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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Simone Mendes da Silva
ESPAÇOS PARA COMBATER A POBREZA
A PARTIR DAS PRÁTICAS DE SAÚDE NO SUS
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
São Paulo
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Simone Mendes da Silva
ESPAÇOS PARA COMBATER A POBREZA
A PARTIR DAS PRÁTICAS DE SAÚDE NO SUS
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Psicologia Social, sob orientação do Professor Doutor
Odair Furtado.
São Paulo
2007
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BANCA EXAMINADORA
___________________________________
___________________________________
___________________________________
Dedico este trabalho a Peter K. Spink.
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente a Odair Furtado e Peter K. Spink.
À professora Maria Cristina G. Vicentin pela grande colaboração.
Aos professores e professoras do Programa de Psicologia Social da PUC-SP.
Ao CAPES e CNPq.
Às colegas Carla, Alejandra, Neiza, Juliana, Adriana, Ana Flávia e Karen, todas do Núcleo
Organização e Ação Social (NOAS) do Programa de Psicologia Social da PUC-SP que funcionou
sob orientação do Professor Doutor Peter K. Spink até dezembro de 2006.
Às muitas pessoas que conversaram comigo nos bairros atendidos pelo Programa Saúde da Família,
na Unidade Básica de Saúde, na Santa Casa e no Hospital Regional do Vale do Ribeira.
Aos participantes das entrevistas e grupo focal.
Aos chefes de trabalho da Santa Casa e da Prefeitura Municipal pela compreensão.
À Marlene, da secretaria do Programa de Psicologia Social da PUC-SP.
À tia Maria Helena pela revisão do texto.
À prima Flávia pela tradução.
SILVA, Simone Mendes da. Espaços para combater a pobreza a partir das práticas de saúde
no SUS. 2007. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo.
RESUMO
O presente estudo teve o objetivo de contribuir para a retomada mais ativa de interesse e
preocupação com a pobreza nas práticas de saúde. Tivemos também o objetivo de contribuir para a
articulação de melhores respostas aos problemas das pessoas atendidas nos serviços de saúde,
principalmente em municípios como Eldorado e região do Vale do Ribeira.
A pobreza, queira-se ou não, é parte intrínseca da contemporaneidade brasileira, e a sua
redução exigirá não somente políticas econômicas e sociais de âmbito nacional, mas também ações
específicas nos espaços locais e no terreno da convivência diária. O exercício efetivo da cidadania
passa, entre outras questões, pelo adequado acesso aos serviços públicos. A falta de capacidade
profissional em ajustar o serviço à situação, buscando repensar teoria e prática para construir outras
saídas, é muito mais do que uma falta de capacidade. Trata-se de uma contribuição à reprodução das
condições de desigualdade, da pobreza e, em última análise, da exclusão social.
Utilizamos o método do campo-tema para realização da pesquisa, elaborado por Peter Spink
a partir da perspectiva pós-construcionista em Psicologia Social; o campo-tema é resultado de uma
ampla revisão de “campo” e “pesquisa de campo”. Para análise, dialogamos com os referenciais
teóricos da área da Psicologia Social, Saúde Pública e Saúde Coletiva, assim como referenciais
sobre pobreza, exclusão social e formas de enfrentar a pobreza.
A pesquisa nos mostrou que muitas práticas de saúde desconectam da ajuda necessária às
pessoas que procuram os serviços, uma vez que a condição de pobreza em que vivem essas pessoas
impõe uma série de revisões quando se fala em Saúde, ou seja, nas próprias práticas de saúde, na
formação profissional, na organização dos serviços, na política de saúde e na gestão da saúde no
município. As conversas sobre a pobreza nos levaram a compreensão em relação às condições e
situações de saúde com as quais os profissionais se deparam no dia-a-dia. Quanto a lidar ou
combater a pobreza tivemos respostas tradicionais ou que dependem de características pessoais e de
vida do profissional – posicionamento que não nos parece justo para os profissionais da saúde,
tampouco suficiente para a situação vivida em Eldorado.
Sugerimos que a temática da pobreza precisa de maior reconhecimento enquanto questão
que envolve saúde, principalmente no que se refere às práticas diárias.
Palavras-chave: saúde, SUS, pobreza, práticas de saúde, Psicologia Social
SILVA, Simone Mendes da. Espaços para combater a pobreza a partir das práticas de saúde
no SUS. 2007. Dissertation (Master in Social Psychology) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo.
ABSTRACT
The present study has as an objective to contribute for increasing the active interest and
concern regarding poverty in the practice of Health Care. Also to contribute for articulating better
answers to the problems involving the people assisted by Health services, mainly in Eldorado and
other cities in Vale do Ribeira.
Poverty, one can’t ignore, is an intrinsic part of contemporary Brazil, and its reduction will
not only demand economic and social policies nationwide, but also specific actions in the local
spaces and in the area of daily cohabitation. The effective exercise of citizenship involves, among
others things, providing adequate access to public services. The lack of professional capacity to
adjust the services to the situation, which should rethink theory and practice in order to look into
other alternatives, is much more than a lack of professional capacity. In fact, it contributes to
reproduce the conditions of inequality, poverty, and, ultimately, social exclusion.
We use the method of theme-field for the research, elaborated by Peter Spink, based on a
post-constructionist perspective in Social Psychology; the theme-field results from a large revision
of “field” and “field research”. For the analysis, we dialogue with theoretical references in the areas
of Social Psychology, Public Health Care and Collective Health Care, as well as references on
poverty, social exclusion and ways of approaching poverty.
The research showed us that many practices of Health Care are detached from the necessary
aid to the people who use the services, since the poverty condition in which these people live
demands a series of revisions regarding Health Care, that is, in the practices themselves, in
professional education, in the organization of services, in the politics of Health Care and in the
management of Health Care in the cities. These conversations on poverty led to an understanding of
the health conditions and situations the professionals face everyday. As far as dealing with or
fighting poverty, besides the traditional ones, the answers had to do with the professionals’ personal
profile and life style – a position that doesn’t seem fair for all Health Care professionals, neither for
the situation experienced in Eldorado.
We suggest that the theme of poverty deserves to be more recognized as a Health Care issue,
especially the matters concerning the daily practices.
Keywords: Health, SUS, poverty, practice of Health Care, Social Psychology.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................................ 1
1. MÉTODO .......................................................................................................................... 8
2. O LUGAR DE ESTUDO .................................................................................................. 17
3. A PREOCUPAÇÃO COM A POBREZA NA SAÚDE.................................................. 28
4. ZOOM DE MÉDIO ALCANCE SOBRE DESCONEXÕES NAS PRÁTICAS DE
SAÚDE COM A POPULAÇÃO QUE VIVE EM CONDIÇÃO DE POBREZA............. 38
5. CONVERSAS SOBRE A POBREZA E COMO COMBATÊ-LA A PARTIR
DAS PRÁTICAS DE SAÚDE............................................................................................... 63
6. REFLEXÕES FINAIS ...................................................................................................... 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 86
ANEXOS................................................................................................................................. 90
Anexo 1 – bastidores e mapa a da entrevista médica pediatra UBS
Anexo 2 – bastidores e mapa entrevista médico plantonista Santa Casa
Anexo 3 – bastidores e mapa entrevista usuária dos serviços de saúde
Anexo 4 – bastidores e mapa grupo focal
Anexo 5 – termo de consentimento
APRESENTAÇÃO
O presente estudo de Psicologia Social é sobre os profissionais da saúde que trabalham
com a população que vive em condição de pobreza - e também sobre as pessoas que são
atendidas por estes profissionais. O interesse pela temática originou-se na minha prática
profissional como psicóloga no serviço público de saúde no muncípio de Eldorado.
Iniciei meu trabalho no final de 2005, vinculado a Santa Casa e a Unidade Básica de
Saúde. Eldorado é um município do Vale do Ribeira, considerada a região mais pobre
do Estado de São Paulo.
Devo mencionar que fui praticamente a primeira psicóloga a trabalhar no serviço
público de saúde do município. Antes de mim havia uma psicóloga, de outra cidade da
região, mas que atendia somente uma a duas vezes na semana. Logo que cheguei para
trabalhar me deram uma sala própria, as pessoas (pacientes) começaram a aparecer e
solicitar atendimento. Geralmente elas traziam algum encaminhamento do médico da
UBS, da escola, do conselho tutelar ou do ambulatório de saúde mental (em Registro,
município próximo). A situação foi um “prato cheio” (como se diz) para que eu
desenvolvesse um modelo de atendimento clínico, tipo de consultório particular.
Nos primeiros meses de trabalho fui percebendo que os problemas em relação à pobreza
e condições precárias de vida “saltavam aos olhos” no contexto do atendimento,
contribuindo para o aparecimento e/ou agravamento de praticamente qualquer
“problema psicológico”. Mesmo os chamados Transtornos Mentais e de
Comportamento também podem e devem ser vistos sob esta ótica de acordo com a
OMS no “Informe sobre la salud en el mundo 2001 - Salud mental: nuevos
conocimentos, nuevas esperanzas”. Quando conversei com outros profissionais da saúde
em Eldorado, estes também identificaram piora nas condições de saúde em decorrência
da pobreza em que vive a população atendida.
Dessa forma, as diversas pesquisas sobre as desigualdades nas condições de saúde,
como as pesquisas epidemiológicas, parecem adquirir certo grau de obviedade no
cotidiano de trabalho no SUS em Eldorado. Por exemplo, Sarah Escorel ao comentar a
publicação Social determinants of health: the solid facts, de Wilkinson & Marmot
1
(2000) da Oficina Regional para a Europa da OMS, destaca aspectos de “evidências
sólidas da determinação social do processo saúde/doença” (ESCOREL, 2001, p.13)
tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, dentre eles:
- o stress produz danos à saúde – o stress pode ser oriundo de
circunstâncias psicológicas e/ou sociais. Ansiedade contínua,
insegurança, baixa auto-estima, isolamento social e falta de controle
sobre o trabalho e a vida familiar têm efeitos poderosos sobre a saúde;
- a segurança (estabilidade) no trabalho promove a saúde, o bem-estar
e a satisfação laboral – desempregados e suas famílias sofrem um
risco substancialmente maior de morte prematura. Os efeitos sobre a
saúde do desempregado estão relacionados tanto com suas
conseqüências psicológicas quanto com problemas financeiros,
especialmente dívidas;
- as pessoas buscam o álcool, drogas e cigarros e sofrem por seu
consumo, mas o seu uso é influenciado por um conjunto mais amplo
de fatores sociais. A dependência de álcool, o consumo de drogas e o
tabagismo estão associados com marcadores de desvantagem social e
econômica e estão associados à mortes violentas e à mobilidade social
descendente;
- Alimentação saudável é um assunto político – uma boa dieta e
suprimento alimentar adequado são centrais na promoção da saúde e
do bem estar. As condições sociais e econômicas resultam em um
gradiente social na qualidade da dieta que contribui para as
iniqüidades em saúde. A principal diferença dietética entre as classes
sociais é a fonte dos nutrientes. Pessoas com baixos rendimentos,
como famílias jovens, idosos e desempregados, tem menos capacidade
de comer bem. (
ESCOREL, 2001, p. 14).
Pensar as desigualdades nas condições de saúde como citamos, evidencia a
incorporação de indicadores baseados na idéia de heterogeneidade e complexidade da
pobreza, como de Amartya Sen (MAGALHÃES, 2006). A citação anterior figura o
debate atual sobre equidade no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva no que se
refere às desigualdades nas condições de vida e saúde da população, “(...) o conceito de
equidade sugere que pessoas diferentes deveriam ter acesso a recursos de saúde
suficientes para suas necessidades de saúde e que o nível de saúde observado entre
pessoas diferentes não deve ser influenciado por fatores além do seu controle”
(LUCCHESE, 2003, p 440). De acordo com a autora, outros aspectos das desigualdades
em saúde refere-se: “à distribuição espacial da oferta de recursos humanos e de
capacidade instalada”; “ao acesso e utilização de serviços (públicos e privados)” e “à
qualidade da atenção recebida” (LUCCHESE, 2003, p 443).
Para o economista e Prêmio Nobel AMARTYA SEN (1992; 2000) renda é crucial para
evitar a pobreza, mas é importante pensar pobreza não em nível de renda, e sim, na
2
adequação individual para uma vida digna, onde as pessoas podem ser bem nutridas, ter
roupas, abrigo adequado, evitar doenças que podem ser prevenidas e assumir um papel
na comunidade de cabeça erguida.
Para localizar o ponto de interesse da nossa pesquisa é necessário retomar as
observações sobre o trabalho como psicóloga na saúde em Eldorado. Logo nos
primeiros meses, tive a impressão que os aportes da Psicologia não pareciam contribuir
significativamente para ajudar grande parte das pessoas que procuravam atendimento.
Os problemas “psicológicos” apresentados pelas pessoas apresentavam outras
dimensões, não exclusivamente "psicológica", individual e/ou familiar. Por exemplo,
havia diferença entre atender um paciente com diagnóstico de depressão quando certas
condições mínimas de vida estavam asseguradas, e em atender um caso de depressão
quando falta alimento em casa, a energia elétrica está cortada e todos estão
desempregados em casa.
Um “zum zum zum” no cotidiano da saúde reforçou a idéia de que situações
semelhantes ocorriam com outros profissionais, eram algumas implicações das práticas
de saúde sem aportes suficientes para um lugar como Eldorado, com uma população tão
pobre. Chamamos de um processo de desconexão nas práticas de saúde, que gerava uma
série de dificuldades tanto para os profissionais quanto para as pessoas atendidas,
resultando em cenas bastante ilustrativas. No primeiro exemplo, temos o caso de
pacientes que passam em consulta médica na UBS com uma queixa específica. Observo
que uma coisa é o médico diagnosticar adequadamente, saber do melhor tratamento e
medicação para a enfermidade de determinado paciente, e estar certo de que aquele
paciente terá condições de seguir a prescrição da profissional. A desconexão está no fato
do médico saber de tudo isso, e esbarrar no problema de que o paciente não poderá fazer
o tratamento indicado, porque não pode comprar os remédios e a UBS não dispõe deles
para fornecer gratuitamente.
No caso da nutricionista, uma coisa é a profissional fazer a avaliação do paciente,
elaborar um regime adequado para as condições de saúde da pessoa, e fazer o
acompanhamento e ver que a pessoa está melhorando por estar seguindo as orientações.
Há uma desconexão ao perceber que pela condição de pobreza a pessoa não poderá
3
fazer o regime, pois tem que comer o que tem disponível em casa, quando tem algum
alimento. No caso da enfermagem pode-se encontrar situação semelhante. Uma coisa é
explicar todos os cuidados e procedimentos ao paciente que está num processo de
recuperação de enfermidade, e saber que este paciente tem todas as condições de segui-
los em casa. A desconexão está quando o paciente retorna para atendimento, e o
profissional descobre que pela condição de vida difícil, o paciente não pôde cuidar-se
adequadamente.
