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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES
POLÍTICAS
LARISSA FABRICIO ZANIN
A CORTE PORTUGUESA E O ESCRAVISMO
NO BRASIL SOB O OLHAR DE DEBRET
VITÓRIA
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES
POLÍTICAS
LARISSA FABRICIO ZANIN
A CORTE PORTUGUESA E O ESCRAVISMO
NO BRASIL SOB O OLHAR DE DEBRET
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História Social das Relações Políticas
do Centro de Ciências Humanas e Naturais da
Universidade Federal do espírito Santo, como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em História, na área de concentração Sociedade e
Movimentos Políticos.
Orientador: Profº Drº Geraldo Antônio Soares
VITÓRIA
2007
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LARISSA FABRICIO ZANIN
A CORTE PORTUGUESA E O ESCRAVISMO NO BRASIL
SOB O OLHAR DE DEBRET
Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História Social das Relações Políticas do
Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do espírito Santo, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em História, na área de concentração Sociedade e Movimentos
Políticos.
Aprovada em
COMISSÃO EXAMINADORA
Profº Drº Geraldo Antônio Soares
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
Profº Drº Estilaque Ferreira
Univerdade Federal do espírito Santo
Profª Drª Maria Auxiliadora de Carvalho
Corassa
Universidade Federal do Espírito Santo
_________________________________________
Profº Drº Ivan de Andrade Vellasco
Universidade Federal de São João Del Rei
AGRADECIMENTOS
É com grande felicidade que agradeço a todos que me acompanharam durante
essa árdua caminhada e que, de uma forma ou de outra, me incentivaram a seguir
em frente.
Agradeço primeiramente a Deus por me dar forças em todos os momentos em que
pensei em desistir.
Ao meu Orietador Profº Drº Geraldo Antônio Soares pela paciência e colaboração
inestimáveis a mim dedicados nesses dois anos de orientação.
A Profª Drª Moema Martins Rebolças por me orientar pelos caminhos da
semiótica e nas leituras das imagens, e por me inspirar como educadora.
Ao Profº Drº Estilaque Ferreira dos Santos pela generosidade de emprestar seus
livros para o desenvolvimento desse trabalho.
A Profª Drª Maria Auxiliadora de Carvalho Corassa e ao Prof Drº Ivan Vellasco
pela disponibilidade em participar da banca.
Ao meu marido Anderson pelo incentivo que me deu para concluir esse estudo, e
pelas palavras animadoras nas horas de desespero.
Ao meu Pai e a Cida por acreditarem em mim e me fazer acreditar que sou capaz.
Aos meus irmãos por compartilharem comigo esse momento.
A minha mãe pela força espiritual transmitida e por ser organizadora da torcida
celeste em prol das minhas conquistas e vitórias.
Aos colegas de trabalho que tanto me incentivaram e me apoiaram nos momentos
em que precisei me ausentar.
Enfim, a todos que de alguma forma contribuíram para que essa etapa da minha
vida fosse concluída com sucesso.
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Zanin, Larissa Fabrício, 1982-
Z31c A corte portuguesa e o escravismo no Brasil sob o olhar de Debret /
Larissa Fabrício Zanin. – 2007.
140 f. : il.
Orientador: Geraldo Antonio Soares.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Debret, Jean Baptiste, - 1768-1848. 2. História. 3. Semiótica. 4.
Imagem - Fontes de informação. I. Soares, Geraldo Antonio. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e
Naturais. III. Título.
CDU: 93/99
Ao meu pai, Mauricio Zanin, meu
grande exemplo de vida.
“Sempre haverá, por outro lado, artistas que dirão que toda
arte é automaticamente social, posto que emana do homem e,
assim, indiretamente, reflete seu contexto. Nunca faltarão os
que digam que fazem uma arte “autônoma”, sem preocupação
social aparente, mas que pensam revolucionariamente, e
desejam uma alteração da estrutura da sociedade em que
vivem e firmam manifestos e consideram suficientes suas
participações divididas.”
Aracy A. Amaral
RESUMO
A imagem é uma fonte de investigação que traz em suas estruturas elementos
valiosos para a compreensão do período histórico que apresenta. Compreender o
caráter histórico imerso nas gravuras elaboradas pelo artista francês Jean Baptiste
Debret, no período em que permaneceu no Brasil, que apresentam a corte
portuguesa e o negro nas ruas do Rio de Janeiro na primeira metade do século
XIX é o objetivo principal desse estudo que utiliza imagens como fonte
primordial de análise do período pesquisado. Período marcado por grandes
transformações políticas e sócio-culturais geradas pela transferência da Corte
portuguesa para o Brasil possibilitando ao artista francês um contexto rico para
representações da sociedade carioca.
Convidado a compor a Missão Artista Francesa, Debret chega ao Brasil sob o
título de pintor de histórica com a incumbência de elaborar a história visual da
corte no Brasil e encontra nas ruas da cidade carioca um ambiente favorável para
a representação da sociedade que se formara a partir da transferência da família
real.
Identificando o olhar do artista como narrador dos acontecimentos, através da
leitura de imagens, pretende-se garantir à produção de Debret reconhecimento
como objeto de comunicação e significação que contém em si elementos
historiográficos do Brasil nas primeiras décadas do século XIX.
Palavras-chave: Imagem – Fonte de pesquisa, história, Semiótica, Debret
ABSTRACT
The image is a source of research that brings in its structures valuable elements to the
understanding of the historical period that presents. Understanding the nature immersed
in the historical nature engravings produced by French artist Jean Baptiste Debret, in the
period that remained in Brazil, which have the Portuguese court and black people on the
streets of Rio de Janeiro in the first half of the nineteenth century is the main objective
of this study that uses images as primary source of analysis of the period searched.
The period marked by major political and socio-cultural transformations produced by
the transfer of the Portuguese court for Brazil enabling the French artist a context rich of
representations to the society of Rio. Invited to compose the Mission French Artist,
Debret arrives in Brazil under the title of painter of historical with the task of preparing
a visual history of the court in Brazil and is in the streets of the city of Rio that he finds
a favorable environment for the representation of the society which forms itself from the
transfer of the royal family. Identifying the view of the artist as narrator of events,
through the reading of images, intended to ensure the production of Debret recognition
as the subject of communication and significance in itself that contains elements
historiográficos of Brazil in the first decades of the nineteenth century.
Keywords: Image- source of research, history, Semiotics, Debret
LISTA DE IMAGENS
Figura 1 - Jacques Louis David. Juramento dos Horácios ............................. 22
Figura 2 - Rafael Sanzio. A visão do cavaleiro.............................................. 33
Figura 3 – Rafael Sanzio. A visão do cavaleiro.............................................. 45
Figura 4 - Jean Baptiste Debret, Retratos do Rei Dom João Vi e do Imperador
Dom Pedro I.............................................................................................................
75
Figura 5 – Jean Baptiste Debret, Detalhe do Busto de D. João VI........................ 76
Figura 6 - Jean Baptiste Debret, Detalhe do retrato de corpo inteiro do rei D.
João VI.....................................................................................................................
78
Figura 7 - Jean Baptiste Debret, Detalhe do busto de D. Pedro I......................... 80
Figura 8 - Jean Baptiste Debret, Detalhe do retrato de corpo inteiro do Imperador
D. Pedro I..................................................................................................................
81
Figura 9 - Jean Baptiste Debret, Aclamação do Rei Dom João VI......................... 82
Figura 10 – Jean Baptiste Debret, Aclamação do Rei Dom João VI....................... 84
Figura 11 - Jean Baptiste Debret, Aclamação do Rei Dom João VI....................... 85
Figura 12 - Jean Baptiste Debret, Vista do Largo do Palácio no dia da
aclamação de Dom João VI.....................................................................................
87
Figura 13 - Jean Baptiste Debret, Aclamação de D. Pedro I no Campo de
Sant’Ana...................................................................................................................
88
Figura 14 - Jean Baptiste Debret, Coroação de D. Pedro, imperador do Brasil.... 90
Figura 15 - Jean Baptiste Debret, Bandeira Imperial............................................. 92
Figura 16 - Jean Baptiste Debret, Um funcionário a passeio com a sua família... 117
Figura 17 - Jean Baptiste Debret, Uma senhora brasileira em seu lar................... 119
Figura 18 - Jean Baptiste Debret, Sapatarias........................................................ 122
Figura 19 - Jean Baptiste Debret, Negociante de tabaco em sua loja; O negro
trovador e Vendedoras de pão-de-ló.......................................................................
124
Figura 20 -
Jean Baptiste Debret, Negras livres vivendo de suas atividades........ 126
Figura 21 -
Jean Baptiste Debret, Mercado na rua do Valongo............................. 128
Figura 22- Jean Baptiste Debret, Negros vendedores de aves............................. 130
Figura 23 - Jean Baptiste Debret, Vendedores de palmito.................................... 130
Figura 24 - Jean Baptiste Debret, Vendedores de capim e de leite...................... 131
Figura 25 - Jean Baptiste Debret, Barbeiros Ambulantes..................................... 133
Figura 25 - Jean Baptiste Debret, Negras cozinheiras, vendedoras de angu....... 135
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................
12
1.1 HISTÓRIA E IMAGENS.............................................................
12
1.1.1 História Cultural – Representação E O Uso De Novas Fontes .... 12
2 JEAN BAPTISTE DEBRET............................................................... 22
2.1 LEITURA DE IMAGENS – CAMINHOS E POSSIBILIDADES.. 30
2.1.1 Iconografia e iconologia ............................................................... 31
2.1.2 A semiótica plástica ...................................................................... 37
3 A CORTE NO BRASIL...................................................................
49
3.1 A SITUAÇÃO POLÍTICA DE PORTUGAL NO INÍCIO DO
SÉCULO XIX .......................................................................................
49
3.2 A CORTE NO BRASIL ................................................................. 56
3.3 A MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA.......................................... 64
3.4 A CORTE PORTUGUESA SOB O OLHAR DE DEBRET ......... 75
4 O NEGRO NO BRASIL – UMA REFLEXÃO SOBRE A
PRESENÇA DO NEGRO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
94
4.1 AS VARIAÇÕES DO TRABALHO ESCRAVO.......................... 99
4.2 CULTURA AFRO-BRASILEIRA –..............................................
106
4.4 O NEGRO SOB O OLHAR DE DEBRET.................................... 114
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................
137
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................
140
1 INTRODUÇÃO
1.1 HISTÓRIA E IMAGEM – A IMAGEM COMO DOCUMENTO
1.1.1 HISTÓRIA CULTURAL – REPRESENTAÇÕES E O USO DE
NOVAS FONTES
Entender a imagem como documento é perceber de que maneira
uma imagem, bi ou tridimensional, pode representar a realidade e
participar ativamente da construção de imaginários acerca de um
determinado período. É percebê-la como “re-apresentação” de uma
realidade, sem preocupar-se se ela é ou não uma cópia fiel da realidade
que representa, e encontrar em sua construção informações e
significados que decodifiquem traços de um contexto social, político e
cultural.
O termo representação tem sido muito discutido principalmente
pelos historiadores da cultura, que se preocupam com novas formas de
interpretar fatos e acontecimentos históricos, incluindo aí o uso de novas
fontes.
Uma fonte verdadeiramente rica quando se fala em representação
é a imagem pictórica que condensa, em um plano bidimensional, fatos e
acontecimentos que, para as investigações históricas, tornam-se
documentos ricos em informações.
A imagem como fonte de investigação história tem sido utilizada por
muitos historiadores contemporâneos. O número de pesquisas envolvendo
discussões sobre as representações pictóricas tem crescido a cada ano.
Os historiadores estão ampliando seus interesses para além dos
acontecimentos políticos, econômicos e sociais e estendendo suas
pesquisas para a história da cultura. Ao mesmo tempo, privilegiam-se
novas fontes de pesquisa que ultrapassam os textos escritos e relatos
orais. Cada vez mais voltam-se as atenções para a busca de fontes
renovadoras para a investigação histórica.
[...] a história das representações se afirma como complemento e como
nova orientação da história cultural. Em resposta ao paradigma
subjetivista em vigor no campo intelectual (a partir dos anos oitenta) e à
perda da hegemonia da tradição dos Annales, a história das
representações propõe introduzir novas escalas de análise, capazes de
integrar ao social e histórico os atores individuais (SILVA, 2000, p. 82).
A representação é uma construção feita a partir do real, que
carrega em si traços da realidade, mas não é necessariamente a
realidade em si. Pode ser compreendida por uma imagem pictórica, ou
um objeto tridimensional, que remetam a determinado ideal que se
pretende representar. São maneiras pelas quais os indivíduos buscam a
construção de sentido para o mundo em que vivem.
A partir dos estudos de Mauss e Durkheim no início do século XX
sobre os povos primitivos e as formas de vida construídas por eles para
manter a união do grupo, expressas por imagens, sons, rituais, as
representações sobre o mundo construídas pelo homem ganham espaço
entre as pesquisas.
As representações carregam um poder simbólico daquilo que “re-
apresentam”, “dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam,
carregam sentidos ocultos, que, construídos social ou historicamente, se
internalizam no inconsciente coletivo e se apresentam como naturais,
dispensando reflexão” (PESAVENTO, 2005, p. 41).
Representar é presentificar algo ausente, não necessariamente de
forma mimética porque a representação não é a cópia do real e sim uma
construção feita a partir do real.
A história cultural propõe-se a escrever a história através das representações pelas quais os homens expressaram o mundo e
sua sociedade. Cabe ao historiador cultural ler essas representações simbólicas como fontes construídas no passado que
carregam significados e informações do contexto na qual foram criadas.
Em termos gerais pode-se dizer que a proposta da História Cultural seria, pois, decifrar
a realidade do passado por meio de suas representações, tentando chegar àquelas
formas, discursivas e imagéticas pelas quais os homens expressam a si próprios e ao
mundo (PESAVENTO, 2005, p. 42).
Quando a representação se dá pela exposição de uma imagem ou de um objeto em substituição a algo ou
alguém, pode-se dizer que elas são portadoras de um significado simbólico.
Outro conceito que permeia a história cultural junto com o conceito de representação é o de imaginário. De
acordo com Pesavento ”entende-se por imaginário um sistema de idéias e imagens de representação coletiva que os homens,
em todas as épocas, construíram para si, dando sentido ao mundo” (2005, p. 43).
O imaginário não é fixo de um período para outro, ele varia de acordo com as transformações sociais, ou seja,
a cada época os homens constroem representações para significar o real.
O imaginário é histórico e datado, ou seja, em cada época os homens constroem
representações para conferir sentido ao real. Essa construção de sentido é ampla, uma
vez que se expressa por palavras/ discursos/ sons, por imagens, coisas, materialidades
e por práticas, ritos, performances. O imaginário comporta crenças, mitos, ideologias,
conceitos, valores, é construtor de identidades e exclusões, hierarquiza, divide, aponta
semelhanças e diferenças no social (PESAVENTO, 2005, p.43).
Paralelamente ao conceito de representação e imaginário, os historiadores culturais preocupam-se com a
descoberta de novas fontes que levantem novas informações e questionamentos no âmbito das investigações históricas.
Ao trabalhar com o imaginário, a história cultural recorre a discursos e imagens que representam fatos
históricos e possibilitem a identificação de espaços, atores e práticas sociais. Para tanto tem sido recorrente o uso de
imagens como fontes de investigação.
As imagens são representações de um mundo elaboradas para significar um determinado período. Durante
muito tempo elas foram reduzidas a meras ilustrações de textos escritos.
Com o conceito de representação, a imagem renasce com força total para a história como fonte, rica em
significações, que estabelecem relações diretas entre o enunciador (produtor) e o enunciatário (espectador), e tem como
base para a sua elaboração uma realidade a qual não pretende representar com veracidade e sim com verossimilhança. Entre
a imagem e o real existe uma semelhança em nível de significado, ou seja, uma leitura comum entre as figuras visuais
planares (signos) e as figuras do mundo natural (significantes).
As imagens como formas de representação construídas pelos homens para dar sentido ao mundo constroem o
imaginário. O imaginário como idéias visuais das representações coletivas, forma-se a partir de uma “re-apresentação”
simbólica, que confere sentido a algo ou alguém ausente em determinado momento.
Nesse ponto, onde a linguagem simbólica se torna comunicável, é que entram em
cena os imaginários sociais. Integrando o campo da representação, ou melhor,
exprimindo a representação, o imaginário tem, portanto, sua existência afirmada pelo
símbolo e sua expressão garantida pela evocação de uma imagem seja ela acionada
por palavras, por figuras de linguagens ou por objetos (DUTRA et al, 2000, p. 229)
A imagem é testemunha de uma época que tem, sem dúvida, valor documental, sem preocupar-se em ser a
reprodução fiel da realidade que representa. O mais importante em uma imagem são as maneiras pelas quais os homens
percebiam o mundo em que viviam.
A interpretação de uma imagem varia de acordo com os conceitos estabelecido por cada época. A significação
dada a uma imagem não é uma leitura inocente, ela é feita com base em valores pré-estabelecidos e adquiridos pelo
historiador em seu tempo.
Logo, o imaginário criado através da compreensão de uma representação de determinado período é
responsável pela formação de identidades. As imagens são construtoras de identidades na medida em que assumem dentro
do imaginário social as representações de classes sociais, religiões, gênero, raças.
Quando uma sociedade, grupos ou mesmo indivíduos de uma sociedade se vêem
ligados numa rede comum de significações, em que símbolo (significantes) e
significados (representações) são criados, reconhecidos e apreendidos dentro de
circuitos de sentido; são utilizados coletivamente como dispositivos orientadores/
transformadores de práticas, valores e normas; e são capazes de mobilizar
socialmente afetos, emoções, desejos, é possível falar-se da existência de um
imaginário social (DUTRA et al., 2000, p. 229).
As representações imagéticas podem ser usadas também como alicerce para a manutenção e estabilidade de
um sistema político e como elemento de persuasão, como afirma Balandier “o grande ator político comanda o real através
do imaginário” (1982, p.6).
Foi através de representações simbólicas e seus poderes persuasivos de “re-apresentação” sobre o imaginário
social que muitos políticos governaram ao longo dos tempos.
O poder estabelecido unicamente sobre a força ou sobre a violência não controlada
teria uma existência constantemente ameaçada; o poder exposto debaixo da
iluminação exclusiva da razão teria pouca credibilidade. Ele não consegue manter-se
nem pelo domínio brutal e nem pela justificação racional. Ele só se realiza e se
conserva pela transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos
e sua organização em um quadro cerimonial (BALANDIER, 1982, p.7).
Nesse sentido, as imagens como representação simbólica de um determinado governo, agem diretamente no
imaginário a medida que através das representações convencem-se os indivíduos a aceitar determinada forma de política e
determinado governante. Sendo assim, as imagens podem contribuir para a compreensão de determinados regimes políticos
e suas estratégias, como afirma Dutra et al:
Assim, no retrato do rei, o absoluto se representa, e o rei se identifica e se reconhece
nesse real absoluto. O retrato transforma o indivíduo em monarca, uma vez que as
imagens são presença real, signos icônicos da realidade real, expressões da força, da
justiça e elementos da legitimidade política da autoridade real (2000, p. 230).
É nesse sentido que foi criado no Brasil em 1826 o setor de Pintura Histórica da Academia Imperial de Belas
Artes, uma marca explícita de como a imagem deveria representar os feitos do Império.
Aliás, o uso de imagens para a consolidação da monarquia do Brasil data de anos antes da fundação do setor de
Pintura Histórica. Foi pensando na história visual do Brasil, agora sede do reino, que D. João VI contrata o grupo de artistas
franceses intitulado de Missão Artística Francesa para a criação de imagens e alegorias que representassem a corte e seus
grandes momentos, festivos ou não.
Além das representações da corte, trabalho para o qual Debret fora contratado por D. João VI, o artista francês
criou um grande número de aquarelas com representações do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro.
Durante os dez anos em que permaneceu à espera da efetiva institucionalização da Academia de Belas-artes, o
artista sai às ruas da cidade e dedica-se a retratar cenas do cotidiano da sociedade brasileira na cidade do Rio de Janeiro.
Com o hábito de observação de um pintor de história, Debret retrata em aquarelas traços singulares de uma
sociedade em transformação, já esboçando a possibilidade de publicá-los posteriormente, com o intuído de, como afirma o
próprio artista:
compor uma verdadeira obra histórica brasileira, em que se desenvolvesse
progressivamente, uma civilização que já honra esse povo, naturalmente dotado das
mais preciosas qualidades, o bastante para merecer um paralelo vantajoso com as
nações mais brilhantes do antigo continente. (DEBRET, 1989, v.I, p. 24)
Nas aquarelas do cotidiano identificam-se representações de negros e brancos e traços da cultura e da sociedade
do Rio de Janeiro de 1816 a 1831, período que marcará a estadia de Debret no Brasil.
São sobre essas representações, da corte e do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro que abordaremos, de forma
sistemática, o conteúdo histórico imerso nessas imagens e a sua utilização como fonte de investigação histórica.
Buscar-se-á através da leitura de imagens de algumas gravuras que compõe o segundo e o terceiro volume de
seu “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil” a compreensão das formas pelas quais Debret constrói as representações,
identificando os traços de uma sociedade e sua cultura e as formas pelas quais essas imagens atuam sobre a construção do
imaginário social acerca da história do período representado.
Assim, exploraremos o caráter histórico de suas produções
buscando significações com o intuito de compreender o olhar de Debret
sob o Brasil.
Através da análise das obras, pretendemos trazer à luz essa
produção por vezes reduzida a meras ilustrações de livros didáticos
justificando seu olhar sobre a corte e sobre o cotidiano, esclarecendo as
possíveis visões do artista sobre a sociedade da época.
Buscaremos os significados mais intrínsecos de suas composições
e os traços culturais da sociedade brasileira que elas carregam.
Pretendemos assim justificar a afirmativa de que as obras de Debret se
constituem em fontes de investigação histórica carregando em si os
traços da realidade que apresentam.
Para tanto o trabalho foi dividido em três capítulos.
No primeiro capítulo discorreremos acerca da vida e obra do artista
em questão para que possamos melhor compreender a sua produção.
Também nessa etapa abordaremos as metodologias de leituras de
imagens que envolvem esse estudo com destaque para a semiótica
plástica, que guiará nossos passos durante as leituras das obras de
Debret.
