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Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde
EDUARDO HENRIQUE BARBOSA DE VASCONCELOS
FAZER O BEM SEM OLHAR A QUEM:
ASPECTOS MÉDICOS E OUTRAS POSSIBILIDADES NA PRIMEIRA METADE
DO SÉCULO XIX NO CEARÁ
Rio de Janeiro
2007
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EDUARDO HENRIQUE BARBOSA DE VASCONCELOS
FAZER O BEM SEM OLHAR A QUEM:
ASPECTOS MÉDICOS E OUTRAS POSSIBILIDADES NA PRIMEIRA METADE
DO SÉCULO XIX NO CEARÁ
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Curso de Pós-graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo
Cruz/Fiocruz, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História das Ciências.
Orientação Prof
a
. Dr
a
. Magali Romero Sá
Rio de Janeiro - RJ
2007
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V331 VASCONCELOS, Eduardo Henrique Barbosa de
Fazer o Bem sem olhar a quem: aspectos médicos e outras
possibilidades na primeira metade do século XIX no Ceará. –
Rio de Janeiro: [s.n.], 2007.
124f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da
Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, 2007.
Bibliografia: f. 117-124.
1. História da medicina do século 19. 2. Médicos.
3. História. 4. Ciência 5. Brasil. I. Título.
CDD 601.981
EDUARDO HENRIQUE BARBOSA DE VASCONCELOS
FAZER O BEM SEM OLHAR A QUEM:
ASPECTOS MÉDICOS E OUTRAS POSSIBILIDADE NA PRIMEIRA METADE
DO SÉCULO XIX NO CEARÁ
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de s-graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo
Cruz/Fiocruz, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Mestre. Área de
concentração: História das Ciências.
Aprovada em setembro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________________________
Profa.Dra. Magali Romero Sá (COC/Fiocruz) – Orientadora
___________________________________________________________________
Prof.Dra. Heloisa Maria Bertol Domingues (Museu de Astronomia e Ciências Afins)
___________________________________________________________________
Prof.Dr. Luiz Otávio Ferreira (COC/Fiocruz)
Suplente:
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Flavio Coelho Edler (COC/Fiocruz)
Rio de Janeiro
2007
AGRADECIMENTOS
Após uma longa jornada, cheia de idas e vindas, eis que chega o momento de
falarmos que em momento algum estávamos sós.
Serei eternamente grato a minha mãe que sempre se esforçou para me oferecer o o
do corpo para que eu pudesse desfrutar do pão do espírito. Mãe, muito obrigado!
Agradeço à professora Magali Romero pela orientação, carinho, respeito e por me
conduzir pela(s) senda(s) da(s) história(s) da ciência(s). Ao programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde da Fiocruz pela concessão da bolsa de estudo.
A Loren, por suportar a distância e por me oferecer o seu respeito e carinho.
Desejo formalizar agradecimento especial a Simone Simões Soares Ferreira, a
Manoel Fernandes de Souza Neto, a Lea Rodrigues e a Cíntia Ávila de Carvalho, pelos
estímulos e reflexões. Aos dois primeiros, agradeço ainda mais por me indicarem amigos
no Rio de Janeiro que me permitiram entrar em suas casas e conviver com eles, durante o
período de seleção e durante os meus primeiros meses de “aclimatação”. Sou extremamente
grato a Mônica e ao Jean por me acolherem em sua aconchegante casa no Flamengo e da
mesma forma, agradeça a Amélia Cristina e a todo o grupo da Geografia que me acolheram
em Niterói.
Em Fortaleza, sou grato a Fernanda Holanda Borges e Dina Melo e André Alcman
pela convivência e pela paciência. No Rio, o que seria de mim sem a existência de Marcelo
Ferro e da sua gentil esposa Carmem, que também abriram as portas do seu apartamento e
me proporcionaram agradáveis momentos. Contei ainda com a convivência dos colegas da
tão conhecida Casa Amarela da Fiocruz, agradeço a todos, especialmente a coordenadora
da Casa Dona Vera. Na casa Amarela, tive o prazer de conhecer o blues man Marcelo
Eduardo, grande figura. Em 2006, tive a oportunidade de compartilhar as aventuras no Rio
com mais três colegas da terrinha: André Alcman, Valdetone Alencar e Lígio Maia.
Por fim, mas não menos importante tive, ainda na graduação, a oportunidade de
desenvolver o gosto e o prazer pela pesquisa histórica fazendo parte da equipe de pesquisas
da Professora Simone de Souza e do Professor Sebastião Rogério Ponte. Agradeço aos dois
pela oportunidade e confiança.
RESUMO
O presente trabalho é um estudo das atividades médicas na Província do Ceará na
primeira metade do século XIX. Privilegiou-se a analise das ações e as consequências
dessas atividades do final do século XVIII até meados do século XIX a partir da
abordagem proporcionada pela bibliografia relacionada à história das ciências.
No final dos Setecentos e início dos Oitocentos a Província do Ceará dispunha de
atividades médicas pontuais o obedecendo nem mesmo à ordem portuguesa de
contratação de médicos para atender à população durante as epidemias de varíola sob a
alegação de falta de recursos ocasionada pela seca.
No final dos anos 1830 essa situação ganharia outros contornos com a criação do
cargo de médico da pobreza, contratado e pago pela Província para atender os desprovidos.
Este médico tinha ainda como atribuição informar o presidente da Província sobre o estado
sanitário da mesma e indicar medidas preventivas e paliativas contra eventuais epidemias.
A criação, financiamento e manutenção do cargo de médico da pobreza pela
Província possibilitaram que fossem questionadas nesta dissertação as explicações fatalistas
que priorizam a seca, o cangaço e o messianismo como únicos aspectos válidos para as
explicações construídas para o entendimento da história social, econômica, política e
cultural do Ceará.
Palavras-chave: história das ciências, medicina, médico da pobreza, Ceará.
ABSTRACT
The present work is a study of the medical activities in the Province of the Ceará in the first
half of century XIX. It privileged analyzes it of the actions and the consequences of these
activities of the end of century XVIII until middle of century XIX from the proportionate
boarding for the bibliography related to the history of sciences.
In the end of the Seven hundred and beginning of the Eight hundred Ceará Province it
made use of prompt medical activities not obeying not even the Portuguese order of act of
contract of doctors to take care of to the population during the epidemics of smallpox under
the allegation of lack of resources caused by dries.
In the end of the years 1830 this situation would gain other contours with the creation of the
position of doctor of the poverty, contracted and paid for the Province to take care of the
unprovided ones. It still had as attribution to inform the president of the Province on its
sanitary state and to indicate writ of prevention and palliative against the eventual
epidemics.
The creation, support and the maintenance of the position of doctor of the poverty for the
Province make possible the questioning of fatalism explanations that only prioritize dry,
bandits and the messianism as only aspects been valid for the understanding of the
explanations constructed for the agreement of social, economic history, cultural politics and
of the Ceará.
Key-Word: history of the science, medicine, doctor-of the poverty, Ceará.
SUMÁRIO
Introdução.....................................................................................................1
Capitulo I
A escrita da história das ciências no Brasil................................................ 7
As ciências naturais e médicas na história cearense..................................12
Capítulo II
Ação médica no final do século XVIII......................................................29
A comissão Lopes Machado........................................................................29
Capitulo III
Saúde e doença: percursos nos Setecentos e Oitocentos no Ceará..........38
O clima e a natureza...................................................................................40
Fragmentos de políticas médicas na história cearense..............................44
Um período de agitações.............................................................................50
Capitulo IV
A criação do cargo de médico da pobreza.................................................64
Os médicos da pobreza...............................................................................88
A ação estatal dos médicos da pobreza.......................................................91
As doenças e os médicos.............................................................................97
Conclusão.................................................................................................106
Bibliografia consultada............................................................................112
INTRODUÇÃO
Ao mencionarmos o nome Ceará, acionamos um conjunto díspar de informações que,
quase na totalidade, nos traz a lembrança dos problemas e das dificuldades enfrentadas pela
população de despossuídos nos momentos de crise. Essa lembrança cristalizou-se de tal
forma que os elementos interpretativos do Ceará e da região brasileira de que faz parte,
usualmente, são explicados por uma tríade: seca, cangaço e messianismo. Historicamente
estes são, em maior ou em menor escala, os elementos estudados, pesquisados e/ou que têm
mais peso nos trabalhos acadêmicos que abordam o que se denomina a realidade do
Nordeste, mais especificamente, do Ceará.
Todavia, nesse tripé, restritivo e limitado, não há possibilidade alguma para o estudo e
a pesquisa do processo histórico de desenvolvimento e/ou transformação da ciência, devido
ao entendimento tácito existente de que ciência não é um elemento que possa fazer parte
dos vetores utilizados para explicar ou compreender o Ceará. Porém, existe uma única
condição, sob a qual poderíamos aceitar, sem maiores problemas, a existência do saber
científico como um vetor explicativo do processo histórico do Ceará. Isto é, aceitar que
houve um saber científico, sob a forma de um saber fazer aplicado, lógico e racional, com o
intuito de retirar o Ceará e os cearenses da condição de atraso e de resolver os seus
problemas.
Tal entendimento engendrou e vingou frutos, principalmente políticos e econômicos,
gerando no alto escalão da administração brasileira o canto uníssono para a criação de
órgãos e entidades publicas habilitadas com o saber técnico e cientifico alimentando o
pressuposto da ausência científica - para transformar a áspera realidade do Ceará. Percebe-
se essa orientação e esse intuito em instituições como o Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas - DNOCS, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SUDENE e o Banco do Nordeste BNB, instituições que décadas vem desenvolvendo
trabalhos e ões de suma importância, mas que não conseguiram, até o presente momento,
concretizar o intuito de redenção, como muitos ainda acreditam, nos locais em que atuam e
em que desenvolvem as suas atividades.
Influenciados por esse entendimento, os estudos referentes à ciência no Ceará
ficariam a reboque de atividades científicas, do suporte técnico, material e humano de dos
grandes centros do país ou restritos à implementação das políticas públicas no decorrer
século XX. Assim, após a obtenção e o controle dos últimos conhecimentos científicos
internacionais necessários às transformações sociais, econômicas e políticas, a aplicação
desse saber garantiria os resultados esperados.
O principal elemento dessa concepção usual é o “entendimento implícito” que postula
a ausência científica como um dos elementos definidores dos grandes centros e das grandes
metrópoles. Tal pressuposto delimita, corta e cerceia a simples possibilidade teórica de se
aventar o desenvolvimento de pesquisas abordando a temática cientifica fora dos grandes
centros de produção, perpassando esse entendimento por muitos dos melhores trabalhos
acadêmicos que abordam a temática.
Talvez uma das possíveis explicações para esse entendimento seja a compreensão de
ciência marcadamente atrelada à concepção de desenvolvimento e progresso que nos
últimos séculos se configurou, ciência como elemento restrito aos grandes centros
populacionais, econômicos e políticos e à necessidade de grande investimento para a
viabilização da produção cientifica. Frente a qualquer forma e/ou organização de saberes,
as práticas que não se enquadram nesta lista e que não sigam o trajeto feito pela ciência
implantada nos centros europeus são logo classificadas de não cientificas, d o não
reconhecimento de outras práticas equivalentes à ciência, desde a chamada descoberta do
novo mundo, quando os europeus passaram a associar a outras práticas nativas com
superstição e/ou religiosidade, sendo assim destituídas de valor e interesse por parte dos
europeus.
1
Ainda no rol da disseminação do entendimento da existência não cientifica fora dos
chamados grandes centros, identificamos a tendência propagada e repetidas ad infinitum
pelos trabalhos e pesquisas dos pais fundadores das Ciências Sociais (Durkheim, Marx e
Weber), que foram tomados como porto de chegada, isto é, as considerações de Weber
sobre o desencantamento do Mundo, as consideração de Marx sobre o desenvolvimento da
indústria e o seu impacto nos trabalhadores e a busca da cientificidade da sociologia por
Durkhein, foram considerados “lugar comum”, algo que não mais deveria ser pesquisado e
estudado. A repercussão dessa leitura dos pais fundadores resultou em trabalhos e pesquisas
posteriores que preferirem o entendimento da sociedade por outros aspectos, passiveis de
mudanças de acordo como as especificidades nacionais, regionais, locais, enfatizando dessa
forma aspectos como: a política, a economia, a religião e/ou a cultura
2
. Tal situação
acontece inúmeras vezes com os estudos e as pesquisas que se debruçam com
características além das linhas explicativas nacionais, tidas por isso como regionais ou
locais, aspecto esse bastante presente nas explicações da realidade histórica cearense. Daí o
nosso intuito de observar essa realidade por um ponto de vista diferenciado, escolhendo
como “fio condutor” deste périplo os aspectos médico, isto é, as ações efetivadas e/ou
1
Sobre o assunto Ver: GIUCCI, Guilhermo. Sem fé, lei ou rei: Brasil: 1500-1532.
Tradução: Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p. 19.
2
Cf: NUNES, Everardo Duarte. Ciências Sociais em Saúde: um panorama geral. In:
GOLDENBERG, Paulete; MARSIGLIA, Regina Maria Giffoni; Gomes, Mara Helena de
André (Orgs). O clássico e o novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e
saúde. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz, 2003. pp. 57-72.
desencadeadas pelo poder administrativo com a preocupação de amparar o bem viver
coletivo ao longo da primeira metade do século XIX na província do Ceará e especialmente
na cidade de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção.
Entretanto, compartilhando das idéias do professor Ulpiano Bezerra de Meneses, ao
nos alertar sobre alguns cuidados que devemos ter ao elegermos nossos objetos de estudos,
ele nos chama a atenção exemplificando a sinuosidade da questão com o caso da chamada
História Oral.
História Oral seja talvez o caso mais exemplar da inadequação em
caracterizar-se um objeto de conhecimento histórico a partir de um fato
documental. Epistemologicamente, não tem sentido tornar-se um tipo de
fonte – como os relatos orais – e transformá-los na substância que define o
alvo da atividade do historiador. Não se estudam fontes para melhor
conhecê-las, identificá-las, analisá-las, interpretá-las, compreendê-las, mas
elas são identificadas, analisadas, interpretadas, e compreendidas para que,
daí, se consiga um entendimento maior da sociedade, na sua
transformação. Se houver gica na nomenclatura, as especializações das
práticas históricas deveriam, por exemplo, tratar de uma História Escrita,
quando predomina a utilização de documentos dessa natureza!
3
.
Concluído o seu argumento, esse mesmo autor ainda nos lembra que, a reflexão
histórica, precisa ser história da sociedade; perscrutando como a sociedade é, e porque ela
se modifica acabam sendo problemas mais complexos, necessitando daí cortes e seleções,
de acordo com os problemas colocados pelos pesquisadores. E, por fim, ele nos lembra
que, para tal empreendimento, o historiador deve utilizar de todos os materiais disponíveis,
de todas as fontes. Só assim ele, o historiador, poderá evitar abordagens empobrecedoras.
4
3
Cf: MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, História visual.
Balanço provisório, propostas cautelares. In: Revista Brasileira de história. São Paulo. V.
23, no. 45, p. 26.
4
Idem
Um dos aspectos importantes desta proposta de trabalho é a capacidade crítica, pois
ao invés de tomar o processo histórico como algo dado, restando ao historiador apenas
buscar o que realmente aconteceu”, enfoca-se a necessidade de problematização e
questionamento do historiador frente ao seu objeto de pesquisa, forçando-o a procurar
caminhos diversos para obter as respostas as suas indagações. Desta forma, a concepção de
fonte histórica e a periodização usual dos processos históricos (a continua linha
cronológica) perdem o seu pretenso “estatuto de verdade”, pois estes são criados e
recriados de acordo com as questões e os problemas levantados pelo historiador em busca
do entendimento da(s) sociedade(s) passada(s).
Ao principio orientador acima mencionado, acrescentamos ainda a opção por
trabalhar a realidade estudada sem tentar enquadrá-la em uma posição de inferioridade
hierárquica, isto é, por trabalhar como uma realidade dita não representativa um dos
primeiros passos deste trabalho deveria ser a contextualização da província cearense frente
à ordem política, econômica, administrativa e social brasileira (entenda-se carioca) para
depois se debruçar sobre a realidade desejada.
Contudo, esse simples procedimento carrega consigo uma determinada forma de
compreensão da realidade brasileira que não se sustenta a luz do processo histórico para a
realidade brasileira antes 1865, pois segundo o historiador José Murilo de Carvalho em um
artigo intitulado: Brasil nações imaginadas
5
, até o ano de 1865, a porção de terra que
denominamos de Brasil não era pensado e vivido como uma nação. Até mesmo os
movimentos separatistas desencadeados no final do século XVIII e ao longo do século XIX,
no máximo, segundo o referido autor, era expressão de uma consciência local.
5
CARVALHO, José Murilo de. Brasil: nações imaginadas. In: Pontos e Bordados:
escritos de história e política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
O que chamamos indistintamente de Brasil desde o momento do “descobrimento”,
durante muito tempo foi um conjunto de províncias que não possuíam intercomunicação e
que estavam voltadas mais para a Europa. Dentro dessa lógica cada província tinha
“liberdade” para encetar as atividades que mais lhes interessem, uma vez que não havia um
centro administrativo forme no país e todas as áreas estavam subordinadas diretamente as
ordens portuguesas no período colonial e só após a segunda metade do século XIX o Rio de
Janeiro e a região sul se “institucionalizaram” definitivamente como sinônimo de centro
para as demais partes do país.
Daí, seguindo essa linha de raciocínio, não se encontrara neste trabalho a usual
divisão entre o que ficou conhecido como texto e contexto. Dado que, como toda e
qualquer divisão, essa é uma forma arbitrária de entender a realidade e ao invés de dar
continuidade nesta tradicional reificação binária, compartilha-se do entendimento que a
realidade vivida por homens e mulheres no passado apresenta-se como um texto (sem
divisões), com vários atores, vozes e formas de ser lido e contado
6
. Desta forma, não se
pretende apresentar os avanços médicos que eventualmente existiam na corte brasileira
para posteriormente elencar o que existia e o faltava na província cearense.
Enfrentar essas e outras dificuldades da escrita da História é o oficio do
historiador. Daí o presente trabalho buscar entender a sociedade da primeira metade do
século XIX na província do Ceará, elegendo como objeto privilegiado os aspectos médicos
e a ação médica. Assim, deseja-se problematizar o entendimento implícito da suposta
ausência científica no Ceará, mencionada nas linhas anteriores, questionando também o
usual entendimento do saber médico, como uma instância dependente e inferior dos demais
6
Sobre o assunto ver: KRAMER, Lloyd S. Literatura, Crítica e Imaginação Histórica: O
desafio literário da Hayden White e Dominick LaCapra. In: HUNT, Lynn. A Nova História
Cultural. Trad. Jeffersn Luiz Camargo. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
aspectos sociais, presente apenas como instrumento de dominação e legitimação de poder
das elites frente aos grupos populares, não contendo e não apresentando outras
possibilidades de entendimento.
***
O presente trabalho apresenta quatro capítulos, não homogêneos em virtude da
realidade histórica estudada, da não homogeneidade dos materiais de pesquisas consultados
e dos objetivos dessa pesquisa. Dessa forma, no primeiro capitulo é realizada uma reflexão
sobre como a história das ciências no Brasil foi entendida e quais os elementos
privilegiados nestes estudos.
No segundo capitulo, apresenta-se a ação médica realizada em virtude de uma
epidemia no norte do Ceará e as preocupações referentes ao mundo natural, através de uma
viagem filosófica efetivada no mesmo local no fim do XVIII.
O terceiro capítulo se propõe a apresentar a relação que houve entre a questão médica
e as medidas políticas encetadas no período.
O quarto capítulo aborda a criação e a atuação do cargo de médico da pobreza, em
meados de 1830.
Na conclusão, é esboçado um possível significado para a criação e atuação do médico
da pobreza re-orientando os pontos argumentativos usualmente mobilizados para o
entendimento da realidade Cearense.
Com o intuito de facilitar a leitura e o entendimento dos leitores, as citações utilizadas
nesta obra foram todas atualizadas para a grafia do português atual, excetuando-se algumas
palavras e/ou expressões que não puderam ser identificadas.
Por último, desejamos ressaltar que ao utilizar a expressão “outras possibilidades”
presente no título, o intuito foi de tentar deixar aberto e não demarcar uma única forma de
entendimento da realidade estudada, como usualmente os historiadores procedem ao
consideram as experiências foram dos “centros brasileiros”.
Capítulo I
A escrita da história das ciências no Brasil
Os estudos pioneiros sobre a história das ciências e da saúde versando sobre a
realidade nacional foram marcados pela concepção teórica de que no país, ao longo de todo
o século XIX, período privilegiado no presente trabalho, o que se chamava de ciência era
nada mais nada menos do que um conjunto de práticas e estudos desenvolvidos alhures
entenda-se Europa – praticada geralmente por cientistas e viajantes do Velho Mundo.
Assim, o conhecimento científico no Brasil não conseguiu se libertar da tutela européia,
praticando nos trópicos os mesmos preceitos e estudando os mesmos objetos, predefinidos
pelo interesse e pela vontade dos cientistas fora do país. A adoção desse pressuposto trouxe
consigo uma gama de conseqüências para os estudos sócio-históricos, dentre elas, a
reafirmação da concepção de que ciência é “algo” necessariamente advindo dos grandes
centros europeus para as demais partes do mundo.
No Brasil, a discussão sobre a existência ou não de uma produção científica marcou
duas obras pioneiras sobre os estudos da ciência, e as duas, corroboraram com a concepção
de que, até o final do século XIX, no país, as orientações cientificas ainda eram os
elementos determinados pelo interesse de cientistas e viajantes europeus e não haveria uma
ciência genuinamente desenvolvida por brasileiros, mobilizando os aspectos teóricos e
práticos. com o advento do século XX, a ciência se estabeleceria verdadeiramente” no
país. Até esse momento, o que se chamava e o que se entendia por ciência, no Brasil, era,
segundo os autores consultados, um grande esforço de implementar o conhecimento
científico no país, principalmente nos estudos relacionados à medicina e à engenharia, mas
ainda com características dispares e ecléticas, resultando no não desenvolvimento científico
brasileiro de então
7
.
Durante rios anos, esse referencial norteou as atividades de muitos dos
historiadores e dos pesquisadores das ciências no Brasil, mas desde o final da década de 80
e inicio dos anos 90 do século XX, essa orientação explicativa da produção cientifica vem
perdendo força, e diversas pesquisas, fruto de dissertações de Mestrado e teses de
Doutorado, contribuíram para o declínio e posterior ostracismo da explicação científica
mimética brasileira e para apresentar um quadro plural da produção ciências no país
8
Contudo, se atualmente existe um grande consenso sobre a existência das atividades
científicas no Brasil no século XIX, em diversas áreas do conhecimento como: medicina,
engenharia, geologia, astronomia etc. Facilmente percebemos que todos esses estudos e
pesquisas privilegiam um determinado recorte espacial, isto é, têm como objetos de suas
pesquisas a realidade histórica de uma determinada parte do país, o sudeste, apresentando-o
como o único local do país apto a desenvolver essas atividades.
Indiscutivelmente, o há como negar ou simplesmente “fazer de conta” que a região
constituída pelos atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais acrescendo a
Bahia (que atualmente não faz parte da região sudeste mais desfrutou por muito tempo o
prestigio e o reconhecimento da comunidade cientifica principalmente pela sua influente
7
Ver: AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. Ins. Bra. Geogr. e Estatíst., Rio de
Janeiro, 1953; SCHAWARTZMANN, Simon. Formação da comunidade cientifica no
Brasil. Ed. Nacional. São Paulo; Finep, Rio de Janeiro, 1978.
8
Para um balaço do estado das pesquisas que tratam da história das ciências no Brasil. Ver:
DANTES, Maria Amélia Mascarenhas (Org.). Espaços da Ciência no Brasil: 1800-1930.
Rio de Janeiro. Editora da Fiocruz. 2001; FIGUEIROA, Silvia F. de M. Mundialização das
ciências e respostas locais. Sobre a institucionalização das ciências naturais no Brasil. (de
fins do século XVIII à transição do século XX). In: Asclépio Revista de História de la
medicina y de la ciência. Centro de estudios históricos. Consejo Superior de investigaciones
cientificas. Madri. Vol. L, Fasc.2, 1998.
Faculdade de Medicina) configuraram, no transcorrer do século XIX, como os principais
locais de desenvolvimento das atividades científicas no Brasil, principalmente em
conseqüência das faculdades de Medicina no Rio de Janeiro e na Bahia, da Escola de Ouro
Preto, em Minas Gerais, e pelos estudos geológicos em São Paulo, instituindo e
delimitando as atividades desenvolvidas em determinadas áreas do país como síntese e
sinônimo de todo o Brasil. Dessa forma, como em um jogo de espelhos invertidos que
projeta a imagem do “progresso” em uma determinada área, exclui essa possibilidade para
os demais espaços do país. A eventual possibilidade de produção e desenvolvimento
científico, seja no século XIX ou até mesmo ao longo do século XX, ainda não foi e não é
aventada pelos pesquisadores da temática, que concentram suas atividades quase que
exclusivamente nas experiências histórico-científicas do Rio de Janeiro e de São Paulo,
que, não por acaso, são os dois principais espaços congregadores dos aspectos políticos,
administrativos, financeiros e científicos. Porém, essa dinâmica, esse desenvolvimento e
essa exuberância social explicitada nos dias atuais são, muitas vezes, assimilados
acriticamente pelos pesquisadores que partindo das experiências do presente ou de
determinados momentos históricos, como a chegada da Corte ao Rio de Janeiro no ano de
1808, tendem a considerar esses locais como “centrais” ou determinadores dos demais
espaços constituintes do Brasil. Na academia, percebe-se essa “orientação” nos trabalhos de
pós-graduação, uma vez que a totalidade heterogênea do país é pensada como um objeto
homogêneo e, para demonstrá-lo, uma pequena amostra da parte é suficiente para
exemplificar os elementos do todo, ou outra possibilidade encetada é o estudo dos grupos e
entidades que representam o que se convencionou entender como síntese do todo. Para a
história da medicina no Brasil, esse último procedimento é acionado e utilizado com
freqüência para o entendimento das práticas médicas no país. Os estudos que privilegiam a
Academia Imperial de Medicina - AIM , geralmente, abordam a criação desta entidade com
o ápice das orientações e da organização de práticas e saberes médicos no Brasil
9
; tomando
como palco principal a cidade do Rio de Janeiro, local de implementação e de
desenvolvimento dessas novas orientações médicas.
Edificada para ser o referencial médico brasileiro máximo, caberia ainda a AIM
desenvolver a propagação dos conhecimentos médicos necessários para forjar uma grande
nação, tomando como parâmetro a realidade européia conhecida e desejada pelos discípulos
brasileiros de Hipócrates. Entretanto, em momento algum, considerou-se a possibilidade de
que em outros locais do Brasil, também, poderia haver desejo e interesse de criar e
desenvolver instituições e/ou organizações médicas para enfrentar e combater os problemas
e as dificuldades específicas de sua realidade, denominada geralmente de particular ou de
local.
Assim, forja-se uma história central e norteada pelas características locais do Rio de
Janeiro e de São Paulo, muitas vezes condizente apenas com a especificidade desses dois
locais, convertida em história nacional. Por fim, essa “operação histórica” é legitimada pelo
adjetivo final nos títulos de diversos trabalhos e pesquisas: “do Brasil”. Todavia,
simultaneamente, a utilização do pomposo adjetivo “do Brasil” distingue e segrega os
demais trabalhos, como: locais, regionais ou de menor importância; especificidades
menores que estão mais para o devaneio dos estudos factuais, do que para a “verdadeira
História”. Eis aqui, talvez, alguns dos elementos que nos possibilitem entender por que os
estudiosos do “Brasil” não mencionam outras realidades, assim como por que os estudiosos
“locais” não estudam a especificidade da sua realidade ou, quando estudam, enquadram os
9
SANTOS FILHOS, Licurgo de Castro. História Geral da Medicina Brasileira. São Paulo.
Edusp. 1991.
dados das suas pesquisas dentro de esquemas pré-estabelecidos, com o instituto de obter as
mesmas respostas e as mesmas conclusões previamente definidas pelos grandes expoentes
acadêmicos, sustentados pelos modismos acadêmicos não assumidos e, quase sempre,
negados.
Contudo, ao pensarmos historicamente as linhas que demarcaram o que era nacional,
o que era regional e o que era local, ainda hoje, são linhas tênues, dependendo das
referências, das opções e dos objetivos almejados. Assim, entendendo o Brasil como um
país territorialmente e mentalmente que ainda estava se fazendo ou por se fazer ao
longo de todo o século XIX, é possível compreendermos que, ao âmbito do que nos dias
atuais é tido como local, várias ações administrativas, econômicas e políticas autônomas
foram elaboradas ao longo do século dezenove, especialmente no período regencial,
desprovidas da hierarquia imperial ou do entendimento presente na forma hierárquica de
subordinação e dependência entre a corte e as províncias.
Para além da querela entre o que é local, regional, nacional, internacional e universal
ou centro e periferia, partimos do principio que toda ação humana é constitutiva de dois
atributos: o tempo e o espaço, ou seja, as ações humanas são determinadas espacialmente e
temporalmente por seus anseios e necessidades. Se elas são denominadas de locais,
regionais, nacionais e etc. isso ocorre por que nós, os pesquisadores, atribuirmos juízos de
valor a determinados elementos em detrimentos de outros e que, uma vez cristalizados, esse
juízos, passam a ser aplicados de forma genérica e acriticamente pela facilidade explicativa
muitas vezes ampla e abrangente, mas nem sempre a única e nem sempre a mais correta.