Como psicóloga, relembrei as aulas da faculdade sobre as abordagens da psicologia
para, por exemplo, atendimento a determinados transtornos psiquiátricos. Mas não
consegui relembrar qualquer discussão mais aprofundada sobre a pobreza e muito
menos a sua heterogeneidade. Não relembrei porque não havia o que relembrar. Durante
a graduação esquecemos que vivemos num país como o Brasil, com pobreza e tantas
desigualdades. Nunca se discutiu – a não ser de maneira informal e nas rodas de
conversa – os dados do país e suas implicações para a prática da psicologia.
Logicamente houve momentos em que a pobreza teve uma posição mais central no
trabalho do psicólogos na saúde. SPINK (2003) lembra as produções sobre a atuação do
psicólogo nas comunidades aqui no Brasil (psicologia comunitária), assim como a
influência desta perspectiva entre os psicólogos que trabalham na atenção primária à
saúde. Mas parece que a ressonância destas idéias na formação e atuação profissional
estendeu-se por pouco tempo. Por exemplo, minha formação em Psicologia no ano de
2002 contemplou o mínimo de discussão sobre a temática da pobreza, e menos ainda a
discussão sobre Psicologia e Saúde, Psicologia e Saúde Pública e a atuação do
psicólogo no SUS. Felizmente, desde 2005 acompanhamos toda a movimentação do
conselho federal de Psicologia e conselhos regionais para a discussão da Psicologia e
Saúde Pública, incluindo a revisão das diretrizes curriculares dos cursos de graduação.
Quando nos voltamos para o campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva, encontramos,
por exemplo, em PAIM e ALMEIDA FILHO (1998) uma grande reconstrução dos
“movimentos no campo social da saúde” (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998), que
também possibilita identificar a ocorrência de uma posição mais central da pobreza nas
práticas de saúde. E muito mais que isso, mostra toda a articulação da saúde junto ao
4
Estado e a sociedade para a formulação de respostas as necessidades e problemas de
saúde.
O estudo teve como objetivo contribuir para a retomada mais ativa de interesse e
preocupação com a pobreza nas práticas de saúde, partindo-se de uma análise do
cotidiano dos profissionais que compõem atualmente o atendimento a saúde na
interseção com os macro processos sociais, políticos e econômicos. Tivemos também, o
objetivo de contribuir para a articulação de melhores respostas aos problemas das
pessoas atendidas nos serviços de saúde, principalmente em municípios como Eldorado
e outros da região do Vale do Ribeira.
Justificativa
A pobreza, queira ou não, é parte intrínseca da contemporaneidade brasileira e a sua
redução exigirá não somente políticas econômicas e sociais de âmbito nacional, mas
também ações específicas nos espaços locais e no terreno da convivência diária. A
pobreza e sua heterogeneidade são também produtos de processos históricos que se
formaram e se concretizam em práticas diárias que naturalizam a desigualdade,
produzindo e reproduzindo noções de inevitabilidade, de carência e, para usar a
expressão de BUARQUE (1999), apartheid social. Se pelo menos quarenta porcento da
população brasileira está de alguma maneira ou outra em situação de pobreza e se o
exercício efetivo da cidadania passa, entre outros, pelo adequado acesso aos serviços
públicos, a falta de capacidade profissional de ajustar o serviço à situação, buscando
repensar teoria e prática para construir outras saídas, é muito mais de uma falta de
capacidade. Ao contrário se trata de uma contribuição à reprodução das condições de
desigualdade, da pobreza e, em última análise, a exclusão social.
Há, sem dúvida, muitas explicações possíveis para a ausência de um maior foco nas
condições de pobreza quando analisamos as diversas profissões da saúde atualmente.
No que se refere à formação, temos, em grande parte, um currículo herdado a partir dos
países centrais do hemisfério norte. Na Europa, a implantação do Estado de Bem Estar
Social elevou bastante os indicadores sociais, tornando a pobreza em si menos presente
do que outros aspectos de desigualdade social. Outro olhar remete, por exemplo, a
presença de um modelo de formação norte-americano do início do século XX, que
5
“reforça a separação entre individual e coletivo, privado e público, biológico e social,
curativo e preventivo” (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998). Seguiu este modelo a Johns
Hopkins University, influente no ensino da medicina em muitos países, inclusive no
Brasil. Para conferir, basta olhar para as diversas especialidades médicas - logicamente
com os devidos méritos - mas que contribuíram para a fragmentação dos cuidados à
saúde das pessoas; assim como o surgimento de profissões tão especializadas como
fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.
Na psicologia especificamente, a preocupação com a pobreza no sentido mais ativo é
recente. Os poucos trabalhos anteriores na década de 1950 e 1960 tendiam a
psicologizar a situação de pobreza tendo como resultado sua “patologização” (CARR e
SLOAN, 2003). A reação se inicia na década de 1980 chegando na década seguinte a
enfatizar as possíveis contribuições nas áreas de saúde e bem estar, mudança social e
organizacional e educação e desenvolvimento com importantes contribuições de autores
em diferentes partes do mundo (CARR e SLOAN, 2003). No Brasil, o impacto das
reformas neo-liberais e as modificações estruturais no mercado de trabalho como
também as falhas assustadoras de sucessivos governos federais de agir efetivamente na
área social, estão trazendo para a psicologia o desafio da busca de novas formas mais
socialmente responsáveis de atuação, evidenciadas pelos trabalhos apresentados no
Congresso Psicologia Ciência e Profissão em 2002. Também através da 1ª mostra de
práticas em Psicologia e Compromisso Social promovido pelo sistema Conselhos de
Psicologia, que ocorreu em São Paulo no ano 2000.
Não podemos esquecer as condições que extrapolam a academia e os currículos, e são
responsáveis por um modelo de formação social dos profissionais da saúde; o que ajuda
a pensar o foco que será dado à pobreza no caminho dos médicos, dos enfermeiros, dos
psicólogos, etc. Há poucas décadas os estudantes universitários – inclusive dos cursos
de saúde - pertenciam exclusivamente às classes mais ricas. O serviço público de saúde
no Brasil até 1988 (ano da criação do SUS) não era de acesso universal, apenas os
trabalhadores com carteira de trabalho regular tinham acesso através INAMPS (Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Somando-se ao trabalho no
setor privado de saúde, podemos considerar que os profissionais atendiam uma clientela
em condições sociais não tão discrepantes quanto à deles próprios. Lembramos que no
6
atendimento aos pobres e desempregados, as Santas Casas tiveram um importante papel.
Na Psicologia convém observar as estatísticas sobre o trabalho do psicólogo, que
também refletem um modelo social de formação. Em 2004 o IBOPE (Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) realizou uma pesquisa traçando o perfil do
psicólogo brasileiro, no item sobre a principal área de atuação na psicologia, os dados
mostraram que 55% realizam atendimento clínico individual ou em grupo, 17% estão na
área organizacional/institucional, 11% na área de políticas públicas de saúde, segurança
e educação, 5% na área de docência e pesquisa em psicologia, 1% na psicologia jurídica
e 1% em outras áreas. No item sobre o local de exercício da atividade principal como
psicólogo, os resultados mostraram que 41% estavam no consultório particular, 12%
clínicas, 11% empresa, 10% escolas, 4% hospitais, 3% postos de saúde, 1%
penitenciárias, 1% varas judiciais, 16% outros locais e 1% não opinaram.
Outro ponto importante é observar a divisão de trabalho profissional entre as chamadas
profissões de ajuda, em que fica para a área de serviço social a questão do bem estar de
populações desprotegidas. Assim como a presença no imaginário social, de uma noção
forte de “desenvolvimento” que leva à crença de que problemas como da pobreza são
passageiras e que rapidamente irão embora.
São elementos que ajudam a pensar o papel secundário das discussões sobre a pobreza
quando olhamos para a área da saúde, principalmente enquanto campo de práticas.
7
1. MÉTODO
Utilizamos o método do campo-tema para a realização da pesquisa. Elaborado por Peter
Spink a partir da perspectiva pós-construcionista em Psicologia Social, o campo-tema é
resultado de uma ampla revisão de “campo” e “pesquisa de campo”. A perspectiva pós-
construcionista em Psicologia Social refere-se às atuais aberturas teóricas ao
Construcionismo.
O movimento denominado Construcionismo perpassou diversas disciplinas das ciências
sociais e humanas a partir dos anos de 1980 - inclusive na Psicologia Social, com
Kenneth Gergen e Thomas Ibáñez – como uma epistemologia que desconstruiu as bases
do que chamamos Ciência Moderna: “el mito del conocimiento válido como
representación correcta y fiable de la realidad, el mito del objeto como elemento
constitutivo del mundo, el mito de la realidad como entidad independiente de nosotros y
el mito de la verdad como critério decisório” (IBAÑEZ, 2001, p. 250). No cenário pós-
construcionista, IÑIGUEZ-RUEDA (2005) aponta as influências da sociologia do
conhecimento científico, a Teoria ator-rede, a epistemologia feminista e a noção de
performatividade de Judith Butler.
Peter Spink Aponta importantes contribuições dessa perspectiva para a posição do
pesquisador frente à ciência e o conhecimento.
Talvez una de las contribuciones más importante de la perspectiva
pós-construcionista es la que argumenta, que la ciencia es solamente
una actividad entre muchas otras donde se negocia y se construyen
socialmente los sentidos. Así, es solamente uno de los muchos
ejemplos diarios de la competencia social colectiva de las
comunidades y pueblos de producir conocimientos y construir saberes.
(...) La proximidad con otras disciplinas, con los cocineros, los
fontaneros y las activistas comunitarias, posiciona nuestro tirano
metodológico y buscador de la verdad redentora em uma situación
difícil. El conocimiento de ¿quién es bueno? ¿o útil? ¿o correcto? (P.
SPINK, 2005, p. 26).
Os principais trabalhos de Peter Spink sobre campo-tema são “Pesquisa de campo em
psicologia social: uma perspectiva pós-construcionista” de 2003 e “Replanteando la
investigación de campo: relatos y lugares” de 2005. Nos trabalhos observamos que o
8
autor relaciona o campo-tema com a Teoria ator-rede
1
, a noção de matriz de Ian
Hacking e os trabalhos de Kurt Lewin intitulados “Teoria de campo nas ciências
sociais” e “Psychological Ecology”. Palavras do autor quando define campo-tema:
Se voltarmos agora àquele campo objetivo, distinto e empírico,
herdado da antropologia e tornado local pela Sociologia da Escola de
Chicago, percebemos a importância da mudança introduzida por
Lewin. O campo é o método e não o lugar; o foco está na
compreensão da construção de sentidos no espaço de vida do
indivíduo, grupo, instituição ou comunidade. Percebemos também
com mais clareza a importância do movimento introduzido por
Hacking ao desfocar o indivíduo, grupo, instituição ou comunidade e
focar o tema. Campo é o campo do tema, o campo-tema; não é o lugar
onde o tema pode ser visto - como se fosse um animal no zoológico -
mas são as redes de causalidade intersubjetiva que se interconectam
em vozes, lugares e momentos diferentes, que não são
necessariamente conhecidos uns dos outros. Não se trata de uma arena
gentil onde cada um fala por vez; ao contrário, é um tumulto
conflituoso de argumentos parciais, de artefatos e materialidades. (P.
SPINK, 2003).
Ao trabalharmos com o método do campo-tema deslocamos a idéia de “campo” como
um lugar para “campo” como um tema ou argumento. Significa que, para investigar o
campo-tema dos profissionais da saúde que trabalham com a população que vive em
condição de pobreza, tivemos que estar atentos às várias possibilidades da presença
desse tema (ou “conversas sobre o tema) em lugares, espaços e tempos diferentes,
atentos também às “conversas” mediadas sobre nosso campo-tema (revistas, jornais,
TV). Trabalhar no campo-tema pode parecer uma triangulação de metodológica, mas
não é o caso, trata-se de usar múltiplos métodos devido a complexidade da questão
pesquisada, para isso ver o autor Uwe Flick ao discutir a pesquisa qualitativa.
Para organizar a diversidade de materiais, o método do campo-tema exigiu a confecção
de um “diário de trabalho”, diferentemente do diário de campo da etnografia - com
anotações mais sistematizadas. O “diário de trabalho” pareceu mais compatível com o
método do campo-tema. Houve a necessidade de um instrumento que comportasse as
várias possibilidades que se abrem ao pesquisador dentro do campo-tema. A figura
abaixo poderia ilustrar nosso campo-tema.
1
O autor indica como referência sobre Teoria ator-rede: Latour, B. Ciência em ação. 1987. Law, J. e
Moll, A. Notes on materiality. The sociological. Review 43(2). 1995. Law, J. e Hassard, J. Actor Network
Theory and After. 1999.
9
Reunião Conselho
Municipal de
Saúde
Pessoas: segmentos
diversos
Lugar: Eldorado
Entrevistas
individuais
Pessoas: médico da
Santa Casa, médica
pediatra da UBS e
usuária do SUS
Lu
g
ar: Eldorado
Revistas
científicas de
Saúde Pública
Pessoas e lugares:
mediados
Grupo focal
Pessoas: médicos
UBS e PSF,
fisioterapeuta da
Santa Casa e
enfermeiro UBS
Lugar: Eldorado
Encontros dos
psicólogos
Pessoas: psicólogos
(as) do serviço
público de saúde
Lugar: Pariquera
-
a
ç
u
Reunião de saúde
da mulher
Pessoas:
profissionais da
saúde diversos
Lugar: Registro
Visitas com as
equipes de PSF
Pessoas: Pessoas:
p
rofissionais e
usuários da saúde
Lugar: Eldorado –
zona rural
Microeventos
Pessoas:
p
rofissionais e
usuários da saúde
Lugar: Eldorado
Campo-tema:
Pobreza e
práticas de
saúde e
Coleta e análise dos materiais
Lembramos que o campo-tema não foi previamente determinado, mas construído no
decorrer da pesquisa, “É esta potencialidade de movimento do pesquisador ou
pesquisadora, ou de qualquer outra pessoa como parte do campo, que mostra não
10
somente as possibilidades, mas também as restrições de acesso aos espaços chaves de
argumentação e debate” (P. SPINK, 2003).