No segundo capítulo faremos uma breve contextualização histórica
do período que marca a transferência da corte para o Brasil e suas
conseqüências políticas e sócio-culturais, destacando a vinda da Missão
Artística Francesa para o Brasil.
No segundo capítulo foram elaboradas as leituras das imagens da
corte produzidas por Debret sob os princípios da semiótica plástica
identificando o olhar do artista sobre as cenas apresentadas.
No terceiro e o último capítulo faremos uma breve explanação
acerca da escravidão no Brasil destacando as características do sistema
escravista aqui estabelecido. Dentro desse contexto realizaremos as
leituras das imagens produzidas por Debret que apresentam como foco
central o negro nas ruas do Rio de Janeiro, destacando sua importância
nas atividades comerciais e públicas, e as características sócio-culturais
desse grupo que influenciaram a sociedade brasileira.
Pretendemos com esse estudo destacar o caráter histórico das
obras de Debret através das leituras de imagens, tratando a produção do
artista como fonte de investigação histórica principal desse estudo, onde
as imagens contem a história e não sejam meras ilustrações de um texto
escrito.
.
2 JEAN BAPTISTE DEBRET
Dentre os artistas que produziram imagens do Brasil Jean-Baptiste
Debret é sem dúvida alguma, um dos grandes responsáveis pela
representação da sociedade brasileira nas primeiras décadas do século
XIX e um nome de destaque dentro da chamada Missão Artística
Francesa.
Teve função primordial de pintor de história dentro da missão e
destacou-se pela vasta produção de imagens do Brasil entre os anos de
1816 e 1831, período que marca a sua estadia em terras brasileiras.
Nascido em dezoito de abril de 1768 em Paris, filho de uma escrivão e de uma
comerciante, primo e aluno de Jacques Louis David, um dos principais nomes do
neoclássico francês, Debret estudou no Liceu Louis le Grand, e logo cedo
demonstrou interesses pelas artes freqüentando o ateliê de seu primo.
Convidado por David para viajar à Itália onde realizaria sua grande obra
neoclássica O Juramento dos Horácios, Debret participa da execução da pintura
adquirindo as influencias estéticas de seu primo.
Figura 1 – Jacques Louis David. Juramento dos Horácios, 1784.
Ao retornar a Paris em 1785, ingressou na École dês Beaux Arts, tendo como
cenário de sua formação artística a eclosão dos ideais liberais que permearam a
Revolução Francesa.
Em 1791 ganha o segundo prêmio de pintura do Prix de Rome, da Academia de
Belas-artes com a tela Régulos voltando a Cartago. A cena da pintura representa o
general romano que sacrifica a vida pessoal, deixando filhos e esposa em prol da
pátria.
A influência neoclássica davidiana sobre as obras produzidas por Debret no Brasil
é nítida, remetendo muitas vezes às representações do período napoleônico feitas
por David.
Exímio pintor de história, Debret aprendera durante a convivência com David o
quão valiosa a arte poderia ser para a política. A pintura histórica representa fatos,
cenas mitológicas, literárias e religiosas.
A pintura histórica ganha força a partir do século XVII com a criação da Real
Academia de pintura e escultura de Paris em 1648. Com o nascimento do estilo
neoclássico na França no século XVIII, os temas históricos passam a ser
explorados constantemente.
O pintor de história dedica-se ao registro pictórico de eventos da história política.
Geralmente trabalham sob encomenda, comprometidos com a tematização da
nação e da política, narrando grandes atos e seus heróis.
Nesse sentido, através da pintura, Debret enalteceu a monarquia portuguesa no
Brasil, principalmente durante o reinado de D. Pedro I. Simpatizante das idéias
liberais, D. Pedro tivera seu governo representado com reconhecimento e apreço
pelo artista francês.
Até 1806 dedicou-se à pintura de história antiga, quando passou a realizar obras
com temática moderna, mais especificamente, representações do imperador
Francês Napoleão Bonaparte, atendendo constantemente as encomendas do
governo. Nesse período, a carreira como pintor de história deslanchou passando a
dedicar-se a criação de pinturas que representassem as vitórias do imperador.
Com a queda do imperador e com a restauração da monarquia dos Bourbon,
muitos dos artistas que trabalharam em prol da construção da imagem iconográfica
republicana francesa perderam seus lugares de destaque dentro do governo e viram
abalados seus ideais revolucionários.
Nas palavras de Argan “o final da epopéia napoleônica trouxe profundas
conseqüências para a arte. A queda do herói segue-se uma sensação de vazio, o
desânimo dos jovens destituídos de seus sonhos de glória” (ARGAN, 1992, p. 28).
O mesmo se dá com Debret que diante da queda do império seguida da morte de
seu único filho, não via mais sentido em permanecer na França. “Destituído do
seu prestígio político e quebrantado no plano pessoal, Debret se apresentava, em
1815, como o arquétipo do candidato ao auto-exílio” (CARDOSO, 2003, p.23).
Nesse mesmo período, Lebreton organizava, a pedido do Marquês de Marialva,
um grupo de artistas que embarcaria para o Brasil para trabalhar a serviço da
monarquia portuguesa com duas missões: criar a história visual daquele governo
no Brasil, enaltecendo-o através da arte e levar para o Brasil os impulsos da
estética neoclássica.
A missão francesa foi um grupo em prol do progresso. Debret, com toda a sua
experiência como pintor de história do período napoleônico tinha conhecimento
sobre o poder da arte como enaltecedora do poder político.
Jean Baptiste Debret recebeu outra proposta fora a de Lebreton.
Foi convidado pelo czar da Rússia para trabalhar naquele país, no
entanto parecia mais atrativo vir para o Brasil, país que já abrigava alguns
refugiados Bonapartistas.
Assim que chegou ao Brasil, Debret começa a trabalhar com afinco para
as festividades da Aclamação de D. João VI. Foi nomeado cenógrafo do Real
Teatro São João para o qual realizou obras que foram panos de fundo para os
eventos reais.
Foi responsável também pelo registro de eventos como a chegada de
Dona Leopoldina em 1817 e a Coroação de D. Pedro I em 1822.
Sua litogravura ganhou boa publicidade, circulando aqui e em Portugal, de modo que
não se tratava apenas de uma imagem do acontecimento, ascendendo à condição de
enunciado do próprio acontecimento, a fim de que o espectador – inclusive aquele
que lá estivesse estado – acreditasse que foi assim mesmo. Ao elaborar um quadro,
Debret recolhia em seu ateliê todo o material possível sobre o acontecido, chapéus, o
manto real, figurino, paisagens desenhadas etc., formando uma espécie de coleção
sobre o evento (SOUZA, 1999, p. 290).
Dentre todos os viajantes que passaram pelo Brasil, franceses e
os das mais diversas nacionalidades, Debret foi o que aqui permaneceu
por mais tempo.
Durante 15 anos de estadia em solo brasileiro, Debret produziu o
mais completo documentário histórico-social da sociedade, no período
que se insere dentro dos postulados do romantismo que, “preconizava no
exótico dos costumes e na representação fiel da natureza, a mais perfeita
finalidade da arte no século XIX” (DEBRET, 1989, p. 11).
Sob a função de pintor de história, Debret realizou uma série de representações da
corte, com a finalidade de registrar a história da monarquia no Brasil. Foi
responsável pela elaboração das insígnias e dos símbolos que representariam o
governo monárquico.
Além de ser responsável pela criação da memória iconográfica do governo
monárquico no Brasil, o caráter histórico das obras de Debret carrega em si a
função de desenvolver o sentimento nacional dentro do Estado Imperial que se
instaurava.
Foi durante o reinado de D. Pedro I, após a independência, que
Debret ocupou lugar de destaque ao desenhar os símbolos da nova
nação, como a elaboração da bandeira imperial.
Paralelamente às representações da corte, Debret dedicou-se, nas horas
vagas, a retratar a vida na capital do país, destacando a participação do negro no
cotidiano da corte.
Afastando-se dos princípios estéticos neoclássicos e aproximando-se do
ideal do romantismo que germinava na Europa após a queda de Napoleão, Debret
realiza uma série de aquarelas que trazem representações do cotidiano de brancos
e negros na cidade do Rio de Janeiro.
São as suas aquarelas com representações do cotidiano que
mostram o traçado mais rico de Debret. Sobre essas imagens
discorreremos acerca das representações do cotidiano, levantando
reflexões sobre a dinâmica social da cidade do Rio de Janeiro
representada pelo artista. Nelas, Debret também retrata com propriedade
a presença do negro e suas influências sobre a vida da corte.
A importância de Debret na cultura brasileira adquire o seu justo relevo se
situarmos o artista no início do século XIX brasileiro, no momento de nossa
transição da era colonial, ou melhor, luso-colonial, para a independente, mais
cosmopolita, que apresentava detalhes ligados à civilização desenvolvida na
França e também na Inglaterra [...] (ZANINI, 1983, v.II, p. 389).
Talvez Debret tenha se dedicado tanto à representação do
cotidiano em suas aquarelas por surpreender-se com a dinâmica de um
país no qual aproximadamente um terço da população era composta por
negros que perambulavam pelas ruas do Rio de Janeiro.
Se as elites iriam buscar pelo menos aparências européias, Debret
encontraria nas ruas aspectos de uma gente escura, humilde, e alquebrada
de um vazio olhar famélico que pode ser visto até os dias de hoje. Ele será
assim precursor no registro da população de rua (BANDEIRA, 2003, p. 45).
É sobre essas duas formas de representações distintas, corte e cotidiano, que este
estudo se propõe a dialogar com as produções de Debret realizando, através da
leitura de imagens, uma reflexão sobre o discurso histórico imerso nas obras do
artista, traçando o panorama político e sócio-cultural estabelecido no Brasil após a
chegada da corte.
Suas aquarelas foram reunidas por ele em três tomos em Viagem
Pitoresca e Histórica através do Brasil, editado em Paris de 1834 a 1839,
acompanhadas de escritos do artista que revelam seu olhar sobre a
nação recém formada.
Debret realizou uma verdadeira obra documental ao reunir suas pinturas
e aquarelas realizadas no Brasil possibilitando o resgate histórico de um período
que marca o início da nacionalidade brasileira.
Jean Baptiste Debret foi, de todos os seus contemporâneos, o único artista
viajante a penetrar na velada intimidade brasileira, ele invadiu a alcova de
uma elite que permanecera três séculos isolada e conservava
comportamentos chegados a estas plagas ainda nos Quinhentos
(BANDEIRA, 2003, p. 41).
Dentre os tomos que compõe a obra de Debret, centraremos nossa atenção no
segundo e terceiro tomo, que trazem respectivamente as representações da
sociedade brasileira de brancos e negros e as imagens da Corte e das elites no
Brasil. Acerca da produção artística de Debret afirma Walter Zanini:
O livro de Debret apresenta imagens, litografadas segundo suas aquarelas e seus
desenhos, e um longo texto que – bastante superior ao de Rugendas – assumem por
vezes aspectos memorialísticos, que enriquecem pela autenticidade.
Ambos – imagem e texto – reproduzem a riqueza da visão que teve do
país e a sua coragem moral [...] (1983, v. I, p. 389).
Em seus relatos sobre o cotidiano no Brasil nota-se também um
olhar europeu, por vezes preconceituoso diante de suas explanações
acerca dos negros e da sociedade brasileira, principalmente quando trata
dos hábitos desse último grupo.
Com Debret, firmou-se no Brasil uma civilização e uma educação
superior nos moldes dos ideais revolucionários de 1789. Instituía-se por
aqui a ação francesa no campo das atividades humanas que influenciou
toda a formação artística brasileira.
Debret acompanhará todo o reinado de D. Pedro I desde sua
coroação até a abdicação, período em que ocupou lugar de destaque
entre os artistas estrangeiros residentes no Brasil.
Pedindo licença de três anos do cargo de professor da Academia,
Debret retornou para a França, no mesmo ano em que D. Pedro I abdicou
ao trono. Em sua terra natal ocupou-se de publicar sua grande obra
(como era costume entre os viajantes estrangeiros) Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil, cuja primeira edição brasileira data de 1940 após a
aquisição de suas aquarelas por Raymundo Ottoni de Castro Maya.
Ciente de ter cumprido sua missão como artista e membro da
colônia Lebreton, e finalmente ter colocado em pleno funcionamento a
Academia de Belas-Artes, relata Debret em sua obra a grande satisfação
de seu feito:
Em resumo, a constante firmeza por mim desenvolvida, em meio às intrigas
contra a nossa academia, tinha por fim provar ao governo que o gênio
brasileiro, preciosamente dotado para a o cultivo das belas-artes, podia e
devia produzir, indiscutivelmente, uma escola capaz de um paralelo
vantajoso com as que florescem na Europa, asserção esta confirmada por
todos os estrangeiros que vieram visitar nossas duas exposições públicas
(1989, V. III, p. 117).
Diante da relevância histórica das produções artísticas de Debret
identificaremos nos próximos capítulos desse estudo, através da leitura
de imagens, o novo cenário político e sócio-cultural que se estabeleceu
no Brasil após a chegada da corte portuguesa.
2.1 LEITURA DE IMAGEM – CAMINHOS E
POSSIBILIDADES
Com o desenvolvimento dos conceitos de representação e
imaginário e com o crescimento do número de pesquisadores
interessados em história cultural, aumenta também o interesse pela obra
de arte como fonte de investigação.
A obra de arte carrega em si significações de uma determinada
realidade sem preocupar-se em ser uma cópia fiel do real. Encaixa-se
dentro do ideal de representação e influencia na formação do imaginário
de um povo.
Dentro desse contexto destacam-se as obras de cunho histórico que representam
cenas de batalhas, vitórias, cerimônias, acontecimentos históricos, retratos que
têm por finalidade “re-apresentar”, tornar presente algo que passou, ou
simplesmente eternizá-lo.
O conceito de “re-apresentar”, ou apresentar, também se encaixa
nas imagens do cotidiano e da sociedade, que de uma maneira ou de
outra, apresentam uma sociedade ou uma civilização que já não está
mais presente e contribuem para a formação do imaginário popular
acerca daquele grupo.
O crescimento do interesse pela obra de arte como fonte, como
documento a ser investigado e que pode trazer novas considerações
acerca de determinado momento histórico desenvolveu o interesse de
pesquisadores em torno de metodologias de leitura que possibilitassem
uma interpretação fundamentada desses novos objetos de pesquisa.
Surgem conceitos como iconografia e iconologia, que são usados
por muitos pesquisadores da imagem atualmente e que apresentam
lacunas em sua proposta metodológica que necessitam serem
preenchidas. Para tanto discutiremos a seguir as características desse
conceito e suas possíveis falhas.
2.1.1 ICONOGRAFIA E ICONOLOGIA
O termo iconografia surge na arte nas décadas de 1920 e 1930 e
trata das obras como ponto de partida para a leitura privilegiando o
conteúdo sobre a composição visual.
Seu idealizador, Erwin Panofsky, detalha a fundo essa forma de
interpretação de obras de arte defendendo a busca pelo significado
intrínseco da imagem.
Os termos “iconografia” e “iconologia” referem-se à interpretação
de obras de arte a partir da análise dos detalhes que a compõe. Panofsky
desenvolve esse método de identificação de formas simbólicas em
Hamburgo na Escola de Warburg. Dentre os adeptos do método
destacam-se Aby Warburg, Edgar Wind e Ernst Cassier.
Panofsky define em seus estudos três níveis de interpretação na
leitura da imagem. Esses três níveis de interpretação surgem a partir dos
três níveis literários de interpretação de textos proposto dentro da
hermenêutica.
1
O primeiro nível, denominado pelo autor de descrição pré-
iconográfica, caracteriza-se pela identificação das formas, como por
exemplo, árvores, casas, pessoas; o segundo nível é a análise
iconográfica onde se identificam imagens, histórias e alegorias que
tenham familiaridade com temas e conceitos específicos, como por
exemplo, a identificação de imagens cristãs; e o terceiro e último nível
denominado iconológico trata da interpretação do significado intrínseco ou
do conteúdo da obra, é a identificação dos valores simbólicos
representados.
Pelo caminho proposto por Panofsky, a partir da descrição temática
encontram-se os significados intrínsecos e os valores imersos na obra.
O método proposto por Panofsky propõe uma leitura onde busca-
se a interpretação de mensagens morais ou religiosas, identificando o
conteúdo intelectual trabalhado, filosófico ou teológico, respectivamente,
através da decodificação de símbolos disfarçados.
1
Hermenêutica é a arte de interpretar o sentido das palavras em textos, leis e etc.
Para melhor exemplificação, faremos um esboço desse processo
de leitura utilizando a obra renascentista de Rafael Sanzio, A visão do
cavaleiro, 1504-1505.
Figura 2 – Rafael Sanzio. A visão do cavaleiro, 1504-1505, National Gallery
(Londres)
Elaboraremos a leitura seguindo os três níveis de Panofsky:
Primeiro Nível: três figuras humanas em primeiro plano, sendo um
homem deitado usando um chapéu, uma mulher na lateral esquerda
segurando uma espada e um livro e uma mulher na lateral direita
segurando um ramo de flores, e no centro do quadro uma árvore.
Segundo Nível: na lateral esquerda, a figura feminina representa
Minerva, a Deusa da sabedoria; na lateral direita a figura feminina
representa Vênus, Deusa da Beleza, e a figura masculina ao centro
representa um soldado.
Terceiro Nível: a árvore colocada ao centro do quadro simboliza
as coisas terrenas
2
, conseqüentemente os prazeres terrenos culminando
com o homem vestindo um centurião romano com elmo e farda, deitado
no chão, aparentemente embriagado. De um lado do homem, a
representação da justiça através da espada carregada por Minerva e a
dignidade superior representada pelo livro e do outro a representação da
leveza e serenidade através da figura da Vênus. Sendo as figuras
principais colocadas em um primeiro plano na composição, dando ao
fundo um caráter complementar sem grandes significações para a
compreensão da imagem.
Percebemos claramente nessa leitura a identificação das formas,
das alegorias e do conteúdo que envolve a imagem. A proposta
iconográfica de Panofsky encaixa-se perfeitamente com as produções
pictóricas do renascimento onde o uso de alegorias era comum. Contudo,
nem todas as pinturas são formadas por alegorias. É nesse primeiro
ponto que a proposta do autor torna-se falha, quando ampliadas a
estudos que não se restringem a essa estética.
Em um segundo ponto, a leitura iconográfica não considera o
contexto social em que as imagens foram produzidas, ou seja, para quem
2
A árvore na representação pictórica de Rafael estabele um elo de ligação com as
coisas terrenas em paradoxo à presença das alegorias que remetem a um elo
transcedental. A árvore como elemento natural tipicamente terreno, afixada à terra
através de suas raízes é a representação dos desejos e prazeres que esse espaço físico
(terreno) proporciona ao homem, é identificado no método iconográfico relacionando a
sua significação bíblica.
essas obras foram produzidas e qual o objetivo, não era objeto primordial
de preocupação, reduzindo somente a estética as suas considerações,
levando o historiador a interpretações por vezes equivocadas, intuitivas e
especulativas de iconografias pictóricas de narrativas históricas, por
exemplo.
Panofsky defende a familiaridade acerca da cultura que envolve a
imagem e de conceitos específicos que ela carrega, mas não considera o
contexto social no qual ela foi criada.
A analise iconográfica, tratando das imagens, estórias e alegorias em
vez de motivos, pressupõe, é claro, muito mais que a familiaridade com
objetos e fatos que adquirimos pela experiência prática. Pressupõe a
familiaridade com temas específicos ou conceitos, tal como trasmitidos
através de fontes literárias, quer obtidos por leitura deliberada ou
tradução oral (PANOFSKY, 2003, p.58).
Outro ponto falho no método iconográfico é a sobreposição do
conteúdo à forma, desprezando todos os aspectos compositivos que
envolvem a obra.
A metodologia de leitura proposta por Panofsky é atraente,
principalmente para análise de iconografias pictóricas renascentistas,
onde o uso de alegorias é constante. Mas quando se pensa em temas
diversos de épocas variadas e estilos distintos, a iconografia por si só é
insuficiente.
O método iconográfico tem sido criticado por ser intuitivo em demasia, muito
especulativo para que nele possamos confiar[...].
O enfoque iconográfico também pode ser condenado por sua falta de
dimensão social, sua indiferença ao contexto social (BURKE, 2004, p. 50).
É preciso ir além da iconografia para compreender o significado
simbólico e intrínseco que a representação carrega em si e compreender
as maneiras pelas quais elas influenciam na formação de um imaginário.
A obra de arte é produto do meio no qual foi produzida, para
tanto, é preciso entendê-la além do conteúdo e da estética que a formam,
ir além de seu suporte técnico, e resgatar o contexto político, social e
cultural que ela reflete e no qual ela foi elaborada.
A compreensão deve partir das significações imersas na obra,
valorizando conteúdo e forma, e, das interpretações aí surgidas para o
contexto no qual elas foram concebidas, uma vez que o artista imerso em
uma determinada realidade sofre interferências que podem influenciar em
sua produção artística.
Para Burke, os historiadores devem sim utilizar o método
iconográfico proposto por Panofsky mas devem ir além dele,
principalmente em seu terceiro nível, o iconológico, para que as imagens
sejam realmente fontes e que proporcionem novas informações e não se
tornem meras ilustrações descritivas de símbolos.
É preciso ampliar a proposta da iconografia, utilizando outras
metodologias ou enfoques de leitura para a construção de uma narrativa
histórica que vá além do conteúdo, sem abandonar a forma, que
considere o contexto político, social e cultural imersos na imagem e do
período em que foram criadas, para que assim as representações possam
efetivamente “re-apresentar” e significar uma civilização e um período e
que valorize forma e conteúdo.
[...] o método específico para a interpretação de imagens que foi
desenvolvido no início do século XX pode ser considerado falho por
ser excessivamente preciso e estreito em alguns casos e muito vago em
outros.
[...] os historiadores precisam da iconografia, porém, devem ir além
dela. É necessário que eles pratiquem a iconologia de uma forma mais
sistemática, o que pode incluir o uso da psicanálise, do estruturalismo
e, especialmente, da teoria da recepção [...] (BURKE, 2004, p. 52).
