Consumo”, p. 29-43. Confira-se, ainda:
J. M. Othon Sidou - Proteção do Consumidor”, p. 11-41.
15
Dentre outros, confiram-se os seguintes autores: Jean Calais- Auloy e Frank Steinmetz - "Droit
de la consommation", p. 02; Guido Alpa - "Tutela del consumatore e controlli sull'impresa", p. 28,
João Calvão da Silva - Ibidem, p. 29; Carlos Ferreira de Almeida - "Os Direitos dos
Consumidores", p. 30; Jorge Pegado Liz – “Ibidem, p. 31; Maria José Reyes Lópes - "Derecho de
Consumo", p. 25; Javier Prada Alonso - "Protección del Consumidor Y Responsabilidad Civil", p.
21; José B. Acosta Esteves - "Tutela Procesal de los consumidores", p. 61-62; Gabriel A Stiglitz e
Rubén S. Stiglitz - "Derechos Y Defensa Del Consumidor", p. 30; José Geraldo Brito Filomeno -
"Manual de Direitos do Consumidor", p. 23; João Batista de Almeida - "A Proteção Jurídica do
Consumidor", p. 09.
7
definição, consumidores". Naquela data, é comemorado o dia internacional do
consumidor.
No Tratado de Maastricht (1.992), a tutela do consumidor
foi assumida como política da Comunidade Européia (artigo 129-A)
16
. Ainda no
campo da União Européia, merecem referência algumas Diretivas que assumem
grande importância na área das relações de consumo
17
: a) 85/374/CEE, de 25/7
(responsabilidade por produtos defeituosos); b) 85/577/CEE, de 20/12 (contratos
negociados fora do estabelecimento comercial); c) 87/102/CEE, de 22/12, e
90/88/CEE, de 22/2 (crédito ao consumo); d) 90/314/CEE, de 13/6 (viagens, férias e
circuitos organizados); e) 92/59/CEE, de 29/6 (segurança geral dos produtos);
f)93/13/CEE, de 5/4 (cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os
consumidores); g) 94/47/CEE, de 26/10 (“time sharing”); h) 97/7/CE, de 20/5
alterada pela 2002/65/CE, de 23/9 (contratos negociados à distância); i) 97/36/CE,
de 30/6, e 97/55/CE, de 6/10 (publicidade); j) 1999/44/CE, de 25/5 (venda de bens
do consumo e garantias).
Na Europa vários foram os caminhos adotados para
atender a necessidade de tutela do consumidor: modificação e criação de institutos
jurídicos, constituições, leis, etc.
Em Portugal, o artigo 60 da Constituição da República
dispõe:
16
Antonio Pinto Monteiro – Introdução ao Direito do Consumidor”, p. 05. O autor esclarece que,
antes disso, na Europa outras iniciativas já prestigiavam o “consumerismo”: Carta de Proteção do
Consumidor, Conselho da Europa (1.973); Programas da Comunidade Européia (Programa
Preliminar, de 1.975, seguido pelos de 1.981 e 1.986); Ato Único Europeu (1.986, artigo 100-A).
Sobre o Ato Único , de 17.2.1.986, confira-se também a obra de Rui Manuel Gens de Moura
Ramos – “Das Comunidades à União Europeia”, p. 145-195.
17
Antonio Pinto Monteiro – Introdução ao Direito do Consumidor”, p. 08. Confira-se também: a)
Jorge Pegado Liz – Introdução ao Direito e à Política do Consumo”, p. 119-120, esclarecendo que
o Tratado de Maastricht, ao instituir a União Européia, substituiu a expressão “Comunidade
Econômica Européia” por “Comunidade Européia”, b) Revista de Direito do Consumidor n. 60 de
Outubro-Dezembro de 2.006, p. 347.
8
"1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e
serviços consumidos, à formação e à informação, à
proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses
econômicos, bem como à reparação de danos.
“2. A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas
todas as formas de publicidade oculta, indireta ou dolosa.
“3. As associações de consumidores e as cooperativas
de consumo têm direito, nos termos da lei, ao apoio ao
Estado e a ser ouvidas sobre questões que digam
respeito à defesa dos consumidores, sendo-lhes
reconhecida legitimidade processual para defesa dos
seus associados ou de interesses coletivos ou difusos".
Além da natureza constitucional da tutela do consumidor,
a Lei n. 24/96 (revogou a Lei n. 29/81) cuidou do regime legal aplicável à defesa dos
consumidores em Portugal
18
.
Na Espanha, o artigo 51.1. da Constituição dispõe
19
:
18
Também outras leis esparsas regularam a proteção do consumidor, dentre outras: Decreto-Lei n.
154/97 que disciplinou o Conselho Nacional de Consumo (CNC); Decreto-Lei n. 383/89 que cuidou
da responsabilidade do produtor por produtos defeituosos; Decreto-Lei n. 272/87 (modificado pelo
Decreto-Lei n. 245/95, de 13/9) que regulamentou a venda a domicílio e por correspondência,
vedando as vendas em cadeia e as vendas forçadas; e o Decreto-Lei 446/85 (com modificações
introduzidas pelo Decreto-Lei n. 220/95, de 31/8 e 249/99, de 07/7) que disciplinou as cláusulas
contratuais gerais; Decreto-Lei n. 330/90 (alterado, por último, pelo Decreto-Lei 275/98, de 09/9) que
disciplinou o “Código da Publicidade”; Decreto-Lei n. 359/91 que regulou o crédito ao consumo; a Lei
n. 83/95 que cuidou da ação popular; a lei n. 23/96 que cuidou dos serviços públicos essenciais;
Decreto-Lei n. 209/97 que regulamentou as viagens, férias e circuitos organizado, Decreto-Lei n.
234/99 que criou o Instituto do Consumidor; Decreto-Lei n. 249/99 que regulamentou o regime das
cláusulas gerais; Decreto- Lei n. 67/2003, que transpôs para a ordem interna a Diretiva n. 199/44/CE
sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e garantias a elas relativas e Decreto-Lei n.l
156/2005, que estabeleceu obrigatoriedade de disponibilização do livro de reclamações a todos
fornecedores que tenha contato com público.
19
Tradução livre do autor, a partir do seguinte texto original: “1. Los poderes públicos
garantizám la defensa de los consumidores y usuarios, protegiendo, mediante procedimientos
9
"1. Os poderes públicos garantirão a defesa dos
consumidores e dos usuários, protegendo, mediante
procedimentos eficazes, a segurança, a saúde, e os
legítimos interesses econômicos dos mesmos.
“2. Os poderes públicos promoverão a informação e a
educação dos consumidores e usuários, fomentarão suas
organizações e apoiarão a estas nas questões que possa
afetar aqueles, nos termos em que a lei estabeleça.
“3. Em respeito ao disposto nos itens anteriores, a lei
regulará o comércio interior e o regime de autorização de
produtos comerciais.”
Além da natureza constitucional da tutela do consumidor,
a Lei n. 26/1984 foi denominada lei geral para a defesa dos consumidores e
usuários. Em 27.12.2006, foi aprovado um projeto de lei que melhora a disciplina
dos consumidores (projeto n. 83)
20
.
As Constituições da França e da Itália não explicitam a
proteção do consumidor. Naqueles países a natureza constitucional costuma ser
extraída da dignidade da pessoa humana. Na Itália, o Decreto Legislativo n. 206, de
06.09.2005 estabeleceu o “Codice del Consumo”. Na França, a Lei n. 93-949, de
eficaces, la seguridad, la salud y los legítimos intereses económicos de los mismos. “2. Los poderes
públicos promoverám la información y la educación de los consumidores y usuarios, fomentarán sus
organizaciones y oirám a éstas em las cuestiones que puedam afectar aquéllos, en los términos
que a Lei estabelezca. “3. En marco de lo dispuesto por los apartados anteriores, la Ley regulará el
comercio interior y el régimen de autorización de productos comerciales".
20
Outras leis que interessam à proteção do consumidor: a) Lei n. 33/88, lei geral da publicidade. A
Lei n. 3/91, de concorrência desleal, b) Lei n. 26/91, sobre os contratos celebrados fora dos
estabelecimentos mercantis, c) Lei n. 22/1994 cuidou da responsabilidade civil por danos causados
por produtos defeituosos e d) Lei n. 29/2006, dispõe sobre garantias e uso racional dos
medicamentos e produtos sanitários.
10
26.07.1993 representando uma consolidação das leis anteriores no chamado “Code
de la Consommation
21
.
O direito europeu acompanhou uma nova demanda
social, como destacado por autorizada doutrina dos diversos países
22
23
24
25
26
.
21
Anteriormente, a legislação francesa sobre direito do consumidor estava espalhada em diversas
leis: a) Lei Royer, de 27.12.1.973, que cuidava da orientação do comércio e do artesanato; b) Lei n.
22/78, de 10.01.1.978, que protegia o consumidor contra os perigos do crédito; c) Lei n. 23/78, de
10.01.1.978, disposições diversas, ressaltando-se aquelas que visavam eliminar as cláusulas
abusivas; d) Lei de 13.7.1.979 que protege as pessoas no crédito imobiliário; e) Lei de 21.7.1.983
relativa à segurança dos consumidores organizando a prevenção de acidentes causados por
produtos e serviços; f) Lei de 5.1.1.988, cuidando da autorização das associações para agir em
Juízo para a defesa dos interesses coletivos dos consumidores; g) Lei de 06.01.1.988,
regulamentando a venda a distância; Lei de 06.7.1.989 (conhecida como “Lei Mermaz”); h) Lei de
31.12.1.989 (“Lei Neiertz”); i) Lei de 18.1.1.992, com várias disposições, destacando-se a
publicidade comparativa e institui a ação em representação conjunta
22
Em Portugal: a) Carlos Alberto da Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil", p. 75, b) Carlos
Ferreira de Almeida - "Os Direitos dos Consumidores", p. 12 e "Texto e Enunciado na Teoria do
Negócio Jurídico", p. 959-969, c) João de Matos Antunes Varela - "Das Obrigações em Geral", vol.
1, p. 256-257, d) Antonio Pinto Monteiro – Além do artigo citado anteriormente, outras
manifestações do ilustre jurista merecem lembrança. "El problema de las condiciones generales de
los contratos y la directiva sobre cláusulas abusivas en los contratos dos consumidores", artigo
inserido na Revista de Derecho Mercantil n. 219, e) João Calvão da Silva - Ibidem, p. 31-78, f)
Jorge Ferreira Sinde Monteiro - "Responsabilidade por Conselhos ou Informações", p. 372-375, g)
Ana Prata - "A Tutela Constitucional da Autonomia Privada", Livraria Almedina, 1.982, Coimbra, p.
207, h) Mário Frota - "Auto-Regulamentação: Vantagens e Desvantagens", artigo inserido na
Revista de Direito do Consumidor n. 04, p. 42-90, i) Jorge Pegado LizIbidem, p. 11-24, j) Monte,
Mario Ferreira - "Da Proteção Penal do Consumidor", p. 69-86, l) Augusto Silva Dias - "A Proteção
Jurídico Penal de Interesses dos Consumidores", apostila da matéria ministrada no Curso de Pós-
graduação em Direito do Consumo, Universidade de Coimbra (1.999), p. 1-26, m) Joaquim de
Sousa Ribeiro - "O Problema do Contrato - As cláusulas contratuais gerais e o princípio da
liberdade contratual", p. 324-340.
23
Na Espanha: a) A. Bercovitz - "Estudios jurídicos sobre protección de los consumidores",
Madrid, 1987, apud Maria Angeles Parra Lucan, "Daños por Productos Y Proteccion del
Consumidor", b) Luis Díez-Picazo - "Derecho de Daños", p. 139-157, c) José Luis Concepción
Rodríguez - "Derecho de Daños", p. 415-448, d) Maria Angeles Parra Lucan - "Daños por
Productos Y Proteccion del Consumidor", p. 20, e) Maria José Reyes Lopes - "Derecho de
Consumo", obra coletiva com os seguintes autores: L. Abellán Tolosa, J.P. Fernández Gimeno, A.
Fontana Puig, P. Martorell Zulueta e A. Reyes Lópes, p. 21-42, f) José B. Acosta Esteves - "Tutela
Procesal de los consumidores", p. 50-67, g) Javier Prada Alonso - "Protección del Consumidor Y
Responsabilidad Civil", p. 13-34.
24
Na Itália: a) Mauro Cappelletti - artigo “Formas Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça
Civil”, Revista de Processo no. 05/128. Confira-se sobre o tema, ainda, a obra “Acesso à Justiça”, b)
Enzo Roppo - “O Contrato”, p. 37-38, c) Guido Alpa - "Tutela del consumatore e controlli
sull'impresa", p. 09-32, d) Ugo Ruffolo - "Interessi Collettivi o Diffusi e Tutela del Consumatore", vol.
I, p. 08-12, "La Tutela Individuale e Collettiva del Consumatore", vol. I, p. 1-28; "Clausole Vessatorie
e Abusive", p. 1-14, e) Massimo Bianca - "Diritto Civile - Il Contratto", vol. 3, p. 371-405, f) Ugo
Carnevali – La Responsabilitá per Danno da Prodotti Difettosi”, obra coletiva, p. 01-05, g) Pietro
11
O reconhecimento de que o consumidor europeu
necessita de proteção torna induvidoso que, por maiores razões de cunhos social e
econômico, também o consumidor dos países latino-americanos demandem uma
maior tutela. O Brasil não deve fugir à regra da necessária proteção do consumidor.
1.3. A proteção do consumidor no Brasil.
A história da defesa do consumidor no Brasil apresentou
como registro inicial, na precisa lição de J. M. Othon Sidou
27
, a tentativa do
deputado Nina Ribeiro, em 1.971, para implantação do Conselho de Defesa do
Consumidor. Contudo, o projeto que acabou rejeitado pela comissão de
Constituição e Justiça da Câmara Federal.
O país somente viu ser concretizada uma iniciativa
pública de tutela do consumidor, em 1.976, diante da criação em São Paulo do
Sistema de Proteção ao Consumidor – PROCON (Decreto n. 7.890, de 06.5.1.976).
Posteriormente, com a edição da Lei n. 7.347/85 (Lei da
Ação Civil Pública – LACP), houve a disciplina normativa da tutela do consumidor
em Juízo em relação aos direitos coletivos. Mas foi a partir da Constituição Federal
de 1.988 que a proteção do consumidor ganhou contornos mais profundos.
Trimarchi - "Istituzioni di Diritto Privato", p. 44-46, 144-145, h) Elena Poddighe –I Contrati com I
Consumatori”, p. 02-35, i) Antonella Valsecchi – I Pressuposti della Responsabilità del Produtore e
il quadro normativo nazionale”, artigo inserido na obra coletiva "Responsabilità del produttore e
nuove forme di tutela del consumatore", p. 03-22.
25
Na França: a) Gerard Cãs e Didier Ferrier – Traité de Droit de la Consommation”, p. 177, b)
Jean Calais-Auloy e Frank Steinmetz – Droit de la consommation”, 16-19.
26
Na Bélgica: Thierry Bourgoignie – Droit des Consommateurs”, passim, bem como o artigo “O
Conceito Jurídico do Consumidor”, Revista do Direito do Consumidor n. 02/07
27
J. M. Othon Sidou Ibidem, p. 75-84.
12
A Constituição Federal de 1.988 dispôs expressamente
sobre a obrigação do Estado defender o consumidor, na forma da lei, a teor do seu
artigo 5
o
, inciso XXXII
28
.
Na condição de direito fundamental, pode-se concluir que
o cidadão enquanto consumidor deve contar com a proteção do Estado.
Em outras palavras, a defesa do consumidor configura
um direito fundamental com cunhos negativo e positivo, tendo como titulares os
cidadãos, individual e coletivamente considerados
29
.
Entendo
30
que, enquanto limite da atuação estatal, a
proteção do consumidor assume verdadeira obrigação negativa dos diversos
Poderes Públicos e da própria sociedade, que não poderão agir de forma a
prejudicar o interesse do consumidor. Nenhuma política pública como ato do Poder
Executivo, nenhuma lei como ato do Poder Legislativo e nenhum julgamento como
ato do Poder Judiciário poderão atuar contra os legítimos interesses do consumidor.
E também em relação à sociedade, como direito fundamental, a defesa do
consumidor deverá servir como limite da autonomia privada.
Além disso, a defesa do consumidor traduz um princípio
da ordem econômica, consignado no artigo 170, inciso V da Constituição
Federal
31
.Importante salientar que o princípio da defesa do consumidor como norma
28
Artigo 5
o
, inciso XXXII, in verbis: "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".
A inclusão da defesa do consumidor como direito fundamental representou verdadeira inovação na
ordem constitucional, porquanto inexistente nas Cartas anteriores.
29
Artigo 170, inciso V da Constituição Federal
29
, in verbis: “A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: “I - ...“V – defesa do
consumidor.”Ou seja, a defesa do consumidor é um direito fundamental que se identifica com as
segunda e terceira gerações dos direitos humanos.
30
Alexandre David Malfatti – “Princípio da Informação no Código de Defesa do Consumidor”, p. 80-
87. Na dissertação de mestrado, aprofundou-se na análise da vinculação dos Poderes à
concretização daquele direito fundamental.
31
Também neste passo houve inovação do poder constituinte, já que o artigo 157 da anterior Carta
de 1.967 cuidava dos princípios da ordem econômica sem qualquer referência à da defesa do
13
fundamental da ordem econômica incide ao lado do princípio da livre concorrência e
dos outros explicitados no referido artigo
32
.
Usualmente, a defesa do consumidor, a livre
concorrência e os demais princípios jurídicos da ordem econômica atuarão
conjuntamente e em harmonia
33
, porém sempre conformados com o princípio geral
de direito supremo da dignidade da pessoa humana. Cada situação exigirá uma
acomodação dos princípios jurídicos da ordem econômica, de forma que todos
tenham a máxima efetividade possível
34
.
A localização da defesa do consumidor como princípio da
ordem econômica, na feliz lição de Lafayete Josué Petter
35
, determina a
aproximação das políticas ligadas à proteção do consumidor e do mercado, de
modo a fazer com que nenhuma medida seja adotada sem atenção para aquela
norma. Isto é, quando se agir – nas esferas dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário ou mesmo nas relações privadas – dentro da ordem econômica, não
poderá haver prejuízo aos direitos dos consumidores.
consumidor.
32
Como princípios (normas), haverá uma incidência conjunta e acomodada. As situações de colisão,
usualmente, traduzem conflitos apenas aparentes. O professor Claus – Wilhelm Canaris
Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito”, p. 200-241, explica que de
fato dos conflitos, por essência, entram constantemente em conflito, o que não significa uma
irremediável contradição. Cada situação de acomodação dos princípios jurídicos traduzirá os limites
da atuação de cada um deles. Em situações excepcionais de atos legislativos, executivos,
jurisdicionais ou negociais que envolvam uma opção - de exclusiva atuação - entre os diversos
princípios da ordem econômica, deverá o intérprete privilegiar aquele que tenha maior peso na
busca da realização do princípio supremo da dignidade da pessoa humana.
33
Nelson Nery Júnior - "Os princípios Gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor",
artigo inserido na Revista de Direito do Consumidor n. 03/44-77.
34
Somente em alguma situações excepcionais de atos legislativos, executivos, jurisdicionais ou
negociais que envolvam uma opção - de exclusiva atuação - entre os diversos princípios da ordem
econômica, deverá o intérprete privilegiar aquele que tenha maior peso na busca da realização do
princípio supremo da dignidade da pessoa humana. Acolhe-se o critério sugerido por Robert Alexy
- "Teoria de Los Derechos Fundamentales", p. 89-97.
35
Lafayete Josué Petter – Princípios Constitucionais da Ordem Econômica – O significado e o
alcance do art. 170 da Constituição Federal”, p. 230-241. Como observa o autor, ainda, o princípio
da defesa do consumidor deve conviver também com os demais princípios da ordem econômica,
inclusive a proteção ao meio ambiente.
14
O pensamento representado pela norma inserida no
artigo 170, inciso V da Carta não deixa margem a dúvidas: desenvolver a atividade
econômica e, por exemplo, reprimir infrações à concorrência ou à livre iniciativa
deve ensejar uma solução benéfica ao consumidor – ou, ao menos, que não lhe
prejudique.
Oportuna a advertência do sempre brilhante jurista Fábio
Konder Comparato
36
: não era a localização no texto constitucional - mera aparência
da exegese literal do direito - que levava o intérprete (aplicador) dos princípios
constitucionais a definir a incidência com maior intensidade ou com exclusividade
de um deles em determinado dos outros.
O nobre professor da Universidade de São Paulo
indagou sobre eventual subordinação do princípio da defesa do consumidor ao
princípio da livre iniciativa pelo fato deste último constar como um dos fundamentos
da República no artigo 1
º
, inciso IV da Constituição Federal de 1.988 e acabou
concluindo que eles tinham, no mínimo, igual importância. O ilustre professor trouxe
à lembrança a lição de Adam Smith de que o objetivo natural e racional do sistema
econômico era de servir aos consumidores e não aos produtores, donde é possível
extrair que o princípio da defesa do consumidor era mais importante do que o
princípio da livre iniciativa.
Na trilha da concretização da defesa do consumidor
como direito fundamental e como princípio da ordem econômica, foi editada a Lei n.
8.078, de 11 de setembro de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC).
A disciplina das relações de consumo – ou defesa do
consumidor – é feita, a partir de então, de um sistema normativo formado por
princípios constitucionais e por um microssistema de princípios e dispositivos do
Código de Defesa do Consumidor. A lei no. 8.078/90 (Código de Defesa do
36
Fábio Konder Comparato - "A proteção do consumidor na Constituição Brasileira de 1988",
artigo inserido na Revista de Direito Mercantil n. 80/66-75.
15
Consumidor, CDC) cuidou da regulamentação da relação de consumo,
estabelecendo normas de ordem pública e de interesse social
37
tanto para a
proteção do consumidor (sujeito da relação jurídica) como para preservação da
própria relação jurídica de consumo.
Como salientado pela professora Suzana Maria Pimenta
Catta Preta Federighi
38
, o Código de Defesa do Consumidor implementou um direito
constitucionalmente concebido, criando um microssistema de coerência interna e
lógica, que não tem como ser mitigada.
Além de estabelecer normas de ordem pública e
interesse social, como assinalado alhures, o Código de Defesa do Consumidor
pode ser qualificado como uma lei principiológica. A tutela por uma lei dita
“principiológica” é de suma importância, porquanto o conteúdo normativo integrado
por princípios reforça a sua eficácia e valoriza o seu conteúdo. Aliás, porque
formada por princípios (normas generalíssimas), a lei tem a vocação para ser ampla
no seu conteúdo e alcance, sendo capaz de atender as necessidades decorrentes
das modificações sociais
39
.
O artigo 4
º
do Código de Defesa do Consumidor
disciplinou a Política Nacional de Relações de Consumo, explicitando como objetivo
principal o atendimento às necessidades dos consumidores: dignidade, saúde,
segurança, proteção dos interesses econômicos e melhoria da qualidade de vida.
37
Em razão disso, sustenta o professor Nelson Nery Júnior – Os Princípios Gerais do Código de
Defesa do Consumidor”, artigo inserido na Revista de Direito do Consumidor n. 03/71-77, que as
disposições do CDC, como normas de ordem pública, podem ser conhecidas e aplicadas de ofício
pelo juiz (não incidindo o princípio dispositivo) e sobre elas não se opera a preclusão (podem ser
conhecidas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive com a possibilidade de
reformatio in pejus”). A respeito, também, os magistérios de Rizzato Nunes – “Curso de Direito do
Consumidor” – p. 65-69 e James Marins – “Código do Consumidor Comentado”, p. 16-17.
38
Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi – “Publicidade Abusiva – Incitação à Violência”, p.
69.
39
Alexandre David Malfatti – “Princípio da Informação no Código de Defesa do Consumidor”, p. 80-
87. Na dissertação de mestrado, aprofundou-se na análise do tema, destacando-se os magistérios:
a) Nelson Nery Júnior - “Código de Defesa do Consumidor – Comentado pelos Autores do
Anteprojeto”, p. 432 e b) José Afonso da Silva – “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 506
16
Além disso, a relação de consumo deve ser desenvolvida com harmonia e
transparência.
A tutela da relação jurídica de consumo – traçando-se os
princípios das relações de consumo, numa visão mais abrangente do que a
proteção do consumidor enquanto sujeito de direitos e obrigações – configura a
preocupação com o próprio sistema como um todo. Isto é, merecem a proteção
legal: sociedade de consumo, mercado de consumo, consumidor, fornecedor, bens,
serviços, etc.
40
.
Em outros termos, como já destacado, a necessidade de
proteção do consumidor existe numa perspectiva de equilibrar uma relação jurídica
desigual. Não para criar outra desigualdade. Em razão da constatação de uma
relação jurídica desproporcional entre consumidor e fornecedor, foram criados
instrumentos de direito (material e processual) protetivos do primeiro, objetivando-
se a harmonização e o equilíbrio daquela relação jurídica com a efetivação do
princípio constitucional da igualdade real (artigo 5
º
da CF)
41
.
O artigo 4
o
. do Código de Defesa do Consumidor
menciona os princípios informadores da relação de consumo, os quais podem ser
assim classificados
42
: a) princípios ligados à proteção do consumidor e b) princípios
ligados à preservação da relação jurídica de consumo.
Princípios ligados à proteção do consumidor.
40
João Batista de Almeida – A Proteção Jurídica do Consumidor”, p. 33. No mesmo sentido:
James Marins – “Código do Consumidor Comentado”, p. 42-43.
41
Nelson Nery Júnior – Os Princípios Gerais do Código de Defesa do Consumidor”, artigo inserido
na Revista de Direito do Consumidor n. 03/71-77.
42
James Marins - “Código do Consumidor Comentado”, p. 44 assim classificou os princípios: (i)
princípio da vulnerabilidade; (ii) princípio do dever governamental; (iii) princípio da garantia da
adequação; (iv) princípio da boa-fé nas relações de consumo , (v) princípio da informação; (vi)
princípio do acesso à Justiça.
17
A vulnerabilidade do consumidor deve ser compreendida
como uma norma – geral – que traduz a presunção da fraqueza do consumidor no
mercado de consumo. Entendo que a vulnerabilidade consubstancia uma
concepção abstrata da fraqueza do consumidor, tanto técnica como econômica,
pois o fornecedor é considerado o detentor do conhecimento técnico (titular da
tecnologia que produz os bens e presta os serviços) e o possuidor das condições
econômicas favoráveis (poder econômico)
43
. Os demais princípios acabam, de certa
forma, configurando um desdobramento da admissão da vulnerabilidade do
consumidor.
Na feliz lição do professor Frederico da Costa de
Carvalho Neto
44
, o operador do direito deve partir do princípio da vulnerabilidade do
consumidor, deixando de lado os conceitos ultrapassados – ausentes nas relações
de consumo - de homem médio e autonomia da vontade.
A ação governamental para a defesa do consumidor, nas
diversas esferas e de forma direta ou indireta. O Estado (ou as entidades da
administração) pode ajuizar as ações coletivas (art. 82, II do CDC), incentivar a
criação de associações, regular e fiscalizar o mercado de consumo (ao estabelecer
condições mínimas de qualidade dos produtos e serviços), garantir produtos e
43
Inevitável, neste passo, a indagação sobre a hipossuficiência (citada como um dos motivos da
inversão do ônus da prova, direito básico previsto no artigo 6
o
, inciso VIII do CDC) e sua diferença
da vulnerabilidade. Entendo que a hipossuficiência é a identificação da vulnerabilidade no caso
concreto apresentado ao juiz. Ou seja, a vulnerabilidade é um princípio genérico e abstrato e a
hipossuficiência um fato concreto. Na feliz lição do professor Antônio Herman de Vasconcellos e
Benjamin - “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor”, p. 343: “Vulnerável é todo consumidor,
ope legis. Hipossuficientes são certos consumidores ou certas categorias de consumidores, como
os idosos, as crianças, os índios, os doentes, os rurícolas, os moradores da periferia. Percebe-se,
por conseguinte, que a hipossuficiência é um plus em relação à vulnerabilidade”. No processo, o
juiz inverterá o ônus da prova se constatar que o consumidor realmente apresenta a fraqueza
(técnica ou econômica), porém não poderá se afastar do princípio de que o consumidor é vulnerável
(presume-se fraco no mercado de consumo); caberá ao fornecedor - para não se sujeitar à inversão
do ônus da prova - demonstrar que o consumidor tinha conhecimento técnico ou condições
econômicas para a produção da prova dos fatos constitutivos do seu direito.
44
Frederico da Costa Carvalho Neto – “Nulidade da Nota Promissória dada em Garantia nos
Contratos Bancários”, p. 86.
18
serviços com adequados padrões de qualidade, segurança, desempenho e
durabilidade
45
.
O controle de qualidade e segurança de produtos e
serviços traduz a tarefa fiscalizadora do Estado. Logicamente, há a
responsabilidade do fornecedor na exata dimensão de um correlato direito do
consumidor a um produto ou serviço fornecido dentro dos padrões estatais de
qualidade estabelecidos. Porém, a ausência ou insuficiência da atividade estatal
não livra o fornecedor da obrigação de colocar no mercado de consumo produtos e
serviços com segurança, durabilidade e desempenho.
A criação de meios eficientes de coibição de abusos
praticados no mercado de consumo. A conduta abusiva interessa, quando
prejudicar o consumidor. O sentido normativo é amplo e deve alcançar todas as
atividades estatais, tanto na fiscalização como no exercício do poder normativo
46
.
A racionalização e a melhoria dos serviços públicos
representam a tutela do consumidor, enquanto ele se relaciona com o Estado
fornecedor. Importante apontar que o Estado – direta ou indiretamente por
concessões, autorizações ou permissões, se sobressai como um grande fornecedor
no mercado de consumo.
Princípios ligados à preservação da relação de
consumo.
45
Como exemplos: a) a instituição de órgãos da administração direta ou indireta (fundações) ligadas
à União, Estados e Municípios com a finalidade de proteção do consumidor (PROCON); b) a
atuação do Ministério Público (Promotorias de Defesa do Consumidor); c) a função do INMETRO
(Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial); d) a criação do IDEC
(Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
46
A atuação das agências reguladoras, do Banco Central do Brasil (BACEN), do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) devem inserir a fiscalização da atividade econômica, a
disciplina normativa, a defesa da concorrência, etc. numa harmônica relação com a defesa do
19
A harmonização dos interesses dos participantes da
relação de consumo é um objetivo primordial da lei e, no foco do consumidor e do
fornecedor, as bases serão o equilíbrio e a boa-fé (de parte a parte).
A educação e a informação de fornecedores e
consumidores em relação aos seus direitos e obrigações revela, novamente, que
deve haver uma participação mútua no cumprimento dos deveres e no respeito dos
direitos. A exigência está direcionada aos dois sujeitos da relação jurídica de
consumo.
Na precisa lição do professor Eros Roberto Grau
47
, os
princípios consagrados no artigo 4
º
do Código de Defesa do Consumidor devem ser
qualificados como “normas-objetivo” :
A circunstância de existirem normas-objetivo que
determinem a interpretação de normas de organização e
conduta estreita terrivelmente a possibilidade dessa
opção, porque a única interpretação correta é aquela que
seja adequada à instrumentação da realização dos fins,
no caso, estipulados no artigo 4
º
do Código do
Consumidor.
“...
consumidor, configurando aplicação dos fundamentos da ordem econômica constitucional (artigo
170) reafirmados nas diversas leis (exemplo: artigo 1º. da lei n. 8.884/94).
47
Eros Roberto Grau -Interpretando o Código de Defesa do Consumidor; algumas notas” palestra
transcrita na Revista do Direito do Consumidor 05/183. Confiram-se ainda as anotações sobre o
magistério do professor acerca da norma-objetivo contidas na nossa dissertação de mestrado:
Alexandre David Malfatti – “Princípio da Informação no Código de Defesa do Consumidor”, p. 20-
53. No mesmo sentido: Newton De Lucca – “Direito do Consumidor”, p. 51, destacando-se: O art.
4
o
, retro transcrito, define uma série de princípios e, como tais, orientam a interpretação dos demais
dispositivos do Código no sentido de que eles sejam efetivamente preservados, não podendo uma
simples regra jurídica sobrepor-se à idéia contida no princípio.
20
“O intérprete deve repudiar qualquer solução
interpretativa que não seja à realização daqueles fins
inscritos na norma-objetivo do art. 4
º
.
“No caso do CDC, eu diria o seguinte: se o examinarem a
partir dessas duas pautas – em primeiro lugar
observando que há aqui norma-objetivo em estado puro
e, sem segundo lugar, que há princípios que jogam esse
papel na sua interpretação – verificarão que a tarefa de
interpretação encontra balizas claras traçadas pelo
legislador de 1.990”.
Os princípios jurídicos explicitados no artigo 4
º
do Código
de Defesa do Consumidor traduzem normas-objetivo do microssistema das
relações de consumo, com ampla e imediata eficácia e dirigidas aos Poderes
Públicos
48
e à própria sociedade.
Na execução da Política Nacional das Relações de
Consumo, o artigo 5
º
do CDC destaca os seguintes instrumentos: a) manutenção de
assistência jurídica, integral e gratuita ao consumidor; b) a criação de delegacias de
polícia especializadas em delitos de consumo; c) a criação de Promotorias de
Justiça do Consumidor; d) a criação de Juizados Especiais ou Varas Cíveis
especializadas em litígios de consumo e e) estímulo à criação de Associações de
defesa dos consumidores.
A manutenção de uma assistência jurídica específica e
gratuita ao consumidor traduz relevante instrumento. Contudo, o que se observa é
que a assistência jurídica é feita pela mesma estrutura das defensorias públicas.
Em São Paulo, por exemplo, a assistência jurídica ao consumidor é feita pela
Fundação de Defesa e Proteção do Consumidor (PROCON-SP)
49
, mas apenas no
48
James Marins – Código do Consumidor Comentado”, p. 42-43.
21
âmbito extrajudicial. No âmbito judicial, a assistência é feita pela Defensoria Pública
do Estado de São Paulo, ainda sob o critério da carência de recursos materiais
50
.
Como destacado pelo ilustre professor José Geraldo
Brito Filomeno
51
, a atuação do Ministério Público tem sido digna de elogios na
defesa dos direitos do consumidor, principalmente no Estado de São Paulo.
Também merece especial referência a criação do
Juizado Especial Cível
52
, o qual se transformou no principal órgão do Poder
Judiciário para a solução dos litígios do consumo
53
. A Lei n. 9.099, de 26 de
setembro de 1.995 configurou uma das iniciativas legislativas para a ampliação do
acesso à Justiça
54
, inclusive com a isenção de custas em primeiro grau de
jurisdição (artigo 54).
49
No SITE “www.procon.sp.gov.sp” (consulta em 09.1.2007), consta um pequeno resumo da
atuação da fundação: “O Procon-SP foi criado em 1976 com o objetivo de defender os direitos do
cidadão enquanto consumidor. A Lei nº 9.192/95 e o Decreto nº 41.170/96 criaram a Fundação de
Proteção e Defesa do Consumidor – Procon-SP, órgão vinculado à Secretaria da Justiça e da
Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, que tem personalidade jurídica de direito público,
com autonomia técnica, administrativa e financeira.
A instituição responde pelo planejamento, divulgação, coordenação e execução da Política Estadual
de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como pela execução deste papel na sociedade de
consumo. Além de ser pioneiro no setor de defesa pública do consumidor brasileiro, foi também um
dos principais articuladores para a criação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), editado em
11 de setembro de 1990.”
50
Até mesmo o acesso pela chamada “assistência judiciária” de acordo com os critérios da lei n.
1.060/50 não é amplo. Além da tímida estrutura da Defensoria Pública, há um excessivo rigor nas
decisões judiciais que apreciam o pedido de concessão da Justiça Gratuita, como será abordado no
capítulo “III”.
51
José Geraldo Brito Filomeno – “Manual de Direitos do Consumidor”, p. 94-123. O autor oferece
valioso histórico da atuação do Ministério Público na defesa do consumidor (em São Paulo, desde a
Lei Complementar n. 304, de 28.12.82, artigo 32), a estrutura e o tratamento dispensado (com
súmulas de entendimento do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do
Consumidor do Estado de São Paulo – CENACON –MPSP).
52
Antes o Juizado Especial de Pequenas Causas, de acordo com a Lei n. 7.244, de 07 de novembro
de 1.984.
53
João Batista de Almeida – “A Proteção do Consumidor”, p. 60-62.
54
Sobre o tema, podem ser colhidas valiosas as lições de Kazuo Watanabe – “Juizado de
Pequenas Causas”, artigo inserido na RT 600 (outubro/1.985) e Cândido Rangel Dinamarco –
Manual dos Juizados Cíveis”, cujo prefácio é do primeiro autor (p. 07/09), p. 19-26.
22
E, por fim, as associações de defesa dos consumidores
55
representam uma alternativa adequada para a defesa dos interesses e direitos
coletivos dos consumidores. Não se deve esperar que o Ministério Público tenha
capacidade estrutural e direção política para a solução de todos os problemas dos
consumidores. Nesta linha, ganha relevância a criação de entidades privadas que
possam traduzir interesses de classes, segmentos e conjuntos de consumidores.
A importância da proteção do consumidor (vulnerável,
artigo 4º., inciso I do CDC) está justamente na busca do equilíbrio da relação
jurídica entre ele e o fornecedor, configurando princípio fundamental estampado na
Lei n. 8.078/90 (art. 4º., inciso III do CDC). Não se trata, como já frisado, de
sobrepor o interesse do consumidor em detrimento da livre iniciativa ou da liberdade
de produção e concorrência do fornecedor, mas de fazer as liberdades conviverem
harmonicamente
56
.
Interessa ressaltar que as posteriores disposições
específicas contidas na Lei n. 8.078/90 traduzem um detalhamento dos princípios
da relação de consumo e servem para a facilitação da atuação daquelas normas.
Nunca poderá haver interpretação que conduza à conclusão de redução do alcance
- eficácia e efetividade - dos princípios informadores da relação de consumo.
55
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça estimula a criação de
entidades civis e orienta com orientações sobre o tema
(“www.mj.gov.br/dpdc/sndc_entidaDesembargador”, consulta do dia 09.1.2007). Exemplos de
entidades que intregram a defesa consumidor pelo Brasil: ADECON-MS - Associação de Defesa do
Consumidor – MS, ADECAN-PA - Associação de Defesa e Proteção do Consumidor e Meio
Ambiente, ADECON-AP - Associação de Defesa do Consumidor do Estado do Amapá, ADECON-PR
- Associação de Defesa do Consumidor – Paraná, ADOC-PR - Associação de Defesa e Orientação
do Cidadão, ADOCON - Associação das Donas de Casa e Cons. da Grde. Florianópolis, ADOCON
- Associação das Donas de Casa e Consumidores de Tubarão, APC-PA - Associação de Proteção
ao Consumidor - Porto Alegre, CDC-RN - Centro de Defesa do Consumidor, CIDADANIA-RS -
Associação de Defesa do Cidadão, IDEC-SP - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, PRO
TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.
56
André Ramos Tavares – “Direito Constitucional Econômico”, p. 187.
23
Logo, a interpretação juridicamente possível - e
adequada - das normas especiais do Código de Defesa do Consumidor deve
guardar completas harmonia, atenção, respeito e submissão àquelas normas gerais
dos Capítulos “I” a “III” do Título “I”. Aqui, se encontra a linha interpretativa a ser
desenvolvida no trabalho.
A lei brasileira foi reconhecida pela sua qualidade no
mundo inteiro, projetando-se como inspiração para diversos países da América
Latina. Evidentemente, como adverte o professou Pinto Monteiro
57
da Universidade
de Coimbra, uma coisa é a “law in the books” e outra coisa a “law in action”.
A expectativa da sociedade brasileira ainda está longe de
ver os direitos dos consumidores respeitados e concretizados de maneira
abrangente. Infelizmente, quando passados mais de 16 (dezesseis) anos da
vigência do Código de Defesa do Consumidor, ainda são verificadas violações de
direitos básicos dos consumidores
58
.
E, nesta direção de pensamento, que se constata a
necessidade de uma tutela do consumidor enquanto pessoa idosa. Se há
dificuldades para a operacionalização da defesa do consumidor em geral, pode-se
concluir que o problema é ainda maior na tutela do consumidor-idoso.
Importante deixar claro que o Código de Defesa do
Consumidor pode ser aplicado em conjunto com outras normas (Código Civil,
Código Comercial e leis esparsas), quando possível a harmonia entre elas.
57
Antônio Pinto Monteiro – a advertência foi feita numa entrevista para a revista “Actualidade
Jurídica” n. 11 (Ano I), p. 03. É encontrada, ainda, em artigo “Protecção do Consumidor de Serviços
Públicos Essenciais”, inserido na Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Edição
Especial do 4º. Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, de 08-11 de março de 1.998, p. 224.
58
Episódios ainda comuns na sociedade brasileira, dentre outros: a) envio de cartões de crédito sem
a prévia solicitação do consumidor, b) publicidade enganosa para a venda de produtos e serviços, c)
cláusulas abusivas em contratos de adesão elaborados por instituições financeiras, empresas de
assistência à saúde (seguro saúde e plano de saúde), d) atrasos em vôos e extravio de bagagens
em transporte aéreo.
24
Havendo conflito entre as disposições da Lei n. 8.078/90 e normas de outras leis na
parte em que disciplinam a relação de consumo, prevalecerão as primeiras
59
.
A aplicação conjunta de outras normas faz-se necessária
também para suprir as lacunas normativas do microssistema das relações de
consumo e, por isso, tende a ser subsidiária
60
.
O presente trabalho abordará justamente o possível
diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso na tutela do
consumidor-idoso, especificamente na disciplina normativa da prerrogativa de foro.
59
Dentre outros precedentes: Apelação Cível n. 97.856.4/5, TJSP, 5
ª
Câmara de Direito Privado,
relator Desembargador Silveira Netto, julgado em 17.8.2000, cuidando de litígio sobre um contrato
de seguro saúde e destacando: “Por fim, sobrepõe-se para a solução do presente as normas do
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor e não aquelas do Código Civil e que dizem respeito com
o contrato de seguro, especialmente as determinações dos artigos 1.434 e 1.460”.
60
Nelson Nery Júnior – Os Princípios Gerais do Código de Defesa do Consumidor”, artigo inserido
na Revista de Direito do Consumidor n. 03/71-77; “Código de Defesa do Consumidor Comentado
pelos Autores do Anteprojeto”, 6
ª
ed., p.423-433. Na mesma linha, dentre outros: José Geraldo
Brito Filomeno – “Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto”, p.
22-77 Fernando Gherardini Santos – “Direito do Marketing”, p. 112; Antônio Carlos Efing
Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor”, p. 31;
Mariângela Sarrubo – A Saúde na Constituição Federal e o Contexto para a Recepção da Lei
25
Capítulo II – A TUTELA JURÍDICA DO IDOSO.
2.1. O processo de envelhecimento. As
características físicas, biológicas e psíquicas
do idoso.
Durante o avançar do tempo e da idade, a pessoa adulta
experimenta o que se convenciona chamar de “processo de envelhecimento”. E, por
isso, vê modificadas suas características físicas, biológicas e psíquicas.
O ensaio de Simone de Beuvoir
61
sobre a velhice,
seguramente, constitui uma referência. Para a ilustre autora, a velhice deve ser
compreendida não somente como um fato biológico, mas também cultural. Numa
passagem, com maestria afirma
62
:
Para compreender a realidade e a significação da
velhice, é, portanto, indispensável examinar o lugar que é
destinado aos velhos, que representação se faz deles em
diferentes tempos, em diferentes lugares.”
9.656/98”, artigo inserido na obra coletiva “Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de
assistência privada à saúde”, p. 20.
61
Simone de Beuvoir – “A Velhice”, p. 07-20. A parte introdutória da obra insere o leitor na
problemática do idoso. Por exemplo, menciona o nascimento da Geriatria como ramo da medicina,
numa passagem da vida de Nascher – considerado o pai da geriatria – que havia ficado
impressionado com a resposta de um idoso, numa visita ao um asilo. Nascher perguntou a uma
idosa que se queixava de várias perturbações, o que se poderia fazer. A resposta: - “nada”. Aquilo
lhe causou tanto incômodo, que o motivou a estudar a senescência.
62
Simone de Beuvoir – “A Velhice”, p. 48.
26
Nas sociedades orientais, como salientado por Marília de
Goyaz
63
, o idoso sempre foi valorizado pela sua sabedoria e pelo acúmulo de
conhecimentos. O mesmo acontecia em algumas sociedades ocidentais.
Todavia, como frisa Jorge Alves Santana
64
, há na
sociedade ocidental, em especial no mundo adulto, em fase de produção, a dúvida
sobre o que fazer com a pessoa idosa ainda viva. Mesmo que esse mundo conheça
e use os valores positivos de seus velhos, que são configurados,
predominantemente, pela representação de subjetividades impregnadas por uma
concentrada e repugnante carga de peso para si mesmos e para seus
contemporâneos.
Como já frisado, a população de idosos está crescendo e
a concepção equivocada de que a velhice é um período de decadência física e
mental
65
prejudica a sua inserção nas relações sociais. As possibilidades de
desenvolvimento do idoso ficam limitadas pela estreita visão da sociedade sobre
aquela faixa da população.
Logicamente, prossegue a ilustre autora Marília de
Goyaz
66
, é cediço que, no processo de envelhecimento, ocorrem mudanças
fisiológicas, psicológicas e sociais que influenciam a conduta do idoso. Existe uma
diminuição gradual das aptidões físicas, aparecem distúrbios orgânicos, o corpo
63
Marília de Goyaz – “Vida ativa na melhor idade”. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003 on line
(“www.proec.ufg.br”, consulta em 02.1.2007).
64
Jorge Alves Santana – “Do peso e da leveza: sobre a velhice”. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2,
dez 2003 on line (“www.proec.ufg.br, consulta em 03.1.2007).
65
A mesma autora destacou que o idoso era visto completamente dependente e improdutivo e
causava transtornos tanto para a família como para os que o cercavam.
66
Marília de Goyaz - Op. cit., citando WEINECK (J. Biologia do esporte. São Paulo: Manole, 1991).
27
sofre modificações (surgem rugas, reduzem-se as capacidades auditiva e visual,
diminui-se a mobilidade, etc.).
Pode haver uma variação de pessoa para pessoa no
referido processo de envelhecimento. Mas destaca Marília de Goyaz
67
, de uma
maneira geral, o idoso tende a modificar seus hábitos de vida e passa a integrar-se
numa rotina de poucas atividades. Termina, desta forma, por reduzir seu
desempenho físico, suas habilidades motoras, sua capacidade de concentração, de
reação e de coordenação. Tudo acaba por dificultar a manutenção de um estilo de
vida saudável. Acarreta-se ao idoso uma autodesvalorização, insegurança e,
conseqüentemente, leva o idoso ao isolamento social e à solidão.
Além disso, conforme Marília de Goyaz, Matsudo e
Matsudo
68
identificam outras mudanças no processo de envelhecimento:
Antropométricas - há um incremento do peso, perda da
massa livre de gordura, diminuição da altura, aumento da
gordura corporal, diminuição da densidade óssea e da
massa muscular;
Na musculatura - perda de 10% a 20% na força
muscular, diminuindo a habilidade para manter a força
estática, aumento do índice de fadiga muscular,
diminuição da capacidade para a hipertrofia, diminuição
no tamanho e número de fibras musculares, diminuição
na capacidade de regeneração, diminuição das enzimas
glicólicas e oxidativas, glicogênio e outros;
67
Marília de Goyaz - Op. cit., passim.
68
Sandra M. MATSUDO e Vitor K. R. MATSUDO - “Prescrição de exercícios e benefícios da
atividade física na terceira idade”, Revista Brasileira de Ciências e Movimento. São Caetano do Sul,
v. 05, n. 04, p. 19-30, 1992, apud, GOYAZ, Marília – “Vida ativa na melhor idade”, Revista da UFG,
Vol. 5, No. 2, dez 2003 on line (“www.proec.ufg.br”, , consulta em 02.1.2007).
28
“No sistema cárdio-vascular - diminuição do débito
cardíaco, diminuição da freqüência cardíaca, diminuição
do volume sistólico, diminuição da utilização de oxigênio
pelos tecidos, diminuição do VO2 máximo, aumento da
pressão arterial, aumento na diferença arteriovenosa de
O2, aumento da concentração de ácido lático, aumento
no débito de O2, menor capacidade de adaptação e
recuperação do exercício;Pulmonar - diminuição da
capacidade vital, aumento do volume residual, aumento
da ventilação durante o exercício, menor mobilidade da
parede toráxica, diminuição da capacidade de difusão
pulmonar de O2;
“Neural - diminuição de tamanho e número de neurônios,
diminuição na velocidade de condução nervosa,
aumento do tecido conectivo dos neurônios, menor
tempo de reação, menor velocidade de movimento,
diminuição do fluxo sangüíneo cerebral .
O professor Antônio Mourão Cavalcante
69
identificou os
seguintes elementos capazes de influenciar a situação psicológica do idoso: a)
identidade e corpo (o corpo não é apenas uma questão de estética, porém uma
expressão da relação do indivíduo consigo mesmo; na medida em que este corpo
real começa a sofrer modificações substantivas, pode acontecer um progressivo
comprometimento da identidade, com risco de conflitos e dificuldades), b) questão
econômica (não estar aposentado, não ter uma renda própria na velhice é
ressentido pela sociedade, e pelo próprio idoso, como uma condenação antecipada
de não ter feito nada), c) sociabilidade (o idoso normal não busca a solidão, não
69
Antonio Mourão Cavalcante – “A psicologia do idoso”, artigo inserido “Psychiatry On-line Brazil”
(6) Maio 2002, no SITE “www.polbr.med.br” (consulta em 02.1.2007).
29
quer se isolar, como falsamente tenta-se compreender; ele é empurrado para a vida
solitária por algum motivo), d) sexualidade (a crença generalizada de que a pessoa
idosa tem uma libido diminuída ou mesmo nula impõe a ela a convivência com uma
dificuldade adicional, porque, apesar de possuir disposição e a necessidade de
uma sexualidade plena, não pode exercê-la por censura e culpabilidade) e e)
transcedência (o medo da morte provoca o retorno a uma prática religiosa, que
passa a ser mais evidente e vista como indispensável; e não é sem razão que
muitos consideram a velhice como etapa em que se aproxima o “grande
julgamento”).
No mesmo trabalho, Antônio Mourão Cavalcante
mencionou que Mira y Lopez
70
assinalou quatro maneiras ineficazes de viver a
maturidade:
1. Agarrar-se ao passado – Passa a viver de
recordações. Aliena-se do presente. Suas referências
estão todas no passado. Nada presta, senão as coisas
de antigamente. Tudo de hoje não presta, é ruim, não
tem sentido, está perdido;
“2. Negar a velhice – Tenta encontrar desesperadamente
a fonte da eterna juventude. Busca de todas as formas
parecer jovem. Observa-se que atualmente há um culto
exagerado à juventude e um desprezo ao idoso. Além de
o jovem ser cultuado, o velho é rejeitado;
“3. Isolamento – Vira-se para dentro de si mesmo.
Submerge em tristeza e desolação. Já que não desperta
paixão, busca ao menos compaixão;
70
Mira y Lopez – “A Arte de Envelhecer”, apud Antonio Mourão Cavalcante – “A psicologia do
idoso”, artigo inserido “Psychiatry On-line Brazil” (6) Maio 2002, no SITE “www.polbr.med.br”.
30
“4. Adotar uma atitude místico-religiosa – A religião é
abraçada como forma de renúncia, resignação
conformista e alienação. Fechada num sistema de crença
maniqueísta, a pessoa se sente passiva e
descompromissada com a vida. Deus resolve tudo!”.
Em suma, deve ser reconhecido que a pessoa adulta, em
razão dos efeitos do tempo e do envelhecimento, experimenta novas realidades
físicas, biológicas e psicológicas.
De um lado, torna-se importante propiciar ao idoso um
aprendizado, para que ele possa aceitar as transformações que ocorrem no seu
corpo e na sua mente, sabendo lidar com elas e conquistando autonomia. Neste
passo, a família exerce um papel fundamental para que o idoso tenha apoio e
assistência das pessoas mais próximas.
Todavia, de outro lado, o Estado e a sociedade têm a
obrigação de criar mecanismos que contribuam para a superação deste quadro de
vulnerabilidade. Ao idoso deve ser garantida uma vida digna.
A vulnerabilidade não significa inaptidão para as todas as
atividades profissionais, falta de vontade de participar da vida social, nem tampouco
uma ausência da ambição e, por fim, muito menos, traduz uma pessoa desprovida
de desejos e capaz de fazer escolhas.
É preciso respeitar o idoso como pessoa humana, dentro
de suas características, que nada mais representam do que o natural processo do
envelhecimento.
Atualmente, no caminho do conhecimento do processo
de envelhecimento, tem-se a Gerontologia “como a macrociência que estuda o
31
envelhecimento nos seus múltiplos aspectos biopsicossociais, enfocando tanto os
grupos de idades, quanto às fases ou ciclos do desenvolvimento humano.”
71
Na
Gerontologia, há um estudo multidisciplinar do processo de envelhecimento
72
,
desenvolvendo-se nos planos biológico, psicológico e social
73
.
A propósito, colhe-se mais uma vez o precioso
magistério de Simone de Beauvoir
74
, sobre a velhice digna:
Quando o velho não é vítima de condições
econômicas e fisiológicas que o reduzem ao estado
de sub-homem, permanece, ao longo das alterações
da senescência, o indivíduo que foi: sua idade
depende em grande parte de sua maturidade”.
Aliados a isso, como alerta Marília de Goyaz
75
, “o amor,
o carinho e o reconhecimento das contribuições do idoso para a sociedade e da
sua capacidade de amar, podem impulsionar a felicidade, o bem estar e,
conseqüentemente, a longevidade desse cidadão que tem direitos pessoais e
sociais que não podem ser negados”.
71
A. P. Fraiman - “Coisas da idade”, p. 143.
72
Cláudia Regina de Oliveira Zanini – “Envelhecimento saudável - o cantar e a gerontologia
social”. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003 on line (“www.proec.ufg.br”, consulta em
03.1.2007).
73
Simone de Beuvoir – “A Velhice”, p. 32-48. A gerontologia, explica a autora, não explica a razão
pela qual os fenômenos acontecem, mas de descrever com a exatidão possível suas manifestações.
O envelhecimento é inerente à vida. A velhice sempre desembocará na morte, mas, raramente, a
determinará sem que um elemento patológico esteja presente. É difícil deixar de reconhecer que o
fator econômico propiciará melhores condições de longevidade ao idoso, ficando-se um limite à
gerontologia. Adverte a autora: “Os resultados aos quais conduz são do maior interesse: impossível
compreender a velhice sem reportar à gerontologia. Mas esses resultados não podem bastar-se. No
estudo da velhice, representam apenas um momento abstrato. A involução senil de um homem
produz-se sempre no seio de uma sociedade; ela depende estreitamente da natureza dessa
sociedade e do lugar que nela ocupa o indivíduo em questão.” (fls. 47).
74
Simone de Beuvoir – “A Velhice”, p. 619.
75
Marília de Goyaz - Op. cit., passim.
32
Desta forma, para a dignidade
76
do idoso, é necessário
garantir-se a ele o acesso a atividades apropriadas para sua condição física,
alimentação saudável, espaço para lazer, bom relacionamento social, liberdade de
expressão, consumo adequado, dentre outros tantos direitos básicos. Não se trata
de tratar o idoso como uma criança – erro freqüente – mas de reconhecer que se
trata de uma pessoa que se encontra diante das naturais circunstâncias específicas
decorrentes do estágio do processo de envelhecimento.
2.2. Alguns dados do panorama atual do
idoso no mundo e no Brasil
77
.
Em substancial estudo realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística
78
, citando magistério de Carvalho e Andrade, no plano
individual envelhecer traduz o aumento do número de anos vividos. Nas sociedades
ocidentais, o envelhecimento tem sido ligado à aposentadoria ou qualquer
desligamento da vida produtiva pelo avançar da idade. Porém, há outros fenômenos
de natureza biológica, psíquica e social e que influenciam na compreensão do
envelhecimento.
76
A dignidade da pessoa humana em geral e do idoso em especial será tratada adiante.
77
O presente estudo não tem a pretensão de aprofundamento na situação do idoso no mundo e no
Brasil, mas apenas de buscar dados para chamar a atenção para a necessidade de sua tutela.
78
Perfil dos Idosos Responsáveis pelos Domicílios no Brasil – 2.000” – Estudo realizado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2.002, citando CARVALHO, José A. Magno de;
ANDRADE, Flávia C. Drummond: Envejecimiento de la población brasileña: oportunidades y
desafíos. In: ENCUENTRO LATINOAMERICANO Y CARIBEÑO SOBRE LAS PERSONAS DE
EDAD, 1999, Santiago. Anais... Santiago: CELADE, 2000. p. 81-102. (Seminarios y Conferencias -
CEPAL, 2). Artigo obtido no SITE “www.ibge.gov.br”, consulta em 02.1.2007.
33
O estudo do IBGE apontou, ainda, que são considerados
velhos os que chegam aos 60 (sessenta) anos de idade
79
, porém se reconheceu a
dificuldade de utilização apenas do critério da idade, porque naquele conjunto da
população chamado de “terceira idade” estavam inseridos indivíduos diferentes,
tanto do ponto de vista socioeconômico como demográfico e epidemiológico.
O envelhecimento da população em países do terceiro
mundo foi objeto de dois fóruns na Espanha, no ano de 2002, como ressaltado por
Ademar Martins
80
.