No primeiro momento foi como se estivéssemos “flutuando” com os eventos ou com os
microeventos do cotidiano, usamos este termo para designar breves e inesperados
encontros com profissionais e usuários do SUS em Eldorado, que resultaram em
narrativas curtas. Os microeventos ocorreram no dia-a-dia de trabalho normal para mim
como psicóloga, pois durante a maior parte do tempo da pesquisa fui funcionária da
saúde em Eldorado. Além de profissional da saúde crítica e incomodada no campo-
tema, durante os microeventos emergiu a pesquisadora, que buscava estender a conversa
e perguntar se eu poderia utilizar na pesquisa do mestrado. Posteriormente,
determinados eventos, pessoas e lugares mostraram-se pertinentes para a composição do
campo-tema. Conhecer as equipes e o trabalho do PSF tornou-se relevante justamente
por tratar-se de um programa que visa, entre outros, atacar os problemas relacionados a
falta de acesso aos serviços de saúde pelas populações mais isoladas e pobres. Participar
de uma reunião sobre Saúde da Mulher com o tema planejamento familiar, promovida
pelo Departamento Regional de Saúde, permitiu um contato com os profissionais da
saúde de vários municípios da região e foi um lugar fértil para conhecer e discutir a
situação de outros municípios. Participar dos Encontros de Psicólogos da Saúde no Vale
do Ribeira também se mostrou importante, foi a oportunidade de conversar com outros
profissionais psicólogos da saúde no serviço público. Participar de uma reunião do
Conselho Municipal de Saúde mostrou-se relevante pelo papel na definição de ações e
políticas de saúde do município, assim como verificar interesses de diferentes pessoas.
Mais uma vez, além da profissional da saúde no campo-tema, emergiu a pesquisadora,
que buscava utilizar essas participações na pesquisa do mestrado. Um exemplo de
anotação de microevento:
Data: 13/01/2006. No pátio da Santa Casa conversando com uma senhora com seus
setenta anos, do Quilombo São Pedro, sobre o ano novo e passagem de ano. Relatou o
problema do transporte nessa época do ano, ou seja, janeiro, época de férias
escolares. Para sair da comunidade São Pedro é necessário pegar o ônibus escolar até
a balsa – para daí atravessar e pegar o ônibus de linha normal de R$3,00, ida e volta
até Eldorado, R$6,00 por pessoa - ou andar a pé 7 km até a balsa; “pra gente fica
caro”. Durante o
p
eríodo de aulas é
p
ossível utilizar o ônibus escolar, al
g
uns
11
motoristas permitem que além dos alunos, outras pessoas peguem ônibus. Em tempo de
férias somente a pé para chegar até a cidade. Geralmente eles saem de casa quando
ainda está escuro e retornam duas horas da tarde. Muitas vezes pensamos que essas
pessoas, até mesmo as crianças que estudam e tem que acordar tão cedo, se
acostumam com esse tipo de situação. Com essa senhora pude perceber que não é bem
assim, pelo tom da conversa ela jamais se acostumará com isso.
Não houve sistematização destes registros, a participação em todos esses eventos e
microeventos resultaram em pequenas narrativas. Fundamenta-se no que Peter Spink
escreve quando pesquisamos no campo-tema,
El resultado, creo, es que necesitamos dejar de pensar sobre
interpretar, analizar y sistematizar, imaginando que podemos ofrecer
una representación mejor de la realidad, y en cambio nos
concentramos en narrar lo que las personas nos están diciendo y
buscar diferentes maneras de hablar sobre las cuestiones actuales que
pueden ser mas útiles que las que tenemos. (P. SPINK, 2005, p.27).
Ainda para a composição do campo-tema, realizamos duas entrevistas com profissionais
da saúde (médica pediatra da UBS e médico plantonista da Santa Casa) e uma entrevista
com usuária do SUS. Realizamos também um grupo focal, em que uma fisioterapeuta
da Santa Casa, um médico do PSF, um enfermeiro e um médico da UBS debateram
questões relacionados ao tema de pesquisa. O uso desses recursos permitiu explorar as
desconexões vividas no dia-a-dia, assim como para verificar o apoio que os
profissionais da saúde sentem que tiveram na formação e as concepções de pobreza.
Trabalhamos com esses materiais na abordagem teórico-metodológica das práticas
discursivas (M. J. SPINK, 1999; 2004). A abordagem das práticas discursivas
desenvolvida pela autora refere-se a ampla revisão do papel da linguagem na Psicologia
Social, a partir da perspectiva pós-construcionista.
Podemos definir, assim, práticas discursivas como linguagem em
ação, isto é, as maneiras a partir das quais as pessoas produzem
sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas. As práticas
discursivas têm como elementos constitutivos: a dinâmica, ou seja, os
enunciados orientados vozes; as formas, que são os speech genres; e
os conteúdos, que são os repertórios interpretativos. (M. J. SPINK,
2004, p. 45).
12
Nessa abordagem os entrevistados e participantes do grupo focal são melhores
identificados como co-participantes da pesquisa. Os sentidos referem-se ao processo e
ao movimento de construção de uma realidade psicológica ou sociológica, por isso o
foco na interação entre os participantes, o que incluí o pesquisador. Para a análise das
práticas discursivas é importante não perder o contexto de produção das falas ou
discursos, principalmente quando optamos por analisar somente os trechos de interesse
e que melhor respondem ao objetivo da pesquisa. Assim, não corrermos o risco de
simplesmente escolher as melhores partes para ilustrar a dissertação. Os mapas
mostram-se úteis para a análise do material, pois é a imagem da interação e das falas,
seja numa entrevista ou grupo focal. Encontram-se em anexo os mapas das três
entrevistas e do grupo focal. São tabelas que contém as categorias temáticas que em
parte referem-se ao roteiro utilizado. Embaixo das categorias temáticas colocamos as
sínteses das falas dos participantes, mas poderíamos ter colocado as falas integralmente.
Destacamos em negrito as sínteses das falas que foram reproduzidas integralmente nos
capítulos da dissertação. O exemplo refere-se a uma pequena parte do mapa do grupo
focal.
A FORMAÇÃO
QUE
RECEBERAM
DIFICULDADES
DO DIA-A-DIA
SOLUÇÕES E
SUGESTÕES
QUE
APRESENTAM
CONCEPÇÕES
DE POBREZA
APRESENTAÇÃO/
OUTROS
E – pobre não tem
direito a controle
de natalidade
C - nunca vai em
frente
G – PSF, faltou
anticoncepcional,
as grávidas
aparecem
E muitas
engravidam sem
planejamento,
com oferta de
contraceptivo é
diferente
E - kit do PSF, já
acabou.
Outro material pertinente no campo-tema foram as revistas científicas de Saúde Pública,
enquanto práticas discursivas representam o discurso científico mais próximo das
13
questões de saúde com as quais trabalhamos. Buscamos identificar com quais outros
temas relaciona-se o tema da pobreza nestas revistas de Saúde Pública.
Usar documentos desse tipo, que têm uma presença no campo de
interesse e que são produzidas regularmente e de forma seriada, é um
excelente caminho para a compreensão da gradativa emergência,
consolidação e reformulações dos saberes e fazeres. Não se trata,
lembramos, a busca de uma cronologia ou ponto 0 – porque isso nada
mais seria do que a construção moderna de uma versão narrativizada
do tópico em foco -, mas da identificação dos conflitos e diálogos
diferentes que refletem a processualidade das práticas discursivas.
Para a Psicologia, as revistas oficiais das sociedades e as publicações
institucionalizadas, como por exemplo o Annual Review of
Psychology, oferecem muitas possibilidades, uma vez que
conseguimos nos desfamiliarizar de seu conteúdo como psicólogos e
perceber que estamos diante de uma prática discursiva, ou seja,
podemos analisar quais são os critérios de revisão escolhidos e quais
as razões por esta ou aquela ênfase ou exclusão. (P. SPINK, 2004, p.
36).
Utilizamos a coleção da SciELO Saúde Pública, uma biblioteca eletrônica online de
revistas científicas em saúde pública relacionadas com os países Ibero-americanos. A
biblioteca SciELO Saúde Pública utiliza a Metodologia SciELO desenvolvida em
conjunto pela FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e pela
BIREME - Centro Latinoamericano y del Caribe de Información en Ciencias de la
Salud de la Organización Panamericana de la Salud.” A coleção é composta por oito
revistas - Bulletin of the World Health Organization (Genebra, Suíça - OMS), Cadernos
de Saúde Pública (Rio de Janeiro, Brasil), Gaceta Sanitária (Barcelona, Espanha),
Revista de Salud Pública (Bogotá, Colômbia), Revista de Saúde Pública (São Paulo,
Brasil), Revista Española de Salud Pública (Madri, Espanha), Revista Panamericana de
Salud Pública (Washington, EUA – OPAS) e Salud Pública de México (Morelos,
México).
Acessamos o site nos dias 14/11/06 e 15/11/06, havia três opções de pesquisa na página
inicial, escolhemos a opção “formulário”, o que nos permitiu pesquisar a palavra
pobreza em palavras do título dos artigos, instantâneas e resenhas das revistas
científicas. Pesquisamos também a palavra desigualdade, que inclui a pobreza, e
pareceu um termo mais utilizado na área da Saúde Pública.
14
Para a análise das revistas científicas de Saúde Pública elaboramos um mapa, dessa vez
com as seguintes colunas: título do artigo, nome da revista, ano de publicação e temas
relacionados. MIRIM (1999) trabalhou as revistas científicas em formato eletrônico na
abordagem das práticas discursivas, a autora refere-se a sua pesquisa intitulada “A
construção do sentido do teste HIV: uma leitura psicossocial da literatura médica”.
Paramos com a função de “catadores” no momento em que nos sentimos eticamente
confortáveis como psicólogos sociais para dizer que o que tenho basta para a proposta
da pesquisa.
Ao final, tivemos um conjunto de materiais com o quais organizamos dois blocos
temáticos com os sentidos das práticas de saúde com a população pobre em Eldorado e
região do Vale do Ribeira. Nesse momento dialogamos com os referenciais teóricos,
como da área da Saúde Pública e Saúde Coletiva, assim como referenciais sobre
pobreza, exclusão social e formas de enfrentar a pobreza. Entre outras informações,
como dados do IBGE, todos pertinentes ao campo-tema. Os blocos temáticos
constituíram os capítulos 4 e 5 da dissertação, com os respectivos títulos: Zoom de
médio alcance sobre desconexões nas práticas de saúde com a população que vive em
condição de pobreza e Conversas sobre a pobreza e como combatê-la a partir das
práticas de saúde. Novamente, seguimos as sugestões de Peter Spink para dar forma a
dissertação.
¿Somos capazes de reconocer que hay vida más allá del discurso
metafísico materialista de la ciencia? ¿Somos capazes de reconocer
que estamos aquí, con los hombres y mujeres fontaneros, cocineros,
bomberos, herbolarios, líderes comunitarios y otros, simplemente
como una parte más de um colectivo esforzando-se para construir
utopías? ¿Somos capazes de cambiar de posición, de dejar de pensar
en metodologia y recuperar la ética de lo metódico; la capacidad de
relatar, de tornar expicable y normalmente comprensible lo que
hacemos? ¿De absorber la investigación hacia la acción , ampliando el
concepto de la segunda y olvidando la primera? ¿De abandonar la
búsqueda para traducir las palabras de los otros, de analizar y
sistematizar los datos; adoptando en su lugar, las tareas de llamar
atención a lo que dicen las personas con sus palabras; de utilizar
formas de relatar y comentar que son disponibles en el día a día para
cualquier miembro activo y competente de una comunidad social; de
hablar desde dentro el campo-tema y no acerca del campo-tema
? (P.
SPINK, 2005)
15
Dimensão ética da pesquisa
Pensamos em duas grandes dimensões éticas na condução de pesquisas. Uma delas
refere-se ao limite legal, do respaldo e controle jurídico. Por exemplo, quanto à
necessidade da declaração de cumprimento de normas éticas para a condução de
projetos do Programa de Psicologia Social da PUC-SP, apresentada ao comitê de ética
da instituição na qual a pesquisa é vinculada. Também quanto à observação de
documentos regulamentadores da condução de pesquisa com seres humanos no país,
principalmente a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que são as diretrizes
e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Pode-se também pensar a ética em pesquisa no sentido de autoregulação da atividade do
pesquisador, especialmente quando se adere à perspectiva construcionista, que traz uma
ruptura com modos de produção de conhecimento vigente. Encontramos, por exemplo,
em STENGERS (2002), subsídios para uma reflexão ética. A autora analisa a história
das práticas científicas, herdeiras das ciências experimentais; faz críticas às ficções do
laboratório e às ciências teórico-experimentais. Assim, propõe perguntas que o
pesquisador, ou cientista (usando a palavra da autora) pode fazer, “O que ele quer de
mim?”, colocando-se na posição do pesquisado. Ou “Quem sou eu para te formular esta
pergunta?”, um questionamento que o pesquisador pode fazer a si próprio. Isso implica
refletir que “as condições de produção de conhecimento de um, são igualmente,
inevitavelmente, condições de produção de existência para outro” (STENGERS, 2002,
p. 42), um afeta o outro, evoca a noção de responsabilidade do pesquisador.
Em termos éticos o trabalho com o método do campo-tema também exige algumas
considerações. Para o pesquisador não virar um assaltante do cotidiano é importante
estar claro ao menos quatro níveis de responsabilidade ética. No que diz respeito aos
documentos de domínio público não há necessidade de dar explicações quanto ao uso
dessas fontes; o zum zum zum do dia-a-dia não há como controlar formalmente; para o
uso de fragmentos de discursos (conversas) é importante utilizar-se de perguntas como
“posso utilizar o que você falou na minha pesquisa?” e as entrevistas ou grupo focal
exigem a formalidade do consentimento informado.
16
2. O LUGAR DE ESTUDO
O território denominado genericamente Vale do Ribeira abrange regiões do litoral sul
do Estado de São Paulo e litoral norte do Estado do Paraná. O Vale é composto por
trinta e um municípios. Em São Paulo localiza-se a maioria dos municípios; Apiaí;
Barra do Chapéu; Barra do Turvo; Cajati; Cananéia; Eldorado; Iguape; Ilha Comprida;
Iporanga; Itaóca; Itapirapuã Paulista; Itariri; Jacupiranga; Juquiá; Juquitiba; Miracatu;
Mongaguá; Pariquera-Açu; Pedro de Toledo; Registro; Ribeira; São Lourenço da Serra;
Sete Barras e Tapiraí, no total de uma população de 563.941 habitantes segundo dados
da Fundação Seade (2006).
No Paraná estão os municípios de: Adrianópolis; Bocaiúva do Sul; Campina Grande do
Sul; Cerro Azul; Doutor Ulysses; Guraqueçaba; Itaperuçu; Rio Branco do Sul; Tunas do
Paraná), com total de 133.562 habitantes (IBGE, 2000).
17
Entre os habitantes do Vale do Ribeira estão comunidades indígenas, caiçaras,
remanescentes de quilombos e pequenos agricultores familiares. De acordo com o
estudo do ISA o Vale apresenta significativos recursos naturais. Aproximadamente 51%
do seu território são Unidades de Conservação (UCs), até o momento foram criadas
vinte e quatro UCs. As UCs são áreas protegidas legalmente no que se refere à definição
de seus limites e a sua conservação. O ISA destaca que em contraposição a sua riqueza
ambiental, o Vale apresenta baixos indicadores sociais dos Estados de São Paulo e
Paraná.
