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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
GABRIELA RODRIGUES ZINN
A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO DOS
AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE DO
PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Mestrado em Psicologia da Educação
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
GABRIELA RODRIGUES ZINN
A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO DOS
AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE DO
PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Mestrado em Psicologia da Educação
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação
do Professor Doutor Antônio Carlos Caruso Ronca.
São Paulo
2007
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Banca Examinadora:
______________________________________
______________________________________
______________________________________
______________________________________
Dedico este trabalho:
Ao meu amado marido Luís, companheiro para todas as horas e grande
incentivador nessa trajetória;
E à nossa filha tão amada Isabella, nossa inspiração;
Aos meus pais Sérgio e Longa, que possibilitaram, com muito amor e dedicação, a
minha caminhada até aqui;
E a todos os familiares e amigos envolvidos nessa conquista, em especial,
Gustavo, Helena e Ângela.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente à Deus:
Fonte de inspiração, luz e paz;
À minha família:
Pelo carinho, incentivo e generosidade;
Ao meu Orientador, Prof. Antônio Carlos C. Ronca:
Pela indiscutível sensibilidade e pelo constante incentivo para o florescimento de
potencialidades desconhecidas;
Às Professoras Heloisa Szymanki e Edvane Birelo L. De Domenico :
Pelas orientações necessárias e certeiras no momento da qualificação;
Às Professoras Heloisa Szymanki e Raquel M. C. Coutinho :
Pela generosidade e honra de comporem a banca de avaliação;
À Roseli e à Fran:
Sempre atenciosas nos agendamentos dos encontros;
À Jéssica:
Pelo apoio nas transcrições
A todos os profissionais da Unidade Básica de Saúde que contribuíram para a
Realização deste trabalho;
Aos queridos Agentes Comunitários de Saúde entrevistados e acompanhados em
seu cotidiano de trabalho, pela acolhida e possibilidade de aprendizado.
SUMÁRIO
1
1
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6
6
7
9
18
19
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25
25
26
26
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28
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35
35
35
36
38
40
RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO
1.1. Organização dos serviços de saúde no Brasil
1.2. Um novo modelo de atenção à saúde
1.3. O Programa de Saúde da Família – PSF
1.3.1. Criação e conceito
1.3.2. Contradições de ideais e realidade
1.3.3. Competências dos membros das equipes do PSF
1.3.4. Distribuição do PSF no município de São Paulo
1.4. Uma discussão acerca de Educação em Saúde
1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Educação em Saúde
2. JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS
2.1. Justificativas
2.2. Objetivo Geral
2.3. Objetivos Específicos
3. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
3.1. Processo saúde-doença determinado socialmente
3.2. Educação: uma prática de liberdade e emancipação
3.3. Pesquisas realizadas acerca da atuação dos ACS
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1. Tipo de Pesquisa
4.2. Local de Estudo
4.3. Participantes
4.4. Coleta de Dados
4.5. Procedimentos de Análise dos Dados
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
5.1. O trabalho do Agente Comunitário de Saúde
5.1.1. Inserção do ACS no modo de produção e suas conseqüências
no modo de reproduzir a vida
5.1.2. Dinâmica de trabalho do ACS
5.1.3. Aspectos motivacionais no trabalho do ACS
5.1.4. A “burocratização” do trabalho do ACS
5.2. A relação do Agente Comunitário de Saúde com a população
5.3. A Dinâmica de funcionamento do Serviço de Saúde
5.3.1. A dinâmica de funcionamento do Serviço de Saúde e a
relação com a população
5.3.2. A relação do ACS com a UBS e os demais profissionais que lá
trabalham
5.3.3. O olhar do ACS para o trabalho dos demais profissionais da
saúde
5.4. O Agente Comunitário de Saúde como Educador
5.4.1. O ACS como Educador: o verbo orientar presente de forma
marcante na atuação do ACS e a focalização das práticas
educativas
5.4.2. O ACS como Educador: início para uma prática dialógica e
emancipadora
5.4.3. O ACS como Educador: o relacionamento interpessoal como
elemento fundamental na prática educativa em saúde
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
43
43
44
50
56
58
60
67
67
69
70
71
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75
78
85
Zinn, GR. A dimensão educativa no trabalho dos agentes comunitários de saúde do
Programa de Saúde da Família. Dissertação de mestrado, São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC; 2007.
RESUMO
O objeto do presente estudo é a educação em saúde na prática de trabalho dos
Agentes Comunitários de Saúde (ACS), o objetivo foi investigar as práticas educativas
desenvolvidas pelos ACS do Programa de Saúde da Família (PSF) de uma Unidade Básica
de Saúde (UBS) da periferia da Zona Norte no Município de São Paulo. A relevância desta
pesquisa justifica-se, predominantemente, pela existência do binômio educação e saúde em
uma relação dialética. No contexto da Saúde Pública Brasileira, o PSF revela-se uma
estratégia com enfoque na promoção à saúde utilizando-se de um instrumento fundamental
que é a educação em saúde para todas as famílias. O ACS é o profissional do PSF que está
em contato mais freqüente e próximo com a população, diante disto, torna-se pertinente
investigar quais são as práticas educativas utilizadas por esses profissionais a fim de
aprofundar o conhecimento científico desta realidade e, assim, contextualizar e identificar
possíveis estratégias e abordagens, dificuldades e facilidades presentes nessa interação.
Realizou-se uma pesquisa descritiva e exploratória de cunho qualitativo utilizando-se da
observação participativa associada a entrevistas. Como fundamento teórico tem-se a
educação dialógica e emancipatória, e o processo saúde-doença compreendido como
resultante dos fatores de fortalecimento e desgaste decorrentes das diferentes formas de
inserção na sociedade com suas diferentes formas de trabalhar e viver. Identificou-se quatro
categorias presentes na prática educativa desenvolvida pelos ACS: (a) o trabalho do Agente
Comunitário de Saúde; (b) a relação do Agente Comunitário de Saúde com a população; (c)
a dinâmica de funcionamento do Serviço de Saúde e (d) o Agente Comunitário de Saúde
como educador; essas categorias contemplam subcategorias e nos remetem à reflexão
acerca do potencial educativo apresentado pelos ACS que contempla atributos de
proximidade e afetividade na relação com a população, mas que ainda assumem uma
prática reiterativa das ideologias presentes apesar da existência de momentos reflexivos os
quais não encontram respaldo estrutural para uma mudança na prática educativa com vistas
a uma atuação transformadora.
Palavras chave: Educação em Saúde, Agente Comunitário de Saúde, Programa Saúde da
Família, Práticas Educativas.
Zinn, GR. The educative dimension in the work of the communitarian agents of health
of the Program of Health of the Family. Dissertação de mestrado, São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC; 2007.
ABSTRACT
The present study object is the health education in the practical work of the
Communitarian Agents of Health (Agentes Comunitários de Saúde - ACS), the objective was
to investigate the educative practical developed by the “ACS” from the Family Health
Program (Programa de Saúde da Família - PSF) of a Health Centers (Unidade Básica de
Saúde - UBS) in the North Zone periphery, in São Paulo City. The relevance of this research
is justified, predominantly, by the affirmation of the binomial education and health, existing in
a dialectic relation. In the context of the Brazilian Public Health, the “PSF” shows a strategy
with approach in the health promotion using a essential instrument that is the health
education for all the families. The “ACS” is the professional of the “PSF” that has more
frequent contact and proximity with the population, ahead of this, it becomes pertinent to
investigate which are educative practices used for these professionals in order to deepen the
scientific knowledge of this reality and, thus, to put it in a context and to identify possible
strategies and boardings, difficulties and easinesses presents in this interaction. A descriptive
and explorative research of qualitative matrix was carried through using assisted observation
associated to interviews. As theoretical bedding there is the dialogical and emancipated
education, and the health-illness process understood as resultant of the decurrent strengthen
and consuming factors of the different forms of insertion in the society with its different forms
to work and to live. There was identified four categories presents in the educative practical
developed by the “ACS”: (a) the Communitarian Agent of Health work; (b) the relation
between the Communitarian Agent of Health and the population; (c) the functioning dynamics
of the Health Service and (d) the Communitarian Agent of Health as educator; these
categories contemplate subcategories and they send us to the reflection about the educative
potential presented by the “ACS” that contemplates attributes of proximity and affectivity in
the relation with the population, but that still assumes one reiterate practice of the present
ideologies although the existence of reflective moments which do not find structural
endorsement for a educative practical change with sights for a transforming performance.
Key Words: Health Education, Communitarian Agent of Health, Family Health Program,
Educative Practices.
_____________________________________INTRODUÇÃO
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
1
1. INTRODUÇÃO
1.1. Organização dos serviços de saúde no Brasil
A organização dos serviços de saúde em nosso país é baseada no Sistema
Único de Saúde (SUS), conforme rege a Constituição Brasileira (BRASIL, 1988).
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde” (art.196).
O SUS, mais do que uma forma de sistematizar e, portanto, nortear a
administração do setor saúde, é um modelo de atenção à saúde e surge como um
ideal contra-hegemônico constituído a partir de um expressivo esforço da sociedade
civil.
O SUS foi elaborado com base em intensas discussões que tiveram como
marco o Movimento da Reforma Sanitária na década de 70, exemplo de um
movimento resultante da organização da sociedade que, em síntese, criticava e
lutava pela mudança nas práticas e na organização dos serviços de saúde. Estas
práticas, na ocasião, eram fundamentadas na dicotomia entre preventivo e curativo,
individual e coletivo, com ênfase no âmbito curativo e individual, restritas aos
contribuintes previdenciários. (SALUM, 1998).
O cenário vigente no setor saúde era, portanto, não democrático, uma vez
que o acesso à saúde não era universal, mas restrito a parcelas da população e,
além de não ser integral, era reducionista (centrado na patologia) e fragmentado
(não atendendo à totalidade das necessidades de saúde do indivíduo).
Vilaça (1994) definiu a Reforma Sanitária como “um processo modernizador e
democratizante de transformação nos âmbitos político-jurídico, político-institucional e
político-operativo, para dar conta da saúde dos cidadãos, entendida como um direito
universal e suportada por um Sistema Único de Saúde, constituído sob regulação do
Estado, que objetive a eficiência, eficácia e eqüidade e que se construa
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
2
permanentemente através do incremento de sua base social, da ampliação da
consciência sanitária, da implantação de um outro paradigma assistencial, do
desenvolvimento de uma nova ética profissional e da criação de mecanismos de
gestão e controle populares sobre o sistema”.
As discussões levantadas no Movimento da Reforma Sanitária foram
oficializadas na VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) ocorrida em 1986, e foi
baseada nessas discussões que a nova Constituição Brasileira, de 1988, elaborou o
texto que rege a área da saúde e instituiu o SUS.
Neste contexto de criação do SUS, são justificados seus princípios e
diretrizes:
A
Universalidade
*
: refere-se ao acesso de toda a população aos serviços de
saúde, independente da inserção no modo de produção, ou poder econômico.
A
Descentralização
*
: Sem eximir a responsabilidade Estatal em qualquer uma
das três esferas, refere-se à distribuição de poder decisório e administrativo e
distribuição de recursos financeiros entre Estados e Municípios com o propósito de
diminuir os trâmites burocráticos nos processos decisórios e financeiros e,
principalmente, propiciar à administração local maior autonomia para solucionar as
necessidades emergidas em seu território, partindo da premissa de que a
administração regional conhece melhor os problemas de sua população se
comparada à administração federal.
A
Integralidade
*
: conceito amplo que pode ser analisado sob vários prismas,
mas é entendida, no contexto do SUS, como a integração ou articulação dos
serviços de saúde desde a atenção básica à saúde até a atenção mais
especializada, possibilitando aos usuários destes serviços uma abordagem integral,
com livre acesso aos diferentes níveis de atendimento. No texto constitucional
referente ao SUS, destaca-se a prioridade às ações de promoção à saúde e
prevenção de doenças. A promoção à saúde foi definida como “processo de
capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e
*
*
Acesso aos sites: www.consaude.com.br/sus/indice.htm em 15/09/05 e www.datasus.gov.br em 13/09/05
*
*
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
3
saúde, incluindo uma maior participação no controle desse processo”, esta definição
advém da carta de Ottawa de 1986, resultante da Primeira Conferência Internacional
sobre Promoção da Saúde
*
. A prevenção de doenças é um conceito mais antigo
definido por Leavell e Clark (1976) como “ação antecipada, baseada no
conhecimento da história natural, a fim de tornar improvável o progresso posterior da
doença”, esse entendimento está focado nos processos patológicos, enquanto o
conceito de promoção à saúde abrange os determinantes sociais do processo
saúde-doença.
A Eqüidade
**
: Platão e Aristóteles já discorriam que a igualdade consiste em dar
tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, o que vale dizer que a lei deve
tutelar distinguindo pessoas e situações distintas entre si, a fim de conferir
tratamentos normativos diversos a pessoas e a situações que não sejam iguais
***
.
Nesse sentido, a equidade é um princípio que, inserido na prática do SUS,
busca atender a todas as necessidades em saúde, respeitando as diferentes
demandas, ou seja, o atendimento às questões de saúde em uma população urbana
certamente será diferente do atendimento em uma população rural, pois as duas
populações possuem necessidades distintas que devem ser atendidas com ações
adequadas a cada realidade.
Por fim, temos que a lei que rege o SUS compreende a
participação popular
como elemento fundamental na gestão do sistema de saúde, exemplo claro de
democracia na saúde.
Diante do panorama relatado acerca dos princípios e diretrizes do SUS;
percebe-se a riqueza de ideais nele contida e, pode-se afirmar que a implantação
desse sistema de saúde atual é mais do que uma mudança organizacional, tratando-
se, conforme citado anteriormente, de uma mudança no modelo de atenção à saúde.
*
Acesso ao site: http://www.opas.org.br/promocao/uploadArq/Ottawa.pdf em 13/08/07
**
Acesso aos sites: www.consaude.com.br/sus/indice.htm em 15/09/05 e www.datasus.gov.br em 13/09/05
***
PLATÃO, Leis, VI 757; ARISTÓTELES, Política, III 9 (1280a) e Ética a Nicômano, V 6 (1131a).
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
4
1.2. Um novo modelo de atenção à saúde
Um modelo de atenção à saúde constitui-se, entre outros fatores, a partir da
compreensão acerca dos determinantes do processo saúde-doença. Por exemplo,
se entendemos o processo saúde-doença como resultado de um contexto que
ultrapassa o orgânico, mas que envolve também a realidade social,
conseqüentemente deduzimos que um modelo voltado só para o biológico e só para
a esfera curativa não consegue abranger todos os aspectos desse processo.
Para Paim (1999), um modelo de atenção à saúde é a forma de organização
das relações entre sujeitos - profissionais de saúde e usuários - mediado pela
tecnologia, e utilizado no processo de trabalho em saúde, cujo propósito é intervir
sobre problemas e necessidades de saúde historicamente definidas.
Temos, portanto, que a mudança do modelo depende da atuação dos sujeitos
e não apenas de uma diretriz política. Depende da apreensão e da conscientização
dos sujeitos atuantes na área de saúde e da população em geral acerca do novo
paradigma.
A implantação de estratégias operacionais como mecanismos iniciais de
mudanças faz-se necessária. Nesse sentido, para colocar em prática um ideal como
o que é proposto pelo SUS, vê-se a necessidade de implantação de meios que
transportem o ideal escrito para uma realidade concreta.
A nossa política de saúde está pautada em três eixos principais para
concretização do SUS: (i) a descentralização, no plano administrativo; (ii) o controle
social, no plano político e (iii) o Programa de Saúde da Família, no plano
assistencial.
No que se refere à operacionalização do SUS, temos as Leis Orgânicas de
Saúde (LOS) 8080/90 e 8142/90, além das Normas Operacionais da Assistência à
Saúde (NOAS) que regulamentam a aplicação das leis citadas. Como exemplo,
podemos citar os artigos 12 e 13 da lei 8080/90 que conduzem ao processo de
concretização do art. 198 parágrafo III como “participação popular” da constituição
brasileira de 1988:
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
5
“Art.12º - Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional,
subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos
Ministérios e órgãos competentes e por entidades representativas da
sociedade civil
Parágrafo único - As comissões intersetoriais terão a finalidade de
articular políticas e programas de interesse para a saúde, cuja
execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do Sistema
Único de Saúde – SUS.
Art.13º - A articulação das políticas e programas, a cargo das
comissões intersetoriais, abrangerá, em especial, as seguintes
atividades:
I - alimentação e nutrição;
II - saneamento e meio ambiente;
III - vigilância sanitária e farmacoepidemiologia;
IV - recursos humanos;
V - ciência e tecnologia; e
VI - saúde do trabalhador”.
Destaca-se, ainda, no plano assistencial, um exemplo de estratégia que
poderia viabilizar a realização dos ideais contidos no SUS: o Programa de Saúde da
Família (PSF), um programa público de saúde.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
6
1.3. O Programa de Saúde da Família - PSF
1.3.1. Criação e Conceito
Conforme relatam Silva e Dalmaso (2002), o PSF “pode ser visto como uma
retomada de proposições contidas nas políticas públicas federais que estiveram em
evidência, desde meados dos anos setenta, até início dos anos oitenta”. Destaca-se
nesta perspectiva o PIASS (Programa de Interiorização de Ações de Saúde e
Saneamento – 1976) e o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (1982),
que previa a extensão e ampliação do acesso a serviços de saúde para grupos
sociais marginalizados.
Em 1991, iniciou-se no Nordeste do Brasil o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS) e, em 1994, o Programa de Saúde da Família em
nível nacional
*
.
“A cobertura do Programa Saúde da Família por si só expressa seu
grau de importância. Com uma década de implantação no Brasil, está
hoje implantado em mais de 80% dos municípios brasileiros, onde
aproximadamente 190 mil agentes comunitários e mais de 20 mil
equipes de saúde da família acompanham regularmente mais de 60
milhões de pessoas” (UNESCO - Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura
**
).
O eixo orientador do PSF é “o atendimento integral, humanizado e de
qualidade, somando-se à co-responsabilização entre equipes e comunidades no
enfrentamento dos problemas e condicionantes da saúde”
*
.
A estratégia do PSF incorpora e reafirma os princípios básicos do SUS:
universalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade; e
está estruturada a partir da Unidade Básica de Saúde da Família
*
.
*
Acesso ao site: www.datasus.gov.br em 13/09/05
**
Acesso ao site: www.unesco.org.br em 13/09/05
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
7
O PSF está vinculado à rede de serviços em saúde, de forma que a atenção
integral aos indivíduos e famílias seja garantida, assegurando a referência e a
contra-referência para clínicas e serviços de maior ou menor complexidade, sempre
que o estado de saúde da pessoa assim exigir
*
.
Este programa é composto por equipes formadas, no mínimo, por um médico,
um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários
de saúde (ACS). Outros profissionais - a exemplo de dentistas, assistentes sociais e
psicólogos - poderão ser incorporados às equipes ou formar equipes de apoio, de
acordo com as necessidades e possibilidades locais
*
.
As equipes são responsáveis por atender a todos os integrantes de cada
família, independente de sexo e idade, desenvolvendo ações preventivas e de
promoção da qualidade de vida da população
*
.
1.3.2. Contradições de ideais e realidade
Entretanto, os ideais e teorias acerca do PSF não podem ser discutidos
apenas sob o prisma político e ideológico, a sua inserção em determinada realidade
econômica e social deve ser considerada.
