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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO – POMPÉIA
MESTRADO EM BIOÉTICA
A BIOÉTICA NO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE SOBRE ESPAÇOS DA BIOÉTICA NO PROJETO
EDUCACIONAL DA ESCOLA ESTADUAL JOAQUIM RIBEIRO – RIO CLARO/SP
TELMA HUSSNI MESSIAS
SÃO PAULO
2007
TELMA HUSSNI MESSIAS
11
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A BIOÉTICA NO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE SOBRE ESPAÇOS
DA BIOÉTICA NO PROJETO EDUCACIONAL DA ESCOLA
ESTADUAL JOAQUIM RIBEIRO – RIO CLARO/SP
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação e Mestrado em Bioética do Centro
Universitário São Camilo, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr.. Pe. Márcio Fabri dos Anjos,
Co-orientação: Profa. Dra. Margaréte May
Berkenbrock Rosito
SÃO PAULO
2007
TELMA HUSSNI MESSIAS
12
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A BIOÉTICA NO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE SOBRE ESPAÇOS
DA BIOÉTICA NO PROJETO EDUCACIONAL DA ESCOLA
ESTADUAL JOAQUIM RIBEIRO – RIO CLARO/SP
SÃO PAULO, 2007.
__________________________________________________________
PROFESSOR ORIENTADOR
__________________________________________________________
PROFESSOR EXAMINADOR
AGRADECIMENTOS
13
Este trabalho concedeu-me o privilégio de aprender com muitas pessoas, abrindo-
me caminhos nunca antes percorridos. Todas essas pessoas tocaram a minha vida,
enriquecendo-a sobremaneira. Nesse processo maravilhoso, cruzei o caminho de
mestres, amigos, colaboradores, familiares e, principalmente, dos intelectuais de
várias áreas do conhecimento, com os quais convivi através das leituras dos textos
que compõem o referencial teórico da pesquisa. A esses, também quero agradecer.
Com profundo respeito e eterna gratidão agradeço a minha mãe, Yone, e ao meu
pai, Niazi (in memoriam), por minha formação e por serem meu referencial de
postura, dignidade e coragem.
À minha irmã Mônica, eterna confidente, pelo papel fundamental que desempenhou
nessa conquista, confirmando sua importância em minha história pessoal como
melhor amiga e incentivadora de todos os momentos.
Agradeço, com muito amor, ao meu marido Carlos, meu companheiro e o
responsável pela minha maior experiência de vida: ser mãe do Jorge e do Elias,
aprendendo com eles, descobrindo com eles e lutando por eles.
Aos meus irmãos Sérgio (in memorian) Ivan e Alex, com os quais aprendi muito
sobre união, sobre o amor de família, sobre darmos as mãos.
Agradeço a “Deus” por ter esta família maravilhosa e unida, composta de meus
avós, sobrinhos, cunhadas e cunhados, tios, tias e primos, onde todos ocupam o
lugar do afeto na minha trajetória de vida.
Meus agradecimentos especiais ao Centro Universitário São Camilo, por ter me
acolhido nestes dois anos de estudo.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Pe. Márcio Fabri dos Anjos, pela atenção,
colaboração, amizade, paciência e exemplo marcante de ser humano e profissional.
Serei eternamente grata.
À profa. Dra. Margaréte May B. Rosito, pela atenção despendida e colaboração.
Também, pela paciência e pelas palavras de coragem, nestes dois anos. Meu muito
obrigado.
Aos Profs. Drs. William Saad Hossne, Padre Leo Pessini e Padre Christian de
Paul de Barchifontaine, sou grata pela amizade, incentivo, estímulo, e orientações
possibilitando concluir meu curso de mestrado.
Aos meus colegas de pós-graduação pelo tempo que passamos juntos, pela
amizade e pelo imenso aprendizado.
Á minha amiga de muitos anos, Sandra, por seu profissionalismo e competência nas
correções e adequações.
Aos funcionários dessa instituição, e a todos que, direta e indiretamente, ajudaram-
me nestes dois anos de curso e na realização deste trabalho.
14
AGRADECIMENTO ESPECIAL
A Deus, em Quem nos movemos e que nos faz
respirar, que nos concede a força diária para
perseguir os nossos sonhos e nos alimenta com a
esperança no futuro.
15
Dedico este trabalho ao meu marido, Carlos
Alberto Messias; aos meus filhos, Jorge Luiz
Hussni Messias e Elias Hussni Messias, razão
de minha vida. Graças a eles, descobri o
verdadeiro valor do amor. Obrigado por vocês
existirem.
16
“Os grandes problemas da humanidade de hoje,
mesmo sem rejeitar a grande contribuição da
ciência e da tecnologia para superar as condições
de miséria e de deficiência dos diferentes
gêneros, podem ser resolvidos por intermédio
da reconstrução da comunhão humana e, todos
os níveis mediante solidariedade, a qual deve ser
entendida como a determinação firme e
perseverante de empenhar-se para o bem
comum, isto é, para o bem de todos e para que
todos sejam verdadeiramente responsáveis por
todos.”
Christian de Paul de Barchifontaine
17
RESUMO
O presente trabalho analisa o projeto pedagógico voltado ao Ensino Médio
da Escola Estadual Joaquim Ribeiro, situada na cidade de Rio Claro, estado de São
Paulo, no Brasil. O objetivo da investigação é observar a existência de prováveis
espaços para a Bioética no citado projeto, avaliando-se a presença ou não dos
referenciais bioéticos: autonomia, respeito à vulnerabilidade/dignidade humanas e
justiça/eqüidade. A análise também se apóia no estudo do Regimento Interno da
escola, com a finalidade de contextualizar o objeto da pesquisa. O estudo está
focado na redação do projeto, sistematicamente analisado em relação ao referencial
teórico selecionado e que contempla as várias áreas do conhecimento que se
entrelaçam para subsidiar a visão que se pretende delinear.
Palavras-chave: Ensino Médio; Bioética; Projeto Pedagógico.
ABSTRACT
18
The present work analyzes the pedagogic project returned to the Medium
Teaching of the State School Joaquim Ribeiro, located in Rio Claro City, state of São
Paulo, in Brazil. The objective of the investigation is to observe the existence of
probable spaces for Bioethic in mentioned project, being evaluated the presence or
not of the bioethic’s referencials: autonomy, respect to the vulnerability/dignity
human’s, and justice/justness. The analysis also leans on in the study of the Internal
Regiment of the school, with the objective of to draw the context of the research
object’s. The study is focused in the composition of the project, systematically
analyzed in relation to the selected theoretical base and that the several areas of the
knowledge that are interlaced to subsidize the vision that intend to delineate
meditates.
Keywords: Medium Teaching Bioethic, Pedagogic Project.
SUMÁRIO
19
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO 11
CATULO 1 – BIOÉTICA E EDUCAÇÃO: EM BUSCA DE UMA VISÃO 16
1.1 Bioética: aproximações ao conceito 16
1.1.1 Referenciais bioéticos investigados no corpus da pesquisa 20
1.2 Cenários da Educação na contemporaneidade 24
1.3 Cenários da Educação no Brasil: Ensino Médio 28
1.4 Educação e Bioética: vínculos possíveis 33
CATULO 2 - ANÁLISE DA PROPOSTA PEDAGICA DE ESCOLA DA REDE
PÚBLICA VOLTADA PARA O ENSINO MÉDIO 39
2.1 Aportes teóricos: a elaboração de propostas pedagógicas 39
2.2 Cenários: informações sobre o município onde a E.E Joaquim
Ribeiro está inserida 43
2.2.1 Perfil da EE Joaquim Ribeiro 46
2.3 Análise da proposta pedagógica em relação aos referenciais
bioéticos 51
2.3.1 Espaço para o referencial bioético - respeito à dignidade e
vulnerabilidade humanas 52
2.3.2 Espaço para o referencial bioético - justiça/eqüidade 54
2.3.3 Espaço para o referencial bioético - autonomia 57
2.4 Teorização dos resultados obtidos 63
2.4.1 Da teoria à prática: abordagens possíveis 67
CONCLUSÃO 72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74
ANEXO I Projeto Pedagógico
ANEXO II Termos de Consentimento
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa a presença de prováveis espaços para a
Bioética no projeto pedagógico de escola da rede pública voltada para o Ensino
20
Médio. É importante ressaltar que, inicialmente, o interesse pelo tema proposto para
ser abordado neste projeto surgiu devido ao fato de ter um filho cursando o Ensino
Médio em escola pública, o que me aproxima desse universo. Também, por
entender que as transformações progressivas e em plena expansão, que estão
ocorrendo em todos os campos do conhecimento humano, desembocam,
inevitavelmente, no campo educacional.
Nesse contexto, foi se construindo a idéia de que a Bioética, em seu caráter
trans, inter e multidisciplinar, tem imenso potencial para contribuir com uma
educação que priorize a dignidade humana, os direitos humanos, a responsabilidade
e a autonomia conferida pelo conhecimento. Assim, tornou-se cada vez mais
atraente a possibilidade de investigar componentes bioéticos no âmbito educacional,
através da análise documental de projeto político-pedagógico de uma escola pública.
Outro fator que impulsionou a pesquisa foi a leitura do documento da
Unesco conhecido como “A Declaração sobre a Ciência e o Uso do Conhecimento
Científico”, publicado em 1999, que enfatiza a necessidade de a Ética e a
responsabilidade da Ciência integrarem todos os projetos educacionais, facultando
que os estudantes adquiram consciência sobre os dilemas éticos que marcam a
nossa sociedade, com os quais fatalmente se depararão em suas futuras vivências
profissionais. Tal documento valida a importância de se investigarmos a ampla zona
de intersecção que se forma entre o campo educacional e o campo bioético.
Na outra vertente, apontamos que a Bioética, desde o seu surgimento na
década de 1970, ampliou muito o seu campo doutrinário e conceitual, abrangendo
todas as áreas do saber, não se restringindo aos saberes vinculados à saúde,
ciência e tecnologia, de modo geral. Quando criou o neologismo ‘bioética’, Potter
o definiu em sua globalidade: “a ciência da sobrevivência humana”. Ora, se está
relacionada à sobrevivência humana, vincula-se à educação por afinidade de projeto
e de objetivos.
Definida a meta precípua: investigar a presença de espaços relevantes que
a Bioética pode ocupar em projetos pedagógicos de escolas da rede pública
21
voltadas para o Ensino Médio, no Brasil, estabeleceu-se alguns vieses específicos
de investigação:
Estudar os espaços presentes e/ou recomendáveis para a bioética no projeto
pedagógico da Escola Estadual Joaquim Ribeiro, na cidade de Rio Claro,
estado de São Paulo, priorizando as vertentes: autonomia, respeito à
vulnerabilidade/dignidade humanas e justiça/equidade.
Observar, como base teórica para a análise do tema, a ampla zona de
intersecção formada pelos saberes da Educação e da Bioética, ressaltando o
caráter trans, multi e pluridisciplinar que a Bioética demonstra, e que se revela
coerente com as diretrizes educacionais para o século XXI.
Selecionar e fundamentar alguns referenciais da Bioética adequados às
propostas pedagógicas do Ensino Médio e, com isso, enfatizar a importância
de que esses referenciais permeiem o universo educacional.
Justifica-se o projeto de pesquisa pela relevância de se investigar a
abrangência que os conteúdos bioéticos relacionados à autonomia, respeito à
vulnerabilidade/dignidade humanas e justiça/equidade podem ter no Ensino Médio,
que, no contexto brasileiro, reflete as desigualdades sociais prevalentes no país.
Também, devido à necessidade de se resgatarem os fundamentos éticos da
educação em valores humanos, o que talvez possa contar com a contribuição do
ideário bioético relacionado aos referenciais contemplados na pesquisa.
É importante referir, ainda, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
de 1996 - LDB/96 caracteriza o Ensino Médio como parte integrante da Educação
Básica, conforme explicita o artigo 21: “A educação escolar compõe-se de: I
Educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio;” Significando, com isso, que o Ensino Médio tornou-se parte integrante das
etapas do processo educacional, considerado fundamental para o exercício da
cidadania e para o desenvolvimento pessoal.
Finalmente, parece uma justificativa bastante válida a necessidade de
transmitir aos jovens, o mais precocemente possível, as informações acerca da
dimensão ética e da responsabilidade vinculadas ao conhecimento científico e a
Tecnociência.
22
Quanto à metodologia, o objeto de estudo - projeto pedagógico da Escola
Estadual Joaquim Ribeiro, na cidade de Rio Claro/SP pode ser aceito como
documento, pois segundo o dicionário Aurélio, documento se define como “qualquer
base de conhecimento, fixada materialmente e disposta de maneira que se possa
utilizar para consulta, estudo, prova etc”. Assim, a presente pesquisa pode ser
denominada estudo de documento ou “análise documental", com a finalidade de
captar informações contidas no texto, de modo explícito ou implícito (FRANCO,
2005, p.11).
Franco refere que a análise de conteúdo se configura como um conjunto de
técnicas cuja aplicabilidade está ligada à verificação de questionamentos e
hipóteses. É essa, justamente, a função atribuída à análise de documentos neste
trabalho. A análise documental envolve as seguintes etapas: a) escolha do
documento; b) leitura do documento; c) análise do documento em relação à
premissa norteadora do projeto de pesquisa (no caso, averiguar a presença de
referenciais da Bioética no dito documento, com respaldo no estudo sistemático da
fundamentação teórica).
É pertinente esclarecer, quanto à escolha do documento, que o projeto
pedagógico da EE Joaquim Ribeiro foi selecionado para estudo, pois expressa o
discurso político-pedagógico da comunidade escolar que o redigiu seguindo um
padrão democrático, conforme informações obtidas no próprio documento. Assim, a
partir do projeto político-pedagógico da EE Joaquim Ribeiro pretende-se elaborar
inferências qualitativas, cujo fundamento é a hipótese de existirem espaços para os
referenciais bioéticos no citado projeto.
Considerando a abordagem qualitativa deste estudo, os possíveis espaços
da Bioética no projeto pedagógico da Escola Pública de Ensino Médio EE Joaquim
Ribeiro, torna-se conveniente ressaltar a realidade subjetiva presente na análise do
documento. Nessa perspectiva, o pesquisador surge como elemento fundamental da
pesquisa qualitativa.
Desse modo, o eixo da pesquisa qualitativa configura-se como um
processo interativo, no qual o pesquisador apreende o significado que o documento
apresenta a partir da sua própria percepção, que está relacionada com a sua visão
23
de mundo, com seus conhecimentos prévios. Portanto, a partir de seu próprio
repertório é que atende os objetivos de descrever e entender como o documento se
apresenta, extraindo os significados que atendam aos objetivos da investigação.
A pesquisa qualitativa opera com procedimentos metodológicos que
buscam, explicitam e analisam fenômenos ocultos ou visíveis. Segundo Chizzotti
(2000), a pesquisa qualitativa se define como aquela que:
(...) parte do fundamento de que uma relação dinâmica entre o mundo
real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um
vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito.
Nessa perspectiva, o conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados,conectados por uma teoria explicativa; o sujeito observador é parte
integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes um significado e relações que sujeitos concretos criam em
sua ações (CHIZZOTTI, 200, p.79)
Explicitadas as bases metodológicas da pesquisa, salienta-se que a
investigação está alicerçada nos seguintes questionamentos:
O resgate dos fundamentos éticos da educação em valores humanos pode ser
efetivado através da disseminação de referenciais da bioética, principalmente:
autonomia, responsabilidade, respeito à vulnerabilidade/dignidade humanas e
justiça/equidade?
Investigar a presença (ou não) de componentes da bioética no âmbito do
ensino/aprendizagem da escola pública brasileira pode permitir, a partir das
respostas adquiridas, a ressignificação do conteúdo das propostas pedagógicas
através da inserção do ensino da Bioética?
que a UNESCO, no documento conhecido como “A Declaração sobre a
Ciência e o Uso do Conhecimento Científico”, enfatiza que a ética e a
responsabilidade da ciência devem integrar todos os projetos educacionais,
visando que os estudantes adquiram consciência sobre os dilemas éticos que
marcam a nossa sociedade, com os quais fatalmente se depararão em suas
futuras vivências profissionais, pode-se afirmar que a Bioética trará aportes
relevantes para a Educação do século XXI?
24
Isto posto, aponta-se que o Capítulo 1 apresenta a fundamentação teórica
do trabalho, subdividida em tópicos distintos que contemplam: aproximações ao
conceito de Bioética; aportes específicos sobre os referenciais bioéticos investigados
no corpus da pesquisa; vieses dos cenários da Educação na contemporaneidade;
exposição de um panorama geral sobre o Ensino Médio brasileiro; reflexões acerca
dos vínculos possíveis entre Educação e Bioética.
O Capítulo 2 introduz dados teóricos sobre a elaboração de propostas
pedagógicas, de modo geral. Em seguida, traz informações sobre ao município onde
a escola cuja proposta é analisada se insere. Em outro tópico são fornecidos dados
acerca da própria escola e procede-se à análise do projeto, objeto desta dissertação.
