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Renato Valois Cordeiro
A ANTINOMIA DA FACULDADE DE JULGAR TELEOLÓGICA NA TERCEIRA
CRÍTICA DE KANT
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGF/UFRJ) como parte dos requisitos para obtenção
do título de Doutor em Filosofia
Orientador: Prof. Dr. Guido Antônio de Almeida
(UFRJ)
Rio de Janeiro
junho de 2007.
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Cordeiro, Renato Valois.
A Antinomia da Faculdade de Julgar Teleológica na Terceira Crítica de Kant /
Cordeiro, Renato Valois. – Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas / Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2007.
vi, 196 f: 30 cm.
Tese (doutorado) – UFRJ / Instituto de Filosofia e Ciências Humanas / Programa
de Pós-Graduação em Filosofia, 2007.
Orientador: Guido Antônio de Almeida
Referências Bibliográficas: f. 192 – 210.
1. Filosofia Teórica Kantiana. 2. Teleologia. 3. Mecanicismo. I. Almeida, G. A.
de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em Filosofia. III. Título .
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A Antinomia da Faculdade de Julgar Teleológica na Terceira Crítica de Kant
Renato Valois Cordeiro
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Filosofia.
Aprovada por:
Prof. Dr.________________________________________________________________
(Presidente da banca)
Profa. Dra._______________________________________________________________
Prof. Dr.________________________________________________________________
Prof. Dr.________________________________________________________________
Prof. Dr.________________________________________________________________
Membros da banca: Prof. Dr. Guido Antônio de Almeida, Profa. Dra. Vera Cristina de
Andrade Bueno, Prof. Dr. Julio César Ramos Esteves, Prof. Dr. Ricardo R. Terra e Prof. Dr.
Pedro Costa Rego.
Rio de Janeiro – RJ – Brasil
25 de Junho de 2007.
4
Para minha mãe e Natasha
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Guido Antônio de Almeida, por tudo o que me ensinou ao longo dos
anos em que tive o privilégio de ser seu aluno no Instituto de Filosofia da UFRJ. Com suas
aulas aprendi sobretudo o significado da atividade filosófica. Sua participação em minha
formação foi fundamental.
À Profa. Christel Fricke, pela sua orientação no período sanduíche desta pesquisa.
Ao Prof. Julio Esteves, pelas conversas sobre o meu projeto e por sua participação na minha
formação em filosofia.
Ao Prof. Peter McLaughlin, pelas conversas sobre o meu projeto e pelas preciosas indicações
bibliográficas durante o período sanduíche.
À CAPES e ao DAAD, pelas bolsas de estudo que me permitiram escrever esta tese.
Ao Prof. Guido, pelo apoio que me deu durante a redação desta tese.
À Natasha, por ter me suportado durante a redação desta tese.
Aos meus amigos Julio, Marcos, Miguel, Ricardo, e aos meus amigos em Heidelberg, Anja,
Claudia, Julia, Milena, Sebastian e Muriel pelo apoio.
6
RESUMO
Cordeiro, Renato Valois. A Antinomia da Faculdade de Julgar Teleológica na Terceira
Crítica de Kant. Rio de Janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Filosofia) – Departamento de
Filosofia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Meu trabalho estuda uma parte da "Dialética da Faculdade de Julgar Teleológica",
presente na terceira Crítica de Kant. Este capítulo trata da suposta contradição entre os
princípios que estão na base das explicações mecânica e finalista da natureza. Segundo a
minha interpretação, esse conflito não é, contudo, evidente, pois na "Segunda Analogia" Kant
havia provado que o princípio da causalidade natural deve ser visto como um princípio do
entendimento que constitui a experiência. Nesse sentido, um dos objetivos centrais do
trabalho é defender a tese de que o princípio da causalidade mecânica presente na antinomia é
introduzido como uma aplicação possível de um princípio próprio da faculdade de julgar para
a sistematização empírica da natureza. Por esta razão, portanto, ele não pode ser assimilado ao
princípio da "Segunda Analogia". Além disso, tento também defender a tese de que a
apresentação formal da antinomia não traz propriamente consigo nenhum conflito, mas sim
adianta a solução de uma possível e autêntica oposição na esfera da especulação dogmática -
por sinal, uma oposição que não se distingue essencialmente daquelas identificadas nas
antinomias da primeira Crítica. Julgo que tal solução é baseada na aplicação do conceito de
máxima.
7
ZUSAMMENFASSUNG
Cordeiro, Renato Valois. A Antinomia da Faculdade de Julgar Teleológica na Terceira
Crítica de Kant. Rio de Janeiro, 2007. Tese (Doutorado em Filosofia) – Departamento de
Filosofia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Diese Dissertation betrifft einen Teil des Kapitels "Dialektik der teleologischen
Urteilskraft" in der Kritik der Urteilskraft. In diesem Buch behandelt Kant den angeblichen
Widerspruch zwischen den Prinzipien, die den mechanischen und teleologischen
Naturerklärungen zugrunde liegen. Meiner Interpretation nach ist dieser Konflikt jedoch nicht
offenkundig. Denn in der "Zweiten Analogie" bewies Kant, dass das in der Antinomie
vorgestellte Prinzip der Kausalitaet der Natur für ein transzendentales Verstandesprinzip
gehalten werden muss, welches die Erfahrung konstituiert. In diesem Sinne ist es eine der
Hauptziele dieser Arbeit, die These zu verteidigen, dass das Prinzip der mechanischen
Kausalität in der dritten Kritik als ein eigenes und systematisierendes Prinzip der Urteilskraft
vorgestellt wird, weswegen man es nicht als das Prinzip der "Zweiten Analogie" ansehen darf.
Zudem versuche ich auch die These zu vertreten, dass die foermliche "Vorstellung der
Antinomie" eigentlich keinen Konflikt darstellt, sondern ihre Auflösung, welche in Wahrheit
auf der Verwendung des Begriffes von Maxime beruht - besser gesagt, muss diese Antinomie,
wie die Antinomien der ersten Kritik, als ein blosses Ergebnis aus metaphysischer oder
dogmatischer Sicht verstanden werden.
8
ÍNDICE
Introdução.....................................................................................................................10.
Capítulo 1 O "Apêndice à Dialética Transcendental" e o Conceito Kantiano de
Sistema na Crítica da Razão Pura.................................................................................16.
1.1 Colocação do Problema: a Antinomia da Faculdade de Julgar Teleológica e o
Princípio da Causalidade Natural...................................................................................16.
1.2 O "Apêndice à Dialética Transcendental"...............................................................30.
Capítulo 2 O Conceito de Afinidade Transcendental na "Dedução - A": uma
Hipótese sobre o Lugar Sistemático da Crítica da Faculdade de Julgar.....................44.
2.1 A "Dedução - A".....................................................................................................46.
2.2 A Insuficiência da Teoria da Afinidade Transcendental relativamente ao
Problema da Sistematização Empírica do Conhecimento .............................................64.
Capítulo 3 A Dedução do Princípio da Faculdade de Julgar Reflexiva.......................78.
3.1 Princípios Regulativos e Constitutivos....................................................................79.
3.2 O Princípio Transcendental da Finalidade (Zweckmaessigkeit) como um
Princípio da Faculdade de Julgar Reflexiva....................................................................87.
3.2.1 A Questão da Sistematicidade da Experiência......................................................94.
3.2.2 O Problema Crítico e a Estrutura da Dedução Transcendental do
Princípio da Finalidade.................................................................................................110.
9
Capítulo 4 A Antinomia da Faculdade de Julgar
Teleológica…………………………….....................................................................122.
4.1 O Conceito Kantiano de Antinomia.....................................................................122.
4.2 O Contexto e a Apresentação da Antinomia da Faculdade
de Julgar Teleológica..................................................................................................131.
4.3 As Principais Interpretações da Antinomia da Faculdade de
Julgar Teleológica.......................................................................................................137.
4.4 Mecanismo e Finalidade no Contexto da Solução Crítica da Antinomia
da Faculdade de Julgar Teleológica............................................................................145.
4.4.1 A Importância do Conceito Kantiano de Máxima para a Solução da
Antinomia da Faculdade de Julgar Teleológica..........................................................159.
4.5 Mecanismo e Teleologia no contexto da Especulação Dogmática......................175.
Conclusão...................................................................................................................183.
Referências.................................................................................................................193.
10
INTRODUÇÃO
Na história da biologia podem ser identificadas duas vertentes teóricas divergentes
no que tange à explicação técnica dos objetos desta disciplina. De um lado, há biólogos que
reduzem o estudo da vida a processos mecânicos expressos por leis físico-químicas. De outro,
encontram-se cientistas que, por diversos motivos, consideram esse tipo de redução
improvável ou mesmo impossível.
1
O primeiro grupo é em geral denominado "mecanicista"
(ou "reducionista"). A segunda perspectiva teórica, o anti-reducionismo, recebeu diferentes
classificações ao longo do tempo: "animismo", "vitalismo", "neovitalismo", "holismo" etc.
O questionamento sobre o modo adequado de explicação para seres vivos
organizados, i. e. organismos (Organismen), foi colocado já nos sistemas mecanicistas do
século XVII e é hoje caracterizado pelo verbete "emergência" (ou, genericamente,
"reducionismo") nos manuais científicos
2
. Como método de explicação dos mesmos, o
mecanismo (Mechanismus) sempre se impôs graças a um claro programa de investigação da
natureza, que é levado em conta até mesmo pelos biólogos anti-mecanicistas. Pode-se dizer
que, filosoficamente, a doutrina mecanicista não se baseia em outra coisa senão numa
aplicação do método de análise, ou "redução", que visa explicar a natureza dos fenômenos
biológicos como resultados de propriedades materiais intrínsecas, i. é pela ação recíproca dos
elementos que os constituem. Assim, se a geração dos mesmos pode ser reproduzida
experimentalmente e explicada em termos causais mecânicos, ela pode ser considerada bem
sucedida cientificamente
3
. Contraditoriamente, entre muitos dos cientistas da natureza que
criticam os reducionistas, estas idéias também são consensuais. É interessante notar, por
exemplo, que os trabalhos neovitalistas e holistas do século XX de fato pouco se distanciam
1
Cf. McLAUGHLIN, P.. Kants Kritik der teleologischen Urteilskraft. Bonn: Bouvier, 1989. Cf. particularmente
o capítulo "Kant und die Biologie".
2
BAUER-DREVERMANN, I.. Der Begriff der Zufaelligkeit in der Kritik der Urteilskraft”. In: Kant-Studien,
Heft 1, 1965.
11
dos pressupostos teóricos reducionistas.
4
Na verdade, as críticas suscitadas pelos não-
reducionistas estão conectadas sobretudo com a pergunta sobre a possibilidade de realização
do método de análise. Ou seja, na medida em que partem do princípio de que nem sempre é
possível explicar a vida segundo leis físico-químicas, eles vão contra o reducionismo. Mas,
paradoxalmente, em muitos casos eles parecem aceitar a tese de que explicações científicas
legítimas devem ser expressas em termos mecânicos. Assim, o que eles indagam resume-se
no seguinte ponto: é sempre possível explicar seres vivos através da "redução"?
5
Na história da filosofia diversos pensadores tomaram partido de uma ou outra
perspectiva dessa discussão científica e buscaram fundamentar suas opiniões no interior de
suas teorias do conhecimento. Kant, contudo, analisou a polêmica em si mesma, mostrando
que, à luz do seu sistema, os conceitos de mecanismo e teleologia estão relacionados à
atividade de uma das capacidades (Faehigkeiten) da mente (Gemuet), a faculdade de julgar.
Como meu interesse não é propriamente fazer história da biologia, história da filosofia ou
mera exegese, apresento neste trabalho uma tese em defesa da filosofia da biologia kantiana
que busca mostrar que o princípio causal introduzido na mesma é compatível com o sistema
crítico introduzido na CRP
6
. De acordo com isso, o objetivo central desta dissertação é, por
um lado, mostrar que o princípio da causalidade natural, tal como é expresso pela tese da
"Antinomia da Faculdade de Julgar Teleológica"
7
, a saber, como um princípio subjetivo - uma
3
Ibid..
4
ADICKES, E. Kant als Naturwissenschaftler”. In: Kant-Studien, Band 29, 1924.
5
Cf. ADICKES, E.. Kant als Naturforscher (2 Baende). Berlin: De Gruyter, 1924. Sobretudo o capítulo 2.
6
Cf. Akademie-Ausgabe, IV, 153. Referir-me-ei à Crítica da Razão Pura e à Crítica da Faculdade de Julgar
respectivamente com as siglas CRP e CFJ. Cf. KANT, I.. Kants gesammelte Schriften. (Herausgegeben von der
Deutschen Akademie der Wissenschaften). Berlin: Walter de Gruyter, 1902. Cf. tb. Crítica da Faculdade de
Julgar - Trad. Valério Rohden. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995; Crítica da Razão Pura - trd. Valério
Rohden. S. Paulo: Abril, 1980; Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
Referências às duas primeiras edições da CRP e da CFJ serão feitas respectivamente com as letras "A" e "B".
Referências à edição da academia serão sempre feitas com a sigla Ak, seguida do volume, referido em algarismos
romanos, e da paginação. Por via de regra, as traduções escolhidas serão as do Prof. Valério Rohden - mas
eventualmente optarei pela portuguesa quando considerá-la mais adequada. Por fim, a melhor tradução
disponível em português para a primeira edição da Dedução Transcendental das Categorias do Entendimento é a
portuguesa, razão pela qual ela foi a adotada ao longo do segundo capítulo. Sempre que considerar necessário, eu
mesmo farei as traduções e indicarei.
7
Cf. Ak, V: 385.
12
máxima -, não representa um retrocesso relativamente à teoria kantiana exposta na “Segunda
Analogia”
8
. Significa dizer, portanto, que é possível mostrar que o princípio da causalidade
mecânica pode ter na CFJ uma função regulativa (sistematizante) sem anular a função
constitutiva (determinante) da experiência que é apresentada pelo princípio da causalidade
natural na CRP. Por outro lado, buscarei mostrar que a antinomia em questão é um conflito
real, ao contrário do que pensam alguns intérpretes renomados.
Um dos pilares de uma proposta de solução da antinomia da faculdade de julgar
teleológica que não representasse uma revisão da posição de Kant (relativamente ao que ele
próprio havia desenvolvido na CRP) consistiria em mostrar que o princípio da causalidade
natural, que compõe o conflito juntamente com o princípio da finalidade real (ou objetiva),
não está sendo tomado na CFJ no mesmo sentido que o era na primeira Crítica. Ou seja, seria
preciso mostrar que o mesmo princípio de causalidade natural da CRP funciona na CFJ e é
tomado no capítulo da antinomia com um uso distinto, a saber, como um princípio regulador
da faculdade de julgar reflexiva - e não como um princípio constitutivo do entendimento, o
que mostraria que não houve qualquer passo atrás por parte de Kant, já que tratar-se-ia da
reutilização de uma mesma regra num outro contexto. Outra possibilidade seria demonstrar
que as expressões "princípio de causalidade natural", que aparece na primeira Crítica, e
"princípio de causalidade mecânica eficiente" (ou "princípio do mecanismo"), que é uma das
utilizadas por Kant na CFJ, não são sinonímicas. Nesse caso seria preciso argumentar no
sentido de mostrar que o princípio mecânico da CRP tem uma forma diferente do princípio
mecânico aduzido na terceira. Esta será precisamente a minha opção interpretativa. Tentarei,
portanto, fornecer elementos visando chegar a um produto final que demonstre que o
princípio mecânico e o princípio da finalidade objetiva não passam de aplicações distintas e
complementares de um mesmo princípio formal, a saber, o princípio da faculdade de julgar
reflexiva tal como é deduzido na segunda introdução à CFJ. Se obtiver sucesso nesta
8
Cf. Ak, IV: 153.
13
demonstração, estará com ela justificada minha tese de que o princípio reflexivo do
mecanismo tem de ser distinguido do princípio de causalidade natural exposto na CRP -
precisamente porque têm fundamentos de determinação (Bestimmungsgruende) diferentes.
Uma das evidências textuais para mostrar que o princípio da causalidade natural é
tomado no contexto da antinomia como um princípio regulador da faculdade de julgar se
encontra já no parágrafo 69 da CFJ. Ele introduz, por sinal, a problemática do suposto
conflito. Com efeito, Kant começa argumentando que não pode haver uma antinomia da
faculdade de julgar no seu uso determinante, pelo simples fato de que ela não tem princípios
próprios, uma vez que se limita a determinar um particular lançando mão de um princípio ou
regra dado em outra parte. Ou seja, como ele diz, a faculdade de julgar determinante "ist (...)
keiner Gefahr ihrer eigenen Antinomie und keinem Widerstreit ausgesetzt"
9
(negrito meu).
Assim, se é possível uma autêntica antinomia da faculdade de julgar, então somente na
medida em que as regras em conflito forem provenientes dela própria. Ora, mas isso só pode
ocorrer no caso do uso reflexivo da faculdade de julgar, posto que, nesse caso, a sua atividade
é regulada por princípios que ela não tira de outra parte, mas sim de si. Só assim pode haver,
por assim dizer, uma eigene antinomia da faculdade de julgar. Dessas afirmações iniciais de
Kant podemos depreender que quando o princípio de causalidade for mais à frente nomeado
como componente da antinomia da faculdade de julgar, ele só o pode estar sendo na qualidade
de um princípio regulativo da faculdade de julgar - e não como um princípio constitutivo do
entendimento - como o era na primeira Crítica.
O problema sutil criado por Kant no contexto dessa argumentação está em que,
tomado como uma das regras reguladoras de um conflito antinômico da faculdade de julgar
reflexiva, ou seja, como uma máxima, parece ao leitor atento e minimamente conhecedor da
filosofia crítica, que na verdade não foi produzida nenhuma antinomia. Pois como pode haver
9
Cf. Ak, V: 385 (parágrafo 69), primeira alínea. "(...) não está exposta a qualquer perigo de uma antinomia que
lhe seja específica e a qualquer conflito dos seus princípios".
14
uma antinomia entre máximas regulativas? A solução para essa dificuldade interpretativa está
em mostrar que pelo menos há nesse caso uma autêntica aparência de antinomia da faculdade
de julgar reflexiva, aparência ou ilusão causada pelo filósofo dogmático que não compreende
que ambos os princípios são igualmente meras máximas da reflexão - e não princípios
constitutivos.
Meu trabalho está dividido em quatro partes. No primeiro capítulo a intenção
principal é mostrar que já no "Apêndice à Dialética Transcendental", Kant apresenta três
princípios transcendentais reguladores do conhecimento que antecipam a função do princípio
da finalidade formal deduzido na CFJ. Tais princípios são introduzidos para realizar algo que
ainda não está absolutamente evidente na CRP: completar o sistema formal fornecido no
contexto da "Dedução Transcendental das Categorias do Entendimento" e indicar com isso
uma garantia subjetiva da possibilidade teórica de classificação da natureza de um ponto de
vista empírico.
Em apoio a esta tese, no segundo capítulo concentrar-me-ei num comentário geral
sobre a primeira versão da "Dedução"
10
para para mostrar que um dos três princípios
regulativos aduzidos no "Apêndice"
11
, a saber, o princípio da afinidade (ou continuidade)),
não pode ser assimilado ao conceito de afinidade transcendental. Este ponto ergue uma
hipótese sobre o lugar da CFJ no interior do edifício crítico. Pois meu objetivo aí é esclarecer
que, sendo relevante apenas para explicar a possibilidade da aplicação dos conceitos puros do
entendimento ao múltiplo intuitivo, mas não para explicar a sistematicidade da experiência, a
teoria da afinidade transcendental, que é introduzida na "Dedução", precisava de fato ser
completada com a teoria do "Apêndice" - em particular, através do princípio da continuidade.
No terceiro capítulo passarei à discussão sobre a fundamentação dos princípios
discriminados no "Apêndice", o que é feito na terceira Crítica por meio da prova da validade
10
Passo a partir deste momento a me referir à "Dedução Transcendental das Categorias do Entendimento" com
expressão "Dedução".
15
do princípio da finalidade formal a título de um princípio da faculdade de julgar em seu uso
reflexivo. Como visto acima, é uma condição sine qua non para a existência de uma
antinomia na esfera do uso (Gebrauch) de uma determinada faculdade que esta tenha um
princípio próprio.
Por fim, feitos esses esclarecimentos, estarei em condição de tematizar
propriamente no quarto capítulo a antinomia da faculdade de julgar teleológica. Provado que a
faculdade de julgar reflexiva tem efetivamente um princípio próprio, resta esclarecer
propriamente o que entende Kant com a sua concepção geral de antinomia. Desenvolverei
este ponto enfatizando a distinção existente entre os conceitos críticos de realismo
transcendental e idealismo transcendental. Além disso, demonstro nesta parte que a
assimilação por parte de certos intérpretes do princípio do mecanismo ao princípio da
causalidade da natureza na "tese" (Satz) da antinomia é injustificável, já que princípio da
causalidade natural, por um lado, e princípio do mecanismo, por outro, pertencem a
capacidades distintas da mente e têm, portanto, formas e usos distintos. O motivo desta
constatação resume-se no fato de que ambos as juízos que formam a suposta antinomia têm de
ser produzidos a partir de aplicações do princípio da faculdade na qual se dá o suposto
conflito. A expressão "suposto" tem a ver evidentemente com o fato de que a antinomia é
apresentada por Kant como uma oposição entre máximas regulativas. Logo, só há realmente
uma autêntica antinomia quando ambos os princípios são transformados pela especulação
dogmática em princípios constitutivos dos próprios objetos que têm de ser conhecidos. Esse
tema constitui a última discussão do capítulo.
11
Passo a me referir ao "Apêndice à Dialética Transcendental" com a expressão "Apêndice".
16
1 O "APÊNDICE À DIALÉTICA TRANSCENDENTAL" E O CONCEITO
KANTIANO DE SISTEMA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
1.1 Colocação do problema: a antinomia do juízo teleológico e o princípio da
causalidade natural
A raiz da antinomia da faculdade de julgar teleológica está relacionada diretamente
ao contexto da CRP. O capítulo sobre as antinomias
12
foi destinado à crítica aos denominados
filósofos metafísicos dogmáticos
13
, os quais não reconhecem que o conhecimento humano
está sujeito a certas condições a priori (sensíveis e intelectuais) que determinam a forma dos
objetos da experiência humana. Entretanto, conforme demonstra a filosofia teórica kantiana,
tais condições são unicamente condições epistêmicas e não condições das coisas como são em
si (condições ontológicas). Isto, porém, não é considerado pela filosofia especulativa que, ao
assimilar condições epistêmicas a condições ontológicas do que existe, gera certas ilusões
transcendentais, as chamadas antinomias
14
.
Ora, segundo minha interpretação, também a antinomia da faculdade de julgar
teleológica
15
tem sua origem numa pretensão de uso constitutivo-dogmático de certas
premissas. Contudo, a CFJ desenvolve essa linha de pensamento introduzindo condições não
da experiência, mas da reflexão sobre a experiência, as quais têm também uma função
(regulativa) transcendental. Por isto, a denominada antinomia do juízo teleológico pareceu a
muitos comentaristas apenas aparente, enquanto outros julgaram que sequer poderia haver
uma antinomia gerada por uma contradição entre meras máximas da faculdade de julgar
12
Ak, III: 281.
13
Mais precisamente, o que caracteriza o dogmatismo neste caso, segundo Kant, é a suposição de que as
condições de possibilidade do conhecimento são não apenas condições de possibilidade dos objetos que podem
ser dados numa intuição sensível, mas condições de tudo aquilo que pode ser pensado como um objeto
logicamente possível, por conseguinte, de tudo o que é em geral.
14
Tematizarei detalhadamente o conceito geral de antinomia no capítulo IV. Sobre os conceitos de condição
epistêmica e condição ontológica, cf. ALLISON, H.. Kant s Transcendental Idealism. Yale University Press:
New haven and London, 1983, pp. 10-4.
15
Cf. Ak, V: 385.
17
reflexiva
16
. No meu modo de ver o problema, o conflito só surgiria propriamente se os dois
princípios em suposta contradição exclusiva fossem “transformados” em “princípios
constitutivos da possibilidade dos próprios objetos”
17
. Defendo, portanto, a hipótese de que
há de fato uma antinomia da faculdade de julgar, mas (1) suponho que ela não pode ser gerada
por principios subjetivos
18
e (2) que sua solução depende essencialmente do esclarecimento
dos conceitos de realismo transcendental, antinomia e da distinção kantiana entre princípios
constitutivos e regulativos.
Essa última citação é de suma importância para meus objetivos, particularmente no
que concerne à explicitação da função do princípio da causalidade mecânica nesta parte da
terceira Crítica. Pois com a expressão acima reproduzida, Kant certamente não está se
referindo ao uso constitutivo-crítico de um princípio, mas sim ao uso constitutivo-dogmático,
que é o que está sendo recusado para a solução da antinomia. Quero dizer, visto que Kant tem
em consideração nessa obra a faculdade de julgar em seu uso reflexivo - a qual tem uma
função sistematizante por excelência -, os princípios que compõem a antinomia devem ser
entendidos como máximas, i. é princípios da reflexão sobre os objetos já constituídos da
experiência. Essas máximas são representadas pelo princípio da causalidade mecânica (“tese”)
e pelo princípio da finalidade objetiva (“antítese”). Mas isto não quer dizer necessariamente
que Kant esteja aí renunciando à posição adotada na “Segunda Analogia”, quando havia
provado que o princípio da causalidade natural é um princípio constitutivo (em sentido
crítico) da experiência. Por conseguinte, pretendo mostrar que o princípio da causalidade
mecânica em questão deve ser compreendido na terceira Crítica como sendo distinto daquele
introduzido na primeira Critica, isto é deve ser interpretado como um princípio da faculdade
16
Dedicarei o subcapítulo 4.2 inteiramente à exposição dessas diferentes posições interpretativas.
17
Ak, V: 386-7. Voltarei ao ponto oportunamente. As traduções neste trabalho, por via de regra, são do Prof.
Valério Rohden. A tradução da "primeira introdução" à CFJ é do Prof. Rubens Torres. Quando for o caso,
indicarei que a tradução é minha.
18
A posição de Peter Mclaughlin defende confusamente o contrário disto. Cf. McLAUGHLIN, P. Kants Kritik
der teleologischen Urteilskraft. Bonn: Bouvier, 1989, p. 124.
18
de julgar - e não do entendimento
19
. Creio então que o princípio da causalidade natural
permanece sendo tomado como um princípio constitutivo relativamente à conexão entre
fenômenos e relativamente à determinação de leis empíricas - já que estabelece a forma destas
leis em geral. Numa palavra, sendo assim, a faculdade de julgar reflexiva deve ter um
principio mecânico próprio (e distinto daquele do entendimento) que tem um uso regulativo
20
no que tange à sistematização de leis empíricas particulares.
Deve-se notar que esta interpretação é antagônica à posição de diversos
comentaristas, em especial Lewis W. Beck
21
. Assim, por exemplo, é possível depreender do
texto deste comentador que Kant teria renunciado na CFJ aos compromissos teóricos da
“Segunda Analogia”, reduzindo o princípio da causalidade mecânica a uma mera máxima do
juízo reflexivo, logo, a um princípio que simplesmente regularia a reflexão humana acerca dos
objetos da experiência. Retomarei o ponto no que segue. Inicialmente explicarei o percurso do
pensamento kantiano a partir da “Analítica da Faculdade de Julgar Teleológica”
22
até a
“Dialética da faculdade de Julgar Teleológica”
23
, onde o autor introduz propriamente o
conflito entre causalidade mecânica e finalidade real na forma de uma antinomia.
É fato conhecido que Kant distingue duas funções para a faculdade de julgar, ou
seja, o julgar reflexivo (reflectierende) e o julgar determinante (bestimmende). O juízo
determinante foi amplamente estudado na CRP e concerne à subsunção de particulares a
conceitos dados, os conceitos puros do entendimento. De outra forma, o juízo reflexivo diz
respeito à busca de leis e conceitos empíricos, sob os quais particulares podem ser
19
Ak, V: 386-7. “(…) dass die Urteilskraft in ihrer Reflexion von zwei Maximen ausgeht, deren eine ihr der
blosse Verstand a priori an die Hand gibt"; Esta afirmação parece ter gerado a maior parte das polêmicas
interpretativas desse texto, pois pode dar a entender que a máxima que representa o enunciado da "tese" tem
como forma o mesmo princípio do entendimento deduzido na "Segunda Analogia". Defendo que isto não pode
ser verdade e que o acento, por assim dizer, da citação deve ser posto na referência ao princípio mecânico como
uma máxima - i. é como um princípio regulativo da faculdade de julgar. Voltarei a tematizar essa citação em 4.2.
20
Voltarei a falar sobre o conceito de princípio regulativo ainda neste subcapítulo e particularmente em 3.1.
21
Cf. BECK, L.. A Commentary on Kant`s ``Critique of Practical Reason``. Chicago: University of Chicago
Press, 1960, p. 190-192.
22
Cf. Ak, V: 362.
23
Ak, V: 385.
19
subsumidos. Além disso, o juízo reflexivo tem como função a unificação sistemática de tais
leis com vistas à formação de uma ciência empírica da natureza.
Não obstante, é preciso notar que não é logicamente impossível pensar que nossas
intuições sejam refratárias à subsunção sob conceitos. Numa palavra, não é absurdo pensar
que a experiência não se deixe articular de uma maneira apreensível por conceitos empíricos
determinados. Nesse sentido, por hipótese a experiência poderia ser de tal modo complexa,
que seria inviável a formação de conceitos empíricos capazes de caracterizar classes de
objetos, uma vez que nesse caso, conseqüentemente, não existiriam notas comuns. Significa
dizer que é possível pensarmos segundo conceitos puros do entendimento e princípios
transcendentais unicamente a forma de um sistema de leis naturais; entretanto, a formação de
regras empíricas em geral e a unificação sistemática de leis e conceitos empíricos (a qual
garantiria a viabilidade de uma ciência empírica da natureza) não estão garantidas na CRP,
uma vez que os objetos e leis constituídos pelos princípios determinantes do entendimento
podem em tese apresentar uma complexidade excessiva para o intelecto humano
24
.
De fato, a “Analítica Transcendental”
25
especifica somente a forma de conceitos
empíricos, ou uma unidade segundo leis gerais, dada com as categorias do entendimento. Já a
conformidade de particulares a conceitos, bem como a subsunção de particulares a leis
empíricas, tem de ser buscada. Um dos resultados da "Dedução" consiste na prova de que o
múltiplo da intuição empírica no espaço e no tempo está necessariamente subsumido a
conceitos de objetos. Neste sentido, a primeira Crítica demonstrou que a constituição da
objetualidade dos objetos da experiência pelas categorias e princípios do entendimento é uma
condição de possibilidade de juízos dotados de validade objetiva, os quais por sua vez estão
necessariamente ligados à consciência de si, seja como consequência, seja como condição da
24
No subcapítulo 3.1 retomarei este assunto ao analisar a diferença entre princípios constitutivos e regulativos no
sistema kantiano.
25
Cf. Ak, III: 83.
20
atualização do poder de se tornar consciente de si mesmo e de seus estados
26
. Com isto Kant
pôde fornecer provas do modo específico como cada categoria é usada para a distinção entre
a ordem objetiva dos fenômenos e a ordem subjetiva das percepções. Ora, tais provas
demonstram que o mundo fenomenal é constituído por substâncias que estão necessariamente
relacionadas na experiência possível (empírica) pela lei da causalidade natural eficiente.
Assim, a teoria exposta na primeira Crítica é insuficiente para explicar com que
direito a filosofia transcendental permite supor que não possa eventualmente haver na esfera
da natureza, i. é no âmbito da totalidade dos objetos, aquela heterogeneidade excessiva entre
eles. Nesta hipótese seria incerta a unificação sistemática de leis e conceitos empíricos e, com
ela, a viabilidade de uma ciência empírica da natureza. Por isso, o máximo que a “Analítica”
da CRP poderia prever seria uma capacidade por parte do nosso entendimento de produzir a
cada vez, diante de uma possível dessemelhança excessiva entre as substâncias, apenas
conceitos "singulares", os quais, por hipótese, rigorosamente não classificariam, posto que o
máximo que identificariam na intuição seria a cada vez tão-somente um
27
determinado objeto.
Permitam-me aqui uma digressão um tanto longa, porém necessária, para esclarecer
a expressão "conceito singular", que utilizei no parágrafo anterior e que, rigorosamente, não
existe na esfera da filosofia crítica. Assim, é importante destacar a diferença existente entre
conceito (com uso) singular, objeto singular e intuição na obra de Kant. Um objeto singular é
um objeto que só pode ser dado na intuição empírica, muito embora possamos falar em
objetos singulares que não podem ser conhecidos por intermédio da intuição e só podem ser
pensados. De qualquer modo, os objetos é que são singulares, e não propriamente os
conceitos – a pretensão da metafísica sempre foi a de poder conhecer simbólica e
discursivamente, i. é mediante conceitos, objetos que, na verdade, só seriam adequadamente
conhecidos por uma intuição inteligível. Muito menos podemos assimilar conceito singular e
26
Sobre esta tese, cf. ALMEIDA, G. de. "A "Dedução Transcendental": O Cartesianismo Posto em Questão". In:
Analítica, vol. 3, número 1, 1998, pp. 135-156.
21
intuição, posto que embora conceitos singulares se refiram a objetos (sejam eles dados ou
não), conceitos têm de ser produzidos pelo entendimento. As representações produzidas pelo
entendimento se caracterizam por tornarem possível o pensamento do múltiplo dado
(intuitivamente), através da delimitação de certos domínios (de certas classes) de objetos. É
neste sentido que Kant utiliza a palavra universal para se referir aos conceitos do
entendimento. Assim, “conceitos universais” são também conceitos discursivos, quero dizer
conceitos que produzimos para fazer juízos objetivos (e também práticos). Com efeito, nos
juízos objetivos representamos as características comuns dos objetos pertencentes a uma
mesma classe. É interessante lembrar que a expressão “conceito universal das relações das
coisas em geral”, utilizada por Kant no contexto da “Exposição Metafísica do Espaço”
28
na
"Estética Transcendental”, se refere àqueles conceitos (de primeita ordem) que usamos
precisamente para relacionar grupos de objetos que estão contidos em classes específicas. No
que tange ao presente assunto, esta digressão me parece importante pelo seguinte: se
atentamos para o que é ensinado por Kant em sua Lógica, é possível depreender que um
conceito não pode ser ele mesmo singular, muito embora seja possível fazer desse tipo de
regra um uso singular
29
. Evidentemente, a expressão “conceito singular”, ainda que tenha sido
usada por Kant, não faz referência a um tipo de caracterização que seria capaz de dizer o que
é o objeto na totalidade de suas determinações, isto é a partir da indicação da totalidade dos
seus predicados. Pois isto seria não apenas irrealizável para a estrutura de um intelecto finito,
mas também contradiria a própria teoria dos conceitos empíricos kantiana, segundo a qual um
predicado de primeira ordem só pode caracterizar uma substância através de notas comuns. O
que equivale a afirmar que um conceito para Kant é sempre um universal, a expressão
“conceito universal”, utilizada na Lógica, devendo ser considerada uma mera tautologia.
27
Voltarei a discutir este ponto no capítulo III.
28
Ak, III: 51.
29
Ak, IX: 91, (capítulo I) "Es ist eine blosse Tautologie, von allgemeinen oder gemeinsamen Begriffen zu reden;
ein Fehler, der sich auf eine unrichtige Einteilung der Begriffe in allgemeine, besondere und einzelne gruendet.
22
Portanto, na verdade, um conceito não é jamais singular, e, sim, sempre universal, podendo,
contudo, ter um uso singular.
Visto que as categorias são condições necessárias, mas não suficientes do
conhecimento possível, uma das intenções principais de Kant na CFJ era dar conta de uma
lacuna
30
, por assim dizer, que havia permanecido na CRP, mais particularmente no capítulo
sobre a “Dedução". Isto é realizado particularmente na segunda introdução à CFJ. O
problema da adequação do múltiplo empírico à nossa estrutura intelectual é pensado na teoria
de Kant com o conceito de “conformidade a fins formal” (ou simplesmente “finalidade”
(Zweckmässigkeit)), e é representado a priori num juízo reflexivo. Assim, Kant apresenta no
início da CFJ o que seria uma “dedução”
31
do princípio da faculdade de julgar reflexiva,
entendido como a condição adicional para a prova da validade do conhecimento. O princípio
em questão é exatamente o princípio da finalidade formal da natureza relativamente a nossas
faculdades cognitivas. Segundo Kant, esse princípio de reflexão sobre a natureza caracteriza
uma “suposição necessária” (Annahme)
32
para o uso da faculdade de julgar, já que a busca de
conceitos e leis empíricas deve envolver a pressuposição de que a natureza é conforme de
algum modo ao entendimento.
O problema da formação de regras empíricas é designado tradicionalmente como o
problema da indução. A solução kantiana desse problema consiste essencialmente em mostrar
na "Introdução B" à CFJ que a indução não é possível sem uma suposição acerca do
fundamento incognoscível da natureza - isto é, não determinável segundo as condições de
possibilidade de um conhecimento discursivo. Evidentemente, tal suposição expressa pelo
Nicht die Begriffe selbst - nur ihr Gebrauch kann so eingeteilt werden.''
30
Cf. a alínea 5 da “Introdução A” à Crítica da Faculdade de Julgar. Cf. tb. §14 in: Ak, IV: 294. Voltarei
diretamente a este assunto no próximo capítulo, dedicado ao lugar sistemático da terceira Critica.
31
Muito embora o próprio Kant tenha usado a expressão dedução para fornecer uma prova do princípio da
faculdade de julgar, não é rigorosamente correto utilizar aqui esta terminologia. O princípio da finalidade, que é
o princípio da faculdade de julgar reflexiva, não expressa uma condição de possibilidade do conhecimento dos
objetos da experiência, ainda que dele possa ser dito ser uma condição de possibilidade do conhecimento, já que
é um princípio transcendental. Voltarei ao ponto no capítulo III, dedicado à sua dedução.
32
Cf. Ak, V: 179-186 (segunda introdução, parágrafos IV e V). Passo a me referir à segunda introdução com a
23
princípio da finalidade, a saber, que a natureza é final relativamente ao entendimento humano,
ou ainda, que ela se conforma à nossa estrutura cognitiva e torna possível a produção de
conceitos de objetos determinados, não descarta a hipótese de que seja contingente a
finalidade real da natureza. Com esta afirmação quero enfatizar que o princípio da finalidade
formal não representa outra coisa senão uma máxima regulativa, um princípio subjetivo, a
despeito de ser necessariamente suposto por nosso intelecto. Aqui torna-se necessária uma
breve digressão.
O termo “regulativo” em sentido próprio refere-se aos princípios da razão.
Enquanto os princípios do entendimento são constitutivos, isto é os objetos da experiência não
podem ser determinados senão de acordo com eles, os princípios da razão têm um uso apenas
regulador, vale dizer, não determinam nenhum objeto; estes, desta forma, têm somente a
função de orientar a sistematização dos conhecimentos condicionados estabelecidos pela
faculdade das regras. Assim, princípios ou regras constitutivas definem as condições
determinantes de uma atividade. O princípio da causalidade natural, por exemplo, especifica
um modo de ser dos objetos da experiência. Regras regulativas, de outro lado, somente
avaliam objetos previamente constituídos, ou definem apenas as condições de avaliação de
uma atividade que pode ser realizada independentemente dessa avaliação. Uma vez que o
princípio da faculdade de julgar não expressa uma garantia objetiva, a saber, constitutiva do
conhecimento de objetos, podemos também dizer que os conceitos e princípios puros do
entendimento são regras constitutivas (em sentido crítico
33
) porque são condição de
possibilidade da experiência e do sujeito consciente de si. Isto é, mesmo na hipótese de que
nossas intuições não satisfizessem o princípio da finalidade formal, continuaríamos tendo a
consciência de objetos que não apresentassem uma heterogeneidade excessiva para o nosso
expressão "Introdução B" e à primeira introdução não publicada com a expressão "Introdução A".
33
Sobre os conceitos de "constituição crítica" e "constituição dogmática" falarei em 3.1.
24
intelecto
34
. Entretanto, objetos que não apresentassem quaisquer semelhanças com outros
simplesmente ou bem seriam nada para o sujeito, ou bem garantiriam, no máximo, como
lembrei acima, a produção de conceitos empíricos sem notas comuns, i. é, com um usos
estritamente particulares - inúteis, portanto, no que concerne à produção de um sistema de
proposições particulares ligado dedutivamente
35
. De qualquer modo, resulta da dedução
transcendental das categorias que o conhecimento é de fato possível e disso por sua vez
resulta, segundo a análise de Kant, que temos de supor a finalidade formal da natureza
relativamente à nossa faculdade de julgar. Eis por que uma regra regulativa não pode estar
relacionada ao conhecimento objetivo e à consciência de si
36
: este tipo de regra não determina
algo nos objetos da experiência, mas sim algo acerca deles. Em outros termos, regras
regulativas têm um papel meramente diretor
37
.
É notável que a função reflexiva da faculdade de julgar, no que se refere à
representação da finalidade meramente formal, permite ao entendimento pensar a
possibilidade de unificação dos fenômenos segundo leis empíricas, cuja condição de
34
A fundamentação desta tese será fornecida no final do subcapítulo 2.2.
35
É claro que admitir que nossas intuições não satisfaçam o princípio da finalidade formal parece equivalente a
admitir que elas podem ser tão heterogêneas para nós que nenhuma comparação permite a formação de conceitos
- ou seja, de representações universais por notas comuns, na definição kantiana. Não obstante, é legítimo
falarmos kantianamente num uso singular de conceitos, os quais, evidentemente, têm de ser sempre universais.
Quando me refiro, portanto, à possibilidade de notas não-comuns, estou essencialmente buscando uma maneira
didática de acentuar que, na hipótese de uma sucessão desordenada de percepções, ainda poderíamos ter
conceitos. Entretanto, em última análise, eles seriam conceitos que não encontrariam outras instâncias às quais
pudessem ser aplicados. Portanto, na verdade, para que um dado sensível seja pensado como uma nota de uma
classe de objetos, portanto como um conceito (ou uma nota comum), não é preciso a rigor que ele seja
comparado com outros dados. Um conceito independe portanto da aplicação a casos semelhantes para ser uma
representação universal. Voltarei a falar sobre estes assuntos em 2.2 e no capítulo III, onde tematizarei
particularmente o conceito de comparação.
36
Voltarei a tematizar o conceito kantiano de consciência de si no capítulo II deste trabalho.
37
Certamente regras regulativas podem ser definidas genericamente como regras que têm um papel meramente
diretor. Mas há três espécies centrais de regras regulativas na filosofia de Kant. Em 3.1 lembrarei, por exemplo,
que mesmo os princípios "dinâmicos" (Ak, III: 160) podem ser denominados "regulativos". Assim, por
constitutivo que seja da experiência e dos objetos da experiência em geral, o princípio da causalidade é um
princípio regulativo no sentido de que ele diz que para tudo aquilo que ocorre (tudo aquilo que é percebido como
ocorrendo), ou seja, toda mudança de estado de uma substância, é preciso procurar a condição de sua existência
em uma ocorrência anterior. Por outro lado, como ficará indicado em 1.2, as idéias da razão (entre elas, a idéia
de uma conexão completa de todo condicionado dado segundo o princípio da causalidade mecânica) são
chamadas de princípios regulativos no sentido de que, disciplinadas pela filosofia crítica, elas servem como
princípios para estimular a ampliação do conhecimento empírico (Ak, III: 349). Por fim, os princípios da
faculdade de julgar em geral também são denominados regulativos no sentido de servirem para a avaliação de
objetos previamente constituídos pelas categorias.
25
possibilidade é precisamente o princípio da causalidade natural, imposto, por assim dizer, pela
estrutura cognoscente humana. Do ponto de vista meramente formal, portanto, é exequível
pensar uma unidade sistemática de leis emricas. Todavia, a idéia de todo que subjaz à
mencionada unidade parece suficiente apenas para explicar a possibilidade dos seres materiais
enquanto indivíduos cujas partes agem exteriormente umas sobre as outras. Ora, esse tipo de
totalidade pode sem problemas estar contido numa explicação simplesmente mecânica da
natureza. Mas o mesmo não se pode afirmar de uma espécie de ente
38
, que apresenta um outro
tipo de unidade. Em uma palavra, o objetivo maior da “Analítica da faculdade de Julgar
Teleológica”
39
é mostrar que existe uma classe de fenômenos que, para ser devidamente
explicada, requer o pensamento de uma “conformidade a fins real” e, logo, só pode ser
avaliada (beurteilt
40
) teleologicamente, i. é através de um princípio finalista de causalidade. É
importante ressaltar que o conceito de finalidade formal, sendo o princípio geral da faculdade
de julgar, é a condição de possibilidade desse tipo de avaliação e terá de ser distinguido de
suas múltiplas aplicações
41
- ainda que as mesmas dependam diretamente daquele princípio
subjetivo.
Kant introduz a discussão sobre esse ponto ao identificar dois modos a partir dos
quais ajuizamos teleologicamente. O primeiro envolve no entanto uma dificuldade, pois é
definido através do conceito de uma finalidade denominada “relativa”
42
, caracterizada por um
princípio que exprime a idéia de que determinado ente natural, o homem, é o fim da natureza
(Zweck der Natur). Segundo esta forma de reflexão, tudo o mais além dos seres humanos
deve ser tomado como meio em vista destes. Posto que este conceito de fim natural não pode
ser confirmado pela experiência, já que busca dar conta de uma tese metafísica, ele resta
38
Este tema é retomado no capítulo IV. Aqui me limito a uma breve introdução ao assunto.
39
Passarei a me referir a esta parte da CFJ com a palavra “Analítica”.
40
O Prof. Valério Rohden sugere a tradução ajuizar para o verbo beurteilen. A tradução do mesmo como avaliar
também me parece correta, motivo pelo qual as duas soluções serão adotadas nesse trabalho como sinônimos.
41
Cf., por exemplo, Ak, V: 192 (seção VIII da "Introdução B" à CFJ).
42
Cf. Ak, V: 366. Retomarei essa discussão no capítulo IV.
26
problemático.
Mas o mesmo não se pode afirmar de um outro conceito de finalidade natural, o
qual pode tornar possível a explicação das particularidades de uma espécie de ente. A classe
de fenômenos que é o objeto por excelência da "Analítica" exige para sua compreensão o
conceito de “conformidade a fins interna
43
(ou seja, de uma finalidade real ou objetiva), que
é interpretado por Kant como um ''princípio da produção da natureza material'', portanto no
qual a finalidade é representada com base num objektiven Grunde - e não com base num
subjektiven Grunde
44
, como o é na representação do princípio da finalidade formal
subjacente
45
a ele. Por conseguinte, um dos objetivos primordiais neste texto é explicar a
função do juízo teleológico (uma das aplicações possíveis do princípio da finalidade formal
ou subjetiva para refletir sobre seres materiais), mostrando que ele expressa a maneira
segundo a qual o entendimento humano ajuíza acerca de uma subclasse fenomênica. A seguir,
por conseguinte, tematizarei propriamente o assunto do meu interesse, vale dizer, o aparente
conflito existente entre o princípio segundo o qual avaliamos finalisticamente (em sentido
objetivo) e o princípio da causalidade mecânica
46
, que, como uma regra do entendimento, é
um princípio transcendental que constitui a experiência.
Na “Dialética da Faculdade de Julgar Teleológica”
47
Kant trata da suposta
contradição estabelecida entre os princípios que legislam nas explicações mecânica e
teleológica da natureza. Eles são os seguintes:
Tese: “toda geração das coisas materiais e das respectivas formas tem que ser
ajuizada como possível segundo simples leis mecânicas
48
.
Antítese: “alguns produtos da natureza material não podem ser ajuizados como
possíveis segundo leis simplesmente mecânicas (o seu ajuizamento exige uma lei
43
Ak, V: 375-6..
44
Cf. Ak, V, 192 (seção VIII da "Introdução B" à CFJ).
45
Esta é uma das teses centrais do meu trabalho, cuja fundamentação está presente apenas no capítulo IV.
46
Estou aqui ainda partindo da suposição de que o princípio mecânico tematizado no conflito a ser tratado
consiste num princípio do entendimento. Essa é uma leitura comum da ''Dialética da Faculdade de Julgar
Teleológica'' que será frontalmente combatida por mim ao longo desse trabalho, em especial nos dois últimos
capítulos.
47
Passarei a me referir a esta parte da CFJ com o termo “Dialética”.
48
Ak, V: 386.
27
completamente diferente da causalidade, nomeadamente a das causas finais)
49
.
É interessante notar, entretanto, que tal conflito não é flagrante. Pois na “Segunda
Analogia” Kant demonstrou que o princípio da causalidade natural, que ao que tudo indica é
representado pela "tese", deve ser tomado como um princípio transcendental, como um
princípio do entendimento que constitui a experiência. Já com a "antítese", Kant apresenta o
juízo teleológico como um resultado de uma atividade da faculdade de julgar em seu uso
reflexivo, logo como uma máxima reguladora de juízos sobre objetos
50
. E dado que a
explicação teleológica da natureza está fundada numa máxima, logo num princípio que não
ergue nenhuma pretensão de autoridade relativamente à constituição da experiência, é
perfeitamente factível a sua compatibilização com o princípio da causalidade mecânica tal
como é explicado na CRP. Com efeito, só haveria uma verdadeira antinomia se
considerássemos ambos os princípios para a investigação da natureza “princípios constitutivos
da possibilidade dos próprios objetos
51
- numa palavra, considerados em si mesmos, ou seja,
independentemente das condições subjetivas do conhecimento humano. A antinomia seria
então gerada pelos princípios assim formulados
52
:
Tese: “toda produção de coisas materiais é possível segundo leis simplesmente
mecânicas”.
Antítese: “alguma produção dessas mesmas coisas não é possível segundo leis
simplesmente mecânicas”.
Como indiquei anteriormente, a expressão acima citada está se referindo à
perspectiva da filosofia dogmática. A filosofia teórica de Kant distingue o uso constitutivo-
crítico do uso constitutivo-dogmático de um princípio. Isto significa distinguir uma função
apenas determinante da forma dos objetos da experiência humana, de uma função
determinante dos próprios objetos, o que define o uso constitutivo-dogmático de um
princípio. Do ponto de vista da filosofia kantiana, a concepção filosófica que abstrai das
49
Ibid..
50
Mais precisamente, reguladora de juízos sobre a produção de coisas materiais.
51
Ibid.. “Wenn man diese regulativen Grundsätze für die Nachforschung nun in konstitutive, der Möglichkeit der
Objekte selbst, verwandelte, so würden sie so lauten (...)“.
28
condições subjetivas da intuição empírica, a saber, o espaço e o tempo (formas puras da
sensibilidade), ou que abstrai do fato de que essas condições não passam de condições
subjetivas do conhecimento, deve ser denominada "realismo transcendental". Antagônica,
pois, a esta acepção dos objetos do conhecimento humano é aquela adotada pelo filósofo
"idealista transcendental". Nesta perspectiva, deve-se distinguir as coisas tais como seriam em
si mesmas realmente dos “fenômenos” – ou seja, estas mesmas coisas, mas “conhecidas” sob
as condições da intuição empírica. Essa separação, realizada originalmente por Kant, permite
o pensamento do conceito de um objeto inteligível (ou “noumenal”), se procedemos à
abstração do espaço-tempo, o que não é certamente contraditório. Este seria, portanto, o
sentido da denominada constituição crítica dos objetos da experiência, capaz apenas de limitar
o campo daquilo que podemos saber. A adoção de dois pontos de vista diversos acerca dos
objetos do conhecimento humano foi fundamental na solução de certos problemas presentes
no capítulo “Antinomia da Razão Pura”
53
, onde Kant fornece uma prova indireta do idealismo
transcendental a partir da falsidade da acepção realista transcendental. Seja então como
interpretemos o conceito de realismo, i. é como uma óptica que toma os objetos do
conhecimento ou como resultado da abstração das condições subjetivas (onde as condições
epistêmicas são assimiladas a condições psicológicas), ou como resultado da abstração do fato
de que elas são meramente subjetivas (onde as condições epistêmicas são assimiladas a
condições ontológicas), é indubitável que à luz de tal conceito não é absurda a ocorrência de
conflitos da razão consigo mesma, a saber, de antinomias.
Diante disso, também a antinomia da faculdade de julgar teleológica é gerada
somente se consideramos suas proposições ao mesmo tempo expressões, por assim dizer, da
estrutura da realidade tal como ela supostamente seria em si mesma, i. é se as vemos como
princípios constitutivos da possibilidade dos próprios objetos. E como o princípio da
52
Ibid..
53
Ak, III: 281.
29
causalidade mecânica, tendo um estatuto constitutivo-crítico da experiência, não estabelece
nenhum conflito com o juízo teleológico, que é definido como uma máxima, não há, prima
facie, qualquer conflito entre as proposições.
De qualquer modo, na CFJ Kant procura evitar uma hipotética contradição entre os
princípios, apresentando ambos como máximas, considerando desse modo não apenas a
fórmula do juízo teleológico, mas também (e surpreendentemente) o princípio da causalidade
mecânica como regras regulativas. Assim, este é interpretado pelos estudiosos mais
autorizados como o primeiro passo kantiano rumo à solução da antinomia. O segundo
consistiria numa referência a um teoricamente possível fundamento noumenal da natureza.
