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Rosangela Garcia Medeiros
Estratégias interacionais presentes em Os sete gatinhos de
Nelson Rodrigues
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2007
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Rosangela Garcia Medeiros
Estratégias interacionais presentes em Os sete gatinhos, de
Nelson Rodrigues
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Língua Portuguesa, sob a orientação do Prof.
Doutor Dino Preti.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
São Paulo - 2007
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3
Comissão Julgadora
____________________________
___________________________
____________________________
4
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação por processos fotocopiados ou eletrônicos.
Assinatura Local e data
_____________________ _______________________
5
Agradecimentos
A Deus, pela oportunidade da existência;
Ao querido professor Dino Preti, pela orientação sempre disposta, pela
generosidade e pelo incentivo;
Ao professor Hudinilson Urbano, pela leitura atenta e contribuição valiosa;
À professora Ana Rosa Ferreira Dias, pelo incentivo, pelas sugestões tão
pertinentes e pelo carinho;
Aos meus pais, pelo incentivo e motivação para a luta;
Ao Valmir, esposo e amigo, pelo tratamento humano, pela solidariedade e
desprendimento;
Ao Gustavo, à Gabriela, ao Guilherme e à Giovana, filhos queridos, pela minha
ausência;
Ao professores do curso, pelos conhecimentos transmitidos e pela vivência
partilhada;
À Maria de Lourdes Scaglione Brito, secretária do programa, pelo atendimento
cordial e gentil;
Aos colegas do curso, pela constante possibilidade de troca.
Obrigada por tudo.
6
Resumo
A linguagem tem como principal função transmitir informações entre os
interlocutores. Além disso, é uma forma de propiciar aos membros de uma
comunidade diferentes atos e comportamentos, levando-se em consideração
os funcionamentos e regras estabelecidas pelo grupo social em que estão
inseridos.
O objetivo deste trabalho é verificar as características presentes no
processo interacional entre as personagens da peça Os sete gatinhos e os
elementos que concorrem para este estabelecimento, marcados em um texto
teatral.
O presente estudo parte de uma pequena amostra de elementos
interacionais presentes na peça no intuito de demonstrar como as
personagens se posicionam diante das estratégias no momento da
conversação.
Para isso, alguns elementos foram destacados, como por exemplo, o
uso dos pronomes, as frases formulaicas (frases feitas) e as relações de
conhecimento que cada uma apresenta, os diminutivos e a intencionalidade
que o uso dessas palavras pode sugerir no contexto, a escolha de um vocábulo
gírio e as muitas possibilidades de relações entre os interlocutores que sentem
a necessidade de preservar a face diante de uma situação.
As emoções, os sentimentos e as opiniões presentes nas falas
das personagens refletem, no texto, marcas da oralidade.
7
Abstract
Language has as principal function to transmit information among the
speakers. Besides that, it's a way to provide the members of a community
different acts and behavior, considering the functioning and the established
rules for the social group in which they are inserted.
The objective of this work is to verify the present characteristics on the
interacional process between the characters of the play Os sete gatinhos and
the elements that compete for the establishment of relations on linguistic
interaction, so present on spoken language, pointed out on a theater text.
The present study begins from a small sample of international elements
in the play and showing how the characters face the problems, for example, the
use of pronouns, the "ready sentences" and the relations of knowledge that
each one introduces, the diminutive and the intentionality that the use of this
words can suggest in the context; the choice of a slang vocabulary and a lot of
relations possible among the speakers that feel the need to preserve the face in
front of these situations.
The emotions, feelings and opinions present on the character's
conversations reflect, in the text, marks of the speech.
8
Sumário
Considerações iniciais 9
Apresentação do Corpus 11
Ilustração 11
Capítulo 1 - O Corpus 14
1.1. O autor e a obra 19
1.2. Contextualização histórica e política 21
1.3. Getúlio Vargas 22
1.4. Juscelino Kubitschek 24
1.5. Os anos 50 - Cultura, arte e religião 25
Capítulo 2 - Referencial teórico 28
2.1. Processo interacional 28
2.2. Linguagem formulaica 33
2.3. Formas de tratamento 37
2.4. Uso de diminutivos 46
2.5. A gíria 51
2.6. Preservação da face 56
Capítulo 3 - Problemas interacionais selecionados do corpus 63
3.1. Frases formulaicas - expressões vindas da boca do povo 63
3.2. As formas de tratamento e papéis sociais 76
3.3. Uso de expressões diminutivas 88
3.4. A gíria 98
3.5. Preservação da face 108
Considerações finais 119
Referências bibliográficas 122
Anexo 127
9
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A linguagem é um instrumento de que todos nós falantes dispomos para
estabelecer contatos e é por meio dela que identificamos elementos da
sociedade, visto que ela revela aspectos característicos como faixa etária,
profissão, gênero (o sexo), o status adquirido ou até mesmo a face que certo
interlocutor tem a intenção de preservar.
Não podemos nos esquecer de que a linguagem, além do momento de
interação, é também usada no momento da demonstração de sentimentos e
emoções. É muito grande a influência que a linguagem exerce na vida das
pessoas, porque tem o poder de modificar o comportamento lingüístico de uma
sociedade. Preti (2003:12) afirma:
A língua funciona como um elemento de interação entre o indivíduo e a
sociedade em que atua. É através dela que a realidade se transforma em
signos, pela associação de significantes sonoros e significados arbitrários, com
os quais se processa a comunicação lingüística.
Essas transformações provocam reações diferenciadas nos usuários da
língua, uma vez que não são todos que se manifestam da mesma maneira.
O presente estudo adota como fundamentação teórica alguns elementos
da Sociolingüística e da Análise da Conversação com o objetivo de demonstrar
marcas da oralidade no corpus selecionado, a peça Os sete gatinhos, de
Nelson Rodrigues, destacando situações específicas, assim como a
confirmação dos sentidos por meio de estratégias interacionais.
Ao pretendermos abordar a questão das estratégias interacionais no
texto teatral, optamos por Nelson Rodrigues, porque é um autor que continua
atual, uma vez que seus temas são polêmicos. Além disso, sua linguagem nos
oferece oportunidade de descobrir questões sociolingüísticas sobre as quais
nos propomos a refletir.
10
Quanto aos procedimentos de análise, iniciamos com uma
contextualização sócio-histórica (primeiro capítulo) e passamos à abordagem
dos aspectos teóricos (segundo capítulo) para que embasassem a análise
proposta (terceiro capítulo).
Sem deixar de destacar a importância da escrita, este estudo busca
analisar, no processo interacional, alguns aspectos da oralidade que se
mostram presentes no texto escrito. Marcuschi (2003:17) afirma:
Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias,
mas não suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas lingüísticos
nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e
coerentes, ambos permitem a elaboração de raciocínios abstratos e
exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim
por diante.
Nos diálogos do texto teatral em questão, vamos refletir sobre o uso de
expressões diminutivas, o uso da gíria, das formas de tratamento em relação
aos papéis sociais, da preservação da face e da linguagem formulaica.
Nesse trajeto de análise, as gírias e os tratamentos usados no
processo interacional tendem a dialogar com as transformações sociais e com
as modificações nos papéis sociais assumidos pelos interlocutores, os quais
acabam, muitas vezes, permitindo considerações acerca da preservação da
face, seja pela postura individual, seja pela incorporação do discurso ideológico
predominante.
Ao elegermos esta obra e este referencial teórico, procurando relacioná-
los com os exemplos selecionados, desejamos contribuir para a percepção do
continuum que entre a fala e a escrita, bem como entre a expressão e a
comunicação, o individual e o social, para chegarmos a uma conclusão: que a
interação só é possível com a parceria dos interlocutores.
11
Apresentação do Corpus
Publicadas em O anjo pornográfico.
12
Publicada em Nelson Rodrigues - Teatro completo
13
Publicada em Nelson Rodrigues - Teatro completo
14
1. O CORPUS
Nosso corpus foi selecionado por apresentar recurso de transmissão de
conteúdo ficcional observado por quem faz a leitura e recurso de
espontaneidade e naturalidade da fala natural das personagens por quem
assiste à encenação no palco.
Não se trata de um texto transcrito da língua falada, pois para isso
teríamos que nos valer de um tempo muito além do que nos é possível. Nosso
intuito é mostrar que Nelson Rodrigues utiliza-se da oralidade nos diálogos de
suas personagens para criar efeitos diferentes no processo narrativo. Os
recursos da oralidade são usados para demonstrar um resultado natural nas
personagens que usam uma linguagem do dia-a-dia.
Nesse aspecto, conforme argumenta Tannen (1996:137), "as
personagens usam diferentes recursos lingüísticos para alcançar fins
semelhantes, recursos semelhantes para alcançar fins diferentes e mesmos
recursos para os mesmos fins".
Não faremos aqui um julgamento do conteúdo literário, mas sim uma
observação, pequena, da linguagem das personagens tomando como
parâmetro a Análise da Conversação.
O autor surpreende o leitor e a platéia com a forma da narrativa de suas
personagens, que traz vida a suas falas, que envolve e que absorve o público
com a marca da simplicidade do cotidiano.
Nos anos cinqüenta, o padrão de comportamento da sociedade estava
em constante mudança e Nelson Rodrigues, um jornalista dedicado, um autor
crítico, não se deixava anular diante de tal situação. Na tentativa de dar um
novo rumo ao teatro brasileiro, Nelson apresentou uma linguagem
expressionista e temas ousados para uma época acostumada com
dramalhões herdados do século XIX.
Considerado polêmico para sua época, gostava de passar em suas
peças o escracho, o deboche e a ironia. Os temas comumente tratados eram a
morte, a virgindade, o ciúme, o incesto, o nascimento, a fraqueza, a canalhice
humana. Nem sempre suas peças eram entendidas pelo público. Desta forma,
conquistou uma lista de admiradores e também de inimigos que o acusavam
15
de denegrir a imagem da família brasileira, sendo alvo de muitas críticas, vaias
e até mesmo da censura.
Em resposta, suas atitudes eram as mais diferentes possíveis e chegava
até o ponto de discutir com a platéia depois de alguns espetáculos.
Normalmente respondia: “Quem entendeu, entendesse. Quem não entendesse,
azeite”. (Castro, 2004: 218).
No início de 1950, Nelson dizia-se vítima da censura quando escreveu
Dorotéia e a enviou para ser avaliada como se fosse de outro autor:
Desta vez Nelson não quis jogar com a sorte: depois de três interdições
seguidas (duas definitivas), calculou que era a ele que os censores queriam
matar a pauladas, como a uma ratazana prenhe o às peças. Então
mandou Dorotéia” para
a censura como “um original de Walter Paíno” –
cunhado de Nonoca e a peça passou sem um arranhão. Os censores devem
ter ficado para morrer ao vê-la anunciada, tempos depois, como mais uma do
abjeto e excomungado Nelson Rodrigues. Mas tiveram de morder a bala
porque, se a proibissem, ficaria caracterizada a perseguição. (Castro, 2004:
217).
Irreverente ao extremo, Nelson teve sua produção teatral cheia de altos
e baixos com o predomínio de temas chocantes. Não media esforços para ver
suas obras apresentadas, pedia que amigos dessem opiniões sobre suas
peças, mesmo que, com isso, fosse muitas vezes criticado ou elogiado por
artistas, políticos e pessoas conhecidas:
“Bandeira ouviu aquilo e torceu o nariz. Uma peça que precisasse ser lida
com tanta atenção, que diacho seria no palco? Obrigaria a se comportar
como se estivesse numa igreja? O poeta pediu que Nelson telefonasse da
dois dias. Nelson quase não dormiu, com palpitações. No dia marcado, ligou.
Bandeira foi perfeito:‘Li duas vezes. (...) O que me agrada na peça é que não
tem literatice.’” (Castro, 2004: 159).
Escreveu muitas peças, algumas com enorme aceitação, outras o.
Depois do sucesso da peça Dorotéia, estrelada por Dercy Gonçalves, Nelson
escreveu Os sete gatinhos e enviou uma cópia para Millôr Fernandes e outra
16
para Paulo Mendes Campos e os advertiu: “Eu sei que vocês vão achar
sensacional. E não me venham com pequenas restrições”. (Castro, 2004: 287).
Ele estava certo. Com Os sete gatinhos não poderia ser diferente.
Escrita em 1958, época em que valores como a virgindade eram muito
respeitados, Nelson conseguiu mais uma vez, despir a pureza da sociedade
brasileira e mostrar uma família carioca com as quatro filhas prostituídas para a
redenção da filha mais nova.
Em outubro daquele ano a peça estreou com a produção de Milton
Rodrigues e com o patrocínio de Leonardo Bloch, então diretor de Manchete.
Os sete gatinhos foi encenada durante quase três meses e na primeira
apresentação teve lotação esgotada e aplaudida de pé:
Nelson não gostava de interpretações sociologizantes ou economicistas de
suas peças. “Para mim, seja de que classe for, seja esquimó ou mandarim, o
homem continua sendo o mesmo homem”, ele diria, anos depois. Mas, em
1958, não interessavam os motivos do sucesso Nelson saboreou o triunfo
de “Os sete gatinhos” como se ele fosse um bilhete premiado que achasse na
rua. Alias ninguém ficou mais surpreso com esse triunfo do que ele. (Castro,
2004: 288).
Paulo Mendes Campos, amigo de Nelson, escreveu em certa ocasião:
“Acho ‘Os sete gatinhos’ a melhor peça de Nelson Rodrigues e um dos
trabalhos mais belos, mais fortes e mais impressionantes do teatro mundial
contemporâneo” (Castro, 2004: 287).
Dividida em três atos, retrata a vida de uma família humilde. O enredo é
simples: Nelson Rodrigues descreveu uma família, com todas as suas
diferenças e com todos os seus problemas, composta por “seu” Noronha, um
humilde contínuo que se passava por um alto funcionário da Câmara dos
Deputados; a mãe, uma mulher aparentemente normal, mas que tem sua
personalidade revelada logo no começo, quando escreve palavrões nas
paredes do banheiro; as quatro primeiras filhas, cada uma com um
temperamento diferente e com algo em comum: a prostituição com um único
objetivo: a compra do enxoval da irmã mais nova, aquela “maninha” que vai se
casar virgem e com todo o luxo que a cerimônia requer.
17
Depois da estréia, muitos criticaram Nelson por ter “jogado a sujeira para
baixo do tapete”. Outros viravam o rosto e o culpavam de “deleitar-se com a
podridão“. Conforme declara Castro (2004:288), muitos acusavam-no de
“exploração ignominiosa e lucrativa de crimes torpes” e muito mais.
Mas Nelson, com seu temperamento crítico e irreverente, achava uma
resposta para tudo: “Minhas peças são obras morais. Deveriam ser encenadas
nas escolas primárias e nas secundários.” (Castro, 2004: 288).
Nelson tinha total consciência de seu papel de comunicador, de artista.
Em entrevista ao jornal O Globo em 31/08/1971, afirmou:
Agora mesmo, sinto, debaixo de minha mesa, todo um filão de lembranças
teatrais. Coisa curiosa. Sempre que uma peça minha é encenada, faço uns
poucos amigos e muitíssimos inimigos. Por exemplo: na estréia de Perdoa-
me por me traíres, representei os primeiros dez dias da tragédia. O patético é
que não tinha nenhuma ilusão: sabia-me o pior ator do mundo. Mas por se
tratar de uma peça polêmica e, além disso, por solidariedade ao meu
empresário Gláucio Gill, entrei no elenco. Pois bem. Do palco, eu olhava a
platéia. E tinha a sensação de que cada espectador era um ódio sentado.
(Rodrigues, 2004a: 271).
Os dramas vividos pelos seres humanos e encobertos pela sociedade
eram desmascarados em suas peças. Suas personagens apresentavam os
problemas existenciais sem disfarces, sem máscaras. As mulheres ocupavam
um lugar de destaque porque buscavam o amor e a realização sexual diante de
uma sociedade machista e principalmente, preconceituosa:
Quando baixou o pano sobre o final do terceiro ato começou uma vaia
espantosa. Vi uma senhora, montada nas costas da poltrona, a esganiçar
contra mim palavrões jamais suspeitados. Foi então que, em revide, berrei do
palco: "Estou sendo aplaudido pelo público e vaiado pelos zebus." O que eu
achava público era uma minoria batida e acuada. Durante uma boa meia
hora, só se viu e se ouviu a vaia. Se me perguntarem - "qual foi a sua
maior vaidade autoral?" - darei a seguinte resposta fulminante: "Foi a vaia de
Perdoa-me por me traíres. Naquele momento, eu me realizava
espetacularmente como dramaturgo." (Rodrigues, 2004a: 271).
18
Em Os sete gatinhos, os problemas sociais são revelados com o intuito
de fazer com que o homem se dispa da moralidade e da inquietude que é
aparente. Assim, "seu" Noronha, um pai de família, mente para manter sua
aparência; D. Aracy tapa os olhos e mantém-se cúmplice com as atitudes das
filhas que se prostituem com uma justificativa - a redenção da irmã mais nova,
virgem, para o casamento.
Paulo Mendes Campos, referindo-se à obra, assim se pronuncia:
Para Nelson Rodrigues, creio, o centro de gravidade de sua obra está na
figura da virgem, mito que expande uma luz difusa na escuridão da alma,
ponto de partida de todos os pecados, e ponto de retorno da nostalgia de
pureza que, mais do que o pecado, devora as suas criaturas. Esta
contradição é o âmago de todos os seus personagens e é o que lhes dá,
antes de tudo, por mais frívolos ou banais, um incurável travo dramático, mais
irremediável na terra do que a angústia da própria morte. Em Os sete
gatinhos, esse conflito tormentoso entre a virgindade e a ... prostituição (não
verdadeiramente outra saída para o autor) tem força e economia drástica
bem mais realizadas do que nas suas peças anteriores. A discordância
fundamental se aclara, pois aqui a prostituição é exercida para que seja
preservada a virgindade, como se o autor quisesse dizer-nos que neste
mundo corrompido pela hipocrisia está se realizando o incrível e inelutável
milagre: a puta transformada em vestal da virgindade. Em outras palavras, o
mundo quer esquecer a força que o compele à pureza: as putas (creio
usar esta palavra necessariamente nestes dois passos acima, e não como
um sinônimo de prostituta) são conscientes do valor da virgindade. Não se
trata evidentemente de um valor social e nem mesmo de uma virtude
agradável aos olhos de Deus: Nelson Rodrigues dramática e
poeticamente à virgindade um valor que transcende os códigos
compreensíveis e vai tangenciar as fontes selvagens do mito; ou daquilo que
os técnicos da alma denominam um arquétipo.(Rodrigues, 2004a: 280).
Nelson retrata com espontaneidade da língua falada a hipocrisia da
sociedade. Tenta retirar a cortina que cobre a insatisfação afetiva que dificulta
a vida e o faz de forma singular e brilhante. As personagens de Os sete
gatinhos vão nos mostrar, sem disfarces, as grandes máculas da sociedade: a
vida, a prostituição, o sexo, a morte.
19
1.1 - O autor e a obra
Nelson Rodrigues, filho de Maria Esther e Mário, Proprietário do jornal A
Manhã, nasceu em Recife em 1912. “Ganhara esse nome em homenagem ao
almirante inglês Lord Nelson, vencedor da batalha de Trafalgar, em 1805”.
(Castro, 2004: 17).
No final de 1915, seu pai muda-se para a cidade do Rio de Janeiro. Em
1920, Nelson ganhou um concurso de redação escolar com uma história de
adultério, o que teria espantado todo o corpo docente. Neste período, Nelson
presenciou grandes discussões entre seus pais causadas pelos ciúmes que
seu pai tinha de sua mãe.
Nelson iniciou sua carreira jornalística em 29 de dezembro de 1925,
como repórter de polícia, ganhando 30 mil réis por mês. Tinha 13 anos e meio,
era alto, magro e seus cabelos eram extremamente rebeldes. Apesar de ser
filho do patrão, teve que comprar calças compridas para impor respeito aos
colegas de redação. Milton, Mário Filho e Roberto, seus irmãos, também
trabalhavam no mesmo jornal. Milton era secretário, Mário Filho era gerente e
Roberto ilustrava algumas reportagens.
O trabalho de Nelson era simples, que fazia por telefone a ronda das
delegacias. Logo mudou suas funções e essas mudanças, somadas às idéias
conseguidas por meio de um caderninho encontrado em um baú no sótão de
uma casa em que residia na rua Inhangá, em Copacabana, serviriam de
idéias para escrever muitas peças, inclusive Vestido de noiva, marco zero do
modernismo teatral. (Castro, 2004: 37- 39).
Em 1927, abandonou a escola na terceira série do ginásio do Curso
Normal e de Preparatórios. Como seu pai estava cada vez mais endividado, A
Manhã passou a ser administrado pelo sócio, que ofereceu emprego a toda
a família mas, como seu pai era de um temperamento muito difícil, todos
resolveram deixar esse jornal para trabalhar no lançamento de um outro: A
Crítica.
20
Seu talento estendeu-se a todos os jornais do Rio. Nelson era um
fanático torcedor do Fluminense, um grande cronista esportivo, ao mesmo
tempo que escrevia reportagens policiais e folhetins de romances.
Em 1943, Nelson escreveu sua segunda peça teatral: Vestido de Noiva,
que foi dirigida pelo polonês Ziembinski e representada pela primeira vez no
Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 28 de dezembro.
A expectativa para a data da estréia era enorme, pois todos achavam
que a peça era difícil de ser encenada. O sucesso aconteceu e Nelson deixou
de ser o miserável que se tornara desde a morte do irmão Roberto. (Castro,
2004:174)
Após o sucesso de Vestido de noiva, não parou mais de produzir e
algumas obras merecem destaque: A mulher sem pecado, Toda nudez será
castigada, Perdoa-me por me traíres, Os sete gatinhos, Senhora dos afogados,
entre outras.
Nelson se destacou como autor de peças de teatro, como jornalista,
cronista e comentarista esportivo e também como romancista, escrevendo sob
o pseudônimo de Susana Flag, e até com o próprio nome.
Com uma linguagem simples, sua obra retrata personagens com
diversos conflitos existenciais. Na opinião de Nelson, o sexo é a satisfação
impossível. O amor é que justifica o fato de o homem ter nascido. (Castro,
2004: 241) Em entrevista a O Globo, afirmou:
Nem todos os meus leitores sabem que, além do mais, sou dramaturgo. Sou.
Não fossem as obrigações profissionais, que me devoram, e eu estaria aqui
escrevendo, não uma Confissão, mas uma peça. De vez em quando, viro-me
para um amigo e digo, como uma dessas melancolias inapeláveis e fatais:
“tenho dentro de mim uma 1.500 tragédias, dramas, farsas e comédias.” E
o que me deprime é que esse repertório prodigioso jamais será escrito,
jamais será representado. (Rodrigues, 2004a:271)
Nelson Rodrigues faleceu no dia 21 de dezembro de 1980. Escreveu 17
peças, centenas de contos e nove romances, sempre denunciando as
insatisfações dos seres humanos, aquelas que, na maioria das vezes, não são
reveladas.
21
1.2 - Contextualização histórica e política
Ainda sob o impacto da violência vivida durante o período da guerra
mundial, no final dos anos 40, os homens buscavam a paz, a harmonia e o
bem-estar. Contavam, para isso, com algumas inovações científicas e
tecnológicas, avanços na área da Medicina, da Química e da Biologia e, para
melhorar a qualidade de vida, ainda buscavam o aperfeiçoamento das
pesquisas realizadas com matérias-primas derivadas do petróleo. (Alencar,
1985: 259)
O processo de industrialização do Brasil remonta aos últimos anos do
século XIX. O ponto de partida situa-se por volta da década de 80 daquele
século, motivado essencialmente pela crise e abolição do trabalho escravo.
Formou-se, pela simples instalação do trabalho livre assalariado, um mercado
passivo que era preciso abastecer.
Nos anos 50 de século XX, iniciou-se uma nova forma de
industrialização que se prolonga até os dias de hoje. O processo de
industrialização chegou a um ponto crucial, em virtude do conflito da oferta de
produtos importados com os produzidos aqui, que não apresentavam
qualidade para a competição, obrigando, a partir daí, a criação de um mercado
dotado de dinamismo próprio e autonomia.
Acreditava-se que os homens se tornariam mais solidários com o
desenvolvimento da aviação e dos meios de comunicação, que encurtariam as
distâncias e propiciariam uma rápida circulação de informação.
Nelson Rodrigues, atento a todas essas transformações, tenta imitar a
vida em suas produções, que a arte faz parte da história da Humanidade.
Suas personagens tornaram-se porta-vozes de ideologias e denunciaram as
mudanças de comportamento e valores que iriam marcar os anos 60. A
participação da mulher nas várias atividades e sua emancipação sexual -
possível depois da invenção da pílula anticoncepcional, em 1954 - influíram nas
relações familiares e mudaram hábitos de uma sociedade tão padronizada.
22
Os sete gatinhos é o reflexo desse período conturbado da história do
Brasil. O autor desejava despertar uma realidade e retratou um povo simples
com as diferenças de nível de vida existentes entre as classes e as posições
sociais.
Nelson Rodrigues tentou mostrar o anseio da mulher, que tinha seu
valor como participante de uma sociedade machista: mostrou a instituição
casamento, que era considerada o valor máximo dos anos dourados, com
todas as suas crises e seus altos e baixos. (Rodrigues, 2004a: 273).
1.3- Getúlio Vargas
De forma relevante e precisa, Soares (2001:24-26) registra que Vargas
teve seu governo marcado ainda por resquícios da ditadura, foi deposto de
seu primeiro mandato na tarde de 29 de outubro de 1945 e, em seu lugar,
assumiu interinamente José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal.
Com o uso do autoritarismo e apoiado pelas forças armadas, Vargas
colocou o partido comunista na ilegalidade, cassou os direitos políticos de
parlamentares e fechou vários sindicatos. Apesar da repressão, houve um
processo lento, mas gradual, de crescimento dos movimentos populares.
Amado por grande parte da população brasileira, comprometido com o
nacionalismo, Getúlio Vargas voltou ao poder para o segundo mandato em
janeiro de 1951, após ser eleito com uma larga vantagem sobre o segundo
colocado. Em seus discursos, deixava claro que iria defender os interesses
populares contra as ambições dos grandes empresários.
Apoiado por partidos menores, prometeu facilitar o investimento de
capitais privados estrangeiros, sem que esses ferissem os interesses
fundamentais do país. De acordo com Alencar (1985:237-9), Vargas levou
adiante o projeto nacionalista e, ainda nesse ano, enviou ao Congresso um
projeto de lei que estabelecia o monopólio estatal sobre a perfuração e o refino
do petróleo pela Petrobrás, uma empresa de capital misto cuja maioria das
ações seria controlada pelo Estado.
23
O projeto gerou polêmica entre nacionalistas e entreguistas, isto é, entre
aqueles que defendiam a nacionalização do petróleo e aqueles que defendiam
a entrega plena da exploração petrolífera ao capital estrangeiro. Os últimos
eram apoiados pelo governo norte-americano e pelas multinacionais do
petróleo. Com tudo isso, houve uma campanha que envolveu o espírito
nacionalista de diferentes camadas da sociedade, e que ficou conhecida com o
lema defendido por Vargas: O petróleo é nosso. (Alencar, 1985: 256)
Da mesma forma, Vargas planejava a criação da Eletrobrás, com os
mesmos objetivos, embora no setor de energia elétrica. Paralelamente ao
nacionalismo, desenvolveu uma política de aproximação com os trabalhadores
das cidades, uma vez que, para ele, o trabalhador teria o direito de desfrutar o
progresso que ele mesmo criava com o trabalho.
