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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
REGINA CÉLIA CARBONARI DE ALMEIDA MIRANDA
BRASIL E PORTUGAL: DUAS CULTURAS EM POLÊMICAS
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC- SP
REGINA CÉLIA CARBONARI DE ALMEIDA MIRANDA
BRASIL E PORTUGAL: DUAS CULTURAS EM POLÊMICAS
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do Título de
MESTRE em Língua Portuguesa, sob a
orientação do Professor Doutor Jarbas
Vargas Nascimento.
SÃO PAULO
2007
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BANCA EXAMINADORA
______________________________
_______________________________
______________________________
DEDICATÓRIA
Aos meus pais Genaro e Ricardina Carbonari ( in memoriam)
ao meu marido Carlos de Almeida Miranda
às minhas filhas Larissa Carbonari de Almeida Miranda e
Graziela Carbonari de Almeida Miranda
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Jarbas Vargas Nascimento que esteve sempre presente com sua
sabedoria , incentivo e amizade.
Ao Professor Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira e a Professora Doutora Sonia
Maria Alvarez, por suas valiosas considerações na Banca de Qualificação, que muito
contribuíram para o aperfeiçoamento desta pesquisa.
Aos Professores Doutores do Programa de Estudos Pós—Graduados em Língua
Portuguesa, pela contribuição à minha formação acadêmica.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - que
graças ao incentivo financeiro tornou possível esta pesquisa.
À Fundação Biblioteca Nacional por seu atendimento exemplar.
Aos amigos e colaboradores Mestra Nyssia Freitas Meira e Mestre André Ricardo
Blanco Ferreira Pinto.
Às amigas Regina Célia e Suzana, por compartilharem a amizade e os trabalhos
acadêmicos e à Marizilda, pela amizade e estímulo.
Resumo
Esta dissertação situa-se no âmbito da Historiografia Lingüística e tem por
tema o estudo da relação língua, história e nacionalismo lingüístico, a partir da polêmica
travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, no último quartel do século XIX,
que marcou um confronto do aspecto espaço-temporal da língua portuguesa,
construindo diferentes sentidos para a história do Brasil.Para executar essa tarefa
traçaram-se os objetivos de examinar, na polêmica selecionada, a relação língua,
história e nacionalismo lingüístico; identificar a construção de sentido de brasilidade
para o português do Brasil por meio das determinações histórico- culturais, verificar os
processos de codificação gramatical, sob à luz da História do Brasil.
A partir do século XIX, o Brasil recebe influências de outros povos, além dos
portugueses que apresentam novas perspectivas culturais, que ocasionam mudanças nas
condições intelectuais e materiais do país.Nesse período, o Brasil foi tomado por
grandes ideais libertários, que impulsionaram a nação para a independência não só
política, como econômica e social. Surgiram inúmeras polêmicas em que se debateram
questões de nacionalização relativas à língua em uso no Brasil, pois o Brasil recém-
saído da independência vivia um momento de paixões nacionalistas.
Essa pesquisa se justifica por buscar uma abordagem histórica da Língua
Portuguesa, em um período em que grande número de intelectuais desejava a
continuidade dos padrões lingüísticos do reino contra um pequeno grupo dos que
desejavam uma língua, totalmente desvinculada das normas lusitanas, independente de
Portugal. Selecionou-se a polêmica travada entre um jornalista brasileiro e um escritor
português, por se entender que retrata as tensões geradas pela independência e
iminência da República, desencadeando um nacionalismo lingüístico.
A análise da polêmica revela a relação entre as marcas lingüísticas e históricas,
o que a torna um documento capaz de desvelar a língua e a história do homem. Dessa
forma, permite que se perceba em que medida o português em uso no Brasil se distancia
da norma lusitana.
Embasou-se teoricamente nos fundamentos da Historiografia Lingüística que
permite uma reeleitura e reescritura dos fatos da língua e de sua história , por meio dos
princípios: da contextualização, da imanência e da adequação teórica .
A análise da polêmica demonstrou que as marcas histórico-lingüísticas
presentes nela revelam os conflitos gerados pela independência, o desencadear do
nacionalismo lingüístico e que o português em uso no Brasil pouco se distancia da
norma vigente em Portugal, apresentando marcas de nacionalismo lingüístico, fruto do
entrelaçamento da história do Brasil e de Portugal e das etnias e culturas aqui existentes,
no último quartel do século XIX.
Palavras-chave:Historiografia Lingüística, Língua Portuguesa, Polêmica,
Nacionalismo Lingüístico.
Abstract
This thesis that is now presented is situated at the Linguistic Historiography
scope and has as general objective to examine the relation between historical and
linguistic nationalism through the controversy established between Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco, in the last quarter of the XIX century, indicating a
confrontation of the space-duration feature of portuguese language, building diferent
senses to brazilian history. To do this job, we traced these two following objectives: to
search, in the selected polemics, the relationship between language, history and
linguistic nationalism, and identify the construction of brazility senses to the brazilian
portuguese through the historical development determinations, checking the gramatical
codification process, under the Brazilian history.
From XIX century, Brazil takes influences of other nations, farthes on the
portuguese people, who presents new cultural perspectives, causing intelectual and
material changes in the country. At this time, Brazil was taken by great libertarian
ideals, which stimulated the nation throug the political, social and economical
independence. Came to sight many controversies covering the naturalization related to
the language in use on Brazil, because Brazil, nearly out of the independency process
had a moment of nationalistic passions.
This research justify itself in order to find an historical approach of the
Portuguese Language, in a period of time when large number of intelectuals wanted to
keep the kingdom linguistics model against a small group os those who wished a new
language, entirely free of the portuguese rules, released from Portugal. We picked up a
polemic established by a brazilian journalist and a portuguese writer, which shows the
tensions brought at the time of our iminet Republic, unleashing a linguistic nationalism.
The study of this polemic revealed the relashion between the tag of language and
history, turning this document capable to remove the veil of language and a part of a
man history. In such case, we were allowed to see in what way the portuguese language
in use in brazil got distance from the portugal gramatical rules.
Based upon Linguistical Historiography’s teorical fundaments we were able to
re-read and re-write the facts of our language and it’s hirtory, by the pricipals of the
contexture and the imanent theoretical adaptation.
Examinating this polemic we found the linguistics and historical tags that
revealed conflicts brought by the independency, the beggining of our linguistic
nationalism, profit of miscegenation of Brazilian and Portugal history and the great
number of cultures here stablished in the last quarter of XIX century.
Key-words: Linguistic-historiographic, Portuguese Language, Polemic, Linguistic
Nationalism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................1
CAPÍTULO I – A HISTORIOGRAFIA LINGÜÍSTICA
1.1.Introdução............................................................................................................................7
1.2.O novo paradigma da ciência na perspectiva de Thomas S. Khun......................................8
1.2.1.A ciência normal e a ciência extraordinária........................................................11
1.2.2. Boaventura de Sousa Santos e o paradigma dominante....................................12
1.3. Interdisciplinaridade nas ciências.....................................................................................15
1.4. Antecedentes da Historiografia Lingüística......................................................................16
1.4.1. Mudanças lingüísticas........................................................................................16
1.4.2. A Lingüística Histórica............................................ ........................... .............20
1.4.3. Um retrospecto da Lingüística Histórica...........................................................22
1.5. A cientificidade da História..............................................................................................27
1.6. A Historiografia Lingüística como paradigma.................................................................33
1.6.1. Concepção e Alcance da Historiografia Lingüística.........................................33
1.6.2. A Metalinguagem em Historiografia Lingüística.............................................35
1.6.3. Princípios da Historiografia Lingüística............................................................37
1.7.O Documento como fonte histórico- lingüística...............................................................39
CAPÍTULO II: BRASIL E PORTUGAL NA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
2.1.Introdução..........................................................................................................................41
2.2.Uma Família Real e duas nações:Brasil e Portugal...........................................................43
2.3.Uma língua e duas nações: Brasil e Portugal.....................................................................48
2.4. A Língua Portuguesa no Brasil e na Europa.....................................................................55
2.4.1. Língua de Cultura e Norma Culta....................................................................61
2.4.2. Unidade Lingüística...........................................................................................65
2.4.3. Política Lingüística............................................................................................70
2.5. A Língua como elemento identitário da Nação................................................................74
CAPÍTULO III-A LÍNGUA PORTUGUESA EM POLÊMICAS, NO ÚLTIMO
QUARTEL DO SÉCULO XIX
3.1.Introdução..........................................................................................................................79
3.2.Marcas lingüísticas na Polêmica travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo
Branco......................................................................................................................................81
3.3. Questões gramaticais........................................................................................................92
3.3.1.O estrangeirismo em Camilo Castelo Branco...................................................103
3.3.2.Carlos de Laet e a topologia pronominal..........................................................109
3.4.Questões de estilo............................................................................................................113
3.5.Nacionalismo Lingüístico................................................................................................115
3.6.Atualidade da questão da Língua Portuguesa em uso no Brasil......................................120
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................124
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................128
ANEXOS....................................................................................................................... .......137
1
INTRODUÇÃO
O tema desta dissertação é o estudo da relação entre língua, história e
nacionalismo lingüístico, com base nos textos polêmicos, travados entre Carlos de Laet
e Camilo Castelo Branco, no século XIX. Eles caracterizam um espaço-temporal da
língua portuguesa, construindo diferentes sentidos para a história da língua portuguesa
no Brasil. Fundamenta-se nos postulados da Historiografia Lingüística, por se buscar
uma abordagem histórica da língua, em um período em que um grande número de
intelectuais desejava a continuidade dos padrões lingüísticos lusitanos contra um
número pequeno, mas operante, dos que desejavam uma língua totalmente desvinculada
das normas lusitanas.
A partir do século XIX, aumenta, no Brasil, a influência de outros povos, além
dos portugueses e surgem novas perspectivas culturais, que provocam mudanças nas
condições intelectuais e materiais do país. Nesse período, o Brasil é tomado por grandes
ideais libertários, que impulsionam a nação para a independência político-econômico-
cultural. Surgem, ainda, nesse contexto, inúmeras polêmicas em que se debatem
questões de nacionalização, relativas à língua em uso no Brasil, que já apresenta
mudanças em relação à língua em uso em Portugal.Essas mudanças passam a ser
consideradas como marcas caracterizadoras da existência de uma nova variante da
língua portuguesa, aquela em uso no Brasil.
Sabe-se que as mudanças lingüísticas não determinam o desaparecimento de
uma língua; ao contrário, são sinais de que a língua é viva, pois só os idiomas estáticos,
eternizados numa literatura, podem escapar das alterações e diferenciações do cotidiano,
resultantes de ambientes múltiplos e de influências diversas. As línguas têm história, ou
seja, elas mudam ao longo dos tempos e adquirem características específicas dos
espaços em que são faladas. Reconhecem-se dois tipos de história, ligados à natureza
2
dos fatos da língua: são as mudanças territoriais e os contatos, interferências, mesclas,
lutas, guerras, influências culturais sofridas ou exercidas pelos povos que falam ou
escrevem a língua em questão, como bem apresenta Antônio Houaiss.( 1992 ).
Dessa maneira, a história da língua se identifica com a história dos povos que a
detêm, pois dividem o mesmo destino. Constrói-se no tempo e espaço do homem, pois
está inserida em sua história. E é essa história que explica e esclarece as mudanças da
língua, como também descreve e elucida como as línguas aumentam ou diminuem de
espaços e falantes, desabrochando ou desaparecendo..
A língua é um fator de unidade nacional. E , a esse respeito, a Teoria Geral do
Estado coloca a língua entre os elementos que caracterizam uma nação, considerada
como uma comunidade histórico-social, que abriga os que nascem num certo ambiente
cultural, oriundo de costumes e tradições, geralmente expressos em língua comum, com
um conceito semelhante de vida, aspirando a um mesmo futuro e partilhando dos
mesmos ideais coletivos. Assim sendo, para os brasileiros, a língua é um fator de
unidade nacional, pois, em todo território, se fala e se escreve em língua portuguesa,
fator preponderante quando se trata de nacionalidade lingüística.
Como a língua possui uma marca característica de um determinado momento
histórico, ela permite verificar, na sua materialidade, traços que constituem o homem e
seu tempo. Observando-se que a história se faz por pessoas num determinado momento
sociocultural, torna-se necessária a aproximação da Lingüística com a História no
processo de análise e interpretação dos textos polêmicos de Carlos de Laet e Camilo
Castelo Branco, documentos que refletem componentes significativos do contexto
histórico-social de uma época.
Muitas polêmicas são travadas no século XIX, ganhando destaque a que ocorre
entre José de Alencar e Pinheiro Chagas. José de Alencar defende uma maior
aproximação entre língua escrita e falada, destacando a liberdade de estilo. Mas essa
posição de independência provoca uma reação da metrópole, culminando numa
polêmica com Pinheiro Chagas.
Dez anos após a polêmica entre Alencar e Chagas, ou seja, nos últimos anos do
século XIX, a discussão gramatical entre Camilo Castelo Branco e Carlos de Laet vem
comprovar a turbulência político-cultural desse período. Em 1879, Camilo Castelo
Branco organiza uma coletânea de textos de escritores portugueses e brasileiros e
publica-a com o título de Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros,
precedendo o texto de cada autor uma crítica, dessa não escapando escritores
3
portugueses e brasileiros ilustres. Mais implacavelmente criticado é Fagundes Varela,
que é tratado desdenhosamente por Sr. Fagundes, ou Fagundes. Vários estudiosos se
insurgem contra o tratamento que Camilo Castelo Branco dispensa aos brasileiros e isso
gera muitas polêmicas.
Entre os documentos polêmicos, que tratam de questões de nacionalização,
relativas à língua em uso no Brasil e em Portugal, selecionamos os do polemista Carlos
de Laet, jornalista brasileiro, enraivecido pelos ataques a Fagundes Varela e os de
Camilo Castelo Branco, escritor português, de fins do século XIX, para este trabalho,
por se entender que são os que melhor retratam o espírito de brasilidade e os ideais
libertários que impulsionam a nação para uma independência político-econômico-
cultural.
A escolha da amostra, portanto, deve-se à importância dada aos documentos
escritos como os textos polêmicos, sobremaneira, os formulados no século XIX, em que
se discute a existência de uma possível língua brasileira. Os textos referentes à
polêmica, travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, tornam-se documentos
exemplares para se atingirem os objetivos propostos nesta dissertação.
A amostra da pesquisa se constitui, por conseguinte, dos vários textos, em que se
desenvolve a querela: Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros,
comentado por Camilo Castelo Branco, Ecos Humorísticos do Minho – Carta ao
Cruzeiro; Revista Brasileira, crônica literária, Rio de Janeiro, 1879 e o Jornal do
Comércio, Microcosmo.
A obra e o período em que esta pesquisa se situa, evidenciam a crise de
identidade da nação brasileira quanto à língua em uso no Brasil. Essa crise se estende a
todos os setores quer fossem políticos, sociais ou econômicos, pois, com a
independência em1822, se instaura definitivamente, na consciência dos intelectuais e
dos políticos nacionais, a necessidade de se criar uma cultura brasileira, identificada
com suas próprias raízes históricas, lingüísticas e culturais.
Instaurado o Império, com a maioridade de D. Pedro, dá-se início a um período
que perdura por quase meio século, sendo o último quartel do século XIX, marcado
pelas campanhas abolicionistas e pela república. Neste final de século, com seus
desdobramentos políticos e sociais, é que se insere o polemista Carlos de Laet,
monarquista liberal. É também o período em que se desenrola a polêmica, objeto desta
pesquisa.
4
Há, nesta época, dois grandes partidos o Liberal e o Conservador, mas o
domínio político se concentra nas mãos dos senhores proprietários de terra, que
dominam as províncias, determinam o número de eleitores e, freqüentemente, fraudam
as eleições, mantendo-se como classe dominante; os partidos revezam-se no poder. Em
1868, chamado de período da conciliação, os liberais mais combativos fundam o
Partido Liberal Radical, que dá origem, em 1870, ao Partido Republicano, responsável
pelo declínio do Segundo Reinado. Nesse clima, é que se perpetua a língua em curso no
país, deixando marcas nos documentos escritos na época.
Após o período de imitação da gramática portuguesa, nos séculos XVII e XVIII,
chega-se ao período da diferenciação lingüística do século XIX. Os processos de
gramatização, que descrevem a língua portuguesa e como ela deveria ser empregada em
sua finalidade de comunicação, não enfocam, no geral, a mesma língua em uso no
Brasil, com suas variadas nuanças locais, regionais e sociais.
No século XIX, a diferença entre a língua em uso no Brasil e a língua em uso
em Portugal é notada mais na oralidade do que na escrita, porque o texto escrito, no
Brasil, seguia o modelo europeu. Somente a partir da segunda metade do século XIX, os
escritores românticos incorporam-na ao texto literário escrito como registro de uma
realidade já consistente e, portanto, documentável. No final do século, porém, o
indianismo de Gonçalves Dias e de José de Alencar tem a preocupação de incorporar ao
texto literário os elementos culturais que pertencem à sociedade brasileira.
As particularidades do português em uso no Brasil são consideradas erros de
acordo com a variante européia, mas, para os brasileiros, esses erros funcionam como
espelhos que refletem o surgimento de uma língua nacional. A língua portuguesa é uma
língua de cultura, insere-se em um contexto sócio-histórico-cultural e se constitui num
universo de práticas de comunicação e expressões linguageiras que só se fazem
compreender em certos níveis de análise.
A Historiografia Lingüística possibilita, segundo Konrad Koerner (1995,1996),
uma forma de reescritura dos fatos da história da língua por meio de princípios:
Princípio da Contextualização: propicia a pesquisa do clima de opinião da época em
que o documento foi produzido, assim como o seu contexto histórico-cultural, as
concepções lingüísticas, sócio-econômicas e políticas vigentes à época de sua produção,
pois ele é resultado da combinação desses fatores.Princípio da Imanência: permite que,
ao analisar o documento histórica e criticamente, se recrie o seu passado, tornando
possível o seu entendimento. Princípio da Adequação Teórica: proporciona a
5
atualização do documento, aproximando-o das teorias e terminologias atuais,
destacando os fatos do passado, mediados pelas preocupações do presente, a fim de que
o homem hodierno possa analisá-lo e interpretá-lo, tornando-o útil e necessário ao
estudioso.
A Historiografia Lingüística permite ao pesquisador reconhecer o homem como
um ser sócio-histórico, apto a depreender o que está materializado no documento e, por
sua experiência atual, compreender melhor os elementos da realidade passada. Dessa
forma, conhece mais profundamente a si e a realidade em que vive e tem condições de
projetar-se para o futuro.
Nessa perspectiva, o historiógrafo da língua deve saber que sua especificidade
vai além da materialidade lingüística do documento, lugar onde se organiza e se
enquadra um modo de compreensão da realidade e se prolonga até o território
intelectual, espaço extralingüístico por meio do qual se atinge o conhecimento do
histórico e do social.
A Historiografia Lingüística, segundo Jarbas Vargas Nascimento (2005:15),
parte do princípio de que a língua, enquanto produto histórico-social, torna-se
simultaneamente veículo e expressão de dados socioculturais que pressupõem um olhar
histórico. A Historiografia Lingüística transforma-se em ferramenta imprescindível na
fundamentação desta dissertação e possibilita a reconstrução do sentido de brasilidade,
presente no português em uso no Brasil, no último quartel do século XIX.
O objetivo geral desta dissertação é examinar nos textos polêmicos, produzidos
por Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, a relação entre língua, história e
nacionalismo lingüístico. Os objetivos específicos são: identificar a construção do
sentido de nacionalidade para o português em uso no Brasil e verificar as
determinações histórico-culturais e os processos de gramatização e sua relação com a
História do Brasil.
A Dissertação se organiza em três capítulos.
No primeiro, apresentam-se os pressupostos da Historiografia Lingüística que
fundamentam a pesquisa. Trabalha-se a língua em sua dimensão histórica e cultural e
explana-se sobre os elementos que constituem a Historiografia Lingüística, enfatizando
a dimensão interdisciplinar.
No segundo capítulo, delineia-se o cenário histórico-econômico e social do
Brasil e de Portugal, da segunda metade do século XIX, o que possibilita a discussão
das questões lingüísticas, inseridas nesse contexto. Observa-se a presença da língua
6
portuguesa no Brasil e em Portugal e os fatores de transformação e diferenciação da
variante portuguesa, de modo a caracterizar a língua em suas particularidades;
apresentam-se, ainda, as questões lingüísticas que surgem com o intuito de defender a
existência de uma variante brasileira, que se manifesta na construção do sentido de
brasilidade e nacionalismo lingüístico para o português do Brasil .
No terceiro capítulo, expõem-se a amostra e a sua análise, juntamente com o contexto
histórico, e também marcas lingüísticas do português em uso no Brasil e aquele
usadas em Portugal. Enfatizam-se as questões gramaticais e de estilo levantadas pelos
polemistas, complementadas com a análise dos itens lexicais, que fundamentam o
nacionalismo lingüístico. A expressão lingüística, manifestada nos documentos
polêmicos, associa-se a um processo de formação de um sentido de nacionalidade ao
português em uso no Brasil.
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CAPÍTULO I
HISTORIOGRAFIA LINGÜÍSTICA
Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A portuguesa língua, e já onde for
Senhora vá de si, soberba e altiva!
Antonio Ferreira, séculoXVI
1.1.Introdução
A revolução científica do século XVI tem como modelo a racionalidade, que
marca profundamente a ciência moderna, principalmente as ciências naturais que se
constituem em único conhecimento nos meios acadêmicos. Esse modelo da ciência
moderna, da racionalidade hegemônica, do estudo da natureza se repete no estudo da
sociedade. No século XVIII, o século das luzes, a racionalidade hegemônica propicia o
gérmen das ciências sociais que encontram solo fértil no século XIX.
O século XIX, embasado na racionalidade científica, nega o caráter de racional a
todas as formas de conhecimento que não se pautam nos seus princípios
epistemológicos e nas suas regras metodológicas, banindo, assim, o chamado senso
comum ou estudos humanísticos. É nesse século que o cientificismo vem iluminar os
estudiosos da Lingüística nascente, como Franz Bopp, com sua gramática comparada
moderna, seguido pelos irmãos Grimm e Max Muller, que estabelecem a ligação do
empreendimento comparativo ao histórico, gerando a gramática ou lingüística
histórico-comparativa, atestando, assim, a sistematicidade das correspondências entre
as línguas e o fluxo histórico.
Pauta-se, também nesse período, na relação entre instituição e definição do
saber, com a fundação de associações de engenheiros, de intelectuais, pobres,
8
aposentados e outras categorias. Há uma reclassificação global, originando um lugar
articulado sobre outros e a instalação de um saber indissociável da instituição. O
sentimento nacional deflagrado na Europa colaborou para difundir o sentido histórico.
A idéia de nação, oriunda da Idade Média, surge como uma religião da pátria. A
Revolução Francesa impulsiona o ensino das massas, que contribui para a difusão de
uma cultura histórica.
É nesse clima de revolução das idéias, em uma era de transformação, que se
deparam dois expoentes da cultura brasileira e portuguesa: Carlos de Laet e Camilo
Castelo Branco. Ambos, movidos por sentimentos nacionalistas, sob a luz do processo
de gramatização que invadia os estudos lingüísticos, travam a polêmica que é o objeto
de estudo desta dissertação.
Vale lembrar que o processo de gramatização, ocorrido na Língua Portuguesa,
na segunda metade do século XIX, não se restringe apenas a um processo de descrição e
instrumentalização da língua, pois pela inclusão da gramática como tecnologia, segundo
Sylvain Auroux (1992), desencadeia uma revolução lingüística. A gramática passa a ser
concebida como uma tecnologia de aprendizagem das línguas, em vez de um
instrumento para descrevê-la.
Depois do cientificismo assoberbado do século XIX e a aversão à reflexão
filosófica, simbolizada pelo positivismo, o final do século XX traz à luz o desejo de
complementar o conhecimento das coisas com o conhecimento do próprio homem,
possível pelo retorno à reflexão. Isso desencadeia uma crise de paradigmas, que se
reflete nas estruturas das relações científicas. Surgem, nesse contexto, cientistas e
filósofos como Thomas S. Khun e Boaventura de Sousa Santos.
1.2.O novo paradigma da ciência na perspectiva de Thomas S. Khun
Thomas S. Khun (2005: 13) considera paradigmas as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modulares para uma comunidade de praticantes de uma ciência. Tem como
objetivo delinear um conceito de ciência bastante diverso que pode surgir dos registros
históricos da própria atividade de pesquisa.
Esses registros, segundo ele, possibilitam uma revolução historiográfica no
estudo da ciência, a partir do momento em que a pesquisa histórica encontra
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dificuldades para isolar invenções e descobertas individuais, levantando dúvidas a
respeito do processo cumulativo vigente. Os pesquisadores colocam novas espécies de
questões e traçam linhas diferentes, freqüentemente, não cumulativas de
desenvolvimento para as ciências, procuram apresentar a integridade histórica daquela
ciência com base em sua própria época.
Quando a ciência normal se desorienta, quando os membros da profissão não
podem mais se esquivar das anomalias que subvertem a tradição existente da prática
científica, iniciam-se as investigações extraordinárias que conduzem a profissão a um
novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a prática da ciência. Esses
episódios extraordinários são chamados de revoluções científicas e a ciência, de
extraordinária.
Alguns cientistas percebem, na nova teoria, uma mudança nas regras que
governam a prática anterior da ciência normal, que repercute sobre muitos trabalhos
científicos de sucesso. A nova teoria, para ser assimilada, demanda a reconstrução da
teoria precedente e a reavaliação dos fatos anteriores.
Há dois tipos de desenvolvimento científico: o normal e o revolucionário. A
maioria dos estudos científicos resulta em uma mudança do primeiro tipo e a ciência
normal produz os tijolos que a pesquisa científica adiciona ao acervo do conhecimento.
Constitui-se em uma concepção cumulativa do saber científico, transformando-se em
guia para uma extensa literatura metodológica. No entanto, o conhecimento científico
engloba um modo não cumulativo que desencadeia o processo de mudança
revolucionária.
Para T. S. Khun (2006), as mudanças revolucionárias são mais problemáticas e
envolvem descobertas que não se incorporam a conceitos antes aplicáveis, acarretando
não só mudanças de lei e de teoria, mas também rompem o caráter acumulativo do
desenvolvimento científico, pois não se pode passar do velho ao novo, com um simples
acréscimo de conhecimento nem escrever o novo no vocabulário velho ou vice-versa.
A primeira característica de uma mudança revolucionária é a reorganização das peças,
como em um quebra-cabeça, de uma maneira diferente. Ela envolve uma transformação
súbita e não estruturada na qual a experiência se combina de maneira diferente,
originando padrões diferentes.
As mudanças revolucionárias são holísticas, ou seja, não acontecem de forma
gradual e é isso que as diferencia das mudanças normais e cumulativas, em que se
revisam, ou se acrescentam novos elementos a uma única generalização, em um
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processo contínuo, embora as demais permanecem as mesmas. Na mudança
revolucionária, ou se vive com a incoerência ou se revisam em conjunto as várias
generalizações interrelacionadas. Outra característica a destacar é a mudança de sentido,
ou seja, mudança no modo como as palavras e expressões se ligam à natureza, que
implica uma mudança na forma de determinar seus referentes. Esse caráter distintivo na
linguagem modifica não só os critérios pelos quais os termos se ligam à natureza, mas
também, por extensão, o conjunto de objetos e situações a que esses termos se ligam.
Sendo assim, as revoluções caracterizam-se pela mudança taxonômica, pois
possibilitam as descrições e generalizações científicas, permitindo um ajuste dos
critérios relevantes à categorização, contribuindo para que determinados objetos e
situações sejam distribuídos entre categorias preexistentes. A redistribuição envolve
mais que uma categoria, o que determina o seu caráter holístico. Ele tem suas raízes na
natureza da linguagem, pois os critérios relevantes à categorização são os nomes que
ligam as categorias ao mundo. T. S. Khun (2006: 43) apresenta a linguagem como uma
moeda, com uma das faces voltada para fora, para o mundo, e a outra voltada para
dentro, para o reflexo do mundo na estrutura referencial da linguagem.
Um outro aspecto sublinhado pelo autor é no tocante às justaposições ou
metáforas que mudam em épocas de revolução científica, fundamentais ao processo de
aquisição da linguagem, seja científica ou não. A prática da ciência envolve a produção
e a explicação de generalizações sobre a natureza, que exigem uma linguagem com um
grau mínimo de riqueza que possibilita o seu desvelo. O conhecimento das palavras e o
da natureza são adquiridos juntos, pois não são dois tipos de conhecimento, mas as duas
faces de uma mesma moeda, possível pela linguagem. Em síntese, as revoluções
científicas modificam o conhecimento da natureza intrínseco à própria linguagem,
sendo anterior à descrição ou generalização científica ou cotidiana. A violação ou
distorção de uma linguagem científica anteriormente não-problemática é a pedra de
toque para a mudança revolucionária, conforme aponta T.S. Khun.( op.cit.:45).
Segundo Ana Rosa Pérez Ransanz (2000), ao redigir A estrutura das
revoluções científicas, T. S. Khun partiu da idéia de que a imagem dominante da ciência
se concentra na maneira particular de conceber e escrever a sua história e que depende
da metodologia que se utiliza no âmbito científico, envolvendo a maneira como se
ensina, transmite-se e difunde-se o conjunto de teorias características de uma época.
Para T. S. Khun a ciência normal significa a pesquisa firmemente embasada em uma ou
mais realizações científicas, que são reconhecidas, por algum tempo, por uma
11
comunidade científica específica, a fim de proporcionar os fundamentos para sua prática
posterior.
Destacam-se duas características essenciais: atraírem um grupo duradouro de
partidários, afastando-os de outras formas de atividades científicas dissimilares e,
concomitantemente, as realizações serem abertas, a ponto de deixarem toda a espécie de
problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência. São
essas realizações que o autor chama de paradigmas, um termo relacionado à ciência
normal. O estudo do paradigma prepara o estudante para ser membro de uma
comunidade científica, na qual atuará. A ciência amadurecida dá-se com a transição
sucessiva de um paradigma a outro, por meio de uma revolução, resultando em novo
paradigma que implica uma definição nova e mais rígida do campo de estudos.
Uma teoria, para ser aceita como paradigma, deve parecer melhor que suas
competidoras, mas não precisa explicar todos os fatos com que se confronta. O novo
paradigma implica uma definição nova e mais rígida do campo de estudos.
1.2.1. A ciência normal e a ciência extraordinária
A palavra paradigma quer dizer um modelo, um padrão aceito, mas, para T. S.
Khun, o sentido empregado é diferente do popular. Na ciência, um paradigma não é
susceptível de reprodução. O paradigma pode ser limitado tanto no âmbito como na
precisão, quando da primeira aparição. Adquire status, ao ser mais bem sucedido que
seus competidores nas resoluções de problemas que um grupo de cientistas reconhece
como graves. De início, o sucesso de um paradigma é uma promessa de sucesso que
pode ser descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos. A ciência normal
consiste na atualização dessa promessa, que se obtém ampliando o conhecimento
daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando
a correlação entre os fatos e as predições do paradigma, articulando-se ainda mais o
próprio paradigma.
A pesquisa científica normal dirige-se à articulação dos fenômenos e teorias, já
fornecidos pelo paradigma. As áreas investigadas pela ciência normal são minúsculas e
restringem a visão dos cientistas e, ao mesmo tempo, são essenciais para o
desenvolvimento da ciência, possibilitando uma investigação mais detalhada. Há três
classes de problemas: determinação do fato significativo, harmonização dos fatos com a
12
teoria e articulação da teoria. Eles esgotam a literatura da ciência normal, tanto teórica
como empírica, mas não esgotam toda a literatura da ciência, pois existem problemas
extraordinários que surgem em ocasiões especiais geradas pelo avanço da ciência
normal.
O trabalho, orientado por um paradigma, é feito sobre esses três princípios.
Abandonar um paradigma é deixar de praticar a ciência que o define. As divergências,
no entanto, ocorrem e constituem-se em ponto de apoio das revoluções científicas,
propiciando novas soluções. Os resultados, obtidos por uma pesquisa normal, são
significativos, porque contribuem para aumentar o alcance e a precisão com os quais o
paradigma pode ser aplicado. Resolver um problema da pesquisa normal é alcançar o
antecipado de uma nova maneira, o que requer a solução de toda forma de complexos
quebra-cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos.
O termo quebra-cabeças indica, grosso modo, a categoria particular de
problemas que servem para testar a engenhosidade ou habilidade na resolução de
problemas. A comunidade científica, ao adquirir um paradigma, seleciona um critério
para a solução de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, se consideram
solucionáveis, pois são redutíveis a quebra-cabeças. Para ser classificado como quebra-
cabeças não bastam ter a solução assegurada, devem obedecer às regras que limitam
tanto a natureza das soluções aceitáveis como o passo necessário para obtê-las,
conforme T.S. Khun (2005:61).
A ciência normal é uma atividade determinada, determinação não só advinda de
regras; daí, a necessidade de usar em vez de regras a noção de paradigmas
compartilhados, pressupostos e pontos de vista compartilhados como fonte da pesquisa
normal. As regras derivam de paradigmas, mas os paradigmas existem independentes de
regras. É uma atividade que consiste em solucionar quebra-cabeças, sendo cumulativa e
bem sucedida em relação ao seu objetivo, que consiste na ampliação contínua do
alcance e da precisão do conhecimento científico.
1.2.2. Boaventura de Sousa Santos e o paradigma dominante
As duas vertentes filosóficas que modelam o conhecimento científico são o
racionalismo cartesiano e o empirismo baconiano. Ambas dão origem ao positivismo
oitocentista que transforma as ciências sociais e as naturais em empíricas. Duas
13
correntes surgem desse princípio: a que deseja aplicar ao estudo da sociedade os
princípios epistemológicos e metodológicos oriundos do século XVI e a que reivindica
às ciências sociais um estatuto epistemológico e metodológico próprio.A primeira
enseja que aos estudos sociais se apliquem os princípios das ciências naturais por serem
universais e por serem os únicos válidos. Reduzem-se, com isso, os fatos sociais às
dimensões externas observáveis e mensuráreis.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (2005), essa posição é insustentável, pois
as ciências sociais não dispõem de teorias explicativas, não podem estabelecer leis
universais, já que os fenômenos sociais são historicamente condicionados e
culturalmente determinados e não se podem fazer previsões fiáveis. O comportamento
dos seres humanos se modifica, pois os fenômenos sociais são subjetivos. As ciências
sociais, portanto, não são objetivas e os cientistas sociais carregam em si valores que
influenciam, no ato da observação, a sua prática de cientista.
Para alguns autores, essas diferenças transformam-se em obstáculos que
acarretam um atraso das ciências sociais em relação às naturais, mas T. S. Kuhn (2005)
considera que o atraso das ciências sociais é determinado pelo seu caráter pré-
paradigmático em oposição às ciências naturais que são paradigmáticas. As ciências
naturais permitem a formulação de um conjunto de princípios e de teorias sobre a
estrutura da matéria que são aceitas por toda a comunidade científica. O mesmo não
ocorre nas ciências sociais, pois nelas não há consenso paradigmático. .
Aqueles que reivindicam para as ciências sociais um estatuto metodológico
próprio argumentam que a ação humana é subjetiva, não podendo ser descrita ou
explicada com base na exterioridade. É uma ciência subjetiva que requer métodos de
investigação e critérios epistemológicos diferentes das ciências naturais, fundamentada
em métodos qualitativos em vez de quantitativos, para atingir um conhecimento
intersubjetivo, descritivo e compreensivo. Essa segunda posição indica um sinal de crise
dentro do paradigma dominante, apresentando componentes importantes de transição
para um novo paradigma, pois resulta de uma pluralidade de condições, sejam de ordem
social ou teórica.
Albert Einstein (1879-1955) foi o seu precursor, ao tratar da relatividade da
simultaneidade e ao concluir que a simultaneidade de acontecimentos distantes pode ser
definida e não verificada, revolucionando as concepções de espaço e tempo newteanas.
As teorias, advindas de pesquisas no campo da física, culminaram em novas
perspectivas ao estudo da ciência, ao modificar princípios e conceitos básicos e gerar a
14
crise tão benéfica ao conhecimento. Entre elas, destaca-se a irreversibilidade nos
sistemas abertos, provando que estes são produtos da história.
Essa nova teoria não é um fato isolado, pois faz parte de um movimento que
atingiu as ciências nas últimas décadas. Possui um caráter transdisciplinar e
desencadeou uma profunda crise no paradigma dominante, pois, ao formar cientistas-
filósofos e abranger questões da sociologia, propiciou a reflexão epistemológica sobre
o conhecimento científico. A crise do paradigma da ciência moderna traz, no bojo, o
perfil do paradigma emergente, pois, segundo B.de S. Sousa, a revolução científica que
ocorre em uma sociedade é desencadeada pela ciência; no entanto, ela propicia um
paradigma não apenas científico, mas também social.
O conhecimento que desponta desse paradigma emergente rompe com a
dualidade: natureza e cultura; natural e artificial; vivo e inanimado; mente e matéria;
observador e observado; subjetivo e objetivo; coletivo e individual; animal e pessoa que
fundamenta o pensamento racionalista. Propicia, pois, a superação da dicotomia entre
ciências sociais e ciências naturais, tendo em vista, na primeira, o veículo da marca pós-
moderna do paradigma emergente, ao revalorizar os estudos humanísticos. A revolução
científica em curso embasa-se na reconceitualização das condições epistemológicas e
metodológicas do conhecimento científico, por meio de uma nova visão do sujeito que
terá a tarefa de construir uma nova ordem científica, partindo do senso comum.
Conforme B. de S. Santos (2005), no paradigma emergente, o conhecimento é
total; tem como horizonte a totalidade universal, ao mesmo tempo que é local , pois se
constitui em temas adotados por grupos sociais concretos com projetos de vida locais,
logo, a fragmentação pós-moderna não é disciplinar e sim temática. Em síntese, é um
conhecimento sobre as condições de possibilidade da ação humana, restritas a um
espaço–tempo local. Avança à medida que seu objeto se amplia, pois busca novas e
variadas interfaces. A ciência pós-moderna, ao sensocomunicar-se, não despreza o
conhecimento científico, que produz a tecnologia, mas não faz dele o senhor do saber.
Ao se conviver com uma crise de paradigmas, provocada por uma revolução
científica, a Lingüística não poderia ficar imune às transformações ocorridas.
Atendendo aos apelos revolucionários de T. S. Khun (2006) e, em consonância com os
fundamentos de B. de S. Sousa, a Historiografia Lingüística surge, nos anos 70, no
âmbito da Lingüística como um novo paradigma, como um modo de descrever a
história do estudo da língua, embasando-a em princípios, propostos por K. Koerner
(1995, 1996).
15
A Historiografia Lingüística, carrega, no bojo, a interdisciplinaridade, pois as
ciências para serem compreendidas em sua totalidade precisam ter um caráter
interdisciplinar, condição apontada por T. S. Kuhn e por B. de S. Sousa, como
indispensável ao paradigma emergente. A interdisciplinaridade, almejada por este novo
paradigma de ciência vigente, configura-se como um desafio para a consolidação da
Historiografia Lingüística, que possui, em essência, a união da História e da Lingüística,
além de outras áreas de conhecimento como a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, a
Psicologia e todas as demais que têm o homem por objeto.
1.3. A Interdisciplinaridade nas ciências
Segundo Ivani C. Arantes Fazenda (2005), com a crise dos paradigmas surge a
necessidade de construção de um novo paradigma de ciência e de conhecimento. Essa
crise se reflete nas teorias, nos modelos, nos paradigmas e deduz-se que o exercício da
interdisciplinaridade diminuiria a crise do conhecimento e da ciência, pois requer uma
imersão teórica nas discussões epistemológicas mais fundamentais e atuais, envolvendo
uma reflexão profunda sobre as dúvidas surgidas na ciência.
A interdisciplinaridade requer uma metodologia que pressupõe uma posição
especial ante o conhecimento, que se evidencia no reconhecimento das competências,
incompetências, possibilidades e limites da própria disciplina e de seus agentes, no
conhecimento e valorização suficientes das demais disciplinas e dos que a sustentam.
Parte de uma liberdade científica, embasada no diálogo e na colaboração, fundamenta-
se no querer inovar, no criar, no ir além e exercitar-se na arte de pesquisa, de acordo
com I.C.A. Fazenda (2005:69).
A interdisciplinaridade nasceu como oposição ao conhecimento que privilegiava
o centrismo epistemológico de algumas ciências, a excessiva especialização e a toda ou
qualquer proposta de conhecimento que direcionava a pesquisa em uma única, restrita e
limitada direção. Em 1961, G. Gusdorf apresentou à UNESCO um projeto de pesquisa
interdisciplinar para as ciências humanas, pois pretendia orientá-las para a
convergência, ou seja, em direção à unidade humana, prevendo a diminuição da
distância teórica entre as ciências humanas. Foi um dos precursores do estudo da
interdisciplinaridade, com o tema Totalidade.
16
A Historiografia Lingüística deseja chegar, o mais próximo possível, à totalidade
do conhecimento, inserido no documento escrito, pois seu caráter interdisciplinar
permite ao pesquisador o conhecimento do objeto ou fato em sua totalidade, ensejando
uma análise mais real e segura. Conforme I. C A. Fazenda (2002), uma teoria
interdisciplinar constrói-se de acordo com a história acadêmica de cada pesquisador.
Depende, pois, da linha de investigação teórico-prática, uma vez que o pesquisador se
liga aos autores, que lê pelas idéias com que compartilha e pelas suas objeções.
Não existe, pois, um conceito único de interdisciplinaridade, cada enfoque
dependerá da linha teórica de quem pretende defini-la. Ela é princípio de unificação e
não unidade acabada. A interdisciplinaridade permite uma relação de reciprocidade, de
mutualidade, ou seja, um regime de co-propriedade, de interação, estabelecida pela
intersubjetividade, conquistada com base em uma mudança de atitude perante o
problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária. Torna-se,
portanto, peça fundamental ao novo paradigma de ciência em vigência.
A Historiografia Lingüística possibilita a interação entre as disciplinas, pois
entrelaça a Lingüística e a História, além de outras áreas de conhecimento, como a
Sociologia, a Filosofia, a Psicologia, a Antropologia que partilham do ideal da busca do
saber em sua totalidade. Uma das condições da interdisciplinaridade é a interação entre
as disciplinas afins para o esclarecimento do objeto em estudo.A Historiografia
Lingüística opera, pois, em essência, com a História e a Lingüística.
Esta dissertação em consonância com os princípios da Historiografia
Lingüística em seu caráter interdisciplinar, buscou, por fonte a História e a Lingüística,
sem deixar de contemplar a Filosofia e o Direito, em seu contexto sócio-histórico-
cultural.
1.4. Antecedentes da Historiografia Lingüística
1.4.1. Mudanças lingüísticas
Carlos de Laet assim se refere ao livro Cancioneiro Alegre:
Em resumo: o Cancioneiro Alegre não é um livro de critica
sensata e imparcial; é um longo e picante libello, contra
17
Brazileiros e baudelaireanos, principalmente, de quem o
comentador é o jurado Cabrion.
Esse parágrafo de um artigo da Revista Brasileira (1879:219), objeto de
análise desta dissertação, apresenta sensíveis mudanças lingüísticas, percebidas pelo
leitor dos anos 2000. As línguas humanas não são realidades estáticas, sofrem mudanças
contínuas na sua configuração estrutural, sem perder a sua plenitude estrutural e o seu
potencial semiótico, sendo essa dinâmica o objeto de estudo da Lingüística Histórica.
As mudanças lingüísticas, embora ocorram continuamente, acontecem de
maneira lenta, o que as torna difíceis de serem percebidas pelos falantes, pois as
mudanças se restringem a partes da língua e não ao seu todo, o que possibilita um jogo
de mudança e permanência, que reforça a imagem de estaticidade da língua. As
culturas que operam com a escrita possuem um estatuto de estabilidade e permanência
maior do que as outras línguas, refreando, temporariamente, as mudanças e servindo de
ponto de referência aos usuários da língua. Os falantes, quando expostos a textos mais
antigos, observam que a língua, com o fluxo do tempo, se transforma. As estruturas e
palavras que existiam antes, não ocorrem mais ou estão deixando de ocorrer, ou se
ocorrem é de maneira modificada em sua forma, função e significado.
As transformações não só são percebidas em mudanças em tempo real
(afastadas no tempo), nos textos antigos como elas podem ser detectadas, também, no
que chamamos de mudanças em tempo aparente (tempo presente), como ocorre na fala
de diferentes grupos sociais ou de diferentes faixas etárias. É importante ressaltar que,
em Lingüística, nem toda variação implica mudança, mas toda mudança pressupõe
variação. Por ser a língua escrita mais conservadora do que a língua falada, o contraste
entre as duas pode ser percebido no desenvolvimento de fenômenos inovadores na fala
que não aparecem na escrita. Alguns fatores contribuem para o conservadorismo da
língua escrita. Destaca-se o próprio fato de a escrita ter uma dimensão de permanência,
que propicia o exercício do controle social mais intenso do que na língua falada. Isso
possibilita a preservação de um padrão mais conservador sobre a linguagem e dificulta
a entrada de formas inovadoras.
As atividades escritas estão, quase sempre, ligadas a contextos sociais formais,
pois os estudos sociolingüísticos mostram uma forte ligação entre situações formais e o
uso preferencial de formas lingüísticas mais conservadoras, portanto, a mudança
18
lingüística depende de um complexo jogo de valores sociais que podem retardar ou
acelerar sua expansão.O historiógrafo da língua não deve transferir juízos de valor do
senso comum para o trabalho de descrição e interpretação dos fenômenos lingüísticos,
porque esses enunciados não possuem base empírica. Deve, sim, aprender a trabalhar
com a realidade heterogênea da língua.
A variedade é fruto das diferentes experiências históricas e socioculturais do
grupo que a fala. A Dialetologia (variedades geográficas), a Sociolingüística
(variedades sociais e estilísticas) e a Lingüística Histórica (variedades no tempo) são as
disciplinas que estudam as variações lingüísticas. A língua pode sofrer alterações de
qualquer ordem, desde aspectos de pronúncia, de sua organização semântica e
pragmática. Na história da língua, pode haver mudanças fonético-fonológicas,
morfológicas, sintáticas, semânticas, lexicais e pragmáticas. As interpretações não são
únicas e absolutas e vão depender da orientação teórica do pesquisador.
As línguas mudam com o passar do tempo. A primeira característica que se
destaca é a forma contínua, lenta e ininterrupta das transformações. Cada estágio da
língua resulta de um longo e contínuo processo histórico; nele as mudanças na língua
vão ocorrendo gradativamente, por fases intermediárias, atingindo parte e não a sua
totalidade, pois é a lentidão e a gradualidade da mudança lingüística que garantem aos
falantes a intercomunicação permanente. Periodizar a história das línguas facilita a
análise, permite que se localizem os fatos numa dimensão temporal, visa não só à
recuperação da idade dos acontecimentos e suas relações com uma conjuntura maior
em que ocorrem, como também a fundamentação do trabalho comparativo, que consiste
na base dos estudos da Lingüística Histórica.
Outra característica da mudança lingüística é a regularidade, pois elas não são
fortuitas. Iniciada a mudança, há regularidade e generalidade no processo, abrangendo,
de forma sistemática, o mesmo elemento, nas mesmas condições e ocorrências. A
regularidade, observada na mudança da língua, permite comparar duas ou mais línguas,
ou dois ou mais estágios de uma mesma língua, realizando a reconstituição histórica.
No século XIX, os neogramáticos apresentavam as mudanças fonéticas como
rigorosamente regulares, logo, deveriam ser tratadas como leis, pois não admitiam
exceções. As aparentes exceções eram decorrentes da intervenção de um processo
gramatical chamado analogia, que ocorreria quando elementos da língua fossem
regularizados por força de modelos estruturais hegemônicos.
19
Ao se tratar de mudanças na língua, não há de se falar em lei em sentido
absoluto, pois a história da língua vai além dos princípios gerais, contínuos e
necessários, por ser produto da atividade humana, sofre as contingências e vicissitudes
da própria vida concreta, da história peculiar de cada grupo e de cada sociedade.
Segundo Carlos Alberto Faraco (2005), as mudanças lingüísticas não decorrem apenas
dos fatores lingüísticos, mas também dos fatores históricos da sociedade; logo, os
fenômenos devem ser estudados no conjunto de outros fatos da língua, sua história,
história da família e subfamília a que pertencem. Essa abordagem origina-se na teoria
variacionista de encaixamento estrutural, que se aplica, junto com o encaixamento
social, com seus fenômenos de mudança e estrutura sociolingüística da comunidade dos
falantes.
Não se separam o encaixamento estrutural e o encaixamento social da língua,
ao se estudarem suas mudanças; da mesma forma que não se separam as histórias
interna e externa de uma língua, porque estão intimamente ligadas. Os fatores de
mudança originam-se e consolidam-se, embasados nas influências que a língua sofre
interna e externamente. A história interna constitui-se no conjunto de mudanças que
ocorrem na organização estrutural da língua no “eixo do tempo” e a história externa é a
visão das mudanças da língua em um contexto político, social, econômico e cultural da
sociedade com as quais se relaciona.
Sabe-se que os fatores sociais influenciam direta ou indiretamente os processos
de mudanças das línguas, o que obriga a buscar uma metodologia que integre as duas
histórias, a fim de se realizarem, com sucesso, os estudos lingüísticos. A língua é uma
realidade social que se insere no contexto econômico, social e cultural dos falantes;
sendo, pois, uma realidade heterogênea, em um conjunto de diferentes variedades.
Possui especificidades estruturais, o que não justifica considerá-la autônoma, desligada
da vida dos falantes. O cerne do estudo histórico da língua é o complexo jogo dialético
entre o social e o estrutural.
As condições de mudança surgem no social, na heterogeneidade da realidade
lingüística e na complexa dinâmica das relações interacionais e envolvem muitos
fatores ainda não explicados pela Lingüística Histórica. C. A. Faraco explica que as
línguas mudam porque nada é estático, tudo se transforma. Estranho seria se as línguas
permanecessem estáveis, pois, sendo uma realidade humana, não estão submetidas ao
universo da necessidade e sim da possibilidade.
20
As correntes lingüísticas, em função de sua teoria e de seu método, tratavam as
variações lingüísticas como degeneração e decadência da língua ou como simplificação
e progresso. Atualmente, os lingüistas excluem ambas as teses. Segundo Câmara Jr.
(1976), a palavra “evolução”, em lingüística, pressupõe apenas “um processo de
mudanças graduais e coerentes”.
C. A Faraco (2005) ressalta que a mudança lingüística é contínua e lenta,
gradual e relativamente regular; surge da realidade heterogênea das línguas, em estreita
relação com os complexos processos sociais e culturais. Para conhecê-la, é necessário
descrevê-la em seus contextos estruturais de mudanças e em seus contextos sociais.
1.4.2. A Lingüística Histórica
As línguas desenvolvem-se em um complexo fluxo temporal de mudanças e
substituições, de aparecimentos e desaparecimentos, de conservação e inovação. Por se
transformarem no tempo, elas possuem história e é com essa história que se ocupa a
Lingüística Histórica. Cabe, pois, ao historiador da língua, na busca de um
embasamento científico em quadros teóricos definidos, encontrar as descrições dos
diferentes processos de mudança, ocorrentes na história das línguas e elaborar hipóteses
de caráter explicativo para os fenômenos descritos, com base em pressupostos mais
gerais a respeito da mudança lingüística como um todo. A missão da Lingüística
Histórica é ocupar-se das transformações das línguas no tempo, cabendo aos lingüistas,
que nela operam, surpreender, apresentar e compreender essas transformações por
diferentes sistemas teóricos.
F. Saussure estabelece que o estudo lingüístico compreende duas dimensões:
uma histórica (diacrônica) e outra estática (chamada sincrônica). A diacrônica tem por
pressuposto de análise a mudança das línguas no tempo e a sincrônica tem por
pressuposto a relativa imutabilidade das línguas, ou seja, as características da língua
tomada como um sistema estável num espaço de tempo aparentemente fixo. Defendia-
se a autonomia de cada uma dessas dimensões, porém se admitia a interdependência
entre sincronia e diacronia, concordando que todo fato sincrônico tem uma história.
21
A separação entre estado (sistema) e história permite a ocorrência de dois tipos
de lingüística: uma lingüística chamada descritiva ou sincrônica e uma lingüística
histórica ou diacrônica. A primeira se ocupa da investigação dos estados da língua e a
segunda, das transformações das línguas no tempo. Atualmente, usa-se a denominação
de lingüística teórica para os estudos sincrônicos, em oposição à lingüística histórica
que é tão teórica como a primeira. Outro aspecto a considerar é que, para alguns
lingüistas, o estudo sincrônico precede o diacrônico, pois permite comparar diferentes
estados de língua, demonstrando as mudanças ocorridas.
Para Eugênio Coseriu (1979), tendeu-se a privilegiar os estudos sincrônicos,
causa da dicotomia dos princípios, ignorando a questão histórica e o contexto histórico
da língua, mas a língua viva está em contínua transformação, determinada pela sua
função, não está feita e sim está em processo. Mesmo quando um estado de língua se
torna idêntico a um anterior, não significa que o estado permanece e sim que se
reconstitui, com fidelidade pelo falar, que é o lugar onde a língua funciona e se realiza
concretamente. Tudo o que é sincrônico e diacrônico na língua só o é pela fala, e a fala,
por sua vez, só se concretiza na língua. Apresenta a língua como saber, acervo
lingüístico e a língua como manifestação concreta desse saber no falar.
E. Coseriu propõe que se veja a língua como um sistema em movimento, em
permanente sistematização. A descrição e a história são estudos diferenciados e como
as línguas são objetos históricos, os seus estudos devem envolver descrição, teoria e
história de forma integrada. A cada concepção de língua corresponde uma orientação
teórica diferente de acordo com o objeto proposto. Há duas concepções de língua: uma
que a considera com objeto autônomo e a outra que a considera como um objeto
essencialmente ligado à realidade social, histórica e cultural de seus usuários.
Os métodos de estudos também são diferenciados. Para a primeira, trata-se de
observar a mudança e determinar seus condicionantes lingüísticos e, para a segunda, é
fundamental acompanhar a história social e cultural dos falantes, relacionando-as com a
história da língua, realizando o encaixamento estrutural e social dos fenômenos de
mudança.
O emprego dos termos sincronia e diacronia pressupõe uma concepção
homogeneizante da língua. É uma idealização excessiva, pois concebe um objeto de
estudo afastado da realidade heterogênea. Justifica-se essa idealização com o
argumento de que sem homogeneizar não se criarão condições para que a apreensão da
22
língua se realize. Alguns estudiosos procuram construir teorias que permitam a
apreensão da língua no universo heterogêneo. E. Coseriu propõe a integração da
descrição sincrônica e histórica, alertando para o fato de que não se podem juntar todas
as teorias, que se parecem boas, pois elas possuem fundamentos filosóficos, que, muitas
vezes, se excluem mutuamente.
O ideal é utilizar a síntese histórica que implica a negação de uma teoria por
meio da crítica a seus fundamentos, retomando as questões empíricas e seus
procedimentos analíticos, construindo um novo sistema teórico, em uma nova chave
interpretativa, tendo sempre presente o fato de que as teorias se entrecruzam.
1.4.3. Um retrospecto da Lingüística Histórica
A percepção de que as línguas mudam no eixo do tempo possui suas raízes na
filologia. Entende-se por filologia os estudos dos textos antigos com o objetivo de
estabelecer e fixar sua forma original. As sociedades humanas, que, ao longo da
história, fazem uso da escrita, preservam os textos literários e religiosos. As gerações
posteriores, tendo necessidade de compreendê-los, acabam desenvolvendo a Filologia
que é a ciência que estuda a literatura de um povo ou de uma época e a língua que lhe
serviu de instrumento. Hoje, esses estudos são feitos pela Lingüística Histórica.
A Lingüística Histórica nasce nos fins do século XVIII, quando se dá início à
reflexão sistemática sobre as mudanças das línguas, impulsionada pelo modelo da
ciência moderna. Divide-se didaticamente em dois períodos: o primeiro, que se
caracteriza pelos estudos comparados, vai de 1786 até a publicação do manifesto dos
neogramáticos em 1878. O segundo período, que vai de 1878 até os dias atuais,
caracteriza-se pela tensão entre duas grandes linhas interpretativas: a imanentista
(neogramáticos, estruturalismo, gerativismo) que vê a mudança como um fator interno,
ou seja, como um acontecimento que se dá no interior da língua e condicionado por
fatores da própria língua e a integrativa (fundada na Dialetologia e Sociolingüística)
que vê a mudança articulada com o contexto social em que se inserem os falantes,
como um evento condicionado por uma conjugação de fatores internos (estruturais) e
externos (sociais).
23
Com base em Carlos Alberto Faraco (2005), faz-se um panorama dos caminhos
trilhados pela Lingüística Histórica, nesses 200 anos de existência, ou seja, do
comparativismo aos estudos atuais, recuperando, assim, seus momentos, autores e obras
de maior destaque.
O primeiro estudo comparativo é o de William Jones (1746-1794), cidadão
inglês, juiz em Calcutá, em 1786, que apresenta uma comunicação à Sociedade Asiática
de Bengala, tratando das inúmeras semelhanças entre o sânscrito, o latim e o grego. Em
seguida, F Schlegel publica, em 1808, o livro Sobre a língua e a sabedoria dos hindus e
Bopp publica em 1816, o livro Sobre o sistema de conjugação da língua sânscrita em
comparação com o da língua grega, latina, persa e germânica, apresentando, pela
comparação detalhada da morfologia verbal de cada uma das línguas, as
correspondências sistemáticas que há entre elas, fundamento empírico de seu efetivo
parentesco.
Com a apresentação desses estudos, cria-se o método comparativo. Por ele se
pode estabelecer o parentesco entre as línguas, determinando as características e
ascendentes comuns de certo conjunto de línguas. Jacob Grimm (1785-1863)
complementa o método comparativo, ao enfatizar que a sistematicidade das
correspondências entre as línguas se relaciona com o fluxo histórico e, principalmente,
com a regularidade dos processos de mudança lingüística.
Rasmus Rask (1787-1832), paralelamente a J. Grimm, desenvolve estudos
comparativos em relação à língua germânica. Esses estudos dão origem à filologia
românica, que tem um papel fundamental no desenvolvimento dos estudos histórico-
comparativos. Já August Schleicher (1821-1868), que é um botânico, adiciona o
elemento naturalista a esses estudos, influenciado pela teoria evolucionista de Darwin.
Com ele, a língua passa a ser vista como um organismo vivo, com existência própria
independente do falante. A história dela é a história natural com um fluxo que se realiza
por força dos mesmos princípios que regem a natureza.
Dando início ao segundo período da Lingüística Histórica, na linha chamada
imanentista, surgem os trabalhos dos neogramáticos que, na última metade do século
XIX, questionam os pressupostos tradicionais da prática histórico-comparativa e
estabelecem uma nova orientação metodológica e um conjunto de postulados teóricos
para a interpretação da mudança lingüística. Bárbara Weedwood (2002) afirma que a
24
tese dos neogramáticos determina que as mudanças no sistema fonético de uma língua
em desenvolvimento estão sujeitas à operação de leis fonéticas regulares.
Explica a autora (op.cit. p. 106) que:
Usando o princípio da mudança fonética regular, os
estudiosos puderam reconstruir formas “ancestrais” comuns
das quais se podiam derivar as formas mais tardias
encontradas em línguas particulares.
Os neogramáticos tornam-se um divisor de águas na Lingüística Histórica,
delineando o perfil característico da Lingüística do século XX, pois a língua passa a ser
tratada associada ao indivíduo falante; introduz-se uma orientação psicológica
subjetivista na interpretação dos fenômenos de mudança lingüística: “a língua existe no
indivíduo e as mudanças se originam nele”. Estudam a língua em função dos
mecanismos de mudança e não só por meio da reconstrução de estágios remotos da
língua.
K. Verner (1846-1896) defende a existência do ambiente lingüístico como
condicionante de suas mudanças. As pretensas exceções da lei de Grimm têm um
tratamento regular, o que reforça a confiança dos lingüistas no princípio da regularidade
da mudança e de que a regularidade da mudança sonora é absoluta. Sob esse princípio,
são excluídas das ciências lingüísticas as interpretações causais, fortuitas, para as
irregularidades e os neogramáticos são obrigados a formular as leis com precisão e a
fornecer interpretações satisfatórias para as palavras, que não tinham mudado segundo
a lei.
Hermann Paul (1846-1921) nega a possibilidade de uma lingüística que não seja
histórica. Para ele, os princípios básicos das mudanças lingüísticas estão nos fatores
psíquicos e físicos, tomados como determinantes dos objetos culturais como a língua. A
lingüística só precisa de duas ciências: a psicologia e a fisiologia, para apreender as
realidades da mudança histórica da língua. Sustenta a tese de que a fonte de toda a
mudança lingüística é o falante individual e que a propagação se dá por meio da ação
recíproca dos indivíduos, ou seja, a mudança lingüística se origina no processo de
aquisição da língua.
O rigor metodológico que os neogramáticos introduzem para a solução dos
problemas de história das línguas é importante para o desenvolvimento da Lingüística
25
Histórica, porém a lei fonética como princípio absoluto é relativizada, sem negar a
regularidade da mudança. Passa-se, pois, a entender a lei fonética não como um
princípio categórico, mas como “uma fórmula de correspondência entre sistemas
fonéticos sucessivos de uma mesma língua nos diversos períodos de sua existência”.
O termo lei, segundo alguns autores, não pode ser entendido como um
enunciado absoluto, porque envolve fenômenos históricos e as leis, que não admitem
exceções, são uma forma inexata de dizer que fatores não fonéticos, tais como
freqüência ou significado das palavras não interferem na mudança sonora.
H. Schuchardt (1842- 1927), mesmo tendo uma concepção subjetivista da
língua, opõe-se ao conceito de lei fonética, levantando a questão referente à imensa
gama de variedades de fala, existente em uma comunidade, ser influenciada pelos
fatores de sexo, idade, nível de escolaridade dos falantes. Enfatiza que o contexto social
e cultural da língua é o condicionante básico da variação e da mudança lingüística.
Antoine de Meillet (1866-1936) confere à língua e ao falante uma concepção
sociológica, ou seja, as condições sociais exercem uma influência decisiva sobre a
língua e sobre a mudança. A língua, para ele, é um fato social; situa-se no âmbito das
ciências sociais. Parte da antropologia que propala uma linha de estudo que busque
reconhecer as relações entre a mudança lingüística e os outros fatos sociais. Já William
Whitney (1827-1894) apresenta como condição principal da mudança lingüística a
realidade descontínua (heterogênea) das línguas, já que as sociedades são heterogêneas,
assim como a lingüística é heterogênea, o que resulta em mudança.
Ainda na linha imanentista, tem-se F. Saussure que, no início do século XX,
elabora um projeto metodológico no qual há uma rígida separação entre o estudo dos
estados da língua (sincronia) e o estudo da mudança lingüística (diacronia), além de
preceder o estudo sincrônico ao diacrônico. A partir dessas diretrizes, a lingüística se
torna hegemonicamente sincrônica e configura uma maneira estruturalista de pensar a
mudança, pois as mudanças das línguas no tempo não se constituem num complexo
sistema de dependências recíprocas, mas apenas alteram o valor de elementos do
sistema tomados isoladamente. Para os lingüistas do Círculo de Praga, o estudo
diacrônico não elimina a noção de sistema, pois, se o fizesse, não se teria um estudo
completo, do mesmo modo que a descrição sincrônica também não pode eliminar a
noção de evolução, pois, visto pela ótica sincrônica, existe a consciência da fase em
vias de desaparecimento, da fase presente e da fase em formação.
26
Em 1955, surgem os estudos de André Martinet (1908-1999) que prega que os
sistemas lingüísticos, embora bem estruturados, nunca se encontram em perfeito
equilíbrio, propiciando pontos de desequilíbrio latente que permitem a mudança.
Explica que o sistema lingüístico sofre pressões forjadas por duas forças contraditórias:
de um lado, as necessidades humanas de expressão e comunicação e, de outro, a
tendência do homem de reduzir ao mínimo sua atividade física e mental, o que provoca
um desequilíbrio no sistema de ordens funcionais e estruturais; introduz, pois, o
conceito de rendimento funcional das oposições fônicas.
Em 1950, também na linha imanentista, Noam Chomsky (1927), lingüista norte-
americano, desencadeador do gerativismo, revigora o modelo racionalista de fazer
ciência. Para N. Chomsky, o fato empírico central para os lingüistas é a aquisição da
linguagem pelas crianças, embora detentoras de poucos dados, em um curto espaço de
tempo, apreendem todos os mecanismos estruturais básicos da língua de sua
comunidade. Segundo ele, as crianças possuem um conhecimento humano inato que é
uma língua humana possível que as orienta no processo de aquisição da língua e cabe
aos lingüistas criar um modelo desse mecanismo inato, chamado tecnicamente de
gramática universal.
A lingüística gerativista parte da gramática como um sistema de regras no qual
as mudanças são processos que alteram as regras gramaticais, podendo eliminar uma,
introduzir outras e reordenar a sua aplicação, além de restringirem-se a
condicionamentos biológicos. Dessa forma, a história da língua passa a ser vista como
um processo de mudança tipológica que se submetem aos princípios restritivos da
gramática universal.
No fim do século XX, ainda no segundo período da Lingüística, mas na sua
linha integrativa, destacam-se, primeiro, os estudos da Dialetologia e depois da
Sociolingüística.
A Dialetologia é o estudo de uma língua na perspectiva da sua variabilidade
num espaço geográfico, conforme esclarece C. A. Faraco (2005:178). O fundamento da
Dialetologia de uma comunidade, num certo espaço geográfico é fator de diferenciação
lingüística. Cada ponto dessa área tem experiências sociais, históricas, culturais
diferenciadas que se refletem na linguagem. A Dialetologia imprime ao conceito de
dialeto a necessidade de estudar suas variedades em um contexto social, histórico,
político, cultural das comunidades, procurando perceber as linhas de contato e
27
influências que se relacionam em cada ponto do espaço. Ao correlacionar, no estudo da
variação lingüística, a língua e a realidade histórica e sociocultural das comunidades, a
Dialetologia traz importante contribuição para os estudos lingüísticos.
Já a Sociolingüística estuda as correlações sistemáticas entre as formas
lingüísticas variantes e determinados fatores sociais como classe social, nível de
escolaridade, sexo e etnia dos falantes. Amplia o estudo da variação lingüística, levando
em conta, além da dimensão geográfica, dialógica, a dimensão social, diastrática como
fator de diferenciação lingüística. Recomenda, ainda, que se integrem a estratificação
social, a estilística e a mudança para interpretar os dados diacrônicos.
Também, nos últimos anos do século XX, retoma-se aos estudos históricos,
voltando-se novamente o olhar para a linguagem como realidade histórica, reflexo da
vida social e cultural dos falantes. Nessa perspectiva, encontram-se as pesquisas de E.
Coseriu (1979:57) que enfatiza: as línguas mudam, porque têm história, constituem
uma realidade em constante transformação no tempo. Esse fluxo e refluxo da língua
em transformação, ao alternar mudanças e regularidades, constroem uma história; para
se compreender a natureza histórica, é necessário entender o contexto sociocultural em
que foi construída. Assim sendo, a disciplina História torna-se um instrumento
indispensável aos estudos lingüísticos.
É nessa perspectiva que este trabalho se insere, já que se trata de uma análise de
textos, escritos em virtude da polêmica entre Carlos Laet e Camilo Castelo Branco, na
segunda metade do século XIX. Por meio deles será possível conhecer a história do
Brasil e de Portugal nesse período, já que fornecem aspectos importantes ao estudo da
relação entre língua, história e nacionalismo lingüístico.
1.5.A cientificidade da História
Conforme a lição de Jacques Le Goff (2003), a palavra história tem sua origem
no grego antigo historie, em dialeto jônico. Essa forma deriva da raiz indo-européia
wid-, weid , ver. O sânscrito vettas significa “aquele que vê”. Do sentido “ver” passa a
ser fonte do saber, daí se conclui que histor é aquele que vê e aquele que sabe, pois
historiein do grego antigo é “procurar saber”.
28
A História surgiu como um relato, uma narração do visto, pelas mãos de
Heródoto, considerado o pai da História. A História se constituía em uma narração,
verdadeira ou falsa, com base na realidade histórica ou imaginada. Posteriormente,
passa a ser entendida como explicação e interpretação do fato histórico. Atualmente, a
questão da cientificidade é que desperta a atenção de historiadores, gerando polêmicas.
Paul Veyne (1998) nega a existência da História como ciência, já que essa
condição obriga a uma explicação total, o que não ocorre porque, segundo ele, ela não
tem método nem explica os fenômenos. Dessa forma, não existindo a História, o que se
conhece é a história particular, recortada por uma dada perspectiva. Para ele, os
historiadores são meros narradores de fatos reais e o homem é o ator. A História é
considerada um romance real, já que, como a narrativa de eventos significativos,
seleciona, simplifica e organiza de maneira completa e direta por meio de documentos,
testemunhos, indícios.
O campo da História é vasto e indeterminado, mas, ao mesmo tempo, tudo o que
o engloba tem de ter acontecido, o que permite ao historiador colocar a história em
compartimentos, tais como: história política, etnológica, sociológica, natural entre
outras. Também é importante o caráter subjetivo da história, que se manifesta na
escolha do fato a ser explicado pelo historiador, pois implica preferência e seleção,
perdendo seu caráter científico. Além desse aspecto, há outro que é a presença do
historiador na explicação do fato, o que permite outros pontos de vista, transformando a
explicação histórica em múltiplas e questionando-a como verdade absoluta.
Os eventos não são fatos isolados, pois se relacionam a outros fatos, cabendo ao
historiador reencontrar essa organização, essas ligações objetivas que o fato tem com
outros, possibilitando a trama. O fato não é a totalidade, mas um núcleo de relações que
determinam o caráter subjetivo da história. É o que apresenta a assertiva de Paul Veyne
(1998.:42):
Os fatos não existem isoladamente, no sentido de que o tecido da
história é o que chamaremos de uma trama, de uma mistura
muito humana e muito pouco científica de causas materiais, de
fins e de acasos; de uma fatia que o historiador segundo sua
conveniência, em que os fatos têm seus laços objetivos e sua
importância relativa...
29
Em síntese, a História é uma atividade cultural, intelectual, uma criação
humana, um gênero de escrita em que, por meio da inteligência, se organizam os dados
de um determinado tempo, explicando-os de acordo com a trama escolhida, tornando-os
compreensíveis ao leitor, função desempenhada pelo historiador.
P. Veyne esclarece que entre a explicação histórica e a explicação científica
existe um abismo, pois o ato de explicar em história é um ato sublunar em que reinam,
lado a lado, liberdade, acaso, causas e fins, em oposição ao mundo da ciência que se
pauta em leis. As explicações históricas tornam-se incompletas, porque são muitas as
tramas possíveis de um fato, tais como: o acaso (causas superficiais), causas e
condições (dados objetivos) e liberdade e deliberação (causas finais). A História é
casual, nesse sentido de descrever o que passa, de explicar como as coisas acontecem,
já que tudo é histórico, mas existem somente histórias parciais. A história, portanto,
não é uma ciência.
Michel de Certeau (2000) admite o caráter científico da História, por tratar-se de
uma disciplina com objeto e metodologia próprios. A História é uma prática, uma
disciplina, o seu resultado é o discurso ou a relação de ambos, disciplina e discurso, que
juntos constituem a produção. O próprio termo história conota, ao mesmo tempo, a
ciência e seu objeto, ou seja, a explicação que se diz e a realidade do fato que passou
ou se passa. Ele insinua a união entre a operação científica e a realidade analisada.
Com base em práticas e no discurso historiográfico, o autor salienta que a
ideologia é inerente à própria história; há uma historicidade da história, que propicia
um movimento, ligando a prática interpretativa a uma prática social; sobrevive entre
dois pólos: o da prática, que consiste na realidade e o outro do discurso fechado, que se
materializa no texto; é um mito, à medida que combina o pensável e a origem, no
processo de compreensão da sociedade.
A História das Idéias foi uma resposta à fragmentação das disciplinas, pois é
necessário compreender a unidade e os princípios organizadores da obra, pois não se
explica uma obra em termos de influências, de exaustão de um corpus, devolvendo-o às
origens, que ocasionam um recuo por meio de fragmentos e gera o desaparecimento
das totalidades, das delimitações, das rupturas que compõem a História. Eliminou-se a
ideologia no objeto de estudo, devido aos métodos de pesquisa, mas se reintroduziu em
forma de pressupostos dos modelos, implícita nos sistemas de interpretação.
30
O historiador de hoje não detém o sentido como objeto de seu trabalho, mas o
encontra no modo de sua atividade, pois o que desaparece no produto, aparece na
produção. Esse deslocamento do sentido em termos de escolhas históricas investidas no
processo científico substituiu o fazer historiográfico pelo dado histórico, transformando
a pesquisa de produto de uma realidade observada para análise das opções ou das
organizações de sentido implicadas por operações interpretativas.