Burke propõe como alternativa para a complementação do
método iconográfico e da iconologia três possibilidades. São elas: o
enfoque da psicanálise, o enfoque do estruturalismo ou da semiótica e o
enfoque da história social da arte (2004, p. 213).
2.1.2 A SEMIÓTICA PLÁSTICA
Como alternativa de ampliação da proposta de leitura iconográfica
de Panofsky, esse estudo optou pela metodologia de leitura de imagem
da semiótica. Nossa escolha justifica-se pelo fato de que a abordagem
que daremos as obras como documento, pressupõe entendê-la como um
texto. Perceber as representações de Debret como fonte de investigação
histórica, fonte de novas informações e questionamentos acerca da
sociedade brasileira do início do século XIX.
Assim sendo, a abordagem da semiótica, em nosso caso mais
especificamente da semiótica plástica, para qual toda a imagem é um
texto a ser lido, esse estudo apropriar-se-á, além da iconografia e
iconologia de Panofsky, dessa teoria que o enfatiza o texto como objeto
de significação e estuda os mecanismos que envolvem o texto e
produzem sentido a partir de sua análise interna e intratextual.
A preocupação da semiótica está em explicar o que o texto diz e
como diz. Preocupa-se em compreender o que diz também como objeto
de comunicação, analisando os elementos internos e externos do texto,
seus mecanismos enunciativos de produção e de recepção.
A semiótica dedica-se a descrever as significações de todas as
linguagens, verbais e não-verbais. Não considera somente a descrição
dos signos presentes em um texto e sim todos os elementos que o
constituem. Os signos são apenas o ponto de partida para a análise.
O texto para a semiótica pode ser oral ou escrito, visual ou
gestual, ou sincrético, quando possui mais de uma expressão, como por
exemplo, as histórias em quadrinhos e os filmes.
Dentre as linhas existentes dentro da semiótica esse estudo
baseia-se na teoria da significação de Algidas Julien Greimas, de linha
francesa
3
, cuja proposição enfatiza o processo de significação capaz de
gerar sentidos.
A semiótica greimasiana procura explicar, além do sentido do
texto, o seu processo de significação. Greimas elaborou uma solução
para sistematizar o processo de significação denominado de percurso
gerativo de sentido, onde mostra como o sentido é gerado a partir das
3
Além da linha francesa existem outras linhas de estudos como por exemplo a semiótica
elaborada por Charles Sanders Peirce ligada a uma filosofia científica de interpretação de
mundos em categorias, e a semiótica russa que baseia-se em estudos formalistas sempre a
partir de uma visão globalizadora de cultura.
estruturas mais simples até as mais complexas e concretas presentes no
texto.
Baseado nos estudo de Sausurre e L. Hejelmslev, Greimas
propõe uma análise textual a partir de seu plano de conteúdo através de
um percurso gerativo de sentido que denominou plano de expressão.
Dentro do percurso são estabelecidas três etapas onde cada uma
é descrita independentemente, mas o sentido do texto depende da
relação entre as três etapas ou níveis, que vão das estruturas mais
simples às mais complexas.
O primeiro nível é chamado de nível fundamental e compreende
as categorias semânticas que ordenam os diferentes conteúdos do texto.
As categorias semânticas estabelecem-se por oposições que tenham algo
em comum, que possuam relação de contrariedade. Ex.: vida /versus/
morte; masculinidade /versus/ feminilidade.
Haverá casos em que os termos contrário e subcontrário
aparecerão unidos, o que se caracteriza pela presença de termos
complexos ou neutros. É o caso de seres complexos como Cristo
(divindade e humanidade).
A cada um dos elementos cabe a qualificação semântica euforia /
versus/ disforia. Euforia é considerado o valor positivo e disforia o valor
negativo. Por exemplo: vida é eufórica e morte é disfórica, podendo variar
de acordo com o contexto no qual estão inseridos.
O segundo nível do percurso gerativo de sentido é denominado
de nível narrativo e define-se pela transformação de estado do sujeito.
Ocorre uma narrativa mínima quando se tem um estado inicial, uma
transformação e um estado final. Neste sentido exemplifica Fiorin:
Este organiza-se da seguinte forma: um sujeito está em relação de conjunção
ou disjunção com um objeto. Temos, pois, dois tipos de estado: um desjunto e
um conjunto. Quando dizemos Pedro é rico, temos um sujeito Pedro em
relação de conjunção com um objeto de riqueza. Quando afirmamos que Pedro
não é rico, temos um sujeito Pedro em relação de disjunção com um objeto
riqueza. A transformação é, por conseguinte, a mudança da relação entre
sujeito e objeto. Se há dois tipos de objetos, as transformações possíveis serão
também duas: de um estado inicial conjunto para um estado final disjunto e de
um estado inicial disjunto para um estado final conjunto. Assim, o pequeno
texto Um faxineiro de São Paulo ganhou um milhão de dólares na Sena é uma
narrativa, porque contém uma transformação de um estado inicial disjunto em
que o faxineiro estava em disjunção com a riqueza para um estado final em
que o mesmo sujeito está em conjunção com o objeto (1995, p. 166).
Como os textos não são narrativas mínimas e sim complexas, elas estruturam-se em uma seqüência canônica,
que mostram as fases da narrativa e suas inúmeras possibilidades de interpretação para a identificação da narratividade
proposta pelo texto.
A primeira fase é a manipulação, onde um sujeito age sobre outro
para convencê-lo a fazer ou querer alguma coisa. Ela pode acontecer de
quatro maneiras:
Tentação: quando se oferece algo em troca. Ex.: Se você tirar
boas notas te dou um prêmio.
Intimidação: por meio de ameaças. Ex.: Se você não tirar boas
notas vou cortar sua mesada.
Sedução: quando o manipulador manifesta um juízo positivo
sobre a competência do manipulado. Ex.: Estude porque você é
inteligente e pode tirar boas notas.
Provocação: exprimindo um juízo negativo acerca da competência
do manipulado. Ex.: Pode estudar, eu sei que você não vai conseguir
boas notas.
A segunda fase é a competência, onde um sujeito atribui a outro um saber e um poder fazer.
A terceira fase é a performance, é quando ocorre a transformação
principal da narrativa. No exemplo de Fiorin “encontrar o pote de ouro no
fim do arco-íris”, ou seja, passar de disjunção com a riqueza para um
estado de conjunção com ela pode ser uma performance.
A quarta e última fase é a sanção. É nela que se confirma se a
performance aconteceu. É o reconhecimento do sujeito de que a
performance realmente ocorreu. Nessa fase se distribuem “prêmios e
castigos”. Como exemplo o caso das narrativas conservadoras onde o
mal é punido e o bem premiado.
Em algumas narrativas nem todas as fases ficam evidentes,
mesmo porque nem todas as narrativas se realizam completamente.
O terceiro nível do percurso gerativo de sentido é chamado de nível
discursivo. É nele que as formas abstratas do nível narrativo são
concretizada por meio de figuras e tematização. Se a concretização parar
na figuração tem-se um texto figurativo.
Sendo o nível de aparência mais concreta, o nível discursivo,
mesmo sendo parte do plano de conteúdo, necessita do plano de
expressão para se manifestar.
Para a compreensão de imagens, a arte se apropria dessa teoria
que se preocupa com a organização do texto e das relações entre
enunciado e enunciação, e sob o termo Semiótica Plástica, que, ocupa-se
com a descrição da composição de qualquer texto visual, seja ele uma
pintura, escultura, história em quadrinhos, publicidades, fotografias,
arquitetura e qualquer tipo de imagem.
O termo “plástica” identifica o ramo da semiótica que dedica-se à
significação de qualquer texto imagético e foi usado pela primeira vez pelo
semioticista Jean- Marie Floch.
Pela semiótica plástica a própria obra nos aponta sua visibilidade,
visualidade e sentido, num percurso traçado de dentro para fora, da obra
de arte – texto visual – para o contexto no qual foi produzida.
Como a obra de arte é um texto visual, é importante que o leitor
perceba como ela se apresenta e como os valores e as idéias estão
inscritos nela.
É importante compreender na leitura de um texto que o significado
de uma parte não é autônomo, mas depende das outras com que se
relaciona e o significado global de um texto não é meramente a soma de
suas partes e sim uma combinação de sentidos.
Para a compreensão desses significados e sentidos deve-se
buscar as marcas de construção do enunciador do discurso. Essas
marcas, no texto visual, podem estar nas cores, nas pinceladas, e através
das marcas iniciam-se as tentativas de identificar os significados deixados
pelo enunciador, em nosso caso o artista, para o enunciatário, o leitor.
Em composições plásticas as relações de sentido são
estabelecidas a partir do plano de expressão (significantes) que se
relaciona diretamente ao plano de conteúdo (significado). “A linguagem
pictórica se constrói a partir de uma peculiar semiose que se estabelece
entre os dois planos constituintes de sua estruturação, a saber, o plano de
expressão e o plano de conteúdo” (OLIVEIRA, 2004, p. 116).
As relações entre os dois planos foram denominadas por Floch
como sistema semi-simbólico. Essas relações são estabelecidas pelo
enunciador e significadas pelo enunciatário.
Na leitura de uma imagem, a semiótica trabalha com os dois
planos, expressão e conteúdo, em um mesmo nível, sem a valorização de
um em detrimento do outro.
Contudo, como na pintura, o plano de expressão determina as relações
estabelecidas a partir dos elementos plásticos, mostrando-as, e permitindo
comentários de como a semiótica visual pode abordar o estudo da expressão,
recomenda-se iniciar as análises dos textos imagéticos por esse plano.
Portanto, se iniciarmos a análise pelo plano de expressão, nele estarão
contidos os três níveis de manifestação: o superficial da expressão (ícones), o
intermediário (figuras) e o das estruturas profundas (traços não-figurativos, os
formantes) (REBOUÇAS, 2003, p. 13).
Os efeitos provocados pela obra no enunciatário estão inseridos no
corpo físico da obra como elementos constituintes e constitutivos do plano
de expressão. Floch propõe a existência de três categorias do plano de
expressão – as categorias eidéticas, cromáticas e topológicas, que
correspondem respectivamente à forma, às cores e à organização
espacial (distribuição das formas no espaço pictórico), as quais são
análagos ao plano de conteúdo, pois o plano de expressão manifesta o
plano de conteúdo.
Graças a organização do espaço pictórico intrinsecamente estruturado como o
enunciado pelo enunciador é que se pode penetrá-lo e, pela articulação de
seus componentes, reoperar a sua significação, que, em poucas palavras,
define o propósito da semiótica (OLIVEIRA, 2004, p. 117-118).
A partir da organização das categorias, ou formantes, eidéticos e
cromáticos obtemos um terceiro formante denominado matérico, que
analisa a materialidade das duas categorias anteriores como pincelada,
matérias, técnicas. Considerando que nosso estudo se baseia nas
gravuras que compõe a obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, não
trabalharemos com o formante matérico.
A combinação desses formantes, matérico, cromático, eidético e
topológica denomina-se figuras da expressão e figuras do conteúdo.
Em síntese, os formantes plásticos são unidades do plano de
expressão que, quanto à sua identificação, podem corresponder a uma ou
mais unidades do plano de conteúdo, a partir dos formantes e da sua
constituição de figuras, pode se produzir um número infinito de ícones.
Para melhor compreensão dessa metodologia de leitura que guiará
as leituras de imagens propostas nesse estudo, assim como propusemos
no método iconográfico, elaboraremos a seguir um exemplo de leitura,
utilizando a mesma imagem da iconografia, para exemplificar a leitura
semiótica de imagens.
A semiótica trabalha com a imanência e as análises se dão a partir
das manifestações que aparecem nos planos de conteúdo e expressão do
texto. Assim, partiremos com a nossa leitura partindo do plano de
expressão.
Figura 3 – Rafael Sanzio. A visão do cavaleiro, 1504-1505, National Gallery
(Londres)
A composição extremamente harmoniosa proposta pelo enunciador
apresenta o dilema de um cavaleiro, dividido entre os prazeres terrenos e
a dignidade superior.
A composição conta com 3 figuras posicionadas em primeiro plano
que representam respectivamente da esquerda para a direita, a figura de
Minerva, Deusa da sabedoria identificada na mitologia pela espada da
justiça, o cavaleiro caído à frente de uma árvore e do lado direto a
representação de Vênus, deusa da beleza que traz na mão um ramo de
flores.
A composição triangular (marcada pela linha preta) estabelece o
elo de ligação entre os 4 elementos principais da obra, as Deusas
representantes da espiritualidade e da dignidade superior, e o cavaleiro e
a árvore onde encontra-se encostado, representando o aspecto terreno
da composição.
O movimento dos corpos na representação (marcado pelas linhas
amarelas) estabelecem uma linha de ligação entre as figuras,
estabelecendo uma linha de interdependência compositiva, amenizando a
composição rigidamente triangular.
O volume das massas (marcado pelas linhas rosa) são
estabelecidos pelos tecidos das roupas e pelas linhas da paisagem que
compõe o fundo da obra, complementando o movimento que compõe a
construção pictórica.
As figuras que representam as Deusas aparecem vestidas com
trajes volumosos onde predominam as tonalidades de vermelhos e azuis.
Essa característica cromática repete-se na roupa do cavaleiro.
Os tons de verde e marrom marcam a paisagem que atua como
fundo em perspectiva, evidenciando o caráter bucólico do local. Essa
perspectiva na construção se dá através das graduações dos tons que na
medida em que a paisagem se distancia do primeiro plano os tons de
verde e marrom aparecem mais claros.
Baseado nos estudo iconográfico de Panofsky e na metodologia
científica da semiótica greimasinana que procura descrever as relações
que podem ser encontradas sob os signos e entre os signos em busca de
unidades significantes, esse estudo pretende, através da junção dessas
duas metodologias, elaborar uma leitura iconográfica de algumas
gravuras de Debret que se encontram em seu livro “Viagem pitoresca e
histórica ao Brasil” que trazem representações da corte portuguesa e do
negro no Brasil.
Através dessas leituras esse estudo pretende justificar a afirmação
de que as representações elaboradas por Debret constituem-se em
verdadeiras fontes de investigação histórica e que trazem em si
informações relevantes que podem levantar novos questionamentos
acerca da organização social e política do Brasil naquele período.
As obras de Debret podem ser entendidas, e talvez o fossem pelos
contemporâneos, como uma imagética muito próxima da verdade, dos
acontecimentos, expressando uma vontade artística de falar do presente ao
futuro. A coroação e a aclamação de Debret se transformaram no retrato
dessas cerimônias; o próprio autor deseja se pautar por um certo realismo.
Esses quadros trouxeram magnitude à realeza, até então desconhecida no
Brasil, intercambiando também elementos de traço napoleônicos que
modelaram a persona de D. Pedro. (SOUZA, 1999, p. 284).
Para tanto, após a significação da imagem através de uma leitura
iconográfica e interpretativa de seu caráter representacional, nos
apoiaremos nos estudos da semiótica plástica a fim de desvendar,
partindo do plano de conteúdo e de expressão, os elementos formantes
do plano de expressão, cromáticos (cores), Eidéticos (formas) e
topológicos (localização no espaço), utilizados pelo artista para formalizar
a representação identificada inicialmente na leitura e estabelecer no texto
as relações intratextuais nas quais ele se relaciona e que lhe atribuem
sentido.
Buscaremos então compreender as construções imagéticas
elaboradas por Debret a fim de estabelecer a visão do artista acerca do
panorama político e sócio-cultural que se estabeleceu no Brasil após a
transferência da corte.
3 A CORTE NO BRASIL
3.1 A SITUAÇÃO POLÍTICA DE PORTUGAL NO INÍCIO DO
SÉCULO XIX
As transformações políticas e sociais que aconteceram na França no século XVIII deram início a uma série de
acontecimentos que influenciaram, em termos, a transferência da corte portuguesa para o Brasil.
O desenvolvimento da sociedade caminhava para uma nova ordem econômica onde as velhas estruturas feudais e políticas
do antigo regime não encontravam espaço para sobreviver.
Luiz XVI, alicerçado sob teoria do direito divino dos reis não agradava mais a sociedade emergente que via em sua forma
de governo a principal causa das dificuldades pelas quais o povo estava passando.
As altas tributações a que estavam sujeitos a burguesia e o campesinato (terceiro estado) em contraposição aos privilégios
tributários, judiciários do clero (primeiro estado) e da nobreza (segundo estado) alimentavam a insatisfação do povo.
As insatisfações socioeconômicas somadas o autoritarismo de Luis XVI levaram a eclosão de um movimento que levou à
queda da monarquia e a ascensão do terceiro estado ao poder.
No desenrolar da revolução destacou-se a participação de Napoleão Bonaparte,
cuja competência política e militar durante a Revolução Francesa lhe
proporcionaram a patente de general.
Napoleão Bonaparte foi responsável pelo comando da Campanha da Itália em 1797 proporcionando à França grandes
vantagens territoriais.
Sob os respaldos de suas conquistas, Napoleão foi proclamado
primeiro cônsul vitalício em 1804, período que marca o início do Império
Napoleônico, caracterizado por guerras externas e conquistas territoriais
francesas.
Senhor do continente, Napoleão disseminava os princípios liberais
franceses derrubando as velhas estruturas aristocráticas aterrorizando as
dinastias monárquicas européias.
Dentre as dinastias temerosas aos ideais franceses encontrava-se
a dos Bragança em Portugal, nesse período sob o comando do príncipe
D. João VI, que devido às debilidades mentais da rainha D. Maria I estava
a frente do governo, que constituído sob as tradições monárquicas
absolutistas temia que os reflexos da Revolução abalassem a estabilidade
política portuguesa.
Ao lado da concepção patriarcal da monarquia, o caráter sagrado da realeza –
que fundamenta, mas não se confunde com o poder absoluto do rei – constitui
a base do pensamento do absolutismo providencialista, que tem origem remota
na Idade Média e vigorou em Portugal até o início do século XIX, coexistindo
com o absolutismo de raiz contratualista próprio da política pombalina
(MALERBA, 2000, p. 208).
Dos países preocupados com os desdobramentos da Revolução
Francesa a Inglaterra destacava-se com uma característica peculiar.
Temerosa não pela propagação dos ideais revolucionários
antiabsolutistas, uma vez que esse país já estava contagiado pelo espírito
capitalista, a grande preocupação inglesa girava em torno de uma
possível concorrência francesa aos seus produtos industrializados.
Concomitantemente a Inglaterra, maior potência econômica do
período, transformara-se no único impasse à hegemonia francesa no
continente europeu. Mesmo com um poderoso exército em terra, a França
via-se em desvantagem quando se confrontava com a imbatível marinha
inglesa.
Com o intuito de concretizar a supremacia política de seu império em toda a
Europa, Napoleão decreta em 1806 o Bloqueio Continental, proibindo todos os
países europeus de comercializarem com a Inglaterra. A pretensão napoleônica era
de, com essa medida, enfraquecer a economia inglesa a fim de derrotar a marinha
mercante desse país, viabilizando assim uma futura vitória militar.
Decretado o bloqueio, os países que não atendessem a imposição de Napoleão
teriam seus territórios invadidos pelas tropas francesas.
Dentro desse contexto, via-se Portugal, nesse momento, em seu
maior impasse diplomático. Ao mesmo tempo em que temia a invasão
francesa, tinha Portugal a sua economia vinculada à Inglaterra,
principalmente no quesito marinha mercante, ao passo que a adesão ao
bloqueio continental provocaria a ruína das colônias portuguesas na
África, Ásia e América e de toda a atividade comercial desse país, como
descrito por Oliveira Lima:
Demais, entrara Portugal n’esse ponto a percorrer quiçá o mais difficultoso
passo diplomático dos seus annaes de nação débil e de independência
invejada; constrangido de uma banda a implorar, para obter a benevolência da
França, a medida da Hespanha, cuja manhosa evolução política, em sentido
favorável ao Directório, então se estabelecia francamente; receioso, por outro
lado, de offender o melindre britannico e soffrer-lhe nas colônias o raio
vingador, de fulminação plausível visto que o Reino consentiria em alienar a
liberdade mesmo de firmar ajustes de paz sem prévio assentimento da
Inglaterra (1908, v.I, p. 11).
Tentando prorrogar a situação de neutralidade que mantinha até então,
pretendendo assim garantir a integridade de seu território e seu domínio
transatlântico, Portugal não acata de imediato o bloqueio continental.
Enquanto isso, o embaixador inglês em Portugal, Lord Strangford, coage
D. João VI a assinar um acordo no qual estabelecia medidas como: a transferência
da sede da monarquia para o Brasil, a integração da marinha lusa à inglesa e
facilidades comerciais inglesas no Brasil
4
, entre outros acertos em troca da
proteção britânica contra os franceses.
Nessas circunstâncias, o governo [francês] exigiu do príncipe Português uma explicação
clara e precisa; mas todas as respostas do regente eram evasivas e as suas promessas,
ilusórias; continuava, com efeito, em segredo, a concluir tratados positivos com a
Inglaterra, cujo apoio desejava. A corte de Lisboa embaraçou-se nessas postergações e
viu-se de repente ameaçada de uma invasão francesa (DEBRET, 1989, T.II, p. 14).
Com a hesitação de D. João VI à adesão ao bloqueio, Napoleão assina com
a Espanha, sua aliada, o Acordo de Fontainebleau em 1807, que determinava a
invasão de Portugal por tropas franco-espanholas, a derrubada do governo dos
Bragança e o desmembramento do reino e de suas colônias.
4
O grande interesse da Inglaterra na transferência da corte para o Brasil girava em torno
do fato que diante da situação política em que se encontrava a europa àquela época,
fechada ao comércio dos produtos ingleses, ter a família real portuguesa em terras
brasileiras significava novo mercado consumidor para os produtos ingleses
Não resta a D. João VI alternativas a não ser crer na proteção inglesa e
deixar Portugal em 1807, junto com toda família real e uma comitiva que chegava
a cerca de quinze mil pessoas.
A respeito da partida de D. João, relata o viajante Jean Baptiste Debret:
A força das circunstâncias venceu o temperamento habitualmente tímido e
circunspeto do regente e Fê-lo tomar a resolução de promulgar, por decreto
real, seu projeto de partida para o Rio de Janeiro, até a conclusão da paz na
Europa. Enfim, em meio às demonstrações de tristeza e de fidelidade de seu
povo, que se comprimia à sua partida, o regente, acompanhado de sua família,
deixou o solo natal para embarcar na sua frota, que se compunha de quatro
grandes fragatas. Vários bricks, sloops, corvetas, e vários mercantes, num total
de trinta e seis unidades (1989, p. 14-15).
