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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEONILDA ADELINO ANTÓNIO SANVECA MUATIACALE
ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DOS TELEJORNAIS DE MOÇAMBIQUE
Análise crítica do Jornal Nacional e do Jornal da Noite
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEONILDA ADELINO ANTÓNIO SANVECA MUATIACALE
ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DOS TELEJORNAIS DE MOÇAMBIQUE
Análise crítica do Jornal Nacional e do Jornal da Noite
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como requisito parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Comunicação e Semiótica sob
orientação do Professor Dr. José Luiz Aidar Prado,
na Área de Concentração-Signo e Significação nas
Mídias e Linha de Pesquisa - Análise das Mídias.
São Paulo
2007
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3
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
___________________________________________
__________________________________________
São Paulo, _______de_____________________de 2007.
4
Aos meus pais, Adelino Sanveca Muatiacale (in memoriam), e
Maria de São José António, meus eternos educadores.
5
Agradecimentos
Às Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria que me acompanharam
incondicionalmente nesta formação acadêmico-profissional em Moçambique e no
Brasil. Ao Professor Dr. José Luiz Aidar Prado pela disponibilidade e paciência em
orientar-me nesta pesquisa. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico pelo apoio financeiro que possibilitou a realização desta pesquisa. Aos
Professores Arlindo Machado e Laurindo Leal Filho pela colaboração no
desenvolvimento deste projeto. Ao Raúl Chambote pela ajuda na recolha de dados
em Moçambique. Aos colegas e amigos brasileiros pela amizade, acolhida e
convivência fraterna. Aos amigos e conterrâneos: António Braço, Hildizina Dias, Luís
Chambal e Basílio Nipwesa - estudantes da PUC-SP, pelos momentos de partilha de
experiências e dos desafios profissionais e pelo sonho comum de contribuir com a
produção acadêmica em Moçambique. À coordenação, aos professores,
funcionários e colegas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Semiótica pela acolhida e pela contribuição incondicional na realização deste
projeto.
6
Resumo
Esta pesquisa investiga as estratégias discursivas construídas pelos telejornais
Jornal Nacional e Jornal da Noite, respectivamente da rede pública e privada de
Moçambique com objetivo de compreender o tipo de contrato midiático que as
emissoras estabelecem com os telespectadores para garantir audiência. A noção de
contrato midiático é entendida na sua acepção ampla, como a relação de confiança
e confidência que se cria sutilmente entre enunciador e enunciatário como
protagonistas do discurso. Para percebemos até que ponto as estratégias
discursivas desses telejornais podem tornar-se reprodutoras de estruturas de poder,
esse estudo fundamenta-se no arcabouço teórico-conceitual de Norman Fairclough,
Ernesto Laclau e Chantal Mouffe segundo o qual o discurso deve ser entendido em
seu contexto de emergência porque o significado de qualquer texto não reside
apenas no que diz o enunciador ou na percepção do enunciatário, mas na relação
que se estabelece entre essas instâncias da enunciação e do contexto em que estão
inseridas. Nesse prisma, a pesquisa disseca a noção de discurso, do ponto de vista
de sua capacidade persuasiva e da sua relação intrínseca com os conceitos de
ideologia e hegemonia que influenciam as relações dos agentes do discurso. O
corpus analisado é composto por edições do Jornal Nacional e do Jornal da Noite
gravados na semana de 08 a 16 de abril de 2006. Para o estudo adotamos o método
de análise televisual sustentado por Arlindo Machado (2003), Beatriz Becker (2005)
e outros pesquisadores de televisão, além de contarmos com o aporte de alguns
elementos da semiótica discursiva.
Palavras-chave: televisão, telejornalismo, discurso, ideologia, Moçambique.
7
ABSTRACT
This research investigates the discourse strategies built by news
programmes: Jornal Nacional and Jornal da Noite, public and private networks of
Mozambique, respectively, that enables the establishment of the media contracts
between the broadcasting channels and viewers. The notion of media-contract is
broadly understood as the relationship of trust and confidence that is subtly created
between enunciator and viewer while protagonists of the discourse.
The research is based on the theorical concept of Norman Fairclough,
Ernesto Laclau and Chantal Mouffe whose approaches defend the thesis the
discourse must be understood in its context of source because the meaning of any
text does not lie only on what the enunciator says or on the perception of the viewer
but on the relationship that is established between these two instances of the
enunciation and the context in which they are inserted.
Under these circunstances, the research dissects the notion of discourse,
from the point of view of its persuasive capacity and its intrinsic relationship with the
ideological concepts and supremacy that influence the relationship of agents of
discourse that, many times, become multipliers of power structures.
The corpus analised structure is formed with editions of Jornal Nacional and
Jornal da Noite recorded in the week from 8
th
to 16
th
April-2006. For the analysis, we
adopted the televisional approach sustained by Arlindo Machado (2003), Beatriz
Beeker (2005) and by other television researchers, besides counting on some
elements of discursive semiotic.
Keywords: television, television news, discourse, ideology, Mozambique.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
CAPÍTULO 1: A televisão em Moçambique............................................................15
1.1 Trajetória histórica da televisão ...........................................................................15
1.2 Estrutura, regulamentação e controle da televisão.............................................38
CAPÍTULO 2: O telejornal .......................................................................................46
2.1 Características gerais do telejornal......................................................................46
2.2 O telejornal como espaço de manifestação dos discursos em Moçambique.......52
2.3 O perfil do Jornal Nacional e Jornal da Noite.......................................................55
2.4 Principais anunciantes no Jornal Nacional e Jornal da Noite...............................62
CAPÍTULO 3: Articulação discursiva no Jornal Nacional e Jornal da Noite..... 69
3.1 Discurso................................................................................................................69
3.2 Discurso-ideologia-hegemonia.............................................................................74
3.3 Agenda Setting e construção do ponto nodal.......................................................86
CAPÍTULO 4: Análise do Jornal Nacional e Jornal da Noite................................93
4.1 Metodologia..........................................................................................................93
4.2 Corpus da pesquisa..............................................................................................94
4.3 Estrutura dos noticiários.......................................................................................97
4.4 O cenário e as vinhetas dos telejornais..............................................................105
4.5 Temáticas e critérios de noticiabilidade..............................................................108
4.6 Agentes do discurso do Jornal Nacional e Jornal da Noite ...............................112
4.7 Enquadramentos e escolhas de foco nas notícias.............................................128
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................144
ANEXOS .................................................................................................................149
9
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AMEP- Associação Moçambicana de Empresas de Marketing, Publicidade e
Relações Públicas
BBC- British Broadcasting Corporation
FACIM- Feira Internacional de Maputo
FRELIMO- Frente da Libertação de Moçambique
GABINFO- Gabinete de Informação
IGEPE- Instituto de Gestão das Participações do Estado
INAV- Instituto Nacional de Viação
INSS- Instituto Nacional de Segurança Social
LOCV- Locutor ao vivo
MISA- Media Institute of Southern Africa
MISAU-Ministério da Saúde
MCA-Multichoice Africa
OGE-Orçamento Geral do Estado
PALOP- Países Africanos de Língua Portuguesa
PCA- Presidente do Conselho de Administração
PGR- Procurador Geral da República
PR- Presidente da República
RCM- Rádio Clube de Moçambique
RTP- Rádio e televisão Portuguesa
RTK- Rádio e Televisão klint
RTM- Rádio e Televisão Miramar
RENAMO- Resistência Nacional de Moçambique
SABC- South African Broadcasting Corporation
STV- Soico Televisão
TVM- Televisão de Moçambique
TDM- Telecomunicações de Moçambique
URTNA- União das Rádios e Televisões Nacionais
10
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
1. Organograma do Gabinete de Informação de Moçambique.................................41
2. Organograma do Grupo Soico..............................................................................43
3. Tabela e mapa de áreas de cobertura da TVM....................................................44
4. Tabela e mapa de áreas de cobertura da STV.....................................................44
5. Amostra da programação diária da TVM..............................................................97
6. Amostra da programação diária da STV...............................................................98
7. Amostra de script do Jornal Nacional..................................................................102
8. Amostra de script do Jornal da Noite..................................................................103
9. Quadros de apresentação do Jornal Nacional....................................................105
10. Quadros de apresentação do Jornal da Noite.....................................................106
11. Tabela de temáticas dos noticiários do Jornal Nacional e Jornal da Noite.........109
11
INTRODUÇÃO
O estudo do telejornalismo é fundamental não em razão da emergência da
televisão como veículo que está ganhando espaço e aceitação na vida da
população, mas pela importância que esse meio de comunicação de massa vem
adquirindo pelo seu caráter de mediação entre as diversas esferas da sociedade
moçambicana caracterizada pela diversidade cultural multiétnica e lingüística. Com a
entrada da televisão em Moçambique ampliaram-se para o público os horizontes do
conhecimento sobre o país e o mundo que até então chegavam apenas através do
rádio e de outros meios de comunicação interpessoal e tradicionais.
Nessa perspectiva, ao longo desta dissertação buscaremos compreender que
tipo de estratégias discursivas e contratos midiáticos os telejornais Jornal Nacional e
Jornal da Noite estabelecem com seus públicos para garantir audiência diária.
Para isso, no primeiro capítulo nos debruçaremos sobre o contexto histórico,
político e social em que a televisão foi criada, em conexão com as transformações
ocorridas no país e no mundo, decorrentes do fim da guerra fria. Com a
independência de Moçambique em 1975, o governo tomou o controle dos veículos
de comunicação de massa (rádio, jornais impressos e revistas e posteriormente a
televisão). Esse processo marcou o início de uma relação de dependência entre a
mídia e a política que se traduziu, ao longo de várias décadas, na subordinação dos
órgãos de informação às formas de poder político instituído.
Na década de 90, ao entrar em vigor a nova Constituição da República,
baseada nos ideais da democracia multipartidária, o cenário da comunicação social
se ampliou com a criação de veículos de comunicação independentes, o que trouxe
mudanças nas dinâmicas do funcionamento dos diversos órgãos de informação
tanto públicos quanto privados, pelo acirramento da disputa pela audiência.
A partir dessa configuração encontramos um cenário de diversidade de
veículos de comunicação cujos modelos de funcionamento se caracterizam em
público-estatais, tratam-se de sistemas mistos em que o governo ainda exerce certo
poder sobre eles, apesar de ter delegado essas funções às autoridades públicas.
Há, ainda, os meios de comunicação de iniciativa privada, cujos objetivos são mais
comerciais, e os comunitários, também considerados alternativos, que são mantidos
pelas Igrejas e por organizações civis e humanitárias que atuam em Moçambique.
12
Cabe, então, ao Gabinete de Informação (GABINFO), diretamente vinculado ao
Primeiro Ministro a regulação e a autorização do funcionamento de todos os meios
de comunicação.
No segundo capítulo dedicaremos especial atenção para o estudo do
telejornal enquanto espaço midiático de manifestação dos discursos das diversas
esferas sociais. A análise de suas dimensões macro e micro-estrutural possibilitou-
nos ampliar a abordagem sobre as estratégias discursivas adotadas pelo Jornal
Nacional e pelo Jornal da Noite. De fato, esses telejornais não podem ser estudados
isoladamente e aquém do contexto social moçambicano e global. Ambos
apresentam intertextualidades e interconexões com jornais impressos, com rádios,
com outros programas da mesma emissora e até com produtos recebidos de outras
emissoras estrangeiras e de agências de notícias com as quais se relacionam
constantemente.
A estrutura inicial e a concepção do papel dos meios de comunicação de
massa em Moçambique estiveram ligadas à conjuntura histórico-social e política
marcadas por um sistema monopartidário de governação, sustentado por uma
ideologia marxista-leninista. Com base nesses dados históricos resgatamos a
influência desse pensamento no contexto midiático, sobretudo dos telejornais, para
compreendermos como essas bases ideológicas ainda persistem nos discursos dos
telejornais e também perpassam as organizações textuais tanto do Jornal Nacional,
da emissora público-estatal quanto do Jornal da Noite, da emissora privada. Mas
não podemos nos esquecer de que na contramão desses discursos hegemônicos
estão os veículos de comunicação comunitária, além de outros meios alternativos,
como sites individuais, de associações e de Organizações Não Governamentais que
servem como fóruns de discussões sobre as notícias veiculadas na mídia
hegemônica.
Essa possibilidade de ampliação de discussões fora dos espaços
hegemônicos possibilita ao telespectador construir seus pontos de vista, a tomar
uma postura mais crítica em relação às versões dos acontecimentos apresentadas
pelos telejornais e pela mídia em geral.
No terceiro capítulo procuraremos dissecar o conceito de discurso, sua inter-
relação com os conceitos de hegemonia e ideologia com base no arcabouço teórico
de Norman Fairclough (2001), Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (1985) em suas
Teorias do Discurso, pois os autores defendem, entre outros aspectos fundamentais,
13
a tese de que o discurso pode ser compreendido em seu contexto de
emergência.
De acordo com Thompson (1995), “na sociedade moderna, a mídia ocupa um
papel central na definição de pautas e de conteúdos do discurso público. As formas
simbólicas integram a realidade social de forma a criar e manter relações de
dominação”. Nesse contexto, os discursos são compreendidos como forma de
difusão de significados que exercem papel não somente para a difusão e reprodução
de significados, mas também para legitimar o poder instituído, como é o contexto
moçambicano.
Tais asserções nos moveram a analisar o tipo de estratégias discursivas que
os telejornais mobilizam para se fazerem compreender por seu público-alvo, levando
em consideração a diversidade étnico-linguística e cultural da população
moçambicana.
1
Sendo assim, é importante discutir a abrangência dos telejornais no
que se refere à visibilidade dos problemas sociais na esfera nacional, em si
heterogênea. Pois se espera uma postura mais crítica dos telespectadores e uma
redefinição das políticas públicas no setor da comunicação social por parte do
governo, de forma a beneficiar as populações de todas as regiões do país.
O quarto capítulo é de análise empírica do corpus composto por várias
edições do Jornal Nacional e Jornal da Noite. A apreciação levou em consideração
não os aspectos e tendências gerais do telejornalismo (análise macro-estrutural),
como também os fragmentos textuais de temáticas particulares (análise micro-
estrutural).
Para compreender essas dinâmicas analisaremos quais das três dimensões
do sentido: cognitiva (que articula formas de saber); pragmática (que estrutura
seqüências de ações) e passional (que organiza processos afetivos) são mais
valorizadas nos noticiários de cada telejornal para garantir audiência e se, a partir
dessas características, é possível conhecer-se a identidade de cada emissora.
Assim, para o estudo de caso adotamos o método de análise televisual
sustentado por Arlindo Machado (2003) e desenvolvido também por Beatriz Becker
(2005), que investiga a linguagem do telejornal e contamos com o aporte de alguns
elementos da Semiótica Discursiva.
1
O censo populacional de 1980 realizado pelo Instituto de Nacional de Estatísticas identificou 16
grupos étnicos com hábitos, tradições e costumes diferentes e 24 línguas nacionais.
14
Para facilitar o estudo elegemos alguns elementos específicos do telejornal
que possibilitam a sua realização: apresentadores, repórteres e entrevistados;
temáticas; critérios de noticiabilidade; estrutura dos noticiários; cenários e vinhetas;
recursos gráficos; instalação dos agentes do discurso nas noticias; enquadramentos
e principais anunciantes nos telejornais.
Apesar da exigüidade de trabalhos anteriores sobre o telejornalismo
moçambicano e da dificuldade de obtenção de dados que pudessem enriquecer este
trabalho, consultamos algumas pesquisas e reflexões em torno da imprensa em
geral, que possibilitaram a nossa compreensão sobre o funcionamento e os desafios
dos meios de comunicação de massa no cenário moçambicano e da África Austral.
Nesse sentido vale ressaltar a contribuição da pesquisa pioneira de João
Miguel (2003)
2
, além dos relatórios anuais do anuais do MISA (Media Institute of
Southern África), organismo que vela sobre a atividade jornalística e a liberdade de
imprensa em Moçambique e em toda região da África Austral. Nesses relatórios
destacam-se as contribuições analíticas de pesquisadores moçambicanos, entre os
quais: Celestino Vaz Tomás, Luís Loforte.
Além desses autores reconhecemos as contribuições de pesquisadores
brasileiros como Yvana Fechine, Ana Sílvia Médola, rgio Mattos, Valério Cruz
Brittos, Antônio Fausto Neto, Muniz Sodré e Sérgio Caparelli, cujas pesquisas
versam amplamente sobre as dinâmicas dos formatos e gêneros televisuais e o
impacto de seus discursos na sociedade. Esses estudos foram pertinentes para a
compreensão da relação da televisão e seus produtos na sociedade contemporânea,
de uma maneira, especial em Moçambique.
2
Desenvolveu
a primeira pesquisa sobre o telejornalismo em Moçambique, intitulada Televisão e
espaço público em Moçambique: o público e o privado, na ótica da Economia Política da
Comunicação, defendida na Unisinos.
15
Capítulo 1 - A televisão em Moçambique
1.1 Trajetória histórica da televisão
A história da televisão moçambicana assim como a própria história do país
enquanto Estado nação independente não nos remete a um passado tão distante.
As primeiras emissões de televisão em Moçambique tiveram início em agosto de
1979. Dados da emissora referem que a iniciativa surgiu “durante a Feira
Internacional de Maputo (FACIM), onde foi improvisado um estúdio para testar o
equipamento ali exposto por uma empresa italiana e que viria a ficar em Maputo”
3
.
De acordo com Arlindo Lopes (apud Miguel, 2003), tudo começou quando uma
empresa italiana expôs, na referida feira, equipamento de captação e transmissão de
imagens e som. Este equipamento, instalado inicialmente num estúdio improvisado
no recinto do evento, viria a ser usado, a partir de 1981, para a formação dos
primeiros profissionais moçambicanos de televisão.
Nos seus primeiros anos as transmissões eram de caráter experimental,
apenas para a capital do país, Maputo, e arredores e, mais tarde, a rede de
recepção foi ampliada para outras capitais provinciais.
Essas experiências se inserem no contexto da guerra civil no início da década
de 80 e no auge da ideologia marxista-leninista assumida pelo partido político no
poder. Desde então, a emissora passou a ser denominada de Televisão
Experimental de Moçambique (TVE) e funcionou sob os moldes do sistema estatal.
Leite Vasconcelos
4
refere que nessa época pós-colonial “a comunicação social
era entendida como parte de um sistema centralizado, com tarefas que deviam
integrar-se numa estratégia global. O jornal não era considerado diferentemente da
escola ou do posto de saúde”. Nesse período, a mídia era monopólio do Estado, sob
o comando do partido único no poder, que controlava todo fluxo de informações e
definia as políticas editoriais dos poucos veículos disponíveis através do Ministério
da Informação.
As principais ações desse Ministério, de acordo com Miguel (2003:38),
consistiam em: (1) orientar a ação de todos os órgãos de informação,
3
Dados disponíveis em www.tvm.co.mz acessado em 03 de março de 2007.
16
compreendendo a imprensa, o rádio e a imagem; (2) promover a formação de
profissionais de informação e regulamentar o exercício de sua atividade; (3)
organizar e controlar a difusão de notícias e publicações para o exterior; (4)
coordenar, centralizar e difundir a informação do Governo e estruturas
governamentais; (5) controlar e orientar a atividade editorial e definir a respectiva
política de importação e exportação; (6) controlar e orientar a ação de publicidade,
promoção e propaganda de todos os níveis.
Não faltam relatos sobre a atuação da Frente de Libertação de Moçambique
(Frelimo) em sua posição de movimento revolucionário. Serra apud Miguel (2003:38)
aponta que
[...] o frelimismo revolucionário tenta aparecer perante as “massas”
como uma permanente e possante máquina de produção de
legitimidade, máquina que é eficaz e que recebe indiscutivelmente
um grande apoio popular [...], mas que, também, constrange, intimida
e pune severamente
.
Para compreendermos a evolução da televisão e suas características é
fundamental realizar uma breve análise da história da imprensa, no sentido mais
amplo (rádios, jornais e revistas) que caminha pari e passu com as transformações
políticas, cio-culturais do país. Nessa conjuntura distinguem-se quatro etapas
principais.
A primeira em que se estabeleceram os primeiros jornais impressos em
1854
5
que serviam os interesses da metrópole (Portugal) que ditava suas regras à
imprensa da colônia. A segunda compreende ao surgimento da imprensa de combate
em 1909 que durou até à década de 50. Capela apud Ribeiro (1996:13) relata que “a
imprensa africana
6
era produzida por africanos, e levava em conta muito particular os
problemas dos africanos e que foi a ponto de utilizar as línguas africanas”. A função
4
VASCONCELOS, Leite. Algumas reflexões sobre a imprensa pós-independência. In RIBEIRO,
Fátima; SOPA, António. 140 anos de imprensa em Moçambique. Maputo: AMOLP, 1996. p. 139-143.
5
Como quer se seja, estava o meio século dobrado quando prelos e tipógrafos desembarcaram na
Ilha de Moçambique, onde letrados tão eminentes como Luís de Camões, Diogo de Couto, Tomás
António Gonzaga estanciaram, se inspiraram e, certamente, escreveram. Foi em plena
“regeneração”, isto é, definitivamente estabelecido o capitalismo em Portugal, que se tornou possível
dotar a colônia longínqua com meios de imprensa. (CAPELA in RIBEIRO, 1996:11).
6
Em princípios do século surgem os jornais O Africano (1909/20) e o Brado Africano (1918/32). O
Africano foi o primeiro jornal de Moçambique a editar não em português como também em ronga
(língua local). Entretanto, o Brado Africano era considerado um dos expoentes do desafio ao
colonialismo através da intervenção intelectual mudando literalmente a sua linha quando, nos anos
50, veio a ficar sob a direção e controle do Estado Novo de Salazar.
Esses jornais “jamais deixaram de se manter na primeira linha de defesa dos africanos enquanto
trabalhadores e enquanto pessoas” (CAPELA in RIBEIRO, 1996:14).
17
dessa imprensa era contestar a presença colonial no território moçambicano e
promover a instrução e a emancipação dos povos nativos.
A terceira etapa é a da imprensa no período pós-independência (1975 a 1990),
usada pelo governo para a mobilização das massas, cuja concepção era de que “os
órgãos de informação deviam informar, educar e mobilizar o povo para o combate à
miséria, à ignorância, ao subdesenvolvimento, ao tribalismo e ao racismo”
(Vasconcelos apud Ribeiro, 1996:142).
Depois da independência, os objetivos do novo governo giravam em torno da
construção do país baseado na ideologia marxista-leninista a partir da centralização
do poder. Com essa prática, a política da Frelimo aspirava derrubar o sistema tribal
tradicional em nome da unidade nacional e da construção do “homem novo”. Para
levar adiante esse processo, o partido utilizou a imprensa como uma das estratégias
mais qualificadas na propagação de seus ideais nacionalistas. Assim,
a urgência de construir uma pátria convocou a imprensa em volta da
utopia, que se hoje derrocada, tendo esta servido então como
bandeira das proclamadas e lídimas aspirações do povo. A Frelimo,
usando estrategicamente essa adesão à causa libertadora,
empregou todos os artifícios para construir o seu regime, inspirado
nos modelos que importara do Leste. A imprensa, a rádio e,
posteriormente, a televisão foram os instrumentos privilegiados para
tornar eficaz a propaganda dos valores prezados pelo regime. (Saúte
apud Ribeiro, 1996:158).
Essa postura mostrava a relação ambígua dos meios de comunicação de
massa com o poder político que, na década de 80, se acirrou ainda mais com a
entrada da televisão. Esse veículo veio a ser o espaço privilegiado do governo para
se mostrar ao público. Lipovetsky (2005), oferece-nos algumas contribuições críticas
sobre a necessidade de superexposição do poder político na mídia, sobretudo na
atualidade. O autor designa como cena política o cenário em que os políticos
comparecem para propalar suas idéias e ocupar o centro dos noticiários, sobretudo
televisivos, no intuito de serem vistos e reconhecidos como bons governantes e
salvadores da pátria. Por isso, não são raras as críticas quanto a essa vinculação da
imprensa aos ideais do único partido no poder no período pós-independência.
Para Vasconcelos apud Ribeiro (1996:140)
o dirigismo partidário imprimiu à imprensa uma vocação maniqueísta.
Idéias, valores, sistemas políticos, econômicos e sociais,
comportamentos, costumes e, mesmo, grupos sociais eram
arrumados em gavetas dualistas: o velho e o novo; o reacionário e o
revolucionário; o antipopular e o popular; o mal e o bem. (...)
18
Inicialmente, o dirigismo que caracterizou a imprensa pós-
independência assentava menos na autoridade individual do que na
obediência a um programa e a uma estratégia. Porém foram-se
impondo mecanismos burocráticos do dirigismo, que degeneraram
em múltiplas interferências autoritárias.
A quarta etapa constitui o período dos anos 90 até a atualidade, caracterizada
pela ampliação do espaço de atuação dos meios de comunicação de massa no
âmbito nacional e pela entrada dos chamados “independentes”, sobretudo, de
emissoras privadas de televisão.
Para esta pesquisa levamos em consideração o período dos anos 90 ao
momento presente, 2007, por ser caracterizado por grandes mudanças ocorridas
como resultado do estabelecimento de uma nova ordem política, instaurada pela
promulgação da primeira constituição democrática, em 1990. Com essa constituição,
o país enveredou por um caminho do multipartidarismo e ampliaram-se os direitos
políticos e sociais dos cidadãos, como se pode constatar no artigo 74, que garante a
liberdade de expressão e de imprensa, bem como o direito do povo à informação.
O fim da guerra civil em 1992, que dezesseis anos envolvia o governo
(Frelimo) e a oposição política (Renamo), acelerou o processo de mudanças políticas
no país. No quadro desse processo democrático foram realizadas duas eleições
gerais para presidente da república e de deputados, ambas vencidas pelo partido no
poder, a Frelimo.
Em 1993, foi estabelecida na cidade de Maputo a emissora privada RTK -
Rádio e Televisão Klink. Foi o primeiro veículo de propriedade privada pertencente a
um único indivíduo, o engenheiro Carlos Klint, ex-membro da Frelimo. A emissora
teve uma experiência inovadora, pois transmitia o noticiário em duas línguas -
Português e Tsonga (língua local de Maputo). Isso permitia ao blico não
alfabetizado em português entender as notícias. A RTK foi à falência por falta de
fundos, depois da morte de seu proprietário.
Em 1994 a então Televisão Experimental de Moçambique (TVE), através da
promulgação do Decreto Ministerial 19/94 passou a denominar-se Televisão de
Moçambique-Empresa Pública (TVM-EP), e a ter como objetivo principal, “a
prestação do serviço público de radiodifusão televisiva através de ondas
eletromagnéticas, propagando-se no espaço ou por meio de cabos, destinados à
recepção direta pelo público em geral”.
7
7
Idem.
19
Além da Itália, que apoiou na implantação da emissora, em sua primeira fase,
Portugal também teve uma participação importante no período em que essa foi
transformada em empresa pública.
É importante salientar que em Moçambique a designação dos veículos
estatais de comunicação como empresas públicas é conferida pelo artigo 11 da Lei
de Imprensa 18/91 de 10 de agosto: “constituem o sector público da imprensa a
radiodifusão nacional, a televisão nacional, a agência noticiosa nacional e as demais
empresas e instituições criadas para servir o interesse público neste domínio”.
Portanto, esses órgãos são propriedade do Estado moçambicano, que têm a missão
de prestar o serviço público à população.
Embora a televisão de Moçambique seja designada “pública”, apresenta suas
particularidades que a diferenciam do modelo público concebido na Europa ocidental,
como é o caso da BBC, na Inglaterra. Sobre esse modelo, Laurindo Leal Filho
(1997:18) explica que é importante ressaltar as palavras que formam o conceito de
“serviço público”:
trata-se, em primeiro lugar, de um serviço, o que indica a existência
de uma necessidade da população que precisa ser atendida. E
público porque, segundo os idealizadores do modelo, é um
atendimento especial que não pode ser feito por empresas
comerciais ou órgãos estatais. Os veículos prestadores desse
serviço devem ser públicos e por isso mantidos total ou parcialmente
pelo próprio público. A segunda razão é de ordem técnica e está
apoiada no fato de os Estados nacionais deterem o controle do
espaço por onde transitam as ondas de comunicação e, mais do que
isso, serem responsáveis pelo ordenamento do seu uso, caso
contrário a superposição de freqüências tornaria todo o sistema
caótico.
Na abordagem sobre o funcionamento do modelo de serviço blico britânico
e de outros países da Europa ocidental, Leal Filho (1997:60) apresenta oito
princípios considerados fundamentais para que toda a sociedade se beneficie. É
importante analisarmos se esses princípios são observados, no caso de
Moçambique, cujo modelo público de radiodifusão inspirou-se no modelo europeu.
O princípio da Universalidade geográfica da idéia de que todos os cidadãos
têm acesso ao serviço de rádio e televisão da mesma forma que, por direito, têm
acesso aos serviços de água e outros. Em Moçambique, a lei garante a todos o
direito aos serviços radiofônicos e televisivos, mas o que na prática não acontece
pelas razões que já apresentamos no início deste trabalho.
20
O princípio do Apelo universal de que as ofertas dos serviços possam
abranger todos os gostos e interesses. No caso moçambicano isso é difícil pelo fato
do país ser caracterizado por uma grande diversidade cultural, com segmentos
étnico-lingüísticos distintos. Em alusão ao modelo da BBC, Leal Filho critica o fato
desse princípio ainda estar carregado de um sentimento muito homogêneo de
nação.
O princípio da Universalidade de pagamento - da idéia de que o acesso aos
serviços públicos de rádio e televisão seja pago, assim como acontece com outros
serviços públicos, como água e correio. Argumenta-se que esse seja o único meio
de evitar os riscos de quebra de independência que possam ser causados pela
propaganda (na medida em que a programação pode submeter-se às vontades dos
anunciantes) e pela subscrição que gera o risco de acabar com a igualdade de
acesso. Em Moçambique, a população paga uma taxa anual de radiodifusão que é
inclusa na taxa de luz e nos impostos de automóveis, mas a mesma norma ainda
não foi estipulada para a televisão. No entanto, a Rádio Moçambique (RM) e a TVM
veiculam anúncios pagos em suas programações.
O princípio da Independência - prevê distanciamento entre os interesses
particulares e principalmente partidários dos órgãos públicos. uma longa tradição
britânica na qual os conselhos públicos, formados por pessoas reconhecidamente
não partidárias, servem para impedir que os produtores de rádio e televisão sofram
interferências políticas e comerciais. Nesse aspecto, o caso moçambicano é muito
diferente, pois, o poder político exerce muita influência sobre os veículos públicos de
comunicação e interfere na escolha dos Presidentes dos Conselhos de
Administração e no funcionamento desses meios.
O princípio da Identidade nacional e comunidade baseia-se na construção
do sentimento de pertença a uma nação e comunidade local. Em Moçambique existe
um grande esforço de produção de programas de âmbito nacional e local, mas,
ainda é notória a dependência aos programas estrangeiros, sobretudo, de
entretenimento. Esse fato é criticado por pesquisadores que se dedicam ao estudo
da mídia no país.
O princípio das Minorias que atenção especial às camadas
desfavorecidas e aos assuntos a esses relacionados. Em Moçambique existe essa
tendência, mas tais ações são poucas daí a necessidade de dar-se maior visibilidade
à diversidade étnica e cultural do país como riqueza e patrimônio nacional.
21
O Princípio da Competição – sob o propósito de encorajar e estimular a
melhoria da programação, do ponto de vista da competência na produção e da
abrangência, vista não sob a perspectiva financeira. O importante é a contribuição
para a formação da consciência crítica do telespectador e levá-lo a uma reflexão
mais profunda a respeito dos programas recebidos. Se isso acontecesse em
Moçambique, com maior freqüência, possibilitaria a ampliação dos espaços de
debate em torno dos anseios da população em relação à suas preferências em
termos de programas.
E, o princípio da Criação de que as orientações públicas para a radiodifusão
possam servir para dar liberdade aos projetos dos produtores, e não para restringi-
los na criatividade. Percebemos que são poucos os incentivos para as produções
culturais televisivas no país, tanto na emissora pública quanto no canal privado, com
o agravante da falta de profissionais especializados e de equipamentos.
Esses princípios básicos de funcionamento do serviço público de radiodifusão
adotados na Inglaterra podem permitir a compreensão do modelo de serviço público
adotado em Moçambique. Percebermos algumas semelhanças, dentre essas, a que
consta na própria lei de imprensa que define que tais veículos exercem sua atividade
com a função de: (1) Promover o acesso dos cidadãos à informação em todo o país;
(2) Garantir uma cobertura noticiosa imparcial, objectiva e equilibrada; (3) Reflectir a
diversidade de idéias e correntes de opinião de modo equilibrado; (4) Desenvolver a
utilização das línguas nacionais.
O problema é que além dessas funções, em seu funcionamento, os órgãos
públicos moçambicanos também contemplam determinadas ações que são
tipicamente de emissoras comerciais, como, por exemplo, a inclusão da publicidade
na grade de programação diária disputando com as emissoras privadas.
Por esses fatores, em Moçambique, o modelo de funcionamento dos
chamados órgãos públicos de comunicação, embora conste na Lei apenas a
designação de “órgãos públicos”, é misto, ou seja, é público-estatal, porque ao
mesmo tempo, que é propriedade do Estado, o que lhe o atributo de estatal, é
pública porque se propõe a oferecer serviços de interesse blico de tal forma que
uma parte do seu orçamento advém de taxas cobradas diretamente à população.
Apesar dessa mistura de modelos a Lei de Imprensa moçambicana especifica
que nos domínios de radiodifusão e televisão, o setor público deve ainda: (1)
Conceber e realizar uma programação equilibrada, tendo em conta a diversidade de
22
interesses e de preferências da sua audiência; (2) Promover comunicação para o
desenvolvimento e; (3) Promover a cultura e a criatividade, de modo a que estas
ocupem um espaço de antena crescente, através da produção e da difusão de
realizações nacionais.
A mesma Lei de Imprensa criou o Conselho Superior de Comunicação Social
(CSCS), “órgão através do qual o Estado garante a independência dos órgãos de
informação, a liberdade de imprensa e o direito à informação, bem como o exercício
dos direitos de antena e de resposta”.
8
Mais adiante detalharemos as competências
desse conselho no setor de comunicação.
Outra mudança verificada nesse ambiente democrático, sobretudo no setor da
comunicação foi a extinção do Ministério da Informação e sua substituição pelo
Gabinete de Informação (Gabinfo), subordinado ao Primeiro Ministro. Cabe ao
Gabinfo: (1) facilitar a articulação entre o Governo e os meios de comunicação social;
promover, em articulação com os porta-vozes dos ministérios, a divulgação pública
das atividades oficiais; (2) facilitar o acesso dos órgãos de comunicação social e do
público em geral à informação sobre as atividades governamentais; (3) propor
iniciativas de apoio do Governo aos órgãos de comunicação do setor público, privado
e cooperativo; (4) exercer a tutela do Estado sobre as instituições estatais e órgãos
de comunicação do setor público nos termos da Lei da Imprensa.
Na visão de Miguel
9
, a nova conjuntura política e econômica mundial e
nacional abriu espaço para o surgimento de novas emissoras de TV, do setor
privado, e marcou uma nova fase da mídia eletrônica moçambicana com a
multiplicidade de oferta proporcionada pela entrada de outras operadoras abertas e
comerciais no país.
Ainda na metade da década de 90 começou a ganhar espaço um novo setor
de veículos de comunicação constituído pelas rádios e TVs comunitárias que
direcionaram suas atividades para as regiões rurais. Destaca-se, nesse setor, o
Instituto de Comunicação Social (ICS), uma instituição do governo moçambicano que
produz e divulga programas para as comunidades rurais. Também desenvolvem
trabalhos dessa natureza Igrejas e algumas organizações da sociedade civil que
8
ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA. Lei nº 18/91 de 10 de agosto: artigo 35. Maputo: Imprensa Nacional,
1991.
9
Moçambique e Brasil: a TV e a Multiplicidade da Oferta. ANUÁRIO INTERNACIONAL DE
COMUNICAÇÃO LUSÓFONA 2004. Disponível em www.revcom2.port.intercom.org.br acesso em 05
de março de 2007.
23
difundem programas de informação, de entretenimento e de discussão de assuntos
que têm como foco essa gama da população que não tem acesso aos meios de
grande porte como a televisão, por exemplo.
A presença de uma variedade de canais de televisão, e de outros meios de
comunicação num país que contava com uma emissora pública elitizada e
politizada constitui uma vantagem para o público, pela possibilidade de escolha e de
estabelecer comparações em relação ao conteúdo e à programação de cada veículo.
Diante do cenário democrático, de alguma maneira, diminuíram os privilégios
na emissão de um ideário político, antes atribuído a voz do partido único, a Frelimo,
pois outros partidos se formaram e procuraram ter seu espaço.
Em 1998, a partir de um acordo bilateral entre Moçambique e Portugal, a RTP
- África começou suas transmissões regulares e de cobertura nacional, e assumiu o
compromisso de cooperar na produção de alguns programas da TVM. Essas
transmissões são por via satélite, da sede em Lisboa para os PALOP (Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa): Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique e São Tomé e Príncipe. Os programas são produzidos em parceria com
os serviços públicos de televisão desses países. Esse projeto visa, sobretudo o
intercâmbio cultural e a troca de programas de notícias entre Lisboa e as capitais dos
PALOP.
Segundo Miguel (2003:47) a RTP-África sobrevive apenas da verba
proveniente do orçamento do Estado português. Não insere comerciais em sua
programação, que é, majoritariamente, produzida a partir de Lisboa, com exceção de
alguns programas:
1. Música africana: 60 minutos/semana;
2. RTP – África esportes: 25 minutos/semana;
3. Fórum (um convidado fala sobre determinado tema): 25
minutos/semana;
4. Participação no telejornal Repórter – RTP – África: 2 minutos/dia
(média);
5. Repórter sete dias (programa informativo): 60 minutos/semana;
24
6. Arte espetáculo: 30 minutos/semana.
No mesmo ano foi criada a TV Miramar, emissora privada, de caráter
comercial que “juntamente com as Rádios Miramar de Maputo, Beira e Nampula faz
parte da Rede Comunitária Miramar” (Miguel, 2003:56). Possui forte ligação com a
rede Record do Brasil da qual procede a boa parte de programas que retransmite,
além de contar com uma pequena programação local que inclui curtos espaços
noticiosos, cultos e de entretenimento.
Salientamos a entrada de duas operadoras de TV por assinatura. Em julho de
1999 foi criada na cidade de Maputo a TV Cabo Moçambique, a primeira estação de
televisão por cabo no país com finalidade basicamente comercial. Formou-se a partir
de uma associação entre a empresa pública TDM (Telecomunicações de
Moçambique) e o Grupo Visabeira
10
de Portugal. A TV Cabo disponibiliza cerca de
55 canais de TV, incluindo grandes redes européias e norte-americanas, asiáticas,
brasileiras e africanas.
De acordo com Miguel (2003:49), além de disponibilizar serviços televisivos
via-cabo, “a TV Cabo oferece outros produtos, de caráter multimídia, através de
tecnologia mais recente, como é o caso da Net-cabo, que possibilita o acesso à
Internet em banda larga”.
A Multichoice África (MCA) é outra operadora de televisão por assinatura que
fornece seus serviços para qualquer parte de Moçambique, através de satélite. Trata-
se de uma plataforma televisiva multicanal, com canais da África, da Grã-bretanha e
dos Estados Unidos. São cerca de 100 canais oferecidos para uns 50 países
africanos, pela Digital Satelite TV (DStv), uma multinacional que conta com a
subscrição de grande quantidade de canais mundiais.