A História não renuncia à realidade dos fatos, mas há uma mudança em sua
relação com o real. O sentido deixa de ser entendido como um conhecimento particular,
extraído do real, pois o fato histórico resulta de uma práxis. Leva em consideração o
fazer e encontra as suas raízes na ação que faz história. Se existe uma função histórica
que possibilita a confrontação do passado com o presente, entre o que organiza a vida
ou o pensamento e aquilo que permite pensá-los, existe, também, uma série indefinida
de sentidos históricos.
Na historiografia, o real sofre uma dicotomia; há o real que é conhecido, ou seja,
o que o historiador compreende e organiza da história passada e o real implicado pela
operação científica, com a sociedade descrita pelo historiador com seus procedimentos,
métodos e a prática do sentido. No primeiro caso, o real constitui-se em resultado de
análise e, no segundo, é o seu postulado. São duas formas de realidade que não se
excluem, mas se relacionam, pois a ciência histórica existe graças a essa relação.
A supremacia de uma dessas duas formas do real determina dois tipos de
história: um que se interroga sobre o que é pensável e sobre as condições de
compreensão e outro que objetiva encontrar o vivido, revivido no conhecimento do
passado. Ao operar um inventário, o historiador precisa elaborar modelos que permitam
reconstruir e compreender o documento, ou seja, modelos econômicos, culturais entre
outros, o que possibilita levantar hipóteses metodológicas sobre seu trabalho apoiado
em um intercâmbio interdisciplinar, em princípios de inteligibilidade suscetíveis de
instaurar pertinências e produzir fatos sempre coerentes com a teoria que norteia a
pesquisa.
Ao ressuscitar um passado, o historiador traz à luz um fato esquecido ao mesmo
tempo em que reencontra o homem por meio das marcas que ele deixou. O corte feito
em qualquer ciência propicia um limite original que delimita a tarefa de fazer história.
O passado retorna na prática historiográfica. Essa delimitação, necessária e denegada,
caracteriza a História como ciência humana; portanto, o limite torna-se instrumento e
31
objeto de pesquisa, ou seja, instrumento de seu trabalho e o lugar em que se aplica a
metodologia.
Existe, em cada história, um processo de significação que objetiva preencher o
sentido de História; o historiador deixa de ser um mero compilador de fatos, passando a
enfatizar o significante. Nessa perspectiva, a operação histórica refere-se à combinação
de um lugar social, com as práticas científicas e de uma escrita, o que modifica a noção
de fato histórico como objeto dado e acabado, pois o fato histórico resulta da
construção do historiador.
Já J. Le Goff (2003) expõe que a história, como ciência, se consolida por meio
de documentos escritos, propiciados pela fundação de bibliotecas e de arquivos que
preservem os materiais de estudo da história e permitam a elaboração de métodos de
crítica científica, conferindo-lhe um caráter erudito. O documento deixa de ser visto
como um material bruto, objetivo e inocente, para ser visto como o poder da sociedade
do passado sobre a memória e o futuro do documento; é, pois, monumento, que deve
ser desestruturado e desmontado. Cabe ao historiador avaliar a credibilidade do
documento. Hoje, consideram-se documentos, além dos textos e dos produtos da
arqueologia, os gestos, as palavras que se constituem em arquivos orais, que são
coletados, chamados de etnotextos.
A tomada de consciência da construção do fato histórico, da não inocência do
documento, demonstra a possibilidade de manipulação em todos os níveis do saber
histórico, o que levanta o problema da objetividade do historiador, restando a ele
questionar a documentação histórica, de acordo com os documentos ou da ausência de
documentos, sempre em posição crítica. A História tem que ser entendida como uma
prática social, pois toda história é história social. A noção de fato histórico tem tomado
várias feições: há história política, história econômica e social, história cultural e das
representações, que caminham juntas em um mesmo tempo; enfim, a própria ciência
histórica coloca-se em uma perspectiva histórica com o desenvolvimento da
historiografia ou história da história.
Outro aspecto a destacar é o cronológico, que possui um papel essencial como
fio condutor e ciência auxiliar da história. Instrumentaliza-se em calendário, que
ultrapassa a barreira histórica, pois é o quadro temporal do funcionamento da
sociedade, representando o esforço das sociedades humanas em domesticar o tempo.
32
J. Le Goff ( 2003: 12-13) afirma:
O calendário é produto e expressão da história: está ligado às
origens míticas e religiosas da humanidade (festas), aos
progressos tecnológicos e científicos (medida de tempo), à
evolução econômica, social e cultural (tempo de trabalho e
tempo de lazer). Ele manifesta o esforço das sociedades
humanas para transformar o tempo cíclico da natureza e dos
mitos, do eterno retorno, num tempo linear escandido por
grupos de anos: lustro, olimpíadas, século, eras etc..
O calendário permite que a história se conecte a dois progressos essenciais: a
definição de pontos de partida cronológicos e a busca de uma periodização, que a
criação de unidades iguais, mensuráveis, de tempo: dia de vinte quatro horas, séculos e
outros; hoje, acrescido pela noção de duração, de tempo vivido, de tempos múltiplos e
relativos, tempos subjetivos ou simbólicos, até encontrar o tempo da memória, que
atravessa e alimenta a História. A periodização é indispensável a qualquer forma de
compreensão histórica. É um processo emrico delineado pelo historiador. Não há
história estática, o que não significa que é só mudança, mas é o estudo das mudanças
significativas, tendo como seu principal instrumento de inteligibilidade a periodização.
A História é uma ciência do passado, agrupa, classifica e organiza fatos do
passado em função do presente, pois é essa a sua função social. A historiografia surge
como uma seqüência de novas leituras do passado e marcada por perdas e ressurreições,
falhas de memória e revisões. A relação entre o passado e o presente constitui o objeto
de reflexão do historiador, pois o passado é um aspecto ou uma função do presente. A
língua, por ser um produto histórico-social, articula-se com as duas áreas de
conhecimento: a Lingüística e a História e, por seu caráter interdisciplinar, alia-se a
outras ciências, proporcionando o surgimento da Historiografia Lingüística.
33
1.6. A Historiografia Lingüística como paradigma
1.6.1.Concepção e alcance
A língua em sua função de interação social, vista como processo e produto da
atividade histórica humana, resulta da interação do passado com o presente em meio a
um contexto sociocultural. Devido à importância que a língua adquire nas ciências
sociais, particularmente, na Lingüística e na História, torna possível à Historiografia
Lingüística diferentes maneiras de abordagem desse objeto de estudo.
A Historiografia Lingüística, ramo da Lingüística Histórica, concebe a língua
em sua relação com a História e a realidade social. Apresenta-se como uma ciência
recente no âmbito da Lingüística, mas não se confunde com a História da Lingüística,
nem com a História das Idéias Lingüísticas nem com a Historiografia da Lingüística,
embora todas essas áreas de conhecimento objetivem a língua e suas relações com
fatores socioculturais.
Configura-se-se como uma ciência, por ter método e princípios, que descrevem e
explicam como o conhecimento lingüístico é adquirido, formulado e comunicado
através do tempo. Enfatiza a descrição e a explicação de conteúdos, por meio dos
contextos socioculturais de produção textual, abrindo a possibilidade de novos
paradigmas de contemporaneidade.
A interdisciplinaridade, que a Historiografia Lingüística estabelece com a
História e outras ciências do homem, constitui-se em um modo diferente de ver o
objeto- língua que é o lugar de concretização das dimensões históricas, culturais e
identitárias de um grupo social. Trata-se de um produto histórico-social, pois se
configura na articulação da Lingüística e da História que, aliadas a outras ciências
humanas, tornam-se capazes de descrever e explicar essa articulação, produzindo novos
conhecimentos. O procedimento interdisciplinar em Historiografia Lingüística concilia
perspectivas teóricas, históricas e socioculturais e acrescenta valores novos ao processo
de compreensão e interpretação do documento.
Conforme J. V. Nascimento, a Historiografia Lingüística como impulsionadora
de atividade investigativa de amplitude interdisciplinar, permite que se conheça melhor
o que faz do homem um ser sócio-histórico, capaz de depreender o que está
materializado no documento e, por sua experiência atual, reconhecer os elementos da
34
realidade passada. Proporciona , ainda, o conhecimento de si mesmo e da realidade em
que vive, podendo, inclusive, auxiliá-lo no planejamento de seu futuro.
A tarefa do historiógrafo da língua é árdua e exige que, além do conhecimento
lingüístico, possua, também, um conhecimento extralingüístico, pois caberá a ele
restabelecer os fatos mais importantes do passado lingüístico, explicar os motivos das
mudanças de orientação e de ênfase e a possível continuidade que delas se pode
observar. Compete a ele estabelecer marcos de relacionamento, a priori, com a história
e, a posteriori, com a História Intelectual, a Filosofia, a Filosofia das Ciências, a
Sociologia, e outras áreas das Ciências Humanas. Formaliza, assim, a abertura inerente
à Historiografia Lingüística, a sua familiarização com as diversas teorias e práticas
lingüísticas, bem como suas transformações em função de progressos científicos.
Uma característica importante da Historiografia Lingüística é que ela permite
um recorte no processo de mudança que sofre a língua, a fim de apreendê-la em
sucessivos espaços de tempo, nos quais alterações e regularidades são perceptíveis. De
outro lado, a oposição continuidade versus descontinuidade, não se constitui como dois
estados divergentes, mas convergentes e direcionam o exame e a interpretação das
marcas lingüísticas para o contexto de sua história.
O homem busca constantemente explicações para as mudanças que se operam na
língua, pois a língua não é um sistema fechado, é uma prática determinada por fatores
sócio-histórico-culturais. A realidade concreta em que vive o homem caracteriza-se
como um espaço social mediado pela prática lingüística, sendo, assim, as alterações nos
costumes, nas idéias, em todos os setores da vida humana e, por conseguinte, na
sociedade, demandam, obrigatoriamente, transformações lingüísticas.
A língua é um produto histórico-dinâmico e as mudanças que nela se operam
partem das mudanças do homem. A língua é o fundamento de tudo que é social,
possibilitando ao homem estabelecer relações em um mundo de relações, por isso é
necessário ao historiógrafo da língua utilizar uma metodologia específica para
tratamento desse objeto.
Com relação à Historiografia Lingüística, discutem-se, ainda, problemas de
procedimentos de pesquisas, tais como a periodização, a contextualização, a
identificação das concepções lingüísticas, as implicações históricas na produção do
documento, a influência de fatores externos de diferentes ordens; enfim, temas que dão
margem a novos direcionamentos para uma pesquisa efetiva em Historiografia
Lingüística.
35
O aparato teórico-metodológico desta pesquisa segue as coordenadas,
estabelecidas para a Historiografia Lingüística, por Konrad Koerner (1995,1996), que a
apresenta como uma forma de reescritura de fatos da língua, por meio de princípios.
1.6.2. A metalinguagem em Historiografia Lingüística
A Historiografia Lingüística visa ao saber lingüístico. Segundo S. Auroux
(1992), o saber lingüístico tem a sua origem na consciência humana e materializa-se
por meio da linguagem, sendo uma das suas formas o saber metalingüístico, que se
apresenta na forma especulativa ou prática, ou seja, situa-se no elemento da
representação abstrata ou necessita adquirir um domínio, que se apresenta na forma da
enunciação, das línguas e da escrita que, por sua vez, darão lugar às técnicas.
Para Konrad Koerner (1995,1996), uma das questões mais importantes ao estudo
da Historiografia Lingüística é a que se refere à Metalinguagem. O termo
metalinguagem historicamente nasce da discussão entre filósofos e matemáticos sobre a
possibilidade de provar proposições feitas em seus campos de estudo.
O termo metalinguagem parece ter surgido, pela primeira vez, com o filósofo e
lógico polonês Stanislaw Lesniewski (1886-1939) que, a fim de eliminar sofismas, fez a
diferenciação entre níveis de linguagem. Alfred Tarski (1902-1984) utiliza-o em um
texto apresentado, em 1930, na Sociedade Científica de Varsóvia. Em 1935, o texto
ganha o formato de monografia e torna-se conhecido como metalinguagem. Denomina-
a, também, de metateoria e metadisciplina em passagens em que a emprega.
A. Tarski, ao utilizar o método axiomático de David Hilbert (1862-1943), em
matemática, lógica e ciências naturais, explica: nós devemos distinguir claramente entre
linguagem sobre a qual falamos, da linguagem na qual falamos, assim como entre a
ciência que é objeto de nossa investigação, da ciência na qual a investigação é posta
em prática. O conceito de metalinguagem muda sua natureza, ao se transferir da Lógica
para a Lingüística. A discussão da metalinguagem ou do vocabulário técnico não pode
ser isolada daquilo que esses termos e conceitos significam no cenário cognitivo-
histórico-epistemológico.
Já K.Koerner define a metalinguagem como a linguagem empregada para se
descreverem idéias passadas sobre a linguagem e a Lingüística; constitui-se em um
conceito de linguagem científica, cabendo ao analista identificar e descrever
acontecimentos distantes no passado, mas compreendendo e interpretando tais eventos
36
em um panorama atual de representação. Marly de Souza Almeida (2003) trata a
metalinguagem como o caminho que o historiógrafo utiliza para tratar o assunto da
língua, pois é ela que nos conduz à linguagem-objeto, que nomeamos de “o objeto da
investigação”.
A utilização de dados históricos e de evidência textual, para realizar a
interpretação de um documento, decorre da sua precisão; deve, pois, conter clareza de
linguagem nos diversos campos do conhecimento, a qual só se obtém, tendo acesso a
um mecanismo lingüístico, que a Historiografia Lingüística propicia, imprimindo
cientificidade ao texto. A metalinguagem se configura como esse recurso, presente em
vários ramos do saber. Em Historiografia Lingüística, a metalinguagem funciona como
um conceito-chave enquanto diferenciador da linguagem, para se obterem os dois níveis
em que opera: como objeto de investigação e como técnica de observação.
Para M. de S. Almeida (op.cit.:92), a metalinguagem se caracteriza, para as
perspectivas da Historiografia Lingüística, como um recurso indispensável ao
tratamento da língua, tornando-se, por conseguinte, um instrumento para o
historiógrafo da língua, que identifica e descreve em documentos do passado, o passado
da língua e do homem, sem esquecer que ele, o pesquisador, é um homem da
modernidade.
A metalinguagem transforma-se em linguagem científica, quando empregada
para estudos lingüísticos, principalmente àqueles mais distantes ou distintos dos
empregos atuais. Permite fazer a diferenciação dos termos lingüísticos, introduzidos em
um determinado documento, com função ou objetivos específicos tanto à análise como à
interpretação, possibilitando, ainda, que todo texto possa ser analisado à luz da
metalinguagem científica, por ter suporte na História.
M. de S. Almeida apresenta a metalinguagem sob dupla perspectiva: a visão do
autor, que constrói os documentos e consiste em um objetivo e a perspectiva do
historiógrafo que transforma a língua do documento em objeto de estudo que se
compõe, em meio à observação, para alcançar um fim. Mas nem sempre essa
metalinguagem é adequada aos textos em estudo.
A pesquisadora explica que ocorrem condições mais específicas no corpo
lingüístico de alguns textos, que necessitam, para serem analisados, de outras
propriedades da metalinguagem como a metalinguagem científica, já vista, que consiste
na metalinguagem propriamente dita, metalinguagem de usos, metalinguagem de
apropriação, metalinguagem literária e de metalinguagem crítica ou de formas.
37
A metalinguagem é a maneira pela qual o historiógrafo da língua aborda o
assunto da linguagem em estudo. A sua função é identificar e descrever acontecimentos
do passado, representando-os numa perspectiva atual. A metalinguagem é a linguagem
científica que permitirá decodificar o texto em estudo.
A Historiografia Lingüística, com seus princípios teórico-metodológicos,
possibilitará esta análise, já que permite que se considere o homem um ser sócio-
histórico. Dessa forma, é possível depreender da materialidade do documento as suas
experiências, os elementos da realidade passada, a maneira como viveu.
1.6.3. Princípios da Historiografia Lingüística
Ao recurso da metalinguagem, devem-se somar, segundo K.Koerner (1995), três
princípios fundamentais para o historiógrafo da língua: o princípio da contextualização,
o da imanência e o da adequação teórica.
O Princípio da Contextualização permite estabelecer o clima de opinião da época
em que o documento foi produzido, ou seja, a atmosfera intelectual em que se insere.
Significa que o documento a ser analisado e interpretado, deve ser tratado em seu
contexto histórico-cultural, pois as concepções lingüísticas são fruto dos movimentos
intelectuais de um período, com suas características próprias, decorrentes da situação
socioeconômica e política, vigente à época de sua produção.Tem por objetivo dar as
informações materializadas nos documentos em consonância com a historicidade.
Para exemplificar, coloca-se em destaque um recorte de um texto que constitui a
amostra deste trabalho, publicado na Revista Brasileira (1879:216) em que se afirma:
Seja porem como for, o certo é que o Sr. Castello Branco nutre, como boa parte de seus
compatriotas, grande cópia de preconceitos relativos á litteratura e modo de viver
brazileiros.Verifica-se, nesse recorte de Carlos de Laet, em defesa da Literatura
Brasileira, a presença de elementos como o preconceito do escritor português a respeito
da Literatura Brasileira, que procurava novos caminhos, motivada pela independência
política e pelos prenúncios da república. A data e a assinatura elevam esse documento à
condição de documento histórico, pois possui marcas indeléveis de seu tempo.
O Princípio de Imanência refere-se ao estabelecimento de um entendimento
amplo, na abordagem lingüística e histórica, que considera o documento em sua
materialidade lingüística, nos limites próprios do texto. Ao historiógrafo da língua, em
38
uma visão crítica, cabe levantar informações e analisar o documento tanto no que se
refere às teorias lingüísticas quanto às abordagens em História, segundo o seu tempo,
ou seja, o momento da produção, pois o documento materializa as concepções histórico-
intelectuais da época Esse princípio permitirá recriar o passado e possibilitará o
entendimento do documento.
Nesse aspecto, os textos que constituem a polêmica entre Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco proporcionam um processo de discussão em torno da língua
portuguesa, que envolve o nacionalismo lingüístico dos brasileiros e o temor pelos
portugueses de reconhecer o nascimento de uma nova língua. O sentimento de perda do
domínio político e de perda do domínio lingüístico sobre o Brasil é testemunhado nesses
documentos.
Transcreve-se um recorte de Cancioneiro Alegre (1879:519) que ilustra a
afirmação: Não o faz por menos, e prova-o n’esta canção que denota paiz novo e arvore
nova de muita seiva um pouco atacada de pulgão e lagarto. Nesse, Camilo Castelo
Branco, referindo-se à poesia , Canção Lógica , de Fagundes Varela, compara-a ao país
novo, mas atacado por pulgão e lagarto, revela, pois, ao estudioso da língua, a situação
de rivalidade entre os dois países, ao mesmo tempo em que documenta as marcas
gramaticais de seu tempo.
O Princípio da Adequação Teórica permite atualizar o documento, aproximando-
o, no processo de interpretação, das teorias e terminologias atuais, a fim de que o
homem atual possa analisá-lo com mais facilidade, ou seja, consiste no estabelecimento
de aproximações entre duas realidades lingüísticas: o vocabulário técnico do documento
analisado e a terminologia atual.
Cabe ao pesquisador, a priori, ter compreensão do passado no presente com base
no documento e, a posteriori, interpretar os dados registrados nele. Processa-se, por
esse princípio, uma atividade hermenêutica, cujo objetivo é destacar os fatos do
passado, mediados pelas preocupações do presente e torná-los, na atualidade,
socialmente úteis e necessários ao estudioso.
J. V. Nascimento enriquece o tema, ao lembrar o argumento de influência que
consiste em uma categoria de análise historiográfica, que abarca o contexto
sociocultural, marcado por inferências implícitas e explícitas assinaladas pelo autor, por
ser ele suscetível às idéias em circulação no momento da elaboração do documento.
A escolha lexical da amostra permite que se identifiquem as mudanças operadas
no vocabulário da Língua Portuguesa, no tocante ao Brasil e Portugal e confirma que
39
não há uma diferença sensível em relação à língua escrita dos dois países e que a
discussão sobre a língua brasileira independente da portuguesa, permanece hoje
revigorada, pois o método comparativo permite que se percebam as características
gramaticais entre os dois escritores de uma mesma língua, situados em continentes
diferentes.
A aplicação dos três princípios de K. Koerner proporciona a atualização do
documento em análise, tornando-o compreensível ao homem contemporâneo, pois
permite identificar, nos dias atuais, os indícios histórico-lingüísticos que remetem à
experiência historicamente acumulada. As marcas textuais, na atividade de
interpretação, associadas a dados histórico-culturais, conferem fidedignidade ao
documento como fonte de construção e legitimação do saber histórico , o que permite
que se torne ponto de partida para a pesquisa em Historiografia Lingüística, uma área
de conhecimento promissora no campo da Lingüística. Mesmo que as fontes
documentais não sejam um retrato exato da realidade, estão abertas à interpretação,
possível pela Historiografia Lingüística.
1.7. O Documento como fonte histórico-lingüística
O termo documentum, derivado de docere, ensinar. Passa a ser usado no sentido
de prova, no vocabulário legislativo; no século XVII, difunde-se como linguagem
jurídica, titres ex documents, e, posteriormente, no século XIX, atinge uma posição
histórica ao significar testemunho histórico. O documento, pela escola histórica
positivista do século XIX, passa a ser considerado como o fundamento do fato
histórico, ou seja, a prova histórica. Segundo J. Le Goff (2003), o documento triunfa
com a escola positivista, juntamente com o texto; a partir de então, a todo historiador
que tratasse da historiografia seria indispensável o documento.
Os fundadores da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, 1929,
sentem a necessidade de ampliar a noção de documento, admitindo não só o documento
escrito, mas também o ilustrado, o transmitido pelo som, pela imagem, ou de qualquer
outra maneira. A crítica ao documento inicia-se na Idade Média, consolida-se na
Renascença e aperfeiçoa-se com os positivistas, no afã da procura da autenticidade,
perseguindo os falsos e atribuindo uma importância fundamental à datação. Gera, assim,
uma crítica interna ou de autenticidade e uma externa de credibilidade. A externa visa a
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encontrar o original e determinar se o documento é falso ou verdadeiro e a crítica
interna tem por objetivo interpretar o significado do documento, a competência de seu
autor, sua sinceridade e exatidão, ou seja, as condições de produção do documento,
devendo ser minuciosamente analisadas.
Para J. Le Goff nenhum documento é inocente. Ao considerá-lo um fato
histórico, passa à categoria de monumento, que deve ser desestruturado e desmontado.
É tarefa do historiador, ao se deparar com um documento, procurar o que é falso, avaliar
a sua credibilidade e desmistificá-lo, pois só assim se transformará em fonte histórica. A
Historiografia Lingüística, por seus princípios, possibilita ao estudioso operar o
documento nessa perspectiva histórica, congregando a História e a Lingüística, pois tem
por fonte histórico-lingüística o documento escrito.
Os textos, referentes à polêmica entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco,
produzidos no século XIX, configuram-se como uma fonte histórica, pois, por seu
intermédio, se desvenda o contexto sociocultural e lingüístico da época da produção. A
obra escolhida para amostra desta dissertação compõe-se de um conjunto de textos,
publicados em livros, revistas e jornais, datados de 1879 e 1880 e são de autoria de dois
escritores de língua portuguesa: Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, visto que o
primeiro se utiliza da tribuna de jornalista, ao responder às críticas, feitas por Camilo
Castelo Branco ao poeta brasileiro Fagundes Varela. Veicula seus artigos à Revista
Brasileira e ao Jornal do Comércio, na seção Microcosmo.
O segundo serve-se dos livros: Cancioneiro Alegre dos Poetas Portugueses e
Brasileiros e Ecos Humorísticos do Minho – Carta ao Cruzeiro. A Biblioteca Nacional
tem compilado em um só volume os quatro livros referentes ao Ecos Humorísticos do
Minho, que servem de material para a amostra deste trabalho. Assim sendo, pode-se
afirmar que os textos polêmicos, escritos por Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco,
se constituem em um documento fidedigno, portanto, uma fonte histórico-lingüística
que se insere no rol dos documentos da História do Brasil.
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CAPÍTULO II
BRASIL E PORTUGAL NA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Língua Portuguesa
Última flor de Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Olavo Bilac, Poesia
2.1.Introdução
Ao iniciar este capítulo sobre a contextualização, achou-se por bem apresentar,
de maneira sucinta, a biografia dos contendores da polêmica estudada: Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco, pois os caminhos, trilhados por ambos, contribuem para o
melhor entendimento dos textos referentes à polêmica.
Em 3 de outubro de 1847 nasce no Rio de Janeiro, na Rua da América, antiga
Saco do Alferes, filho de Joaquim Ferreira Pimenta de Laet e Emília Constança Ferreira
de Laet, Carlos Maximiliano Pimenta de Laet, um dos contendores da polêmica ora
analisada. Diploma-se engenheiro-geógrafo, mas exerce funções alheias à sua formação.
Torna-se professor e diretor do Colégio Pedro II, poeta, político, jornalista ganhando
notoriedade por seu desempenho como polemista. É membro-fundador da Academia
Brasileira de Letras (ABL), na qual assume a cadeira n. 32, que tem como patrono
Manuel Araújo Porto-Alegre. Casa-se com Rita Angélica Mafra. Em 2 de dezembro de
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1927, O Jornal publica seu último artigo e, cinco dias mais tarde, vem a falecer, em sua
residência, vitimado por uma crise de nefrite, sendo sepultado no Cemitério de S.
Francisco de Xavier, quadra nº.12, carneiro nº. 4148.
No outro lado da contenda, está o português Camilo Castelo Branco, que a
deflagra, ao tecer comentários ofensivos a Fagundes Varela (1841-1875), na obra
Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros.
Nasce Camilo Castelo Branco em 16 de março de 1825, em Lisboa, na Rua D.
Rosa, tendo por pai, Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco e, quanto à mãe, há dois
registros de batismo: em um deles estão riscadas as palavras referentes ao nome da mãe
que era Jacinta Maria e, no outro, não se menciona o nome dela. Mas se trata da
senhora Jacinta Rosa do Espírito Santo, senhora casada e separada do marido.
Em 1843, C. Castelo Branco matricula-se na Escola Médico-Cirúrgica e na
Academia Politécnica, porém não consegue terminar. Não terminou nenhum curso em
que se matriculou e não foram poucos, assim como não realiza seu sonho de ser
funcionário público.
Em 1859, Ana Plácido abandona o marido e vai viver com C. Castelo Branco,
levando o filho de ambos, embora o pequeno Manuel Plácido fosse registrado como
filho de Pinheiro Alves, marido de Ana, que instaura um processo de adultério contra C.
Castelo Branco. Em razão disso, C. Castelo Branco fica preso na Cadeia da Relação,
sendo libertado em 1861.
Anos depois, é agraciado com o título de Visconde de Corrêa Botelho. Em 1 de
junho 1890, já cego, consulta um oculista de Aveiro, que diagnostica a sua cegueira
como incurável. Suicida-se com um tiro, nesse mesmo dia, pois não concebia viver
cego. Faleceu às cinco da tarde, aos sessenta e cinco anos, em São Miguel de Seide.
Segundo José Manuel Garcia (1981), C. Castelo Branco é o escritor português
de sua geração que mais publica. Embora a qualidade do que produza seja diversa, é
considerado o melhor escritor do último quartel do século XIX, pois retrata, em suas
novelas, os conflitos dramáticos individuais e a sociedade em transformação.
43
2.2.Uma Família Real e duas Nações:Brasil e Portugal
A língua, por se inserir em um contexto sócio-histórico-cultural, deve ser
analisada à luz da história do povo a que pertence; logo, é inerente a esta pesquisa um
retorno ao Brasil do Segundo Reinado, para elucidar fatos e acompanhar as
transformações que a sociedade impõe e se faz sentir nos processos de codificação
gramatical, impregnados pelos ideais libertários e nacionalistas.
Destarte, torna-se necessário elucidar alguns fatos referentes à História de
Portugal, pois se constitui em outro cenário, pertinente à polêmica travada por Carlos de
Laet, polemista brasileiro e Camilo Castelo Branco, polemista português e pela qual se
entrelaça a história do Brasil.
Para Silvio Elia (2003), o século XIX tem início, somente, com a chegada da
Família Real ao Brasil, que se instala na cidade do Rio de Janeiro. É o primeiro passo à
Independência, que começa com a Conjuração Mineira e é consumada pelo Grito do
Ipiranga que determina, também, o nascimento da nação brasileira.
Esse século, marcado pelas regências, pela maioridade de D. Pedro e pela
Proclamação da República, caracteriza-se por ser o século que define os caminhos do
Brasil. É, nesse século, que Portugal traça seus novos rumos, incentivado pelo
aprofundamento da crise econômica, pela presença de William Carr Beresford, com sua
hegemonia, pelo desejo dos portugueses do regresso da Corte a Portugal e pela
consagração do liberalismo político.
Em Portugal, o liberalismo político traz em seu bojo a ascensão da burguesia,
que é a classe dominante, e o desenvolvimento do capitalismo agrário e industrial, tendo
como pano de fundo a passagem do Antigo Regime para a Era do Capitalismo, que
assola a Europa. Essa época, que vai de 1820 até aos dias atuais, é chamada de
contemporânea. Embasa-se no liberalismo que fundamenta a Monarquia Constitucional
(1820-1910) e a República (1910- 1926).
O período em que se desenrola a polêmica apresentada corresponde ao da
Monarquia Constitucional, época em que nasce e vive o escritor Camilo Castelo Branco
(1825-1890) que retrata, em seus escritos, a marca desse momento histórico. A
Monarquia Constitucional portuguesa divide-se em três fases: a primeira fase (1820-
1834) corresponde ao período de instauração do sistema liberal; a segunda, corresponde
à consolidação do liberalismo, e a terceira, à Proclamação da República, em 1910.
44
A última fase é importante a este estudo, por ser o espaço temporal dos textos
relativos à polêmica, analisada neste trabalho, que é marcada pela estabilidade, ainda
que relativa, do sistema liberal. Inicia –se com a Convenção de Gramido, em 1847, que
pôs fim à Patuleia, mas que só se consolida depois do Golpe de Estado, em 1851. José
Manuel Garcia (1981) apresenta como preponderante, nesse período, a transformação
interna e política de Portugal, motivada, principalmente, pelas leituras de obras
francesas e de jornais e revistas que são impressos, na Inglaterra, por intelectuais
liberais portugueses, exilados na segunda década do século XIX.
Dá-se início ao movimento liberal na cidade do Porto com a burguesia que se
acha lesada em relação a Lisboa e insatisfeita com os prejuízos advindos do comércio
brasileiro, que afetam as suas atividades. A crise portuguesa agrava-se, culminando com
a Constituição, aprovada em 1822, já que tem posições muito progressistas para a época
como: a separação dos três poderes; a recusa do veto absoluto do rei; a existência de
uma única Câmara Legislativa; a obrigatoriedade do juramento à Constituição; o
reconhecimento da liberdade de expressão e de associação, além de conceder amplo
poder às Cortes. Entretanto, a economia ganha novas forças, principalmente, com a
fundação do Banco de Lisboa , em 1821, que é o primeiro estabelecimento do gênero
em Portugal.
O Brasil é tido como um dos problemas do governo e das Cortes, pois nele
reside o Rei de Portugal, propiciando à burguesia colonial uma grande autonomia em
relação à Inglaterra, que a apóia. A Colônia desliga-se da Metrópole, pois possui
tribunais e organismos governamentais, facultados pela presença da Corte portuguesa
em suas terras: a Colônia governa a Metrópole. As Cortes Liberais, percebendo o perigo
da situação, procuram reduzir esses poderes, fato que acelera a revolta independentista
brasileira, simbolizada no Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, quando D.
Pedro se torna imperador do Brasil.
O rei D. João VI, no entanto, era pouco conceituado devido às atitudes que toma,
pois o retrato que dele traçam é de um soberano fraco, que foge para o Brasil quando
das invasões francesas; foge para Portugal, quando das revoltas no Brasil em 1821.
Mas, a favor do soberano leva-se, em conta, o fato de ele estar entre duas poderosas
forças sociais: de um lado a burguesia, que deseja a modernidade e de outro, os nobres e
parte do clero, que desejam a manutenção da ordem tradicional.
D João VI, não tendo outra opção, retorna a Portugal com a mulher, a rainha
Carlota Joaquina, e com o filho D. Miguel, deixando no Brasil o filho Pedro, seu
45
primogênito, como regente. Lá, se submete às condições dos liberais, mas a rainha e seu
filho Miguel negam-se a seguir os novos ditames, incentivando uma reação antiliberal,
apoiada por elementos do clero e nobreza.
Com o falecimento de D. João VI, acirra-se a luta pela disputa do trono; poucos
não são os que apontam D. Miguel como seu sucessor legítimo, por entenderem que D.
Pedro, por ser imperador do Brasil, não é mais herdeiro da coroa portuguesa. A corrente
liberal, no entanto, impõe as regras tradicionais de sucessão, que exige a entrega da
coroa ao filho mais velho, nesse caso, D.Pedro, pois deseja uma confederação entre
Portugal e Brasil.
A guerra civil era iminente em Portugal, o que obriga D. Pedro a abdicar do
trono português em favor da filha D. Maria da Glória, pactuando o casamento dela com
o tio D. Miguel, que se obriga a respeitar a Carta Constitucional (1826), outorgada pelo
então imperador do Brasil.
A nova constituição entra em vigor em 1822, surpreendida pela declaração
unilateral da independência do Brasil, fato que enseja as tentativas de golpes de Estado
de D. Miguel, encorajados por sua mãe D. Carlota Joaquina: o da Vilafrancada (1823) e
da Abrilada (1824). Essas intervenções obrigam D. João VI a exilar seu filho D. Miguel.
Amadeu Carvalho Homem (2001) explica que a Constituição de 1822 consagra
o princípio de soberania nacional, enquanto a Carta reconhece o rei como soberano. A
Constituição determina a tripartição dos poderes, reduzindo o rei a uma figura simbólica
e coloca a Câmara dos Deputados no eixo da vida política. A Carta Constitucional de
1826, no entanto, destina ao poder moderador um papel arbitral e censório sobre os
demais poderes.
No Brasil, nesse período, a situação não é tranqüila, pois D. Pedro I tem de
enfrentar algumas revoltas no norte do país contra o ato do Ipiranga, além do fato de
Portugal reconhecer a independência, apenas em 1825. Em 1824, D. Pedro outorga a
primeira Constituição brasileira, fato que desperta numerosas ocorrências de repúdio, e
culminam com a união de províncias que desejam fundar a Confederação do Equador,
porém não lograram êxito e D.Pedro consolida a Independência do Brasil.
Para Portugal, a independência da Colônia tem sérias implicações político-
econômicas, pois não se trata de qualquer colônia. Não é uma colônia de povoamento
ou um espaço de realização da política de fomento do Império português, mas se
constitui em uma colônia de exploração, que propicia um superlucro, destinado a
incrementar o desenvolvimento e crescimento da economia portuguesa, que está
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alicerçada na tríade latifúndio – monocultura – escravidão ou regime exclusivo utilizado
pelos mineradores.
A relação entre a colônia brasileira e a metrópole portuguesa se realiza,
embasada no monopólio mercantil que fica restrito à metrópole, obrigando-a a elaborar
uma política protecionista que exige medidas impopulares, no âmbito fiscal e militar,
para a sua concretização. A função precípua da colônia é, portanto, a de acelerar a
acumulação primitiva de capitais e produzir excedentes por meio da comercialização
dos produtos coloniais nos mercados europeus. Esses lucros beneficiam diretamente a
burguesia mercantil do Reino e a elite aristocrática, incrustada no aparelho do Estado.
Os lucros são de monopólio, pois expressam a exclusividade da compra dos
produtos coloniais a preços baixos, o que garante altos lucros de revenda; em
contrapartida, a colônia , também, se abastece com produtos produzidos na metrópole
ou adquiridos nos mercados continentais, igualmente possuidores de vantagens
excepcionais.
Essas implicações afetam não só a Portugal como ao Brasil, que, após a
independência, tem seus rumos alterados, perfilando-se, na maioria das vezes, com a
Inglaterra. D. Pedro I consolida a independência, luta contra rebeliões locais, assina a
primeira constituição brasileira e, ao voltar a Portugal, impelido por questões políticas,
aqui deixa seu filho D.Pedro II. Os liberais, então, apressam a ascensão de Dom Pedro
II ao trono, promovendo no Congresso a antecipação da maioridade do rei, ao
interpretar à sua maneira o Ato Adicional.
Consoante Boris Fausto (1996), a antecipação da maioridade de Pedro II,
politicamente, é um golpe liberal na regência conservadora de Araújo Lima, pois, do
ponto de vista legal, o Imperador atingiria a maioridade ao completar 18 anos. Funda-se
um clube da maioridade que pressiona a regência para a dispensa da idade exigida por
lei. E, assim, é proclamada a maioridade do jovem Pedro, iniciando-se o Segundo
Reinado que dura quase meio século e divide-se historicamente em três fases distintas: a
primeira fase é a das lutas civis até a Revolução Praieira; a segunda, das lutas externas,
encerrada com a Guerra do Paraguai e a terceira, das campanhas abolicionista e
republicana.
Constam da primeira fase as sublevações nacionalistas como a Balaiada, 1839,
no Maranhão; em São Paulo, o movimento liderado por Tobias de Aguiar e em
Pernambuco a Revolução Praieira. A mais famosa foi a dos Farrapos ou Farroupilha, no
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Rio Grande do Sul, que durou 10 anos, período em que se proclamou a República do
Piratini.
Na segunda fase, tem-se a Guerra do Paraguai, motivada pela questão das
fronteiras, insuflada pelo ditador Francisco Solano Lopes, ao capturar um navio de
passageiros - o Marquês de Olinda. O Brasil, Uruguai e Argentina uniram-se e
formaram a Tríplice Aliança contra Lopes.
Os fatos mais relevantes dessa guerra foram os protagonizados pelo Brasil na
Batalha do Riachuelo com a rendição de Uruguaiana, na derrota de Curupaiti e na
Retirada da Laguna sob temporal, tendo as tropas quase dizimadas pela cólera, frio e
fome. Em 1868, os navios brasileiros rompem a barragem de Humaitá e atravessam a
ponte de Itororó. Em 1870, Lopes é capturado e morto, pondo fim à Guerra do Paraguai.
Segundo Sylvio Romero, em prefácio à obra de Tobias Barreto, Vários Escritos
(1929), a Guerra do Paraguai pôs em relevo os defeitos da organização militar brasileira
e os parcos progressos sociais na questão dos cativos, demonstrando a chaga aberta da
escravidão. Para Caio Prado Júnior (2000), essa guerra acarretou uma interrupção
profunda no progresso do país, envolvendo-o, durante cinco anos, na mais séria crise
internacional de sua história. O Brasil sai vitorioso, mas combalido.
Do ponto de vista econômico, os resultados são nulos, pois o Paraguai não tem
recursos para saldar sua dívida de guerra. O único resultado positivo é o franqueamento
definitivo da navegação dos Rios Paraguai e Paraná, de grande importância aos
brasileiros, pois garante a comunicação com a província de Mato Grosso. Os brasileiros
não obtêm resultados econômicos positivos com a Guerra do Paraguai, além de
comprometer as finanças, pois o Império não consegue mais equilibrar seu orçamento
que já é bastante precário.
Havia, nesta época, dois grandes partidos: o Liberal e o Conservador que se
revezam no poder. Em 1868, chamado de Conciliação, os liberais fundam o Partido
Liberal Radical, que dá origem, em 1870, ao Partido Republicano, que sela o declínio
do Segundo Reinado.
D. Pedro II exerce o Poder Moderador, que lhe é outorgado pela Constituição de
1824 sob a forma de governo parlamentarista, segundo a qual os ministros de estados
governam em comunhão com a Câmara dos Deputados. Mas, como o imperador usa as
prerrogativas do Poder Moderador que lhe confere uma considerável soma de
atribuições, o que realmente existe é um sistema político imperial, sobre a carapuça de
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um parlamentarismo. Esse sistema, no entanto, não gera instabilidade, pois permite o
rodízio dos dois principais partidos no governo.
O Partido Conservador representa uma coalizão de proprietários rurais e
burocratas do governo, aos quais se juntam os grandes comerciantes preocupados com a
violência urbana. Tem por base regional, principalmente, a Bahia e Pernambuco e
assentam seus ideais em um governo central, dotado de grande autoridade.
O Partido Liberal congraça os proprietários rurais e os profissionais liberais e
suas bases regionais são mais fortes em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Deseja a descentralização e suas propostas surgem em decorrência da presença de
profissionais liberais urbanos em suas fileiras, presença que se torna significativa a
partir de 1860, graças ao desenvolvimento das cidades e ao aumento do número de
pessoas com educação superior.
Em São Paulo, devido às transformações socioeconômicas, nasce uma classe
oriunda da produção cafeeira, apoiada pela classe média urbana, que defende a
autonomia provincial, surgida da convicção de que as reformas descentralizadoras ou de
ampliação de representação não ocorrem nos quadros da monarquia. Dessa descrença,
nasce o movimento republicano.
Os republicanos reivindicam a descentralização política, o fim da Guarda
Nacional, reformas eleitorais, a extinção do Poder Moderador e a abolição da
escravatura, questões que afetam, de maneira profunda, a estrutura econômica e política
do Reinado e que o conduzem à falência.
A segunda-metade do século XIX, conforme Caio Prado Júnior (1998) assinala,
é o momento de maior transformação econômica na vida brasileira, resultado,
principalmente, da emancipação do país da tutela política e econômica de Portugal.
Trata-se do momento de expansão das forças produtivas brasileiras e da remodelação da
vida material do Brasil.
2.3.Uma língua e duas nações: Brasil e Portugal
Para C. Cunha (1994), a origem do Português é rural, pois nasce no campo,
sendo uma língua de contrastes, ora se apresenta conservadora, ora em um processo de
progressões; língua de cléricos e notórios, língua de guerreiros e conquistadores.Embora
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mais apta à poesia apresenta todas as liberdades e indecisões que caracterizam as
línguas de base rural.
Portugal é um país de civilização rural e pouco sofre a influência da cidade,
fixadora da boa norma da língua. O Brasil colonial é, também, rural em essência, sem a
preocupação em edificar cidades, berço de vida cultural e educacional, pois estas não
passam de postos de comércio e de um lugar para a realização das festividades
religiosas, não exercendo, por isso, nenhuma influência sobre a língua falada. A classe
dominante origina-se no mundo rural, vinda dos engenhos, das fazendas para as sedes
administrativas urbanas.
S. Elia (1979), citando Capistrano de Abreu, salienta que é a geografia do gado
que realiza a unidade nacional, pois foi no lombo do gado que a unidade lingüística é
assegurada. É no lombo do burro e na pata de boi que o interior é conquistado e
integrado à cultura dos conquistadores. O ponto de partida é, pois, o litoral.
Conforme Serafim da Silva Neto (1952), a história de uma língua não se
constitui em um acontecimento previsível, não se soluciona como problema
matemático, porque ela se modifica através do tempo. A evolução da língua não é coisa
feita e acabada, mas uma atividade em movimento, logo, para entendê-la é necessário
que se percorra século por século, o seu desenvolvimento. A história de uma língua não
é um esquema rigorosamente preestabelecido, não é um problema algébrico. A evolução
é complexa e melindrosa, relacionada com mil acidentes, cruzada, recruzada e
entrecruzada – porque não apresenta a evolução de uma coisa acabada, mas as
vicissitudes de uma atividade em perpétuo movimento.
M. de S. Almeida (2005) divide a história da Língua Portuguesa em quatro
períodos, visto que esta pesquisa se desenrola no terceiro período, iniciado na segunda
metade do século XVIII com a institucionalização da língua portuguesa, quando esta
ganha uma nova maneira de ser, graças às diferenças étnicas, culturais e locais, findando
com a Semana de Arte Moderna. Essa fase apresenta o seguinte dualismo:
conservadorismo versus nacionalismo, gerando a polaridade entre língua escrita e língua
falada, evidenciada no processo de gramatização.
No Brasil, o processo de gramatização tem duas correntes: os autores que
reproduzem a língua oficial, por optarem por modelos consagrados pelos gramáticos
portugueses, sem interferência das idéias nacionalistas que grassam nos meios
acadêmicos e os gramáticos e filólogos, que se pautam nas normas e usos, mas que não
assumem, totalmente, a brasilidade lingüística.
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Segundo S. Auroux (1992), com base nas gramáticas que são publicadas no
Brasil, na segunda década do século XIX, tendo como divisor de águas a de Júlio
Ribeiro, é que se inicia o processo de gramatização do Brasil, que se realiza em meio às
polêmicas de José de Alencar e Pinheiro Chagas, em 1870, e de Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco, que tratam de especificidades da língua falada no Brasil.
Desenvolve-se, ainda, nesse período a literatura romântica, que, alicerçada na
auto-afirmação de um país recém-independente, deseja estender essa autonomia a todos
os campos da atividade humana, inclusive o da cultura, que carrega no bojo a língua. Ao
procurar identidade própria, propicia à língua portuguesa um jeito diferente de ser.
O romantismo sustenta-se no nacionalismo, pois procura resgatar as raízes
culturais e criar um herói nacional. Esse movimento é considerado por alguns autores o
precursor da Literatura Brasileira, fato contestado devido à distância entre as
publicações literárias e a realidade brasileira. Assim visto, o nacionalismo e a
valorização do passado cultural não passam de cópia dos modelos europeus. Conforme
esclarece M. S. Almeida (op.cit. p. 41), tudo é cópia e mal feita da produção romântica
européia, apesar da história, que é a matéria-prima para a proposta temática dos
românticos e da expressão lingüística própria não faltarem aos escritores.
S. Elias (2003) apresenta o século XIX como o do nascimento da literatura
brasileira. Divide-se esse período em fase colonial e fase nacional ou fase de transição,
por ser a passagem de um estado colonial a outro nacional.
Afrânio Coutinho, em sua obra A Tradição Afortunada, faz um estudo da
evolução do pensamento crítico brasileiro do século XIX, visto à luz do nacionalismo e
analisa diversos autores independentes de seu tempo e de sua personalidade. Torna-se o
pioneiro da Nova Crítica, no Brasil.
A. Coutinho confirma a existência de um instinto de nacionalidade, que
exemplifica com Machado de Assis. Apresenta como aspecto relevante da questão a
passagem do sentimento nativista ao pensamento nacionalista. O nativismo é
descritivista, exterior, nomeia os frutos, os sabores, o vôo e o gorjeio das aves, fala da
natureza, do céu e dos mares. O nacionalismo desloca este amor à terra, à Nação, às
coisas, às pessoas, da natureza para a cultura.
O Romantismo caracteriza-se por ter no homem seu elemento permanente. Esse
movimento, em face ao classicismo, prega a emergência de um novo estado de espírito,
fruto do iluminismo, quando o poder da razão humana prevalece sobre o poder
espiritual. Em outra face, a do anticlassicismo, se apresenta como Naturalismo e,
51
posteriormente, toma a forma de indianismo ao exaltar o silvícola, o bom selvagem,
apresentado no poema épico de Domingos José Gonçalves de Magalhães, A
Confederação dos Tamoios (1856), o qual é considerado o introdutor do romantismo
no Brasil, com sua obra Suspiros Poéticos e Saudades (1836), impressos em Paris, mas
que, na verdade, reafirma a revificação da cultura dentro dos moldes europeus.
Destacam-se, nesse período, na poesia, como indianistas o maranhense Antônio
Gonçalves Dias com o poema Os Timbiras e, na prosa, José de Alencar com o romance
de fundo histórico O Guarani, que serve de inspiração a Carlos Gomes. Escreve, ainda,
o romance Iracema, a virgem dos lábios de mel, nome próprio que é anagrama de
América, e Ubirajara. Compôs romances com perfis de mulheres, como Lucíola, Diva,
A Pata da Gazela, Senhora, Encarnação; históricos: Guerra dos Mascates, As Minas de
Prata, O Garatuja; regionalistas: O Gaúcho, O Sertanejo, Til, O Tronco de Ipê e
urbanos Cinco Minutos, Sonhos d’Ouro.
Teixeira e Sousa inaugura o gênero romance no Brasil com O Filho de
Pescador (1843), Joaquim Manuel Macedo (1820-1882) destaca-se com o romance A
Moreninha, que ainda encanta as novas gerações e Manuel Antônio de Almeida, por sua
obra As Memórias de um Sargento de Milícias (1854), é considerado por José Montello
o antecipador do realismo literário no romance brasileiro.
Os nomes mais expressivos desse período são Álvares de Azevedo, Casimiro de
Abreu, Castro Alves e Fagundes Varela. Álvares de Azevedo morre ao completar 21
anos e sua obra é toda póstuma. A principal é a Lira dos Vinte Anos (1853), unindo ao
escrever talento e desespero. Casimiro de Abreu morre, precocemente, antes dos 22
anos; consideram-no o poeta do amor e da saudade. Redige um único livro de poesias
Primavera, publicado em vida. A linguagem é simples e melodiosa. Ama a terra natal,
as raparigas em flor e o encanto de viver. Todos cantam a sua terra também vou cantar
a minha, essa quadrinha, em sua singeleza, exala a brasilidade.
Castro Alves é a antítese de Casimiro. É respeitado pelos românticos, por sua
luta contra a escravatura, é o poeta da poesia social. Entre as suas poesias abolicionistas
destacam-se Vozes da África, O Navio Negreiro, Os Escravos e, entre as líricas
destacam-se Adormecida, Hebréia, O Gondoleiro do Amor. Falece aos 24 anos. Já Luís
Nicolau Fagundes Varela (1841-1875), nascido no Rio de Janeiro, publica, entre outros,
as poesias Noturnas, O Estandarte Auriverde, Vozes da América, e Cântico do Calvário
que são de cunho nacionalista.
52
O romantismo impulsiona a literatura brasileira com os primeiros poetas como
Castro Alves, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e os romancistas como José de
Alencar, Joaquim Manuel de Macedo. Também o teatro merece destaque com Martins
Pena, além de historiadores, cientistas e eruditos como os Pereiras da Silva, os
Franciscos A. Varnhagen, os Celso Magalhães; enfim, todos assumem a condição de
brasileiros, edificando, pouco a pouco, o alicerce da nossa identidade cultural.
A questão da língua portuguesa no Brasil ou língua brasileira surge no século
XIX. Dois fatores contribuem para isso: a Independência que possibilita aos brasileiros
cuidar dos problemas relativos à língua herdada e o movimento romântico que busca, na
alma do povo,as bases da cultura nacional. Não é tarefa fácil, pois a elite cultural tem,
em suas fileiras, letrados portugueses. A questão é como separar o que já é brasileiro do
que permanece português, e, como resposta a essa questão, surgem as polêmicas em
torno da existência de uma língua brasileira.
A primeira grande polêmica é travada entre o romancista brasileiro José de
Alencar e o publicista português Pinheiro Chagas. O motivo da discórdia é o livro
Iracema de José de Alencar. Pinheiro Chagas louva o literato, mas censura o escritor
por infringir regras gramaticais, acusando-o de querer tornar o português em uso no
Brasil diferente do português europeu.
Gladstone Chaves de Melo (1955) salienta que José de Alencar se defende das
acusações, utilizando o português clássico, escrevendo em língua portuguesa com estilo
brasileiro. Ao justificar sua posição, evoca a tripartição de Eugenio Coseriu, entre
sistema, norma e fala. O sistema é virtual e de possibilidades; a língua é real, pois
consiste na realização histórica do sistema. Explica, então, que a mudança da língua só
pode ocorrer, quando há mudança de sistema.
Outra polêmica digna de registro é a que constitui a amostra desta dissertação,
travada entre o jornalista e professor brasileiro Carlos de Laet e o escritor português
Camilo Castelo Branco, entre 1879 e 1880, considerada por alguns como célebre.
Sucedem-se réplicas e tréplicas entre os polemistas, restando desse episódio o
sentimento justo dos brasileiros de participarem em paridade com os portugueses nas
questões de língua.
Nesse período, a responsabilidade pela educação do povo torna-se dever de
Estado e, para atender à nova situação, surgem compêndios destinados às escolas.
Aparecem as primeiras gramáticas escritas por autores brasileiros como a Grammatica
Portugueza, de Júlio Ribeiro, que rompe com a tradição humanista, ao se embasar no
53
positivismo nascente. Outras gramáticas invadem as tipografias, como A Nova
Gramática Analítica da Língua Portuguesa (1881), Os Princípios de Gramática
Histórica e Comparada, de A. Estevão da Costa Cunha (1883).
Ao se tratar de lexicografia, destaca-se a Coleção de Vocábulos e Frases usados
na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em 1888, que é um Dicionário
Brasileiro de Língua Portuguesa, escrito por Antonio Joaquim de Macedo Soares; em
1889, é publicado o Dicionário de Vocábulos Brasileiros, do Visconde de Baurepaire
Rohan.
No século XIX, fundam-se grandes instituições culturais: o Colégio Pedro II,
em 1837; o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838; a Academia Brasileira
de Letras, em 1897, que não impedem o distanciamento da língua de Camões no léxico,
na literatura, na pronúncia e na oralidade. Esse período consolida a consciência cultural
brasileira e fortalece o espírito de nacionalidade por meio de um nacionalismo
lingüístico nascente.
Já, em Portugal, o século XIX, em seu segundo quartel, em questões de
literatura, é marcado também pelo movimento do romantismo, que se ampara no
liberalismo, impulsionado pela burguesia que aspira a uma renovação das atitudes
literárias, em que se devem sobressair o avivamento dos sentimentos íntimos, a
liberdade, a independência da imaginação e o amor pela natureza, permeados por novas
aspirações filosóficas e religiosas. Lá, o nacionalismo consiste num retorno à Idade
Média.
Para S. da Silva Neto (1952), Portugal conhece, no século XIX, um crescimento
literário, que, em relação aos séculos passados, parece uma ressurreição, pois é, nesse
período, que surgem três gerações de grande expressão literária: a primeira, de 1799 a
1810, que rompe com a escola clássica e introduz o Romantismo em Portugal, é
representada por três nomes: Almeida Garrett (1799-1854), Alexandre Herculano
(1810- 1877) e F. Castilho ( 1800-1875).
Em 1825,A. Garrett publica o poema Camões; anos depois, F. Castilho, A Noite
no Castelo (1836) e Ciúmes do Bardo (1838), posteriormente, A. Herculano, os
romances: Eurico, o Presbítero (1844) e o Monge de Cister (1848), livros que
marcaram as mudanças literárias que caracterizaram o século XIX.
Essa geração é renovadora sob o aspecto literário, mas, do ponto de vista da
língua, não consegue se desprender dos modelos do século XVI e XVII, talvez porque
A. Herculano seja historiador, voltado, portanto, às lições do passado. F. Castilho nunca
54
deixa de ser um árcade; apenas A. Garrett articula a prosa com a linguagem falada em
seu tempo, principalmente, em sua obra Viagens na minha terra.
Dos três expoentes do romantismo português: A. Garrett, A. Herculano e F.
Castilho, somente o último, em 1865, está em plena atividade. A. Garrett morre em
1854, A. Herculano dedica-se à sua quinta em Val-de-Lobos, isolando-se do mundo
literário, F. Castilho continua nas lidas acadêmicas entre aplausos e críticas, atraindo
sobre si a ira dos novos literatos, fato que culmina na Renovação Coimbrã, em 1865.
A segunda geração compõe-se de Rebelo da Silva (1822-1871), Andrade Corvo
(1824-1890), Camilo Castelo Branco (1825-1890) Arnaldo Gama (1828-1860), Tomás
Ribeiro (1831-1901), entre outros. Destaca-se entre eles Camilo Castelo Branco,
romancista, teatrólogo, crítico e ensaísta. Domina a língua portuguesa e utiliza-a com
maestria, principalmente, no romance Amor de Perdição, mas não deixa de se abeberar
na linguagem provincial, com seus traços arcaizantes. C.Castelo Branco, desafiador de
C. de Laet, na polêmica analisada, notabiliza-se, também, na crítica, na biografia, na
narrativa, na polêmica e na sátira.
A terceira geração reúne: Ramalho Ortigão (1836-1915), Júlio Dinis (1839-
1871), Antero Quental (1842- 1891), Eça de Queirós (1843-1900), entre outros nomes
de menor envergadura. Esse grupo representa, ao apagar das luzes do século XIX, a
renovação, no tocante à estética das letras, no que se refere à arte da prosa. Nasce, com
essa geração, uma prosa simples e dasataviada, sem preocupações clássicas. Segundo S.
da Silva Neto (1952:577), representam a utilização artística da linguagem familiar
contemporânea, que seria como um retorno a A. Garrett.
A historiografia, nessa época, recebe apoio governamental, que dota a Academia
Real das Ciências para a publicação dos corpos documentais, prestigiando nomes como
Visconde de Santarém (1791-1856) e Pinheiro Chagas (1842-1895) que escreve a
História de Portugal, tornando-se célebre no teatro, na tribuna e na poesia.
Portugal conhece muitos filólogos, que lhe garantem um lugar de honra na
ciência de Bopp e Diez, entre eles Francisco Adolfo Coelho (1842-1919) autor, entre
outras, da obra A Língua Portuguesa (1868), Augusto Epifânio da Silva Dias (1841-
1916), com a Gramática da Língua Portuguesa e Sintaxe Histórica Portuguesa, e
outras, Cândido de Figueiredo (1846-1925) com as Questões da Língua Portuguesa,
Lições do português contemporâneo e o Novo Dicionário da Língua Portuguesa e
Leite de Vasconcelos, mestre da filologia moderna em Portugal e da Língua Portuguesa,
55
deixa inúmeras obras entre elas: Estudos da Filologia Galega e Lições de Filologia
Portuguesa.
Nesse clima de opinião é que se produz o documento que é objeto de análise
desta dissertação, formulado sob a égide da gramatização e do método comparativo,
referendado pelo positivismo e marcado pelo declinar das Monarquias brasileira e
portuguesa, último quartel do século XIX, pois demonstra a influência desse contexto
histórico-cultural, materializada em seus escritos.
2.4.A Língua portuguesa no Brasil e na Europa
A questão da língua portuguesa tem despertado paixões no decorrer dos séculos.
No século XVI, João de Barros defende a língua portuguesa da língua latina no Diálogo
em louvor de nossa linguagem e Pêro Magalhães de Gândavo em seu livro Diálogo em
defensa da língua portuguesa, de 1574, defende-a da língua espanhola.
No Brasil, o século XIX é marcado pelo acirramento da questão sobre o
português europeu e o português brasileiro. As duas correntes que se formam: a
tradicionalista e a nacionalista, movem-se em clima de paixão. Celso Cunha (1994:15)
expõe que ...os problemas da língua derivaram naturalmente para o conflito de
paixões e confluíram para dois pólos: um, de um purismo exagerado, e o outro, de uma
língua nacional própria, desvinculada da língua portuguesa.
Às vésperas da Independência, as normas gramaticais são obedecidas
passivamente pelos letrados da colônia, que, dessa forma, mantêm a língua culta
unificada, mas, em decorrência do artificialismo da unificação, a distância aumenta
entre as duas formas de linguagem: a transmitida e a adquirida, dificultando a
comunicação e gerando um fosso entre a língua escrita e a falada. A luta para diminuir
essa distância se confunde, nos espíritos lúcidos, com a própria luta pela formação de
uma literatura brasileira.
Os brasileiros, imbuídos dos ideais libertários, surgidos com a Revolução
Francesa, desejam libertar, também, a língua do jugo lusitano. Os românticos são
ousados na teoria, mas retraídos na prática. O próprio Alencar que chega a falar em
língua brasileira e a teorizar sobre o assunto, na verdade, não pretende criar uma língua
nova nem levar a língua popular ao status de língua literária. O que almeja é uma maior
56
flexibilização da expressão, a legitimação de termos brasileiros e uma sintaxe mais
independente das normas portuguesas.
A idéia de que a Europa detém por direito o mercado da cultura é aceita por
muitos. José de Alencar luta contra essa hegemonia, utilizando, como arma, sua pena.
Causa muita discussão e levanta polêmicas. Não é, de início, criticado pela idealização
do indígena, mas por seu vocabulário, expressão lingüística e pela sintaxe. Ele teima em
desobedecer aos cânones portugueses, pois defende uma maior aproximação entre a
língua escrita e a falada.
Essa posição de independência provoca uma reação na metrópole, culminando
na polêmica com Pinheiro Chagas. A reação antilusitana prende-se mais à questão de
estilo do que propriamente da língua, tendo em Henrique Leal, um dos oponentes que o
critica pelas inovações lingüísticas, pois entende que os brasileiros descendem de
Portugal e a língua é a portuguesa.
As questões referentes à Língua Portuguesa motivam esta dissertação a enfocar o
tema da existência de uma única língua portuguesa ou de uma língua portuguesa
européia e uma língua portuguesa brasileira, pois a polêmica travada entre Carlos de
Laet e Camilo Castelo Branco retrata o clima da época.
A discussão sobre o português em uso no Brasil resume-se, ainda hoje, no
embate com as regras gramaticais inflexíveis dos puristas e dos gramáticos retrógrados
que teimam em não aceitar as inovações. Constitui-se em um ato de rebeldia contra uma
ordem arbitrária. O opressivo contexto social, mais espírito que realidade, proporciona a
tese de que a língua brasileira não pode ser formulada como um corpo de doutrinas
coerentes, porém o próprio Mário de Andrade, expoente maior da Semana de Arte
Moderna, em 1922, não escreve a sua Gramatiquinha Da Fala Brasileira, que promete.
O critério de escolha dos estudiosos da língua abaixo elencados foi feito segundo
renomada competência e dedicação com que tratam a questão da Língua Portuguesa.
Em 1921, Visconde de Taunay expõe que as modificações da Língua Portuguesa
são mais profundas no Brasil do que em Portugal. Explica que há variados elementos
para se constituir, senão um novo idioma, pelos menos um importantíssimo dialeto,
pois, para isso, concorrem vários elementos, não só advindos do léxico e locuções do
tupi-guarani, como também os das línguas africanas.
Segundo o V. de Taunay, há palavras que, em Portugal, têm significado diverso
do que possuem no Brasil, assim moço e moça são empregados para significar criados,
ou gente do serviço doméstico e rural. Aqui exprimem o estado de mocidade e se
57
aplicam a todas as pessoas nessa condição, independentemente da posição social. A
palavra tipóia, de origem tupi, quer dizer um aparelho para suspender por meio de um
lenço ou pano largo um braço doente, quebrado ou inchado. Em Lisboa, a palavra
tipóia, de procedência africana (angolense) significa carruagem velha, e, por analogia,
qualquer veículo de aluguel, da praça.
Outro curioso exemplo é a palavra chácara que, em Portugal, quer dizer
romance ou canção popular e aqui, espécie de quinta ou sítios nos arredores das cidades.
A palavra chácara, utilizada no Brasil, origina-se na língua quíchua e significa herdade
de cultivo e granja, adotada pelos espanhóis da América, entra para o nosso vocabulário
ao atravessar a fronteira do Rio Grande do Sul; a de Portugal, vem do espanhol ou
árabe e é grafada com x: xácara.
O Pará é a região do Brasil em que se encontra maior fidelidade ao português
europeu, pois há uma tendência de se mudar o som do o em u, dizendo enxufre e até
enxufar, chuberi, churari. O Marquês de Pombal acalenta o projeto de fazer de Belém,
no Pará, a capital do império lusitano, ao pretender estabelecer lá a corte portuguesa.
Edificam construções e obras importantes e imponentes na cidade, exigem um ensino do
português mais apurado e proibem dar nomes indígenas às localidades que se fundam,
além de trocar os nomes indígenas por nomes das povoações portuguesas. Concorre
para esse fato lingüístico a imigração de pessoas de melhor posição social, atraídas pelo
desenvolvimento comercial da região, mas a Corte lá não se estabelece.
Consoante o Visconde de Taunay (1921), a acentuação e a pronúncia do
português brasileiro se mostram em disparidade com o português de Portugal. No
Brasil, pronuncia-se a palavra de modo doce e pausado; valoriza-se cada sílaba, cada
letra diferente do que ocorre no além-mar, em que a pronúncia é mais rápida, eliminam-
se as vogais e carrega-se nas consoantes. Afirma, ainda, Taunay (1921:69): ... mas a
língua que falamos, senão formando, pelo menos arranjando ao nosso sabor, ganha
sensivelmente melodia e suavidade, nas transgressões em que incorre, perde energia e
vigor. O Visconde admite a possibilidade de estar em curso a formação de uma nova
língua, a brasileira, mas, ao mesmo tempo, aconselha o estudo dos clássicos, como o
mais seguro e sensato guia de Língua Portuguesa.
Os anos que antecedem à proclamação da Independência, são marcados pela
intensificação de um sentimento libertário nacional, de exaltação patriótica que culmina
na Independência, em 1822 e, em 1826, já há quem defenda a existência de uma língua
58
brasileira, mas é a partir de 1930, com o aumento do número de estudiosos da língua é
que surge um clima intelectual propício ao assunto.
G. C. de Melo, em relação à língua portuguesa no Brasil, apresenta duas
hipóteses: a primeira é a de que há a formação de um tipo lingüístico novo e diferente e
a segunda, é que existem divergências acidentais sobre a língua portuguesa , mas não
suficientes ao reconhecimento de uma língua brasileira. Enfatiza que, para se chegar a
um consenso sobre a existência de uma língua do Brasil diferente da de Portugal ou se
são dois aspectos da mesma língua, é necessário que se conheça o conceito de unidade
lingüística.
As línguas são fatos humanos, pois participam da variedade e instabilidade do
homem e das sociedades. Sofrem influências de vários fatores, que propiciam aspectos
lingüísticos diferentes, mas há nelas uma força unificadora, um elemento de coesão, que
se configura como o gênio da língua, o espírito da língua, a sua forma , tomada a
palavra no sentido ontológico, que a define como a variedade na unidade.
O autor apresenta três aspectos lingüísticos de referência obrigatória: os dialetos
que são aspectos regionais da língua, elaborados ao longo do tempo e que se
caracterizam pela espontaneidade de sua formação; as gírias próprias de grupos sociais
coesos, que modificam o vocabulário da língua, mas não a sua fonética, morfologia e
sintaxe, sendo semelhantes às linguagens técnicas e à língua comum ou coiné.
A língua é um elemento importante da cultura. Há uma estreita relação entre o
destino das línguas e o destino da cultura. Uma língua desaparece juntamente com a
desintegração de uma cultura, fato que torna verdadeira a equação unidade de cultura,
unidade de língua. Para Silvio Elia (1979), a questão da língua no Brasil se prende à do
destino da cultura, ao problema da cultura brasileira. Ela só se libertará quando romper
com a unidade cultural do velho mundo.
Os elementos portugueses da cultura brasileira mesclam-se com os elementos
indígenas e africanos, mas a verdade é que o elemento português prevalece. Sendo o
Brasil um país de cultura européia, é natural que reflita na língua essa unidade de
cultura. Do ponto de vista sociológico, há uma unidade lingüística entre Brasil e
Portugal.
Encontram-se, no português do Brasil, em relação ao português de Portugal,
marcas de um arcaísmo conservador como nos fatos sintáticos brasileiros, o pronome
lhe como objeto direto, e muitos fatos lingüísticos que, à primeira vista, parecem
59
brasileiros, mas que se apresentam em dialetos de além-mar, tais como os plebeísmos
andaro, fizero, buscaro.
G. C. de Melo explica que das línguas indígenas a que maior influência exerce
sobre o idioma português é o tupi. Era a língua da catequese e das bandeiras, fato
comprovado pela riqueza de topônimos brasileiros de origem indígena. O tupi contribui
de maneira significativa para o vocabulário da língua portuguesa e aparece em nomes
como Arati, Aracaju, Lambari, Taubaté, Ceará; na antroponímia como Baraúna,
Bartira, Guarani, Iara, Oiticica; na formação de nomes com radicais tupis com sufixos
portugueses como Cajazeira, Guanabarino, Mangabeira, Umbuzeiro; na flora, na
fauna e na fraseologia.
Para o autor, esse vocabulário novo é mais um estilo do que uma língua, dada a
adaptação das novas palavras ao tipo fonético de Portugal. O português da América
mantém, em parte, o antigo sistema sonoro português, a entonação e a pronúncia dos
séculos XVI e XVII; conserva muitos termos, muitas construções sintáticas da língua
antiga de Portugal. Muito do que se tem considerado influência indígena no português
são termos conservados da língua arcaica. Um exemplo é o nasalamento dito como tupi
que é um fato românico, mas não se pode negar que a influência tupi e a africana
estejam presentes no dialeto caipira e no dialeto crioulo.
A influência africana é mais vertical. Os negros convivem com os brancos,
falando um idioma deturpado, desfigurado, modificando-lhes articulações,
simplificando a morfologia, reduzindo-lhes desinências. São, pois, as mães-pretas que
ensinam milhares de brasileiros a falar. Aqueles que recebem o idioma dos negros
conservam peculiaridades dessa aprendizagem.
Vêm da África sete milhões de negros que adotam o português como segunda
língua, imprimem nele as suas marcas. Influenciam os índios e tupi-descendentes,
resultando no dialeto crioulo do tupi e, posteriormente, o dialeto crioulo tupi-
quimbundo, que lusifanizado se transformou em língua geral. Percebe-se a influência
das línguas africanas na morfologia, na simplificação e redução das flexões (os home ta
i). O verbo sofre, também, essa influência como, por exemplo, o presente do indicativo
do verbo comprar que é eu compro, tu compra, nóis compra, eis compra.
G.Chaves de Melo desmistifica vários casos que são considerados africanos ou
indígenas, mas que, segundo ele, vêm do românico como a evolução do nd para an nos
gerúndios falano por falando e acrescenta que, na sintaxe, a influência africana é quase
despercebida. Na influência horizontal, destaca a contribuição ao léxico, em que se
60
arrolam 359 vocábulos e explica que a língua não se configura no vocabulário, mas na
estrutura e complementa que, com a ascensão social e cultural das classes inferiores, a
tendência é atenuar ou desaparecerem as marcas deixadas pelo negro-escravo na
morfologia luso-brasileira.
G. C. de Melo (1946) defende a tese da existência de uma única língua
portuguesa, com variações advindas dos idiomas indígenas, africanos e de outros
imigrantes. Para ele, a cultura européia assimila as outras culturas aqui encontradas ou
que aqui se estabelecem.
Para E. P. Orlandi ( 2002:29), existe um português brasileiro e sua legitimação
ocorre sob duas situações enunciativas: a primeira, quando, a partir da memória, o
colonizador português reconhece as coisas, seres, acontecimentos e nomeia-os, porém,
ele o faz transportando elementos de sua memória lingüística, originando contornos
enunciativos diferenciados, que propiciará uma diferença de línguas, relação palavra
com palavra, e não de palavra com a coisa, o que resulta, sobre a língua, em um
trabalho de classificação, organização , definições em dicionários.
A segunda surge quando o português transportado estabelece, em seu próprio
campo de enunciação, a relação palavra-coisa, no Brasil em Portugal, iniciando-se um
espaço de interpretação com deslizamentos, efeitos metafóricos que historicizam a
língua, que produzem transferências, deslocamentos de memória (2002:29)
Em outro momento, E. P. Orlandi (2001), embasada em uma perspectiva
discursiva, manifesta-se a favor de duas línguas diferentes: o português brasileiro e o
português europeu. A autora apresenta os processos de significação que têm pertinência
com a língua nacional no contexto de culturas européia e ameríndia. Destaca a
construção imaginária da unidade e homogeneidade como pré-requisitos para a
formação da identidade em um país, com suas formas de governo e com uma língua
nacional.
Ao considerar o contato histórico e cultural entre as línguas, torna-se
fundamental o estudo da relação entre essas duas noções: língua imaginária e língua
fluida. A língua imaginária é aquela que os analistas fixam na sua sistematização
(gramáticas etc.) e língua fluida é aquela que não se imobiliza em sistemas ou fórmulas.
E. P. Orlandi expõe que todos os países colonizados funcionam com uma
identidade que chamaria de dupla. Fala-se a mesma língua do colonizador, mas se fala
diferente. As línguas são as mesmas, mas são marcadas, por se historicizarem de
61
maneiras distintas em relação à história de formação dos países. Nesta perspectiva, o
Brasil e Portugal, possuem a mesma língua, mas o contexto histórico-social é diferente.
O efeito de homogeneidade é o efeito da história da colonização. A
heterogeneidade é menos percebida, pois os processos históricos são poucos visíveis na
língua. Ao tratar do português, há distintos sistemas simbólicos, com distintas histórias,
mas que aparentam a mesma materialidade empírica. Somente através de uma reflexão
sobre a forma material, lingüística e histórica do português brasileiro é que se
desvelarão as diferenças existentes. O brasileiro significa de forma diferente do
português ao significar em português, pois existe uma duplicidade constitutiva, a
polissemia e a heterogeneidade, na base do exercício da língua; o português e o
brasileiro não têm o mesmo sentido. São línguas materialmente diferentes.
Ao se considerar a perspectiva discursiva de pensar a língua em seu
funcionamento e em sua história, há conseqüências no âmbito teórico e empírico. No
âmbito teórico, pois, ao se conceber a constituição de língua nacional em sua
historicidade, propicia-se a sua inscrição com métodos próprios, em um domínio
específico da história das ciências, que produz uma forma de conhecimento sobre a
língua em que sujeitos e sentidos se constroem, inserindo-a em uma epistemologia
histórica de descontinuidade e funcionamento.
A gramatização, em um país colonizado, trabalha sob um duplo eixo: da
universalização e do deslocamento. Ela instala seu direito à universalidade, garantindo
a unidade (imaginária) constitutiva de qualquer identidade; uma vez reconhecido, esse
processo admite as suas variedades.