Com todas as restrições devidas às informações de Debret, um
viajante a serviço da corte, faz-se necessário recorrer a uma visão oposta
talvez menos romântica do que a citada anteriormente, acerca da retirada
da corte de Portugal.
Para tanto, recorremos a exposição de Jurandir Malerba a respeito
da saída da corte, onde:
[...]
afirma-se que o embarque no porto de Belém ocorreu em meio a grande
confusão, um espetáculo ao mesmo tempo triste e grotesco: misturavam-se os
valetes junto com as senhoras e com soldados, objetos preciosos com peças
as mais grosseiras e inúteis. Dom João chegou com seu sobrinho e valido,
dom Pedro Carlos de Espanha, sem ter tido quem o recebesse; devido ao
aguaceiro da véspera, teve o príncipe de ser carregado nos ombros por
policiais, sobre pranchas estendidas na lama. Uma multidão estarrecida
acompanhava o movimento (MALERBA, 2000, p. 199).
Calógeras também aponta como confuso o momento da partida da
corte de Portugal, considerando-a como uma “atitude lamentável” do
príncipe regente:
[...] não há dúvida de que os momentos de embarque do regente, sua atitude
lamentável, a confusão, a desordem haviam de impressionar como uma fuga
sem dignidade e apavorada. Nem por isso deixava de ser a execução
deplorável de um plano político e internacional, previamente discutido e fixado
em todos os seus detalhes, a madura ponderação de todos os seus aspectos
(1967, p. 62).
A historiografia apresenta diferenciadas visões acerca da transferência da
corte para o Brasil, mas é fato que esse foi o único meio encontrado por Portugal
de fazer subsistir a monarquia portuguesa e evitar seu possível desaparecimento
(LIMA, 1945, v.I, p. 37).
Além desse fator, a transferência da corte para o Brasil representava mais
que um interesse nacional, simbolizava a resistência monárquica aos desmandos
do imperador francês. Nesse sentido assinala Norton:
...essa transladação política interessava à Europa inteira; asseverava a
continuidade dos princípios unitários das monarquias continentais
européias; defendia-lhes, afinal, os ideais de autonomia contra a
concepção autocrática de um só imperialismo francês; salvava o sistema
monárquico europeu da subversão dos Estados, cujos soberanos eram
prisioneiros ou reféns de Napoleão e cujas fronteiras eram por ele e para
ele traçadas, ampliadas ou suprimidas, no sonho da Monarquia universal
que visionara (1938, p. 17).
Ainda sobre a decisão de D. João VI de transferir-se com toda a corte
portuguesa para o Brasil destaca Malerba:
Não se chegou afinal a um entendimento quanto ao ato da retirada de dom João,
polêmica que se instaurou no calor da hora: os que desde então procuram detratar a
figura do príncipe julgam-no uma fuga covarde; outros, como os áulicos que narram
aqueles momentos a quente, procuram elevar a figura real, concebendo a fuga como
uma decisão acertada; há ainda aqueles que voltam os olhos há séculos atrás e pensam
na vinda para o Brasil como um “alvitre amadurecido”, que alimentaram outros
estadistas lusos (2000, p. 198).
Decisão acertada ou fuga, o fato é que partiram para o Brasil com o
príncipe regente toda a sua corte e mais um grande número de funcionários
públicos que compunham a máquina administrativa, todos com uma esperança em
comum, a de salvar o império português das ameaças francesas.
Apesar das opiniões que condenam a decisão de D. João VI como sendo
uma atitude covarde optar pela transferência, fica evidenciado no decorrer da
história que o posicionamento do príncipe regente quanto a transladação da corte
para o Brasil garantiu a sobrevivência da dinastia dos Bragança e fez com que seu
reinado perdurasse até a data de seu falecimento, como destaca Malerba:
Acusado por uns e outros de indeciso e indolente, reconhecido pela maioria, ao mesmo
tempo, como perspicaz diante das turbulências políticas e domésticas – essas não menos
graves e constantes que aquelas -, a verdade é que, apesar do período de convulsões
sem paralelo em que reinou, dom João viveu e morreu como rei, enquanto a maioria das
cabeças coroadas da Europa sucumbiu sob Napoleão (2000, p. 204).
3.2 A CORTE NO BRASIL
Aportava a quatorze de janeiro de 1808 no Rio de Janeiro o
primeiro veleiro brigue português. Pouco a pouco chegavam outros navios
com parte da família real. O príncipe regente arribava à Bahia no dia vinte
e três de janeiro, só chegando ao Rio aproximadamente um mês depois,
o que fez com que o desembarque no Rio dos navios já arribados na
capital fluminense fosse adiado até a chegada de D. João ao porto da
cidade.
D. João saiu da Bahia em vinte e seis de fevereiro e a sete de
março aportou no Rio de Janeiro onde o aguardavam as outras naus
portuguesas.
Receosos de como seriam recebidos, surpreenderam-se com tão
calorosa recepção brasileira. A presença do Rei alegrava aos moradores
da colônia e o fato de tornar-se a capital do reino agradava a todos, como
afirma Calógeras, “brasileiros e Brasil nunca esqueceram a iniciativa de D.
João e os benefícios trazidos à antiga colônia” (1967, p. 64).
Foi durante as contemplações brasileiras que o príncipe
desembarcou na capital carioca.
O desembarque da família real portugueza no Rio Janeiro, ao 8 de março de
1808, foi mais do que uma cerimônia official: foi uma festa popular. Os
habitantes da capital brazileira corresponderam bizarramente ás ordens do
vice-rei conde dos Arcos e saudaram o Príncipe Regente, não simplesmente
como estipulavam os editais, respeitosa e carinhosamente, mas com a mais
tocante effusão (LIMA, 1908, p. 71).
As festividades seguiram por mais alguns dias após o dia do
desembarque. Assim afirma Norton “Ao sabor das comemorações
festivas, na terceira noite de iluminações, três dias depois do
desembarque de D. João, foi constituído o novo Ministério que devia
aprontar os alicerces da nova e imperial construção do Estado
brasiliense” (1938, p. 54).
Junto com a família real e todo aparato administrativo português, muitas pessoas continuavam a migrar para o Brasil após o
estabelecimento da corte, como afirma Luiz Felipe de Alencastro:
Personalidades diversas, funcionários régios continuaram embarcando para o
Brasil atrás da corte, dos seus empregos e dos seus parentes após o ano de
1808. [...] Terminadas as guerras napoleônicas oficiais e tropas lusas vêm da
Europa para a corte fluminense (1997, p. 12).
A transferência da corte para o Brasil ocasionou profundas transformações políticas e sócio-culturais. No âmbito político
agradava aos nativos o fato de o eixo do poder ter se deslocado de Portugal para o Brasil. Muitos acreditavam estar a um
curto passo da independência política, segundo Malerba:
[...] a coroa já não era uma entidade etérea, sua ação já não se fazia sentir
como algo que vinha do exterior para a colônia. A presença do rei fez despertar
em amplos setores da população nativa a viabilidade da emancipação, da
autonomia política (2000, p. 225).
Durante a sua estada na Bahia o príncipe regente decretou, em
dezoito de janeiro, a abertura dos portos ao comércio internacional,
medida necessária à própria sobrevivência da corte no Brasil. Eliminou o
monopólio comercial, acabando com uma das bases fundamentais das
relações entre metrópole e colônia.
Mais tarde, com a assinatura do tratado de 1810 os interesses
ingleses foram favorecidos quanto à exportação de produtos industriais
desse país através de privilégios fiscais.
Em busca do objetivo de reproduzir no Brasil o Estado português,
D. João providenciou, posteriormente a instalação dos ministérios, a
organização de órgãos de administração pública e de justiça. Essa
medida foi tomada também visando a necessidade de garantir aos
funcionários públicos, que acompanharam D. João, os cargos que já
exerciam na máquina administrativa portuguesa. Há certo consenso
historiográfico, por outra parte, sobre ser o Estado nascente erguido à
imagem e semelhança do Estado português, em sua arquitetura política e
administrativa (MALERBA, 2000, p. 198).
A presença desse grande número de pessoas no Rio de Janeiro, somados ao grande número de comerciantes e mercadores
interessados em suprir a carência de serviços criaram na capital carioca uma nova ordenação das classes sociais.
A abertura dos portos e a nova dignidade do Rio de Janeiro como capital de
todo império lusitano atraíram para a cidade legiões de negociantes,
aventureiros, artistas; também um sem-número de potentados das diversas
regiões do Brasil, latifundiários e comerciantes, afluiu à capital à cata de
lugares e favores (MALERBA, 2000, p. 226).
Junto com os comerciantes que surgiram no Brasil na segunda metade do século XVIII, os novos moradores do Rio de
Janeiro afastaram ainda mais os senhores de terras dos prestígios aristocráticos.
Com a chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro, o patriciado rural que se
consolidara nas casas-grandes de engenho e fazenda – as mulheres gordas,
fazendo doce, os homens muito anchos dos seus títulos e privilégios de
sargento-mor e capitão, de seus púcaros, de suas esporas e dos seus punhais
de prata, de alguma colcha da índia guardada na arca, dos muito filhos
legítimos e naturais espalhados pela casa e pela senzala – começou a perder
a majestade dos tempos coloniais. Majestade que a descoberta das minas já
vinha comprometendo (FREYRE, 2003, p. 105).
A cidade do Rio de Janeiro precisava de algumas modificações para
acomodar o rei e toda a sua corte. Nesse sentido afirma Lima “ao tempo da
chegada de D. João VI, era o Rio de Janeiro capital mais no nome do que de facto.
A residência da corte foi que começou a bem acentuar-lhe a preeminência, foi
que a consagrou como centro político, intelectual e mundano (1908, p. 107)”.
Para a acomodação do rei e da corte os brasileiros cederam suas
residências e dispuseram suas fortunas, entretanto, tanta hospitalidade não foi tão
bem recompensada como descreve Jurandir Malerba:
Os nativos efetivamente receberam os estrangeiros com a maior boa vontade,
oferecendo espontaneamente seu dinheiro, casas e conforto – e a maneira como foram
retribuídos não correspondeu a seu empenho. Se concorreram todos os imóveis e somas
vultuosas para socorrer a corte, receberam em troca do príncipe, de início, não mais que
palavras gentis e cortesias e sentiram-se logrados e
desenganados (2000, p. 202)
O príncipe regente usou o quanto pôde do principio da “liberalidade”, poder real
de conceder graças e honrarias, como paga para os favores recebidos pelos
brasileiros e também para àqueles que o acompanharam na aventura da
transladação. Todas essas concessões serão responsáveis pela formação de uma
nova nobreza no Brasil.
Ao mesmo tempo em que distribuía títulos e honrarias como paga
pela hospitalidade a agora nobreza brasileira, D. João VI tratava de
transformar o Rio de Janeiro em uma cidade com estruturas políticas
capazes de exercerem todas as funções cabíveis a uma capital de reino.
Para tanto foramabolidas, uma atrás da outra, as velhas engrenagens da
administração colonial, e substituídas por outras já de uma nação
soberana” (PRADO JR., 1999, p.47).
Era necessário para que o soberano exercesse o seu governo que
o aparelhamento político não fosse mais o de uma colônia. Foram criados
tribunais para a administração das finanças do Estado e da justiça.
Decretou-se a permissão para instalação de indústrias, e foram criados
órgãos para a regularização do comércio.
Para tanto D. João contou mais uma vez com a ajuda financeira da
elite econômica do Rio de Janeiro, como aponta Malerba, “Coube à
diligente elite econômica fluminense socorrer os cofres públicos nas
urgências com a instalação e manutenção da máquina administrativa e da
corte parasitária e faminta de distinção que chegou com o soberano”
(2000, p. 225).
Cercado pela atmosfera brasileira D. João mostrava-se favorável
aos interesses nacionais, fato que desagradava aos portugueses em
Portugal interessados no retorno das práticas coloniais, que mais tarde,
somado a outros fatores desembocaram na Revolução Liberal do Porto.
Assim, afirma Azevedo “a crescente autonomia do Brasil atormenta os
portugueses desde os primeiros meses da instalação da corte no Rio de
Janeiro (2003, p. 78)”.
Os portugueses do Brasil também estavam descontentes com as
mudanças políticas propostas pelo soberano. Como mencionado
anteriormente, a abertura dos portos, que privilegiavam as importações
inglesas, desagradava aos comerciantes portugueses do Brasil, que
perderam seus privilégios e vantagens comerciais. Antes do tratado de
1810, esses comerciantes detinham o monopólio das vendas e agora
passam a concorrer com produtos de outras nações, principalmente os
ingleses, que chegavam em quantidade no país mediante a política de
privilégios fiscais. “[...] Eles sabem que a perda do comércio brasileiro
será a ruína de Portugal“ (Azevedo, 2003, p. 78).
Outra decisão que não agradou aos colonos, senhores de
escravos, foi a posição portuguesa, tomada diante das pressões inglesas,
a favor da suspensão do tráfico negreiro, expressa no tratado de 1810.
Nesse contexto relata Freitas “o regente português se comprometeu a
adotar ”os meios mais eficazes para promover a abolição gradual do
tráfico de escravos, “ abolição essa que ele qualificava de” uma causa de
humanidade e justiça ““ (1997, p.77).
Quanto às questões estruturais, o Rio de Janeiro precisava de
profundas mudanças para estar à altura de uma sede para o soberano. A
ausência de saneamento básico, o uso de escravos para o serviço público
e particular, entre outras características urbanísticas precárias, não se
adequavam à acomodação dos novos moradores. A população da cidade
que em 1808 somava 50.000 pessoas, em 1817 passou para 110.000,
exigindo do governo mudanças estruturais para a capital do Brasil (LIMA,
1908, V. I, p. 107)
Para tais mudanças a solução encontrada por D. João foi a
emissão de papel moeda que seria realizada pela recém criada Casa da
Moeda.
Estimulou também a produção científica, artística e cultural. Criou o
Jardim Botânico, as escolas de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, o
Teatro Real, a Imprensa Régia responsável pelos impressos do período, a
Academia Real Militar, a Academia Real de Belas Artes, a Biblioteca Real
e o Banco do Brasil, assegurando assim, todas as estruturas necessárias
para a formação de uma elite civil e militar.
Em sua política externa conquistou a Guiana Francesa em 1809 e
aproveitando-se das guerras pela independência da América Espanhola
estendeu as fronteiras do Brasil até o rio da Prata.
Em 1815, o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido de
Portugal e Algarves, deixando oficialmente de ser colônia, despertando
nos brasileiros um sentimento de independência e autonomia. Esse
sentimento de autonomia nacional infundiu-se com a decretação da
abertura dos portos, ainda em 1808, data assinalada pela historiografia
como a do início da nossa emancipação política (MALERBA, 2000, p.
226).
As medidas tomadas pelo governo foram extremamente vantajosas
para o Brasil, como relata João Armitage:
De todas estas medidas, e principalmente da franqueza dos portos, seguiram-se para o
Brasil grandes vantagens. As produções do país alteraram de preço, ao mesmo tempo
que diminuíram os de todas as mercadorias estrangeiras; modificou-se muito o
despotismo dos Capitães Generais pela instituição dos novos tribunais; e a civilização e
as artes receberam um grande impulso da livre admissão dos estrangeiros, que
concorreram em avultado número e estabeleceram-se sobre as margens deste novo El-
Dorado (1972, p. 34).
Dentre tantas vantagens alguns males destacaram-se. Alguns dos
acompanhantes da Família Real que foram admitidos na máquina
administrativa, viam a sua permanência no Brasil como algo temporário e
não compartilhavam com os ideais de progresso do país propostos por D.
João, pensavam somente em enriquecer a custa do Estado.
Além disso, a prática real de conceder honrarias, títulos e
condecorações como gratificação, colocou muitas pessoas
despreparadas em ordens, como a das cavalarias. Segundo Armitage,
“indivíduos que nunca usaram de esporas foram crismados de cavaleiros,
enquanto outros ignoravam as doutrinas mais triviais do Evangelho foram
transformados em Comendadores da Ordem de Cristo” (ARMITAGE,
1943, p. 35).
Entre males e benefícios causados pelas decisões reais o
progresso acontecia no país. A nova situação, o surgimento de novos
produtos, novos mercados, novos meios de transportes transformavam a
vida na cidade do Rio de Janeiro, dando à capital do império um novo
panorama político, econômico e sócio-cultural.
A vinte de março de 1816 a nova nação perde a sua Rainha, sucedendo o trono o
Príncipe Regente, D. João VI. No mesmo ano foi acertado o casamento de D.
Pedro, herdeiro da coroa, com a Arquiduqueza Leopoldina Carolina, filha do
Imperador da Áustria.
Nesse mesmo período o governo começa a apreciar a importância
da colaboração estrangeira e passa a utilizá-la em diferentes campos, das
ciências naturais à propagação da cultura, cujo conhecimento D. João
julgava necessário à população do Brasil.
3.3 A MISSÃO ARTÍSTICA FRANCESA
As transformações políticas, econômicas e sócio-culturais pelas quais passou o
Brasil após a chegada de D. João VI estão diretamente ligadas à vinda da chamada
Missão Artística Francesa para o Brasil..
Buscando acelerar o processo de “modernização cultural” desejado por D. João
VI, era primordial que o ideal Barroco que moviam a estética daquele período no
Brasil fossem substituídas por novas expressões artísticas.
Almejava o príncipe proporcionar a sua elite civil e militar todas as estruturas
indispensáveis ao desenvolvimento do país. Fundamental para a conclusão de tal
objetivo era o conhecimento de práticas artísticas que rompessem com as
tradições estéticas coloniais.
Foi do Ministro D. Antônio de Araújo, o Conde da Barca, diplomata português, a
proposta de trazer para o Brasil um grupo de artistas e intelectuais franceses.
Admirador das idéias francesas Barca contratou o grupo, formado por
bonapartistas, que se dedicaram, durante o Império Napoleônico, a criar
representações do imperador francês, e que chegaram ao Brasil sob o nome de
Missão Artística Francesa.
Viabilizada a contratação do grupo através do Marquês de Marialva, a pedido do
Conde da Barca, chegou ao Rio de Janeiro em vinte e seis de março de 1816, o
grupo de artistas que integravam a Missão Artística Francesa ou Colônia Le
Breton, chefiados por Joaquim Le Breton (1760-1819), secretário perpétuo da
classe das Belas Artes do Instituto de França, da qual faziam parte os seguintes
artistas e artífices:
Nicolau Antônio Taunay, membro do Instituto de França, pintor;
Augusto Maria Taunay, escultor;
Jean Baptiste Debret, pintor de história
Augusto Henrique Vitor Grandjean de Montigny, arquiteto;
Carlos Simão Pradier, gravador;
Segismundo Neukomn, compositor, organista e mestre de capela;
Francisco Ovide, engenheiro mecânico.
Dedicados durante o período napoleônico a construir a memória
iconográfica do imperador, os artistas franceses chegam ao Brasil ainda
sob as decepções geradas pela restauração da dinastia dos Bourbon na
França.
Diante da derrocada de Napoleão, viram esses artistas na proposta
brasileira, efetuada pelo Conde da Barca, uma boa oportunidade de
sobrevivência, visto que muitos dele encontravam-se desempregados
após o retorno dos Bourbon ao trono da França, como faz referência
Oliveira Lima:
[...] É provável, escrevia o ministro, que alguns d’elles cederam ao afastarem-
se da França, a um vago sentimento de inquietação, e imaginaram que alem
mar encontrariam mais tranqüilidade. Outros foram apenas levados para o
Brasil pela esperança de se estabelecer e fazerem fortuna, julgando que n’uma
occasião em que as produções artísticas gosam porventura entre nós de
menor procura, seus talentos seriam melhor apreciados na sua nova residência
(1908, p. 245).
Nesse mesmo contexto afirma Taunay:
Os terríveis abalos pelos quais passou a França, invadida em 1814 e 1815,
ameaçada de desmembramento, a queda do “Lobisomem da Córsega”, a volta
dos Bourbon, todo esse conjunto de pasmosos acontecimentos, sucedidos em
tão pequeno lapso de tempo, a numerosíssimos franceses desnorteava. Viram-
se em situação insustentável muitos daqueles que haviam sido os corifeus do
regime deposto pela invasão estrangeira. Entre eles numerosos artistas e
intelectuais, além de políticos, dos regicidas, dos grandes dignitários e
personalidades da República e do Império (1983, p. 14).
Sob os ideais políticos republicanos dos quais compartilhavam os
integrantes da missão artística, estabelecer-se no Brasil a serviço de uma
monarquia absolutista exilada pelos desdobramentos da ação do
imperador, ao qual o grupo de artistas havia servido anteriormente, em
um país cujas tradições escravistas colônias ainda perduravam, soava um
tanto contraditório.
Todas essas contradições despertaram em Maler, cônsul francês
no Rio de Janeiro, certo desagrado, cujo resultado foram inúmeras
tentativas de boicotar a contratação dos artistas franceses. Assim, afirma
Oliveira Lima:
O governo francez não viu com olhos muito favoráveis essa emigração de
capacidades artísticas organizada pelo embaixador de Portugal. Maler no Rio
chegou a pensar que se tratava de um exílio disfarçado de indivíduos affectos
ao império, mas o próprio Ministério dos estrangeiros negou que houvesse tal,
affirmando ser voluntária a expatriação e não se acharem os artistas em
questão visados pela polícia ou ameaçados pelas leis de segurança da
monarquia restaurada (1908, p. 245).
Entretanto, o príncipe regente encontrava-se tão satisfeito com a
chegada dos artistas e com a grande coleção de obras trazidas por eles
que não se abalou diante das queixas de Maler, concedendo aos
franceses as prometidas pensões anuais.
Desde seu estabelecimento no Rio de Janeiro D. João VI defende a
necessidade de transformar a aparência artística do país, “impulsionando
esses elementos classicistas, expandindo seu próprio gosto dentro do
novo estilo ou chegado a ele (ZANINI, 1983, V.2, p. 382).
Até a chegada da Missão, dentre as construções barrocas, o único edifício
que se destacava com características neolássicas era o Teatro São João. Será então
pelas mãos dos artistas da Missão artísticas que esse novo estilo vigorará sobre o
Brasil.