Nesse sentido, alguns autores como Lacaz (2002), Salum et al. (1999) e
Puccini (2002) destacam que o PSF existe no contexto neoliberal de organização
política, econômica e social estabelecida em nossa Federação a qual é contraditória
aos ideais sobre os quais o SUS foi constituído, por exemplo, a universalidade é
colocada em questionamento quando vemos que o PSF está voltado
predominantemente para a população pobre, além de priorizar em suas estratégias
operacionais determinados grupos de vulnerabilidade, como hipertensos, gestantes,
crianças e diabéticos (sob um prisma biologicista).
Nos Programas Públicos, em especial, no âmbito da saúde, vemos esse
direcionamento pautado nos interesses de órgãos internacionais, bem como das
*
Acesso ao site: www.datasus.gov.br em 13/09/05
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
8
classes dominantes. Lacaz (2002) afirma que o PSF visa disfarçar as desigualdades
sociais com ações pontuais e destinadas à população pobre, não correspondendo,
dessa forma a uma intervenção coletiva, mas correspondendo a uma atenção focal.
Salum et al. (1999) complementa dizendo que as ações do PSF estão voltadas ao
controle e recuperação de famílias e grupos sociais devido ao risco potencialmente
ameaçador para a sociedade de possíveis doenças e revoltas.
Puccini (2002) realiza uma crítica frente à atual operacionalização do SUS
dizendo que este consiste em uma “oferta organizada”, seguindo uma política dos
mínimos sociais com uma saúde para pobres e um sistema imposto verticalmente,
excluindo a problemática do doente e do acolher ao sofrimento, além de ser voltado
a práticas e ações higiênicas e que desconsidera o processo saúde- doença. Para
esse autor, o SUS só tem futuro concretizando-se como direito social, porém isso se
contrapõe aos interesses da acumulação do capital.
Nesse sentido, prover o mínimo, ou seja, satisfazer as necessidades que
beiram a desproteção delineia-se como um caminho que converge aos princípios
capitalistas e, dessa forma, a idéia de básico, referente ao suprimento do que é
fundamental, perde espaço. Temos, portanto, o enfraquecimento dos ideais
preconizados na criação do SUS, ao passo em que a gestão privada no atendimento
a saúde se sobressai e, nesse contexto, surge o PSF como um novo eixo
estruturante do sistema de saúde. O PSF está voltado ao atendimento dos mínimos
e contra o compromisso das políticas públicas de provimento básico de
necessidades. (PUCCINI, 2002).
Assim, O PSF fundamenta-se na “oferta organizada”, excluindo o caráter
multiprofissional da assistência e os demais níveis de atendimento necessários.
Puccini (2002) enfatiza que a formação médica atual está distante da clínica, do
olhar ao ser humano integral, o objeto de trabalho é fracionado, atendendo ao
padrão mercadológico segundo valores sociais. O PSF reduz o ser humano a um ser
apenas integrante de uma família, desconsiderando suas particularidades.
Outro elemento de contradição é a evidente privatização da saúde traduzida
na delegação das funções do Estado para organismos da sociedade civil como as
organizações não governamentais (ONGs) ou organizações públicas de direito
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
9
privado como é o caso de algumas Universidades Públicas, que atuam, por exemplo,
na contratação de profissionais para a equipe do PSF. (LACAZ, 2002).
Merhy e Franco (2002) afirmam que “o neoliberalismo ganha hegemonia nos
países desenvolvidos e cria um cenário propício para intervenções na organização
da assistência à saúde, seguindo o receituário das agências internacionais. Estas
diretrizes estão sistematizadas no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial. (...)
As diretrizes sistematizadas neste documento, seguindo a agenda do Consenso de
Washington evidencia o fato de que a assistência à saúde deve se transferir para o
setor privado”.
Finalizando, cabe destacar, no cenário em que o PSF está inserido, a co-
existência de conceitos e paradigmas contraditórios, por exemplo, do que venha a
ser saúde-doença (visão flexneriana
*
x visão da determinação social do processo
saúde-doença), bem como a compreensão das formas de intervenção no âmbito da
educação em saúde (modelo hegemônico x dialógico).
1.3.3. Competências dos membros das equipes do PSF
Neste momento, nos pautaremos em documentos oficiais que direcionam as
atribuições dos membros que integram a equipe do PSF.
Todos os membros da equipe do PSF têm como competências: reconhecer o
território; reconhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis com
ênfase nas suas características sociais, demográficas e epidemiológicas; identificar
os problemas de saúde prevalentes e condições de risco às quais a população está
exposta; elaborar com a participação da comunidade um plano local para o
enfrentamento dos problemas de saúde e fatores que colocam em risco a saúde;
executar de acordo com a qualificação de cada profissional os procedimentos de
vigilância epidemiológica nas diferentes fases do ciclo de vida; valorizar a relação
*
Modelo Flexneriano – termo consolidado pelas recomendações apontadas por Abraham Flexner em 1910, cujas
conclusões permearam de forma impactante a formação médica em quase todo território americano e que
pautava-se em um paradigma biologicista e quase mecânico para interpretação dos fenômenos vitais (Sherer et al.
2005)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
10
com o usuário e com a família, para a criação de vínculo de confiança, de afeto e de
respeito; prestar assistência integral à população sob sua responsabilidade,
respondendo à demanda de forma contínua e racionalista; coordenar, participar ou
organizar grupos de educação para a saúde; promover ações intersetoriais e
parcerias com organizações formais e informais existentes na comunidade para o
enfrentamento conjunto dos problemas identificados; fomentar a participação
popular, discutindo com a comunidade conceitos de cidadania, de direitos à saúde e
suas bases legais e incentivar a formação ou participação ativa da comunidade nos
conselhos locais de saúde e no conselho municipal de saúde (SÃO PAULO - Estado,
1999).
O
Enfermeiro “desenvolve suas atividades/ações em dois campos de atuação
de forma integrada, no processo de organização das Unidades Básicas de Saúde e
nos processos de formação, capacitação e educação permanente
, em conjunto com
os demais membros da equipe do PSF e das comunidades, com destaque para o
apoio à organização do processo de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde, e
diretamente no trabalho de saúde dos indivíduos, famílias e comunidade, cabendo-
lhes as seguintes competências:
Participar do processo de territorialização;
Participar da elaboração do diagnóstico epidemiológico e social do território
elaborado pela Unidade e comunidade, bem como do plano de ações,
execução e avaliação das propostas de trabalho;
Planejar, organizar, coordenar, acompanhar, executar e avaliar as ações de
assistência de enfermagem ao indivíduo e à família;
Planejar e executar os cuidados diretos de enfermagem ao usuário de acordo
com as prioridades dos programas e conforme os protocolos do serviço;
Realizar avaliação contínua da equipe de enfermagem;
Participar na elaboração de normas, rotinas e procedimentos dos serviços de
saúde;
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
11
Prescrever ou transcrever medicamentos conforme protocolos estabelecidos
pela Instituição;
Acompanhar o cadastramento e atualização dos dados das famílias da área
de abrangência realizada pelo ACS;
Planejar e acompanhar, em conjunto com o médico e o gerente, o trabalho do
ACS;
Planejar e realizar visita domiciliar;
Prestar assistência direta aos usuários nas diferentes fases do ciclo da vida e
às famílias através das consultas de enfermagem, grupos educativos ou
grupos operativos;
Executar os procedimentos de Vigilância Sanitária e Epidemiológica nas áreas
de atenção à criança, à mulher, ao adolescente, ao trabalhador e ao idoso
bem como no controle da tuberculose, hanseníase, doenças crônico-
degenerativas e infecto-contagiosas;
Preencher e/ou acompanhar os boletins de produção referente ao trabalho do
Auxiliar de Enfermagem;
Planejar, organizar e/ou participar de ações educativas organizadas em sua
área de atuação;
Planejar e acompanhar o trabalho do Auxiliar de Enfermagem;
Realizar consulta de enfermagem para os indivíduos cadastrados em todas as
fases do ciclo de vida;
Participar do atendimento à demanda espontânea, segundo protocolos da
Instituição para a categoria;
Promover capacitação e educação permanente da equipe de enfermagem;
Participar das reuniões diárias com a equipe;
Desenvolver ou colaborar em pesquisas na área de saúde e de enfermagem
que aprimorem as tecnologias de intervenção;
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
12
Preencher registros de produção das atividades de enfermagem, bem como
efetuar a análise dos mesmos;
Participar da análise dos dados de produção da Equipe;
Transcrever a prescrição dos pacientes crônicos e controlados pela equipe em
uso de medicação contínua;
Ajudar na organização das Unidades Básicas de Saúde, desde as rotinas do
tratamento até a gerência dos insumos (equipamentos, medicamentos etc);
Participar do processo de formação, capacitação e educação permanente,
junto às equipes nucleares e demais profissionais da rede do sistema
municipal de saúde e outros setores do governo local.
(SÃO PAULO - Estado,
1999).
O A
uxiliar de Enfermagem “desenvolve suas atividades/ações nos espaços
das Unidades Básicas de Saúde e/ou no domicílio/comunidade, de acordo com
programação/agendamento dos Agentes Comunitários de Saúde, mediante
necessidades de tratamento que se distinguem da atuação do ACS, em função da
sua formação profissional. Cabendo-lhe as seguintes competências:
Desenvolver, com os Agentes Comunitários de Saúde, atividades de
identificação das famílias de situações de risco;
Contribuir, quando solicitado, com o trabalho dos ACS no que se refere às
visitas domiciliares;
Acompanhar os indivíduos e suas respectivas famílias expostas a situações
de risco, visando garantir uma melhor monitoria de suas condições de saúde;
Executar, segundo sua qualificação profissional e sob supervisão da
Enfermeira, os procedimentos de vigilância sanitária e epidemiológica nas
áreas de atenção à criança, à mulher, ao adolescente, ao trabalhador e ao
idoso, bem como no controle da tuberculose, hanseníase, doenças crônico-
degenerativas e infecto-contagiosas;
Participar da discussão e organização do processo de trabalho da Unidade de
Saúde;
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
13
Realizar visitas domiciliares e prestar assistência de enfermagem e
procedimentos em domicílio, no nível de sua competência, conforme plano de
cuidados;
Executar atividades de limpeza, desinfecção, esterilização do material e
equipamentos, cuidando de sua ordem, reposição e conservação, bem como
o seu preparo, armazenamento e manutenção, segundo as normas técnicas;
Efetuar a notificação, controle e busca ativa de suspeitos e/ou comunicantes
de doenças sob vigilância ou de notificação compulsória;
Participar nas orientações educativas individuais ou de grupo realizadas pela
equipe nuclear do PSF nas Unidades Básicas de Saúde e em outros
equipamentos da Comunidade;
Realizar procedimentos de enfermagem na UBS, nos diferentes setores,
respeitando escala de trabalho;
Preencher relatórios e registros de produção das atividades de enfermagem,
bem como efetuar a análise dos mesmos;
Executar tarefas afins e/ou outras atividades orientadas pelo enfermeiro no
seu campo de atuação;
Participar da reunião diária da equipe nuclear do PSF;
Conhecer e cumprir a ética nas relações de trabalho em equipe;
Participar da elaboração do diagnóstico epidemiológico e social do território,
elaborado pela Unidade e comunidade, bem como do plano de ações,
execução e avaliação das propostas de trabalho;
Ajudar na organização das Unidades Básicas de Saúde, desde as rotinas do
tratamento até a gerência dos insumos (equipamentos, medicamentos etc;)
Participar do processo de formação, capacitação e educação permanente,
junto às equipes nucleares e demais profissionais da rede do Sistema
Municipal de Saúde e outros setores do governo local”. (SÃO PAULO -
Estado, 1999).
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
14
Ao
Médico que compõe a equipe do PSF compete o “desenvolvimento de
suas atividades/ações junto à população de sua área, atendendo indivíduos em
todas as fases do ciclo da vida, situando-as nos contextos biopsicossociais nos quais
estão envolvidos. Atua de forma integrada nos processos de promoção, prevenção e
recuperação da saúde, fortalecendo o trabalho em equipe, valorizando o sujeito
como parte integrante da responsabilização do tratamento de sua própria saúde,
ampliando autonomia, respeito e confiança, propiciando o aprofundamento do
vínculo. Portanto, ao médico com prática generalista, ou em formação para tal
prática, cabem as seguintes competências:
Participar do processo de territorialização;
Participar da elaboração do diagnóstico epidemiológico e social do território,
elaborado pela Unidade e comunidade, bem como do plano de ações,
execução e avaliação das propostas de trabalho;
Prestar assistência integral aos indivíduos e respectivas famílias sob sua
responsabilidade em todas as fases do ciclo de vida;
Realizar consultas, fazer diagnósticos e tratamentos de indivíduos e famílias,
acompanhando-os na referência para outros serviços quando possível;
Realizar procedimentos ambulatoriais;
Realizar atendimento de urgência e emergência, dentro da resolutividade
esperada para o nível local, referenciando quando necessário;
Conhecer o sistema de referência e contra-referência
Atestar o óbito de pacientes em acompanhamento pela Equipe dentro do
horário de trabalho;
Avaliar os resultados de exames para estabelecimento de conduta;
Planejar e realizar visitas domiciliares;
Participar do atendimento e organização da demanda espontânea da área de
abrangência da UBS em que atua;
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
15
Valorizar a relação médico-paciente e médico-família como parte de um
processo terapêutico e de confiança;
Propiciar os contatos com indivíduos sadios ou doentes, visando a abordar os
aspectos preventivos e de educação sanitária;
Executar ações básicas de Vigilância Epidemiológica e Sanitária em sua área
de abrangência;
Planejar e executar ações educativas;
Planejar e acompanhar com o gerente e o enfermeiro o trabalho do ACS;
Participar, de forma permanente, junto à equipe de trabalho e comunidade, o
conceito de cidadania, enfatizando os direitos à saúde e as bases legais que o
legitimam;
Participar das reuniões diárias com a equipe;
Desenvolver ou colaborar em pesquisas na área de saúde que aprimorem as
tecnologias de intervenção;
Preencher registros de produção de suas atividades, bem como proceder à
análise dos mesmos;
Participar da análise dos dados de produção da Equipe;
Participar do processo de formação, capacitação e educação permanente,
junto às equipes nucleares e demais profissionais da rede do Sistema
Municipal de Saúde e outros setores do governo local. (SÃO PAULO -
Estado, 1999):
O
Agente Comunitário de Saúde é o elo entre as famílias e o serviço de
saúde, visitando cada domicílio pelo menos uma vez por mês e realizando o
mapeamento de cada área, o cadastramento das famílias e estimulando a
comunidade no que se refere aos assuntos da saúde
*
. “É alguém que se destaca na
comunidade, pela capacidade de se comunicar com as pessoas (...). Este
profissional está em contato permanente com as famílias, o que facilita o trabalho de
*
Acesso ao site: www.datasus.gov.br em 13/09/05
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
16
vigilância e promoção da saúde, realizado por toda a equipe. É também um elo
cultural, que dá mais força ao trabalho educativo, ao unir dois universos culturais
distintos: o do saber científico e o do saber popular”
*
.
Segundo a lei 10.507/02, “fica criada a profissão de Agente Comunitário de
Saúde (...). O exercício da profissão de ACS dar-se-á exclusivamente no âmbito do
Sistema Único de Saúde - SUS. (...) A profissão de ACS caracteriza-se pelo
exercício de atividade de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante
ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em
conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor local deste (...).
O agente Comunitário de Saúde deverá preencher os seguintes requisitos para o
exercício da profissão: residir na área da comunidade em que atuar; haver concluído
com aproveitamento curso de qualificação básica para a formação de Agente
Comunitário de Saúde; haver concluído o ensino fundamental”.
É responsabilidade ACS acompanhar em média 150 famílias, nos domicílios
de sua micro-área de atuação e junto aos demais membros da equipe nuclear do
PSF nas Unidades Básicas de Saúde às quais estão vinculados para prestar atenção
à saúde dos indivíduos/famílias/comunidades em articulação com os demais níveis
do Sistema Municipal de Saúde, com as seguintes competências:
Fortalecer o elo entre os indivíduos/famílias/comunidades e os serviços de
Saúde;
Participar do processo de territorialização, realizando o mapeamento de
sua micro-área de atuação e colaborando no mapeamento da área da
UBS;
Cadastrar as famílias de sua micro-área de atuação e atualizar os dados
mensalmente;
Identificar e priorizar as famílias expostas a condições de risco individual e
coletivo sob a orientação da equipe;
*
Acesso ao site: www.fafema.br 10/12/05
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
17
Realizar, por meio de visita domiciliar, acompanhamento mensal de todas
as famílias sob sua responsabilidade na lógica da vigilância à saúde;
Coletar e registrar corretamente as ações desenvolvidas e as informações
colhidas na comunidade, para análise da situação das famílias
acompanhadas;
Participar no processo de programação e planejamento local das ações
relativas ao território de abrangência da Unidade Básica de Saúde, com
vistas à superação dos problemas identificados;
Informar os demais membros da equipe de saúde acerca da dinâmica
social da comunidade, suas disponibilidades e necessidades;
Desenvolver ações básicas de saúde nas áreas de atenção em todas as
fases do ciclo de vida e nos Projetos Prioritários, com ênfase na promoção
da saúde e prevenção de doenças, mobilizando as comunidades com
vistas à ampliação de autonomia na saúde;
Atuar de forma integrada com os diversos segmentos das comunidades, a
exemplo dos clubes de mães, associações de bairros, grupos de teatros
etc., na perspectiva de estabelecer canais de diálogo e participação efetiva
entre as equipes nucleares e as famílias, criando vínculo e compromissos
compartilhados na tarefa de promover a saúde;
Conversar e orientar os indivíduos/famílias/comunidades no que se refere
ao direito à saúde e sua forma de acesso;
Inserir-se de forma permanente nos processos de formação, capacitação e
educação, junto às equipes nucleares e demais profissionais da rede do
Sistema Municipal de Saúde e outros setores do governo local;
Participar e contribuir na execução da agenda municipal de saúde, segundo
sua qualificação profissional, a exemplo do cartão SUS, controle da Dengue e outras
doenças de caráter sazonal ou importância epidemiológica, combate à violência,
ação da cidadania em defesa da vida e eliminação da fome, desemprego, etc. (SÃO
PAULO – Estado, 1999).
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
18
Diante deste elenco de atribuições, destaca-se a existência marcante de ações
educativas na prática do ACS, seja sob o verbo conversar / orientar, quanto na
atribuição de promover saúde e prevenir doenças.
O número de ACS varia de acordo com o tamanho do grupo sob a
responsabilidade da equipe, numa proporção média de um agente para 575 pessoas
acompanhadas
*
.
1.3.4. Distribuição do PSF no município de São Paulo
O município de São Paulo está dividido em cinco Coordenadorias Regionais
de Saúde: Centro – Oeste, Leste, Norte, Sudeste e Sul.
Quadro1. Distribuição percentual da cobertura do PSF e PACS – ano 2004, nas Coordenadorias
Regionais de Saúde do Município de São Paulo.