11
A MCA tem seus escritórios regionais em Johanesburg, na África do Sul, e tem
sucursais em seis países da África Austral, além de Moçambique. Para obter os
serviços básicos da MCA, o usuário paga uma mensalidade de US$ 47.50, além dos
gastos com a compra e instalação do equipamento (US$ 549) que permite a
recepção do sinal. Diferentemente do que acontece em alguns países, como o Brasil,
10
Visabeira é uma holding criada em 1980 que atua nas áreas das telecomunicações, construção,
turismo, indústria e imobiliária de Portugal. Atualmente está presente em nove países incluindo
Moçambique.
11
A pesquisa de João Miguel debruça com mais detalhes sobre esse assunto em sua dissertação de
Mestrado. Ver mais em Miguel (2003:49).
25
o sistema de TV por assinatura não está ligado a redes televisivas, mas a empresas
de telecomunicações. (Miguel, 2003:49).
Portanto, como se pode notar, o setor de televisão continua a se expandir em
Moçambique. Recentemente, em junho de 2006 entrou no ar o Canal nove TV, do
brasileiro Netinho de Paula, que transmite sua programação em sinal aberto para
capital do país.
Outra emissora recém criada em Maputo é a TV Maná, do Grupo Mana, ligado
à Igreja Maná, fundada em 1984 em Portugal. O grupo possui uma TV digital via
satélite com dois canais de acesso: um com transmissão 24 horas por dia e outro em
determinados períodos do dia. Disponibiliza sua programação para mais de 80
países onde a Igreja está implantada, nos três continentes: europeu, sul-americano e
africano com forte atuação no Brasil, em Moçambique, na África do Sul, e em Cabo
Verde.
12
Num mercado, cada vez mais diversificado em termos do número de canais de
televisão, surge um fenômeno inerente a essa variedade de veículos que é a
convergência de serviços informativos e de entretenimento. Independentemente de
sua natureza uma característica comum que é sua atuação no espaço público
como agentes prestadores de serviços informativos aos cidadãos. A grande diferença
reside na forma como cada setor ou cada emissora tira proveito dessa atividade para
a autopromoção e a afirmação nesse mercado que está em expansão.
Novas tendências surgem no mercado moçambicano de televisão, com
características bem diferentes. Essas são movidas pela busca de visibilidade, o
principal objetivo almejado pelos detentores de poder. Para isso, a todo custo, as
elites moçambicanas procuram desenfreadamente aparecer na televisão e fazer
valer seus discursos em busca de aprovação incondicional do público. Segundo João
Miguel,
o empresariado nacional formado, majoritariamente pelos membros
da ala governista, e o empresariado transnacional, passaram a
utilizar a televisão como alavanca de rentabilização de seus
negócios. Os políticos, agora com o direito de se filiar a qualquer
agremiação política e ideológica, de acordo com a nova constituição,
também perceberam que, quanto mais visibilidade adquirissem,
maiores seriam as possibilidades de conquistar a opinião pública.
(In
Anuário Internacional de Comunicação Lusófona, 2004).
12
www.manasat.com acesso em 22 de fevereiro de 2007.
26
As entidades da sociedade civil, embora de forma tímida, também se têm
mobilizado em busca de espaço para o debate de assuntos menosprezados pela
elite econômica e política, como é o caso da propagação do rus da aids, das
desigualdades sociais e da pobreza nas periferias das grandes cidades e nas zonas
rurais.
Em 2002 entrou no “ar” uma nova emissora privada, a STV (Soico Televisão),
que segundo Miguel (2003:48) “pertence a Daniel David, ex-trabalhador da TVM.
Inicialmente transmitia toda a programação em inglês, que era proveniente da CTV
África, emissora sul-africana com a qual estabelece uma forte parceira”.
A STV tem se apresentado como principal concorrente da TVM, pelo menos
em termos de grade de programação, pois parece possuir maior liberdade de criação
de novos programas em relação à primeira. Essa concorrência levou à
reestruturação do setor público de comunicação social. A TVM reformulou sua
política editorial e reestruturou a grade de programação como forma de acompanhar
as transformações supracitadas, no entanto, ela continua dependente do orçamento
do Estado que tem sido insuficiente para atender às demandas da emissora na
perspectiva de melhoria de qualidade técnico-profissional de que necessita.
Na atualidade o desenvolvimento de um país está estritamente ligado ao da
comunicação social, que é um espaço de opinião decisiva que pode favorecer o
debate sobre os problemas do país e sobre a configuração social em todos os níveis.
Sobre o número de veículos de comunicação autorizados, a Primeira Ministra,
Luísa Diogo, divulgou que “já foram registrados no país 336 títulos e designações de
órgãos de informação dentre dios, televisões, jornais, revistas, boletins e outras
publicações gráficas”
13
.
O setor da televisão ainda enfrenta muitos desafios. Primeiro pelo fato de que
nem todas as regiões do país têm energia elétrica. Segundo, a própria televisão
pública o tem recebido investimentos capazes de ampliar a sua rede de
distribuição do sinal de recepção em todo o país. Terceiro, a maioria da população
suburbana, apesar de ter acesso à energia elétrica, se depara com a falta de
recursos financeiros para a compra de televisor. Quarto, a falência precoce de alguns
13
Discurso da Primeira Ministra por ocasião do lançamento do Debate Público do Anteprojeto de
Revisão da Lei de Imprensa. Maputo, 02 de novembro de 2006. Disponível em
www.portaldogoverno.gov.mz/informacao/imprensa. Acesso em 30 de agosto de 2007.
27
desses órgãos por problemas de gestão e de falta de recursos para sobrevivência no
mercado cada vez mais disputado.
São visíveis as dificuldades de integração nacional e os contrastes regionais,
em termos de desenvolvimento. O universo cultural e étnico moçambicano é muito
diverso. “Na sua composição, o país tem contrastes de tipo demográfico, econômico,
lingüístico e religioso” Mazula (1995:123). Outros dados mostram ainda que para a
maioria da população, as línguas autóctones são as mais utilizadas na comunicação
quotidiana.
As dificuldades acima mencionadas fazem com que o rádio tenha grande
vantagem em relação à televisão porque, desde a independência, veicula programas
e noticiários nas línguas nacionais mais representativas e, dessa maneira, promove a
aproximação e a integração nacional e regional, uma vez que algumas dessas
línguas também são faladas nos países vizinhos. Seguindo a mesma experiência,
cerca de dois anos, a TVM começou a incluir línguas nacionais nos noticiários
provinciais, o que já é um passo significativo que pode facilitar as pessoas na
compreensão das notícias e de outros programas.
Embora nossa pesquisa o seja sobre o rádio em Moçambique, não
podemos deixar de mencionar, ainda que de uma forma resumida, o valor histórico e
atual desse meio de comunicação de massa que é um dos mais antigos no país.
As primeiras experiências do rádio começaram em 1933, ainda durante a
colonização portuguesa, com a instalação de uma estrutura radiofônica.
“A
inauguração de tal empreendimento foi possível graças ao interesse e dedicação de
alguns cidadãos portugueses
14
que impulsionaram a criação do chamado Grêmio
dos Radiófilos da Colônia de Moçambique”. (Massingue, 2000:38). O objetivo inicial
desse meio de comunicação era atender a população portuguesa que vivia na então
Província Ultramarina.
Massingue (idem) refere que, em julho de 1937 a Assembléia Geral do Grêmio
substituiu o nome de Grêmio dos Radiófilos pelo de Rádio Clube de Moçambique
(RCM), por imposição do Governo de Lisboa, que determinou que grêmios
poderiam ser instituições do Estado. naquele ano foi reconhecido o papel
fundamental do rádio em manter o seu público informado sobre os acontecimentos
14
“(Aniano Mendes Serra, Augusto Neves Gonçalves e Firmino Lopes Sarmento) que impulsionaram
a criação do chamado Grêmio dos Radiófilos da Colônia de Moçambique.
28
do mundo, principalmente num contexto de relações entre Metrópole e colônia, além
de produzir programas de entretenimento.
Em 1938 foi instalado na cidade da Beira o Aeroclube da Beira, do engenheiro
português Jorge Jardim. Em 1954 a Arquidiocese da Beira também instalou a Rádio
Pax sob controle do Arcebispo Dom Sebastião de Resende. Nesse período, com
apoio do Estado Português, o RCM cresceu e começou a estabelecer outros
emissores pelas regiões do território moçambicano, priorizando a região norte e as
cidades de maior número de população. De 1953 a 1974, pouco antes da
independência, foram criados, respectivamente, os emissores de Nampula,
Zambézia, Beira (Dondo), Tete, Niassa, Inhambane e Manica.
15
As iniciativas para se atingirem os ouvintes de origem não portuguesa (a larga
maioria negra) começaram a desenhar-se em meados da década de 50, com a
introdução da música negra. Em abril de 1958 foi ao ar o primeiro programa em
língua africana, a Hora Nativa. Tratava-se do ronga
16
, ao domingos a partir das 18
horas e com três horas de duração. Este programa passou a figurar como a quinta
língua utilizada pelo RCM, a par do Português, Inglês/Afrikanner e Francês, este
último, dirigido ao então Congo Belga. (Massingue, 2000:39).
Relatos sobre a história do rádio em Moçambique referem que a “Hora Nativa
era bem recebida pelo público, pois além de emitir a música portuguesa divulgava
também a moçambicana, notícias e temas religiosos” (idem). Esse programa deixou
de pertencer ao RCM em 1962 e passou ao controle direto dos Serviços da
Psicossocial do governo português passando a denominar-se A Voz de Moçambique.
A alteração veio em resposta às mudanças políticas em Moçambique, pois nesse
mesmo ano havia sido criada a Frelimo, em Dar-es-Salaam, Tanzânia.
A expansão da RCM foi rápida na década de 70 em conseqüências dessas
mudanças políticas em Moçambique e em Portugal, por isso, de acordo com
Massingue (2000:42), “para toda a imprensa e particularmente para a Rádio a mão
forte do Governo colonial sempre se impôs, particularmente com o avanço da Luta
Armada de Libertação Nacional”, e, como podia se esperar, a censura dos conteúdos
a serem publicados passou a ser velada.
15
MASSINGUE (2000:39), entrevista ao António Alves Fonseca, ex-Técnico e Diretor da Rádio
Moçambique em janeiro de 1997-Maputo.
16
Ronga é uma das línguas nacionais, falada na Província e cidade de Maputo.
29
Com a independência de Moçambique foi criada a dio Moçambique (RM)
em outubro de 1975 através do decreto 16/75 e ficou sob a tutela do Estado como
resultado da nacionalização dos órgãos de produção e emissão radiofônica então
existentes no país.
Desde então, apesar de alguns problemas técnicos de qualidade dos
emissores, a RM continuou a oferecer diariamente ao seu público “informação,
formação e recreação, com cerca de 150 horas/dia de emissões em 16 línguas, dos
quais o português, inglês e 14 línguas nacionais”. (Massingue, 2000:42). Dessa
forma a RM passou a ser o maior e o único órgão radiofônico com uma rede nacional
de emissores.
Além de noticiários, a RM produzia programas como “A Voz da Frelimo”,
dedicado à conscientização política das “massas”; “Opinião Pública” e programa dos
Conselhos de Produção, da Juventude, da Mulher. Vale ressaltar que esses
programas eram concebidos e difundidos num ambiente em que se via os órgãos de
informação como instrumentos a serviço do partido único no poder. Outros
programas eram destinados à educação (Alfabetização; Um País; Uma data na
História; Sentido das Palavras), além dos recreativos (Cena Aberta, musicais e
folhetins radiofônicos).
Na década de 80, ao nível externo, a RM contribuiu também para a
consolidação do Estado moçambicano e para a integridade do país na região da
África Austral, através das emissões dirigidas ao exterior. “Duas experiências dignas
de realce aconteceram com o atual Zimbábwe e a África do Sul em que a RM criou
uma emissão informativa virada para os países da região para possibilitar a
divulgação da voz dos líderes daqueles países, uma vez que eram passíveis de
procedimento criminal” pelos regimes políticos vigentes
17
.
17
Com a independência de Moçambique e a sua opção por uma orientação socialista, o governo
minoritário da Rodésia do Sul (atual Zimbábwe) via o seu regime ameaçado, devido às influências
que Moçambique poderia ter para com o povo zimbabweno. Por isso, Moçambique passou a constar
na agenda rodesiana, como um alvo a abater. Com a criação do programa a “Voz do Zimbábwe”, o
governo moçambicano em colaboração com a ZANU-FP, criava um apoio à luta pela independência e
democratização do Zimbabwe.Uma vez vencido o regime rodesiano e instalada a democracia,
deixava de haver uma ameaça á integridade e subseqüente democratização de Moçambique. Através
de programas da rádio, as populações zimbabweanas eram mobilizadas, ganhando a percepção da
sua real situação. Quanto à África do Sul, o processo foi basicamente similar. Após a independência
do Zimbábwe, cria-se uma emissão informativa virada para os países da região e particularmente
para a África do Sul que chamou a si, e muito a peito, o papel de protector e municipador principal da
RENAMO. Na África do Sul, um país com o regime de Apartheid, o povo lutava contra esse regime e
por uma democratização da sociedade. Mas as opiniões e vozes dos deres dessa mesma luta
estavam banidas nos mass media daquele país. Um jornalista que, por exemplo, ousasse transmitir
30
Com adoção da nova Constituição da República em 1990 e com a entrada em
vigor da Lei de Imprensa em 1991 a Rádio Moçambique passou a ser designada
pública, em agosto de 1994, assim como aconteceu com a TVM conforme nos
referimos anteriormente. “Garantir a independência, pluralismo e o direito à
informação e programação de forma a salvaguardar a sua independência do
Governo, da administração e de outros poderes públicos e privados
18
”, figura como
um dos princípios fundamentais presentes em seus estatutos.
A RM é gerida por um Conselho de Administração, dirigido por um Presidente
e quatro Administradores, um Conselho Fiscal e uma Direção Executiva que integra
os Diretores de Informação, Programas, Transmissão, Estúdios, Recursos Humanos
e Formação, Comercial, Financeiro, Administrativo e Gabinete Jurídico.
Para atender à demanda da audiência, a partir da década de 90, a RM
também passou por reformulações e melhorias na sua grade de programação, tendo
se ramificado em: a “Antena Nacional” (em português) que transmite para todo o país
em onda média a partir da Matola (Maputo) e em FM a partir de todas as capitais
provinciais e Nacala. “É um canal generalista, a sua programação variada pretende
alcançar os vários estratos da população, desde o operário, a mulher, o camponês, o
jovem, a criança, ocnico, o intelectual
19
”. Conta também com alguns programas de
debate como: Linha Direta e Esta Semana Aconteceu, além do programa de
entrevistas a membros do governo e a outras personalidades independentes
intitulado Cartas na Mesa.
Outros canais são a Rádio Cidade da Beira e Maputo, cuja programação
atende o público jovem urbano, além do canal RM Desporto, especializado na
cobertura de esportes. O “Maputo Corridor Radio” transmite em inglês para os
estrangeiros residentes em Moçambique e países vizinhos. O sinal da Antena
Nacional é também captado por via satélite pelas Rádios Comunitárias que, por
iniciativa própria, retransmitem diariamente os principais magazines informativos.
20
A RM recebe financiamento anual a partir do Orçamento Geral do Estado
(OGE); recorre à cooperação com instituições internacionais; à publicidade; à venda
na rádio a voz de Oliver Tambo ou citar no jornal as suas posições, era passível de procedimento
criminal. Essas vozes e opiniões proibidas passaram a chegar ao auditório sul africano através das
emissões da RM no seu Serviço Externo. (Massingue, 2000:44).
18
Estatutos da Rádio Moçambique.
19
Disponível em www.rm.co.mz acesso em 06/09/2007.
20
idem.
31
de espaço de antena e à edição de música em discos, cassetes e cd’s. Além desses
meios, conta também com a contribuição da “taxa de radiodifusão que foi introduzida
com base no regulamento contido no diploma ministerial n° 195/98 de 14 de outubro”.
(idem).
Atualmente a RM transmite sua programação em português, em dezanove
línguas bantu faladas no país (ajaua, nyanja, maconde, kimwane, swaili, macua,
chiuté, nyungwe, lomwe, chuabo, sena, ndau, ximanica, xitswa, xibarwé, chope,
bitonga, changane e ronga) e ainda em inglês
21
. Com isso, o rádio continua o único
meio de acesso à informação, à formação e a diferentes formas de recreação, para
muitos moçambicanos, sobretudo das zonas rurais,
·
Quanto à televisão, a utilização dessas línguas locais, sobretudo no telejornal,
ainda é um desafio, pelo menos por enquanto, pelos elevados custos que isso pode
representar, devido ao fato de que seria necessária uma preparação dos jornalistas e
de tradutores de conteúdos que fossem difundidos nessas línguas. Apesar dessas
dificuldades, a televisão já começou a utilizar algumas delas na publicidade.
O governo de Armando Guebuza
22
e seu antecessor têm traçado políticas e
metas de desenvolvimento do país. Isso acontece não em Moçambique, como
também em todo continente africano como forma de erradicar a pobreza absoluta da
maioria da população, mas, pelo menos até agora, os resultados se mostram
pequenos diante de inúmeros problemas que a população encontra no seu cotidiano.
Nesse âmbito é fundamental compreender as dinâmicas do funcionamento de
cada emissora de televisão, tendo em conta os contextos histórico pré-colonial,
colonial e pós-independência por que o país tem passado ao longo de sua história e
na lógica da organização regional da África Austral e também internacional.
Não podemos nos eximir de focar outro aspecto importante na história da
televisão em Moçambique no que diz respeito à influência de outras redes
internacionais de televisão, sobretudo de emissoras brasileiras como a Rede Globo e
a Rede Record. Nos últimos anos verifica-se um grande desequilíbrio no fluxo de
conteúdos na grade de programação da TVM e STV. O maior espaço é reservado a
programas estrangeiros, o que na opinião de Miguel (2006:10) não reflete a
moçambicanidade. Para o autor, “há uma presença excessiva de produtos
21
Idem.
22
Presidente da República de Moçambique eleito em 2004.
32
importados, reprises, novelas em horários nobres e, falta principalmente de uma
visibilidade equilibrada dos problemas regionais do país nos programas informativos”.
Na visão filosófica de Magode (1996:29), “a moçambicanidade pode ser
entendida como um sentimento nacional clássico, assumida unicamente pelos
moçambicanos, qualquer que seja o seu lugar de nascimento e domicílio, no país”. O
autor afirma que a moçambicanidade pode, por outro lado, representar o sentimento
nacional em que as diversas maneiras de ser e de estar na vida social não sejam
consideradas como um critério com alguma influência, o que é quase impossível,
pois a cultura é aberta a influências internas e externas. A moçambicanidade seria,
portanto, uma conseqüência da tentativa do discurso da nação construir uma
identidade para seus membros respeitando e reconhecendo suas singularidades
étnico-culturais.
Com uma postura crítica sobre questões históricas da colonização, que
resultaram na demarcação de fronteiras do país pelas potências européias, cujas
conseqüências são sobejamente conhecidas, Magode (idem) chama atenção para a
importância do sentido de pertença a uma comunidade
específica, dando valor ao
aspecto da pluralidade étnica da população, e afirma que “a moçambicanidade terá
de ser o resultado de uma aquisição sócio-cultural”. Nessa ordem de idéia vale
questionar sobre as identidades que a televisão pública e privada moçambicana
propõem à audiência e sobre os processos de sua construção.
Qualquer telespectador atento a essas questões, se fizer uma rápida
“varredura” pela programação tanto da TVM e da STV, que são o foco deste estudo,
facilmente constatará a fraca presença dessa moçambicanidade caracterizada
fortemente pela diversidade étnico-multicultural e lingüística.
Que razões levam as emissoras televisivas a atribuírem maior espaço aos
produtos estrangeiros, sobretudo brasileiros? Por exemplo, na programação diária da
TVM e da STV são transmitidas duas novelas com respectivas repetições de
capítulos além de mini-séries estrangeiras. As repetições acontecem em ambas as
emissoras, geralmente, no período da manhã. A noite é reservada para novos
capítulos, depois do telejornal, por ser o período em que a maioria está disponível a
assistir.
Para melhor entendermos esse fenômeno de aceitação da televisão brasileira
pelo público moçambicano nos valemos de fatores históricos. O fato de o Brasil ter
sido colônia portuguesa traz em comum com Moçambique e com todo o bloco dos
33
PALOP, a língua portuguesa, que possibilita a circulação de seus produtos
simbólicos no espaço moçambicano e no dos outros países com certa preferência do
público comum. Produtos como música, novelas, filmes, literatura científica ou de
auto-ajuda, encontram aceitação na sociedade moçambicana.
As emissoras moçambicanas, por um lado, aproveitam-se dessas condições
favoráveis a elas para incluir em sua programação produtos da televisão brasileira
como atrativo para o telespectador e assim garantir audiência. Por outro, essa
conjuntura também se constitui num status da emissora pelo fato dela veicular
programas estrangeiros, uma vez que no país não se têm programas de mesma
envergadura e qualidade técnica por falta de recursos tanto financeiros quanto
técnico-profissionais que assegurem uma produção diversificada de conteúdo que
satisfaça as necessidades, sobretudo de entretenimento e/ou de conhecimentos
científico-culturais dos telespectadores.
O que se verifica é um desequilíbrio permanente no tocante à circulação de
conteúdos. De uma maneira geral, os países desenvolvidos em termos de tecnologia
conseguem produzir e fazer circular seus produtos simbólicos ditando novos
comportamentos e maneiras de se posicionar no mundo.
Em relação a esse desequilíbrio é pertinente a crítica de Miguel (2003:59) ao
afirmar que
o artigo 4 da lei de imprensa, sem fazer distinção do setor público e
do privado, prevê que os meios de comunicação social devem
contribuir para: a consolidação da unidade nacional e a defesa dos
interesses nacionais; a promoção da democracia e da justiça social;
o desenvolvimento científico, econômico, social e cultural; a elevação
do nível de consciência social, educacional e cultural dos cidadãos; o
acesso atempado dos cidadãos a fatos, informações e opiniões; a
educação dos cidadãos sobre os seus direitos e deveres; a
promoção do diálogo entre os poderes públicos e os cidadãos; a
promoção do diálogo entre as culturas do mundo.
23
A concorrência o pode constituir em fator que iniba o diálogo. Para Miguel
essas condições previstas na lei de imprensa deveriam nortear a prática de mídia
para não permitir que questões de concorrência impeçam ao telespectador de
receber um serviço televisivo de qualidade, que a racionalidade mercadológica
tende a trocar a qualidade pela quantidade.
23
ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA. Lei nº 18/91 de 10 de agosto: artigo 4. Maputo: Imprensa.
Nacional, 1991.
34
Aliás, esse déficit na produção de conteúdos locais e a exigüidade de meios
técnico-científicos é um fator que ainda empobrece a produção de conhecimento em
todos os setores, inclusive midiático. Não se trata de um fato isolado, ou de um
problema que apenas diz respeito a Moçambique. De uma maneira mais ampla,
trata-se sim de uma forma de exclusão a que todo o continente africano está sujeito.
Por isso, Santos (2006) analisa de forma contundente as desigualdades ferrenhas
entre os hemisférios Norte e Sul que tem origem desde o período da colonização e
acentuam-se, atualmente com o processo da globalização, cujas conseqüências
afetam todos os aspectos da vida social. Essas desigualdades desfavorecem
radicalmente os países periféricos, como é o caso de Moçambique.
Para Santos (2006:301), a globalização dos media, da cultura de massas, da
iconografia norte-americana e da ideologia do consumismo, neutraliza as culturas
locais, descontextualizam-nas e assimilam-nas sempre que lhes reconhecem algum
valor de troca no mercado global das indústrias culturais.
Como possível solução Santos (2006:292) defende a necessidade de se
encontrar um equilíbrio entre a homogeneidade e a fragmentação, entre a igualdade
e a diferença, pois que o existe identidade sem diferença e a diferença pressupõe
a presença de certa homogeneidade que permita detectar o que é diferente nas
diferenças.
Nesse sentido, a argumentação de Santos (2006) converge com os aportes
teóricos de Laclau (2002). Para este, na construção do discurso existem duas lógicas
centrais: a lógica da diferença e a lógica da equivalência. A primeira tem a ver com a
complexidade do social enquanto a segunda refere-se à simplificação do social.
Assim, “dois termos para serem equivalentes devem ser diferentes, de outro modo
seriam simplesmente idênticos. A equivalência existe através do ato de subversão
destes termos” (Laclau, 1985:110). Portanto, Laclau defende que a lógica da
equivalência trabalha a partir da presença da diferença, ou seja, dois significados
podem ser equivalentes se forem diferentes. Com isso podemos compreender a tese
de que,
o único que podemos dizer é que a relação entre identidades
particulares e equivalências é instável, tudo depende de que função,
representar um conteúdo particular interno da comunidade ou
representar a esta última como plenitude ausente, haverá de
prevalecer . (Laclau, 2002:22).
35
Na mesma linha, Santos (2006:283) refere que a negação das diferenças
opera segundo a norma da homogeneização que permite comparações simples,
unidimensionais (por exemplo, entre cidadãos), impedindo comparações mais
densas ou contextuais (por exemplo, diferenças culturais), pela negação dos termos
de comparação.
A diversidade cultural moçambicana é resultado de uma miscigenação cultural
de diferentes civilizações. Segundo Dias
24
a cultura moçambicana foi sempre
marcada pela miscigenação cultural que advém das migrações bantu e do contato
que esses tiveram com outras civilizações, sobretudo árabe e asiática. A colonização
portuguesa (iniciada em 1498) trouxe influências européias que foram acrescidas
pelas culturas de comunidades imigrantes da Índia e da China que se fixaram em
vários pontos de Moçambique.
25
Depois da independência, os moçambicanos aprenderam outros valores de
cunho socialista, em conseqüência do projeto político ideológico adotado pelo partido
dirigente. Foi nesse contexto político ideológico marxista-leninista que se negou o
reconhecimento da diversidade cultural presente no país, pois o discurso unificador
do governo e a Frelimo se centravam na unidade nacional cujo objetivo central era
fortificar o nacionalismo.
Daí a primazia da construção da moçambicanidade enquanto uma identidade
coletiva “globalizante” que emergiu a partir do ordenamento político, histórico e
geográfico, reunindo num mesmo território diversos grupos étnicos e lingüísticos,
constituindo-se assim numa nação, no sentido de Estado de direito, em detrimento
das diferenças em todos os aspectos: histórico, cultural, étnico e lingüístico de cada
grupo que compõe o país.
Para Dias (2007:2), “existem em Moçambique várias formas de organização
social, cultural, política e religiosa; várias crenças, línguas, costumes, tradições e
várias formas de educação”.
As abordagens teóricas de Laclau (1985 e 2002) e Santos (2006) sobre
equivalências e diferenças o referências teóricas pertinentes que podem ajudar na
compreensão de como a moçambicanidade, no plural, pode abrigar essas diferenças
culturais, singulares, multi-étnicas e lingüísticas de cada grupo étnico e como essas
24
Texto referente ao tema da educação em Moçambique apresentado pela autora em maio de 2007
no ciclo de palestras sobre a colaboração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com as
universidades africanas e latino-americanas.
36
particularidades podem ser reconhecidas na e pela moçambicanidade entendida
como uma identidade coletiva.
Na atualidade cresce a preocupação de pesquisadores das diversas áreas de
estudo em discutir essas questões de diversidade cultural e de possíveis formas de
reconhecimento e de valorização como riqueza e patrimônio nacional.
No ensino, por exemplo, busca-se incluir os saberes locais na grade do nível
básico. No Plano Curricular Nacional do Ensino Básico (PCEB) prevê-se que a
escola tenha à sua disposição um tempo para a introdução de conteúdos locais, que
se julgar relevante para uma inserção adequada do educando na respectiva
comunidade. O mesmo plano determina ainda que os conteúdos locais devem ser
estabelecidos em conformidade com as aspirações das comunidades, o que implica
uma negociação permanente entre as instituições educativas e as respectivas
comunidades. Dias (2007:10), a carga horária prevista para essas atividades é de
20% do total de tempo previsto para cada disciplina.
O esforço que se está a empreender no país é no sentido de se estabelecer
interseções entre a moçambicanidade e a diversidade cultural. Para isso, Ngoenha
(apud Serra,1998:30) aponta algumas direções:
a preservação e a consolidação da moçambicanidade depende de
um duplo pacto: um “contrato cultural (unidade na diferença)” e um
“contrato (inteligência) social”. O pacto cultural deveria reconciliar a
política com as culturas nacionais. Isto permitiria libertar as
instituições estatais da política cultural sobre a qual vegetam e metê-
las numa dinâmica de cultura política mais produtiva. É necessário
pensar a política a partir de baixo, a partir dos marcadores
identitários forjados das culturas nacionais. É necessária uma
capacidade integradora da Nação, isto é, uma relação entre o projeto
político e as características étnicas e sociais das populações.
Dias (2007:11) analisa ainda que a nova visão educacional e cultural está
possibilitando debates mais abertos sobre essa questão:
(...) a sociedade moçambicana enfrenta a questão das diferenças
culturais com menos tabus e subterfúgios. se discute com maior
abertura as assimetrias regionais, as desigualdades de
oportunidades de sexos (questões de gênero) e de classes sociais, a
estigmatização de algumas práticas culturais (como os ritos de
iniciação, a prática da medicina tradicional, a crença ao sobrenatural,
etc) a incorporação do saber local e do conhecimento popular, do
senso comum na escola.
25
Idem.
37
A partir desse olhar preocupado com as questões de reconhecimento da
diversidade étnica que caracteriza a população moçambicana e, voltando-nos ao
nosso objeto de pesquisa, é importante compreendermos como a moçambicanidade,
no sentido mais amplo, e a diversidade cultural aparece nos discursos dos
telejornais.
Com base na abordagem teórica de Santos (2006) podemos detectar hoje no
espaço televisivo em geral, diferenças e semelhanças de orientação político-editorial
entre a TVM e STV. Essas diferenças são percebidas pelo público, que hoje tem
possibilidade de escolher o que assistir e percebe-se que o telespectador faz suas
escolhas a partir de questões ligadas à identidade cultural, às suas convicções e à
coerência com que cada telejornal articula suas estratégias discursivas.
O primeiro estudo de recepção e audiência
26
foi realizado entre os dias 19 e
23 de janeiro de 2006, em Maputo, na capital do país, que também tem o estatuto de
província, pelo fato de possuir maior concentração populacional em relação às outras
províncias. O relatório final da pesquisa encomendada pelo Grupo Soico indica que
“a STV despontou como a televisão preferida pelos moçambicanos nas categorias de
notícias, debates, novelas e filmes”. Segundo o relatório, de um universo de 2.300
pessoas requeridas, 45% consideram a STV como a melhor emissora, contra 44,2%
que dão essa qualificação à TVM. Outros 7,4% preferem a TV Miramar e 1,4% a 9TV
e 1% a RTP África.
dados importantes nessa pesquisa que merecem ser considerados, até
mesmo para a compreensão das estratégias comunicacionais e da identidade
editorial de cada emissora. O mesmo relatório revela que “44, 5% dos inquiridos
assistem regularmente aos debates da STV contra 18% da TVM e 6,2% da TV
Miramar. A partir desses dados percebemos que o público se interessa pelos
debates e não pelas notícias em si”.44 5% dos inquiridos assistem regularmente
aos debates da STV contra 18% da TVM e 6,2% da TV Miramar.
Embora nosso propósito não passe pelo questionamento da pesquisa em si,
esses resultados dizem respeito aos índices de audiência apenas da cidade de
Maputo - capital do país; temos que levar em consideração ainda o fato de que a
26
Foi realizado pelo Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU) que abarcou a cidade e a
província de Maputo, cujo objetivo principal era avalizar quantitativa e qualitativamente o impacto dos
serviços de comunicação social, sobretudo das emissoras de televisão.
38
STV não cobre todo território nacional como a TVM, portanto, o universo pesquisado
não chega a espelhar a realidade do país como todo.
Outro aspecto a ser considerado é que o quadro de queda nos índices de
audiência da TVM, apontada pela pesquisa nesse grande centro urbano analisado
propõe uma mudança de estratégias comunicativas da emissora pública para com a
sociedade moçambicana. Vale frisar que a capital do país é o maior reduto da mídia
de toda natureza, o que possibilita ao telespectador o acesso à diversidade de meios
de comunicação social.
1.2 Estrutura, regulamentação e controle da televisão
As estruturas da TVM e da STV são diferentes em virtude de sua natureza
pública e privada, e conseqüentemente objetivos distintos. As diferenças podem ser
compreendidas dentro do contexto histórico, das políticas editoriais adotadas a partir
das mudanças ocorridas no mercado de comunicação que, em parte, influenciam na
forma de realização das atividades comunicacionais.
O Gabinete de Informação (Gabinfo) subordinado ao Gabinete da Primeira
Ministra é o órgão que regula o funcionamento de todos os meios de comunicação
em Moçambique, independentemente de serem públicos ou privados. É uma
instituição que, de acordo com seus estatutos, “goza de personalidade jurídica e é
dotado de autonomia administrativa”. Compete ao Gabinfo:
1. Propor iniciativas de apoio do Governo aos órgãos de
comunicação social do sector público, privado e cooperativo;
2. Exercer a tutela do Estado sobre as instituições estatais e órgãos
de comunicação social do sector público, nos termos da lei de
imprensa.
3. Promover a avaliação periódica da imagem do Governo
4. Promover o desenvolvimento da comunicação social e reforçar o
seu papel na difusão da informação e na educação dos cidadãos.
5. Promover a divulgação, a nível nacional e internacional, de
informação sobre o país e das atividades do Governo.
Além dessas diretrizes comuns para todos os meios de comunicação, o artigo
8 da Lei de Imprensa 18/91 de 10 de agosto prevê que os veículos possuam suas
normas internas e específicas: “cada órgão de informação tem o seu estatuto
39
editorial que define a sua orientação e objetivos e no qual se declara o respeito pelos
princípios deontológicos de comunicação social e de ética profissional dos
jornalistas”.
A TVM é “um órgão de comunicação social cujo objetivo principal é a
prestação do serviço público de difusão televisiva”. O estatuto editorial da emissora
estabelece que a:
a
-TVM guia-se, no âmbito da sua actividade, pelos princípios
consagrados na Constituição quanto à liberdade de imprensa, pela
legislação atinente à comunicação social e pelos estatutos da
Empresa;
b-TVM considera que a existência de uma opinião pública informada,
activa, interveniente e participativa é condição fundamental da
democracia e da dinâmica de uma sociedade aberta, sem fronteiras
regionais, nacionais e culturais aos movimentos de comunicação e
opinião;
c-TVM orienta-se pelos princípios deontológicos da comunicação
social e pela ética profissional dos jornalistas;
d-TVM pratica um jornalismo baseado em critérios de rigor
profissional e criatividade editorial;
e-TVM pugna por uma informação actual, verdadeira e o mais
completa possível;
f-TVM aposta numa informação diversificada, abrangendo os mais
variados campos de actividade e correspondendo aos interesses de
um público plural;
g-TVM estabelece as suas opções editoriais sem hierarquias prévias
entre os diversos sectores de actividade;
h -TVM privilegia, nos seus espaços informativos, assuntos nacionais
ou acontecimentos internacionais com impacto na vida do País;
i-TVM participa na promoção do desporto cobrindo as diversas
actividades, a nível nacional e internacional e divulgando a prática
das diferentes modalidades desportivas;
j-TVM divulga as actividades dos poderes legalmente constituídos no
interesse público e com base em critérios profissionais;
k-TVM encoraja a busca de soluções para os problemas nacionais,
através do debate franco e aberto de idéias e no diálogo entre os
cidadãos;
l-TVM prioriza na sua programação matérias de produção nacional;
40
m-TVM colabora com instituições públicas, organizações sociais e
religiosas na promoção de iniciativas visando a educação cívica e o
desincentivo de comportamentos anti-sociais;
n-TVM baseia-se na lei e no senso comum no tratamento de
assuntos e imagens violentas ou de índole moral;
o-TVM privilegia na sua programação temas de educação formal ou
informal, particularmente de crianças e jovens;
p-TVM dedica um espaço central à divulgação das diversas
manifestações culturais do País, tais como: música, dança, teatro,
literatura e arte;
q-TVM respeita o direito dos cidadãos ao tratamento igual e justo,
independentemente da sua condição social, raça, origem geográfica,
grupo étnico, confissão religiosa ou filiação partidária;
r-TVM valoriza a mulher pelo seu lugar na sociedade e papel
desempenhado na família e no desenvolvimento social e econômico
no País;
s-TVM rejeita a exploração gratuita e abusiva da mulher e da criança,
particularmente em programas publicitários;
t-TVM valoriza as línguas moçambicanas, como meio fundamental de
comunicação para a grande maioria dos cidadãos e contribui para o
seu uso e desenvolvimento;
u-TVM participa na divulgação de programas que promovam a saúde
e a preservação do meio ambiente. TVM trata de qualquer assunto
de interesse público independentemente de quaisquer compromissos
comerciais;
v-TVM apenas veicula propaganda partidária nos períodos eleitorais,
nos termos da lei;
27
Todos os órgãos públicos de comunicação: a Rádio Moçambique, a Televisão
de Moçambique, a Agência de Informação de Moçambique, o Bureau de Informação
Pública, Centro de Documentação e Formação Fotográfica e a Escola de Jornalismo
estão sob a tutela do Gabinfo. O organograma abaixo mostra a estrutura de
funcionamento desse Gabinete.
27
Disponíveis em www.tvm.co.mz acesso dia 30 de agosto de 2007.
41
Fonte: www.gabinfo.gov.mz acesso em 29/09/2007
O Conselho Superior de Comunicação Social é outro “órgão através do qual o
Estado garante a independência dos órgãos de informação, a liberdade de imprensa
o direito à informação bem como o exercício de direito de antena e de resposta”
28
.
No artigo 36 da Lei de Imprensa 18/91 estão explícitas as atribuições desse
conselho: (1) Assegurar o exercício do direito à informação e a liberdade de
imprensa; (2) Garantir a independência e a imparcialidade dos órgãos de informação
do sector público bem como a autonomia das profissões do sector; (3) Velar pelo
rigor e objetividade no exercício da atividade profissional na área da imprensa; (4)
Assegurar os direitos de antena e de resposta; (5) Zelar pela defesa e promoção da
cultura e personalidades nacionais; (6) Velar pela transparência das regras
econômicas que regem a atividade informativa; (7) Agir na defesa do interesse
público e; (8) Velar pelo respeito da ética social comum.
Esse conselho é composto por onze profissionais, dos quais, dois são
designados pelo Presidente da República; quatro são eleitos pela Assembléia da
República; um magistrado judicial designado pelo Conselho da Magistratura Judicial;
três representantes dos jornalistas, eleitos pelas respectivas organizações
profissionais; e um representante das empresas ou instituições jornalísticas. A lei
DIRETOR
Rep. de
Recursos
Humanos
Direção de
Informação e
Comunicação
Licenciamento e
Fiscalização
Rep. Estudos e
Cooperação
Direção de Estudos e
Cooperação
Departamento de
Administração e
Recursos Humanos
Rep. De
Administração e
Finanças
Rep.Análise
Informativa e Sala
Rep. Coordenação
Apoio e Assistência
Secretaria
Assistente
42
determina ainda que o presidente do Conselho seja nomeado pelo presidente da
República.