Com este artifício, meramente crítico, são destacadas as peculiaridades do entendimento finito
(humano), cujo conceito tem de envolver a suposição necessária de um princípio finalista.
Este deve tornar possível a produção de conceitos empíricos em geral e, em particular,
fornecer a forma para o principio da finalidade real, utilizado para dar conta de objetos cujas
explicações requerem mais do que o princípio da causalidade mecânica.
Não vejo maiores problemas na segunda parte da solução desenvolvida por Kant
para a antinomia, ainda que tenha de reconhecer que ela, em princípio, não parece contribuir
para resolver as principais dificuldades do problema. Porém, na preparação
54
(Vorbereitung)
da solução, i. é no primeiro passo, há algo a ser melhor explicado. Refiro-me à posição de
Kant quando afirma que tanto a tese como a antítese devem ser compreendidos como
princípios regulativos da faculdade de julgar reflexiva.
Num texto que tem como assunto o problema da compatibilização de natureza e
liberdade no interior da filosofia crítica, Beck, inspirado pela CFJ, apresenta uma
interpretação bastante heterodoxa das posições da “Terceira Antinomia”
55
. A intenção do
comentador parece ser a de manter-se fiel a uma suposta posição compatibilista de Kant,
54
Ak, III: 215..
55
Cf. Ak, III: 308.
30
resguardando uma pretensão ligada à liberdade da vontade, a saber, a pretensão de
determinação à causalidade completamente espontânea e excludente de toda necessitação
natural. Para viabilizar esta pretensão, tornando-a compatível com o princípio da causalidade
natural, Beck aduz uma proposta de solução diversa daquela presente na CRP para a “Terceira
Antinomia”. Assim, ele julga poder aplicar às posições do conflito um dos procedimentos
adotados por Kant para solucionar a antinomia da “Dialética”, ou seja, interpretá-las como
máximas reguladoras. Com tal estatuto, por conseguinte, as proposições não mais ergueriam
qualquer pretensão de validade exclusiva e poderiam então ser compatibilizadas
56
.
Contudo, é preciso notar que a solução de Beck
57
incorre na dificuldade de assimilar
o princípio da “Segunda Analogia” a uma regra que somente regula a reflexão humana sobre
os objetos. De fato, Kant na CFJ resolve a antinomia afirmando que o juízo teleológico e
também o princípio da causalidade mecânica devem ser considerados máximas do juízo
reflexivo. Torna-se então necessário, sob pena de atribuirmos a Kant uma teoria que contradiz
a CRP, esclarecer em qual sentido é possível dizer que o princípio da causalidade mecânica é
um princípio subjetivo – e não uma condição de possibilidade da experiência.
No próximo subcapítulo, através de um recurso a uma parte do “Apêndice à
Dialética Transcendental” (“Do Uso Regulativo das Idéias da Razão Pura”
58
), começo a
desenvolver uma hipótese importante no sentido de mostrar que o procedimento kantiano para
solucionar o conflito exposto na CFJ é compatível com a teoria da CRP.
1.2 O “Apêndice à Dialética Transcendental”
A conclusão da "Dedução Transcendental" não tematizou, ao menos explicitamente,
a possibilidade teórica de um modo de classificação das substâncias que levasse em
56
Cf., além do texto de Beck já citado, ESTEVES, J.. Kant tinha de Compatibilizar Natureza e Liberdade no
Interior da Filosofia Crítica?” In: Studia Kantiana. Rio de janeiro, Revista da Sociedade Kant Brasileira,vol. 2,
2000.
57
A interpretação de Beck, embora paradigmática, não é a única posição polêmica. Voltarei ao ponto em 4.3.
31
consideração a parte material dos objetos. Em suma, ela expôs apenas as condições de
possibilidade de uma natureza em geral
59
. O que faltava demonstrar seriam então as condições
de possibilidade da natureza determinada que conhecemos, com toda a sua riqueza e
diversidade, e que permite um conhecimento sistemático, o que só seria exigido pela razão no
contexto da teoria do “Apêndice à Dialética Transcendental”.
O objetivo central deste subcapítulo é mostrar que já no "Apêndice" é possível
encontrar elementos teóricos que permitem explicar algumas das dificuldades contidas nos
parágrafos dedicados à antinomia da faculdade de julgar teleológica
60
. Na parte anterior
afirmei que o princípio da causalidade natural, tal como é expresso pela tese da antinomia do
juízo teleológico, isto é como um princípio subjetivo, não representa um retrocesso
relativamente à teoria kantiana exposta na “Segunda Analogia”. Investigarei com base numa
leitura detida do “Apêndice” um argumento que parece decisivo para a solução da referida
antinomia. Refiro-me à suposição, aparentemente kantiana, segundo a qual uma regra em
geral, um princípio ou conceito, não tem intrinsecamente um estatuto constitutivo (seja em
sentido crítico, seja em sentido dogmático) ou regulativo.
Em apoio a essa hipótese, tentarei mostrar que na primeira Crítica a razão,
entendida como a faculdade dos princípios, não tem a rigor apenas a função de aduzir um
princípio da “continuação e ampliação maior possível da experiência”
61
. Segundo minha
interpretação, a sua função consiste também num uso lógico-sistemático, que se expressa na
busca da produção de um sistema de conhecimentos empíricos, cuja organização supõe para
tanto um princípio regulativo-transcendental. Diante disto, parece que Kant não apenas está
atribuindo sem contradição diferentes usos (a saber, o uso lógico e o uso regulativo-
transcendental) para os princípios de uma mesma faculdade, mas também admitindo
58
Ak, III: 426-7.
59
Cf . Ak, IV: 294.
60
Cf. Ak, V: 386.
61
Cf. Ak, III: 349.
32
sutilmente a possibilidade de uma função ampliadora (regulativa) para os princípios do
entendimento. Se é assim, a razão não tem apenas uma função propulsora, por assim dizer, do
conhecimento.
Com efeito, considero que o “Apêndice” é importante por dois motivos. Por um
lado, nele Kant está lançando mão de um procedimento teórico análogo àquele que seria
apresentado na CFJ, onde a faculdade de julgar tem um uso determinante e um uso reflexivo.
Por outro lado, admitido que tal procedimento de conferir diferentes usos aos princípios de
uma mesma faculdade é conforme ao espírito da filosofia kantiana, poder-se-ia futuramente
aplicá-lo numa proposta de solução para a antinomia da faculdade de julgar teleológica. Isso
seria viável porque na CFJ Kant parece estar atribuindo a um princípio do entendimento uma
função distinta daquela apresentada na CRP, a saber, um papel lógico-sistemático (i. é
regulativo) na forma de um juízo reflexivo. No que tange aos meus interesses, a questão
central que pode começar a ser respondida através da teoria do "Apêndice" é: Kant pode
legitimamente se referir ao princípio da causalidade eficiente no contexto daquela antinomia
da faculdade de julgar com a expressão máxima? Concentrar-me-ei sobretudo numa análise
do “Apêndice”, ainda que eventualmente estabeleça certas relações com a CFJ e o problema
da antinomia, que é o que de fato me interessa.
* * *
Até a CRP, Kant achava que a faculdade de julgar não tinha um princípio porque o
único emprego claramente apresentado por tal capacidade até então era concernente ao seu
uso determinante, que envolve somente um poder de subsumir o particular sob um conceito,
regra, ou princípio geral dados. O uso reflexivo da faculdade de julgar, diferentemente, é
caracterizado pela procura do conceito, ou de uma regra em geral para subsumir um particular
33
previamente constituído. Portanto, a função da faculdade de julgar reflexiva, ao menos de
saída, é em síntese impedir a dificuldade posta pela hipótese da heterogeneidade das
substâncias, garantindo uma suposição subjetiva capaz de impelir o sujeito a buscar o
conhecimento, isto é capaz de impulsioná-lo para a crença na possibilidade de erigir um
sistema empírico.
Na segunda parte da CFJ o mesmo princípio regulativo dos objetos da
experiência é utilizado por Kant num outro contexto, relativo não mais à reflexão sobre a
totalidade dos objetos em vista da possibilidade da produção de conceitos de primeira ordem,
mas sim concernente ao modo como seres racionais finitos refletem sobre uma determinada
classe já estabelecida de fenômenos. Com efeito, enquanto o princípio da finalidade formal é
uma suposição necessária do nosso entendimento que busca garantir a produção de leis e
conceitos empíricos, o princípio da finalidade real é aí apresentado por Kant como o mesmo
princípio da faculdade de julgar, utilizado, contudo, para dar conta do modo segundo o qual o
nosso intelecto explica certos objetos cujas constituições internas apresentam uma
interdependência funcional das partes que os formam. Nesse sentido, a introdução na filosofia
teórica do princípio da finalidade real tem como função resolver um problema análogo à
efetivação de um sistema da natureza de um ponto de vista empírico. Pois assim como cada
uma das categorias e princípios do entendimento permitem projetar somente um sistema da
natureza meramente formal, a teoria da CRP igualmente deixa indeterminada a distinção entre
substâncias inanimadas submetidas à causalidade mecânica e organismos vivos, regulados em
suas disposições internas por um princípio causal distinto do eficiente.
Podemos dizer, portanto, que esta parte também é um complemento da filosofia
teórica apresentada na CRP. Com efeito, na “Dialética” da CFJ Kant depara com o espinhoso
problema de como compatibilizar os princípios da causalidade eficiente e teleológico, uma
vez que ambos são em diferentes sentidos condições de possibilidade do nosso conhecimento.
34
Em qual sentido, contudo, pode-se indagar, o princípio da causalidade eficiente pode ser
tomado como um princípio reflexivo no interior de um conflito da faculdade de julgar?
na primeira Crítica há elementos que podem ajudar a responder a esta questão.
Pois no “Apêndice” Kant faz certas afirmações que estão conectadas com aquele problema
epistemológico que suscitou em parte a escrita da CFJ. Assim, em primeiro lugar, Kant
apresenta neste texto uma distinção entre o uso lógico da razão e o uso regulativo-
transcendental da razão, os quais, no seu modo de ver não podem ser assimilados. Veremos
que este último uso possível da razão adianta uma das funções da faculdade de julgar na
terceira Crítica, na medida em é análogo a uma das funções da mesma neste outro livro.
No início do "Apêndice" Kant apresenta sumariamente aquela que no seu entender é
a função central da faculdade dos princípios, ou seja, produzir a unidade sistemática dos
conhecimentos particulares determinados pelo entendimento:
Se temos presentes os conhecimentos de nosso entendimento em todo o seu
âmbito, então descobrimos que aquilo de que a razão dispõe de modo totalmente
peculiar, e que procura realizar, é o sistemático do conhecimento, isto é, sua
interconexão a partir de um princípio. Esta unidade da razão pressupõe sempre
uma idéia, a saber, da forma de um todo do conhecimento que precede o
conhecimento determinado das partes e contém as condições para determinar a
priori o lugar de cada parte e a sua relação com as demais. Tal idéia postula por
isso uma unidade completa do conhecimento do entendimento; graças a essa
unidade, o conhecimento não se torna simplesmente um agregado contingente, mas
um sistema interconectado segundo leis necessárias.o se pode propriamente
dizer que essa idéia seja um conceito do objeto, mas sim da unidade perfeita desses
conceitos na medida em que esta serve de regra ao entendimento. Tais conceitos da
razão não são formados a partir da natureza, antes nós interrogamos a natureza
segundo essas idéias e consideramos o nosso conhecimento defeituoso enquanto não
lhes for adequado
62
(Grifo meu).
A unidade "sistemática do conhecimento" supõe o que Kant denomina uso lógico
da razão. Neste texto o uso (Gebrauch) da razão é subdividido em apodídico e hipotético. O
uso lógico em geral é condição de possibilidade da ordenação de um corpo de proposições
particulares (do entendimento) ligado dedutivamente. Este tipo de organização é precisamente
o que Kant entende com o seu conceito de sistema. Assim, o uso lógico da razão deve tornar
62
Ak, III: 428..
35
possível ou bem a derivação de uma proposição particular a partir de uma proposição
universal dada (uso apodídico), ou bem a produção de uma proposição universal a partir de
um conjunto de conhecimentos já constituídos (uso hipotético). Entretanto, neste caso “(...) o
universal é admitido só problematicamente e é uma simples idéia, o particular é então certo,
mas a universalidade da regra para esta consequência é ainda um problema.”
63
É interessante notar que tal distinção de usos da razão é análoga àquela que iria
posteriormente na terceira Crítica ser aplicada à faculdade de julgar. Pois na passagem acima
citada Kant procede, através da apresentação do uso lógico-hipotético, a uma antecipação da
função reflexiva da faculdade de julgar. Quero dizer, ainda que o interesse por sistematizar
nossos conhecimentos seja atribuído à razão, o processo lógico descrito é muito similar à
atividade de busca (lógica) de um universal prevista na Lógica
64
de Jäsche e atribuída ao uso
reflexivo da faculdade de julgar na primeira introdução da CFJ. Com efeito, da mesma forma
que o uso apodídico da razão pressupõe o seu uso hipotético, i. é a produção de uma
proposição universal (problemática) para subsumir proposições particulares e criar um
sistema, o uso determinante da faculdade de julgar pressupõe também a busca de conceitos
empíricos por intermédio do uso reflexivo dessa mesma faculdade. É digno de nota que Kant
afirma, relativamente ao uso hipotético da razão, que a sua função não é constitutiva, uma vez
que o regresso às proposições particulares é sempre incerto a priori. E que tal uso é sempre
regulativo, tendo como função unicamente trazer unidade sistemática aos conhecimentos
particulares do entendimento
65
.
Esta observação me parece importante porque registra uma primeira evidência de
que a busca da unidade projetada pela razão envolve um interesse que transcende o seu mero
uso lógico, uma vez que pressupor algo acerca de conhecimentos particulares do
entendimento significa também pressupor algo acerca de objetos. Assim, com relação à
63
Ak, III: 428-9.
64
Ak, IX: 94..
36
analogia que estabeleci no parágrafo anterior entre o uso lógico da razão na primeira Crítica e
os diferentes usos da faculdade de julgar na terceira, gostaria de acrescentar o seguinte.
Quais seriam os princípios da razão responsáveis pela operação do seu uso lógico?
Para o referido uso lógico se tornar efetivo, ou seja, para que ele possa ser realizado, é
necessário pressupor algo na realidade, ou seja, na natureza. A saber, algo naqueles
conhecimentos expressos por proposições particulares, a partir dos quais a razão, por assim
dizer, espera ser capaz de produzir proposições gerais através do seu uso hipotético. Desse
modo, o interesse racional pela subsunção dos conhecimentos tem de pressupor que
(...) o modo de ser dos objetos ou a natureza do entendimento que os conhece como
tais sao em si mesmos destinados à unidade sistemática”
66
(Grifo meu).
Isto é, a suposição de que a natureza (entendida como a totalidade dos objetos) tem
de se comportar em vista daquela unidade que interessa à razão é uma condição de
possibilidade da própria produção de proposições universais. As seguintes passagens
condensam bem esta idéia:
Disso, contudo, resulta evidente que a unidade sistemática ou racional do
conhecimento variado do entendimento é um princípio lógico visando, nos casos em
que o entendimento sozinho não chega a estabelecer regras, ajudá-lo com idéias e ao
mesmo tempo conseguir, para a diversidade das suas regras, unidade (sistemática)
sob um princípio e assim também coesão, na medida em que factível. Todavia, se o
modo de ser dos objetos ou a natureza do entendimento que os conhece como tais
são em si mesmos destinados à unidade sistemática, e se em certa medida esta pode
ser postulada a priori mesmo sem tomar em consideração um tal interesse da razão,
de maneira a se poder dizer que todos os conhecimentos possíveis do entendimento
(entre eles os empíricos) possuem unidade da razão e estão sob princípios comuns
dos quais podem ser derivados sem levar em conta sua diversidade, então isto seria
um princípio transcendental da razão que tornaria a unidade sistemática necessária
não só subjetiva e logicamente, enquanto método, mas também objetivamente”
67
(Negrito meu).
De fato, tampouco se pode compreender como poderia existir um princípio lógico da
unidade racional das regras se não se pressupusesse um princípio transcendental
mediante o qual uma tal unidade sistemática fosse admitida a priori como
necessária e como inerente aos próprios objetos. (...) Em tal caso, de fato, a razão
procederia diretamente contra a sua própria destinação, propondo-se como objetivo
65
Ak, III: 429.
66
Ak, III: 430.
67
Ibid..
37
uma idéia que contradiz totalmente
a constituição da natureza. E nem se pode dizer
que a razão tenha antecipadamente abstraído, segundo os próprios princípios, essa
unidade da constituição contingente da natureza. Com efeito, a lei da razão pela
qual procura tal unidade é necessária, pois sem essa lei não teríamos
absolutamente razão alguma, sem esta, porém, nenhum uso interconectado do
entendimento e, na falta deste, nenhum critério suficientemente característico da
verdade empírica.”
68
(Grifo meu).
Esta parte do texto ainda não explica qual é o referido “princípio transcendental”
suposto “necessariamente” pela razão. De qualquer forma, a tese kantiana, segundo a qual não
pode estar em aberto a possibilidade teórica de que o múltiplo do conhecimento não se adeqüe
à sistematização do conhecimento já está aí apresentada:
Com efeito, com que direito a razão no seu uso lógico poderia pretender tratar como
uma unidade meramente dissimulada a multiplicidade das forcas que a natureza nos
dá a conhecer e como poderia na medida do possível pretender derivar tal unidade
de alguma forca fundamental qualquer se fosse livre para admitir como igualmente
possível que todas as forcas sejam heterogêneas e que a unidade sistemática da sua
derivação não seja conforme à natureza?”
69
(Grifo meu).
Kant tem como objetivo central nessas passagens acentuar a tese de que um
pressuposto princípio transcendental da razão é ele mesmo um princípio de racionalidade do
procedimento de sistematização. Ou seja, a própria razão se contradiria ao apontar um fim,
uma destinação, que seria inatingível. Como já expliquei, o fim em questão é precisamente a
produção de um sistema empírico da natureza. Na verdade, o referido princípio transcendental
que é condição do uso lógico-sistemático da razão se expressa através de três princípios, os
quais projetam a denominada unidade do conhecimento. São eles os princípios de
generalização
70
, especificação
71
e afinidade
72
, os quais podem ter ou bem um uso meramente
lógico, ou bem um uso regulativo e transcendental
73
. Quanto à formulação do uso regulativo
destes princípios, podemos afirmar o seguinte. O princípio de generalização (ou princípio da
homogeneidade) prevê semelhancas no interior da natureza, ou que a razão tem de supor a
68
Ak, III: 431-2.
69
Ak, III: 431-2.
70
Ak, III, 435-6.
71
Ak, III: 434-5-6.
72
Ak, III: 435-6-7.
38
priori que não há uma heterogeneidade completa entre os objetos. Isto é, esta proposição
exige a busca da produção de gêneros, ou seja, de “conceitos genéricos”. O princípio da
especificação (ou da heterogeneidade) prevê a existência de uma diversidade tal entre os
objetos da realidade. Neste caso, a razão supõe a priori que os objetos, por assim dizer, têm
de poder se especificar
74
. Ou seja, por um lado, ela supõe necessariamente que será possível
produzir conceitos menos genéricos e, por outro, que jamais serão produzidos “conceitos
singulares”, isto é conceitos que exprimiriam as espécies absolutamente mais baixas, ou as
determinações completas (durchgängige Bestimmungen) dos indivíduos. O princípio da
afinidade é essencialmente uma síntese dos demais
75
e prevê a continuidade entre os conceitos
específicos produzidos, de modo que a razão necessariamente supõe que não há uma
heterogeneidade completa no interior da natureza. As interpretações lógicas desses princípios
seriam respectivamente: (1) os conceitos empíricos genéricos se distanciam o mais possível
dos indivíduos, mas não há um gênero supremo, pois é impossível produzir um conceito
supremo por generalização
76
; (2) um conceito empírico caracteriza uma classe de objetos
através de notas comuns, portanto, um conceito, por mais específico que seja, sempre terá
uma extensão; (3) há sempre uma “semelhanca de família” entre diferentes conceitos
empíricos, isto é entre as suas notas características.
É preciso reconhecer que Kant não parece ter absoluta certeza do lugar sistemático
das três leis transcendentais discriminadas acima. Contudo, ele já tem clareza de que é preciso
73
Ak, III: 428-9, 430-1, 439.
74
O princípio da especifícação tem uma função destacada na operacionalização do princípio da finalidade formal
que seria deduzido na CFJ. No capítulo III deste trabalho voltarei detalhadamente a este ponto..
75
Cf. Ak, III: 435-6 “Das letztere entspringt dadurch, dass man die zwei ersteren vereinigt, nachdem man, sowohl
im Aufsteigen zu hoeheren Gattungen, als im Herabsteigen zu niederen Arten, den systematischen
Zusammenhang in der Idee vollendet hat”;
76
Quanto a esta colocação, há uma passagem que parece me desmentir: ''(...) alle mannigfaltige Gattungen sind
nur Abteilungen einer einzigen obersten und allgemeinen Gattung'' (Ak, III: 436). É claro que me refiro, portanto,
à impossibilidade de formação de um gênero supremo por meio do processo de indução (generalização), ou seja,
através dos atos de comparar, refletir, abstrair etc. Se pensamos, contudo, num processo de formalização, como
aquele exposto na ''Dedução Transcendental das Categorias'', é claro que se pode falar no conceito de algo em
geral (etwas ueberhaupt) como sendo o conceito de um gênero supremo - cf., por exemplo, Ak, IV: 80. Sobre a
''Dedução Trancendental'' falarei no capítulo seguinte. O processo de generalização será analisado apenas no
capítulo III.
39
vetar aqui a possibilidade de qualquer dedução transcendental de tais princípios, uma vez que
eles não podem ter validade objetiva. Isto é absolutamente
77
correto, pois eles são, enquanto
princípios transcendentais, condições de possibilidade do conhecimento, mas não do
conhecimento de objetos
78
.
O que nestes princípios é digno de nota e também a única coisa que nos ocupa é o
fato de parecerem transcendentais e de, conquanto contenham simples idéias para se
buscar o uso empírico da razão que podem ser seguidas por este apenas
assimptoticamente, isto é, só aproximativamente, apesar disso enquanto proposições
sintéticas terem uma validade objetiva mas indeterminada, e de servirem como regra
para a experiência possível, sendo além disso realmente usados com êxito como
princípios heurísticos para a elaboração da experiência. Não obstante, não se pode
chegar a efetuar uma dedução transcendental desses princípios, a qual é sempre
impossível com respeito às idéias, como ficou provado acima
79
(Grifo meu).
Ora, diante do que foi dito até aqui, podemos nos perguntar: por que Kant teve de
alterar a sua filosofia teórica na terceira Crítica? Ou seja: por que Kant transfere
posteriormente para a faculdade de julgar a função de sistematização que é atribuída à razão
no “Apêndice”?
A razão e suas idéias não parecem ter no contexto da “Dialética” simplesmente um
papel “propulsor” do conhecimento. Certamente, suas idéias representam na filosofia teórica o
uso ampliado de certos conceitos puros do entendimento geradores de algumas das ilusões
transcendentais
80
- o uso ampliado de uma categoria a transforma num outro tipo de regra, que
Kant denomina idéia e que é atribuída à faculdade dos princípios. Mas a idéia de destinação
da natureza contida (ou suposta) naqueles três princípios racionais tem aqui uma função extra.
Quero dizer que pensar a natureza segundo esses princípios é pensá-la como um sistema, e
pensá-la como um sistema da mesma maneira que pensamos um objeto final, a saber, como
algo cuja existência, não apenas cujo conhecimento, depende de um conceito. Com efeito,
77
No capítulo III mostrarei que se pode falar legitimamente num sentido "fraco" e num sentido "forte" de
dedução transcendental na esfera da filosofia crítica. O que é impossível para os referidos princípios é a prova de
que eles têm validade objetiva.
78
É digno de nota que também não será possível uma dedução em sentido estrito, ou seja, uma prova da validade
objetiva do princípio da faculdade de julgar reflexiva na CFJ - i.é do princípio da finalidade formal.
79
Ak, III: 438-9.
80
É o que pensa, por exemplo, W. Walsh. Cf. Walsh, W. Kant´s Criticism of Metaphysics. Edinburgh: Edinburgh
40
também devemos entender por uso lógico da razão a sua função sistematizante dos
conhecimentos já constituídos
81
. Esta função, que também podemos denominar mais
precisamente uso hipotético é, portanto, inicialmente (e pretensamente) colocada pela razão
na CRP. Entretanto, é interessante notar, Kant teria posteriormente na Crítica do Juízo de
atribuir à faculdade de julgar o trabalho de efetivar tal exigência de sistematização posta
pela faculdade dos princípios.
Suponho que esta alteração na filosofia teórica de Kant tinha de ser realizada por
dois motivos. Por um lado, pelo já mencionado problema epistemológico
82
. Por outro, julgar
para Kant significa subsumir; e subsumir significa, em princípio, unicamente determinar. Isto
se expressa no ato de aplicar conceitos, o que de fato é realizado pela faculdade de julgar. Mas
este uso - e Kant só atenta explicitamente para tanto na CFJ - tem de supor a produção de
conceitos empíricos para ser atualizado na produção de juízos objetivos. Ou seja, um
princípio da faculdade de julgar só pode consistir num princípio para favorecer o seu trabalho
de subsunção
83
. Além disto, é importante lembrar que sistematizar não consiste em outra
coisa senão em classificar segundo gêneros e espécies as substâncias e leis já constituídas
pelas regras do entendimento. Portanto, não apenas o ato de determinar, mas também o ato
de sistematizar têm, por isso mesmo, de ser atribuídos à faculdade de julgar. E como Kant na
CRP tinha afirmado que a faculdade de julgar (determinante) não podia ter um princípio
84
, ele
teve de considerar um outro emprego da faculdade de julgar, que ele denominou na terceira
Crítica uso reflexivo. Como já afirmei, esta nova função busca inicialmente banir aquela
dificuldade epistemológica que acarretaria o problema teórico da heterogeneidade entre os
objetos, mas termina também por transferir para a faculdade de julgar a realização daquela
University Press, 1975. Cf. principalmente as discussões dos capítulos introdutórios.
81
Cf. Ak, III: 427-8.
82
Refiro-me à hipótese de uma heterogeneidade excessiva entre as intuições aludida em 1.1.
83
Cf. "Introdução A" à CFJ, alínea 4.
84
Cf. Ak, V:311.
41
exigência feita claramente pela razão no “Apêndice”. E de fato, na CFJ os atos lógicos
85
que
antes caracterizavam parcialmente o uso hipotético-sistematizante da razão (comparação,
reflexão e abstração) passam a caracterizar o uso reflexivo da faculdade de julgar. Com
efeito, julgar passaria também a significar comparar objetos visando estabelecer diferenças,
refletir sobre as semelhanças entre os objetos, de modo a subsumir uma multiplicidade sob a
unidade do conceito e abstrair das diferenças (e não das semelhanças) entre os objetos em
consideração. No que tange aos meus objetivos, é interessante notar que a atribuição à
faculdade de julgar de um emprego distinto do determinante pode ser considerado mais uma
evidência de que a distinção de usos de uma mesma capacidade (Fähigkeit) é um artifício
teórico que está aparentemente em perfeita conformidade com os principais pressupostos da
filosofia crítica. Portanto, supostamente uma faculdade (ou o seu princípio) não tem ela
mesma uma determinada função, mas unicamente o seu uso. Kant parece documentar esta
interpretação na seguinte passagem, ao investigar no início do “Apêndice” o usos possíveis
das idéias da razão pura:
Com efeito, jamais as idéias mesmas , mas simplesmente o seu uso pode ser
sobrevoante (transcendente) ou doméstico (imanente) com respeito a toda
experiência possível, de acordo com a direção que se dê a tais idéias, quer
orientando-as diretamente para um objeto pretensamente correspondente a elas ou
orientando-as só para o uso do entendimento em geral com vistas aos objetos com
que têm a ver
86
(Negrito meu).
Conclui-se, portanto, que no cenário da CRP o uso das idéias da razão pode ter duas
funções. Um dos significados ao qual remeti sumariamente em minha leitura do "Apêndice"
se refere ao papel que as idéias do incondicionado, desde que devidamente expurgadas do uso
dogmático, podem representar na ampliação da experiência. Neste caso, é claro, elas
85
Cf. Ak, IX: 94 (capítulo I, principalmente o parágrafo 6). A tese de que esses atos podem ser relacionados ao
uso hipotético da razão é baseada essencialmente numa analogia, que considero procedente, com o uso reflexivo
da faculdade de julgar no processo de formação de conceitos que é descrito na CFJ. É verdade que não há,
portanto, no "Apêndice" um apoio textual evidente a essa tese. Creio entretanto, que a explicação desses atos
lógicos, presente na Lógica de Jaesche, está implícita na teoria do conceito e do juízo que encontramos na CRP.
De qualquer modo, aproximo ainda mais a teoria do "Apêndice" da teoria exposta na "Introdução B" à CFJ no
capítulo III. Lá tenho o intuito de mostrar com mais clareza que a função lógico-sistemática da razão na CRP
passaria a ser atribuída por Kant à faculdade de julgar na terceira Crítica.
42
funcionam impulsionando o conhecimento, na medida em que não admitem nenhum
Ruhepunkt. Assim, no conhecimento empírico o cientista, por assim dizer, persegue um objeto
que, contudo, sabe que não alcançará (a saber, o incondicionado). Certamente, não há
qualquer erro nisso porque o cientista compreende que o que tal conceito designa não é
justamente um objeto, mas sim a tarefa (Aufgabe) de persegui-lo, ou seja, uma mera regra de
como proceder. Por isto, um princípio da “continuação e ampliação maior possível da
experiência”
87
é, neste sentido, meramente regulativo. Assim, a interpretação crítica das idéias
cosmológicas dogmáticas pode (em tese) perfeitamente se referir ao uso ampliado (mas
sempre ainda crítico) das categorias do entendimento.
Mas é preciso reconhecer que o emprego dos três princípios da razão aduzidos no
"Apêndice" tem um outro sentido, na medida em que diz respeito à atividade de
sistematização, que foi o tema central da interpretação desenvolvida acima. Neste caso se
trata do interesse em subsumir as experiências particulares sob princípios cada vez mais
gerais. Acredito que a princípio não é absurdo, como fez Kant, atribuir à razão a tarefa de
sistematização, e mostrar que esta tem a peculiaridade de exigir que se projetem princípios
cada vez mais universais para subsumir os conhecimentos dados. Mas a função de
sistematização é uma função de classificação. Eis por que ela fornece entrada para a CFJ,
como suponho ter demonstrado. Como vimos, tal função é também regulativa, uma vez que à
idéia de sistema não corresponde nenhum objeto, e, sim, uma maneira de proceder, de buscar
semelhanças etc.
A seguir tratarei de um aspecto de um dos princípios aduzidos no "Apêndice", o
princípio da afinidade, que não é tematizado em detalhe na CRP, mas que tem a meu ver um
papel central no que concerne ao lugar sistemático da CFJ na filosofia crítica. Para tanto será
necessário um recurso à primeira edição da dedução transcendental dos conceitos puros do
86
Ak, III: 427.
87
Ak, III: 349.
43
entendimento. Depois, no capítulo III, mostrarei a ligação dos princípios da heterogeneidade,
homogeneidade e afinidade com a dedução do princípio da finalidade formal na CFJ e
argumentarei no sentido de mostrar que, lamentavelmente, o procedimento de atribuir usos
diversos em diferentes contextos a uma regra ou princípio de uma faculdade não pode ser
aplicado ao caso da tese da antinomia da faculdade de julgar teleológica. No último e mais
importante capítulo aplicarei as conclusões sobre este problema à minha proposta de solução
para a antinomia em questão.
44
2 O CONCEITO DE AFINIDADE TRANSCENDENTAL NA "DEDUÇÃO - A": UMA
HIPÓTESE SOBRE O LUGAR SISTEMÁTICO DA CRÍTICA DA FACULDADE DE
JULGAR
A julgar pela correspondência de Kant, a intenção inicial que motivou a escrita da
terceira Crítica era a de desenvolver uma “crítica do gosto”, que posteriormente foi ampliada
para uma crítica da faculdade de julgar. Contudo, parece que o objetivo de Kant desde o
início, mesmo quando o seu projeto estava limitado a uma crítica do gosto, era um objetivo
filosófico-sistemático, relacionado à intenção de completar o modelo metafísico que havia
sido apresentado na CRP
88
. Nesse sentido, a meu ver, a função mais importante da CFJ seria
fundamentar as condições da produção de um sistema empírico da natureza, completando,
assim, a teoria apresentada na "Dedução Transcendental". Essa tarefa foi cumprida apenas
parcialmente através da apresentação de três princípios transcendentais, que na CRP haviam
sido apresentados como uma exigência para o uso lógico-sistemático da razão. Contudo, a
prova da validade desses princípios subjetivos, que seriam posteriormente integrados num
único princípio transcendental, só seria aduzida na "Introdução B" da CFJ
89
.
Meu objetivo central neste capítulo é apresentar uma hipótese para explicar por que
Kant teve de introduzir em sua filosofia teórica uma condição adicional do conhecimento. Ela
consiste em linhas gerais na alegação de que o conceito de afinidade transcendental (ou
objetiva) tem na "Dedução" um significado distinto daquele atribuído ao princípio da
afinidade no "Apêndice à Dialética Transcendental", sendo relevante apenas para explicar a
88
Sobre a evolução do projeto de Kant, cf. o apêndice do livro de Mertens. MERTENS, H.. Kommentar zur
ersten Einleitung in Kants Kritik der Urteilskraft. Muenchen : Berchman, 1975. Cf. tb. ALLISON, H.. Kant`s
Theory of Taste. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. Cf. na nota 6 da introdução o essencial sobre
esse assunto.
89
Com relação à posição de Kant sobre a possibilidade de uma dedução transcendental dos princípios
apresentados no "Apêndice", pode-se dizer que ela não é tão clara como se poderia desejar. Citei no capítulo I
uma passagem (Ak, III: 438) em que Kant nega essa possibilidade com base na consideração de que não é
possível dar uma dedução transcendental de nenhuma idéia, isto é, de nenhum conceito da razão. Entretanto,
mostrarei no subcapítulo 3.2.1 que no próprio "Apêndice", em Ak, III: 442-3, Kant parece aceitar o que antes
recusara. Lá tentarei mostrar que o que é denominado uma "dedução" nessa outra passagem não contradiz, como
pode parecer, a citação anterior. Ou seja, a dedução em Ak, III: 442-3 não se refere a uma prova da validade
45
possibilidade da aplicação dos conceitos do entendimento ao múltiplo intuitivo, mas não para
explicar a sistematicidade da experiência. A despeito da similitude nominal, que parece ligar
o princípio da afinidade ao conceito de afinidade transcendental, ele tem de ser considerado
um princípio distinto, relacionado unicamente àquele objetivo filosófico-sistemático
tematizado no "Apêndice" e depois fundamentado na terceira Crítica. Numa palavra, o
princípio da afinidade (ou continuidade
90
) é um dos princípios transcendentais introduzidos
esquematicamente na teoria da primeira Crítica e representa essencialmente um dos três
aspectos funcionais que seriam atribuídos ao princípio transcendental na CFJ. Sua
importância está em que ele realiza uma tarefa que o conceito de afinidade transcendental foi
apenas por si incapaz de cumprir na "Dedução" e que foi um dos motivos que suscitou mais
tarde a necessidade de introduzir na filosofia teórica um princípio transcendental próprio para
a faculdade de julgar reflexiva
91
.
Para explicar esses pontos, farei em primeiro lugar um comentário sem qualquer
pretensão crítica acerca de alguns dos principais passos da primeira versão da "Dedução
Transcendental"
92
para tornar clara a relação existente no interior da CRP entre os conceitos
de síntese, conciência de si e afinidade transcendental. Com isto, estaremos em condições de
compreender a importância da introdução do princípio da afinidade para o complemento
posterior da teoria do conhecimento de Kant.
Meu comentário se baseia na primeira edição da CRP porque é precisamente na
"Dedução-A" que é introduzido e analisado o conceito de afinidade transcendental.
objetiva dos princípios, mas sim à prova de que essas "máximas" (princípios subjetivos) são indispensáveis
como "princípios regulativos da unidade sistemática do múltiplo do conhecimento empírico em geral".
90
Kant utiliza as duas expressões para se referir ao mesmo princípio.
91
Cf. GUYER, P.."Reason and Reflective Judgment: Kant on the Significance of Systematicity". In: Noûs
24,1990, p. 30.
92
Me referirei a esta parte da CRP com a expressão "Dedução-A".
46
2.1 A "Dedução - A"
Na "Analítica Transcendental"
93
são retomadas algumas das afirmações feitas na
introdução da "Lógica Transcendental"
94
. Até a "Analítica" a possibilidade de existência de
um poder de ligar o múltiplo da sensibilidade por intermédio de conceitos puros é admitida a
título de uma simples concessão. Somente no capítulo sobre a "Dedução Transcendental"
Kant busca aduzir uma prova direta de que o conhecimento humano é dependente não apenas
das condições formais sensíveis demonstradas na "Estética Transcendental", mas também de
certas condições intelectuais. Na "Estética" foi provado apenas que o espaço e o tempo são
formas do nosso poder de intuir e, portanto, que eles constituem condições subjetivas do
conhecimento
95
.
Nas condições intelectuais, caracterizadas por Kant como conceitos puros do
entendimento (categorias), deve se basear o conhecimento entendido como experiência de
objetos. O objetivo central de uma "Dedução" consiste em demonstrar que tais conceitos têm
realidade objetiva, ou seja, possibilidade lógica e real. O conceito de afinidade tem relação
direta com a função das categorias. Ele é introduzido para dar conta da tese kantiana segundo
a qual a capacidade subjetiva de reprodução dos dados sensíveis de acordo com regras de
associação tem de pressupor um fundamento objetivo, o qual torna impossível a apreensão dos
fenômenos, senão sob a condição da unidade sintética desta apreensão. Isto quer dizer que a
afinidade entre os dados sensíveis tem de ser implicada pela necessária conformidade dos
fenômenos à unidade da apercepção (da consciência) e, com efeito, pelas categorias,
entendidas como condições da referência a objetos. Contudo, tentarei mostrar que esse tipo de
afinidade não garante a possibilidade da sistematicidade da natureza de um ponto de vista
93
Ak, IV: 57-8. Passarei a me referir a este capítulo da CRP com a palavra "Analítica".
94
Ak, IV: 47-8.
95
O termo intuição é ambigüo na filosofia de Kant. Ele pode, portanto, fazer referência a um estado da mente, i. é
ao ato de intuir (aspecto subjetivo do termo), ou àquilo que é intuído (às Erscheinungen) (aspecto objetivo do
termo). Nesse sentido, a "Estética Transcendental" visa demonstrar que espaço e tempo são ao mesmo tempo
formas da intuição e do intuir.
47
empírico e que esta sutil dificuldade foi um dos determinantes da escrita de uma Crítica da
Faculdade de Julgar – e não apenas a intenção de produzir uma crítica do gosto, que foi o
inicialmente previsto. Em vista da análise do conceito de afinidade objetiva lá realizada,
intérpretes importantes
96
consideram a exposição da "Dedução-A" indispensável para a
compreensão da tese kantiana acerca da regularidade dos fenômenos. Não me deterei numa
análise sempre linear da prova da validade objetiva das categorias, cujo problema é colocado
na primeira das três partes da "Dedução". Lembro também que meu comentário se
concentrará nas duas últimas partes, pois elas tratam essencialmente da discussão sobre as três
sínteses, a qual conduz à tese kantiana sobre a unidade da apercepção e à caracterização das
categorias como condições de possibilidade da objetualidade do objeto
97
.
A "Dedução" trata de dois pontos que não têm uma relação imediata entre si. O
primeiro diz respeito, como sabemos, à prova de que o conhecimento objetivo depende de
certas condições intelectuais que fundamentam a estrutura cognitiva do sujeito. Por outro
lado, a "Dedução" deve também demonstrar que a conformidade a regras (Regelmässigkeit)
por parte dos fenômenos (Erscheinungen) é produzida através de sínteses puras
98
. No §13,
denominado “Von den Prinzipien einer transzendentalen Deduktion überhaupt”
99
é
apresentado o conceito de uma dedução transcendental. Aqui é formulada propriamente a
questão da "Dedução", ou seja, é indicado o que é preciso ser provado e por que tal prova é
inadiável.
96
Cf. GUYER, P. idem. Cf. tb GUYER, P.."Kant on Apperception and a priori Synthesis“. In: American
Philosophical Quarterly, vol. 17, Number 3, July 1980 e HOPPE, H.. "Die transzendentale Deduktion in der
ersten Auflage". In: Kritik der reinen Vernunft - Klassiker Auslegen (Herausgegeben von G. Mohr und M.
Willaschek). Berlin: Akademie Verlag, 1998. Cf tb. CARL, W.. Der schweigende Kant - Die Entwuerfe zu einer
Deduktion der Kategorien vor 1781. Goettingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1989 e CARL, W.. Die
Transzendentale Deduktion der Kategorien in der ersten Auflage der Kritik der reinen Vernunft - Ein
Kommentar. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1992.
97
O comentário sobre a primeira edição da "Dedução Transcendental" que será apresentado a seguir é baseado
nas teses do artigo do Prof. Guido de Almeida, já citado anteriormente.
98
Ak, IV: 77-8-9.
99
Ak, IV: 68.
48
A primeira afirmação
100
de Kant consiste em dizer que a prova da validade
objetiva de um conceito deve mostrar que ele contém sentido e significado
101
. O que confere
significado (possibilidade real) a conceitos empíricos é a experiência
102
, já que eles são
produzidos precisamente para caracterizar algo na realidade. Por outro lado, para que um
conceito determinado tenha sentido é preciso que ele tenha conteúdo e que este satisfaça
certas condições lógicas. Numa palavra, é preciso que suas notas não sejam contraditórias. O
conteúdo de um conceito é estabelecido pelo conjunto de suas notas particulares (que têm de
ser comuns a outros objetos da mesma classe fenomênica que deve ser identificada)
103
. Neste
sentido, o conceito kantiano de "nota" diz respeito àquilo que torna cognoscível uma coisa.
Notas têm de ser reflexivas (ou seja, abstratas, conceituais) e expressar sempre as qualidades
sensíveis de objetos
104
dados – i. é a produção de conceitos empíricos tem de supor sempre
uma reflexão sobre as qualidades dos objetos
105
de modo que estas sejam interpretadas
abstratamente. Ao representar as características sensíveis do dado, notas expressam
100
Ibid.
101
Ak, IV: 68-9.
102
Ak, IV: 69.
103
Cf. sobre esse assunto Ak, IX: 91 (em particular o capítulo I).
104
Talvez aqui seja o lugar de fazer uma digressão sobre a equivocidade do termo objeto em Kant. É importante
lembrar que o dado intuído pode apenas num sentido impróprio ser denominado "objeto". É verdade que Kant
afirma por vezes que "(...) objetos podem nos aparecer" ("(...) uns (...) Gegenstände erscheinen können" (Ak, IV:
71-2), mas este é um uso pouco rigoroso do termo que ele se permite empregar. Num certo sentido é possível
designar intuições como objetos e afirmar que fenômenos são dados à sensibilidade sem contudo serem
pensados. Isto é possível porque entendimento e capacidade de intuir expressam capacidades heterogêneas,
embora exerçam papéis complementares no processo do conhecimento humano. Mas rigorosamente não há
conhecimento de objetos sem a aplicação de conceitos (cf. Ak, IV: 71 e 165), já que as relações entre as notas
num conceito determinado são constituídas pelas categorias.
105
Não sendo Kant um defensor do inatismo, conceitos - mesmo conceitos puros - em sua filosofia têm sempre
de ser produzidos. Neste ato, a mente tem, por assim dizer, de voltar-se para o dado e compará-lo com outros
dados para destacar qualidades comuns. Indiquei no capítulo anterior que o processo de reflexão em vista da
produção de conceitos empíricos é algo que Kant descreve na sua Lógica como um processo de generalização,
colocando-o ao lado dos atos de comparação e abstração como funcões da faculdade dos princípios. A ação pela
qual são produzidos conceitos é denominada por Kant na segunda edição da CRP "análise" (Ak, III: 109) e
pressupõe necessariamente um múltiplo dado e sintetizado. Portanto, talvez seja possível afirmar que a unidade
sintética leva à unidade analítica da consciência mediante representações comuns (i.e. mediante notas).
Surpreendentemente, no que tange à origem de conceitos puros a partir da teoria da "Dedução-A", parece que a
produção de notas tem de ser logicamente anterior à produção das categorias e, logo, logicamente anterior aos
três atos citados acima, os quais parecem pressupor a produção de conceitos puros. Isso parece contraditório,
mas originariamente cada nota é produzida como um conceito com uso estritamente singular, cujas formas
trazem consigo a produção das categorias. Assim, a seleção de notas comuns é que parece supor os três atos
lógicos. Estas afirmações serão esclarecidas mais à frente, após a introdução do conceito de síntese, e retomadas
no próximo capítulo.
49
simultaneamente características de intuições particulares e conjuntos de regras selecionadas.
Portanto, no que concerne à “dedução” empírica de conceitos , a correspondência aos objetos
da realidade é suficiente para provar a realidade objetiva de nossas representações.
Com efeito, uma dedução apresenta dificuldades apenas quando está relacionada ao
significado de conceitos não-empíricos (puros), como por exemplo os conceitos de substância
ou causalidade. Ou seja, nesses casos é difícil provar que as representações estão de algum
modo relacionadas a objetos
106
. É certo que, contra esta constatação, seria possível objetar que
conceitos matemáticos
107
representam um tipo de conceito puro, que, contudo, se refere de
alguma maneira à realidade. Sem dúvida a filosofia kantiana defende a tese de que os
conceitos da matemática são regras a priori produzidas arbitrariamente
108
em vista da
construção de objetos, os quais podem ser exibidos na forma da intuição empírica. Contudo,
esta classe de conceitos, muito embora seja produzida não-empiricamente (a priori), não pode
a rigor ser designada como pura. Pois o conceito de conceito puro envolve a suposição de que
existem conceitos de objetos em geral, os quais podem contudo representá-los
independentemente de qualquer condição sensível. Além disso, é necessário reconhecer que
os conceitos a priori da matemática podem, por exemplo, representar propriedades
geométricas de objetos, o que os tornaria aptos a serem classificados como conceitos com
conteúdos, o que não pode ser o caso de um conceito absolutamente puro. Assim, o que
oferece propriamente dificuldade é a dedução deste tipo de conceito, o qual não pode ser
utilizado (pelo menos diretamente) para caracterizar objetos particulares. O problema de uma
dedução não-empírica se refere, portanto, à pergunta sobre a possibilidade de relacionar
necessariamente os dados sensíveis através das categorias, ou simplesmente, à questão: como
conceitos (puros) podem ser relacionados a intuições? Uma vez que conceitos puros não são
106
Ak, III: 80.
107
Ak, III: 81-2.
108
Ak, III: 466, "A Disciplina da Razão Pura".
50
predicados intuitivos e muito menos condições de possibilidade da intuição empírica
109
, torna-
se impreterível aduzir uma prova da validade objetiva desses conceitos, i. é uma prova de que
eles fazem referência a objetos. Uma resposta negativa àquela questão abriria caminho para o
ceticismo relativamente à experiência entendida como conhecimento objetivo e, logo, para a
possibilidade teórica da existência de experiências meramente subjetivas. Significa dizer que
abriria caminho, portanto, para a dúvida quanto à possibilidade de conhecer objetos distintos
das nossas representações.
De qualquer forma, o próprio dado intuído tem também de estar apto a ser
organizado pelo entendimento, se é verdade que conceitos puros têm algum significado. Kant
faz um comentário que está relacionado a este ponto ao cogitar a possibilidade de que os
fenômenos (Erscheinungen) não fossem conformes às formas da nossa sensibilidade. O
objetivo inicial da passagem é ressaltar a importância da organização prévia do múltiplo
intuído em vista do uso da legislação do entendimento e da possibilidade do conhecimento,
sobre o que a "Dedução" também tratará:
É claro que os objetos da intuição sensível têm que ser conformes às condições
formais da sensibilidade que se encontram a priori na mente, pois do contrário eles
não seriam objetos para nós
110
(tradução minha).
Rigorosamente, a parte inicial da "Dedução Transcendental" está contida no
§14
111
. O que é apenas prometido no título do parágrafo 13 só seria propriamente fornecido
nessa parte. Ele contém, diz Kant, o “essencial do lado objetivo” da "Dedução", que consiste
na apresentação do seu princípio - no sentido lógico do termo. Assim, a primeira premissa da
prova da validade objetiva das categorias consiste na afirmação (a título de uma hipótese) de
109
Ak, IV: 71-2. "Die Kategorien des Verstandes dagegen stellen uns gar nicht die Bedingungen vor, unter denen
Gegenstände in der Anschauung gegeben werden, mithin koennen uns allerdings Gegenstaende erscheinen, ohne
dass sie sich notwendig auf funktionen des Verstandes beziehen müssen, und dieser also die Bedingungen
derselben a priori enthielte".
110
Ak, IV: 71-2.
51
que os conceitos puros do entendimento são conceitos de objetos em geral
112
- e não
condições de possibilidade da intuição. Trata-se, portanto, de mostrar que as categorias estão
necessariamente ligadas às nossas intuições enquanto condições de possibilidade da
experiência, ou, mais precisamente, trata-se de mostrar que as categorias são de fato tais
condições.
Como enfatizei, a prova de que conceitos encontram objetos na intuição
sensível é dificultada pelo fato de que categorias não têm conteúdo empírico, i. é pelo fato de
que elas representam conceitos que não apresentam notas. Por isto, é fundamental distinguir
as maneiras possíveis de pensar a relação existente entre uma representação em geral com o
seu objeto para tornar clara a função de uma prova da validade objetiva de conceitos puros.
De acordo com isso, Kant afirma que ou bem uma representação é tornada possível pelo seu
objeto, ou bem uma representação torna possível o seu objeto
113
. A primeira possibilidade diz
respeito ao caso dos conceitos empíricos e ao processo de generalização que os torna
possíveis. Relativamente à segunda possibilidade, pode-se perguntar com direito em qual
sentido categorias tornam o objeto possível. Ora, certamente não da mesma forma que um
intelecto criador o faria, mas é plausível, contudo, que a representação torne o objeto possível
não enquanto existente, mas sim quanto ao modo de conhecê-lo. Ou seja, pode ser que
conceitos puros sejam a maneira necessária de pensar os objetos da intuição na medida em
que temos consciência delas.
A segunda possibilidade envolve dois sentidos para a relação, os quais
correspondem à diferenca que pode ser estabelecida entre um intelecto divino
114
e um
intelecto finito. Por oposição ao conceito de intelecto finito, é logicamente possível pensar um
ser cujo conhecimento está sujeito a condições ontológicas, ou que tem como característica
111
Ak, IV: 72-3.
112
Ak, IV: 73-4.
113
Ak, IV: 71-2.
114
Voltarei a discutir o conceito kantiano de "constituição ontológica do conhecimento" no próximo capítulo e
52
um intelecto que assimila condições epistêmicas a condições ontológicas - e, desta forma,
que tem noumena como seus objetos. O contraste metodológico entre o conceito de intelecto
humano com a noção de um hipotético “intelecto intuitivo” é um artifício meramente crítico,
através do qual são destacadas as peculiaridades do conhecimento finito, que tem de envolver
necessariamente dois tipos distintos de representações (intuições e conceitos). Assim, o
conceito de conhecimento discursivo traz como nota a contingência do acordo entre
universais e particulares, uma vez que estes estão fundados na sensibilidade, enquanto aqueles
no entendimento, o qual tem uma função absolutamente heterogênea. Diferentemente do
intelecto divino, o nosso conhecimento só tem acesso a particulares enquanto instâncias de
conceitos. Por isto, aliás, Kant afirmaria na CFJ que o intelecto finito parte no processo
cognitivo do analítico-universal para o particular. E que, por outro lado, o intelecto intuitivo
caminha "do universal-sintético" (da intuição de um todo enquanto tal) para o particular, i. é,
do todo para as partes
115
.
Na "Estética Transcendental" foi demonstrado que espaço e tempo são condições
de possibilidade das nossas intuições. Além disso, sabemos a priori que não criamos os
objetos correlatos de nossas representações. De saída, portanto, está excluída a possibilidade
de demontrar que as categorias são condições dos próprios objetos das nossas representações.
A "Dedução" deve então provar que as categorias são, sim, condições de possibilidade apenas
do conhecimento de objetos e, nesse sentido, que elas são condições da experiência entendida
como conhecimento empírico. Entretanto, a prova da validade objetiva desses conceitos
requer não apenas a demonstração de que eles constituem a forma de um objeto em geral. É
preciso, sobretudo, garantir que eles são de fato condições da experiência, uma vez que as
condições de possibilidade do intuir são distintas das condições do pensamento - o que
equivale a dizer que é em princípio possível intuir sem pensar. É preciso então provar que
principalmente em 4.1.
115
Ak, V: 406-9.