Inclui-se no mesmo tópico uma discussão do projeto em relação à fundamentação
teórica exposta no capítulo 1.
Finalmente, procede-se a algumas teorizações sobre o tema, visando
ensaiar uma leitura dos resultados desta pesquisa em vista da elaboração de
projetos pedagógicos no Ensino Médio de escolas públicas, de modo geral. Suposto
está que, ao analisar apenas um projeto pedagógico, como acima se descreve,
assumem-se os limites que, de alguma forma poderiam ser relativizados se outros
projetos fossem concomitantemente estudados. Mas, como se verá, os resultados
parecem, não obstante isto, ser de grande proveito.
CAPÍTULO 1 BIOÉTICA E EDUCAÇÃO: EM BUSCA DE UMA VISÃO
Neste capítulo, apresentam-se os referenciais teóricos que embasam a
temática analisada na dissertação, que investiga os conteúdos de caráter bioético no
25
projeto pedagógico de escola pública voltada para o Ensino Médio. A
fundamentação contempla as seguintes vertentes: breve retrospectiva conceitual da
Bioética, com ênfase nos referenciais de autonomia, respeito à
vulnerabilidade/dignidade do ser humano e eqüidade/justiça; paradigmas da
Educação na contemporaneidade; cenários atuais da Educação no Brasil,
especificamente relacionados ao Ensino Médio; análise dos vínculos entre Educação
e Bioética. O objetivo da abordagem desses temas é a construção de um painel que,
posteriormente, contribua para contextualizar a análise do projeto pedagógico.
1.1 Bioética: aproximações ao conceito
A Bioética, segundo define Barchifontaine (2006) é a ética da vida, de todas
as formas de vida. Lolas (1998) explica que, segundo a tradição mais consensual, o
termo foi introduzido na literatura científica por Van Rensselaer Potter, em 1971, e
relacionava-se ao conceito de uma ética global/ambiental que envolvia vários
discursos: “(...) o biológico-evolucionista e o valorativo, num objetivo interdisciplinar
que encontra paralelos e semelhanças em outros campos do saber.” (LOLAS, 1998,
p.29).
Sob a perspectiva histórica, torna-se importante citar a Encyclopedia of
Bioethics, obra de referência fundamental para entender a evolução da Bioética. A
primeira edição da obra ocorreu em 1978, contribuindo para a formação desse
campo de conhecimento. Definia que: “A bioética abarca a ética médica, porém não
se limita a ela. (...) A bioética constitui um conceito mais amplo” (Reich, 1982, apud
Pessini, 2006, p.27).
Embora a acepção de Potter fosse muito abrangente, no início de seu
desenvolvimento a Bioética aplicava-se, sobretudo, aos campos da Medicina e
Biomedicina, áreas que desde a antiguidade demonstraram preocupação com as
questões éticas.
A segunda edição da Encyclopedia, datada de 1995, explicitava: “Bioética
[se refere ao] (...) estudo sistemático das dimensões morais incluindo visão,
decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma
26
variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar” (Reich, 1996, apud
Pessini, 2006).
Em 2003, surgiu a terceira edição, incluindo uma ampla gama de novos
temas e diferentes abordagens de temas visitados nas edições anteriores.
Confirmou-se, também a ‘vocação’ transdisciplinar desse campo do saber (Pessini,
2006).
Por sua vez, Lolas (1998) ressalta que o surgimento da Bioética também
está vinculado às reflexões filosófica e teológica prevalentes naquele momento
histórico e que a intenção prioritária de Potter, por ocasião da criação do
neologismo, era fundar “uma nova matriz cultural, um modelo de pensamento
integrador” (p.31). Essa última assertiva citada explicita de modo mais apropriado o
conceito de Bioética que, neste trabalho, surge associado à Educação.
Conforme afirma Lepargneur (1996), nenhum fenômeno histórico relevante
deriva de fatores isolados, mas da conjunção de fatores e ocorrências, e o advento
da Bioética não foi diferente. Está estreitamente ligado às pressões do momento
histórico marcado pelos progressivos avanços no terreno das Ciências Biológicas e
da Biotecnologia, que coincidiu com a dessacralização do ethos ancestral e a
rejeição de antigos dogmas, deixando um vácuo no campo dos desafios éticos que
deveriam estar aptos a lidar com as novas questões que se impunham.
Lepargneur (1996) ressalta, também, que a Bioética em seus primórdios foi
enunciada através de três princípios básicos: autonomia, beneficência e equidade.
Para ele, enumerar tais princípios não dá conta de expor a complexidade da Bioética
que, como é concebida hoje pressupõe antigas e consolidadas tradições éticas
decorrentes de valores prevalentes no seio do ethos social.
Barchifontaine e Pessini (2001) apontam que a Bioética (quer entendida
como disciplina, ciência ou movimento social) evoluiu do nível micro que a
restringia à área médica e biomédica para o nível macro envolvendo áreas da
Saúde, Política, Educação, Meio-ambiente, Sociologia, Tecnologia, etc. Significando
com isso que a Bioética, na atualidade, busca e propõe respostas bem mais
abrangentes aos dilemas éticos da sociedade.
27
Diante dessa pluralidade de desafios temáticos advindos dos mais diversos
campos do conhecimento humano, Fabri (2001, p. 21) explica: “Assim, a bioética se
constitui por forte interdisciplinariedade e transversalidade com respeito a ciências e
campos em que a vida e a saúde são tratadas.” Justamente, foi com essa marcante
característica pluri, trans e interdisciplinar que a Bioética adentrou o Século XXI.
Assim, entende-se que, começando com Potter, a Bioética recebeu e
continua recebendo incontáveis aportes teóricos, que contribuem para configurá-la,
na contemporaneidade, como uma zona de intersecção para onde confluem as
grandes questões humanas. Nesse sentido, é válida a premissa de Lepargneur:
A discussão bioética que procura maximizar o consenso sobre normas
práticas que dizem respeito à vida e à saúde da espécie humana deve
ultrapassar o círculo de especialistas, não apenas para esclarecer e
motivar um público mais amplo da sociedade civil, obviamente envolvido
no questionamento bioético, mas, sobretudo, para que sejam votadas,
promulgadas e implementadas leis ou regulamentações que assegurem
a efetividade das decisões. (...) Se toda sociedade deve colocar sua
experiência coletiva a serviço de sua legítima sobrevivência e
salubridade, quanto mais essa exigência se faz urgente quando as
nações detêm o poder de reduzir a humanidade a pó. (LEPARGNEUR,
1996, p.78).
As assertivas de Lepargneur apontam para a relação privilegiada que a
bioética mantém com o campo educacional, sobretudo se forem entendidas no
cenário atual, quando se observa que “As disciplinas biomédicas evoluem para uma
imbricação maior com as humanidades e as ciências psicológicas e sociais.” (Lolas,
2001, 73).
A possível confluência de visões da Bioética e da Educação também se
revela no documento Declaracion sobre la Ciência:
La práctica de la investigación científica y la utilización del saber
derivado de esa investigación deberían estar siempre encaminadas a
lograr el bienestar de la humanidad, y en particular la reducción de la
pobreza, respetar la dignidad y los derechos de los seres humanos, así
como el medio ambiente del planeta, y tener plenamente en cuenta la
responsabilidad que nos incumbe con respecto a las generaciones
presentes y futuras. Todas las partes interesadas deben asumir un
nuevo compromiso con estos importantes princípios. (UNESCO, 2000)
28
Nesse sentido, Oliveira (1997) propõe uma concepção bastante apropriada
que, em síntese, afirma que a Bioética objetiva conciliar o uso das ciências
biomédicas e suas tecnologias com os direitos humanos. Para a autora:
Parte fundamental da luta da resistência em defesa da espécie é tornar o
conhecimento tecnocientífico acessível às pessoas comuns, como
elemento necessário ao exercício da cidadania social e política. (...)
Colocar esse conhecimento ao alcance das pessoas não especialistas
está na ordem do dia, pois ao compreendê-los elas poderão decidir ,
com conhecimento de causa e segurança, quais os caminhos a eleger
para o futuro da humanidade. (OLIVEIRA, 1997, p.77).
Finalmente, torna-se pertinente destacar que, no campo da conceituação, a
proposição de Hossne (2006) é que a Bioética seja compreendida a partir dos
‘referenciais bioéticos’, que permitem expandir a visão que se tem dela:
Os referenciais seriam, como o próprio nome indica, as pontes de
referência para a reflexão bioética; assim, os ‘princípios’ deixam de ser
princípios (direito e/ou deveres) e passam a ser pontos de referência,
aliás, importantíssimos, porém, não só eles. (HOSSNE, 2006, p. 675)
Portanto, a evolução da Bioética, em quaisquer das abordagens teóricas
que a definem (seja no campo científico, seja como disciplina acadêmica ou
movimento social), indica o seu perfil pluriarticulado, que a torna apta ao
estabelecimento de diálogos enriquecedores com todas as áreas do conhecimento,
visando beneficiar a sociedade e o indivíduo. Concernente a essa evolução, Messetti
(2007) afirma: “(..) de neologismo, a Bioética passou, em pouco tempo, a compor
uma grande área de conhecimento, cujo conteúdo conceitual e doutrinário está em
franca expansão.”
1.1.1 Referenciais bioéticos investigados no corpus da pesquisa
Quanto ao objetivo desse trabalho, e considerando-se que os referenciais
bioéticos estão embasados em valores éticos universalmente aceitos, define-se
29
como corpus da pesquisa a investigação da presença e amplitude, no projeto
pedagógico, dos referenciais de autonomia, respeito à vulnerabilidade/dignidade
humanas e eqüidade/justiça. Assim, as considerações bioéticas acerca da
autonomia, da eqüidade e do respeito à vulnerabilidade do ser humano delimitam o
corpus da análise.
Com referência ao termo autonomia e à concepção do que seja, sob o
ponto de vista filosófico, Kant propõe que a autonomia deve ser entendida a partir de
um sentido de universalidade:
A autonomia da vontade é a constituição da vontade, pela qual ela é
para si mesma uma lei - independentemente de como forem constituídos
os objetos do querer. O princípio da autonomia é, pois, não escolher de
outro modo, mas sim deste: que as máximas da escolha, no próprio
querer, sejam ao mesmo tempo incluídas como lei universal. (Kant, sd,
70)
Segundo a óptica educacional, Piaget (1974) ressalta: “Autonomia como a
capacidade de coordenação de diferentes perspectivas sociais com o pressuposto
do respeito recíproco". A assertiva de Piaget, de certa forma, é coerente com as
premissas de Freire (1996, p. 66), quando afirma: “O respeito à autonomia e à
dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não
conceder uns aos outros.”
É Freire (1996) que também esclarece que a autonomia se funda na
responsabilidade que o indivíduo vai assumindo ao longo da sua vida. Para Freire a
conquista da autonomia passa pelo amadurecimento da liberdade no confronto com
outras liberdades, ou seja, no exercício do respeito mútuo, proposto por Piaget.
Nesse sentido, o autor estabelece que ninguém se torna autônomo sem antes
assumir responsabilidades:
O que é preciso, fundamentalmente mesmo, é que o [indivíduo] assuma
eticamente, responsavelmente, sua decisão, fundante de sua
autonomia. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A
autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras
decisões que vão sendo tomadas.(...) A autonomia, enquanto
amadurecimento do ser para si, é processo é vir a ser. (...) É neste
sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em
experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade (...)
(FREIRE, 1996, p. 119-121)
30
Assim, Freire (1996) aponta para uma elaboração da autonomia respaldada
na ética e na responsabilidade, o que nos remete aos pressupostos de Segre et al
(2000) quando afirmam que a autonomia se coloca como uma questão
pluridisciplinar, passível de ser abordada sob variadas vertentes, e, particularmente,
enfatizam a autonomia segundo o enfoque do “sentido ético”. Os autores continuam
sua análise propondo que:
(...) para nós a autonomia é uma abstração. Partimos do pressuposto de
que ela exista. Esse pressuposto é uma crença, transitando pelo terreno
da afetividade, não apenas do pensamento racional. Assim como um
religioso poderá ser incapaz de "pensar" fazendo abstração dos
desígnios divinos dos quais todos dependeríamos, ou um jurista
pragmático não conseguirá "inovar" filiando-se irrestritamente ao
ordenamento legal vigente, nós, enquanto autonomistas, optamos
pela aceitação de um livre-arbitrismo, de um exercício da vontade,
de um "self" transcendente a todos os condicionamentos virtualmente
recebidos. (SEGRE, 2000. Grifos nossos)
Definida a abrangência do termo autonomia e a impossibilidade de limitá-lo
a um enunciado específico, destaca-se que, para a Bioética o referencial autonomia
se configura como o direito do indivíduo decidir sobre todas as coisas que afetam
sua vida. Nesse sentido: “Diz-se que uma pessoa atua com autonomia quando tem
independência em relação a controles externos e capacidade para atuar segundo
uma escolha própria” (Lolas 1998, p. 62. Grifos do autor).
Depreende-se da explanação de Lolas (1998) que o referencial de
autonomia propõe que os indivíduos sejam respeitados como atores sociais morais
aptos a tomar decisões informadas, ou seja, mediante o aporte de informações que
possibilitem essa tomada de decisão. Aqui, também se observa um paralelo com as
reflexões de Freire (1996), quando alicerça o exercício da autonomia na
responsabilidade e na ética.
Por sua vez, o Relatório Belmont
1
, em sua abordagem sobre a autonomia
caracteriza-a como o Princípio do Respeito às Pessoas”, e, mediante esse viés,
destaca que a autonomia:
1
Publicado em 1978 constitui-se num importante documento que estabeleceu às bases para a adequação ética
da pesquisa nos Estados Unidos.
31
(...) incorpora, pelo menos, duas convicções éticas: a primeira que os
indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos, e a segunda,
que as pessoas com autonomia diminuída devem ser protegidas. Desta
forma, divide-se em duas exigências morais separadas: a exigência do
reconhecimento da autonomia e a exigência de proteger aqueles com
autonomia reduzida. (BELMONT REPORT, 1978)
A questão da proteção para com aqueles cuja autonomia está diminuída
remete ao referencial respeito à vulnerabilidade e dignidade humanas, que
também será pesquisado no projeto pedagógico, objeto desse estudo. Campbell
(2003, p. 88) afirma: “A essência da humanidade é a vulnerabilidade”. Além dessa
vulnerabilidade condicionante da existência humana circunstâncias que tornam
indivíduos e grupos mais vulneráveis. Nesse contexto:
Pessoas vulneráveis são pessoas relativa ou absolutamente incapazes
de proteger seus próprios interesses. De modo mais formal, podem ter
poder, inteligência, educação, recursos e forças insuficientes ou outros
atributos necessários à proteção de seus interesses. (MACKLIN, 2003, p.
60)
Nessas circunstâncias descritas por Macklin torna-se necessário criar
estratégias de recuperação da autonomia desses indivíduos, visando salvaguardar
os seus direitos e sua dignidade diante das ameaças externas. Segundo a
explanação de Garrafa e Porto (2003), as condições atuais de vida assinalam os
péssimos indicadores do desequilíbrio social, principalmente nos países mais pobres
da América Latina. Os autores falam no “lado historicamente mais frágil da
sociedade” (Garrafa e Porto, 2003, p.36) e postulam que, nessas condições, “a
bioética surgiu para reforçar o lado mais frágil de qualquer inter-relação
historicamente determinada” (p.37).
Os autores pleiteiam que a globalização econômica agravou
profundamente o problema das desigualdades sociais culminando com o fato de
que, hoje, a grande maioria dos indivíduos que vivem nos países em
desenvolvimento luta por mínimas condições de sobrevivência e dignidade. E
reitera: “As disparidades, desigualdades e a inacessibilidade da maioria da
população mundial a uma existência digna revelam absoluta falta de ética” (Garrafa
e Porto, 2003, p.37).
32
Portanto, Garrafa e Porto (2003) sugerem que um processo de
desempoderamento contínuo desses indivíduos e grupos a partir da imposição de
estruturas econômicas e sociais que determinam a sua exclusão. Ou seja, não se
trata de perda da autonomia e incremento da vulnerabilidade devido a limitações
individuais, mas resultantes de decisões políticas e de mercado (representante dos
mais variados centros de poder) que impedem, sistematicamente, a existência
autônoma e digna de certas populações, num dado contexto.
Quanto ao referencial eqüidade/justiça, assinala-se que:
A busca da eqüidade, o reconhecimento de necessidades diversas em
sujeitos também diferentes para atingir objetivos iguais são um dos
caminhos da ética prática diante da necessidade de expandir o acesso
aos direitos humanos universais. (GARRAFA e PORTO, 2003, p.38)
A eqüidade, na definição do dicionário Aurélio surge como: “a disposição de
reconhecer igualmente o direito de cada um”; ainda: “Conjunto de direitos imutáveis
de justiça”. Garrafa e Porto (2003) afirmam que, na prática, eqüidade e igualdade
não são sinônimos, antes, a primeira é o ponto de partida para a conquista da
segunda.