Em síntese, segundo E. P. Orlandi (2002), a unidade lingüística brasileira é
construída sob uma língua ocidental instrumentada (gramática e dicionário) e provida de
uma escrita, tendo por filiação o latim, que a legitima.
2.4.1.Língua de Cultura e Norma Culta
Para Antônio Houaiss (1983), a língua portuguesa do Brasil em sua transmissão
e uso é uma língua de cultura, pois tem a tradição escrita, capaz de lidar com quaisquer
temas de quaisquer tempos e lugares, temas humanos e divinos, científicos ou poéticos,
62
particularistas ou universalistas, permitindo-lhe aspirar ao estatuto de língua de cultura
de ponta.
Apresenta a língua de cultura como um universo de práticas de comunicação e
expressão linguageiras que se fazem compreender dentro de certos níveis de análise,
mais ou menos numerosos, explicando que, por ser de cultura e cultura gráfica,
escrevem-se milhares de frases nessa língua, independentemente de território. O nível
ou eixo da extensão geográfica não interfere em textos escritos.
A língua vernácula é a que se aprende em casa desde o nascimento e é praticada
por uma maioria, gera uma unidade conivente com as diversidades de línguas e dialetos,
sendo adquirida no convívio sociocultural, a partir do nascimento e é dominada entre 12
e 13 anos, em um processo de aquisição que ninguém ensinou, corrigiu ou orientou.
As línguas de cultura, no entanto, consolidam-se pela transmissão sistematizada,
ministrada na escola; sendo, pois, o aprendizado decorrente de uma complexa
organização social; acontecendo, ao mesmo tempo, aprendizado da língua e aprendizado
de conteúdos (cognitivos, filosóficos, ideológicos) da língua de cultura.
Sabe-se que a língua é específica do ser humano, que depende do momento
cultural do povo que a fala ou a escreve. Mas se sabe que nem o povo é aquilo que a
língua e a cultura revelam, nem a língua em causa é assim sempre, nem a cultura em
causa deixa de ser fenômeno cultural e, por isso, historicamente condicionado e em
transformação, a potencialização e a atualização das suas variedades funcionais são
fatos de sua história cultural.
Todas as línguas do mundo são, em sua estrutura e tipologia, aptas a exprimir os
fatos humanos, desde que trabalhadas culturalmente para esse fim. Não existe língua
superior porque retrata um pensamento científico. A superioridade aparente de uma
língua sobre outra é uma superioridade cultural.
As línguas não diferem na sistemática e na estrutura, mas no vocabulário e na
pragmática de uso. Há dois milagres linguageiros humanos: um positivo que é a
isonomia sistêmica das línguas e outro negativo que só algumas línguas foram eleitas.
Conforme A. Houaiss (1992), isonomia estrutural das línguas e sua heteronomia
cultural fazem com que, virtualmente, todas as línguas sejam capazes de exprimir o que
qualquer outra exprima, mas admite que algumas atingiram um estágio cultural
qualificativo e quantitativo que lhes permitem exprimir o que outras não conseguem
fazer.
63
A isonomia estrutural postula uma heteronomia cultural. Mas, se o homem levar
em conta a axiologia ou valor das culturas humanas em confronto, ética, estética e
cientificamente, concluirá que as culturas têm uma isonomia, ou seja, nenhuma cultura
humana é superior à outra, que possa justificar a extinção de uma considerada inferior
pelos benefícios que lhe trará a chamada superior.
Há três estágios histórico-culturais linguageiros: o primeiro vai de 3 trilhões de
anos há 50 mil anos; um segundo, de 50 mil anos há 6 mil anos, período em que aparece
o estado e a divisão de classes, que privilegia a contabilidade, a mnemônica oral que se
associa à palavra; o terceiro, em que ocorre a formalização da literatura oral através da
literatura escrita, pois o linguajar mnemônico oral, as formas fixas, antecederam as
formas escritas. Este estágio foi marcado pela invenção da escrita.
Este fato tem por conseqüência a transformação da literatura oral em escrita,
determinando a posição de algumas línguas como de ponta e o esmagamento de línguas
ágrafas. Muda o conceito de reserva gráfica e mudam a mnemônica, a memória, a
capacidade de reportar-se, de referir-se, de lembrar-se do próprio homem.
As línguas modernas de cultura não possuem as mesmas perspectivas em relação
ao futuro. Agrupam-se em duas situações distintas: há línguas de cultura em que os
suportes geográficos e demográficos são ponderáveis, por exemplo, inglês, russo,
português; há línguas de cultura em que seus suportes culturais não estão apoiados por
uma política específica de culturalização crescente dos seus usuários, como o português,
com a lusofonia.
Ao se tratar do português, pode parecer uma preocupação desnecessária, pois
não faltam aqueles que argumentam que ela é a sétima língua mais falada do mundo,
potencializando um bilhão de habitantes, sem falar no potencial africano que tem no
português um instrumento de comunicação veicular e cultural, quiçá da própria língua
de cultura.
As línguas de cultura incorporam três grupos: grupo de línguas de cultura de
ponta em expansão, como inglês; grupos de línguas de cultura estáticas, tais como as
escandinavas e grupos de línguas de cultura jiboiantes, que, por deglutirem territórios e
povos, não entram na modernidade, como o flamengo e o holandês em bilingüismo com
o inglês.
A. Houaiss apresenta como critério ideal de pesquisa, o que se norteia pelo
critério de igualdade, explicando que, no plano do coloquial, oral, a pragmática
linguageira é dialetizada, ficando dependente da pragmática literária e quanto mais alto
64
o nível social dos falantes, mais unificação ocorre. No tocante à escrita, que é universal,
as variedades da lusofonia são quase imperceptíveis.
Em síntese, ser língua de cultura é realçar a face falada e, principalmente, a face
escrita. Ser língua escrita é dizer a possibilidade de se dirigir a interlocutores que sejam
universais na lusofonia ou de campanário, que se buscam na expressão falada.
Para C. Cunha (1985), a língua portuguesa é trazida para o Brasil em duas
modalidades: a oral e a escrita. A modalidade escrita segue os padrões cultos. Tanto é
verdade que o Padre José de Anchieta, espanhol, escreve poemas, cartas e sermões em
português, segundo a norma literária do tempo e, embora seja a sua segunda língua,
domina-a com conhecimento.
Os países soberanos possuem uma norma culta nacional, mas são conscientes da
existência das normas regionais, pois unidade lingüística não pressupõe uniformidade
normativa; logo, é essencial reconhecer a liberdade normativa.
A gramática nunca se descuida da regra, sua companheira, e, com o surgimento
do gerativismo transformacional, ganhou nova força. A Norma, no final do século
passado, transmigra do campo conceitual de bom, justo, desejável para o habitual,
freqüente, usual. Transportados esses termos ao campo lingüístico, assumem o sentido
contrário de anômalo (irregular), desvio em relação a uma média. Norma e normal
passam a transmitir conceitos descritivos; anômalo transmigra para a área normativa.
A norma passa a se identificar com o bom uso da língua e confunde-se com a
própria língua. O “bon usage”, no século XVII, é a forma lingüística empregada pela
parte mais sadia da Corte e pelos melhores escritores, refletindo as características
socioculturais e ideológicas da época. Celso Cunha apresenta a palavra norma
empregada em dois sentidos: um em uma situação objetiva e estatística, fruto da
observação; outro, relacionado a uma atitude subjetiva, envolvendo um sistema de
valores, fundamentando-se em E.Coseriu.
E. Coseriu (1979), em seu conceito de norma, substitui a dicotomia saussuriana
langue e parole, língua e discurso pela divisão tripartida de sistema, norma e fala.
Sistema é uma entidade abstrata, um conjunto de oposições funcionais, de estruturas em
oposição, realizável sob formas socialmente determinadas e mais ou menos constantes,
que configuram a norma.
Norma é uma série formalizada de realizações tradicionais, a língua como
instituição social. Vale dizer: uma atuação coletiva do sistema. Esses conceitos
substituem a noção de langue. A fala consiste na realização individual, concreta da
65
norma, implicando a originalidade expressiva dos locutores, correspondendo ao
discurso saussuriano.
Por se constituir em um conjunto de possibilidades do falar de uma comunidade,
o sistema permite uma infinidade de realizações, mas que não alteram as condições
funcionais do instrumento lingüístico. A norma se impõe ao indivíduo, limitando sua
liberdade expressiva, restringindo as possibilidades oferecidas pelo sistema. Consiste no
que se diz tradicional e usualmente.
Para E. Coseriu, uma norma não é superior, nem inferior à outra, é apenas igual
ou diferente, não tem conotação valorativa. Ela varia do ponto de vista diatópico
(português de Portugal, de Angola, do Brasil) ou do diatrástico (linguagem culta, média,
popular) e do diafático (linguagem poética da prosa).
2.4.2.Unidade Lingüística
Há autores que afirmam a unidade lingüística do Brasil e Portugal e outros que
defendem uma completa ou parcial independência lingüística. Esse último grupo é
conhecido como escola da língua brasileira e foi liderado por Monteiro Lobato, que se
baseou nos princípios do evolucionismo e do biologismo lingüístico.
A língua comum ou coiné é um instrumento geral de comunicação e a todos
inteligível e a todos dirigida, destinando-se a qualquer região, em qualquer tempo. Ela é
clara, regulamentada e conservadora. Uma vez estabelecida, enriquece-se, naturalmente,
com o acréscimo dos modismos regionais e, artificialmente, pela criação de escritor,
orador, professor. Exerce a função de unidade na variedade.
S. Elia (1979) trata da unidade lingüística do Brasil, ao defender não só a
existência como a permanência dessa unidade. Apresenta o léxico como o aspecto
lingüístico que mais se modifica devido às variantes regionais, mas, no tocante à
morfologia e à sintaxe, a unidade lingüística é quase perfeita e cita como exemplo a
gramática de Rocha Pitta adotada de norte a sul, pois a norma culta brasileira é a mesma
para todos os brasileiros, independentemente de sua posição geográfica.
A língua do Brasil é essencialmente a língua portuguesa. A variante não
constitui um idioma à parte, as alterações são de norma e não de sistema. Essa norma é
comum a todos os brasileiros, garantindo a unidade do idioma. Não há fundamentação
científica nas tentativas de fragmentar essa unidade.
66
S. Elia afirma que há uma unidade lingüística no território brasileiro, decorrente
de fatores histórico-culturais de nossa formação. A língua que recebemos dos
colonizadores é uma língua de cultura, que parte do litoral para as profundezas do
território brasileiro, disseminada principalmente pelos criadores de gado, os verdadeiros
povoadores das vilas litorâneas. Levam a cultura litorânea e, com ela, a língua
transplantada, ao se embrenharem pelo sertão adentro. Ficam, pois, isolados, não
acompanhando as mudanças lingüísticas e isso é o que determina a feição arcaizante do
português rural do Brasil.
O português culto, a norma padrão, foi-se constituindo na orla litorânea das
principais cidades do Brasil, que são os centros de cultura tais como Olinda, Salvador e
Recife. O aprimoramento da língua, no entanto, dá-se no Rio de Janeiro, que se
transforma, por fatores sócio-político-econômicos, na capital lingüística da
nacionalidade. Não sem razão, pois é a primeira capital do Brasil independente, a sede
do governo e abrigo das principais instituições culturais. A língua falada e escrita do
Rio de Janeiro torna-se modelo da língua culta nacional.
A.Houaiss (1983) corrobora com essa posição, ao expor que, em lingüística, a
unidade não é incompatível com a variedade, antes a pressupõe. As variedades são de
ordem geográfica, social e individual e precisam ser respeitadas, pois não prejudicam a
unidade superior da língua, nem influenciam na consciência que têm os que a falam,
diversamente de se servirem de um mesmo instrumento de comunicação, de
manifestação e de emoção. A unidade de vernáculo comum convive com duas
diversidades: contrapõe-se à diversidade das línguas indígenas subsistentes e à
diversidade de línguas imigratórias. É, também, uma unidade com rica diversidade de
unidades menores, como o gaúcho, o nortista, o sertanejo, entre outras.
C. Cunha (1994) cita o acadêmico Dr. Luís Viana Filho que alerta para o
problema: muitos querem quebrar a unidade da língua que falamos, diminuindo o poder
de comunicação, mutilando-a em nome do patriotismo, que mesmo sincero é inútil.
Ao se falar de unidade lingüística, não é a unificação e a uniformização da
língua o que se sugere, pois seria irrealizável. Não se pode, em benefício de tal
unificação, impor pontos que atentem contra a tradição e realidade idiomática, pois
implica a adoção e desvalorização de um conjunto de manifestações, dos quais a língua
é parte, como bem explica C. Cunha (1994).
Na língua, é importante o pólo da variedade, que corresponde à expressão
individual e o da unidade que corresponde à comunicação interindividual, que garante a
67
intercompreensão. A língua é manifestação do indivíduo em seu caráter de criação, mas
é, também, ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição e aceitação da
norma, que é histórica e sincrônica: existe o falar, porque existem falantes, que sentem e
pensam as línguas como entidades históricas e como sistemas e normas ideais; portanto,
não tem por finalidade só a expressão, mas abrange a comunicação, finalidade
instrumental, expressão para o outro, cultura histórica que transcende o indivíduo.
A língua é mais prestigiosa quanto mais comunicada e comunicável. Nenhuma
vantagem adviria aos portugueses e brasileiros em aumentarem a diversificação entre
ambas.
Rosa Virgínia Matos e Silva (2004) afirma que não há unidade lingüística no
Brasil. Apresenta a língua de cultura como mais abrangente que a língua culta ou norma
culta. Para ela, o entendimento da palavra cultura não se restringe apenas à cultura
letrada das classes dominantes, ou seja, a difusão do saber e cultura socialmente
privilegiados, mas inclui, também, os saberes e as culturas das diversas camadas sociais
e culturais que constituem a sociedade brasileira.
São os jesuítas que estimulam, nos aldeamentos e escolas, o uso de línguas
indígenas em detrimento da língua do colonizador, quadro alterado pelo Marquês de
Pombal, que proíbe por lei o uso de qualquer outra língua a não ser o português, o que
resulta em uma política lingüística e cultural em que a língua portuguesa passa a ser
obrigatória. Para a autora, nasce neste momento o mito de unidade lingüística brasileira.
Ao empurrarem os indígenas para o interior do Brasil e as etnias africanas
ficando confinadas em senzalas urbanas, firma-se a língua portuguesa como língua
nacional brasileira e a crença legalizada de que o Brasil é uma nação monolíngüe, que
tem como suporte a escolarização; o processo de urbanização crescente; o reforço
lusitano, com a vinda da família real em 1808 para o Rio de Janeiro; a formação
intelectual das elites brasileiras em Portugal.
A ideologia aristocratizante do Brasil- Colônia é legada ao Brasil independente e
predomina ainda hoje, pois se reluta em conhecer o Brasil pluriétnico, pluricultural e
plurilíngüe. Recentemente, começa-se a desfazer esse mito, porque a realidade está
superando a ideologia, pois dois fatores se destacam neste cenário: o avanço dos estudos
lingüísticos sobre a realidade brasileira e a entrada à universidade de novos e numerosos
segmentos da população brasileira.
No texto constitucional de outubro de 1988, não se assume o multilingüísmo
brasileiro. A língua portuguesa, no entanto, não é mais língua nacional do Brasil e sim
68
língua oficial do Brasil. Os povos indígenas já possuem o direito de serem escolarizados
em suas línguas de berço, além da portuguesa e as suas manifestações culturais serão
respeitadas. No texto da lei se define uma nova política lingüística-cultural.
O multilingüísmo brasileiro é parte da realidade cultural do país. Índios e
imigrantes são componentes ativos da sociedade, mas a história não marginalizou esse
fato. É na escola, é no uso da língua que essa realidade afronta a ideologia dominante da
homogeneidade. A língua portuguesa não é a língua de berço, não é a língua das
famílias nesta situação.
Para Solange Leda Gallo (1996), a instituição do ensino da língua portuguesa no
século XIX produz a ilusão de uma unidade lingüística que, na verdade, não existe. A
apresentação de uma língua como nacional e normativa foram os argumentos usados
para se criar a ilusão da realidade dessa língua.
C. Cunha (1994) pondera que entre as atitudes extremistas dos que advogam
uma ruptura com as tradições clássicas da língua e aqueles que querem a preservação do
purismo lingüístico, nasce uma posição mediadora que canaliza a energia dessas forças
opostas, consubstanciando os ideais de uma saudável e eficaz política educacional e
cultural verdadeiramente brasileira. Toda língua culta, principalmente a escrita, é
tradicional, mas, se perder o contato com a língua viva, estratifica-se. A estratificação é
a morte letárgica de um idioma.
Em lingüística, a unidade não é incompatível com a variedade, pois nenhuma
língua permanece a mesma em todo o seu domínio e em um só local, apresenta
variações de ordem geográfica, social e individual que não prejudicam a unidade
superior da língua nem permitem que deixe de ser um instrumento de comunicação,
manifestação e de emoção.
Edith Pimentel Pinto (1986) admite que a língua do Brasil apresenta
diferenciações em relação à língua de Portugal e a qual , por essa razão, é nomeada
como: dialeto do português, língua autônoma derivada do português e língua
emprestada, mas que, hoje, essas posições não se sustentam. Explica que a língua do
Brasil é a língua comum, a variante institucionalizada, chamada padrão das gramáticas e
dos dicionários, representa a nacionalidade, para todos os fins. Constitui-se em
mantenedora da unidade sem destruir a diversidade lingüística, o que possibilita a
comunicação interna e externa da comunidade social.
Corrobora C. Cunha (1981), ao justificar que um sistema pode gerar várias
normas, em razão de usos coletivos específicos, que privilegiam certos empregos,
69
criando modelos que, com o passar do tempo, se perpetuam. Sendo assim, a variante
brasileira pode ser considerada como outra norma, paritária em relação à norma
portuguesa.
A norma portuguesa, em decorrência de sua condição de protovariante, é mais
prestigiada que as modalidades nacionais do Brasil e da África, pois foi codificada no
século XVI, e possui um modelo literário reconhecido internacionalmente e uma norma
padrão de Lisboa e Coimbra, o que acarreta a dicotomia: de um lado, a norma
institucionalizada de Portugal; de outro, o uso brasileiro diversificado do português e do
codificado em gramáticas.
Aplica-se a designação língua brasileira, ou idioma brasileiro à modalidade
brasileira, sem que acarrete danos à sua autonomia. O sentimento nacionalista
reivindicou uma língua própria, justificando, por meio de um extenso vocabulário,
hábitos fonéticos peculiares, sintaxe e estilos preferidos por brasileiros ignorados ou
desusados em Portugal.As classes de palavras em suas flexões ou alterações na rede
sintática fundamental são inexistentes em relação à outra língua.
As características apontadas como próprias de uma língua brasileira são traços
preferenciais dos brasileiros, que existem ou existiram em Portugal como a colocação
pronominal, a conjugação verbal, no acréscimo de unidades lexicais. Outro aspecto a
ressaltar é a referência à língua do Brasil como língua emprestada. Línguas não se
emprestam e, no Brasil, não havia um povo necessitado de um empréstimo global, de
uma língua transplantada que substituísse a sua.
Acontece, a partir do século XVIII, um recuo das línguas indígenas, surgindo
uma condição de bilingüismo para os que têm contato com a língua portuguesa. Os
portugueses como conquistadores impõem a língua portuguesa que, esta sim, recebe
empréstimos lexicais das línguas indígenas. Logo, a língua do Brasil é a dos
colonizadores e de seus descendentes, mestiços ou não.
A história da língua portuguesa no Brasil demonstra que há uma diferenciação
gradativa proporcionada por fatores externos, principalmente, no tocante à oralidade e
que se torna consistente na língua escrita. Essa presença consolida-se através de
constantes lingüísticas, tradicionalizadas no uso coletivo, afirmando certos traços em
detrimento de outros, fato que ocorre em todo mundo lusofônico. Esses traços
preferenciais proporcionam modelos próprios dos brasileiros, em sua interação
lingüística, que consolidam uma norma diferente da norma portuguesa.
70
Em consonância com E. Coseriu e C. Cunha, E. P. Pinto afirma haver uma
unidade maior no sistema, que se diversifica, socialmente, em normas, que se
concretizam e diversificam em atos de fala, sendo essa a causa de o português do
Brasil não se identificar com o português de Portugal ou da África, embora seja língua
portuguesa.
E. P. Pinto salienta que se elaborou uma pesquisa, em 1983, abrangendo vários
segmentos da sociedade, sobre a língua falada no Brasil e o resultado foi que 85,15%
dos brasileiros reconhecem a língua portuguesa como língua materna. Entre os fatos
revelados destacam-se os seguintes: poucos informantes nomeiam a língua como
brasileira e quando o fizeram foi mais pela associação entre língua e nacionalidade do
que por uma posição teórica.
2.4.3.Política Lingüística
Ao utilizar o termo político em seu sentido amplo que considera as relações
históricas e sociais do poder, encontra-se a fala como uma prática política e é essa
presença que possibilita uma política de linguagem ou política lingüística.
A noção de política lingüística permite muitos sentidos, que vão desde a
tematização mais formal de um planejamento de uma política lingüística explícita e
organizada, até a observação de processos institucionais menos evidentes, mas não
menos evidentes ou não menos importantes, nos usos diferentes da língua. Pretende-se
apresentar, de maneira sucinta, alguns autores que se manifestam a favor de uma
política lingüística, mas que partem de premissas diferentes.
A política lingüística se determina em dois âmbitos, em dois espaços geográficos
diferentes, propiciando uma diversidade, mas que não ponha em risco a unidade, isso ao
tratar-se de Brasil e Portugal; haja vista que a lusofonia abrange um universo bem
maior, agregando os demais países que têm a língua portuguesa como língua nacional.
C. Cunha apresenta como ideal humano que todos falassem a mesma língua.
Como isso não é possível, então, que se mantenha a unidade relativa da língua que só é
possível se considerada em sua realidade atual, na forma como é utilizada nos meios
cultos de cada país da comunidade idiomática. As medidas a serem tomadas devem
acordar com a realidade lingüística através de uma política de idiomas, capaz de atenuar
os efeitos das forças de diferenciação, que todos as línguas possuem, sem restringir o
71
pensamento e sentimento de uma coletividade, devendo fugir de um padrão teórico
inatingível, resultado da imposição de uma norma única.
É essa unidade superior da língua portuguesa dentro de sua natural diversidade
que cabe preservar como fator interno de unidade nacional do Brasil e de Portugal e
como elo mais forte da comunidade luso-brasileira
C.Cunha propõe (1981), como condição para uma política brasileira de língua,
os educadores não subestimarem a vigência de normas gramaticais com atitudes
niilistas, que, juntamente, com a falta de criatividade estimulada pelo conhecimento
proporcionam a pobreza na quantidade e relaxamento na qualidade do ensino.
A língua e a variante são formas de uma realidade lingüística, fatos sociais,
moldes e produtos de cultura. A variante brasileira da língua portuguesa é o ”vulgar
ilustre”, afirma C. Cunha, sendo o falar de nossas cidades o padrão difundido. Isso
pressupõe a necessidade de um conhecimento científico da realidade lingüística,
definindo quais as normas tradicionais vigentes e as superadas. A elaboração de um
atlas lingüístico das diversas regiões do país é um elemento fundamental para o
conhecimento e entendimento da língua.Ter-se eficácia nesta empreitada é pesquisar e
descrever o português do Brasil em sua diversidade e unidade.
Para se preservarem os elos com a comunidade que tem o português como
primeira ou segunda língua, é necessário admitir a convivência de várias normas
lingüísticas. Não permitir que variantes nacionais do português sejam consideradas
dialeto em relação ao português europeu. A aceitação do liberalismo normativo, que
começa a se impor em Portugal e no Brasil, deve-se estender ao ensino do português nas
novas repúblicas africanas, que têm como segunda língua a língua portuguesa, porque
foi, por séculos, administrada nas escolas, como língua materna dessas nações.
Segundo A. Houaiss (1992), o português não está se modernizando, os meios de
comunicação de massas não contribuem para o aperfeiçoamento da língua, pois o nível
informativo, criativo, educativo e instrutivo atinge o mais baixo nível da inteligibilidade
comum, em uma cultura que não se modernizou, ficando ancorada em uma oralidade de
campanário. Quando a técnica não está a serviço do homem, a palavra escrita fica em
risco, como, hoje, no mundo da lusofonia, em seu epicentro, o Brasil; logo, é
imprescindível uma política lingüística para preservar a língua escrita, que consiste na
língua de unidade nacional.
Sabendo-se que não se pode descuidar das normas e gramáticas, cada uma serve
a um fim determinado seja expressional ou comunicativo, percebe-se que a linguagem
72
escrita corre o risco de desaparecer, no mundo lusofônico. O Brasil é um país que
investe pouco em educação e cultura, mesmo sendo o mais rico da lusofonia.
A. Houaiss (1992) entende que o Brasil e Portugal adotam uma política errônea
no tocante ao ensino da língua portuguesa. Exigem uma modalidade única no ensino da
língua, com uma única gramática e contra as variações de pronúncia, o que redunda em
fracasso.Os portugueses querem o ensino da sua língua por entendê-la como verdadeira,
mas os brasileiros que reconhecem que a língua não é brasileira, querem uma língua
própria. Em conseqüência, promovem uma política lingüística antilusitanizante e há,
ainda, os que querem restaurar a pureza da língua portuguesa, neste território.
Existem duas hipóteses de futuridade da lusofania: ou abandonam ou
incrementam os vínculos culturais existentes, adotando uma política linguageira, liberta
das opções políticas, em que as partes regularão de maneira convencional ou consensual
as áreas linguageiras, pois como língua de cultura propiciará a compatibilização da
unidade com a diversidade.
As línguas têm histórias. São fatos sócio- histórico-culturais, modificam-se no
tempo e espaço. Assim sendo, a história externa da língua se identifica com a história do
seu usuário. É necessário que se elabore uma história externa da língua portuguesa,
onde se articulem fatos de ocupação territorial com as distribuições demográfico-
lingüísticas dos ocupantes, dos fatos de prevalência e desaparecimento de línguas e uma
história interna, em que se examinem a evolução de cada componente e estruturas
lingüísticas, que expliquem as diversidades horizontais e verticais existentes, tomando
como referência o estado da língua, no século XVI.
Para manter a posição de língua de cultura de ponta, demanda-se uma
redefinição da política de línguas que leve em conta as diversidades de cada país
lusofônico, mas que caminhem juntos para a preservação e universalização. O autor
admite a crise da lusofonia e vê como solução para o problema o aprendizado
sistemático, com metodologia eficiente, permitindo ao educando vivenciar os três níveis
de escolaridade.
B. Lima Sobrinho (2000) expõe sobre a importância da unificação lingüística
entre o Brasil e Portugal, elemento fundamental para a preservação do português como
uma língua de cultura; logo, a política lingüística terá essa finalidade. Destaca que, entre
os caminhos a seguir para a unificação de um idioma comum ao mundo português, o
primeiro elemento é a ação da escola primária, e por ser esse ensino inicial da língua .
73
O ensino da língua comum e unificada conduz o aluno a ver e sentir as coisas,
dentro de um quadro que se não a identifica, pelo menos a aproxima. Há um trabalho no
sentido de se criar uma consciência lingüística, que é um instrumento de aproximação e
de vinculação. O ensino exerce duas funções essenciais unificadoras: uma externa que é
a aproximação com Portugal e outra interna que é a ação de força unificadora dentro do
país. Além da escola, outro elemento importante para ação unificadora consiste na
uniformidade das gramáticas e de livros escolares.
Caberá à escola a missão de combater e apagar as diferenciações regionais,
difundindo o padrão que melhor interprete a tradição e o uso mais freqüente dos meios,
senão letrados, alfabetizados, sendo útil estimular às empresas editoras para que os
livros portugueses cheguem ao Brasil com mais presteza e vice-versa, o que é
dificultado pelo controle cambial. Destaca, ainda, a necessidade de facilitar a missão das
livrarias, organizando publicações bibliográficas, auxiliando na publicação de revistas
comuns aos dois países, com colaboradores dos dois lados do Atlântico, além das bolsas
de estudo, as cátedras abertas a escritores das duas pátrias seriam meios profícuos de
intercâmbio cultural.
Organizar programas de rádio, em Portugal e Brasil, pois não há instrumento de
unificação lingüística melhor que o rádio, a televisão e o cinema, pois agem sob a língua
falada. Os textos escolares devem abranger escritores dos dois países ou até redigidos
em comum. O estudo dos textos das literaturas dos dois países, nas escolas públicas,
abrangeria todas as fases da vida literária e permitiria uma interpretação da linguagem
corrente, impedindo o aprofundamento das diferenciações ou reduziria sua significação.
O intercâmbio cultural se constituiria em uma força permanente contra a
diferenciação lingüística e essa interpenetração de influências seria um elemento
decisivo para a constituição da unidade do idioma e asseguraria a sua evolução.A
unidade gráfica, discutida na convenção de 1943 e o Acordo Ortográfico de 1945, é um
dos elementos da unificação do idioma e torna-se um meio de assegurar a sua difusão
como instrumento de comunicação e a facilidade de seu ensino nas escolas e
universidades de todos os países de língua portuguesa, garantindo a fixidez de uma
ortografia aos dois países.
B. Lima Sobrinho conclama ao trabalho de unificação com o intuito de destruir
os dois complexos que perseguem os dois países: o complexo metropolitano de Portugal
e o complexo colonial do Brasil; o primeiro traduzindo um sentimento de superioridade
74
e o outro preocupado com a afirmação de sua autonomia, gerada pelo medo de não se
parecer independente.
2.5. A Língua como elemento identitário da Nação
A questão da língua não é apenas uma discussão entre gramáticos.
Consiste em um problema nacional, pois traz em seu bojo as questões de unidade
lingüística, nacionalismo e nação; logo, ultrapassa as barreiras do campo lingüístico,
pois possui um papel importante na formação de uma nação, o que lhe confere um
status jurídico.
O conceito de nação ganha relevância no Brasil, a partir do século XIX, e leva
consigo a questão lingüística. O elemento humano que entra na formação de uma nação
é representado pelo povo. Essa noção é, sobretudo, jurídica. Ao se falar de povo, fala-se
de uma coletividade humana de um determinado Estado. A noção de povo envolve não
só o aspecto jurídico, como o político.
A Constituição Federal do Brasil determina que todo poder emana do povo e em
seu nome será exercido. Povo, no sentido jurídico, não tem a mesma conotação de
população, no sentido demográfico. Consiste na parte da população capaz de participar
do processo democrático, dentro de um sistema de limitações, próprio de um país e de
uma época.
Para Paulo Bonavides (1967), de início constrói-se o conceito de nação sobre
três pilares: raça, religião e língua. A raça ganha importância com o nacional-socialismo
que apresentava a existência de uma nação, em bases étnicas, para justificar a pretensa
superioridade do povo alemão sobre as demais raças. Como cientificamente se prova
que não existe pureza racial, desmistifica-se a raça como elemento caracterizador da
nação.
A religião não é um elemento imprescindível à formação de uma nação; pois se
pode ter uma só religião em vários Estados e um único Estado professando várias
religiões. O último elemento citado pelo autor é a língua, que não se constitui em agente
determinante da nacionalidade, pois, em vários Estados e comunidades nacionais,
falam-se vários idiomas, como na Suíça, por exemplo, que nem por isso perdeu a
condição de nacional.
75
A nação é um conceito de ordem moral, cultural e psicológica, em que se somam
os fatores de raça, religião e língua, podendo cada um deles participar ou não de sua
constituição. Em suma, a nação é um plano de vida, uma linha de conduta coletiva, uma
identidade de crenças, costumes, tradições, aspirações, ideais, reivindicações, ao redor
das quais determinada coletividade humana faz a sua história.
Os laços de solidariedade, vínculos de aproximação cultural, a tradição da
vivência de um passado e projetos futuros compartilhados, a consciência global nos
destinos sociais, a adesão a valores e padrões culturais da coletividade é que
determinam a consciência de Nação e nacionalidade. Os fatores etnia, religião e língua
concorrem com maior ou menor importância ou intensidade, para que essa consciência
se forme e ganhe uma estrutura definida, concretizando-se.
Entre esses três elementos raça, religião e língua, o de maior relevância é a
língua, pois é um instrumento de comunicação, meio pelo qual o homem se utiliza para
comunicar idéias, sentimentos e formas de pensamento e estabelece o diálogo que lhe
proporciona a solução aos problemas do presente. O conceito de Nação difunde-se a
partir do século XVIII, com o objetivo de conduzir a burguesia ao poder político. Sob o
nome de Nação, luta-se contra a monarquia absoluta, ao se pregar que é justo e
necessário que o povo assuma seu próprio governo. Com as revoluções americana e
francesa, a nação passa a se identificar com o próprio Estado.
O conceito de Estado, por ser científico, torna-se difícil de ser assimilado pelo
povo, enquanto o termo Nação, apesar de vago, é utilizado como símbolo de
reivindicações populares, afeito mais às reações emocionais. A partir da queda das
monarquias, os governantes dos novos Estados utilizam a força mística da expressão
Nação para justificar as investidas sobre os pequenos estados.
O século XIX caracteriza-se pela intensa corrida imperialista em nome da
grandeza das Nações e torna-se um campo propício ao florescimento das doutrinas que,
com intuito e modalidade divergentes, produziam a mesma resposta à idéia e ao
sentimento de nação no mundo ocidental. O século XX assiste à exploração dos
chamados sentimentos nacionalistas, que desencadeiam duas grandes guerras mundiais.
O conceito de Nação surge, então, como um artifício para envolver o povo em conflitos
de interesses alheios, não indicando a existência de vínculos jurídicos entre seus
componentes, mas, como realidade sociológica, é de inegável importância, influindo
sobre a organização e o funcionamento do Estado.
76
Pasquale Stanislao Mancini (apud Filomeno, 1999), publicista e filósofo da
reunificação da Itália, em discurso de abertura das aulas da cátedra de Direito
Internacional da Universidade de Turim, expõe que a nação é uma sociedade natural de
homens, baseada na unidade de território, costumes, língua e comunhão de vida que se
sintetizam na consciência social.
As populações ligadas pela identidade de raça, de língua e pela comunidade de
território formam uma só nação e devem constituir-se em um único Estado. Os
elementos constitutivos da Nação dividem-se em: elementos naturais: raça, língua e
território; elementos históricos: tradições, costumes, religião e leis; elemento
psicológico: consciência nacional.
Segundo José Geraldo de Brito Filomeno (1999), hoje em dia, a raça e território
não são elementos fundamentais à constituição de uma nação, mas a língua é essencial
para a identidade de uma nação. No Brasil, não há uma língua portuguesa falada, porém
uma língua brasileira, repelindo-se qualquer tipo de uniformização com o português
falado em Portugal ou de outros países de língua lusitana, pois é necessário que a
independência se concretize também no sentido lingüístico.
Dalmo de Abreu Dallari (1993) apresenta a distinção entre estado e nação, e
destaca que estado é uma sociedade e nação uma comunidade, o que impede de dizer
que o estado é uma nação ou que é produto da evolução desta. O estado, em sua ânsia de
integrar o povo e reduzir conflitos, cria uma imagem nacional simbólica e de efeitos
emocionais que une os seus integrantes através do espírito de solidariedade. Para atingir
esses objetivos, se evidenciam e se estimulam todos os pontos comuns que unem os
diferentes grupos sociais na formação do conjunto. Nascem, assim, as características
nacionais, que são notas comuns a toda a sociedade política as quais favorecem a
formação de uma consciência de comunidade.
A submissão a um governo comum, o uso da mesma língua, a aceitação de
valores culturais comuns, assim como a comunidade de interesses, são fatores que não
tornam o estado uma nação, mas que são úteis em sua formação.
João Pedro Galvão de Sousa (1957) destaca que a diferença entre nação e
estado reside no elemento histórico, pois o que congrega um povo é a sua história e
tradição. Nação é uma comunidade que conserva um patrimônio cultural ao mesmo
tempo em que assimila os elementos novos de cada época. Existe um esforço coletivo
de conservar, transmitir e receber o que se efetiva na tradição que decorre da história de
um povo.
77
Povo é um conjunto orgânico de famílias. A nação é uma família maior, está
ligada à idéia de família, da origem comum de nasci vem nação. O povo ao organizar-
se juridicamente em um determinado território constitui-se em estado, uma vez formado
culturalmente através dos séculos, torna-se nação. Outro aspecto a destacar é que a
nação se caracteriza pelo critério de tempo e o Estado pelo critério de espaço. A
soberania supõe o localismo, o lugar fixo no espaço, a tradição, condição essencial da
nação, importa em processo histórico, decurso do tempo.
O autor apresenta a nação como um rio caudaloso que tem por leito os séculos e
por afluentes as regiões, o que demonstra a ineficácia da política centralista, que a
pretexto de uma unidade nacional estanque as fontes de vida autônoma e diferenciada
nas diversas regiões. Há um legítimo regionalismo, da mesma forma que um localismo,
urbano e rural, que legitima o nacionalismo. As particularidades das minorias nacionais,
ou étnicas ou lingüísticas, na comunidade nacional em que se interagem, devem ser
respeitadas.
A identidade de língua destaca-se entre os demais elementos, pois é por meio
dela que os membros de uma comunidade nacional se comunicam. Trata-se de um
conjunto de palavras ou maneiras de falar, característico de um povo ou de numa nação,
que apresenta diversidade na unidade. É a língua um instrumento de cultura e uma das
bases da nacionalidade; por isso, povos conquistadores impõem em territórios ocupados
a sua língua com o objetivo de fragmentar a nacionalidade dos vencidos.
Não se pode considerá-la como fator decisivo da nacionalidade, porque há
numerosas nações que falam o mesmo idioma, Brasil e Portugal, Inglaterra e Estados
Unidos e outras em que se falam vários idiomas, pois se desenvolveram em territórios
diferentes e com uma cultura própria independente da sua origem. A Nação não se
define só pela unidade lingüística.
Darcy Azambuja (2001) corrobora essa idéia e enfatiza que não se pode negar a
influência da língua na formação da consciência nacional e aponta a identidade de
história e tradição como condição indispensável à formação nacional e à garantia da
soberania.
Eric Hobsbawn (1990) confirma que o século XIX foi marcado pelas questões
de nacionalismo e explica os critérios para que um povo seja considerado nação, tais
como possuir uma elite cultural estabelecida e uma língua administrativa e literária
escrita.Mesmo consciente de que a Língua não é condição essencial à criação de uma
nação, a partir da construção dos Estados Modernos, ela se torna base necessária para a
78
formação de uma consciência nacional, derivada de valores, tradições, lembranças do
passado e planos futuros compartilhados, os quais se manifestam em uma cultura
particular que é pensada e falada em uma língua particular.
A análise histórica que se efetuou, permite dizer que o Brasil já possuía uma
elite cultural e uma língua administrativa e literária escrita, que se constitui na Língua
Portuguesa, mas isso não impede que essa mesma língua oriunda de Portugal se revista
de um nacionalismo lingüístico, construído a partir da miscigenação étnico -cultural
brasileira e do espírito nacionalista que domina a vida cultural do país, não significando,
porém, que exista uma Língua Brasileira desvinculada das normas de Portugal.
A análise lingüística da amostra, em que dois representantes de nações diferentes
se confrontam, ambos desejosos da preservação de uma única língua portuguesa,
pretende, na medida do possível, trazer mais luz à questão.
79
CAPÍTULO III
A LÍNGUA PORTUGUESA EM POLÊMICAS, NO ÚLTIMO QUARTEL DO
SÉCULO XIX
Língua Portuguesa
..................................................................
.. ................................................................
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi:”meu filho”!
E em que Camões chorou na exílio amargo
O gênio sem ventura e o amor sem brilho.
Olavo Bilac, Poesias
3.1.Introdução
Constam da amostra desta pesquisa os seguintes documentos: Cancioneiro
Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros, comentado por Camilo Castelo Branco,
editado pela Livraria Internacional de Ernesto Chardron, Porto e Braga, 1879; Revista
Brasileira, primeiro ano, tomo I , Rio de Janeiro, N. Midosi editora, 1879; Ecos
Humorísticos do Minho, n.2, Carta ao Cruzeiro, publicação quinzenal, Livraria
Internacional de Ernesto Chardron- editor, Porto e Braga , 1880; Jornal do Comércio,
Microcosmo, de 18 de janeiro de 1880, Rio de Janeiro; Ecos Humorísticos de Minho,
n.3, Carta ao Cruzeiro, publicação quinzenal, Livraria Internacional de Ernesto
Chardron –editor, Porto e Braga, 1880; Jornal do Comércio, Microcosmo, 28 de março
80
de 1880, Rio de Janeiro. Nesses documentos encontram-se os textos que têm como tema
a polêmica travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco.
A palavra polêmica origina-se do grego pólemos relativo à guerra; o verbo
polemizar quer dizer “travar polêmica” e seus participantes os polemistés, ou seja, os
polemistas por possuírem espírito combatente e guerreiro, sendo retratados como
pessoas que gostam de discutir opiniões, pela imprensa ou livros. As polêmicas
abrangem uma variada gama de assuntos, quer sejam literários, científicos ou
históricos, mas encerram uma posição política. São considerados documentos histórico-
lingüísticos porque retratam, no espaço e no tempo, a língua cristalizada.
Segundo M. de Certeau (2000), devem-se as polêmicas antigas à organização da
pesquisa científica, pois os historiadores se imbuem em vestes de polemistas ou de
pregadores para defender a sua causa. A polêmica permite aos contendores as escolhas
lexicais mais variadas para obtenção do sucesso dos argumentos, inclusive no tocante ao
tom mais ou menos agressivo que se deseja imprimir ao texto, pois a palavra polêmica
se origina do vocábulo guerra, pertencendo ao mundo bélico. Dessa forma, o vocábulo
passa a exercer a função de sabre, espada ou lança, ou como diz C. de Laet, de setta ou
cacheirada com a qual se conduz o oponente à morte; o jornal, o livro, a revista
transformam-se em campo de batalha.
C. de Laet (apud Chediak: 1943,14-5) explica como se deve conduzir uma
polêmica: Principiam com luvas de pelica, em seguida, tiram-na devagarinho e dão-se
beliscadelas; depois, então, vêm as pancadas fortes e o ciclone dos grossos canelões.
Complementa que uma das tarefas do folhetinista consiste em empunhar a machadinha e
rechaçar os que dão abordagem. No calor da contenda, com ironia, descreve o opositor
( 1879:219) não esfolla só aos que empolga, leva-os tambem ás grelhas, redul-os a
bifes e sem o menor escrupulo manda-os á tênia com que convive, inspiradora, talvez,
de tão agros rancores...
Alexandre Cabral ( apud Senna: 1984) , ao prefaciar o volume I das polêmicas
de C.Castelo Branco, assim se refere à atividade de polemística: quando exercida com
isenção e dignidade, quando busca o supremo objetivo de discutir idéias e elucidar
problemas, representa, por função da própria natureza, um benéfico estímulo ao
desenvolvimento da Cultura,ao se inserirem neste contexto, os textos da polêmica
analisada tornam-se documentos relevantes para um melhor entendimento do momento
histórico e cultural do povo brasileiro, ainda que não isentos de paixões.
81
Os documentos, que constituem a amostra dessa pesquisa, são os textos da
Polêmica travada entre C. de Laet e C.Castelo Branco , no último quartel do século
XIX, onde abordam questões sobre a Língua Portuguesa e as paixões nacionalistas
que eclodiram nessa época. A análise da amostra elabora-se sob a luz do método
comparativo, da influência do processo de gramatização que invadia os estudos
lingüísticos desse período e em consonância com os princípios da Historiografia
Lingüística.
3.2. Marcas lingüísticas na Polêmica travada por C. de Laet e C.Castelo Branco
Os textos da Polêmica travada entre C.de Laet e C.Castelo Branco possibilitam a
observação da Língua Portuguesa em uso no Brasil e em Portugal, no último quartel do
século XIX, sob uma perspectiva histórica.
Identificam-se os elementos lexicais que destacam a expressão lingüística
materializada nos textos da Polêmica. Por se tratar de um documento histórico, as
escolhas lexicais revelam a importância do documento no tocante à questão da Língua
Portuguesa escrita no Brasil e em Portugal, por meio de textos elaborados por um
brasileiro e um português , no final do século XIX. Para a análise do vocabulário
consultou-se o Pequeno Diccionário da Língua Portuguesa de Candido de
Figueiredo,1924 e o Dicionário Houaiss de língua portuguesa, 2001, de Antônio
Houaiss. Os recortes selecionados pertencem ao Cancioneiro Alegre dos Poetas
Portugueses e Brasileiros, Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3, Revista Brasileira e
Jornal do Comércio, janeiro e março., sendo os dois primeiros pertencentes a C.Castelo
Branco e os demais a C.de Laet. Como critério de análise, partiu-se dos textos de
C.Castelo Branco , Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros e Ecos
Humorísticos do Minho, seguidos pelos de C. de Laet, publicados pela Revista
Brasileira e pelo Jornal do Comércio.
Cancioneiro Alegre dos Poetas Portugueses e Brasileiros (1879)
a instancias de amigos: por solicitação de amigos.
Justificando a gente de juízo: justificando a gente de discernimento.
o mercenário ocupado em ganhar o seu pão quotidiano: o trabalhador que
trabalha por estipêndio ocupado em ganhar o seu sustento ( Figueiredo: 1924) , o
mesmo significado ( Houaiss: 2001).
82
[...]em tecer-lhes corôas de oiro [...] e elevá-lo à dignidade real .
Açula-lhe os teus ursos nostálgicos, Guerra Junqueira! Instiga -lhe os teus
ursos nostálgicos.
Mercieiros, enchei-me este vosso intérprete de ceiras de figos de comadre:
merceeiros, enchei-me este vosso intérprete de cestas ( vime ou esparto) com figos de
comadres.
Ecos Humorísticos do Minho n.2 e 3:
que ele na exuberância de seu critério, denominou “livro de pulhas”: pulhas :
gracejo capcioso dito com o intuito de colocar a outra pessoa em situação ridícula: que
ele, no exagero de seu critério, denominou de “ livro de mentiras” ou “livro de lorotas”.
O mesmo crítico ..., encarniçando-se em dar caça aos perigrinismos brazilicos
, que erradamente suppõe feição caracteristica da hodierna poesia brazileira, O mesmo
crítico ..., excitando-se em dar caça aos estrangeirismos brasílicos, que erradamente
supõe feitio ( jeito, maneira) da hodierna poesia brasileira.
[...]Mas afouto-me a pedir-lhe que aceite a de Antonio Feliciano de
Castilho[...]mas atrevo-me a pedir-lhe que aceite a de Antonio Feliciano de Castilho...
[..]a sua authoridade é tão poderosa que nenhum de nós póde rejeitar moeda
nova cunhada por Castilho[...]a sua autoridade é tão poderosa que nenhum de nós pode
rejeitar palavra nova ( com valor de moeda) criada por Castilho.
[...]não tenciona enthesoural-o no cofre dos verbos reflexos[...]não tenciona
escondê-lo no cofre dos verbos reflexos...
O Illustre escriptor não quer recordar-se das elegantes liberdades com que os
regeneradores da lingua portugueza faziam, a bel-prazer da euphonia, verbos
reflexos.O ilustre escritor não quer recordar-se das elegantes liberdades com que os
regeneradores da língua portuguesa faziam, a bel- prazer da eufonia, verbos reflexos.
Em resultado das investigações do perspicuo snr. G. Bellegarde nos meus livros,
o sn., Laet arpoou com gancho critico e metteu na alcofa philologica para este ensejo
opportuno, as seguintes cousas:[...] Em resultado das investigações do sagaz Sr. G.
Bellegarde nos meus livros, o Sr. Laet aferrou com gancho crítico e colocou no cesto
filológico para este momento oportuno, as seguintes coisas [...].
Estas niquices do snr. Laet, em materia de linguagem, denunciam o ranço
philológico de 1820; são rabugices fradescas do monge de Tibães, que, se vingassem, a
lingua portugueza pararia em fr. Luiz de Sousa.Estas ninharias ( insignificâncias) do Sr.
Laet, em matéria de linguagem, denunciam o ranço filológico de 1820, são rabugices
83
monásticas do monge de Tibães ( freguesia do Conselho de Braga, onde existia um
mosteiro dos monges beneditinos) , que, se vingassem, a língua portuguesa pararia em
Fr. Luís de Sousa ( Frei Francisco de São Luís, o Cardeal Saraiva, ilustre prelado e
escritor que viveu de 1766 a 1845. Tornou-se beneditino no Mosteiro de Tibães).
Os apparatosos adresses com que a analyse se nos impõe é vaidade de
critico.Os suntuosos adresses com que a análise se nos impõe é vaidade de crítico.
O sr. Laet guardou tambem para remate a estocada de misericórdia. O Sr. Laet
guardou também para o final o golpe ( de espada ) de misericórdia.
Revista Brasileira
Chegou-nos de Portugal uma obra – O Cancioneiro Alegre; esmalta-lhe a
primeira pagina fulgido nome _ Camillo Castello Branco...Chegou-nos de Portugal uma
obra – O Cancioneiro Alegre; ilustra a primeira página esplêndido nome - Camilo
Castelo Branco.
Entibiou-se o fervor dos enthusiastas[...].Enfraqueceu-se o fervor dos
entusiastas.
Não fui dos primeiros a saborear os artigos com que o Sr. Camillo Castello
Branco exornou esta obra [...] Não fui dos primeiros a saborear os artigos com que o Sr.
Camilo Castelo Branco enfeitou esta obra.
[...]Falta-lhe isenção de animo para abstrair personalidades[...]Falta-lhe
imparcialidade de espírito para excluir personalidades.
[...]inçam-lhe o entendimento muitos preconceitos e abusões[...]contaminam-lhe
o entendimento muitos preconceitos e superstições.
[..]torna-se neste livro menos escusável, porque abalança-se a escrever
jocosidades em pedestaes que supportam reputações laboriosamente conquistadas.[...]
torna-se neste livro menos desculpado, porque se arroja a escrever gracejos em
pedestais que sustentam reputações arduamente conquistadas.
Com taes achaques[...].Com tais vícios [...]
[...]que suppuzeram alguns intencionalmente offendido pelas settas[...]não digo
bem...pelas rijas cacheiradas com que o critico pretendeu derrear certos poetas muitos
de nossa sympatia [...]que supuseram alguns intencionalmente ofendido pelos ditos
satíricos ...não digo bem...pelas vigorosas cacetadas com que o crítico pretendeu
desacreditar certos poetas muitos de nossa simpatia...
Ha nos commentarios do Cancioneiro erros de apreciação e iníqua distribuição
de ridiculo; mas acredito que, réo de lesa- critica[...]Há nos comentários do
84
Cancioneiro erros de apreciação e perversa distribuição de ridículo; mas acredito que,
acusado de réu de lesa-crítica....
Grande cópia de preconceitos relativos á litteratura e modo de viver
brazileiros.Grande quantidade de preconceitos relativos à literatura e modo de viver
brasileiros.
Nem phantasio: de semelhantes ideas confessou-se imbuido o nosso amigo
Bordallo quando para cá veiu com craneo atestado das frioleiras que sobre o Brazil
babujaram os d’ Expilly e outros ratões de boas petas.Nem fantasio: de semelhantes
idéias confessou-se imbuído o nosso amigo Bordalo ( Rafael Bordalo Pinheiro, 1875-
1905) caricaturista português, que morou no Brasil entre 1875 e 1879, dirigindo e
ilustrando publicações como O mosquito, Psit!... e o Besouro) quando para cá veio com
a cabeça abarrotada das parvoíces que sobre o Brasil enxovalhavam os d’Expilly (Jean
– Charles Expilly (escritor francês 1814-1886, residiu no Brasil, o que lhe serviu de
inspiração para vários livros) e outros excêntricos mentirosos.
[...]é aquella celebreira de em Portugal [...]é aquela mania de em Portugal[...]
Esta boa gente, incapaz de rejeitar subscripção e muito digna de arrear-se com
a Vila Viçosa...Esta boa gente, incapaz de rejeitar subscrição e muito digna de
aparelhar-se com a Vila Viçosa ( Histórica Vila de Portugal, no Alentejo, onde se situa
o Paço Ducal , solar da dinastia dos Braganças, a que pertenciam os imperadores do
Brasil, e onde há uma sala do Príncipe do Brasil).
[...]pobres de chelpa, mas transudando humour, os quaes , descendo do Sinai
onde foram embeber-se na contemplação do Ideal, não podem assoberbar a indignação
que os invade ao verem o bezerro d’oiro disfructando zumbaias e adorações dos filhos
de Israel[...]pobres de dinheiro, mas transpirando humor, os quais, descendo do Sinai
onde foram embeber-se na contemplação do Ideal, não podem dominar a indignação
que os invade ao verem o bezerro de ouro desfrutando cortesias e adorações dos filhos
de Israel.
Tivesse eu o talento do Sr. Castello Branco e sobre meus hombros tomaria a
ardua tarefa de ensaboar esse typo- o ricaço pseudo- brazileiro - para que perante a
história comparecesse desinficionado das chalaças com que o seringa o espirito
portuguez...Tivesse eu o talento do Sr. Castelo Branco e sobre meus ombros tomaria a
árdua tarefa de ensaboar esse tipo- o ricaço pseudobrasileiro para que perante a história
comparecesse desinfeccionado das zombarias com que o importuna o espírito
português.
85
Um dos mais, e mais, injustamente, escalavrados pelo critico do Cancioneiro
[...]Um dos mais, e mais, injustamente, golpeados pelo crítico do Cancioneiro [...]
[..].porque doe-me ver o talento deprimido pelo talento e o mérito real
espisinhado pelo immoderado e truanesco desejo de galhofa[...]porque dói-me ver o
talento deprimido pelo talento, e o mérito real espezinhado pelo imoderado e bobo
desejo de escárnio.
Esfolham-se algumas ...chufas sobre a campa de Álvares de
Azevedo[...]esfolham-se algumas ... zombarias sobre a campa de Álvares de Azevedo
[...]
[...]ao dobrar a outra mais alcantilada, ainda se olha com saudades. Ao dobrar
a outra mais distante, anda se olha com saudades.
Os antigos são de ordinário censurados como sem-saborões, pezados, e
manejadores da velha graça portugueza.Os antigos são de ordinário censurados como
sem –lastro, pesados e manejadores da velha graça portuguesa.
[ ...] _uma graça capaz de fazer chorar a graça franceza, chalaça de botica
seguida de outra da mesma laia, em assembléa de ginjas, entre o arroto e a pitada[...]_
uma graça capaz de fazer chorar a graça francesa, escárnio de loja de variedades
seguido de outra da mesma laia, em assembléia de idosos e teimosos, entre o arroto e a
pitada[...]
E os modernos , os revolucionários da Idéa Nova , oh! sobre esses chove da
primeira á ultima pagina uma saraivada de remoques, chistosos uns, á francesa,
chocarreiros outros , como das ginjas supramencionados, mas instrumentos sempre de
uma vindicta implacável, não como a da Nemesis que só de cima agitava brandão, mas
como a do executor de alta justiça que gotta a gotta deixava cair a pez fervente sobre a
atenazado corpo dos réprobos.E os modernos, os revolucionários da Idéia Nova, Oh !
sobre esses chove da primeira à última página uma chuva de caçoadas, jocosos uns, à
francesa,insolentes outros, como das assembléias de velhos, acima mencionada, mas
instrumentos sempre de uma vingança implacável, não como a de Nêmesis ( Deusa da
vingança e da justiça, guardião da ordem universal, que era representada sob a forma de
uma mulher de rosto calmo e olhar severo, segurando nas mãos tochas e serpentes) que
só de cima agitava tocha, mas como a do executor de alta justiça que gota a gota
deixava cair o breu fervente sobre a atazanado corpo dos condenados.
[...]e onde padece affrontas o hierophante do realismo, como escamoteador ,
que dizem ter sido, de dezeseis rimas de quatro quadras[...]e onde sofre afrontas o
86
pontífice do realismo, como surrupiador , que dizem ter sido, de dezesseis rimas de
quatro quadras...
[...]dando-se-lhes bordoada de cego, porque não eram assás patuscas[...]dando-
lhes golpe de cego, porque não eram muito sérias.
Jornal do Comércio, 1880, janeiro e março:
O tom da polêmica desceu até nivelar-se com o dos mais descomedidos
convícios.O tom da polêmica desceu até nivelar-se com a das mais inconvenientes
injúrias.
Contudo, nota bene, ninguem vá suppor que estulta e pretenciosamente me
propuz a dar quinaus no emérito estylista.contudo , nota bene, ninguém vá supor que
tola e pretensiosamente, me propus a dar reprimendas ao emérito estilista.
[...]pelo vigor que reppele as investidas de filauciosos competidores[...]pelo
vigor que repele as investidas de presunçosos competidores ...
Tanto bastou para condemnar aquele desditoso e inspirado poeta ás gehennas
do ridículo.Tanto bastou para condenar aquele desditoso e inspirado poeta ao inferno do
ridículo.
[...]e então não duvidei asseverar que, se descuidos grammaticaes fossem
suficcientes para aluir reputações fundadas sobre solidas bases[...]e então não duvidei
afirmar que, se descuidos gramaticais fossem suficientes para abalar reputações
fundadas sobre sólidas bases...
É certo que essas expressões forão alphabetadas entre os galicismos e mais
recentemente[...]É certo que essas expressões foram elencadas entre os galicismos e
mais recentemente[...]
Os typographos e revisores são homens despiedosos que muitas vezes põem-nos
em talas.Os tipógrafos e revisores são homens desumanos que muitas vezes nos põem
em embaraços.
Notaram-se, nos textos de C. de Laet, marcas de religiosidade em suas escolhas
lexicais: [...]os quaes, descendo do Sinai onde foram embeber-se na contemplação do
Ideal, não podem assoberbar a indignação que os invade ao verem o bezerro d’oiro
disfructando zumbaias e adorações dos filhos de Israel;...mas que como peccado da
adultera, podem ser levados á conta da humana fragilidade e perdoados por não se
encontrar quem lhes atire a primeira pedra!; e onde padece afrontas o hierophante do
realismo, vindicta,;gehenna; Ha quem duvide de Deus , duvida, outros da
immortalidade da alma, outros da existência dos corpus; eu cá fico duvidando das
87
regras do verbo haver.Em 1913, essa religiosidade rendeu-lhe o título de Conde da
Santa Fé , concedido pelo Papa Pio X, pelos serviços prestados à Igreja.
Outra característica do polemista é o uso de expressões latinas, talvez uma
marca de afirmação, haja vista que essa foi sua primeira polêmica , desenrolada em
seus 32 anos, em que se confronta com a experiência de C. Castelo Branco, polemista
reconhecido por seus méritos literários e na maturidade de seus 54 anos.
Observaram-se, nos textos referentes a C. de Laet e C.Castelo Branco, palavras
de origem tupi, ao se referirem a nomes de aves sabiá , de árvores como o jequitibá
com flores de ingá, frutas como pitanga e de origem africana como cacatua, macaco e
papagaio, demonstrando que essas palavras, em uso no Brasil, eram já conhecidas em
Portugal.
Quanto à ortografia, não se observaram mudanças sensíveis em relação à língua
em uso nos dois países.
Observam-se palavras grafadas com consoantes dobradas; hoje, essas palavras
são grafadas apenas com uma consoante. No texto do Cancioneiro Alegre de Poetas
Portugueses e Brasileiros encontram-se: attenuar ( atenuar), pallida (pálida), illusões
( ilusões), grammatica ( gramática), applaude (aplaude), elle (ele), commerciantes
(comerciantes); no texto do Ecos Humorísticos do Minho , n.2 e 3: collaborador
(colaborador), accusa-me (acusa-me), suppõe ( supõe), infallibilidade ( infalibilidade),
Corinnas ( Corinas), Fallantes ( Falantes),incommodem ( incomodem), aquella
(aquela), bello (belo), Commercio (Comércio), metteu ( meteu), opportuno ( oportuno),
gallicista ( galicista), aquillo (aquilo), litterarias( literárias), apparatosos ( aparatosos),
diffuso (difuso), affectado ( afetado), affecção (afecção), annos (anos), ellas (elas),
intelligencia (inteligência), annotando (anotando), summa ( suma), transmitto
(transmito).
Nos textos referentes a C. de Laet, destacam-se na Revista Brasileira: Camillo
(Camilo), Castello (Castelo), applausos ( aplausos), litterario ( literário), attenção
(atenção), novelleiros (noveleiros), applicado (aplicado), litteratura (literatura), delle
((dele), lettras (letras), elle (ele), attractivos (atrativos), supportam (suportam),
suggeriu-lh’a (sugeriu-lha), colligidas (coligidas), annotadas (anotadas),suppuzeram
(supuseram), offendido (ofendido), settas (setas), commentarios (comentários),
aggravou (agravou), commentador (comentador), aquellas (aquelas), commercio
(comércio), admittir (admitir), effeito (efeito), penna (pena), Varella (Varela),
immoderado (imoderado), illuminar (iluminar), grammaticaes (gramaticais), estrella
88
(estrela), aggressiva (agressiva), gotta (gota), Apollo (Apolo), pelle (pele), esfolla
(esfola), pellourinho (pelourinho), affrontas (afrontas), libello (libelo), alli (ali); no
Jornal do Comércio, janeiro e março: fallado (falado), daquella (daquela), attenção
(atenção), nivellar-se (nivelar-se), gallicismos (galicismos), suppor (supor), repelle
(repele), recommendado (recomendado),collabora (colabora), gehennas,(geenas),
effeito (efeito), diffuso (difuso), immortalidade(imortalidade), admitte (admite), saccos
(:sacos), callosidades (calosidades).
A respeito da ortografia destacam-se , ainda, palavras grafadas com consoante
muda, atualmente em desuso: Nos textos referentes a C.Castelo Branco: Cancioneiro
Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: Magdalena (Madalena), instrucção
((instrução), Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3: columna (coluna), distincto
(distinto), captivo (cativo), prelecçõe( preleções), affectado (afetado), manuscripto
(manuscrito), escripto (escrito).
Textos referentes a C. de Laet : Revista Brasileira : acção ( ação),attractivos
(atrativos), delicto (delito), distincções (distinções), disfructando (desfrutando),
subscripção (subscrição), fructos (frutos), sciencia (ciência) producção (produção),
vindicta (vindita), selecta (seleta), escriptores (escritores).Jornal do Comércio, janeiro e
março: facto (fato), augmentar ( aumentar), traducção (tradução), exceptuar
(excetuar),contradicção (contradição), contrucções (construções), predilecto (predileto),
distincto (distinto).
Sublinham-se palavras que , atualmente , se grafam com i , grafadas com y:
No Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: lyra ( lira), syntaxe
(sintaxe), syllabas ( sílabas), symbolos (símbolos); Ecos Humorísticos do Minho, n.1e 2:
Elysio (Elísio), analyse ( análise), typographico ( tipográfico), typographia (tipografia).
Na Revista Brasileira: estylista (estilista), sympatia (simpatia), estylo ( estilo),
satyras(sátiras), typo (tipo), lyrico(lírico), hybrido (híbrido); no Jornal do Comércio:
synonymo (sinônimo), platyrrhineos (platirrinos).
As palavras, antes, grafadas com h: Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e
Brasileiros: author (autor), estheticos ( estéticos), Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e
3: cahir (cair), authoridade ( autoridade), enthesoural-o ( entesourá-lo), authorisado
(autorizado), prohibição (proibição), sahiam (saíam). Revista Brasileira : enthusiastas
(entusiastas), ahi (ai), dahi (daí), ethnologica (etnológica), orthopedista ( ortopedista),
Jornal do Comércio, janeiro e março: abstrahindo ( abstraindo), these (tese), gehennas
(geenas ), sympathico(simpático), catarrhineos (catarrinos) platyrrhineos (platirrinos).
89
Observou-se, nos textos referentes a C. de Laet, a palavra autor grafada sem o h, nos
moldes do português simplificado.
As palavras que eram grafadas com ch, atualmente, grafam-se com c: Ecos
Humorísticos do Minho, n.3: Christo (Cristo); Revista Brasileira : chronica ( crônica),
Jornal do Comércio, março: Echos (Ecos).
As palavras grafadas com ph com som de f , hoje grafadas com f : Cancioneiro
Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: apostropha ( apostrofa); geographicas
(geográficas), phantasio (fantasio), comediographos (comediógrafos), phalenas
(falenas), hierophante (hierofante), Ecos Humorísticos do Minho, n.3: euphonia
(eufonia), metaphoricamente ( metaforicamente), philologica (filológica), phrase
(frase),typographico (tipográfico), typographia (tipografia), phantasia (fantasia)
philologo (filólogo), bibliophilo ( bibliófilo), Jornal do Comércio: março:
alphabetadas (alfabetadas).
Palavra grafada com g, hoje grafadas com j: Revista Brasileira: grangeada
(granjeada).
Numerais com grafia diferente da que se tem hoje : Ecos Humorísticos do
Minho, n.3; cincoenta ( cinqüenta), dous (dois), Revista Brasileira: dezeseis
(dezesseis),
Palavras grafadas com z , hoje, grafadas com s: Brazis ( Brasis ), paiz (país),
Ecos Humorísticos do Minho: brazileira (brasileira), portuguez ( português); Revista
Brasileira: franceza ( francesa).
A crase que indica a fusão da preposição a com o artigo a , aparece com o
acento agudo:Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: á estampa , á
publicidade; Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3: ás vezes , á paginação , á
authoridade; Revista Brasileira : á celebridade, á conta , á litteratura , á pag., á ultima
, á franceza , ás grelhas , á ténia , á compilação; Jornal do Comércio: ás minhas, ás
grandes, á expressão , á esta , á aversão.
Observa-se que, quanto à acentuação gráfica, palavras proparoxítonas não
recebem acento: Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: pallida
(pálida), estatisticas (estatísticas), grammatica (gramática), unicas (únicas), nostalgicos
( nostálgicos) interprete (intérprete), syllabas (sílabas), vocabulos ( vocábulos),
symbolos (símbolos), capitulos (capítulos), tabernaculo (tabernáculo), espirito
(espírito), microscopicos ( microcóspicos), estheticos (estéticos), pincaros (píncaros);
Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3: critica (crítica), critico ( crítico), brazilicos
90
(brasílicos), caracteristica (característica), alfandega (alfândega), arvore (árvore),
philologica (filológica), discipulo (discípulo), synonymo (sinônimo), analyse ( análise),
typographico (tipográfico), ridiculo (ridículo), classico (clássico), Espirito (Espírito)
poeticas (poéticas), philologo (filólogo), depositos (depósitos), historicos (históricos),
bibliophilo( bibliófilo); Revista Brasileira: chronica ( crônica), pagina (página), fulgido
(fúlgido), merito (mérito), triplice (tríplice), rapida (rápida), colera (cólera), principe
(príncipe), indole (índole), emerito (emérito), animo (ânimo), genero (gênero),
proposito (propósito), geographicas (geográficas), satyras (sátiras), comediographos
(comediógrafos), pontifices (pontífices), benevolas (benévolas), tropicos ( trópicos),
hybrido (híbrido), merito (mérito), cerebro (cérebro), titulo (título), caracteristica (
característica), escrupulo (escrúpulo), humoristicos (humorísticos), satyrico
(satírico),ultima (última); Jornal do Comércio, janeiro e março: escandalo (escândalo),
publica (pública), polemica (polêmica ) Petropolis (Petrópolis), Atlantico (Atlântico),
chronologica (cronológica), satyras (sátiras), prologo (prólogo), epicos (épicos),
benevolo (benévolo), proximo (próximo), licito (lícito), fasciculo ( fascículo), discipulo
(discípulo), rapido (rápido), solidas (sólidas), competentissimo (competentíssimo),
seculos (séculos), questiuncula ( questiúncula), identicos (idênticos).
Palavras paroxítonas , também, não recebem acento: Cancioneiro Alegre de
Poetas Portugueses e Brasileiros: prefacio ( prefácio), instancias ( instâncias), negocios
(negócios), individuos (indivíduos), familia (família), ausencia (ausência),labios
(lábios), linguas ( línguas), proprio ( próprio) terrivel (terrível); Ecos Humorísticos do
Minho, n.2 e 3: exuberancia (exuberância), criterio ( critério), Delias ( Délias),
relogios ( relógios), perspicuo ( perspícuo), respeitavel (respeitável), docil (dócil),
materia (matéria), residencia ( residência), Constancio (Constâncio), Diccionario
(dicionário), terriveis (terríveis), historia (história), irrefragaveis (irrefragáveis),
memorias (memórias), varios (vários), noticia ( notícia); Jornal do Comércio, janeiro e
março: litteraria (literária), represalias ( represálias), escusavel (escusável),
commentarios (comentários) craneo (crânio), patria (pátria), beneficencias
(beneficências), leguas (léguas), sciencia (ciência), patricios ( patrícios), Horacio
(Horácio), revolucionarios (revolucionários), repositorio (repositório); Jornal do
Comércio, janeiro e março: amaveis (amáveis), contemporaneas (contemporâneas),
Tulio (Túlio), Glossario (glossário), proprios (próprios), invejaveis (invejáveis),
possivel (possível), principios (princípios), urgencias (urgências), inevitavel
91
(inevitável), terriveis (terríveis), implacavel (implacável), catarrhineos (catarríneos),
platyrrhineos ( platirríneos), patricios (patrícios).
As palavras oxítonas encontram-se sem o acento nos exemplos: Cancioneiro
Alegre dos Poetas Portugueses e Brasileiros: paiz ( país), Ecos Humorísticos do Minho,
n.2 e 3: ha (há), alguem (alguém); Revista Brasileira: alem (adv.) ( além), tambem
((também); Jornal do Comércio, janeiro e março: ninguem (ninguém).
Emprega o apóstrofo, assinalando a supressão de uma vogal: Cancioneiro Alegre
de Poetas Portugueses e Brasileiros: d’um, d’est’arte, n’esta, n’este, Ecos Humorísticos
do Minho, n.2 e 3: d’aquelle, d’elle, d’esta, lh’as; Revista Brasileira: suggeriu-lh’a;
Jornal do Comércio, janeiro e março: n’um, m’a, mandar-lh’o.
Separação do pronome oblíquo nas ênclises: Cancioneiro Alegre de Poetas
Portugueses e Brasileiros: realisal-a; Ecos Humorísticos do Minho, n.2e3: enthesoural-
o; Revista Brasileira: redul-os.
Usa-se o til como sinal de nasalidade na desinência número – pessoal do
pretérito perfeito do indicativo: Jornal do Comércio, janeiro e março: passarão
((passaram), encontrarão (encontraram), demonstrão ( demonstram), escaparião
(escapariam), notão ( notam), forão (foram), restavão (restavam ), poderião (poderiam)
fizerão (fizeram).
Nota-se , também, o emprego do pronome de tratamento senhor abreviado de
duas formas diferentes: Sr. e Snr.
A ortografia portuguesa nem sempre foi uniforme;inicial, pois, inicialmente, o
que prevalecia era a fonética. Com o advento do pseudo-etimologismo, oriundo de um
conhecimento maior do latim , as palavras escritas passaram a sofrer a influência
etimológica, o que ocasionou várias ortografias.
Essa confusão ortográfica decorrente mais da fantasia de cada escritor foi
interrompida graças a Gonçalves Viana com sua Ortografia Nacional , em 1904, que
se tornou base para todas as reformas simplificadoras.
Ismael de Lima Coutinho (1981) classifica a ortografia portuguesa em três
períodos: fonético, pseudo-etimológico e simplificado.
O período fonético inicia-se com os primeiros documentos escritos em
português e culmina no século XVI. Nesse período, predomina a fonética , pois a
língua era escrita para ser ouvida. O período pseudo-etimológico que se inicia no século
XVI e vai até 1904, é marcado pela predominância das consoantes geminadas e
insonoras, dos grupos consonantais que se atribuíam ao grego e das letras y, k e
92
w,quando presentes nas originárias. O período simplificado inicia-se com a Ortografia
Nacional de Gonçalves Viana, em 1904, e perdura até hoje.
Nos textos da polêmica analisados prevalecem os dois períodos da ortografia
portuguesa:o fonético, o pseudo- etimológico.Do período fonético destacam-se o i
representado pelo y, como nos exemplos lyra, hybrido e symbolos, o g substituído pelo
j, granjeada, o h no meio das palavras, separa as vogais em hiato: sahir, cahir , dahi; o
l aparece geminado no meio e fim das palavras: aquellas, pelle, esfolla; o s simples é
empregado com o valor de ss como em dezeseis.O s ,ainda, aparece iniciando palavras,
sciencia,;consoantes dobradas com valores diferentes das simples, tais como o f, l e
m:offendido,,colligidas e commercio..
O período pseudo-etimológico, sob a influência do latim, restabelece o g nos
vocábulos, tais como benigno,a presença do g, mero sinal etimológico, passou a ser
assinalada na ortografia. Entre os muitos sinais gráficos da ortografia etimológica
citam-se:author, satyra, escriptores.
O período simplificado visou a pôr fim a todos os símbolos de etimologia
grega:th,ph,ch =k , rh e y. Reduziu as consoantes dobradas a singelas, exceto as rr e ss
mediais; eliminou, também, as consoantes nulas, quando não influam na pronúncia da
vogal que as preceda, regulando a acentuação gráfica. O sistema simplificado orienta-se
pela pronúncia , sem olvidar a etimologia e o elemento histórico.