53
nossas intuições se conformam necessariamente a conceitos de objetos, sem contudo provar
que estes são condições das próprias intuições.
Para tanto é necessário examinar como os conceitos do entendimento são
produzidos. Como o que motiva o processo de formalização expresso na argumentação
transcendental é a possibilidade de dúvida acerca da necessidade de subsunção de intuições a
conceitos, o ponto de partida da "Dedução" tem de ser uma consideração aceita pelo cético no
campo do conhecimento. Kant irá afirmar que, como uma condição necessária da sua própria
dúvida acerca de um suposto poder de conhecer objetos distintos de nossos estados subjetivos,
o cético tem de admitir que sabe que tem intuições. A necessária admissão da consciência que
temos das intuições enquanto representações em nós será então utilizada a título de uma
premissa adicional na argumentação kantiana posterior. Já em vista da análise que será
realizada na discussão das duas últimas partes, são apontadas ao fim da primeira seção da
"Dedução Transcendental" três fontes (Quellen) subjetivas do conhecimento
116
às quais
devem corresponder respectivamente três resultados (ou produtos) : o sentido (fonte da
sinopse
117
), a imaginação (fonte das sínteses), que deve ter a função de restringir o múltiplo
visto sinopticamente às condições necessárias para a aplicação do conceito, e a apercepção,
responsável pela unidade, através do pensamento do múltiplo através de conceitos. A
argumentação subsequente é baseada na descrição dessas operações mentais necessárias para
tomar (aufnehmen) o que é dado na intuição e submetê-lo ao que é pensado num objeto. Ou
seja, a análise dos conceitos dessas faculdades é que deve propriamente conduzir à explicação
de como são produzidos conceitos puros de objetos. Os tópicos desenvolvidos na segunda
parte (A95-114) da "Dedução" são retomados e sistematizados na terceira seção (A115-130).
116
Ak, IV: 74.
117
Em Ak, IV: 74 Kant afirma que a “sinopse do sentido” é algo que já foi estudado na "Estética Transcendental",
o que torna a sua assimilação à primeira síntese problemática. De qualquer modo, a expressão usada por Kant
(Synopsis) se refere ao termo alemão Zusammenschau ("visão em conjunto" ou "exibição conjunta" são possíveis
traduções), que parece dar conta precisamente de um estado mental (anterior à síntese da apreensão) relativo à
visão em conjunto de um múltiplo de dados empíricos (não-organizados).
54
No que segue comentarei sumariamente o essencial do pensamento de Kant nessas duas
últimas partes, buscando compatibizar as afirmações nelas contidas e sem me preocupar
rigorosamente com a ordem em que são apresentadas. Por fim, indicarei os motivos pelos
quais a teoria da afinidade transcendental contida na "Dedução" não é capaz de explicar
totalmente a possibilidade do conhecimento, exigindo condições complementares que só
seriam detalhadamente introduzidas na parte da filosofia teórica contida na última Crítica.
A segunda seção começa com algumas considerações que tematizam a importância
do dado sensível relativamente às nossas pretensões de conhecimento. O assunto central do
capítulo refere-se à descrição do processo de síntese, que é apresentado a título de uma
"dedução subjetiva". Kant distingue a dedução subjetiva
118
da dedução objetiva
119
. A primeira
deve conter a segunda e visa explicar as ações fundamentais realizadas pelas faculdades da
mente em vista da constituição da experiência. É digno de nota que, muito embora seja
verdade que o termo "faculdade" tem, por assim dizer, lastro metafísico, o seu sentido na
discussão kantiana é claramente outro, relacionado ao conceito de conhecimento discursivo.
Com efeito, a análise da atualização dos poderes mentais
120
envolvidos na constituição do
conhecimento empírico obedece a concepção kantiana de filosofia, que é caracterizada como
um conhecimento racional puro por conceitos, ou seja, ela é realizada através de uma
investigação analítica das fontes transcendentais da experiência humana
121
. Esta investigação
é descrita precisamente na dedução subjetiva, que já representa o princípio da demonstração
de que o conceito de experiência, entendida como conhecimento empírico, tem
necessariamente de envolver a existência de categorias. Por isto a denominada dedução
objetiva deve estar contida na subjetiva, na medida em que ela envolve apenas a exposição da
tese (§14) de que objetos só podem ser pensados através de conceitos puros.
118
Ak, IV: 10
119
Ak, IV: 723-75-83-5.
120
O conceito kantiano de mente está ligado unicamente às condições lógicas do conhecimento discursivo e,
portanto, às regras, ou condições, do nosso conhecimento.
55
A unidade apresentada pelo conhecimento permite supor que o múltiplo intuído
deve estar associado de algum modo à espontaneidade do sujeito cognoscente. A
espontaneidade
122
da imaginação é tematizada particularmente na exposição dos seus atos,
que são representados pelas denominadas sínteses. A imaginação foi colocada por Kant ao
lado do poder de intuir
123
e é, portanto, uma capacidade ligada ao modo de ser da
receptividade. Não obstante, o poder de imaginar é caracterizado também como parcialmente
ativo, uma vez que ele é diretamente responsável não apenas pela formação das intuições
empíricas, mas aparentemente também pela unificação de imagens não-empíricas no espaço-
tempo. Numa linguagem mais kantiana, a sua função é produzir "sínteses" (cognicões), as
quais consistem em formas sensíveis que, por assim dizer, preparam o múltiplo intuído para o
conhecimento objetivo - consequentemente, o ato de síntese é introduzido como uma
operação da imaginação logicamente anterior
124
à produção e ao uso de conceitos. Os dois
atos de síntese iniciais (apreensão e reprodução) são subdivididos em empírico e puro
125
,
muito embora esta classificação não seja absolutamente clara. Esta constatação se deve ao
fato de que as três sínteses indicadas nessa seção (apreensão, reprodução e recognição)
deveriam estar relacionadas, em princípio, apenas ao acrescentar de representações dadas a
outras representações empíricas segundo relações de sucessividade e justaposição impostas
pela estrutura da nossa receptividade. No entanto será preciso reconhecer que não apenas as
duas primeiras, mas sobretudo a síntese da recognição em particular parece envolver algo
mais além da mera sensibilidade.
Em apoio a este ponto, é interessante notar que não é clara também a associação da
divisão de capacidades apresentada por Kant anteriormente à descrição das sínteses.
Entretanto, deve haver uma relação, posto que a unidade da apercepção (da consciência) é o
121
Ak, IV: 75-6. Cf. tb a "Disciplina da Razão Pura".
122
Ak, IV: 75-6.
123
Ak, IV: 74.
124
Ak, IV: 64. Cf. tb. Ak, III: 107.
56
tema central da terceira síntese, denominada "síntese da recognição no conceito"
126
. Pode-se
afirmar então que, a rigor, os sub-atos da imaginação são descritos apenas na "síntese da
apreensão na intuição" e na "síntese da reprodução na imaginação
127
", já que a produção de
conceitos é algo que tem de depender integralmente do entendimento – e não da sensibilidade.
Kant usou de fato a expressão "síntese da recognição" para intitular a descrição da "ligação"
128
(Verbindung) (ou "unidade"), que é o momento em que o resultado das duas primeiras
sínteses é subordinado a um conceito, ou seja, o momento no qual o entendimento eleva a
síntese a conceitos. Ora, ao que parece, referir-se a este instante como contido em uma das
sínteses constitui um uso impróprio do termo, já que a função de sintetizar é claramente
atribuída à imaginação
129
. O ato de recognição caracteriza a identificação do objeto no
conceito e deve assim pertencer ao entendimento.
Como é possível compreender o múltiplo dado numa representação intuitiva? Essa
questão é respondida na análise das duas primeiras sínteses. Assim como a unidade da
intuição empírica supõe a síntese de um múltiplo empírico, deve haver também uma síntese
de um múltiplo não-empírico (logo pura, a priori), caracterizada precisamente pelos atos de
apreender e de reproduzir pontos do espaco e do tempo para formar a estrutura coesa de uma
intuição pura, portanto não conhecida por sensação. O primeiro ato da mente é descrito na
síntese da apreensão, através da qual os dados sensíveis são percorridos, o que tem de se dar
sucessivamente
130
. Como toda síntese envolve necessariamente dois lados, há uma síntese
empírica da apreensão (efetivada pelo percurso do conteúdo empírico, i.é da matéria da
intuição), bem como uma síntese pura da apreensão (realizada através do percurso de um
múltiplo não-empírico (do espaço-tempo considerado formalmente), caracterizada pelo
125
Ak, IV: 78-9.
126
Ak, IV: 79.
127
Ak, IV: 77-8-9.
128
Sobre o conceito de ligação, cf. preferencialmente a edição B. Por exemplo, Ak, III: 107.
129
Ak, IV: 64.
130
Ak, IV: 77. "(...) erstlich das Durchlaufen der Mannigfaltigkeit und dann die Zusammennehmung derselben".
57
percurso de um múltiplo de posições ordenadas relativamente às coisas (justaposição) e ao
sujeito (sucessividade)). Entretanto, cada momento do ato de apreender elementos do múltiplo
sensível apresenta simultaneamente uma nova imagem, que gradativamente, por assim dizer,
se enriquece, uma vez que cada elemento já percorrido e retido (aufgenommen) tem de ser
reproduzido. Este segundo ato da imaginação é descrito na síntese da reprodução
131
, que é
responsável pela compreensão do múltiplo numa imagem. Da mesma forma que o primeiro
ato, a reprodução do dado apreendido inclui algo mais além de uma síntese meramente
empirica
132
. Como já foi indicado, a idéia que parece estar por trás desta afirmação consiste na
complexa tese de que é possível operar os atos da imaginação mesmo sem conteúdos
empíricos. Esta tese kantiana traz consigo a difícil suposição de que o ato de imaginar, muito
embora ligado à sensibilidade, tem de ser capaz de produzir a priori imagens não-empiricas
(esquemas
133
) e que, portanto, a imaginação deve atuar não apenas empiricamente, mas
tambem produtivamente. É difícil, entretanto, distinguir claramente no texto da "Dedução-A"
quando exatamente Kant está descrevendo os lados puro e empírico da apreensão e da
reprodução do múltiplo. E de fato nota-se que certos intérpretes sequer conseguem identificar
qualquer distinção entre os lados não-empirico e empírico do processo de síntese
134
.
As duas funções de síntese concernem ao elemento dinâmico do conhecimento. A
espontaneidade da imaginação se expressa no ato de produzir um múltiplo ligado segundo
uma imagem distinta, uma cognição
135
(Erkenntnis), que é o que pode rigorosamente ser
denominado resultado da função de síntese - a expressão das Erkenntnis designa o resultado
de uma operação que deve garantir a “unidade”, a coesão, dos dados intuídos. Naturalmente,
uma cognição constitui ainda um conhecimento incompleto, na medida em que se refere
131
Ak, IV: 77-8.
132
Ak, IV: 78-9.
133
A rigor, os esquemas não são imagens, mas regras para a formação de imagens.
134
Cf. HOPPE, loc. cit., p. 174.
135
A expressão alemã usada por Kant para se referir ao resultado do ato de síntese é das Erkenntnis (e não die
Erkenntnis).
58
apenas a um dos elementos do conhecimento
136
. Este fato acentua que o ato da imaginação
tem de ser logicamente anterior à produção de conceitos e, portanto, a expressão "unidade do
dado intuído" tem neste caso ainda um sentido fraco, referente apenas ao conjunto dos
elementos empíricos retidos em cada aparição (Erscheinung) sintetizada e retida na formação
daquilo que é imaginado.
A última síntese tematiza a questão da unidade originária da consciência, que
constitui o passo decisivo para a prova de que nossas intuições estão necessariamente
relacionadas a conceitos de objetos. Conforme ao que foi adiantado, o ato de recognição tem
de pertencer ao entendimento e, portanto, o uso da expressão “síntese” é equívoco no título
"síntese da recognição". Isto por que certamente a operação da imaginação tem
necessariamente de ser logicamente anterior à produção de conceitos, já que ela realiza um ato
de concatenação de dados sensíveis no espaco e no tempo que constitui cada imagem intuída.
Não obstante, a expressão "recognição" (ou reconhecimento) refere-se ao ato através do qual
o sujeito tem consciência da identidade dos dados reproduzidos. O objetivo desta parte é
enfatizar que para que haja de fato conhecimento (die Erkenntnis) tem de haver, além da
apreensão e reprodução de dados, a relação destes dados com uma intenção originária de
constituição de objetos, a qual visa precisamente relacionar cada nova imagem reproduzida à
mesma coisa que é tematizada por ocasião de um ato de síntese. Numa palavra, para que haja
conhecimento em sentido estrito tem necessariamente de haver identificação e reidentificação
do dado sensível. Isso quer dizer que o múltiplo reproduzido em cada Erscheinung tem de ser
acompanhado da consciência de que a imagem fornecida é a cada vez a imagem de um
mesmo objeto
137
. Essa relação é o que permite que o dado possa ser pensado como algo que
136
Cf. a "hierarquia" das representações apresentada por Kant em Ak, IV: 203.
137
Consideremos, por exemplo, cinco imagens (x1, x2, x3, x4, x5) apreendidas respectivamente nos tempos t1,
t2, t3, t4 e t5. Ora, em cada um dos tempos essas imagens têm de ser não apenas percorridas, mas também
reproduzidas. Neste sentido, por exemplo, em t5 a imagem x1 tem de ser identificada como a mesma imagem
que foi anteriormente reproduzida em t1, enriquecida, porém, com os novos dados adicionados em t2, t3, t4 e no
próprio t5.
59
pertence (ou não) à imagem que é a cada vez reproduzida.
Entretanto, a consciência da identidade das imagens, que permite reconhecê-las
enquanto imagens de um objeto, tem de supor a produção de conceitos. Pois o "ser objeto", a
saber, aquilo que constitui a identidade de um múltiplo sintetizado, não pode ele mesmo ser
intuído. A unificação das sínteses (imagens) só pode ser efetivada através da produção de
representações abstratas das sínteses particulares, ou seja, através da produção de
representações por notas comuns. A ligação das cognições por intermédio de um conceito é o
que torna possível pensar as representações como representações de uma mesma coisa. Este é,
portanto, o momento preciso em que a síntese é subordinada a um conceito, ou seja, é o
momento no qual uma síntese é, por assim dizer, traduzida abstratamente por intermédio da
produção de um conceito empírico pelo entendimento. É esta faculdade que eleva a síntese a
regras. O conceito empírico representa uma regra que relaciona as notas que caracterizam
abstratamente cada uma das diversas Erscheinungen sintetizadas e as conecta, permitindo
assim a identificação de diversas imagens reproduzidas em tempos e lugares distintos como
sendo representações de um mesmo objeto. A importância da função da regra empírica
produzida por ocasião do ato de síntese relativamente ao nosso conhecimento pode ser
verificada na resposta fornecida por Kant a uma questão sobre a relação existente entre
conhecimento e objeto: "O que se entende pois, quando se fala de um objeto correspondente
ao conhecimento e, portanto, também dele distinto?“
138
(tradução minha). A resposta vem em
seguida:
Nós achamos, porém, que o nosso pensamento da relação de todo conhecimento ao
seu objeto comporta algo de necessário, já que este é visto, a saber, como o que é
contrário a que nossos conhecimentos se determinem ao acaso ou arbitrariamente,
mas sim sejam determinados a priori de certo modo. Porque, devendo referir-se a um
objeto, devem também concordar de maneira necessária entre si com referência ao
mesmo, isto é, devem ter aquela unidade que constitui o conceito de um objeto
139
(tradução e negrito meus).
138
Ak, IV: 80.
139
Ak, IV: 80.
60
Nesta passagem é afirmado que o pensamento da relação do conhecimento com um
objeto é “(…) o que é contrário (…)” a uma determinação qualquer dos dados intuídos.
Assim, para haver conhecimento, nossas representações têm de ser submetidas a uma
exigência que é colocada de maneira necessária. Com essa afirmação Kant associa o
reconhecimento de uma síntese num conceito à tomada de consciência. A produção do
conceito desperta a consciência reflexiva, que é um resultado do ato de produção da
representação conceitual para interpretar abstratamente a cognição formada. A consciência,
também genericamente denominada por Kant "apercepção
140
", não pode, portanto, ser
despertada no próprio momento da realização do ato de ligação, uma vez que a atenção
141
para o estado subjetivo tem de pressupor não apenas a produção da modificação mental, mas
também a caracterização dos próprios estados por intermédio de um conceito. Estas
afirmações podem ser atestadas pela seguinte passagem, relacionada à explicação do despertar
da apercepção do eu como uma consequência da produção do conceito:
(…) pois este conceito consiste unicamente na consciência desta unidade da síntese.
A palavra conceito poderia já por si nos conduzir a esta observação. Pois esta uma
consciência é o que unifica o múltiplo (um a um intuído e depois também
reproduzido) em uma representação. Essa consciência pode frequentemente ser
apenas fraca, de tal modo que nós só a conectamos no efeito, não no próprio ato,
isto é, imediatamente com a produção da representação
142
(tradução e grifo meus).
Como intuições e conceitos designam representações heterogêneas, é logicamente
140
O termo apercepção pode designar a conciência empírica (que é a consciência caracterizada por Kant como "a
unidade subjetiva da apercepção" - cf. Ak, III: 112 (parágrafo 18) ou a própria consciência de si (caracterizada
como "unidade objetiva da apercepção" - ibid..). Consciência dos estados e consciência de si dividem entre si o
todo da consciência de um sujeito que pensa e, nessa medida, representam funções do entendimento - cf.
ALMEIDA, G. de. Loc. cit.. Para haver consciência de si é preciso saber que nos encontramos em determinados
estados subjetivos. Por outro lado, para termos consciencia de estados é preciso saber que eles são estados de um
mesmo sujeito. É preciso então distinguir os conceitos de consciência empírica, que é aquela que o sujeito tem
dos seus estados, do conceito de consciência de si como um sujeito numericamente idêntico desses estados, "que
não é empírica, mas sim a priori e originária relativamente ao conhecimento dos objetos externos" (Ibid.). Por
ser originária, Kant afirma na primeira edição da CRP que "a apercepção pura fornece um principio da unidade
sintética do múltiplo em toda intuição possível" (Ak, IV: 86). O termo "apercepção pura" designa a consciência
de si, qualificada como uma condição formal, portanto, a priori (não-empírica), da consciência empírica - pois a
identidade é algo que não pode ser dado em nenhum tipo de intuição. A expressão "unidade sintética do
múltiplo" refere-se ao conceito de "objeto". Tento mostrar no que segue que a tese desta edição parece consistir
na idéia de que a consciência de si fornece o princípio do conhecimento objetivo.
141
Sobre o conceito kantiano de "atenção" (attentio) voltarei a falar no próximo capítulo deste trabalho.
142
Ak, IV: 79-80.
61
possível admitir a existência de uma espécie de consciência pré-conceitual (não-
proposicional, meramente sensível), a qual já estaria presente nos instantes iniciais do ato de
síntese e que seria anterior à produção de conceitos. Ao contrário, a consciência reflexiva
pode ser descrita com a expressão "saber que", que se refere precisamente a um saber
proposicional. Eis por que a expressão "ter consciência" está relacionada rigorosamente a
um saber conceitual (abstrato). A forma do fenômeno que envolve simultaneamente a
conciência de si e a consciência empírica dos estados pode ser descrita com a função
proposicional "eu sei que eu x", onde x é um predicado (uma caracterização conceitual) de um
estado mental qualquer. É sempre preciso haver consciência de estados (caracterizados por
conceitos que os distinguem) para que possa haver consciência de si - isto é a identificação de
que sou um sujeito de estados quando nos referirmos a nós mesmos pelo termo "eu". A
referida função proposicional designa, portanto, uma descrição do eu, e não uma descrição de
x. Ora, é verdade que ao pensar que estou num certo estado, tenho necessariamente de saber
que sou um sujeito de uma diversidade de estados, muito embora seja possível ter uma
modificação mental qualquer sem que a identifiquemos conceitualmente
143
. Este caso
representa a hipótese na qual existe certamente uma consciência imediata, contudo sem
qualquer referência à classificação de quem eu sou
144
. Ao que parece, a consciência de efetuar
sínteses aponta inicialmente para um exemplo como este, que seria o de uma espécie de
consciência pré-conceitual, já que as sínteses efetuadas, segundo a teoria da "Dedução-A",
não são realizadas segundo conceitos. Essa possibilidade não impede contudo a admissão de
que, num momento logicamente posterior, a síntese possa ser elevada a conceitos - o que de
fato acontece no ato de recognição.
Mas a partir do que foi dito acima ainda não está claro como conceitos puros podem
143
Cf. ALMEIDA, G. de. Ibid.
144
Ibid.
62
ser produzidos a partir do último ato, a recognição. Nas duas versões da "Dedução"
145
a
consciência de si é apresentada por Kant como dependente
146
de uma função cognitiva, que é
precisamente o poder de efetuar sínteses
147
. Na segunda edição a síntese é um ato segundo
conceitos, ao passo que na primeira consiste apenas num ato de síntese. Na "Dedução-A" a
atenção para o próprio estado suscitada pelo ato de síntese tem de envolver, portanto, (1) a
produção de representações por notas comuns a partir de dados sintetizados em vista da
identificação destes dados e (2) a consequente descrição conceitual do próprio ato de
representar proposicionalmente. Depreende-se então que toda representação conceitual tem de
ser produzida por ocasião da experiência. De acordo com isto, pode-se dizer que a hipótese de
Kant na edição A defende a idéia de que os conceitos puros do entendimento têm origem, por
assim dizer, através do acréscimo da consciência de si à função de síntese. No entanto, é o
exercício desta função que torna possível que o sujeito se aperceba de si. No momento em
que se pensa o que é feito na operação do ato de síntese são produzidos conceitos que
representam sínteses particulares. Ao expressar abstratamente a função de síntese, a regra
empírica deve tornar possível não apenas a classificação de uma síntese particular, mas
também, num segundo passo, a referência ao sujeito que representa o ato realizado através do
conceito “eu”. Os conceitos puros do entendimento são por fim produzidos a título de
representações da forma das sínteses em geral
148
, ou seja, abstração feita da diversidade das
sínteses particulares. Por conseguinte, as categorias não representam outra coisa senão a
forma de conceitos empíricos.
É indiscutível que a doutrina da "Dedução-A" traz consigo várias dificuldades,
relacionadas sobretudo ao modo pouco claro que por vezes Kant se permite para expor suas
teorias. Nesse sentido é preciso por um lado reconhecer que não é evidente por que a
145
Ak, IV: 82 e III: 109.
146
Ak, IV: 82 e principalmente Ak, IV: 91.
147
Cf. ALMEIDA, G. de. Ibid.
148
Ak, IV: 79-80. Cf. tb. ALMEIDA, G. de. Ibid.
63
realização do ato de síntese desperta a atenção para a consciência de si, uma vez que, sendo
por definição um ato atribuído à imaginação, ele poderia ser efetuado independentemente do
seu pensamento mediante conceitos. Por outro lado, a intenção de ligar a produção das
categorias ao acréscimo da consciência de si a atos de sínteses deveria ter sido igualmente
melhor esclarecida. Com relação à origem dos conceitos puros, parece que ela depende da
existência de uma espécie de unidade originária que, por assim dizer, se dirige àquilo que é
dado na sensibilidade; é essa junção que de algum modo torna possível a produção de
conceitos determinados, os quais servem para conferir ao múltiplo as relações que os
constituem como objetos
149
.
O resultado geral da "Dedução Transcendental" consiste na prova de que o múltiplo
da intuição empírica no espaço e no tempo pode
150
ser necessariamente subsumido a conceitos
de objetos. Neste capítulo da primeira Crítica Kant acredita ter fornecido provas do modo
específico como cada categoria é usada para a distinção entre a ordem objetiva dos fenômenos
e a ordem subjetiva das percepções. Tais provas visam demonstrar que o mundo fenomenal é
constituído por objetos que estão necessariamente relacionados na experiência possível
(empírica) pela lei da causalidade natural eficiente. Além isso, a CRP demonstra que a
constituição da objetualidade dos objetos da experiência, i. e. a aplicação das categorias e
princípios do entendimento aos dados da intuição empírica, está necessariamente relacionada
à consciência de si.
Feitos estes esclarecimentos sobre alguns dos conceitos essenciais da "Dedução",
podemos passar ao ponto que quero realmente acentuar.
149
Ibid... Cf. tb. a passagem em Ak, IV: 64, na denominada "Dedução Metafísica": "Die reine Synthesis,
allgemein vorgestellt, gibt nun den reinen Verstandesbegriff."
150
A expressão "pode" me foi sugerida pelo Prof. Guido, visto que algo pode em princípio ser dado sem ser
pensado.
64
2.2 A insuficiência da teoria da afinidade transcendental relativamente ao problema da
sistematização empírica do conhecimento
No que concerne propriamente aos meus objetivos neste trabalho, é digno de nota
que a tese kantiana segundo a qual a consciência de si está necessariamente ligada à
possibilidade do conhecimento objetivo contém também a idéia de que a unidade da
consciência de si é uma condição de possibilidade da afinidade transcendental ou objetiva, i.
e. da afinidade existente entre os fenômenos que, em conjunto, formam o que Kant entende
por natureza. Este tipo de afinidade pode ser caracterizado como o correlato objetivo da
unidade da consciência de si, uma vez que de algum modo o múltiplo sensível tem de ser
conforme às regras a priori do entendimento para garantir a possibilidade da unidade da
experiência. Por unidade da experiência entendo aqui, em linhas gerais, a subsunção de
intuições empíricas a conceitos empíricos, que é precisamente o que seria impossível sem um
grau mínimo de conformidade do múltiplo a leis transcendentais. Ora, no âmbito da
"Dedução-A" Kant afirma textualmente
151
que a mera aplicação das categorias e princípios do
entendimento ao dado sensível é o bastante para constituir a afinidade objetiva e que, com
efeito, todas as condições necessárias para tornar possível a unidade da experiência estariam
satisfeitas. O percurso do pensamento de Kant que conduz a esta conclusão pode ser resumido
no que segue.
Ao estudar à síntese da reprodução na imaginação, Kant faz quatro
af
(1) O processo geral de síntese do múltiplo dado tem de envolver, além da
irmações
152
:
151
Ak, IV: 85-6. Kant afirma nesta passagem (reproduzida integralmente nesse trabalho mais à frente) que a
afinidade empírica é uma mera consequência (Folge) da afinidade transcendental. Reconheço que tenho uma
certa dificuldade para distiguir esses dois conceitos. De qualquer forma, parece-me que a afinidade
transcendental (que é obtida por intermédio da produção das categorias) pode garantir apenas a consciência de si,
mas não a continuidade entre os conceitos determinados (empíricos) que são formados para classificar sínteses
particulares. Contudo, visto que as categorias são formas de conceitos empíricos (conceitos formais), uma
questão se coloca: como as categorias podem ser produzidas sem que conceitos empíricos também sejam
produzidos? Talvez seja por isso que Kant tenha se referido à afinidade "empírica" como uma "mera
a afinidade transcendental. Mas não tenho absoluta certeza disto. consequência" d
65
apreensão dos dados, a conexão
153
(Verknuepfung) das representações. É um fato, portanto,
que representações em nossa mente (Gemuet) estão dadas como um múltiplo de elementos
independentes, mas elas estão também relacionadas (conectadas) segundo as leis da
associação.
(2) Tem de haver regularidade (Gesetzmaessigkeit) nos objetos da intuição
empírica. Com efeito, é preciso que os fenômenos (Erscheinungen) tenham uma certa
regularidade para que nossas representações se apresentem também de modo regular.
(3) A síntese da apreensão tem por condição uma síntese da reprodução, i. e. uma
conexão regular das representações entre si.
(4) A síntese da apreensão não poderia se realizar sem a simultânea reprodução na
imaginação daquilo que foi feito nos momentos anteriores. É preciso, portanto, que sejamos
capazes de reapresentar ao longo do processo aquilo que retemos sucessivamente.
Relativamente ao problema da imposição da afinidade objetiva aos fenômenos,
estes tópicos resumem o essencial do texto da "Dedução-A". Se nos atemos rigorosamente à
letra de Kant, nota-se que é afirmado aí que o ato de síntese do múltiplo apreendido na
sucessão tem de ser efetivado segundo regras que ligam os elementos apreendidos segundo
relações de semelhança, contiguidade, simultaneidade etc. Com isto, o conceito de síntese é
então ampliado, na medida em que parece envolver algo mais além de uma mera apreensão
sucessiva. A expressão "reprodução" substitui o termo empirista "associação". Contudo, a
posição kantiana é frontalmente antagônica à acepção empirista, segundo a qual a mente
humana apresenta pelo hábito uma propensão a antecipar uma determinada representação B a
uma representação A dada - ainda que B não esteja dado em presença. Na teoria da
"Dedução", diferentemente, cada dado sintetizado tem de ser sintetizado precisamente como
uma condição temporal prévia e necessária de outro elemento. Ora, certamente a observação
152
Ak, IV: 77-8.
153
Alguns autores usam associação para traduzir Verknuepfung. Mas Kant utiliza Vergesellschaftung como o
66
empirista é correta
154
, uma vez que é um fato empírico que certas representações se
relacionam com outras representações. Entretanto, diz Kant, tal relação não é possível se os
objetos não impõem isso de algum modo. Com efeito, do ponto de vista meramente subjetivo,
sínteses são todas iguais - ou seja, a apreensão das partes de um dado intuído não é distinta da
apreensão deste dado como um todo. Mas a intuição de objetos estáveis ou de eventos tem de
supor haver na síntese uma regra que é objetiva. Se os fenômenos (Erscheinungen) não
estivessem submetidos a uma regra, a imaginação não poderia ser exercitada, pois nesta
hipótese as coisas variariam arbitrariamente, o que inviabilizaria a possibilidade de qualquer
função de síntese. Assim, para que os atos da imaginação possam ser efetivados é necessário
que as próprias coisas ofereçam um cenário regular que garanta a associação dos elementos
apreendidos no primeiro sub-ato de síntese.
A despeito da aparente plausibilidade da passagem sobre a síntese da reprodução,
há nela uma dificuldade central que subjaz às duas primeiras alíneas
155
. Ela consiste na tese de
que a reprodução dos fenômenos supõe uma unidade sintética e necessária dos próprios
fenômenos. Intrinsecamente, o conceito de síntese não supõe qualquer ato intelectual que
conduza à produção de regras. Logo, a expressão "unidade da síntese" deve em princípio
remeter ao simples resultado da imaginação. Contudo onde há necessidade, tem de haver, por
assim dizer
156
, transgressão da experiência. Portanto, na passagem considerada a expressão
referida tem de estar ligada à relação necessária dos aspectos do objeto com um princípio a
priori e parece adiantar o significado da expressão unidade sintética do múltiplo, que é
utilizada mais adiante
157
. Por meio desta expressão Kant entende a unidade que resulta do fato
de pensarmos os dados da intuição como Erscheinungen de um objeto. Por "unidade sintética
termo germânico correspondente ao Fremdwort Assoziation.
154
Ak, IV: 77-8.
155
Ibid..
156
Obviamente, a experiência depende de princípios a priori, portanto universais e necessários, mas estes não
podem ser obtidos indutivamente.
157
Ak, IV: 86-7.
67
do múltiplo da intuição em geral" entende-se a unidade formal que resulta do fato de
pensarmos os dados da intuição, abstração feita de sua diversidade, como conformes ao
conceito formal de um objeto qualquer, ou seja, em conformidade com as categorias.
Sabemos, portanto, que representações são precisamente representações de objetos se elas são
ligadas de uma maneira necessária. Se isto ocorre, pode-se afirmar que há unidade objetiva
-se que a função de síntese
naquilo que é sintetizado pela imaginação.
A mencionada dificuldade conduz a um sutil e grave problema teórico diretamente
relacionado à questão da afinidade objetiva dos fenômenos. Ele pode ser identificado ao
percorrermos regressivamente (no sentido condicionado-condição) a sequência que subjaz à
teoria exposta até o final da parte sobre a síntese da reprodução. De acordo com essa cadeia
conceitual, [a] temos o poder de intuir e através dele temos ocorrências mentais a título de
representações sensíveis. Representações intuitivas [b] supõem a afecção pelo sujeito de um
múltiplo sensível dado. Antes da formação da representação intuitiva [c] é preciso, entretanto,
que o múltiplo dado seja percorrido sucessivamente e compreendido como um todo, o que é
realizado pela síntese da apreensão, que é divisiva e coletiva. [d] Por sua vez, a síntese da
apreensão tem por condição a síntese da reprodução, pois aquela não poderia se realizar sem a
paralela reprodução do que foi retido nos instantes anteriores. [e] Contudo, é uma condição
necessária da síntese da reprodução que os próprios objetos (Erscheinungen) tenham
regularidade, ou seja, é preciso que eles sejam reprodutíveis. [f] A regularidade dos
fenômenos supõe a unidade objetiva da síntese. [g] Donde obtém
tem de ser pensada através de conceitos puros, i. é de categorias.
O problema consiste, portanto, na conclusão representada pelo tópico [g]. É
necessário reconhecer que, se essa cadeia conceitual é de fato verdadeira, isto é se ela
corresponde de fato às intenções de Kant, o problema descrito no parágrafo 13 tem de ser
considerado um pseudo-problema. Pois diante do percurso indicado depreende-se que as
68
categorias seriam em última análise (e surpreendentemente) condições de possibilidade da
intuição empírica. Esta é uma interpretação sem dúvida controversa, mas possível. E
realmente, em apoio a essa interpretação, na "Dedução-A" por mais de uma vez é admitido
que a mera aplicação das categorias e princípios do entendimento ao dado sensível é o
bastante para constituir a afinidade objetiva dos fenômenos (objektive Affinitaet der
Erscheinungen) - no texto sobre a síntese da reprodução a afinidade é condicionada pela
unidade objetiva da síntese. Ora, na edição A a consciência de si é tornada possível pelo
exercício da função de síntese, que, ao ser pensada pelo sujeito, torna possível a produção de
conceitos empíricos e com eles as categorias como representações das sínteses em geral. Entre
estas regras está o princípio da possibilidade da reprodução do múltiplo, que naturalmente é
derivado por Kant imediatamente da unidade da conciência de si, isto é da unidade da
apercepcão originária q
e,
s estão ma conexão completa segundo leis necessárias e, portanto,
numa afinidade scendental, da qual a empírica é mera consequência
158
uando esta é acrescida à função de síntese.
O fundamento da possibilidade da associação do múltiplo, na medida em que ele (o
múltiplo) está no objeto, chama-se a afinidade do múltiplo. Eu pergunto, portanto,
como tornais compreensível a afinidade completa dos fenômenos (através da qual
eles se encontram sob leis constantes e às quais têm de se submeter)?
Segundo os meus princípios, ela (a afinidade) é bem compreensível. Todos os
fenômenos possíveis pertencem, enquanto representações, a toda a consciência de si
possível. Desta, porém, como de uma representação transcendental, a identidade
numérica é inseparável e certa a priori, porque nada pode se tornar conhecimento
sem ser por meio dessa apercepção originária. Ora, já que essa identidade deve
intervir necessariamente na síntese de todo o múltiplo dos fenômenos, na medida em
que ela deve se tornar conhecimento empírico, então os fenômenos estão submetidos
a condições a priori, às quais a síntese (da apreensão) dos mesmos tem de ser
totalmente conforme. Ora, a representação de uma condição universal segundo a
qual um certo múltiplo pode ser posto (portanto, de um modo idêntico) chama-se
uma regra, e se ele deve ser assim posto, uma lei. Por conseguint todos os
fenômeno em u
tran
(tradução minha).
Será que podemos supor que com a afinidade transcendental do múltiplo,
supostamente determinada pelas regras do entendimento, todas as condições necessárias para
tornar possível a unidade da experiência estão satisfeitas? De fato, se a afinidade objetiva
pudesse ser assimilada, ou ao menos conter em si, o princípio regulativo da afinidade, que
158
Ak, IV: 85-6.
69
seria introduzido na teoria kantiana somente mais à frente, no “Apêndice à Dialética
Transcendental”, todas as condições teóricas do conhecimento estariam de fato satisfeitas
159
.
Pois, nesta hipótese, a "Dedução" teria tematizado a possibilidade teórica de um modo de
ordenação da natureza que teria levado em consideração não apenas a sua parte formal, mas
também a parte material dos objetos. Mas, ao contrário, a CRP expôs através da prova das
categorias unicamente as condições de possibilidade de uma natureza em geral. O que faltaria
demonstrar seriam então as condições de possibilidade da natureza determinada, que tem de
pe
erado um argumento convincente para justificar a idéia de afinidade objetiva. Mas por
rmitir um conhecimento sistemático para tornar viável a unidade da natureza.
Neste sentido, não é de modo algum claro por que a afinidade do múltiplo pode
ser totalmente condicionada por fundamentos objetivos
160
. O problema consiste sobretudo na
natureza de conceitos e leis empíricas, cuja produção não pode ser exclusivamente
dependente do entendimento. Regras empíricas têm de ser encontradas, já que dependem da
reflexão do sujeito sobre o múltiplo intuído para serem produzidas
161
. É um dado documental
que fenômenos só podem existir em nossa sensibilidade
162
, entretanto isso não pode ser
consid
que?
A tese da unidade originária da apercepção e das categorias como condições da
referência a objetos (e com isso da regularidade dos fenômenos) contém em si a tese da
afinidade transcendental. Este conceito refere-se então ao cenário regular oferecido pelas
Erscheinungen cuja condição é o fundamento objetivo. Kant afirma que "fenômenos não são
159
Restaria ainda, é claro, apenas fundamentar os princípios regulativos do "Apêndice", o que só seria realizado
na CFJ. Sobre isso tratará o próximo capítulo deste trabalho.
160
"Würde nun aber diese Einheit der Assoziation nicht auch einen objektiven Grund haben, so dass es
unmöglich wäre, dass Erscheinungen von der Einbildungskraft anders appreendiert würden, als unter der
Bedingung einer möglichen synthetischen Einheit dieser Apprehension, so würde es auch etwas ganz Zufälliges
sein, dass sich Erscheinungen in einen Zusammenhang der menschlichen Erkenntnisse schickten" (Ak, IV: 90).
"Die Ordnung und Regelmässigkeit also an den Erscheinungen, die wir Natur nennen, bringen wir selbst hinein
(…)" (Ak, IV: 92). "Die Einheit der Apperzeption (...) ist der transzendentale Grund der notwendigen
Gesetzmässigkeit aller Erscheinungen in einer Erfahrung" (Ak, IV: 93).
161
Este processo será explicado em detalhe no próximo capítulo.
162
Ak, IV: 93. Cf. também Ak, IV: 78, 85 e 94.
70
coisas em si, mas o mero jogo das nossas representações, que, em último termo, resultam das
determinações do sentido interno"
163
. Esta afirmação corresponde à tese de que a natureza,
entendida como a totalidade daquilo que representamos como objetos externos é totalmente
dirigida, por assim dizer, pela unidade da apercepção. Kant chega mesmo a afirmar que "a
natureza não é outra coisa
h na apercepção
transcendental, naquela unidade, devido à qual unicamente pode ser chamada objeto
de toda a experiência possível, isto é, natureza
164
(tradução minha).
, se
manifestassem de um mod
senão uma grande quantidade de representações da mente (...)":
Que a natureza se guie segundo nosso fundamento subjetivo da apercepção, e
mesmo dele deva depender relativamente à sua conformidade a leis, sôa sem sentido
e estranho. Porém se pensarmos que essa natureza não é em si nada além de um
conjunto de fenômenos, portanto, nenhuma coisa em si, mas sim meramente uma
multidão de representações da mente, não nos admiraremos de a ver, simplesmente,
na faculdade radical de todo o nosso con ecimento, a saber,
Supostamente, é por esse motivo que o fundamento objetivo pode ser eficiente e
tornar impossível que Erscheinungen sejam apreendidas de outro modo, senão sob a condição
da unidade sintética dessa apreensão - a este modo de apreensão dos fenômenos corresponde
precisamente o que Kant denomina "afinidade de todas as Erscheinungen". Pois,
naturalmente, para que um fundamento objetivo possa determinar a unidade das
representações é preciso, antes, que Erscheinungen sejam dadas ao sentido interno e, em
especial, que sínteses sejam produzidas. Com efeito, uma síntese, sendo um produto da
imaginação, não pode conter em si mesma qualquer unidade objetiva. Os elementos
(Erscheinungen) de um múltiplo sintetizado numa intuição precisam ser ligados de maneira
necessária para haver conhecimento de objetos, o que requer o acréscimo (à síntese) da
apercepção originária. Contudo, é logicamente possível que mesmo Erscheinungen,
compreendidas como os diferentes perfis representados em nós do dado intuído
o excessivamente complexo relativamente ao nosso intelecto.
Se o cinábrio fosse ora vermelho, ora preto, ora leve, ora pesado, se o homem se
163
Ak, IV: 78.
164
Ak, IV: 85.
71
transformasse ora nesta, ora naquela forma animal, se num muito longo dia a terra
estivesse coberta ora de frutos, ora de gelo e neve, a minha imaginação empírica
nunca teria ocasião de receber no pensamento, com a representação da cor vermelha,
o cinábrio pesado; ou se uma certa palavra fosse atribuída ora a esta, ora àquela
coisa, ou se precisamente a mesma coisa fosse designada ora de uma maneira,
ora de outra, sem que nisso houvesse uma certa regra, a que os fenômenos
estivessem por si mesmos submetidos, não podia ter lugar nenhuma síntese
empírica da reprodução.
165
. (negrito meu)
ue significa dizer que por hipótese jamais seriam
conjunto de suas notas, as quais designam simultaneamente características de intuições
Nessa hipótese, as notas produzidas para representar conceitualmente cada imagem
do múltiplo intuído poderiam ser a cada vez absolutamente dessemelhantes. Nesse sentido,
elas só caracterizariam a cada vez elementos absolutamente distintos do múltiplo sintetizado.
Assim, os conceitos determinados produzidos teriam sempre de ser assimilados às notas
características representativas de (cada uma das) diversas Erscheinungen que fossem ligadas
em cada ato particular de síntese, o q
produzidas notas comuns (semelhantes).
É interessante sublinhar que o tipo de afinidade imposta pela consciência originária
é imposta não aos próprios objetos das representações, mas sim às representações na medida
em que elas são dadas ao sentido interno
166
. Ora, a ligação necessária entre as nossas
representações é produzida pelo modo pelo qual as notas que contituem o conteúdo de um
conceito empírico são relacionadas entre si, o que é determinado precisamente pelas
categorias. Isso quer dizer que a afinidade objetiva imposta às Erscheinungen não implica
nenhum tipo de conexão entre os conceitos empíricos produzidos. A forma do conceito
empírico é produzida a partir da abstração do contéudo de conceitos particulares das
representações dadas, os quais são usados precisamente para descrever objetos que têm
características semelhantes. O conteúdo de um conceito capaz de classificar é por sua vez o
ão referidos os
165
Ak, IV: 78.
166
Esta expressão é utilizada por Kant para dar conta da consciência imediata de tudo que ocorre em nós,
portanto para caracterizar, por assim dizer, o meio no qual se dão nossos estados subjetivos. De qualquer modo,
objetos do sentido interno (enquanto dados representados como ocorrências mentais) não são essencialmente
diferentes daqueles que representamos no sentido externo - que consiste no meio ao qual est
72
particulares e conjuntos de regras selecionadas numa representação conceitual. Mas notas
têm de ser extraídas de um múltiplo sintetizado, cujos elementos em princípio distinguem-se
unicamente por relações de sucessividade e justaposição. Na verdade, quando a síntese é
elevada a um conceito, falamos, por assim dizer, de um conceito empírico originário. As
características sensíveis primeiras que se expressam em notas têm de ser extraídas de um
múltiplo sintetizado - ou seja, a unidade sintética deve conduzir à unidade analítica da
consciência mediante uma representação analisada a partir de uma síntese em particular
167
.
Com efeito, o ato pelo qual são produzidos os conceitos pressupõe algo que diz respeito
apenas à sensibilidade. Mas relações meramente espácio-temporais não implicam qualquer
regularidade nos próprios fenômenos, i. é nenhuma regra é envolvida em cada imagem que é
formada por essas relações. Disso depreende-se que não há qualquer garantia de que as notas
produzidas para representar sínteses (mais especificamente, os perfis de uma síntese) possam
representar abstratamente características sensíveis semelhantes – tão-somente pelo fato de que
propriedades semelhantes não têm necessariamente de ser manifestadas em Erscheinungen, já
que o material desorganizado anterior à presença das mesmas no sentido interno não
depende intrinsecamente de qualquer atividade subjetiva. Quero dizer que características
sensíveis comuns só poderiam ser garantidas pelo acréscimo da unidade originária à
imaginação se pudesse ser provado que categorias são condições de possibilidade da intuição
empírica. Não obstante, isso vai expressamente contra as principais teses da filosofia
transcendental, já que o tipo de intelecto que nos distingue não pode ser assimilado a qualquer
espécie de intelecto intuitivo. Diante disso, é evidente que categorias não podem ser
condições de possibilidade daquilo que é intuído. Categorias são apenas formas para exprimir
o modo pelo qual as notas estão relacionadas entre si em representações conceituais
particulares.
objetos que representamos como objetos externos, ou seja, como objetos situados fora de nós.
167
Cf. ALMEIDA, G. de. Ibid.
73
Numa palavra, a afinidade objetiva determinada pela produção dos conceitos puros
é capaz apenas de assegurar a consciência de si, mas não a conexão entre os conceitos
empíricos produzidos para interpretar as sínteses particulares, o que só poderia ser
estabelecido com a garantia de uma afinidade assimilável a uma "semelhança de família"
entre regras produzidas. Com efeito, em princípio as condições da existência de algum tipo
afinidade - que não a definida pela afinidade transcendental - entre os conceitos empíricos que
tal e da consequente
so só permite identificar um mesmo objeto na intuição empírica, jamais classes de
ode então apresentar uma semelhança de família relativamente a outros conceitos formados.
mesmo absolutamente
168
) distintas. Por outro lado, o que seria uma consequência disso, o tipo
representam abstratamente as cognições sintetizadas têm de ser as seguintes:
(1) Erscheinungen não podem exibir um comportamento excessivamente complexo. Isto não
depende da conjunção de sínteses com a apercepção transcenden
produção de conceitos, mas sim do substrato da natureza.
(2) Se a natureza é adequada às faculdades cognitivas, podem existir características sensíveis
semelhantes entre as Erscheinungen, as quais, em vista da produção de conceitos
classificatórios, têm de ser pensadas abstratamente através da produção de notas. Estas não
têm valor classificatório como conteúdos de conceitos particulares se não são comuns, posto
que, sendo assim, os conceitos só podem ter usos estritamente singulares - numa palavra, este
tipo de u
objetos.
(3) Admitido que podem ser produzidas notas comuns, cada conceito empírico produzido
p
O problema em aberto deixado pela "Dedução" consiste por um lado na
possibilidade teórica de que nossas representações imediatas sejam excessivamente (ou até
168
Ak, IV: 71-2. "Dass sie aber auch überdem den Bedingungen, deren der Verstand zur synthetischen Einsicht
des Denkens bedarf, gemäss sein müssen, davon ist die Schlussfolge nicht so leicht einzusehen. Denn es könnten
wohl allenfalls Erscheinungen so beschaffen sein, dass der Verstand sie den Bedingungen seiner Einheit gar
nicht gemäss fände, und alles so in Verwirrung läge , dass z. B. in der Reihenfolge der Erscheinungen sich nichts
74
de conceito empírico que seria a cada vez produzido só poderia ter um uso absolutamente
singular, já que apresentaria como contéudo um conjunto de notas particulares (não-comuns).
É claro que nessa hipótese ainda haveria a possibilidade de relacionar notas num conceito de
objeto em vista da caracterização de uma intuição específica. O problema é que esta poderia
jamais se repetir. Os conceitos produzidos simplesmente não poderiam ser representações por
notas comuns no caso de um completo caos ao nível empírico. Ou seja, seria impossível a
produção de conceitos empíricos dos quais pudesse ser feito um uso universal para
caracterizar classes de objetos. Em tal cenário a unidade da consciência e as categorias ainda
poderiam certamente garantir a produção de conceitos e leis determinadas, entretanto elas
teriam unicamente usos singulares. Além disto, tais regras empíricas não apresentariam
qualquer afinidade entre si e, consequentemente, a produção de um sistema da natureza de um
ponto de vista empírico seria impossível.
Entretanto, diante desse quadro poderíamos ainda perguntar: em que sentido a
hipótese da excessiva dessemelhança entre as representações imediatas do sentido interno não
inviabilizaria o conhecimento objetivo e a consciência de si? Ora, como afirmei acima, ao
serem trazidas à unidade da apercepção, as cognições (sínteses) em tese ainda poderiam ser
pensadas através de conceitos. Rigorosamente, estes certamente ainda seriam conceitos
(representações por notas comuns), mas representariam regras que não encontrariam jamais
outras instâncias às quais pudessem ser aplicados
169
. Eles teriam ainda de ser formados por
notas, (nesse caso, como sabemos, sempre com usos singulares) e somente poderiam
darböte, was eine Regel der Synthesis an die Hand gäbe, und also dem Begriffe der Ursache und Wirkung
entspräche, so dass dieser Begriff also ganz leer, nichtig und ohne Bedeutung wäre". Nesta passagem
surpreendente, Kant parece admitir que a impossibilidade de aplicação do princípio da causalidade tornaria
impossível o próprio conhecimento objetivo. A citação faz também referência ao conceito de síntese, um dos
elementos necessários do conhecimento. Tomando como exemplo a aplicação da categoria causalidade, Kant
considera aqui a possibilidade teórica de que o próprio dado sensível representado não apresentasse
intrinsecamente qualquer ordem além da discriminação espácio-temporal. Nesta hipótese, os dados intuídos
seriam sempre absolutamente heterogêneos e as notas que os representam não poderiam ser relacionadas de
nenhuma maneira, o que tornaria impossível a produção de qualquer regra determinada. Isto é o que se pode
depreender da passagem citada, na qual é exposta aquela dificuldade que só voltaria a ser tematizada no
"Apêndice", a saber, o problema da sistematização da natureza de um ponto de vista empírico. Voltarei a falar
75
caracterizar conjuntos de fenômenos compostos por poucos ou apenas um elemento - na
ipótese, acentuo, de um comportamento absolutamente caótico do múltiplo.
ssa parte da primeira Crítica é afirmado que um deles resulta da
ligação dos outros dois
id ia, tanto no ascender a gêneros superiores quanto no
escer a espécies inferiores.
170
h
Já na CRP Kant atenta para a necessidade de completar a sua filosofia teórica com a
introdução de um princípio que expressa um complemento da sua teoria do conhecimento. Tal
condição é apresentada somente como um esboço no “Apêndice” através dos três princípios
regulativos da razão. Ne
:
O último princípio surge da reunião dos primeiros depois que se completou a
interconexão sistemática na é
d
Kant está se referindo ao princípio regulativo da afinidade, que deve resultar da
aplicação dos princípios da generalização e da especificação. Mostrei no capítulo I que o
princípio de generalização prevê semelhanças no interior da natureza, i. é que a razão tem de
supor necessariamente que não há uma heterogeneidade completa entre os objetos; ele garante
subjetivamente que é possível produzir conceitos capazes de classificar grupos de objetos. O
princípio da especificação, por sua vez, prevê a existência de um certo grau de diversidade
entre os objetos da realidade. Ele representa uma garantia subjetiva
171
de que os objetos, por
assim dizer, têm de poder se especificar. Ambos, portanto, fornecem a priori e conjuntamente
uma garantia necessária para o conhecimento: a idéia de que o substrato sensível se comporta
de uma maneira que permite a produção de regras empíricas com uso universal e, por
sobre isso a seguir.
169
Cf. a nota 35.
necessária não é a rigor uma garantia, pois uma suposição é algo de subjetivo. Pode-se dizer
"Apêndice" como para o princípio formal deduzido na "Introdução B" à CFJ.
170
Ak, III: 435-6.
171
Uma suposição
que é subjetivamente necessário supor que a natureza se apresente de uma certa maneira, mas que a natureza de
fato se apresente assim é contingente. A suposição é subjetivamente necessária, mas o que é necessariamente
suposto pelo sujeito é objetivamente contingente. Essa observação é válida tanto para os três princípios do
76
conseguinte, a classificação das coisas. Implícito nesta idéia está presente a continuidade
entre os conceitos genéricos e específicos produzidos, de modo que a razão necessariamente
supõe ao usá-los que a natureza permite uma organização taxonômica das suas classes de
objetos. Isto se expressa no denominado princípio da afinidade - ou da continuidade. Tal
se
imo à
da validade do princípio da finalidade formal a título de um princípio da faculdade de julgar
melhança entre as regras formadas não poderia ter sido justificada apenas pelo quadro
fornecido pela "Dedução".