29
No sector público cada órgão de comunicação possui um Conselho de
Administração cujo presidente é nomeado pelo governo. Isso contraria, em princípio,
o previsto no artigo 11 da lei de imprensa, de que “os órgãos de informação do sector
público cumprem as suas obrigações livres de ingerência de qualquer interesse ou
influência externa que possa comprometer a sua independência (...)”.
Miguel (2003:54) assevera que esse tipo de mecanismo de escolha do
Presidente do Conselho de Administração (PCA) das empresas públicas midiáticas
tem sido motivo de desconfiança, por parte dos profissionais da comunicação social
e de muitas pessoas atentas ao desenrolar das ações administrativas no setor da
comunicação.
O sector privado funciona com uma estrutura organizacional mais simples que
a do setor público. No texto que apresenta as bases de sua missão a STV destaca
objetivos na linha de expansão de seus negócios no mercado dos meios de
comunicação: ”ser o principal grupo de Comunicação Social na África Austral; criar,
desenvolver e gerir eficazmente os negócios na área de Comunicação Social,
privilegiando parcerias sólidas com os nossos fornecedores, clientes, governo e a
comunidade onde operamos”.
De referir que os estatutos da maioria das emissoras privadas não são
tornados públicos, o que dificulta o conhecimento detalhado sobre seu
funcionamento interno. No caso da STV também são desconhecidos os grupos de
empresários ou personalidades a ela ligada ou mesmo se nela estão presentes
acionistas nacionais ou estrangeiros.
Para seu funcionamento a STV está organizada em departamentos
distribuídos em diretorias: geral, editorial, técnico e operacional, financeira e de
programação. Um fato surpreendente é o crescimento rápido do Grupo Soico,
constituindo-se em um conglomerado de veículos de diferentes segmentos e, em
seis anos, ampliou seus negócios que não param de crescer no mercado nacional da
comunicação como se pode ver nessa estrutura abaixo:
28
Artigo 35 da lei de imprensa de Moçambique.
29
Artigo 38 da lei de Imprensa de Moçambique.
43
Fonte: Direção comercial da STV, 2007
Quanto à distribuição do sinal, a TVM leva vantagens, pois seu sinal abrange
uma grande parte do território nacional e possui projetos de expansão, embora ainda
se depare com muitas deficiências técnico-profissionais e financeiras. Sem
pretendermos questionar a qualidade de seu conteúdo, ela possui maior número de
telespectadores, o que lhe garante até agora a hegemonia na audiência em relação
às outras emissoras que não cobrem o país na sua totalidade.
O sinal da STV abrange apenas uma parte do país: Maputo província e
cidade, além das províncias de Gaza, Inhambane e Sofala. Os mapas abaixo
ilustram a expansão territorial da TVM e STV, respectivamente.
Rádio
GRUPO SOICO
Soico
Televisão
Televisão
Soico
Sport
SFM
Imprensa
Produção
Internet
FAMAO PAÍS
O PAÍS
SLIVE
Produções
44
Fonte: www.tvm.co.mz acessado em março de 2007
Fonte: Direção comercial da STV, 2007
.
Emissores Potência
Maputo 1000W
Beira 1000W
Quelimane 1000W
Pemba 1000W
Nampula 1000W
Ilha de Moçambique 100W
Lichinga 100W
Mandimba 100W
Maxixe 1000W
Xai-Xai 5W
Tete 5W
Songo 5W
Vilanculos 100W
Marromeu 100W
Namialo 100W
Chiúre 100W
Ulóngue 100W
Chimoio 100W
Área de cobertura
Atual Previsão para 2007
Maputo Maputo
Gaza Gaza
Inhambane Inhambane
Sofala Sofala
Manica Manica
Zambézia
Nampula
População
Atual Previsão para 2007
7.458.000 9.188.000
Número de televisores
Atual Previsão para 2007
652.000 758.000
Número de telespectadores
Atual Previsão para 2007
3.912.000 4.548.000
Contribuição para o PIB
Atual Previsão para 2007
80% 90%
Cobertura futura
Cobertura atual
45
Os mapas de cobertura de ambas as emissoras dão-nos uma idéia da
distribuição do sinal e da sua ampliação pelo território nacional. Imbuídos nesse
universo de expansão e crescimento em que a televisão está inserida, trataremos,
no capítulo a seguir, do telejornal enquanto gênero televisual com características
específicas que o distinguem dos demais programas. Ressaltamos que o foco desta
pesquisa está centrado na análise das estratégias discursivas do telejornal e seu
impacto na sociedade moçambicana.
46
CAPÍTULO 2- O telejornal
2.1. Características gerais
O telejornal é uma das fontes de informação, de produção e circulação de
conteúdos simbólicos cada vez mais presentes na sociedade contemporânea que
retrata os acontecimentos, os problemas sociais do cotidiano da população nos
contextos nacional e mundial. De acordo com Gianfranco Marrone
30
“o telejornalismo
é uma força social entre as outras e depende de como se situa entre elas a
determinação de sua presença ou não como força social”.
As funções desse formato televisual na atualidade são reconhecidas, desde a
possibilidade que tem de agendar o público telespectador sobre assuntos a serem
discutidos; de dar visibilidade aos inúmeros problemas enfrentados pela maioria da
população, além das assimetrias regionais; de apresentar as diferentes versões
sobre os temas divulgados que podem levar o telespectador a construir o senso
crítico a partir da diversidade de pontos de vista a que tem acesso, do telejornal e
outros tipos de fontes disponíveis no seu contexto social até; a de proporcionar ao
público-alvo a prestação de serviço.
Para Becker (2005:16), “pelo telejornal, a TV cria e procura dar visibilidade a
uma experiência coletiva de nação. É um espaço importante de construção de
sentidos do nacional como um ritual diário”. Com suas características dinâmicas e,
ao mesmo tempo complexas, o telejornal informa, dissemina ideologias vigentes em
cada época histórica, desperta a curiosidade sobre os acontecimentos do mundo,
como também esclarece ao seu público, embora nem sempre, sobre os mecanismos
de funcionamento da sociedade contemporânea.
Na visão de Silva (1985:34), “o telejornalismo, embora possa ter grandes
audiências, é tido originalmente pelos empresários de televisão como um gênero de
programa pouco atrativo em termos de público”. Essa tendência leva as emissoras a
optar por construir um discurso jornalístico recheado de procedimentos
argumentativos e com uma linguagem persuasiva capaz de atrair a atenção do
telespectador. Nessa tentativa, às vezes, a prioridade passa pelas questões
mercadológicas e se perde em qualidade do conteúdo apresentado.
30
Nexos, Revista de Estudos de Comunicação e Educação. Universidade Anhembi Morumbi, 1998,
Ano II - N 3: 157.
47
A pesquisa de Silva (1985:35) demonstra que essas tendências se
verificavam no fim da década de 60, nos primeiros anos do Jornal Nacional da Rede
Globo, em que a preocupação com o conteúdo era mínima, se não nula. Na
avaliação do autor, “o importante era manter o fluxo da audiência, demonstrar força
com um programa que atingisse todo o Brasil ao mesmo tempo e extrair prestígio do
noticiário, tanto da parte do público como das autoridades governamentais”.
Na atualidade, esse tipo de estratégias continua no bojo das intenções da
maioria das emissoras de televisão espalhadas pelo mundo. Silva (1985:36)
argumenta que na seleção de assuntos a serem noticiados, os profissionais do
jornalismo levam em consideração alguns aspectos particulares do telejornalismo,
como a possibilidade da notícia ser acompanhada de uma boa ilustração visual e,
dependendo da situação conjuntural política, o conteúdo crítico de uma notícia pode
provocar sua eliminação imediata. O autor refere ainda que “há uma forte tendência
à preferência por assuntos pitorescos, triviais, úteis”. Os interesses dos anunciantes,
a proximidade, o impacto emocional do assunto no telespectador e na sociedade,
em geral, são outros critérios relevantes para a inclusão das notícias no noticiário do
dia.
Quanto à estrutura e às características específicas desse formato televisual,
Machado (2003) mostra que o telejornalismo trabalha com sucessão de “versões” do
mesmo acontecimento e com a enunciação de cada porta-voz sobre os eventos.
Dessa forma, as notícias contribuem para a criação de uma ordem social a partir da
divulgação de conhecimentos que emergem das mais diversas fontes de informação,
sobretudo daquelas que detém certo poder sobre a sociedade, quer seja pela
posição social, ou pelo poder político-econômico.
O telejornalismo envolve, também, fontes, “personagens” e todas as pessoas
que atuam nesse formato. Isso é decorrente da própria estrutura do telejornal desde
as equipes de reportagens compostas por profissionais de diversas áreas de
comunicação e afins. Nesse sentido, Machado
(2003:103)
explica que,
tecnicamente falando, um telejornal é composto de uma mistura de
distintas fontes e som: gravações em fita, filmes, material de arquivo,
fotografia, gráficos, mapas, textos, além de locução, música e ruídos
(...) o que importa é extrair as conseqüências necessárias dessa
estrutura básica: o telejornal é, antes de mais nada, o lugar onde se
dão atos de enunciação a respeito dos eventos. Sujeitos falantes
diversos se sucedem, se revezam, se contrapõem uns aos outros,
praticando atos de fala que se colocam nitidamente como seu
discurso com relação aos fatos relatados.
48
Portanto, essa característica demonstra que no telejornalismo é inevitável a
existência de lógicas interna e externa de organização de seus textos e discursos. O
esforço das emissoras é tentar afinar constantemente essas duas lógicas para que a
mensagem tenha sentido lógico para o telespectador e seja aceita por ele. Essa
tentativa de fechamento (ou totalização discursiva) de um discurso para que tenha
lógica e seja entendido pelo telespectador é denominada ponto nodal, sobre o qual
discutiremos mais no próximo capítulo.
O “entendimento real de um discurso noticioso depende não apenas de sua
estrutura manifesta, mas também das estratégias de interpretação e representação
(Silva, 1985:36). Pela forma como os textos são organizados, emergem no telejornal
os discursos em sua pluralidade. Manifestam-se e/ou entrecruzam-se e, muitas
vezes, entram em conflito com o discurso dos grupos hegemônicos que comandam
a vida do país.
Essa relação pode ser compreendida também à luz das afirmações de Ana
Cláudia Oliveira:
o como um dado telejornal se a ver é um modo de se posicionar
no mundo, de assumir um sistema de valores para transformá-lo ou
negá-lo. Os valores incorporam, pois o discurso antes das distinções
entre temas ou gêneros. Dessa forma é antes de tudo, o fazer
televisão-isto é, informação em televisão-que traz em si uma
afirmação política. (1998:157 in Revista Nexos Ano II, nº3).
As asserções de Oliveira (1998) instigam-nos a aprofundar a percepção sobre
os telejornais moçambicanos, sobretudo os que constituem o corpus desta pesquisa,
Jornal Nacional da TVM e Jornal da Noite da STV, que veremos adiante.
Com base nas características do telejornal concebido como formato televisual
que trata especificamente dos eventos cotidianos, os enunciadores buscam
continuamente trabalhar com criatividade os recursos persuasivos e fiduciários para
convencer seus enunciatários a entrar em conjunção com os objetos de valor que
são as notícias. Isso é possível através do estabelecimento do contrato fiduciário ou
contrato comunicativo.
O lugar em que o telejornal é inserido dentro do fluxo da programação diária
de cada emissora é escolhido estrategicamente de forma a alcançar a audiência
desejada, pois é natural em televisão haver um público flutuante porque as pessoas
49
têm tendência a mudar constantemente de canal em busca de programas que mais
lhes interesse.
Nesta pesquisa, defendemos a idéia de que o telejornal é espaço midiático de
manifestação e de entrecruzamento dos discursos provindos de diferentes esferas
sociais porque a informação é construída a partir de determinados fins,
intencionalidades, assim como qualquer outro discurso possui essas e outras
características.
Os textos do telejornal são sincréticos, isto é, resultam da mistura de
linguagens verbal, visual e sonora que possibilitam a construção de significações.
Por isso, para a sua percepção é importante conhecer como esses textos
comunicam. Nessa perspectiva, Becker (idem) apresenta uma proposta de “leitura”
do telejornal que pode ajudar na apreensão crítica desse gênero televisual. A
pesquisadora analisa cada um dos onze princípios de enunciação contidos na
linguagem do telejornal: relaxação, ubiqüidade, imediatismo, neutralidade,
objetividade, fragmentação, timing, comercialização, definição de identidades e de
valores, dramatização e espetacularização.
Centraremos nossa atenção em alguns deles como: espetacularização,
fragmentação e comercialização por considerarmos que o conhecimento sobre eles
seja fundamental para a compreensão das particularidades do telejornal. Essa
escolha não implica a supressão dos outros princípios, pois discutiremos sobre eles
com mais detalhes no quarto capítulo, na análise dos aspectos que caracterizam as
dinâmicas do telejornal.
Para fazer crer seus telespectadores, freqüentemente, as emissoras recorrem
à estratégia de espetacularização das notícias apelando à adesão do público. É por
causa desse exagero dos profissionais do telejornalismo que se pode questionar se
os telejornais são programas de informação ou de entretenimento como qualquer
outro, mas que apresenta características de programa informativo.
A espetacularização da notícia pode se manifestar na maneira como os
repórteres apresentam a versão dos acontecimentos que, às vezes, chegam a
encenar como atores de cinema ou de teatro e, através da voz e de gestos, tentam
provocar tensão emocional no telespectador. Essa estratégia é mais freqüente nas
transmissões ao vivo, em que o repórter relata sobre os acontecimentos no
momento em que estiverem ocorrendo e nesses instantes não há edições prévias do
conteúdo que é transmitido e do que é dito pelos intervenientes do discurso.
50
Sobre os tipos de transmissões e especificidades do telejornal, Machado
(2003:125) esclarece que a transmissão ao vivo talvez seja, dentre todas as
possibilidades de televisão, aquela que marca mais profundamente a experiência
desse meio.
A televisão nasceu ao vivo, desenvolveu todo seu repertório básico
de recursos expressivos num momento em que ainda operava ao
vivo e esse continua sendo o seu traço distintivo mais importante
dentro do universo audiovisual. De fato, a operação em tempo
presente constitui a principal novidade introduzida pela televisão
dentro do campo das imagens técnicas. Antes da televisão (e do
rádio, seu antecessor), as únicas formas expressivas que operavam
ao vivo eram as artes performáticas (teatro, balé, ópera, show ou
concerto ao vivo), em que os artistas encenavam de corpo presente
diante da platéia. A fotografia, o filme, o disco e todos os meios
técnicos, pelo contrário, eram sempre recordação de alguma coisa,
que tendo acontecido apenas no momento do registro, tornava-se
passado no momento da exibição. A partir da televisão, o registro do
espetáculo que se está ainda enunciando e a visualização/audição
do resultado final podem se dar simultaneamente e é esse
justamente o traço distintivo da transmissão direta
31
: a recepção, por
parte de espectadores situados em lugares distantes, de eventos que
estão acontecendo nesse mesmo instante (na verdade, não é
exatamente o mesmo instante, pois um ligeiro atraso entre
captação, transmissão e recepção, devido ao percurso do sinal nos
canais eletrônicos, mas essa diferença é mínima e pode ser ignorada
em termos práticos).
Outro princípio enunciativo do telejornal é a fragmentação. De acordo com
Becker (2005:78) é um dos princípios responsáveis pela articulação do discurso
rápido da televisão. O fato é retirado do contexto em que ocorreu e é tratado como
notícia isolada, o que pode dificultar a compreensão do telespectador. “Como as
notícias são apresentadas como um mosaico, raramente oferecem a oportunidade
de realizar interligações indispensáveis para a correta apreensão dos problemas
sociais”.
Essa idéia de Becker é compartilhada por Marcondes Filho (1993:55) que
afirma que além de fragmentar os fatos ocorridos para transformá-los em notícia, o
telejornal altera ainda mais a realidade dos acontecimentos por meio de recursos
técnicos e ideológicos, como o uso de expressões que nada dizem, como: “fontes
31
É preciso considerar que a transmissão direta constitui verdadeiramente um gênero televisual,
talvez o primeiro desse meio, pois, como se sabe, as primeiras emissões televisuais foram
transmissões ao vivo de eventos extratelevisuais, como os Jogos Olímpicos de Berlim (1936), a
coroação do rei Jorge VI da Inglaterra (1937), a convenção do Partido Republicano norte-americano
na cidade de Filadélfia (1940) e assim por diante”. (Machado, 2003: 139).
51
bem informadas”, “porta-voz oficial” em vez de denominar a fonte; o uso verbal da
voz passiva, por exemplo, “foi fechada, foi decidido, foi proibido” em vez de dizer que
tal órgão tomou essas decisões. Ademais, Marcondes Filho aponta que o uso de um
tom sério, austero, rígido, que caráter oficial às notícias, que na verdade, são de
interesse apenas da emissora também faz parte desses recursos técnicos que são
formas de padronização de pensamento e de redação que formam um estilo próprio
do programa.
Dramatização ou encenação é outro princípio enunciativo do telejornal. Para
Becker (idem) o telejornal é, sem dúvida, uma encenação do real, mas toda a
situação de comunicação é ritualizada, marcada por um conjunto de regras
transmitidas pelas heranças culturais e relacionadas às instituições sociais onde o
processo comunicacional se materializa, num determinado momento histórico. Ou
seja, a atividade jornalística se insere num contexto organizacional que leva em
consideração as rotinas de produção, os valores/notícia
32
e os valores profissionais.
Os telejornais são organizados em blocos, o que evidencia neles o princípio
da comercialização, pois as notícias são intercaladas por comerciais em que
“patrocinadores anunciantes aproveitam a credibilidade dos telejornais para reforçar
uma imagem positiva das empresas” (Becker, 2005:80). Essa comercialização vai
desde anunciantes às próprias emissoras de televisão que vendem ou divulgam,
dentro do telejornal, outros programas, produtos e materiais produzidos nos diversos
setores da emissora, ligados à indústria de comunicação.
Por isso, Marcondes Filho (1993:59), afirma que o telejornalismo é, “um
gênero de televisão que transmite algo muito diferente do que a priori se propõe.
Onde deveria haver informação, encenação; onde deveria haver crítica,
bagatelização; onde deveria haver utilidade pública, comércio”. E contínua nas
suas críticas:
mais decisivo do que todos esses procedimentos, porém, é a política
das emissoras de TV, que pode modelar a realidade externa
segundo seus interesses, fazendo de pequenos incidentes grandes
fatos nacionais e menosprezando fatos importantes, se eles não
interessarem a elas. Por isso, o trabalho do telejornal acaba sendo o
32
São critérios para selecionar, do material disponível para a redação, os elementos dignos de serem
incluídos no produto final. Funcionam como linhas-guia para a apresentação do material, sugerindo o
que deve ser enfatizado, o que deve ser omitido, onde dar prioridade na preparação das notícias a
serem apresentadas ao público. Os valores/notícia são, portanto, regras práticas que compreendem
um corpus de conhecimentos profissionais que, implícita e muitas vezes explicitamente, explicam e
guiam os procedimentos de trabalho redacional.(Golding-Elliott apud Wolf, 2003:203).
52
de recolher as notícias na realidade e criar uma nova realidade com
as notícias recolhidas. (...). Percebe-se que a função do telejornal
não é a de noticiar nem divulgar fatos que interessem à sociedade,
mas a de moldá-los, esticá-los ou comprimi-los, reproduzindo assim
a vida política e social conforme os critérios ideológicos e particulares
de jornalistas, proprietários ou patrocinadores
.
Pela ausência de pesquisas sobre o telejornalismo moçambicano, este estudo
se fundamenta na vasta literatura que trata sobre o assunto no Brasil, e algumas
referências sobre o papel da televisão em Moçambique, além da experiência pessoal
como jornalista e como simples telespectadora entre centenas de pessoas que
diariamente assistem aos diversos programas de televisão no país.
É com essas referências que buscamos compreender o telejornalismo
moçambicano, suas especificidades e desafios no contexto atual levando em
consideração o telejornal como espaço de manifestação e articulação dos discursos
num país caracterizado pela diversidade cultural e pela ampliação das trocas
simbólicas entre as diversas etnias e regiões e entre elas e o mundo exterior
(globalizado), no contexto da economia de mercado.
2.2. O telejornal como espaço midiático de manifestação dos discursos em
Moçambique
As primeiras transmissões de telejornal aconteceram no contexto da guerra
civil entre o governo e a oposição política em Moçambique, em meio a uma crise
política no leste europeu, como conseqüências da guerra fria. Nessa época existia
uma única emissora de televisão, a Televisão Experimental (TVE) - estatal, atual
TVM, que funcionava nos moldes experimentais.
Esse programa informativo que era transmitido para Maputo, capital do
país, relatava principalmente assuntos relacionados à guerra civil, aos ataques
armados dos guerrilheiros, mostrava imagens de destruição de infra-estruturas como
pontes, escolas, hospitais, etc, e o sofrimento das populações das zonas rurais que
se refugiavam para as grandes cidades e para os países vizinhos como Zâmbia,
Malawi, Zimbabwe, África do Sul, Tanzânia, entre outros.
Além desse enfoque, o telejornal também dava atenção à propaganda
partidária do governo ao dedicar maior espaço às figuras políticas governamentais
mostrando suas realizações, transmitindo os comícios populares do presidente da
republica, além de acompanhar suas visitas pelo país.
53
Na opinião de Vasconcelos (apud Ribeiro, 1996:139) “boa parte das pessoas
que “faziam” a televisão não tinha especialização e pertencia ao partido único”. Mais
tarde com as mudanças ocorridas, principalmente na arena política nacional,
impulsionado com o fim da guerra civil e a entrada em vigor da nova constituição da
república, o telejornal assim como toda a imprensa em geral, passou a enfatizar o
discurso de consolidação da paz e do processo democrático.
Massingue (2000:37) considera que era importante que “a imprensa
trabalhasse para a consolidação da paz e contribuísse para a redução das tensões e
promoção de consensos, através da investigação, da comprovação dos fatos, do
respeito pela diversidade e pelos direitos e liberdades dos cidadãos”.
Com a expansão da rede elétrica e da distribuição do sinal de recepção da
TVM, sobretudo pelas capitais provinciais, o Telejornal (como foi denominado por
muitos anos) passou a ser assistido em todo país. Contudo, na década de 90, com a
abertura de outras emissoras de TV, que também tinham seus programas
informativos, ampliou-se o leque das fontes de informação e, com isso, aumentou a
disputa pela audiência.
O projeto de expansão da rede da TVM possibilitou a abertura de delegações
nas cidades da Beira e Nampula centro e norte do país, respectivamente e mais
tarde nas demais capitais provinciais. Nisso, a TVM ampliou as temáticas abordadas
no telejornal na tentativa de trazer assuntos sobre todo o país. Talvez tenha sido
com esse ideal de construir um telejornal com a marca de nacional que a TVM
mudou o nome de telejornal para Jornal Nacional.
As características básicas dos telejornais moçambicanos, apesar de não
atingir a maioria da população, não fogem das dos telejornais de emissoras de
outros países, que tenham mais tempo de transmissões e maior alcance de
telespectadores. Diferentemente do Brasil, o telejornalismo moçambicano não é
herdeiro do rádio. O estabelecimento da televisão e de seus programas foi
independente do dio. Em termos de estilo, tem traços característicos herdados do
padrão norte-americano e europeu, embora a implantação da televisão em
Moçambique se deva a Itália conforme mostramos no primeiro capítulo em que
estudamos a evolução histórica da televisão no país.
Também é fato notável que na atualidade os telejornais moçambicanos têm
se assemelhado muito aos do Brasil, principalmente, na forma de organização das
notícias em blocos bem definidos e separados por comerciais. Essa característica é
54
mais patente nos telejornais de emissoras privadas que têm parcerias com algumas
emissoras brasileiras que é o caso da TVMiramar com a Record e; da STV com a
Rede Globo de Televisão.
Percebemos que os telejornais são fonte de informação do público urbano e
suburbano e, isso faz com que sejam um espaço de manifestação e de articulação
dos discursos dos diferentes segmentos sociais do país. Sem querer descartar os
outros formatos e gêneros televisuais, por lidar com os acontecimentos diários, com
as estruturas sociais e com assuntos que se inscrevem na esfera pública, os
telejornais moçambicanos situam-se na área de confluência de interesses entre
televisão, política e mercado que traduz uma relação promíscua entre essas
instâncias. Eles mantêm uma relação de muita proximidade com o poder político e
econômico que gera interferências recíprocas no funcionamento de cada uma das
instâncias.
Ao estudarmos o Jornal Nacional e o Jornal da Noite levamos, também, em
consideração o contexto mais amplo em que estão inseridos tanto nas próprias
emissoras quanto no de concorrência com programas informativos de outras
operadoras de televisão. Assim, além do Jornal Nacional, a TVM tem o Jornal da
Tarde, diário que vai ao ar no horário do almoço e o programa Ver Moçambique
transmitido ao longo da semana. Miguel (2003:81) analisa que
as reportagens do Ver Moçambique podem ser tomadas como algo
de positivo, na medida em que a realidade econômico-sócio-política
das províncias é trazida à tona, não somente sob o ponto de vista
oficial, mas, sobretudo, a partir do olhar dos vários segmentos da
sociedade.
O
utro programa da TVM considerado importante pela forma como os assuntos
são abordados é o Espaço Público que é transmitido aos domingos, com 60 minutos
de duração, dentro dos quais são debatidos assuntos de interesse público. Outros
informativos são: África Magazine, Com a Imprensa, Canal do Repórter, Canal Zero,
Justiça e Ordem, Quinta à Noite, Consultório Jurídico, Último Jornal e Jornal de
Desporto.
Além do Jornal da Noite, a STV possui o Primeiro Jornal e o STV Sport
Notícias. O primeiro é transmitido diariamente no horário do almoço e apresenta
notícias gerais sobre a atualidade, sobretudo, da capital do país. O segundo é
dedicado à cobertura de esporte. Ainda fazem parte da lista de informativos o
55
Telediário, o Debate Aberto, o Pontos de Vista, a Opinião Pública, o Observatório, o
Ponto Parágrafo. O País Econômico e a Especial Reportagem.
A RTP-África tem o Repórter África como principal jornal diário dea feira
com 30 minutos de duração, e o África 7 dias que é transmitido aos sábados e
domingos. Ambos apresentam a atualidade africana e da diáspora e o segundo faz
uma revista sobre os acontecimentos da semana. Esses informativos contam com a
contribuição das redações locais dos PALOP.
O canal da TV Miramar tem o Miramar Notícias, o Jornal da Miramar e o
Jornal da Record (telejornal brasileiro) que é retransmitido na íntegra em
Moçambique. Para Miguel (2003:82), “a Miramar, de acordo com o levantamento,
não prima nem pela qualidade e nem pela quantidade: o Jornal da Record
reproduzido integralmente pela emissora comporta muita informação sem
importância imediata para os moçambicanos”. Em sua análise frisa que “a Miramar
poderia aproveitar o tempo para trazer mais a riqueza de Moçambique através de
outro tipo de programas informativos e de debates” sem com isso comprometer seus
objetivos lucrativos.(idem).
O estudo do perfil dos telejornais que constituem o corpus desta pesquisa é
importante para a compreensão da maneira como constroem os significados através
da representação e apresentação de mundos.
2.3. O perfil do Jornal Nacional e Jornal da Noite
Com base nas características editoriais e do conteúdo de ambos os
telejornais e das condições históricas, econômicas e cio-político em que as
respectivas emissoras -TVM e STV - se estabeleceram no país nota-se que apesar
de serem diferentes em termos de linha editorial, ambos possuem uma tendência
mais descritiva e menos opinativa não obstante, o Jornal da Noite apresentar-se com
um pouco mais de ousadia em suas construções textuais e discursivas pelo fato de
distanciar-se das amarras do controle exercido pelo poder político, não consegue se
desvencilhar das amarras do poder econômico já que prima pela obtenção de lucros.
Constatamos que parte da sociedade moçambicana ainda não tem
experiência em lidar com a televisão, mesmo assim, são perceptíveis alguns focos
de frustração do público perante a falta de aprofundamento sobre os problemas
nacionais, pelos telejornais, cujo debate interessaria ao telespectador. Essa
deficiência é apontada, principalmente na emissora pública, por Celestino Vaz
56
Tomás, no relatório anual de 2005 do Instituto para a Comunicação Social da África
Austral
(MISA) referente ao estado da liberdade de imprensa em Moçambique.
Nos vinte e cinco anos de serviço público de televisão, o conceito da
televisão pública praticada pela Televisão de Moçambique, TVM,
distancia-se do verdadeiro sentido da palavra “televisão pública”, pois
apesar de ser financiado pelo dinheiro dos contribuintes
moçambicanos e, apesar dos esforços, ela ainda está longe de servir
publicamente o povo moçambicano, dado que ainda possui os
resquícios do controle governamental e ¼ de cobertura nacional e
relegando a restante fracção populacional à infomarginalização.
(Tomás, in MISA, 2005:50)
Ademais, o relatório do MISA refere que,
no atual cenário televisivo
moçambicano, não se pode subestimar o novo modelo de jornalismo introduzido
pelos canais privados da televisão” apesar de seu caráter comercial que prioriza
mais os interesses de obtenção de lucros que os do seu público. Isso pode ser
constatado a partir do número de programas informativos e de debate que na TVM
se apresenta maior em relação ao da STV. A TVM possui onze programas
informativos enquanto a STV conta com apenas cinco. Essa diferença é muito
grande, e pode mostrar as preferências e as atenções de cada emissora, se essas
priorizam o público-alvo ou o volume de entrada de capital.
O mesmo documento também destaca os avanços da tecnologia da televisão
verificados mais nos canais privados do que no público, embora este último
apresente vantagem de possuir a maior cobertura do sinal no território nacional.
Quando à duração, o noticiário de ambos os telejornais apresenta, em média,
45 minutos, distribuídos em três blocos de aproximadamente 15 minutos cada,
separados por comerciais que somam um total de 15 minutos também distribuídos
pelos três blocos de notícias. Em algumas edições o Jornal Nacional tem
apresentado quatro blocos de notícias, alongando o tempo de sua duração.
Os procedimentos discursivos e narrativos são idênticos nos dois telejornais.
Na abertura, que é feita com uma vinheta e logotipo, os noticiários começam com a
escalada, um pequeno resumo das principais notícias do dia. Com essa estratégia,
os enunciadores buscam “capturar” a atenção do telespectador para que espere
ansiosamente pelo desenvolvimento dos assuntos.
Nas notícias, assim como em todos os outros textos, estão presentes as
marcas do discurso que revelam as escolhas dos enunciadores e conseqüentemente
mostram a identidade da emissora.
57
Uma estratégia interessante na transmissão de cada matéria é a autoria
jornalística. Em cada notícia que vai ao “ar”, tanto o Jornal Nacional como o Jornal
da Noite identificam o nome do jornalista, do operador de câmera e também do
editor. Isso pode facilitar a identificação do profissional em caso de reclamações de
possíveis lesados com a notícia veiculada. Outras vezes o apresentador, no
momento da transmissão da notícia, identifica seu autor com apenas uma frase
como “a reportagem é do nosso colega (fulano de tal)”.
Em ambos os telejornais uma separação explícita entre as notícias e a
publicidade. Essa separação é feita através de uma vinheta publicitária acoplada ao
logotipo da emissora que entra na tela, no início e no fim do tempo da propaganda.
Essa estratégia ajuda os telespectadores a saberem identificar as informações da
publicidade, uma vez que a maioria da população não conhece os meandros da
dinâmica da transmissão televisiva.
As narrativas jornalísticas, que são maneiras de organizar e explicar os
acontecimentos, são muito parecidas nos dois telejornais. Em geral, as matérias
abrem com um assunto factual e depois é que se mostra o personagem “envolvido”
ou o entrevistado. Raramente as matérias iniciam com histórias dos personagens
como acontece, por exemplo, no telejornalismo brasileiro.
Outra semelhança entre o Jornal Nacional e o Jornal da Noite é o fato de que
em ambos os principais personagens eleitos nas notícias são os membros do
governo. Em pequenas proporções aparecem personagens da sociedade civil.
As características pró-governistas do Jornal Nacional são visíveis pela forma
como são divulgadas as realizações do governo numa linguagem muito burocrática
como mostra esse trecho do script do telejornal do dia 16 de abril de 2006 que
também nos serve de exemplo das notas oficiais que são apresentadas com
prioridade no telejornal:
LOCV: o Presidente da República Armando Guebuza realizará de 17
a 20 deste mês uma visita de trabalhos à província de Niassa no
contexto da Presidência Aberta. O chefe do Estado vai escalar
Lichinga, Matarica, Majune e Lago. Um comunicado da Presidência
da República refere que o estadista moçambicano possui agendados
encontros com o governo provincial e distritais dos locais a visitar.
Armando Guebuza irá manter diálogo com a população de todos os
lugares que vai escalar. Está agendada também uma série de visitas
a locais de interesse político, social e econômico. Durante a
deslocação a Niassa, o alto magistrado da nação far-se-á
acompanhar do Ministro do Interior, José Pacheco, do Ministro de
Administração Estatal, Lucas Chomera e da Agricultura, Tomás
58
Mandlate. A comitiva integrará ainda o Ministro dos Antigos
Combatentes, Feliciano Gundana, Ministro de Agricultura, Salvador
Namburrete e o Vice-Ministro do trabalho, Soares Nhaca.
Pode estar na origem dessa “submissão” do Jornal Nacional em reproduzir na
íntegra os comunicados do governo as regras estabelecidas pela Lei de Imprensa
18/91 que no artigo 13 que trata das notas oficiosas
33
, determina como os órgãos
públicos de comunicação social devem
atuar em relação a elas:
1. Os órgãos de informação diários devem publicar na íntegra e com
devido relevo as notas oficiosas do Governo, quando para o
efeito expressamente remetidas através do Gabinete de
Informação.
2. A radiodifusão e televisão nacionais farão a divulgação imediata
das notas oficiosas sem prejuízo do embargo.
3. A publicação ou divulgação das notas oficiosas é gratuita,
devendo ser citada a fonte governamental.
4. A radiodifusão e televisão nacionais devem divulgar gratuita e
integralmente, com devido relevo e com máxima urgência, as
mensagens do Presidente da República, sem prejuízo do
embargo.
Essa tendência clara de atrelamento da televisão pública ao poder político é
criticada por Tomás pela falta de uma postura mais crítica dos meios de
comunicação social no país e do controle por parte dos detentores de algum poder
sobre a mídia, “quer através da rádio quer com a televisão ou meios impressos ou
eletrônicos”. Na sua percepção,
o resultado do controle, como vemos no caso moçambicano, tratando
de sociedade complexa e constituída duma pluralidade cultural, que,
na sua maioria, não está espelhada no cenário mediático, um amplo
conjunto de vozes moçambicanas não consegue transpor os
empecilhos mediáticos e, obviamente acabam sendo excluídas
dessa esfera pública, claramente por não estarem em conformidade
com o código pré-estabelecido pelos meios de massa. (in MISA,
2005:50)
O Jornal da Noite trata desses mesmos aspectos de uma forma um pouco
mais ousada no sentido de que aproveita trazer à tona contradições na fala ou nas
33
Refere-se às notas dos membros do governo moçambicano, sobretudo do presidente da república
que são enviadas aos meios de comunicação social do país.
59
declarações das diferentes instâncias do governo perante os mesmos assuntos. Mas
para evitar um embate direto com esse poder público, algumas vezes, o Jornal da
Noite coloca no “ar” a opinião dos telespectadores, em forma de perguntas aos
governantes sobre um determinado assunto de interesse público. Esse quadro é
parecido com o que no Brasil se chama “o Povo Fala”.
Um exemplo disso é esta reportagem que foi ao ar na edição do dia 10 de
abril de 2006, em que o repórter saiu à rua entrevistando cidadãos sobre o tema da
segurança pública, fazendo perguntas ao Ministro do Interior, o qual teve espaço
para dar explicações à população.
Escalada-LOCV - foi lançada hoje em Maputo a campanha Vale
Educação para Todos em África até 2015. Boa noite! Está a começar
o telejornal, o desenvolvimento desta notícia daqui a pouco. Para já a
segurança pública está garantida em Moçambique. Quem o diz é
Ministro do Interior, José Pacheco. Alguns cidadãos, no entanto,
consideram que não é bem assim.
Repórter - quem é que tem questões a colocar ao Ministro do
Interior? Vamos escutá-las.
Sonora (com entrevistado) - gostaria de saber do ministro se ele
próprio está satisfeito com o desempenho das forças policiais.
Sonora (com o Ministro do Interior) - de fato, um dos elementos de
avaliação é a redução do índice de criminalidade no ano passado em
8¨%, não obstante ainda existirem crimes violentos.
Sonora (com entrevistado) - por que é que a polícia é amiga do
larápio?
Sonora (com o Ministro do Interior) - a polícia não é amiga do
larápio. Sob ponto de vista institucional, nenhum polícia está
autorizado a ser amigo do larápio. Existem, contudo, e nós
reconhecemos, alguns agentes da polícia, em minoria, que estão
relacionados com o crime.
Sonora (com 3° entrevistado) - por que é que a polícia cobra
dinheiro as pessoas que não têm documentos?
Sonora (com o Ministro do Interior) - é preciso que esses cidadãos
denunciem. Quando denunciam é sempre possível saber qual a
brigada que opera em tal lugar.
Depois dessa entrada dos entrevistados, como nota pé, em off, o repórter
explica em que contexto o referido Ministro deu essas explicações aos cidadãos: “o
Ministro José Pacheco falava hoje, na abertura, em Maputo, do 16° Conselho
Coordenador da polícia moçambicana, no qual participam as mais altas patentes da
60
polícia moçambicana. O mesmo tem o seu término previsto para o próximo dia
doze”.
A TVM também recorre a esse tipo de procedimentos discursivos, mas em
outros programas como Espaço Público
34
e Com a Imprensa, dedicados
especificamente à discussão de temas relevantes que contribuem para o diálogo
entre as diversas esferas políticas e sociais do país. Percebemos que esse tipo de
abordagem de assuntos é possível em determinados programas como esses e
não no Jornal Nacional. Isso se deve, talvez, pelo fato daqueles programas serem
transmitidos ao vivo e os profissionais não sofrem as mesmas pressões do ambiente
de redação e ainda, a responsabilidade pelo conteúdo recai diretamente sobre os
personagens entrevistados e não sobre os jornalistas.
Esse tipo de abordagem sobre assuntos polêmicos ou “casos quentes”, como
são comumente designados, além de sugerir a reflexão pública também resgata a
cidadania por possibilitar o debate, o diálogo, embora a partir de lugares de fala bem
distantes. Nas sociedades contemporâneas fala-se de cidadania no sentido de
inserção e de participação do indivíduo, da comunidade, dos diversos grupos
étnicos, lingüísticos e multiculturais na definição dos destinos da vida da sociedade e
pensando também nos deveres e responsabilidades que esses grupos possuem
perante a mesma.
É nessa perspectiva que Geaquinto (2002) defende que a cidadania emana
da sua prática, do compromisso do indivíduo ao atuar, ao assumir o papel de agente
da transformação histórica e ocupar o seu espaço de forma objetiva dentro do
universo político, econômico, cultural e social. É nesse sentido que ao estudar os
telejornais moçambicanos também questionamos sobre o papel da televisão e de
seus programas numa sociedade caracterizada pela diversidade étnico-linguística e
cultural.
Embora os dados sejam exíguos, pela falta de equipamentos de avaliação de
audiência da televisão no país, o documento do MISA aponta como exemplo que
“relativamente à TVM, não restam dúvidas de que ela sofreu, em 2005, uma
34
No programa Espaço Público, “um tema de interesse público é escolhido pela produção.