Em 1954, autorizou um aumento de 100% no salário mínimo, que
recuperou o poder aquisitivo, mas provocou enorme revolta entre os patrões,
os quais eram contra a organização da classe trabalhadora, tão pregada por
Vargas.
Agitado com o aumento salarial concedido aos trabalhadores, o meio
empresarial tentou anulá-lo junto ao Supremo Tribunal Federal, e com isso, a
imagem de Vargas, que não era tão boa, ficou cada vez mais abalada, ao
ponto de ser acusado de corrupção e ladroagem. O presidente se recusava a
deixar o cargo, embora se sentisse cada vez mais isolado e sem condições
para reagir. Tomou a decisão, de forma trágica, escreveu uma carta-
testamento e suicidou-se com um tiro no coração na manhã do dia 24 de
agosto de 1954. Soares (2001: 29) argumenta que o inesperado suicídio de
Getúlio Vargas deixou o país mergulhado em uma profunda crise política e
econômica.
Para completar os meses que faltavam do mandato de Getúlio Vargas, a
presidência foi ocupada por Café Filho (vice-presidente), depois por Carlos Luz
(presidente da Câmara dos Deputados) e por Nereu Ramos (presidente do
Sanado). (Soares, 2001: 29-30)
24
1.4- Juscelino Kubitschek
Após eleições presidenciais em 1955, Juscelino Kubitschek de Oliveira
e o vice, João Goulart, tomaram posse em janeiro de 1956, num momento em
que ainda se ouviam ameaças à estabilidade política brasileira.
Contudo, Juscelino foi um dos dois únicos presidentes da República
brasileira que, de 1946 a 1964, concluíram o mandato (o outro foi Dutra).
Juscelino marcou seu governo por realizações de grandes obras. Seu lema
era: "cinqüenta anos de progresso em cinco de governo". Iniciou o processo de
industrialização inteiramente ajustado aos interesses do capital estrangeiro.
Com a penetração do investimento internacional de forma maciça, a
indústria pesada recebeu investimento e houve uma modernização na
fabricação de automóveis e caminhões. Iniciou-se a organização das
multinacionais e o aparecimento de indústrias de material elétrico, de
eletrodomésticos, de produtos químicos e farmacêuticos e de matéria plástica.
(Alencar, 1985:289-90).
O capital estatal viabilizou o programa da infra-estrutura, destinado a
sustentar o modelo de crescimento proposto pelo governo, o Brasil passou
a investir na construção de rodovias e na ampliação do potencial de geração,
transmissão e distribuição de energia elétrica.
Juscelino Kubitschek confiou a técnicos a elaboração de um programa
desenvolvimentista conhecido como Plano de Metas, com vistas a acelerar o
processo de acumulação, aumentando a produtividade dos investimentos
existentes e aplicando novos investimentos em atividades produtoras. O Plano
de Metas consistia em várias metas agrupadas em cinco setores: transporte,
energia, indústria, educação e alimentação.
Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília foi a meta-síntese que
mobilizou a população brasileira. Projetada pelo arquiteto Oscar Niermeyer e
pelo urbanista Lúcio Costa, milhares de trabalhadores brasileiros esforçaram-
se para concluir a obra no governo de JK.
25
As grandes obras públicas elevaram os gastos e ajudaram a aumentar a
inflação, prejudicando a classe trabalhadora, que começou a reclamar
aumentos salariais. Milhares de trabalhadores do campo, animados com o
crescimento dos grandes centros, migraram para São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro. Mais uma vez, Juscelino tenta fazer algo pela população mais
carente. Criou a SUDENE, órgão de desenvolvimento da região Nordeste, mas
não obteve resultado significativo.
Skidmore afirma:
Além dos avanços econômicos diretos havia mais benefícios políticos indiretos
gerados pela estratégia econômica de Juscelino. Seu estilo político e
personalidade entusiasta reforçaram o tradicional senso de otimismo brasileiro,
pois enfatizava soluções ao invés de problemas. Ele irradiava confiança no
país e em sua capacidade de unir-se ao mundo industrial. Até o time nacional
de futebol cooperou conquistando seu primeiro campeonato mundial na
Suécia, em julho de 1958. O astro era Pelé, que rapidamente ficou conhecido
como o maior jogador do mundo. O estado de espírito brasileiro pós-vitória foi
captado por Nelson Rodrigues, dramaturgo e cronista esportivo que observou
que o mito da "tristeza brasileira" estava em fuga porque "a partir do tulo
mundial, começamos a achar que a nossa tristeza é uma piada fracassada".
(Skidmore, 2000:204)
Com a realização de um governo marcado pela liberdade democrática,
Juscelino promoveu eleições livres para presidente em 1960. (Alencar, 1985:
291)
1.5- Os anos 50 - cultura, arte e religião
O crescimento do Brasil nos anos 50 não foi notado somente no campo
econômico, mas em outras áreas. Grandes produções culturais e novas
propostas literárias apontavam para uma população crescente e politizada.
Essas mudanças ocorreram, segundo Rodrigues (2001:17), primeiramente
26
porque a Igreja Católica optou por denunciar a violência e a injustiça social.
Tomou uma posição mais defensora dos pobres e oprimidos após o
rompimento com a ala mais tradicional do Vaticano.
A popularização do consumo e, principalmente do crediário incentivado
pela propaganda em rádios, jornais e revistas, fez com que cada vez mais
houvesse um aumento das vendas de eletrodomésticos, como por exemplo,
de radiovitrolas, de televisores e do tão sonhado carro. Os fios sintéticos
conquistaram o mercado das tecelagens e os alimentos enlatados viraram
moda.
A conquista do espaço ganhou uma dimensão muito maior quando, em
1957, o Sputinik foi lançado e girou em torno da Terra e da Lua.
No início da década, 14,7% das mulheres trabalhavam fora. O
movimento negro ganhou mais força após a aprovação da Lei Afonso Arinos,
que condenava as pessoas que discriminassem os descendentes afros.
(Rodrigues, 2001:35).
Os jornais da época passaram por muitas adaptações para se tornarem
veículos mais dinâmicos e com isso conquistarem mais leitores. Os
suplementos semanais foram lançados e mais uma vez o jornal teve um papel
maior na formação de opinião, uma vez que aderir às campanhas e causas da
década. Mesmo assim, o jornal não atingiu circulação nacional. Cada vez mais
as revistas tiveram uma participação maior. O público-alvo eram as mulheres.
Aparecem, nas bancas, revistas especializadas em rádio, TV, cinemas e teatro.
Como observa Rodrigues (2001:36), em 1951, havia no Brasil 243
emissoras de rádio, que cada vez mais conquistavam o público feminino e
faziam dele um veículo vendedor e formador de opiniões e sonhos,
principalmente por meio das novelas e dos radioteatros, o em moda. Os
musicais, os sucessos nacionais, latino-americanos, italianos e franceses, os
cantores, os humoristas, os atores e as atrizes cada vez mais ganhavam uma
posição privilegiada com as aparições nos programas de auditório.
A televisão, no início dos anos dourados, chegou de mansinho para
encurtar as conversas da família após o jantar, (Rodrigues 2001:39). Feita na
27
base da improvisação, a televisão teve um alcance pequeno, pois era um
aparelho caro. Sua transmissão, apenas noturna, resumia-se a programas
infantis, humorísticos, noticiários, teleteatros e novelas. As garotas-propaganda
tornaram-se símbolos dos produtos anunciados e com isso aumentavam as
vendas.
Algumas companhias cinematográficas foram criadas no final da cada
de 40, na tentativa de tornar o cinema brasileiro uma indústria. Atlântica, no
Rio, e Vera Cruz, em São Paulo, foram as maiores e as que conseguiram
alguns frutos. Produziram chanchadas, documentários e, principalmente, filmes
preocupados com a situação social e urbana. Diretores e produtores, como
Lima Barreto, lson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, tiveram seus
nomes reconhecidos. (Rodrigues, 2001:39-40).
Conforme Peixoto, citado em Soares (2001:32), em um clima de
instabilidade social, foi fundamental a participação do teatro na politização do
povo. Revigorado após o período ditatorial, cresceu em organização com os
anseios populares.
A tentativa da consolidação do teatro brasileiro se deu com o surgimento
do TBC no ano de 1948. O TBC ( Rodrigues, 2001:39-40), embora distante
das raízes brasileiras e conservador, foi o responsável pela formação de
muitos autores e pela divulgação da decadência da aristocracia brasileira. Em
seqüência, surge o Teatro de Arena e seu principal foco era o problema social.
Propostas renovadoras mereceram destaque e autores como Nelson
Rodrigues, José Lins do Rego e Ariano Suassuna eram sempre lembrados. Em
1958, o Arena apresentou, de Gianfrancesco Guarnieri, Eles o usam black
tie. O teatro infantil também teve sua vez com Maria Clara Machado. No Rio, o
Teatro Tablado assume um importante papel.
Tudo isso era reflexo dos bitos de uma sociedade. O rápido
desenvolvimento urbano, os conflitos sociais, os problemas de um povo
foram retratados pelos meios de comunicação. O clima intelectual apontava
para uma diversidade de perspectivas culturais. Foi dada à população, que
buscava por informações e conhecimentos, cada vez mais, a oportunidade de
mostrar a revolução do caráter do povo brasileiro que lutava por seus ideais.
28
2 - REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 - Processo interacional
Trataremos oralidade e escrita não apenas como modalidades de uso da
língua, mas também como práticas sociais, e procederemos o levantamento
de marcas da oralidade com o propósito de observar como os procedimentos
de aplicação de recursos próprios da oralidade na escrita podem garantir a
efetivação de propósitos na escrita literária. Dentre as múltiplas intenções
desse uso, salientamos, por exemplo, a ilusão de estarmos diante de um
discurso oral no que tange aos aspectos do envolvimento, da espontaneidade e
da afetividade, característicos de determinadas situações comunicativas face a
face.
Neste passo, a comunicação e a interação juntam-se para uma prática
social constante e diária e para uma atitude pessoal de cooperação e de
colaboração, que a interação pressupõe uma cumplicidade e uma atenção,
por parte de cada interlocutor, para que se possa estabelecer uma
conversação que leve a um consenso, a um entendimento do que é dito.
Mas o que é conversação? Marcuschi (2003:14) assim define:
A conversação é a primeira das formas de linguagem a que estamos
expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora.
Em suma, além de “matriz para a aquisição da linguagem”, a conversação é o
gênero básico da interação humana (Levinson, 1983, p. 284). Tais
observações, além de sugerirem que a linguagem é de natureza
essencialmente dialógica, realçam o princípio fundamental do caráter par da
linguagem (Goffman, 1976, p. 257), ou seja, quando conversamos,
normalmente o fazemos com perguntas e respostas, ou então com asserções
e réplicas.
Marcuschi também aponta “cinco características básicas constitutivas
da organização elementar da conversação”, a saber:
29
(a) interação entre pelo menos dois falantes;
(b) ocorrência de pelo menos uma troca de falantes;
(c) presença de uma seqüência de ações coordenadas;
(d) execução numa identidade temporal;
(e) envolvimento numa “interação centrada”. (Marcuschi, 2003:15)
Uma atividade de conversação é sempre resultado de uma atividade
interpessoal desenvolvida entre, pelo menos, dois indivíduos em situação face
a face e pode ser entendida como processo interacional. Segundo Preti (2002:
45), há interação "desde uma simples co-presença em que dois indivíduos se
cruzam na rua e que, mesmo sem se conhecerem, se observam, guardam
distância e desviam-se para não se chocarem".
Os estudos sobre interação nos permitem afirmar que, quando dois
indivíduos se organizam socialmente, ocorre uma atividade cooperativa
lingüística composta por um falante, no momento em que há fala, e um ouvinte,
no momento em que ouve. A interação está presente nos atos de linguagem
ou em discurso, escrito ou oral, e se estabelece com cumplicidade de ações
que se coordenam.
Brait afirma:
A interação é um componente do processo de comunicação de significação,
de construção de sentido e que faz parte de todo ato de linguagem. É um
fenômeno sociocultural, com características lingüísticas e discursivas
passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas. (Brait,
2003: 220)
A relação estabelecida entre os indivíduos no processo interacional
adapta-se à necessidade de um e de outro falante. Caracteriza-se a interação
por situar-se em um contexto em que os indivíduos envolvidos entram em
contato entre si e podem até influenciar o desenvolvimento da interação a partir
de cada atuação:
Não apenas o que está dito, o que esexplícito, mas também as formas
dessa maneira de dizer que, juntamente com outros recursos, tais como
entoação, gestualidade, expressão facial etc, permitem uma leitura dos
pressupostos, dos elementos que mesmo estando implícitos se revelam e
30
mostram a interação como um jogo de subjetividades, um jogo de
representações em que o conhecimento se dá através de um processo de
negociações, de trocas, de normas partilhadas, de concessões. ( Brait, 2003:
221)
Na visão de Maingueneau (2001: 54), a interação, por ele denominada
de interatividade, é elemento fundamental do discurso/texto, ou seja, é
constitutiva, “é uma troca explícita ou implícita, com outros enunciadores,
virtuais ou reais, e supõe a presença de uma outra instância de enunciação à
qual se dirige o enunciador e com relação à qual constrói seu discurso”.
Para Bakhtin (1981:156), a interação “é a realidade fundamental da
linguagem” e é considerada um dos componentes do processo de
comunicação, isto é, faz parte de toda atividade de linguagem, construindo
efeito de sentido nesse processo.
A interação pode ser observada em uma situação comunicativa de um
texto e pode ser estudada, não apenas em relação ao que está dito, mas
também às formas da maneira de dizer, pois estas permitem uma leitura dos
implícitos que a revelam e a evidenciam. Urbano (2000:89) destaca:
Mas o termo interação (e interagir) é estendido para interação não entre
interlocutores, como também entre o falante ou emissor e o assunto;
interação entre as dimensões cognitivas e dimensões sociais etc.
Em toda interação, as circunstâncias que envolvem o ato de
comunicação estão diretamente ligadas ao contexto situacional e aos papéis
sociais dos participantes dessa interação e podem acarretar mudanças na
linguagem. O ato de fala implica uma situação de comunicação que envolve o
lugar, o tempo e também o grau de intimidade:
A interação é um componente do processo de comunicação, de significação,
de construção de sentido e que faz parte de todo ato de linguagem. É um
fenômeno sociocultural, com características lingüísticas e discursivas
passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas. (Brait,
2003:220)
31
Convém destacar que os interlocutores mantêm na expressividade da
fala um envolvimento, uma vez que se constitui a presença física. Na escrita,
pelo fato de o escritor e o leitor estarem longe um do outro, ocorre um grau de
distanciamento, uma vez que o escritor não se preocupa em prender a atenção
de seus leitores no momento da escrita.
A espontaneidade e dinamismo do caráter da língua falada requer um
planejamento, uma elaboração, que visam a uma comunicação coerente.
Marcuschi (2003:75) assim define conversação: organizada por estratégias
de formação e coordenação". Na organização da estrutura do processo
conversacional, alguns elementos merecem destaque como o turno ("produção
de um falante enquanto ele está com a palavra"), a seqüência ("série de turnos
sucessivos") e o tópico ("assunto da conversa"), que chamaremos de tópicos
conversacionais.
Brait assinala “uma primeira constante” na interação:
(...) a interação acontece, necessariamente, entre pelo menos dois
falantes que se caracterizam como atores da interlocução e que vão se
relacionar enquanto parceiros. Esses interlocutores revezam-se na
condição de falante e ouvinte, ou seja, se sujeito comunicante e sujeito
interpretante. A primeira conseqüência a ser tirada dessa constante diz
respeito à mecânica da interlocução: o sujeito interpretante não reconstrói
pura e simplesmente as significações produzidas pelo sujeito comunicante.
Sendo a interlocução aberta (há o revezamento de posições), cada um dos
participantes interage parcialmente no projeto de construção de sentido do
outro. Isso significa dimensionar a interação verbal como uma atividade
cooperativa, que implica um conjunto de movimentos coordenados da parte
dos participantes e, ainda de acordo com Marcuschi, emergente da seqüência
da troca interativa organizada. É provavelmente a partir dessa constatação
que se pode definir a interação como negociação de sentido.(Brait,2003:235)
(grifo da autora)
Para uma interação cooperativa, segura e tranqüila, a conversação deve
estabelecer turnos, que se pautam pela proporcionalidade na alternância de
papéis dos interlocutores, entre falantes e ouvintes.
32
Desta dinâmica de papéis resulta a aferição do grau de simetria e do
poder de um interlocutor sobre o outro, exteriorizado pelo domínio da palavra,
do turno:
(...) Esse fator que visa a disciplinar a atividade conversacional, funcionando
como um mecanismo central da organização do texto, demonstra, por meio
de uma série de aspectos, as estruturas de poder que governam a
conversação: quem fala primeiro, tendo esse direito previamente estabelecido
ou não, as falas simultâneas ou sobrepostas, os silêncios, as hesitações, o
assalto ao turno do outro etc. A forma de presença desses aspectos na
seqüência textual é que dimensiona o maior ou menor grau de simetria ou
assimetria do processo interacional.
A caracterização dessa marca está diretamente ligada ao tipo de interlocução
focalizado. Das condições específicas da interação é que vão depender os
efeitos psicológicos produzidos sobre os interlocutores e, ao mesmo tempo,
são essas condições que vão determinar as características próprias da
encenação discursiva. A tomada de turno ajuda a perceber não somente a
negociação e a cooperação existentes na interação verbal, mas também a
disputa pela palavra, o jogo de poder que se estabelece durante o intercurso
verbal. (Brait, 2003: 237)
Devemos levar em conta que, em uma análise, os traços lingüísticos
permitem identificar a intencionalidade dos falantes, os efeitos de sentido
construído por eles e a maneira de conduzi-los à persuasão, à argumentação
ou à manipulação. Para melhor analisar e compreender esse processo é
necessário observar o propósito de cada falante, qual a sua função enquanto
indivíduos socialmente organizados, sua atividade social e que papéis sociais
são desempenhados pelos interlocutores.
Cabe lembrar que a atividade verbal sob a forma escrita também é
orientada em função de intervenções anteriores da mesma natureza. Ao
analisar o texto escrito é necessário levar em conta, não só o conteúdo e a
relação do enunciador com esse conteúdo, mas principalmente a relação do
enunciador com o outro e com os discursos desse outro, explicitados ou
presumidos ( Brait, 2002:155).
33
2.2 - Linguagem formulaica
A palavra, segundo Bakhtin (1981:36), é um fenômeno ideológico por
excelência, o modo mais puro e sensível de relação social, o material
privilegiado da comunicação e, por ser um signo neutro, pode preencher
qualquer espécie de função ideológica como a estética, a científica, a moral, a
religiosa. Como toda palavra é ideológica, toda utilização da língua está ligada
a essa evolução ideológica.
Convém ressaltar o que Bakhtin (1981:113) diz:
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo
fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.
Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda
palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,
defino-me em uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se
apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu
interlocutor. A palavra é o território do locutor e do interlocutor
.
Para o autor "a língua é, como para Saussurre, um fato social, cuja
existência se funda nas necessidades da comunicação". A língua é um traço
de interação entre os membros de uma comunidade.
É com a linguagem que o homem se constitui um sujeito, estabelece
relações sociais, retrata o conhecimento de si próprio e do mundo em que vive.
A linguagem é o “cartão-postal” do usuário e propicia um retrato sociolingüístico
da realidade daquele momento. É por meio da linguagem que podemos
reconhecer e diferenciar os grupos de pessoas e distinguir aspectos sociais,
escolaridade, faixa etária, entre outros aspectos.
Segundo Brigth (1966:11-15), citado em Preti (2003:16), as variações
lingüísticas ocorrem em três dimensões: a primeira envolve a identidade social
do emissor ou do falante; é exemplificada pelo autor com os dialetos sociais em
que as diferenças de fala se correlacionam com a estratificação social; a
segunda compreende a identidade social do receptor; a terceira engloba todos
os elementos relevantes possíveis no contexto da comunicação.
Vale destacar também outras dimensões, apontadas pelo autor, a saber:
a quarta engloba os processos de investigação sociolingüística na perspectiva
34
sincrônica ou diacrônica; a quinta aborda os contrastes entre o uso da
linguagem pelas pessoas e o que elas acreditam sobre o comportamento
lingüístico delas e das outras; a sexta trata da extensão da diversidade
lingüística; a sétima aplica os estudos sociolingüísticos. ( Preti, 2003: 16).
Esnítida, nestas dimensões inter-relacionadas, a concepção de uma
linguagem condicionada pelos seus usuários, inserida num contexto sócio-
político-histórico-econômico.
Falar na realidade lingüística das classes sociais é retratar a vida das
pessoas, as relações de trabalho, de família, de religião e, com elas, todo o
mecanismo da sociedade humana a partir das trocas lingüísticas, o que levou
Wilbur Marshall Urban (1952) a afirmar:
A vida meramente não tem sentido. Poder-se-ia pensar que somos
capazes de apreender ou intuir diretamente a vida, mas seu sentido
não pode captar nem expressar-se a não ser numa linguagem, seja ela
qual for. Tal expressão ou comunicação é parte do próprio processo
vital.[...] Num sentido bem objetivo, os limites da minha linguagem são
os limites do mundo. (Preti, 2003: 14)
De acordo com Salomão (2001:46), a palavra existe "como parte de um
todo, incorporada no contexto, e aí adquire o seu significado especial." E
acrescenta que ela adquire "o seu verdadeiro sentido quando engastada na
frase. Só há verdadeiramente no discurso a palavra-frase." Acrescenta:
As frases feitas são objetivas diretas, de compreensão imediata,
conclusivas. Sua constituição lingüística se reveste de extrema
simplicidade, mas atende a certas necessidades definidas da
linguagem. Originárias da linguagem oral, as frases feitas são muito
utilizadas pelos falantes de uma língua nas situações da vida cotidiana,
porque, em poucas palavras, são capazes de transmitir conceitos que
demorariam a ser explicados. (Salomão, 2001: 141)
35
A linguagem é influenciada pelos fatores cio-culturais de um povo que
tem suas concepções baseadas no senso comum que, como afirma Cotrim
(2000:46), é mais que a aceitação ou a concordância comum de uma opinião -
vistas como verdadeiras pelas pessoas em um determinado meio social - e que
podem ser veiculadas por meio de linguagem formulaica, frases formulaicas ou
frases feitas.
1
A origem das frases formulaicas, de acordo com Fernandes (1960:19-
21), está, indubitavelmente, na sabedoria popular. Elas são parte da visão da
vida dos povos, assim como as lendas, os mitos, as superstições e as canções,
uma vez que traduzem conhecimentos e crença. São cultura, sem dúvida, oral,
transmitida boca-a-boca, de geração a geração. São fruto da experiência
cotidiana individual ou grupal, de quem vivenciou determinadas verdades.
Nesse sentido, convém ressaltar o que diz Fernandes (1960:24):
Não se pode pesquisar uma língua sem apelo à cultura em que a
mesma aflorou e se desenvolveu. É ponto assentado. Da grande
importância da etnografia e dos textos folclóricos, indispensáveis, não
raras vezes, para explicar a história dos vocábulos. (... ) Muito mais
que o vocábulo, examinado isoladamente, a frase feita retrata a índole
da língua nos esteriótipos tradicionais. Explicá-la de fato, constitui alto
objetivo filológico. Cada idioma possui a sua maneira, o seu
habitualismo, enfim o seu estilo próprio para fixar, por vezes, o
pensamento idêntico.
As frases formulaicas são enunciados considerados anônimos. Deixam
o falante fora do contexto, invocam a tradição e a comunidade como um todo, o
falante não apenas desaparece como um agente direto, mas impõe o peso das
sanções sociais. A característica essencial é o anonimato da sua autoria. Ao
citar uma frase formulaica, o falante sinaliza com um significado interacional e
1
Trataremos aqui como frases formulaicas
36
tenta funcionar como conselheiro ou professor do seu ouvinte. Se uma pessoa
faz uma citação regularmente a alguém, assume, no relacionamento, a
responsabilidade de uma condição superior à do ouvinte.
Com uma citação, um falante mostra que possui o direito de aconselhar
e ou advertir o seu ouvinte ou que ao menos naquela relação está em condição
de igualdade com o seu interlocutor ou, ainda, mesmo que momentaneamente,
está em condição superior, pela posse da sabedoria tradicional. Dias (2003:70)
afirma:
Se observarmos a linguagem oral do dia-a-dia, veremos que os falantes não
manifestam muitas variantes para expressar as mesmas idéias, utilizando com
freqüência frases feitas.
Martins (1989:129), destaca:
... é a frase que veicula os valores expressivos em potencial nas palavras, as
quais, somente nela, têm o seu valor explicitado e adquirem o seu tom
particular - neutro ou afetivo.
O caráter tradicional das frases formulaicas é atribuído a seus sentidos
pré-concebidos com autoridade e empresta a sua força diretiva de significados
interacionais, enquanto permite que o falante desapareça frente à opinião
consensual geral. Martins (1989:145) lembra que o entendimento dessas frases
exige certos dados contidos na situação de enunciação ou no contexto
lingüístico. As pessoas reagem de modo diferente ao escutá-las. Como a
maioria aceita bem, que se levar em conta que algumas associam as frases
formulaicas a situações indesejáveis.
Fernandes (1960:319) explica que algumas frases formulaicas
apresentam-se fundamentadas em textos consagrados como, por exemplo,
frases que são tiradas de textos bíblicos. Essas frases têm uma autoridade pré-
concebida e um exemplo a ser usado é a frase lavo as minhas mãos,
encontrada em Os sete gatinhos e que será explicada no exemplo 2.
37
Percebemos que quando uma pessoa faz a opção de uso de uma frase
formulaica, amplia a área de percepção e explicação objetivas do mundo e se
aproxima mais no processo interativo. Oferece ao ouvinte a opção de
interpretação de acordo com seu senso, que a frase apresenta a visão e a
sabedoria de uma comunidade. Por outro lado, não podemos nos esquecer
de que as concepções baseadas no senso comum influenciam as
interpretações, que são frutos das experiências cotidianas.
2.3 - As formas de tratamento
Luís Lindley Cintra, W. P. Robinson, Luiz Antônio da Silva e Dino Preti,
autores que tiveram trabalhos publicados sobre as formas de tratamento,
nos serviram como fonte para esse assunto. Analisando as marcas da
oralidade no texto escrito, verificamos, em primeiro lugar, a evolução das
formas de tratamento interpessoal utilizadas ao longo das correspondências,
para comprovar duas hipóteses:
a) o papel social do falante é marcado pelas formas de tratamento que
usa e que são usadas pelo seu interlocutor;
b) a situação de interação pode ser definida como mais ou menos
formal conforme os tratamentos empregados.