Até mesmo o argumento geográfico que se lança para afirmar que essas desigualdades são
antes de tudo “fixas”, geograficamente dadas e forjadas, podem ser observadas sob outras
perspectivas, pois esse tipo de afirmação baseia-se em um determinado entendimento
geográfico que não deixa de ser “um ideologia geográficas”
10
, pois como também
argumenta Demetrio Magnoli, a imaginação geográfica forma e conforma o Corpo da
Pátria, conformando em diferentes momentos históricos, diferentes formas, concepções e
entendimento do espaço geográfico
11
. Portanto, o estudo que se pretende fazer é antes de
tudo um estudo histórico da configuração dos aspectos médicos e suas implicações sociais
na primeira metade do século XIX na província do Ceará, sem outros adjetivos.
A realidade médico-histórica transcorrida no Ceará, durante a primeira metade do
século XIX, resultou a criação de um sistema de assistência médico, denominado pelos
contemporâneos à época de médico da pobreza (1837-1861). Esse sistema foi
implementado pela administração provincial que, certamente, apresentou limites, lacunas e
todos os possíveis erros e eventuais acertos que a atividade médica mantida pelo erário
provincial autonomamente, por ventura, poderia obter. Mas a existência e a atividade
médica realizada na primeira metade do século XIX no Ceará são ilustrativas de alguns
elementos acima mencionados, principalmente, a visão que, usualmente, associou ciência
medica, no Brasil, as atividades desenvolvidas no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos
séculos XX e XIX, e de uma determinada forma de entender o Ceará como um espaço em
que se tem a miséria, a fome, a morte e os problemas sociais como elementos mias
significativos, isto é, a ênfase na explicação do “atraso como projeto”.
10
MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias geográficas; espaço, cultura e política no
Brasil. São Paulo. Editora Hucitec, 1988.
11
MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no
Brasil (1808-1912). São Paulo: Editora da Universidade estadual paulista: Moderna, 1997.
As ciências naturais e médicas na história cearense
12
Usualmente as eventuais reflexões versando sobre o aspecto histórico das práticas
científicas empreendidas em solo cearense privilegiam, indubitavelmente, dois momentos
tidos como determinantes: O primeiro momento transcorreu no final do século XVIII e
perpassou o início do culo XIX, e foi protagonizado pelo filosofo natural João da Silva
Feijó. Segundo os estudos da professora Maria Amélia Mascarenhas Dantes, uma das
características deste fin-de-siècle foi:
No final do século XVIII, período de difusão das idéias iluministas,
Portugal ao lado de outras metrópoles como a Espanha, a França, a
Inglaterra empenhou-se em incorporar práticas científicas em suas
políticas coloniais. Foram realizadas expedições que, além de cumprirem
objetivos militares, realizaram amplos levantamentos dos recursos naturais
coloniais
13
.
Feijó foi enviado pela Coroa Portuguesa na incumbência de realizar pesquisas sobre a
fauna, a flora, a terra, os minerais, a água e os demais elementos naturais presentes na
Capitania do Ceará. O naturalista Feijó, como ficou conhecido posteriormente, chegou em
terras cearenses no ano de 1799
14
, e desenvolveu suas atividades científicas em diversos
locais do Ceará, frutos de suas constantes viagens e presenciou acontecimentos sócio-
culturais, marcadamente importantes, pois, no mesmo ano de seu desembarque final, o
Ceará cortava os laços de subordinação de dependência direta à Capitania de Pernambuco,
instituída desde a expulsão dos holandeses da costa do Brasil e, conseqüentemente, do
12
Tomo de empréstimo o sugestivo título utilizado pela professora Maria Amélia
Mascarenhas Dantes no texto: As ciências na História Brasileira. Ciências, Cult., Jan /
Mar. 2005. vol. 57. no. 1, p. 26 – 29.
13
Ibid. p. 26.
14
Para maiores informações sobre o naturalista Feijó Ver: SILVA, Clarete Paranhos da e LOPES, Maria
Margaret. O ouro sob as luzes: a “arte” de minerar no discurso do naturalista João da Silva Feijó (1760-
1824). Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos, Sept./Dec. 2004, vol.11, no. 3, pp.731-750.
Ceará, no ano de 1656
15
. E, desfeitos os laços de dependência políticos e administrativos
formais, a nova província obtinha a autonomia e a permissão da coroa lusitana para
comercializar diretamente com a metrópole, findando, não por completo, a influência
pernambucana até então exercida, principalmente na política e na economia do espaço
atualmente denominando Ceará, mas permitindo que os “filhos da terra” aspirassem a
decidir o seu próprio destino.
No alvorecer de novos tempos, Feijó testemunhou que a província recém criada
buscava se firmar como espaço autônomo, criando escolas e contratando professores,
construindo a casa onde funcionaria a tesouraria da capital, assim como a construção da
alfândega. Enfim, iniciava a estruturação de uma província autônoma
16
. E em meio a esses
acontecimentos, o jovem naturalista adentrava pelo espaço cearense realizando estudos,
experiências, observando e anotando os elementos que lhe pareciam dignos de observações.
Após o termino dos trabalhos de Feijó, o segundo momento recorrentemente
privilegiado pelos pesquisadores, especialmente os do Ceará, em seus estudos sobre
História e Ciência, desenvolveu-se em meados do século XIX, com a vinda da Comissão
Científica de Exploração à província do Ceará.
Passados quase 60 anos da viagem filosófica do naturalista Feijó ao Ceará, a então
Capitania foi elevada à categoria de Província do Ceará e, mais uma vez, passou a ser
15
STUDART, Gilherme (Barão de). Datas e Factos para a História do Ceará. Fortaleza:
Fundação Waldemar de Alcântara, Biblioteca Básica Cearense, edição fac-símile, vol I,
2001.
16
STUDART, Gilherme (Barão de). Datas e Factos para a História do Ceará. Fortaleza: Fundação
Waldemar de Alcântara, Biblioteca Básica Cearense, edição fac-símile, vol II, 2001.
objeto de considerações científicas, palco de estudos, pesquisas e investigações referentes à
história natural, organizados pela Comissão Científica de Exploração - CCE
17
.
Por sua vez, nos anos em que os distintos pesquisadores da corte estiveram no Ceará,
a situação presenciada pelos membros partícipes da CCE era bem diferente da situação
vivenciada pelo naturalista Feijó. Na época, a cidade litorânea de Fortaleza estabelecia-se,
então, como a principal cidade do Ceará, superando o prestigio político e econômico
desfrutado anteriormente pelas cidades de Aracati, Icó e Sobral, que até a primeira metade
do século XIX exerceram ativamente as atividades de cidades principais, ligadas,
essencialmente, à criação de gado e posteriormente à comercialização da carne de charque.
Contudo, a ascensão da cidade de Fortaleza ocorreu em virtude da diminuição do comércio
de gado e do consumo da carne de charque das cidades acima mencionadas, ao mesmo
tempo em que o algodão cultivado em terras cearenses passou a ser valorizado
internacionalmente
18
. O porto da cidade de Fortaleza era o local com as melhores condições
de convergência de toda a produção de algodão do Ceará para a exportação, ocasionando,
17
Para maiores informações sobre a Comissão Cientifica de Exploração Ver: BRAGA,
Renato. Historia da Comissão Cientifica de Exploração.Fortaleza. Imprensa Universitária
da Universidade Federal do Ceará, 1962; LOPES. Maria Margaret. Mais vale um jegue
que me carregue, que um camelo que me derrube... no Ceará”. Hist. Cienc. Saúde-
Manguinhos. Mar./ Jun. 1996. Vol. 33, no. 1, pp. 50-64; KURY, Lorelai Brilhante. A
comissão Cientifica de Exploração (1859-1861): A Ciência Imperial e a musa cabocla. In:
HEIZER, Alda & Antônio Augusto Passos (Org.). Ciência, Civilização e Trópicos. Rio de
Janeiro Acess, 2001. p. 29-54; PATACA, Ermelinda Moutinho e PINHEIRO, Rachel.
Instruções de Viagem para a investigação cientifica do território brasileiro. Revista da
Sociedade Brasileira de História das Ciências - SBHC, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p.58-79
outubro jan./ jun. 2005.
18
A exportação do algodão plantado do Ceará tem o seu ponto culminante logo depois da
guerra civil estadunidense de 1861-1865. Isto é, nos anos que os Estados Unidos da
América estavam em guerra civil, a Inglaterra ficou sem o seu maior fornecedor de matéria
prima para as suas fabricas. Com o intuito de minimizar a carência de algodão os súditos
ingleses passaram a procurar outros fornecedores para suprir a necessidade de matéria
prima, neste caso, o algodão. Foi dentro deste quadro que a produção de algodão no Ceará
teve um súbito aumento, fruto de uma grande demanda internacional.
dessa forma, na cidade, a centralização das atividades políticas, militares, econômico-
comerciais, ocasionada, principalmente, pela exportação do algodão.
Assim, com a chegada dos membros responsáveis pelas cinco sessões da CCE,
munidos de equipamentos, livros e materiais adquiridos pelo Império brasileiro na Europa -
para facilitar o desenvolvimento dos estudos e das atividades de pesquisa da Comissão -
esperava-se conhecer uma parte do Brasil desconhecido pelo próprio Brasil
19
.
Os trabalhos da CCE desenvolveram-se por quase três anos nas províncias do norte,
principalmente em solo cearense, de 1859 a 1861, suscitando, possivelmente, o interesse
sobre questões referentes aos aspectos naturais do Ceará nos habitantes da província e nos
meios acadêmicos brasileiros e em pesquisadores estrangeiros, com quem os membros da
CCE também mantinham contatos e relações intelectuais.
Os dois “episódios”, sucintamente acima mencionados, distintos entre si e distantes
um do outro por uma diferença de quase 60 anos, como foi afirmado anteriormente, são
considerados pela historiografia como os principais momentos dos estudos científicos em
terras cearenses. O primeiro iniciado pelo naturalista Feijó no final do século XVIII e
continuado no transcorrer das décadas de 1810 e 1820, e, o segundo, ocorrendo em meados
do século do século XIX, durante o período imperial, por um grupo de distintos intelectuais
brasileiros patrocinados diretamente pelo Imperador Dom Pedro II e sobre os auspícios do
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro IHGB, e do Museu Nacional
20
. Duas
prestigiosas instituições científicas brasileiras, estabelecidas na cidade do Rio de Janeiro,
que influenciaram as pesquisas científicas no Brasil de forma inconteste, ao longo do
período imperial e republicano da história brasileira.
19
KURY, Lorelai Brilhante. Op. Cit.
20
BRAGA, Renato de Almeida. Op. Cit.
Grosso modo, como já foi mencionado anteriormente, esses seriam os únicos períodos
que poderiam e mereceriam ser objetos de estudo do historiador das ciências atento às
práticas e questões científicas no Ceará nos anos finais do século XVIII até o terceiro
quartel do século XIX. Em comum, os dois “episódios” acima referidos reafirmam a
concepção de que “A Ciência” é um saber-fazer bastante especifico e bem caracterizado,
pois, ela, a ciência, é um saber-fazer advindo das grandes Metrópoles, de Portugal no caso
do naturalista Feijó, e do Rio de Janeiro, no caso da CCE. Assim, com o fim das atividades
do naturalista Feijó e o inicio das atividades de pesquisa da CCE, este interregno
erroneamente foi entendido como se não houvesse nada de cientifico no Ceará, isto é, nada
suficientemente relevante, digno de pesquisa por não apresentar características da
“verdadeira ciência” e por ser empreendida por cientistas advindos dos grandes centros
internacionais e/ou da corte brasileira.
Esta situação, marcada e demarcada pela produção crescente de trabalhos que, ao
privilegiarem esses dois únicos momentos, realizam um duplo movimento, pois ao fazer
uma grande valorização dos objetos estudados, por outro lado, acabam, também, realizando
a obliteração de eventuais atividades que foram desenvolvidas em território cearense neste
mesmo interregno acima mencionado.
A cristalização e o não questionamento dessa exacerbada valorização são assimilados de tal
forma que os pesquisadores, especialmente os cearenses, passam a aceitar esses episódios
como “marcos incondicionais”.
Dessa forma, para os pesquisadores que buscaram e buscam o entendimento da
realidade cearense, a eventual pesquisa versando sobre Historia das Ciências fora do que foi
exposto acima marcos usuais é considerada inferior ou de menor importância, pois
impregnados pelo pressuposto da ausência científica no intervalo de ação entre o naturalista
Feijó e a Comissão Científica.
Agrega-se a esse entendimento a explicação usual da realidade cearense por um ou
mais elementos da tríade: Seca, Cangaço e Messianismo, que ainda exerce uma grande
influência nos trabalhos acadêmicos. Mesmo ao se depararem com especificidades que
saíam desse lugar comum, quando percebidas essas eventuais diferenças, os pesquisadores
rapidamente desprezam esses elementos como algo sem importância, simples elementos
figurativos, pois não preenchem os preceitos fixos e cristalizados outorgados pela
denominada verdade científica validada pela experiência dos grandes centros.
Um exemplo dessa compreensão excludente de ciência nos trabalhos acadêmicos
realizados por pesquisadores que se debruçaram sobre o processo histórico cearense é a
demarcação e o enquadramento de períodos médico-científicos utilizados pelo pesquisador
da História da Médica no Ceará, José Policarpo Barbosa.
1
a
. Período empírico (de 1608 a 1838). Abrange a prática de cura dos
índios, a arte medica dos jesuítas, dos sicos e cirurgiões licenciados, dos
curandeiros e barbeiros;
2
a
. Período pré-científico (de 1838-1913). Inicia-se com a chegada dos
primeiros titulares em medicina e prolonga-se até a fundação do Centro
Médico Cearense. A formação profissional observa os moldes da medicina
francesa;
3
a
. Período para-cientifico (de 1913-1948). Começa com a instalação do
Centro Medico cearense. Prossegue com outros marcos de mudanças e
termina com a fundação da Faculdade de Medicina. O prestigio dos
postulantes da medicina francesa exerceu influência durante as primeiras
décadas desta fase. Acentua-se a procura da literatura médica de
procedência americana, com predomínio nos anos 40
21
.
21
BARBOSA, José Policarpo. História da Saúde Pública do Ceará: da colônia a era
Vargas. Fortaleza: Edições UFC, 1994. p. 15.
Com datas previamente tão demarcadas de início, meio e a certeza de uma data final das
para todas as atividades, caracterizando, dessa forma, a ciência medica pelo pressuposto
da constante evolução e do eterno aperfeiçoamento para o bem da humanidade, neste
tipo de entendimento, a tarefa do historiador seria apenas completar cada momento dessa
divisão seqüenciada, colocando os elementos mais “importantes”, “espetaculares” e
“fundamentais” para a História da Medicina, neste caso a medicina praticada no Ceará,
esperando que uma nova fase, melhor e mais moderna que a anterior, apareça e redima
os homens dos seus erros, pois, no final, todos seremos salvos pelas luzes do
conhecimento. Entretanto, essa sedutora concepção de ciência é apenas uma visão
anacrônica; considera o passado pelo presente e, principalmente, não compreende
ciência como um conjunto múltiplo de ações, atividades e pessoas, que só no final do
século XIX e no inicio do século XX conformou-se e institui-se como uma instituição
única, extirpando as multiplicidades de entendimento e de práticas em favor uma forma
única, denominada de “A Ciência”.
Essa concepção de ciência única, acima mencionada, também esteve presente nos
estudos que trataram ou abordaram os aspectos sociais e, de alguma forma, perpassaram
ou adentraram sobre aspectos históricos da medicina no Ceará. Um bom exemplo da
aplicação desse suporte teórico pré-determinado, que postula a existência de ciência
como saber único e verdadeiro, é a argumentação desenvolvida pelo pesquisador José
Barbosa. que ao discorrer sobre o médico da pobreza, fala que esses esculápios eram
profissionais que “exerciam profissão de forma liberal e, ocasionalmente, eram
contratados pelo governo para atenderem os pobres, daí serem conhecidos como
médicos da pobreza”
22
. De uma forma sucinta e parcimoniosa, o pesquisador
supostamente elucida as atividades de saúde da primeira metade do século XIX,
norteando-se pelos acontecimentos ocorridos após a segunda metade deste mesmo
século XIX, considerando, dessa forma, as atividades precedentes a essa data como não
ciência, ou seja, impróprias como objeto de estudo médico-científico.
Dentro da visão pré-estabelecida de ciência, uma outra forma explicativa sobre a
medicina do Ceará foi postulada em trabalhos acadêmicos, como em: dissertação, teses e
artigos. Esses trabalhos ficaram marcados por associarem ciência, controle e poder como
elementos a serviço do controle, da segregação e da diferenciação dos grupos abastados
frente aos grupos desprivilegiados.
O primeiro estudo foi apresentado originalmente como dissertação de mestrado na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, realizado por Sebastião Rogério
Ponte
23
. Ao longo da obra, o autor discorre sobre o processo de transformações urbanas
ocorridas na cidade de Fortaleza, capital do Ceará, intensificado na segunda metade do
século XIX e consolidado no terceiro decênio do século XX. Nestas transformações,
segundo o autor, a medicina desempenhou um papel de destaque, a ponto de ser destinado
todo um capítulo para a reflexão dos referenciais médicos e suas implicações. Mas, eis que,
ao invés de tratar da especificidade do caso cearense, como apresentar as formas e as
condições de trabalho dos médicos, as dificuldades existentes no exercício da arte de curar,
discorrer sobre o que significava ser um médico no Ceará do século XIX e no início do
século XX, falar quais eram as relações existentes entre médicos e pacientes, quem, quando
22
Ibid. p. 45.
23
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: Reformas Urbanas e Controle
Social (1860-1830). 2.ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha. 1999.
e como eram tratados os pacientes e como estes encaravam a doença
24
, o autor optou por
acentuar os argumentos, ainda hoje em voga, que primam por tecer uma visão da medicina,
exclusivamente, atrelada ao controle social, estreitamente vinculada aos interesses dos
grupos citadinos dominantes. Pois, segundo o autor, no Ceará da 2ª. metade do século XIX
[...] percebe-se a presença e a influência do saber dico-social no âmbito
deste biopoder interessado na organização positiva e produtiva dos
habitantes. Como a questão da saúde pública permeia toda a extensão do
social, o Poder que se compunha competente e racional não podia
prescindir da assessoria científica desse novo tipo de medicina
25
.
Desta forma, a utilização desprovida de uma reflexão prévia e pormenorizada da
historicidade dos conceitos acaba tornando-se a panacéia do historiador que, por sua vez,
acaba externando os desejos e as aspirações mais íntimas de suas pesquisas, ao invés de
lançar luzes sobre a realidade empírica estudada, compreendendo-a como um processo
social historicamente datado e geograficamente localizado, como todas as demais ações
humanas em suas várias instâncias.
Dando continuidade, o segundo trabalho que aborda as atividades médicas no Ceará,
mesmo de forma sucinta e, mais como um elemento complementar a confirmação presente
na sua argumentação central, é: A Multidão e a História: Saques e outras ações de massa no
24
Pode-se afirmar que a medicina urbana não possuía tais características e que a
preocupações com esses elementos eram desconsideradas. Entretanto, isso não é o que os
documentos afirmam, pois dentro do período trabalho por Sebastião Ponte, em especial a
segunda metade do século XIX, período em que a Santa Casa de Misericórdia do Ceará
iniciou as suas atividades, havia a preocupação dos médicos em identificar os enfermos por
nome, idade, sexo, tipo de doença. Ver: BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto. Caminhos
da Cura; a experiência dos moradores de Fortaleza com a saúde e a doença (1850-1880).
São Paulo, 2002. Tese de Doutorado em História Social Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo.
25
Ibid. p. 80
Ceará
26
. Apresentado por Frederico de Castro Neves, originalmente como tese de
Doutorado na Universidade Federal Fluminense UFF, pontuou a atividade médica no
Ceará, mesmo que de forma sucinta, e mais como um elemento complementar à
confirmação presente na sua argumentação central.
Neste trabalho, o autor aborda as ações tomadas pelos retirantes e pelos poderes
públicos durante os momentos de irregularidade de chuvas
27
, quando milhares de retirantes
afluem para a capital do Ceará, com maior intensidade numérica e fluxo contínuo, tentando
obter socorros para minimizar os efeitos da irregularidade de chuvas. Inspirado pelos
referenciais da historiografia marxista de matriz inglesa, o autor desenvolve, ao longo de
sua obra, abrangendo os anos de 1877 a 1950, que os saques e as ações de “negociação
coletiva” instituídas pelos retirantes, ao invés de serem vistas como ações desesperadas de
famintos fugindo do flagelo da seca, sem a menor reflexão e desprovida de racionalidade
por parte dos “flagelados”, possuía um lógica própria que ao longo das repetidas secas vai
sendo aperfeiçoada pela atuação de um “sujeito coletivo”; em outras palavras, a multidão
desprovida se reúne e exige providências para que as mínimas condições de vida sejam
preservadas diante de uma determinada crise sócio-política, no caso, a seca no Ceará do
século XIX até meados do século XX.
Diferente do trabalho de Sebastião Ponte, que dedicou um capítulo completo a
reflexão da medicina e das ações medicas em Fortaleza, o trabalho de Frederico Neves
26
NEVES, Frederico de Castro. A Multidão e a História: Saques e outras ações de massa
no Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fortaleza, Ce: Secretaria de Cultura e Desporto.
2000.
27
Ao contrário do que geralmente imaginamos o fenômeno da seca não é a ausência de
chuvas. As chuvas existem na região do semi-árido, mas de forma irregular. Portanto, as
secas não ocorrem por falta de água, mas em virtude de chuvas irregulares em locais
distintas, ocasionando, dessa forma, uma grande demanda de consumo de água e o
entendimento empírico que a seca é a responsável por essa situação.
apenas comenta o que o autor chama de impacto da medicina no controle dos retirantes nos
locais de confinamento determinados para evitar que eles ficassem vagando pela cidade,
restringindo suas ações e evitando atos e posturas indesejadas no perímetro urbano.
Segundo o autor de A Multidão e a História:
A questão, contudo, é que uma nova experiência vai ser incorporada: o
contato com uma medicina oficial, curativa e intervencionista, que
considera o retirante um foco de doenças e o seu corpo um campo de
batalha entre o médico e a doença
28
.
Na obra de Frederico Neves, os médicos são arautos dos grupos sociais privilegiados
que procedem de forma corporativista em benefício próprio e do grupo social do qual eles
advêm ao identificar os males da sociedade nos indivíduos decorrentes dos “grupos
inferiores”, permeados de vícios e costumes duvidosos, suspeitos eternos dos mais variados
atos de insubordinação, os quais devem ser modificados para o “bem geral de todos”.
Na pesquisa em questão, muda-se o objeto de estudo, não mais a cidade, mudam-se
os atores, na obra de Frederico Neves os retirantes, mas a lógica de explicação continua
centrada na assertiva irredutível: medicina e poder a serviço dos grupos abastados ávidos
pelo controle dos grupos desprovidos, acrescentando o caos, a desordem e todos os tipos de
problemas advindos com o período de irregularidade de chuvas que o autor acompanha no
final do século XIX até meados do século XX.
Ainda na lista dos estudos que abordam medicina como forma de controle social,
temos o artigo da geógrafa Maria Clélia Lustosa da Costa, denominado: Teorias médicas e
gestão urbana: a seca de 1877-79 em Fortaleza
29
. Uma das possibilidades de análise do
28
Ibid. pp.55-56.
29
COSTA, Maria Clélia Lustosa da. Teorias médicas e gestão urbana: a seca de 1877-79 em Fortaleza. In:
Ciência, Saúde – Maguinhos. Vol.11(1):57-77, jan.- abr. 2004.
artigo da professora Maria Costa é vê-lo como uma tentativa de síntese dos dois trabalhos
anteriormente apresentados. De um lado, ela estuda a cidade e a sua gestão, como havia
feito Sebastião Ponte, e, de outro lado, foca sua pesquisa sobre os retirantes e seu impacto
na cidade, procedendo de forma análoga a de Frederico Neves. O resultado desta possível
convergência de estudos é um artigo bem embasado nas pesquisas históricas, pontuando
muito bem as diferenças existentes entre as diferentes vertentes médicas e as suas
respectivas concepções de ação para banir as enfermidades em Fortaleza. A autora explica
ainda aos leitores sobre as teorias médicas dos miasmas e do contágio, centrando sua
análise em um evento determinado, a seca de 1877, ou ainda, a grande seca, como ficou
conhecido na historiografia, demonstrando como ficou o funcionamento da cidade durante
esse período de calamidade social. Entretanto, mesmo com um bom trabalho de pesquisa
interdisciplinar, lançando mão de conhecimentos histórico-geográficos, a autora não
consegue se distanciar da associação entre medicina e controle; elemento constituinte e
presente em toda a sua argumentação.
Outro trabalho que aborda a preocupação médica no Ceará é o de Francisco Carlos
Barbosa, intitulado: Caminhos da Cura; a experiência dos moradores de Fortaleza com a
saúde e a doença (1850-1880)
30
. Apresentada como tese de Doutorado na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Segundo o autor, o objetivo de seu trabalho
é:
[...] remeter-se a analise da experiência dos moradores com a doença.
Com as formas de combate postas em prática pelos médicos responsáveis
pela saúde publica. Com as intervenções do governo na estrutura da
30
BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto. Caminhos da Cura; a experiência dos moradores
de Fortaleza com a saúde e a doença (1850-1880). São Paulo, 2002. Tese de Doutorado em
História Social – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
cidade. Visando a limpeza de ruas e logradouros, eliminação de charcos e
esterqueiras com as campanhas de vacinação, com a instalação de
estabelecimentos hospitalares e cemitérios, com a diversidade de práticas
de cura, com momentos de intensa agitação. E exemplo dos períodos mais
acentuados das epidemias correntes
31
.
Os objetivos do referido autor são bem amplos, mas, em seu trabalho, percebe-se uma
influência não explicitada de Foucault, isto é, de considerar medicina como poder e uma
tendência reducionista de considerar a medicina apenas pelos aspectos sociais do social em
questão.
Mencionamos ainda mais um trabalho recente sobre a questão médica. É o trabalho
de Carla Oliveira, intitulado de: Cidade (in)salubre: idéias e práticas médicas em
Fortaleza (1838-1853)
32
. Apresentado como dissertação de Mestrado perante a
Universidade Federal do Ceará. A autora fez um bom trabalho de pesquisa, preocupando-se
em entender a relação existente entre os interesses políticos e a prática médica. Mas em
alguns momentos se perde diante de generalização pautada pelos aspectos sociais das
praticas medicas estudadas, enfoca exclusivamente a explicação e o entendimento
miasmático como a única concepção teórica disponível ao saber médico dos médicos
cearenses á época, resvalando assim em uma aceitação não explicita e muitas vezes
suavizada do pressuposto que correlacionada saber médico com controle social.
Por fim, a autora ainda enquadra as ações e as práticas médicas desenvolvidas no
Ceará dentro de uma relação hierarquia pautada pela relação Corte-Província, onde já
estaria determinado o papel secundário das ações e das práticas desenvolvidas pelos
31
Ibid. p.12.
32
OLIVEIRA, Carla Silvino de. Cidade (in) salubre: idéias e práticas médicas em Fortaleza
(1838 1853). Fortaleza - CE, 2007. Dissertação (Mestrado em História Social)
Universidade Federal do Ceará.
médicos cearenses por sua dependência ao centro político, econômico e intelectual que era
a Corte.
A exceção aos trabalhos de orientação foucaultiana é o livro de José Policarpo
Barbosa
33
, trabalho de fôlego que se dedica não ao estudo de uma determinada época ou
de um dado momento, mas pretende abordar as questões médicas ocorridas no Ceará desde
o século XVIII até o século XX. O ponto forte deste trabalho é a analise, inédita, da
implementação da saúde pública no Ceará ao longo do século XX, com farto material
consultado. Porém, um ponto fraco neste trabalho é a busca do autor em estudar “A
Ciência” como um elemento único, chegando a desprezar as atividades que não se
enquadram na sua orientação de ciência médica, talvez isso seja um dos elementos
explicativos do pouco interesse do autor em estudar os aspectos médicos anteriores à
segunda metade do culo XIX, pois, antes desse momento, as ações médicas são
consideradas incipientes, tanto no Brasil como no Ceará. Outro aspecto presente na obra é
o tom laudatório desenvolvido pelo autor ao tentar identificar as atividades de saúde
pública no estado na figura do farmacêutico Rodolfo Teófilo, tratado-o como verdadeiro
“herói” do povo cearense. O grande mérito da obra, com foi comentado em linhas
anteriores, é a não correlação entre o saber médico com o controle social, da forma presente
nas obras consideradas acima, além de ter sido um estudo inovador realizado por um
profissional não especialista das ciências humanas.
Seja pela delimitação reduzida de ciência médica, seja pela associação direta de
medicina, controle e poder, os estudos precedentes que abordaram ou suscitaram questões
médicas na Ceará oscilaram entre um ponto e outro. Possivelmente, um dos elementos
33
BARBOSA, José Policarpo. História da Saúde Pública no Ceará: da colônia a Vargas.
Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará. 1994.
definidores desses contornos deve-se, muitas vezes, à esquematização fortemente marcada
pelo positivismo ainda presente nos estudos de História da Ciência
34
e pelo entendimento,
errôneo, de que ciência, no caso em questão a ciência médica, não pode ser objeto
privilegiado para o estudo e o entendimento da dinâmica social, pois não teria a medicina a
mesma possibilidade de demonstrar a dinâmica social vivenciada por grupos no passado, da
maneira como ocorre nos estudos canônicos que centram e concentram seus esforços em
estudos de política, de economia, de religião ou ainda em aspectos culturais? Pontos de
estudo tradicionalmente selecionados por historiadores como mediadores de
acontecimentos pretéritos.