Segundo Oliveira (1997, p.56) para a Bioética o referencial justiça implica
na “justa distribuição dos bens e serviços”; essa distribuição não deve ocorrer
igualitariamente, mas de modo equânime: “avaliar quem necessita mais deve
preceder a atenção igualitária”. A premissa de Oliveira concorda com os postulados
de Pegoraro (2006, p. 5), quando afirma que: “Enfocar a bioética sob o ângulo da
justiça como cuidado é, portanto, uma vertente que merece especial ênfase nos
países periféricos, como a África e a América Latina”.
Depreende-se que justiça como cuidado, nessa concepção, abrange as
camadas mais excluídas da população. Oliveira (1997), Garrafa e Porto (2003) e
Pegoraro (2006) assentem que a busca da eqüidade está cada vez mais difícil,
que a ação de grupos hegemônicos que atuam segundo “(...) a lógica capitalista de
que os fins justificam os meios” (Garrafa e Porto, 2003, p.39) acaba por ampliar as
desigualdades e solapar a consolidação de “estratégias políticas e econômicas
autóctones” (id).
33
Nesse contexto descrito, a injustiça está generalizada e a exclusão e
desigualdade são entendidas como parte de um processo histórico que marca a
cultura ocidental, sobretudo, na América Latina, espoliando os indivíduos de sua
própria condição humana.
Os referenciais da Bioética assinalados, na concepção de Silva e
Krasalchick (2005), são fundamentais na perspectiva da Bioética latino-americana,
na qual os conceitos de eqüidade/justiça ocupam posição cultural privilegiada. Eles
defendem que:
(...) a bioética na América Latina tem encontro obrigatório com a pobreza
e a exclusão social, ampliando a reflexão ética, (...) tem o desafio de
resgatar a visão biossociológica (...) que questiona os altos
investimentos da biotecnologia, pois suas conquistas estão reservadas a
poucos da sociedade. A bioética é, portanto, um importante instrumento
para a socialização do debate sobre as tecnociências. (SILVA e
KRASALCHIK, 2005, p. 2)
Resumindo os pressupostos abordados, apontamos que a Bioética
mediada pelos referenciais que norteiam a sua concepção e atuação prática busca
garantir a sobrevivência de todos os seres vivos em condições dignas, no seu
próprio lócus social. Parece óbvio que tal proposta vincula-se estreitamente ao
campo educacional.
1.2 Cenários da Educação na contemporaneidade
Para a vertente de análise que interessa a esse trabalho não se considera
oportuno neste momento revisar a diversidade de teorias e práticas educacionais,
historicamente construídas, referentes à Educação em todos os seus vieses,
sobretudo porque esta tarefa exigiria examinar muitos contributos das mais variadas
áreas do conhecimento, o que não constitui o objetivo do presente estudo.
A observação dos cenários aponta que:
Nas últimas duas décadas do século XX assistiu-se a grandes mudanças
tanto no campo socioeconômico e político quanto no da cultura, da
ciência e da tecnologia. (...) As transformações tecnológicas tornaram
34
possível o surgimento da era da informação. É um tempo de
expectativas, de perplexidade e da crise de concepções e paradigmas
(...) um momento novo e rico de possibilidades. Por isso, não se pode
falar do futuro da educação sem certa dose de cautela. (GADOTTI, 2000,
p.3. Grifos do autor)
Assim, pretende-se utilizar neste estudo apenas algumas tendências
educacionais mais identificadas na contemporaneidade, considerando que nesse
início do século XXI vivencia-se um momento de perplexidade; e mais, um momento
em que: “(...) pela primeira vez na história da humanidade, não por efeito de armas
nucleares, mas pelo descontrole da produção industrial, pode-se destruir toda a vida
do planeta.” (GADOTTI, 2000, p.4)
Ou seja, mais do que nunca, é o momento de a ‘ética da vida’ – a Bioética
alinhar-se ao contexto educacional, fortalecendo o respeito aos direitos humanos e à
dignidade humana, além de cooperar com a conquista da autonomia e da
responsabilidade que deve respaldá-la.
Na visão de Gadotti (2000, p.7) “A educação tornou-se estratégica para o
desenvolvimento, mas, para isso, não basta ‘modernizá-la’, como querem alguns.
Será preciso transformá-la profundamente.” O autor cita o Relatório para a Unesco
da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI” que define a
aprendizagem continuada (lifelong learning) como o principal fundamento da
Educação contemporânea, que se firma sobre quatro pilares que orientam o futuro
da Educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos,
aprender a ser.
Dentro deste contexto, o citado autor destaca várias “(...) categorias
nascidas ao mesmo tempo da prática da educação e da reflexão sobre ela” (p.9);
salientam-se aquelas válidas para o desenvolvimento deste trabalho: cidadania,
autonomia, transdisciplinaridade e dialogicidade (dialeticidade), o que, naturalmente,
remete aos pensares de Paulo Freire.
Os pilares que compõem o alicerce da Educação na atualidade, assim
como as categorias descritas por Gadotti, encontram ressonância em Freire (1979),
quando afirma que qualquer reflexão sobre Educação envolve a reflexão acerca do
próprio homem e deve ser entendida como uma busca efetivada pelo homem, que,
35
então, é sujeito da Educação e não seu objeto, ou seja, sua definição surge marcada
pela autonomia, enunciado que se aproxima do paradigma bioético e seus
referenciais.
Assim: “No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando (...)
é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia.” (FREIRE, 1996,
p.105). Para Freire, essa aprendizagem da autonomia guarda estreita relação com a
Ética, conforme se observa através das suas assertivas:
Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos
conteúdos da formação ética dos educandos. (...) O ensino dos
conteúdos implica o testemunho ético do professor. (...) Este é outro
saber indispensável à prática docente. O saber da impossibilidade de
desunir o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos.
(FREIRE, 1996, p.105-106)
Em sua abordagem, Freire (1996, p.21) sustenta que “(...) uma pedagogia
da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da
responsabilidade”. Tal pressuposto é pertinente com as categorias citadas acima. A
cidadania, por exemplo, envolve a “(...) autonomia da escola, de seu projeto político-
pedagógico (...) [a discussão acerca] do significado da concepção de escola cidadã
e de suas diferentes práticas.” (GADOTTI, 2000, p.9. Grifos do autor).
Sugere-se, então, que a escola cidadã, a escola que se sustenta nos
pilares do ‘aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender
a ser’ prima por favorecer experiências que possam ajudar os educandos a alcançar
a autonomia e se construírem como seres responsáveis pelo exercício dessa
autonomia. Observa-se nos pressupostos de Gadotti e Freire que ética e autonomia
estão vinculadas.
Por sua vez, Boto (2001, p. 138) contribui para a compreensão do que seria
a educação ética, que promove a autonomia; suas reflexões acerca do panorama
educacional aprofundam-se naquele que ela define como um “cenário nebuloso”, à
partir do qual surge a indagação: “a quem compete transmitir, preservar e fazer
existir os valores e os conhecimentos acumulado”?
36
A síntese da resposta de Boto (2001) ao seu próprio questionamento
explicita a necessidade de pensar a escola e o projeto escolar no contexto bem mais
amplo das múltiplas cenas sócio-culturais que se desenham nas sociedades atuais;
pensar a relação entre escola e família na contemporaneidade; o universo dos
direitos em relação à formação para os deveres. Segundo a autora, é importante
entender que: “Supor um propósito ético em qualquer projeto educativo remete-nos
à acepção primeira de uma formação humanista;” (p.138).
Tal formação humanista se constrói quando o professor se faz mestre:
O mestre faz mais do que colocar os estudantes em contato com o
conhecimento acumulado. O mestre transmite o saber,mas inscreve na
transmissão sua própria marca pessoal, seu sinal. (...) Mestre é aquele
que se mostra capaz de conduzir a adesão da juventude para o campo
das virtudes e para o campo do saber: com palavras de rigor e com
gestos de afeição; com desenhos de utopia e com a radicação da
experiência, com razão e com o coração. (BOTO, 2001, p.139-140)
As reflexões de Boto conduzem à uma outra característica importante da
Educação na contemporaneidade: a interdisciplinaridade. Segundo Rosito (2004,
p.125): “A atitude interdisciplinar depende da relação entre as pessoas” e, ainda: “A
articulação do Saber, Fazer e Ser interdisciplinar fundamenta a perspectiva
interdisciplinar na busca pela superação da fragmentação do conhecimento”.
Rosito (2004, p.126) pretende que a fragmentação dos saberes e fazeres
compromete o entendimento de que “a pluralidade é condição da existência
humana, porque é dessa relação que advém a possibilidade de reprodução do
próprio homem.” Ora, esse postulado guarda íntima relação com a Bioética que: “por
essência é pluralista, multi e trans disciplinar” (Hossne, 2006, p.145).
Assim, quando Rosito (2004, p. 129) afirma que pensar a atitude
interdisciplinar é pensar no encadeamento de uma multiplicidade de conceitos que
levam à autoria de um outro conceito que (...) [permite vislumbrar] uma nova
maneira de ver a vida, o mundo o homem”, pode-se falar numa forma bioética de
educar, que priorize “aprimorar não apenas conhecimentos, mas comportamentos”
(Hossne, 2006, p.147)
37
Finalmente, as premissas expostas acerca da ética, autonomia e
interdisciplinaridade no contexto educacional concordam com a proposição do
“Relatório Delors” quando afirma: “Não são mais apropriadas as respostas
tradicionais à demanda de educação, por serem essencialmente quantitativas e
baseadas na aquisição de conhecimentos”. Essa inadequação ocorre porque, na
contemporaneidade, a Educação deve objetivar:
O desenvolvimento humano na perspectiva de uma cultura de paz,
cabendo-lhe a missão permanente de contribuir para o aperfeiçoamento
das pessoas numa dimensão ética e solidária. Para atingir esse
aperfeiçoamento, tornou-se um imperativo do nosso tempo trabalharmos
juntos uma nova ética universal capaz de imprimir novos rumos ao
desenvolvimento e recuperar o sentido da vida, sobretudo em relação às
crianças e aos jovens que anseiam por um mundo diferente. (DELORS,
J. 1998, p. 96. Grifos nossos)
1.3 Cenários da Educação no Brasil: Ensino Médio
É essencial denotar que o Ensino Médio integra a Educação Básica, que
a Constituição de 1988, no Inciso II do Artigo 208 aponta como dever do Estado “a
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio” (Brasil,
1988) e, posteriormente, a Emenda Constitucional no. 14/96 reiterou “a progressiva
universalização do ensino médio” (Brasil, 1996).
Por sua vez, a LDB/1996 estabelece, em seu Artigo 21, que a Educação
Básica é constituída pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Assim, define-se que o Ensino Médio é uma etapa imprescindível do processo
educacional que o país considera fundamental para o exercício da cidadania.
Observa-se, então, que o Ensino Médio se configura, hoje, como a etapa
final de uma educação geral, afinada com a atualidade e com a conquista de
competências básicas que permitam ao indivíduo inserir-se no mundo do trabalho e
no lócus social. Na perspectiva da LDB/96 o Ensino Médio, como parte da educação
escolar, “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (Brasil, 1996).
A LDB/1996 fundamenta a reforma curricular do Ensino Médio, buscando
conciliar o retorno ao humanismo com a tecnociência. Através dos Parâmetros
38
Curriculares Nacionais (PCNs) estabelece as prioridades dessa etapa do ensino, em
consonância com as mudanças ocorridas em nível mundial. Para o que interessa a
este trabalho, os PCNs se definem em função do objetivo precípuo da educação
brasileira: a formação do cidadão e a valorização do princípio da dignidade do ser
humano, que é o alicerce da Lei Magna de 1988.
Outro alicerce da reforma curricular do Ensino Médio, ratificada pelos
PCNs, diz respeito à interdisciplinaridade, conceito-chave dos parâmetros.
Entretanto, Krawczyk (2003) salienta que:
(...)os conceitos de interdisciplinaridade e competência são interpretados
de diferentes formas pelos professores e também pelos alunos. Sabe-se
que essa mudança conceitual tem a ver com a intencionalidade de
formar o aluno para que possa lidar com as situações presentes.
[Entretanto] (...) na maioria das escolas se associa interdisciplinaridade
com a elaboração, pelo conjunto dos professores, de um ou dois projetos
por ano, nos quais, a partir da definição de vários temas da atualidade,
os alunos escolhem um para aprofundar, pesquisar e expor em grupo,
sendo avaliados por professores de diferentes disciplinas. (KRAWCZYK,
N. 2003, p. 7)
No Brasil, o Ensino Médio foi o que mais se expandiu a partir da década de
80, e, atualmente, o censo escolar de 2006 explicita que as matrículas efetivadas
contabilizam 8,9 milhões de alunos. Entretanto, o país continua apresentando a
insignificante taxa líquida de 25% de escolaridade da população de 15 a 17/18 anos
no Ensino Médio, ou seja, menos de 50% de toda a população de 15 a 17 anos está
matriculada na escola e, destes, metade ainda está no Ensino Fundamental.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisa Educacional (INEP) o Brasil
tem uma das mais baixas taxas de matrícula bruta nessa faixa etária, em relação à
de vários países da América Latina, para não comparar com a Europa, América do
Norte ou Ásia (INEP, 2007).
É necessário ressaltar que as reformas ocorridas no Ensino Médio a partir
de meados da década de 90, sobretudo desde 1998 (portanto, não completaram dez
anos de aplicabilidade), têm se revelado frágeis, já que não foram acompanhadas de
mudanças estruturais significativas. Uma das brechas mais importantes que surge
entre a lei e os programas e a sua efetiva execução se manifesta no fato de que:
39
Desde a promulgação da LDB, em 20 de dezembro de 1996, o ensino
médio passou a ser compreendido como etapa final da educação básica.
No entanto, esta não parece ser a justificativa para a atitude dos
governos estaduais, e sim a carência de condições materiais e humanas
para o funcionamento do nível médio. Os recursos financeiros
disponíveis para o ensino médio são principalmente oriundos dos
organismos internacionais e comprometem contrapartidas estaduais.
Eles são bastante reduzidos e não têm continuidade ou fonte fixa de
arrecadação, geram baixa capacidade de sustentação financeira a longo
prazo, tanto na rede quanto nas escolas. (KRAWCZYK, N. 2003, p. 9)
A fragilidade dos cenários se expressa nos índices que medem o
desempenho educacional, que o Brasil apresenta um desempenho pífio.
Recentemente, em 26 de abril de 2007, foram publicados os resultados do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) explicitando que, dentre os 5.500
municípios do país apenas 10 atingiram a média 6, que caracteriza os países do
chamado ‘Primeiro Mundo’ (Valor Econômico, 2007).
Por sua vez, os resultados do mais recente Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM) demonstram, além da queda do desempenho dos estudantes do EM,
a nítida disparidade entre os alunos da escola pública e privada. O alunado egresso
da escola pública obteve média 34,94 na prova objetiva e 51,23 na redação,
enquanto o grupo que declarou ter estudado somente em escola particular teve
média de 50,57 na prova objetiva e de 59,77 na redação (INEP, 2007)
Dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
aplicado em 2005, também definem que estudantes da série do ensino
fundamental e do 3º ano do ensino médio do país têm o pior resultado em português
e matemática referente aos últimos dez anos (INEP, 2006). Esse panorama
prevalece mesmo em face dos inúmeros programas, ações e projetos implantados
ao longo dos últimos 20 anos (período de vigência da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) com a finalidade de
revertê-lo.
O Brasil, tradicionalmente, não possui uma educação de nível médio
democrática e de qualidade, ocorrendo uma divergência entre as garantias
fornecidas pelas leis e a realidade brasileira. A falta de vagas no Ensino Médio e o
aumento da repetência e da evasão, que acompanham exponencialmente o
aumento das matrículas no ensino público, além das importantes distorções
40
referentes à faixa etária dos alunos matriculados apontam para um fato irrefutável: o
Ensino Médio é particularmente vulnerável às influências da desigualdade social. As
Tabelas 1 e 2 trazem estatísticas que elucidam bem essa realidade:
TABELA 1 – Evolução das matrículas no Ensino Médio: período 1970 a 2006*
Faixa Etária (%)
Ano Total - de 15 anos 15 -17 anos + de 17 anos Total
1970
1975
1980
1985
1991
1996
1998
1999
2000
2002
2004
2005
2006
1.003.475
1.935.903
2.819.182
3.016.138
3.770.230
5.739.077
6.968.531
7.769.199
8.192.948
8.710.043
9.169.357
9.031.276
8.906.820
0,4%
1,7%
3,5%
3,1%
3,4%
1,7%
1,4%
1,2%
0,8%
0,2%
0,2%
0,3%
0,4%
30,7%
34,9%
43,0%
40,4%
43,1%
44,0%
44,8%
43,6%
43,5%
43,5%
44,3
45,0
45,3%
68,9%
63,4%
53,5%
56,5%
53,5%
54,3%
53,8%
55,2%
55,7%
56,3%
55,5%
54,7%
54,3%
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
100
* Considerando-se a faixa etária
Fontes: IBGE/MEC/INEP/SEEC’s/SEMESP/FAPESP
MESSIAS, T.H, 2007 [org]
TABELA 2 – Taxa de escolarização bruta e líquida* (EM) e taxa de atendimento**
(geral): Estado de São Paulo, regiões e Brasil (1998)
Área geográfica
Taxa de escolarização % Taxa de atendimento %
Bruta Líquida 15 a 17 anos
São Paulo 95,3% 51,9% 93,4%
Norte 52,7% 15,2% 71,7%
Nordeste 46,0% 14,5% 73,3%
Sudeste 84,5% 42,5% 85,9%
Sul 80,0% 44,8% 84,3%
Centro-Oeste 72,2% 31,0% 85,9%
Brasil 68,1% 30,8% 81,1%
* Taxa de escolarização líquida refere-se ao percentual de população em determinada faixa etária
que se encontra matriculada no nível de ensino adequado à sua idade; a taxa bruta permite a
comparação entre o total da matrícula em um dado nível de ensino e a população na faixa etária
adequada a esse nível.