3.3.Questões gramaticais
S. Elia (1975) divide os estudos filológicos brasileiros em dois grandes períodos:
o vernaculista e o científico. O primeiro vai de 1820 a 1880, ou seja, a partir da
gramática de Júlio Ribeiro, e se caracteriza por contradições entre as preocupações
puristas dos conservadores e a dos representantes da nova geração. É o encontro bipolar
entre a corrente classicizante e as dos reformistas que interessa a esta dissertação, já que
se trata da análise de textos referentes à polêmica travada entre Camilo Castelo Branco e
Carlos de Laet, desenrolada no final desse período, sobre a égide da polaridade:
conservadores e representantes da nova geração.
O segundo período, que vai de 1880 a 1960, é o científico, compreendendo a
fase conhecida como de transição (1880 a 1900) que tem, por principal característica, a
93
renovação que prevalece sobre o conservadorismo da época anterior e tem como
representantes Júlio Ribeiro e João Ribeiro.
A polêmica entre esses dois escritores surge devido a uma pequena introdução-
comentário escrita por C. Castelo Branco em uma antologia de poetas brasileiros e
portugueses que tem o título de Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e
Brasileiros (1879). Nessa crítica, o poeta Fagundes Varela é tratado como Fagundes,
sujeito híbrido dos Brasis e como paulista, quando é fluminense. C. Castelo Branco
destaca em prólogo escrito nos verdes anos pelo poeta dois “erros” gramaticais: o
emprego da forma verbal haviam em vez de havia no trecho “haviam brisas e
passarinhos” e o emprego de lhe em vez de o no trecho “lhe favoreçam”.
A primeira das questões gramaticais, levantadas pelo autor, diz respeito ao verbo
haver, empregado como verbo impessoal. Segundo C. Castelo Branco (1879: 518-9), o
poeta Fagundes comete um erro gramatical imperdoável e faz o seguinte comentário:
Qual é o estadista, o homem de negócios que não se sentiu alguma
vez na vida poeta, que aos ouvidos de uma pallida Magdalena ou
Julieta, esquecendo-se dos algarismos e da estatística, não se
lembrou que haviam brizas e passarinhos, ilusões e devaneios. E
grammatica. Tambem seria bom lembrar-se, aos ouvidos das
Magdalenas e Julietas, que havia regras para o verbo haver, além
de brizas para refrigério da epiderme, e passarinhos para deleite
dos ouvidos.
C. de Laet, ofendido em seu nacionalismo, sai em defesa de Fagundes Varela,
em artigo da Revista Brasileira (1879: 218) mesmo admitindo que o poeta se
equivocara e explica sua posição:
Não é que eu tome partido pelo prólogo do Varella contra a
gramática. Erros grammaticaes! feia cousa na verdade, mas
que, como peccado da adultera, podem ser levados á conta da
humana fragilidade e perdoados por não se encontrar quem lhes
atire a primeira pedra!
94
Para cotejar as questões gramaticais, levantadas na polêmica, utiliza-se a
Grammatica Portugueza de Júlio Ribeiro (1883), que se pauta pela sistematização de
uma prática lingüística em uso, pois, para ele, a gramática se constitui em uma
exposição metódica dos fatos da linguagem, embasando-se no método histórico-
comparativo. Utiliza-se, nesta pesquisa, a 2. edição, publicada em 1885.
Faz-se uso também de a Syntaxe Historica Portuguesa de Augusto Epiphanio da
Silva Dias, 3. edição, publicada em 1917 e a Grammatica Expositiva de Eduardo Carlos
Pereira, 3. edição, publicada em 1911, além da gramática atual de Evanildo Bechara,
Moderna Gramática Portuguesa, 37. edição , publicada em 2004 e da gramática do
Celso Cunha e Lindley Cintra, A Nova Gramática do Português Contemporâneo,
3edição, 2007.
Júlio Nogueira (1930) explica que o verbo haver decorre do latino habere,
resultado da permuta da sonora oclusiva b na contínua v.No período anticlássico
escrevia-se aver , a reposição do h foi devida à influência erudita.
Em sua gramática, J. Ribeiro (1885: 290, §11º.), em que trata de Verbos
Impessoais, explica no artigo 528 e seguintes:
O verbo impessoal , verdadeiro verbo defectivo, porque só é
usado na terceira pessoa do singular; encerra em si um sujeito
impessoal que não se exprime. Art.530:São verdadeiramente
impessoais os verbos que indicam a realização de fenômenos
astronômicos e meteorológicos, tais como amanhecer, anoitecer,
gear, nevar, relampejar, trovejar, ventar, chover, etc..
Art. 531: Existem, sem que sejam impessoais por sua natureza,
muitos verbos que são usados impessoalmente. Destacam-se:
acontecer, bastar, convir, constar, correr, costumar, cumprir,
dar, dever, haver. Art.534: O verbo haver em sentenças como
Ha homens - Ha fructas – Ha Leis, conservando-se transitivo,
assume o caráter de verdadeiro verbo impessoal, e não pode ter
sujeito claro.
Retoma o artigo 163 item 4, p. 75: o verbo chama-se impessoal quando em
accepção própria não póde ter por sujeito um nome de pessoa, ex.: trovejar __
acontecer.
95
J. Ribeiro continua: É tolice a doutrina de Argote, assim formulada por
Vergueiro e Pertence: O verbo haver, empregado no sentido de existir usa-se nas
terceiras pessoas do singular ainda que o sujeito seja da terceira pessoa do plural.
E complementa que não passa de sutileza metafísica, condenada pelos fatos
lingüísticos, a explicação apresentada por Sotero dos Reis (Pastilhas de Grammatica
Geral), na qual o haver é tratado como unipessoal: o verbo unipessoal haver, cuja
significação é a mesma de existir emprega-se ordinariamente com o sujeito gramatical
oculto – classe, gênero, porção, quantidade, número, tempo, espaço etc. – e um
complemento expresso desse sujeito precedido da preposição de também oculta.
Exemplo:
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes. (Camões)
A sintaxe regular nesses casos é: Dizei-lhe que também numero de alguns
traidores portuguezes, ou de entre os Portugueses , houve “algumas vezes”.
Critica J. Ribeiro (1885: 293) a doutrina de Moraes exposta por Freire da Silva
que a apresenta nos seguintes termos:
Muitos grammaticos chamam o verbo haver unipessoal, quando
empregado, como nas phrases seguintes:”Ha homens
extraordinários- Havia iguarias- Si houver tempo, irei visital-
o”. é elle, ao contrario, o mesmo verbo haver pessoal e
transitivo, com a significação de ter ou possuir, derivado de
habere que, em tal caso, é elegantemente usado no singular com
o sujeito oculto, o que facilmente, se subentende pelo sentido ,
como se vê das mesmas phrases que em seguida se acham
repetidas com os sujeitos claros: Ha homens extraordinarios,
isto é, O mundo ha ou tem homens extraordinarios, Havia
iguarias, isto é, a mesa havia ou tinha iguarias, Si houver
tempo, irei visital-o, isto é, Si eu houver ou tiver tempo, irei
visital-o.
Segundo J. Ribeiro, em tais construções, o verbo haver conserva-se transitivo, e
assume o caráter de verdadeiro verbo impessoal; e não precisa mais de sujeito claro do
que chove, troveja, ou outro qualquer. Observa, ainda, que os caipiras fiéis aos
96
arcaísmos da língua, comum à gente do povo, costumam colocar um pronome que
represente o sujeito neutro e impessoal dos verbos impessoais e exemplifica: Elle chove
muito lá. Substituem também ter a haver: Tem muita gente na egreja. Esse uso se
generaliza pelo país, pois até mesmo entre ilustrados há o emprego de haver como
sinônimo de existir: Quando eu me casei, elle já havia. Afirma que só no imperfeito do
indicativo é que usam esse verbo nesta acepção.
Candido de Figueiredo (1891:52-3) expõe que, em havia homens, o sujeito não
deixa de concordar com o verbo, pois o sujeito não é “homens” e repete a lição do Padre
Cardoso Borges:
Em houve homens, havia iguarias; homens e iguarias não são
sujeitos ou nominativos: são complementos objetivos que os
latinos chamavam accusativos. Houve e havia, e todas as formas
d’este verbo, são sempre sinonimos do verbo ter. Houve homens
corresponde a: teve (o mundo) homens; havia iguarias
corresponde a: tinha (a mesa) iguarias. E, assim, em outras
frases, subintende-se sempre um sujeito accommodado ao
complemento objetivo e suas circunstâncias.
Para Silvio Elia (2003), essa utilização do verbo haver é comum na época,
inclusive, utiliza-se dela Eça de Queirós, pois o erro do poeta não passa de uso de uma
forma em extinção.C. Castelo Branco, contudo, mesmo depois de rejeitar essa sintaxe,
usa-a várias vezes. C.de Laet traz à discussão um houveram cousas terríveis, perpetrado
por Camilo e que o próprio escritor usa para condenar Fagundes Varela. C.Castelo
Branco reconhece o erro, mas culpa a tipografia por ele.
C.Castelo Branco (1880: 16-7, n.3) retoma o assunto do verbo haver em sua
última participação na polêmica e justifica:
É de supor que a intelligencia que presidiu á paginação
fiscalizasse as provas, e, no benigno intuito de me corrigir, em
vez de houve cousas terríveis emendasse houveram.e eu
desculpo quem quer que foi; porque, se o sujeito era lido em
Francisco Manuel do Nascimento, corrigiu-me authorisado pelo
grande clássico que em prosa tinha escripto:”Houveram alguns
97
que alumiados da graça do Espírito Santo abraçaram o culto e a
fé de Christo”.
Citando Obras Poéticas de Francisco Dias Gomes, comenta os escritos de
Ferreira Gordo em que utiliza o verbo haver, com sentido de existir, no plural,
parecendo aceitar tal colocação.
A.Nascentes (1942: 80, v.III), no entanto, explica que o verbo haver, empregado
impessoalmente, fica sempre no singular e exemplifica: Nos espaçosos quartos havia
homens, mulheres e crianças em pranto inconsolável( Coelho Neto, O rajá do Pendjab,
II,30) . A complementação verbal indica um objeto direto e não sujeito, tanto que ,se
houver necessidade de substituí-las por pronomes pessoais, são as formas oblíquas o, os,
a, as que aparecem.
Evanildo Bechara (2004) pondera que, nas orações sem o sujeito, o verbo
assume a forma de 3ª. pessoa do singular e exemplifica: Há vários nomes aqui; Deve
haver cinco premiados;Não o vejo há três meses. Observa que os exemplos literários
que apresentam esses verbos no plural não ganharam foros de cidade, como no
exemplo: Houveram coisas terríveis.
Conforme Celso Cunha (2007: 539), o verbo haver é usado em todas as pessoas
ou apenas na 3ª- pessoa do singular, sendo este o motivo da discussão entre C.de Laet
e C. Castelo Branco, e continua: emprega-se como impessoal, isto é, sem sujeito,
quando significa existir, ou quando indicar tempo decorrido. Nestes casos, em
qualquer tempo, conjuga-se tão somente na 3ª- pessoa do singular.
E exemplifica: Havia simples marinheiros; havia inferiores; havia escreventes e
operários de bordo ( Lima Barreto, NCM,16). Cita a frase de C.Castelo Branco
Houveram muitas lágrimas de alegria (V,82) como construção que não deve ser
imitada nos dias atuais.
A segunda questão gramatical, colocada em discussão, é a troca do pronome lhe
por o na construção: lhe favoreçam por o favoreçam, ou seja, a transitividade do verbo
favorecer.
J.Ribeiro (op.cit: 73-4) define:
Verbo é uma palavra que enuncia, diz ou declara alguma cousa.
O verbo implica sempre uma asserção ou predicado. Classifica
o verbo em verbo intransitivo: é o que enuncia um estado, ou
98
mesmo uma acção que não se exerce directamente sobre o
objeto e verbo transitivo é o que enuncia uma acção que se
exerce directamente sobre o objeto.
Explica que essa classificação se funda na natureza do predicado contido no
verbo. O predicado apresenta:
como o estado de um objecto, como o modo de ser desse objecto,
que póde produzir, ou que produz realmente algum effeito sobre
outro objecto, exemplo: ferir- quebrar- amar-odiar. Chamam-se
transitivos estes verbos porque o objecto a que elles se referem
exerce uma acção que actua sobre outro objecto extranho , que
passa para sobre elle. Para que o estado de um objecto
qualquer se nos apresente como transitivo preciso é que envolva
idéia de movimento . E ainda não basta. É também preciso que
esse estado se apresente, em virtude do movimento, como
produzindo um effeito qualquer sobre outro objecto de que taes
qualidades são predicadas, como exercendo acção sobre outro
objecto, ou ao menos como capaz de o produzir.
Segundo ele, o verbo favorecer enuncia uma ação que se exerce diretamente
sobre o objeto e, portanto, requer um objeto direto, sem auxílio da preposição, pois o ato
de favorecer produz um efeito sobre um outro objeto, que se beneficiará da ação.
Fagundes Varela equivoca-se, ao utilizar o pronome-substantivo lhe como se
houvesse uma relação objetiva indireta que juntamente com me, te, se são, hoje,
complemento de um verbo transitivo indireto, portanto, devia ter utilizado o pronome
substantivo átono o, pois há uma relação objetiva direta
A.E.da S. Dias (op. cit: 69) ensina, no capítulo em que trata dos pronomes, que
se empregam como complementos diretos átonos os pronomes: me, te, o, a, nos, vos ,os,
as, se (reflexo), da mesma maneira se empregam como complementos indiretos átonos:
me, te, lhe, nos, vos, lhes, se (reflexo).
A.E. da S. Dias (op.cit: 37) explica que o complemento objetivo representa o que
já existe, quando a ação se realiza como, por exemplo, demolir uma torre. Pode indicar
o que é resultado da ação como construir uma torre. Como regra geral, é transitivo a
99
maioria dos verbos que representam etimologicamente os verbos latinos transitivos
como, por exemplo, ajudar , amar, ler,medir,partir, pedir, pender, vedar, vender.
Para C. Cunha ( 2007: 517), a ligação do verbo com seu complemento pode
fazer-se: diretamente, sem uma preposição intermédia, quando o complemento é
Objeto Direto e indiretamente, mediante o emprego de uma preposição, quando o
complemento é Objeto Indireto.
S. Elias comenta que C. de Laet utiliza um estilo satírico de humanista na pele
de jornalista, apresentando um esvoaçarem-se que C.Castelo Branco usa como
reflexivo. São estas as palavras de C. de Laet (op. cit.: 216):
O mesmo crítico que á citada pg. 519 tanto leva a mal o lhe
favoreça de Varella, á pg. 102, no artigo em que patrioticamente
disputa o titulo de portuguez para o Sr. Gonçalves Crespo,
encarniçando-se em dar caça aos peregrinismos brazilicos, que
erradamente suppõe feição característica da hodierna poesia
brasileira , vae cair sobre umas phalenas a esvoaçarem –se nos
anda-assús – novidade importante , porquanto até o penúltimo
paquete não constava neste paiz de Botocudos que o esvoaçar
também fosse reflexivo.
C. Castelo Branco (1880: 11, n.2), em réplica a C. de Laet, se defende:
Eu não imponho ao snr. Laet a minha infallibilidade em pureza
da língua; mas afouto-me a pedir-lhe que aceite a de Antonio
Feliciano de Castilho, que escreveu( Chave do Enigma, p.210-
2110) “Vivo como que emprestado, semi-pagão, semi-classico,
semi-republicano dos Gracchos, semi-conviva de Mecenas,
semi-Titiro, semi-captivos Corinnas e Delias, e, com tudo isto, a
esvoaçar-me sempre da poesia que foi, ou que se nos figura lá
traz, para outra, que lá adiante ri aos tantos amigos da
humanidade, aos utopistas.
Continua a justificativa, apoiando-se em Filinto Elysio:
100
Ahi tem o snr. Laet o verbo reflexo.O visconde não foi quem
creou o esvoaçar-se: achou-o em Filinto Elysio; mas se o
creasse, a sua authoridade é tão poderosa que nenhum de nós
póde rejeitar moeda nova cunhada por Castilho. O verbo
reflexo, portanto, deve estar ha muito tempo no Rio. Será bom
procural-o na alfândega.
Na Carta ao Cruzeiro (1880: 11-2, n.3), continua a debater a questão da
reflexividade do verbo esvoaçar-se:
Ficou o snr. Laet de procurar na alfândega o esvoaçar-se, mas,
a despeito da authoridade de Filinto e Castilho, não tenciona
enthesoural-o no cofre dos seus verbos reflexos, porque não
acha no esvoaçar-se razão para que seja reflexo.
C. Castelo Branco argumenta:
O illustre escriptor não quer recordar-se das liberdades com
que os regeneradores da lingua portugueza faziam, a bel-prazer
da euphonia, verbos reflexos. Por exemplo, João de Barros,
quando usa o verbo escapulir. Uma vez diz: “Teve Martim
Affonso modo de escapulir d’aquella multidão” III,VIII,5)”s
outros arrenegados quando souberam o concerto quizeram
escapulir”.(II,VII,5)Outras vezes diz: “Os que não puderam
escapulir-se punham em salvo quanto podiam”. (I,X,4)Outro
exemplo no escoar methaphoricamente: “Tiveram os nossos
modos de se escoar d’elles”.( II, VII, 9). E d’outro feitio:”Não
curou de ir de rosto onde elle estava, e foi escoando para
aquella parte onde tinha uma pequena porta”. (II,IX,1).
E, no mesmo estilo satírico do oponente, retruca:
O snr. Carlos Laet não mandou pitanga nem papagaio. Insiste
em presentear-me economicamente com prelecções de língua
portugueza , em um bello folhetim do Jornal do Commercio.
101
J. Ribeiro, em sua gramática, apresenta o verbo pronominal, que aparece na
língua em uso empregado sempre com um pronome objetivo que representa o sujeito,
ex. queixar-se, condoer-se. A distribuição da ação do verbo em recíproca, reflexiva,
está mais para o domínio da lógica do que da gramática. E justifica, citando A. Garrett,
em sua obra Da Educação (1869: 11-2):
O verdadeiro systema de grammatica devêra ser o de
simplificar, mas parece que acintemente não tratam sinão de
augmentar entidades e fazer difficultoso o que é simples e facil,
multiplicando termos e categorias de divisões e subdivisões em
cousas que não precisam . Que quer dizer, por exemplo, verbo
reciproco. É um verbo ativo, nem mais , nem menos, com um
pronome no objetivo, assim como podia ter um nome.
Eduardo Carlos Pereira (1911) explica que verbo reflexivo é verbo ativo, quando
exprime uma ação praticada e recebida pelo próprio sujeito, que é, por isso,
simultaneamente agente e paciente como em Eu me firo. Nomeia como verbo neutro o
verbo que não é ativo nem passivo, pois enuncia apenas um estado ou uma qualidade do
sujeito, que, nesse caso, não é agente nem paciente. Ex. ser, estar, morrer, dormir,
viver, cair, entre outros.
A.E. da S. Dias (op. cit: 104) trata da forma reflexiva no § 133 a):
alguns verbos se empregam unicamente na conjugação reflexa;
como por exemplo: abster-se, jactar-se, gloriar-se, arrepender-
se, que representam verbos latinos reflexos ou depoentes. Sendo
que alguns deles, em certa significação, só se empregam na
conjugação reflexa; tais como: lembrar-se de, doer-se de , ir-se
( embora).No § 135 expõe: o emprego de verbos transitivos na
conjugação reflexa, sendo o pronome complemento indireto,
pertence à linguagem literária.
S. Elia comenta que Sousa da Silveira, em Fonética Sintática, adverte que essa
utilização pronominal aparece na literatura tanto na forma absoluta, como na forma
reflexiva e exemplifica com os verbos enfiar (-se), encaminhar (-se), casar (-se)
recordar (-se) e outros. Explica que, com verbos intransitivos, a partícula se indica
102
espontaneidade da ação e funciona como reforço sintático do aspecto semântico como
em ir embora, ir- se embora; sorrir, sorrir-se; demorar, demorar-se, provando que o
emprego de esvoaçarem-se está na linha desses verbos reflexivos mediais.
E. Bechara esclarece que o pronome se pode juntar-se a verbos que indicam:
sentimento como indignar-se, ufanar-se, atrever-se, admirar-se, queixar-se entre outros
e movimento ou atitudes da pessoa em relação ao seu próprio corpo como ir-se, partir-
se, sentar-se, sorrir-se. No primeiro caso, por não possuir a construção mais o sentido
reflexivo, considera-se o se como parte integrante do verbo, sem classificação especial e
no segundo, os autores costumam chamar o se de pronome de realce ou expletivo.
C. Cunha ( 2007) observa que, na voz reflexiva, o verbo vem acompanhado de
um pronome oblíquo que lhe serve de objeto direto ou, mais raramente, de objeto
indireto, representando a mesma pessoa que o sujeito e exemplifica:
Eu me lavo ( ou lavo-me) e salienta que a próclise é preferida no Brasil e a
ênclise em Portugal.
Queixa-se, ainda, C.Castelo Branco (op.cit: 12) de ter sido injustiçado por
Arthur – o da lendária Bengala Branca – Arthur Barreiros, por ter escrito no
Cancioneiro, contentar-se em vez de contentar-se de. São essas as palavras do autor:
Parece querer indicar-me que eu, se soubesse portuguez,
escreveria contentar-se de...Ora eu,ás vezes, gosto de escrever
mal a minha língua como D. Francisco Manuel de Mello; e
então escrevo como elle nos Relógios Fallantes:”Nenhuma
arvore vereis que se contente em ficar no estado em que a
plantaram”.
J. Ribeiro (op. cit.:306, § 7º-, 575, 15) explica que se utiliza a preposição de
com o verbo, quando indicar o lugar . Exemplo: Parto de Roma.
E. Bechara (2004: 313) expõe que a preposição de indica circunstância de lugar
donde, origem , ponto de partida dum movimento ou extensão. C. Cunha ( 2007),
explica que movimento é afastamento de um ponto, de um limite, procedência, origem,
estendendo-se essa regra ao uso da preposição em utilizada, na citação de Francisco
M. de Mello; caso que se aplica à questão estudada, não cabendo razão a Arthur
Barreiros, pois ambas são corretas.
103
C. Castelo Branco (1880:12,n.2) encerra a questão em tom jocoso e ferino como
lhe é peculiar:
Os senhores escriptores brazileiros, que me enviam prelecções
de linguagem portugueza, se me quizerem obsequiar d’um modo
mais significativo e proveitoso, mandem-me um papagaio, uma
cotia e alguns frascos de pitanga.Quanto a linguagem, muito
obrigado, mas não se incommodem.
3.3.1.O estrangeirismo em Camilo Castelo Branco
E. Bechara (2004:599) explica que estrangeirismo é o emprego de palavras,
expressões e construções alheias ao idioma que a ele chegam por empréstimos tomados
de outra língua. Entram no idioma por um processo natural de assimilação de cultura ou
de contigüidade geográfica, que assumem feições nacionalistas e políticas, aos olhos
dos puristas, pois o associam à subserviência e à degradação do país, esquecendo-se de
que a língua, produto social, registra os contatos com outros povos.
Mario Barreto (1911: 357) também faz referência à polêmica entre C. Castelo
Branco, que considera um dos maiores mestres em linguagem e um dos escritores mais
beneméritos do nosso idioma, e do ilustre acadêmico C. de Laet, que levanta a questão
do uso de galicismos por parte de C.Castelo Branco:
Uma das questões versava sobre a expressão perder a cabeça,
empregada pelo romancista português à página 34 da tradução
que fez para o livro de Feuillet, -_Le roman d’um jeune homme
pauvre.Camilo Castelo Branco traduziu por perder a cabeça o
perdre la tête do original francês Ce n’était rien d’abord; mais
on s’échauffe et on perd la tête, tu sais, que foi taxado por
galicismo por G. Bellergarde e Carlos de Laet , abalizados em
parecer do Cardeal Saraiva e de Silva Túlio.
Responde, prontamente, C. Castelo Branco (1880, n.3,p.12):
Que eu em romance empregára a locução gallicista: perder a
cabeça, e apóia-se no respeitável Sr. Tullio, muito dócil
104
discípulo do antiquado D. fr. Francisco de S. Luiz. Dizemos –
perder o juízo, o tino, a razão.
E justifica, citando o Padre Antônio Vieira (to.XV, pág.182) que utiliza a
expressão Homem de tanta cabeça, no lugar de homem de tanto juízo ou talento.
Continuando:
Nós dizemos frequentemente perder os passos, e perder a
coragem, perder o caminho. Não o digamos pois, porque os
francezes dizem: perdre courage, e perdre ses pas, perdre son
chamise.
Acusa C. de Laet que, em questões de linguagem, apresenta ranço filológico de
1820, pois, segundo ele, C. de Laet diria que perdre son chamise traduz-se por errar o
caminho, porém o mestre João de Barros explica que ambas estas cousas abateram e
espaldearam tanto a armada que perderam o caminho (Década.III,I,6). Candido de
Figueiredo (189: 160), porém, explica que a cabeça não se perde, senão em francês, o
que o rapaz perdeu é o tino, tresvariar, desorientar-se ...
M. Barreto (1911) pondera que o escritor utiliza a locução figurada perder a
cabeça em outros livros, em que a palavra cabeça aparece metonimicamente e
exemplifica:
José Francisco, logo que viu Silvana, perdeu a cabeça, (Anos de prosa, cap.
XXII, p. 217).
Ó meu filho! – exclamou Ricardina – torna a dizer...diz...,que a minha cabeça
esta perdida.(O retrato de Ricardina, cap. XXVIII, p.2720).
Pois se sabe....admira-se, o sr. Eduardo, que eu perca a cabeça! (Coisas
espantosas, cap. XXXIV, p.211).
Em fim, o homem perdeu de todo a cabeça, e foi levado ao hospital S. José,
onde viveu pouco tempo. (As virtudes antigas, p. 193).
A locução qualificada de galicismo pelo filólogo Frei Francisco de S. Luís
encontra guarida nos escritores como Almeida Garrett, Antonio Feliciano de Castilho e
Rebelo da Silva:
Começa-se a irritar de novo a sanha popular; Martim Rodriguez perdeu a
cabeça. (Almeida Garrett, O Arco de Sant’Ana, t.I, cap. XVI, p. 172)
105
Tenho a cabeça perdida .(Castilho, Camões, drama, ato III p. 127,2. ed.)
Meu Deus iluminai-me!- gritou D. Pedro, perdendo a cabeça e sentindo
recrudescer as dores físicas com a intensidade desta agitação. (L. A. Rebelo da Silva ,
A mocidade de D. João V, t.II, p.90)
Lancei – me ao mono, alucinei-me, perdi a cabeça, em fim! (Id.,ibid.,p.177).
A frase perder a cabeça quer dizer em português perder o siso, perder o tino,
perder o juízo, perder a razão, perder o entendimento, enlouquecer. São metáforas, que
indicam imaginação, memória, engenho, entendimento, mente, ou seja, a faculdade
superior da alma, assim como em sentido reto a parte principal e superior do corpo.
Os franceses também utilizam essa expressão metafórica, o que não impede o
seu uso em língua portuguesa, sem que se corra o risco de enquadrá-la em galicismo.
Para Miguel Bréal, em Ensaios de Semântica, as metáforas não estão atreladas à língua
em que nascem, quando justas e expressivas, viajam de idioma em idioma,
transformando-se em patrimônio do gênero humano.
A expressão perder a cabeça que é uma metonímia, espécie de metáfora,
designa a passagem do físico para o moral, ao tratar de afetos e de qualidades morais em
geral, com o nome das partes ou órgãos do corpo a que se costuma referi-las, ou que
são havidas como seu verdadeiro instrumento. Defendida por Heráclito Graça, em Fatos
da Linguagem, fica justificada e reabilitada, pois se trata de uma das transformações
classificadas pelos gramáticos em figuras, ou tropos.
C. Castelo Branco ( 1880: 13, n.3), para se proteger dos ataques de C. de Laet,
utiliza uma poesia de Garção (1724-1772), ( Pedro Antônio Correa Garção foi um dos
mais ativos animadores da renovação arcádica), que retrata as mudanças sofridas pela
Língua Portuguesa através do tempo, deixando claro que o poeta citado é mais racional
e progressista que o contendor, ou seja, que este é arcaico e ultrapassado , pois não
admite que as línguas mudem com o passar dos anos.
Imite-se a pureza dos antigos,
Mas sem escravidão, com gosto livre,
Com polida dicção, com phrase nova,
Que a fez, ou adoptou a nossa idade;
Ao tempo estão sujeitas as palavras;
Umas se fazem velhas, outras nascem...
Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes:
Camões dizia imigo, eu inimigo;
106
O ponto está que ambos expliquemos
Aquillo que pensamos: a energia
Do discurso e da phrase não consiste
No feitio das vozes, mas na força...
( Satyra II)
Outro galicismo apontado por C. de Laet (1880a), no desenrolar da polêmica,
refere-se ao vocábulo adresse, utilizado por C. Castelo Branco em Esboços de
Apreciações literárias: Nos Esboços de Apreciações Litterarias, pág.102, encontra-se o
vocábulo adresse, que, aliás vem mencionado entre os gallicismos no Glossário de Fr.
Francisco de S.Luis.
Contesta C. Castelo Branco ( 1880: 13, n.3), justificando o erro, como da outra
vez, responsabilizando o tipográfico:
Accusa-me outrosim de ter escripto nos Esboços de Apreciações
litterarias o vocábulo adresse que é gallicismo. Confunde o snr.
Laet com duvidosa boa fé um erro de imprensa com um
inconsciente gallicismo. No livro, a pág.102, lê-se:”Os
apparatosos adresses com que a analyse se nos impõe é vaidade
de crítico”.Isto não se percebe; mas se o snor Laet ler adereços
( atavios) , como eu escrevi, entende logo a idea, e o erro
typographico.
Continua a justificar-se:
Note, porém, sua senhoria: se eu houver de dar a alguém um
cartão da minha residencia, digo-lhe á franceza: “aqui tem a
minha adresse”, porque me parece muito copioso, diffuso e
quase ridículo dizer-lhe, á portugueza, como quer o cardeal
Saraiva: “Aqui, tem o bilhetinho da rua e casa onde eu moro.
C. de Laet revida ao ataque, primeiro defendendo o filólogo Frei Luís de Sousa,
da pecha de ultrapassado, em quem se apóia Silva Túlio, muito dócil discípulo do
antiquado D. Frei Francisco de S. Luís, em seguida, argumenta:
107
Com effeito é difuso, é; mas não ha mister de tanta cousa...Basta
dizer simplesmente: aqui tem o meu endereço. Se o Sr. Castello
Branco der-se ao trabalho de tornar a abrir o seu Constâncio, lá
encontrará que- endereço também significa o bilhete de visita
em que está escripto o nome da pessoa e a sua moradia; que é
pouco usado; mas merece sê-lo, porque não temos outro
equivalente para o francez adresse, neste sentido.
Outro galicismo apontado por C. de Laet é affectado em affectado de doença
moral, que se lê no romance O Esqueleto, na página 101. Segundo o autor, o próprio Sr.
Castello Branco algures o cataloga como palavra alheia da contextura do Idioma
Portuguez.
C.Castelo Branco (1880, n.3), no entanto, irônico, alega que encontra a resposta
ao abrir o Dicionário de Constâncio, em que se lê: Afecção , doença, moléstia.
Afecctado , tocado de doença, de paixão. E depois escrevo: Affectado de doença moral,
e cuido que escrevi clara e portuguezamente a minha idea.
C. de Laet ( 1879: 216) utiliza o anglicismo steeple-chase, termo utilizado no
turfe, que quer dizer corrida de obstáculos:
Esta boa gente, incapaz de rejeitar subscripção e muito digna de
arrear-se com Villa Viçosa, quando por milagre não tenha já
galgado a baronia no steeple-chase das beneficencias
pregonizadas aos quatro ventos – essa honrada gente, digo, é o
alvo primeirop das satyras de todos os folhetinistas...
Candido de Figueiredo (1891:136) dá o seguinte tratamento aos estrangeirismos:
Francezismos ou gallicismos, italianismos, germanismos, cafrealismos, de tudo temos,
louvado Deus. O que não podemos é deitar tudo para o barril do lixo; mas é
indispensável joeirar todos os estrangeirismos, para separarmos o trigo do joio.
Eduardo Carlos Pereira (1911: 138-9), ao tratar dos vícios de linguagem, explica
que barbarismo é o emprego de termos estranhos à língua, seja na pronúncia viciada, na
significação errônea, ou de uso de termo estrangeiro desnecessário.
Assim, classifica-se o erro de C. Castelo Branco em barbarismo por
estrangeirismo, relacionado como parte desse rol:
108
abat-jour em vez de quebra-luz, bouquet em vez de ramalhete ou
ramilhete, deboche em vez de devassidão, successo em vez de
victoria, bom exito , entre outros.O próprio termo extrangeiro,
vem do francês, chama –se francezismo ou gallicismo; do
italiano, italianismo; do hespanhol, hespanholismo; do inglez ,
anglicismo; do allemão, germanismo. Se o termo estrangeiro
não tiver correspondente em português, deixará de ser
considerado vício.
J. Ribeiro (op. cit.: 329,VI,1) apresenta como vício lexeológico o barbarismo,
que consiste em usar palavras ou phrases extranhas á língua.Cita como exemplo
Afroso, abat-jour em vez de quebra-luz.
Para Antenor Nascentes (1942), estrangeirismo é uma fatalidade de que não se
pode fugir, mas só o indispensável, o insubstituível deve ser aceito e cita como
exemplos foie-gras, foot-ball necessários e já enraizados na língua, mas expõe que um
termo peregrino para se incorporar à língua deve se despir do seu caráter heterogêneo,
do mesmo modo que um estrangeiro não pode naturalizar-se sem sujeitar-se às leis do
país, logo deve escrever futebol, clube, bonde entre outras.
Os puristas dão-se ao trabalho de forjar vocábulos novos em substituição aos
estrangeirismos; esses vocábulos chegam a ter alguma vitalidade como cardápio do
latim charta dapum, lista de iguarias (menu); convescote, do latim convivium, banquere,
e de escote, banquete por meio de quotas (piquenique); vesperal, do latim vésper, tarde
(matinée). O estrangeirismo, às vezes, afeta a prosódia como placet, rosedá, acentuados
à francesa, outras vezes o gênero como o filoxera, por imitação ao francês, em que são
masculinos os substantivos terminados em a.
G. C. de Melo explica que José de Alencar tem uma posição antipurista e
acolhedora a respeito de galicismos. Afirma que, sendo uma palavra introduzida na
língua, por um escritor ou por uso geral, ela se torna nacional como qualquer outra e
fica sujeita às regras do idioma que a adota.
G. C. de Melo ressalta, entretanto, que galicismos não são marcas de brasilidade,
há tanto no Brasil como em Portugal, não só no falar do povo português, como na
língua descuidada de alguns jornais, ou até mesmo em obras de bons escritores e alerta
que é preciso cautela em tachar um vocábulo de galicismo vicioso, pois a língua
portuguesa é rica e vem do mesmo tronco da língua francesa, o que acarreta uma
109
extensa faixa de coincidência de fatos nos dois idiomas. Muitas das classificações de
galicismo decorrem de precários conhecimentos da boa língua portuguesa.
C. de Laet, conhecedor de Horácio, utiliza-se de frases e expressões latinas em
seu texto como amphora coepit institui...urceus exit,çomeçou-se fazer uma ânfora, e
saiu um pote (1879: 216) ou non ego paucis offendar maculis, eu não me ofenderei com
pequenas imperfeições (op.cit: 218), nota bene. (1880a).
Dos galicismos utilizados por C. Castelo Branco, o que permaneceu na língua
em uso no Brasil é perder a cabeça, pois afetado de doença moral e adresse, não
vingaram, visto que o último tem na palavra endereço o seu correspondente português,
como bem justificou C. de Laet, o que torna o adresse desnecessário.
3.3.2.Carlos de Laet e a topologia pronominal
Na Revista Brasileira (1879: 215), C. de Laet apresenta a seguinte colocação
pronominal:
Com pezar o digo: após alguns momentos de rapida leitura cruel
foi o desencanto. Entibiou-se o fervor dos entusiastas; e a
gratidão dos que jubilavam-se com ver o princepe dos
novelleiros portuguezes fraternalmente applicado ao estudo da
litteratura brazileira, transformou-se em desgosto, e logo depois
em cólera que já fez explosão em duas cartas-descomposturas- e
ameaça provocar mais serias represalias.
Relacionam-se outros exemplos de colocação pronominal em que o contendor
privilegia a ênclise em detrimento da próclise:
[...] protesto sómente, porque doe-me ver o talento deprimido pelo talento e o
merito real espisinhado pelo immoderado e truanesco desejo de galhofa. ( 1879: 218)
Até aqui quanto á litteratura brazileira, de que com mais individuação
competia-me tratar...( 1879: 219).
Quanto ao outro, é realmente engraçado que o Sr. Castello Branco averbe se
suspeito o Sr. Silva Tullio, em cuja autoridade apoei-me, e não duvide dizer que elle é
“muito docil discipulo do antiquado D. Frei Francisco de S. Luis”. (1880b)
110
[...] não li adereços onde estava adresse nem houve onde encontrava-se
houverão.( 1880 b)
Os typographos e revisores são uns homens despiedosos que muitas vezes põe-
nos em talas. (op. cit,1880b)
Se o Sr. Castello Branco der-se ao trabalho de tornar a abrir o seu Constâncio..
(op.cit, 1880b)
Todos esses varões, como apurou-se da recente indagação do Sr. Castello,
fizerão concordar o verbo haver com o pseudo-sujeito do plural...( op.cit.,1880b)
Qualquer que seja a decisão do Sr. Castello Branco, desde já apresto-me para
reconhece-la excellente.(op. cit., 1880b)
C. de Laet costuma, em seus escritos de início de carreira, utilizar a ênclise do
pronome átono em orações subordinadas, contrariando as gramáticas que determinam a
próclise; no entanto, esse procedimento, usual na época, acomete muitos escritores de
envergadura como Rui Barbosa .
Foi com a publicação da Réplica de Rui (1902) e dos consultórios de linguagem
de Cândido de Figueiredo, publicados em seção do Jornal do Comércio e de suas outras
obras como O Que Se Não Deve Dizer (1903) e O Problema da Colocação dos
Pronomes (1909), contaminadas pelo purismo que segue, é que passa a ganhar maior
destaque esse fato lingüístico, antes de estilo do que gramatical.
G. C. de Melo (1955) cita o trabalho de Said Ali Dificuldades da língua
portuguesa (1930) sobre a questão pronominal, tão discutida nos meios acadêmicos,
que põe fim à discussão, ao enfatizar que a colocação dos pronomes oblíquos na frase
decorre da pronúncia e da entonação. Pertence mais ao campo da fonética que da
sintaxe. Como a fonética brasileira é diferente da fonética portuguesa, logo diferente
será a posição dos pronomes-objetos na frase.
A justificativa do autor embasa-se no princípio de que os fenômenos lingüísticos
são históricos e estão em constante evolução, cabendo à gramática observar e registrar
esses fatos. Se, em Portugal,é certa a colocação peculiar do pronome por ser de uso
geral, certa será no Brasil a forma utilizada, por ser, também, de uso comum aos
brasileiros.
No entanto, ressalta G.C. de Melo que a aceitação desse fato não implica o
reconhecimento de uma língua brasileira. Poucos observam a colocação pronominal,
estabelecida pelas gramáticas, pois a maioria dos escritores brasileiros foge da rigidez
111
da disciplina pronominal lusitana, fato que também tem acometido muitos escritores
portugueses.
E. Bechara (2007) corrobora com G. C. de Melo e explica que alguns estudiosos
da língua, com o intuito de privilegiar a influência de língua indígenas e africanas no
Brasil, atribuíam a colocação de pronome, ao ritmo pausado, quando na realidade essas
características são do português pré-clássico. Até o século XVI, predomina na escrita a
próclise, posteriormente , com o fortalecimento da sílaba tônica, prevalece a ênclise;
pois, por ser a átona final, o acento frásico apóia-se na sílaba tônica da palavra, logo
torna as palavras átonas em enclíticas.Essa tendência oriunda do século XVI prevalece
no português em uso no Brasil e nas modalidades africanas.
Quanto à colocação pronominal, nas Instruções Metodológicas para execução do
programa de português, expedidas pelo Ministério da Educação e Saúde, redigidas por
Sousa da Silveira, lê -se: a respeito da colocação dos pronomes pessoais átonos evite-se
estreiteza de visão, recomendando que se evite iniciar o período por variação
pronominal átona, mas que se tolere este fato no diálogo familiar e na correspondência
íntima. Aconselha-se, ainda, o uso de próclise nas orações negativas e a ênclise na
obtenção de efeitos estilísticos. Exemplifica com o poema Pedro Ivo de Álvares de
Azevedo:
Lava-se o poluir de um leito impuro.
Lava-se a palidez do vício escuro;
Mas não lava-se o crime!
Justifica a colocação em ênclise, pois o verbo ganha mais força de expressão do
que teria com a próclise: Mas não se lava um crime, porém aconselha-se a próclise nas
orações subordinadas, caso demonstrado em C. Laet, bem como nas exclamativas e
optativas do verbo no subjuntivo e sujeito anteposto ao verbo: Deus te guarde! A terra
lhe seja leve! Questões que não exigem o rigor do escritor, dependendo mais do gosto
de quem escreve.
Uma das regras mais imperiosas a respeito da questão é a que proíbe o uso de
próclise ou ênclise com os particípios passados. Assim, não quer dizer anarquia em
relação à colocação pronominal, torna-se necessário seguir as tendências respeitáveis,
que se apreendem dos bons escritores.
Na gramática de E. C. Pereira (op.cit: 136), encontra-se a questão da colocação
dos pronomes oblíquos: me, te, se, o, lhe, nos, vos, os, lhes como proclíticos nos
seguintes casos: nas frases negativas como em Não me feriu; nas ligadas pelos
112
conjuntivos que, quem, o qual, cujo, quanto, onde, quando, enquanto como em Declaro
que se foi ou Quando se entra na sala, sente-se calor. Explicação que atesta a
irregularidade na colocação pronominal de C. de Laet.
A. E. da S. Dias (op.cit: 315, 6) explica alguns casos em que se antepõem, de
preferência, os pronomes pessoais átonos:
1. quando antes do verbo estiverem as palavras todo, sempre, já, só, em que
naturalmente recai ênfase, ou a que se pretenda dar realce.
Exemplo: Quem está em ventura, a formiga sempre o ajuda.
2. quando a oração é precedida de uma oração adverbial, ou é uma nova oração
principal, principalmente, se ligada por conjunção.
Exemplo: Como o caçador espreita o leão tomado no fojo, os visigodos os
vigiavam, esperando o romper da alvorada. ( Herc., Eur., 27).
3. Se o verbo é de oração subordinada de modo finito.
Exemplo: Quero que lh’o digas.
Antenor Nascentes (1942: 152-3, v. II), porém, elucida que os pronomes
pessoais oblíquos se apegam aos verbos e, por isso, a sua colocação pode variar, ou seja,
antes ou depois do verbo, observando que, da mesma forma, se coloca um adjetivo antes
ou depois de um substantivo, um advérbio antes ou depois de um verbo, segundo a
harmonia ou a frase exigir, o mesmo se fará com o pronome pessoal oblíquo.
O autor ressalta que o uso da próclise e ênclise no tocante aos pronomes pessoais
oblíquos, regula-se, exclusivamente, pelo ouvido. Ele se colocará antes ou depois do
verbo, de acordo com a exigência do ouvido de cada um, mas salienta que não é
considerada elegante na escrita em proposições subordinadas a utilização da ênclise,
admitindo que soa melhor a próclise. Exemplo: Logo que o fato se der, venha cá. Em
matéria de colocação de pronomes, não há certo nem errado; há elegante e deselegante.
Fernando Tarallo (1990) observa que a colocação dos pronomes não se
modificou, através do tempo, pois se continua a utilizar a ênclise com verbos na forma
infinitiva e nas orações independentes. Assim, também, nos casos de orações encaixadas
de períodos sintáticos, a norma utilizada é a da próclise nas orações subordinadas.
C. Castelo Branco, em seus textos, utiliza a próclise com mais freqüência,
seguindo as normas postuladas nas gramáticas consultadas, o que se constata nos
exemplos que seguem:
É bastante citado este paulista, e tão lido cá, ao que parece, que a especulação
o reimprimiu no Porto em 1875...( 1879: 203)
113
[...]Fagundes não reputa indivíduos escorreitos os fabricantes de rimas, e
applaude os que lhes cospem sarcasmos. (op.cit.: 204)
Os senhores escriptores brazileiros, que me enviam prelecções de linguagem
portugueza, se me quizerem obsequiar d’ um modo mais significativo e proveitoso,
mandem-me um papagaio, uma cotia e alguns frascos de pitanga (1880: 12, n.3).
Isto não se percebe; mas se o snr. Laet ler adereços(atavios), como eu escrevi,
entende a idéa, e o erro typographico.(1880:14, n.3)
[...] porque me parece muito copioso ,diffuso e quase ridículo dizer-lhe á
portugueza [...]( op.cit: 14)
Se o revisor que me fez do houve um abominável houveram, me corrigiu atido á
authoridade de tal mestre, procedeu judiciosamente[...](op.cit: 16).
3.4.Questões de estilo
C. Cunha (2007: 2), embasando-se em Jules Marouzeau, apresenta a distinção
entre Língua e Estilo. Classifica a primeira como a soma dos meios de expressão de que
dispomos para formar o enunciado e o segundo, o aspecto e a qualidade que resultam
da escolha entre esses meios de expressão.
Estilo para J. Ribeiro (1885: 327) é:
o modo peculiar de fallar e escrever que tem cada homem: quem
o determina é a natureza: quem o corrige é a observação. A
palavra estilo conhecida pelos gregos, foi -nos legada pelo
latim. Em sua forma original significa estilete; o ponteiro que os
antigos utilizavam para gravar a escrita em tábuas enceradas.
Posteriormente, passou a significar a maneira de escrever
peculiar a cada indivíduo.
Júlio Nogueira (1930), ao se referir ao trabalho dos indianistas José de Alencar
e Gonçalves Dias, explica que eles devem ser apreciados mais pelo ardor da imaginação
e beleza de estilo do que pela verdade histórica. Esclarece que estilo é a maneira pessoal
com que cada autor arranja as palavras e frases de sua composição. Salienta, no entanto,
que nem sempre se manifesta de forma clara.
114
O estilo é um fenômeno natural de ordem psicológica. Demonstra a tendência do
indivíduo: na escolha dos termos, na disposição das frases, na escolha das imagens, na
pompa ou na simplicidade do texto, no artifício ou na naturalidade da exposição, sendo
esse conjunto de preferências que determinam um escritor.
G. Chaves de Melo, na introdução do romance Senhora de José de Alencar,
publicado em 1955, trata da questão língua e estilo, imprescindíveis à discussão em
torno da língua brasileira. Expõe que a distinção entre língua e estilo se estabelece com
a dicotomia langue e parole de F. Saussure. Para ele, a língua consiste em um sistema
de sons, flexões, de terminações, de relações entre as palavras na frase. É um produto
social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas
pelo corpo social que permitem aos indivíduos a comunicação. A palavra ou discurso é
a execução individual da língua, isto é, o uso pessoal inerente a cada falante do sistema,
da língua.
A língua é, pois, um fato social, que está na consciência ou no subconsciente dos
homens de uma comunidade lingüística. O indivíduo, ao nascer, aprende a língua de sua
comunidade.Ao falar, põe em prática esse material lingüístico, escolhendo,
selecionando, ou inovando.A palavra é o uso individual da língua, englobando o
material lingüístico preexistente e criação.A palavra põe em ato a língua e a enriquece.
Ao utilizar a língua no discurso, o indivíduo demonstra a sua personalidade, ou
seja, a vontade, a inteligência, o temperamento, o gosto, a educação, a sensibilidade, a
afetividade, a emoção, a paixão, o senso estético. Logo, o discurso é o estilo e o estilo é
o homem. É o discurso, o estilo que determina uma obra de arte.
Para G. C. de Melo (op.cit.), se há um estilo individual, haverá, também, um
estilo nacional, ou seja, se existe um espírito nacional, um temperamento, um caráter,
uma sensibilidade, um modo-de-ser nacional, existirá uma expressão lingüística que
reflita esse modo-de-ser da comunidade; portanto, ao lado da língua nacional, há um
estilo nacional.
A mesma língua, no entanto, comporta mais de um estilo nacional, pois ela
carrega mais de mil estilos individuais, sem que se desfigure ou perca o sistema,
propiciando vários estilos nacionais, possibilitando a língua portuguesa com estilo
brasileiro, ou seja, é o mesmo sistema gramatical em que se expressa Camões, mas com
um modo de expressão, uma escolha lexical e algumas criações que melhor se ajustem e
que correspondam ao espírito, à alma, ao temperamento, à sensibilidade brasileira.
115
Em síntese, o português usa a língua portuguesa, conforme o temperamento luso,
ou seja, com estilo português, e o brasileiro usa a mesma língua, mas fundamentada no
temperamento e no estilo brasileiro, pois é esse estilo, que, fortalecido pelo romantismo,
gera confusão, entre observadores e doutrinadores superficiais, a respeito da existência
de uma língua brasileira.
Quando um autor, como José de Alencar, consegue atingir o âmago da alma
nacional, por possuir um temperamento brasileiro, proclama-se que escreve em língua
brasileira, rompendo os grilhões que mantêm os brasileiros cativos a Portugal.
Ao cotejar a 3. edição de Iracema, (1955: 191), encontra-se o argumento de J.
de Alencar: entretanto, poucos darão mais, se não tanta importância à forma do que
eu; pois entendo que o estilo é também uma arte plástica, por ventura muito superior a
qualquer das outras destinadas à revelação do belo.
O estilo brasileiro de Alencar se faz notar nesse espírito, no modo de ver e de
sentir, que dá a nota mais íntima da nacionalidade, impressa em toda sua obra, que se
concretiza no vocabulário brasileiro, nas comparações e imagens que retratam a terra e a
paisagem brasileiras.
É esse estilo brasileiro, eivado pelo nacionalismo, que está impresso na fala de
C. de Laet (1879: 216), ao se referir aos portugueses que aqui enriquecem e, orgulhosos,
retornam a Portugal: Tivesse eu o talento do Sr. Castello Branco e sobre meus hombros
tomaria a árdua tarefa de ensaboar esse typo – o ricaço pseudo-brazileiro – para que
perante a historia comparecesse desinficionado das chalaças com que o seringa o
espírito portuguez...
Nacionalismo perceptível, não só nos textos de C. de Laet, como também nos de
C. Castelo Branco (1880, n.2, p.11 e 2):O snr. Carlos Laet não mandou pitanga nem
papagaio. Insiste em presentear-me economicamente com prelecções de língua
portugueza, em um bello folhetim do Jornal do Comércio.
3.5. Nacionalismo Lingüístico
A polêmica travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco é um
documento histórico-lingüístico, que se pauta em questões gramaticais, mas que, no
calor da contenda, desencadeia questões de cunho nacionalista, retratando o momento
histórico da época.
116
As escolhas lexicais dos contendores demonstram os ressentimentos gerados
pela Independência do Brasil com a perda da colônia produtiva, por parte de Portugal e
no Brasil, pelo clima de independência sócio-político-econômico que grassava na
sociedade em formação que se estenderia à cultura, ao professar uma língua brasileira,
independente da língua de Portugal.
C. Castelo Branco (1879), em crítica ao poeta Fagundes Varela, seleciona uma
das primeiras poesias do poeta, pobre, realmente de rima e inspiração, com roupas de
nacionalista, e o expoente do romantismo português censura-o:
[...] que havia regras para o verbo haver, além de brizas
para o refrigerio da epiderme, e passarinhos para deleite
dos ouvidos. Em poesia, um sabiá não substitue a syntaxe, e
as flores de ingá que rescendem no jequitibá não disfarçam
a corcova d’um solecismo
Faz uma alusão à Língua Portuguesa em uso no Brasil, porque, aqui, segundo
C.Castelo Branco, o sabiá substitui a sintaxe e as flores de ingá nascem no jequitibá,
pois o que prova para o crítico, que a gramática portuguesa, em uso no Brasil é confusa,
enquanto “brinca” com as palavras sabiá, jequitibá e ingá do vocabulário tupi.
C. de Laet acusa C. Castelo Branco de propositalmente escolher a medíocre
poesia Canção Lógica ao invés dos Cantos do Ermo e da Cidade , na qual se revela o
poeta Fagundes Varela.( 1879: 218)
[...] e por isso deixa de fazer-lhe justiça para apontar
com dedo inexorável as corcovas de um solecismo de um prologo escrito
ao correr da penna, e producção dos primeiros annos, acabando por dar
ao autor dos Cantos do ermo e da cidade a galante denominação de-
sujeito hybrido dos Brazis.
C. Castelo Branco deseja preservar uma norma culta portuguesa e C. de Laet,
um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, persegue, também, esse ideal, mas
ambos eivados pelo nacionalismo nascente.
Os contendores respeitam-se mutuamente. C. Castelo Branco refere-se a C. de
Laet como ilustre escritor que, com espírito zeloso do purismo da língua, delicadeza e
117
latim, encetou críticas, mas não deixa o tom irônico, como se pode observar na
passagem pareceu-me benigno e delicado o Sr. Carlos de Laet.
C. de Laet trata o oponente como detentor de um estilo sempre castiço, sempre
fluente, sempre colorido, sempre natural e tão atrativo que, virada a última página e
descontentes de quanto se tenha lido, não se dá por tempo perdido o consumido na
leitura, completando que, por sua estatura literária, C. Castelo Branco se avulta como
um semideus, mas não se omite em chamá-lo de “ortopedista de aleijões sintáticos”.
Na Revista Brasileira (1879), C. de Laet demonstra sua indignação a respeito do
tratamento dispensado a poetas portugueses e brasileiros por parte de C. Castelo
Branco. De início, o brasileiro atém-se à defesa de todos, mas se detém mais em
Fagundes Varela, que foi representado por um poema, escrito no início da carreira,
recebendo o alcunha de sujeito hybrido dos Brazis.
C. de Laet (1879: 216) enaltece o novelista famoso, porém coloca em dúvida as
suas aptidões de crítico literário e chama o livro Cancioneiro Alegre dos Poetas
Portugueses e Brasileiros de livro de pulhas. Acusa-o, como parte de seus compatriotas,
de nutrirem preconceitos não só a respeito da literatura como da maneira de viver dos
brasileiros: grande cópia de preconceitos relativos á litteratura e modo de viver
brazileiros.
Ao defender Fagundes Varela, demonstra a insatisfação quanto ao tratamento
dos portugueses e, principalmente do contendor, dispensado às coisas do Brasil,
destacando o comportamento preconceituoso de C. Castelo Branco em relação aos
portugueses que, após ganharem dinheiro no Brasil, voltavam a Portugal orgulhosos em
demonstrar a sua pujança, mas que, na pena de C. Castelo Branco, se transformavam em
mercieiros brazileiros que tinham em Fagundes Varela o seu intérprete.
A escolha lexical de C. Castelo Branco ao tratar Fagundes Varela de sujeito
hybrido dos Brazis demonstra o clima de descontentamento reinante em Portugal. Essa
expressão tem uma conotação que supera a intenção pejorativa do autor, é de cunho
nacionalista, pois afirma a composição na raça brasileira de outras etnias, em um Brasil
não só português, mas já brasileiro. Admite o debatedor o surgimento de uma nova
nação, permeada pelo temor do nascimento de uma língua brasileira.
Sintetiza esse pensamento na frase em que se refere à falta de inspiração do
poeta: Não o faz por menos, e prova-o n’esta canção que denota paiz novo e arvore
nova de muita seiva um pouco atacada de pulgão e lagarto, em que faz referência à
nação brasileira como país novo,representada na língua portuguesa árvore nova de
118
muita seiva, mas contaminada por pulgões e lagartos trazidos pelos povos e culturas
que compõem a raça brasileira.
C. de Laet, no entanto, sente-se atingido em seus brios nacionalistas e aponta
erros na escrita daquele que se coloca como juiz, dando bordoadas de cego. Replica C.
Castelo Branco (1880, n.2), ofendido com a denominação livros de pulhas, auferida
por C. de Laet, afirmando que dele ficaram de fora muitos nacionais e brasileiros. Em
seguida, alude à língua portuguesa em uso no Brasil, como importada de Portugal,
dizendo que o verbo reflexo deve estar há muito tempo no Rio, aconselhando que o
procure na alfândega.
C. Castelo Branco solicita aos escritores brasileiros que lhe enviem prelecções
de linguagem portugueza, caso queiram obsequiá-lo de um modo mais significativo e
proveitoso, que lhe mandem um papagaio, uma cutia e alguns frascos de pitanga.
Quanto à linguagem, diz que agradece, mas não se incomodem, deixando evidente que
são os portugueses os mestres da língua.
O polemista português pede um papagaio, ave de linda plumagem, bico adunco
e poderoso, que tem por característica aprender e repetir palavras, frases e canções
completas, que, em sentido figurativo, se refere à pessoa tagarela, repetidora de idéias e
palavras de outrem, pois fala sem raciocinar, em clara referência aos escritores
brasileiros. Solicita, ainda, o novelista, uma cutia, animal brasileiro, pequeno mamífero
roedor cujo nome é uma corruptela do tupi acuti e pitanga, fruta pequena e vermelha
também de origem tupi. Esses vocábulos demonstram a influência indígena na língua
portuguesa e, segundo C. Castelo Branco, corroem-na.
C. de Laet (1880a), reclama que, em polêmica travada com Artur Barreiros,
graças ao oponente, nivelou-se aos mais descomedidos convícios e que não teve a
intenção de ofender C. Castelo Branco e sim de mostrar-lhe que, em questão de língua,
muitos são aqueles que cometem solecismos, inclusive o contendor, implacável crítico
literário. Para C. de Laet, o protesto que lavrara, foi sem derramamento, porque,
segundo ele, não seria de sangue, pois, caso contrário, estaria dando ridículos laivos
épicos a tão burguesa questiúncula, mas sem effução de biles, com o que brindara C.
Castelo Branco aos poetas criticados, o que não se comprova, porém, na leitura dos
textos, pois, em ambos, se percebem laivos heróicos nos vocábulos selecionados.
Inclemente, o jornalista brasileiro continua a levantar erros gramaticais em que
incorreu o Mestre, ressaltando o uso exagerado e desnecessário dos estrangeirismos e do
imperdoável houveram cousas terríveis, sempre demonstrando que os portugueses não
119
conheciam tão bem a língua, para serem dela arautos, incitando-o a deixar a função de
crítico, que exerce com azedume, para brindá-lo com creações desabrochadas na sua
phantasia de romancista.
C. Castelo Branco (1880, n.3) inicia a resposta a C. de Laet, nomeando-o de
crítico do verbo reflexo esvoaçar-se e, em seguida, perfila uma série de justificativas
para comprovar que não cometeu nenhum solecismo. Despede-se, pedindo, além da
pitanga uma cacatua, espécie de papagaio branco com penacho cor de canário, oriunda
das ilhas Moluscas, da África portuguesa e, se possível, um macaco.
É interessante notar a utilização do vocábulo cacatua, que é o nome de um
papagaio de origem africana, com penacho amarelo, uma das cores da Bandeira
Nacional. Ele se encontra alojado em terras do Brasil, em alusão à raça africana, que é
um dos elementos constitutivos da raça brasileira
C. de Laet (1880b) alega que C. Castelo Branco se fundamenta em clássicos,
mas em retalhos de construções erradas. Esses deslizes gramaticais não permitem a
crítica acerbada ao F. Varela, pois o engano dele, também, poderia ser um erro
tipográfico, caso não o fosse, tinha por si o respeitabilíssimo exemplo dos Filintos, Dias
Gomes e Ferreiras Gordos.
Ao responder pela última vez a C. Castelo Branco, C. de Laet justifica que não
enviou a pitanga e o macaco, pois de pitanga não é tempo e quanto ao macaco, hesita o
autor em enviá-lo, porque não sabe se o deseja do antigo ou do novo continente. Sim,
porque os há de uma e de outra parte do Atlântico, fique o sr. Camillo sabendo...,
referindo-se a C. Castelo Branco como sr. Camillo, o mesmo tratamento dispensado a
Fagundes Varela.
Explica o contendor brasileiro que, em relação a macacos, gênero de mamíferos
quadrúmanos, nomeado por vocábulo de origem angolesa, que exprime pessoa feia,
ágil, careteira e que imita outros, existem os catarrhineos e os platyrrhineos. O segundo
é da subordem de macacos americanos, de nariz chato e largo; o nome vem de palavra
de origem grega platys, que quer dizer largo e chato e rhis-rhinos que significa nariz.
Eles são, pois, os patrícios do polemista, pois têm as narinas separadas por largo septo,
32 a 35 dentes, cauda apprehensora.
Catarhrineos é designação de certos macacos do antigo continente, por terem as
narinas juntas. São compatriotas de C. Castelo Branco, porque têm o septo nasal pouco
espesso, saccos na bochecha e callosidades nas nádegas, em clara referência aos
120
estudiosos do reino, que seriam glutões, ociosos e preguiçosos, fato que os impedia de
perceber e entender as mudanças que se operavam.
Essa crítica já tinha sido feita por C. de Laet, ao falar que C. Castelo Branco
colocava geograficamente o povo brasileiro entre o matuto boçal e o adiposo
comendador, que lhe é reenviado. E ele próprio refere-se ao Brasil como um país de
botocudos, de índios americanos, inserindo-se nesta classificação.
3.6. Atualidade da questão da Língua Portuguesa em uso no Brasil
Ao abordar as questões lingüísticas nos textos da Polêmica travada entre C.de
Laet e C.Castelo Branco, um brasileiro e o outro português, observou-se que ambos
possuem a mesma visão da língua,pois obedecem aos padrões clássicos vigentes na
época. As regras gramaticais, a ortografia,o vocabulário selecionado não apresentam
nos textos do brasileiro diferenças sensíveis em relação aos textos do português. Essas
foram mais em decorrência de estilo, de que alterações gramaticais ou ortográficas, mas
o que fica latente na polêmica estudada é o nacionalismo lingüístico que domina os
contendores e que se evidencia em suas escolhas lexicais.
A questão da língua no Brasil ganha destaque nacional a partir da
Independência, com o advento do romantismo que contribuiu para despertar o
nacionalismo, acabando por influenciar as demais áreas da cultura brasileira. O
movimento romântico que se iniciou em 1836, tem por bandeira a defesa da
nacionalidade brasileira, desenvolvendo um sentimento nacionalista de auto-afirmação e
antilusitanismo, mas ficou restrito às manifestações literárias.
José de Alencar em polêmica com Pinheiro Chaves, ao fazer a sua defesa,
admite a influência de escritores clássicos portugueses na sua formação, como a forma
peculiar de A. Garrett de trazer a linguagem cotidiana para a literatura, socorrendo-se
quando em dúvida, da gramática normativa tradicional, como bem explica G. C. de
Melo.
A questão do uso da língua portuguesa no Brasil teve seu nascedouro oficial
com a Reforma Pombalina,em 1759, que, ao instituir o ensino público, tornou
obrigatório o ensino elementar da língua portuguesa, destruindo línguas e culturas
indígenas, fazendo prevalecer a gramática portuguesa que passou a ser ministrada por
121
compêndios em metalinguagem portuguesa, fortalecendo e definindo o rumo da
Língua que seria oficial do Brasil. Neste momento histórico da retomada da Língua
Portuguesa no mundo lusofônico, a Língua Geral em uso no Brasil inicia seu processo
de desaparecimento e juntamente com ele o sonho de uma língua germinada em solos
brasileiros. A partir desse momento, o conceito de unidade lingüística passa a
prevalecer.
Essa preocupação com a questão da língua em uso no Brasil ou da variante
brasileira, no entanto, começou a ganhar destaque, principalmente, a partir das décadas
de 30 e 40. Hodiernamente, ocorrem estudos da língua em uso no Brasil, como o
Projeto de Estudo Conjunto e Coordenado da Norma Lingüística Oral Culta de Cinco
das Principais Capitais Brasileiras, mais conhecido como Projeto NURC, que se realiza
nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e Porto Alegre e está
atrelado ao Proyecto de Estúdio Coordinado de la Norma Linguística Oral Culta de las
Principales Ciudades de Iberoamérica y de la Península Ibérica , em janeiro de 1968.
Outro projeto lembrado por José Everaldo Nogueira Júnior (2005) é o Projeto
Para a História do Português Brasileiro (PROHPOR), que tem em R.V.M. e Silva seu
expoente maior.
Esses estudos se voltam para a pesquisa comparativa entre o Português de
Portugal e o Português do Brasil, com o objetivo de investigar se as mudanças
lingüísticas ocorridas no Brasil já estavam prefiguradas em Portugal.
O terceiro volume da série , organizado por Tânia Maria Alckmim (2002),
apresenta um estudo de Eberhardt Gärtner que aponta, como característica do português
em uso no Brasil a simplificação verbal e nominal, o enfraquecimento do uso do artigo,
simplificação da flexão pronominal ( o uso do ele como objeto direto), alteração no uso
das preposições , principalmente no tocante à troca da preposição a por em,que, para o
autor, é um arcaísmo mantido no Brasil.
Em síntese, dir-se-ia que, do ponto de vista lingüístico, a identidade nacional
ensejada pelos românticos e que marcou a última década do século XIX, depende menos
do que é chamado genuinamente brasileiro, do que foi em sua origem o português.A
linguagem dos textos da polêmica demonstra o conservadorismo que caracteriza os dois
contendores, e também que a identidade brasileira se embasa nos valores da cultura
portuguesa, sendo a primeira resistente às mudanças lingüísticas, o que permite dizer
que não podemos falar de uma língua brasileira.
122
O fato de haver em território brasileiro uma diversidade cultural, que se
fortaleceu com a entrada de povos que aqui aportaram com seus costumes e línguas e
pelas distâncias territoriais que dificultam o processo de propagação de um único uso da
Língua Portuguesa no Brasil, o que gera uma diversidade lingüista, não impede a
unidade da mesma em todo território nacional, pois, segundo C. Cunha, em abordagem
feita no capítulo II , a unidade lingüística não exclui a diversidade , antes, só existe a
partir dela.
Portanto, a unidade pressupõe a diversidade , mas em uma visão de mundo
globalizado, faz-se necessário manter essa unidade lingüística, pois o português, por ser
uma língua de ponta, para conservar este patamar, necessita ser preservado como língua
nacional, materna ou oficial , difundido , pois quanto mais utentes falarem a língua,
mais ela é preservada, porque a comunicação depende dela, assim como a força
econômica e política do país.
Ao elaborarem-se as políticas lingüísticas internas, um dos fatores relevantes é
que elas estejam em consonância com a necessidade educacional do Estado a que se
dirige, cabendo a ele sustentar políticas educacionais que garantam o uso das línguas
oficiais, nacionais e minoritárias em seu espaço territorial étnico, ou seja, a pátria e a
nação, pois só assim se garantirá a comunicação nacional e internacional.
Como a questão da língua em uso no Brasil extrapola os limites do Estado e da
Nação brasileira, lançou-se mão para preservar a unidade lingüística, entre os países
lusófolos, no caso específico desta dissertação, Brasil e Portugal, de uma política
lingüística calcada na uniformidade ortográfica, que se concretiza em reformas que
ocorrem, quando mudanças lingüísticas se consolidam.
Segundo I. de L. Coutinho ( 1981), a primeira incursão no tocante à unidade
lingüística ocorreu quando o governo português nomeou uma comissão,em que
figuravam Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos , Augusto Epifânio da S. Dias ,
Candido de Figueiredo , entre outros que não fizeram mais que referendar a reforma de
Gonçalves Viana, em 1911, tornando-se obrigatória para Portugal e seus domínios,em
Portaria de 1 de setembro de 1911.
Essa reforma, no entanto, foi marcada por um autoritarismo excessivo por parte
de Portugal, ao não considerar as divergências gráficas e fonéticas entre os dois
países,pois não se consultou nenhum lingüista brasileiro, mas o que não impediu que
professores como Mário Barreto, Silva Ramos , Antenor Nascentes a adotassem.
123
Para sanar as dificuldades surgidas com a implantação da reforma, a Academia
Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa celebraram um Acordo
Ortográfico, que o governo brasileiro tornou obrigatório para o território nacional,
em1931, mas, como havia divergências quanto à acentuação das palavras, novos estudos
foram encetados, posteriormente, sanados em Decreto-lei n.292, de 23 de fevereiro de
1938.
Dois outros acordos foram celebrados posteriormente, mas em consonância com
representantes dos dois países, um em 1943 e o outro, em 1945. O Congresso Nacional
referendou o de 1943, tendo Portugal optado pelo de 1945.
Posteriormente, foi elaborada uma nova Reforma Ortográfica , Lei n. 5.765, de
16 de dezembro de 1971, que, em seu Prefácio e nas Instruções para a Organização do
Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1943, mantém a ortografia vigente na
época.Uma nova reforma ortográfica, em consonância com Portugal, tramita no
Congresso Nacional, visando a uma maior unidade lingüística entre os dois países.
Esse tema, atual e inesgotável, é marcado, hoje, pela questão da globalização,
pois o mundo da língua passa a ser um campo fértil para a construção lingüística dos
mercados. Na União Européia, a variedade continental do português está ao lado de
outras línguas comunitárias, pois ocorre o mesmo no Mercosul em que o português em
uso no Brasil é a língua desse mercado. Por todos essas questões é que a unidade de
uma língua de ponta como o português, passa a ser objeto de Políticas
Lingüísticas,encetadas pelo Estado, que, internamente, visam à unidade em Território
Nacional e, externamente, em consonância com Portugal e os demais países que
integram o mundo lusofônico.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, o século XIX é marcado pelo acirramento da questão sobre o
português europeu e o português brasileiro, dentro das correntes que se formam: a
tradicionalista e a nacionalista. A questão move-se em clima de paixão e conflui para
dois pólos: um, por um purismo exagerado, e o outro, por uma língua nacional própria,
desvinculada da língua portuguesa européia.
A língua, por se inserir em um contexto sócio-histórico-cultural, deve ser
analisada à luz da história do povo que a utiliza; em razão disso, esta pesquisa pauta-se
no retorno ao Brasil do Segundo Reinado, segunda metade do século XIX, para
elucidar fatos e acompanhar as transformações que a sociedade se impôs e se fez sentir
nos processos de codificação gramatical, sempre impregnados pelos ideais libertários e
nacionalistas.
Com base na Historiografia Lingüística, verifica-se que o uso da Língua
Portuguesa nos textos que têm como tema a polêmica travada entre Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco é uma maneira de compreender a constituição de diferentes
sentidos para a história da língua portuguesa no Brasil, já que essa premissa se pauta
pelo estudo de gramatização, estilo e nacionalismo lingüístico e de que forma estes
expressam a constituição de uma identidade nacional.
Os documentos que constituem a amostra desta pesquisa foram redigidos nesse
período e, por isso, a pesquisa examina a relação existente entre língua, história e
nacionalismo lingüístico,verifica as determinações histórico- culturais e os processos de
125
gramatização e sua relação com a História do Brasil neles presentes, identificando a
construção de sentido de nacionalidade para o português do Brasil.
Ao se levar em conta o contexto histórico do século XIX, verifica-se que nunca
antes a história do Brasil e Portugal estivera tão entrelaçada, pois, com a vinda da
Família Real, a colônia se transformou em centro político, cultural e econômico,
unificando os dois países. D. João VI transferiu-se com a família e a Corte, que recriam
o uso da norma portuguesa, no Brasil. Mas, em contrapartida, sofrem, também, um
processo de aculturação, ao se depararem com o novo país.
O Brasil tornou-se um problema ao governo e à Corte portuguesa, pois nele
residia o Rei de Portugal, o que propiciava à burguesia colonial uma grande autonomia
em relação à Inglaterra, que a apoiava. A Colônia independente possuía os seus próprios
tribunais e organismos governamentais, facultado pela permanência da Corte
Portuguesa em suas terras. Inverteram-se, pois, os papéis: a Colônia governava a
Metrópole.
Com as pressões que se sucederam, D. João VI retorna a Portugal, deixando no
Brasil D.Pedro, seu primogênito. A Independência do Brasil desencadeia graves
problemas político-econômicos a Portugal, pois perde uma colônia de exploração que
lhe propicia bons dividendos. D. Pedro I, impulsionado pelos compatriotas que exigiam
a sua volta ao reino, deixa para representá-lo e garantir a sobrevivência do trono, o filho
D. Pedro II, que governou o Brasil até a Proclamação da República, em 1889.
O sonho republicano surge com os movimentos pela Independência associado à
idéia de revolução e de reforma da sociedade. Ampara-se em uma economia em
expansão, resultado da emancipação política e econômica de Portugal. Essa época é
marcada pelo progresso do Brasil, que entra na era industrial, motivado pelo liberalismo
crescente. Foi também o momento em que se recebeu o maior contingente de imigrantes
europeus, que aqui aportaram com sua língua e cultura, contribuindo, juntamente, com o
africano, o índio e o português para formação da etnia brasileira, o que proporcionaria
um jeito de viver brasileiro.