Indicador Centro-Oeste Leste Norte Sudeste Sul Município
%cobertura PSF 11,6 26,3 17,1 15,2 35,0 22,1
%cobertura PSF usuários SUS 29,6 41,9 31,6 31,4 59,4 41,1
%cobertura PACS 3,1 2,0 3,1 6,0 19,6 7,3
%cobertura PACS usuários
SUS
7,9 3,2 5,7 12,4 33,3 13,6
%cobertura PACS + PSF –
SUS
37,5 45,1 37,3 43,8 92,7 54,6
Fonte: Site da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, acessado em maio de 2006
*
Acesso ao site: www.datasus.gov.br 13/09/05
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
19
Pode-se observar na Tabela 1 a existência de uma ampla cobertura do PSF e
PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde
*
) na regional Sul, seguida das
regiões Leste e Sudeste, podendo ser inferido o maior nível de necessidades sócio-
econômicas nestas regiões e, portando, a priorização das estratégias do PSF e
PACS nas mesmas. Esta conclusão reafirma a discussão realizada anteriormente
acerca da não universalização na atenção à saúde, mas um direcionamento que
converge ao contexto neoliberal que reduz as ações sociais para as classes pobres,
as quais apresentam de um lado maior vulnerabilidade devido à exclusão do
processo produtivo da sociedade capitalista e de outro, risco para as demais classes
sociais devido ao potencial de desenvolvimento de doenças e manifestações de
revolta, bem como salientou SALUM et al. (1999).
No município de São Paulo, temos atualmente perto de 900 equipes do PSF,
com aproximadamente 5200 ACS, 1800 auxiliares de enfermagem, 800 enfermeiros
e 720 médicos
**
.
Destaca-se o número significativo de ACS que associado ao surgimento
recente desta profissão traduz uma preocupação com a assistência, capacitação e
supervisão desses profissionais.
O total de Unidades Básicas de Saúde é 395, sendo aproximadamente 196
com o PSF**.
1.4. Uma discussão acerca de Educação em Saúde
Destaca-se no contexto do PSF a realização de ações educativas para
enfrentar os problemas de saúde das famílias.
Severino (2000) reflete que a educação, compreendida como processo
pedagógico sistematizado de intervenção na dinâmica da vida social, é considerada
*
O termo PACS é utilizado no Município de São Paulo para as UBS que não possuem as equipes de PSF
completas, em geral, não possuem o médico, conforme relatou a Enfermeira Naira Regina, responsável pela
capacitação da atenção básica no Município de São Paulo.
**
Dados coletados na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo com a Enfermeira Naira Regina, responsável
pela capacitação da atenção básica em agosto de 2006.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
20
objeto de estudos científicos, com o objetivo de auxiliar a definição de políticas
estratégicas para o desenvolvimento integral da sociedade. A educação é
compreendida como mediação básica da vida social de todas as comunidades
humanas, esta nova perspectiva, que levou à sua revalorização, não pode, no
entanto, fundar-se apenas na sua operacionalidade para a eficácia funcional do
sistema socioeconômico em uma perspectiva da teoria do capital humano.
Ruiz-Moreno et al. (2005), afirmam que “o binômio educação e saúde
constituem práticas socialmente produzidas em tempos e espaços históricos
definidos”. Os autores continuam, citando Mendes e Viana (2001), dizendo que “a
educação influencia e é influenciada as / pelas condições de saúde estabelecendo
um estreito contato com todos os movimentos de inserção nas situações cotidianas
em seus complexos aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, dentre outros.”
Ou seja, não existe dicotomia entre educação e saúde, ambos estão numa
relação dialética contribuindo para a integralidade do ser humano. Ao encontro desta
idéia temos a colocação de Piancastelli et al. (2000) de que “o encontro entre ensino,
serviço (de saúde) e comunidade pode vir a ser o vetor de construção de uma utopia,
que é a de fazer chegar a saúde a todas as famílias brasileiras.” Cabe aqui ponderar
que os conceitos atribuídos à saúde e à educação, bem como a concepção de ser
humano, devem estar claros para que as colocações anteriormente realizadas
tenham sentido.
Alves (2005) levanta a discussão acerca do debate sobre os alcances e limites
da estratégia do PSF, refletindo sobre uma reorientação do modelo hegemônico de
educação em saúde para um modelo dialógico, em que a diferença consiste
basicamente na consideração do sujeito no processo de aprendizagem,
“reconhecendo os usuários dos serviços de saúde enquanto portadores de saberes
sobre o processo saúde-doença-cuidado e de condições concretas de vida”.
Essa reflexão surge a partir do histórico da educação em saúde no Brasil
pautado no discurso higiênico-sanitarista que “apesar das mudanças pelas quais a
concepção de Educação em Saúde passou ao longo do tempo, ela manteve um
caráter prescritivo e normativo que advoga um comportamento saudável de caráter
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
21
individual, sem que sejam problematizadas as raízes do processo saúde-doença”.
(TRAPÉ, 2005).
Sherer et al. (2005) complementam acerca da necessidade de uma mudança
paradigmática no modelo de atenção à saúde, considerando a importância da ação
dos sujeitos envolvidos nesse processo.
Dessas discussões retoma-se a importância dos sujeitos envolvidos no
processo saúde-doença-cuidado (profissionais da saúde e usuários dos serviços de
saúde) na realização concreta de um novo paradigma de atenção à saúde que,
conforme discutido anteriormente vai além das diretrizes e leis, envolvendo crenças
e atitudes de cada cidadão envolvido.
Neste momento, a colocação de Severino (2000) preenche a lacuna que ainda
permanece após a discussão realizada até o momento:
“Sem dúvida, a educação não é a alavanca da transformação social.
No caso da sociedade brasileira, ainda sob o império da formação
econômica capitalista, o núcleo substantivo de todas as relações
sociais é a relação produtiva. Porém, a educação, como também
outras formas de ação sociocultural, está diretamente relacionada com
as condições da economia. É por isso que Gramsci (1976:9) sempre
insistiu que nenhuma reforma intelectual e moral pode estar desligada
da reforma econômica. Porém, se, por um lado, a educação pode
contribuir para disfarçar, legitimando-as ideologicamente, e abrandar
as contradições e os conflitos reais que acontecem no processo social,
por outro, pode também desmascarar e aguçar a consciência dessas
contradições, contribuindo para sua superação no plano da realidade
objetiva. Se a educação pode ser, como querem as teorias
reprodutivistas, um elemento fundamental na reprodução de
determinado sistema social, ela pode ser também elemento gerador
de novas formas de concepções de mundo capazes de se
contraporem à concepção de mundo dominante em determinado
contexto sociocultural”. (SEVERINO, 2000).
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
22
1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Educação em Saúde
Dessas discussões destacamos a importância do agente comunitário de
saúde no contato próximo com a população e o seu papel educacional.
Ao afirmar que os saberes da população devem ser considerados, a priori, em
uma prática educativa em saúde, teríamos o ACS como o indivíduo mais próximo
para acessar e compreender esses saberes.
Uma prática de saúde efetiva, que envolve saberes de educação em saúde, é
instrumento fundamental para a concretização da estratégia do PSF e,
conseqüentemente, do ideal almejado pelo SUS.
Cordeiro (2000) considera que “a formação permanente de médicos,
enfermeiros e de outros profissionais para as equipes de saúde da família é um
desafio crucial para o êxito da proposta”. Ou seja, os profissionais que atuam no PSF
devem passar por um momento reflexivo, de aprendizagem no que se refere à
promoção, prevenção e recuperação da saúde.
Nesse sentido, temos os Pólos de Capacitação, Formação e Educação
Permanente de pessoal para Saúde da Família, instituído pelo Ministério da Saúde,
que se constitui como “espaço de articulação de uma ou mais entidades voltadas
para a formação e educação permanente de recursos humanos em saúde. Essas
entidades são vinculadas às universidades ou instituições de ensino superior e se
integram com secretarias estaduais e municipais de saúde para implementarem
programas de capacitação destinados aos profissionais de Saúde da Família
*
.
Os Pólos de Capacitação, portanto, segundo a concepção do Estado, formam
uma rede de instituições comprometidas com a integração ensino-serviço, voltadas
para atender à demanda de pessoal preparado para o desenvolvimento da estratégia
de saúde da família, no âmbito o SUS
*
.
Eles já estão implantados em todos os Estados. Essa rede congrega,
atualmente, mais de 100 instituições de ensino superior - Universidades, Faculdades
*
Acesso ao site: www.fafema.br em 10/12/05
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
23
e Escola de Medicina e Enfermagem - e vem exercendo um importante papel junto
aos gestores do SUS na formação e operacionalização de uma agenda de trabalho
voltada para orientar a formação, capacitação e educação permanente das Equipes
de Saúde da Família
*
.
Em São Paulo temos o pólo de capacitação da Grande São Paulo, que
engloba, além da Secretaria de Estado da Saúde, Secretarias Municipais e
instituições de ensino como a USP, a Santa Casa, a Unisa (Universidade Santo
Amaro), a UniMogi (Universidade Mogi das Cruzes), a Fundação ABC, a Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo), a Casa de Saúde Santa Marcelina e a
Fundação Zerbini
**
.
A importância desse processo reflexivo e educativo contínuo para os
profissionais atuantes no PSF é fundamental para o êxito do Programa. Não
discutiremos neste momento o estado da arte dos pólos de capacitação, ou seja, de
que forma estão organizados e qual o impacto destes na prática dos profissionais da
saúde no contexto do PSF, dado a abrangência do assunto. Porém, quanto ao
processo de capacitação dos ACS, pode-se afirmar que ainda não existe uma
conformação e homogeneidade no processo, apesar de estar registrada em lei a
necessidade de uma “formação básica” para a atuação como ACS, parte significativa
desses profissionais recebe essa “capacitação” após a sua contratação e conforme a
disponibilidade de cursos específicos oferecidos. Os demais membros da equipe, em
especial os Enfermeiros, assumem esse papel de orientar os ACS em sua nova
realidade de trabalho
***
.
*
Acesso ao site: www.fafema.br em 10/12/05
**
Acesso ao site: www.unifesp.br em 20/12/05
***
Dados coletados na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo com a Enfermeira Naira Regina, responsável
pela capacitação da atenção básica, em agosto de 2006.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
24
______________________________
JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
25
2. JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS
2.1. Justificativas
Diante do cenário exposto na introdução deste trabalho, percebe-se a
importância do Programa de Saúde da Família (PSF) como uma possibilidade de
concretização dos ideais preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como a
universalidade, a integralidade, a eqüidade e a democratização do acesso aos
serviços de saúde, além da ênfase na promoção à saúde e prevenção de doenças.
Esta possibilidade, no entanto, foi contextualizada nos âmbitos políticos e
econômicos que permeiam a dinâmica da nossa realidade Brasileira a qual
contempla a valorização do capital e, dessa forma, corre-se o risco da saúde ser
abordada como uma mercadoria.
No entanto, ao considerar a compreensão de Severino (2000) que se refere à
prática educativa como um instrumento capaz de reiterar ou transformar uma
determinada realidade, esta pesquisa pretende discutir a dimensão educativa no
cotidiano de trabalho do ACS na realidade do PSF para que, conhecendo, possamos
vislumbrar novas possibilidades de educação em saúde almejando uma prática
efetiva que realmente promova a saúde da população. Consideramos que o ACS é o
elo entre a população e os equipamentos de saúde e, portanto, tem um potencial
transformador da realidade de saúde atual.
Abordaremos os seguintes questionamentos: Quais são as práticas
educativas desenvolvidas pelos ACS no seu cotidiano de trabalho no PSF? Como e
em que contexto essas práticas educativas se desenvolvem?
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
26
2.2. Objetivo Geral
Analisar as práticas educativas dos ACS de uma Equipe do PSF da zona
norte do Município de São Paulo.
2.3. Objetivos Específicos
Identificar e analisar as práticas educativas desenvolvidas pelos ACS no
seu cotidiano de trabalho em UBS que contempla o PSF e localizada na
zona Norte no Município de São Paulo;
Verificar e analisar em que contexto as práticas educativas são
desenvolvidas pelos ACS em seu cotidiano de trabalho em UBS que
contempla o PSF e localizada na zona Norte no Município de São Paulo.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
27
__________________________________
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
28
3. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
3.1. Processo saúde-doença determinado socialmente
Laurell (1983) refere-se a pontos centrais de análise sobre a produção e
distribuição da doença: a própria conceituação do processo saúde-doença, a
historicidade do processo e a sua determinação social, bem como a discussão sobre
as noções de causalidade e determinação desse processo.
Breilh
(1980) parte da análise da relação dialética entre o biológico e o social e
do estudo da reprodução dos grupos sociais nas diversas etapas produtivas,
diferenciando os momentos produtivos dos reprodutivos e considerando as várias
dimensões (natural, econômica e política) que devem ser levadas em conta, na
detecção do perfil epidemiológico das classes sociais. Destaca como fundamental a
análise dos perfis epidemiológicos, em uma dada formação social de classes sociais
e frações de classe em que se segmenta a sociedade.
Laurell (1983) também enfatiza a categoria classe social como básica para a
análise da produção e distribuição da enfermidade.
"As classes são grandes grupos de pessoas que diferem umas das
outras pelo lugar ocupado por elas num sistema historicamente
determinado de produção social, por sua relação (na maioria dos
casos fixada e formulada em lei) com os meios de produção, por seu
papel na organização social do trabalho e, por conseqüência, pelas
dimensões e método de adquirir a parcela da riqueza social de que
disponham. As classes são grupos de pessoas onde uma pode se
apropriar do trabalho de outra, devido a lugares diferentes que
ocupam num sistema definido de economia social". (Lênin citado por
STAVENHAGEN, 1973)
.
Ou seja, no modelo capitalista de organização social, temos diferentes classes
sociais que se inserem nos modos de produção de formas distintas e, portanto,
reproduzem, ou seja, vivem conforme a inserção nesses modos de produção lhes
possibilita. Essas diferentes formas de produzir e reproduzir na sociedade capitalista
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
29
geram diversos fatores de fortalecimento e desgaste no que se refere ao processo
saúde-doença; por exemplo, um administrador de empresas de São Paulo possuirá
potenciais de fortalecimento (condições financeiras para manter uma boa
alimentação) e desgaste (estresse urbano) diferentes de um assalariado rural que
possui potenciais de fortalecimento e desgaste específicos, como a realização de
atividade física podendo ser considerado um potencial de fortalecimento e a
exposição ao sol sem uso de fotoproteção como um fator de desgaste.
3.2. Educação: uma prática de liberdade e emancipação
Em conformidade com os princípios discutidos, se o objetivo é o
fortalecimento das populações para que as classes sociais possam fazer face de
maneira mais adequada aos determinantes do processo saúde-doença, é preciso
lançar mão de uma pedagogia não normativa, mas dialógica e emancipatória, a
exemplo da proposta por Paulo Freire.
“A educação que se impões aos que realmente se comprometem com
a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens
como seres vazios a quem o mundo encha de conteúdos; não pode
basear-se numa consciência especializada, mecanicistamente
compartimentada, mas nos homens como ‘corpos conscientes’ e na
consciência como consciência intencionalizada ao mundo. Não pode
ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos
homens em suas relações com o mundo”. (FREIRE, 2005)
É a partir dessa visão de educação citada por Freire que pautaremos o
desenvolvimento desta pesquisa, ou seja, partimos da idéia de educação como um
ato de troca em que o educador é aquele “que enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa” (FREIRE, 2005).
Educar vem do latim EDUCERE que significa CONDUZIR. É preciso então
entender que a proposta educativa de tipo condutivista, na promoção da saúde, deve
ser abandonada em favor da proposta informativa porque as pessoas não devem ser
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
30
"educadas", mas, ao contrário, com a ajuda da e dialogando com a informação
técnica devidamente decodificada, conduzir sua vida. “Em vez de educar conduzindo
é preciso informar o cidadão de modo claro, transparente...”. (LEFÈVRE e
LEFÈVRE, 2007).
“Em geral, a prática dos profissionais de saúde não tem sido a de
fortalecimento; ao contrário, tem consistido na ministração de
prescrições comportamentais, em geral enunciadas no imperativo
como: não fume; não transe sem camisinha; use cinto de segurança;
não abandone o tratamento; não deixe água nos vasos de flores;
ande, não fique sentado o tempo todo; coma verdura; escove os
dentes; etc”. (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2007).
Nesse momento, após a clarificação dos conceitos adotados no presente
estudo: o processo saúde-doença determinado socialmente e educação como uma
prática de liberdade e emancipação, serão apresentadas algumas pesquisas
realizadas que convergem com o objeto de estudo aqui apresentado.
3.3. Pesquisas realizadas acerca da atuação dos ACS
Silva e Dalmaso (2002), em uma discussão publicada acerca das atribuições
do agente comunitário de saúde realizada a partir de levantamento bibliográfico,
relatam que historicamente o ACS é conceituado como o elo entre a comunidade e
sistema de saúde e que existem duas dimensões principais inseridas na sua
histórica proposta de atuação: uma dimensão técnica, de atendimento às famílias,
intervenções para prevenção de agravos, monitoramento, etc; e uma dimensão
política que envolve a organização da comunidade e transformação das condições
pertinentes.
Essa dimensão política seria o elemento de reorientação da concepção e do
modelo de atenção à saúde, de discussão na comunidade e fomentador da
organização dessa comunidade focando a cidadania e a inclusão, ou seja, elemento
de transformação social. (SILVA e DALMASO, 2002).
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
31
Outro aspecto que deriva dos componentes técnico e político é o componente
de assistência social, em uma tentativa de unir as perspectivas da atenção primária
em busca de acesso aos serviços, isso corresponde à atuação do ACS em uma
racionalidade técnica integrada a dimensões de cidadania e inclusão. (SILVA e
DALMASO, 2002).
Silva (2001) em pesquisa realizada para defesa de sua tese estudou o perfil
do ACS do projeto QUALIS (Qualidade Integral em Saúde), denominação do PSF
implantado em 1995, no Estado ou Município de São Paulo. A autora trabalhou com
análise da autopercepção dos ACS (entrevistas) e com a observação do trabalho
concreto desses profissionais, além de considerar as opiniões dos demais sujeitos
que de alguma forma contribuíam para a formação do perfil do ACS, trabalhando,
dessa forma, com o que Peduzzi (1998) chama de triangulação de dados. Nesta
pesquisa, a autora identificou a falta de instrumentos e tecnologias aos ACS para os
saberes das dimensões esperadas para a sua atuação, levando esse profissional a
recorrer ao senso comum, por exemplo, pelas religiões e algumas vezes aos saberes
das famílias e das comunidades. Neste mesmo trabalho, verifica-se o “empréstimo
de saberes técnicos”, mas sem abordagem da dimensão política, destacando-se a
ausência de trabalhos voltados para o “agir comunicativo”.
Poderíamos inferir que, algumas vezes, até mesmo o saber técnico não é
partilhado, citando como exemplo o trabalho de Fortes e Spinetti (2004) intitulado “o
agente comunitário de saúde e a privacidade das informações dos usuários” no qual
foram entrevistados 35 profissionais da Unidade Básica de Saúde da Família, sendo
24 sujeitos ACS. Após a análise dos dados (análise de conteúdo), concluíram que há
o interesse dos ACS em desenvolverem maior conhecimento técnico para responder
as demandas da população, porém referem à ausência de apoio na apropriação
dessas competências a partir dos outros profissionais membros da equipe.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde
*
, propondo-se a subsidiar os Pólos de
Capacitação na formação do ACS, define sete competências que este profissional
deve desenvolver, entendendo como competência “a capacidade pessoal de articular
conhecimentos, habilidades e atitudes inerentes a situações concretas de trabalho”;
*
Acesso ao site: www.saude.gov.br em 15.05.06
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
32
as competências são: trabalho em equipe; visita domiciliar; planejamento das ações
de saúde; promoção da saúde; prevenção e monitoramento das doenças
prevalentes; prevenção e monitoramento de grupos específicos; acompanhamento e
avaliação das ações de saúde.