** A taxa de atendimento refere-se ao porcentual da população em idade escolar que freqüenta a
escola, não necessariamente na série adequada à faixa etária.
Fonte: Indicadores de Ciência e Tecnologia em São Paulo, 2001 (FAPESP);
MESSIAS, T.H, 2007 [org]
41
A análise das tabelas permite deduzir que, embora haja a garantia da
oferta, na forma da lei, o Brasil ainda está longe da universalização do EM, fato que,
por si só, revela a desigualdade social. Em 2002, anunciou-se que até 2007 essa
universalização ocorreria, mas o fato é que a projeção não se cumpriu, por diversos
fatores (INEP, 2006).
A taxa de escolarização bruta do EM, aferida em 2006, é de 81,1% - pouco
mais de 80% do total da população de 15 a 17 anos. Considerando-se apenas os
indivíduos dessa mesma faixa etária (que correspondem à adequação idade/série,
ou seja, a taxa de escolarização líquida), o percentual perfaz 43,1%. Portanto, os
números apontam para a necessidade de crescimento de 20%, envolvendo os
indivíduos entre 15-17 anos, supondo-se que estes concluíram o Ensino
Fundamental (INEP, 2006).
Uma boa parcela desses indivíduos está fora da escola, pois não oferta
pública do Ensino Médio em seus respectivos municípios, fato que também define o
cenário de desigualdade. Afinal, em todo o país 127 cidades não têm escolas aptas
a oferecerem o Ensino Médio e outras 96 cidades não oferecem todas as séries
(INEP, 2006).
Assim, prevalecem os cenários de ’ineqüidade’, conforme definidos por
Garrafa e Porto (2004, p.38); para reverter esse quadro, os autores admitem a
necessidade de uma “(...) bioética de intervenção (...) que, quebrando os
paradigmas vigentes reinaugure um utilitarismo humanitário orientado para a
busca da equidade entre os segmentos da sociedade” (p.44. Grifos dos autores).
1.4 Educação e Bioética: vínculos possíveis
Segundo as premissas explanadas, a Bioética é uma atividade
eminentemente ética voltada para questões que se tornaram agudas em nossos
tempos e particularmente relevantes para o futuro da vida humana e ambiental. Sob
este ponto de vista, Educação e Bioética têm vínculos necessários. Em sua
sistematização, a Bioética assume posturas metódicas e privilegia alguns
42
fundamentos e conteúdos, gerando com isto uma forma particular de fomentar e
postular a ética. Diante disto, como trazer para a Educação as contribuições
derivadas da Bioética?
A resposta a essa pergunta está em plena elaboração. Nas sociedades
contemporâneas os processos de construção social são, inequivocamente,
mediados pelo campo educacional que acaba se configurando como um elemento
determinante do desenvolvimento dos indivíduos e das comunidades.
Os pressupostos de Dussel (2000) subsidiam aportes interessantes à
relação Educação/Bioética, pois propõe uma ética empenhada na busca da
preservação da vida, aceitando o homem como ser relacional, ou seja, a construção
do sujeito ético se no contexto da convivência social. Ora, ao se considerar a
escola como espaço privilegiado de convívio humano, necessariamente, se aceita
que no ambiente escolar ocorre a formação desse sujeito ético.
Para Dussel (2000) a Ética é indissociável da prática da dignidade da vida
humana, sustentada no seguinte tripé: reprodução (áreas da Medicina), manutenção
(Psicologia, Direito) e desenvolvimento (Educação). Todas as áreas do
conhecimento se articulam e têm a responsabilidade de manutenção da dignidade
humana.
Dussel (2000) também explicita que a prática efetiva da Ética se apóia no
pleno desenvolvimento humano, nas dimensões cognitivas e afetivas, cabendo à
Educação a missão de alicerçar e impulsionar a evolução das potencialidades dos
seres humanos, libertando-os da ignorância e, consequentemente, da condição de
vítimas segundo sua definição:
Como afirmamos na primeira parte desse trabalho, o horizonte da
Filosofia da Libertação é o Outro, e, na condição ética, esse Outro surge
como ‘vítima’. Portanto, o objeto da Ética da Libertação é a vítima. Vítima
de todos os tipos de estruturas. (DUSSEL, 2000, p.169)
Assim, segundo Dussel, o ‘outro vitimizado’ se constitui no objeto de uma
prática ética no contexto educacional. foi observado, no tópico anterior, que o
Ensino Médio brasileiro é historicamente excludente, portanto, gerador potencial de
43
vítimas. Nesse sentido, diante dos pressupostos até aqui explanados parece seguro
afirmar que a Educação se constitui numa dimensão imprescindível para que a
humanidade transforme em realidade as suas aspirações éticas concernentes à
autonomia, respeito à vulnerabilidade/dignidade humana e eqüidade/justiça (que se
traduz, inclusive, em justiça social).
A síntese das proposições de Delors (1998, p.9) destaca esse fato ao
pontuar que: “A educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua
construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social.”
Para discorrer sobre os vínculos entre Educação e Bioética é apropriado,
ainda, destacar a definição de Arendt:
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo
o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e,
com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a
renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A Educação é,
também, onde decidimos se amamos nossas crianças o
bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las
a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a
oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista
para nós, preparando-as, em vez disso, com antecedência,
para a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDT, 1979,
apud BOTO, 2001, p.124. Grifo nosso)
Esse ‘amar o mundo e responsabilizar-se por ele’ e o ‘amar as nossas
crianças e aparelhá-las para renovar o mundo’ remetem à Bioética e aos seus
referenciais, à sua visão de mundo; portanto, aplicável ao cenário educacional.
Resumindo os pressupostos de Boto (2001), depreende-se que uma
educação para a ética contempla a ratificação da democracia e a universalização
dos direitos do homem, no sentido de que tais direitos se universalizam quanto mais
se tornam coletivos. Ora, essa assertiva remete-nos ao referencial bioético da
eqüidade, segundo o qual todos os que vivem sob as mesmas condições devem ser
tratados igualmente, sendo que a condição inversa é totalmente verdadeira.
(Garrafa, 2003).
Assim, torna-se possível fazer uma aproximação entre a sua premissa e as
de Boto (2001, p. 140) que, ao pensar a educação afirma a necessidade de “Pensar
44
a universalidade e o coletivo com pressupostos em que se radicam o específico, o
efêmero e o pluralismo”.
Segundo a compreensão de Lenoir (2006, p.1. Grifo nosso): “Escola de
responsabilidade, a Bioética ambiciona contribuir para um desenvolvimento
controlado das ciências da vida, garantindo o respeito da pessoa humana e dos
valores democráticos essenciais. A autora defende que o ensino da Bioética não
pode se restringir a uma elite intelectual que, supostamente, mantém relações com a
biotecnologia, medicina ou demais áreas afins. Antes, todos os indivíduos precisam
estar aptos a responsabilizar-se pessoalmente face às situações inéditas geradas ao
progresso das ciências da vida.
Portanto, Lenoir (2006, p.2. Grifo nosso) postula que “a bioética deve ser
concebida como uma forma de ensino integral, sendo parte da formação de base
dos futuros cidadãos.” Não se trata de uma proposta para incluir uma nova disciplina
nos cursos, mas, de entender o ensino da Bioética como a necessária “chave de
acesso para a problemática mais geral das relações entre a ciência e a sociedade”
(Lenoir, 2006, p.3). E mais, aceitando-a como “componente essencial da cultura
geral do amanhã” (id. p.4), devido ao seu caráter pluridisciplinar e por ser um
instrumento privilegiado para a formação dos indivíduos, preparando-os para viver
numa sociedade em grande parte condicionada pelos avanços tecnocientíficos.
Complementar aos pressupostos de Lenoir (2006) temos que:
(...) é no espaço escolar que o indivíduo passará pelas primeiras
experiências de exercício de sua cidadania (...) [portanto] o ensino de
ciências deveria sofrer alterações que incluíssem (...) o desenvolvimento
de atitudes e valores e a preparação pára a tomada de decisões,
contribuindo assim para se alcançar o pensamento crítico. (SILVA e
KRASALCHICK, 2005, p.1-2).
Esses autores empreenderam uma pesquisa com a finalidade de investigar
as percepções de alunos do Ensino Médio acerca de questões bioéticas, partindo da
idéia de que:
É no ensino médio que se encontram jovens com certa maturidade, onde
o conhecimento adquirido da biologia permite a responsabilidade de
decisão, despertando assim, (...) uma consciência bioética que priorize o
45
resgate da função social das ciências biológicas.(SILVA e
KRASALCHICK, 2005, p.2-3).
Com base na pesquisa definem que, de modo geral, os alunos justificam
seus posicionamentos quanto às questões propostas partindo de uma perspectiva
inteiramente pessoal (firmadas em convicções religiosas, sócio-econômicas e/ou
conjunturais). Observaram, ainda, que os conteúdos bioéticos estão presentes no
contexto escolar através do ensino da Biologia e, principalmente, nos temas que os
próprios alunos trazem (Silva e Krasalchik, 2005).
Assim, se é no cenário escolar que se começa a construir a experiência de
cidadania, e, conforme explana Freire (1996, p.21) a “pedagogia da autonomia” está
alicerçada na aptidão para a tomada de decisões e na responsabilidade que subjaz
a ela, tornam-se visíveis os vínculos entre a Bioética e o campo educacional, que
essa aptidão implica no exercício da autonomia; Para Freire (1993, p.51-52):
“Cidadão significa indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado"; e
mais, a cidadania "tem que ver com a condição de cidadão, quer dizer, com o uso
dos direitos e o direito de ter deveres de cidadão".
Além do mais, Oliveira (1997) informa que está na pauta das discussões
envolvendo a cidadania, no Brasil, um programa de educação em Bioética que
assegure, entre outras proposições:
(...) informações capazes de ajudar no exercício pleno da cidadania em
tempos de DNA e a compreensão da relevância da bioética para a
Saúde Pública no próximo milênio [fato que] têm incentivado os debates
no sentido de estruturar, implantar e implementar programas de
educação em bioética (...) (OLIVEIRA, 1997, p.123-124)
Oliveira (1997, p.125) defende, enfaticamente, que a fase mais apropriada
para familiarizar os jovens com a Bioética é no Ensino Médio, pois o ingresso a essa
etapa educacional colocará os alunos em contato com a genética, com a
biotecnologia, tornando-os público “prioritário para o trabalho de (...) estabelecer
uma consciência crítica, uma consciência bioética”.
Seguindo o mesmo raciocínio de Oliveira, Lepargneur (2006, p.150) propõe
que “tanto a educação como a bioética constituem mais do que nunca os tijolos que
46
constroem o devir da humanidade”. Tal assertiva se edifica sobre o fato de que a
Educação na contemporaneidade não deve ser reducionista, vinculada apenas a
informações factuais, mas precisa fornecer subsídios para que os indivíduos atuem
no campo das escolhas e juízos responsáveis.
O autor também explicita o viés latino-americano da questão, ressaltando
que, nesse contexto específico: “(...) na estruturação fundamental da bioética
encontramos o ‘princípio de justiça’, que não significa nada se ignorar a sorte da
maioria atual da humanidade sofredora” (Lepargneur, 2006, 154). Depreende-se dos
pressupostos de Lepargneur que os desafios éticos que a sociedade contemporânea
enfrenta, à nível universal, precisam ser contemplados nos processos educativo.
Assentindo com essas proposições, Zancanaro (2006, p. 161) afirma que a
Bioética e Educação não podem ser desvinculadas, pois: “A própria educação
tem sentido se for intrinsecamente ética. Da mesma forma a educação para a
cidadania terá sentido quando a ética for a sua condição.” Na visão do autor, os
referenciais bioéticos da autonomia, justiça/eqüidade, respeito à
vulnerabilidade/dignidade humanas alicerçam a educação cidadã, idéia que nos
remete a Gadotti (2000), Freire (1996) e Boto (2001), conforme delineado no
tópico 1.2 deste trabalho.
Zancanaro (2006, p. 168) defende a necessidade de se entender que,
numa sociedade que cultua o individualismo e o consumismo, é fundamental
resgatar o ensino dos valores. Esse resgate passa pelo processo educativo,
presente em todas as esferas de ação humana, viabilizando a manutenção do ideal
do “mínimo moral para que o princípio da dignidade da vida possa se tornar
possível”.
Complementar às premissas de Zancanaro, Segre (2006, p. 179) explicita
que qualquer proposta de ensino da Bioética precisa contemplar a reflexão e a
discussão sobre valores. Em sua concepção: “o ensino da bioética não pode
dispensar o aspecto casuístico (...) [antes, deve constituir-se como um]
aprimoramento ético.”
47
Para Junges (2006, p.13) a casuística corresponde à perspectiva pragmática
da ação humana, trata-se de tomadas de decisões que exigem soluções imediatas e
viáveis. O autor salienta que o pragmatismo não se refere apenas a validade de
conhecimento que tenha aplicação imediata no cotidiano. Nas palavras do autor toda
ação humana contempla uma dimensão pragmática e uma dimensão simbólica, que
não são excludentes, mas complementares.
Toda ação humana tem uma dimensão pragmática: responder a uma
necessidade ou a um problema a ser resolvido, buscar o resultado. Mas
toda ação humana sempre tem uma dimensão simbólica, porque ela
constrói significados baseados em referenciais culturais de sentido e
transmite uma mensagem de valores que pode não ser clara e consistente à
primeira vista (JUNGES, 2006, p.13-14)
A Educação e a Bioética são campos de conhecimentos que se entrelaçam
nas culturas ligadas a profundos referenciais simbólicos. Portanto, não se pode
permanecer fixos a referenciais apenas pragmáticos no ensino da Bioética. Acredita-
se que a explanação teórica aqui descrita fornece subsídios para a análise do
projeto político pedagógico que será empreendida no Capítulo 2 deste trabalho.
CATULO 2 ANÁLISE DO PROJETO PEDAGÓGICO DE ESCOLA DA REDE
PÚBLICA VOLTADA PARA O ENSINO MÉDIO
Este capítulo discute o projeto pedagógico da EE Joaquim Ribeiro.
Primeiramente, são examinados alguns aportes teóricos acerca do planejamento de
propostas de projetos político-pedagógicas, construindo uma visão que parte do
contexto geral para o específico, com o intuito de ampliar a compreensão da
proposta aqui analisada. A fim de contextualizar a análise, respaldando-a nos
cenários sócio-econômicos educativos do município onde a escola está inserida,
apresentam-se, ainda, as informações mais pertinentes acerca da cidade e, num
segundo momento, acerca da própria escola.
48
2.1 Aportes teóricos: a elaboração de propostas pedagógicas
A palavra projeto deriva do latim projectus, particípio passado de projícere e
significa algo lançado para frente, conforme define Machado (1997). Lalande (1996)
postula que a palavra projeto nos remete à idéia de mudança em certa direção.
Holanda Ferreira (1986) explica que a palavra projeto remete à idéia de realização
no futuro, preparação como antecipação à ação.
A palavra projeto carrega em si um caráter de ambigüidade, pois designa
tanto o que é a proposta a ser realizada como o que será realizado para atingir a
finalidade proposta, pode significar tanto o objeto que se quer produzir como o
método e procedimentos para a sua operacionalização e concretização. Nesse
sentido, pressupõe mudança, antecipação e abertura.
Paradoxalmente, para mudar é fundamental reconhecer o lugar que
habitamos. A mudança pode ocorrer quando o terreno habitado é
explorado e reconhecido.(...) A mudança também nos remete a outro
paradoxo:quando esse processo é vivido de maneira profunda,
descobre-se que mudar significa tornar-se o que é e não ir em busca do
que não é. (Aguiar, 2002).
Quanto às características de ambigüidade, Machado (1997) destaca que, o
que é comum nas abordagens de projeto, é seu caráter de antecipação e de
abertura. Essa antecipação refere-se a um futuro a realizar e a abertura volta-se
para o imprevisível, aquilo que não é possível determinar; portanto, abre-se para
possibilidades de negociações que se nutrem de criatividade para saber lidar com
terreno conflituoso, marcado por interesses convergentes e não-convergentes,
característica da convivência humana na escola.