Na assembléia mundial sobre envelhecimento
organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e realizada em Madri foi
abordada a reinserção das pessoas de terceira idade, no mercado de trabalho.
Além disso, identificaram-se os novos caminhos das relações humanas
caracterizadas pelo incremento da população com idade superior a de 60
(sessenta) anos.
Naquele encontro internacional, como assinala Jorge
Alves Santana
81
, foi formulado o documento intitulado “Plano de Ação Internacional
79
No estudo, mencionou-se que a Organização Mundial da Saúde - OMS - definiu a população
idosa como aquela a partir dos 60 anos de idade, mas fez uma distinção quanto ao local de
residência dos idosos. Este limite era válido para os países em desenvolvimento, subindo para 65
anos de idade quando se tratava de países desenvolvidos.
80
Ademar Martins - A Questão do Idoso e a política no Brasil” – editorial da revista eletrônica
Idade Ativa” (“www.techway.com.br/techway/revista_idoso/”, consulta em 02.1.2007).
81
Santana, J. A. – “Do peso e da leveza: sobre a velhice” - Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez
2003 (“www.proec.ufg.br.”, consulta em 02.1.2007). No artigo, destaca-se que o documento o
documento intitulado “Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento” estava disponibilizado no
Brasil pelo Conselho Nacional dos Direitos do Idoso e pela Secretaria Especial dos Diretos
Humanos da Presidência da República. Ainda sobre o plano de ação, confira-se: “A ONU e a
mudança de paradmas”, artigo de Marcel Steffano, disponível na revista eletrônica Idade Ativa no
SITE “www.techway.com.br/techway/revista_idoso/” (consulta em 03.1.2007), destacando-se:
Discutido e aprovado na conferência de Madri, o Plano obriga os governos a agir para enfrentar o
desafio do envelhecimento da população e apresenta aos responsáveis pela formulação de políticas
de todo o mundo um conjunto de 117 recomendações, que abrangem três esferas prioritárias:
pessoas idosas e desenvolvimento, promover a saúde e o bem-estar na velhice, e assegurar um
ambiente propício e favorável.
34
para o Envelhecimento”, que informava um aumento sem precedentes no segmento
populacional da velhice. Nas palavras do então Secretário Geral da ONU, o senhor
Kofi Annan, havia razões fundamentais e imperiosas para uma séria reflexão sobre
o tema. Até 2050, o número de idosos aumentará em aproximadamente de 600
(seiscentos) milhões a quase 02 (dois) bilhões. No decorrer dos próximos 50
(cinqüenta) anos haverá no mundo, pela primeira vez na história, mais pessoas
acima de 60 (sessenta) anos que menores de 15 (quinze).
O Fórum de Valência trabalhou com as perspectivas que
se abriram no campo da pesquisa em razão do aumento do número de idosos no
mundo. Ainda naquele evento houve a discussão da melhoria na qualidade de vida
no cotidiano das pessoas que alcançavam a terceira idade.
No Brasil, o envelhecimento da população tem
despertado interesse na sociedade. De acordo com o censo populacional de 2000, os
brasileiros com 60 anos ou mais já somam 14.536.029 indivíduos, representando
8,6% da população total
82
. A expectativa de vida no Brasil saltou de 66 anos para 68,6
anos
83
. A maioria dos idosos vive nos centros urbanos.
82
Dados colhidos no SITE do “ibge.gov.br.” (consulta em 03.1.2007).
83
Elisa Franco de Assis Costa, Celmo Celeno Porto, Aline Thomaz Soares – “Envelhecimento
populacional brasileiro e o aprendizado de Geriatria e Gerontologia”, artigo inserido na Revista da
UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003 on line (“www.proec.ufg.br”, consulta em 03.1.2007). No artigo,
destacam-se as oportunas análises sobre a população idosa no Brasil: “A transição demográfica no
Brasil, assim como na maioria dos países em desenvolvimento, vem ocorrendo de maneira um
pouco diferente da que aconteceu nos países desenvolvidos e, sobretudo, muito mais rapidamente.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa média de vida
ao nascer do brasileiro aumentou de 66 para 68,6 anos na última década, o que os países europeus
levaram aproximadamente um século para fazer, o Brasil fará em trinta anos, dobrar a proporção de
idosos de sua população de 7% para 14% (KELLER et al., 2002, p.1513-1520). Para que ocorresse
o envelhecimento da população não bastou apenas aumentar a expectativa de vida. A partir dos
anos sessenta, com o advento de métodos contraceptivos mais eficazes, as taxas de fecundidade
caíram vertiginosamente, no Brasil, a taxa de fecundidade total diminuiu de 5,8 filhos por mulher em
1970 para de 2,3 filhos, em 2000 (KALACHE, 1998). Em 1980, existiam cerca de 16 idosos para
cada 100 crianças, vinte anos depois essa relação praticamente dobra, passando para quase 30
idosos para cada 100 crianças (KALACHE, 1998). Famílias menores em um contexto de aumento do
número de pessoas idosas com maior risco de adquirirem doenças incapacitantes, poderá
comprometer o cuidado dessas pessoas, fazendo crescer a necessidade de instituições para
cuidados de longo prazo, como os asilos (CHAIMOVICZ, 1997). Convém ressaltar que, embora a
fecundidade seja o principal componente da dinâmica demográfica brasileira, em relação à
população idosa, é a longevidade que vem progressivamente definindo sua evolução. No Brasil,
também começa a acontecer outro fenômeno observado mundialmente, que é o maior crescimento
35
Evidentemente, o estigma de um “país jovem”
determinou uma valorização da criança e do adolescente e a criação de políticas
específicas para aquela camada da população
84
. Durante anos, o idoso foi tratado
como uma pessoa adulta e sem a necessidade de cuidados especiais.
Atualmente, a realidade é distinta. Em entrevista
concedida à revista eletrônica “Idade Ativa”
85
, a demógrafa e socióloga Ana Amélia
Camarano mencionou:
Hoje nós podemos dizer que o Brasil tem uma
população de meia idade, porque o grosso da população
tem entre 30 e 60 anos. Não somos mais jovens, mas da
meia idade e estamos caminhando.”
proporcional dos grupos etários mais elevados (maiores de 75 anos). De 1991 a 2000, observou-se
que a população total de idosos cresceu 36.5%, enquanto que o grupo de 75 ou mais anos, 49,3%.
No Censo Demográfico de 1991, foram contadas aproximadamente 13 mil pessoas com cem ou
mais anos e no Censo de 2000, cerca de 24 mil (KALACHE, 1998). Os movimentos migratórios
também influenciam a composição das populações e, no nosso país, eles têm contribuído para que
algumas regiões, ainda não desenvolvidas e com altas taxas de natalidade e mortalidade, tenham
uma elevada proporção de idosos. O estado da Paraíba é um exemplo, pois em 1997 contava com
quase 10% de idosos na sua população, muito mais que os 8,6% observados no país em 2000.
Existe uma grande migração de jovens da Paraíba e de outras regiões pobres, para regiões mais
desenvolvidas, em busca de trabalho. Nessas regiões, mesmo que a transição demográfica não
tenha se completado, a proporção de idosos aumenta muito, pois são eles que permanecem
(KALACHE, 1998). Na maior parte do mundo a quantidade de pessoas idosas que vivem em áreas
urbanas aumentou consideravelmente. Atualmente, 76,7% dos idosos brasileiros vivem em centros
urbanos. Essa tendência de urbanização da população idosa continuará e, geralmente, observa-se
mais homens idosos vivendo em zonas rurais e as mulheres, nas cidades.”
84
Evidentemente, não se questiona a necessidade da proteção jurídica da criança e do adolescente.
O Brasil ainda está longe de proteger adequadamente também o referido segmento social.
85
Augusto, Mário – “Os Impactos Sociais da Velhice”, entrevista inserida na revista eletrônica
“Idade Ativa”, no SITE “www.techway.com.br/techway/revista_idoso/” (consulta em 03.1.2007).
36
Merecem, por fim, destaque duas considerações feitas
na Resolução do Parlamento Europeu sobre a Segunda Assembléia Mundial das
Nações Unidas sobre o Envelhecimento (Madrid, 8 a 12 de Abril de 2002)
86
:
F. Considerando que é necessária uma mudança de
atitudes se se pretende que a sociedade seja para todas
as idades, tornando clara a distinção nas sociedades
européias entre as pessoas que pertencem à terceira
idade, que vivem vidas saudáveis, ativas e
independentes e que devem participar plenamente na
sociedade, e as pessoas pertencentes à quarta idade,
cuja independência e saúde são mais frágeis e
necessitam de atenção e cuidados específicos por forma
a terem vidas dignas,
“G. Considerando os direitos dos cidadãos idosos à plena
participação nas suas sociedades, onde quer que vivam,
e reconhecendo os obstáculos enfrentados pelos idosos
no mundo inteiro no tocante ao emprego e ao apoio ao
rendimento, bem como aos programas comunitários de
desenvolvimento, problemas esses que devem ser
resolvidos,...”.
A pretensão de uma sociedade para todas as idades
como política sugerida pela Organização das Nações Unidades reconhece os
abusos cometidos contra os idosos e proclama a necessidade de adoção de
políticas públicas para a tutela dos mesmos. É indispensável apontar a diferença
até mesmo entre os idosos: entre a chamada terceira idade e a quarta idade
87
.
86
Informação obtida no SITE: “www.europarl.europa.” (consulta em 04.1.2007).
87
A necessidade de uma proteção será ainda mais acentuada para os idosos com idade mais
avançada – por exemplo, depois dos 75 (setenta e cinco) anos.
37
Neste passo, valiosa a advertência de Pérola Melissa V.
Braga
88
:
O envelhecimento populacional experimentado hoje em
dia tornará acentuadas as disparidades do modo de vida
dos idosos em nosso planeta. Nos países ricos, como já
vemos hoje, a velhice vai passar a ser cada vez mais,
uma das melhores fases da vida, pois os que
envelhecem possuem proteção legal, boas
aposentadorias, seguro social com direito a serviços de
saúde, meio ambiente agradável e muitas oportunidades
de lazer. Esta é uma realidade, que não será vivida nas
nações em desenvolvimento, particularmente no Brasil,
se nada for feito agora para minimizar esse quadro
díspar. Por viver, em geral, abaixo do se convencionou
medir como indicador de pobreza, nossos idosos e,
talvez nós mesmos no futuro, estão fadados a conviver
com a falta de serviços básicos, sobrevivendo em
contextos em que vão imperar o preconceito e a
violência, o que nos deixará vulneráveis em todos os
sentidos.”
No Brasil, ser idoso não pode traduzir apenas um dado
estatístico de número superior nas medições da saúde e da pobreza. Deve, com a
implantação das medidas de proteção, ser motivo para identificar uma fase da vida
com ótimas expectativas para o cidadão.
O presente estudo buscará chamar a atenção para a
necessidade da tutela do idoso enquanto consumidor, num enfoque específico do
processo judicial (litígio de consumo). Espera-se que ele possa servir como uma
88
Pérola Melissa V. Braga – “Direitos do Idoso – de acordo com o Estatuto do Idoso”, p. 213;
38
das ações para não fazer do cidadão brasileiro idoso uma pessoa de “segunda
categoria” por enfrentar maiores dificuldades, ao litigar em juízo.
2.3. A tutela jurídica do idoso na Declaração
Universal de Direitos Humanos e em alguns
países da Europa.
89
90
.
A Declaração Universal de Direitos Humanos em seu
artigo XXV
91
dispõe, in verbis:
1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz
de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à
segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez,
viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Evidentemente, aquela disposição se referiu
expressamente à velhice como forma de reconhecer-se em favor do idoso os
direitos fundamentais ali consignados. E mais, a explicitação naquele artigo não
89
O presente estudo não tem a pretensão de aprofundamento na situação do idoso no mundo, mas
apenas de buscar dados para chamar a atenção para a necessidade de sua tutela. Foram
escolhidos Portugal, Espanha e Itália pela proximidade com os sistema jurídico brasileiro, nos
campos da tutela do consumidor, do idoso e do processo.
90
Sobre textos legais (constituições e leis) que disciplinaram os direitos do idoso nos diversos
países, confira-se o valioso trabalho de Paulo Roberto Barbosa Ramos – “O Direito à Velhice”,
tese de doutorado na PUC-SP, p. 92, contabilizando doze Constituições (China, Cuba, Espana,
Guiné-Bissau, Itália, México, Peru, Portugal, Suíça, Uruguai e Venezuela) que fazem referência à
proteção do idoso e da velhice. Ainda sobre o tema: Ana Maria Viola de Souza – “Tutela Jurídica
do Idoso- A assistência e convivência familiar”, p. 25-98.
91
Texto extraído da “Série Documentos n. 14” – publicação do Centro de Estudos da Procuradoria
Geral do Estado.
39
excluiu a proteção advinda das demais disposições aplicáveis ao idoso, enquanto
pessoa: liberdades de associação, opinião e expressão e direitos à segurança
social, trabalho, lazer, etc.
Em Portugal, o artigo 72 da Constituição cuidou
expressamente da Terceira Idade:
1. as pessoas idosas têm direito à segurança econômica
e a condições de habilitação e convívio familiar e
comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e
evitem e superem o isolamento ou a marginalização
social.
“2. A política de terceira idade engloba medidas de
caráter econômico, social e cultural tendentes a
proporcionar às pessoas idosas oportunidades de
realização pessoal, através de uma participação ativa na
vida da comunidade.
Ainda no ordenamento jurídico português, destaca-se
que a Constituição tem outras passagens que cuidam da tutela específica do idoso:
a) artigo 63 (a segurança social deve proteger o cidadão também na velhice), b)
artigo 64 (o direito de proteção à saúde é realizado com as condições que
assegurem proteção também à velhice), c) artigo 67 (o direito de proteção à família
envolve a realização pessoal de seus membros, incluindo-se uma política voltada
para a terceira idade), etc.
Há, ainda, em Portugal o Decreto 232/2005 que garante
o “complemento solidário” para os idosos, assim considerados os cidadãos
portugueses ou as pessoas residentes (com mais de 270 dias no ano civil) e que
tenham mais de 65 anos (o artigo 24 do diploma legal prevê uma progressão do
40
benefício, iniciando-se com 80 anos e reduzindo-se anualmente a exigência da
idade mínima para alcançar aquela idade, em 2.009). O país conta com várias
políticas públicas direcionadas ao idoso
92
.
Na Espanha, o artigo 50 da Constituição
93
dispõe:
Os poderes públicos garantirão, mediante pensões
adequadas e periodicamente atualizadas, a suficiência
econômica aos cidadãos durante a terceira idade. Além
disso, e com independência das obrigações familiares,
promoverão seu bem-estar mediante um sistema de
serviços sociais que atenderão seus problemas
específicos de saúde, moradia, cultura e ócio”.
Ainda na Espanha, dentre outras normas, destaca-se a
recente Lei 39/2006 (de 14 de dezembro) de Promoção da Autonomia Pessoal e
Atenção às pessoas em situação de dependência. A novel legislação espanhola
definiu o estado de dependência como “o estado de caráter permanente em que se
encontram as pessoas que, por razões derivadas da idade, a doença ou a
incapacidade, e ligadas à falta ou à perda de autonomia física, mental, intelectual
ou sensorial, precisam da atenção de outras pessoas ou ajudas importantes para
realizar atividades básicas da vida diária ou, no caso das pessoas com
incapacidade intelectual ou doença mental, de outros apoios para sua autonomia
pessoal” (art. 2º., “2”). Em substancial estudo sobre a tutela do idoso, a professora
92
A respeito, confira-se o trabalho de Filipa Servo, Joana Nave e Lilibeth Teixeira – A integração
da pessoa idosa na sociedade”, disponível no SITE “dspace.feg.porto.ucp.pt:8080”, consulta feita em
04.1.2007. No trabalho, há uma referência às diversas políticas públicas sociais adotadas em
Portugal, destacando-se: a) o programa do XVI Governo Constitucional, b) o Programa Avô, c) o
Programa recriar o futuro, etc.
93
Texto livremente traduzido pelo autor, a partir do seguinte original: “Los poderes públicos
garantizarán, mediante pensiones adecuadas y periódicamente actualizadas, la suficiencia
económica a los ciudadanos durante la tercera edad. Asimismo, y con independencia de las
obligaciones familiares, promoverán su bienestar mediante un sistema de servicios sociales que
atenderán sus problemas específicos de salud, vivienda, cultura y ócio.
41
Ana Maria Viola de Sousa
94
destacou que há o Ministério Fiscal com atribuição de
proteção aos idosos nos casos em que ocorrem transgressões, abandono, maus
tratos, fiscalização de asilos, etc.
Na Itália, também há a tutela do idoso, assim prevista no
artigo 38 da Constituição
95
:
"Todo cidadão incapaz para o trabalho e desprovido dos
meios necessários para viver tem o direito à manutenção
e à assistência social.
“Os trabalhadores têm o direito que é provido e
assegurado o meio satisfatório para as demandas deles
de vida no caso de acidente, doença, invalidez e velhice,
desemprego não intencional.
“O incapaz e as pessoas inválidas têm o direito à
educação e ao encaminhamento profissional”.
“Aos deveres previstos neste artigo, serão providos
órgãos ou institutos predispostos ou integrados ao
Estado”.
94
Ana Maria Viola de Souza – “Tutela Jurídica do Idoso – A assistência e convivência familiar”, p.
34-49. Mencionou ainda várias ações do governo espanhol para a defesa dos idosos, chamando a
atenção para a proteção à incapacidade dos idosos.
95
Texto livremente traduzido pelo autor, a partir do seguinte original: “Ogni cittadino inabile al lavoro
e sprovvisto dei mezzi necessari per vivere ha diritto al mantenimento e all'assistenza sociale.I
lavoratori hanno diritto che siano preveduti ed assicurati mezzi adeguati alle loro esigenze di vita in
caso di infortunio, malattia, invalidità e vecchiaia, disoccupazione involontaria. Gli inabili ed i minorati
hanno diritto all'educazione e all'avviamento professionale.Ai compiti previsti in questo articolo
provvedono organi ed istituti predisposti o integrati dallo Stato.”
42
Também na Itália há de uma forma geral uma
preocupação com a assistência social. A Lei n. 6/2004 cuidou do amparo (esteio)
das pessoas privadas de autonomia. No estudo sobre a tutela do idoso, a
professora Ana Maria Viola de Sousa
96
destacou algumas outras normas italianas:
a) Lei n. 328/2000 (artigos 11, 15 e 16) que cuidaram da utilização pelo idoso do
sistema de intervenção e serviço social e b) Lei n. 388/2000 que disciplina recursos
para atendimento da assistência social, inclusive para idosos. A mesma professora
indicou a existência de cuidados especiais com a população idosa na Itália como
um todo, incluindo as iniciativas regionais das cidades de Milão, Torino e Napoli.
E, por fim, na Alemanha, em harmonia com a raiz
constitucional da tutela da dignidade humana
97
, a tutela do idoso faz-se presente. A
professora Pérola Melissa V. Braga
98
esclareceu a existência da Lei Federal de
Assistência e Bem-Estar Social e mencionou que a situação do idoso foi pensada
como um todo. Isto é, a referida lei não se limitou à disciplina de situações
específicas de saúde ou abandono material, mas também cuidou da criação de
condições favoráveis ao processo de envelhecimento. A nobre autora realçou a
possibilidade dos idosos se beneficiarem de leis de assistência social, como, por
exemplo, a “Emenda do Benefício da Moradia” (em vigor desde janeiro 2002).
Em suma, o que se observa nos chamados países
desenvolvidos – em especial aqueles com um número expressivo de idosos como
96
Ana Maria Viola de Souza – “Tutela Jurídica do Idoso – A assistência e convivência familiar”, p.
72-83.
97
Sobre a compreensão da dignidade humana na Alemanha, a partir da Lei Fundamental (art. 1º.1),
Ernesto Benda – “Dignidad Humana y Derechos de la Personalidad” , p. 124, pressupõe que ela é
concebida sem glosas. Apesar do texto percorrer – como o faz a maioria dos autores europeus –
uma idéia imaterial da dignidade humana e de fixar-se sobre a autodeterminação, não se descarta
um lado material. Significa dizer que, no conceito de dignidade humana, poderá ser inserida a idéia
de uma dignidade material – contraposta à imaterial – e que tem ligação às necessidades básicas do
cidadão. A respeito, houve expressa abordagem em nossa dissertação de mestrado: “Direito à
Informação no Código de Defesa do Consumidor”, p. 62-69.
98
Pérola Melissa V. Braga – “Direitos do Idoso – de acordo com o Estatuto do Idoso”, p. 221-230.
A jurista destacou a capacidade do governo alemão de manter a assistência social, apesar das
dificuldades oriundas da unificação da Alemanha oriental. Os textos legais são encontrados no SITE
organizado pela ilustre autora: “www.direitodoidoso.com.br” (acesso em 04.1.2007).
43
Espanha e Itália – é uma extrema preocupação com o idoso. O processo de
envelhecimento é encarado como uma fase da existência do cidadão, que exige
providências específicas do Estado e da sociedade para a garantia de uma vida
digna.
2.4. A tutela jurídica do idoso no Brasil: a
Constituição Federal e o Estatuto do Idoso
99
100
.
Em tese de doutorado, Paulo Roberto Barbosa Ramos
101
estudou o direito à velhice, percorrendo todas as Constituições do Brasil, desde o
império e destacando, in verbis:
Assim, diante de um quadro em que direitos humanos
nunca foram considerados, as Constituições brasileiras,
anteriores a 1.988, não privilegiaram, nem formalmente,
o direito à velhice digna como direito fundamental de todo
cidadão brasileiro. Trataram, quando muito, da velhice
apenas na parte da Ordem Econômica e Social, e
somente a partir de 1934”.
Atualmente, assim como acontece com a tutela do
consumidor, o Brasil conta com um microssistema de proteção ao idoso. Tendo a
99
O presente estudo não tem a pretensão de aprofundamento na situação do idoso no Brasil, em
todas suas relações jurídicas. Foram escolhidos pontos da Constituição Federal e do Estatuto do
Idoso que poderão auxiliar no deslinde da questão central da tese.
100
Sobre textos legais que disciplinaram os direitos do idoso no Brasil, confiram-se os valiosos
trabalhos: a) Pérola Melissa V. Braga – “Direitos do Idoso – de acordo com o Estatuto do Idoso”, p.
221-230 (e também no SITE “direitodoidoso.com.br”, acesso em 04.1.2007) e b) Ana Maria Viola de
Souza – “Tutela Jurídica do Idoso - A assistência e convivência familiar”, p. 106-156.
101
Paulo Roberto Barbosa Ramos – “O Direito à Velhice”, tese apresentada na Pontifícia
Universidade Católica, p. 103.
44
Constituição Federal de 1.988 como fonte a iluminar todo o sistema normativo, há
uma farta legislação ordinária federal, estadual e municipal que buscam tutelar o
idoso.
No artigo 230 da Constituição Federal de 1.988
102
,
também como parte integrante da dignidade humana que é fundamento da
República (artigo 1º., inciso III), afirmou-se o direito do idoso a uma vida digna,
ganhando atenção o aspecto material. O texto constitucional explicitou os direitos à
vida, ao amparo na residência em caráter preferencial e ao transporte urbano
gratuito.
Evidentemente, a tutela jurídica constitucional do idoso
pauta-se em toda a gama de direitos fundamentais e garantias previstas para o
cidadão. Como ensina o professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo
103
, o primado do
Estado Democrático de Direito tem íntima ligação com a proteção ao idoso – assim
como à família, maternidade e infância – pois nele se concretiza a defesa do direito
à vida das pessoas.
Ainda no campo constitucional, é possível extrair-se a
tutela do idoso nas seguintes disposições, como frisado por Ana Maria Viola de
Sousa, dentre outras: a) artigo 1º, incisos II e III (cidadania e dignidade humana), b)
artigo 3º., inciso IV (proibição de preconceitos de qualquer ordem, inclusive a
idade), c) artigo 5º, inciso XLVIII (a idade do apenado será considerada na definição
do estabelecimento prisional), d) artigo 14, parágrafo 1º., inciso II, letra “b” (o
alistamento eleitoral é apenas facultativo para os maiores de setenta anos), e)
artigo 201, parágrafo 7º., inciso II (é assegurada a aposentadoria pelo critério da
102
Artigo 230 da CF, in verbis: A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as
pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-
estar e garantindo-lhes o direito à vida. Parágrafo 1º. Os programas de amparo aos idosos serão
executados preferencialmente em seus lares. “Parágrafo 2º. Aos maiores de sessenta e cinco anos
é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
103
Celso Antônio Pacheco Fiorillo – “O Direito de Antena em face do direito ambiental no Brasil”,
p. 38.
45
idade), f) artigo 203, incisos I e V (garantia de um benefício de amparo equivalente
ao salário mínimo para o idoso carente de recursos financeiros), g) artigo 226,
parágrafo 8º. (assistência à família, ao coibir a violência doméstica contra todos os
integrantes, incluindo-se o idoso) e h) artigo 229 (obrigação de amparo dos filhos
em relação aos pais).
Nesta ordem de idéias, como assevera o professor José
Afonso da Silva
104
, o direito do idoso aparece como verdadeiro direito social, apesar
da omissão do artigo 6º. da Constituição Federal. E, na qualidade de dimensão dos
direitos fundamentais do homem, consubstanciam prestações positivas a serem
oferecidas, direta ou indiretamente, pelo Estado. A Constituição revelou extrema
preocupação em proporcionar ao idoso as condições de vida adequadas à
realidade física, biológica e psíquica do processo de envelhecimento, sem olvidar
dos impactos sociais e econômicos – que são, usualmente, negativos.
Ao lado da dignidade da pessoa humana, o princípio da
solidariedade serve como base constitucional para a tutela do idoso
105
. Uma
sociedade somente poderá ser solidária (artigo 3º, inciso I da CF), se cuidar do
processo de envelhecimento – ou seja, tutelar os direitos do idoso.
E, para dar concretude aos princípios e às garantias
constitucionais, o legislador ordinário, nos planos federal e estadual, buscou
exercitar o poder normativo.
A Política Nacional do Idoso foi introduzida pela Lei
Federal nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. A política adotada reconheceu em favor
do idoso o direito de exigir do Estado as condições para sua autonomia e
integração social. Interessa sublinhar que foi estabelecida como diretriz a
priorização do atendimento do idoso em órgãos públicos (art. 4º., VIII) e,
104
José Afonso da Silva – “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 289-290 e 320.
105
Fábio Konder Comparato – “A afirmação histórica dos direitos humanos”, p. 42-53,
esclarecendo que justamente sobre o princípio da solidariedade se assentam os direitos sociais
46
determinada como ação governamental na área da justiça a promoção e defesa dos
direitos da pessoa idosa, inclusive em Juízo (art. 10º., VI, letra “a”). A
regulamentação da lei se deu pelo Decreto Federal nº 1.948, de 3 de julho de 1996.
A Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993
106
disciplinou a
prestação continuada consistente na garantia de 01 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que
comprovem não possuir meios, por si ou pela família, de prover a sua manutenção
(art. 20). A partir de janeiro de 1998, com a vigência da Lei Federal nº 9.720, de
1998, a idade mínima para receber o benefício de prestação continuada foi reduzida
para 67 (sessenta e sete) anos. E, com a vigência da Lei Federal nº 10.741, de 1º.
de outubro de 2.003, aquela idade mínima foi reduzida para 65 (sessenta e cinco)
anos.
A Lei nº 8.648/93 introduziu ao artigo 399 do Código Civil
de 1.916 a responsabilidade dos filhos maiores e capazes pela prestação de
alimentos aos pais que, na velhice, carência ou enfermidade, ficarem sem
condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojaram de
bens em favor da prole. Os alimentos são irrenunciáveis e devem ser prestados até
o final das vidas dos pais. A disposição não foi repetida no Código Civil de 2.002
107
.
106
Dispôs sobre a organização da Assistência Social - LOAS, em obediência ao artigo 203, V, da
Constituição Federal que assegura a assistência social à velhice. O benefício de prestação
continuada concedido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social é pessoal (não é transferível a
dependentes), não cumulável com outro benefício previdenciário.
107
A falta de detalhamento da novel legislação civil pode ser explicada pelo fato de encontrar-se em
vigor o Estatuto do Idoso. Todavia, naquela lei os alimentos foram garantidos na forma da lei civil
(art. 11), remetendo-se ao Código Civil o regramento específico sobre o tema. E, infelizmente, no
Código Civil de 2.002 não se tem uma disciplina específica em favor do idoso. Apesar da infeliz
redação do parágrafo único do artigo 399 do CC de 1.916, como ressaltado por Sílvio de Salvo
Venosa (inDireito Civil”, vol. VI, p. 383), tenho que a tutela do idoso estava adequadamente
reforçada no diploma civil anterior. De qualquer modo, o dever de alimentos tem respaldo
constitucional, a partir do que dispõe o artigo 229 da CF: “os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
47
Inúmeras outras disposições de lei cuidam, direta ou
indiretamente, de direitos ligados ao idoso: a) a condenação do idoso acima de 70
anos deve levar em conta a atenuante etária (Código Penal - CP, art. 65, I), b) a
execução da sentença condenatória do réu acima daquela idade pode ser
suspensa, desde que a pena seja igual ou inferior a quatro anos (CP, art. 77,
parágrafo 2º.), c) a prescrição reduzida pela metade para o condenado com ais de
70 anos (CP, art. 115), d) a prática de crime contra velho constitui circunstância que
agrava a pena (CP art. 61, II, letra “h”), e) a execução da pena o condenado maior
de 70 anos pode ser beneficiário da prisão domiciliar (Lei de Execução Penal, art.
117, I), f) se o condenado contar mais de 60 anos, o trabalho que lhe for cometido
na prisão deve ser adequado à idade (LEP, art. 32, parágrafo 2º.), g) a Lei Federal
nº 10.048, de 08.11.2000, estabeleceu prioridade no atendimento do idoso, maior
de 65 anos, em todos os bancos, órgãos públicos e concessionárias de serviço
público (posteriormente, diante do Estatuto do Idoso, art. 3º, parágrafo único, I, a
prioridade deve ser estendida ao maior de 60 anos), h) no Estado de São Paulo, a
Lei Estadual nº 10.933/01 dispôs sobre a implantação do selo "Amigo do Idoso",
destinado às entidades que atendem idosos nas modalidades asilar e não-asilar, i)
no Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 9.892/97 instituiu a Política Estadual do
Idoso - PEI.
Todavia, a Lei Federal nº 10.741, de 1º. de outubro de
2.003, que instituiu o Estatuto do Idoso, tornou-se a principal legislação ordinária de
tutela do idoso. Nas palavras do professor Wladimir Novaes Martinez
108
, “culminou-
se o processo legislativo mediante o qual o Governo Federal tentou celebrar a
relevância individual e social das pessoas com mais idade”.
O Estatuto do Idoso traduz um microssistema normativo
– à semelhança do Código de Defesa do Consumidor e de outros diplomas legais –
e contém uma estrutura de princípios e regras sobre os diversos pontos. Além de
disposições gerais que retratam os direitos sociais e fundamentais, a lei dispôs que
envelhecer é um direito personalíssimo.
108
Wladimir Novaes Martinez – “Comentários ao Estatuto do Idoso”, p. 13.
48
Ora, se envelhecer é um direito personalíssimo, impõe-
se reconhecer, a partir do magistério de Orlando Gomes
109
, que ele integra o
atributo jurídico de todo indivíduo como um direito considerado essencial à pessoa
humana, a fim de resguardar sua própria dignidade. Nesta ordem de pensamento, o
envelhecimento é algo inerente à personalidade do homem, integra seu rol de
direitos e bens jurídicos não patrimoniais, sendo insuscetível de transmissão,
prescrição, penhora. É, ainda, um direito necessário e vitalício
110
e oponível erga
omnes.
É a partir do direito de envelhecimento que gravitam
todos os demais direitos explicitados, no Estatuto do Idoso. Isto é, pode-se dizer
que ao idoso são reconhecidos os demais direitos à vida, à saúde, aos alimentos,
etc. para que o cidadão possa envelhecer.
E o sentido jurídico de envelhecer tem nele embutida a
iluminação constitucional da dignidade humana. Não se pode imaginar o
envelhecimento como integrante do rol de direitos da personalidade – como a vida,
a integridade física, a imagem, a honra, o nome, etc. – se a ele não for inserida com
a idéia de dignidade humana.
Enfim, a tutela jurídica do idoso serve para garantir a
concretização do direito de um envelhecimento digno ao cidadão
111
.
109
Orlando Gomes – “Introdução ao Direito Civil”, p. 149-164. Sobre tema, confira-se ainda Elimar
Szaniawski (inDireitos de Personalidade e sua Tutela”, p. 358-359), que entende que a
Constituição Federal de 1.988 deu todo o substrato necessário ao reconhecimento de um “direito
geral da personalidade”, restando ao legislador ordinário apenas contemplar uma “cláusula geral”
para que a pessoa lesada em seu direito (da personalidade) possa solicitar ao juiz que faça cessar o
ilícito.
110
Necessário, porque não pode faltar. Se a pessoa continuar viva, terá necessariamente o direito
de envelhecer.
111
Neste sentido: Clodoaldo de Oliveira Queiroz, artigo “Os Direitos Fundamentais dos Idosos”,
Revista de Direito Privado n. 25/2006, p. 97-99.
49
No Estatuto do Idoso, estão disciplinados os direitos
fundamentais: à vida, à liberdade, aos alimentos, à saúde, à educação, à cultura, ao
lazer, ao trabalho, à previdência social, à assistência social, à habitação e ao
transporte. Busca-se, como frisado anteriormente, dar ao idoso as condições
materiais e imateriais para que possa viver com dignidade.
O Estatuto do Idoso cuida, ainda, das atribuições do
Poder Público, contemplando medidas de proteção e políticas de atendimento ao
idoso que são dirigidas à família, aos órgãos do Poder Executivo, às entidades
públicas e privadas, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário
112
. As medidas e
políticas funcionam como instrumentos para tornar realidade os direitos
fundamentais do idoso.
E, por fim, disciplinou-se o acesso à Justiça.
Evidentemente, quando se tem a ambição de disciplinar por meio de um
microssistema um segmento social, não se pode descuidar das peculiaridades que
cercam as pessoas e os direitos envolvidos.
Dentre as medidas que tiveram objetivo de facilitar o
acesso do idoso à Justiça, destacam-se: a) a adoção do rito sumário, b) a criação
de varas especializadas, c) a prioridade na tramitação dos processos
113
, c) a
legitimação do Ministério Público para ajuizar ações na defesa dos direitos dos
idosos
114
, d) a proteção especial dos direitos individuais indisponíveis e dos direitos
coletivos, e) a prerrogativa de foro, etc.
112
As tarefas do Poder Judiciário e do Ministério Público na garantia dos direitos fundamentais dos
idosos já eram ressaltadas por Paulo Roberto Barbosa Ramos, na sua tese de doutorado “O
Direito à Velhice” (p. 173-192), antes mesmo da vigência do Estatuto do Idoso.
113
A Lei nº 10.173, de 08.01.2001, incluiu os arts. 1.211-A, l.211-B e 1.211-C no Código de
Processo Civil, estabelecendo prioridade na tramitação de processos judiciais de idosos, maiores de
65 anos, em qualquer instância ou tribunal. Logicamente, aquela preferência, diante do Estatuto do
Idoso, deve ser compreendida para as pessoas maiores de 60 anos.
114
Em harmonia com a Lei no. 8.625, de 12.2.1993, que instituiu a Lei Orgânica do Ministério
Público, nos artigos 25, IV, letra “a” e VI. No mesmo sentido: Lei Complementar 75, de 20.5.93, que
disciplinou o Ministério Público da União, conforme artigo 5º., III, letra“e”.
50
No presente estudo interesse destacar um dos
elementos do acesso à Justiça: a prerrogativa de foro. Por uma questão
metodológica, será feita uma abordagem genérica sobre o acesso à Justiça e,
posteriormente, específica sobre o acesso do consumidor-idoso à Justiça.
Capítulo III – O ACESSO À JUSTIÇA DO CONSUMIDOR-
IDOSO.
3.1. O ACESSO À JUSTIÇA.
Em festejado estudo sobre o tema realizado na década
de setenta, Mauro Cappelletti e Bryant Garth
115
esclarecem valiosos pontos sobre o
assunto e que servem como fundamentos para as críticas dos nossos sistemas
jurídicos – incluindo-se o próprio sistema judiciário – até os dias de hoje.
O primeiro ponto abordado pelos ilustres professores
Mauro Cappelletti e Bryant Garth
116
diz respeito ao próprio conceito de “acesso à
Justiça”, que deixa de representar apenas o direito formal do indivíduo de propor ou
contestar uma ação em Juízo. Ter o direito efetivo de acesso à Justiça na acertada
visão dos mestres deve cumprir duas finalidades: a) o sistema deve ser igualmente
acessível a todos e b) os resultados produzidos pelo sistema devem ser individual e
socialmente justos.
115
Mauro Cappelletti e Bryant Garth – “Acesso à Justiça”, p. 07 e seguintes.
116
Mauro Cappelletti e Bryant Garth – “Acesso à Justiça”, p. 07-13.
51
Na abordagem da “igualdade das armas” entre os
litigantes do processo judicial, os juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth
117
listam
três obstáculos.
Primeiro: as custas judiciais. Em geral, as custas judiciais
são elevadas e para algumas causas de pequeno valor representam um
insuperável problema. Além disso, o longo tempo de tramitação de alguns
processos eleva o custo para as partes, desestimulando o acesso à Justiça ou
fazendo-as desistir das demandas ou compelindo-as a aceitar quaisquer acordos
(por valores muito inferiores aos que teriam direito).
Segundo: a possibilidade das partes. Quando se lida com
a garantia do acesso à Justiça, é preciso ter em conta a sorte de estratégias e
vantagens que uma parte tem em relação à outra. Os recursos financeiros e
econômicos conduzem à contratação de advogados (grandes escritórios) e à
facilidade no custeio das provas. A aptidão para reconhecer direitos ou mesmo para
saber quando se pode ajuizar uma demanda em Juízo traduz fator importante na
diferenciação das partes litigantes. E os “litigantes habituais”, assim qualificados os
sujeitos – usualmente, as pessoas jurídicas que constituem grandes conglomerados
econômicos - que estão acostumadas a litigar em Juízo, têm maior experiência com
o litígio, podem traçar planejamento e estratégia para o processo judicial e sabem
diluir custos e dimensionar riscos, apresentam enormes vantagens sobre os
“litigantes eventuais”.
E terceiro: problemas especiais dos interesses difusos. O
estudo feito por Mauro Cappelletti e Bryant Garth reconhece a diferença da defesa
dos interesses e direitos coletivos ligados à proteção do meio ambiente e do
consumidor. A fragmentação daqueles interesses ou direitos não é possível ou
redunda num valor economicamente reduzido, fator que desestimula a ação
individual. Nem sempre é possível a reunião das partes interessadas para o
conjunto ajuizamento de uma única ação.
52
Nesta ordem de idéias, não é difícil constatar, de um
lado, que os obstáculos do acesso à Justiça atingem com maior intensidade e
gravidade as chamadas “pequenas causas” (assim compreendidas aquelas de
reduzida repercussão econômica) e também os litigantes “pobres” (assim
qualificados os sujeitos com carência de recursos financeiros). De outro lado, o
sistema jurídico com aqueles obstáculos termina por favorecer em alguma medida
os “litigantes habituais”.
A obra Mauro Cappelletti e Bryant Garth
118
vai além, para
tratar também de possíveis soluções práticas para os problemas de acesso à
Justiça.
Primeiro, proporcionar serviços jurídicos para os pobres,
porquanto o auxílio de um advogado é indispensável para conhecer e decifrar leis e
procedimentos cada vez mais complexos e numerosos.
Segundo, viabilizar a representação dos interesses e
direitos difusos com as previsões de um processo coletivo e da legitimação
conferida a indivíduos ou grupos.
E terceiro, a reforma de procedimentos e o preparo dos
atores do processo para a efetivação dos novos direitos (tanto relacionados com as
“pequenas causas”, como com os “direitos difusos”). Quando se menciona o
procedimento, busca-se adaptar o processo civil ao tipo de litígio. O preparo dos
profissionais implica uma nova visão dos advogados, promotores de justiça e dos
juízes. Não pode haver apatia dos atores, exigindo-se cada vez mais uma efetiva
participação para que o resultado do processo seja útil e justo.
Impressiona a atualidade daquele estudo. Basta lançar
os olhos para a realidade brasileira para encontrarmos os obstáculos citados. Ainda
117
Mauro Cappelletti e Bryant Garth Op. cit., p. 15-29.
53
que se possa argumentar que a diversidade de experiências – afinal, o estudo
baseou-se nos dados de países da Europa e dos Estados Unidos – exige uma
análise cautelosa do estudo, os problemas de acesso à Justiça são encontrados
também no Brasil.
A rigor, as dificuldades são ainda maiores no Brasil, um
país com notória carência econômica da população e também com sabida falta de
estrutura do serviço público em geral (e não seria diferente com o serviço público
ligado ao acesso à Justiça).
No Brasil, a doutrina também se ocupou do tema do
acesso à Justiça. A seguir, destacam-se os estudos de alguns autores brasileiros,
todos produzidos na década de oitenta, refletindo a repercussão das direções e
tendências mundiais.
São reconhecidos os esforços do professor Kazuo
Watanabe
119
para viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Aquilo que ele
denominou de uma empreitada ambiciosa estava a exigir uma nova postura mental,
partindo-se da postura do destinatário (“consumidor”) das normas jurídicas. A partir
da realidade brasileira e do resultado voltado para uma situação de eqüidade e de
bem-estar do povo, o ilustre autor identifica a complexidade cada vez maior da
sociedade e propõe uma pesquisa interdisciplinar permanente para aferição da
adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica a que se destina.
Nesta linha, algumas soluções para uma ordem jurídica justa são delineadas: a)
adoção de meios alternativos para a solução de conflitos como mediação,
conciliação e arbitragem, b) participação da sociedade na administração da
Justiça
120
com incremento dos Juizados Especiais Cíveis, com flexibilização de
118
Mauro Cappelletti e Bryant Garth Op. cit., p. 31-159.
119
Kazuo Watanabe – “Acesso à Justiça e Sociedade Moderna”, artigo inserido na obra coletiva
Participação e Processo” coordenada pelo mesmo e por Ada Pelegrine Grinover e Cândido
Rangel Dinamarco, p. 128-135. São exemplos da essencial participação do ilustre professor na
adoção de medidas de acesso à Justiça a formulação da lei e a própria implantação dos Juizados de
Pequenas Causas e a criação do Setor de Conciliação no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.
120
Neste passo, colhem-se os elucidativos magistérios dos professores da Universidade de
Florença, na Itália, ambos produzidos na década de oitenta: a) Vitório Denti – “Giustizia e
Participazione nella tutela dei nuovi diritti” e b) Alessandro Pizzorusso – “Participazione Popolare e
54
procedimentos (mais informalidade, informação e orientação) e c) aperfeiçoamento
dos juízes, para melhorar a sensibilidade social e com adequação às
transformações ocorridas.
O professor Barbosa Moreira
121
, com a maestria de
sempre, já apontava a efetividade do processo como o ponto central dos problemas
do direito processual na década de oitenta. Naquela época, o ilustre processualista
já mencionava a necessidade de revisões no procedimento das provas e da
execução, como temas fundamentais. Também sublimava a criação de órgãos
específicos para o julgamento das “pequenas causas”. E chamou a atenção do
acesso à Justiça, em especial à necessidade de facilitar o ingresso para as
camadas menos favorecidas e para o direito de ação seja um exercício concreto – a
garantia de uma igualdade formal não é satisfatória, exigindo-se uma igualdade
real.
Em conferência proferida no seminário sobre “Assistência
Judiciária”, em novembro de 1.984, a professora Ada Pellegrini Grinover
122
ressaltou o novo sentido da locução “acesso à Justiça”, que significava mais do que
um acesso aos tribunais e alcançava o acesso a um processo justo. Partindo o
enfoque do professor Mauro Cappelletti, a ilustre jurista destacou duas facetas do
acesso à Justiça. Uma, como método de pensamento, que levava a uma inversão
do foco do problema e o problema passava a ser visto sob a ótica do “consumidor”
da Justiça (o cidadão, a sociedade)
123
124
e não do Estado. E outra, como programa
Funzione Giuriszionale”. Os artigos estão inseridos na obra coletiva “Participação e Processo
coordenada por Ada Pelegrine Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, p. 11-
23 e 24-36, respectivamente. Os autores abordam a participação popular na função jurisdicional,
focando a busca de uma igualdade substancial, a necessidade de adequação do processo aos
novos direitos (difusos e coletivos) e a solução de conflitos fora do juízo estatal.
121
José Carlos Barbosa Moreira – “Os Temas Fundamentais do Direito Brasileiro nos anos 80:
Direito Processual Civil”, artigo inserido na obra “Temas de Direito Processual”, Quarta Série, p. 01-
21. Na mesma obra, com argúcia, há uma abordagem do papel participativo do juiz no processo civil
como exigência dos novos tempos: a) “Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo” (p.
45-52)e b) “Sobre a “participação” do juiz no processo civil” (p. 53-66).
122
Ada Pellegrini Grinover – “Assistência Judiciária e Acesso à Justiça”, conferência inserida na
obra “Novas Tendências do Direito Processual de acordo com a Constituição de 1.988”, p. 243-245.
123
Em 1.996, fazendo uma reflexão sobre o tema, o professor José Carlos Barbosa Moreira (inA
Justiça e Nós”, artigo inserido na obra “Temas de Direito Processual”, Sexta Série, p. 01-16) faz o
55
de reforma, traduzindo a busca de todos os meios efetivos que fizessem as partes
utilizarem na plenitude o Estado na solução dos litígios individuais e também
coletivos. E na sua vasta obra, encontra-se o acolhimento das idéias do professor
Kazuo Watanabe
125
, para compreender o acesso à Justiça não apenas como
viabilização do ingresso com uma ação no Poder Judiciário, mas também de uma
ordem jurídica justa com destaque para a participação popular na administração da
Justiça
126
, para a ampliação do conceito de assistência judiciária
127
e para a
adaptação do processo aos conflitos de massa (direitos e interesses difusos)
128
.
interessante contraponto desta visão. Aponta ele a necessidade do consumidor da Justiça ter, além
dos direitos garantidos pela Constituição Federal e pelas leis ordinárias, cumprir o dever geral de
colaboração no processo (a partir do artigo 339 do CPC e de outros dispositivos do mesmo
diploma). A efetividade do processo também dependia daquela implementação condição.
124
Interessante apontar que, em 2.000, o mesmo professor José Carlos Barbosa Moreira (inO
Futuro da Justiça”, artigo inserido na obra “Temas de Direito Processual”, Oitava Série, p. 01-13)
prossegue nas suas reflexões sobre o tema, dizendo que a Justiça do século XXI deveria lidar com
os mitos que a cercavam. Primeiro, na rapidez acima de tudo. A lentidão não era um problema
exclusivamente brasileiro. Na maioria dos processos, ao menos um dos demandantes não
enxergava como problema a demora do julgamento do litígio. Não era o defeito da legislação que
servia como única causa da lentidão dos processos. A lentidão não podia ser hipertrofiada de modo
a sobrepô-la aos demais problemas da Justiça. Segundo, o encontro da fórmula mágica. Apesar de
alguns obsessivos, não existia fórmula mágica. A oralidade, por exemplo, não serviria para
solucionar o problema do desempenho da máquina judiciária. Terceiro, havia uma supervalorização
dos modelos estrangeiros. Era necessário conhecer-se profundamente o instituo a ser importado.
Deveria ser examinada a compatibilidade entre o nosso ordenamento brasileiro e o instituto a ser
importado. E quarto, não havia onipotência das normas. A solução dos problemas não ocorria com a
simples modificação legislativa.
125
Ada Pellegrini Grinover – “Acesso à Justiça e o Código de Defesa do Consumidor”, conferência
inserida na obra “O Processo em Evolução”, p. 115-124.
126
Ainda sobre esta parte, confira-se, dentre inúmeros artigos da autora: “A conciliação
extrajudicial”, inserido na obra coletiva “Participação e Processo”, p. 284-285.
127
A nobre professora explica que o conceito de “assistência judiciária” é ampliado na Constituição
Federal de 1.988 para acolher assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.
Concordamos plenamente com aquela idéia. No texto da tese, não se fez distinção entre assistência
judiciária, Justiça Gratuita e assistência jurídica. Logicamente, poderia ser defendido um menor
alcance para a primeira locução, apenas para significar a assistência no processo judicial. O
professor Araken de Assis (inGarantia de Acesso à Justiça: Benefício da Gratuidade”, p. 10) faz a
distinção: a) assistência jurídica integral (nas esferas judicial e extrajudicial), b) assistência judiciária
(serviço público organizado para a defesa em Juízo do necessitado) e c) gratuidade da Justiça
(isenção das custas e despesas do processo). Não se viu no trabalho a necessidade de
detalhamento do tema.
128
Ainda sobre esta parte, confira-se, dentre inúmeros artigos da autora: “Significado social, político
e jurídico da tutela dos interesses difusos”, aula inserida na obra “A Marcha do Processo”, p. 17-23.
56
O professor Cândido Rangel Dinamarco chamou a
atenção para a instrumentalidade do processo
129
. Em sua tese, o autor propôs uma
nova perspectiva na análise do sistema processual, de modo a permitir que o
processo seja mais público e solidário e, enfim, mais efetivo
130
. Isto é, a efetividade
do processo traduz sua “aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo
cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e
respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da
sociedade e assegurar-lhes a liberdade
131
. A questão da instrumentalidade do
processo é situada também na discussão maior de acesso à Justiça, em que o
autor sublinha os problemas dos elevados valores das custas judiciais, da
precariedade da assistência judiciária e da necessidade de ampliação da
legitimação ativa (em especial na defesa dos direitos coletivos). Para superação
daqueles obstáculos, dentre alguns caminhos, são destacados: a) a necessidade de
um juiz participativo no processo, b) a conciliação como atividade essencial no
129
Cândido Rangel Dinamarco – “Instrumentalidade do Processo”, p. 385-420. O essencial do
pensamento do jurista pode ser encontrado no artigo “Escopos Políticos do Processo”, inserido na
obra coletiva “Participação e Processo” coordenada pelo mesmo e por Ada Pelegrine Grinover e
Kazuo Watanabe, p. 114-127. Para o ilustre autor a questão do acesso à Justiça não se resume a
um problema social (desigualdade econômica), mas também alcança problemas econômicos
(pobreza e alto custo do processo), psicossociais (desinformação e descrença na Justiça) e jurídicos
(legitimidade ativa individual).
130
Em 1.994, fazendo uma reflexão sobre o tema, o professor José Carlos Barbosa Moreira (in
Efetividade do Processo e Técnica Processual”, artigo inserido na obra “Temas de Direito
Processual”, Sexta Série, p. 17-29) faz um contraponto desta visão. Aponta ele algumas
advertências para a efetividade do processo: a) não deve ser vista como um valor absoluto, mas sim
situada num conceito relativo e capaz de ceder, diante de outros valores e normas de relevância
superior (a intimidade das partes em alguns casos, por exemplo), b) a busca do equilíbrio entre os
valores celeridade do processo e verdade, c) a técnica não deve ser renegada na criação e na
aplicação das novas normas, aproveitando-se tanto quanto possível aquilo de bom que existe no
sistema normativo. Em 2.000, numa nova reflexão sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira (in
Por um Processo socialmente efetivo”, artigo inserido na obra “Temas de Direito Processual”,
Oitava Série, p. 15-27), o ilustre processualista voltou a insistir que a eficácia social do processo. E,
para tanto, mencionou dois critérios para a medição daquela efetividade. Primeiro, esclareceu que o
processo seria socialmente efetivo, quando capaz de veicular aspirações da sociedade como um
todo e de permitir-lhes a satisfação por meio da Justiça. E segundo, seria efetivo do ponto de vista
social, o processo que pudesse permitir aos menos aquinhoados a defesa judicial de seus
interesses em pé de igualdade com os litigantes de maiores forças (econômica, política e cultural).
Seria maior a efetividade, quanto mais estruturados os serviços de assistência jurídica (no amplo
sentido) e também quanto mais preparados os juízes – sob o enfoque técnico multidisciplinar e com
maior sensibilidade social.
131
Cândido Rangel Dinamarco – “Instrumentalidade do Processo”, p. 386.
57
curso do processo, c) a possibilidade do procedimento adaptar-se às peculiaridades
de cada litígio.
O professor Cândido Rangel Dinamarco
132
frisa, ainda,
que o dispositivo constitucional que cuida do acesso à Justiça não consagra apenas
o direito de ação, mas sim o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
das pretensões postas em juízo, garantindo que elas sejam processadas e
julgadas. Em ensaio sobre o alcance da “tutela jurisdicional”
133
, o mesmo autor
acaba por destacar que a doutrina processual deveria reler os conceitos sobre o
tema, defendendo uma ampliação para a tutela jurídica como proteção para o
direito material conferida em sede abstrata (pela lei) e em sede concreta (pelas
tutelas administrativas e tutelas jurisdicionais). Nesta linha, a tutela jurisdicional
passa a ser das pessoas (não somente do autor, mas também do réu), num
processo de resultados em que o princípio de acesso à justiça traduz o direito à
ordem jurídica justa.
Ao explicar o acesso à Justiça no sistema de jurisdição, o
professor Arruda Alvim
134
ensina que, no Estado Moderno, cabe ao Poder Judiciário
a função de dizer o direito (no processo de conhecimento) ou de realizá-lo
coativamente (no processo de execução). O desenvolvimento desta função
jurisdicional apóia-se em princípios previstos na Constituição Federal, dentre eles o
de indeclinabilidade da prestação jurisdicional.
Como salienta o professor Nelson Nery Júnior
135
, o
conteúdo do princípio constitucional de acesso à Justiça traduz a impossibilidade de
ninguém impedir que o jurisdicionado vá a juízo articular uma pretensão contra uma
lesão concretizada ou iminente.
132
Cândido Rangel Dinamarco - “Instituições de Direito Processual”, vol. I, p. 198-199.
133
Cândido Rangel Dinamarco - “Tutela Jurisdicional”, artigo inserido na obra “Fundamentos do
Processo Civil Moderno”, Tomo II, p. 797-837.
134
Arruda Alvim - “Manual de Direito Processual Civil”, vol. 1, Parte Geral, p. 177-190.
58
Impõe-se reconhecer que a conquista de um efetivo
acesso à Justiça passa pela participação estatal na remoção dos obstáculos para a
realização daquele direito fundamental. Isto é, aquelas sugestões passam pela
vontade política do Poder Público – Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Espera-se uma nova postura do Poder Executivo na
condução das políticas públicas de assistência jurídica, ampliando-se a prestação
de serviços e não a reduzindo. Aguarda-se do Poder Legislativo uma produção de
leis que facilitem a assistência jurídica, simplifiquem os procedimentos e
proporcionem a defesa de interesses e direitos específicos (incluindo-se os direitos
difusos). O Poder Judiciário necessita de eficiência – não somente suficiência - no
seu aparato material e humano. Ou, nas palavras do eminente professor Nelson
Nery Júnior
136
, “o jurisdicionado tem direito de obter do Poder Judiciário a tutela
jurisdicional adequada”.
É verdade que os Poderes Executivo e Legislativo – com
intensa e salutar participação do Poder Judiciário e de órgãos e associações
ligadas às atividades jurídicas - têm procurado fazer sua parte. A reforma do Poder
Judiciário produzida pela Emenda Constitucional n. 45/2004
137
e as sucessivas
mudanças da lei processual são prova disso.
Há uma real exigência social e uma aparente vontade
política para a mudança nos rumos do acesso à Justiça.
Dentro da Emenda Constitucional n. 45/2004 que lidou
com a reforma do Poder Judiciário, destaca-se a inclusão do inciso LXXVIII do
135
Nelson Nery Júnior - “Princípios do Processo Civil na Constituição Federal”, p. 92.
136
Nelson Nery Júnior – “Princípios do Direito Processual Civil na Constituição Federal”, p. 133.
137
Dentre as inúmeras modificações introduzidas pela referida Emenda Constitucional e que
interessam ao tema de acesso à Justiça: a) inclusão do tempo razoável do processo como direito
fundamental (art. 5º., LXXVIII), b) a criação do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B), c)
59
artigo 5º. da Constituição Federal
138
, que inseriu a exigência do tempo razoável de
duração do processo judicial (e do administrativo) como um direito fundamental.
Acolheu-se antiga reclamação do ilustre professor e estudioso do tema José
Rogério Cruz e Tucci
139
para a necessidade de prolação da decisão num prazo de
tempo razoável, como parte da efetividade do processo. Aqui, a conexão com o
tema do acesso à Justiça, porquanto não se terá um acesso adequado, se não se
puder contar com uma decisão num prazo compatível com a realidade social e a
expectativa do cidadão.
A expectativa de um tempo razoável harmoniza-se com a
súmula vinculante. A sedimentação de um entendimento por meio da súmula
vinculante tende a tornar mais rápido o rito processual, acelerando a prestação
jurisdicional definitiva
140
. Como explica o professor Sérgio Shimura
141
, a rigor o juiz
de instâncias inferiores já tem de respeitar as decisões das cortes superiores, por
intermédio dos recursos. Nesta linha, a súmula vinculante representa a fixação de
um entendimento pelo Supremo Tribunal Federal e apenas retrata a necessidade
de adequação ao mesmo.
determinação que a atividade jurisdicional seja ininterrupta (art. 93, XII), d) introdução da súmula
vinculante (art. 103-A), e) ampliação da competência da Justiça do Trabalho (art. 114), etc.