Significa dizer, por conseguinte, que, completando a teoria da "Dedução", que
não tematiza a possibilidade teórica de um modo de ordenação da natureza que considere
também a parte material dos objetos, a teoria do "Apêndice" aduz as condições de
possibilidade da natureza determinada, que tem de permitir um conhecimento sistemático
para tornar viável a sua unidade. Eis por que não é teoricamente admissível no terreno da
prova das categorias, que tem a ver apenas com as condições de possibilidade de uma
natureza em geral, que a afinidade do múltiplo possa ser condicionada por fundamentos
objetivos. De certo, com o uso dos três princípios do "Apêndice" continua não havendo a
rigor nenhuma garantia objetiva disso, razão pela qual, como se sabe, Kant proíbe a dedução
transcendental dos mesmos
172
. O máximo que a filosofia crítica pôde assegurar foi uma prova
da necessidade subjetiva desses princípios. Isto foi realizado indiretamente, por intermédio da
prova da validade do princípio da finalidade formal no âmbito da terceira Crítica. Com a
fundamentação do princípio da finalidade seria também caracterizado um sentido "fraco" para
o conceito de dedução kantiano e, com ela, uma das funções centrais da CFJ: o acrésc
teoria crítica de uma nova condição de possibilidade do conhecimento que garante a
possibilidade de sistematização empírica do conhecimento para o nosso intelecto finito.
Este é o assunto do próximo capítulo, que tem também um lugar fundamental no
corpo deste trabalho. Quero dizer que no terceiro capítulo passarei à discussão sobre a prova
77
em seu uso reflexivo. Como mostrei anteriormente, é uma condição indispensável para a
existência de uma antinomia na esfera do uso de uma determinada faculdade que a mesma
tenha um princípio próprio. A demonstração de que há uma espécie de dedução do princípio
da faculdade de julgar será, portanto, decisiva na minha interpretação da solução da antinomia
a faculdade de julgar teleológica no capítulo IV.
d
172
Ak, III: 438-9.
78
3 A DEDUÇÃO DO PRINCÍPIO DA FACULDADE DE JULGAR REFLEXIVA
ras tarefas no capítulo I, mas elas serão realizadas
lgar em
Quatro pontos têm de ser esclarecidos para que seja justificada a existência de uma
antinomia da faculdade de julgar teleológica. Com efeito, [1] é preciso mostrar que só há um
conceito de antinomia na filosofia teórica de Kant. É preciso ser enfatizado que [2] qualquer
conflito desse tipo deve pressupor a aplicação das teses do realismo transcendental ao
princípio de uma determinada faculdade. Supondo-se que há uma antinomia gerada no
exercício de uma capacidade mental, [3] tem de ser provado que tal faculdade tem um
princípio próprio. Finalmente, [4] deve ser possível demonstrar que, à luz do pressuposto
realista, o princípio da faculdade em consideração pode ser transformado, por assim dizer,
em duas interpretações dogmáticas e contraditoriamente excludentes. Este capítulo se ocupa
apenas com o terceiro ponto, ou seja, com a demonstração de que a faculdade de julgar em
seu uso reflexivo tem de fato um princípio e que este foi aduzido na introdução definitiva à
CFJ. Já tratei superficialmente das out
apenas na parte final dessa dissertação.
A primeira parte deste capítulo será dedicada a um breve comentário que retoma
173
a distinção kantiana entre regras constitutivas e regulativas, introduzida na CRP e mantida na
CFJ. Tornar o mais possível evidente esta distinção é algo essencial, uma vez que o princípio
da faculdade de julgar é introduzido como uma espécie de regra regulativa e transcendental.
A segunda parte, por sua vez, contém dois momentos principais. Inicialmente, retomaremos a
questão central do capítulo I, de modo a ratificar a minha tese de que no "Apêndice à
Dialética Trancendental" da CRP já havido sido introduzida em linhas gerais a estrutura, por
assim dizer, do que seria na CFJ o princípio formal da finalidade. Por fim, apresentarei a
forma da dedução deste princípio. A prova da validade do princípio da faculdade de ju
79
seu uso reflexivo seria aduzida especificamente na "Introdução B" da terceira Crítica.
úteis para enfatizar posteriormente o caráter
gulativo do princípio da faculdade de julgar.
3.1 Princípios regulativos e constitutivos
A distinção kantiana entre princípios regulativos e constitutivos costuma ser
associada pelos comentadores de Kant à utilização de duas faculdades: a razão e o
entendimento. Enquanto os princípios do entendimento são constitutivos, isto é os objetos da
experiência não podem ser determinados senão de acordo com eles, os princípios da razão
têm um uso apenas regulador e não determinam nenhum objeto. Muito embora as idéias da
razão desempenhem um papel decisivo na filosofia moral e mesmo na experiência, através de
um uso puramente lógico, seus conceitos não podem ser instanciados
174
. Essas idéias não têm
objetos correspondentes e determinam na esfera teórica unicamente uma tarefa, a saber, a
busca da “conexão dos objetos da experiência”
175
. Minha intenção neste subcapítulo é mostrar
a partir de um comentário crítico dos textos de Michael Friedman e Gerd Buchdahl
176
, que a
aplicação da distinção regra regulativa / regra constitutiva a certos conceitos e princípios é
controversa e nem sempre clara. É interessante notar que determinados autores embasam
alguns momentos da filosofia de Kant no desenvolvimento científico de sua época e que este
fato gera alguns mal-entendidos. Nesse sentido, minha crítica visa demonstrar que as
afirmações kantianas sobre esse assunto feitas na CRP e na CFJ são coerentes. Os
esclarecimentos seguintes serão particularmente
re
173
Cf. a breve discussão sobre esse assunto no capítulo I deste trabalho..
174
Certamente, não podemos jamais, segundo Kant, saber ao certo se uma ação é ou não efetivamente moral. No
entanto, podemos saber ao certo que o conceito de moralidade é válido para a vontade de todo ser racional e, em
particular, para a nossa vontade.
175
Ak, III: 442-3. Cf. tb. Ak, III: 439 (“Ich behaupte demnach:….).
176
FRIEDMAN, M.. “Regulative and Constitutive”. In: The Southern Journal of Philosophy (1991). Volume
XXX, Supplement. BUCHDAHL, G.. “The Kantian ´Dynamic of Reason´ with Special Reference to the Place of
Causality in Kant´s System”, in BECK, L., (ed.) Kant Studies Today. La Salle: Open Court, 1969; Cf. tb.
BUCHDAHL, G.. Metaphysics and the Philosophy of Science. Oxford: University Press, 1969.
80
* * *
dinâmicos (analogias da experiência, por exemplo) são caracterizados como
regulativos:
stabelecida a
riori, mas quanto à natureza da evidência, ou seja, quanto ao modo intuitivo deles
(e, por conseguinte, também quanto ao modo da sua demonstração).
177
o garantir não apenas a estrutura, mas também a produção de conceitos
Na CRP Kant parece aplicar a distinção regulativo/constitutivo mesmo aos
conceitos do entendimento. Assim, por exemplo, conceitos e princípios matemáticos
(quantidade e qualidade) são indicados como exemplos de regras constitutivas, ao passo que
os princípios
(Uma analogia da experiência) terá valor, enquanto princípio dos objetos (dos
fenômenos), não constitutivo, mas meramente regulativo. O mesmo se passa em
relação aos postulados do pensamento empírico em geral, que se referem todos à
síntese da mera intuição (da forma do fenômeno), à síntese da percepção (da matéria
do mesmo), e à da experiência (da relação destas percepções), isto é, são somente
princípios reguladores e distinguem-se dos princípios matemáticos, que são
constitutivos, não quanto à certeza, que em ambos é firmemente e
p
Com base nesta passagem são feitas por Friedman
178
duas objeções à filosofia
teórica de Kant. Inicialmente o intérprete se questiona quanto à validade da distinção
supostamente existente entre princípios regulativos e constitutivos no interior desse sistema.
Pois, alega o comentarista, se mesmo conceitos e princípios do entendimento podem ser
meramente regulativos relativamente à possibilidade da experiência, qual seria o valor
daquela distinção? Em seguida, e em apoio a esta dúvida, Friedman afirma de maneira
surpreendente que a função constitutiva dos conceitos e princípios do entendimento pode ser
colocada em dúvida, uma vez que as categorias determinam propriamente apenas a forma de
leis e conceitos empíricos. Para haver um uso efetivamente constitutivo da experiência por
parte do entendimento, seria então necessário, segundo ele, que a faculdade das regras
pudesse de algum mod
177
Ak, III: 161.. Tradução portuguesa.
178
FRIEDMAN, loc. cit., p. 75.
81
e leis particulares
179
.
É digno de nota que essa interpretação da filosofia de Kant é compartilhada por
Gerd Buchdahl
180
, segundo o qual não há qualquer garantia - seja por parte da razão, do
entendimento ou mesmo por parte da faculdade de julgar - de que conceitos ou leis empíricos
possam ser produzidos. Buchdahl afirma, por exemplo, que do fato de eventos representados
por sequências objetivas particulares poderem ser determinados não segue que essas
sequências sejam, por assim dizer, reprodutíveis - isto é que elas possam ser subsumidas por
leis empíricas. De um m
sequências objetivas pr entos indutivos “padrões”:
que distinguem toda investigação científica
181
.
ntífico
constitutivo dos objetos”
183
,
mas sim regulativo, po
à Dialética Transcende
nscendental distinguimos entre os princípios dinâmicos do
entendimento, pri cípios simplesmente regulativos da intuição, e os matemáticos
que, em relação a esta última, são constitutivos. Não obstante esta distinção, as
mencionadas leis dinâmicas são todavia absolutamente constitutivas em relação à
odo um tanto confuso, ele afirma que estas só podem ser extraídas de
eviamente dadas através de procedim
A questão se algum evento observado ou mudança de estado é uma instância de uma
lei empírica pode ser determinada apenas através daqueles procedimentos indutivos
Passagens como esta demonstram uma aparente tendência por parte de certos
intérpretes a tornar a teoria do conhecimento de Kant dependente do conhecimento cie
de sua época
182
. Assim, tudo indica que esses artigos contêm mais mal-entendidos do que
propriamente objeções à distinção kantiana entre princípios regulativos e constitutivos.
Com relação à primeira crítica de Friedman, baseada na afirmação de Kant de que
uma analogia da experiência apresenta um princípio que “não é
de-se respondê-la através de uma outra citação, presente no "Apêndice
ntal". Com efeito, Kant afirma também :
Na Analítica Tra
n
c. cit., p. 500.
n’s derivation , or
nomena’, of the law of universal gravitation in Book III of Principia.”
179
Ibid, p. 76.
180
Cf. BUCHDAHL, G.. lo
181
Ibid.. Tradução minha.
182
Isto me parece particularmente claro na discussão de Friedman acerca da tarefa da obra Metaphysische
Anfangsgruende der Naturwissenschaft, de Kant. Cf., por exemplo, FRIEDMAN, loc. cit., p. 84: “How, then, are
the laws of interaction governing the fundamental forces to be ‘inferred from data of experience’? Although this
is not the place to argue the point in detail, I believe that Kant takes as his model Newto
‘deduction from the fe
183
Cf. Ak, III: 160-1.
82
experiência, na medida em que possibilitam a priori os conceitos sem os quais não
184
É fato conhecido que, apesar de muito organizado na divisão de suas obras, por
vezes Kant se permite uma certa obscuridade na apresentação de suas teorias, o que pode
justificar algumas incompreensões. Esta citação deixa claro, por exemplo, através de grifos do
próprio autor, que uma lei dinâmica, relativamente à experiência, tem de ser considerada um
princípio constitutivo, enquanto, relativamente à intuição empírica, pode sem problemas ser
considerada um princípio regulativo. A idéia de que leis dinâmicas, em particular o princípio
da causalidade natural, podem ser descritas como princípios constitutivos não traz consigo
nenhuma novidade, pois a tese central da "Segunda Analogia" resume-se na prova de que no
processo do conhecimento empírico o princípio da causalidade natural determina a forma das
leis dinâmicas específicas e é, por isso, uma condição de possibilidade da experiência. No que
tange a uma suposta função regulativa do princípio, há de certo poucas referências diretas
nesse texto. Contudo, Kant deixa claro que o princípio em questão constitui propriamente a
conexão (Verknuepfung) entre os fenômenos (i.e. a experiência possível), mas não os próprios
fenômenos, cujas representações são tornadas possíveis pelas formas da intuição empírica.
Com efeito, o princípio define uma regra que nada antecipa no que se refere à determinação
de um evento c
há experiência .
orrelato que não está dado em presença, mas apenas indica que de uma
intuição já determinad
série temporal.
n l o presente
(na medida em que aconteceu) dá indicação de qualquer outro estado precedente,
como de um correlato, muito embora indeterminado, desse acontecimento que é
a, um estado qualquer tem de seguir inevitável e necessariamente na
Assim, sucede que surge uma ordem nas nossas represe tações, na qua
dado; correlato que se refere ao acontecimento em questão, como sua consequência
e o conecta necessariamente consigo, na série do tempo
185
(grifo meu).
Além disso, pode-se dizer que a primeira objeção vai contra a propria definição de
184
Ak, III: 439-40. Tradução portuguesa.
185
Ak, III: 173. Tradução portuguesa.
83
regra do entendimento. Pois, ao contrário do que possa parecer, sobretudo a partir de
passagens como a escolhida por Friedman com respeito à defesa de um suposto uso regulativo
para o princípio da "Segunda Analogia", qualquer uso distinto do constitutivo para um
conceito ou princípio do entendimento é inconcebível. É digno de nota que a compreensão do
uso do conceito de constituição por intermédio de uma regra é empregado com frequência de
uma maneira muito pouco precisa em muitos comentários. De fato, como já indicado
anteriormente
186
, a filosofia teórica de Kant distingue três tipos de aplicação para uma regra
em geral: o uso constitutivo-crítico, o uso constitutivo-dogmático e o uso regulativo-
transcendental
187
. É preciso então distinguir o uso constitutivo da forma dos objetos da
experiência humana (uso constitutivo-crítico de um princípio), da função pretensamente
constitutiva dos próprios objetos (uso constitutivo-dogmático de um princípio). Como se
sabe, na filosofia kantiana a concepção filosófica que abstrai das condições subjetivas da
intuição empírica, a saber, o espaço e o tempo (formas puras da sensibilidade), ou que abstrai
do fato de que essas condições não passam de condições subjetivas do conhecimento, é
denominada realismo transcendental. Ora, como um filósofo que compartilha dos
pressupostos do idealismo transcendental, Kant tem uma concepção distinta dos objetos do
conhecimento humano. Em sua perspectiva, deve-se distinguir as coisas tais como seriam em
si mesmas realmente dos fenômenos - ou seja, estas mesmas coisas, mas “conhecidas” sob as
condições da intuição empírica. Este é, portanto, o sentido da denominada constituição crítica
dos objetos da experiência, que limita o campo daquilo que podemos saber. Diferentemente, o
uso regulativo-transcendental de uma regra é caracterizado por se referir a condições de
possibilidade do conhecimento, mas não a condições de possibilidade do conhecimento de
objetos. O uso regulativo de uma regra pressupõe, portanto, a existência dos conceitos do
entendimento, uma vez que estes representam condições de possibilidade não apenas da
186
Cf. o capítulo I deste trabalho.
187
Estas distinções serão aplicadas no próximo subcapítulo e ainda retomadas em particular no item 4.1, dedicado
84
experiência possível, mas também do próprio sujeito que é consciente de si, na medida em
que faz juízos objetivos
188
. Por fim, o uso constitutivo-dogmático de uma regra representa
uma aplicação ilegítima para o intelecto finito humano, na medida em que representa um
cenário irrealizável para o nosso entendimento. Ele significa, por assim dizer, o uso
pretensioso da razão, precisamente a pretensão de determinar a existência (se existe ou não)
do objeto e seus predicados a partir de seu mero conceito - por outras, tal uso visa constituir
os objetos considerados em si mesmos, independentemente das condições em que podem ser
conhecidos, visto que as condições de possibilidade da experiência são tomadas nesse caso ao
seja, não permite que elas
mesmo tempo como condições de possibilidade dos objetos da experiência.
Visto que regras constitutivas são regras para atos ou atividades que não podem ser
definidas independentemente da enunciação dessas regras, e regras regulativas são regras para
atos ou atividades que podem ser definidas sem menção das regras, é forçoso, portanto,
reconhecer que pertence à forma de uma regra ser constitutiva ou regulativa. Diante desta
constatação, a primeira objeção de Friedman e Buchdahl perde o sentido. As categorias e
princípios do entendimento são conceitos formais e, por isso mesmo, não podem existir senão
como regras para a constituição da estrutura formal de conceitos empíricos. O fato de que
podemos considerá-las abstratamente não muda nada nisso, ou
possam ter qualquer uso regulativo no âmbito do conhecimento.
É importante sublinhar que essa constatação vai frontalmente contra alguns aspectos
suscitados pela teoria do "Apêndice", ou pelo menos pode relativizar algumas teses da
mesma. Pois se é verdade que conceitos puros são intrinsecamente constituvos do
conhecimento de objetos, pode ser que uma regra em geral seja sempre em si mesma
regulativa ou constitutiva e não possa, portanto, alterar a sua qualidade com a alteração do seu
à concepção kantiana de antinomia.
188
Ak, XX: 208-22 / 209-19. “Vimos na crítica da razão pura que a natureza toda, como o conjunto de todos os
objetos da experiência, constitui um sistema segundo leis transcendentais, ou seja, tais que o próprio
entendimento dá a priori (a saber, para fenômenos, na medida em que, ligados em uma consciência, devem
85
uso ou aplicação. Procurarei mostrar até o fim desta dissertação que de fato a alteração do uso
de uma regra gera uma nova regra, na medida em que altera a sua forma. Já dei um exemplo
disto no capítulo II, ao afirmar que o uso ampliado de princípios puros do entendimento pode
dar origem a usos dogmáticos dos mesmo. O acento está evidentemente em que na mudança
de uso, neste caso, gera-se um princípio especulativo, portanto, uma nova regra, que será não
do entendimento, mas sim da razão. Aplicarei futuramente essa tese à minha proposta
interpretativa da solução da antinomia da faculdade de julgar teleológica, mostrando que o
segunda objeção dos co
o tão realmente constitutivas?
e que adianta a garantia de existência de substâncias em geral se não garantia
190
mesmo pode valer para a alteração de usos de princípios regulativos
189
.
A crítica mais grave de Friedman, entretanto, é a posterior, segundo a qual o caráter
constitutivo do entendimento é ameaçado pelo fato de que as categorias são responsáveis
unicamente pela determinação das formas de leis e conceitos empíricos. Segundo ele, isso
torna difícil compreender como conceitos puros podem ter um uso constitutivo dos objetos da
experiência, uma vez que eles não teriam utilidade para garantir a possibilidade de produção
de regras empíricas em geral - este ponto é compartilhado pela posição de Buchdahl. A
mentaristas à teoria de Kant pode ser resumida na seguinte passagem:
(…) não há a menor garantia de que os requisitados conceitos e leis empíricos serão
de fato encontrados; há apenas a mera exigência regulativa de que continuemos a
uscá-los indefinidamente. Como as categorias enb
D
de existência de tipos particulares de substâncias?
A resposta a essa crítica requer uma digressão preliminar acerca do papel
complementar que a faculdade de julgar desempenha junto às regras do entendimento na
produção do conhecimento humano. Após a CRP
191
Kant passou a atribuir à faculdade de
julgar a função de sistematizar os conhecimentos condicionados do entendimento
192
. Visto
que o sistema formal deduzido na CRP determina o modo de ser que caracteriza um objeto em
constituir experiência)” (grifo meu).
189
Cf. o capítulo IV deste trabalho, em particular o item 4.5..
190
FRIEDMAN, loc.cit.. Tradução e grifo meus.
191
Cf. o cap. I deste trabalho.
86
geral para o intelecto finito humano, de fato, como afirma a objeção, a simples existência de
categorias não garante a existência de “substâncias particulares”
193
. Entretanto, a crítica de
Friedman diz o óbvio, pois tal existência não poderia jamais ser absolutamente garantida,
dado que um intelecto discursivo como o nosso depende da produção dos conceitos que
aplica em sua atividade cognitiva. Como leis e conceitos empíricos são tipos de regras cuja
necessidade não pode ser estabelecida a priori, a possibilidade das mesmas não pode
depender apenas de uma estrutura cognoscente formal que não leva em consideração o modo
de ser do substrato da natureza. Numa palavra, o que realmente importa é que os objetos dos
conceitos tenham de ser dados. Por isso, o entendimento só pode ser constitutivo
relativamente à forma dos conceitos em geral, não relativamente à sua matéria (os objetos a
que se aplica), pois esta tem de ser dada - e tampouco pode ser constitutivo relativamente ao
conteúdo dos conceitos, isto é, às notas pelas quais caracterizam classes de objetos
particulares. Kant já havia atentado para a necessidade de resolver esse problema e
complementar assim a sua filosofia teórica na primeira Crítica. Entretanto, isso só se tornou
e menos ainda a aplicação de princípios regulativos para a produção
evidente na CFJ
194
.
Assim, ao contrário do que diz a segunda objeção de Friedman, a função
constitutiva do entendimento não pode ser colocada em dúvida pelo fato de que seus
conceitos e leis determinam unicamente a forma de regras empíricas. Na verdade, segundo dá
a entender o próprio Kant na "Introdução B", a busca da sistematicidade da experiência de um
ponto de vista empírico tem de ser requerida justamente por que as leis universais da natureza
têm seus fundamentos no entendimento. Ou seja, só é possível colocar a questão sobre a
possibilidade de constituição de um sistema empírico natural por que há regras do
entendimento. Sem esta faculdade não poderia haver sequer ações para constituir a
objetualidade dos objetos
arei este tema no próximo subcapítulo.
192
Retom
193
Ibid.
87
de conceitos empíricos.
Um dos resultados da CRP consiste em ter demonstrado que o tipo de conhecimento
humano não pode ser assimilado ao modelo de um conhecimento intuitivo (ou divino) ou
mesmo a uma espécie de inatismo. Nesse sentido, conceitos - mesmo conceitos puros, como
as regras do entendimento - têm de ser feitos. Na teoria de Kant conceitos determinados têm
de ser produzidos a partir de dados (intuitivos) e não a partir de "dados" conceituais
195
; além
disso, num intelecto discursivo o uso da função constitutiva do entendimento tem de supor um
principio subjetivo e necessário (transcendental) que atue, por um lado, como uma garantia de
que é possível conhecer e, por outro, que realize os atos lógicos que selecionam os conteúdos
que formam leis e conceitos empíricos. No próximo subcapítulo tematizarei detalhadamente
os motivos que levaram Kant a desenvolver uma prova da validade de um princípio
anscendental desse tipo para a faculdade de julgar no âmbito da terceira Crítica.
al da finalidade (Zweckmaessigkeit) como um princípio da
tr
3.2 O princípio transcendent
faculdade de julgar reflexiva
Entre os principais intérpretes de Kant parece ser consensual reconhecer que é
difícil integrar numa doutrina coerente certos resultados fundamentais da CRP com certas
afirmações centrais da CFJ. Entre os mais autorizados comentaristas pode-se notar duas
vertentes interpretativas que parecem se excluir. De um lado, podemos identificar aqueles que
consideram a terceira Crítica um trabalho dependente teoricamente de teses anteriormente
apresentadas nas duas primeiras
196
. Por outro lado, há aqueles que tratam a CFJ, em particular
oduzidos a partir de dados conceituais. Sobre este
ent. London, 1938.
194
Este assunto será desenvolvido no sub-item 4.2.
195
Conceitos puros do entendimento, diferentemente de conceitos determinados, não são produzidos a partir de
dados intuitivos, quaisquer que eles sejam, mesmo dados da intuição pura. Os conceitos puros do entendimento
não exprimem predicados da intuição. Por isso, têm de ser pr
assunto, cf. a o capítulo sobre a "Anfibolia", em Ak, III: 214.
196
Cf., por exemplo: ALLISON, H.. “The Principle of Purposiveness in the Critique of Judgement”. In:
SEDGWICK, S. (Ed.). The Idea of System in German Idealism. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.
DUESING, K.. Die Teleologie in Kants Weltbegriff. Kant-Studien, Ergaenzungsheft 96, 2, Erweiterte Auflage,
Bonn, 1986. CASSIRER, H. W.. A Commentary on Kant’s Critique of Judgem
88
a sua segunda parte, como a comprovação, por assim dizer, de uma revolução no pensamento
kantiano - sobretudo no que concerne aos enunciados relativos aos conceitos de causalidade e
explicação mecânica.
197
É digno de nota que as dificuldades do texto da CFJ geraram também
interpretações muito heterodoxas por parte do idealismo alemão, as quais se manifestam no
e desprazer. Contudo, relativamente ao significado dessa descoberta, Kant afirma algo
mais:
a rica, teleologia e filosofia
prática, das quais certamente a do meio é considerada como a mais pobre em
fundamentos de determinação a priori (grifo meu) .
201
final do século XVIII numa separação entre a “letra” e o espírito da filosofia de Kant.
198
Logo após a escrita da Crítica da Razão Prática, Kant começou a trabalhar no que
seria uma crítica do gosto
199
. Sabe-se através de sua correspondência com Carl Leonhard
Reinhold que por ocasião da preparação da nova obra foi descoberta uma nova classe de
princípios a priori.
200
Trata-se inicialmente de princípios capazes de guiar os sentimentos de
prazer
(…) que eu agora reconheço três partes da filosofia, cada uma das quais tem a priori
seus princípios, os quais podem ser separados e a extensão do tipo de conhecimento
possível pode ser certamente determinado - filosofi teó
Dados históricos, contudo, pouco esclarecem quando o objetivo é estabelecer a
função de uma terceira Crítica, na qual um novo princípio transcendental deve ser deduzido.
Mais relevante é indicar que a CFJ desenvolve dois temas que não haviam sido discutidos nas
Críticas anteriores. São eles a teoria dos juízos reflexivos estéticos e a apresentação de uma
McLAUGHLIN, P.. Kants Kritik der teleologischen Urteilskraft. Berlin: Bouvier, 1989.
197
Cf., por exemplo: BECK, L. W.. A Commentary on Kant’s Critique of Practical Reason. Univ. of Chicago
Press, 1960. TUSCHLING, B.. “The System of Transcendental Idealism: Questions Raised and Left Open in the
“Kritik der Urteilskraft”. In: ROBINSON, H. (Ed.). System and Teleology in Kant’s “Critique of Judgement”.
The Southern Journal of Philosophy, Vol. XXX, Supplement, Menphis, 1991, 109-127. TUSCHLING, B.
"Intuitiver Verstand, absolute Identitaet, Idee. Thesen zu Hegels frueher Rezeption der Kritik der Urteislkraft".
In: FULDA, H. F. / HORSTMANN, R-P (Hrsg). Hegel und die Kritik der Urteislkraft. Stuttgart, 1990, 174-188.
198
Sobre este assunto, cf. HORSTMANN, R-P.. Die Grenzen der Vernunft. Eine Untersuchung zu Zielen und
Motiven des Deutschen Idealismus. 2. Aufl., Weinheim, 1995.
199
Cf. KANT, I.. Ak, X: 490. Cf. tb. TONELLI, G. “Von den verschiedenen Bedeutungen des Wortes
Zweckmaessigkeit in der Kritik der Urteilskraft”. In: Kant-Studien 49, 1957/58, 154-166. MERTENS, H..
r ersten Einleitung in Kant’s Kritik der Urteilskraft. Muenchen, 1975, pp. 235-237. Kommentar zu
200
Ak, X: 514.
201
Ibid.. Tradução minha. "(...) dass ich jetzt 3 Teile der Philosophie erkenne, deren jede ihre Prinzipien a priori
hat, die man abzaehlen und den Umfang der auf solche Art Moeglichen Erkentnnis sicher bestimmen kann -
theoretische Philosophie, Teleologie, und practice Philosophie, von denen freilich die mittlere als die aermste an
89
filosofia da biologia, que deve fundamentar o uso de explicações teleológicas (de juízos
reflexivos teleológicos) relativamente a certas classes fenomênicas. A determinação da
Bestimmungsgrund dos juízos teleológicos, à qual Kant se refere na citação acima, seria uma
das tarefas principais da CFJ, ligada à prova da validade de um novo tipo de princípio
Apêndice", conectando-as com
transcendental.
O porquê da dedução de um novo princípio a priori do conhecimento tem motivos
que remontam às duas primeiras Críticas, mais particularmente ao "Apêndice à Dialética
Transcendental"
202
da CRP. A teoria da afinidade transcendental pode ser considerada um
corolário
203
da "Dedução Transcendental", que começou a ser completada com aqueles
princípios regulativos fornecidos no "Apêndice". Pode-se dizer então que algumas das teses
desenvolvidas na CFJ representam essencialmente um complemento da filosofia teórica de
Kant, pois nesse trabalho a questão da sistematicidade empírica da natureza, esquematizada
na primeira Crítica, é retomada e desenvolvida. A compreensão da teoria apresentada na
Crítica da Faculdade de Julgar requer, por conseguinte, um fio condutor, que consiste [1] em
esclarecer por que foi preciso introduzir na mesma uma "dedução" para um princípio da
faculdade de julgar, o que é feito particularmente na versão definitiva da introdução ao livro e,
[2] em apoio a isto, retomar algumas da afirmações feitas no "
a teoria das duas introduções - a não publicada e a definitiva.
No que tange ao primeiro ponto, compartilho da interpretação ainda atual do
rincípio transcendental e subjetivo que já está implicitamente presente na CRP. Cf.
) é a própria tese da "Dedução", apenas formulada em termos distintos, mas
com significados equivalentes.
Bestimmungsgruenden a priori befunden wird."
202
Recentemente encontrei algumas obras que compartilham em linhas gerais da minha interpretação do
"Apêndice", apresentada no capítulo II. Cf. LIEDTKE, M.. Der Begriff der reflektierenden Urteilskraft in Kants
Kritik der reinen Vernunft. Phil Diss., Hamburg, 1964. KUYPERS, K.. Kants Kunsttheorie und die Einheit der
Uerteilskraft. Amsterdam/London, 1972. Penso que a interpretação de Allison vai no mesmo sentido que a
minha, já que não questiona a tese de que a possibilidade de sistematização da natureza de um ponto de vista
empírico supõe um p
ALLISON, H.. Idem.
203
Mais precisamente, o que é um corolário da "Dedução" é a suposição de uma afinidade empírica. Na verdade,
a tese da afinidade transcendental (ou seja, a aptidão dos dados da intuição empírica a serem pensadas através de
conceitos puros do entendimento
90
trabalho de K. Marc-Wogau
204
, que afirma que a introdução do conceito de finalidade da
natureza (Zweckmaessigkeit der Natur) deve ser vista como o acréscimo teórico essencial da
CFJ. O significado deste conceito é aplicado a objetos diferentes e essencialmente pode ser
usado [a] para afirmar que a natureza (a totalidade dos objetos) é final (zweckmaessig)
relativamente ao nosso poder de conhecer (nesse caso o princípio é denominado por Kant
princípio da finalidade formal), [b] para se referir a uma qualidade da forma sensível
envolvida na produção de juízos sobre o belo e [c] para classificar certas peculiaridades de
uma determinada classe de objetos da natureza (Organismen), cuja estrutura de
funcionamento interno não pode ser descrita com o mero uso de explicações mecânicas - este
conceito específico de finalidade é denominado por Kant finalidade objetiva. Os três
significados do conceito são distintos e utilizados por Kant em momentos diferentes do
problema da compatibilização dos resultados da filosofia prática com algumas consequências
livro
205
. Certamente, o primeiro é o mais importante na discussão sobre a prova da validade do
princípio da faculdade de julgar apresentada na "Introdução B".
Entre os comentários sobre a CFJ que a consideram um trabalho dependente das
duas primeiras Críticas, sugere-se que o conceito de finalidade da natureza é introduzido na
filosofia teórica para cumprir duas funções interligadas. A primeira está em conexão com o
204
MARC-WOGAU, K.. Vier Studien zu Kants Kritik der Urteilskraft. Uppsala/Leipzig, 1938, pp. 44-85.
205
Outros autores indicam significados adicionais desse conceito ao longo do livro. No meu modo de ver,
entretanto, eles não se distinguem essencialmente daqueles envolvidos nas aplicações que apresentei. Cf., por
exemplo: BOMMERSHEIM, P.. "Der vielfache Sinn der inneren Zweckmaessigkeit in Kants Philosophie des
Organischen". In: Kant-Studien, Band XXXII, Heft 1, 1927. É interessante notar que, no que tange à ligação dos
diferentes significados para o conceito de finalidade no interior da CFJ, é difícil encontrar interpretações que
esclareçam o assunto. Stadler, por exemplo, acredita que não há qualquer relação entre os conceitos de finalidade
formal e finalidade estética; Zocher, por sua vez, acredita que o princípio da finalidade formal não pertence nem
à filosofia teórica, nem à filosofia prática; Wogau entende que as finalidades teleológica e estética talvez tenham
alguma relação, mas não vê qualquer indicação clara disto; Biemel distingue os conceitos de finalidade formal,
estética e teleológica, atribuido o primeiro à esfera da teleologia; Bauch defende a idéia de que a finalidade
estética, por assim dizer, fundamenta as finalidades formal e teleológica; por fim, Ungerer investiga em seu
trabalho a fundamentação da finalidade estética através da formal. Cf. BAUCH, B.. Immnuel Kant. Berlin:1917;
BIEMEL, W.. Die Bedeutung von Kants Begruendung der Aesthetik fuer die Philosophie der Kunst. Koeln:
Universitaetsverlag (Kantstudien-Ergaenzungshefte), 1959; STADLER, A.. Kants Teleologie und ihre
erkenntnistheoretische Bedeutung. Berlin, 1914; MARC-WOGAU, K.. Vier Studien zu Kants Kritik der
Urteilskraft. Uppsala: Universitets Arsskrift 2, 1938; UNGERER, E.. Die Teleologie Kants und ihre Bedeutung
fuer die logik der Biologie. Berlin, 1922; ZOCHER, R.. Kants Grundlehre. Erlangen, 1959
91
da filosofia teórica
206
. A dificuldade neste caso consistiria em linhas gerais em garantir a
possibilidade de realização de fins que, devido ao nosso modo de ser enquanto seres livres,
temos de poder perseguir.
207
Indiretamente ligada a esta, a segunda função para a qual o
conceito de finalidade teria sido aduzido tem a ver com consequências diretas de alguns
pressupostos da teoria da CRP, os quais parecem exigir uma condição transcendental
adicional para o conhec
o
píricos sob princípios igualmente empíricos, mas superiores e por isso
fundamentar a possibilidade da subordinação sistemática dos mesmos entre si
208
.
(Grifo meu)
imento:
Só que existem tantas formas múltiplas da natureza, como se fossem outras tantas
modificações dos conceitos da natureza universais e transcendentais, que serão
deixadas indeterminadas por aquelas leis dadas a priori pelo entendimento puro - já
que as mesmas só dizem respeito à possibilidade de uma natureza em geral (como
objeto dos sentidos) - que para tal multiplicidade têm que existir leis, as quais na
verdade, enquanto empíricas, podem ser contingentes, segundo a nossa perspiciência
intelectual. Porém se merecem o nome de leis (como também é exigido pelo
conceito de uma natureza), têm que ser consideradas necessariamente como
provenientes de um princípio, ainda que desconhecido, da unidade do múltiplo. A
faculdade de juízo reflexiva, que tem a obrigação de elevar-se do particular na
natureza ao universal, necessita por isso de um princípio que ela não pode retirar da
experiência, porque este precisamente deve fundamentar a unidade de todos s
princípios em
Kant faz nesta passagem observações que estão diretamente ligadas ao lugar
sistemático da CFJ, mais especificamente aos motivos que o levaram a introduzir o conceito
de finalidade em sua teoria. Sabe-se que a Crítica da Razão Pura demonstrou que a natureza,
compreendida como a soma de todos os objetos dados, é determinada por certas condições
formais da experiência, sem as quais nenhum conceito de objeto poderia existir. Tais
condições são precisamente o espaço e o tempo (condições formais da intuição sensível) e as
categorias (condições formais do entendimento). As regras a priori do entendimento são
206
Ak, V: 175-6: "Ob nun zwar eine unuebersehbare Kluft zwischen dem Gebiete des Naturbegriffs, als dem
Sinnlichen, und dem Gebiete des Freiheitsbegriffs, als dem Uebersinnlichen, befestigt ist, so dass von dem
ersteren zum anderen (also vermittelst des theoretischen Gebrauchs der Vernunft) kein Uebergang moeglich ist,
gleich als ob es so viel verschiedene Welten waeren, deren erste auf die zweite keinen Einfluss haben kann: so
soll doch diese auf jene einen Einfluss haben, naemlich der Freiheitsbegriff soll den durch seine Gesetze
aufgegeben Zweck in der Sinnenwelt wirklich machen; und die Natur muss folglich auch so gedacht werden
koennen, dass die Gesstzmaessigkeit ihrer Form wenigstens zur Moeglichkeit der in ihr zu bewirkenden Zwecke
nach Freiheitsgesetzen zusammenstimme".
207
Cf. BAUM, M.. Die Transzendentale Deduktion in Kants Kritiken. Phil. Diss., Koel, 1975, pp. 150-160. Cf.
tb. MARC-WOGAU, K., loc. cit., pp. 28-34. Não discutirei esse ponto, visto que ele não tem relação direta com
a função principal da dedução do princípio da finalidade na teoria do conhecimento de Kant.
92
condições necessárias da experiência e de sua homogeneidade na medida em que indicam as
nesse caso
elementos minimamente homogêneos em suas constituições. Seria então impossível conectar
propriedades que o dado deve possuir para que possa nos aparecer como um objeto. Elas
garantem com isso a unidade da natureza de um ponto de vista estritamente formal.
Assim, o fato contingente de que a natureza de um ponto de vista empírico é
composta por diversos objetos individuais não é levado em consideração nessa perspectiva. É
claro que mesmo substâncias particulares têm de ser constituídas necessariamente pelas regras
puras do entendimento - do contrário sequer poder-se-ia falar em em objetos - , mas a
estrutura formal deduzida na primeira Crítica não pode prever qualquer determinação relativa
à possibilidade de semelhancas particulares ou regras de comportamento empírico de
substâncias materiais, as quais dependem integralmente de características específicas e
contingentes daquilo que nos afeta sensivelmente. Certamente, muito embora seja sempre
possível que o comportamento de certos objetos empíricos jamais se assemelhe às
características sensíveis de outros objetos particulares, é preciso reconhecer que de fato a
natureza indica que conceitos e princípios empíricos capazes de classificar segundo gêneros e
espécies podem ser feitos. Contudo, esta constatação é inteiramente contingente, visto que
regras empíricas não podem ser estabelecidas a priori. Ou seja, não pode ser excluída a
hipótese de que as distinções sensíveis apresentadas à nossa capacidade de conhecer fossem
(ou até mesmo venham a ser) absolutamente
209
particulares, i. e. sem qualquer afinidade que
tornasse possível classificar conjuntos de objetos - pois estes não apresentariam
208
Ak, V: 179-80.
209
Ak, XX: 208-22 / 209-19 - tradução de Rubens Torres. "Mas não se segue disso que a natureza, também
segundo leis empíricas, seja um sistema captável para a faculdade humana de conhecimento e que a conexão
sistemática completa de seus fenômenos em uma experiência, portanto esta mesma como sistema, seja possível
aos homens. Pois a diversidade e heterogeneidade das leis empíricas poderiam ser tão grandes que, por certo, nos
seria parcialmente possível vincular percepções, segundo leis particulares ocasionalmente descobertas, em uma
experiência, mas nunca trazer essas leis empiricas mesmas à unidade do parentesco sob um princípio comum, ou
seja, se, como no entanto é possível em si (pelo menos até onde o entendimento a priori pode decidir), a
diversidade e heterogeneidade dessas leis, assim como das formas naturais que lhes são conformes, fosse
infinitamente grande e nesta se apresentasse um agregado bruto, caótico, sem o menor vestígio de um sistema,
embora tenhamos de pressupor tal sistema segundo leis transcendentais". Cf. tb. Ak, IV: 71-2.
93
numa experiência a matéria do conhecimento
210
.
O problema de uma heterogeneidade excessiva na diversidade de leis e conceitos
empíricos produzidos é precisamente a dificuldade que deve ser evitada com a introdução na
filosofia teórica do princípio da finalidade. O conceito de um ser racional que anseia por
conhecer sistematicamente a natureza de uma perspectiva empírica tem de conter em seu
significado - como condição da própria operação da faculdade de conhecer - a possibilidade
de produzir e aplicar conceitos e leis específicos. O princípio da finalidade tem de fornecer,
portanto, uma garantia subjetiva para o conhecimento. O seu uso deve prever que as regras
empíricas produzidas se permitem sistematizar num certo grau (segundo classes que remetem
a outras com maior ou menor extensão) para que possam tornar viável um conhecimento
ordenado. Em última análise, sem a aplicação desse princípio seria impossível para o intelecto
humano conceber a natureza como um estado de coisas compreensível, do qual é possível ter
um conhecimento empírico sistemático. Eis por que, segundo Kant, temos de pressupor
necessariamente que o substrato sensível da natureza se deixa, por assim dizer, corresponder
ao menos num certo nivel ("in Ansehung ihrer empirischen Gesetze"
211
), às condições do
nosso entendimento, sob as quais é possível produzir leis e conceitos particulares capazes de
classificar objetos - e não apenas indivíduos isolados, sem quaisquer características sensíveis
comuns.
Na medida em que ergue uma suposição sobre a natureza material do múltiplo
sensível, o princípio da finalidade - que Kant também denomina princípio da finalidade
210
Ak, V: 185-6. "Denn es laesst sich wohl denken; dass, ungeachtet aller der Geleichfoermigkeit der Naturdinge
nach dem allgemeinen Gesetzen, ohne welche die Form eines Erfahrungserkenntnisses ueberhaupt gar nicht statt
nigfaltigen, unserer Fassungskraft nicht angemessen) Stoffe
mmenhaengende Erfahrung zu machen".
finden wuerde, die spezifische Verschiedenheit der empirischen Gesetze der Natur, samt ihren Wirkungen,
dennoch so gross sein koennte, dass es fuer unseren Verstand unmoeglich waere in ihr eine fassliche Ordnung zu
entdecken, ihre Produkte in Gattungen und Arten einzuteilen, um die Prinzipien der Erklaerung und des
Verstaendnisses des einen auch zur Erklaerung und Begreifung des anderen zu gebrauchen, und aus einem fuer
uns so verworrenen (eigentlich nur unendlich man
eine zusa
211
Ibid.
94
formal
212
- não pode ser entendido nem como uma regra empírica, nem como uma regra
correspondente a um princípio constitutivo-transcendental do entendimento. E isto quer dizer
que ele não pode ser assimilado a uma condição de possibilidade do conhecimento de objetos.
É preciso, entretanto, reconhecer que ele expressa indiscutivelmente uma condição de
da finalidade.
is empíricas. O segundo refere-se
ropriamente ao lugar do princípio na filosofia crítica. Refere-se, portanto, ao fato de que esse
nscendental da faculdade de julgar em
possibilidade adicional do conhecimento e, por isso, tem de ser descrito como um tipo de
princípio transcendental para guiar a faculdade de julgar na sua tentativa de produzir
conceitos e leis empíricas.
Mas poder-se-ia perguntar: é realmente verdade que Kant só veio a introduzir essa
condição na terceira Crítica? A rigor, creio que a resposta é negativa. A seguir retomarei
alguns pontos relacionados à defesa desta tese de modo a discutir alguns dos principais
aspectos do argumento pelo qual Kant fornece uma dedução do princípio
Tentarei, portanto, mostrar que a "Introdução B" da terceira Crítica efetivamente aduz uma
prova para um princípio transcendental da faculdade de julgar reflexiva, e que isto serve para
fundamentar e confirmar algo que já havia sido dito em linhas gerais na CRP.
Em síntese, o uso do princípio da finalidade deve desempenhar duas funções
primordiais, ou seja, responder a um problema propriamente sistemático e a um outro crítico.
O primeiro consiste no fato de que ele tem de ser provado como uma condição da unidade do
conhecimento da experiência enquanto um sistema de le
p
princípio tem de ser explicado como um princípio tra
seu uso reflexivo - e não da razão ou do entendimento
213
.
3.2.1 A questão da sistematicidade da experiência
212
Ak, V: 181..
Ak, V: 176-7-8-9 ("Introdução B", parte III).
213
95
O problema sobre a sistematização do conhecimento empírico
214
já havia sido
resolvido parcialmente na própria CRP. No "Apêndice"
215
, em conexão com a discussão
acerca do uso lícito (cr
mundo e Deus), Kant s
uso possível da razão n crítica, o seu uso lógico.
Daqui só se depreende que a unidade sistemática ou unidade racional dos
possível
216
.
ítico) das idéias transcendentais (conforme o caso, as idéias de alma,
e refere ao denominado uso hipotético da razão, que descreve o único
a filosofia
conhecimentos diversos do entendimento é um princípio lógico que, mercê de idéias,
ajuda o entendimento sempre que este, por si só, não baste para atingir regras e,
simultaneamente, conferir uma unidade fundada sobre um princípio (uma unidade
sistemática), à diversidade das regras, assim criando uma ligação tão extensa quanto
Contudo, nesse texto a exigência pela razão de unidade dos conhecimentos
condicionados do entendimento tinha de pressupor para tanto um princípio que viabilizasse a
unidade sistemática da natureza numa perspectiva empírica, o que foi claramente indicado por
Kant já naquele momento
217
. O caráter problemático da representação da unidade sistemática
do conhecimento empírico foi sublinhado por afirmações que dizem que o uso lógico da razão
se expressa através do uso de um princípio que é regulativo e que não poderia jamais ser
considerado uma condição de possibilidade do conhecimento de objetos
218
. Faltava então
indicar claramente qual era este princípio suposto pela razão, que no "Apêndice" havia sido
apresentado apenas de uma maneira relativamente confusa na forma de três princípios
interligados, a saber, os princípios transcendentais da homogeneidade, da heterogeneidade e
eramente didáticas, recoloco inicialmente a seguir algumas explicações já dadas relativamente à
atização do conhecimento.
RTUSCHAT, W.. Zum systematischen Ort von Kants Kritik der Urteilskraft. Frankfurt, 1972,
sehen, als ob sie in diesem Vernunftwesen ihren Grund
nn". Cf. também Ak, III: 430.
214
Por razões m
questão da sistem
215
Cf. também BA
pp. 39-53.
216
Ak, III: 430..
217
Ak, III: 431-2.
218
Ak, III: 433. "Die Vernunft kann aber diese systematische Einheit nicht anders denken, als dass sie ihrer Idee
zugleich einen Gegenstand gibt, der aber durch keine Erfahrung gegeben werden kann; denn Erfahrung gibt
niemals ein Beispiel vollkommener systematischer Einheit. Dieses Vernunftwesen (ens rationis ratiocinatae) ist
nun zwar eine blosse Idee, und wird also nicht schlechthin an sich selbst als etwas Wirkliches angenommen,
sondern nur problematisch zum Grunde gelegt (weil wir es durch keine Verstandesbegriffe erreichen koennen),
um alle Verknuepfung der Dinge der Sinnenwelt so anzu
haetten, lediglich aber in der Absicht, um darauf die systematische Einheit zu gruenden, die der Vernunft
unentbehrlich, der empirischen Verstandeserkenntnis aber auf alle Weise befoerderlich und ihr gleichwohl
niemals hinderlich sein ka
96
da afinidade (ou continuidade)
219
. Diante do que foi colocado no capítulo I, nota-se que estes
princípios cumpriam conjuntamente a função que seria atribuída ao princípio da finalidade na
introdução da CFJ. Talvez por isto, o texto do "Apêndice" não se preocupe ainda em fornecer
qualquer prova da validade desses principios transcendentais. No que segue tentarei
demonstrar, por um lado, a ligação dos mesmos com o requerido princípio para a
sistematização do conhecimento empírico, que passou a ser atribuído à faculdade de julgar.
Por outro, tento mostrar que somente na "Introdução B" foi efetivamente fornecida uma
bsolutamente contraditórias. Em
primeiro lugar, acerca
afinidade, que seriam i
que uma dedução tranc
ara se
buscar o uso empírico da razão que podem ser seguidas por este apenas
assinteticamente, isto é, só aproximativamente, apesar disso enquanto proposições
impossível com respeito às idéias, como ficou provado acima.
221
(grifo meu)
dedução clara para esse princípio. Com relação à solução para o denominado problema
crítico, veremos oportunamente que ela consiste, por assim dizer, numa consequência da
solução definitiva para o problema sistemático.
Antes, no entanto, quero desfazer algumas dificuldades relacionadas à ambiguidade
do termo transcendental
220
na filosofia de Kant. Isto me parece necessário porque a teoria do
"Apêndice" faz duas afirmações que a princípio são a
dos princípios transcendentais da homogeneidade, heterogeneidade e
ntegrados no princípio da finalidade da natureza na CFJ, é afirmado
endental dessas regras é impossível.
O que nestes princípios é digno de nota e também a única coisa que nos ocupa é o
fato de parecerem transcendentais e de, conquanto contenham simples idéias p
sintéticas terem uma validade objetiva mas indeterminada, e de servirem como regra
para a experiência possível, sendo além disso realmente usados com êxito como
princípios heurísticos para a elaboração da experiência. Não obstante, não se pode
chegar a efetuar uma dedução transcendental desses princípios, a qual é sempre
Contudo, numa passagem posterior, Kant afirma que para que possa ser feito um
219
Além do "Apêndice", outras partes da CRP referem-se ao uso da razão para a busca da sistematização do
DER, T.. "Kants Begriff der transzendentalen Erkenntnis. Zur
riffs "transzendental" in der Einleitung zur Kritik der reinen Vernunft (A11
t-Studien 77, 1986, 1-40.
9.
conhecimento. Tais passagens não são entretanto tão evidentes quanto a teoria lá apresentada. Cf., por exemplo,
CRP, A686-88 e A691.
220
Sobre este tema, cf. especialmente PIN
Interpretation der Definition des Beg
f. / B25)". In: Kan
221
Ak, III: 438-9. Cf. também A66
97
uso seguro de um princípio a priori é imprescindível aduzí-lo no contexto de uma dedução
transcendental
222
. Além disso, é digno de nota que o termo transcendental é utilizado por
vezes com a conotação de conter necessidade objetiva
223
, enquanto, em outros momentos,
Kant se refere a princípios trancendentais que envolvem necessidade subjetiva
224
.
Não obstante, se recorremos contudo àquela classificação fornecida
anteriormente
225
entre os tipos de regras existentes no sistema kantiano, torna-se
relativamente fácil compatibilizar tais citações. No contexto do "Apêndice" a expressão
transcendental é usada com referência a certos princípios regulativos que são condições de
possibilidade do conhecimento. Entretanto, como eles não são condições do conhecimento
objetivo
226
, depreende-se que princípios transcendentais podem ser subjetivamente ou
objetivamente necessários no que se refere às condições de possibilidade do nosso
conhecimento em geral. Em apoio a esta hipótese, Kant define na "Introdução B" à terceira
Crítica um conceito mais amplo de princípio transcendental que permite integrar em si,
dependendo do caso, tanto o conceito de necessidade subjetiva como o conceito necessidade
objetiva. Lá é afirmado que um princípio transcendental é aquele através do qual é
representada a condição universal a priori, segundo a qual unicamente coisas podem ser
objetos do nosso conhecimento.
227
Com efeito, princípios transcendentais destinados à
sistematização dos conhecimentos condicionados do entendimento, como por exemplo
aqueles discriminados no "Apêndice", envolvem um tipo de necessidade meramente
subjetiva. Ao contrário, princípios transcendentais que representam a forma de regras
empíricas para a identificação de objetos dados à intuição são descritos na terminologia
222
Ak, III: 442-3.
223
Cf. por exemplo, CRP, A648.
224
Ak, XX: 209 ("Introdução A").
225
Cf. o item 3.1 desta dissertação.
226
Mas pode-se dizer que, muito embora esses princípios não sejam constitutivos da objetualidade dos objetos,
eles são condições de possibilidade do conhecimento de objetos empíricos. A rigor, o que não se pode dizer é
que, enquanto princípios regulativos, eles sejam ao mesmo tempo condições de possibilidade dos objetos do
conhecimento empírico eles próprios.
227
Ak, V: 181.
98
kantiana como princípios que envolvem necessidade objetiva. Para este tipo de regra Kant
exige certamente uma dedução transcendental em sentido estrito, vale dizer, a prova da
validade objetiva de um conceito ou princípio. De fato, este tipo de prova não pode ser
exigida para princípios transcendentais regulativos, ainda que esses possam sem dúvida ser
apresentados como princípios com necessidade subjetiva. Mas numa outra parte do
"Apêndice" é aceito
prova a ser fornecida
idéia da razão) lá recusa, contudo, o mesmo tipo de prova
desenvolvido por Kant na "Analítica" da CRP:
As idéias da razão pura não permitem, é certo, uma dedução da mesma espécie da
categorias
228
(grifo meu).
ento discursivo, a saber, sobre os objetos da natureza considerados
explicitamente o termo "dedução" para indicar a necessidade de uma
para os princípios regulativos (cujos usos são guiados na CRP por uma
aduzidos. A passagem
das categorias; porém, se elas devem ter alguma validade objetiva, muito embora,
sim, indeterminada, e para que não representem meras entidades vazias da razão
(entia rationis ratiocinandis), então uma dedução das mesmas tem de ser totalmente
possível, embora ela se afaste muito daquela que se pode efetuar com as
Esta afirmação a entender, portanto, que é então possível atribuirmos
legitimamente um sentido lato, "fraco", por assim dizer, para o significado do conceito de
dedução, que pode caracterizar um tipo de prova da validade de princípios trancendentais com
uso meramente regulativo relativamente ao nosso conhecimento. É verdade que a citação
acima não me dá inteiramente razão, posto que admite uma dedução dos princípios em
questão que supostamente pode provar uma espécie de "validade objetiva, sim, apenas
indeterminada". Todavia, creio que a resposta a esta possível objeção consiste em interpretá-la
no sentido da necessidade subjetiva de presumir algo sobre o que é a rigor incognoscível sob
as condições do conhecim
em si mesmos e tomados como a razão de ser de uma regularidade apreensível por nosso
intelecto. O uso desse sentido menos convencional para o conceito de dedução seria realmente
ratificado na CFJ, onde é reafirmado que onde há principios transcendentais tem de ser
228
Ak, III: 442-3. Tradução minha.