Para o entendimento da mobilização e dos usos da questão médica nas ciências sociais
brasileiras, primando por um olhar crítico-analitico sobre essa produção, Maria Carvalho e
Nísia Lima analisaram, então, “as tendências predominantes nos estudos de natureza
histórica desenvolvidos na área de saúde coletiva”
35
atentando principalmente para a
tendência usual que consiste em associar a temática da Medicina e da implementação de
políticas de saúde no Brasil à configuração de um poder disciplinar sobre a sociedade
36
ao longo dos anos de 1860-1930. Dessa forma, após a leitura dos trabalhos acima referidos
sobre a realidade cearense e a análise crítica das autoras do artigo, percebesse nos trabalhos
que associam medicina e poder:
34
Sobre o assunto Ver: QUEVEDO, Emílio. Os estudos Histórico-sociais sobre as ciências
e a tecnologia na América Latina e na Colômbia: avaliação e perspectivas. In:
FILGUEIROA, Silva F. de M (Org.). Um olhar sobre o passado; história das ciências na
América Latina. Campinas, SP: Editora da Unicamp, São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.
pp. 36-42.
35
CARVALHO, Maria Alice R. & LIMA, Nísia Verônica T. In: FLEURY, Sonia(Org).
Saúde Coletiva? Questionando a onipresença do social. Rio de Janeiro: Abrasco/ Relume
Dumará, 1992. p. 117.
36
Ibid. p. 117. Grifo Meu
A doença como “mal social” com que nos habituamos a lidar desde o
século XIX é um desses casos em que a observação valorativa dos agentes
contemporâneos (sobre a proliferação de doenças) funda uma reflexão
sobre a natureza do fenômeno observado, conformando as premissas que
servem ao argumento sociológico. Dão-se, então, as condições para a
elaboração de uma narrativa sociologizante, na qual a chamada “doença
moderna” ou “doença social” perde sua inscrição particular na história
euro-ocidental e assume o caráter de um fato verificável em diferentes
contextos, restando apenas “compor”, “preencher” o cenário que propicia o
seu aparecimento o que é feito com recurso às técnicas modernas de
agregação de dados demográficos, administrativos, religioso etc. O fato, no
entanto, já está previamente estipulado, devendo apenas se “ilustrado” pelo
historiador
37
.
Dando prosseguimento às considerações críticas sugeridas no trabalho das referidas
autoras e os argumentos mobilizados pelos pesquisadores que estudam a realidades
cearenses, percebemos que:
[A] generalização de uma abordagem que nos fenômenos de poder uma
rede que envolve a existência dos indivíduos no plano cotidiano rede de
poderes que se apresenta onipresente, e na qual a medicina e os médicos
desempenhariam um papel chave. Tal abordagem, sob inspiração da obra de
Michel Foucault, promove uma relação de exterioridade entre o Estado e os
indivíduos, tornam indiferenciadas as relações de poder, além de dificultar a
percepção dos agentes sociais como personagens ativos. Em suma, sob essa
perspectiva, os médicos são apresentados como formuladores de uma
“tecnologia de poder” funcional à construção da ordem burguesa no Brasil, o
que implica, logicamente, o argumento da subordinação dos agentes sociais a
uma racionalidade estabelecida com anterioridade e exterioridade em relação
a eles
38
.
E por fim, seguindo o caminho e a análise crítica propostas pelas autoras, percebemos
que:
37
Ibid. p. 125.
38
Ibid. p. 134 e 135.
Com tal força se impôs este esquema explicativo [medicina como
sinônimo de poder e controle] que, ainda hoje, para grande parte das
pesquisas de natureza histórica sobre a doença, seguem sendo válidas as
concepções de enfermidades produzidas a partir do reconhecimento de um
desarranjo social no sentido em que o século XIX o concebeu, isto é, como
algo que inviabilizaria a boa ordem das “sociedades do trabalho” e que,
dessa forma, exigia uma intervenção sobre o mundo urbano, visando
reparar a sua precariedade e o sintoma que essa precariedade produzia: a
moléstia
39
.
Frente às considerações elaboradas por Maria Alice e Nísia Trindade, nota-se como os
trabalhos que tratam da realidade cearense tendem a reproduzir esquemas implicativos
elaborados alhures. Nesse sentido, instrumentalizados com um único referencial teórico,
o que associa de forma direta o saber médico como expressão sinônima de poder e
controle (biopoder), os autores buscaram enquadrar os seus objetos de estudo e suas
pesquisas, dentro das últimas teorias em voga na Europa Como sinônimo de atualização
e de erudição, tentam conformar a realidade pesquisada aos quadros teóricos postulados
e defendidos pela “moda intelectual” européia e/ou difundida por seus “representantes
oficiais” no Brasil. Dessa forma, não importa o processo diacrônico e nem a processo
empírico das realidades em questão, pois como uma fórmula que necessariamente deve
apresentar os mesmos resultados, conforma-se a realidade estudada a uma teoria
previamente estabelecida Antes de iniciar a pesquisa os pesquisadores detêm todas
as eventuais respostas.
39
Ibid. p. 124.
Capítulo II
Ação médica no final do século XVIII
Os últimos anos do século XVIII e os anos iniciais do século XIX foram marcados,
dentre outras coisas, pela crescente preocupação com as doenças e epidemias que se
desenvolveram em terras cearenses, encetando uma preocupação contínua com as
questões médicas. Em outras palavras, as questões relativas à saúde e à doença, assim
como a todos os demais elementos envolvidos nesta relação, passaram a receber maiores
atenções das autoridades coloniais.
A Comissão Lopes Machado
É inserido dentro deste quadro situacional que na última década do século XVIII uma
epidemia de febres palustres assolou a região norte do Ceará, promovendo a vinda de
profissionais especializados na área da saúde, após a solicitação do Governador Luís da
Motta Féo e Torres, que em correspondência mencionou as medidas tomadas da
seguinte forma:
Querendo [..] suavizar a consternação dos moradores da ribeira do Acaraú
e Vila de Sobral, acometidos de uma epidemia recorri ao Ex
mo
General de
Pernambuco e com uma incrível prontidão expediu logo médico,
cirurgiões, boticário com botica e Sangradores e com efeito observando o
mesmo médico a natureza e a origem das enfermidades das quais já havia
morrido um crescido número de pessoas estabeleceu o método curativo
com o qual se embaraçou a progresso daquele epidemia
40
.
40
Luis da Motta de Féo e Torres Apud STUDART, Guilherme (Barão de). Notas para a
História do Ceará: segunda metade do século XVIII. Lisboa: Typografia do Recreio. 1892.
p. 429.
Com a intensificação da epidemia iniciada no inverno de 1779”
41
, o responsável pela
administração solicitou auxílio ao Governador de Pernambuco. Em resposta ao pedido
de ajuda, foi enviado de Pernambuco uma comissão chefiada pelo médico João Lopes
Cardoso Machado, possuidor de atributos acadêmicos e políticos que o habilitavam a
comandar a comissão. João Machado era “Médico pela Universidade de Coimbra,
Comissário Geral e Juiz Delegado de Medicina de Medicina da Real Junta do Proto-
Medicato”
42
. Além do Chefe Cardoso Machado, compunha-se a comissão do seguinte
pessoal: licenciados Joaquim JoHenrique e Theotônio Ferreira dos Reis, do boticário
João Pinto Caetano de Carvalho e dois sangradores, dos quais um de nome Bernardo.
Eles aportaram ao Acaraú no dia 14 de outubro (de 1791) [...]
43
.
Logo após a chegada da comissão médica na região do Acaraú, no dia 14 de outubro de
1791, e o desembarque das pipas, barris e a botica, os licenciados passaram “a receitar
os afetados das febres, as quais duravam desde junho e haviam feito não pequena
mortandade”
44
.
Após os cuidados médicos dispensados aos enfermos do Acaraú, no dia 3 novembro, a
comissão médica pernambucana, conhecida como “Lopes Machado” em homenagem ao
chefe da expedição chegou a Cidade de Sobral, onde grassava epidemia de
características semelhantes às encontradas pela comissão na cidade anteriormente
visitada. No entanto, a epidemia em Sobral assumiu “[...] proporções relativamente
41
BARBOSA, José Policarpo. Op. Cit. p. 31.
42
STUDART, Guilherme (Barão de). Notas para a História do Ceará. Op. Cit. p. 432.
43
Ibid. p. 431.
44
Ibid. p. 432-434.
muito maiores do que no Acaraú, mas não obstante o bem crescido número de atacados
[doentes], e entre eles o respectivo vigário, a mortandade foi de 473 (pessoas)”
45
.
João Machado, ao relatar as atividades desenvolvidas por ele e seus subordinados ao
Governador de Pernambuco, explicou as febres miasmáticas da seguinte forma:
Nestes dias, que tenho estado aqui, eu e os dois Cirurgiões, temos visto e
reiterado alguns enfermos, e ouvindo a outros, que padeceram a Epidemia:
ela principiou por uma febre podre que nos que faleceram passavam a
intermitentes, ou quotidianas; ou terçans, ou quartans; e alguns ainda se
conservam com ela desde junho, que foi quando principiou a Epidemia.
Entre os que foram atacados de febre podre, apareceram uns de terçans
perniciosas, outros de intermitentes reguladores, de sorte que o caráter que
domina, e se manifestava mais como essencial foi sempre o de febres de
acesso, e por isso na declinação da epidemia ficavam reinando as
intermitentes benignas á exceção de algum, que segundo o seu
temperamento, ou modo desordenado de vida, ainda aparece com alguns
toques do caráter do principio da Epidemia, porem logo passa a sazão
46
.
Mais à frente, dando prosseguimento a sua explicação, o médico continua a tecer suas
considerações sobre a forma de tratamento dos doentes acometidos pela epidemia que
grassou no Ceará.
O método de cura, se o mudar o caráter essencial da Epidemia, é limpar
as primeiras vias com dois vomitórios, algum purganto (sic) de Maná,
ruibarbo, polpa de tamaraindo, e sal cartartico, e depois passar aos
febrifugos correspondente ao temperamento do sujeito, algumas vezes
convém sangrar nas pessoas pletoricas, e saguinias, e aprarecendo
madormas e delírios usar as sarjas nos desta qualidade, e nos outros
causticos, e epipsticos . Se contudo não aproveita este método, porque
45
Ibid. p. 432.
46
Ibid. p. 435.
mude o caráter da Epidemia, então se deve aplicar os deluintes, as
sangrias...
47
Pelas explicações oferecidas por João Machado, nota-se que o elemento balizador de sua
analise é a relação entre o homem e as características do meio, advindo à doença dessa
relação. Tal explicação remete diretamente ao chamado estudos hipocráticos, que se
tornaram amplamente conhecidos desde a antiguidade por terem destacado a
importância de considerar as estações, os climas, os ventos, as propriedades das águas e
outras ocorrências ambientais na ocorrência das doenças
48
. Apoiados nesta tradicional
explicação das doenças, os médicos e os diversos agentes de cura passaram então a
conceber que
[...] a absorção de ar corrupto degenerava os humores corporais
49
. E a reação
do corpo era compreendida como esforço para expelir os humores
destrutivos por meio das forças possíveis do próprio corpo. Todas as vias de
excreção participavam do processo, como: urina, respiração ou hemorragia
pelo nariz. Se a agitação corporal fosse bem-sucedida a destruição decairia e
se iniciaria a recuperação
50
Esse tipo de explicação médica fazia parte do repertório europeu desde a antiguidade,
perpassando o medievo e fazendo-se presente até meados do século XIX. Todavia, com
o conjunto de transformações econômicas, políticas e sociais, que propiciaram o advento
47
Idem
48
CZERESNIA, Dina. Do contagio a transmissão: ciência e cultura na gênese do
conhecimento epidemiológico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. p. 48.
49
Para o pensamento hipocrático, um corpo era considerado são pelo equilíbrio dos
chamados 4 humores: do sangue, da fleuma, da bile amarela e da bile negra. Considerados
os quatro elementos básico da vida humana. Sendo a doença a superposição de um desses
elementos sobre os demais.
50
CZERESNIA, Dina. Do contagio a transmissão: ciência e cultura na gênese do
conhecimento epidemiológico. Op. Cit.
da chamada revolução industrial, resultando, dentre outras coisas, o constante aumento
das cidades, a falta de moradias, a alimentação precária, as jornadas de trabalhos
excessivas, a ausência de sistemas de limpeza e a disseminação de várias epidemias. A
partir daí, os preceitos explicativos centrados nos miasmas obtiveram ênfase maior,
assim como toda a agenda proposta com o intuito de evitar os males das emanações
mefíticas. Porém, a maior atenção, conhecimento e disseminação da explicação das
doenças pela teoria miasmática não implica dizer que ela era a única forma de
compreender e explicar o aparecimento das doenças. Outra possibilidade de explicação
para as doenças, concomitantemente à concepção miasmática, era considera as doenças
fruto de contágio. O entendimento de que as doenças eram não de emanações
miasmáticas, mas sim fruto do contágio em vários momentos esteve imbricado na
explicação miasmática e no final do século XVIII e no transcorrer do século XIX
essas duas visões foram radicalmente separadas e tidas como antagônicas
51
.
Retornando às considerações professadas por João Machado nota-se que a explicação
oferecida pelo médico em comissão, ao utilizar uma linguagem diferenciada, fazendo
uso de termos específicos, não convencionais, e distantes do vernáculo corriqueiramente
utilizado pelos moradores da vila, ou até mesmo do governador de Pernambuco (que
recebia as informações prestadas pelo médico), demonstrava a preocupação em instituir
51
Sobre o assunto ver: ACKERKNCHT. Erwin. H. “Anticontagionism beween 1821 and
1867”. The Bulletin of the History of Medicine. V. 22, 1948, pp. 562 - 593; CZERESNIA,
Dina. Do contágio a transmissão: Uma mudança na estrutura perceptiva da apreensão das
epidemias. História , Ciência e Saúde Manguinhos. Vo. 4, n.1, 1997, pp. 75-94;
LINDMANN, Mary.
Medicina e sociedade na Europa moderna: novas abordagens da
história européia. Lisboa: Replicação. 2002. pp.155-192; PELLING, Margaret. Contagion,
Germ theory, Specificity. In: BYNUM, W. F. and PORTER, Roy (editors). Companion
Encyclopedia of the History of Medicine. Volume. 1.London; New York: 1993. pp. 309-
330; ROSEN, George. Uma História da Saúde Pública. São Paulo:
Unesp/Hucitec/Abrasco, 1994.
uma nítida diferenciação profissional que, posteriormente, durante o período imperial,
seria marcada pelo crescente nível de especialização da medicina e dos médicos: um
grande esforço de superação da tradição dos físicos, cirurgiões, barbeiros, sangradores e
leigos, presentes na medicina Brasileira. Contudo, retornando ao último decênio do
século XVIII no Ceará, mesmo com um arcabouço explicativo diferenciado, munido de
botica e remédios trazidos diretamente de Pernambuco, o tratamento desenvolvido pelo
distinto médico João Machado apoiava-se nos preceitos da medicina de Hipócrates e de
seus seguidores, centrada na corrupção dos ares e na concepção e nos preceitos da
higiene, para colocar em ação os fatos, a explicação, os meios de tratar da doença e
evitar futuras doenças. A ciência médica era feita da articulação desse conjunto de
elementos que, reunidos sobre a égide e a batuta dos médicos, geravam as suas
explicações médicas.
A comissão médica enviada de Pernambuco prestou os seus serviços durante 127 dias
no Ceará
52
, atuando na região norte, em Acaraú e em Sobral. Na primeira cidade, a
epidemia estava declinando e a comissão apenas consultou algumas pessoas e
aconselhou outras, porém, na segunda cidade, a comissão passou um mês tratando de
doentes e, antes de se retirar, deixou com o licenciado João Gomes Coelho, morador da
cidade, instruções e medicamentos para o tratamento de eventuais novos casos de febre.
Após saírem de Sobral, os membros da comissão se deslocaram com destino à cidade de
52
José Barbosa afirma na gina 33 do seu trabalho, sem indicar as suas referências
bibliográficas, que João Lopes recebeu vencimentos por 127 dias de trabalho. Entretanto, a
presença do médico chefe da Comissão Médica na Capitania do Ceará foi apenas 59 dias,
isto é, do dia 14 de outubro até o dia 12 de dezembro de 1791. Ver: STUDART, Guilherme
(Barão de). Notas para a História do Ceará: Op. Cit. pp. 431 e 433. Do mesmo autor ver:
Datadas e fatos para a história do Ceará. Op. Cit. pp. 399-400.
Fortaleza, chegando no dia 12 de dezembro de 1791, e logo embarcando de volta para
Pernambuco
53
.
Por último, antes de sair da cidade de Sobral, já dando por terminada as suas
atividades relacionadas à assistência medica e ao curativo dos doentes no Ceará, a comissão
chefiada por João L. C. Machado sugere ao Governador que a Câmara da vila de Sobral e a
Câmara da Vila de Granja contratassem “[...] partidos médicos e que fosse o povo
obrigado, até por violência, a procurar os socorros da arte [médica]”
54
.
Diante do grande mero de mortos e dos estragos ocasionados pela epidemia, era
necessário o estabelecimento de esculápios nos locais acometidos pela epidemia, para que,
caso a epidemia voltasse ou caso aparecessem outras doenças, os discípulos de Hipócrates
pudessem atuar no início do problema. Mitigar desde o início os possíveis problemas
advindos com as epidemias e as demais doenças existentes seria a forma correta de
proceder. Manteria-se, desta forma, a situação sob controle, sem possibilidades de um
grande número de mortos e, conseqüentemente, de grandes perdas com o aparecimento de
epidemias e doenças endêmicas, pois, segundo as indicações de Lopes Machado, todos
seriam obrigados a se submeter ao saber médico para o bem da coletividade. O indivíduo
doente não era um problema isolado, mas um problema para todo o conjunto de habitantes
da vila, principalmente pela susceptibilidade de retorno da epidemia quando não extinta por
completo, além da grande e constante possibilidade de se adquirir novas doenças.
53
STUDART, Guilherme (Barão de). Notas para a História do Ceará. Op. Cit. pp. 433-
434.
54
Ibid. pp. 432-433. Grifo meu.
Após o retorno a sua província de origem, o médico pernambucano João L. C. Machado
escreveu um Dicionário Médico e teceu algumas considerações sobre o desenvolvimento
dos acontecimentos que o levaram a prestar os seus serviços no Ceará:
Na epidemia que grassou no Acaracú (sic), Capitania do Ceará, onde fui
mandado tratar dela, uns enfermos ficaram em uma espécie de frenesi,
outros em um coma pervígil. Houve tal que faleceu no primeiro acesso;
outros no segundo, muitos no terceiro, nenhum chegou ao quarto.
A causa desta epidemia foi um vento vindo do Piauí, nunca ai observado,
de sorte que sendo o Piauí um pais(sic) sezonario(sic), desde esse ano
ficou sadio, pelo contrario sendo o Acaracú livre de moléstias epidêmicas,
ficou por mais quatro anos um pais doentio
55
.
As características explicativas dadas pelo médico enquadram-se dentro do
pressuposto miasmático. Desta forma, compreende-se “a doença é a natureza, mas uma
natureza devida a uma ação particular do meio sobre o indivíduo. O individuo sadio,
quando submetido a certas ações do meio, é suporte da doença, fenômeno limite da
natureza. A água, o ar, a alimentação, o regime geral constituem o solo sobre o qual se
desenvolvem em um indivíduo as diferentes espécies de doenças”
56
.
Após o surto de febres na região norte do Ceará, o acometimento de outra doença se fez
presente no último decênio do século XVIII, na vila de Aracati, litoral leste do Ceará, desta
55
MACHADO, João L. C. Apud STUDART, Guilherme (Barão de). Op. Cit. p. 430.
56
FOUCAULT, Michael. O nascimento da medicina social”. In: Microfísica do Poder. Rio
de Janeiro. Graal. 1984. p.84 passim. A não aceitação do argumento central de Foucault,
precisamente a sua concepção de saber médico como sinônimo de poder, não inviabiliza a
utilização dos demais argumentos elaborados por este pensador, principalmente, como
neste momento, utilizo a explicação dada pelo pensador francês para o entendimento das
epidemias, segundo a orientação anti-contagionista também chamada de miasmática. Para
um aprofundamento do debate sofre os diferentes pressupostos da teoria medica antes do
desenvolvimento da chamada bacteriologia, consultar o títulos listados na nota número 49
deste trabalho.
vez era uma epidemia de varíola. Todavia, diferente das medidas tomadas na região norte,
que resultou na vinda ao Ceará de uma comissão médica, na epidemia de varíola do Aracati
poucas providências foram tomadas, desconhece-se até se houve tratamento médico formal
e os documentos referentes ao surto da doença são ainda bem diminutos.
Em uma memória escrita no penúltimo dia do ano de 1795 sobre os principais
acontecimentos da vila do Aracati, o então vereador, Manoel Esteves de Almeida, retratou
desde a fundação da vila do Aracati em 1748 até a chamada seca de 1791 e a epidemia de
varíola, chamada usualmente, à época, de bexiga, que irrompeu no ano de 1793. Segundo
Manoel Esteves de Almeida:
No ano de 1791 com as secas referidas foi crescendo a falta de alimentos
necessários para se pozeram(sic) estes no maior extremo de necessidade que
se pode considerar, de forma que sendo o preço da farinha de pão a 1:000
réis, desta sorte saíram os habitantes dos sertões de suas moradas, deixando
os seus bens a procura de recursos da vida, e no caminho encontravam a
morte pela fome em laborava o tempo, de sorte que se comiam bichos e tais
que nunca fora mantimento humano, como corvos, carcarás, cobras, ratos,
couros de boi, raízes de ervas, como fossem o chique-chique, mandacarus,
mandioca brava, etc. Porém nesta vila foi sempre a fome mais moderada do
que nos sertões, na qual se refugiou muita gente e nenhuma pessoa morreu
de fome, porque por mar lhe vinha socorros, da Bahia, de Pernambuco
e Já do maranhão. E além deste males sobreveio outro maior, porque
laborando as necessidades e a fome, no ano de 1793, foi tal a epidemia das
bexigas, que quase consome todos estes povos, de sorte que houve dia em
que enterravam 8 e 9 pessoas chegando o número de mortos a 600
57
.
57
ALMEIDA, Manoel Esteves de. Registro de memória dos primeiros estabelecimentos,
fatos e casos raros acontecidos nesta vila de Santa Cruz do Aracaty, feito segundo as ordens
de S. M de 27 de julho de 1782 pelo vereador Manoel Esteves de Almeida desde a
fundação da dita vila até o ano presente de 1795. In. Revista do Instituto Histórico do
Ceará. Tomo: I – 1887. p. 85.
Eis aqui, talvez, um dos primeiros momentos em que a associação entre dois elementos
distintos, a irregularidade de chuvas, chamada usualmente de seca, e o aparecimento de
um surto epidêmico específico são articulados e explicados conjuntamente, formando
um único relato, uma única fala, associando fome, pobreza, doenças, assim como as
demais dificuldades da vida como decorrência exclusiva de uma catástrofe natural (a
seca e/ou as doenças) eximindo os homens dessa situação, naturalizando as relações
sociais e desprezando as capacidade humana de intervenção e de criação da realidade
por ele vivida.
Capítulo III
Saúde e doença: percursos nos Setecentos e Oitocentos
no Ceará
Para os médicos e o conjunto de letrados conhecedores das implicações ocasionadas
pela etiologia miasmática que conformou grande parte do pensamento médico nos
Setecentos e Oitocentos, a natureza era um dos elementos fundamentais para a
viabilização de outras sociedades com características climáticas diferentes das existentes
na Europa, principalmente se o clima em questão fosse o clima quente dos trópicos
58
.
Juntando-se aos elementos anteriormente citados, neste mesmo momento repleto de
transformações para a sociedade e para a medicina, fim do culo XVIII e início do
XIX, a ascensão explicativa das teorias denominadas de neo-hipocráticas desfrutou de
uma posição privilegiada de saber/fazer indispensável para o bom funcionamento da
sociedade. Vários elementos caracterizam essa nova orientação, entre elas: a existência
dos conceitos básicos de constituição médica, relações de causa e efeito entre meio
ambiente e manifestação coletiva de uma doença, e o de topografia médica relativo às
diferentes doenças observadas em um determinado lugar. Uma outra peculiaridade do
neo-hipocratismo era a concepção de que as doenças contagiosas possuíam uma
predominância de transmissão pelo ar, e a divergência entre as concepções contágio e
transmissão
59
. Contudo, uma das principais características dessa orientação era a nova
forma de encarar as doenças, pois, o fatalismo ambiental, na visão grega hipocrática,
58
LINDMANN, Mary.
Medicina e sociedade na Europa moderna: novas abordagens da história
européia. Lisboa: Replicação. 2002. pp.180-181.
59
FERREIRA, Luís Otávio. Uma interpretação higiênica do Brasil Imperial. In: HAIZER,
Alda & VIDEIRA, Antônio Augusto Passos (Org). Ciência , Civilização e Trópicos. Rio de
Janeiro: Acesses Editora, 2001. pp. , 207-210.
afirmava que os médicos podiam tratar dos doentes, nada podiam fazer para prevenir
ou evitar as doenças. Mas a visão neo-hipocrática tinha como escopo a mudança do
mundo, daí o grande esforço em organizar informações, em instituir redes de
correspondentes, de traçar grande cálculos com o número crescente de nascimentos,
doentes e enfermos torturando os dados e torturando os números para obterem as
informações que possibilitariam as ações corretas para os males previsíveis. A disputa
entre o homem, as doenças, e a morte finalmente apresentava possibilidades para que os
homens minimizassem os efeitos da vitória das doenças sobre os homens, resultando,
quase sempre, em morte
60
. Para o Brasil, os elementos defendidos pelos neo-
hipocráticos seriam de fundamental importância, pois apresentavam possibilidade direta
de transformações corretivas e/ou preventivas contra as doenças, um dos elementos que
mais aterrorizavam o homem europeu, inviabilizando ou diminuindo as atividades fora
do seu continente, especialmente em áreas quentes e úmidas como o Brasil.
No caso especifico do Brasil, segundo Lorelai Kury, a natureza do país, da segunda
metade do século XVIII até a segunda metade do século XIX, foi percebida como um
elemento de dupla característica, isto é, de um lado, a natureza era entendida como
elemento diferenciador e singularizante do Brasil, por sua beleza e seu aspecto exótico,
despertando admiração nos homens do velho mundo, mas, por outro lado, essa mesma
natureza era vista como um elemento perigoso e nocivo, pois escondiam-se na natureza,
60
LINDMANN, Mary. Op.Cit. p. 180.
animais, bichos, feras nunca imaginadas e diversos tipos de doenças mortíferas
desconhecidas dos médicos do velho mundo
61
.
O clima e a natureza
A preocupação com a salubridade, o cuidado com a existência de “ares corruptos” e as
observações constantes da situação dos elementos da natureza, água, ar e terra estiveram
presentes desde a segunda metade do século XVIII. As considerações elaboradas pelo
médico João L. C. Machado, no ano de 1792, sobre os elementos desencadeadores das
febres que grassaram no norte do Ceará, é um exemplo dessa preocupação que
perpassou os conhecimentos científicos de médicos e interessados na questão. Essas
observações sobre os elementos da natureza possibilitavam aos médicos a elaboração de
explicações sobre as doenças existentes na Capitania do Ceará, utilizando como
referente as informações sobre a natureza e o clima próprio da realidade específica
estudada, isto é, os dados e as constatações obtidos são válidos apenas para uma
determinada realidade. Cada local teria suas características, daí o grande esforço e a
grande mobilização dos médicos em cruzar informação sobre os mais distintos locais do
planeta para a constituição de topografias médicas
62
.
Munido dos referenciais científicos da época, incluídos aí os aspectos mencionados
anteriormente no penúltimo ano de antes do século XVIII, ou seja, em 1799, chega ao
61
KURY, Lorelai Brilhante. O Império dos miasmas: a academia de medicina (1830-
1850). Niterói, Dissertação de Mestrado. Pós-Graduação em História Universidade
Federal Fluminense, 1991.
62
EDLER, Flávio Coelho. De olho no Brasil: a Geografia Médica e a viagem de Alohonse Rendu. In:
História, Ciências e Saúde- Manguinhos, Rio de Janeiro, v.VIII, P. 925-943, 2001.
Ceará o naturalista brasileiro radicado em Portugal, João da Silva Feijó. O naturalista
Feijó, como posteriormente ficou conhecido, veio com permissão e sob os auspícios da
cora portuguesa realizar pesquisas em terras cearenses.
Durante todo o tempo que passou no Ceará, por volta de 20 anos, o naturalista escreveu
várias memórias como: Memória sobre a capitania do Ceará, Memória sobre as antigas
lavras do ouro da mangabeira da Capitania do Ceará e Memória econômica sobre o
gado lanígero do Ceará. De imediato, acentua se o forte interesse econômico presente
na viagem de Feijó ao Ceará, pois, uma grande parte das memórias estavam ligadas a
esse tema. Todavia, mesmo não sendo médico, o naturalista abordou em suas memórias
algumas considerações sobre a salubridade defrontada por ele na capitania,
posteriormente, Província do Ceará. Ao tecer comentários sobre o ar em geral, Feijó diz:
[...] o ar é cálido e úmido, porque as sua atmosfera é cheia de colorico (sic)
de vapores aquosos; contudo, porque este se acham por isso muito rarefeitos
e carregados de muita matéria da luz em razão da elevação da equinocial
etc., as noites ali são claras e o luar encantador, articularmente no verão em
que se observam repetidas exalações
63
.