138
Dispõe o inciso LXXVIII do artigo 5º. da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam
celeridade da sua tramitação”.
139
José Rogério Cruz e Tucci (inGarantia do Processo sem dilações indevidas”, artigo inserido
na obra coletiva “Garantias Constitucionais do Processo” que foi coordenada pelo mesmo, p. 234-
262).
140
Além disso, a súmula também atenderá àqueles que enxergam na uniformidade das decisões
judiciais uma exigência da sociedade. O tema foge aos limites da tese. Contudo, trata-se de um
ponto que merece reflexão. A uniformidade nunca foi o principal problema do Poder Judiciário. A
bem da verdade, inúmeras situações – com menor ou maior grau de semelhança – são decididas de
maneiras diferentes pelos juízes, no território nacional. Basta considerar as lides que envolvam o
direito de família ou mesmo o direito civil (locação). Aceitam-se, mesmo com a missão constitucional
de uniformização do Superior Tribunal de Justiça, as diferentes interpretações da lei federal e acerca
da sua adequação aos fatos, em algum grau. E não poderia ser diferente, pois, do contrário, o
Superior Tribunal de Justiça serviria como terceiro grau de jurisdição em todas as ações – para
verificar e garantir a uniformização. O caminho parece ser a edição das súmulas vinculantes pelo
Supremo Tribunal Federal com cautela e parcimônia. A respeito do tema, ainda, a
141
Sérgio Shimura – “Súmula Vinculante”, artigo inserido na obra coletiva “Reforma do Judiciário –
Primeiras Reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004”, p. 763.
60
A preocupação com a efetividade da prestação
jurisdicional motivou, ainda, as modificações desde 1.992
142
no Código de Processo
Civil, na citação e intimações, no rito sumário, no rito ordinário, no campo das
provas, nos recursos, na execução (judicial e extrajudicial) no rito informatizado
(substituição dos autos pelo chamado “processo virtual”), etc. Tudo para viabilizar
um processo mais rápido, com ganho de eficiência.
A propósito, oportuno o magistério do professor Sérgio
Shimura
143
, destacando a evolução do direito processual, in verbis:
O direito processual não foi refratário a tais mutações e
necessidades. Foi e continua sendo sua função andar
passo a passo com os litígios daí decorrentes, servindo-
lhes de técnica para suas soluções”.
O mesmo se diga em relação ao próprio Poder Judiciário,
com as ações internas dos tribunais na busca de uma modernização de gestão. E o
Judiciário de São Paulo serve como exemplo desta nova visão gerencial. Pode-se
afirmar que as duas últimas presidências adotaram uma nova visão gerencial do
Poder Judiciário
144
. Algumas medidas de gestão, necessárias e iniciadas nas duas
últimas presidências: a) informatização, b) racionalização do serviço jurisdicional e
c) qualificação funcional. Quando se diz necessárias, significa compreender que
elas funcionam como ponto de partida para a melhoria do serviço público
jurisdicional
145
.
142
Dentre outras leis, destacam-se: a) Lei n. 8.455, de 24.8.92, b) Lei n. 8.637, de 31.3.93, c) Lei n.
8.710, de 24.9.93, d) Lei n. 8.718, de 14.10.93, e) Lei n. 8.898, de 29.6.94, f) Lei n. 8.950, de
13.12.94, g) Lei n. 8.951/94, de 13.12.94, h) Lei n. 8.952, 13.12.94, i) Lei n. 8.953, de 13.12.94, j) Lei
n. 9.800, de 26.5.99, k) Lei n.10.173, de 09.1.2001, l) Lei n. 10.352, de 26.12.2001, m) Lei n. 10.358,
de 27.12.2001, n) Lei n. 10.444, de 07.5.2002, o) Lei n. 11.187, de 19.10.2005, p) Lei n. 11.232, de
22.12.2005, q) Lei n. 11.272, de 07.2.2006, r) Lei n. 11.277, de 07.2.2006, s) Lei n. 11.280, de
16.2.2006, t) Lei n. 11.382, de 07.12.2006, u) Lei n. 11.419, de 19.12.2006.
143
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua Efetividade”, p. 36.
144
As presidências dos ilustres Desembargadores Luiz Elias Tâmbara e Celso Luis Limogi.
61
Digna de destaque é a dissertação de mestrado do
professor e magistrado Paulo César Santos Bezerra
146
sobre o tema específico de
acesso à Justiça. Depois de identificar a justiça como um valor e um componente
ético da experiência jurídica, o autor percorreu os diversos planos (leigo, técnico-
jurídica, sociológico e filosófico) do acesso à Justiça. Alguns pontos tocados pelo
ilustre autor refletem o que estava acontecendo – e continua a ocorrer. Primeiro,
quando critica o excesso nas leis produzidas pelo Poder Legislativo e que não
encontram um Poder Judiciário capaz de atender à demanda criada
147
. E segundo,
quando menciona que o uso das vias alternativas extrajudiciais para a solução dos
conflitos pode ser recomendável. O acesso à Justiça deve traduzir mais do que um
acesso ao Poder Judiciário, para atingir a solução dos conflitos, ainda que por
outras vias.
145
Para enfatizar o raciocínio e embora não seja o tema central do presente estudo, é importante
apontar que os cartórios precisam contar com maquinário suficiente, de modo a que possa abranger
todo serviço administrativo e processual. Há muito que se avançar neste campo. Na parte
administrativa, a simplificação dos procedimentos impostos pela Corregedoria Geral de Justiça do
Estado de São Paulo é medida urgente. Não pode haver lugar para ritos burocráticos, bastando citar
a clássica exigência de livros de registro de retirada (carga) de autos por advogados, peritos e
juízes. Pior: a informatização não pode dar lugar a um controle duplo – virtual e material – dos atos
administrativos e processuais. Por que não um único controle e totalmente informatizado? No campo
processual, é preciso coragem e investimentos no procedimento inteiramente virtual. Ou seja, deve
ser permitido que a parte busque a prestação jurisdicional, por intermédio do advogado,
apresentando suas razões e seu pedido – a ação judicial – por um sistema completamente
informatizado, em que a defesa, as provas e as decisões do juiz também integrem o chamado
processo virtual ou eletrônico. Somente se colocada em dúvida autenticidade de algum elemento do
processo (documento, por exemplo), haverá a sua materialização. Os ganhos de tempo, espaço e
produtividade serão espetaculares. O processo virtual já traduz uma realidade em algumas Justiças,
em especial nos Juizados Especiais.
146
Paulo César Santos Bezerra – “Acesso à Justiça”, p. 15-27, 60-155.
147
Evidentemente, não se está a criticar a criação ou o fortalecimento de direitos fundamentais,
individuais ou sociais, ou mesmo a ampliação do acesso à Justiça (na face da facilitação do
exercício do direito de ação). Todavia, deve ser reconhecido que não há um adequado
aparelhamento – material e humano – do Poder Judiciário para fazer frente às demandas criadas
pelos novos direitos ou pelos novos órgãos. Prova disso é o que aconteceu com o Juizado Especial
Cível no Estado de São Paulo. No ano de 2006, o Juizado Especial Cível de Santo Amaro, contava
com mais de 60 (sessenta) mil processos em andamento (dados colhidos no “www.tj,sp.gov.br”,
consulta feita em 01.2.2007) número desumano pela reduzida quantidade de juízes e servidores ali
lotados. E para piorar a situação, alegando escassez de recursos, o Tribunal de Justiça não tem
dado a devida atenção ao problema, fazendo daquele setor um prestador de serviços jurisdicionais
longe dos ideais – celeridade e efetividade, em especial – previstos, na criação do Juizado de
Pequenas Causas e, depois, Juizado Especial Cível.
62
É verdade que muito há para ser feito. É necessário que
as mudanças legislativas saiam do campo abstrato – a realidade virtual – para o
campo concreto. Urge que a modificação do conceito de acesso à Justiça, agora
visto como efetivo e justo, torne-se parte da realidade concreta e pertença ao dia a
dia do cidadão. E todos sabem que isso não acontece pela simples vigência da lei.
Até que a lei produza eficácia social, há um longo
caminho a ser percorrido. Os operadores do direito (juízes, promotores de justiça,
advogados e servidores do Poder Judiciário) devem assimilar o significado dos
novos rumos da sociedade e das novas políticas públicas adotadas na novel
legislação. É necessário tempo para a sociedade conhecer os novos conteúdos
da lei e fazer valer seus direitos
148
. No campo processual, a dificuldade é maior,
porquanto se tem um conhecimento técnico afeto aos profissionais do direito –
exceção feita aos “litigantes habituais” que, mesmo sem formação jurídica, por
vezes conhecem os caminhos do procedimento e suas inovações.
Para ilustrar esta dificuldade, basta citar a polêmica
instalada na concessão do benefício da assistência judiciária, a partir da
interpretação do artigo 4
º
da Lei n. 1.060/50 e da sua recepção pela Constituição
Federal de 1.988. Em tempos de modificações legislativas para remoção dos
obstáculos de acesso à Justiça, há quem interprete, com as devidas vênias, as
normas de maneira a aumentá-los.
3.2. Existência dos obstáculos para o acesso
à Justiça. Exemplo: as exigências em
excesso para a concessão da Justiça
Gratuita.
148
Em brilhante comentário ao tema acesso à Justiça, depois de passar pelos diversos pontos
ligados à insuficiente estrutura do Poder Judiciário e do serviço de assistência jurídica aos
necessitados, Carlos Roberto Siqueira de Castro (inA Constituição Aberta e os Direitos
63
Após a vigência da Constituição Federal de 1.988,
instalou-se uma polêmica sobre a correta interpretação do seu artigo 5
º
, inciso
LXXIV.
149
, que garantiu a assistência jurídica prestada pelo Estado aos
necessitados.
Parte da doutrina e dos tribunais passou a exigir dos
pretendentes da assistência jurídica a prova de insuficiência de recursos, a partir da
redação daquele dispositivo constitucional, que menciona “aos que comprovarem a
insuficiência de recursos”.
Esta parte da doutrina e jurisprudência deixou de acatar
a norma insculpida no artigo 4
º
da Lei n. 1.060/50 (com redação dada pela Lei n.
7.510/86)
150
, que garantia a concessão do benefício pela simples afirmação na
petição da necessidade da assistência judiciária – constituindo uma presunção de
veracidade.
Parece-me, com todo o respeito, equivocada a posição
assumida por aqueles que negam vigência ao artigo 4
º
da Lei n. 1.060/50 ou que
lhe emprestam restrita interpretação, exigindo sempre por parte do requerente
prova de sua insuficiência de recursos.
A Constituição Federal de 1.988 consagrou a assistência
judiciária por parte do Estado em direito fundamental. Logicamente, trata-se de um
Fundamentais”, p. 320-356) terminou por destacar a importância da “força do povo” para que as
normas saiam do plano estéril das intenções para a realidade concreta da sociedade.
149
O artigo 5
º
, inciso LXXIV. da CF apresenta a seguinte redação: “O Estado prestará assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.”
150
O dispositivo tem a seguinte redação: Art. 4
º
. A parte gozará dos benefícios da assistência
judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de
pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do próprio ou de sua
família.Parágrafo 1
º
. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos
termos desta Lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais
.
64
direito de elevada importância, porque, como já assentado, constitui um dos
elementos que viabilizam o efetivo acesso à Justiça.
Importante salientar que a Constituição Federal de 1.967
(com a Emenda Constitucional de 1.969) já previa o direito fundamental da
assistência judiciária, com a seguinte disposição do artigo 153, parágrafo 32:
Será concedida assistência judiciária aos necessitados,
na forma da lei”.
A Constituição Federal de 1.988 foi chamada
“Constituição Cidadã”, porque buscou fortalecer o respeito aos direitos
fundamentais, individuais e coletivos, dando a eles amplitude e efetividade.
Nesta linha, parece-me lógico e até mesmo intuitivo que
a nova Carta não poderia ser mais restrita do que a anterior – concebida em plena
ditadura militar – na concessão da assistência judiciária pelo Estado.
Em outras palavras, seria de se perguntar, comparada
com a Constituição de 1.967, a Constituição Federal de 1.988 veio piorar a situação
processual dos pretendentes do benefício de assistência judiciária, ao exigir prévia
comprovação da necessidade? No lugar de facilitar o acesso à Justiça, a
Constituição cidadã criou um verdadeiro obstáculo?
Um país que busca resgatar valores e princípios
democráticos e privilegiar a efetividade dos direitos humanos não pode criar
embaraços para o acesso à Justiça, em especial para a obtenção por parte dos
necessitados de assistência judiciária. A resposta àquela indagação somente pode
ser negativa.
65
As duas Turmas do Supremo Tribunal Federal fixaram
entendimento de que o artigo 4
º
da Lei n. 1.060/50 não foi revogado pela
Constituição de 1.988.
Oportuno destacar-se ementa do Recurso Extraordinário
n. 205746/RS, relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 28.2.1997, sobre o tema
específico:
“CONSTITUCIONAL. ACESSO À JUSTIÇA.
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. Lei 1.060, de 1.950. Art. 5
º
,
LXXIV. IA garantia do art. 5
º
, LXXIV – assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursosnão revogou a de assistência
judiciária gratuita da Lei 1.060, de 1.950, aos
necessitados, certo que, para obtenção desta, basta a
declaração, feita pelo próprio interessado, de que a sua
situação econômica não permite vir a Juízo, sem prejuízo
de sua manutenção ou de sua família. Essa norma
infraconstitucional põe-se, ademais, dentro do
espírito da Constituição, que deseja que seja
facilitado o acesso de todos à Justiça (C.F. , art. 5
º
,
XXXV). – RE não conhecido.” (negrito nosso)
No mesmo diapasão existem inúmeros julgados do
mesmo Supremo Tribunal Federal. Na 1
ª
Turma: RE 204.458, relator o Ministro
ILMAR GALVÃO, DJ 25.3.1997; RE 204.724, relator o Ministro MOREIRA ALVES,
DJ 19.6.1998. Na 2
ª
Turma: RE 206.625, relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ
06.6.1997 e 206.354, relator o Ministro CARLOS VELLOSO, DJ 02.5.1997.
Por isso, conclui-se que a declaração de pobreza ou de
insuficiência de recursos feita na petição inicial configura meio idôneo para a
obtenção da assistência judiciária.
66
A interpretação da norma infraconstitucional – artigo 4
º
da Lei n. 1.060/50 – pelo Superior Tribunal de Justiça vem seguindo a posição ora
defendida. Milita em favor do requerente a presunção advinda da sua declaração na
petição inicial que é merecedor do benefício da assistência judiciária.
A respeito, colhe-se o Recurso Especial n. 287.688-MG,
4
ª
Turma do STJ, relator o Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, julgado em
07.12.2000, DJ 05.3.2001, destacando com imensa lucidez:
“Como se vê, para a concessão da gratuidade judiciária,
a lei dispensa uma declaração formal de pobreza, pois
admite mera afirmação nesse sentido na própria exordial.
Essa presunção goza de veracidade juris tantum, o
que requer prova em contrário demonstrada pelo
lado adverso, não cabendo à autoridade judiciária
impugnar o que foi declarado pela parte que requer
assistência judiciária a não ser que tenha fundadas
razões para isso.” (negrito nosso)
No mesmo sentido, há outras decisões do Superior
Tribunal de Justiça: a) REsp. n. 463231-RS, 5
ª
Turma, relator o Ministro FELIX
FISCHER, julgado em 12.11.2002, DJ 16.12.2002; b) REsp. n. 121.799/RS, 6
ª
Turma, relator o Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJ 26.6.2000.
Também em outros tribunais, aquele entendimento
encontra ressonância: a) Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (JTJ-LEX
236/250, 241/226, 242/132 e 244/247; b) Segundo Tribunal de Alçada Civil do
Estado de São Paulo (RT 773/277 e 778/323); c) Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul (RT 773/357); d) Tribunal de Justiça de Minas Gerais (RT 762/366); d)
Tribunal Regional Federal da 1
ª
Região (RT 768/390 e 770/403).
67
Observo que somente em casos excepcionais, quando o
juiz tenha, de ofício ou por iniciativa da parte contrária, indício ou prova da
suficiência de recursos do pretendente da assistência judiciária, poderá haver
investigação do pedido. Se provada a condição financeira do pretendente, o pedido
será indeferido ou revogado com aplicação da penalidade prevista em lei
correspondente ao décuplo das custas judiciais (art. 4º., parágrafo 1º. da Lei n.
1.060/50).
A regra deverá ser a concessão do benefício da
assistência judiciária. Trata-se de bem interpretar a Constituição Federal e a Lei n.
1.060/50. A assistência judiciária aos necessitados é dever do Estado, volto a
repetir.
O indeferimento do pedido daquele benefício constitui
exceção e a decisão deverá pautar-se em prova segura de que o pretendente tem
condições financeiras para suportar as custas judiciais e despesas processuais.
Com todo o respeito, equivocada a interpretação
baseada em suposições abstratas e que fogem à realidade concreta. Insisto: se o
juiz tiver razões para duvidar da declaração do pretendente do benefício da
assistência judiciária, não bastará fazer colocações genéricas sobre a profissão ou
o patrimônio do primeiro, mas deverá investigar e buscar provas da situação
econômica e financeira do mesmo (por exemplo, requisitar a apresentação da
última declaração de rendimentos apresentada à Receita Federal).
Por exemplo, não é suficiente ao indeferimento do pedido
de assistência judiciária afirmar-se que a condição de comerciante da parte dá a ela
suporte para pagamento das custas judiciais e despesas do processo
151
. A
151
Outro exemplo de fundamentação usada pelos magistrados é a possibilidade de contratação de
advogado pelo pretendente do benefício da Justiça Gratuita. Entendo que a contratação de
advogado também não traduz prova de condição econômica do pretendente do benefício. Ora, num
país em que a assistência judiciária promovida diretamente por defensores públicos ou por
advogados conveniados com o Estado ainda é viabilizada, como regra, a quem ganha até 03 (três)
salários mínimos, não se pode deixar de reconhecer que muitas pessoas são obrigadas a contratar
68
profissão de comerciante – firma individual ou titular de uma sociedade – pode
retratar o exercício de uma atividade com diminutos ganhos. Não é raro encontrar-
se nas cidades – grandes ou pequenas – comerciantes de poucas posses.
E, apenas se encontrar provas, de ofício ou por iniciativa
da parte contrária, poderá o magistrado, em decisão fundamentada, indeferir ou
revogar o benefício da assistência judiciária. Assim agindo, estará ele concretizando
o direito fundamental de acesso à Justiça.
Penso que no Brasil em geral e no Estado de São Paulo
especificamente, continua valendo a advertência feita pelo ilustre professor e
desembargador Walter Piva Rodrigues
152
em estudo realizado no final da década
de oitenta acerca da necessidade de ampliação da garantia do pobre ao acesso à
ordem jurídica:
Uma avaliação sem preconceitos sobre a
operacionalização dos mecanismos existentes,
seguramente, confirmará que continuam, entre nós, sem
solução satisfatória não só as relações dos pobres com a
efetividade de seu direito de defesa, mas, ainda, com a
concretização do seu direito de ação (no processo civil,
trabalhista e penal).
“A ação governamental é insuficiente e entidades co-
responsáveis pela administração da assistência judiciária
primam pelo imobilismo até porque lhes falta vontade
política para empreender alterações revolucionárias”.
advogados – alguns profissionais se sujeitam a trabalhar de favor ou pelo êxito da demanda – sem
ter reais possibilidades para tanto.
152
Walter Piva Rodrigues – “Assistência Judiciária, uma garantia insuficiente”, artigo inserido na
obra coletiva “Participação e Processo” coordenada pelo mesmo e por Ada Pelegrine Grinover,
Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe, p. 243-252. Mesmo a instalação recente da
Defensoria Pública no Estado de São Paulo não serviu para melhorar a assistência judiciária ao
pobre, motivado pela completa falta de apoio material e humano ao órgão.
69
A propósito, merece destaque o desfazimento do mito de
que o Poder Judiciário tem uma inclinação por decidir – numa opção ideológica –
pelos pobres. Em interessante estudo sobre o tema, Brisa Lopes de Mello Ferrão e
Ivan César Ribeiro
153
afirmam que, apesar das pesquisas de opinião revelarem que
os juízes desejam ter um papel socialmente relevante e engajado, mais isto não
guarda necessariamente nenhuma relação com a forma como esses mesmos juízes
efetivamente decidem. Numa análise de 1.019 decisões judiciais, o que se verificou
foi, ao contrário, um consistente favorecimento da parte mais forte.
Em suma, a polêmica identificada acerca da concessão
do benefício da assistência judiciária serve para retratar o longo caminho a ser
percorrido até que os obstáculos para o acesso à Justiça sejam compreendidos
pelos Poderes Públicos e pelos operadores do direito e, posteriormente, removidos.
Se num país com notória e vergonhosa diferença de
classes sociais (leia-se distribuição de riqueza), ainda se encontram juristas e
operadores do direito, renovadas as vênias, com argumentos para se dificultar o
acesso à Justiça de pessoas com reduzidas posses e condições econômicas, o
alerta de critérios de interpretação deve ser colocado em grau máximo. No estudo
153
Brisa Lopes de Mello Ferrão e Ivan César Ribeiro - “Os Juízes Brasileiros Favorecem a Parte
Mais Fraca?”, artigo apresentado como trabalho na Universidade da Califórnia, Berkeley. Obtido na
Internet: “http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/26”. No estudo, destaca-se a seguinte passagem:
O que os resultados mostram é que o juiz afasta o contrato porque este descumpre a lei, e que a
chance de descumprimento da lei é maior quando o número de normas limitando a livre contratação
é maior. Não existe favorecimento voluntário à parte em desvantagem na relação, assim como o juiz
não exorbita em suas atribuições, protegendo estas partes além do disciplinado em lei”. E
prosseguem, numa visão inovadora sobre o tema: “O teste com as interações mostra que nas áreas
apontadas como problemáticas por Pinheiro (2002) e Arida et al (2005), nomeadamente as de
crédito e juros bancários e relações comerciais, aponta um crescimento da probabilidade de
manutenção do contrato de 39% para 45%, quando são isolados os efeitos da edição de normas
cogentes. O fenômeno que aqui ocorre pode ser descrito como uma decisão do legislador pela
menor intervenção na vontade das partes quando apenas o interesse público está em jogo, decisão
esta que, ao ser mantida pelo juiz, deixa as partes entregues à própria sorte, com a esperada
prevalência do mais forte. O favorecimento dos economicamente privilegiados não se dá através da
intervenção direta, mas sim de uma neutralidade que ignora as maiores chances de defesa que o
litigante organizacional naturalmente tem a seu favor. Verifica-se ainda que a grande vantagem da
70
dos direitos do consumidor-idoso, o reconhecimento das circunstâncias que cercam
a vulnerabilidade durante a velhice do consumidor deve ser matriz da interpretação
e do seu resultado.
3.3. Medidas que facilitam o acesso do
consumidor à Justiça.
O Código de Defesa do Consumidor representou
verdadeira inovação, no sistema normativo brasileiro, não só pela contribuição à
tutela dos consumidores, mas também para ampliar a defesa dos interesses e
direitos difusos
154
. Reconheceu-se, como princípio a vulnerabilidade do consumidor
(artigo 4
o
, inciso I da Lei n. 8.078/90) e a necessidade da adoção de medidas de
proteção ao consumidor nos âmbitos do direito material, direito processual, direito
administrativo e direito penal, tudo para tornar a relação jurídica de consumo
equilibrada.
Isto é, partindo-se da concepção de uma relação jurídica
desigual entre fornecedor e consumidor, a lei protegeu o último e deu a ele
instrumentos para atingir um patamar que pudesse propiciar-lhe condições de
igualdade
155
.
A compreensão da sistematização normativa da tutela
das relações de consumo depende da identificação do peso maior e necessário dos
princípios informadores consignados no artigo 4º. da Lei n. 8.087/90. Insista-se
mais uma vez, que os princípios serão os pontos para a conformação e o
parte mais forte é apenas levemente mitigada, com uma redução equivalente à apenas um terço de
sua vantagem inicial, quando a legislação (e não o juiz) intervém em favor do hipossuficiente.”
154
Celso Antônio Pacheco Fiorillo – “Os Sindicatos e a Defesa dos Interesses Difusos no Direito
Processual Civil Brasileiro”, p. 13.
155
Daquilo que se falou sobre acesso à Justiça, forçoso reconhecer-se que entre fornecedor e
consumidor, além da desigualdade econômica, técnica e científica, há uma diferença na própria
aptidão para o processo judicial. Usualmente, o fornecedor terá mais experiência para atuar em
Juízo, se comparado ao consumidor. Não raro, o fornecedor será o chamado “litigante habitual”;
71
entrelaçamento (conexão lógica) das regras disciplinadoras das relações de
consumo.
Ao lado dos princípios que dão sustentáculo à Política
Nacional das Relações de Consumo, devem ser destacados os direitos básicos do
consumidor previstos no artigo 6
º
do Código de Defesa do Consumidor. A lei cuidou
do detalhamento de direitos fundamentais à proteção do consumidor, de plena e
imediata eficácia. Eles configuram exigências legais indispensáveis ao equilíbrio da
relação de consumo, promovendo a igualdade de condições entre consumidor e
fornecedor.
Também, neste passo, reitera-se a advertência de que
os direitos básicos serão pontos de conformação e entrelaçamento das demais
regras disciplinadoras das relações de consumo.
Interessa destacar os direitos básicos do consumidor
previstos nos incisos VII e VIII do artigo 6
º
do Código de Defesa do Consumidor: a)
o acesso aos órgãos judiciários, e b) facilitação da defesa dos seus direitos em
Juízo.
O acesso à Justiça é mais uma vez fonte de
concretização, agora como direito básico do consumidor, com vistas à prevenção
ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,
assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.
A regra é de clareza solar: o consumidor tem o direito de
buscar no Poder Judiciário a prevenção à lesão dos seus direitos, ou, na pior das
hipóteses, a reparação dos danos. A proteção é ampla, porque alcançará danos
patrimoniais ou morais, individuais ou coletivos (abarcando os difusos e os
individuais homogêneos).
Mas será que a norma está sendo cumprida?
72
Evidentemente, a concretização daquele acesso
depende de medidas políticas, nas esferas dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
Como já foi explicitado, o Juizado Especial Cível
transformou-se num importante palco para a solução dos litígios envolvendo o
consumidor e o fornecedor.
Porém, o que o artigo 5º., inciso IV da Lei n. 8.078/90
determinou foi a criação de órgãos – Juizados Especiais Cíveis e Varas –
especializados na solução de litígios de consumo.
Infelizmente, São Paulo, como o maior estado da
federação, não conta com órgãos especializados na solução de conflitos entre
fornecedor e consumidor. Não há Varas de Relações de Consumo ou Juizados
Especiais de Relações de Consumo.
O Estado da Bahia pode ser citado como um exemplo de
ampliação do acesso à Justiça, no campo das relações de consumo
156
. A comarca
de Salvador apresenta três Juizados Especiais de Defesa do Consumidor
157
e duas
Varas Especializadas de Defesa do Consumidor.
156
Dados colhidos no SITE: “www.tj.ba.gov.br”.
157
Segundo legislação local, aos Juizados de Defesa do Consumidor, processar e julgar os litígios
cíveis que versarem sobre direitos e interesses dos consumidores Há, também, Juizados de Causas
Comuns e de Defesa do Consumidor nas Comarcas de Alagoinhas, Barreiras, Camaçari, Coaraci,
Conceição do Coité, Eunápolis, Feira de Santana, Guanambi, Ilhéus, Irecê, Itaberaba, Itabuna,
Itamaraju, Itapetinga, Jacobina, Jequié, Lauro de Freitas, Paulo Afonso, Porto Seguro, Riachão do
Jacuípe, Santa Maria da Vitória, Senhor do Bonfim, Serrinha, Teixeira de Freitas, Valença e Vitória
da Conquista.
73
Também no Estado de Minas Gerais há órgão
especializado no julgamento de conflitos oriundos da relação de consumo. Na
comarca de Belo Horizonte, há um Juizado Especial das Relações de Consumo
158
.
Evidentemente, pode-se dizer que a ausência de órgãos
judiciários com familiaridade com o litígio de consumo consubstancia um obstáculo
de acesso efetivo à Justiça a ser ainda removido
159
.
Apesar de reconhecida ampliação no acesso à Justiça
pelo cidadão e, de uma forma específica do consumidor, alguns pontos para
modificação do funcionamento do Juizado Especial Cível merecem reflexão:
a) a isenção de custas em litígios do consumo deve
abranger o segundo grau de jurisdição e não apenas em primeiro grau,
b) o fornecimento de assistência jurídica (pela atuação
da Defensoria Pública do Estado ou pelo credenciamento de advogados pelo
Estado) não deve se limitar à audiência (artigo 9
º
, parágrafo 1
º
da Lei n. 9.099/95),
mas deve começar na formulação do pedido inicial, passar pela possibilidade de
interposição de recurso e acabar somente com a satisfação da obrigação na fase
de execução (cumprimento da sentença),
c) a composição do órgão do Poder Judiciário deve ser
feita por provimento de juízes titulares, facilitando a especialização
160
e
158
Informação obtida no SITE do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “www.tj.mg.gov.br”, consulta
de 19.2.2007.
159
Em sentido contrário, cite-se a respeitável posição de Ronaldo Alves de Andrade – “Curso de
Direito do Consumidor”, p. 461-462: “Em nossa opinião, não há necessidade de criação de órgãos
jurisdicionais especializados para a resolução de conflitos envolvendo relação de consumo; como já
afirmamos, a relação de consumo pode ter por objeto qualquer relação jurídica, desde que
celebrada entre consumidor e fornecedor, e a especialidade da relação de consumo reside na
aplicação da normas e princípios do CDC a qualquer tipo de relação jurídica envolvendo fornecedor
e consumidor, de maneira que o juiz de uma vara especializada em consumidor teria de ser um
“generalista” que conhecesse, além do direito do consumidor, todos os ramos do direito. Por isso,
pensamos não haver necessidade nem vantagem para o consumidor na criação de varas
especializadas”.
74
d) a possibilidade de revisão da sentença de primeiro
grau por recurso voluntário, quando o pedido do consumidor for julgado
improcedente, num procedimento independente da contratação de advogado e da
oferta de razões, bastando a ele que manifeste sua vontade de recorrer, no termo
de audiência ou no prazo de recurso, comparecendo à secretaria.
Sobre as Varas Especializadas das Relações de
Consumo (ou de Defesa do Consumidor), necessário reconhecer-se a dificuldade
de sua criação. Qualquer iniciativa neste sentido depende de uma definição prévia
dos tipos de conflito de consumo que serão resolvidos, no aludido órgão judiciário.
Isto porque o atual alcance do conceito de relação de consumo pode transformar a
vara especializada num órgão de ampla competência.
Na esfera privada, uma gama enorme de relações
jurídicas pode ser classificada como relações de consumo
161
. Nesta linha,
inviabiliza-se uma vara especializada com aptidão para abranger todas e quaisquer
relações de consumo. Melhor que exista uma segmentação. Exemplos: a) vara de
relações de consumo oriundas de instituições financeiras, b) vara de relações de
consumo oriundas de oriundas de prestações de serviços hospitalares, c) vara de
relações de consumo oriundas da aquisição de produtos alimentícios, etc.
Mas não é só. O consumidor pode fazer uso, individual e
coletivamente, de todas as ações previstas no ordenamento jurídico, a teor do
artigo 83 da Lei n. 8.078/90. Como assinala Kazuo Watanabe
162
, entrelaçando-o
com os direitos básicos previstos nos incisos VII e VIII do artigo 6º. do Código de
160
No Estado de São Paulo, por exemplo, não há previsão legal para juízes titulares e todos os
Juizados Especiais Cíveis. Na maior parte, o sistema é composto por juízes voluntários ou juízes
designados pela presidência do Tribunal de Justiça. Há poucas Varas de Juizados Especiais Cíveis
integradas por juízes titulares.
161
Basta observar que o conceito de consumidor é amplo, a partir dos artigos 2º., 17 e 29, todos do
Código de Defesa do Consumidor. O mesmo se diga sobre o conceito de fornecedor, a partir do
artigo 3º. do CDC. Há um imenso campo de relações de consumo.
162
Kazuo Watanabe – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto”, obra coletiva, p. 834.
75
Defesa do Consumidor, naquele dispositivo (art. 83), “o legislador cuidou de tornar
mais explícito ainda o princípio da efetiva e adequação tutela jurídica processual de
todos os direitos consagrados no Código”.
O artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor tem
importantes conseqüências no sistema processual, como ensina o professor Kazuo
Watanabe
163
. Primeiro, o processo deverá propiciar aquilo – nem mais, nem menos
– que faça parte do direito do consumidor demandante. Segundo, sempre haverá
uma ação judicial capaz de propiciar, pela adequação do seu provimento, a tutela
efetiva e completa do direito do consumidor. E terceiro, o processo deve servir a
todos os direitos do consumidor, mesmo àqueles não patrimoniais ou de conteúdo
patrimonial indireto: vida, saúde, integridade física e mental, imagem, intimidade,
honra, etc.
O dispositivo da Lei n. 8.078/90 vai além de uma
promessa de procedimentos, para alcançar toda espécie de provimentos, tornando-
se adequada e eficaz a tutela jurídica. O artigo 83 do Código de Defesa do
Consumidor (CDC) traduz evidente materialização do princípio do acesso à Justiça,
como garantia efetiva contra qualquer forma de denegação de justiça
164
.
No mesmo diapasão, insere-se o disposto no artigo 84
do CDC, regulamentando as ações que tenham por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer e não fazer. Preocupou-se a lei em dar efetividade ao processo,
sobressaindo como objetivo principal a tutela específica. A conversão da obrigação
de fazer em perdas e danos aparece como possibilidade secundária ao alcance do
autor. A concessão da antecipação da tutela pretendida, a estipulação de multa
como medida coercitiva e a adoção de medidas necessárias (busca e apreensão,
remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obras, impedimento de atividades
163
Kazuo Watanabe – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto”, obra coletiva, p. 834-835.
164
Kazuo Watanabe – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto”, obra coletiva, p. 836-837.
76
nocivas, requisição de força policial, dentre outras) representam o aumento do
poder do Juiz, tudo a caminhar na busca da efetividade da prestação jurisdicional.
Nesta linha, fácil concluir que o magistrado tem o dever
imposto por lei, estando diante de um processo judicial que envolve uma relação de
consumo, de atuar de forma a viabilizar o acesso à Justiça, propiciar o provimento
jurisdicional adequado à tutela pretendida e facilitar a defesa dos direitos do
consumidor em Juízo.
Uma medida primária, dentre outras, para facilitar o
acesso do consumidor ao segundo grau de jurisdição é sua isenção do pagamento
das custas judiciais (taxa judiciária) relativas ao preparo do recurso. Trata-se de
concretizar um direito básico do consumidor. Do contrário, em lides de pequeno
valor, poderá o consumidor ver-se desencorajado a recorrer ao segundo grau de
jurisdição do Poder Judiciário para a defesa dos seus direitos.
As reflexões não podem ser aprofundadas neste
trabalho, mas buscam chamar a atenção para problemas. Não é difícil encontrar no
Juizado Especial Cível do Estado de São Paulo situações dos seguintes tipos: a)
uma ação iniciada pelo consumidor contra o fornecedor que tenha sido elaborada
pela secretaria (artigo 14 da Lei n. 9.099/95) com defeituosa redação do pedido
inicial nas partes dos fundamentos e da pretensão
165
; b) uma inadequada
presidência dos trabalhos de audiência por juiz não afinado com a matéria
(principalmente com o Código de Defesa do Consumidor), na parte de produção de
provas ou de inversão do ônus da prova
166
; c) um consumidor vê proferida contra si
uma sentença desfavorável e não recorre por falta de assistência judiciária na fase
165
Ao deparar-se com uma situação deste tipo, caberia ao juiz, de ofício, possibilitar a emenda da
petição inicial, reabrindo-se o prazo de defesa para o fornecedor e, se necessário, redesignando-se
a audiência. Infelizmente, existe até mesmo a absurda possibilidade de extinção do processo sem
apreciação do mérito por inépcia da petição inicial, em que o consumidor (autor) é punido pela
ineficiência do próprio Poder Judiciário!
166
Nem sempre o consumidor (como autor) é informado ou é capaz de compreender como deve ser
seu comportamento na produção de provas. Ações podem ser julgadas improcedentes por ausência
77
recursal (ao menos imediata) ou por ausência de informações de como proceder
167
;
e d) uma atuação burocrática do advogado nomeado para a defesa do consumidor,
seja por falta de familiaridade com a matéria, seja por desconhecimento do caso
168
.
Por fim, oportuno destacar, ainda que em breves linhas,
a inversão do ônus da prova como medida judicial facilitadora da defesa do
consumidor em Juízo. Numa perspectiva de acesso à Justiça, serão abordados
alguns pontos relevantes do tema.
3.4. A inversão do ônus da prova como a
mais conhecida medida que facilita o acesso
do consumidor à Justiça.
Como salientado anteriormente, o que importa é permitir
à população o acesso a uma Justiça
169
efetiva
170
171
. Para tanto, todos os
de provas por parte do consumidor, que acaba não tendo oportunidade de fazê-lo em outra
audiência e não vendo apreciada a hipótese de inversão do ônus da prova.
167
O elevado volume de audiências realizadas num mesmo dia e o exíguo prazo de dez dias para a
interposição de recurso (artigo 42 da Lei n. 9.099/95) não permitem que o consumidor, ainda mais
quando se trata de uma pessoa humilde, entenda o funcionamento do processo no Juizado Especial
Cível e adote as medidas cabíveis para recurso.
168
A falta de especialização para atuação no Juizado Especial Cível e, em especial, com lides de
consumo atinge também os advogados e Procuradores do Estado. A situação agrava-se pelo fato
dos advogados ou Procuradores do Estado atuarem em várias audiências, praticamente ao mesmo
tempo.
169
A facilitação do acesso à Justiça nas ações coletivas também respalda as disposições do artigo
87 do CDC, no qual se prevê a inexistência de adiantamento das custas judiciais e despesas
processuais (honorários periciais) e de condenação da associação autora ao pagamento dos
honorários advocatícios, custas judiciais e despesas processuais em caso de derrota (ressalvada a
hipótese de litigância de má-fé).
170
A preocupação com a Justiça Efetiva, logicamente, passa pela discussão da eficiência do Poder
Judiciário e da formação dos magistrados. Inúmeras polêmicas retratam a necessidade de reforma
do Poder Judiciário, implicando sua maior transparência e aproximação dos jurisdicionados, bem
como um aperfeiçoamento técnico (em sentido amplo, envolvendo um conhecimento das realidades
política e social do país) dos magistrados.
171
Dignas de citação, dentre outras, as seguintes obras e artigos. “Os juízes em face dos novos
movimentos sociais”, José Eduardo Faria. “O Poder dos Juízes”, Dalmo de Abreu Dallari. Novas
Atribuições do Judiciário: necessidade de sua percepção e de reformulação da mentalidade”, Kazuo
Watanabe, artigo inserido na revista da Escola Paulista da Magistratura no. 01, p. 149-151. “A Crise
da Justiça e suas Causas”, Dinio de Santis Garcia, artigo inserido na revista da Escola Paulista da
Magistratura no. 01, págs. 153/176, “Cidadania e Magistratura”, Caetano Lagrasta Neto, artigo
78
obstáculos precisam ser removidos, em especial, o custo da ação judicial
(promovendo-se e ampliando-se a assistência judiciária gratuita) e o excessivo
formalismo advindo de um processo voltado para o individual (criando-se
mecanismos mais simples, ágeis e adequados ao conhecimento e apreciação do
conflito coletivo – o sincretismo processual parece ser um caminho).
Interessa, agora, no presente estudo destacar as
disposições sobre o ônus da prova no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.
No Código de Processo Civil, encontra-se prevista a
regra geral de distribuição do ônus da prova
172
. É cediço que ao autor compete o
ônus da prova dos fatos constitutivos do seu direito. Ao réu, o ônus de provar os
fatos impeditivos, extintivos, modificativos do direito do autor.
A discussão sobre o ônus da prova é uma das mais
fundamentais, no direito processual civil. Como coloca o professor Vicente Greco
Filho
173
, a discussão resume-se na pergunta: “quem deve provar?”
174
.
O instituto do ônus da prova decorre de três princípios: a)
da indeclinabilidade da jurisdição (inviabilidade do “non liquet”), pelo qual o juiz não
pode deixar de julgar uma causa pela dificuldade de provas; b) do dispositivo, em
que as partes devem ter iniciativa (verdadeiro encargo) da ação e das provas e c)
inserido na revista da Escola Paulista da Magistratura no. 01, págs. 177/182, “O Juiz e o acesso à
Justiça”, José Renato Nalini, RT, 1.994, “Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça”,
coordenador José Eduardo Faria, Malheiros, 1.994.
172
Dispõe o artigo 333 do Código de Processo Civil: “O ônus da prova incumbe: “I – ao autor, quanto
ao fato constitutivo do seu direito; “II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo e
extintivo do direito do autor”.
173
Vicente Greco Filho - “Direito Processual Civil Brasileiro”, vol. “2”, p. 186-187.
174
Brocardos romanos sobre prova: a) Actore non probante, reus absolvitur (se o autor não fizer
prova, absolve-se o réu); b) Probatio incubit Qui dicet, non Qui negat (a prova incumbe a quem
afirma e não a quem nega) In excipiendo reus fit actor (apresentando-se exceção, o réu se torna
autor) e c) negativa non sunt probanda (fatos negativos não devem ser provados).
79
da persuasão racional na apreciação da prova, em que o juiz deve decidir segundo
alegado e provado.
O professor Cândido Rangel Dinamarco
175
adota o
seguinte conceito de ônus da prova:
Ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada
qual das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de
seu próprio interesse para as decisões a serem
proferidas no processo”.
De um lado, tudo aquilo que o autor alegou na petição
inicial e disser respeito a fatos que servem de fundamento constitutivo de seu direito
deve ser por ele provado.
Por exemplo: numa ação de cobrança de preço de um
negócio jurídico de “A” contra “B”, havendo controvérsia sobre a existência do
contrato ou do preço ajustado de quem será o ônus da prova? Do autor, porque os
fatos controvertidos – existência do negócio jurídico ou o preço ajustado – dizem
respeito à constituição do direito de crédito reclamado pelo primeiro, na petição
inicial.
De outro lado, tudo aquilo que o réu alegou em sua
contestação (e na reconvenção) que diga respeito a fatos extintivos, modificativos
ou impeditivos do direito do autor deve ser por ele provado.
Por exemplo, numa ação de cobrança de preço de um
negócio jurídico de “A” contra “B”, havendo controvérsia sobre a exigência da
obrigação e alegando o réu em sua defesa o fato consistente em pagamento
integral, pergunta-se: de quem será o ônus da prova? A resposta induvidosa será
175
Cândido Rangel Dinamarco - “Instituições de Direito Processual Civil”, vol. III, p. 71.
80
que ao réu será atribuído o ônus da prova, porquanto aquele fato controvertido –
pagamento integral – configura fato extintivo do direito de crédito do autor.
Pode-se indagar sobre a possibilidade de harmonização
das regras do artigo 333 do CPC e dos artigos 6º, VIII e 38, ambos do Código de
Defesa do Consumidor.
Importante salientar, mais uma vez, que a regra
processual do artigo 333 do Código de Processo Civil representa uma “regra geral”,
que comporta exceções. Ou seja, há regras especiais sobre distribuição do ônus da
prova e também há regras de inversão do ônus da prova. A respeito, confira-se o
magistério sempre preciso de Moacyr Amaral Santos
176
.
O professor Cândido Rangel Dinamarco
177
esclarece que
as normas específicas sobre distribuição do ônus da prova são encontradas no
Código de Processo Civil e nas leis extravagantes. Exemplos: a) o ônus do devedor
que pagou de forma consciente a menor incapaz de quitar de provar que o
pagamento reverteu em benefício do menor (art. 310 do CC de 2.002) e b) o ônus
do fornecedor provar que o produto não apresentava defeito ou que a culpa era do
consumidor, na ação de responsabilidade civil por fato do produto (art. 12,
parágrafo 3
º
, incisos II e III da Lei n. 8.078/90).
Isto é, além da distribuição ordinária – regra geral e
regras específicas – do ônus da prova, poderá haver inversão do ônus da prova. As
inversões do ônus da prova podem ser: legal, judicial ou convencional. A inversão
do ônus da prova determinada pela lei (exemplo: art. 38 do CDC). A inversão do
ônus da prova judicial é aquela determinada pelo juiz, cujo exemplo mais visível é o
do artigo 6
o
, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90). E a
176
Moacyr Amaral Santos -Primeiras Linhas de Direito Processual Civil”, Saraiva, 2
o
. vol., 10
a
.
ed., 1.985, p. 343/353, diferenciando as posições de Carnelutti (cabe provar a quem tem o interesse
de afirmar) e de Chiovenda (a parte prova os fatos que deseja ver o juiz considerar).
177
Cândido Rangel Dinamarco - ob. cit., p. 74-75.
81
inversão do ônus da prova pode ser convencionada pelas partes, desde que não
ofendido o disposto no artigo 333, parágrafo único do Código de Processo Civil
178
e
no artigo 51, VI do Código de Defesa do Consumidor
179
. Quando se fala em “ônus
da prova”, duas devem ser acepções (sentidos) da locução.
Primeiro, a locução “ônus da prova” serve para designar
uma regra de distribuição do encargo de provar, dentro do processo. Em harmonia
com o princípio do dispositivo, as partes devem ter a iniciativa de provar os fatos
que lhe interessam, de acordo com as normas legais. Portanto, a distribuição do
ônus da prova nada mais representa para as parte do que uma atribuição de
encargo probatório sobre determinados fatos. A lei estipula para as partes – autor,
réu, litisconsortes, etc. – o dever de provar determinados fatos.
E segundo, a locução “ônus da prova” pode designar
uma regra de julgamento. O professor Cândido Rangel Dinamarco
180
destaca a face
do “ônus da prova” como regra de julgamento e que, alguns dizem ser o “aspecto
objetivo” do mesmo. Ao juiz não é dado deixar de julgar. No momento do
julgamento, verificará o pedido do autor e seus fundamentos (assim como o pedido
do réu, se existente a reconvenção ou o pedido contraposto), bem como os
fundamentos de fato e de direito (causa de pedir). Em relação aos fatos, caberá ao
juiz verificar as provas produzidas e, na falta de provas, a quem era atribuído o
ônus da prova. Para julgamento do processo, poderá o juiz valer-se das regras de
ônus da prova.
Por exemplo, se numa ação de “A” contra “B”, ao final da
instrução o juiz verificar que o autor não trouxe prova de um fato controvertido
181
constitutivo do direito por ele alegado, a ação será julgada improcedente. É o caso
178
O dispositivo veda a inversão, quando: a) recair sobre direitos indisponíveis e b) quando tornar
excessivamente difícil para a parte provar o fato.
179
O dispositivo veda a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.
180
Cândido Rangel Dinamarco - ob. cit., p. 74-79.
82
de um autor que não prova ser credor do réu em um contrato, após negativa do réu
da existência do negócio jurídico.
Também para os professores Nelson Nery Júnior e Rosa
Maria Andrade Nery
182
e Consuelo Yoshida
183
a distribuição do ônus da prova
representa uma regra de julgamento em razão da qual o julgador, ao proferir a
sentença, verifica a quem pertencia a obrigação de provar os fatos controvertidos
184
185
.
No Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus
da prova representa um direito básico do consumidor. Como já explicitado, é uma
das medidas possíveis – e, certamente, uma das principais – para efetivação do
acesso à Justiça e para a facilitação da defesa dos direitos do consumidor em
Juízo.
181
O fato incontroverso não demandaria prova.
182
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery - Código de Processo Civil Comentado”, nota
“2” do artigo 333, p. 531, destacando-se: “O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento,
cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o
ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas
sim quem assume o risco caso não se produza (Echandia, Teoria General de la prueba judicial, v. I,
n. 126, p. 441)”.
183
Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida – “Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos”, p. 234.
A ilustre professora menciona que o fato do juiz alertar o fornecedor no despacho saneador ou em
momento anterior sobre a inversão do ônus da prova não descaracteriza a regra de julgamento.
184
Ainda sobre o tema, colhe-se o magistério de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini
Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (in Teoria Geral do Processo”, p. 350-351): “A
distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de que, visando à vitória na
causa, cabe à parte desenvolver perante o juiz e ao longo do procedimento uma atividade capaz de
criar em seu espírito a convicção de julgar favoravelmente. O juiz deve julgar secundum allegata et
probata partium e não secundum propriam suam conscientiam – e daí o encargo, que as partes têm
no processo, não só de alegar, como também de provar (encargo=ônus). O fundamento da
repartição do ônus da prova entre as partes é, além de uma razão de oportunidade e de experiência,
a idéia de eqüidade resultante da consideração de que, litigando as partes e devendo conceder-se-
lhes a palavra igualmente para o ataque e a defesa, é justo não impor só a uma o ônus da prova
(do autor não se pode exigir senão a prova dos fatos que criam especificamente o direito por ele
invocado, e do réu as provas dos pressupostos da exceção)”.
185
Sobre o tema, confira-se também o escólio de Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes
(inTeoria Geral do Processo”, p. 294-295), invocando a lição de Rosenberg (“La carga de la
83
Pode-se afirmar, com segurança, que o Código de
Defesa do Consumidor reconheceu a regra geral processual, mas admitiu como
direito básico do consumidor a inversão do ônus da prova. Isto significa dizer que
nas ações judiciais envolvendo relação de consumo, havendo hipossuficiência do
consumidor ou verossimilhança da alegação por ele deduzida, sempre haverá a
possibilidade de inversão pelo juiz (denominada “ope iudicis”) do ônus da prova (art.
6
o
, inciso VIII do CDC)
186
.
Para ver efetivado o direito básico de facilitação da
defesa dos seus direitos em Juízo consistente na inversão do ônus da prova, basta
à parte ter presentes a verossimilhança das suas alegações ou a hipossuficiência.
Trata-se de uma exigência alternativa e não cumulativa.
A propósito, oportuno o magistério do nobre professor
Luiz Antonio Rizzatto Nunes
187
, destacando que, uma vez presente um dos
prueba”) de que, mesmo em caso de dúvida invencível, o juiz não pode se eximir de julgar a causa,
o que torna imprescindível o uso da regra do ônus da prova.
186
A aludida disposição legal suscita uma oportuna discussão sobre a condição de hipossuficiente
do consumidor: será o consumidor sempre hipossuficiente? Numa primeira visão, na esteira do que
dispõe o inciso I do artigo 4
o
. do CDC (“reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no
mercado de consumo” como princípio da Política Nacional de Consumo), parece inevitável a
resposta afirmativa àquela indagação. Contudo, numa outra visão, o inciso VIII do artigo 6
o
. do CDC
deixa transparecer que nem todo o consumidor assume a condição de hipossuficiente, pois somente
naquela condição fará jus à inversão do ônus da prova. Parece-me que a regra será o
reconhecimento da condição de hipossuficiente do consumidor, principalmente o consumidor pessoa
natural (física). Este consumidor não dispõe de conhecimento técnico e - usualmente - não tem
condições econômicas, tudo a fazer dele a parte mais fraca, se comparada ao fornecedor. Como
exceção, o consumidor não assumirá a condição de hipossuficiente, principalmente o consumidor
pessoa jurídica. No caso de pessoa jurídica bem estruturada técnica ou economicamente não se
justifica o reconhecimento daquela condição e da inversão do ônus da prova. Por exemplo, se o
Banco do Brasil S/A negocia a contratação de serviços de pintura de uma das agências com um
humilde pintor, a inversão do ônus da prova não será uma medida imposta ao juiz. Por isso, a
inversão do ônus da prova não traduz medida imposta ao juiz em todos os processos, mas
dependerá da implementação da objetiva condição de ser o consumidor hipossuficiente (JTJ-LEX
172/69, 189/218 e 194/237). Configurada aquela condição, ou ainda se constatada a
verossimilhança da alegação (análise próxima à aferição do “fumus boni iuris” das ações cautelares,
embora mais exigente), ao juiz não restará outra alternativa que não a de inverter o ônus da prova.
Não se trata de puro arbítrio (faculdade) do magistrado, mas de um direito subjetivo do consumidor,
do qual o fornecedor já tem prévio conhecimento (e prevenir-se para a eventual ocorrência).
187
Luiz Antonio Rizzatto Nunes - “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, Saraiva,
2.000, p. 123.
84
requisitos para a inversão da prova, se torna obrigação do magistrado adotar a
providência:
Assim, também, na hipótese do art. 6
o
, VIII, do CDC,
cabe ao juiz decidir pela prova se for verossímil a
alegação ou hipossuficiente o consumidor.
“Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão. E
esta se dará pela decisão entre duas alternativas:
verossimilhança das alegações ou hipossuficiência.
Presente uma das duas, está o magistrado obrigado a
inverter o ônus da prova”.
(grifo nosso)
No mesmo sentido, confiram-se as seguintes
manifestações na doutrina: Nelson Nery Júnior
188
; Kazuo Watanabe
189
; Frederico
Da Costa Carvalho Neto
190
, Luiz Guilherme Marinoni
191
, Sandra Aparecida Sá Dos
Santos
192
, e Carlos Roberto Barbosa Moreira
193
.
188
Nelson Nery Júnior - “Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do Consumidor”, artigo
na Revista de Direito do Consumidor n. 01/200.
189
Kazuo Watanabe - “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto”, obra coletiva, 7
ª
ed., p. 732-733.
190
Frederico Da Costa Carvalho Neto - “Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor”, p.
170-171.
191
Luiz Guilherme Marinoni – “Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as
peculiaridades do caso concreto”, artigo inserido na obra coletiva “Jurisdição e Direitos
Funamentais”, coordenada por Ingo Wolfgang Sarlet, p. 301. O ilustre professor em seu artigo
menciona que o julgamento será feito com base num juízo (convicção) de verossimilhança ou de
inesclarecibilidade (hipossuficiência). Em ambos, deve haver motivação da decisão. É na motivação
que ocorrerá a explicação – exteriorização – da convicção do juiz.
192
Sandra Aparecida Sá dos Santos - “A Inversão do ônus da Prova como Garantia Constitucional
do Devido Processo Legal”, p. 72-73.
85
Em sentido contrário, a exigir sempre os dois requisitos,
cumulativamente: Cândido Rangel Dinamarco
194
.
Nos tribunais, inúmeros os precedentes que refletem a
predominância da tese de que basta a verossimilhança ou a hipossuficiência para a
inversão do ônus da prova, valendo por todos: Recurso Especial n. 171.988-RS, 3
ª
Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, relator o Ministro WALDEMAR ZVEITER,
julgado em 24.5.1999
195
.
Há controvérsia sobre o momento adequado para a
inversão do ônus da prova: a) entre o recebimento da inicial e o saneador ou b) na
sentença.
Na doutrina, destaca-se a posição de Luiz Antonio
Rizzatto Nunes
196
, para quem a inversão não é automática e, entre o pedido inicial
e o saneamento do processo, mas deverá ser declarada pelo juiz.
No mesmo sentido, a defender que a inversão se dê no
despacho saneador: Humberto Theodoro Júnior
197
, Teresa Arruda Alvim
198
, Tania
Lis Tizzoni Nogueira
199
e Simone M. Silveira Monteiro
200
. Há julgados com igual
193
Carlos Roberto Barbosa Moreira -Notas sobre a Inversão do ônus da Prova em benefício do
Consumidor”, artigo na Revista de Processo n. 86.
194
Cândido Rangel Dinamarco - “Instituições de Direito Processual Civil”, vol. III, Malheiros, 2.001,
p. 80-81.
195
Publicado na RT 770/221.
196
Luiz Antonio Rizzatto Nunes - “Curso de Direito do Consumidor”, p. 732-734.
197
Humberto Theodoro Júnior - “O ônus da prova nas ações do consumidor”, artigo inserido na
obra “Direitos do Consumidor”, p. 141-166.
198
Teresa Arruda Alvim - “Noções Gerais sobre o Processo no Código do Consumidor”, artigo
inserido na Revista de Direito do Consumidor n. 10/256.
199
Tania Lis Tizzoni Nogueira -A Prova no Direito do Consumidor”, Juruá editora, 1.998, p.
127/128.
86
conclusão: a) JTJSP-LEX 192/215 e 194/237 e b) Ap. 194.110.664, 4ª. Câmara do
TACRS, relator Juiz Márcio Oliveira Puggina, julgado em 18.8.1994
201
.
A propósito, o professor José Geraldo Brito Filomeno
202
citou estudo (dissertação de mestrado) da promotora de justiça Cecília Matos, no
qual se abordou a possibilidade do juiz alertar as partes, no despacho saneador,
que inverterá o ônus da prova, embora tenha concluído ser a sentença o momento
adequado a tanto.
O alerta no despacho saneador ou mesmo antes
(quando da concessão da antecipação da tutela pretendida, por exemplo) traduz
uma medida salutar do juiz que preside o processo, mas não me parece uma
decisão obrigatória.
É salutar, porquanto evita uma discussão acerca da
surpresa para o fornecedor na atribuição do ônus de provar um fato controvertido,
que segundo as regras processuais – artigo 333 do CPC –, não seria seu encargo.
A surpresa poderia traduzir cerceamento do direito de defesa ou do direito à prova.
Todavia, assim não me parece. Isto porque o fornecedor,
ao tomar contato com a petição inicial (após a citação), tem ciência das condições
objetivas (ser o consumidor hipossuficiente ou ser a alegação provida de
verossimilhança) e da concreta possibilidade de inversão do ônus da prova. Não há
lugar para surpresa e, por isso, não se cogita de cerceamento do direito de defesa
ou do direito à prova.