Um dos questionamentos de Silva e Dalmaso (2002) é: “que saber é esse
necessário para saber fazer
?
.
Segundo Abbott (1990), a elaboração do saber a partir da prática, a ação de
supervisão e gerência são fundamentais, o que Silva (2001) aponta como falho no
PSF, pois a ação gerencial atua pouco quanto à conformação do trabalho do ACS e
as reuniões em equipe focam mais os casos individuais. O ACS se vê como um
educador para a saúde, organizador de acesso ao serviço de saúde e “olheiro” da
equipe (captação de necessidades, identificação de prioridades e detecção de casos
de risco); focando a dimensão técnica (SILVA, 2001).
As autoras Silva e Dalmaso (2002) discutem alguns desafios para a atuação
desses profissionais: primeiro a consideração de diferentes contextos nos quais o
PSF está inserido, com conseqüente necessidade de flexibilização de operação e,
portanto, de preparação de pessoal; segundo, considerar a amplitude das finalidades
do PSF, desde uma vertente mais biológica e individual até uma vertente mais
coletiva e social; terceiro, o desenvolvimento de uma tecnologia de trabalho
adequada às necessidades que vá além da atenção primária, incluindo o plano das
políticas públicas, destacando questões como concepção de família e a abordagem
adequada a essa, relações sociais urbanas e rurais, etc. Nesse sentido, definir as
competências e desenvolver os instrumentos de trabalho exige prioridade. O quarto
desafio citado é o trabalho em equipe, a constituição dessa equipe que elabore um
projeto de trabalho voltado para a promoção à saúde e para a articulação da unidade
básica de saúde com outros equipamentos e movimentos sociais.
(SILVA e
DALMASO, 2002).
Outro desfio que emerge é a formação dos profissionais para a saúde da
família. Silva e Dalmaso (2002) destacam que o maior investimento tem sido feito na
qualificação de médicos e enfermeiros. Enquanto o auxiliar de enfermagem tem uma
formação voltada a atividades próximas às atividades hospitalares, existem na
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
33
atenção básica atividades educativas e de aconselhamento que demandam uma
formação adequada.
Percebe-se que “nos espaços de formação continuada encontram-se com
freqüência conteúdos tradicionais de conhecimento e prática na área da saúde”,
dificultando a instrumentalização para atuar na totalidade das finalidades colocadas
para o PSF que está inserido no SUS. (SILVA e DALMASO, 2002).
Trapé (2005), ao pesquisar a prática educativa dos agentes comunitários de
saúde do PSF à luz da categoria práxis, observa que a educação em saúde é vista
como transmissão de informações para se adquirir saúde, numa práxis reiterativa em
que os ACS não participam do planejamento do processo de trabalho, reproduzindo
tarefas planejadas por outros; a autora sugere como caminho para uma práxis
criadora a qualificação desses agentes, tanto na formação como na supervisão,
destacando que para isso seria necessário, “a qualificação do trabalho e de todos os
trabalhadores de saúde, aperfeiçoando as concepções do saber operante”.
Zanchetta et al. (2005), em estudo-piloto realizado sobre a educação, o
crescimento e o fortalecimento profissional do ACS a partir de entrevistas individuais
e grupais com 24 ACS, além de visitas às comunidades e fotografias, colocam como
desafio para os gestores em saúde “como apreender a idéia de que alfabetizar e
orientar para a saúde, apesar da complexidade, requer proposições simples, como a
de retirar as lentes do simplório, trazer a discussão-ação para o interior do
paradigma científico da complexidade e conceber, então, modalidades de agir
simples e eficazes”. Nesse sentido, o ACS como ponto chave na retirada “das lentes
do simplório”.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
34
________________________
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
35
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1. Tipo de Pesquisa
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo-exploratório que
para sua realização foram fundamentais os trabalhos de Minayo (2004) que discute a
utilização da pesquisa qualitativa em saúde e de Szymasnki et al. (2004) que
abordam a entrevista na pesquisa em educação na perspectiva reflexiva, bem como
apontam possibilidades de análises.
De acordo com Minayo
(2004), a metodologia qualitativa é capaz de incorporar
o significado e a intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às
estruturas sociais. Além disso, a eleição desta modalidade de pesquisa permite o
acesso à intersubjetividade presente na representação da vivência das pessoas
relacionadas ao objeto de estudo.
Sob essa ótica, compreender as representações implica captar nos discursos
os aspectos explícitos e implícitos, buscando as imagens e os conteúdos simbólicos
presentes no processo de pensamento que interferem diretamente no aspecto
cognitivo, na interpretação da realidade e nas condutas adotadas. (NORTON e
TALERICO, 2000).
Nesse sentido, almeja-se trabalhar com o universo de significados,
motivações, crenças, valores e atitudes, correspondentes a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2004).
4.2. Local de Estudo
A escolha de uma Unidade Básica de Saúde que contempla o Programa de
Saúde da Família na Zona Norte do Município de São Paulo ocorreu devido à
convergência de pressupostos e objetivos entre a presente pesquisa e o trabalho de
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
36
um grupo de pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na
Escola, Família e Comunidade (ECOFAM) da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo que se desenvolve nas proximidades da UBS escolhida. O trabalho citado
consiste na implementação e na avaliação de propostas educacionais participativas
e dialógicas em diferentes contextos educacionais.
Em consonância ao exposto, a presente pesquisa prevê a identificação e
contextualização das práticas educativas desenvolvidas pelo ACS, sob o referencial
teórico referente à educação pautado nos ensinamentos de Paulo Freire, ou seja,
uma educação também participativa e dialógica. Assim, a escolha do local de estudo
foi determinada pela existência de um trabalho local que também considera a
concretização de uma prática educativa pautada no diálogo.
O primeiro contato da pesquisadora com a UBS da Zona Norte ocorreu em
julho de 2006, na visita houve uma receptividade positiva e, com a anuência da
direção local, foi-lhe designado um dos Enfermeiros que a recebeu com cordialidade
e explanou sobre o funcionamento da UBS. O projeto de pesquisa já havia sido
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de
São Paulo.
O Programa de Saúde da Família que funciona na UBS escolhida para a
coleta de dados é financiado e gerenciado pela parceria entre Secretaria Municipal
de Saúde de São Paulo (SMS-SP) e a Associação Saúde da Família (ASF), essa
Associação é uma instituição não governamental filantrópica que atua nos
segmentos de saúde pública em todo território nacional, atuando em parceria com os
setores públicos e privados.
4.3. Participantes
Foram participantes desta pesquisa seis ACS, um de cada uma das equipes
do PSF da UBS escolhida.
Os ACS que participaram da pesquisa exerciam a profissão há mais de um
ano na UBS escolhida, critério adotado para garantir o conhecimento da realidade
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
37
local por parte desses profissionais. Após a apresentação da proposta de trabalho
realizada pela pesquisadora e o convite para que pelo menos um ACS de cada
equipe pudesse colaborar no estudo, houve adesão espontânea e esclarecida dos
ACS (Anexo 1).
A seguir apresenta-se um quadro com algumas características dos ACS
consideradas relevantes na contextualização da presente pesquisa. Como o caráter
da pesquisa é qualitativo e o número de entrevistados não tem significado estatístico
conforme se preconiza nas pesquisas de cunho quantitativo, a caracterização não
teve a finalidade de discussão numérica e correlacional, mas apenas em caráter
expositivo.
Quadro 2. Caracterização dos participantes da pesquisa:
Entrevistados
Dados
1 2 3 4 5 6
Sexo
Masculino Feminino Feminino Masculino Feminino Masculino
Idade
34 anos 21 anos 20 anos 23 anos 28 anos 27 anos
Grau de
Escolaridade
Ensino
médio
completo
Ensino
médio
completo
Ensino médio
completo
Ensino médio
completo
Ensino médio
completo
Ensino médio
completo
Naturalidade
São Paulo
Salvador
(BA)
São Paulo São Paulo
Mossoró (RN)
São Paulo
Tempo de
residência no
bairro
11 anos 04 anos 05 anos 23 anos 15 anos 13 anos
Experiência
prévia na área da
saúde
Não
Não
Não Não Não Não
Características
pessoais
percebidas pela
pesquisadora
Extrovertido,
fluente e
seguro no
discurso
Tímida e
insegura
ao falar
Tímida,
envolvida e
solícita nos
discursos
Comunicativo,
alegre e
envolvido no
trabalho de
ACS
Comunicativa,
sensível e
determinada
Comunicativo,
dinâmico e
seguro
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
38
Diante do quadro apresentado algumas características se destacam como o
número equivalente de entrevistados do sexo masculino e feminino, a faixa etária
exclusiva de adultos jovens, o mesmo nível de escolaridade, o amplo tempo de
residência dos ACS no bairro de atuação, a inexperiência de atuação na área de
saúde, além das características pessoais percebidas pela pesquisadora que possui
um ponto de convergência e prevalência dos ACS comunicativos.
4.4 . Coleta de Dados
No primeiro momento foram realizadas duas entrevistas piloto com ACS que
atuam em locais distintos ao local da pesquisa como forma de aprimoramento dos
instrumentos de coleta de dados.
Minayo (2004) afirma que como a entrevista é um momento formal de
captação de informações, essa deve ser complementada ou fazer parte da
observação participante, assim, além do relato “mais ou menos” dirigido, capta-se as
relações, as práticas, os gestos e as falas informais do cotidiano.
Duas visitas domiciliares de cada ACS foram acompanhadas, tendo como
guia um roteiro prévio dos pontos importantes a serem observados (Anexo 2), esses
foram memorizados para evitar a impessoalidade de permanecer com papel e caneta
nas mãos durante as visitas o que poderia repercutir como uma postura de
fiscalização. A pesquisadora, ao término dos acompanhamentos nas visitas
domiciliares, realizou anotações sobre a experiência vivenciada.
Posteriormente, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas (Anexo 3) em
uma sala reservada na UBS, essas foram gravadas em fitas cassetes e transcritas a
seguir.
Na elaboração dos instrumentos e na prática das observações e das
entrevistas foram considerados os roteiros sugeridos por Silva (2001) e os trabalhos
de Szymanski et al. (2004) e Minayo (2004). De modo geral, esses referenciais
contribuíram para a atitude observadora, reflexiva e empática da pesquisadora
durante todo o processo de coleta dos dados.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
39
Minayo (2004) traz à reflexão a idéia de observação participante como a
imersão do pesquisador na realidade observada ao lado do domínio do referencial
teórico, a autora ainda diz que a atitude de observador científico consiste no colocar-
se na perspectiva do grupo pesquisado, com respeito, empatia e inserção íntima. O
pesquisador deve estar aberto para o grupo e ter sensibilidade para a compreensão
da sua lógica e da sua cultura, atentando-se para o fato de que a interação faz parte
da condição e da situação de pesquisa. A autora complementa esses atributos do
pesquisador durante a observação da realidade concreta afirmando que esse deve
ser um perscrutador insistente.
Essas colocações orientam o pesquisador a evitar o início da pesquisa com
idéias pré-concebidas correndo-se o risco de manipular a “comprovação” de
determinadas hipóteses pré-concebidas.
Referente aos cuidados na realização das entrevistas, Szymanski et al. (2004)
apontam alguns momentos que compõe a entrevista, o contato inicial é o momento
em que o pesquisador tem a oportunidade de se apresentar e os seus propósitos,
bem como esclarecer as questões éticas envolvidas no processo de pesquisa, nesse
contato inicial deve-se abrir espaço para perguntas e esclarecimento de dúvidas,
bem como o estabelecimento de uma relação cordial.
Acrescenta-se aqui a importância do cuidado com as expressões verbais e
não-verbais utilizadas, pois essas podem abrir ou fechar possibilidades de interação
com o outro.
O segundo momento citado por Szymanski et al. (2004) é a condução da
entrevista, que é subdividida em três fases. Primeiramente o aquecimento que
propicia um encontro mais pessoal e o aprofundamento do conhecimento entre
entrevistado e pesquisador, comparado a um delineamento da biografia de cada um,
essa possibilidade de falar sobre si e sobre sua trajetória de vida pode propiciar
maior pessoalidade na entrevista. A segunda fase seria a colocação da questão
desencadeadora em busca de uma expressão livre do entrevistado em uma primeira
elaboração narrativa. A terceira fase contempla a expressão da compreensão pelo
pesquisador sobre o que foi falado, no sentido de descrição e síntese do relato
obtido e não de interpretação. Por fim, o momento de síntese que deve ocorrer em
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
40
diferentes momentos da entrevista utilizando, preferencialmente, a linguagem do
entrevistado com vistas a explicitar o quadro que está sendo delineado, bem como
imergir no discurso e também trazer a entrevista para os focos desejados.
No decorrer da entrevistas algumas questões devem ser consideradas,
questões de esclarecimento, focalizadoras, de aprofundamento e de devolução.
Szymanski et al. (2004) ainda consideram que o desempenho do pesquisador
é de grande importância, sendo necessário um momento de treinamento, nesse
sentido, as entrevistas piloto realizadas no decorrer desse estudo foram
fundamentais, associadas ao fato da pesquisadora já ter experiência prévia, na
graduação e na especialização, de entrevistas face a face.
4.5 . Procedimentos de Análise dos Dados
Como subsídio teórico para realização da análise de dados das entrevistas,
adotou-se a sugestão de Szymanski et al. (2004) que realiza uma discussão acerca
das diferentes formas possíveis de análises de entrevistas e concluem com uma
sugestão resultante de pesquisas e experiências vivenciadas.
A partir dessa referência, parte-se do pressuposto que a análise dos dados
não tem um momento de início definido, pois, segundo Szymanski et al. (2004): “o
pesquisador, antes mesmo de iniciar o procedimento de entrevista, tem algum
conhecimento e compreensão do problema, proveniente não apenas de seus
referenciais teóricos, mas também de sua experiência pessoal”. Assim, conforme as
mesmas autoras citadas afirmam, a consideração dessa subjetividade traduz-se no
cuidado com o rigor científico.
Primeiramente realizou-se a transcrição das entrevistas que pode ser
chamada, conforme Szymanski et al. (2004), de “descrição ingênua ou descrição I”
que compreende os relatos – depoimentos. Em seguida houve um momento de
reescrita dessa descrição gerando a “descrição II” que se refere às unidades de
significado que analisadas conforme suas convergências mais evidentes foram
agrupadas em categorias e subcategorias (conforme exemplificado no Anexo 4).
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
41
Com base nas categorias encontradas teve início o momento de interpretação e
discussão dos dados obtidos.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
42
___________________________________
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
43
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A categorização realizada a partir da transcrição das entrevistas constitui a
imersão do pesquisador nos dados e sua forma pessoal de agrupá-los segundo a
sua compreensão. (SZYMANSKI et al., 2004).
No presente estudo, foram quatro as categorias identificadas: (a) o trabalho do
Agente Comunitário de Saúde; (b) a relação do Agente Comunitário de Saúde com a
população; (c) a dinâmica de funcionamento do Serviço de Saúde e (d) o Agente
Comunitário de Saúde como educador. Cada categoria contempla subcategorias
relacionadas.
5.1. O trabalho do Agente Comunitário de Saúde
Aprofundar o conhecimento acerca da forma como o ACS está inserido no
trabalho de atenção à saúde foi elemento fundamental para a compreensão
ampliada do objeto do presente estudo.
Segundo o relatório de implantação e desenvolvimento do PSF no Estado de
São Paulo (SÃO PAULO – Estado, 1999), descrito anteriormente, as atribuições de
trabalho do ACS são diversas. Essa abrangência foi verificada a partir dos relatos
provenientes das entrevistas, que posteriormente foram enriquecidos com
observações realizadas pela pesquisadora no cotidiano de trabalho do ACS.
O fato de o ACS ser parte da comunidade, residir e vivenciar a realidade da
população pela qual é responsável, estabelece uma relação muito próxima e até
afetiva com essas pessoas. Dessa forma, o ACS muitas vezes não se limita às
atribuições a ele preconizadas e, no seu cotidiano de trabalho, atua para além das
questões oficiais motivado por um forte envolvimento com a comunidade.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
44
5.1.1. Inserção do ACS no modo de produção e suas conseqüências no
modo de reproduzir a vida
Inicialmente deve-se destacar o caminho percorrido pelos entrevistados até se
tornarem ACS. Existe a procura por uma melhor oportunidade de emprego e a busca
da inserção no mercado de trabalho para garantir a satisfação das necessidades de
vida que, nem sempre, vão ao encontro das exigências do mercado de trabalho.
“Eu comecei a trabalhar de pacoteiro... depois de office-boy na companhia Paulista
de Seguros, cheguei a escriturário, saí da companhia Paulista de Seguros e entrei no
Unibanco, fazia compensação de cheque na (rua) São João. Saí do Unibanco e fui
pra o ABN, trabalhei como analista de crédito e saí de lá com uma proposta melhor
no Credicard. Fiquei na Credicard de dois a três anos, depois na Paulista como
analista de crédito um ano e seis meses, e exigiram que eu fizesse faculdade. Ou eu
comprava minha casa ou fazia faculdade. Aí eles exigiram, até que teve um corte, aí
no ano 2000 eu saí e desde então comecei a trabalhar por conta...”. (entrevista 1)
Verifica-se no relato anterior que houve a necessidade de escolha entre o
aprimoramento profissional ou a aquisição de moradia própria e, além disso, a
escolha pela profissão ACS foi incentivada pela esposa e permeada por uma
preocupação com a renda:
“A bem dizer eu não queria (ser ACS), a verdade foi essa. Aí ela (a esposa) falou: fica
aí pelo menos três meses, vê como é, e se você não quiser você pára. Aí os
primeiros trinta dias foi horrível, comecei a trabalhar no dia primeiro de dezembro de
2006. E a gente que trabalha por conta ou na área de ambulante, o melhor mês pra
vendas seria dezembro, janeiro e fevereiro. Eu queria embora, mas ela (a esposa)
falou: não, segura pelo menos pra dar o seguro desemprego. Aí eu comecei a
trabalhar, comecei a gostar, comecei a conciliar meu trabalho de ambulante com o
trabalho aqui. Hoje eu consigo conciliar os dois lados”. (entrevista 1)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
45
Nota-se nessa trajetória um início angustiante por causa da preocupação com
a renda, porém, ao longo do período de adaptação, o ACS passa a ter um
sentimento positivo em relação ao novo trabalho, ao mesmo tempo em que
consegue conciliar as duas ocupações.
A escolha pela profissão ACS a partir de uma oportunidade de emprego
disponível no momento aparece na fala de outros entrevistados.
“Eu trabalhava na padaria em frente a minha casa. Eu trabalhei lá um ano e onze
meses. Antes de trabalhar lá eu fazia bico com meu irmão. Aí comecei a trabalhar,
parei um ano e onze meses. Aí eu fui atrás de outro porque lá não registrava, foi o
acordo que nós fizemos. Tentei entrar na Butique do Pão, entrei na Butique do Pão,
trabalhei lá só um mês, aí fiquei desempregado. Aí abriu inscrição aqui eu já tinha
prestado uma vez, mas não passei”. (entrevista 4)
A questão da migração do Nordeste do país para São Paulo em busca de
formação profissional e oportunidade de emprego foi identificada. A ACS vislumbra a
escolha profissional de ACS como uma oportunidade disponível e uma forma de se
aproximar do seu objetivo que é trabalhar como auxiliar de enfermagem.