99
fornecida uma prova.
229
Feitos esses esclarecimentos, podemos agora retomar a questão sobre a
sistematicidade do conhecimento. O objetivo inicial de Kant na "Introdução A" à CFJ é
integrar os três princípios transcendentais indicados anteriormente no "Apêndice". Já na CRP
Kant havia alertado para o fato de que eles não são meramente lógicos, na medida em que se
dirigem à própria natureza. Por sua vez, a segunda introdução se detém propriamente na
discussão sobre a dedução possível para o princípio da finalidade formal. Referências ao texto
não publicado
230
e à versão definitiva da introdução podem demonstrar que de fato os três
princípios transcendentais indicados na CRP como princípios da razão são expressos e
fundamentados na filosofia teórica da CFJ por um mesmo princípio formal, que é apresentado
como o princípio geral da faculdade de julgar em seu uso reflexivo
231
. De acordo com esta
tese, é digno de nota que o conceito de "técnica da natureza" opera na primeira introdução à
CFJ como uma espécie de ligação dos princípios discriminados no "Apêndice" ao princípio
transcendental da finalidade
232
.
A fundamentação do princípio transcendental da faculdade de julgar e as diferenças
e conexões existentes entre os diversos conceitos kantianos de teleologia estão contidos
sobretudo nas introduções. Kant acredita que a prova da validade de um princípio que se
antecipa à produção de juízos reflexivos é uma tarefa da filosofia transcendental. E de fato, a
formulação de um princípio transcendental é sempre pressuposta nas discussões iniciais sobre
229
Ak, V, 182.
230
Procurei um professor da Universidade de Heidelberg que é um especialista neste tema, visando discutir com
ele algumas dúvidas que tive ao ler a "Introdução A". Para a minha surpresa, foi-me sugerido desconsiderá-la
num trabalho acadêmico. O seu argumento para tanto foi apenas o seguinte: a primeira introdução teria sido
definitivamente descartada por Kant, já que nunca houve interesse em publicá-la. Considero esta opinião um
absurdo pelos seguintes motivos. Supõe-se que a primeira introdução foi redigida em torno de 1789 (Cf.
ZAMMITO. The Genesis of Kant`s Critique of Judgement. Chicago: University of Chicago Press, 1992, pp 3-8).
Mas numa carta ao seu editor, Kant revelou que a rejeitou apenas devido à sua grande extensão. A segunda
introdução é, portanto, apenas mais concisa que a primeira. Eis por que penso que a "Introdução A" não pode ser
desqualificada. Por sinal, Kant afirma que ela contém "(...) muito que contribui para um discernimento mais
completo da finalidade da natureza" (Cf. Ak, XI: 381 - tradução minha).
231
Voltarei ao ponto no que segue.
232
Cf. a introdução de KARJA, H.. Heuristische Elemente der Kritik der teleologischen Urteilskraft. Heidelberg,
1975, e DUESING, K.. "Naturteleologie und Metaphysic bei Kant und Hegel". In: HORSTMANN, Rolf-
100
a finalidade estética do belo e a finalidade real, esta relativa ao conhecimento de seres
materiais biológicos. Os três princípios do "Apêndice" adiantam os aspectos funcionais do
princípio que seria aduzido no texto introdutório da versão definitiva da CFJ. Eles são
retomados e estudados mais detidamente na primeira introdução. Nesse contexto Kant cita,
por exemplo, algumas máximas científicas famosas - "a natureza não dá saltos" (mas sim tem
de pressupor uma transição contínua entre seus objetos), "a natureza é rica em espécies, mas
pobre em gêneros" etc
233
. Ora, tais máximas referem-se em última análise à tarefa da
faculdade de julgar na investigação da natureza, ou seja, subsumir particulares sob universais.
Nesta operação a faculdade de julgar parte da avaliação de indivíduos e após um processo de
comparação extrai notas comuns por meio do ato de reflexão. Estas, reunidas, produzirão
conceitos capazes de determinar as principais características de classes de objetos. A
ascensão, por assim dizer, de particulares para universais é denominada na primeira
introdução "Classifikation des Mannigfaltigen". A partir desta ação, a faculdade de julgar
também tem a tarefa contrária de "descer" com representações mais genéricas já produzidas,
através da produção de subdivisões conceituais em vista da classificação cada vez mais
precisa de particulares
234
. Isso é realizado no ato de especificar
235
.
Nessas passagens da primeira introdução é relativamente simples perceber por que,
dentre os três princípios discriminados na primeira Crítica, o princípio da especificação teria
mais tarde na segunda introdução uma evidente prioridade. Aí o que está em foco é a
discussão realizada na CRP sobre a conexão de conceitos superiores (mais gerais) e inferiores
(menos gerais
236
) e a relação dos mesmos com a natureza. Assim, na passagem
237
considerada
Kant tematiza, como já havia feito no "Apêndice", a seguinte questão: a diversidade de
Peter/FULDA, Hans-Friedrich (Hr.). Hegel und die "Kritik der Urteilskraft". Stuttgart: Klett-Cotta, 1990.
233
Ak, XX: 214.
234
O conceito de "bola vermelha" representa , por exemplo, a conjugação de dois conceitos no sentido de
especificar o conceito mais geral "bola".
235
Ak, XX: 214.
236
Rigorosamente, não há conceitos ínfimos (mas sim menos gerais) pois no caso do conhecimento discursivo
não há limites para a especificação.
101
formas naturais pode em si mesma ser determinada em conformidade com a ordenação lógica
dos conceitos que formamos? Ou mais simplesmente: os conceitos empíricos que produzimos
servem para classificar / sistematizar? Se o ato de especificar não é apenas lógico, mas está
relacionado também à subdivisão dos próprios objetos da natureza, de modo a envolver a
idéia de que estes se adequam à aplicação dos conceitos produzidos, é preciso ao menos supor
no ato de conhecimento que a natureza em si mesma, por assim dizer, se especifica. Além
disso, como condição do ato de classificação, Kant pressupõe a possibilidade de produzir leis
e conceitos particulares mais genéricos em vista da determinação de cada vez mais
particulares numa hierarquia taxonômica. O ponto que parece ser nesse momento
238
acentuado
pela teoria kantiana consiste no fato de que na ascensão de particulares para leis e conceitos
empíricos cada vez mais genéricos temos sempre de supor, se pensamos a própria natureza
como destinada a se especificar, que leis e conceitos particulares menos gerais (dos quais
parte a faculdade de julgar reflexiva no seu primeiro sub-ato (comparação) em vista da
produção de regras empíricas mais gerais) já são em princípio subdivisões de conceitos mais
genéricos que ainda estão por ser produzidos. Numa palavra, se no Aufstieg de particulares
para universais isto não fosse suposto, sequer poderia ser iniciado o processo de comparação
em vista da produção de notas comuns. Toda investigação da natureza tem, portanto, de
pressupor a possibilidade de uma permanente especificação adiantada a partir de leis e
conceitos empíricos genéricos até regras particulares sempre o mais possível "baixas" na
construção de um quadro taxonômico. Pensar um conceito particular como sendo uma regra
originariamente especificada supõe a possibilidade da busca de conceitos menos específicos
e, por conseguinte, com maior extensão. Sendo assim, pode-se dizer que a sistematização da
totalidade dos objetos, ou seja, a "Classifikation der Dinge", depende essencialmente da
função exercida pelo princípio da especificação - "(...) klar, dass die reflectirende
237
Ibid.
238
Ibid.
102
Urtheilskraft es ihrer Natur nach nicht unternehmen koenne, die ganze Natur nach ihren
empirischen Verschiedenheiten zu classificiren, wenn sie nicht voraussetzt, die Natur
specificire selbst ihre transcendentale Gesetze nach irgend einem Princip"
239
. A tese de Kant
a esse respeito pode ser cabalmente ratificada numa afirmação que qualifica o princípio da
especificação, por assim dizer, como uma espécie de "coluna vertebral" da forma do princípio
da finalidade formal que seria deduzido posteriormente. Assim, ele chega mesmo a afirmar na
princípio da afinidade. De qualquer modo,
somente através da sua aplicação a natureza pode ser representada para a nossa faculdade de
segunda introdução que poder-se-ia denominar o princípio geral da faculdade de julgar
reflexiva um "(...) princípio da especificação da natureza em vista de suas leis empíricas" ((...)
"das Gesetz der Specification der Natur in Ansehung ihrer empirischen Gesetze nennen
koennte"
240
).
É interessante notar que nas duas
241
introduções, muito embora a função desse
princípio tenha sido sublinhada por Kant, os princípios da homogeneidade e da afinidade são
também descritos como fundamentais na tarefa de classificação. Assim, por exemplo, na
"Introdução B" é afirmado que tem de haver um princípio comum (gemeinschaftliches
Prinzip) entre os diferentes conceitos de um sistema que torne possível a passagem de um
gênero (Gattung) para outro, ou de uma espécie (Art) ou subespécie (Unterart) para outra
242
-
tal princípio, evidentemente, só poderia ser o
ambos os princípios têm de estar contidos no princípio da especificação, admitido que
239
Ak, XX: 215.
240
Ak, V: 185-6. Cf. tb. Ak, XX: 216,1-3: "Ora, é claro que o juízo reflexivo não pode, segundo sua natureza,
empreender a classificação da natureza inteira segundo suas diferençass empíricas, se não pressupõe que a
natureza mesma especifica suas leis transcendentais segundo algum princípio. E esse princípio não pode ser
nenhum outro que não o da adequação à faculdade do próprio juízo, de, na imensurável diversidade das coisas
segundo leis empíricas possíveis, e, encontrado suficiente parentesco (Verwandschaft) destas, para trazê-las sob
conceitos empíricos (classes) e estes sob leis mais universais (gêneros superiores), e assim poder chegar a um
sistema empírico da natureza. O princípio próprio do Juizo é, pois: A natureza especifica suas leis universais em
empiricas, em conformidade com a forma de um sistema lógico, em função do juízo".
241
Cf., por exemplo, na nota anterior a expressão Verwandschaft (utilizada na "Introdução A"), que é o termo
vernáculo para o empréstimo latino: Affinitaet.
242
Ak, V: 184-5; cf. tb. Ak, V: 182. Em 1793, ano da publicação da segunda edição da CFJ, Kant dá a entender
numa carta a Beck que jamais excluiu os princípios da homogeneidade e afinidade de sua filosofia teórica. Cf.
Ak, XI: 441; carta de 18.8.1793; cf. tb. Ak, XV: 439 (Nr. 994).
103
julgar como um sistema - numa palavra, ele é por excelência o princípio para a divisão
ordenada da natureza em gêneros e espécies
243
.
Na primeira introdução, com o conceito de "técnica da natureza" (Technik der
Natur) em suas leis particulares, Kant descreve a pressuposição do princípio da especificação
da natureza, segundo o qual a mesma se destina à possibilidade de um sistema segundo
gêneros e espécies. Esse conceito é central na "Introdução A", mas é raramente usado na
segunda - não obstante ele volte a ser valorizado em outras passagens da CFJ. A expressão
"técnica" ou "arte" (Kunst) da natureza é utilizada no presente contexto para significar que,
em sua heterogeneidade de formas, a própria natureza torna possível a comparação e a
transformação de seus objetos, bem como a ordem e a subordinação de espécies a gêneros, de
tal modo que ela pode ser reconhecida através de suas leis e conceitos particulares.
244
Com a
suposição de uma técnica da natureza é pensada a ordem do múltiplo da natureza num sistema
lógico, de maneira que a faculdade de julgar pode considerar o múltiplo natural como
determinável a partir do seu ato de subsunção dos particulares sob universais. Com isso é
pressuposto que a natureza é apreensível (compreensível) em suas diferenças e, por assim
dizer, adequada às nossas faculdades de conhecimento
245
.
Claramente, esta idéia envolve por sua vez o conceito de uma "finalidade da
natureza para a nossa capacidade de conhecer e para o seu uso" ("Zweckmaessigkeit der Natur
fuer unsere Erkenntnisvermoegen und ihren Gebrauch"
246
), que é analisado essencialmente na
segunda introdução. É interessante notar que no conceito de uma finalidade do múltiplo
sensível relativamente ao nosso poder de julgar está contido o de uma técnica da natureza.
Este parece, assim, pressupor o primeiro. A relação que subsiste entre os dois conceitos seria
243
Sobre isso, cf. a introdução de BAEUMLER, A.. Kants Kritik der Urteilskraft - ihre Geschichte und
in der Aesthetik und Logik des 18. Jahrhunderts bis zur
t). Halle: Max Niemeyer, 1923.
r, ou seja, que ela o leva em consideração ("(...) eine Ruecksicht auf unser
gen (...)").
Systematic (Erster Band: Das Irrationalitaetsproblem
Kritik der Urteilskraf
244
Ak, XX: 203-215.
245
Em termos kantianos, supomos através do conceito de uma técnica da natureza que a natureza remete o dado
ao nosso poder de conhece
Erkenntnisvermoe
104
então a seguinte. O uso da idéia de finalidade funciona para explicar o processo de referência
das múltiplas formas da natureza ao nosso tipo de entendimento. Mas somente através da
suposição necessária de uma tal relação pode-se conceber uma técnica da natureza em suas
leis particulares, i. é a representação da possibilidade de conhecimentos empíricos nos atos de
subsunção. A finalidade expressa, portanto, um princípio transcendental que abre uma nova
perspectiva relativamente à totalidade dos objetos. Através dele supomos necessariamente que
a natureza não pode ser inacessível e estranha à nossa compreensão. Ele garante
subjetivamente que os fenômenos são elementos comparáveis e que, por conseguinte, eles
permitem interconexões entre as diferenças manifestadas empiricamente. Com isso, é
garantida a possibilidade de producão de ordens e sub-ordens sistemáticas. Pode-se afirmar
de supor como possível que pode se orientar na diversidade das formas sensíveis
então que a introdução do princípio da finalidade fornece propriamente a fundamentação dos
princípios lógicos da homogeneidade, especificação e continuidade (afinidade), através dos
quais a a natureza pode ser pensada como um sistema logicamente organizado.
Indiscutivelmente, a falta do princípio transcendental da finalidade traria não
apenas consequências graves no que concerne à busca do conhecimento sistemático. Também
a filosofia prática kantiana teria, por assim dizer, uma lacuna conceitual. A dificuldade tem a
ver com o fato de que a realização bem sucedida de fins práticos em geral é dependente da
possibilidade do conhecimento de particulares e da possibilidade da verdade empírica
247
e,
com efeito, da unidade sistemática dos diversos objetos que constituem o mundo. Assim, não
apenas o ato de conhecer, mas também a capacidade de agir, seria severamente
comprometida, já que, em princípio, a realização de fins morais estaria fatalmente
impossibilitada pelo estado caótico das coisas
248
. Eis por que necessariamente o entendimento
humano tem
246
Ak, V: 182.
247
A expressão "verdade empírica" é usada por Kant no "Apêndice" para designar a possibilidade de
classificação dos indivíduos discriminados espacio-temporalmente por meio de conceitos particulares. A
rdade empírica depende, portanto, da possibilidade de produção de regras empíricas em geral. ve
105
da natureza - o que é realizado precisamente através da suposição contida na idéia de que o
substrato natural é em si mesmo disposto em vista da operacionalização do nosso poder de
conhecer.
A ação de classificar / sistematizar supõe a produção de regras empíricas, o que é
subjetivamente garantido pelo princípio da faculdade de julgar. Mas, pode-se ainda indagar,
como se dá no entender de Kant esse processo? A faculdade de julgar é compreendida como
uma capacidade autônoma de conhecimento. Muito embora ela não tenha qualquer função
objetiva, está certamente ao lado do entendimento como uma das condições de possibilidade
do conhecimento. Nas palavras de Kant, a faculdade de julgar é "a faculdade de pensar o
particular como contido sob o universal"
249
. Ele também afirma - por sinal, de maneira pouco
clara - que o poder de julgar pode ser pensado como o "termo médio" (Mittelglied) entre o
entendimento e a razão
250
. Como a tarefa geral da atividade da faculdade de julgar envolve
dois atos centrais, a saber, a produção de regras empíricas e o posterior ato de determinação in
concreto dos particulares através das mesmas, pode-se supor que Kant tem em mente o
seguinte. O entendimento disponibiliza a priori a forma de conceitos e leis empíricas através
das categorias, logo, fornece as funções da unidade objetiva. A aplicação desta estrutura
formal para a formação de conceitos dependia originariamente na CRP do uso regulativo de
princípios da razão, os quais, contudo, são unificados na terceira Crítica por meio de um
único princípio da faculdade de julgar. Nesse sentido, é possível afirmar que a faculdade de
julgar torna efetiva a aplicação de um conceito regulativo da razão (o conceito de fim) no seu
trabalho de subsunção
empíricas. Por conseg
ntendimento ao conteúdo dado em
Em tal caso, diz-se, por exemplo, que as coisas do mundo têm de ser consideradas
, referindo o múltiplo dado ao entendimento na produção de regras
uinte, a faculdade de julgar torna possível a aplicação das leis do
piricamente através de uma idéia. e
passagens. Cf., por exemplo, Ak, V: 175-6, 368 e 447-8.
248
Kant acentua este ponto em várias
249
Ak, V: 178-9.
250
Ak, V: 176-7. Cf. tb. Ak, III: 240.
106
como se derivassem a sua existência de uma existência suprema. Deste modo, a idéia
não como é constituído um objeto, mas como, sob a sua orientação, devemos
procurar a constituição e conexão dos objetos da xperiência em geral
é, em verdade, somente um conceito heurístico e não um conceito ostensivo e indica,
e
sucesso depende
essencialmente do mo
finalidade formal. Esse
atos complementares qu
m te
reflexiva.
253
.
ornado possível através disso, ou como uma faculdade de determinar um
primeiro caso ela é a faculdade de julgar reflexiva, no segundo a determinante .
iculdade teórica essencial consiste então
das representações particulares que tornam possível a classificação e a
consequente sistematiz
O conceito d maior precisão na
251
..
Isto se por intermédio de uma complexa atividade de produção de conceitos
empíricos, que é descrito a partir de certos atos mentais
252
e cujo
do como pensamos o múltiplo da intuição através do princípio da
processo havia sido descrito essencialmente na Lógica através de dois
e são novamente explicados nas introduções à CFJ:
No caso de este (a regra, o princípio, a lei) ser dado, a faculdade do juízo, que nele
subsume o particular, é determinante. (...) Porém, se só o particular for dado, para o
qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é simples en
A faculdade de julgar pode ser considerada, seja como mera faculdade de refletir,
segundo um certo princípio, sobre uma representação dada, em função de um
conceito t
conceito, que está no fundamento, por uma representação empírica dada. No
254
O primeiro ato da faculdade de julgar caracterizado por Kant corresponde ao seu
uso determinante (bestimmend). Nesse caso, a regra empírica produzida é ligada na ação de
julgar à representação do particular intuído. Portanto, essa atividade supõe
255
a produção
anterior de leis e conceitos empíricos, o que é realizado por intermédio de outro ato, o uso
reflexivo (reflektierend) da faculdade de julgar. A dif
em explicar o segundo ato, pois ele constitui o momento principal da Taetigkeit da faculdade
de julgar na formação
ação de classes fenomênicas.
e reflexão no contexto da CFJ é definido com
primeira introdução:
oltarei a discutir a tese de que há uma idéia da razão
cípio da finalidade no próximo capítulo.
f. MERTENS, H., loc. cit., pp. 115-124.
0.
251
Cf, por exemplo, Ak, III: 442-3 - Tradução portuguesa. V
representada pelo prin
252
Ak, XX: 220. C
253
Ak, V: 179-8
254
Ak, XX: 211.
255
Ak, V: 179.
107
Refletir (Ueberlegen), porém, é: comparar e manter-juntas (zusammenhalten) dadas
referência a um conceito tornado possível através disso
representações, seja com outras, seja com sua faculdade-de-conhecimento, em
257
258
259
conceito. Assim, diz Kant, a reflexão envolve, por um
itirão a
260
256
.
O ato de comparar (vergleichen) havia sido anteriormente colocado ao lado da
reflexão e da abstração (Abstraktion) como consistindo num dos três atos lógicos distintos da
razão pelos quais os conceitos empíricos são gerados. Mas na passagem acima a
comparação é claramente atribuída ao processo de reflexão e, logo, não à razão, mas sim ao
uso reflexivo da faculdade de julgar. O verbo zusammenhalten (comprehendere ) é
empregado na esfera dessa explicação no sentido de selecionar, separar e relacionar as
características sensíveis comuns encontradas em cada representação (Vorstellung) empírica.
Em outras palavras, a expressão significa discernir representações dadas como as notas que
constituem a "compreensão" de um
lado, a comparação entre si das diversas representações sensíveis (correlatas daquilo que é
intuído) das quais o sujeito é consciente e, por outro, a comparação das mesmas com o
intelecto do mesmo.
Ora, visto que mesmo na mera consciência empírica dos estados subjetivos tem de
haver conceitos - exatamente para que cada estado possa ser pensado - , pode-se dizer que
cada característica sensível pensada numa representação empírica já traduz uma regra
particular originária. A tarefa essencial do ato de refletir é, portanto, separar as regras
(conforme o caso, as notas) que expressam características sensíveis comuns às diversas
representações do que é intuído, em vista da produção de conceitos particulares. Estes
perm compreensão de diferentes representações em uma consciência, através da
produção de um conceito de objeto. Com efeito, ao se referir ao ato de comparar
256
Ak, XX: 211.
a atribuição dessas funções ao
prio Kant.
tradução precisa do termo ao Prof. Guido de Almeida.
257
Ak, IX: 94.
258
Na Lógica os três atos lógicos são referidos na verdade ao entendimento. Entretanto, o único uso lícito das
idéias da razão no campo do conhecimento é o uso lógico (a razão não pode constituir conhecimentos). Além
disso, o "Apêndice" associa este uso à formação de conceitos. Suponho então que
entendimento pode ter se devido a uma distração de Jaesche ou do pró
259
Agradeço a
108
representações com a faculdade de conhecimento ("(...) mit seinem Erkenntnisvermoegen
(...)"
261
), Kant essencialmente está ratificando que, ao refletir, o sujeito busca o que há de
idêntico na diversidade
um texto escrito pouco
ação de comparar no interior do processo de reflexão
262
.
c
minha
)
263
.
do que lhe é representado. Sobre isto, é particularmente esclarecedor
antes da primeira edição da CFJ. Nele é sublinhada a importância da
Eu reflito sobre coisas, isto é, eu me torno onsciente de diferentes representações
uma a uma, ou eu comparo diferentes representações com minha consciência; sendo
assim, então as comparo (vergleiche) entre si. Isso é comparation (tradução
O objetivo da passagem é indicar que, ao atentar
264
para as diversas representações
que têm de ser posteriormente comparadas, o sujeito se torna consciente das mesmas, ou seja,
pensa cada uma delas com regras singulares para distingui-las. Uma vez separadas, elas
podem então ser comparadas para selecionar os conteúdos comuns entre as regras que
260
Ak, IX: 94.
261
Ak, XX: 211.
262
O termo reflexão em Kant suscita uma certa ambiguidade e pode se referir não apenas ao ato da faculdade de
julgar em seu uso reflexivo, mas também à reflexão transcendental, que não pode ser assimilada ao processo
descrito na CFJ. Os conceitos de reflexão (identidade e diferença, interno e externo, matéria e forma. Cf. Ak, III:
214-26) são conceitos usados para a orientação e aplicados pela faculdade de julgar às representações. Eles
estão, portanto, relacionados a uma operação desta faculdade anterior ao ato de determinar, e que consiste em
comparar conceitos entre si, com intuições e com a nossa faculdade de conhecimento. A reflexão transcendental
serve para determinar o caráter de cada representação que precede os conceitos das coisas e, por conseguinte, a
esfera de validade das mesmas. Esse ato visa "(...) uma determinação do lugar a que pertencem as representações
das coisas comparadas, com a finalidade de saber se é o entendimento puro que as pensa, ou a sensibilidade que
as dá no fenômeno" (Ak, III: 220). O uso ilícito de tais conceitos gera o que Kant denomina "anfibolias", i. é ou
bem a "intelectualização" das aparências, ou bem a "sensualização" dos conceitos do entendimento - cf. Ak, III:
221. É entretanto razoável supor que os conceitos da reflexão (aplicados aos esquemas da imaginação) tornam
possível a formação de conceitos empíricos e, juntamente com eles, a formação das categorias, pois estas nada
mais são do que a forma dos conceitos empíricos. Mas tenho ainda muitas dúvidas sobre essa possibilidade.
263
Cf. Ak, XXIV: 566. "Ich reflectire ueber Dinge d. h. ich werde mir nach und nach verschiedener Vorstellungen
bewust, oder ich vergleiche verschiedene Vorstellungen mit meinem Bewustseyn; ist das, so vergleiche ich sie
untereinander, das ist comparation (...)".
264
A "atenção" (attentio) para as diferentes representações é um elemento do processo de formação de conceitos
que já havia sido identificado por Wolff. Cf. sobre isso BAEUMLER, A.. Kants Kritik der Urteilskraft - ihre
Geschichte und Systematic (Erster Band: Das Irrationalitaetsproblem in der Aesthetik und Logik des 18.
Jahrhunderts bis zur Kritik der Urteilskraft). Halle: Max Niemeyer, 1923, p. 202 e BAEUMLER, A.. Das
Problem der Allgemeingueltigkeit in Kants Aesthetik. Muenchen: Delphin-Verlag, 1915. Cf. tb. LIEDTKE, M..
Der Begriff der reflektierenden Urteilskraft in Kants Kritik der reinen Vernunft. Hamburg (Dissertation), 1964,
pp. 99-145. A Aufmerksamkeit já é parte da ação de comparar, que por sua vez parece ser compreendida por
Kant como o componente central do ato de refletir. Ao atentar para cada representação em vista de uma possível
unidade da consciência dessas representações, o sujeito busca o que há de idêntico, o que há de comum em suas
características individuais. A teoria de Kant se afasta claramente de Baumgarten e Meier, que distinguem as
funções de reflexão e comparação. Para estes a comparação se limita a um atentar para as diferenças. Cf. Ak,
III: 215-6 e Ak, XVI: 555-6 (Nr. 2876 e 2878).
109
correspondem a cada coisa representada empiricamente. Por fim, a características comuns
natureza do entendimento para
expressas conceitualmente são abstraídas do que há de diverso em cada elemento
representado. Os conteúdos comuns (notas) expressos abstratamente são coligidos e formam
conceitos empíricos capazes de ter um uso universal - e não apenas singular - , fato que torna
possível sistematizar classes de objetos
265
.
O uso reflexivo da faculdade de julgar e a formação de conceitos empíricos só é
possível admitindo-se que a complexidade exibida pelo múltiplo dos dados empíricos não
pode exceder as potencialidades do intelecto humano. A totalidade dos objetos da natureza
tem de ser previamente pensada, portanto, como conforme à
que este possa captá-la, por assim dizer, e tornar possível a sistematização empírica. Mas isto
só é possível se a natureza é pensada como se fosse um produto de uma atividade intencional
de um ser inteligente, o que significa pensá-la através de uma idéia, ou seja, a idéia de
finalidade da natureza relativamente à inteligência humana.
A ação regulativa da faculdade de julgar complementa assim o uso constitutivo das
categorias e princípios puros, pois a sistematização empírica é dependente da aplicação da
idéia de finalidade. Nesse sentido, antes do primeiro ato da faculdade de julgar (comparação)
é necessário pensar o dado da intuição como um objeto qualquer (i. é como algo que pode ser
identificado como o mesmo, ou ainda, como algo que pode ser pensado em momentos e
lugares diferentes). Neste instante inicial, por assim dizer, não pode haver ainda um conceito
determinado de objeto e há, portanto, apenas uma referência indeterminada a um objeto na
base do processo de produção de conceitos de primeira ordem. Tal referência tem a função de
tornar possível o pensamento de uma intuição (espácio-temporalizada) como um objeto em
265
As inferências da faculdade de julgar reflexiva podem ser divididas em duas espécies: analogia e indução. Cf.
Ak, IX: 132. "A indução infere, pois, do particular para o universal (a particulari ad universale) segundo o
princípio da generalização: o que a muitas coisas de um nero convém, convém às demais também. A analogia
infere da semelhança particular de duas coisas a semelhança total, segundo o princípio da especificação: as
coisas de um gênero das quais conhecemos muitos aspectos concordantes também concordam nos demais
aspectos que conhecemos em algumas coisas deste gênero, mas não percebemos em outras".
110
geral e antecipa um conceito possível. A referência indeterminada a um objeto pode ser
expressa com a palavra "isto" ( = "objeto qualquer") e caracteriza o uso de conceitos puros
aplicados a algo de dado para o qual é buscado um conceito determinado. Neste momento, é
claro, não há ainda a formação de qualquer conceito ou juízo, mas unicamente o uso
constitutivo-crítico das categorias. Este uso, contudo, depende dos atos próprios da faculdade
de julgar reflexiva na formação de um quadro conceitual empírico ordenado. A aplicação das
ategorias poderia em tese ser operativa sem o princípio da finalidade. Mas apenas por que
dade excessiva entre os objetos da experiência, a mente é levada ao processo de
c
este aduz uma garantia subjetiva de que é possível conhecer, a despeito da hipótese da
heterogenei
comparação que conduz à produção de gêneros e espécies.
3.2.2 O problema crítico e a estrutura da dedução transcendental do princípio da
finalidade
Kant entende que o princípio da finalidade formal não pode ser um princípio do
entendimento, nem um princípio regulativo da razão teórica e nem um princípio da razão
prática pura
266
, mas ele tampouco pode ser considerado um princípio empírico
267
. A questão
sobre o lugar do princípio da finalidade no interior da filosofia transcendental é colocada
explicitamente por Kant na primeira introdução, particularmente numa passagem na qual
afirma que o princípio transcendental da faculdade de julgar contém a suposição de "(...) que a
natureza atua segundo a idéia de um sistema da subdivisão da mesma, em vista da
possibilidade da experiência enquanto um sistema empírico, na especificação das leis
transcendentais do entendimento (princípios da sua possibilidade como natureza em geral), i.
266
Ak, V: 184. "Dieser transzendentale Begriff einer Zweckmaessigkeit der Natur ist nun weder ein Naturbegrif,
noch ein Freiheitsbegriff...". Cf. tb. Ak, XX: 204.
267
Ak, XX: 211. "Auf Rechnung der Erfahrung kann man ein solches Prinzip auch keineswegs schreiben, weil
nur unter Voraussetzung desselben es moeglich ist, Erfahrungen auf systematische Art anzustellen".
111
é na multiplicidade de suas leis empíricas".
268
Kant refere-se aqui a "princípios da
possibilidade da natureza em geral", portanto, a leis transcendentais da natureza que trazem
consigo a forma das diversas leis particulares que devem ser buscadas e especificadas de uma
maneira sistemática. V
diversidade empírica,
apenas o que é um obj ação de toda diversidade envolve uma distinção
central para explicar a relação das leis transcendentais com o projeto de um sistema empírico
da natureza. Sobre esta relação Kant afirma o que segue:
Ora, esses conhecimentos empíricos constituem, segundo aquilo que
princípio.
269
(grifo meu)
supõe, porém, a ligação do múltiplo dado através da apercepção originária. É esta consciência,
imos acima que, considerados independentemente de toda possível
conceitos e princípios transcendentais do entendimento representam
eto em geral. A abstr
necessariamente têm em comum (ou seja, aquelas leis transcendentais da natureza),
uma unidade analítica de toda experiência, mas não aquela unidade sintética da
experiência como um sistema, que liga as leis empíricas, mesmo segundo aquilo que
elas têm de diferente (e onde sua diversidade pode ir ao infinito), sob um
Os princípios transcendentais estabelecem, por exemplo, que todos os fenômenos
são grandezas extensivas, que têm um grau calculável de realidade, que estão sujeitos à
sucessão temporal segundo a lei da causalidade natural, que devem permanecer no espaço e
no tempo etc. No contexto desta passagem, tais princípios são descritos como os elementos
que, nos conhecimentos particulares (empíricos), permanecem constantes e idênticos. É isto
precisamente que Kant quer dizer com a expressão "analytische Einheit der Erfahrung".
"Unidade analítica" significa na terminologia kantiana a identidade presente em muitos, os
quais, do ponto de vista empírico, diferem entre si. A expressão descreve a universalidade
que caracteriza o entendimento discursivo e, portanto, a universalidade presente na forma de
leis e conceitos empíricos
270
- e este é o motivo pelo qual os princípios transcendentais são
também denominados "Naturbegriffe"
271
. A possibilidade da unidade analítica da experiência
268
Ak, XX: 242; cf. tb. XX: 215.
.
269
Ak, XX: 203
270
Cf. Ak, III: 109 e Ak, V: 406-7.
112
mais precisamente entendida como a consciência da unidade sintética de um múltiplo da
intuição em geral (a unidade objetiva, ou transcendental, da apercepção
272
), que a rigor torna
possível a existência de conceitos de objetos - a unidade objetiva da consciência é
particularmente a unidade conferida às representações que constituem as notas características
que são relacionadas num conceito empírico. Entretanto, na citação acima não está em
questão o processo de fundamentação transcendental estudado na CRP. Quero dizer que a
expressão "synthetische Einheit der Erfahrung" não se refere aí à unidade sintética da
apercepção, mas sim à natureza enquanto sistema, também considerada na diversidade de leis
particulares, relativamente aos quais universais têm de ser especificados. Esse sistema é
denominado por Kant "unidade sintética", na medida em que ele não abstrai da diversidade
empírica, mas sim leva em consideração o dado no múltiplo da natureza
273
.
Contudo, diz Kant, a representação de um sistema da natureza a partir de uma
perspectiva empírica é possível apenas através da aplicação do princípio transcendental da
finalidade formal. Ora, a relação deste princípio transcendental com os conceitos puros
deduzidos na primeira Crítica é derivada da solução do que denominei problema sistemático
e pode ser resumida e repetida na seguinte explicação. A natureza não é a rigor representada
como final relativamente ao nosso entendimento, mas sim para a própria faculdade de julgar,
que tem a função de produzir leis e conceitos empíricos a partir do múltiplo da natureza.
Entretanto, o "solo"
274
da experiência é comum tanto ao princípio da finalidade quanto para os
conceitos e princípios do entendimento, já que todos têm de modos diversos relação com o
mundo. Eis por que o princípio da faculdade de julgar tem de ser também considerado um
princípio transcendental, porém, subjetivo, já que não sendo uma categoria
275
, não pode ter
271
Ak, V: 174.
272
Cf. Ak, III: 112-3 (parágrafo 18).
273
Acompanho aqui as interpretações dos últimos capítulos de KARJA, H.. loc. cit..
274
Ak, V: 173-4. A experiência é em última análise o solo (Boden, territorium) em questão. A rigor, os princípios
do entendimento são legisladores para esse território (eles o delimitam), mas não o princípio da finalidade
formal, que é apenas regulativo para a faculdade de julgar, com a qual tratamos de ocupá-lo.
275
Ak, XX: 220.
113
validade objetiva. Sem a suposição de que a própria natureza em sua multiplicidade de
objetos empíricos funciona de um modo que se presta à ordenação de um sistema material, a
produção eventual de conceitos e leis aptos a se organizarem taxonomicamente teria de ser
considerada pelo sujeito mero acidente. Em tese, supondo que o quadro categorial do nosso
entendimento ainda existisse mesmo na falta de um princípio para a faculdade de julgar
reflexiva, poderíamos ainda produzir conceitos. Kant imagina a hipótese de que certos dados
se prestassem apenas "por sorte, ou por acaso" (gluecklicher Weise
276
) a formar regras
particulares. Mas no caso-limite de um completo caos ao nível empírico, tais conceitos
seriam, entretanto, regras que a rigor classificariam tão-somente fenômenos isolados (tais
regras teriam um uso apenas singular
277
), mas jamais classes de objetos - hipótese que, é claro,
tornaria impossível qualquer tentativa de sistematização empírica. Ou seja, se nem mesmo por
acaso certos fenômenos permitissem a formação de conceitos capazes de classificar
hierarquicamente, "(...) teríamos sempre apenas coisas singulares, por assim dizer isoladas,
para o entendimento, nunca, porém, uma classe dos mesmos que pudesse cair sob conceitos
genéricos e específicos (...)"
278
. Se, portanto, não pressupuséssemos uma possível ordem
sistemática na esfera empírica e, por conseguinte, toda organização se desse por mero acaso, a
natureza consistiria para nós numa "verworrenen Stoffe"
279
, i. é numa matéria confusa, na qual
seria impossível buscar qualquer relação entre as características sensíveis eventualmente
registradas por nosso intelecto. Nesse cenário, os dados que porventura fossem determinados
por conceitos (com usos singulares) seriam incomparáveis com outros dados. Numa palavra, a
276
Ak, XX: 210. "(...) wenn sich besondere Wahrnehmungen einmal gluecklicherwer Weise zu einem
ois
e Dinge nie aber eine Classe
er Gattungs- und Artsbegriffe gebracht werden koennten (...)".
279
Ak, V: 185-6.
empirischen Gesetzen qualificirten".
277
Cf. Ak, V: 193. Esta suposição pode ser depreendida dessa passagem da terceira Crítica, onde Kant sugere que
se permanecêssemos tendo a capacidade de aplicar categorias na ausência do princípio da finalidade, seria
possível em princípio "conhecer" através de leis e conceitos particulares que seriam produzidos para usos
estritamente singulares. Mas nesse caso a diversidade dos particulares seria ainda incompreensível para nós, p
não haveria qualquer ordenação possível para as regras particulares que fossem eventualmente produzidas.
278
Ak, XX: 216. "(...) immer nur einzelne fuer den Verstand gleichsam isoliert
derselben, die unt
114
natureza seria para nós um "labirinto do múltiplo" ("ein Labyrinth der Mannigfaltigkeit"
280
)
no qual seria inviável qualquer orientação, pois ela resumir-se-ia num "rohes chaotisches
Aggregat", que "(...) nicht die mindeste Spur eines Systems darlegte, ob wir gleich ein solches
nach transcendentalen Gesetzen voraussetzen muessen"
281
.
Para encerrar a discussão sobre a questão crítica, i. é sobre o lugar do princípio da
finalidade na filosofia transcendental, resta ainda esclarecer três pontos. Em primeiro lugar,
substâncias e leis cujas formas são constituídas pelas regras do entendimento, não apenas o
istematizar têm de ser atribuídos à faculdade de
falta relembrar os motivos centrais alegados por Kant para classificá-lo como um princípio da
faculdade de julgar. Também falta esclarecer o termo "herautoromia", que é utilizado na
filosofia transcendental para se referir a esse princípio formal. Por fim, o que é o objetivo
central desse capítulo, apresentarei um esquema da sua prova formal, desenvolvida na
"Introdução B".
Os mencionados motivos já foram aduzidos no capítulo I deste trabalho e podem ser
assim resumidos. A CFJ resolve a questão sobre o lugar do princípio na filosofia crítica ao
atribuir à faculdade de julgar um principio que no "Apêndice à Dialética Transcendental" era
atribuido à razão. Esta acumulava, por assim dizer, uma função meramente lógica com uma
função classificatória. Mas esta última função tinha necessariamente de ser atribuída à
faculdade de julgar. Pois julgar para Kant significa subsumir; e subsumir significa, em
princípio, determinar. Como foi explicado acima, o ato de determinar tem a função de aplicar
conceitos. Entretanto, esta ação tem de supor a produção de conceitos empíricos para ser
efetivado na produção de juízos assertóricos. Diante disto, um princípio da faculdade de
julgar só pode consistir num princípio para favorecer o seu trabalho de subsunção
282
. Como
sistematizar não consiste em outra coisa senão em classificar segundo gêneros e espécies as
ato de determinar, mas também o ato de s
280
Ak, XX: 214.
281
Ak, XX: 214. Cf. tb. Ak, III: 435 e Ak, III: 529-30.
115
julgar. Na CRP havia sido afirmado que a faculdade de julgar (determinante) não podia ter um
princípio
283
, motivo pelo qual teve de ser considerado um outro uso (Gebrauch) para a
faculdade de julgar
284
. Portanto, já ciente do equívoco que seria manter a sua teoria tal como
foi exposta no "Apêndice", Kant termina também por transferir para a faculdade de julgar a
realização daquela exigência que era feita pela razão, a saber, a busca da unidade do
conhecimento empirico. Com isso, os atos lógicos que antes caracterizavam parcialmente o
uso hipotético-sistematizante (den hypothetischen Gebrauch der Vernunft
285
) da razão
(comparação, reflexão e abstração) passam a caracterizar o uso reflexivo da faculdade de
julgar na introdução da terceira Crítica.
Concebido como um princípio regulativo-transcendental, a finalidade da natureza
tem de ser compreendida como um instrumento puramente heurístico, i é metodológico. Ele
cumpre na CFJ precisamente uma função que foi atribuída originalmente à razão. Por isso, da
mesma maneira que os princípios da homogeneidade, especificação e continuidade (ou
afinidade), o princípio da finalidade não pode ser uma regra objetiva no mesmo sentido que
uma categoria o é. Na medida em que se refere ao mundo, pode-se dizer que ele, como tais
princípios, tem uma validade objetiva, que é, porém, indeterminada ("(...) objective, aber
unbestimmte Gueltigkeit haben"
286
). Essa é a característica essencial de um princípio subjetivo
e transcendental. Kant utiliza um termo específico para distinguir na esfera do conhecimento a
propriedade de uma faculdade que produz um princípio para aplicá-lo a si própria:
"heautonomia" (Heautonomie). No interior da filosofia teórica um poder autônomo, como o
entendimento, produz conceitos e princípios puros para serem aplicados na constituição do
mundo. O princípio da faculdade de julgar, contudo, é produzido para ser aplicado "(...) não à
282
283
Cf. Ak, IV: 96 e A646. Cf. tb. Ak, XX: 212, além de V: 179 e 311.
284
Cf. Ak, V: 179. Para uma discussão mais detalhada sobre os usos reflexivo e determinante da faculdade de
Cf. Ak, XX: 195.
julgar, cf. MARC-WOGAU, K., loc. cit, pp. 10-15 e KULENKAMPFF, J.. Kants Logik des aesthetischen
, 1978, pp.34-44. Urteils. Frankfurt
285
CRP, A647.
286
Ak, III: 438.
116
natureza (como autonomia), mas a si mesmo (como heautonomia), a fim de guiar sua reflexão
sobre a natureza"
287
(grifo meu). "Heautonomia" e "subjetivo" são, portanto, expressões
sinônimas nesse contexto. No princípio subjetivo da finalidade formal é representada a priori
a relação do múltiplo das formas da natureza com nosso poder de conhecer. Mas a finalidade
dos objetos da natureza relativamente ao entendimento humano é apenas uma presunção, uma
esperança
288
, de encontrar características sensíveis semelhantes entre os dados fenomênicos,
, a faculdade de julgar legisla sobre algo que
as quais tornam possíveis as relações entre notas por meio das categorias. Nada garante, por
conseguinte, que características comuns em muitos casos não se manifestem e tornem
fracassadas e decepcionantes as operações de conhecimento e de sistematização empíricos.
Eis por que Kant afirma em diversos momentos que o princípio em questão é
indeterminado
289
.
A sua dedução serve para demonstrar que ele é um princípio heautônomo, isto é
que é aduzido pela faculdade de julgar para operar o seu próprio processo de reflexão. Talvez
por isso Kant possa afirmar que o seu princípio contém uma "legislação do contingente, do
acaso" ("Gesetzlichkeit des Zufaelligen"). De fato
é em essência contingente para o sujeito. Sua legislação não é capaz de afastar a contingência
do múltiplo sensível em relação aos conceitos do entendimento. A identidade em muitos
indivíduos é pensada através das categorias, mas estes são diferentes entre si do ponto de vista
empírico. A estrutura formal transcendental nada pode determinar no que concerne ao modo
como as características empíricas podem se dar.
Em síntese, os passos da prova da validade do princípio da finalidade formal, vale
dizer, da sua dedução
290
, estão contidos não linearmente nos parágrafos IV e V da introdução
definitiva. De qualquer modo, com base no que foi explicado até aqui pode-se com alguma
287
Ak, V: 184-5-6.
288
Ak, XX: 204.
289
Cf., por exemplo, Ak, XX: 214 e Ak, V: 188.
290
Ak, V: 184.
117
facilidade construir uma argumentação que conduz à prova da necessária suposição do
princípio. O conceito de finalidade está intrinsecamente associado à maneira como nós, seres
que possuem um intelecto discursivo, produzimos regras empíricas. A exigência de unidade
da natureza de um ponto de vista formal, i. e. a exigência de um sistema natural segundo leis
transcendentais foi satisfeita com a prova da validade das regras puras do entendimento - i. é,
a unidade da natureza segundo leis universais já está dada com as categorias e os princípios
baseados nelas. Mas a unidade da natureza segundo leis particulares precisa ser buscada,
correspondendo, portanto, a uma intenção, a um fim necessário do entendimento. Um sistema
empírico da natureza (constituído pela produção de um corpo ordenado de proposições
particulares ligadas dedutivamente) não pode ser simplesmente derivado de um princípio
superior. Portanto, já que o fim do entendimento tem de ser concebido como possível, é
necessário supor que aquilo que é dado sensivelmente seja conforme à nossa capacidade de
conhecimento. Entretanto, um dos resultados da CRP consiste na tese de que é impossivel
erguer pretensões de conhecimento acerca do substrato da natureza - em última análise, é
impossível obter uma comprovação empírica de que o múltiplo intuído é de fato organizado
conformemente ao poder cognitivo humano. Eis por que o princípio da finalidade tem ser
or este motivo, o princípio
os podem ser assim resumidos:
[1] A unidade sintética da natureza entendida como um sistema de leis e conceitos
concebido como uma regra subjetiva. Ele é, porém, um princípio necessário para que aquilo
que é fornecido empiricamente possa ser reconhecido objetivamente - numa palavra, se o
sujeito tem a intenção de conhecer, tem de poder conhecer
291
. P
representa uma regra transcendental. Os passos da dedução contidos nos parágrafos acima
indicad
291
Cf. Ak, V: 180-1. "Nun kann dieses Prinzip kein anderes sein, als: dass, da allgemeine Naturgesetze ihren
Grund in unserem Verstande haben, der sie der Natur (obzwar nur nach dem allgemeinen Begriffe von ihr als
Natur) vorschreibt, die besondern, empirischen Gesetze in Ansehung dessen, was in ihnen durch jene
fo meu).
unbestimmt gelassen ist, nach einer solchen Einheit betrachtet werden muessen, als ob gleichfalls ein Verstand
(wenngleich nicht der unsrige) sie zum Behuf unserer Erkenntnisvermoegen, um ein System der Erfahrung nach
besonderen Naturgesetzen moeglich zu machen, gegeben haette". (gri
118
particulares é uma exigência
292
do entendimento. Ou seja, ele exige a unidade da natureza
segundo leis específicas, i. e. exige a sistematicidade da natureza.
específicas constitui um desígnio (fim) necessário do
totalidade dos objetos considerada de um ponto de
gnio é contingente.
alidade da natureza relativamente às faculdades cognitivas é um princípio
ntal, pois constitui uma condição de possibilidade do conhecimento de objetos
la função de resolver os problemas sistemático e crítico aqui
tratados. Com respeito à relação entre o princípio da faculdade de julgar reflexiva e os juízos
[2] A unidade da natureza segundo leis gerais já está dada com os conceitos e princípios
puros.
[3] A unidade segundo leis específicas tem de ser buscada na experiência. Esta procura tem de
ser realizada pela faculdade de julgar.
[4] A unidade segundo leis
entendimento. Tal fim não pode ser autocontraditório.
[5] A relação entre a natureza (ou seja, a
vista empírico) e nossas faculdades cognitivas é contingente. Por conseguinte, o sucesso
daquele desí
[6] A crença no sucesso é, contudo, necessária, uma vez que é irracional buscar o impossível.
O ato de conhecer supõe poder conhecer.
[7] Essa crença implica a crença na finalidade da natureza relativamente às nossas faculdades
cognitivas.
[8] A fin
transcende
empíricos - muito embora não uma condição de possibilidade dos objetos do conhecimento
(porque a finalidade não é um predicado real dos objetos do conhecimento empírico, i. é, da
natureza).
Essa prova tem a dup
estéticos e teleológicos, suponho que uma das teses subjacentes à CFJ é a de que o princípio
292
Mais precisamente, a unidade sintética da experiência é algo que se coloca como uma exigência (ou como um
fim a ser buscado) diante do fato de que a prova das categorias garante a possibilidade do conhecimento em geral
119
da conformidade a fins da natureza aduzido na introdução representa a forma de todas
293
as
espécies de juízos reflexivos.
Com referência à doutrina dos juizos reflexivos estéticos, isto é dos juízos de gosto
sobre o belo, a sua relação com o princípio da finalidade formal é essencialmente estabelecida
já na "Introdução B". O argumento fornecido por Kant se resume na ligação da faculdade de
julgar reflexiva, compreendida como parte do poder de conhecer, com os sentimentos de
prazer e desprazer - entendidos como estados mentais produzidos na relação cognitiva que se
dá entre o entendimento e a imaginação.
Os detalhes dessa conexão ultrapassam a proposta do meu trabalho. Limito-me
apenas a lembrar que uma descrição geral do processo de produção de juízos particulares
sobre o belo é feita numa detalhada passagem da "Introdução B"
294
. Ela enfatiza a atividade da
faculdade de julgar reflexiva, guiada evidentemente pelo seu princípio. Nesse ato é descrito o
modo pelo qual a faculdade da imaginação, responsável pela apreensão e reprodução do
múltiplo intuído, se relaciona com o entendimento. Neste processo a forma sensível intuída no
espaço-tempo é apreendida pelo poder de imaginar e comparada inintencionalmente, diz Kant,
com o entendimento pela faculdade de julgar - ou seja, nesse caso, a forma sensível não tem
de ser referida a um conceito. Contudo, quando a forma imaginada se revela apta a ser
293
Isso significa que o princípio geral tem de valer para todos os objetos do conhecimento empírico, por
conseguinte, tanto para os objetos que são belos, como para os que não são, tanto para os organismos quanto
para os agregados mecânicos. Diante disto, uma objeção possível seria: mas os princípios dos juízos estéticos e
dos juízos teleológicos valem apenas para alguns (que satisfaçam uma condição particular que outros não
e, com ele, a possibilidade de um sistema natural meramente formal.
satisfazem). Uma resposta para esse problema será fornecida no capítulo seguinte no contexto da discussão
sobre a antinomia da faculdade de julgar teleológica.
aesthetisches Urteil ueber die Zweckmaessigkeit des Objekts."
294
Cf. Ak, V: 189. "Wenn mit der blossen Auffassung (apprehensio) der Form eines Gegenstandes der
Anschauung, ohne Beziehung derselben auf einen Begriff zu einer bestimmten Erkenntnis, Lust verbunden ist:
so wird die Vorstellung dadurch nicht auf das Objekt, sondern lediglich auf das Subjekt bezogen; und die Lust
kann nicht anders als die Angemessenheit desselben zu den Erkenntnis vermoegen, die in der reflektierenden
Urteilskraft im Spiel sind, und sofern sie darin sind, also bloss eine subjektive formale Zweckmaessigkeit des
Objekts ausdruecken. Denn jene Auffassunf der Formen in die Einbildungskarft kann niemals geschehen, ohne
dass die reflektierende Urteilskraft, auch unabsichtlich, sie wenigstens mit ihrem Vermoegen, Anschauungen auf
Begriffe zu beziehen, vergliche. Wenn nun in dieser Vergleichung die Einbildungskraft (als Vermoegen der
Anschauung a priori) zum Verstande, als Vermoegen der Begriffe, durch eine gegebene Vorstellung
unabsichtlich in Einstimmung versetzt und dadurch ein Gefuehl der Lust erweckt wird, so muss der Gegenstand
alsdann als zweckmaessig fuer die reflektierende Urteilskraft angesehen werden. Ein solches Urteil ist ein
120
classificada conceitualmente, é gerado no sujeito uma modificação específica do estado da
ssível a produção de um conceito de objeto. Portanto, a
o ajuizamento sobre o belo tem ligação direta com a aplicação do
te VI da "Introdução B" e pode ser
um fim) está sempre ligada ao sentimento
er universalmente válido.
cas não está dada, logo tem de ser buscada,
ortanto corresponde a uma intenção (a um fim).
mente que Kant denomina "sentimento de prazer". O juízo sobre o belo deve resultar dessa
relação entre o entendimento e a imaginação. A representação do "belo" é, portanto, uma
mera representação estética da finalidade da natureza e não pode ser considerada um
predicado, um conceito em sentido estrito, já que não é uma regra de classificação, mas
apenas um mero conceito indeterminado.