Observamos, neste momento, a relação entre os papéis sociais
estabelecidos na obra e as formas de tratamento da língua. Silva afirma:
A linguagem é um veículo para a interação com outras pessoas, por isso é
utilizada diariamente e, muitas vezes, as pessoas não reconhecem o quanto
ela é importante. Como não se pode desvincular a linguagem da sociedade, é
preciso conhecer o conjunto de normas que regulam o comportamento
adequado dos membros de um meio social. Por isso cada sociedade
estabelece regras que regulam esses comportamentos. As formas de
tratamento fazem parte dessas regras sociais que sancionam determinados
comportamentos como adequados ou inadequados. (Silva, 2003:173)
38
Preti atenta, ainda, para o fato de que todos os indivíduos,
independentemente de sua vontade, estão sujeitos à representação de um ou
mais papéis sociais que lhes são designados pela sociedade. Esses papéis,
completa, estão diretamente relacionados ao status que a pessoa ostenta:
É natural entendermos que cada indivíduo tem uma posição dentro de um
grupo (seja ele um grupo restrito ou primário, como a família; ou um grande
ou secundário, como o Estado, por exemplo). Mas, podendo pertencer a vários
grupos sociais, pode ocupar também várias posições sociais. Poderá, por
exemplo, ao mesmo tempo, ser o pai, na família; o professor, na escola; o
jogador na equipe esportiva; o pregador, na Igreja etc. A essas posições
sociais definidas do indivíduo no grupo costuma-se chamar status. (...) Um
status pode ser atribuído ou adquirido. (...) Quando dizemos que a pessoa que
ocupa um status deve subordinar-se a certos comportamentos, queremos
referir-nos, de maneira ampla, não apenas a posturas éticas, mas
também a aspectos ligados à sua representação física, à sua aparência, ao
seu vestuário. E, também, à sua linguagem, componente importante na criação
de sua imagem. Esse conjunto de normas relativas a cada status tem o nome
de papel social. (Preti, 2004b: 181)
Cada indivíduo desempenha diversos papéis nos meios sociais em que
vive, por isso recebe diversos tratamentos. Luís é o Fofo para a esposa, pai
para os filhos, tio para os sobrinhos e para os vizinhos mais jovens, para os
netos, Professor Luís no meio acadêmico, Seu Luís na loja onde compra e no
banco onde tem sua conta. (Silva, 2003:178)
Em se tratando de papéis desempenhados no meio social, Goffman
apresenta um estudo aprofundado sobre a representação do eu a seguir:
Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus
observadores que levem a sério a impressão sustentada perante ele. Pede-
lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os
atributos que aparenta possuir, que o papel que apresenta terá as
conseqüências implicitamente pretendidas por ele e que, de um modo geral, as
coisas são o que parece ser. Concordando com isso, o ponto de vista
popular de que o indivíduo faz sua representação e seu espetáculo "para
benefício dos outros". (Goffman, 2004: 24)
39
As formas de tratamento podem ser usadas para “marcar território”,
estabelecer distanciamento formal, aproximar os falantes, seduzir o ouvinte,
evocar tradições, derrubar barreiras e até mesmo para demonstrar os papéis
dos falantes dentro do processo de comunicação. Na língua portuguesa, Cintra
estabelece três grandes grupos de formas de tratamento: as nominais (como o
senhor), as pronominais (tu, você) e as verbais (ouvistes?, ouviu?). Mais do
que uma simples conseqüência gramatical, cada uma delas tem sua própria
semântica. Cintra enfatiza:
Tratamentos pronominais do tipo tu, você, vocês, V. Exª, V. Exªs: (Tu
queres? Vocês querem? V. Exª quer?)
Tratamentos nominais do tipo de: a) o senhor, a senhora; b) o senhor Dr.,
o senhor Ministro; c) o pai, a mãe, o avô; d) o Antonio, a Maria; e) o meu
amigo, o patrão, etc. Exemplos: (o senhor quer?; os senhores querem?; o
senhor Dr. quer?; o pai quer?; a mãe quer?; o Antonio quer?; a Maria quer?; o
meu amigo quer?; o patrão quer?)
Tratamentos verbais ou seja, a simples utilização da desinência do verbo
como referência ao interlocutor-sujeito: (queres?; Quer?; querem?) (Cintra,
196?: 11-12)
Devemos nos lembrar de que esse modelo estudado por Cintra foi
observado com certas diferenças fundamentais de valores entre três tipos de
tratamento. A começar pelos tratamentos nominais:
Ao passo que um tratamento pronominal e, do mesmo modo, uma desinência
verbal nada evocam do que caracteriza o interlocutor e têm a sua função
limitada a chamar a atenção deste para o enunciado que lhe diz respeito (por
exemplo: “Tu leste este livro?”, Você leu este livro?” ou “Leste?”; “Já
leu...?”), o tratamento nominal ainda mesmo quando se trata de “o senhor”,
“a senhora”, o mais pronominalizado de todos eles lembra alguma coisa
própria da pessoa com quem falamos. No caso de “o senhor”, “a senhora”,
trata-se unicamente do sexo; mas, no caso de “o senhor Dr.”, “o senhor
Ministro”, também se recorda a categoria social ou a profissão; no caso de “o
pai”, “a mãe”, o parentesco; no caso de o Antônio”, “a Manuela”, alguma
coisa de intimamente ligado à personalidade de cada um: o nome próprio, o
nome de baptismo e assim por diante. Creio que não será exagero afirmar
que o tratamento nominal se distingue dos outros por ser, em certa medida,
40
caracterizador e por se opor, com as referências a traços concretos e
individualizadores, à tendência para a abstração própria das partículas de
relacionação, das unidades puramente gramaticais como os pronomes ou as
desinências. (Cintra, 196?: 12-13)
Percebemos, após essas afirmações que, as formas pronominais ou
desinências verbais podem caracterizar ao menos em parte o interlocutor.
Certamente dizem menos sobre seu status conquistado ou atribuído do que as
formas nominais do tipo o excelentíssimo Ministro..., mas também podem
revelar algo à medida que são consideradas adequadas para a situação de
comunicação analisada.
Mas o próprio Cintra parece retificar tal lapso ao afirmar:
Efectivamente, entre as formas de tratamento do português actual é possível
distinguir:
a) Formas próprias da intimidade;
b) Formas usadas no tratamento de igual para igual (ou de superior para
inferior) e que não implicam intimidade;
c) Formas chamadas “de reverência” “de cortesia” , por sua vez repartidas
por uma série muito variada de níveis, correspondentes a distâncias
diversas entre os interlocutores. (Cintra, 196?: 14-15)
Na seqüência, o autor explica que o uso da forma de cortesia pode se
ligar ao uso da forma da intimidade. Afirma que o uso dos pronomes na língua
falada no Brasil é bem característico, uma vez que a forma tu está reduzida ao
uso em algumas regiões. Os substitutos naturais para essa forma passaram a
ser você/ o senhor.
Robinson (1977) cita estudos de Brown e Gilman (1960), que
propuseram usar os símbolos (T) para o tratamento tu e (V) para o tratamento
vós (do latim tu e vos), para designar familiaridade e polidez em línguas indo-
européias e destaca que:
41
(...) mútuo T e mútuo V marcam eqüidade, enfatizando solidariedade e
familiaridade (T) ou não-familiaridade (V), enquanto o uso assimétrico de V
para o superior e T para o inferior marca uma diferença de poderes. (...) É
possível que um simples relacionamento envolva um conflito entre as duas
esferas, poder e familiaridade, e podemos examinar os fatores relevantes à
escolha de enfatizar uma em detrimento da outra. (Robinson, 1977: 117-118).
A análise desses fatores relevantes que levam à mudança nas formas
de tratamento é o objeto de estudo deste trabalho, que aplica preceitos da
sociolingüística a um diálogo de ficção. Silva (2003:175) afirma que "na
sociolingüística, poder e solidariedade empregam-se para fazer referência à
distância social que existe entre os interlocutores". Destaca ainda:
A primeira força - poder - , identifica com o eixo vertical e representada pela
letra V, associa-se ao uso não recíproco de pronomes. Essa dinâmica
manifesta-se nas relações assimétricas, diferenciáveis e não recíprocas,
governadas pelo conceito de hierarquia (pai/filho; professor/aluno;
patrão/empregado), caracterizado pela idade, geração e autoridade, no qual
um falante recebe um tratamento formal e dispensa a seu interlocutor um
tratamento hierarquicamente distinto, manifestando-se de tal modo as
diferenças de poder ou status que, por razões diversas, existem entre ambos.
A segunda força - solidariedade -, identificada como eixo horizontal e
representada pela letra T, associa-se ao uso recíproco do pronome, em que há
relações simétricas, caracterizadas pela igualdade e pela semelhança. Neste
caso, os interlocutores usam o mesmo tratamento, delimitando claramente as
relações simétricas.
Silva (2003:175)
O uso dos pronomes de pessoa no português do Brasil e no
português da Europa, segundo Cunha e Cintra (2001:291), apresenta
diferenças, uma vez que, em Portugal, o pronome tu é empregado como forma
própria da intimidade e, no Brasil, esse uso restringe-se a algumas regiões do
país, uma vez que foi substituído por você como forma de intimidade e, fora do
campo da intimidade, como tratamento de igual para igual ou de superior para
inferior. De acordo Cunha e Cintra, citado em Silva, temos:
42
No português europeu normal, o pronome tu é empregado como forma
própria da intimidade. Usa-se de pais para filhos, de avós ou tios para netos e
sobrinhos, entre irmãos ou amigos, entre marido e mulher, entre colegas de
faixa etária igual ou próxima. O seu emprego tem-se alargado, nos últimos
tempos, entre colegas de estudo ou da mesma profissão, entre membros de
um partido político e até, em certas famílias, de filhos para pais, tendendo a
ultrapassar os limites da intimidade propriamente dita, em consonância com
a intenção igualitária ou, simplesmente, aproximativa. (Silva, 2003:179-180)
No Brasil, encontramos o uso do tu no Sul, em alguns pontos da região
Norte e também na cidade do Rio de Janeiro, cenário de Os sete gatinhos.
Segundo Cunha e Cintra (2001:291-294) são muitos os pronomes que
podemos usar como segunda pessoa: tu, você, o Senhor e a Senhora
(tratamento cerimonioso), e os chamados "pronome de reverência", tais como
Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Magnificência, entres outros.
Alguns desses pronomes são raramente usados, ou usados em
ocasiões especiais, como é o caso de Vossa Excelência. O emprego depende
diretamente do contexto e do grau de intimidade entre o falante e o ouvinte, ou
seja, o primeiro adapta seu discurso a cada exigência comunicativa.
O uso da forma pronominalizada o senhor sofre modificação em função
de status e do papel social exercido pelas personagens. Com essas
transformações percebemos o uso acentuado de seu, que é a forma popular
encontrada e usada para demonstrar as desigualdades entre as personagens.
Cunha e Cintra (2001:294) assim destacam:
Quando anteposta a um nome próprio, a palavra senhor assume na linguagem
corrente de Portugal e, principalmente, do Brasil a forma seu.
Conforme salienta Silva (2003:175-176), o sistema de tratamento passou
por algumas modificações, após a Segunda Guerra mundial porque na
estrutura social uma maior abertura. O predomínio de relações assimétricas
muda para o predomínio de relações simétricas. Uma solidariedade formal
43
(senhor/senhora) muda para a solidariedade informal (você/você). O poder, tão
comum na sociedade do passado, deu lugar à solidariedade, presente na
sociedade aberta do presente.
Alba de Diego e Sanches Lobato, citados em Silva (2003:176), destacam
que a dicotomia poder/solidariedade pode ser substituída por solidariedade/não
solidariedade. Para ilustrar, apresentam o seguinte esquema:
Solidariedade Não-solidariedade
T V
Gradativamente, muitos traços diferenciadores acabam perdendo esse
emprego, uma vez que, a tendência a um progressivo desaparecimento de
formas de tratamento indicativas de poder. No Brasil, um traço característico
dessa mudança está em algumas formas de tratamento, como vo e seu uso
ampliado em relação a o senhor, evidenciando uma “quebra de formalismo”
(Preti, 2004 b:186).
Quanto às expressões utilizadas nas relações de poder, incluem-se
todos os tratamentos, com exceção de você: vossamecê, o senhor, a senhora,
a senhora Dona, o senhor Dr., o cavalheiro, V. Exa. V. Sª. , entre outras. Tais
formas indicam respeito, hierarquia e o usadas de acordo com o status
atribuído ou adquirido dos interlocutores.
Silva estabelece quatro níveis para as formas de tratamento:
1. Formas pronominalizadas ... Neste nível, incluímos as formas você, o
senhor, a senhora, quando usamos no âmbito do eixo subjetivo...
2. Formas nominais, constituída por nomes próprios, nomes de parentescos,
nomes de funções (como professor, doutor, etc.) sempre empregados no eixo
subjetivo, indicando a pessoa com quem se fala. Nesses casos, a forma
nominal pode ser substituída por você/ o senhor.
44
3. Formas vocativas, isto é, palavras desligadas da estrutura argumental do
enunciado e usadas para designar ou chamar a pessoa com quem se fala.
Normalmente, essas formas são acompanhadas por pronomes pessoais
explícitos ou implícitos.
4. Outras formas referenciais, isto é, palavras usadas como referência à
pessoa de quem se fala, portanto engloba o eixo não subjetivo. (Silva
2003:170-3)
Durante o processo interacional, muitas o as opções de tratamento
disponíveis para escolha dos participantes e esses usos dependem
diretamente do contexto, do papel assumido em determinada situação e do
grau de intimidade. Se a necessidade de marcar uma hierarquia entre os
participantes, a escolha recairá pelo uso da forma à qual o título é priorizado;
quando o uso do nome aparece sozinho, uma proximidade entre os
participantes; se o nome aparece seguido pelo sobrenome (ou um segundo
nome), um maior distanciamento é criado entre os falantes.
Não podemos nos esquecer também dos usos de tratamentos
empregados por jovens, que optam por formas que, de certa maneira, acabam
identificando os diferentes grupos sociais tanto no caráter pejorativo como
carinhoso. (Silva, 2003:173)
De acordo com Silva (2003:185-190), existem regras que regulam os
comportamentos de uma sociedade e as formas de tratamentos ratificam as
atitudes em momentos adequados ou inadequados. Para melhor exemplificar
observamos alguns comportamentos na nossa sociedade: os padrinhos são
tratados por padrinhos e madrinhas como forma carinhosa, uma vez que são
considerados como uma espécie de pai e mãe, em alguns casos a madrinha é
tratada por dinda; os avôs são tratados comumente por e ; o sogro e a
sogra o normalmente tratados por seu e dona e muito dificilmente por
sogrinho e sogrinha.
No dia-a-dia feliz do casamento, o tratamento do marido e da esposa
pode ser amor, amorzinho, bem, benzinho, fofa, fofo, flor, florzinha, coração,
entre outros. Os pais usam filho, filha, mas também usam o nome de batismo.
Quando estão com algum problema ou até bravos com alguma atitude,
chamam seus filhos pelo nome completo. Outros optam pelos nomes
45
compostos. Usam também os apelidos, a abreviação do nome ou os nomes
nos diminutivos. Também usam meu menino e minha menina. Os filhos, por
outro lado, chamam seus pais de meu pai e minha mãe, usam os diminutivos
paizinho e mãezinha em circunstâncias especiais e sem deixar de lado a
forma carinhosa, fazem uso de velho e velha. (Silva, 2003:191-192).
Nesse sentido, parece-nos propícia a seguinte reflexão de Preti
(2004b:184-185) sobre as formas de tratamento que podem ocorrer nos
diálogos ou nos vocativos e que estão ligadas a diversos fatores e situações de
comunicação:
Em português, o sistema de tratamento pode ser representado: 1) por formas
pronominais, ou seja, pelos pronomes pessoais (tu, vós); 2) por formas
pronominalizadas, isto é, com valor de pronomes pessoais (você, o senhor,
Vossa Excelência, Vossa Senhoria e suas variações); 3) por formas nominais,
constituídas por nomes próprios, prenomes, nomes de parentesco ou
equivalentes, antecedidos de artigo, uso praticado restrito ao português de
Portugal, ou, ainda, por uma grande variedade de nomes empregados como
vocativos ou formas de chamamento.
Todas essas formas de tratamento estão diretamente ligadas aos vários
status e aos conseqüentes papéis que os falantes podem desempenhar. A
fixação de certos usos no decorrer de um tempo mais duradouro vai depender
da dinâmica das transformações sociais. Alguns usos serão mais duradouros
que outros.
É preciso pensar, por exemplo, que, nas relações entre status, não se passa,
de repente, de um tratamento mais formalizado como o senhor para você (e
muito menos para tu), sem marcar a mudança de papéis sociais. A todo
momento, vemos o embaraço que sentimos, dialogando com uma pessoa de
status superior ao nosso, ao passarmos de um tratamento que indica
autoridade e poder (como o senhor) para outro de intimidade e solidariedade
(como você) que inclui o interlocutor em nosso grupo social, ainda que haja
estímulo na situação de comunicação, para que tal ocorra.(Preti, 2004b:185).
Desde que a situação permita e o provoque um constrangimento para
os falantes, todas essas formas de tratamento podem ser usadas por todos. A
46
nossa proposta foi mostrar as diversas formas e os usos na língua e
destacaremos, em nosso trabalho, as formas pronominais, pronominalizadas
e nominais estudadas por Preti. A participação do falante deverá ocorrer de
forma tranqüila e descontraída, uma vez que, será possível notar o grau de
familiaridade, de poder, de solidariedade. As transformações sociais servirão
de base para as mudanças no processo de comunicação e também nas formas
de tratamentos.
2.4. - Uso de diminutivos
De acordo com Martins (1989:80), o enriquecimento de uma língua conta
com os processos de formação de palavras para a satisfação das
necessidades expressivas de falantes e escritores. A língua portuguesa é muito
rica em afixos que são responsáveis por uma derivação emotiva de
considerável amplitude. "Se política, gente, povo, podem empregar-se sem
tonalidade emotiva, politicagem, gentinha, gentalha, gentarada, gentama,
povinho, povão, populaça, populacho, poviléu, são carregados de valores
pejorativos". Os sufixos que foram acrescidos às línguas desde suas origens
apresentaram um papel fundamental diante de tais transformações.
Fora da idéia de tamanho, as formas aumentativas e diminutivas,
conforme afirma Bechara (2004:141), podem traduzir o nosso desprezo, a
nossa crítica, o nosso pouco caso para certos objetos e pessoas, sempre em
função da significação lexical da base, auxiliados por uma entoação especial
(eufórica, crítica, admirativa, lamentativa etc.) e os entornos que envolvem
falantes e ouvintes.
Os sufixos dificilmente aparecem com uma aplicação; em regra, revestem-
se de múltiplas acepções e empregá-los com exatidão, adequando-os às
situações variadas, requer e revela completo conhecimento do idioma. Ao
lado dos valores sistêmicos associam-se aos sufixos valores ilocutórios
intimamente ligados aos valores semânticos das bases a que se agregam,
47
dos quais não dissociam.... Os sufixos que formam nomes diminutivos
traduzem ainda carinho: mãezinha, paizinho, maninho. Outras vezes, alguns
sufixos assumem valores especiais (por exemplo florão o se aplica em
geral a flor grande, mas a uma espécie de ornato de arquitetura), enquanto
outros perdem o seu primitivo significado, como carreta, camisola). (Bechara,
2004: 357)
Nesse sentido, parece-nos propícia a reflexão de Bacheschi (2006:55):
Morfologicamente, as derivações sufixais resultam em alterações mais
profundas que as prefixais, uma vez que os sufixos podem alterar a classe da
palavra. Alguns sufixos, aliás como -izar, -çao, -ez, -eza, -mente, têm apenas
essa função. Ainda assim, esses sufixos podem ter valores expressivos dento
de certos contextos. Dessa forma, muitas vezes, é o contexto que vai
determinar se um sufixo tem valor puramente intelectivo, ou se possui um valor
afetivo
Um outro aspecto que devemos observar é o valor das formas
diminutivas. Com o decorrer da narrativa, estudaremos alguns trechos onde os
diminutivos apresentam valores diferentes. Sobre esse aspecto, Cunha e Cintra
(2001:198), afirmam:
O emprego dos sufixos diminutivos indica ao leitor ou interlocutor que aquele
que fala ou escreve põe a língua afetiva no primeiro plano. o quer
comunicar idéias ou reflexões, resultantes de profunda meditação, mas o que
quer é exprimir, de modo espontâneo e impulsivo, o que sente, o que
comove ou impressiona - quer seja carinho, saudade, desejo, prazer, quer
digamos, um impulso negativo: troça, desprezo, ofensa. Assim se encontra no
sufixo diminutivo um meio estilístico que elide a objetividade sóbria e a
severidade da linguagem, tornando-se mais flexível e amável, mas às vezes
também mais vaga.
Cunha e Cintra (2001:90-91) utilizam o seguinte quadro para representar
os sufixos diminutivos empregados na Língua Portuguesa:
48
Sufixo Exemplificação
-inho, -a toquinho, vozinha
-zinho, -a cãozinho, ruazinha
-ino, -a pequenino, cravina
-im espadim, fortim
-elho, -a folhelho, rapazelho
-ejo animalejo, lugarejo
-ilho, -a pecadilho, tropilha
-acho, -a fogacho, riacho
-icho, -a governicho, barbicha
-ucho, -a papelucho, casucha
-ebre casebre
-eco, -a livreco, soneca
-ico, -a burrico, marica(s)
-ela ruela, viela
-ete artiguete, lembrete
-eto, -a esboceto, saleta
-ito, -a rapazito, casita
-zito, a jardinzito, florzita
-ote, -a velhote, velhota
-isco, -a chuvisco, talisca
-usco, -a chamusco, velhusco
-ola fazendola, rapazola
Bacheschi (2006:57) apoiado em idéias de Martins, (1989:114), afirma
que o sufixo - inho (< latim - inu) é de uso muito difundido no português do
Brasil. Segundo a tradição gramatical, -inho é um sufixo nominal formador de
diminutivos e, embora figure no idioma a par de vários outros sufixos com essa
função, parece-nos muito clara sua predominância sobre todos os outros. A
grande maioria, senão a totalidade dos falantes de português do Brasil, prefere
naturalmente rapazinho a rapazola, homenzinho a homúnculo, aldeiazinha a
aldeola etc.
49
Segundo Martins (1989:115), os diminutivos revelam uma ternura com o
idioma, é como se estivessem enamoramento da língua que acaricia as
palavras como se fossem pessoas. Bacheschi (2006:55-56) assim se
pronuncia:
Em português, um número relativamente pequeno de sufixos para exprimir
um número praticamente ilimitado de significações. Daí o fato de muitos
sufixos serem polissêmicos. Comparem-se os valores do sufixo - ada, por
exemplo, em "pedrada", "feijoada" e "mesada". Evidentemente, sufixos que
têm significação puramente intelectual, como -ema (de origem grega),
empregada com o sentido de unidade mínima (fonema, grafema, semantema
etc.). Mesmo esses sufixos ainda estão sujeitos a empregos expressivos.
Assim sufixos que normalmente compõem vocábulos de linguagem científica,
como -ite (também de origem grega), que, em Medicina, tem sentido de
"inflamação" (apendicite, gengivite, rinite etc.), podem, na linguagem coloquial,
gerar, por analogia, vocábulos de significação pejorativa, como "frescurite",
"paixonite" etc. Dessa forma, os sufixos são morfemas que possuem alto poder
evocativo, pois carregam traços semânticos dos elementos a que geralmente
se prendem.
Encontramos o uso de diminutivos em Os sete gatinhos com valores que
denotam afeto, ternura, carinho e, também, que indicam uma forma pejorativa,
a ironia, a zombaria e até apelos ao ridículo. (Bacheschi 2006: 58-59) destaca:
Ocorrendo como forma presa a substantivos, o sufixo -inho passa a ligar-se a
palavras de outras classes como os adjetivos; ora lhes conferindo valor
superlativo como em "magrinho", "miudinho"; ora com valor pejorativo como em
"espertinho"; ora eufemístico como em "alegrinho" (no sentido de embriagado),
ou atenuando o sentido de adjetivos que expressam características negativas
como em "chatinho", ranhetinha"; ora exprimindo sarcasmo como em
"nervosinho", "estouradinho"; ora expressando precisão, exatidão como em
"escritinho", ora ausência de dúvidas como em "Martinho". Tais formas
freqüentemente vêm acompanhadas de intensificador: "que bonitinho". Nos
advérbios, o sufixo -inho ocorre fundamentalmente com valor superlativo como
em "cedinho" e "pertinho" ou enfático como em "nunquinha", mas pode
manifestar rigor, exatidão como em "agorinha", "assinzinho".
50
Para Bacheschi (2006:59) o uso de diminutivos merece um olhar
especial uma vez que representa a fala de todos, cultos ou ignorantes. não
conseguimos encontrá-lo nos textos que têm como meta a objetividade uma
vez que a afetividade se anula em tais situações.
Bacheschi (2006:59) registra, apoiado no Dicionário da Língua
Portuguesa de Houaiss (2001), há a ocorrência de seiscentos e sessenta
e quatro vocábulos terminados em inho e seiscentos e setenta e três em inha.
sabemos que o diminutivo pode expressar vários valores, vários sentidos e
várias intensificações e não faz referência apenas ao tamanho pequeno.
Em alguns textos, os diminutivos assumem o valor de delicadeza ou
graça, de algo agradável. Em outros, de tristeza, de comoção, de dó. Com
palavras cuja significação é desfavorável, o diminutivo pode equivaler a uma
atenuação tolerante, compreensiva, a uma brincadeira. De acordo com Martins
(1989:115), o uso de diminutivos depende exclusivamente do contexto em que
está inserido, ou mesmo da situação entre os falantes. Uma mesma forma,
diante de diferentes situações, poderá assumir valores opostos.
Ainda que todos esses aspectos sejam relevantes, é preciso considerar
o argumento de Bacheschi (2006:63), o vocábulo "cafezinho", por exemplo,
pode ter "valor neutro" em certos contextos e expressivos em outros. É com o
primeiro valor que o vocábulo está dicionarizado: café servido em pequenas
xícaras; ca pequeno" (Ferreira, 1999), "café que se serve em xícaras
pequenas; café pequeno" (Houaiss, 2001). "Cafezinho" é usado, na maioria das
vezes, com o valor expressivo e que segundo Bacheschi (2006: 63) não é
dicionarizada.
Preti (2004c: 60) chama a atenção quanto ao uso de diminutivos quando
se referem à linguagem dos idosos. Em muitos casos, os idosos são
comparados às crianças e são tratados como um ouvinte de idade infantil.
Nesses casos, os diminutivos apresentam valor afetivo, uma vez que os
falantes tentam tratar os idosos com delicadeza. Por outro lado, em muitos
casos esses diminutivos soam como algo depressivo, m um sentido de
desdém, de falsidade, de hipocrisia e causam uma certa repulsa nos idosos,
que cada vez mais se acomodam diante de tal tratamento.
51
Os sufixos diminutivos usados com os advérbios apresentam valores
destacados na linguagem familiar que, como Bechara (2004:295) afirma, o
valor superlativo dos advérbios devagarzinho, cedinho e agorinha pode
expressar-se pela sua forma diminutiva combinada com o valor lexical das
unidades que concorrem com ele. O diminutivo das fórmulas de recomendação
não indica mais lentidão ou ligeireza da realização do fato, mas serve para
expressar ou acentuar a recomendação.
Grande parte do uso de palavras no diminutivo denota um valor afetivo
contido no sufixo ou até no contexto. Não podemos nos esquecer, porém, de
que uma forma diminutiva pode assumir valores opostos, dependendo do
enunciado em que está inserido.