200
Simone M. Silveira Monteiro – “Inversão do ônus da prova”, artigo inserido na Revista de Direito
do Consumidor 14/114.
201
Publicado na Revista de Direito do Consumidor 14/114.
202
José Geraldo Brito Filomeno - “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor” comentado pelos
autores do anteprojeto, Forense Universitária, 5
a
. ed., 1.997, p. 119-120.
87
Em outras palavras, o fornecedor deve articular defesa e
produzir suas provas, mas sempre atento à possibilidade do juiz dispensar o
consumidor da demonstração do fato constitutivo do seu direito e exigir dele
fornecedor a prova de algum fato impeditivo (extintivo ou modificativo) do direito do
consumidor. O mesmo poderá acontecer, quando o consumidor estiver na posição
de réu.
Neste sentido, confira-se na doutrina: Kazuo Watanabe
203
, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria De Andrade Nery
204
e Cândido Rangel
Dinamarco
205
. Nos tribunais, por todos: Apelação Cível n. 255.461-2/6, TJSP,
relator o Desembargador Aldo Magalhães, julgado em 06/4/1995.
Importante apontar que, em recente pronunciamento, a
3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, apreciou o Recurso Especial n. 598.620-
MG, relator o Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, julgado em
07/12/2004 e fixou o entendimento de que o momento adequado para a inversão do
ônus da prova era o início da dilação probatória:
“O Tribunal de Alçada de Minas Gerais, por maioria,
proveu o agravo. Afirmou que a inversão do ônus é regra
de julgamento e não de procedimento, daí que não pode
ser aplicada “senão após o oferecimento e a valoração
da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida após
analisar o conjunto probatório. É dispensável caso o
magistrado forme sua convicção com as provas
efetivamente produzidas no feito” (fl. 123).
“Com razão o recorrente.
203
Kazuo Watanabe - “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor” comentado pelos autores do
anteprojeto, 8
a
. ed., p. 796-797.
204
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria De Andrade Nery - “Leis Civis Comentadas”, p. 189-190.
205
Cândido Rangel Dinamarco - “Instituições de Direito Processual Civil”, vol. III, p. 80-81.
88
“Primeiro, destaco que o acórdão não cuidou do tema
relativo à incidência do Código de Defesa do
Consumidor, verificando, apenas, o momento processual
para o deferimento do pedido de inversão. Ocorre que
somente possível a inversão se incidente o Código de
Defesa do Consumidor. E, como se sabe, já está
assentada jurisprudência no sentido de que a relação
entre o cliente e o banco está subordinada aos ditames
do Código de Defesa do Consumidor (Súmula nº 294 da
Corte).
“Segundo, entendo sem fundamento a interpretação
oferecida pelo voto majoritário com relação ao art. 6º,
VIII, do Código de Defesa do Consumidor. De fato, como
já assinalei em outra oportunidade, “não tem nenhum
sentido o juiz deixar para apreciar na sentença o pedido
de inversão do ônus da prova. Como é curial, a decisão
alterará todo o sistema de provas no curso do processo”
(REsp nº 195.760/PR, Relator o Ministro Eduardo
Ribeiro, DJ de 23/8/1999), o que reiterei quando do
julgamento do REsp nº 442.854/SP, Relatora a Ministra
Nancy Andrighy, DJ de 7/4/03, afirmando que é própria a
inversão no momento da dilação probatória. Como posto
no voto vencido da Juíza Albergaria Costa, “ante a
ausência de regra específica que determine a fase do
procedimento adequada ao ato judicial de fixação do
ônus da prova, deve o juiz utilizar o poder instrutório,
conferido pelo art. 130 do CPC, visando assegurar um
tratamento igualitário às partes. E, verificando a
necessidade da referida inversão nos termos do inciso
VIII do art. 6º do CDC, cabe a ele determiná-la durante a
89
instrução processual, visando garantir a ampla defesa e o
contraditório para as partes” (fl. 131). Segundo o voto
vencido, “a inversão do ônus da prova deve ser
decretada pelo juiz antes da sentença, pois se configura
regra de procedimento, cuja finalidade é de possibilitar
que as partes saibam se conduzir no processo,
especialmente para que saibam a qual delas toca o
respectivo ônus” (fl. 132).
“Na verdade, o que não pode ser admitido é impedir que
o Juiz, presentes os requisitos do dispositivo de regência,
defira a inversão no momento da dilação probatória, para
fazê-lo em outro, após a produção da prova.”
Por último, existe uma discussão sobre o ônus financeiro
da prova na inversão do ônus da prova. Entendo que, a partir da inversão do ônus
da prova, em especial quando ela é feita em decisão que antecede a sentença,
traduz também a inversão do ônus financeiro da prova. Ou seja, uma vez invertido o
ônus da prova com fundamento no CDC, não incide o disposto no artigo 19 do
CPC.
Neste sentido, confira-se na doutrina: Luiz Antonio
Rizzatto Nunes
206
e Ênio Santarelli Zuliani
207
.
Nos tribunais, confira-se a polêmica sobre o assunto, em
especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 4ª. Turma assumiu posição
favorável à tese ora defendida de que invertido o ônus da prova também se inverte
o ônus financeiro: a) REsp. 436731-RJ, julgado em 26/11/2002, DJ de 10/02/2003
(unânime), relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar e b) REsp. 383276-RJ, julgado
206
Luiz Antonio Rizzatto Nunes - “Curso de Direito do Consumidor”, p. 734-735.
207
Ênio Santarelli Zuliani - “O Código de Defesa do Consumidor e a Jurisprudência do Tribunal de
Justiça de São Paulo”, artigo inserido na RT 822/110, destacando a polêmica instaurada no TJSP
sobre o tema.
90
em 18/06/2002, DJ de 12/08/2002 (unânime), relator o Ministro Ruy Rosado de
Aguiar.
Todavia, a 3ª. Turma assumiu posição contrária: a)
REsp. 402399-RJ, julgado em 29/03/2005, DJ de 18/04/2005 (unânime),
relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, b) REsp. 579944-RJ, julgado em
26/08/2004, DJ de 17/12/2004 (unânime), relator o Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito, c) AGRESP 542281-RJ, julgado em 23/03/2004, DJ de
19/04/2004 (unânime), relatora a Ministra Nancy Andrighi, d) RESP 466604-
RJ, julgado em 07/04/2003, DJ de 02/06/2003 (unânime), relator o Ministro Ari
Pargendler, e) REsp. SP 435155-MG, julgado em 11/02/2003, DJ de 10/03/2003
(unânime), relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, f) REsp. 443208-
RJ, julgado em 11/02/2003, DJ de 17/03/2003 (unânime), relatora a Ministra
Nancy Andrighi
208
.
Com o devido respeito, chega a ser surpreendente a
tese de que a inversão do ônus da prova não inverte o ônus financeiro, porque
ofende o princípio do acesso à Justiça e a lógica do processo.
Embora não seja obrigatório ao juiz proferir decisão
acerca da inversão ou não, durante o processo, é salutar que o faça. Isto porque
viabilizará, afirmando a inversão do ônus da prova, que o fornecedor se acautele
sobre a instrução e que o consumidor saiba o esforço probatório a ser
despendido.
E, sob o enfoque do acesso à Justiça, a manutenção
do ônus financeiro dificulta o acesso do consumidor à prova. De que adianta se
impor ao consumidor a declaração de inversão do ônus da prova, se a ele recai
o ônus financeiro da produção. Nesta linha, a materialização daquele direito
fundamental está seriamente comprometida. É notória a dificuldade econômica
do consumidor para custear a prova pericial.
91
Contudo, é na lógica processual que se encontra uma
séria conspiração contra a tese da manutenção do ônus financeiro. Indaga-se:
qual a conseqüência para o consumidor, se ele se mantiver inerte e não adiantar
a despesa da prova?
Ora, se já se declara judicialmente que, no momento
do julgamento, será adotada a regra da inversão do ônus da prova, a inércia do
consumidor será o caminho lógico. A manutenção do ônus financeiro será um
rematado absurdo, pois nenhum consumidor com mínimo de inteligência fará
prova, se dela não precisa.
E, se a inércia do consumidor implicar como sanção a
incidência da regra geral de distribuição do ônus da prova (art. 333 do CPC), ele
(o consumidor) estará prejudicado. Nesta linha, a inicial declaração de que há
inversão do ônus da prova conjugada à manutenção do ônus financeiro da prova
traduz verdadeira vitória de pirro
209
. É como se dar com uma mão e se retirar
com a outra
210
. Haverá frontal violação ao direito básico de facilitação da defesa
dos seus direitos em Juízo.
208
No TJSP: Agravo de Instrumento n. 64.343-4, 3ª. Câmara de Direito Privado, relator o
Desembargador Ney Almada, julgado em 23.9.1997 (JTJSP-LEX 210/213).
209
Conforme informações da enciclopédia WIKIPÉDIA (SITE: “http://pt.wikipedia.org/wiki/Pirro”,
consulta de 19.2.2007), Pirro (318 a.C. - 272 a.C.) foi rei do Épiro e rei da Macedónia, tendo ficado
famoso por ter sido um dos principais opositores a Roma. Quando Pirro invadiu a Apúlia (279 a.C.)
os dois exércitos defrontaram-se na Batalha de Ásculo onde Pirro obteve uma vitória muito a custo.
Os Romanos perderam 6.000 homens e Pirro perdeu 3.500. Foi um duro golpe no exército de Pirro,
que não aguentaria outro desfalque semelhante contra os Romanos. O seu nome tornou-se famoso
pela expressão "Vitória Pírrica", quando da vitória na Batalha de Ásculo. Naquela ocasião, quando
lhe deram os parabéns pela vitória conseguida a muito custo, diz-se que respondeu com estas
palavras: "mais uma vitória como esta, e estou perdido". A rigor a situação do consumidor acaba
sendo como uma vitória de pirro, uma vez que a falta de produção da prova implicará um ônus para
ele – a derrota na ação - e não para o fornecedor, tudo isso apesar da declarada inversão do ônus.
210
O que se quer destacar é a iniqüidade da situação. Repita-se: a situação somente causará
perplexidade, se a falta de produção da prova pelo fato do consumidor não assumir o custo da
mesma levar ao julgamento contrário a seus interesses. Isto é, a recusa do consumidor em adiantar
as despesas para a produção da prova motivar a decisão do juiz em favor do fornecedor,
desconsiderando-se a hipótese de inversão do ônus da prova.
92
Logicamente, o que se está a defender é a correta e
adequada aplicação pelo juiz da tutela do consumidor, de forma a neutralizar,
genericamente, a sua vulnerabilidade e, concretamente, a sua hipossuficiência.
A polêmica sobre o ônus financeiro revela, mais uma
vez, que a atuação do Poder Judiciário não está guiada pela proteção ao mais
pobre, como consta do estudo de Ivan César Ribeiro
211
. Numa abordagem sobre
decisões judiciais brasileiras, de maneira correta, vislumbra-se que não há um
indicativo de viés ideológico no conteúdo das mesmas. Não se julga
necessariamente em favor do hipossuficiente.
Concluindo-se, a conhecida medida judicial de inversão
do ônus da prova também se ressente de distorcidas interpretações dos operadores
do direito, que podem diminuir a concretização do acesso à Justiça e do direito
básico conferido pelo sistema normativo de facilitação da defesa em Juízo. Serve
como importante advertência hermenêutica no prosseguimento do trabalho.
3.5. Medidas que facilitam o acesso do idoso
à Justiça.
211
Ivan César Ribeiro – “ROBIN HOOD versus KING JOHN: como os juízes locais decidem
casos no Brasil?”, artigo obtido no SITE: “www.iepecdg.com”, consulta do dia 16.2.2007. O artigo
tem o mérito, ainda, de apontar a necessidade de eficiência na atuação do Poder Judiciário, o que
exige a formulação de políticas públicas para o incentivo de um tempo menor na tramitação dos
processos e especialização da jurisdição. Todavia, o tema central do trabalhão – e que justifica o
seu título – é passível de crítica. Como dito, não há qualquer indicativo de uma regra de visão
ideológica do juiz nas sentenças judiciais, ainda que isso fosse desejável. Ao contrário do articulista,
não condenamos a ideologia dos juízes e nem tampouco a interferência das sentenças nos
contratos. O Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de 2.002 são instrumentos
normativos que viabilizam aquela intervenção. De qualquer forma, o desacerto de algumas decisões
judiciais na intervenção dos contratos não serve de base empírica para a conclusão de subversão
paroquial do Poder Judiciário. Não se vislumbra o acerto da conclusão de que, ainda que somente
nos Estados com maior desigualdades econômicas da federação, exista um privilégio – subversão
paroquial – em favor das elites regionais. O âmbito da pesquisa, com o devido respeito, não
assegura – mesmo com métodos econômicos de análise dos fatos – o acerto desta parte das
conclusões.
93
O Título “V” do Estatuto do Idoso (EI) cuidou do acesso à
Justiça. Buscou-se impor ao Poder Público o dever de viabilizar e facilitar o acesso
do idoso à Justiça
212
. Como será visto adiante
213
, utilizou-se da técnica processual
para criar órgãos, procedimentos e situações que proporcionem um processo
efetivo.
O artigo 70 dispõe que o Poder Público poderá criar
varas especializadas e exclusivas do idoso. Seguindo esta orientação, o Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, implantou na cidade de
Maringá (PR), a primeira vara especializada do idoso no país. No Estado do Rio de
Janeiro, há uma vara especializada na comarca da capital denominada 1ª. Vara da
Infância, Juventude e do Idoso, ou seja, com conteúdo não exclusivo de
competência.
Assim como acontece com as relações de consumo,
também no campo do idoso, o Estado de São Paulo não adotou a criação de varas
especializadas. Lamenta-se, mais uma vez, a omissão dos Poderes Públicos
daquele importante Estado
214
215
.
212
Celso Leal da Veiga Júnior e Marcelo Henrique Pereira – “Comentários ao Estatuto do Idoso”,
p. 91.
213
Confira-se o item seguinte do trabalho, na parte em que se abordará a tutela diferenciada.
214
Por enquanto, segundo dados do SITE da Assembléia Legislativa (“www.al.sp.gov.br”, consulta
de 19.2.2007), houve apenas uma Indicação n. 66/2004, para o Presidente do Tribunal de Justiça de
São Paulo, visando a realização de estudos com a finalidade de implantação de varas
especializadas nas comarcas com população acima de 200.000 (duzentos mil) habitantes.
215
Evidentemente, quando se cria uma vara especializada, deve-se ter em conta a disciplina exata
de sua competência. Também no campo do idoso, em comarcas populosas, é necessário adequar-
se a competência à estimativa de processos que tramitará no órgão especializado. Como dito em
relação aos conflitos de consumo, a melhor solução passa pela segmentação da competência: a)
vara especializada do idoso em ações de prestação de serviços à saúde (hospitais, seguro saúde e
plano de saúde), b) vara especializada do idoso em ações de locação, c) vara especializada do
idoso em ações de aquisição de produtos, etc.
94
A propósito, Paulo Roberto Barbosa Ramos
216
adverte
com maestria sobre a responsabilidade do Poder Judiciário na implementação dos
direitos dos idosos:
Diante disso, precisa o Poder Judiciário estar atento
para a efetiva implementação dos direitos cujos titulares
são os idosos, individualmente ou coletivamente
considerados. A prestação jurisdicional devida a esse
segmento populacional não pode tardar, sob pena de não
cumprir a sua finalidade. Apesar de a expectativa de vida
vir aumentando no Brasil, as pessoas de mais idade, de
qualquer forma, possuem muito menos tempo para ver
seus direitos reconhecidos que as pessoas de outras
faixas etárias. Se nenhum acidente de percurso ocorre,
um jovem tem mais tempo pela frente que um velho.
(...)
“O próprio Poder Judiciário precisa se abrir mais à
sociedade. Precisa ir ao encontro dos cidadãos. A
especialização embora muitas vezes possa ter caráter
alienante, quando aplicada no âmbito do Poder Judiciário
e do Ministério Público possui a capacidade de chamar a
atenção dessas instituições para os direitos de
segmentos marginalizados socialmente, com o dos
idosos. Revela-se oportuno, portanto, diante do
contingente de idosos que o Brasil já possui, a criação de
varas especializadas para tratar de questões que
envolvam essas pessoas, especialmente sendo estas
vítimas de violências praticadas pela família, pela
216
Paulo Roberto Barbosa Ramos – “O Direito à Velhice” – p. 174-175.
95
sociedade e pelo Estado, sejam decorrentes de ações ou
omissões”.
O artigo 71 do Estatuto do Idoso assegura a prioridade
na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências
judiciais em que figure como parte
217
ou interveniente
218
219
uma pessoa idosa, isto
é, com a idade superior a 60 (sessenta) anos. Oportuno destacar que se trata de
um direito transmissível aos herdeiros, conforme se depreende do parágrafo
segundo do mesmo dispositivo legal.
Na vigência da Lei n. 10.173/2001
220
, houve quem
sustentasse a inconstitucionalidade do privilégio dado ao idoso, numa equivocada
interpretação do princípio da igualdade
221
. Logicamente, é justamente o tratamento
desigual dos que são desiguais que traduz a igualdade substancial
222
.
217
Há precedente do STJ, assentando entendimento de que a prioridade alcança a parte e não seu
advogado, ainda que idoso o causídico: Ag. Reg. no REsp. n. 285812-ES, 4ª. Turma, relator o
Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 07.6.2005, DJ 01.8.2005.
218
Há precedente do STJ, assentando entendimento de que a prioridade alcança o idoso que
participe do processo na condição de intervenção de terceiros (assistência): REsp. n. 664.899-SP,
2ª. Turma, relatora a Ministra Eliana Calmon, julgado em 03.2.2005, DJ 28.2.2005.
219
Há precedente do TJSP, assentando entendimento de que a condição de sócio idoso da pessoa
jurídica não transforma em prioritário o processo em que a última é parte: 2ª. Câmara de Direito
Privado, ED n. 253.982-4/1-03, relator o Desembargador Osvaldo Caron, julgado em 30.9.2003.
220
A referida lei (de 09.1.2001) acrescentou os artigos 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C ao Código de
Processo Civil e já consagra a prioridade dos processos aos idosos. Antes previa o benefício da
tramitação para pessoas acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Agora, diante da vigência
do Estatuto do Idoso, o requisito da idade foi reduzido para 60 (sessenta) anos.
221
A posição é retratada, por exemplo, na passagem do julgamento do Agravo de Instrumento n.
196.478-4/1-00, 5ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator o
Desembargador Boris Kauffmann, julgado em 05.4.2001: “Assim, afora a aparente
inconstitucionalidade do art. 1.211- A, já que a Constituição Federal proíbe qualquer distinção entre
as pessoas (art. 50, caput), salvo aqueles privilégios aos idosos especificados no seu art. 230, a
falta de demonstração eficaz da ocorrência da hipótese prevista na lei impede o deferimento da
prioridade requerida”.
222
O assunto será tratado com maior detalhamento, no capítulo posterior.
96
Vale realçar o precedente do E. Tribunal de Justiça de
São Paulo, 7ª. Câmara de Direito Privado Agravo de Instrumento n. 197.733-4/3,
relator o Desembargador Carlos Augusto de Santi Ribeiro, julgado em 06.6.2001,
destacando-se:
Como destacado nas razões recursais, a Lei 10.173/01
estabelece em favor da pessoa idosa uma prioridade
necessária, absolutamente conforme o princípio da
isonomia, porque o fator de discrímen é justificável em
seu próprio enunciado: os idosos têm menor expectativa
de sobrevida e, portanto, sofrem consideravelmente mais
os efeitos negativos da delicada equação
tempo/processo, podendo-se dizer mesmo que o
periculum in mora, para eles, é pressuposição lógica e
status permanente”.
Duas questões práticas assumem importância. Primeiro,
a necessidade de requerimento da prioridade na tramitação processual. E segundo,
as providências pertinentes para que a prioridade seja materializada.
A interpretação superficial da lei pode conduzir à
conclusão de que a prioridade de tramitação dependa de requerimento do idoso
autor. Pensamos que não. Basta que a parte autora faça prova escrita de sua
idade. É lícito presumir que o autor tenha interesse na rápida solução do processo.
Se o autor contar com uma idade superior a 60 (sessenta) anos, haverá sempre
prioridade na tramitação do processo.
Entendemos, ainda, que o raciocínio pode ser aplicado
na hipótese de recursos
223
. Basta que o recorrente tenha provado sua condição de
idoso, para a preferência no julgamento do recurso interposto.
97
Pode-se questionar se o idoso enquanto réu tem ao seu
lado a mesma prioridade. Aqui, também surge em favor da parte demandada a
prioridade, com os mesmos contornos ligados à agilização do procedimento. Penso,
todavia, que ao réu se aguardará o requerimento expresso. O réu nem sempre terá
a mesma expectativa de duração do processo.
Pode-se argumentar que, por exigência de boa-fé e
lealdade processual, o deslinde do feito deve ser perseguido em menor tempo
possível. É difícil compreender a razão pela qual um idoso possa optar pela
tramitação normal – sem preferência – do processo em que seja réu, a não ser pela
alternativa de ganhar tempo.
Contudo, pensamos que admitir, presumidamente, a
prioridade do processo em que o idoso seja réu, possa colocá-lo em situação mais
penosa e difícil, se comparada à parte não idosa. Um tempo mais alongado do
procedimento pode permitir ao idoso que desfrute de uma situação social a ele
favorável. Ou ainda, pode propiciar condições de amealhar recursos para fazer
frente às despesas do processo.
A prioridade atinge as ações individuais e as ações
coletivas. Não se descarta a prioridade da tramitação, quando a ação coletiva é
movida em benefício de idosos, numa interpretação sistemática do ordenamento
jurídico.
Entendemos que a decisão judicial sobre o benefício
serve para dar a dimensão inicial de sua materialização. Isto é, na decisão o juiz
declara aquilo que será feito para priorizar a tramitação do processo, a teor do que
dispõe o artigo 1.211-B do Código de Processo Civil.
Em precedente do E. Tribunal de Justiça, Agravo Interno
n. nº 70011713328, relatora a Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 1º.
223
Os tribunais disciplinam a preferência dos processos, destacando-se nos tribunais superiores:
98
de junho de 2.005, a prioridade do idoso foi interpretada de maneira a não excluir
sua participação (ou do seu advogado) no processo, em especial a de oferecer o
plano de partilha num processo de inventário, destacando-se:
Ora, quando própria Constituição Federal está a
assegurar a prestação de assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
(art. 5º, LXXIV), ou mesmo quando o Estatuto do Idoso
determina prioridade e celeridade na tramitação dos
processos e procedimentos e na execução dos atos e
diligências judiciais em que figure como parte ou
interveniente pessoa com idade igual ou superior a
sessenta anos (art. 71, caput) não está, de forma
alguma, excluindo a participação da parte interessada,
quando é seu dever agir, inclusive para garantir a
agilização processual de que tanto se reclama.
Com o devido respeito, a decisão espelhou uma
parcimônia na interpretação da norma da prioridade em favor do idoso. Deu a ela
uma restrita interpretação, para não reconhecer a insuficiência do serviço judiciário.
As providências que tornam concreta a preferência legal são as mais diversas: a)
distribuição, b) citação, c) prolação e publicação de decisões, d) expedição e
juntada de ofícios, mandados e petições, e) antecipação de audiências
224
, etc.
Resolução nº 277, de 11.12.2003 do STF e Resolução nº 11, de 09.12.2003 do STJ
224
Precedente neste sentido do Tribunal de Justiça do Paraná: 10ª. Câmara, Agravo de Instrumento
n. 0389985-4, relator o Desembargador Vitor Roberto Silva, julgado em 06.12.2006. Na valiosa
decisão monocrática que deu provimento ao recurso, destaca-se a brilhante passagem: “O artigo
1211 - A do Código de Processo Civil, acrescentado pela lei 10.173/2001, determina prioridade na
tramitação de todos os atos e diligências em qualquer instância em que for parte ou interveniente
pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos. Posteriormente, entrou em vigor a Lei
10.741/2003 - Estatuto do Idoso, a qual reforçou essa norma, reduzindo a idade do beneficiário para
igual ou superior a sessenta anos: "Art. 71 - É assegurada prioridade na tramitação dos processos e
procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou
interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância". A
propósito, os próprios tribunais superiores emitiram resoluções especificando regras de
procedimento para processos em que for parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior
a sessenta anos de idade (Resolução nº 277, STF e Resolução nº 11, STJ), reconhecendo-se, deste
modo, a legitimidade e a importância da norma. Trata-se de benefício destinado justamente a
99
Todos os atos processuais devem ser produzidos em caráter de urgência, para que
o tempo de tramitação seja o menor possível. Não se descarta, por isso, que em
processos de idosos a serventia, quando necessário, deva fazer um esboço de
partilha, para suprir a insuficiência da parte e até mesmo do seu advogado.
Mas não é só. Não se descarta que, em razão das
dificuldades e peculiaridades do caso concreto, alguns atos sejam providenciados
pela própria serventia do Poder Judiciário. A preferência deve ter em conta, em
algumas situações, a prática direta de medidas pela própria serventia.
A propósito, confira-se o precedente do E. Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, 7ª. Câmara, relatora a Desembargadora Maria
Berenice Dias, julgado em 17.11.2004, destacando-se:
“Relativamente ao pedido de expedição de ofícios pelo
Cartório, assiste razão ao agravante.
“Tendo em vista a incerteza do local onde assentado o
registro de nascimento da progenitora, bem como a idade
do agravante – 66 anos -, de todo razoável que a
diligência seja realizada pelo próprio Cartório, em
promover a igualdade material das pessoas, conforme conceito clássico de Rui Barbosa sobre a
isonomia, porquanto é cediço que pessoas com idade superior a sessenta anos não têm, via de
regra, longo tempo de vida, sendo natural que venham a óbito antes de pessoas com idade mais
baixa. Outrossim, o trâmite normal de processos judiciais é sabidamente moroso. Assim, é certo que
os idosos não podem ficar a mercê de futura e incerta reforma processual de molde a agilizar o
andamento dos processos. A instituição desse benefício de prioridade, portanto, visa assegurar a
todo idoso que ostenta a condição de parte ter, ainda em vida, conhecimento da solução dada pelo
Poder Judiciário ao seu processo. Ocorrendo dessa forma e comprovada a condição de idosa da
recorrente (fl. 48 - TJ), merece a concessão do benefício da prioridade de tramitação processual.
Conseqüentemente, é imperiosa a adoção de meios para se atender ao fim da norma, como por
exemplo, a antecipação da audiência conciliatória designada ou até mesmo a adoção do rito
ordinário, porque, em razão da data da audiência marcada - 08/02/2008 (fls. 81 - TJ) - isso
certamente propiciará decisão menos morosa, sobretudo porque se trata de questão exclusivamente
de direito e com jurisprudência pacífica acerca das questões controvertidas. Ante o exposto, porque
a decisão é dissonante da jurisprudência predominante desse Tribunal e do Superior Tribunal de
Justiça, nos termos do artigo 557, § 1º-A do Código de Processo Civil, dou provimento de plano ao
presente agravo, para reformar a decisão atacada e conceder à agravante o benefício da prioridade
do trâmite processual, determinando-se ao juízo a adoção de medidas viáveis para dar eficácia à
norma.”
100
observância à prioridade na tramitação de processo
envolvendo pessoa idosa (art. 71 da Lei 10.741)”.
O capítulo “II” do Título “V” do Estatuto do Idoso cuida da
participação do Ministério Público. A relevância do papel do Ministério Público foi
admitida e exigida pela própria Constituição Federal, colocando a instituição como
função essencial à Justiça, indutora e protagonista da defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da
CF).
E, na esteira constitucional, como sublinha Robson
Renault Coutinho
225
, o Ministério Público deve buscar incessantemente viabilizar o
acesso à Justiça para a tutela dos direitos sociais e dos direitos indisponíveis.
A atuação pode ser extrajudicial, nas hipóteses de
atendimento ao público, expedição de recomendações, processamento do
procedimento administrativo e do inquérito civil, na celebração do termo de
ajustamento de conduta, etc
226
.
A atuação judicial será exercida como “custos legis” (art.
75 do EI)
227
ou como autor da ação judicial, exigindo-se sua intimação pessoal (art.
76 do EI), sendo que a ausência de intervenção poderá levar à nulidade do
processo (art. 77 do EI).
Ainda no campo judicial a principal atuação do Ministério
Público se faz pela ação civil pública. Não se descarta que o Ministério Público
225
Robson Renault Coutinho – “O Ministério Público e a Tutela dos Direitos dos Idosos”, p. 98.
226
Robson Renault Coutinho – “O Ministério Público e a Tutela dos Direitos dos Idosos”, p. 98-116.
227
Robson Renault Coutinho – “O Ministério Público e a Tutela dos Direitos dos Idosos”, p. 131.
Como assinala o autor, “somente se houver interesse social ou direitos indisponíveis em discussão é
que haverá atuação do Ministério Público”, sugerindo a combinação dos artigos 43 e 75 do EI para a
identificação das hipóteses de atuação daquela instituição como fiscal da lei.
101
promova ações individuais, para pleitear alimentos, interdição e ações
condenatórias em favor do idoso para a preservação de direitos indisponíveis
228
.
Nas felizes palavras do professor Sérgio Shimura
229
,
deve ser reconhecida ampla legitimidade ao Ministério Público:
Limitar a legitimidade do Ministério Público é limitar o
acesso da pessoa – pobre – à justiça. É ir contra toda
filosofia criada em favor da defesa dos cidadãos,
fechando as portas do Judiciário na prestação da tutela
jurisdicional”.
O artigo 74 do Estatuto do Idoso, além de reiterar a
possibilidade de instauração de inquérito civil e do ajuizamento da ação civil pública
para a defesa dos interesses e direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos
do idoso, também previu sua atuação na defesa dos interesses individuais
indisponíveis (inciso I) e como substituto processual em situações de risco (inciso
II). Houve explicitação de uma série de poderes de instrução e fiscalização do
Promotor de Justiça (art. 74, V, VI, VIII e IX do EI).
228
O presente trabalho não tem a finalidade de aprofundar-se na discussão sobre a atuação do
Ministério Público na defesa dos interesses e direitos individuais dos idosos. Parece-nos, todavia,
correta a posição assumida por Robson Renaut Coutinho (inO Ministério Público e a Tutela dos
Direitos dos Idosos”, p. 136-), para quem se trata de uma substituição processual autorizada pela
Constituição Federal (art. 127) e pelo próprio Estatuto do Idoso (art. 74, I e III). Entendemos que o
Ministério Público poderá ajuizar ação individual – alguns autores e julgados chamam-na de “ação
civil pública” – como substituto do idoso, quando se tratar de direito individual indisponível. E quais
os direitos indisponíveis? Sem esgotar o assunto, parece-nos que os direitos fundamentais
explicitados no Título II do Estatuto do Idoso têm a natureza indisponível: à vida, à saúde, à
liberdade, ao respeito, à dignidade, aos alimentos, à educação, ao esporte, à cultura, ao lazer, ao
trabalho, à previdência social, à assistência social, à habitação e ao transporte. O artigo 79 do EI
também pode ser conjugado na interpretação da oportunidade de atuação do Ministério Público na
defesa dos interesses e direitos individuais indisponíveis. No valioso trabalho, o autor apresenta a
posição contrária do professor Araken de Assis e de alguns precedentes do Superior Tribunal de
Justiça.
229
Sérgio Shimura – “Título Executivo”, p. 50. O ilustre professor comenta a interpretação do artigo
68 do Código de Processo Penal. Todavia, é possível extrair-se do magistério muito mais. Funciona
como verdadeira luz sobre a ideologia que deve permear a interpretação das normas que lidam com
a legitimidade do Ministério Público.
102
Em suma, toda a gama de poderes atribuída ao
Ministério Púbico, na essência, configura um importante meio de facilitação do
acesso do idoso à Justiça.
Mas não é só. O idoso pode fazer uso, individual e
coletivamente, de todas as ações previstas no ordenamento jurídico, a teor do
artigo 82 do Estatuto do Idoso. Também as obrigações de fazer e de não fazer
encontram tutela específica, conforme dispõe o artigo 83 do Estatuto do Idoso. As
disposições são similares àquelas previstas em favor da defesa do consumidor
230
.
Agora, resta-nos a comparação da proteção legal do
consumidor com aquela proteção, conferida ao idoso, de modo a desvendar a tutela
normativa aplicável ao consumidor-idoso.
3.6. Medidas que facilitam o acesso do
consumidor-idoso à Justiça. Um diálogo
entre as fontes.
As defesas do consumidor e do idoso formam
microssistemas e consagram o reconhecimento de que, para aquelas diferentes
situações de direito material, há necessidade de adaptação do processo. Isto é, a
efetividade do processo será tanto maior, se diferenciado o provimento jurisdicional
e moldado ao direito material ameaçado ou violado, sempre com atenção à
realidade social em jogo. Trata-se da chamada tutela diferenciada.
Oportuna a advertência do professor Luiz Guiherme
Marinoni
231
acerca da consideração da realidade social, destacando-se:
230
Confiram-se, por isso, as considerações feitas, no item “3.3” do Capítulo “3” do trabalho.
231
Luiz Guilherme Marinoni – “Técnica Processual e Tutela dos Direitos”, p. 190.
103
Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efetiva requer
que os olhos sejam postos não apenas no direito
material, mas também na realidade social. Para tanto, é
imprescindível que a análise considere não só a
necessidade de igualdade de participação interna no
procedimento, mas sobretudo a abertura para a
participação por meio de diferentes espécies de
procedimentais.
“Toma-se aqui a idéia de procedimento diferenciado em
relação ao procedimento ordinário – esse último instituído
sem qualquer consideração ao direito material e à
realidade social. Existindo situações de direito
substancial e posições sociais justificadoras de distintos
tratamentos, a diferenciação dos procedimentos está de
acordo com o direito à tutela jurisdicional efetiva. Pelo
mesmo motivo, a existência de apenas um procedimento
para situações distintas fere o direito à tutela jurisdicional
efetiva”.
O que se pretende neste estudo é chamar a atenção
para a necessidade de uma técnica processual, para a defesa de situações
jurídicas específicas. E a técnica processual tem no procedimento uma de suas
espécies
232
. Por isso, na tutela dos consumidores e dos idosos
233
, são totalmente
pertinentes e necessárias disposições legais que redundam em proteção específica
e diferenciada.
232
Luiz Guilherme Marinoni – “Técnica Processual e Tutela dos Direitos”, p. 192.
233
Sobre as situações dos consumidores e dos idosos, que reclamam proteção legal específica,
confiram-se os capítulos “I” e “II” do trabalho.
104
Interessa, ainda, a partir da lição de Cláudia Lima
Marques
234
, destacar o “diálogo” entre fontes, mais especificamente entre o Código
de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso. Como salientado pela ilustre
professora, o artigo 7º. da Lei n. 8.087/90
235
funciona como uma interface daquele
diploma legal e o sistema geral. Não se tem o Código de Defesa do Consumidor
como único e exaustivo corpo de normas que disciplina a relação de consumo. Ele
forma uma codificação aberta e não exclui outros direitos previstos em “legislação
ordinária” interna. O “direito do consumidor” terá muitas fontes legislativas,
permeáveis e de maneira a que se utilize a norma mais favorável ao consumidor.
Nesta linha, é possível dizer que a relação jurídica de
consumo travada entre o consumidor-idoso e o fornecedor será disciplinada, dentre
outras fontes, pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Estatuto do Idoso. A
integração das normas buscará uma eficácia mais favorável ao consumidor-idoso –
será aplicada a lei mais benéfica ao consumidor
236
.
Passemos a comparar algumas disposições legais que
cuidam da facilitação do acesso à Justiça, nos dois estatutos legais.
CDC EI
Art. 5º., IV Art. 70
“Para a execução da Política Nacional das
Relações de Consumo, contará o Poder
Público com os seguintes instrumentos, dentre
O Poder Público poderá criar varas
especializadas e exclusivas do idoso
”.
234
Cláudia Lima Marques – “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, p. 185.
235
O artigo 7º. do CDC tem a seguinte redação: “Os direitos previstos neste código não excluem
outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, da analogia, costumes e
eqüidade”.
236
Cláudia Lima Marques – “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, p. 186.
105
outros: IV – criação de Juizados Especiais de
Pequenas Causas e Varas Especializadas
para a solução dos litígios de consumo”.
A conjugação dos diplomas legais permite a seguinte
conclusão: no caso das varas especializadas (art. 5º., IV do CDC e art. 70 do
Estatuto do Idoso), poderá se ter a “Vara Especializada do Consumidor Idoso” ou o
Juizado Especial Cível do Consumidor Idoso”. A integração dos critérios de matéria
e pessoa traduz-se numa segmentação capaz de gerar, aparentemente, um órgão
judiciário sem os problemas antes expostos.
Ou seja, aqui parece diminuir o receio do amplo alcance
do conceito de relação de consumo capaz de inviabilizar a criação de varas
especializadas em grandes centros urbanos
237
.
A iniciativa parece de todo oportuna, porquanto será
capaz de propiciar ao consumidor-idoso um órgão judiciário voltado para o
julgamento das ações em que for parte, supondo-se que os processos sejam mais
efetivos e céleres. Certamente, constitui uma medida relevante para ampliação de
acesso à Justiça.
E o mérito da especialização do órgão jurisdicional de
primeiro grau será colocado em cheque, se não for acompanhado da mesma
atitude em segundo grau de jurisdição.
Em outras palavras, a especialização do órgão
jurisdicional deve ser compreendida como a criação de varas (em primeiro grau) e
turmas julgadoras (em segundo grau) dedicadas à solução dos conflitos do
consumidor-idoso.
237
Confira-se o que foi exposto, no item “3.3.” deste capítulo.
106
CDC EI
Art. 83 Art. 82
“Para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por este Código são admissíveis
todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela”.
Para a defesa dos interesses e direitos
protegidos por esta Lei, são admissíveis
todas as espécies de ações pertinentes
”.
Na defesa do consumidor-idoso, a aceitação de toda
sorte de ações judiciais para a defesa dos interesses e direitos significa uma
interpretação mais flexível das condições da ação. Ou seja, quando o juiz verificar a
legitimidade de parte, o interesse processual e a possibilidade jurídica do pedido, o
grau de exigência deve ser o menor possível.
O tema não é novo no direito processual e já foi tratado
no magistério do professor Cândido Rangel Dinamarco
238
, ao mencionar a garantia
do contraditório como fundamento constitucional para um diálogo entre o juiz e a
parte, na apreciação da petição inicial, destacando-se:
Sabe-se hoje que essa garantia não se endereça
somente às partes mas também ao próprio juiz,
atribuindo-lhe o dever de dialogar com elas e proibindo-o
de extinguir o processo abruptamente, sem prévia
discussão sobre os motivos da extinção – e tal
posicionamento está presente em escritos e profundas
reflexões dos mais abalizados estudiosos do processo
civil da atualidade, não sendo resultado de frívolas
conjecturas de algum idealista visionário”.
107
Na mesma linha de pensamento, o professor Carlos
Aberto Álvaro de Oliveira
239
ensina que, do ponto de vista do direito processual, os
direitos fundamentais necessitam de normas (mais densas) e formas de
organização e regulamentação de procedimentos. Deve haver uma garantia
constitucional e legal para exercício e restauração (em caso de ameaça ou
violação). Para o ilustre professor todos aqueles que participam do processo,
incluindo-se o juiz, as partes, advogados, serventuários, peritos, testemunhas, etc.
devem intervir desde o primeiro ato até o fim, sempre numa interação com lealdade
e boa-fé. Projetando-se a lição para os direitos – de magnitude constitucional – do
consumidor-idoso, a participação no processo será uma exigência para a própria
efetivação dos mesmos.
Em resumo, numa perspectiva de amplo acesso à
Justiça e de um processo efetivo, deve haver uma atitude diferente na identificação
da ação cabível para a defesa do interesse ou direito ameaçado ou lesado. Não se
descarta a necessidade de um verdadeiro diálogo entre o juiz e a parte, para que
seja emendada a inicial de modo a viabilizar as condições da ação, notadamente a
legitimidade das partes, a adequação entre a ação promovida e o interesse ou
direito que se busca proteger e a possibilidade jurídica do pedido.
CDC EI
Art. 84 Art. 82
“Na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o
“Na ação que tenha por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer ou
não-fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará
238
Cândido Rangel Dinamarco – “Instituições de Direito Processual Civil”, p. 388.
239
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira – “O Processo Civil na perspectiva dos direitos
fundamentais”, artigo inserido na obra coletiva “Jurisdição e Direitos Fundamentais”, coordenada por
Ingo Wolfgang Sarlet, p. 259.
108
resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
§ 1° A conversão da obrigação em perdas e
danos somente será admissível se por elas optar
o autor ou se impossível a tutela específica ou a
obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2° A indenização por perdas e danos se fará
sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de
Processo Civil).
§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda
e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citado o
réu.
§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na
sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando prazo razoável para o cumprimento do
preceito.
§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção
do resultado prático equivalente, poderá o juiz
determinar as medidas necessárias, tais como
busca e apreensão, remoção de coisas e
pessoas, desfazimento de obra, impedimento de
atividade nociva, além de requisição de força
policial. “
providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao adimplemento.
§ 1º Sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao
juiz conceder a tutela liminarmente ou
após justificação prévia, na forma do art.
273 do Código de Processo Civil.
§ 2º O juiz poderá, na hipótese do § 1º ou
na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente do pedido do autor,
se for suficiente ou compatível com a
obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
§ 3º A multa só será exigível do réu após
o trânsito em julgado da sentença
favorável ao autor, mas será devida
desde o dia em que se houver
configurado.
109
A conjugação dos dispositivos do Código de Defesa do
Consumidor e do Estatuto do Idoso não deixa margem a dúvidas: o que se busca é
a tutela específica para o consumidor-idoso. A conversão da obrigação em perdas e
danos deve ser evitada a todo custo pelas medidas judiciais colocadas à disposição
do magistrado, na obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento.
Aponte-se, ainda, que o Estatuto do Idoso acabou por
repetir o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor, quando já vigente o artigo
461 do Código de Processo Civil (com redação dada pela Lei n. 8.952/94). Significa
compreender, primeiro, que a reprodução da norma era aparentemente
desnecessária, porquanto o sistema processual já contemplava genericamente a
concessão de tutela específica. E segundo, realça a importância emprestada à
tutela do idoso. A repetição não prejudicou o idoso, mas deu ao assunto - tutela
específica – notória relevância para a proteção dos seus direitos.
Além disso, o “justo receio de ineficácia do provimento
final” poderá decorrer a própria idade do consumidor e do temor de que a demora
da tramitação do processo seja um fator impeditivo para a obtenção do direito.
Merece destaque a atuação do juiz. Como ensina o
professor Luiz Guilherme Marinoni
240
, o juiz terá a liberdade de determinar a medida
necessária para a obtenção do resultado equivalente ao adimplemento, bem como
poderá agir de ofício e não estará adstrito ao pedido inicial, sublinhando-se:
Isto quer dizer que o juiz pode não atender ao pedido
quando este se mostrar insuficiente, em virtude do que
240
Luiz Guilherme Marinoni – “Tutela Específica”, p. 130. O nobre autor destaca também: “Mas
como a legitimidade do poder jurisdicional depende da sua racionalidade, a atividade do juiz, neste
aspecto, deve ser iluminada, conforme já foi dito, pelos princípios da efetividade e da necessidade
(p. 131).
110
se colheu através do contraditório, para permitir uma
tutela efetiva do direito, ou ainda quando o contraditório
demonstrar que o pedido formulado não implica a tutela
do direito do modo menos gravoso à esfera jurídica do
réu”.
Em suma, quando o conflito envolver o consumidor-
idoso, fica evidenciada a necessidade de um provimento diferenciado, adequado e
imediato. O juiz deve agir de modo a garantir a eficácia da decisão judicial
concessiva da ordem de obrigação de fazer e não fazer. O mesmo vale para a
obrigação de entrega de coisa
241
, numa interpretação sistemática, com a integração
do artigo 461-A do Código de Processo Civil.
Importante salientar que, até o momento, a facilitação da
defesa do consumidor-idoso em Juízo foi extraída das diversas previsões
apontadas: a)criação de órgãos jurisdicionais especializados, b) cabimento de todas
as ações judiciais pertinentes e c) a concessão de tutelas específicas.
Evidentemente, convém destacar que a facilitação deve
abranger a tutela individual e a tutela coletiva. Daquelas medidas apontadas, não se
tem porque excluir os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Também oportuna a verificação se a medida de inversão
do ônus da prova, no litígio judicial que tenha como parte um consumidor-idoso.
As necessidades especiais do idoso apresentam
reflexos, quando ele assume o papel de consumidor. Há exacerbação na
dificuldade de julgamento, própria do avançar da idade. Aspectos físicos e
psicológicos servem de obstáculos à compreensão de todas as circunstâncias que
cercam o ato de consumir.
111
Conforme notícia veiculada pela Folha de São Paulo
242
,
um estudo da Santa Casa de São Paulo mostra que 41% (quarenta e um por cento)
dos idosos tomam remédios inadequados ou em doses excessivas para a faixa
etária. Em razão disso, sofrem efeitos colaterais como perda de memória,
sonolência, pressão baixa, quedas, distúrbios psiquiátricos, tremores intensos, entre
outros.
Logo, entendemos que a vulnerabilidade do consumidor
transforma-se, no caso do consumidor-idoso, numa hipossuficiência presumida.
Diante de um litígio envolvendo um consumidor-idoso e um fornecedor, deverá o
juiz presumir que o primeiro é hipossuficiente e faz jus à inversão do ônus da prova.
Trata-se de presunção relativa, uma vez que o fornecedor poderá demonstrar que a
hipótese traduz uma situação distinta.
Por último, resta colocar em relevo a prerrogativa de foro,
como medida facilitadora da defesa do consumidor-idoso em Juízo. Para tanto,
avança-se para o capítulo final do trabalho.
241
Não haveria sentido um tratamento distinto entre as obrigações de fazer, não fazer e entrega de
coisa. Insisto: o que se busca é a obtenção de um resultado equivalente ao adimplemento da
obrigação.
242
Folha de São Paulo, edição do dia 16.2.2007. Apontou a notícia do jornal; “O trabalho foi feito
pelo setor de geriatria do hospital e envolveu cem idosos, com idade média de 77 anos. O objetivo
do estudo era verificar os remédios que eles estavam usando no dia da primeira consulta. Segundo
Milton Gorzoni, chefe da gerontologia da Santa Casa e coordenador da pesquisa, 40% dos idosos
pesquisados usavam diariamente cinco ou mais remédios. Entre as drogas não-recomendadas,
estavam algumas de uso freqüente, como calmantes, antiinflamatórios, remédios para pressão alta e
relaxantes musculares. Embora muitos dos idosos estivessem tomando os remédios com prescrição
médica, Gorzoni afirma que havia alternativas mais seguras para tratar as doenças.”
112
Capítulo IV – O CONSUMIDOR-IDOSO E A PRERROGATIVA
DE FORO.
4.1. A prerrogativa de foro. Um tratamento
desigual em harmonia com o princípio da
igualdade.
A discussão de prerrogativa de foro coloca o consumidor-
idoso numa posição processual de vantagem em relação ao fornecedor. Antes do
estudo aprofundado e específico do tema, pode-se indagar: a criação desta
prerrogativa não viola o princípio da igualdade?
O Direito Constitucional brasileiro adotou a tradicional
posição da doutrina
243
, afirmando-se, de maneira simultânea, a igualdade formal
(“igualdade perante a lei”) e a igualdade material (“igualdade na lei”). Na primeira,
243
Por todos: Konrad Hesse – “Elementos de Direito Constitucional da República Federal da
Alemanha”, p. 330-338. O ilustre professor alemão também coloca o problema da igualdade
material. Somente aquilo que é igual deve ser tratado igualmente. O problema situa-se em saber
quais os fatos iguais e que não devem ser tratados desigualmente. B) Antonio-Enrique Pérez Luño
– “Teoría Del Derecho – Una concepción de la experiencia jurídica”, p. 227-231. O professor
destaca a atenção especial para a igualdade material traduzida num tratamento diferenciado de
circunstâncias e situações aparentemente semelhantes, mas que demandam regulamentação
jurídica distinta. O ilustre autor espanhol defende a discriminação inversa, como forma de favorecer
os grupos discriminados e sua legitimidade está no fato de compensar situações de injustiças
históricas sofridas por determinados grupos ou minorias.
113
há um dever do aplicador do direito tratar todos em conformidade com a lei vigente.
Na segunda, há um dever do legislador em considerar as semelhanças e as
diferenças, quando da criação das normas.
Importante que a compreensão do princípio da igualdade
está na sua relação com o valor da solidariedade na preciosa lição de Antonio-
Enrique Pérez Luño
244
. Duas dimensões se condicionam. Primeira, a ética e
política por meio de uma atitude que tende ao compartilhamento e à identificação
das inquietudes e necessidades alheias. E segunda, a jurídica que supõe um
compromisso dos Poderes Públicos com a efetivação da igualdade material.
David Gimenez Gluck
245
destaca que a igualdade
material é o último escalão na evolução do princípio da igualdade no
constitucionalismo do século XX, uma vez que a igualdade formal se revelou
insuficiente. E, para atingir a concretização da igualdade material, o Estado deve
atuar na sociedade para obter a igualdade real dos cidadãos. A atuação pode ter
como objetivos a igualdade de oportunidades ou a igualdade de resultados. Ela é
conduzida por ações positivas, que constituem meios diretos e eficazes para se
conseguir a igualdade real e que traduzem medidas imprescindíveis num Estado
Social e Democrático de Direito. Nesta linha, até mesmo as discriminações inversas
– cotas reservadas a determinados grupos minoritários – para acesso a bens e
postos de trabalho.
Isto é, como salienta Robert Alexy
246
, de um lado, o
princípio geral de igualdade dirigido ao legislador – a igualdade material – não pode
244
Antonio-Enrique Pérez Luño – “Teoría Del Derecho – Una concepción de la experiencia
jurídica”, p. 232.
245
David Gimenez Gluck – “Uma Manifestación polémica del principio de igualdad: Acciones
positivas moderadas y medidas de discriminación inversa”, p. 45-46 e 61-85.
246
- Robert Alexy – “Theorie der Grundrechte”, versão espanhola “Teoria de los Derechos
Fundamentales”, p. 393-418. Deve haver uma razão para o tratamento desigual, sugerindo-se que
os juízos valorativos se façam também por outras normas constitucionais.
114
exigir que todos devam ser tratados exatamente da mesma maneira e tampouco,
que todos devam ser iguais em todos os aspectos. De outro lado, não pode permitir
toda a diferenciação e toda a distinção sem ter um conteúdo. A indagação: como
encontrar um meio termo entre aqueles extremos?
Como assinala o professor J. J. Gomes Canotilho
247
, a
fórmula “o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente” não
apresenta um critério para se chegar ao juízo de igualdade (ou desigualdade).
Como saber se a lei trata dois indivíduos de uma forma igualmente justa? Qual o
critério de valoração para a relação de igualdade? O nobre professor da Faculdade
de Direito de Coimbra cita como possível resposta: a vedação geral do arbítrio. E
ocorrerá a violação arbitrária da igualdade jurídica, quando a disciplina jurídica
apresentar um dos seguintes defeitos: a) não haver um fundamento sério, b) não
possuir um sentido legítimo, c) estabelecer diferenças jurídicas sem uma base
razoável.
O professor Jorge Miranda
248
destaca com felicidade
ímpar que “os direitos fundamentais não podem ser estudados à margem da idéia
de igualdade”, porque eles postulam uma atribuição não somente universal, mas
também igual.
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello
249
ensina
que o princípio da igualdade previsto na ordem jurídica busca evitar as
diferenciações fortuitas ou injustificadas. A exigência de igualdade serve para que
os atos genéricos e abstratos colham, concretamente, a todos sem especificações
arbitrárias. Mas pode haver discriminação, desde que presentes: a) o fato adotado
como discriminação não pode ser tão específico, de modo a privilegiar uma camada
muito restrita da população, b) as diferenças devem residir nas pessoas, fatos ou
247
J. J. Gomes Canotilho – “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 398-405
248
- Jorge Miranda – “Manual de Direito Constitucional”, Tomo IV, p. 201.
249
Celso Antônio Bandeira de Mello – “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, p. 09-35.
115
situações, c) correlação lógica entre o fator de discrímen e a desiquiparação
procedida e d) harmonia da discriminação com os interesses protegidos na
constituição.
Antes de analisarmos, se a prerrogativa de foro do
consumidor-idoso pode ou não violar o princípio da igualdade, oportuno verificar
como a doutrina e os tribunais se manifestam na conhecida situação da mulher e a
prerrogativa de foro, na ação de separação de cônjuges, na ação de conversão em
divórcio e na ação de anulação de casamento.
Para professor Yussef Said Cahali
250
a prerrogativa de
foro prevista no artigo 100, inciso I do Código de Processo Civil conflita com o
princípio da igualdade entre os cônjuges proclamado, no artigo 226, parágrafo 5º.
da Constituição Federal. O nobre jurista afirmou que aquela igualdade se aplicava
ao direito material e também ao direito processual, não comportando fragmentação
das conseqüências do princípio. Havia se estabelecido no ordenamento jurídico
constitucional e legal uma igualdade jurídica entre os cônjuges que era incompatível
com a prerrogativa de foro.
Em sentido diverso, Sérgio Gischikow Pereira
251
manifestou entendimento pela recepção daquela disposição da lei processual pela
Constituição Federal de 1.988. Ou seja, a prerrogativa de foro não perdeu seu
fundamento de validade pelo advento da igualdade entre os cônjuges proclamada
na nova ordem constitucional, uma vez que a regra processual não impunha uma
subordinação de um cônjuge em relação ao outro, mas traduzia uma proteção à
mulher que ainda estava numa situação de fraqueza na maior parte da estrutura
social brasileira.
250
Yussef Said Cahali – “Divórcio e Separação”, p. 521-524. O autor afirma que a jurisprudência
firmou-se no sentido da constitucionalidade.
251
Sérgio Gischikow Pereira – “Algumas questões de Direito de Família na nova Constituição”,
artigo inserido na RT 639/249.
116
Na análise da prerrogativa de foro da mulher, na ação de
separação de cônjuges, na ação de conversão em divórcio e na ação de anulação
de casamento, a teor do artigo 101, inciso I do Código de Processo Civil, a ilustre
professora Patrícia Miranda Pizzol
252
assumiu posição intermediária, destacando-
se:
Entendemos que o preceito contido no presente artigo
pode infringir ou não o princípio da igualdade,
dependendo da situação em que se encontre a mulher,
em relação ao marido. Parece-nos que o artigo deva ser
interpretado conforme a Constituição Federal. Em outras
palavras, se se verificar que no caso concreto, que a
mulher é a parte mais fraca (porque não tem
independência financeira ou porque ficou com a guarda
dos filhos, sendo esta última hipótese bastante comum),
contará ela com a prerrogativa de foro, garantindo-se,
assim, a igualdade real. Se, contudo, ela se encontrar em
condições iguais à do marido, a regra do artigo 100, I, do
CPC será considerada inconstitucional, devendo incidir a
regra geral, prevista no artigo 94 do mesmo Código (o
foro competente será o do domicílio do réu)
No julgamento do Conflito de Competência n. 22.603, a
Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, relator o Ministro Ruy Rosado de
Aguiar, julgado em 23.9.1998, DJU 16.11.1998
253
, fixou-se o seguinte
entendimento:
252
Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 192. A autora cita em favor da
inconstitucionalidade um precedente do STJ: REsp. n. 27.483-SP, 3ª. Turma, julgado em 04.3.1997,
relator o Ministro Waldemar Zveiter.
253
O entendimento é sufragado em outros julgamentos do STJ: REsp. 327086-PR, 4ª. Turma, relator
o Ministro Sálvio Figueiredo Teixeira, julgado em 08.10.2002, DJU 10.2.2003, embora tenha
afirmado que a interpretação do artigo 100, I do CPC deva ser restritiva.
117
Prevalece o foro de residência da mulher para a ação de
separação de casal, por não afetar a lei que assim dispõe
a igualdade entre os cônjuges estabelecida na
Constituição”.
Desta forma, reconhecida a polêmica sobre o assunto,
para a utilização dos subsídios da doutrina e da jurisprudência, importante realçar
que o argumento utilizado por quem defende a inconstitucionalidade da prerrogativa
de foro da mulher situa-se em dois pontos
254
. Primeiro, o tratamento jurídico
dispensado pela Constituição Federal que consagra a igualdade jurídica dos
cônjuges (art. 226, parágrafo 5º.) na parte dos direitos e deveres oriundos do
casamento. E segundo, admitindo que, na atualidade, a realidade social já não
comportava uma proteção à mulher.
Nos limites da ambição do presente estudo, que não
quer esgotar toda sorte de possibilidades de discussão sobre o princípio da
igualdade, entendemos que dois pontos chamam a atenção.
Primeiro, porque a tutela do consumidor e do idoso tem
base na própria Constituição Federal de 1.988. Atrelados aos direitos fundamentais
à dignidade humana, à vida, à saúde, à liberdade, a Carta previu a proteção do
consumidor pelo Estado (art. 5º, XXXII) e, do idoso pelo Estado, pela sociedade e
pela família (art. 230) como direitos constitucionais.