Apesar disto, a teoria kantiana dos juízos estéticos está também apoiada na teoria da
produção de conceitos empíricos, exposta nas introduções. Nesse sentido, o ponto central do
argumento consiste na tese de que um objeto ainda indeterminado só pode produzir no sujeito
um sentimento de prazer quando por ocasião da contemplação do fenômeno em questão são
satisfeitas as condições que tornam po
argumentação kantiana descreve formalmente uma espécie de prova de que a natureza do
estado mental gerado n
princípio da finalidade formal. A fundamentação desta tese, dependente da prova do princípio
da finalidade exposta na parte V, se encontra na par
sintetizada nos seguintes momentos:
[1] A realização contingente de uma intenção (de
de prazer.
[2] Se a intenção tem por condição uma representação a priori daquilo que é visado, o
sentimento de prazer tem de s
[3] A unidade da natureza segundo leis específi
p
[4] Daí segue que a realização contingente dessa intenção está ligada ao sentimento de prazer.
[5] Além disso, essa intenção é a necessária intenção de todo entendimento, porque se baseia
numa representação a priori.
121
[6] Logo, o sentimento e universalmente válido.
O sentimento de prazer remete à finalidade do objeto relativamente ao
entendimento. Muito embora os passos dessa argumentação sobre a origem do sentimento de
prazer dêem a entender que o mesmo é compreendido por Kant como algo inerente à
produção conceitual, no que concerne à produção de juízos reflexivos estéticos, não basta que
culdade de Julgar Teleológica" não expressam outra coisa senão
uas aplicações diversas do princípio geral da faculdade de julgar. A aplicação do princípio
anscendental da finalidade para explicar devidamente classes particulares de objetos cujas
uma representação sensível se mostre adequada a se prestar ao processo de produção de regras
empíricas classificatórias. Há algo mais que tem ver com a produção de todos os conceitos
indeterminados contidos em juízos reflexivos, como, por exemplo, os conceitos de belo e de
organismo. Com efeito, nesses casos parece estar envolvida uma tentativa de especificar o
que é conhecido de uma maneira que ultrapassa as potencialidades intelectuais humanas
295
.
A tese de que a possibilidade de produção de conceitos e a existência de juízos
reflexivos estéticos têm de estar diretamente baseadas na validade do princípio transcendental
(ou puramente formal) da finalidade é claramente defendida por Kant
296
. Creio que ele é
também o princípio que representa a forma do juizo reflexivo teleológico. Este tipo de juízo
depende de que seja possível aplicar a objetos da natureza o mesmo conceito de fim, que no
contexto da produção de regras empíricas e na produção de juízos estéticos pode ser
interpretado como um conceito da razão, cujo uso só pode ser operativo no ato de julgar
reflexivo. Com relação à formação do juízo teleológico, essa relação será fundamentada no
capítulo seguinte na defesa do argumento de que as duas posições representadas na antinomia
gerada na "Dialética da Fa
d
tr
295
Essa tese, presente na obra de Fricke, será apresentada no próximo capítulo, no contexto da formação de juízos
reflexivos teleológicos. Cf. principalmente os três primeiros capítulos de FRICKE, C.. Kants Theorie des reinen
Geschmacksurteils. Berlin: De Gruyter, 1990.
296
Ak, V: 191.
122
peculiaridades não podem ser estabelecidas apenas com a aplicação de predicados particulares
mples de identificação pode gerar, como veremos no próximo capítulo, um conflito
si
legitimamente antinômico.
4 A ANTINOMIA DA FACULDADE DE JULGAR TELEOLÓGICA
4.1 O conceito kantiano de antinomia
Kant afirma na "Dialética da Faculdade de Julgar Teleológica" que uma antinomia
em geral só pode ter origem se duas interpretações dogmáticas
297
e contraditórias do
princípio
298
de uma mesma capacidade têm lugar. Segundo minha interpretação, a raiz, por
assim dizer, da antinomia da faculdade de julgar teleológica tem, portanto, uma relação direta
com o contexto da primeira Crítica. Permita-me lembrar que o capítulo sobre as “Antinomias
da Razão” se ocupa com a crítica dos filósofos dogmáticos, os quais não reconhecem que o
conhecimento humano depende de certas condições sensíveis e intelectuais que constituem os
objetos da nossa experiência. A filosofia teórica kantiana demonstra, entretanto, que tais
condições não consistem em outra coisa senão em condicoes epistêmicas, i. é elas não
determinam a existência dos objetos em si mesmos e não são, por conseguinte, condições
ontológicas do conhecimento. Diante disso, também uma real antinomia da faculdade de
julgar tem de envolver duas interpretações dogmáticas de um único princípio. De fato, a
"Introdução B" da CFJ
299
aduz uma dedução da forma do princípio da faculdade de julgar, i.
é do princípio da finalidade formal da natureza relativamente ao nosso entendimento. Esta
demonstração se presta não apenas a justificar a tese geral de que existe uma regra regulativa
e transcendental que é uma suposição necessária do entendimento humano para a produção de
297
Ak, V: 386-7.
298
Ak, V: 385.
123
leis e conceitos determinados. Pois ela traz também consigo o fundamento de determinação de
todos os juizos reflexivos. Por este e outros motivos, tentarei mostrar neste capítulo que a
assimilação, por parte de certos intérpretes, do princípio do mecanismo ao princípio da
causalidade da natureza na tese da antinomia da faculdade de julgar teleológica é
injustificável, já que princípio da causalidade natural, por um lado, e princípio do mecanismo,
por outro, pertencem a capacidades distintas da mente e têm, portanto, formas e usos distintos.
ra, o primeiro requisito, por assim dizer, discriminado por Kant como condição da
lgar no início da "Dialética da Faculdade de
lgar Teleológica" foi cumprido: a faculdade de julgar reflexiva tem efetivamente um
podem ser
considerados em relaç
mesmos. Como se sab
tese de que os objetos do nosso conhecimento são meros fenômenos. O capítulo sobre as
antinomias da razão buscaria fornecer, ao contrário, uma prova indireta da mesma tese,
mostrando que é imprescindível considerar as coisas daquele duplo ponto de vista:
Ora, consideradas as coisas deste duplo ponto de vista, verifica-se acordo com o
O
existência de uma antinomia da faculdade de ju
Ju
princípio próprio. O segundo passo será esclarecer propriamente o que entende Kant com o
seu conceito geral de antinomia, que é introduzido na "Dialética Transcendental"
300
da CRP.
* * *
A função central do capítulo sobre as antinomias
301
é confirmar a tese, desenvolvida
essencialmente na "Dedução Transcendental", de que os objetos do conhecimento humano
têm de ser considerados de dois pontos de vista. Neste sentido, ou bem tais objetos
ão com o nosso poder de conhecer, ou bem como existentes em si
e, a "Analítica Transcendental" buscou fornecer uma prova direta da
princípio da razão pura; encaradas de um só ponto de vista, surge inevitável o
conflito da razão consigo própria; a experiência decide então em favor da justeza
299
Ak, V:181-186
ou XX:211-216.
300
Ak, III: 281-2.
301
Ak, III, 281-2.
124
dessa distinção
302
.
O conceito kantiano de antinomia designa precisamente um tipo de contradição que
pode ser caracterizada como uma espécie de conflito (Widerstreit) da razão consigo me ma.
Esta espécie de contradição se manifesta em posições tomadas relativamente a certas
investigações acerca do "tamanho do mundo", i. e. relativamente a especulações sob e ce
s
r rtas
as, evidentes e
irresistíveis" e afirma e
Kant considera que a existência de antinomias é inevitável, que seus
questões cosmológicas. Tais posições se expressam em respostas incompatíveis aduzidas
pelos filósofos metafísicos para essas questões. As provas que fundamentam as inferências
antinômicas são apoiadas, contudo, por raciocínios formalmente perfeitos - nos
Prolegômenos
303
Kant caracteriza essas provas como "(...) igualmente clar
m seguida: "(...) eu certifico a correção de todas essas provas"
304
.
determinantes estão relacionados à natureza da razão humana, mais exatamente à sua
propensão (Hang) a buscar sempre o incondicionado para todo condicionado dado. O
princípio que subjaz a esta tendência resume-se na seguinte máxima da razão:
Se é dado o condicionado, é igualmente dada toda a soma das condições e, por
conseguinte, também o absolutamente incondicionado, mediante o qual unicamente
era possível aquele condicionado
305
.
maneiras de distintas de interpretar este princípio. Se o condicionado (Bedingte)
em questão refere-se à conclusão de um argumento, é analiticamente verdadeiro que todas as
suas condições (premissas, no caso) têm de fato de estar dadas. Este é o uso meramente lógico
do princípio da razão, que tem a ver com o uso lícito da razão para justificar proposiçõses
dadas etc. Se o condicionado designa um acontecimento ou evento no mundo, é também
analítico que tem de haver um evento pressuposto que possa ser tomado como sua condição.
302
Ak, III: 13 (nota). Tradução portuguesa.
ls Gegensatz durch gleich einleuchtende klare und unwiderstehliche
ler dieser Beweise verbuerge ich mich". Traduções minhas.
303
Ak, IV: 339-40. "(...) weil sowohl Satz a
Beweise dargetan werden koennen".
304
Ibid. "(...) denn vor die Richtigkeit al
305
Ak, III: 283. Tradução portuguesa.
125
Entretanto, a totalidade das condições (die ganze Summe der Bedingungen) para todo
condicionado dado não pode ser interpretada objetualmente e, deste modo, não pode ser
igualmente suposta como dada - pois o conceito de totalidade das condições não pode ser
extraído analiticamente do conceito de um evento dado. Com efeito, interpretar objetualmente
a totalidade das condições equivale a buscar pensá-la como dada na intuição, o que
representa um pensamento autocontraditório. Ora, mas é exatamente este o raciocínio do
filósofo metafísico, que dogmaticamente assimila de modo sutil a exigência meramente lógica
feita pelo princípio da razão à exigência de completude das condições para um evento dado ao
efetuar suas especulações sobre o mundo pensado como totalidade. Por conseguinte, as
antinomias são geradas
306
por essa assimilação indevida por parte da filosofia dogmática. É
mundo
como totalidade. O ca
pretensão de uso tran
liaridade de se referirem à totalidade das condições para todo condicionado dado, ou
seja, ao incondicionado (Unbedingte), como se este pudesse ser pressuposto e encontrado
digno de nota que Kant se refere aos conceitos da razão, que designam, por assim dizer, os
objetos das investigações especulativas, com a expressao idéia. Na verdade, contudo, como
ficaria mais claro no "Apêndice à Dialética Transcendental", a unica faculdade que produz
conceitos é o entendimento, e a razão, quando muito, faz um uso distinto dos mesmos que os
transforma em idéias
307
. Um exemplo de uso ilícito das mesmas no âmbito do conhecimento é
precisamente o uso dogmático das idéias cosmológicas, gerador dos conflitos antinômicos.
A "Dialética Transcendental" trata das doutrinas da metafísica clássica e do uso
indevido dos conceitos do entendimento para conhecer objetos como a alma, Deus e o
pítulo sobre as antinomias tematiza este último caso específico de
scendental das categorias. As idéias cosmológicas apresentam a
pecu
306
Cf. a esse respeito sobretudo os primeiros capítulos de AL-AZM, J. S.. The Origins of Kant's Arguments in the
hn
en , doch aber in Verknuepfung mit demselben, zu erweitern suche".
Antinomies. Oxford: Oxford University Press, 1972.
307
Ak, III: 282-3. "Um nun diese Ideen nach einem Prinzip mit systematischer Praezision aufzaehlen zu koennen,
muessen wir erstlich bemerken, dass nur der Verstand es sei, aus welchem reine und transzendentale Begriffe
entspringen koennen, dass die Vernunft eigentlich gar keinen Begriff erzeuge, sondern allenfalls nur den
Verstandesbegriff von den unvermeidlichen Einschraenkungen einer moeglichen Erfahrung frei mache, und i
also ueber die Grenzen des Empirisch
126
empiricamente - e como se pudesse, assim, ter sua imagem unificada numa síntese empírica
em vista de uma posterior classificação por intermédio de um predicado determinado.
Só as idéias cosmológicas têm em si a particularidade de poderem supor, como
problema que daí resulta refere-se apenas ao progresso dessa síntese, na medida em
que deverá conter a totalidade absoluta, que já não é empírica, porque não pode ser
Mas o mundo concebido como totalidade expressa uma idéia que ultrapassa as
condições da experiência possível e não pode, por conseguinte, ser conhecido por intermédio
de categorias. O objetivo central de Kant neste capítulo da primeira Crítica é defender a tese
de que a aplicação indevida dos conceitos puros para conhecer objetos que transcendem a
experiência possível gera necessariamente conflitos da razão consigo mesma e que estes
consistem numa consequência direta do realismo transcendental. O realismo representa a
doutrina segundo a
dados, o seu objeto e a síntese empírica que exige o conceito desse objeto; e o
dada em nenhuma experiência
308
.
qual o filósofo especulativo fundamenta a sua argumentação. Como Kant
ndimento que conduz à produção de idéias
cosmológicas resulta d
silogismo. Com isso,
cosmológica produz
contudo, por argument
ra, nos Prolegômenos Kant escreve o seguinte:
exemplo, as duas proposições "um círculo quadrado é redondo" e "um círculo
quer fornecer neste capítulo uma prova indireta da validade do idealismo transcendental, é
preciso fornecer argumentos que demonstrem que as duas posições filosóficas representam
doutrinas exaustivas e contraditórias relativamente ao modo como explicam os objetos do
conhecimento humano - e que, com efeito, a prova da falsidade de uma deve implicar a
verdade da outra.
O uso indevido das categorias do ente
a assimilação de estados de coisas à relação entre proposições num
em cada antinomia o tratamento de uma determinada questão
sempre inferências incompatíveis (contraditórias) fundamentadas,
os formalmente perfeitos. Mas como essa situação pode ser possível?
O
Duas proposições contraditórias entre si não podem ser simultaneamente falsas, a
não ser que o próprio conceito que está na base das mesmas seja contraditório; por
.
308
Ak, III: 331. Tradução portuguesa
127
quadrado não é redondo" são ambas falsas. Pois, no que concerne à primeira, é falso
que ele não seja redondo, isto é, seja quadrado, porque ele é um círculo. Pois a
marca lógica da impossibilidade de um conceito consiste em que, sob a mesma
que não pode ser pensada uma terceira entre as mesmas. Portanto, absolutamente
309
De acordo com esta passagem, para explicar a existência de antinomias é necessário
encontrar um conceito auto-contraditório que esteja sendo pressuposto como coerente e
aplicável a ambas as posições conflitantes. Kant afirma que o conceito em questão é o
conceito de "um mundo dos sentidos existindo por si m
que o chamado círculo seja redondo porque ele é quadrado; porém, é também falso
pressuposição, duas proposições contraditórias seriam ao mesmo tempo falsas, já
nada pode ser pensado através daquele conceito (grifo meu).
esmo", ou "existindo absolutamente"
("Hieraus folgt, dass,
selbst widersprechend
antinomias se evidenc
posicoes metafísicas manifestadas nas antinomias na medida em que os mesmos pensam
mesmas provas claras, convincentes e irresistíveis. (...) (grifo meu).
nexões de Erscheinungen) como princípios
universalmente válidos
acima), pod n ico de Kant a respeito do problema das
(...) der Begriff einer vor sich selbst existierenden Sinnenwelt in sich
ist"
310
). Ele parece supor que aquela propensão natural da razão a gerar
ia claramente no senso comum e, em particular, em cada uma das
fenômenos do mundo dos sentidos como coisas em si:
Se pensamos os fenômenos do mundo dos sentidos como coisas-em-si mesmas,
como acontece comumente, se supomos os princípios de suas ligações como
princípios válidos em geral para coisas-em-si mesmas e não meramente para a
experiência - como é mesmo tão normal, tão inevitável, sem a nossa crítica - , então
surge um conflito inesperado, que não pode ser jamais superado através do caminho
dogmático usual, porque tanto tese como antítese podem ser justificadas através das
311
Diante do fato de que o equívoco da filosofia dogmática está em pensar "os
princípios de suas (ihrer) conexões (i.e. das co
de coisas em si e não meramente válidas da experiência"
312
(cf.
e-se afirmar que o diag óstpassagem
antinomias é o seguinte: o erro das posições adversárias nos conflitos antinômicos consiste
em abstrair das condições da intuição empírica (espaço e tempo), segundo as quais os objetos
adução minha.
309
Ak, IV: 340-1. Tradução minha.
310
Ak, IV: 341-2. Tradução minha.
311
Ak, IV: 339-40. Tr
312
Tradução minha.
128
dados no mundo nos são unicamente acessíveis:
O realista, no significado transcendental, converte estas modificações de nossa
sensibilidade em coisas subsistentes por si mesmas e, por conseguinte, faz de meras
representações coisas em si.
313
.
Portanto, a posição do realismo transcendental se caracteriza por considerar os
objetos que nos são dados como coisas que podem pretensamente ser conhecidas
independentemente daquelas condições necessárias do conhecimento previstas anteriormente
na "Estética Transcendental" e na "Dedução Transcendental". O conceito de coisa em si é
definido, por conseguinte, como "algo em geral", que relacionamos às nossas representações
dadas como correspond
qualidades não podem
dependentemente de nossa estrutura cognitiva. Por isso, a noção de um objeto
e, portanto, também distinto deste? É fácil de ver que este objeto deve ser pensado
corresponda
314
(tradução e grifo meus).
endo a elas, mas que não pode em si mesmo ser qualificado, i. e. cujas
ser determinadas. Ele refere-se a algo indeterminado que existe
in
indeterminado de nossas representações é algo que só pode ser concebido como uma idéia,
como um conceito, para nós. :
O que se entende pois, quando se fala de um objeto correspondente ao conhecimento
apenas como algo em geral = X, porque nós, fora do nosso conhecimento, nada
temos que possamos contrapor a esse conhecimento, como algo que lhe
No caso das antinomias, a ênfase de Kant é posta na abstração das condições das
nossas representações, vale dizer, do espaço-tempo. Isto é perfeitamente compreensível, já
que na assimilação ilegítima entre eventos e proposições num silogismo, o tempo é o
elemento manisfestamente negligenciado como se fosse irrelevante na relação entre estados
de coisas.
Kant opõe alternativamente ao realismo transcendental a sua doutrina do idealismo
transcendental "de todos os fenomenos"
315
, cuja definição é fornecida mais claramente em
313
Ak, III: 338. Tradução portuguesa.
314
Ak, IV: 79-80.
315
Ak, IV: 232.
129
duas passagens da CRP
si dos “fenômenos”, ou
intuição empírica. Essa samento do conceito de um objeto inteligível
(ou “noumenal”), se p
contraditório. A doutrin
tarefa de limitar o campo daquilo que podemos saber.
si.
317
.
á modos diversos de conceber o conceito de
para o conhecimento humano defendidas na CRP, ou bem pode-se aceitá-la, rejeitando,
. Nesta perspectiva, deve-se distinguir as coisas tais como seriam em
seja, aquelas mesmas coisas, mas “conhecidas” sob as condições da
distinção permite o pen
rocedemos à abstração do espaço-tempo, o que não é certamente
a da denominada constituição crítica dos objetos da experiência tem,
portanto, a
Na Estética Transcendental demonstramos suficientemente que tudo o que se intui
no espaço ou no tempo e, por conseguinte, todos os objetos de uma experiência
possível para nós são apenas fenômenos, isto é, meras representações que, tal como
as representamos enquanto seres extensos ou séries de mudanças, não têm fora dos
nossos pensamentos existência fundamentada em si. A esta doutrina chamo eu
idealismo transcendental
316
.
Compreendo por idealismo transcendental de todos os fenômenos a doutrina que os
considera, globalmente, simples representações e não coisas em si e segundo a qual,
o tempo e o espaço são apenas formas sensíveis da nossa intuição, mas não
determinações dadas por si, ou condições dos objetos considerados como coisas em
No capitulo I apenas indiquei que h
realismo transcendental. Este é contudo um ponto essencial para que seja bem compreendida
a intenção de Kant de fornecer uma prova indireta da doutrina do idealismo transcendental
através da demonstração das consequências inevitáveis às quais é levado o filósofo
especulativo ao se recusar a admitir que o conhecimento humano está submetido a
determinadas condições universais necessárias (a priori, portanto) que não caracterizam outra
coisa senão a estrutura do sujeito cognoscente.
Há, com efeito, duas formas interligadas de explicar a doutrina
318
do realismo
transcendental. Ou bem pode-se simplesmente recusar a existência das condições necessárias
316
Ak, III: 338-9. Tradução portuguesa.
317
Ak, IV: 232.. Tradução portuguesa.
318
Com respeito a esta distinção, os esclarecimentos seguintes acompanham as interpretações de Allison, Julio
Esteves e Walsh. Para uma exposição detalhada sobre esse assunto, vide ALLISON, H.. Kant's Transcendental
Idealism. New Haven: Yale University Press, 1983, pp. 9-13. Cf. também ESTEVES, J.. Liberdade e
Moralidade em Kant. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998 e WALSH, W.H.. "The Structures of Kant's Antinomies". In:
n Kant in the Anglo-American and Continental Traditions. Ottawa: Proceedings of the Ottawa Congress o
130
porém, a tese kantiana de que as mesmas estejam de algum modo ligadas à nossa
subjetividade - e neste caso elas são então rejeitadas como condições subjetivas exatamente
por serem condições necessárias. É digno de nota que a filosofia transcendental revela que
aquelas condições a priori do conhecimento humano são essencialmente condições
epistêmicas
319
. O conceito de condição epistêmica contém em si os conceitos de função
constitutiva e de subjetividade. Isso quer dizer que as formas a priori intelectuais e sensíveis,
que são descritas na CRP como condições de possibilidade da experiência possível, são por
um lado constituidoras da objetualidade dos objetos da experiência e, por outro, expressam a
subjetividade transcendental da estrutura cognoscente humana - i.e. a estrutura do nosso
modo de conhecer. De acordo com isso, a posição realista que recusa a existência de
condições necessárias do conhecimento se expressa ao assimilar condições epistêmicas a
condições meramente psicológicas
320
, i. e. que dizem respeito apenas a modificações
subjetivas e que por isso mesmo não podem estar relacionadas a objetos. Por sua vez, a versão
realista que rejeita a tese de que aquelas condições refletem a subjetividade transcendental o
fazem precisamente assimilando condições epistêmicas a condições ontológicas
321
, como se
aquelas pudessem ser assimiladas a condições de possibilidade dos próprios objetos do
conhecimento. De qualquer forma, as duas versões possíveis do realismo estão interligadas na
medida em que ambas erguem a pretensão de de fazer referência a modelos teocêntricos de
conhecimento, pois ambas erguem a pretensão de conhecer coisas em si. No primeiro caso,
recusa-se condições psicológicas contigentes, que, segundo esta versão, nada contribuem para
iversity of Ottawa, 1976.
unterscheidenden (principium
Un
319
Cf. ALLISON, H., loc. cit., pp. 9-13.
320
Como exemplo de um filósofo que pode ser classificado como pertencente a esta linha realista, Kant indica
Leibniz (Ak, III: 217): "Leibniz nahm die Erscheinungen als Dinge an sich selbst, mithin fuer Intelligibilia, d. i.
Gegenstaende des reinen Verstandes (ob er gleich, wegen der Verworrenheiy ihrer Vorstellungen, dieselben mit
dem Namen der Phaenomene belegte), und da konnte sein Satz des Nichtzu
identitatis indiscernibilium) allerdings nicht bestritten;" Cf. também Ak, III: 63-4.
321
O exemplo indicado por Kant para ilustrar esta versão do realismo é o espaço-tempo absoluto de Newton (Ak,
III: 63-4): "Dagegen die, so die absolute Realitaet des Raumes und der Zeit behaupten, sie moegen sie nun als
subsistierend, oder nur inhaerierend annehmen, mit den Prinzipien der Erfahrung selbst uneinig sein zu muessen.
Denn, entschliessen sie sich zum ersteren (welches gemeiniglich die Partei der mathematischen Naturforscher
131
o conhecimento, em nome de um ponto de vista pretensamente absoluto - a partir do qual
seria possível contemplar os próprios objetos a serem conhecidos. No outro caso, a recusa da
ligação de condições necessárias e universais ao modo de ser da nossa subjetividade implica
igualmente aceitar a pretensão de conhecer os objetos do conhecimento tal como um Deus os
conheceria, i.e. em si mesmos.
Diante dessas constatações torna-se claro por que Kant pode legitimamente obter
uma prova indireta da teoria do idealismo transcendental através da refutação das teses do
realismo transcendental. No que tange aos meus interesses, quero acentuar um dos elementos
que caracterizam o conceito de uma condição epistêmica do conhecimento. Refiro-me à
função constitutiva realizada pelas categorias do entendimento relativamente à possibilidade
do conhecimento objetivo. Podemos distinguir diante da teoria desenvolvida pela filosofia
crítica duas
322
espécies de função constitutiva no ato de conhecer objetos; à luz do que foi
explicado no parágrafo anterior, essa distinção pode ser recolocada de modo mais preciso: o
uso constitutivo em sentido crítico está ligado ao reconhecimento de que as condições
necessárias do conhecimento previstas na primeira Crítica não passam de meras condições
epistêmicas, ao passo que o uso constitutivo em sentido dogmático é caracterizado quando o
que não passa de condições epistêmicas é assimilado a condições ontológicas. Com efeito, a
primeira função constituidora de objetos refere-se àquela realizada pelas categorias e
princípios deduzidos na "Analítica Transcendental" da CRP, os quais representam condições
e possibilidade dos objetos na medida em que estes são conhecidos. A segunda, por outro
alizado
d
lado, expressa o uso especulativo (ampliado) das categorias que é pretensamente o re
pela filosofia dogmática. Nos próximos subcapítulos tentarei mostrar que a compreensão
desta distinção é essencial para o esclarecimento da solução fornecida por Kant para o
conflito presente na antinomia da faculdade de julgar teleológica.
ist), so muessen sie zwei ewige und unendliche vor sich bestehende Undinge (Raum und Zeit) annehmen, welche
da sind (ohne dass doch etwas Wirkliches ist), nur um alles Wirkliche in sich zu befassen".
132
4.2 O contexto e a apresentação da antinomia da faculdade de julgar teleológica
Procurei mostrar que os resultados teóricos obtidos na CRP não excluem a
possibilidade de que a natureza possa apresentar ao conhecimento uma unidade puramente
formal ao nível transcendental e um completo caos ao nível empírico. Para evitar essa
consequência, Kant completa a sua filosofia teórica com a prova da validade do princípio da
finalidade da natureza. A função inicial deste princípio consiste essencialmente em dar conta
da possibilidade de erigir um sistema empírico de conceitos e leis naturais particulares que
tornasse possível uma taxonomia da natureza de uma perspectiva material. Entretanto, na
através de um conceito de finalidade denominada
“relativa”, caracterizada por um princípio que exprime a idéia de que determinado ente
segunda parte da CFJ é descrito um outro problema igualmente dependente da insuficiência
daqueles conceitos e princípios do entendimento, cuja aplicação não leva diretamente em
consideração a especificidade demonstrada por certos objetos relativamente ao tipo de
causalidade operante em suas constituições internas. Refiro-me ao fato de que a aplicação dos
princípios transcendentais não garante qualquer distinção entre organismos e objetos
inanimados.
No capítulo sobre a "Analítica da faculdade de Julgar Teleológica"
323
a intenção de
Kant é mostrar que existe uma classe de fenômenos que para ser devidamente explicada
requer o pensamento de uma conformidade a fins real, que parece ser exigido para que certas
especificidades de determinados produtos da natureza, em particular a espécie de causalidade
neles operativa, possam ser captadas. Por conseguinte, há determinados objetos que só podem
ser avaliados (beurteilt) teleologicamente, i. é através de um princípio finalista de causalidade.
Kant identifica inicialmente dois modos a partir dos quais ajuizamos seres materiais
finalisticamente. O primeiro é definido
da CFJ com a palavra “Analítica”.
322
Cf o item 3.1 deste trabalho.
323
Passarei a me referir a esta parte
133
natural, a saber, o homem, é o fim de toda a natureza (Zweck der Natur). Segundo esta forma
de reflexão, tudo o mais além dos seres humanos deve ser tomado como meio em vista destes.
Posto que este conceito de fim natural não pode ser confirmado pela experiência
324
, uma vez
que aparentemente pretende explicar uma tese metafísica
325
, ele resta problemático
326
e Kant
abre mão de desenvolver a sua análise.
Contudo, o segundo conceito de finalidade natural pode tornar possível a explicação
das particularidades dos seres biológicos. A classe de fenômenos que é o objeto por
excelência da "Analítica" exige para sua compreensão o conceito de “conformidade a fins
interna
327
. Com efeito, há uma espécie de ente cuja forma exibe uma unidade sistemática
io não tem características
epigenéticas
328
, na medida em que é incapaz de autopreservar-se, autoregular-se para suprir
distinta, vale dizer, que tem como peculiaridade não uma mera proximidade espacial, mas
uma interdependência funcional das partes que o formam. Este é exatamente o caso dos
“seres orgânicos”, que Kant denomina tecnicamente “fins naturais” (Naturzwecke). A análise
das funções de um organismo (Organismus), i. é de sistemas auto-regulados, exibe um tipo de
causalidade que transcende qualquer explicação unicamente mecânica.
Com o intuito de demonstrar aquilo que distingue um organismo de quaisquer
outros sistemas, p. ex., de uma máquina comum, Kant lembra então das diferenças específicas
do relógio. É claro que num aparelho como este as partes desempenham determinadas
funções, fato que por si só ainda não é suficiente para explicá-lo de outra maneira que não a
simplesmente mecânica. Ao contrário, diz Kant, num organismo as partes estão de tal forma
interconectadas e relacionadas à função do todo, que o sistema em questão tem de ser
considerado auto-organizado. Além disso, conversamente, um relóg
324
Ak, V: 368-9
325
Ibid. e em particular Ak, V: 369 (até o fim do parágrafo 63).
é uma teoria biológica sobre a geração dos seres. É baseada na formação gradual do embrião. A
326
Cf. Ak, V: 366-7 até V: 368-9.
327
Ak, V: 375-6.
328
A epigenesia
esse respeito, cf. o capítulo "Kant und die Biologie", em McLAUGHLIN, P.. Kants Kritik der teleologischen
Urteilskraft. Bonn: Bouvier Verlag, 1989.
134
deficiências internas, ou mesmo gerar novos aparelhos. Logo, a totalidade pensada no
conceito de organismo
329
envolve a idéia de uma unidade sistemática na qual as partes têm
suas funções determinadas previamente; com efeito, o tipo de todo aqui tematizado tem de ser
pensado como produzido através do conceito a priori de um fim
330
.
mano
leis particulares, cujas formas são determinadas pelos princípios
Eis, portanto, o porquê de um fim natural poder ser dito contingente relativamente a
leis mecânicas: não é possível explicá-lo a partir das mesmas, “Um produto organizado da
natureza é aquele em que tudo é fim e reciprocamente meio. Nele nada é em vão, sem fim ou
atribuível a um mecanismo natural cego”
331
(grifo de Kant).
Um dos objetivos primordiais da “Analítica” é explicar a função do juízo
teleológico, mostrando que ele expressa a maneira segundo a qual o entendimento hu
ajuíza (beurteilt) acerca de uma subclasse fenomênica. A função central da "Analítica" é
preparar a discussão posterior, que tematiza o assunto principal desta dissertação. Refiro-me
ao aparente conflito que é gerado entre o princípio segundo o qual avaliamos certos entes não-
inanimados e o princípio causal deduzido na "Segunda Analogia", no contexto da CRP.
Com efeito, no capítulo sobre a “Dialética da Faculdade de Julgar Teleológica”
332
,
particularmente do paragrafo 69 até o 78 (ambos inclusive), Kant trata da suposta contradição
estabelecida entre os princípios que legislam nas explicações mecânica e finalista da natureza.
Um dos objetivos da versão definitiva da introdução é mostrar que a função primordial da
faculdade de julgar reflexiva é aduzir um princípio subjetivo heurístico em vista da produção
de conceitos e
329
Não discutirei neste mom
que é parte integrante do juízo teleológico, que é uma espécie de juízo reflexivo. Ainda neste capítulo retomarei
este assunto.
mpletamente determinada segundo um conceito (a idéia de um fim). De qualquer
indiquei anteriormente, defenderei nesse capítulo que a forma dessa proposição representa um
eferir a esta parte da CFJ com o termo “Dialética”.
ento o fato de que o conceito de “organismo” é um conceito indeterminado, uma vez
330
Diante da constatação de que há objetos que só podem ser avaliados teleologicamente, uma questão pode ser
colocada: qual o estatuto dessa proposição? Trata-se de um juízo empírico? Talvez sim, se ela exprime apenas a
constatação de que pensamos certos objetos, os seres vivos, como organismos, ou seja entes cuja possibilidade
(existência e natureza) é co
modo, como já
princípio transcendental.
331
Ak, V: 376.
332
Passarei a me r
135
transcendentais do ente
de caracterizar devidamente seres organizados, Kant identifica duas máximas (antitéticas
333
)
exige uma lei completamente diferente da causalidade, nomeadamente a das causas
para que haja
ndimento. Relativamente à produção de conceitos particulares capazes
da faculdade de julgar que servem para guiar o conhecimento. Elas são discriminadas das
seguinte maneira.
Tese (Satz): “Toda geração das coisas materiais e das respectivas formas tem que
ser ajuizada como possível segundo simples leis mecânicas
334
.
Antítese (Gegensatz): “alguns produtos da natureza material não podem ser
ajuizados como possíveis segundo leis simplesmente mecânicas (o seu ajuizamento
finais)”
335
.
Na colocação geral do meu problema mostrei que este conflito é apresentado a
título de uma "antinomia da faculdade de julgar teleológica"
336
. Contudo, o próprio texto da
CFJ fornece elementos que dificultam a compreensão das intenções de Kant neste capítulo.
Quero dizer que, se nos baseamos estritamente no que é afirmado textualmente em certas
passagens, torna-se difícil entender em qual sentido existiria uma real antinomia da faculdade
julgar e, em particular uma antinomia da faculdade de julgar teleológica. Ora,
uma verdadeira antinomia, é preciso que certas condições sejam satisfeitas. Certamente, por
meio da função determinante da faculdade de julgar não é possível produzir uma antinomia,
fato que é lembrado por Kant logo nas primeiras alíneas da "Dialética". Se, portanto, pode
haver um conflito antinômico da faculdade de julgar, ele tem de ser gerado pelo seu uso
reflexivo, já que apenas para esta esfera a faculdade de julgar tem um princípio.
A primeira condição de existência de uma antinomia em geral, como documenta de
saída a primeira alínea do parágrafo 69
337
, se expressa no fato de que é imprescindível que a
faculdade no seio da qual se investiga a possibilidade de existência de um tal conflito tenha
um princípio próprio. Em segundo lugar
338
é preciso que o princípio da faculdade em questão
333
Discutirei durante o capítulo em qual sentido se pode afirmar que as duas máximas são antitéticas.
-7.
334
Ak, V: 386
335
Idem.
(...) "toda aparência (Anschein) de uma antinomia"(...). Tradução minha.
336
Cf. Ak, V:389.
337
Ak, V: 385-6.
338
Cf. o item 4.1 deste trabalho.
136
gere dois princípios metafísicos contraditórios e exclusivos. No caso da antinomia aqui
e nenhuma distinção clara entre espécies de princípios
ecânicos. O máximo que faz é utilizar simplesmente os termos mecanismo (Mechanismus)
investigada, a primeira condição está dada com a prova do princípio da faculdade de julgar
reflexiva aduzida na "Introdução B" à terceira Crítica. Esta constatação pode também ser
confirmada mais à frente, na primeira parte da CFJ, onde Kant argumenta que a possibilidade
de uma antinomia da faculdade de julgar deve concernir aos princípios desta faculdade
339
. Ela
é também ratificada quando é afirmado claramente que a faculdade de julgar reflexiva não
legisla para natureza, mas sim para si
340
.
A segunda condição, contudo, não está caracterizada, ao menos explicitamente, na
apresentação do conflito. De qualquer forma, sem qualquer argumentação prévia, Kant afirma
que as duas máximas acima reproduzidas são pressupostas pela faculdade de julgar e que elas
não parecem ser compatíveis (nicht wohl neben einander bestehen zu koennen den Anschein
haben
341
). Mas em qual sentido máximas subjetivas da faculdade de julgar podem ser
incompatíveis? Isso significa que a faculdade de julgar se torna ela própria contraditória?
Além disto, uma afirmação feita logo após a apresentação (Vorstellung
342
) da
antinomia torna o trabalho do intérprete ainda mais espinhoso. Pois ela indica que a "tese"
(Satz), representante de um princípio causal mecânico, é disponibilizada a priori para a
faculdade de julgar pelo entendimento ("ihr der blosse Verstand a priori an die Hand
giebt"
343
). E logo a seguir, complementando esta passagem, nos é explicado que: “a não ser
que eu o torne (ou seja, o princípio da "tese") a base da minha pesquisa, não pode haver
absolutamente conhecimento verdadeiro da natureza"
344
. De fato, em sua apresentação da
antinomia Kant não estabelec
m
339
Ak, V: 337 (Parágrafo 55).
340
Ak, V:185.
341
Ak, V: 387. Tradução minha.
342
Ak, V: 386-7-8, (parágrafo 70).
343
Ak, V:386. Tradução minha.
344
Ak, V:387.
137
ou leis mecânicas (mechanische Gesetze) ao invés de causalidade (Kausalitaet) ou leis causais
upostos teóricos outrora defendidos na CRP
mostrar que este ponto nem sempre recebe a devida atenção nas
interpretações mais con
A primeira hipótese interpretativa é totalmente baseada na afirmação anteriormente
reproduzida, segundo a
outra coisa senão no
primeira Crítica como
aneiras muito semelhantes:
(kausale Gesetze). Precisamente com base nessas passagens e expressões alguns intérpretes
autorizados da filosofia kantiana assimilaram o princípio causal mecânico representado na
tese ao princípio causal da "Segunda Analogia". Esse constitui um dos maiores problemas,
ainda em aberto, da antinomia.
4.3 As principais interpretações da antinomia da faculdade de julgar teleológica
Diante da possibilidade interpretativa de que a tese da antinomia possa ser
assimilada ao mesmo princípio mecânico da "Segunda Analogia", depreende-se que há em
síntese duas hipóteses: ou bem [1] não há a rigor uma antinomia
345
, ou bem [2] Kant está aí
dando um passo atrás relativamente àqueles press
- sem fazer, entretanto, qualquer anúncio prévio disto
346
. No meu modo de ver o problema, as
duas hipóteses estão diretamente ligadas à forma dos dois princípios que compõem o conflito
e não têm qualquer apoio textual evidente. É preciso, portanto, levar a sério que, ao introduzir
a "aparente"
347
antinomia, Kant se refere às posicões como máximas regulativas da faculdade
de julgar. No que segue tento
hecidas dessa antinomia.
qual o princípio do mecanismo discriminado pela tese não consiste em
mesmo princípio constitutivo-crítico do entendimento deduzido na
sendo uma das categorias. Fischer e H. Cassirer vêm o problema de
m
A tese vale para a faculdade de julgar determinante, a antítese vale para a faculdade
345
Em última análise, esta pode ser considerada a posição de Kuno Fischer e H. W. Cassirer. Cf. FISCHER, K..
Geschichte der neueren Philosophie, Bd. 5, Heidelberg, 1899 e CASSIRER, H. W.. A Commentary on Kant s
esta
tical Reason. University of Chicago Press, 1960.
347
Cf. Ak, V:389. "Toda aparência (Anschein) de uma antinomia (...)".
Critique of Judgment. New York: Barnes and Noble, 1970. Agradeço ao Prof. McLaughlin pela indicação d
bibliografia.
346
BECK, L. W.. A Commentary on Kant s Critique of Prac
138
de julgar reflexiva.
348
Como pode Kant tratar os princípios mecânico e teleológico como princípios
derivados da lei universal da causalidade. Essa lei é um produto do entendimento. É
todo evento na natureza deve ser determinado por causas mecânicas
. Isso foi bem
Crítica da Razão Pura
discussão da "Segunda Analogia".
reflexivos da sua filosofia? De acordo com ele, os princípios mecânicos são
um princípio objetivo. Por meio dele sabemos antes de toda experiência efetiva que
esclarecido por Kant na , e será suficiente me referir à sua
inalidade formal deduzido na
la busca compatibilizar esta idéia com aquela frase de Kant
349
Se realmente estas leituras são corretas, é evidente que a antinomia em questão é
totalmente aparente, uma vez que a antítese permanece sendo a explicação causal teleológica.
Como esta certamente tem de ser representada como uma máxima da faculdade de julgar
reflexiva, cuja forma é expressa
350
pelo princípio da f
"Introdução B" à CFJ, não pode haver a rigor qualquer contradição entre as duas posições. A
compatibilização seria possível neste caso porque categoria e princípio regulativo
desempenham funções distintas com respeito ao conhecimento. A dificuldade dessa
interpretação consiste, no entanto, em desconsiderar totalmente que não apenas a antítese, mas
também a tese são apresentadas como princípios subjetivos.
A segunda hipótese, por sua vez, leva em consideração, por um lado, a afirmação de
que ambas as posições supostamente em contradição exclusiva representam princípios da
faculdade de julgar. Entretanto e
que diz que o entendimento fornece a priori à faculdade de julgar o princípio do mecanismo.
Indiscutivelmente não há interpretação mais controversa que esta, pois ela defende, em última
análise, que Kant está assimilando no conflito o princípio outrora deduzido como um
princípio constitutivo-crítico para o conhecimento de objetos a um mero princípio regulativo
da faculdade de julgar reflexiva.
or. Uma das
idéia de que ele representa a forma do princípio da finalidade real..
348
Cf. FISCHER, loc. cit., p. 492. Tradução minha.
349
Cf. CASSIRER, loc. cit, p. 345. Tradução minha.
350
No próximo subcapítulo forneço mais argumentos para esta afirmação. De qualquer modo, considero que já
deixei isso implícito na exposição da dedução do princípio da finalidade formal no capítulo anteri
teses deste trabalho é defender a
139
Beck
351
é sem dúvida o intérprete que defendeu mais claramente esta posição, a qual
essencialmente reformula a posição de Fischer / H. Cassirer. Entretanto, parece-me que a
única possibilidade de conferir algum sentido à hipótese de Beck seria admitir que a faculdade
de julgar reflexiva poderia de algum modo fazer uso (regulativo) de um princípio dado em
outra parte, no caso, pelo entendimento. Em tal hipótese, o genitivo empregado por Kant na
expressão "Maximen einer Urteilskraft"
352
poderia então ser também assimilado ao genitivus
objetivus - e não apenas ao genitivus subjetivus
353
. Nesta perspectiva, pelo menos uma das
posições poderia expressar o uso regulativo de um princípio originariamente constitutivo.
Numa palavra, essa versão da interpretação de Beck supõe que uma das posições antinômicas
não precisa necessariamente representar um princípio oriundo da faculdade de julgar, muito
embora tese e antítese tenham sido apresentadas como máximas subjetivas. Logo, pelo menos
uma delas poderia ser empregada para guiar (regular) o poder de julgar, ainda que proviesse
de outra faculdade onde executasse originalmente uma função constitutiva. Nesse caso, a
expressão “princípio da causalidade natural” poderia então ser interpretada como uma forma
elíptica da expressão “princípio da causalidade mecânica” - ou do mecanismo. É interessante
lembrar que, de fato, ao tempo de Kant, com o declínio das explicações finalísticas ou
teleológicas na física, a explicação da natureza só era pensada em termos de causalidade
eficiente mecânica
354
. Além disto, a categoria causalidade no início do século XX era
desqualificada pelo n
regulativo. O neovitalis
eovitalismo alemão, que a classificava como um mero princípio
mo via na teoria kantiana da "Dialética" o momento da transição para
as". In: Studia Kantiana - Revista
n. 5, 2003. O conceito kantiano de máxima é decisivo em minha interpretação da
351
BECK, loc. cit., pp. 190-192.
352
Ak, V:315-316.
353
Estou aplicando à filosofia teórica a distinção apontada por Bittner em seu artigo sobre a filosofia prática
kantiana, relativamente ao modo como podemos conceber máximas da vontade. Neste sentido, uma máxima
pode representar uma lei do agir (genitivus objetivus), sem entretanto que o agente a adote como uma lei do seu
querer (genitivus subjetivus), i. é sem que a regra seja ela mesma por ele querida. Analogamente, penso que é
possível aplicar tal distinção para imaginar uma possível justificativa para o intérprete que julga poder defender a
tese de que o princípio da "Segunda Analogia" poderia pertencer ao quadro de uma antinomia da faculdade de
julgar com um uso ainda crítico, porém regulativo. Cf. BITTNER, R.. "Máxim
da Sociedade Kant Brasileira,
solução da antinomia, razão pela qual dedicarei um subcapítulo inteiro a ela.
140
uma espécie de explica
s objetos da biologia. O espírito, por assim dizer, do neovitalismo é apresentado, por
categorial originária e se tornar um princípio regulativo é então levada a cabo na
ção finalista que traria consigo um princípio suficiente
355
para explicar
o
exemplo, na seguinte passagem da obra de Wilhelm Ernst:
A tendência do conceito de causalidade de descer de sua dignidade constitutivo-
doutrina das antinomias da Crítica da Faculdade de Julgar. O conceito de finalidade
não se aproxima tanto das categorias, mas as categorias aproximam-se em sua
dignidade do conceito de finalidade
356
(tradução minha).
Entretanto, independentemente de como possa ser admitida, a interpretação de Beck
viola alguns dos princípios centrais da filosofia teórica kantiana, na medida em que abole sem
mais a distinção kantiana princípios constitutivos/princípios regulativos
357
. Em defesa desta
tese, indiquei anteriormente que princípios transcendentais constitutivos só podem ser
descobertos por meio do processo de formalização desenvolvido numa dedução
transcendental. Por isso, por exemplo, em vista da distinção uso constitutivo / uso regulativo
de uma regra, categorias têm de ser sempre distintas de idéias, muito embora idéias da razão
sejam produzidas através do uso ampliado de princípios puros
358
. Pelo mesmo motivo, é
inconcebível afirmar que os princípios da filosofia especulativa representados em oposições
antinômicas podem ser ainda concebidos como princípios transcendentais que, entretanto,
cumprem funções dogmáticas. Pois na medida em que um princípio altera o seu uso
(Gebrauch), ele também necessariamente se transforma (verwandeln
359
) num outro princípio.
die Biologie". In: McLAUGHLIN, ibid..
356
354
Cf. McLAUGHLIN, ibid..
355
McLaughlin afirma que hoje essa tendência se manifesta numa variante neotomista. Cf. o capítulo "Kant und
Cf. ERNST, W.. Der Zweckbegriff bei Kant und sein Verhaeltnis zu den Kategorien. Strassburg, 1909 (Kant
Studien, Ergaenzungshefte 14), pp. 64-68.
357
É preciso reconhecer que essa possibilidade é algo que por sinal o próprio Kant parecia admitir na CRP, mas
cuja admissão na filosofia teórica tem de ser afastada pelos motivos aqui já aduzidos. Nesse sentido, o contexto
da presente discussão ajuda a compreender alguns problemas que tratei no capítulo I, em especial por que a
teoria do "Apêndice", ao contrário do que possa parecer, não é suficiente para justificar diferentes usos para um
mesmo princípio no interior da filosofia teórica de Kant.
358
Cf. os capítulos I e II deste trabalho.
359
Numa passagem que retomarei em um outro contexto, Kant usa esse verbo precisamente com o sentido que
quero atribuir-lhe aqui. Ou seja, para designar uma ação que indica uma alteração estrutural do princípio, i é da
forma do princípio considerado. Na passagem em questão Kant se refere particularmente à transformação de
princípios regulativos em constitutivos, na medida em que aqueles são interpretados dogmaticamente. Cf. Ak, V:
386-7. Volto ao ponto no próximo subcapítulo.
141
Eis por que as duas hipóteses possíveis para o problema (a interpretação de Beck
inclusive) são absurdas: por um lado, se a tese da antinomia em questão é rigorosamente o
mesmo princípio da causalidade natural presente na CRP, ou bem toda a discussão da
"Segunda Analogia" precisa ser ignorada, ou bem a distinção regra regulativa/constitutiva tem
de ser retirada da filosofia teórica de Kant (precisamente porque o próprio se refere ao
princípio mecânico da tese com o termo máxima subjetiva (regulativa) - e sabe-se que o
princípio mecânico da CRP é um princípio transcendental constitutivo de objetos). Por outro
uando estes fossem, por assim dizer, reutilizados a
Assim, Bend
heterodoxa que poster
que ela consiste numa
princípios são realmen
que há realmente uma antinomia gerada pela oposição entre as duas máximas discriminadas.
lado, admitindo-se, como de fato parece ser sugerido no "Apêndice", que a filosofia teórica de
Kant é, por assim dizer, suficientemente concessiva para aceitar sempre o emprego de
diferentes usos para uma mesma regra sem que esta perca suas características estruturais, tem
de ser possível fornecer uma prova de que a forma de princípios constitutivos poderia de
alguma maneira permanecer invariável q
título de princípios regulativos - o que me parece impossível.
Não apenas a hipótese apresentada por Beck, mas também a de Fischer/H. Cassirer,
representam tentativas diferentes de ligar explicitamente o princípio causal da CRP ao
contexto da antinomia. Há ainda outras interpretações relevantes do conflito que, de maneira
menos evidente, incorrem no mesmo erro na medida em que não buscam esclarecer qual é
afinal a forma dos máximas em questão.
avid
360
defende ainda no século XVIII uma interpretação um tanto
iormente foi reafirmada por Hegel
361
e McLaughlin
362
. Pode-se dizer
variação da leitura de Beck, já que busca mostrar também que os dois
te regulativos. Entretanto, diferentemente, essa interpretação sugere
360
Cf. BENDAVID, Lazarus. Vorlesungen ueber die Kritik der Urteilskraft. Wien, 1789. (Bruxelles: Aetas
Kantiana 1968), pp. 147-152.
361
Cf. HEGEL, G. F.. Wissenschaft der Logik (Werke V u
2-3.
nd VI). Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1969, II, pp.
44
142
Uma passagem da Ciência da Lógica resume a idéia central dessa leitura:
das causas finais – ora, como se essas duas máximas (que, aliás, devem ser
a razão humana) não estivessem no mesmo conflito no
s encontram (sich befinden)
363
(grifo meu).
a, para esclarecer esse ponto,
A solução kantiana dessa antinomia está (no fato de que) (…) ambas (as posições)
devem (müssen) ser vistas não como proposições (Sätze) objetivas, mas sim como
máximas subjetivas, (no fato de) que eu devo (solle), por um lado, sempre refletir
sobre todos os eventos da natureza segundo o princípio do mero mecanismo da
natureza, porém, que isso não impede em ocasião oportuna a investigação de
algumas formas naturais segundo uma outra máxima, a saber, segundo o princípio
necessárias meramente para
qual aquelas proposiçõe se
Em seu trabalho Mclaughlin ratifica as palavras de Hegel, acentuando que, do ponto
de vista lógico, realmente há uma contradição que se manifesta “in der förmliche Darstellung
der Antinomie (...)" e que as posições do conflito são, apenas por isso, realmente
incompatíveis “wie konstitutive Prinzipien
364
.
Ora, a dificuldade central dessa interpretação está em não demonstrar em que
sentido é possível afirmar que princípios regulativos podem se contradizer "tal como
princípios constitutivos". O que afinal esta expressão quer dizer? Será que antinomias podem
realmente ser produzidas fora do contexto da perspectiva da filosofia dogmática, através de
um conflito entre máximas regulativas da faculdade de julgar reflexiva? Dado que a própria
definição do conceito de princípio regulativo o caracteriza como uma espécie de regra
meramente diretora, a contradição puramente lógica não parece ser uma condição suficiente
para opor exclusivamente as duas máximas. Como sugeri acim
teria de ser estabelecido inicialmente qual é afinal o fundamento de determinação desses
enunciados que de fato os torna (ou não) princípios transcendentais diretores da faculdade de
julgar. Finalmente, num segundo passo teria de ser mostrado qual a diferença específica de
princípios subjetivos que impede (ou permite) que eles sejam compatibilizados, a despeito da
mera contradição lógica, que não diz muito, já que é evidente.
Ao contrário da interpretação de Hegel/McLaughlin, Marc-Wogau argumenta que,
362
McLAUGHLIN, P., loc. cit., principalmente p. 127.
363
Cf. HEGEL, ibid.. Tradução minha.