Já ao comentar sobre as doenças existentes no local, ele fala
[...] do que se acha de expender até aqui coligi-se que esse calor quase
sempre o mesmo, á essa excessiva umidade de ar que se respira, é a natureza
particular em fim (sic) dos alimentos, de que se usam no país (sic), são
devidas certamente as suas principais enfermidades
64
.
63
FEIJÓ, João da Silva. Memória sobre a Capitania do Ceará e outros trabalhos. Ed. Fac-
sim. Fundação Waldemar Alcântara; Fortaleza: 1997. p. 10.
64
Ibid. p. 11.
Feijó descreve de forma rápida e bastante parcimoniosa as características que, no seu
entendimento, são importantes do local. Ao falar, ele adota um tom sereno, não
pontuando maiores complicações. Sua descrição, ao tratar do ar, chega a suscitar um
tom de deslumbramento sobre a natureza observada. Entretanto, não demonstra o
mesmo em relação às enfermidades, pois “é a natureza particular em fim dos alimentos,
que se usam no país são devidas certamente as suas principais enfermidades”
65
. Feijó em
suas observações lança mão da agenda científica higienista, “prescrita” pelos médicos e
científicos europeus que, em suas viagens para fora do continente europeu ou mediante
instruções para os viajantes e subordinados, solicitavam informações precisas sobre a
meteorologia, a topografia, a geologia, a botânica para constituírem uma grande
topografia médica abarcando os climas e das doenças existentes em diversos países
66
.
Os médicos ingleses, talvez, tenham sido os primeiros a porem em prática as orientações
higiênicas, especialmente os do exército inglês em atuação nas colônias inglesas do
oriente, mais especificamente na Índia. Assim, uma das principais preocupações passou
a ser a adaptação dos europeus nos países de clima tropical. Após muitas observações,
os médicos britânicos chegaram à conclusão que três pontos básicos deveriam ser
respeitados pelos europeus ao chegarem aos países tropicais:
1 – Alimentação, desejava-se que os recém chegados evitassem comer
alimentos exóticos, pesados, ou, comessem em demasia para evitar
problemas intestinais.
65
Idem
66
EDLER, Flávio Coelho. A medicina acadêmica imperial e as ciências naturais. In:
HAIZER, Alda & VIDEIRA, Antônio Augusto Passos (Org). Op.Cit. pp, 102-104.
2 – Higiene, era necessário que tomassem cuidados para preservar a
higiene, estando sempre limpo.
3 – Clima, recomendava-se que usassem roupas condizentes com o clima
para se adequarem melhor ao clima
65
.
Embasados nos conhecimentos propagados pela higiene e no desenvolvimento técnico
marítimo, os europeus não mais conheciam barreiras físicas, pois era possível sangrar
os grandes mares de forma anteriormente nunca imaginada
66
. Os europeus foram os
primeiros a utilizar os seus próprios conhecimentos médicos para adaptar os seus corpos
à nova realidade do mundo além mar, buscando a construção de um ser imune às
doenças e autônomo, isto é, não submisso por completo aos caprichos da mãe natureza.
A necessidade de contratação de médicos para atender a população foi sugerida por João
L. C. Machado, porém por falta de condições essa indicação não foi implementada. Uma
comunicação direta de Portugal, em outubro de 1798, reverberaria o desejo do médico
pernambucano João Machado. Dessa vez não se tratava de uma indicação, mas de uma
ordem, endereçada à Câmara da vila de Fortaleza, para que se criasse uma finta para o
estabelecimento de mestres de oficio, de um médico e de um cirurgião que deveriam
chegar à cidade no ano de 1799. Eis que, no simbólico ano de 1799
67
, saiu de Portugal
com destino ao Ceará um cirurgião, sem referência ao médico mencionado na anterior
na correspondência de 1798. Esse cirurgião não vinha sozinho ao Ceará, pois no dia 2 de
65
HARRISON, Mark. Climates and Constitutions. Health, Race, Environment and British
Imperialism in India. Oxfor: University Press. 1999. pp. 58-110.
66
ROSEN, George. Uma história da saúde pública. Säo Paulo; UNESP; 1994.
67
Ano em que a Capitania do Ceará foi alçada ao nível de autônoma, ao menos nos
aspectos econômicos e políticos inerentes às necessidades cotidianas, pois, com relação a
outros aspectos como: militar, o Ceará necessitava do amparo formal disponível e oferecido
pela Capitania de Pernambuco. Ver sobre o assunto: FROTA, Luciara Silveira de Aragão e.
Documentação oral e a temática da seca. Brasiléia: Centro gráfico, senado Federal, 1985.
p. 98. Nota número 16.
maio de 1799, quarenta e quatro dias após a autonomia da capitania cearense, veio da
cidade de Lisboa com destino ao Ceará o cirurgião-mor Manoel Joaquim Garcia, o
secretário do governo Francisco Luiz de Mariz Sarmento e o sargento-mor de milícias e
bacharel empregado no descobrimento de salitre e assuntos de história natural nas
terras da Capitania João da Silva Feijó
68
.
Fragmentos de políticas médicas na história cearense
Com o começo de um novo século, as decisões políticas referentes às questões médicas
no Ceará ganharam maior notoriedade, desfrutando em alguns momentos, especialmente
nos momento epidêmicos, de maiores preocupações. Entretanto, o alvorecer inicial do
novo século não se distingue por completo do anterior, pois, na dialética entre rupturas e
permanências, esta última obteve maiores sucessos e os elementos relacionados à saúde
na província ainda desfrutavam dos limites e dos cerceamentos presentes no século
XVIII.
Dessa forma, ainda no ano de 1798, reuniram-se na casa dos passos do conselho o Juiz
Presidente, Vereadores, o Procurador do Conselho e Republicos (sic) para responder da
seguinte forma às ordens dirigidas:
68
STUDART, Gilherme (Barão de). Datas e Factos para a História do Ceará. Fortaleza: Fundação
Waldemar de Alcântara, Biblioteca Básica Cearense, edição fac-símile, vol II, 2001. p. 428.
[...] sobre as fintas para o estabelecimento de um médico, um cirurgião,
contadores (sic) e hidráulicos, e sendo-lhes lidas as copias das ditas ordens
foram de parecer [...] que depois de agradecer S. Mag
e
. o benéfico que queria
fazer aos povos desta V.ª e seu termo, principalmente para o estabelecimento
de um medico e um cirurgião, por haver destes maior precisão do que de
hidráulicos e tipógrafos, se respondesse a Sua Majestade, que muito a seu
pesar se não poder fazer imposto, ou finta suficiente para o mesmo
estabelecimento em razão da pobreza a que estão reduzidos os mesmo povos
depois da calamitosa seca de noventa e dois [1792] , que grassou em toda
esta Capitania: cuja pobreza se coadjuva muito mais com a do Senado, por
quanto a sua casa é de Taipa, indecente e quase de todo arruinada, além de
não ter mobília de qualidade alguma e de lhe ser necessário para as funções
publicas, como a presente, pedir trastes emprestados por não ter o mesmo
Senado patrimônio suficiente para as suas competentes despesas e para poder
contribuir para a felicidade pública, por meio das obras de que esta V.ª e seu
termo padecem das mais urgentes necessidades e que quando eles tiverem
possessões suficientes as desejarão esgotar em benefício de uma decente casa
de câmara, cadeia, mobília, e pontes de que tanto necessita para a
conservação da autoridade do senado, para punição dos delinqüentes e para
comodidade do comercio por serem os objetos que devem ocupar a primrª
[primeira] consideração do dito Senado
70
.
A citação cima além de ser bastante esclarecedora e fornece muitos subsídios para a
nossa reflexão referente à situação da questão médica cearense no inicio do século XIX,
trazendo as marcas do XVIII; pois, mais uma vez, a ausência de fundos, da mesma
forma que acorreu em 1792, foi apresentada como elemento explicativo para a
impossibilidade de comprimento das ordens de contratação de um médico e um
cirurgião. Mesmo com toda a necessidade, mesmo com a possibilidade do
desenvolvimento de uma nova epidemia, os administradores estavam bem mais
preocupados com a melhoria da res-publica diretamente relacionado aos interesses dos
políticos, isto é, em melhorar a estrutura física da casa onde funcionava o dito “Senado”,
preocupavam-se também com o estado dos móveis e a necessidade de se obter mobília
nova e, por fim, terminam informando que, em caso de disponibilidade financeira, os
70
Idem.
recursos seriam empregados em uma casa de câmara, em uma cadeia e em potes, pois
todos esses elementos auxiliariam a detenção dos delinqüentes e favoreciam o comércio,
o elemento principal dos homens que tomavam as decisões daquele Senado.
Diante de um quadro situacional tão nítido em todos os seus contornos fica difícil
aceitarmos leituras atemporais que insistem na tese de que os médicos eram simples
representantes dos interesses dos grupos abastados em eterno conluio para “medicalizar”
e controlar toda a sociedade no transcorrer do século XIX.
Retornando a questão da vinda do cirurgião-mor diretamente da cidade do Porto para a
capitania cearense, não dispomos de informações de quando e onde efetivamente esse
profissional chegou e desembarcou
71
. Outras informações, fruto das pesquisas do
historiador João Brígido dos Santos, atestam que, no dia 1 de julho do ano de 1799, foi
elaborado o balancete da receita e das despesas da capitania, e que na folha de despesas
figuram os nomes do cirurgião-mor Manoel Joaquim Garcia, do secretário Francisco
Luiz do Nascimento e do naturalista João da Silva Feijó
72
.
Mesmo com o estabelecimento na vila de Fortaleza do cirurgião-mor, a Capitania do
Ceará continuava desprovida de médicos e com apenas um único cirurgião para atender
a todas as demandas da população. Dessa forma, a população deveria recorrer às práticas
71
Na obra Datas e fatos para a história do Ceará de Guilherme Studart, onde obtivemos a informação da vinda
conjunta do cirurgião-mór, do secretario do governo e do naturalista
Feijó para o Ceará não existe menção ou
referencia ao desembarque do cirurgião-mor no Ceará. O autor apenas menciona que no dia 24 de outubro
João da Silva Feijó chegou ao Ceará. Ver: STUDART, Guilherme (Barão de). Datas e Factos para a História
do Ceará. Op. Cit. p. 428-431.
72
SANTOS, João Brígido dos. A correspondência de Bernardo de Vasconcellos e João
Augusto d’Oeynhausen com os ministros D. Rodrigo de Sousa Coutinho e Visconde de
Anania como subsidio para a história de seus governos no Ceará. In: Revista do Instituto
Histórico do Ceará Tomo III – 1889. p. 146.
tradicionais de medicina na eventualidade de alguma enfermidade, ou aos serviços de
outros agentes de cura para obterem o desejado cuidado do corpo.
Terminado o século XVIII, uma nova centúria se iniciava, mas, para as práticas medicas
em terras cearenses, as velhas questões continuam, ou seja, a preocupação com os
elementos relativos à saúde e à doença e a relação do homem com o meio. Em 28 de
outubro de 1804, o governador da Capitania recebeu por Carta Régia, como
recomendação, a inoculação das bexigas (varíola) que grassavam na cidade de Aracati.
Para propagar a vacina na cidade de Aracati e cuidar dos enfermos foi enviado à cidade
João Carlos e o professor João Lourenço Marques, sobre os quais, infelizmente, não foi
possível obter maiores informações a respeito de quem eram e quais as suas relações
com as praticas de curas.
Contudo, a preocupação referente à saúde do povo do Ceará não era privilégio exclusivo
dos seus habitantes e administradores locais, pois,
[...] cabe destacar a intervenção do Estado português no que diz respeito á
campanha em torno da vacinação da população colonial contra a varíola. A
descoberta de Edward Jennes, [...] , foi aos poucos provando a sua eficácia, o
que levou a ser adotada em todas as posses portuguesas no Além-mar, a
partir de 1802. Não obstante, somente com a pressão da metrópole, a vacina
passou a ser mais difundia, tornando-se obrigatória em algumas
Províncias”
73
.
No ano de 1802, o então governador da Capitania do Ceará, João Augusto
d’Oeynhausen, respondia ao Visconde de Anania sobre assuntos relacionados aos
73
BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto. Caminhos da Cura: a experiência dos moradores
de Fortaleza com a saúde e a doença (1850-1880). Tese de Doutorado apresentada a
Pontificai Universidade Católica de São Paulo/ PUC-SP. 2002. p. 16.
benefícios da vacina. Posteriormente, dois anos depois, o governador do Ceará e o
Visconde ainda trocavam cartas e Oeynhausen ofereceu resposta ao Visconde em uma
carta resposta de 30 de julho de 1804 afirmando que:
Tendo o príncipe regente Nosso Senhor ordenado aos Comandantes e
Capitães Gerais dos seus domínios ultramarinhos por aviso de 4 de outubro
de 1802, que procurassem introduzir nas suas respectivas capitanias o uso
da inoculação das bexigas [varíola], e dessem conta dos efeitos que
produzissem; Participou em conseqüência desta ordem, o atual governador
e capitão geral de Moçambique, que naquela capital, e distritos adjacentes
tanto conhecimento da inoculação, e da sua utilidade, que esta pratica é
muito usual, e que estão os seus habitante tão familiarizados com ela que
uns e outros se inoculam depois que principiam a sentir as bexigas, mesmo
trabalhando, sem experimentar mal efeito pois de cem inoculados apenas
morre um, e que ultimamente se observo um capitão de um navio francês
inoculou com a vacina duzentos e cinqüenta e seis negros de que constava
a carregação e que lhe morreu um, e que finalmente todos os
carregadores ali inoculam as suas escravaturas, de que tem tirado muita
vantagem.
A vista deste exemplo, de que V. Ex.
a
se pode servir para [danificado] aos
habitantes dessa capitania a utilidade da inoculação, espera S. A. R que V.
S os persuada adotarem este preservativo de um dos maiores flagelos da
humanidade.
Recomendamo-me na primeira[carta] o importante objeto de outra, que em
4 de outubro de 1802 tinha sido dirigida a este Governo sobre a introdução
da inoculação da bexiga [varíola], que S. A. R desejava ver efetuar nesta
Capitania me dá V. Ex.
a
conhecimento do progresso, que a introdução deste
útil preservativo tem feito na Capitania de Moçambique, e os
conhecimentos que desta maneira fico tendo, fazendo nascer em mim o
maior desejo de presentear esta Capitania com um igual benefício, me
deixam estudando os modos de propagar, para esse efeito tendo convocado
o Cirurgião-Mór, que nela reside, e tenho encarregado de vigiar o instante
mais próprio, de dar um exemplo, que anime os seus habitantes a fazem da
inoculação o mesmo uso, que nessa e em outras capitais da Europa se tem
feito
74
.
74
STUDART, Guilherme (Barão de). A administração Carlos Augusto d’Oyenhausen no
Ceará: parte doecumental. In: Revista do Instituto Histórico do Ceará. Fortaleza, 1925. p.
276 e 277
Continuando o seu relato ao eminente Visconde, Oeynhausen conclui sua
correspondência comunicando as informações advindas de sua observações
empíricas:
Tem-se observado que neste ardente clima, ainda mais que as escravaturas,
padecem os índios naturais do país, para os quais a enfermidade das bexigas
e sempre quase geralmente mortal, e por isso e tal a aversão, que entre eles
têm a este flagelo destruidor, e tão proporcionado ao estrago, e mortandade.
Que entre eles causa, que será a introdução desta salutifero(sic) preservativo
o maior beneficio que eles possam receber, à vista do que continuando V.
Ex.
a
fazer-me a honra de reconhecer , o zelo com que sirvo a S. A. R. e me
emprego em fomentar a prosperidade dos seus vassalos, não poderá V. Ex.
a
duvidar da atividade com que procurarei o que por V. Ex.
a
me fica
recomendado sobre essa importante materia
75
.
Mesmo sendo um trecho longo, acreditamos ser uma passagem bem ilustrativa das
preocupações referentes à saúde e à vacinação que se desenvolveram no inicio do século
XIX no Ceae no Brasil em geral, mobilizando o saber médico e os administradores,
pois, de acordo com Tânia Fernandes,
[...] a vacina jenneriana foi recebida inicialmente com descrédito e receio
que acabaram sendo relativamente superados, e difundiu-se por todo o
mundo, ao mesmo tempo em que novos estudos se somavam aos originais.
Sua propagação se deu inicialmente entre os países europeus e logo em
seguida chegou à América do Norte, alcançando o Brasil ainda nos
primeiros anos do século XIX
6
.
Mas, com o transcorrer do tempo e os acontecimentos posteriores a 1810, a preocupação
referente ao bem estar da população solicitou maiores medidas dos administradores; e
75
Idem.
não as doenças e os meios “preservativos” mais adequados para se curar os efeitos
nocivos gerados à população cearense passaram a inquietar os representantes dos postos
palacianos no Ceará. Segundo o levantamento de João Brígido dos Santos, “em sessão
do Senado da Câmara, de 21 de novembro do ano de 1812, [...]pediu-se efetivamente ao
governador que mandasse fazer uma planta para edificação da cidade na parte oeste da
Praça da Carolina, visto que havia uma para o lado de leste”
77
. Após e referido
pedido, o acolhimento da proposta foi tamanha que, na sessão do dia “[...] 15 de maio de
1813, duas plantas, uma das quais entendia com o oeste dessa praça, a outra modificava
o plano já estabelecido para a parte oposta”
78
. Como decorrência dessa última planta, um
dos membros do senado da Câmara, o boticário Bernardo José Teixeira, lançou os
fundamentos de uma rua em honra do então representante máximo da administração no
Ceará o Governador Sampaio por trás da rua dos mercadores, d “a forma
quadrangular foi adotada desde então pela Câmara, que a mantinha com cuidado”
79
. A
construção do mercado na praça da Carolina à época em que “era um pátio sem
edificação regular que demorava ao poente da casa da Câmara, pátio cercado de
madeira, no centro do qual havia alguma edificação má e incorreta”. Concluído o
referido mercado, passou-se a alinhar as ruas pela rua onde este estava localizado, de tal
forma e maneira que:
Foi, pois, a frente do mercado que serviu de linha de referência para todas as
que se projetavam. Em outubro de 1814, já estava em começo a rua da
Palma, hoje do major Facundo, incumbindo-se de sua abertura ou traçado o
77
SANTOS, João Brígido dos. A Fortaleza de 1810. Fortaleza: Universidade Federal do
Ceará/Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1979. p. 54.
78
Idem
79
Ibid. p. 55.
dito boticário Bernardo José Teixeira, que foi por isso louvado pela câmara
com benemérito
80
.
A preocupação com a organização e a configuração do traçado retilíneo da então
incipiente cidade, que se faz presente até os dias atuais, foi delineada, não por mero
acaso. Essas transformações foram sugeridas e executadas tendo à frente um profissional
diretamente relacionado com as questões da saúde e da doença, neste caso o Boticário
Bernardo José Teixeira
81
, que, possivelmente, atento aos acontecimentos do seu tempo
e, conhecedor da agenda médica-higiênica, projeta-se na execução de seu intento.
Resultando no “alinhamento da Fortaleza (sic), tal qual hoje se vê, cortada em quadras
regulares, alinhando pelos quatro pontos cardeais e de modo que o ar circule
perfeitamente e o mar sirva de vista a extensas avenidas [...]”.
Por fim, faze-se necessário ressaltar ainda uma certa coincidência ocorrida no ano de
1814, pois no mesmo ano de inicio das primeiras modificações urbanas, irrompeu em
Fortaleza mais um surto de varíola.
80
Idem
81
Discorrendo sobre a figura do boticário Bernardo José Teixeira, João Brígido dos Santos
ainda afirma em tom peremptório que “o serviço, portanto que se tem atribuído a Antônio
Rodrigues Ferreira [ Boticário Ferreira], de ter alinhado a cidade, fica reduzido ao fato de
ter contribuído poderosamente, em épocas posteriores, para a observação, para a
observação daquele plano. A outro boticário caberia a glória pela execução do traçado de
[João da Silva] Paulet [engenheiro], sendo preciso restituir-lhe o que lhe tiraram para
ilustrar o nome daquele. Ver: SANTOS, João Brígido dos. Op.Cit. p. 55
Um Período de Agitações
A partir de meados da primeira década do século XIX, o Ceará e a sua capital, foram
sucessivamente sacudidos por acontecimentos políticos, epidemias de varíola, o início
do primeiro alinhamento das ruas de Fortaleza. Ocorreram ainda os movimentos de
cunho revolucionário nos anos de 1817 (Revolução Republicana Pernambucana), 1824
(Confederação do Equador) e 1832 (Revolta de Pinto Madeira) marcaram,
decididamente, as mentes e os corações do período.
Conjuntamente à preocupação referente ao alinhamento das ruas, ao favorecimento da
circulação de pessoas, dos objetos e do ar na cidade, veio se juntar um surto epidêmico
de varíola; doença essa que anteriormente, na última década do século XVIII, havia
feito muitos doentes na vila do Aracati, zona leste do litoral cearense, e findando a
epidemia por lá, a doença tornou-se endêmica na Capitania, reaparecendo de tempos em
tempos.
Sobre a varíola no Ceará, o médico e pesquisador da saúde pública, José Policarpo
Barbosa, refere-se a essa doença observando e comentando que:
Durante todo o período colonial e no decorrer do século XIX, a varíola no
Ceará torna-se endêmica, com alguns surtos epidêmicos, principalmente
nas secas. Em Fortaleza, nestes períodos, ocorria um grande aglomerado
humano vindo do sertão. Esta população era especialmente sucessíveis às
epidemias que, muitas vezes, adquiriam caráter catastrófico
82
.
82
BARBOSA, José Policarpo. Op.Cit. p. 48.
Em um dos surtos epidêmicos de varíola, no ano de 1814, as autoridades da Capitania
tiveram que apresentar ações concretas contra a doença. Dessa forma, os governantes,
após tomarem as medidas concernentes à questão, pronunciaram a seguinte
determinação:
Tendo-se unanimemente deferido por termo desta data de 8 de junho de
1814, por ocasião do epidêmico contagio das bexigas[varíola] que então
grassava nesta vila, que todos os pobres atacados do dito contagio fossem
assistidos pelo Hospital que para esse fim se erigiu no sitio denominado
Jacarecanga
83
.
Recorrendo mais uma vez a José Barbosa, ele nos informa que “na realidade, o que
chamavam de hospital, não passava de uma casa de taipa coberta de palha, onde eram
abandonados os doentes à própria sorte”
84
.
Mesmo diante de todas as carências e dificuldades anteriormente mencionadas, o fato é
que o referido local destinado aos cuidados dos enfermos foi estabelecido como um
espaço destinado exclusivamente à preocupação e aos cuidados dos adoentados e/ou
suspeitos de assim se encontrarem. Entretanto, esse novo espaço que fora edificado na
então vila de Fortaleza, não era destinado a todos os habitantes. Sua utilização estava
voltada para um determinado tipo de usuário que, no transcorrer do século XIX, iria ser
amplamente observado, perquirido e estudado devido à sua condição de desprovimento
material. Em especial, esse grupo social de pobres e desvalidos seria o objeto de longas
reflexões por parte de médicos e administradores que, cientes das grandes e rápidas
83
Documentos relativos aos hospitais de Jacarecanga e lagoa–funda e paiol do Croata. In:
Revista do Instituto Histórico do Ceará, tomo XI, 1897. p. 113.
84
BARBOSA, José Policarpo. Op.Cit. p. 48.
transformações por que passavam as sociedades e a funestas conseqüências dessas
transformações na vida e no viver em coletividade a aglomeração de um número cada
vez maior de pessoas nos mesmos espaços de convivência alteraram
significativamente as relações entre os homens e a relações desses com a natureza.
Enfim, aos poucos os grupos humanos e, em um primeiro momento, os médicos e os
administradores, tomavam consciência de que tinha constituído uma sociedade “(...) na
qual um dos elos principais seria a doença, em especial quando se apresentava a
sociedade sob a forma epidêmica”
85
. Assim, mesmo com a existência de diferenciações
sociais e/ou estratificação social presente em diversas sociedades, a doença seria o
elemento que perpassaria todo o grupo e poderia atuar sobre todos os membros em todos
os veis sociais de qualquer grupo. A compreensão dessa vulnerabilidade humana cada
vez mais explícita com o transcorrer das doenças, também se fez presente no Ceará do
século XIX.
Passados apenas quatro anos do estabelecimento do hospital do Jacarecanga e,
conseqüentemente, da epidemia de 1814, a varíola aparece novamente em plagas
cearenses. E as autoridades da província se pronunciaram sobre os efeitos da nova
epidemia :
85
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: As bases políticas da Saúde Pública no
Brasil. São Paulo-SP. Editora Hucitec/ ANPOC; 1998. p. 51. Nesta obra, o autor utiliza
forma bastante profícua à concepção de interdependência, mas isso não implica dizer ou
afirmar que essa concepção é restritiva apenas a esse momento, isto é, nas primeiras
décadas do século XX, pois de uma forma de ampla a dependência mutua entre os
indivíduos é uma dos elementos característicos da vida humana, presente em diferentes
esferas como a políticas, a economia, a educação, a segurança pública, e que, tais
características são visivelmente observada nos momentos de surtos e epidemias o que não
restringe a interdependência exclusivamente aos primeiros momentos do século XX.
E tendo-se agora de novo propagado o referido contágio por toda esta vila
e seus arredores, constando na mesma Junta que algumas pessoas têm
falecido ao desamparo por falta de meios para o necessário tratamento,
chegando até a concentrarem-se alguns corpos mortos do mesmo contágio
lançados no mato; [...] tratando-se de ocorrer quanto for possível do
progresso de tão terrível mal, e passando-se a deliberar, se assentou
unanimemente em ratificar o referido termo de 8 e junho de 1814 na parte
que se determina à recepção dos pobres, mandado agora de novo receber
no sobredito Hospital da Jacarecanga todos os pobres de um e outro sexo
que se reconhecer não ter meios para se poderem tratar; para o que se
passem as ordens necessárias
86
.
Novamente a epidemia de varíola se apresentava à vila de Fortaleza e, com ela os
administradores foram “fortemente” persuadidos a tomar atitudes e medidas não mais de
cunho individual para tentar solucionar ou minimizar a situação periclitante. Assim,
decide-se novamente que os pobres deveriam ser tratados no dito Hospital da
Jacarecanga. Percebe-se, neste caso, que o elemento implícito utilizado como definidor
de pobreza foi, da mesma forma com ocorreu em 1814, a capacidade de possuir ou não
meios proprios para arcar com os custos de um tratamento médico, na eventualidade de
um ou mais indivíduos serem acometidos pela epidemia de varíola. A implementação de
medidas destinadas apenas ao amparo de determinados grupos sociais, apontam que a
percepção das relações entre os diversos grupos sociais e o funcionamento pleno da
sociedade, aos poucos, estava sendo descortinada pela ameaça geral de mortes a todos os
membros integrantes da sociedade, independente da sua inserção social, frente ao perigo
eminente das epidemias.
No ano seguinte ao reaparecimento da epidemia de varíola aos moradores da vila
fortalezense, em uma reunião entre o Governador da Província, Manoel Ignácio de
86
Documentos relativos aos hospitais de Jacarecanga e Lagoa–funda e paiol do Croata.
Op.Cit. p. 113-114.
Sampaio, e os membros constituintes da Junta e demais presentes, em virtude da
situação, chegaram ao seguinte entendimento:
[...] foi ponderado que tendo alguns negociantes desta vila dado princípio
ao comércio de mandarem vir escravaturas da costa Leste diretamente
para esta vila, se fazia portanto necessário cuidar com antecipação em
mandar levantar um armazém a beira mar do sitio denominado
Jacarecanga, o qual sirva de Lazareto para serem recolhidos os sobreditos
escravos, no caso de necessidade ´maneira do que se prática em todas as
mais capitanias para o fim de se evitar a propagação de moléstias que
algumas vezes trazem os mesmo escravos. E sendo nesta mesma ocasião
igualmente ponderada a necessidade que também de uma casa
edificada mais ao centro do mesmo sitio Jacarecanga para servir de
Hospital aos bexigosos, visto que a experiência tem feito conhecer que em
todos os anos se renova o dito contagio, evitando-se por este meio a
despesa que anualmente se tem feito com casas de palhas para
acomodação dos soldados atacados do dito mal.
Sendo discutido estes pontos, passando-se a deliberar, assentou
unanimemente em mandar edificar tanto o sobredito armazém para servir
de Lazareto como a casa para o Hospital, nos tios acima mencionados,
sendo uma outra obra de tijolo e cal. Cobertas de telha
87
.
Após centrarem suas atenções e esforços sobre os grupos sociais que não dispunham de
condições para se tratarem, caso fossem acometidos pela epidemia de varíola, os
administradores passaram a centrar as suas atenções e esforços nos escravos que
estavam sendo trazidos e comercializados diretamente das costas africanas para o Ceará.
Assim, quando chegavam, era feita uma inspeção, os doentes eram recolhidos a um local
para quarentena, evitando a contaminação da população da vila
88
. Essa nova exigência
era fruto do comércio direto de cativos, prática de inspeção e quarentena não exigida
anteriormente, já que os escravos eram adquiridos, até então, via Pernambuco e as
87
Ibid. p. 114
88
BARBOSA, José Policarpo. Op.Cit. p. 48–49.
autoridades arcavam com todos os ônus inerentes às inspeções e quarentenas dos
escravos. A comercialização direta com a África levou o governo cearense a instituir
esta prática e designar o local apropriado para a execução da mesma, mas não na mesma
forma que foi construída anteriormente. Nesse momento deveria ser de tijolo, cal e
telhas na cobertura do teto, seguramente tais medidas eram exigidas por apresentarem
características mais adequadas e higiênicas.