Geralmente tratam-se de assuntos relacionados com problemas municipais. Em seguida essa equipe
desloca-se para locais onde as pessoas são abordadas para opinar sobre a questão. As instituições
responsáveis pela solução das questões em causa também dão a sua versão. O blico tem
mostrado nesse programa uma maturidade democrática desconhecida pelo poder executivo,
acostumado a procurar soluções independentemente da comunidade, que é lembrada nos períodos
eleitorais. (Miguel,2003:81).
61
acentuada baixa de níveis de audiência e um decréscimo quase generalizado dos
seus conteúdos informativos”. Esse fato dá-se, a nosso ver, pela ampliação do
acesso à diversidade de fontes de informação e o relativo aumento de opções de
programas de televisão a que o telespectador tem cada vez mais acesso.
Além disso, com a entrada dos serviços de Internet no país, as pessoas,
principalmente as que moram nas cidades, começaram a criar páginas, blogs de
discussão sobre os assuntos apresentados pela mídia em geral, e, sobretudo pela
televisão. Alguns dos veículos: rádios, jornais impressos e emissoras de televisão
criaram seus sites com espaços reservados à discussão diária sobre qualquer
assunto. Esse fórum possibilita ao internauta que também é telespectador
desenvolver o senso crítico sobre como a mídia constrói seus discursos. Dados não
oficiais mostram que em Moçambique, dos cerca de vinte milhões de habitantes,
apenas seis milhões têm acesso à televisão.
35
Pela extensão de sua cobertura no território nacional, numericamente, a TVM
possui maior audiência em relação a todas as outras emissoras que operam no país.
Mas, percebendo o risco de perder o público telespectador para as concorrentes,
começou a buscar novas formas de abordar as notícias. Por exemplo, a criação do
programa Com a Imprensa, cuja primeira edição coincide com a nossa pesquisa.
Esse programa é transmitido uma vez por semana, dentro do telejornal.
No tocante às organizações textuais dos telejornais, às vezes, a relação
palavra-imagem é prejudicada. Percebemos um recurso constante à imagem fixa
para um texto longo. Ou seja, falta de imagem para o texto lido em off. Algumas
vezes há cortes bruscos de edição que são resultado da fraca preparação dos
profissionais (jornalistas, cameramen, editores infográficos) e até mesmo de falta de
equipamentos de qualidade.
Quanto às notícias internacionais, as duas emissoras recebem materiais de
agências, como a BBC Londres, da RTP em Portugal, da SABC da África do Sul
entre outras e são retransmitidas, às vezes, sem uma reedição prévia. Os editores
locais simplesmente se limitam a traduzir e a ler em off as notícias.
35
Esses dados referem-se a um artigo da Golo Publicidade, uma das mais renomadas empresas
moçambicanas do ramo da publicidade, com sede em Maputo. O artigo publicado no Jornal Expresso
de Portugal, na versão impressa de sexta-feira 16/02/2007 e publicado nas páginas da Internet do
mesmo jornal, aponta o sucesso da publicidade na televisão e faz referência ao número de habitantes
que têm acesso à televisão no país. O artigo está disponível em
http://semanal.expresso.clix.pt/2caderno, acessado em 16/06/2007 às 19 horas.
62
A STV tem parcerias com a Rede Globo desde 2004, o que lhe possibilita a
transmissão de novelas, e de outros programas como os que neste momento estão
no ar o Sítio do Pica Pau Amarelo, a minissérie JK. Tem feito co-produções com o
Canal Futura, nos programas: Umas Palavras, Um de Quê, Saber Mais,
Sexualidade e Viagem Para
36
.
Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, as informações
circulam com muita rapidez e, como foi comprovado por diversas pesquisas, na
atualidade, a tendência é de as pessoas passarem maior parte do tempo em contato
com os meios de comunicação. Esses se tornaram intermediários técnicos entre o
indivíduo e o mundo, colocando ao alcance das pessoas, acontecimentos,
experiências e idéias sem os quais não se poderia ter acesso direto.
Apesar desse salto em termos de tecnologias de comunicação, grande parte
da população rural ainda continua excluída desses novos ambientes de
sociabilidade. Ademais, os órgãos públicos de comunicação não dispõem de
condições financeiras suficientes para ampliação das produções locais que
possibilitem a divulgação de conteúdos educativos e culturais do país.
2.4 Os principais anunciantes no Jornal Nacional e Jornal da Noite
A publicidade é uma das grandes alavancas da indústria dos meios de
comunicação de massa que através de sua linguagem persuasiva pode influenciar
nos gostos e nas preferências do público sobre programas e produtos que são
anunciados nos diferentes meios de comunicação, especialmente na televisão.
Em Moçambique ainda não se têm registros sobre o impacto da publicidade
na história dos meios de comunicação de massa, sobretudo no rádio e na televisão,
mas não restam vidas de que ela tenha sido introduzida pela imprensa escrita no
período colonial. Fonseca (apud Ribeiro, 1996:200) refere que “nos anos 44, a
publicidade na imprensa em Moçambique limitava-se a mensagens comerciais em
que o arranjo gráfico era simples, de caráter informativo, com exceção daqueles
36
O que a princípio seria apenas um contrato de licenciamento para exibição de programas do
Futura, intensificou-se no ano seguinte, com a primeira co-produção entre as duas TVs: quatro
episódios do Globo Ecologia foram gravados em Moçambique. Ainda em 2005, os laços se
estreitaram com a assinatura de um acordo de cooperação técnica prevendo, além de produções
conjuntas, a capacitação de profissionais. Em meados de 2006, Futura e Soico TV produziram três
episódios da série Um de Quê?, com Regina Case, sobre árvores africanas, e o contrato de
licenciamento foi renovado até 2011. Em fevereiro de 2007, a terceira co-produção: foram gravados
três episódios da série Umas Palavras com escritores daquele país. As entrevistas serão exibidas em
junho. Esta parceria faz parte da estratégia do Futura de levar o seu conhecimento a países africanos
63
dedicados ao cinema, que eram visualizados com uma intenção motivadora”. O
autor refere ainda que nessa época “existia uma empresa com o nome de Agência
Colonial de Publicidade que além de trabalhar para a imprensa, detinha o monopólio
da publicidade do então Rádio Clube de Moçambique”.
Foi nesse contexto da colonização que, de acordo com Fonseca (idem), foram
criadas as primeiras agências produtoras de programas e spots de rádio: a Somar
em 1954 e as Produções Golo
37
. Com a evolução da área da comunicação, a
publicidade em Moçambique também tem passado por mudanças significativas.
Com a televisão, a publicidade ganhou mais espaço e visibilidade na sociedade
moçambicana como resultado da ampliação do mercado da própria publicidade em
suas produções que está ganhando novos recursos com as novas tecnologias de
comunicação que tem possibilitado a melhoria de qualidade das peças publicitárias.
A ampliação do setor da publicidade levou à criação da Associação
Moçambicana de Empresas de Marketing, Publicidade e Relações Públicas (AMEP),
que tem a responsabilidade de estabelecer normas referentes às áreas da
publicidade, de marketing e relações públicas no país. Atualmente a AMEP conta
com vinte e uma empresas afiliadas.
38
Além dessas funções, a AMEP tem organizado debates sobre assuntos
referentes ao mercado nacional e internacional da publicidade e tem promovido
festivais internacionais de publicidade e outros eventos afins.
Como destacamos neste trabalho, a fragmentação é uma das
características do telejornal, ou seja, a transmissão do telejornal é feita em blocos de
notícias intercalados por comerciais de acordo com os critérios de cada emissora e
das exigências das próprias empresas anunciantes. Portanto, os comerciais fazem
parte da programação da televisão e além do objetivo mercadológico em si,
possuem outras funções como explica Arlindo Machado
(1997:199)
:
o break-‘intervalo comercial”- não é apenas uma formatação de
natureza econômica, imposta pelas necessidades de financiamento
na televisão comercial; ela tem função organizativa mais precisa, que
e latino-americanos e trazer aos telespectadores brasileiros um olhar fidedigno da realidade destas
regiões. (disponível em www. futura.org.br/data/pages. Acesso em 06/09/2007).
37
Inicialmente dedicava-se mais a relatos desportivos, que vem a incorporar o primeiro programa
comercial do RCM-o DOMINGO ALEGRE que existia desde 1949.A primeira realização da Golo, em
1958, foi o relato em direto para Moçambique do Torneio de Montreux de Hóquei em Patins. Dois
anos mais tarde, em 1959 surgem novas agências de publicidade e novas produtoras de rádio entre
elas, a Inter, Elmo, Produções LM, 1001, Delta, Eureka Publicidade, Tamtam, Neves Publicidade,
Mark e outras. (Fonseca apud Ribeiro,1996:201).
38
Dados disponíveis em www.amep.org.mz acesso 27/09/2007.
64
é garantir, de um lado, um momento de ‘respiração’ para absorver a
dispersão (ninguém suportaria, por exemplo, duas horas de debate
na televisão sem intervalos), e, de outro, explorar ‘ganchos’ de
tensão que possam despertar o interesse da audiência, conforme o
modelo do corte com suspense explorado na técnica do folhetim”.
Sem querermos entrar em detalhes sobre a publicidade enquanto gênero
específico da televisão, nossa proposta aqui é analisar de forma breve sobre sua
inserção no Jornal Nacional e Jornal da Noite. De uma maneira geral, a publicidade
moçambicana é marcada por uma linguagem clara, muito direta e às vezes as idéias
são óbvias demais a ponto de o telespectador não precisar desenvolver sua
imaginação para compreender o recado presente em um determinado comercial.
É normal que cada país e cada emissora desenvolvam uma linguagem
própria que depende também da cultura do lugar, do contexto histórico e social e do
tipo de recursos técnicos, financeiros e profissionais para a produção das peças
publicitárias de boa qualidade em todos os sentidos tanto estéticos quanto
discursivos. Dessa forma percebemos que a televisão moçambicana, sem distinção
de modelos de funcionamento, tem desenvolvido um discurso que orienta o
telespectador ao consumo imediato dos produtos e dos valores apresentados pelos
anunciantes.
Geralmente, trata-se de comerciais que apelam para o visual, anunciam os
produtos de uma forma breve com frases curtas e imperativas. Da função
meramente de venda de produtos que caracterizava a publicidade moçambicana,
nos primeiros anos do funcionamento da televisão, passou nos últimos anos a se
investir em outro foco, o da apresentação de “modelos” de comportamento como
padrões estéticos aceitáveis.
É possível compreender essas estratégias à luz da afirmação de Marcondes
Filho (1993:77): “a publicidade dita regras de reconhecimento e valorização social.
Naturalmente, não é só ela que faz isso: o cinema, a telenovela, a revista de moda, o
vídeo-clip, os cadernos de jornais (femininos, principalmente) também”. Na visão do
autor, a diferença é que a publicidade não disfarça a apresentação de normas. Não
é indireta nem discreta. Ela é quem determina os tipos estéticos a serem seguidos.
Essas características podem nos ajudar a compreender as peças publicitárias
das duas operadoras de telefonia móvel que o as principais empresas que
anunciam tanto no Jornal Nacional quanto no Jornal da Noite. Trata-se da
65
Moçambique Celular (Mcel) e da Vodacom. Em seus discursos está patente a
preocupação em angariar maior número de clientes. Para isso, a tendência é
enaltecer as vantagens do produto e com freqüência o uso de uma fala que
indiretamente aponta as fraquezas da outra operadora, e vice-versa.
Para a construção da publicidade ambas exploram muito os ritmos da música
e da dança moçambicana como som de fundo e simulam as situações do dia a dia
dos telespectadores mostrando a necessidade de usarem o celular e suas
vantagens no contexto da sociabilidade. Os exemplos a seguir demonstram essas
tendências de construção discursiva. Nesta peça publicitária da Mcel, dois amigos
conversam descontraídos enquanto tomam uma cerveja:
1.Jô!
2.Yes
1.Vamos lá falar! Jô, o que isso?
2. Este é minha novo celular. Bonita este eh?
1. Onde é que arranjaste esse Jô?
2. Então, você não quiser, bazza, bazza, bazza, bazza, eu bazzei.
1. Bazzou?
2. Yeah
1. Finalmente, até que em fim!
2. É verdade eu bazzei pra bazzar
1. Pra bazzar?
2. Yeah
1. Jô
2. Yeah
1 e 2: vamos lá falar!
Ao término desse diálogo são apresentadas na tela, com um tom imperativo,
as diversas opções de modelos de celular e dos planos de assinatura:
Assina um contrato Executivo 400 e ganha um desses celulares:
Nokia 9300 ou Nokia 6680 mais dois motorolas ou Nokia 6630 mais
um samsung. Vai já a uma loja Mcel e assina o Executivo 400.
Mcel, orgulhosamente moçambicana!
O texto final termina reforçando o fato da operadora ser moçambicana. Isso é
apresentado como valor agregado que pretende desfavorecer a concorrente, uma
vez que a Vodacom, tem ações majoritariamente estrangeiras. Esta, por sua vez,
valoriza, em suas peças publicitárias o seu caráter mais abrangente, na região da
África Austral. Para isso, em seus textos é patente este slogan: “Vodacom. Um país,
um só Moçambique! Aproximando pessoas!”.
66
A linguagem usada por ambas operadoras é simples, o que facilita no
entendimento da mensagem e visa atingir todos os públicos, levando em
consideração que grande parte desse público se comunica mais nas línguas locais
do que em português.
Em geral, nas peças publicitárias de ambas as operadoras encontramos bem
clara a função informativa, que busca tornar o produto conhecido, e as diversas
opções de modelos disponíveis nas lojas. Com isso as empresas trazem à carga o
desejo de consumo e conseqüentemente se cria no telespectador a necessidade de
possuir esse produto. Ao mesmo tempo as operadoras desenvolvem uma imagem
positiva de seus produtos e serviços que pode influenciar o consumidor a mudar de
marca de celular.
Até ao momento presente (2007) apenas essas duas empresas de telefonia
móvel operam no país e a concorrência entre elas é acirrada. Mas, pelo maior
alcance territorial e conseqüentemente do maior número de telespectadores que a
emissora pública possui, é normal que os anunciantes tenham preferência pela TVM.
Miguel (2003:58) analisa que “os anunciantes do empresariado nacional e das
grandes corporações internacionais instaladas em Moçambique têm predileção pela
TVM porque sabem da superioridade de audiência, motivo pelo qual preferem
investir nesta”.
Outras grandes empresas que anunciam em ambos os telejornais são: Home
Center, especializada em venda de mobílias. A publicidade desta loja é feita em
ronga (língua local de Maputo) e possui legenda em português. A Coca-Cola,
Loterias Moçambique Sorte, as Linhas Aéreas de Moçambique, o Instituto de
Línguas, Ferbar Alimentos, Thinyiko Resort, Tiger Center, loja especializada na
venda de eletrônicos e eletrodomésticos importados, são outras maiores empresas
que anunciam com muita regularidade em ambos os telejornais.
Existe também a propaganda institucional e educativa de alguns setores da
sociedade moçambicana como do Instituto de Segurança Social (INSS); do
Ministério da Saúde (MISAU) que mostra ao público como purificar a água em
domicílio, antes de beber; do Instituto Nacional de Viação (INAV) que adverte o
motorista e as crianças a tomarem os devidos cuidados ao transitarem pelas ruas,
principalmente nas proximidades das escolas como mostra esse texto:
Todos os anos, centenas de crianças desaparecem nas nossas
estradas, vítimas de atropelamento.
67
Crianças! Olhem para a direita e para a esquerda antes de
atravessarem a estrada. Caro condutor! Respeite as crianças na
estrada!Proteja o seu futuro! Proteja o futuro de Moçambique!
Um conselho do Instituto Nacional de Viação.
Uma outra propaganda institucional é da Presidência da República intitulada
“Iniciativa Presidencial de Combate ao HIV/SIDA”. Nesse informe são mostrados,
brevemente, alguns dos encontros do presidente com diversos setores da sociedade
nos quais houve debate sobre a prevenção e o tratamento da doença e a
necessidade de mudança de atitude que se deve ter perante essa pandemia cuja
taxa de prevalência nacional é de 16,2 %, de acordo dados do Ministério da Saúde.
Esse informe que tem como lema “a mudança começa conosco” é apresentado nos
intervalos do Jornal Nacional e dura dois minutos e meio.
A linguagem da publicidade moçambicana é marcada pelo hibridismo
lingüístico muito influenciado pela diversidade lingüística da população. mistura
das línguas locais com a portuguesa como se pode ver nessa expressão “bazza-
bazza”, presente no texto publicitário da Mcel e da Vodacom que, em ronga significa
“ir embora, sair apressado”. Usa-se também muito estrangeirismo proveniente da
língua inglesa falada em todos os países vizinhos: África do Sul, Zâmbia, Zimbabwe,
Suazilândia, Lesotho, e Tanzânia. Percebe-se isso, por exemplo, no texto da
Vodacom: “Yes”; “jobar”.
A Mcel e a Vodacom têm o desafio de atender ao mercado nacional em
expansão. As metas iniciais de cada uma era atingir a um milhão de clientes. A Mcel
que opera no país desde novembro de 1997 já alcançou esse número. Até ao
momento não temos informações do número de clientes que a Vodacom atingiu
no país.
Embora não tenhamos dados suficientes para auferir com segurança sobre a
constituição dessas operadoras, por não serem disponibilizas ao público, a Mcel tem
como acionistas as empresas estatais: Telecomunicações de Moçambique (TDM)
especializada em telefonia fixa e em serviços de Internet e o Instituto de Gestão das
Participações do Estado (IGEPE)
39
.
Segundo dados disponíveis no site da operadora, o Grupo Vodacom é uma
companhia pan-africana de comunicações móveis e atualmente conta com mais de
39
Dados obtidos no site www.mcel.co.mz acessado em 22/09/2007.
68
30.2 milhões de clientes na África do Sul, Moçambique, Tanzânia, Lesotho e
República do Congo. A Vodacom que opera em Moçambique desde dezembro de
2003 tem como acionistas as empresas sul-africanas Telkom SA Ltd, e o Grupo
Vodafone e cada uma participa com 50% de ações. Possui parceiros locais como a
Emotel, Intelec Holdings Lda e figuras públicas moçambicanas
40
.
Além da publicidade de terceiros, nos intervalos dos telejornais também são
anunciados outros programas das próprias emissoras para despertar o interesse do
telespectador. Nesse sentido é freqüente o anúncio sobre programas de debate, de
transmissão de filmes e de talk shows. Não temos informações sobre as tarifas
cobradas por cada comercial nos diferentes horários da programação de cada
emissora.
No terceiro capítulo, dedicamos especial atenção à reflexão sobre o conceito
de discurso e suas relações com os de ideologia e hegemonia, com base na
abordagem teórica dos autores em que esta pesquisa está ancorada para
compreendermos a atualidade desses conceitos na televisão moçambicana, em
geral, e especificamente no Jornal Nacional e Jornal da Noite.
40
Informações disponíveis no site www.vm.co.mz acessado em 22/09/2007.
69
Capítulo 3- Articulação discursiva no Jornal Nacional e Jornal da Noite
3.1 Discurso
O conceito de discurso é de alta complexidade teórica e social. Nessa
pesquisa focaremos o conceito, em um primeiro momento, tomando como bases
teóricas as abordagens de Norman Fairclough (2001) e de Ernesto Laclau & Chantal
Mouffe (1985). Em um segundo momento, estabeleceremos conexão entre a
conceituação teórica de discurso desses autores com o contexto histórico, político e
social moçambicano, no intuito de compreender como são estabelecidas as
articulações discursivas nos telejornais supracitados.
É importante destacarmos que o foco da abordagem de Laclau e Mouffe está
ancorado na política, na teoria social e na filosofia, enquanto os estudos de
Fairclough centraram-se na lingüística, na política e na sociedade. Constatamos que
a conceituação de discurso desses autores tem alguns aspectos em comum que nos
podem ajudar na compreensão dos fenômenos comunicacionais da sociedade
contemporânea e, sobretudo, na leitura do contexto moçambicano e das dinâmicas
do funcionamento do telejornalismo.
Fairclough (2001:90) usa o termo discurso para se referir “ao uso de
linguagens, como forma de prática social e não como atividade puramente individual
ou reflexo de variáveis situacionais”. Na visão do autor, essa concepção de discurso
pode trazer várias implicações. A primeira é o fato de “ser o discurso um modo de
ação, uma forma pela qual as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente
sobre os outros, como também um modo de representação”. Nesse sentido, a
compreensão do telejornalismo como espaço de construção de significações tanto
pelos profissionais quanto pelo público telespectador é fundamental. A segunda
implicação se liga a “uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social,
existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social”.
Ao considerarmos o telejornalismo como “uma prática, não apenas de
representação do mundo, mas de significação do mundo” isso tem conseqüências
na relação entre essa atividade e seu público-alvo; afinal, o telejornalismo é uma
atividade institucionalizada, e nesse contexto,
o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido
mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações
70
sociais em um nível societário, pelas relações específicas em
instituições particulares, como o do direito ou a educação, por
sistemas de classificação, por várias normas e convenções, tanto de
natureza discursiva como não-discursiva, e assim por diante .
(Fairclough, 2001:91).
Essas são condições iniciais de possíveis ações por parte dos indivíduos
porque oferecem um quadro de referências sobre o mundo: “o conhecimento que
temos acerca de algum aspecto de nosso ambiente fornece a base para o como a
gente age em relação a ele”.(DeFleur e Ball-Rokeach, 1993:254).
É preciso ter claro que pela informação apresentada diariamente ao público
pelo telejornal não é suficiente para se ter uma visão do mundo, porque este não é
constituído apenas por fatos ou notícias que chegam até nós. É um processo que
implica crítica e prevê a condição de o indivíduo reelaborar o que recebe como um
“dado”, possibilitando que não seja mero reprodutor de conteúdos midiáticos.
Para Vattimo (1992:11), os meios de comunicação de massa detonaram na
pós-modernidade a visão hegemônica da cultura de elite pela “multiplicação
vertiginosa da comunicação, este “tomar a palavra” por parte de um número
crescente de subculturas”.
De qualquer forma cabem aqui algumas críticas a Vattimo porque, primeiro,
no sentido antropológico, todas as culturas se encontram no mesmo patamar,
portanto, não existe cultura e subcultura como Vattimo sugere nesse trecho.
Segundo, não se pode generalizar essa detonação da visão hegemônica da cultura
de elite pela multiplicação dos meios de comunicação de massa, principalmente
quando se trata do contexto africano, em geral, em que as democracias ainda não
estão consolidadas e nessa conjuntura muitos veículos de comunicação de massa
permanecem sob o domínio dos Estados e, por conseguinte, sob o comando dos
partidos no poder.
Nessas sociedades, a atividade jornalística produz geralmente notícias que
buscam disseminar a posição de quem ocupa cargos de comando do país, e o
principal objetivo desse discurso é excluir as vozes dissonantes. Orlandi (1992)
considera que esse tipo de discurso permite a institucionalização social de certos
sentidos, remetendo ao que todo mundo sabe e, às vezes, ao silenciamento de
outros sentidos.
71
De uma forma geral, essa política do silêncio é visível nos telejornais
moçambicanos tanto da rede pública quanto privada. As críticas de Rodrigues
(2001:168) são contundentes quanto as influências do poder político na mídia.
São inegáveis as vantagens que o poder político tem retirado da sua
modalidade disciplinar e policial: tem feito interiorizar a sua ordem
sem recorrer, como nas sociedades pré-modernas, à punição
dolorosa dos corpos, acabando assim por economizar o espetáculo
da repressão externa e da violência física, convertendo os indivíduos
em objetos de informação, travando a veleidade de se tornarem
sujeitos autônomos de partilha da palavra
.
Para o autor, o objetivo que o poder acalenta em relação ao campo dos media
é discipliná-lo, convertê-lo e mantê-lo como regime policial das opiniões livres, não
sujeitas à repressão física, como caixa de ressonância amplificadora da sua voz,
como dispositivo de inscrição capilar da sua ordem, domesticando-o através da
prática de uma escrita registradora conforme ao senso comum, às idéias feitas, às
idéias populistas, numa palavra, a tudo quanto lisonjeia e mobiliza a vertente
pulsional de que o poder moderno se alimenta.
Os fatos revelados nessa crítica têm a ver com uma das hipóteses principais
dessa pesquisa. Sustentamos a hipótese de que para garantir a audiência, o Jornal
Nacional privilegia o aspecto de representação do governo como instância maior de
poder, enquanto o Jornal da Noite apela ao sensacionalismo. Para compreendermos
melhor esse aspecto, recorremos a Fairclough (2001:99), que chama nossa atenção
para a existência de uma relação dialética entre discurso e estrutura social que
precisa ser considerada para “evitar os erros de ênfase indevida: de um lado, na
determinação social do discurso e, de outro, na construção do social no discurso”.
O autor explica que no primeiro caso o discurso é simples reflexo de uma
determinada realidade social mais profunda, enquanto que no último, o discurso é
representado idealizadamente como fonte do social. Portanto, em nossa pesquisa
centraremos a atenção na segunda questão, ou seja, da construção social do
discurso, pois é disso que os telejornais tratam diariamente nas transmissões de
suas notícias.
Fairclough (2001:92) reafirma que “a constituição discursiva da sociedade não
emana de um livre jogo de idéias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática
social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais, concretas,
orientando-se para elas”.
72
Essa idéia também está presente na abordagem de Laclau
(1985:107)
que
afirma que
todo o objeto é constituído como um objeto de discurso, na medida
em que nenhum objeto é dado fora das suas condições de
emergência; que qualquer distinção entre os usualmente chamados
aspectos lingüísticos ou comportamentais da prática social é, ou uma
distinção incorreta, ou necessita achar seu lugar como diferenciação
dentro da produção social de sentido, que é estruturada sob a forma
de totalidades discursivas.
O agente do discurso (emissor e receptor / enunciador e enunciatário) é
histórico e social e o discurso pressupõe a presença e a participação efetiva desses
agentes que ocupam suas posições e compartilham enunciados que podem
contribuir para a construção ou desconstrução de uma determinada realidade posta
ou que se presentifica no contexto social. Laclau (idem) esclarece: “os discursos
lutam por estabelecer verdades e por excluírem do campo da significação outros
significados”. Assim, o trabalho de significação pressupõe três noções fundamentais:
a de elemento, a de momento e a de prática articulatória. Voltemos para o texto
fundador da teoria:
chamaremos de articulação qualquer prática que estabeleça a
relação entre elementos tal que suas identidades sejam modificadas
como um resultado da prática articulatória. À totalidade estruturada
resultante da prática articulatória, nós chamaremos de discurso. As
posições diferenciais na medida em que elas aparecem articuladas
dentro do discurso, nós chamaremos de momentos. Por contraste,
nós chamaremos elementos qualquer diferença que não seja
discursivamente articulada (Laclau e Mouffe, 1985:105
).
Para Fairclough, qualquer prática discursiva envolve processos de produção,
distribuição e consumo textual, e a natureza desses processos varia entre diferentes
tipos de discurso de acordo com os fatores sociais. Esse pensamento também se
apresenta em Greimas para quem o sentido de qualquer texto dá-se na sociedade
através da cultura. Em outras palavras, “o texto encontra seu lugar entre os objetos
culturais, inserido numa sociedade (de classes) e determinado por formações
ideológicas específicas” (Barros, 2005:7).
Portanto, a comunicação dá-se num contexto de que fazem parte os sujeitos
sociais que se inter-relacionam. Estes parceiros possuem uma relação marcada,
segundo Bakhtin (1992) pelo dialogismo, toda palavra tem duas faces, sendo
73
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém quanto pelo de que se dirige
a alguém.
Embora o dialogismo seja característica do processo comunicacional, é
importante frizarmos que no campo do telejornalismo isso não significa dizer que a
comunicação midiática seja marcadamente dialógica, com a existência de uma troca
efetiva entre os telejornais e seus telespectadores.Trata-se, isso sim, de reconhecer
que "toda enunciação, mesmo produzida sem a presença de um destinatário (...), é
uma troca, explícita ou implícita, com outros enunciadores, virtuais ou reais, e supõe
sempre a presença de uma outra instância de enunciação à qual se dirige o
enunciador e com relação à qual constrói seu próprio discurso" (Maingueneau, 2001:
54). Daí que
o outro não é apenas um personagem revestido com certas matizes
de indicadores sociais, mas alguém que é construído na própria
produção imaginária dos organizadores e enunciadores do discurso.
Pressupõe-se, ainda, para que a comunicação seja bem-sucedida, a
existência do contrato de leitura, aquele acordo implícito, que
viabiliza e legimita o discurso. (Fausto Neto, 1991:37).
Como nos referimos nas páginas anteriores, nesses pressupostos se
entrevê a impossibilidade de desvincular o discurso do contexto. O primeiro
elemento traz em si mesmo intenções características de sua existência, de sua
veiculação explícita ou implícita determinada pelo enunciador tendo sempre em
conta o contexto social em que eles estão inseridos e que, de alguma maneira,
compartilham textos que têm sentido.
De acordo com Vattimo (1992) e Harvey (1993), na pós-modernidade uma
pluralização dos discursos que, ao mesmo tempo, são fragmentados, efêmeros e
descontínuos. Essas são também as principais características do telejornal. Nele,
enquanto discurso simbólico cultural, multiplicidade de sentidos e de
interpretações dos fatos, além da hibridação ou sincretismo de suas linguagens, que
buscam dar conta da nova realidade da configuração social pós-moderna muito
fragmentada.
É nesse panorama que se abre um campo de disputas inerentes à
necessidade de legitimação das esferas produtoras de discurso que passam pela
sua articulação de maneira que seja coerente e faça sentido para o enunciatário.
74
Isso é possível graças à interconexão de três aspectos importantes que trataremos a
seguir.
3.2 Discurso - ideologia - hegemonia
Os meios de comunicação tornaram-se referenciais de mundo, servindo de
parâmetro de valores e comportamentos para os indivíduos. Na atualidade,
configuram-se como lugar privilegiado de articulação dos campos sociais, onde os
mais variados discursos buscam visibilidade e transparência.
Compreender as formas de articulação dos discursos sociais na e pela mídia,
é uma necessidade fundamental cuja dimensão é equiparada à importância do
processo comunicacional na sociedade contemporânea. Por isso, para entendermos
a amplitude do conceito de discurso devemos voltar nossa atenção para a sua
relação com outros conceitos, como hegemonia e ideologia, pois estão intimamente
interligados, além de considerarmos também o espaço - telejornal - enquanto
formato televisual em que esses aspectos são vividos e percebidos.
A partir dessa visão é válida a observação crítica de que em Moçambique o
canal público tem se deixado moldar pelo partido no poder, que articula e explora
melhor a relação triádica discurso-ideologia-hegemonia sempre a seu favor,
utilizando-se dos meios de comunicação de massa como instrumentos de veiculação
de sua ideologia, principalmente os telejornais.
Rodrigues (2002) assinala que o esforço da narrativa midiática é de,
exatamente, "permeabilizar" e re-elaborar as várias práticas discursivas,
simplificando-as para torná-las acessíveis ao grande público. O autor classifica o
discurso midiático como exotérico, enquanto os não midiáticos são esotéricos, por
serem dirigidos aos membros de uma instituição, em particular, exigindo, assim, o
domínio de certas representações simbólicas para fazer-se compreensível.
Para Rodrigues (idem), a mídia apropria-se, exclusivamente, da componente
exotérica das outras instâncias e ressalta que, bem ou mal, esse processo permite
que as pessoas conheçam boa parte das instituições e discursos da modernidade,
em que a difusão de informações é intensa e o tempo escasso. Assim, no âmbito
global, a mídia, paradoxalmente, contribui para a homogeneização das sociedades
contemporâneas, bem como garante a visibilidade da diversidade de pretensões e
instituições da atualidade.
75
Nessa reelaboração dessacralizante dos diferentes discursos institucionais,
Rodrigues sublinha os mecanismos utilizados pelos enunciadores. Percebemos
nessa concepção de discurso, algumas diferenças com a de Laclau que é a relação
entre elementos diferenciais, portanto não homogêneos, e em Fairclough, que é
entendido como prática social que contribui para a constituição de todas as
dimensões da estrutura social.
Destaca-se, na análise de Rodrigues (idem), a ocultação dos processos de
gestação, em que a utilização sistemática e predominante da terceira pessoa
evidencia a tentativa de ocultamento do processo de enunciação, ou seja, a pessoa,
o lugar e o tempo em que foram produzidos os enunciados não são explicitados.
Outro aspecto analisado por Rodrigues (1997:225) é a estratégia de
naturalização, por meio da qual o discurso da mídia apropria-se, muitas vezes, de
parte da dimensão expressiva de outras instâncias e tende a naturalizar suas
aspirações, como se fossem naturalmente fundadas e, conseqüentemente,
indiscutíveis.
Além disso, na visão de Rodrigues, é necessário compreendermos a
estratégia de visibilidade, que faz do discurso midiático a instância que,
praticamente, existência social às outras instituições. No caso de Moçambique,
os telejornais dão visibilidade ao poder hegemônico, seja político, econômico ou
social e o contrário também é válido, pois, é o Estado que concessão para
abertura de emissoras de televisão no país e estas, públicas ou privadas, funcionam
sob a mesma regulamentação da lei de imprensa em vigor no território nacional.
Rodrigues (idem) apresenta também a estratégia de compatibilização, que
consiste em tentar esvaziar os conflitos entre as diferentes posições existentes no
seio da sociedade, sem assumir um lado, criando enunciados com os quais todas as
partes não tenham como discordar. Por fim, o autor explica a estratégia de
exacerbação dos diferendos que consiste em aquecer determinados conflitos. A
exacerbação dos diferendos é uma estratégia pouco usada em ambos os telejornais,
mas é freqüentemente utilizada em outros programas de debate da TVM e da STV.
São essas estratégias que, na opinião de Rodrigues, asseguram
universalidade referencial aos enunciados, dão credibilidade ao enunciador e, por
conseguinte, garantem as próprias funções de articulação discursiva.
A partir da análise de suas características específicas, percebemos que os
enunciadores dos discursos tanto do Jornal Nacional quanto do Jornal da Noite
76
servem-se desses mecanismos nas construções discursivas para assegurar
audiência. Mas o aspecto comum que se apresenta no ambiente de funcionamento
de ambos os telejornais é o fato de não conseguirem se livrar das amarras do poder
político e econômico que controla a atividade jornalística no país.
Dessas asserções faz-se necessária uma visão crítica sobre o discurso dos
telejornais pelo paradoxo de que sua atividade envolve porque apesar de seu
caráter informativo e/ou opinativo, os telejornais também podem ocultar, de alguma
forma, o jogo de interesses políticos e ideológicos que se configuram na relação
entre a Comunicação e o Estado. Trata-se, portanto, de se retirar qualquer aura
ingênua de que possam aparentemente se revestir.
A esse respeito, Trivinho (2001:70) nos apresenta uma explanação sobre o
que chama de “sombra do Estado: duplicação social-histórica de funções
institucionais”.
Se, mesmo na atualidade, a comunicação, no rastro do poder que
granjeou nas últimas cinco décadas, não é, a rigor, o Estado, ela
funciona para ele, porém, como uma sombra de dimensão muito
sobejamente desproporcional, que em nada coincide com a estatura
própria, doravante diminuta, da instituição estatal. A forte impressão
que a comunicação cria é justamente a de que, no transcurso do
pós-guerra, a vida foi, pari passu, se deslocando - é certo que não
totalmente, mas em ampla medida-da instituição Estado para a
instituição Comunicação, com a nuança de que todos os feitos desta
se põem (ou são “apresentados”) a título de complemento não
institucional às funções do Estado. Contudo, não se trata
propriamente de um deslocamento de funções; o que era do Estado
permanece com o Estado. Trata-se, antes, de uma duplicação social-
histórica de expedientes que até bem pouco tempo competiam
somente ao Estado realizar, em virtude de, para isso, ele tributar
amplamente a sociedade.
Esse olhar crítico explicita o que acontece com os meios de comunicação em
Moçambique, pois, de uma maneira geral, seu objetivo principal centra-se na
legitimação e visibilidade dos mais variados discursos na sociedade moçambicana.
Em que medida o telejornalismo moçambicano tanto da rede pública como privada
serve para estabelecer e sustentar relações de dominação nos contextos em que as
notícias são produzidas, difundidas e recebidas?
Para compreendermos essa relação de dominação no campo dos discursos,
Fairclough (2001:94) refere que “o discurso como prática ideológica constitui,
naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo em posições diversas nas
77
relações de poder”. Para o autor “os aparelhos ideológicos de Estado (instituições
tais como a educação e a mídia) são ambos locais e delimitadores na luta de classe,
que apontam para a luta no discurso e subjacente a ele como foco para uma análise
de discurso orientada ideologicamente”.
Com esse mesmo ponto de vista Chauí (1981:113) explica que
a ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de
representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de
conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o
que devem pensar e como devem pensar, o que devem sentir e
como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é,
portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas,
regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja
função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes
uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e
culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade
em classes, a partir das divisões na esfera da produção.
A idéia de que o discurso tem orientação ideológica é compactuada por
Thompson (1998:16) para quem “ideologia, falando de uma maneira mais ampla, é
sentido a serviço do poder”. É nesse contexto teórico que os discursos do Jornal
Nacional e Jornal da Noite podem ser entendidos. Os telejornais podem estar a
serviço do poder político ou econômico, por exemplo, ao enfatizar a ideologia
dominante ou ao aceitar as exigências dos anunciantes, que às vezes, impõem
regras fazendo com que o tempo dedicado às notícias seja pequeno de forma a
privilegiar a publicidade ou à propaganda política.
Fairclough (2001) analisa o discurso em relação ao poder e à ideologia e situa
o discurso numa perspectiva de hegemonia, em que se entendem as relações de
poder como lutas hegemônicas. Na concepção de Fairclough (idem) a luta
hegemônica localiza-se em uma frente ampla, que inclui as instituições da sociedade
civil, com possível desigualdade entre diferentes níveis e domínios. Discutiremos
sobre hegemonia mais adiante.
É nesse contexto que, para Thompson (1995:79), a análise da ideologia
interessa-se pelas maneiras pelas quais as formas simbólicas se entrecruzam com
as relações de poder. Assim, conceitua a ideologia "em termos das maneiras como o
sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar
relações de dominação". O sentido aqui se refere a (ações, falas, imagens, textos)
inseridos nos contextos sociais e que circulam no mundo social. Os diferentes graus
78
de poder conferidos aos indivíduos dependem da localização social das pessoas e
das qualificações associadas a essas posições.
Segundo Thompson (1995:81) são cinco os modos de operação da ideologia
que podem estar ligados, em circunstâncias particulares, com estratégias de
construção simbólica: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e
reificação. Nesta pesquisa, interessa-nos focalizar apenas os modos de legitimação,
unificação e reificação, por estarem intimamente ligados ao corpus desta pesquisa.
No modo de legitimação, “as relações de dominação podem ser estabelecidas
e sustentadas por serem representadas como justas e dignas de apoio, isto é, como
legítimas”. Através dessa leitura dos modos de operação da ideologia, com base nas
idéias de Max Weber, Thompson (1995:82) explica que
afirmações de legitimação podem estar ancoradas em alguns tipos
de fundamentos como: fundamentos racionais (que fazem apelo à
legalidade de regras dadas), fundamentos tradicionais (que fazem
apelo à sacralidade de tradições imemoriais) e fundamentos
carismáticos (que fazem apelo ao caráter excepcional de uma
pessoa que exerça autoridade).