Pensando na criação de projetos no contexto educacional, percebemos
sua ligação com os valores humanos, sobretudo ao considerarmos seu
duplo caráter de antecipação e abertura, pois realizar projetos permite
‘minar-se a arrogância, sobretudo a intelectual, com o recurso
permanente à humildade de quem sabe o quanto não sabe, com a
doçura de quem sempre se põe em disponibilidade para fomentar
projetos individuais, alimentá-los e alimentar-se deles’ (MACHADO,
1997, p. 93)
49
A escola pode (e deve) cultivar os valores humanos, possibilitando a
articulação entre a diversidade dos projetos individuais e os apelos a
projetos coletivos, nascidos de seu cotidiano ou da comunidade da qual
faz parte, senso essa articulação sua principal tarefa. (WARSCHAUER,
2001, p.159)
Vemos nessa citação um desdobramento de projetos no campo escolar, o
projeto da escola articulado a projeto educativo da sociedade brasileira e os projetos
individuais, de alunos, professores, profissionais e comunidade, articulados entre si,
com a proposta da escola e sociedade. Essa articulação pessoa-escola-sociedade
pode ser representada pela imagem de encaixe, tal como a boneca russa
2
,
apontando para a compreensão do conceito de complexidade parte/todo, entre
outras, uma lógica da abordagem transdisciplinar. A articulação sobre a qual se
discorre pode ser mais bem assimilada através do enunciado de Teilhard de
Chardin: “Cada elemento do cosmos está positivamente entrelaçado com todos os
outros. É impossível seccionar essa rede para isolar uma porção sem que ela desfie
e se esfiape nas partes". (Chardin, 1995, p.111)
O pressuposto de Chardin contribui para que entendamos de que forma as
imbricações de projetos pessoais e sociais guardam semelhança com o ‘espírito de
projeto’ que permeia uma proposta político-pedagógica, e seu potencial para
consolidar o ato formativo, no sentido humano. Isso pressupõe a participação de
todos os segmentos da escola no diagnóstico, planejamento e avaliação sobre as
suas expectativas, permitindo a construção da autonomia intelectual de todos os
envolvidos. Nesse processo participativo se delineia a concepção do que seja
uma escola cidadã.
Sobre planejamento, Padilha (2003) pretende que:
(...) a atividade de planejar é atividade intrínseca à educação por suas
características básicas de (...) estabelecer caminhos que podem nortear
mais apropriadamente a execução da ação educativa, especialmente
2
Referência à boneca matrioska, matriosca, matrioshka, Matriochka, matrioschka ou
Matryoshka (Cirílico матрёшка ou матрешка), mais conhecida no ocidente como Boneca russa;
trata-se de um brinquedo tradicional da Rússia, constituído por uma série de bonecas, feitas de
diversos materiais, ainda que o mais frequente seja a madeira, que são colocadas umas dentro das
outras, da maior (exterior) até a menor, a única que não é oca (Wikipedia, 2007).
50
quando garantida a socialização do ato de planejar, que deve prever o
acompanhamento e a avaliação da própria ação. (PADILHA, 2003, p.45)
Padilha discorre sobre o planejamento de um projeto pedagógico segundo
o viés da escola cidadã, que prioriza a gestão democrática, a autonomia, o
desenvolvimento do senso de responsabilidade, o respeito à dignidade humana e
aos direitos humanos.
A análise de Padilha está focada no “planejamento dialógico na perspectiva
da escola cidadã” (2003, p.63. grifo do autor). A expressão ‘dialógico’, aqui, diz
respeito à relação educador/educando nos moldes dialéticos propostos por Paulo
Freire (1996) que permite não apenas a transmissão de conhecimento, mas,
sobretudo facilita a produção e reelaboração desse conhecimento, priorizando uma
prática educativa crítica, edificada sobre a assertiva: “O respeito à autonomia e à
dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não
conceder uns aos outros.” (FREIRE, 1996, p.66)
Assim, essa escola que valoriza a autonomia e a relação dialógica,
democrática, entre todos os envolvidos em seu cotidiano, é denominada escola
cidadã. Gadotti (2000, p.9) explicita que “Educar para a cidadania ativa tornou-se
hoje projeto e programa de muitas escolas e sistemas educacionais.”
Desse modo: “O que caracteriza a escola cidadã é uma formação para a
cidadania. A escola cidadã é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e
de quem vem a ela.” (Padilha, 2003, p.61) Esse modelo de escola é viabilizado pela
gestão democrática, cujos principais parâmetros são apresentados resumidamente,
com base nas proposições de Padilha (2003):
Capacitação de todos os segmentos englobados pelo cotidiano escolar
(professores, alunos, funcionários, pais), no sentido de conscientizar sobre a
importância da participação.
Consulta permanente à comunidade escolar, criando um ambiente
participativo através da promoção de debates, seminários, etc.
Regulamentação da gestão democrática, transformando-a num fórum
permanente de discussão, com regras de participação bem definidas.
51
Transparência nos processos decisórios relativos à gestão.
Democratização do acesso às informações sobre a gestão e os processos
decisórios.
A síntese desses elementos que definem um projeto pedagógico dialógico,
elaborada com base numa gestão escolar democrática, se traduz na “cidadania e
autonomia, termos que não podem ser separados.” (Padilha, 2003, p.64). Portanto, o
autor defende que:
A escola projetada com base na referida autonomia tem a finalidade de formar
seus educandos para a vida, para o trabalho, para a construção de relações
humanas e sociais civilizadas, justas e éticas, para o exercício e a prática da
cidadania crítica e ativa e para resistir a toda forma de exclusão. Ela estaria
inserida numa sociedade cuja educação é planejada de maneira socializada e
ascendente, isto é, democraticamente, a partir de suas bases, influenciando (...)
as ações dos demais níveis educacionais, seja regional, municipal, estadual ou
nacional. [Pois] A autonomia na escola cidadã pressupõe a alteridade, a
participação, a liberdade de expressão (...) na escola e fora dela. (PADILHA,
2003, 65)
Seguindo essas diretrizes básicas, cada segmento escolar oferece sua
contribuição para o projeto pedagógico socializado, e a mesma é construída por
decisões elaboradas coletivamente, onde: “O importante é que cada sujeito coletivo
[cada segmento] sinta-se co-responsável pelo processo e pelo projeto” (Padilha,
2003, p.70).
Se cada segmento deve se co-responsabilizar pelo processo, o ‘sentir-se
responsável’ exclui a hierarquização, que conduz a uma visão reducionista da
escola, conforme entende Veiga (2003). A autora ressalta que o alicerce que deve
nortear o projeto pedagógico está expresso no Artigo 15 da Lei 9.394/96: é
fundamental fortalecer a autonomia da escola, pois isso se refletirá na vivência de
toda a comunidade escolar.
De modo geral, Veiga (2003) aponta que no esteio da reestruturação do EM,
em meados da década de 90, pouca coisa foi efetivamente alterada nos cenários
educacionais, predominado a mescla de velhos e novos problemas de difícil solução,
independente das teorizações em cima dos projetos político-pedagógicos.
52
Afirma, ainda, que a expansão do EM não atingiu qualidade de ensino e
apresenta fortes características de exclusão. Em suma, as reformas político-
educacionais que se refletiram nos projetos político-pedagógicos, não têm
contribuído para alterar a realidade educacional dos educandos, que, afinal,
deveriam ser os principais beneficiados.
Nesses cenários, a investigação da presença de referenciais bioéticos no
projeto da Escola Estadual Joaquim Ribeiro parece pertinente. Talvez, seja possível
encontrar alguns eixos que contribuam para o cumprimento da objetivo precípuo da
escola: a formação do cidadão. E esta, fundamentada na definição dos próprios
PCNs: “A questão central das preocupações éticas é a da justiça entendida como
inspirada pelos valores de igualdade e eqüidade.” (Brasil, 1998)
2.2 Cenários: informações sobre o município onde a E.E Joaquim
Ribeiro está inserida
A Escola Estadual Joaquim Ribeiro está localizada no município de Rio
Claro, cidade de médio porte que integra a região centro-leste do estado de São
Paulo. A cidade integra a região administrativa de Campinas e, atualmente, possui
uma área de 498,7 km, segundo dados do IBGE (2005) e o índice demográfico
atinge a marca de 190.373 mil habitantes sendo que, para a faixa etária entre 15-17
anos (clientela provável do EM, perfazendo a taxa de escolarização líquida) são
11.529 indivíduos (IBGE, 2006). A sede do município conta com serviços públicos
de ordem municipal, estadual e federal.
O PIB do município gira em torno de R$ 2.420.027,00 e o PIB per capita é
de R$ 13.181,00. Rio Claro possui um city-gate do gasoduto Bolívia-Brasil e também
está integrada à rede de fibra óptica paulista, fatores importantes para o seu
desenvolvimento futuro.
Quanto à localização, o município de Rio Claro encontra-se a 240 km do porto
de Santos, a 85 km do Aeroporto Internacional de Viracopos e a 200 km do
Aeroporto Internacional de Guarulhos. Portanto, uma região estratégica no contexto
do Estado de São Paulo. O setor industrial conta com o Programa de
53
Desenvolvimento Econômico de Rio Claro PRODERC Leis 2629 de 29/12/93
e 2788 de 26/12/95. Quanto às redes de comunicação, a cidade dispõe de serviços:
correios, telefonia, rede bancária (estaduais e federais), jornais diários e semanais,
emissoras de rádio (AM e FM), canal de televisão, Tvs a cabo e provedores de
Internet (NICOLETI et al, 2003).
A cidade de Rio Claro possui uma rede de circulação composta por
ferrovias, rodovias, estradas vicinais, terminal rodoviário e aeroclube. Concernente
ao saneamento básico, Rio Claro está consolidando as suas Estações de
Tratamento de Esgoto (ETEs), e possui três estações em funcionamento
(NICOLETTI et al, 2003).
Quanto à área da saúde, no conjunto Rio Claro possui 05 hospitais
(sendo um deles psiquiátrico), 03 maternidades, 08 unidades básicas de saúde, 02
centros de saúde, pronto socorros, centro de vigilância sanitária, centro de
zoonoses, centro de habilitação infantil e saúde do trabalhador (NICOLETTI et al,
2003).
Referente às questões sócio-educacionais e culturais, pertinentes à
abordagem, a rede municipal de ensino de Rio Claro é composta por 35 unidades
educacionais. O município apresenta taxa de alfabetização em torno de 97,3%,
contando com 26 estabelecimentos de ensino pré-escolar, 41 estabelecimentos de
ensino fundamental, 16 de ensino médio. Essas estruturas se dividem em escolas e
centros de educação infantil, escolas estaduais e particulares, escolas
profissionalizantes e unidades do Sesi, Senai, Senac. Em termos de Ensino Superior
a cidade conta com uma universidade pública - Universidade Estadual Paulista
UNESP; ainda, possui várias instituições de ensino privadas: ASSER, CBTA,
Faculdades Claretianas (Nicoletti et al, 2003).
Para o que interessa a essa pesquisa, no município de Rio Claro, em 2005,
a cidade contava com 16 escolas voltadas para o Ensino Médio EM; 10
pertencentes à rede pública de ensino e as demais à rede privada. No mesmo ano
de 2005, o número de matrículas no EM foi de 7.973; dessas, 6.398 foram
efetivadas em escolas da rede pública estadual e 1.575 em escolas da rede privada.
437 docentes lecionando no EM, dos quais 262 atuam em escolas públicas
54
estaduais e 165 em escolas privadas (IBGE, 2006). A figura 1 traz o mapa do
panorama educacional no município.
Figura 1 – Mapa do Panorama Educacional Rio Claro/SP
55
Fonte: Atlas Municipal Histórico, Geográfico e Ambiental, 2003
Para estabelecer os cenários referentes à qualidade do EM, no município,
torna-se relevante destacar que, na última edição do ENEM, a rede pública e privada
de Rio Claro registrou uma média de acertos maior que a estadual e nacional:
47,787 no total (redação e prova objetiva), contra 43,820 e 42,950, respectivamente.
Ainda, na contramão dos cenários nacionais e estaduais, em Rio Claro os
estudantes que obtiveram melhor média são egressos de escola pública
3
(Jornal
Cidade, 2006).
2.2.1 Perfil da E. E. Joaquim Ribeiro
A escola foi fundada por Joaquim Ribeiro dos Santos, em 03/03/1926,
tendo iniciado suas atividades como Escola de Comércio. Por uma Lei da Câmara
Municipal de Rio Claro, em setembro de 1927, o curso ginasial do Instituto Joaquim
Ribeiro tornou-se municipal e passou a receber inspeção federal a partir de 1930.
Pelo Decreto n.º 9784, de 03/12/1938, a escola passou para o domínio do Estado,
medida esta que só se efetivou a partir de 1940. O Decreto n.º11990, de 18/03/1943,
autorizou a implantação dos cursos Clássico e Científico. Em 12/03/1947, foi criada
pelo Decreto-Lei 17110, anexa ao então Colégio Estadual de Rio Claro, a Escola
Normal e, finalmente, em 1957, a escola recebeu a denominação Instituto de
Educação Estadual
4
.
A Resolução SE de 27/01/1976, que reestruturou a Rede Oficial de Ensino
do Estado de São Paulo, transformou o Instituto de Educação Estadual em Escola
Estadual de Primeiro e Segundo Graus Joaquim Ribeiro. Depois, em 1991, após a
implementação do sistema de Escolas Padrão, foi escolhida entre outras 300
escolas para participar do projeto.
3
Escola Técnica Professor Armando Bayeux da Silva (estadual). Na prova Objetiva do Enem, os 36
estudantes obtiveram a média de 70.13, na Redação e, na Prova Objetiva a média chegou a 68.69.
Os valores são considerados excelentes pelo INEP.
44
Comunicação pessoal por Salete Crespo, coordenadora pedagógica da escola, em 27 de janeiro de
2007.
56
Atualmente, a EE Joaquim Ribeiro é mantida pelo poder público e
administrada pela Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo,
através da Coordenadoria de Ensino do Interior e da Diretoria de Ensino da região
de Limeira. A administração está fundamentada nas disposições prevista pela Lei
Magna, de 1988; na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9394,
de 1996); no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8069, de 1990) e no
Decreto Federal nº. 2208, de 1997 (EE Joaquim Ribeiro, 2003). A escola, que
ministra o Ensino Médio, localiza-se no bairro Cidade Jardim e não se restringe ao
atendimento de alunos apenas da citada região e seu entorno, mas atende uma
clientela egressa de diversos bairros de periferia. As figuras 2, 3 e 4 mostram a
estrutura física da escola.
Figura 2 – Fachada da EE Joaquim Ribeiro
Fonte: MESSIAS, T.H., 2007
Figura 3 – Fachada lateral
57
Fonte: MESSIAS, T.H., 2007
Figura 4 – Entrada do Salão Nobre
Fonte: MESSIAS, T.H., 2007
Segundo consta do Regimento Escolar, a escola funciona em dois turnos
diurnos e um noturno, adotando a organização seriada. O curso noturno possui
organização diferenciada para atender às condições dos alunos. Atende 1337
alunos regularmente matriculados no EM, sendo 856 nos turnos diurnos e 481 no
curso noturno. A carga horária perfaz 1.200 horas anuais no diurno e 1000 horas no
noturno.
Além da área de recreio equipada com cantina e da quadra de esportes, a
escola oferece ao alunado 09 salas ambientadas, conforme descrito:
01 biblioteca com aproximadamente 20.000 volumes registrados;
58
01 videoteca com 900 títulos em VHS e 150 títulos em CDs e DVDs;
01 laboratório de Física e Matemática;
01 laboratório de química e biologia;
01 sala ambiente para atender a área de Linguagens e Códigos (Português,
Inglês e Artes);
01 sala ambiente para geografia e história;
01 sala ambiente para atender psicologia e filosofia;
02 lab de informática;
02 salas de vídeo.
O espaço físico da área administrativa inclui sala da direção, sala da vice-
direção , sala da coordenação, sala do arquivo, secretaria, sala de professores, sala
de inspetores, sala de reuniões, sala de orientação e supervisão, sala de arquivo e
sala de professores.
Dentre os recursos materiais didático-pedagógicos a escola disponibiliza:
18 computadores, sendo 10 interligados a rede, para uso de professores e
alunos;
02 computadores para uso da secretaria;
02 computadores para uso da direção;
01 computador para uso da coordenação;
01 máquina digital de fotografia;
02 mimeógrafos;
02 retroprojetores;
06 aparelhos de TV (distribuídos nos ambientes: sala de reuniões/
laboratórios/ videoteca);
05 aparelhos de Vídeo cassete;
02 aparelhos de DVD;
Dicionários : Português e Inglês;
Livros didáticos, paradidáticos, mapas, atlas, globos;
Rádios
59
Quanto à gestão, segundo explicita o Regimento Escolar, no
Capítulo I, Artigo 7:
A gestão democrática dessa escola tem por finalidade possibilitar maior
grau de autonomia, de forma a garantir o pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas, assegurando padrão adequado de qualidade
do ensino ministrado. (EE JOAQUIM RIBEIRO, 2003. Grifos nossos)
Considera-se a relevância de explanar resumidamente o que o Regimento
Escolar define como ‘gestão democrática’, que envolve referenciais bioéticos
como autonomia e inter e transdisciplinaridade (expressas pelo conceito de
‘pluralismo de idéias e concepções pedagógicas’).