143
justamente porque suas posições expressam princípios regulativos, um conflito da faculdade
de julgar não representa uma real antinomia. Sua interpretação incorre, porém, em algumas
das dificuldades anteriores. Por um lado, sua exposição igualmente não se preocupa em
explicar por que afinal máximas regulativas não podem se contradizer. Além disto, como
Fischer, H. Cassirer e Beck, ele assimila sem maiores justificativas o princípio mecânico da
tese ao princípio causal do entendimento
365
. Por sua vez, a interpretação de Butts é mais
completa, pois apesar de reafirmar que máximas podem ser unificadas, ele ao menos se refere
à estrutura desses enunciados, sublinhando que, enquanto tais, princípios subjetivos não
possuem "forma proposicional"
366
- e que este seria então o motivo pelo qual máximas podem
ser compatíveis. Mas no subcapítulo 4.5 tentarei mostrar que esta afirmação de Butts é
insuficiente para defender a compatibilização de máximas. Neste contexto, argumentarei
também no sentido de demonstrar que a interpretação contrária, fornecida por Hegel e
Mclaughlin, é parcialmente equivocada quando admite sem maiores justificativas que
princípios regulativos em geral podem ser contraditórios. Decidir por uma ou outra
perspectiva depende, como já lembrei, de uma investigação sobre a forma dos enunciados da
antinomia, bem como da análise do que é pressuposto teoricamente por cada uma das
máximas em questão.
Por fim, a leitura de Henry Allison
367
para o problema é sem dúvida a mais bem
fundamentada entre os intérpretes mais autorizados da terceira Crítica. Essencialmente ele
afirma que aquelas duas condições para a existência de uma antinomia têm de ser satisfeitas (a
saber, a existência de um princípio próprio para a faculdade em questão e uma dupla
interpretação dogmática do mesmo), se de fato existe uma antinomia da faculdade de julgar.
AU, loc. cit., pp. 214-245.
364
Cf. McLAUGHLIN, P. loc. cit., pp. 126-27-28.
365
Cf. MARC-WOG
366
Cf. MARC-WOGAU, loc. cit., p. 225, n. 11 e BUTTS, R.. Kant s Double Government Methodology. Boston,
1984, pp. 272-273.
367
Cf. ALLISON, H.. "Kant´s Antinomy of Teleological Judgment". In: The Southern Journal of Philosophy
(Vol. XXX, Supplement), 1991, pp.25-42.
144
Ao explicar a produção dos dois princípios em oposição, ele atribui um papel central ao
conceito de intelecto intuitivo e ao princípio da finalidade formal, sugerindo que este pode
estar na base da formação da antinomia, cuja solução consistiria na oposição kantiana entre
máximas subjetivas
368
. Assim, em última análise, Allison vê na natureza finita do intelecto
humano a raiz, por assim dizer, da necessidade de produzirmos um princípio da faculdade de
julgar que sirva de g
seguem um raciocínio
problema. Em síntese, eles também supõem que a distinção entre as duas máximas não gera
portanto, logo que nós pensamos ambas como dois modos diversos de ordenação,
371
nstitutivas/dogmáticas
uia para a explicação de seres organizados
369
. Outros intérpretes
370
menos elaborado, porém semelhante no que tange à solução do
qualquer conflito e que isto só poderia ocorrer entre princípios constitutivos do conhecimento.
Ernst Cassirer é um deles:
A antinomia entre o conceito de finalidade e o conceito de causalidade desaparece,
através dos quais tentamos trazer unidade para o múltiplo dos fenômenos. No lugar
do conflito entre dois fatores fundamentais metafísicos do que acontece tem lugar
então o acordo entre duas máximas e ordens da razão complementares entre si .
Considero estas duas últimas interpretações corretas em linhas gerais. Porém minha
interpretação se afasta das mesmas na medida em que desvaloriza, por assim dizer, a função
do conceito de intelecto intuitivo na solução do conflito e acentua a função do conceito de
máxima no presente contexto. Assim, suponho que o mais importante na solução da antinomia
é mostrar não apenas que somente duas interpretações co
contraditoriamente opostas de um mesmo princípio geram uma verdadeira antinomia da
faculdade de julgar. Mais essencial no que diz respeito à solução crítica do conflito é mostrar
368
Uma interpretação semelhante a esta é fornecida sem dúvida por McLaughlin, mas de uma maneira um tanto
confusa, pois, como indiquei, ele julga que a oposição entre máximas da faculdade de julgar já traz consigo a
IRER, E.. Kants Leben und Lehre. Berlin: Bruno Cassirer, 1921, p. 369. Tradução minha.
existência de um conflito antinômico. Cf. McLAUGHLIN, loc. cit., p.146.
369
Cf., por exemplo, ALLISON, loc. cit., pp. 35-36.
370
Cf. STADLER, A.. Kants Teleologie. Berlin: Ferd. Duemmlers, 1912, p. 128; KARJA, H.. Heuristische
Elemente der Kritik der teleologischen Urteilskraft. Heidelberg, 1975, p. 87, ADICKES, E.. Kant als
Naturforscher (Bd. 2). Berlin: De Gruyter, 1924, pp. 473-4; BAUMMANNS, P.. Das Problem der oerganisten
Zweckmaessigkeit. Bonn: Bouvier, 1975, p. 109; EISLER, R.. Kant Lexikon. Hildesheim: OLMS, 2002, p. 634;
EWING, A. C.. Kant s Treatment of Causality. USA: Archon Books, 1969, p 228; SCHRADER, G.. "Kant s
Theory of Concepts". In: WOLFF, R. P. (ed.). Kant - a Collection of Critical Essays. London: Macmillan, 1968,
p. 225.
371
CASS
145
que a faculdade de julgar reflexiva tem de fato um princípio próprio deduzido por Kant (o que
já foi feito) e explicar por que máximas regulativas da faculdade de julgar reflexiva não
podem se contradizer e podem ser neste contexto sempre compatíveis.
É claro a partir da discussão precedente que boa parte das dificuldades nas
interpretações da antinomia se concentra em questões que dizem respeito ao fundamento dos
enunciados antinômicos. Nos próximos capítulos desenvolverei os tópicos centrais da minha
interpretação da solução para o conflito. Isto será feito a partir de uma exposição sobre o quê
final entende Kant por um principio mecânico que pode ser apresentado a título de uma
cia de uma antinomia é claramente identificada por Kant no texto da
ao conhecimento possível para o homem. Por conseguinte, a
Kant está alterando substantivamente o quadro conceitual da sua filosofia teórica, tornando o
, ou bem ele está se referindo
a
máxima regulativa da faculdade de julgar reflexiva. Além disso, mostrarei que a segunda
condição de existên
"Dialética", ou seja, que de fato é afirmado neste contexto que as duas máximas precisam ser
reinterpretadas como principios metafisicos contraditórios e exclusivos para gerar uma real
oposição da faculdade de julgar.
4.4 Mecanismo e finalidade no contexto da solução crítica da antinomia da faculdade de
julgar teleológica
Para um leitor atento da CRP é surpreendente deparar na "Dialética da Faculdade de
Julgar Teleológica" com a afirmação de que o princípio do mecanismo tem caráter meramente
regulativo
372
. Pois, como se sabe, a "Segunda Analogia" havia demonstrado que o princípio da
causalidade natural é um princípio transcendental, portanto, que tem um uso constitutivo-
crítico relativamente
apresentação do princípio do mecanismo na qualidade de uma das posições de um conflito da
faculdade de julgar reflexiva oferece apenas duas hipóteses interpretativas possíveis: ou bem
princípio da "Segunda Analogia" uma regra meramente subjetiva
146
no contexto da antinomia a um principio mecânico diferente daquele que havia sido provado
na primeira Crítica.
Certos intérpretes
373
da filosofia de Kant se apoiam em textos anteriores
374
à CFJ
para defender a segunda hipótese. No que concerne à referência de princípios causais que
poderiam ser interpretados como regras distintas do princípio da causalidade natural, verifica-
se dois exemplos notáveis: [a] mecanismo entendido como "mecanismo material"
375
e [b]
mecanismo entendido como "mecanismo da natureza"
376
. O conceito [a] refere-se ao tipo de
causalidade relacionado à interação entre os corpos. O exercício desta espécie de causalidade
é, por exemplo, aquele descrito pelas leis da mecânica clássica newtoniana, cujas formas
podem ser expressas no princípio da inércia
377
. Segundo ele, "toda mudança ou alteração deve
ter uma causa externa como explicação''
378
. O conceito [b] refere-se ao tipo de causalidade que
é assimilado na Crítica da Razão Prática à explicação psicológica, cujas causas são internas,
portanto, não-materiais - o "mecanismo da natureza" é explicado na esfera moral como "toda
necessidade de eventos no tempo de acordo com a lei natural"
379
. Entretanto, muito embora
essas distinções sejam de fato corretas, é forçoso reconhecer que ambos os conceitos parecem
dar conta da necessidade de eventos no tempo de acordo com leis naturais. E, se é assim, tais
distinções podem perfeitamente ser consideradas exemplos de leis particulares, as quais
teriam como forma o princípio transcendental da causalidade discriminado na CRP. Mas seria
igualmente o enunciado da antinomia apenas uma espécie do mesmo princípio do
entendimento?
O conceito de mecanismo que subjaz à "tese" da oposição antinômica busca
372
Ak, V:387.
373
Cf. principalmente EWING, A.C., loc. cit. e McLAUGHLIN, P., loc. cit..
374
KANT.I.. "Metaphysische Anfangsgruende der Naturwissenschaft" in: Ak, IV:477;536; Cf. "Reflexion 5995"
in: Ak, XVIII:418-19. Cf. tb. Ak, III: 454-5 e Ak, V:97.
375
Ak, III: 454-5.
376
Ak, V:97.
377
Cf. Ak, IV:543.
378
Ibid.
379
Cf. Ak, V:97. Cf. tb. Reflexionen 5978 e 5995, XVIII:413 e 418-9.
147
explicar (no caso, avaliar (beurteilen)) a possibilidade das estruturas dos elementos que
compõem uma classe específica de fenômenos, a saber, os objetos biológicos. Esse princípio
explicativo recorre ao princípio da interação causal dos elementos que constituem a estrutura
da coisa avaliada, conforme o caso, em vista da explicação da possibidade de seres não-
inanimados. Sendo assim, poder-se-ia também argumentar - sobretudo se nos apoiamos
naquela polêmica citação de Kant, segundo a qual o princípio mecânico da antinomia é
fornecido pelo entendimento - que a "tese" da antinomia da faculdade de julgar apenas faz uso
do princípio transcendental da causalidade natural para uma pretensão específica, qual seja,
explicar mecanicamente as particularidades de organismos. Tal suspeita pode ser defendida
também com base em afirmações feitas em textos anteriores à escrita da CFJ, em especial na
“Introdução A
380
, onde Kant parece dar a entender que a função do princípio aí representado
seria tão-somente fornecer explicações “físico-mecânicas”, bem como em duas passagens do
prefácio à CRP
381
. Mas, a despeito de sua aparente plausibilidade, esta suposição me parece
infundada. Por conseguinte, forneço a seguir argumentos no sentido de mostrar que a natureza
do enunciado sobre o mecanismo na antinomia tem relação direta com a forma transcendental
aduzida nos primeiros momentos da CFJ.
Em primeiro lugar, é digno de nota que, se é verdade que a posição da "tese" pode
ser assimilada de algum modo ao princípio transcendental-constitutivo da causalidade, tal
hipótese não explica por que Kant pôde se referir à mesma com o termo máxima. Em segundo
lugar, e em apoio a esta constatação, ao princípio mecânico da "tese" é oposto um princípio
para a explicação teleológica, que é por sinal igualmente caracterizado como um princípio
regulativo da faculdade de julgar - i. é como sendo também uma máxima subjetiva. Estes dois
fatos indicam que "tese" e "antítese" somente podem ter sido construídas através de
aplicações distintas daquele princípio formal deduzido na "Introdução B". Tal como vejo o
380
Cf. Ak, XX:235-6. Cf. também Ueber den Gebrauch teleologischer Prinzipien in der Philosophie, VIII:179.
381
Cf. Ak, III: 17-8. Agradeço ao Prof. McLaughlin pela referência dessas passagens.
148
problema
382
, o apelo de Kant à distinção entre um princípio mecânico e a um outro claramente
finalista para a avaliação das peculiaridades internas de uma classe fenomênica está ligado a
c ê
notas comuns em vista da produção de conceitos empíricos. Ele também funciona motivando
uma mesma onstatação que está na base da escrita da CFJ: a insufici ncia da teoria da CRP
com respeito à classificação dos fenômenos naturais. Numa palavra, no que concerne ao
presente caso, com base apenas nos resultados da dedução transcendental das categorias do
entendimento, não é possível caracterizar (explicar) o que é um “todo real presente na
natureza”
383
- grifo meu.
O problema está diretamente relacionado à natureza discursiva do nosso
entendimento, que implica necessariamente a produção de conceitos e a ligação destes a
intuições no ato de julgar. Ora, o conteúdo de conceitos e leis é formado por notas, que
servem para expressar abstratamente as características sensíveis daquilo que é intuído. Mas as
notas são relacionadas numa regra por meio das categorias. Entre estas encontra-se o princípio
da causalidade natural, que é insuficiente para explicar certas funções manifestadas em
estruturas empíricas orgânicas, as quais não podem ser suficientemente esclarecidas por
intermédio de leis causais cegas. A dificuldade está, portanto, em que o quadro categorial do
nosso entendimento não é por si suficiente para estruturar predicados empíricos capazes de
explicar devidamente algumas das peculiaridades internas de tais fenômenos. Relativamente à
explicação do modo de ser de seres vivos organizados, não basta, portanto, a classificação
através de conceitos e leis particulares. Neste caso, nosso entendimento finito tem de supor
também no ato de conhecer a produção da idéia de causalidade final - nas palavras de Kant,
"experimentamos" a "conexão de fins na natureza" como um princípio "da causalidade
segundo idéias"
384
. A função do princípio regulativo da finalidade formal consiste então não
apenas em guiar a busca de semelhanças sensíveis entre os objetos da natureza para extrair
382
Como já indiquei, concordo totalmente com Allison sobre este ponto. Cf. ALLISON, ibid..
383
Ak, V:407. Cf. a discussão sobre este assunto nos capítulos 3 e 4.
149
a investigação de especificidades das substâncias já classificadas (i. e. dos objetos já
determinados conceitualmente) que eventualmente possam escapar ao processo usual de
produção de regras
385
. Ou seja, o ato de produzir conceitos empíricos de organismos
certamente também supõe a atividade reflexiva efetivada pelo princípio formal da
sistematicidade
386
da natureza em vista da origem dos conceitos particulares em geral. Mas o
mesmo princípio reflexivo-transcendental, usado originariamente para a formação de regras
particulares, precisa também ser aplicado para o conhecimento adequado de certas
características sensíveis que não se comportam sempre de acordo com predicados objetivos.
De fato, a primeira aplicação do princípio no contexto da "Introdução" refere-se apenas ao uso
regulativo da idéia de finalidade para concebermos a possibilidade da interrelação dos dados
empíricos com o nosso restrito poder de conhecer. Uma segunda aplicação, também de
interesse lógico-sistemático, aconteceria somente no contexto da antinomia da faculdade de
julgar teleológica e refere-se a um outro uso regulativo e complementar para guiar a
explicação das especificidades de certos produtos naturais individualmente
387
.
Afirmei acima e em outros capítulos que o conceito de finalidade (formal)
representa o que a terminologia mais precisa de Kant denomina uma idéia. Idéias não são
nada além de conceitos através do quais a razão se esforça por pensar o todo. Não obstante
388
,
elas só podem ter um uso lícito (crítico) na esfera em questão se são expressas em princípios
regulativos da faculdade de julgar. No caso dos princípios da presente antinomia, é
exatamente a caracterização de uma totalidade real que ambos buscam fornecer de maneiras
diferentes ao efetivar o uso regulativo da idéia (de fim) expressa num princípio formal. Que
384
Ak, V: 180-1
385
O motivo pelo qual a tarefa de sistematização foi transferida por Kant da razão para a faculdade de julgar foi
tematizada no capítulo II e no início do IV. Cf. também a discussão do parágrafo 75 na CFJ.
386
Ak, V: 390. Guyer e Allison não raro se referem ao princípio formal deduzido na "Introdução B" com a
expressão "ideal de sistematicidade". Cf. GUYER, P.. "Reason and Reflective Judgment: Kant on the
Significance of Systematicity". In: Nôus 24 (1990). Cf. tb. ALLISON, loc. cit.., p. 36.
387
Sobre a distinção de usos do princípio da finalidade na terceira Crítica, cf. o capítulo III deste trabalho. Cf. tb.
Ak, V:193 e XX:233-34.
388
Cf capítulos I e III.
150
no esforço de pensar uma totalidade como dada, certos elementos empíricos exibidos se
revelem inaptos para uma explicação através de conceitos obtidos por generalização empírica
crítica. A suposição contida nas duas partes do suposto conflito é então precisamente a
(i. é por comparação e reflexão) é algo natural para um intelecto discursivo. Pois é impossível
para a mente humana extrair todas a notas possíveis daquilo que nos aparece sensivelmente.
Tal idéia serve, portanto, neste âmbito como um recurso alternativo da mente para conhecer
algo que, como já mencionado, não pode ser descrito apenas por meio de conceitos
particulares comuns.
Entretanto, isso não quer dizer que é factível interpretá-la objetualmente
389
para
pensar as características daquilo que no fenômeno biológico escapa à produção de regras.
Assim, se os enunciados antinômicos fornecem princípios para buscar de modos diversos a
caracterização de um todo real, e se eles representam usos distintos de uma idéia da razão, os
mesmos devem conter explicações meramente subjetivas e distintas, porém análogas e
interrelacionadas. Kant parece reconhecer que a única maneira de associar os dois modos
explicativos diversos através de um único princípio transcendental é fornecida pelo princípio
da finalidade
390
. A justificativa para tanto encontra-se no fato de que, por ser uma regra
regulativa e formal, ele é capaz de ser o princípio de unificação sem o qual mecanismo e
teleologia jamais poderiam coexistir na "contemplação da natureza" ("sie sonst in der
Naturbetrachtung nicht neben einander bestehen koennten"
391
). Razão pela qual, as duas
posições da antinomia só podem representar máximas igualmente regulativas, meramente
diretoras e derivadas de uma mesma idéia, a qual, embora se expresse num princípio distinto
das mesmas, tem a função de fundamentá-las. Essa parece ser a única maneira de tornar
explicações mecânicas e teleológicas licitamente compatíveis (vereinbar
392
) na filosofia
ítulo 4.1.
389
Cf. o subcap
390
Ak, V:414.
391
Idem, V:412.
392
Ibidem.
151
seguinte: a idéia de finalidade contém em si o conceito de uma causalidade inteligente
393
- ou
seja, visto que o princípio geral da faculdade de julgar manda pensar a natureza como
tornada possível por uma inteligência criadora
394
, as duas máximas derivadas para a
explicação da produção de seres materiais mandam pensar esses entes como máquinas
produzidas por essa inteligência, seja como mecanismos cujas partes agem exteriormente
umas sobre as outras, seja como sistemas funcionais cujas partes realizam uma função
necessária para a subsistência do todo. Com base no que afirmei acima, é claro que esse
conceito supra-sensível, contido em explicações finalistas, tem necessariamente de
permanecer indeterminado. Eis por que o conceito de destinação (ou desígnio prévio), a título
usalidade operante na estrutura interna
de seres orgânicos, que
ou seja, essa posição
inâmicas concorrentes das partes"
397
- vale dizer, das forças concorrentes de todos os
de um fundamento para algo que é dado empiricamente, só pode ser concebido no interior da
filosofia teórica como mero conceito regulativo para o nosso conhecimento. Genericamente,
ele representa "a concepção indeterminada
395
de um fundamento que torna possível a
avaliação da natureza de acordo com leis empíricas"
396
.
Por conseguinte, os dois usos do princípio da finalidade formal na "Dialética"
podem ser descritos do seguinte modo. A máxima regulativa mecanicista é aduzida como um
principio a priori para descrever o modo de ser da ca
a explica em termos da interação causal de suas partes componentes -
explica o todo através da idéia (finalista) de um "efeito das forças
d
elementos materiais possíveis que formam o objeto.
393
A este respeito, cf. ZUMBACH, C.. The Transcendental Science - Kant s Conception of Biological
Methodology. The Hague, Boston, Lancaster: Martinus Nijhoff, 1984, p. 12.
idade reflexiva do poder de julgar apenas quando fazemos conceitos
ssificar por notas comuns.
.
394
Cf., por exemplo, Ak, V: 180-1..
395
Visto que pensar a conformidade da totalidade dos objetos naturais à estrutura formal do entendimento é algo
necessariamente pressuposto pelo sujeito como uma condição de possibilidade do conhecimento (empírico), a
idéia de fim também não pode ser concebida no ato cognoscente como algo meramente empírico. A produção da
mesma é efetivada, portanto, totalmente a priori e independentemente dos processos lógicos de comparação,
reflexão e abstração, realizados pela ativ
capazes de cla
396
Ak, V:412.
397
Idem, V:407
152
Ora, se consideramos um todo da matéria, segundo a sua forma, como um produto
(acrescentadas outras matérias que se juntam umas às outras), nesse caso
representamo-nos uma forma de geração mecânica
das partes e das respectivas forças e da faculdade de se ligarem espontaneamente
398
.
Pode-se dizer que a diferença específica deste princípio mecânico, que o distingue
essencialmente do princípio da causalidade natural, consiste por um lado no fato de que a sua
forma reflexiva pertence à faculdade de julgar e, por outro, na relação subsistente entre as
partes e o todo já constituído pelas categorias do entendimento. O princípio da causalidade
natural determina a forma das leis dinâmicas específicas. Ele representa uma regra
constitutiva com respeito à experiência na medida em que constitui a conexão causal entre os
fenômenos
399
. Por isso, o princípio da "Segunda Analogia" nada pode antecipar no que tange
à determinação de um evento correlato que ainda não está efetivamente dado. Ele apenas
indica que, a partir de uma intuição já determinada, um estado qualquer tem de seguir
necessariamente na série temporal. Em síntese, na regra expressa pelo princípio da
causalidade natural está implicado um "Nacheinander in der Zeit"
400
. Diferentemente, o
denominado princípio do mecanismo no contexto da antinomia antecipa a priori que, dada
uma forma sensível já determinada conceitualmente, as conexões das partes materiais que
ocupam os diversos lugares desse corpo num determinado espaço circunscrito têm de poder
ser explicadas segundo o princípio constitutivo da causalidade natural. Ele serve nesse caso
essencialmente para impelir o sujeito a buscar o mais possível explicações mecânicas no ato
de conhecer os objetos biológicos. Mas não apenas isso. Com diz a citação acima, ele prevê
também (como um fim para a investigação) que devemos, por assim dizer, sempre insistir em
tentar explicar suficientemente o ser vivo como se (als ob) este fosse uma totalidade que tem
sua existência tornada possível unicamente "als Wirkung der konkurrierenden bewegenden
73 e III: 439.
398
Ak, V: 408.
399
Cf. Ak, III: 1
400
McLAUGHLIN, loc. cit., p. 138.
153
Kraeften der Teile"
401
. Esse princípio, portanto, não determina o modo de ser das conexões
entre eventos particulares no tempo, o que permanece sendo uma tarefa do entendimento. Em
última análise, o conceito regulativo de mecanismo representa apenas heuristicamente duas
coisas: (a) a explicação da possibilidade de existência de algo dado num espaço delimitado
(isto é num "Ineinander im Raume"
402
) apenas como consequência dos seus elementos
constitutivos (independentemente, portanto, de causas externas ao corpo orgânico) e (b) a
garantia subjetiva de que temos de poder o mais possível explicar mecanicamente os
processos individuais orgânicos. O princípio da tese também representa então um princípio
implicitamente finalista. Essa qualidade é obscurecida pela denominação que recebe o
enunciado da antítese na teoria de Kant, a saber, juízo teleológico. Mas o que varia em cada
nica, apelando, contudo, para uma explicação do todo que, por sua vez, resume-
um é apenas o tipo de destinação colocada, que, a cada vez, aplica de uma maneira distinta a
mesma idéia contida no princípio finalista formal; no caso da tese, o fim posto é a explicação
mecânica do todo, ao passo que no caso da antítese o desígnio é a explicação funcional das
partes do mesmo. Logo, como já indicado, ambos os enunciados contêm em si o pensamento
de um conceito prévio, cuja forma é fornecida pela faculdade de julgar.
Nesse sentido, por outro lado, a antítese representa uma máxima regulativa
claramente finalista, cujo princípio visa descrever a estrutura pertencente ao mesmo tipo de
classe fenomê
se numa idéia de um fundamento ou condição das partes igualmente dado a priori. Mas em
geral, ou seja, tanto na aplicação da "tese" como na aplicação da "antítese", a finalidade
exibida por seres organizados é imposta sempre pela faculdade de julgar como o produto de
um ''intelecto arquitetônico'', i. é de uma ''causa de um mundo inteligente que atua de acordo
com fins''
403
.
401
Ak, V: 407.
402
McLAUGHLIN, loc. cit., p. 138. Allison propõe a tradução "incasement" para a expressão "Ineinander". Cf.
ALLISON, loc. cit., nota 9 .
403
Ak, V : 388-9.
154
De acordo com essas afirmações, enquanto o conceito (indeterminado) de
organismo é produzido para pensar o objeto como se ele fosse produzido a partir do conceito
(da idéia) de um fim (isto é para pensar certos objetos como se estes fossem, por assim dizer,
"programados" por uma regra a priori para ter certas funções realizadas por cada um de seus
órgãos componentes), o princípio regulativo (igualmente indeterminado) do mecanismo faz
algo análogo a partir de uma idéia variante, servindo para pensar o mesmo objeto como se
fosse uma máquina na qual as partes desempenham determinadas funções, porém cujas leis
dinâmicas particulares que ocorrem em sua disposição interna só podem ser explicadas a
partir do princípio da causalidade natural. Creio então ser possível adaptar a engenhosa
interpretação de Fricke
404
acerca dos juízos estéticos sobre o belo à teoria kantiana
desenvolvida na "Dialética", em particular aos dois princípios regulativos componentes da
antinomia. Segundo esta intérprete, na atitude estética não está, pois, em questão a
classificação de objetos por intermédio de notas comuns, mas tão-somente a tentativa de
identificar certas especificidades exibidas por determinadas substâncias - o que não pode ser
realizado apenas por conceitos e princípios transcendentais que fundamentam apenas a
objetualidade invariável de tudo aquilo que pode ter realidade objetiva para nós. Ora, este
ato parece envolver a (fracassada) tentativa pelo entendimento de produzir um conceito que
permita caracterizar o que é o objeto na totalidade de suas determinações
405
, o que é, por
princípio, irrealizável para um intelecto finito. Esta busca pelo entendimento, estimulada pela
razão e efetivada pelo poder de julgar reflexivo, jamais pode se concretizar objetivamente e
resulta na produção de conceitos indeterminados (i. é que a rigor nada classificam), os quais
representamos sempre que fazemos um juízo reflexivo - entre eles os juízos finalistas
mecânico e teleológico. É neste sentido que as duas posições antinômicas buscam especificar
o modo de funcionamento da estrutura de organismos, a qual não somos capazes de descrever
404
Cf. FRICKE, C., loc. cit..
405
I. é, a tentativa de explicar entes cuja possibilidade (existência e natureza) é completamente determinada
155
apenas por intermédio dos conteúdos selecionados no ato de produção de conceitos
determinados. Um intelecto não-discursivo, por outro lado, não necessitaria, por hipótese, de
regras, sejam elas representadas por princípios mecânicos, sejam elas representadas por
princípios teleológicos, no seu processo de conhecimento.
Tese e antítese representam, portanto, a aplicação de uma lei formal produzida não
para determinar, mas sim para guiar a investigação biológica. Por conseguinte, ambos podem
perfeitamente cumprir tarefas paralelas e complementares. É digno de nota, que, muito
embora eles sejam gerados por um único princípio formal, o princípio do mecanismo parece
ser colocado por Kant num lugar subordinado relativamente ao princípio da finalidade real. A
aplicação das duas máximas subjetivas demonstra que organismos, enquanto fenômenos
biológicos, permanecem suscetíveis a explicações mecânicas, já que, é claro, são objetos
406
, i.
é estão também submetidos a categorias. Ou seja, a explicação causal mecânica não pode ser
eliminada
407
e deve ser aplicada sempre que possível - "Eu devo todas as vezes refletir sobre
Afirmei acima que a máxima que traduz o princípio da finalidade formal e que pode
essas coisas de acordo com o simples princípio do mecanismo da natureza"
408
. Entretanto, a
investigação natural por intermédio desta máxima não pode excluir a possibilidade do recurso
a um princípio alternativo "quando uma ocasião adequada para a sua aplicação o sugere"
409
.
Assim, a explicação teleológica é requerida precisamente para que tais objetos possam ser
concebidos como organizados - o que sugere que a explicação explicitamente finalista ocupa
um lugar privilegiado na classificação biológica
410
.
maessigkeit der Natur heisst
ist Erkenntnisurteil, aber doch nur der reflektierenden, nicht der bestimmenden Urteilskraft
ie-Ausgabe, XX, 221. Cf. também XX, 232 e CFJ, B192.
segundo um conceito.
406
Ak, V:413-14.
407
"Dagegen, wenn bereits empirische Begriffe und eben solche Gesetze, gemaess dem Mechanism der Natur
gegeben sind, und die Urteilskraft vergleicht einen solchen Verstandesbegriff mit der Vernunft und ihrem
Prinzip der Moeglichkeit eines Systems, so ist, wenn diese Form an dem Gegensatnde angetroffen wird, die
Zweckmaessigkeit objektiv beurteilt und das Ding heisst ein Naturzweck, da vorjer nur Dinge als unbestimmt-
zweckmaessige Naturformen beurteilt wurden. Das Urteil ueber die objektive Zweck
teleologisch. Es
an
408
Ak, V:387.
gehoerig". Cf. Akadem
409
Idem, V:388.
156
ser visto como a suposição aceita nas duas partes do conflito é precisamente a seguinte: a
idéia de finalidade contém em si o conceito de uma causalidade inteligente, i. é de uma
destinação prévia
411
. Entretanto, é interessante notar que minha interpretação até este
momento não localizou na CFJ uma das condições necessárias para a existência de uma
antinomia - vale dizer, a indicação de que de fato há realmente dois principios metafísicos
contraditórios e exclusivos e, logo, que há um autêntico (e duplo) uso especulativo do
princípio da finalidade formal em questão. O motivo disto tem a ver com um dos objetivos
desta dissertação, que é demonstrar que o primeiro passo da "apresentação" da antinomia
("Vorstellung dieser Antinomie")
412
não é apresentar um conflito metafísico, mas sim apontar
a solução de um conflito que pode ser gerado pela filosofia especulativa. Com efeito, limitei-
me até aqui apenas a expor as consequências que podem ser depreendidas da ''apresentação"
do conflito a título de uma suposta "contradição entre máximas". Mostrei que a primeira
atitude de alguns dos intérpretes clássicos da "Dialética" foi admitir sem mais que máximas
da faculdade de julgar podem constituir uma espécie de antinomia. Essas tentativas, muito
embora equivocadas, são compreensíveis, admitindo-se que o objetivo desses intérpretes é
simplesmente identificar no texto o que Kant está nele apresentando como uma "antinomia".
Logo, a rigor, se é verdade que uma antinomia só pode ser produzida pelo confronto de
interpretações especulativas do princípio de uma determinada faculdade, não foi apresentado
nenhum conflito até a primeira parte da "Vorstellung". Ou seja, ao introduzir o quadro da
antinomia da faculdade de julgar teleológica com uma suposta contradição entre princípios
regulativos, Kant quis sobretudo acentuar o interesse lógico-sistemático envolvido no nosso
modo de conhecer - quando este tem relação com o conhecimento de seres que não podem ser
suficientemente explicados apenas com conceitos e princípios transcendentais. Portanto, nada
410
Cf. a discussão do parágrafo 80 em Ak, V: 417-8.
411
A este respeito, cf. ZUMBACH, C.. The Transcendental Science - Kant s Conception of Biological
Hague, Boston, Lancaster. Martinus Nijhoff, 1984, p. 12.
.
Methodology. The
412
Ak, V: 386-7
157
indica que Kant queira na referência da distinção entre as duas máximas introduzir um real
conflito antinômico. Daí o fato da suposta contradição entre tese e antítese poder ser
denominada por ele uma aparente
413
oposição. Ao introduzir a "antinomia", Kant está
apresentando em verdade a essência da solução de um possível conflito, indicando unicamente
que máximas do poder de julgar reflexivo podem ser compatíveis enquanto condições de
possibilidade do conhecimento - mas não como condições de possibilidade do conhecimento
objetivo, seja ele crítico ou dogmático. Compreendidos dessa maneira, os dois princípios são
perfeitamente unificáveis, pois entre máximas da filosofia teórica a incompatibilidade sob a
perspectiva puramente lógica é irrelevante
414
. Numa palavra, ainda que a relação entre seus
enunciados seja de fato contraditória do ponto de vista da lógica, eles permanecem
compatíveis na qualidade de princípios regulativos transcendentais, que são princípios
relacionados ao conhecimento do mundo
415
, mas com uma função meramente diretora.
Portanto, não é um exagero de Allison afirmar ironicamente que ao apresentar a oposição
entre máximas regulativas, Kant parece "(...) a um só tempo ter ignorado a antinomia que ele
de fato descreve, e ter negado a possibilidade da antinomia que ele se esforça por
apresentar".
416
Diante dessas afirmações, torna-se em especial claro por que não é possível admitir
que o princípio do mecanismo da CFJ pode ser de alguma maneira assimilado ao princípio
transcendental da causalidade da CRP. Segundo a minha interpretação, para dar sentido ao
texto kantiano da "Dialética" é preciso reconhecer que a forma das proposições envolvidas no
conflito não pode ser outra, senão aquela fornecida pelo princípio geral da faculdade de
julgar
417
. A questão central que subjaz a antinomia não é, portanto, se a tese representa o
413
Ak, V:389.
414
Esta afirmação será ainda melhor fundamentada em 4.4.1.
415
Dedicarei o subcapítulo final ao desenvolvimento deste argumento.
416
ALLISON, loc. cit, p. 30. "Kant thus appears at one stroke both to have ignored the antinomy that he does in
fact describe and to have denied the possibility of the antinomy that he endeavours to present".
417
Nesse ponto minha interpretação assemelha-se à de Allison. Cf. pp.32 e 36.
158
mesmo princípio provado na "Segunda Analogia", pois creio que Kant foi suficientemente
claro ao discriminar quatro acepções diferentes para o princípio da causalidade mecânica.
Com efeito, podemos entendê-lo, (1) enquanto um princípio crítico do entendimento e
constitutivo da experiência, tal como foi apresentado na "Segunda Analogia" - como foi
indicado acima, este conceito pode ser aplicado para produzir leis físicas particulares
("mecanismo material") ou para explicar processos estritamente psicológicos no interior da
filosofia prática ("mecanismo da natureza"); (2) como uma extensão deste princípio, vale
o.
dizer, como um princípio constitutivo-dogmático, tal qual aquele identificado por Kant no
capítulo sobre as antinomias da razão da CRP, especificamente na "Terceira Antinomia"
418
enquanto um princípio do determinismo universal; (3) como um princípio da faculdade de
julgar reflexiva, assimilável ao princípio do mecanismo; (4) e finalmente o princípio da
causalidade mecânica pode ser compreendido como uma extensão do princípio do mecanismo
(princípio do mecanismo universal), ou seja, como um princípio mecânico também
constitutivo e dogmátic
Esta última acepção para o conceito de mecanismo é fundamental no que tange à
minha interpretação da antinomia. Argumentei no sentido de mostrar que no quadro desse
"conflito" não pode haver uma oposição entre princípios meramente regulativos da faculdade
de julgar reflexiva. Sendo assim, o relevante na solução do problema é mostrar que, se há de
fato uma antinomia da faculdade de julgar, necessariamente tem de ser identificada uma
oposição entre principios modificados pela especulação. Ora, um desses princípios tem de ser
o princípio (4)
419
.
Considero justificada a tese kantiana de que o princípio da finalidade formal
deduzido na "Introdução" foi provado a título de um princípio regulativo-transcendental da
faculdade de julgar reflexiva em geral. Além disto, vimos que é um dado documental a
418
Ak, III: 308.
419
Retomarei o ponto no subcapítulo 4.5.
159
afirmação de que os princípios envolvidos na antinomia da faculdade de julgar teleológica são
introduzidas como máximas regulativas da faculdade de julgar reflexiva. Como espero ter
esclarecido, esses princípios representam o uso de uma mesma idéia para regular o
conhecimento humano acerca dos objetos da biologia.
Algumas das interpretações da antinomia obrigaram-me a deixar para o fim do meu
trabalho a parte referente, por assim dizer, ao verdadeiro conflito da faculdade de julgar
teleológica. Refiro-me ao fato de que alguns dos principais comentadores simplesmente
parecem ter aceitado sem mais que uma real antinomia da faculdade de julgar poderia ser de
fato gerada pelo par de máximas transcendentais e regulativas com o qual Kant introduz a sua
discussão. Assim, até aqui julgo apenas ter mostrado que o primeiro par de oposições
supostamente antinômicas consiste na verdade na apresentação da solução de uma potencial
ntinomia. Para concluirmos a defesa desta interpretação, resta ainda desenvolver um
contexto não podem se contradizer exclusivamente. Com
antiano de máxima para a solução da antinomia da
ulativos (transcendentais). O objetivo deste capítulo é
a
argumento para melhor fundamentar a afirmação que fiz várias vezes, segundo a qual
máximas regulativas no presente
este ponto devidamente fundamentado, não restará mais nada a fazer além de mostrar em 4.5
(inclusive com um recurso a digressões históricas) que a antinomia da faculdade de julgar tem
a sua raiz tão-somente naqueles mesmos pressupostos discriminados no item 4.1, relativos ao
contexto da formação das antinomias em geral.
4.4.1 A importância do conceito k
faculdade de julgar teleológica
A solução da antinomia da faculdade de julgar teleológica supõe a compreensão
clara de três conceitos fundamentais da filosofia crítica: o conceito de realismo
transcendental, o conceito de antinomia, a distinção princípios constitutivos (que podem ser
críticos ou dogmáticos) / princípios reg
160
tratar do conceito kantiano de máxima, que pode ter uso tanto no âmbito da filosofia teórica
como na esfera da filosofia prática .
Todos os principais comentaristas dessa antinomia dão a entender que a sua solução
envolve essencialmente dois momentos. O primeiro deles estaria presente já na sua
apresentação, onde Kant estaria evitando uma suposta contradição entre os princípios
envolvidos, apresentando ambos como máximas, considerando desse modo as duas posições
como exemplos de regras regulativas.
O segundo momento da solução consistiria numa referência a um teoricamente
possível fundamento noumenal da natureza. Em tese, mesmo fins naturais podem ser
pensados sem contradição como possíveis (ou explicáveis) a partir de princípios puramente
mecânicos de um ponto de vista noumenal. Nesse sentido, uma vez que as máximas mecânica
e teleológica representam somente o modo como refletimos sobre determinados fenômenos,
não pode ser afastada a hipótese de um ponto de vista diverso. Assim, mostrei em 4.1 que
pode-se pensar sem contradição num ser cujo conhecimento está sujeito a condições
ontológicas, ou que tem como característica um intelecto que assimila condições epistêmicas
a condições ontológicas - e, desta forma, que tem noumena como seus objetos. Kant de fato
contrasta metodologicamente na “Dialética”
420
o intelecto humano com aquele que denomina
“intelecto intuitivo”. É um artifício simplesmente crítico, através do qual são destacadas as
peculiaridades do entendimento finito (humano). De acordo com a CFJ, o conceito de
conhecimento discursivo, característico do nosso intelecto, tem como nota a contingência do
acordo entre universais e particulares, uma vez que estes estão fundados na sensibilidade,
enquanto aqueles no entendimento, o qual tem uma função absolutamente heterogênea. Não
surpreende, aliás, que Kant tenha introduzido em sua teoria o conceito de finalidade, que, do
ponto de vista formal, é necessariamente pensado pelo entendimento finito. Diferentemente
do intelecto intuitivo, o nosso conhecimento só tem acesso a particulares enquanto instâncias
161
de conceitos. Por este motivo, Kant afirma
421
que o intelecto finito parte no processo cognitivo
do “analítico-universal” para o particular. Diferentemente, o “intelecto intuitivo” caminha no
flexiva? Alguns comentaristas julgaram sem maiores
sentido “universal-sintético” (i. é da intuição de noumena como partes de um todo) para o
particular. É digno de nota que contingência e finalidade não são notas do conceito de
intelecto intuitivo, uma vez que este, por hipótese, só conhece coisas-em-si. Portanto, para um
intelecto assim não existiria qualquer utilidade para a distinção entre causalidade mecânica e
causalidade final, razão pela qual não é logicamente impossível pensar que numa perspectiva
noumenal organismos possam ser (totalmente) explicados mecanicamente .
Muito embora alguns dos intérpretes mais autorizados da antinomia da faculdade de
julgar teleológica vejam nesses dois passos elementos decisivos para a sua solução, parece-me
que somente o primeiro é de fato relevante. A distinção crítica entre entendimentos discursivo
e intuitivo é útil sobretudo para ratificar, por um lado, que o princípio da finalidade formal é
uma condição necessária para a atividade de conhecer de um intelecto finito, o qual tem de
produzir conceitos empíricos para fazer os juízos objetivos - em outras palavras, a distinção é
útil para mostrar que o conceito de finalidade tem de ser uma nota do conceito de intelecto
discursivo. Por outro lado, o reconhecimento de que a faculdade de julgar em seu uso
reflexivo tem um princípio próprio serve para garantir que duas interpretações dogmáticas
desse princípio podem gerar um conflito antinômico real. Mas, uma vez admitida a existência
de uma antinomia da faculdade de julgar, vejo que a querela em torno da sua solução deve se
ater a questões do tipo: é possível existir uma antinomia entre máximas, que são definidas
como regras regulativas? Ou: Kant está de fato apresentando uma antinomia no parágrafo 70?
As duas posições são efetivamente contraditórias e excludentes, sendo expressas por máximas
da faculdade de julgar re
questionamentos que há uma efetiva antinomia na suposta contradição entre princípios
420
Cf. Ak, V: 406-7-8.
421
Ibidem.
162
subjetivos introduzida por Kant na "Dialética". Nos parágrafos seguintes mostrarei alguns
pontos que devem ser levados em consideração nas respostas a essas perguntas.
uncionam, por assim dizer, impulsionando o
Surpreendentemente, a maioria deles permanece intocada nas interpretações fornecidas para a
solução da antinomia, e todos estão relacionados diretamente ao modo como Kant define o
seu conceito geral de máxima.
A definição do conceito de máxima é introduzida por Kant já na CRP e utilizada
amplamente sobretudo no contexto da sua filosofia prática. De qualquer modo, nos dois casos,
isto é tanto na esfera da filosofia teórica como no âmbito da filosofia moral, uma máxima
deve ser sempre definida como uma regra que tem validade subjetiva.
O primeiro significado do conceito remete à filosofia teórica, mais especificamente
ao papel que as idéias do incondicionado (excluídas de qualquer uso dogmático) representam
na ampliação da experiência. Ora, neste caso o uso dos conceitos da razão se expressa
precisamente em principios subjetivos que f
conhecimento. Desta forma, no conhecimento empírico o cientista é sempre guiado por tais
principios ao buscar um objeto hipotético que ele sabe que não alcançará - ou seja, o
incondicionado. Como já visto, não há qualquer erro nisto porque o cientista sabe que suas
máximas não designam um objeto, mas sim a tarefa de procurá-lo, ou seja, uma mera regra de
como proceder. Por isto, um princípio da ampliação maior possível da experiência é
meramente subjetivo no sentido de que ele legisla apenas para o sujeito - e não para a
totalidade dos objetos, ou seja, para natureza.
Além disso, mostrei que na CRP a razão desempenhava uma função mais sutil que
seria posteriormente atribuída à faculdade de julgar em seu uso reflexivo na terceira Crítica.
Segundo a minha interpretação, que envolve indiretamente o problema da antinomia da
faculdade de julgar teleológica, as máximas da razão tinham no "Apêndice" um papel
decisivo não apenas na busca da ampliação do conhecimento, mas também na função de
163
sistematização do conhecimento. Nesse sentido, os princípios da afinidade, da generalização e
da especificação representavam máximas que eram, como o princípio da finalidade formal,
o análogas, porém diferentes sob certos aspectos. Nesse sentido, as
Na FMC
423
Kant define o conceito de vontade humana como a capacidade que
condições de possibilidade do conhecimento. Visto que regras constitutivas são regras para
atos ou atividades que não podem ser definidas independentemente da enunciação dessas
regras, e regras regulativas são regras para atos ou atividades que podem ser definidas sem a
menção das regras, podemos caracterizar sem problemas as máximas da filosofia teórica
(entre elas as máximas que constituem a antinomia da faculdade de julgar teleológica) como
espécies de regras regulativas - uma vez que neste âmbito esses princípios não erguem
qualquer pretensão relativamente à constituição da objetualidade dos objetos da natureza.
Na esfera prática a definição de máxima ainda envolve a caracterização de uma
regra com validade subjetiva. Entretanto, máximas têm na filosofia moral um significado mais
complexo, relacionado a um outro uso da expressão que pode ser um tanto equívoco. É
possível afirmar então que as definições do conceito de máxima na filosofia teórica e na
filosofia prática sã
definições num e noutro campo realmente se aproximam na medida em que expressam regras
subjetivas. Contudo elas se distanciam no que tange ao caráter constitutivo que certas
máximas podem desempenhar na esfera ética. Com o objetivo de explicitar um segundo
sentido para o predicado subjetivo quando este é compreendido como uma nota do conceito
kantiano de máxima, farei no parágrafo seguinte um excurso à teoria apresentada na
Fundamentação da Metafísica dos Costumes
422
, que é mantida sob muitos aspectos na Crítica
da Razão Prática.
temos de agir com base em regras da razão as quais formulamos como imperativos. Esse
conceito de vontade (ou querer (Wollen)), na medida em que implica a formulação de
422
Ak, IV: 385.
423
Idem, primeira seção. Referir-me-ei à Fundamentação com a sigla FMC.
164
proposições que orientam o agir através da prescrição daquilo que nos é representado com
sendo bom, envolve também a adoção de justificativas. Por isso, o exercício dessa capacidade
requer não apenas o poder de representar proposicionalmente - isto é julgar - o que nos parece
bom fazer, mas requer tambem a adoção das proposições que representam o que queremos
fazer.
Na medida em que são escolhidas e adotadas, tais proposições são denominadas por
Kant leis do querer, ou simplesmente máximas (Maximen). Proposições práticas que
representam máximas trazem sempre a representação de motivos que caracterizam as razões
para agir escolhidas pelo agente racional finito, sejam elas meramente prudenciais, sejam elas
morais. Portanto, a definição kantiana do conceito de motivo (Triebfeder ou
Bewegungsgrund)
424
relaciona-o diretamente ao conceito de subjetividade. Quero dizer que
motivos só podem ser caracterizados como estímulos para a adoção de regras que dizem o que
o afirmar rigorosamente que um determinado agente tem razões para a realização
s condições do sujeito - e é, portanto, em última análise,
princípio segundo o qual o sujeito age. É essencial notar que a expressão subjetivo, quando
quer fazer um agente racional imperfeito particular na medida em que são (1) compreendidos
(representados proposicionalmente) e (2) incorporados numa máxima. Somente desta maneira
tem sentid
de uma escolha. Por isso é correto afirmar que uma máxima é um princípio prático subjetivo,
isto é que determina o agir segundo a
o
aplicado ao conceito prático de máxima, pode assumir dois significados precisos:
[a] Pode fazer referência à representação de motivos contingentes, isto é aos motivos
incorporados em máximas condicionais. Pode se referir, portanto, a meras representações
sensíveis.
[b] Pode se referir ao reconhecimento da lei moral na medida em que está incorporado como
motivo de um agir numa máxima
425
.
424
Ak, IV: 427.
425
Tal distinção equivale à classificação de Bittner citada nos itens 4.2 e 4.3 deste trabalho. Cf. BITTNER, loc.
165
Como se sabe, Kant utiliza a expressão lei moral para designar princípios práticos
objetivos, que consistem em regras práticas universalmente válidas. Com efeito, a fórmula,
por assim dizer, de todas as proposições práticas objetivas não pode prescrever classes de
objetos para o agir racional; ela se expressa num princípio formal, a priori, portanto
independente de qualquer sentimento ligado ao prazer. Relativamente a um ser racional finito,
dotado de uma sensibilidade, como o homem, princípios práticos objetivos são representados
a título de obrigações incondicionais. A fórmula objetiva de determinação da vontade
humana, que confere a forma desses tipos de obrigações é denominada por Kant imperativo
categórico. Conversamente, princípios práticos que representam ações boas, mas unicamente
enquanto meios para o alcance de fins estritamente particulares (empíricos), nos aparecem
como imperativos hipotéticos (ou condicionados). Assim, máximas, isto é princípios práticos
subjetivos podem sem contradição ou bem representar imperativos hipotéticos, ou bem
icado subjetivo caracteriza o fato de que a adoção de
imperativos morais. No primeiro caso, descrito em [a], o predicado subjetivo refere-se então
às representações sensíveis que motivam máximas condicionais. No caso [b] o mesmo
predicado refere-se aos motivos morais quando adotados pelo agente numa máxima
incondicional. Ora, nos dois casos o pred
uma máxima depende sempre do sujeito, ou do agente racional finito. No caso [a], contudo, o
conceito é mais amplo e é tambem sinonímico ao conceito de um predicado empírico - já que
deve indicar que uma máxima condicionada foi escolhida por um determinado sujeito.
Diante do que foi dito acima, pode-se compreender por que máximas são sempre
subjetivas, sejam elas máximas da filosofia teórica, sejam elas máximas utilizadas dentro do
quadro categorial da filosofia prática. Entretanto, ainda não está claro o que distancia os
conceitos de máxima nas duas esferas.
Entendo que os conceitos teórico e prático se afastam no que tange ao fato de que
cit..
166
enquanto máximas desempenham sempre a função de regras subjetivas, porém sempre
regulativas e transcendentais na filosofia teórica, na filosofia prática elas podem ter em certo
sentido a função de regras constitutivas. Obviamente, no âmbito prático são as ações,
entendidas como objetos da vontade, que são tornadas possíveis por um conceito, ou seja, a
idéia de moralidade. Na medida em que juízos que dizem o que devemos fazer não podem ser
pensados como determinados causalmente, eles têm sempre de ser feitos (como aliás qualquer
juízo) e supõem para tanto a espontaneidade do nosso poder de realizar escolhas. Ora, o
conceito de razão prática se refere ao poder do agente de determinar o seu querer através de
princípios práticos. Este poder, é claro, se expressa em juízos práticos a título de máximas. É
claro que, se a razão prática (ou vontade) é capaz de estabelecer princípios práticos puros (ou
puderem representar de fato posições contraditórias e excludentes. Por outro lado, se tais
objetivos), podemos nos referir a tal faculdade com a denominação razão prática pura. Neste
caso, a razão prática deve ser capaz de conter a regra para a constituição de juízos práticos
incondicionais para a determinação da vontade
426
. Pode-se afirmar então que juízos práticos
objetivos adotados como máximas expressam objetos da vontade constituídos pela razão
prática pura. Evidentemente, compreender máximas da filosofia prática como regras
constitutivas exclui qualquer uso da razão prática para a constituição crítica ou dogmática de
conhecimentos, vale dizer, qualquer uso da vontade como faculdade cognitiva.
Esses esclarecimentos, ainda que sumários, acerca do conceito kantiano de máxima
sempre foram contudo negligenciados pelos intérpretes da antinomia da faculdade de julgar
teleológica. Mas eles são absolutamente necessários para sabermos (1) se de fato existe uma
antinomia da faculdade de julgar e, aceito isto, para sabermos (2) se o primeiro passo da
solução da antinomia (atribuído a Kant por alguns de seus intérpretes) de fato contribui para
resolver o conflito. Pois, por um lado, só pode haver uma antinomia da faculdade de julgar se
as posições da pretensa antinomia, representadas por máximas regulativas e transcendentais
426
Ak, V: 16. Referir-me-ei a este livro com a sigla CRPr.
167
máximas representam na verdade a solução de um outro conflito antinômico
427
, na medida em
da aplicação do princípio da contradição para
o expressiva desse tipo de frases consiste sobretudo num apresentar,
que compatibilizariam assim tese e antítese do conflito, isso tem de ser demonstrado.
Portanto, tanto o tipo de argumentação que visa justificar a existência de uma antinomia
entre princípios regulativos da faculdade de julgar
428
, como a argumentação que visa
resolver uma outra antinomia através da transformação das suas proposições dogmáticas em
máximas regulativas, tem de explicar antes como (ou se) máximas podem (ou não) se
contradizer.
Em em seu livro
429
, Butts afirma que princípios regulativos não podem se
contradizer porque eles não têm uma forma proposicional. Se compreendi bem as afirmações
feitas por ele, o seu argumento baseia-se em certas objeções
430
à aplicação de categorias
lógicas a proposições práticas (por exemplo, a caracterização kantiana dos imperativos
morais como proposições sintéticas a priori, ou a designação de imperativos hipotéticos como
juízos analíticos) e, em particular, à utilidade
explicar a possibilidade de oposições exclusivas entre máximas de um modo geral. No que
segue farei uma longa digressão com o objetivo de defender que, num certo sentido, que é a
meu ver o aplicado à solução da antinomia da faculdade de julgar teleológica, máximas
regulativas de fato não podem se contradizer. Mostrarei, portanto, que a afirmação de Butts
sobre princípios regulativos é realmente válida com base em certas condições, as quais,
entretanto, ele não tematiza em seu trabalho.