Tinha D. João VI pendor artístico. Não há quem desconheça o apurado senso
musical atávico dos Bragança, tão pronunciado em muitos príncipes desta
casa, sobretudo em D. João IV, autor de inspiradas composições sacras cada
vez mais apreciadas (TAUNAY, 1983, p. 5).
O grupo foi responsável por assumir a árdua tarefa de dar “à nova sede da
monarquia portuguesa as luzes e os foros de cidade civilizada” (NORTON, 1938,
p. 129).
No ato do desembarque da Missão, em vinte e seis de março de 1816, os
artistas depararam-se com a notícia do falecimento da rainha D. Maria I, que
acontecera a vinte de março do mesmo ano. Àquele momento iniciavam-se as
ocupações com os preparativos para a cerimônia de Aclamação de D. João VI.
Tiveram os artistas da missão seus talentos solicitados para contribuir com a
cerimônia.
Foi durante a Aclamação de D. João VI em seis de fevereiro de 1818,
como rei de Portugal, Brasil e Algarves, que se iniciou o processo de
modernização do Rio de Janeiro. Para esse evento ergue-se no Real Paço da Boa
Vista, “um obelisco de mais de cem palmos de altura, a imitar o granito; na frente
do chafariz, pela banda do mar, um Arco do Triunfo à romana, e, ainda do lado do
mar, um templo grego consagrado a Minerva” (NORTON, 1938, p. 117).
Foi com essa arquitetura simbólica que se iniciou o trabalho de dois
relevantes componentes da Missão Artística Francesa, Grandjean de Montigny e
Jean Baptiste Debret.
Foi pelas mãos do arquiteto Grandjean de Montigny, a pedido do Conde da
Barca, que foi elaborado o projeto arquitetônico do prédio onde deveria funcionar
a Academia de Belas Artes, que só foi executado 10 anos depois, no mesmo ano
da institucionalização da Academia.
Muitos obstáculos foram encontrados pelos artistas franceses para a
propagação da cultura neoclássica, dentre eles destaca-se o fato da influência
histórica da arte religiosa sobre a estética no Brasil que, ainda nesse período
encontrava-se imersa no estilo Barroco.
A própria condição da nossa sociedade que foi estabelecida sobre os
alicerces coloniais que
[...] tendiam a rejeitar a arte apresentada como ação cultural leiga em nível burguês ou
mesmo com resquícios aristocráticos prosseguidos em certo setor do Romantismo [...].
Não se tratava de dificuldades oriundas de uma validade persistente do estilo barroco a
atuar em represália ao esforço neoclassista, mas de uma profunda incompatibilidade: a
da própria nação com os valores da arte (ZANINI, 1983 V. II, p. 384).
Enquanto a arte brasileira vivia o período barroco, o iluminismo e a
Revolução Francesa já preparavam para um novo gosto na Europa. Expandia-se
no continente europeu no século XVIII o estilo Neoclássico que tinha como
característica principal a admiração à produção artística da antiguidade clássica.
Tema comum a toda a arte neoclássica é a crítica, que logo se torna condenação, da arte
imediatamente anterior, o Barroco e o Rococó. Adotando a arte greco-romana como
modelo de equilíbrio, proporção, clareza, condenam-se os excessos de uma arte que
tinha sua sede na imaginação e aspirava despertá-la nos outros (ARGAN, 1992, p. 21).
A partir do século XVIII, a França passa a ser referência cultural para os grupos
abastados em todo o ocidente, e não será diferente na América Portuguesa.
Ainda que tardiamente, as transformações históricas que ocorriam na
Europa refletiam no Brasil, ocasionando aqui o surgimento de novos aspectos
estilísticos que serão determinantes em algumas construções.
A exemplo desse fato destacam-se algumas construções religiosas do final do
século XVIII que se aproximavam muito da tendência clássica usada na Itália,
como o edifício da Câmara e cadeia em Ouro Preto e o caso da arquitetura da
Santa Cruz dos Militares no Rio de Janeiro (ZANINI, 1983, V.2, p. 381).
Mesmo com todas as dificuldades encontradas, a Missão Artística Francesa
derrubou as prevenções existentes acerca da arte no Brasil. Até então sob a visão
de um caráter meramente utilitário, a arte era produzida por aqui por dois grupos
distintos: negros e mestiços quando se tratava de artesanato mecânico e em alguns
casos a serviço da igreja e por monges e irmãos religiosos quando se referia
exclusivamente a uma arte religiosa.
Os artistas franceses implantam no Brasil um novo conceito de arte e do artista.
Uma arte leiga, produzida sob os moldes clássicos, onde seus produtores são
homens livres sem ligações diretas com a igreja.
Apesar da criação pelo decreto de doze de agosto de 1816, a Escola Real de
Ciências, Artes e Ofícios só foi institucionalizada no plano de ensino em vinte e
três de novembro de 1820 com um novo decreto que a estabelecia no Rio de
Janeiro sob o nome de Academia Real de Belas Artes.
É de relevante importância destacar que o fato de ter se
estabelecido no Brasil um sistema de ensino que não era conhecido nem
na metrópole lusa, além de afirmar o desejo de D. João VI de permanecer
no Brasil, desagradou profundamente os portugueses em Portugal como
afirma Rafael Cardoso:
[...] O fato de não existir em Portugal uma academia de porte equivalente apenas
reforçava a queixa dos súditos lusitanos de que o Brasil havia se transformado em foco
principal de atenção da coroa, preferência que se fez vislumbrar quando D. João VI
optou por permanecer no Rio de janeiro mesmo após o Congresso de Viena e a
decretação da paz geral na Europa , em 1815, e que se tornou patente quando, no final
do mesmo ano, a ex-colônia foi elevada à condição de igualdade com a metrópole do
Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve (2003, p. 21).
A demora para a institucionalização da Academia justifica-se pelos
diversos entraves encontrados pelos artistas franceses que atravancavam a
instalação da instituição no país.
Se a missão que aportou em 1816, precisou esperar dez anos para o efetivo
funcionamento de uma Academia de Belas Artes, parece claro que na prática a
“excelência da arte francesa” foi obscurecida, até certo ponto, pelas desavenças entre os
artistas portugueses e franceses. Uma das razões por trás das críticas ferrenhas aos
artistas franceses era o fato de que, como “bonapartistas, cultores da glória
napoleônica”, nutriam uma simpatia pelo governo diretamente responsável pela
inevitável fuga da família Real, em 1808 (SHLICHTA, 2006, p. 59).
Diante da dificuldade de estabelecer a prática da Arte como meio
de contemplação do belo, às manobras políticas do cônsul geral Maler,
que perseguia severamente os artistas franceses com o intuito de
atravancar o funcionamento da academia somado ao falecimento do
Conde da Barca em 1817, protetor da missão no Brasil, que ocasionou a
paralisação das obras do edifício que iria sediar a instituição, viveram os
artistas da missão uma verdadeira epopéia para fundarem a Escola de
Belas-Artes.
Falecendo sem ver a escola concluída, o Conde da Barca teve seus ideais
levados a frente por Lebreton, então diretor da academia, que continuava a árdua
luta contra os boicotes de Maler.
Depois de tanto lutar em busca dos interesses das autoridades em prol da
academia, Lebreton falece em 1819, sem concluir nenhum dos projetos propostos
pela missão a qual chefiou.
Ficando sem direção por longa data, somente em 1820 foi promulgado
pelo Ministro Targini, futuro Visconde de São Lourenço, o decreto que
determinava a criação da Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura e
Arquitetura Civil. Pelo mesmo decreto instituiu-se como Diretor da Academia o
português Henrique José da Silva, fato considerado uma afronta aos idealizadores
franceses. Acerca dessa decisão afirma Debret:
[...] Foi quando, percebendo a vaga resultante da morte do Sr. Lebreton, o
Barão de São Lourenço se lembrou de um protegido, artista português que
vegetava em Lisboa, pintor medíocre e pai de numerosa família. Fê-lo vir ao
Rio de Janeiro e, graças a um projeto de organização da academia, redigido à
nossa revelia e apresentado apressadamente pelo ministro do Interior ao rei,
nomeou-o professor de desenho e diretor das escolas. Esse mesmo projeto
outorgava-lhe um secretário português em substituição ao nosso, destituído
sem motivo (1989, V. III, p.110).
Muitos artistas da Missão ficaram desgostos com o desenrolar dos
fatos e resolveram retornar à França.
O diretor da academia se ocupava apenas em manter um único
curso de desenho, e os outros cursos propostos pelo Visconde de São
Lourenço não saíam do papel.
A essa época, o funcionamento oficial da Academia não saia do
decreto. Somente em 1821, quando D. Pedro sobe ao trono, um dos
integrantes da missão que persistiu em ficar no Brasil e lutar pela
efetivação da Escola de Belas Artes nos moldes neoclássicos, solicitou ao
monarca uma das salas da academia para a realização de um curso de
pintura.
Somente em 1923 Debret toma posse das chaves que tanto
requisitara e, mesmo sob as intrigas do diretor português, inaugurou um
curso livre de Pintura. Assim, transcrevo os escritos do referido artista
acerca desse fato:
[...] Repugnando-me porém regressar à França, após oito anos de residência
no Brasil, sem ter alcançado o objetivo da minha missão, resolvi a fim de deixar
ao menos vestígios de nossa utilidade, solicitar do imperador a concessão
provisória de um dos ateliers já disponíveis na academia, a fim de executar um
quadro de grandes dimensões, representando a cerimônia de sua coroação, e
ao mesmo tempo iniciar a educação pictórica de sete indivíduos, já dedicados
à arte, e que desejavam ardentemente aproximar-se de mim para ter as
noções teóricas, cuja necessidade compreendiam. Para evitar quaisquer
despesas, limitei-me a solicitar a simples posse da chave do local desocupado.
Minha dedicação foi acolhida com satisfação pelo imperador e os dois
Andrada, ministro do Interior e Ministro do Tesouro respectivamente.
Entretanto, parece incrível, essa vontade unânime e soberana foi paralisada
durante mais de seis meses pelas hábeis manobras do nosso ardiloso diretor,
cuja orgulhosa mediocridade se achava sempre em perigo. Os alunos,
desesperados com a indecisão, já se achavam dispostos a alugar um local
para servir de escola, quando um golpe de Estado derrubou repentinamente o
ministério e deu a pasta do Interior a Carneiro Campos, brasileiro e protetor
das ciências.
Sem perda de tempo, um dos jovens alunos explicou os motivos de sua
ansiedade ao novo ministro, o qual deu imediato despacho favorável ao meu
requerimento; só restava procurar o depositário da chave. Qual não foi
surpresa dos alunos ao saberem que se encontrava nas mãos do nosso
silencioso diretor! Acuado, o astucioso hipócrita soube, ao entrega-la, fingir
lamentar ter ignorado tudo o que se passara com referência à minha
solicitação (1989, T. III, p. 111-112).
Por volta de 1824, D. Pedro I visitou uma exposição organizada por
Debret que contava com trabalhos de seus alunos. Encantado com o
resultado resolveu o Imperador instalar oficialmente a Academia Imperial
de Belas- Artes.
A 19 de outubro de 1826 aconteceu a solenidade de inauguração,
concluindo a Missão Artística Francesa, dez anos após o desembarque, a
sua grande tarefa. Reconhecendo o mérito de seu trabalho, Debret relata
[...]S.M.I., Dom Pedro I, assistiu a essa inauguração, no fim da qual o ministro
apresentou-lhe uma medalha de ouro cunhada para esse fim e gravada
inteiramente por Zépherin Ferrez, gravador de medalhas e pensionista da
academia.
Graças a dois anos de estudos antecipados, a classe de pintura apresentou ao
público, no dia da abertura, uma exposição muito interessante, que
impressionou pelas produções, tão perfeitas quão variadas, pois constituía-se
de diferentes gêneros, retratos, paisagens, marinhas, arquiteturas, animais
flores e frutas (DEBRET, 1989, T. III, p. 113-114).
Enfim, graças a persistência de Debret a Academia de Belas Artes foi
aberta e por muitos anos esteve a frente do ensino e de toda a produção artística
do Brasil.
3.4 A CORTE PORTUGUESA SOB O OLHAR DE DEBRET
A obra oficial de Debret é composta por imagens da corte e das elites formando
um verdadeiro documento visual da história política do Brasil do início do século
XIX.
Inundada em um universo compositivo formal, característico das
construções neoclássicas, carregam em si as idéias dessa arte proposta por Jacques
Louis David quando servia ao imperador francês Napoleão Bonaparte.
Com uma estrutura fechada, a obra oficial, principalmente as que trazem
representações das cerimônias da coroação e aclamação de D. João VI como rei do
novo Reino Unido de Brasil Portugal e Algarves, dificultam a entrada do
espectador na cena explicitando o grande distanciamento do enunciador desse
período de governo.
Nas imagens da coroação e aclamação de D. Pedro I como Imperador do Brasil, a
composição possibilita uma maior facilidade de entradas do espectador na cena,
deixando clara a proximidade e consonâncias de idéias entre o Imperador do
Brasil e o emissor.
Selecionamos para a análise seis imagens que compõe parte do grupo de gravuras
do terceiro tomo de Viagem Pitoresca e histórica ao Brasil, sendo elas: a gravura
formada pelos retratos do rei D. João VI e do Imperador D. Pedro I, as cenas de
coroação e aclamação do rei e do imperador, e por fim a bandeira imperial,
símbolo na nação independente.
A primeira gravura a ser analisada é composta por quatro retratos. No lado
esquerdo da imagem temos o busto de D. João VI e seu retrato de corpo inteiro,
do lado esquerdo o busto de D. Pedro I e o seu retrato de corpo inteiro.
Figura 4 – Jean Baptiste Debret, Retratos do Rei Dom João Vi e do Imperador Dom
Pedro I
5
5
As gravuras de Debret que compõe seu livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil não são
datadas, sendo assim, as legendas as imagens não conterão datas.
Nessa prancha inserida no terceiro tomo de seu Viagem Pitoresca
e Histórica ao Brasil Jean Baptiste Debret esquematiza a gravura
compondo-a com quatro imagens que representam retratos do Rei D.
João VI e do Imperador D. Pedro I. Nos parece proposital essa
organização que já em instantes nos leva a um olhar comparativo sobre
as figuras reais.
Inicialmente analisaremos as imagens em separado para
compreender o que elas nos dizem e quais as articulações utilizadas pelo
enunciador na composição da imagem que as tornam objetos de
comunicação e significação.
Analisando inicialmente o busto de D. João VI percebemos que o
rei aparece representado com seu traje de gala com destaque evidente
para as condecorações reais.
Figura 5 – detalhe do Busto de D. João VI
No busto destaca-se o direcionamento do olhar de D. João VI que,
voltado para o lado esquerdo remete-nos a idéia de um olhar perdido,
sem um foco específico. Compondo o olhar a sobrancelha levemente
caída transfere ao Rei uma imagem aparentemente insegura.
A boca levemente aberta destaca o pequeno queixo do rei, dando-
lhe uma feição apática. A predominância das cores azul e amarelo, com
destaque para a segunda, explicita a possível proposta do enunciador de
conferir um pouco de luxo a imagem real. Em seus trajes o rei carrega as
cores da bandeira portuguesa em destaque na faixa posicionada ao lado
direito do corpo.
No retrato de corpo inteiro o enunciador proporciona ao receptor
uma leitura muito rica em detalhes, principalmente quanto ao fazer
proxêmico, que se referem aos gestos e posturas que conferem
determinado posição social.
Figura 6 – Detalhe do retrato de corpo inteiro do rei D. João VI
No retrato de corpo inteiro o enunciador posiciona a figura com
uma postura pouco característica das representações reais.
Representado com o seu uniforme real de gala que só fora usado pelo rei
no dia da sua aclamação, D. João VI apresenta-se em um cenário
composto com um móvel que serve como suporte para a coroa real e
como ponto de equilíbrio do cetro segurado pelo rei.
Como explicado pelo emissor no texto explicativo da prancha:
Esse soberano só usou o uniforme real de gala no dia de sua aclamação,
ainda assim sem a coroa, em virtude do costume estabelecido desde a morte
do Rei Dom Sebastião, na África, em 1580. Dom Sebastião, dizem, foi levado
ao céu com a coroa à cabeça e deve trazê-la novamente a Lisboa. Por isso foi
colocada ao lado de Dom João VI, sobre o trono (DEBRET, 1989, v,III, p. 152).
O rei está posicionado com a mão direita segurando o cetro
apoiado no trono e com a mão esquerda na cintura sobre a espada sem
segurá-la. Com o pé esquerdo posicionado à frente de seu corpo o
enunciador deixa explícito a imperfeição dos membros do rei, considerado
demasiadamente pequenos para seu corpo. Nas palavras do emissor “[...]
tinha coxas e as pernas extremamente gordas e as mãos e os pés muito
pequenos” (DEBRET, 1989, v. III, p. 152).
A figura real é representada com a barriga extremamente
protuberante. As vestes conferem pompa e luxo à imagem real. O manto
aparece volumoso nas cores vermelha e branca com detalhes em
amarelo, e nos trajes destacam-se as cores branca e azul. Na construção
da imagem é evidente o predomínio dos tons avermelhado por toda a
composição.
O enunciador confere ao rei uma aparência de um rei impotente e
fraco, distante de uma postura real imponente. Destaca novamente, assim
como no busto, a boca do rei entreaberta sobressaltando o seu queixo
pequeno. Assim confirma Cardoso “ Para começo de conversa, D. João
VI era pouco afeito às poses heróicas; tratava-se de um monarca muito
mais acostumado a negociações do que as conquistas, o que sempre se
traduz mal para as telas” (2003, p. 25).
No busto de D. Pedro, então imperador do Brasil nota-se
claramente a diferença de postura entre pai e filho. Representado com o
olhar voltado para o receptor, aparentemente uma imagem segura e
austera.
Figura 7 – Detalhe do busto de D. Pedro I
Ao contrário de seu pai, D. Pedro I apresenta um olhar firme,
marcado pelo formato de suas sobrancelhas, e o rosto sem imperfeições
aparentes. Representado com a boca fechada, é mostrado pelo emissor
como uma figura séria e confiante.
Em seu traje destacam-se as cores amarela e azul, também com
presença de condecorações, só que sem as cores da bandeira
portuguesa. Em lugar dessa, a faixa do lado direito do corpo apresenta-se
toda em azul, deixando claro o desligamento do Imperador de Portugal.
Em seu retrato de corpo inteiro o enunciador mostra a figura real
posicionada de forma austera e firme. Com a coroa real sobre a cabeça e
uniforme de gala próprio, o emissor representa a forma pela qual o
Imperador fazia questão de apresentar-se anualmente na abertura das
Câmaras.
Figura 8 – detalhe do retrato de corpo inteiro do Imperador D. Pedro I
Nos trajes destacam-se as cores amarela e verde, as mesmas que
compunham a bandeira imperial idealizada por Debret.
O cetro aparece na mão direita do rei, em tamanho bem maior que
o de seu pai, segurado com o braço levemente flexionado acima da
cintura. A mão esquerda segura firmemente a espada conferindo-lhe uma
aparência viril.
Seu corpo é representado pelo enuncidor de forma harmônica, não
apresentando as imperfeições físicas de seu pai. Seu olhar é seguro e
sua postura ereta apresentada em um cenário onde o Imperador é a única
figura presente.
Como descrito pelo próprio enunciador “D. Pedro I, forte e de
grande estatura, era de um temperamento bilioso e sanguíneo [...]"
(DEBRET, 1989, v.III, p.153).
Os retratos representam as figuras reais em suas efetivas formas e
posturas. Deve-se considerar também dentro das construções de Debret
sua proximidade de D. Pedro I e a notória convergência de pensamento
dos dois.
Nas próximas representações compreenderemos o olhar do
enunciador sobre as duas figuras reais e seu entendimento quanto ao
governo de cada um deles e seu ponto de vista quanto à aceitação do
povo diante de suas aclamações.
Figura 9 – Jean Baptiste Debret, Aclamação do Rei Dom João VI
A imagem apresenta detalhes da cerimônia da aclamação de D.
João VI. O momento retratado é o final da leitura do primeiro ministro
quando o rei acabar de responder “Aceito” ao ser chamado ao trono do
novo reino unido, conforme descrito pelo enunciador no texto explicativo
que acompanha a imagem. A figura mostra o agitar dos lenços, gesto
típico português, pelo público ali presente.
O rei encontra-se sentado no trono com seu uniforme de gala e de
chapéu, e ao seu lado esquerdo encontram-se a coroa e a bandeira
imperial solta. Ao seu lado direito encontram-se os príncipes D. Pedro e
D. Miguel, e na tribuna encontram-se a família real e as damas de honra.
Percebe-se na imagem a forte presença do clero ao lado esquerdo
da imagem e da nobreza ao lado direito, visivelmente distinguidos pelas
vestes características a cada grupo.
A construção pictórica se dá através da presença marcante da
perspectiva
6
, colocando toda a construção em um espaço marcado pela
profundidade, marcando uma forte característica da pintura neoclássica.
Observando a cena percebe-se claramente a presença de traços
que, dentro da composição, refletem a visão do enunciador diante do
acontecimento. Partindo da análise de seu plano de expressão,
evidenciam-se as intenções do enunciador na composição proposta.
Marcada na imagem abaixo pelas linhas pretas a perspectiva
proposta na construção guiam o olhar do enunciatário pela obra.
Figura 10 – Jean Baptiste Debret, Aclamação do Rei Dom João VI
Na perspectiva construída pelo enunciador e detalhada pelas linhas
pretas na figura acima, percebe-se a colocação do rei nos últimos plano
da imagem, aparentemente no ponto de fuga
7
da perspectiva.
6
Perspectiva é a representação artística elaborada em superfície plana por linhas
convergntes que causam a impressão de tridimensionalidade e profundidade.
7
Ponto de fuga é a direção a qual as linhas convergentes estão se dirigindo, se
aprofundando.
A posição do rei na construção, como ponto central para onde se
encaminha todas as linhas da perspectiva, obriga o enunciatário a
observar todos os participantes da cerimônia antes de chegar até a figura
real.