Em síntese, o Artigo 9 do Capítulo I prevê que a ‘gestão democrática’ se
constrói através da participação de todos os profissionais da escola na elaboração
do projeto pedagógico. Estabelece-se, ainda, por meio do envolvimento efetivo dos
vários segmentos que compõem a comunidade escolar (direção, docentes,
discentes, funcionários), os quais são representados nos processos consultivos e
decisórios através dos dois órgãos colegiados: Conselho de Escola e Conselhos de
Classe; também, através das instituições escolares Associação de Pais e Mestres e
Grêmio Estudantil.
Aponta-se, então, que a ‘gestão democrática’ está fundada no modelo
participativo, que se reflete na: autonomia da gestão pedagógica, administrativa e
financeira (Cap. I, Art. 9, Inciso III); também, na garantia da responsabilidade e o
zelo comum na manutenção do uso, aplicação e distribuição adequada dos recursos
públicos”, como propõe o Inciso IV (EE Joaquim Ribeiro, 2003. Grifos nossos).
Observa-se que o Inciso IV tangencia o referencial bioético
‘responsabilidade’; nessa aplicação específica, referindo-se á forma justa de
distribuir os recursos públicos. Obviamente, os referenciais bioéticos que norteiam o
Regimento Escolar presentificam-se no projeto pedagógico.
Referente ao referencial bioético ‘autonomia’, o Regimento Escolar, quando
se refere às instituições escolares (Associação de Pais e Mestres e Grêmio
Estudantil) afirma: “As instituições escolares têm a função de aprimorar o processo
60
de construção da autonomia da escola” (EE Joaquim Ribeiro, 2003) (Regimento
Escolar, Capítulo II, Artigo 11).
Quanto à presença de referenciais bioéticos de autonomia, respeito à
vulnerabilidade/dignidade humanas e justiça/eqüidade no Regimento Escolar,
assinala-se que, no conjunto, o Regimento apresenta um perfil bioético, significando
com isso a valorização dos citados referenciais em seu texto. Cita-se como exemplo:
As normas de gestão e convivência visam orientar as relações
profissionais e interpessoais que ocorrem no âmbito da escola, em todos
seus segmentos e se fundamentarão em princípios de solidariedade,
ética, pluralidade cultural, autonomia e gestão democrática e sua
desobediência cabe sanções e recursos previstos por lei e por este
regimento. (EE JOAQUIM RIBEIRO, Capítulo IV Artigo 21, 2003)
Finalizando, observa-se que, de forma explícita na redação do documento o
termo autonomia surge seis vezes; o termo eqüidade aparece uma vez;
responsabilidade (perante vários aspectos da vivência escolar e da administração
dos recursos públicos) aparece 11 vezes. Torna-se importante ressaltar que, de
forma implícita, questões relativas à autonomia, respeito à vulnerabilidade e
dignidade do ser humano e à eqüidade/justiça permeiam o documento.
2.3 Análise do projeto pedagógico em relação aos referenciais
bioéticos
O projeto pedagógico está pautado pelos PCNs, com elaboração do
conhecimento sistematizado, desenvolvimento das habilidades e competências em
cada um de seus educandos, com base no contexto social em que vivem,
objetivando a vivência deles num mercado de trabalho em permanente e intensa
transformação (EE Joaquim Ribeiro, 2003).
Torna-se válido salientar que, para cumprir-se o objetivo precípuo proposto
por esta análise, o aprofundamento na leitura e estudo do projeto pedagógico guiou-
se, inicialmente, pelas perguntas abaixo enunciadas:
Qual o objetivo deste projeto? Segundo sua própria definição:
61
[O projeto] busca, através de uma gestão democrática, de um ensino
eficaz e contextualizado, oferecer ao alunado uma matriz curricular para
que construa, se aproprie e socialize o conhecimento. Valoriza o duplo
sentido do ser humano, por isso, coordena valores (liberdade, felicidade,
solidariedade, cooperação, justiça, sentido de vida pessoal e em grupo)
ao mesmo tempo em que instrumentaliza o indivíduo (conhecimento
científico, teórico e prático) para a vida, para o mercado de trabalho. (EE
JOAQUIM RIBEIRO, 2003)
Que metas estabelece para atingir o objetivo? O projeto enumera as
seguintes metas:
1. uma aprendizagem significativa conteúdos a partir do cotidiano do
aluno; 2. conhecimento prévio do aluno levar em conta ‘a vida do
aluno’ anterior à escola; 3. os aspectos motivacionais e funcionais
fazer da educação acadêmica não um sacrifício, mas um prazer para os
adolescentes; 4. participação efetiva da comunidade pais, entidades,
etc; 5. questionamento e respeito ao significado lógico e psicológico da
aprendizagem, oferecendo instrumental (...) que permita ao aluno buscar
sua auto-realização (...) (EE JOAQUIM RIBEIRO, 2003)
Qual o público-alvo desse projeto?
A clientela é, hoje, formada por representantes de todas as regiões da
cidade, distritos e cidades vizinhas. Tal clientela, cuja idade oscila entre
15 a 18 anos, reproduz a sociedade rio-clarense, que, por sua vez,
reflete a sociedade brasileira, no contexto da região sudeste a mais
desenvolvida do país e, por isso mesmo, a mais contraditória, pois
traz em seu bojo as dicotomias provocadas pelas desigualdades
sociais. (EE JOAQUIM RIBEIRO, 2003. Grifos nossos)
Estabelecida essa base, aponta-se que o projeto pedagógico da E.E.
Joaquim Ribeiro ratifica as definições previstas pela LDB -9394/96, no que concerne
à finalidade do Ensino Médio. Destacam-se, no Artigo 35, os incisos II e III, que
abordam as questões discutidas nesse trabalho:
II a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores; III o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico; (BRASIL, 1996. Grifos nossos)
62
2.3.1 Espaço para o referencial bioético - respeito à dignidade e
vulnerabilidade humanas
Na íntegra, o objetivo do projeto pedagógico, conforme mostra o seu
enunciado, está permeado de referenciais bioéticos (entendidos, aqui, na acepção
de Hossne, como pontos de referência). Por exemplo, quando enfatiza a valorização
do duplo sentido do ser humano” através da ação de um conjunto de valores:
“solidariedade, cooperação, justiça, sentido de vida pessoal e em grupo.” Ora,
valorizar o ser humano em sua integralidade remete-nos ao respeito à dignidade e
vulnerabilidade humanas.
O objetivo expresso de instrumentalizar os alunos para exercerem a
solidariedade e a cooperação, pode ser utilizado, sob aspectos de ensino dos
conteúdos bioéticos, para levá-los a compreender a vulnerabilidade da condição
humana; e mais: a vulnerabilidade circunstancial de que falam Garrafa & Porto
(2003) ao se referirem às condições atuais de vida no contexto brasileiro,
caracterizada por péssimos indicadores sociais, sobretudo os relacionados à própria
Educação.
Garrafa & Porto e também Macklin (2003) explicitam que a vulnerabilidade
circunstancial que atinge, hoje, um grande número de pessoas, resulta em situações
de destituição do sujeito dos bens que deveriam ser inalienáveis. Existindo esse
objetivo no projeto pedagógico, de promover a solidariedade e a cooperação, com
base neles pode-se construir com os alunos uma visão coletiva acerca do tema, no
sentido de ajudá-los a identificar essa vulnerabilidade dentro do seu próprio contexto
de convivência escolar.
Valores como solidariedade e cooperação também podem ser entendidos
em relação ao respeito à dignidade humana. A proposta abre caminho para que se
discuta o fato de que muitos brasileiros (já que este é o contexto de vivência dos
alunos) estão excluídos de uma existência digna por conta das patentes ineqüidades
sociais prevalentes no país, como esclarecem Garrafa & Porto (2003).
Não pode haver respeito à dignidade humana num cenário onde indivíduos
e grupos sofrem um processo contínuo de desempoderamento, de impotência e
63
perda de capacidade de acessar o desenvolvimento, em face das estruturas
econômicas e sociais que o determinam como excluído.
Outro exemplo da presença do referencial respeito à dignidade e
vulnerabilidade humanas surge, de modo tácito, no seguinte enunciado: “O presente
projeto está voltado para uma prática que faça com que seus alunos no final da
etapa tenham (...) consciência de seus direitos e deveres, responsabilidade e
comprometimento com o bem comum” (Grifo nosso). Assim, o responsabilizar-se
comprometer-se com a manutenção do bem comum, o ser solidário, guarda relação
com esse ponto de referência da Bioética, pois:
A bioética é mais que debater, é fazer coisas juntos uns com os outros
porque é tendo a responsabilidade de agir, de justificar as escolhas
feitas ou não (...) de arcar com as conseqüências, que se aprende a
viver junto, que se constrói comunidade, que se pratica solidariedade,
que se exercita tolerância. (...) A tolerância é uma conquista no caminho
em direção à solidariedade, esse laço recíproco que une pessoas como
co-responsáveis pelo bem umas das outras. (BARCHIFONTAINE,
2006, p.204. Grifos nossos)
Assinala-se, então, a presença de um espaço de trabalho com os
referenciais bioéticos do respeito à vulnerabilidade e dignidade humanas no discurso
do projeto pedagógico.
2.3.2 Espaço para o referencial bioético - justiça/eqüidade
O projeto pedagógico analisado enfatiza como objetivo que os alunos
consigam criar/perceber um “sentido de vida pessoal e em grupo”. E, ainda, que se
apropriem do conhecimento e adquiram competências que os tornem capazes de
“intervir na sua própria vida e no seu grupo social.” Nesse contexto explicitado pelo
projeto, pontua-se que um espaço privilegiado para o ensino do referencial da
eqüidade/justiça.
Pontua-se que a aquisição de um “sentido de vida pessoal e em grupo” e a
possibilidade de intervir na própria vida e no grupo social implicam numa convivência
criativa e respeitosa consigo mesmo e com o outro. Está nítida a possibilidade de
levar o alunado a compreender que o sucesso dessa convivência precisa alicerçar-
64
se “na disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um”, sentença que
define o verbete eqüidade (Aurélio, 2005).
Ou seja, o ideário da eqüidade, com seu “conjunto de direitos imutáveis de
justiça”, como esclarecem Garrafa e Porto (2003), encontra-se patente no enunciado
da proposta, configurando-se em mais um dos espaços que favorecem o ensino dos
conteúdos bioéticos. Particularmente, em relação à temática da “justiça como
cuidado”, conforme abordado no capítulo 1 desse trabalho, um privilegiado
caminho de reflexão através do qual os alunos podem ser conduzidos.
Considerando, juntamente com Oliveira (1997), o tema da distribuição
equânime de bens e serviços, torna-se possível focar a atenção no lócus social do
alunado, e, partindo da proposta, levá-los a identificar a injustiça (a ineqüidade)
prevalente na sociedade desde o próprio contexto do EM, tradicionalmente
excludente, na sociedade brasileira. Nesse sentido, observa-se que surge um
espaço para discutir justiça/eqüidade a partir das vivências mesmas dos alunos,
sabendo-se que:
Minoritária em números absolutos, quase inexistente em termos da
cobertura da faixa etária à qual se destina, internamente segmentada, a
escola média brasileira tem sido, mais que qualquer outro nível de
ensino, marcada por uma desigualdade que se inicia antes e fora
dela, na escola obrigatória, e se completa dentro de suas fileiras. (NAMO
DE MELLO, 1998)
No parágrafo em que define a missão/função da escola o projeto
pedagógico assinala: “Cabe a ela propiciar aos indivíduos condições de igualdade
de acesso ao conhecimento” (EE Joaquim Ribeiro, Grifo nosso). Obviamente, a
simplicidade do enunciado contrasta com as estatísticas: menos de 50% do número
total de matriculados no EM, no Brasil, pertencem à faixa etária adequada à essa
fase educacional, entre 15 e 17 anos (INEP, 2006)
Referente às questões dos referenciais bioéticos de justiça/eqüidade, o
projeto pedagógico ainda pontua:
(...) para uma escola que se preocupa com a inserção do seu aluno na
sociedade fica claro que o grande objetivo é a busca da melhor
qualidade de vida dos grupos sociais que transitam dentro dela,
buscando e/ou criando espaços alternativos, buscando parcerias na
65
própria comunidade, incentivando a co-participação, facilitando o
desenvolvimento e anulando as diferenças. (EE JOAQUIM RIBEIRO,
2003)
Fica claro que coexistem na escola vários grupos sociais, tornando-a um
espaço privilegiado para a exposição e discussão acerca dos referenciais de
justiça/eqüidade, mesmo porque a proposta estabelece como objetivo a promoção
da qualidade de vida dos vários grupos, a co-participação para o desenvolvimento e
a meta de anular as diferenças. Aqui, pode-se entender a anulação das diferenças
como um reforço à prática da eqüidade. Em que sentido? Enquanto existirem os
desiguais, esses deverão ser tratados desigualmente (receber mais, pois necessitam
mais) até que atinjam o patamar da igualdade, como elucidam Garrafa & Porto
(2003).
Ainda, em relação a esse viés da diversidade dos grupos sociais que
formam a comunidade escolar, o projeto pedagógico estabelece como meta motivar
a co-participação visando o desenvolvimento. Especificamente, nesse contexto, vale
a assertiva: “Quando, porém, falo da ética universal do ser humano, estou falando
da ética enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente
indispensável à convivência humana” (Freire, 1996, p. 19. Grifo nosso). Por esse
viés, remete-se a Dussel (2000) para quem a ética se torna factível no convívio
social.
Diante do exposto, sobressai-se o conteúdo bioético relativo à
eqüidade/justiça na redação do projeto, considerando-se, ainda, em relação aos
objetivos do mesmo quando aborda as relações dos grupos sociais que:
(...) devemos entender a bioética como um refinado produto da cultura,
[que] deve ser pensada e discutida a partir do vértice das funções
sociais, pois ela sempre será uma bioética das relações (...) [ a qual]
emerge da percepção simbólica da existência do outro como sujeito ou
objeto e da nossa necessidade de um relacionamento social com
respeito, confiança e liberdade. (COHEN, 2006, p. 191)
Essa relação de mútuo respeito, que se alicerça no reconhecimento do
outro como sujeito é inviabilizada pelas ineqüidades sociais que se traduzem nos
cenários de desigualdade, prevalentes em toda a América Latina e no Brasil, onde,
66
marcadamente, poucos adquirem educação mais abrangente, pleno acesso à
saúde, e outros bens e serviços representativos do exercício da cidadania, inclusive,
o poder de participar das decisões políticas (Garrafa e Porto, 2003).
Assinala-se, portanto, a presença de um espaço para o ponto de referência
justiça/equidade no contexto do projeto pedagógico; espaço, este, que se abre à
discussão de várias vertentes temáticas a partir do cotidiano do próprio alunado em
relação ao ambiente sócio-cultural com o qual a escola interage.
2.3.3 Espaço para o referencial bioético - autonomia
Quanto ao ponto de referência bioético autonomia, considerando a
relação intrínseca que mantém com a Educação, observa-se sua presença pontual
no projeto pedagógico da E.E. Joaquim Ribeiro. Antes de qualquer coisa, torna-se
relevante entender que, para a Bioética: “Diz-se que uma pessoa atua com
autonomia quando tem independência em relação a controles externos e
capacidade para atuar segundo uma escolha própria” (Lolas, 1998, p.62. Grifos do
autor.).
Assim, temos uma definição que se revela numa ação. A autonomia surge
como algo observável no comportamento de um determinado indivíduo.
Concordando com as assertivas de Segre et al, expostas no Capítulo 1, é preciso
salientar que, considerando-se a impossibilidade de colocar a abrangência da
autonomia na, por assim dizer, moldura de uma definição, seja da Bioética, seja da
Educação, em relação ao projeto pedagógico aqui analisado se aceita como
parâmetro para as reflexões os postulados de Freire (1996).
A autonomia sobre a qual Freire (1996) discorre guarda relação de
coerência com o postulado de Lolas (1998) que pontua a capacidade do indivíduo
autônomo para agir segundo suas próprias escolhas. Ora, quando fala em ‘escolhas’
Freire utiliza o termo ‘decisões’; assim, sugere-se um paralelo entre a capacidade
para agir segundo escolhas pessoais, de Lolas, e a capacitação contínua para a
decisão responsável, que Freire considera fundante da autonomia.
67
Os pressupostos que Freire (1996) estabelece em relação à autonomia
correspondem, ainda, ao exercício do livre-arbitrismo, à reafirmação do self em
relação a quaisquer condicionamentos (inclusive, os da própria Educação e da
Cultura) como propõem Segre et al.