Dentre os municípios que compõem o Vale do Ribeira, para a presente pesquisa foi
destacado Eldorado, localizado a 242 Km da cidade de São Paulo. Parte do município
está na área de abrangência das seguintes UCs, na categoria Parque Estadual (PES):
PES Intervales, PES de Jacupiranga (onde está a Caverna do Diabo, destaque turístico
da cidade) e PES da Serra do Mar. Atualmente com uma população de 14.654
habitantes (IBGE, 2004), Eldorado tem cerca de metade dessa população vivendo na
zona rural, são comunidades rurais, entre estas várias remanescentes de quilombos.
18
Fonte: Prefeitura Municipal, foto da cidade de Eldorado – zona urbana, 2004.
Segundo os dados históricos (Boletim do Depto. do Arquivo do Estado de SP,
“Memória histórica da Xiririca”) os primeiros habitantes vieram atraídos pelo ouro, em
meados do século XVIII. Vindos da cidade de Iguape, eram na maioria portugueses,
descendentes de portugueses e escravos negros; o único meio de transporte na época era
o Rio Ribeira de Iguape. Habitantes de forte tradição católica, a origem da cidade data
de 1757, quando foi iniciada a construção da capela e fundação da freguesia de Xiririca,
à margem do Rio Ribeira, próximo ao ribeirão Xiririca. O município de Eldorado foi
criado em 1842, ainda com o antigo nome “Xiririca”. Somente em 1948 mudou o nome
para Eldorado, em alusão ao ciclo do ouro na região - a partir da segunda metade do
século XVII até final do século XVIII. De acordo com o ISA e o Boletim “Memória
histórica de Xiririca”, no que se refere às atividades econômicas na região, após o
declínio do ciclo do ouro no final do século XVIII, o Vale do Ribeira destacou-se
nacionalmente com o cultivo de arroz, que durou até o final do século XIX. Após essa
data teve início o cultivo do chá (apenas no município de Registro) e da banana;
tornando-se o cultivo da banana a principal atividade econômica da região,
principalmente em Eldorado. Atualmente ocorre o declínio do cultivo da banana e o
ecoturismo está sendo focalizado como uma possibilidade econômica.
19
Para ajudar na compreensão da questão da pobreza em que vivem os usuários do serviço
de saúde e as implicações para os profissionais da área em Eldorado, dois estudos do
SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados) sobre indicadores sociais são
observados: Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), 2004, e Índice Paulista
de Vulnerabilidade Social (IPVS), 2005.
O IPRS é um instrumento que permite acompanhar as performances econômicas e
sociais dos municípios paulistas, com a finalidade de subsidiar políticas públicas na
esfera municipal. O IPRS é composto por quatro indicadores: renda, escolaridade,
longevidade e uma tipologia de cinco grupos. Sendo que a tipologia resume a situação
do município considerando os outros três indicadores. Dos 645 municípios que
compõem o Estado de São Paulo, Eldorado estava nas seguintes posições em 2002: 623
a
riqueza, 598
a
longevidade e 313
a
escolaridade. Em 2002 o município passou do grupo 5
(baixa riqueza, baixa longevidade e baixa escolaridade) para o grupo 4 (baixa riqueza,
baixa longevidade e média escolaridade), pois melhorou o indicador escolaridade.
Mesmo assim quase todos os municípios da região do Vale do Ribeira estão no grupo 5
do IPRS, considerados tradicionalmente pobres e localizados em áreas específicas, o
que inclui no Estado de São Paulo, parte do Vale do Paraíba e o Pontal do
Paranapanema.
O IPVS não é apenas um estudo sobre condições de vida e pobreza, baseia-se na noção
multidimensional de vulnerabilidade social de indivíduos, famílias ou comunidades.
Considera que uma combinação de fatores (rendimentos, responsáveis por domicílio,
escolaridade, idade, etc) pode deteriorar o bem-estar (pobreza, agravos à saúde,
violência, etc). Exemplificando, “a vulnerabilidade à pobreza não se limita em
considerar a privação de renda, central nas medições baseadas em linhas de pobreza,
mas também a composição familiar, as condições de saúde e o acesso a serviços
médicos, o acesso e a qualidade do sistema educacional, a possibilidade de obter
trabalho com qualidade e remuneração adequadas, a existência de garantias legais e
políticas, etc”. O IPVS consiste em uma tipologia de seis grupos (do grupo 1-nenhuma
vulnerabilidade ao grupo 6-muito alta vulnerabilidade), derivada da combinação de
20
indicadores nas dimensões socioeconômica e demográfica. No gráfico abaixo é possível
observar que em Eldorado, 72,4% da população pesquisada encontra-se nos dois piores
grupos de vulnerabilidade social.
Os grupos 5 e 6 de vulnerabilidade social, significa que as pessoas possuem as piores
condições na dimensão socioeconômica (baixa), apresentam também níveis mais baixos
de renda e escolaridade e são constituídos por famílias jovens com presença
significativa de crianças pequenas, de 0 a 4 anos.
Para alguns indicadores de saúde de município, pesquisamos os dados de Perfil
Municipal da Fundação Seade, que mostram algumas taxas por mil habitantes. A taxa
de natalidade de 2005 foi de 19,38, a mesma taxa da região foi de 17,08 e no Estado de
São Paulo em geral 15,50. A taxa de fecundidade de 2005, que considera os nascidos
vivos das mulheres entre 15 e 49 anos foi de 80,02, na região foi de 65,05 e no Estado
foi de 53,86. Dados que refletem o grande número de filhos que encontramos em
milhares de famílias do município, mas não encontramos números que indicassem uma
média de filhos por família. O que podemos dizer é que no dia-a-dia de trabalho em
Eldorado é comum encontrar famílias com cinco, seis ou mais filhos.
A taxa de mortalidade infantil em 2005 foi de 10,64, o que indica um número menor em
relação a região e ao Estado, respectivamente 11,87 e 13,44. Já as taxas de mortalidade
21
na infância em 2005, que significa os óbitos em menores de cinco anos, em Eldorado foi
de 17,73, maior em relação a região, 15,55 e ao Estado, 15,61. Em 2005, a taxa de
mortalidade entre quinze e trinta e quatro anos foi de 141,82 no município, 146,48 na
região e 163,36 no Estado. A taxa de mortalidade na população de sessenta anos ou
mais em 2005 foi de 3374,66 no município, 3694,47 na região e 3764,23 no Estado.
Outro dado importante, que alerta para condições de pobreza, refere-se a porcentagem
de mães adolescentes (menos de 18 anos), em 2004 a proporção foi de 15,81% em
relação ao total de mulheres que tiveram filhos no mesmo período, na região a
proporção foi de 11,97% e no Estado a foi de 7,76%. Os cuidados de pré-natal, que
exigem de um mínimo de sete consultas, em 2005 foram de 57,65% no município,
48,67% na região e 74,52% no Estado.
Já os dados sobre trabalho e renda no município, indicam que dos empregos formais
ocupados (Seade, 2003) 44,88% são provenientes da agropecuária, na região o mesmo
índice foi de 19,85% e no Estado foi de 3,61%. Já o rendimento médio dos empregos na
agropecuária foi de R$326,71, na região foi de R$335,15 e no Estado foi de R$529,87.
Esses dados não permitem identificar a estrutura agrária a qual estes empregos estão
vinculados. Mas o índice Gini-Terra do Instituto Nacional e Colonização e Reforma
Agrária (Incra) ajuda nessa visualização. O índice “mede o grau de concentração
fundiária existente. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a posse de terra
está igualmente distribuída para todos os indivíduos), a 1, quando a desigualdade é
máxima (apenas um indivíduo detém a posse de toda a terra disponível). Para o Vale do
Ribeira o índice Gini-Terra (1998) é de 0.74, significa que existem no Vale do Ribeira
8.383 estabelecimentos de agricultura familiar, que ocupa uma área de 173.522 km² e
produz 64.031 R$10³, já na agricultura patronal existem 2.402 estabelecimentos, uma
área ocupada de 473.065 km² e produção de 99.202 R$10³. Para o estabelecimento
caracterizar-se como familiar “precisa ter as seguintes características: ser gerido pelo
proprietário; a mão-de-obra utilizada para a produção por parte da família deve ser
maior do que a contratada; ter área inferior a 15 módulos regionais.” O Incra fornece o
índice Gini-Terra de outros territórios da região sudeste para comparação: Andradina
0.75, Pontal do Paranapanema 0.74 e Sudoeste 0.75.
22
Eldorado também é atendido pelo Programa Bolsa Família, do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O pagamento do mês de março de 2007 –
com valores entre R$15,00 e R$95,00 por família - atendeu a 1.360 famílias, o que
corresponde a menos de dez porcento da população do município. Os governos
municipais são responsáveis pela gestão do Programa.
Sobre a organização dos serviços de saúde em Eldorado
Com exceção de consultórios odontológicos, no município não há qualquer serviço de
saúde privado. Observa-se que o SUS é efetivamente utilizado por quase toda a
população de Eldorado. O DRS XII é o Departamento Regional de Saúde de Registro
(antiga DIR XVII - Direção Regional de Saúde da Região de Registro), responsável pela
gestão do SUS nos municípios do Vale do Ribeira localizados no Estado de São Paulo,
através do Departamento Municipal de Saúde, ligado diretamente a prefeitura. Há
também na região um CEREST (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador), com
sede em Registro. O Departamento Municipal de Saúde é responsável pela gestão da
saúde no município, o que incluiu a responsabilidade pela Santa Casa, PSF I e II, a
Unidade Básica de Saúde e “postinhos de saúde”.
A Santa Casa, além dos atendimentos de urgência e emergência, tornou-se um
“prolongamento” da UBS - Unidade Básica de Saúde, até mesmo pela proximidade
física. Com isso disponibiliza atendimento ambulatorial em psicologia, nutrição,
fisioterapia e ortopedia. E até dezembro de 2005, disponibilizou em psiquiatria,
neurologia e fonoaudiologia. Na Santa Casa também funciona um serviço laboratorial.
A UBS dispõe de atendimentos ambulatoriais em clínica médica, ginecologia,
obstetrícia, cardiologia e pediatria. E a cada dia da semana trabalha com um programa
de saúde do governo (pré-natal, diabetes e hipertensão, vigilância em saúde,
planejamento familiar, vacinas), sob responsabilidade do enfermeiro da unidade. Há
também outros funcionários, como da parte administrativa e auxiliares e técnicos de
enfermagem.
As duas equipes do PSF – Programa Saúde da Família - atendem alguns bairros da zona
rural. O PSF I (Flamboyant) atende os bairros Pedro Cubas, Barra do Batatal, Sapatu,
23
André Lopes, Galvão, Ivaporunduva e Nhunguara. Todos esses são bairros ou
comunidades remanescentes de quilombos. O PSF II Colibri atende os bairros Itapeúna,
Rio Batatal, Barra do Braço, Areado, Descanso, Sossego, Martins, Fundo da Serra,
Serrinha, Magário, Cavuvu, Onça, Areadinho e Morro Preto. No caso da equipe II,
várias localidades chamadas de bairros não são exatamente bairros como encontramos
nas cidades, são algumas poucas casas numa mesma localidade, às vezes a distância
chega a dois ou quilômetros entre uma casa e outra. Cada equipe de PSF tem um
médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e um grupo de agentes
comunitárias, no total são 16 agentes comunitárias de saúde. No final de 2005 foi
contratado um dentista e auxiliar odontológico para cada equipe de PSF, foi a
implantação da equipe de Saúde Bucal.
Os “postinhos de saúde” como são conhecidos entre as pessoas, são pequenas casas que
servem como “base” dos PSFs, principalmente para o encontro das equipes com as
agentes comunitárias locais. Há “postinhos” nos bairros: Vila Incomager (em reforma),
Pedro Cubas, Barra do Braço, Barra do Batatal, Itapeúna, Rio Batatal, e com previsão
de inauguração em 2006 nos bairros Sapatu, André Lopes, Ivaporunduva e Rio das
Pedras.
O município de Eldorado faz parte do CONSAÚDE, que é o Consórcio Intermunicipal
de Saúde (CIS) do Vale do Ribeira. O CONSAÚDE é o antigo CODIVAR - Consórcio
de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira, constituído em 02/09/1989
pelos municípios da região, representados pelos prefeitos municipais.
A formação dos CIS teve impulso a partir de 1993, embora existam
relatos de consórcios desde 1986, como na região de Conchas e o da
região de Penápolis. Podemos observar um aumento crescente dessas
parcerias, de um total de 109 consórcios existentes em outubro de
1997 para 143 em dezembro de 1998 envolvendo 1.748 municípios.
Um ponto comum entre as experiências observadas se refere às
vantagens da associação e estão para além da ampliação de serviços
médicos especializados, de diagnose de média e alta complexidade e
de recursos terapêuticos. Os municípios envolvidos estruturam sua
rede de acordo com a sua capacidade e reduzem a sua capacidade
ociosa, otimizando seus serviços e a referência de pacientes entre
municípios. Na sua relação com o setor privado observam-se efeitos
regulatórios importantes na formação de preços e na ampliação do
poder de barganha dos governos locais. Os resultados políticos da
cooperação favorecem a sustentabilidade de muitos consórcios. Os
consórcios de saúde disputam, na arena política, o protagonismo como
24
solução organizacional e geram debates e disputas quando são
apresentados para resolver problemas locais da política setorial. São
duas as principais tendências para a organização de consórcios e
ambas incluem a participação do governo estadual. A livre associação
de municípios que se organizam segundo características políticas
próprias e com uma regionalização que respeita estas mesmas
características, e de outro lado, uma forte indução governamental para
organizar regiões de saúde segundo as preferências do executivo
estadual.”
(NEVES E RIBEIRO, 2006).
Também em NEVES e RIBEIRO (2006) encontramos uma tabela referente aos
municípios consorciados em consórcios de saúde no Brasil.
Os autores destacam que dentre os municípios consorciados “95% têm menos de 50 mil
habitantes, sendo 60% com menos de 10 mil habitantes, o que sugere se tratar de um
modelo de organização e de cooperação típico de cidades de pequeno porte, com vistas
à superação de problemas comuns que sozinhos não conseguiriam resolver. Não há
ainda no país uma única capital que pertença a consórcio, embora municípios de grande
porte adotem esse tipo de associação” NEVES e RIBEIRO (2006).
No Vale do Ribeira o consórcio tornou-se específico para a Saúde em dezembro de
2001, quando houve uma alteração estatutária, e passou a denominar-se Consórcio
Intermunicipal de Saúde do Vale do Ribeira, mantendo o seu CNPJ. Então, foi criado
um novo consórcio para tratar de assuntos relativos ao desenvolvimento da região do
Vale do Ribeira, mantendo o nome CODIVAR, mas desvinculado do CONSAÚDE.