A construção proposta mostra a distância do enunciador diante da
cena em questão, e coloca o leitor fora da construção. Esse recurso visual
pode ter sido utilizado com intuito de ressaltar o distanciamento do
enunciador desse período de governo. Nesse sentido afirma Naves:
Para quem, como Debret, tomara parte nas festas revolucionárias francesas,
nada mais oposto do que essas cerimônias aristocráticas. Na França, as festas
são “o ato solene que o homem presta homenagem a um poder divino que ele
percebe em si mesmo”. Mobilizada, ativa, a multidão encena idealmente a
concretização de seus objetivos. A festa revolucionária é a ocasião para se
dar visibilidade a noções que galvanizam as forças populares (2001, p. 62)
Por outro lado o direcionamento de todas as linhas está na figura
real como ponto central, mas para chegarmos até ele temos que “passar
o olhar” por todos aqueles que foram convidados a participar do
acontecimento.
A perspectiva proporciona uma visualização clara dos planos que
compõe a imagem. Nos planos mostrados na figura abaixo perceberemos
claramente o posicionamento das pessoas no cenário que compõe a
imagem.
Figura 11 – Jean Baptiste Debret, Aclamação do Rei Dom João VI
As linhas pretas marcam os cinco planos principais que compõem a
imagem. No primeiro plano encontram-se duas figuras na nobreza, no
segundo plano reaparecem elementos da nobreza e um grupo de
representantes do clero, no terceiro plano apenas o clero, no quarto plano
a presença de uma importante figura do clero levemente curvada e os
ministros, e no quinto e último plano representado pelas linhas
encontram-se o rei e os príncipes.
A presença marcante do clero em toda a construção deixa clara a
forte consonância entre Estado e Igreja do período. A presença feminina
na tribuna, totalmente separada de todo o público masculino espectador
da cena, deixa clara a marca do forte predomínio do homem sobre a
mulher característico da sociedade da época.
Entende-se em uma construção pictórica que as figuras centrais da
composição deveriam encontrar-se em primeiro plano, o que não
acontece na construção proposta pelo enunciador. Mesmo a utilização da
perspectiva sendo uma característica formal marcante dentro das
concepções neoclássicas, a figura real teria maior visibilidade se
posicionada entre os primeiros planos da composição.
Essa marca deixada pelo sujeito da enunciação, testemunha do
acontecimento, segue um dispositivo de visibilidade onde apresenta-se a
figura central dentro do plano profundo gerado pelo uso da perspectiva
causando um distanciamento do leitor, destinatário, que entra em contato
com a imagem.
A figura central do acontecimento, o Rei D. João VI, aparece
posicionado no ultimo plano, onde seu destaque só é relevante enquanto
seu posicionamento próximo ao ponto de fuga.
Um dos possíveis entendimentos para a construção proposta pelo
emissor pressupõe a provável situação de preocupação real diante dos
brasileiros e dos portugueses descontentes com a presença real no
Brasil.
Com a representação da “Vista do Largo do Palácio no dia da
aclamação de Dom João VI”, fica clara essa evidência quando na imagem
destacam-se a presença de pelotões da infantaria e de cavalaria
distribuídos entre a população, destacados na imagem pelas linhas pretas
contínuas.
Figura 12 – Jean Baptiste Debret, Vista do Largo do Palácio no dia da aclamação de
Dom João VI
Na imagem acima a figura real (destacada pela seta) aparece no
balcão central do edifício onde apresenta-se ao povo para receber as
primeiras homenagens. Mais uma vez posicionada em quase último plano
a figura real quase não é visível, destacando-se na imagem as figuras que
compõe os pelotões e alguns elementos, aparentemente de boas
condições financeira, são destaque em primeiro plano (destacados pelas
linhas tracejadas).
Outro aspecto interessante refere-se a posição do enunciador na
cena. Na mesma direção que a população, localizado atrás dela, o
enunciador apresenta a cena de um ponto distante, distanciando o leitor
da figura real.
A mesma situação não acontece na representação da Aclamação
de D. Pedro no Campo de Sant’Ana, onde a figura do Imperador é
colocada em lugar de destaque pelo enunciador.
Figura 13 – Jean Baptiste Debret, Aclamação de D. Pedro I no Campo de Sant’Ana
Na imagem acima a figura do Imperador é colocada em posição
visível (demarcado pela seta), ao lado da bandeira imperial ornamentada
com as armas do império, desenhada por Debret. A imagem mostra o
momento que D. Pedro, após aceitar o título de imperador recebe as
saudações da população, que representada em grade número pelo
emissor, homenageia o Imperador do Brasil.
Mais próximos dos ideais da população brasileira, D. Pedro I
agradava muito em seus ideais liberais e sua posição avessa à
recolonização do Brasil, o que o colocava em posição de grande simpatia
diante dos brasileiros.
Os ideais de D. Pedro I em muito agradavam Debret que teve
nesse período grande destaque como pintor. Acompanhou o Imperador
em sua viagem ao sul do país e após a sua abdicação, optou por artista a
voltar para França.
Na imagem acima, o imperador aparece junto ao balcão ladeado
pelo presidente do senado e pela imperatriz. Nota-se também a presença
de outros elementos da nobreza e autoridades civis e militares.
A impressão causada pela articulação nessa composição é de uma
proximidade do sujeito da enunciação que aparece na altura do balcão,
próximo ao Imperador. Assim, o olhar do leitor também se aproxima do
imperador observando a população de cima participando da imagem
como um observador ativo, ao contrário da aclamação de D. João VI onde
observamos a cena juntos com a população, tornando o leitor um mero
espectador.
Predominam nas vestes e na imagem as tonalidades verde e
amarela, cores da bandeira imperial.
Figura 14 – Jean Baptiste Debret, Coroação de D. Pedro, imperador do Brasil
Na imagem em que representa a coroação de D. Pedro I como
imperador do Brasil notamos também uma clara diferença na construção
e na disposição da figuras, quando comparada com a aclamação de D.
João VI.
A primeira diferença consiste no posicionamento do enunciador, e
consequentemente do leitor, diante da construção. Enquanto na coroação
de D. João VI o enunciador parece apresentar-se fora da cena, na
imagem acima o enunciador está posicionado no interior da cena
possibilitando a entrada do leitor na imagem pelo altar.
D. Pedro I aparece sentado ao trono no altar mor da igreja,
vestindo seu uniforme imperial, com a coroa na cabeça e o cetro na mão.
Ladeado por figuras importantes da elite política e do senado e por
importantes membros do clero, encontra-se aí semelhanças quanto a
cena da coroação de D. João VI, a forte presença da igreja, e essa, no
momento acima como sede da cerimônia.
A presença do enunciador no altar mor da igreja, como aparenta a
composição, justifica-se pela grande proximidade entre ele e o Imperador.
Por apresentarem ideais políticos semelhantes, teve o enunciador nesse
período grande destaque como pintor da corte, testemunha dos fatos.
Predominam por toda a construção imagética os tons de verdes e
amarelos, cores formantes da nova bandeira imperial, que, justificariam-se
por representar as descendências reais.
Quanto aos planos que compõe a imagem (demarcados pelas
linhas tracejadas), em primeiro plano aparecem elementos da elite
política, o bispo e alguns componentes do clero. O imperador aparece em
destaque no lado direito do segundo plano e sua esposa, a Imperatriz
Leopoldina, aparece do lado esquerdo em pé na tribuna. No quarto plano
encontram-se os assentos ocupados pelos membros do clero da capela
imperial.
Marcada pela imponente presença do clero, visualmente mais
numeroso do que os representantes da elite política imperial, a
construção da capela confere a cena requinte e luxuosidade que
caracterizavam o momento em que o Brasil surgia como nação livre.
Composta dentro de um plano profundo marcado pela perspectiva,
a imagem, ao contrário à representação da coroação de D. João, não
distancia o espectador dos acontecimentos, pelo contrário, insere-o na
imagem pelo altar da igreja. O uso desse recurso pode justificar-se pela
agora aprovação e apoio da população brasileira quanto à coroação de D.
Pedro como primeiro Imperador do Brasil, agora independente.
Finalizando a análise das imagens da corte construídas por de
Debret, analisaremos a composição da bandeira imperial e suas
significações como símbolo da nação independente. Como afirma José
Murilo de Carvalho sobre a simbologia da bandeira e do hino “[...] são os
símbolos nacionais mais evidentes, de uso quase obrigatório” (1990, p.
109).
Figura 15Jean Baptiste Debret, Bandeira Imperial
A bandeira imperial simboliza a nação recém independente. Como
descrito pelo próprio enunciador “As armas imperiais do Brasil, pintadas
na bandeira, consistem em um escudo verde encimado por uma coroa
imperial, no meio do qual uma esfera celeste dourada enfeixa a cruz da
ordem de Cristo” (Debret, 1989, p. 212).
A esfera celeste está cercada por dezenove estrelas que
correspondem às províncias do Império. No losango amarelo o emissor
apresenta um ramo de café e um de tabaco, que representam os dois
principais produtos da economia brasileira na época. Idealizada por José
Bonifácio e seguindo recomendações de D. Pedro, a bandeira foi
desenhada por Debret e instituída pelo decreto de 18 de setembro de
1822.
Formada por um losango amarelo inserido em um retângulo verde,
cores que representavam respectivamente as dinastias de Habsburgo-
Lorena e dos Bragança a bandeira apresentava-se como símbolo do
império brasileiro. A composição do losango amarelo sobre um retângulo
verde irá permanecer na nova bandeira republicana.
A bandeira imperial, criada após a proclamação da independência
assistiu o crescimento e consolidação o Brasil como nação independente
4. O NEGRO NO BRASIL – UMA REFLEXÃO SOBRE A
PRESENÇA DO NEGRO NA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO
A escravidão no Brasil durou cerca de trezendo anos e deu à
configuração social do país características peculiares. Instituição que em
nenhum outro lugar o Novo Mundo teve vida tão longa, nas três primeiras
décadas do século XIX a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, abrigou
a maior população escrava das Américas.
Sendo a cidade carioca o local onde Debret fixou moradia durante
os quinze anos em que permaneceu no Brasil, pode-se imaginar o
contexto sócio-cultural vivido pelo artista durante esse período.
Foi a corte Imperial um propício campo de análise cultural no qual
Debret e muitos outros viajantes puderam representar, ao seu olhar, o
modo de vida dos africanos no Brasil
Considerado uma mão-de-obra de baixo custo e capaz de exercer
o trabalho exaustivo que as grandes lavouras exigiam, o negro chega ao
Brasil sob a condição de escravo para servir à produção de gêneros
destinados principalmente ao mercado europeu e depois vem a ser
responsável por grande parte dos serviços públicos e particulares
existentes nas cidades.
Diante disso, estabeleceu-se uma relação de domínio do branco
sobre o negro que perdurou durante longo tempo no país.
Com a transferência da família real para o Brasil em 1808, auxiliada
pela marinha britânica, esperava-se de D. João VI o cumprimento de sua
promessa à Inglaterra de abolir o tráfico de escravos para o Brasil.
Entretanto, já em 1810, o monarca português não saía das promessas de
proibição, permanecendo no Brasil a realidade do tráfico e comércio de
escravos.
Mesmo com a proclamação da independência, o sistema escravista
permanece como forma de trabalho nas grandes lavouras por quase todo
o território brasileiro.
Eis por que, em pleno século XIX, o Brasil se afirmava como país
independente e incorporava à sua Constituição as fórmulas liberais européias,
ao mesmo tempo que conservava o regime servil, ligado que estava ao
passado colonial. Juridicamente, o país era independente, novas
possibilidades se abriam para a economia, mas a cultura do café se organizava
ainda nos moldes coloniais, e com ela se prolongava o sistema escravista”
(COSTA, 1998, p.72).
Enquanto durou o tráfico de escravos se fazia de forma desumana
a transferência desses negros para o Brasil. Capturados na África eram
amontoados em navios negreiros sem quaisquer condições de higiene.
Toda a estrutura social do Rio de Janeiro alicerçou-se sobre a
escravidão influenciando todo o desenvolvimento do país em seus mais
variados aspectos, tanto econômicos como culturais e sociais, assim “o
tráfico atlântico supria as necessidades de braços do Rio de Janeiro”
(Florentino, 1997, p.31)
Inicialmente os escravos eram organizados em grupos para o
trabalho coletivo sob o comando dos proprietários envolvidos com as
monoculturas espalhadas pelo país.
Com a chegada da família real as necessidades em torno do
trabalho escravo ultrapassam as barreiras agrícolas e chegam às
atividades da cidade.
Além dos serviços ligados às lavouras, era comum o uso da mão-
de-obra escrava nos serviços domésticos e urbanos, sendo o trabalho do
escravo fundamental para a economia brasileira.
Os negros que chegavam ao Brasil provenientes da África eram
originários de colônias portuguesas na África e de regiões mais ao interior
do continente cujo “[...] comércio de escravos na África implicava
negociações com uma elite de comerciantes africanos, que, muitas vezes,
especialmente no caso de Angola, eram convertidos ao catolicismo e
súditos do Império Português” (MATTOS, 2000, p. 15).
A princípio a captura de escravos era justificada pelo Estado
português sob o pretexto de cristianizar os africanos infiéis. No século XVI
o recrutamento de escravos muda de face caracterizando a prática do
tráfico como comércio.
A captura de negros destinados ao trabalho escravo no Brasil era
feita em diversas regiões. Diante disso, em um navio negreiro
encontravam-se uma grande variedade de tribos e etnias. Essa variedade
justificava-se pelo interesse dos traficantes em dificultar uma possível
organização entre os grupos aprisionados que, em decorrência das
diversidades relacionadas à língua e a religião, não conseguiam se
organizarem e se rebelarem contra a escravidão.
Os negros trazidos para o Brasil também eram escolhidos de
acordo com suas habilidades, muitos já tinham tido na África experiências
com algum tipo de atividade para as quais seriam destinados no Brasil.
O Brasil não se limitou a recolher da África a lama de gente preta que lhe
fecundou os canaviais e os cafezais; que lhe amaciou a terra seca; que lhe
completou a riqueza das malhas de massapé. Vieram-lhe da África “donas de
casa” para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas; artífices
em ferro; negro entendidos na criação de gado e na indústria pastoril;
comerciantes de pano e sabão; mestres, sacerdotes e tiradores de reza
maometanos (FREYRE, 2005, p. 391).
No Brasil os escravos desembarcavam nos portos do nordeste,
norte e do Rio de Janeiro para depois seguirem para outras regiões do
país. Desembarcados como mercadorias, os negros eram encaminhados
aos mercados destinados ao comércio de escravos para serem
negociados.
Considerando que esse estudo trata das representações do negro
elaboradas por Debret, cujo cenário era a cidade do Rio de Janeiro,
trataremos daqui por diante da realidade do negro nessa cidade.
No Rio de Janeiro os negros escravos eram negociados no
conhecido mercado do Valongo onde eram divididos em grupos distintos.
De acordo com Karasch:
[...] os que eram de importação recente, e, portanto, africanos sem habilidades
e treinamento, e os que eram africanos assimilados (ladinos) e capacitados.
"Embora a palavra “ladino” definisse geralmente uns africanos assimilados no
Rio, os que negociavam ladinos vendiam também escravos nascidos no Brasil”
(2000, p. 67).
A venda de escravos nem sempre se dava dentro dos mercados,
por vezes os compradores burlavam as negociações para que
determinados escravos sequer chegassem ao mercado do Valongo.
Valongo era o nome da rua onde se localizavam as casas
destinadas ao comércio de escravos que seriam vendidos para
comerciantes, agricultores e para particulares.
As casas localizadas na rua do Valongo eram belas construções
onde o negociante e sua família moravam nos andares de cima e os
negros escravos ocupavam o pátio localizada no primeiro piso da
residência.
Quando chegavam ao mercado os negros recebiam cuidados para
adquirirem uma boa aparência. Eram limpos, alimentados e por vezes
maquiados para que fossem escondidas as suas imperfeições.
A vestimenta destinada aos escravos não passava de pedaços de
tecidos. Em alguns mercados os escravos eram divididos por tribos,
identificadas por tecido de cores diferentes.
Muitas vezes os negros eram vendidos nus para que fossem
melhor apreciados pelos compradores e para que se mascarasse
qualquer defeito físico ou doença que pudessem apresentar.
Para convencer os compradores de que os escravos eram ativos,
os comerciantes estimulavam os negros a cantarem e dançarem, ao som
dos tambores, as músicas africanas. Como define Karasch “um remédio
para a nostalgia era “estimular” os africanos a cantar a música de suas
terras natais. Assim, ao som dos tambores e palmas das canções
africanas enquanto os escravos dançavam contribuíam para o andamento
da atmosfera do Valongo” (2000, p. 80).
Durante as negociações, escravos eram vendidos individualmente,
sendo nesse processo separadas as famílias e etnias semelhantes. Eram
comuns também os leilões e anúncios de escravos em jornais, onde os
negros eram anunciados exaltando suas qualidades.
4.1 AS VARIAÇÕES DO TRABALHO ESCRAVO
Os trabalhos a que se destinariam os escravos adquiridos no
mercado variava de acordo com as necessidades do proprietário. Para os
escravos destinados às regiões rurais, podemos diferenciar dois tipos de
trabalhos com características bem distintas: o produtivo, destinados às
lavouras e o doméstico.
O escravo destinado ao trabalho nas lavouras deveria ter
peculiaridades que correspondessem ao trabalho árduo que esse tipo de
atividade exigia. Já os escravos domésticos trabalhavam dentro da casa
de seus senhores como cozinheiras, mucamas, costureiras, amas etc.
Além dos escravos destinados aos grandes agricultores para
servirem a lavoura e à casa de seus senhores, existia outro setor de
trabalho escravo referente ao trabalho na cidade.
A atuação do escravo negro nos trabalhos urbanos, como negro de
ganho e também como escravos de aluguel, que eram alugados pelos
seus proprietários para prestarem serviços como sapateiros, carpinteiros e
cozinheiros, era a mão-de-obra principal do Rio de Janeiro no início do
século XIX.
Os escravos de ganho eram os que prestavam serviços pelas ruas
e no final do dia deveriam entregar parte da féria do dia para o seu
proprietário. Muitas vezes esse valor era estabelecido previamente.
Em raros casos, quando o escravo dispunha de maior liberdade,
podiam trabalhar para alcançar uma renda além da estipulada pelo seu
proprietário e posteriormente comprar sua liberdade. Outra possibilidade
era a utilização de seu dia livre, como os domingos, para trabalhar em prol
de um lucro próprio, vendendo nas ruas da cidade artesanatos ou
quitutes.
Existiam grandes diferenças entre os escravos urbanos e os
escravos rurais. O escravo destinado às lavouras trabalhava em média do
amanhecer ao anoitecer e em alguns casos, como nas fazendas de café,
o trabalho perdurava de quinze a dezoito horas por dia.
Os escravos urbanos circulavam pela cidade vendendo produtos,
servindo como carregadores, acendendo e apagando lampiões, nos
serviços de urbanização da cidade, entre outros.
Na cidade as atividades realizadas por negros de ganho e algumas
vezes por africanos livres, dividiam-se rigorosamente e para cada uma
delas havia um perfil específico de negro para assumi-la.
No início do século XIX o trabalho era realizado, quase em sua
totalidade, por escravos, dando à configuração social características
peculiares. Muitos estrangeiros registraram sua surpresa ao caminhar
pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro e encontrar uma grande
quantidade de negros realizando as mais diversas tarefas. Nesse contexto
afirma Debret:
Tudo assenta pois, neste país, no escravo negro, na raça, ele rega com seu
suor as plantações do agricultor; na cidade, o comerciante fá-lo carregar
pesados fardos; se pertence ao capitalista, é como operário ou na qualidade de
moço de recados que aumenta a renda de seu senhor (1989, V.II, P. 13).
O trabalho escravo nos serviços públicos de urbanização que, com
a chegada da corte se intensificaram com o intuito melhorar a estrutura
física da cidade, fazia com que nas ruas da cidade se concentrasse um
número grande de homens negros.
“[...] Depois, fora a vinda da Corte portuguesa que dera vida a essa província.
O ritmo da economia se intensificara. Novo mercado consumidor surgira, novas
exigências, um nível de vida mais alto. Tudo isso justifica aquela concentração
de negros no Rio de Janeiro já em 1823” (Costa, 1998, p. 69)
Muitos se incomodavam com os negros vendedores que
perambulavam pela cidade vendendo os produtos de seu senhor e por
vezes vendendo mercadorias roubadas para seu ganho próprio.
Aos vendedores, que se situavam nos pontos mais estratégicos da cidade e
permaneciam durante horas, juntavam-se os ambulantes: barbeiros,
vendedores de aves que batiam de porta em porta, ou os que, vindo das
fazendas próximas, traziam ovos, palmitos, lenha, leite, frutas, flores, bolos e
doces (COSTA, 1998, p. 279).
Em alguns casos eram impostos ao escravos os mandamentos do
catolicismo, e alguns escravos das fazendas eram obrigados a fazer
orações diárias. Uma atitude com intuito de justificar o caráter
“benevolente” do sistema escravista.
Alguns senhores obrigavam seus escravos a se casarem de
acordo com as tradições católicas, outros optavam por não estabelecer
regras diante das uniões, preferindo que os negros se relacionassem de
forma ocasional e não duradoura
Nas cidades, os ritos africanos eram mais freqüentes do que no
campo, devido a maior liberdade de deslocamento dos negros, permitindo
que eles se reunissem em grupos.
Muitas vezes esses grupos faziam reinterpretações do cristianismo
mesclando as culturas africanas e católicas. Reunidos em confrarias como
a Confraria de Nossa Senhora do Rosário, da qual participavam negros
livres e escravos, esses africanos aproveitavam a estrutura católica para
se organizarem chegando até a participarem do movimento abolicionista.
O escravo urbano apresentava nitidamente uma situação de
liberdade superior a do escravo do campo. Tinham maiores chance de
conseguir alforria, melhores condições de saúde, e conseguiam por vezes
conservar grande parte de suas características culturais.
A resistência em manter sua cultura natal e a não-aceitação
pacífica dos significados que lhes eram impostos pelos seus senhores
nega afirmação do estado de “coisificação” defendidos por alguns
historiadores. Para esses estudiosos o escravo é privado de quaisquer
direitos e não praticam nenhum tipo de representação.