Freire (1996) ao abordar a questão do condicionamento elucida que ser
autônomo envolve o reconhecimento de que o ser humano é condicionado, porém,
não determinado por esses condicionamentos, que pode alçar-se acima deles.
Isso ocorre porque o homem é um ser inconcluso, inacabado. Assim, ao se apropriar
do conhecimento e ressignificá-lo, o indivíduo vai aprendendo a exercer-se de modo
autônomo.
Observando o projeto pedagógico à luz dos enunciados de Freire (1996),
percebe-se que, além dos parágrafos onde o verbete autonomia está grafado
literalmente, de modo implícito o sentido da autonomia permeia a redação de todo o
documento, como os exemplos a seguir patenteiam.
“O Projeto Pedagógico da EE Joaquim Ribeiro busca (...) oferecer ao
alunado uma matriz curricular para que se construa, se aproprie e socialize o
conhecimento.” Ora, os atos de “construir-se” e “apropriar-se” de que fala o
documento envolvem autonomia, que pressupõe que o educando se torne sujeito
do conhecimento adquirido a fim de que possa socializá-lo. Coincide, também, com
a finalidade do EM, segundo o Artigo 35 da LDB/96 que estipula como objetivo: “II -
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual”.
O projeto ainda define que “o esforço dos educadores será de garantir um
ensino de qualidade por meio de uma prática docente comprometida com o
processo de apropriação e reapropriação do saber pelos alunos”. Ou seja, garantir
que o educando aprenda a ser autônomo, como esclarece Freire (1996), não através
da mera transferência de conteúdos e conhecimentos, mas da elaboração do saber
mediante a conquista da autonomia e vice-versa, num profundo movimento de
retroalimentação
5
.
5
Segundo definição de Aurélio (2005): Processo pelo qual se produzem modificações em sistema,
comportamento ou programa, por efeito de respostas à ação do próprio sistema, comportamento ou programa.
68
Outro exemplo relevante: “O presente projeto está voltado para uma prática
que faça com que seus alunos no final da etapa tenham: (...) senso crítico
desenvolvido [e] capacidade para continuar evoluindo (...)”. O desenvolvimento do
senso crítico remete à construção da autonomia dos indivíduos, como Freire (1996)
explica de modo tão claro, mostrando que, da reflexão crítica acerca do cotidiano
dos educandos, da observação dos costumes desse cotidiano, podem emergir os
valores que darão significado ao mundo, à comunidade e à convivência social. No
dizer do autor capacitar o educando para exercer o senso crítico implica em
reconhecê-lo como “sujeito cognoscente (Freire, 1996, p. 135) com potencial para
“inteligir e comunicar o inteligido” (id.).
No seguinte parágrafo, observa-se: “Através de conteúdos significativos a
equipe escolar busca implementar a (...) formação do cidadão capaz de intervir na
sua própria vida e no seu grupo social”, o que remete ao postulado de Lolas (1998)
sobre a capacidade para escolher/intervir, configurando-se como um espaço ara
inserção do debate bioético.
Portanto, pontua-se a presença de um espaço no projeto da EE Joaquim
Ribeiro para o referencial autonomia.
Finalizando, enfatiza-se que a visão que embasa o projeto pedagógico,
vinculada à educação cidadã, é coerente com o seguinte postulado:
A cidadania é o exercício da plenitude dos direitos, como garantia da
existência física e cultural, e o reconhecimento como autor social. (...) No
centro de todo o processo político deve estar o cidadão, indivíduo
revestido de plenos direitos políticos, civis e sociais. (...) Somente a
educação para a cidadania poderá dar credibilidade para a bioética de
fronteira
6
. (BARCHIFONTAINE, 2006,p.203)
Desse modo, infere-se da análise e exposição do conteúdo do projeto
pedagógico em relação aos referenciais bioéticos que se delineia no mesmo um
espaço para a Bioética, sobretudo nos seguintes sentidos: “A bioética emerge das
relações psicossociais.” (COHEN, 2006, p. 187).
6
Bioética de fronteira: segundo explica Barchifontaine, trata das novas tecnologias biomédicas
aplicadas, sobretudo à fase nascente e à fase terminal da vida. No caso específico da discussão
empreendida nesse trabalho remete ao exercício da cidadania, da autonomia, para fazer escolhas e
tomar decisões individuais e como sociedade face a essas novas tecnologias. A educação cidadã
pode instrumentar os indivíduos para essas decisões.
69
Ainda: “A bioética significa a ética aplicada à vida e se apresenta como a
busca de um comportamento responsável por parte das pessoas que (...) [tomam
decisões] em relação à humanidade.” (Barchifontaine, 2006, apud Garrafa, 2005, p.
200).
E mais: “Os grandes rumos da bioética que poderiam ser tematizados em
uma dialética de vida e antivida seriam: alimentação-desnutrição, saúde-doenças,
trabalho-desemprego, educação-carência cultural (...)” (Barchifontaine, 2006, p.
201. Grifo nosso).
Também: “Hoje, sacraliza-se a ciência e degrada-se a pessoa humana.
Assim, a bioética poderia ser uma ferramenta para o exercício da cidadania.”
(Barchifontaine, 2006, p. 203. Grifo nosso). Diante do exposto, aponta-se que os
citados referenciais bioéticos estão, explícita e tacitamente, expressos no projeto
pedagógico da EE Joaquim Ribeiro.
Visando enriquecer a abordagem proposta para este trabalho Rosito
(2007)
7
sugere que se contemple a dimensão simbólica da prática pedagógica, que
se reflete no conjunto de ‘personagens’ que transitam no espaço escolar, conforme
explica Furlanetto (2004), que pesquisou os aspectos simbólicos do universo
pedagógico, com a finalidade de desvelar alguns símbolos expressos no cotidiano
escolar. No desfecho de sua pesquisa. A autora relata:
Nós testemunhamos as histórias de vidas, de lutas existenciais e
pedagógicas dos professores, bem como as histórias de vidas de alguns
alunos. Ao ouvirmos com aceitação, parecia que validávamos suas
histórias suas esperanças, seus sonhos. Algumas crianças, ao serem
ouvidas, pareciam deixar o lugar de excluídas e se autorizavam a
pertencer à comunidade humana. (...). (FURLANETTO, 2004)
Com base na proposição de Rosito (2007) e na teorização de Furlanetto
(2004) parece pertinente remeter ao mito de Eco e Narciso
8
, buscando aperfeiçoar a
compreensão dos referenciais bioéticos estudados no contexto do projeto
pedagógico.
7
Comunicação por email (mensagem pessoal, arquivo da pesquisadora), 2007.
8
O Mito Eco e Narciso foi extraído do texto “As dimensões interdisciplinares dos projetos”, de autoria
de Furlanetto e Allui, 2003, p.73.
70
Conta o mito que certo dia uma ninfa chamada Liríope foi banhar-se em um
rio. Este rio sentiu-se atraído por ela. Da relação dos dois nasceu uma criança muito
bela chamada Narciso, cuja mãe, ao constatar a beleza do filho, ficou muito
preocupada, pois para os gregos quem ultrapassava a medida corria perigo. Para se
tranqüilizar quanto ao futuro do filho, procurou o oráculo Tirésias, que perdera a
visão e, por isso, era capaz de ver o que a maioria não via. Tirésias falou-lhe que
nada aconteceria com Narciso se ele não visse a própria imagem. Narciso cresceu
e, por conta de sua beleza, despertava a atenção dos humanos e das ninfas que
conviviam com ele.
Um dia, uma ninfa chamada Eco, que também tinha uma história: era
falante e capaz de entreter quem conversasse com ela pela sua capacidade de se
expressar, apaixonou-se por Narciso. Zeus, percebendo a habilidade da ninfa, levou-
a para o Olimpo para entreter Hera, enquanto ele saía para as suas conquistas.
Essa situação repetiu-se muitas vezes até que um dia Hera descobriu que estava
sendo enganada e voltou sua ira contra Eco, impedindo-a de pronunciar suas
próprias palavras. Desse dia em diante, ela seria capaz de repetir as últimas
palavras pronunciadas pelos outros. Narciso, voltado para si mesmo, não foi capaz
de perceber o amor que ela lhe dedicava. A desatenção dele fez com que Eco fosse
definhando até se transformar em um rochedo capaz somente de repetir as últimas
palavras ditas pelos outros.
A incapacidade de Narciso de ver Eco provocou a ira de outras ninfas,
companheiras de Eco, que clamaram vingança. Pediram a uma deusa que
castigasse Narciso. Ela, então, permitiu que ele contemplasse a própria imagem. Um
dia foi a um lago beber água e se viu refletido na água, ficou fascinado pela sua
própria imagem e não mais conseguiu abandonar aquele lugar, buscando sem
conseguir, entrar em contato com quem via. Como Eco, ele também foi definhando,
até sumir. Conta o mito que nesse lugar brotou uma flor, muito bela, que recebeu no
nome de Narciso.
Observa-se que a vulnerabilidade fica patente na história de Eco e Narciso,
pela não possibilidade de escolha, que, de certa forma, também implica no não-
desenvolvimento da autonomia conforme a entende Freire (1996), enquanto
71
processo de aceitação de responsabilidades, de aprendizagem gradual do ato de
decidir e responsabilizar-se.
Rosito ( 2007) sugere que a leitura do mito possibilita uma articulação com
as categorias elencadas neste capítulo, que indicam se a Bioética permeia ou não
as proposições do projeto-político pedagógico. Segundo seu entendimento, que
contribui para lançar luz nessa discussão: “Professores e alunos podem ser tornar
Ecos quando limitam o processo ensino-aprendizagem na simples transmissão de
conteúdo sem relacionar com o seu projeto de vida, para compreender a realidade
em que vive no sentido de conservar ou transformar.”
A sugestão de Rosito permite refletir sobre os espaços possíveis para a
Bioética numa proposta pedagógica voltada ao EM, a partir das grandes lendas que
compõem o imaginário da humanidade, enriquecendo a abordagem do tema.
Narciso, segundo a compreensão leiga
9
, seria representativo do ser humano que
tem confiança em si mesmo, numa linguagem popular, seria o sujeito que tem ‘voz e
voto’, enquanto Eco é o ser fragilizado pela falta de auto-estima, pela ausência de
um discurso próprio, alguém que pode ‘ecoar’ o que está sendo proclamado por
terceiros.
Na visão de Dussel (2000), Eco pode ser vista como a ‘vítima’, a parte mais
carente de expressão no seio de uma comunidade marcada pela exclusão (o Ensino
Médio). Nessa ‘comunidade’ educativa que exprime o macrocosmo da convivência
humana fica patente a vulnerabilidade na relação aluno/professor, professor/direção,
escola/sistema.
No seio da comunidade escolar estabelecem-se relações com alto potencial
‘vitimizante’; por exemplo, o aluno está vulnerável diante do processo de avaliação;
o professor está vulnerável diante do alunado quando seu domínio dos conteúdos do
ensino é deficiente ou quando resistência à aprendizagem. A construção dos
sujeitos éticos e autônomos, nesse contexto, passa pela solução de todas essas
tensões.
9
Contardo Calligaris refere que, na concepção leiga do narcisismo, o narcisista é alguém que tem a si
mesmo em alta conta; para a psicanálise, contudo, o narcisista é alguém inseguro, dependente do
olhar do outro.
72
Porém, se no espaço da escola alguns poucos têm voz e a maioria ‘ecoa’
um discurso que não é coerente com sua experiência de vida, não
interlocução, não possibilidade de construção das identidades dos alunos,
tampouco dos docentes, pois, nesse contexto, não se educa para a
responsabilidade, não ocorre o que Freire (1996, p. 105) define como: “(...) a
reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia.”
Entretanto, o que se espera de um projeto pedagógico dito democrático é
que priorize a visão Freiriana exposta neste trabalho, no sentido de promover a
autonomia, firmemente alicerçado na justiça/eqüidade e no respeito à
dignidade/vulnerabilidade humanas, garantindo-se, assim, o exercício da cidadania
na construção de uma sociedade democrática na América Latina, o que, sem
dúvida, também integra o ideário bioético.
2.4 Teorização dos resultados obtidos
A proposta deste trabalho visou identificar a provável presença de
referenciais da Bioética, mais especificamente os referenciais de autonomia,
respeito à dignidade/vulnerabilidade do ser humano e justiça/eqüidade no projeto
pedagógico de escola pública voltada ao Ensino Médio. Elegeu-se como objetivo
precípuo averiguar, a partir de um projeto pedagógico específico, a existência ou
não de espaços relevantes que a Bioética possa ocupar nos citados projetos.
A fim de vislumbrar esses prováveis espaços, tornou-se necessário
pesquisar os temas que compõem os campos dos saberes envolvidos na discussão:
Bioética, Educação, Ética na Educação, cenários do Ensino Médio, buscando, por
assim dizer, o ponto de intersecção, a zona de dialogia entre esses saberes.
O decurso da pesquisa foi prazeroso, na medida em que se delineava o
edifício das idéias, revelando os vínculos entre as duas grandes áreas temáticas que
embasam a dissertação, Educação e Bioética. Quando chegou o momento de
analisar o projeto pedagógico face às descobertas mediadas pelo estudo do
referencial teórico, observou-se que na redação do projeto estavam presentes os
pontos principais do ideário da Bioética e da Educação Cidadã, vertente priorizada
na pesquisa.
73
Cumpre ressaltar que, ao assumir neste estudo a Bioética, não se teve a
preocupação de discuti-la em suas questões formais. Procurou-se, sobretudo,
buscar na Bioética suas contribuições para o enfrentamento de desafios e
problemas que afetam a Ciência e a Educação na contemporaneidade, mais
propriamente, na América Latina, partindo dos referenciais específicos de
autonomia, respeito à dignidade/vulnerabilidade do ser humano e justiça/eqüidade.
Neste estudo, a iminência de uma especulação teórica sobre a Bioética
propõe uma visão dela como mais um instrumento para consolidar as relações
éticas no ambiente escolar, entendendo como ‘relações éticas’ aquelas que
promovem o bem do homem, o bem da vida, o bem comum da sociedade, que
reproduz no microcosmo da escola todos os problemas relativos à ineqüidade social
latino-americana.
A análise das teorias relativas ao campo educacional enraizou-se nos
pressupostos de Paulo Freire explanados em “Pedagogia da Autonomia”, nas
premissas de Gadotti sobre Educação Cidadã e nas teorizações de Carloto Boto
acerca de Ética e Educação. Observaram-se os cenários do Ensino Médio no país
em relação aos constructos doutrinários desses autores, principalmente. A fim de
ampliar o contexto da discussão dos cenários, recorreu-se a Enrique Dussel e Volnei
Garrafa, através dos quais se visualizou o panorama social de modo mais
abrangente.
Conforme definido na introdução do trabalho, a pesquisa alicerçou-se nos
questionamentos discutidos a seguir, para os quais se propõe algumas respostas
que contemplem a finalidade específica da pesquisa, ou seja, existem espaços
relevantes para a Bioética nos projetos pedagógicos das escolas públicas voltadas
ao E.M.?
Cumpre notar que, em nenhum momento, se suporia uma exclusividade de
espaços da Bioética nos projetos pedagógicos, como se os conteúdos das
contribuições bioéticas não pudessem ser formulados pelo viés da educação.
que se contar, portanto, com espaços implícitos e eventualmente explícitos da
Bioética em tais projetos.
74
De fato, assinala-se, com base na pesquisa efetivada, que o ideário da
Bioética acerca dos referenciais pesquisados é bastante coerente com os
pressupostos da Educação Cidadã, defendida por Gadotti. Também se harmoniza
com a proposta de resgate dos fundamentos éticos da educação em valores
humanos, conforme explanam Boto e Freire.
A partir do referencial teórico estudado, particularmente as premissas de
Boto, depreendemos que as relações entre Educação e Ética são muito complexas e
determinadas historicamente. A Ética se entrelaça com a Educação, impregnando-a
de um sentido de humanidade e de condicionalidade sócio-histórica, com potencial
para formar cidadãos empenhados na luta pela realização de projetos de caráter
democrático, que visem a valorização da eqüidade e da justiça social, aqui aceita na
sua qualidade de ‘justiça como cuidado’.
Observou-se que a base sobre a qual podem se formar estes cidadãos
críticos figura no projeto pedagógico analisado e se constitui num espaço que pode
ser ocupado pela Bioética. A redação do projeto sugere que ele está alinhado com
as tendências mundiais e brasileiras recomendadas para o Ensino Médio, como
explicitam os documentos estudados, incluindo a LDB/1996, os PCNs e o
documento da UNESCO intitulado “O Ensino Médio no XXI: desafios, tendências e
prioridades”.
O citado documento da UNESCO prevê que a formação ética dos
educandos deve estar integrada, de modo transversal, ao processo de
aprendizagem, incentivando o comprometimento pessoal e grupal em relação às
competências cidadãs que têm como marco os valores humanos. Nesse contexto,
observa-se, também, um espaço privilegiado para se trabalhar com os referenciais
bioéticos.
Os PCNs, em linha com o documento da UNESCO, sustentam a
importância de se avaliar o cenário de mudança social no qual se insere o EM.