Importante ressaltar que, passados exatos vinte anos da não implementação da indicação
feita por parte da coroa portuguesa de se arrecadar uma finta para a contratação de um
médico e um cirurgião para o Ceará sob a justificativa da falta de condições
financeiras, pois caso houvesse disponibilidades de recursos, esses seriam aplicados na
melhoria da casa do Senado, pela comodidade do comércio os administradores
governamentais, são “fortemente persuadidos” a rever e reconsiderarem as suas decisões
anteriores, sendo impelidos a construir o que se chamou de o Hospital do Jacarecanga e
a necessidade das quarentenas como medida preventiva para a saúde e a vida de todos os
habitantes da vila de Fortaleza, mediante o perigo de morte apresentado pele
aparecimento da varíola e suas conseqüências funestas.
A epidemia de varíola, que teve o seu início em 1818, continuou ceifando vidas no ano
de 1819, desencadeando preocupações e suscitando medidas que continuaram a aparecer
ainda no ano de 1820 na troca e na circulação de informações referentes à presença do
mal em outras paragens:
A Junta do governo comunica ao Ministro Villa Nova Portugal ter tomado
todas as providências necessárias para impedir o contágio da varíola que
se declarara no Pará, segundo a ordem contida em aviso de 16 de
novembro. Acrescenta a Junta que por notícia trazida pela sumaca Gervis
sabia-se já estar extinto ali o terrível mal ao qual haviam sucumbido mais
de 4000 pessoas
89
.
Por fim, no dia 27 de maio 1820, deu-se a “Conclusão do edifício do Lazareto da
Jacarecanga, mandado construir para os variolosos de ordem da Junta de Fazenda de 29
de abril de 1819”. De acordo com Studart, “o terreno ocupado pelo edifício e por uma
casinha tinha 108 ¼ palmos de frente e 50 ¾ de fundo”
90
. Com o advento do segundo
decênio do século XIX, as preocupações médicas não diminuíram. Segundo as
considerações do Senador Pompeu, a situação geral à época caracterizou-se
marcadamente pelo (des)arranjo dos seguintes elementos:
Tantos flagelos caíram sucessivamente e alguns ao mesmo tempo sobre a
população do Ceará desde 1824 até 1828 [...].
As dissensões civis até fins de 1824, a reação sanguinolenta em seguida, a
seca e a fome acompanhando, e sobre tudo isso o recrutamento
devastador, a bexiga (varíola) em 1826, que parece só ter por fim exaurir
o resto dos braços validos da província
91
.
A junção e o impacto de todas essas dificuldades sobre os principais ramos de atividade
executados na Província assumiu tal proporção que, em comunicação oficial ao Ministro
do Império, o Presidente Antônio de Sales Nunes Berford especificava a difícil situação
ao afirmar que:
89
STUDART, Guilherme. (Barão de). Administração Manoel Ignácio de Sampaio (1
a
.
Visconde de Laçada). In. Revista do Instituto Histórico do Ceará Tomo: XXX- 1916. pág.
245.
90
Idem. p. 247
91
SOUZA BRASIL, Thomaz Pompeu de. Juízo histórico do Senador Pompeu sobre factos
do Ceará. In: Revista do Instituto do Ceará: Tomo - IX, p. 9.
Os principais ramos de indústria, que constituem as rendas públicas e a
fortuna particular, como o gado e o algodão estão quase extintos pelas
perturbações de 1824 e pela longa e flagelante seca; os cofres públicos
estão exaustos sem poderem pagar as tropas e os empregados: os mesmo
particulares e negociantes se acham privados, aqueles de seus bens e estes
dos gêneros, que formavam a base de seu comércio; uns estão arruinados,
outros reduzidos à pobreza: a província inteira falta de todo gênero de
exportação e necessitando de receber mantimentos de fora tem esgotado
todo [ilegível] que possuía; e apesar das chuvas que começam, muito
tempo passará antes que sua receita possa fazer face ás despesas
publicas
92
.
Eis então o quadro desolador após a não frutificação dos planos revolucionários. Além
dos problemas ocasionados com o levante político e suas graves conseqüências para a
população, a província ainda foi “contemplada” com a seca, que sempre que aparece
ocasiona fome e desestrutura a fraca organização econômica-social do Ceará. E como
arremate final, para fechar a trindade dos problemas, um novo surto de varíola.
Porém, a população não sofreu apenas com a varíola; um ano antes do retorno das
“bexigas”, a população foi assolada com outra enfermidade, que, assim como a epidemia
de 1826, marcou a memória da população, que sofreu com esse mal de tal forma que:
Passado que fosse o ano de 1825, sempre lembrado pelo povo cearense,
entrou o de 1826, principando o inverno no dia 8 de janeiro, mas a fome
continuava inda em seu auge, enquanto não houve algum legume, mas
desenvolveu-se no povo uma desinteria com vômitos de que morreu muita
gente, e as vezes em poucas horas depois da invasão dela.Desenvolveu-se
tão bem um uma inchação, ou hidropesia (sic), de que igualmente muita
gente morreu, da qual mulher do meu de meu tio Joaquim esteve nas
portas da morte, pois chegou ao ponto de lhe estourarem ambas as coxas,
92
BERFORD, Antonio Sales Nunes. Apud SOUZA BRASIL, Thomaz Pompeu de. Op.Cit.
p. 7.
vindo a aliviar com uma purga composta de Jalapa com resina de batata,
com o que no fim de poucos dias achou-se sã
93
.
Continuando o exercício de rememoração dos acontecimentos testemunhados, o
Professor Manuel Ximendes de Aragão relata que:
Juntos todos estes flagelos, avalie-se quanto povo não morreu no Sobral,
em cuja igrejas (sic) não cabendo mais corpos, eram enterrados na varzea
de fortaleza, onde não se podia passar com o detido e se encontrou varias
vezes cachorros carregando pernas de defuntos
94
.
Esse relato surpreendente de um contemporâneo e partícipe do desenrolar dos eventos,
impressiona pela riqueza e pela quantidade de detalhes oferecidos, dado que ele não se
restringe a falar que houve a doenças, ele fala da ocorrência da doença, de suas
características, do nome atribuído à mesma, comenta sobre o remédio utilizado para cura
e por fim, comenta a respeito do impacto das mortes na cidade de Sobral, que teve de
modificar os seus hábitos e, suas práticas convencionais diante do grande número de
mortos, resultando em conseqüências não pensadas como o péssimo cheiro e a presença
de animais tendo acesso a restos humanos.
Por fim, sempre seguindo as informações do Professor Aragão, ele ainda nos informa a
respeito de uma outra dificuldade presente à época, vivenciada integralmente por ele:
A medida que o inverno de 1826 aumentava ia a fome desaparecendo, por
que o ovo valia-se das suas produções, com o que se ia mantendo em
quanto vinha o legume, mas as inchações e disenterias não desapareceram
93
Idem.
94
ARAGÃO, Manoel Ximendes. Op.Cit. p. 83.
logo. Eu fui um dos que estive a morte desta última moléstia, a disenteria ,
da qual fui atacado repentinamente, com vômitos e cursos fortíssimos
95
.
Fica bastante nítido, não neste relato, mas ao longo de toda rememoração do distinto
Professor Aragão que o mal o afligiu apresentava os mesmo sintomas da cólera,
possivelmente um pequeno surto ainda não estudado. E que, o testemunho do professor
Ximendes nos permite entrever como a experiência com as doenças era algo corriqueira
e marcante para os habitantes do Ceará. O clima, a alimentação e as dificuldades com as
doenças constituíam o cotidiano da população. Podiam resultar na vitória da morte sobre
a vida ou apenas em um rápido adiamento da morte diante das múltiplas possibilidades
de vitória das doenças a que estavam expostos os homens e as mulheres da época e que
o saber médico e as práticas curativas tentavam resguardar, algumas vezes sem muito
sucesso, a vida humana.
Tal situação preocupava as autoridades não da cidade de Sobral, na zona norte do
Ceará, mas a população e os administradores públicos que, além dos problemas
anteriormente apresentados, se viram às voltas com mais uma epidemia de varíola.
Para combater a varíola, o Presidente Berford contava com o lazareto da Jacarecanga
para as pessoas que estavam contaminadas pela doença, como mencionado em linhas
anteriores, e com a vacinação da população sadia como ação preventiva.
Esforçando-se para evitar a ampla disseminação da varíola na Capitania, o que agravaria
as dificuldades, em comunicação oficial entre o Presidente Berford e o vice- Presidente
de Pernambuco, Francisco de Paula Cavalcante, o primeiro lamentava não ter ocorrido à
95
Idem.
entrega do pus destinado à vacinação mencionado na última correspondência
96
. Em
outra comunicação como o Presidente do Maranhão, Costa Barros, Berford afirmava
que continua alastrando-se a varíola, sem que fosse possível declinar os progressos da
doença
97
. E, após a remessa do pus para a vacinação remetido de Pernambuco e do Rio
de Janeiro para o Ceará, as autoridades cearenses começaram a desconfiar da eficácia do
material enviado, qualificando-o de defeituoso, mediante a ausência dos resultados
esperados pela vacina e a continuada proliferação da varíola
98
.
A continuação das providências básicas anteriormente adotadas com
base nos pedidos de lâminas de pus vacínico a Pernambuco. Tal pedido
era feito também em caráter preventivo, quando faltava vacina na
província. Algumas das laminas utilizadas foram advindas da legação de
Londres, sempre através de Pernambuco, as quais, de acordo com a
notícia do cirurgião-mor ao vice-presidente do Ceará, Jo de Castro e
Silva, não tinham nenhum defeito, “tendo ele, obtido melhores sucessos
com o material extraído mesmo no Ceará
99
.
Durante esse novo surto de varíola no Ceará, o incidente que mais chamou a atenção e
que maior repercussão obteve, em virtude de seu desfecho trágico, foi o caso dos
recrutas mortos pela varíola.
Em virtude das disputas na área do Prata, no sul do Brasil, “o governo iniciava o
recrutamento de jovens para a formação de seus efetivos militares na Corte. Não houve
alternativa para ninguém em idade de servir. Compulsoriamente, eram arrastados dos
fundos de quintais, dos interiores de seus próprios lares, rapazes que se esquivavam
96
FROTA, Luciara Silveira de Aragão e. Documentação oral e a temática d seca. Brasília:
Centro Gráfico, Senado federal, 1985. p. 128.
97
Idem
98
Idem
99
Idem
apresentar-se”
100
. Para complicar a situação, como de costume o recrutamento passou a
ser manipulado segundo os interesses dos grupos políticos situacionistas, direcionando
e/ou indicando pessoas envolvidas e/ou ligadas como os adversários políticos e qualquer
outra pessoa que esboçasse algum tipo de desobediência frente aos desígnios do grupo
situacionista.
Após conseguir 600 novos recrutas, o Comandante das Armas, Conrado Niemeyer,
autorizou a partida da embarcação George Frederico com todos os recrutas para irem à
Cidade do Rio de Janeiro. Do número total de embarcados, morreram, ao longo do
percurso entre Fortaleza e Rio de Janeiro, o total de 274 recrutas, vítimas da varíola que
afligiu a viagem dos recrutas cearenses.
A reação a esse número de mortes foi grande e quase que imediata, levando os
repousáveis pela ação a se explicarem sobre o acontecimento. Assim, o presidente
Berford tenta explicar as medidas tomadas e as não tomadas que ocasionaram as mortes
do recrutas embarcados e mortos no mês de março de 1826, na Galera Dinamarquesa
Jorge Frederico:
Por esta correspondência verá V, Eque preveni ao comandante de armas
para marchar com prudência no apuro dos recrutas, querendo ao mesmo
tempo prevenir que o cidadão necessário á sua família não fosse arrancado
injustamente dela para ser conduzido com recruta. Providenciei, como do
documento n.6 a fim de que o cirurgião encarregado dos recrutas excluísse
aqueles recrutas que julgasse incapaz; produzindo ainda esta providência
o resultado que aparece no documento n. 7 mas infelizmente não teve
efeito a positiva ordem que ao mesmo cirurgião vocalmente havia eu dado
para que fossem vacinados em terra os recrutas, por ser a isso obstado
pelo comandante militar, que com o interesse de embarcar em um dia
100
LEAL, Vinicius Barros. História da Medicina no Ceará. Fortaleza-Ce. Secretaria de
Cultura, Desporto e Promoção Social Fortaleza, 1978. p. 49-50.
bastante chuvoso 200 destes recrutas proibiu ao cirurgião de vacinar em
terra, e nem uma vacina efetuou em conformidade da dita ordem
101
.
A estratégia do presidente Berford foi realizar uma argumentação documentada,
explicando e indicando para as autoridades os documentos em que teriam tomado as
devidas providências para evitar as mortes dos recrutas, e eximindo-se de qualquer
culpa, pois ele havia dado as ordens corretas para o cirurgião vacinar todos os
recrutados; ordens essas que não foram cumpridas pelo cirurgião, pois o chefe das
armas, Tenente Coronel Conrado Niemayer, ordenou o não cumprimento dessas ordens
dadas por Berford, visando ao embarque mais rápido de 200 recrutas, segundo a
argumentação apresentada pelo presidente Berford. Como em um jogo, a culpa e a
responsabilidade das mortes ocorridas foram passadas e repassadas ora a Berford, ora a
Corando Niemayer.
Todavia, esse grave incidente não foi o único que aconteceu, pois, do Ceará, foram
realizados ao todo 6 embarques de recrutas
102
. E as autoridades não conseguiram segurar
o espectro da morte conduzido pela varíola, pois, em agosto do mesmo ano de 1826, o
presidente recebia a confirmação de uma “grande mortandade” nos bergantins Boa
União e Imperador, que saíram do Ceará para a Corte com recrutas
103
.
101
SOUZA BRASIL, Thomaz Pompeu de. Op.Cit. p. 13.
102
Thomaz Pompeu informa que do Ceará saíram as seguintes embarcações: Nau D. Pedro
I com 750 recrutas, Bergantim D. Pedro com 250 recrutas, Sumaca Gerves com 150
recrutas, Corveta carioca com 400 recrutas, Galera Dinamarquesa Jorge Frederico 600,
Bergantim Boa União com 250 recrutas, totalizando um total de 2.630 homens enviados.
Ver:
103
Ibid. p. 14.
Segundo Thomaz Pompeu, frente a esse novo incidente, o presidente “confessa que a
falta de um cirurgião era irremediável por não havê-lo, e quanto a botica fora enganado;
quanto a peste de bexiga diz que grassava geralmente, que fora impossível evitar”
104
.
O pesquisador Vinícius Leal, em seus estudos, afirma que a situação decorrida da
omissão e negligência dos responsáveis ocasionou uma situação tal que:
Logo aos primeiros dias de viagem nos navios lotados sem qualquer
conforto ou segurança, muito apresentavam enormes pústulas bexigosas
que com o correr dos dias, sem qualquer tratamento ou cuidado,
tornavam-se de uma virulência nunca vista. Diariamente eram jogados ao
mar dezenas de corpos de jovens que encontravam assim, o repouso que
tanto buscavam naqueles dolorosos dias. Os que conseguiam chegar ao
porto de destino, Rio de janeiro, dentro de 3 ou 4 dias eram também
acometidos da doenças. Os hospitais da Corte não estavam preparados
para receber tantos enfermos daquela gravidade. Muitos morreram pelas
ruas, sem qualquer assistência
105
.
As medidas finais tomadas pelo poder Imperial para com os responsáveis foi apenas a
acusação de culpa do Tenente Coronel Conrado Niemeyer na Câmara dos deputados no
ano de 1826 e, como não foram aceitas as suas justificativas foi demitido do posto que
ocupava e considerado responsabilizado pelas mortes dos recrutas perante um conselho
de guerra, que, posteriormente, o absorveu de qualquer culpa ou responsabilidade pelas
mortes
106
.
Quanto a Berford, conseguiu se eximir de qualquer culpa, imputando-as totalmente a
Conrado Niemayer. E em 1827 passou a solicitar a dispensa do cargo, pois tinha, nas
104
Ibid. p. 15.
105
LEAL, Vinicius Barros. Op.Cit. p. 50.
106
STUDART, Guilherme (Barão de). A confederação do Equador: parte chronologica.
In: Revista do Instituto do Ceará. Tomo especial: 1
a
. Centenário da Confederação do
Equador, 1924. p. 186.
palavras do próprio, (...) ligeiras esperanças de poder brevemente regressar a minha
casa , largando um peso tão superior as minhas débeis forças (...)
107
. O pedido não foi
aceito e ao invés disso ele teve o seu cargo prorrogado. Sobre o assunto, ele voltou a se
pronunciar mais uma vez falando que “este sucesso, se por um lado me lisonjeou,
ministrando-me a idéia de que S. M. I. [Sua Majestade Imperial] não urgente
necessidade na mudança do governo do Ceará (sinal nada equivoco de que mereço
algum bom conceito)
108
. E concluiu suas considerações ao falar o aspecto negativo da
não obtenção da sua dispensa da presidência do Ceará. “Por outro lado não pode deixar
de magoar-me, vendo-me assim privado do ir cuidar em minha saúde, gravemente
arruinado, o que mais se pode arruinar em um país onde não um professor de
medicina, e na continuação de um emprego, que tantas atribuições tem acarretado sobre
meu cansado espírito”
109
.
O presidente da província, que esteve envolto com a negligência e o desinteresse pela
vida e pela morte de centenas de recrutas cearenses, pedia demissão do seu cargo
justamente para cuidar da sua própria saúde, criticando-a ainda pela ausência de
profissionais médicos para tratar da sua suposta doença.
107
Carta de Antonio de Sales Nunes Berford Apud NOGUEIRA, Paulino.Presidentes do
Ceará: 3
a
. Presidete Coronel Antonio de Sales Nunes Berford. Revista do Inistituo
Histórico do Ceará. p. 244.
108
Idem
109
Ibid. p. 245. Grifo meu
Capítulo IV
A criação do cargo de médico da pobreza
No ano de 1836, JoMartiniano de Alencar então presidente da província do Ceará
sancionou a lei que criou o chamado médico da pobreza. Contudo, antes de decretar a
referida lei, Martiniano de Alencar percorreu um longo percurso, e algumas informações
prévias sobre sua formação, suas idéias, e sua atuação política, talvez, sejam importantes
para compreender esse homem e as ações implementadas por ele.
Nasceu José Martiniano de Alencar no povoado de Barbalha, então pertencente à
Comarca do Crato, sul do Ceará, no ano de 1794, filho do negociante luso Gonçalves dos
Santos e de Bárbara Pereira de Alencar. Afeito às letras e aos estudos, foi enviado ainda
jovem ao Seminário de Olinda, instituição fundada e dirigida por Azeredo Coutinho e
considerada o berço das idéias liberais no Brasil
110
. Após conquistar o respeito e a
confiança dos membros do Seminário, foi designado a retornar ao Ceará como propagador
das idéias revolucionárias que se desenvolviam no seminário e em Pernambuco, tendo
como objetivo o levante e a participação da província cearense na revolução de 1817.
Essa revolução, idealizada e colocada em prática pela Capitania de Pernambuco, tinha
como objetivo principal, por parte dos pernambucanos, a retomada da importância
política e econômica da capitania, que na passagem do século XVIII para o século XIX
perdeu duas importantes capitanias subalternas (a do Ceará e a da Paraíba). Essas perdas
110
ALVES, Gilberto Luiz. O Seminário de Olinda. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira ;
FARIA FILHO, Luciano Mendes de (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. 3
a
. ed. Belo
Horizonte: Autentica, 2003. p. 61-78
diminuíram seu prestígio político e importantes receitas advindas dessas capitanias
111
. O
descontentamento pernambucano com as medidas adotadas pela coroa portuguesa não
era novidade, pois,
[...] desde a criação do Vice-Reinado do Brasil, em 1763, e a transferência
da sede do antigo Governo Geral para o Rio de Janeiro, os
pernambucanos sentiam-se relegados a uma posição secundária e
prejudicados economicamente, atribuindo o declínio do comercio do
açúcar à ênfase dada à exploração dos metais preciosos e a outras
atividades localizadas nas capitanias meridionais, entre elas as relações
comerciais com o Rio da Prata.”
112
Como em uma mistura explosiva o acúmulo e a junção de todos esses elementos,
ímpetos inflamados, surge o desejo de romper definitivamente com os laços de
dependência e subordinação exercidos pela Coroa portuguesa e em seu lugar, criar uma
nova realidade política administrativa coma característica de ser um governo de todos e
para todos. Com esse intuito:
Os principais atos revolucionários foram à adoção da forma republicana
de governo e a convocação de uma Assembléia Constituinte; a decretação
da liberdade de comercio, isentos de direitos os cereais, o armamento, as
munições e os objetos científicos; a emancipação do elemento servil e o
estabelecimento da liberdade de culto
113
.
Percebe-se pela passagem acima que a os desejos revolucionários não se restringiam
apenas à questão da independência política administrativa, o ideário revolucionário
111
NOBRE, Geraldo da Silva. A revolução de 1817. In: SOUZA. Simone de. (Coord.).
História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1984.
112
Ibid. p. 133.
113
Ibid.p. 131. Grifos meus.
postulava a pretensão de transformar as relações sociais como a liberdade de culto e
abolir o trabalho escravo, sem falar nos intentos separatistas propriamente ditos, dois
pontos tidos como inquestionáveis no Brasil até o advento do último quartel do século
XIX e o desenvolvimento de um bando de idéias novas, como denominou Silvio
Romero as transformações intelectuais ocorridas nas últimas décadas do século XIX.
114
.
A idéia de uma revolução animava principalmente os membros das Câmaras do Ceará
que desejavam continuamente maiores benefícios e maior autonomia. Era bem vista
mesmo pelo representante máximo da coroa portuguesa na Capitania, Manoel Inácio de
Sampaio, que se postava com um administrador esclarecido
115
, o que, seguramente,
facilitava propagação, circulação e penetração das idéias revolucionárias em entre os
habitantes da capitania cearense
116
.
Todavia, mesmo existindo um ambiente propício e favorável aos intentos
revolucionários em terras cearenses, costuma-se questionar a efetiva integração da
Capitania do Ceaneste movimento, em decorrência da não existência de uma quarta
estrela na bandeira da República de Pernambuco. Nessa bandeira estavam presentes o
arco-íris e o sol – o primeiro simbolizando a união e o segundo o sinal de novos tempos
e a aurora da liberdade. A representação das três Capitanias sob a forma simbólica de
114
Para maiores informações sobre movimento intelectual das últimas décadas do século
XIX e inicio do século XX. Ver: ALONSO, Ângela. Idéias em movimentos: A geração de
1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2002 e SCHWARCZ, Lilia K.
Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-
1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
115
Durante a administração de Manoel Inácio de Sampaio floresceu no Ceará de 1813-1814
o grupo literário Oiteiros, o qual uma dos membros era o Governador Sampaio. Os oiteiros
é considerada a primeira agremiação intelectual do Ceará. Sobre o Assunto Ver:
BARREIRA, Dolor. Historia da Literatura Cearense. Fortaleza-Ceará. Editora Instituto do
Ceará Limitada, 1948. p. 67-73.
116
NOBRE, Geraldo da Silva. Op.Cit.
três estrelas (uma representando Pernambuco, outra representando a Paraíba e a última
estrela representando o Rio grande do Norte)
117
dificultava a possibilidade de inclusão
da Capitania do Ceará.
Apesar da falta de maiores esclarecimentos referentes à suposta não integração do Ceará
no movimento revolucionário de 1817, o certo é que na área sul do Ceará, mais
exatamente no Cariri, a bandeira da revolução foi levantada de forma inconteste.
Ressalta-se a ativa participação da família Alencar, resultando a prisão de membros da
família e o confisco dos seus bens.
Quando ganham corpo as ações dos revolucionários, a coroa portuguesa começou a
repreender os partícipes da revolução e, ao perceber a dimensão e as possíveis
conseqüências dos acontecimentos, o governador do Ceará tratou de se posicionar
energicamente contra a revolução e a rechaçar os cearenses envolvidos com esse
movimento. Coube ao governador executar a contra-revolução. A tão desejada
“República de 1817, no Ceará teve a efêmera vida de oito dias 3 a 11 de maio, não
passando sua ação das vilas de Crato e Jardim. Em Pernambuco ela durou 75 dias”
118
.
Martiniano de Alencar e os defensores do movimento transformador não alcançaram
o seu intuito, e os espíritos revolucionários foram rapidamente controlados, especialmente
os membros da família, Alencar a progenitora da família, Bárbara de Alencar, o filho
Tristão de Alencar e o filho mais novo José Martiniano de Alencar foram presos, tratados
de forma severa por crime contra a Coroa e conduzidos, após penosas viagens, a prisões de
Fortaleza, Pernambuco e posteriormente da Bahia.
117
Idem
118
ARAÚJO Ariadne. Bárbara de Alencar. 2ed. Fortaleza Edições Demócrito Rocha, 2000,
p. 21.
Com o passar dos anos, todos os envolvidos nos atos revolucionários de 1817, que
ainda encontravam-se vivos, foram anistiados. Martiniano de Alencar estava na Bahia, e
obteve, então, a possibilidade de retorno a sua terra natal. De volta ao Ceará, Martiniano de
Alencar foi eleito 1
o
. suplente das eleições de dezembro de 1821, isto é, das eleições para
deputados das Cortes Portuguesas para a elaboração de uma nova constituição. O deputado
eleito foi José Ignácio Gomes Parente, mas, por motivo de doença, o escolhido do povo não
pode fazer parte das Cortes. Martiniano de Alencar, como substituto natural, foi designado
para ser um dos deputados brasileiros das Cortes Portuguesas.
A tensão e as divergências entre os interesses brasileiros e portugueses, após o inicio
das atividades das Cortes, desencadeou o descontentamento dos brasileiros, que se viam
diante da possibilidade de retorno da situação de dependência política e econômica do
Brasil frente a Portugal. Como forma de protesto, vários representantes brasileiros,
incluindo-se dentre eles Martiniano de Alencar, abandonaram as cortes de Lisboa fugindo
para Falmouth, na Inglaterra, onde publicaram um manifesto explicando os motivos que os
levaram a essa decisão.
A tensão entre portugueses e brasileiros também reverberava em terras brasileiras, e
em setembro de 1822, o Brasil obtém a independência. D. Pedro I convoca uma
constituinte para a nova nação. E, novamente, foi Alencar escolhido como representante
cearense. Entretanto, a elaboração da constituição brasileira não foi concluída, pois D.
Pedro I dissolveu a constituinte e em seguida outorgou a constituição
119
.
A dissolução da constituinte brasileira desencadeou o descontentamento de vários
grupos políticos no Brasil. Mas, em Pernambuco, essa insatisfação com as ações de D.
119
Ver: MOREL, Marcos. O período das Regências, (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed. 2003. (Descobrindo o Brasil).
Pedro foram rapidamente canalizadas para se levantar a Confederação do Equador,
movimento de cunho separatista que tinha como objetivo constituir um novo país, fruto da
união das províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio grande do Norte e Ceará.
Sete anos após a revolução republicana de 1817, O leão do norte
99
se levantou mais uma
vez para tentar, novamente, se separar do restante do Brasil e implantar a República sob
o estandarte da autodenominada Confederação do Equador. Diferentemente da
revolução anterior, de 1817, “em 1824 não se tratava da contradição de interesses
coloniais e metropolitanos [...]”
120
, o fechamento da Assembléia Constituinte em
novembro de 1823 e a outorga da constituinte de 1824 desencadearam
descontentamentos, principalmente nas províncias do Norte, que viam como única
alternativa aos atos arbitrários de D. Pedro I a separação política e a implementação
imediata do sistema republicano.
As ações de D. Pedro I também repercutiram no Ceará. O descontentamento de muitos
cearenses com o fechamento da Assembléia Constituinte e a imposição de uma
constituição foi, aos poucos, desencadeando a não aceitação dessa situação,
principalmente nas vilas de Quixeramobim, Crato e Aracati, e despertando a simpatia de
outras vilas cearenses que também não estavam satisfeitas com a situação. Tal fato
favoreceu a penetração das idéias revolucionárias que pululavam, especialmente na área
sul do Ceará, no Cariri, área de influência histórica de Pernambuco, pelas relações
fronteiriças entre as duas Capitanias, pela existência de numerosas famílias descendentes
99
Designação metafórica utilizada para se referir a Pernambuco.
120
ARAÚJO, Maria do Carmo R. A participação do Ceará na Confederação do Equador.
In: SOUZA. Simone de. (Coord.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito
Rocha, 1984.
de pernambucanos que povoaram a região e pela intensa relação econômico-comercial
existente entre as duas partes
121
.
A configuração esboçada na época propiciou ao ambiente político do Ceará uma grande
ebulição, mormente, após a nomeação do cearense ligado ao comércio e que havia sido
deputado da Assembléia Constituinte, Pedro Joda Costa Barros, para ocupar o cargo
de Presidente da província, o que acabou não se concretizando em decorrência de um
decreto do Imperador afirmando o contrário
122
. A época da nomeação de Costa Barros,
ocupava o governo provisório da província uma junta
123
que redigiu um manifesto e
protestou contra as ações do Imperador e ainda manifestou repúdio pela prisão de
Cipriano Barata
124
.
Em meio à tensão crescente entre os pontos discordantes da Junta provisória e as ações
do Imperador, a Câmara de Fortaleza destituiu a Junta provisória e efetivou a posse de
Costa Barros. Daí por diante, Tristão de Alencar e Pereira Figueiras passaram a postular
a retomada do poder sob os auspícios da flâmula da Confederação do Equador.