A amostra em estudo retrata esse momento histórico, em que duas nações ainda
sob a égide da monarquia, traçam diferentes caminhos para a sua história.Neste cenário
decisivo da vida nacional dos dois países, desenrola-se a polêmica travada entre o
brasileiro Carlos de Laet e o português Camilo Castelo Branco: o primeiro, absorvido
pelo nacionalismo nascente, que marca a escolha lexical e semântica de seu texto; o
segundo nacionalista, também, mas em lado oposto, deixa entrever em seu texto as
126
marcas do ressentimento da perda do domínio político e econômico da poderosa colônia
do Brasil, mas ambos enredados na teia de uma única língua que é a língua portuguesa.
O motivo da polêmica são as críticas referentes a questões gramaticais feitas ao
poeta brasileiro Fagundes Varela. Os desdobramentos da polêmica são os conflitos
nacionalistas, causados pela independência do Brasil e pela república que era iminente.
O sentimento nacionalista, forte em ambos, acentua-se em Carlos de Laet, pois revela
que já há um processo em construção de um nacionalismo lingüístico no Brasil.
O estudo dos fatos lingüísticos permite a apreensão de conceitos baseados em
algumas obras do século XIX e XX, tais como as gramáticas de Júlio Ribeiro, Carlos
Eduardo Pereira, Augusto Epifânio da Silva Dias, Celso Cunha e Evanildo Bechara,
entre outros, que, conforme a pesquisa encetada, trata das questões gramaticais
levantadas na polêmica de forma quase semelhante. Obedecem às mesmas regras
gramaticais, pois o que se apura, em relação à história da língua portuguesa nos dois
espaços estudados, é que a base normativa vinha de Portugal, por meio de livros, jornais
e revistas, como demonstra a referência à alfândega feita por C.Castelo Branco.
A impessoalidade do verbo haver, citada na frase houveram cousas, chamada de
bicho bravio, por C. de Laet, a ser domesticado em São Miguel de Seide, lugar em que
residia C. Castelo Branco, é contemplada nas gramáticas citadas, assim como o uso
indevido do pronome lhe em lugar do o, mudando a transitividade do verbo. A
utilização do verbo intransitivo esvoaçar como reflexivo esvoaçar-se é fundamentada
por C. de Laet, ao evocar a raiz voar e é desculpada pelos gramáticos, que alegam a
liberdade literária.
As demais questões como a utilização do verbo contentar-se, acompanhado das
preposições de ou em. Em gramáticas consultadas, verificou-se que a utilização de
ambas é aceita. Priorizam-se ainda as questões levantadas na polêmica a respeito do
uso de galicismos por parte de C. Castelo Branco e da colocação pronominal, utilizada
por C. de Laet, que enfatizava a ênclise em relação à próclise. Tanto o uso dos
galicismos como a topologia pronominal são características comuns aos escritores do
fim do século, embora a segunda seja mais freqüente nos escritores brasileiros,
caracterizando um estilo brasileiro de escrever.
Esse estilo brasileiro de escrever e de ver as coisas é que determina o
nacionalismo lingüístico brasileiro que se constitui no espírito da língua. Não há como
se compreender esse nacionalismo, sem passar pelo crivo da história e da lingüística,
sendo essa relação que possibilita a análise dessa amostra. As questões lingüísticas
127
marcadas pelas escolhas lexicais e semânticas dos debatedores demonstram a
preocupação do final do século em relação ao destino da língua portuguesa no Brasil,
que perdura até hoje.
Ao perfilar o pensamento de estudiosos da língua, como Gladstone Chaves de
Melo, Antônio Houaiss, Celso Cunha, Eni Puccinelli Orlandi , entre outros citados nesta
dissertação, constatou-se que a questão de uma política para a língua portuguesa
ultrapassa os limites da lingüística, inserindo-se, também, no campo da Economia e do
Direito.
A Teoria Geral do Estado apresenta a língua como elemento constitutivo de uma
nação, necessária à unidade do país, o que justifica o nacionalismo lingüístico, que
fomenta a identidade lingüística brasileira, no último quartel do século XIX. A questão
da língua envolve questões de política interna e externa, e, principalmente, de unidade
nacional, pois o Brasil, por ter um território imenso, precisa de um elemento que garanta
sua união, fato que demanda cautela na escolha de políticas lingüísticas.
Nesta discussão, porém, não se pode prescindir de uma reflexão sobre o texto de
José de Alencar (1955: 30): o povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a
jabuticaba, pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que
sorve o figo, a pêra, o damasco e a nêspera?
128
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137
ANEXOS
138
1
INTRODUÇÃO
O tema desta dissertação é o estudo da relação entre língua, história e
nacionalismo lingüístico, com base nos textos polêmicos, travados entre Carlos de Laet
e Camilo Castelo Branco, no século XIX. Eles caracterizam um espaço-temporal da
língua portuguesa, construindo diferentes sentidos para a história da língua portuguesa
no Brasil. Fundamenta-se nos postulados da Historiografia Lingüística, por se buscar
uma abordagem histórica da língua, em um período em que um grande número de
intelectuais desejava a continuidade dos padrões lingüísticos lusitanos contra um
número pequeno, mas operante, dos que desejavam uma língua totalmente desvinculada
das normas lusitanas.
A partir do século XIX, aumenta, no Brasil, a influência de outros povos, além
dos portugueses e surgem novas perspectivas culturais, que provocam mudanças nas
condições intelectuais e materiais do país. Nesse período, o Brasil é tomado por grandes
ideais libertários, que impulsionam a nação para a independência político-econômico-
cultural. Surgem, ainda, nesse contexto, inúmeras polêmicas em que se debatem
questões de nacionalização, relativas à língua em uso no Brasil, que já apresenta
mudanças em relação à língua em uso em Portugal.Essas mudanças passam a ser
consideradas como marcas caracterizadoras da existência de uma nova variante da
língua portuguesa, aquela em uso no Brasil.
Sabe-se que as mudanças lingüísticas não determinam o desaparecimento de
uma língua; ao contrário, são sinais de que a língua é viva, pois só os idiomas estáticos,
eternizados numa literatura, podem escapar das alterações e diferenciações do cotidiano,
resultantes de ambientes múltiplos e de influências diversas. As línguas têm história, ou
seja, elas mudam ao longo dos tempos e adquirem características específicas dos
espaços em que são faladas. Reconhecem-se dois tipos de história, ligados à natureza
2
dos fatos da língua: são as mudanças territoriais e os contatos, interferências, mesclas,
lutas, guerras, influências culturais sofridas ou exercidas pelos povos que falam ou
escrevem a língua em questão, como bem apresenta Antônio Houaiss.( 1992 ).
Dessa maneira, a história da língua se identifica com a história dos povos que a
detêm, pois dividem o mesmo destino. Constrói-se no tempo e espaço do homem, pois
está inserida em sua história. E é essa história que explica e esclarece as mudanças da
língua, como também descreve e elucida como as línguas aumentam ou diminuem de
espaços e falantes, desabrochando ou desaparecendo..
A língua é um fator de unidade nacional. E , a esse respeito, a Teoria Geral do
Estado coloca a língua entre os elementos que caracterizam uma nação, considerada
como uma comunidade histórico-social, que abriga os que nascem num certo ambiente
cultural, oriundo de costumes e tradições, geralmente expressos em língua comum, com
um conceito semelhante de vida, aspirando a um mesmo futuro e partilhando dos
mesmos ideais coletivos. Assim sendo, para os brasileiros, a língua é um fator de
unidade nacional, pois, em todo território, se fala e se escreve em língua portuguesa,
fator preponderante quando se trata de nacionalidade lingüística.
Como a língua possui uma marca característica de um determinado momento
histórico, ela permite verificar, na sua materialidade, traços que constituem o homem e
seu tempo. Observando-se que a história se faz por pessoas num determinado momento
sociocultural, torna-se necessária a aproximação da Lingüística com a História no
processo de análise e interpretação dos textos polêmicos de Carlos de Laet e Camilo
Castelo Branco, documentos que refletem componentes significativos do contexto
histórico-social de uma época.
Muitas polêmicas são travadas no século XIX, ganhando destaque a que ocorre
entre José de Alencar e Pinheiro Chagas. José de Alencar defende uma maior
aproximação entre língua escrita e falada, destacando a liberdade de estilo. Mas essa
posição de independência provoca uma reação da metrópole, culminando numa
polêmica com Pinheiro Chagas.
Dez anos após a polêmica entre Alencar e Chagas, ou seja, nos últimos anos do
século XIX, a discussão gramatical entre Camilo Castelo Branco e Carlos de Laet vem
comprovar a turbulência político-cultural desse período. Em 1879, Camilo Castelo
Branco organiza uma coletânea de textos de escritores portugueses e brasileiros e
publica-a com o título de Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros,
precedendo o texto de cada autor uma crítica, dessa não escapando escritores
3
portugueses e brasileiros ilustres. Mais implacavelmente criticado é Fagundes Varela,
que é tratado desdenhosamente por Sr. Fagundes, ou Fagundes. Vários estudiosos se
insurgem contra o tratamento que Camilo Castelo Branco dispensa aos brasileiros e isso
gera muitas polêmicas.
Entre os documentos polêmicos, que tratam de questões de nacionalização,
relativas à língua em uso no Brasil e em Portugal, selecionamos os do polemista Carlos
de Laet, jornalista brasileiro, enraivecido pelos ataques a Fagundes Varela e os de
Camilo Castelo Branco, escritor português, de fins do século XIX, para este trabalho,
por se entender que são os que melhor retratam o espírito de brasilidade e os ideais
libertários que impulsionam a nação para uma independência político-econômico-
cultural.
A escolha da amostra, portanto, deve-se à importância dada aos documentos
escritos como os textos polêmicos, sobremaneira, os formulados no século XIX, em que
se discute a existência de uma possível língua brasileira. Os textos referentes à
polêmica, travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, tornam-se documentos
exemplares para se atingirem os objetivos propostos nesta dissertação.
A amostra da pesquisa se constitui, por conseguinte, dos vários textos, em que se
desenvolve a querela: Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros,
comentado por Camilo Castelo Branco, Ecos Humorísticos do Minho – Carta ao
Cruzeiro; Revista Brasileira, crônica literária, Rio de Janeiro, 1879 e o Jornal do
Comércio, Microcosmo.
A obra e o período em que esta pesquisa se situa, evidenciam a crise de
identidade da nação brasileira quanto à língua em uso no Brasil. Essa crise se estende a
todos os setores quer fossem políticos, sociais ou econômicos, pois, com a
independência em1822, se instaura definitivamente, na consciência dos intelectuais e
dos políticos nacionais, a necessidade de se criar uma cultura brasileira, identificada
com suas próprias raízes históricas, lingüísticas e culturais.
Instaurado o Império, com a maioridade de D. Pedro, dá-se início a um período
que perdura por quase meio século, sendo o último quartel do século XIX, marcado
pelas campanhas abolicionistas e pela república. Neste final de século, com seus
desdobramentos políticos e sociais, é que se insere o polemista Carlos de Laet,
monarquista liberal. É também o período em que se desenrola a polêmica, objeto desta
pesquisa.
4
Há, nesta época, dois grandes partidos o Liberal e o Conservador, mas o
domínio político se concentra nas mãos dos senhores proprietários de terra, que
dominam as províncias, determinam o número de eleitores e, freqüentemente, fraudam
as eleições, mantendo-se como classe dominante; os partidos revezam-se no poder. Em
1868, chamado de período da conciliação, os liberais mais combativos fundam o
Partido Liberal Radical, que dá origem, em 1870, ao Partido Republicano, responsável
pelo declínio do Segundo Reinado. Nesse clima, é que se perpetua a língua em curso no
país, deixando marcas nos documentos escritos na época.
Após o período de imitação da gramática portuguesa, nos séculos XVII e XVIII,
chega-se ao período da diferenciação lingüística do século XIX. Os processos de
gramatização, que descrevem a língua portuguesa e como ela deveria ser empregada em
sua finalidade de comunicação, não enfocam, no geral, a mesma língua em uso no
Brasil, com suas variadas nuanças locais, regionais e sociais.
No século XIX, a diferença entre a língua em uso no Brasil e a língua em uso
em Portugal é notada mais na oralidade do que na escrita, porque o texto escrito, no
Brasil, seguia o modelo europeu. Somente a partir da segunda metade do século XIX, os
escritores românticos incorporam-na ao texto literário escrito como registro de uma
realidade já consistente e, portanto, documentável. No final do século, porém, o
indianismo de Gonçalves Dias e de José de Alencar tem a preocupação de incorporar ao
texto literário os elementos culturais que pertencem à sociedade brasileira.
As particularidades do português em uso no Brasil são consideradas erros de
acordo com a variante européia, mas, para os brasileiros, esses erros funcionam como
espelhos que refletem o surgimento de uma língua nacional. A língua portuguesa é uma
língua de cultura, insere-se em um contexto sócio-histórico-cultural e se constitui num
universo de práticas de comunicação e expressões linguageiras que só se fazem
compreender em certos níveis de análise.
A Historiografia Lingüística possibilita, segundo Konrad Koerner (1995,1996),
uma forma de reescritura dos fatos da história da língua por meio de princípios:
Princípio da Contextualização: propicia a pesquisa do clima de opinião da época em
que o documento foi produzido, assim como o seu contexto histórico-cultural, as
concepções lingüísticas, sócio-econômicas e políticas vigentes à época de sua produção,
pois ele é resultado da combinação desses fatores.Princípio da Imanência: permite que,
ao analisar o documento histórica e criticamente, se recrie o seu passado, tornando
possível o seu entendimento. Princípio da Adequação Teórica: proporciona a
5
atualização do documento, aproximando-o das teorias e terminologias atuais,
destacando os fatos do passado, mediados pelas preocupações do presente, a fim de que
o homem hodierno possa analisá-lo e interpretá-lo, tornando-o útil e necessário ao
estudioso.
A Historiografia Lingüística permite ao pesquisador reconhecer o homem como
um ser sócio-histórico, apto a depreender o que está materializado no documento e, por
sua experiência atual, compreender melhor os elementos da realidade passada. Dessa
forma, conhece mais profundamente a si e a realidade em que vive e tem condições de
projetar-se para o futuro.
Nessa perspectiva, o historiógrafo da língua deve saber que sua especificidade
vai além da materialidade lingüística do documento, lugar onde se organiza e se
enquadra um modo de compreensão da realidade e se prolonga até o território
intelectual, espaço extralingüístico por meio do qual se atinge o conhecimento do
histórico e do social.
A Historiografia Lingüística, segundo Jarbas Vargas Nascimento (2005:15),
parte do princípio de que a língua, enquanto produto histórico-social, torna-se
simultaneamente veículo e expressão de dados socioculturais que pressupõem um olhar
histórico. A Historiografia Lingüística transforma-se em ferramenta imprescindível na
fundamentação desta dissertação e possibilita a reconstrução do sentido de brasilidade,
presente no português em uso no Brasil, no último quartel do século XIX.
O objetivo geral desta dissertação é examinar nos textos polêmicos, produzidos
por Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, a relação entre língua, história e
nacionalismo lingüístico. Os objetivos específicos são: identificar a construção do
sentido de nacionalidade para o português em uso no Brasil e verificar as
determinações histórico-culturais e os processos de gramatização e sua relação com a
História do Brasil.
A Dissertação se organiza em três capítulos.
No primeiro, apresentam-se os pressupostos da Historiografia Lingüística que
fundamentam a pesquisa. Trabalha-se a língua em sua dimensão histórica e cultural e
explana-se sobre os elementos que constituem a Historiografia Lingüística, enfatizando
a dimensão interdisciplinar.
No segundo capítulo, delineia-se o cenário histórico-econômico e social do
Brasil e de Portugal, da segunda metade do século XIX, o que possibilita a discussão
das questões lingüísticas, inseridas nesse contexto. Observa-se a presença da língua
6
portuguesa no Brasil e em Portugal e os fatores de transformação e diferenciação da
variante portuguesa, de modo a caracterizar a língua em suas particularidades;
apresentam-se, ainda, as questões lingüísticas que surgem com o intuito de defender a
existência de uma variante brasileira, que se manifesta na construção do sentido de
brasilidade e nacionalismo lingüístico para o português do Brasil .
No terceiro capítulo, expõem-se a amostra e a sua análise, juntamente com o contexto
histórico, e também marcas lingüísticas do português em uso no Brasil e aquele
usadas em Portugal. Enfatizam-se as questões gramaticais e de estilo levantadas pelos
polemistas, complementadas com a análise dos itens lexicais, que fundamentam o
nacionalismo lingüístico. A expressão lingüística, manifestada nos documentos
polêmicos, associa-se a um processo de formação de um sentido de nacionalidade ao
português em uso no Brasil.
7
CAPÍTULO I
HISTORIOGRAFIA LINGÜÍSTICA
Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A portuguesa língua, e já onde for
Senhora vá de si, soberba e altiva!
Antonio Ferreira, séculoXVI
1.1.Introdução
A revolução científica do século XVI tem como modelo a racionalidade, que
marca profundamente a ciência moderna, principalmente as ciências naturais que se
constituem em único conhecimento nos meios acadêmicos. Esse modelo da ciência
moderna, da racionalidade hegemônica, do estudo da natureza se repete no estudo da
sociedade. No século XVIII, o século das luzes, a racionalidade hegemônica propicia o
gérmen das ciências sociais que encontram solo fértil no século XIX.
O século XIX, embasado na racionalidade científica, nega o caráter de racional a
todas as formas de conhecimento que não se pautam nos seus princípios
epistemológicos e nas suas regras metodológicas, banindo, assim, o chamado senso
comum ou estudos humanísticos. É nesse século que o cientificismo vem iluminar os
estudiosos da Lingüística nascente, como Franz Bopp, com sua gramática comparada
moderna, seguido pelos irmãos Grimm e Max Muller, que estabelecem a ligação do
empreendimento comparativo ao histórico, gerando a gramática ou lingüística
histórico-comparativa, atestando, assim, a sistematicidade das correspondências entre
as línguas e o fluxo histórico.
Pauta-se, também nesse período, na relação entre instituição e definição do
saber, com a fundação de associações de engenheiros, de intelectuais, pobres,
8
aposentados e outras categorias. Há uma reclassificação global, originando um lugar
articulado sobre outros e a instalação de um saber indissociável da instituição. O
sentimento nacional deflagrado na Europa colaborou para difundir o sentido histórico.
A idéia de nação, oriunda da Idade Média, surge como uma religião da pátria. A
Revolução Francesa impulsiona o ensino das massas, que contribui para a difusão de
uma cultura histórica.
É nesse clima de revolução das idéias, em uma era de transformação, que se
deparam dois expoentes da cultura brasileira e portuguesa: Carlos de Laet e Camilo
Castelo Branco. Ambos, movidos por sentimentos nacionalistas, sob a luz do processo
de gramatização que invadia os estudos lingüísticos, travam a polêmica que é o objeto
de estudo desta dissertação.
Vale lembrar que o processo de gramatização, ocorrido na Língua Portuguesa,
na segunda metade do século XIX, não se restringe apenas a um processo de descrição e
instrumentalização da língua, pois pela inclusão da gramática como tecnologia, segundo
Sylvain Auroux (1992), desencadeia uma revolução lingüística. A gramática passa a ser
concebida como uma tecnologia de aprendizagem das línguas, em vez de um
instrumento para descrevê-la.
Depois do cientificismo assoberbado do século XIX e a aversão à reflexão
filosófica, simbolizada pelo positivismo, o final do século XX traz à luz o desejo de
complementar o conhecimento das coisas com o conhecimento do próprio homem,
possível pelo retorno à reflexão. Isso desencadeia uma crise de paradigmas, que se
reflete nas estruturas das relações científicas. Surgem, nesse contexto, cientistas e
filósofos como Thomas S. Khun e Boaventura de Sousa Santos.
1.2.O novo paradigma da ciência na perspectiva de Thomas S. Khun
Thomas S. Khun (2005: 13) considera paradigmas as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modulares para uma comunidade de praticantes de uma ciência. Tem como
objetivo delinear um conceito de ciência bastante diverso que pode surgir dos registros
históricos da própria atividade de pesquisa.
Esses registros, segundo ele, possibilitam uma revolução historiográfica no
estudo da ciência, a partir do momento em que a pesquisa histórica encontra
9
dificuldades para isolar invenções e descobertas individuais, levantando dúvidas a
respeito do processo cumulativo vigente. Os pesquisadores colocam novas espécies de
questões e traçam linhas diferentes, freqüentemente, não cumulativas de
desenvolvimento para as ciências, procuram apresentar a integridade histórica daquela
ciência com base em sua própria época.
Quando a ciência normal se desorienta, quando os membros da profissão não
podem mais se esquivar das anomalias que subvertem a tradição existente da prática
científica, iniciam-se as investigações extraordinárias que conduzem a profissão a um
novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a prática da ciência. Esses
episódios extraordinários são chamados de revoluções científicas e a ciência, de
extraordinária.
Alguns cientistas percebem, na nova teoria, uma mudança nas regras que
governam a prática anterior da ciência normal, que repercute sobre muitos trabalhos
científicos de sucesso. A nova teoria, para ser assimilada, demanda a reconstrução da
teoria precedente e a reavaliação dos fatos anteriores.
Há dois tipos de desenvolvimento científico: o normal e o revolucionário. A
maioria dos estudos científicos resulta em uma mudança do primeiro tipo e a ciência
normal produz os tijolos que a pesquisa científica adiciona ao acervo do conhecimento.
Constitui-se em uma concepção cumulativa do saber científico, transformando-se em
guia para uma extensa literatura metodológica. No entanto, o conhecimento científico
engloba um modo não cumulativo que desencadeia o processo de mudança
revolucionária.
Para T. S. Khun (2006), as mudanças revolucionárias são mais problemáticas e
envolvem descobertas que não se incorporam a conceitos antes aplicáveis, acarretando
não só mudanças de lei e de teoria, mas também rompem o caráter acumulativo do
desenvolvimento científico, pois não se pode passar do velho ao novo, com um simples
acréscimo de conhecimento nem escrever o novo no vocabulário velho ou vice-versa.
A primeira característica de uma mudança revolucionária é a reorganização das peças,
como em um quebra-cabeça, de uma maneira diferente. Ela envolve uma transformação
súbita e não estruturada na qual a experiência se combina de maneira diferente,
originando padrões diferentes.
As mudanças revolucionárias são holísticas, ou seja, não acontecem de forma
gradual e é isso que as diferencia das mudanças normais e cumulativas, em que se
revisam, ou se acrescentam novos elementos a uma única generalização, em um
10
processo contínuo, embora as demais permanecem as mesmas. Na mudança
revolucionária, ou se vive com a incoerência ou se revisam em conjunto as várias
generalizações interrelacionadas. Outra característica a destacar é a mudança de sentido,
ou seja, mudança no modo como as palavras e expressões se ligam à natureza, que
implica uma mudança na forma de determinar seus referentes. Esse caráter distintivo na
linguagem modifica não só os critérios pelos quais os termos se ligam à natureza, mas
também, por extensão, o conjunto de objetos e situações a que esses termos se ligam.
Sendo assim, as revoluções caracterizam-se pela mudança taxonômica, pois
possibilitam as descrições e generalizações científicas, permitindo um ajuste dos
critérios relevantes à categorização, contribuindo para que determinados objetos e
situações sejam distribuídos entre categorias preexistentes. A redistribuição envolve
mais que uma categoria, o que determina o seu caráter holístico. Ele tem suas raízes na
natureza da linguagem, pois os critérios relevantes à categorização são os nomes que
ligam as categorias ao mundo. T. S. Khun (2006: 43) apresenta a linguagem como uma
moeda, com uma das faces voltada para fora, para o mundo, e a outra voltada para
dentro, para o reflexo do mundo na estrutura referencial da linguagem.
Um outro aspecto sublinhado pelo autor é no tocante às justaposições ou
metáforas que mudam em épocas de revolução científica, fundamentais ao processo de
aquisição da linguagem, seja científica ou não. A prática da ciência envolve a produção
e a explicação de generalizações sobre a natureza, que exigem uma linguagem com um
grau mínimo de riqueza que possibilita o seu desvelo. O conhecimento das palavras e o
da natureza são adquiridos juntos, pois não são dois tipos de conhecimento, mas as duas
faces de uma mesma moeda, possível pela linguagem. Em síntese, as revoluções
científicas modificam o conhecimento da natureza intrínseco à própria linguagem,
sendo anterior à descrição ou generalização científica ou cotidiana. A violação ou
distorção de uma linguagem científica anteriormente não-problemática é a pedra de
toque para a mudança revolucionária, conforme aponta T.S. Khun.( op.cit.:45).
Segundo Ana Rosa Pérez Ransanz (2000), ao redigir A estrutura das
revoluções científicas, T. S. Khun partiu da idéia de que a imagem dominante da ciência
se concentra na maneira particular de conceber e escrever a sua história e que depende
da metodologia que se utiliza no âmbito científico, envolvendo a maneira como se
ensina, transmite-se e difunde-se o conjunto de teorias características de uma época.
Para T. S. Khun a ciência normal significa a pesquisa firmemente embasada em uma ou
mais realizações científicas, que são reconhecidas, por algum tempo, por uma
11
comunidade científica específica, a fim de proporcionar os fundamentos para sua prática
posterior.
Destacam-se duas características essenciais: atraírem um grupo duradouro de
partidários, afastando-os de outras formas de atividades científicas dissimilares e,
concomitantemente, as realizações serem abertas, a ponto de deixarem toda a espécie de
problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência. São
essas realizações que o autor chama de paradigmas, um termo relacionado à ciência
normal. O estudo do paradigma prepara o estudante para ser membro de uma
comunidade científica, na qual atuará. A ciência amadurecida dá-se com a transição
sucessiva de um paradigma a outro, por meio de uma revolução, resultando em novo
paradigma que implica uma definição nova e mais rígida do campo de estudos.
Uma teoria, para ser aceita como paradigma, deve parecer melhor que suas
competidoras, mas não precisa explicar todos os fatos com que se confronta. O novo
paradigma implica uma definição nova e mais rígida do campo de estudos.
1.2.1. A ciência normal e a ciência extraordinária
A palavra paradigma quer dizer um modelo, um padrão aceito, mas, para T. S.
Khun, o sentido empregado é diferente do popular. Na ciência, um paradigma não é
susceptível de reprodução. O paradigma pode ser limitado tanto no âmbito como na
precisão, quando da primeira aparição. Adquire status, ao ser mais bem sucedido que
seus competidores nas resoluções de problemas que um grupo de cientistas reconhece
como graves. De início, o sucesso de um paradigma é uma promessa de sucesso que
pode ser descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos. A ciência normal
consiste na atualização dessa promessa, que se obtém ampliando o conhecimento
daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando
a correlação entre os fatos e as predições do paradigma, articulando-se ainda mais o
próprio paradigma.
A pesquisa científica normal dirige-se à articulação dos fenômenos e teorias, já
fornecidos pelo paradigma. As áreas investigadas pela ciência normal são minúsculas e
restringem a visão dos cientistas e, ao mesmo tempo, são essenciais para o
desenvolvimento da ciência, possibilitando uma investigação mais detalhada. Há três
classes de problemas: determinação do fato significativo, harmonização dos fatos com a
12
teoria e articulação da teoria. Eles esgotam a literatura da ciência normal, tanto teórica
como empírica, mas não esgotam toda a literatura da ciência, pois existem problemas
extraordinários que surgem em ocasiões especiais geradas pelo avanço da ciência
normal.
O trabalho, orientado por um paradigma, é feito sobre esses três princípios.
Abandonar um paradigma é deixar de praticar a ciência que o define. As divergências,
no entanto, ocorrem e constituem-se em ponto de apoio das revoluções científicas,
propiciando novas soluções. Os resultados, obtidos por uma pesquisa normal, são
significativos, porque contribuem para aumentar o alcance e a precisão com os quais o
paradigma pode ser aplicado. Resolver um problema da pesquisa normal é alcançar o
antecipado de uma nova maneira, o que requer a solução de toda forma de complexos
quebra-cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos.
O termo quebra-cabeças indica, grosso modo, a categoria particular de
problemas que servem para testar a engenhosidade ou habilidade na resolução de
problemas. A comunidade científica, ao adquirir um paradigma, seleciona um critério
para a solução de problemas que, enquanto o paradigma for aceito, se consideram
solucionáveis, pois são redutíveis a quebra-cabeças. Para ser classificado como quebra-
cabeças não bastam ter a solução assegurada, devem obedecer às regras que limitam
tanto a natureza das soluções aceitáveis como o passo necessário para obtê-las,
conforme T.S. Khun (2005:61).
A ciência normal é uma atividade determinada, determinação não só advinda de
regras; daí, a necessidade de usar em vez de regras a noção de paradigmas
compartilhados, pressupostos e pontos de vista compartilhados como fonte da pesquisa
normal. As regras derivam de paradigmas, mas os paradigmas existem independentes de
regras. É uma atividade que consiste em solucionar quebra-cabeças, sendo cumulativa e
bem sucedida em relação ao seu objetivo, que consiste na ampliação contínua do
alcance e da precisão do conhecimento científico.
1.2.2. Boaventura de Sousa Santos e o paradigma dominante
As duas vertentes filosóficas que modelam o conhecimento científico são o
racionalismo cartesiano e o empirismo baconiano. Ambas dão origem ao positivismo
oitocentista que transforma as ciências sociais e as naturais em empíricas. Duas
13
correntes surgem desse princípio: a que deseja aplicar ao estudo da sociedade os
princípios epistemológicos e metodológicos oriundos do século XVI e a que reivindica
às ciências sociais um estatuto epistemológico e metodológico próprio.A primeira
enseja que aos estudos sociais se apliquem os princípios das ciências naturais por serem
universais e por serem os únicos válidos. Reduzem-se, com isso, os fatos sociais às
dimensões externas observáveis e mensuráreis.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (2005), essa posição é insustentável, pois
as ciências sociais não dispõem de teorias explicativas, não podem estabelecer leis
universais, já que os fenômenos sociais são historicamente condicionados e
culturalmente determinados e não se podem fazer previsões fiáveis. O comportamento
dos seres humanos se modifica, pois os fenômenos sociais são subjetivos. As ciências
sociais, portanto, não são objetivas e os cientistas sociais carregam em si valores que
influenciam, no ato da observação, a sua prática de cientista.
Para alguns autores, essas diferenças transformam-se em obstáculos que
acarretam um atraso das ciências sociais em relação às naturais, mas T. S. Kuhn (2005)
considera que o atraso das ciências sociais é determinado pelo seu caráter pré-
paradigmático em oposição às ciências naturais que são paradigmáticas. As ciências
naturais permitem a formulação de um conjunto de princípios e de teorias sobre a
estrutura da matéria que são aceitas por toda a comunidade científica. O mesmo não
ocorre nas ciências sociais, pois nelas não há consenso paradigmático. .
Aqueles que reivindicam para as ciências sociais um estatuto metodológico
próprio argumentam que a ação humana é subjetiva, não podendo ser descrita ou
explicada com base na exterioridade. É uma ciência subjetiva que requer métodos de
investigação e critérios epistemológicos diferentes das ciências naturais, fundamentada
em métodos qualitativos em vez de quantitativos, para atingir um conhecimento
intersubjetivo, descritivo e compreensivo. Essa segunda posição indica um sinal de crise
dentro do paradigma dominante, apresentando componentes importantes de transição
para um novo paradigma, pois resulta de uma pluralidade de condições, sejam de ordem
social ou teórica.
Albert Einstein (1879-1955) foi o seu precursor, ao tratar da relatividade da
simultaneidade e ao concluir que a simultaneidade de acontecimentos distantes pode ser
definida e não verificada, revolucionando as concepções de espaço e tempo newteanas.
As teorias, advindas de pesquisas no campo da física, culminaram em novas
perspectivas ao estudo da ciência, ao modificar princípios e conceitos básicos e gerar a
14
crise tão benéfica ao conhecimento. Entre elas, destaca-se a irreversibilidade nos
sistemas abertos, provando que estes são produtos da história.
Essa nova teoria não é um fato isolado, pois faz parte de um movimento que
atingiu as ciências nas últimas décadas. Possui um caráter transdisciplinar e
desencadeou uma profunda crise no paradigma dominante, pois, ao formar cientistas-
filósofos e abranger questões da sociologia, propiciou a reflexão epistemológica sobre
o conhecimento científico. A crise do paradigma da ciência moderna traz, no bojo, o
perfil do paradigma emergente, pois, segundo B.de S. Sousa, a revolução científica que
ocorre em uma sociedade é desencadeada pela ciência; no entanto, ela propicia um
paradigma não apenas científico, mas também social.
O conhecimento que desponta desse paradigma emergente rompe com a
dualidade: natureza e cultura; natural e artificial; vivo e inanimado; mente e matéria;
observador e observado; subjetivo e objetivo; coletivo e individual; animal e pessoa que
fundamenta o pensamento racionalista. Propicia, pois, a superação da dicotomia entre
ciências sociais e ciências naturais, tendo em vista, na primeira, o veículo da marca pós-
moderna do paradigma emergente, ao revalorizar os estudos humanísticos. A revolução
científica em curso embasa-se na reconceitualização das condições epistemológicas e
metodológicas do conhecimento científico, por meio de uma nova visão do sujeito que
terá a tarefa de construir uma nova ordem científica, partindo do senso comum.
Conforme B. de S. Santos (2005), no paradigma emergente, o conhecimento é
total; tem como horizonte a totalidade universal, ao mesmo tempo que é local , pois se
constitui em temas adotados por grupos sociais concretos com projetos de vida locais,
logo, a fragmentação pós-moderna não é disciplinar e sim temática. Em síntese, é um
conhecimento sobre as condições de possibilidade da ação humana, restritas a um
espaço–tempo local. Avança à medida que seu objeto se amplia, pois busca novas e
variadas interfaces. A ciência pós-moderna, ao sensocomunicar-se, não despreza o
conhecimento científico, que produz a tecnologia, mas não faz dele o senhor do saber.
Ao se conviver com uma crise de paradigmas, provocada por uma revolução
científica, a Lingüística não poderia ficar imune às transformações ocorridas.
Atendendo aos apelos revolucionários de T. S. Khun (2006) e, em consonância com os
fundamentos de B. de S. Sousa, a Historiografia Lingüística surge, nos anos 70, no
âmbito da Lingüística como um novo paradigma, como um modo de descrever a
história do estudo da língua, embasando-a em princípios, propostos por K. Koerner
(1995, 1996).
15
A Historiografia Lingüística, carrega, no bojo, a interdisciplinaridade, pois as
ciências para serem compreendidas em sua totalidade precisam ter um caráter
interdisciplinar, condição apontada por T. S. Kuhn e por B. de S. Sousa, como
indispensável ao paradigma emergente. A interdisciplinaridade, almejada por este novo
paradigma de ciência vigente, configura-se como um desafio para a consolidação da
Historiografia Lingüística, que possui, em essência, a união da História e da Lingüística,
além de outras áreas de conhecimento como a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, a
Psicologia e todas as demais que têm o homem por objeto.
1.3. A Interdisciplinaridade nas ciências
Segundo Ivani C. Arantes Fazenda (2005), com a crise dos paradigmas surge a
necessidade de construção de um novo paradigma de ciência e de conhecimento. Essa
crise se reflete nas teorias, nos modelos, nos paradigmas e deduz-se que o exercício da
interdisciplinaridade diminuiria a crise do conhecimento e da ciência, pois requer uma
imersão teórica nas discussões epistemológicas mais fundamentais e atuais, envolvendo
uma reflexão profunda sobre as dúvidas surgidas na ciência.
A interdisciplinaridade requer uma metodologia que pressupõe uma posição
especial ante o conhecimento, que se evidencia no reconhecimento das competências,
incompetências, possibilidades e limites da própria disciplina e de seus agentes, no
conhecimento e valorização suficientes das demais disciplinas e dos que a sustentam.
Parte de uma liberdade científica, embasada no diálogo e na colaboração, fundamenta-
se no querer inovar, no criar, no ir além e exercitar-se na arte de pesquisa, de acordo
com I.C.A. Fazenda (2005:69).
A interdisciplinaridade nasceu como oposição ao conhecimento que privilegiava
o centrismo epistemológico de algumas ciências, a excessiva especialização e a toda ou
qualquer proposta de conhecimento que direcionava a pesquisa em uma única, restrita e
limitada direção. Em 1961, G. Gusdorf apresentou à UNESCO um projeto de pesquisa
interdisciplinar para as ciências humanas, pois pretendia orientá-las para a
convergência, ou seja, em direção à unidade humana, prevendo a diminuição da
distância teórica entre as ciências humanas. Foi um dos precursores do estudo da
interdisciplinaridade, com o tema Totalidade.
16
A Historiografia Lingüística deseja chegar, o mais próximo possível, à totalidade
do conhecimento, inserido no documento escrito, pois seu caráter interdisciplinar
permite ao pesquisador o conhecimento do objeto ou fato em sua totalidade, ensejando
uma análise mais real e segura. Conforme I. C A. Fazenda (2002), uma teoria
interdisciplinar constrói-se de acordo com a história acadêmica de cada pesquisador.
Depende, pois, da linha de investigação teórico-prática, uma vez que o pesquisador se
liga aos autores, que lê pelas idéias com que compartilha e pelas suas objeções.
Não existe, pois, um conceito único de interdisciplinaridade, cada enfoque
dependerá da linha teórica de quem pretende defini-la. Ela é princípio de unificação e
não unidade acabada. A interdisciplinaridade permite uma relação de reciprocidade, de
mutualidade, ou seja, um regime de co-propriedade, de interação, estabelecida pela
intersubjetividade, conquistada com base em uma mudança de atitude perante o
problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária. Torna-se,
portanto, peça fundamental ao novo paradigma de ciência em vigência.
A Historiografia Lingüística possibilita a interação entre as disciplinas, pois
entrelaça a Lingüística e a História, além de outras áreas de conhecimento, como a
Sociologia, a Filosofia, a Psicologia, a Antropologia que partilham do ideal da busca do
saber em sua totalidade. Uma das condições da interdisciplinaridade é a interação entre
as disciplinas afins para o esclarecimento do objeto em estudo.A Historiografia
Lingüística opera, pois, em essência, com a História e a Lingüística.
Esta dissertação em consonância com os princípios da Historiografia
Lingüística em seu caráter interdisciplinar, buscou, por fonte a História e a Lingüística,
sem deixar de contemplar a Filosofia e o Direito, em seu contexto sócio-histórico-
cultural.
1.4. Antecedentes da Historiografia Lingüística
1.4.1. Mudanças lingüísticas
Carlos de Laet assim se refere ao livro Cancioneiro Alegre:
Em resumo: o Cancioneiro Alegre não é um livro de critica
sensata e imparcial; é um longo e picante libello, contra
17
Brazileiros e baudelaireanos, principalmente, de quem o
comentador é o jurado Cabrion.
Esse parágrafo de um artigo da Revista Brasileira (1879:219), objeto de
análise desta dissertação, apresenta sensíveis mudanças lingüísticas, percebidas pelo
leitor dos anos 2000. As línguas humanas não são realidades estáticas, sofrem mudanças
contínuas na sua configuração estrutural, sem perder a sua plenitude estrutural e o seu
potencial semiótico, sendo essa dinâmica o objeto de estudo da Lingüística Histórica.
As mudanças lingüísticas, embora ocorram continuamente, acontecem de
maneira lenta, o que as torna difíceis de serem percebidas pelos falantes, pois as
mudanças se restringem a partes da língua e não ao seu todo, o que possibilita um jogo
de mudança e permanência, que reforça a imagem de estaticidade da língua. As
culturas que operam com a escrita possuem um estatuto de estabilidade e permanência
maior do que as outras línguas, refreando, temporariamente, as mudanças e servindo de
ponto de referência aos usuários da língua. Os falantes, quando expostos a textos mais
antigos, observam que a língua, com o fluxo do tempo, se transforma. As estruturas e
palavras que existiam antes, não ocorrem mais ou estão deixando de ocorrer, ou se
ocorrem é de maneira modificada em sua forma, função e significado.
As transformações não só são percebidas em mudanças em tempo real
(afastadas no tempo), nos textos antigos como elas podem ser detectadas, também, no
que chamamos de mudanças em tempo aparente (tempo presente), como ocorre na fala
de diferentes grupos sociais ou de diferentes faixas etárias. É importante ressaltar que,
em Lingüística, nem toda variação implica mudança, mas toda mudança pressupõe
variação. Por ser a língua escrita mais conservadora do que a língua falada, o contraste
entre as duas pode ser percebido no desenvolvimento de fenômenos inovadores na fala
que não aparecem na escrita. Alguns fatores contribuem para o conservadorismo da
língua escrita. Destaca-se o próprio fato de a escrita ter uma dimensão de permanência,
que propicia o exercício do controle social mais intenso do que na língua falada. Isso
possibilita a preservação de um padrão mais conservador sobre a linguagem e dificulta
a entrada de formas inovadoras.
As atividades escritas estão, quase sempre, ligadas a contextos sociais formais,
pois os estudos sociolingüísticos mostram uma forte ligação entre situações formais e o
uso preferencial de formas lingüísticas mais conservadoras, portanto, a mudança
18
lingüística depende de um complexo jogo de valores sociais que podem retardar ou
acelerar sua expansão.O historiógrafo da língua não deve transferir juízos de valor do
senso comum para o trabalho de descrição e interpretação dos fenômenos lingüísticos,
porque esses enunciados não possuem base empírica. Deve, sim, aprender a trabalhar
com a realidade heterogênea da língua.
A variedade é fruto das diferentes experiências históricas e socioculturais do
grupo que a fala. A Dialetologia (variedades geográficas), a Sociolingüística
(variedades sociais e estilísticas) e a Lingüística Histórica (variedades no tempo) são as
disciplinas que estudam as variações lingüísticas. A língua pode sofrer alterações de
qualquer ordem, desde aspectos de pronúncia, de sua organização semântica e
pragmática. Na história da língua, pode haver mudanças fonético-fonológicas,
morfológicas, sintáticas, semânticas, lexicais e pragmáticas. As interpretações não são
únicas e absolutas e vão depender da orientação teórica do pesquisador.
As línguas mudam com o passar do tempo. A primeira característica que se
destaca é a forma contínua, lenta e ininterrupta das transformações. Cada estágio da
língua resulta de um longo e contínuo processo histórico; nele as mudanças na língua
vão ocorrendo gradativamente, por fases intermediárias, atingindo parte e não a sua
totalidade, pois é a lentidão e a gradualidade da mudança lingüística que garantem aos
falantes a intercomunicação permanente. Periodizar a história das línguas facilita a
análise, permite que se localizem os fatos numa dimensão temporal, visa não só à
recuperação da idade dos acontecimentos e suas relações com uma conjuntura maior
em que ocorrem, como também a fundamentação do trabalho comparativo, que consiste
na base dos estudos da Lingüística Histórica.
Outra característica da mudança lingüística é a regularidade, pois elas não são
fortuitas. Iniciada a mudança, há regularidade e generalidade no processo, abrangendo,
de forma sistemática, o mesmo elemento, nas mesmas condições e ocorrências. A
regularidade, observada na mudança da língua, permite comparar duas ou mais línguas,
ou dois ou mais estágios de uma mesma língua, realizando a reconstituição histórica.
No século XIX, os neogramáticos apresentavam as mudanças fonéticas como
rigorosamente regulares, logo, deveriam ser tratadas como leis, pois não admitiam
exceções. As aparentes exceções eram decorrentes da intervenção de um processo
gramatical chamado analogia, que ocorreria quando elementos da língua fossem
regularizados por força de modelos estruturais hegemônicos.
19
Ao se tratar de mudanças na língua, não há de se falar em lei em sentido
absoluto, pois a história da língua vai além dos princípios gerais, contínuos e
necessários, por ser produto da atividade humana, sofre as contingências e vicissitudes
da própria vida concreta, da história peculiar de cada grupo e de cada sociedade.
Segundo Carlos Alberto Faraco (2005), as mudanças lingüísticas não decorrem apenas
dos fatores lingüísticos, mas também dos fatores históricos da sociedade; logo, os
fenômenos devem ser estudados no conjunto de outros fatos da língua, sua história,
história da família e subfamília a que pertencem. Essa abordagem origina-se na teoria
variacionista de encaixamento estrutural, que se aplica, junto com o encaixamento
social, com seus fenômenos de mudança e estrutura sociolingüística da comunidade dos
falantes.
Não se separam o encaixamento estrutural e o encaixamento social da língua,
ao se estudarem suas mudanças; da mesma forma que não se separam as histórias
interna e externa de uma língua, porque estão intimamente ligadas. Os fatores de
mudança originam-se e consolidam-se, embasados nas influências que a língua sofre
interna e externamente. A história interna constitui-se no conjunto de mudanças que
ocorrem na organização estrutural da língua no “eixo do tempo” e a história externa é a
visão das mudanças da língua em um contexto político, social, econômico e cultural da
sociedade com as quais se relaciona.
Sabe-se que os fatores sociais influenciam direta ou indiretamente os processos
de mudanças das línguas, o que obriga a buscar uma metodologia que integre as duas
histórias, a fim de se realizarem, com sucesso, os estudos lingüísticos. A língua é uma
realidade social que se insere no contexto econômico, social e cultural dos falantes;
sendo, pois, uma realidade heterogênea, em um conjunto de diferentes variedades.
Possui especificidades estruturais, o que não justifica considerá-la autônoma, desligada
da vida dos falantes. O cerne do estudo histórico da língua é o complexo jogo dialético
entre o social e o estrutural.
As condições de mudança surgem no social, na heterogeneidade da realidade
lingüística e na complexa dinâmica das relações interacionais e envolvem muitos
fatores ainda não explicados pela Lingüística Histórica. C. A. Faraco explica que as
línguas mudam porque nada é estático, tudo se transforma. Estranho seria se as línguas
permanecessem estáveis, pois, sendo uma realidade humana, não estão submetidas ao
universo da necessidade e sim da possibilidade.
20
As correntes lingüísticas, em função de sua teoria e de seu método, tratavam as
variações lingüísticas como degeneração e decadência da língua ou como simplificação
e progresso. Atualmente, os lingüistas excluem ambas as teses. Segundo Câmara Jr.
(1976), a palavra “evolução”, em lingüística, pressupõe apenas “um processo de
mudanças graduais e coerentes”.
C. A Faraco (2005) ressalta que a mudança lingüística é contínua e lenta,
gradual e relativamente regular; surge da realidade heterogênea das línguas, em estreita
relação com os complexos processos sociais e culturais. Para conhecê-la, é necessário
descrevê-la em seus contextos estruturais de mudanças e em seus contextos sociais.
1.4.2. A Lingüística Histórica
As línguas desenvolvem-se em um complexo fluxo temporal de mudanças e
substituições, de aparecimentos e desaparecimentos, de conservação e inovação. Por se
transformarem no tempo, elas possuem história e é com essa história que se ocupa a
Lingüística Histórica. Cabe, pois, ao historiador da língua, na busca de um
embasamento científico em quadros teóricos definidos, encontrar as descrições dos
diferentes processos de mudança, ocorrentes na história das línguas e elaborar hipóteses
de caráter explicativo para os fenômenos descritos, com base em pressupostos mais
gerais a respeito da mudança lingüística como um todo. A missão da Lingüística
Histórica é ocupar-se das transformações das línguas no tempo, cabendo aos lingüistas,
que nela operam, surpreender, apresentar e compreender essas transformações por
diferentes sistemas teóricos.
F. Saussure estabelece que o estudo lingüístico compreende duas dimensões:
uma histórica (diacrônica) e outra estática (chamada sincrônica). A diacrônica tem por
pressuposto de análise a mudança das línguas no tempo e a sincrônica tem por
pressuposto a relativa imutabilidade das línguas, ou seja, as características da língua
tomada como um sistema estável num espaço de tempo aparentemente fixo. Defendia-
se a autonomia de cada uma dessas dimensões, porém se admitia a interdependência
entre sincronia e diacronia, concordando que todo fato sincrônico tem uma história.
21
A separação entre estado (sistema) e história permite a ocorrência de dois tipos
de lingüística: uma lingüística chamada descritiva ou sincrônica e uma lingüística
histórica ou diacrônica. A primeira se ocupa da investigação dos estados da língua e a
segunda, das transformações das línguas no tempo. Atualmente, usa-se a denominação
de lingüística teórica para os estudos sincrônicos, em oposição à lingüística histórica
que é tão teórica como a primeira. Outro aspecto a considerar é que, para alguns
lingüistas, o estudo sincrônico precede o diacrônico, pois permite comparar diferentes
estados de língua, demonstrando as mudanças ocorridas.
Para Eugênio Coseriu (1979), tendeu-se a privilegiar os estudos sincrônicos,
causa da dicotomia dos princípios, ignorando a questão histórica e o contexto histórico
da língua, mas a língua viva está em contínua transformação, determinada pela sua
função, não está feita e sim está em processo. Mesmo quando um estado de língua se
torna idêntico a um anterior, não significa que o estado permanece e sim que se
reconstitui, com fidelidade pelo falar, que é o lugar onde a língua funciona e se realiza
concretamente. Tudo o que é sincrônico e diacrônico na língua só o é pela fala, e a fala,
por sua vez, só se concretiza na língua. Apresenta a língua como saber, acervo
lingüístico e a língua como manifestação concreta desse saber no falar.
E. Coseriu propõe que se veja a língua como um sistema em movimento, em
permanente sistematização. A descrição e a história são estudos diferenciados e como
as línguas são objetos históricos, os seus estudos devem envolver descrição, teoria e
história de forma integrada. A cada concepção de língua corresponde uma orientação
teórica diferente de acordo com o objeto proposto. Há duas concepções de língua: uma
que a considera com objeto autônomo e a outra que a considera como um objeto
essencialmente ligado à realidade social, histórica e cultural de seus usuários.
Os métodos de estudos também são diferenciados. Para a primeira, trata-se de
observar a mudança e determinar seus condicionantes lingüísticos e, para a segunda, é
fundamental acompanhar a história social e cultural dos falantes, relacionando-as com a
história da língua, realizando o encaixamento estrutural e social dos fenômenos de
mudança.
O emprego dos termos sincronia e diacronia pressupõe uma concepção
homogeneizante da língua. É uma idealização excessiva, pois concebe um objeto de
estudo afastado da realidade heterogênea. Justifica-se essa idealização com o
argumento de que sem homogeneizar não se criarão condições para que a apreensão da
22
língua se realize. Alguns estudiosos procuram construir teorias que permitam a
apreensão da língua no universo heterogêneo. E. Coseriu propõe a integração da
descrição sincrônica e histórica, alertando para o fato de que não se podem juntar todas
as teorias, que se parecem boas, pois elas possuem fundamentos filosóficos, que, muitas
vezes, se excluem mutuamente.
O ideal é utilizar a síntese histórica que implica a negação de uma teoria por
meio da crítica a seus fundamentos, retomando as questões empíricas e seus
procedimentos analíticos, construindo um novo sistema teórico, em uma nova chave
interpretativa, tendo sempre presente o fato de que as teorias se entrecruzam.
1.4.3. Um retrospecto da Lingüística Histórica
A percepção de que as línguas mudam no eixo do tempo possui suas raízes na
filologia. Entende-se por filologia os estudos dos textos antigos com o objetivo de
estabelecer e fixar sua forma original. As sociedades humanas, que, ao longo da
história, fazem uso da escrita, preservam os textos literários e religiosos. As gerações
posteriores, tendo necessidade de compreendê-los, acabam desenvolvendo a Filologia
que é a ciência que estuda a literatura de um povo ou de uma época e a língua que lhe
serviu de instrumento. Hoje, esses estudos são feitos pela Lingüística Histórica.
A Lingüística Histórica nasce nos fins do século XVIII, quando se dá início à
reflexão sistemática sobre as mudanças das línguas, impulsionada pelo modelo da
ciência moderna. Divide-se didaticamente em dois períodos: o primeiro, que se
caracteriza pelos estudos comparados, vai de 1786 até a publicação do manifesto dos
neogramáticos em 1878. O segundo período, que vai de 1878 até os dias atuais,
caracteriza-se pela tensão entre duas grandes linhas interpretativas: a imanentista
(neogramáticos, estruturalismo, gerativismo) que vê a mudança como um fator interno,
ou seja, como um acontecimento que se dá no interior da língua e condicionado por
fatores da própria língua e a integrativa (fundada na Dialetologia e Sociolingüística)
que vê a mudança articulada com o contexto social em que se inserem os falantes,
como um evento condicionado por uma conjugação de fatores internos (estruturais) e
externos (sociais).
23
Com base em Carlos Alberto Faraco (2005), faz-se um panorama dos caminhos
trilhados pela Lingüística Histórica, nesses 200 anos de existência, ou seja, do
comparativismo aos estudos atuais, recuperando, assim, seus momentos, autores e obras
de maior destaque.
O primeiro estudo comparativo é o de William Jones (1746-1794), cidadão
inglês, juiz em Calcutá, em 1786, que apresenta uma comunicação à Sociedade Asiática
de Bengala, tratando das inúmeras semelhanças entre o sânscrito, o latim e o grego. Em
seguida, F Schlegel publica, em 1808, o livro Sobre a língua e a sabedoria dos hindus e
Bopp publica em 1816, o livro Sobre o sistema de conjugação da língua sânscrita em
comparação com o da língua grega, latina, persa e germânica, apresentando, pela
comparação detalhada da morfologia verbal de cada uma das línguas, as
correspondências sistemáticas que há entre elas, fundamento empírico de seu efetivo
parentesco.
Com a apresentação desses estudos, cria-se o método comparativo. Por ele se
pode estabelecer o parentesco entre as línguas, determinando as características e
ascendentes comuns de certo conjunto de línguas. Jacob Grimm (1785-1863)
complementa o método comparativo, ao enfatizar que a sistematicidade das
correspondências entre as línguas se relaciona com o fluxo histórico e, principalmente,
com a regularidade dos processos de mudança lingüística.
Rasmus Rask (1787-1832), paralelamente a J. Grimm, desenvolve estudos
comparativos em relação à língua germânica. Esses estudos dão origem à filologia
românica, que tem um papel fundamental no desenvolvimento dos estudos histórico-
comparativos. Já August Schleicher (1821-1868), que é um botânico, adiciona o
elemento naturalista a esses estudos, influenciado pela teoria evolucionista de Darwin.
Com ele, a língua passa a ser vista como um organismo vivo, com existência própria
independente do falante. A história dela é a história natural com um fluxo que se realiza
por força dos mesmos princípios que regem a natureza.
Dando início ao segundo período da Lingüística Histórica, na linha chamada
imanentista, surgem os trabalhos dos neogramáticos que, na última metade do século
XIX, questionam os pressupostos tradicionais da prática histórico-comparativa e
estabelecem uma nova orientação metodológica e um conjunto de postulados teóricos
para a interpretação da mudança lingüística. Bárbara Weedwood (2002) afirma que a
24
tese dos neogramáticos determina que as mudanças no sistema fonético de uma língua
em desenvolvimento estão sujeitas à operação de leis fonéticas regulares.
Explica a autora (op.cit. p. 106) que:
Usando o princípio da mudança fonética regular, os
estudiosos puderam reconstruir formas “ancestrais” comuns
das quais se podiam derivar as formas mais tardias
encontradas em línguas particulares.
Os neogramáticos tornam-se um divisor de águas na Lingüística Histórica,
delineando o perfil característico da Lingüística do século XX, pois a língua passa a ser
tratada associada ao indivíduo falante; introduz-se uma orientação psicológica
subjetivista na interpretação dos fenômenos de mudança lingüística: “a língua existe no
indivíduo e as mudanças se originam nele”. Estudam a língua em função dos
mecanismos de mudança e não só por meio da reconstrução de estágios remotos da
língua.
K. Verner (1846-1896) defende a existência do ambiente lingüístico como
condicionante de suas mudanças. As pretensas exceções da lei de Grimm têm um
tratamento regular, o que reforça a confiança dos lingüistas no princípio da regularidade
da mudança e de que a regularidade da mudança sonora é absoluta. Sob esse princípio,
são excluídas das ciências lingüísticas as interpretações causais, fortuitas, para as
irregularidades e os neogramáticos são obrigados a formular as leis com precisão e a
fornecer interpretações satisfatórias para as palavras, que não tinham mudado segundo
a lei.
Hermann Paul (1846-1921) nega a possibilidade de uma lingüística que não seja
histórica. Para ele, os princípios básicos das mudanças lingüísticas estão nos fatores
psíquicos e físicos, tomados como determinantes dos objetos culturais como a língua. A
lingüística só precisa de duas ciências: a psicologia e a fisiologia, para apreender as
realidades da mudança histórica da língua. Sustenta a tese de que a fonte de toda a
mudança lingüística é o falante individual e que a propagação se dá por meio da ação
recíproca dos indivíduos, ou seja, a mudança lingüística se origina no processo de
aquisição da língua.
O rigor metodológico que os neogramáticos introduzem para a solução dos
problemas de história das línguas é importante para o desenvolvimento da Lingüística
25
Histórica, porém a lei fonética como princípio absoluto é relativizada, sem negar a
regularidade da mudança. Passa-se, pois, a entender a lei fonética não como um
princípio categórico, mas como “uma fórmula de correspondência entre sistemas
fonéticos sucessivos de uma mesma língua nos diversos períodos de sua existência”.
O termo lei, segundo alguns autores, não pode ser entendido como um
enunciado absoluto, porque envolve fenômenos históricos e as leis, que não admitem
exceções, são uma forma inexata de dizer que fatores não fonéticos, tais como
freqüência ou significado das palavras não interferem na mudança sonora.
H. Schuchardt (1842- 1927), mesmo tendo uma concepção subjetivista da
língua, opõe-se ao conceito de lei fonética, levantando a questão referente à imensa
gama de variedades de fala, existente em uma comunidade, ser influenciada pelos
fatores de sexo, idade, nível de escolaridade dos falantes. Enfatiza que o contexto social
e cultural da língua é o condicionante básico da variação e da mudança lingüística.
Antoine de Meillet (1866-1936) confere à língua e ao falante uma concepção
sociológica, ou seja, as condições sociais exercem uma influência decisiva sobre a
língua e sobre a mudança. A língua, para ele, é um fato social; situa-se no âmbito das
ciências sociais. Parte da antropologia que propala uma linha de estudo que busque
reconhecer as relações entre a mudança lingüística e os outros fatos sociais. Já William
Whitney (1827-1894) apresenta como condição principal da mudança lingüística a
realidade descontínua (heterogênea) das línguas, já que as sociedades são heterogêneas,
assim como a lingüística é heterogênea, o que resulta em mudança.
Ainda na linha imanentista, tem-se F. Saussure que, no início do século XX,
elabora um projeto metodológico no qual há uma rígida separação entre o estudo dos
estados da língua (sincronia) e o estudo da mudança lingüística (diacronia), além de
preceder o estudo sincrônico ao diacrônico. A partir dessas diretrizes, a lingüística se
torna hegemonicamente sincrônica e configura uma maneira estruturalista de pensar a
mudança, pois as mudanças das línguas no tempo não se constituem num complexo
sistema de dependências recíprocas, mas apenas alteram o valor de elementos do
sistema tomados isoladamente. Para os lingüistas do Círculo de Praga, o estudo
diacrônico não elimina a noção de sistema, pois, se o fizesse, não se teria um estudo
completo, do mesmo modo que a descrição sincrônica também não pode eliminar a
noção de evolução, pois, visto pela ótica sincrônica, existe a consciência da fase em
vias de desaparecimento, da fase presente e da fase em formação.
26
Em 1955, surgem os estudos de André Martinet (1908-1999) que prega que os
sistemas lingüísticos, embora bem estruturados, nunca se encontram em perfeito
equilíbrio, propiciando pontos de desequilíbrio latente que permitem a mudança.
Explica que o sistema lingüístico sofre pressões forjadas por duas forças contraditórias:
de um lado, as necessidades humanas de expressão e comunicação e, de outro, a
tendência do homem de reduzir ao mínimo sua atividade física e mental, o que provoca
um desequilíbrio no sistema de ordens funcionais e estruturais; introduz, pois, o
conceito de rendimento funcional das oposições fônicas.
Em 1950, também na linha imanentista, Noam Chomsky (1927), lingüista norte-
americano, desencadeador do gerativismo, revigora o modelo racionalista de fazer
ciência. Para N. Chomsky, o fato empírico central para os lingüistas é a aquisição da
linguagem pelas crianças, embora detentoras de poucos dados, em um curto espaço de
tempo, apreendem todos os mecanismos estruturais básicos da língua de sua
comunidade. Segundo ele, as crianças possuem um conhecimento humano inato que é
uma língua humana possível que as orienta no processo de aquisição da língua e cabe
aos lingüistas criar um modelo desse mecanismo inato, chamado tecnicamente de
gramática universal.
A lingüística gerativista parte da gramática como um sistema de regras no qual
as mudanças são processos que alteram as regras gramaticais, podendo eliminar uma,
introduzir outras e reordenar a sua aplicação, além de restringirem-se a
condicionamentos biológicos. Dessa forma, a história da língua passa a ser vista como
um processo de mudança tipológica que se submetem aos princípios restritivos da
gramática universal.
No fim do século XX, ainda no segundo período da Lingüística, mas na sua
linha integrativa, destacam-se, primeiro, os estudos da Dialetologia e depois da
Sociolingüística.
A Dialetologia é o estudo de uma língua na perspectiva da sua variabilidade
num espaço geográfico, conforme esclarece C. A. Faraco (2005:178). O fundamento da
Dialetologia de uma comunidade, num certo espaço geográfico é fator de diferenciação
lingüística. Cada ponto dessa área tem experiências sociais, históricas, culturais
diferenciadas que se refletem na linguagem. A Dialetologia imprime ao conceito de
dialeto a necessidade de estudar suas variedades em um contexto social, histórico,
político, cultural das comunidades, procurando perceber as linhas de contato e
27
influências que se relacionam em cada ponto do espaço. Ao correlacionar, no estudo da
variação lingüística, a língua e a realidade histórica e sociocultural das comunidades, a
Dialetologia traz importante contribuição para os estudos lingüísticos.
Já a Sociolingüística estuda as correlações sistemáticas entre as formas
lingüísticas variantes e determinados fatores sociais como classe social, nível de
escolaridade, sexo e etnia dos falantes. Amplia o estudo da variação lingüística, levando
em conta, além da dimensão geográfica, dialógica, a dimensão social, diastrática como
fator de diferenciação lingüística. Recomenda, ainda, que se integrem a estratificação
social, a estilística e a mudança para interpretar os dados diacrônicos.
Também, nos últimos anos do século XX, retoma-se aos estudos históricos,
voltando-se novamente o olhar para a linguagem como realidade histórica, reflexo da
vida social e cultural dos falantes. Nessa perspectiva, encontram-se as pesquisas de E.
Coseriu (1979:57) que enfatiza: as línguas mudam, porque têm história, constituem
uma realidade em constante transformação no tempo. Esse fluxo e refluxo da língua
em transformação, ao alternar mudanças e regularidades, constroem uma história; para
se compreender a natureza histórica, é necessário entender o contexto sociocultural em
que foi construída. Assim sendo, a disciplina História torna-se um instrumento
indispensável aos estudos lingüísticos.
É nessa perspectiva que este trabalho se insere, já que se trata de uma análise de
textos, escritos em virtude da polêmica entre Carlos Laet e Camilo Castelo Branco, na
segunda metade do século XIX. Por meio deles será possível conhecer a história do
Brasil e de Portugal nesse período, já que fornecem aspectos importantes ao estudo da
relação entre língua, história e nacionalismo lingüístico.
1.5.A cientificidade da História
Conforme a lição de Jacques Le Goff (2003), a palavra história tem sua origem
no grego antigo historie, em dialeto jônico. Essa forma deriva da raiz indo-européia
wid-, weid , ver. O sânscrito vettas significa “aquele que vê”. Do sentido “ver” passa a
ser fonte do saber, daí se conclui que histor é aquele que vê e aquele que sabe, pois
historiein do grego antigo é “procurar saber”.
28
A História surgiu como um relato, uma narração do visto, pelas mãos de
Heródoto, considerado o pai da História. A História se constituía em uma narração,
verdadeira ou falsa, com base na realidade histórica ou imaginada. Posteriormente,
passa a ser entendida como explicação e interpretação do fato histórico. Atualmente, a
questão da cientificidade é que desperta a atenção de historiadores, gerando polêmicas.
Paul Veyne (1998) nega a existência da História como ciência, já que essa
condição obriga a uma explicação total, o que não ocorre porque, segundo ele, ela não
tem método nem explica os fenômenos. Dessa forma, não existindo a História, o que se
conhece é a história particular, recortada por uma dada perspectiva. Para ele, os
historiadores são meros narradores de fatos reais e o homem é o ator. A História é
considerada um romance real, já que, como a narrativa de eventos significativos,
seleciona, simplifica e organiza de maneira completa e direta por meio de documentos,
testemunhos, indícios.
O campo da História é vasto e indeterminado, mas, ao mesmo tempo, tudo o que
o engloba tem de ter acontecido, o que permite ao historiador colocar a história em
compartimentos, tais como: história política, etnológica, sociológica, natural entre
outras. Também é importante o caráter subjetivo da história, que se manifesta na
escolha do fato a ser explicado pelo historiador, pois implica preferência e seleção,
perdendo seu caráter científico. Além desse aspecto, há outro que é a presença do
historiador na explicação do fato, o que permite outros pontos de vista, transformando a
explicação histórica em múltiplas e questionando-a como verdade absoluta.
Os eventos não são fatos isolados, pois se relacionam a outros fatos, cabendo ao
historiador reencontrar essa organização, essas ligações objetivas que o fato tem com
outros, possibilitando a trama. O fato não é a totalidade, mas um núcleo de relações que
determinam o caráter subjetivo da história. É o que apresenta a assertiva de Paul Veyne
(1998.:42):
Os fatos não existem isoladamente, no sentido de que o tecido da
história é o que chamaremos de uma trama, de uma mistura
muito humana e muito pouco científica de causas materiais, de
fins e de acasos; de uma fatia que o historiador segundo sua
conveniência, em que os fatos têm seus laços objetivos e sua
importância relativa...
29
Em síntese, a História é uma atividade cultural, intelectual, uma criação
humana, um gênero de escrita em que, por meio da inteligência, se organizam os dados
de um determinado tempo, explicando-os de acordo com a trama escolhida, tornando-os
compreensíveis ao leitor, função desempenhada pelo historiador.
P. Veyne esclarece que entre a explicação histórica e a explicação científica
existe um abismo, pois o ato de explicar em história é um ato sublunar em que reinam,
lado a lado, liberdade, acaso, causas e fins, em oposição ao mundo da ciência que se
pauta em leis. As explicações históricas tornam-se incompletas, porque são muitas as
tramas possíveis de um fato, tais como: o acaso (causas superficiais), causas e
condições (dados objetivos) e liberdade e deliberação (causas finais). A História é
casual, nesse sentido de descrever o que passa, de explicar como as coisas acontecem,
já que tudo é histórico, mas existem somente histórias parciais. A história, portanto,
não é uma ciência.
Michel de Certeau (2000) admite o caráter científico da História, por tratar-se de
uma disciplina com objeto e metodologia próprios. A História é uma prática, uma
disciplina, o seu resultado é o discurso ou a relação de ambos, disciplina e discurso, que
juntos constituem a produção. O próprio termo história conota, ao mesmo tempo, a
ciência e seu objeto, ou seja, a explicação que se diz e a realidade do fato que passou
ou se passa. Ele insinua a união entre a operação científica e a realidade analisada.
Com base em práticas e no discurso historiográfico, o autor salienta que a
ideologia é inerente à própria história; há uma historicidade da história, que propicia
um movimento, ligando a prática interpretativa a uma prática social; sobrevive entre
dois pólos: o da prática, que consiste na realidade e o outro do discurso fechado, que se
materializa no texto; é um mito, à medida que combina o pensável e a origem, no
processo de compreensão da sociedade.
A História das Idéias foi uma resposta à fragmentação das disciplinas, pois é
necessário compreender a unidade e os princípios organizadores da obra, pois não se
explica uma obra em termos de influências, de exaustão de um corpus, devolvendo-o às
origens, que ocasionam um recuo por meio de fragmentos e gera o desaparecimento
das totalidades, das delimitações, das rupturas que compõem a História. Eliminou-se a
ideologia no objeto de estudo, devido aos métodos de pesquisa, mas se reintroduziu em
forma de pressupostos dos modelos, implícita nos sistemas de interpretação.
30
O historiador de hoje não detém o sentido como objeto de seu trabalho, mas o
encontra no modo de sua atividade, pois o que desaparece no produto, aparece na
produção. Esse deslocamento do sentido em termos de escolhas históricas investidas no
processo científico substituiu o fazer historiográfico pelo dado histórico, transformando
a pesquisa de produto de uma realidade observada para análise das opções ou das
organizações de sentido implicadas por operações interpretativas.
A História não renuncia à realidade dos fatos, mas há uma mudança em sua
relação com o real. O sentido deixa de ser entendido como um conhecimento particular,
extraído do real, pois o fato histórico resulta de uma práxis. Leva em consideração o
fazer e encontra as suas raízes na ação que faz história. Se existe uma função histórica
que possibilita a confrontação do passado com o presente, entre o que organiza a vida
ou o pensamento e aquilo que permite pensá-los, existe, também, uma série indefinida
de sentidos históricos.
Na historiografia, o real sofre uma dicotomia; há o real que é conhecido, ou seja,
o que o historiador compreende e organiza da história passada e o real implicado pela
operação científica, com a sociedade descrita pelo historiador com seus procedimentos,
métodos e a prática do sentido. No primeiro caso, o real constitui-se em resultado de
análise e, no segundo, é o seu postulado. São duas formas de realidade que não se
excluem, mas se relacionam, pois a ciência histórica existe graças a essa relação.
A supremacia de uma dessas duas formas do real determina dois tipos de
história: um que se interroga sobre o que é pensável e sobre as condições de
compreensão e outro que objetiva encontrar o vivido, revivido no conhecimento do
passado. Ao operar um inventário, o historiador precisa elaborar modelos que permitam
reconstruir e compreender o documento, ou seja, modelos econômicos, culturais entre
outros, o que possibilita levantar hipóteses metodológicas sobre seu trabalho apoiado
em um intercâmbio interdisciplinar, em princípios de inteligibilidade suscetíveis de
instaurar pertinências e produzir fatos sempre coerentes com a teoria que norteia a
pesquisa.
Ao ressuscitar um passado, o historiador traz à luz um fato esquecido ao mesmo
tempo em que reencontra o homem por meio das marcas que ele deixou. O corte feito
em qualquer ciência propicia um limite original que delimita a tarefa de fazer história.
O passado retorna na prática historiográfica. Essa delimitação, necessária e denegada,
caracteriza a História como ciência humana; portanto, o limite torna-se instrumento e
31
objeto de pesquisa, ou seja, instrumento de seu trabalho e o lugar em que se aplica a
metodologia.
Existe, em cada história, um processo de significação que objetiva preencher o
sentido de História; o historiador deixa de ser um mero compilador de fatos, passando a
enfatizar o significante. Nessa perspectiva, a operação histórica refere-se à combinação
de um lugar social, com as práticas científicas e de uma escrita, o que modifica a noção
de fato histórico como objeto dado e acabado, pois o fato histórico resulta da
construção do historiador.
Já J. Le Goff (2003) expõe que a história, como ciência, se consolida por meio
de documentos escritos, propiciados pela fundação de bibliotecas e de arquivos que
preservem os materiais de estudo da história e permitam a elaboração de métodos de
crítica científica, conferindo-lhe um caráter erudito. O documento deixa de ser visto
como um material bruto, objetivo e inocente, para ser visto como o poder da sociedade
do passado sobre a memória e o futuro do documento; é, pois, monumento, que deve
ser desestruturado e desmontado. Cabe ao historiador avaliar a credibilidade do
documento. Hoje, consideram-se documentos, além dos textos e dos produtos da
arqueologia, os gestos, as palavras que se constituem em arquivos orais, que são
coletados, chamados de etnotextos.
A tomada de consciência da construção do fato histórico, da não inocência do
documento, demonstra a possibilidade de manipulação em todos os níveis do saber
histórico, o que levanta o problema da objetividade do historiador, restando a ele
questionar a documentação histórica, de acordo com os documentos ou da ausência de
documentos, sempre em posição crítica. A História tem que ser entendida como uma
prática social, pois toda história é história social. A noção de fato histórico tem tomado
várias feições: há história política, história econômica e social, história cultural e das
representações, que caminham juntas em um mesmo tempo; enfim, a própria ciência
histórica coloca-se em uma perspectiva histórica com o desenvolvimento da
historiografia ou história da história.
Outro aspecto a destacar é o cronológico, que possui um papel essencial como
fio condutor e ciência auxiliar da história. Instrumentaliza-se em calendário, que
ultrapassa a barreira histórica, pois é o quadro temporal do funcionamento da
sociedade, representando o esforço das sociedades humanas em domesticar o tempo.
32
J. Le Goff ( 2003: 12-13) afirma:
O calendário é produto e expressão da história: está ligado às
origens míticas e religiosas da humanidade (festas), aos
progressos tecnológicos e científicos (medida de tempo), à
evolução econômica, social e cultural (tempo de trabalho e
tempo de lazer). Ele manifesta o esforço das sociedades
humanas para transformar o tempo cíclico da natureza e dos
mitos, do eterno retorno, num tempo linear escandido por
grupos de anos: lustro, olimpíadas, século, eras etc..