25
Os recursos orçamentários e financeiros do CONSAÚDE são do Governo Estadual
através do Convênio com a Secretaria de Estado da Saúde, da prestação de serviços
hospitalares e ambulatoriais ao Sistema Único de Saúde - SUS - (Governo Federal) e
das mensalidades repassadas pelos Municípios (Governo Municipal).
O CONSAÚDE abrange os vinte e cinco municípios da região do Vale do Ribeira no
Estado de São Paulo. A população atendida é aproximadamente de 563.941 habitantes.
Com o consórcio os serviços de saúde do município ampliaram-se consideravelmente,
pois há mais quatro Unidades Regionais Públicas de Saúde. Uma das unidades é o
hospital geral HRVR - Hospital Regional Vale do Ribeira - com serviços hospitalar,
laboratorial e ambulatorial, está localizado em Pariquera-Açu. Outra unidade é o CAR -
Complexo Ambulatorial Regional Vale do Ribeira - com serviço ambulatorial em
algumas especialidades médicas, incluindo o serviço ambulatorial chamado “saúde
mental”, está localizado em Registro. Ainda em Registro, existe o Laboratório Regional
Vale do Ribeira, com serviço laboratorial, antigamente pertencente ao instituto Adolfo
Lutz. Por último, existe o SAMU - Serviço de Atendimento Médico às Urgências - que
é um serviço pré-hospitalar, centralizado no HRVR, com bases localizadas ao longo da
Rodovia Régis Bittencourt (BR116), em todo o trecho Paulista, para atendimento às
vítimas de acidentes
O CONSAÚDE mantém convênio com o Hospital São João em Registro,
disponibilizando vagas em especialidades médicas e serviços de diagnose/terapia para
os municípios integrantes do consórcio.
E finalmente, há no consórcio o Centro de Formação de Recursos Humanos de
Pariquera-Açu (CEFORH), que é uma das trinta e sete Escolas Técnicas do Sistema
Único de Saúde (ETSUS).
Para uma visão geral da organização dos serviços de saúde, ver o organograma na
página seguinte.
26
Organograma dos serviços de saúde em Eldorado
27
DRS XII
Depto.
Municipal
Saúde
CONSAÚDE
HRVR CAR
Laboratório
Regional
SAMU
Santa Casa
UBS
PSF I
PSF II
“Postinhos de
Saúde”
CEREST -
Registro
Convênio -
Hosp. São João
Centro de
form
ação
3. A PREOCUPAÇÃO COM A POBREZA NA SAÚDE
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Como já mencionamos, o objetivo da pesquisa foi de contribuir para a retomada mais
ativa de interesse e preocupação com a pobreza nas práticas de saúde. Na análise da
Psicologia Social, parece uma questão fundamental, principalmente quando
consideramos o cotidiano dos profissionais que compõem atualmente o atendimento a
saúde. Nossa revisão teórica buscou identificar a centralidade que a questão da pobreza
teve na área da saúde, a ponto de reformular tais práticas. Para isso nos aproximamos do
grande campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva, o que nos ajudou imensamente na
tarefa.
A relação pobreza e saúde emerge da história, ou constituição do próprio campo da
Saúde Pública e Saúde Coletiva; logicamente, sabemos que se trata muito mais que a
preocupação com pobreza nas práticas em saúde em diferentes épocas, mas toda a
articulação da saúde junto ao Estado e a sociedade para a formulação de respostas as
necessidades e problemas de saúde (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998). Partimos de
uma revisão teórica indicativa que preocupação da saúde com a pobreza é antiga e
descontínua, e que o enfoque dado sobre a pobreza era da transição e da temporalidade.
De acordo com vários autores (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998; AYRES, 1995;
ROSEN, 1994, 1980; DONNANGELO, 1976) remete a Europa do séc. XVIII, com a
Polícia Médica na Alemanha. O cenário político, econômico e social é da formação do
Estado Moderno e transição para uma estrutura capitalista na Alemanha – apesar do
relativo atraso quanto à Inglaterra e França. A “polícia” referia-se ao que chamaríamos
hoje de um modelo de governo para a administração pública. A Polícia Médica foi um
importante ramo da “polícia” para as práticas médicas, o controle das condições de
saúde e o bem- estar de toda população, o que incluía os pobres. Importante lembrar que
nessa época a pobreza tinha outro estatuto, questão explorada por DONNANGELO
(1976) na saúde e que logo retomaremos. A Polícia Médica era relativa às questões de
higiene e controle de epidemias, enfim, tinha uma dimensão bastante prática, mesmo no
campo acadêmico. É a difusão da “mentalidade sanitária” (FOUCAULT, 2001), mas já
um protótipo do pensamento sobre as condições sociais e saúde e atenção do governo
para os pobres. AYRES (1994) identifica este momento como do desenvolvimento da
Epidemiologia.
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No oeste da Europa – particularmente França e Inglaterra - o conceito de Polícia Médica
tem pouca ressonância e com a Revolução Industrial no século seguinte consolida-se o
fértil debate sobre o impacto das condições sociais na saúde e bem-estar da população.
No final do século XVIII, por exemplo, os ingleses já admitiam um
grau de liberdade e iniciativa individual quase totalmente ausente da
vida germânica. Em conseqüência, quando o conceito de polícia
médica foi adotado fora da Alemanha e deparou-se com problemas
específicos, a tendência foi de limitá-los às áreas da vida da
comunidade em que a ação governamental era aceita com mais
facilidade, especialmente no que se refere ao controle de doenças
transmissíveis e ao saneamento básico. (...) Confrontada com as
aspirações sociais progressistas ligadas à Revolução Francesa e com
os problemas criados pela civilização industrial emergente, a idéia de
polícia médica estava mais ligada ao passado. (ROSEN, 1980, p. 172).
O cenário desta vez é a vida da população urbana e a classe trabalhadora, em 1848 surge
na França o conceito de Medicina Social, que engloba basicamente dois temas: as
condições sociais, econômicas e políticas como fonte de doenças e a medicina como
instrumento de mudança e reorganização social. A saúde seria um dos elementos da
condição de bem-estar, que incluiria a educação e o trabalho. A Medicina Social
tratava-se de um projeto maior, ou seja, de reorganização social através das práticas de
saúde, não apenas combate às doenças.
Na Inglaterra no momento que antecede a Revolução Industrial, DONNANGELO
(1976) refere-se a “Lei dos Pobres”, que incluía alguma assistência médica – e variava
entre a punição e a ajuda financeira, mas ainda distante da noção de “direitos sociais”.
Tratava-se da desestruturação do feudalismo e uma conseqüente massa de pessoas
disponíveis, vistas como ameaças a sociedade e não como desempregados. A pobreza
relacionava-se a indigência (não-trabalho) e a fatores individuais e morais, nunca
reflexos da nova estrutura social que se formava com o capitalismo. Posteriormente,
consolidada Revolução e a “Reforma da Lei dos Pobres” indica mudanças nas
concepções da pobreza e do pobre, segundo a autora:
A transfiguração do antigo pobre – deficiente individual, em um novo
tipo de pobreza: a que caracteriza o proletariado industrial. A pobreza
continuará a expressar-se pelas várias formas de carência e
enfermidade mas não se identifica com o não-trabalho, diz respeito
agora a uma categoria social claramente discernível, que pode ser e
será doravante mais frequentemente remetida à forma que assume o
processo de acumulação de capital. Ademais, o proletariado industrial,
diferentemente dos pobres da paróquia, introduz na vida política novas
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formas de organização – em especial os sindicatos e, através delas
associações voluntárias de assistência, passíveis de expressar a
solidariedade de classe. O significado da presença das organizações
operárias no processo político se expressará em todo o processo que
leva ao estabelecimento progressivo, na Inglaterra, até a sua
consolidação, na metade do século XX, do chamado Estado do Bem-
Estar Social. (DONNANGELO, 1976, p. 67).
Percebemos então uma descontinuidade da preocupação com a pobreza na saúde.
Ocorre o declínio do movimento gerado pela Medicina Social e o início do que os
autores chamam de “paradigma microbiano” dentro das ciências da saúde. O olhar sobre
as doenças volta-se para o corpo em termos exclusivamente biológico. De acordo com a
autora “não será também, estranho a esse declínio o desenvolvimento da medicina
bacteriológica que já permite a recondução da prática médica aos limites do orgânico e
o desenvolvimento do estudo das doenças infecciosas sem que ele fosse perturbado por
considerações sociais e reflexões sobre política médica” DONNANGELO (1976, p. 58).
Paim e Almeida Filho referem-se ainda ao famoso Relatório Flexner, do início do
século XX, que “desencadeia nos Estados Unidos uma profunda reavaliação das bases
científicas da medicina, que resulta na redefinição do ensino e da prática médica a partir
de princípios tecnológicos rigorosos” (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998).
Segue este modelo a Johns Hopkins University nos Estados Unidos, influente no ensino
da medicina em muitos países, inclusive no Brasil. Foi quando surgiram as diversas
especialidades médicas - logicamente com os devidos méritos - mas que contribuíram
para a fragmentação dos cuidados à saúde das pessoas; assim como o surgimento de
profissões tão especializadas como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.
A extensão dos serviços de saúde aos pobres e excluídos
O tema da pobreza, ou melhor, dos pobres, reaparece na área da saúde a partir da década
de 1950, é o início dos debates sobre a extensão dos serviços de saúde a toda a
população. Ocorreram mudanças no ensino médico nas principais escolas norte
americanas, a principal mudança foi a ênfase na prevenção (AROUCA 2003). Realiza-
se em Colorado Springs nos EUA, uma reunião com representantes das escolas de
medicina para uma ampla reforma curricular para “inculcar uma atitude preventiva nos
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futuros praticantes” (PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998). Com isso abrem-se os
departamentos de medicina preventiva, “capazes de atuar como elementos de difusão
dos conteúdos de epidemiologia, administração de saúde e ciências da conduta até então
abrigados nas escolas de saúde pública” (PAIM e ALMEIDA FILHO 1998).
Na Europa ocidental, em países que já dispunham de estruturas
acadêmicas de longa tradição e que no pós-guerra consolidavam
sistemas nacionais de saúde de acesso universal e hierarquizados, a
proposta da medicina preventiva não causa maior impacto nem sobre
o ensino nem sobre a organização da assistência à saúde.” (PAIM e
ALMEIDA FILHO 1998).
Na seqüência, já na década de 1960, desenvolveu-se outro importante movimento de
recomposição da prática médica, denominado Medicina Comunitária ou Saúde
Comunitária.
Com o endosso da OMS, os princípios desses programas comunitários
de saúde passam a enfatizar mais a dimensão da assistência
simplificada visando à extensão de cobertura de serviços para
populações até então excluídas do cuidado à saúde, principalmente em
áreas rurais, sendo dessa maneira incorporados ao discurso das
agências oficiais (secretarias, ministérios) de saúde. Efetivamente,
data de 1953 a definição dos "serviços básicos de saúde" da OMS,
cobrindo as seguintes atividades: a) atenção à saúde da mulher e da
criança; b) controle de doenças transmissíveis; c) saneamento
ambiental; d) manutenção de sistemas de informação; e) educação em
saúde; e) enfermagem de saúde pública; f) assistência médica de baixo
grau de complexidade. A revisão de 1963, desta definição, realizada
por uma comissão de especialistas já engajados no movimento da
saúde comunitária, propõe incluir nesta relação a participação. Na
América Latina, programas de saúde comunitária são implantados
principalmente na Colômbia, no Brasil e no Chile, sob o patrocínio de
fundações norte-americanas e endossados pela OPS, na expectativa de
que o seu efeito-demonstração poderia influenciar positivamente o
desenho dos sistemas de saúde no continente. (PAIM & ALMEIDA
FILHO, 1998)
Todos foram movimentos que delinearam reformas no setor da saúde em países
subdesenvolvidos da América Latina. Assim como a Assembléia Mundial da Saúde de
1977 com a consigna Saúde para Todos no Ano 2000, a Conferência Internacional sobre
Atenção Primária à Saúde de 1978 em Alma-Ata, o Relatório Lalonde de 1974 e a Carta
de Otawa de 1986, ambos sobre o modelo canadense de prevenção da saúde.
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Particularmente no Brasil, a 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 em Brasília
definiu as bases da reforma setorial na saúde e a criação do Sistema Único de Saúde
(SUS), movimento que ficou conhecido como Reforma Sanitária. Assim, na
Constituição Federal de 1988 estava prevista a criação do SUS, regulamentado pelas
Leis nº 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/90. A saúde no Brasil passou a
ser um direito de cidadania e dever do Estado, antes disso as pessoas que tinham
direito a assistência à saúde eram os trabalhadores e seus dependentes segurados do
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS)
Segundo VASCONCELOS e PASCHE (2006) o SUS é a estrutura organizacional para
consolidar a política de saúde no Brasil nas esferas municipal, estadual e nacional, com
diversas ações e serviços de saúde. O SUS tem como princípios a universalidade de
acesso, a integralidade, a igualdade (atualmente usa-se o termo equidade) e o direito à
informação. As diretrizes organizativas, que racionalizam o sistema compreendem: a
descentralização (atualmente discute-se a regionalização), a hierarquização em níveis de
complexidade do atendimento, a participação comunitária principalmente através dos
Conselhos e Conferências e a integração das redes assistenciais.
Os serviços e ações de saúde que constituem o SUS atualmente são:
- vigilância em saúde, em que se inclui a vigilância ambiental,
inclusive dos ambientes de trabalho, a vigilância sanitária, a vigilância
epidemiológica e a vigilância nutricional;
- assistência que integra a atenção básica, a atenção especializada
ambulatorial e a atenção hospitalar em seus vários níveis de
complexidade;
- prestação de assistência terapêutica integral, com destaque para a
assitência farmacêutica;
- apoio diagnóstico e de terapia (Sadt) na assistência à saúde, e nas
investigações de interesse da vigilância em saúde pública;
- formulação e execução da política de sangue e seus derivados, e a
coordenação das redes de hemocentros;
- regulação da prestação dos serviços provados de assistência à saúde;
- regulação da formação dos profissionais de saúde;
- definição e implementação de políticas de Ciência e Tecnologia para
o setor saúde, incluindo a definição de normas e padrões para a
incorporação tecnológica;
- promoção da saúde em articulação intersetorial com outras áreas e
órgãos governamentais. (VASCONCELOS e PASCHE , 2006, p.