Costa Barros buscava neutralizar as investidas dos oposicionistas ao seu governo e
sugeriu até a fortificação da fronteira cearense com Pernambuco, objetivando neutralizar
as influências rebeldes advindas de Pernambuco, mas não conseguiu efetivar o seu
intento.
121
ARAÚJO, Maria do Carmo R. Op.Cit.
122
Idem
123
A referida Junta era presidida pelo Padre Francisco Pinheiro Landim e composta por
Tristão Alencar, Padre Vicente José Pereira, Miguel Antonio a Rocha Lima e Joaquim
Felício de Almeida e Castro, e como comandante de armas José Pereira Filgueiras.
124
ARAÚJO, Maria do Carmo R. Op.Cit.
Pressionado por Filgueiras e por Tristão, e com a crescente simpatia popular angariada
pelos defensores da Confederação do Equador, o Presidente Costa Barros se demite do
cargo. Com a saída de Costa Barros, foi organizado um novo governo que teve como
presidente Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e como chefe das armas José Pereira
Figueiras
125
.
Contudo, a repressão imperial não tardou, enviando para o Ceará tropas sob o comando
de Thomas Chochrane, no momento em que Pereira Filgueiras estava dirigindo sua
tropa para o Recife e Tristão de Alencar Araripe dirigia-se para o Aracati, onde havia
tropas imperiais concentradas. Na ausência dos principais chefes revolucionários,
assumiu o poder o Vice-Presidente José Felix de Azevedo e Sá que, ao perceber as ações
de represália do governo imperial, tratou de abandonar os companheiros de revolução. A
mesma atitude também foi realizada por Luiz Rodrigues Chaves, que fora enviado a
Pernambuco para reunir-se com o chefe da Confederação, Paes Barreto, e, encontrando
o poder imperial restaurado, também abandonou os companheiros e ainda foi
encarregado de realizar a contra-revolução.
A Confederação do Equador e a República no Ceará terminaram entre a repressão
Imperial e a virada de casaca dos antigos revolucionários. Tristão de Alencar Araripe
não aceitou se entregar e lutou até a morte e Pereira Filgueiras depôs suas armas no
Crato e faleceu a caminho do Rio de Janeiro, onde ficaria preso.
Neste novo levante revolucionário, Alencar e sua família novamente estavam
diretamente envolvidos. E novamente as forças governistas conseguiram evitar os
intentos revolucionários e garantir a integridade político-administrativa e geográfica do
125
Idem
Brasil. Alencar foi preso por envolvimento na revolução
126
e o seu irmão, Tristão de
Alencar Araripe, um dos principais líderes da Confederação do Equador no Ceará, foi
morto em confronto com as tropas governistas.
Preso pela segunda vez, Alencar consegue, nos anos finais da cada de 1820, o que
muitos considerariam algo impossível, isto é, pela segunda vez ele foi beneficiado com a
anistia dos seus atos. No entanto, se Alencar foi posteriormente agraciado com a liberdade
e o “perdão” dos seus atos, os demais participes envolvidos nos atos revolucionários não
gozaram desta situação, um dos acontecimentos que marcaram as recordações do Professor
Ximendes Aragão, que viveu e presenciou os acontecimentos no “calor da hora”, assevera
que:
Quanto mais se passavam os meses do desgraçado ano de 1825, mais se
aumentavam os sofrimentos do mísero povo de Sobral, e de seu termo.
Por um lado eram devorados pela fome; por outro perseguidos com
prisões; a peste de bexigas[varíola] matava por outro; a roda de pau” não
fez menos estrago nesses miseráveis
127
.
Continuando a sua assertiva sobre o período, a testemunha dos acontecimentos nos
informa que:
126
Após a prisão de Alencar, ele foi conduzido á Bahia e posteriormente ao Rio de Janeiro.
No intervalo dessas viagens, ele escreveu e publicou em Minas Gerais uma defesa contra a
acusação de que teria participado da Confederação do Equador. Sobre o assunto Ver:
NOGUEIRA, Paulino. Presidentes do Ceará: 8ª. presidente Jo Martiniano de Alencar.
Revista do Instituto Histórico do Ceará. Tomo: XIII.
127
ARAGÃO, Manoel Ximendes. Memórias. Revista do Instituto Histórico do Ceará,
Tomo XXVII, p. 80. No final das memórias do dito Professor, os responsáveis pela
publicação da Revista do Instituto do Ceará informam que o professor foi “encontrado” por
João Brígido dos Santos, também responsável pela escrita ou transcrição das informações
prestadas pelo professor. Consta ainda que, Capistrano de Abreu tomou conhecimento deste
material e o solicitou para o IHGB onde também foi publica na revista do desta instituição.
Seja como for, certo é que em 1825, no Sobral, a crueldade doa gentes do
governo, ou encarregados da polícia imperou por um modo inexplicável.
Para prova disto, basta dizer-se que pelo mais leve crime, e às vezes por
um falso testemunho, sem formalidade alguma, pegava-se qualquer
miserável e metia-se na roda-de-pau, e quando ele, por desfalecido, não se
podia ter mais em pé, debruçava-se por cima de uma granadeira pegada
por dois soldados nas extremidades dela, e nesta posição agoentava
chibata, até quando os algozes queriam, acontecendo muitas vezes que o
padecente estava no outro mundo, há alguns minutos, e ainda se
malhava nas cortas
128
.
Mais à frente, dando seqüência a sua assertiva sobre a violência livremente pratica da
sob os atos institucionais dos representantes do poder, o Professor Ximendes continua
relembrar que:
Muitos destes infelizes inda que não morressem nos açoites, ou algumas
horas depois, ficavam de cama por muitos dias. Tal aconteceu com Marçal
da Costa, homem de 60 anos, aquém sua mulher, por má denúncia a
maltratava, e o pobre velho quase morre nos açoites cujas costas não
ficaram com o couro com que nasceu. Essas sentenças eram, executadas
sem apelo nem agravo, nem valimento qualquer pessoas por mais grande
que fosse.
De libambos de presos não se fala; por que eram muitos os que seguiam
para a Capital, sendo a maior parte deles compostos dos matadores de
patriotas, de que acima falei
129
.
E, por fim, Ximendes Aragão termina o seu relato memorial informando da participação
de mais um personagem nesta triste história.
128
Ibid. p. 80-81.
129
Ibid. p. 81.
Dizia se haver um homem em Sobral, a quem davam o nome de
CIRURGIÃO, que ia tomar o pulso ao padecente debruçado sobre a
granadeira e dizia “ainda agüenta tantas chibatadas!...” quando ele as
vezes não durava mais muitos minutos!!!
130
As informações prestadas pelo professor Aragão são indícios importantes para
compreendermos as situações vivenciadas pelos habitantes da Província nas décadas
iniciais do século XIX. Elas chamam a atenção para práticas como a violência estatal e
tortura assistida por pessoas conhecedoras dos aspectos médicos e dos processos de
cura, como no caso do cirurgião acima mencionado, que se postava a trabalhar
assistindo os agentes de tortura em seus atos criminosos.
Retornando as considerações referentes à vida de Martiniano de Alencar, a aurora do
dos anos de 1830 trazem a eleição de Alencar como deputado por duas distintas províncias,
pelo Ceará, sua terra natal, e por Minas Gerais. Optou por assumir o cargo como
representante de sua terra natal. Dois anos depois, Alencar deixou o cargo de deputado para
assumir o cargo vitalício de Senador do Império. E, em 1834, ele assumiu o cargo de
presidente de província do Ceará, ficando neste cargo de 1834 até 1837. Posteriormente
voltou a ficar a frente do mesmo cargo de 1840 a 1841.
Ainda que um tanto quanto cansativo, as informações mencionadas acima nos
oferecem uma visão geral das atividades políticas desenvolvidas por Alencar ao longo de
sua vida política, ressaltando suas atividades durante a sua juventude, o seu envolvimento e
de sua família com as idéias e os movimentos separatistas de orientação republicana, a
eleição para as Cortes Portuguesas, sua saída para a Inglaterra, a eleição ao senado e a
nomeação por duas vezes ao cargo de presidente do Ceará.
130
Idem Grifo do original.
A visão de mundo ampla e abrangente desenvolvida por Alencar foi forjada em casa e
lapidada no Seminário de Olinda. Este seminário, reconhecido à época como um dos
principais estabelecimentos de ensino até a segunda metade do século XIX no Brasil,
oferecia aulas que incluíam em sua grade de estudos: gramática, latim, retórica, poética,
filosofia, teologia, grego, francês, história e cronologia, geometria, física, história natural e
desenho, isto é, um conjunto dos mais elevados conhecimentos existentes na época e
disponíveis aos alunos da instituição
131
.
Seguramente, todos esses elementos presentes na trajetória política e pessoal de
Alencar foram por demais marcantes em sua vida. Em especial, o seu irmão Tristão e sua
mãe Bárbara, defensores e partícipes dos movimentos que aspiraram a forjar uma outra
realidade. Tristão pagou com a morte a defesa dos seus ideais, mãe e filho (Bárbara e
Martiniano de Alencar) arcaram com os maus tratos impingidos aos presos políticos e com
detenção em diversas prisões, sob as piores condições.
Passada a onda revolucionária, Alencar tornou-se o principal chefe do partido liberal
no Ceará e, em 1832, foi eleito Senador. Na Corte, vinculou-se ao grupo político de
orientação liberal, tornando-se um dos mais respeitáveis líderes desse partido no Brasil. Na
política, fez aliados da envergadura de Diogo Antônio Feijó. Quando este foi nomeado
regente do Brasil, Alencar foi designado para ser o presidente de província do Ceará, em
1834.
À frente de sua província natal, a gestão iniciada em 1834 foi confirmada por mais
três anos, findando em 1837. A administração de Alencar foi marcada por uma política de
cunho liberal, como era de se esperar do chefe deste partido na província, mas com
131
AZEVEDO, Fernando de. A Transmissão da Cultura. São Paulo, Melhoramentos;
Brasília, INL, 1976. p. 66.
características bastante diferenciadas das administrações usuais praticadas pelos políticos
de sua época e pelos seus sucessores no comando administrativo da província cearense.
Alencar desenvolveu um conjunto de ações que tinham como caráter central equipar a
província dos meios necessários para o seu progresso físico, material, pessoal e intelectual.
Dessa forma, na administração Alencar, foram implementadas várias ações
132
:
A) Dotou a cidade de Fortaleza de iluminação de azeite;
B) Estabeleceu na mesma cidade o abastecimento de águas por meio de chafarizes;
C) Apresentou proposta de lei para criação um liceu no Ceará
133
;
D) Contratou trabalhadores europeus para desenvolverem e ensinarem seus ofícios no
Ceará;
E) Iniciou a vinda de trabalhadores imigrantes para o Ceará;
F) Importou máquinas para estimular a produção cearense
134
;
G) Aprovou lei destinando verbas para a tentativa de aclimatação de novas espécies
animais na Província
135
;
132
Optei por fazer uma sínteses das informações contidas nas obras que se seguem. Ver:
ARARIPE, J. C. Alencar, o padre rebelde. 2. Edição. Fortaleza: UFC/Casa de José de
Alencar/ Programa Editorial, 1995; FARIAS, Airton de. Senador Alencar. Fortaleza:
Edições Demócrito Rocha, 2000; GIRÃO, pequena História do Ceará. 3. Edição. Fortaleza:
Secretaria de Cultura e Desporto, 1984; MOTA, Francisco Assis Souza. Presidente
Alencar: origens do ceará moderno. Revista da Sociedade Cearense de Geografia, 1998. p.
10-39.
133
A idéia de implantação de um Liceu no Ceará se concretizou muitos anos depois, isto é,
no ano de 1845.
134
Máquinas de descaroçar algodão, descascar café, de debulhar milho, de moer, espremer
e peneirar mandioca, de fazer manteiga, além de arados, cultivadores e grades de campo.
135
Anos antes da Comissão Científica de Exploração trazer camelos para testar a
viabilidade de adaptação desses animais nas terras semi-áridas do Ceará, José Martiniano
de Alencar aprovou uma lei tinha para o mesmo fim. Porém, com a renuncia de Alencar do
cargo de Presidente da Província em 1837, a referida lei logo foi derrubada e a vinda dos
camelos acabou não acontecendo, nos anos finais da década de 1850 os camelos seriam
“experimentados” no Ceará.
H) Ofereceu recompensas fiscais para os proprietários de terras que construíssem
açudes
136
;
I) Reprimiu intensamente o tráfico interprovincial de escravos e de mercadorias;
J) Combateu o banditismo e os foragidos da lei na província;
K) Criou uma instituição bancária para o estímulo econômico da província
137
;
L) Dotou a província da Secretaria de Governo; da Secretaria de Polícia e da Seção da
Repartição da Fazenda provincial; e
M) Estabilizou as contas da província; aumentou o arrecadamento fiscal.
Pelo conjunto de suas ações durante o período em que esteve como representante
máximo da administração na sua província natal, Alencar é considerado por muitos
pesquisadores como o maior administrador que o Ceará teve em todos os tempos
138
.
Ufanismos à parte, os pontos mencionados acima não deixam dúvida quanto à amplitude
e à envergadura das medidas implementadas pela administração de Alencar. Porém,
pode-se ainda agregar um ponto que usualmente os pesquisadores não incluem no rol
das medidas da administração encetadas pelo Presidente da província. Entretanto,
seguramente, esse ponto ausente foi tão ou mais importante do que os anteriormente
listados, isto é, a contratação dos serviços médicos para preencher o posto de Médico da
Pobreza no Ceará.
136
As gratificações oferecidas pelo governo para os que construíssem açudes, era as
seguintes: 10$000 por braça de extensão nos açudes de pedra e cal, e 5$000 nos açudes de
terra.
137
Consta ser este o segundo banco instalado no Brasil. O primeiro foi instalado por iniciativa de Dom João VI, quando a Família Real
portuguesa se estabeleceu na cidade do Rio de Janeiro.
138
Raimundo Girão chega a falar que: “Esculpem-se no pedestal granítico da gestão do
Padre José Martiniano de Alencar um sem conto de outras iniciativas, que o consagram,
sem favor, o maior dos homens de governo no Ceará, em todos os tempos”.
A criação do cargo de médico da pobreza compartilha uma junção de elementos
passados e presente no sinuoso percurso pessoal e político da vida do Presidente da
província. Assim, no seminário, aprofunda-se no conhecimento da palavra de Deus e no
respeito ao próximo. Ainda no seminário, vincula-se às idéias e a Filosofia das Luzes, e, ao
assumir o governo da sua província natal, destaca-se por pôr em prática na realidade esses
elementos teóricos. Em outras palavras, no caso especifico do médico da pobreza, havia
uma longa tradição no continente europeu de auxílio e proteção aos pobres, amplamente
apoiada pela igreja e pelos bons costumes da época. Some-se a isso a repercussão das
faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, e todo o esforço de
institucionalização e afirmação que o saber médico pleiteava desde o fim do Proto-
medicato, em 1828, com o intuito de desqualificar os demais profissionais de curar e as
suas medicinas diversas. Como um dos membros mais influentes do partido liberal no
Ceará e no Rio de Janeiro, certamente muitos médicos integravam os quadros políticos que
professavam a orientação política liberal, o que, de certa forma, permitia a Alencar estar
ciente dos acontecimentos e interesses médicos
139
.
Eis então alguns elementos que podem nos ajudar a compreender a criação do cargo de
médico que, posteriormente, pela adjetivação usual dos populares, acabou ficando
conhecido e instituído como médico da pobreza.
Antes, porém, da criação do novo cargo, fez-se necessário extinguir o cargo ocupado
pelo cirurgião-mor da província.
139
Marcos Morel informa que a sociedade brasileira no período das regências apresentava 4
divisões, e que os profissionais liberais, os quais um grande número eram simpatizantes ou
faziam parte dos quadros do partido liberal. Ver: MOREL, Marcos. O período das
Regências, (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2003. (Descobrindo o Brasil).
Art.1. Fica suprimido o emprego de cirugião-mor da província.
Art.2. O ordenado do atual cirurgião-mor será conservado durante a sua
vida.
Art.3. Ficam revogadas todas as leis e disposições em contrário
140
.
A extinção do emprego de cirurgião-mor pela sanção da lei acima citada nos leva a
supor que tal acontecimento ocorreu em virtude da impossibilidade e/ou de uma nova
orientação profissional exigida aos praticantes da arte de curar, isto é, a obtenção do título
de Doutor em Medicina, auferido pelas Faculdades do Rio de Janeiro ou da Bahia,
principalmente após o término do protomedicato e a “cruzada” levantada pelos médicos
brasileiros contra a tradição de cirurgiões herdada da antiga Metrópole
portuguesa
141
,ocasionando, dessa forma, a não continuação das atividades desenvolvidas
pelo cirurgião-mór. Dai, a mesma lei que autorizou a extinção do cargo também garantia ao
último cirurgião que desempenhou as suas funções, o recebimento dos valores ganhos
quando ainda desenvolvia atividades inerentes ao seu emprego, até o seu falecimento,
beneficiando-o com o recebimento do ordenado “durante a sua vida”.
Não nos foi possível confirmar se a inferência realizada nas linhas acima
corresponderam à realidade, pois nem o nome do referido cirurgião é mencionado pela lei.
Uma tentativa de se obter maiores informações a respeito desta questão é o estudo dos
relatórios dos presidentes de província, local instituído pelo poder Imperial para a
apresentação da situação das províncias brasileiras. Observando o relatório apresentado por
140
Lei número 55 de 26 de Setembro de 1836. Sancionada pelo presidente José Martiniano
de Alencar. Parte. I. p. 57. In: Compilação das Leis do Ceará compreendendo os anos de
1835 a 1861. Pelo Dr. José Liberato Barroso. Seguida de um índice alphabetico pelo
mesmo autor. Tomo I. 1835-1846. Rio de Janeiro. Typographia Universal de Laemmert.
S/d.
141
Sobre o assunto Ver:
PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes
de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos. Hist. cienc. Saúde-
Manguinhos, 2004, vol.11, supl.1, p. 67-92; E da mesma autora. Barbeiros- sangradores e
curandeiros no Brasil (1808-28). Hist. cienc. Saúde-Manguinhos, Out. 1998, vol.5, no.2,
p.349-374
J. M. de Alencar, relativo às atividades desempenhadas no ano administrativo de 1836, vê-
se que Alencar comenta diversos pontos, como; aspecto da justiça, da casa de correção,
guarda nacional, força policial, instrução pública, obras públicas, repartição eclesiástica,
finanças, comércio
142
. No referido relatório, Alencar não elaborou nenhum comentário
sobre as atividades médicas na província; não falou sobre as atividades desempenhadas
pelo cirurgião-mor ou sobre suas eventuais atividades ao longo do ano, muito menos, se a
província foi acometida por alguma doença no referido ano. Mediante a ausência de
informações no relatório do Presidente da Província referente aos aspectos médicos nos
anos de 1836 e 1837, período que iniciou a publicação dos relatórios dos presidentes, e que
a província esteve sob o comando de Alencar, somos levados a acreditar que, nos anos de
36 e 37 do século XIX, não houve nenhum fator considerável que merecesse destaque ou
uma atenção especial por parte do Presidente da Província. Parte daí a inferência de que a
situação estava enquadrada dentro dos limites considerados como normais.
Porém, porque o emprego de cirurgião–mor estava sendo extinto? Quais os motivos
que levaram o Presidente da Província a tomar essa decisão? As atividades relacionadas à
prática de cura na província iriam ficar desprovidas?
Retornando aos escritos apresentados por Alencar perante a Assembléia Provincial,
ficou bem delineada a necessidade de contração de alguns profissionais não existentes no
Ceará
143
, mas o serviço profissional desejado com maior imensidade pelo Presidente da
Província, por carência de pessoas habilitadas e por grande utilidade que ocasionariam os
seus trabalhos, era precisamente:
142
Falla com que o Exm.
o
Prezidente da Província do Ceará Abrio a Segunda Sessão
Ordinária Da Assembleia Legislativa Da Mesma Província no dia 1
a
. de Agosto de 1836.
143
O presidente da província também fez referencias a necessidade de professores para a
instrução púbica, de trabalhadores mecânicos, a sugere a de implementação de uma política
de colonização para a província.
[...] um Engenheiro de talento que venha viajar por toda a extensão da
província [...], arbitrando-se em conseqüência uma quantia suficiente para
mandar engajar um Engenheiro [...] ainda mesmo que seja Estrangeiro,
quando se não encontre nacional
144
.
Na ausência de grandes complicações político-sociais e sem maiores problemas na
área da saúde, somos levados a acreditar, pelas palavras, ou melhor, pela ausência de
determinadas palavras, que o desejo e a possibilidade de “instrumentalizar” a província
com estradas, pontes, açudes dentre outras obras eram as opções mais viáveis para o
desenvolvimento provincial, aos olhos do gestor cearense.
A apresentação do referido relatório foi realizada no dia 1
a
. de agosto de 1836. A
extinção do cargo de cirurgião-mor foi concretizada pala lei de 55 de 26 de setembro de
1836. Portanto, quase dois meses depois do relatório apresentado na Assembléia Provincial,
o então cirurgião-mor seria aposentado, o seu cargo extinto definitivamente, deixando,
muito provavelmente, em aberto o oficio e as atividades institucionais de cura e tratamento
destinados aos enfermos na província.
A súbita extinção do emprego do profissional destinado, unicamente, ao tratamento
dos enfermos no Ceará poderia ocasionar graves conseqüências, pois o aparecimento de
uma simples epidemia poderia ceifar milhares de vidas. Ciente das possibilidades e atento à
necessidade de contratação de serviços profissional nesta área, o presidente da província
sancionou no ano de 1837 a seguinte lei:
144
Falla Com Que o Exm.
o
Prezidente da Província do Ceará Abrio a Segunda Sessão
Ordinária Da Assembleia Legislativa Da Mesma Província no dia 1
a
. de Agosto de 1836. p.
6.
Art.1. O governo fica autorizado a mandar engajar um engenheiro
nacional ou estrangeiro, marcando-lhe uma gratificação razoável que
compense o trabalho de viajar na província.
Art.2. Se o engenheiro for nacional a gratificação será menor, atendendo
ao soldo que percebe de sua patente.
Art.3. Fica igualmente autorizado para mandar engajar um doutor em
medicina para vir residir nesta capital, oferecendo-lhe o ordenado anual de
1:200$000. pagos mensalmente pelos cofres da província.
Art.4. O médico assim engajado será dirigido a curar grátis a pobreza e os
presos pobres, e juntamente a dar impulso a vacina, de acordo com o
cirurgião a quem se cometer este trabalho
145
.
Eis então que, conjuntamente ao desejo de “engajamento” de um engenheiro, como
havia sido anunciado na fala anteriormente apresentada, no inicio de 1837, o Presidente e
os membros da Assembléia decidiram por, também, engajar” um médico advindo dos
bancos da academia de medicina para atender a demanda existente, para residir e tratar os
enfermos existentes na capital. Quanto ao “engajamento” desses dois profissionais, chama
a atenção que, enquanto o engenheiro era desejado e solicitado desde o inicio do ano de
1837, na referida lei não havia o valor da “gratificação” mensal a ser paga a esse
profissional. Mas para o médico, porém, mencionado o valor da gratificação e quem iria
efetuar o pagamento dos vencimentos do referido o médico, assim como algumas
indicações de quais e para quem deveriam ser as atividades desempenhadas pelo médico,
aponta também um dos locais onde o esculápio deve desenvolver suas atividades recém
contratadas.
Vemos então que a formação dos quadros institucionais da província cearense buscou
assimilar as transformações políticas e administrativas referentes à qualificação dos
145
Lei número 106 de 5 de Outubro de 1837. Sancionada pelo presidente JoMartiniano
de Alencar. Parte. I. p.124. In: Compilação das Leis do Ceará compreendendo os anos de
1835 a 1861. Pelo Dr. José Liberato Barroso. Seguida de um índice alphabetico pelo
mesmo autor. Tomo I. 1835-1846. Rio de Janeiro. Typographia Universal de Laemmert.
S/d.
profissionais contratados para a formação do se quadro burocrático. Mesmo sem possuir
um centro formador de profissionais, como as províncias da Bahia e do Rio de Janeiro,
onde estavam localizadas as duas únicas faculdades de medicina da época, a província
cearense institucionalizou, por meio de uma lei, o “engajamento” de um profissional
detentor do título acadêmico de Doutor em medicina, expedido por uma das faculdades em
funcionamento no país. Desta forma, “A boa medicina deverá receber do Estado
testemunho de validade e proteção legal”, o que resultaria para o pensador francês “por isso
mesmo [...] um controle sobre esses médicos: impedir os abusos, proscrever os charlatões,
evitar, pela organização de uma medicina e racional, que os cuidados a domicílio não
fizessem do doente uma vítima e não expusessem ao contágio os que o cercassem”
146
.
Entretanto, a diferença entre a divulgação de informações pormenorizadas para o
preenchimento do cargo de médico e a ausência de informações mais detalhadas para o
preenchimento do cargo de engenheiro da província, suscitam indagações sobre a natureza
dessa desigualdade de tratamento perante essas duas profissões imperiais: Seriam elas
frutos diretos dos aspectos político-administrativos daquele momento, fruto das
contingências momentâneas? Questões como essas são boas para se pensar!
No relatório de 1837, como foi comentado, não havia indicativos sobre a atuação
do novo “engajado”; porém, somente um ano após, na fala do presidente do ano de 1838,
foram tecidas as primeiras considerações referentes à situação da “Saúde Pública”
147
.
Discorrendo sobre a situação provincial, o então presidente nos informa que:
146
FOUCAULT, Michel. Espaços e classes. In: O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro.
Editora Forense Universitária. 1977. Ver a nota 54 deste trabalho.
147
Termo presente e utilizando em grande parte dos documentos de época consultados.
Felizmente a bexiga que desde o ano passado tantos estragos tem feito em
algumas províncias do Império, respeitou, e, para evitar que sua visita nos
seja gravemente fatal, continuarei a empregar todos os meios ao meu
alcance para propagar a vacina, e no orçamento encontrarei quantia
indicada para esse fim. Diferentes moléstias intermitentes e em maior
número que nos anos pretéritos, se manifestaram na cidade, causando não
pequena mortandade principalmente a crianças
148
.
A doença denominada bexiga, atualmente conhecida como varíola, se encontrava
de forma endêmica na província cearense. Contudo, de tempos em tempos, apresentava-se
de forma epidêmica, daí a necessidade de “evitar que a sua visita nos seja gravemente
fatal”, restava como precaução, nas palavras do presidente, “empregar todos os meios ao
meu alcance para propagar a vacina”. Mas mesmo com toda a vontade e os esforços
conjuntos do Presidente da Província e da assembléia era muito difícil evitar determinadas
posturas, ou a ausência da postura desejada, como:
Tem chegado da Corte e a meu pedido de Pernambuco, Maranhão, e
diretamente da Inglaterra diferentes porções de pus, que distribui a alguns
Professores da Cidade, em vão se esforçaram [sic], vacinando um grande
número de pessoas, vencendo os prejuízos de alguns Chefes de Família
contra esse grande preservativo de uma das maiores epidemias, que ceifa o
148
Falla Que Recitou o Exm.
o
Sr. Felisardo da Souza e Mello. Presidente da Província Na
Ocasião da Abertura da Assembleia Legislativa no 1
a
. de Agosto de 1838. p. 5.
gênero humano: em nenhum dos vacinados apareceram as respectivas
pústulas
149
.
De pronto, após a leitura da passagem acima, irrompe a pergunta: Quem eram os
“professores” autorizados pelo poder público a realizarem vacinação mesmo com a
oposição dos “chefes de família contra esse preservativo”? Haveria distinção entre os
trabalhos e afazeres voltados para a saúde, frente os trabalhos de outros profissionais, como
o trabalho vacina de realizado pelos professores?
Possivelmente havia uma diferenciação marcante entre os chamados professores,
pessoas instruídas ou profissionais habilitados ao desenvolvimento das atividades dicas.
Na citação essa distinção não se faz tão nitidamente, mas com a leitura das fontes e a
recriação da ordem dos acontecimentos, torna mais nítida a existência de uma
especificidade no oficio médico, pois, caso esse não existisse, o presidente e a câmara não
iriam sancionar uma lei determinando a necessidade de se empregar uma pessoa com
conhecimentos médicos obtidos e referendados por uma instituição universitária.
Uma outra “pista” possível para o entendimento de algumas das questões acima
comentadas é, novamente, uma outra passagem contida na fala do presidente da província
no tópico saúde pública, presente no relatório de 1838, em que ele fala:
Sendo a cidade habitada por um grande mero de pessoas indigentes, a
Legislatura passada decretou o engajamento d’um Doutor em Medicina
149
Idem
para curar a pobreza; mas faltando a essas quantias para medicamentos
[sic], de pequeno proveito vem a ser o Professor
150
.
Frente à necessidade de dar conta de uma grande demanda de pessoas desprovidas
das mínimas condições de sobrevivência, e mediante a eminência de epidemias adentrarem
o território cearense, era necessário um esforço que envolvesse não o trabalho do recém
nomeado médico da pobreza, daí, a solicitação de outras pessoas, os professores, como o
defendido pelos representantes do Governo Imperial na Província, para realizarem ações de
cunho preventivo, como a vacinação. Mas, além do grande número de pessoas carentes, um
outro problema que se apresentava era a falta de dinheiro para a aquisição de medicamento
para o tratamento dos doentes pelo médico da pobreza. Diante dessa realidade, o presidente
chega a afirmar, um pouco incrédulo, que “de pequeno proveito vem a ser o professor”.