“Eu trabalhei onze meses como balconista em um supermercado. E aí estava
precisando de Agente Comunitário da Saúde; já queria também fazer o curso de
auxiliar, que eu vim pra cá (da Bahia para São Paulo) por causa disso também (em
busca de emprego e estudo)... aí foi assim essa oportunidade, (pensei) eu vou
começar por aí pra ver se depois eu vejo o que eu posso estar fazendo”. (entrevista
2)
Em relação ao fluxo migratório interestadual em direção à cidade de São
Paulo, destaca-se que entre as décadas de 80 e 90, a metrópole recebeu cerca de
1,3 milhões de pessoas provenientes de outros Estados, dessas, 66,1%
provenientes dos Estados do Nordeste. (PERILO e PERDIGÃO, 1998).
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
46
Para outra ACS, o papel de mãe foi motivo para permanecer fora do mercado
de trabalho por um período da sua vida, até que surgiu a oportunidade de emprego
como ACS agregado à necessidade de trabalhar:
“Antes eu era recepcionista, trabalhei um tempo, mas antes de vir trabalhar aqui eu já
estava desempregada. Levei quatro anos que eu tive meu filho, meu último filho e
resolvi ficar em casa. Tenho quatro filhos. Tenho um de treze, um de dez anos que
tem problema psiquiátrico e não fala, tenho outro de oito e um pequenininho de cinco.
Então eu preferia ficar em casa. Mais por causa da necessidade, aí surgiu a
oportunidade; vi a plaquinha, falei não custa fazer. Aí fiz com as meninas da minha
rua, minhas colegas. E aí elas falavam: acho que você é a única que vai passar. Por
acaso foi”. (entrevista 5)
A inserção das mulheres no mercado de trabalho possui distintas motivações,
podemos colocar em evidência dois conjuntos. O primeiro conjunto agrega
elementos motivacionais como a realização individual, o desejo por autonomia e
independência, ligados aos valores mais modernos resultantes tanto das lutas
feministas por direitos iguais, quanto do processo de individualização da sociedade
contemporânea apresentado sob a forma do culto a si. O segundo agrega a
necessidade econômica, o imperativo econômico para a complementação da renda
familiar, em especial nas sociedades tão desiguais como a brasileira. Disso deriva
dois sentidos para o ato de estar ou desejar estar inserida no mercado de trabalho,
que não são necessariamente excludentes: o trabalho vivido como satisfação e
busca pela realização pessoal e autonomia; e o trabalho como obrigação e
necessidade. (PICANÇO, 2004).
Referente à inserção do ACS no seu modo de produção específico, verifica-se
que esse modo de trabalhar, o qual contempla questões burocráticas, sociais, físicas
e emocionais, traduz na vida do ACS impactos profundos e evidentes.
Diferentes dimensões na vida do ACS são impactadas pelo seu modo de
inserção no mercado de trabalho, evidencia-se no trecho a seguir que a necessidade
de conciliar o emprego de ACS com outra ocupação informal, torna a jornada de
trabalho excessiva.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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“Aqui no posto (UBS) fico das 8:00h às 17:00h. Antes de vir pro posto já trabalhava
como ambulante. Eu sou ambulante de trem, eu trabalho na madrugada, aí venho
trabalhar às 7:30h da manhã, desembarco na estação Pirituba e quando eu saio às
17:00h daqui nas segundas, quartas e sextas vou trabalhar (de ambulante) e retorno
(para casa) à noite por volta das 22:00h. Sábado o dia todo e domingo até 12:00h,
13:00h no máximo”. (entrevista 1)
Ainda referente à jornada de trabalho, a demanda da população na busca pelo
ACS ultrapassa os horários e locais de trabalho desse profissional. Como uma das
exigências no processo seletivo do ACS é residir na área em que irá atuar, sua
clientela é constituída por vizinhos e pessoas potencialmente de seu convívio
cotidiano, dessa forma, muitas vezes, a população solicita a atenção do ACS em
locais e horários não contemplados no seu trabalho.
Os ACS reagem de formas distintas frente a essa situação, para alguns, essa
demanda excessiva é considerada um fardo e é comparada ao término da sua vida
pessoal.
“E você morar no bairro você não tem mais sábado domingo e feriado. O teu vizinho,
ou seja, morador do bairro, acha que você tem que ser um agente de saúde 24h por
dia. Porque onde ele te encontrar pergunta sobre medicação, receita e sobre
consulta. Então acabou sua vida”. (entrevista 1)
O ACS solicita residir fora da sua área de atuação para que possa viver
melhor e evitar o aborrecimento dessa demanda.
“Eu gostaria mesmo como ACS era que o ACS pudesse morar fora da micro-área (de
atuação). Eu acho que meu pedido fundamental seria isso. Porque morando fora da
sua micro-área você está fora de seus pacientes. Você consegue viver melhor”.
(entrevista 1)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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Diante dessa realidade, os ACS vão aprendendo a lidar com a situação na
forma como atendem às solicitações da população.
“As pessoas não sabem dividir que você tem um horário. No começo a gente respeita
pra não ser mal educado. Aí você vai aprendendo a lidar com a situação, vai dando
aquele corte de leve ‘me procura no posto tal dia, porque eu trabalho de segunda a
sexta das 8:00h ás 17:00h e ali eu estou a teu dispor’. Agora fora isso, hoje eu nem
ouço, eu falo quer conversar sobre outro assunto eu converso”. (entrevista 1)
No entanto, alguns ACS compreendem essa demanda da população com
naturalidade e, até o próprio ACS procura população, em caráter profissional, fora do
seu horário de atuação, assim, percebe-se que a vida profissional está entrelaçada à
vida pessoal desse profissional.
“(Os ACS) reclamam, às vezes, que tá na feira e eles (população) perguntam sobre
aquela consulta... faz parte do serviço, eu nem ligo, falo (que) depois eu marco. Não
tem jeito, eles não entendem. Eu defino assim: (a profissão) fica parte de sua vida, às
vezes passa aquela preocupação. Às vezes eu tô em casa e lembro (que) esqueci de
pegar a receita na Dona Maria. Depois eu passo lá e pego. Teve dias até de final de
semana de eu ir até a casa do paciente ver”. (entrevista 4)
Reiterando os relatos apresentados, durante a observação realizada pela
pesquisadora nas visitas domiciliares, constatou-se no trajeto para as casas, a
grande demanda da população pelo ACS, perguntando sobre consultas, exames,
grupos de orientação, entre outros questionamentos, assim, o trajeto entre uma casa
e outra é preenchido por “conversas” no meio da rua entre a população e o ACS.
Esse profissional é a referência personificada da UBS, alguém familiar, com quem é
possível uma relação de proximidade e liberdade, tornando-se um facilitador de
acesso ao atendimento à saúde.
O envolvimento emocional com a população, o seu papel de mediador entre o
serviço de saúde e a população, bem como a falta de resolutividade pelo Sistema de
Saúde dos problemas encontrados no cotidiano da comunidade, sobrecarrega o ACS
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
49
física e emocionalmente. O ACS sofre o estresse de querer resolver as demandas
que o Sistema de Saúde não contempla.
“O trabalho do agente comunitário pega muito no coração, a gente fica mais nervoso.
Na minha opinião o agente do PSF é tudo, tem mais valor que o médico e mais valor
que a enfermeira. Às vezes não tem solução, acaba com a gente... Depois que eu
comecei a trabalhar aqui já estou até com pressão alta, tomo três remédios, três
captopril e três hidroclortiazida de tanto estresse e então você quer resolver”.
(entrevista 5)
O trecho
“pega muito no coração” traduz o envolvimento da profissão na pessoa
do ACS, destaca-se que a pesquisadora permaneceu na UBS, no período em que
realizou a coleta de dados. Os ACS a acolheram na sala a eles destinada, assim, a
pesquisadora observou e participou de muitos diálogos verificando o forte
envolvimento emocional presente na atuação desses profissionais.
Houve um dia em que um grupo de ACS realizou um momento de oração e
convidaram a pesquisadora a participar, as preces consistiam em pedidos de força,
proteção e sabedoria para a atuação naquela semana de trabalho, isso traduz o
grande envolvimento com o ofício de ACS. Um impacto negativo resultante desse
envolvimento é o surgimento de agravos à saúde claramente relacionados ao fato de
“pegar muito no coração”.
Diante da sobrecarga física e emocional, temos o ACS que solicita um espaço
de atenção para ele e para os colegas ACS em busca de descanso e reflexão:
“... eu acho que deveria ter Spa para o ACS. A realidade é essa. Acho que não seria
Spa a palavra correta, um local pra ACS descansar, refletir, pensar porque é muito
complicado. Aqui nós temos ACS que ela entrou com problema psiquiátrico, temos
ACS que está afastado também na caixa... estresse, porque tudo é o ACS... tudo
procuram o ACS, coisas que eles mesmos (outros profissionais da UBS) poderiam
resolver, manda pro ACS, ele arquiva, ele levanta prontuário, ele faz relatório, marca
consulta, vão pra rua, ACS faz tudo. Tudo sobra pro ACS. Muita coisa pro ACS.
Então rever um pouco, porque pra gente a cobrança do ACS é total”.(entrevista1)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
50
Em estudo realizado por Camelo e Angerami (2004) acerca dos sintomas de
estresse nos trabalhadores atuantes em Núcleos de Saúde da Família, foi verificado
que 62% da população estudada sofria sintomas de estresse e, dentre a população
estudada, 54% era composta por Agentes Comunitários de Saúde. Ressalta-se
ainda que os únicos profissionais que apresentaram o nível de estresse mais
elevado, denominado de quase exaustão, foram os ACS.
Nesse mesmo estudo citado, os autores concluem em consonância com o
presente trabalho, a atuação singular do ACS dentro da equipe do PSF, pois
residindo na área em que atua, vive o cotidiano da comunidade com maior
intensidade e, diante da formação insuficiente para o enfrentamento dos possíveis
problemas nas relações estabelecidas, torna-se mais vulnerável ao aparecimento de
sintomas de estresse se comparado aos outros profissionais da equipe.
5.1.2. Dinâmica de trabalho do ACS
Diante dos impactos que o trabalho de ACS tem na vida e na pessoa desse
profissional, cabe compreender a organização e a dinâmica de trabalho na qual o ACS
está inserido com vistas a explicitar as possíveis causas desses impactos citados.
Assim como os trabalhos realizados acerca da atuação do ACS (TRAPÉ, 2005
e SILVA, 2001), existe a compreensão pelos ACS participantes deste estudo de que
eles são o elo entre a população e o Serviço de Saúde, e que a comunidade vislumbra
no ACS um mediador para melhoria das condições de vida, não apenas nas questões
relacionadas à saúde biológica:
“Eu acho que o ACS é o vínculo que o munícipe tem ali não só na área da saúde,
mas a nível de assistente social...” (entrevista 6)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
51
“A gente vai visitar eles pra ver se está tudo bem, às vezes a gente vê o que eles
estão precisando. Vem pro posto de saúde passar em reunião de equipe, aí a
reunião de equipe resolve o problema do paciente e eu retorno lá pra dá o retorno
pro paciente”. (entrevista 2)
“Por exemplo, a gente vira um posto (UBS) móvel...” (entrevista 4)
Os trechos descritos demonstram uma atuação de caráter paternalista, na
qual o ACS torna o serviço de saúde acesvel à população, porém não se observa
uma atuação política no sentido de organização da comunidade e transformação das
condições pertinentes, essa verificação é reforçada por SILVA e DALMASO (2002).
O apontamento do caráter paternalista é colocado aqui como uma
constatação no sentido de reflexão e não de crítica isolada, até porque SILVA (2001)
considera que essa atuação voltada mais para o pólo técnico ocorre por fatores
como a organização do trabalho de ACS e a insuficiência de instrumentos e saberes
para operar a dimensão política.
O excesso de trabalho já citado anteriormente é retomado nesta categoria de
dinâmica de trabalho do ACS:
“Nós somos os que mais trabalhamos, subimos morros, descemos morro. Então
perturbação 24h por dia...”. (entrevista 1)
Assim, o excesso de trabalho pode ser associado à precariedade de
definição na atuação desse profissional que, para uma sociedade que valoriza
os saberes científicos, o ACS portador de um saber operante fica à margem
da equipe e, por fim, torna-se executor de diversas tarefas: acolhimento à
população na UBS, visitador da população para cadastrar, atualizar
cadastros, monitorar os cuidados estabelecidos para a saúde, realizar
orientações aos grupos priorizados, além de agendar consultas e exames,
retirar os medicamentos na farmácia do posto e entregar para determinados
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
52
pacientes, participar dos grupos de orientação, realizar relatórios e participar
de reuniões de equipe.
Mendes-Gonçalves (1994) refere-se ao saber científico a exemplo dos
saberes médicos e de enfermeiros que, em sua aplicação prática, desdobram-
se em saberes operantes uma vez que devem atender a demandas que o
saber científico não contempla. Aqui nota-se o potencial do saber operante do
ACS que vivencia a realidade concreta da comunidade em que vive, porém, a
precariedade de um saber científico ainda o torna perdido e com a sensação
de sobrecarga diante do que a “cientificidade” da equipe de saúde delega e o
que a “concretude” do cotidiano demanda. Nota-se um potencial latente na
ação dos ACS.
Nogueira et al. (2000) discutem uma questão relevante nesse sentido,
a denominação do ACS como “um profissional genérico”, o que pode
desencadear dois sentidos, o de um não-profissional ou um profissional que
transcende às ações de saúde. Uma das possibilidades discutidas por esses
autores trata-se da possibilidade do ACS ser um recurso humano
“simplificado” e “tecnologicamente adequado” que o Estado utilizaria para o
alcance dos objetivos do Estado de Bem-estar em comunidades carentes
Após essas considerações, reflete-se agora como os ACS se
organizam no seu cotidiano de trabalho. Verifica-se que essa organização
segue o critério comum de respeitar as peculiaridades do cotidiano da
população e ao mesmo tempo, otimizar o tempo dedicado ao trabalho.
“...nós ficamos aqui até 09:00h - 9:30h da manhã porque se sair mais cedo do que
isso, encontramos a população dormindo” . (entrevista 1)
“... nós fazemos a maior parte das visitas na parte da manhã, na rua até 12h, paramos
pro almoço, 13h temos que retornar aqui e assinar nossa folha. Depois até 16:00h-
16:30h no máximo. Aí às 17:00h nós saímos. Tem muitos que fazem (os relatórios) em
casa eu já gosto de fazer na hora e aí eu não perco tempo”. (entrevista 1)
“No segundo horário da manhã a gente faz toda a preparação para ir para a rua para
fazer os acompanhamentos e, a gente costuma sair por volta das 9:30h da manhã,
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
53
? (...) porque dependendo da rua, não adianta sair mais cedo porque o pessoal
está dormindo (...) Eu acho que o resultado tem que ser o mesmo, mas cada um
trabalha de uma forma, o meu, eu prefiro trabalhar por rua, por exemplo a Rua ‘X’,
então eu pego tudo o que tem naquela rua”. (entrevista 6)
A seguir explicita-se na atuação do ACS uma focalização da atenção a grupos
específicos da população, pessoas que fazem uso contínuo de medicações,
hipertensos, diabéticos, gestantes, idosos, crianças e pessoas com dificuldade de
deambulação. Essa verificação é reforçada pelo trabalho de Silva (2001) no qual se
constata que os ACS apontam os grupos que possuem prioridade, porém não sabem
o porquê da priorização estabelecida. Além disso, reforça o caráter não universal que
o nosso Sistema de Saúde tem delineado nas ações de saúde.
“Bom, eu vou na casa da pessoa. Eu vejo se está passando bem ou não; eu tenho
que olhar os remédios delas pra vê se ela esta tomando certinho, se não está. Igual
você viu as vacinas, também a gente previne, né? E falar sobre as doenças
também”.(entrevista 3)
“A primeira coisa quando a gente chega (na casa das pessoas) é perguntar se tem
algum internado durante o mês, se está precisando de alguma coisa. Orienta se tiver
alguma medicação, se for hipertenso, diabético, se está tomando os medicamentos
direito...”.(entrevista 2)
“... acompanhar a gestante, o RN (recém nascido), acompanhar o hipertenso e o
diabético”. (entrevista 6)
“Porque tem uns que moram sozinhos, você sabe que não tem ninguém por eles. É
diferente de alguns que pede pra pegar remédios, aí eu falo porque só posso pegar
pra quem é acamado. Esses assim eu fecho a porta, porque se não agüenta o fardo.
Mas pros outros a gente se preocupa, eu penso eu sou novo, amanhã sou velho”.
(entrevista 6)
Foi observado, durante as visitas domiciliares, um direcionamento de
perguntas sobre possíveis portadores de tuberculose e hanseníase, além de
orientações sobre a dengue e a leptospirose. Essas observações são condizentes
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
54
com um dos itens de atribuições ACS: “participar e contribuir na execução da
agenda municipal de saúde, segundo sua qualificação profissional, a exemplo do
cartão SUS, controle da Dengue e outras doenças de caráter sazonal ou importância
epidemiológica...”. (SÃO PAULO - Estado, 1999).
Essa atuação focalizada em determinados grupos sociais pauta-se
primeiramente o cumprimento de ações estabelecidas pela direção da UBS (nos
moldes da organização dos Serviços de Saúde estabelecida no país) e realizadas
pelo ACS, portanto, nesses momentos, o ACS é reprodutor de uma atuação
“prescrita” cabendo a ele cumprir as metas estabelecidas com vistas à manutenção
do seu emprego.
Não se pode negar a importância, a beleza e o empenho dos ACS em cuidar
da população. A consideração quanto à focalização da atenção está voltada ao
delineamento das Políticas de Saúde e não à atuação do ACS.
Na dinâmica de trabalho dos ACS, encontra-se ainda a realização de
encaminhamentos realizados pelos ACS a equipamentos sociais não integrados ao
Sistema de Saúde, como atendimento psicológico gratuito ou com baixo custo em
universidades e igrejas, bem como associação de alcoólicos anônimos. Tais
encaminhamentos são realizados por iniciativa dos ACS, não fazendo parte das
atribuições solicitadas pela UBS na qual ocorreu a pesquisa. Essa ação pode ser
uma alternativa encontrada pelos ACS em resposta às demandas que o Sistema de
Saúde não contempla.
Os ACS percebem que a atuação prevista não é suficiente para atender a
todos os aspectos que envolvem a saúde de uma população e, a partir de uma
conduta pró-ativa, agem para além do que é previsto oficialmente, ultrapassando a
conduta prescritiva e reprodutora, assumindo um caminho de transformação, mesmo
que incipiente. Nesse sentido, o ACS como integrante da população teria potencial
para exercer o princípio estabelecido pelo SUS de participação popular nos assuntos
referentes à saúde. Cabe refletir qual é o potencial transformador que esse ACS
possui e em que medida a organização do Serviço de Saúde abre espaço para essa
atuação.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
55
Ainda referente aos encaminhamentos não oficiais realizados pelos ACS,
temos que dentre o elenco de atribuições desse profissional encontramos que esse
deve ”atuar de forma integrada com os diversos segmentos das comunidades, a
exemplo dos clubes de mães, associações de bairros, grupos de teatros etc., na
perspectiva de estabelecer canais de diálogo e participação efetiva entre as equipes
nucleares e as famílias, criando vínculo e compromissos compartilhados na tarefa de
promover a saúde” (SÃO PAULO - Estado, 1999). Porém, ao contrário do que o
documento oficial nos traz, na ação de encaminhar a população a serviços
oferecidos por equipamentos sociais alternativos aos do Sistema de Saúde, o ACS
está intervindo em um agravo já estabelecido e não prevenindo agravos como o que
é preconizado no documento.