O calendário permite que a história se conecte a dois progressos essenciais: a
definição de pontos de partida cronológicos e a busca de uma periodização, que a
criação de unidades iguais, mensuráveis, de tempo: dia de vinte quatro horas, séculos e
outros; hoje, acrescido pela noção de duração, de tempo vivido, de tempos múltiplos e
relativos, tempos subjetivos ou simbólicos, até encontrar o tempo da memória, que
atravessa e alimenta a História. A periodização é indispensável a qualquer forma de
compreensão histórica. É um processo emrico delineado pelo historiador. Não há
história estática, o que não significa que é só mudança, mas é o estudo das mudanças
significativas, tendo como seu principal instrumento de inteligibilidade a periodização.
A História é uma ciência do passado, agrupa, classifica e organiza fatos do
passado em função do presente, pois é essa a sua função social. A historiografia surge
como uma seqüência de novas leituras do passado e marcada por perdas e ressurreições,
falhas de memória e revisões. A relação entre o passado e o presente constitui o objeto
de reflexão do historiador, pois o passado é um aspecto ou uma função do presente. A
língua, por ser um produto histórico-social, articula-se com as duas áreas de
conhecimento: a Lingüística e a História e, por seu caráter interdisciplinar, alia-se a
outras ciências, proporcionando o surgimento da Historiografia Lingüística.
33
1.6. A Historiografia Lingüística como paradigma
1.6.1.Concepção e alcance
A língua em sua função de interação social, vista como processo e produto da
atividade histórica humana, resulta da interação do passado com o presente em meio a
um contexto sociocultural. Devido à importância que a língua adquire nas ciências
sociais, particularmente, na Lingüística e na História, torna possível à Historiografia
Lingüística diferentes maneiras de abordagem desse objeto de estudo.
A Historiografia Lingüística, ramo da Lingüística Histórica, concebe a língua
em sua relação com a História e a realidade social. Apresenta-se como uma ciência
recente no âmbito da Lingüística, mas não se confunde com a História da Lingüística,
nem com a História das Idéias Lingüísticas nem com a Historiografia da Lingüística,
embora todas essas áreas de conhecimento objetivem a língua e suas relações com
fatores socioculturais.
Configura-se-se como uma ciência, por ter método e princípios, que descrevem e
explicam como o conhecimento lingüístico é adquirido, formulado e comunicado
através do tempo. Enfatiza a descrição e a explicação de conteúdos, por meio dos
contextos socioculturais de produção textual, abrindo a possibilidade de novos
paradigmas de contemporaneidade.
A interdisciplinaridade, que a Historiografia Lingüística estabelece com a
História e outras ciências do homem, constitui-se em um modo diferente de ver o
objeto- língua que é o lugar de concretização das dimensões históricas, culturais e
identitárias de um grupo social. Trata-se de um produto histórico-social, pois se
configura na articulação da Lingüística e da História que, aliadas a outras ciências
humanas, tornam-se capazes de descrever e explicar essa articulação, produzindo novos
conhecimentos. O procedimento interdisciplinar em Historiografia Lingüística concilia
perspectivas teóricas, históricas e socioculturais e acrescenta valores novos ao processo
de compreensão e interpretação do documento.
Conforme J. V. Nascimento, a Historiografia Lingüística como impulsionadora
de atividade investigativa de amplitude interdisciplinar, permite que se conheça melhor
o que faz do homem um ser sócio-histórico, capaz de depreender o que está
materializado no documento e, por sua experiência atual, reconhecer os elementos da
34
realidade passada. Proporciona , ainda, o conhecimento de si mesmo e da realidade em
que vive, podendo, inclusive, auxiliá-lo no planejamento de seu futuro.
A tarefa do historiógrafo da língua é árdua e exige que, além do conhecimento
lingüístico, possua, também, um conhecimento extralingüístico, pois caberá a ele
restabelecer os fatos mais importantes do passado lingüístico, explicar os motivos das
mudanças de orientação e de ênfase e a possível continuidade que delas se pode
observar. Compete a ele estabelecer marcos de relacionamento, a priori, com a história
e, a posteriori, com a História Intelectual, a Filosofia, a Filosofia das Ciências, a
Sociologia, e outras áreas das Ciências Humanas. Formaliza, assim, a abertura inerente
à Historiografia Lingüística, a sua familiarização com as diversas teorias e práticas
lingüísticas, bem como suas transformações em função de progressos científicos.
Uma característica importante da Historiografia Lingüística é que ela permite
um recorte no processo de mudança que sofre a língua, a fim de apreendê-la em
sucessivos espaços de tempo, nos quais alterações e regularidades são perceptíveis. De
outro lado, a oposição continuidade versus descontinuidade, não se constitui como dois
estados divergentes, mas convergentes e direcionam o exame e a interpretação das
marcas lingüísticas para o contexto de sua história.
O homem busca constantemente explicações para as mudanças que se operam na
língua, pois a língua não é um sistema fechado, é uma prática determinada por fatores
sócio-histórico-culturais. A realidade concreta em que vive o homem caracteriza-se
como um espaço social mediado pela prática lingüística, sendo, assim, as alterações nos
costumes, nas idéias, em todos os setores da vida humana e, por conseguinte, na
sociedade, demandam, obrigatoriamente, transformações lingüísticas.
A língua é um produto histórico-dinâmico e as mudanças que nela se operam
partem das mudanças do homem. A língua é o fundamento de tudo que é social,
possibilitando ao homem estabelecer relações em um mundo de relações, por isso é
necessário ao historiógrafo da língua utilizar uma metodologia específica para
tratamento desse objeto.
Com relação à Historiografia Lingüística, discutem-se, ainda, problemas de
procedimentos de pesquisas, tais como a periodização, a contextualização, a
identificação das concepções lingüísticas, as implicações históricas na produção do
documento, a influência de fatores externos de diferentes ordens; enfim, temas que dão
margem a novos direcionamentos para uma pesquisa efetiva em Historiografia
Lingüística.
35
O aparato teórico-metodológico desta pesquisa segue as coordenadas,
estabelecidas para a Historiografia Lingüística, por Konrad Koerner (1995,1996), que a
apresenta como uma forma de reescritura de fatos da língua, por meio de princípios.
1.6.2. A metalinguagem em Historiografia Lingüística
A Historiografia Lingüística visa ao saber lingüístico. Segundo S. Auroux
(1992), o saber lingüístico tem a sua origem na consciência humana e materializa-se
por meio da linguagem, sendo uma das suas formas o saber metalingüístico, que se
apresenta na forma especulativa ou prática, ou seja, situa-se no elemento da
representação abstrata ou necessita adquirir um domínio, que se apresenta na forma da
enunciação, das línguas e da escrita que, por sua vez, darão lugar às técnicas.
Para Konrad Koerner (1995,1996), uma das questões mais importantes ao estudo
da Historiografia Lingüística é a que se refere à Metalinguagem. O termo
metalinguagem historicamente nasce da discussão entre filósofos e matemáticos sobre a
possibilidade de provar proposições feitas em seus campos de estudo.
O termo metalinguagem parece ter surgido, pela primeira vez, com o filósofo e
lógico polonês Stanislaw Lesniewski (1886-1939) que, a fim de eliminar sofismas, fez a
diferenciação entre níveis de linguagem. Alfred Tarski (1902-1984) utiliza-o em um
texto apresentado, em 1930, na Sociedade Científica de Varsóvia. Em 1935, o texto
ganha o formato de monografia e torna-se conhecido como metalinguagem. Denomina-
a, também, de metateoria e metadisciplina em passagens em que a emprega.
A. Tarski, ao utilizar o método axiomático de David Hilbert (1862-1943), em
matemática, lógica e ciências naturais, explica: nós devemos distinguir claramente entre
linguagem sobre a qual falamos, da linguagem na qual falamos, assim como entre a
ciência que é objeto de nossa investigação, da ciência na qual a investigação é posta
em prática. O conceito de metalinguagem muda sua natureza, ao se transferir da Lógica
para a Lingüística. A discussão da metalinguagem ou do vocabulário técnico não pode
ser isolada daquilo que esses termos e conceitos significam no cenário cognitivo-
histórico-epistemológico.
Já K.Koerner define a metalinguagem como a linguagem empregada para se
descreverem idéias passadas sobre a linguagem e a Lingüística; constitui-se em um
conceito de linguagem científica, cabendo ao analista identificar e descrever
acontecimentos distantes no passado, mas compreendendo e interpretando tais eventos
36
em um panorama atual de representação. Marly de Souza Almeida (2003) trata a
metalinguagem como o caminho que o historiógrafo utiliza para tratar o assunto da
língua, pois é ela que nos conduz à linguagem-objeto, que nomeamos de “o objeto da
investigação”.
A utilização de dados históricos e de evidência textual, para realizar a
interpretação de um documento, decorre da sua precisão; deve, pois, conter clareza de
linguagem nos diversos campos do conhecimento, a qual só se obtém, tendo acesso a
um mecanismo lingüístico, que a Historiografia Lingüística propicia, imprimindo
cientificidade ao texto. A metalinguagem se configura como esse recurso, presente em
vários ramos do saber. Em Historiografia Lingüística, a metalinguagem funciona como
um conceito-chave enquanto diferenciador da linguagem, para se obterem os dois níveis
em que opera: como objeto de investigação e como técnica de observação.
Para M. de S. Almeida (op.cit.:92), a metalinguagem se caracteriza, para as
perspectivas da Historiografia Lingüística, como um recurso indispensável ao
tratamento da língua, tornando-se, por conseguinte, um instrumento para o
historiógrafo da língua, que identifica e descreve em documentos do passado, o passado
da língua e do homem, sem esquecer que ele, o pesquisador, é um homem da
modernidade.
A metalinguagem transforma-se em linguagem científica, quando empregada
para estudos lingüísticos, principalmente àqueles mais distantes ou distintos dos
empregos atuais. Permite fazer a diferenciação dos termos lingüísticos, introduzidos em
um determinado documento, com função ou objetivos específicos tanto à análise como à
interpretação, possibilitando, ainda, que todo texto possa ser analisado à luz da
metalinguagem científica, por ter suporte na História.
M. de S. Almeida apresenta a metalinguagem sob dupla perspectiva: a visão do
autor, que constrói os documentos e consiste em um objetivo e a perspectiva do
historiógrafo que transforma a língua do documento em objeto de estudo que se
compõe, em meio à observação, para alcançar um fim. Mas nem sempre essa
metalinguagem é adequada aos textos em estudo.
A pesquisadora explica que ocorrem condições mais específicas no corpo
lingüístico de alguns textos, que necessitam, para serem analisados, de outras
propriedades da metalinguagem como a metalinguagem científica, já vista, que consiste
na metalinguagem propriamente dita, metalinguagem de usos, metalinguagem de
apropriação, metalinguagem literária e de metalinguagem crítica ou de formas.
37
A metalinguagem é a maneira pela qual o historiógrafo da língua aborda o
assunto da linguagem em estudo. A sua função é identificar e descrever acontecimentos
do passado, representando-os numa perspectiva atual. A metalinguagem é a linguagem
científica que permitirá decodificar o texto em estudo.
A Historiografia Lingüística, com seus princípios teórico-metodológicos,
possibilitará esta análise, já que permite que se considere o homem um ser sócio-
histórico. Dessa forma, é possível depreender da materialidade do documento as suas
experiências, os elementos da realidade passada, a maneira como viveu.
1.6.3. Princípios da Historiografia Lingüística
Ao recurso da metalinguagem, devem-se somar, segundo K.Koerner (1995), três
princípios fundamentais para o historiógrafo da língua: o princípio da contextualização,
o da imanência e o da adequação teórica.
O Princípio da Contextualização permite estabelecer o clima de opinião da época
em que o documento foi produzido, ou seja, a atmosfera intelectual em que se insere.
Significa que o documento a ser analisado e interpretado, deve ser tratado em seu
contexto histórico-cultural, pois as concepções lingüísticas são fruto dos movimentos
intelectuais de um período, com suas características próprias, decorrentes da situação
socioeconômica e política, vigente à época de sua produção.Tem por objetivo dar as
informações materializadas nos documentos em consonância com a historicidade.
Para exemplificar, coloca-se em destaque um recorte de um texto que constitui a
amostra deste trabalho, publicado na Revista Brasileira (1879:216) em que se afirma:
Seja porem como for, o certo é que o Sr. Castello Branco nutre, como boa parte de seus
compatriotas, grande cópia de preconceitos relativos á litteratura e modo de viver
brazileiros.Verifica-se, nesse recorte de Carlos de Laet, em defesa da Literatura
Brasileira, a presença de elementos como o preconceito do escritor português a respeito
da Literatura Brasileira, que procurava novos caminhos, motivada pela independência
política e pelos prenúncios da república. A data e a assinatura elevam esse documento à
condição de documento histórico, pois possui marcas indeléveis de seu tempo.
O Princípio de Imanência refere-se ao estabelecimento de um entendimento
amplo, na abordagem lingüística e histórica, que considera o documento em sua
materialidade lingüística, nos limites próprios do texto. Ao historiógrafo da língua, em
38
uma visão crítica, cabe levantar informações e analisar o documento tanto no que se
refere às teorias lingüísticas quanto às abordagens em História, segundo o seu tempo,
ou seja, o momento da produção, pois o documento materializa as concepções histórico-
intelectuais da época Esse princípio permitirá recriar o passado e possibilitará o
entendimento do documento.
Nesse aspecto, os textos que constituem a polêmica entre Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco proporcionam um processo de discussão em torno da língua
portuguesa, que envolve o nacionalismo lingüístico dos brasileiros e o temor pelos
portugueses de reconhecer o nascimento de uma nova língua. O sentimento de perda do
domínio político e de perda do domínio lingüístico sobre o Brasil é testemunhado nesses
documentos.
Transcreve-se um recorte de Cancioneiro Alegre (1879:519) que ilustra a
afirmação: Não o faz por menos, e prova-o n’esta canção que denota paiz novo e arvore
nova de muita seiva um pouco atacada de pulgão e lagarto. Nesse, Camilo Castelo
Branco, referindo-se à poesia , Canção Lógica , de Fagundes Varela, compara-a ao país
novo, mas atacado por pulgão e lagarto, revela, pois, ao estudioso da língua, a situação
de rivalidade entre os dois países, ao mesmo tempo em que documenta as marcas
gramaticais de seu tempo.
O Princípio da Adequação Teórica permite atualizar o documento, aproximando-
o, no processo de interpretação, das teorias e terminologias atuais, a fim de que o
homem atual possa analisá-lo com mais facilidade, ou seja, consiste no estabelecimento
de aproximações entre duas realidades lingüísticas: o vocabulário técnico do documento
analisado e a terminologia atual.
Cabe ao pesquisador, a priori, ter compreensão do passado no presente com base
no documento e, a posteriori, interpretar os dados registrados nele. Processa-se, por
esse princípio, uma atividade hermenêutica, cujo objetivo é destacar os fatos do
passado, mediados pelas preocupações do presente e torná-los, na atualidade,
socialmente úteis e necessários ao estudioso.
J. V. Nascimento enriquece o tema, ao lembrar o argumento de influência que
consiste em uma categoria de análise historiográfica, que abarca o contexto
sociocultural, marcado por inferências implícitas e explícitas assinaladas pelo autor, por
ser ele suscetível às idéias em circulação no momento da elaboração do documento.
A escolha lexical da amostra permite que se identifiquem as mudanças operadas
no vocabulário da Língua Portuguesa, no tocante ao Brasil e Portugal e confirma que
39
não há uma diferença sensível em relação à língua escrita dos dois países e que a
discussão sobre a língua brasileira independente da portuguesa, permanece hoje
revigorada, pois o método comparativo permite que se percebam as características
gramaticais entre os dois escritores de uma mesma língua, situados em continentes
diferentes.
A aplicação dos três princípios de K. Koerner proporciona a atualização do
documento em análise, tornando-o compreensível ao homem contemporâneo, pois
permite identificar, nos dias atuais, os indícios histórico-lingüísticos que remetem à
experiência historicamente acumulada. As marcas textuais, na atividade de
interpretação, associadas a dados histórico-culturais, conferem fidedignidade ao
documento como fonte de construção e legitimação do saber histórico , o que permite
que se torne ponto de partida para a pesquisa em Historiografia Lingüística, uma área
de conhecimento promissora no campo da Lingüística. Mesmo que as fontes
documentais não sejam um retrato exato da realidade, estão abertas à interpretação,
possível pela Historiografia Lingüística.
1.7. O Documento como fonte histórico-lingüística
O termo documentum, derivado de docere, ensinar. Passa a ser usado no sentido
de prova, no vocabulário legislativo; no século XVII, difunde-se como linguagem
jurídica, titres ex documents, e, posteriormente, no século XIX, atinge uma posição
histórica ao significar testemunho histórico. O documento, pela escola histórica
positivista do século XIX, passa a ser considerado como o fundamento do fato
histórico, ou seja, a prova histórica. Segundo J. Le Goff (2003), o documento triunfa
com a escola positivista, juntamente com o texto; a partir de então, a todo historiador
que tratasse da historiografia seria indispensável o documento.
Os fundadores da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, 1929,
sentem a necessidade de ampliar a noção de documento, admitindo não só o documento
escrito, mas também o ilustrado, o transmitido pelo som, pela imagem, ou de qualquer
outra maneira. A crítica ao documento inicia-se na Idade Média, consolida-se na
Renascença e aperfeiçoa-se com os positivistas, no afã da procura da autenticidade,
perseguindo os falsos e atribuindo uma importância fundamental à datação. Gera, assim,
uma crítica interna ou de autenticidade e uma externa de credibilidade. A externa visa a
40
encontrar o original e determinar se o documento é falso ou verdadeiro e a crítica
interna tem por objetivo interpretar o significado do documento, a competência de seu
autor, sua sinceridade e exatidão, ou seja, as condições de produção do documento,
devendo ser minuciosamente analisadas.
Para J. Le Goff nenhum documento é inocente. Ao considerá-lo um fato
histórico, passa à categoria de monumento, que deve ser desestruturado e desmontado.
É tarefa do historiador, ao se deparar com um documento, procurar o que é falso, avaliar
a sua credibilidade e desmistificá-lo, pois só assim se transformará em fonte histórica. A
Historiografia Lingüística, por seus princípios, possibilita ao estudioso operar o
documento nessa perspectiva histórica, congregando a História e a Lingüística, pois tem
por fonte histórico-lingüística o documento escrito.
Os textos, referentes à polêmica entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco,
produzidos no século XIX, configuram-se como uma fonte histórica, pois, por seu
intermédio, se desvenda o contexto sociocultural e lingüístico da época da produção. A
obra escolhida para amostra desta dissertação compõe-se de um conjunto de textos,
publicados em livros, revistas e jornais, datados de 1879 e 1880 e são de autoria de dois
escritores de língua portuguesa: Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco, visto que o
primeiro se utiliza da tribuna de jornalista, ao responder às críticas, feitas por Camilo
Castelo Branco ao poeta brasileiro Fagundes Varela. Veicula seus artigos à Revista
Brasileira e ao Jornal do Comércio, na seção Microcosmo.
O segundo serve-se dos livros: Cancioneiro Alegre dos Poetas Portugueses e
Brasileiros e Ecos Humorísticos do Minho – Carta ao Cruzeiro. A Biblioteca Nacional
tem compilado em um só volume os quatro livros referentes ao Ecos Humorísticos do
Minho, que servem de material para a amostra deste trabalho. Assim sendo, pode-se
afirmar que os textos polêmicos, escritos por Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco,
se constituem em um documento fidedigno, portanto, uma fonte histórico-lingüística
que se insere no rol dos documentos da História do Brasil.
41
CAPÍTULO II
BRASIL E PORTUGAL NA HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Língua Portuguesa
Última flor de Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Olavo Bilac, Poesia
2.1.Introdução
Ao iniciar este capítulo sobre a contextualização, achou-se por bem apresentar,
de maneira sucinta, a biografia dos contendores da polêmica estudada: Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco, pois os caminhos, trilhados por ambos, contribuem para o
melhor entendimento dos textos referentes à polêmica.
Em 3 de outubro de 1847 nasce no Rio de Janeiro, na Rua da América, antiga
Saco do Alferes, filho de Joaquim Ferreira Pimenta de Laet e Emília Constança Ferreira
de Laet, Carlos Maximiliano Pimenta de Laet, um dos contendores da polêmica ora
analisada. Diploma-se engenheiro-geógrafo, mas exerce funções alheias à sua formação.
Torna-se professor e diretor do Colégio Pedro II, poeta, político, jornalista ganhando
notoriedade por seu desempenho como polemista. É membro-fundador da Academia
Brasileira de Letras (ABL), na qual assume a cadeira n. 32, que tem como patrono
Manuel Araújo Porto-Alegre. Casa-se com Rita Angélica Mafra. Em 2 de dezembro de
42
1927, O Jornal publica seu último artigo e, cinco dias mais tarde, vem a falecer, em sua
residência, vitimado por uma crise de nefrite, sendo sepultado no Cemitério de S.
Francisco de Xavier, quadra nº.12, carneiro nº. 4148.
No outro lado da contenda, está o português Camilo Castelo Branco, que a
deflagra, ao tecer comentários ofensivos a Fagundes Varela (1841-1875), na obra
Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros.
Nasce Camilo Castelo Branco em 16 de março de 1825, em Lisboa, na Rua D.
Rosa, tendo por pai, Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco e, quanto à mãe, há dois
registros de batismo: em um deles estão riscadas as palavras referentes ao nome da mãe
que era Jacinta Maria e, no outro, não se menciona o nome dela. Mas se trata da
senhora Jacinta Rosa do Espírito Santo, senhora casada e separada do marido.
Em 1843, C. Castelo Branco matricula-se na Escola Médico-Cirúrgica e na
Academia Politécnica, porém não consegue terminar. Não terminou nenhum curso em
que se matriculou e não foram poucos, assim como não realiza seu sonho de ser
funcionário público.
Em 1859, Ana Plácido abandona o marido e vai viver com C. Castelo Branco,
levando o filho de ambos, embora o pequeno Manuel Plácido fosse registrado como
filho de Pinheiro Alves, marido de Ana, que instaura um processo de adultério contra C.
Castelo Branco. Em razão disso, C. Castelo Branco fica preso na Cadeia da Relação,
sendo libertado em 1861.
Anos depois, é agraciado com o título de Visconde de Corrêa Botelho. Em 1 de
junho 1890, já cego, consulta um oculista de Aveiro, que diagnostica a sua cegueira
como incurável. Suicida-se com um tiro, nesse mesmo dia, pois não concebia viver
cego. Faleceu às cinco da tarde, aos sessenta e cinco anos, em São Miguel de Seide.
Segundo José Manuel Garcia (1981), C. Castelo Branco é o escritor português
de sua geração que mais publica. Embora a qualidade do que produza seja diversa, é
considerado o melhor escritor do último quartel do século XIX, pois retrata, em suas
novelas, os conflitos dramáticos individuais e a sociedade em transformação.
43
2.2.Uma Família Real e duas Nações:Brasil e Portugal
A língua, por se inserir em um contexto sócio-histórico-cultural, deve ser
analisada à luz da história do povo a que pertence; logo, é inerente a esta pesquisa um
retorno ao Brasil do Segundo Reinado, para elucidar fatos e acompanhar as
transformações que a sociedade impõe e se faz sentir nos processos de codificação
gramatical, impregnados pelos ideais libertários e nacionalistas.
Destarte, torna-se necessário elucidar alguns fatos referentes à História de
Portugal, pois se constitui em outro cenário, pertinente à polêmica travada por Carlos de
Laet, polemista brasileiro e Camilo Castelo Branco, polemista português e pela qual se
entrelaça a história do Brasil.
Para Silvio Elia (2003), o século XIX tem início, somente, com a chegada da
Família Real ao Brasil, que se instala na cidade do Rio de Janeiro. É o primeiro passo à
Independência, que começa com a Conjuração Mineira e é consumada pelo Grito do
Ipiranga que determina, também, o nascimento da nação brasileira.
Esse século, marcado pelas regências, pela maioridade de D. Pedro e pela
Proclamação da República, caracteriza-se por ser o século que define os caminhos do
Brasil. É, nesse século, que Portugal traça seus novos rumos, incentivado pelo
aprofundamento da crise econômica, pela presença de William Carr Beresford, com sua
hegemonia, pelo desejo dos portugueses do regresso da Corte a Portugal e pela
consagração do liberalismo político.
Em Portugal, o liberalismo político traz em seu bojo a ascensão da burguesia,
que é a classe dominante, e o desenvolvimento do capitalismo agrário e industrial, tendo
como pano de fundo a passagem do Antigo Regime para a Era do Capitalismo, que
assola a Europa. Essa época, que vai de 1820 até aos dias atuais, é chamada de
contemporânea. Embasa-se no liberalismo que fundamenta a Monarquia Constitucional
(1820-1910) e a República (1910- 1926).
O período em que se desenrola a polêmica apresentada corresponde ao da
Monarquia Constitucional, época em que nasce e vive o escritor Camilo Castelo Branco
(1825-1890) que retrata, em seus escritos, a marca desse momento histórico. A
Monarquia Constitucional portuguesa divide-se em três fases: a primeira fase (1820-
1834) corresponde ao período de instauração do sistema liberal; a segunda, corresponde
à consolidação do liberalismo, e a terceira, à Proclamação da República, em 1910.
44
A última fase é importante a este estudo, por ser o espaço temporal dos textos
relativos à polêmica, analisada neste trabalho, que é marcada pela estabilidade, ainda
que relativa, do sistema liberal. Inicia –se com a Convenção de Gramido, em 1847, que
pôs fim à Patuleia, mas que só se consolida depois do Golpe de Estado, em 1851. José
Manuel Garcia (1981) apresenta como preponderante, nesse período, a transformação
interna e política de Portugal, motivada, principalmente, pelas leituras de obras
francesas e de jornais e revistas que são impressos, na Inglaterra, por intelectuais
liberais portugueses, exilados na segunda década do século XIX.
Dá-se início ao movimento liberal na cidade do Porto com a burguesia que se
acha lesada em relação a Lisboa e insatisfeita com os prejuízos advindos do comércio
brasileiro, que afetam as suas atividades. A crise portuguesa agrava-se, culminando com
a Constituição, aprovada em 1822, já que tem posições muito progressistas para a época
como: a separação dos três poderes; a recusa do veto absoluto do rei; a existência de
uma única Câmara Legislativa; a obrigatoriedade do juramento à Constituição; o
reconhecimento da liberdade de expressão e de associação, além de conceder amplo
poder às Cortes. Entretanto, a economia ganha novas forças, principalmente, com a
fundação do Banco de Lisboa , em 1821, que é o primeiro estabelecimento do gênero
em Portugal.
O Brasil é tido como um dos problemas do governo e das Cortes, pois nele
reside o Rei de Portugal, propiciando à burguesia colonial uma grande autonomia em
relação à Inglaterra, que a apóia. A Colônia desliga-se da Metrópole, pois possui
tribunais e organismos governamentais, facultados pela presença da Corte portuguesa
em suas terras: a Colônia governa a Metrópole. As Cortes Liberais, percebendo o perigo
da situação, procuram reduzir esses poderes, fato que acelera a revolta independentista
brasileira, simbolizada no Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, quando D.
Pedro se torna imperador do Brasil.
O rei D. João VI, no entanto, era pouco conceituado devido às atitudes que toma,
pois o retrato que dele traçam é de um soberano fraco, que foge para o Brasil quando
das invasões francesas; foge para Portugal, quando das revoltas no Brasil em 1821.
Mas, a favor do soberano leva-se, em conta, o fato de ele estar entre duas poderosas
forças sociais: de um lado a burguesia, que deseja a modernidade e de outro, os nobres e
parte do clero, que desejam a manutenção da ordem tradicional.
D João VI, não tendo outra opção, retorna a Portugal com a mulher, a rainha
Carlota Joaquina, e com o filho D. Miguel, deixando no Brasil o filho Pedro, seu
45
primogênito, como regente. Lá, se submete às condições dos liberais, mas a rainha e seu
filho Miguel negam-se a seguir os novos ditames, incentivando uma reação antiliberal,
apoiada por elementos do clero e nobreza.
Com o falecimento de D. João VI, acirra-se a luta pela disputa do trono; poucos
não são os que apontam D. Miguel como seu sucessor legítimo, por entenderem que D.
Pedro, por ser imperador do Brasil, não é mais herdeiro da coroa portuguesa. A corrente
liberal, no entanto, impõe as regras tradicionais de sucessão, que exige a entrega da
coroa ao filho mais velho, nesse caso, D.Pedro, pois deseja uma confederação entre
Portugal e Brasil.
A guerra civil era iminente em Portugal, o que obriga D. Pedro a abdicar do
trono português em favor da filha D. Maria da Glória, pactuando o casamento dela com
o tio D. Miguel, que se obriga a respeitar a Carta Constitucional (1826), outorgada pelo
então imperador do Brasil.
A nova constituição entra em vigor em 1822, surpreendida pela declaração
unilateral da independência do Brasil, fato que enseja as tentativas de golpes de Estado
de D. Miguel, encorajados por sua mãe D. Carlota Joaquina: o da Vilafrancada (1823) e
da Abrilada (1824). Essas intervenções obrigam D. João VI a exilar seu filho D. Miguel.
Amadeu Carvalho Homem (2001) explica que a Constituição de 1822 consagra
o princípio de soberania nacional, enquanto a Carta reconhece o rei como soberano. A
Constituição determina a tripartição dos poderes, reduzindo o rei a uma figura simbólica
e coloca a Câmara dos Deputados no eixo da vida política. A Carta Constitucional de
1826, no entanto, destina ao poder moderador um papel arbitral e censório sobre os
demais poderes.
No Brasil, nesse período, a situação não é tranqüila, pois D. Pedro I tem de
enfrentar algumas revoltas no norte do país contra o ato do Ipiranga, além do fato de
Portugal reconhecer a independência, apenas em 1825. Em 1824, D. Pedro outorga a
primeira Constituição brasileira, fato que desperta numerosas ocorrências de repúdio, e
culminam com a união de províncias que desejam fundar a Confederação do Equador,
porém não lograram êxito e D.Pedro consolida a Independência do Brasil.
Para Portugal, a independência da Colônia tem sérias implicações político-
econômicas, pois não se trata de qualquer colônia. Não é uma colônia de povoamento
ou um espaço de realização da política de fomento do Império português, mas se
constitui em uma colônia de exploração, que propicia um superlucro, destinado a
incrementar o desenvolvimento e crescimento da economia portuguesa, que está
46
alicerçada na tríade latifúndio – monocultura – escravidão ou regime exclusivo utilizado
pelos mineradores.
A relação entre a colônia brasileira e a metrópole portuguesa se realiza,
embasada no monopólio mercantil que fica restrito à metrópole, obrigando-a a elaborar
uma política protecionista que exige medidas impopulares, no âmbito fiscal e militar,
para a sua concretização. A função precípua da colônia é, portanto, a de acelerar a
acumulação primitiva de capitais e produzir excedentes por meio da comercialização
dos produtos coloniais nos mercados europeus. Esses lucros beneficiam diretamente a
burguesia mercantil do Reino e a elite aristocrática, incrustada no aparelho do Estado.
Os lucros são de monopólio, pois expressam a exclusividade da compra dos
produtos coloniais a preços baixos, o que garante altos lucros de revenda; em
contrapartida, a colônia , também, se abastece com produtos produzidos na metrópole
ou adquiridos nos mercados continentais, igualmente possuidores de vantagens
excepcionais.
Essas implicações afetam não só a Portugal como ao Brasil, que, após a
independência, tem seus rumos alterados, perfilando-se, na maioria das vezes, com a
Inglaterra. D. Pedro I consolida a independência, luta contra rebeliões locais, assina a
primeira constituição brasileira e, ao voltar a Portugal, impelido por questões políticas,
aqui deixa seu filho D.Pedro II. Os liberais, então, apressam a ascensão de Dom Pedro
II ao trono, promovendo no Congresso a antecipação da maioridade do rei, ao
interpretar à sua maneira o Ato Adicional.
Consoante Boris Fausto (1996), a antecipação da maioridade de Pedro II,
politicamente, é um golpe liberal na regência conservadora de Araújo Lima, pois, do
ponto de vista legal, o Imperador atingiria a maioridade ao completar 18 anos. Funda-se
um clube da maioridade que pressiona a regência para a dispensa da idade exigida por
lei. E, assim, é proclamada a maioridade do jovem Pedro, iniciando-se o Segundo
Reinado que dura quase meio século e divide-se historicamente em três fases distintas: a
primeira fase é a das lutas civis até a Revolução Praieira; a segunda, das lutas externas,
encerrada com a Guerra do Paraguai e a terceira, das campanhas abolicionista e
republicana.
Constam da primeira fase as sublevações nacionalistas como a Balaiada, 1839,
no Maranhão; em São Paulo, o movimento liderado por Tobias de Aguiar e em
Pernambuco a Revolução Praieira. A mais famosa foi a dos Farrapos ou Farroupilha, no
47
Rio Grande do Sul, que durou 10 anos, período em que se proclamou a República do
Piratini.
Na segunda fase, tem-se a Guerra do Paraguai, motivada pela questão das
fronteiras, insuflada pelo ditador Francisco Solano Lopes, ao capturar um navio de
passageiros - o Marquês de Olinda. O Brasil, Uruguai e Argentina uniram-se e
formaram a Tríplice Aliança contra Lopes.
Os fatos mais relevantes dessa guerra foram os protagonizados pelo Brasil na
Batalha do Riachuelo com a rendição de Uruguaiana, na derrota de Curupaiti e na
Retirada da Laguna sob temporal, tendo as tropas quase dizimadas pela cólera, frio e
fome. Em 1868, os navios brasileiros rompem a barragem de Humaitá e atravessam a
ponte de Itororó. Em 1870, Lopes é capturado e morto, pondo fim à Guerra do Paraguai.
Segundo Sylvio Romero, em prefácio à obra de Tobias Barreto, Vários Escritos
(1929), a Guerra do Paraguai pôs em relevo os defeitos da organização militar brasileira
e os parcos progressos sociais na questão dos cativos, demonstrando a chaga aberta da
escravidão. Para Caio Prado Júnior (2000), essa guerra acarretou uma interrupção
profunda no progresso do país, envolvendo-o, durante cinco anos, na mais séria crise
internacional de sua história. O Brasil sai vitorioso, mas combalido.
Do ponto de vista econômico, os resultados são nulos, pois o Paraguai não tem
recursos para saldar sua dívida de guerra. O único resultado positivo é o franqueamento
definitivo da navegação dos Rios Paraguai e Paraná, de grande importância aos
brasileiros, pois garante a comunicação com a província de Mato Grosso. Os brasileiros
não obtêm resultados econômicos positivos com a Guerra do Paraguai, além de
comprometer as finanças, pois o Império não consegue mais equilibrar seu orçamento
que já é bastante precário.
Havia, nesta época, dois grandes partidos: o Liberal e o Conservador que se
revezam no poder. Em 1868, chamado de Conciliação, os liberais fundam o Partido
Liberal Radical, que dá origem, em 1870, ao Partido Republicano, que sela o declínio
do Segundo Reinado.
D. Pedro II exerce o Poder Moderador, que lhe é outorgado pela Constituição de
1824 sob a forma de governo parlamentarista, segundo a qual os ministros de estados
governam em comunhão com a Câmara dos Deputados. Mas, como o imperador usa as
prerrogativas do Poder Moderador que lhe confere uma considerável soma de
atribuições, o que realmente existe é um sistema político imperial, sobre a carapuça de
48
um parlamentarismo. Esse sistema, no entanto, não gera instabilidade, pois permite o
rodízio dos dois principais partidos no governo.
O Partido Conservador representa uma coalizão de proprietários rurais e
burocratas do governo, aos quais se juntam os grandes comerciantes preocupados com a
violência urbana. Tem por base regional, principalmente, a Bahia e Pernambuco e
assentam seus ideais em um governo central, dotado de grande autoridade.
O Partido Liberal congraça os proprietários rurais e os profissionais liberais e
suas bases regionais são mais fortes em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Deseja a descentralização e suas propostas surgem em decorrência da presença de
profissionais liberais urbanos em suas fileiras, presença que se torna significativa a
partir de 1860, graças ao desenvolvimento das cidades e ao aumento do número de
pessoas com educação superior.
Em São Paulo, devido às transformações socioeconômicas, nasce uma classe
oriunda da produção cafeeira, apoiada pela classe média urbana, que defende a
autonomia provincial, surgida da convicção de que as reformas descentralizadoras ou de
ampliação de representação não ocorrem nos quadros da monarquia. Dessa descrença,
nasce o movimento republicano.
Os republicanos reivindicam a descentralização política, o fim da Guarda
Nacional, reformas eleitorais, a extinção do Poder Moderador e a abolição da
escravatura, questões que afetam, de maneira profunda, a estrutura econômica e política
do Reinado e que o conduzem à falência.
A segunda-metade do século XIX, conforme Caio Prado Júnior (1998) assinala,
é o momento de maior transformação econômica na vida brasileira, resultado,
principalmente, da emancipação do país da tutela política e econômica de Portugal.
Trata-se do momento de expansão das forças produtivas brasileiras e da remodelação da
vida material do Brasil.
2.3.Uma língua e duas nações: Brasil e Portugal
Para C. Cunha (1994), a origem do Português é rural, pois nasce no campo,
sendo uma língua de contrastes, ora se apresenta conservadora, ora em um processo de
progressões; língua de cléricos e notórios, língua de guerreiros e conquistadores.Embora
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mais apta à poesia apresenta todas as liberdades e indecisões que caracterizam as
línguas de base rural.
Portugal é um país de civilização rural e pouco sofre a influência da cidade,
fixadora da boa norma da língua. O Brasil colonial é, também, rural em essência, sem a
preocupação em edificar cidades, berço de vida cultural e educacional, pois estas não
passam de postos de comércio e de um lugar para a realização das festividades
religiosas, não exercendo, por isso, nenhuma influência sobre a língua falada. A classe
dominante origina-se no mundo rural, vinda dos engenhos, das fazendas para as sedes
administrativas urbanas.
S. Elia (1979), citando Capistrano de Abreu, salienta que é a geografia do gado
que realiza a unidade nacional, pois foi no lombo do gado que a unidade lingüística é
assegurada. É no lombo do burro e na pata de boi que o interior é conquistado e
integrado à cultura dos conquistadores. O ponto de partida é, pois, o litoral.
Conforme Serafim da Silva Neto (1952), a história de uma língua não se
constitui em um acontecimento previsível, não se soluciona como problema
matemático, porque ela se modifica através do tempo. A evolução da língua não é coisa
feita e acabada, mas uma atividade em movimento, logo, para entendê-la é necessário
que se percorra século por século, o seu desenvolvimento. A história de uma língua não
é um esquema rigorosamente preestabelecido, não é um problema algébrico. A evolução
é complexa e melindrosa, relacionada com mil acidentes, cruzada, recruzada e
entrecruzada – porque não apresenta a evolução de uma coisa acabada, mas as
vicissitudes de uma atividade em perpétuo movimento.
M. de S. Almeida (2005) divide a história da Língua Portuguesa em quatro
períodos, visto que esta pesquisa se desenrola no terceiro período, iniciado na segunda
metade do século XVIII com a institucionalização da língua portuguesa, quando esta
ganha uma nova maneira de ser, graças às diferenças étnicas, culturais e locais, findando
com a Semana de Arte Moderna. Essa fase apresenta o seguinte dualismo:
conservadorismo versus nacionalismo, gerando a polaridade entre língua escrita e língua
falada, evidenciada no processo de gramatização.
No Brasil, o processo de gramatização tem duas correntes: os autores que
reproduzem a língua oficial, por optarem por modelos consagrados pelos gramáticos
portugueses, sem interferência das idéias nacionalistas que grassam nos meios
acadêmicos e os gramáticos e filólogos, que se pautam nas normas e usos, mas que não
assumem, totalmente, a brasilidade lingüística.
50
Segundo S. Auroux (1992), com base nas gramáticas que são publicadas no
Brasil, na segunda década do século XIX, tendo como divisor de águas a de Júlio
Ribeiro, é que se inicia o processo de gramatização do Brasil, que se realiza em meio às
polêmicas de José de Alencar e Pinheiro Chagas, em 1870, e de Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco, que tratam de especificidades da língua falada no Brasil.
Desenvolve-se, ainda, nesse período a literatura romântica, que, alicerçada na
auto-afirmação de um país recém-independente, deseja estender essa autonomia a todos
os campos da atividade humana, inclusive o da cultura, que carrega no bojo a língua. Ao
procurar identidade própria, propicia à língua portuguesa um jeito diferente de ser.
O romantismo sustenta-se no nacionalismo, pois procura resgatar as raízes
culturais e criar um herói nacional. Esse movimento é considerado por alguns autores o
precursor da Literatura Brasileira, fato contestado devido à distância entre as
publicações literárias e a realidade brasileira. Assim visto, o nacionalismo e a
valorização do passado cultural não passam de cópia dos modelos europeus. Conforme
esclarece M. S. Almeida (op.cit. p. 41), tudo é cópia e mal feita da produção romântica
européia, apesar da história, que é a matéria-prima para a proposta temática dos
românticos e da expressão lingüística própria não faltarem aos escritores.
S. Elias (2003) apresenta o século XIX como o do nascimento da literatura
brasileira. Divide-se esse período em fase colonial e fase nacional ou fase de transição,
por ser a passagem de um estado colonial a outro nacional.
Afrânio Coutinho, em sua obra A Tradição Afortunada, faz um estudo da
evolução do pensamento crítico brasileiro do século XIX, visto à luz do nacionalismo e
analisa diversos autores independentes de seu tempo e de sua personalidade. Torna-se o
pioneiro da Nova Crítica, no Brasil.
A. Coutinho confirma a existência de um instinto de nacionalidade, que
exemplifica com Machado de Assis. Apresenta como aspecto relevante da questão a
passagem do sentimento nativista ao pensamento nacionalista. O nativismo é
descritivista, exterior, nomeia os frutos, os sabores, o vôo e o gorjeio das aves, fala da
natureza, do céu e dos mares. O nacionalismo desloca este amor à terra, à Nação, às
coisas, às pessoas, da natureza para a cultura.
O Romantismo caracteriza-se por ter no homem seu elemento permanente. Esse
movimento, em face ao classicismo, prega a emergência de um novo estado de espírito,
fruto do iluminismo, quando o poder da razão humana prevalece sobre o poder
espiritual. Em outra face, a do anticlassicismo, se apresenta como Naturalismo e,
51
posteriormente, toma a forma de indianismo ao exaltar o silvícola, o bom selvagem,
apresentado no poema épico de Domingos José Gonçalves de Magalhães, A
Confederação dos Tamoios (1856), o qual é considerado o introdutor do romantismo
no Brasil, com sua obra Suspiros Poéticos e Saudades (1836), impressos em Paris, mas
que, na verdade, reafirma a revificação da cultura dentro dos moldes europeus.
Destacam-se, nesse período, na poesia, como indianistas o maranhense Antônio
Gonçalves Dias com o poema Os Timbiras e, na prosa, José de Alencar com o romance
de fundo histórico O Guarani, que serve de inspiração a Carlos Gomes. Escreve, ainda,
o romance Iracema, a virgem dos lábios de mel, nome próprio que é anagrama de
América, e Ubirajara. Compôs romances com perfis de mulheres, como Lucíola, Diva,
A Pata da Gazela, Senhora, Encarnação; históricos: Guerra dos Mascates, As Minas de
Prata, O Garatuja; regionalistas: O Gaúcho, O Sertanejo, Til, O Tronco de Ipê e
urbanos Cinco Minutos, Sonhos d’Ouro.
Teixeira e Sousa inaugura o gênero romance no Brasil com O Filho de
Pescador (1843), Joaquim Manuel Macedo (1820-1882) destaca-se com o romance A
Moreninha, que ainda encanta as novas gerações e Manuel Antônio de Almeida, por sua
obra As Memórias de um Sargento de Milícias (1854), é considerado por José Montello
o antecipador do realismo literário no romance brasileiro.
Os nomes mais expressivos desse período são Álvares de Azevedo, Casimiro de
Abreu, Castro Alves e Fagundes Varela. Álvares de Azevedo morre ao completar 21
anos e sua obra é toda póstuma. A principal é a Lira dos Vinte Anos (1853), unindo ao
escrever talento e desespero. Casimiro de Abreu morre, precocemente, antes dos 22
anos; consideram-no o poeta do amor e da saudade. Redige um único livro de poesias
Primavera, publicado em vida. A linguagem é simples e melodiosa. Ama a terra natal,
as raparigas em flor e o encanto de viver. Todos cantam a sua terra também vou cantar
a minha, essa quadrinha, em sua singeleza, exala a brasilidade.
Castro Alves é a antítese de Casimiro. É respeitado pelos românticos, por sua
luta contra a escravatura, é o poeta da poesia social. Entre as suas poesias abolicionistas
destacam-se Vozes da África, O Navio Negreiro, Os Escravos e, entre as líricas
destacam-se Adormecida, Hebréia, O Gondoleiro do Amor. Falece aos 24 anos. Já Luís
Nicolau Fagundes Varela (1841-1875), nascido no Rio de Janeiro, publica, entre outros,
as poesias Noturnas, O Estandarte Auriverde, Vozes da América, e Cântico do Calvário
que são de cunho nacionalista.
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O romantismo impulsiona a literatura brasileira com os primeiros poetas como
Castro Alves, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo e os romancistas como José de
Alencar, Joaquim Manuel de Macedo. Também o teatro merece destaque com Martins
Pena, além de historiadores, cientistas e eruditos como os Pereiras da Silva, os
Franciscos A. Varnhagen, os Celso Magalhães; enfim, todos assumem a condição de
brasileiros, edificando, pouco a pouco, o alicerce da nossa identidade cultural.
A questão da língua portuguesa no Brasil ou língua brasileira surge no século
XIX. Dois fatores contribuem para isso: a Independência que possibilita aos brasileiros
cuidar dos problemas relativos à língua herdada e o movimento romântico que busca, na
alma do povo,as bases da cultura nacional. Não é tarefa fácil, pois a elite cultural tem,
em suas fileiras, letrados portugueses. A questão é como separar o que já é brasileiro do
que permanece português, e, como resposta a essa questão, surgem as polêmicas em
torno da existência de uma língua brasileira.
A primeira grande polêmica é travada entre o romancista brasileiro José de
Alencar e o publicista português Pinheiro Chagas. O motivo da discórdia é o livro
Iracema de José de Alencar. Pinheiro Chagas louva o literato, mas censura o escritor
por infringir regras gramaticais, acusando-o de querer tornar o português em uso no
Brasil diferente do português europeu.
Gladstone Chaves de Melo (1955) salienta que José de Alencar se defende das
acusações, utilizando o português clássico, escrevendo em língua portuguesa com estilo
brasileiro. Ao justificar sua posição, evoca a tripartição de Eugenio Coseriu, entre
sistema, norma e fala. O sistema é virtual e de possibilidades; a língua é real, pois
consiste na realização histórica do sistema. Explica, então, que a mudança da língua só
pode ocorrer, quando há mudança de sistema.
Outra polêmica digna de registro é a que constitui a amostra desta dissertação,
travada entre o jornalista e professor brasileiro Carlos de Laet e o escritor português
Camilo Castelo Branco, entre 1879 e 1880, considerada por alguns como célebre.
Sucedem-se réplicas e tréplicas entre os polemistas, restando desse episódio o
sentimento justo dos brasileiros de participarem em paridade com os portugueses nas
questões de língua.
Nesse período, a responsabilidade pela educação do povo torna-se dever de
Estado e, para atender à nova situação, surgem compêndios destinados às escolas.
Aparecem as primeiras gramáticas escritas por autores brasileiros como a Grammatica
Portugueza, de Júlio Ribeiro, que rompe com a tradição humanista, ao se embasar no
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positivismo nascente. Outras gramáticas invadem as tipografias, como A Nova
Gramática Analítica da Língua Portuguesa (1881), Os Princípios de Gramática
Histórica e Comparada, de A. Estevão da Costa Cunha (1883).
Ao se tratar de lexicografia, destaca-se a Coleção de Vocábulos e Frases usados
na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em 1888, que é um Dicionário
Brasileiro de Língua Portuguesa, escrito por Antonio Joaquim de Macedo Soares; em
1889, é publicado o Dicionário de Vocábulos Brasileiros, do Visconde de Baurepaire
Rohan.
No século XIX, fundam-se grandes instituições culturais: o Colégio Pedro II,
em 1837; o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838; a Academia Brasileira
de Letras, em 1897, que não impedem o distanciamento da língua de Camões no léxico,
na literatura, na pronúncia e na oralidade. Esse período consolida a consciência cultural
brasileira e fortalece o espírito de nacionalidade por meio de um nacionalismo
lingüístico nascente.
Já, em Portugal, o século XIX, em seu segundo quartel, em questões de
literatura, é marcado também pelo movimento do romantismo, que se ampara no
liberalismo, impulsionado pela burguesia que aspira a uma renovação das atitudes
literárias, em que se devem sobressair o avivamento dos sentimentos íntimos, a
liberdade, a independência da imaginação e o amor pela natureza, permeados por novas
aspirações filosóficas e religiosas. Lá, o nacionalismo consiste num retorno à Idade
Média.
Para S. da Silva Neto (1952), Portugal conhece, no século XIX, um crescimento
literário, que, em relação aos séculos passados, parece uma ressurreição, pois é, nesse
período, que surgem três gerações de grande expressão literária: a primeira, de 1799 a
1810, que rompe com a escola clássica e introduz o Romantismo em Portugal, é
representada por três nomes: Almeida Garrett (1799-1854), Alexandre Herculano
(1810- 1877) e F. Castilho ( 1800-1875).
Em 1825,A. Garrett publica o poema Camões; anos depois, F. Castilho, A Noite
no Castelo (1836) e Ciúmes do Bardo (1838), posteriormente, A. Herculano, os
romances: Eurico, o Presbítero (1844) e o Monge de Cister (1848), livros que
marcaram as mudanças literárias que caracterizaram o século XIX.
Essa geração é renovadora sob o aspecto literário, mas, do ponto de vista da
língua, não consegue se desprender dos modelos do século XVI e XVII, talvez porque
A. Herculano seja historiador, voltado, portanto, às lições do passado. F. Castilho nunca
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deixa de ser um árcade; apenas A. Garrett articula a prosa com a linguagem falada em
seu tempo, principalmente, em sua obra Viagens na minha terra.
Dos três expoentes do romantismo português: A. Garrett, A. Herculano e F.
Castilho, somente o último, em 1865, está em plena atividade. A. Garrett morre em
1854, A. Herculano dedica-se à sua quinta em Val-de-Lobos, isolando-se do mundo
literário, F. Castilho continua nas lidas acadêmicas entre aplausos e críticas, atraindo
sobre si a ira dos novos literatos, fato que culmina na Renovação Coimbrã, em 1865.
A segunda geração compõe-se de Rebelo da Silva (1822-1871), Andrade Corvo
(1824-1890), Camilo Castelo Branco (1825-1890) Arnaldo Gama (1828-1860), Tomás
Ribeiro (1831-1901), entre outros. Destaca-se entre eles Camilo Castelo Branco,
romancista, teatrólogo, crítico e ensaísta. Domina a língua portuguesa e utiliza-a com
maestria, principalmente, no romance Amor de Perdição, mas não deixa de se abeberar
na linguagem provincial, com seus traços arcaizantes. C.Castelo Branco, desafiador de
C. de Laet, na polêmica analisada, notabiliza-se, também, na crítica, na biografia, na
narrativa, na polêmica e na sátira.
A terceira geração reúne: Ramalho Ortigão (1836-1915), Júlio Dinis (1839-
1871), Antero Quental (1842- 1891), Eça de Queirós (1843-1900), entre outros nomes
de menor envergadura. Esse grupo representa, ao apagar das luzes do século XIX, a
renovação, no tocante à estética das letras, no que se refere à arte da prosa. Nasce, com
essa geração, uma prosa simples e dasataviada, sem preocupações clássicas. Segundo S.
da Silva Neto (1952:577), representam a utilização artística da linguagem familiar
contemporânea, que seria como um retorno a A. Garrett.
A historiografia, nessa época, recebe apoio governamental, que dota a Academia
Real das Ciências para a publicação dos corpos documentais, prestigiando nomes como
Visconde de Santarém (1791-1856) e Pinheiro Chagas (1842-1895) que escreve a
História de Portugal, tornando-se célebre no teatro, na tribuna e na poesia.
Portugal conhece muitos filólogos, que lhe garantem um lugar de honra na
ciência de Bopp e Diez, entre eles Francisco Adolfo Coelho (1842-1919) autor, entre
outras, da obra A Língua Portuguesa (1868), Augusto Epifânio da Silva Dias (1841-
1916), com a Gramática da Língua Portuguesa e Sintaxe Histórica Portuguesa, e
outras, Cândido de Figueiredo (1846-1925) com as Questões da Língua Portuguesa,
Lições do português contemporâneo e o Novo Dicionário da Língua Portuguesa e
Leite de Vasconcelos, mestre da filologia moderna em Portugal e da Língua Portuguesa,
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deixa inúmeras obras entre elas: Estudos da Filologia Galega e Lições de Filologia
Portuguesa.
Nesse clima de opinião é que se produz o documento que é objeto de análise
desta dissertação, formulado sob a égide da gramatização e do método comparativo,
referendado pelo positivismo e marcado pelo declinar das Monarquias brasileira e
portuguesa, último quartel do século XIX, pois demonstra a influência desse contexto
histórico-cultural, materializada em seus escritos.
2.4.A Língua portuguesa no Brasil e na Europa
A questão da língua portuguesa tem despertado paixões no decorrer dos séculos.
No século XVI, João de Barros defende a língua portuguesa da língua latina no Diálogo
em louvor de nossa linguagem e Pêro Magalhães de Gândavo em seu livro Diálogo em
defensa da língua portuguesa, de 1574, defende-a da língua espanhola.
No Brasil, o século XIX é marcado pelo acirramento da questão sobre o
português europeu e o português brasileiro. As duas correntes que se formam: a
tradicionalista e a nacionalista, movem-se em clima de paixão. Celso Cunha (1994:15)
expõe que ...os problemas da língua derivaram naturalmente para o conflito de
paixões e confluíram para dois pólos: um, de um purismo exagerado, e o outro, de uma
língua nacional própria, desvinculada da língua portuguesa.
Às vésperas da Independência, as normas gramaticais são obedecidas
passivamente pelos letrados da colônia, que, dessa forma, mantêm a língua culta
unificada, mas, em decorrência do artificialismo da unificação, a distância aumenta
entre as duas formas de linguagem: a transmitida e a adquirida, dificultando a
comunicação e gerando um fosso entre a língua escrita e a falada. A luta para diminuir
essa distância se confunde, nos espíritos lúcidos, com a própria luta pela formação de
uma literatura brasileira.
Os brasileiros, imbuídos dos ideais libertários, surgidos com a Revolução
Francesa, desejam libertar, também, a língua do jugo lusitano. Os românticos são
ousados na teoria, mas retraídos na prática. O próprio Alencar que chega a falar em
língua brasileira e a teorizar sobre o assunto, na verdade, não pretende criar uma língua
nova nem levar a língua popular ao status de língua literária. O que almeja é uma maior
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flexibilização da expressão, a legitimação de termos brasileiros e uma sintaxe mais
independente das normas portuguesas.
A idéia de que a Europa detém por direito o mercado da cultura é aceita por
muitos. José de Alencar luta contra essa hegemonia, utilizando, como arma, sua pena.
Causa muita discussão e levanta polêmicas. Não é, de início, criticado pela idealização
do indígena, mas por seu vocabulário, expressão lingüística e pela sintaxe. Ele teima em
desobedecer aos cânones portugueses, pois defende uma maior aproximação entre a
língua escrita e a falada.
Essa posição de independência provoca uma reação na metrópole, culminando
na polêmica com Pinheiro Chagas. A reação antilusitana prende-se mais à questão de
estilo do que propriamente da língua, tendo em Henrique Leal, um dos oponentes que o
critica pelas inovações lingüísticas, pois entende que os brasileiros descendem de
Portugal e a língua é a portuguesa.
As questões referentes à Língua Portuguesa motivam esta dissertação a enfocar o
tema da existência de uma única língua portuguesa ou de uma língua portuguesa
européia e uma língua portuguesa brasileira, pois a polêmica travada entre Carlos de
Laet e Camilo Castelo Branco retrata o clima da época.
A discussão sobre o português em uso no Brasil resume-se, ainda hoje, no
embate com as regras gramaticais inflexíveis dos puristas e dos gramáticos retrógrados
que teimam em não aceitar as inovações. Constitui-se em um ato de rebeldia contra uma
ordem arbitrária. O opressivo contexto social, mais espírito que realidade, proporciona a
tese de que a língua brasileira não pode ser formulada como um corpo de doutrinas
coerentes, porém o próprio Mário de Andrade, expoente maior da Semana de Arte
Moderna, em 1922, não escreve a sua Gramatiquinha Da Fala Brasileira, que promete.
O critério de escolha dos estudiosos da língua abaixo elencados foi feito segundo
renomada competência e dedicação com que tratam a questão da Língua Portuguesa.
Em 1921, Visconde de Taunay expõe que as modificações da Língua Portuguesa
são mais profundas no Brasil do que em Portugal. Explica que há variados elementos
para se constituir, senão um novo idioma, pelos menos um importantíssimo dialeto,
pois, para isso, concorrem vários elementos, não só advindos do léxico e locuções do
tupi-guarani, como também os das línguas africanas.
Segundo o V. de Taunay, há palavras que, em Portugal, têm significado diverso
do que possuem no Brasil, assim moço e moça são empregados para significar criados,
ou gente do serviço doméstico e rural. Aqui exprimem o estado de mocidade e se
57
aplicam a todas as pessoas nessa condição, independentemente da posição social. A
palavra tipóia, de origem tupi, quer dizer um aparelho para suspender por meio de um
lenço ou pano largo um braço doente, quebrado ou inchado. Em Lisboa, a palavra
tipóia, de procedência africana (angolense) significa carruagem velha, e, por analogia,
qualquer veículo de aluguel, da praça.
Outro curioso exemplo é a palavra chácara que, em Portugal, quer dizer
romance ou canção popular e aqui, espécie de quinta ou sítios nos arredores das cidades.
A palavra chácara, utilizada no Brasil, origina-se na língua quíchua e significa herdade
de cultivo e granja, adotada pelos espanhóis da América, entra para o nosso vocabulário
ao atravessar a fronteira do Rio Grande do Sul; a de Portugal, vem do espanhol ou
árabe e é grafada com x: xácara.
O Pará é a região do Brasil em que se encontra maior fidelidade ao português
europeu, pois há uma tendência de se mudar o som do o em u, dizendo enxufre e até
enxufar, chuberi, churari. O Marquês de Pombal acalenta o projeto de fazer de Belém,
no Pará, a capital do império lusitano, ao pretender estabelecer lá a corte portuguesa.
Edificam construções e obras importantes e imponentes na cidade, exigem um ensino do
português mais apurado e proibem dar nomes indígenas às localidades que se fundam,
além de trocar os nomes indígenas por nomes das povoações portuguesas. Concorre
para esse fato lingüístico a imigração de pessoas de melhor posição social, atraídas pelo
desenvolvimento comercial da região, mas a Corte lá não se estabelece.
Consoante o Visconde de Taunay (1921), a acentuação e a pronúncia do
português brasileiro se mostram em disparidade com o português de Portugal. No
Brasil, pronuncia-se a palavra de modo doce e pausado; valoriza-se cada sílaba, cada
letra diferente do que ocorre no além-mar, em que a pronúncia é mais rápida, eliminam-
se as vogais e carrega-se nas consoantes. Afirma, ainda, Taunay (1921:69): ... mas a
língua que falamos, senão formando, pelo menos arranjando ao nosso sabor, ganha
sensivelmente melodia e suavidade, nas transgressões em que incorre, perde energia e
vigor. O Visconde admite a possibilidade de estar em curso a formação de uma nova
língua, a brasileira, mas, ao mesmo tempo, aconselha o estudo dos clássicos, como o
mais seguro e sensato guia de Língua Portuguesa.
Os anos que antecedem à proclamação da Independência, são marcados pela
intensificação de um sentimento libertário nacional, de exaltação patriótica que culmina
na Independência, em 1822 e, em 1826, já há quem defenda a existência de uma língua
58
brasileira, mas é a partir de 1930, com o aumento do número de estudiosos da língua é
que surge um clima intelectual propício ao assunto.
G. C. de Melo, em relação à língua portuguesa no Brasil, apresenta duas
hipóteses: a primeira é a de que há a formação de um tipo lingüístico novo e diferente e
a segunda, é que existem divergências acidentais sobre a língua portuguesa , mas não
suficientes ao reconhecimento de uma língua brasileira. Enfatiza que, para se chegar a
um consenso sobre a existência de uma língua do Brasil diferente da de Portugal ou se
são dois aspectos da mesma língua, é necessário que se conheça o conceito de unidade
lingüística.
As línguas são fatos humanos, pois participam da variedade e instabilidade do
homem e das sociedades. Sofrem influências de vários fatores, que propiciam aspectos
lingüísticos diferentes, mas há nelas uma força unificadora, um elemento de coesão, que
se configura como o gênio da língua, o espírito da língua, a sua forma , tomada a
palavra no sentido ontológico, que a define como a variedade na unidade.
O autor apresenta três aspectos lingüísticos de referência obrigatória: os dialetos
que são aspectos regionais da língua, elaborados ao longo do tempo e que se
caracterizam pela espontaneidade de sua formação; as gírias próprias de grupos sociais
coesos, que modificam o vocabulário da língua, mas não a sua fonética, morfologia e
sintaxe, sendo semelhantes às linguagens técnicas e à língua comum ou coiné.
A língua é um elemento importante da cultura. Há uma estreita relação entre o
destino das línguas e o destino da cultura. Uma língua desaparece juntamente com a
desintegração de uma cultura, fato que torna verdadeira a equação unidade de cultura,
unidade de língua. Para Silvio Elia (1979), a questão da língua no Brasil se prende à do
destino da cultura, ao problema da cultura brasileira. Ela só se libertará quando romper
com a unidade cultural do velho mundo.
Os elementos portugueses da cultura brasileira mesclam-se com os elementos
indígenas e africanos, mas a verdade é que o elemento português prevalece. Sendo o
Brasil um país de cultura européia, é natural que reflita na língua essa unidade de
cultura. Do ponto de vista sociológico, há uma unidade lingüística entre Brasil e
Portugal.
Encontram-se, no português do Brasil, em relação ao português de Portugal,
marcas de um arcaísmo conservador como nos fatos sintáticos brasileiros, o pronome
lhe como objeto direto, e muitos fatos lingüísticos que, à primeira vista, parecem
59
brasileiros, mas que se apresentam em dialetos de além-mar, tais como os plebeísmos
andaro, fizero, buscaro.
G. C. de Melo explica que das línguas indígenas a que maior influência exerce
sobre o idioma português é o tupi. Era a língua da catequese e das bandeiras, fato
comprovado pela riqueza de topônimos brasileiros de origem indígena. O tupi contribui
de maneira significativa para o vocabulário da língua portuguesa e aparece em nomes
como Arati, Aracaju, Lambari, Taubaté, Ceará; na antroponímia como Baraúna,
Bartira, Guarani, Iara, Oiticica; na formação de nomes com radicais tupis com sufixos
portugueses como Cajazeira, Guanabarino, Mangabeira, Umbuzeiro; na flora, na
fauna e na fraseologia.
Para o autor, esse vocabulário novo é mais um estilo do que uma língua, dada a
adaptação das novas palavras ao tipo fonético de Portugal. O português da América
mantém, em parte, o antigo sistema sonoro português, a entonação e a pronúncia dos
séculos XVI e XVII; conserva muitos termos, muitas construções sintáticas da língua
antiga de Portugal. Muito do que se tem considerado influência indígena no português
são termos conservados da língua arcaica. Um exemplo é o nasalamento dito como tupi
que é um fato românico, mas não se pode negar que a influência tupi e a africana
estejam presentes no dialeto caipira e no dialeto crioulo.
A influência africana é mais vertical. Os negros convivem com os brancos,
falando um idioma deturpado, desfigurado, modificando-lhes articulações,
simplificando a morfologia, reduzindo-lhes desinências. São, pois, as mães-pretas que
ensinam milhares de brasileiros a falar. Aqueles que recebem o idioma dos negros
conservam peculiaridades dessa aprendizagem.
Vêm da África sete milhões de negros que adotam o português como segunda
língua, imprimem nele as suas marcas. Influenciam os índios e tupi-descendentes,
resultando no dialeto crioulo do tupi e, posteriormente, o dialeto crioulo tupi-
quimbundo, que lusifanizado se transformou em língua geral. Percebe-se a influência
das línguas africanas na morfologia, na simplificação e redução das flexões (os home ta
i). O verbo sofre, também, essa influência como, por exemplo, o presente do indicativo
do verbo comprar que é eu compro, tu compra, nóis compra, eis compra.
G.Chaves de Melo desmistifica vários casos que são considerados africanos ou
indígenas, mas que, segundo ele, vêm do românico como a evolução do nd para an nos
gerúndios falano por falando e acrescenta que, na sintaxe, a influência africana é quase
despercebida. Na influência horizontal, destaca a contribuição ao léxico, em que se
60
arrolam 359 vocábulos e explica que a língua não se configura no vocabulário, mas na
estrutura e complementa que, com a ascensão social e cultural das classes inferiores, a
tendência é atenuar ou desaparecerem as marcas deixadas pelo negro-escravo na
morfologia luso-brasileira.
G. C. de Melo (1946) defende a tese da existência de uma única língua
portuguesa, com variações advindas dos idiomas indígenas, africanos e de outros
imigrantes. Para ele, a cultura européia assimila as outras culturas aqui encontradas ou
que aqui se estabelecem.
Para E. P. Orlandi ( 2002:29), existe um português brasileiro e sua legitimação
ocorre sob duas situações enunciativas: a primeira, quando, a partir da memória, o
colonizador português reconhece as coisas, seres, acontecimentos e nomeia-os, porém,
ele o faz transportando elementos de sua memória lingüística, originando contornos
enunciativos diferenciados, que propiciará uma diferença de línguas, relação palavra
com palavra, e não de palavra com a coisa, o que resulta, sobre a língua, em um
trabalho de classificação, organização , definições em dicionários.
A segunda surge quando o português transportado estabelece, em seu próprio
campo de enunciação, a relação palavra-coisa, no Brasil em Portugal, iniciando-se um
espaço de interpretação com deslizamentos, efeitos metafóricos que historicizam a
língua, que produzem transferências, deslocamentos de memória (2002:29)
Em outro momento, E. P. Orlandi (2001), embasada em uma perspectiva
discursiva, manifesta-se a favor de duas línguas diferentes: o português brasileiro e o
português europeu. A autora apresenta os processos de significação que têm pertinência
com a língua nacional no contexto de culturas européia e ameríndia. Destaca a
construção imaginária da unidade e homogeneidade como pré-requisitos para a
formação da identidade em um país, com suas formas de governo e com uma língua
nacional.
Ao considerar o contato histórico e cultural entre as línguas, torna-se
fundamental o estudo da relação entre essas duas noções: língua imaginária e língua
fluida. A língua imaginária é aquela que os analistas fixam na sua sistematização
(gramáticas etc.) e língua fluida é aquela que não se imobiliza em sistemas ou fórmulas.
E. P. Orlandi expõe que todos os países colonizados funcionam com uma
identidade que chamaria de dupla. Fala-se a mesma língua do colonizador, mas se fala
diferente. As línguas são as mesmas, mas são marcadas, por se historicizarem de
61
maneiras distintas em relação à história de formação dos países. Nesta perspectiva, o
Brasil e Portugal, possuem a mesma língua, mas o contexto histórico-social é diferente.
O efeito de homogeneidade é o efeito da história da colonização. A
heterogeneidade é menos percebida, pois os processos históricos são poucos visíveis na
língua. Ao tratar do português, há distintos sistemas simbólicos, com distintas histórias,
mas que aparentam a mesma materialidade empírica. Somente através de uma reflexão
sobre a forma material, lingüística e histórica do português brasileiro é que se
desvelarão as diferenças existentes. O brasileiro significa de forma diferente do
português ao significar em português, pois existe uma duplicidade constitutiva, a
polissemia e a heterogeneidade, na base do exercício da língua; o português e o
brasileiro não têm o mesmo sentido. São línguas materialmente diferentes.
Ao se considerar a perspectiva discursiva de pensar a língua em seu
funcionamento e em sua história, há conseqüências no âmbito teórico e empírico. No
âmbito teórico, pois, ao se conceber a constituição de língua nacional em sua
historicidade, propicia-se a sua inscrição com métodos próprios, em um domínio
específico da história das ciências, que produz uma forma de conhecimento sobre a
língua em que sujeitos e sentidos se constroem, inserindo-a em uma epistemologia
histórica de descontinuidade e funcionamento.
A gramatização, em um país colonizado, trabalha sob um duplo eixo: da
universalização e do deslocamento. Ela instala seu direito à universalidade, garantindo
a unidade (imaginária) constitutiva de qualquer identidade; uma vez reconhecido, esse
processo admite as suas variedades.
Em síntese, segundo E. P. Orlandi (2002), a unidade lingüística brasileira é
construída sob uma língua ocidental instrumentada (gramática e dicionário) e provida de
uma escrita, tendo por filiação o latim, que a legitima.
2.4.1.Língua de Cultura e Norma Culta
Para Antônio Houaiss (1983), a língua portuguesa do Brasil em sua transmissão
e uso é uma língua de cultura, pois tem a tradição escrita, capaz de lidar com quaisquer
temas de quaisquer tempos e lugares, temas humanos e divinos, científicos ou poéticos,
62
particularistas ou universalistas, permitindo-lhe aspirar ao estatuto de língua de cultura
de ponta.
Apresenta a língua de cultura como um universo de práticas de comunicação e
expressão linguageiras que se fazem compreender dentro de certos níveis de análise,
mais ou menos numerosos, explicando que, por ser de cultura e cultura gráfica,
escrevem-se milhares de frases nessa língua, independentemente de território. O nível
ou eixo da extensão geográfica não interfere em textos escritos.
A língua vernácula é a que se aprende em casa desde o nascimento e é praticada
por uma maioria, gera uma unidade conivente com as diversidades de línguas e dialetos,
sendo adquirida no convívio sociocultural, a partir do nascimento e é dominada entre 12
e 13 anos, em um processo de aquisição que ninguém ensinou, corrigiu ou orientou.
As línguas de cultura, no entanto, consolidam-se pela transmissão sistematizada,
ministrada na escola; sendo, pois, o aprendizado decorrente de uma complexa
organização social; acontecendo, ao mesmo tempo, aprendizado da língua e aprendizado
de conteúdos (cognitivos, filosóficos, ideológicos) da língua de cultura.
Sabe-se que a língua é específica do ser humano, que depende do momento
cultural do povo que a fala ou a escreve. Mas se sabe que nem o povo é aquilo que a
língua e a cultura revelam, nem a língua em causa é assim sempre, nem a cultura em
causa deixa de ser fenômeno cultural e, por isso, historicamente condicionado e em
transformação, a potencialização e a atualização das suas variedades funcionais são
fatos de sua história cultural.
Todas as línguas do mundo são, em sua estrutura e tipologia, aptas a exprimir os
fatos humanos, desde que trabalhadas culturalmente para esse fim. Não existe língua
superior porque retrata um pensamento científico. A superioridade aparente de uma
língua sobre outra é uma superioridade cultural.
As línguas não diferem na sistemática e na estrutura, mas no vocabulário e na
pragmática de uso. Há dois milagres linguageiros humanos: um positivo que é a
isonomia sistêmica das línguas e outro negativo que só algumas línguas foram eleitas.
Conforme A. Houaiss (1992), isonomia estrutural das línguas e sua heteronomia
cultural fazem com que, virtualmente, todas as línguas sejam capazes de exprimir o que
qualquer outra exprima, mas admite que algumas atingiram um estágio cultural
qualificativo e quantitativo que lhes permitem exprimir o que outras não conseguem
fazer.
63
A isonomia estrutural postula uma heteronomia cultural. Mas, se o homem levar
em conta a axiologia ou valor das culturas humanas em confronto, ética, estética e
cientificamente, concluirá que as culturas têm uma isonomia, ou seja, nenhuma cultura
humana é superior à outra, que possa justificar a extinção de uma considerada inferior
pelos benefícios que lhe trará a chamada superior.
Há três estágios histórico-culturais linguageiros: o primeiro vai de 3 trilhões de
anos há 50 mil anos; um segundo, de 50 mil anos há 6 mil anos, período em que aparece
o estado e a divisão de classes, que privilegia a contabilidade, a mnemônica oral que se
associa à palavra; o terceiro, em que ocorre a formalização da literatura oral através da
literatura escrita, pois o linguajar mnemônico oral, as formas fixas, antecederam as
formas escritas. Este estágio foi marcado pela invenção da escrita.
Este fato tem por conseqüência a transformação da literatura oral em escrita,
determinando a posição de algumas línguas como de ponta e o esmagamento de línguas
ágrafas. Muda o conceito de reserva gráfica e mudam a mnemônica, a memória, a
capacidade de reportar-se, de referir-se, de lembrar-se do próprio homem.
As línguas modernas de cultura não possuem as mesmas perspectivas em relação
ao futuro. Agrupam-se em duas situações distintas: há línguas de cultura em que os
suportes geográficos e demográficos são ponderáveis, por exemplo, inglês, russo,
português; há línguas de cultura em que seus suportes culturais não estão apoiados por
uma política específica de culturalização crescente dos seus usuários, como o português,
com a lusofonia.