Entretanto, não é essa realidade que se nota ao longo do
desenvolvimento do sistema escravista no Brasil. Percebemos na cidade
do Rio de Janeiro muitas características culturais que permanecem com
os africanos. Nesse sentido afirma Chalhoub “[...] Não consigo imaginar
escravos que não produzem valores próprios, ou que pensem e ajam
segundo significados que lhes são inteiramente impostos.” (1990, p. 38)
Além disso, os negros tinham consciência da sua condição de
escravos e as possibilidades de liberdade. A exemplo da maior
possibilidade de alcançar a liberdade podemos citar o caso dos
vendedores e carregadores que se organizavam em grupos para
conseguir a quantia necessária para comprar a liberdade de um deles,
que seria escolhida por via de sorteio.
Outro papel importante do negro na rua gira em torno dos
transportes de pessoas e de bens por água. Muitos deles navegavam pela
baía com liberdade, concedidas pelos seus senhores que tinham nesses
escravos grande confiança. Tratando de outro contexto regional que não a
cidade do Rio de Janeiro, Freyre descreve esse tipo de atividade
Havia também, para o transporte de pessoas ou de fardos, os chamados
negros de ganho; pretalhões munidos sempre de rodilhas e as vezes vestidos
só de tangas, pronto a acudirem aos psius de quem quisesse se utilizar de
seus serviços. Como carregadores de café, carregavam pesos absurdos (2003,
p. 633).
Os negros dedicados aos serviços públicos da cidade eram
africanos livres, escravos condenados ou negros cativos alugados. Alguns
trabalhavam na construção de estradas, outros com a segurança da
cidade e com o serviço de limpeza das ruas.
Outra classe bem valorizada era a de escravos especializados e
artesãos. Eram tratados como negros de ganho e considerados a elite dos
escravos devido ao seu alto valor de aluguel.
Um grupo bem distinto era o de escravos africanos que
aproveitavam seus dons artísticos para ganhar um dinheiro extra
enquanto trabalhavam nas ruas para seus donos. Eles eram artistas,
músicos, escultores.
Os músicos aproveitavam os dias santos para tocar nas procissões,
os artistas pintavam santos e trabalhavam com as artes decorativas, e
muitos deles eram empregados para fazerem impressões e litografias.
Essa profissão peculiar ilustra que os senhores de escravos do Rio utilizavam
seus cativos numa variedade extraordinária de ocupações manuais
especializadas ou não, de diferentes setores da economia. Eles eram
impressores, litógrafos, pintores, escultores, músicos de orquestra,
enfermeiros, parteiras, barbeiros-cirurgiões, costureiras, alfaiates, ourives,
açougueiros, padeiros, marinheiros, pilotos de navio, caixeiros, estivadores,
pescadores, caçadores, naturalistas e hortelões, para nomear apenas algumas
profissões (KARASCH, 2000, p.283).
Diante disso, percebe-se claramente a importância da mão-de-obra
escrava para o funcionamento da cidade do Rio de Janeiro, sendo ela a
mola propulsora do desenvolvimento urbano uma vez que, em todas as
atividades econômicas encontramos a presença do escravo negro.
Da mesma forma que reconhecemos a importância do papel
desempenhado pelos escravos negros de ganho na cidade, ressaltamos a
posição fundamental do escravo rural para o desenvolvimento das
lavouras no Brasil, principalmente nas plantações de café.
Escravo urbano ou rural, os negros cativos eram vistos como
propriedades pelos seus senhores e caso desacatassem uma de suas
ordens eram submetidos a castigos físicos, sendo essa prática uma
realidade cotidiana dentro do sistema escravista.
A legislação brasileira não proibia castigos físicos aos escravos,
apenas proibia os excessos. Entretanto, como os “excessos” não eram
claramente definidos pela lei, ficava à decisão do senhor o limite das
penalidades aplicadas em seus escravos.
Dentre as diferentes modalidades de castigos direcionados aos
escravos como correntes, palmatória, ferro aquecido, onde a violência
física era predominante, existiam os castigos que perpassavam a dor
física e atingiam a moral dos escravos, submetendo-os a situações
humilhantes perante a sociedade.
A esse último exemplo encaixa-se a máscara de flandres, os
colares de ferro destinados aos escravos que já tivessem tentado fugir, e
diversas modalidades que, submetidas aos negros que circulavam pela
cidade colocavam-nos em situação de ridicularização pública.
Outro castigo comum eram os açoites em praças públicas. Com
hora e local marcado para acontecer, para que a população pudesse se
aglomerar e assistir ao castigo, esse tipo de penalidade reunia dor e
humilhação ao escravo condenado. Nas palavras de Debret sobre essa
prática:
Por isso, todos os dias entre nove e dez horas da manhã, pode-se ver sair a
fila de negros a serem punidos; vão eles presos pelo braço, de dois em dois, e
conduzidos sob escolta da polícia até o local designado para o castigo, pois
existem em todas as praças mais freqüentadas da cidade pelourinhos erguidos
com o intuito de exibir os castigados, que são em seguida devolvidos à prisão
(1989, V.II, p. 175).
Os açoites eram aplicados por feitores e pelos senhores de
escravos e dependendo do motivo pelo qual estava sendo castigado a
pena variava de trezentas chibatas até a morte.
Mesmo diante das maiores humilhações muitos negros resistiam
heroicamente a sua condição. Mostrando a força de sua raça, mesmo em
condições de marginalidade, os escravos cultivavam sua cultura dentro
das senzalas e pelas ruas do Rio de Janeiro, contagiando a sociedade
com o batuque de seus tambores e com o gingar dos capoeiras. “A
violência da escravidão não transformava os negros em seres “incapazes
de ação autonômica” nem em passivos receptores de valores senhoriais,
e nem tão pouco em rebeldes valorosos e indomáveis” (CHALHOUB,
1990, p. 42).
4.2 CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Para definir os traços culturais da sociedade brasileira no século
XIX é preciso percebê-la como uma grande mistura que reúne elementos
portugueses, indígenas e africanos, onde os traços desse último grupo
prevalecem com grande força sobre o desenvolvimento cultural do país.
Participando ativamente do dia-a-dia do branco, seja nas áreas
rurais seja nas cidades, percebe-se o quanto da cultura afro foi assimilada
pelos brancos e muito da cultura branca assimilada pelos negros, gerando
uma bela mistura que reúne as tradições africanas e as luso-brasileiras.
Além da mistura cultural, a miscigenação racial foi um fator
importantíssimo para o desenvolvimento de novos grupos sociais dentro
da sociedade do Rio de Janeiro do início do século XIX.
Caminhando pelas ruas exibindo seus corpos e trajes, vendendo
quitutes que só as negras tinham habilidades para fazer, dançando ao
som dos tambores afros e mesmo em meio aos capoeiras, muitos brancos
não resistiram aos encantos da cultura africana.
Um elemento cultural que os negros tentaram preservar, ao menos
entre os seus, foram as línguas africanas.
Mesmo sob a pressão dos senhores que tentaram a todo custo
evitar o uso dessas línguas, utilizando-se por vezes de castigos físicos,
alguns africanos se comunicavam através de seu idioma natal sempre que
podiam.
Alguns negros eram mais passíveis à dominação e facilmente
abandonavam sua língua para falar o português. Muitos deles
interessavam-se pela nova língua por acreditarem que dessa forma
poderiam “[...] facilitar a fuga, enquanto outros talvez esperassem obter
mobilidade ocupacional ou social bem como a alforria” (Karasch, 2000, p.
294).
Além de serem obrigados a aprender o português era também
ensinado aos escravos africanos as novas regras de etiqueta e costumes.
Àqueles que se negassem a seguir o comportamento exigido pelo seu
senhor sofriam punições severas.
Comportamentos que deveriam ser seguidos no dia-a-dia, como se
curvar diante de seu senhor, por vezes eram passados aos escravos
novos por um escravo mais antigo e de confiança do senhor.
Além do cuidado com o comportamento de seus escravos, muitos
senhores tinham também preocupações com a aparência física de seus
cativos, vestindo-os muitas vezes de forma exagerada, usando trajes,
jóias e cabelos ornamentados.
As vestimentas variavam muito entre os cativos, sendo diferenciada
de acordo com a função que o escravo exercesse. Os destinados ao
trabalho pesado usavam tecidos leves e mais simples e não tinham mais
que duas mudas de roupa.
Já os escravos destinados a funções mais próximas de seu senhor,
ou que o acompanhasse em seus passeios pela cidade, tinham trajes
mais elaborados variando de acordo com o poder aquisitivo da família a
qual pertencesse.
Com a chegada da corte ao Brasil o estilo francês passa a
predominar entre os trajes das escravas de famílias mais abastadas,
sempre acompanhado de um turbante ou um penteado
caracteristicamente afro, formando uma grande mistura de culturas.
Algumas negras optavam pelos trajes de estilo africano, com
características singulares. As que tinham filhos pequenos usavam um
tecido na cintura que se estendia até as costas para carregarem a prole.
Crioulas e mulatas se diferenciavam das cativas pelo uso da
mantilha, uma espécie de véu para cobrir a cabeça. “No início do século
XIX, a mantilha combinada com longos cabelos negros era usada pelas
mulheres da elite e suas escravas, mas em 1825, somente crioulas,
mulatas e senhoras idosas brancas ainda usavam a mantilha” (KARASCH,
2000, p. 302).
Quanto ao vestuário masculino não foi dada tanta valorização
quanto ao das escravas. Geralmente, os escravos mais próximos do
senhor usavam colete ou macacão e em alguns casos paletó com
camisas franzidas.
A esse grupo só não era permitido o uso de lenço no pescoço,
acessório usado somente pelos fidalgos, e também lhes eram proibidos o
uso de meias e sapatos.
Sapatos eram símbolos de liberdade entre os negros e entre os
brancos, e sinônimo de status. Era grande a valorização de sapatos entre
a sociedade brasileira, encontrando-se pelas ruas do Rio de Janeiro
diversas sapatarias.
Uma freqüência entre os escravos que trabalhavam pelas ruas do
Rio era o uso de chapéus. Mesmo em péssimas condições de uso, era
comum encontrar pela cidade negros de ganho maltrapilhos usando
chapéu.
Entre os homens o uso de chapéu tinha uma conotação simbólica
importante que o fazia indispensável. “Qualquer que fosse a sua
ocupação, a maioria dos escravos usava algum tipo de chapéu, que era
um dos símbolos mais importantes de status da cidade” (KARASCH,
2000, p. 303).
O uso de adornos na cabeça estava relacionado a uma série de
valores dos escravos africanos. Em muitas das representações de Debret,
os negros que exerciam alguma atividade na rua, sejam barbeiros ou
vendedores, apresentam-se com chapéus ou algum tipo de
ornamentação.
As plumas, turbantes e panos usados pelos negros distinguiam-nos de todos
os outros homens do Rio e, em alguns casos, proclamavam suas filiações
religiosas. Em outros casos, os chapéus indicavam, sem dúvida, soberanos
africanos que continuavam a utilizar o símbolo de status dos sobas de Angola
(KARASCH, 2000, p. 304).
Muitos africanos valorizavam os símbolos de sua etnia, como por
exemplo, a escarnificação. A escarnificação é um processo praticado
ainda hoje por algumas tribos africanas e tem como objetivo marcar a pele
com cicatrizes originadas de cortes diversos que forma grafismos e tramas
que, além de identificar os membros de um determinado grupo, também
servem como representação de força e resistência.
Além da escarnificação o uso de tatuagens, os cortes de cabelos e
penteados de origem africana eram muito valorizados em alguns grupos.
As tatuagens, por exemplo, distinguiam as diferentes nações. Ao falar
sobre essa prática, Debret a relaciona às saudades do negro de sua terra,
a África:
“A tatuagem praticada de diversas maneiras, por incisões de inúmeras formas,
gravuras pontilhadas ou simplesmente linhas coloridas. No Rio de Janeiro é
esta a maneira mais comum e pode ser observada diariamente nas negras, a
isso levadas pela saudade da pátria” (1989, p. 146).
As negras que haviam alcançado a liberdade faziam uso de
brincos, colares, pulseiras e amuletos. Cada amuleto representava uma
conquista alcançada por essas negras livres que, com a imposta tradição
religiosa católica, acrescentavam entre seus amuletos escapulários com
imagens de santos. Para esse grupo, determinados amuletos também
eram representações simbólicas de status social.
Os amuletos e acessórios usados pelas escravas serviam também
para exibir o status social e diferenciá-las entre o nível econômico de seus
senhores e identificá-las como cativas ou libertas.
Outra característica do traje das negras livres, principalmente das
baianas vendedoras de quitutes que circulavam pelas ruas do Rio de
Janeiro era o uso de sapatos e meias que, simbolicamente,
representavam a sua liberdade.
Outra característica marcante entre os negros eram as habilidades
artísticas que iam desde a confecção de pinturas e escultura até a
construção de instrumentos musicais.
Os escravos fabricavam objetos utilitários e de cunho religioso,
usando muitas vezes materiais naturais. Muito do que fabricavam era para
o uso de seus senhores. Os objetos utilitários como esteiras e cesto eram
fabricados com fibras naturais, variando formatos e cores, carregando em
alguns casos traços da cultura árabe.
Quanto a escultura, os negros mostravam muita habilidade para
realizá-las em madeira e, geralmente, se resumiam a confecção de santos
católicos.
Em alguns momentos, entre a confecção de um santo e outro, os
escravos produziam imagens africanas. Quando reprimidos nesse tipo de
criação disfarçavam as imagens em formas de santos.
Alem das habilidades artísticas relacionadas à indumentária, às
imagens religiosas e as artes decorativas, os negros confeccionavam
instrumentos musicais para seus momentos de lazer. Mesmo com a árdua
rotina de trabalho, os escravos encontravam nos domingos e dias santos
momentos para se divertirem ao som das canções africanas.
Outro instrumento comum fabricado pelos escravos era a marimba.
Fabricada com cuias grandes ou cabaças eram freqüentes no século XIX.
Outros instrumentos que utilizavam um arco e uma cuia inspiraram a
criação do berimbau.
Junto com os instrumentos musicais vinham as danças e as
canções. Os negros dançavam unindo batuque, palmas e vozes. As
danças não foram permitidas por muito tempo desagradando a elite e
muitas vezes sendo proibidas pelo governo.
Infelizmente, a tolerância da elite em relação às grandes reuniões de escravos
e danças africanas não durou. O governo acabou proibindo a congregação de
grande número de escravos, porque as autoridades as consideravam
perturbações da ordem pública (KARASCH, 2000, p. 328).
Debret descreve minuciosamente como se davam essas
manifestações musicais africanas nas ruas, qualificando esse tipo de
diversão e mostrando como se desenrolava esse tipo de expressão
cultural.
Quase sempre esse canto que os eletriza se acompanha de uma pantomima
improvisada ou variada sucessivamente pelos espectadores que desejam
figurar no centro do círculo formado em torno do músico. Durante esse drama
muito inteligível, transparece no rosto dos atores o delírio de que estão
possuídos. Os mais indiferentes contentam-se com marcar o compasso por
meio de uma batida de mãos de dois tempos rápidos e um lento. Os
instrumentistas, também improvisados e sempre numerosos, trazem na
verdade unicamente cacos de pratos, pedaços de ferro, conchas ou pedras ou
mesmo latas, pedaços de madeira, etc. Essa bateria é, como o canto, mais
surda do que barulhenta, e se executa em perfeito conjunto. Somente os
estribilhos são mais forçados. Mas, terminada a canção, o encanto
desaparece; cada um se separa friamente, pensando no chicote do senhor e
na necessidade de terminar o trabalho interrompido por esse intermezzo
delicioso (1989, p. 164).
Percebe-se claramente nas palavras de Debret que os africanos no
Brasil exercitam suas representações culturais, não sendo passíveis as
determinações religiosas e significações impostas pelo seu senhor.
Mesmo tentando impedir as manifestações culturais dos negros, a
elite não conseguiu impedir que grande parte dessa cultura fosse
assimilada pela sociedade e fizesse parte da cultura do Rio de Janeiro e
de outras províncias pelo país. Palavras, músicas, ritmos, indumentárias
de origem africana fizeram e ainda fazem parte do cotidiano da sociedade
brasileira.
Quanto trata [Gilberto Freyre] da permanência de termos de origem africana
em nossa língua, tais como batuque, tanga, cachimbo, etc., e o uso
preferencial de “catinga” ao invés de “mau cheiro”, de “muleque” ao invés de
“garoto”, dentre outros usos de termos de origem africana, conclui que estas
“são palavras que correspondem melhor que as portuguesas à nossa
experiência, ao nosso paladar, aos nossos sentidos, às nossas emoções
(SOARES, 2002, p. 224).
Enquanto aos homens cabia a confecção de instrumentos, objetos
artísticos e religiosos, às mulheres africanas cabiam as habilidades
culinárias e a produção de alimentos doces e salgados que, por vezes
ganhavam o gosto dos senhores e senhoras brancas que não se rendiam
às comidas das negras vendidas pelas ruas do Rio de Janeiro.
Muitos pratos feitos pelas escravas africanas no Rio eram idênticos
aos feitos em Angola como o angu, a moqueca, o pirão, todos bem
condimentados com pimenta e azeite de dendê.
Além de agradarem as famílias as quais pertenciam, as negras
cozinheiras também faziam sucesso com a venda de quitutes pelas ruas
do Rio de Janeiro. Muito de seus doces eram comprados pelas senhoras
brancas que apreciavam, invejavam e por vezes copiavam as receitas das
negras.
As senhoras brancas, que quase não se viam pelas ruas,
consumiam por traz de seus muxarabies os angus e doces das negras
libertas. Essas senhoras que raramente saíam de casa, levavam para a
mesa de sua família o fruto da liberdade das negras forras.
Muitos consumiam os doces dessas negras quituteiras que, com
sua habilidade culinária, foram aos poucos adentrando as casas das
senhoras brancas e deixando ali traços da cultura africana. De tão
apreciados que eram, passam a ser copiados e a nunca faltarem nas
mesas da sociedade brasileira.
Mesmo com proibições, imposições religiosas, tolhimento, castigos,
os elementos africanos invadem a casa dos brasileiros e se tornam
indispensáveis para a cultura daquela sociedade, perdurando até os dias
de hoje.
4.3 O NEGRO SOB O OLHAR DE DEBRET
Durante o período em que permaneceu no Brasil, o artista francês
Jean Baptiste Debret dedicou-se não só as representações da corte, mas
também a registrar cenas do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro.
Impressionado com a dinâmica social da cidade em
desenvolvimento que, em poucos anos, teve sua população
exageradamente aumentada e cujos serviços públicos de limpeza e
saneamento não eram eficientes, Debret observou cada detalhe da
sociedade que se desenvolvia na nova nação.
Debret sai às ruas com sua aquarela para registrar o movimento da
cidade do Rio de Janeiro fazendo inúmeros registros que são verdadeiros
documentos sociais.
Em suas aquarelas do cotidiano, reunidas no segundo tomo de seu
Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, Debret apresenta um grande
número de imagens de negros escravos e libertos e suas atividades.
As leituras das imagens do cotidiano serão feitas de forma diferente
das leituras da corte, uma vez que essas imagens afastam-se dos
princípios neoclássicos de pintura e apresentam o traço do artista com
maior liberdade de expressão, configurando-se em obras abertas
facilitando a entrada do leitor na imagem.
Em todas as imagens onde o negro aparece praticando as suas
atividades como barbeiro, calceteiro, vendedor, percebemos a importância
dele como indivíduo ativo e participativo dentro da dinâmica social da
cidade.
Em muitos momentos o artista se surpreende com as atividades
que os afro-brasileiros exerciam. Em muitas delas, como por exemplo, a
execução de serviços públicos, Debret se espantou com a utilização da
mão de obra escrava nesse setor de atividade, afirmando que “São os
negros ainda que se encarregam desses trabalhos, e eles o executam sob
a fiscalização de feitores brancos” (Debret, 1989, V. II, p. 138).
Suas aquarelas do cotidiano são extremamente ricas em detalhes e
trazem em si muitos traços da cultura e da sociedade da época. Distantes
dos princípios neoclássicos de composição, o artista se solta nessas
representações, parecendo-nos bem a vontade na execução dessas
imagens.
Selecionamos algumas dessas representações para, através da
leitura semiótica de imagens, reconhecer e identificar elementos que nos
ajudem a compreender o panorama sócio-cultural que permeou a cidade
do Rio de Janeiro após a transferência da corte portuguesa para o Brasil.
Perceberemos que as composições referentes a cenas do cotidiano
apresentam como característica marcante a presença do enunciador
dentro das cenas, aparentando uma participação ativa nos
acontecimentos retratados.
A seguir, analisaremos algumas gravuras onde o enunciador
apresenta elementos da elite e comerciantes em suas atividades, sempre
que estas representações trouxerem imagens de escravos ou negros
libertos.
Entretanto, é preciso esclarecer que essa etapa do estudo dedicar-
se-á a identificação do negro como indivíduo participativo na sociedade,
valorizando as imagens onde as representações das atividades praticadas
por esse grupos são destaque.
O artista ficou surpreso nos primeiros dias de sua estada por não
encontrar mulheres brancas pelas ruas chegando a pensar que na cidade
do Rio não havia mulheres brancas somente as negras vendedoras.
Em uma comemoração religiosa deparou-se com centenas delas
passeando pelas ruas encaminhando-se às igrejas. As senhoras não
tinham o hábito de sair de caso exceto para ir a missa ou em alguma festa
religiosa, como afirma Luccock:
Raramente se viam fora de casa, salvo a irem para a missa, muito cedo, pelas
quatro da manhã, nos dias santos ou dias de obrigatoriedade devocional; mas,
mesmo então, o vulto todo e mais o rostos iam de tal forma envolvidos em
mantos, ou ocultos detrás das cortinas de uma cadeira que impediam de gozar
do ar fresco, escondendo todas as feições, com única exceção talvez de uns
olhos tagarelados e maus (1975, p. 76).
A primeira vez que as viu, Debret ficou impressionado com a
extravagância de seus trajes, ainda com tecidos ingleses e cortes de estilo
português.
Em uma das representações do cotidiano, o enunciatário apresenta
um funcionário público saindo de cada para um passeio em família.