Assim, apesar de, aparentemente, o ACS estar cumprindo uma determinação
oficial, na verdade, ele está em busca de alternativas para responder as demandas
de saúde da população que não é considerada na prática de organização do SUS.
“Correr atrás de alcoólicos anônimos, que já consegui telefone; correr atrás de
psicólogo de graça. Aqui na igreja católica é dez reais”.(entrevista 4)
“(Encaminhamento a outros equipamentos sociais) pra quando precisa, porque são
poucos lugares de referência, para psicólogo, para eles estarem passando. São
igrejas, universidades que a gente acaba encaminhando, a PUC, também a USP...”
(entrevista 5)
A partir das discussões e conforme relatos a seguir, tem-se a percepção do
ACS sobre questões que vão além do aspecto biológico, ultrapassando questões de
saúde-doença e abrangendo questões de relacionamento, ambientais e existenciais.
“...às vezes tem muita gestante, vamos supor adolescente que esconde a gravidez.
E tudo a gente tem que conversar com ela orientar que ela não deve esconder, que
tem um momento que alguém vai descobrir, que vai ter conversar com os pais. Eles
ficam com medo da gente contar pros pais, mas a gente tem que convencer a ela
que qualquer momento os pais delas vão descobrir”. (entrevista 2)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
56
“Então você acaba vendo, por exemplo, um terreno que antes para você era... você
nem percebia e aí você percebe que lá tem entulho que lá já pode chegar uma
dengue, que você tem que orientar a ANVISA para ir lá limpar, quer dizer, já tem os
caminhos para que depois não venha mais trabalho”. (entrevista 6)
Conclui-se que o ACS possui potencial para colaborar nas ações que
envolvem a promoção à saúde e prevenção de agravos à saúde da população. Esse
potencial parte de uma compreensão ampliada do que vem a ser saúde (para além
do biológico) e pela sensibilidade emergida da sua vivência concreta na realidade em
que se pretende atuar. Essa compreensão ampliada da saúde e a sensibilidade
empregada no exercício da profissão ainda residem na dimensão do saber operante
dos ACS, cabe discutir que caminhos esse conhecimento deverá trilhar para ser
reconhecido como diferencial na efetivação da saúde da população.
5.1.3. Aspectos motivacionais no trabalho do ACS
Diante da discussão realizada com vistas ao modo de trabalho do ACS que
possui um caráter excessivo seja no aspecto físico ou emocional e que desencadeia
impactos na vida e na pessoa do ACS até em termos de agravos à saúde desses
profissionais, questiona-se: o que motiva o ACS a prosseguir na profissão?
A atitude de ajuda à população aparece como um dos aspectos motivadores
no trabalho do ACS, ao lado da sensação positiva de poder dar a atenção que a
população necessita, na maioria das vezes, disponibilizando tempo para conversar.
Percebe-se mais uma vez a presença do vínculo emocional, que é traduzido na
palavra “amor” entre o ACS e a população. O conhecimento mais profundo da
realidade cotidiana também passa a ser um elemento motivador.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
57
“O lado bom (de trabalhar como ACS) é por não conhecer nada (antes). Vim
conhecer está com um ano e meio (desde que começou a trabalhar de ACS). É
interessante porque a gente vê no dia-a-dia (sem ser ACS) e não sabe o que a
pessoa passa”. (entrevista 1)
“Mas assim, o beneficio é que você ajuda muita gente principalmente os idosos...
Porque muito deles não precisam nem de uma consulta, mas o que eles querem, é
conversar com você...”. (entrevista 1)
“O lado bom é por não conhecer nada. Vim conhecer está com um ano e meio. É
interessante porque a gente vê no dia-a-dia e não sabe o que a pessoa passa. Então
querendo ou não a gente pega um certo amor pelo paciente, pelo trabalho e hoje eu
não sei se eu conseguiria sair. Embora o meu projeto e só esse ano aqui mesmo”;
(entrevista 1)
Os resultados aqui apresentados convergem aos dados apresentados por
Silva (2001) em seu trabalho de caracterização do ACS do PSF (QUALIS), no qual
se verificou a satisfação dos ACS com o seu trabalho, quer pela sensação de
gratificação pela ajuda ao outro, quer pela ampliação do conhecimento na área da
saúde, apesar das situações de angústia e sofrimento não terem sido descartadas
no relato das vivências no trabalho de ACS.
Da mesma forma, os ACS entrevistados na presente pesquisa, apesar de
relatarem o excesso de trabalho nas dimensões físicas, psíquicas e emocionais,
referem gostar do que fazem, satisfazem-se nesse labor:
Eu acho que se eu trabalho como Agente Comunitário eu gosto do serviço. Estou com
um ano e seis meses trabalhando, eu estou gostando”. (entrevista 2)
Ah é bom (ser ACS). Em umas partes a gente ajuda também as outras pessoas.
Porque a gente trabalha né! Agente lida com as famílias, ajuda também nas doenças,
?”. (entrevista 3)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
58
5.1.4. A “burocratização” do trabalho do ACS
Cabe ressaltar que a dinâmica de trabalho do ACS é permeada por um
controle da sua produtividade, os registros realizados por esses profissionais são o
respaldo da sua atuação, uma forma de se proteger de possíveis reclamações.
... uma vez por mês, nós entregamos um relatório pra ela (Enfermeira) do número
de busca ativa que nós fizemos. O correto é bater com o número de famílias que
foram visitadas, se ela não coincidir, quer dizer que houve falha no nosso trabalho,
(que) nós não fizemos essa busca ativa. Tudo nós temos o controle, cada ficha
fica dentro do prontuário que nós temos e o controle de visita diária nós temos que
fazer referente a cada família. Se está presente se está ausente, o que ele
necessita, porque numa eventualidade ela pode chegar e reclamar como há muito
casos. Um exemplo, você passa visita no dia primeiro, aí no dia 25 não passou,
ele acha que você já tinha que passar novamente. Então fala que faz um mês que
não passa na casa. Então por causa de uma reclamação aí nós temos o nosso
controle que é o nosso relatório”. (entrevista 1)
A produtividade do trabalhador ACS é medida por meio do cumprimento de
metas previamente estabelecidas como, por exemplo, um número pré-determinado
de visitas domiciliares a serem cumpridas no período e que devem ser registradas
em formulários específicos. Existe a necessidade de agilidade na sua prática
profissional. O foco no registro sistematizado de dados objetivos do trabalho do ACS
e o caráter voltado a ações higieno-sanitaristas de atenção à saúde contribuem para
uma atuação burocrática do ACS.
“As pessoas que tomam remédios controlados, nós verificamos todas as receitas,
pedimos para olhar, contamos os medicamentos pra ver se não esqueceu, porque,
se finalizado o dia da receita e a quantidade de medicamentos por dia estiver a mais
é porque ele está tomando menos. Se tiver a menos é porque ele está tomando
demais...”. (entrevista 1)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
59
Tem uma meta de VDs (Visitas Domiciliares) estipulada por eles (gerência da UBS)
que é de 170 VDs por mês, que dá para fazer tranqüilamente, você faz entre 7 e 10
visitas por dia, tudo você vai se adequando, na primeira visita você pode demorar
um bom tempo, levantar o histórico... em geral a gente prepara os formulários e fica
bem fácil, perguntas básicas como pressão alta, se é criança, o que é que está
comendo, se é aleitamento exclusivo, misto, então agente prepara uma planilha. Na
primeira visita do RN, por exemplo, a gente vai demorar, mas na próxima não, já
está tudo montado, é só repetir se está se não está... ou alguma intercorrência, se
passou no Pronto Socorro (por exemplo), então fica rápido. Nós temos cerca de 200
famílias por ACS”. (entrevista 6)
O mesmo ACS que dizia anteriormente que 170 visitas domiciliárias são
possíveis de serem realizadas “tranqüilamente”, em outro momento de reflexão
questiona as metas a serem atingidas em um período de tempo que impacta a
qualidade das orientações realizadas à população, ou seja, acredita que se tivessem
mais tempo, as visitas realizadas teriam mais qualidade.
“Se a gente tivesse mais tempo para estar com o cliente, com o paciente, porque com
essa meta que eles colocam de 170 VD ao mês, a gente tem que fazer uma coisa,
lógico que é meio corrido, agora se tivesse mais tempo para estar orientando... eu sei
que é difícil até para o cliente estar aceitando a gente mais tempo na casa dele, mas
se agente tivesse mais tempo para estar ali orientando... e mais incentivo também
para chamar as pessoas para participar, para chamar, porque agente consegue muito
ir, mas eles virem é mais complicado...”. (entrevista 6)
Falar sobre o tempo nos possibilitaria um novo trabalho a ser desenvolvido
devido ao grande volume de conceitos e assuntos relacionados e possibilidades de
teorização. Porém, nesse momento cabe a reflexão acerca do tempo feita por
Pessini na apresentação do livro de Silva (2004) em que ele diz que mesmo
correndo o risco de ser taxado como romântico ou idealista no contexto em que as
forças do mercado globalizado repetem de forma insistente que ‘tempo é dinheiro’,
ainda assim afirma que existem duas formas de se viver: como cronos ou kairós.
Cronos refere-se ao ‘tempo das batidas do relógio’, com o sentido de temporalidade
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
60
e finitude. Kairós é o ‘tempo das batidas do coração’, com ele “por vezes bastam
apenas cinco minutos para que 80 anos de cronos adquiram luz e significado”.
Assim, produtividade e tempo cronos estão envolvidos no trabalho do ACS,
talvez o que diferencie a atuação entre eles seja o tempo kairós que é atribuído em
sua prática. Arrisca-se dizer que seria esse tempo kairós um dos elementos que
mantém os ACS motivados em sua árdua tarefa de mediar as necessidades da
população com o serviço oferecido pelo Sistema de Saúde, já que na própria fala de
uma ACS verifica-se que esse trabalho
pega muito no coração”.
5.2. A relação do Agente Comunitário de Saúde com a população
É evidente que o trabalho do ACS é fundamentalmente constituído de
relações humanas, assim, os elementos referentes às habilidades de relacionamento
interpessoal são levantados como fundamentais no trabalho desse profissional,
desde o reconhecimento da realidade do outro (esboço de uma postura empática), a
percepção da demanda por diálogo, além do levantamento de um elemento
necessário para o sucesso na sua atuação: a paciência.
Mais uma vez percebe-se a presença de elementos emergidos do saber
operante com grande potencialidade de exploração teórica: reconhecimento da
realidade do outro, diálogo e paciência.
“Nós estamos num mundo que a situação não é fácil, emprego é tudo. A pessoa tenta
a aposentadoria não dá certo, tá faltando coisa em casa, é o marido que tá bebendo.
Por exemplo, uma mulher que vem aqui, o marido tá bebendo, não consegue sua
aposentadoria... chega aqui doente aí alguma coisa que dá errado o médico não vem
ou não consegue marcar a consulta, ela já vem nervosa: ‘Não, porque eu preciso
passar!’ E se você for agir do jeito que ela tá agindo não vai dar em nada, você tem
que ter paciência. Todo serviço tem uso de um ingrediente e o ingrediente do serviço
da área da saúde é a paciência e saber relevar, conversar”. (entrevista 4)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
61
“Às vezes o paciente não vem até você só atrás de medicação às vezes ele quer um
conselho, uma conversa. Quantas vezes eu vou fazer visitas em casa de idosos que
eu fico conversando com eles ali meia hora e eles começam a falar da vida deles
dos filhos. Aí começa a chorar desabafa e fica contente, ele quer alguém pra
desabafar”. (entrevista 4)
(O ACS solicitaria aprender sobre:)
“(O ACS gostaria de) aprender a lidar mais, saber driblar aquele paciente choroso que tá
reclamando daquilo. Porque não é fácil”. (entrevista 4)
Nos trechos apresentados verifica-se a sensibilidade de percepção para além
das questões preconizadas oficialmente e até a verbalização da necessidade de
aprender a lidar com as questões de relacionamento humano.
Nesse sentido, a concepção de saúde-doença subsidia toda a discussão
colocada até o momento. Enquanto o conceito de saúde-doença não for coincidente
entre as Políticas de Saúde e, portanto, pela Organização dos Serviços de Saúde, os
trabalhadores da saúde e, principalmente, a população, as necessidades e os
objetivos referentes à saúde não serão contemplados satisfatoriamente.
Levantam-se alguns questionamentos a partir das percepções dos ACS na
relação com a população: Por que o diálogo não é considerado um instrumento de
intervenção para o alcance da saúde? Por que o desemprego e a falta de “coisas em
casa” não são considerados potenciais causas de doença? Se assim fossem
compreendidos, a promoção à saúde poderia ser multiplicada pelos diálogos e a
prevenção de doenças seria aplicada nas questões sociais e não apenas na
“prescrição” de comportamentos considerados saudáveis. Exemplificando: como
falar para alguém parar de beber sendo que a causa dos agravos à saúde não está
apenas na bebida, mas muitas vezes a bebida é o remédio encontrado?
Assim, nota-se que o conhecimento científico atual sobre a determinação
social do processo saúde-doença também é parte do conhecimento operante
desenvolvido pelo ACS. Esse conceito dos determinantes sociais sobre as condições
de saúde ou doença de uma população é abordado pelas Políticas Públicas ainda de
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
62
forma superficial, ocasionando a contradição entre o que é considerado necessidade
de saúde na perspectiva dos Serviços de Saúde e na perspectiva da população.
Retoma-se aqui a discussão sobre a utilizão do tempo, em uma situação na qual a
necessidade de saúde do indivíduo consiste em uma oportunidade de diálogo, a
satisfação dessa necessidade corre o risco de não ser atendida, pois o tempo que o
profissional investiria em um diálogo com esse indivíduo, não é visto como tempo
produtivo aos olhos do Serviço de Saúde.
Apesar do contexto contraditório em que as relações entre ACS e população
ocorrem, o ACS é o profissional que está em contato real e efetivo com a população
em um território de domínio da comunidade e não de domínio da UBS. Na UBS as
relações se estabelecem na lógica do Serviço de Saúde e, com a concepção de
saúde-doença preconizada pelo Sistema de Saúde, já na casa das pessoas, a
realidade concreta em que as condições de saúde-doença são constatadas salta aos
olhos e torna-se difícil negar os fatores envolvidos nessa constatação.
Independente do exposto anteriormente, em conformidade com o que o
Mistério da Saúde preconiza, o ACS percebe o seu caráter de elo entre o serviço de
saúde e a população, seja como facilitador no acesso da população a esse serviço,
seja na priorização de determinados grupos nesse acesso ou no direcionamento de
caminhos a serem seguidos pela população no que se refere à saúde ou questões
relacionadas ao modo de viver da população.
“Nós somos na realidade o ponto entre a UBS e a população. Tudo o que a
população, ou seja, o paciente necessita antigamente eles levantavam de
madrugada, vinham no posto pra pegar uma fila pra ver se conseguia pegar uma
senha marcar uma vaga, isso quando conseguia, e quando conseguia era para três,
quatro, cinco meses”. (entrevista 1)
“Eu acho que o ACS é o vínculo que o munícipe tem ali não só na área da saúde,
mas a nível de assistente social, você vai ter mais orientação, né... a gente pode dar
o caminho para o munícipe, mesmo que não seja na nossa área, então agente acaba
sendo uma referência e o pessoal vem mesmo procurar agente. Não só por problema
de saúde, mas também por qualquer outra coisa...”. (entrevista 6)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
63
A gente participa do dia-a-dia da pessoa. Por exemplo, a gente vira um posto móvel,
se sente até um médico, enfermeiro de tanto que tem que ir lá orientando”.(entrevista
4)
Mais uma vez a presente pesquisa segue em consonância com trabalhos
realizados acerca do trabalho do ACS como Trapé (2005) e Silva (2001), nos quais a
relação próxima entre ACS e comunidade é explorada e contempla o caráter de
mediação entre a população e o Sistema de Saúde e entre a população e questões
que ultrapassam a abrangência do Sistema de Saúde.
Essa constatação nos mostra um caminho de mudanças no paradigma das
relações entre a população e os Serviços de Saúde, não se pode negar o avanço
estabelecido nessa relação a partir do surgimento do profissional ACS inserido na
estratégia do PSF, houve a criação de um canal de comunicação que possui um
grande potencial de transformação nas condições de saúde da população. O olhar
crítico e reflexivo acerca do funcionamento concreto dessa estratégia contribuirá
para o aperfeiçoamento da mesma.
Destaca-se ainda que o ACS, após ingressar na profissão e integrar a equipe
do PSF passa a ter uma visão crítica e ampliada do bairro e das condições de saúde
que apenas como morador não era vislumbrado.
“Quando você não é Agente você tem uma visão do bairro, quando você passa a ser
ACS você passa a ter uma visão crítica né... Uma visão que você começa a ver
problemas que antes você não via. Você começa a trabalhar esse lado, os recursos,
para que melhore o bairro onde você mora, e os munícipes também. Então você
acaba vendo, por exemplo, um terreno que antes para você era... você nem percebia
e aí você percebe que lá tem entulho que lá já pode chegar uma dengue, que você
tem que orientar a ANVISA para ir lá limpar, quer dizer, já tem os caminhos para que
depois não venha mais trabalho para você, então a prevenção para nós é essencial”.
(entrevista 6)
Parte da comunidade visualiza no ACS uma possibilidade de melhora de vida,
conforme o relato a seguir:
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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“... Eu acho assim, o pessoal vê na gente uma chance de uma melhora... de vida,
seja ela pelo lado da saúde, seja ela pelo lado financeiro também, uma ajuda de
custo né... Então eu acho que também nessa área, a área bem social que agente
pode estar atuando”. (entrevista 6)
Muitas vezes o ACS se envolve em questões sociais e buscam caminhos de
auxiliar a população superando suas atribuições oficiais e, aparentemente,
assumindo uma postura paternalista:
“Eu tô vendo se consigo com assistente social uns blocos pra um barraco pra uma
paciente minha que mora com suas crianças. (...) O barraco dela vai cair, tá todo
torto. Lá no barraco ela só vai pra comer. E eu tô vendo se eu consigo de graça pela
prefeitura. Eu conheço pessoas que conseguiram, mas a gente tá lutando” (entrevista
4).
Pode-se refletir a partir das considerações realizadas que o ACS passa a ser
um representante da esperança. Para uma população marginalizada e anteriormente
sem voz, o ACS membro dessa comunidade e agora com status de integrante da
equipe de saúde que se preocupa e intercede pelas pessoas do bairro, é considerado
alguém influente e que pode atuar nas questões de saúde que estão entrelaçadas às
questões sociais, as quais a população não teria condições suficientes para acessar.
As necessidades da população são sentidas intensamente por esses
profissionais que percebem, em seu cotidiano, que as necessidades de saúde da
comunidade não são atendidas em sua totalidade. A compreensão do processo
saúde-doença determinado socialmente possui amplo embasamento teórico, a
exemplo dos trabalhos de Laurell (1983) e Salum (1998). Porém, no cotidiano de
trabalho dos ACS essa dimensão foi expressa nos relatos obtidos.
Conforme discutido anteriormente, o envolvimento com a população
ultrapassa o espaço profissional e permeia a vida do ACS, a relação de proximidade
e a convergência de necessidades permeia a relação entre ACS e comunidade:
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
65
“Então parece que é sua família. (...). Eu defino assim: fica parte de sua vida... às
vezes eu tô em casa e lembro esqueci de pegar a receita na Dona Maria, depois eu
passo lá e pego. Teve dias até de final de semana de eu ir até a casa do paciente
ver... porque tem uns que moram sozinhos, você sabe que não tem ninguém por
eles... a gente se preocupa, (...) o que você planta hoje colhe amanhã”. (entrevista 4)
“Ontem mesmo eu tava vindo do curso, passando pela rua da minha colega e um
molequinho tava no chão e o irmão dele tava cuidando dele. E passei, o menino
gritava. E eu (pensei) ái meu Deus do Céu! Não vou voltar, não vou voltar... Voltei!