Esse tipo de operação de ideologia pode ser percebido nos telejornais
moçambicanos, sobretudo, no Jornal Nacional em que é forte o uso de uma
linguagem que apela à legalidade, à manutenção do status quo e à supervalorização
dos aspectos tradicionais e históricos buscando dessa forma, tornar sempre
presente o sentido épico da independência do país, que foi possível pela luta e pelo
esforço do partido no poder.
Na visão de Thompson (1995:83), “as tradições são, muitas vezes, inventadas
a fim de criar um sentido de pertença a uma comunidade e a uma história que
transcende a experiência de conflito, da diferença e da divisão”.
E, como já dissemos, a relação filial da emissora pública em relação ao
governo é de longa data, desde sua criação. As raízes ideológicas do partido no
poder remontam ao período pós-guerra colonial, alguns anos após a independência
do país, como assinala Brazão Mazula (1985), ao se referir ao processo de
planificação do partido Frelimo quando assumiu a orientação ideológica marxista-
leninista em 1977:
Aquele foi o momento histórico importante em que, pela primeira vez,
a Frelimo e representantes da sociedade se reuniam em solo pátrio
libertado, para, em clima de entendimento, consertar as linhas
79
gerais de desenvolvimento e definir ações prioritárias. O III
Congresso tomou, para ponto de partida, que a contradição principal
da sociedade moçambicana era a oposição entre a revolução e o
modo de produção colonial-capitalista e o dito modo de produção
feudal, a qual se resolvia com a eliminação dos dois e a introdução
direta do socialismo. A frelimo desafiava uma revolução socialista,
sem qualquer fase intermediária (...) O desafio consistia em planificar
o salto para o socialismo sem nenhuma fase intermediária. Assim, os
congressistas preocuparam-se em encontrar instrumentos julgados
capazes de, em menos tempo possível, superar o atraso do país e
modernizar o país (...) A estes desafios, o congresso respondeu com
a criação de um partido único, de orientação marxista-leninista, a
organização de um Estado moderno e uma sociedade, dirigidos pelo
partido único. [III Cong:147 in Mazula,1985:155]
A partir dessa base histórica e político-ideológica percebemos que no
contexto moçambicano a noção de ideologia assume formas complexas na estrutura
social. Quase todos os setores da sociedade moçambicana foram enquadrados
nessa lógica da ideologia da Frelimo que exerce até hoje seu poder de uma forma
que se pauta pela centralização. As instituições públicas funcionam num ritmo que
se caracteriza por uma burocracia administrativa muito forte, que não permite
flexibilidade, por exemplo, na definição das carreiras profissionais, no atendimento
público e na resolução de assuntos comuns que dizem respeito à maioria da
população, independentemente de sua filiação partidária. A imprensa, o rádio e,
mais tarde, a televisão pública, e em certa medida, também a mídia independente,
não escaparam dessa centralização e desse controle por parte do governo.
A unificação é outro modo de operação da ideologia apresentada por
Thompson (1995:86). Através desse modo, as relações de dominação podem ser
estabelecidas e sustentadas pela construção, no nível simbólico, de uma forma de
unidade que interliga os indivíduos numa identidade coletiva, independentemente
das diferenças e divisões que possam separá-los. Mais adiante, no quarto capítulo,
trataremos de ver como esses recursos de operação da ideologia são inseridos nos
modos de dizer e de fazer crer dos enunciadores do Jornal Nacional e do Jornal da
Noite.
Um terceiro modo de operação da ideologia é a reificação, que se caracteriza
pela eliminação ou ofuscação do caráter sócio-histórico dos fenômenos. É num
contexto marcado por esse modo de operação da ideologia que na visão de
Thompson (1995:87) “costumes, tradições e instituições se cristalizam na vida social,
e seu caráter aparentemente a-histórico é reafirmado através de formas simbólicas
80
que na sua construção, como também na sua pura repetição, eternalizam o
contingente”.
Essa discussão sobre discurso e ideologia nos direciona a pensarmos em
outro conceito, o de hegemonia. Sua gênese é creditada a António Gramsci,
cientista político italiano que no início do século XX o elaborou com intuito de
compreender o funcionamento da sociedade do seu tempo. Na perspectiva teórica
de Gramsci (apud Silva, 1983:154), “hegemonia é a manutenção da coesão de todos
os diversos grupos sociais que compõem uma sociedade em torno de valores
políticos, econômicos, sociais, morais e culturais”. Essa coesão seria obtida através
de uma conjunção de coerção com consentimento.
Na atualidade, percebemos que hegemonia ainda é um conceito-chave para a
compreensão dos fenômenos da comunicação de massa, mas apesar da relevância
significativa que possui, esse conceito foi pouco abordado até ao momento. Daí
nossa opção por enveredar por esse viés para o estudo do telejornalismo
moçambicano, sobretudo num contexto marcado pela diversidade cultural e étnico-
lingüística da população.
Para Fairclough (1992:92), “a hegemonia entende as relações de dominação
baseadas no consentimento e não na coerção, e implica a naturalização e a
construção do senso comum...”. Nessa perspectiva, percebemos como a genealogia
do conceito de hegemonia se desenvolveu. Com Gramsci era concebido no sentido
tático-político e, mais tarde, Laclau e Mouffe direcionaram suas abordagens para o
contexto do marxismo pós-estruturalista. Assim, hegemonia tornou-se um termo
chave para a compreensão de problemas sociais da época.
Ao estudarem o conceito de hegemonia, Laclau e Mouffe buscaram ir além
do que Gramsci aborda como forma de se entender a base dos problemas sociais.
Na opinião de Laclau (1985:03), “esse pressuposto servirá de “base de onde os
conflitos sociais contemporâneos são pensáveis em sua especificidade, bem como
permitirá voltar e rever uma nova política para a esquerda, baseada sobre o projeto
de uma democracia radical”.
É com esse fundamento teórico que, a partir da análise da trajetória histórica
do país, das mudanças políticas e da ampliação do mercado dos meios de
comunicação, sobretudo da televisão, compreendemos as estratégias textuais e
discursivas dos telejornais moçambicanos e sua relação com os grupos que, de
alguma forma, exercem poder, principalmente, político e econômico.
81
Na concepção de Laclau e Mouffe (1985:105), a hegemonia forma-se,
compõe-se de, e articula dois “momentos”: “o primeiro é o do consenso, colocado na
instância da sociedade civil. Esse cria a base do consentimento, ativo ou passivo
para o estabelecimento de certa ordem social; o segundo é o “poder”, na instância
da sociedade política ou Estado”.
O telejornalismo da rede pública e privada de Moçambique pode ser
analisado sob ponto de vista desses dois momentos. Ambos os momentos, o do
consenso e o de domínio, acontecem ao mesmo tempo. É precisamente isso que se
viveu em Moçambique e ainda tem repercussão na atualidade, embora tenham
passado muitos anos depois do abandono teórico da ideologia marxista-leninista.
A partir dessa leitura podemos compreender a visão de Rodrigues (2001)
quando analisa as relações entre os meios de comunicação de massa e o poder
político em países democráticos. Na visão do autor, os órgãos de informação
tornaram-se, nas democracias, cada vez menos claramente meios de informação, de
proposta de projetos de sociedade, de programas políticos, e cada vez mais
obviamente um campo social de encenação pública de imagens de marca que
emprestam aos homens políticos, em função da sua própria estratégia de diversão e
de sedução.
De uma maneira geral, no que se refere ao campo da comunicação de
massa, apesar da constituição da república garantir a liberdade de imprensa e de
expressão, nota-se na prática, em Moçambique, uma fragilidade quanto à sua total
observância pelo fato de que os profissionais ainda têm medo de possíveis
problemas que possam resultar na sua expulsão do emprego ou na retaliação
através de outro tipo de intimidação. Isso acontece porque ainda se tem a visão de
que “a lógica do poder, ao contrário da lógica da informação, não é função de
transparência, mas do segredo, em que detém o poder aquele que for detentor do
segredo, ao passo que partilhar a informação não é deter, mas disseminar o poder”
(Rodrigues, 2001:161).
Essa tendência é forte nos telejornais moçambicanos. Às vezes, para não se
comprometerem com o conteúdo das notícias, sobretudo quando se trata de
denúncias, optam por um viés mais superficial das mesmas ou apresentam-nas com
uma única versão sem contrapontos e sem questionamentos.
82
A falta de independência da televisão pública se agrava ainda pelo fato de a
direção ser indicada pelo governo e não por eleições abertas dentro da própria
instituição. Aliás, essa indicação também é prevista pela lei de imprensa supracitada,
cujo artigo 9 refere que “os diretores das empresas ou instituições do sector público
são designados pelo governo”.
Com esse panorama se pode entender o dilema que os profissionais da
comunicação atravessam. De um lado reconhecem as exigências da ética
profissional e do seu compromisso com o público telespectador e, de outro, a
permanente pressão e controle desses grupos sobre as atuações dos jornalistas.
Difícil mesmo é servir a dois senhores ao mesmo tempo. Quem perde nessa disputa
é a população, que deveria usufruir seu direito à informação e outras questões
inerentes ao bom uso dos meios de comunicação como, por exemplo, para a
educação escolar.
Esses fatores conflitantes atingem diretamente o funcionamento da emissora
pública, uma vez que depende do orçamento do Estado, que nunca é suficiente para
arcar com todos os encargos financeiros e isso tem reflexos na sua programação
que não chega a espelhar os problemas de todo o país. Quanto a STV, o discurso
muda de rumo, pois busca outros fins que têm mais a ver com o lucro e hegemonia
na audiência e seus objetivos passam pela ampliação do mercado de bens culturais.
É por isso que o estudo do telejornalismo da rede pública e privada de
Moçambique não pode prescindir de uma análise mais aprofundada das relações
entre esse formato televisual com as instâncias de poder instituídas na sociedade e
até mesmo dentro dos veículos de comunicação de massa, pois, a nosso ver,
sempre disputas entre as duas instituições: televisão e governo e ambas são
instituições competentes na produção de conteúdo simbólico passível de
interpretações ideológicas.
Evidentemente, por um lado, nessa pesquisa consideramos que o controle do
governo sobre os meios de comunicação de massa, sobretudo do setor público e,
em certa medida, também do setor independente, gera desfavorecimento por parte
do público telespectador em razão da ausência de transparência que se pode notar
na falta de debate e de diálogo (no sentido socrático do termo) pela escassez de
outras fontes de informação além das oficiais, que se tem apresentado em grande
proporção nos telejornais.
83
Por outro, durante muito tempo a mídia moçambicana procurou passar para o
público um simulacro do poder político personificado por vários emblemas de virtude,
de bom governo, de bem intencionado, etc. Essas imagens certamente produziam
efeitos de sentido positivos de cunho revolucionário por ambas as partes: governo e
súbditos (população). Talvez por isso que relatos sobre essa época dão conta de
que “na luta armada, o jornalista era também guerrilheiro, mobilizador e ativista. o
podia ser observador: combater e reportar o combate eram facetas do mesmo
engajamento” (Vasconcelos in Ribeiro, 1996:141).
Mas, com o esvaecer dessa ideologia política e com a ampliação do mercado
dos meios de comunicação de massa na atualidade, como resultado da nova
conjuntura democrática e, conseqüentemente, com a crescente dificuldade de
controle da informação, hoje, essa imagem do bom governo, de bom partido político,
está em decadência, pois, as “massas” começam a ter coragem de questionar as
ações dos governantes. Na atualidade, torna-se difícil travar esse processo de
mudanças no campo da comunicação, uma vez que está muito ligado à dinâmica do
mundo contemporâneo em que os meios de comunicação de massa diluem as
fronteiras nacionais e dificultam o controle da informação.
Se considerarmos o telejornal em sendo um dos principais lócus privilegiados
das interações argumentativas contemporâneas, perceberemos que a abordagem
teórica defendida por Laclau e Mouffe em suas discussões sobre a emergência dos
discursos no contexto histórico do marxismo também se inscreve na atualidade no
cenário moçambicano. Em Moçambique está acontecendo o que Gabriel Tarde
(2001) percebia no seu tempo: “as massas não vêem mais, não sentem mais o que
suas elites lhes falam. Pouco a pouco a população vai tomando conhecimento dos
desmandos das autoridades e perdem a confiança”.
Com as mudanças ocorridas no país e no mundo inteiro, advindas do fim da
guerra fria, aliadas à entrada e à criação de um grande número de veículos de
comunicação de massa do setor privado, o público telespectador tem possibilidades
de questionar, de certa forma, a veracidade dos eventos. Mas também, não se pode
negar que ainda persistem algumas formas de controle e de pressão, de forma sutil,
dos responsáveis pela produção de conteúdos midiáticos, sobretudo dos noticiários,
tanto da rede pública quanto privada.
Constata-se que aquele velho discurso de que foi a Frelimo que livrou o povo
moçambicano da colonização e, ao assumir o país, procurou unir a população nos
84
mesmos ideais nacionalistas e revolucionários, apesar da diversidade étnica, cultural
e lingüística, está perdendo força.
O quadro político e ideológico que se vive em Moçambique parece constituir-
se, ao nosso ver, em um condicionamento para o desempenho do Jornal Nacional e
Jornal da Noite. A televisão pública parece querer continuar a legitimar o discurso do
governo, enquanto a emissora privada manifesta-se cada vez mais distante dessa
postura, optando por privilegiar objetivos comerciais.
A hegemonia também pode significar predomínio majoritário de um grupo, de
uma classe sobre outra ou mesmo do Estado sobre o povo. Na concepção de Laclau
(1985), a hegemonia dá-se no campo da ideologia. Um discurso se torna
hegemônico quando o seu autor consegue fazê-lo ouvido, repetido e aceito pelos
demais. No caso de Moçambique o ator principal do discurso político e ideológico é o
governo e seu partido político - a Frelimo - que utilizam a mídia para difundir seu
discurso e sua ideologia. Tal ação pressupõe certas estratégias de “manipulação” -
no sentido semiótico do termo - cujo significado é de persuasão que um sujeito
realiza intencionalmente para fazer o outro indivíduo desenvolver uma ação
desejada pelo primeiro.
Ao escolhermos esse fundamento teórico para a nossa pesquisa buscamos
perceber na atualidade as relações que existem entre as classes dominantes, da ala
governista, e as ligadas ao poder econômico constituído pelos empresários
nacionais e estrangeiros que atuam no país e a população, pois o aquelas que
comandam a vida do país fundadas em certas ideologias que repercutem nos meios
de comunicação de massa, sobretudo nos telejornais.
Podemos compreender esse fenômeno à luz da noção de hegemonia, que se
através de coerção com consentimento. Isso confirma também a idéia de
Mészarós (2004:59) de que “a ideologia dominante do sistema social estabelecido
se afirma fortemente em todos os níveis, do mais baixo ao mais refinado”.
A hierarquia ideológica, se é que se pode assim denominar, pode ser
compreendida na argumentação de Chauí (1981:93) quando explica que a ideologia
consiste na transformação das idéias da classe dominante em idéias dominantes
para a sociedade como um todo de modo que a classe que domina no plano
material (econômico, social e político) também domina no plano espiritual (das
idéias).
85
A partir da concepção de Laclau (1985), a hegemonia pressupõe que as
idéias de uma classe têm de ser generalizadas para valerem para toda a sociedade
quando essa classe ou partido assumem a condução da política. É justamente isso o
que acontece em Moçambique. Os mesmos indivíduos que fazem parte do governo,
também possuem suas empresas e comandam de certa forma em todos os setores-
chave do país, e isso tem repercussão nos textos dos telejornais porque são os
mesmos personagens que constituem as fontes privilegiadas dos diferentes veículos
de comunicação independentemente de sua natureza pública ou privada.
Como se pode notar trata-se de um círculo vicioso e por sinal bem coeso. E,
sem dúvida, são essas situações que tornam a democracia africana em geral, e a
moçambicana em particular, o que optamos por denominar de pseudodemocracia,
em que se cria uma ilusão de que se está a viver uma dinâmica democrática,
quando na prática ainda se permanece num regime de muitas restrições políticas,
que a propalada democracia vigora apenas no papel, na imaginação dos políticos e
no plano de desejos da maioria da população.
Não existe democracia de fato sem o
respeito às diferenças sob todos os aspectos que marcam a moçambicanidade e
que são ricas para a construção da identidade do país.
É nesse panorama que buscamos compreender o foco do discurso dos
telejornais e a forma do tratamento dos temas abordados. Para isso, antes
entendamos como esse discurso é conectado de maneira a formar sentido que seja
lógico e conexo com o que se quer mostrar ao público telespectador. O
agendamento temático e a fixação de certos pontos nodais são alguns dos
mecanismos de construção textual e discursiva usados pelos telejornais como
estratégias de forma de ganharem credibilidade e legitimação.
Essa teoria de comunicação se constituiu numa ferramenta de estudos das
relações da mídia, sobretudo da televisão com o poder político, em especial na
época de eleições. É nesse período que os meios de comunicação de massa se
tornam verdadeiras praças públicas, espaços privilegiados de debates, de lutas no
campo dos discursos para a angariação de eleitores.
3. 3 Agenda Setting e construção de pontos nodais
A hipótese da Agenda Setting caracteriza uma corrente de estudos
desenvolvida pelo norte-americano McCombs na década de 60, que sustenta a tese
de que “os meios de comunicação de massa não dizem ao público o que pensar,
mas dizem sobre o que pensar”, ou seja, quanto maior for a ênfase da mídia sobre
86
um tema, maior será o incremento da importância que os membros de uma
audiência atribuem a esses temas enquanto orientadores da atenção pública.
Essa teoria se constituiu numa ferramenta de estudos das relações da mídia,
sobretudo da televisão com o poder político, em especial na época de eleições.
Apesar desse viés político que a hipótese de agenda setting adquiriu inicialmente,
constatou-se que o fenômeno de agendamento também acontece em outros temas
considerados importantes para a formação da opinião pública.
Nessa direção vemos a importância do telejornal para o agendamento do
público a respeito de assuntos de relevância social, fazendo com que os mesmos
passem a compor os principais temas de debate na esfera pública. Ao mesmo tempo
em que agenda os acontecimentos, o telejornal também propõe um significado para
esses eventos, oferecendo ou não diferentes formas de interpretações. Muitas vezes
o telejornal silencia a interpretação, ou oferece pouca informação, ou não politiza, ou
despolitiza uma notícia que se refere a um determinado estado de coisas; são as
estratégias da naturalização e da despolitização dos assuntos.
Na visão de Shaw (apud Wolf, 2003:96), a hipótese de Agenda Setting
enfatiza os efeitos da mídia no público-alvo. Em conseqüência da ação dos jornais,
da televisão e dos outros meios de informação, o público é ciente ou ignora,
atenção ou descuida, enfatiza ou negligencia elementos específicos dos cenários
públicos. As pessoas tendem a incluir ou a excluir dos próprios conhecimentos o que
a mídia inclui ou exclui do próprio conteúdo. Além disso, o público tende a conferir
ao que ele inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos meios
de comunicação de massa aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.
Ao analisar o telejornalismo moçambicano como objeto de estudo, faz-se
necessário compreender algumas de suas características específicas. Uma delas é
a disputa pela audiência que determina as condições de suas produções simbólicas
em virtude de as emissoras de televisão estarem inseridas em um mercado onde a
concorrência entre o que é produzido dentro e fora do país é grande. Outra
característica é o fato dos telejornais constituírem-se em espaço privilegiado de
visibilidade de opiniões, de pessoas e de grupos diversos cujos interesses são
variados. Nele também circulam modelos de identificação e influenciam os modos de
compreensão da realidade. Esses aspectos podem fazer com que os telejornais
funcionem, muitas vezes, como agentes propagadores de idéias, ainda que
87
possibilitem a articulação discursiva através de debate público de assuntos de
interesse da maioria.
Um dos pressupostos da teoria do discurso de Laclau (1985:113) é o de que o
discurso é uma prática articulatória que constitui e organiza relações sociais. Essa
prática articulatória consiste na “construção de pontos nodais que fixam parcialmente
sentidos; o caráter parcial dessa fixação procede da abertura do social, resultante,
por sua vez, de um constante transbordamento de todo discurso pela infinitude do
campo da discursividade”.
O noticiário televisivo é um conjunto de enunciados organizados de forma a
produzir efeitos de sentido de veracidade dos fatos. A organização e a seqüência
das informações passa antes por um processo de seleção do que é notícia que pode
ser divulgada.
Esses aspectos revelam a dimensão polifônica do telejornal, embora
dependendo do tema, nele domine a monofonia. o essas dimensões que impõem
uma atividade articulatória do discurso, necessária à produção de efeitos de sentido.
É no aspecto de sentidos sempre mal fechados e incompletos que a noção de
discurso ganha foco central nos estudos de Laclau (1985, 1996), pois para o autor,
qualquer possibilidade de fixação de sentidos, sempre parciais, depende do sistema
discursivo.
Ao observarmos a estrutura do telejornal é possível perceber como nele os
textos são construídos a partir da articulação dos significantes ao redor do ponto
nodal. Para Laclau (1985:113).
a prática da articulação, portanto, consiste na construção de pontos
nodais que parcialmente fixam significados, e o caráter parcial desta
fixação procede da abertura do social, um resultado, por sua vez, do
constante transbordamento de todo o discurso pela infinitude do
campo da discursividade”.
Assim, a articulação discursiva é uma prática que se estabelece entre
elementos que em um primeiro momento não estão articulados entre si. Nesse
sentido, Zizek (1991) identifica o ponto nodal como “elemento-Um que totaliza os
outros, que os desdobra” e faz com que sofram uma espécie de
“transubstanciação”, começando a funcionar como expressão de um Princípio
subjacente...”. Em outro aporte, Zizek (idem), designa o ponto nodal de ponto de
basta ou basteamento como ponto de fechamento de um determinado discurso ou
88
ideologia. O basteamento é um ato essencialmente contingente pelo qual o campo
ideológico-simbólico determina retroativamente suas “razões”, sua necessidade”.
Ao definir o discurso como uma totalidade estruturada pela prática
articulatória, Laclau e Mouffe (1985:107) reconhecem que é uma tentativa de
dominar o campo da discursividade: “se contingência e articulação são possíveis,
isto ocorre porque nenhuma formação discursiva é totalmente saturada e a
transformação de elementos em momentos nunca é completa”.
O caráter aberto do discurso implica na formação constante de novos
sentidos, ou seja, na emergência de novos discursos. Nesse sentido, Prado
(2005:95) comentando as teses de Laclau sobre esse tema, analisa que “a operação
de fechamento é impossível, mas ao mesmo tempo necessária; impossível devido
ao deslocamento constitutivo que no coração de qualquer arranjo estrutural, e
necessária porque sem essa fixação fictícia do sentido não haveria nenhum sentido”.
Todas essas nuances do discurso nos remetem ao telejornalismo e aos seus
processos de produção simbólica na sociedade contemporânea e também nos
revelam que em determinadas situações o discurso, como sistema organizado,
passa pelo reconhecimento de sua legitimidade e isso pressupõe outras instâncias
de relação entre os indivíduos e entre esses e as estruturas sociais, político-
econômico presentes no espaço comum.
No telejornalismo moçambicano, a agenda política determina a maioria das
pautas diárias dos telejornais. Na semana de gravações podemos perceber
nitidamente essa característica que é muito mais forte na televisão pública, como
aparece nessa amostragem que será expressa no quarto capítulo.
É nesse contexto que os critérios de noticiabilidade são mais trabalhados
como forma de buscar o melhor enquadramento temático de que trataremos com
mais detalhes também no próximo capítulo - das notícias para que atendam aos
interesses em jogo e tragam o resultado esperado pelas partes envolvidas na
emissora tanto pública quanto privada.
A partir da arquitetônica conceitual de discurso, entendemos o telejornal como
espaço midiático em que através de seus textos circulam discursos sociais
vinculados a determinados ideários políticos pelo alcance que tem na sociedade,
pois, “a imprensa (a mídia em geral) não vive apenas dos episódios ocorridos num
determinado dia, mas também da discussão, do debate e da análise de
89
acontecimentos ou situações intemporais (...), e não simplesmente que
aconteceram”. (Rossi, 1998:17).
Esses aportes significam que ao atuar privilegiadamente no cotidiano da
sociedade, o telejornalismo edita o mundo, agenda temas e entra no processo
permanente de produção de significado em todas as suas manifestações. O
telejornal é capaz de concentrar e orientar a atenção do público telespectador para
determinados temas. Para Wolf (2003), tematizar um problema significa, na
realidade, colocá-lo na ordem do dia da atenção do público, dar-lhe a importância
adequada, salientar sua centralidade em relação ao fluxo normal da informação não-
tematizada.
Nessas linhas, entrevê-se o imperativo da articulação do discurso nas redes
televisivas, particularmente no telejornalismo, pois através de seus textos o telejornal
possibilita a circulação e o compartilhamento de sentido, de informações capazes de
interligar os sujeitos sociais no seu imaginário, que pode contribuir para a construção
da idéia de nação, de percepção do país, por congregar os diversos grupos étnicos,
sociais e políticos, levando-os a pensar sobre os mesmos assuntos e problemas que
vivem no seu cotidiano.
Para Becker (2005:62), “independentemente de como a notícia vai ser
digerida pelo receptor, ela sai da ilha de edição lapidada sob determinado(s)
ponto(s) de vista”.
Visto isso, compreende-se melhor a tese de Machado (2003:111) de que “a
questão da verdade está, portanto, afastada do sistema significante do telejornal,
pois a rigor, não é com a verdade que ele trabalha, mas com a enunciação de cada
porta-voz sobre os eventos”. Portanto, a realidade é construída pelos discursos que
lutam por uma finalidade que em televisão se resume na luta pela hegemonia na
audiência.
Nas transmissões do telejornal o enunciador propõe ao telespectador modos
de ver e perceber os acontecimentos e dos temas apresentados e cabe a este saber
articular esses significantes de maneira que forme sentido. É importante
considerarmos, porém as observações de Marcondes Filho (1988:52) de que a
televisão transmite a ilusão da verdade: “ao ver as cenas do acontecimento o
receptor rejeita a tese da manipulação pelo fato de ter testemunhado com seus
próprios olhos o ocorrido. A mística das imagens garante o estatuto de verdade
absoluta e inocenta a deturpação.”
90
Para Becker (2005:53) “toda a construção do texto jornalístico está montada
numa lógica própria, voltada para criar efeito de verossimilhança, também chamado
por alguns autores de efeito de verdade”. Aliado a elas, outras características como
a qualidade do conteúdo oferecido ao público, a forma de abordagem das notícias e
a grade geral de programação também contribuem para a definição da identidade de
cada emissora e dos modos de dizer e de fazer crer que se propõe construir.
É no telejornal, enquanto espaço midiático, que se manifestam os discursos
provindos de diferentes lugares sociais. Nesse entrecruzamento de discursos
acontece um “contágio” simbólico que se dá através do compartilhamento do mesmo
enunciado e no mesmo instante. A noção de contágio é entendida aqui nos termos
da semiótica discursiva como o “contato” afetivo tanto no plano simbólico quanto
físico dos sujeitos, que na visão de Landowski (2005:38), “supõe unidades que por
princípio nada isola, mas que une um sentir recíproco ao menos potencial, e
teoricamente ilimitado quanto à sua extensão: reciprocidade do sentir que poderá
(...) reunir multidões inteiras”.
O indivíduo, através da linguagem, aprende a se comunicar com os outros a
partir das experiências vividas no cotidiano, no mundo da vida, sob a perspectiva
fenomenológica, mundo este que se constitui como acervo comum de saberes
culturais. O mundo da vida é coletivo, mas cada indivíduo lida com o vivido de
acordo com suas potencialidades perceptivas. É nesse contexto que acontece a
produção e o compartilhamento de significados cujo fluxo e direcionamento varia de
uma sociedade para outra e em função dos objetivos de cada tipo de instituição.
No discurso do telejornal estão presentes objetivos da emissora em manter
uma posição hegemônica capaz de nortear a preferência do telespectador e esse
imperativo direciona as escolhas textuais e as formas de difundir os conteúdos
midiáticos.
Nessa característica do discurso estão imbuídos alguns aspectos do
telejornalismo, se partirmos da definição do jornalismo de Kunczik (2002:16), que
considera jornalismo como “a profissão principal ou suplementar das pessoas que
reúnem, detectam, avaliam e difundem as notícias; ou que comentam os fatos do
momento”.
Fairclough aponta para mais longe em relação a Kunczik ao reforçar a
relação entre o discurso e as instituições em que é produzido: (...) o discurso é
moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os
91
níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas
relações específicas em instituições particulares como o direito e a educação...”
(Fairclough, 2001:91).
Para Fairclough (idem) “os eventos discursivos específicos variam em sua
determinação estrutural segundo o domínio social particular ou o quadro
institucional em que são gerados”. Isso quer dizer que um discurso gerado, por
exemplo, no telejornalismo, difere daqueles gerados na educação, na política, na
indústria, no comércio. Por isso, o autor enfatiza que “o discurso contribui para a
constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou
indiretamente, o moldam e o restringem”.
Talvez agora possamos compreender melhor as razões da superficialidade
no tratamento dos acontecimentos-notícia, que impede, de certa forma, a prática
de um jornalismo mais crítico e até investigativo, seja na televisão pública ou
privada, em Moçambique ou em outros países onde isso ocorra com freqüência.
A ênfase dos discursos de ambas as emissoras centra-se mais nos
aspectos político e econômico. Talvez isso acontece pelo fato dessas áreas serem
as dinamizadoras da vida social no país.
Além dos critérios de noticiabilidade, no telejornalismo entram em jogo
também as estruturas organizacionais de que os profissionais da comunicação
fazem parte, as empresas ou redes de televisão que visam o lucro, e ainda as
rotinas de trabalho profissional. São essas práticas profissionais, aliadas aos
processos de produção de notícias e aos critérios de seleção do que deve ou não
ser noticiado, que influenciam no trabalho jornalístico.
Wolf (2003:202) confirma que “os valores/notícia, que são um dos critérios
de noticiabilidade, na perspectiva do Newsmaking
41
, permitem selecionar os
eventos a serem transformados em notícias”. Esses critérios funcionam como
linhas-guia para a apresentação do material, sugerindo o que deve ser enfatizado,
o que deve ser omitido e onde dar prioridade na preparação das notícias a serem
apresentadas ao público.
É nessa perspectiva que Wolf (idem) apresenta o resultado de seus estudos
sobre as teorias que mostram que os telejornais se distinguem pela “fragmentação
41
É uma linha de estudos em comunicação de massa que aborda o processo de produção de
notícias tendo em conta a cultura profissional dos jornalistas e a organização do trabalho além das
conexões entre esses dois aspectos.
92
da imagem da sociedade, mediante a justaposição de acontecimentos-notícia,
sendo que cada um deles é apresentado como auto-suficiente, sem ser explicado”.
Ainda em relação aos critérios de noticiabilidade, Wolf entende que o
conjunto de fatores que determina a noticiabilidade dos acontecimentos permite
realizar cotidianamente a cobertura informativa, mas dificulta o aprofundamento e
a compreensão de muitos aspectos significativos nos fatos apresentados como
notícias.
Depois dessa digressão pelo panorama histórico, político e social da televisão
e do telejornalismo moçambicano, ancorados nos principais conceitos que
constituem o referencial teórico desta pesquisa, apresentamos no próximo capítulo
uma análise do corpus selecionado para este estudo.
93
Capítulo 4- Análise do Jornal Nacional e Jornal da Noite
4.1 Metodologia
Para este trabalho adotamos o método de análise televisual sustentado por
Arlindo Machado (2003) e Beatriz Becker (2005) além de contarmos com o aporte de
alguns elementos da semiótica discursiva. Analisaremos o Jornal Nacional e o Jornal
da Noite com base na apreciação dos elementos característicos do telejornal,
adotados por Becker (idem), porém, salientamos que nesta pesquisa, não
seguiremos a ordem cronológica proposta pela autora, pois, optamos por agrupar
alguns desses elementos de forma a facilitar a compreensão de todos os aspectos
específicos do telejornal. Reunimos no mesmo item, por exemplo, os elementos:
apresentadores, repórteres e entrevistados que constituem os agentes do discurso.
As temáticas abordadas em cada telejornal são outro aspecto por nós analisado ao
qual acrescentamos os critérios de noticiabilidade.
Ademais serão analisados, de maneira detalhada, os seguintes elementos: a
estrutura dos noticiários, os recursos gráficos, os cenários e vinhetas. Por fim
examinamos o enquadramento por entendermos que a análise desse aspecto é de
suma importância para a compreensão das escolhas de focos nas notícias dos dois
telejornais em estudo.
Os aspectos blocos, ritmo, matérias e credibilidade foram destacados
isoladamente por Becker em sua pesquisa, mas nesta, serão analisados em
conexão com os elementos afins. Além desses é importante também analisarmos,
embora de forma breve, os principais anunciantes nos dois telejornais para
conhecermos seu perfil e o tipo de produtos ou serviços oferecidos nos horários de
transmissão do telejornal.
A análise dos telejornais baseada nesses aspectos nos ajudará a desvendar
as estratégias discursivas do Jornal Nacional e do Jornal da Noite. Consideramos
que o estudo minucioso desses elementos específicos do telejornal permite-nos
conhecer e compreender a identidade de cada telejornal e o impacto de suas
organizações textuais e discursivas na sociedade moçambicana. Nesse sentido as
teorias do discurso dos autores-chave são relevantes, pois com vasto escopo de
aplicação abrem-nos a possibilidade de um embasamento crítico na discussão sobre
a maneira pela qual os recursos lingüísticos selecionados com determinados
94
objetivos pelos telejornais podem conter implícita ou explicitamente relações de
poder.
Dada a pluralidade de discursos e vozes envolvidos nos telejornais, que se
configuram como características básicas desse formato televisual, a análise requer,
se quisermos explorar todos os ângulos de percepção de suas estratégias, uma
exploração mais densa para podermos interpretar seus significados.
4.2 Corpus da pesquisa
O corpus desta pesquisa é composto por algumas edições do Jornal Nacional
e Jornal da Noite gravadas em Maputo, capital de Moçambique, entre os dias 08 e
16 de abril de 2006. Esse material foi gravado no formato VHS e posteriormente aqui
em São Paulo foi transdecodificado e copiado em DVDs, processo que permitiu a
visualização de todo conteúdo, uma vez que o formato inicial em VHS do sistema
Pal-G moçambicano não era compatível com o do Brasil. Apesar de inúmeras
dificuldades encontradas no início, principalmente por causa da incompatibilidade de
recursos técnicos de gravação de vídeo, foi possível preservar o formato original das
gravações da forma como os telejornais foram exibidos, graças ao apoio de
profissionais especializados nessa área de audiovisuais.
A semana de gravações foi escolhida aleatoriamente de modo a garantir que
esse conteúdo represente o fluxo normal da programação das duas emissoras, pois
com base nessa “normalidade” é possível um conhecimento suficiente da identidade
de cada telejornal e sua respectiva emissora, possibilitando-nos desvendar a
especificidade das estratégias discursivas e fiduciárias de cada telejornal em relação
ao seu respectivo público-alvo.
Embora existam outros telejornais, a escolha do Jornal Nacional e Jornal da
Noite foi motivada pelo seu caráter aberto e por ambos pertencerem a emissoras
moçambicanas; consideramos que grande parte da população se identifica com
esses telejornais pelo fato de em seus noticiários apresentarem problemas do país e
não há dúvidas de que têm contribuído como fontes de informação e de difusão de
conteúdos simbólicos sobretudo para a população que mora nos grandes centros
urbanos, além das vilas aonde chega o sinal de recepção.
Ambos, exibidos no horário nobre, são telejornais de maior audiência no país.
O Jornal da Noite é transmitido das 19:55 às 20:30 e o Jornal Nacional das 20:00 às
21 horas. Sabe-se que a emissora pública, TVM, leva vantagem numérica na
95
audiência por sua cobertura ser nacional, como mostramos no primeiro capítulo,
enquanto o sinal do canal privado, STV, até este momento, abrange apenas três
províncias do sul e uma da região central.
O estudo analítico e comparativo visa compreender e ilustrar as diferenças
marcantes e os aspectos comuns de ambos os telejornais, além de identificar
possíveis problemas em suas construções discursivas. A análise dos ditos
telejornais pretende também identificar o perfil de cada um e conhecer suas
estratégias discursivas, levando em consideração o fato de que, em geral, o
telejornal se insere numa grade de programação da emissora e que, em boa medida,
essa grade e a localização do telejornal dentro dela podem determinar seu impacto.
Salientamos que nesse estudo de caso optamos por fazer uma análise
comparativa das estratégias discursivas entre os dois telejornais. Assim, do corpus
geral analisaremos aquelas notícias e reportagens comuns, ou seja, as notícias
coincidentes, que tanto um como outro telejornal veiculou, além das não
coincidentes para ilustrar aspectos relevantes na escolha das estratégias textuais e
discursivas em cada telejornal. Para facilitar o estudo comparativo serão destacadas,
em forma de citação direta, todas as notícias e reportagens analisadas neste
trabalho.
Durante o processo de análise passamos por algumas etapas fundamentais
para a compreensão do corpus. A primeira consistiu na observação dos telejornais.
Assistimos inúmeras vezes às gravações dos telejornais e sempre que fosse
necessário fazer uma análise de conteúdo. Na segunda etapa elegemos os aspectos
que consideramos fundamentais para a compreensão do telejornal enquanto gênero
televisual com características próprias que o distinguem dos demais programas de
televisão.
A revisão bibliográfica empreendida no terceiro capítulo ajudou-nos na
compreensão das teorias do discurso tratadas por Laclau e Fairclough,
principalmente, pelo fato desses autores focarem suas reflexões na conexão entre
discurso e contexto social. Por isso, ao analisar os telejornais com base nesses
fundamentos teóricos, nossa preocupação maior é descobrir de que forma o Jornal
Nacional e o Jornal da Noite constroem seus textos na conjuntura cio-histórica,
econômica, política e cultural moçambicana e como os modos de dizer e de fazer
crer dos enunciadores desses telejornais podem determinar a aceitação do discurso
como verdadeiro sem nos esquecermos de que essas estratégias fazem emergir
96
verdades que são do plano do discurso que nem sempre coincidem com a realidade
dos fatos.
A análise que segue nos abre a possibilidade de um embasamento crítico
sobre a maneira pela qual os recursos lingüísticos selecionados com determinados
objetivos pelos dois telejornais podem conter implícita ou explicitamente relações de
poder, ou seja, um tom que legitima certos grupos hegemônicos detentores de
poder, seja este político, econômico ou de outra natureza.
Reforçamos o fato desse estudo estar centrado no discurso, ou seja, nos
modos de dizer e de fazer crer dos enunciadores e não no processo de produção e
recepção, uma vez que não nos propomos fazer um estudo de campo, embora
reconheçamos a importância dessa etapa nas dinâmicas do telejornalismo,
enquanto formato audiovisual.
Consideramos importantes as constatações de Fausto Neto (2002), em seus
estudos, ao revelar a existência de três perfis de telejornais, de acordo com
apresentação e orientação editorial. Para Fausto Neto (2002:503), existe o telejornal
que se pauta pelo modelo de teatralização, que é aquele telejornal que forja a
aproximação com o público por emissão de opinião e estilo próprio (ancoragem).
Outro modelo é o de descrição, que apresenta as notícias como testemunhas dos
fatos, o que aproxima a equipe do momento em que ocorre o fato e, ao mesmo
tempo, permite o distanciamento em relação aos atores envolvidos porque “narra” a
notícia. Um terceiro modelo é o de didatismo-pedagógico.
Fausto Neto (idem) considera esse último modelo de telejornal “ideal por ter
um discurso preciso e comentários restritos a especialistas e âncoras
com objetivo
de instigar o telespectador a tirar as próprias conclusões”.