538)
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A principal responsabilidade dos municípios é garantir a Atenção Básica à saúde,
organizada através da Unidade Básica de Saúde (UBS) e da Estratégia Saúde da Família
(ESF), que figuram nas equipes de Programas Saúde da Família (PSF). Entre as ações
na Atenção Básica estão: de saúde bucal, de diabetes e hipertensão, de alimentação e
nutrição, de gestão e estratégia e de avaliação e acompanhamento. O DAB
(Departamento de Atenção Básica) através da web site nos mostra uma série de
informações, mapas e números da Saúde da Família no Brasil, como redução de 4,6%
no índice de mortalidade infantil a cada 10% de aumento de cobertura da ESF. O total
de equipes de Saúde da Família implantadas em 2006 foi de 26.729, com cobertura em
5.106 de municípios (do total de 5.561 municípios existentes no país), o que
corresponde 46,2% da população brasileira, a cerca de 85,7 milhões de pessoas. Já as
equipes de Saúde Bucal implantadas em 2006 foram de 15.086, com cobertura de 4.285
municípios, o que significa uma população atendida de aproximadamente 74,9 milhões
de pessoas. E o número de Agentes Comunitários de Saúde em 2006 foi de 219.492,
presentes um total de 5.309 municípios, o que corresponde 59,1% da população
brasileira, aproximadamente 109,7 milhões de pessoas. Frente a tantos números,
Andrade et al. apontam desafios a ESF:
O dilema de superar a etapa da expansão quantitativa do acesso à ESF
e passar para uma discussão mais formuladora da consolidação da
qualidade nas ações do programa e suas respectiva integração como
resto da rede assistencial do SUS marcam o cerne das discussões
teóricas atuais, as quais se traduzem como desafios pragmáticos para
os gestores de saúde, sobretudo no nível municipal. (ANDRADE et
al., 2006, p. 802)
Há opiniões divergentes quanto a vários aspectos do PSF como aponta FRANCO e
MERHY (1999), para os autores o programa não apresenta estratégia eficaz de mudança
do modelo assistencial em saúde como se propõe. Apresentam discussões, por exemplo,
quanto ao caráter compulsório das pessoas serem atendidos pelo PSF (o que inclui as
visitas domiciliares), o excesso de tarefas da equipes, normatização e a dificuldade em
adequar a equipe e os serviços diante realidades tão diferentes como existem no Brasil.
E a pobreza não passou...
O IBGE e a UNICEF usam um indicador de pobreza baseado na renda per capita
familiar de até meio salário mínimo. Abaixo disso se enquadra mais de 40% da
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população do Brasil. Em Estados como Maranhão, Tocantins e Piauí quase 70% da
população têm renda per capita domiciliar abaixo de R$73.
Somos reconhecidamente o pior país do mundo em termos de desigualdade de renda; no
último Relatório de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial, somente Serra Leoa
foi mais desigual. Os dez porcento mais ricos no Brasil têm 47.9% da renda enquanto os
dez porcento mais pobre têm 0.8%. Para contrastar, na França as mesmas faixas incluem
25% e 2.5% respectivamente, no Egito 26% e 3.9%, na Suécia 20% e 3.7 %.
Uma demonstração clara desta desigualdade de renda emerge quando os dados
populacionais em diversos campos são desagregados. Por exemplo, tanto no Nordeste
quanto no Sudeste do Brasil, a taxa de mortalidade infantil na faixa de zero a cinco anos
de idade para os 20% mais pobres é de 116 por mil enquanto para os 20% mais ricos é
de 11 por mil; uma diferença de sobrevivência de dez vezes. Agregar dados sensíveis à
pobreza em indicadores populacionais gerais, por exemplo colocando a taxa de
mortalidade infantil média em 44 por mil, ou ignorar registros de cor e de gênero,
esconde a extensão das divisões sociais que enfrentamos.
Nos últimos vinte anos, a América Latina tem presenciado uma mudança significativa
em suas áreas urbanas. Hoje algo em torno de 74% da sua população é urbana. No
Brasil, dados do IBGE põem este número na casa de 78% e o último Relatório do Banco
Mundial cita a figura de 80%. Entretanto o termo “urbano” precisa ser tratado com um
certo cuidado. Para o IBGE todas as sedes municipais e distritais são consideradas como
estando situadas em áreas urbanas. Entretanto, há mais de 1.000 dos 5.500 municípios
brasileiros com populações urbanas de menos de 5.000 e uns 3.500 (64%) com menos
de 20.000. À exceção, portanto, dos municípios considerados realmente de grande porte
e aqueles nitidamente urbanos, o perfil mais comum é de um espaço misto urbano-rural,
ou urbano-vila-rural como em Eldorado, com todas as implicações em termos de renda,
atividade e estrutura de poder. Nota-se também que enquanto as grandes propriedades
agrícolas empregam somente 4.2% da população rural economicamente ativa, são os
estabelecimentos menores, de menos de cem hectares, que respondem por 79.6% dos
empregos no campo.
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No âmbito mais urbano, um estudo de POCHMANN (1999) identificou que houve entre
1990 - 1997 uma redução de 2.470.000 postos de trabalho no país e que enquanto na
década de oitenta de cada 10 empregos gerados 8 eram assalariados, na década de 90, de
cada 10 empregos gerados 8 não são assalariados; são, ao contrário, terceirizados e
informalizados. Com 1.417.000 pessoas entrando no mercado de trabalho cada ano e
somente 950.000 postos sendo criados, há anualmente um déficit de mais de 400.000
pontos de trabalho. A precarização do trabalho avança de maneira alarmante.
A gravidade desses dados, no entanto, é insuficiente para compor uma fotografia da
heterogeneidade da pobreza. Infelizmente, algumas interpretações, ainda presentes no
imaginário social, continuam a entender a pobreza exclusivamente sob a ótica monetária
e centrada no indivíduo: pobreza, para estes, remete à condição de ser “pobre”. Outras
abordagens colocam o problema exclusivamente no terreno da política
macroeconômica, esquecendo os múltiplos mecanismos e ações administrativas que
contribuem para a geração da desigualdade e exclusão.
Conceitos monetários de linhas de pobreza tem sido objeto de crítica por sua
simplificação e homogeneização. O economista e Premio Nobel AMARTYA SEN
(1992, 2000) enfatizou a importância de pensar não em nível de renda mas em sua
adequação individual para uma vida digna, onde as pessoas podem ser bem nutridas, ter
roupas, abrigo adequado, evitar doenças que podem ser prevenidas e assumir um papel
na comunidade de cabeça erguida. Renda é crucial para evitar a pobreza. Entretanto, em
muitos casos não é a renda que garante estas possibilidades; porque certos grupos
podem ter dificuldades em converter renda em efetividade por causa de circunstâncias
específicas, como a discriminação e a privação. Igualmente, num ambiente cada vez
mais urbanizado, certos bens e direitos sociais são considerados como responsabilidade
de provisão coletiva; não há como entendê-los a partir da renda porque não há renda que
possa supri-los.
Em conseqüência, a tendência tem sido buscar uma abordagem mais interativa para a
questão da pobreza considerando não somente as capacidades e os recursos individuais
ou sociais, ou as estratégias de estímulo ao desenvolvimento econômico socialmente
sustentável, mas também, como argumentou ABRANCHES (1987), a provisão e o
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acesso aos serviços e bens necessários para uma vida mais digna, menos desigual e com
o exercício pleno da cidadania.
Apesar da aparente amplitude da conceituação da pobreza enquanto exclusão e
desigualdade social, muitas vezes assimilada pelas ausências – de dinheiro, educação,
saúde, alimentação, integração, liberdade e dignidade – ela contempla realidades
extremamente diversas, às vezes mensuráveis, às vezes, não. Desta maneira, a noção de
pobreza está diretamente ligada à questão fundamental da cidadania, da democratização
da sociedade, da construção de laços sociais e da falta de proteção aos direitos
individuais e coletivos.
A descrição acima sobre a pobreza no Brasil é para ser alarmante. Em termos teóricos
encontramos na área da saúde um espaço para a pobreza em sua heterogeneidade, entre
outros aspectos da desigualdade social, no atual debate sobre a equidade. O conceito é
utilizado para lidar com as desigualdades em saúde, que são basicamente relacionadas
“à distribuição espacial da oferta de recursos humanos e de capacidade instalada”; “ao
acesso e utilização de serviços (públicos e privados)”; “à qualidade da atenção recebida”
e “às condições de vida e de saúde da população nas diferentes localidades”
(LUCCHESE, 2003).
Há inúmeras referências sobre o tema das desigualdades em saúde no campo da Saúde
Pública e Saúde Coletiva, como as utilizadas na Apresentação da dissertação: “Informe
sobre la salud en el mundo 2001 - Salud mental: nuevos conocimentos, nuevas
esperanzas” da OMS; ESCOREL (2001) ao comentar a publicação Social determinants
of health: the solid facts, de Wilkinson & Marmot (2000) da Oficina Regional para a
Europa da OMS, destaca aspectos de “evidências sólidas da determinação social do
processo saúde/doença” tanto nos países desenvolvidos como nos países em
desenvolvimento.
A publicação “Salud en las Américas” de 2002 da OPAS, menciona a reciprocidade das
relações entre saúde e pobreza. Há o reconhecimento da influência da pobreza sobre a
saúde, assim como a influência da saúde sobre a pobreza.
Pocos temas han sido tratados con tanta frecuencia como las
relaciones entre pobreza y salud, de modo que es conveniente
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reevaluar estas relaciones a inicios del siglo XXI tomando en
consideración aspectos relativamente más recientes, tales como los
estudios sobre heterogeneidad de la pobreza, pobreza estructural y
pobreza según ingresos, y las relaciones recíprocas que permiten
verificar no solo la influencia de la pobreza sobre la salud sino
también de la salud sobre la pobreza. (OPAS, 2002, p.99)
Todo o movimento de expansão dos serviços de saúde à população a partir da década de
oitenta que se consolidou com a criação do SUS em 1988 à criação do Programa Saúde
da Familia no Brasil são claramente estratégias para vencer desigualdades na saúde em
seus vários aspectos. Mas por outro lado, ao lançarem os profissionais da saúde no
cotidiano denso da pobreza, emergem situações em que tudo parece mais complicado,
conforme veremos adiante.
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4. ZOOM DE MÉDIO ALCANCE SOBRE DESCONEXÕES NAS PRÁTICAS DE
SAÚDE COM A POPULAÇÃO QUE VIVE EM CONDIÇÃO DE POBREZA
Na Apresentação já mencionamos que ocorrem desconexões nas práticas de saúde
quando a população atendida vive em condição de pobreza, o que gera dificuldades para
a população melhorar a saúde ou mesmo ter acesso aos serviços. Através dos
microeventos, das entrevistas, do grupo focal, das visitas com o PSF e da participação
na renuião de Saúde da Mulher exploramos melhor as desconexões nas práticas de
saúde vividas diariamente.
Lembramos que as desconexões nas práticas de saúde a qual nos referimos perpassam a
organização dos serviços, a política de saúde, a gestão da saúde no município, a
formação/educação dos profissionais e o discurso científico – ao consideramos como
práticas discursivas, no caso, o discurso das revistas de Saúde Pública e Saúde
Coletiva. Assim, buscamos explorar tais desconexões em outros espaços da saúde.
1) O profissional da saúde e a dieta inviável para o paciente
Microevento. Data: 12/05/2005. Hoje durante o trabalho estive conversando com uma
nutricionista, conversamos sobre assuntos corriqueiros até chegarmos à pergunta
“como está o mestrado”, comentei com ela sobre o tema da pesquisa, sobre pobreza e
saúde. Ironicamente, questionou: “nada haver com nosso trabalho aqui em Eldorado,
não é mesmo?” Relatou a dificuldade em trabalhar aqui, principalmente no caso das
dietas, por exemplo, para os pacientes diabéticos. Muitas dessas pessoas mal têm o que
comer em casa e têm dificuldades em seguir a dieta. Relatou também que acontece de
pessoas chegarem na Santa Casa e pedirem alimentos porque não tem nada em casa.
Perguntei o que ela faz nesses casos, disse que encaminha para o S.O.S (Serviço de
Obras Sociais) e para a assistente social da prefeitura.
Microevento. Data: 25/08/2005. Hoje durante o trabalho encontrei a enfermeira do
PSF no pátio da Santa Casa, conversamos sobre uma situação semelhante aquela que
relatou a nutricionista uma vez. Em conversa com a enfermeira do PSF, pedi que
visitasse uma senhora que residia na região atendida pela sua equipe. Comentei com a
enfermeira que eu sabia que tal senhora tinha feito uma colostomia e perguntei se já
foram visitá-la. Prontamente ela respondeu que iria fazer a visita no dia do
atendimento naquele bairro, que passaria as orientações nesse caso, inclusive de
alimentação, mas questiona se eu sei o quanto é difícil para eles cumprirem as
orientações. Relatou que muitos deles cumprem, mas muitos têm dificuldades, por
exemplo, no caso da colostomia, indicaria refeições mais leves com verduras e legumes.
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E mesmo morando na zona rural, no sítio, onde poderiam cultivar esses alimentos, não
significa que é fácil para o paciente comer esses alimentos. Aliás, uma coisa que ouço
muito – entre profissionais da saúde, numa reunião de segurança alimentar – é o fato
das pessoas que vivem em sítios não terem o hábito de fazer uma horta.
2) A alimentação insuficiente relaciona-se com a procura e permanência dos
pacientes nos serviços de saúde
Microevento. Data: 05/10/2006. Com a técnica de nutrição, sobre médica da Santa
Casa que não queria que servisse comida na no setor de observação. A técnica explica
que pode acontecer das pessoas estarem na observação justamente por não terem
comida suficiente e adequada em casa.
Trecho 6, entrevista com médico plantonista da Santa Casa
R. Você pega a pessoa carente, às vezes uma pneumonia você precisa internar.
(silencio) Porque em casa às vezes corre até risco de vida, tá. Você lida com o fato da
desnutrição, que é sério aqui na nossa região. Desnutridas, tem uma gripe e gera uma
pneumonia. Criança de baixo peso, desnutridas. A qualidade do alimento, né, a
qualidade e a quantidade, também, né.
3) Os profissionais da saúde e a dificuldade para o paciente nos cuidados em casa
Microevento. Data: 11/04/2005. Hoje após o almoço na minha casa com uma amiga,
médica da UBS, chegamos até uma discussão sobre sarna, sobre tratamento para sarna
- para os médicos escabiose. Formada ano passado (2004), contou o quanto já estava
familiarizada com pacientes com sarna, que só de olhar da porta do consultório na
UBS já sabia que era escabiose. Conversamos sobre o tratamento, ela me contou que
tem o medicamento gratuitamente na UBS. Porém há procedimentos que o paciente
deve seguir, como trocar a roupa todos os dias, inclusive roupa de cama. Também deve
ferver as roupas ou deixar dentro de um saco plástico por duas semanas.
Procedimentos essenciais para ficar livre da escabiose. Para a médica, certamente os
pacientes não tem condições de cumprir tais procedimentos, pois mal tem o que vestir,
muitos chegam à UBS com roupas não muito limpas. Relatou que atender criança
pequena com escabiose é mais triste ainda, as mães chegam e desenrolam os bebês na
maca, com a pele toda vermelha.