2.5 - A gíria
Veículo de interação usado pelas pessoas da sociedade, a linguagem
representa parâmetros que estabelecem o comportamento do homem. A
língua, como é dinâmica, acompanha todas essas mudanças incorporando
novas expressões à conversação, à mídia, ao dia-a-dia. Nesse sentido,
convém destacar o que diz Robinson (1977:68) "a língua exerce influências
transformadoras do comportamento e da personalidade".
Elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade, a língua
possibilita revelar visões diferentes de um povo e de um mundo. Manifestações
lingüísticas diferentes serão frutos de realidades diferentes vividas por grupos
sociais também diferentes. Sabemos que somos condicionados a um sistema
herdado da linguagem, também sabemos que a cultura e a tradição social são
responsáveis pela manutenção de padrões lingüísticos aceitos pela sociedade.
Alguns modelos são prestigiados em detrimento de outros.
Temos que considerar algumas informações sobre prestígio social das
variantes lingüísticas: segundo consenso geral, as pessoas com maior grau de
escolaridade, portanto mais prestigiadas socialmente, utilizam a linguagem
52
culta. "Mas outros aspectos devem ser considerados como grupo social,
condições históricas e situações de comunicações em que os falantes atuam".
Preti (2003b:47)
Em outra situação, a criação de expressões diferentes e a elaboração de
um meio próprio comum, que servem como forma de rebeldia e de desprezo da
sociedade e dos modelos seguidos por ela, o exemplos de modelos criados
para satisfazerem os desejos e as necessidades de alguns grupos, que se
consideram restritos.
Surgem as linguagens especiais como a gíria, o jargão e a linguagem
erótica que passam a fazer parte da linguagem descontraída, despreocupada,
ou ainda como forma de identificação de um grupo determinado. Gonzales
(1999:69), define:
A linguagem gíria é de natureza lexical, já que o campo do léxico é muito mais
flexível para mudanças, principalmente semânticas. Para criar uma linguagem
própria, os membros do grupo alteram o sentido de certos vocábulos ou
deformam seus significantes de maneira que estes vocábulos alterados não
sejam mais entendidos pelo restante da sociedade, ou seja, tornam-se
ininteligíveis pelos usuários da língua comum.
A gíria é marca pelo uso no mundo marginalizado, é característica
presente na vida dos excluídos da sociedade. Segundo Preti (2000:242),
ocorreu, historicamente, em outras épocas e em outras regiões. Na Idade
Média, por exemplo, por motivo de segurança, fez com que mascastes e
comerciantes ambulantes criassem códigos secretos; na Índia, ciganos
discriminados espalharam, com suas vidas nômades, vocábulos da Europa à
América.
No Brasil, na época da ditadura militar, a gíria chegou a ser proibida nos
meios de comunicação de massa. Nas épocas dos regimes mais liberais e
democráticos, o uso da gíria teve mais aceitação.
Preti (1984a: 66) assim define a importância da gíria:
Embora a gíria não ofereça as mesmas perspectivas em todas as línguas,
pode-se dizer que ela, na essência, constitui-se num vocábulo criptológico,
53
ligado à vida e à cultura de um grupo social restrito. Sua função como
linguagem fechada, além de simples veículo de comunicação, é também a de
defesa e preservação de classe. E essa característica é que melhor define sua
condição de signo de grupo, elemento de auto-afirmação e identificação dos
falantes.
De acordo com Preti (2000:241-242), "a gíria constitui um vocábulo
tipicamente oral". Surge dentro de um grupo social restrito antes de vulgarizar-
se na linguagem falada por toda a comunidade. Está presente em alguns casos
na escrita para dar mais veracidade aos textos e proporcionar uma maior
aproximação e interação entre escritor e leitor. Como era relacionada a classes
pouco cultas e a grupos marginalizados, sempre foi cercada por preconceito
lingüístico.
Apesar de apresentar uma certa aceitabilidade social, a gíria ainda é
um vocabulário marcado que sofre rejeição. Mesmo assim, ela é encontrada
na linguagem jornalística, nos diálogos do cinema, nos filmes falados em
português, também nas legendas traduzidas e nos diálogos de telenovelas.
(Preti,2003:56)
A gíria pode ser estudada sob duas perspectivas. Preti, assim define
esses grupos:
a primeira, a da chamada gíria de grupo, isto é, a de um vocabulário de grupos
sociais restritos, cujo comportamento se afasta da maioria seja pelo inusitado,
seja pelo conflito que estabelecem com a sociedade. No primeiro caso, estão
os grupos jovens ligados à música, à dança, ao esporte, às diversões, aos
pontos de encontros nos shoppings, à universidade, etc.; no segundo, estão os
grupos comprometidos com as drogas, com a prostituição, com o
homossexualismo, com o roubo e o crime, com o contrabando, com o ambiente
das prisões, etc.
Uma segunda perspectiva, a da gíria comum, é a que estuda a vulgarização do
fenômeno, isto é, o momento em que, pelo contato dos grupos restritos com a
sociedade, essa linguagem se divulga, torna-se conhecida, passa a fazer parte
do vocabulário popular perdendo sua identificação inicial. É assim, que quando
dizemos que estamos baratinados, quer dizer, preocupados, perturbados por
qualquer problema, sem condição de decidir, estamos empregando um
54
vocábulo da gíria dos toxicômanos, vulgarizado pelo contato desse grupo
fechado com a sociedade. (2000:245)
Gonzales (1999:70), assim destaca:
A gíria, sob a primeira perspectiva, pode ser considerada como uma
linguagem do meio. Segundo François-Geiger (1991), a gíria tradicional é
entendida como a de caráter criptológico, ligada aos malfeitores, e apresenta
uma temática particular relacionada com a bebida, o sexo, as drogas, o
dinheiro, o jogo, etc., "o que a distingue, por um lado das formas gírias, e por
outro, da língua popular." Se num primeiro momento interpreta-se o fenômeno
gírio como produto do meio, assume-se, então, o fato, conforme Guiraud
(1985), de a gíria ser um signo de grupo. Para o autor, é uma linguagem que
serve de defesa, de coesão e de cumplicidade entre os membros que
compõem determinados grupos sociais. Geralmente essa linguagem é a dos
grupos dos malfeitores, que vivem à margem da sociedade estabelecendo com
esta uma relação de conflito.
Burke (1996:8), citado em Preti (2000:246), afirma que "a gíria dos
grupos restritos, teve, historicamente, seu estudo ligado à vida do submundo
do crime, caracterizando-se como 'uma antilinguagem de uma contracultura ou
uma linguagem para marginais'".
Por se tratar de um fenômeno lingüístico e também social, a gíria se
utiliza de uma linguagem cifrada, somente entendida e decodificada por
pequenos grupos. Isso é realizado pela necessidade de isolamento e
distanciamento.
Por outro lado, (cf. Castro, Connie, Rector, Fernandes, Proença, Feijó),
também citados em Preti (2000: 246) afirmam que "a gíria de estudantes, a
gíria dos jovens e a gíria do futebol não apresentam ligações com o crime, que
seus vocábulos têm maior interação com a comunidade, misturam-se
facilmente na linguagem do dia-a-dia e passam a fazer parte da gíria comum".
55
Cada vez mais observamos uma alteração de usos lingüísticos. Com a
flexibilidade dos costumes sociais e uma maior interação entre os falantes,
percebemos que uma grande quantidade de gírias de grupo migram para a
linguagem comum, que o contato freqüente entre os grupos sociais restritos,
considerados marginais, com o resto da sociedade, torna-se cada dia mais
comum e, tudo isso comprova, uma vez mais, que a língua é o retrato das
transformações sociais.
De uma forma geral, todos os usuários devem conhecer seus
significados para que nenhuma das partes se sinta humilhada. Dias (2003:38),
assim se posiciona:
Com relação à compreensão das gírias, pode-se observar que os informantes,
em sua maioria, dominam o seu significado e são capazes de formular frases,
utilizando-as. Alguns, ao invés de construírem frases, indicaram o contexto em
que tal vocábulo seria empregado. No momento da atribuição de significados
às gírias, alguns o fizeram valendo-se de outras gírias, num processo de
substituição.
O uso, cada vez maior, das gírias estabelece relações com o contexto
sócio-econômico do falante e a expansão dos meios de comunicação de
massa facilitaram o processo de transformação. Conforme destaca Gonzales
(1999:71) "pode-se considerar, também, o uso da gíria com relação ao nível
cultural do falante. Quando menor o nível cultural, mais o falante ficará
condicionado à linguagem do seu próprio meio, limitando-se a ela, em
detrimento das várias possibilidades de outros níveis lingüísticos".
As transformações lingüísticas estão inteiramente condicionadas ao
fenômeno do prestígio social da linguagem. A cada dia, a gíria é mais aceita e
entendida. Com o uso, percebemos mecanismos de compreensão, equilíbrio,
conservação que contribuem, cada vez mais, para quebra de preconceito e
tabu.
56
2.6 - Preservação da face
A linguagem exerce papel de intermediar a situação de interação dos
falantes, que o discurso de um se constitui conforme o discurso do outro. O
comportamento verbal de cada um dos falantes é passível de ser analisado,
uma vez que os participantes agem um sobre o outro, pois a interação é um
fenômeno sócio-cultural. Brait assim se posiciona:
A abordagem interacional de um texto permite verificar as relações
interpessoais, intersubjetivas, veiculadas pela maneira como o evento
conversacional está organizado. Isso significa observar no texto verbal não
apenas o que está dito, o que esexplicito, mas também as formas dessa
maneira de dizer, que, juntamente com outros recursos, tais como entonação,
gestualidade, expressão facial etc., permitem uma leitura dos pressupostos,
dos elementos que mesmo estando implícitos se revelam e mostram a
interação como um jogo de subjetividades, um jogo de representações em que
o conhecimento se através de um processo de negociação, de trocas, de
normas partilhadas, de concessões. (2003:220-1)
A conversação é entendida, por Brown e Levinson (1978), citado em
Castilho (1989:33),como o intercurso verbal em que duas ou mais pessoas se
alternam, discorrendo livremente pela vida diária.
Marcuschi (2003:16) diz bem que "para se iniciar e estabelecer uma
interação, é necessário que os participantes se abram para as expectativas
mútuas, devendo partilhar um mínimo de conhecimentos comuns, entre eles o
lingüístico, o cultural e o situacional", ou seja, os esquemas comunicativos e a
concretização de objetivos exigem partilhamentos e aptidões cognitivas que
superam em muito o simples domínio da língua em si mesma. Levam em conta
fatores sociais e culturais que refletem na linguagem usada.
A conversação é caracterizada pelo caráter interativo como uma
atividade conjunta, uma vez que é realizada por dois ou mais participantes. O
falante e o ouvinte, nesse processo, apresentam alternâncias na troca de
57
papéis. Embora a participação de ambos aconteça de forma diferenciada, o
falante e o ouvinte são igualmente ativos. O falante assume o papel de guia no
processo de conversação. É ele quem vai ser o responsável pelo andamento,
pelo redirecionamento e pela continuidade do diálogo.
A troca de papéis cria o que Preti & Urbano (1990:99) denominam
“dinâmica inter-relacionada”. Goffman (2004: 10), afirma que essa dinâmica
conduz ao emprego de “um sistema de práticas, convenções e regras de
comportamento”, utilizadas com a finalidade de organizar o fluxo da mensagem
e a participação dos interlocutores.
Na busca de uma melhor compreensão, o falante opta por um
monitoramento, um acompanhamento em relação ao ouvinte. Para isso, alguns
recursos tão comuns na fala, como a paráfrase, as correções, as inserções de
parentéticas, são usados pelo falante. Com isso, o falante emprega
procedimentos discursivos variados, como aqueles a que Castilho (1989;142)
denomina atividades de reconstrução e de desconstrução.
O ouvinte também assume um papel ativo muito importante no processo
de comunicação, já que não é apenas um espectador. Participa, intervém,
mostra entendimento. Concorda com o que o falante diz e em outras situações
discorda do que foi falado.
Assim, Marcuschi (2003: 16) considera dois tipos de diálogos: no
primeiro, “um dos participantes tem o direito de iniciar, orientar, dirigir e concluir
a interação e exercer pressão sobre o (s) outro (s) participante (s)"; no outro,
"vários participantes têm supostamente o mesmo direito à auto-escolha da
palavra, do tema a tratar e de decidir sobre seu tempo" .
Nos diálogos, são duas situações de perfeita harmonia, pois a
necessidade do falante em ser entendido e a vontade do ouvinte em
demonstrar sua compreensão. Para isso os interlocutores empregam sinais de
monitoramento da própria fala ou da fala de outro interlocutor. Goffman (1970),
citado em Silva (2001:131), diz que "quando se realiza a interação verbal, 'um
sistema de práticas, convenções e regras de comportamento é empregado',
funciona como um canal para monitorar e organizar o fluxo das mensagens".
58
Esses sinais de monitoramento decorrem de uma característica da
língua falada, já que há a necessidade de um acompanhamento
contínuo da própria fala e das atitudes dos demais interlocutores, de modo a
redirecionar a fala, de acordo com as atitudes do momento.
O monitoramento é definido por Silva (2001:131-132) como a
fiscalização que cada interactante do diálogo exerce sobre o seu parceiro, no
sentido de direcionar e regulamentar a conversação. O autor menciona,
também, dois tipos de monitoramento: o do falante, que monitora o ouvinte; e
o do ouvinte, que monitora o falante. Acrescenta, ainda, a existência do
monitoramento do próprio falante, responsável pela busca da melhor forma de
expressão e da adequação pragmática feita pelo próprio falante. Para ilustrar,
o autor apresenta o seguinte esquema:
MONITORAMENTO
O Falante monitora O Ouvinte monitora
o ouvinte. o falante.
Com o monitoramento, gera uma imagem que se quer manter e que é
motivo de muita preocupação por estar sempre, no processo interacional, pois
os interlocutores também têm a intenção de agir um sobre o outro. A auto-
imagem pública é chamada por E. Goffman de face.
Brown e Levinson (1978), citados em Galembeck (1997:135-137)
ampliam o conceito de face, a partir dos estudos de Goffman (1970), e
acrescentam que “a face é algo em que há envolvimento emocional e que pode
ser perdida, mantida ou intensificada e que tem que ser constantemente
cuidada numa interação”. Para eles, atos de fala que ameaçam a face,
como ordens, pedidos, conselhos, promessas, elogios, críticas etc.
59
Brown e Levinson (1978), a partir da noção de face de Goffman (1970),
afirmam que todo indivíduo tem uma face externa e uma face interna. A face
externa (a que é chamada de positiva) revela o modo de como o indivíduo
deseja ser visto pelos outros e que ele gostaria que fosse preservado. A face
interna, (chamada de negativa) revela que o indivíduo não gostaria de ter
invadida e que também, deseja preservar ou ver preservada:
Goffmam denomina face a expressão social de eu individual; o mesmo A.
designa por processos de representação (face-work) os procedimentos
destinados a neutralizar as ameaças (reais ou potenciais) à face dos
interlocutores ou a restaurar a face dos mesmos. (Galembeck, 1997: 135) (grifo
do autor)
Os participantes de uma interação estão sempre preocupados em fazer
uso de uma ou de outra estratégia de preservação da face para não ferirem a
face do outro e nem deixarem de se resguardar.
Assim sendo, o falante tem uma necessidade constante de preservar a
face, uma vez que não tem uma idéia antecipada das ações que o outro
interlocutor vai tomar. Por tudo isso, o falante é obrigado a adotar certos
mecanismos que vão garantir seu posicionamento e assegurar sua imagem:
A necessidade de preservação da face torna-se particularmente relevante em
determinadas situações, nas quais o falante se expõe de forma direta: pedidos,
atendimentos de pedidos ou recusa em fazê-lo, perguntas diretas e indiretas,
respostas, manifestações de opiniões. Cabe acrescentar que a preservação da
face deve ser necessariamente considerada em relação ao quadro geral da
interação, e não como uma atitude isolada do falante
. (
Galembeck , 1997:136).
Galembeck (1997: 136) destaca, ainda, que no processo interacional
momentos em que os participantes sentem a necessidade de um
distanciamento dos conceitos emitidos como forma de preservação de uma
face, a qual na verdade, não gostariam de revelar. Em outros momentos, o
falante pode assumir uma outra face, mesmo que de forma discreta:
60
No caso da manifestação de opiniões, verifica-se uma dupla atitude por parte
dos locutores: por vezes eles se distanciam dos conceitos emitidos (como
forma de evitar que esses conceitos não são integralmente assumidos), mas,
em outras situações, os locutores mostram que assumem - ainda que
parcialmente - os juízos expostos. Essa duplicidade de atitudes corresponde a
uma das atitudes mais evidentes do texto conversacional: dada a dinâmica
desse tipo de texto, e o fato de ele constituir necessariamente um trabalho
cooperativo, o falante envolve-se diretamente na sua construção, mas, em
certo momento, sente a necessidade de mostrar um prudente afastamento.
(Galembeck 1997: 136)
Podemos observar que os locutores usam recursos para marcar, ora o
distanciamento, ora o envolvimento diante da situação interacional.
A necessidade de preservar a face pode ser marcada pela polidez, pela
facilidade de amenizar uma notícia desagradável, atenuar os efeitos de uma
ordem ou até mesmo fazer uma crítica de modo mais agradável.
Como forma de preservar a face, Galembeck (1997:138-139) afirma que
algumas expressões que caracterizam a impessoalidade, que indeterminam o
sujeito e que marcam a rejeição são usadas para marcar o distanciamento do
locutor, que representam o senso da coletividade e não especificamente o
pensamento do falante. A rejeição também é marcada por expressões fixas
como, por exemplo, que eu saiba, não sei se, se não me engano e outras:
Os marcadores de rejeição exercem um papel relevante no desenvolvimento
da interação, à medida que resguardam o falante de possíveis objeções ou
criticas por parte dos demais interlocutores. Nesse caso, o se verifica a
polifonia (com a cisão entre os planos do locutor ou do enunciador), mas a
indicação explicita de que os falantes não assumem os conceitos emitidos.
(Galembeck, 1997: 140)
Em algumas situações, notamos que determinadas personagens
apresentam-se em uma posição social superior em relação às demais. Em
outras, percebemos que elas desempenham um papel social revestido de
poder intencional e, por esta razão, passam a ser respeitadas ou, em outras
situações, até mesmo temidas. Em certos casos, as personagens sentem a
61
necessidade de se mostrarem prudentes e, por essa razão, se afastam na
tentativa de se preservarem.
Por outro lado, Galembeck (1997:140) afirma que encontramos alguns
procedimentos que marcam o envolvimento do locutor, como por exemplo, o
uso de verbos na primeira pessoa, certas expressões adverbiais (na minha
opinião, no que me diz respeito e similares), alusão a terceiros, paráfrases e
marcadores "hedges". Galembeck (1997:144), no momento em que trabalha
o conceito de "hedges", afirma:
Adota-se a definição proposta por Brown e Levinson (1978), segundo os quais
"hedges" são marcadores que, de qualquer forma, modificam o valor ilocutório
de um enunciado. Entre seus marcadores, interessam como marcas de
opinião, sobretudo os que atuam como atenuadores, modificam a força
assertiva dos enunciados, como os "hedges" que sinalizam atividades de
planejamento verbal (assim, quer dizer, digamos, vamos dizer) e os que
exprimem incerteza.
Nos dois casos, os "hedges" são marcados para atenuar a
responsabilidade do locutor diante da situação e provocar no ouvinte o efeito
de dúvida, de incerteza, de imprecisão. Esse é mais um recurso usado para
manter o locutor distante, afastado e, assim, preservar a sua face.
Quando o locutor faz alusão a terceiros, busca aprovação e amesmo
crédito, que se trata de uma outra pessoa que apresenta um determinado
status e por isso, digna de toda confiança.
As paráfrases também o usadas como forma de preservar a face,
que funcionam como forma de reiteração ou reforço dos conceitos que foram
vistos:
Hilgert (1993) menciona dois processos ou atividades de reformulação textual:
a paráfrase e a correção, ambos caracterizados por apresentar um enunciado
de origem e um enunciado reformulador. A diferença entre ambos decorre da
relação entre esses enunciados: na paráfrase há uma relação de equivalência
semântica entre eles, ao passo que na correção verifica-se o contraste
semântico entre esses enunciados. Galembeck (1997: 148).
62
Como forma de distanciamento ou de envolvimento, os falantes buscam
tomar atitudes diversas na construção dos diálogos e, para isso, fazem usos
de elementos que preservam e mantêm a face. Com tudo isso, percebemos
que a compreensão desses elementos será realizada dentro de um
processo interacional.
Na obra de Nelson Rodrigues, verificamos que as personagens
apresentam maneiras diferentes de agir em virtude da intencionalidade de
preservar ou não a face diante de determinada situação.
63
3. ESTRATÉGIAS INTERACIONAIS SELECIONADAS DO CORPUS
Antes de iniciar a análise propriamente dita, é preciso mencionar que o
nosso corpus foi escolhido por apresentar valiosa contribuição para a análise
da oralidade. Outro fato importante a destacar é de que o registro do texto
escrito não permite a audição e a visualização da postura corporal e o gestual
que ocorre, por exemplo, na apresentação teatral .
Destacaremos as frases formulaicas, usadas para manifestação do
saber popular, em seguida abordaremos os problemas com as formas de
tratamento, que são cada dia mais usadas para manifestação de aproximação
e distanciamento dos interlocutores. Observaremos o uso das expressões
diminutivas com seus significados próprios conhecidos apenas pelos falantes
em determinadas situações. As gírias e a preservação da face também terão
destaque. Na análise procuraremos demonstrar as relações existentes na
peça e a partir daí estabelecer as especificidades que compõem o texto teatral.
3.1 - Frases formulaicas - expressões vindas da boca do povo
A língua não é um simples código de comunicação, do qual nos
servimos apenas para transmitir mensagens diversas. É entendida como
relevante componente interacional que se funda a partir das necessidades de
relacionamento interpessoal (Bakhtin, 1981). Por isso, quando falamos,
transmitimos, ainda que inconscientemente, mais do que uma mensagem
verbal. Na fala e também nos usos escritos da língua estão presentes
indícios de quem somos e, em que plano social nos situamos.
Para Cotrim (2002:47), expressões populares como "Deus ajuda quem
cedo madruga", "Querer é poder", "Filho de peixe peixinho é", revelam uma
reflexão da vida, as chamadas sabedorias populares, e manifestam as idéias
64
de um povo ou de uma classe social. Repetidas irrefletidamente no cotidiano,
algumas dessas frases escondem idéias falsas, parciais ou preconceituosas.
Frases como essas, em muitas situações, por apresentarem
conhecimento partilhado pelos falantes, carregam uma carga expressiva muito
grande. Em alguns exemplos, a ausência de verbo atribui-lhes um valor, sem
exceção, único. Se observarmos a linguagem oral do dia-a-dia, veremos que o
discurso se constrói com uma linguagem extremamente simples. (Dias,
2003:125).
No texto escrito ou no texto falado, o conhecimento partilhado apresenta
função interacional na comunicação. Quanto maiores forem as semelhanças
entre os conhecimentos partilhados dos sujeitos envolvidos na interação,
menor será a necessidade de se construir um enunciado denso em
informações
Em Os sete gatinhos, a dificuldade de elaborar frases com uma estrutura
mais complexa é observada nas falas das personagens, uma vez que revelam
uma cultura simples. Mas nem por isso, as frases demonstram pouco teor de
emoção ou expressão. São usadas para sustentar as idéias de cada
personagem e seus argumentos.
Os membros de uma comunidade possuem certo estoque dessas
expressões em sua memória e podem reconhecê-las rapidamente e atribuir-
lhes sentido. É possível considerar que, ao utilizar as frases formulaicas ou
frases feitas na construção dos enunciados, Nelson Rodrigues acrescentou ao
texto mais uma marca da oralidade no que tange ao caráter impreciso, casual e
genérico que a situação comunicativa criada exigia, pois, além de serem
portadoras de expressividade, em alguns casos, as frases feitas representam
uma economia de tempo na comunicação.
Nos exemplos a seguir procuraremos demonstrar tanto nas falas
masculinas como nas femininas, as marcas da oralidade:
Exemplo ( 1)
Aurora - Por quê?
Bibelot - Dei uns tiros num cara. Folgou comigo e já sabe.
Aurora (com certo deslumbramento)
- Morreu?
65
Bibelot - O cara? (faz um gesto como se lavasse as mãos) Não sei, não
quero saber e tenho raiva de quem sabe.
2
Aurora - E agora?
Bibelot - Estou parado, até ver que bicho que dá.
Aurora (rápida, à queima-roupa) - Você é casado?
Bibelot (com breve hesitação) - Sou.
Aurora - Logo vi!
Bibelot - Por quê?
Aurora - Quando gosto de um cara é casado!
Bibelot - Bem, mas a minha patroa fez uma operação, tirou útero, ovário e...
Aurora - Não sente mais prazer?
Bibelot - É, deixou de ser mulher. Chato pra burro! (muda de tom) Como é?
Vamos?
Aurora - (ergue o rosto duro) - Eu, não! Absolutamente!
Bibelot (sôfrego) - Passamos lá meia hora no máximo!
Aurora (ressentida) - Você entrou de sola, meu filho!
Bibelot (atônito) - Eu? Por quê?
Aurora - Já quer me empurrar pra um apartamento! Sem um romancezinho!
Bibelot - Aurora, escuta!
Aurora (veemente) - Se, por acaso, eu fosse a esse apartamento contigo.
Vamos imaginar. E meu pai?
Bibelot (atarantado) - Você me interpretou mal! Não me compreendeu!
Aurora - Compreendi, sim. Mas responde: e meu pai? (13)
...............................................................................................................................
Aurora - Escuta: e se eu disser que mudei de opinião?
Bibelot - Batata?
Aurora (no seu brusco desejo) - E se eu disser que gostei de ti?
Bibelot - Duvido.
Aurora (transfigurada) - Sabe que você fica muito bem de terno branco?
Ontem, eu te vi de branco e hoje também. É o mesmo terno?
Bibelot (na sua vaidade) - Outro! Só uso branco! Tenho dez ternos como
esse em casa. Ponho um por dia, chova ou faça sol!
Aurora (fascinada) - Que bom! (15)
Bibelot (mais taxativo) - Vamos ao que interessa! Você vai ou não vai?
Aurora (no seu brusco desejo) - E se eu disser que gostei de ti?
Bibelot - Duvido.
2
Usamos o negrito para destaque de frases e termos analisados.
66
Aurora - Presta atenção: eu me lembrei que hoje, há sessão noturna na
Câmara e papai chega tarde. Disponho de mais tempo.
Bibelot - Até que enfim, puxa! (15)
Podemos observar que, nos exemplos acima, as posições das
personagens são bem diferentes. uma demonstração da vaidade
masculina, do poder masculino, do poder do dominador. (Dias, 2003: 143).
Uma análise atenta da linguagem nos mostrará uma posição tendenciosamente
machista, construída por imagens que revelam uma sociedade preconceituosa
em relação à mulher.
A personagem masculina, Bibelot, por meio das frases feitas, demonstra
domínio da situação quando afirma: "Não sei, não quero saber e tenho raiva de
quem sabe" . Mostra-se despreocupado e sem compromisso com a figura de
Aurora que, para ele, não passa de um objeto que deseja conquistar.