Reconhecemos a existência de outros aspectos importantes do telejornal cujo
estudo seria importante, mas como dissemos, nos cingimos apenas a esses que
seguem por responderem ao objetivo dessa pesquisa.
4.3 Estrutura dos noticiários
A programação da televisão se estrutura em torno de dois eixos, o da
produção de programas informativos e de entretenimento. É nessa grade
97
diversificada que o telejornal se insere. Por isso, esta análise também leva em conta
essa estrutura. Os quadros que seguem são uma amostra de um dia de
programação diária das duas emissoras TVM, pública e STV, privada.
Amostra de programação da TVM, dia 1° de março de 2007.
Horário Programas Observação
05:40 Abertura de Emissão
05:45 Ginástica
06:00 Bom Dia Moçambique
08:00 Jornal de Desporto Repetição
08:15 Agenda Que Passa Repetição
08:20 Desenhos Animados: Rugrats – Uma Aventura na Selva
09:30 Mãozinha Talento Repetição
10:15 Explosão Africana Repetição
11:00 Série: Malhação (Ep. 1126). Repetição
11:30 Culinária: Caldo Verde Repetição
12:00 Top 10 Repetição
12:55 Agenda Que Passa
13:00 Jornal da Tarde
13:20 Ver Moçambique Repetição
13:35 Documentário: Eu e a Minha Família - Ieschayaio Ep. 15
13:50 Desenhos Animados: O Poderoso Kong
15:00 Basquetebol NBA: Phoenix vs Indiana
17:00 Série: A Jóia de África (Ep. 52) Repetição
17:45 Ginástica Repetição
18:00 Janela Ambiental
18:25 TVM Notícias
18:30 NBA – Action Repetição
19:00 Ver Moçambique
19:15 Jornal de Desporto Direto
19:30 Série: Malhação (Ep. 1127)
19:55 Agenda Que Passa
20:00
Jornal Nacional
98
20:35 Bons Sonhos
20:45 Telenovela: Como Uma Onda (Ep. 135)
21:45 Resumo da Liga Portuguesa de Futebol
22:30 Espaço Musical: Papa Wemba
23:10 Agenda Que Passa
23:15 Último Jornal
23:30 ChatTVM
Fonte: www.tvm.co.mz acesso em 1° de março de 2007
Amostra de programação da STV, dia 1° de março de 2007.
Horário Programas
Observação
00:00 Ernest Angley
06:00 Telediário
07:00 Telediário - Tribuna Econômica
Repetição
08:00 Sítio do Picapau Amarelo
09:00 STV SPORT Notícias
11:00 Samantha
Repetição
12:00 Cobras & Lagartos
Repetição
13:00 Primeiro Jornal
13:30 Opinião Pública
14:30 Belíssima
15:30 MUSIC BOX
16:30 Samantha
17:30 Diálogos
19:00 Cobras & Lagartos
19:55 Jornal da Noite
20:30 Belíssima
21:30 Ponto Parágrafo
23:00 STV SPORT Notícias
23:30 Futebol
Fonte: www.stv.co.mz acesso em 1° de março de 2007
99
Pela posição que o telejornal ocupa na grade podemos ver o quanto esse
gênero televisual constitui um dos programas preferenciais das emissoras, talvez por
acreditarem que assistindo, as pessoas se manteriam informadas sobre os
acontecimentos no país e no mundo e, mesmo que não queiram, elas acabam
sendo induzidas a ver o telejornal, em parte, com o receio de se sentirem à margem
do que acontece na sociedade, uma vez que os assuntos veiculados são temas de
discussão em seus ambientes de convivência.
Por essas e outras razões, as emissoras investem muito na formação das
equipes que trabalham nesse formato televisual para que sejam capazes de
construir estratégias comunicativas que façam com que o telespectador se sinta com
disposição de assistir ao telejornal.
As notícias são organizadas por blocos em que as informações são
intercaladas pela ordem de prioridade de maneira a produzir efeitos de sentido de
“realidade”, o que leva o telespectador a sentir-se participante do processo, pois
através da própria linguagem de simples compreensão e aliada à imagem, os
acontecimentos são presentificados de uma maneira mais próxima a ele.
A escalada composta por títulos breves das notícias do dia, é lida pelo
apresentador. Tem a função de antecipar resumidamente os assuntos a serem
desenvolvimentos no noticiário. Geralmente tem quatro chamadas e, às vezes, uma
chamada apenas como podemos verificar nessas escaladas a seguir, que foram
exibidas no noticiário do dia 12 de abril de 2006 e lidas pelos apresentadores Sérgio
Marcos e Atanásio Marcos:
Jornal Nacional-LOCV - os acusados do caso BCM e Cardoso
podem ser julgados este ano.
- Afinal a poluição da praia de Bilene foi obra da natureza.
Boa noite! Está a começar o Jornal Nacional na noite de quarta-feira.
Jornal da Noite-LOCV - transportadores semicoletivos ameaçam de
novo entrar em greve em Maputo.
- Boa noite! Já está a começar o telejornal.
A partir dessa amostra de escalada e dos assuntos apresentados no noticiário
da semana em estudo percebemos que o Jornal da Noite tem tendência a
apresentar uma escalada mais curta em relação ao Jornal Nacional. Neste caso foi
apenas uma que o Jornal da Noite destacou para em seguida falar da notícia
100
correspondente que durou cerca de cinco minutos. Vale ressaltar que esta notícia é
a mais longa de todas da semana em questão.
Apresentador do Jornal da Noite-LOCV - está de novo iminente
uma greve dos transportadores semicoletivos. Tudo porque a TRAC
decidiu quebrar unilateralmente o acordo alcançado em março com
os transportadores sob menção do governo. O acordo previa um
desconto de 40% sobre a tarifa em vigor a partir de 10 de abril. Mas
agora a TRAC quer pagar apenas 38% e entrar em vigor somente a
partir de 1 de maio.
Nota coberta
42
(repórter)- esta é a ata do encontro de 6 de março
último entre a ANE, os transportadores e a TRAC. Nela pode ler-se o
seguinte e passamos a citar...
Do encontro resultaram os seguintes consensos: é aceite a proposta
dos transportadores de estabelecimento de um desconto de 40%
sobre a tarifa em vigor. Esta medida deverá entrar em vigor até dia
10 de abril de 2006, para as classes 1 e 2. Interinamente e a partir da
sexta-feira dia 9 de maio de 2006 os transportadores públicos locais
de passageiros passarão a pagar as tarifas anteriores a 1 de março
de 2006 sem outro desconto. Fim da citação.
(...) Em paralelo, o governo e a TRAC travaram discussões à parte
que resultaram em assinatura de outro documento pelos punhos do
PCA da ANE, Paulo Muchanga em representação do executivo
moçambicano e do PCA da TRAC, Arthur Coy. No essencial, este
documento reitera os compromissos assumidos no anterior, de
conceder desconto de 40% aos transportadores a partir de 10 de
abril. Esta terça feira, 11 de abril, portanto, um dia depois da data em
que devia entrar em vigor o acordo, a TRAC fez um volt-face através
desta carta dirigida a ANE comunica que no lugar dos 40% que ela
própria se comprometeu a dar de descontos apenas iria dar 38% e a
partir de um de maio e não de 10 de abril, mas enumera um conjunto
de 15 condições outrora não discutidas pelos transportadores que
usufruíram do desconto. Na última quarta-feira, através desta carta,
os transportadores reagem e fazem lembrar a TRAC que esta não
estava a honrar os compromissos que assumiu a 8 de março em ata
assinada por dois representantes seus. Através da mesma carta, os
transportadores escrevem e passamos a citar “assim sendo
apoiamos a Va. Excia. a reconsiderar os compromissos
anteriormente acordados”.
Apresentador-LOCV - a TRAC diz que quando assinou as atas de 8
de março último não estava a aceitar os termos nela contidos mas
sim abertura para negociar.
Off-repórter - como é de praxe, a ata leva as assinaturas das partes
intervenientes para mostrar a sua concordância com o seu conteúdo.
Assim para além dos referidos na peça anterior, estão os punhos
de Bernardo Mavume e Fenias Mazive em representação da TRAC
só que agora a concessionária mudou de discursos:
42
É nota cuja cabeça é lida em off pelo apresentador ou repórter e o texto é coberto com imagens.
Esta nota pode ser gravada ou ao vivo.
101
Sonora (com diretor da TRAC) - dissemos na altura que essa idéia
seria analisada e ia se fazer um estudo das operações na empresa,
tanto o impacto econômico assim como impacto político e fez-se o
devido estudo e foram consultados os acionistas e os credores da
empresa e a decisão que foi tomada é que vamos oferecer um
desconto de 38%.
Off-repórter - quanto à mudança dos prazos da entrada em vigor do
acordo de 10 de abril para 1 de maio a justificação da TRAC é a
seguinte:
Sonora (com diretor da TRAC) - estamos preparados para entrar
com o sistema a partir do dia 01 de maio por causa de problemas
informáticos internos da TRAC e também o sistema que vínhamos
aplicando, da tarifa anterior, sem desconto deverá permanecer até o
novo sistema de 38% entrar em vigor. Segundo soubemos, logo a
seguir ao acordo de março, os quatro acionistas da TRAC, um
americano, um francês, um britânico e um moçambicano e os
credores da concessionária mandaram efetuar um estudo de
viabilidade que concluiu um desconto de 40% seria lesivo aos
interesses da empresa. A solução foi recuar.
Vale destacar também que além desse procedimento, no final da reportagem,
o apresentador comentou brevemente sobre os problemas dos transportadores
semicoletivos, emitindo opinião própria que, neste caso, pode ser do próprio
apresentador ou do editor do telejornal:
Apresentador-LOCV - dada essa volt-face da TRAC, os
transportadores semicoletivos da cidade de Maputo ameaçam entrar
em greve. É um assunto que ainda vai dar muito pano para manga.
No noticiário desse dia vemos também uma diferença na escolha da pauta,
que apresenta focos diferentes entre o Jornal Nacional e Jornal da Noite. Os scripts
abaixo ilustram como são organizadas as notícias em cada bloco em ambos os
telejornais.
Observamos que no Jornal da Noite, o terceiro bloco é reservado para as
notícias internacionais e para o esporte nacional e internacional, enquanto no Jornal
Nacional esses assuntos são tratados no quarto bloco e às vezes no segundo bloco.
Jornal Nacional script do dia 12 de abril de 2006
Blocos Assuntos
Fonte
102
bloco
(vivo)
-Julgamento dos assassinos de Carlos Cardoso
-Financiamento do governo alemão para reabilitação
de estradas de Inhambane
-Governo de Maputo entrega dinheiro à comunidade de
Mahele.
-Poluição das águas da praia de Bilene
TVM
Publicidade
(anunciantes)
Mcel
Coca-Cola
Ferbar Alimentos
Instituto de Línguas
Loterias Moçambique dá Sorte
Cartão de crédito Flamingo Visa
Totoloto
Fanta
OTM-Selo made in Mozambique
Gillette
Publicidade
institucional
Programa Quinta à Noite TVM
bloco
(vivo)
-Lançamento do ano de aceleração do combate ao
HIV-SIDA.
-Expulsão de quatro médicos estrangeiros da Beira
-Universidade Eduardo Mondlane prevê construção de
novos edifícios.
TVM
Chamada
(vivo)
No Togo, oito em cada dez crianças são sexualmente
violadas pelos professores. Uma notícia para conferir
daqui a pouco logo depois do intervalo.
SABC
Publicidade
(anunciantes)
Mcel
Coca-Cola
Super Maheu
International English College
Vodacom
Lotaria
Gillette
Publicidade
institucional
Programa Quinta à Noite
TVM
bloco
Internacional
(vivo)
-Susto de Meningite no Níger e Burkina Faso
-Crianças violadas sexualmente no Togo
-Parlamento francês e lei do primeiro emprego
SABC
SABC
BBC
.
Chamada
(vivo)
está em Maputo para o primeiro concerto, a rainha
da música goslpel Rebeca Malote que vai fazer o
lançamento de seu novo álbum. Daqui a pouco, no
próximo bloco.
TVM
103
Publicidade
institucional
Iniciativa Presidencial de Combate ao HIV/SIDA TVM
bloco
Esporte/cultura
(vivo)
-A seleção moçambicana de futebol júnior
-Corrida mundial no deserto do Sahara
-Concerto de musica gospel BCC
Fonte: pesquisa da autora 2006
Jornal da Noite Script do dia 12 de abril de 2006
Blocos Assuntos Fonte
bloco
(vivo)
-Transportadores semicoletivos ameaçam entrar
em greve
-Moçambique vai receber cerca de 300 milhões de
dólares de doadores internacionais para reforço do
Orçamento Geral do Estado
STV
Publicidade
institucional
Mais detalhes sobre o assunto acompanhe mais
tarde na entrevista no programa Tribuna
Econômica, logo após a telenovela Senhora do
Destino
STV
Chamada
(vivo)
Ex-jornalista do semanário Zambeze apanhou oito
meses de prisão por crime de chantagem. Uma
notícia por acompanhar na segunda parte do Jornal
da Noite
STV
Publicidade
(anunciantes)
Dot Com
LAM
Tiger Center
Mcel
bloco
(vivo)
-desigualdades regionais em Moçambique
-ex-jornalista condenado
-Polícia de trânsito responsável pelo desvio de
rotas de semicoletivos
-Fronteira Ressano Garcia
Chamada
(vivo)
Terminou o braço de ferro entre a direção da
empresa Delta Segurança e os respectivos
trabalhadores. Conheça os desenvolvimentos e
desta e de outras notícias já a seguir ao intervalo!
STV
Publicidade
institucional
Instituto de Nacional de Viação
104
Publicidade
(anunciantes)
Cartão de crédito Flamingo Visa
Moçambique dá Sorte
Mcel
Telecine
3 ° bloco
(vivo)
nacional/internacional.
esporte
-Primeira Ministra empossa novos diretores
nacionais
-Fim do conflito entre Delta Segurança e seus
trabalhadores
-1° Festival Internacional da Publicidade em Maputo
-Futebol espanhol
STV
Fonte: pesquisa da autora, 2006.
Nas chamadas entre blocos de notícias é freqüente, no Jornal da Noite, o
apresentador anunciar outros programas e veículos da emissora, por exemplo:
“estamos a transmitir em simultâneo com a Rádio SFM na freqüência modulada
94.6. Até já!”. Essa característica também está presente no Jornal Nacional como
mostra esse trecho: “por mau atendimento aos doentes, quatro médicos foram
expulsos, no ano passado, do Hospital Central da Beira. Veja esta notícia na
segunda parte do Jornal Nacional. Para já, um breve intervalo”.
As duas emissoras TVM e STV recebem materiais de agências, como a BBC,
da RTP, da SABC da África do Sul, da Rede Globo, entre outras e são
retransmitidas, às vezes, sem uma reedição prévia. Os editores locais simplesmente
se limitam em traduzir e ler em off essas notícias.
Segundo Enoque Jerônimo, diretor comercial da STV, a emissora tem
parcerias com a LIM Group, e-TV, e MNET (Canais Sul Africanos) e a BBC. Tem
acordo com a TV Globo para a transmissão de novelas e é também parceira do
Canal Futura, em co-produções de programas Globo Ecologia, Umas Palavras, Um
de Quê, além da transmissão do Sitio do Pica Pau Amarelo, Saber Mais,
Sexualidade e Viagem Para.
A TVM é filiada da União das Rádios e Televisões Nacionais Africanas
(URTNA) e da South African Broadcasting Corporation (SABA).
4.4 O cenário e as vinhetas dos telejornais
A forma de organização textual e de todos os recursos do telejornal varia de
um a outro telejornal. Começando pelo cenário do Jornal Nacional, o início da
105
Como elemento que autoriza os outros a tomarem
decisões, encontram-
se elementos enteressantes como por
exemplo decisões de autorização improvisada apesar de
se usar o orçamento programado mas existem situações e
projetos que não podem esperar e ainda pouco interferem
no orçamento.
Os executivoso obrigados a considerar o impacto
de cada decisão sobre outras decisões sem deixar de lado
emissão tem como imagem o globo em cor azul, que gira em torno do seu eixo
enquanto o apresentador as manchetes, que são breves, em torno de três ou
quatro. A câmera faz um movimento de abertura do geral para o particular e vai
fechando o foco paulatinamente no apresentador.
Fig 1: Quadro que apresenta a vinheta do jornal Fig 2:Durante a apresentação do telejornal
Essa posição inicial do apresentador do Jornal Nacional enfatiza o logotipo do
jornal, em contrapartida enfraquece a autoridade da figura do apresentador que não
cumprimenta o público de frente como faz o apresentador do Jornal da Noite.
Como painel de fundo, atrás do apresentador estão fixas duas telas de
televisão fazendo uma simetria com a cabeça do apresentador. Nelas são
transmitidas algumas imagens que fazem parte do noticiário do dia. A posição
dessas telas, pouco acima da cabeça do apresentador é péssima, pois, além de
dispersar a atenção do telespectador, muitas vezes, as imagens que nelas são
passadas em simultâneo com a fala do apresentador nem sempre coincidem com o
que este diz no momento. (ver figura 2 acima).
O cenário do Jornal da Noite é um mapa-mundi de cor azul. No início do
jornal, a câmera abre em close no apresentador que cumprimenta o telespectador, e
gradualmente a imagem se amplia para mostrar todo cenário com o continente
africano no centro como se pode ver nessas figuras abaixo.
106
Fig 3: Quadro que acompanha a vinheta do Jornal Fig 4: Durante apresentação do Jornal
A vinheta de apresentação do telejornal identifica-o dos outros programas. Em
seguida o apresentador anuncia as manchetes de forma rápida. O recurso de
movimento de câmera, do plano particular ao geral, a sensação de proximidade
entre o apresentador e o telespectador. Nesse sentido, é interessante perceber
como cada emissora trabalha o aspecto de credibilidade através de slogans para
reforçar a imagem de seriedade.
A Soico Televisão apresenta na tela: “STV, onde a gente se vê”. Sem dúvida
essa expressão nos remete às relações sociais, se considerarmos a emissora STV
como espaço de encontro dos amigos, dos sujeitos que compartilham um mesmo
repertório cultural e realizam suas trocas simbólicas diariamente ao assistir ao
telejornal da STV. E, muito mais do que isso, pois, o slogan “STV, onde a gente se
vê” nos remete à criação de um lugar privilegiado de visibilidade midiática.
O slogan “STV, onde a gente se vê” nos remete ao da Rede Globo de
televisão que diz e mostra: “Globo, a gente se por aqui”. Essa proximidade entre
a STV e a Rede Globo, sem vida, traz benefícios para ambas. A primeira ganha
na imagem que ela mesma quer vender de uma emissora moderna, equipada,
conectada com a atualidade. a TV Globo ganharia mais visibilidade no exterior e
conseqüentemente mais telespectadores e fãs compradores de seus produtos
simbólicos como novelas, filmes, música, programas informativos, entre outros.
Mas, ao mesmo tempo, essas estratégias são questionáveis uma vez que são
previsíveis mais perdas do que ganhos para a própria STV se comparado com a
Rede Globo que se firmou no mercado tanto nacional quanto internacional. É
assim que nos indagamos sobre questões ligadas à identidade de cada emissora, a
criação de sua própria marca que seja única.
Ao primar por esse tipo de paráfrase, parece-nos que a STV está mais
interessada pelo viés comercial do que pela criação de sua própria identidade,
enquanto operadora local que pretende “ser o principal grupo de comunicação social
na África Austral”, de acordo com os objetivos expressos em seus documentos
oficiais.
Na emissora pública, o slogan da TVM realiza uma função apelativa: “TVM, a
nossa televisão. Estamos todos aqui”. O sentido dessa expressão é reforçar a idéia
de emissora pública, sugerindo assim uma pertença ao mesmo país. Com essa
107
estratégia, a TVM busca convencer o telespectador a acreditar nela e a vê-la como
espaço comum que pertence a todos os moçambicanos, por serem cidadãos de um
mesmo Estado-nação, evocando assim o direito de todos à informação, preconizado
pela constituição da república.
Os dois textos “TVM, a nossa televisão, estamos todos aqui” e “STV, onde a
gente se vê” o slogans que buscam construir um discurso de inclusão de todos,
com intuito de levar o telespectador a se identificar com a emissora. Através de seus
slogans, ambas as emissoras procuram reforçar o aspecto de lugar de possíveis
interações sociais entre os telespectadores.
Essa nova configuração da vida social induz-nos também a refletir sobre a
noção de lugar, enquanto espaço comum. O espaço sugerido pela televisão e, neste
caso, pelos slogans das duas emissoras, não se limita apenas à dimensão física, à
telinha. Trata-se de um espaço midiático de articulação das idéias, e também de
possíveis interações sociais através do qual é possível estar a par dos
acontecimentos do país e do mundo.
Não se pode negar que a televisão possibilita um fluxo contínuo de
informações e de imagens que fazem parte de um cotidiano vivido pelos
telespectadores. Por isso, os slogans “TVM, estamos todos aqui” e “STV, onde a
gente se vê” remetem-nos a pensar no aspecto do estar junto, do compartilhamento
do mesmo conteúdo simbólico, do país. Apesar da diversidade cultural, étnica e
lingüística, existem aspectos comuns que interessam a todo moçambicano, a saber:
“os mitos de origens, os rituais e os símbolos, a orientação a valores, a história
partilhada, que são elementos constitutivos de auto-referência identitária”. (Santos,
2006:314).
A análise das edições dos noticiários de ambos os telejornais possibilita-nos
compreender as tendências marcantes de cada um, em que se busca, entre outras
coisas, evitar conflito, silenciar pontos de vista contrários aos das emissoras e aos
daqueles que exercem alguma influência nos meios de comunicação. Essas vozes
seriam capazes de orientar as maiorias para uma postura mais crítica em relação à
realidade construída e sustentada pelos telejornais, e pela mídia em geral que é
mostrada como verdade absoluta e irrefutável.
A naturalização do discurso é outro aspecto que aparece com freqüência em
ambos os telejornais, pois, muitas vezes, as tensões sociais não são mostradas e,
quando o são, o recebem o destaque que mereceriam. Com essas estratégias,
108
parece que os objetivos do Jornal Nacional e do Jornal da Noite passam pelo
estabelecimento de uma certa ordem política, social e comercial. Disso resulta uma
certa exacerbação das tensões sociais que se mostra através da organização textual
dos telejornais.
Por isso, o público telespectador precisa estar atento para saber identificar
qualquer tipo de manipulações presentes nas construções discursivas dos
telejornais, e não se conformar com o que é dito e à forma como é dito.
4. 5 Temáticas e critérios de noticiabilidade
Consideramos importante analisar as temáticas desenvolvidas pelos dois
telejornais. Através da análise dessas temáticas, da sua freqüência nos noticiários
da semana estudada é possível saber os temas mais agendados em cada telejornal.
A freqüência na apresentação das temáticas revela a incidência de critérios
de noticiabilidade da emissora, e principalmente as escolhas, as preferências da
emissora e não somente da equipe que elabora o telejornal em focar determinados
temas que interessam ao público.
Embora o período estudado, de apenas uma semana, seja curto para tiramos
conclusões definitivas, é importante ressaltar que encontramos uma freqüência
significativa na apresentação de determinados temas nos noticiários de ambos os
telejornais. Percebemos que as temáticas educação e cultura, saúde e saneamento,
segurança blica e infra-estrutura são inseridas nos ambos os telejornais na
mesma proporção, o que mostra uma preocupação das emissoras em discutir sobre
isso com seu público-alvo.
109
Fonte
: pesquisa da autora, 2006
Assuntos abordados entre os dias 08
e 16 de abril de 2006
TVM STV
Governo e poder público 21 8
Educação e cultura 5 6
Saúde e saneamento 4 4
Economia e comércio 4 5
Segurança pública 5 5
Criminalidade 3 2
Agricultura e pecuária 3 4
Meio ambiente 2 2
Infra-estrutura e transporte 5 6
Sociedade (variedades) 7 5
Denúncia 1 1
Total 62 48
110
Vale ressaltar que neste quadro não contemplamos as notícias sobre
esporte, cultura e outros temas menos polêmicos pelo fato de não constituírem
motivo de disputa entre ambos os telejornais.
As realizações do governo aparecem em proporções mais amplas na
emissora pública. Essa é uma tendência constante no país, num ambiente em que
se está a aprender a valorizar as diferenças partidárias, ideológicas, étnicas e
culturais, mas apesar dos passos que se tem dado na construção da democracia, o
tempo de exposição na mídia e, sobretudo, na televisão entre as figuras públicas,
ainda é desigual, pois os membros do governo possuem maior tempo e espaço do
que outras figuras e personalidades da sociedade civil organizada. Essa tendência
confere, até ao presente momento, a hegemonia do governo na propagação de seus
ideais e de suas propostas de governação, embora não seja aprovado em tudo pela
esmagadora maioria da população.
Na televisão, a construção da notícia pauta-se por dois princípios básicos: a
velocidade e a atualização constante. As formas de construção, que constituem os
critérios de noticiabilidade, são estratégias que possibilitam a legitimação e o
reconhecimento de um determinado discurso midiático como credível.
Os critérios de noticiabilidade são entendidos como o potencial que os
eventos têm de serem convertidos em notícia. Wolf (2003) utiliza o conceito de
noticiabilidade para descrever a aptidão que um evento deve apresentar para se
tornar notícia. Destacam-se em geral os critérios de ineditismo, proximidade,
atualidade, e caráter de interesse público, entre outros. São formas pelas quais os
eventos sócio-culturais do cotidiano do mundo da vida são percebidos, captados,
interpretados e veiculados pelos meios de comunicação de massa, neste caso, pelos
telejornais.
Segundo Wolf, a noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que
se exigem dos acontecimentos para adquirirem a existência pública de notícia. Não
adquirindo o estatuto de notícia, o acontecimento é excluído do elenco de
informações midiáticas e permanece como "matéria-prima".
Para adquirir o nível de notícia, portanto, o fato necessita ter as qualidades
chamadas valores-notícia, cujo referente comum deve ser sempre a realidade.
Tomamos como primeiro exemplo a reportagem que relata sobre a poluição das
águas da praia de Bilene. Durante algumas semanas a água da praia de Bilene ficou
poluída, os peixes morreram, os turistas que insistiam em tomar banho sentiam
111
alergias na pele, e a atividade econômica foi interditada naquela que é considerada
uma das mais lindas praias da região sul de Moçambique.
Essa notícia foi transmitida no Jornal Nacional e no Jornal da Noite e,
naturalmente, mereceu tratamento diferente em cada um dos telejornais. Importa
desvendarmos agora as estratégias e procedimentos discursivos mobilizados por
cada telejornal para levar seu enunciatário a vivenciar o problema. Nosso objetivo é
descobrir o tipo de recursos lingüísticos e audiovisuais que foram adotados pelos
telejornais, além dos modos de dizer e de fazer crer que ambos os telejornais
investiram na reportagem para informar os telespectadores sobre o problema da
poluição da praia.
No Jornal Nacional o apresentador disse num tom calmo e descontraído:
“afinal a poluição da praia de Bilene foi obra da natureza”. Essa enunciação mostra-
se frágil, uma vez que é apresentada a natureza como a “autora” da poluição e não
um sujeito sensível e visível-o ser humano, por isso, pode criar um efeito de sentido
de desinteresse por parte do enunciatário.
O Jornal da Noite enfatiza o tom sensacional e explora o lado emotivo do
telespectador a partir dessa chamada, lida com uma velocidade acelerada: “o
governador de Gaza desmente que existia poluição na praia”. É um modo de dizer
que desperta a atenção do telespectador porque fica desejoso de saber mais sobre
o assunto e as possíveis razões que levaram a autoridade xima da província a
desmentir sobre a existência da poluição. É um recurso que cria expectativa, um
estado de suspense porque sugere um possível conflito entre os sujeitos
envolvidos com o desastre ambiental.
O regime discursivo, ou seja, os modos de dizer, de mostrar, de interpretar, a
questão sensível, no sentido da ordem do contato, do sensorial, do afetivo, de
captação por uma via de identificação entre outros aspectos, são fatores que podem
interferir no processo comunicacional e fazer com que um programa conquiste ou
não, audiência significativa. No caso do telejornal, que se ter presente a
concorrência com outros, além das diversas mídias de informação como o rádio e a
internet
43
, que são mais rápidas na publicação de notícias do que a própria televisão,
43
Os repórteres da internet também necessitam ir ao local do acontecimento, exceto nos casos em
que adquirem os materiais de terceiros como agências de notícias ou internautas particulares. Mesmo
assim, a Internet leva vantagens na velocidade de suas transmissões em relação à televisão pelo fato
de sua cobertura não precisar de tanto equipamento como a da televisão.
112
que para cobrir os acontecimentos precisa de tempo suficiente para deslocar suas
equipes de repórteres, de equipamentos e de outros tantos acessórios de que
necessita para a construção das notícias.
Depois da chamada, outro procedimento discursivo e narrativo usado por
ambos os telejornais é o ritmo. Para Becker (2005:83) “o ritmo do telejornal não
resulta apenas do tempo de produção e de veiculação de qualquer noticiário. A
edição e o formato das matérias também são determinantes, ambos marcados pela
brevidade”. Nesse sentido podemos verificar nesse trecho abaixo como o
apresentador Sérgio Marcos do Jornal Nacional leu a cabeça da notícia num ritmo
de leitura linear sem marcar ênfase em algum aspecto:
Jornal Nacional - LOCV - a poluição registrada dias na praia de
Bilene, em Gaza, resultou de um fenômeno natural. Entidades
governamentais explicaram hoje em conferência de imprensa, que
não houve ação humana ou química que provocasse a contaminação
das águas e garantiu que as condições naturais e normais estão
repostas na concorrida praia de Bilene.
A notícia segue o mesmo ritmo da chamada sem acrescentar outras novas
informações que poderiam enriquecer a percepção do quadro da poluição da praia.
o ritmo empreendido pelo apresentador Atanásio Marcos do Jornal da Noite é
mais rápido:
Jornal da Noite - LOCV - Boa noite! O governador de Gaza
desmente que existia poluição na praia do Bilene. Para provar
Djalma Lourenço foi àquela praia e deu um mergulho. A STV esteve
no local, acompanhou tudo e conta-nos de seguida o que viu:
As narrativas jornalísticas dos dois telejornais são muito marcadas por
enunciados do fazer que projetam pessoas, espaço e tempo, além de sugerir
determinados valores. Vistos como destinadores-enunciadores, os telejornais
adotam vários recursos de enunciação que possibilitam a criação de efeitos de
sentido e a interação entre os interlocutores do discurso.
4.6 Os agentes do discurso do Jornal Nacional e Jornal da Noite
O agente de qualquer discurso pode ser individual ou coletivo; figurativo
(antropomorfo ou zoomorfo) ou não-figurativo (o destino), ou seja, não figuras
humanas podem ser agentes, como também figuras não-humanas são investidas de
algum papel actancial e temático. Essa definição de agentes de discurso
113
apresentada pela semiótica discursiva nos ajuda a compreender e a visualizar como
o Jornal Nacional e o Jornal da Noite instauram os agentes de discurso nas notícias.
Os apresentadores têm a missão de anunciar os assuntos do dia,
estabelecendo conexões entre uma e outra notícia através de notas, chamadas e
outros comentários breves, além de orientar a entrada de repórteres nas matérias
e/ou agradecer a participação desses nas entradas ao vivo ou em passagens, sem
tecer comentários sobre o que está sendo falado no momento.
Como dissemos, no segundo capítulo, os apresentadores de ambos os
telejornais têm a função de ler o noticiário, sem tecer comentários próprios. Mas, às
vezes, o fazem brevemente quando, por exemplo, classificam um dado
acontecimento dizendo “... que bonito...!”.
O mito de imparcialidade prevalece ainda no telejornalismo moçambicano;
isso pode ser percebido no reforço do factual, das notícias que dizem respeito
apenas ao que aconteceu e, em geral, não se dá uma continuidade do assunto,
principalmente quando se trata de matérias de denúncias, de “assuntos quentes”
para que o público acompanhe o desfecho dos mesmos nos dias subseqüentes.
As narrativas jornalísticas, que constituem maneiras de organizar e explicar os
acontecimentos, são muito parecidas nos dois telejornais. A diferença reside na
escolha de focos e enquadramentos e na forma de cruzamento de fontes ouvidas.
Em geral, as matérias abrem com um assunto factual e depois é que se mostra o
personagem “envolvido” ou o entrevistado. Raramente as matérias iniciam com
histórias dos personagens como acontece no jornalismo brasileiro, por exemplo.
Na reportagem já mencionada podemos verificar como cada telejornal tratou o
assunto, que aspectos foram enfatizados e como os agentes de discurso foram
inseridos.
Jornal Nacional, edição de 12 de abril de 2006
Apresentador-LOCV - a poluição registrada há dias na praia de
Bilene, em Gaza, resultou de um fenômeno natural. Entidades
governamentais explicaram hoje em conferência de imprensa, que
não houve ação humana ou química que provocasse a contaminação
das águas e garantiu que as condições naturais e normais estão
repostas na concorrida praia de Bilene.
Off 1- em conferência de imprensa conjunta dada hoje pelos
Ministérios de Turismo, Pescas e da Coordenação ambiental e
Transportes e comunicações desdramatiza a poluição registrada
dias na praia do Bilene, província de Gaza. Os esclarecimentos
baseados no estudo realizado pela Universidade Eduardo Mondlane
114
indicam que as manchas negras detectadas na lagoa de Bilene não
resultam de derrames de hidrocarbonetos. A poluição verificada
dias não tem derivados de petróleo. Segundo explicações técnicas
trata-se de um fenômeno biológico e natural que ocorre sempre em
pequenas proporções. Desta vez tornou-se visível a olho nu devido à
sua intensidade. Entretanto, não informação sobre o perigo que
pode representar a banhistas. Sabe-se apenas que provoca no
homem irritação na pele e no ambiente torna as águas escuras.
Sonora (com Diretor das zonas costeiras) - o fenômeno registrado
no Bilene é natural e correspondeu ao chamado “hacker” que em
português corresponde à proliferação de micro-algas prejudiciais.
Off 2 - o estudo nacional com resultados aproximados às análises
laboratoriais feitas na África do Sul recomenda o levantamento da
interdição que havia sido feita às atividades econômicas na praia do
Bilene, incluído o banho. E as águas do Bilene será que estão
limpas?
Sonora (com Diretor das zonas costeiras) - o que nós podemos
dizer é que a situação está a melhorar. E para dizermos se as águas
estão limpas, primeiro devíamos ter medido a situação normal das
águas do Bilene antes de acontecer o “boom”. Isso nunca foi feito.
Nota coberta - devido à poluição morreram muitos peixes, mas não
informação sobre complicações de saúde humana, resultantes do
consumo de mariscos do Bilene. O fenômeno afetou a atividade
econômica porque muitos turistas passaram a evitar a praia.
Algumas reservas do estrangeiro para a semana da mulher e da
páscoa foram anuladas e isso não agradou aos operadores
turísticos. Com uma capacidade de hospedagem de cerca de 600
camas, a praia do Bilene tem recebido, por vezes, três mil turistas.
Jornal da Noite, edição do dia 15 de abril de 2006
Apresentador-LOCV - Boa noite! O governador de Gaza desmente
que existia poluição na praia do Bilene. Para provar Djalma Lourenço
foi àquela praia e deu um mergulho. A STV esteve no local,
acompanhou tudo e conta-nos de seguida o que viu:
Off 1 - Djalma Lourenço foi a Bilene como um turista qualquer com a
clara intenção de desmentir a existência de qualquer poluição nesta
praia.
Sonora (com o governador) - quando eu vejo esta água e entrei,
como vocês puderam ver, nessa água aqui eu não estou a ver nada
de poluição até que me provem por A + B que a água está poluída.
Eu continuo a manter o que sempre disse.
Off 2 - (repórter) - para Djalma Lourenço, a substância que se pode
ver nessas águas não são fruto de algas marinhas tal como as
análises da investigação pesqueira sugerem. São isso sim, produto
das chuvas aquando do vendaval que se abateu para a província no
mês passado. Por isso, diz não haver motivo para tanto alarido, pois
essas águas estão tão turvas como de outras de deferentes praias
do país.
Sonora (governador) - onde cresci, na Beira, quando nós
fossemos à praia, tomávamos banho, voltávamos para casa, depois
de muito tempo com a água da praia no corpo é normal sentir-se
115
algumas irritações. Mesmo sem exames (...) porque é efeito do
próprio sal.
Passagem - já o Ministro da Coordenação Ambiental contraria a
opinião do governador da província de Gaza e reconhece que a
substância pode criar algumas complicações menos graves aos
banhistas.
Sonora (Ministro do Ambiente) - cria alguma irritação à pele, mas é
apenas essa questão de alergias que podem aparecer.
Repórter - É perigoso nesse caso para a pele?
Sonora (Ministro do Ambiente) - segundo a análise que nós temos,
não é assim muito perigoso, mas para os peixes realmente naquela
asfixia imediatamente eles morrem.
Nota (repórter) - mesmo assim, o governador da província de
Gaza incentiva o turismo nacional e estrangeiro a regressar a esta
praia, uma das mais visitadas no sul do país.
Logo no início percebemos uma diferença na apresentação do fato, na
escolha de valores e no foco de abordagem. A notícia foi exibida pelos dois
telejornais em dias diferentes. Mais adiante analisaremos esse aspecto com mais
detalhes no item sobre enquadramentos, mas pressupomos que isso se deva a
fatores organizacionais e do grau de relevância que cada telejornal atribuiu ao tema.
Uma grande semelhança entre o Jornal da Nacional e o Jornal da Noite é o
fato de ambos terem como principais personagens visíveis em seus noticiários, os
membros do governo, embora o Jornal da Noite busque criar certo equilíbrio na
escolha de fontes entre oficias e não oficiais. A ênfase com que o Jornal da Noite
insere os governantes em suas notícias cria tensões que podem suscitar debate
público sobre o assunto em questão.
Nessa reportagem pode ser notado como os dois telejornais noticiaram a
existência da poluição da praia de Bilene. O Jornal Nacional expôs uma única
versão baseada em fontes governamentais que confirmaram o problema e
apontaram a natureza como causadora desse desastre. O Jornal da Noite, por outro
lado, direcionou seu foco nas causas da poluição e nas possíveis conseqüências na
saúde das pessoas.
Para constituição da notícia, o Jornal Nacional privilegiou apenas fontes e
autoridades de escala nacional, ao nível dos Ministérios, enquanto o Jornal da Noite,
além de recorrer às mesmas fontes governamentais de escala nacional, ouviu
também a autoridade local, o governador da província, cuja versão contradiz a que
foi sustentada pela instância superior a dele.
116
Ao não cruzar opiniões divergentes, o Jornal Nacional, optou por um viés
tranqüilizador, de que a situação estava sob controle das autoridades
responsáveis. a estratégia do Jornal da Noite, de mostrar contradições nas duas
versões apresentadas pelas fontes de nível nacional e local, pode levar o
telespectador a se questionar e a buscar por informações que complementem a sua
percepção sobre o assunto.
Ainda em relação a fontes ouvidas nas reportagens que compõem o corpus
da pesquisa, encontramos uma semelhança nos dois telejornais, pois apresentam
um número elevado de fontes oficiais e com maior incidência no Jornal Nacional.
Este apresenta 58% de fontes oficiais que incluem governo, especialistas e poder
público, enquanto para o mesmo tipo de fonte o Jornal da Noite tem 50%. Portanto,
a diferença entre ambos no uso de fontes oficiais, sobretudo governamentais é de
apenas 8%.