E segundo, porque a situação do consumidor-idoso
retrata uma desigualdade fática, se comparado com o fornecedor. O consumidor-
254
É o que basta para a fundamentação do raciocínio em relação ao consumidor-idoso. Não é
necessário que se tome partido naquela polêmica. De qualquer forma, entendemos que a norma é
constitucional. Não vislumbramos uma tutela constitucional que impeça a proteção da mulher, no
momento da separação judicial, do divórcio ou da anulação do casamento. E, posto que sem dados
de qualquer pesquisa, parece-nos fato notório que a mulher ainda não ocupa na sociedade brasileira
uma posição de igualdade real, bastando ver as situações de emprego (cargos e salários) e das
118
idoso tem a fraqueza do consumidor em geral (técnica, científica e econômica)
agravada pelas características da idade. Isto é, enquanto consumidor, pode-se
dizer que a vulnerabilidade do idoso é ainda mais intensa
255
.
Concluindo-se, o segmento social do consumidor-idoso
retrata tanto uma situação jurídica em que as pessoas encontram-se protegidas por
normas constitucionais, como uma situação fática de desigualdade, justificando
plenamente um tratamento diferenciado na ordem jurídica. Quando se cria uma
norma para tratamento desigual do consumidor-idoso, está se aplicando o princípio
da igualdade material fiel às posições assumidas pela doutrina e pela
jurisprudência.
E, nesta linha, quando se analisa a prerrogativa de foro
do consumidor-idoso, pode-se afirmar o seu respaldo constitucional e legal. Antes,
porém, oportuna uma prévia abordagem do âmbito próprio do problema: a
competência.
4.2. A competência. Aspectos gerais.
A grande variedade de ações a serem levadas ao
Poder Judiciário tornou indispensável a elaboração de critérios, para a identificação
dos juízes responsáveis pelo conhecimento, processamento e julgamento das
ações.
A ação pode ser da competência de um juiz de
primeiro grau (juiz singular) ou de competência originária do tribunal (órgão
colegiado de juízes).
funções públicas. Sem que a proteção implique qualquer desmerecimento à mulher ou privilégio
indevido, parece-nos que ela ainda é adequada à situação social brasileira.
255
Confiram-se as abordagens feitas nos capítulos “01” e “02” do trabalho.
119
A competência é definida como medida da
jurisdição. Autorizada doutrina de Liebman afirma que a competência traduz a
quantidade de jurisdição atribuída a um órgão do Poder Judiciário
256
.
Como assinala Athos Gusmão Carneiro
257
, partindo
do magistério de Mário Guimarães, a Jurisdição é um todo e corresponde ao poder
(função) de dizer o Direito conferido aos juízes. A competência é uma fração
(porção ou parte) da Jurisdição. Um juiz terá sempre Jurisdição, mas a quantidade
desta Jurisdição será identificada pela competência.
Em outras palavras, cada juiz exercerá a Jurisdição,
de acordo com normas de competência. Assim, estarão definidas as ações e
processos em que o juiz terá o poder de dizer o Direito.
Por exemplo, somente a um Juiz do Trabalho é
atribuída competência (quantidade de Jurisdição) para conhecer e julgar uma
reclamação trabalhista promovida por um empregado contra o primitivo
empregador.
As normas de competência estão localizadas nos
seguintes diplomas legais: a) Constituição Federal e nas Constituições dos Estados,
b) Código de Processo Civil, c) Leis Especiais (CDC e EI, por exemplo) e d) Leis de
Organização Judiciária e Regimentos Internos dos Tribunais.
Na Constituição Federal de 1.988, há normas de
competência que dizem respeito ao Supremo Tribunal Federal (art. 102), ao
Superior Tribunal de Justiça (art. 105), aos Tribunais Regionais Federais (art. 108),
à Justiça Federal (art. 109), à Justiça do Trabalho (art. 114). A própria Constituição
ainda determina que as competências da Justiça Eleitoral (art. 121) e da Justiça
Militar (art. 124) seja prevista em lei.
256
Antonio Carlos Araújo Cintra – “Teoria Geral do Processo”, obra coletiva, p.232.
257
Athos Gusmão Carneiro – “Jurisdição e Competência”, Saraiva, 14
a
. ed., 2.005, p. 67-68.
120
Por último, pode-se afirmar que, segundo a
Constituição Federal, a competência da Justiça Estadual é residual. Isto é, aquilo
que não for da competência da Justiça Federal e das Justiças especializadas (do
Trabalho, Eleitoral e Militar) e também não for da competência originária do
Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), será da
competência da Justiça Estadual.
No Código de Processo Civil, as normas de
competência estão previstas, nos artigos 86 a 124
258
.
A competência divide-se em: a) competência
internacional e b) competência interna. A competência internacional interessa para
identificar, se a autoridade judiciária brasileira tem atribuição legal para conhecer e
julgar uma ação, excluindo-se ou não a autoridade de outro país. A competência
interna diz respeito à divisão de atribuições entre os juízes brasileiros, nos diversos
órgãos brasileiros.
258
Dispõe o artigo 86 do CPC: “As causas cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente
decididas, pelos órgãos jurisdicionais, nos limites de sua competência, ressalvada às partes a
faculdade de instituírem juízo arbitral”. Importante salientar que as partes podem solucionar o litígio
no Poder Judiciário, mas nada impede que elas litigantes, de comum acordo (no momento do
processo ou, antes, se prevista a arbitragem em contrato), façam a instituição do Juízo Arbitral.
Dispõe o artigo 87 do CPC: “Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta.
São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo
quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da
hierarquia”. A competência é fixada, no momento do ajuizamento da ação. As modificações
posteriores não interferem na competência. Por exemplo, se uma ação de indenização deve ser
promovida na Comarca de Santos, em função do domicílio do réu (art. 94 do CPC), verifica-se a
perpetuação da Jurisdição. No aludido exemplo, se o réu mudar seu domicílio para São Paulo
depois do ajuizamento da ação (e citação), ainda assim a ação continuará a ser processada e
julgada em Santos – a jurisdição do Juízo da aludida Comarca não se modificou. Uma situação
diferente: quando a modificação (de fato ou de direito) suprimir o órgão judiciário ou alterar a
competência em função da matéria ou da hierarquia. Exemplo “2”: uma ação de indenização
promovida contra o BRADESCO, na Justiça Estadual de Santos, em função do domicílio do réu. No
curso do processo, a Caixa Econômica Federal é incluída no pólo passivo da demanda como co-ré
junto com o BRADESCO. No exemplo “2” dado, o fato de um dos dois réus ser uma empresa pública
da União, a competência da Justiça Estadual é deslocada para a Justiça Federal, a teor do art. 109
da Constituição Federal. Em suma, no primeiro exemplo, houve incidência da “perpetuatio
jurisdictionis”, no segundo exemplo não.
121
Inicialmente, é necessário definir-se a competência
da autoridade judiciária brasileira, ou na lição de Ovídio A. Baptista da Silva
259
se o
conflito estará sob a jurisdição brasileira.
Em outros termos, diante de um conflito, a primeira
providência a ser adotada é verificar se o Poder Judiciário do Brasil é competente
para conhecer e julgar a ação.
O professor Athos Gusmão Carneiro
260
leciona, com
a costumeira precisão, que o primeiro passo da busca da competência refere-se à
definição: a competência é da Justiça brasileira ou da Justiça estrangeira?
Somente depois de concluir que a Justiça brasileira
pode atuar no caso, o magistrado poderá iniciar a análise da competência interna
para o processamento da ação e a tramitação do processo, até final julgamento
261
262
263
.
259
Ovídio A. Baptista da Silva – “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 1, p. 404-405.
260
Athos Gusmão Carneiro – ob. cit., p. 72.
261
Não deve haver confusão entre a lei aplicável e a fixação da autoridade judiciária competente
para apreciar e julgar a ação. A lei aplicável refere-se à lei que disciplina uma relação jurídica, a
partir das normas da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC – Dec. Lei n. 4.657/42). No primeiro
exemplo, as partes podem definir num contrato que a lei aplicável seja da Argentina. Todavia, outra
coisa é que Justiça (autoridade judiciária) solucionará eventual conflito entre os contratantes. Num
segundo exemplo, quando uma empresa Argentina tem domicílio de uma agência no Brasil, aqui
poderá ser acionada judicialmente por um litigante brasileiro. Supondo que o litigante brasileiro seja
o contratante referido no primeiro exemplo, nada há de estranho de haver uma lei aplicável ao
contrato como da Argentina e de ser fixada a competência da autoridade judiciária do Brasil.
262
Dispõe o artigo 88 do CPC: É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I – o réu,
qualquer que seja sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil. Para fins da incidência deste
dispositivo legal, basta que o réu tenha no Brasil agência, filial ou sucursal (art. 88, parágrafo único).
Logicamente, se não houver nenhuma outra norma que incida no caso concreto, quando o réu tiver
domicílio fora do Brasil, a autoridade judiciária brasileira não poderá conhecer e julgar a ação (RT
615/48). II- no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação. A disposição processual repete o que já
consta do artigo 12 da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC). Mesmo quando as partes da ação
não estiverem domiciliadas no Brasil, a autoridade judiciária nacional poderá processar e julgar a
demanda, desde que ela envolva o cumprimento de uma obrigação neste país. III – a ação se
originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. A competência da Justiça brasileira é
afirmada pelo fato (acontecimento com ou sem participação humana) ou ato praticado em território
nacional, seja ele de origem contratual (por exemplo, uma compra e venda) ou de natureza
extracontratual (por exemplo, um acidente de trânsito). Pouco importa a nacionalidade das partes
litigantes ou também os domicílios das mesmas. As hipóteses previstas traduzem uma competência
122
Porém, uma vez reconhecida a competência da
Justiça brasileira, ainda restará saber qual a autoridade judiciária interna
competente para conhecer e julgar a ação. Ou seja, fixada a competência interna, a
competência será da Justiça Especializada (do Trabalho, Eleitoral, Militar) ou da
Justiça Comum (Federal ou Estadual)?
O professor Athos Gusmão Carneiro
264
soluciona o
problema com maestria, sublinhando que “todas as causas não previstas
expressamente na Constituição Federal como de competência das Justiças
especializadas cabem à Justiça comum, exercida pelos tribunais e juízes estaduais,
e ainda pela Justiça local do Distrito Federal”.
concorrente. Isto é, a Justiça brasileira poderá conhecer e julgar as ações cíveis, assim como a
Justiça estrangeira. A atuação de uma não servirá para prejudicar a atuação da outra. Nesta linha,
dispõe o artigo 90 do CPC: “a ação intentada perante tribunal estrangeiro não induz litispendência,
nem obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são
conexas”. Importante salientar que uma ação julgada na Justiça brasileira contra um réu domiciliado
em outro país somente terá eficácia (produzirá efeitos), se houver reconhecimento e homologação
pela autoridade judiciária daquele país. Isto é, para que a sentença brasileira tenha efeitos jurídicos
no exterior, o país estrangeiro deverá admitir – por intermédio de suas autoridades – que ela seja
cumprida no seu território. Usualmente, o reconhecimento é ajustado em acordos e tratados
internacionais – garantindo reciprocidade. O mesmo se diga quando, diante da competência
internacional concorrente, for admitido que a ação tenha julgamento no país estrangeiro. Neste
caso, para que a sentença estrangeira produza efeitos jurídicos no Brasil, dependerá de
homologação pela autoridade judiciária brasileira. Oportuno apontar que, a partir da Emenda
Constitucional n. 45/2004, a competência para homologação (o ato é conhecido como “exequatur”)
das sentenças estrangeiras passou a ser do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, “i” CF). Antes,
era do Supremo Tribunal Federal.
263
A autoridade judiciária brasileira será competente, com exclusividade, nos termos do artigo 89 do
CPC: I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil. As ações que dizem respeito a
imóveis são aquelas que discutem obrigações oriundas do próprio imóvel (obrigações chamadas
reais) ou, obrigações entre duas pessoas (obrigações pessoais). Exemplos: a) ação reivindicatória
de um imóvel localizado em Minas Gerais e b) ação de rescisão de compra e venda de um imóvel
localizado em São Paulo. Nos exemplos dados, referindo-se a imóveis, as duas ações devem ser
julgadas pela autoridade judiciária brasileira, excluindo-se totalmente a competência da autoridade
judiciária estrangeira. II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o
autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional. Assim como o
dispositivo anterior, o inciso II do artigo 89 do CPC preocupa-se em resguardar a exclusiva
competência da autoridade judiciária brasileira em relação a bens situados no Brasil, nos processos
de inventário e partilha de bens. Quando a autoridade judiciária brasileira tem exclusividade, diz-se
que sua competência é absoluta. Não poderá haver sentença estrangeira que decida em uma ação
judicial sobre bens que se localizam no Brasil. Trata-se de uma reserva judiciária ligada à própria
soberania do Brasil. Uma sentença estrangeira que viole a disposição do artigo 89 do CPC, como
regra, terá negado o pedido de homologação no Superior Tribunal de Justiça e não produzirá efeito
jurídico em território brasileiro.
123
Em outras palavras, pode-se dizer que a
competência é aferida em três etapas:
a) verifica-se a competência da Justiça brasileira,
b) confirmada a competência da autoridade
judiciária nacional, verifica-se se a competência é de um órgão da Justiça
Especializada ou da Justiça Comum; a partir da Constituição Federal ou de lei
específica, se não for competência da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral ou
da Justiça Militar, a competência será da Justiça Comum (Federal ou Estadual) e
c) no âmbito da Justiça Comum, verifica-se o foro
competente, a seção judiciária na Justiça Federal ou a Comarca na Justiça
Estadual.
A competência interna é fixada por critérios: a)
valor, b) matéria, c) territorial, d) funcional e e) pessoa.
O artigo 91 do Código de Processo Civil menciona
que as normas de organização judiciária podem disciplinar competência sob os
critérios de valor e de matéria.
O “valor da causa” traduz o conteúdo econômico da
demanda. Toda ação judicial – na petição inicial - deverá indicar o valor da causa,
ainda que o conteúdo econômico não seja imediato, a teor do artigo 258 do CPC.
Todavia, é cada vez mais rara a utilização do valor da causa como critério para
fixação da competência.
Em alguns Estados, como São Paulo e Rio Grande
do Sul
265
, havia um cargo de “juiz de investidura temporária” que estavam
264
Athos Gusmão Carneiro – ob. cit., p. 90-91.
265
Athos Gusmão Carneiro – ob. cit., p. 240. No Rio Grande do Sul, eram chamados de “pretores”.
124
autorizados pela lei ao julgamento de causas até um limitado valor e de num
determinado segmento de matérias.
Atualmente, o valor da causa serve de critério para
a fixação da competência dos Juizados Especiais Cíveis (40 salários mínimos, Lei
n. 9.099/95) e dos Juizados Especiais Federais (60 salários mínimos, Lei n.
10.259/2001).
Há, ainda, a fixação da competência entre “foro
central” e “foros regionais” em grandes comarcas como São Paulo
266
, Rio de
Janeiro e Porto Alegre, a partir do valor da causa. Porém, nas normas de
Organização Judiciária do Estado de São Paulo, como será visto adiante, o valor da
causa é apenas um dos critérios utilizados para a definição da competência entre o
foro central e o foro regional, dentro da comarca de São Paulo.
No âmbito da Constituição Federal, a existência de
Justiças Especializadas pela matéria
267
: a) Justiça do Trabalho (artigo 114), b)
266
Na Justiça Estadual de São Paulo, a competência é disciplinada pela Lei n. 3.947/83 (art. 4
º
) e
pela Resolução n. 02/76 do Tribunal de Justiça (art. 54). A distribuição da competência entre os
Foros Regionais e o Foro Central apresenta peculiaridaDesembargador O Foro Central, os Juízos
das Varas Cíveis têm competência exclusiva para conhecer algumas ações: a) causas falimentares
(recuperação de empresas e falências até a criação da especializada Vara de Falências e
Recuperação de Empresas) e b) causas acima de 500 (quinhentos) salários mínimos. Existem ainda
as Varas Especializadas: a) Varas da Família e das Sucessões, b) Varas da Fazenda Pública, c)
Varas de Acidentes do Trabalho, d) Varas de Registros Públicos e) Vara de Execução Fiscal e f)
Varas de Falência e Recuperação de Empresas. Importante salientar que, no âmbito dos Foros
Regionais, há somente Varas Cíveis, Varas Criminais, Varas da Família e Sucessões e Varas da
Infância e Juventude. As demais varas especializadas constituem uma organização judiciária
separada – não se distingue em foro central e foro regional – tem jurisdição sobre toda a comarca de
São Paulo e possuem até mesmo localização e prédios separados. Os Foros Regionais têm
competência para conhecer as seguintes causas: a) causas até 500 (quinhentos) salários mínimos
e b) independente do valor as causas de execução; de locação (despejo, renovatória, revisional de
aluguel, consignação em pagamento); de indenização decorrente de acidente de veículo; de ação
de rescisão ou de adjudicação compulsória baseadas em compromisso de compra e venda; de
natureza real (ação reivindicatória) ou possessória (ações possessórias); de rito sumário (art. 275 do
CPC); de direito securitário; de alimentos; de inventários (e arrolamentos); de venda de bens de
incapazes.
267
A Justiça do Trabalho é competente para julgamento de ações oriundas da relação de trabalho,
do direito de greve e sobre representação sindical. A Justiça Eleitoral é competente para julgamento
de atos relativos às eleições (inscrições, registros, propaganda, diplomação, prestação de serviços
por mesários, etc.) e crimes eleitorais. A Justiça Militar de âmbito federal é competente para
125
Justiça Eleitoral (art. 121), c) Justiça Militar da União (art. 124), d) Justiça Militar dos
Estados (art. 125, par. 4º. e 5º.). Ainda no âmbito Constitucional, há uma disposição
sobre competência em razão da matéria no art. 126: “Para dirimir conflitos
fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com
competência exclusiva para questões agrárias”.
O artigo 91 Código de Processo Civil dispõe, ainda,
sobre a possibilidade das normas de organização judiciária disciplinarem sobre a
competência por força de matéria. Significa que, nos âmbitos Federal e Estadual,
torna-se possível a criação de Varas (Juízos) especializados pela matéria a ser
cuidada pelo juiz. A competência é definida pela matéria do processo. Na Justiça
Federal da 3ª. Região, na subseção judiciária de São Paulo, por exemplo, há Varas
Cíveis e Varas Criminais. Na Justiça Estadual de São Paulo, na Comarca de São
Paulo, por exemplo, há Varas Cíveis, Varas Criminais, Varas da Família e
Sucessões, Varas da Infância e Juventude, Varas de Registros Públicos. Todas as
Varas especializadas mencionadas tinham, cada qual, uma matéria específica.
No âmbito dos tribunais, as normas de organização
judiciária também podem criar Turmas Julgadoras especializadas por matéria. Isto
é, a competência para conhecimento e julgamento de recursos ou de ações
originárias é feita levando-se em conta a matéria envolvida no processo. No
Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, há três Seções (cada qual
composta por Câmaras): a) Seção de Direito Privado, b) Seção de Direito Público e
c) Seção Criminal.
Importante salientar, por fim, que há ações que, em
razão da matéria, são da competência originária dos tribunais. Por exemplo, ações
julgamento de ações de crimes militares envolvendo as forças armadas.A Justiça Militar de âmbito
estadual é competente para julgamento de ações de crimes militares envolvendo as polícias
militares. Embora a Justiça Federal tenha como característica a competência em razão da pessoa,
como será visto adiante, há um campo de sua competência fixado pela matéria: a) causas referentes
à nacionalidade e naturalização (art. 109, X da CF) e b) disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI
da CF).
126
de competência originária do Supremo Tribunal Federal (STF) por força da matéria:
a) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN, art. 102, I, “a” da CF), b) Ação
Declaratória de Constitucionalidade (ADC, art. 102, I, “a” da CF), c) Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF, art. 102, parágrafo 1º. da CF).
Naquelas ações, conferiu-se ao STF – diretamente e sem passar antes por um
outro órgão do Poder Judiciário – a competência para processar e julgar ações,
diante da matéria envolvida consistente no controle concentrado de
constitucionalidade de uma norma. O mesmo acontece nos demais tribunais
brasileiros.
A competência fixada em razão do território define a
atribuição do foro para julgamento da demanda a um dos dados da ação (domicílio,
situação do imóvel, local de cumprimento da obrigação, local do ato, local do dano,
etc.), que tenha ligação com o território
268
. A competência territorial diz respeito à
localização do foro para, então, distribuir-se a ação a um dos Juízos ali existentes.
Isto é, define-se o Juízo (Vara), a partir do foro competente estabelecido por um
critério ligado ao território. Na Justiça Federal, pela Vara Federal localizada em
determinada subseção judiciária. Na Justiça Estadual, pela Vara Estadual
localizada em determinada Comarca. As normas que disciplinam a competência de
foro são fixadas, no Código de Processo Civil e nas leis especiais.
A competência funcional diz respeito ao critério
estabelecido pela natureza de certas causas e, principalmente, pela função do
magistrado envolvido no julgamento da causa
269
. Autorizada doutrina
270
identifica a
competência funcional em dois planos: horizontal e vertical.
268
Sobre o assunto, confira-se o magistério de Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no
Processo Civil”, p. 155-156. A nobre professora esclarece que se trata da competência da foro.
269
Ovídio A. Baptista da Silva – “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 1, p. 394.
270
Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 146-155. A ilustre professora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo aponta como exemplos de competência horizontal: a)
para as ações reais relativas a imóveis, b) ação cautelar, c) ação de falência, d) ação coletiva, e)
execução de sentença e f) vinculação para julgamento da causa. Exemplos de competência vertical:
a) apelação, b) agravo de instrumento, c) embargos infringentes, d) recurso extraordinário, e)
recurso especial, etc.
127
A competência funcional horizontal estabelece as
hipóteses de atuação dos juízes de primeiro grau ou dos tribunais (em ações de
competência originária) no processo. É estabelecida pelas normas do Código de
Processo Civil, por outras leis federais e pela lei de organização judiciária. Por
exemplo, nos termos do artigo 108 do CPC, “a ação acessória será proposta
perante o juiz competente para a ação principal”. Pode-se dizer que a ação cautelar
é acessória da ação principal. Há outros exemplos: a) ação para venda de bens do
curatelado é acessória da ação de curatela, b) ação para anulação da partilha é
acessória da ação de inventário e partilha.
A competência dos tribunais, pela Constituição
Federal, pelas Constituições Estaduais e pelas normas de organização judiciária
(inclusive os regimentos dos tribunais), nos termos do artigo 93 do Código de
Processo Civil.
4.3. A competência e a prerrogativa de foro.
Na competência em razão da pessoa, também conhecida
como competência “ratione personae”, leva-se em conta uma qualidade ou
característica específica de uma das partes envolvidas no processo.
No âmbito da Constituição Federal, a Justiça Federal
Comum traduz o grande exemplo de competência em função da pessoa, pois a ela
compete processar e julgar as causas (ações) em que forem partes ou interessadas
a União, Autarquias federais e Empresas Públicas federais (art. 109, I da CF).
Como dito anteriormente, a competência da Justiça Federal também é fixada pela
matéria.
No âmbito das normas de organização judiciária, também
poderá haver criação de Juízos (Varas) especializados pela pessoa envolvida no
processo (autor ou réu da ação judicial). Na Comarca de São Paulo, por exemplo,
128
as normas de organização judiciária do Estado de São Paulo criaram Varas da
Fazenda Pública, para julgamento de ações que tenham o Estado de São Paulo ou
o Município de São Paulo como uma das partes nos processos (autor ou réu)
271
.
Importante salientar que, no âmbito do processo civil,
como regra, não há privilégio em razão das pessoas e suas funções
272
. Não há
prerrogativas do Presidente da República, dos Governadores dos Estados, dos
Prefeitos dos Municípios, dos Deputados, dos Senadores, dos Vereadores, dos
Ministros, dos Desembargadores, dos Juízes, etc. serem processados civilmente
em Juízos específicos. Se aquelas pessoas investidas de autoridade tiverem
problemas na área civil – contratos privados, vizinhança, família, acidente de
trânsito, etc. – deverão resolvê-los como qualquer cidadão comum. Isto é, terão os
processos em figurarem como partes (autor ou réu) no órgão do Poder Judiciário
competente. Por exemplo, quando um deputado federal tiver um problema de
vizinhança, a ação civil será julgada no foro do local do imóvel (art. 95 do CPC),
como qualquer pessoa naquela situação de conflito – sua condição pessoal (agente
político) não implicará qualquer mudança de competência.
No âmbito do processo civil, há disposições legais que
garantem prerrogativas de foro para determinadas pessoas. Isto é, a norma
processual dispõe que a competência para conhecer e julgar determinada ação
será do juiz do foro do domicílio de determinadas pessoas: a) da mulher, nas ações
271
Há comarcas do interior do Estado de São Paulo com Varas da Fazenda Pública, caso em que a
competência é fixada pela participação do Estado ou dos Municípios abrangidos pela comarca.
272
No âmbito criminal, ainda subsiste a prerrogativa de determinadas autoridades serem
processadas num órgão do Poder Judiciário distinto dos demais cidadãos: a) o Presidente da
República é processado e julgado pelo Senado, na acusação de prática de crime de
responsabilidade, b) o Presidente da República e o Vice-Presidente são processados e julgados no
STF, na acusação de prática de crime comum (art. 102, I, “b” da CF), c) os Deputados Federais e
Senadores são processados e julgados no STF na acusação de prática de crime comum (art. 102, I,
“b” da CF), d) os Ministros do Estado, os Ministros dos Tribunais Superiores e os Comandantes das
Forças Armadas serão julgados e processados pelo STF, pela acusação de prática de crime de
responsabilidade e crime comum (art. 102, I, “c” da CF), e) Governadores dos Estados e do DF e os
Desembargadores dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais serão julgados pelo
Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “a” da CF).
129
de separação, divórcio e anulação de casamento (art. 100, I do CPC), b) do
alimentando, na ação de alimentos (art. 100, II do CPC), c) do idoso (art. 80 da Lei
n. 10.741/2003), d) do consumidor (art. 101, I da Lei n. 8.078/90), etc.
Em cada uma das hipóteses legais, cria-se uma
prerrogativa para atender a uma situação específica que justifica a proteção. O que
interessa destacar no presente estudo é como deve ser interpretada a prerrogativa
de foro do consumidor-idoso.
4.4. O consumidor e a prerrogativa de foro.
Como já exposto, o acesso aos órgãos jurisdicionais e a
facilitação da defesa do consumidor em Juízo configuram direitos básicos do
consumidor (art. 6º, VII e VIII do CDC). Entendemos que as referidas normas
conferem fundamento à conclusão de que, em geral, o consumidor tem direito a
litigar no foro do seu domicílio.
Em outras palavras, quando a lei confere ao consumidor
direitos básicos consistentes em abertura das vias de acesso aos órgãos judiciários
e em facilitação da defesa dos direitos em Juízo, deve ser admitido em favor dele
(consumidor) a prerrogativa de foro.
Numa lide de consumo individual, o processamento e o
julgamento da demanda deverão acontecer, preferencialmente, no foro do domicílio
do consumidor. Na ação coletiva, serão aplicadas as regras próprias
273
.
Nos contratos de adesão, pacificou-se entendimento nos
tribunais do país sobre a nulidade absoluta da cláusula do foro de eleição, quando
sua aplicação serve de obstáculo à defesa do consumidor em Juízo, admitindo-se
sua proclamação de ofício pelo juiz.
273
Serão vistas mais adiante.
130
A propósito, confira-se o precedente do E. Superior
Tribunal de Justiça, Conflito de Competência 41.728, Segunda Seção, relator o
Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 11.5.2005, DJ 18.5.2005,destacando-se:
O entendimento desta Corte, em casos semelhantes,
está pacificado no sentido de que, em se tratando de
relação de consumo e tendo em vista o princípio da
facilitação da defesa do hipossuficiente, não prevalece o
foro contratual de eleição quando estiver distante
daquele em que reside o consumidor em razão da
dificuldade que este terá para acompanhar o processo.
Nesse sentido, transcrevo:
‘Competência. Conflito. Foro de Eleição. Código de
Defesa do Consumidor. Banco. Contrato de
Abertura de Crédito em conta especial.
- O Código de Defesa do Consumidor orienta a
fixação da competência segundo o interesse público
e na esteira do que
determinam os princípios
constitucionais do acesso à justiça, do
contraditório,
ampla defesa e igualdade das partes.
- Prestadoras de serviços, as instituições
financeiras sujeitam-se à orientação consumerista.
- É nula a cláusula de eleição de foro inserida em
contrato de adesão quando gerar maior ônus para a
parte hipossuficiente defender-se ou invocar a
jurisdição, propondo a ação de consumo em local
distante daquele em que reside.
- Conflito conhecido para declarar a competência do
Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de
131
Canoas.’ (CC 32.868/SC, Relator Min. NANCY
ANDRIGUI, DJ de 11.03.2002)
‘Conflito de competência. Ação de busca e
apreensão. Consórcio. Contrato de adesão. Foro de
eleição. Declinação da competênciaex offício’.
1. Segundo entendimento mais recente desta
Seção, pode o Juiz de Direito, para facilitar a defesa
dos direitos do consumidor (art. 6º, inciso VIII, da
Lei nº 8.078/90), declinar de sua competência, ‘ex
offício’, ignorando o foro de eleição, previsto em
contrato de adesão (CC nº 17.735-CE e CC nº
21.540-MS). Ressalvada a orientação do Relator.
2. Conflito de competência conhecido para declarar
competente o Juízo suscitante, onde reside o
consumidor.’ (CC 22.000/PE, Relator Min. CARLOS
ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 08.02.1999)
‘PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETÊNCIA. AÇÃOMONITÓRIA. MÚTUO
CONCEDIDO POR ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA
COMPLEMENTAR. FORO DE ELEIÇÃO EM BELO
HORIZONTE.
CONTRATO CELEBRADO EM
BRASÍLIA, LOCAL DO DOMICÍLIO DOS
RÉUS.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
SERVIÇO.
FACILITAÇÃO DA DEFESA.
I. Não prevalece o foro contratual de eleição, se
configurada que tal indicação, longe de constituir-se
uma livre escolha, mas mera adesão a cláusula pré-
estabelecida pela instituição mutuante,
implica em
dificultar a defesa da parte mais fraca, em face dos
ônus que terá para acompanhar o processo em
132
local distante daquele em que reside e, também,
onde foi celebrado o mútuo.
II. Precedentes do STJ.
III. Conflito conhecido para declarar competente o
Juízo suscitante, da 10ª Vara Cível de Brasília, DF.’
(CC 23.968/DF, Relator Min. ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, DJ de 16.11.1999)
Ante o exposto, conheço do conflito e declaro
competente o Juízo
de Direito da 1ª Vara da Comarca de
Itararé/SP, o suscitado.
O alcance da norma do artigo 101, inciso I do Código de
Defesa do Consumidor passa pelo próprio conceito de consumidor
274
. Se mais
amplo o conceito, maior o campo de incidência da norma.
274
A propósito, colhe-se valiosa lição da jurista e Ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima
Nancy Andrigh- “Os Direitos do Consumidor na Jurisprudência do STJ” - “Os esforços para se
chegar à pacificação do conceito de consumidor partiram de duas linhas de pensamento que
integram a doutrina corrente. A primeira, que segue o entendimento denominado escola subjetiva,
segundo a qual, ao se verificar que o destinatário final de um produto ou serviço exerça atividade
econômica, civil ou empresária, não poderia ser qualificado como consumidor, porque o produto ou
serviço por ele adquirido integraria, ainda que de maneira indireta a sua cadeia produtiva. A segunda
linha de entendimento recebe a denominação de escola objetiva, e defende que, ainda que o
destinatário desempenhe atividade econômica civil ou empresária, será considerado consumidor
sempre que adquirir o bem para fins diversos da integração na cadeia produtiva. A relação de
consumo fica caracterizada pela destruição do valor de troca do bem ou do serviço. Trata-se,
portanto, da contraposição, de um lado, do conceito econômico do consumidor, e de outro, do seu
conceito jurídico. Até há pouco tempo, a Quarta e a Sexta Turmas do STJ adotavam o conceito
econômico de consumidor direto, ou seja, filiavam-se à escola subjetiva. A primeira e a terceira
Turma, por outro lado, adotavam um conceito jurídico de consumidor direto e, portanto, filiavam-se à
escola objetiva. Após muita discussão o conceito que veio a prevalecer na Segunda Seção foi o
conceito jurídico de consumidor direto, ou seja, uniformizou-se quanto à definição de consumidor o
conceito defendido pela escola objetiva. A pacificação quanto à definição de quem pode ser
considerado consumidor ocorreu em junho de 2004, e serve para demonstrar, no ano em que se
comemora os 15 anos de vigência do CDC, que CONSUMIMOS nada mais, nada menos, que 14
anos para uniformizar, nas Turmas de Direito Privado, o conceito de consumidor. Todavia, para mim,
considero que, além de uma significativa vitória para os consumidores, a pacificação do conceito em
torno da escola objetiva representou também a vitória do trabalho sério, incansável e persistente
daqueles advogados que, mesmo vendo suas teses inovadoras quedarem-se, não se abateram e,
com isso, colaboraram significativamente para a conscientização de muitos juízes do dever
inexorável que temos todos na defesa do cidadão hipossuficiente.” (p. 3-4).
133
No E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, colhe-se
precedente consistente no Agravo de Instrumento n. 70010519965, julgado pela
19ª. Câmara Cível, em 22.03.2005, relator o Desembargador Heleno Tregnago
Saraiva, que coloca a questão com rara felicidade:
É necessário destacar que a autora citada opta pela
denominada corrente finalista, que restringe a figura do
consumidor àquele que adquire um produto para uso
próprio e de sua família, o consumidor não-profissional.
Porém, nosso posicionamento é aquele já exposto, qual
seja, o que dá uma maior amplitude à norma inserida no
caput do art. 2º, do CDC.
“Assim, partindo de tal premissa, não há como se afastar
a incidência da regra do art. 101, I, daquele diploma
legal, haja vista se tratar de norma que visa facilitar, ao
hipossuficiente, melhores condições de exercer a defesa
de seus direitos, que resultaria próximo do impossível de
ser exercida na Comarca de Curitiba.
“Por isso, o foro do domicílio do autor deve prevalecer
sobre o de eleição, decorrente de cláusula inserta em
contrato de adesão, cujos termos devem de ser
interpretados, sempre, em favor do aderente.
“A jurisprudência desta Corte consagra este
entendimento, como se vê das ementas a seguir
transcritas, de lavra do Desembargador Carlos Rafael
dos Santos Junior:
‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. REVISÃO DE
CONTRATO BANCÁRIO. COMPETÊNCIA.
134
DOMICÍLIO DO AUTOR. CDC. A incidência do
CDC às relações bancárias, faz certa a
possibilidade de o consumidor, como
hipossuficiente que é, aforar ação revisional no foro
do seu domicílio. Prevalência do CDC, art. 101, I,
em detrimento do foro de eleição. Deram
provimento. (A.I. n°599364890, Porto Alegre, 19ª
Câmara Cível, julgado em 31/08/99).
‘AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. FORO DE SEU DOMICÍLIO.
Incidente o regramento do CDC, a ação revisional
de contrato de compra e venda de imóvel pode ser
ajuizada no foro do domicílio do consumidor. Art.
101, I, CDC. Improveram. (A.I. n° 70000523752,
Gravataí, 19ª Câmara Cível, julgado em 08/02/00)’.
Como sublinhado pelo professor Kazuo Watanabe
275
, o
artigo 101, inciso I da Lei n. 8.078/90 disciplinou a prerrogativa de foro do
consumidor nas causas de discussão da responsabilidade civil, seja ela contratual
ou extracontratual.
Ora, nesta linha de pensamento e adotado um conceito
amplo de consumidor, a prerrogativa de foro alcançará a quase totalidade das
ações que envolvam conflito de consumo.
275
Kazuo Watanabe – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do
Anteprojeto”, obra coletiva, p. 897. O autor admite que reviu posicionamento anterior e mais restrito
sobre o tema.
135
A prerrogativa de foro do consumidor sempre foi
interpretada como uma regra em seu benefício
276
. Portanto, ele pode renunciar ao
seu direito. Como autor, o consumidor pode escolher o foro do domicílio do
fornecedor réu para ajuizar a ação. Como réu, o consumidor pode não opor
resistência à tramitação da demanda em foro diverso do seu domicílio
277
.
Tratando-se de uma competência territorial, a
prerrogativa de foro do consumidor tem natureza relativa ou natureza absoluta?
A melhor solução parece ser aquela pugnada pelo
professor Arruda Alvim
278
:
Como regra específica está previsto que a ação de
responsabilidade civil pode ser proposta no domicílio do
autor (consumidor, vítima ou sucessor), que se afirma
lesado e que busca a responsabilidade civil. Não é esta
regra de ordem pública no sentido de que, querendo
esse autor, poderá propor a ação no domicílio do
fornecedor de produtos ou de serviços. Mas é de ordem
pública para o fim de inadmitir-se que a seu respeito haja
eleição de foro, inaplicável o artigo 111, segunda parte,
do Código de Processo Civil.”
Isto é, apesar de uma norma de ordem pública, a
prerrogativa de foro do consumidor pode ser objeto de renúncia no momento – e
somente nele, daí porque não comporta a inclusão de uma cláusula de eleição de
foro num contrato de adesão – do ajuizamento da demanda. Parece-nos o melhor
276
Kazuo Watanabe – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos autores do
Anteprojeto”, obra coletiva, p. 898.
277
Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 635.
278
Arruda Alvim – “Código do Consumidor Comentado”, p.454.
136
caminho para, dentro de um sistema que busca a proteção do consumidor, garantir
a facilitação da defesa dos seus direitos em Juízo.
A prerrogativa de foro vale nas ações individuais
279
. E,
neste passo, a dificuldade será, como já explicado, definir-se o alcance tanto do
conceito de consumidor, como de responsabilidade.
Nas ações coletivas
280
, há quem defenda a aplicação do
disposto no artigo 93 da Lei n. 8.087/90
281
. Para a professora Ada Pellegrini
Grinover
282
, o referido artigo 93 do CDC, embora inserido no capítulo das “ações
coletivas para a defesa dos interesses individuais homogêneos”, presta-se a reger a
competência das ações que tenham como objeto os direitos difusos e coletivos.
Entendemos que também nas ações coletivas, se todos
os consumidores – atingidos diretamente ou indiretamente nos interesses e direitos
que fundamentaram a demanda - residirem numa só comarca (ou seção judiciária
no caso de competência da Justiça Federal), será ali o foro competente.
Porém, nem sempre será possível a identificação de um
único “domicílio do consumidor”. É possível que nas ações coletivas exista uma
pluralidade de consumidores residentes em diversas comarcas (ou seções
judiciárias).
279
Para alguns autores, ela vale apenas nas ações individuais: Arruda Alvim – “Código do
Consumidor Comentado”, p.454.
280
O termo “ações coletivas”, como regra, é empregado no trabalho como gênero do qual são
espécies: a) ação popular, b) ação civil pública, c) ação de improbidade administrativa, d) ação
declaratória de inconstitucionalidade, e) ação declaratória de constitucionalidade. Há passagens em
que a locução assume o significado de ação civil pública.
281
Art. 93: Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para causa a justiça local: I –
no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital
do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as
regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.”
282
Ada Pellegrini Grinover – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos
autores do Anteprojeto”, p. 874.
137
Nesta hipótese, entendemos que a opção entre o artigo
93 e o artigo 101, I, ambos do CDC será feita na identificação do que facilitar a
defesa do consumidor em Juízo. Por exemplo, o ajuizamento da ação coletiva no
domicílio de uma associação para proteção dos interesses e direitos dos
consumidores, valendo-se da prerrogativa de foro para melhor defender os
interesses dos consumidores em Juízo.
4.5. O idoso e a prerrogativa de foro.
Nos termos do artigo 80 do Estatuto do Idoso, as ações –
para proteção de interesses difusos, interesses coletivos, interesses individuais
homogêneos e interesses individuais indisponíveis – serão promovidas, no foro do
domicílio do idoso. Ressalvou-se a competência da Justiça Federal para os casos
previstos em lei.
A primeira grande dificuldade é estabelecer a natureza
da competência prevista, no artigo 80 do Estatuto do Idoso. Trata-se de
competência absoluta ou relativa?
A norma qualificou a competência como de natureza
absoluta e que, portanto, pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. Porém, neste
passo, iniciou-se uma polêmica na doutrina.
A propósito, colhe-se uma pioneira manifestação do
professor Flávio Luiz Yarshell
283
, destacando-se:
A primeira das observações a se fazer é que, nada
obstante as boas intenções do legislador, a qualificação
da competência como absoluta, sem qualquer distinção
138
ou ressalva (que não as constantes da lei), é, para se
dizer o menos, inconveniente. Isso não é dito porque a lei
tomou, como já mencionado, um critério territorial para
determinar uma competência qualificada como absoluta.
Como sabido, no entanto, a competência absoluta é
aquela cujas regras são instituídas em atenção a um
interesse de ordem pública e, nessa medida,
indisponível; ao passo que as regras sobre competência
relativa são instituídas considerando a conveniência das
partes.
“Ora, nessa medida, parece correto dizer que: a) nem
sempre o domicílio do idoso será o valor mais relevante
sob a ótica da ordem pública e b) nem sempre a
imposição do foro do domicílio do idoso será a mais
benéfica para ele próprio.
“Quanto ao primeiro aspecto, há outros critérios
igualmente relevantes para a ordem jurídica e que,
determinantes de competência absoluta, podem
prevalecer sobre o critério eleito pelo legislador. Por
exemplo, em demandas individuais ou mesmo coletivas,
o local do dano pode ser mais relevante pela questão da
colheita da prova e, portanto, das funções a serem
desempenhadas pelo juiz em relação a determinado
território (ver art. 2.º da Lei n. 7.347/85). Mesmo se
tomado o critério territorial como determinante de
competência relativa, vale observar que, nas ações de
alimentos, por exemplo, o domicílio do credor de
alimentos é critério que parece prevalecer mesmo sobre
a condição de idoso do respectivo devedor (réu) – ainda
283
Flávio Luiz Yarshell – “A competência no Estatuto do Idoso – Lei n. 10.741/2003”, artigo inserido
139
que, tratando-se de ação revisional de alimentos, o idoso
seja o autor da demanda. De forma análoga, em ações
de separação judicial, o domicílio ou residência da
mulher é igualmente critério que parece prevalecer sobre
a idade (relativamente) avançada do marido, seja ele réu
ou autor.
“Com relação ao segundo aspecto, embora seja de se
presumir que o aforamento da demanda seja mais
benéfico ao idoso se for feito no foro de seu domicílio,
isso não pode ser tido como uma verdade absoluta. É
perfeitamente possível imaginar que um idoso prefira
aforar a demanda no foro do domicílio do réu ou no local
do fato (sendo este um dos critérios empregados pelo art.
100, par. ún., do CPC), por ser, dessa forma, mais fácil a
colheita da prova (por exemplo, oitiva de testemunhas) e,
portanto, mais célere o processo (evitando-se, por
exemplo, citação por precatória). É possível também
imaginar uma situação de litisconsórcio ativo, em que
seja mais conveniente para os autores – dentre os quais
um idoso – promoverem a demanda em outro foro que
não o do domicílio do idoso.
O professor Daniel Amorim Assumpção Neves
284
afirma
que se trata da única regra de competência territorial absoluta originada a partir de
critérios subjetivos e não objetivos. Para o ilustre autor não é possível dizer que a
tutela do idoso atender a todas a situações de interesse público. Como exemplo,
citou uma ação de usucapião em que o idoso tivesse domicílio localizado estranho
na INTERNET (“www.mundojuridico.com.br”), acesso em 03.1.2007.
284
Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 117-120. No mesmo
sentido: Fridie Didier Jr – “Curso de Direito Processual”, vol. 1, p. 112.
140
ao foro da situação do imóvel, não havendo indicação de que o interesse público
pudesse ser identificado no foro do domicílio. Além disso, colocou-se o problema da
vontade do idoso e a natureza absoluta da competência, o que implicava o
reconhecimento da inexatidão da regra. Por isso, deveria ser qualificada como uma
disposição de competência relativa para as ações individuais, subsistindo a
competência absoluta apenas para as demandas metaindividuais.
Entendemos, com a devida vênia, que a natureza da
competência estabelecida pela lei como absoluta não pode ser desprezada pelo
operador do direito. Isto é, não pode ser interpretada como regra de competência
relativa.
É cediço que as normas de competência absoluta são
determinadas pelo interesse público. Ora, ao optar pelo foro do domicílio do idoso, o
legislador disciplinou como de interesse público a inserção de tal regra de
competência. Cogitar-se de situações concretas e excepcionais em sentido
contrário traduz a confirmação da regra.
Na verdade, em outras situações de competência
absoluta também se pode imaginar uma situação concreta de desvantagem para os
litigantes. Uma ação que tenha como objeto o direito de propriedade de um imóvel
localizado em Campinas, mas que todos os litigantes residam em Santos. Pode-se
cogitar da necessidade de provas exclusivamente documental e oral, tornando-se
dispendiosa e inútil a tramitação da ação em Campinas. Ainda assim, por
determinação legal (art. 95 do CPC), presumindo-se o interesse público, não há
quem cogite uma solução distinta da tramitação da ação naquela comarca. Ou seja,
não se encontra quem defenda que se possa mitigar o alcance daquela norma de
competência
285
. Trata-se de competência absoluta, logo, passível de conhecimento
de ofício pelo juiz e improrrogável.
285
O professor Cândido Rangel Dinamarco – “Instituições de Direito Processual Civil”, vol. III, p.,
ensina: “A razão de ser da regra contida no art. 95 é a conveniência de decidir in loco os litígios
referentes aos imóveis, com melhor conhecimento das realidades fundiárias locais ou regionais,
facilidade para a realização de perícias, maior probabilidade de identificar e localizar testemunhas
etc. Além disso, a destinação dada aos imóveis pode ter repercussões na vida econômica ou social
141
Nesta linha, pensamos que a competência disciplinada
no artigo 80 do Estatuto do Idoso tem natureza absoluta. Nada há de estranho
nesta opção legislativa que adotou, como critério para a identificação do interesse
público e a administração da justiça, a fixação da competência pelo foro do
domicílio do idoso
286
. Pode-se discutir as conseqüências desta natureza e a
amplitude.
Como competência absoluta, a incompetência deve ser
reconhecida de ofício pelo juiz, não havendo lugar para a prorrogação. Significa
que, a qualquer tempo, por iniciativa própria ou por provocação da parte
287
, o juiz
poderá ordenar a remessa da ação ao foro do domicílio do idoso.
Questão intrigante é saber se a competência absoluta é
disponível. Isto é, pode o idoso optar por outro foro, como o do domicílio do réu ou
do evento danoso, abrindo mão da prerrogativa de foro?
A resposta da doutrina tradicional será negativa.
Reconhecida a natureza absoluta, tem-se que a cogência da norma impede a
disposição do direito
288
. Desta forma, o idoso é compelido a litigar no foro de seu
domicílio, sendo-lhe vedado optar por renunciar a este direito.
de uma localidade ou de uma região, o que constitui respeitável fundamento metajurídico da
competência ditada pelo art. 95”. Na mesma linha: a) Daniel Amorim Assumpção Neves
Competência no Processo Civil”, p. 70-72, b) Athos Gusmão Carneiro – “Jurisdição e
Competência”, p. 123-124, c) Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 171-
176.
286
Athos Gusmão Carneiro – “Jurisdição e Competência”, p. 240. O nobre jurista aceita a natureza
absoluta da competência, porque ela é ditada “em razão da pessoa”. Adverte que ela limita-se às
matérias tratadas no Estatuto do Idoso. No mesmo sentido: a) Celso Leal da Veiga Júnior e
Marcelo Henrique Pereira – “Comentários ao Estatuto do Idoso”, p. 103-104.
287
A provocação pode ser feita a qualquer tempo e prescinde da oferta de exceção de
incompetência.
288
Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 249-253.
142
Pensamos que se possa flexibilizar a interpretação da
regra. Sem que se desfaça da natureza absoluta da competência, impõe-se
reconhecer que a regra tem como critério a qualidade da parte que participada da
demanda: pessoa idosa. O interesse público criou uma regra de competência
territorial absoluta, fugindo à usual natureza relativa daquela modalidade de
competência. Não se têm na competência territorial as dificuldades das outras
espécies. Ainda que cogente a norma, pode-se defender que o beneficiário da
norma poderá, em alguma medida, exercer a disponibilidade do direito.
Por exemplo, quando se define a competência em função
da matéria, ou quando ela é funcional, a modificação da competência pode ter
reflexos muito importantes – deslocando-se a causa para uma Justiça especializada
(para a Justiça Federal nas causas de direito indígena
289
) ou para outro nível
hierárquico de jurisdição (competência do tribunal no caso de recursos).
Todavia, quando se trata de uma competência territorial,
pode-se argumentar que, se ela for adotada pelo critério da qualidade da pessoa,
sem que implique qualquer deslocamento para outro grau de jurisdição (para o
tribunal) ou para um órgão de Justiça distinta, o beneficiário da norma poderá abrir
mão do seu direito. Somente ele.
A opção será cabível, enquanto autor, no momento do
ajuizamento da demanda. Neste passo, não há maior dificuldade para o
enfrentamento do problema. Se o idoso for autor de uma ação e optar pelo
ajuizamento em foro distinto do seu domicílio, tem-se que renunciou à prerrogativa
dada pela lei. A renúncia pode ser expressa ou tácita.
Nada impedirá que o juiz, diante do ajuizamento da ação
num foro diverso daquele em que se situa o domicílio do idoso, questione o autor
sobre a conveniência da providência. Confirmada pelo autor a sua opção e sem
289
Art. 109, XI da CF.
143
razões de interesse público ou de conveniência para a tutela de direitos do idoso,
não restará ao juiz outra medida a não ser reafirmar sua competência.
E como réu, na primeira oportunidade em que a
prerrogativa de foro acabar expressamente abordada. Neste passo, o assunto
assume maior complexidade. Sendo matéria de competência absoluta, não deve
ser exigida a formulação de uma exceção de incompetência. De início, deve ser
admitido que o réu idoso levante a incompetência absoluta, a qualquer tempo e
grau de jurisdição, por simples petição (art. 113 do CPC). Levantada a
incompetência absoluta pelo idoso, não restará alternativa senão remeter os autos
para o juízo competente. Contudo, se não levantar na primeira oportunidade,
deverá responder pelas custas judiciais do retardamento.
Ainda na posição de réu, poderá o idoso, se levantada a
incompetência pela parte contrária ou, mesmo pelo juiz de ofício, manifestar a
renúncia quanto à prerrogativa de foro. Declinando ele (idoso) as razões da
renúncia, caberá ao juiz aquilatá-las e decidir. Somente em situações excepcionais,
poderá o juiz negar-se a acolher a vontade do idoso. A excepcionalidade ocorrerá,
quando ficar claro que o deslocamento da competência apresentará conveniências
para o interesse público e à própria tutela dos direitos (coletivos ou individuais
indisponíveis) do idoso.
A diferença no tratamento das questões apresenta razão
de ser. Como autor, presumidamente, o idoso exerce o controle sobre a escolha do
foro de distribuição da ação. Por isso, admite-se até mesmo a manifestação tácita
de vontade, como forma de renúncia à prerrogativa do foro. Como réu, o idoso não
há participa da escolha do foro de processamento e julgamento da ação. Daí
porque se permitir a ele que somente como fruto de uma manifestação expressa
possa abrir mão da prerrogativa de foro.
Trata-se de uma hipótese excepcional de competência
absoluta com possibilidade de modificação – específica – pelo próprio interessado.
144
Os críticos mais afoitos não perceberão a diferença proposta no tratamento entre a
competência relativa e a competência absoluta, como proposto. Bastará verificar,
entretanto, que, no caso do idoso ser réu, dele não se exigirá uma exceção para
levantar a incompetência.
O que se propõe não é a simples transmudação da
natureza da competência prevista em lei. É preservar, numa interpretação
sistemática e apoiada nos princípios constitucionais, a natureza absoluta com uma
flexibilização que possa harmonizar-se com o interesse público e com a tutela do
idoso.
Uma segunda discussão soma-se àquela sobre a
natureza da competência e de igual importância: qual o alcance do artigo 80 do
Estatuto do Idoso? Em que ações o idoso terá foro privilegiado?
Há que identifique a amplitude a prerrogativa de foro,
exclusivamente a partir do artigo 79 do Estatuto do Idoso.
Neste sentido, colhe-se precedente do E. Tribunal de
Justiça de São Paulo, 10ª. Câmara de Direito Público, Agravo de Instrumento n.
556077.5/9-00, relator o Desembargador Torres de Carvalho, julgado em 31.7.2006,
destacando-se:
O art 80 do Estatuto do Idoso, LF n° 10.741/03 de 1-10-
2003, dispõe que “as ações previstas neste Capitulo
serão propostas no foro do domicilio do idoso, cujo juiz
terá competência absoluta para processar a causa,
ressalvadas as competências da Justiça Federal e a
competência originária dos Tribunais Superiores” As
ações previstas no Estatuto estão descritas no art. 79:
145
“Art. 79 — Regem-se pelas disposições desta lei as
ações de responsabilidade por ofensa aos direitos
assegurados ao idoso, referentes à omissão ou ao
oferecimento insatisfatório de I — acesso às ações e
serviços de saúde, II — atendimento especializado ao
idoso portador de deficiência ou com limitação
incapacitante, III - atendimento especializado ao idoso
portador de doença infecto-contagiosa, IV — serviço de
assistência social visando ao amparo do idoso
“§ único — As hipóteses previstas neste artigo não
excluem da proteção judicial outros interesses difusos,
coletivos, individuais indisponíveis ou homogêneos,
próprios do idoso, protegidos em lei.
“O pedido deste processo, revisão de beneficio
previdenciário (pensão), não se enquadra em qualquer
dos incisos do art 79. Não é uma ação prevista nessa lei
e a ela não se aplica o art 80 do Estatuto. O fundamento
fica rejeitado.
Em precedente da 12ª. Câmara Cível do E. Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, Agravo de Instrumento nº 70016070773, relator o
Desembargador Orlando Heemann Júnior, julgado em , ficou explicitado o seguinte
entendimento:
“Não assiste razão ao recorrente, que confere
interpretação equivocada ao Estatuo do Idoso, dando-lhe
abrangência que não se verifica.
“O mencionado dispositivo (art. 80 da Lei 10.741/2003),
no qual se fundamenta a pretensão, refere-se
146
especificamente às ações previstas no Capítulo III, ou
seja, àquelas referentes à proteção judicial dos
interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis
ou homogêneos, elencadas no precedente art. 79, que
dispõe:
(...)
“Não é o caso dos autos.
“O recorrente busca a exibição de documentos fiscais da
empresa ré, quanto ao período em que era sócio (agosto
de 1966 a dezembro de 1976), com vista a possível e
futura demanda de revisão de aposentadoria.
“Logo, não se enquadra a demanda nas hipóteses em
que o domicílio do autor idoso é a regra de competência,
prevalecendo na espécie a regra geral do Código de
Processo, a definir o lugar da sede da empresa como
competente para processamento da ação.
Os dois precedentes servem para auxiliar no estudo
sobre a amplitude do alcance da prerrogativa de foro do idoso. Parece-me
adequado afirmar-se que não será em toda e qualquer ação. A proteção da lei não
atingiu todas as ações em que o idoso for parte, mas somente aquelas que têm
como objeto os direitos protegidos no Estatuto do Idoso.
O artigo 80 do Estatuto do Idoso circunscreve a
prerrogativa às ações previstas no capítulo da proteção dos interesses difusos,
coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis.
147
No Tribunal de Justiça de São Paulo, encontra-se
precedente da 5ª. Câmara de Direito Privado, Agravo de Instrumento n. 361101-4/0-
00, relator o Desembargador Marcus Andrade, julgado em 03.11.2004, destacando-
se os seguintes termos:
Inaplicável à espécie, ação de ressarcimento por dano
moral em face de idoso, o artigo 80, da lei 10.741, de 01
de outubro de 2003. Essa norma de competência
absoluta se limita aos feitos previstos no Capítulo I
atinente à proteção judicial dos interesses difusos,
coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos, que
incluam interesses de pessoas idosas. No caso, o
interesse do agravante é individual disponível e não se
encarta nas disposições do mencionado Capitulo.
“A competência para a ação proposta está, como
acertadamente estabelecido pelo MM. Juiz de Direito, no
parágrafo único, do artigo 100, do Código de Processo
Civil, que permite ao proponente selecionar o foro de seu
domicílio para a ação de reparação de dano sofrido em
razão de delito. Esta última palavra, por não sofrer
limitação legal, compreende, tanto o ilícito civil, como o
criminal. Doutro turno, o foro especial desse parágrafo
único, do artigo 100, secundariza o comum do artigo 94.
Nesta linha, ousamos divergir da linha de conclusão
adotada naqueles precedentes e que circunscrevem a prerrogativa de foro às ações
que tenham os objetos listados, no artigo 79 do Estatuto do Idoso.
Entendemos que a função daquele dispositivo legal é
expletiva. Reforça que, nas ações de responsabilidade com proteção às ações e
148
serviços de saúde, ao atendimento especializado (por deficiência, limitação
incapacitante ou doença infecto-contagiosa) e ao serviço de assistência social, o
idoso poderá valer-se da lei. Não restringe, mas apenas reitera uma proteção que é
qualificada pela lei como essencial.
Imaginar que todo o sistema de proteção judicial e
processual do Estatuto do Idoso se curvou a uma limitada gama de situações traduz
uma ilógica tutela do idoso e seus direitos. Por que a construção de toda uma
constelação de direitos e tutelas (material, administrativa, processual e penal), se
restrita a proteção judicial?
Por isso, entendemos que as disposições do Capítulo III
do Estatuto do Idoso devem ser compreendidas como incidentes na defesa de
todos os interesses e direitos protegidos pela Lei n. 10.741/2003.