Contudo, mesmo com a constatação, um pouco tardia, de que além do médico era
necessária uma reserva de recursos destinada para se ordenar a confecção e/ou aquisição de
remédios para o tratamento dos enfermos acometidos por diferentes enfermidades, em
agosto de 1838, é sancionada a seguinte lei:
Art.1. Fica confirmado no lugar de Médico da Pobreza desta província
José Lourenço de Castro e Silva, nomeado interinamente pelo presidente
da província.
150
Ibid.p.6.
Art.2. O engajamento, de que trata o art. 4 da lei Provincial de 5 de
outubro de 1837, será por espaço de quinze anos, e findo este tempo de um
exercício não interrompido, julgando o presidente da província ser ainda
conveniente a prestação dos serviços do engajamento, poderá dilatar
aquele prazo por mais cinco anos.
Art.3. Se o engajado não puder continuar no exercício do seu lugar, por
grave moléstia nele adquirida, será aposentado com metade do ordenado,
tendo pelo menos dez anos de exercício.
Art.4. O engajado residirá nesta cidade, e terá por obrigação o seguinte:
§ 1ª. Receitar e curar a todos as pessoas pobres, inclusive os presos, que
também forem pobres, receitando-os por um formulário [ou fora dele,
quando julgar conveniente], que deverá apresentar á câmara municipal
desta cidade para esta contratar com um boticário, que por menos o fizer.
§ 2ª. Visitar os doentes, se for necessário, todos os dias, sendo além disto
encarregado da vacina, com exclusão de outro qualquer facultativo.
§ 3ª. Comunicar, no fim de cada mês, ao presidente da província, e
publicar pela imprensa, sendo possível, o número das pessoas que
experimentam o seu curativo e o bom ou mão resultado dele.
Art. 5. Ficam revogadas as disposições em contrario e a Lei de 5 Outubro,
na parte somente que se opuser à presente lei
151
.
151
Lei número 133 de 31 de agosto de 1838.Publicada pelo presidente da assembléia João
Facundo de Castro Menezes, em virtude do art. 19 do Acto addicional. pp. 167-168. In:
Compilação das Leis do Ceará compreendendo os anos de 1835 a 1861. Pelo Dr. José
Sancionada a lei, a figura do médico da pobreza foi definitivamente instituída na
província do Ceará, com a determinação das suas respectivas atividades e atribuições.
Além disso, são pontuadas questões futuras, tais como em que caso será concedida a
eventual aposentadoria, ou a dilatação, por mais alguns anos, das atividades do médico
caso seja do interesse de ambas as partes envolvidas.
Todavia, as ações políticas e administrativas, mesmo revertidas dos melhores intuitos e
dos melhores desejos, muitas vezes, não são efetivadas dentro dos parâmetros legais
estabelecidos pelas diferentes interesses envoltos na questão e protegidos pela lei, no
caso a contratação dos serviços do médico para “curar as pessoas pobres e os presos”.
Em comunicação à assembléia provincial, o Presidente da Província, em 1838, externava
suas considerações sobre a lei e a contratação do Médico efetivado por seu antecessor.
Pela Art. 3. da lei N. 46 foi autorizando o Presidente da província a mandar
engajar um Doutor em Medicina para curar a pobreza, e coadjuvar o
Cirurgião encarregado da vacina, e tendo o meu antecessor por oficio,
convidado o Cidadão José Lourenço de Castro e Silva, este se me
apresentou em princípios de Abril, e pelas suas cartas conheci que apenas
era Cirurgião formado com licença para curar em Cirurgia, e Medicina
152
.
A lei era clara e não deixava a menor sobra de dúvida, era exigido um Doutor em
Medicina, mas a pessoa que se apresentou não contemplava as exigências da lei que
admitia. Dado que a carta de médico “[...] é [era] fornecida apenas às pessoas formadas por
Liberato Barroso. Seguida de um índice alphabetico pelo mesmo autor. Tomo I. 1835-1846.
Rio de Janeiro. Typographia Universal de Laemmert. S/d.
152
Falla Que Recitou o Exm.
o
Sr. Felisardo da Souza e Mello. Presidente da Província Na
Ocasião da Abertura da Assembleia Legislativa no 1
a
. de Agosto de 1838. p. 25.
alguma instituição de ensino, enquanto a licença de medicina, uma autorização cedida para
indivíduos com prática, seja como cirurgião ou boticário que, na ausência de um médico,
podem [podiam] exercer semelhante funções”
153
. Assim, Castro e Silva enquadrava-se
dentro da tradição dos cirurgiões que a lei cearense desejava abolir. Mas não totalmente por
baixo, pois a licença médica obtida lhe conferia um pequeno diferencial frente os demais
cirurgiões e agentes de cura, que não os médicos formados
154
. Iniciava-se, assim, a
percepção das transformações na organização médica na terceira década do século XIX.
Dado que:
O ano de 1832 constitui a etapa fundamental da institucionalização do
ensino da medicina e das disciplinas correlatas, quando as antigas escolas
médicas, criadas em 1808, do Rio de Janeiro e da Bahia, são transformadas
em Faculdades de Medicina. O período 1889-1930 significou o
desenvolvimento institucional e o crescimento e diferenciação na prática e
na profissionalização nos campos da medicina, da saúde pública e das
ciências biomédicas que ganham amplitude quase nacional. Verifica-se,
neste período, a ultimação de um momento ímpar da história das ciências
153
OLIVEIRA, Carla Silvino de. Cidade (in) salubre: idéias e práticas médicas em
Fortaleza (1838 1853). Fortaleza- Ce, 2007. Dissertação (Mestrado em História Social)
Universidade Federal do Ceará. p. 23.
154
PIMENTA, Tânia Salgado. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de
Janeiro durante a primeira metade do Oitocentos.Op.Cit.
da saúde, no que se refere à definição de políticas públicas e à formação
médica
155
.
Todas essas transformações não mais poderiam ser desprezadas, pois as suas conseqüências
foram experimentadas de diferentes formas nos quatro cantos do Brasil. Por fim, ainda
sobre a situação de Castro e Silva, o administrador da província ainda comentou:
Os estatutos pelos quais se regem as Escolas de Medicina do Rio de
Janeiro e Bahia conferem grão de Doutor aos alunos que, tendo
freqüentado os seis anos, que compõem o curso, e obtendo as necessárias
aprovações, sustentam uma tese. A esta última prova não se sujeitou o
Cirurgião Castro e Silva, e por isso não é condecorado com o grão de
Doutor em Medicina
156
.
Ainda que tenha estudado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde obteve
o título de Cirurgião e as licenças que possuía, Castro e Silva estava no mesmo patamar que
o antigo Cirurgião-mor, que teve o seu cargo extinto. Diante das exigências da lei e ciente
dos limites impostos pela realidade vivenciada na província cearense, o administrador teve
como alternativa encontrar um meio termo para não infringir a lei.
Não estando pois a pessoa convidada claramente nas circunstâncias do Art.
3, já citado, não fiz com ele engajamento algum, e foi interinamente
encarregado do curativo dos doentes pobres, e propagação da vacina
157
.
Diante da não execução plena da letra da lei, o administrador não declinou a
contratação dos serviços médicos, resolveu a questão não resolvendo, isto é, não dispensou
155
Marcos Temporais.In: Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil
(1832-1930). Pesquisa realizada em 28 mar. 2007. Online. Disponível na Internet
http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br.
156
Idem
157
Idem
o Cirurgião Castro e Silva, mas também não o efetivou no serviço. O Presidente, utilizando
da sua autoridade, contratou os serviços médicos do Cirurgião provisoriamente. Talvez, em
virtude da necessidade deste tipo de profissional nos quadros do funcionalismo público.
Historicamente, a contratação de profissionais para desempenharem atividades
ligadas ás atividades dicas de saúde não era nenhuma novidade, e se fazia presente na
Europa do medievo:
Os médicos da cidade[medicus civilis] têm origem no final da Idade
Média. Esses médicos aparecem primeiro no norte da Itália. Por volta do
século XV e início do século XVI, numerosas cidades, por toda Europa,
os nomeavam. Os Municípios contratavam homens que se tornavam
conhecidos como médicos civis[medici condotti em italiano ou Stadtarzte
em zonas germanófonas], para assegurar a presença de um médico na
cidade
158
.
Ao ser aprovada a lei que autorizava a província cearense a contratação de um médico
para o cuidado e o tratamento dos despossuídos, organizou-se uma forma de cuidado e
assistência que remontava ao continente Europeu ao longo do medievo, que teve na pessoa
de “Ugo Borgoni de Lucca [...] o primeiro médico da cidade. Em 1241, ele acordou com a
158
LINDEMAN, Mary. Op. Cit. p. 167. Grifos da autora.
cidade de Bolonha fornecer tratamento gratuito ao exército, a todos os feridos residentes na
cidade e aos do campo que forem trazidos para a cidade [...]”
159
.
A província cearense, desta forma, preocupava-se com a saúde não como um dos
últimos aspectos da realidade a serem pensados em decorrência das relações políticas,
econômicas e sociais, mas a saúde como um dos elementos instituintes e instituidores da
realidade, tão importante quanto os aspectos políticos, econômicos e sociais na constituição
da realidade vivida e percebida pelos diferentes membros da sociedade.
Os médicos da pobreza
Os dois primeiros esculápios que exerceram as atividades médicas como funcionários da
província do Ceará no cargo de médico da pobreza foram: José Lourenço de Castro e Silva
e Liberal de Castro Carreira.
De início, alguns fatos em comum perpassaram a vida dos dois discípulos de Hipócrates.
Os dois foram médicos, nasceram na mesma cidade (Aracati), estiveram ligados em maior
ou menor escala às contendas políticas provinciais da época e, por fim, também eram
primos em primeiro grau. Mas a existência dessas convergências entre um e outro logo se
dissipa e as divergências e/ou a alteridade entre ambos foi o elemento de definição por
excelência da relação entre esses dois médicos.
Castro e Silva foi para a cidade do Rio de Janeiro no ano de 1829, mas iniciou os
seus estudos médicos na Faculdade de Medicina no ano de 1832, no mesmo ano em que foi
implementada uma reforma no sistema de ensino. Durante o interregno de três anos da sua
159
Idem
saída da província de origem até o início dos estudos médicos, consta que ele estudou por
um ano filosofia no Seminário de São Joaquim e preparou-se para os exames de admissão
da Faculdade de Medicina
160
.
Na obra publicada em que se defende e apresenta a sua versão dos acontecimentos,
Castro e Silva nos informa que, depois de cursar todas as aulas teóricas e práticas, passou
por um total de 13 exames, o mero de matérias estudadas, e obteve aprovação plena no
curso completo de Médico Cirurgião, sem o grau de Doutor. Para obter o grau de Doutor,
era necessário escrever e defender uma Tese tratando de uma das disciplinas estudadas ao
longo do curso
161
. Mas, por problemas financeiros e por responsabilidades familiares não
foi possível continuar na Cidade do Rio de Janeiro. A idéia era conseguir um emprego na
província natal. O que realmente aconteceu, com a criação do cargo de médico da pobreza.
Um ano após a volta de Castro e Silva a sua terra natal, em 1839, Castro Carreira
adentrava na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, formando-se no ano de 1844 com
Tese sobre Pleurezia
162
. Após forma-se, retorna para a sua província natal, onde passa a
clinicar.
Entretanto, diferente do Castro e Silva, que tentou conciliar duas atividades, a médica
e a política, Castro Carreira, de inicio, afasta-se da segunda e não da primeira. Assim, os
contatos estabelecidos no Rio de janeiro durante o seu período de formação médica são
constantemente reforçados pela envio de artigos e trabalhos médicos. O jovem médico
cearense passava cada vez mais a se inserir na ampla rede dos profissionais que se
160
SILVA, José Lourenço de Castro. Defesa que em janeiro de 1840, publicou o doutor
José Lourenço em conseqüência das argüições injustas, que lhe faziam seus adversário
políticos e hoje imprimimos eliminando o que é estranho á profissão do mesmo autor.
Tipografia Constituição. Ceará, 1845. p. 1.
161
Sobre o assunto ver: SANTOS FILHOS, Licurgo de Castro. História Geral da Medicina
Brasileira. São Paulo. Edusp. 1991.
162
Archivo Medico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1844. tomo I, n. 5. p. 120.
esforçavam diuturnamente em prol da afirmação e do reconhecimento do saber médico, e
que encontraram no jornalismo médico um dos grandes meios de aglutinação dos seus
pares de debate e propagação de idéias dicas
163
. Pois, ao contrário das teses que
associam medicina e poder, os praticantes oficiais da arte de curar não tinham em suas
mãos todo o poder que usualmente se atribui aos dicos. Se o prestígio e o
reconhecimento do grupo passou a ser reconhecido e as suas opiniões e especialidade foram
aceitas, isso demandou um empenho que atravessou o século XIX e, somente nos anos
finais do século XIX, ocorreu esse reconhecimento com a implementação da anotomo-
clínica e o grande sucesso da bacteriologia
164
.
Vale ressaltar aqui as considerações recentes de uma pesquisadora da temática medica
cearense que, ao se debruçar sobre as especificidades e os direcionamentos profissionais de
Castro e Silva e Castro Carreira, afirma que:
À análise das obras dos médicos não fica difícil visualizar o que mais se
preocupou em escrever e atuar no meio político. José Lourenço, pelas obras
publicadas, dedica-se à literatura política, na maioria, fácil de encontrar nos
periódicos cearenses da época”
165
.
Apoiando-se exclusivamente nas ações dos dois médicos, a pesquisadora rapidamente
chega à conclusão de que Castro e Silva era “mais” voltado a político e Castro carreira
“mais” voltado à ação médica. Entretanto, para além desse aspecto mencionado por Carla
163
Sobre o Assunto Ver: Ferreira, Luiz Otávio. O nascimento de uma instituição científica:
os periódicos médicos brasileiros da primeira metade do século XIX. Tese de Doutorado.
São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras, USP. 1996.
164
Sobre o assunto Ver: EDLER, Flávio Coelho. As reformas do Ensino Médico e a
Profissionalização da medicina na Corte do Rio de Janeiro 1854-1884. Dissertação de
Mestrado. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras, USP. 1992.
165
OLIVEIRA, Carla Silvino. Cidade (in) salubre: Idéias e práticas médicas em Fortaleza
(1838-1953). Dissertação de Mestrado em história Social. Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza, 2007.
Oliveira, podemos considerar a distinção entre os dois médicos como uma diferença de
formação. Castro e Silva adentrou na faculdade no eufórico momento da reforma que
instituiu a Faculdade de Medicina. Passada a euforia, a realidade enfrentada pelos curadores
oficiais era bastante áspera, pois os ensinamentos recebidos na Faculdade eram voltados
para as ações práticas do oficio, some-se a isso a forte tradição de cirurgiões que ainda
estava em vigor e a ação de “boticários [...] curandeiros e parteiras que atuavam com
bastante liberdade, tornando diploma uma formalidade”
166
, diante de um mercado
disputado, da incredulidade dos pacientes frente aos Doutores da medicina, que teriam que
convencer e demonstrar para o publico a sua superioridade frente aos demais
concorrentes
167
. Por fim, os altos preços cobrados pelos curadores oficiais era mais um dos
gargalos enfrentados pelos esculápios. Castro e Silva, muito provavelmente, ciente dessa
situação, ciente de que o futuro médico, naquele momento, não propiciava ganhos
compatíveis com os gastos e as exigências da faculdade, concluiu as disciplinas e obteve
uma licença que lhe daria a possibilidade de exercer o trabalho de médico onde este não
existia. Isto é, na sua distante província natal, Castro e Silva sabia das dificuldades de se
encontrar e de se pagar um médico formado. Daí, provavelmente, optou por se tornar
Cirurgião possuidor de licença médica, confiando ainda nos laços familiares que apoiavam
o partido liberal no Ceará, pleiteando dessa relação um eventual cargo público.
Castro Carreira, tido como mais propenso ao oficio médico, segundo a
interpretação de Carla Oliveira, formou-se doze após a criação da Faculdade de Medicina.
Neste intervalo os professores da faculdade e os seus alunos desenvolviam a percepção
de que era necessário modificar a formação médica, tida como não satisfatória e bastante
166
EDLER, Flávio Coelho. Op. Cit. p. 66
167
Ibid. p. 42.
deficiente, e dar um outro estímulo, mais científico, à ciência médica. Exemplo dessa
situação foi o relatório de Azevedo Americano que, em 1845,
[...] apresentou um programa para a medicina brasileira pautado por
considerações sobre a organização do ensino médico, a administração dos
hospitais, a organização das sociedades médicas, e do exercício da
medicina, com a qual procurava atingir “aquele grau de perfeição que
permite o estado atual do país
168
.
A ação estatal dos médicos da pobreza
Enfrentar as doenças, tratando dos males que acometiam homens e mulheres, não
importando se estes fossem jovens ou adultos, seguramente, era a principal atividade dos
médicos da pobreza, que também eram obrigados à “produção de mínimo registro possível
de suas atividades: a formulação de relatórios que deveriam ser destinados à presidência e a
divulgação da estatística de sua clínica na imprensa”
169
, constituída muitas vezes apenas do
levantamento do número das pessoas que foram atendidas pelos médicos durante
determinado período, sem maiores especificações.
Talvez sejam essas as principais atividades desempenhadas pelos médicos da pobreza
e pelos demais médicos que atuavam no Ceará a partir da terceira década do século XIX,
além de prestar informações sobre o estado sanitário, informar a situação dos doentes e
indicar medidas necessárias nos momentos de epidemia.
Como foi comentado anteriormente, Martiniano de Alencar, em seus relatórios, os
primeiros elaborados na província, não falou diretamente de nenhum aspecto referente à
168
Idem
169
BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto. Caminhos da Cura; a experiência dos moradores
de Fortaleza com a saúde e a doença (1850-1880). São Paulo, 2002. Tese de Doutorado em
História Social – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 62.
saúde e/ou das doenças durante o período de sua administração, em 1836 e 1837, mas ele
registrou a sua preocupação em levantar mais o aterro do rio Cocó
170
, na zona leste da
Cidade.
Essa mesma preocupação com os pântanos também se fez presente em outras
comunicações dos administradores da província, não mais se restringindo ao aterro do
Cocó, mas mencionando outras áreas da cidade tidas como prejudicais à saúde e/ou como
fonte geradora de diversas doenças, principalmente as terríveis febres que regularmente
assolavam a população.
Chamo a vossa atenção, especialmente, sobre a necessidade de se
extinguirem inteiramente os pequenos pântanos que no sitio desta cidade
denominado Prainha- se formam em parte pelas águas do mar, que em
certas épocas invadem e alagam os terrenos mais baixos, e em parte pelas
chuvas, que ai se conservam constantemente. A esses focos perenes de
miasmas são sem dúvida devidos os casos freqüentes de febres
intermitentes que em certas quadras, se manifestam em suas vizinhanças
Encarreguei o Dr. Engenheiro da província de fazer orçamento das
despesas que serão precisas para serem dessecados, o qual brevemente vos
será presente.
Estagnavam também as águas da chuva no terreno baixo, pelo qual ocorria
outrora o riacho formado pelas águas, que são atualmente represadas mo
açude denominado de Pajahú Conservam-se ali pequenos charcos, que
recolhendo materiais animais e vegetais em putrefação, não podiam deixar
de viciar a atmosfera. Mandei dar-lhe esgoto, o que facilmente se
conseguiu [...]
171
.
Sob a influência da explicação dos ares mefíticos e a necessidade constante de sanar,
limpar e evitar o acúmulo de sujeiras postulado pela agenda higiênica defendida por
170
Relatório com que o Exm.
o
Prezidente da Província do Ceará Abrio a Terceira Sessão
Ordinária Da Assembleia Legislativa Da Mesma Província no dia 1
a
. de Agosto de 1837. p.
3.
171
Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Doutor Fausto Augusto de Aguiar.
Prezidente da Província abriu a 1
a.
Sessão Assembléia da Assembléia Legislativa Provincial
no dia 1
a
. de Julho de 1850. p. 18 e 19.
administradores, engenheiros, médicos e a população em geral, que atribuíam as febres
intermitentes aos pântanos e às águas estagnadas, estimulava-se, dessa forma, o fechamento
do foco gerador de doenças na cidade pela ação de aterrar e/ou de não deixar águas
estagnadas na cidade.
Após a menção e o informe da necessidade de obras para os pântanos da Prainha, no
ano seguinte, percebe-se na comunicação do presidente que o resultado esperado foi obtido
com o inicio das atividades na área geradora de problemas de saúde citadinos.
O aterro dos pântanos da prainha tão reclamados pela saúde publica teve
principio no mês último [julho de 1838] , e continua; mas a quantia de um
conto de reis voltado no orçamento deste ano é insuficiente para levar ao
fim obra de tamanha importância; e necessário é que fixeis nova soma com
autorização de poder-se desde já aplica-la a tão útil fim
172
.
Os “pântanos” da prainha, em virtude de sua localização, bem próxima ao núcleo
central da cidade, seguramente, incomodavam bastante a população, os médicos, os
engenheiros e os administradores da província, pois de forma variada e não constante, era
comum os presidentes se queixarem desta área da cidade, idealizando ações para por fim
aos ditos pântanos e livrar a cidade desse grande mal. Em 1851, o presidente da província
se pronunciava da seguinte maneira a respeito a essas questão:
Entre as medidas preventivas que cumpre tomar para que vejamos salvos
do flagelo das febres, não de presente, como em outra ocasião devo
lembra-vos que convém habilitar o governo com meios suficientes para
aterrar os pântanos que existem em roda desta cidade, e mesmo dentro
dela, sendo o pântano da Prainha um dos que merece mui particularmente
atenção, pois é sabido que todos os anos somos acometidos nesta capital de
172
Falla Que Recitou o Exm.
o
Sr. Felisardo da Souza e Mello. Presidente da Província Na
Ocasião da Abertura da Assembleia Legislativa no 1
a
. de Agosto de 1838. p. 35 e 36.
febres intermitentes, e outras, que são devidas certamente a existência
desses focos
173
.
Pela passagem acima fica bem nítida a associação entre o aparecimento das febres que
atormentam a população da cidade e os ditos pântanos, restando, como solução para
terminar com as febres, acabar com o centro de emissão da doença, isto é, aterrar os
pântanos, pois esta é apresentada como a única forma de acabar com doença que
anualmente acomete os moradores da cidade. Com o transcorrer do tempo e com as
constantes intervenções realizadas pelos engenheiros da província, os apelos para
aterramento dos pântanos deixam de mencionar os pântanos da Prainha e passam a
centralizar atenções e esforços em outras localidades da província, como o aterro da cidade
de Soure e o da cidade de Maranguape.
A preocupação com as água também foi uma constante ao longo do período de ação dos
médicos da pobreza, necessidade desse precioso bem se fazia presente desde o inicio
do século XIX, quando o naturalista Feijó “cedeu gratuitamente à câmara municipal uma
fonte de água que tinha em seu sitio, para servir de chafariz publico na Capital”
174
.
Passados mais de vinte anos depois dessa doação, no ano de 1838, o presidente da
província cearense solicitava o auxilio dos médicos residentes na cidade em virtude do
aparecimento de algumas doenças atribuídas às águas que abasteciam a cidade. Esse foi
o caso apresentado pelo Presidente da província, no ano de 1838, em que:
[...] diferentes moléstias intermitentes, e em muito maior número que nos
anos pretéritos, se manifesta na Cidade, causando não pequena mortandade
173
Relatório Apresentado pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Joaquim marcos de Almeida
Rego. Prezidente da Província do Ceará: na abertura da 2
a.
Sessão Ordinária da 8
a
.
legislatura da Assembléia da Assembléia Legislativa da Mesma Província no dia 1
a
. de
Outubro de 1851. p. 12 e 13.
174
NOGUEIRA, Paulino. O Naturalista João da Silva Feijó In: Revista do Instituto
Histórico do Ceará, Tomo II, p. 272.
principalmente em crianças. Alguém se lembrou de atribuir o excesso de
enfermidades ao estagnamento e uso das águas que mantém o Chafariz do
Palácio. Em conseqüência do que ordenei aos Facultativos residentes na
Capital que passassem a fazer os precisos exames, e dessem a respeito o
seu parecer
175
.
Mais adiante, o Presidente prossegue a sua explanação e comenta a resposta apresentada
pelos professores (médicos) consultados sobre o assunto.
Cinco declararam uniformemente que jazendo as águas em terreno
paludoso, cheio de destroços animais; e chegando ao açude, seguindo por
longa estrada do Cocó, impossível é que não sejam perniciosas à saúde, e
que suas qualidades morbificas não tomem incremento a medida que
cessarem as chuvas; e que , pela evaporação e infiltração, diminuindo-se a
massa das águas, entrem em decomposição as matérias estranhas que nela
se acham
176
.
No entanto, uma voz dissonante se pronunciou de forma contrária, sugerindo um outro
entendimento, uma outra explicação, nas palavras do representante Administrativo da
Província:
[...] o sexto professor, pelas experiências que fez, não concorda com os
seus colegas, e julga potáveis as águas em questão se fechado for o açude,
e todo o espaço por onde mais ordinariamente correm [as águas] para
ele
177
.
Ciente desta alternativa”, o Presidente da província, após tomar conhecimento desta
outra proposição, comenta sobre o assunto que:
[...] para isto se conseguir não pequena despesa se torna
precisa, e com soma necessária para murar tão grande
espaço, se poderá obter a abertura de duas cacimbas de
175
Fala que recitou o Ex.
m
. Senhor Manoel Felisardo de Souza e Mello. Presidente da
província do Ceará na ocasião da abertura da Assembléia Legislativa Provincial. Ceará:
Tipografia Constitucional: 1838. p. 6 e 7.
176
Fala que recitou o Ex.
m
. Senhor Manoel Felisardo de Souza e Mello. Presidente da
província do Ceará na ocasião da abertura da Assembléia Legislativa Provincial. Op.Cit.
177
Idem
excelente água, sendo esta distribuída ao público da mesma
maneira que se ministrada a da cacimba do Povo
178
.
De um lado, os cinco primeiros “professores” consultados sobre a situação do chafariz
do palácio fecharam a questão na insalubridade e na falta de condições apresentada pelas
águas do poço e pelos miasmas que surgiam ali, sugerindo o fechamento do poço de
água. No outro lado, apenas um único discordante apresentou uma outra possibilidade
para a mesma questão, para ele a questão não estaria nos miasmas ou nas águas
palustres, mas na contaminação das águas ao longo do seu percurso até chegar ao
chafariz. Infelizmente o Presidente da Província não menciona os nomes dos médicos
consultados, nem sugere maiores pistas sobre quem sejam eles, mas nota-se que não
havia uma agenda médica fechada e compartilhada de forma incondicional pelos
médicos; contudo, a idéias defendidas pelo dico solitário eram as mais dispendiosas,
sendo seus gastos equivalentes à abertura de dois poços novos: certamente as questões
práticas e financeiras pesaram a favor dos defensores da explicação favorável às idéias
da constituição epidêmica mais usual e, neste caso, mais econômicas para os cofres
provinciais. Essa argumentação, dessa forma, coaduna-se com a explicação
desenvolvida por Erwin Ackerknecht
179
, ao afirmar que a questão entre os
contagionistas e os chamados anticontagionistas foi “ganha” pelos últimos em virtudes
da pressão dos grupos ligados aos interesses comerciais que não aceitavam as restrições
na forma de quarentena defendidas pelos contagionistas por ocasionar restrições ao livre
comércio nacional e internacional de pessoas e de mercadorias.
178
Idem
179
ACKERKNECHT. Erwin. H. “Anticontagionism between 1821 and 1867”. The Bulletin
of the History of Medicine. V. 22, 1948, pp. 562 – 593.
Porém, ao Presidente da província recaia o ônus do julgamento e da escolha da explicação
pertinente aos interesses públicos de preservação da saúde dos habitantes da cidade. Sua
decisão foi “logo que o verão avance, serão de novo examinadas as águas do Chafariz do
Palácio, só então se poderá formar sobre elas juízo seguro”
180
.
A doença e os médicos
No ano e 1839, a varíola encontrava-se de forma endêmica na Província e o local
destinado para os doentes era o Lazareto do Jagarecanga, neste local os doentes eram
atendidos pelo médico da pobreza JoLourenço de Castro e Silva. Em um oficio expedido
para as formalidade administrativas, o referido médico afirmou que o tratamento dos
doentes com varíola era a utilização de bebidas emolientes para a febre, a dessecação das
pústulas, mediante vários banhos com água morna para a retirada das crostas e a ação de
corte das bexigas no período de supuração, lanceta ou cauterização das pústulas com a
denominada pedra infernal
181
.
Durante o período anterior a chegadas das grandes epidemias no Ceará, iniciada com
a cólera, os Presidentes da Província em seus relatórios geralmente afirmavam que o clima
da província era bastante favorável. Mas, em 1841, o Presidente da Província solicitou ao
médico da pobreza que explique as febres que estavam aparecendo na província, causando
medo e receio na população. José Lourenço de Castro e Silva era o médico da pobreza e
explicou nos seguintes termos o aparecimento das febres:
180
Ibid. p. 6.
181
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio expedidos e recebidos das
autoridades medicas para o Presidente da Província. Caixa não catalogada, Papais avulsos.
Sobre os doentes tratados no Lazareto da Jacareganga. 21 de janeiro de 1839. IImo Exmo
Sr. Manoel Felisardo de Souza Mello, Presidente da província. José Lourenço de Castro e
Silva. Arquivo Público do estado do Ceará – APEC.