Cheguei lá ele, em vez do irmão dele levar ele pra casa ficou sentado na calçada. Ele
gritando: ‘tá saindo sangue!’ E aquele desespero eu falei: ‘calma! vamos sentar
vamos conversar tá doendo muito? Ele: ‘não, mas tá saindo sangue’. Eu então:
calma, cadê sua mãe?’ Perguntei pro irmão dele. Ele falou: ‘minha mãe foi trabalhar’.
E eu falei: ‘é você que cuida dele? Ele falou: ‘é’. Eu: ‘tenta cuidar um pouco dele um
pouquinho melhor, eu sei que você é pequeno mas você consegue... trata ele com
carinho’. Que eu percebi que ele estava um pouquinho assustado também, fiquei
desconfiada, vai saber se ele bateu nele e saiu correndo rua e aí eu falei: ‘tem
alguém em casa que possa estar limpando o pezinho dele porque tá com sangue,
porque eu trabalho no posto’. Na hora em que eu falei que trabalhava
lá no posto o
menino parou de chorar na hora... Talvez se eu não tivesse voltado eu não estaria tão
tranqüila eu ficaria com aquele negócio, que ele bateu nele, será que ele se
machucou, será que entrou um vidro no pé dele? Então fiz bem voltei e fui pra casa
tranqüila”. (entrevista 5)
Nos trechos descritos a cima, destaca-se o significado que os ACS têm para
as pessoas do bairro, ele realmente se torna uma referência para a população
inclusive no sentido de sentirem-se mais seguros com a sua presença e, assim, o
estabelecimento de um vínculo estreito passa a ser inerente ao trabalho do ACS.
A relação pautada no controle e na realização de orientações referente à
saúde da população é fortemente evidenciada nas entrevistas e confirmada nas
observações realizadas. Como já discutido anteriormente, essa relação é resultante
de uma organização do trabalho do ACS e, como cita Trapé (2005), essas
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
66
orientações são realizadas com base em informações externas ao sujeito, que não
têm significado para ele.
Gestante também, às vezes tem muita gestante, vamos supor adolescente que
esconde a gravidez. E tudo a gente tem que conversar com ela orientar que ela não
deve esconder que tem um momento que alguém vai descobrir, que vai ter conversar
com os pais. Eles ficam com medo da gente contar pros pais, mais a gente tem que
convencer a ela que qualquer momento os pais delas vão descobrir. E então vai ter
que contar”. (entrevista 2)
“Eu vejo se está passando bem ou não; eu tenho que olhar os remédios delas pra vê
se ela esta tomando certinho, se não está. Igual você viu as vacinas, também a gente
previne, né? E falar sobre as doenças também. É assim, às vezes quando eles não
estão eu pergunto né? Como que a pessoa está. Como por exemplo: Ah, você lembra
da Vera, que eu perguntei do marido dela. Ele não estava lá, mas eu perguntei. Que
através dela eu fico sabendo como ele está, porque nunca eu vejo ele, ele nunca está
em casa. Aí eu fico sabendo, por ela eu pergunto”. (entrevista 3)
São diferentes as posturas dos ACS frente à população e da população frente
ao ACS, são sentimentos e olhares diversificados, passando pela desconfiança até
ao apego.
“Chegamos lá, primeiramente batemos palma ou companhia, se a pessoa vem nos
atender... tem aquele paciente que de longe fala ‘não, estou em ordem não preciso
de nada’. Isso conta como uma visita; e tem aquele outro que tem uma atenção
maior, mas alguns, nem nos dá oportunidade entrar na casa dele ou vir no portão pra
conversar, saber, pra tiramos maiores informações. Agora tem aquele que já abre as
portas, entramos, conversamos...”. (entrevista 1)
“Porque nem todos (os ACS) têm essa boa vontade de trabalhar, mas na maioria, a
gente fica realmente preocupada (com a população)...”. (entrevista 5)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
67
“Até quando eu entrei aqui uma pessoa falou pra mim: vê se você procura não se
apegar muito... (mas) você se apega querendo ou não, porque você tá vendo todo o
dia a dona Maria passando ali, vai na casa dela e aí no outro dia você vê ela em cima
de uma cama. Você se apega assim, vai todo o dia na casa da pessoa, por exemplo,
você entra eles já colocam o café em cima da mesa e fala: come aí, fica mais um
pouco pro almoço! Então você se apega”. (entrevista 4)
5.3. A Dinâmica de funcionamento do Serviço de Saúde
Abordar a dinâmica de funcionamento do Serviço de Saúde no qual os
participantes desse estudo estão inseridos, facilita a compreensão acerca do seu
trabalho, e de certa forma, possibilita uma reflexão acerca da organização do Sistema de
Saúde, e assim, amplia a nossa compreensão sobre a prática educativa realizada pelos
ACS.
5.3.1. A dinâmica de funcionamento do Serviço de Saúde e a relação com
a população
Os dados coletados evidenciam uma atenção à saúde focada em grupos
específicos da população, conforme mencionado anteriormente e descrito no relato
que se segue, e reforçado pelas observações realizadas em campo que evidenciou a
preocupação do ACS centrada nas pessoas portadoras de hipertensão, diabetes,
crianças, gestantes, idosos e pacientes que possuem dificuldade de deambulação.
“A atenção especial é para acamados e gestantes e hipertensos e diabéticos. Esses
nós passamos normalmente duas vezes por mês em cada casa, e o acamado que
sempre necessita da visita de um auxiliar pra tirar pressão medindo dextro
(glicemia). Conforme o agendamento a gente marca com um médico pra que ele
esteja visitando este acamado em casa. Como hoje a nossa área está sem medico,
então quem faz este papel é a enfermeira”. (entrevista 1)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
68
Percebe-se que o enfoque biologicista dado na atenção à saúde resulta em
uma grande demanda por atendimento médico e a resposta a essa demanda é
insuficiente, assim, o ACS, membro da população e referência dessas pessoas no
que se refere ao acesso à saúde, encontra-se sob cobrança tanto da população como
da UBS.
“... O PSF tem um programam para a população. Existe o médico, enfermeiro e
auxiliar. Com um x número de agendamento e também tem um x número de visitas e
se você for levar a risca isso não ocorre. E se tem um número de agendamento
diário e eu não consigo fazer aquele agendamento, isso quer dizer que a minha
população, ou seja, meus pacientes... eu vou enfrentar dificuldades com eles. E tudo
é o ACS”. (entrevista 1)
“... quando não tem médico na área, como aqui a maioria das vezes, já passamos
por isso de não ter médico então ficamos dependentes de médicos de outras áreas,
os médicos estão com a agenda cheia; não tem. É muito remédio controlado, muito
laudo, porque o posto agora é responsável pela carteirinha da SP Trans, então
encheu. Então tem uns que necessitam muito daquele laudo outros não necessitam.
Nada de mais pro médico, todo mundo quer ficar pela caixa, todo mundo quer laudo.
Não tem a definição de quem realmente precisa e de quem não precisa”. (entrevista
5)
Frente a essa realidade existe uma forte crítica às faltas das pessoas às
consultas agendadas.
“E muitas vezes o problema encontrado é que você marca consultas e as pessoas
não comparecem e você tem que orientar a importância de ir, porque se não for, a
situação dele vai piorar, pode demorar muito pra ele conseguir uma nova marcação
de consulta”. (entrevista2)
Nota-se ainda uma postura descompromissada da população em relação ao
serviço de saúde, o que vai ao encontro de uma atuação paternalista dos ACS.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
69
A maior dificuldade é o próprio desinteresse da população. No caso, o paciente
reclama, ele precisa de uma médica, precisa de uma consulta ele precisa de um
encaminhamento e muitas vezes vai e o encaminhamento dele já perdeu, ele
esquece a data da consulta, ou até mesmo ele falta dizendo que é muito cedo ainda.
Eles querem colocar o horário que o médico tem que atender eles. Sendo que o
médico, dentro do PSF, ele tem o horário de visita fora. Assim como o auxiliar e a
enfermeira. Então se você marca uma consulta pra 8h da manhã é aquele paciente
que vai faltar porque ele acha muito cedo. Aí ele acha que você tem obrigação de tá
remarcando aquela consulta pro dia seguinte, pra semana seguinte. E infelizmente
não funciona assim”. (entrevista 1)
Cabe a compreensão dos motivos envolvidos nesse aparente descompromisso
da população com o Serviço de Saúde, temos aqui apenas a perspectiva do ACS.
Compreender os motivos facilitaria o encontro da abordagem à população que
propiciasse maior aderência aos serviços oferecidos, ou quem sabe, a alteração na
dinâmica dos serviços prestados.
5.3.2. A relação do ACS com a UBS e os demais profissionais que lá
trabalham
Existem reuniões periódicas com os diferentes profissionais que formam a equipe
do PSF na UBS, essas constituem momentos de trocas de experiências.
“Nós temos uma reunião que é feita uma vez por semana e toda reunião trazemos todo os
casos, situações que podemos fazer quando não marcamos consultas para estas famílias,
nós marcamos grupos, onde há grupo de orientação. Na nossa sala se você observar nós
temos um quadro ali direcionado todos grupos que temos orientações sobre DST. Temos
também grupos de crianças... temos sempre aqui orientação do nosso médico, enfermeiro.
Temos também um a reunião geral que ocorre sempre na última quarta-feira do mês. E ali
onde nossa diretora passa pra gente todos os dias de reclamações, assuntos a serem
tratados e expomos também todo problema e dificuldade”. (entrevista1)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
70
Segundo Peduzzi (1998), a equipe se constitui no processo de trabalho a
partir de um objetivo comum, da troca de informações, no espaço de reuniões, no
compartilhamento de tarefas e na percepção de que o todo é maior e mais forte do
que cada parte por si só.
Sugere-se uma exploração mais profunda sobre o conteúdo dessas reuniões,
no relato apresentado explicita-se apenas a existência desse espaço de reunião e
um momento em que os representantes de cada categoria profissional têm voz para
expor os problemas, caminhos e demais assuntos pertinentes.
5.3.3. O olhar do ACS para o trabalho dos demais profissionais da saúde
O ACS realiza considerações sobre a existência dos bons profissionais,
aqueles que atuam pelo dom, e dos maus profissionais que atuam pelo dinheiro.
“Não são todos os médicos que vão estar dando a orientação correta, atenção, e
que dão apoio. Assim como não são todos os agentes, assim como não são todos
os enfermeiros, mas a gente sabe que nessa área da saúde existe muita gente boa
e muita pessoa que está trabalhando pelo dinheiro e não pelo dom”. (entrevista 5)
No trecho apresentado aparece a crítica ao interesse focado apenas no
retorno financeiro, o ACS percebe que para uma atuação profissional de qualidade
faz-se necessário o atributo dom. Assim, as pessoas que no exercício profissional
realizam as orientações corretas, dão atenção aos clientes e, ainda, apoio,
demonstram ter o dom da profissão, enquanto que as pessoas que não possuem
esses atributos atuam fundamentalmente pelo dinheiro. Surge aqui um elemento de
caracterização profissional, emergido do raciocínio dos próprios profissionais.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
71
5.4. O Agente Comunitário de Saúde como Educador
Nesta categoria, foram verificadas as diferentes formas de atuação do ACS
no que se refere à educação em saúde e três subcategorias foram identificadas: (a)
o ACS como educador: o verbo orientar presente de forma marcante na atuação do
ACS e a focalização das práticas educativas; (b) O ACS como educador: início para
uma prática dialógica e emancipadora; e (c) O ACS como educador: o
relacionamento interpessoal como elemento fundamental na prática educativa em
saúde.
Ressalta-se que na fala de um mesmo ACS aparecem características de
uma educação “bancária” de transmissão de saberes e, ao mesmo tempo, relato de
experiências criativas e de aprendizado mútuo, bem como a constatação de
momentos reflexivos sobre as realidades concretas vivenciadas pela população.
Assim, concepções conservadoras e transformadoras de educação trilham lado a
lado nas falas dos ACS.
A contradição presente nos relatos pode estar associada à prática reiterativa
da ideologia a qual estão submetidos ao lado de momentos reflexivos repletos de
saberes operantes de grande potencial teórico-prático emancipador.
5.4.1. O ACS como Educador: o verbo orientar presente de forma
marcante na atuação do ACS e a focalização das práticas educativas
Nos relatos, percebe-se que ao abordar o tema educação em saúde, os ACS
compreendem essa denominação como a prática de orientações, principalmente no
sentido de transmissão de conhecimentos não dominados pelos seus clientes:
“Educação em saúde seria uma orientação para a saúde das pessoas. Então da
mesma forma que uma pessoa passa a ir na escola pra ter uma educação escolar, o
agente comunitário pode estar indo na casa do paciente e tentando educar ele para
a saúde. Porque é isso o paciente não tem noção”. (entrevista 5)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
72
“Educação em saúde é saber prevenir doenças”. (entrevista 4)
Porém, em algum momento, ao perceber que apesar das informações, os
comportamentos que colocam em risco a saúde permanecem, o ACS inicia um
caminho reflexivo:
“Orientar o próprio paciente, prevenir contra doença no ato sexual que hoje em dia,
embora temos tantas informações, é difícil porque temos tantas barrigas e tantos
números de doenças”. (Entrevista 1)
A mesma focalização citada anteriormente na prática de trabalho do ACS se
mantém nas ações educativas, com enfoque aos grupos priorizados pelo Sistema de
Saúde como, gestantes, crianças, hipertensos, diabéticos, etc:
“...procura orientar a mãe a importância da amamentação até o seis meses de
idade...” (entrevista 6)
“Que a gente orienta os diabéticos e hipertenso. E a crianças também orienta com
questão de vacina sempre está pedindo nos grupos de crianças a carteirinha de
vacina”. (Entrevista 2)
“Orienta se tiver alguma medicação, se for hipertenso, diabético, se está tomando os
medicamentos direito. A gente pede pra tá olhando (os medicamentos), pede pra ele
explicar pra gente se está tomando tudo realmente direito. A gente orienta direito, a
gente orienta também sobre as doenças, tipo risco de tuberculose, leptospirose; que
a gente mora num bairro pobre, né”. (entrevista 2)
Aqui cabe destacar as observações realizadas pela pesquisadora que
constatou uma orientação prescritiva e até autoritária no sentido de prevenção de
tuberculose, leptospirose e dengue e, no que se refere à investigação acerca de
hanseníase e tuberculose, perguntas pré-formuladas e superficiais. Associado ao fato
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
73
do controle burocrático de cumprimento de metas observa-se muito mais uma
atuação reiterativa e burocrática do que uma prática permeada de envolvimento,
conhecimento e investigação.
Nessa subcategoria as práticas educativas identificadas aproximam-se do que
Freire (2005) chama de educação na visão “bancária” na qual o “saber” é uma
doação daqueles que se julgam sábios àqueles que nada sabem. “Doação que se
funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão...”. O autor
também faz uma crítica a essa concepção de educação no sentido de transferir e
transmitir valores e conhecimentos, dizendo que essa mantém e estimula a
contradição. Que contradição? A citada anteriormente pelo ACS em que embora haja
tantas informações, ainda tem-se “tantas barrigas e tantos números de doenças”.
“É uma situação difícil pra gente, ao mesmo tempo que a gente educa, tem aquele
que aceita , tem aquele que não aceita. Nós vamos educar na área da saúde e
muitas das vezes nós temos que orientar os pais como cuidar dos filhos. Você entra
dentro de casas, crianças de 1 ou 2 anos sem roupa, descalço, nariz escorrendo,
aquela coriza suja, é uma situação complicada. Não tem muito jeito. Tem família que
não aceita, acha que a maneira que ela está criando tá certo”. (entrevista 1)
A resistência em aceitar e concretizar as orientações realizadas à população é
considerada um elemento difícil na realização das práticas educativas do ACS. Mais
uma vez constata-se que apenas transmitir informações é comprovadamente
insuficiente para que haja mudança de hábitos e concepções.
Além disso, verifica-se a atuação dos ACS nos grupos de orientações
organizados na UBS de forma passiva, eles participam da palestra junto com a
população e, ainda, fazem o “controle” dessa população que ao chegar à unidade já
querem o início da palestra e “não é assim”:
“Fazemos parte durante o grupo (de orientações), assistimos a palestra e ficamos
com as pessoas na hora que chegam e já querem começar, e não é assim”.
(entrevista 1)
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
74
5.4.2. O ACS como Educador: início para uma prática dialógica e
emancipadora
“Eu acho que tudo depende da orientação, da conversa. (De) qualquer jeito que
você, chegando no paciente com paciência e com a conversa certa, você aborda
eles. Sem ignorância, muitos agentes não agem assim com simpatia. É eu acho que
isso é essencial para um agente comunitário (para realizar as orientações)”.
(entrevista 5)
”Porque você vai muito, muitos deles não precisam nem de uma consulta (para obter
informações), mas o que eles querem, é conversar com você”. (entrevista 1)
Nos relatos citados vê-se a prática de ações educativas pautadas no diálogo.
Aqui, Freire (2005) nos enriquece ao falar que na educação dialógica e, portanto,
problematizadora, servindo à liberdade, fundamenta-se na criatividade, estimula a
reflexão e a ação sobre a realidade e responde à sua vocação de seres que não
podem ser fora da busca e da transformação criadora.
O ACS demonstra a sua atuação criativa em que considera as circunstâncias
do seu cliente e encontra uma alternativa para a adequação do tratamento na sua
ausência:
“Que nem tem uma paciente que eu mesmo oriento com o medicamento dela, que
eu risquei na receita dela com canetinha, cada um de uma cor e coloquei uma
etiqueta pra saber qual é o horário. E ali ela não esquecer o horário e saber qual é o
momento que tem que tomar”. (entrevista 1)
Justificar a lógica de organização do Serviço de Saúde e orientar à população
quanto à finalidade de atendimento na UBS é uma forma de dar atenção a essas
pessoas e educar em saúde no sentido de conscientizar quanto à procura mais
adequada às unidades de atenção à saúde:
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
75
“A questão do agendamento: Tem um número x de consulta e aí o pessoal da sua
área, sua população questiona muito, cobra muito essa questão de consulta. Aí você
tem que explicar pra eles que na verdade o posto de saúde é mais para prevenção
que não adianta chegar aqui morrendo. Nós temos 16 médicos, se tiver gente na
frente demora de 20 dias á 1 mês”. (entrevista 2)
A humildade da ACS em dizer que todos são “necessitados” de educação em
saúde, ou seja, todos têm algo a aprender e não só a ensinar. Em consonância com
o que Freire (2005) nos diz que o educador não é aquele que simplesmente educa,
mas que ao educar, a partir do diálogo com o educando também é educado, é
colocado a seguir:
“Então eu acho que uma coisa de educação em saúde é pra gente, pros pacientes e
pros médicos e é pra todo mundo”. (entrevista 5)
5.4.3. O ACS como Educador: o relacionamento interpessoal como
elemento fundamental na prática educativa em saúde
Encontramos nas falas dos ACS que o essencial para o êxito da prática
educativa em saúde é a forma de abordar as pessoas: com paciência.