Alguns tipos de frases revelam determinado preconceito sexual e fogem
à estrutura comum das outras ao longo do textos. "A idéia central é sempre o
conflito homem versus mulher com a presença do herói sexual, caracterizado
pela sua decantada capacidade de manter relações sexuais com qualquer
outra". (Dias, 2003: 146)
Assim, Bibelot arma uma situação para assegurar que o sexo frágil é o
homem. Afirma que a mulher com quem está casado está impossibilitada de
sentir prazer, o que é para ele, "chato pra burro". Mais o perde a
oportunidade de chamar Aurora para ir com ele a um apartamento para ter uma
relação sexual. Na falta de uma decisão por parte de Aurora, o machismo
impera no momento em que Bibelot afirma "Vamos ao que interessa!" e em
seguida pergunta " Você vai ou não vai?"
As expressões formulaicas "chova ou faça sol" e "batata" caracterizam-
se pelo exagero e constitui uma hipérbole que confere à fala da personagem
elevado grau de dramaticidade. É comum observarmos a ausência de verbos
nas frases para dar uma universalidade de significados, mas no primeiro caso o
sentido é justamente o oposto. O valor tradicional recai na presença dos
verbos, na intencionalidade do sentido completo, na busca de um
fortalecimento e na justificativa dada por Bibelot, que questiona com a
expressão "batata" a mudança de opinião de Aurora.
67
O uso do advérbio de negação (não) em "não sei, não quero saber e
tenho raiva de quem sabe" somado ao uso das formas verbais (sei, quero
saber) favorece um posicionamento de descaso e desprezo com relação à
morte do "cara", com destaque ainda maior para a postura da personagem
Bibelot.
Observamos uma tensão na fala de Aurora no momento em que fala
"você entrou de sola". Na verdade, a simplicidade de uma expressão feita
garantia de continuação do diálogo. De maneira simples, Aurora chama a
atenção de Bibelot, que tenta, mais uma vez, continuar dono da situação,
mesmo que para isso, ele tenha que apelar para um sentimentalismo se
dizendo incompreendido.
No exemplo 1, a interação é estabelecida e mantida pelos
interlocutores. Percebemos nitidamente a tentativa de Bibelot de dominar a
situação visto que é audacioso, machista e vaidoso. Quando Aurora afirma,
por meio da frase "você entrou de sola" que ele está ultrapassando os limites,
ele se sente vítima da falta de uma interpretação correta por parte de Aurora.
As frases formulaicas usadas por Bibelot revelam sua visão simples de
mundo, que ele também é um homem simples. A sabedoria popular
presente em cada uma delas tem a comprovar a base modesta do diálogo.
Nas falas "Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe", "que bicho
que dá", "chato pra burro", "batata", "chova ou faça sol", "vamos ao que
interessa" e "até que enfim" as frases ficam mais espontâneas e são
intensificadas e fortalecidas pela compreensão rápida dos sentidos.
Exemplo (2)
(Aproxima-se Hilda. Arlete apanha uma blusa e vem vestindo a blusa.)
"Seu" Noronha - Está faltando Aurora!
D. Aracy - Ainda não chegou.
"Seu" Noronha - Ótimo, não chegou! Chega à hora que quer, não dá bola,
não dá pelota!
Arlete - De mais a mais, Aurora é de maior idade e ... O que é que
há, papai, porque eu vou ao cinema e está em cima da hora!
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"Seu" Noronha (muda de tom) - Bem. Antes de começar, eu quero explicar
uma coisa. É o seguinte: ainda agora, eu ameacei,
fisicamente, sua mãe. Débora viu. Ora, eu não tenho o
direito de ameaçar fisicamente ninguém. Acho que quem
na cara de alguém ofende a Deus. Portanto, eu peço
desculpas à Gorda. (vira-se para a mulher) Gorda, você me
desculpe!
D. Aracy (veemente) - Você ofende, e , depois, pede desculpas?!
"Seu" Noronha (triunfante) - Vocês estão vendo? Não se pode tratar bem
uma mulher. (para d. Aracy ) A Gorda não aceita minhas
desculpas! Lavo as minhas mãos! (muda de tom) Mas
vamos ao que interessa. Aconteceu, nesta casa, uma coisa
que não podia acontecer. Débora sabe o que é. Vocês duas,
ainda não, mas vão saber, já, já. Vou interrogar uma por
uma. Quero a verdade e a culpada vai confessar tudinho!
(para Arlete) Primeiro, você! (29)
Nesse momento da conversação, o uso das frases formulaicas
demonstra primeiramente a dificuldade de "seu" Noronha para mostrar a
diferença entre poder, liderança e autoridade em relação a sua família. Isso
acontece no momento em que faz uma crítica negativa sobre d. Aracy.
Percebe que cometeu um erro e que deve voltar atrás, faz o pedido de
desculpas e como não tem seu pedido aceito, "lava as mãos", se sente vítima e
demonstra, mais uma vez, seu poder junto às filhas. Ironiza mais uma vez a
situação quando afirma que "não se pode tratar bem uma mulher".
Seu" Noronha não se importa muito com a opinião da esposa, que deve
ser sempre tratada com desprezo e de forma pejorativa pelo apelido "Gorda".
Para ele, o poder deve ser exercido pelo pai e é dever de todos da casa lhe
obedecer.
O sentido das expressões formulaicas "lavo as minhas os" e "não
bola, não dá pelota!", nesses casos, metafórico, constitui um poder
argumentativo de autoridade, que se serve para defender uma idéia e sustentar
uma opinião proposta pelo enunciador. Estas frases, cristalizadas pelo uso,
refletem a maneira de pensar da personagem e a condição de não
envolvimento que revelam impotência diante da situação.
69
Exemplo (3)
("Seu" Noronha começa a exaltar-se novamente.)
"Seu" Noronha - Nervoso, eu? Logo eu? (num berro triunfal) Pelo contrário:
apático! Ando apático! Se eu andasse nervoso, já tinha
virado a casa de pernas pro ar, já tinha posto fogo nisso
tudo!
Hilda (fala baixo) - Fala baixo, papai!
"Seu" Noronha (sem ouvi-la) - Nervoso, os colarinhos! Minhas filhas saem
do banheiro enroladas na toalha! Mudam de roupa com a
porta aberta! Vejo, aqui, a três por dois minhas filhas nuas.
Minto?
Arlete (vingada) - Já chamei meu pai de contínuo e vou ao cinema.
(Arlete faz uma mesura alegre.)
Arlete - Com licença.
"Seu" Noronha (feroz) - Não! (apelo) Vem cá, Arlete!
Arlete (estancando) - Papai, depois que Maninha se casar, eu
tenho umas boas para lhe dizer! Umas verdades! (31-32)
.......................................................................................................................................................
Seu" Noronha (desesperado) - Mas é preciso apunhalar o olhar que
chora, o olhar da lágrima!
(entra "seu" Saul. Gringo vermelho e sardento, com escassos cabelos louros.
Sotaque acentuado. )
"Seu" Saul - Com licença.
D. Aracy - Ah, entre, "seu" Saul!
"Seu" Noronha - Pode entrar. ( com ironia sensível) O senhor não morre tão
cedo.
Seu" Saul - Boa noite.
"Seu" Noronha (sarcástico) - Acabei de falar no senhor!
D. Aracy (para Hilda) - Apanha uma cadeira para "seu" Saul.
"Seu" Noronha - Mas sente-se, "seu" Saul. (36)
Podemos observar que a personagem masculina, na figura do pai, sente
que perde o controle da família, uma família que sofre a violência e com ela
convive. Frases como "já tinha virado a casa de pernas pro ar", "os colarinhos",
70
refletem a perda de poder do pai sobre a situação em que se encontram todos
da casa. A ameaça de "seu" Noronha (já tinha posto fogo nisso tudo!), soa
como um desabafo uma vez que ele se sente impotente diante da situação.
Percebemos na fala de "seu" Noronha a tentativa de introduzir a filha,
nesse caso Hilda, em seu discurso, uma vez que gosta de impor seus
pensamentos e suas opiniões dominadoras e machistas, tudo isso para sentir
a participação efetiva na linha de seus pensamentos. Em algumas ocasiões,
"seu" Noronha recebe um contra-ataque de uma de suas filhas, que elas
não têm a mesma opinião que ele tem. Nesse caso, Arlete se revolta e afirma
"eu tenho umas boas para lhe dizer!" .
Em "o senhor não morre tão cedo" notamos uma certa ironia na fala de
"Seu Noronha" ao receber em casa "Seu" Saul, um turco que, minutos atrás,
era alvo de desconfiança. Embora "Seu" Noronha revele uma amabilidade
aparente, percebe-se a falsidade nas falas que são introduzidas. É usada aí a
frase formulaica na tentativa de atingir o emocional de "Seu" Saul, uma vez
que "seu" Noronha é grosso, interesseiro e, é conveniente tratá-lo assim.
uma situação aparentemente formal, que o assunto que traz "seu"
Saul à casa de "seu" Noronha é sério. Observamos que o sarcasmo impera
nas atitudes de Noronha. Os falantes, exceto "seu" Noronha, envolvem-se na
situação no decorrer do diálogo.
A ausência de verbos, na expressão "a três por dois"
,
reduz a estrutura
lógica da frase.
Do ponto de vista lingüístico, indica uma grande flexibilidade e
envolvimento da língua falada que, com isso, revela o poder de persuasão da
personagem que demonstra a autoridade.
Nesse contexto, podemos observar que houve, por parte de "seu"
Noronha, uma tentativa de manter o diálogo quando ele chama atenção das
filhas que andam em casa nuas e que trocam de roupa de porta aberta. Mas as
filhas Hilda e Arlete preferem ignorar o aspecto autoritário do pai.
No exemplo, as frases formulaicas aparecem caracterizadas pelo
exagero e constituem uma hipérbole que confere às falas das personagens
certa simplicidade comum do povo.
71
Exemplo (4)
Dr. Bordalo - Senta.
"Seu" Noronha (trêmulo) - Não é leucemia?
Dr. Bordalo (surpreso e divertido) - Por que leucemia?
"Seu" Noronha - Palpite meu, doutor, um sonho que eu tive!
Dr. Bordalo - Bate na madeira. Por esse lado, sem novidade.
"Seu" Noronha (eufórico, esfregando as mãos) - Oh, graças! Doutor, estou
com a alma nova! (muda de tom) Mas essa questão de
vermes também me preocupa muito...
Dr. Bordalo (sem ouvi-lo) - Noronha, sei que você gosta muito de Silene
"Seu" Noronha - Silene é tudo para mim!
Dr. Bordalo - E, naturalmente, você é um pai compreensivo!
"Seu" Noronha (na sua ternura trêmula) - Silene faz de mim gato e
sapato! (54)
Em conversa com o dr. Bordalo, "Seu" Noronha, mais aliviado por saber
que a filha Silene não tem nenhuma doença ruim e não está com leucemia,
afirma que "está com a alma nova". Nesse momento percebemos, na fala do
médico, uma certa tranqüilidade, já que ele sabe qual é a verdadeira doença de
Silene. Qualquer mal é menor que leucemia para o dr. Bordalo que, na
verdade, já sabe da gravidez e pensa numa maneira de passar a notícia para
"Seu" Noronha. Notamos que os interlocutores interagem e são conduzidos
pelo fio de coerência desenvolvido pelo assunto do diálogo.
Na expressão "bate na madeira" (isola, esquece, nem me diga),
verificamos que a forma verbal no modo imperativo ("bate"), demonstra uma
posição despreocupada do médico diante da situação. Por outro lado, na
expressão metafórica "estou com a alma nova!", o uso da exclamação
caracteriza a manifestação emotiva e passa a idéia de conforto e
abrandamento da situação vivida por "seu" Noronha.
No diálogo acima podemos perceber uma estratégia discursiva diferente
adotada pelas personagens. Em um momento o Dr. Bordalo se referia a um
assunto; em outro "seu" Noronha se referia a outro. Aparentemente, os dois
personagens não estavam compartilhando o mesmo assunto.
Mais uma vez, "seu" Noronha faz uso de uma frase formulaica "faz de
mim gato e sapato" (faz de mim o que bem quer, pode fazer tudo que não me
72
importo), para, sustentado na sabedoria popular, expressar-se de maneira
simples, sem a necessidade de se explicar, de dar maiores detalhes sobre a
relação de amor e de carinho que mantém com a filha predileta Silene.
Exemplo (5)
Bibelot - Minha senhora, satisfação!
D. Aracy - Mas sente-se!
"Seu" Noronha - Até que eu estava contando, quando o distinto chegou, uma
passagem que se deu comigo, muito interessante. Hoje, foi
hoje. Sou funcionário da Câmara há 25 anos. E hoje me
queimei. Me queimei e fui lá, apresentar minha demissão. E
disse ao vice-presidente: "Quem tem filhas bonitas não
precisa ser contínuo!" Ah, se ele me dá uma pio, eu enfiava-
lhe a mão na cara, com todas as imunidades! Porque
comigo o buraco é mais embaixo!
D. Aracy - O senhor acha que foi negócio? Com 25 anos de serviço?
Bibelot - Depende.
"Seu" Noronha - Gorda, não dá palpite! (para Bibelot) Bem, distinto, a casa é
sua. Esteja à vontade e ... Vou ali ... Com licença.
Bibelot - Muito prazer. (82)
O comportamento de "Seu" Noronha nos mostra que o domínio que o
pai tem da situação é aparente. Sua intenção era mostrar que ele resolvia
todos os problemas de sua vida, e a expressão "me queimei" vem demonstrar
que esse posicionamento estava encoberto de falso poder. Por ocupar, nesse
momento, posição de destaque, uma vez que era funcionário da Câmara 25
anos, "Seu" Noronha se acha com direito de pedir demissão porque, com a
prostituição das filhas, não havia mais necessidade de trabalhar.
Na fala de "seu" Noronha podemos observar que houve, mais uma vez,
um desvio no planejamento conversacional, que a intenção era abordar o
assunto sobre a demissão da Câmara. Usando-se da vaidade, afirma que com
"filhas bonitas como as que têm", não precisa ser contínuo e dá um rumo
73
diferente à conversação quando afirma "Porque comigo o buraco é mais
embaixo! "
Alguns vocábulos e expressões injuriosas revelam uma atitude
preconceituosa em relação à mulher. Essas posições representam uma moral
machista, grotesca, fortemente arraigada entre as classes mais modestas da
sociedade brasileira. (Dias, 2003:144). Temos aqui um exemplo de atitude
machista de "seu" Noronha que, de um dia para outro, resolve pedir demissão.
Não se importa com o que conquistou e com o que vai perder. Deixa explícito,
na expressão "porque comigo o buraco é mais embaixo!",
sua opinião e não
possibilita tempo para a reflexão dos interlocutores, principalmente de D. Aracy.
Ante qualquer interferência em sua opinião, sente-se ameaçado e reage.
Nesse caso, a reação acontece de forma ofensiva com relação a D. Aracy.
O uso da frase formulaica "porque comigo o buraco é mais embaixo!",
apresenta sentido metafórico e pode ser considerado um exemplo de
argumentação com poder persuasivo de seu enunciador que serve como
defesa da idéia de conotação sexual. A idéia que a personagem quer passar é
a de que ninguém pode com ele em todos os sentidos, principalmente no sexo.
Exemplo (6)
Bibelot - Que é que tem teu pai?
Aurora (enfática) -Meu pai mudou muito. Antigamente, não ligava. Mas
agora descobriu uma tal religião teofilista. Acho que é teofilista. Dá
cada bronca, menino! E virou vidente!
Bibelot - Ué, vidente ?
Aurora (com certa vaidade) - Vidente, sim, senhor! Ouve vozes, enxerga
vultos no corredor. De amargar! Olha: você quer saber quem é meu
pai? Vou te contar uma que vais cair pra trás, duro! Depois que
ficou religioso (com maior ênfase) não admite papel higiênico em
casa, acha papel higiênico um luxo, uma heresia, sei lá!
Bibelot - Quer dizer, um casca de ferida!
Aurora - Meu pai?
Bibelot - Estou besta!
Aurora (contemplando a frase anterior) - Como meu pai nunca vi! E, lá na
Câmara, não faz graça pra ninguém!
74
Bibelot - Que Câmara?
Aurora - Dos Deputados.
Bibelot (com novo interesse) - Ele é o quê lá?
Aurora (com breve vacilação) - Funcionário.
Bibelot (animado) - Vem cá: se teu pai trabalha na Câmara, talvez tenha
influência... Quem sabe se teu pai não podia arranjar uma marreta
pra eu voltar à P. E.? Lá ele é funcionário importante?
Aurora (desconcertada) - Bem...
Bibelot - É?
Aurora (em brasas) - Contínuo.
Bibelot (amarelo) - Sei... (muda de tom) Quer dizer que ao apartamento
você não vai?
Aurora - Não.
Bibelot - Paciência. (13-14)
De acordo com Dias (2003:145), "mulher honesta sempre foi
compreendida entre nós como mulher moral e sexualmente correta e a
expressão não abrange, por definição, seu comportamento no trabalho, nos
negócios, na vida pública etc".
As frases feitas usadas pelas personagens femininas expressam uma
forma de demonstrar como são dominadas pelos seus homens. Em muitos
momentos do primeiro ato, Aurora é reprimida por Bibelot, que, usa todo o seu
poder autoritário, para conseguir tudo o que quer de Aurora, isto é, a ida ao
apartamento para um relacionamento sexual.
Aurora tenta dominar a situação, mas acaba cedendo aos impulsos de
seu amado. Na tentativa de chamar atenção e se valorizar, usa a desculpa que
seu pai é um funcionário e que "não faz graça pra ninguém". Recorre às
expressões que marcam sua postura diante do homem que quer conquistar.
Aurora, nos exemplos " não faz graça pra ninguém!" e "vou te contar
uma que vais cair pra trás, duro", precisa garantir que seu homem amado
continuará sentindo um desejo por ela. Induzindo sutilmente o tópico
conversacional, ela tenta envolvê-lo cada vez mais, mostrando-se dona da
situação mesmo quando fala de seus familiares.
Observamos uma menor tensão dramática, por parte de Aurora que
procura atingir a vaidade de Bibelot. Ela tenta intimidar Bibelot e desvia o
75
assunto para a profissão do pai. Mais tarde, desconcertada, Aurora é obrigada
a admitir que o pai é um simples contínuo.
A expressão "um casca de ferida", (uma pessoa difícil), aparece mais
uma vez para demonstrar a reflexão de Bibelot sobre a situação do pai de
Aurora diante do problema de "seu" Noronha. Percebemos que a frase
formulaica, mais uma vez, nos demonstra a facilidade do uso de expressões
simples, de expressões fáceis, que são de domínio público e representam o
conhecimento partilhado dos seus significados e que contribuem para a
sustentação do diálogo.
Exemplo (7)
Aurora (mordida de ciúmes) - Jura por Deus que não gosta do broto! Olha,
por Deus!
Bibelot (trocista) - Jurar por Deus?... Eu não acredito em nada, que dizer...
(apanha o santinho do pescoço) Só acredito nesse aqui...
(Bibelot beija o santinho do pescoço.)
Aurora - Então jura pelo santinho do pescoço!
Bibelot - Jurar, não juro, não senhora! Mas dou a minha palavra: eu prefiro
assim como você que tem um quê de mulher da zona.
Aurora - Mulher da zona, vírgula! E que mania! Eu faço a vida, mas não é
com qualquer um. Só com conhecidos ou, então, com pessoas
apresentadas. Moro com meus pais e tenho que dar satisfação a
minha família. Tenho emprego no Instituto e minha mãe sabe dos
meus arranjos, mas meu pai nem desconfia.
Bibelot (ralhando-a) - É chato ser gostosa!
Aurora (ralhando) - fica quieto! (muda de tom) E olha: tenho que fazer
tudo muito escondido numa moita danada. Não é todo dia, não.
Duas ou três vezes por semana. Assim entre cinco e oito da noite.
Mas o que você não sabe, nem imagina, é porque é que eu dou
meus pulinhos.
Bibelot - Chega pra cá!
(Bibelot atira-lhe bruscamente um beijo no pescoço. Aurora eletriza-se de
volúpia.) (18-19)
76
Aurora inicia a interação recorrendo à manipulação de sentimentos de
Bibelot com a tentativa de fazê-lo jurar que não ama o broto. Bibelot, na
tentativa de dar um novo rumo ao tópico conversacional, desconversa e diz que
acredita no "santinho de seu pescoço", pois não está disposto a fazer o tal
juramento. Aurora retoma o desejo do juramento e o força a jurar pelo tal
santinho, já que precisa garantir o desejo de seu homem amado.
Por outro lado, na fala de Aurora percebemos uma revolta com a vida
que leva. A indignação por ser chamada de mulher da zona, que não se
sente como tal. É uma mulher que sai com pessoas conhecidas ou
recomendadas, que possui um emprego no Instituto e que possui a permissão
da mãe. Quanto ao pai, ele nem imagina tal atividade, que tem até dia e horário
marcados.
Quanto ao uso das expressões metafóricas
"mulher da zona, vírgula",
"eu faço a vida", chato ser gostosa!",
"
tenho que fazer tudo muito escondido
numa moita danada" e "é porque é que eu dou meus pulinhos" são formas
usadas por Aurora para não se sentir em uma posição ainda mais inferior com
relação ao broto de Bibelot. Por outro lado, ele não está disposto a continuar
falando sobre o assunto e a beija na intenção de interromper a conversação.
A frase "é porque é que eu dou os meus pulinhos" será destacada
também no estudo dos diminutivos.
O teor irônico presente nas frases formulaicas decorre do fato de
serem cristalizadas pelo uso. Para refletir a maneira de pensar e demonstrar as
revoltas internas, as personagens fazem usos de expressões que apresentam
sentido metafóricos e que estão sustentadas na sabedoria popular.
3.2 - As formas de tratamento e papéis sociais
A organização de uma sociedade é refletida na língua, quer na
modalidade da fala, quer na escrita. Não se trata de um espelhamento, mas de
77
uma funcionalidade em geral. (Marcuschi, 2003a:35). Por isso, mais do que
uma mensagem verbal é transmitida por nós, quando falamos ou escrevemos.
Quem somos, que plano social estamos inseridos, qual é nossa escolaridade,
qual é nossa profissão, são indícios que estão presentes na fala e também nos
usos escritos da língua:
Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias,
mas não suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas lingüísticos
nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e
coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e
exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim
por diante. (Marcuschi, 2003a:17)
A Sociolingüística identifica na expressão verbal e o-verbal (gestos e
situações que acompanham e modificam a fala) as seguintes variações:
diacrônica (tempo histórico em que se insere o falante), diatópica (região em
que está ou de onde veio o falante), diastrática (a condição social, cultural e
profissional do falante), psicofísica (sexo e idade; aspectos psicológicos como
timidez e agressividade do falante) e diafásica (a situação de comunicação, o
grau de intimidade entre falantes, formalidade, tensão e distensão do registro)
(Preti, 2004a: 183).
As formas de tratamento escolhidas em um diálogo podem ser usadas
para “marcar território”, estabelecer distanciamento formal, aproximar os
falantes, seduzir a contraparte, evocar tradições, derrubar barreiras. Preti
(2004 b:185) afirma que as formas de tratamento estão ligadas a fatores
diversos, como intimidade, solidariedade, polidez, afetividade, reverência,
hierarquia, poder. Podem ocorrer nos diálogos ou nos vocativos e, nestes,
apresentam uma grande variedade, aberta às mais inesperadas situações de
comunicação. Baseamos nosso conceito de papel social em Preti (2004a e
2004b), Goffman (2004) e Robinson (1977). Robinson, com base nos estudos
feitos por Brown, afirma a propósito desses problemas:
78
No que respeita a formas de tratamento, as convenções já existem, e as
normas que governam o emprego diferencial podem ser fornecidas para
diferentes relações entre papéis. Onde tais relações envolvam direitos e
deveres diferenciais que impliquem um desequilíbrio de poder, as formas
assimétricas de tratamento são mais suscetíveis de ocorrer, No vel mais
geral, a assimetria de poder é expressa e refletida na assimetria de formas de
tratamento. Em nossa sociedade atual, essas relações são manifestadas em
diferenças de status etário (criança-adultos) e diferenças de status
ocupacional (patroa-empregado: diretor; trabalhador), tanto no quadro
hierárquico de uma organização quanto onde a equipe de organização de
serviços depare com clientes (madam vs. miss). A propósito, é interessante
observar as dificuldades envolvidas ente adultos mais jovens e mais velhos,
especialmente quando a relação é mais antiga e a diferença gire em torno de
quinze anos ou mais. Quando à pessoa de status anteriormente inferior é
permitido usar o primeiro nome da pessoa mais velha, via de regra parece
haver um longo período de embaraço durante o qual a mais jovem evita o
nome da outra. (1977:123)
Segundo Goffman, cada indivíduo está inserido em uma espécie de
teatro com seus modelos para representação social, uma vez que, cada
personagem representa um papel social: um médico comporta-se como tal, nos
gestos, atos e falas, um advogado, um jornalista, um serviçal etc, todos eles
serão apresentados com todas as características que os papéis que
representam possuem. Diante do espetáculo há uma platéia que estará atenta.
Atrás da cortina, todas as atitudes, comportamentos e reações serão mais
próximas da realidade, uma vez que, a platéia não estará presente. As
aparências serão bem mais valorizadas do que a realidade.
O desempenho de um papel social e o status das personagens são
providos de acordo com o comportamento que se quer demonstrar. Preti
(2004b:181), baseado nos conceitos de Horkheimer & Adorno (1978), assim
destaca:
O conceito de representação dramática de papel refere-se a um esforço
consciente para desempenhar um papel de um modo que produza uma certa
impressão almejada entre os circunstantes. A conduta é regulada não apenas
conforme os requisitos do papel funcional, mas também de acordo com o que o
publico espera. (Grifo do autor)
79
A relação entre o papel social e a língua pode ocasionar, no processo
interacional, um destaque no estudo das formas de tratamento.
Exemplo (8)
(E, súbito, "seu" Noronha irrompe, na sala, aos berros. Tem um suspensório
caído, que ele,na sua fúria, trata de repor.)
"Seu" Noronha - Gorda!
D. Aracy - Que é que há?
"Seu" Noronha - Então, que negocio é esse?
D. Aracy (sem entender a violência) - Mas criatura!
"Seu" Noronha - Vai lá no banheiro! Anda, vai! É o cúmulo!
D. Aracy - Está entupido, outra vez?
"Seu" Noronha - Entupido o quê! (muda de tom e, furioso, anda de um lado
para outro) Eu chego em casa, com a minha boa cólica, vou
ao banheiro e, lá, encontro a parede toda rabiscada de
nomes feios, desenhos obscenos!
D. Aracy - Onde?
"Seu" Noronha (num berro) - No banheiro! (arquejando) Isso na minha
casa!
D. Aracy (desconcertada) - Eu vou lá!
"Seu" Noronha - Fique! Não precisa ir lá, não, senhora! O que eu quero saber
é quem foi!
D. Aracy - Eu é que sei?
"Seu" Noronha (ameaçador) - Ah, não sabe?
D. Aracy (também violenta) - Você com os seus coices!
("Seu" Noronha estaca diante da mulher. Encosta-lhe a mão no rosto.) (26-27)
Certos traços da personalidade de "Seu" Noronha o notados no uso
da forma nominal "gorda", quando podemos perceber a autoridade, traduzida
pela intenção de expressar uma avaliação de teor pejorativo, debochada de
tratar a esposa.
Atingida diretamente pelo problema de tratamento usado pelo marido, D.