Tanto é assim que, na forma do artigo 82 da Lei n.
10.741/2003, se colocou à disposição para a defesa dos direitos e interesses
protegidos pelo Estatuto do Idoso, todas as espécies de ação.
Para fins metodológicos, a análise será dividida em
direitos individuais indisponíveis e direitos coletivos (difusos, coletivos e individuais
homogêneos).
Em relação aos direitos individuais indisponíveis dos
idosos, deve-se analisar o alcance dos mesmos. Entendemos que a resposta está
no Título “II” do Estatuto do Idoso: os direitos fundamentais. São os direitos: a) à
vida, b) à liberdade, ao respeito e à dignidade, c) aos alimentos, d) à saúde, e) à
educação, cultura, lazer e esporte, f) à profissionalização e ao trabalho, g) à
previdência social, h) à assistência social, i) à habitação, l) ao transporte.
Sendo assim, sempre que uma discussão judicial lidar
com os direitos fundamentais de um idoso em particular, pode-se concluir que se
149
trata de um direito individual indisponível. E, dentre as várias conseqüências
jurídicas advindas pela natureza indisponível do direito, encontra-se a de que faz
ele jus à prerrogativa de foro.
Como se vê, com um leque vasto de direitos
fundamentais, há uma gama enorme de situações em que o direito em discussão
será indisponível. O intérprete deve ser cauteloso, para não qualificar como
disponível o direito que, pela qualidade de idoso da pessoa envolvida, assumirá a
natureza indisponível.
Nos direitos coletivos – difusos, coletivos e individuais
homogêneos – nem sempre será possível a identificação de um único “domicílio do
idoso”
290
. Não se descarta a possibilidade de que nas ações coletivas em defesa
dos idosos, exista uma pluralidade de domicílios.
Se todos residirem numa só comarca (ou seção judiciária
no caso de competência da Justiça Federal), será ali o foro competente. A lei
especial (Estatuto do Idoso) prevalecerá sobre a lei geral (Lei da Ação Civil
Pública).
A propósito, confira-se precedente do E. Tribunal de
Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento n. 394.304-5/6-00, 7ª. Câmara de
Direito Público, relator o Desembargador Milton Gordo, julgado em 20.6.2005, em
que se definiu a competência para processamento de uma ação civil pública pelo
endereço dos idosos (no caso a comarca de São Vicente) apesar do dano poder se
projetar para uma região (no caso viagens interestaduais), destacando-se:
290
Em relação aos chamados direitos coletivos – difusos, coletivos estrito senso e individuais
homogêneos – aplicam-se os conceitos previstos na Lei n. 8.078/90 (art. 81, parágrafo único). O
raciocínio desenvolvido é o mesmo aplicado para o consumidor, conforme item anterior.
150
O Ministério Público defende interesse dos idosos da
cidade de São Vicente, consubstanciado no ‘Estatuto do
Idoso’, que garante passagem gratuita e com desconto
no transporte de passageiros interestadual.
“Proclamou-se na decisão agravada a competência da
Comarca da Capital, com fundamento no art. 2°, da Lei
7.347/85 e 93, inciso II, da Lei 8.078/90.
“Subsiste, porém, no deslinde da questão, a regra
subsumida no ad. 80, do Estatuto do Idoso, assim
redigida:
‘As ações previstas neste Capítulo serão propostas no
foro do domicílio do idoso, cujo juízo terá competência
absoluta para processar a causa, ressalvadas as
competências da Justiça Federal e a competência
originária dos Tribunais Superiores’.
“Limitada a causa aos interesses do idoso de São
Vicente não se vê fundamento no afastamento da
competência da comarca dessa cidade.
“Isto posto, dá-se provimento ao recurso.
E se houver idosos em diversas comarcas (ou, ainda,
idosos em mais de um Estado), caracterizando-se uma situação de vários
domicílios?
151
Pensamos que a melhor solução será a aplicação do
artigo 2º da Lei 7.347/85. A competência deverá recair sobre o foro em que o dano
ocorreu ou possa ocorrer (dano iminente ou potencial)
291
.
Também não se descarta a preferência pelo domicílio do
legitimado (art. 81 do Estatuto do Idoso), quando houver benefício para a defesa
dos direitos coletivos. Por exemplo, o ajuizamento da ação coletiva no domicílio de
uma associação para proteção dos interesses e direitos dos idosos.
E se o dano se expandir por mais de uma comarca?
Deverá ser aplicado, por analogia, o disposto no artigo 93, I e II do CDC. O assunto
será discutido com maior profundidade, no item seguinte.
Por fim, vale ressaltar a discussão sobre a incidência do
artigo 80 do Estatuto do Idoso, na hipótese de mandado de segurança. Entendo
que o fato da competência para conhecimento do mandado de segurança definir-se
pela autoridade coatora pode ser harmonizado com aquela prerrogativa de foro do
idoso. Sendo federal a autoridade, o mandado de segurança será impetrado na
Justiça Federal. E se a autoridade for estadual, distrital ou municipal, o mandado de
segurança será impetrado na Justiça dos Estados ou do Distrito Federal
292
. A
definição do foro competente (comarca ou seção judiciária) será pelo domicílio do
idoso.
Em outras palavras, ressalvada a competência da
Justiças Federal (o que vale para Justiças Especializadas), dentro do âmbito de
incidência do Estatuto do Idoso, também no mandado de segurança deve haver
respeito à prerrogativa de foro do idoso.
Em precedente do E. Tribunal de Justiça, Apelação Cível
n. 419.364-5/9-00, 6ª. Câmara de Direito Público, relator o Desembargador Leme
291
No mesmo sentido: Wladimir Noaves Martinez – “Comentários ao Estatuto do Idoso”, p. 167.
292
Cássio Scarpinella Bueno – “Mandado de Segurança”, p. 40.
152
de Campos, julgado em 23.10.2006, fixou-se o entendimento de que, no mandado
de segurança, a competência é regida pela categoria da autoridade coatora, tem
natureza absoluta e se sobrepõe à prerrogativa de foro do idoso, destacando-se:
Deveras, consoante o entendimento pacificado no
Colendo Superior Tribunal de Justiça, a competência
para processar e julgar mandado de segurança define-se
de acordo com a categoria da autoridade coatora e pela
sua sede funcional, sendo tal competência de natureza
absoluta, improrrogável e passível de reconhecimento
ex-officio.
“Além disso, descabida a alegação do apelante sentido
da aplicação do artigo 80 da Lei n° 10 741/03 (Estatuto
do Ido tendo em vista que o direito pleiteado na presente
ação não se enquadra mencionados naquele diploma
legal.
“A fim de esclarecer a questão, pertinente a transcrição
dos artigos 79 e 80 da Lei n° 10 741/2003:
“...
“Com efeito, a pretensão ora deduzida não se refere à
defesa de interesses próprios dos idosos, mas, sim, a
direito próprio dos funcionários públicos (sexta-parte).
Conseqüentemente, inaplicável o disposto no artigo 80
do indigitado Estatuto, o qual dispõe acerca da
competência absoluta do Juízo do domicílio do idoso,
para as ações que objetivem a defesa dos interesses
desta categoria de pessoas Deve prevalecer, portanto, a
153
regra geral de competência para conhecimento do
mandamus.
“Desta maneira, se a autoridade apontada como coatora
situa-se em foro diverso daquele em que se deu a
impetração, com razão do douto magistrado ao
reconhecer a sua incompetência para apreciar o
mandamus, tendo em vista ser competência de natureza
absoluta.”
No precedente judicial estudado, a não aplicação do
Estatuto do Idoso não se dava pela falta de enquadramento do assunto ao
específico artigo 79 do diploma legal, mas sim pela não inserção como direito
tutelado naquele microssistema. Como bem observado, a lide dizia respeito a uma
parcela de remuneração do funcionário público do Estado de São Paulo (sexta-
parte), assunto estranho aos direitos fundamentais protegidos pelo Estatuto do
Idoso.
Importante salientar, todavia, que, se o mandado de
segurança dissesse respeito a uma violação ao direito à saúde perpetrado por
autoridade estadual e, ainda que referido direito estivesse fundamentado num
benefício concedido a ele pela sua condição de funcionário público, o idoso teria
direito à aplicação do Estatuto do Idoso.
Insista-se: a aplicação do Estatuto do Idoso dá-se, a
partir de um enquadramento direto ou reflexo – a interpretação deve ser ampliativa
e não restritiva - da situação fática ao catálogo de direitos expostos no
microssistema.
4.6. O consumidor-idoso e a prerrogativa de
foro. Diálogo das fontes.
154
A situação do consumidor-idoso é peculiar. Como dito
alhures, a figura do consumidor-idoso chama a atenção pela sua dupla
vulnerabilidade: a) o cidadão-consumidor e b) o cidadão-idoso. Certamente, numa
ação judicial suas dificuldades serão tanto mais intensas do que o cidadão comum
ou do que o consumidor adulto e não idoso. Não é difícil verificar a dificuldade de
locomoção, tornando mais penosos e custosos longos deslocamentos para a
contratação de advogado ou para comparecimento ao fórum (em audiências,
principalmente).
Se antes a discussão da prerrogativa de foro foi travada
isoladamente, a partir das figuras do “consumidor” e do “idoso”, agora o que se
pretende é verificar a incidência do instituto em relação ao consumidor-idoso.
CDC EI
101, I Art. 80
Art. 101. Na ação de responsabilidade civil
do fornecedor de produtos e serviços, sem
prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste
Título, serão observadas as seguintes
normas:
I – a ação pode ser proposta no domicílio d
o
autor”.
Art. 80. As ações previstas neste
Capítulo serão propostas no foro do
domicílio do idoso, cujo juízo terá
competência absoluta para processar a
causa ressalvada as competências da
Justiça Federal e a competência
originária dos Tribunais Superiores
”.
A primeira impressão é que o assunto não demandará
problemas: nas duas disposições legais, há previsão da prerrogativa de foro.
Todavia, um estudo mais atento sobre o tema logo nos revela uma sorte de
questões complexas.
155
A primeira delas: numa lide de consumo em que um dos
interessados seja um consumidor-idoso, a prerrogativa de foro será tratada como
matéria de competência absoluta ou de competência relativa?
Antes de solucionar a indagação formulada, cumpre
destacar, novamente, como se dará o diálogo das fontes. Em que medida devem
incidir as normas do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso?
Como destacado anteriormente, conforme magistério de
Cláudia Lima Marques
293
, no “diálogo” entre fontes, mais especificamente entre o
Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso, na integração entre as
normas dos dois diplomas legislativos, será utilizada aquela que for mais favorável
ao consumidor-idoso.
Logicamente, é importante advertir que nem toda
discussão de direitos do consumidor-idoso implicará a incidência do Estatuto do
Idoso. Somente quando a relação jurídica de consumo disser respeito aos direitos
tutelados também naquele legal: a) à vida, b) à liberdade, ao respeito e à dignidade,
c) aos alimentos, d) à saúde, e) à educação, cultura, lazer e esporte, f) à
profissionalização e ao trabalho, g) à previdência social, h) à assistência social, i) à
habitação, l) ao transporte. Naquela situação jurídica de direitos individuais
indisponíveis, o consumidor-idoso verá incidentes os dois diplomas legais: Código
de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso.
Entendemos que, sob o enfoque da proteção do
consumidor-idoso, a prerrogativa de foro deve ser considerada uma regra de
competência absoluta. O alcance de tal conclusão será o mesmo emprestado à
natureza absoluta prevista no artigo 80 do Estatuto do Idoso.
Nesta linha, tem-se, por exemplo, que a prerrogativa de
foro não poderá ser objeto de renúncia em contrato de adesão. Isto é, não poderá
293
Cláudia Lima Marques – “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, p. 185-186.
156
haver cláusula de eleição de foro em detrimento do direito do consumidor-idoso
fazer uso da prerrogativa de foro, o que se harmoniza com o disposto no parágrafo
único do artigo 112 do Código de Processo Civil
294
.
A propósito, colhe-se no Tribunal de Justiça de São
Paulo um precedente da lavra do Desembargador Francisco Loureiro, Agravo de
Instrumento n. 419.609-4/4-00, 4ª.Câmara de Direito Privado, julgado em
20.10.2005
295
, que analisou a questão de uma consumidora idosa que cedeu
crédito alimentar a uma empresa, aplicando-se, simultaneamente, a tese sufragada
no Superior Tribunal de Justiça para a nulidade da cláusula de eleição de foro que
dificulte a defesa e a tese da prerrogativa de foro do idoso, destacando-se:
“Cuida-se de agravo de instrumento, sem pedido de
concessão de liminar, interposto contra a decisão
copiada a f 49/52 dos autos, que rejeitou exceção de
incompetência, aforada com base em cláusula contratual
de eleição.
“Fê-lo a decisão atacada, sob o fundamento de que em
contrato de adesão a clausula de eleição de foro não
pode implicar demasiada dificuldade para a defesa.
Invocou, além disso, o artigo 80 do Estatuto do Idoso,
que assegura a competência absoluta do foro de seu
domicilio.
294
Art. 112, parágrafo único do CPC: “A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de
adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará a competência para o juízo de
domicílio do réu”. O parágrafo único foi introduzido pela Lei n. 11.280, de 16.2.2006, sufragando o
entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça (ver Revista do Superior Tribunal de Justiça
– RSTJ 113/157).
295
Embora o julgado não tenha feito referência direta ao Código de Defesa do Consumidor na
relação jurídica sob litígio, não se tem dúvida da natureza. Quem cede um crédito a uma empresa
que está no mercado de consumo justamente para adquirir, no âmbito de seus negócios, tais
direitos, está realizando um contrato de consumo. A menção à nulidade da cláusula em um contrato
de adesão foi adequada, principalmente porque se tratava de uma relação de consumo.
157
“Alega a recorrente, em resumo, o desacerto do
entendimento do MM Juiz de Primeiro Grau, porque não
versa a causa sobre direito indisponível, de modo que
inaplicável o artigo 80 do Estatuto do Idoso. Sustenta,
mais, que o foro de eleição deve prevalecer, porque
livremente pactuado pelas partes.
(...)
1. O recurso não comporta provimento. A decisão
atacada está correta e não merece qualquer reparo, por
mais de uma razão.
“2. Primeiro, porque, ao contrário do que consta do
recurso, o precatório de titularidade da autora, senhora
de sessenta e cinco anos residente em pequena cidade
do interior do Estado, descontado no negócio que se
pretende anular, tem natureza alimentar de modo que
não se encaixa na categoria de mero direito patrimonial
disponível, tanto assim que goza de privilégio na ordem
de recebimento.
“Disso decorre que perfeitamente aplicável o disposto no
artigo 80 do Estatuto do Idoso, que assegura
competência absoluta do foro do domicílio do idoso, para
o ajuizamento das ações que versem sobre direitos
individuais indisponíveis ou homogêneos.
“3. Segundo, porque foi o contrato elaborado pela pessoa
jurídica agravante e recebeu a adesão da senhora
agravada.
158
“Aplica-se, por conseqüência, toda a jurisprudência
tranqüila do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de
que “não prevalece o foro contratual de eleição se
configurado que tal indicação, longe de constituir-se uma
livre escolha, mas mera adesão a cláusula pré-
estabelecida pela instituição mutuante, implica em
dificultar a defesa da parte mais fraca, em face do ônus
que terá para acompanhar o processo em local distante
daquele em que reside e, também, onde foi celebrado o
mútuo” (RSTJ 129/212; no mesmo sentido, 134/346,
151/223, 153/351).
“Dizendo de outro modo, a regra do artigo 111 do Código
de Processo civil pressupõe perfeito equilíbrio entre as
partes contratantes e plena liberdade de escolha e de
compreensão da cláusula de eleição de foro, o que, a
toda evidência, não ocorreu no caso concreto (RSTJ
62/397; RT 653/87).
“Há sistemática rejeição de cláusulas de eleição que
constituem um obstáculo à parte adversa, dificultando-lhe
o comparecimento em juízo (REsp 41.540-3-RS, Relator
Costa leite; RSTJ 45/533; RSTJ 62/446).
“Difícil acreditar que senhora sexagenária tenha discutido
ou tomado plena ciência de cláusula que a obriga litigar a
mais de quatrocentos quilômetros de distância de seu
domicílio, dificultando sobremaneira a defesa de seus
direitos, que envolvem possível cessão abusiva de
crédito de natureza alimentar.”
159
4.7. O consumidor-idoso e a prerrogativa de
foro. Ações individuais.
As ações individuais serão analisadas, num primeiro
momento, em relação à posição do consumidor-idoso no pólo da demanda.
Observamos, mais uma vez, que, apenas se a relação jurídica de consumo versar
sobre os direitos - a) à vida, b) à liberdade, ao respeito e à dignidade, c) aos
alimentos, d) à saúde, e) à educação, cultura, lazer e esporte, f) à profissionalização
e ao trabalho, g) à previdência social, h) à assistência social, i) à habitação, l) ao
transporte – e caracterizados como direitos individuais indisponíveis, o consumidor-
idoso terá à sua disposição a aplicação dos dois diplomas legais: Código de Defesa
do Consumidor e o Estatuto do Idoso.
Como autor, entendemos que poderá ele valer-se ou não
da prerrogativa de foro. É ele consumidor-idoso quem fará a opção de litigar no foro
do seu domicílio, ou em outro foro que a lei processual lhe faculte (do local dos
fatos, do local dos danos, do domicílio do réu, etc.).
Como defendido anteriormente, não havendo menção
expressa na petição inicial sobre a renúncia à prerrogativa de foro, poderá o juiz
questionar a parte sobre o assunto. Não poderá simplesmente determinar a
redistribuição da ação, diante daquela prerrogativa. Insista-se: é ele consumidor-
idoso quem dirá se houve um equívoco na distribuição e solicitará, se o caso, a
redistribuição para o foro do seu domicílio.
Somente em situações excepcionais, em que ficar
evidente que a renúncia à prerrogativa de foro traduz manifesto prejuízo à defesa
dos direitos do consumidor-idoso em Juízo, poderá o juiz – mesmo contra vontade
da parte – ordenar a redistribuição da ação. A conveniência deve ser da parte e não
do advogado, de tal sorte que, se o juiz verificar que o depoimento pessoal do
consumidor-idoso será necessário, que a produção de provas no domicílio do idoso,
160
inevitável, poderá determinar a redistribuição. Não terá relevância o fato do
advogado possuir escritório no foro escolhido para a distribuição da ação.
Houve um interessante e recente precedente no E.
Tribunal de Justiça, Agravo de Instrumento n. 586.817—5/1—00, 10ª. Câmara de
Direito Público, relator o Desembargador Reinaldo Milluzzi, julgado em 13.11.2006,
em que o agravante buscou conjugar a aplicação do Estatuto do Idoso e do Código
de Defesa do Consumidor, destacando-se no relatório:
Trata-se de agravo de instrumento tirado contra a r
decisão copiada a fl. 73, que acolheu exceção de
incompetência oposta pela Fundação CESP e
determinou a remessa dos autos a uma das Varas Cíveis
da Comarca de São Paulo.
“Aduzem os agravantes que são aposentados,
domiciliados em Bauru, e propuseram ação de obrigação
de não fazer com pretensão à cessação dos descontos
indevidos em seu beneficio previdenciário, bem como a
devolução dos descontos já realizados. Alegam, em
síntese, que a Lei n° 10 741/03 (Lei do Idoso) inovou a
matéria relativa à competência, avocando para o
domicílio do idoso as ações em que este for parte, que
não se trata de competência relativa, e que existe uma
relação de consumo entre os agravantes e o agravado,
sendo que neste caso deve ser aplicada a regra do art
100, I, do CDC.
A solução do aludido recurso foi pelo reconhecimento da
aplicação do Estatuto do Idoso ao lado do Código de Processo Civil (art. 100, IV,
letra “d” do CPC) em favor do autor, mas não se enfrentou a questão da relação de
consumo, conforme destacado:
161
“Além disso, os autores são aposentados, domiciliados
na cidade de Bauru, e lá recebem aposentadoria do INSS
e uma suplementação da Fundação Cesp, assim como é
ali que satisfazem a obrigação. A pretensão deles é
suspensão dos descontos a título de devolução do
benefício revisão, bem como a devolução das diferenças
já descontadas e, se vencedores na ação, lá receberão o
benefício.
“Por conseguinte, para garantia do acesso à Justiça,
devem demandar em seu próprio domicílio.
“Vale dizer, os autores podem ajuizar a demanda em seu
domicílio, local onde a obrigação deve ser satisfeita,
razão pela qual cabe a aplicação extensiva do art 100,
IV, ‘d’, do CPC, regra especial que prevalece sobre a
regra geral da alínea ‘a’
“Neste sentido são os precedentes desta Corte, cuja
transcrição se faz pertinente:
‘PREVIDÊNCIA SOCIAL - Privada - Pensão -
Complementação — Propositura no foro de
satisfação da obrigação — Admissibilidade — Ação
de natureza previdenciária — Garantia do amplo
acesso à Justiça — Competência do domicílio do
segurado — Recurso provido — JTJ 259/3 60.’
‘COMPETÊNCIA — Previdência privada —
Suplementação de pensão — Cobrança —
Propositura no foro do domicilio do beneficiário —
Admissibilidade — Aplicação do artigo 100, inciso
162
IV, d, do Código de Processo Civil — Exceção de
incompetência — Rejeição — Recurso não provido
— JTJ 248/264.’
“Por fim, é ainda interessante que os autores, ora
agravantes, contam com mais de 60 anos de idade, são
pessoas de poucas posses e, desta maneira, e
igualmente cabível, por extensão, a aplicação do art. 80
da Lei 10741/03.
“Ante o exposto, pelo meu voto dou provimento ao
recurso, para reconhecer a competência do Juízo da 5ª.
Vara Cível da Comarca de Bauru para processar e julgar
a ação”.
Entendemos que poderiam incidir no aludido conflito as
normas do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso. Primeiro,
porque está consagrada na jurisprudência a tese de que às entidades de
previdência privada aplicam-se as normas da Lei n. 8.078/90, conforme súmula 321
do Superior Tribunal de Justiça
296
. E segundo, porque se tratavam de consumidores
idosos discutindo descontos no complemento da aposentadoria, que configura
direito fundamental no Estatuto do Idoso (art. 29).
Oportuna a análise de outro precedente do Tribunal de
Justiça, Agravo de Instrumento n. 408.496-4/1, 4ª. Câmara de Direito Privado,
relator o Desembargador Maia da Cunha, julgado em 11.8.2005, reconhecendo-se
a prerrogativa de foro do consumidor-idoso, como autor, numa alusão exclusiva ao
Código de Defesa do Consumidor, destacando-se:
296
Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável
à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.
163
Insurge-se o agravante contra a r. decisão que, nos
autos da ação declaratória de nulidade de cláusula
contratual, manteve a competência da comarca em que
residem os autores, com base no Código de Defesa do
Consumidor, sustentando a agravante, em suma, que a
exceção de incompetência deveria ser acolhida porque o
foro competente é o do seu domicílio porque se trata de
relação civil não abrangida pelo Código de Defesa do
Consumidor.
“Este é o relatório.
“O recurso não merece provimento.
“Agiu acertadamente o digno Magistrado prolator da r.
decisão agravada ao rejeitar a exceção de incompetência
do juízo porque se trata de relação de consumo a compra
e venda de imóveis, circunstância que deve ser
interpretada dentro do sistema protetivo do Código de
Defesa do Consumidor, dentre os quais aquele em que
se deve facilitar a sua defesa em juízo.
“É pacífica a jurisprudência no sentido de que a regra
geral de competência não prevalece sobre a regra
específica de proteção ao consumidor no que tange à
facilitação da defesa que lhe dá o direito de acionar ou
ser acionado no foro do seu domicilio, O acolhimento da
pretensão da agravante viola direito básico, do
consumidor, consistente na facilitação de defesa, tal
como estabelecido nos artigos 60, VII e 51, IV e XV, da
Lei n 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
164
“...
“Cabe anotar que o precedente trazido à baila pela
agravante é muito clara que a não incidência do Código
de Defesa do Consumidor, naquele caso, se dá pelo fato
de as partes terem contratado em igualdade de
condições (daí a ausência de fornecedor), fato não
ocorrido nestes autos em que os adquirentes são
pessoas simples e idosas e a vendedora
(fornecedora ) uma das maiores empresas do
mercado imobiliário do Estado.
“O fato é que, não obstante as razões recursais, a
demanda envolve relação de consumo e a facilitação da
defesa do consumidor em juízo determina a competência
do foro do domicílio do agravado.” (grifo e negrito
nossos)
O julgamento poderia utilizar-se da incidência conjunta
do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso. Importante salientar
que a discussão de um contrato de financiamento imobiliário para aquisição de
residência diz respeito ao direito de moradia do idoso, abrangido pelos direitos
fundamentais previstos no Estatuto do Idoso (art. 37 e 38).
E como réu, entendemos que a solução do consumidor-
idoso seja aquela já propugnada na incidência do artigo 80 do Estatuto do Idoso.
Sendo de natureza absoluta, a incompetência pode ser argüida, a qualquer tempo e
grau de jurisdição, por simples petição (art. 113 do CPC). Não se exige a exceção
de incompetência. Levantada a incompetência absoluta pelo consumidor-idoso, o
juiz dever ordenar a redistribuição da ação ao juízo competente – do foro do
165
domicílio do primeiro. Entretanto, se o consumidor-idoso não suscitar a matéria na
primeira oportunidade, deverá arcar com as custas judiciais pelo retardamento.
Se a incompetência absoluta for invocada pela parte
contrária ou, pronunciada pelo juiz de ofício, entendemos que haverá lugar para a
manifestação expressa do consumidor-idoso, como réu, quanto à prerrogativa de
foro.
Poderá o consumidor-idoso, enquanto réu, renunciar ao
direito, declinando as razões. Nesta hipótese, caberá ao juiz avaliá-las e decidir se
a manifestação de vontade deve ser considerada válida. Somente em situações
excepcionais, poderá o juiz rejeitar a renúncia à prerrogativa de foro.
Ou seja, entendemos que a solução do consumidor-idoso
seja aquela já propugnada na incidência do artigo 80 do Estatuto do Idoso. Sendo
de natureza absoluta, a incompetência pode ser argüida, a qualquer tempo e grau
de jurisdição, por simples petição (art. 113 do CPC). Não se exige a exceção de
incompetência. Levantada a incompetência absoluta pelo consumidor-idoso, o juiz
dever ordenar a redistribuição da ação ao juízo competente – do foro do domicílio
do primeiro. Entretanto, se o consumidor-idoso não suscitar a matéria na primeira
oportunidade, deverá arcar com as custas judiciais pelo retardamento.
Se a incompetência absoluta for invocada pela parte
contrária ou, pronunciada pelo juiz de ofício, entendemos que haverá lugar para a
manifestação expressa do consumidor-idoso, como réu, quanto à prerrogativa de
foro.
Poderá o consumidor-idoso, enquanto réu, renunciar ao
direito, declinando as razões. Nesta hipótese, caberá ao juiz avaliá-las e decidir se
a manifestação de vontade deve ser considerada válida. Somente em situações
excepcionais, poderá o juiz rejeitar a renúncia à prerrogativa de foro. Ou seja,
quando restar evidente que a modificação da competência apresentará
166
conveniências para o interesse público e à própria tutela dos direitos (coletivos ou
individuais indisponíveis) do consumidor-idoso.
A diferença no tratamento das questões apresenta razão
de ser
297
. Como autor, presumidamente, o consumidor-idoso exerce a livre opção
acerca do foro de distribuição da ação. Por isso, admite-se a validade até mesmo
da manifestação tácita de vontade – se o consumidor-idoso propôs a demanda fora
do seu domicílio, tem-se que renunciou tacitamente à prerrogativa de foro. Na
qualidade de réu, o consumidor-idoso não participa da escolha do foro de
processamento e julgamento da ação. Sendo assim, a ele deve ser permitido que,
por uma manifestação expressa - e não tácita - possa abrir mão da prerrogativa de
foro. Trata-se de uma hipótese excepcional de competência absoluta com
possibilidade de modificação – específica – pelo próprio interessado
298
.
A proposta de qualificação da prerrogativa de foro do
consumidor-idoso como regra de competência absoluta fundamenta-se, na
interpretação sistemática dos princípios constitucionais e direitos fundamentais,
ganhando relevância a proteção da dignidade da pessoa humana, do consumidor e
do idoso, bem como o acesso à Justiça. Também se baseia nos direitos básicos do
consumidor, em especial o acesso aos órgãos judiciários e a facilitação da defesa
dos seus direitos em Juízo. E, ao final, extrai-se dos direitos fundamentais do idoso,
sublinhando-se o acesso à Justiça com proteção judicial dos direitos difusos,
coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis. Harmoniza-se com o
interesse público e com a tutela do idoso.
A situação de pluralidade de domicílios não prejudica a
análise. Como autor, o consumidor-idoso pode escolher qualquer deles para
propositura da ação. Como réu, o consumidor-idoso pode ser demandado em
297
Como levantada para o próprio idoso, na aplicação do artigo 80 do Estatuto do Idoso.
298
Como dito anteriormente, os críticos mais afoitos não perceberão a diferença proposta no
tratamento entre a competência relativa e a competência absoluta, como proposto. Bastará verificar,
entretanto, que, no caso do consumidor-idoso ser réu, dele não se exigirá uma exceção para
levantar a incompetência.
167
qualquer dos seus domicílios, cabendo a escolha ao autor da ação
299
. Ainda no
caso do consumidor-idoso como réu, a escolha do foro do domicílio feita autor
(fornecedor) será passível de impugnação, nas hipóteses em que a opção se
revelar contrária à facilitação da sua defesa em Juízo.
Em outras palavras, nas ações em que o consumidor-
idoso seja réu e tendo ele mais de um domicílio, poderá o fornecedor escolher
qualquer deles para o ajuizamento da ação. Todavia, se a escolha recair sobre
domicílio que dificulte a defesa do consumidor-idoso em Juízo, poderá ele se
insurgir e solicitar a redistribuição da ação para outro domicílio. A análise levará em
conta o prejuízo de qualquer ordem: comparecimento da parte ao fórum para
depoimento pessoal, produção de provas oral e testemunhal, contratação de
advogado, etc.
Por fim, vale ressaltar a discussão sobre a incidência da
prerrogativa de foro do consumidor-idoso também na hipótese de mandado de
segurança individual.
Entendemos que o fato da competência para
conhecimento do mandado de segurança definir-se pela autoridade coatora pode
ser harmonizado com aquela prerrogativa de foro do consumidor-idoso
300
. Sendo
federal, o mandado de segurança será impetrado na Justiça Federal. E se a
autoridade for estadual, distrital ou municipal, o mandado de segurança será
299
Agravo de Instrumento n. 441.561-4/4-02, 4ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, relator o Desembargador Maia da Cunha, julgado em 13.7.2006, destacando-se:
Assim se afirma porque, embora correta a r decisão quanto a natureza diversa dos condomínios
horizontais e dos loteamentos, e processualmente mais ajustado, segundo a jurisprudência
dominante, que, possuindo o réu duplo domicilio, possa ser demandado em qualquer deles segundo
a regra do art. 94, § 1°, do Código de Processo Civil. E a regra processual permite a autora a
escolha de qual dos domicílios do réu prefere para o processamento da ação, segundo a sua
conveniência e oportunidade (Medida Cautelar n° 004 719, Rei Min.Pádua Ribeiro, DJ 02 04
2002).Além disso, forçoso convir que, podendo o autor optar por um dos domicílios do réu, faça-o,
como no caso, naquele em que situado o imóvel em razão do qual são cobradas as despesas objeto
da ação.” Pode-se dizer que houve respeito à prerrogativa de foro do consumidor-idoso, ainda que a
escolha do foro tenha sido diversa da sua vontade. Mas, na linha de pensamento desenvolvida, não
houve demonstração da consumidora que a cobrança das taxas da associação no foro do seu outro
domicílio (que coincidia com a localização do imóvel, no âmbito do loteamento em que os serviços
eram prestados) era prejudicial.
168
impetrado na Justiça dos Estados ou do Distrito Federal. A definição do foro
competente (comarca ou seção judiciária) será pelo domicílio do consumidor-idoso.
4.8. O consumidor-idoso e a prerrogativa de
foro. Ações coletivas.
No Código de Defesa do Consumidor, há uma disciplina
específica para as ações coletivas para a defesa dos interesses individuais
homogêneos, que teria projeção para todas as espécies de ações coletivas. É o que
se extrai do magistério de Ada Pellegrini Grinover
301
302
.
No Estatuto do Idoso, não há distinta norma para a
disciplina da competência no processamento e julgamento da demanda coletiva. Na
verdade, o artigo 80 do EI cuidou das ações previstas no próprio Capítulo III, isto é,
para “proteção judicial do interesse difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou
homogêneos”.
CDC LACP EI
Art. 93 Art. 2º. Art. 80
Art. 93. Ressalvada a
“Art.2º. As ações Art. 80. As ações previstas
300
A solução é a mesma encontrada para o idoso, conforme item anterior.
301
Ada Pellegrini Grinover – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos
autores do Anteprojeto”, p. 874.
302
Em sentido contrário, entendendo que o artigo 93 do CDC se refere apenas às ações de
responsabilidade civil para a defesa de interesses individuais homogêneos e defendendo a
aplicação da Lei n. 7.347/85 (art. 2º.) para os direitos difusos e coletivos: Motauri Ciocchetti de
Souza – “Ação Civil Pública – Competência e Efeitos da Coisa Julgada”, p. 110-116. E no sentido
defendido pelo autor, encontra-se o precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Agravo de
Instrumento n. 2005.00.2.005191-0, 4ª. Turma, relator o Desembargador Getúlio Moraes Oliveira,
julgado em 12.9.2005, destacando-se: “Ora, sob uma interpretação sistemática e teleológica dos
dispositivos legais pertinentes, infere-se que o artigo invocado é direcionado às ações coletivas de
responsabilidade civil, caso em que se afasta a regra prevista no art. 100, V, do CPC, que
estabelece a competência do lugar do ato ou fato, para se adotar como critério o local do resultado”.
169
competência da justiça federal, é
competente para a causa a justiça
local:
I – no foro do lugar onde ocorreu
ou dava ocorrer o dano, quando
de âmbito local;
II- no foro da Capital do Estado ou
no do Distrito Federal, para os
danos de âmbito nacional ou
regional, aplicando-se as regras
do Código de Processo Civil aos
casos de competência
concorrente”.
Art. 101. Na ação de
responsabilidade civil do
fornecedor de produtos e
serviços, sem prejuízo do
disposto nos Capítulos I e II deste
Título, serão observadas as
seguintes normas:
I – a ação pode ser proposta no
domicílio do autor”.
previstas nesta lei
serão propostas no
foro do local onde
ocorrer o dano, cujo
juízo terá competência
funcional para
processar e julgar a
causa”.
neste Capítulo serão
propostas no foro do
domicílio do idoso, cujo juízo
terá competência absoluta
para processar a causa
ressalvada as competências
da Justiça Federal e a
competência originária dos
Tribunais Superiores
”.
Como integrar as normas do Código de Defesa do
Consumidor, da Lei de Ação Civil Pública e do Estatuto do Idoso?
A variedade da disciplina normativa deve ser
interpretada, buscando-se um resultado que sirva de benefício do consumidor-
idoso, coletivamente considerado
303
. A solução deverá voltar-se para a consecução
303
Tanto que o artigo 83 do CDC preocupa-se em dotar o consumidor, individual ou coletivamente
considerado, de todas as ações possíveis. Nas felizes palavras do jurista Teori Albino Zavascki
Processo Coletivo – Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos”, p. 72: “A outorga de
170
do objetivo de concretização do princípio e direito fundamental de acesso à Justiça
e da materialização do direito básico de facilitação da defesa em Juízo dos direitos
coletivos do consumidor-idoso.
Nas ações coletivas – que tenham como objeto a
proteção de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos – nem
sempre será possível a identificação de um único domicílio do consumidor-idoso”
304
.
Acaso todos os consumidores idosos afetados pela ação
coletiva tenham domicílios numa única comarca (ou seção judiciária no caso de
competência da Justiça Federal), será ali o foro competente. E, como será visto
adiante, haverá concorrência de foros competentes, uma vez que o legitimado
poderá optar pelo foro do local dos danos – se distinto do foro dos domicílios dos
idosos.
O precedente já mencionado do E. Tribunal de Justiça de
São Paulo, Agravo de Instrumento n. 394.304-5/6-00, 7ª. Câmara de Direito
Público, relator o Desembargador Milton Gordo, julgado em 20.6.2005 ilustrou bem
a questão. O que definiu a competência para processamento daquela ação civil
pública foi o fato dos idosos possuírem endereço na comarca de São Vicente,
mesmo que se pudesse cogitar da projeção do dano para uma região além dos
limites territoriais daquele foro
305
.
meios processuais variados (“todas as espécies de ações”), com a cumulação das múltiplas formas
de provimento (“proteção, prevenção e reparação”), evidencia a intenção do legislador de dotar o
autor da ação civil pública de instrumentos com elevado grau de aptidão para obter tutela
jurisdicional a mais completa possível, segundo as circunstâncias de cada caso”.
304
Em relação aos chamados direitos coletivos – difusos, coletivos estrito senso e individuais
homogêneos – aplicam-se os conceitos previstos na Lei n. 8.078/90 (art. 81, parágrafo único). O
raciocínio desenvolvido é o mesmo aplicado para o consumidor e para o idoso, conforme itens
anteriores.
305
No caso, a discussão envolvia o direito dos consumidores idosos à gratuidade no transporte
interestadual.
171
E se os consumidores idosos afetados pela ação coletiva
tiverem domicílios em comarcas diferentes (ou, ainda, idosos em mais de um
Estado)?
Inicialmente, se do dano for local, pode-se cogitar que a
melhor solução será a aplicação do artigo 93, inciso I do Código de Defesa do
Consumidor, cuja redação é similar ao artigo 2º. da Lei n. 7.347/85
306
. Entendemos
que dano local é aquele que se circunscreve aos limites de uma comarca ou, que
pode atingir mais comarcas que não constituam região metropolitana e nem
configurem um alcance nacional
307
.
A competência deve recair sobre o foro da única
comarca em que o dano ocorreu ou possa ocorrer (dano iminente ou potencial). Por
exemplo, na hipótese de uma ação civil pública destinada à reparação de danos de
imóveis de recreio num loteamento destinado apenas aos consumidores idosos,
supondo-se que eles tenham domicílios em comarcas diversas. No exemplo,
considerando-se que o acidente de consumo tivesse sido causado por uma
empresa aérea, diante da queda de um avião e que os danos, atingido imóveis
todos localizados na comarca de Itatiba, a ação coletiva ali terá processamento e
julgamento.
E, se o dano se expandir por mais de uma comarca (ou
seção judiciária), como é feita a identificação do foro competente?
Se o dano se projetou para além de uma única comarca,
a competência é dada pela prevenção. Incidirá o disposto no parágrafo único do
306
Art. 2º. da Lei n. 7.347/85: “As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde
ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.
307
Neste sentido, o escólio de Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo
Civil”, p. 116, destacando-se: “Iniciemos nossa análise pelo que deve ser entendido como dano de
âmbito local. Parece-nos que nesse caso o dano não terá repercussão muito ampla, estando
limitado a produtos ou serviços que atingirão tão-somente pessoas residentes em determinado local.
Nesse caso, o artigo 93, I, do CDC indica o foro do lugar como competente, e assim o deverá ser.
172
artigo 2º. da Lei n. 7.347/85, tornando-se prevento o Juízo para quem a ação foi
distribuída em primeiro lugar
308
. Irrelevante que as comarcas atingidas pelos danos
estejam em mais de um Estado. Será prevento o Juízo do foro da comarca, a partir
da distribuição da ação.
De acordo com o disposto no artigo 93, inciso II do
Código de Defesa do Consumidor, se o dano for regional ou de âmbito nacional, a
competência será do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal.
Entendemos que âmbito regional diz respeito à “região
metropolitana” da Capital de um Estado, conforme dispuser a legislação estadual
309
.
Em outros termos, quando se fala em âmbito regional do dano, significa que, além
da comarca da Capital do Estado, outras comarcas da região metropolitana foram
atingidas
310
. Por exemplo, a competência de uma ação civil pública que tem como
fundamento um dano regional que atinge, além da comarca de São Paulo, as
No caso do dano atingir mais de uma comarca, a competência entre elas ser resolverá pelo
fenômeno da prevenção, ainda que as comarcas pertençam a diferentes Estados”.
308
Art. 2º., parágrafo único da Lei n. 7.347/85: “A propositura da ação prevenirá a jurisdição do Juízo
para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo
pedido”. Pensamos que no sistema do processo coletivo não se aplicam as regras dos artigos 106
ou 219 do CPC. A Lei de Ação Civil Pública disciplinou especificamente a questão e mencionou a
distribuição como critério para fixação da prevenção. Neste sentido: Gregório Assagra de Almeida
– “Direito Processual Coletivo Brasileiro”, p. 348. O assunto será abordado adiante, na parte de
conexão.
309
O artigo 25, parágrafo 3º. da Constituição Federal dispõe: “Os Estados poderão, mediante
legislação complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,
constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento
e a execução de funções públicas de interesse comum”. Nos termos do artigo 1º. da Lei
Complementar do Estado de São Paulo: “A Região Metropolitana da Grande São Paulo, nos termos
do artigo 164 da Constituição da República e da Lei Complementar federal nº 14, de 8 de junho de
1973, constitui comunidade sócio-econômico que abrange a área territorial dos seguintes
Municípios: São Paulo, Arujá, Barueri, Biritiba-Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuiba, Cotia,
Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha,
Guararema, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Juquitiba, Mairiporã,
Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra,
Santa Izabel, Salesópolis, Santana do Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São
Caetano do Sul, Suzano e Taboão da Serra.” Pela Lei Complementar Estadual n. 332, de 21.6.1983,
o município de Vargem Grande do Sul passou a integrar a Região Metropolitana de São Paulo.
310
Em sentido diverso, encontra-se a posição de Arruda Alvim – “Código de Defesa do Consumidor
Comentado”, p. 426. Para o ilustre professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, dano
local é aquele que transcender à área de uma dada comarca, enquanto circunscrito a um único
Estado da federação.
173
comarcas de Guarulhos, Santo André, São Bernardo, São Caetano e Diadema deve
ser processada e julgada, na comarca da Capital do Estado de São Paulo.
Diversamente, se atingidas duas ou mais comarcas fora
daquela região metropolitana da Capital, subsiste o âmbito local do dano
311
. Isto é,
não identificamos como regional o dano pelo simples fato de se projetar em mais de
uma comarca, ainda que integradas numa região metropolitana fora da Capital. Não
haveria sentido, se o dano fosse produzido – ou estivesse na iminência de sê-lo –
em comarcas fora da Capital do Estado, que a competência ficasse adstrita à
comarca da Capital.
O dano de âmbito nacional será aquele que se projeta
para mais de uma Capital dos Estados ou atinge o Distrito Federal e uma ou mais
Capitais dos Estados.
Nesta linha, em quaisquer das Capitais atingidas pelo
dano de âmbito nacional ou no Distrito Federal será promovida a ação coletiva,
conforme autorizada doutrina
312
e posição sedimentada no Superior Tribunal de
Justiça
313
.
311
No Estado de São Paulo, por exemplo, foi criada a Região Metropolitana de Campinas, Lei
Complementar Estadual n. 870, de 19.6.2000, abrangendo o agrupamento dos seguintes
Municípios: Americana, Arthur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra,
Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa
Bárbara D'Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo. Entendemos que se o
dano disser respeito a uma destas comarcas da Região Metropolitana de Campinas, o dano será
local, aplicando-se o artigo 93, inciso I do CDC. Qualquer das comarcas será competente para
processamento e julgamento da ação coletiva. Não haverá competência da comarca da Capital.
312
Neste sentido, na doutrina, confiram-se os magistérios: a) Luiz Antônio Rizzatto Nunes
Curso de Direito do Consumidor”, p. 742-745, e b) Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no
Processo Civil”, p. 577-578.
313
Por todos, confira-se Conflito de Competência n. 26.842-DF, relator o Ministro Waldemar Zveiter,
julgado em 10.10.2.001, DJ 05.8.2002, destacando-se: “A Eg. 2a Seção, quando do julgamento do
CC n° 17.532/DF, da Relatoria do Sr. Min. Ary Pargendler, manifestou entendimento no sentido de
que, segundo o art. 93, II, da Constituição Federal e, ressalvada a competência da Justiça Federal,
sendo o dano de âmbito regional ou nacional, a competência territorial será a de qualquer Capital.
De igual modo decidiu-se no CC n° 17.533/DF de que foi Relator o Sr. Min. Menezes Direito. No
caso em tela, depreende-se do aresto transcrito que o dano potencial é de "âmbito nacional". O
Distrito Federal no permissivo constitucional acima está como sinônimo de foro da Capital do
Estado, portanto, a competência é da Vara Especializada da Defesa do Consumidor de Vitória -
174
Observamos que são conhecidos os posicionamentos
diferentes de autorizada doutrina
314
315
e de alguns precedentes dos tribunais
316
,
consagrando a competência do foro do Distrito Federal, nos danos de abrangência
nacional.
Deles ousamos discordar. A opção do legitimado para a
ação coletiva entre o foro da Capital e do Distrito Federal encontra respaldo no
sistema normativo de proteção dos direitos metaindividuais do consumidor,
particularmente e com maior razão do consumidor-idoso.
O acesso à Justiça deve ser interpretado no sentido de
facilitar a defesa daquele que é duplamente vulnerável – consumidor-idoso – em
capital do Espírito Santo, o 2º suscitado, consoante, ainda, as razões do parecer da d.
Subprocuradoria-Geral da República.” No mesmo sentido: CC n. 39.883-CE, 3ª. Seção, relator o
Ministro Paulo Galotti, julgado em 08.9.2004, DJ 07.11.2005.
314
Ada Pellegrini Grinover – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – Comentado pelos
autores do Anteprojeto”, p. 878-879, destacando-se: “Sendo o dano de âmbito nacional, entendemos
que a competência deveria ser sempre do Distrito Federal: isso para facilitar o acesso à justiça e o
próprio exercício do direito de defesa por pare do réu, não tendo sentido que seja ele obrigado a
litigar na capital de um Estado, longínquo talvez de sua sede, por mera opção do autor coletivo. As
regras de competência devem ser interpretadas de modo a não vulnerar a plenitude da defesa e o
devido processo legal.”
315
Em sentido diverso, encontra-se a posição de Arruda Alvim – “Código de Defesa do Consumidor
Comentado”, p. 426. Para o ilustre jurista, como dito anteriormente, dano local é aquele que
transcender à área de uma dada comarca, enquanto circunscrito a um único Estado da federação.
Se o dano transcender para outro Estado da federação, ou tiver potencial para fazê-lo, será
classificado como dano nacional e a competência será do Distrito Federal. E seguindo a posição de
Arruda Alvim: Athos Gusmão Carneiro – “Jurisdição e Competência” – p. 187.
316
Por todos, confira-se precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Agravo de
Instrumento n. 9.290/97, 1ª. Turma, relator o Desembargador Eduardo Moraes de Oliveira, julgado
em 04.5.1.998, destacando-se: “Extrai-se do dispositivo legal acima transcrito que se o dano for de
caráter nacional, competente é o Distrito Federal, sem que haja concorrência de competência com
as Capitais dos Estados, não sendo hipótese de serem invocadas as regras gerais instituídas pelo
Código de Processo Civil. A intenção do legislador está voltada para os interesses do consumidor
que busca o Judiciário, via ações coletivas, para a defesa dos direitos individuais homogêneos.
Cumpre ressaltar que a interpretação dada ao dispositivo legal citado não macula o direito de defesa
constitucionalmente assegurado, por impedir que a pessoa jurídica venha a ser acionada em
capitais distantes da sua sede. Não ampara a pretensão da Excipiente o fato de que aqui não mais
mantém filiais ou representantes, prevalecendo as regras especiais fixadoras de competência da
ação civil pública.”
175
Juízo. Ora, se o legitimado fez uma opção, presume-se a mais adequada para a
defesa daqueles direitos.
O devido processo legal e o contraditório não são
reduzidos pelo fato do réu litigar na Capital do Estado, se comparado o fato do
processo tramitar no Distrito Federal. Até porque o rito será o mesmo. O
deslocamento do réu de uma ação coletiva para depoimento pessoal e as
dificuldades ou facilidades na produção de provas são elementos aferidos em cada
caso concreto e, por isso, não se alçam a fundamentos para uma suposição de
prejuízo para a defesa
317
318
.
A solução do artigo 93 do Código de Defesa do
Consumidor, mesmo cuidando de competência absoluta
319
, é admissível, se assim
for da opção do próprio legitimado da ação coletiva
320
.
317
Com a devida vênia, o argumento utilizado pela professora Ada Pellegrini Grinover de que
litigar no Distrito Federal é mais fácil para o réu do que, na Capital do Estado não se sustenta. Quem
garante que para o réu a Capital será mais longínqua do que o Distrito Federal?
318
E não há contradição naquilo que foi dito na nota anterior, se comparado com a argumentação
em favor da prerrogativa de foro do idoso ou mesmo do consumidor-idoso. Nestes casos, devido à
qualidade da pessoa – idosa – pode-se presumir a vulnerabilidade e as dificuldades para
deslocamentos e para produção de provas. O mesmo não acontece com a análise genérica do “réu”.
De que réu estamos falando? Uma multinacional com diversas fábricas e escritórios pelo Brasil terá
facilidades para deslocamentos e produção de provas em todas as Capitais do território nacional.
319
Ricardo de Barros Lionel – “Ações Coletivas: nota sobre competência, liquidação e execução”,
artigo inserido na Revista de Processo n. 132/36-39. Como assinala o autor, havendo concorrência
de foros, as dúvidas são dirimidas pela prevenção.
320
Merecem referência a posição de Moutari Ciocchetti de Souza - “Ação Civil Pública –
Competência e Efeitos da Coisa Julgada”, p. 101-116, que defende a aplicação do artigo 93 do CDC
apenas para a defesa dos interesses individuais homogêneos. Para o ilustre autor, o artigo 2º. da
LACP destina-se à tutela dos interesses metaindividuais (coletivos e difusos). Na mesma linha,
desenvolve-se a crítica de Elton Venturi – “A competência jurisdicional na Ação Coletiva”, artigo
inserido na obra coletiva “Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de
Processos Coletivos”, p. 96-113. Ousamos discordar dos ilustres autores, porque buscamos uma
interpretação harmônica entre os vários dispositivos normativos, de modo a possibilitar uma
proteção eficaz do consumidor-idoso. Por isso, defendemos a possibilidade de aplicação do artigo
93 do CDC para todas espécies de interesses coletivos e não apenas dos interesses individuais
homogêneos. Até porque, usualmente, uma ação de defesa dos interesses individuais homogêneos
pode apresentar como causa de pedir e pedido também – cumulativamente – a proteção de
interesses coletivos. O ilustre autor não resolve tal impasse. Todavia, reconhecemos a imprecisão
176
Isto é, não se descarta a preferência pelo domicílio do
legitimado, num conjugada incidência do artigo 101, I do Código de Defesa do
Consumidor e do artigo 80 do Estatuto do Idoso, quando houver benefício para a
defesa dos direitos coletivos dos consumidores idosos. Por exemplo, o ajuizamento
da ação coletiva no domicílio de uma associação para proteção dos interesses e
direitos dos consumidores idosos.
Explicando melhor. Quando se aplica o conceito de
consumidor por equiparação, na forma do artigo 2º., parágrafo único do CDC, tem-
se como consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que
haja intervindo nas relações de consumo”. A razão de ser daquele conceito é
justamente permitir a aplicação dos direitos básicos – de direito material e de direito
processual – em favor da coletividade de consumidores. A proteção legal existe
para todo os consumidores, tanto individual, como coletivamente considerados.
E, nas ações coletivas, a incidência do artigo 101, I do
CDC combinado com o artigo 80 do EI tem duas vertentes: a) domicílio dos
consumidores idosos, enquanto grupo que tem os domicílios de todos os membros
– ou da maioria deles - localizados em determinado foro ou b) sede e domicílio da
associação dos consumidores idosos. A opção é do autor da ação coletiva.
No mesmo sentido, confira-se a posição do professor
Luiz Antônio Rizzatto Nunes
321
, destacando-se:
Assim, interpretando-se sistematicamente o modelo
adotado na combinação do art. 93, I, com o art. 101, I,
tem-se que dizer que a competência para ajuizamento de
qualquer ação para apurar a responsabilidade do
legal dos termos “dano local”, “dano regional” e “dano nacional”, que é mantida nas várias versões
do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.
321
Rizzatto Nunes – “Curso de Direito do Consumidor”, p. 741-742.
177
fornecedor pelos danos causados na ação coletiva,
quando o dano for de âmbito for de âmbito local, é:
“a) do foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano;
ou
“b) no domicílio do autor.
“A escolha de “a” ou “b” é do autor, isto é, qualquer dos
legitimados do art. 82.
Sendo assim, na identificação dos foros competentes
para a incidência conjunta do Código de Defesa do Consumidor, da Lei de Ação
Civil Pública e do Estatuto do Idoso, haverá uma competência concorrente. Vale
dizer, nas ações coletivas para a defesa de direitos do consumidor-idoso, viabiliza-
se, abstratamente, a competência concorrente dos seguintes foros: a) do domicílio
do consumidor idoso e b) do local dos danos (que pode variar, a partir dos âmbitos
local, regional e nacional dos danos).
E, segundo magistério de Liebman
322
, “quando há mais
de um juiz competente, tem-se uma competência concorrente”. E, atualizada a lição
do nobre mestre italiano, tem-se que nada há de incorreto na identificação de
competências concorrentes, em abstrato
323
.
Insistimos: ao autor da ação coletiva cabe escolher em
qual foro a ação será distribuída no caso concreto. E, na hipótese de tramitarem
322
Enrico Tullio Liebman – “Manual de Direito Processual Civil”, p. 55. A competência é no
conceito do professor italiano a “quantidade de jurisdição”, rompendo-se com a tradicional noção de
“medida de jurisdição”, mas sem perder a abstração. Isto é, continua sendo um conceito abstrato. As
normas viabilizam a identificação de mais de um foro competente, quando abstratamente
consideradas. A escolha do foro competente é definida no caso concreto.
323
Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 272.
178
duas ou mais ações coletivas, caracterizando-se a conexão de demandas, a
solução resulta da prevenção, como será visto adiante.
É possível uma integração entre os artigos 93 e 101 do
CDC, o artigo 2º. da LACP e o artigo 80 do EI, numa perspectiva de ampliação da
tutela processual do consumidor-idoso, facilitando-lhe o acesso à Justiça com a
escolha maximizada para a propositura da ação coletiva: a) foro do domicílio do
legitimado (sempre), b) foro do domicílio dos idosos atingidos pela medida (sempre
e se possível sua localização num único foro), c) foro do dano, se local seus efeitos,
d) foro da Capital, se regional os efeitos dos danos e e) foro da Capital ou do
Distrito Federal, se nacional os efeitos dos danos.
Concluindo-se, também nas ações coletivas, o autor
pode valer-se do foro do domicílio do consumidor-idoso, nas duas vertentes: a)
domicílio dos consumidores idosos, enquanto grupo que tem os domicílios de todos
os membros – ou da maioria deles - localizados em determinado foro ou b)
domicílio da associação dos consumidores idosos.
4.9. O consumidor-idoso e a prerrogativa de
foro. Conexão de Ações.
A conexão de ações traduz importante fenômeno
processual e interfere na competência para o processamento e julgamento das
demandas.
Diz-se que duas demandas são conexas, quando há
entre elas uma identidade parcial dos elementos da ação, isto é, uma ligação das
partes, da causa de pedir ou do pedido (art. 103 do CPC).
179
Segundo magistério de Sérgio Shimura
324
, “podemos
conceituar a conexão como o vínculo entre duas ou mais ações, que leva à
modificação da competência, fazendo com que sejam conhecidas e decididas por
um mesmo juiz”.
E, como adverte Cândido Rangel Dinamarco
325
, a
dificuldade para determinar a medida da coincidência entre as causas de pedir para
fins de aferição da conexidade entre as causas aconselha o abrandamento do rigor
na identificação dos elementos da ação. O que importa é aferir a utilidade do
reconhecimento da conexão.
As ações conexas são reunidas por dois motivos,
conforme doutrina autorizada
326
. Primeiro, por economia processual, evitando-se
uma duplicidade desnecessária de atos processuais, em especial no campo da
produção de provas. E segundo, para não haver decisões contraditórias entre elas.
A ordem de reunião das demandas é proferida de ofício ou por provocação das
partes (art. 105 do CPC).
A conexão entre ações pode provocar uma modificação
da regra de competência relativa. Por isso, diz-se que a conexão dá ensejo à
prorrogação legal da competência
327
.
A reunião das ações conexas será obrigatória
328
, quando
o risco de decisões contraditórias se revelar evidente, intenso e indesejável. Deve
324
Sérgio Shimura – “Título Executivo”, p. 573.
325
Cândido Rangel Dinamarco – “Instituições de Direito Processual Civil”, Vol. II, p. 150-151.
326
Athos Gusmão Carneiro – “Jurisdição e Competência” – p. 103-104.
327
Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 156. Neste sentido:
Sérgio Shimura – “Título Executivo”, p. 571-573.
328
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery - Código de Processo Civil Comentado”, nota
“7” do artigo 105, p. 314, destacando-se: “Sendo a conexão matéria de ordem pública, o juiz é
obrigado a determinar a reunião de ações conexas para julgamento, nada obstante esteja
consignado na norma ora comentada que o juiz “pode ordenar”. O magistrado não pode examinar a
conveniência ou oportunidade da reunião, pois o comando emergente do CPC 105 é cogente: o juiz
180
haver, atuar, um critério de oportunidade
329
, para que o acesso à Justiça não fique
prejudicado em situações em que a reunião das causas conexas elimine o risco de
decisões conflitantes, mas produza um atraso muito grande na prestação
jurisdicional.