Como se sabe, antes da FMC expressões como categórico, hipotético, analítico e
sintético eram aplicadas apenas, para usar uma expressão aristotélica, a frases apofânticas,
que linguisticamente equivalem a frases enunciativas ou assertóricas (em alemão,
Aussagesaetze). A funçã
427
bcapítulo final deste trabalho. Essa é a minha posição, que só ficará absolutamente clara no su
428
Cf. a interpretação de Hegel e McLaughlin no subcapítulo 4.3.
429
BUTTS, R.. Kant´s Double Government Methodology. Boston, 1984, pp. 272-3.
430
Cf., por exemplo, PATZIG, G. “Die Logischen Formen praktischer Saetze in Kants Ethik”. In: PRAUSS, G.
168
isto é em dizer que algo é ou não o caso de um conceito. Com relação a elas, com efeito,
pode-se perguntar significativamente se a mesmas são verdadeiras ou falsas e, nesse sentido,
frases assertóricas devem ser distinguidas, por exemplo, de imperativos, uma vez que
asserções erguem sempre uma pretensão de verdade. Por isso podemos perguntar se um juízo
deste tipo é verdadeiro ou falso, o que quer dizer indagar se a pretensão de verdade erguida
está ou não justificada.
Creio que a crítica à aplicação de certos termos lógicos a proposições práticas tem
onhecimento da verdade (ou não) de uma
em parte algum sentido, já que esse procedimento de fato pode apresentar uma certa
equivocidade, o que requer, portanto, algumas justificativas. Entretanto, a restrição da
validade do princípio da contradição apenas para explicitar oposições entre juízos que têm a
propriedade de ser verdadeiros ou falsos, isto é que têm valor de verdade, parece-me
equivocada. Vejamos primeiramente o caso da aplicação de predicados lógicos a juízos
práticos.
Relativamente a seres imperfeitamente racionais, como é caso do homem,
proposições práticas são representadas a título de mandamentos (Gebote), que nos são
representados como imperativos. Muito embora em sentido lato seja possível falarmos de
juízos práticos, é preciso distinguir rigorosamente o conceito estrito de juízo do conceito de
imperativo. Com efeito, este jamais pode ser propriamente verdadeiro ou falso. Mas do termo
juízo faz-se um uso muitas vezes ambíguo, que por vezes diz respeito a um sentido
meramente psicológico - quando significa apenas o julgar como um ato psíquico. Outras
vezes o termo remete entretanto ao julgado, quando se refere aproximadamente à proposição
(Satz), dizendo respeito neste sentido à fundamentação de juzos cognitivos. Por conseguinte,
juízos teóricos (objetivos), cujas formas foram apresentados na famosa tábua dos juízos da
CRP, podem representar para o sujeito o rec
proposição (ou enunciado). Nesse sentido, juízos (Urteile) podem ou bem representar
(ed.). Kant - Zur Deutung seiner Theorie von Erkennen und Handeln. Koeln: Kiepenheuer und Witsch, 1973.
169
proposições (Saetze) com mera possibilidade lógica, que carecem ainda de fundamentação
(nicht begruendet) - seria o denominado por Kant nicht behauptete Urteile ou problematische
Urteile - , ou bem proposições com possibilidade lógica e real (validade objetiva), que
representam para Kant behauptete Urteile ou assertorische Urteile, isto é juízos, ou
proposições, já fundamentados (begruendet)
431
.
O termo lógico categórico foi utilizado originalmente para se referir a frases
apofânticas, ou seja, a frases construídas com a estrutura sujeito/predicado, portanto a juízos
que erguem uma pretensão de verdade. O termo lógico hipotético, também utilizado por Kant
na filosofia prática para se referir a certos imperativos, é aplicado originalmente a
hypotetische Urteile
432
, isto é a juízos que representam a relação premissa/consequência
(Grund/Folge) existente entre dois (ou mais) juízos objetivos. Neste caso, duas proposições p
e q são ligadas logicamente através das expressões se-então de modo que uma terceira
proposição resulta como consequência da relação. Antecipando a lógica moderna, a Lógica de
Jaesche
433
esclarece que é preciso distinguir o valor de verdade de cada uma das duas
proposições envolvidas numa relação lógica desse tipo, do valor de verdade da proposição
composta resultante (se p, então q (wenn p, so q)). Este esclarecimento está contido -
certamente de uma maneira pouco clara - na afirmação de que um juízo hipotético wenn p, so
q expressa uma conclusão que contém uma "(…) problematisch ausgedrueckte Bedingung"
434
.
Isso quer dizer que a proposição q é afirmada sob a condição p. Portanto, nesse caso o
conceito de implicação lógica pode ser reduzido ao conceito de verdade necessária apenas se
as duas proposições envolvidas na relação forem de fato verdadeiras - ou, seguindo a
afirmação de Kant na Lógica, apenas se o juízo problemático p puder ser fundamentado, isto é
se ele for verdadeiro. A verdade necessária do enunciado complexo resultante depende assim
431
Cf. PATZIG, G., loc. cit, p.1, nota 1.
432
Ak, III: 88.
433
Ak, IX: 105-6 (parágrafo 25, observação 2).
434
Ibid.
170
da relação entre os valores de verdade das proposições envolvidas no juízo hipotético
considerado.
Ora, a primeira questão central era: em qual sentido Kant pode aplicar os termos
lógicos categórico e hipotético a imperativos, que não são juízos cognitivos? No que tange
especificamente a estes termos, a chave da resposta a esta questão pode ser depreendida da
expressão problematisch ausgedrueckte Bedingung, mais propriamente no uso da expressão
Bedingung (condição). Como já visto, imperativos hipotéticos são proposições práticas
condicionais, cuja forma pode ser expressa atraves da fórmula se queres x, então faça y. Essa
função proposicional á claramente análoga à dos juízos hipotéticos (se p, então q), muito
embora represente uma relação distinta. Um imperativo hipotético não é um tipo de juízo
hipotético-teórico que estabelece a ligação entre uma premissa e uma consequência (ou
conclusão), as quais representariam respectivamente um interesse (ou fim particular) e o
mandamento adequado que diz o que fazer em vista da realização deste interesse. Por isso
pode-se afirmar que enquanto o juízo hipotético representa, como diz Patzig, um bedingtes
Behaupten
435
, o imperativo hipotético é apenas uma proposição prática condicional ou uma
também na FMC que
bedingte Forderung
436
. Conversamente, a formulação do imperativo categórico é válida para
todo ser racional irrestritamente; sua obrigatoriedade não está ligada a qualquer desejo
pressuposto e por isso tem validade universal e incondicional. Portanto, o uso das duas
categorias lógicas em questão para se referir a imperativos é estritamente analógico e não
visa, portanto, atribuir a proposições práticas certas propriedades que caracterizam os juízos
cognitivos ou objetivos.
Esta constatação é igualmente válida para a aplicação de outros termos lógicos à
filosofia prática kantiana. Com efeito, por um lado, Kant afirma
., p.209.
436
435
PATZIG,
Ibid..
loc. cit
171
proposições práticas incondicionais valem com “principios práticos apodídicos
437
e que estes
são proposições práticas sintéticas e a priori
438
. Por outro lado, afirma que imperativos
hipotéticos são proposições práticas analíticas que podem ser subdivididas em assertóricas e
problemáticas
439
. Diante das definições já aduzidas anteriormente para os diferentes conceitos
de imperativos na filosofia de Kant, torna-se relativamente fácil compreender qual o
significado desses termos, também originalmente lógicos, na FMC.
Sabe-se, portanto, que a forma do imperativo categórico é um produto da razão
prática pura e isso significa dizer que este tipo de imperativo é uma proposição prática que
não deriva analiticamente o seu mandamento de qualquer querer pressuposto. Como produto
da razão prática pura ele representa então uma proposição prática sintética e a priori.
Consequentemente, a sua compreensão não envolve a representação de interesses particulares
pressupostos como motivos do agir, independendo completamente da experiência - ou da
representação de motivos sensíveis. Ora, o conceito de aprioridade em Kant é definido como
um conceito rigoroso de universalidade, isto é que envolve não apenas validade universal,
mas também necessidade. Por isto é compreensível o uso da expressão apodídico para se
referir ao imperativo categórico. O termo é usualmente empregado para se referir à
necessidade lógica envolvida em juízos analíticos, que são juízos cuja “(..) verdade tem de
poder ser sempre conhecida suficientemente de acordo com o princípio da contradição”
440
.
Um enunciado é, portanto, analiticamente verdadeiro se sua negação implica uma
contradição. Logo, todo enunciado analítico tem de ser a priori verdadeiro. Assim, o uso do
termo apodídico para se referir ao imperativo categórico é impróprio de um ponto de vista
meramente lógico, mas compreensível, admitindo-se que o objetivo de Kant é apenas
enfatizar a aprioridade envolvida no seu conceito.
437
Ak, IV: 415.
438
Ibid..
439
Ak, IV: 415.
440
Ak, IV: 106-7.
172
Com relação a imperativos hipotéticos, poder-se-ia argumentar que eles são
analíticos, como afirma Kant, no sentido de que da mesma maneira que em juízos analíticos o
conceito-predicado está contido (ou implicado logicamente) no conceito-sujeito, o desejo de
realizar um fim deve incluir também o desejo de requerer o meio necessário para a realização
daquele fim. Para um razoável conhecedor da filosofia prática kantiana é fácil, contudo,
perceber que mais essa analogia com a filosofia teórica não pode ser rigorosamente simétrica.
O problema para tanto consiste no conceito de querer racional, que nesse caso tem de ser a
única ligação possível para as representações sensíveis contidas num imperativo hipotético.
Com efeito, quem age racionalmente deve também, ao querer um fim A, querer o
mandamento B necessário para a efetivação do fim almejado. Isto quer dizer que podemos
imaginar, por exemplo, uma situação na qual um determinado agente simplesmente manifesta
desejos sem querer, entretanto, buscar as condições necessárias para a realização dos seus
interesses particulares. É necessário então distinguir no interior da filosofia prática os
conceitos de querer (Wollen) e desejar (wuenschen). O exercício da vontade (ou querer),
supõe sempre uma decisão de agir em conformidade com regras práticas. Já o conceito
kantiano de desejo está diretamente relacionado à natureza sensível do homem. O modelo de
agir racional que Kant tem em mente é essencial para entender tal distinção. Esse modelo
consiste, como já visto, na tese de que uma representação - seja ela sensível ou não - só pode
se constituir numa razão, entendida como um motivo para o agir, se incorporado como
conteúdo numa lei do querer, i. e. numa máxima. Portanto, ao contrário dos seres irracionais,
necessário enquanto condição para a efetivação de um determinado fim particular. Logo, o
não podemos ser dirigidos, por assim dizer, diretamente pelo sentimento de prazer associado
às representações de objetos desejados. É possível afirmar então que o querer de um fim, i. e.
a decisão de adotar uma proposição prática que representa para a vontade um objetivo como
motivação para a realização de uma ação, deve incluir em seu significado o querer do meio
173
termo analítico não tem aqui um significado correspondente ao do seu análogo puramente
lógico.
E também a distinção entre imperativos hipotéticos assertóricos e problemáticos
não tem uma relação absolutamente direta com a distinção entre juízos cognitivos assertóricos
e problemáticos. A expressão assertórico, quando aplicada a imperativos, classifica certas
proposições práticas condicionadas cujas representações de fins estão ligadas à natureza
sensível do homem, mais precisamente à necessidade natural de busca da felicidade
441
- por
exemplo a busca da manutenção de uma boa saúde. Kant denomina esses mandamentos
“conselhos da prudência” (Ratschlaege der Klugheit). Ao contrário, o termo problemático
refere-se a proposições práticas condicionadas cujos fins, muito embora sejam representações
sensíveis, não podem ser considerados motivos sensíveis imprescindíveis - por exemplo, a
escolha do melhor meio para realizar o conserto de uma máquina. Este tipo de mandamentos
são denominados regras da destreza (Regeln der Geschicklichkeit). Assim, nos dois casos os
termos lógicos transpostos para o campo prático se referem tão-somente ao tipo da exigência
contida no mandamento y presente na forma “se queres x, faca y”. No primeiro caso, o termo
assertórico refere-se à necessidade envolvida no imperativo, mas apenas na medida em que
um determinado agente considera um certo fim relevante para a sua felicidade. No segundo
caso, o termo problemático se refere ao modo de proceder técnico mais adequado para a
realização de fins particulares diversos e que não estão necessariamente relacionados à
permanente busca humana pelo bem-estar.
Ora, os parágrafos acima mostram que na esfera da ética kantiana o uso de termos
lógicos é puramente analógico, já que tais conceitos assumem um significado distinto quando
aplicados a proposições práticas. No que tange à objeção de Butts feita à aplicação de
categorias lógicas a proposições práticas, podemos dizer que ela suscita uma observação que
441
Cf. Ak, V:45: “Gluecklich zu sein, ist notwendig das Verlangen jades vernuenftigen, aber end lichen Wesens
und also ein unvermeidlicher Bestimmungsgrund seines Begehrungsvermoegens”.
174
ajuda a solucionar alguns problemas interpretativos sobre a antinomia da faculdade de julgar
teleológica. Pois ele afirma, em particular, que princípios regulativos (em geral) não podem se
contradizer porque eles não têm uma forma proposicional. Nos capítulos anteriores foi visto
que alguns dos principais estudiosos dessa antinomia a interpretam segundo a forma de uma
ssível
contradição excludente entre máximas teóricas e regulativas da faculdade de julgar.
Entretanto, se a afirmação de Butts está correta, as interpretações desses comentaristas não
podem ter sentido, já que eles defendem uma espécie de oposição entre regras regulativas na
CFJ. O que dizer então sobre a possibilidade de aplicação do princípio lógico da contradição
a máximas das filosofias prática e teórica? Máximas em geral podem ou não se contradizer da
mesma maneira que proposições?
O essencial do argumento que subjaz à afirmação de Butts parece ser que o
principio da contradição - por exemplo: é impossível que p e não-p sejam verdadeiros ao
mesmo tempo e no mesmo respeito - é uma relação lógica que só pode subsistir entre
proposições dotadas de um valor de verdade. Se esta afirmação é correta, visto que
proposições práticas, diferentemente de juízos cognitivos, não têm um valor de verdade, não
se pode falar em tese em máximas contraditórias na filosofia moral. Entendo no entanto que
essa objeção pode ser rechaçada de duas maneiras que anulam a afirmação de Butts tanto no
que tange a máximas práticas como no que concerne a máximas teóricas. Pois é po
perfeitamente [i] reformular o princípio da contradição de modo a estendê-lo a toda
proposição que tenha condições de validade ou aceitabilidade; e [ii] mostrar que máximas em
geral (inclusive proposições práticas, portanto) pressupõem proposições teóricas ou cognitivas
- de tal modo que se pode dizer que duas proposições práticas se contradizem mutuamente se
alguma de suas pressuposições teóricas se contradizem (p. ex.: o imperativo "abre a porta"
pressupõe: "a porta está fechada", "você pode (consegue, tem força para abrir a porta)).
No caso das máximas teóricas em questão, ou seja, as regras regulativas que em
175
princípio podem gerar a suposta antinomia da faculdade de julgar, é digno de nota que o
ponto [ii] é decisivo para a garantia da possibilidade da conflito. Segundo esse tópico, é
preciso reconhecer que não apenas proposições práticas têm de pressupor proposições
cognitivas não-contraditórias para terem sua validade garantida, mas também máximas que
são condições de possibilidade do conhecimento a título de máximas regulativas da faculdade
de julgar. Ora, se isso é verdadeiro, a possibilidade daquela contradição antinômica também
tem de pressupor a satisfação de certas exigências teóricas. Assim, com respeito aos
princípios do mecanismo e teleológico é fácil ver nesse ponto do presente trabalho que a
pressuposição teórica que tem de ser satisfeita para permitir a compatibilização dos mesmos é
precisamente a validade objetiva das categorias do entendimento, em particular a validade do
princípio da causalidade natural. Diante disso, é claro que as duas máximas da faculdade de
eduzido na "Introdução" da CFJ
omo uma expressão da necessidade subjetiva que tem um intelecto finito no ato de
, é forçoso reconhecer
julgar podem ser compatíveis, pois elas consistem em aplicações complementares do
princípio da finalidade formal. Visto que este princípio foi d
c
conhecimento de uma determinada classe já constituída de substâncias
que uma efetiva antinomia da faculdade de julgar só poderia ter lugar se aqueles princípios
subjetivos modificassem suas respectivas formas.
No próximo capítulo tento mostrar que, segundo Kant, é exatamente isto que produz
uma autêntica antinomia da faculdade de julgar teleológica.
4.5 Mecanismo e teleologia no contexto da especulação dogmática
De maneira geral, a literatura sobre a filosofia de Kant admite como certo que há
uma propensão natural da razão a gerar antinomias que se evidencia no senso comum e, em
particular, em cada uma das posições metafísicas manifestadas nas antinomias da razão.
Assim, na medida em que nestes dois casos os fenômenos do mundo dos sentidos são vistos
176
como coisas em si, as ilusões geradas pelos conflitos antinômicos é tida como natural, ou
inevitável. A única forma de denunciá-las e dissipá-las é submetê-las a uma crítica
transcendental. De fato, a confusão entre os níveis epistêmico, metodológico ou ontológico é
to é digno de nota, que Kant neste caso sequer se questiona quanto à legitimidade
natural no sentido de que sem a instrução da filosofia transcendental ela sempre existirá, já
que as distinções do idealismo transcendental em absoluto são óbvias. De qualquer forma,
muito embora concorde com a existência de, por assim dizer, um pendor natural para a
especulação, creio contudo que a ênfase na investigação sobre a geração de antinomias tem de
ser posta na interpretação dogmática de leis e princípios transcendentais, e não em supostas
propensões da razão ou de qualquer outra faculdade mental.
O melhor exemplo para justificar essa afirmação está contida na exposição kantiana
sobre a origem dos princípios dogmáticos do mecanismo universal e da teleologia universal,
que é essencialmente baseada na conversão do princípio da faculdade de julgar reflexiva em
dois princípios dogmáticos, que tem lugar quando se supõe (equivocadamente) que a
finalidade da natureza relativamente à nossa capacidade intelectual pode ser em si mesma
determinada objetivamente. De acordo com essas idéias, Kant sugere que a contradição é
autenticamente introduzida entre tese e antítese quando o status epistêmico das máximas
acerca das condições sob as quais as coisas podem ser avaliadas como possíveis é convertido
num pressuposto ontológico sobre as condições sob as quais elas são possíveis. Mostrarei a
seguir, e is
de uma antinomia gerada pelo uso especulativo de princípios da faculdade de julgar. Ratifico
com essa constatação que parece ser em essência irrelevante para ele se há faculdades
propensas (ou não) naturalmente, por assim dizer, a gerar conflitos antinômicos. O que deve
realmente ser levado em consideração seria então, como disse, fundamentalmente o emprego
dogmático da regra em questão, independentemente da faculdade da mente da qual ela seja
correlata.
177
Sendo assim, uma antinomia em geral pode ter origem se duas interpretações
dogmáticas e contraditórias do princípio de um mesmo poder intelectual têm lugar. Nos
subcapítulos anteriores foi visto que a faculdade de julgar reflexiva de fato disponibiliza duas
máximas logicamente contraditórias, entretanto compatíveis qua princípios transcendentais
regulativos. A oposição geradora da antinomia não é representada, portanto, como pode
realmente parecer, por este primeiro par, mas sim pelo segundo que é logo em seguida
construído. Por conseg
pode ter lugar quando
"transformados" pelo
dogmáticos). Assim, re
classificadas como pri
Kant afirma que:
e transformássemos estes princípios regulativos para a investigação da natureza
em princípios constitutivos da possibilidade dos próprios objetos, então seriam os
mecânicas.
i
razão não pode demonstrar nem um nem outro desses princípios, pois que não
CRP como sendo conflitos da razão
443
. Este
uinte, Kant afirma textualmente que uma real contradição exaustiva só
meros princípios subjetivos da faculdade de julgar reflexiva são
filósofo especulativo em princípios objetivos (constitutivos e
ferindo-se às máximas mecanicista e teleológica que foram a princípio
ncípios transcendentais regulativos da faculdade de julgar reflexiva,
S
seguintes:
Tese: toda produção de coisas materiais é possível segundo leis simplesmente
Antítese: alguma produção dessas mesmas coisas não é possível segundo leis
simplesmente mecânicas.
Nesta última qualidade, enquanto princípios objetivos para a faculdade de juízo
determinante, eles entrariam em contradição entre si e por conseguinte uma das duas
máximas seria necessariamente falsa, mas então tal seria na verdade uma ant nomia,
não da faculdade do juízo, mas sim um conflito na legislação da razão. Porém a
podemos possuir a priori nenhum princípio determinante da possibilidade das coisas
segundo simples leis empíricas da natureza
442
(Grifos meus)
Nesta passagem é dito explicitamente que se aqueles princípios regulativos da
faculdade de julgar fossem transformados em "princípios constitutivos da possibilidade dos
próprios objetos" seria efetivamente gerada uma antinomia e, por sinal, uma antinomia do
mesmo tipo daquelas que foram discriminadas na
442
Ak, V: 386-7.
443
Marc-Wogau (Cf. loc. cit., p. 225, n.11) afirma que um conflito entre princípios constitutivos seria uma
antinomia da razão. Muito embora concorde com ele, afirmei acima que esse fato pouco ajuda no que tange à
explicação daquilo que determina a existência de uma antinomia.
178
é um diagnóstico absolutamente correto, pois a atitude do filósofo especulativo consiste na
recusa em admitir que o conhecimento humano está submetido a determinadas condições
universais necessárias que não caracterizam outra coisa senão a estrutura do sujeito
cognoscente. E de fato é precisamente essa recusa que caracteriza a pretensa geração de um
princípio para a constituição "dos próprios objetos" (der Objekte selbst) - e não apenas para a
constituição do nosso modo de acesso as coisas.
Como foi visto, a doutrina do realismo transcendental se expressa de dois modos
distintos e interligados
444
. Pode-se simplesmente recusar a existência das condições
necessárias para o conhecimento humano defendidas na CRP, ou pode-se aceitá-las, mas
rejeitando-se, porém, a tese kantiana de que a mesmas estejam de algum modo ligadas à nossa
estrutura subjetiva. A expressão "princípios constitutivos da possibilidade dos próprios
objetos" usada acima na passagem citada diz respeito, portanto, à perspectiva realista quando
esta assimila condições epistêmicas a condições ontológicas do conhecimento objetivo. Na
filosofia crítica as condições a priori do conhecimento humano são condições epistêmicas que
contêm em si os conceitos de função constitutiva e de subjetividade. Numa palavra, os
conceitos e princípios puros do entendimento são formas a priori intelectuais que, por um
lado, constituem a objetualidade dos objetos da experiência, mas que, por outro, expressam
unicamente a subjetividade transcendental, ou seja, o nosso modo de conhecer. A versão
realista que rejeita a tese de que aquelas condições refletem apenas a subjetividade
transcendental o fazem precisamente assimilando-as a condições ontológicas, i. é como se
elas pudessem ser assimiladas a condições não do modo de ser, mas da própria existência dos
objetos do conhecimento. Com isso, as duas proposições geradas pela especulação a partir do
princípio da faculdade de julgar erguem a pretensão de poder expressar modelos teocêntricos
de conhecimento, numa palavra, a pretensão de conhecer os objetos do conhecimento tal
como um intelecto divino os conheceria, i.e. em si mesmos.
179
Visto que o uso constitutivo das condições de possibilidade do conhecimento com
respeito a objetos pode ser subdividido em uso constitutivo-crítico (ligado ao reconhecimento
de que as condições necessárias do conhecimento previstas na primeira Crítica não passam de
meras condicões epistêmicas) e em uso constitutivo-dogmático (efetivado quando o que não
passa de condiçoes epistêmicas é assimilado a condições ontológicas), é preciso reconhecer
que a "transformação" dos princípios da faculdade de julgar reflexiva em princípios
constitutivos exprime o mesmo tipo de uso especulativo (ampliado) para as categorias que
caracteriza as doutrinas da filosofia dogmática. No presente caso, os princípios constitutivos
dogmáticos produzidos representam o uso ilícito de uma idéia da razão, i. é da idéia de
destinação prévia, expressa pelo princípio formal da finalidade - que havia sido provado como
uma condição transcen
Com efeito, as duas n
conflito ao nível ontoló
ue tinham uma função puramente metodológica
445
. Por sinal, Kant já havia sublinhado essa
constitutivos, então eles podem entrar em conflito entre si, enquanto princípios
interesse
446
.
dental com um uso meramente regulativo na "Introdução" da CFJ.
ovas proposições obtidas no modelo construído por Kant geram um
gico que não acontece entre as duas máximas regulativas originárias,
q
distinção na teoria do "Apêndice", onde as máximas aduzidas para a sistematização empírica
do conhecimento ainda eram atribuídas à razão - e não à faculdade de julgar.
Quando se consideram os princípios simplesmente reguladores como princípios
objetivos; mas, considerando-os apenas como máximas, não há verdadeiro conflito,
há apenas um interesse diferente da razão que dá origem à diferença do modo de
pensar. De fato, a razão só tem um único interesse e o conflito das suas máximas é
apenas uma diferença e limitação recíproca dos métodos para satisfazer este
Naturalmente, no contexto de uma real antinomia cada uma das novas posições tem
de representar uma interpretação especulativa da máxima da faculdade de julgar reflexiva que
a nega ou a afirma absolutamente. Para tanto, é claro, deve-se pressupor em ambos os casos o
conhecimento de coisas-em-si, i. é dos próprios objetos. Assim, a proposição da tese (''Satz:
alho.
ítulo 4.4 e 4.4.1.
444
Cf. o subcapítulo 4.1 deste trab
445
Cf. os subcap
180
Alle Erzeugung materieller Dinge ist nach bloss mechanischen Gesetzen moeglich''
447
)
representa a posição daquele que podemos chamar de ''mecanicista dogmático''. Ao recusar
totalmente que a finalidade objetiva da natureza envolva alguma espécie de causalidade
inteligente, o princípio do mecanismo universal reduz totalmente a causalidade que explica as
gerações naturais a uma mera causalidade cega. Por sua vez, o princípio da ''teleologia
dogmática'' (''Gegensatz: Einige Erzeugung materieller Dinge ist nach bloss mechanischen
Gesetzen moeglichen''
448
) tem de excluir toda explicação mecânica no que concerne a
possibilidade de seres organizados. Os parágrafos posteriores
449
a esta passagem da CFJ são
destinados a identificar e contestar essas duas interpretações dogmáticas do princípio da
faculdade de julgar por meio de um recurso à história da filosofia Ao longo do texto Kant
ratifica a sua proposta de solução crítica apresentada em essência já na Vorstellung da
antinomia. O seu objetivo, naturalmente, é fornecer alguns argumentos adicionais para
demonstrar que tanto a teleologia especulativa como o mecanismo universal falham ao propor
alternativas reducionistas na caracterização de seres organizados. É digno de nota que a
rejeição ao conceito de causalidade final está no centro da revolução científica do século
XVII
450
. Assim, por exemplo, filósofos da estatura de Hobbes, Spinoza e Descartes negaram
qualquer significado epistêmico para o conceito de finalidade.
451
Na discussão do parágrafo 72 Kant estabelece uma distinção pejorativa para
classificar as duas posições especulativas dentro do quadro conceitual que foi criticado e
recusado na CRP. Assim a posição do mecanicismo dogmático é classificada com a expressão
idealismo da conformidade a fins
452
para construir uma analogia com o conceito de idealismo
: 386-7.
etação de Mclaughlin sobre o
o foi Leibniz. Cf. McLAUGHLIN, loc. cit., sobretudo os primeiros capítulos.
.
446
Ak, III: 440.
447
Ak, V
448
Ibid.
449
Cf. Ak, V: 389-97.
450
Para um estudo minucioso sobre história e filosofia da ciência no contexto da presente discussão, cf.
McLAUGHLIN, loc. cit... No que segue acompanho parcialmente a interpr
diagnóstico histórico kantiano relativamente às duas interpretações dogmáticas.
451
A notável exceçã
452
Ak, V:322-323
181
empírico. Por sua vez, a posição defensora do que denominei princípio da teleologia
dogmática é caracterizada com o termo realismo da conformidade a fins
453
para traçar uma
analogia com a doutrina defendida pelo realismo transcendental. Não é absolutamente clara a
analogia que é desenhada por Kant nesse contexto. De qualquer modo, parece que a sua
intenção principal é acentuar apenas que os sistemas considerados compartilham de
pressupostos especulativos. De fato, idealismo empírico e realismo transcendental são em
diferentes sentidos faces da filosofia dogmática. O idealista empírico pode ser considerado
explicaria a produção de seres
inclusive uma espécie de realista transcendental, na medida em que para ele não existe nada
além de nossas representaçoes
454
, as quais, contudo, têm para ele uma existência em si. Ao
contrário, o idealista transcendental é um realista empírico, para quem objetos externos são
meros fenômenos dados e certos, porém espacializados pelo sujeito. O idealista
transcendental é, portanto, um dualista, no sentido de que ele concede a existência de uma
matéria, supondo, entretanto, mais do que a simples certeza de nossas representações.
Kant ilustra os sistemas "idealistas da conformidade a fins" numa breve discussão
onde Spinoza (representante do sistema do idealismo da fatalidade (Fatalitaet)), Epicuro e
Demócrito (representantes do sistema do idealismo da casualidade (Kasualitaet))
455
são
identificados como alguns dos principais representantes da doutrina do mecanismo
dogmático. Essas teorias buscam em síntese oferecer alternativas à noção de causa inteligente
ou destinação, mas segundo Kant falham neste intento por motivos semelhantes. O
denominado "fatalismo" tenta derivar o acaso, que
organizados, do conceito de uma causa primeira que atuaria em virtude da necessidade de sua
natureza
456
. A doutrina da "casualidade", mais superficial, busca, sem mais, dar conta da
. Kant Lexikon. Hildesheim: Georg Olms Verlag, 2002, p. 253.
f Baruch Spinoza. Washington DC: The Catolic University of America Press,
18 e pp. 99-227.
453
Idem, p. 323.
454
Cf. EISLER, R
455
Ak, V: 392-5.
456
Ak, V: 392-5. Cf. tb. SPINOZA. Ethics. London: Penguin Classics, 2005, cf. o apêndice à parte I. Cf. tb.
ALLISON, H. "Kant s Critique of Spinoza". In: KENNINGTON, R. (ed.). Studies in Philosophy and the History
of Philosophy, The Philosophy o
1980, pp. 214-
182
possibilidade de seres biológicos apenas recusando o princípio da finalidade. Nos dois casos,
a crítica kantiana parece consistir na indicação de que essencialmente nenhuma das duas
vertentes do idealismo fornece efetivamente uma explicação alternativa ao fenômeno da
finalidade aparentemente exibido por determinados seres.
Por outro lado, o denominado "realismo da conformidade a fins" é subdividido em
teísmo e hilozoísmo
457
. Sobre tais doutrinas Kant se limita a afirmar que o teísmo deriva a
conformidade a fins da natureza "(...) do fundamento originário do todo do mundo, como se
rincípio da finalidade formal, resta apenas o
aminho crítico, que consiste (como mostrei em 4.4), em considerar o conceito de finalidade
...) em relação com nossas faculdades cognitivas e, consequentemente, com as condições
bjetivas de pensá-lo, sem tentar decidir (buscar) qualquer coisa como seu objeto"
461
. Desse
odo, a necessidade de explicar a finalidade exibida por seres biológicos como produto de
ma causa inteligente (ou desígnio prévio) tem de ser meramente subjetiva, ligada unicamente
tratasse de um ser inteligente, que produz com intenção (vivendo originariamente) (...)"
458
. E
que o hilozoísmo "(...) fundamenta os fins na natureza sobre o analogon de uma faculdade
atuando segundo uma intenção, sobre a vida na matéria (...)".
459
A dificuldade central das
doutrinas realistas é identificada no fracasso em fundamentar a realidade objetiva (em
particular em fundamentar a possibilidade real) do conceito supra-sensível
460
de uma causa
final.
A conclusão kantiana ratificada nestas passagens retoma em linhas gerais aquela já
apresentada implicitamente nas discussões da "Analítica da Faculdade de Julgar Teleológica:
dada a natureza da nossa estrutura intelectual, só podemos conceber seres organizados
enquanto fins naturais. Mas como nenhuma das interpretações dogmáticas (idealismo e
realismo) pode provar a realidade objetiva do p
c
"(
su
m
u
457
Ak, V:323.
458
Ibid.. Tradução minha.
459
Ibid.. Tradução minha.
460
Ak, V: 327-328
183
à natureza de nossas capacidades cognitivas.
zação. Ou seja, a própria razão se contradiria ao
CONCLUSÃO
Defendi neste trabalho a hipótese de que o princípio da causalidade natural, tal
como é expresso pela tese da antinomia da faculdade de julgar, isto é como um princípio
subjetivo (regulativo), não representa um retrocesso relativamente à teoria kantiana que foi
exposta na “Segunda Analogia”.
A partir da minha interpretação do "Apêndice", comecei então a desenvolver um
argumento que me parecia decisivo para a solução do conflito. A saber, busquei defender a
suposição de que conceitos e princípios formais não têm intrinsecamente uma função
constitutiva ou regulativa na filosofia crítica. Nesse sentido, no primeiro capítulo do trabalho
mostrei que nesse texto a razão não tem apenas a função de aduzir um princípio da
continuação e ampliação maior possível da experiência por intermédio de suas idéias. Na
verdade, uma das suas funções essenciais consiste num uso lógico-sistemático, que se
expressa na busca de produção de um sistema (uma organização lógica de proposições) de
conhecimentos empíricos. Ora, mas esta constatação supõe para tanto a existência de um
princípio regulativo-transcendental. Um dos objetivos centrais do "Apêndice" é introduzir a
tese de que um pressuposto princípio transcendental da razão é ele mesmo um princípio de
racionalidade do procedimento de sistemati
apontar um fim, uma destinação, que seria inatingível. Suponho ter demonstrado que o fim
461
Ak, V : 395.
184
em questão é precisamente a produção de um sistema empírico da natureza. Na verdade, o
referido princípio transcendental que é condição do uso lógico-sistemático da razão seria
expresso em várias passagens do "Apêndice" através de três princípios, os quais projetam a
denominada "unidade do conhecimento" - são eles os princípios regulativos da
homogeneidade, especificação e afinidade.
Kant atribuiu diferentes usos (Gebraeuche) a esses princípios, utilizando um
procedimento teórico análogo àquele que seria apresentado na terceira Crítica. Lá, como se
sabe, um mesmo poder mental, i. é a faculdade de julgar, tem simultaneamente - sem gerar
qualquer contradição no seio da filosofia teórica - um uso determinante e um uso reflexivo.
de uma proposição universal (problemática)
Uma vez admitido que o procedimento de conferir diferentes usos ao princípio (no caso, aos
princípios) de uma mesma faculdade é conforme, por assim dizer, ao espírito geral da
filosofia kantiana, seria razoável aplicá-lo também à solução da antinomia da faculdade de
julgar teleológica. Nesse caso, poder-se-ia então argumentar que na tese (Satz) deste conflito
um princípio do entendimento está desempenhando uma função distinta daquela que fora
apresentada na CRP.
Através da identificação do emprego lógico-hipotético da razão, foi
esquematicamente antecipada na CRP a introdução na teoria do uso reflexivo da faculdade de
julgar. Busquei mostrar que, muito embora o interesse por sistematizar nossos conhecimentos
seja nesse contexto atribuído à razão, o processo lógico descrito é muito similar à atividade de
busca de um universal prevista na Lógica de Jäsche e atribuída ao uso reflexivo do poder de
julgar na "Introdução" da CFJ. Nesse sentido, da mesma forma que o uso apodídico da razão
pressupõe o seu uso hipotético, i. é a produção
para subsumir proposições particulares e criar um sistema, o uso determinante da faculdade de
julgar pressupõe também a busca de conceitos empíricos por intermédio do seu uso reflexivo.
De acordo com isto, Kant afirma, relativamente ao uso hipotético, que a sua função não é
185
constitutiva, uma vez que o regresso às proposições particulares é sempre incerto a priori. E
que tal uso é sempre regulativo, tendo como função unicamente trazer unidade sistemática aos
conhecimentos particulares do entendimento
462
.
O capítulo II representa em última análise uma importante digressão no sentido de
mostrar que um dos três princípios regulativos aduzidos no "Apêndice", a saber, o princípio
da afinidade (ou continuidade), não pode ser assimilado ao conceito de afinidade
transcendental que é utilizado no contexto da "Dedução Transcendental - A". Com esta tese
tive a intenção de levantar uma hipótese sobre o lugar da CFJ no interior do edifício crítico.
Meu objetivo nesta parte é explicar que, sendo relevante apenas para explicar a possibilidade
da aplicação dos conceitos puros do entendimento ao múltiplo intuitivo, mas não para explicar
a sistematicidade da experiência, a teoria da afinidade transcendental precisava de fato ser
completada com a teoria do "Apêndice" - em particular, através do princípio da continuidade.
O problema resume-se no fato de que, com base no percurso indicado na "Dedução-
A", pode-se depreender que as categorias são (surpreendentemente) condições de
possibilidade da intuição empírica. Nesse texto, por mais de uma vez, é admitido que a mera
aplicação das categorias e princípios do entendimento ao dado sensível é o bastante para
constituir a afinidade objetiva dos fenômenos (objektive Affinitaet der Erscheinungen) - na
passagem sobre a síntese da reprodução, como sabemos, a afinidade é condicionada pela
conciência de si, isto é da unidade da apercepção originária
463
.
unidade objetiva da síntese. Ora, na edição A a consciência de si é atualizada pelo exercício da
função de síntese, que, ao ser pensada pelo sujeito, torna possível a produção de conceitos
empíricos - os quais servem exatamente para pensar sínteses particulares - e com eles as
categorias como representações das sínteses em geral. Talvez por isto, o princípio da
possibilidade da reprodução do múltiplo seja derivado por Kant imediatamente da unidade da
462
Ak, III: 429
463
Ak, IV: 85-6.
186
Deparamos aqui com uma dificuldade algo sutil. De fato, se a afinidade objetiva
pudesse ser assimilada ao princípio da continuidade (que é homonimamente denominado
princípio da afinidade), introduzido mais adiante no “Apêndice à Dialética Transcendental”,
todas as condições teóricas do conhecimento estariam de fato satisfeitas - pois o princípio da
afinidade é essencialmente uma síntese dos princípios da homogeneidade e da
especificação
464
, prevendo a continuidade entre os conceitos específicos produzidos, de modo
que a razão necessariamente supõe através dele que não há uma heterogeneidade completa no
interior da natureza. Nesta hipótese, a "Dedução" teria tematizado a possibilidade teórica de
um modo de ordenação da natureza que teria levado em consideração não apenas a parte
formal, mas também a parte material dos objetos. Mas vimos que, ao contrário, a CRP expôs
unicamente as condições de possibilidade de uma natureza em geral. O que faltava
demonstrar eram então as condições de possibilidade da natureza determinada, que tem de
permitir um conhecimento sistemático para tornar possível a unidade da natureza. Mas tais
condições só seriam caracterizadas de um modo pouco claro na teoria do "Apêndice", através
de três princípios, entre eles o princípio da continuidade (ou afinidade), que forneceria uma
garantia (subjetiva) da possibilidade do conhecimento empírico.
No capítulo III, dedicado à dedução do princípio da finalidade formal, argumento
inicialmente no sentido de demonstrar que a minha proposta inicial de solução para a
antinomia, suscitada pela CRP, é, no máximo, válida restritamente e que ela não pode ser
utilizada para resolver o conflito. Isto foi realizado a partir de uma crítica sumária a certas
posições de Friedman e Buchdahl. Com efeito, o uso regulador em vista do conhecimento
empírico, que vale para os três princípios da razão no "Apêndice" e da faculdade de julgar na
CFJ, certamente não vale para os princípios puros do entendimento. Refiro-me à suposição
inicialmente levantada no capítulo I de que seria viável assimilar o princípio mecânico da tese
464
Ak, III: 435-6. “O último princípio surge da reunião dos primeiros depois que se completou a interconexão
sistemática na idéia, tanto no ascender a gêneros superiores quanto no descer a espécies inferiores”.
187
da antinomia ao princípio da "Segunda Analogia" e atribuir a ele um uso regulativo-
da
princípio da
transcendental no âmbito do conhecimento de organismos. Em apoio a esta tese, critico a
suposição segundo a qual de regras do entendimento poderia ser feito um uso diferente do
constitutivo-crítico no interior da terceira Crítica. O cerne do retrocesso da minha
interpretação relativamente ao que supus poder defender no capítulo sobre o "Apêndice"
resume-se do seguinte modo.
A dificuldade tematizada no capítulo sobre a antinomia da faculdade de julgar
teleológica consiste no espinhoso problema de como compatibilizar os princípios
causalidade eficiente e teleológico, uma vez que ambos são em diferentes sentidos condições
de possibilidade do conhecimento dos objetos biológicos. Tal como entendo o problema, só
haveria uma real oposição contraditória entre os mencionados princípios se as duas posições
compartilhassem do pressuposto realista transcendental. Contudo, vimos que Kant apresenta
tanto a tese como a antítese da suposta antinomia como máximas da faculdade de julgar.
Diante da teoria do "Apêndice" supus que, por si só, a sugestão de que o princípio
da causalidade eficiente é um princípio subjetivo na CFJ não contradiz, como de fato parece,
a doutrina da "Segunda Analogia". De fato, o texto do "Apêndice" pode documentar a
alegação de que no contexto da filosofia kantiana uma faculdade (ou o seu princípio) não tem
intrinsecamente uma função inalterável. Pois nele parece ser reconhecido que regras em si
mesmas (conceitos, princípios etc) não são essencialmente regulativas ou constitutivas, mas
sim podem ser usadas em contextos diferentes de maneiras diferentes. Aparentemente, não
haveria problema numa proposta de solução para a antinomia que se servisse das concessões
do "Apêndice" para explicar a função que o princípio da causalidade eficiente desempenha no
conflito. Nesta perspectiva seria então possível defender a hipótese de que o
causalidade natural poderia de algum modo ter no interior da filosofia teórica um uso
meramente regulativo-transcendental em vista do conhecimento. Pois segundo tal hipótese, a
188
forma de um princípio não conteria em si a propriedade “ser constitutiva” ou "ser regulativa".
Porém, este resultado não pôde ser aplicado para solucionar aquela dificuldade interpretativa
acerca da função do princípio da causalidade natural no interior da antinomia.
A nova conclusão pôde ser obtida quando atentamos para alguns resultados
fundamentais da "Dedução Transcendental". Elas demonstram que o princípio da causalidade
mecânica representado pela tese da antinomia não pode ser assimilado ao mesmo princípio da
"Segunda Analogia". É verdade que algumas interpretações famosas da CFJ afirmam que o
princípio da causalidade na tese da antinomia da faculdade de julgar teleológica é
essencialmente o mesmo princípio da "Segunda Analogia"
465
. Entretanto, em primeiro lugar,
elas não valorizam o fato de que as posições da antinomia são introduzidas como máximas
regulativas. Além disso, e sobretudo, é forçoso reconhecer que o próprio conceito de regra
pura do entendimento tem de conter em si, a título de uma nota, a propriedade conter em sua
forma a função ser constitutiva do conhecimento de objetos. E isto significa precisamente
dizer que conceitos ou princípios do entendimento expressam apenas regras formais, cujas
funções concernem apenas à produção (constituição) de leis dinâmicas e conceitos empíricos.
Nesse sentido, essas regras só podem existir enquanto tais, já que somente podem ser
descobertas através do procedimento de formalização desenvolvido na prova da validade
objetiva das categorias. É necessário reconhecer que de fato, uma vez deduzidos, conceitos
puros podem ser pensados abstratamente, o que em parte torna possível, por exemplo, a
especulação do filósofo dogmático. Entretanto, não é possível fazer um uso crítico-regulativo
das categorias e princípios do entendimento no interior do sistema kantiano. Ora, mas se a
tese da antinomia não pode fazer referência a um uso distinto de um princípio do
entendimento pela faculdade de julgar, ela deve consistir na aplicação de um princípio da
própria faculdade de julgar. Eis por que Kant teve de demonstrar que esta pode ter uma regra
específica para o seu uso.
189
Assim, no capítulo III dediquei-me ao esclarecimento da dedução do princípio da
finalidade formal, que é realizada na segunda introdução à CFJ. Segundo minha
interpretação, a estrutura da prova da necessidade subjetiva do princípio da faculdade de
julgar em seu uso reflexivo contém oito passos principais. A unidade sintética da natureza
entendida como um sistema de leis e conceitos particulares é uma exigência do entendimento;
a exigência de sistematicidade da natureza é uma consequência da exigência de unidade
formal, visto que a unidade da natureza segundo leis gerais já está dada com os conceitos e
princípios puros; ora, a unidade segundo leis específicas tem de ser buscada na experiência.
Esta procura é uma tarefa própria da faculdade de julgar, que é vista por Kant, de uma
maneira geral, como um poder de subsunção; a unidade segundo leis específicas constitui um
desígnio (fim) necessário do entendimento que não pode ser autocontraditório; a relação entre
a totalidade dos objetos considerada de um ponto de vista empírico e nossas faculdades
cognitivas é contingente - por conseguinte, o sucesso do desígnio do entendimento é
contingente; a crença no sucesso é, contudo, necessária, uma vez que é irracional buscar o
impossível - numa palavra, o ato de conhecer supõe poder conhecer; essa crença implica a
crença na finalidade da natureza relativamente às nossas faculdades cognitivas; logo, a
finalidade da natureza relativamente às faculdades cognitivas é um princípio transcendental,
pois constitui uma condição de possibilidade do conhecimento - muito embora não uma
condição de possibilidade do conhecimento de objetos. O princípio da faculdade de julgar
representa, portanto, uma condição subjetiva e necessária (não-constitutiva) do conhecimento
objetivo. Com essa dedução Kant respondeu a um só tempo a uma questão sistemática (sobre
a função da nova regra), relativa à possibilidade de sistematização empírica da natureza, e a
uma questão crítica, que dizia respeito ao lugar do princípio da finalidade formal frente aos
princípios transcendentais do entendimento.
Provada a existência desse princípio, pude fornecer no último capítulo do meu
465
Cf. a discussão de 4.2 neste trabalho.
190
trabalho uma resposta adequada à sua questão central: se enquanto princípios da faculdade de
julgar, tese e antítese da antinomia têm de ser máximas regulativas e transcendentais, que por
isto mesmo não erguem qualquer pretensão de autoridade relativamente à constituição
objetiva, como pode ter lugar uma antinomia da faculdade de julgar? Kant afirma já nas
primeiras alíneas da "Dialética da Faculdade de Julgar Teleológica" que uma antinomia em
geral só pode ter origem se duas interpretações dogmáticas
466
e contraditórias do princípio
467
de uma mesma capacidade têm lugar. Segundo minha interpretação, a raiz, por assim dizer,
da antinomia da faculdade de julgar teleológica tem portanto uma relação direta com o
contexto da primeira Crítica. Lembrei no subcapítulo 4.1 que nas “Antinomias da Razão”
Kant se ocupa com a crítica dos filósofos dogmáticos, os quais não reconhecem que o
conhecimento humano depende de certas condições sensíveis e intelectuais que constituem os
objetos da nossa experiência. A filosofia teórica kantiana ensina, entretanto, que tais
condições não consistem em outra coisa senão em condições epistêmicas, i. é elas não
determinam a existência de coisas-em-si e não são, portanto, condições ontológicas do
conhecimento. Diante disso, mostrei que também uma autêntica antinomia da faculdade de
julgar tem de envolver duas interpretações dogmáticas de um único princípio. De fato, como
já visto no capítulo III, a segunda introdução à CFJ
468
aduz uma dedução da forma do
princípio da finalidade formal da natureza relativamente ao nosso entendimento, que é
provado a título de um princípio da faculdade de julgar. Esta demonstração se presta não
apenas a justificar a tese geral de que existe uma regra regulativa-transcendental que é uma
suposição necessária do entendimento humano para a produção de leis e conceitos
determinados. Ela traz também consigo o fundamento de determinação de todos os juizos
reflexivos.
Sendo assim, essa dedução de fato torna possível a geração de um conflito
466
Ak, V: 386-7.
467
Idem, §69. Cf. tb. ALLISON, idem, p. 32.
191
legitimamente antinômico a partir de duas interpretações dogmáticas do princípio da
faculdade de julgar. Ou seja, é logicamente possível haver uma antinomia da faculdade de
julgar teleológica, que pode ser produzida através de dois juízos reflexivos transformados
pela especulação em juízos dogmáticos.
Com base no que foi dito anteriormente, concluí o capítulo IV mostrando
essencialmente que a tese, representada pelo princípio do mecanismo, pode ser interpretada de
duas maneiras. Ou bem ela pode ser descrita como um princípio que cumpre uma função
constitutiva em sentido dogmático, i. é enquanto um princípio do mecanismo universal, ou
bem ela representa simplesmente uma aplicação particular do princípio da faculdade de julgar
para a reflexão sobre certos fenômenos da experiência. Nos dois casos, a assimilação do
princípio do mecanismo
469
ao princípio da causalidade da natureza é injustificável, já que eles
pertencem a capacidades distintas da mente, motivo pelo qual os mesmos têm
470
não apenas
usos, mas também formas distintas. Por conseguinte, o princípio mecânico regulativo da tese
descreve o modo de proceder da faculdade de julgar para explicar sempre que possível os
processos físico-químicos que ocorrem nos objetos da biologia. Porém, ao ser interpretado
dogmaticamente, este princípio, como diz Kant, se transforma
471
(verwandeln) num outro, que
só pode ser atribuído à razão quando realiza um uso dogmático e ilegítimo de uma regra.
Naturalmente, o mesmo tem de valer para a antítese, que é caracterizada na "Vorstellung" da
antinomia como um princípio causal finalista. Obviamente, o verdadeiro conflito entre as duas
468
Cf. Ak, V:181-186 ou XX:211-216.
469
É provável que Kant tenha introduzido o conceito de mecanismo em sua filosofia teórica antes mesmo da CFJ.
Vgl. KANT, I. “Metaphysische Anfangsgründe der Naturwissenschaft” (Ak, 4:477, 536, 543). Cf. tb. CRP, B719
und “Reflexion 5995” (Ak, 18:418-19). Sobre este ponto, cf tb. MARC-WOGAU, K. Vier Studien zu Kants
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STUHLMANN-LAEIZ, R. “Kant`s Thesen über sein Kategoriensystem und ihre Beweise”. In: Kant-Studien 78,
1987.
470
É interessante notar que na filosofia teórica kantiana o princípio de uma determinada faculdade não pode, por
assim dizer, “migrar” para uma outra capacidade da mente e cumprir, assim, uma função distinta. Se isto fosse
de algum modo possível, um princípio do entendimento poderia sem dúvida ter um papel regulativo ou
dogmático na atualização de qualquer outro poder mental - e vice-versa. Com efeito, sempre que falamos em
distinções de usos de um princípio, nos referimos na verdade às distinções de uso realizadas no exercício de um
mesmo poder mental.
471
Ak, V: 386-7.
192
posições só pode ocorrer quando elas compartilham dos pressupostos do realismo
transcendental. Pode-se então afirmar que a apresentação da antinomia descreve
implicitamente na verdade a sua própria solução, já que ambas as posições são introduzidas
como máximas.
O objetivo central dos parágrafos sobre a antinomia da faculdade de julgar
teleológica é ratificar a teoria de que o princípio da finalidade formal é uma condição de
possibilidade adicional e necessária do conhecimento racional finito. Isto é realizado, em
síntese, através da demonstração de que o princípio da faculdade de julgar pode ser aplicado
sem contradição para produzir dois tipos distintos e complementares de juízos reflexivos para
o ajuizamento de fins naturais. Mas, além disso, o que me parece mais interessante, Kant
recorre ao seu conceito geral de antinomia para mostrar que o princípio transcendental de uma
capacidade (Faehigkeit) se presta sempre a especulações dogmáticas. A solução da antinomia
demonstra que duas máximas regulativas, cujas pressuposicoes teóricas não se
contradizem
472
, geram uma falsa contradição. Ora, um juízo reflexivo é por definição um tipo
de regra à qual não corresponde nenhum estado de coisas objetivo. Além disto, os juízos
representados pela tese e pela antítese na solução da antinomia supõem precisamente certas
ondições necessárias do conhecimento de objetos, como é deixado claro na "Introdução" da
rceira Crítica. E como tais pressuposições cognitivas haviam sido justificadas na "Dedução
ranscendental" da CRP, as duas posições do suposto conflito são compatíveis no interior da
losofia transcendental e podem a cada vez no âmbito de uma investigação científica realizar
iferentes funções.
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