Esses números revelam a tendência do jornalismo moçambicano em
privilegiar as fontes oficiais e, pelo conhecimento que temos do contexto da mídia
moçambicana, podemos afirmar com suficiente segurança que se criou no país uma
cultura da dependência dos jornalistas às fontes governamentais.
Em todo conteúdo telejornalístico encontramos as marcas figurativas e
discursivas dos sujeitos que agem ou atuam no telejornal. São essas marcas que
Braga (apud Fausto Neto,1997:107) designa “lugar de fala”, que decorre da
construção de uma determinada “lógica” no trato de uma situação concreta. Na visão
de Braga esse lugar de fala não é inteiramente pré-existente à fala: ele se constrói
na trama entre a situação concreta com que a fala se relaciona, a intertextualidade
disponível, e a própria fala como dinâmica selecionadora e atualizadora de ângulos
disponíveis e construtora da situação interpretada.
Ao transpormos essa concepção para os telejornais moçambicanos,
percebemos que ambos ocupam um lugar de fala de destaque na sociedade
moçambicana como conhecedores das dinâmicas do funcionamento dos milhares de
setores existentes no país e como construtores e fontes de produção e difusão de
conteúdos diversos para o telespectador. Isso está presente em seus textos como
mostra essa chamada do Jornal da Noite:
Apresentador - LOCV - Boa noite! O governador de Gaza desmente
que existia poluição na praia do Bilene. Para provar, Djalma
Lourenço foi àquela praia e deu um mergulho. A STV esteve no local,
acompanhou tudo e conta-nos de seguida o que viu.
117
Nesse trecho, o ator que aparece tem nome próprio (Djalma Lourenço), ocupa
um determinado cargo (governador) que lhe autoridade e, por isso, tudo o que
profere e faz em público tem seu peso de responsabilidade.
Em ambos os telejornais é apresentada a figura do governante como um
sujeito dotado de competências de dever-fazer e de poder-fazer. E ainda
consideramos que os dois telejornais também se constituem como sujeitos com
competência do saber-fazer. Tanto o Jornal Nacional quanto o Jornal da Noite
apresentam essa competência modal que se realiza com base em seus
conhecimentos técnico-profissionais e científicos, por isso, o telespectador pode
validar e acreditar nesses valores.
Outra competência inerente à posição de enunciador é a de poder-fazer, que,
em princípio, ambos os telejornais apresentam em suas transmissões. Nesse
aspecto, tanto o Jornal Nacional quanto o Jornal da Noite exercem seu poder-fazer
ao mobilizarem suas equipes aos locais dos acontecimentos com intuito de mostrar
o problema in loco e com isso satisfazer a ansiedade de informação do enunciatário.
Ao longo da notícia, o Jornal Nacional revela uma debilidade em seus
procedimentos narrativos e discursivos, pois muitos fragmentos são lidos em off, o
que mostra esse telejornal como um enunciador que não faz parte do enunciado,
portanto, prefere ficar oculto. Em grande parte da enunciação o Jornal Nacional
delega voz a outros sujeitos, todos eles representantes do governo, como vimos:
“... entidades governamentais: Ministérios de Turismo, Pescas e da Coordenação
Ambiental e Transportes e Comunicações...”.
Essa delegação de voz a outro sujeito pode ser vista durante o telejornal do
dia 09 de abril de 2006 cuja notícia denuncia a alienação de casas do Estado
moçambicano a filhos de duas ministras. Trata-se de um novo espaço criado pela
TVM, designado Com a Imprensa que foi ao ar, pela primeira vez, nesse domingo
dentro do Jornal Nacional.
Apresentadora - LOCV - conforme prometemos vamos a seguir
apresentar alguns assuntos reportados pelos principais semanários
que se publicam no país. O destaque vai para a alienação de casas
do Estado a filhos de membros do governo. A denúncia é feita pela
senhora Graça Machel sobre o tráfico de influências na Frelimo,
entre outras matérias.
Off1- casas do Estado alienadas a filhos de Ministros - a capa do
jornal Savana. O jornal refere que um filho da atual ministra dos
118
negócios estrangeiros teria ficado com a antiga casa da embaixada
da Holanda, e, uma outra, que pertencia a USAID teria sido
apoderada por um dos filhos da primeira ministra Luisa Diogo.O
semanário questiona, na sua reportagem, o critério que está a ser
aplicado pelo Estado para cedência de casas geridas pela APIE. Na
cidade de Maputo, essas casas são em número de cento e vinte.
Uma outra notícia em destaque no Savana vem na página cinco
Graça Machel denuncia a compra de votos por membros da Frelimo
para ocuparem um cargo no Comitê Central-o principal órgão de
decisão do Partido no poder em Moçambique. Segundo Graça
Machel, a compra de votos para ascender àqueles cargos ocorre
freqüentemente nas conferências distritais, provinciais, resigistrando-
se algumas vezes, em Congressos do Partido. O semanário
Domingo destaca a mensagem deixada pelo Presidente de
República, Armando Guebuza nas quatro províncias que visitou no
âmbito da Presidência Aberta. Segundo o chefe do Estado, na luta
contra a pobreza não basta lenha e a panela. Segundo Guebuza
ninguém pode ficar à espera da sorte apelando o povo a trabalhar e
a produzir a sua própria riqueza. O Zambeze, na rua todas as
quintas-feiras fala sobre a fraude no ex-BCM, de 150 milhões de
dólares entre 1992 e 1996 e diz que a Procuradoria Geral da
República ouve Vicente Ramaia. O MEIANOITE, na sua edição desta
semana dedica o maior espaço o aniversário da criação da
Associação Médica de Moçambique. Sobre o assunto, o jornal fala
do salário do médico moçambicano e a disputa com o Ministério da
Saúde para a solução do problema.
Apresentadora-LOCV - esses alguns dos assuntos que serão
abordados no espaço Com a Imprensa que a partir de hoje passará a
ir ao ar todos os domingos no Jornal Nacional. Como convidado
temos o Jornalista Augusto Carvalho.
Apresentadora-LOCV - Boa Noite Augusto Carvalho! Acha que
alguma irregularidade em relação à alienação de casas do Estado a
filhos de governantes moçambicanos ou por outras palavras, porque
é que o Conselho de Ministros iria receber as casas e não o Estado a
distribuí-las a pessoas singulares?
Sonora (entrevistado) - Boa noite Hermínia e boa noite senhores
telespectadores. Em primeiro lugar, dizer que o fato de ser filho de
ministro, filho de ministra que é o caso que está aqui, não confere
nenhum direito nem nenhum desfavor a quem é filho. Ser filho de
ministra não é nenhuma característica relevante da personalidade,
por conseguinte, somos todos iguais perante a lei. O caso que me
está a colocar aqui, eu li no jornal Savana e da leitura que eu fiz
resulta que duas casas foram atribuídas, e o jornal Savana traz
essas indicações bastante que essas casas foram atribuídas a dois
filhos de duas ministras: a primeira ministra e a ministra dos negócios
estrangeiros. Essas casas foram atribuídas a dois filhos maiores, por
conseguinte, eles não podem ser prejudicados pelo fato de serem
filhos de ministras, mas por outro lado, também não podem ser
favorecidos pelo fato de serem filhos de ministras. O Jornal não nos
suficientes indicações para sabermos se este processo foi ou não
regular segundo normas legais. Os fatos que nos apontam o jornal
são apenas em relação às casas que lhes foram atribuídas seguindo
o processo do APIE. Parece-me, no entanto, que esses casos
deviam ser esclarecidos devidamente porque para ser honesto é
119
preciso parecê-lo também e pode muito bem acontecer que nesses
casos tenha havido tráfico de influências, tenha havido nepotismo,
tenha havido abuso de poder, etc. Eu acho que isso deve ser tornado
público, eu acho que o governo tem obrigação de esclarecer esses
fatos. Pode também não ter havido nada porque as duas
personalidades em causa são maiores e, por conseguinte, têm todo o
direito e como qualquer cidadão maior eles não podem ser
prejudicados pelo fato de serem filhos de ministras. Por outro lado,
que ver que o governo nesses casos tem obrigação estrita de
quando dúvidas e dúvidas sérias, e neste caso, que se podem
colocar e dar satisfação ao povo porque o governo, no fundo, é o
empregado do povo. Foi o povo que o elegeu. É para servir, para
fazer a vontade desse mesmo povo que está materializada, por
exemplo, em grandes linhas, na constituição, que é uma constituição
que diz que o nosso Estado é de direito democrático e de justiça
social. Por conseguinte, eu não conheço bem os contornos do caso,
portanto, tenho que me limitar um pouco à teoria geral já que o jornal
que publica dá-me o fato enquanto fato, mas, depois não me as
circunstâncias.
Apresentadora - LOCV - Augusto Carvalho! Vamos comentar
também o caso da senhora Graça Machel que denuncia tráfico de
influências na Felimo. Onde é que está o interesse para a compra de
votos para o Comitê Central?
Sonora (entrevistado) - olha Hermínia eu não sei se devo comentar
a notícia ou se devo comentar o fato. Eu penso que devo comentar a
notícia. Ora, para eu comentar o fato, eu tinha que acreditar, ti
que fazer um ato de fé na notícia. A mim custa-me muito fazer ato de
e acho que jornalisticamente e cientificamente a gente não deve
fazer ato de fé, isso é próprio das religiões. Esse tema foi publicado
pelo jornal que se edita em Nampula, o Wamphula Fax, segundo
disse também o Savana e disse que a doutora graça machel afirmou
isso mesmo-diz o jornal. Partamos do princípio que disse, mas
também podemos partir do princípio que não é bem assim porque
nós sabemos que às vezes umas certas deturpações, eu não
estou a dizer que haja deturpações ou que não haja, quero
apenas dizer que não posso fazer um ato de cega naquilo que diz
o jornal. Por outro lado, parece-me um pouco desagradável que isto
aconteça, mas também me parece que a doutora Graça Machel com
a personalidade da senhora, o ela tem com os diversos cargos que
ela tem tido, membro sênior da Frelimo, membro do Conselho de
Estado que não devia limitar-se a fazer o papel dos jornalistas que às
vezes dizem tráfico disto tráfico daquilo, etc. Parece-me que
devia dizer os nomes.Eu acho que a um dirigente não se pede que
venha dizer no meu ministério ou aqui e acolá gente que faz isto
etc, etc. A mim parece-me que devem dizer aquilo que se passa ou
então acionarem os mecanismos dentro do partido para resolverem
esses problemas porque eu não sei se isso existe ou não existe, a
não ser que eu também faça um ato de cega na senhora Graça
Machel e eu isso também não faço!
Apresentadora - LOCV - ainda tempo para mais um comentário
para uma notícia também reportada no jornal Savana, de um
jornalista que foi acusado de extorsão, que esteve na cadeia civil,
passou pela BO e agora está na cadeia da Machava. Por que é que
o acusado não pode aguardar julgamento em liberdade condicional?
120
Sonora (entrevistado) - isso não se trata propriamente de uma
notícia, trata-se de uma lucral que o Savana na sua coluna...uma
coisa que se coloca na última hora para fechar o jornal; quer dizer, as
coisas são muito inexatas. Mas aquilo que me pareceu perceber é
que é um jornalista que foi preso porque foi encontrado a subornar
alguém para publicar notícias. O jornal diz a coisa assim por meias
palavras. O que me parece é que este jornalista, ou seja, quem for,
tem direito a um processo, e, pelos visto, segundo diz aqui, mas
numa linguagem um pouco leve, diz aqui que este jornalista está na
cadeia, tem passado de cadeia para cadeia. Ora, o jornalista tem
direito a um processo; a sua prisão devia ter sido convalidada pelo
juiz, não sei se foi convalidada ou não foi convalidada, por outro lado,
não me parece a mim que neste caso haja razão para continuar a
mantê-lo em prisão, se se trata desse fato, portanto, estou apenas na
teoria, porque para se manter em prisão são necessárias
fundamentalmente três coisas: que ele contribua para que a paz
jurídica, o ambiente social se perturbe, que ele possa voltar a
cometer o mesmo fato, e, nada disso me parece que seja normal.
Portanto, ele goza de presunção de inocência, ele como pessoa tem
direito à liberdade e a liberdade lhe pode ser tirada depois de
elisão de todos esses problemas. Mas o jornal também não pe
suficientemente claro para eu poder ir mais além.
Apresentadora - LOCV - muito obrigado Augusto Carvalho. Foram
os comentários do jornalista e também jurista, sobre assuntos que
foram noticiados ou reportados em semanários do nosso país.
Foi mais um Com a Imprensa, ou melhor, o primeiro!
Com esse tipo de estratégia pressupomos que o Jornal Nacional pretende se
isentar de possíveis problemas de censura por parte de quem controla a emissora,
neste caso, o governo. Essa característica tem sido constante nas estratégias do
Jornal Nacional ao buscar fundamentar suas informações com base nos saberes dos
entrevistados, que por sinal são predominantemente membros do governo instituído.
Na reportagem sobre a poluição, em ambos os telejornais uma
figurativização da ordem dominante que é colocada no centro dos eventos-notícia.
Através de seu estilo oficialista e com inúmeras reiterações, nessa reportagem sobre
a poluição da praia de Bilene o Jornal Nacional limita-se a descrever o
acontecimento e reforça a figura do governo enquanto autoridade possuidora de
competências: do querer, do saber, do fazer e do poder. Esse procedimento
estabelece, ao mesmo tempo, aquilo que Landowski (1992) designa de “oposição
binária-governante/ governado. O primeiro como sujeito competente e o segundo
como sujeito julgador”.
Um aspecto comum nos dois telejornais é o fato de apresentar o governo
como autoridade política instituída no país, que é reconhecida como legítima e o
121
povo como simples telespectador que assiste o desenrolar dos acontecimentos.
Sabemos que essa forma de conceber o telespectador como passivo não
corresponde à experiência prática do cotidiano, pois em relação a esse assunto a
pesquisa de Silva (1985:60) refere que existem condições favoráveis à construção
de consciência crítica pelo telespectador face à mídia e, sobretudo ao telejornalismo.
Para isso, o autor aponta o grau de interferência de outras fontes, além da televisão
na formação da representação da realidade, como uma das variáveis fundamentais.
“Quem pode confrontar os valores e estereótipos da TV com os de outras
instituições sociais ou pessoas tem mais oportunidade de duvidar, criticar e rejeitar o
que vê no televisor”.
Além dessa variável, Silva (idem) enumera também o grau de conhecimento
que a pessoa tem a respeito de cada assunto retratado na tela e o conhecimento do
meio de comunicação e de acesso a ele como outros fatores importantes para a
construção da consciência crítica pelo indivíduo.
Com base na leitura da pesquisa de Silva (idem) percebemos que o cenário, o
ambiente e a realidade vivida pelos membros de duas comunidades do interior de
São Paulo e de Natal em que o autor desenvolveu o estudo de audiência do Jornal
Nacional (Globo), são parecidos com a das comunidades e vilas moçambicanas
onde a população assiste à televisão e não tem acesso freqüente a outros tipos de
meios de comunicação de massa por lá não existirem.
Essa experiência mostrou na prática que apesar de não terem acesso aos
meios de comunicação de massa com freqüência, aqueles trabalhadores
desenvolviam senso crítico em relação à televisão e seus programas, o que nos leva
a afirmar também que não se pode ignorar ou subestimar a capacidade crítica do
telespectador moçambicano. Apesar de grande parte não possuir conhecimentos
acadêmicos sobre as dinâmicas da televisão e do telejornalismo em particular,
desenvolvem consciência crítica nas relações sociais e mais ainda, no contexto
comunitário em que a maioria assiste à televisão por não possuir televisor em casa.
Nesse ambiente são inevitáveis os comentários e discussões em torno das
informações veiculadas na mídia.
Com suas estratégias repetitivas, o Jornal Nacional, apesar de pertencer a
uma emissora pública, acaba por se distanciar do enunciatário. Muitas vezes esse
poder político fala a partir de seus escritórios, dos seus postos de serviço e não de
122
lugares onde a população está presente fisicamente e vive sua dificuldade de
natureza variada.
A forma do Jornal da Noite tratar as notícias é carregada de certa carga de
sensacionalismo. Na reportagem sobre a poluição pode-se ver como esse telejornal
procurou mostrar o governador mergulhando na água que se suspeitava estar
poluída. Esse procedimento pode criar dúvidas no telespectador em relação ao
problema e aos riscos decorrentes do contato com a água poluída, uma vez que
ainda não se tinha certeza da ausência de poluição por algum produto químico.
Outro sujeito instaurado na enunciação do Jornal é a universidade pública,
Universidade Eduardo Mondlane (UEM), como sujeito que possui a competência do
saber fazer, pois realiza estudos laboratoriais. Na enunciação, esse sujeito também
reforça os resultados da ausência de produtos químicos na água da praia de Bilene
e confirma a versão do governo de que a poluição foi provocada por causas
naturais.
de outro lado, o Jornal da Noite aproveita fatos contraditórios do próprio
governo para apresentar a existência de possíveis problemas nas versões
apresentadas pelas diversas fontes consultadas: “Djalma Lourenço foi a Bilene como
um turista qualquer com a clara intenção de desmentir a existência de qualquer
poluição nesta praia”. Nesse trecho, o enunciador do Jornal da Noite quis elucidar a
tentativa do governador desmentir a existência de poluição em defesa dos
interesses da província que dirige porque o problema estava trazendo
conseqüências negativas para a economia da sua província pela interdição da praia
naqueles dias.
Através de uma intercalação de falas, o Jornal da Noite segue uma seqüência
rítmica: apresentador ao vivo no estúdio/ off / sonora (entrevista com o governador
na praia) outro off/ sonora/ passagem/ sonora (entrevista com o ministro do ambiente
em outro local) off. Essa seqüência possibilita um entrecruzamento de informações
dadas pelas diversas vozes envolvidas no acontecimento.
Outro aspecto que merece ser focalizado nessa análise é a relação entre o
sujeito e o objeto de valor que se apresentam em cada telejornal. São as mudanças
de estados que mostram como os sujeitos estão colocados em relação ao objeto de
valor.
No Jornal da Noite, a colocação e a retirada de agentes de discurso se
intercala na reportagem que mostra as contradições na fala de ambas as
123
autoridades de escalões diferentes, mas que fazem parte do mesmo elenco
governamental.
De um lado, o Jornal da Noite explicita qual era a intenção do governador ao
mergulhar na água: “Djalma Lourenço foi a Bilene como um turista qualquer com a
clara intenção de desmentir a existência de qualquer poluição nesta praia”. De outro,
o Jornal da Noite mostra o seu posicionamento face ao problema da poluição
através de suas marcas textuais que projetam ao telespectador a imagem de um
enunciador que tem opinião formada em relação ao tema.
A organização textual e discursiva do Jornal da Noite deixa transparecer
também o fato da emissora não querer se comprometer com as possíveis
conseqüências da emissão de opinião própria, por isso, delega essa
responsabilidade à fonte, o governador, que mergulha na praia e defende seu
parecer: “... nessa água aqui eu não estou a ver nada de poluição até que me
provem por A+B que a água está poluída. Eu continuo a manter o que sempre
disse”.
Em outro momento da enunciação, o Jornal da Noite, em off, mostra as
divergências entre o discurso do Ministro do Ambiente que contradiz o do
governador: “... já o Ministro da Coordenação Ambiental contraria a opinião do
governador da província de Gaza e reconhece que a substância pode criar algumas
complicações menos graves aos banhistas”. E segue a fala do ministro: “cria alguma
irritação à pele, mas é apenas essa questão de alergias que podem aparecer”.
Depois desse depoimento, o repórter faz outra pergunta ao ministro: “É perigoso
nesse caso para a pele?” E respondeu: “segundo a análise que nós temos, não é
assim muito perigoso, mas para os peixes realmente naquela asfixia imediatamente
eles morrem”.
Para finalizar, o repórter apresenta em forma de crítica o que podemos
chamar de sanção, que pesa sobre a atitude do governador: “... mesmo assim, o
governador da província de Gaza incentiva o turismo nacional e estrangeiro a
regressar a esta praia, uma das mais visitadas no sul do país”. Vemos aqui, mais
uma vez, a marca do enunciador do Jornal da Noite, que emite sua opinião sobre o
assunto em foco.
No Jornal da Noite, além desses agentes do discurso mencionados,
encontramos outros como: o repórter que aparece (na passagem) e testemunha os
fatos em nome da emissora como se destaca na cabeça da notícia. “A STV esteve
124
no local, acompanhou tudo e conta-nos de seguida o que viu”. É claro que uma
de instalação do agente (STV-repórter); do espaço (praia); do tempo passado (viu) e
presente (conta-nos). Nesse “conta-nos de seguida o que viu”, se instala um outro
agente do discurso, o repórter, que presentifica o acontecimento no aqui e agora
para o enunciatário que está assistindo ao telejornal no momento da enunciação.
O Jornal Nacional também foi à praia de Bilene e reportou o problema, mas
em suas organizações textuais essa presença fica subentendida, implícita, através
das imagens apresentadas que mostram a água poluída e as casas dos turistas
vazias.
As instalações de pessoa, espaço e tempo em abundância no telejornal criam
um efeito de sentido de realidade, pois, quanto mais dados do mundo (neste caso da
poluição da praia de Bilene), vistos como “reais”, forem trazidos para o telejornal,
mais este formato televisual se parece com a realidade. Sobre esse procedimento
característico do telejornal, Fiorin (1996:46) argumenta que “serve, em geral, para
criar um efeito de sentido de realidade, pois parece que a própria personagem é
quem toma a palavra e, assim, o que ouvimos é exatamente o que ele disse”.
Ana Cláudia Oliveira
44
analisa o desempenho discursivo do telejornal. Para a
autora distingue-se um telejornal cujo enunciador assume que ele faz a notícia
daquele outro cujo enunciador, por sua vez, a notícia; tem-se, no primeiro caso,
um telejornalismo que traz para o interior do texto o “mundo” em que ele é um dos
atores entre os demais, enquanto, no segundo caso, o telejornal é um observador
dos outros atores.
Em todas as reportagens, tanto do Jornal Nacional quanto do Jornal da Noite,
verificam-se reiterações que buscam confirmar a competência do enunciador, que se
apresenta como uma instância que tem o poder de cobrar responsabilidade dos
governantes. Mais do que isso, com seus procedimentos de “manipulação”, o
enunciador passa confiança para seu enunciatário. Isso comprova a tese de que
o sujeito da enunciação “produz” um discurso que manifesta efeito de
sentido verdade”. Faz-se presente aqui a manipulação do
enunciatário pelo enunciador: sendo a verdade um efeito de sentido
(um parecer verdadeiro), sua produção advém de uma ação de “fazer
parecer verdadeiro”, isto é, do emprego pelo enunciador de recursos
que levem a verossimilhança do discurso a ser aceita pelo
enunciatário como verdadeira, a partir do acordo tácito, “em
44
In Revista Nexos. ANO II, N° 3. Pg. 157.Ed. Univers idade Anhembi Morumbi.
125
confiança”, que se instaura entre eles no discurso. (LOPES &
HERNANDES, 2005:126).
Mas, como já dissemos anteriormente, o telespectador não é um sujeito
passivo, por isso, nem sempre acredita em tudo sem questionar os fatos, as versões
e as temáticas envolvidas nas notícias.
Percebemos, nessa reportagem da poluição da praia, que o Jornal da Noite
investe na linguagem argumentativa para fazer crer seu enunciatário. A maneira de
apresentar a notícia tende a criar efeitos de sentido de verdade que é reforçada pelo
duplo testemunho da parte do destinador quando recorre a essa escolha textual, por
exemplo: “a STV esteve no local, acompanhou tudo e conta-nos de seguida o que
viu”, e por parte do agente (governador) que mergulha na água e afirma que não
acredita na existência de poluição.
Esse testemunho do enunciador é uma tentativa de projetar credibilidade, que
se pretende estabelecer com o enunciatário. Esse enunciador mostra que tem
competência cognitiva e profissional e seu objetivo primordial é fazer crer e, para
isso, empreende todo tipo de investimentos argumentativos; vai até ao local do
acontecimento e faz saber do problema o seu enunciatário desde lá. Não se trata
apenas de mostrar o que é dito pelas autoridades desde seus escritórios e que é
tomado como verdade única.
Algumas vezes, o Jornal Nacional também usa esse tipo de escolhas textuais
e, às vezes, chega a ser enfático quando pretende mostrar a postura de algum
membro do governo como aconteceu nesta notícia, em forma de entrevista, que
relata sobre as mudanças no Ministério das Obras Públicas:
Apresentadora-LOCV- o Ministro das Obras Públicas está
insatisfeito com o desempenho de certos quadros do seu setor. O
Ministro Felício Zacarias anunciou que está para breve mais uma
vaga de mudanças de quadros ao nível do Ministério das Obras
Públicas e Habitação.
Off 1- repórter (nota coberta) - um ano depois da tomada de posse
do novo governo, alguns setores do Ministério da Obras Públicas e
Habitação não estão a corresponder á nova dinâmica de governação
e de gestão de bens públicos. O fato faz sentir-se também em
algumas províncias. O Ministro Felício Zacarias, insatisfeito, lança
aviso aos técnicos de várias áreas do Ministério das Obras Públicas
e habitação para mudança de atitude.
Repórter- mudança. Está na segunda ainda, Ministro das Obras
Públicas?
Ministro- eu estou a curtir a segunda ainda.
126
Repórter-terceira, quarta...
Ministro-há-de vir.
Repórter-está satisfeito com o desempenho de seus quadros, seus
técnicos?
Ministro-se mudanças para vir é porque ainda não estou
satisfeito.
Off 2- repórter (nota coberta) - sobre a nova vaga de mudanças em
perspectiva, o Ministro das Obras Públicas e habitação, Felício
Zacarias recusou-se a entrar em pormenores.
Repórter-daqui a quanto tempo?
Ministro-Ah! Isso não posso estar-te a dizer. Estou-te a dar as cartas
na mão já.
Off 3- repórter-(nota coberta) - depois da tomada de posse, o
Ministro das Obras Públicas e habitação operou mudanças na gestão
ao nível da administração de estradas, do fundo de fomento
habitacional e em alguns serviços da APIE (Administração Pública do
Imobiliário do Estado).
Esse exemplo mostra, por um lado a atitude do Ministro que não está disposto
a divulgar o tipo de mudanças que ainda vai proceder no ministério que dirige. Por
outro, mostra também o esforço do Jornal Nacional em dar a conhecer ao
telespectador um assunto que é de uma área fundamental para a sociedade
moçambicana, mas ao mesmo tempo, não consegue obter do Ministro informações
necessárias ao esclarecimento da população.
Percebemos uma fraca participação de ambos os telejornais na prestação de
serviço público ao telespectador, principalmente a partir da reportagem sobre a
poluição da praia. Nem um nem outro telejornal ofereceu informações detalhadas
sobre os riscos de doenças para quem fosse banhar-se na referida praia e tão pouco
explicou sobre procedimentos médicos a quem tivesse tido acesso àquela praia
nos dias anteriores. Essa fraca prestação de serviço público, pelo menos nessa
reportagem, revela-se pela ausência de fontes da área da saúde que pudessem dar
explicações ao público, sobre o assunto que se tornara preocupação de todos os
usuários daquela praia.
Lembramos que as entrevistas apresentadas pelo Jornal Nacional foram
concedidas por autoridades das áreas do meio ambiente e de pesquisa científica da
universidade pública, realizada dentro de escritórios da capital do país, o que cria
certo distanciamento entre o enunciador e o enunciatário.
127
Nesse sentido, o Jornal Nacional ocupa um lugar de observador-narrador que
coloca na “arena” outros atores, preferencialmente os governantes. As autoridades
aparecem no centro dos noticiários da emissora pública de televisão sustentando a
mesma posição.
Quanto à temporalidade, os procedimentos utilizados por cada telejornal são
diferentes, embora em alguns aspectos haja semelhanças. O texto do telejornal
constrói constantemente simulacros de realidade e cria no telespectador a sensação
de que aqueles acontecimentos estão decorrendo no momento em que ele assiste
ao jornal. Dessa forma o telejornal busca eliminar o hiato entre os tempos passado
ou futuro do próprio evento.
Em se tratando de telejornal, no Jornal Nacional essa temporalidade não é
bem explorada. Nessa reportagem encontramos uma insistência no tempo passado
como podemos verificar nessas expressões: “... a poluição registrada dias
resultou...”, “... explicaram que não houve ação humana...”; “... garantiu...”; “... muitos
turistas passaram a evitar a praia”; “algumas reservas (...) foram anuladas e isso não
agradou aos operadores turísticos”.
Essa forma de tratamento de notícia parece se identificar mais com o estilo de
jornal impresso do que do telejornal, pois aquele, normalmente chega às mãos dos
leitores com considerável atraso por fatores de distribuição pelos pontos de venda.
No Jornal da Noite, a temporalidade é usada através de uma mistura de
tempos, passado-presente e, em certas frases, o futuro também, como identificamos
em alguns trechos da reportagem: “... o governador de Gaza desmente que existia
poluição...”; “... foi àquela praia e deu um mergulho...”; “...a STV esteve no local,
acompanhou tudo e conta-nos de seguida o que viu”; “Djalma Lourenço foi a
Bilene...”; “...por isso, diz não haver motivo para tanto alarido, pois essas águas
estão tão turvas como de outras diferentes praias...”; “...reconhece que a substância
pode criar algumas irritações...”; “... o governador da província de Gaza incentiva o
turismo...”.
Percebemos, em ambos os casos, que há uma preocupação em unir os dois
tempos, o do evento, que é o tempo do enunciado e o da enunciação, que as
reportagens são gravadas e editadas anteriormente.
4.7 Enquadramentos e escolhas de foco nas notícias
128
O conceito de enquadramento é relevante para a identificação dos focos
temáticos e dos modos da construção discursiva do Jornal Nacional e do Jornal da
Noite, auxiliando na compreensão da abordagem que os telejornais imprimem às
notícias e permitindo detectar as concepções que fundamentam o noticiário no seu
todo.
Esse aspecto não pode ser discutido sem levarmos em consideração que
ambos os telejornais, além de constituírem instâncias construtoras de sentidos,
também oferecem esses sentidos a partir de modelos de interpretação, próprios de
um contrato midiático e de uma estrutura organizacional de que fazem parte.
No telejornalismo, o enquadramento é entendido como um tipo de
representação midiática que é eleito a partir de escolhas verbais e não verbais que
direcionam o telespectador a uma determinada compreensão e interpretação dos
eventos noticiados.
Ao escolhermos analisar esse aspecto essencial em qualquer mídia,
sobretudo televisiva, partimos do princípio de que auxilia a compreensão da
narrativa jornalística e das estratégias discursivas de cada telejornal em estudo.
Lembramos que esta pesquisa não inclui estudos de audiência e recepção, apenas
se propõe analisar e compreender os procedimentos discursivos mobilizados pelas
duas emissoras para estabelecer o contrato midiático com seus telespectadores.
O enquadramento de uma notícia é o foco, o dimensionamento, seja pela
ampliação ou pela redução da sua importância. Na apresentação de uma notícia, por
exemplo, as entrelinhas podem estar na angulação da câmera no momento em que
o repórter cinematográfico captura a imagem do entrevistado; na escolha do local de
entrevista ou mesmo nas escolhas pelo jornalista do vocabulário, da entonação da
voz, nas expressões faciais e gestuais, entre outros aspectos que ele considerar
relevante enfatizar naquele momento, que lhe permitam elucidar o acontecimento
para o telespectador.
Em televisão, sobretudo tratando-se de telejornal, essas nuances
enunciativas são essenciais para a produção de efeitos de sentido. Nessa linha de
pensamento, os profissionais e a emissora direcionam o telespectador para
determinadas linhas de percepção do acontecimento. A escolha de um tipo de
enquadramento e o de outro, prenuncia e justifica o modo pelo qual os
profissionais ou a emissora pretendem representar um determinado fato ao seu
público.
129
Com base no método de observação e de comparação dos telejornais que
constituem o corpus desta pesquisa constatamos que diferenças na escolha do
tipo de enquadramento no Jornal Nacional e no Jornal da Noite. Para análise foram
escolhidas algumas reportagens diferentes e outras coincidentes em ambos os
telejornais, por exemplo, as que se referem à poluição das águas da praia de Bilene
e ao informe do Procurador Geral da República. Com isso, nosso propósito é
conhecer as semelhanças e diferenças nas escolhas das estratégias de construção
das notícias pelos telejornais e suas respectivas emissoras.
No Jornal Nacional, a notícia sobre a poluição das águas da praia de Bilene
teve um enquadramento oficialista, puramente factual, sem muitas discussões nem
debates entre o governo e a comunidade. As fontes citadas na reportagem são
apenas entidades governamentais (Ministérios de Pescas, Turismo e do Meio
Ambiente) e os Pesquisadores da Universidade Eduardo Mondlane (pública), que
deram entrevista em conferência de imprensa. Todas elas situam-se na capital do
país e nenhuma autoridade provincial e local foi ouvida.
A reportagem relata apenas procedimentos cnicos que foram realizados em
laboratórios de análise da água que não constataram graves perigos para a saúde
humana. Outro foco destacado na notícia foi o econômico e o turístico, apontando a
insatisfação dos operadores turísticos pelos prejuízos causados pela catástrofe
natural, por ter ocorrido nas proximidades das festas da páscoa e da mulher
moçambicana.
Em toda reportagem, o enquadramento escolhido foi o de consenso, portanto
sem mostrar possíveis conflitos entre os intervenientes do discurso, as entidades
citadas.
Fazer um enquadramento é selecionar alguns aspectos no vasto escopo da
realidade que se pretende representar, e destacá-los, enfatizá-los para que sejam de
acordo com o tipo de efeitos de sentido que se pretende criar no telespectador.
Parece que o Jornal Nacional tinha a intenção de mostrar que o problema de
poluição era apenas causado por fatores naturais e não por interferência humana
como se cogitava. Com essa versão, nenhuma autoridade corria o risco de ser
questionada sobre suas responsabilidades perante o problema.
Em seus noticiários, a TVM tem optado por enquadramentos favoráveis ao
governo e seu partido em quaisquer situações seja em épocas de campanhas
políticas ou o. Dessa forma, o enquadramento pode ter em vista a promoção de
130
alguma figura política, de algum cargo governamental ou mesmo de alguma
interpretação sobre o fato relatado.
O Jornal da Noite noticiou o mesmo fato alguns dias depois do Jornal
Nacional. Pressupomos que isso revela uma escolha. Talvez a equipe precisasse
de mais tempo para reunir os detalhes sobre o enquadramento a ser dado, uma vez
que, esse problema envolvia não autoridades de nível de competência nacional,
como também os de competência provincial - o governador, o administrador, além
da própria população diretamente afetada pelo problema.
Merece ser mencionado o fato do Jornal da Noite ter escolhido um
enquadramento espetaculoso, pelo fato de ter mostrado o governador mergulhando
na praia de Bilene. Equiparamos esse fato a um espetáculo por esse tipo de
estratégia não ocorrer sempre no país. Esse procedimento discursivo mostra a
tendência do Jornal da Noite em apresentar as notícias em forma de espetáculo.
Falaremos, a seguir, sobre a noção do espetáculo.
O enquadramento representado pelo Jornal da Noite é gerador de tensão,
pois o governador como autoridade local revela uma posição diferente da de todas
as outras autoridades de âmbito nacional, aquelas citadas pelo Jornal Nacional, que
confirmavam a existência de poluição provocada por fatores naturais: vendavais que
deixaram cair muitas folhas das árvores à beira da praia. E para confirmar a fala, o
Jornal da Noite mostra imagens do governador mergulhando na água, o que pode
significar um confronto entre autoridades.
Desse episódio podemos fazer duas interpretações sobre as possíveis razões
da escolha desse enquadramento pela emissora. A primeira é que o enfrentamento
público entre duas autoridades que pertencem ao mesmo séqüito governamental
traria vantagens para a emissora, no aumento de audiência, que muitos anos
se esperava que isso acontecesse, para benefício da ampliação do debate em torno
dos problemas do país e para a construção do senso crítico pelos telespectadores.
Essa maneira de mostrar as vozes dissonantes, opiniões e pontos de vista
divergentes ou não, mas, envolvidas com o acontecimento, é característica geral dos
telejornais, mas em Moçambique isso não se fazia presente pelo menos durante os
cerca de 20 anos em que se tinha uma única emissora de televisão e, ainda, sob
controle do governo.
A segunda interpretação é que podia ser que da parte do governador
houvesse intenção de se autopromover utilizando-se da televisão, e ainda de um
131
canal concorrente da emissora pública. Essa atitude do governador e da emissora
nos remete à noção de espetáculo que para Helena Weber (2000:29), essa noção
atribuída à política e à televisão - campos diferenciados e paradoxalmente
dependentes - é utilizada como a mais adequada ao tipo de dramatização que
podem desencadear através de suas estratégias particulares de comunicação. Para
a autora,
política e televisão são dois poderosos discursos marcados pela
passionalidade da argumentação e da persuasão, através do caráter
ilocutório da comunicação política, exigindo do receptor apoio,
compreensão e votos, e da ubiqüidade solidária da televisão
ratificação, via programação, seu apoio incondicional ao sistema
vigente, às fugas e fantasias individuais. No entanto, a
interdependência e a cumplicidade desses dois discursos residem na
sua necessidade de explicitar seus compromissos sociais.
Essas interferências entre televisão e política acontecem, com freqüência, em
Moçambique. No relatório anual do MISA (2006:59), Celestino Vaz Tomás afirma
que um dos traços que denuncia a cumplicidade da TVM e o poder político
constatou-se nas últimas eleições presidenciais e legislativas. O autor refere que “na
TVM embora a Lei permite o Direito de Antena para os demais partidos políticos, o
silêncio em relação às atividades políticas dos partidos políticos de pouca expressão
era a chave de ouro. O critério de noticiabilidade era mais depurado”
.
A tendência de intensificação dessa relação de cumplicidade entre televisão e
política, sobretudo em períodos de campanhas eleitorais, é criticada por Sartori
(2001:51) ao revelar que
a televisão condiciona de modo pesado o processo eleitoral, quer na
escolha dos candidatos, quer na forma deles conduzirem a disputa
eleitoral, quer finalmente em fazer vencer quem vence. Além disso, a
televisão condiciona, ou pode condicionar de modo marcante, o
governo, isto é, as decisões no nível do governo: o que o governo
pode ou não pode fazer e decide fazer na realidade.
Portanto, embora esse fato do mergulho do governador em água
supostamente poluída não se trate de campanha política, por ter sido fora do
período eleitoral, é um exemplo que mostra a tendência de uma prática de troca
de favores, se é que assim podemos definir, entre televisão e política, pois existem
interesses recíprocos que são colocados na balança. De um lado, está a política
partidária que precisa mostrar sua ação, honrar os votos e ser vista para além de
132
suas promessas. De outro, as emissoras que criam eventos ou se servem de
determinados eventos para angariar índices elevados de audiência à sua
programação.
Na atualidade, a política partidária sobrevive através da mídia e, não
raramente, vive colonizando os discursos desta porque se ficasse distante da mídia
não conseguiria ganhar aquela visibilidade que tanto pleiteia. É com essa tática que
a política consegue provocar pautas, chamar a atenção das câmaras, inventar
entrevistas, para conseguir ocupar o centro dos noticiários diários nos telejornais.
O Jornal Nacional deu um enquadramento mais geral, tratou de mostrar a
ação de autoridades nacionais (os deferentes ministérios envolvidos), enquanto o
enfoque do Jornal da Noite privilegiou mais o enquadramento provincial, ao trazer à
tona a opinião do governador local.