Ao se tratar do português, pode parecer uma preocupação desnecessária, pois
não faltam aqueles que argumentam que ela é a sétima língua mais falada do mundo,
potencializando um bilhão de habitantes, sem falar no potencial africano que tem no
português um instrumento de comunicação veicular e cultural, quiçá da própria língua
de cultura.
As línguas de cultura incorporam três grupos: grupo de línguas de cultura de
ponta em expansão, como inglês; grupos de línguas de cultura estáticas, tais como as
escandinavas e grupos de línguas de cultura jiboiantes, que, por deglutirem territórios e
povos, não entram na modernidade, como o flamengo e o holandês em bilingüismo com
o inglês.
A. Houaiss apresenta como critério ideal de pesquisa, o que se norteia pelo
critério de igualdade, explicando que, no plano do coloquial, oral, a pragmática
linguageira é dialetizada, ficando dependente da pragmática literária e quanto mais alto
64
o nível social dos falantes, mais unificação ocorre. No tocante à escrita, que é universal,
as variedades da lusofonia são quase imperceptíveis.
Em síntese, ser língua de cultura é realçar a face falada e, principalmente, a face
escrita. Ser língua escrita é dizer a possibilidade de se dirigir a interlocutores que sejam
universais na lusofonia ou de campanário, que se buscam na expressão falada.
Para C. Cunha (1985), a língua portuguesa é trazida para o Brasil em duas
modalidades: a oral e a escrita. A modalidade escrita segue os padrões cultos. Tanto é
verdade que o Padre José de Anchieta, espanhol, escreve poemas, cartas e sermões em
português, segundo a norma literária do tempo e, embora seja a sua segunda língua,
domina-a com conhecimento.
Os países soberanos possuem uma norma culta nacional, mas são conscientes da
existência das normas regionais, pois unidade lingüística não pressupõe uniformidade
normativa; logo, é essencial reconhecer a liberdade normativa.
A gramática nunca se descuida da regra, sua companheira, e, com o surgimento
do gerativismo transformacional, ganhou nova força. A Norma, no final do século
passado, transmigra do campo conceitual de bom, justo, desejável para o habitual,
freqüente, usual. Transportados esses termos ao campo lingüístico, assumem o sentido
contrário de anômalo (irregular), desvio em relação a uma média. Norma e normal
passam a transmitir conceitos descritivos; anômalo transmigra para a área normativa.
A norma passa a se identificar com o bom uso da língua e confunde-se com a
própria língua. O “bon usage”, no século XVII, é a forma lingüística empregada pela
parte mais sadia da Corte e pelos melhores escritores, refletindo as características
socioculturais e ideológicas da época. Celso Cunha apresenta a palavra norma
empregada em dois sentidos: um em uma situação objetiva e estatística, fruto da
observação; outro, relacionado a uma atitude subjetiva, envolvendo um sistema de
valores, fundamentando-se em E.Coseriu.
E. Coseriu (1979), em seu conceito de norma, substitui a dicotomia saussuriana
langue e parole, língua e discurso pela divisão tripartida de sistema, norma e fala.
Sistema é uma entidade abstrata, um conjunto de oposições funcionais, de estruturas em
oposição, realizável sob formas socialmente determinadas e mais ou menos constantes,
que configuram a norma.
Norma é uma série formalizada de realizações tradicionais, a língua como
instituição social. Vale dizer: uma atuação coletiva do sistema. Esses conceitos
substituem a noção de langue. A fala consiste na realização individual, concreta da
65
norma, implicando a originalidade expressiva dos locutores, correspondendo ao
discurso saussuriano.
Por se constituir em um conjunto de possibilidades do falar de uma comunidade,
o sistema permite uma infinidade de realizações, mas que não alteram as condições
funcionais do instrumento lingüístico. A norma se impõe ao indivíduo, limitando sua
liberdade expressiva, restringindo as possibilidades oferecidas pelo sistema. Consiste no
que se diz tradicional e usualmente.
Para E. Coseriu, uma norma não é superior, nem inferior à outra, é apenas igual
ou diferente, não tem conotação valorativa. Ela varia do ponto de vista diatópico
(português de Portugal, de Angola, do Brasil) ou do diatrástico (linguagem culta, média,
popular) e do diafático (linguagem poética da prosa).
2.4.2.Unidade Lingüística
Há autores que afirmam a unidade lingüística do Brasil e Portugal e outros que
defendem uma completa ou parcial independência lingüística. Esse último grupo é
conhecido como escola da língua brasileira e foi liderado por Monteiro Lobato, que se
baseou nos princípios do evolucionismo e do biologismo lingüístico.
A língua comum ou coiné é um instrumento geral de comunicação e a todos
inteligível e a todos dirigida, destinando-se a qualquer região, em qualquer tempo. Ela é
clara, regulamentada e conservadora. Uma vez estabelecida, enriquece-se, naturalmente,
com o acréscimo dos modismos regionais e, artificialmente, pela criação de escritor,
orador, professor. Exerce a função de unidade na variedade.
S. Elia (1979) trata da unidade lingüística do Brasil, ao defender não só a
existência como a permanência dessa unidade. Apresenta o léxico como o aspecto
lingüístico que mais se modifica devido às variantes regionais, mas, no tocante à
morfologia e à sintaxe, a unidade lingüística é quase perfeita e cita como exemplo a
gramática de Rocha Pitta adotada de norte a sul, pois a norma culta brasileira é a mesma
para todos os brasileiros, independentemente de sua posição geográfica.
A língua do Brasil é essencialmente a língua portuguesa. A variante não
constitui um idioma à parte, as alterações são de norma e não de sistema. Essa norma é
comum a todos os brasileiros, garantindo a unidade do idioma. Não há fundamentação
científica nas tentativas de fragmentar essa unidade.
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S. Elia afirma que há uma unidade lingüística no território brasileiro, decorrente
de fatores histórico-culturais de nossa formação. A língua que recebemos dos
colonizadores é uma língua de cultura, que parte do litoral para as profundezas do
território brasileiro, disseminada principalmente pelos criadores de gado, os verdadeiros
povoadores das vilas litorâneas. Levam a cultura litorânea e, com ela, a língua
transplantada, ao se embrenharem pelo sertão adentro. Ficam, pois, isolados, não
acompanhando as mudanças lingüísticas e isso é o que determina a feição arcaizante do
português rural do Brasil.
O português culto, a norma padrão, foi-se constituindo na orla litorânea das
principais cidades do Brasil, que são os centros de cultura tais como Olinda, Salvador e
Recife. O aprimoramento da língua, no entanto, dá-se no Rio de Janeiro, que se
transforma, por fatores sócio-político-econômicos, na capital lingüística da
nacionalidade. Não sem razão, pois é a primeira capital do Brasil independente, a sede
do governo e abrigo das principais instituições culturais. A língua falada e escrita do
Rio de Janeiro torna-se modelo da língua culta nacional.
A.Houaiss (1983) corrobora com essa posição, ao expor que, em lingüística, a
unidade não é incompatível com a variedade, antes a pressupõe. As variedades são de
ordem geográfica, social e individual e precisam ser respeitadas, pois não prejudicam a
unidade superior da língua, nem influenciam na consciência que têm os que a falam,
diversamente de se servirem de um mesmo instrumento de comunicação, de
manifestação e de emoção. A unidade de vernáculo comum convive com duas
diversidades: contrapõe-se à diversidade das línguas indígenas subsistentes e à
diversidade de línguas imigratórias. É, também, uma unidade com rica diversidade de
unidades menores, como o gaúcho, o nortista, o sertanejo, entre outras.
C. Cunha (1994) cita o acadêmico Dr. Luís Viana Filho que alerta para o
problema: muitos querem quebrar a unidade da língua que falamos, diminuindo o poder
de comunicação, mutilando-a em nome do patriotismo, que mesmo sincero é inútil.
Ao se falar de unidade lingüística, não é a unificação e a uniformização da
língua o que se sugere, pois seria irrealizável. Não se pode, em benefício de tal
unificação, impor pontos que atentem contra a tradição e realidade idiomática, pois
implica a adoção e desvalorização de um conjunto de manifestações, dos quais a língua
é parte, como bem explica C. Cunha (1994).
Na língua, é importante o pólo da variedade, que corresponde à expressão
individual e o da unidade que corresponde à comunicação interindividual, que garante a
67
intercompreensão. A língua é manifestação do indivíduo em seu caráter de criação, mas
é, também, ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição e aceitação da
norma, que é histórica e sincrônica: existe o falar, porque existem falantes, que sentem e
pensam as línguas como entidades históricas e como sistemas e normas ideais; portanto,
não tem por finalidade só a expressão, mas abrange a comunicação, finalidade
instrumental, expressão para o outro, cultura histórica que transcende o indivíduo.
A língua é mais prestigiosa quanto mais comunicada e comunicável. Nenhuma
vantagem adviria aos portugueses e brasileiros em aumentarem a diversificação entre
ambas.
Rosa Virgínia Matos e Silva (2004) afirma que não há unidade lingüística no
Brasil. Apresenta a língua de cultura como mais abrangente que a língua culta ou norma
culta. Para ela, o entendimento da palavra cultura não se restringe apenas à cultura
letrada das classes dominantes, ou seja, a difusão do saber e cultura socialmente
privilegiados, mas inclui, também, os saberes e as culturas das diversas camadas sociais
e culturais que constituem a sociedade brasileira.
São os jesuítas que estimulam, nos aldeamentos e escolas, o uso de línguas
indígenas em detrimento da língua do colonizador, quadro alterado pelo Marquês de
Pombal, que proíbe por lei o uso de qualquer outra língua a não ser o português, o que
resulta em uma política lingüística e cultural em que a língua portuguesa passa a ser
obrigatória. Para a autora, nasce neste momento o mito de unidade lingüística brasileira.
Ao empurrarem os indígenas para o interior do Brasil e as etnias africanas
ficando confinadas em senzalas urbanas, firma-se a língua portuguesa como língua
nacional brasileira e a crença legalizada de que o Brasil é uma nação monolíngüe, que
tem como suporte a escolarização; o processo de urbanização crescente; o reforço
lusitano, com a vinda da família real em 1808 para o Rio de Janeiro; a formação
intelectual das elites brasileiras em Portugal.
A ideologia aristocratizante do Brasil- Colônia é legada ao Brasil independente e
predomina ainda hoje, pois se reluta em conhecer o Brasil pluriétnico, pluricultural e
plurilíngüe. Recentemente, começa-se a desfazer esse mito, porque a realidade está
superando a ideologia, pois dois fatores se destacam neste cenário: o avanço dos estudos
lingüísticos sobre a realidade brasileira e a entrada à universidade de novos e numerosos
segmentos da população brasileira.
No texto constitucional de outubro de 1988, não se assume o multilingüísmo
brasileiro. A língua portuguesa, no entanto, não é mais língua nacional do Brasil e sim
68
língua oficial do Brasil. Os povos indígenas já possuem o direito de serem escolarizados
em suas línguas de berço, além da portuguesa e as suas manifestações culturais serão
respeitadas. No texto da lei se define uma nova política lingüística-cultural.
O multilingüísmo brasileiro é parte da realidade cultural do país. Índios e
imigrantes são componentes ativos da sociedade, mas a história não marginalizou esse
fato. É na escola, é no uso da língua que essa realidade afronta a ideologia dominante da
homogeneidade. A língua portuguesa não é a língua de berço, não é a língua das
famílias nesta situação.
Para Solange Leda Gallo (1996), a instituição do ensino da língua portuguesa no
século XIX produz a ilusão de uma unidade lingüística que, na verdade, não existe. A
apresentação de uma língua como nacional e normativa foram os argumentos usados
para se criar a ilusão da realidade dessa língua.
C. Cunha (1994) pondera que entre as atitudes extremistas dos que advogam
uma ruptura com as tradições clássicas da língua e aqueles que querem a preservação do
purismo lingüístico, nasce uma posição mediadora que canaliza a energia dessas forças
opostas, consubstanciando os ideais de uma saudável e eficaz política educacional e
cultural verdadeiramente brasileira. Toda língua culta, principalmente a escrita, é
tradicional, mas, se perder o contato com a língua viva, estratifica-se. A estratificação é
a morte letárgica de um idioma.
Em lingüística, a unidade não é incompatível com a variedade, pois nenhuma
língua permanece a mesma em todo o seu domínio e em um só local, apresenta
variações de ordem geográfica, social e individual que não prejudicam a unidade
superior da língua nem permitem que deixe de ser um instrumento de comunicação,
manifestação e de emoção.
Edith Pimentel Pinto (1986) admite que a língua do Brasil apresenta
diferenciações em relação à língua de Portugal e a qual , por essa razão, é nomeada
como: dialeto do português, língua autônoma derivada do português e língua
emprestada, mas que, hoje, essas posições não se sustentam. Explica que a língua do
Brasil é a língua comum, a variante institucionalizada, chamada padrão das gramáticas e
dos dicionários, representa a nacionalidade, para todos os fins. Constitui-se em
mantenedora da unidade sem destruir a diversidade lingüística, o que possibilita a
comunicação interna e externa da comunidade social.
Corrobora C. Cunha (1981), ao justificar que um sistema pode gerar várias
normas, em razão de usos coletivos específicos, que privilegiam certos empregos,
69
criando modelos que, com o passar do tempo, se perpetuam. Sendo assim, a variante
brasileira pode ser considerada como outra norma, paritária em relação à norma
portuguesa.
A norma portuguesa, em decorrência de sua condição de protovariante, é mais
prestigiada que as modalidades nacionais do Brasil e da África, pois foi codificada no
século XVI, e possui um modelo literário reconhecido internacionalmente e uma norma
padrão de Lisboa e Coimbra, o que acarreta a dicotomia: de um lado, a norma
institucionalizada de Portugal; de outro, o uso brasileiro diversificado do português e do
codificado em gramáticas.
Aplica-se a designação língua brasileira, ou idioma brasileiro à modalidade
brasileira, sem que acarrete danos à sua autonomia. O sentimento nacionalista
reivindicou uma língua própria, justificando, por meio de um extenso vocabulário,
hábitos fonéticos peculiares, sintaxe e estilos preferidos por brasileiros ignorados ou
desusados em Portugal.As classes de palavras em suas flexões ou alterações na rede
sintática fundamental são inexistentes em relação à outra língua.
As características apontadas como próprias de uma língua brasileira são traços
preferenciais dos brasileiros, que existem ou existiram em Portugal como a colocação
pronominal, a conjugação verbal, no acréscimo de unidades lexicais. Outro aspecto a
ressaltar é a referência à língua do Brasil como língua emprestada. Línguas não se
emprestam e, no Brasil, não havia um povo necessitado de um empréstimo global, de
uma língua transplantada que substituísse a sua.
Acontece, a partir do século XVIII, um recuo das línguas indígenas, surgindo
uma condição de bilingüismo para os que têm contato com a língua portuguesa. Os
portugueses como conquistadores impõem a língua portuguesa que, esta sim, recebe
empréstimos lexicais das línguas indígenas. Logo, a língua do Brasil é a dos
colonizadores e de seus descendentes, mestiços ou não.
A história da língua portuguesa no Brasil demonstra que há uma diferenciação
gradativa proporcionada por fatores externos, principalmente, no tocante à oralidade e
que se torna consistente na língua escrita. Essa presença consolida-se através de
constantes lingüísticas, tradicionalizadas no uso coletivo, afirmando certos traços em
detrimento de outros, fato que ocorre em todo mundo lusofônico. Esses traços
preferenciais proporcionam modelos próprios dos brasileiros, em sua interação
lingüística, que consolidam uma norma diferente da norma portuguesa.
70
Em consonância com E. Coseriu e C. Cunha, E. P. Pinto afirma haver uma
unidade maior no sistema, que se diversifica, socialmente, em normas, que se
concretizam e diversificam em atos de fala, sendo essa a causa de o português do
Brasil não se identificar com o português de Portugal ou da África, embora seja língua
portuguesa.
E. P. Pinto salienta que se elaborou uma pesquisa, em 1983, abrangendo vários
segmentos da sociedade, sobre a língua falada no Brasil e o resultado foi que 85,15%
dos brasileiros reconhecem a língua portuguesa como língua materna. Entre os fatos
revelados destacam-se os seguintes: poucos informantes nomeiam a língua como
brasileira e quando o fizeram foi mais pela associação entre língua e nacionalidade do
que por uma posição teórica.
2.4.3.Política Lingüística
Ao utilizar o termo político em seu sentido amplo que considera as relações
históricas e sociais do poder, encontra-se a fala como uma prática política e é essa
presença que possibilita uma política de linguagem ou política lingüística.
A noção de política lingüística permite muitos sentidos, que vão desde a
tematização mais formal de um planejamento de uma política lingüística explícita e
organizada, até a observação de processos institucionais menos evidentes, mas não
menos evidentes ou não menos importantes, nos usos diferentes da língua. Pretende-se
apresentar, de maneira sucinta, alguns autores que se manifestam a favor de uma
política lingüística, mas que partem de premissas diferentes.
A política lingüística se determina em dois âmbitos, em dois espaços geográficos
diferentes, propiciando uma diversidade, mas que não ponha em risco a unidade, isso ao
tratar-se de Brasil e Portugal; haja vista que a lusofonia abrange um universo bem
maior, agregando os demais países que têm a língua portuguesa como língua nacional.
C. Cunha apresenta como ideal humano que todos falassem a mesma língua.
Como isso não é possível, então, que se mantenha a unidade relativa da língua que só é
possível se considerada em sua realidade atual, na forma como é utilizada nos meios
cultos de cada país da comunidade idiomática. As medidas a serem tomadas devem
acordar com a realidade lingüística através de uma política de idiomas, capaz de atenuar
os efeitos das forças de diferenciação, que todos as línguas possuem, sem restringir o
71
pensamento e sentimento de uma coletividade, devendo fugir de um padrão teórico
inatingível, resultado da imposição de uma norma única.
É essa unidade superior da língua portuguesa dentro de sua natural diversidade
que cabe preservar como fator interno de unidade nacional do Brasil e de Portugal e
como elo mais forte da comunidade luso-brasileira
C.Cunha propõe (1981), como condição para uma política brasileira de língua,
os educadores não subestimarem a vigência de normas gramaticais com atitudes
niilistas, que, juntamente, com a falta de criatividade estimulada pelo conhecimento
proporcionam a pobreza na quantidade e relaxamento na qualidade do ensino.
A língua e a variante são formas de uma realidade lingüística, fatos sociais,
moldes e produtos de cultura. A variante brasileira da língua portuguesa é o ”vulgar
ilustre”, afirma C. Cunha, sendo o falar de nossas cidades o padrão difundido. Isso
pressupõe a necessidade de um conhecimento científico da realidade lingüística,
definindo quais as normas tradicionais vigentes e as superadas. A elaboração de um
atlas lingüístico das diversas regiões do país é um elemento fundamental para o
conhecimento e entendimento da língua.Ter-se eficácia nesta empreitada é pesquisar e
descrever o português do Brasil em sua diversidade e unidade.
Para se preservarem os elos com a comunidade que tem o português como
primeira ou segunda língua, é necessário admitir a convivência de várias normas
lingüísticas. Não permitir que variantes nacionais do português sejam consideradas
dialeto em relação ao português europeu. A aceitação do liberalismo normativo, que
começa a se impor em Portugal e no Brasil, deve-se estender ao ensino do português nas
novas repúblicas africanas, que têm como segunda língua a língua portuguesa, porque
foi, por séculos, administrada nas escolas, como língua materna dessas nações.
Segundo A. Houaiss (1992), o português não está se modernizando, os meios de
comunicação de massas não contribuem para o aperfeiçoamento da língua, pois o nível
informativo, criativo, educativo e instrutivo atinge o mais baixo nível da inteligibilidade
comum, em uma cultura que não se modernizou, ficando ancorada em uma oralidade de
campanário. Quando a técnica não está a serviço do homem, a palavra escrita fica em
risco, como, hoje, no mundo da lusofonia, em seu epicentro, o Brasil; logo, é
imprescindível uma política lingüística para preservar a língua escrita, que consiste na
língua de unidade nacional.
Sabendo-se que não se pode descuidar das normas e gramáticas, cada uma serve
a um fim determinado seja expressional ou comunicativo, percebe-se que a linguagem
72
escrita corre o risco de desaparecer, no mundo lusofônico. O Brasil é um país que
investe pouco em educação e cultura, mesmo sendo o mais rico da lusofonia.
A. Houaiss (1992) entende que o Brasil e Portugal adotam uma política errônea
no tocante ao ensino da língua portuguesa. Exigem uma modalidade única no ensino da
língua, com uma única gramática e contra as variações de pronúncia, o que redunda em
fracasso.Os portugueses querem o ensino da sua língua por entendê-la como verdadeira,
mas os brasileiros que reconhecem que a língua não é brasileira, querem uma língua
própria. Em conseqüência, promovem uma política lingüística antilusitanizante e há,
ainda, os que querem restaurar a pureza da língua portuguesa, neste território.
Existem duas hipóteses de futuridade da lusofania: ou abandonam ou
incrementam os vínculos culturais existentes, adotando uma política linguageira, liberta
das opções políticas, em que as partes regularão de maneira convencional ou consensual
as áreas linguageiras, pois como língua de cultura propiciará a compatibilização da
unidade com a diversidade.
As línguas têm histórias. São fatos sócio- histórico-culturais, modificam-se no
tempo e espaço. Assim sendo, a história externa da língua se identifica com a história do
seu usuário. É necessário que se elabore uma história externa da língua portuguesa,
onde se articulem fatos de ocupação territorial com as distribuições demográfico-
lingüísticas dos ocupantes, dos fatos de prevalência e desaparecimento de línguas e uma
história interna, em que se examinem a evolução de cada componente e estruturas
lingüísticas, que expliquem as diversidades horizontais e verticais existentes, tomando
como referência o estado da língua, no século XVI.
Para manter a posição de língua de cultura de ponta, demanda-se uma
redefinição da política de línguas que leve em conta as diversidades de cada país
lusofônico, mas que caminhem juntos para a preservação e universalização. O autor
admite a crise da lusofonia e vê como solução para o problema o aprendizado
sistemático, com metodologia eficiente, permitindo ao educando vivenciar os três níveis
de escolaridade.
B. Lima Sobrinho (2000) expõe sobre a importância da unificação lingüística
entre o Brasil e Portugal, elemento fundamental para a preservação do português como
uma língua de cultura; logo, a política lingüística terá essa finalidade. Destaca que, entre
os caminhos a seguir para a unificação de um idioma comum ao mundo português, o
primeiro elemento é a ação da escola primária, e por ser esse ensino inicial da língua .
73
O ensino da língua comum e unificada conduz o aluno a ver e sentir as coisas,
dentro de um quadro que se não a identifica, pelo menos a aproxima. Há um trabalho no
sentido de se criar uma consciência lingüística, que é um instrumento de aproximação e
de vinculação. O ensino exerce duas funções essenciais unificadoras: uma externa que é
a aproximação com Portugal e outra interna que é a ação de força unificadora dentro do
país. Além da escola, outro elemento importante para ação unificadora consiste na
uniformidade das gramáticas e de livros escolares.
Caberá à escola a missão de combater e apagar as diferenciações regionais,
difundindo o padrão que melhor interprete a tradição e o uso mais freqüente dos meios,
senão letrados, alfabetizados, sendo útil estimular às empresas editoras para que os
livros portugueses cheguem ao Brasil com mais presteza e vice-versa, o que é
dificultado pelo controle cambial. Destaca, ainda, a necessidade de facilitar a missão das
livrarias, organizando publicações bibliográficas, auxiliando na publicação de revistas
comuns aos dois países, com colaboradores dos dois lados do Atlântico, além das bolsas
de estudo, as cátedras abertas a escritores das duas pátrias seriam meios profícuos de
intercâmbio cultural.
Organizar programas de rádio, em Portugal e Brasil, pois não há instrumento de
unificação lingüística melhor que o rádio, a televisão e o cinema, pois agem sob a língua
falada. Os textos escolares devem abranger escritores dos dois países ou até redigidos
em comum. O estudo dos textos das literaturas dos dois países, nas escolas públicas,
abrangeria todas as fases da vida literária e permitiria uma interpretação da linguagem
corrente, impedindo o aprofundamento das diferenciações ou reduziria sua significação.
O intercâmbio cultural se constituiria em uma força permanente contra a
diferenciação lingüística e essa interpenetração de influências seria um elemento
decisivo para a constituição da unidade do idioma e asseguraria a sua evolução.A
unidade gráfica, discutida na convenção de 1943 e o Acordo Ortográfico de 1945, é um
dos elementos da unificação do idioma e torna-se um meio de assegurar a sua difusão
como instrumento de comunicação e a facilidade de seu ensino nas escolas e
universidades de todos os países de língua portuguesa, garantindo a fixidez de uma
ortografia aos dois países.
B. Lima Sobrinho conclama ao trabalho de unificação com o intuito de destruir
os dois complexos que perseguem os dois países: o complexo metropolitano de Portugal
e o complexo colonial do Brasil; o primeiro traduzindo um sentimento de superioridade
74
e o outro preocupado com a afirmação de sua autonomia, gerada pelo medo de não se
parecer independente.
2.5. A Língua como elemento identitário da Nação
A questão da língua não é apenas uma discussão entre gramáticos.
Consiste em um problema nacional, pois traz em seu bojo as questões de unidade
lingüística, nacionalismo e nação; logo, ultrapassa as barreiras do campo lingüístico,
pois possui um papel importante na formação de uma nação, o que lhe confere um
status jurídico.
O conceito de nação ganha relevância no Brasil, a partir do século XIX, e leva
consigo a questão lingüística. O elemento humano que entra na formação de uma nação
é representado pelo povo. Essa noção é, sobretudo, jurídica. Ao se falar de povo, fala-se
de uma coletividade humana de um determinado Estado. A noção de povo envolve não
só o aspecto jurídico, como o político.
A Constituição Federal do Brasil determina que todo poder emana do povo e em
seu nome será exercido. Povo, no sentido jurídico, não tem a mesma conotação de
população, no sentido demográfico. Consiste na parte da população capaz de participar
do processo democrático, dentro de um sistema de limitações, próprio de um país e de
uma época.
Para Paulo Bonavides (1967), de início constrói-se o conceito de nação sobre
três pilares: raça, religião e língua. A raça ganha importância com o nacional-socialismo
que apresentava a existência de uma nação, em bases étnicas, para justificar a pretensa
superioridade do povo alemão sobre as demais raças. Como cientificamente se prova
que não existe pureza racial, desmistifica-se a raça como elemento caracterizador da
nação.
A religião não é um elemento imprescindível à formação de uma nação; pois se
pode ter uma só religião em vários Estados e um único Estado professando várias
religiões. O último elemento citado pelo autor é a língua, que não se constitui em agente
determinante da nacionalidade, pois, em vários Estados e comunidades nacionais,
falam-se vários idiomas, como na Suíça, por exemplo, que nem por isso perdeu a
condição de nacional.
75
A nação é um conceito de ordem moral, cultural e psicológica, em que se somam
os fatores de raça, religião e língua, podendo cada um deles participar ou não de sua
constituição. Em suma, a nação é um plano de vida, uma linha de conduta coletiva, uma
identidade de crenças, costumes, tradições, aspirações, ideais, reivindicações, ao redor
das quais determinada coletividade humana faz a sua história.
Os laços de solidariedade, vínculos de aproximação cultural, a tradição da
vivência de um passado e projetos futuros compartilhados, a consciência global nos
destinos sociais, a adesão a valores e padrões culturais da coletividade é que
determinam a consciência de Nação e nacionalidade. Os fatores etnia, religião e língua
concorrem com maior ou menor importância ou intensidade, para que essa consciência
se forme e ganhe uma estrutura definida, concretizando-se.
Entre esses três elementos raça, religião e língua, o de maior relevância é a
língua, pois é um instrumento de comunicação, meio pelo qual o homem se utiliza para
comunicar idéias, sentimentos e formas de pensamento e estabelece o diálogo que lhe
proporciona a solução aos problemas do presente. O conceito de Nação difunde-se a
partir do século XVIII, com o objetivo de conduzir a burguesia ao poder político. Sob o
nome de Nação, luta-se contra a monarquia absoluta, ao se pregar que é justo e
necessário que o povo assuma seu próprio governo. Com as revoluções americana e
francesa, a nação passa a se identificar com o próprio Estado.
O conceito de Estado, por ser científico, torna-se difícil de ser assimilado pelo
povo, enquanto o termo Nação, apesar de vago, é utilizado como símbolo de
reivindicações populares, afeito mais às reações emocionais. A partir da queda das
monarquias, os governantes dos novos Estados utilizam a força mística da expressão
Nação para justificar as investidas sobre os pequenos estados.
O século XIX caracteriza-se pela intensa corrida imperialista em nome da
grandeza das Nações e torna-se um campo propício ao florescimento das doutrinas que,
com intuito e modalidade divergentes, produziam a mesma resposta à idéia e ao
sentimento de nação no mundo ocidental. O século XX assiste à exploração dos
chamados sentimentos nacionalistas, que desencadeiam duas grandes guerras mundiais.
O conceito de Nação surge, então, como um artifício para envolver o povo em conflitos
de interesses alheios, não indicando a existência de vínculos jurídicos entre seus
componentes, mas, como realidade sociológica, é de inegável importância, influindo
sobre a organização e o funcionamento do Estado.
76
Pasquale Stanislao Mancini (apud Filomeno, 1999), publicista e filósofo da
reunificação da Itália, em discurso de abertura das aulas da cátedra de Direito
Internacional da Universidade de Turim, expõe que a nação é uma sociedade natural de
homens, baseada na unidade de território, costumes, língua e comunhão de vida que se
sintetizam na consciência social.
As populações ligadas pela identidade de raça, de língua e pela comunidade de
território formam uma só nação e devem constituir-se em um único Estado. Os
elementos constitutivos da Nação dividem-se em: elementos naturais: raça, língua e
território; elementos históricos: tradições, costumes, religião e leis; elemento
psicológico: consciência nacional.
Segundo José Geraldo de Brito Filomeno (1999), hoje em dia, a raça e território
não são elementos fundamentais à constituição de uma nação, mas a língua é essencial
para a identidade de uma nação. No Brasil, não há uma língua portuguesa falada, porém
uma língua brasileira, repelindo-se qualquer tipo de uniformização com o português
falado em Portugal ou de outros países de língua lusitana, pois é necessário que a
independência se concretize também no sentido lingüístico.
Dalmo de Abreu Dallari (1993) apresenta a distinção entre estado e nação, e
destaca que estado é uma sociedade e nação uma comunidade, o que impede de dizer
que o estado é uma nação ou que é produto da evolução desta. O estado, em sua ânsia de
integrar o povo e reduzir conflitos, cria uma imagem nacional simbólica e de efeitos
emocionais que une os seus integrantes através do espírito de solidariedade. Para atingir
esses objetivos, se evidenciam e se estimulam todos os pontos comuns que unem os
diferentes grupos sociais na formação do conjunto. Nascem, assim, as características
nacionais, que são notas comuns a toda a sociedade política as quais favorecem a
formação de uma consciência de comunidade.
A submissão a um governo comum, o uso da mesma língua, a aceitação de
valores culturais comuns, assim como a comunidade de interesses, são fatores que não
tornam o estado uma nação, mas que são úteis em sua formação.
João Pedro Galvão de Sousa (1957) destaca que a diferença entre nação e
estado reside no elemento histórico, pois o que congrega um povo é a sua história e
tradição. Nação é uma comunidade que conserva um patrimônio cultural ao mesmo
tempo em que assimila os elementos novos de cada época. Existe um esforço coletivo
de conservar, transmitir e receber o que se efetiva na tradição que decorre da história de
um povo.
77
Povo é um conjunto orgânico de famílias. A nação é uma família maior, está
ligada à idéia de família, da origem comum de nasci vem nação. O povo ao organizar-
se juridicamente em um determinado território constitui-se em estado, uma vez formado
culturalmente através dos séculos, torna-se nação. Outro aspecto a destacar é que a
nação se caracteriza pelo critério de tempo e o Estado pelo critério de espaço. A
soberania supõe o localismo, o lugar fixo no espaço, a tradição, condição essencial da
nação, importa em processo histórico, decurso do tempo.
O autor apresenta a nação como um rio caudaloso que tem por leito os séculos e
por afluentes as regiões, o que demonstra a ineficácia da política centralista, que a
pretexto de uma unidade nacional estanque as fontes de vida autônoma e diferenciada
nas diversas regiões. Há um legítimo regionalismo, da mesma forma que um localismo,
urbano e rural, que legitima o nacionalismo. As particularidades das minorias nacionais,
ou étnicas ou lingüísticas, na comunidade nacional em que se interagem, devem ser
respeitadas.
A identidade de língua destaca-se entre os demais elementos, pois é por meio
dela que os membros de uma comunidade nacional se comunicam. Trata-se de um
conjunto de palavras ou maneiras de falar, característico de um povo ou de numa nação,
que apresenta diversidade na unidade. É a língua um instrumento de cultura e uma das
bases da nacionalidade; por isso, povos conquistadores impõem em territórios ocupados
a sua língua com o objetivo de fragmentar a nacionalidade dos vencidos.
Não se pode considerá-la como fator decisivo da nacionalidade, porque há
numerosas nações que falam o mesmo idioma, Brasil e Portugal, Inglaterra e Estados
Unidos e outras em que se falam vários idiomas, pois se desenvolveram em territórios
diferentes e com uma cultura própria independente da sua origem. A Nação não se
define só pela unidade lingüística.
Darcy Azambuja (2001) corrobora essa idéia e enfatiza que não se pode negar a
influência da língua na formação da consciência nacional e aponta a identidade de
história e tradição como condição indispensável à formação nacional e à garantia da
soberania.
Eric Hobsbawn (1990) confirma que o século XIX foi marcado pelas questões
de nacionalismo e explica os critérios para que um povo seja considerado nação, tais
como possuir uma elite cultural estabelecida e uma língua administrativa e literária
escrita.Mesmo consciente de que a Língua não é condição essencial à criação de uma
nação, a partir da construção dos Estados Modernos, ela se torna base necessária para a
78
formação de uma consciência nacional, derivada de valores, tradições, lembranças do
passado e planos futuros compartilhados, os quais se manifestam em uma cultura
particular que é pensada e falada em uma língua particular.
A análise histórica que se efetuou, permite dizer que o Brasil já possuía uma
elite cultural e uma língua administrativa e literária escrita, que se constitui na Língua
Portuguesa, mas isso não impede que essa mesma língua oriunda de Portugal se revista
de um nacionalismo lingüístico, construído a partir da miscigenação étnico -cultural
brasileira e do espírito nacionalista que domina a vida cultural do país, não significando,
porém, que exista uma Língua Brasileira desvinculada das normas de Portugal.
A análise lingüística da amostra, em que dois representantes de nações diferentes
se confrontam, ambos desejosos da preservação de uma única língua portuguesa,
pretende, na medida do possível, trazer mais luz à questão.
79
CAPÍTULO III
A LÍNGUA PORTUGUESA EM POLÊMICAS, NO ÚLTIMO QUARTEL DO
SÉCULO XIX
Língua Portuguesa
..................................................................
.. ................................................................
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi:”meu filho”!
E em que Camões chorou na exílio amargo
O gênio sem ventura e o amor sem brilho.
Olavo Bilac, Poesias
3.1.Introdução
Constam da amostra desta pesquisa os seguintes documentos: Cancioneiro
Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros, comentado por Camilo Castelo Branco,
editado pela Livraria Internacional de Ernesto Chardron, Porto e Braga, 1879; Revista
Brasileira, primeiro ano, tomo I , Rio de Janeiro, N. Midosi editora, 1879; Ecos
Humorísticos do Minho, n.2, Carta ao Cruzeiro, publicação quinzenal, Livraria
Internacional de Ernesto Chardron- editor, Porto e Braga , 1880; Jornal do Comércio,
Microcosmo, de 18 de janeiro de 1880, Rio de Janeiro; Ecos Humorísticos de Minho,
n.3, Carta ao Cruzeiro, publicação quinzenal, Livraria Internacional de Ernesto
Chardron –editor, Porto e Braga, 1880; Jornal do Comércio, Microcosmo, 28 de março
80
de 1880, Rio de Janeiro. Nesses documentos encontram-se os textos que têm como tema
a polêmica travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco.
A palavra polêmica origina-se do grego pólemos relativo à guerra; o verbo
polemizar quer dizer “travar polêmica” e seus participantes os polemistés, ou seja, os
polemistas por possuírem espírito combatente e guerreiro, sendo retratados como
pessoas que gostam de discutir opiniões, pela imprensa ou livros. As polêmicas
abrangem uma variada gama de assuntos, quer sejam literários, científicos ou
históricos, mas encerram uma posição política. São considerados documentos histórico-
lingüísticos porque retratam, no espaço e no tempo, a língua cristalizada.
Segundo M. de Certeau (2000), devem-se as polêmicas antigas à organização da
pesquisa científica, pois os historiadores se imbuem em vestes de polemistas ou de
pregadores para defender a sua causa. A polêmica permite aos contendores as escolhas
lexicais mais variadas para obtenção do sucesso dos argumentos, inclusive no tocante ao
tom mais ou menos agressivo que se deseja imprimir ao texto, pois a palavra polêmica
se origina do vocábulo guerra, pertencendo ao mundo bélico. Dessa forma, o vocábulo
passa a exercer a função de sabre, espada ou lança, ou como diz C. de Laet, de setta ou
cacheirada com a qual se conduz o oponente à morte; o jornal, o livro, a revista
transformam-se em campo de batalha.
C. de Laet (apud Chediak: 1943,14-5) explica como se deve conduzir uma
polêmica: Principiam com luvas de pelica, em seguida, tiram-na devagarinho e dão-se
beliscadelas; depois, então, vêm as pancadas fortes e o ciclone dos grossos canelões.
Complementa que uma das tarefas do folhetinista consiste em empunhar a machadinha e
rechaçar os que dão abordagem. No calor da contenda, com ironia, descreve o opositor
( 1879:219) não esfolla só aos que empolga, leva-os tambem ás grelhas, redul-os a
bifes e sem o menor escrupulo manda-os á tênia com que convive, inspiradora, talvez,
de tão agros rancores...
Alexandre Cabral ( apud Senna: 1984) , ao prefaciar o volume I das polêmicas
de C.Castelo Branco, assim se refere à atividade de polemística: quando exercida com
isenção e dignidade, quando busca o supremo objetivo de discutir idéias e elucidar
problemas, representa, por função da própria natureza, um benéfico estímulo ao
desenvolvimento da Cultura,ao se inserirem neste contexto, os textos da polêmica
analisada tornam-se documentos relevantes para um melhor entendimento do momento
histórico e cultural do povo brasileiro, ainda que não isentos de paixões.
81
Os documentos, que constituem a amostra dessa pesquisa, são os textos da
Polêmica travada entre C. de Laet e C.Castelo Branco , no último quartel do século
XIX, onde abordam questões sobre a Língua Portuguesa e as paixões nacionalistas
que eclodiram nessa época. A análise da amostra elabora-se sob a luz do método
comparativo, da influência do processo de gramatização que invadia os estudos
lingüísticos desse período e em consonância com os princípios da Historiografia
Lingüística.
3.2. Marcas lingüísticas na Polêmica travada por C. de Laet e C.Castelo Branco
Os textos da Polêmica travada entre C.de Laet e C.Castelo Branco possibilitam a
observação da Língua Portuguesa em uso no Brasil e em Portugal, no último quartel do
século XIX, sob uma perspectiva histórica.
Identificam-se os elementos lexicais que destacam a expressão lingüística
materializada nos textos da Polêmica. Por se tratar de um documento histórico, as
escolhas lexicais revelam a importância do documento no tocante à questão da Língua
Portuguesa escrita no Brasil e em Portugal, por meio de textos elaborados por um
brasileiro e um português , no final do século XIX. Para a análise do vocabulário
consultou-se o Pequeno Diccionário da Língua Portuguesa de Candido de
Figueiredo,1924 e o Dicionário Houaiss de língua portuguesa, 2001, de Antônio
Houaiss. Os recortes selecionados pertencem ao Cancioneiro Alegre dos Poetas
Portugueses e Brasileiros, Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3, Revista Brasileira e
Jornal do Comércio, janeiro e março., sendo os dois primeiros pertencentes a C.Castelo
Branco e os demais a C.de Laet. Como critério de análise, partiu-se dos textos de
C.Castelo Branco , Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros e Ecos
Humorísticos do Minho, seguidos pelos de C. de Laet, publicados pela Revista
Brasileira e pelo Jornal do Comércio.
Cancioneiro Alegre dos Poetas Portugueses e Brasileiros (1879)
a instancias de amigos: por solicitação de amigos.
Justificando a gente de juízo: justificando a gente de discernimento.
o mercenário ocupado em ganhar o seu pão quotidiano: o trabalhador que
trabalha por estipêndio ocupado em ganhar o seu sustento ( Figueiredo: 1924) , o
mesmo significado ( Houaiss: 2001).
82
[...]em tecer-lhes corôas de oiro [...] e elevá-lo à dignidade real .
Açula-lhe os teus ursos nostálgicos, Guerra Junqueira! Instiga -lhe os teus
ursos nostálgicos.
Mercieiros, enchei-me este vosso intérprete de ceiras de figos de comadre:
merceeiros, enchei-me este vosso intérprete de cestas ( vime ou esparto) com figos de
comadres.
Ecos Humorísticos do Minho n.2 e 3:
que ele na exuberância de seu critério, denominou “livro de pulhas”: pulhas :
gracejo capcioso dito com o intuito de colocar a outra pessoa em situação ridícula: que
ele, no exagero de seu critério, denominou de “ livro de mentiras” ou “livro de lorotas”.
O mesmo crítico ..., encarniçando-se em dar caça aos perigrinismos brazilicos
, que erradamente suppõe feição caracteristica da hodierna poesia brazileira, O mesmo
crítico ..., excitando-se em dar caça aos estrangeirismos brasílicos, que erradamente
supõe feitio ( jeito, maneira) da hodierna poesia brasileira.
[...]Mas afouto-me a pedir-lhe que aceite a de Antonio Feliciano de
Castilho[...]mas atrevo-me a pedir-lhe que aceite a de Antonio Feliciano de Castilho...
[..]a sua authoridade é tão poderosa que nenhum de nós póde rejeitar moeda
nova cunhada por Castilho[...]a sua autoridade é tão poderosa que nenhum de nós pode
rejeitar palavra nova ( com valor de moeda) criada por Castilho.
[...]não tenciona enthesoural-o no cofre dos verbos reflexos[...]não tenciona
escondê-lo no cofre dos verbos reflexos...
O Illustre escriptor não quer recordar-se das elegantes liberdades com que os
regeneradores da lingua portugueza faziam, a bel-prazer da euphonia, verbos
reflexos.O ilustre escritor não quer recordar-se das elegantes liberdades com que os
regeneradores da língua portuguesa faziam, a bel- prazer da eufonia, verbos reflexos.
Em resultado das investigações do perspicuo snr. G. Bellegarde nos meus livros,
o sn., Laet arpoou com gancho critico e metteu na alcofa philologica para este ensejo
opportuno, as seguintes cousas:[...] Em resultado das investigações do sagaz Sr. G.
Bellegarde nos meus livros, o Sr. Laet aferrou com gancho crítico e colocou no cesto
filológico para este momento oportuno, as seguintes coisas [...].
Estas niquices do snr. Laet, em materia de linguagem, denunciam o ranço
philológico de 1820; são rabugices fradescas do monge de Tibães, que, se vingassem, a
lingua portugueza pararia em fr. Luiz de Sousa.Estas ninharias ( insignificâncias) do Sr.
Laet, em matéria de linguagem, denunciam o ranço filológico de 1820, são rabugices
83
monásticas do monge de Tibães ( freguesia do Conselho de Braga, onde existia um
mosteiro dos monges beneditinos) , que, se vingassem, a língua portuguesa pararia em
Fr. Luís de Sousa ( Frei Francisco de São Luís, o Cardeal Saraiva, ilustre prelado e
escritor que viveu de 1766 a 1845. Tornou-se beneditino no Mosteiro de Tibães).
Os apparatosos adresses com que a analyse se nos impõe é vaidade de
critico.Os suntuosos adresses com que a análise se nos impõe é vaidade de crítico.
O sr. Laet guardou tambem para remate a estocada de misericórdia. O Sr. Laet
guardou também para o final o golpe ( de espada ) de misericórdia.
Revista Brasileira
Chegou-nos de Portugal uma obra – O Cancioneiro Alegre; esmalta-lhe a
primeira pagina fulgido nome _ Camillo Castello Branco...Chegou-nos de Portugal uma
obra – O Cancioneiro Alegre; ilustra a primeira página esplêndido nome - Camilo
Castelo Branco.
Entibiou-se o fervor dos enthusiastas[...].Enfraqueceu-se o fervor dos
entusiastas.
Não fui dos primeiros a saborear os artigos com que o Sr. Camillo Castello
Branco exornou esta obra [...] Não fui dos primeiros a saborear os artigos com que o Sr.
Camilo Castelo Branco enfeitou esta obra.
[...]Falta-lhe isenção de animo para abstrair personalidades[...]Falta-lhe
imparcialidade de espírito para excluir personalidades.
[...]inçam-lhe o entendimento muitos preconceitos e abusões[...]contaminam-lhe
o entendimento muitos preconceitos e superstições.
[..]torna-se neste livro menos escusável, porque abalança-se a escrever
jocosidades em pedestaes que supportam reputações laboriosamente conquistadas.[...]
torna-se neste livro menos desculpado, porque se arroja a escrever gracejos em
pedestais que sustentam reputações arduamente conquistadas.
Com taes achaques[...].Com tais vícios [...]
[...]que suppuzeram alguns intencionalmente offendido pelas settas[...]não digo
bem...pelas rijas cacheiradas com que o critico pretendeu derrear certos poetas muitos
de nossa sympatia [...]que supuseram alguns intencionalmente ofendido pelos ditos
satíricos ...não digo bem...pelas vigorosas cacetadas com que o crítico pretendeu
desacreditar certos poetas muitos de nossa simpatia...
Ha nos commentarios do Cancioneiro erros de apreciação e iníqua distribuição
de ridiculo; mas acredito que, réo de lesa- critica[...]Há nos comentários do
84
Cancioneiro erros de apreciação e perversa distribuição de ridículo; mas acredito que,
acusado de réu de lesa-crítica....
Grande cópia de preconceitos relativos á litteratura e modo de viver
brazileiros.Grande quantidade de preconceitos relativos à literatura e modo de viver
brasileiros.
Nem phantasio: de semelhantes ideas confessou-se imbuido o nosso amigo
Bordallo quando para cá veiu com craneo atestado das frioleiras que sobre o Brazil
babujaram os d’ Expilly e outros ratões de boas petas.Nem fantasio: de semelhantes
idéias confessou-se imbuído o nosso amigo Bordalo ( Rafael Bordalo Pinheiro, 1875-
1905) caricaturista português, que morou no Brasil entre 1875 e 1879, dirigindo e
ilustrando publicações como O mosquito, Psit!... e o Besouro) quando para cá veio com
a cabeça abarrotada das parvoíces que sobre o Brasil enxovalhavam os d’Expilly (Jean
– Charles Expilly (escritor francês 1814-1886, residiu no Brasil, o que lhe serviu de
inspiração para vários livros) e outros excêntricos mentirosos.
[...]é aquella celebreira de em Portugal [...]é aquela mania de em Portugal[...]
Esta boa gente, incapaz de rejeitar subscripção e muito digna de arrear-se com
a Vila Viçosa...Esta boa gente, incapaz de rejeitar subscrição e muito digna de
aparelhar-se com a Vila Viçosa ( Histórica Vila de Portugal, no Alentejo, onde se situa
o Paço Ducal , solar da dinastia dos Braganças, a que pertenciam os imperadores do
Brasil, e onde há uma sala do Príncipe do Brasil).
[...]pobres de chelpa, mas transudando humour, os quaes , descendo do Sinai
onde foram embeber-se na contemplação do Ideal, não podem assoberbar a indignação
que os invade ao verem o bezerro d’oiro disfructando zumbaias e adorações dos filhos
de Israel[...]pobres de dinheiro, mas transpirando humor, os quais, descendo do Sinai
onde foram embeber-se na contemplação do Ideal, não podem dominar a indignação
que os invade ao verem o bezerro de ouro desfrutando cortesias e adorações dos filhos
de Israel.
Tivesse eu o talento do Sr. Castello Branco e sobre meus hombros tomaria a
ardua tarefa de ensaboar esse typo- o ricaço pseudo- brazileiro - para que perante a
história comparecesse desinficionado das chalaças com que o seringa o espirito
portuguez...Tivesse eu o talento do Sr. Castelo Branco e sobre meus ombros tomaria a
árdua tarefa de ensaboar esse tipo- o ricaço pseudobrasileiro para que perante a história
comparecesse desinfeccionado das zombarias com que o importuna o espírito
português.
85
Um dos mais, e mais, injustamente, escalavrados pelo critico do Cancioneiro
[...]Um dos mais, e mais, injustamente, golpeados pelo crítico do Cancioneiro [...]
[..].porque doe-me ver o talento deprimido pelo talento e o mérito real
espisinhado pelo immoderado e truanesco desejo de galhofa[...]porque dói-me ver o
talento deprimido pelo talento, e o mérito real espezinhado pelo imoderado e bobo
desejo de escárnio.
Esfolham-se algumas ...chufas sobre a campa de Álvares de
Azevedo[...]esfolham-se algumas ... zombarias sobre a campa de Álvares de Azevedo
[...]
[...]ao dobrar a outra mais alcantilada, ainda se olha com saudades. Ao dobrar
a outra mais distante, anda se olha com saudades.
Os antigos são de ordinário censurados como sem-saborões, pezados, e
manejadores da velha graça portugueza.Os antigos são de ordinário censurados como
sem –lastro, pesados e manejadores da velha graça portuguesa.
[ ...] _uma graça capaz de fazer chorar a graça franceza, chalaça de botica
seguida de outra da mesma laia, em assembléa de ginjas, entre o arroto e a pitada[...]_
uma graça capaz de fazer chorar a graça francesa, escárnio de loja de variedades
seguido de outra da mesma laia, em assembléia de idosos e teimosos, entre o arroto e a
pitada[...]
E os modernos , os revolucionários da Idéa Nova , oh! sobre esses chove da
primeira á ultima pagina uma saraivada de remoques, chistosos uns, á francesa,
chocarreiros outros , como das ginjas supramencionados, mas instrumentos sempre de
uma vindicta implacável, não como a da Nemesis que só de cima agitava brandão, mas
como a do executor de alta justiça que gotta a gotta deixava cair a pez fervente sobre a
atenazado corpo dos réprobos.E os modernos, os revolucionários da Idéia Nova, Oh !
sobre esses chove da primeira à última página uma chuva de caçoadas, jocosos uns, à
francesa,insolentes outros, como das assembléias de velhos, acima mencionada, mas
instrumentos sempre de uma vingança implacável, não como a de Nêmesis ( Deusa da
vingança e da justiça, guardião da ordem universal, que era representada sob a forma de
uma mulher de rosto calmo e olhar severo, segurando nas mãos tochas e serpentes) que
só de cima agitava tocha, mas como a do executor de alta justiça que gota a gota
deixava cair o breu fervente sobre a atazanado corpo dos condenados.
[...]e onde padece affrontas o hierophante do realismo, como escamoteador ,
que dizem ter sido, de dezeseis rimas de quatro quadras[...]e onde sofre afrontas o
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pontífice do realismo, como surrupiador , que dizem ter sido, de dezesseis rimas de
quatro quadras...
[...]dando-se-lhes bordoada de cego, porque não eram assás patuscas[...]dando-
lhes golpe de cego, porque não eram muito sérias.
Jornal do Comércio, 1880, janeiro e março:
O tom da polêmica desceu até nivelar-se com o dos mais descomedidos
convícios.O tom da polêmica desceu até nivelar-se com a das mais inconvenientes
injúrias.
Contudo, nota bene, ninguem vá suppor que estulta e pretenciosamente me
propuz a dar quinaus no emérito estylista.contudo , nota bene, ninguém vá supor que
tola e pretensiosamente, me propus a dar reprimendas ao emérito estilista.
[...]pelo vigor que reppele as investidas de filauciosos competidores[...]pelo
vigor que repele as investidas de presunçosos competidores ...
Tanto bastou para condemnar aquele desditoso e inspirado poeta ás gehennas
do ridículo.Tanto bastou para condenar aquele desditoso e inspirado poeta ao inferno do
ridículo.
[...]e então não duvidei asseverar que, se descuidos grammaticaes fossem
suficcientes para aluir reputações fundadas sobre solidas bases[...]e então não duvidei
afirmar que, se descuidos gramaticais fossem suficientes para abalar reputações
fundadas sobre sólidas bases...
É certo que essas expressões forão alphabetadas entre os galicismos e mais
recentemente[...]É certo que essas expressões foram elencadas entre os galicismos e
mais recentemente[...]
Os typographos e revisores são homens despiedosos que muitas vezes põem-nos
em talas.Os tipógrafos e revisores são homens desumanos que muitas vezes nos põem
em embaraços.
Notaram-se, nos textos de C. de Laet, marcas de religiosidade em suas escolhas
lexicais: [...]os quaes, descendo do Sinai onde foram embeber-se na contemplação do
Ideal, não podem assoberbar a indignação que os invade ao verem o bezerro d’oiro
disfructando zumbaias e adorações dos filhos de Israel;...mas que como peccado da
adultera, podem ser levados á conta da humana fragilidade e perdoados por não se
encontrar quem lhes atire a primeira pedra!; e onde padece afrontas o hierophante do
realismo, vindicta,;gehenna; Ha quem duvide de Deus , duvida, outros da
immortalidade da alma, outros da existência dos corpus; eu cá fico duvidando das
87
regras do verbo haver.Em 1913, essa religiosidade rendeu-lhe o título de Conde da
Santa Fé , concedido pelo Papa Pio X, pelos serviços prestados à Igreja.
Outra característica do polemista é o uso de expressões latinas, talvez uma
marca de afirmação, haja vista que essa foi sua primeira polêmica , desenrolada em
seus 32 anos, em que se confronta com a experiência de C. Castelo Branco, polemista
reconhecido por seus méritos literários e na maturidade de seus 54 anos.
Observaram-se, nos textos referentes a C. de Laet e C.Castelo Branco, palavras
de origem tupi, ao se referirem a nomes de aves sabiá , de árvores como o jequitibá
com flores de ingá, frutas como pitanga e de origem africana como cacatua, macaco e
papagaio, demonstrando que essas palavras, em uso no Brasil, eram já conhecidas em
Portugal.
Quanto à ortografia, não se observaram mudanças sensíveis em relação à língua
em uso nos dois países.
Observam-se palavras grafadas com consoantes dobradas; hoje, essas palavras
são grafadas apenas com uma consoante. No texto do Cancioneiro Alegre de Poetas
Portugueses e Brasileiros encontram-se: attenuar ( atenuar), pallida (pálida), illusões
( ilusões), grammatica ( gramática), applaude (aplaude), elle (ele), commerciantes
(comerciantes); no texto do Ecos Humorísticos do Minho , n.2 e 3: collaborador
(colaborador), accusa-me (acusa-me), suppõe ( supõe), infallibilidade ( infalibilidade),
Corinnas ( Corinas), Fallantes ( Falantes),incommodem ( incomodem), aquella
(aquela), bello (belo), Commercio (Comércio), metteu ( meteu), opportuno ( oportuno),
gallicista ( galicista), aquillo (aquilo), litterarias( literárias), apparatosos ( aparatosos),
diffuso (difuso), affectado ( afetado), affecção (afecção), annos (anos), ellas (elas),
intelligencia (inteligência), annotando (anotando), summa ( suma), transmitto
(transmito).
Nos textos referentes a C. de Laet, destacam-se na Revista Brasileira: Camillo
(Camilo), Castello (Castelo), applausos ( aplausos), litterario ( literário), attenção
(atenção), novelleiros (noveleiros), applicado (aplicado), litteratura (literatura), delle
((dele), lettras (letras), elle (ele), attractivos (atrativos), supportam (suportam),
suggeriu-lh’a (sugeriu-lha), colligidas (coligidas), annotadas (anotadas),suppuzeram
(supuseram), offendido (ofendido), settas (setas), commentarios (comentários),
aggravou (agravou), commentador (comentador), aquellas (aquelas), commercio
(comércio), admittir (admitir), effeito (efeito), penna (pena), Varella (Varela),
immoderado (imoderado), illuminar (iluminar), grammaticaes (gramaticais), estrella
88
(estrela), aggressiva (agressiva), gotta (gota), Apollo (Apolo), pelle (pele), esfolla
(esfola), pellourinho (pelourinho), affrontas (afrontas), libello (libelo), alli (ali); no
Jornal do Comércio, janeiro e março: fallado (falado), daquella (daquela), attenção
(atenção), nivellar-se (nivelar-se), gallicismos (galicismos), suppor (supor), repelle
(repele), recommendado (recomendado),collabora (colabora), gehennas,(geenas),
effeito (efeito), diffuso (difuso), immortalidade(imortalidade), admitte (admite), saccos
(:sacos), callosidades (calosidades).
A respeito da ortografia destacam-se , ainda, palavras grafadas com consoante
muda, atualmente em desuso: Nos textos referentes a C.Castelo Branco: Cancioneiro
Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: Magdalena (Madalena), instrucção
((instrução), Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3: columna (coluna), distincto
(distinto), captivo (cativo), prelecçõe( preleções), affectado (afetado), manuscripto
(manuscrito), escripto (escrito).
Textos referentes a C. de Laet : Revista Brasileira : acção ( ação),attractivos
(atrativos), delicto (delito), distincções (distinções), disfructando (desfrutando),
subscripção (subscrição), fructos (frutos), sciencia (ciência) producção (produção),
vindicta (vindita), selecta (seleta), escriptores (escritores).Jornal do Comércio, janeiro e
março: facto (fato), augmentar ( aumentar), traducção (tradução), exceptuar
(excetuar),contradicção (contradição), contrucções (construções), predilecto (predileto),
distincto (distinto).
Sublinham-se palavras que , atualmente , se grafam com i , grafadas com y:
No Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: lyra ( lira), syntaxe
(sintaxe), syllabas ( sílabas), symbolos (símbolos); Ecos Humorísticos do Minho, n.1e 2:
Elysio (Elísio), analyse ( análise), typographico ( tipográfico), typographia (tipografia).
Na Revista Brasileira: estylista (estilista), sympatia (simpatia), estylo ( estilo),
satyras(sátiras), typo (tipo), lyrico(lírico), hybrido (híbrido); no Jornal do Comércio:
synonymo (sinônimo), platyrrhineos (platirrinos).
As palavras, antes, grafadas com h: Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e
Brasileiros: author (autor), estheticos ( estéticos), Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e
3: cahir (cair), authoridade ( autoridade), enthesoural-o ( entesourá-lo), authorisado
(autorizado), prohibição (proibição), sahiam (saíam). Revista Brasileira : enthusiastas
(entusiastas), ahi (ai), dahi (daí), ethnologica (etnológica), orthopedista ( ortopedista),
Jornal do Comércio, janeiro e março: abstrahindo ( abstraindo), these (tese), gehennas
(geenas ), sympathico(simpático), catarrhineos (catarrinos) platyrrhineos (platirrinos).
89
Observou-se, nos textos referentes a C. de Laet, a palavra autor grafada sem o h, nos
moldes do português simplificado.
As palavras que eram grafadas com ch, atualmente, grafam-se com c: Ecos
Humorísticos do Minho, n.3: Christo (Cristo); Revista Brasileira : chronica ( crônica),
Jornal do Comércio, março: Echos (Ecos).
As palavras grafadas com ph com som de f , hoje grafadas com f : Cancioneiro
Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: apostropha ( apostrofa); geographicas
(geográficas), phantasio (fantasio), comediographos (comediógrafos), phalenas
(falenas), hierophante (hierofante), Ecos Humorísticos do Minho, n.3: euphonia
(eufonia), metaphoricamente ( metaforicamente), philologica (filológica), phrase
(frase),typographico (tipográfico), typographia (tipografia), phantasia (fantasia)
philologo (filólogo), bibliophilo ( bibliófilo), Jornal do Comércio: março:
alphabetadas (alfabetadas).
Palavra grafada com g, hoje grafadas com j: Revista Brasileira: grangeada
(granjeada).
Numerais com grafia diferente da que se tem hoje : Ecos Humorísticos do
Minho, n.3; cincoenta ( cinqüenta), dous (dois), Revista Brasileira: dezeseis
(dezesseis),
Palavras grafadas com z , hoje, grafadas com s: Brazis ( Brasis ), paiz (país),
Ecos Humorísticos do Minho: brazileira (brasileira), portuguez ( português); Revista
Brasileira: franceza ( francesa).
A crase que indica a fusão da preposição a com o artigo a , aparece com o
acento agudo:Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: á estampa , á
publicidade; Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3: ás vezes , á paginação , á
authoridade; Revista Brasileira : á celebridade, á conta , á litteratura , á pag., á ultima
, á franceza , ás grelhas , á ténia , á compilação; Jornal do Comércio: ás minhas, ás
grandes, á expressão , á esta , á aversão.
Observa-se que, quanto à acentuação gráfica, palavras proparoxítonas não
recebem acento: Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e Brasileiros: pallida
(pálida), estatisticas (estatísticas), grammatica (gramática), unicas (únicas), nostalgicos
( nostálgicos) interprete (intérprete), syllabas (sílabas), vocabulos ( vocábulos),
symbolos (símbolos), capitulos (capítulos), tabernaculo (tabernáculo), espirito
(espírito), microscopicos ( microcóspicos), estheticos (estéticos), pincaros (píncaros);
Ecos Humorísticos do Minho, n.2 e 3: critica (crítica), critico ( crítico), brazilicos
90
(brasílicos), caracteristica (característica), alfandega (alfândega), arvore (árvore),
philologica (filológica), discipulo (discípulo), synonymo (sinônimo), analyse ( análise),
typographico (tipográfico), ridiculo (ridículo), classico (clássico), Espirito (Espírito)
poeticas (poéticas), philologo (filólogo), depositos (depósitos), historicos (históricos),
bibliophilo( bibliófilo); Revista Brasileira: chronica ( crônica), pagina (página), fulgido
(fúlgido), merito (mérito), triplice (tríplice), rapida (rápida), colera (cólera), principe
(príncipe), indole (índole), emerito (emérito), animo (ânimo), genero (gênero),
proposito (propósito), geographicas (geográficas), satyras (sátiras), comediographos
(comediógrafos), pontifices (pontífices), benevolas (benévolas), tropicos ( trópicos),
hybrido (híbrido), merito (mérito), cerebro (cérebro), titulo (título), caracteristica (
característica), escrupulo (escrúpulo), humoristicos (humorísticos), satyrico
(satírico),ultima (última); Jornal do Comércio, janeiro e março: escandalo (escândalo),
publica (pública), polemica (polêmica ) Petropolis (Petrópolis), Atlantico (Atlântico),
chronologica (cronológica), satyras (sátiras), prologo (prólogo), epicos (épicos),
benevolo (benévolo), proximo (próximo), licito (lícito), fasciculo ( fascículo), discipulo
(discípulo), rapido (rápido), solidas (sólidas), competentissimo (competentíssimo),
seculos (séculos), questiuncula ( questiúncula), identicos (idênticos).
Palavras paroxítonas , também, não recebem acento: Cancioneiro Alegre de
Poetas Portugueses e Brasileiros: prefacio ( prefácio), instancias ( instâncias), negocios
(negócios), individuos (indivíduos), familia (família), ausencia (ausência),labios
(lábios), linguas ( línguas), proprio ( próprio) terrivel (terrível); Ecos Humorísticos do
Minho, n.2 e 3: exuberancia (exuberância), criterio ( critério), Delias ( Délias),
relogios ( relógios), perspicuo ( perspícuo), respeitavel (respeitável), docil (dócil),
materia (matéria), residencia ( residência), Constancio (Constâncio), Diccionario
(dicionário), terriveis (terríveis), historia (história), irrefragaveis (irrefragáveis),
memorias (memórias), varios (vários), noticia ( notícia); Jornal do Comércio, janeiro e
março: litteraria (literária), represalias ( represálias), escusavel (escusável),
commentarios (comentários) craneo (crânio), patria (pátria), beneficencias
(beneficências), leguas (léguas), sciencia (ciência), patricios ( patrícios), Horacio
(Horácio), revolucionarios (revolucionários), repositorio (repositório); Jornal do
Comércio, janeiro e março: amaveis (amáveis), contemporaneas (contemporâneas),
Tulio (Túlio), Glossario (glossário), proprios (próprios), invejaveis (invejáveis),
possivel (possível), principios (princípios), urgencias (urgências), inevitavel
91
(inevitável), terriveis (terríveis), implacavel (implacável), catarrhineos (catarríneos),
platyrrhineos ( platirríneos), patricios (patrícios).
As palavras oxítonas encontram-se sem o acento nos exemplos: Cancioneiro
Alegre dos Poetas Portugueses e Brasileiros: paiz ( país), Ecos Humorísticos do Minho,
n.2 e 3: ha (há), alguem (alguém); Revista Brasileira: alem (adv.) ( além), tambem
((também); Jornal do Comércio, janeiro e março: ninguem (ninguém).
Emprega o apóstrofo, assinalando a supressão de uma vogal: Cancioneiro Alegre
de Poetas Portugueses e Brasileiros: d’um, d’est’arte, n’esta, n’este, Ecos Humorísticos
do Minho, n.2 e 3: d’aquelle, d’elle, d’esta, lh’as; Revista Brasileira: suggeriu-lh’a;
Jornal do Comércio, janeiro e março: n’um, m’a, mandar-lh’o.
Separação do pronome oblíquo nas ênclises: Cancioneiro Alegre de Poetas
Portugueses e Brasileiros: realisal-a; Ecos Humorísticos do Minho, n.2e3: enthesoural-
o; Revista Brasileira: redul-os.
Usa-se o til como sinal de nasalidade na desinência número – pessoal do
pretérito perfeito do indicativo: Jornal do Comércio, janeiro e março: passarão
((passaram), encontrarão (encontraram), demonstrão ( demonstram), escaparião
(escapariam), notão ( notam), forão (foram), restavão (restavam ), poderião (poderiam)
fizerão (fizeram).
Nota-se , também, o emprego do pronome de tratamento senhor abreviado de
duas formas diferentes: Sr. e Snr.
A ortografia portuguesa nem sempre foi uniforme;inicial, pois, inicialmente, o
que prevalecia era a fonética. Com o advento do pseudo-etimologismo, oriundo de um
conhecimento maior do latim , as palavras escritas passaram a sofrer a influência
etimológica, o que ocasionou várias ortografias.
Essa confusão ortográfica decorrente mais da fantasia de cada escritor foi
interrompida graças a Gonçalves Viana com sua Ortografia Nacional , em 1904, que
se tornou base para todas as reformas simplificadoras.
Ismael de Lima Coutinho (1981) classifica a ortografia portuguesa em três
períodos: fonético, pseudo-etimológico e simplificado.
O período fonético inicia-se com os primeiros documentos escritos em
português e culmina no século XVI. Nesse período, predomina a fonética , pois a
língua era escrita para ser ouvida. O período pseudo-etimológico que se inicia no século
XVI e vai até 1904, é marcado pela predominância das consoantes geminadas e
insonoras, dos grupos consonantais que se atribuíam ao grego e das letras y, k e
92
w,quando presentes nas originárias. O período simplificado inicia-se com a Ortografia
Nacional de Gonçalves Viana, em 1904, e perdura até hoje.
Nos textos da polêmica analisados prevalecem os dois períodos da ortografia
portuguesa:o fonético, o pseudo- etimológico.Do período fonético destacam-se o i
representado pelo y, como nos exemplos lyra, hybrido e symbolos, o g substituído pelo
j, granjeada, o h no meio das palavras, separa as vogais em hiato: sahir, cahir , dahi; o
l aparece geminado no meio e fim das palavras: aquellas, pelle, esfolla; o s simples é
empregado com o valor de ss como em dezeseis.O s ,ainda, aparece iniciando palavras,
sciencia,;consoantes dobradas com valores diferentes das simples, tais como o f, l e
m:offendido,,colligidas e commercio..
O período pseudo-etimológico, sob a influência do latim, restabelece o g nos
vocábulos, tais como benigno,a presença do g, mero sinal etimológico, passou a ser
assinalada na ortografia. Entre os muitos sinais gráficos da ortografia etimológica
citam-se:author, satyra, escriptores.
O período simplificado visou a pôr fim a todos os símbolos de etimologia
grega:th,ph,ch =k , rh e y. Reduziu as consoantes dobradas a singelas, exceto as rr e ss
mediais; eliminou, também, as consoantes nulas, quando não influam na pronúncia da
vogal que as preceda, regulando a acentuação gráfica. O sistema simplificado orienta-se
pela pronúncia , sem olvidar a etimologia e o elemento histórico.
3.3.Questões gramaticais
S. Elia (1975) divide os estudos filológicos brasileiros em dois grandes períodos:
o vernaculista e o científico. O primeiro vai de 1820 a 1880, ou seja, a partir da
gramática de Júlio Ribeiro, e se caracteriza por contradições entre as preocupações
puristas dos conservadores e a dos representantes da nova geração. É o encontro bipolar
entre a corrente classicizante e as dos reformistas que interessa a esta dissertação, já que
se trata da análise de textos referentes à polêmica travada entre Camilo Castelo Branco e
Carlos de Laet, desenrolada no final desse período, sobre a égide da polaridade:
conservadores e representantes da nova geração.
O segundo período, que vai de 1880 a 1960, é o científico, compreendendo a
fase conhecida como de transição (1880 a 1900) que tem, por principal característica, a
93
renovação que prevalece sobre o conservadorismo da época anterior e tem como
representantes Júlio Ribeiro e João Ribeiro.
A polêmica entre esses dois escritores surge devido a uma pequena introdução-
comentário escrita por C. Castelo Branco em uma antologia de poetas brasileiros e
portugueses que tem o título de Cancioneiro Alegre de Poetas Portugueses e
Brasileiros (1879). Nessa crítica, o poeta Fagundes Varela é tratado como Fagundes,
sujeito híbrido dos Brasis e como paulista, quando é fluminense. C. Castelo Branco
destaca em prólogo escrito nos verdes anos pelo poeta dois “erros” gramaticais: o
emprego da forma verbal haviam em vez de havia no trecho “haviam brisas e
passarinhos” e o emprego de lhe em vez de o no trecho “lhe favoreçam”.
A primeira das questões gramaticais, levantadas pelo autor, diz respeito ao verbo
haver, empregado como verbo impessoal. Segundo C. Castelo Branco (1879: 518-9), o
poeta Fagundes comete um erro gramatical imperdoável e faz o seguinte comentário:
Qual é o estadista, o homem de negócios que não se sentiu alguma
vez na vida poeta, que aos ouvidos de uma pallida Magdalena ou
Julieta, esquecendo-se dos algarismos e da estatística, não se
lembrou que haviam brizas e passarinhos, ilusões e devaneios. E
grammatica. Tambem seria bom lembrar-se, aos ouvidos das
Magdalenas e Julietas, que havia regras para o verbo haver, além
de brizas para refrigério da epiderme, e passarinhos para deleite
dos ouvidos.
C. de Laet, ofendido em seu nacionalismo, sai em defesa de Fagundes Varela,
em artigo da Revista Brasileira (1879: 218) mesmo admitindo que o poeta se
equivocara e explica sua posição:
Não é que eu tome partido pelo prólogo do Varella contra a
gramática. Erros grammaticaes! feia cousa na verdade, mas
que, como peccado da adultera, podem ser levados á conta da
humana fragilidade e perdoados por não se encontrar quem lhes
atire a primeira pedra!
94
Para cotejar as questões gramaticais, levantadas na polêmica, utiliza-se a
Grammatica Portugueza de Júlio Ribeiro (1883), que se pauta pela sistematização de
uma prática lingüística em uso, pois, para ele, a gramática se constitui em uma
exposição metódica dos fatos da linguagem, embasando-se no método histórico-
comparativo. Utiliza-se, nesta pesquisa, a 2. edição, publicada em 1885.
Faz-se uso também de a Syntaxe Historica Portuguesa de Augusto Epiphanio da
Silva Dias, 3. edição, publicada em 1917 e a Grammatica Expositiva de Eduardo Carlos
Pereira, 3. edição, publicada em 1911, além da gramática atual de Evanildo Bechara,
Moderna Gramática Portuguesa, 37. edição , publicada em 2004 e da gramática do
Celso Cunha e Lindley Cintra, A Nova Gramática do Português Contemporâneo,
3edição, 2007.
Júlio Nogueira (1930) explica que o verbo haver decorre do latino habere,
resultado da permuta da sonora oclusiva b na contínua v.No período anticlássico
escrevia-se aver , a reposição do h foi devida à influência erudita.
Em sua gramática, J. Ribeiro (1885: 290, §11º.), em que trata de Verbos
Impessoais, explica no artigo 528 e seguintes:
O verbo impessoal , verdadeiro verbo defectivo, porque só é
usado na terceira pessoa do singular; encerra em si um sujeito
impessoal que não se exprime. Art.530:São verdadeiramente
impessoais os verbos que indicam a realização de fenômenos
astronômicos e meteorológicos, tais como amanhecer, anoitecer,
gear, nevar, relampejar, trovejar, ventar, chover, etc..