Ou seja, a regra é a obrigatoriedade da reunião das
ações conexas. A exceção situa-se na separação das causas conexas, quando a
redistribuição para um único Juízo acarrete um prejuízo muito grande para a
instrução ou para o tempo da prestação jurisdicional.
Como exemplo da exceção, basta mencionar a existência
de milhares de ações no Estado de São Paulo que discutiam a legalidade da taxa
de assinatura cobrada por uma fornecedora de serviços de telefonia móvel, todas
com mesmo réu e igual fundamento jurídico. A reunião daquele contingente de
ações num único Juízo produziria uma sentença igual para todos, eliminando-se o
risco de decisões contraditórias. Todavia, implicaria uma demora muito grande,
diante do volume de ações a serem reunidas.
Logicamente, também não há reunião das ações
conexas, se uma delas já estiver julgada. A respeito, consolidou-se a jurisprudência,
conforme súmula 235 do Superior Tribunal de Justiça:
A conexão não determina a reunião de processos, se
um deles já foi julgado”.
Porém, a identificação do foro competente ou do Juízo
competente é diferente para situações de competência absoluta ou mesmo para as
ações coletivas.
tem o dever legal, de ofício, de reunir as ações conexas para julgamento conjunto”. Em tom mais
flexível, confira-se Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 167-
172.
329
Hugo Nigro Mazzilli – “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 249.
181
Em outras palavras, se uma das ações conexas tem
competência de natureza absoluta, a definição do foro competente ou do Juízo
competente não será feita pela simples aplicação dos critérios do Código de
Processo Civil (art. 106 e 219 do CPC) como será visto adiante.
Para fins de exposição, a disciplina da conexão será
analisada separadamente nas seguintes situações: a) entre ações individuais, b)
entre ações coletivas e c) entre ações individuais e ações coletivas.
Conexão entre ações individuais.
De acordo com a regra do artigo 106 do Código de
Processo Civil, se as ações conexas tramitam em diferentes Juízos situados na
mesma comarca ou seção judiciária, a competência é fixada em favor daquele
Juízo que despachou em primeiro lugar
330
.
E, se as ações conexas tramitam em comarcas diversas,
a prevenção é determinada pela precedência da citação, nos termos do artigo 219
do Código de Processo Civil.
Contudo, se uma das ações individuais conexas tramita
em determinado foro ou Juízo pela natureza absoluta da competência, a reunião
das ações somente será possível se não houver impedimento a tanto. Isto é,
necessário que a identificação do foro ou Juízo não traduz ofensa à norma de
competência absoluta.
330
Conforme Sálvio de Figueiredo Teixeira – “Código de Processo Civil Anotado”, p. 92, entende-
se a locução “despachar em primeiro lugar” como “despacho que ordenou a citação”.
182
No caso sob exame, como visto anteriormente, a
prerrogativa de foro do consumidor-idoso reproduz uma norma de competência
absoluta, quando resulta do diálogo entre as fontes (CDC e EI).
Nesta situação, a reunião das ações somente poderá
ocorrer se não significar abandono ou prejuízo da aludida prerrogativa de foro em
favor do consumidor-idoso.
Dois exemplos podem auxiliar na explicação.
Primeiro exemplo: ações conexas que tramitam na
mesma comarca – foro do domicílio do consumidor-idoso.
O consumidor-idoso “A” promove ação contra o
fornecedor “B” no foro da comarca de Santos (SP), guiado pelo critério do seu
domicílio e visando discutir a nulidade de uma cláusula do contrato de assistência à
saúde (plano de saúde ou seguro saúde) e a condenação ao cumprimento de
obrigação de fazer consistente na cobertura do tratamento de uma doença. A ação
é distribuída para a 1ª. Vara Cível de Santos, com ordem de citação em 02.3.2007.
O fornecedor “B” promove uma ação contra o
consumidor-idoso “A” no foro da comarca de Santos (SP), guiado pelo critério do
local de cumprimento da obrigação, visando a rescisão do contrato. A ação é
distribuída para a 2ª. Vara Cível de Santos, com ordem de citação em 16.2.007.
No primeiro exemplo dado, não houve prejuízo para o
consumidor-idoso, porquanto as duas ações tramitam no foro do seu domicílio.
Mesmo considerada a natureza absoluta da competência, basta a fixação da
competência pela prevenção. A competência é definida pelo juízo que primeiro
ordenou a citação (art. 106 do CPC): no exemplo analisado, a reunião das ações se
dá na 2ª. Vara Cível de Santos.
183
Um segundo exemplo: ações conexas que tramitam em
comarcas diferentes, sendo que uma delas não é o foro do domicílio do
consumidor-idoso.
O consumidor-idoso “C” promove ação contra o
fornecedor “D” no foro da comarca de São Caetano (SP), guiado pelo critério do seu
domicílio e visando discutir a nulidade de uma cláusula do contrato de assistência à
saúde (plano de saúde ou seguro saúde) e a condenação ao cumprimento de
obrigação de fazer consistente na cobertura do tratamento de uma doença. A ação
é distribuída para a 1ª. Vara Cível de São Caetano, com a efetivação da citação em
12.3.2007.
O fornecedor “D” promove uma ação contra o
consumidor-idoso “C” no foro da comarca de Ribeirão Preto (SP), guiado pelo
critério do local de cumprimento da obrigação, visando a rescisão do contrato. A
ação é distribuída para a 2ª. Vara Cível de Ribeirão Preto, com a concretização da
citação em 26.2.007. Na contestação, o réu-consumidor alegou a conexão das
ações e a competência absoluta do Juízo da 1ª. Vara Cível de São Caetano,
apesar das datas da citação.
Uma análise apressada a partir do artigo 219 do CPC
conduz à identificação da prevenção do foro em que primeiro ocorreu a citação do
réu. Todavia, é preciso ter em mente que uma ação que tem como parte um
consumidor-idoso envolve a competência absoluta do foro do seu domicílio. Como
visto anteriormente, trata-se de um direito dele consumidor-idoso e que, como
regra, não pode ser afastado sem sua anuência ou benefício e fora de casos de
interesse público mais relevante.
Ou seja, o exame adequado da competência implica o
reconhecimento de que, diante da tramitação de ações conexas em foros diversos,
a natureza absoluta da competência impõe a reunião das ações obrigatoriamente
no foro do domicílio do consumidor-idoso, para evitar decisões conflitantes.
184
Irrelevante a data da citação, porque inaplicável a regra do artigo 219 do CPC. Na
feliz lição de Patrícia Miranda Pizzol
331
, “o juízo com competência absoluta atrai as
causas conexas, para julgamento conjunto
332
.
Em suma, o fato de um dos foros não ser competente
para apreciar a causa em que envolva o consumidor-idoso impõe a remessa da
ação conexa para o outro foro – aquele em que se situa o domicílio dele
consumidor-idoso, diante da competência absoluta – com o objetivo de reunião das
ações.
Conexão entre ações coletivas.
Situação igualmente complexa diz respeito à conexão de
ações coletivas. E, aqui, o exame se circunscreve à discussão da conexidade entre
ações coletivas – mais adiante será apreciada a hipótese de ligação entre ações
coletivas e ações individuais.
Observamos que a litispendência entre ações coletivas
também gera polêmica. O professor Rodolfo de Camargo Mancuso
333
esclarece que
há litispendência, se coincidentes a causa de pedir e o pedido das demandas
coletivas. Irrelevante que o autor seja diferente ou que as próprias ações tenham
nomenclatura diversa. Pode haver litispendência entre uma ação civil pública e uma
ação popular. Não se justifica a tramitação concorrente das ações coletivas,
impondo-se a extinção da segunda.
331
Patrícia Miranda Pizzol – “A Competência no Processo Civil”, p. 285. A ilustre autora cita um
precedente do STJ: REsp. n. 127.082-MG, 4ª. Turma, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira, julgado em 13.4.1.999, DJ 17.5.1.999.
332
Na mesma linha: Edward Carlyle Silva – “Conexão de Causas”, p. 196-200. O autor menciona a
existência de linha doutrinária que defende a suspensão do processo por prejudicialidade externa,
como forma de evitar a decisão contraditória. Porém, acaba aderindo à corrente que advoga a
reunião das ações, desde que exista risco de decisões contraditórias.
333
Rodolfo de Camargo Mancuso – “A concomitância entre ações de natureza coletiva” artigo
inserido na obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 166. No mesmo sentido: Arruda Alvim
Código do Consumidor Comentado”, p. 488.
185
Entretanto, como a litispendência não acarreta
propriamente a reunião das demandas, o estudo concentra-se na conexão –
aplicando-se à continência.
A doutrina menciona a insuficiência da disciplina da
conexão, a partir dos artigos 103 e 104 do CPC, que atinge também as ações
coletivas
334
335
.
A primeira dificuldade encontra-se no fato da
competência para conhecimento das ações coletivas ter natureza absoluta,
conforme previsão do artigo 2º. da Lei n. 7.345/85 e do artigo 93 do CDC
336
. Como
harmonizar as regras de conexão próprias à prorrogação da competência relativa?
Porém, mesmo assim, conforme magistérios de Rodolfo
Camargo Mancuso
337
, Daniel Amorim Assumpção Neves
338
e Cássio Scarpinella
334
Rodolfo de Camargo Mancuso – “A concomitância entre ações de natureza coletiva” artigo
inserido na obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 167, destacando-se: “A normação
componente do chamado microssistema processual coletivo (basicamente, Leis 4.717/65, 7.347/85
e 8.090/90) não fornece elementos suficientes para o trato seguro da concomitância das ações
assemelhadas ou repetidas, restando ao exegeta valer-se dos subsídios do Código de Processo
Civil, mas tendo presente o aviso de que o tratamento desses temas no Código de Processo Civil
existe em contemplação de jurisdição singular (conflitos intersubjetivos envolvendo interesse
pessoal das partes, titulares das posições afirmadas e resistidas) e então não se podem
transplantar, sic et simpliciter, aqueles elementos para ambiente processual bem diverso, como é o
caso da jurisdição coletiva, onde seu cuida de interesses metaindividuais, concernentes a sujeitos
indeterminados, sendo indivisível o objeto litigioso”.
335
Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 177. Além da
discussão da obrigatoriedade da reunião das ações, não há uma adequada previsão para a conexão
entre processo de conhecimento e processo de execução, ou como lidar com a prejudicialidade
externa (causa de suspensão ou conexão?). As dificuldades projetam-se também para as ações
coletivas.
336
Em relação ao artigo 93 do CDC, há polêmica na doutrina. Hugo Nigro Mazzilli – “A Defesa dos
Interesses Difusos em Juízo”, p. 267-268 entende ser relativa. Os professores Ada Pellegrini
Grinover – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do anteprojeto”,
p. 879-880 e Rodolfo de Camargo Mancuso – “Comentários ao Código de Proteção do
Consumidor”, p. 319-323 defendem a natureza absoluta. Parece-nos que a natureza da
competência é absoluta, porquanto define a competência pelo critério funcional (uma das
modalidades de competência absoluta), embora se utilize do território para sua identificação.
337
Rodolfo de Camargo Mancuso – “A concomitância entre ações de natureza coletiva” artigo
inserido na obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 166-170.
186
Bueno
339
pode haver incidência da conexão às ações coletivas. Não se trata de
tornar um Juízo incompetente em competente, mas de identificar a prevenção
340
.
Qual dos foros ou juízos competentes é o que deve reunir as ações conexas,
visando o processamento e o julgamento conjuntos.
O parágrafo único do artigo a Lei n. 7.347/85 disciplina a
prevenção nas ações coletivas, in verbis:
A propositura da ação prevenirá a jurisdição do Juízo
para todas as ações posteriormente intentadas que
possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo pedido”.
Como dito anteriormente, entendemos que, no sistema
do processo coletivo, não se aplicam as regras dos artigos 106 ou 219 do CPC.
Definitivamente, a citação deixa de ser um critério utilizado na aferição da
prevenção.
A Lei de Ação Civil Pública disciplinou especificamente a
questão e mencionou a propositura da ação como critério para fixação da
prevenção
341
.
338
Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 177-178.
339
Cássio Scarpinella Bueno – “O Poder Público em Juízo”, p. 148-156. O ilustre autor afirma que
a conexão significa mais do que a disciplina trazida pelo CPC. Na verdade, diante da modificação do
parágrafo único do artigo 2º. da Lei n. 7.347/85 (e do parágrafo 5º. do artigo 17 da Lei n. 8.429/92),
forçoso reconhecer a possibilidade de modificação da alteração de uma competência absoluta em
razão de conexão de causas. E vai além, para sustentar que na ação de improbidade e na ação civil
pública a conexão é fundamento para a obrigatória – e não facultativa – reunião das ações pelo juiz.
Somente se uma delas já estiver julgada, não há espaço para a reunião das demandas.
340
Como salienta Ricardo de Barros Leonel – “Manual do Processo Coletivo”, p. 217, “não
obstante o caráter coletivo da competência territorial funcional, existindo mais de um juízo
competente, a prevenção será o critério para a solução do impasse”.
341
Neste sentido: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria De Andrade Nery - “Constituição Federal
Comentada e Legislação Constitucional”, p. 483-484, Rodolfo de Camargo Mancuso – “A
concomitância entre ações de natureza coletiva” artigo inserido na obra coletiva “Direito Processual
Coletivo”, p. 171, Hugo Nigro Mazzilli – “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 271, Daniel
187
Pode-se dizer que a ação é considerada proposta, na
forma do artigo 263 do CPC
342
, nos seguintes termos: a) se a comarca ou seção
judiciária tem apenas uma Vara, na data do despacho que ordena a citação e b) se
na comarca tem mais de uma Vara, na data da distribuição.
Importante salientar que o critério da propositura da ação
pode ser utilizado em qualquer modalidade de ação coletiva. Na ação de
improbidade (art. 17, par. 5º., da Lei n. 8.429/1992) e na ação popular (art. 5º., par.
3º., da Lei n. 4.717/65), há expressa disposição sobre o tema. Pode haver conexão
entre as várias espécies de ações coletivas
343
.
Em relação ao mandado de segurança coletivo e às
demais ações para a tutela dos direitos coletivos
344
, entendemos que pode ser
aplicado o mesmo critério para a identificação da prevenção.
A propositura de várias ações coletivas traduz uma
realidade, embora possa causar perplexidade. A variedade de foros competentes
decorre das diversas disposições normativas sobre competência, viabilizando o
ajuizamento de demandas: a) no local dos danos, b) no domicílio do consumidor-
Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 195-196 e Gregório Assagra
de Almeida – “Direito Processual Coletivo Brasileiro”, p. 348.
342
A respeito: Cássio Scarpinella Bueno – “O Poder Público em Juízo”, p. 155-156.
343
Sobre as diversas ações coletivas, confira-se a nota seguinte. Além disso, colhe-se o magistério
de Ada Pellegrini Grinover – “A Marcha do Processo”, p. 403-411, reconhecendo-se a
possibilidade de conexão entre ação popular e ação civil pública, pela identidade parcial da causa
de pedir e dos pedidos formulados.
344
O professor Sérgio Shimura – “O papel da associação na ação civil pública”, p. 151 ensina que
a tutela dos direitos coletivos pode ser feita por várias ações, frisando que “enquadrar-se-iam, por
exemplo, nesse espaço, a ação popular, o mandado de segurança coletivo (art. 5º,LXX, CF), a ação
civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), a ação direta de
inconstitucionalidade e a ação direta de constitucionalidade (art. 102, I, ‘a’, e §§ 1º e 2º ; art. 103 e
§2º , CF; Leis 9.868/99 e 9.882/99), mandado de injunção (art. 5º , LXXI, CF) e a própria ação civil
pública.”
188
idoso (mesmo coletivamente considerado), c) na Capital do Estado ou no Distrito
Federal. Há uma concorrência de competência
345
.
A função da prevenção é definir em qual dos foros e
Juízo as ações coletivas devem ser reunidas. Cabe verificar qual das ações
conexas foi proposta em primeiro lugar.
O estudo pode ainda ser ampliado e problematizado.
Se todas as ações cuidarem de interesses e direitos
coletivos (difusos, coletivos e individuais homogêneos) do consumidor-idoso, não
há problema na aplicação da prevenção. Incide a prevenção pela anterioridade na
propositura da demanda.
Porém, e se uma das ações coletivas cuidar de
fundamento distinto, mas igual pedido? Há conexão? Como definir a prevenção?
Mais uma vez, os exemplos podem tornar mais fácil a
análise.
Primeiro exemplo: duas ações envolvendo a
responsabilidade civil do fornecedor por um acidente de consumo que tenha apenas
consumidores idosos como vítimas.
Suponha-se que uma ação coletiva promovida pela
Associação dos Aposentados de Ribeirão Preto tenha como fundamento a
responsabilidade civil objetiva do fornecedor por um acidente de consumo ocorrido
num estabelecimento comercial “G” localizado na cidade de São Paulo, baseando-
se no CDC e no EI e formulando-se pedido de indenização dos danos materiais e
345
Sobre o tema, confira-se o precioso magistério de Aluisio Gonçalves de Castro Mendes
Ações Coletivas”, p. 229-230, esclarecendo que a concorrência de competência de vários
órgãos judiciais não causa problema de falta de competência, pois todos são competentes. A
fixação da competência se dá pela prevenção.
189
dos danos morais. A ação foi promovida na comarca de Ribeirão Preto, sede da
aludida associação e domicílio de todos os idosos prejudicados no acidente de
consumo. A ação foi proposta, em 13.3.2007, sendo distribuída para a 2ª. Vara
Cível de Ribeirão Preto.
E tome-se, ainda, uma outra ação coletiva, desta feita
ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo e que também seja fundada na
responsabilidade do fornecedor pelo acidente de consumo ocorrido no mesmo
estabelecimento comercial “G” localizado na cidade de São Paulo, baseando-se no
CDC e formulando-se pedido de indenização dos danos materiais e dos danos
morais em favor dos aludidos consumidores idosos. A ação foi promovida, em
14.2.2007, sendo distribuída para a 10ª. Vara Cível do Foro Central.
Entendemos que as duas ações são conexas. Além da
identidade de réus, o pedido de indenização é comum. Apesar da fundamentação
mais ampla da ação promovida em Ribeirão Preto, é fato que apenas consumidores
idosos foram atingidos no acidente de consumo.
A prevenção resolve-se pela primazia da propositura da
demanda?
É verdade que, no exemplo dado, pode-se indagar sobre
a prerrogativa de foro do consumidor-idoso. A norma – de natureza absoluta – que
dispõe sobre a utilização daquele foro não restou violada pelo ajuizamento da ação
no foro do local dos danos?
Na situação examinada, nos parece que, sem embargo
da aparente concorrência de foros competentes, deve prevalecer aquele que facilite
a defesa do consumidor-idoso em Juízo. A regra do artigo 80 do EI deve sobrepor-
se às demais regras do CDC e da LACP. Observamos que o caso é de interesse
exclusivo de consumidores idosos.
190
Em outros termos, afasta-se a regra do artigo 2º.,
parágrafo único, da LACP e aplica-se o artigo 80 do EI, se o domicílio do
consumidor-idoso, coletivamente considerado, traduzir-se como foro capaz de
facilitar a defesa dos seus direitos em Juízo com a exclusão dos demais. A
concorrência de foros competentes cede lugar à escolha de um único foro como
competente.
Concluindo-se, no exemplo dado, deixa de ter
importância a anterioridade na propositura da ação e a solução do problema pela
prevenção, mas adota-se a identificação de um único foro competente pelo
domicílio do consumidor-idoso, coletivamente considerado. O direito do
consumidor-idoso é a raiz para a fundamentação adotada, até porque não se
contrapõe a outro interesse público.
Segundo exemplo: duas ações envolvendo a
responsabilidade civil do fornecedor por um acidente de consumo que tenha
consumidores de todas as idades como vítimas.
Suponha-se que uma ação coletiva promovida pela
Associação dos Aposentados de Santos tenha como fundamento a
responsabilidade civil objetiva do fornecedor por um acidente de consumo ocorrido
num estabelecimento comercial “H” localizado na cidade de São Vicente, baseando-
se no CDC e no EI e formulando-se pedido de indenização dos danos materiais e
dos danos morais. A ação foi promovida na comarca de Santos, sede da aludida
associação e domicílio de todos os idosos prejudicados no acidente de consumo. A
ação foi proposta, em 14.3.2007, sendo distribuída para a 1ª. Vara Cível de Santos.
E tome-se, ainda, uma outra ação coletiva, desta feita
ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo e que também seja fundada na
responsabilidade do fornecedor pelo acidente de consumo ocorrido no mesmo
estabelecimento comercial “H” localizado na cidade de São Vicente, baseando-se
no CDC e formulando-se um pedido de obrigação de fazer consistente no reparo
191
dos prédios atingidos no evento danos e também um pedido de indenização dos
danos materiais e dos danos morais em favor de todos os consumidores - não
apenas os idosos, mas de todas as idades. A ação foi promovida, em 16.2.2007,
sendo distribuída para a 3ª. Vara Cível de São Vicente.
Entendemos que, no segundo exemplo, há competência
concorrente (absoluta) tanto para justificar a propositura da demanda em Santos
(domicílio dos idosos), como de São Vicente (local dos danos). Não há razão,
todavia, para a prevalência do interesse do consumidor-idoso sobre os demais
consumidores. Por isso, entendemos que deve ser aplicada a regra geral do artigo
2º., parágrafo único da Lei n. 7.347/85: antecedência da propositura da ação.
Em suma, pode-se afirmar que na hipótese de ações
coletivas que envolvam interesses e direitos diversos, para além do interesse do
consumidor-idoso, alcançando um universo maior de consumidores ou atingindo
outros bens e direitos coletivos (meio ambiente, cultura, história, lazer, etc.), não se
pode, como regra, privilegiar um interesse. Daí porque a regra geral, diante da
conexão de ações coletivas, é a incidência do artigo 2º., parágrafo único da Lei n.
7.347/85: antecedência da propositura da ação.
Conexão entre ações coletivas e ações individuais.
Por último, relevante cuidar da ligação entre as ações
coletivas e as ações individuais. Há conexão entre uma ação coletiva e uma ação
individual? É viável a reunião de ações coletivas e ações individuais para um
julgamento conjunto?
O professor Rodolfo de Camargo Mancuso
346
leciona que
o próprio legislador adiantou-se em reconhecer que inocorre litispendência entre
ação coletiva e os pleitos individuais (art. 104 do CDC), afirmação que tem claro
propósito pedagógico, já que, claramente, naqueles dois planos não coincidem os
346
Rodolfo de Camargo Mancuso – “Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada”, p. 489.
192
tria eadem (partes, pedido, causa), e, por isso não se poderia, mesmo, falar em
litispendência”.
Como acentua Daniel Amorim Assumpção Neves
347
, é
possível a verificação do fenômeno da conexão entre as ações coletivas e as ações
individuais. Apesar da diversidade do pólo ativo, é possível haver coincidência dos
réus e identidade – parcial – da causa de pedir. A visão flexibilizada do artigo 103
do CPC permite tal conclusão.
Todavia, o mesmo autor admite que a existência de
conexão não produz o efeito da reunião dos processos
348
. Reconhece ele que é
impróprio e inconveniente defender-se aquela medida, diante da complicada tarefa
de identificar o foro e o Juízo competentes e também pelo prejuízo advindo para os
autores individuais.
Entendemos que as normas de competência das ações
individuais e das ações coletivas apresentam critérios não totalmente coincidentes.
Nas ações individuais, prevalece sempre o direito básico do consumidor individual
ver facilitada a defesa dos seus interesses em Juízo (art. 6º, VI e VII, 101, I, ambos
do CDC), o que se traduz pela adoção da prerrogativa de foro. Nas ações coletivas,
prevalece a defesa do interesse coletivo dos consumidores em Juízo (art. 6º., VI e
VII, 93 e 101, I, todos dos CDC), que pode redundar na concorrência de
competência do foro do domicílio do consumidor (coletivamente considerado) e do
foro do local dos danos.
A diferença entre os critérios de definição da
competência tem razão na adequação à tutela do consumidor. Isto é, a tutela
347
Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 178.
348
Daniel Amorim Assumpção Neves – “Competência no Processo Civil”, p. 178-179, citando os
magistérios de Ricardo de Barros Lionel e de Antônio Gidi. No mesmo sentido: Hugo Nigro Mazzilli
– “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 249.
193
processual é distinta para o consumidor individual, se comparada com o
consumidor coletivamente considerado.
Como alerta o jurista Rodolfo de Camargo Mancuso
349
, a
lide coletiva” é diferente da “lide individual”. Na ação coletiva, o pedido visa a tutela
de um direito superindividual e indivisível. Na ação individual, o pedido refere-se a
um direito individual e divisível.
A reunião de ações individuais e de ações coletivas
implica na violação de direitos individuais dos consumidores que forem compelidos
a litigarem em foro diverso do domicílio dos mesmos. No lugar de facilitar a defesa
do consumidor em Juízo, a decisão judicial cria uma dificuldade.
Nem se diga que a reunião das ações produz o desejável
efeito de uma igual solução para todos conflitos. O custo para uma solução
homogênea é tão grande que significa a própria negativa da Justiça. Pode ser tão
demorado e complicado processar todas as ações individuais e ações coletivas
num único Juízo, que o resultado é extremamente contraproducente para a
prestação jurisdicional.
Em temas com repercussão nacional pelo número
estrondoso de ações individuais, a homogeneização termina por ocorrer em fase
recursal, ou mesmo nos tribunais superiores. No Supremo Tribunal Federal, em
matéria constitucional. No Superior Tribunal de Justiça, em matéria de lei federal.
A respeito, colhe-se o voto do nobre Ministro Francisco
Falcão, no conhecido julgamento sobre a competência para julgamento das
demandas que envolvem a discussão da legalidade da cobrança pelas
concessionárias de telefonia fixa da “taxa de assinatura”, Conflito de Competência
n. 48.106-DF, julgado em 14.9.2005, DJ 05.6.2006
350
, destacando-se:
349
Rodolfo de Camargo Mancuso – “Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada”, p. 490.
194
No que concerne aos feitos de natureza individual, o
mesmo entendimento, contudo, não pode ser adotado,
em razão da dificuldade que se criaria a cada consumidor
de se deslocar de seu domicílio ao Foro do Distrito
Federal.
“Tal conclusão se reforça por meio do disposto no artigo
6º, incisos VII e VIII, do Código de Defesa do
Consumidor, que prega o acesso do consumidor aos
órgãos judiciários, assim como a facilitação da proteção
de seus interesses.
“Por sua vez, o artigo 101, inciso I, do CDC possibilita ao
autor-consumidor a propositura do feito contra o
fornecedor em seu domicílio.
Portanto, a fim de atender aos interesses da parte
hipossuficiente na causa, no caso o consumidor, é que
se justifica a competência do foro do domicílio dos
autores, para o processamento e o julgamento das ações
individuais.
“Nesse diapasão, confira-se o seguinte precedente,
litteris :
"Processo civil. Competência. Ação de indenização
em decorrência de recusa de pagamento de
indenização acordada em contrato de seguro de
vida celebrado com fundação pública federal.
350
No mesmo sentido: Conflito de Competência n. 47.731-DF, julgado em 14.9.2005, DJ 05.6.2006.
O caso emblemático da Justiça brasileira alcançou números impressionantes de ações individuais –
basta citar que somente no Juizado Especial Cível de Santo Amaro, na comarca de São Paulo (SP),
foram ajuizadas mais de 10 (dez) mil.
195
Justiça Federal. Relação de consumo. Dificuldade
dos beneficiários em acompanhar o processo no
Distrito Federal. Acesso à Justiça. Arts. 6º, VII, e
101, I, do Código de Defesa do Consumidor.
“- Compete à Justiça Federal processar e julgar
ação de indenização proposta por beneficiários de
contrato de seguro de vida celebrado com fundação
pública federal, equiparada à autarquia federal para
a aplicação do disposto no art. 109, I, da
Constituição Federal.
“- Evidenciadas a existência de relação de consumo
e a dificuldade dos autores-consumidores em
acompanhar o andamento do processo no Distrito
Federal, competente para a ação é o Juízo Federal
da 2ª Vara Federal de Chapecó-SC, por ser essa
cidade, na qual há vara federal, a mais próxima do
domicílio dos autores, de maneira a garantir o
direito do consumidor de acesso à Justiça, em
consonância com o disposto nos arts. 6º, VII, e 101,
I, do Código de Defesa do Consumidor" (CC nº
37.681/SC, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI,
DJ de 13/10/2003, p. 224; RSTJ vol. 180, p. 317).
Importante destacar a possibilidade de uma tramitação
simultânea, embora separadas, das ações individuais e das ações coletivas. O CDC
permitiu ao titular do direito individual a opção de se vincular ou não à ação coletiva
(art. 104). Caso escolha por não se vincular, promovendo ou dando continuidade à
sua ação individual, o autor fica sujeito ao resultado da sua própria demanda,
independentemente do que restar decidido na ação coletiva.
196
A sentença da ação coletiva somente tem eficácia
expansiva, de modo a atingir o autor da ação individual, se preenchidos
cumulativamente os dois requisitos: a) em caso de procedência (só para beneficiar
os titulares do direito individual) e b) se elaborado pedido de suspensão da
tramitação da ação individual (art. 103, III, combinado com os §§ 2º e 3º, e 104,
ambos do CDC).
Isto é, tem-se que a ação individual pode ter curso
separado e independente da ação coletiva antecedente ou superveniente. A ação
individual só se suspende por iniciativa do seu autor (consumidor). Como salienta o
professor Rodolfo Camargo Mancuso
351
, trata-se do ponto em que o CDC (art. 104)
harmoniza-se com o CPC (art. 265, IV, letra “a”), de modo a permitir a suspensão
da ação individual por conexão com a ação coletiva.
Se não houver pedido de suspensão, a ação individual
não sofre efeito algum do resultado da ação coletiva, ainda que julgada procedente.
No mesmo precedente já citado do Superior Tribunal de
Justiça, vale recordar o voto (vencedor) do Ministro Teori Albino Zavascki abordou a
questão da relação entre as ações coletivas e as ações individuais com felicidade
ímpar, definindo adequadamente a influência de umas sobre as outras,
sublinhando-se:
4. Ao contrário do que ocorre com os direitos
transindividuais — que, por não terem titular
determinado, são, necessariamente, tutelados em regime
de substituição processual (em ação civil pública ou ação
popular) —, os direitos individuais homogêneos podem
ser tutelados tanto por ação coletiva (proposta por
substituto processual), quanto por ação individual
197
(proposta pelo próprio titular do direito). O sistema da
tutela coletiva, disciplinado na Lei 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor - CDC), entretanto, evidencia que
entre a ação coletiva e as ações individuais promovidas
pelos próprios titulares desses direitos não há
litispendência (CDC, art. 104), nem possibilidade de
decisões antagônicas. A Lei confere ao titular do direito
individual a opção de se vincular ou não à ação coletiva
(CDC, art. 94). Caso opte por não se vincular, propondo
ou dando seguimento à sua ação individual, o
demandante ficará vinculado ao resultado da sua própria
demanda, independentemente do que vier a ser decidido
na ação coletiva. Isso porque a sentença da ação
coletiva somente tem eficácia expansiva (a) em caso de
procedência (= para beneficiar os titulares do direito
individual) e (b) em favor dos que não propuseram ou
que suspenderam o curso de ações individuais (CDC,
arts. 103, III, combinado com os §§ 2º e 3º, e 104).
Desse conjunto normativo colhe-se (a) que a ação
individual pode ter curso independente da ação coletiva
superveniente, (b) que a ação individual só se suspende
por iniciativa do seu autor e (c) que, não havendo pedido
de suspensão, a ação individual não sofre efeito algum
do resultado da ação coletiva, ainda que julgada
procedente. Ora, se a própria lei admite a convivência
autônoma e harmônica das duas formas de tutela, fica
afastada a possibilidade de decisões antagônicas e,
portanto, o conflito. Por outro lado, a existência de várias
ações coletivas também não representa, por si só, a
possibilidade de ocorrer decisões antagônicas
envolvendo as mesmas pessoas. É que os substituídos
351
Rodolfo de Camargo Mancuso – “Defesa do Consumidor: reflexões acerca de eventual
198
processuais (= titulares do direito individual em benefício
de quem se pede tutela coletiva) não são,
necessariamente, os mesmos em todas as ações. Pelo
contrário: o normal é que sejam pessoas diferentes.
Realmente, em se tratando de tutela de direitos
individuais homogêneos, há pelo menos três fatores de
limitação do âmbito subjetivo dos substituídos, a saber:
(a) a representatividade do órgão ou entidade autor da
demanda coletiva (= substituto processual), (b) o pedido
formulado na demanda e (c) a eficácia subjetiva da
sentença imposta por lei, que "abrangerá apenas os
substituídos que tenham, na data da propositura da ação,
domicílio no âmbito de competência territorial do órgão
prolator " (Lei 9.494/97, art. 2º-A, introduzido pela Medida
Provisória 2.180-35/2001).
“...”
11. O pedido de suspensão das ações individuais até o
julgamento das ações coletivas, além de estranho aos
limites do conflito de competência, não pode ser
acolhido, não apenas pela autonomia de cada uma
dessas demandas, mas também pela circunstância de
que as ações individuais, na maioria dos casos, foram
propostas por quem não figura como substituído
processual em qualquer das ações coletivas. Suspender
o curso dessas ações significa, portanto, negar, na
prática, acesso ao Judiciário.
concomitância de ações coletivas e individuais”, artigo inserido na RDC n. 02/148, p. 152.
199
Nas sábias palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso
352
,
buscando atalhar o mal maior, que seria a contradição no plano prático, elaborou o
legislador um engenhoso sistema de convivência entre os planos coletivo e
individual”.
Concluindo-se, entendemos que mesmo cogitada a
conexão entre ações individuais e ações coletivas de interesse do consumidor-
idoso, não há fundamento jurídico para a reunião das demandas. Não é o caso nem
mesmo de suspensão fora da hipótese de opção do autor da ação individual (art.
104 do CDC).
Ações “pseudo-individuais”.
Oportuno analisar a tese defendida pelo professor Kazuo
Watanabe
353
sobre as chamadas ações “pseudo-individuais”, sublinhando-se a
dificuldade de saber se as pretensões deduzidas em juízo são efetivamente
individuais ou representam uma disfarçada demanda coletiva e sugerindo-se a
inadmissibilidade daquelas demandas.
Para o nobre professor Kazuo Watanabe
354
, há ações
individuais que lidam com um direito coletivo ou uma verdadeira relação jurídica
352
Rodolfo de Camargo Mancuso – “Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada”, p. 492. O nobre mestre
faz um interessante sumariado: a) a ação coletiva não obsta a ação individual sobre o mesmo thema
decidendum , mas se elas tramitarem em paralelo, o autor da ação individual não se aproveita de
eventual coisa julgada favorável que venha a se formar no plano coletivo, b) para que o consumidor
individual se aproveite do resultado favorável da ação coletiva, deve não ajuizar a ação individual ou,
se o fizer, deve requerer a suspensão da demanda individual até o desfecho do processo coletivo
(trânsito em julgado), c) o consumidor individual que optar por prosseguir na ação individual fica
sujeito aos efeitos da coisa julgada da ação individual, ainda que desfavorável o julgamento e
mesmo que procedente a ação coletiva (não se beneficia da última) e d) a ação coletiva julgada
improcedente (sentença transitada em julgado) impede a propositura de uma nova ação coletiva
(mesmo por outro legitimado), mas não impede o ajuizamento de ações individuais. No mesmo
sentido: Hugo Nigro Mazzilli – “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 316-318.
353
Kazuo WatanabeRelação entre demanda coletiva e demandas individuais”, artigo inserido na
obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 156-160.
200
múltipla e incindível e, por isso, exige um litisconsórcio unitário – a sentença deve
ser homogênea para todas as partes.
O professor da Universidade de São Paulo cita como
exemplo de ação “pseudo-individual” o recente e famoso caso de milhares de
demandas judiciais individuais que, partindo da alegação de ilegalidade, objetivando
a exclusão da cobrança da “taxa de assinatura” e a repetição das importâncias
cobradas. Com maestria, o ilustre jurista aponta que a discussão envolve a
estrutura tarifária e tornava obrigatória a participação da ANATEL – Agência
Nacional de Telecomunicações. E conclui que uma ação coletiva seria apropriada
para a discussão do assunto. Para as inúmeras ações individuais, sugere a
inadmissibilidade (extinção do processo), justamente porque o direito envolvido é
coletivo e incindível. Não é o caso nem mesmo da aplicação da suspensão prevista,
no artigo 104 do CDC.
Evidentemente, o assunto comporta um estudo profundo
e separado. Nos restritos termos desta abordagem, que é voltada para um objetivo
distinto – aprofundar a discussão da prerrogativa de foro do consumidor idoso – não
se tem ambição de exaurir o tema e desfazer a polêmica.
Contudo, entendemos que a “ação pseudo-individual
não traduz um obstáculo para o exercício do direito de ação do consumidor em
geral e do consumidor-idoso mais especificamente. Se levado adiante o raciocínio,
inúmeras situações podem ser comparadas à discussão da “taxa de assinatura”
pelas empresas de telefonia fixa.
Tomemos alguns exemplos: a) corte do fornecimento de
energia elétrica, como sanção pela falta de pagamento da tarifa de energia elétrica,
b) atendimento de urgência e emergência limitado no plano ambulatorial limitado às
12 (doze) primeiras horas, nos contratos de assistência à saúde (seguro saúde e
plano de saúde), c) cobrança de multa de 30% (trinta) por cento para ressarcimento
354
Kazuo Watanabe – “Relação entre demanda coletiva e demandas individuais”, artigo inserido na
201
de custos administrativos do fornecedor de energia elétrica, quando constatada
fraude de consumo, d) reajuste de mensalidades de contratos de assistência à
saúde, e) discussão de lançamentos constantes de faturas mensais por ligações
não realizadas após o prazo de 90 (noventa) dias.
Em todos os exemplos, há interferência de agências
reguladoras (ANAEEL, ANS, ANATEL) na disciplina das situações contratuais entre
os consumidores e os fornecedores. De uma maneira ou de outra, há uma norma
da agência que busca regulamentar os fatos levantados em inúmeras demandas
judiciais individuais promovidas pelos consumidores.
E não se pode olvidar que há um traço comum em cada
um dos exemplos. Os consumidores de energia elétrica que discutem a legalidade
do corte do fornecimento do serviço público pelo inadimplemento. Os consumidores
que discutem a legalidade da limitação do atendimento de urgência ou emergência
ao prazo de 12 (doze) horas. Os consumidores que discutem a legalidade da multa
administrativa de 30% (trinta por cento) imposta sobre o valor devido na diferença
de consumo apurada pela fraude praticada. Os consumidores que pretendem
discutir a exigibilidade do valor cobrado em uma fatura, mesmo depois do prazo de
90 (noventa) dias.
O traço comum encontra-se na identidade entre os
consumidores. Há uma verdadeira relação jurídica coletiva e que, segundo o
magistério do professor Kazuo Watanabe
355
, é classificada como “pseudo-
individual”. Ao menos na parte contratual há uma linha comum que liga todos os
consumidores e autores das ações individuais: a) o contrato de fornecimento de
energia elétrica não pode ensejar o corte de energia, b) o contrato de assistência à
saúde não pode limitar a cobertura de emergência e de urgência às 12 (doze)
primeiras horas, c) o contrato de energia elétrica não pode dar ensejo a uma
cobrança de multa administrativa de 30% (trinta) por cento e d) o contrato de
obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 156-160.
355
Kazuo Watanabe – “Relação entre demanda coletiva e demandas individuais”, artigo inserido na
obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 156-160.
202
fornecimento de serviços de telefonia móvel não pode sujeitar – criando-se um
prazo de decadência - a discussão de um serviço não prestado ao prazo de 90
(noventa) dias.
Pode-se dizer, ainda, diante de um serviço público objeto
de concessão ou de autorização, em que a atividade se sujeita à regulação, há uma
relação jurídica incindível. Porém, para se chegar a esta conclusão o enfoque deve
partir do contrato de concessão ou da relação jurídica entre o fornecedor e a
agência reguladora. É claro que, sob o enfoque da relação jurídica entre
consumidor e fornecedor, são relações jurídicas cindíveis (diferenciadas).
Há um problema de premissa, pois a relação entre os
consumidores em situações idênticas (ou semelhantes) é cindível, quando
analisados os inúmeros contratos travados com o fornecedor. O traço comum entre
os litígios não torna incindível a relação jurídica.
Ainda no campo da premissa, importante salientar que a
sentença da ação individual não afeta juridicamente o contrato de concessão ou a
autorização, mas somente a relação entre o consumidor individual e o fornecedor.
Pode-se, quando muito, dizer que a sentença judicial afeta economicamente o
contrato de concessão, justificando até mesmo uma futura discussão entre
concessionária e poder concedente
356
.
Como se vê, o fenômeno apontado pelo professor Kazuo
Watanabe
357
não foi o primeiro e nem tampouco, o último. Ele não se reduziu ao
caso da “taxa de assinatura” das empresas de telefonia fixa.
356
Se a atividade econômica for autorizada, então o efeito econômico para o fornecedor pode
fundamentar eventual responsabilidade do Estado. Trata-se de uma hipótese, que exige outras
considerações que fogem aos limites deste trabalho.
357
Kazuo Watanabe – “Relação entre demanda coletiva e demandas individuais”, artigo inserido na
obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 156-160.
203
O primeiro obstáculo a ser enfrentado pela tese
esposada pelo professor Kazuo Watanabe é explicar a extinção das ações
individuais – “pseudo-individuais” – pelo fato da discussão envolver uma relação
jurídica coletiva e incindível.
Parece-nos que a estrutura lógica e política do
ordenamento jurídico concebido a partir da Constituição Federal de 1.988 é de dar
efetividade e acesso à Justiça. A convivência entre ações coletivas e ações
individuais explica-se justamente pelo privilégio que se deu àquele princípio que
estampa um direito fundamental: efetivo acesso à Justiça.
Mais ainda. A estrutura normativa que tem vocação para
ampliar a tutela do consumidor – dever do Estado (art. 5º., XXXII e 170, V da CF)
não deve amesquinhar a utilização de ações individuais. Além do fundamento
constitucional (proteção do consumidor e acesso à Justiça), configuram direitos
básicos do consumidor: acesso ao órgão jurisdicional para prevenção e reparação
de danos materiais e de danos morais (art. 6º., VII do CDC) e facilitação da defesa
dos seus direitos em Juízo (art. 6º., VIII do CDC). E ao consumidor foi conferida a
utilização de todas as espécies de ações (art. 83 do CDC).
Ou seja, como dizer que um consumidor não pode
ajuizar uma ação individual, se o assunto tem repercussão coletiva – ou afeta uma
relação jurídica incindível? Que sistema normativo de proteção ao consumidor é
este que mingua sua possibilidade de defender seus direitos.
O assunto torna-se mais dramático pela falta de cultura
da ação coletiva. Observados os mais de 20 (vinte) anos de vigência da jurisdição
coletiva, existem inúmeros obstáculos a serem vencidos. Além do problema da
publicidade das ações coletivas, há um entrave mais sério: o artigo 16 da LACP.
Independente das discussões da doutrina sobre a inconstitucionalidade ou o
alcance da referida disposição legal, não se pode negar o efeito redutor que ela
produz sobre a eficácia da ação coletiva. O que se assiste, atualmente, é a
204
propositura de inúmeras ações coletivas sobre o mesmo tema, muitas com base
nos limites impostos pelo artigo 16 da LACP.
Para finalizar esta análise da posição do professor Kazuo
Watanabe
358
sobre as ações “pseudo-individuais”, destacamos que aquilo que se
denomina como natureza unitária e incindível da relação jurídica aproxima-se, isto
sim, do traço comum das demandas. Na maioria das vezes, aquele ponto comum
que liga todas as ações individuais situa-se no fundamento jurídico. Num derradeiro
exemplo: os inúmeros contribuintes que discutem a legalidade de um determinado
tributo. A prevalecer aquela tese, não haveria possibilidade de uma ação individual,
exigindo-se, sempre, o ajuizamento de uma ação declaratória de
inconstitucionalidade.
Na lição de Rodolfo de Camargo Mancuso
359
, talvez o
que se dê seja “um falso problema, porque as ocorrências consideradas nos planos
singular e coletivo são, simplesmente, muito diversas: uma coisa é o conflito tomado
em sua dimensão coletiva (v.g., o pleito voltado a suprimir cláusula abusiva inserida
em certo contrato de massa praticado nacionalmente); outra coisa é a projeção do
tema, concretamente, no plano individual, isto é, das pessoas físicas ou jurídicas
que hajam subscrito esse contrato”.
Por isso, reafirmamos nos posição afirmativa da
possibilidade de discussão das ações individuais, anteriores e posteriores à ação
coletiva, podendo haver suspensão das demandas, na forma do artigo 104 do CDC.
Ou seja, ou as ações individuais tramitam e não recebem os efeitos da coisa
julgada da demanda coletiva
360
, ou elas são suspensas até o trânsito em julgado da
358
Kazuo Watanabe – “Relação entre demanda coletiva e demandas individuais”, artigo inserido na
obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 156-160.
359
Rodolfo de Camargo Mancuso – “Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada”, p. 493. E o nobre
professor finaliza, mais adiante: “o nosso microssistema processual coletivo esforça-se para
viabilizar a interação de duas realidades processuais de dimensões diversas: a coletiva (que não se
confunde com simples cúmulo de posições individuais (o que configuraria um litisconsórcio
multitudinário), e a dos sujeitos concernentes ao interesse metaindividual judicializado” (p. 495).
205
ação coletiva. Como ensina Arruda Alvim
361
, trata-se de uma política legislativa -
sem que possa se vislumbrar inconstitucionalidade - que reconhece a
vulnerabilidade (fraqueza) do consumidor e o beneficia.
Na verdade, o problema identificado pelo nobre jurista
Kazuo Watanabe
362
diz respeito à exigência de decisões judiciais iguais para
situações jurídicas idênticas ou semelhantes
363
. Trata-se de uma questão
tormentosa na identificação do significado da Justiça como valor a inspirar a
atuação do Poder Judiciário – ou definir seu próprio objetivo – mas que não serve
de supedâneo para obstar o ingresso de uma ação individual.
4.10. O consumidor-idoso e a prerrogativa
de foro. Litisconsórcio e Intervenção de
Terceiros.
A participação do consumidor-idoso nas ações
individuais e nas ações coletivas pode se dar em função de um litisconsórcio ou de
assistência e intervenção de terceiros.
Surge, então, o interesse de examinar os reflexos
daquela participação do consumidor-idoso sobre a sua prerrogativa de foro.
360
Como anota o professor Arruda Alvim – “Notas sobre a coisa julgada coletiva”, p. 106,
ressaltando que o resultado desfavorável de uma ação coletiva não produz coisa julgada para os
interessados, em face do sistema do CDC, uma vez que não impede ações individuais.
361
Arruda Alvim – “Notas sobre a coisa julgada coletiva”, p. 95.
362
Kazuo Watanabe – “Relação entre demanda coletiva e demandas individuais”, artigo inserido na
obra coletiva “Direito Processual Coletivo”, p. 156-160.
363
O que se pode sugerir, de lege ferenda, é a modificação para que as ações coletivas tenham um
alcance distinto, de modo a impedir o processamento das ações individuais ou a eficácia de
sentenças já proferidas nestas ações, quando identificada a similitude das situações jurídicas dos
206
Litisconsórcio.
Para facilitar o estudo, o tema será abordado em relação
às ações individuais e às ações coletivas, separadamente.
A posição do consumidor-idoso como litisconsorte nas
ações individuais suscita o mesmo debate travado, na abordagem inicial da
prerrogativa de foro
364
.
Nas ações coletivas, o litisconsórcio apresenta duas
possibilidades. Primeiro, quando se refere aos legitimados do artigo 82 do CDC. E
segundo, quando integrado entre os legitimados do artigo 82 do CDC e o próprio
consumidor-idoso, individualmente considerado.
O litisconsórcio na ação civil pública
365
foi expressamente
autorizado pelo parágrafo 5º. do artigo 2º. da LACP. Conforme magistério de
Rodolfo de Camargo Mancuso
366
e Consuelo Yoshida
367
, no pólo ativo, o
litisconsórcio é facultativo, porque a legitimação é concorrente e disjuntiva,
podendo os co-legitimados agir em conjunto ou separadamente, mas não estando
obrigados a essa ação ‘em bloco’ .
Naquilo que interessa sobre a prerrogativa de foro do
consumido-idoso, coletivamente considerado, ganha destaque o litisconsórcio que
tenha a participação de uma associação (de proteção dos direitos do consumidor-
idoso).
diversos autores. É o que parece ambicionar o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos
Coletivos (na versão de janeiro de 2.007, há um dispositivo específico sobre o tema: artigo 7º.).
364
Confira-se item “4.7.” deste capítulo “IV”.
365
Nas demais modalidades de ações coletivas, a possibilidade do litisconsórcio pode variar.
366
Rodolfo de Camargo Mancuso – “Ação Civil Pública”, p. 216.
367
Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida – “Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos”, p. 181.
207
Pergunta-se: em que medida a participação de uma
associação de proteção do consumidor-idoso pode invocar a prerrogativa de foro?
O litisconsórcio pode ocorrer em dois momentos: a) no
ajuizamento da ação e b) em momento posterior
368
.
Se a associação aceitou participar da ação coletiva como
litisconsorte em foro diverso da sua sede ou em foro distinto dos domicílios dos
idosos
369
, tem-se que houve renúncia àquela prerrogativa.
Isto é, se o litisconsórcio ocorreu no momento do
ajuizamento da ação coletiva, presume-se que a associação abriu mão de
demandar no foro do domicílio (dela ou da coletividade dos idosos).
Todavia, se o litisconsórcio surgiu em momento posterior,
em que a associação aderiu ao pedido ou fez alguma alteração ampliativa
370
, pode
ser levantada a prerrogativa de foro do consumidor-idoso.
Detalhando a indagação anterior: a associação pode
solicitar em Juízo a redistribuição da ação coletiva para sua sede ou para o foro do
domicílio de todos os idosos atingidos pela demanda?
Entendemos que, se a discussão da ação coletiva se
circunscrever a interesses e direitos dos consumidores idosos, deve ser respeitada
a prerrogativa de foro, se demonstrado que servirá como instrumento de facilitação
da defesa daqueles interesses e direitos.
368
José Roberto Marques – “Ação Civil Pública”, parte da obra coletiva “Manual dos Procedimentos
Especiais Cíveis de Legislação Extravagante”, p. 115-116.
369
Logicamente, supondo-se todos na mesma comarca ou sub-seção judiciária. Se diversos os foros
dos domicílios idosos atingidos pela ação coletiva, a solução é aquela pugnada nos itens “4.8.” e
“4.9.” deste capítulo “IV”.
208
Mesmo no caso de ulterior litisconsórcio, a competência
absoluta do foro do idoso-consumidor deve prevalecer sobre outro critério de
competência. A concorrência de competências para processar e julgar a ação civil
pública é resolvida pelo critério que melhor representar a facilitação da defesa dos
interesses e direitos consumidor-idoso, coletivamente considerado, como
implementação do seu direito básico (art. 6º., VII e VIII do CDC).
Contudo, se a ação coletiva tiver como fundamento e
pedido outros bens e direitos, atingindo um público maior do que a coletividade de
consumidores idosos, a prerrogativa de foro deve ceder lugar para o critério geral
de competência e de prevenção inserido na própria LACP (art. 2º.) ou no CDC (art.
93).
Ainda no campo das ações coletivas, surge a indagação
sobre a participação do consumidor individual como litisconsorte ativo.
Ou, de acordo com o tema do presente estudo, pode o
consumidor-idoso (individualmente considerado) atuar como litisconsorte dos
legitimados do artigo 82 do CDC? Em caso positivo, qual o efeito para a definição
da competência? Incide a prerrogativa de foro?
Na defesa dos interesses e direitos difusos e coletivos,
como regra não pode haver, no pólo ativo, litisconsórcio entre o autor individual –
inclusive o consumidor-idoso – e o autor coletivo (art. 82 do CDC).
Quando a lei confere a legitimidade ativa a um
determinado segmento, excluindo-se a legitimidade do autor-individual, atenta-se
para o fato de o interesse ou direito ser difuso ou coletivo. Sendo assim, não há
sentido e legitimidade para um autor individual buscar a tutela de algo que não é
370
Apesar de parte da doutrina negar a figura do litisconsórcio ulterior, aceitamos a possibilidade.
Neste sentido: Rodolfo de Camargo Mancuso – “Ação Civil Pública”, p. 217 e Hugo Nigro Mazzilli
– “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 323.
209
exclusivamente seu, uma vez que o interesse é tomado em sua dimensão
metaindividual
371
.
Aquela regra comporta exceção. Evidentemente, como
autor da ação popular, não se questiona a participação do consumidor-idoso no
pólo ativo de uma demanda coletiva.
Como assinala o jurista Hugo Nigro Mazzilli
372
, “como em
tese pode coincidir o objeto de uma ação civil pública com o de uma ação popular,
nada impede que um cidadão e um co-legitimado à ação civil pública ajuízem esta
última ação, em litisconsórcio”. Até porque, se ambas forem ajuizadas
separadamente, tem-se o caso de litispendência. Ou, se houver apenas
semelhança – pontos de contato – entre a causa de pedir e o pedido, há conexão
que justifica a reunião das ações para processamento e julgamento único.
Numa situação distinta, versando a ação civil pública
sobre interesses e direitos individuais homogêneos, o artigo 94 do CDC permite a
intervenção dos interessados, como litisconsortes, tendo ou não ação individual,
mediante publicidade da ação coletiva por edital com tal finalidade. E, como
esclarece a professora Ada Pellegrini Grinover
373
, trata-se de um litisconsórcio
unitário, uma vez que a lide será decidida de modo uniforme para todos, autores
individuais e coletivos.
A habilitação do consumidor-idoso individual como
litisconsorte de uma ação coletiva não produz, como regra, o efeito de modificação
371
Rodolfo de Camargo Mancuso – “Ação Civil Pública”, p. 226, destacando-se: “De todo modo,
cremos que há um impedimento para se admitir o cidadão como litisconsorte originário ou ulterior ou
ainda assistente, no pólo ativo em ação civil pública cujo objeto seja interesse difuso ou coletivo
(CDC, art. 81, parágrafo único, I e II): é que faltaria, a nosso ver, interesse processual, já que o
objeto da ação não lhe pertine individualmente, nem poderá, em execução, ser “fracionada” para
que lhe seja atribuída sua “quota-parte”, como se dá no pleito envolvendo interesses individuais
homogêneos – CDC, art. 97).”
372
Hugo Nigro Mazzilli – “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 321.
373
Ada Pellegrini Grinover – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos
autores do Anteprojeto”, p. 882-883.
210
da competência, mesmo reconhecido seu caráter absoluto. Aqui, apesar da
aparente contradição entre as normas de competência, tem-se que o consumidor-
idoso renúncia à prerrogativa de foro, ao aderir à demanda coletiva. Passa a atuar
como parte, mas não tem o direito de solicitar a distribuição da ação coletiva para o
foro do seu domicílio.
Em outras palavras, é possível concluir que o
consumidor-idoso individual pode litigar em conjunto com o legitimado coletivo (art.
82 do CDC), por iniciativa conjunta ou por adesão posterior (art. 94 do CDC)
374
. Nas
duas hipóteses, a prerrogativa de foro do autor individual cede lugar à norma de
competência ditada para a ação coletiva.
Assistência e Intervenção de Terceiros.
Resta analisar, se o fato do consumidor-idoso figurar
como assistente ou como terceiro interveniente (nomeação à autoria,
denunciação da lide, chamamento ao processo e oposição), provoca alguma
repercussão na competência, diante da prerrogativa de foro.
Também por uma questão didática, o exame será
dividido entre ações individuais e ações coletivas.
Na ação individual, a assistência (simples e
litisconsorcial) e as diversas formas de intervenção de terceiros (nomeação à
autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo e oposição) podem
ocorrer.
374
O professor Rodolfo de Camargo Mancuso – “Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada”, p. 503-510
coloca, de maneira oportuna, que dificilmente um autor individual atua como litisconsorte do
legitimado coletivo, na forma do artigo 94 do CDC. Se o fizer, fica necessariamente sujeito aos
efeitos da sentença de improcedência a ação coletiva. Se optar por promover uma ação individual e
distinta, pode escolher por suspender a ação (art. 104 do CDC) e livrar-se dos efeitos da sentença
de improcedência. Trata-se de um indesejável efeito colateral não detectado pelo legislador.
211
Como ensina Cândido Rangel Dinamarco
375
, “a
diversidade das situações que legitimam a intervenção de terceiros, justamente
porque se relacionam com a posição de terceiro em face do objeto do processo
pendente (e, pois, dos fundamentos jurídico-substanciais do litígio ali instalado),
conduz à diversidade dos efeitos de cada modalidade de intervenção sobre o
próprio objeto do processo e sobre a estrutura subjetiva deste”.
Nesta linha, é possível dizer que a intervenção de
terceiro que envolve um consumidor-idoso pode traduzir uma inovação subjetiva no
processo
376
, quando o consumidor-idoso figurar como: a) assistente litisconsorcial
(art. 54 do CPC), b) opoente (art. 56 e 57 do CPC), c) nomeado à autoria (art. 62 e
63 do CPC), d) denunciado à lide (art. 70 e 71 do CPC), e) chamado ao processo
(art. 77 e 78 do CPC), d).