Aracy (a Gorda), acaba deixando na sua fala as marcas da revolta como forma
de contestação diante da situação conversacional. Mostrando-se submissa,
tenta, de todas as formas, resolver o problema, mas diante da agressividade do
80
marido nada pode fazer. Indignada, rebela-se contra a atitude de "seu"
Noronha que acaba por agredi-la em uma demonstração de posição superior.
D. Aracy se sente intimidada diante do posicionamento autoritário do
marido e introduz sutilmente o tópico conversacional na tentativa de amenizar o
problema exposto por "seu" Noronha que são os rabiscos feitos na parede do
banheiro. "Seu" Noronha tenta manipular toda a situação interacional na
tentativa de buscar a resposta para sua pergunta: quem fez aquilo.
Ele procura fortalecer seu poder argumentativo na tentativa de mostrar
mais uma vez a posição hierárquica que tem em relação às pessoas da família,
nem que para isso seja necessário agredir a própria esposa. Houve, dessa
forma, a ruptura no processo interacional, que com toda a agressividade das
falas, tenta demonstrar-se dono da situação.
Exemplo (9)
("Seu" Noronha atira-se para o ilustre visitante.)
"Seu" Noronha - Desculpe, dr. Portela!
Dr. Portela (erguendo-se) - Absolutamente!
"Seu" Noronha - O senhor vai bem? Mas sente-se!
Dr.Portela - Vou indo, com muito calor! E o senhor?
"Seu" Noronha (num suspiro feliz) - Nem sei para onde me viro. Foi um
surpresa tão ... (olha para o grupo das filhas) E além disso,
Silene tem uma saúde muito delicada esta com esse negócio
de vermes, imagine o senhor que não come, belisca ...
D. Aracy - Aceita um cafezinho, dr. Portela?
Dr. Portela (com satisfação) - Um cafezinho aceito.
D Aracy - Prefere forte?
Dr. Portela - Forte.
D. Aracy - Ótimo! Vou buscar!
.........................................................................................................................................................
(“Seu” Noronha olha, ora para o dr. Portela, ora para as filhas.)
Dr. Portela - Bem, “seu” Noronha. Podemos conversar?
“Seu” Noronha - Mas claro! Estou às suas ordens! (39-40)
81
As formas de tratamento usadas no exemplo merecem aqui um
destaque. Quando se inicia o diálogo, a família espera ansiosamente a volta de
Silene para casa. Esse retorno não estava programado, porque não era dia de
visita e a curiosidade por parte de todos. O Dr. Portela a acompanha e a
simples presença dele na casa já é motivo de preocupação.
Percebemos o distanciamento social entre as personagens. A forma
pronominalizada "o senhor" constitui e configura o nível de formalidade entre os
interlocutores. Existe aí uma distância muito grande, percebida mais ainda
quando é usado o tratamento "Dr". A postura da família é de submissão e o
grau de formalidade não é quebrado.
Não é uma simples pessoa, trata-se do representante do colégio em
que Silene estuda. Dr. Portela tem o status do poder. O papel social que ele
desempenha nesse momento é de muita importância. A figura dele demonstra
certo grau de formalidade e a sua presença na casa gera uma tensão.
As frases usadas são curtas e marcam uma estratégia discursiva que é
assinalada pela tentativa de manter um contato rápido. uma tentativa por
parte de "seu" Noronha de envolver emocionalmente Dr. Portela no momento
em que prossegue o assunto falando sobre a saúde delicada da filha Silene
sem deixar quebrar o distanciamento entre eles, notado pela diferença de
papéis sociais.
Exemplo (10)
(Bibelot puxa Aurora pelo braço.)
Bibelot - Vamos entrar!
Aurora (no seu despeito) - Aposto que o broto você trata na
palma da mão!
(Entram e param numa suposta escada.)
Bibelot (sôfrego) - Dá um beijo!
Aurora - Aqui?
Bibelot - Não tem ninguém!
Aurora (já em abandono) - Então, rápido!
82
(Beijam-se, ali mesmo, com desesperado amor. A pequena tem um soluço, no
seu deslumbramento de fêmea.)
Aurora - Cão!
Bibelot (na impaciência do desejo) - Vamos pela escada. São só dois
andares.
(Bibelot puxa-a pela mão. Aurora ainda resiste.)
Aurora (num apelo) - Os quinhentos cruzeiros são para o enxoval!
Bibelot (brutal) - Não chateia!
Aurora (desesperada) - Pelo menos, o dinheiro do táxi, 93 cruzeiros.
Bibelot - Não quero conversa! Vamos embora!
(Aurora deixa-se intimidar por uma vontade mais forte. Acompanha Bibelot.
Caminha circularmente pelo palco, como se estivessem escalando os dois
andares. Entram no apartamento.)
Aurora (em volúpia) - O broto também veio aqui?
Bibelot (eufórico e brutal) - Naquela cama! (21-22)
...................................................................................................................................................
(Bibelot ri bestialmente. Joga o revolver e póe as balas em cima de qualquer
móvel. Para todos os efeitos, arrancaram todas as roupas. Devem estar nus.)
Aurora (numa exibição do próprio nu) - Que tal a classe? Sou páreo pra
teu broto? (Numa alucinação, trincando os dentes de volúpia) -
Vem! Vem, seu cão! (22-23)
Nessas falas, encontramos características que demonstram os efeitos
de proximidade e subjetividade de Aurora e Bibelot. Aurora utiliza a forma
nominal "cão" e mais adiante a mesma forma acompanhada de "seu". Como
destacamos, a forma "seu" (redução proclítica de senhor) estabelece nesse
exemplo uma relação de intimidade e de informalidade caracterizada pela
forma rude que a palavra "cão" demonstra.
O emprego dessas formas revela uma característica de espontaneidade
comum na linguagem dos dois amantes, e dessa forma, descaracteriza-se de
uma situação de língua culta, do uso de formalidade.
83
Podemos salientar também o papel social que Aurora desempenha. Ela
se apresenta em uma posição hierárquica inferior a Bibelot e também, ao novo
broto de Bibelot que, segundo ele, recebe um carinho especial. Aurora busca
com seus argumentos, regatear o preço da relação sexual, uma vez que deseja
ser possuída pelo amante. Submete-se ao desprezo e à resistência de Bibelot,
que não se deixa influenciar pelos argumentos de Aurora e não aceita fazer o
pagamento pela transa.
Aurora adota uma estratégia com a intenção de persuadir Bibelot e tenta
negociar pelo menos o dinheiro do táxi. Tudo isso é em vão, uma vez que o
amante é inflexível. Com o descompromisso de uma situação formal de
comunicação, Aurora tenta mais uma vez envolvê-lo em seus artifícios e para
isso, vale a espontaneidade, que marca a subjetividade afetiva, comum na fala.
Ao longo da conversa deixa transparecer uma proximidade e certa amabilidade
que marcam o processo interacional e a relação de confiança e cumplicidade
por parte de Aurora.
Exemplo (11)
("Seu" Saul acaba de aparecer, arquejante, passando o lenço no suor da
testa)
"Seu" Saul - Já saber da notícia?
"Seu" Noronha - Que notícia?
"Seu" Saul - Oh, não saber quem se enforcou no fio do ferro elétrico?
Débora - Fala, criatura!
"Seu" Saul (enchendo o palco com a sua voz) - O dr. Bordalo!
Arlete - Matou-se?
"Seu" Saul (com a voz grave, cheia, profética) - O dr. Bordalo está
pendurado no alto da porta, o língua preta, as bochechas
assim, de máscara de Carnaval!
(Aurora atira-se, possessa, contra "seu" Saul.)
Aurora (rouca de ódio) - Mentira!
"Seu" Saul (grandiloqüente anda) - Jura!
Aurora (rebatendo em soluços) - Seu mentiroso!
D. Aracy (chorando) - Matou-se sem motivo!
"Seu" Saul (na sua ênfase) - Dr. Bordalo ter motivo! Grande motivo!
84
"Seu" Noronha (ameaçador) - Então você vai dizer que motivo!
"Seu" Saul - Eu sei, vocês saber o motivo!
"Seu" Noronha - Quer me desacatar, gringo?
"Seu" Saul (abrindo os braços) - O dr. Bordalo deixou um bilhete, um
bilhetinho, dizendo assim: "Não quero que meu filha me beije
no caixão!"
"Seu" Noronha (no seu desespero contido) - Não quer o beijo da filha e
beijou a minha, o cínico!
Hilda (aos soluços) - Não fala assim, papai!
"Seu" Noronha (para "seu" Saul) - E você, gringo, por que não se mata
também?
"Seu" Saul (batendo, em triunfo, no peito) - Eu ser ferido de guerra, do
guerra do Kaiser, do Primeiro Grande Guerra!
"Seu" Noronha - Retire-se!
"Seu" Saul (recuando, de frente para todos) - Teus filhas vão te
destruir!
"Seu" Noronha (aos berros) - Eu estou na minha terra e já não sou mais
contínuo! Rua! Eu não sou mais contínuo! (71-72)
Destacamos no exemplo acima, uma mudança da forma de tratamento.
Com o uso da forma pronominalizada "você" e das formas nominais
"mentiroso" e "gringo", houve um choque de papéis sociais, quando numa
situação anterior, observamos a personagem de "seu" Saul recebendo uma
tratamento que denota respeito.
De forma incomum, "seu" Noronha o trata de maneira educada e polida,
pois um interesse. "Seu" Saul é o vizinho, que apresenta uma
posição hierárquica superior à da família. Nesse momento, ele vai até a casa
dos Noronhas para passar a notícia da morte de dr. Bordalo, o dico que
atesta a gravidez de Silene. Mesmo assim é usada a forma nominal "criatura"
como forma de interação rápida para a obtenção do nome do morto.
No segundo momento, a situação não é mais de respeito e cordialidade
por parte dos Noronhas. A família discrimina e trata violentamente "Seu" Saul
chamando-o de "seu mentiroso" e "gringo", porque não acreditam na morte do
"dr". Bordalo. No momento em que diz a "seu" Saul, em tom ameaçador, que
ele vai dizer que motivo Dr. Bordalo tinha para se matar, podemos observar
que houve um desvio intencional pela responsabilidade dessa morte. "Seu"
85
Noronha sabia perfeitamente o motivo e tenta transferir essa culpa para outros
motivos, discriminando e maltratando "Seu" Saul que se defende conforme
pode.
Nesse contexto, podemos observar que houve mudança na postura das
personagens com relação à conversação. No momento em que "seu" Saul fala
do grande motivo da morte de Dr. Bordalo, "seu" Noronha usa um tom
ameaçador e o chama de "gringo". Esse tom ameaçador desaparece e dá lugar
ao desespero e aos berros como forma de enfrentamento e de demonstração
de poder.
Mais uma vez, para enfraquecer a opinião de "seu" Saul, "seu" Noronha
tenta mudar o sentido do texto para outra direção, alterando o tópico
conversacional. No momento em que "seu" Saul afirma que todos sabem o
motivo da morte, "seu" Noronha estabelece novas áreas de conflitos
estabelecidas nas frases "Quer me desacatar, gringo?" e "E você, gringo, por
que não se mata também?".
Exemplo (12)
(Dr. Portela apanha o chapéu e a bengala.)
Dr. Portela (superior) - E outra coisa "seu" Noronha. De fato, o senhor
tinha dito, quando matriculou sua filha, que era funcionário da
Câmara, se não me engano da Secretaria. Mas na semana
passada estive lá e qual não foi a minha surpresa ao vê-lo, no
seu uniforme próprio, servindo cafezinho aos deputados! O
senhor não me viu e eu achei muita graça, até. Afinal
contínuo, hem, meu caro Noronha? E creio que, agora, vai
me pedir desculpas...
Arlete (interferindo) - Desculpa coisa nenhuma! (viril, para o dr.
Portela) Escuta aqui, contínuo é sua mãe, percebeu? (espeta-
lhe o dedo no peito. O dr. Portela recua) E sua mulher? Que só
põe vestido justo para mostrar aquele rabo? Patife!
Dr. Portela - Não quis ofender! (gago) e boa noite, com licença. (51)
86
Profissionalmente, "Seu" Noronha está em desvantagem em relação ao
mundo que quer viver. O papel social que quer representar é de um alto
funcionário da Câmara dos deputados, mas ele é um simples serviçal e seu
ofício é servir cafezinho aos deputados. Indignado com a sorte, ele se revolta e
ignora as pessoas que conhecem sua condição.
Percebemos a evolução na ligação entre as personagens. Depois da
formalidade inicial, marcada pelo uso de "o senhor", verificamos a mudança na
forma de tratamento para "contínuo". Ser chamado de "contínuo" é considerado
uma ofensa para "seu" Noronha, que se envergonha.
Outro detalhe que nos chama a atenção é a mudança de uso também
nas formas "o senhor" para "tu" marcado pelo verbo "escuta" na fala de Arlete
" Escuta aqui, contínuo é sua mãe, percebeu
?".
A fala de Dr. Portela revela certo grau de ironia quando ele cita "meu
caro Noronha". Esses termos e expressões usados estão impregnados de juízo
de valor depreciativo. O processo interacional é conduzido uma vez que, Dr.
Portela usa, como manifestação de respeito, a forma pronominalizada "o
senhor". Com o decorrer das falas, "contínuo", outra forma nominal, ganha
destaque e passa a demonstrar perda de respeito e manifestação visível de
ironia.
Podemos observar que os tratamentos analisados nesse exemplo
variam de acordo a situação de comunicação. As personagens se manifestam
e optam pelas formas que ora indicam aproximação e intimidade e por outro
lado, distanciamento e desacordo. Tudo isso é feito para que o momento do
diálogo seja compreendido.
Exemplo (13)
(Aurora toma, entre as suas, as mãos de Silene.)
Aurora - Escuta: você confia em mim?
Silene (sempre crispada) - Por quê?
Aurora (mais incisiva) - Confia ou não confia?
Silene (a medo) - Confio.
Aurora - Então quero saber tudinho!
Silene - Depende.
87
Aurora (com exasperação) - Depende, não senhora! Por que depende?
Você vai contar tudo, faço questão! E se você começar a me
esconder os troços, eu largo você de mão e olha: depois do que
houve, quem é aqui tua amiga no duro e te defende? Sou eu, não
sou? As outras estão por aqui com você e. se você duvidar, papai
te dá uma surra de correia!
Silene (começando a chorar) - Eu sei que você gosta de mim, eu sei,
nunca neguei!
Aurora - Diz: e você responde, direitinho, a tudo que eu perguntar?
Silene - Respondo.
Aurora - O nome dele.
Silene (novamente de pé atrás) - O nome?
(Silene levanta-se e recua.) (74-75)
A intenção de Aurora é ganhar a confiança da irmã e confirmar o nome
do namorado dela. Com as mudanças das formas "você", "tua", "te" e
"depende, não senhora" podemos perceber, conseqüentemente, uma
aproximação ainda maior entre as personagens e certo grau de tensão como
se estivessem emocionalmente abaladas.
Por hora, podemos transcrever Preti (2004a:185) o uso das variantes de
tratamento não é independente e implica as múltiplas relações entre os vários
status sociais e os conseqüentes papéis para desempenhá-los. No trecho
acima percebemos efeitos de proximidade e subjetividade no texto, que o
muito semelhantes aos que ocorrem na oralidade. As personagens utilizam, ora
a forma "tu", ora "você", a fim de estabelecer afetividade e espontaneidade.
No corpus não predomínio de uso da forma tu e você, uma vez que
as duas foram usadas com a mesma intensidade. Por outro lado, como
destacamos, o tu é marca do falar das personagens que são cariocas.
Em um texto escrito, com o planejamento, com a elaboração e com a
reformulação, observamos que incoerências com relação aos tratamentos são
menos notadas. Mesmo assim, não quebra na seqüência da conversação
que Aurora tenta, por todos os lados, manter o contato para ter a informação
que mais deseja. Para isso assume o papel de defensora da irmã,
Podemos considerar, portanto, que as variadas formas de tratamento
utilizadas no texto revelam, como na fala cotidiana, envolvimento das
88
personagens denunciadas pelo efeito de proximidade e afetividade e
informalidade e casualidade à situação comunicativa.
3.3 - Uso de expressões diminutivas
No Brasil, o uso acentuado de palavras com os sufixos diminutivos
manifesta, além da idéia de tamanho, afetuosidade, ironia e intensidade, como
ressalta Martins (1989:114):
O diminutivo pode exprimir, por um lado, a depreciação, o carinho, a
delicadeza, a ternura, a humildade, a cortesia, e, por outro lado, a depreciação,
o desdém, a irritação, a ironia, a gozação, a hipocrisia.
De acordo com Cunha e Cintra (2001:88), os sufixos se classificam em:
a) NOMINAL, quando se aglutina a um radical para dar origem a um
substantivo ou a um adjetivo: pont-eira, pont-inha, pont-udo;
b) VERBAL, quando ligado a um radical, origem a um verbo: bord-ejar,
suav-izar, amanh-cer;
c) ADVERBIAL, que é o sufixo - mente, acrescentado à forma feminina de um
adjetivo: bondosa-mente, franca-mente, perigosa-mente.
Notamos que as palavras que foram selecionadas e empregadas no
diminutivo em Os sete gatinhos revelam tanto uma carga de afetividade, de
solidariedade e até intimidade em relação ao comportamento das personagens
como uma carga ligada à idéia de pequenez, de tolerância, de desdém e de dó.
Vejamos alguns exemplos abaixo a partir das considerações realizadas:
89
Exemplo 14
Os sete gatinhos
3
.........................................................................................................................................................
Bibelot (para o chofer invisível) - Barata Ribeiro, nossa amizade. (para
Aurora, feliz) Ah, eu preciso ter sempre uma mulher na zona!
Aurora (insultada) - Mas eu não sou da zona, o que há?
Bibelot - (na euforia do táxi) - Azar o teu!
Aurora - Não sei por quê.
Bibelot (feliz) - Porque gostar mesmo eu só gosto de mulher bem
esculachada! Queres um exemplo? Arranjei um broto espetacular.
Tem um corpo, e que corpo! E uns 17 anos, no máximo.
Aurora - Virgem?
Bibelot - Era. Mas já sabe: foi comigo no apartamento, começamos naquele
negócio e fiz o serviço completo. Mas é uma menina tão purazinha
que eu fico pensando: ora bolas! Menina de família, não sei, me
chateia!
Aurora - Jura que não gosta desse broto? Jura!
Bibelot (caindo por cima de Aurora, como se o automóvel tivesse feito uma
curva fechada) - Curva gostosa... ( muda de tom) Se eu gosto? Sei lá!
Mas o broto me adora, me Poe nas nuvens!
Aurora (mordida de ciúmes) - Jura por Deus que não gosta do broto! Olha,
por Deus!
Bibelot (trocista) - Jurar por Deus? ... Eu não acredito em nada, que dizer ...
(apanha o santinho do pescoço) Só acredito nesse aqui...
Aurora - Então jura pelo santinho do pescoço!
Bibelot - Jurar, não juro, não senhora! Mas dou a minha palavra: eu prefiro
assim, como você que tem um quê de mulher da zona.
Aurora - Mulher da zona, vírgula! E que mania! Eu faço a vida, mas não é com
qualquer um. Só com conhecidos ou, então, com pessoas
apresentadas. Moro com meus pais e tenho que dar satisfações a
minha família. Tenho emprego no Instituto e minha mãe sabe dos
meus arranjos, mas meu pai nem desconfia.
Bibelot (puxando-a) - É chato ser gostosa!
3
Título da obra.
90
Aurora - (ralhando) - Fica quieto! (muda de tom) E olha: tenho que fazer tudo
muito escondido, numa moita danada. Não é todo dia, não. Duas ou
três vezes por semana. Assim entre cinco e oito da noite. Mas o que
você não sabe, nem imagina, é porque é que eu dou meus pulinhos.
Bibelot - Chega pra cá! ( 18-19)
Podemos observar, no exemplo acima, o emprego de quatro palavras
diminutivas formadas pelo mesmo sufixo - inho: "gatinhos" (presente no título)
"purazinha", "santinho" e "pulinhos" revelam valor intensificador e foram usadas
com o objetivo de manutenção da interação. Cada uma delas apresenta um
valor expressivo que pode atenuar a idéia de afetividade.
Na primeira ocorrência, "gatinhos", usado de forma diminutiva, a
idéia de tamanho, nesse caso de pequenez, uma vez que a palavra estabelece
uma relação metafórica entre os gatos que iam nascendo mesmo quando a
gata se encontrava morta e as pessoas da família de "seu" Noronha. Nesse
caso, são quatro irmãs mais velhas - Aurora, Débora, Arlete e Hilda, a filha
mais nova - Silene, o pai - "seu" Noronha e a mãe - D. Aracy.
A metáfora se constitui sob o seguinte aspecto: os sete gatinhos, na
peça nasceram mesmo após a morte da mãe e isso vem para testemunhar o
rompimento do cordão umbilical. Perde-se aí a relação de proteção. Na família,
todos se sentem desprotegidos diante da sociedade. E essa desproteção é
sentida no momento que as pessoas da família percebem que Silene também
se prostitui. Nesse sentido, a família perde todo o referencial: a pureza de
Silene.
Na segunda ocorrência, com o uso de "purazinha", Bibelot nos passa a
idéia de um tratamento carinhoso que ele tem com o "broto" alvo de suas
conquistas, menina de família, virgem a então. Denota nessa caso,
característica por sua intensidade e pelo exagero natural.
Na terceira ocorrência, Aurora suplica que Bibelot faça um juramento
para o "santinho", um santo pequeno que estava pendurado em uma corrente,
que, para Bibelot, tem mais valor que Deus. Aurora pede uma relação de
cumplicidade e para continuarem com o envolvimento, tenta estabelecer uma
condição de juramento.
91
Na quarta ocorrência, "pulinhos", palavra estudada na análise das
frases formulaicas, transmite uma ilusão de afetividade, quando Aurora se
refere às atitudes que pratica pelo sobrevivência. Ela " seus pulinhos",
mas não é com qualquer homem, somente com homens conhecidos, com
pessoas apresentadas, que é uma funcionária fixa e tem emprego no
Instituto.
Com o uso do diminutivo, percebemos uma tentativa de manipulação de
sentimentos na busca por expressões que denotam afetividade, na amabilidade
e principalmente, na busca a elevação da alta estima.
Os amantes, Bibelot e Aurora constroem uma argumentação que visa a
uma conquista sem desviar o planejamento conversacional. Para refletir essa
intenção, fazem usos de palavras no diminutivo para ganharem a confiança um
do outro. No primeiro diminutivo, encontramos a expressão com valor afetuoso
usado por Bibelot por se referir ao "Broto". O objetivo dele é reforçar o carinho
que sente pela garota.
Nas ocorrências seguintes, os diminutivos "santinho", usado com o valor
sentimental, e "pulinhos" estão também carregados de valores que levam à
persuasão, uma vez que, Aurora tenta convencer o amante, no primeiro
momento, da necessidade de fazer um juramento e no segundo, é obrigada a
falar para ele da forma que ela usa para dar um jeito na vida.
Exemplo 15:
Débora (suspirando) - Preciso ir ao pedicure.
(sem transição) Imagina a senhora: sabe de onde eu vim?
D. Aracy - "Da" onde?
Débora - Da loja do "seu" Saul! Parei lá para dar um telefonema. Estava
falando no telefone, de costas. De repente, vem alguém, por trás, e
põe na minha mão um canudinho de papel. Tomei aquele susto e me
viro. A princípio pensei, nem sei no que pensei. Era o "seu" Saul!
D. Aracy - "Seu" Saul tem a mania de fazer gracinhas!
Débora - Mas deixa eu continuar: ele viu que tinha me assustado e sabe o
que ele me disse? Disse lá na língua dele: "Meu filha, não precisa se
assustar. Velho não ter sexo!
D Aracy (Incisiva) - Os velhos têm vícios!
92
Débora (piscando o olho) - Deixa ele! (muda de tom) Então, ou .... (24-25)
O uso de "gracinhas" apresenta uma conotação pejorativa e irônica
usada por d. Aracy quando se refere a "seu" Saul. Na tentativa de continuar
falando sobre o assunto, faz o comentário referindo-se as gracinhas de "seu"
Saul, uma vez que não concorda com a atitude dele, mas que aceita o cheque.
Débora mantém o tópico conversacional na tentativa de não mudar o
assunto da conversa para opinião de D. Aracy com relação a seu Saul. O que
importa nesse momento é o valor do cheque dado a ela por seu Saul e não as
gracinhas dele.
O termo "graça", "não faz graça pra ninguém", representante do grau
normal da palavra, foi analisado como frase formulaica no exemplo 6 dessa
dissertação. "Gracinha" foi usado como uma forma que revela delicadeza e
cortesia.
Exemplo 16:
("Seu" Saul caminha na direção do quarto. Todos o acompanham com o olhar.
Ele entra e fecha a porta.)
Silene (em pânico) - Não é o senhor! É o médico!
"Seu" Saul - Oh, não ficar assustada... Eu não abusar de você... Caladinha...
Silene (chorando) - Só lhe peço para não machucar meu filho!
"Seu" Saul - Eu tive ferimento de guerra, do Primeira Guerra...
Silene - O senhor?
"Seu" Saul - Uma granada explodiu pertinho no guerra do Kaiser, e um
estilhaço matou meu desejo... Eu ser boa pessoa, porque não liga
sexo... Oh, só quero segurar seu mãozinha, assim.
Silene - Eu agradeço ao senhor...
"Seu" Saul - Depois nós saímos e tapeamos seu papai. Oh, ninguém sabe o
ferimento de guerra, felizmente!
........................................................................................................................................................
(Saí "seu" Saul. Diz para dentro do quarto.)
"Seu" Saul - Aloguinho.
93
Dr. Bordalo - Agora sou eu que vou... Mas antes: eu quero que um de vocês...
(escolheu Aurora) Você, Aurora, pelo amor de Deus, Aurora! (estende para
Aurora as duas mãos crispadas) Eu quero, antes de ir, que você, Aurora, me
cuspa na cara!
(Aurora destaca-se das outras irmãs. Aproxima-se, lentamente, digna, histérica.
"Seu" Saul está parado também. Aurora cospe no rosto do médico.) (64-66)
No exemplo acima podemos observar quatro ocorrências de diminutivos
formadas com o acréscimo do sufixo -inha -inho. Na primeira, "caladinha"
assume um valor afetuoso e carinhoso no discurso de "seu" Saul, uma vez que
a forma "calada", usado na fala, dá a idéia de desrespeito e um certo desprezo.
O uso do vocábulo "mãozinha" tem valor expressivo que denota ternura.
Em momento algum "mãozinha" é avaliado pelo significado de pequenez e sim
com afeto por parte do falante, no caso "seu" Saul , com relação a Silene, que
para ele é uma garota e em alguns momento é vista até mesmo como uma
menina que ele viu crescer, que deve ser tratada com toda admiração.
também a idéia de proteção, uma vez que, "seu" Saul vai para o quarto de
Silene no lugar do Dr. Bordalo.
"Pertinho" e "loguinho" foram usados como intensificadores cuja única
função é de atenuar as relações dos advérbios perto e longe, uma vez que
"pertinho" passa a idéia de muito perto e "loguinho", muito logo.
"Pertinho" foi usado por "seu" Saul para referir-se a bomba que caiu bem
perto dele na Guerra o que o deixou inválido. O advérbio acrescido pelo sufixo -
inho intensifica a situação e mostra a exatidão do ocorrido. Com o uso de
"loguinho", a personagem não expressa a idéia de exatidão, mas apresenta o
sentido vago que encerra a noção de brevidade.