Essas mudanças implicam numa demanda por adequação dos currículos, métodos
de ensino e atividades das escolas, introduzindo-se saberes como a educação
intercultural (que viabiliza o respeito à diversidade), as novas tecnologias de
informação e os aportes da biotecnologia à área de Ciências.
75
Paralela à incorporação de conteúdos, justifica-se a necessidade de que o
pensamento ético permeie o ensino, instrumentando os educandos para tomar
decisões mediante análises crítico-subjetivas de cada situação que se lhes
apresente. Sob esse aspecto, a Bioética pode fornecer sólidas contribuições, pois
tem se ocupado exaustivamente dos temas relativos não só à biotecnologia, mas ao
conjunto de saberes científicos que podem afetar o valor absoluto da vida humana.
A Bioética, conforme se averiguou através dos pressupostos teóricos
estudados, tem se dedicado às grandes questões que envolvem o ser humano,
segundo as vertentes biológica, científica, empírica, buscando estabelecer que não
basta atualizar os conhecimentos científicos, é necessário incorporá-los a uma
orientação ética.
Pode-se dizer que, neste sentido, os enfoques da Bioética contribuem
substancialmente para os alunos adquirirem uma consciência crítica que supere a
visão fascinada dos avanços científicos, e a busca inquestionada de consumir os
novos “produtos”; e consequentemente contribuem para se colocarem as questões
éticas que permitem aos seres humanos se tornarem sujeitos em tempos
tecnológicos. Esta seria uma importante presença da Bioética no E.M. como se
verificou no projeto pedagógico estudado.
Assim, pode-se pontuar que, dentre os prováveis espaços de atuação da
Bioética, talvez haja a possibilidade de que ela ajude a construir respostas para os
dilemas éticos, a partir do próprio discurso escolar e das práticas da Educação
Cidadã.
Ora, se a Bioética conclama ao reconhecimento da vida como um valor
fundante, ao mesmo tempo em que defende o uso ético do conhecimento científico;
e se a Educação Cidadã propõe o trabalho com projetos pedagógicos que permitam
aos estudantes perceber, de modo tangível, a aplicação da ética no cotidiano,
incentivando-os à participação social e ao pleno exercício da cidadania crítica,
parece que subsídio suficiente para inserir a contribuição de considerandos
bioéticos no contexto do EM, sobretudo os relacionados aos referenciais
contemplados neste estudo.
76
Tendo como alicerce a fundamentação teórica analisada e as descobertas
relativas ao projeto pedagógico investigado, parece adequado considerar os projetos
educativos que promovem a Educação Cidadã como basicamente identificados com
os ‘projetos bioéticos’, voltados para formar ‘sujeitos bioéticos’, aptos, como
esclarece Paulo Freire, a exercer a autonomia, a responsabilidade pelas decisões, o
exercício dos “princípios éticos de nossa existência.”
Quando Paulo Freire fala de ‘formação’, ele não está se referindo apenas à
aquisição de competências e destrezas. Formar-se, para Freire, relaciona-se a
aprender a viver uma vida que valha a pena. Para que isso se torne possível, a
Educação precisa fornecer ao educando a capacitação para sobreviver, agir e
progredir dentro da sociedade. O texto do projeto pedagógico estudado contempla
essa demanda.
É fundamental viabilizar os meios para que o discurso pedagógico se
cumpra na prática, principalmente, considerando que o EM, no Brasil, é o ensino das
minorias sobreviventes, conforme explicitado no estudo dos cenários. Em se
tratando da rede pública de ensino, os recursos públicos deveriam ser empregados
para garantir os direitos dos grupos mais vulneráveis, cuja autonomia está
potencialmente ameaçada, conforme Garrafa elucidou. Essa questão interessa à
Bioética, de modo que, mais uma vez, assinalamos um espaço a ser ocupado.
2.4.1 Da teoria à prática: abordagens possíveis
Considerando-se que nas últimas décadas houve um incremento no nível
das ameaças às quais a humanidade se encontra exposta, e que esse fato se
relaciona especificamente ao saber científico e, de modo marcante, à revolução
biotecnológica, parece natural que, depois de examinar o projeto pedagógico voltado
ao Ensino Médio da EE Joaquim Ribeiro se busquem formas de traduzir no cotidiano
escolar a essência dos discursos. Assim, se ficou definido que espaços para a
Bioética no citado projeto, como ocupá-los de modo prático?
Observou-se através da pesquisa de Silva e Krasalchick que, no contexto
latino-americano é necessário aceitar-se a Bioética como importante instrumento
77
mediador do debate sobre as tecnociências, cujos resultados positivos se restringem
a uma pequena parcela da sociedade. Portanto, quando o enunciado do projeto
define como prioritária a oferta de uma matriz curricular que permita ao educando
apropriar-se do conhecimento e socializá-lo, surge a questão: como facilitar essa
socialização no âmbito das informações tecnocientíficas?
Entrevê-se uma oportunidade estratégica de utilizar o texto do próprio
projeto de forma transdisciplinar, sem a necessidade de ‘criar’ uma instância
educacional para transmitir os saberes ligados aos referenciais bioéticos. Esse
enunciado específico pode originar uma discussão sobre o fato de que algumas
aplicações da ciência têm potencial para prejudicar as pessoas, a sociedade, o
meio-ambiente; também, sobre o fato de que muitos dos benefícios obtidos com o
progresso da ciência não podem ser desfrutados pela maioria da humanidade, as
“vítimas”, de Dussel; os “excluídos”, de Garrafa; enfim, as “minorias sobreviventes”,
nomeadas por Mello.
A disseminação de informações, a discussão, quem sabe, a elaboração de
textos, pode instrumentar os educandos para perceberem o que significa estar
vulnerável e como a Bioética propõe o respeito à vulnerabilidade/dignidade
humanas, elemento que está implícito no projeto pedagógico, conforme esclarecido
no tópico 2.3.1.
Sugere-se que é importante considerar a desvinculação da transmissão dos
saberes ligados aos referenciais bioéticos pesquisados no projeto pedagógico do
ensino de Biologia e Ciência, especificamente. Agindo dessa forma, ficará patente o
caráter plural da Bioética enquanto saber que se amalgama aos conhecimentos
curriculares, surgindo não como um saber extra-curricular, mas como uma espécie
de padrão rizomático dos saberes curriculares.
Se o projeto pedagógico postula a socialização do conhecimento como
fundamental para a Educação Cidadã, que visa formar sujeitos críticos, parece
natural propor aos alunos a discussão acerca das dificílimas encruzilhadas que se
colocam diante da sociedade, diante deles como cidadãos. Afigura-se como
verossímil que a disciplina de Língua Portuguesa, por exemplo, proponha textos
para interpretação que tratem de temas como engenharia genética, alimentos
78
transgênicos, aquecimento global, etc. Partindo desses textos, podem-se transmitir
os valores defendidos pelos referenciais bioéticos, mostrar como estão
subentendidos no projeto educacional da escola.
Sobretudo, parece crucial levar os educandos a perceberem que a Ciência
é uma parte substancial das nossas vidas e que, na outra vertente da questão,
muitas discussões ético-políticas de grande relevância dependem da socialização do
conhecimento científico, que o exercício pleno da cidadania é inviável sem o
aporte de informações.
O enunciado do projeto pedagógico também dá margem a que se discuta o
que seria a “consciência bioética”, sobre a qual falam Silva e Krasalchick. Essa
consciência se formaria a partir dos valores que o projeto enaltece: solidariedade,
respeito às diferenças, cooperação, criação de um sentido de vida pessoal e em
grupo. Com base nesses valores declarados pelo projeto pode-se apontar para os
referenciais de respeito à autonomia, respeito à vulnerabilidade do ser humano e
justiça como cuidado.
O aluno pode se perceber como ser vulnerável, que, através do processo
educacional, está no caminho de construir-se como sujeito autônomo, apto a tomar
decisões, a posicionar-se diante da Ciência. Conforme elucidado por Rosito, vale
assinalar que o mito de Eco e Narciso pode se revelar um instrumento importante de
comunicação do que é ser vulnerável; ou seja, uma ferramenta através da qual o
aluno poderá mirar-se e ver a face da vulnerabilidade humana.
Sugere-se que, nesse contexto do mito de Eco e Narciso, da
vulnerabilidade e dos espaços para o ensino dos referenciais bioéticos, também
surge a possibilidade de o aluno fazer uma leitura de si mesmo como ser vulnerável,
por exemplo, à mídia que enaltece a busca pelo corpo perfeito (utilizando recursos
tecnocientíficos), pela fama instantânea (em vez do cultivo do talento), pela riqueza
e pelo poder; quase sempre, sem a preocupação com as fronteiras éticas, físicas e
psíquicas, estimulando o perfil narcísico com a intenção de suprir as frustrações e
criar um escudo de defesa, ainda que superficial.
79
Destacando-se o perfil transdisciplinar da Bioética, sugere-se, ainda, que
do ponto de vista da História se observe como, cronologicamente, ocorreu a
aceleração do progresso da Ciência e da Tecnociência, com a finalidade de que
percebam a necessidade de se proverem de conhecimento para arcarem com as
responsabilidades advindas disso.
O fato de os referenciais bioéticos encontrarem espaço no projeto
pedagógico que valoriza a Educação Cidadã aponta que a Bioética está presente na
trama social; talvez, sem que esteja nomeada como tal, ou assimilada culturalmente
como área de conhecimento no contexto do Ensino Médio brasileiro. Mas torna-se
admissível o ensino desses referenciais desde que estão implícitos no texto.
Admissível, sobretudo, porque analisados os pressupostos da Educação
Cidadã e da Pedagogia da Autonomia, conforme explanam Gadotti e Freire,
depreende-se que o desenvolvimento das capacidades do indivíduo em uma
comunidade política, no caso, a escola, ocorre à medida que este indivíduo toma
consciência de sua identidade como cidadão dessa comunidade, participante e
responsável pelas decisões que a definem. Ora, se o projeto pedagógico é
democrático e envolve todos os segmentos da comunidade escolar, se delineia
uma possibilidade de ensinar os referenciais bioéticos a partir do próprio enunciado
do projeto.
Infere-se dos pressupostos estudados e da análise do projeto pedagógico
que a chamada Educação Cidadã poderia ser nomeada Educação Ética, que a
Ética embasa os valores da cidadania. Pode-se, também, pensar numa Educação
Bioética, fundada nos valores que promovem a convivência ética dos homens entre
si, dos homens com a natureza, dos homens com todas as outras formas de vida.
O projeto pedagógico estudado também reitera a adequação às exigências
dos PCNs para o EM, sendo que uma das principais é a busca pela coerência dos
conteúdos educacionais em relação aos processos de socialização do sujeito. Os
conceitos transmitidos devem facultar ao aluno a possibilidade efetiva de atuar na
sua realidade, no seu entorno social.
80
Esse surge como mais um dos ‘espaços’ através dos quais se torna viável
ensinar os referenciais bioéticos, sobretudo o do respeito à
dignidade/vulnerabilidade humanas e o de justiça como cuidado. Destaque-se que,
não se trata de ‘inventar’ o ensino da Bioética no contexto do EM, mas de aproveitar
algo que existe e que o projeto define como prioritário. Assim, partindo de um
debate acerca dos postulados do projeto mesmo, torna-se exeqüível conhecer a
Bioética.
Outro espaço viável de ação, também representativo dos referenciais de
justiça/eqüidade e respeito à dignidade humana, no caso, dos educandos, refere-se
à qualidade do corpo docente, que deve estar apto a responder as demandas que o
projeto aceita como prioritárias para a formação crítica dos alunos. Um corpo
docente de qualidade é aquele que tem potencial para motivar o ensino e a
discussão dos conteúdos indispensáveis referentes à ética, além de estar informado
acerca dos métodos educacionais e didáticos.
A autonomia exercida pelo corpo docente é outro fator que pode contribuir
para que os alunos se tornem conscientes do próprio conceito. Se o corpo docente
não demonstrar postura crítica, poder de decisão, responsabilidade e compromisso
com o ensino de conteúdos que permeiam o projeto pedagógico, dificilmente esses
valores serão transmitidos aos alunos.
Portanto, sugere-se que é essencial preparar os educandos para que
reconheçam que a sociedade à qual estão integrados não pode aceitar de forma
acrítica os aportes da tecnociência, admitindo como inevitáveis as profundas e
paradigmáticas mudanças desencadeadas. Predispor os alunos para se
posicionarem criticamente diante dos fatos científicos significa colocá-los no
caminho da autonomia, da cidadania. Isso pode ser realizado de modo transversal
ao conteúdo curricular das disciplinas e projeto pedagógico analisado prevê essa
possibilidade.
O referencial teórico estudado para embasar este trabalho de pesquisa
aponta para os vínculos existentes entre a Educação, a Ética e os Direitos
Humanos, além de demonstrar que a Bioética, no contexto da América Latina, surge
como uma espécie de guardiã desses direitos e da autonomia humana, que devem
81
ser preservados. Observa-se que o projeto pedagógico estudado está elaborado
sobre os pressupostos da Educação Cidadã, que, por sua vez, também contempla
essas mesmas questões. Portanto, parece haver preciosos espaços nos quais os
referenciais bioéticos possam estar presentes, de forma implícita ou explícita, a
partir da prática cotidiana e dos relacionamentos que se constroem no ambiente
escolar.
CONCLUSÃO
Concluindo o trabalho que tomou como objeto de estudo a proposta
pedagógica voltada ao Ensino Médio da EE Joaquim Ribeiro torna-se relevante
destacar algumas idéias que nortearam a abordagem.
Sobretudo, faz-se necessário pontuar que não se configurou como objetivo
dessa dissertação discutir a inserção da Bioética no Ensino Médio. Antes, se buscou
demonstrar a presença dos referenciais bioéticos no projeto pedagógico, e, através
dessa presença, buscar espaços favoráveis para o ensino desses mesmos
referenciais: autonomia, respeito à dignidade/vulnerabilidade humanas e
justiça/eqüidade.
Após o estudo sistemático do referencial teórico não parece errôneo afirmar
que, no contexto do projeto pedagógico, esses referenciais poderiam ser
denominados ‘bioético-educacionais’, pois guardam estreita relação com os
pressupostos da Educação Cidadã, que a escola em questão assume como
norteadora das suas propostas educativas, em consonância com a LDB e os PCNs
do Ensino Médio.
O projeto pedagógico, entendido como uma ‘carta de intenções’, é uma
proposta de atuação para o corpo docente em relação aos alunos, da direção e
82
coordenadoria pedagógica em relação aos professores, enfim, um documento
propositivo que funciona como uma espécie de fio condutor das possíveis ações
educativas.
Assim, sugere-se que áreas estratégicas no projeto pedagógico nas
quais os referenciais bioéticos podem ser ensinados: quando se aborda o
relacionamento em grupo; quando se discute o próprio processo educacional;
quando se reflete acerca das condições de acesso ao Ensino Médio no Brasil;
quando se trabalham os temas sociais (segundo recomendação dos PCNs) de modo
interdisciplinar através dos temas transversais, como a ética, Meio-Ambiente,
Educação Sexual e outros.
O que se propõe é que a presença dos referenciais bioéticos no projeto
pedagógico estudado favorece a criação de condições propícias para que a
abordagem dos temas sociais seja realizada também sob aspectos privilegiados
pela Bioética, principalmente aqueles que podem contribuir para que os alunos
construam, de modo autônomo, um projeto de vida ético, fundamentado no respeito
aos valores humanos.
O estudo dos temas sociais também inclui os assuntos polêmicos relativos
ao ensino da Ciência; a partir da presença dos referenciais bioéticos no projeto
pedagógico a escola pode buscar meios de informar e discutir as questões éticas
que se interpõe nos conteúdos do ensino de Ciências, facultando que esses
conteúdos sejam contextualizados, aproximados da realidade dos alunos,
colaborando para a formação deles como cidadãos.
Reconhece-se que o cotidiano da sala de aula, da prática pedagógica,
mostra que não existem ‘fórmulas mágicas’ de aprendizagem, de transmissão de
conhecimento e, mais do que isso, de apropriação do aprendido. Isso ocorre devido
à complexidade do processo educativo. Portanto, a elaboração do projeto
pedagógico estabelece uma concepção social do ensino, com as peculiaridades de
cada instituição e do próprio meio.
O que se busca num projeto pedagógico é um caminho, um marco inicial do
qual se pretende partir para formar alunos críticos e cidadãos conscientes,
83
determinando quais aspectos do ensino-aprendizagem serão priorizados. Nesse
sentido, aponta-se que o projeto analisado enfatiza conteúdos que envolvem
valores, atitudes que permeiam a formação do sujeito crítico. É nesse contexto que
visualizamos a presença dos referenciais bioéticos.
Finalizando, convém relembrar que a temática abordada nesta dissertação
envolveu a dialogia entre várias e relevantes vertentes do conhecimento humano,
todas amalgamadas à Educação. Depreende-se, a partir das premissas estudadas
que a construção do sujeito ético, a formação de consciências bioéticas depende
das vivências educacionais.
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