Os ventos do sul, que tem agora sofreram com uma impetuosidade
espantosa, causando a sensação de um frio desagradável quando nos
achamos abrasados de calor e cobertos de suor das estação calmosa, tem
sem dúvida causa a essas enfermidades, que sob diversos sintomas se tem
manifestados pneumonia, pleurisas, hepatite e intermitentes perniciosas
são em geral o Catarrão para cujo tratamento tendo por vezes sido
chamados.
De uma forma geral, as doenças que afetavam a população eram bem conhecidas e
dispunham de um grande arsenal de ações e de variadas praticas de curas. Porém, com o
aparecimento de novos sintomas, de novas reações e a impossibilidade de classificação
exata da doença, houve a necessidade, de criar-se uma demanda para investigar, analisar e
apresentar dentro do quadro médico existente as explicações cabíveis. Assim, o médico é
solicitado a apresentar os seus conhecimentos, formulando respostas e indicando soluções
para o problema até então desconhecido ou ainda não identificado. A experiência do
médico e a observação direta dos efeitos e das conseqüências da doença seriam os
elementos determinantes para a produção do saber médico em questão.
Entre os anos de 1848 e 1852 a epidemia de febre amarela assolou a cidade de
Fortaleza e o médico da pobreza, Castro Careira, passou a expressar as suas considerações
referente ao assunto nas páginas do jornal liberal Cearense. Segundo as considerações do
historiador Jacinto Barbosa,
[...] a publicação destas crônicas no jornal que circulava numa Província
destituída de uma escola médica e, cujo número de médicos e cirurgiões era
muito limitado, possibilitara, além da difusão mais ampla de temas, até então
restritos a um publico mais especializado, a oportunidade de realização de
diálogos entre médicos [...]”
182
.
Indiscutivelmente, a ampliação e o acesso de informações e debates foram de suma
importância para a preservação da vida da população, sendo este um dos pilares de
182
BARBOSA, Francisco Carlos Jacinto. Op. Cit. p. 65.
sustentação do saber médico. Entretanto, a explicação centrada na ausência ou no número
diminuto de médicos e de outros profissionais oficiais da arte de curar, mesmo que
hierarquicamente inferiores aos médicos, é anacrônica. Pois, deslocar-se ao passado para
encontrar os elementos do nosso interesse e, ao não os encontrar, atribuir essa ausência ao
incipiente estado de desenvolvimento da Província, é idealizar algo que não efetivamente
não existia, pois aos praticantes oficiais de cura, quando eles existiam e atuavam, estava
resguardo quase que a mesma consideração e/ou importância dada aos demais praticantes
da arte de curar, dado que, seja por suas teorias ou por suas práticas, todas estavam bem
próximas as dos demais agentes de cura. Assim, devemos olhar para as ações que foram
realizadas e não nos desculparmos por não podermos apresentar o que gostaríamos de
encontrar em nossas pesquisas, isto é, o tipo ideal.
Em 1846, um surto de febres acomete a população da cidade de Aracati e o presidente
da província comunica e solicita ao médico da pobreza Castro Carreira para ir até o local,
mas antes de sair Castro Carreira indica como substituto o cirurgião Francisco José de
Mattos. Nesta atividade médica, Castro Carreira fica por volta de oito meses no Aracati.
Daí, no ano de 1847, o Presidente da Província comentava a situação em seu relatório:
O cirurgião Francisco José de Mattos, que na ausência do Médico da
Pobreza está encarregado da clinica desta enfermaria, tem prestado
satisfatoriamente as suas obrigações, e empregado todos os seus desvelos
na boa ordem, asseio, e regularidade deste pequeno estabelecimento: ele é
por isso credor de bem merecidos elogios. Iguais merece o Médico da
pobreza pelo que tem feito na Cidade do Aracati, de onde o vou chamar
visto haver cessar a precisão de sua presença ali
183
.
183
Relatório Apresentado a Assembléia Legislativa Provincial do Ceará pelo Presidente da
Mesma província o Coronel Graduado Ignácio Correia de Vasconcellos. Em 1
o
. de Julho de
1847. TYP. Fidelíssima- de F. L. de Vasconcellos. 1847. p. 22.
Essa situação ocorreu porque na lei que criou o cargo de médico da pobreza não
comporta substituto para esse oficio e, para não deixar a Capital desguarnecida, Castro
carreira indica o referido cirurgião
184
.
Segundo as informações prestadas pelo médico, ele chegou no mês de maio e deixou
definitivamente a cidade de Aracati após curar o último doente, isto é, em dezembro de
1846. As atividades desenvolvidas por Castro e Carreira foram as seguintes: identificar os
pacientes, por nome e por idade, classificar o temperamento dos doentes, providenciar o
diagnóstico, a terapêutica, o resultado e o período de tratamento, acompanhando os doentes
pelos relatórios que ele fazia
185
.
Percebe-se que além dos preceitos hipocráticos, o médico lançava mão da observação
médica direta, acompanhando os sintomas e o andamento da enfermidade. A cabeceira da
cama era a grande mestra para Castro Carreira, daí muito provavelmente, o longo período
que o médico ficou fora da Capital, interessado em acompanhar e entender o
funcionamento das febres, foi um tema bastante debatido e controverso nos estudos
médicos.
Mas essa não foi a primeira vez que o médico Castro Carreira esteve a se preocupar
com as febres. Certa feita, na cidade de Fortaleza, em um dia de domingo do mês de abril
de 1846, o médico Castro Carreira convidou Francisco José de Matos, Silvério Jo da
Cruz e José Joaquim Machado para irem visitá-lo. O médico e os cirurgiões se reuniram no
exato momento em que a cidade estava sofrendo um surto de febres. As características da
184
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio enviado pelo medico
Liberato de Castro Carreira, médico da pobreza ao Exmo. Sr. Ignácio Correia de
Vasconcelos. Presidente da província. Em 30 de Abril de 1846. Cidade Aracty. Arquivo
publico do estado do Ceará – APEC.
185
Idem
doenças seriam: febre, dor de cabeça, vômitos, sede e problemas gástricos. Pelas
características da doença, Castro Carreira afirmava serem as febres motivadas por
problemas gastrobilioso. Mas, para além de serem bons colegas em um passeio no final de
semana, o encontro dos distintos cavalheiros era o encontro da comissão dica da cidade
de Fortaleza que se reuniu para discutir as medidas e as providências necessárias contra a
doença que afligiu os moradores. Após as ponderações do referido grupo, chegaram à
conclusão de que as febres advinham em conseqüência de habitações em clima quente e
úmido; Existência de pântanos; Passagem rápida de uma estação climática para a outra;
Ingestão de substancias irritantes. Percebe-se que o resultado da Comissão Médica de
Fortaleza foi o embasamento da realidade cearense a agenda médica brasileira e inicia-se a
sua implementação em terras cearenses
186
. Voltando às considerações médicas elaboradas
por Castro Carreira durante a epidemia de febres na cidade de Aracati, o médico em
comunicação oficial endereçada ao Presidente da Província elaborou a seguinte explicação:
As febres continuam, porém eu não posso dar a VEx.a a[s] noticias
circunstanciadas do seu estado e caráter pelo limitado tempo de minha
chegada, o que farei logo que entrar no exercício ativo de minhas
funções
187
.
Foucault, ao tratar do nascimento da clinica moderna, aponta que um dos elementos
presentes entre a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX foi o estudo das
186
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio expedidos e recebidos pelas
autoridades médicas ao Presidente da Província. Algumas reflexões sobre as febres que ora
gração nesta cidade 21 de Abril de 1846. Cidade Aracty. Arquivo publico do estado do
Ceará – APEC.
187
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio enviado pelo medico
Liberato de Castro Carreira, médico da pobreza ao Exmo. Sr. Ignácio Correia de
Vasconcelos. Presidente da Província. Em 5 de Maio de 1846. Cidade Aracty. Arquivo
publico do estado do Ceará – APEC.
febres, e que, existia grande dificuldade de tratar as febres
188
. A dificuldade de tratar das
febres ocorria por elas serem o elemento sintomático de várias doenças e problemas do
corpo humano, podendo ser um caso simples que passaria temporariamente ou o indicativo
de problemas mais sérios. Daí um das formas de minimizar a falta de um conhecimento
peremptório frente à dubiedade das febres era o conhecimento minucioso da etiologia das
doenças e a descrição detalhada das conseqüências nos pacientes.
Novamente em comunicação oficial Castro Carreira volta a tecer considerações sobre
as febres do Aracati.
As febres aqui existentes de febres gástrico-biliosas isto é a mesma que
graças nesta capital, e que tendo por pouco cassado, agora reapareceram
com intensidade, em conseqüência de umas chuvas que deram, a pobreza é
atacada em grande escala, porem aquelas que sujeitam ao tratamento
adequando tem sempre obtido vantagens [...]
189
.
A explicação apresentada por Castro Carreira mobiliza vários elementos, mas
nenhuma novidade. Primeiro, ele afirma que a febre que assolava o Aracati era semelhante
a que havia acometido a cidade de Fortaleza anteriormente. O médico tenta, assim,
tranqüilizar o presidente, pois, se a doença já passou pela capital, é sinal que ela foi
combatida e controlada. Segundo, ao explicar as febres como gástricas, o médico aciona a
agenda médica brasileira, que afirmava ser os exageros alimentares juntamente com o não
cumprimento dos preceitos de higiene e, a não adequação de roupas apropriadas para o
188
Foucault, Michel. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro, Forense. 1987. Ver: a nota
número 54 neste trabalho.
189
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio enviado pelo medico
Liberato de Castro Carreira, médico da pobreza ao Exmo. Sr. Ignácio Correia de
Vasconcelos. Presidente da província. Em 12 de Maio de 1846. Cidade Aracty. Arquivo
Público do Estado do Ceará – APEC.
clima tropical os elementos que facilitariam o aparecimento das enfermidades,
principalmente em um país tropical como Brasil
190
.
A preocupação médica com as febres era imensa e, mais uma vez, encontramos o
Doutor Castro Carreira envolvido com elas. Desta vez, ele apresentou as características da
doença como “[..] o seu caráter é sempre o mesmo; febre mais ou menos intensa, dores de
cabeça e corpo; língua saburrosa, vômitos em alguns dos materiais biliosos, uns diarréias
[sic], em outros constipação de ventre
191
. Informou ainda que as crianças apresentavam
esses sintomas em maior número, sendo mais difícil nos adultos, o que era o contrário dos
sintomas da febre amarela
192
.
Nota-se o esforço do médico cearense em uma única ação abarcar dois aspectos
distintos. O primeiro seria a determinação da doença que estava grassando na cidade, e o
segundo seria a especificidade da doença frente outras que estão ocorrendo em outros
locais.
Mesmo com a constatação de que as febres que se fizeram presentes na cidade não era
a temida febre amarela, o médico Castro Carreira mostra-se contrário à prática dos enterros
na cidade e, ao ser chamado a expor o seu pensamento sobre o assunto, o referido Doutor
não hesita em defender a construção de um novo cemitério para cidade, pois, seguindo os
preceitos sanitários, seria possível extinguir “[...] o foco da infecção, para não dizer peste,
190
Sobre o assunto ver: Ferreira, Luiz Otávio. José Francisco Xavier Sigoud: um
personagem esquecido, uma obra reveladora. Hist. cienc. Saúde-Manguinhos, Jun. 1998,
vol.5, no.1, p.125-126; EDLER, Flávio Coelho. A institucionalização da medicina no Brasil
imperial. In: Ana Maria Ribeiro de Andrade. (Org.). Ciência em Perspectiva. Estudos,
ensaios e debates. Rio de Janeiro: MAST / MCT - SBHC, 2003, v. p. 41-59.
191
Jornal Cearense, ano III no. 143. Fortaleza. 20. 04. 1848. pp. 1- 2.
192
Idem
que ocasiona em toda a parte a inumação de corpos no meio de povoados, ou em lugares
onde falecem o espaço e a necessária ventilação”
193
.
A preocupação com os enterros na cidade já se arrastavam, no mínimo, por uns dez
anos. Em 1838, o presidente da Província, em seu relatório, já mencionava a necessidade de
um cemitério extra-muros
194
. Porém, mesmo com a consciência de que era necessário
transformar os hábitos funerários, como abandonar uma prática secular, como não procurar
alternativas diante dessa situação? Parece que foi exatamente isso que foi cogitado dois
meses após as considerações dicas de Castro Carreira sobre os enterramentos em uma
folha de notícias da capital cearense.
Diante da informação de que a Irmandade de São José estaria planejando construir um
cemitério por detrás da Igreja Matriz de Fortaleza, Castro Carreira voltou a público para se
posicionar frente a essas possibilidades.
Ao tratar deste objeto não posso me furtar a algumas reflexões a cerca da
edificação de uma cemitério que se diz, querem mandar edificar atrás da
igreja matriz. Além de ser isto detrimentoso á saúde pública, é um
desrespeito à lei, que determinou a edificação [...] e que se acha quase
pronto. Para bem se pode compreender a extravagância de tal idéia, basta
dizer que a matriz se acha colocada a barlavento da Cidade em lugar, onde
pela corrente dos ventos todos os miasmas têm de ser lançados sobre a
maior parte da população da Cidade. A ignorância porem de alguém é
tamanha, que o anima a proferir, que isto de miasmas exalados de
cadáveres, é luxo da medicina, portanto não admira que tenha a desgraçada
idéia da construção de um cemitério por detrás da matriz. Se hoje se
esforçam todos os homens filantropos, e ilustrados por evitar as emanações
insalubres dos centros das cidades, como se de consentir que tendo nós
um cemitério com todas as condições higiênicas, que graças as atividades e
solicitude do Exm. SR. Dr. Moraes Sarmento ficará pronto até o fim do
próximo futuro mês se edifique outro no lugar mais insalubre que possa?
Duvido muito que a Irmandade de S. José realize as suas intenções
193
Jornal Cearense, ano III no. 143. Fortaleza. 03. 02. 1848. p. 3.
194
Falla Que Recitou o Exm.
o
Sr. Felisardo da Souza e Mello. Presidente da Província Na
Ocasião da Abertura da Assembleia Legislativa no 1
a
. de Agosto de 1838.
desregradas por que confiamos no bom senso da assembléia provincial, e
do público desta Capital
195
.
A explicação médico-geográfica defendida é mais uma vez acionada para justificar a
impossibilidade de se consentir com a edificação deste cemitério. Passando a atribuir a
ignorância o desconhecimento destas informações ou aos incrédulos que discordam dos
preceitos médicos classificando-os de luxo da medicina. Boatos à parte, o cemitério não foi
construído, mas esse episódio demonstrou que as explicações médicas também não eram a
última palavra e/ou não dispunham do grande consenso que usualmente se imagina ou se
atribui ao saber médico do século XIX.
Os anos se passavam, mas as febres continuavam na cidade, continuava a fazer
vitimas, continuava a preocupar os médicos e administradores. Utilizando-se da imprensa,
Castro Carreira volta a se pronunciar sobre as febres.
dois meses seguramente grassa entre nós a febre gástrica, que tem sido
constantemente nesta quadra desde 1846.
O seu caráter é sempre o mesmo, febre mais intensa, dores de cabeça e
corpo, língua saburrosa, vômitos em alguns de matérias biliosas, uns
diarréia, em outros constipação de ventre. Tem sido partilhadas crenças,
sendo raros os casos em pessoas adultas, no que essencialmente difere da
epidemia do sul, que tem atacado a estes, e poupado aqueles. Ainda na
diferença muito notável, que é, o emectivo na febre amarela tem sido
sempre prejudicial; na que sofremos o remédio é infalível
196
.
A preocupação ainda é determinar e diferenciar as febres consideradas gástricas da
febre amarela, que já estava fazendo um grande número de mortos em outras províncias do
Brasil. Neste momento, vários periódicos passam a dar informações sobre as conseqüências
da febre amarela no norte do Brasil.
195
Jornal Cearense, ano III no. 143. Fortaleza. 20. 04. 1848. p. 5.
196
Jornal Cearense, ano III no. 178. Fortaleza. 02. 05. 1850. p. 3.
CONCLUSÃO
Desde os anos finais do século XVIII e ao longo da primeira metade do século XIX,
as apreensões médicas no Ceará constituíram-se em um dos elementos constantes de
reflexão. Assim, dentro dos limites e das possibilidades disponíveis em cada momento,
buscou-se enfrentar essa questão. Ainda do final do século XVIII, com o aparecimento de
febres palustres na zona norte do Ceará, solicita-se a vinda de uma comissão médica de
Pernambuco como uma das formas de enfrentar o problema. Neste momento, o Ceará ainda
era uma capitania dependente de Pernambuco e que não contava com médicos formados.
Com o controle das febres, uma das indicações deixadas pelo chefe da comissão
médica que prestou serviços médicos no Ceará foi a contração de médicos habilitados para
prevenir e tratar a população, nem que para isso se utilizasse a força.
Passados mais algumas anos, a preocupação com a contratação de médicos que
desenvolveram a arte continuava. Mas, agora, não era uma simples opinião e/ou uma mera
sugestão, era uma indicação expedida diretamente de Portugal para a contratação de um
médico. Mesmo cientes da importância e grande necessidade deste tipo de profissional, os
representantes administrativos do Ceará argumentam que, por conta da seca e,
consequentemente, dos gastos e das perdas, isto é, pelo estado precário fruto da seca, não
seria possível instituir na província um imposto para esse fim. Mas será que efetivamente o
estado era tão ruim como o que foi argumentado? Pois em 1799, poucos anos depois dessa
resposta, a província cearense era alçada à posição e ao status de província autônoma.
Com o começo do século XIX percebe-se que os pontos referentes à questão médica
passam a se fazer mais presentes seja na forma de prevenção, como na comunicação do
Presidente da Província instruindo, nos anos iniciais do século XIX, a experimentar a
vacinação como forma preventiva; seja como forma de minimizar o impacto dos surtos
epidêmicos na cidade, gerando a construção de lazaretos, para onde seriam levados os
enfermos doentes e desprovidos de condições. De forma geral, esse quadro situacional, até
meados dos anos de 1830, pouco modificou essas características. Quando foi aprovada a
contratação de um médico para prestar os seus serviços à população desprovida de recursos,
inicialmente da Capital, estendendo-se posteriormente, dependendo da necessidade, a
outras áreas da província. Por esse médico tratar das pessoas pobres da província, ficou
conhecido pelos contemporâneos como médico da pobreza.
A criação deste cargo, isoladamente, pode não representar muitas coisas, pois na
época havia a prática disseminada de contratação de médicos do partido. Porém, o cargo
de médico da pobreza foi criado dentro de um projeto
197
de ações que tinha como intuito
principal equipar a província cearense dos bens e dos meios necessários para o seu
desenvolvimento, projeto esse iniciado pelo então presidente da província, José Martiniano
de Alencar. Alguns aspectos históricos vivenciados por esse administrador marcaram a sua
história e, possivelmente, o influenciaram nesta decisão. Dado que Alencar desde muito
jovem compartilhava das idéias liberais, então estreitamente relacionadas aos princípios da
razão e do progresso humano, aprendidos durante os anos de sua formação de padre no
Seminário de Olinda e posteriormente defendidos em duas revoluções por ele e seus
familiares.
197
Em um instigante artigo, Francisco Foot Hardman argumenta que a identificação do
modernismo no Brasil com as atividades restritas com o grupo paulista de 1922 são
esquemas “em flagrante anacronismo, ocultaram processos culturais relevantes que se
gestaram na sociedade brasileira, a rigor, desde a primeira metade do século XIX”.
Acreditamos que o projeto de Alencar pode ser considerados um desses processos pensados
mas rapidamente obliterados por entendimentos diversos atribuídos no momento de sua
implantação e, principalmente posteriormente. Ver: HARDMAN, Francisco Foot. Antigos
Modernistas. In. NOVAES, Adauto. Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras:
Secretaria Municipal da Cultura, 1992. p. 290.
Juntam-se a esses elementos as possibilidades apresentadas durante o período em que
Alencar estava à frente da administração provincial do Ceará, pois, neste momento, a
administração do Brasil passava pela experiência das regências, ocasionando o que
tradicionalmente foi considerado pelos historiadores de um período conturbado, mas
apresentou também possibilidades de autonomia para as administrações provinciais
198
e no
caso da administração de Alencar, essas possibilidades aumentaram em virtude da ascensão
do governo liberal implementado pelo Regente Padre Antônio Feijó, um dos líderes do
partido liberal no Brasil e amigo direto de Alencar. Assim, a administração de Alencar
contou diretamente como o apoio e o subsídio do padre Regente, possibilitando ao
administrador cearense implementar suas ações sem se preocupar com eventuais
desaprovações destes atos pela administração regencial. Além de ao assumir o cargo de
Presidente de Província, Alencar passava a conjugar as preocupações administrativas
referentes ao desenvolvimento da província e ao bem estar da população, este último, um
dos principais aspectos presentes na tradição de pensamento clerical da qual Alencar fazia
parte.
Dessa forma, o horizonte de experiência e o horizonte de expectativas
199
do
administrador apresentavam a plena possibilidade de contratação de médico formado
para os atendimentos dos despossuídos. Inserida neste contexto, a medicina era vista e
desejada como uma forma preventiva, especialmente com a ascensão da higiene que,
198
Sobre regências Ver: MOREL, Marcos. O período das Regências, (1831-1840). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2003. (Descobrindo o Brasil).
199
Utilizo os termos na mesma acepção e entendimento dos propostos por Koselleck Ver:
KOSELLECK, Heinhart. Futuro Passado: Contribuição á semântica dos tempos
históricos. Tradução: Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; Revisão da tradução
César Benjamim. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006.
“[...] entendida no sentido mais geral e etimológico, é arte de conservar a vida”
200
. Além
disso, a valorização da higiene como elemento de conservação da vida apresenta uma
determinada forma de compreensão da realidade e do processo histórico, pois, como
argumenta Sérgio Arouca, “como visão histórica, a higiene coloca uma história
teleológica da medicina, caminhando para a realização de um conceito de saúde positiva,
permeando todas as condutas humanas, e que, na fase moderna, ela própria a Higiene,
seria o instrumento deste “telos” participando de uma consciência sanitária
201
.
Temos, então, que a medicina e o saber médico, considerados desde os trabalhos de
Michel Foucault diretamente determinados como uma forma de poder e de controle, não
necessariamente se apresentaram desta forma na província cearense na primeira metade
do século XIX. Pelo contrário, munido de intuitos não pessimistas, como os de Foucault
e seus seguidores, Alencar, quando criou o cargo de médico da pobreza, estava envolto
em uma visão progressiva que entendia o amparo dico como uma dos elementos
primordiais para a manutenção da vida urbana, do viver coletivo, da interdependência
existente entre os homens
202
, não sendo determinado por outras instancias tidas como
superiores, como a econômica e, mesmo após a saída de Alencar da administração da
provincial, continuou a existir o cargo, o que não aconteceu com os demais projetos
implementados por Alencar.
Todas essas características também nos ajudam a pensar os elementos que usualmente
são atribuídos, como as inerentes ao Ceará. Notadamente a tríade explicativa orientada
200
AROUCA, Antônio Sergio da Silva. O Dilema Preventista: contribuição para a
compreensão e crítica da medicina preventiva. São Paulo, 1975. Tese de Doutorado. p. 68.
201
Ibid. p. 70.
202
Sobre a interdependia. Ver: HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: As bases
políticas da Saúde Pública no Brasil. São Paulo-SP. Editora Hucitec/ ANPOC; 1998.
pelos enfoques da Seca, do Cangaço e do Messianismo como características naturais e
inerentes destituídos de historicidade.
Contudo, essas características não são exclusividades do Ceará, elas são atribuições
aplicadas a toda a região nordeste. Todavia, nos dias atuais já existem vários estudos que
tratam historicamente dessas formas explicativas, afirmando que todas essas
características e todas essas explicações começam a se constituir após a segunda metade
do século XIX fruto de fatores, como: o declínio da agricultura de exportação do açúcar
e do algodão, assim como ascensão da lavoura cafeeira no sul do Brasil e dos impactos
das secas que foram transformadas em um problema social, exigindo a intermediação do
Estado para a resolução deste problema. E, que, como o passar dos anos, as elites
regionais foram percebendo os benefícios e os dividendos que elas poderiam obter frente
a essa realidade, e a partir da terceira década do século XX a região foi criada e
legitimada como Nordeste
203
.
Todavia, um ponto ainda permanece em aberto, pois, se essas características atribuídas
ao Nordeste são historicamente datadas no final do século XIX e se cristalizam ao longo
do século XX, com demonstram os historiadores, esses trabalhos não nos apresentam
outras possibilidades, que outras fruições seriam possíveis e imaginadas. Os trabalhos
explicativos de como o Nordeste se tornou o que é buscam o passado para entender o
presente, mas não se apercebem que, este mesmo passado que eles pesquisam e
203
Sobre o assunto Ver: ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz. A Invenção do Nordeste e
Outras Artes. E.ed. Recife: FJN, Ed. Massagana; São Paulo; Cortez, 2001; NEVES,
Frederico de Castro. A Multidão e a História: Saques e outras ações de massa no Ceará.
Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fortaleza, Ce: Secretaria de Cultura e Desporto. 2000.
perscrutam com tanta avidez, pode demonstrar e existência de um futuro passado
204
,
pois, como herdeiros diretos dos vitoriosos históricos, aprendemos e repetimos a sua
visão de mundo que, no caso do Ceará, foi a continuação à explicação da realidade
apresentada na forma de Seca, Cangaço e Messianismo, não se apercebendo das
múltiplas possibilidades que o passado ainda hoje tem. Pois, as pesquisas e os trabalhos
dos historiadores, ainda estão a legitimar o domínio do passado pelo presente
205
.
204
KOSELLECK, Heinhart. Futuro Passado: Contribuição á semântica dos tempos
históricos. Tradução: Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira; Revisão da tradução
César Benjamim. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006.
205
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UECE, 2006. p. 9.
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autor. Tomo I. 1835-1846. Rio de Janeiro. Typographia Universal de Laemmert. S/d.
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a 1861. Pelo Dr. José Liberato Barroso. Seguida de um índice alphabetico pelo mesmo
autor. Tomo I. 1835-1846. Rio de Janeiro. Typographia Universal de Laemmert. S/d.
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Facundo de Castro Menezes, em virtude do art. 19 do Acto addicional. pp. 167-168. In:
Compilação das Leis do Ceará compreendendo os anos de 1835 a 1861. Pelo Dr. José
Liberato Barroso. Seguida de um índice alphabetico pelo mesmo autor. Tomo I. 1835-1846.
Rio de Janeiro. Typographia Universal de Laemmert. S/d.
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio expedidos e recebidos das
autoridades medicas para o Presidente da Província. Caixa não catalogada, Papais avulsos.
Sobre os doentes tratados no Lazareto da Jacareganga. 21 de janeiro de 1839. IImo Exmo
Sr. Manoel Felisardo de Souza Mello, Presidente da província. José Lourenço de Castro e
Silva. Arquivo Público do estado do Ceará – APEC.
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio expedidos e recebidos pelas
autoridades médicas ao Presidente da Província. Algumas reflexões sobre as febres que ora
gração nesta cidade 21 de Abril de 1846. Cidade Aracty. Arquivo publico do estado do
Ceará – APEC.
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio enviado pelo medico Liberato
de Castro Carreira, médico da pobreza ao Exmo. Sr. Ignácio Correia de Vasconcelos.
Presidente da província. Em 30 de Abril de 1846. Cidade Aracty. Arquivo publico do
estado do Ceará – APEC.
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio enviado pelo medico Liberato
de Castro Carreira, médico da pobreza ao Exmo. Sr. Ignácio Correia de Vasconcelos.
Presidente da Província. Em 5 de Maio de 1846. Cidade Aracty. Arquivo publico do estado
do Ceará – APEC.
Caixa não catalogada: Saúde Pública. Papéis avulsos. Oficio enviado pelo medico Liberato
de Castro Carreira, médico da pobreza ao Exmo. Sr. Ignácio Correia de Vasconcelos.
Presidente da província. Em 12 de Maio de 1846. Cidade Aracty. Arquivo publico do
estado do Ceará – APEC.
Falla Com Que o Exm.
o
Prezidente da Província do Ceará Abrio a Segunda Sessão
Ordinária Da Assembleia Legislativa Da Mesma Província no dia 1
a
. de Agosto de 1836.
Falla Que Recitou o Exm.
o
Sr. Felisardo da Souza e Mello. Presidente da Província Na
Ocasião da Abertura da Assembleia Legislativa no 1
a
. de Agosto de 1838.
Relatório com que o Exm.
o
Prezidente da Província do Ceará Abrio a Terceira Sessão
Ordinária Da Assembleia Legislativa Da Mesma Província no dia 1
a
. de Agosto de 1837.
Relatório Apresentado a Assembléia Legislativa Provincial do Ceará pelo Presidente da
Mesma provincia o Coronel Graduado Ignácio Correia de Vasconcellos. Em 1
o
. de Julho de
1847. TYP. Fidelíssima- de F. L. de Vasconcellos. 1847. p. 22.
Relatório com que o Excelentíssimo Senhor Doutor Fausto Augusto de Aguiar. Prezidente
da Província abriu a 1
a.
Sessão Assembléia da Assembléia Legislativa Provincial no dia 1
a
.
de Julho de 1850.
Relatório Apresentado pelo Excelentíssimo Senhor Doutor Joaquim marcos de Almeida
Rego. Prezidente da Província do Ceará: na abertura da 2
a.
Sessão Ordinária da 8
a
.
legislatura da Assembléia da Assembléia Legislativa da Mesma Província no dia 1
a
. de
Outubro de 1851.
JORNAL
Jornal Cearense, ano III no. 143. Fortaleza. 20. 04. 1848.
Jornal Cearense, ano III no. 178. Fortaleza. 02. 05. 1850.
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