Como Martins (1989:116) afirma a intensificação do uso do advérbio
acrescido pelo sufixo -inho serviu para expressar acentuada recomendação.
No Brasil o uso do superlativo "loguíssimo" não é comum e no texto acima,
foi usado de modo espontâneo, com a nítida intensão de transmitir a idéia de
maneira carinhosa e afetiva.
94
Mais uma vez o assunto é induzido sutilmente, procurando atingir o
emocional de Silene que se sente apavorada com a presença de "seu" Saul
acalmando-a para que não grite ou se apavore ainda mais do que está.
Silene não entende por que é "seu" Saul no lugar de dr. Bordalo. Agradece ao
"seu" Saul e aceita enganar as pessoas da casa que ele é ferido de guerra e
não liga para sexo.
Exemplo 17:
(Aurora toma, entre as suas, as mãos de Silene.)
Aurora - Escuta: você confia em mim?
Silene (Sempre crispada) - Por quê?
Aurora (mais incisiva) - Confia ou não confia?
Silene (a medo) - Confio
Aurora - Então quero saber tudinho!
Silene - Depende.
Aurora (com exasperação) - Dependo, não senhora! Por que depende?
Você vai contar tudo, faço questão! E se você começar a me
esconder os troços, eu largo você de mão e olha: depois de que
houve, quem é aqui a tua amiga no duro e te defende? Sou eu, não
sou? As outras estão por aqui com você e, se você duvidar, papai te
uma surra de correia!
Silene (começando a chorar) - Eu sei que você gosta de mim, eu sei,
nunca neguei!
Aurora - Diz: e você responde, direitinho, a tudo que eu perguntar?
Silene - Respondo.
Aurora - O nome dele.
Silene (novamente de pé atrás) - O nome? (75)
.
Aurora introduz o tópico conversacional, procurando atingir o emocional
da irmã. Ela posiciona-se de forma carinhosa, na tentativa de conseguir a
resposta que quer e para isso, demonstra firmeza em suas manifestações.
Na primeira ocorrência do sufixo -inho acima, observamos uma
formação que assume, juntamente com o pronome indefinido tudo, um valor
enfatizador, e estabelece o sentido de "completamente tudo" acentuando a
95
necessidade de que Aurora tem de saber tudo acerca do nome do possível
namorado de Silene.
Em direitinho, o sufixo -inho agregado à palavra transmite a idéia de
realce, apresenta um certo valor afetuoso, na busca de mais exatidão na
resposta de Silene. Aurora tenta com esses diminutivos saber na verdade
quem foi que "aproveitou da inocência" da irmã e para isso faz uso de termos
que manifestam aparente ternura pelo fato de estarem no diminutivo
Ao dizer as frases "Então quero saber tudinho!" - "Diz: e você responde,
direitinho, a tudo que eu perguntar?" Aurora enfatiza o desejo de saber a
resposta e procura fortalecer seu poder persuasivo para ganhar a confiança da
irmã e manter os diálogos seguintes.
Exemplo 18:
Aurora - Bonito?
Silene - Lindo! Parecido saber com quem? Aquele, como é mesmo o nome?
Aquele!
Aurora - Qual?
Silene - Estou com uma memória! O gângster de Lana Turner? O que a
filha da Lana Turner matou! Stampanato, não: Strompanato!
Apareceu lá uma revista e eu vi o retrato. Parecidíssimo, só você
vendo!
Aurora - E vocês se encontravam onde?
Silene - O colégio lá é uma bagunça. A gente conversa no muro, que é meio
baixo. O melhor você não sabe: ele era o dono da tal gata.
Aurora - Que gata?
Silene - Que eu matei. E, um dia, eu pulei o muro e ...
Aurora - Mas que perigo!
Silene - Fomos para o quarto da empregada, que estava de folga. A mulher
não sai da cama; fica em cima, com uma tia surda. Agora vou te
contar uma coisa, que você não vai acreditar!
Aurora - Conta tudo!
Silene (triunfante) - Eu pedi um filho a ele, eu! Ele não queria; disse "não
vale a pena", mas eu sou teimosa e, finalmente... A culpada sou eu!
(grave e adulta) E não me arrependo!
Aurora - Que falta de juízo!
Silene - Eu disse que ele é diferente dos outros porque tem a lágrima méis
bonita, mais linda, que eu já vi!
96
Aurora (espantada) - Já chorou na tua frente?
Silene (na sua felicidade irresponsável de menina) - Chorou, é maneira
de dizer. Não chorou, propriamente. É que, lá no quarto, ele estava
me beijando, me beijando e, de repente, começou a soluçar, depois
foi parando e virou para o lado... E, então, eu quis espiar o seu olhar
e vi uma lágrima, aqui, no cílio...
Aurora (atônita) - Uma lágrima?
Silene (de novo feliz e irresponsável) - Uma lágrima só, parada, no
cílio...(78-79)
O uso de
"
parecidíssimo" formado pelo processo sintético que Bechara
(2004:140) chama de "sufixo absoluto ou intensivo" que neste caso é sintético,
ao texto o valor intensificador de "muito parecido". No contexto, assume a
forma de carinho, afeto e proximidade de uma pessoa com outra (nesse caso
em especial, de Bibelot com o famoso autor da época, Strompanato).
O argumento usado por Silene é constituído de elementos que
conduzem à inferência de que seu amante realmente é um homem de bem,
que não queria seduzi-la e que o fez somente porque ela insistiu. Segundo
Silene, o amante é uma pessoa de bons princípios, que não quer um
compromisso tão importante muito menos, um filho. Teimosa, Silene, por sua
vez, insiste, já que quer um filho dele.
Silene mantém o poder argumentativo para mostrar à irmã a bondade de
Bibelot, mesmo que para isso tenha que convencê-la de que Bibelot é bom, e
para fundamentar sua conclusão, expõe até o choro do amante que é com um
olho só e que é diferente.
Exemplo 19:
(Aurora agarra-se a ele.)
Aurora (com apaixonada humildade) - Diz que me ama!
Bibelot (divertido) - Que piada é essa?
Aurora (suplicante) - Te custa dizer que me amas?
Bibelot (do fundo do seu cansaço) - Hoje, não!
Aurora (incisiva) - Hoje sim! (com um princípio de desespero) Tu me
amas?
Bibelot (levantando-se) - Tenho que ir.
97
Aurora (muda a violência em humildade) - Ainda não!
Bibelot - Estou com sono, não durmo há duas noites e chega!
Aurora (suplicante) - Senta um momentinho, um instantinho só.
.......................................................................................................................................................
(E, novamente, a cólera de Aurora se funde em sofrida humildade.)
Aurora - Está bem. Então, vou te fazer outra pergunta. (acariciando-o no
rosto e nos cabelos) Esta responde? Responde?
Bibelot - Que pergunta?
Aurora (tentando seduzi-li) - Dá tua opinião: Você acha que eu daria,
enfim, que eu seria uma boa esposa, talvez?
Bibelot (no seu espanto) - Esposa?
Aurora (tremula, sem saber o que dizer) - Sim uma mulher do lar?
Bibelot (com alegre ferocidade) - Eu te quero na zona! (84-85)
Nesse exemplo notamos o uso de duas forma no diminutivo e que
denotam carinho, afeto. Esses dois diminutivos apresentam um tom suplicante
e mostra a personagem Aurora numa posição de humildade implorando a
Bibelot ser amada e reconhecida. Por outro lado, Bibelot a trata com
desprezo, usa termos com valores depreciativos e a ridiculariza quando ela
pede a ele uma declaração de amor.
Nos diálogos acima, podemos observar a intenção de Aurora em manter
o tópico conversacional e conseguir de Bibelot as respostas que tanto quer: a
princípio uma simples declaração de amor, mas com a recusa do amante,
aproveita da situação e tenta manipular os sentimento para conseguir dele a
sua aprovação como esposa. Percebemos o desvio do assunto por parte de
Bibelot que sempre se aproveita das situações e, mais uma vez, humilha e
despreza Aurora.
Podemos considerar que as palavras, "purazinha", "santinho", "pulinhos",
"canudinho", "gracinhas", "caladinha", mãozinha", "tudinho", "direitinho",
"parecidíssimo", "momentinho", "instantinho", que são formadas com um
simples acréscimo de um sufixo, o enriquecidas e ganham novas formas.
Essas formas apresentam, quando usadas em contextos diferentes, novos
significados que contribuem mais ainda para o processo de comunicação.
98
3.4 - A gíria
A gíria, como muitas pessoas pensam, não é um vocabulário usado por
pessoas de baixa escolaridade ou de baixa condição social. Ela é
estigmatizada por ser advinda de grupos sociais marginalizados. Tem a
facilidade de espalhar-se com muita rapidez e passa a ser de uso comum da
sociedade.
Ela surge como um signo de grupo (Preti, 1984b:3), estudada sob duas
perspectivas, a primeira, gíria de grupo e a segunda, gíria comum:
O aparecimento da gíria, como um fenômeno de grupo, é uma decorrência
dessa dinâmica social e lingüística. Caracterizada como um vocábulo especial,
a gíria surge como um signo de grupo, a princípio secreto, domínio exclusivo
de uma comunidade social restrita (seja a gíria dos marginais ou da polícia,
dos estudantes, ou de outros grupos ou profissões). E quanto maior for o
sentimento de união que liga os membros do pequeno grupo, tanto mais a
linguagem gíria servirá de forma de auto-afirmação. Ao vulgarizar-se, porém,
para a grande comunidade, assumindo a forma de uma gíria comum de uso
geral e não diferenciado, esse vocabulário perde-se dentro dos amplos limites
de um dialeto social popular, deixando, desde então, de ser signo grupal.
Nesse momento, torna-se difícil precisar o que é de fato vocábulo gírio ou
vocábulo popular.
Os estudos sociolingüísticos demonstram que a maior aceitação da gíria
e a “permissão” concedida a todos os falantes de fazer uso dela, provêm do
dinamismo por que passa a sociedade moderna, da velocidade das mudanças
e do abandono das tradições. Esses três fatores são definidores das
características da gíria: dinamismo, mudança, renovação. (Preti, 1984b:3)
A gíria tem vida transitória, uma vez que se renova muito rapidamente.
Podemos relacionar os processos pelos quais algumas gírias passam: perdem
o sentido original e ganham um novo sentido, depois vão para a linguagem de
grupo onde permanecem por um tempo. Outras têm a facilidade de
espalharem-se com muita rapidez e passam, conseqüentemente, a fazerem
parte de uso comum da sociedade.
99
Não podemos nos esquecer de que, em alguns casos, a gíria é usada
como defesa pessoal de determinados grupos. Em alguns casos, ela
desaparece, cai no esquecimento, uma vez que, os grupos querem a
exclusividade dela. Vejamos alguns exemplos abaixo a partir das
considerações realizadas:
Exemplo 20:
Bibelot (baixo e cariciosa) - linda!
Aurora - Acha?
Bibelot - Você fica um estouro de azul!
Aurora (numa alegre mesura) - Merci!
Bibelot - Qual é o programa?
Aurora - Fila de ônibus!
Bibelot - Queres um palpite?
Aurora - Qual?
Bibelot - É o seguinte: em vez de ônibus ou lotação, podia-se ir de bonde.
Aurora (tentada) - de bonde?
Bibelot - Assim a gente ia sentada, batia-se um papinho e outros bichos!
Aurora (com frêmito delicioso) - Topo! (09-10)
....................................................................................................................................................
(Os dois andam passos. Bibelot estaca.)
Bibelot - Espera!
Aurora - Que é?
Bibelot - Bolei uma idéia!
Aurora - Olha a hora!
Bibelot - É cedo.
Aurora - Diz.
Bibelot - Primeiro responde: você é corajosa?
Aurora - Que espécie de coragem?
Bibelot (tirando o pigarro) - Coragem para ir a um lugar, assim, assim...
Aurora (rápida) - Tira a mão!
Bibelot - Vai?
Aurora - Onde?
Bibelot - Lá.
Aurora - Depende.
Bibelot - Ia ser bacana!
100
Aurora - Onde é?
Bibelot - Copacabana.
Aurora (com o pânico da distância) - Longe!
Bibelot - De táxi, é um pulo.. E olha: tem vitrola, ponho uns discos e ouve-se
música.
Aurora (com doce ironia) - Só?
Bibelot (um pouco incerto) - Te dou uns beijinhos e pronto.
Aurora - Só beijinhos e mais nada?
Bibelot - Lógico!
Aurora (suspirando) - Vocês homens!
Bibelot (sôfrego) - Te juro! O apartamento não é meu, é de um amigo, que
está fora. Ele me deu a chave e, além da chave, tem ferrolho, a
gente fecha por dentro, não há o menor perigo, sua boba! E o
edifício é residencial, discretíssimo!
Aurora (doce e triste) - Que idéia você faz de mim? (09-11)
Nesse trecho, observamos que os falantes (Aurora, filha de "seu"
Noronha) e (Bibelot, o provável "namorado" que quer seduzi-la e levá-la a um
apartamento, para terem um relacionamento amoroso) não utilizam vocábulos
cultos para a argumentação, mas constroem o texto com uma organização que
nos permite observar uma seqüência lógica e uma relação de dependência
entre as falas.
Observamos também a atitude lingüística dos falantes pela escolha das
frases "fica um estouro", "outros bichos", "topo", "bolei", "bacana", que é
marcada por um vocabulário cuja característica principal é marcada por valores
morais.
O uso de "fica um estouro" (bem) refere-se a um elogio que Bibelot, na
hora da conquista, atribui a Aurora. Notamos que ele é carregado de segundas
intenções, uma vez que, ela é o alvo da conquista amorosa. Nessas horas, os
elogios à pessoa amada, sempre ajudam. Bibelot faz uma analogia entre a
expressão e a situação e para isso acentua o valor positivo determinado pelo
contexto. Tudo se relaciona ao contexto da conquista amorosa.
O uso de "outros bichos" (e mais alguma coisa) também chega
carregado de outras intenções. O sentido é justamente o malicioso, uma vez
que Bibelot tem o pensamento totalmente voltado para o sexo. Aurora
101
representa para ele a conquista sexual. "Outros bichos" equivale na
metamensagem, o relacionamento sexual que os dois terão no apartamento,
caso ela aceite o convite. É a representação do processo de sedução.
No terceiro uso de vocábulo gírio, "topo" (aceito) significa a aprovação
da idéia proposta pelo "namorado". Quando Aurora diz "topo", ela admite que
quer participar do "ato" amoroso.
Em "bolei" (pensei) e "bacana" (muito bom), refletem a forma de falar de
Bibelot, uma pessoa que não tem nada a perder e que nesse momento tem um
único pensamento: ganhar a confiança de Aurora para mais tarde conquistá-la
na cama.
Exemplo 21:
Aurora (enfática) - Meu pai mudou muito. Antigamente, não ligava. Mas
agora descobriu uma tal religião teofilista. Acho que é teofilista.
cada bronca, menino! E virou vidente!
Bibelot - Ué, vidente?l!
Aurora (com certa vaidade) - Vidente, sim, senhor! Ouve vozes, enxerga
vultos no corredor. De amargar! Olha: você quer saber quem é meu
pai? Vou te contar uma que vais cair pra trás, duro! Depois que
ficou religioso (com maior ênfase) não admite papel higiênico em
casa, acha papel higiênico um luxo, uma heresia, sei lá!
Bibelot - Quer dizer, um casca de ferida!?
Aurora - Meu pai?
Bibelot - Estou besta!
Aurora (completando a frase anterior) - Como meu pai nunca vi! E, lá na
Câmara, não faz graça pra ninguém!
Bibelot - Que Câmara?.
Aurora - Dos Deputados.
Bibelot (Com novo interesse) - Ele é o quê lá?
Aurora (com breve vacilação) - Funcionário.
Bibelot (animado) - Vem cá: se teu pai trabalha na Câmara, talvez tenha
influência... Quem sabe se teu pai não podia arranjar uma marreta
pra eu voltar à P. E.? Lá ele é funcionário importante?
Aurora (desconcertada) - Bem... (13-14)
102
A construção de Aurora "dá cada bronca", (chama a atenção) retrata a
posição da mulher na sociedade da época. Quando Aurora se refere ao pai,
"seu" Noronha, ela passa a idéia de que ele mantém as filhas com "rédea
curta" (não aceita as coisas de outra forma que não a dele) e para ele é uma
forma de demonstrar o poder. "Seu" Noronha é o pai e quer ter o domínio da
situação familiar.
Na primeira expressão usada por Bibelot "um casca de ferida" (uma
pessoa desprezível), observamos um questionamento sobre a personalidade
do pai de Aurora, acentuando-se o teor negativo. na segunda expressão
"marreta" (trabalho) foi usada com o intuito de solicitar uma forma, amesmo
um "jeitinho" de "seu" Noronha, com a influência que ele tem na Câmara,
arrumar novamente uma posição para ele na Polícia, posição essa que Bibelot
perdeu por se envolver em brigas.
Observamos nas falas de Aurora que a presença das gírias assume um
papel relevante na situação interacional. São comprovantes de características
da personagem além de ser uma demonstração das condições dela. Uma
personagem que não tem escolaridade, que não se incomoda com a vida que
leva e, principalmente, que consegue na prostituição os recursos para um
sustento extra. Mesmo assim margens à manifestação de controle
emocional quando fala do domínio do pai em relação às filhas.
Desta maneira, o vocábulo gírio contribui para a carga de expressividade
e com isso permite dar vazão aos diálogos de forma mais criativa e
espontânea.
Bibelot, com o intuito de fortalecer o poder de conquista e
convencimento e principalmente, querendo se aproveitar da situação, vai
aumentando a tensão dramática até atingir seu objetivo - o pedido da retomada
do emprego perdido- e para isso, a recorrência da gíria.
Exemplo 22:
Bibelot - Milha filha, nunca dei um vintém a mulher nenhuma! Nem dou!
(Aurora, que estava agarrada a ele, desprende-se, no seu despeito de fêmea)
Aurora - Já sei. Elas é que te dão!
Bibelot (brutal) - Ou isso!
103
Aurora - Você tem toda a pinta de cafetão!
Bibelot - E daí?
(Aurora tem uma pane de vontade. Agarra-se a Bibelot, novamente.)
Aurora - O diabo é que gosto de ti assim mesmo!
Bibelot - Então, vem.
(Bibelot puxa a pequena.)
Bibelot - Olha um táxi livre. Vamos apanhar aquele!
(Os dois correm. Aurora vai puxada. Duas cadeiras de frete para a platéia
representam o táxi.)
Aurora (sentando-se) - Mas de graça, não, meu filho! (17)
A expressão "tem a pinta de cafetão" (jeito de cafetão) veicula uma
conotação negativa que a personagem Aurora tem de Bibelot. O termo
cafetão é ofensivo na linguagem comum, uma vez que se emprega ao homem
que vive à custa de meretrizes. Quando se liga a expressão tem a pinta de,
verificamos um acentuado teor negativo. Para Aurora, Bibelot não passa de
um aliciador, um sedutor, que julga as mulheres propriedade sua e que, por ele
ser um machão convicto, não aceita as opiniões femininas.
No contexto, Bibelot apela para a agressividade verbal com o objetivo
de fortalecer o poder de persuasão e transfere para a linguagem a capacidade
de demonstrar-se dono da situação, uma vez que não paga às mulheres pelos
seus afetos. Mesmo assim, Aurora introduz o assunto, na tentativa de
demonstrar suas relações contrárias ao não pagamento. Mais uma vez, deixa
refletir a visão subjetiva da realidade e o estado emocional em ela que se
encontra.
Exemplo 23:
Bibelot (para o chofer invisível) - Barata Ribeiro, nossa amizade. (para
Aurora, feliz) Ah, eu preciso ter sempre uma mulher na zona!
Aurora (insultada) - Mas eu não sou da zona, o que é que há?
104
Bibelot (na euforia do táxi) - Azar o teu!
Aurora - Não sei por quê.
Bibelot (feliz) - Porque gostar mesmo eu só gosto da mulher bem
esculachada! Queres ver um exemplo? Arranjei um broto
espetacular. Tem um corpo, e que corpo! E uns 17 anos, no máximo.
Aurora - Virgem?
Bibelot - Era. Mas já sabe: foi comigo no apartamento, começamos naquele
negócio e fiz o serviço completo. Mas é uma menina tão purazinha
que eu fico pensando: ora bolas! Menina de família, não sei, me
chateia!
Aurora - Jura que não gosta desse broto? Jura!
Bibelot (caindo em cima de Aurora, como se o automóvel tivesse feito uma
curva fechada) - Curva gostosa... (muda de tom) Se eu gosto? Sei
lá! Mas o broto me adora, me põe nas nuvens!
Aurora (mordida de ciúmes) - Jura por Deus que não gosta do broto! Olha,
por Deus!
Bibelot (trocista) - Jura por Deus? ... Eu não acredito em nada, quer dizer
... (apanha o santinho do pescoço) Só acredito nesse aqui ... (18-19)
O uso da expressão gíria "broto" (garota, menina) veicula um conceito
de conotação positiva. Usado no texto por Bibelot e Aurora, a expressão "broto"
constitui o sentido geral da peça e resulta de uma reação emocional condizente
com os acontecimentos vividos por eles. No exemplo encontramos quatro
ocorrências e, em duas, a expressão vem carregada de elementos afirmativos
e sólidos e isso também se constitui, na linguagem afetiva, a espontaneidade e
naturalidade.
Encontramos na fala de Aurora a expressão "broto" que apresenta uma
conotação depreciativa, que se trata da provável rival. no final ficamos
sabendo que o "broto" é Silene: a filha mais nova, que estuda em colégio de
freira e que recebe todas as atenções e cuidados de todos da família.
As formas "esculachada" (depravada) e "chateia" (incomoda)
demonstram o conceito que Bibelot faz do mundo e de si mesmo em virtude de
sua condição social. Quando usa "esculachada", provoca o efeito malicioso do
relacionamento amoroso. Para ele, o que importa é que uma mulher, sempre a
prostituta, deve ser depravada e submissa em ralação às vontades do homem.
105
Isso tudo é perfeitamente comprovado por meio das expressões seguintes
usadas por Bibelot.
Na fala com Aurora, deixa claro que o fato de ter seduzido um "broto" de
17 anos, virgem e de família o incomoda. Se fosse qualquer uma, o resultado
da conquista seria perfeitamente natural Mas como se trata de um "broto" ele
fica com um problema de consciência.
Uma última ocorrência, no exemplo acima, foi usada por Aurora e
Bibelot. É a expressão gíria "zona" (lugar em que prostituição, meretrício).
Bibelot sente a necessidade de ter uma amante sempre a sua disposição, nem
que para isso ela reside na "zona". para Aurora, "zona" é o lugar que ela
não freqüenta e muito menos resida. Como ela mesmo afirma, ela não é
mulher de morar na zona, tem casa própria e faz programas com pessoas
conhecidas ou até mesmo indicadas.
Bibelot apela, mais uma vez, para a agressividade verbal no momento
em que diz que precisa de uma mulher na zona. É a forma mais agressiva de
se referir a uma mulher, uma vez que é a pior humilhação para Aurora que
insiste em se defender, mas cada vez mais, sente que seus argumentos são
inúteis e não arranca dele o juramento.
Ao proferir a frase ”Porque gostar mesmo eu gosto da mulher bem
esculachada! Queres ver um exemplo?", Bibelot conduz o sentido do texto em
outra direção e com isso muda o tópico conversacional. Nesse momento, o
assunto não é mais a mulher da zona e sim o broto virgem que ele também
levou ao apartamento.
Exemplo 24:
"Seu" Noronha - Vão ouvindo! (muda de tom) Eu sempre senti que havia
alguém atrás de minha família, dia e noite. Alguém perdendo
as nossas virgens! E como eu ia dizendo, ontem, o dr.
Barbosa Coutinho me confirmou que existe, sim, esse alguém.
Alguém que muda de cara e de nome. Pode ser um rapaz
bonito ou, então, um velho como o "seu" Saul.
Arlete - Ora, papai, o senhor acredita nesses troços!
"Seu" Noronha - Quero te dizer só uma coisa, Arlete: você é assim malcriada
comigo, sabe por quê? Porque é um médium que ainda não se
106
desenvolveu. (taxativo) Você se desenvolva, Arlete, ou seu fim
será triste... E chega, ouviu? Chega! (novo tom) E, então, o dr.
Barbosa Coutinho mandou que eu olhasse no espelho antigo.
(arquejante) Pois bem. Olhei no grande espelho e vi dois
olhos, um que pisca normalmente e outro maior e parado.
(com súbita violência) O pior é que só o olho maior chora e o
outro, não.
Arlete - Isola!
D. Aracy - E como é o nome?
"Seu" Noronha (furioso) - Gorda, você não entende isso, gorda! Nós usamos
na Terra um nome que não é o nosso, não é o verdadeiro, um
nome falso! (com esgar de choro) Esse alguém, que chora por
um olho só, sabe que ainda temos uma virgem!
Débora - Maninha...
Arlete - Bate na madeira!
"Seu" Noronha (quase chorando) - Silene, tão menina e tão virgem! (muda de
tom) Mas eu juro! Não hei de morrer sem levar Silene, de
braço, até o altar, com véu, grinalda, tudo!
D. Aracy - Se Deus quiser!
"Seu" Noronha (estendendo as duas mãos crispadas para as filhas) - É preciso
salvar a minha virgenzinha, que nem seios tem! (34-35)
No texto acima, as personagens recorrem, na avaliação que fazem, a
elementos que denotam as sensações momentâneas. Arlete, por exemplo, usa
"troços" (coisas) e "isola" (ignora, afasta o azar, o mau-olhado) para manifestar
seu juízo de valoração negativa daquilo que o pai fala, sua opinião contrária a
do pai.
D. Aracy, na tentativa de atingir o emocional de "seu" Noronha, introduz
um tópico conversacional, quando pergunta a nome do homem que chora com
um olho só. No momento seguinte, "seu" Noronha demonstra mais uma vez
sua agressividade e seu domínio para demonstrar e convencer a todos da
família que ele, ele, tem todo o conhecimento sobre o assunto que estão
tratando. Mais uma vez houve a manipulação de sentimentos que "seu"
Noronha usa o fato de Silene ainda ser virgem.
107
Exemplo 25:
(do lado de fora, o médico, que anda de um lado para outro, como possesso,
estaca)
Dr. Bordalo (enfurecido) - Depois sou eu!
"Seu" Noronha - Mudou de opinião!
Dr. Bordalo (sem ouvi-lo) - A vontade que eu tenho é arrancar de lá aquele
gringo imundo! (numa espécie de delírio) Silene, oh, Silene!
(murmurando) Tem a idade da minha filha!
(Saí "seu" Saul. Diz para dentro do quarto.)
"seu" Saul - Até loguinho.
Dr. Bordalo - Agora sou eu que vou ... Mas antes: eu quero que um de vocês
... (escolheu Aurora) Você, aurora, pelo amor de Deus, Aurora!
(estende para Aurora as duas mãos crispadas) Eu quero, antes
de ir, que você, Aurora, me cuspa na cara!
(Aurora destaca-se das outras irmãs. Aproxima-se, lentamente, digna,
hierática. "Seu" Saul está parado também. Aurora cospe no rosto do médico.)
Dr. Bordalo - Graças, oh, graças! ( e dá um grito pavoroso) Silene! Silene!