Figura 16 – Jean Baptiste Debret – um funcionário a passeio com a sua família
De imediato percebemos uma grande diferença entre a composição
dessa imagem e das imagens que trazem representações da corte. A
ausência da perspectiva acentuada e a colocação dos elementos em
primeiro plano dão destaque ao conjunto de pessoas que compõe a
imagem.
A imagem apresenta uma variação cromática grande, destacando
as cores do trajes e do tom de pele com intuito de distinguir as raças na
composição.
Nessa representação o homem, aparentemente um funcionário
público, caracterizado por suas vestes, sai para um passeio com a sua
família que se organiza em uma fila indiana onde atrás do pai, vem suas
filhas em ordem crescente de idade, logo após a mãe e sua crida mais
próxima, identificada assim pelos seus trajes mais luxuosos que o dos
outros escravos que seguem logo atrás dela.
Quando os hábitos franceses passaram a vigorar no Rio, era
comum ver os casais saírem de braços dados e moças de mãos dadas
pelas ruas da cidade, abandonando a configuração de fila.
Funcionário de poder aquisitivo razoável fez questão de vestir seus
escravos e levá-los para a rua como forma a exibir suas condições
financeiras para a sociedade. A senhora aparece bem vestida com um véu
na cabeça usado por muitas senhoras na época.
Como plano de fundo da imagem temos a atmosfera da cidade do
Rio de Janeiro e no canto direito, parte da residência do funcionário
público onde um negro guarda a entrada. Acima da porta aparece escrito
o ano de 1819 (em destaque no círculo), podendo ser uma referência a
ano em que o imóvel foi construído destacando a ascensão financeira
desse funcionário.
O detalhe interessante nessa imagem refere-se a hierarquia
existente entre os próprios escravos bem apresentada pelo enunciador,
onde a negra mais próxima da senhora alcançava um status social maior
que os outros escravos. Na imagem ela é a única escrava representada
com sapatos, qualificando sua posição dentro da família. Muitas vezes
essas escravas, assim como as amas, tinham escravos próprios para
servi-las.
Toda a composição aparenta ter sido construída pelo enunciador
como o intuito de representar a organização social de uma família cujo
senhor era um funcionário público com um bom padrão de vida.
A próxima imagem apresenta uma cena interna, mostrando o
cotidiano das mulheres e seus escravos.
Figura 17 – Jean Baptiste Debret – Uma senhora brasileira em seu lar
A cena mostra o interior de uma casa onde os escravos aparecem
em primeiro plano e a senhora no último. A cena destaca os bebês
brincando no chão e uma negra bordando na sala junto com a senhora e
sua filha, evidenciando a proximidade do negro do convívio familiar do
branco.
O enunciador está dentro da sala inserindo o enunciatário no
contexto apresentado, aproximando-o da realidade.
Sentada em sua marquesa a fazer uma atividade manual a senhora
corta um tecido atenciosamente. Ao seu lado um exemplo de artesanato
feito pelos escravos, o cesto, que guarda um chicote aparente como forma
de reprimir os escravos e o macaco, que também não escapava aos
castigos.
A escrava de quarto da senhora aparece sentada no chão na
esteira, também objeto fabricado artesanalmente pelos negros,
confeccionando aparentemente uma renda. Sua roupa, penteado e
acessório a caracterizam como escrava próxima a senhora, ocupando
melhor posição do que os outros escravos.
A filha da senhora aparece sentada em uma cadeira com o alfabeto
em suas mãos. Com a idade já avançada a menina aprende as primeiras
letras em casa, hábito comum entre os brasileiros já que não era permito
às mulheres freqüentar escolas.
No canto direito da imagem aparece outra escrava que, pela
caracterização de seu cabelo raspado e suas vestes mais simples, ocupa
uma colocação inferior dentro da casa.
Ao lado dela um menino vestido com um simples macacão o que o
identifica como um criado comum acaba de entrar na sala carregando
uma bandeja com água para provavelmente saciar a sede da senhora. De
acordo com a descrição do artista era grande o consumo de água durante
o dia para aliviar o abuso dos temperos e dos doces feitos pelas escravas.
A imagem retrata a organização social dentro dos lares e identifica
características marcantes da sociedade brasileira da época.
A próxima imagem apresenta uma sapataria onde o sapateiro é
auxiliado em suas atividades por três escravos. O enunciador descreve o
quanto se surpreendeu com o número de sapatarias existente na cidade
do Rio de Janeiro.
O europeu que chegasse ao Rio e Janeiro em 1816 mal poderia acreditar,
diante do número considerável de sapatarias, todas cheias de operários, que
esse gênero de indústria se pudesse manter numa cidade em que cinco sextos
da população andam descalços (Debret, 1989, V. II, p. 120).
Sinônimo de status entre os membros da elite era comum ver as
senhoras bem calçadas e suas escravas, quando as acompanhavam
pelas ruas, também com sapatos. Mesmo as pessoas menos abastadas
faziam grande esforço para adquirir um par de sapatos e exibir-se pelas
ruas da cidade
Figura 18 – Jean Baptiste Debret – Sapatarias
A imagem mostra uma sapataria onde se destaca o grande número
de sapatos por todo o interior da composição em perspectiva.
Centralizado na imagem, aparece o dono da sapataria no
momento em que castiga com a palmatória um de seus escravos. O
escravo a ser castigado aparece ajoelhado no chão com a mão esticada
aguardando o momento de ser castigado.
Apresentado pelo enunciador em uma posição de aceitação do
castigo não percebemos qualquer possibilidade de reação à punição.
A esposa do sapateiro amamenta o filho enquanto observa
atenciosamente, com aparente satisfação, o castigo do escravo. Do lado
direito da imagem encontram-se mais dois escravos. Um deles observa o
castigo sem levantar os olhos, provavelmente receoso de sofrer uma
punição.
A mulher do sapateiro definida pelo enunciador como mulata,
aparece vestida com trajes simples e uma espécie de turbante na cabeça.
Essa representação marca a miscigenação racial no Brasil.
A planta que aparece em primeiro plano era usada como cola pelos
sapateiros, chamada por eles de grude de sapateiro.
Nessa imagem podemos compreender a participação do escravo
no comércio e na fabricação de objetos a serem utilizados pela sociedade
carioca, justificando a afirmação de sua importância para a dinâmica da
cidade.
A próxima imagem é a reprodução de uma prancha inteira do
segundo tomo de Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.
A prancha apresenta três cenas distintas: a primeira imagem
apresenta um negociante de tabaco em sua loja, a segunda imagem, na
parte inferior esquerda da prancha traz um negro trovador e a terceira
representação, na parte inferior direita da prancha, uma negra vendedora
de pão-de-ló.
A análise dessa prancha será feita individualmente começando
pela primeira imagem que mostra o momento em que um vendedor de
tabaco negocia com um dos negros apoiado no balcão, que está
acorrentado aos outros escravos por uma corrente presa ao pescoço.
Figura 19 – Jean Baptiste Debret – Negociante de tabaco em sua loja; O negro trovador
e Vendedoras de pão-de-ló
Enquanto um dos negros negocia, o negro localizado logo após é
obrigado a ficar de pé por causa das correntes. Enquanto isso os outros
escravos aguardam a negociação. Ao lado deles encontram-se um
guarda e uma mulher carregando o filho de forma tradicionalmente
africana.
Enquanto eles conversam, os negros acorrentados exibem seus
objetos artesanais na esperança de vender algo e poder comprar um
pouco de tabaco para o uso pessoal.
Mesmo estando acorrentados, sendo possivelmente negros
condenados, o enunciador enfatiza nessa cena a relativa liberdade
desses escravos, que mesmo vigiados por um soldado, que na imagem
distrai-se conversando com uma negra, divertem-se e aproveitam o
momento.
A composição destaca em primeiro plano a rua calçada, uma
mostra do desenvolvimento urbano da cidade. Ao fundo aparece uma
igreja e alguns negros carregadores, provavelmente de água.
O destaque para as correntes no pescoço ressaltam essa
modalidade de castigo aplicada aos negros fugitivos. Os três últimos
negros estão em frente a janela que provavelmente pertence à casa do
comerciante. A formação dessas janelas em treliças era comum no
período para que as mulheres tivessem visibilidade da rua sem serem
vistas.
A imagem na parte inferior esquerda da prancha representa um
negro trovador tocando um berimbau, com idade aparentemente
avançada e de péssima condição financeira, demonstradas pelos seus
trajes rasgados, acompanhando de um menino que carrega um pedaço
de cana de açúcar.
A cultura musical dos africanos encantou muitos estrangeiros que
passaram pelo Brasil e se maravilhavam com as canções cantadas em
praças públicas por grandes grupos de africanos reunidos.
Essa imagem representa elementos da cultura africana e os
instrumentos fabricados por eles. Destaca também a realidade de alguns
negros que por vezes ganhavam a liberdade devido a alguma
enfermidade que possuíam e não tinham como sobreviver apelando
para a mendicância.
A imagem, composta em um plano raso, destaca as três figuras na
composição. Outro detalhe relevante é a utilização do chapéu pelo
menino, hábito comum entre os negros da cidade.
A última imagem representa uma negra vendedora de pão-de-ló,
alimento muito consumido pelos cariocas. Negra de ganho vendia os
pães e parte do lucro era entregue aos seus donos. Bem vestidas com
trajes típicos das negras baianas, provavelmente seria essa sua terra
natal. Com a saia bem rodada e o turbante na cabeça ela apresenta-se
elegantemente com brincos e colares e encanta com seus pães.
A imagem mostra o momento da venda em que a negra é abordada
por dois homens também negros. O escravo posicionado mais a frente
da composição, aparece melhor vestido e usando um chapéu e de pés
descalços.
A próxima imagem traz representações de negras livres vivendo na
cidade.
Figura 20 – Jean Baptiste Debret – Negras livres vivendo de suas atividades
A imagem apresenta cinco pessoas em uma rua do Rio de Janeiro.
Mais uma vez o enunciador destaca o calçamento da rua com pedras
em primeiro plano. Ainda no primeiro plano uma negra bem vestida e
com um penteado discreto oferece algo para as outras negras dentro da
loja.
No segundo plano aparecem duas negras conversando sendo que
uma delas, a que aparece de sapatos, é vendedora das frutas
carregadas pelo negro posicionado logo atrás dela. A outra negra,
provavelmente escrava e próxima a sua senhora, devido a qualidades
de suas vestes.
A mulher negra localizada em primeiro plano também apresenta-se
calçada com meias e sapatos. Nesse período era comum encontrar
negras forras vivendo de suas atividades pela cidade. Muitas delas
conquistaram a alforria por benevolência de seus donos e outra através
da compra de sua liberdade.
O mais interessante é o fato de que as mulheres forras
encontravam mais espaços para praticar atividades nas cidades como
vendedoras de quitutes e frutas, do que os homens. Sempre bem
vestidas, algumas usavam o estilo das negras baianas com saias bem
rodadas e turbantes outras procuravam aprender a costurar para copiar
a moda francesa, estavam sempre calçadas com um belo par de
sapatos com o intuito de ostentar sua condição de liberta.
A próxima imagem retrata uma cena de extrema importância para a
compreensão do mercado de escravos no Rio de Janeiro.
Figura 21 – Jean Baptiste Debret - Mercado na rua do Valongo
A imagem acima mostra o momento em que um vendedor de
escravos, vestido como cigano, negocia a venda de uma criança negra
com um comprador.
A cena retrata um momento de comércio no mercado de escravos
da rua do Valongo, onde os negros trazidos da África eram vendidos
para servir ao trabalho urbano ou rural. Na venda de escravos não se
conservavam as famílias, sendo mães e filhos vendidos separadamente.
O tecido que envolve os africanos não era suficiente para aquecer
em dias frios e servia para os compradores identificarem qual a origem
do negro.
No primeiro plano do lado esquerdo o primeiro negro sentado no
banco parece estar se queixando de alguma dor. Era comum dentro do
mercado os escravos se fingirem de fracos e doente para não serem
vendidos para certos compradores.
As crianças estão separadas dos adultos sentadas no centro do
espaço que serve de exposição da “mercadoria”.
Visivelmente magros e desnutridos, os africanos foram
representados pelo enunciador dentro de uma composição marcada
pela perspectiva acentuada, um diferencial entre as outras
representações dos negros onde as imagens foram construídas dentro
de um plano raso, sem perspectiva marcante.
O enunciador parece estar dentro do ambiente colocando o
enunciatário mais próximo da cena apresentada. O mais interessante é
que mesmo estando dentro da cena o enunciatário é afastado da
composição pela perspectiva que marca o teto da construção.
Talvez esse recurso tenha sido utilizado pelo enunciador para
demonstrar o seu distanciamento daquela realidade.
As próximas imagens apresentam as relações entre o trabalho dos
negros de ganho e a economia da cidade. Nas imagens abaixo a leitura
será realizada de modo coletivo, já que as composições apresentam
detalhes e estratégias de comunicação semelhantes.
Figura 22 – Jean Baptiste Debret – Negros vendedores de aves
Figura 23 – Jean Baptiste Debret – Vendedores de palmito
Figura 24 – Jean Baptiste Debret – Vendedores de capim e de leite
Na construção dessas imagens o enunciador toma o cuidado de
colocar em primeiro plano os negros vendedores, ou negros de ganho, e
aproveita o plano de fundo para trabalhar a atmosfera da cidade.
Essa proposta de construção encaixa-se com a realidade
econômica da cidade. Os negros eram a mola propulsora da economia e
da distribuição de alimentos pelo Rio, e a cidade em segundo plano
apresenta-se como uma coadjuvante da atividade dos negros
vendedores. Muitas vezes desprezados pelos membros da elite eram os
negros os responsáveis pela manutenção da alimentação da cidade.
A importância desses negros para a sobrevivência das pessoas no
Rio de Janeiro era fundamental. Com o aumento do número de
habitantes, aumenta também o número de negros vendedores pelas
ruas. Somente dessa forma era possível suprir as necessidades
alimentícias da cidade.
Quanto aos elementos que se repetem em todas as construções
percebe-se que o enunciador representa os negros vendedores com a
rodilha
8
sobre a cabeça, e com uma espécie de vara de madeira na
mão.
Por vezes essa vara serve de apoio para o produto carregado
sobre a cabeça. Quando não estão utilizando a rodinha os negros
carregam o produto nas mãos ou no ombro, nesse último caso com um
pedaço de madeira servindo como forma de carregar os produtos a
serem vendidos.
Quando não são apresentados com a rodilha sobre a cabeça, o
enunciador representa os negros vendedores com um chapéu, no caso
dos homens e com um turbante no caso das mulheres.
Observado os formantes cromáticos percebe-se a repetição das
cores azul, vermelha, amarela e do branco nas vestimentas dos
vendedores, e muitas vezes são representados com roupas de boa
aparência.
Na figura 23 o enunciador mescla a atividade de um negro de
ganho com a atividade de um negro escravo que vende o fruto de suas
habilidades artesanais. Era comum, aos domingos, encontrar pela
cidade negros vendedores de cestos e trançados, fabricados em seus
momentos de folga.
As próximas imagens apresentam negros em suas atividades,
muitas vezes em horários livres vendendo produtos artesanais ou
quitutes aos quais classe média e elite se rendiam, e, por mais que
8
Pano utilizado na cabeça para o transporte de objetos.
renegassem à cultura africana, tinham em suas casas elementos dela,
possibilitando o processo de miscigenação cultural no Brasil.
Figura 25 – Jean Baptiste Debret – Barbeiros Ambulantes
Na imagem acima o enunciatário apresenta uma cena em que dois
barbeiros dedicam-se a tratar da barba e do cabelo de dois negros. Os
barbeiros ambulantes tinham um papel importante na dinâmica social
das cidades, pois eram responsáveis pelo corte de cabelo dos negros de
ganhos.
Especializados em corte de estilo africano esses barbeiros também
trabalhavam como negros de ganho, provavelmente de uma família de
poder aquisitivo baixo, afirmado na imagem pela condição maltrapilha de
suas vestes.
Mais uma vez o enunciador mantém a tradição das representações
do cotidiano ao colocar em primeiro plano os negros barbeiros e seus
clientes também escravos, como ressalta o artista na prancha que
descreve a obra. No plano de fundo, junto à atmosfera da cidade
carioca, o enunciador destaca outras figuras negras exercendo
atividades.
A composição do plano de fundo pode justificar-se pelos interesses
do enunciador em apresentar o número de negros que exerciam
atividades pela cidade.
Um detalhe destacado pelo enunciador são as vestes dos quatro
negros em primeiro plano. Os barbeiros com trajes aparentemente
velhos são representados de chapéu cujo estilo remete à época da
fundação do império brasileiro. Além da significação relacionada ao
estado social que o chapéu exercia sobre esses negros, o enunciador
afirma sobre o estilo do chapéu
Com efeito, naquele momento de entusiasmo nacional, as freqüentes revistas
e paradas introduziam o gosto pelas coisas militares em todas as classes da
população, e os negros, naturalmente imitadores, transformaram o schako em
um chapéu de palha grotesco, ornado de uma roseta nacional e de dois galões
pintados a óleo; uma pena e pássaro substitui o penacho do uniforme
(DEBRET, 1989, V. II, p. 72).
Outro detalhe bem destacado pelo enunciador é a vestimenta dos
negros que estão sendo barbeados. Bem vestidos eles se caracterizam
como sendo propriedades de uma família de posses ostentando
acessórios de ouro.
A próxima imagem representa negras livres, vendedoras de angu
na região próxima a alfândega. Elas se ocupam da atividade de
cozinheiras que garantem seu sustento e as coloca em posição social
superior a dos negros de ganho.
Figura 26 – Jean Baptiste Debret – Negras cozinheiras, vendedoras de angu
O mais interessante na representação proposta pelo enunciador é
a posição que essas negras ocupam dentro da organização social do
Rio de Janeiro. Essas negras, aproveitando-se da sua condição de
liberta, aproveitam as suas habilidades culinárias para participar
ativamente da dinâmica da economia da cidade.
Tendo como clientela os negros que trabalham na alfândega e os
vendedores da cidade, elas vestem-se com trajes mais luxuosos do que
os trajes dos consumidores de sua mercadoria, ostentando acessórios,
como no caso da negra que mexe o primeiro tacho de angu.
Mesmo com o tecido amarrado em seu rosto para aliviar uma
possível dor de dente ela ostenta a sua condição através da sua roupa e
de seus cordões. Um ponto em comum apresentado pelo enunciador é o
uso do turbante pelas duas negras cozinheiras.
Mais uma vez o enunciador mantém a proposta de composição
utilizado nas demais imagens do cotidiano. Destaca, nos primeiros
planos, os consumidores e as vendedoras de angu e ocupando o plano
de fundo com uma paisagem clara que representa a atmosfera da
cidade.
Nas duas imagens os formantes cromáticos se repetem entre os
tons de azul, amarelo e vermelho. Outra constante é a presença de um
número considerável de negros no plano de fundo da imagem, uma
constante em todas as composições.
Esse recurso pode ter sido utilizado pelo enunciador como forma
de apresentar a grande quantidade de negros que perambulavam pelo
Rio de Janeiro praticando as mais diversas atividades.
Percebe-se diante das leituras de imagens realizadas que, as obras
de Debret configuram-se em verdadeiros documentos de investigação
histórica, trazendo em si elementos que caracterizam a realidade que
apresenta sem o compromisso de retratar a realidade em si.
Compreendemos também a importância da mão de obra escrava
para o desenvolvimento urbanístico e social da cidade. Ainda dentro das
considerações sobre a importância do negro para a sociedade do século
XIX, percebemos também que, a presença desse grupo nas ruas
contribuiu para o processo de miscigenação racial e cultural.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As imagens são objetos de comunicação e significação que
precisam de um estudo aprofundado para que sua compreensão vá
além da apreciação estética.
Fotografias, pinturas, gravuras e esculturas que representam algo
ou alguém são passíveis de interpretação e muitas vezes auxiliam o
pesquisador a encontrar em seus elementos compositivos, traços da
realidade que apresenta.
As obras de Debret encontradas no primeiro e no segundo tomos
de seu “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” é sem dúvida um
documento imagético de grande relevância para a história do Brasil
Imperial representado momentos importantes da Corte e da sociedade
brasileira nas primeiras décadas do século XIX. Período marcado por
grandes transformações políticas e sócio-culturais, devido a
transferência da corte portuguesa para o Brasil, pode ser compreendido
através das leituras dessas produções.
Desde suas representações da Corte e dos símbolos monárquicos
no Brasil até as imagens do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro, onde
o negro aparece quase sempre com destaque, as obras desse artista
podem sim reforçar os questionamentos historiográficos
contemporâneos sobre o período.
Sobre as imagens da Corte esse estudo pôde refletir acerca do
olhar de Debret enquanto narrador dos fatos que envolviam a família
real do Brasil, levantando possíveis questionamentos do artista acerca
do período. Nessas leituras identificaram-se também elementos que
auxiliaram na compreensão da história do Brasil no início do século XIX.
Analisando as articulações do artista nessas produções pudemos
compreender qual a imagem que Debret, como narrador, deixou acerca
das figuras reais de D. João VI e D. Pedro I enquanto rei e imperador do
Brasil, respectivamente.
Responsável pela construção da história visual da monarquia no
Brasil, Debret permite ao leitor, através de articulações compositivas,
compor um imaginário acerca daquele período.
Nas gravuras que apresentam o negro no cotidiano na cidade do
Rio de Janeiro pudemos perceber através das leituras de imagens como
o artista representa esse grupo inserido na dinâmica social da capital
carioca.
Muito além da visão de submissão, reconhecemos nas
representações de Debret a imagem do negro, escravo ou liberto, como
um indivíduo ativo na dinâmica social da cidade carioca. Fica evidente
que, mesmo submetidos ao sistema escravista, muitos negros
mantinham parte de suas tradições, questionando aí a idéia de
“coisificação” que, durante anos, classificou o negro como um ser sem
identidade e sujeito as significações impostas pelos seus senhores.
Percebe-se também a importância da mão-de-obra negra para o
desenvolvimento das atividades comerciais e públicas da cidade, sendo
o escravo, na maioria das vezes, responsável pela execução das
principais atividades básicas dentro da dinâmica da cidade.
Assim como os documentos escritos, as imagens devem ser
tratadas como verdadeiras fontes de pesquisa possibilitando a
historiadores novas formas de investigar e questionar as histórias dos
períodos por elas apresentados.
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