Humildade e simpatia são apontadas como elementos para educar em saúde,
além disso, existe a consideração da população como família, destacando o afeto no
relacionamento educativo.
“Depende muito da família, se for uma família que tenha uma senhora que tenha
filhos gente sempre aborda pelo fato das crianças. Porque a gente que é mãe
sempre vai lidar pelo coração. Não tem como. Agora se é um senhor que bebe tem
diabetes e tem hipertensão fica muito difícil, mas aí a gente já dá um toque como o
colega falou: ‘Poxa, lembra que o senhor pode morrer amanhã, o senhor não tem
filho’, as vezes ele é sozinho não tem mulher não tem uma namorada. ‘Poxa você
tem que ter força, tem uma casa pro senhor cuidar. Com é que o senhor vai tá
abrindo mão disso tudo?’ Vamos sentar vamos conversar. E eles acabam apoiando.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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Eu acho que tudo depende da orientação, da conversa. Qualquer jeito que você
chegando no paciente com paciência e com a conversa certa, você aborda eles.
Sem ignorância, muitos agentes não agem assim com simpatia. É eu acho que isso
é essencial para um agente comunitário.” (entrevista 5)
Nesse trecho a sabedoria operante utilizada na pedagogia do ensinar em
saúde é encantador, revela o potencial latente que o profissional ACS possui e que
pode ser estimulado e incentivado. Fica o desafio para a estrutura organizacional do
Serviço de Saúde em propiciar momentos de reflexão e aprimoramento profissional
em que todos possam sair beneficiados, trabalhadores e comunidade.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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_____________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados apresentados e discutidos conclui-se que os objetivos
foram alcançados. Foram identificadas e analisadas as práticas educativas
desenvolvidas pelos ACS em seu cotidiano de trabalho, bem como o contexto no
qual essas práticas se desenvolvem em uma UBS que contempla o PSF na região
Norte do Município de São Paulo.
Investigar a forma e o contexto em que as práticas educativas têm sido
desenvolvidas na realidade concreta da sociedade se traduz em uma preocupação
com as condições de saúde da população.
Conforme já citado, saúde e educação coexistem em uma relação dialética e,
nesse sentido, desvelar os limites e as possibilidades das práticas educativas dos
ACS desempenhadas frente à população, significa assumir uma postura crítica e
reflexiva na busca de uma ação efetivamente transformadora da realidade, trilhando
um caminho de aprimoramento contínuo com vistas à melhoria das condições de
saúde da população.
A escolha em estudar a atuação do ACS no desempenho de práticas
educativas consistiu em considerá-lo o profissional que exerce seu trabalho no
contato íntimo e direto com a população.
Deve-se considerar que este estudo teve o caráter de aprofundamento do
conhecimento em determinada realidade e foram apontados diversos aspectos de
convergência entre os resultados obtidos nesta pesquisa e os resultados de outras
pesquisas que abordam o mesmo tema.
Para exemplificar, destacam-se os trabalhos de Silva (2001) e Trapé (2005)
nos quais ambas as autoras abordam a prática profissional do ACS no Município de
São Paulo e apresentam resultados semelhantes entre si e com a presente
pesquisa: a caracterização do ACS como o elo entre a população e os Serviços de
Saúde; a constatação da afetividade presente na relação entre o ACS e comunidade;
e uma atuação predominantemente atrelada ao pólo técnico-institucional que
converge para uma atuação reiterativa dos saberes adquiridos no Serviço de Saúde.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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Silva (2001) aponta duas dimensões de atuação do ACS, conforme discutido
anteriormente, a dimensão técnica relacionada ao atendimento às famílias com
intervenções para prevenção de agravos, monitoramento, etc.; e a dimensão política
que envolve a organização da comunidade e a transformação das condições
pertinentes. Silva e Dalmaso (2002) acrescentam que a dimensão política na
atuação do ACS possui um caráter de transformação social.
Nesta pesquisa foi verificado o potencial de atuação política na prática dos
ACS, porém, os elementos que contribuem para essa atuação são provenientes de
atitudes e percepções pessoais, não há o respaldo da UBS no acolhimento dessa
dimensão de atuação. Dessa forma, prevalecem as condutas técnicas que são
estimuladas por fatores como o cumprimento dos objetivos propostos pela gestão da
UBS a partir de metas quantitativas pré-estabelecidas.
Revela-se na atuação do ACS uma prática reiterativa discutida por Trapé
(2005) proveniente da não participação dos ACS no planejamento do processo de
trabalho impossibilitando a esse profissional o domínio de seu objeto de trabalho e
resultando, por fim, em uma prática reiterativa. A autora discute que essa alienação
dos ACS se traduz no sentimento de impotência para tomarem para si a
responsabilidade das demandas apresentadas pela população e, dessa forma,
utiliza-se de estratégias de “convencimento e amedrontamento” para condicionar a
população a seguir suas orientações.
Trapé (2005) sugere que o caminho para a transformação dessa atuação
reiterativa seria a qualificação dos ACS e de todos os trabalhadores da saúde no
sentido de uma práxis criativa, resgatando o conhecimento crítico e as experiências
vividas.
Nesse sentido, os resultados apresentados e discutidos no presente trabalho
apontam o potencial educativo, no sentido transformador, presente na prática dos
ACS, uma vez que eles dialogam com a população a partir do uso de uma linguagem
de “igual para igual”, vivem a mesma realidade, emocionam-se com as pessoas da
comunidade, percebem as necessidades da população com muito mais perspicácia e
sensibilidade que os demais profissionais, são recebidos, em geral, de forma positiva
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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pelas famílias e são consideradas pessoas de referência na região, não só na área
da saúde, mas também em outros aspectos da vida social.
Ressalta-se o ensinamento teórico de Freire (1996) sobre os saberes
necessários para a prática educativa. Dentre os muitos ensinamentos, o autor afirma
que “ensinar exige disponibilidade para o diálogo”. Os ACS demonstram a
importância do diálogo em sua prática profissional, dizem que “muitos deles
(pessoas da comunidade) não precisam nem de uma consulta, mas o que eles
querem é conversar com você”.
Acrescenta-se aqui, além da disponibilidade para o diálogo, a habilidade de
ouvir o que a população tem a dizer. Verifica-se nos relatos do ACS a percepção da
necessidade das pessoas em serem ouvidas, terem espaço para desabafarem, sem
obrigatoriamente, necessitarem de outro tipo de intervenção, nesse caso a
intervenção consiste na disponibilidade em ouvir.
Freire (1996) ainda nos diz que “ensinar exige querer bem aos educandos”,
envolve a afetividade na concretização das práticas educativas. Os ACS relatam de
forma direta e indireta a presença dessa afetividade na relação com a população,
afirmando que o próprio trabalho “fica parte da sua vida” e “pega muito no coração”.
Esses profissionais chegam a apresentar agravos à saúde decorrentes do
envolvimento emocional intenso com a população, ao lado da impossibilidade de
responder efetivamente a todas as demandas. Ou seja, se o atendimento às
necessidades da população não envolvesse o afeto, a impossibilidade de resolver
determinadas solicitações poderia ter um impacto mais ameno na vida desse
profissional.
Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural
(FREIRE, 1996). Uma vez que o ACS é parte da comunidade em que vive e pela
qual é responsável em sua atuação profissional, quem melhor do que ele na equipe
multiprofissional do PSF para considerar as questões culturais da região? Aqui reside
mais um atributo considerado fundamental para a realização de uma prática
educativa efetiva e que se torna inerente ao ACS uma vez que ele é elemento
constitutivo de uma cultura local.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
81
Assim, alguns dos saberes necessários para a realização de uma prática
educativa emancipatória como disponibilidade para o diálogo, querer bem aos
educandos e reconhecimento da identidade cultural, foram identificados com clareza
na prática dos ACS entrevistados. Destaca-se que esses profissionais pertencem a
uma categoria que exige como requisito necessário à prática profissional, apenas o
ensino fundamental, assim, conclui-se que esses requisitos não são
necessariamente adquiridos nas escolas, mas sim, a partir das vivências concretas e
que, para sua consolidação, necessitaria de momentos de reflexão coletiva sobre
essas vivências.
Afirma-se a importância dos momentos de reflexão coletiva para o
aprimoramento dos saberes envolvidos na prática profissional dos ACS e da equipe
multidisciplinar. Entretanto, não foram identificados momentos voltados para essa
reflexão, ao contrário, os ACS, em seus relatos, solicitam a existência desse espaço
parar e pensar sobre sua atuação.
A solicitação de momentos reflexivos decorre da sobrecarga de trabalho
relatada pelos ACS resultante do conjunto de fatores físicos, mentais e emocionais
contidos no labor desse profissional. Percebe-se que o elemento estressor que se
destaca é o emocional, pois, sendo o ACS o elo entre comunidade e UBS, ou seja, a
personificação da UBS frente à população, as demandas originam-se dos dois lados,
os ACS são solicitados pelos profissionais da UBS e pela população. Como
agravante nessa situação, tem-se que as demandas, na maioria das vezes não são
coincidentes, pois existem contradições entre as necessidades da população e a
oferta de serviços apresentada.
Ao lado das considerações até aqui apresentadas, também foram
identificados aspectos de práticas educativas pautadas na transmissão de
informações e na reiteração de comportamentos a serem seguidos. Porém, os
próprios ACS começam a apresentar uma visão crítica sobre esse modo de agir
enquanto educadores em saúde e percebem que, em geral, essa forma impositiva de
educação não traz resultados satisfatórios.
Essa contradição percebida na atuação do ACS enquanto educador em saúde
é condizente com a contradição apresentada entre as diretrizes oficiais de atenção à
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
82
saúde e a prática dessa atenção. Foi discutido no corpo deste estudo que a lógica de
organização dos Serviços de Saúde no Brasil é pautada no SUS, conforme rege a
nossa Constituição (BRASIL, 1988). Entretanto os princípios e as diretrizes, como a
universalidade e a integralidade são colocadas em questionamento quando
observado o funcionamento concreto nas Instituições de atenção à saúde. O próprio
PSF é considerado por alguns autores como contraditório ao princípio da
universalidade, uma vez que abrange apenas grupos específicos da população,
grupos que estão à margem da sociedade (SALUM, 1998 e PUCCINI, 2002).
Outra verificação contraditória refere-se ao entendimento do processo saúde-
doença. Os ACS que vivenciam a realidade da comunidade percebem que as
questões que determinam uma situação saudável ou não, ultrapassam os aspectos
biológicos. Desemprego, moradia precária, alcoolismo e relações familiares
conflituosas foram algumas das situações apresentadas ou percebidas por eles
como elementos que necessitam de intervenções para viabilizar o alcance da saúde.
Porém, o Sistema de Saúde não contempla ou não articula efetivamente a resolução
dessas demandas, subentendendo-se que a compreensão do processo saúde-
doença previsto na organização dos Serviços de Saúde ainda é predominantemente
biologicista.
Assim, identificam-se contradições na prática do ACS, ora atuando sob uma
perspectiva transformadora e emancipatória, ora sob uma perspectiva reiterativa
atrelada às contradições apresentadas na organização teórica e prática do Sistema
de Saúde Brasileiro.
Não se pode negar, entretanto, o avanço conquistado na atenção à saúde a
partir da inserção do profissional ACS na equipe de saúde, ele é o elo entre a
população e o Sistema de Saúde, é o elemento que dá voz à sociedade, pois a partir
de uma relação de proximidade e afetividade, pode-se explorar o real contexto de
vida de uma população e suas reais necessidades.
Para uma população carente desde conhecimentos educacionais básicos até
de condições mínimas de trabalho, alimentação e moradia, a presença do ACS
enquanto elemento constitutivo daquela realidade e que está inserido no Serviço de
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
83
Saúde possuindo, portanto, saberes específicos, tem um significado importante para
a população, enquanto representatividade e abertura de possibilidades.
Portanto, considera-se que em meio às discussões sobre as contradições
existentes, percebe-se o avanço na atenção à saúde com a contemplação desse
novo profissional. No presente estudo, destacou-se o potencial transformador contido
no ACS, a sua facilidade em acessar a população seja para perceber as demandas
ou intervir na melhoria das condições de saúde é facilitada basicamente pela relação
pautada no diálogo, no afeto e no envolvimento de quem vive a mesma realidade.
Segundo Freire (2005), “não existe docência sem discência”, desse modo,
cabe aos demais profissionais envolvidos no PSF refletirem sobre os momentos de
capacitação. A forma como o ACS será conduzido e respaldado em sua atuação
profissional significará diferentes impactos nos perfis de saúde-doença da população
atendida por eles. Podemos aplicar tais ensinamentos não apenas na prática
educativa dos ACS frente à população, mas nos momentos educativos a serem
desenvolvidos dentro do contexto do PSF, ou seja, os demais profissionais da equipe
multidisciplinar podem aprender com os ensinamentos dos ACS, uma vez que o
aprendizado não ocorre um único sentido, mas em um fluxo contínuo e de trocas.
Retoma-se aqui, a colocação de Zanchetta et al. (2005) que apreender a
idéia de que alfabetizar e orientar para a saúde, apesar da complexidade, requer
proposições simples, como a de retirar as lentes do simplório, trazer a discussão-
ação para o interior do paradigma científico da complexidade e conceber, então,
modalidades de agir simples e eficazes”. Nessa perspectiva o papel do ACS será
fundamental.
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
84
_____________________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
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http://uff.br/oursing.
Acesso em: maio. 2007.
ANEXO 1
Termo de consentimento livre e esclarecido
São Paulo, ___de____________de 2007.
Eu, Agente Comunitário de Saúde ________________________________
___________________________________, concordo em participar da pesquisa
intitulada “A dimensão educativa no trabalho dos agentes comunitários de
saúde do programa de saúde da família, que objetiva investigar as práticas
educativas dos agentes comunitários de saúde de uma equipe do Programa de
Saúde da Família.
Concordo em ser acompanhado pela pesquisadora Gabriela Rodrigues Zinn
durante duas visitas domiciliares e participar da entrevista individual a qual será
gravada em fita cassete, nesta fita
não será registrado (de forma escrita ou gravada)
o nome dos participantes e após a transcrição da entrevista a fita será destruída. Sei
que a participação no trabalho é voluntária, sendo assegurado o anonimato e que a
minha decisão em participar ou não, não terá implicação alguma para mim.
Estou ciente de que os resultados da pesquisa poderão ser divulgados em
eventos e publicações sem que meu nome seja revelado.
Estou ciente também de que posso desistir de participar desta pesquisa em
qualquer momento de seu desenvolvimento.
__________________________________________________
Assinatura do Pesquisado e RG
Agradeço a atenção dispensada e a possível colaboração neste trabalho. Para
quaisquer esclarecimentos sobre a pesquisa, estarei à disposição, em qualquer
momento de seu desenvolvimento. O telefone para contato é: 36137080 ou
99272677 (Gabriela) e também através do Comitê de Ética em Pesquisa da
Secretaria Municipal de Saúde (3218-4043).
____________________________________________
Gabriela Rodrigues Zinn, RG: 22990195-5
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
1
ANEXO 2
Roteiro de observação das visitas domiciliares do ACS
I. Família visitada:
1. Composição (membros)
2. Escolaridade dos membros da família
3. Renda familiar
4. Situação de moradia
5. Participação de algum membro da família em movimentos sociais
6. Quais foram os membros da família que tiveram contato com o ACS nesta
visita?
7. É a primeira visita do ACS a essa família?
II. Horário de início e término da visita
III. Seqüência de passos seguidos pelo ACS
1. Registrar as colocações verbais e não-verbais utilizadas pelo ACS e pelos
membros da família.
2. Registrar as orientações realizadas pelo ACS.
3. Observar com atenção:
a. Como foi o preenchimento dos formulários?
b. Houve convite para visitar UBS ou outro equipamento social?
c. Qual foi o cuidado com doenças crônicas ou agudas?
d. Qual foi o cuidado com afecções de valor epidemiológico ou sazonal?
IV. Relacionamento com a família
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2
1. Que tipo de comunicação verbal e não-verbal foi utilizada na chegada para
“aquecer” a visita? E na saída?
2. Qual foi a compreensão da família sobre as informações e orientações
fornecidas pelo ACS?
V. Atuação Política
1. Houve orientação referente ao direito à saúde e sua forma de acesso?
2. Houve orientação no sentido de articulação social para transformação das
condições que se fazem pertinentes?
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3
ANEXO 3
Roteiro de entrevista com o ACS
I. Identificação
1. Nome
2. Área e Microárea de atuação do ACS
3. Data e local de nascimento
4. Escolaridade
5. Curso profissionalizante
6. Tempo que reside na cidade de São Paulo e no bairro
7. Composição familiar
8. Trabalho anterior ao de ACS
9. Trabalho além de ACS
10. Experiência prévia na área de saúde
11. Participação em movimentos sociais do bairro antes de ser ACS
II. Trajetória Profissional do ACS
1. Por que você escolheu ser ACS?
2. Como você chegou a ser ACS? Conte-me sobre a sua trajetória.
3. Quais são as atividades mais importantes que você realiza?
Observar se foram abordadas as seguintes atividades (caso não sejam
citadas, questionar a respeito):
a. Territorialização (mapeamento da área de atuação)
b. Cadastramento e acompanhamento das famílias
c. Atualização de cadastro das famílias
d. Identificação de situações de risco individual e coletivo
A Dimensão Educativa no Trabalho do Agente Comunitário de Saúde do Programa de Saúde da Família
4
e. Participação no planejamento das ações da UBS com objetivo de superar
os problemas levantados, incluindo colaboração na execução da agenda
Municipal de saúde
f. Atuar de forma articulada com os demais segmentos sociais
g. Promoção à saúde e prevenção de doenças
h. Conscientização dos direitos à saúde e formas de acesso
4. Quais são as dificuldades que você encontra na sua atividade como ACS?
III. A Prática educativa do ACS
1. O que você entende por educação em saúde?
2. Você exerce alguma atividade educativa?
3. Como?
4. Dê um exemplo.
5. Quais são as principais dificuldades para realizar essas atividades educativas?
6. O que você sugeriria para um programa de capacitação em educação em
saúde?
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5
ANEXO 4
Exemplo de procedimento de análise de dados da entrevista
Análise da Entrevista 6
ACS, sexo masculino, 27 anos, nascido no interior de São Paulo, residente no bairro
em que atua há 13 anos, mora com a esposa e dois filhos; possui o ensino médio
completo, trabalha apenas como ACS, nunca participou de movimentos de bairro,
não tem experiência prévia na área da saúde. Características pessoais percebidas
pela pesquisadora: comunicativo, dinâmico e seguro.
Fala do Entrevistado Unidade de Significado Categoria
Eu acho que o ACS é o vínculo que o
munícipe tem ali não só na área da saúde,
mas a nível de assistente social, você vai
ter mais orientação, né... a gente pode dar
o caminho para o munícipe, mesmo que
não seja na nossa área, então agente
acaba sendo uma referência e o pessoal
vem mesmo procurar agente. Não só por
problema de saúde, mas também por
qualquer outra coisa...
... Eu acho assim, o pessoal vê na gente
uma chance de uma melhora... de vida,
seja ela pelo lado da saúde, seja ela pelo
lado financeiro também, uma ajuda de
custo né...... Então eu acho que também
nessa área, a área bem social que agente
pode estar atuando.
Elo entre o serviço de saúde
e a população
O ACS indica o caminho a
ser seguido pela população
no que se refere a assuntos
para além da área da saúde
ACS como referência de
“melhora de vida” para a
população
Relação do ACS
com a população
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