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solitário, enriqueceu o trabalho mas, também, estreitou minha ligação com o tema,
de tal forma que chegou a gerar alguma dificuldade.
Canudos é um tema que leva necessariamente a nos depararmos com
assuntos difíceis como a fé, o sonho, a guerra, a violência e a morte. Seja nas
fontes escritas registradas, preferencialmente, pelos vencedores, como na
oralidade, só tardiamente registrada, dos vencidos. O tom é constantemente
marcado pela apologia, pela paixão que temas como este costumam suscitar.
Como historiadora, há muito deixei de acreditar na ficção da neutralidade, mas
fundamentalmente depois de ter ido a Canudos e ter tido a experiência única de
pisar, olhar, respirar, ouvir e guardar em mim de cor – de coração - meu objeto de
pesquisa. Tive muitas vezes dificuldade de achar o tom, de não me deixar levar
pelo maniqueísmo fácil e perigoso do bem e do mal, do opressor e do oprimido.
Pude constatar, em Nova Canudos, que não só a bibliografia da época está
marcada por esta dicotomia, como até hoje parte da população se divide entre os
que acham que Antonio Conselheiro foi um homem bom, justo, quase santo e
aqueles que acham que o Conselheiro trouxe uma espécie de maldição para o
lugar.
Feita esta ressalva, o objetivo desta dissertação de mestrado foi seguir as
pistas, tênues, mas existentes, das crianças de Canudos analisando o
desenraizamento e o apagamento da memória destas crianças. O material de
pesquisa, ainda que não seja extenso, é contundente. O Livro do Comitê
Patriótico da Bahia, originado a partir do relatório final das atividades desta
organização da sociedade civil que socorreu as vítimas da guerra, denuncia os
excessos cometidos pelos pretensos representantes da civilização contra as
mulheres e crianças sertanejas durante o conflito. O secretário do Comitê
presenciou a prática de venda de crianças sertanejas, efetivamente órfãs ou,
apenas, separadas de suas famílias. Ele associou o que viu a uma nova escravidão
que se vai estabelecendo com estas desgraçadas vítimas de Canudos
1
.
Assim, utilizei documentos que mencionam, mesmo que secundariamente,
as crianças de Canudos. São, sobretudo, relatos de época: livros, jornais, relatórios
e cartas, fotografias e depoimentos para aprofundar a reflexão. Além de ter
empreendido uma pesquisa seguindo as pegadas de um destes canudinhos – como
1
Lélis PIEDADE, Histórico e Relatório do Comitê Patriótico da Bahia (1897-1901).
Antônio OLAVO (org.) Salvador: Portfolium, 2002, 2ed, p.211.
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