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definição aristotélica do tempo uma definição decisiva para as abordagens posteriores do tempo,
no § 81 de Ser e tempo, intitulado “A intratemporalidade e a gênese do conceito vulgar de
tempo”, Heidegger também interpreta o conceito aristotélico do tempo
126
.
O que importa ver e entender aqui é que foi Aristóteles o primeiro pensador do Ocidente a
ocupar-se com o tempo de modo a transformá-lo numa investigação ontológica de fato. A
tematização mais importante encontra-se no tratado da Física
127
. Este tratado não é só,
cronologicamente falando, a primeira tematização ontológica do tempo. O que Aristóteles viu em
sua definição do tempo – e se manteve até hoje –, passou a ser visto, pela tradição metafísica
ocidental, como algo “evidente”. A partir disso, então, Heidegger propõe-se realizar uma
interpretação fenomenológica da tematização aristotélica do tempo. Ele mesmo o diz em duas
passagens importantes de Ser e tempo:
“O tratado de Aristóteles sobre o tempo é a primeira interpretação desse fenômeno, legada pela
tradição. Ele determinou, de maneira essencial, toda concepção posterior do tempo, inclusive a
de Bergson. Ademais, pela análise do conceito aristotélico de tempo, tornar-se-á claro,
retrospectivamente, que a concepção kantiana do tempo se move dentro das estruturas
apresentadas por Aristóteles. Isso significa que a orientação ontológica fundamental de Kant é
grega, não obstante todas as diferenças que uma nova investigação comporta”
128
.
independentemente do movimento e do repouso das coisas”; b) Plotino: é um dos primeiros comentadores do pensamento
grego. De Plotino Heidegger cita explicitamente o terceiro livro das Enéadas, intitulado Peri` ai*w~vo" kai` crovvnou (Sobre o
aion e o tempo). O aion é uma forma particular intermediária entre eternidade e tempo, a qual desempenha, segundo
Heidegger, um papel importantíssimo na discussão do tempo na medievalidade (cf Martin Heidegger, Die Grundprobleme
der Phänomenologie, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1975, § 19, p. 327-328; Kurt Flasch, Was ist Zeit?,
Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1993, p. 56); c) Simplício: segundo Heidegger, foi ele a fazer o primeiro
comentário importante sobre o tratado aristotélico do tempo (cf. Martin Heidegger, Die Grundprobleme der
Phänomenologie, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1975, § 19, p. 325). Uma referência explícita de Heidegger ao
comentário de Simplício à Física encontra-se em “A sentença de Anaximandro”, in: Sendas perdidas (Holzwege), Buenos
Aires, Losada, 1979, especialmente p. 268, 280, 303; d) Boécio: em De consolatione philosophiae (Sobre a consolação da
filosofia, livro V, 6) é elaborada e descrita a célebre definição de eternidade (cf. K. Barth, Kirchliche Dogmatik II/1,
Zurique/Zollikon, 1946, p. 685-764). Marcia Schuback, num estudo primoroso, escreve: “O conceito teológico clássico de
eternidade remete à definição de Boécio, enunciada nos seguintes termos: aeternitas est interminabilis vitae tota simul et
perfecta possessio. ‘Eternidade é a posse per-feita, simultânea e total da vida interminável’” (cf. Marcia Sá Cavalcante
Schuback, Para ler os medievais, Petrópolis, Vozes 2000, onde, no capítulo 3: “Quando o fim está dentro do começo”, p.
79-82). A autora descreve o modo como Boécio compreendeu o conceito de “eternidade” e como este conceito foi
importante para a tradição medieval posterior.
126. Cf. aqui Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 81, p. 516-525.
127. Aristóteles, Physique, Société D’Édition “Les Belles Lettres”, Paris, 1926; Physikvorlesung, Wissenschaftliche
Buchgesellschaft, Darmstadt, 1959; Physics, Chicago/London/Toronto, Encyclopaedia Britannica, 1952, p. 255-355. No
caso deste tratado, a ênfase recai principalmente sobre o livro IV, no qual Aristóteles dá a célebre definição sobre o tempo, a
saber: “O tempo é o que é contado no movimento que se dá ao encontro no horizonte do anterior e do posterior” (tou~to
gavr e*stin o& crovno", ariqmoV" kinhvsew" kataV toV provteron kaiV u{steron) (Física D 11, 219 b 1s). No que diz
respeito ao confronto de Heidegger com as investigações sobre o tempo em Aristóteles, é importante não deixar de levar em
consideração os seguintes textos de Martin Heidegger: Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006,
especialmente §§ 81 e 82, p. 516-533; Die Grundprobleme der Phänomenologie, Frankfurt am Main, Vittorio
Klostermann, 1975, todo o amplo § 19, mas em especial p. 327-361, onde o autor faz uma das mais originais interpretações
do conceito de tempo herdado de Aristóteles; cf. também o texto intitulado “Vom Wesen und Begriff der Fuvsi"”,
publicado em Wegmarken, Frankfurt am Main, Vittorio Klostermann, 1967, p. 309-371. 1Cf. também os estudos sobre o
conceito aristotélico de tempo: Victor Goldschmidt, Temps physique et temps tragique chez Aristote, Paris, Vrin, 1982; Paul
F. Conen, Die Zeittheorie des Aristoteles, Munique, C.H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1964; Catherine Collobert
(introdução, tradução e comentários), Aristote: Traité du temps: Physique, livre IV,10-14, Paris, Éditions Kimé, 1995;
Michael J. Hyde e Craig R. Smith, “Aristotle and Heidegger on Emotion and Retoric: Question of Time and Space”, in: The
Critical Turn. Rhetoric and Philosophy in Postmodern Discourse, Carbondale/Edwardswille, Southern Illinois University,
1996, p. 68-99.
128. Martin Heidegger, Ser e tempo, Bragança Paulista: Edusf; Petrópolis: Vozes, 2006, § 6, p. 65.