Trecho 5, grupo focal
C - E aqui, muitas vezes, as pessoas aqui, é, rimam pobreza com sujeira, né, tem muito
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disso também.
G – Acho muito que é da parte cultura.
C – Tudo isso.
E - Uma casa que não tem piso frio, gente, não tem como você andar, manter os pés das
crianças limpos.
G - Um fator cultural interessante, na minha região, tinha uma família, pegar, tem uma
área lá que é bastante pobre, realmente, casa de madeira, barro, né, mas numa dessas
casas tinha uma senhora. Uma casa (?), da mesma forma que as outras, mas com um
quintal limpo, uma casa muito bem limpa, uma casa, quer dizer, ali não precisa de
dinheiro. A limpeza que ela praticava na casa dela, não é dinheiro, não tinha custo, não
sei se é cultural, o que é (?). Isso é um fator, é um fato que tô citando, que às vezes é
interessante falar, né? Às vezes relaciona, né? Ah não né, tem que ser desse jeito, a
pobreza obriga que seja assim. Não necessariamente, você pode ter uma higiene, né,
pode ter uma limpeza, independente de estar faltando (?).
4) Chegar ao serviço de saúde quando se vive distante, há pouco transporte público
e falta dinheiro para pagar a passagem
Microevento. Data: 13/01/2006. No pátio da Santa Casa conversando com uma
senhora com seus setenta anos, do Quilombo São Pedro, sobre o ano novo e passagem
de ano. Relatou o problema do transporte nessa época do ano, ou seja, janeiro, época
de férias escolares. Para sair da comunidade São Pedro é necessário pegar o ônibus
escolar até a balsa – para daí atravessar e pegar o ônibus de linha normal de R$3,00,
ida e volta até Eldorado, R$6,00 por pessoa - ou andar a pé 7 km até a balsa; “pra
gente fica caro”. Durante o período de aulas é possível utilizar o ônibus escolar,
alguns motoristas permitem que além dos alunos, outras pessoas peguem ônibus. Em
tempo de férias somente a pé para chegar até a cidade. Geralmente eles saem de casa
quando ainda está escuro e retornam duas horas da tarde. Muitas vezes pensamos que
essas pessoas, até mesmo as crianças que estudam e tem que acordar tão cedo, se
acostumam com esse tipo de situação. Com essa senhora pude perceber que não é bem
assim, pelo tom da conversa ela jamais se acostumará com isso.
Microevento. Data: 17/11/2005. No estreito corredor da UBS encontro um grupo de
mulheres esperando atendimento e uma delas reclamando da demora. Desse jeito
poderia perder o ônibus para a casa, não recordo o nome do bairro aonde vive. Não
poderia perder o ônibus porque depois do meio-dia não teria mais ônibus para casa, na
verdade teria, mas somente onze horas da noite (e ainda era de manhã). Todos que
estão em volta ouvem e concordam com o comentário. Para as pessoas que residem
fora da área de cobertura dos PSF´s, mas na zona rural o atendimento na UBS é de
manhã. A tarde são atendidas as pessoas que residem na zona urbana. Por esta
conversa entendi que as pessoas da zona rural vem para a cidade nos ônibus que saem
às sete ou oito horas da manhã, retornando às onze ou meio-dia. Esses são os ônibus de
linha, o preço mais alto de ida e volta é R$7,00, referindo-me aos lugares mais
afastados. Nem todo mundo pode pagar reclama a mulher. Quando utilizam o ônibus
escolar podem sair de casa até antes das cinco da manhã, dependendo do local, mas a
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vantagem é que não pagam passagem (quando o motorista do ônibus é “bonzinho” e
aceita trazer quem não é estudante). Dificilmente essas pessoas têm dinheiro para
lanche na cidade.
Muitas vezes R$7,00 é o que uma família tem para passar aquele dia, equivale a menos
de 2 USD por dia por pessoa. Um dado que merece atenção dos profissionais de saúde,
por exemplo, o Banco Mundial considera que pessoas que vivem com menos de 2 USD
por dia estão em condição de pobreza.
Trecho 7, entrevista com a médica pediatra da UBS
S. – E as dificuldades aqui em Eldorado, para estar atuando na saúde.
I. - O povo aqui, eles até que são bem receptivos com as coisas que você explica para
eles, entendeu. Eu consegui que algumas mães viessem, trouxessem as crianças para
fazer um cadastro, pra gente investigar essa coisa da anemia. Alguns desnutridos,
desnutridos assim, baixo peso, né, que estão fazendo um controle. Mas elas não tem,
assim, muita crença de que aquilo ali pode comprometer aquela criança pro resto da
vida não, sabe. Então ela vem, daí eu faço toda aquela avaliação, gasto um português
danado, falo. Falo, assim, daqui a quinze dias você volta, pra gente ver quanto ele
ganhou, que existe uma avaliação, você pode calcular basicamente quanto gramas
aquela criança ganhou por dia, por semana, por mês e tal. Aí ela não volta, sabe, pelas
próprias dificuldades deles que moram lá longe, que não tem condução, choveu, o rio
encheu, a balsa não sai, então é complicado. Tudo isso é complicado. O bom seria se
tivesse gente para atuar lá na comunidade, que ficasse lá, que pudesse ir lá todo dia,
entendeu, mas por enquanto ainda não tem esse nível de PSF, com vários núcleos
desses, para poder atender esse pessoal assim. O que o cara faz é se desdobrar e ir
uma vez por semana em cada bairro para poder atender, isso não resolve, isso não
resolve. Você vê, eu que sou (?), aqui no centro da cidade, a tarde que é o pessoal da
cidade que vem, eu encontro, vamos dizer assim, uma desistência, um abandono de
tratamento pequeno. Eu falo pra voltar e escrevo lá, porque você não lembra de todo
mundo que você manda voltar, são quarenta que você atende por dia, então não dá pra
você lembrar de todo mundo, então eu escrevo na caderneta, voltar dia tal. O pessoal
da tarde normalmente volta.
S. – Mora aqui, tá mais perto.
I. – Exatamente. De vez em quando mora no sítio, mas é uma coisa mais perto, e
consegue uma carona ou vem de bicicleta. Então, dá para eles voltarem, então, dá pra
você fazer tudo. Mas o pessoal que mora lá longe, lá naqueles, sei lá, nem sei o que é
mais longe por aqui.
S. – Ivaporunduva.
I. É, sei lá. Então, eles não vão vir, né, você pede pra voltar e tal. (?) Você nem pode
dizer que a mãe é negligente, é que não tem condições mesmo. Daqui a pouco vai
chegar fim de ano, acaba o ônibus da escola, aí acabou o jeito delas chegarem até
aqui.
S. – São férias das crianças.
I. – É, essas são as férias do ônibus também. Então fica muito complicado, né, pra elas
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virem. Aí é isso, nem pra o programa do leite mesmo às vezes elas conseguem vir, né.
Mas é aquele negócio, essas que tem a tal da bolsa escola, que não vem e fica na
preocupação de levar o tal do atestado, que é pra não levar falta na escola (?) Eu acho
essa tal de bolsa escola simplesmente um absurdo, porque manter filho na escola é
obrigação de todo mundo. Você não pode ser premiado porque está fazendo sua
obrigação, isso aí, a mãe tem que ter na cabeça dela, que já que ela pariu uma criança
ela tem que dar a ele, pelo menos um meio para poder escrever, ler e se comunicar
com as outras pessoas. Ela não tem que ganhar dinheirinho porque levou para fazer a
obrigação dela, entendeu. Isso é uma coisa que me deixa irada. Essa história de
premiar o sujeito porque ele tem que fazer a obrigação dele. Isso não resolve nada, é
tapar o sol com a peneira. Eles que tem uma cabeça estreitinha, eles acham uma
maravilha. E é baseado nisso que os safados desses políticos sobrevivem, porque ficam
enrolando essa gente.
O programa do leite o qual a médica se refere é o Vivaleite. O programa é da Secretaria
de Estado da Agricultura e Abastecimento, governo estadual. E em parceria com a
prefeitura municipal, distribui 15 litros mensais de leite in natura enriquecido com
vitaminas A, D e ferro para a alimentação de crianças de 6 meses a 6 anos de idade,
pertencentes a famílias com renda mensal de até dois salários mínimos e idosos
portadores de doenças crônicas. Os pais ou responsáveis pela criança têm obrigação de
comparecer mensalmente a UBS para a pesagem e apresentar a carteira de vacinação da
criança em dia. A prioridade do programa são as crianças de baixo peso. Atualmente há
lista de espera de pessoas para serem cadastradas no programa.
Trecho 2, grupo focal
G - (?) Achei interessante no caso (?), ter acesso e fazer o tratamento. Outro ponto.
Para muitos, fica muito complicado, você não consegue, por exemplo, dar um
afastamento para essa pessoa, com um suporte financeiro, né, do INSS. Ele não tem
como parar ou interromper aquele trabalho pesado, que até certo ponto é a causa do
problema dele, né, para sair e fazer um tratamento. Então às vezes ele tá lá, trabalha
com banana, por exemplo, que é a região aqui, é um serviço pesado (?). Aí, machucou,
às vezes ele teria que parar, fazer o uso da medicação, fazer o tratamento fisioterápico,
mas como ele vai ficar afastado? Ainda quando a gente consegue afastar ele e ele
recebe o benefício, ele tem como estar fazendo o tratamento (-). Mas supomos que ele
não vai mais conseguir trabalhar? Aí é outro problema enorme que ele ganhou na vida,
ele não tem mais condições físicas de trabalhar (-), precisa do trabalho para ganhar
dinheiro, quer dizer, aí ele vai para onde? Busca uma aposentadoria, busca alguma
coisa. Então ele é uma pessoa, às vezes de uma idade muito nova, né, uma pessoa
jovem, que já está sem condições de desenvolver trabalho, isso é uma coisa que eu acho
interessante. Uma vez conversei com um médico perito, que ele falou, que os médicos
tem muita resistência em dar atestado, mas se a pessoa precisa para recuperação, ele
tem que dar atestado. (?) afastado algumas semanas, alguns dias, né, mas ele recupera
a volta para o trabalho. (?) condições, senão, a pessoa machucou, você obriga ele a
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trabalhar, daqui a pouco entra com uma le[
E - [lesão pior.
G - entra com uma lesão pior (?) acaba tendo que afastar, acaba não tendo condições
(?)=
C - = E aqui é até assim, você fica até sem jeito de falar porque pergunta, pôxa fulano,
você tá sumido do tratamento. Ah “dotora”, tava sem dinheiro para vir fazer
fisioterapia. Aí você pergunta, você tá melhor. Não, não tô legal. Porque o paciente
vem uma vez, uma vez a cada quinze dias, então isso aí não adianta nada, daí eu falo,
você tem que fazer o tratamento e tem que fazer repouso. Ah “dotora” como é que eu
vou fazer repouso, não tenho quem faça as coisas pra mim, não tenho dinheiro pra
pagar alguém pra fazer as coisas dentro de casa, eu mesmo faço. Então, como é que
uma pessoa desse jeito (?)
Reunião de saúde da mulher
A DIR XVII – Direção Regional de Saúde – promoveu no centro de treinamento em
Registro, várias reuniões com equipes de saúde dos municípios sobre a saúde da mulher;
pude participar de apenas duas reuniões. De Eldorado, a equipe que participou da
reunião foi a psicóloga da Santa Casa, o enfermeiro e a médica de uma equipe de PSF.
Em pauta esteve a idéia dos municípios absorverem parte do programa de Planejamento
Familiar, centralizado no HRVR.
Durante a reunião, logo foi possível perceber o quanto o Planejamento Familiar corria
o risco de resumir-se ao método cirúrgico. Um ponto importante de discussão. Então,
tínhamos duas concepções de Planejamento Familiar: como “direito cirúrgico” de toda
a pessoa e como direito de toda pessoa escolher em que momento da vida quer ter filhos,
incluindo, portanto, a informação e escolha de algum método anticoncepcional. Os
profissionais da primeira concepção compartilhavam a indignação da falta de acesso de
muitas pessoas aos métodos cirúrgicos, inclusive as que estavam muito decididas quanto
a isso. A falta de acesso se dá porque não é fácil as pessoas, principalmente da zona
rural, se locomoverem até Pariquera-Açu no HRVR, sem ter com quem deixar os filhos e
sem o marido (que trabalha), para participarem de todas as etapas até finalmente
conseguirem a cirurgia. E nos alertavam que as pessoas mais necessitadas de
laqueadura e vasectomia – que estariam cobrando acesso a esses métodos aos
profissionais – também são as mais pobres, as que “não tem condições de cuidar de um
filho, imagina de cinco, seis”, “são as que tem um filho atrás do outro”. E que a pobreza
aumenta com maior quantidade de filhos. Por esse motivo cobravam objetivamente a
autonomia dos outros municípios em assumir as etapas preliminares a cirurgia, que
continuaria no HRVR. Essas etapas são: reunião em grupo para palestra informativa,
assinatura do termo de consentimento e entrevistas individuas com assistente social,
psicólogo, enfermeiro e médico. Etapas que aconteceriam no próprio município,
diminuindo o deslocamento das pessoas até Pariquera-Açu.
Por outro lado, durante a reunião houve várias tentativas para ampliar a discussão de
Planejamento Familiar, envolvendo a idéia original do direito que “toda pessoa tem à
informação, à assistência especializada e ao acesso aos recursos que permitam optar
livre e conscientemente por ter ou não ter filhos. O número, o espaçamento entre eles e a
escolha do método anticoncepcional mais adequado são opções que toda mulher deve
ter o direito de escolher de forma livre e por meio da informação, sem discriminação,
coerção ou violência.”(www.saude.gov.br) Compartilhavam a idéia de que não é a
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laqueadura ou vasectomia que resolverá a pobreza daquela família, pode ajudar, mas
não é uma certeza. Assim armava-se um grande conflito.
5) Quem não pode pagar o ônibus dificilmente pode comprar medicamentos
Trecho 1, entrevista com usuária do serviço de saúde
S - E às vezes você tem alguma dificuldade? Por exemplo, eles falam alguma coisa, e
você não tem condição de estar cumprindo, seguindo a orientação, os medicamentos?
E. - É, só em medicamento, às vezes, né, eu me atrapalho, e estar saindo, correndo com
viagem, dos meus filhos, assim, às vezes me complico, mas do contrário tudo bem.
S. - É? Tá, bom. Você pode dizer também dos seus conhecidos, você acha que os
serviços de saúde são adequados pra eles, se alguém já teve alguma dificuldade?
E. - Não, dá saúde até agora, tá dando tudo certo comigo. A única coisa é outro
departamento que não me tratam bem, né, que não inclui a saúde.