Nesse caso do mergulho do governador mostrado pelo Jornal da Noite, e
mesmo na mobilização de um grupo de personagens do governo de âmbito
nacional, tentando justificar o problema ambiental como sendo decorrente de
mudanças climáticas e ambientais, tudo indica que houve intencionalidades em cada
uma das partes (emissoras e poder político), local e nacional, pelo que as
reportagens sugerem nas entrelinhas, como por exemplo, nessas escaladas que
vimos anteriormente:
Jornal Nacional-LOCV - os acusados do caso BCM e Cardoso
podem ser julgados este ano.
Afinal a poluição da praia de Bilene foi obra da natureza.
Boa noite! Está a começar o Jornal Nacional na noite de quarta-feira.
Jornal da Noite-LOCV - Boa noite! O governador de Gaza desmente
que existia poluição na praia do Bilene. Para provar Djalma Lourenço
foi àquela praia e deu um mergulho. A STV esteve no local,
acompanhou tudo e conta-nos de seguida o que viu:
Nesse aspecto, discutir as formas de enquadramento do Jornal Nacional e do
Jornal da Noite é tentar desvendar como cada telejornal mobiliza suas estratégias
discursivas para conquistar o público telespectador.
Outra reportagem que elegemos para análise de aspectos de enquadramento
utilizados em ambos os telejornais diz respeito ao informe do Procurador Geral da
República (PGR), Joaquim Madeira, que apresenta anualmente à Assembléia da
República. Para isso, o Jornal da Noite adotou um enquadramento mais didático, isto
é, conduziu as reportagens sobre o tema de maneira mais esclarecedora para o seu
133
público. Preparou o telespectador com antecedência, explicando o que aconteceria
e de onde falaria o procurador e até sobre os possíveis assuntos que seriam
tratados no relatório. Para isso, o repórter foi até à Assembléia da República e
mostrou o lugar que ocuparia o procurador durante a leitura do relatório.
O Jornal da Noite explorou mais os efeitos da câmara para mostrar o lugar e o
salão vazio. O apresentador anunciou a entrada para o terceiro bloco de notícias:
Apresentador - LOCV - estamos de volta ao Jornal da Noite. É
amanhã que o procurador da república irá prestar o seu informe
anual sobre o estado da justiça e da legalidade à Assembléia da
República. O nosso colega Arsênio Henriques traz-nos do
parlamento mais detalhes do que poderá vir a ser o informe do
procurador geral da república, Joaquim Madeira
.
Repórter - Caro telespectador! É a partir deste pódio onde o
procurador da república, Joaquim Madeira vai esta terça-feira prestar
o informe anual sobre o estado da justiça e da legalidade no país.
muita expectativa em torno do assunto, pois, espera-se que o
procurador geral fale dos chamados casos quentes”. Mas, uma
coisa é certa, provavelmente Joaquim Madeira não toque em
nenhum desses casos alegando segredo de justiça, tal como tem
acontecido nos anos anteriores. O documento de cento e quarenta e
cinco páginas depositado aqui na Assembléia da República versa
sobre sete pontos desde a organização interna, controle e legalidade,
criminalidade e administração da justiça e vários outros pontos.
Porém, a diferença entre o informe do procurador da república e a
prestada pelo Chefe do Estado é que a de Joaquim Madeira tem
lugar a debate e enquanto que a do Chefe de Estado não lugar a
debate. Portanto, esta terça-feira Joaquim Madeira, provavelmente
apresente a informação e na quarta-feira aconteçam já os debates
entre as duas bancadas, a Frelimo e a Renamo - União eleitoral.
Nessa reportagem, há um movimento de câmera de entrada e saída do
repórter do foco e em outros instantes fazendo uma imagem geral do ambiente da
sala da Assembléia. A câmera abre em plano geral e fecha no repórter em no
pódio, por alguns instantes, e abre de novo mostrando de cima para baixo o cenário
vazio do salão. Esse procedimento cria tensão, expectativas e dúvidas sobre o que
será o dia seguinte, quando o relatório for apresentado e discutido pelos deputados.
Quando o repórter termina a passagem
45
, o apresentador comenta ao vivo, do
estúdio, como se estivesse falando naquele momento com o repórter, enquanto na
verdade, a passagem foi gravada anteriormente. Esse enquadramento dá a
45
Gravação feita pelo repórter no local do acontecimento, com informações a serem usadas no meio
da matéria. É o momento em que o repórter aparece na matéria para destacar um aspecto dela ou
fazer conexão com outro assunto.
134
sensação de que a entrada do repórter naquele momento também era ao vivo e
confunde o telespectador que não está familiarizado com as estratégias das
transmissões televisivas.
No fim da passagem, o apresentador, ao vivo,
agradece ao repórter pela
contribuição.
Jornal da Noite - apresentador-LOCV - muito obrigado Arsênio
Henrique com essa peça-reportagem a antever aquilo que vai ser o
informe do procurador geral da república, Joaquim Madeira.
Em seguida o apresentador aproveita para fazer uma conexão entre assunto
e a presença de convidados no estúdio para a entrevista relacionada ao mesmo
tema:
Jornal da Noite - apresentador - LOCV - e a propósito desse
assunto convidamos aqui para os nossos estúdios, duas
personalidades e felizmente chegou momentos aqui nos nossos
estúdios o doutor Franguz, que é deputado da bancada parlamentar
da Frelimo e aguardamos a qualquer momento a chegada do
deputado da bancada da Renamo, Máximo Dias, que também foi
convidado pra este tema tão importante que é o informe do
Procurador Geral da República, Joaquim Madeira.
O que se pode notar é que além de um enquadramento didático e simples do
tema, o Jornal da Noite deixou clara a sua opinião de que se especulava que o
relatório fosse seguir o mesmo rumo que o do ano anterior, pois deixara de focar
assuntos conotados de “casos quentes”. Sobre essa postura de ocultamento da
verdade, o governo tem recebido muitas críticas, pois essas tendências são
apontadas como um entrave para a ampliação do debate dos problemas que afetam
a sociedade moçambicana.
Nesse sentido, é pertinente a crítica do antropólogo Adriano Biza, na
avaliação anual sobre o estado da liberdade e da imprensa em Moçambique, ao
afirmar que embora a liberdade de imprensa e o direito à informação tenham sido
um fato, o seu exercício ainda não corresponde às necessidades e expectativas de
parte das forças vivas do conjunto da sociedade civil e/ou não política, cujos feitos
raramente são objeto de cobertura devido ao privilégio que se às dinâmicas
protagonizadas pelos atores políticos, em simultâneo com o sensacionalismo, (in
MISA, 2005: 80).
135
Vejamos agora como a mesma notícia do informe do Procurador Geral da
República foi tratada no Jornal Nacional. Desde o início percebemos que teve um
tratamento de destaque no dia.
Jornal Nacional - apresentador-LOCV - (escalada) - o Procurador
Geral da República, Joaquim Madeira, propõe a reestruturação da
polícia de investigação criminal.
Autoridades de Sofala incineram mais de cem toneladas de produtos
alimentares deteriorados importados pelo Programa Mundial de
Alimentação. Boa noite! Lançados os grandes títulos-bem vindo ao
telejornal!
Apresentador-LOCV - o Procurador Geral da República defende a
reestruturação da Polícia de Investigação Criminal (PIC). Na sua
informação anual à Assembléia da república, Joaquim Madeira disse
que a PIC tem não tem facilitado a instrução preparatória dos
processos relativos aos chamados “casos quentes”
Off 1- em 45 páginas, o Procurador Geral da República fez a
radiografia da fiscalização da legalidade em Moçambique relativa ao
ano 2005. Joaquim Madeira disse que o trabalho do Ministério Público
ficou profundamente marcou por exigüidade de meios humanos para o
controle da legalidade e o desempenho. Cada magistrado está para
cerca de cento e onze mil moçambicanos. Joaquim Madeira fez saber
que 58 distritos moçambicanos não dispõem de procuradores. Madeira
disse que a partir desses dados pode adivinhar-se o que se passa
nesses pontos do país, em termos de observância da lei.
Sonora (com procurador) - (...) não possibilidades de sossego
quando crime e apontamos para alguns aspectos de manifestação
do crime e outras questões relacionadas com tipos de
comportamentos que nós consideramos que devem ser punidos por lei
e ainda não estão tipificados.
Off 2 - apresentador - o informe anual do Procurador Geral da
república não mencionou os processos dos chamados “casos
quentes”, mas em relação aos processos autônomos do denominado
“caso Cardoso”, o caso de Siba Siba Macuacua e outros, o magistrado
disse que no momento crucial da investigação foram desperdiçadas as
pistas. A Polícia de Investigação Criminal (PIC) foi a instituição mais
visada no informe anula do Procurador Anual da República, Joaquim
Madeira, hoje na Assembléia da República. A considerada peça
importante instrução preparatória, a PIC é acusada apática e com
praticas corruptas envolvendo algumas patentes superiores. O
procurador Geral da república disse ser urgente a reestruturação da
Polícia de Investigação criminal.
Sonora (Procurador) - é necessário e está, o entrosamento entre
aquilo que são os processos quentes e a investigação. Quando a
investigação é pronta, quando a investigação está ao serviço do
Ministério Público, a contribuição é dinâmica, muitos desses processos
poderiam ter sido esclarecidos de alguma maneira. É por isso que eu
disse que sem a reorganização desta Polícia de Investigação Criminal,
nós poderemos estar a adiar indefinidamente a situação da Justiça,
136
por um lado, e por outro lado, continuamos a culpar o Ministério
Público por não fazer omeletes porque não tem ovos. Portanto, de fato
a função da investigação, praticamente é indispensável à ação do
Ministério Público.
Nota Pé
46
- (apresentador) - a informação prestada hoje pelo
procurador vai amanha ser objeto de debate na Assembléia da
República.
A partir dessa apresentação vemos algumas diferenças nas estratégias
escolhidas e nos enquadramentos e mesmo no conteúdo da notícia. O
enquadramento do Jornal Nacional privilegiou o relatório do procurador,
entrevistando-o para obter mais esclarecimentos sobre os assuntos não
mencionados no documento. A fala do procurador reforça e explica a posição do
Ministério que dirige e os problemas internos. Já, ao noticiar o fato no dia anterior ao
da apresentação do informe, o Jornal da Noite se limitou em falar das possibilidades
do que seria o mesmo e o ambiente em que decorreria:
Jornal da Noite - apresentador-LOCV - o nosso colega Arsênio
Henriques traz-nos do parlamento mais detalhes do que poderá vir a
ser o informe do procurador geral da república, Joaquim Madeira.
Como se pode ver, foi uma especulação que pode ser considerada
sensacionalista, em vista a criar expectativas no telespectador. Além disso, o Jornal
da Noite exagerou ao retratar com toda certeza, passo a passo, como decorreria a
sessão. Não pensaram, por exemplo, que poderiam acontecer imprevistos no
momento do informe que obrigassem a mudanças de costumes, de lugar de onde o
procurador tem falado, ou até mesmo de mudanças de protocolos, por exemplo.
Mas, pelo contrário, essa fala do repórter revelou quase uma certeza com os
mínimos detalhes:
Jornal da Noite - repórter - é a partir deste pódio onde o procurador
da república, Joaquim Madeira vai esta terça-feira prestar o informe
anual sobre o estado da justiça e da legalidade no país. muita
expectativa em torno do assunto, pois, espera-se que o procurador
geral fale dos chamados casos quentes”. Mas, uma coisa é certa,
provavelmente Joaquim Madeira não toque em nenhum desses
casos alegando segredo de justiça, tal como tem acontecido nos
anos anteriores.
46
Nota pé: nota ao vivo, lida pelo apresentador ou repórter ao final da matéria, com informações
complementares.
137
Vale apontar aqui a constatação de falta de ética profissional no Jornal da
Noite, pois essa passagem do repórter foi gravada com antecedência, mas no
momento da exibição do telejornal foi inserida como se fosse ao vivo, o que fez
parecer que a entrada do repórter estivesse acontecendo naquele mesmo instante
de transmissão do telejornal.
A fala e as realizações dos membros do governo são sempre ressaltadas,
sobretudo no Jornal Nacional, como pudemos conferir especificamente na
reportagem sobre a poluição da praia de Bilene e sobre o informe do Procurador
Geral da República. Embora o Jornal da Noite privilegie também as fontes
governamentais, tem focado sua atenção na existência de contradições na fala dos
membros do mesmo governo através do cruzamento de vozes dissonantes sobre o
mesmo assunto. Esse tipo de construção discursiva pode abrir espaço para a
discussão sobre os problemas do país e abrir possibilidades do telespectador
construir sua própria opinião com base na diversidade de informações e de fontes
apresentadas pelos telejornais.
138
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa possibilitou-nos ampliar a visão e o conhecimento das
dinâmicas e características peculiares do telejornalismo, sobretudo no contexto
moçambicano, em que são poucas pesquisas dessa natureza. Nesse panorama, o
estudo se mostrou exigível não em razão da emergência da televisão que está
ganhando espaço e aceitação na vida da população, mas pelo impacto que esse
meio de comunicação de massa e seus programas têm tido por seu caráter de
articulação dos discursos numa sociedade caracterizada pela diversidade étnica,
lingüística e cultural, no ambiente democrático em que se vive desde a década de
90.
Nosso objetivo principal foi compreender as estratégias discursivas
mobilizadas pelos dois telejornais da rede pública e privada, ditos Jornal Nacional e
Jornal da Noite, respectivamente, como forma de estabelecer o contrato midiático
com seus telespectadores para garantir a audiência.
Analisamos o processo da evolução dos meios de comunicação em
Moçambique, através de uma breve revisão da história da imprensa, no sentido mais
amplo. Constatamos que o desenvolvimento da rádio, dos jornais e de revistas
caminhou pari passu com as transformações políticas e sócio-econômicas do país.
Distinguimos quatro etapas: a primeira, no século XIX, do estabelecimento dos
primeiros jornais impressos no período colonial, que serviam os interesses da
metrópole (Portugal), que ditava suas regras à imprensa da colônia. A segunda etapa
compreende a época do surgimento da imprensa africana de combate, em 1909, que
durou até à década de 1950. A terceira etapa é a da imprensa no período pós-
independência (1975 a 1990), usada pelo governo para a mobilização das
populações com foco na integração das regiões que compõem o país. Nesse
período, toda a atividade da mídia era controlada pelo governo, sob a égide do
partido único, altura em que foi criada, a TVM, em 1979. Até então, a tônica do
discurso ideológico do partido no poder girava em torno da construção da unidade
nacional. Os meios de comunicação de massa foram utilizados como estratégias
para a propagação desses ideais nacionalistas. A quarta etapa compreende o
período dos anos 1990 até a atualidade.
139
Em 1990 entrou em vigor a primeira constituição democrática, que ampliou
os direitos políticos e sociais e que culminou com o estabelecimento do sistema
multipartidário de governação e de eleições livres para a presidência e o parlamento.
Essa conjuntura proporcionou a criação da Lei de Imprensa nº 18/91 de 10 de agosto
e conseqüentemente no surgimento de veículos de comunicação de iniciativa
privada. Abriu-se, assim, espaço para a disputa pela audiência entre as emissoras de
televisão, independentemente de sua natureza pública ou privada.
Dentro desse cenário analisamos os telejornais concorrentes do horário nobre
em Moçambique sob o ponto de vista de suas estratégias discursivas a partir da
abordagem de Fairclough e Laclau, que defendem o entendimento do discurso
dentro do seu contexto de emergência. Assim, assumimos o conceito de discurso
como prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais,
concretas, orientando-se para elas porque todo o objeto é constituído como um
objeto de discurso, na medida em que não é dado fora das suas condições de
emergência. A produção social de sentido é estruturada sob a forma de totalidades
discursivas.
Com base nessa linha de abordagem buscamos compreender a inter-relação
entre os conceitos de discurso, por um lado, e os de hegemonia e ideologia, por
outro, na tentativa de descobrir como essa tríplice relação se dá na prática nos
telejornais supracitados, especificamente nas estratégias discursivas que
constituíram o foco desta pesquisa.
Pela análise comparativa percebemos algumas semelhanças,
independentemente de sua natureza pública ou privada entre os telejornais no que
concerne: (1) a sua constituição em nova arena pública - através da ampliação dos
meios de comunicação. As atividades antes desenvolvidas apenas pelo rádio e
pelos jornais passaram a serem realizadas também pela televisão. Os telejornais
cumprem, em parte, a função de produção e difusão de conteúdos informativos pelo
seu caráter de agendamento, ao trazer à tona assuntos de interesse público, além
de apresentar as vozes de diversas esferas ou instituições sociais que compõem a
sociedade moçambicana; (2) a construção de mapas de conhecimento sobre a
diversidade cultural e dos problemas sociais do país e do mundo. Através das
produções diárias, embora de forma deficitária, por não alcançarem grande parte da
população, principalmente a do meio rural, constituem espaço de experimentação do
coletivo social de construção de uma idéia de nação, de percepção de país
140
caracterizado por grupos sociais diversos; (3) a utilização de uma linguagem de
sedução, de manipulação (no sentido semiótico do termo) e de persuasão. Sua
finalidade é chamar atenção do telespectador e fazê-lo acreditar de que as
informações transmitidas contêm a verdade absoluta sobre os acontecimentos ou
fatos. No entanto, essas nem sempre são suficientes para se ter uma visão completa
da sociedade, porque essas informações são editadas, recortadas e direcionadas a
partir de certas intencionalidades e de certos interesses. Mas isso não tira a
possibilidade de uma postura crítica por parte do telespectador que não se coloca
como um mero reprodutor de conteúdos midiáticos. Além da intertextualidade com
outros veículos de comunicação de massa, as relações interpessoais e a discussão
em torno das versões que os telejornais apresentam podem proporcionar ao
telespectador o desenvolvimento do senso crítico e a construção de seu próprio
ponto de vista em torno dessas questões; (4) a polarização elite/massa nas
organizações textuais. Utilizando-se de uma linguagem que contribui para a
manutenção do status quo do sistema vigente, legitimando o discurso hegemônico
da classe dominante constituída por governantes, políticos e representantes das
grandes corporações empresariais, acadêmicos das instituições de ensino superior,
principalmente. A opinião das massas populares tem espaço e tempo reduzidos na
composição das notícias.
Em nossa análise de uma semana dos telejornais pudemos constatar que a
agenda política, as atividades do governo, as figuras do poder político e econômico
são mais privilegiadas tanto no que concerne ao noticiado como às fontes de
informação, em ambos os telejornais. Encontramos repetição de conteúdos e de
fontes, ausência de fontes da sociedade civil organizada, como ONGs, e poucas
fontes dissonantes. Essa tendência pode trazer implicações no tocante ao papel do
telejornalismo visto enquanto espaço público em que as diferentes representações
políticas e sociais poderiam se fazer presentes para também defenderem suas
idéias, já que se trata de um país democrático.
Pela diversidade étnica, lingüística, cultural e de formações políticas, no
contexto da democracia que se vive no país, a ampliação das fontes de informação
possibilitaria ao telejornal uma maior abrangência sobre a realidade cultural, dando
mais visibilidade aos problemas locais, nacionais e mundiais, assim como na
discussão sobre assuntos de interesse público. Dessa forma, o telespectador
141
captaria as forças em conflito, os discursos dissonantes, sua origem e suas
intencionalidades.
São perceptíveis algumas diferenças entre os dois telejornais: (a) em termo
de política editorial o Jornal Nacional da TVM pauta-se por uma organização textual
e discursiva linear, caracterizada por uma linguagem mais burocratizada,
principalmente nas notícias que falam sobre o elenco governamental e suas
atividades. Recorre a um tom comedido que visa evitar possíveis erros ou até
mesmo evitar o comprometimento dos editores em relação ao conteúdo das notícias.
Por outro lado, o Jornal da Noite, da STV, adota um estilo de linguagem não linear
que mostra a divergência de opiniões entre os agentes do discurso perante um
mesmo acontecimento, principalmente quando se trata de fontes governamentais.
(b) em termos da abordagem das informações e suas fontes - o Jornal da Noite
delega, algumas vezes, ao povo suas perguntas para questionar aos membros do
governo. Essa estratégia visa isentar os seus profissionais de possíveis problemas
que possam surgir em decorrência de emissão de opiniões internas. o Jornal
Nacional recolhe as informações no momento da cobertura do acontecimento, a
partir de perguntas diretas às suas fontes e relata as respostas mostrando o
contexto em que os agentes do discurso estiveram inseridos.
Outros aspectos analisados dizem respeito à publicidade e aos principais
anunciantes nos telejornais. A TVM e a STV enfrentam o mesmo desafio de
equilibrar, em sua programação diária a relação custo-benefício. Sendo assim, a
inserção de comerciais nos intervalos dos telejornais é fundamental, pois se constitui
em uma das fontes de obtenção de receitas.
Pela exigüidade do seu orçamento a televisão pública vê-se obrigada a incluir
comerciais em sua programação, uma vez que as verbas anuais recebidas do
orçamento geral do Estado
47
não são suficientes para cumprir com todos seus
47
Segundo o Plano Econômico Social (PES-2007), em 2006, a TVM beneficiou de um subsídio
adicional de cerca de 8.9 milhões de meticais para fazer face ao pagamento de compromissos
assumidos internacionalmente, nomeadamente a quotização URTNA, CBA, SABA e o aluguer do
segmento especial. a TVM prevê, em 2007, um resultado negativo de tesouraria na ordem de 96.4
milhões de meticais, representando uma diminuição de 43 porcento em relação a 2006, enquanto que
as receitas estimadas cobrirão apenas 46.8 porcento do total das despesas.
Para o mesmo período, esta empresa pública de televisão deverá realizar investimentos de expansão
e capacitação operacional calculados em 86.7 milhões de meticais.
Por seu turno, a empresa Transportes Públicos de Maputo prevê despesas calculadas em 115.2
milhões de meticais, para um total de receita de 51.9 milhões de meticais. (notícia disponível no site
do Governo de Moçambique: www.govmoz.gov.mz acesso em 13/09/2007).
142
encargos. Com esse caráter misto de funcionamento existe a possibilidade de a
produção diária e a definição das prioridades da emissora serem afetadas pelo fato
de que os anunciantes podem se julgar no direito de interferir na programação e isso
pode trazer sérias conseqüências, por exemplo, na produção jornalística. O Jornal
Nacional, que dura em torno de uma hora com quatro blocos, um terço deste tempo
é dedicado à publicidade.
Existem três perfis de telejornais, de acordo com apresentação e orientação
editorial: o telejornal que se pauta pelo modelo de teatralização, que é aquele que
forja a aproximação com o público por emissão de opinião e estilo próprio
(ancoragem); o modelo didatismo-pedagógico cujos comentários são restritos a
especialistas e âncoras; o modelo de descrição, que apresenta as notícias como
testemunha dos fatos, o que aproxima a equipe do momento em que o fato ocorre e,
ao mesmo tempo, permite o distanciamento em relação aos atores envolvidos
porque “narra” a notícia. (Fausto Neto, 2002).
Na semana analisada observamos que ambos os telejornais apresentam em
suas organizações textuais e discursivas alguns aspectos dos três perfis, com
predomínio do modelo de descrição, mas ainda se mostram tímidos quanto à
apresentação dos acontecimentos e dos personagens. predomínio do discurso
indireto, as imagens mostram o plano geral do cenário e, muitas vezes, as
informações são apresentadas em uma única versão.
Poucas vezes são convidados especialistas ou comentaristas das áreas em
questão e os relatos limitam-se à descrição dos acontecimentos sem mostrar os
detalhes do cenário ou dos personagens envolvidos na notícia. Assim, a função de
prestação de serviço público que ambos os telejornais poderiam oferecer ao
telespectador fica em parte deficitária.
Apesar disso, reconhecemos o papel da TVM como uma emissora pública no
que diz respeito à produção de conteúdos informativos que têm possibilitado o
conhecimento do país e sua diversidade cultural e do contexto da África Austral,
além do esforço de expandir e modernizar outros emissores pelo país. Nesse
sentido destaca-se também a inclusão das línguas nacionais nos noticiários locais.
Em suma, cabe-nos lembrar que o terreno de discussão sobre o papel da
televisão e do telejornalismo, em particular, é vasto pelo fato desse veículo ser
emergente no cenário moçambicano, por sua expansão em alta velocidade e pelo
impacto no contexto das comunidades locais. Notamos o crescimento significativo de
143
redes de televisão privada de sinal aberto e a cabo pertencentes a emissoras de
âmbito nacional e internacional. Isso pode abrir espaço tanto para o surgimento de
monopólios de meios de comunicação através do domínio das grandes corporações
transnacionais e da imposição de seus conteúdos culturais em detrimento de
programas nacionais, quanto para uma maior concorrência quanto à qualidade dos
programas disponibilizados.
Pesquisar em e sobre Moçambique na área da imprensa, em geral, ainda
constitui um grande desafio no que se refere à exigüidade de fontes bibliográficas
nacionais e ao acesso às informações que em princípio seriam de domínio público.
Nossa pretensão é que esta pesquisa sirva de objeto de interlocução com outros
pesquisadores que se proponham a ampliar o estudo das dinâmicas do telejornal em
Moçambique enquanto gênero televisual cuja atividade é fundamental na atualidade.
144
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Outras fontes
ESTATÍSTICAS BÁSICAS DE MOÇAMBIQUE (2004). Publicação do Instituto
Nacional de Estatística.
149
ANEXOS
1- Duração das transmissões das televisões públicas segundo tipos de
programas: 2003-2005
Programas
Tempo de
transmissão
(horas)
Estrutura
Percentual
Variação (%)
Ano 2003 2004 2005 2003 2004 2005
2004/
03
2005 /
04
Total 6 077 5 914 6 733 100,0 100,0 100,0 -2,7 13,8
Noticiários 1 449 1 619 1 790 23,8 27,4 26,6 11,7 10,6
Cultural 51 46 59 0,8 0,8 0,9 -9,8 28,3
Infanto Juvenil 668 666 1 030 11,0 11,3 15,3 -0,3 54,7
Divulgação Cientifica 291 297 288 4,8 5,0 4,3 2,1 -3,0
Desportivo 632 789 689 10,4 13,3 10,2 24,8 -12,7
Recreativo 199 225 280 3,3 3,8 4,2 13,1 24,4
Publicidade 257 191 215 4,2 3,2 3,2 -25,7 12,6
Educativo 317 331 389 5,2 5,6 5,8 4,4 17,5
Mulher 68 ... 37 1,1 .. 0,5 .. ..
Regilioso 221 57 101 3,6 1,0 1,5 -74,2 77,2
Musica Variada 204 90 128 3,4 1,5 1,9 -55,9 42,2
Musica Africana 55 80 64 0,9 1,4 1,0 45,5 -20,0
Música Moçambicana 265 327 336 4,4 5,5 5,0 23,4 2,8
Filmes 1 150 1 056 1 155 18,9 17,9 17,2 -8,2 9,4
Outros 250 140 172 4,1 2,4 2,6 -44,0 22,9
Fonte: www.ine.gov.mz acesso em 21 de setembro de 2007
2-Duração das transmissões das televisões privadas segundo tipos de
programas, 2003-2005
Programas
Tempo de
transmissão
(horas)
Estrutura
Percentual
Variação (%)
Ano 2003 2004 2005 2003 2004 2005
2004 /
03
2005 /
04
Total 7 0007 681
15
247
100,0 100,0 100,0 9,7 98,5
Noticiários
9441 251 4 471 13,5 16,3 29,3 32,5 257,4
Cultural ... ... 82 - - 1 - -
Infanto Juvenil 781 514 859 11,2 6,7 5,6 -34,2 67,1
Divulgação Cientifica ... ... 93 - - 1 - -
Desportivo 16 98 726 0,2 1,3 4,8 512,5 640,8
Recreativo 395 333 2 173 5,6 4,3 14,3 -15,7 552,6
Publicidade ... ... 322 - - 2 - -
Educativo ... ... 354 - - 2 - -
150
Mulher 723 812 1 115 10,3 10,6 7,3 12,3 37,3
Regilioso 2 3242 337 2 629 33,2 30,4 17,2 0,6 12,5
Musica Variada 8071 223 854 11,5 15,9 5,6 51,5 -30,2
Música Africana ... 120 27 - 2 0,2 - -
Musica Moçambicana 103 ... 91 1,5 - 1 - -
Filmes ... 240 364 - 3 2,4 - -
Outros 907 753 1 087 13,0 9,8 7,1 -17,0 44,4
Origem dos Programas 7 0007 681
15
247
100,0 100,0 100,0 9,7 98,5
Programas Nacionais 4 0725 130 7 647 58,2 66,8 50,2 26,0 49,1
Programas Estrangeiros 2 9282 551 7 600 41,8 33,2 49,8 -12,9 197,9
Fonte: www.ine.gov.mz acesso em 21 de setembro de 2007
3-Tempo de transmissão de emissões da radiodifusão pública, 2003-2005
Programas
Tempo de
transmissão
(horas)
Estrutura
Percentual
Variação (%)
Ano 2003 2004 2005 2003 2004 2005
2004/
03
2005 /
04
Total
98
937
98
355
97
669
100,0 100,0 100,0 -0,6 -0,7
Programa p 1 424 1 423 1 628 1,4 1,4 1,7 -0,1 14,4
Musica Variada
13
406
13
356
8 515 13,6 13,6 8,7 -0,4 -36,2
Musica Africana
11
069
11
032
11
251
11,2 11,2 11,5 -0,3 2,0
Musica Moçambicana
20
258
20
172
21
643
20,5 20,5 22,2 -0,4 7,3
Recreativo 6 852 6 839 6 399 6,9 7,0 6,6 -0,2 -6,4
Educativo 6 669 6 665 6 876 6,7 6,8 7,0 -0,1 3,2
Noticiários
14
468
14
330
16
714
14,6 14,6 17,1 -1,0 16,6
Publicidade 8 827 8 577 9 320 8,9 8,7 9,5 -2,8 8,7
Cultural 4 809 4 807 4 366 4,9 4,9 4,5 0,0 -9,2
Mulher 2 803 2 802 1 906 2,8 2,8 2,0 0,0 -32,0
Regilioso 35 35 431 0,0 0,0 0,4 0,0 1131,4
Desportivo 2 727 2 726 3 694 2,8 2,8 3,8 -0,1 35,5
Divulgação 1 263 1 263 1 061 1,3 1,3 1,1 0,0 -16,0
Outros 4 327 4 327 3 865 4,4 4,4 4,0 0,0 -10,7
Fonte: www.ine.gov.mz acesso em 21 de setembro de 2007
AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE AFILIADAS
À AMEP
1. Banana
2. Clear Channel Independent Mozambique Lda
151
3. Destino Lda
4. Cityad Lda
5. DDB-Moç
6. Elo Gráfico Lda
7. Exp Momentum Lda
8. Ferro & Ferro-Agência de Publicidade
9. Graphíssimo-Agência de Publicidade
10. Extra Publicidade
11. Golo-Agência de Publicidade Lda
12. Imagem Global Lda
13. JBdeB-Imagem & Comunicação
14. Ogilvy
15. Publicita-FCB
16. MRDesign
17. Primedia Outdoor Moçambique Lda
18. RGB FILMS
19. Papaia Produções Lda
20. Visão Publicidade
21. Publicidade Lda
RESUMO DA HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE
Moçambique situa-se na costa oriental da África Austral, tem 11 províncias:
Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Tete, Zambézia, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza
152
e Maputo Proncia e Maputo Cidade. Atualmente as estimativas do Instituto
Nacional de Estatística de Moçambique (INE) para 2006 a população total é de
19.888.701 habitantes.
A história de Moçambique é muito anterior à chegada dos portugueses nos
finais do século XV. Na altura que ali aportaram existiam no norte de Moçambique,
duas comunidades relativamente bem organizadas: o Reino de Monomotapa e os
Centros Suahilis.
No século XVI os portugueses estabeleceram-se naquela região, que foi
sempre considerada estratégica na rota do caminho marítimo para a Índia. A
presença portuguesa confinou-se na faixa do litoral, principalmente em dois pontos
estratégicos: Sofala e Ilha de Moçambique, tendo em ambos criado feitorias e
fortalezas.
Ao longo do século foram construídas outras feitorias-fortalezas de menores
dimensões, como a de Sena (1531), Tete, Quelimane e Inhambane. Mas entre
todas, a da Ilha de Moçambique, criada por Vasco da Gama na sua segunda
viagem à Índia foi, sem dúvida, a mais importante. Nesta Ilha surgiu uma verdadeira
cidade cosmopolita. A administração das possessões portuguesas em Moçambique
esteve
até meados do século XVIII sob a administração do governador da Índia.
PROCESSO DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA COLONIAL
A exploração do interior de Moçambique pelos portugueses foi muito lenta, e
limitou-se quase sempre à procura de Ouro, no reino do Monomotapa. Os principais
produtos de comércio eram o marfim, o cobre e os escravos. No finais do século XVI
e princípios do século XVII foram para este efeito fundadas novas feitorias.
Várias ordens religiosas cristãs (jesuítas, dominicanos, etc) iniciaram nesse
século a cristianização das populações, mas com resultados muitíssimo limitados.
A chegada do primeiro navegador português a Moçambique (1498), Vasco da
Gama e o controle efetivo com a dominação do Estado de Gaza no sul do país,
embora apenas na década de 20, a administração colonial tenha passado a assumir
um real controle do território.
A economia colonial sobreviveu durante muitos anos na base de uma
dependência de dois sistemas: o trabalho migratório e a agricultura coerciva, mesmo
depois da abolição formal das culturas e do trabalho forçado. O colonialismo
153
português introduziu mecanismos impeditivos do crescimento de uma burguesia
negra, agrícola ou comercial.
FOCOS DE RESISTÊNCIA ORGANIZADA
No final do século XIX, sentindo-se ameaçadas as tribos do norte de
Moçambique reuniram-se para resistirem ao colonialismo português:
Suahílis-foram no contexto da Costa Oriental de África, os grandes negreiros.
Exportavam-nos para tudo quanto era lugar (Arquipélago dos Camores,
Madagáscar, Mascarenhas, Zanzibar, Golfo Pérsico, América do Norte, América do
Sul, etc).Compravam-nos em Moçambique aos ajauas e bisas; atacavam os macuas
para os fazerem escravos. Centros suahílis como Angoche, Quintangonha, Sancul e
Sangage eram na segunda metade do século XIX, os maiores locais de exportação
de escravos da Costa Oriental de África.
Chicungas, antigos escravos-guerreiros dos Senhores dos Prazos (Vale do
Zambeze), formaram uma república militar independente, na Maganja da Costa
(1862-1898), onde praticaram em larga escala a escravatura das populações
moçambicanas.
Namarrais (ou Lómèus), por volta de 1865, cerca de dez mil abandonaram os
Montes Namuli após os ataques dos Angonis-Guangaras, estabelecendo-se na
região da Macuana. Praticaram em larga escala a pilhagem de caravanas e o tráfico
de escravos. Os portugueses conseguiram vence-los volta de 1913, pondo fim a
uma longa prática de atrocidades. Entre os heróis Namarramais, destaca-se o
negreiro Mocuto-Muno.
Macuas (Norte de Moçambique). Os macuas foram uma das tribos africanas que
mais foi devastada pelo tráfico negreiro. Contudo, as coisas não são igualmente
assim tão simples: os seus chefes tribais estavam igualmente envolvidos no
comércio de seus súbditos. Quando na segunda metade do século XIX sentiram em
perigo o tráfico negreiro uniram-se aos Suahílis, Narramais e outros para se oporem
à colonização portuguesa e ao que ela significava, no contexto do tempo: o fim do
tráfico de escravos. Entre os heróis da resistência macua destaca-se o negreiro
Muepala-Muno.
O Império de Gaza (Sul de Moçambique), formado em meados do século XIX,
praticava o tráfico e a escravatura das populações. Gungunhana foi o último
154
importante imperador da região a resistir contra a colonização portuguesa e é
considerado um dos símbolos da nacionalidade moçambicana.
MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL
A reação à dominação colonial havia sido marcada por vários tipos de
contestação, através da literatura, arte e greves de trabalhadores, movimentos que
assumiram aspectos mais radicais com o desenvolvimento dos movimentos
nacionalistas em finais da década de 50 e inícios da década de 60. Os movimentos
de libertação irrompem por todo o continente africano após a 2ª Guerra Mundial.
As primeiras organizações de libertação, em Moçambique formam: a MANU
(1959), UDENAMO (1959), UNAMI (1961). Em 1962 essas organizações fundem-
se numa única frente de combate fundada no exílio na Tanzânia: FRELIMO
(FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE), sob a direção de Eduardo
Mondlane, então funcionário da ONU. Este movimento iniciou a luta armada de
libertação nacional em 1964, que terminou em 1974, culminando com a proclamação
da Independência Nacional no dia 25 de Junho de 1975. Nessa empreitada o partido
no poder sempre teve apoio político, ideológico e militar da antiga União Soviética e
de outros países de regime comunista. Em 1977, a Frelimo adotou a ideologia
marxista-leninista como seu fio-condutor dos destinos da nação.
Com a independência alcançada, Moçambique ficou livre politicamente, mas,
continuou dependente de mão-de-obra especializada e do apoio financeiro,
provenientes, sobretudo dos países comunistas.
Nos anos que sucederam a independência houve a passagem de uma sociedade
colonial para uma sociedade socialista de partido único e de medidas adotadas pelo
próprio partido, ainda na década de 1980, à transição em direção a uma economia
de mercado capitalista e à criação de instituições de caráter democrático ocidental.
Para dar conta da crise econômica provocada pela guerra de
desestabilização, e pelas sucessivas secas que reduziram a nada a atividade
econômica do país que é a agricultura, o governo traçou um plano de reabilitação
econômica recorrendo à ajuda internacional. “Pouco a pouco, o socialismo cedeu
lugar a uma ordem política e econômica mais liberal, assegurada pela promulgação
de nova constituição da república em 1990” (FRY, 2001:16).
Em 1992 terminou a guerra civil que 16 anos envolvia o governo e a
oposição política.Dentro do processo da democracia, foram realizadas duas eleições
gerais para presidente da república e de deputados, ambas vencidas pelo partido no
155
poder, a Frelimo. O atual governo do país e do seu antecessor tem traçado políticas
e metas de desenvolvimento do país. Isso acontece não em Moçambique como
também em todo continente africano como forma de erradicar a pobreza absoluta da
maioria da população, mas, pelo menos até agora, os resultados se mostram
pequenos diante de inúmeros problemas que a população encontra no seu
cotidiano.
Outros dados
Presidente da República: Armando Guebuza
Área: 799.390 km²
População (2007): 20.366.795 habitantes
Clima: Inter-tropical
Capital: Maputo
Língua oficial: Português
Línguas nacionais: mais de 27
Moeda: Metical (Mt)
Governo: Parlamentar
156
Indicadores Sociais
Taxa de analfabetismo (%) 53.6
Esperança de vida ao nascer (anos) 47.1
Taxa de natalidade (per 1 000) 40.5
Taxa de mortalidade (per 1 000) 16.4
Mortalidade Infantil (per 1 000) 107.9
Fonte: Instituto Nacional de Estatística,2007
Fonte: Instituto Nacional de Estatística
Mapa de Moçambique
População 2007
Total 20.366.795
Homens 9.842.760
Mulheres 10.524.035
Províncias
Niassa 1.055.482
Cabo Delgado 1.683.681
Nampula 3.861.347
Zambézia 3.880.184
Tete 1.593.258
Manica 1.400.415
Sofala 1.715.557
Inhambane 1.444.282
Gaza 1.362.174
Maputo Província 1.098.846
Maputo Cidade 1.271.569
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