Art. 531: Existem, sem que sejam impessoais por sua natureza,
muitos verbos que são usados impessoalmente. Destacam-se:
acontecer, bastar, convir, constar, correr, costumar, cumprir,
dar, dever, haver. Art.534: O verbo haver em sentenças como
Ha homens - Ha fructas – Ha Leis, conservando-se transitivo,
assume o caráter de verdadeiro verbo impessoal, e não pode ter
sujeito claro.
Retoma o artigo 163 item 4, p. 75: o verbo chama-se impessoal quando em
accepção própria não póde ter por sujeito um nome de pessoa, ex.: trovejar __
acontecer.
95
J. Ribeiro continua: É tolice a doutrina de Argote, assim formulada por
Vergueiro e Pertence: O verbo haver, empregado no sentido de existir usa-se nas
terceiras pessoas do singular ainda que o sujeito seja da terceira pessoa do plural.
E complementa que não passa de sutileza metafísica, condenada pelos fatos
lingüísticos, a explicação apresentada por Sotero dos Reis (Pastilhas de Grammatica
Geral), na qual o haver é tratado como unipessoal: o verbo unipessoal haver, cuja
significação é a mesma de existir emprega-se ordinariamente com o sujeito gramatical
oculto – classe, gênero, porção, quantidade, número, tempo, espaço etc. – e um
complemento expresso desse sujeito precedido da preposição de também oculta.
Exemplo:
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes. (Camões)
A sintaxe regular nesses casos é: Dizei-lhe que também numero de alguns
traidores portuguezes, ou de entre os Portugueses , houve “algumas vezes”.
Critica J. Ribeiro (1885: 293) a doutrina de Moraes exposta por Freire da Silva
que a apresenta nos seguintes termos:
Muitos grammaticos chamam o verbo haver unipessoal, quando
empregado, como nas phrases seguintes:”Ha homens
extraordinários- Havia iguarias- Si houver tempo, irei visital-
o”. é elle, ao contrario, o mesmo verbo haver pessoal e
transitivo, com a significação de ter ou possuir, derivado de
habere que, em tal caso, é elegantemente usado no singular com
o sujeito oculto, o que facilmente, se subentende pelo sentido ,
como se vê das mesmas phrases que em seguida se acham
repetidas com os sujeitos claros: Ha homens extraordinarios,
isto é, O mundo ha ou tem homens extraordinarios, Havia
iguarias, isto é, a mesa havia ou tinha iguarias, Si houver
tempo, irei visital-o, isto é, Si eu houver ou tiver tempo, irei
visital-o.
Segundo J. Ribeiro, em tais construções, o verbo haver conserva-se transitivo, e
assume o caráter de verdadeiro verbo impessoal; e não precisa mais de sujeito claro do
que chove, troveja, ou outro qualquer. Observa, ainda, que os caipiras fiéis aos
96
arcaísmos da língua, comum à gente do povo, costumam colocar um pronome que
represente o sujeito neutro e impessoal dos verbos impessoais e exemplifica: Elle chove
muito lá. Substituem também ter a haver: Tem muita gente na egreja. Esse uso se
generaliza pelo país, pois até mesmo entre ilustrados há o emprego de haver como
sinônimo de existir: Quando eu me casei, elle já havia. Afirma que só no imperfeito do
indicativo é que usam esse verbo nesta acepção.
Candido de Figueiredo (1891:52-3) expõe que, em havia homens, o sujeito não
deixa de concordar com o verbo, pois o sujeito não é “homens” e repete a lição do Padre
Cardoso Borges:
Em houve homens, havia iguarias; homens e iguarias não são
sujeitos ou nominativos: são complementos objetivos que os
latinos chamavam accusativos. Houve e havia, e todas as formas
d’este verbo, são sempre sinonimos do verbo ter. Houve homens
corresponde a: teve (o mundo) homens; havia iguarias
corresponde a: tinha (a mesa) iguarias. E, assim, em outras
frases, subintende-se sempre um sujeito accommodado ao
complemento objetivo e suas circunstâncias.
Para Silvio Elia (2003), essa utilização do verbo haver é comum na época,
inclusive, utiliza-se dela Eça de Queirós, pois o erro do poeta não passa de uso de uma
forma em extinção.C. Castelo Branco, contudo, mesmo depois de rejeitar essa sintaxe,
usa-a várias vezes. C.de Laet traz à discussão um houveram cousas terríveis, perpetrado
por Camilo e que o próprio escritor usa para condenar Fagundes Varela. C.Castelo
Branco reconhece o erro, mas culpa a tipografia por ele.
C.Castelo Branco (1880: 16-7, n.3) retoma o assunto do verbo haver em sua
última participação na polêmica e justifica:
É de supor que a intelligencia que presidiu á paginação
fiscalizasse as provas, e, no benigno intuito de me corrigir, em
vez de houve cousas terríveis emendasse houveram.e eu
desculpo quem quer que foi; porque, se o sujeito era lido em
Francisco Manuel do Nascimento, corrigiu-me authorisado pelo
grande clássico que em prosa tinha escripto:”Houveram alguns
97
que alumiados da graça do Espírito Santo abraçaram o culto e a
fé de Christo”.
Citando Obras Poéticas de Francisco Dias Gomes, comenta os escritos de
Ferreira Gordo em que utiliza o verbo haver, com sentido de existir, no plural,
parecendo aceitar tal colocação.
A.Nascentes (1942: 80, v.III), no entanto, explica que o verbo haver, empregado
impessoalmente, fica sempre no singular e exemplifica: Nos espaçosos quartos havia
homens, mulheres e crianças em pranto inconsolável( Coelho Neto, O rajá do Pendjab,
II,30) . A complementação verbal indica um objeto direto e não sujeito, tanto que ,se
houver necessidade de substituí-las por pronomes pessoais, são as formas oblíquas o, os,
a, as que aparecem.
Evanildo Bechara (2004) pondera que, nas orações sem o sujeito, o verbo
assume a forma de 3ª. pessoa do singular e exemplifica: Há vários nomes aqui; Deve
haver cinco premiados;Não o vejo há três meses. Observa que os exemplos literários
que apresentam esses verbos no plural não ganharam foros de cidade, como no
exemplo: Houveram coisas terríveis.
Conforme Celso Cunha (2007: 539), o verbo haver é usado em todas as pessoas
ou apenas na 3ª- pessoa do singular, sendo este o motivo da discussão entre C.de Laet
e C. Castelo Branco, e continua: emprega-se como impessoal, isto é, sem sujeito,
quando significa existir, ou quando indicar tempo decorrido. Nestes casos, em
qualquer tempo, conjuga-se tão somente na 3ª- pessoa do singular.
E exemplifica: Havia simples marinheiros; havia inferiores; havia escreventes e
operários de bordo ( Lima Barreto, NCM,16). Cita a frase de C.Castelo Branco
Houveram muitas lágrimas de alegria (V,82) como construção que não deve ser
imitada nos dias atuais.
A segunda questão gramatical, colocada em discussão, é a troca do pronome lhe
por o na construção: lhe favoreçam por o favoreçam, ou seja, a transitividade do verbo
favorecer.
J.Ribeiro (op.cit: 73-4) define:
Verbo é uma palavra que enuncia, diz ou declara alguma cousa.
O verbo implica sempre uma asserção ou predicado. Classifica
o verbo em verbo intransitivo: é o que enuncia um estado, ou
98
mesmo uma acção que não se exerce directamente sobre o
objeto e verbo transitivo é o que enuncia uma acção que se
exerce directamente sobre o objeto.
Explica que essa classificação se funda na natureza do predicado contido no
verbo. O predicado apresenta:
como o estado de um objecto, como o modo de ser desse objecto,
que póde produzir, ou que produz realmente algum effeito sobre
outro objecto, exemplo: ferir- quebrar- amar-odiar. Chamam-se
transitivos estes verbos porque o objecto a que elles se referem
exerce uma acção que actua sobre outro objecto extranho , que
passa para sobre elle. Para que o estado de um objecto
qualquer se nos apresente como transitivo preciso é que envolva
idéia de movimento . E ainda não basta. É também preciso que
esse estado se apresente, em virtude do movimento, como
produzindo um effeito qualquer sobre outro objecto de que taes
qualidades são predicadas, como exercendo acção sobre outro
objecto, ou ao menos como capaz de o produzir.
Segundo ele, o verbo favorecer enuncia uma ação que se exerce diretamente
sobre o objeto e, portanto, requer um objeto direto, sem auxílio da preposição, pois o ato
de favorecer produz um efeito sobre um outro objeto, que se beneficiará da ação.
Fagundes Varela equivoca-se, ao utilizar o pronome-substantivo lhe como se
houvesse uma relação objetiva indireta que juntamente com me, te, se são, hoje,
complemento de um verbo transitivo indireto, portanto, devia ter utilizado o pronome
substantivo átono o, pois há uma relação objetiva direta
A.E.da S. Dias (op. cit: 69) ensina, no capítulo em que trata dos pronomes, que
se empregam como complementos diretos átonos os pronomes: me, te, o, a, nos, vos ,os,
as, se (reflexo), da mesma maneira se empregam como complementos indiretos átonos:
me, te, lhe, nos, vos, lhes, se (reflexo).
A.E. da S. Dias (op.cit: 37) explica que o complemento objetivo representa o que
já existe, quando a ação se realiza como, por exemplo, demolir uma torre. Pode indicar
o que é resultado da ação como construir uma torre. Como regra geral, é transitivo a
99
maioria dos verbos que representam etimologicamente os verbos latinos transitivos
como, por exemplo, ajudar , amar, ler,medir,partir, pedir, pender, vedar, vender.
Para C. Cunha ( 2007: 517), a ligação do verbo com seu complemento pode
fazer-se: diretamente, sem uma preposição intermédia, quando o complemento é
Objeto Direto e indiretamente, mediante o emprego de uma preposição, quando o
complemento é Objeto Indireto.
S. Elias comenta que C. de Laet utiliza um estilo satírico de humanista na pele
de jornalista, apresentando um esvoaçarem-se que C.Castelo Branco usa como
reflexivo. São estas as palavras de C. de Laet (op. cit.: 216):
O mesmo crítico que á citada pg. 519 tanto leva a mal o lhe
favoreça de Varella, á pg. 102, no artigo em que patrioticamente
disputa o titulo de portuguez para o Sr. Gonçalves Crespo,
encarniçando-se em dar caça aos peregrinismos brazilicos, que
erradamente suppõe feição característica da hodierna poesia
brasileira , vae cair sobre umas phalenas a esvoaçarem –se nos
anda-assús – novidade importante , porquanto até o penúltimo
paquete não constava neste paiz de Botocudos que o esvoaçar
também fosse reflexivo.
C. Castelo Branco (1880: 11, n.2), em réplica a C. de Laet, se defende:
Eu não imponho ao snr. Laet a minha infallibilidade em pureza
da língua; mas afouto-me a pedir-lhe que aceite a de Antonio
Feliciano de Castilho, que escreveu( Chave do Enigma, p.210-
2110) “Vivo como que emprestado, semi-pagão, semi-classico,
semi-republicano dos Gracchos, semi-conviva de Mecenas,
semi-Titiro, semi-captivos Corinnas e Delias, e, com tudo isto, a
esvoaçar-me sempre da poesia que foi, ou que se nos figura lá
traz, para outra, que lá adiante ri aos tantos amigos da
humanidade, aos utopistas.
Continua a justificativa, apoiando-se em Filinto Elysio:
100
Ahi tem o snr. Laet o verbo reflexo.O visconde não foi quem
creou o esvoaçar-se: achou-o em Filinto Elysio; mas se o
creasse, a sua authoridade é tão poderosa que nenhum de nós
póde rejeitar moeda nova cunhada por Castilho. O verbo
reflexo, portanto, deve estar ha muito tempo no Rio. Será bom
procural-o na alfândega.
Na Carta ao Cruzeiro (1880: 11-2, n.3), continua a debater a questão da
reflexividade do verbo esvoaçar-se:
Ficou o snr. Laet de procurar na alfândega o esvoaçar-se, mas,
a despeito da authoridade de Filinto e Castilho, não tenciona
enthesoural-o no cofre dos seus verbos reflexos, porque não
acha no esvoaçar-se razão para que seja reflexo.
C. Castelo Branco argumenta:
O illustre escriptor não quer recordar-se das liberdades com
que os regeneradores da lingua portugueza faziam, a bel-prazer
da euphonia, verbos reflexos. Por exemplo, João de Barros,
quando usa o verbo escapulir. Uma vez diz: “Teve Martim
Affonso modo de escapulir d’aquella multidão” III,VIII,5)”s
outros arrenegados quando souberam o concerto quizeram
escapulir”.(II,VII,5)Outras vezes diz: “Os que não puderam
escapulir-se punham em salvo quanto podiam”. (I,X,4)Outro
exemplo no escoar methaphoricamente: “Tiveram os nossos
modos de se escoar d’elles”.( II, VII, 9). E d’outro feitio:”Não
curou de ir de rosto onde elle estava, e foi escoando para
aquella parte onde tinha uma pequena porta”. (II,IX,1).
E, no mesmo estilo satírico do oponente, retruca:
O snr. Carlos Laet não mandou pitanga nem papagaio. Insiste
em presentear-me economicamente com prelecções de língua
portugueza , em um bello folhetim do Jornal do Commercio.
101
J. Ribeiro, em sua gramática, apresenta o verbo pronominal, que aparece na
língua em uso empregado sempre com um pronome objetivo que representa o sujeito,
ex. queixar-se, condoer-se. A distribuição da ação do verbo em recíproca, reflexiva,
está mais para o domínio da lógica do que da gramática. E justifica, citando A. Garrett,
em sua obra Da Educação (1869: 11-2):
O verdadeiro systema de grammatica devêra ser o de
simplificar, mas parece que acintemente não tratam sinão de
augmentar entidades e fazer difficultoso o que é simples e facil,
multiplicando termos e categorias de divisões e subdivisões em
cousas que não precisam . Que quer dizer, por exemplo, verbo
reciproco. É um verbo ativo, nem mais , nem menos, com um
pronome no objetivo, assim como podia ter um nome.
Eduardo Carlos Pereira (1911) explica que verbo reflexivo é verbo ativo, quando
exprime uma ação praticada e recebida pelo próprio sujeito, que é, por isso,
simultaneamente agente e paciente como em Eu me firo. Nomeia como verbo neutro o
verbo que não é ativo nem passivo, pois enuncia apenas um estado ou uma qualidade do
sujeito, que, nesse caso, não é agente nem paciente. Ex. ser, estar, morrer, dormir,
viver, cair, entre outros.
A.E. da S. Dias (op. cit: 104) trata da forma reflexiva no § 133 a):
alguns verbos se empregam unicamente na conjugação reflexa;
como por exemplo: abster-se, jactar-se, gloriar-se, arrepender-
se, que representam verbos latinos reflexos ou depoentes. Sendo
que alguns deles, em certa significação, só se empregam na
conjugação reflexa; tais como: lembrar-se de, doer-se de , ir-se
( embora).No § 135 expõe: o emprego de verbos transitivos na
conjugação reflexa, sendo o pronome complemento indireto,
pertence à linguagem literária.
S. Elia comenta que Sousa da Silveira, em Fonética Sintática, adverte que essa
utilização pronominal aparece na literatura tanto na forma absoluta, como na forma
reflexiva e exemplifica com os verbos enfiar (-se), encaminhar (-se), casar (-se)
recordar (-se) e outros. Explica que, com verbos intransitivos, a partícula se indica
102
espontaneidade da ação e funciona como reforço sintático do aspecto semântico como
em ir embora, ir- se embora; sorrir, sorrir-se; demorar, demorar-se, provando que o
emprego de esvoaçarem-se está na linha desses verbos reflexivos mediais.
E. Bechara esclarece que o pronome se pode juntar-se a verbos que indicam:
sentimento como indignar-se, ufanar-se, atrever-se, admirar-se, queixar-se entre outros
e movimento ou atitudes da pessoa em relação ao seu próprio corpo como ir-se, partir-
se, sentar-se, sorrir-se. No primeiro caso, por não possuir a construção mais o sentido
reflexivo, considera-se o se como parte integrante do verbo, sem classificação especial e
no segundo, os autores costumam chamar o se de pronome de realce ou expletivo.
C. Cunha ( 2007) observa que, na voz reflexiva, o verbo vem acompanhado de
um pronome oblíquo que lhe serve de objeto direto ou, mais raramente, de objeto
indireto, representando a mesma pessoa que o sujeito e exemplifica:
Eu me lavo ( ou lavo-me) e salienta que a próclise é preferida no Brasil e a
ênclise em Portugal.
Queixa-se, ainda, C.Castelo Branco (op.cit: 12) de ter sido injustiçado por
Arthur – o da lendária Bengala Branca – Arthur Barreiros, por ter escrito no
Cancioneiro, contentar-se em vez de contentar-se de. São essas as palavras do autor:
Parece querer indicar-me que eu, se soubesse portuguez,
escreveria contentar-se de...Ora eu,ás vezes, gosto de escrever
mal a minha língua como D. Francisco Manuel de Mello; e
então escrevo como elle nos Relógios Fallantes:”Nenhuma
arvore vereis que se contente em ficar no estado em que a
plantaram”.
J. Ribeiro (op. cit.:306, § 7º-, 575, 15) explica que se utiliza a preposição de
com o verbo, quando indicar o lugar . Exemplo: Parto de Roma.
E. Bechara (2004: 313) expõe que a preposição de indica circunstância de lugar
donde, origem , ponto de partida dum movimento ou extensão. C. Cunha ( 2007),
explica que movimento é afastamento de um ponto, de um limite, procedência, origem,
estendendo-se essa regra ao uso da preposição em utilizada, na citação de Francisco
M. de Mello; caso que se aplica à questão estudada, não cabendo razão a Arthur
Barreiros, pois ambas são corretas.
103
C. Castelo Branco (1880:12,n.2) encerra a questão em tom jocoso e ferino como
lhe é peculiar:
Os senhores escriptores brazileiros, que me enviam prelecções
de linguagem portugueza, se me quizerem obsequiar d’um modo
mais significativo e proveitoso, mandem-me um papagaio, uma
cotia e alguns frascos de pitanga.Quanto a linguagem, muito
obrigado, mas não se incommodem.
3.3.1.O estrangeirismo em Camilo Castelo Branco
E. Bechara (2004:599) explica que estrangeirismo é o emprego de palavras,
expressões e construções alheias ao idioma que a ele chegam por empréstimos tomados
de outra língua. Entram no idioma por um processo natural de assimilação de cultura ou
de contigüidade geográfica, que assumem feições nacionalistas e políticas, aos olhos
dos puristas, pois o associam à subserviência e à degradação do país, esquecendo-se de
que a língua, produto social, registra os contatos com outros povos.
Mario Barreto (1911: 357) também faz referência à polêmica entre C. Castelo
Branco, que considera um dos maiores mestres em linguagem e um dos escritores mais
beneméritos do nosso idioma, e do ilustre acadêmico C. de Laet, que levanta a questão
do uso de galicismos por parte de C.Castelo Branco:
Uma das questões versava sobre a expressão perder a cabeça,
empregada pelo romancista português à página 34 da tradução
que fez para o livro de Feuillet, -_Le roman d’um jeune homme
pauvre.Camilo Castelo Branco traduziu por perder a cabeça o
perdre la tête do original francês Ce n’était rien d’abord; mais
on s’échauffe et on perd la tête, tu sais, que foi taxado por
galicismo por G. Bellergarde e Carlos de Laet , abalizados em
parecer do Cardeal Saraiva e de Silva Túlio.
Responde, prontamente, C. Castelo Branco (1880, n.3,p.12):
Que eu em romance empregára a locução gallicista: perder a
cabeça, e apóia-se no respeitável Sr. Tullio, muito dócil
104
discípulo do antiquado D. fr. Francisco de S. Luiz. Dizemos –
perder o juízo, o tino, a razão.
E justifica, citando o Padre Antônio Vieira (to.XV, pág.182) que utiliza a
expressão Homem de tanta cabeça, no lugar de homem de tanto juízo ou talento.
Continuando:
Nós dizemos frequentemente perder os passos, e perder a
coragem, perder o caminho. Não o digamos pois, porque os
francezes dizem: perdre courage, e perdre ses pas, perdre son
chamise.
Acusa C. de Laet que, em questões de linguagem, apresenta ranço filológico de
1820, pois, segundo ele, C. de Laet diria que perdre son chamise traduz-se por errar o
caminho, porém o mestre João de Barros explica que ambas estas cousas abateram e
espaldearam tanto a armada que perderam o caminho (Década.III,I,6). Candido de
Figueiredo (189: 160), porém, explica que a cabeça não se perde, senão em francês, o
que o rapaz perdeu é o tino, tresvariar, desorientar-se ...
M. Barreto (1911) pondera que o escritor utiliza a locução figurada perder a
cabeça em outros livros, em que a palavra cabeça aparece metonimicamente e
exemplifica:
José Francisco, logo que viu Silvana, perdeu a cabeça, (Anos de prosa, cap.
XXII, p. 217).
Ó meu filho! – exclamou Ricardina – torna a dizer...diz...,que a minha cabeça
esta perdida.(O retrato de Ricardina, cap. XXVIII, p.2720).
Pois se sabe....admira-se, o sr. Eduardo, que eu perca a cabeça! (Coisas
espantosas, cap. XXXIV, p.211).
Em fim, o homem perdeu de todo a cabeça, e foi levado ao hospital S. José,
onde viveu pouco tempo. (As virtudes antigas, p. 193).
A locução qualificada de galicismo pelo filólogo Frei Francisco de S. Luís
encontra guarida nos escritores como Almeida Garrett, Antonio Feliciano de Castilho e
Rebelo da Silva:
Começa-se a irritar de novo a sanha popular; Martim Rodriguez perdeu a
cabeça. (Almeida Garrett, O Arco de Sant’Ana, t.I, cap. XVI, p. 172)
105
Tenho a cabeça perdida .(Castilho, Camões, drama, ato III p. 127,2. ed.)
Meu Deus iluminai-me!- gritou D. Pedro, perdendo a cabeça e sentindo
recrudescer as dores físicas com a intensidade desta agitação. (L. A. Rebelo da Silva ,
A mocidade de D. João V, t.II, p.90)
Lancei – me ao mono, alucinei-me, perdi a cabeça, em fim! (Id.,ibid.,p.177).
A frase perder a cabeça quer dizer em português perder o siso, perder o tino,
perder o juízo, perder a razão, perder o entendimento, enlouquecer. São metáforas, que
indicam imaginação, memória, engenho, entendimento, mente, ou seja, a faculdade
superior da alma, assim como em sentido reto a parte principal e superior do corpo.
Os franceses também utilizam essa expressão metafórica, o que não impede o
seu uso em língua portuguesa, sem que se corra o risco de enquadrá-la em galicismo.
Para Miguel Bréal, em Ensaios de Semântica, as metáforas não estão atreladas à língua
em que nascem, quando justas e expressivas, viajam de idioma em idioma,
transformando-se em patrimônio do gênero humano.
A expressão perder a cabeça que é uma metonímia, espécie de metáfora,
designa a passagem do físico para o moral, ao tratar de afetos e de qualidades morais em
geral, com o nome das partes ou órgãos do corpo a que se costuma referi-las, ou que
são havidas como seu verdadeiro instrumento. Defendida por Heráclito Graça, em Fatos
da Linguagem, fica justificada e reabilitada, pois se trata de uma das transformações
classificadas pelos gramáticos em figuras, ou tropos.
C. Castelo Branco ( 1880: 13, n.3), para se proteger dos ataques de C. de Laet,
utiliza uma poesia de Garção (1724-1772), ( Pedro Antônio Correa Garção foi um dos
mais ativos animadores da renovação arcádica), que retrata as mudanças sofridas pela
Língua Portuguesa através do tempo, deixando claro que o poeta citado é mais racional
e progressista que o contendor, ou seja, que este é arcaico e ultrapassado , pois não
admite que as línguas mudem com o passar dos anos.
Imite-se a pureza dos antigos,
Mas sem escravidão, com gosto livre,
Com polida dicção, com phrase nova,
Que a fez, ou adoptou a nossa idade;
Ao tempo estão sujeitas as palavras;
Umas se fazem velhas, outras nascem...
Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes:
Camões dizia imigo, eu inimigo;
106
O ponto está que ambos expliquemos
Aquillo que pensamos: a energia
Do discurso e da phrase não consiste
No feitio das vozes, mas na força...
( Satyra II)
Outro galicismo apontado por C. de Laet (1880a), no desenrolar da polêmica,
refere-se ao vocábulo adresse, utilizado por C. Castelo Branco em Esboços de
Apreciações literárias: Nos Esboços de Apreciações Litterarias, pág.102, encontra-se o
vocábulo adresse, que, aliás vem mencionado entre os gallicismos no Glossário de Fr.
Francisco de S.Luis.
Contesta C. Castelo Branco ( 1880: 13, n.3), justificando o erro, como da outra
vez, responsabilizando o tipográfico:
Accusa-me outrosim de ter escripto nos Esboços de Apreciações
litterarias o vocábulo adresse que é gallicismo. Confunde o snr.
Laet com duvidosa boa fé um erro de imprensa com um
inconsciente gallicismo. No livro, a pág.102, lê-se:”Os
apparatosos adresses com que a analyse se nos impõe é vaidade
de crítico”.Isto não se percebe; mas se o snor Laet ler adereços
( atavios) , como eu escrevi, entende logo a idea, e o erro
typographico.
Continua a justificar-se:
Note, porém, sua senhoria: se eu houver de dar a alguém um
cartão da minha residencia, digo-lhe á franceza: “aqui tem a
minha adresse”, porque me parece muito copioso, diffuso e
quase ridículo dizer-lhe, á portugueza, como quer o cardeal
Saraiva: “Aqui, tem o bilhetinho da rua e casa onde eu moro.
C. de Laet revida ao ataque, primeiro defendendo o filólogo Frei Luís de Sousa,
da pecha de ultrapassado, em quem se apóia Silva Túlio, muito dócil discípulo do
antiquado D. Frei Francisco de S. Luís, em seguida, argumenta:
107
Com effeito é difuso, é; mas não ha mister de tanta cousa...Basta
dizer simplesmente: aqui tem o meu endereço. Se o Sr. Castello
Branco der-se ao trabalho de tornar a abrir o seu Constâncio, lá
encontrará que- endereço também significa o bilhete de visita
em que está escripto o nome da pessoa e a sua moradia; que é
pouco usado; mas merece sê-lo, porque não temos outro
equivalente para o francez adresse, neste sentido.
Outro galicismo apontado por C. de Laet é affectado em affectado de doença
moral, que se lê no romance O Esqueleto, na página 101. Segundo o autor, o próprio Sr.
Castello Branco algures o cataloga como palavra alheia da contextura do Idioma
Portuguez.
C.Castelo Branco (1880, n.3), no entanto, irônico, alega que encontra a resposta
ao abrir o Dicionário de Constâncio, em que se lê: Afecção , doença, moléstia.
Afecctado , tocado de doença, de paixão. E depois escrevo: Affectado de doença moral,
e cuido que escrevi clara e portuguezamente a minha idea.
C. de Laet ( 1879: 216) utiliza o anglicismo steeple-chase, termo utilizado no
turfe, que quer dizer corrida de obstáculos:
Esta boa gente, incapaz de rejeitar subscripção e muito digna de
arrear-se com Villa Viçosa, quando por milagre não tenha já
galgado a baronia no steeple-chase das beneficencias
pregonizadas aos quatro ventos – essa honrada gente, digo, é o
alvo primeirop das satyras de todos os folhetinistas...
Candido de Figueiredo (1891:136) dá o seguinte tratamento aos estrangeirismos:
Francezismos ou gallicismos, italianismos, germanismos, cafrealismos, de tudo temos,
louvado Deus. O que não podemos é deitar tudo para o barril do lixo; mas é
indispensável joeirar todos os estrangeirismos, para separarmos o trigo do joio.
Eduardo Carlos Pereira (1911: 138-9), ao tratar dos vícios de linguagem, explica
que barbarismo é o emprego de termos estranhos à língua, seja na pronúncia viciada, na
significação errônea, ou de uso de termo estrangeiro desnecessário.
Assim, classifica-se o erro de C. Castelo Branco em barbarismo por
estrangeirismo, relacionado como parte desse rol:
108
abat-jour em vez de quebra-luz, bouquet em vez de ramalhete ou
ramilhete, deboche em vez de devassidão, successo em vez de
victoria, bom exito , entre outros.O próprio termo extrangeiro,
vem do francês, chama –se francezismo ou gallicismo; do
italiano, italianismo; do hespanhol, hespanholismo; do inglez ,
anglicismo; do allemão, germanismo. Se o termo estrangeiro
não tiver correspondente em português, deixará de ser
considerado vício.
J. Ribeiro (op. cit.: 329,VI,1) apresenta como vício lexeológico o barbarismo,
que consiste em usar palavras ou phrases extranhas á língua.Cita como exemplo
Afroso, abat-jour em vez de quebra-luz.
Para Antenor Nascentes (1942), estrangeirismo é uma fatalidade de que não se
pode fugir, mas só o indispensável, o insubstituível deve ser aceito e cita como
exemplos foie-gras, foot-ball necessários e já enraizados na língua, mas expõe que um
termo peregrino para se incorporar à língua deve se despir do seu caráter heterogêneo,
do mesmo modo que um estrangeiro não pode naturalizar-se sem sujeitar-se às leis do
país, logo deve escrever futebol, clube, bonde entre outras.
Os puristas dão-se ao trabalho de forjar vocábulos novos em substituição aos
estrangeirismos; esses vocábulos chegam a ter alguma vitalidade como cardápio do
latim charta dapum, lista de iguarias (menu); convescote, do latim convivium, banquere,
e de escote, banquete por meio de quotas (piquenique); vesperal, do latim vésper, tarde
(matinée). O estrangeirismo, às vezes, afeta a prosódia como placet, rosedá, acentuados
à francesa, outras vezes o gênero como o filoxera, por imitação ao francês, em que são
masculinos os substantivos terminados em a.
G. C. de Melo explica que José de Alencar tem uma posição antipurista e
acolhedora a respeito de galicismos. Afirma que, sendo uma palavra introduzida na
língua, por um escritor ou por uso geral, ela se torna nacional como qualquer outra e
fica sujeita às regras do idioma que a adota.
G. C. de Melo ressalta, entretanto, que galicismos não são marcas de brasilidade,
há tanto no Brasil como em Portugal, não só no falar do povo português, como na
língua descuidada de alguns jornais, ou até mesmo em obras de bons escritores e alerta
que é preciso cautela em tachar um vocábulo de galicismo vicioso, pois a língua
portuguesa é rica e vem do mesmo tronco da língua francesa, o que acarreta uma
109
extensa faixa de coincidência de fatos nos dois idiomas. Muitas das classificações de
galicismo decorrem de precários conhecimentos da boa língua portuguesa.
C. de Laet, conhecedor de Horácio, utiliza-se de frases e expressões latinas em
seu texto como amphora coepit institui...urceus exit,çomeçou-se fazer uma ânfora, e
saiu um pote (1879: 216) ou non ego paucis offendar maculis, eu não me ofenderei com
pequenas imperfeições (op.cit: 218), nota bene. (1880a).
Dos galicismos utilizados por C. Castelo Branco, o que permaneceu na língua
em uso no Brasil é perder a cabeça, pois afetado de doença moral e adresse, não
vingaram, visto que o último tem na palavra endereço o seu correspondente português,
como bem justificou C. de Laet, o que torna o adresse desnecessário.
3.3.2.Carlos de Laet e a topologia pronominal
Na Revista Brasileira (1879: 215), C. de Laet apresenta a seguinte colocação
pronominal:
Com pezar o digo: após alguns momentos de rapida leitura cruel
foi o desencanto. Entibiou-se o fervor dos entusiastas; e a
gratidão dos que jubilavam-se com ver o princepe dos
novelleiros portuguezes fraternalmente applicado ao estudo da
litteratura brazileira, transformou-se em desgosto, e logo depois
em cólera que já fez explosão em duas cartas-descomposturas- e
ameaça provocar mais serias represalias.
Relacionam-se outros exemplos de colocação pronominal em que o contendor
privilegia a ênclise em detrimento da próclise:
[...] protesto sómente, porque doe-me ver o talento deprimido pelo talento e o
merito real espisinhado pelo immoderado e truanesco desejo de galhofa. ( 1879: 218)
Até aqui quanto á litteratura brazileira, de que com mais individuação
competia-me tratar...( 1879: 219).
Quanto ao outro, é realmente engraçado que o Sr. Castello Branco averbe se
suspeito o Sr. Silva Tullio, em cuja autoridade apoei-me, e não duvide dizer que elle é
“muito docil discipulo do antiquado D. Frei Francisco de S. Luis”. (1880b)
110
[...] não li adereços onde estava adresse nem houve onde encontrava-se
houverão.( 1880 b)
Os typographos e revisores são uns homens despiedosos que muitas vezes põe-
nos em talas. (op. cit,1880b)
Se o Sr. Castello Branco der-se ao trabalho de tornar a abrir o seu Constâncio..
(op.cit, 1880b)
Todos esses varões, como apurou-se da recente indagação do Sr. Castello,
fizerão concordar o verbo haver com o pseudo-sujeito do plural...( op.cit.,1880b)
Qualquer que seja a decisão do Sr. Castello Branco, desde já apresto-me para
reconhece-la excellente.(op. cit., 1880b)
C. de Laet costuma, em seus escritos de início de carreira, utilizar a ênclise do
pronome átono em orações subordinadas, contrariando as gramáticas que determinam a
próclise; no entanto, esse procedimento, usual na época, acomete muitos escritores de
envergadura como Rui Barbosa .
Foi com a publicação da Réplica de Rui (1902) e dos consultórios de linguagem
de Cândido de Figueiredo, publicados em seção do Jornal do Comércio e de suas outras
obras como O Que Se Não Deve Dizer (1903) e O Problema da Colocação dos
Pronomes (1909), contaminadas pelo purismo que segue, é que passa a ganhar maior
destaque esse fato lingüístico, antes de estilo do que gramatical.
G. C. de Melo (1955) cita o trabalho de Said Ali Dificuldades da língua
portuguesa (1930) sobre a questão pronominal, tão discutida nos meios acadêmicos,
que põe fim à discussão, ao enfatizar que a colocação dos pronomes oblíquos na frase
decorre da pronúncia e da entonação. Pertence mais ao campo da fonética que da
sintaxe. Como a fonética brasileira é diferente da fonética portuguesa, logo diferente
será a posição dos pronomes-objetos na frase.
A justificativa do autor embasa-se no princípio de que os fenômenos lingüísticos
são históricos e estão em constante evolução, cabendo à gramática observar e registrar
esses fatos. Se, em Portugal,é certa a colocação peculiar do pronome por ser de uso
geral, certa será no Brasil a forma utilizada, por ser, também, de uso comum aos
brasileiros.
No entanto, ressalta G.C. de Melo que a aceitação desse fato não implica o
reconhecimento de uma língua brasileira. Poucos observam a colocação pronominal,
estabelecida pelas gramáticas, pois a maioria dos escritores brasileiros foge da rigidez
111
da disciplina pronominal lusitana, fato que também tem acometido muitos escritores
portugueses.
E. Bechara (2007) corrobora com G. C. de Melo e explica que alguns estudiosos
da língua, com o intuito de privilegiar a influência de língua indígenas e africanas no
Brasil, atribuíam a colocação de pronome, ao ritmo pausado, quando na realidade essas
características são do português pré-clássico. Até o século XVI, predomina na escrita a
próclise, posteriormente , com o fortalecimento da sílaba tônica, prevalece a ênclise;
pois, por ser a átona final, o acento frásico apóia-se na sílaba tônica da palavra, logo
torna as palavras átonas em enclíticas.Essa tendência oriunda do século XVI prevalece
no português em uso no Brasil e nas modalidades africanas.
Quanto à colocação pronominal, nas Instruções Metodológicas para execução do
programa de português, expedidas pelo Ministério da Educação e Saúde, redigidas por
Sousa da Silveira, lê -se: a respeito da colocação dos pronomes pessoais átonos evite-se
estreiteza de visão, recomendando que se evite iniciar o período por variação
pronominal átona, mas que se tolere este fato no diálogo familiar e na correspondência
íntima. Aconselha-se, ainda, o uso de próclise nas orações negativas e a ênclise na
obtenção de efeitos estilísticos. Exemplifica com o poema Pedro Ivo de Álvares de
Azevedo:
Lava-se o poluir de um leito impuro.
Lava-se a palidez do vício escuro;
Mas não lava-se o crime!
Justifica a colocação em ênclise, pois o verbo ganha mais força de expressão do
que teria com a próclise: Mas não se lava um crime, porém aconselha-se a próclise nas
orações subordinadas, caso demonstrado em C. Laet, bem como nas exclamativas e
optativas do verbo no subjuntivo e sujeito anteposto ao verbo: Deus te guarde! A terra
lhe seja leve! Questões que não exigem o rigor do escritor, dependendo mais do gosto
de quem escreve.
Uma das regras mais imperiosas a respeito da questão é a que proíbe o uso de
próclise ou ênclise com os particípios passados. Assim, não quer dizer anarquia em
relação à colocação pronominal, torna-se necessário seguir as tendências respeitáveis,
que se apreendem dos bons escritores.
Na gramática de E. C. Pereira (op.cit: 136), encontra-se a questão da colocação
dos pronomes oblíquos: me, te, se, o, lhe, nos, vos, os, lhes como proclíticos nos
seguintes casos: nas frases negativas como em Não me feriu; nas ligadas pelos
112
conjuntivos que, quem, o qual, cujo, quanto, onde, quando, enquanto como em Declaro
que se foi ou Quando se entra na sala, sente-se calor. Explicação que atesta a
irregularidade na colocação pronominal de C. de Laet.
A. E. da S. Dias (op.cit: 315, 6) explica alguns casos em que se antepõem, de
preferência, os pronomes pessoais átonos:
1. quando antes do verbo estiverem as palavras todo, sempre, já, só, em que
naturalmente recai ênfase, ou a que se pretenda dar realce.
Exemplo: Quem está em ventura, a formiga sempre o ajuda.
2. quando a oração é precedida de uma oração adverbial, ou é uma nova oração
principal, principalmente, se ligada por conjunção.
Exemplo: Como o caçador espreita o leão tomado no fojo, os visigodos os
vigiavam, esperando o romper da alvorada. ( Herc., Eur., 27).
3. Se o verbo é de oração subordinada de modo finito.
Exemplo: Quero que lh’o digas.
Antenor Nascentes (1942: 152-3, v. II), porém, elucida que os pronomes
pessoais oblíquos se apegam aos verbos e, por isso, a sua colocação pode variar, ou seja,
antes ou depois do verbo, observando que, da mesma forma, se coloca um adjetivo antes
ou depois de um substantivo, um advérbio antes ou depois de um verbo, segundo a
harmonia ou a frase exigir, o mesmo se fará com o pronome pessoal oblíquo.
O autor ressalta que o uso da próclise e ênclise no tocante aos pronomes pessoais
oblíquos, regula-se, exclusivamente, pelo ouvido. Ele se colocará antes ou depois do
verbo, de acordo com a exigência do ouvido de cada um, mas salienta que não é
considerada elegante na escrita em proposições subordinadas a utilização da ênclise,
admitindo que soa melhor a próclise. Exemplo: Logo que o fato se der, venha cá. Em
matéria de colocação de pronomes, não há certo nem errado; há elegante e deselegante.
Fernando Tarallo (1990) observa que a colocação dos pronomes não se
modificou, através do tempo, pois se continua a utilizar a ênclise com verbos na forma
infinitiva e nas orações independentes. Assim, também, nos casos de orações encaixadas
de períodos sintáticos, a norma utilizada é a da próclise nas orações subordinadas.
C. Castelo Branco, em seus textos, utiliza a próclise com mais freqüência,
seguindo as normas postuladas nas gramáticas consultadas, o que se constata nos
exemplos que seguem:
É bastante citado este paulista, e tão lido cá, ao que parece, que a especulação
o reimprimiu no Porto em 1875...( 1879: 203)
113
[...]Fagundes não reputa indivíduos escorreitos os fabricantes de rimas, e
applaude os que lhes cospem sarcasmos. (op.cit.: 204)
Os senhores escriptores brazileiros, que me enviam prelecções de linguagem
portugueza, se me quizerem obsequiar d’ um modo mais significativo e proveitoso,
mandem-me um papagaio, uma cotia e alguns frascos de pitanga (1880: 12, n.3).
Isto não se percebe; mas se o snr. Laet ler adereços(atavios), como eu escrevi,
entende a idéa, e o erro typographico.(1880:14, n.3)
[...] porque me parece muito copioso ,diffuso e quase ridículo dizer-lhe á
portugueza [...]( op.cit: 14)
Se o revisor que me fez do houve um abominável houveram, me corrigiu atido á
authoridade de tal mestre, procedeu judiciosamente[...](op.cit: 16).
3.4.Questões de estilo
C. Cunha (2007: 2), embasando-se em Jules Marouzeau, apresenta a distinção
entre Língua e Estilo. Classifica a primeira como a soma dos meios de expressão de que
dispomos para formar o enunciado e o segundo, o aspecto e a qualidade que resultam
da escolha entre esses meios de expressão.
Estilo para J. Ribeiro (1885: 327) é:
o modo peculiar de fallar e escrever que tem cada homem: quem
o determina é a natureza: quem o corrige é a observação. A
palavra estilo conhecida pelos gregos, foi -nos legada pelo
latim. Em sua forma original significa estilete; o ponteiro que os
antigos utilizavam para gravar a escrita em tábuas enceradas.
Posteriormente, passou a significar a maneira de escrever
peculiar a cada indivíduo.
Júlio Nogueira (1930), ao se referir ao trabalho dos indianistas José de Alencar
e Gonçalves Dias, explica que eles devem ser apreciados mais pelo ardor da imaginação
e beleza de estilo do que pela verdade histórica. Esclarece que estilo é a maneira pessoal
com que cada autor arranja as palavras e frases de sua composição. Salienta, no entanto,
que nem sempre se manifesta de forma clara.
114
O estilo é um fenômeno natural de ordem psicológica. Demonstra a tendência do
indivíduo: na escolha dos termos, na disposição das frases, na escolha das imagens, na
pompa ou na simplicidade do texto, no artifício ou na naturalidade da exposição, sendo
esse conjunto de preferências que determinam um escritor.
G. Chaves de Melo, na introdução do romance Senhora de José de Alencar,
publicado em 1955, trata da questão língua e estilo, imprescindíveis à discussão em
torno da língua brasileira. Expõe que a distinção entre língua e estilo se estabelece com
a dicotomia langue e parole de F. Saussure. Para ele, a língua consiste em um sistema
de sons, flexões, de terminações, de relações entre as palavras na frase. É um produto
social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas
pelo corpo social que permitem aos indivíduos a comunicação. A palavra ou discurso é
a execução individual da língua, isto é, o uso pessoal inerente a cada falante do sistema,
da língua.
A língua é, pois, um fato social, que está na consciência ou no subconsciente dos
homens de uma comunidade lingüística. O indivíduo, ao nascer, aprende a língua de sua
comunidade.Ao falar, põe em prática esse material lingüístico, escolhendo,
selecionando, ou inovando.A palavra é o uso individual da língua, englobando o
material lingüístico preexistente e criação.A palavra põe em ato a língua e a enriquece.
Ao utilizar a língua no discurso, o indivíduo demonstra a sua personalidade, ou
seja, a vontade, a inteligência, o temperamento, o gosto, a educação, a sensibilidade, a
afetividade, a emoção, a paixão, o senso estético. Logo, o discurso é o estilo e o estilo é
o homem. É o discurso, o estilo que determina uma obra de arte.
Para G. C. de Melo (op.cit.), se há um estilo individual, haverá, também, um
estilo nacional, ou seja, se existe um espírito nacional, um temperamento, um caráter,
uma sensibilidade, um modo-de-ser nacional, existirá uma expressão lingüística que
reflita esse modo-de-ser da comunidade; portanto, ao lado da língua nacional, há um
estilo nacional.
A mesma língua, no entanto, comporta mais de um estilo nacional, pois ela
carrega mais de mil estilos individuais, sem que se desfigure ou perca o sistema,
propiciando vários estilos nacionais, possibilitando a língua portuguesa com estilo
brasileiro, ou seja, é o mesmo sistema gramatical em que se expressa Camões, mas com
um modo de expressão, uma escolha lexical e algumas criações que melhor se ajustem e
que correspondam ao espírito, à alma, ao temperamento, à sensibilidade brasileira.
115
Em síntese, o português usa a língua portuguesa, conforme o temperamento luso,
ou seja, com estilo português, e o brasileiro usa a mesma língua, mas fundamentada no
temperamento e no estilo brasileiro, pois é esse estilo, que, fortalecido pelo romantismo,
gera confusão, entre observadores e doutrinadores superficiais, a respeito da existência
de uma língua brasileira.
Quando um autor, como José de Alencar, consegue atingir o âmago da alma
nacional, por possuir um temperamento brasileiro, proclama-se que escreve em língua
brasileira, rompendo os grilhões que mantêm os brasileiros cativos a Portugal.
Ao cotejar a 3. edição de Iracema, (1955: 191), encontra-se o argumento de J.
de Alencar: entretanto, poucos darão mais, se não tanta importância à forma do que
eu; pois entendo que o estilo é também uma arte plástica, por ventura muito superior a
qualquer das outras destinadas à revelação do belo.
O estilo brasileiro de Alencar se faz notar nesse espírito, no modo de ver e de
sentir, que dá a nota mais íntima da nacionalidade, impressa em toda sua obra, que se
concretiza no vocabulário brasileiro, nas comparações e imagens que retratam a terra e a
paisagem brasileiras.
É esse estilo brasileiro, eivado pelo nacionalismo, que está impresso na fala de
C. de Laet (1879: 216), ao se referir aos portugueses que aqui enriquecem e, orgulhosos,
retornam a Portugal: Tivesse eu o talento do Sr. Castello Branco e sobre meus hombros
tomaria a árdua tarefa de ensaboar esse typo – o ricaço pseudo-brazileiro – para que
perante a historia comparecesse desinficionado das chalaças com que o seringa o
espírito portuguez...
Nacionalismo perceptível, não só nos textos de C. de Laet, como também nos de
C. Castelo Branco (1880, n.2, p.11 e 2):O snr. Carlos Laet não mandou pitanga nem
papagaio. Insiste em presentear-me economicamente com prelecções de língua
portugueza, em um bello folhetim do Jornal do Comércio.
3.5. Nacionalismo Lingüístico
A polêmica travada entre Carlos de Laet e Camilo Castelo Branco é um
documento histórico-lingüístico, que se pauta em questões gramaticais, mas que, no
calor da contenda, desencadeia questões de cunho nacionalista, retratando o momento
histórico da época.
116
As escolhas lexicais dos contendores demonstram os ressentimentos gerados
pela Independência do Brasil com a perda da colônia produtiva, por parte de Portugal e
no Brasil, pelo clima de independência sócio-político-econômico que grassava na
sociedade em formação que se estenderia à cultura, ao professar uma língua brasileira,
independente da língua de Portugal.
C. Castelo Branco (1879), em crítica ao poeta Fagundes Varela, seleciona uma
das primeiras poesias do poeta, pobre, realmente de rima e inspiração, com roupas de
nacionalista, e o expoente do romantismo português censura-o:
[...] que havia regras para o verbo haver, além de brizas
para o refrigerio da epiderme, e passarinhos para deleite
dos ouvidos. Em poesia, um sabiá não substitue a syntaxe, e
as flores de ingá que rescendem no jequitibá não disfarçam
a corcova d’um solecismo
Faz uma alusão à Língua Portuguesa em uso no Brasil, porque, aqui, segundo
C.Castelo Branco, o sabiá substitui a sintaxe e as flores de ingá nascem no jequitibá,
pois o que prova para o crítico, que a gramática portuguesa, em uso no Brasil é confusa,
enquanto “brinca” com as palavras sabiá, jequitibá e ingá do vocabulário tupi.
C. de Laet acusa C. Castelo Branco de propositalmente escolher a medíocre
poesia Canção Lógica ao invés dos Cantos do Ermo e da Cidade , na qual se revela o
poeta Fagundes Varela.( 1879: 218)
[...] e por isso deixa de fazer-lhe justiça para apontar
com dedo inexorável as corcovas de um solecismo de um prologo escrito
ao correr da penna, e producção dos primeiros annos, acabando por dar
ao autor dos Cantos do ermo e da cidade a galante denominação de-
sujeito hybrido dos Brazis.
C. Castelo Branco deseja preservar uma norma culta portuguesa e C. de Laet,
um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, persegue, também, esse ideal, mas
ambos eivados pelo nacionalismo nascente.
Os contendores respeitam-se mutuamente. C. Castelo Branco refere-se a C. de
Laet como ilustre escritor que, com espírito zeloso do purismo da língua, delicadeza e
117
latim, encetou críticas, mas não deixa o tom irônico, como se pode observar na
passagem pareceu-me benigno e delicado o Sr. Carlos de Laet.
C. de Laet trata o oponente como detentor de um estilo sempre castiço, sempre
fluente, sempre colorido, sempre natural e tão atrativo que, virada a última página e
descontentes de quanto se tenha lido, não se dá por tempo perdido o consumido na
leitura, completando que, por sua estatura literária, C. Castelo Branco se avulta como
um semideus, mas não se omite em chamá-lo de “ortopedista de aleijões sintáticos”.
Na Revista Brasileira (1879), C. de Laet demonstra sua indignação a respeito do
tratamento dispensado a poetas portugueses e brasileiros por parte de C. Castelo
Branco. De início, o brasileiro atém-se à defesa de todos, mas se detém mais em
Fagundes Varela, que foi representado por um poema, escrito no início da carreira,
recebendo o alcunha de sujeito hybrido dos Brazis.
C. de Laet (1879: 216) enaltece o novelista famoso, porém coloca em dúvida as
suas aptidões de crítico literário e chama o livro Cancioneiro Alegre dos Poetas
Portugueses e Brasileiros de livro de pulhas. Acusa-o, como parte de seus compatriotas,
de nutrirem preconceitos não só a respeito da literatura como da maneira de viver dos
brasileiros: grande cópia de preconceitos relativos á litteratura e modo de viver
brazileiros.
Ao defender Fagundes Varela, demonstra a insatisfação quanto ao tratamento
dos portugueses e, principalmente do contendor, dispensado às coisas do Brasil,
destacando o comportamento preconceituoso de C. Castelo Branco em relação aos
portugueses que, após ganharem dinheiro no Brasil, voltavam a Portugal orgulhosos em
demonstrar a sua pujança, mas que, na pena de C. Castelo Branco, se transformavam em
mercieiros brazileiros que tinham em Fagundes Varela o seu intérprete.
A escolha lexical de C. Castelo Branco ao tratar Fagundes Varela de sujeito
hybrido dos Brazis demonstra o clima de descontentamento reinante em Portugal. Essa
expressão tem uma conotação que supera a intenção pejorativa do autor, é de cunho
nacionalista, pois afirma a composição na raça brasileira de outras etnias, em um Brasil
não só português, mas já brasileiro. Admite o debatedor o surgimento de uma nova
nação, permeada pelo temor do nascimento de uma língua brasileira.
Sintetiza esse pensamento na frase em que se refere à falta de inspiração do
poeta: Não o faz por menos, e prova-o n’esta canção que denota paiz novo e arvore
nova de muita seiva um pouco atacada de pulgão e lagarto, em que faz referência à
nação brasileira como país novo,representada na língua portuguesa árvore nova de
118
muita seiva, mas contaminada por pulgões e lagartos trazidos pelos povos e culturas
que compõem a raça brasileira.
C. de Laet, no entanto, sente-se atingido em seus brios nacionalistas e aponta
erros na escrita daquele que se coloca como juiz, dando bordoadas de cego. Replica C.
Castelo Branco (1880, n.2), ofendido com a denominação livros de pulhas, auferida
por C. de Laet, afirmando que dele ficaram de fora muitos nacionais e brasileiros. Em
seguida, alude à língua portuguesa em uso no Brasil, como importada de Portugal,
dizendo que o verbo reflexo deve estar há muito tempo no Rio, aconselhando que o
procure na alfândega.
C. Castelo Branco solicita aos escritores brasileiros que lhe enviem prelecções
de linguagem portugueza, caso queiram obsequiá-lo de um modo mais significativo e
proveitoso, que lhe mandem um papagaio, uma cutia e alguns frascos de pitanga.
Quanto à linguagem, diz que agradece, mas não se incomodem, deixando evidente que
são os portugueses os mestres da língua.
O polemista português pede um papagaio, ave de linda plumagem, bico adunco
e poderoso, que tem por característica aprender e repetir palavras, frases e canções
completas, que, em sentido figurativo, se refere à pessoa tagarela, repetidora de idéias e
palavras de outrem, pois fala sem raciocinar, em clara referência aos escritores
brasileiros. Solicita, ainda, o novelista, uma cutia, animal brasileiro, pequeno mamífero
roedor cujo nome é uma corruptela do tupi acuti e pitanga, fruta pequena e vermelha
também de origem tupi. Esses vocábulos demonstram a influência indígena na língua
portuguesa e, segundo C. Castelo Branco, corroem-na.
C. de Laet (1880a), reclama que, em polêmica travada com Artur Barreiros,
graças ao oponente, nivelou-se aos mais descomedidos convícios e que não teve a
intenção de ofender C. Castelo Branco e sim de mostrar-lhe que, em questão de língua,
muitos são aqueles que cometem solecismos, inclusive o contendor, implacável crítico
literário. Para C. de Laet, o protesto que lavrara, foi sem derramamento, porque,
segundo ele, não seria de sangue, pois, caso contrário, estaria dando ridículos laivos
épicos a tão burguesa questiúncula, mas sem effução de biles, com o que brindara C.
Castelo Branco aos poetas criticados, o que não se comprova, porém, na leitura dos
textos, pois, em ambos, se percebem laivos heróicos nos vocábulos selecionados.
Inclemente, o jornalista brasileiro continua a levantar erros gramaticais em que
incorreu o Mestre, ressaltando o uso exagerado e desnecessário dos estrangeirismos e do
imperdoável houveram cousas terríveis, sempre demonstrando que os portugueses não
119
conheciam tão bem a língua, para serem dela arautos, incitando-o a deixar a função de
crítico, que exerce com azedume, para brindá-lo com creações desabrochadas na sua
phantasia de romancista.
C. Castelo Branco (1880, n.3) inicia a resposta a C. de Laet, nomeando-o de
crítico do verbo reflexo esvoaçar-se e, em seguida, perfila uma série de justificativas
para comprovar que não cometeu nenhum solecismo. Despede-se, pedindo, além da
pitanga uma cacatua, espécie de papagaio branco com penacho cor de canário, oriunda
das ilhas Moluscas, da África portuguesa e, se possível, um macaco.
É interessante notar a utilização do vocábulo cacatua, que é o nome de um
papagaio de origem africana, com penacho amarelo, uma das cores da Bandeira
Nacional. Ele se encontra alojado em terras do Brasil, em alusão à raça africana, que é
um dos elementos constitutivos da raça brasileira
C. de Laet (1880b) alega que C. Castelo Branco se fundamenta em clássicos,
mas em retalhos de construções erradas. Esses deslizes gramaticais não permitem a
crítica acerbada ao F. Varela, pois o engano dele, também, poderia ser um erro
tipográfico, caso não o fosse, tinha por si o respeitabilíssimo exemplo dos Filintos, Dias
Gomes e Ferreiras Gordos.
Ao responder pela última vez a C. Castelo Branco, C. de Laet justifica que não
enviou a pitanga e o macaco, pois de pitanga não é tempo e quanto ao macaco, hesita o
autor em enviá-lo, porque não sabe se o deseja do antigo ou do novo continente. Sim,
porque os há de uma e de outra parte do Atlântico, fique o sr. Camillo sabendo...,
referindo-se a C. Castelo Branco como sr. Camillo, o mesmo tratamento dispensado a
Fagundes Varela.
Explica o contendor brasileiro que, em relação a macacos, gênero de mamíferos
quadrúmanos, nomeado por vocábulo de origem angolesa, que exprime pessoa feia,
ágil, careteira e que imita outros, existem os catarrhineos e os platyrrhineos. O segundo
é da subordem de macacos americanos, de nariz chato e largo; o nome vem de palavra
de origem grega platys, que quer dizer largo e chato e rhis-rhinos que significa nariz.
Eles são, pois, os patrícios do polemista, pois têm as narinas separadas por largo septo,
32 a 35 dentes, cauda apprehensora.
Catarhrineos é designação de certos macacos do antigo continente, por terem as
narinas juntas. São compatriotas de C. Castelo Branco, porque têm o septo nasal pouco
espesso, saccos na bochecha e callosidades nas nádegas, em clara referência aos
120
estudiosos do reino, que seriam glutões, ociosos e preguiçosos, fato que os impedia de
perceber e entender as mudanças que se operavam.
Essa crítica já tinha sido feita por C. de Laet, ao falar que C. Castelo Branco
colocava geograficamente o povo brasileiro entre o matuto boçal e o adiposo
comendador, que lhe é reenviado. E ele próprio refere-se ao Brasil como um país de
botocudos, de índios americanos, inserindo-se nesta classificação.
3.6. Atualidade da questão da Língua Portuguesa em uso no Brasil
Ao abordar as questões lingüísticas nos textos da Polêmica travada entre C.de
Laet e C.Castelo Branco, um brasileiro e o outro português, observou-se que ambos
possuem a mesma visão da língua,pois obedecem aos padrões clássicos vigentes na
época. As regras gramaticais, a ortografia,o vocabulário selecionado não apresentam
nos textos do brasileiro diferenças sensíveis em relação aos textos do português. Essas
foram mais em decorrência de estilo, de que alterações gramaticais ou ortográficas, mas
o que fica latente na polêmica estudada é o nacionalismo lingüístico que domina os
contendores e que se evidencia em suas escolhas lexicais.
A questão da língua no Brasil ganha destaque nacional a partir da
Independência, com o advento do romantismo que contribuiu para despertar o
nacionalismo, acabando por influenciar as demais áreas da cultura brasileira. O
movimento romântico que se iniciou em 1836, tem por bandeira a defesa da
nacionalidade brasileira, desenvolvendo um sentimento nacionalista de auto-afirmação e
antilusitanismo, mas ficou restrito às manifestações literárias.
José de Alencar em polêmica com Pinheiro Chaves, ao fazer a sua defesa,
admite a influência de escritores clássicos portugueses na sua formação, como a forma
peculiar de A. Garrett de trazer a linguagem cotidiana para a literatura, socorrendo-se
quando em dúvida, da gramática normativa tradicional, como bem explica G. C. de
Melo.
A questão do uso da língua portuguesa no Brasil teve seu nascedouro oficial
com a Reforma Pombalina,em 1759, que, ao instituir o ensino público, tornou
obrigatório o ensino elementar da língua portuguesa, destruindo línguas e culturas
indígenas, fazendo prevalecer a gramática portuguesa que passou a ser ministrada por
121
compêndios em metalinguagem portuguesa, fortalecendo e definindo o rumo da
Língua que seria oficial do Brasil. Neste momento histórico da retomada da Língua
Portuguesa no mundo lusofônico, a Língua Geral em uso no Brasil inicia seu processo
de desaparecimento e juntamente com ele o sonho de uma língua germinada em solos
brasileiros. A partir desse momento, o conceito de unidade lingüística passa a
prevalecer.
Essa preocupação com a questão da língua em uso no Brasil ou da variante
brasileira, no entanto, começou a ganhar destaque, principalmente, a partir das décadas
de 30 e 40. Hodiernamente, ocorrem estudos da língua em uso no Brasil, como o
Projeto de Estudo Conjunto e Coordenado da Norma Lingüística Oral Culta de Cinco
das Principais Capitais Brasileiras, mais conhecido como Projeto NURC, que se realiza
nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e Porto Alegre e está
atrelado ao Proyecto de Estúdio Coordinado de la Norma Linguística Oral Culta de las
Principales Ciudades de Iberoamérica y de la Península Ibérica , em janeiro de 1968.
Outro projeto lembrado por José Everaldo Nogueira Júnior (2005) é o Projeto
Para a História do Português Brasileiro (PROHPOR), que tem em R.V.M. e Silva seu
expoente maior.
Esses estudos se voltam para a pesquisa comparativa entre o Português de
Portugal e o Português do Brasil, com o objetivo de investigar se as mudanças
lingüísticas ocorridas no Brasil já estavam prefiguradas em Portugal.
O terceiro volume da série , organizado por Tânia Maria Alckmim (2002),
apresenta um estudo de Eberhardt Gärtner que aponta, como característica do português
em uso no Brasil a simplificação verbal e nominal, o enfraquecimento do uso do artigo,
simplificação da flexão pronominal ( o uso do ele como objeto direto), alteração no uso
das preposições , principalmente no tocante à troca da preposição a por em,que, para o
autor, é um arcaísmo mantido no Brasil.
Em síntese, dir-se-ia que, do ponto de vista lingüístico, a identidade nacional
ensejada pelos românticos e que marcou a última década do século XIX, depende menos
do que é chamado genuinamente brasileiro, do que foi em sua origem o português.A
linguagem dos textos da polêmica demonstra o conservadorismo que caracteriza os dois
contendores, e também que a identidade brasileira se embasa nos valores da cultura
portuguesa, sendo a primeira resistente às mudanças lingüísticas, o que permite dizer
que não podemos falar de uma língua brasileira.
122
O fato de haver em território brasileiro uma diversidade cultural, que se
fortaleceu com a entrada de povos que aqui aportaram com seus costumes e línguas e
pelas distâncias territoriais que dificultam o processo de propagação de um único uso da
Língua Portuguesa no Brasil, o que gera uma diversidade lingüista, não impede a
unidade da mesma em todo território nacional, pois, segundo C. Cunha, em abordagem
feita no capítulo II , a unidade lingüística não exclui a diversidade , antes, só existe a
partir dela.
Portanto, a unidade pressupõe a diversidade , mas em uma visão de mundo
globalizado, faz-se necessário manter essa unidade lingüística, pois o português, por ser
uma língua de ponta, para conservar este patamar, necessita ser preservado como língua
nacional, materna ou oficial , difundido , pois quanto mais utentes falarem a língua,
mais ela é preservada, porque a comunicação depende dela, assim como a força
econômica e política do país.
Ao elaborarem-se as políticas lingüísticas internas, um dos fatores relevantes é
que elas estejam em consonância com a necessidade educacional do Estado a que se
dirige, cabendo a ele sustentar políticas educacionais que garantam o uso das línguas
oficiais, nacionais e minoritárias em seu espaço territorial étnico, ou seja, a pátria e a
nação, pois só assim se garantirá a comunicação nacional e internacional.
Como a questão da língua em uso no Brasil extrapola os limites do Estado e da
Nação brasileira, lançou-se mão para preservar a unidade lingüística, entre os países
lusófolos, no caso específico desta dissertação, Brasil e Portugal, de uma política
lingüística calcada na uniformidade ortográfica, que se concretiza em reformas que
ocorrem, quando mudanças lingüísticas se consolidam.
Segundo I. de L. Coutinho ( 1981), a primeira incursão no tocante à unidade
lingüística ocorreu quando o governo português nomeou uma comissão,em que
figuravam Gonçalves Viana, Leite de Vasconcelos , Augusto Epifânio da S. Dias ,
Candido de Figueiredo , entre outros que não fizeram mais que referendar a reforma de
Gonçalves Viana, em 1911, tornando-se obrigatória para Portugal e seus domínios,em
Portaria de 1 de setembro de 1911.
Essa reforma, no entanto, foi marcada por um autoritarismo excessivo por parte
de Portugal, ao não considerar as divergências gráficas e fonéticas entre os dois
países,pois não se consultou nenhum lingüista brasileiro, mas o que não impediu que
professores como Mário Barreto, Silva Ramos , Antenor Nascentes a adotassem.
123
Para sanar as dificuldades surgidas com a implantação da reforma, a Academia
Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa celebraram um Acordo
Ortográfico, que o governo brasileiro tornou obrigatório para o território nacional,
em1931, mas, como havia divergências quanto à acentuação das palavras, novos estudos
foram encetados, posteriormente, sanados em Decreto-lei n.292, de 23 de fevereiro de
1938.
Dois outros acordos foram celebrados posteriormente, mas em consonância com
representantes dos dois países, um em 1943 e o outro, em 1945. O Congresso Nacional
referendou o de 1943, tendo Portugal optado pelo de 1945.
Posteriormente, foi elaborada uma nova Reforma Ortográfica , Lei n. 5.765, de
16 de dezembro de 1971, que, em seu Prefácio e nas Instruções para a Organização do
Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1943, mantém a ortografia vigente na
época.Uma nova reforma ortográfica, em consonância com Portugal, tramita no
Congresso Nacional, visando a uma maior unidade lingüística entre os dois países.
Esse tema, atual e inesgotável, é marcado, hoje, pela questão da globalização,
pois o mundo da língua passa a ser um campo fértil para a construção lingüística dos
mercados. Na União Européia, a variedade continental do português está ao lado de
outras línguas comunitárias, pois ocorre o mesmo no Mercosul em que o português em
uso no Brasil é a língua desse mercado. Por todos essas questões é que a unidade de
uma língua de ponta como o português, passa a ser objeto de Políticas
Lingüísticas,encetadas pelo Estado, que, internamente, visam à unidade em Território
Nacional e, externamente, em consonância com Portugal e os demais países que
integram o mundo lusofônico.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, o século XIX é marcado pelo acirramento da questão sobre o
português europeu e o português brasileiro, dentro das correntes que se formam: a
tradicionalista e a nacionalista. A questão move-se em clima de paixão e conflui para
dois pólos: um, por um purismo exagerado, e o outro, por uma língua nacional própria,
desvinculada da língua portuguesa européia.
A língua, por se inserir em um contexto sócio-histórico-cultural, deve ser
analisada à luz da história do povo que a utiliza; em razão disso, esta pesquisa pauta-se
no retorno ao Brasil do Segundo Reinado, segunda metade do século XIX, para
elucidar fatos e acompanhar as transformações que a sociedade se impôs e se fez sentir
nos processos de codificação gramatical, sempre impregnados pelos ideais libertários e
nacionalistas.
Com base na Historiografia Lingüística, verifica-se que o uso da Língua
Portuguesa nos textos que têm como tema a polêmica travada entre Carlos de Laet e
Camilo Castelo Branco é uma maneira de compreender a constituição de diferentes
sentidos para a história da língua portuguesa no Brasil, já que essa premissa se pauta
pelo estudo de gramatização, estilo e nacionalismo lingüístico e de que forma estes
expressam a constituição de uma identidade nacional.
Os documentos que constituem a amostra desta pesquisa foram redigidos nesse
período e, por isso, a pesquisa examina a relação existente entre língua, história e
nacionalismo lingüístico,verifica as determinações histórico- culturais e os processos de
125
gramatização e sua relação com a História do Brasil neles presentes, identificando a
construção de sentido de nacionalidade para o português do Brasil.
Ao se levar em conta o contexto histórico do século XIX, verifica-se que nunca
antes a história do Brasil e Portugal estivera tão entrelaçada, pois, com a vinda da
Família Real, a colônia se transformou em centro político, cultural e econômico,
unificando os dois países. D. João VI transferiu-se com a família e a Corte, que recriam
o uso da norma portuguesa, no Brasil. Mas, em contrapartida, sofrem, também, um
processo de aculturação, ao se depararem com o novo país.
O Brasil tornou-se um problema ao governo e à Corte portuguesa, pois nele
residia o Rei de Portugal, o que propiciava à burguesia colonial uma grande autonomia
em relação à Inglaterra, que a apoiava. A Colônia independente possuía os seus próprios
tribunais e organismos governamentais, facultado pela permanência da Corte
Portuguesa em suas terras. Inverteram-se, pois, os papéis: a Colônia governava a
Metrópole.
Com as pressões que se sucederam, D. João VI retorna a Portugal, deixando no
Brasil D.Pedro, seu primogênito. A Independência do Brasil desencadeia graves
problemas político-econômicos a Portugal, pois perde uma colônia de exploração que
lhe propicia bons dividendos. D. Pedro I, impulsionado pelos compatriotas que exigiam
a sua volta ao reino, deixa para representá-lo e garantir a sobrevivência do trono, o filho
D. Pedro II, que governou o Brasil até a Proclamação da República, em 1889.
O sonho republicano surge com os movimentos pela Independência associado à
idéia de revolução e de reforma da sociedade. Ampara-se em uma economia em
expansão, resultado da emancipação política e econômica de Portugal. Essa época é
marcada pelo progresso do Brasil, que entra na era industrial, motivado pelo liberalismo
crescente. Foi também o momento em que se recebeu o maior contingente de imigrantes
europeus, que aqui aportaram com sua língua e cultura, contribuindo, juntamente, com o
africano, o índio e o português para formação da etnia brasileira, o que proporcionaria
um jeito de viver brasileiro.
A amostra em estudo retrata esse momento histórico, em que duas nações ainda
sob a égide da monarquia, traçam diferentes caminhos para a sua história.Neste cenário
decisivo da vida nacional dos dois países, desenrola-se a polêmica travada entre o
brasileiro Carlos de Laet e o português Camilo Castelo Branco: o primeiro, absorvido
pelo nacionalismo nascente, que marca a escolha lexical e semântica de seu texto; o
segundo nacionalista, também, mas em lado oposto, deixa entrever em seu texto as
126
marcas do ressentimento da perda do domínio político e econômico da poderosa colônia
do Brasil, mas ambos enredados na teia de uma única língua que é a língua portuguesa.
O motivo da polêmica são as críticas referentes a questões gramaticais feitas ao
poeta brasileiro Fagundes Varela. Os desdobramentos da polêmica são os conflitos
nacionalistas, causados pela independência do Brasil e pela república que era iminente.
O sentimento nacionalista, forte em ambos, acentua-se em Carlos de Laet, pois revela
que já há um processo em construção de um nacionalismo lingüístico no Brasil.
O estudo dos fatos lingüísticos permite a apreensão de conceitos baseados em
algumas obras do século XIX e XX, tais como as gramáticas de Júlio Ribeiro, Carlos
Eduardo Pereira, Augusto Epifânio da Silva Dias, Celso Cunha e Evanildo Bechara,
entre outros, que, conforme a pesquisa encetada, trata das questões gramaticais
levantadas na polêmica de forma quase semelhante. Obedecem às mesmas regras
gramaticais, pois o que se apura, em relação à história da língua portuguesa nos dois
espaços estudados, é que a base normativa vinha de Portugal, por meio de livros, jornais
e revistas, como demonstra a referência à alfândega feita por C.Castelo Branco.
A impessoalidade do verbo haver, citada na frase houveram cousas, chamada de
bicho bravio, por C. de Laet, a ser domesticado em São Miguel de Seide, lugar em que
residia C. Castelo Branco, é contemplada nas gramáticas citadas, assim como o uso
indevido do pronome lhe em lugar do o, mudando a transitividade do verbo. A
utilização do verbo intransitivo esvoaçar como reflexivo esvoaçar-se é fundamentada
por C. de Laet, ao evocar a raiz voar e é desculpada pelos gramáticos, que alegam a
liberdade literária.
As demais questões como a utilização do verbo contentar-se, acompanhado das
preposições de ou em. Em gramáticas consultadas, verificou-se que a utilização de
ambas é aceita. Priorizam-se ainda as questões levantadas na polêmica a respeito do
uso de galicismos por parte de C. Castelo Branco e da colocação pronominal, utilizada
por C. de Laet, que enfatizava a ênclise em relação à próclise. Tanto o uso dos
galicismos como a topologia pronominal são características comuns aos escritores do
fim do século, embora a segunda seja mais freqüente nos escritores brasileiros,
caracterizando um estilo brasileiro de escrever.
Esse estilo brasileiro de escrever e de ver as coisas é que determina o
nacionalismo lingüístico brasileiro que se constitui no espírito da língua. Não há como
se compreender esse nacionalismo, sem passar pelo crivo da história e da lingüística,
sendo essa relação que possibilita a análise dessa amostra. As questões lingüísticas
127
marcadas pelas escolhas lexicais e semânticas dos debatedores demonstram a
preocupação do final do século em relação ao destino da língua portuguesa no Brasil,
que perdura até hoje.
Ao perfilar o pensamento de estudiosos da língua, como Gladstone Chaves de
Melo, Antônio Houaiss, Celso Cunha, Eni Puccinelli Orlandi , entre outros citados nesta
dissertação, constatou-se que a questão de uma política para a língua portuguesa
ultrapassa os limites da lingüística, inserindo-se, também, no campo da Economia e do
Direito.
A Teoria Geral do Estado apresenta a língua como elemento constitutivo de uma
nação, necessária à unidade do país, o que justifica o nacionalismo lingüístico, que
fomenta a identidade lingüística brasileira, no último quartel do século XIX. A questão
da língua envolve questões de política interna e externa, e, principalmente, de unidade
nacional, pois o Brasil, por ter um território imenso, precisa de um elemento que garanta
sua união, fato que demanda cautela na escolha de políticas lingüísticas.
Nesta discussão, porém, não se pode prescindir de uma reflexão sobre o texto de
José de Alencar (1955: 30): o povo que chupa o caju, a manga, o cambucá e a
jabuticaba, pode falar uma língua com igual pronúncia e o mesmo espírito do povo que
sorve o figo, a pêra, o damasco e a nêspera?
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