Observamos que, em situações de competência absoluta
em razão da pessoa ou da matéria, a assistência e a intervenção de terceiros
podem deslocar a competência.
É o que sucede, por exemplo, quando uma ação tramita
na Justiça Estadual e, diante da intervenção da União, como assistente ou como
qualquer modalidade de intervenção de terceiros, a competência desloca-se para a
Justiça Federal
377
. O mesmo acontece, quando no foro em que tramita a ação
individual há Vara Especializada da Fazenda Pública, se houver assistência ou
qualquer modalidade de intervenção de terceiros do Estado ou do Município
378
.
375
Cândido Rangel Dinamarco – “Intervenção de Terceiros”, p. 24-25.
376
Na feliz lição de Fredie Didier Jr – “Curso de Direito Processual Civil”, vol. 1, p. 299, na
intervenção de terceiros, há modificação subjetiva da relação jurídica processual, em que um
terceiro, autorizado por lei, ingressa no processo pendente e transforma-se em parte.
377
Athos Gusmão Carneiro – “Jurisdição e Competência”, p. 188. Confira-se, ainda, a súmula
224 do STJ.
378
Cândido Rangel Dinamarco – “Intervenção de Terceiros”, p. 62-63. O autor aborda a
questão em relação à oposição, chegando à mesma conclusão.
212
Ora, uma vez reconhecida como de natureza absoluta a
competência ditada pela prerrogativa de foro do consumidor-idoso, entendemos que
sua atuação na ação individual, na qualidade de assistente litisconsorcial ou de
terceiro (opoente, nomeado, denunciado ou chamado), pode dar ensejo ao
deslocamento da competência.
A resolução do problema de competência será similar
àquela pugnada, na ação individual
379
. Isto é, como a competência tem natureza
absoluta, se houver pedido do consumidor-idoso, a ação individual deve ser
redistribuída para o foro do seu domicílio.
Algumas ponderações adicionais são pertinentes.
O fato de a competência ser absoluta torna-a
inderrogável, ainda que baseada no critério de território. Logo, não incide o disposto
nos artigos 111 e 114, ambos do CPC sobre a modificação da competência em
caso de território, exigindo a exceção de incompetência por parte do réu. Aquela
restrição aos terceiros, impede-os de suscitar a exceção de incompetência relativa,
mas não de invocarem a incompetência absoluta.
Nem se diga, ainda, que a competência para a
denunciação da lide e da oposição seguem o disposto, nos artigos 57, 108 e 109 do
CPC. Como assinalam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery
380
, a regra
incide para a hipótese do juiz da causa ter competência plena – leia-se em razão da
matéria e funcional. Sendo assim, se o juiz da causa não for do foro do domicílio do
consumidor-idoso, falta-lhe competência plena. Impõe-se a redistribuição da
chamada ação principal.
379
Para maior detalhamento, confira-se o item “4.8.” deste capítulo “IV”.
380
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery - Código de Processo Civil Comentado”, nota
“01” ao artigo 109, p. 318.
213
A socorrer a tese ora defendida, tem-se que a oposição e
a denunciação da lide têm a natureza jurídica de demandas (ações), posto que
incidentais
381
. E nada impede que o terceiro promova ação autônoma com a mesma
finalidade da oposição (reclamar total ou parcialmente a coisa ou o direito disputado
na ação, art. 59 do CPC) ou da denunciação da lide (fora da hipótese da evicção,
art. 70, II e III do CPC). Sendo assim, diante da veiculação autônoma da ação
individual, verificada a conexão das causas, incidiria a atração do juízo do foro do
domicílio do consumidor-idoso
382
.
Em outras palavras, nada impede o consumidor-idoso
em optar por promover no foro do seu domicílio uma ação autônoma, no lugar de
deduzir oposição ou fazer a denunciação da lide. E assim fazendo, reconhecida a
conexão de causas, a reunião se dará no foro do seu domicílio, considerada a
competência absoluta.
Logo, não há sentido para se negar o deslocamento da
competência em favor do foro do domicílio do consumidor idoso também nas
referidas hipóteses de intervenção de terceiros.
Aliado a isso, frise-se, novamente, que o sistema
normativo – constitucional e legal – de defesa do consumidor em geral e do
consumidor-idoso em especial viabiliza a interpretação ora defendida. Se a ordem
jurídica reconhece a vulnerabilidade do consumidor e do idoso, concebendo em
favor deles a prerrogativa de foro, com maior razão, para o consumidor-idoso deve
ser conferida uma prerrogativa capaz de alterar a competência mesmo das ações
em que ele figure como assistente litisconsorcial ou como terceiro interveniente.
381
Cândido Rangel Dinamarco – “Intervenção de Terceiros”, p. 37-39 e 131-137. No mesmo
sentido: Athos Gusmão Carneiro – “Intervenção de Terceiros”, p. 59-63 e
382
Como visto no item “4.9.” deste capítulo “IV”.
214
Por fim, insistimos num ponto: a questão do
deslocamento da competência para conhecimento e julgamento das demandas
383
resultantes da ação principal e da intervenção de terceiros – em favor do foro do
domicílio do consumidor-idoso somente surgirá, se houver alegação do tema pelo
último.
Isto é, se o consumidor-idoso não levantar a
incompetência absoluta na primeira oportunidade, bastando que o faça por simples
petição, presume-se que aceitou a competência do juiz da causa e renunciou à
prerrogativa de foro. Recordamos, mais uma vez, que a natureza absoluta é
peculiar e permite a renúncia por parte do consumidor-idoso.
A diferença de tratamento em relação à posição do
consumidor-idoso como parte (autor ou réu) tem explicação na segurança do
desenvolvimento da relação processual. Permitir-se que o terceiro interveniente
possa levantar a incompetência absoluta decorrente da prerrogativa de foro além
daquela primeira oportunidade significa deixar o processo a uma permanente
situação de invalidade – insegurança jurídica.
Agora, cabe enfrentar o assunto sob a enfoque das
ações coletivas. E, para tanto, duas situações são consideradas: a) o consumidor-
idoso, individualmente considerado e b) o consumidor-idoso, coletivamente
considerado.
O consumidor-idoso, individualmente considerado, pode
assumir a condição de litisconsorte
384
da ação civil pública, se também puder propor
a ação popular ou se quiser aderir ao pedido coletivo (art. 94 do CDC). Se assim
agir, a competência é determinada como afirmado anteriormente.
383
Demanda emprestada no sentido técnico de postular algo em Juízo, que pode ensejar a
expansão do objeto litigioso.
384
Neste passo, não há distinção entre assumir a condição de litisconsorte ou figurar como
assistente litisconsorcial (art. 54 do CPC).
215
Nada impede que, nas ações coletivas, mais
especificamente na ação civil pública e na ação popular (art. 6º., par. 5º., da Lei n.
4.717/65), tenha-se a figura do consumidor-idoso como assistente na sua forma
simples (art. 50 do CPC)
385
386
.
Entendemos que, nas ações coletivas, não há espaço
para a oposição
387
. Se o litígio envolve um direito coletivo, não há como um terceiro
– individual ou coletivo - reclamar para ele, total ou parcialmente, o objeto do litígio.
Nem mesmo na ação coletiva de direitos individuais homogêneos o autor individual
pode ingressar com oposição, pois o CDC prevê a articulação da sua pretensão de
maneira autônoma ou com adesão à ação coletiva (art. 94 do CDC).
Entendemos que na ação popular não se permite a
denunciação da lide, nomeação à autoria e chamamento ao processo em razão da
peculiaridade do direito envolvido
388
- direito coletivo.
Sobre as demais figuras de intervenção de terceiros em
ações coletivas, vamos nos ater à ação civil pública.
Entendemos que, embora difícil, pode ocorrer uma
nomeação à autoria em sede de ação civil pública. Em tese, uma vez acionado em
385
Elton Venturi – “Processo Civil Coletivo”, p. 318-323, José Roberto Marques – “Ação Civil
Pública”, capítulo da obra coletiva “Manual dos Procedimentos Especiais Cíveis de Legislação
Extravagante”, p. 116 e Francisco Glauber Pessoa Alves – “Ação Popular”, capítulo da mesma
obra coletiva, p. 81.
386
Em sentido contrário à intervenção da assistência simples: a) Antônio Gidi – “Coisa julgada e
litispendência em ações coletivas”, p. 55 e b) Nelson Nery Júnior e Rosa Maria De Andrade Nery -
Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional”, p. 489, esclarecendo que o legitimado
coletivo pode ser assistente litisconsorcial, enquanto o indivíduo não pode figurar como assistente
simples, pois sua esfera jurídica (privada e individual) não é atingida pela sentença.
387
Cândido Rangel Dinamarco – “Intervenção de Terceiros”, p. 44-45, Ricardo de Barros Leonel
– “Manual do Processo Coletivo”, p. 236, José Roberto Marques – “Ação Civil Pública”, capítulo da
obra coletiva “Manual dos Procedimentos Especiais Cíveis de Legislação Extravagante”, p. 117 e
Francisco Glauber Pessoa Alves – “Ação Popular”, capítulo da mesma obra coletiva, p. 81.
388
No mesmo sentido: Francisco Glauber Pessoa Alves – “Ação Popular”, capítulo da mesma obra
coletiva, p. 81.
216
nome próprio, o réu pode deduzir o incidente de nomeação à autoria (art. 62 e 63
do CPC), visando a correção do pólo passivo da demanda coletiva.
O consumidor-idoso que figure como nomeado à autoria
numa ação civil pública pode invocar a prerrogativa de foro. E, diante do conflito
aparente de normas de concorrência de competência (prerrogativa de foro do
consumidor idoso e o foro do local dos danos), cabe ao juiz fixar a competência
pelo interesse a preponderar. E, como regra, o interesse coletivo prevalece sobre o
interesse individual ou sobre o interesse de um grupo mais reduzido de
consumidores
389
.
Na ação civil pública, cogita-se o cabimento da
denunciação da lide e o chamamento ao processo
390
. Todavia, nos parecem
inadmissíveis aquelas modalidades de intervenção de terceiros em ações que
digam respeito a direito do consumidor, sem a concordância do último
391
392
393
.
389
Numa ação civil pública que defende o interesse de uma coletividade de consumidores, seja
como consumidor individual, seja como coletivamente considerado (associação), a prerrogativa de
foro do consumidor-idoso nomeado à autoria não pode prevalecer, quando confrontada com o
interesse daquela primeira coletividade. Isto é, prepondera o critério que melhor significar a defesa
do consumidor, coletivamente considerado.
390
José Roberto Marques – “Ação Civil Pública”, capítulo da obra coletiva “Manual dos
Procedimentos Especiais Cíveis de Legislação Extravagante”, p. 117-118.
391
Em sentido diverso, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria De Andrade Nery - “Leis Civis
Comentadas”, p. 254, manifestam entendimento de que a denunciação da lide e o chamamento ao
processo encontram-se vedados no sistema do CDC, “seria injusto discutir-se, por denunciação da
lide ou chamamento ao processo, a conduta do fornecedor ou de terceiro (dolo ou culpa), que é
elemento de responsabilidade subjetiva, em detrimento do consumidor que tem o direito de ser
ressarcido em face da responsabilidade objetiva do fornecedor, isto é, sem que se discuta dolo ou
culpa”.
392
Em sentido diverso, Ricardo de Barros Leonel – “Manual do Processo Coletivo”, p. 237-239,
não aceita a denunciação da lide, mas defende o cabimento do chamamento ao processo. A
denunciação da lide não é viável por ampliar o objeto da demanda coletiva, não se verificando no
ordenamento a permissão para o exercício do direito de regresso naquela espécie de demanda. O
chamamento ao processo há um campo adequado para a definição da responsabilidade dos
supostos ofensores dos interesses e direitos coletivos, aumentando-se as chances de ressarcimento
integral.
393
Assumimos posição um pouco intermediária, abrindo-se para o consumidor (individual ou
coletivamente considerado) a possibilidade de concordar com a intervenção de terceiros. É preciso
lembrar que a denunciação da lide e o chamamento ao processo podem significar a ampliação
subjetiva do processo e dar mais efetividade ao direito do consumidor – mais pessoas podem
217
Naquilo que interessa ao estudo, a posição do
consumidor-idoso como autor (individual ou coletivo) ou réu da demanda já foi
examinada – sem que o ingresso de um denunciado ou chamado sirva para alterar
a competência. E, a não ser que o ingresso de um denunciado ou chamado sirva
para alterar a Justiça competente (por exemplo, deslocar a demanda para a Justiça
Federal pela presença da União ou autarquias federais) ou o Juízo competente na
mesma comarca (por exemplo, deslocar a demanda para o Juízo da Fazenda
Pública pela presença do Estado ou do Município ou autarquias correspondentes),
nada é alterado pela inovação subjetiva provocada pela denunciação da lide ou
pelo chamamento ao processo.
Numa hipótese acadêmica, pode-se imaginar o
consumidor-idoso como denunciado ou chamado. Na ação civil pública, considera-
se que o interesse ou direito coletivo defendido pelo autor coletivo, como regra,
deve prevalecer sobre o interesse ou direito do consumidor-idoso (individualmente
ou coletivamente considerado).
Isto é, na hipótese de um consumidor-idoso (individual ou
associação) ser denunciado à lide ou ser chamado ao processo, a sua intervenção
no processo coletivo não serve para alterar a competência. Prevalece a regra de
competência absoluta que determinou o ajuizamento no foro em já era processada
a demanda, ao tempo da intervenção de terceiros.
4.11. O consumidor-idoso e a prerrogativa
de foro. Execução.
responder pelo pedido do consumidor. Se houver recusa do consumidor (individual ou autor
coletivo), a demanda prossegue contra o réu exclusivamente. Se houver aceitação, processa-se a
intervenção de terceiros.
218
Finalmente, como último tópico do estudo, investiga-se a
prerrogativa de foro do consumidor-idoso, na execução. E, para facilitar o estudo, a
análise leva em conta suas duas faces: a) a “fase de execução” do processo de
conhecimento e b) o “processo de execução” instaurado, como regra
394
, a partir de
um título executivo extrajudicial. Posteriormente, serão abordadas as execuções
individuais e as execuções coletivas.
A fase de execução no processo de
conhecimento.
Antes da modificação da lei processual – a chamada
“Reforma da Lei Processual” que se deu principalmente a partir de 1.994 – a
solução do processo de conhecimento com a prolação de uma sentença de
conteúdo condenatório dava margem a um título executivo. Iniciava-se com o título
executivo judicial (sentença) um novo e distinto processo de execução. Tanto que
havia uma citação para o processo de conhecimento e outra, para o processo de
execução da sentença. Eram processos distintos.
Atualmente, o provimento condenatório permite o
cumprimento da sentença (artigos 461, 461-A e 475-I do CPC), dispensando-se um
processo distinto para a execução. Em razão das modificações dos artigos 461 (Lei
n. 8.952/94), 461-A (Lei n. 10.444/2002) e 475-I (Lei n. 11.232/2005), a sentença
condenatória do réu ao cumprimento de uma obrigação não instaura um novo e
autônomo processo, mas apenas uma nova fase do mesmo processo de
conhecimento
395
.
Agora, tem-se a fase de execução, para que se realize a
satisfação da obrigação reconhecida na sentença. Não há nova citação na fase de
394
A exceção de um processo autônomo de execução fundado em títulos executivos judiciais, na
forma do artigo 475-N do CPC. Neste sentido: Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua
efetividade”, p. 169.
395
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua efetividade”, p. 165.
219
execução, mas simples intimação – que decorre da própria sentença ou de ato
específico – para cumprimento da obrigação. É o que se denomina processo
sincrético, o qual termina por fundir os processos de conhecimento e de execução.
O processamento da ação de conhecimento deve ocorrer
no foro do domicílio do consumidor-idoso, respeitando-se a prerrogativa conferida
por lei. Nesta linha, tem-se que a fase de execução também deve prosseguir
naquele foro, sob pena de violação daquele direito do consumidor-idoso.
Duas situações podem surgir. Primeiro, o consumidor-
idoso como devedor (executado). E segundo, o consumidor-idoso como credor
(exeqüente).
E levanta-se a seguinte indagação: diante da prerrogativa
de foro do consumidor-idoso, tem aplicação o disposto no artigo 475-P, parágrafo
único do CPC (redação dada pela Lei n. 11.232/2005)? O credor (exeqüente) pode
optar pelo juízo do local dos bens, se diverso do foro do domicílio do consumidor-
idoso executado?
A regra do artigo 475-P do CPC, ao possibilitar que na
fase de execução o credor possa optar entre prosseguir no Juízo da condenação e
solicitar o deslocamento da competência para o juízo do local dos bens sujeitos à
expropriação ou do foro do domicílio do executado representou verdadeira
mitigação do princípio da perpetuatio jurisdictionis
396
.
Como defendido com insistência no decorrer do estudo,
a prerrogativa de foro do consumidor-idoso tem natureza de competência absoluta
com a especial característica de possibilitar a ele a renúncia
397
.
396
Fredie Didier Jr. – “Competência para a execução de título executivo judicial”, artigo inserido na
obra coletiva “Execução Civil de cumprimento da sentença”, p. 211.
397
Confira-se, em especial, o item “4.6.” do Capítulo “IV” da tese.
220
E, nesta linha de raciocínio, entendemos que, na fase de
execução, sendo o consumidor-idoso executado, o deslocamento do foro
competente somente pode ocorrer em detrimento do foro de seu domicílio para
abarcar o foro de localização dos seus bens, se contar com sua expressa
concordância.
Significa compreender que o consumidor-idoso
executado pode se insurgir contra o pedido do exeqüente para processamento da
fase de execução no foro dos bens sujeitos à expropriação, invocando sua
prerrogativa de foro.
Neste passo, serve como fundamento suficiente a
facilitação da defesa do consumidor-idoso executado, que melhor se dá no foro do
seu domicílio, quando ele assim optar, a partir da incidência do artigo 6º, VII e VIII
do CDC e do artigo 80 do EI. Nesta específica situação, afasta-se a aplicação do
artigo 475-P, parágrafo único do CPC.
Ademais, acrescente-se que a interpretação ora proposta
se amolda ao princípio da menor gravosidade para o executado (art. 620 do CPC).
Como assinala Sérgio Shimura
398
, o aludido princípio se deve a razões
humanitárias, de eqüidade, em respeito aos valores fundamentais do ser humano,
como a vida, a saúde e moradia, evitando-se o abuso ou o mero capricho do
exeqüente.
Em suma, em relação ao consumidor-idoso, a
necessidade de proteção advinda das peculiaridades da idade do devedor
recomendam, como concretização do princípio da dignidade humana desdobrado
no princípio da menor gravosidade para o executado, a tramitação da execução no
foro que melhor lhe permita o acompanhamento dos atos de expropriação – parte
efetiva do contraditório e da ampla defesa.
221
Quando o consumidor-idoso for o credor (exeqüente),
pode exercer livremente a opção de prosseguir na fase de execução no juízo em
que se localizam os bens sujeitos à expropriação ou no foro do domicílio do
executado, na forma do artigo 475-P, parágrafo único do CPC. A escolha do credor
implica a renúncia da prerrogativa de foro do consumidor-idoso na fase de
execução. Como salienta o professor Sérgio Shimura
399
, a escolha pelo exeqüente
deve ser feita em sede de execução definitiva.
Por fim, em relação à competência originária dos
tribunais, não se admite o deslocamento da competência, não se lhe aplicando a
prerrogativa de foro do consumidor-idoso e nem tampouco o artigo 475-P do CPC
(destinado à execução em primeiro grau)
400
.
O processo de execução fundado em título
executivo extrajudicial.
A competência para a execução do título executivo
extrajudicial está disciplinada, no artigo 576 do CPC. Segundo aquele dispositivo
legal, a execução é processada sob os mesmos critérios do processo de
conhecimento (art. 88 a 124 do CPC).
Ora, se aplicáveis as disposições do processo de
conhecimento, quando a execução de título extrajudicial estiver fundada numa
398
Sérgio Shimura – “O princípio da menor gravosidade ao executado”, artigo inserido na obra
coletiva “Execução Civil de cumprimento da sentença”, p. 539-540.
399
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua efetividade”, p. 169. O nobre professor da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo aponta sérios problemas jurídicos, se permitido o deslocamento
da competência em sede de execução provisória. Nem sempre o juízo da execução pertence ao
mesmo tribunal que julga o recurso contra a sentença condenatória, o que pode gerar um entrave na
apreciação dos atos de execução.
400
Sérgio Shimura – “Execução da Sentença”, artigo inserido na obra coletiva “Aspectos
Polêmicos da Nova Execução 3”, p. 564.
222
relação jurídica entre um fornecedor e um consumidor-idoso, o último continua
titular da prerrogativa de foro.
A ação de execução será promovida, de acordo com o
domicílio do consumidor-idoso. Se ele for o credor, no domicílio do exeqüente. Se
ele foro o devedor, no domicílio do executado.
Observamos que a prerrogativa de foro do consumidor-
idoso afasta até mesmo a incidência das disposições contidas no artigo 100, IV do
CPC e nas leis especiais sobre a competência para a execução de títulos de
crédito
401
no foro do lugar do cumprimento da obrigação.
Isto é, como exeqüente, o consumidor-idoso pode optar
pelo ajuizamento da execução no foro do seu domicílio ou no foro do local do
pagamento. Não se descarta, a escolha pelo credor do domicílio do executado.
Na qualidade de executado, o consumidor-idoso pode
apresentar objeção sob o fundamento da incompetência absoluta do foro distinto do
seu domicílio. Ressaltamos que a argüição é feita por simples petição – ou objeção
de pré-executividade – porque a incompetência não é de natureza relativa
402
.
A execução individual e a execução coletiva.
Na execução individual, como já frisado, cabe ao
consumidor-idoso exercer ou não a prerrogativa de foro, como exeqüente e como
executado. Os contornos são aqueles mencionados nos itens anteriores.
401
Destacam-se as seguintes leis que regem a competência para cobrança das cambiais no foro do
lugar do cumprimento da obrigação: a) cheque (art. 2
º
, I da Lei n. 7.357/85), b) duplicata (art. 17 da
Lei n. 5.474/68), c) letra de câmbio (art. 1º., n. 5 da Lei Uniforme) e d) nota promissória (art. 75, n. 4
da Lei Uniforme).
223
A execução coletiva assume algumas peculiaridades.
Neste caso, o consumidor-idoso coletivamente considerado tem seu crédito
cobrado por um dos legitimados do artigo 82 do CDC.
No caso de cumprimento de sentença condenatória
relativa a direitos difusos e coletivos, como ensina Sérgio Shimura
403
, o credor terá
o prazo de 60 (sessenta) dias para iniciar a fase de execução, na forma do artigo 15
da Lei n. 7.347/85. Trata-se de prazo impróprio, uma vez que sua não observância
não retira do exeqüente a possibilidade de iniciar a fase de execução.
Se a associação ou outro ente legitimado não começar a
fase de execução, cabe ao Ministério Público fazê-lo. A execução pode ser
definitiva (se operado o trânsito em julgado) ou provisória (se pendente recurso não
recebido no efeito suspensivo, art. 14 da Lei n. 7.347/85).
Na fase de execução da sentença de ação coletiva,
encontra-se resolvida a questão da competência. Contudo, tem plena incidência o
disposto no artigo 475-P, parágrafo único do CPC, dispositivo voltado para a
economia processual e que viabiliza para o legitimado coletivo o ajuizamento da
fase de execução no foro da situação dos bens sujeitos à expropriação ou no foro
do domicílio do executado
404
.
Na execução da sentença condenatória relativa a direitos
individuais homogêneos tem conteúdo genérico na responsabilização do réu pela
reparação das perdas e danos (art. 95 do CDC). Por isso, depende de liquidação de
sentença e de execução.
402
De qualquer forma, ainda que apresentada sob a forma de exceção de incompetência, cabe ao
juiz da execução sua apreciação. A matéria – incompetência absoluta – é de ordem pública e deve
ser apreciada pelo juiz.
403
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua efetividade”, p. 170.
404
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua efetividade”, p. 168-169.
224
A liquidação ou a execução da sentença condenatória
relativa a direitos individuais homogêneos pode ser individual e coletiva, na forma
do artigo 97 do CDC. É individual, quando promovida pela própria vítima do evento
danoso. E coletiva, se promovida por um dos legitimados do artigo 82 do CDC.
E, conforme magistério do professor Sérgio Shimura
405
, a
liquidação ou execução individual pode ser requerida perante o foro ou domicílio do
credor diverso, pois, do Juízo da condenação. Amplia-se o leque de possibilidades
para processamento da execução – concorrência de competência.
Na hipótese da vítima como consumidor-idoso fica
reforçada a fundamentação para que a liquidação ou execução individual tramite no
foro do seu domicílio, a partir da sua prerrogativa de foro.
Concluindo-se, também na execução – como fase do
processo de conhecimento ou como processo autônomo – tem lugar a prerrogativa
de foro do consumidor-idoso.
405
Sérgio Shimura – “Tutela Coletiva e sua efetividade”, p. 170. Como salienta a professora Ada
Pellegrini Grinover – “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
Anteprojeto”, p. 891, o artigo 98, parágrafo 2º, I do CDC ligava-se ao parágrafo único do artigo 97 do
CDC, que acabou vetado. Porém, o veto não obsta a interpretação ampliativa da competência para
processamento da fase de execução individual da sentença coletiva condenatória genérica relativa a
direitos individuais homogêneos, de modo a permitir ao credor a opção pelo foro do seu domicílio.
Aplica-se, por extensão, o disposto no artigo 101, I do CDC. No mesmo sentido: Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria De Andrade Nery - “Leis Civis Comentadas”, p. 256.
225
CONCLUSÕES.
1. A “proteção do consumidor” desperta um grande
interesse tanto na sociedade como nos órgãos de poder estatal e retrata a
confluência de dois movimentos em prol dos cidadãos: a) o consumerismo e b) o
efetivo acesso à Justiça. A insuficiência do modelo liberal tornou insatisfatórias as
soluções do direito civil e do processo civil tradicionais, na busca de uma resposta
satisfatória ao conflito social entre consumidores e empresários ou mesmo para o
efetivo acesso à Justiça.
2. O reconhecimento de que o consumidor europeu
necessita de proteção torna induvidoso que, por maiores razões de cunhos social e
226
econômico, também o consumidor dos países latino-americanos demandem uma
maior tutela. O Brasil não deve fugir à regra da necessária proteção do consumidor.
3. A Constituição Federal de 1.988 dispôs
expressamente sobre a obrigação do Estado defender o consumidor, na forma da
lei, a teor do seu artigo 5
o
, inciso XXXII. Na condição de direito fundamental, pode-
se concluir que o cidadão enquanto consumidor deve contar com a proteção do
Estado.
4. Entendemos que, enquanto limite da atuação estatal, a
proteção do consumidor assume verdadeira obrigação negativa dos diversos
Poderes Públicos e da própria sociedade, que não poderão agir de forma a
prejudicar o interesse do consumidor. Nenhuma política pública como ato do Poder
Executivo, nenhuma lei como ato do Poder Legislativo e nenhum julgamento como
ato do Poder Judiciário poderão atuar contra os legítimos interesses do consumidor.
E também em relação à sociedade, como direito fundamental, a defesa do
consumidor deverá servir como limite da autonomia privada.
5. A disciplina das relações de consumo – ou defesa do
consumidor – é feita, a partir de então, de um sistema normativo formado por
princípios constitucionais e por um microssistema de princípios e dispositivos do
Código de Defesa do Consumidor. A lei no. 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor, CDC) cuidou da regulamentação da relação de consumo,
estabelecendo normas de ordem pública e de interesse social tanto para a proteção
do consumidor (sujeito da relação jurídica) como para preservação da própria
relação jurídica de consumo.
6. O Código de Defesa do Consumidor pode ser
qualificado como uma lei principiológica. A tutela por uma lei dita “principiológica” é
de suma importância, porquanto o conteúdo normativo integrado por princípios
reforça a sua eficácia e valoriza o seu conteúdo. Aliás, porque formada por
princípios (normas generalíssimas), a lei tem a vocação para ser ampla no seu
conteúdo e alcance, sendo capaz de atender as necessidades decorrentes das
227
modificações sociais.
7. O Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado
em conjunto com outras normas (Código Civil, Código Comercial e leis esparsas),
quando possível a harmonia entre elas. Havendo conflito entre as disposições da
Lei n. 8.078/90 e normas de outras leis na parte em que disciplinam a relação de
consumo, prevalecerão as primeiras. A aplicação conjunta de outras normas faz-se
necessária também para suprir as lacunas normativas do microssistema das
relações de consumo e, por isso, tende a ser subsidiária.
8. É preciso respeitar o idoso como pessoa humana,
dentro de suas características, que nada mais representam do que o natural
processo do envelhecimento. Para a dignidade do idoso, é necessário garantir-se a
ele o acesso a atividades apropriadas para sua condição física, alimentação
saudável, espaço para lazer, bom relacionamento social, liberdade de expressão,
consumo adequado, dentre outros tantos direitos básicos. Não se trata de tratar o
idoso como uma criança – erro freqüente – mas de reconhecer que se trata de uma
pessoa que se encontra diante das naturais circunstâncias específicas decorrentes
do estágio do processo de envelhecimento.
9. Assim como acontece com a tutela do consumidor, o
Brasil conta com um microssistema de proteção ao idoso. Tendo a Constituição
Federal de 1.988 como fonte a iluminar todo o sistema normativo, há uma farta
legislação ordinária federal, estadual e municipal que buscam tutelar o idoso. No
artigo 230 da Constituição Federal de 1.988, também como parte integrante da
dignidade humana que é fundamento da República (artigo 1º., inciso III), afirmou-se
o direito do idoso a uma vida digna, ganhando atenção o aspecto material. O texto
constitucional explicitou os direitos à vida, ao amparo na residência em caráter
preferencial e ao transporte urbano gratuito.
10. O Estatuto do Idoso traduz um microssistema
normativo – à semelhança do Código de Defesa do Consumidor e de outros
228
diplomas legais – e contém uma estrutura de princípios e regras sobre os diversos
pontos. Além de disposições gerais que retratam os direitos sociais e fundamentais,
a lei dispôs que envelhecer é um direito personalíssimo. A tutela jurídica do idoso
serve para garantir a concretização do direito de um envelhecimento digno ao
cidadão. No Estatuto do Idoso, estão disciplinados os direitos fundamentais: à vida,
à liberdade, aos alimentos, à saúde, à educação, à cultura, ao lazer, ao trabalho, à
previdência social, à assistência social, à habitação e ao transporte. Busca-se dar
ao idoso as condições materiais e imateriais para que possa viver com dignidade.
11. Urge que a modificação do conceito de acesso à
Justiça inserido no artigo 5º., inciso da Constituição Federal, agora visto como
efetivo e justo acesso a uma ordem jurídica justa, torne-se parte da realidade
concreta e pertença ao dia a dia do cidadão. E todos sabem que isso não acontece
pela simples vigência da Constituição Federal. Impõe-se reconhecer que a
conquista de um efetivo acesso à Justiça passa pela participação estatal na
remoção dos obstáculos (custas judiciais, igualdade das partes e problemas na
disciplina dos direitos difusos) para a realização daquele direito fundamental.
12. A interpretação da recepção do artigo 4º. da Lei n.
1.060/50 pelo artigo 5º., inciso LXXIV da Constituição Federal serve de alerta para a
problemática do acesso à Justiça. Se num país com notória e vergonhosa diferença
de classes sociais (leia-se distribuição de riqueza), ainda se encontram juristas e
operadores do direito com argumentos para se dificultar o acesso à Justiça de
pessoas com reduzidas posses e condições econômicas, o alerta de critérios de
interpretação deve ser colocado em grau máximo. No estudo dos direitos do
consumidor-idoso, o reconhecimento das circunstâncias que cercam a
vulnerabilidade do consumidor durante a velhice deve ser matriz da interpretação e
do seu resultado.
13. A regra do artigo 6º., incisos VI e VII do CDC é de
clareza solar: o consumidor tem o direito de buscar no Poder Judiciário a prevenção
à lesão dos seus direitos, ou, na pior das hipóteses, a reparação dos danos. A
229
proteção é ampla, porque alcançará danos patrimoniais ou morais, individuais ou
coletivos (abarcando os difusos e os individuais homogêneos).
14. O magistrado tem o dever imposto por lei, diante de
um processo judicial que envolve uma relação de consumo, de atuar de forma a
viabilizar o acesso à Justiça, propiciar o provimento jurisdicional adequado à tutela
pretendida e facilitar a defesa dos direitos do consumidor em Juízo. Trata-se de
concretizar um direito básico do consumidor.
15. A inversão do ônus da prova não é a única medida
facilitadora da defesa dos direitos do consumidor em Juízo. Outras medidas que
facilitam o acesso do consumidor à Justiça: criação de varas especializadas,
admissão de todas as ações para a tutela dos direitos, isenção de custas e
despesas processuais. Mais um alerta sobre a problemática do acesso à Justiça.
16. A polêmica sobre a inversão do ônus da prova e a
imposição do ônus financeiro da produção da prova também se ressente de
distorcidas interpretações dos operadores do direito, que podem diminuir a
concretização do acesso à Justiça e do direito básico conferido pelo sistema
normativo de facilitação da defesa em Juízo.
17. Na tutela do idoso, destaca-se a seguintes medidas
que facilitam seu acesso à Justiça: prioridade na tramitação do processo.
Entendemos que a preferência na tramitação, quando o idoso for autor, independe
de requerimento. Quando o idoso for o réu, a preferência exigirá pedido expresso. A
preferência poderá, inclusive, implicar a realização pela serventia do Poder
Judiciário de atos que seriam atribuídos à parte.
18. A conjugação dos diplomas legais permite a seguinte
conclusão: no caso das varas especializadas (art. 5º., IV do CDC e art. 70 do
Estatuto do Idoso), poderá se ter a “Vara Especializada do Consumidor- Idoso” ou o
Juizado Especial Cível do Consumidor Idoso”. A integração dos critérios de matéria
230
e pessoa traduz-se numa segmentação capaz de gerar, aparentemente, um órgão
judiciário sem os problemas causados pela amplitude do conceito de consumidor.
De qualquer forma, nada impede que também na vara especializada do
consumidor-idoso exista um desdobramento da matéria: “Vara Especializada do
Consumidor-Idoso em conflitos oriundos de contratos de assistência à saúde
(seguro-saúde, plano de saúde, assistência médica e hospitalar, exames, etc.)”.
19. Na defesa do consumidor-idoso, a aceitação de toda
sorte de ações judiciais para a defesa dos interesses e direitos significa uma
interpretação mais flexível das condições da ação. Ou seja, quando o juiz verificar a
legitimidade de parte, o interesse processual e a possibilidade jurídica do pedido, o
grau de exigência deve ser o menor possível.
20. A conjugação dos dispositivos do Código de Defesa
do Consumidor (art. 84) e do Estatuto do Idoso (art. 82) não deixa margem a
dúvidas: o que se busca é a tutela específica para o consumidor-idoso. A conversão
da obrigação de fazer (ou de não fazer) em perdas e danos deve ser evitada a todo
custo pelas medidas judiciais colocadas à disposição do magistrado, na obtenção
do resultado prático equivalente ao adimplemento. O mesmo vale para a obrigação
de entrega de coisa, numa interpretação sistemática, com a integração do artigo
461-A do Código de Processo Civil.
21. A prerrogativa de foro configura relevante medida
para a facilitação da defesa dos direitos do consumidor-idoso em Juízo. O
segmento social do consumidor-idoso retrata tanto uma situação jurídica em que as
pessoas encontram-se protegidas por normas constitucionais (art. 5º., XXXII e art.
230), como uma situação fática de desigualdade (fraquezas técnica, científica e
econômica notabilizadas pelas características psicológicas, físicas, biológicas e
sociais acarretadas pelo envelhecimento), justificando plenamente um tratamento
diferenciado na ordem jurídica. Quando se cria uma norma para tratamento
desigual do consumidor-idoso, está se aplicando o princípio da igualdade material
fiel às posições assumidas pela doutrina e pela jurisprudência.
231
22. Quando a lei (art. 6º., incisos VII e VIII do CDC)
confere ao consumidor direitos básicos consistentes em abertura das vias de
acesso aos órgãos judiciários e em facilitação da defesa dos direitos em Juízo,
deve ser admitido em favor dele (consumidor) a prerrogativa de foro.
23. O artigo 101, inciso I da Lei n. 8.078/90 disciplinou a
prerrogativa de foro do consumidor nas causas de discussão da responsabilidade
civil, seja ela contratual ou extracontratual. E, nesta linha de pensamento e adotado
um conceito amplo de consumidor, a prerrogativa de foro alcançará a quase
totalidade das ações que envolvam conflito de consumo. A prerrogativa de foro do
consumidor sempre foi interpretada como uma regra em seu benefício. Portanto, ele
pode renunciar ao seu direito. Como autor, o consumidor pode escolher o foro do
domicílio do fornecedor réu para ajuizar a ação. Como réu, o consumidor pode não
opor resistência à tramitação da demanda em foro diverso do seu domicílio.
24. Apesar de uma norma de ordem pública, a
prerrogativa de foro do consumidor poderá ser objeto de renúncia no momento – e
somente nele, daí porque ilegal a inclusão de uma cláusula de eleição de foro num
contrato de adesão – do ajuizamento da demanda. Parece-nos o melhor caminho
para, dentro de um sistema que busca a proteção do consumidor, garantir a
facilitação da defesa dos seus direitos em Juízo.
25. A prerrogativa de foro do consumidor vale tanto nas
ações individuais, como nas ações coletivas.
26. Nos termos do artigo 80 do Estatuto do Idoso, as
ações – para proteção de interesses difusos, interesses coletivos, interesses
individuais homogêneos e interesses individuais indisponíveis – serão promovidas,
no foro do domicílio do idoso. Ressalvou-se a competência da Justiça Federal para
os casos previstos em lei.
232
27. Entendemos que a natureza da competência
estabelecida pelo Estatuto do Idoso é absoluta e não pode ser desprezada pelo
operador do direito. Isto é, não pode ser interpretada como regra de competência
relativa. É cediço que as normas de competência absoluta são determinadas pelo
interesse público. Ora, ao optar pelo foro do domicílio do idoso, o legislador
disciplinou como de interesse público a inserção de tal regra de competência.
Cogitar-se de situações concretas e excepcionais em sentido contrário parece ser a
confirmação da regra.
28. Pode-se discutir as conseqüências desta natureza e
a amplitude. Como competência absoluta, a incompetência deve ser reconhecida
de ofício pelo juiz, não havendo lugar para a prorrogação. Significa que, a qualquer
tempo, por iniciativa própria ou por provocação da parte, o juiz poderá ordenar a
remessa da ação ao foro do domicílio do idoso.
29. Questão intrigante é saber se a competência
absoluta é disponível. Isto é, pode o idoso optar por outro foro, como o do domicílio
do réu ou do evento danoso, abrindo mão da prerrogativa de foro? Pensamos que
se possa flexibilizar a interpretação da regra. Sem que se desfaça da natureza
absoluta da competência, impõe-se reconhecer que a regra tem como critério a
qualidade da parte que participada da demanda: pessoa idosa. O interesse público
criou uma regra de competência territorial absoluta, fugindo à usual natureza
relativa daquela modalidade de competência. Não se têm na competência territorial
as dificuldades das outras espécies. Ainda que cogente a norma, pode-se defender
que o beneficiário da norma poderá, em alguma medida, exercer a disponibilidade
do direito.
30. Uma segunda discussão soma-se àquela sobre a
natureza da competência e de igual importância: qual o alcance do artigo 80 do
Estatuto do Idoso? Em que ações o idoso terá foro privilegiado? Há que identifique
a amplitude a prerrogativa de foro, exclusivamente a partir do artigo 79 do Estatuto
do Idoso. A proteção da lei não atingiu todas as ações em que o idoso for parte,
233
mas somente aquelas que têm como objeto os direitos protegidos no Estatuto do
Idoso. O artigo 80 do Estatuto do Idoso circunscreve a prerrogativa às ações
previstas no capítulo da proteção dos interesses difusos, coletivos, individuais
homogêneos e individuais indisponíveis. Entendemos que a função daquele
dispositivo legal (art. 79) é expletiva. Reforça que, nas ações de responsabilidade
com proteção às ações e serviços de saúde, ao atendimento especializado (por
deficiência, limitação incapacitante ou doença infecto-contagiosa) e ao serviço de
assistência social, o idoso poderá valer-se da lei. Não restringe, mas apenas reitera
uma proteção que é qualificada pela lei como essencial. Imaginar que todo o
sistema de proteção judicial e processual do Estatuto do Idoso se curvou a uma
limitada gama de situações traduz uma ilógica tutela do idoso e seus direitos. Por
que a construção de toda uma constelação de direitos e tutelas (material,
administrativa, processual e penal), se restrita a proteção judicial? Por isso,
entendemos que as disposições do Capítulo III do Estatuto do Idoso devem ser
compreendidas como incidentes na defesa de todos os interesses e direitos
protegidos pela Lei n. 10.741/2003.
31. Nas ações coletivas e individuais, incluindo-se o
mandado de segurança deve haver respeito à prerrogativa de foro do idoso.
Respeita-se, logicamente, a divisão entre as competências da Justiça Federal e da
Justiça Estadual, porém sem prejuízo para a identificação do foro (seção judiciária
ou comarca) de domicílio do idoso.
32. Entendemos que, sob o enfoque da proteção do
consumidor-idoso, a prerrogativa de foro deve ser considerada uma regra de
competência absoluta. O alcance de tal conclusão será o mesmo emprestado à
natureza absoluta prevista no artigo 80 do Estatuto do Idoso.
33. A prerrogativa de foro do consumidor-idoso aplica-se
nas ações individuais e nas ações coletivas.
234
34. Nas ações individuais, a solução será distinta para as
situações do consumidor-idoso como autor ou réu.
34-A. Como autor, entendemos que poderá ele valer-se
ou não da prerrogativa de foro. É ele consumidor-idoso quem fará a opção de litigar
no foro do seu domicílio, ou em outro foro que a lei processual lhe faculte (do local
dos fatos, do local dos danos, do domicílio do réu, etc.). Se não houver menção
expressa na petição inicial sobre a renúncia à prerrogativa de foro, poderá o juiz
questionar a parte sobre o assunto. Não poderá simplesmente determinar a
redistribuição da ação, diante daquela prerrogativa. Somente em situações
excepcionais, em que ficar evidente que a renúncia à prerrogativa de foro traduz
manifesto prejuízo à defesa dos direitos do consumidor-idoso em Juízo, poderá o
juiz – mesmo contra vontade da parte – ordenar a redistribuição da ação.
34-B. E como réu, entendemos que a solução do
consumidor-idoso seja aquela já propugnada na incidência do artigo 80 do Estatuto
do Idoso. Sendo de natureza absoluta, a incompetência pode ser argüida, a
qualquer tempo e grau de jurisdição, por simples petição (art. 113 do CPC). Se a
incompetência absoluta for invocada pela parte contrária ou, pronunciada pelo juiz
de ofício, entendemos que haverá lugar para a manifestação expressa do
consumidor-idoso, como réu, quanto à prerrogativa de foro. Poderá o consumidor-
idoso, enquanto réu, renunciar ao direito, declinando as razões. Nesta hipótese,
caberá ao juiz avaliá-las e decidir se a manifestação de vontade deve ser
considerada válida. Somente em situações excepcionais, poderá o juiz rejeitar a
renúncia à prerrogativa de foro.
34-C. A situação de pluralidade de domicílios não
prejudica a análise. Como autor, o consumidor-idoso pode escolher qualquer deles
para propositura da ação. Como réu, o consumidor-idoso pode ser demandado em
qualquer dos seus domicílios, cabendo a escolha ao autor da ação. Ainda no caso
do consumidor-idoso como réu, a escolha do foro do domicílio feita autor
235
(fornecedor) será passível de impugnação, nas hipóteses em que a opção se
revelar contrária à facilitação da sua defesa em Juízo.
35. Nas ações coletivas, como integrar as normas do
Código de Defesa do Consumidor, da Lei de Ação Civil Pública e do Estatuto do
Idoso? Como interpretar a prerrogativa de foro do consumidor-idoso nas ações
coletivas?
35-A. A variedade da disciplina normativa deve ser
interpretada, buscando-se um resultado que sirva de benefício do consumidor-
idoso, coletivamente considerado. A solução deverá voltar-se para a consecução do
objetivo de concretização do princípio e direito fundamental de acesso à Justiça e
da materialização do direito básico de facilitação da defesa em Juízo dos direitos
coletivos do consumidor-idoso.
35-B. Acaso todos os consumidores idosos afetados pela
ação coletiva tenham domicílios numa única comarca (ou seção judiciária no caso
de competência da Justiça Federal), será ali o foro competente. Haverá
concorrência de foros competentes, uma vez que o legitimado poderá optar pelo
foro do local dos danos – se distinto do foro dos domicílios dos idosos.
35-C. Se os foros dos domicílios dos idosos forem
diferentes, caberá a análise da repercussão do dano. Inicialmente, se do dano for
local, pode-se cogitar que a melhor solução será a aplicação do artigo 93, inciso I
do Código de Defesa do Consumidor, cuja redação é similar ao artigo 2º. da Lei n.
7.347/85. Entendemos que dano local é aquele que se circunscreve aos limites de
uma comarca ou, que pode atingir mais comarcas que não constituam região
metropolitana e nem configurem um alcance nacional. Se o dano alcançou uma
única comarca (ou seção judiciária), ali será o foro competente. Se o dano alcançou
mais de uma comarca (ou seção judiciária), haverá concorrência de foros
competentes, definindo-se a prevenção pela precedência na distribuição da
demanda coletiva.
236
35-D. De acordo com o disposto no artigo 93, inciso II do
Código de Defesa do Consumidor, se o dano for regional ou de âmbito nacional, a
competência será do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal. Entendemos
que âmbito regional diz respeito à “região metropolitana” da Capital de um Estado,
conforme dispuser a legislação estadual. Em outros termos, quando se fala em
âmbito regional do dano, significa que, além da comarca da Capital do Estado,
outras comarcas da região metropolitana foram atingidas. O dano de âmbito
nacional será aquele que se projeta para mais de uma Capital dos Estados ou
atinge o Distrito Federal e uma ou mais Capitais dos Estados. Nesta linha, em
quaisquer das Capitais atingidas pelo dano ou no Distrito Federal será promovida a
ação coletiva.
35.E. Por fim, não se descarta a preferência pelo
domicílio do legitimado, num conjugada incidência do artigo 101, I do Código de
Defesa do Consumidor e do artigo 80 do Estatuto do Idoso, quando houver
benefício para a defesa dos direitos coletivos dos consumidores idosos. Por
exemplo, o ajuizamento da ação coletiva no domicílio de uma associação para
proteção dos interesses e direitos dos consumidores idosos.
36. A disciplina da conexão deve ser analisada
separadamente nas seguintes situações: a) entre ações individuais, b) entre ações
coletivas e c) entre ações individuais e ações coletivas.
36.A. A Conexão entre ações individuais. De acordo
com a regra do artigo 106 do Código de Processo Civil, se as ações conexas
tramitam em diferentes Juízos situados na mesma comarca ou seção judiciária, a
competência é fixada em favor daquele Juízo que despachou em primeiro lugar. E,
se as ações conexas tramitam em comarcas diversas, a prevenção é determinada
pela precedência da citação, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil.
Contudo, se uma das ações individuais conexas tramita em determinado foro ou
Juízo pela natureza absoluta da competência, a reunião das ações somente será
237
possível se não houver impedimento a tanto. Isto é, necessário que a identificação
do foro ou Juízo não traduz ofensa à norma de competência absoluta. Em suma, o
fato de um dos foros não ser competente para apreciar a causa em que envolva o
consumidor-idoso impõe a remessa da ação conexa para o outro foro – aquele em
que se situa o domicílio dele consumidor-idoso, diante da competência absoluta –
com o objetivo de reunião das ações.
36.B. A conexão entre ações coletivas. Entendemos que,
no sistema do processo coletivo, não se aplicam as regras dos artigos 106 ou 219
do CPC. Definitivamente, a citação deixa de ser um critério utilizado na aferição da
prevenção. A Lei de Ação Civil Pública disciplinou especificamente a questão e
mencionou a propositura da ação como critério para fixação da prevenção. Pode-se
dizer que a ação é considerada proposta, na forma do artigo 263 do CPC, nos
seguintes termos: a) se a comarca ou seção judiciária tem apenas uma Vara, na
data do despacho que ordena a citação e b) se na comarca tem mais de uma Vara,
na data da distribuição. O critério da propositura da ação pode ser utilizado em
qualquer modalidade de ação coletiva. Na ação de improbidade (art. 17, par. 5º., da
Lei n. 8.429/1992) e na ação popular (art. 5º., par. 3º., da Lei n. 4.717/65), há
expressa disposição sobre o tema. Pode haver conexão entre as várias espécies de
ações coletivas.
36.C. Entre ações individuais e ações coletivas não deve
haver reunião das ações por conexão. A reunião implica a violação de direitos
individuais dos consumidores que forem compelidos a litigarem em foro diverso do
domicílio dos mesmos. No lugar de facilitar a defesa do consumidor em Juízo, a
decisão judicial cria uma dificuldade. Nem se diga que a reunião das ações produz
o desejável efeito de uma igual solução para todos conflitos. O custo para uma
solução homogênea é tão grande que significa a própria negativa da Justiça. Pode
ser tão demorado e complicado processar todas as ações individuais e ações
coletivas num único Juízo, que o resultado é extremamente contraproducente para
a prestação jurisdicional. Em temas com repercussão nacional pelo número
estrondoso de ações individuais, a homogeneização termina por ocorrer em fase
238
recursal, ou mesmo nos tribunais superiores. No Supremo Tribunal Federal, em
matéria constitucional. No Superior Tribunal de Justiça, em matéria de lei federal.
36.D. A análise da posição do professor Kazuo
Watanabe sobre as ações “pseudo-individuais”, destacando aquilo que se
denomina como natureza unitária e incindível da relação jurídica aproxima-se do
traço comum das demandas. Na maioria das vezes, aquele ponto comum que liga
todas as ações individuais situa-se no fundamento jurídico. Pensamos que as lides
coletivas e as lides individuais são diversas. Por isso, reafirmamos nos posição
afirmativa da possibilidade de discussão das ações individuais, anteriores e
posteriores à ação coletiva, podendo haver suspensão das demandas, na forma do
artigo 104 do CDC. Ou seja, ou as ações individuais tramitam e não recebem os
efeitos da coisa julgada da demanda coletiva, ou elas são suspensas até o trânsito
em julgado da ação coletiva. Trata-se de uma política legislativa - sem que possa se
vislumbrar inconstitucionalidade - que reconhece a vulnerabilidade (fraqueza) do
consumidor e o beneficia. Na verdade, o problema identificado pelo nobre jurista
Kazuo Watanabe diz respeito à exigência de decisões judiciais iguais para
situações jurídicas idênticas ou semelhantes. Trata-se de uma questão tormentosa
na identificação do significado da Justiça como valor a inspirar a atuação do Poder
Judiciário – ou definir seu próprio objetivo – mas que não serve de supedâneo para
obstar o ingresso de uma ação individual.
37. A intervenção de terceiros é examinada,
separadamente, nas ações individuais e nas ações coletivas.
37-A. Na ação individual, a assistência (simples e
litisconsorcial) e as diversas formas de intervenção de terceiros (nomeação à
autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo e oposição) podem
ocorrer. Nesta linha, é possível dizer que a intervenção de terceiro que envolve
um consumidor-idoso pode traduzir uma inovação subjetiva no processo, quando
o consumidor-idoso figurar como: a) assistente litisconsorcial (art. 54 do CPC), b)
opoente (art. 56 e 57 do CPC), c) nomeado à autoria (art. 62 e 63 do CPC), d)
239
denunciado à lide (art. 70 e 71 do CPC), e) chamado ao processo (art. 77 e 78
do CPC), d). Observamos que, em situações de competência absoluta em razão
da pessoa ou da matéria, a assistência e a intervenção de terceiros podem
deslocar a competência. Nada impede o consumidor-idoso em optar por
promover no foro do seu domicílio uma ação autônoma, no lugar de deduzir
oposição ou fazer a denunciação da lide. E assim fazendo, reconhecida a
conexão de causas, a reunião se dará no foro do seu domicílio, considerada a
competência absoluta. Logo, não há sentido para se negar o deslocamento da
competência em favor do foro do domicílio do consumidor idoso também nas
referidas hipóteses de intervenção de terceiros.
37-B. Nas ações coletivas. E duas situações são
consideradas: a) o consumidor-idoso, individualmente considerado e b) o
consumidor-idoso, coletivamente considerado.
37-C. O consumidor-idoso, individualmente considerado,
pode assumir a condição de litisconsorte da ação civil pública, se também puder
propor a ação popular ou se quiser aderir ao pedido coletivo (art. 94 do CDC). Nada
impede que, nas ações coletivas, mais especificamente na ação civil pública e na
ação popular (art. 6º., par. 5º., da Lei n. 4.717/65), tenha-se a figura do consumidor-
idoso como assistente na sua forma simples (art. 50 do CPC). Se assim agir, a
competência é determinada como afirmado anteriormente pelo interesse público
mais abrangente – o direito do consumidor-idoso (individual), por exemplo, pode
ceder diante do direito do consumidor (coletivamente considerado).
37-D. Entendemos que, nas ações coletivas, não há
espaço para a oposição.
37- E. Na ação popular não se permite a denunciação da
lide, nomeação à autoria e chamamento ao processo em razão da peculiaridade do
direito envolvido - direito coletivo.
240
37- F. Entendemos que, embora difícil, pode ocorrer uma
nomeação à autoria em sede de ação civil pública. Em tese, uma vez acionado em
nome próprio, o réu pode deduzir o incidente de nomeação à autoria (art. 62 e 63
do CPC), visando a correção do pólo passivo da demanda coletiva.
37- G. Na ação civil pública, cogita-se o cabimento da
denunciação da lide e o chamamento ao processo. Todavia, nos parecem
inadmissíveis aquelas modalidades de intervenção de terceiros em ações que
digam respeito a direito do consumidor, sem a concordância do último. Isto é, na
hipótese de um consumidor-idoso (individual ou associação) ser denunciado à lide
ou ser chamado ao processo, a sua intervenção no processo coletivo não serve
para alterar a competência. Prevalece a regra de competência absoluta que
determinou o ajuizamento no foro em já era processada a demanda, ao tempo da
intervenção de terceiros.
38. A regra do artigo 475-P do CPC, ao possibilitar que
na fase de execução o credor possa optar entre prosseguir no Juízo da condenação
e solicitar o deslocamento da competência para o juízo do local dos bens sujeitos à
expropriação ou do foro do domicílio do executado representou verdadeira
mitigação do princípio da perpetuatio jurisdictionis. Entendemos que, na fase de
execução, sendo o consumidor-idoso executado, o deslocamento do foro
competente somente pode ocorrer em detrimento do foro de seu domicílio para
abarcar o foro de localização dos seus bens, se contar com sua expressa
concordância. Quando o consumidor-idoso for o credor (exeqüente), pode exercer
livremente a opção de prosseguir na fase de execução no juízo em que se
localizam os bens sujeitos à expropriação ou no foro do domicílio do executado, na
forma do artigo 475-P, parágrafo único do CPC. A escolha do credor implica a
renúncia da prerrogativa de foro do consumidor-idoso na fase de execução.
39. Na ação de execução de título extrajudicial,
observamos que a prerrogativa de foro do consumidor-idoso afasta a incidência das
241
disposições contidas no artigo 100, IV do CPC e nas leis especiais sobre a
competência para a execução de títulos de crédito no foro do lugar do cumprimento
da obrigação. Como exeqüente, o consumidor-idoso pode optar pelo ajuizamento
da execução no foro do seu domicílio ou no foro do local do pagamento. Não se
descarta, a escolha pelo credor do domicílio do executado. Na qualidade de
executado, o consumidor-idoso pode apresentar objeção sob o fundamento da
incompetência absoluta do foro distinto do seu domicílio. Ressaltamos que a
argüição é feita por simples petição – ou objeção de pré-executividade – porque a
incompetência não é de natureza relativa.
40. A execução coletiva assume algumas peculiaridades.
Neste caso, o consumidor-idoso coletivamente considerado tem seu crédito
cobrado por um dos legitimados do artigo 82 do CDC. O credor terá o prazo de 60
(sessenta) dias para iniciar a fase de execução, na forma do artigo 15 da Lei n.
7.347/85. Na fase de execução da sentença de ação coletiva, encontra-se resolvida
a questão da competência. Contudo, tem plena incidência o disposto no artigo 475-
P, parágrafo único do CPC, dispositivo voltado para a economia processual e que
viabiliza para o legitimado coletivo o ajuizamento da fase de execução no foro da
situação dos bens sujeitos à expropriação ou no foro do domicílio do executado.
40 – A. Na execução da sentença condenatória relativa a
direitos individuais homogêneos tem conteúdo genérico na responsabilização do réu
pela reparação das perdas e danos (art. 95 do CDC). Por isso, depende de
liquidação de sentença e de execução. A liquidação ou a execução da sentença
condenatória relativa a direitos individuais homogêneos pode ser individual e
coletiva, na forma do artigo 97 do CDC. É individual, quando promovida pela própria
vítima do evento danoso. E coletiva, se promovida por um dos legitimados do artigo
82 do CDC. Na hipótese da vítima como consumidor-idoso fica reforçada a
fundamentação para que a liquidação ou execução individual tramite no foro do seu
domicílio, a partir da sua prerrogativa de foro.
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