(Vai cambaleando, para o quarto.)(65-66)
O termo "gringo" (estrangeiro), analisado nos tratamentos e que aqui
é usado por Dr. Bordalo, demonstra agressividade, preconceito e agressão
em relação a "seu" Saul, porque ele foi o escolhido para ter o primeiro
relacionamento sexual, na casa dos Noronhas, com Silene, depois que o pai,
"seu" Noronha, descobriu que ela já não era mais virgem e que estava grávida.
Nos diálogos seguintes, podemos perceber uma mudança na postura de
Dr. Bordalo para desviar o assunto da relação sexual. A princípio, ele sente
vontade de invadir o quarto onde estão Silene e "seu" Saul. Depois tenta
convencer as pessoas que estão na sala, quando, usando a manipulação de
sentimentos, escolhe Aurora para que lhe cuspa na cara. Essa tentativa sutil de
mudança de tópico conversacional não deu muito certo, uma vez que, Dr.
Bordalo acaba por ir ao quarto de Silene.
108
Como vimos o uso de expressões gírias ganham um efeito e um valor
expressivo que só podem ser analisados de acordo com as variações do
contexto. No corpus percebemos que as expressões usadas no processo
interacional representam o reflexo das características das personagens. Desta
forma, as manifestações lingüísticas denunciam o caráter de agressividade, de
afetividade, de tolerância, de preconceito etc., que denunciam esse mundo.
Sem o fundamental conhecimento das expressões pelo grupo a comunicação
não seria total.
Para Marcuschi (2003:14), a conversação é a primeira das formas de
linguagem a que estamos expostos. Nos contextos analisados, a manipulação
dos sentimentos, o envolvimento emocional das personagens, a mudança do
tópico conversacional, em muitos casos usada para desviar o assunto inicial ,
são estratégias discursivas adotadas pelas personagens para acentuar as
marcas da oralidade no texto escrito.
3.5 - A preservação da face
Como destacamos anteriormente, a interação é um fenômeno sócio-
cultural em que os interlocutores agem um sobre o outro. O discurso de um
falante está sempre se constituindo, conforme o discurso de seu interlocutor.
Dessa forma, o fio condutor das interações é que podedeterminar os rumos
que o sentido do texto tomará.
Procuraremos verificar as características de uma interação entre as
personagens de Nelson Rodrigues que concorrem para o estabelecimento de
uma relação de poder/submissão em total interação lingüística. Vejamos alguns
exemplos:
Exemplo 26
("Seu" Noronha olha, ora para o dr, Portela, ora para as filhas.)
Dr. Portela - Bem, "seu" Noronha. Podemos conversar?
"Seu" Noronha - Mas claro! Estou às suas ordens!
109
(e, súbito, vem o grito de Silene.)
Silene - Não acredite, papai!
(Aponta para o dr. Portela.)
Aurora (em pânico) - Que é isso, Maninha?
Hilda - Não fala assim!
Dr. Portela - Deixe. Não se aborreça. Eu compreendo!
"Seu" Noronha - Milha filha, modos, milha filha! (para o dr. Portela) Ela nunca
fez isso, dr. Portela!
Dr. Portela (superior) - Está nervosa, é natural!
Silene - Eu não fiz nada, papai!
"Seu" Noronha - Silene! Minha filha, você vai pedir desculpas ao dr.
Portela!
Dr. Portela (generoso) - Mas não precisa! Para quê?
"Seu" Noronha (para a filha) - Estou triste com você, Silene, muito triste!
(para o dr. Portela) Eu é que lhe peço desculpas!
Dr. Portela - Oh. Não tem importância!
"Seu" Noronha (para as filhas) - Leva Silene... (para Silene) Depois converso
contigo, minha filha... (para o dr. Portela) Caso Sério! Mas o
senhor ia dizendo e fomos interrompido...
Dr. Portela - "Seu" Noronha, o senhor há de estar espantado. Claro! Sua
filha chega de repente, no meio da semana e ...
"Seu" Noronha - Confesso que estou, sim, um pouco espantado
naturalmente...
Dr. Portela - Eu explico.
"Seu" Noronha - Um momento! (novamente assustado) Mas ela não está
doente? Ou está?
Dr. Portela (vacilante) - Bem ...
"Seu" Noronha - Está doente?
Dr. Portela (mais incisivo) - Fisicamente, não.
"Seu" Noronha - Não entendo.
Dr. Portela - É o seguinte: estou aqui, porque, na minha qualidade de
assessor da direção do colégio e como sou muito
benquisto e têm muita confiança em mim... De forma que
vim. Mas pode crer que é um dever muito desagradável.
(40-41)
110
No exemplo acima, logo que o Dr. Portela pergunta ao "seu" Noronha se
podem conversar, Silene se manifesta dizendo para que o pai não acredite
no que ele vai dizer. "Seu" Noronha sem entender bem a situação, exige que a
filha peça desculpas pelo que falou e sobretudo pela maneira que falou. O
resultado pretendido por "seu" Noronha foi de desempenhar seu papel
submisso, até mesmo demonstrando respeito, em relação ao representante de
colégio em que a filha estuda.
Por outro lado, o dr. Portela se mantém afastado dessa situação inicial,
pois percebe que necessidade de preservar sua imagem e salvar sua face
positiva para uma demonstração de poder diante da situação.
Na seqüência, o Dr. Portela se vale da autoridade que tem para passar a
notícia do que está acontecendo com Silene. Para isso, o Dr. Portela faz alusão
ao colégio do qual ele é assessor para preservar sua face positiva e reitera
esse pressuposto quando fala que é benquisto. Mais uma vez nota-se aí a
intencionalidade de manter sua posição afastada da situação que afirma que
o dever a que se propôs é muito desagradável.
Exemplo 27
(Dr. Portela ergue-se e fica andando de um lado para outro, enquanto fala, De
vez em quando, exalta-se.)
Dr. Portela (com ênfase, pedante) - Um fato, "seu" Noronha, que
repercutiu muito mal. Houve meninas, até , que caíram com
ataque. O pai de uma delas foi hoje lá e disse que retirava
a filha. (muda de tom, pigarreia) mas veja o senhor: havia, no
colégio, uma gata. Aliás, não era nossa, era do vizinho. (com
certo calor) Uma gata bonita, muito bonita.
"Seu" Noronha (impaciente) - Sei, sei!
Dr. Portela (com certa voluptuosidade) - Um pelo macio, sedoso, que
parecia angorá, e digo mais: talvez fosse angorá. Ou por
outra: angorá, não, porque, ao que eu sei, angorá tem, no
máximo, dois filhos. E a gata pulava do vizinho e muito mansa
- era mansa - vinha para o nosso terreno. (baixo, para "seu"
Noronha) E quem, no meio de oitocentas alunas, gostava
mais do animal? (com satisfação e uma crueldade de
triunfante) Sua filha!
111
"Seu" Noronha - Silene?
Dr. Portela (satisfeito) - Perfeitamente. Silene punha a gata no colo,
dava-lhe leite no pires e fez, por duas vezes, uma coisa que
não é permitida: dormiu com a gata! De manhã, era um
rebuliço no dormitório, quando as outras alunas percebiam.
Relevamos, porque, afinal, era uma transgressão leve. E,
um dia, notou-se que a gata ia ter nenê. O senhor está
prestando atenção, "seu" Noronha?
"Seu" Noronha - Continue.
Dr. Portela (num crescendo) - Até que, ontem, no recreio e na presença
de todas a alunas - mataram a gata, a paulada!
"Seu" Noronha (tomando um susto) - E quem? Quem matou?
Dr. Portela - A paulada, "seu" Noronha! Aos olhos de meninas de sete,
oito, nove anos! (num desafio triunfante) E o que é que o
senhor me diz?
"Seu" Noronha - Mas quem matou? (42-44)
No decorrer de todo esse fragmento, é possível observar que o dr.
Portela constrói um diálogo com "seu" Noronha, de maneira a observar que a
participação dele é importante para a construção das informações e
principalmente para destacar o efeito desagradável do assunto.
Quando dr. Portela afirma que um dos pais foi ao colégio ameaçar que
tiraria a filha, ele usa desse artifício para, mais uma vez, preservar sua
face de forma positiva diante da situação. Mais adiante podemos destacar que
ele usa a expressão "relevamos" para se prevenir de uma contra objeção
possível e se manter afastado da situação.
Na tentativa de mais uma vez desempenhar um papel social revestido
de poder, o dr. Portela questiona se "seu" Noronha está prestando atenção no
que ele está falando. Ele chama a atenção mais uma vez de "seu" Noronha
como uma forma autoritária de conduzir a narrativa e novamente pergunta ao
pai sobre o que ele tem a dizer a respeito da atitude da filha.
Exemplo 28
"Seu" Noronha (fora de si) - O senhor sabe o que está dizendo?
Dr. Portela (com pouco caso e troça) - Eu entendo um pouco de
psicologia!
112
"Seu" Noronha - O senhor não conhece minha filha! O senhor, se conhecesse
minha filha, como eu conheço - porque eu conheço milha filha,
dr. Portele, eu leio na alma de minha filha ... O senhor, se
conhecesse Silene, nunca diria uma coisa dessas, e duvido!
Dr. Portela - Sua filha deve fazer um tratamento sério!
"Seu" Noronha - (aturdido) - Que tratamento? Mas assim vai perder as aulas!
(muda de tom) E se não foi minha filha?
Dr. Portela - Há testemunhas, "seu" Noronha, inclusive eu! Fui eu que
a segurei, eu que a puxei de lá, quando ela ia matar os
gatinhos, também! Leve sua filha ao psiquiatra!
"Seu" Noronha (assombrado) - Psiquiatra?
Dr. Portela (com satisfação) - O quanto antes!
"Seu" Noronha - E as aulas? Não pode perder as aulas!
Dr. Portela (com uma comiseração muito superficial) - "Seu" Noronha,
acho que o senhor ainda não entendeu o problema...
"Seu" Noronha - Como assim?
Dr. Portela (inapelável) - Sua filha não voltará!
"Seu" Noronha (repetindo, atônito) - Não voltará... (lento) O senhor quer
dizer que o colégio expulsa milha filha?
Dr. Portela - Interprete como quiser.
"Seu" Noronha (desesperado) - E por causa de uma gata prenha? (furioso)
Responda, dr. Portela! Por causa de uma gata prenha?
Dr. Portela - O senhor está errado, "seu" Noronha!
"Seu" Noronha - Vou aos jornais! Faço um escândalo!
Dr. Portela - Discordo de si, totalmente! O senhor diz "gata prenha", muito
bem. E daí? (energicamente) Escuta aqui, "seu" Noronha:
imaginemos uma mulher. Ora eu compreendo o aborto,
compreendo o direito e, até, o dever do aborto, na
mulher. Admito que a mulher solteira se desfaça do filho.
Há uma exigência moral para que ela vá ao médico e
pergunte: "Como é, doutor?" É cruel, concordo. (exalta-se
cada vez mais) Mas entenda: conveniências, escrúpulos,
pudores... (grita) Porém uma gata, um bicho, , um ser
que é instinto, só instinto, que nada sabe do bem e do mal,
uma gata não deve ser assassinada! É monstruoso.
Desculpe é abjeto!
"Seu" Noronha (implorando) - Mas há solução para tudo!
Dr. Portela - Leve-a ao psiquiatra! Não vamos perder tempo. Leve-a
ao psiquiatra!
113
"Seu" Noronha (com humildade) - E, depois, o colégio aceitaria milha filha
de volta?
Dr. Portela - Entenda, "seu" Noronha: um educandário tem
responsabilidades concretas. E que diriam os outros
pais? A agressividade de sua filha é uma doença. Não
pode conviver com as outras. Sinto, mas sua filha não
pode voltar. (45-46)
É possível observar nesse fragmento que o poder de convencimento de
o Dr. Portela é construído para demonstrar que Silene não mais será aceita no
colégio e, na tentativa de anular todas as intenções de questionamentos de
"seu" Noronha, levando-o a aceitar tudo o que vai ser dito.
Quando o Dr. Portela afirma que Silene deveria ir ao psiquiatra o quanto
antes, foi direto ao assunto dizendo que seu ato foi visto por várias
testemunhas. Com essa fala, o Dr. Portela tem sua face preservada, uma vez
que assinala um afastamento em relação às idéias transmitidas. Também faz
uso de vários argumentos afirmando-se conhecedor da psicologia, e que o
caso dela, não é para qualquer médico de bairro, que, conhece psicologia e
pode aconselhar.
No final, ele preserva sua face mais uma vez, faz alusão ao colégio e
afirma que o educandário tem suas responsabilidades. Usa-se também o
plural, no caso, os pais, para reiterar, com maior ênfase, o problema de Silene
e se manter afastado e de certa forma, neutro.
Por outro lado, sem entender bem o que estava acontecendo,
"seu" Noronha tenta atenuar a situação de ameaça de expulsão contra
Silene, e movido pelo instinto paterno, ele procura rebater os argumentos
usados pelo dr. Portela, mas se sente intimidado.
Exemplo 29
"Seu" Noronha
(
na sua cólera contida)
-
É
sua última palavra?
Dr. Portela
- Sim. Houve uma reunião lá e a decisão foi unânime. De
forma que já vou, "seu" Noronha.
"Seu" Noronha
(
na sua cólera
) -
Um momento!
Dr. Portela
(
olhando o relógio
) -
Tenho hora marcada.
"Seu" Noronha
(
ameaçador
) -
Ah, o senhor vai esperar! Minha filha
114
chegou aqui chamando o senhor de mentiroso ...
(
ofegante
)
Temos que apurar isso direitinho ...
Dr. Portela
- O senhor duvida?
"Seu" Noronha - Acreditarei, se minha filha confessar. .. (grita) Gorda! Gorda!
D.Aracy -Me chamou?
"Seu" Noronha- Traz Silene e as outras. Todo o mundo, traz todo o
mundo! (para o dr. Portela, ao mesmo tempo que a mulher
desaparece) Vamos ver quem é o mentiroso! (para as filhas
que aparecem) Venham ouvir o que o dr. Portela está
dizendo!
D.Aracy - Que foi?
"Seu" Noronha (para as filhas maiores) - Fechem as portas! Todas as portas!
Dr. Portela (olhando em torno assustado) - Mas que é isso?
Aurora - Papai, calma, papai!
"Seu" Noronha - Fecha tudo!
Dr. Portela - Mas isso é uma agressão!
"Seu" Noronha (gritando) - Lá no colégio mataram uma gata prenha e
acusam Silene!
Dr. Portela - São os fatos! São os fatos!
"Seu" Noronha - Ainda por cima, expulsaram Silene!
D. Aracy - Esse cachorro!
Dr. Portela (fora de si) - Mas minha senhora, eu vi, oitocentas crianças
viram!
"Seu" Noronha - Sim, todo mundo viu, mas acontece que nós, aqui, só
acreditamos em Silene. (para a mulher e as filhas) Não é,
Gorda?
D. Aracy - Evidente!
"Seu" Noronha (para Silene) - Chega aqui, minha filha. Olha bem para esse
cara. Diz pra ele, diz: foi você?
Silene (selvagem) - Mentira!
Dr. Portela - Há testemunhas! Há testemunhas! (para Silene) Silene, não
foi você, Silene? Você jura que não foi você?
Silene (feroz) - Juro!
Arlete - Que cretino!
"Seu" Noronha (triunfante) - Basta, minha filha! (para o dr. Portela, cara com
cara e fazendo o outro recuar) O senhor mentiu, dr. Portela ...
O senhor é um mentiroso ...
Dr. Portela - Eu não menti, juro!
Arlete - Vamos cobrir ele! (47-48)
oitocentas crianças viram!
115
Podemos perceber nas falas das personagens acima uma reação não
condizente com a interação. Com a intenção de preservar a face positiva, neste
momento o Dr. Portela tenta manter-se afastado de uma atitude de expulsão de
Silene, quando afirma que "houve uma reunião e a decisão foi unânime", ela
não poderá mais freqüentar o colégio.
Retoma seu próprio discurso na tentativa de restaurar a face negativa e
após ter sido chamado de mentiroso, afirma que "há testemunhas!
testemunhas!" para o que Silene fez. Em seguida o Dr. Portela se sente acuado
pelos familiares de Silene e jura que não mentiu.
Por outro lado, "seu" Noronha usa uma estratégia para criar um efeito
de sentido que mude a maneira de pensar do Dr. Portela. Com o intuito de
resgatar a imagem positiva de Silene, "seu" Noronha manifesta-se acreditando
na inocência da filha, mais uma vez com uma atitude paternalista.
Com essa intenção comunicativa, "seu" Noronha busca desmascarar o
Dr. Portela e faz uso dos verbos "mataram e acusam" na forma indeterminada
da terceira pessoa do plural. A indeterminação do sujeito possibilita o
deslocamento das ações do campo pessoal e individual para o campo do
senso comum como forma de preservação da face de Silene, condenando
assim a face do Dr. Portela e das outras pessoas que a discriminaram.
Exemplo 30
(desespero. Loucura. Dir-se-ia que alguém acaba de morrer. Silene recua, com
as duas mãos no ventre, num pavor agressiva)
Silene - É tudo mentira!
Dr. Bordalo (para uma e outra) - Calma! Calma! Vamos usar a cabeça!
Aqui o Noronha vai conversar com Silene e Silene vai dizer
quem foi, quem não foi. Até já me ofereci para falar com o
rapaz. Eu falo com o rapaz, pronto!
"Seu" Noronha - (num berro) - Cala a boca todo mundo! (baixo e ofegante para
Silene) Chega aqui. Diz - quem é teu namorado?
Silene (contida) - Não tenho namorado.
"Seu" Noronha -Nem amante?
Silene (ofegante) - Não.
"Seu" Noronha (na sua cólera contida) - Quem é o pai do teu filho?
Silene - Ninguém.
116
"Seu" Noronha (com um lúgubre humor) - Ainda és virgem?
Silene (soluçando) - Sou, papai!
"Seu" Noronha (para o médico) - Viu, doutor, o cinismo? (feroz, para a filha,
com humor hediondo) Mas se não estás grávida posso te dar
um pontapé na barriga!
Silene - Ninguém toca no meu filho!
"Seu" Noronha (com um riso sórdido) - Tens, então, um filho ... (furioso) Mas
onde arranjaste esse filho? no colégio? Fala! na aula? no
ônibus do colégio?
(Dr. Bordalo empurra "seu" Noronha e agarra Silene pelos dois braços)
Dr. Bordalo - Fala comigo, Silene! Nos queremos saber quem é, porque se
fala com o rapaz e ele casa contigo!
Silene - É casado! (feroz) Casão, vive com a mulher, gosta da mulher
(num soluço) e me deixem em paz, ó meu Deus!
D. Aracy (soluçando) - Ninguém presta! Ninguém vale nada!
Débora (na sua cólera e por entre lágrimas) (para Silene) - Fica
sabendo: por tua causa, eu vivia arranjando mulher para uns
velhos e dava todo o dinheiro à mamãe pra teu enxoval!
Arlete - Chega de conversa! (para d. Aracy) Mamãe, a senhora vai
devolver o dinheiro do enxoval e vamos rachar isso, cada um
fica com a sua parte!(58-59)
Nesse exemplo, verificamos que Silene faz uso da estratégia da
negativa para ser respeitada e, nos diálogos que se seguem, recusa ter
namorado, amante e até mesmo, estar grávida. É esperado de Silene um
comportamento social correto, mas, a perda da virgindade, e o fato de ela
estar grávida, quebram todas as expectativa que a família tinha com relação a
ela.
A imagem que se constitui de Silene está alicerçada em formações
ideológicas, que condizem com valores sociais e culturais relativos à mulher da
época, que Silene era a caçula da família e acima de tudo, estudante de um
colégio interno. Silene busca preservar sua face e, a princípio, nega estar
grávida. Com a ameaça de "seu" Noronha em dar um pontapé na barriga, ela
117
é obrigada a contar que realmente está grávida e deixa cair sua máscara
perdendo a face preservada até então.
Verificamos, a partir das rubricas, que as atitudes e as falas de Silene
são marcadores de perda gradativa de face, uma vez que ela se apresenta, à
princípio, contida, depois, ofegante e soluçando, observações feitas por meio
das rubricas. Em nenhum momento, Silene foi encorajada e tampouco sua
família realiza atos lingüísticos atenuados de modo a fazer com que Silene se
sentisse mais a vontade para poder contar o que realmente aconteceu.
Exemplo 31
("Seu" Noronha encosta a ponta do punhal na barriga do dr. Portela.)
Dr. Portela (quase sem voz) - Pelo amor de Deus!
"Seu" Noronha - Se você falasse de outra filha, qualquer outra, eu não diria
nada... Agora mesmo, se o senhor, ou você, xingar,
chamar de vagabunda uma dessas (aponta as mais
velhas) ou a Gorda, eu lavo minhas mãos... Mas você
insultou que não podia insultar... O senhor não pode
entender a pureza de minha filha. Ou pensa talvez que
minha filha é como sua mulher? (trincando os dentes) Não se
mexa porque eu lhe enfio esse troço! (muda de tom) Sua
mulher usa vestido colante. Vê-se o desenho da calça no
vestido de sua mulher. (exultante, mostrando Silene) Minha
filha, não. Quase não tem quadris, nem seios: o seio só
agora está nascendo, só agora! Silene é pura por nós, ou
você não percebe que ela é pura por nós? ( num berro)
Fala!
Dr. Portela (com voz estrangulada) - Perdão!
Arlete - É um covarde!
"Seu" Noronha - Ou você humilhou minha filha porque descobriu que eu
sou contínuo? (com um riso soluçante) Quando eu
matriculei Silene, me apresentei como funcionário da
Câmara, mas sou contínuo! (baixo, cara a cara) Agora me
chama de contínuo, anda, me chama de contínuo!
Dr. Portela - Por quê?
"Seu" Noronha - Eu quero!
Dr. Portela - Contínuo.
118
"Seu" Noronha - Contínuo... Agora chora!
Dr. Portela - Mas por quê?
"Seu" Noronha (num berro) - Chora!
Dr. Portela (num soluço imenso) - Não posso!
(Mas chora. As lágrimas caem-lhe, de quatro em quatro) (48-49)
No exemplo acima, podemos perceber a clara intenção de "seu"
Noronha de mostrar-se dono da situação, inclusive porque humilha Dr. Portela
munido de um punhal. aí a atitude de perda de face quando ele se expõe e
diz ser um simples contínuo da Câmara.
Para "seu" Noronha, o fato de descobrirem que ele é um simples
funcionário da Câmara, um simples contínuo, constitui a perda de uma face
que até então ele quis preservar. Para ele é uma questão de status dizer que é
funcionário da Câmara já que trabalhar em um lugar como esse que é sinônimo
de requinte. Ele se apodera disso quando matricula Silene no colégio.
Os argumentos usados por "Seu" Noronha para reiterar seus pontos de
vista a respeito da pureza da filha Silene, produzem uma relação que reformula
e preserva o status dela. Dessa forma, trabalha com a paráfrase "se você
falasse de outra filha, qualquer outra, eu não diria nada...", para reforçar o
papel de pai, cuidadoso, com todas as preocupações e responsabilidades para
com a filha, e principalmente, para deixar claro a opinião marcante dele.
Na tentativa, mais uma vez, de preservar a face de Silene, "seu"
Noronha busca o envolvimento do Dr. Portela e, para isso, usa argumentos
que expõe a sexualidade as outras filha e até a esposa que é chamada por ele
de Gorda. Apela mais uma vez com o intuito de conseguir a inocência de
Silene e chega a citar a mulher do Dr. que, segundo "seu" Noronha, usa
vestidos colados para deixar à mostra os desenhos da calça.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partimos de um pressuposto fundamental de que qualquer ato de
linguagem escrita ou falada requer um interlocutor marcado como um ser
histórico e que se situa em um dado contexto social.
Pontuamos o nosso trabalho com o objetivo de analisar alguns aspectos
da interação conversacional, identificados nos diálogos construídos por Nelson
Rodrigues, em Os sete gatinhos.
Cremos ter podido demonstrar que a expressividade na língua oral se
manifesta por intermédio de diferentes meios sem deixar de lado a carga
emotiva e até mesmo, marcas de subjetividade, presentes no recurso
discursivo.
O diálogo, do mais simples ao mais complexo, pode apresentar
estratégias interacionais que requerem dos falantes uma correção como forma
de quebra de obstáculos ocasionados por falta de entendimento. Quando isso
não é possível, espera-se ao menos que interferências sejam feitas para que
se tenha um comportamento esperado por parte dos interlocutores.
Com tudo isso, em se tratando da obra em questão, podemos concluir
que, momentos em que se caracterizam pela perfeita interação entre as
personagens, mas, ocasiões em que, por falta de interferências, ou até
mesmo por não aceitarem interferências, o comportamento das personagens
não é o esperado.
O uso das frases formulaicas, por exemplo, retoma o conhecimento do
significado pelas personagens, uma vez que caracteriza uma expressão
marcada, de conhecimento público.
Assim sendo, o uso das frases formulaicas pelas personagens
representa o compartilhamento da sabedoria popular, porque o interlocutor se
apodera de uma idéia e o toma em suas narrativas. Por outro lado, o uso das
frases, pode ser visto como, uma falta de capacidade de elaboração de
argumentos que devem ser bem estruturados, pois servem para fortalecer as
idéias e as opiniões.
120
Na tentativa de preservar a face, e de se manter com o status adquirido,
as personagens incorporam elementos às falas como forma de
explicação das desigualdades reveladas por uma visão simples, reflexo da vida
também simples.
Interlocutores de fácil manipulação, de fácil condução por outros
interlocutores que estão em uma posição hierarquicamente superior, sentem-se
um joguete nas mãos deles, porque não têm argumentos sólidos e coerentes
para se sustentarem em um discurso próprio. Percebe-se o reflexo da pouca
cultura, da falta de instrução e do baixo grau de escolaridade de algumas
personagens.
As frases formulaicas apresentam-se rígidas com relação às normas da
língua, por se apresentarem cristalizadas na sabedoria popular e no
conhecimento público. Percebemos nas personagens algumas poucas
habilidades para superarem situações difíceis e até mesmo uma revolta e uma
indignação como forma de protesto diante dos problemas.
Com a gíria, atitudes como desvio do tópico conversacional, mudança de
posição em relação ao outro, imposição ou até mesmo a quebra do silêncio,
são recursos que permitem mais flexibilidade diante das situações contrárias
do texto.
A afetividade, a emoção, a ironia são alguns dos elementos que
assinalem o uso das expressões no diminutivo e criam no texto um aspecto
mais expressivo, uma vez que as personagens têm como característica, o não
envolvimento.
Por outro lado, o papel social desempenhado por algumas personagens
marca uma intencionalidade de poder na tentativa de se fazerem respeitados
em determinadas situações. Nesse caso, as personagens sentem a
necessidade de se mostrarem prudentes e, por essa razão, se afastam na
tentativa de se preservarem. Atenuar os efeitos de uma ordem ou de uma
crítica feita a alguém de modo mais agradável, a facilidade de amenizar uma
notícia desagradável também é uma marca de polidez que se reflete na
preservação da face.
121
Por fim, concluímos que os problemas em uma interação podem ocorrer
mediante a necessidade do falante em se fazer entender, em não se fazer
entender ou até mesmo em não querer demonstrar suas emoções e também
mediante a ausência do comportamento esperado por parte do interlocutor
provocado por uma desorganização no processo.
122
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127
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