S. - Vamos lá, pode falar.
E. - Posso falar?
S. – Pode.
E. - Que não inclui a saúde, e que não me tratam bem é no S.O.S. Que a gente sempre
quando precisa, principalmente eu que preciso de transporte para ir para algum lugar,
não tenho condições de estar pagando transporte, sempre que eu preciso, eles sempre
têm uma desculpa para me dar. Na parte que eu queria que mudasse é na S.O.S.
Quando E. diz “correndo com viagem, dos meus filhos” significa o uso dos serviços de
referência, como em Santos (Hospital Guilherme Álvaro) ou São Paulo (Hospital de
clínicas). No caso, ela tem que acompanhar o filho adolescente numa cirurgia em
Santos. Já relatamos que praticamente todas as pessoas usuárias do SUS dependem do
transporte gratuito que o departamento de saúde disponibiliza. E. tem que se organizar
com parentes e vizinhos para deixar outros filhos sob cuidados, porque o transporte que
leva os pacientes para Santos e São Paulo sai às 2h30min da madrugada, sendo que os
atendimentos começam geralmente às 7h ou 8 horas nesses lugares.
Trecho 4, entrevista com usuária do serviço de saúde
O trecho inicia com risos porque E. faz um elogio para mim, o que me deixou um pouco
sem jeito. Esta situação revela nossa dose de intimidade, porque como psicóloga da
saúde já atendi E. em diversas situações, principalmente em relação aos filhos. Não
exatamente neste trecho, mas em outro momento da entrevista E. fala comigo
subentendo que eu já saiba do assunto.
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S. - (riso, faço sinal negativo com movimento de cabeça ) Aí eu pensei assim, também
vou conversar com os pacientes, para vê se eles tem dificuldades, entendeu. Porque os
médicos às vezes falam, <<às vezes eu passo medicamento e a pessoa não pode
comprar>>, daí, fico pensando com é que a pessoa vai se curar, então?
E. É, às vezes também acontece isso, né. Às vezes ele passa um remédio, que às vezes a
gente passa no posto e não tem, e a gente tem que tá pedindo pra alguém ajudar, para
comprar, e no caso a gente vai correr no S.O.S, as vezes sempre eles dão pra trás, eles
nunca tão ali pra atender a gente.
S. - Então, porque acho que não tem nada organizado, assim , por exemplo, para
atender quem tem essa dificuldade. Porque tem medicamento que não tem no posto,
certo?
E. É.
S. - E aí, o pessoal não sabe a quem recorrer, vai no S.O.S, no diretor de saúde.
E. - E às vezes fica sem o remédio, sem o medicamento, porque não tem condições de
comprar, e não tem como, né. Quando acontece de ficar na Santa Casa de observação,
e eles têm o remédio e aplicam, eles tem sorte, né. Agora, quando não tem nem na
Santa Casa, e tem que comprar mesmo, às vezes a gente fica sem mesmo, porque na
minha situação eu não tenho condições. Não tenho salário mínimo, mas tem muitos que
tem salário mínino e não tem condições, porque a dificuldade é essa.
Trecho 5, grupo focal
G - Caso do PSF, faltou anticoncepcional, acabou, (?), tinha as grávidas pra iniciar
pré-natal, né. Às vezes, até elas realmente não queriam engravidar, né, mas não
tinham dinheiro pra tá comprando anticoncepcional.
E - Vamos partir do princípio que, eu acredito que a média aqui, vai, no mês passado,
sei lá, 15 e 20% queriam engravidar, o resto tudo sem planejamento. As mulheres não
têm alternativa, porque é verdade (?), não tem acesso ao contraceptivo, ao método, até
a informação, então acaba engravidando, acho que 20% engravidou com
planejamento. (?) Você vê um dado, uma estimativa nossa aqui, (?) nós ganhamos uma
doação do anticonceptivo (?), injetável. Seis meses de contraceptivo (?) de graça.
Quanto conseguimos reduzir, agora você imagina para quanto nós conseguiríamos
reduzir se tivéssemos condições de dar manutenção cinco anos sem faltar (?).
Microevento. Data: 28/08/2005. Conversa no bar com B., médico de PSF. Hoje estava
num bar com o R., médico psiquiatra, que também trabalha como médico de PSF em
Eldorado, atuando na zona rural. Estávamos tomando cerveja, antes disso, para iniciar
a conversa perguntei “como está o trabalho?” Ele me respondeu que está tudo ruim,
uma pobreza geral, que eu precisava ver. Relatou uma cena superinteressante,
relacionando com a pobreza, sobre população atendida que não pode comprar
medicamentos. Disse que não agüenta mais quando o paciente, após a consulta médica,
pergunta a ele se tem o medicamento de graça (porque não tem o medicamento). Disse
que para não se envolver mais, responde que não sabe se tem o medicamento. Depois
B. observa o paciente se retirar do lugar da consulta e ir até a auxiliar de enfermagem
perguntar-lhe se tem o medicamento de graça. A auxiliar, como se "fingisse", analisa o
pedido do médico na receita - mesmo sabendo que não tem o remédio - e finalmente
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responde ao paciente que infelizmente não tem. B. estava cansado dessa situação, dessa
cena, não agüenta mais. Disse que não precisa disso, poderia estar "numa boa",
aposentado.
Trecho 3, grupo focal
E – Sem contar a parte medicamentosa, além da fisioterápica. Se você não fornecer,
esquece, que ele não vai tomar (?) Não tem acesso a medicação, outro ponto
complicado. Não tem jeito, se ele for atendido numa sexta-feira à noite, por exemplo,
que seja prescrito um antibiótico qualquer, enquanto o posto não abrir na segunda-
feira ele não vai iniciar o tratamento. Se o posto não tiver, esquece, ele não tem
condições de comprar (?), não tem condições de comprar (?) Se você não fornecer,
pode ter certeza que ele não vai ter meios de comprar (?), nem sempre vai ter dinheiro
(?) Pessoa pobre (?) tem acesso a alguma coisa. Ele não tem alternativa, não é
ruindade não, ele não tem alternativa de estar escolhendo entre comprar e não
comprar. Eu tenho uma grana aqui (?) se nós não fornecermos, se a Saúde Pública não
fornecer, ele não tem como comprar.
S - E aí como é que fica o trabalho do profissional da saúde? =
E - = Ah, ele vai voltar possivelmente na consulta, pior que na anterior, uma coisa que
encarece o governo, vai se afastar por mais tempo, senão em definitivo. È um homem
que tá na idade de contribuir, essas são visões que hoje, o Brasil não tem isso claro (?).
Houve uma época em que o país (?) reduzir impostos das empresas (?), programa
redução do tabagismo. Hoje, o Programa de Saúde da Família, a idéia, o objetivo do
PSF é não deixar a população adoecer. (?)
6) A dificuldade do trabalho preventivo para profissionais da saúde ao encontrar a
população já com doenças, acostumada com o modelo de atendimento médico
tradicional e sem condições de saneamento e higiene no local em que vive
Trecho 6, grupo focal
G - Acho assim, realmente fica complicado fazer um trabalho de prevenção, na verdade
se você for ver o treinamento que se dá pro PSF, né. Ele é, ele seria hoje, deveria atuar
preventivamente, mas pela sobrecarga que a gente tem, no sentido de já estar a doença
presente de uma forma tão avançada, que acaba tendo que curar. =
E - = (?)
G - Então fica complicado trabalhar com esta parte preventiva, lógico, a gente tenta, faz
parte né. Eu acho que em maior ou menor grau, acaba se fazendo também um trabalho
preventivo, mas este trabalho preventivo, se ele pudesse ser feito de uma forma efetiva,
lá no fim, na outra ponta da corda, você teria uma economia muito grande.
E - Eu fiz PSF em Miracatu, ficava indignado porque a população (?) não queria que
fechasse o posto para fazer visita, a gente falava, gente, o trabalho do PSF é de
prevenção. Se nós não estamos, estamos na rua prevenindo, ensinando, educando, né.
Levando educação nova, educação de saúde, educação nova na casa do cara. (?)
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Objetivo do PSF é esse que você está dizendo, é não deixar o povo adoecer, a população
tinha que estar contente. (?) Pô, meu posto tá fechado, por quê, porque meus
funcionários estão na rua prevenindo, levando educação e saúde para a população, pra
que estes não venham pro posto (?) Só que a nossa realidade não é essa, porque o povo
não aceita isso. Então, enquanto nós não curarmos o povo, nós não vamos ter como
estar educando. Vamos curar primeiro, pra depois educar, mas tem isso, ele cura um, aí
o cara se reinfecta, porque as doenças, são doenças de pobreza, e de novo e de novo e
você não sai desse impasse. Qual seria a alternativa hoje? Duas equipes de PSF, uma
trabalhando na corretiva, que é curando, e a outra na prevenção.
G - Quando eu tive minha equipe do PSF, o meu treinamento veio depois, porque na
verdade teve um treinamento inicial, depois teve um segundo treinamento, básico (?).
Volto a colocar de uma forma muito enfática, a necessidade de fazer reuniões, né (?).
Problema com a política.
E - (?) reuniões no posto.
G - Não. Depois, também a gente teve duas vezes problemas de fazer reunião, as duas
vezes foram falar que a gente tava fazendo política, então tivemos que parar as reuniões
(?).
E - Lá em Miracatu (?) menina da Sabesp falou assim, só o fato de você não ferver e não
clorar (a água) pode dar uma diarréia, aí vai bater no hospital (?) soro(?). Isso você
adquire aonde, nas reuniões, treinamento, hoje, amanhã (?). Lá fazíamos reuniões todas
às sextas-feiras.
Viagem 2 com PSF I dia 29/11/2005
A visita junto com PSF I Flamboyant ocorreu dia 29/11/05. Saímos da Santa Casa em
direção a uma comunidade quilombola chamada Ivaporunduva. Aliás, essa equipe de
PSF atende somente as comunidades quilombolas. Hoje a equipe estava composta pelo
médico, auxiliar de enfermagem, dentista e auxiliar de dentista. E atendimento seria aos
hipertensos e diabéticos (programa Hiperdia) com entrega de medicamentos para
hipertensão e diabetes. A auxiliar de enfermagem me explicou que o PSF trabalha com
os programas de diabéticos e hipertensos, planejamento familiar, vacinação e pré-natal.
Os dois PSFs se organizam para em cada semana do mês realizar as atividades de um
programa. Em Ivaporunduva vivem cerca de oitenta famílias. A distância é quase uma
hora de carro do centro de Eldorado. Para chegar a Ivaporunduva ainda temos que
atravessar o rio Ribeira de Iguape com uma pequena balsa.
O médico atendeu dentro da igreja católica, símbolo da comunidade, uma igreja antiga
e não muito preservada. Interessante que o atendimento foi no altar da igreja, que
estava organizado com duas cadeiras e uma mesa para realização das consultas. A
impressão que ficou foi de um atendimento médico “clássico”, em que o paciente entra
no consultório e faz sua queixa. Aproveitei para conversar bastante com o dentista da
equipe, que estava disponível para uma conversa porque já havia feito toda a triagem de
pacientes nas semanas anteriores. Agora aguarda o término da construção do
consultório odontológico, junto ao posto de saúde que também está em construção.
Sentei ao lado do dentista dentro da Igreja, estávamos nos bancos da igreja de frente
para o altar, aonde o médico atendia atrás de um lençol pendurado na parede. Primeira
coisa que o dentista falou foi sobre o local de atendimento precário, sem água para
lavar as mãos, que é algo essencial. Falou que o profissional não tem condições de
trabalhar desse jeito. Outro exemplo foi dos medicamentos que são transportados
inadequadamente sob o forte calor. Falou das condições precárias de vida da
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população, mencionou a falta de saneamento básico, “qual é o sentido de tratar a
verminose se a população continua vivendo sob as mesmas condições que causam a
verminose”. Que o governo deveria pensar nessas coisas e não apenas enviar
“lombrigueiro”. Falou também da alimentação deficitária, questionando se essas
pessoas comem carne alguma vez no mês. Falou que a saúde não consegue atender a
necessidade da população. Conclui que os responsáveis por organizar os serviços de
saúde deveriam conhecer pessoalmente locais como Ivaporunduva, para saber do que
realmente as pessoas precisam. No final da conversa perguntei se poderia usar essas
coisas que ele me falou no relatório de campo da pesquisa de mestrado, o dentista
concordou. Nesse dia o médico saiu para fazer três visitas domiciliares aos pacientes
que não tinha condições de comparecer na igreja. O restante da equipe ficou
aguardando ali na igreja.
Trecho 7, entrevista com o médico plantonista da Santa Casa
R. (?) Muitas vezes o paciente tem o PSF no sítio, porém procura a unidade básica, não
acredita muita a na medicina preventiva. Esse aí é o fator educacional também, tem que
assimilar o que é o PSF, a filosofia. Esse é um trabalho de base, de educação.
S. É interessante isso, porque outro colega comentou que às vezes as pessoas ficavam
indignadas quando fechava o posto do PSF, porque não entendia que a atividade do
PSF não era tão de ficar no posto, mas era sair pra fazer as visitas.
R. Sem dúvida. Filosofia muito boa, né, mas isso é para ser a longo prazo.
As desconexões presentes no dia-a-dia merecem algumas discussões. Em primeiro
lugar, é evidente que condições de saúde – físicas mesmo, como decorrentes de
diabetes, hipertensão, pós-operatória – são determinadas e condicionadas a alimentação,
condições de moradia, roupas, transporte, objetos do lar, trabalho e renda.
Na própria Lei Federal 8.080 de 1990, que regula as ações e serviços de saúde (SUS),
encontramos a idéia de saúde atrelada uma série de fatores: A saúde tem como fatores
determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento
básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso
aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País.” A ausência disso tudo ajuda a caracterizar
situações de pobreza, como ocorre no Vale do Ribeira. Portanto, infelizmente, o
profissional da saúde tem que estar ciente que poderá encontrar desigualdades nas
condições de saúde da população que vive lá.
As diversas pesquisas sobre as desigualdades nas condições de saúde, como as
pesquisas epidemiológicas e relatórios (OPAS, 2002; OMS, 2001, 2000) afirmam que a
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pobreza, na sua heterogeneidade, afeta as condições de saúde, tanto físicas quanto
mentais. O atual debate sobre equidade no campo da Saúde Pública e Saúde Coletiva,
refere-se, além das desigualdades nas condições de vida e saúde da população, a outros
fatores como desigualdades quanto “à distribuição espacial da oferta de recursos
humanos e de capacidade instalada”; “ao acesso e utilização de serviços (públicos e
privados)” e “à qualidade da atenção recebida” (LUCCHESE, 2003, p.440). Equidade é
o termo utilizado para lidar com as desigualdades em saúde, “(...) o conceito de
equidade sugere que pessoas diferentes deveriam ter acesso a recursos de saúde
suficientes para suas necessidades de saúde e que o nível de saúde observado entre
pessoas diferentes não deve ser influenciado por fatores além do seu controle”
(LUCCHESE, 2003, p. 441).
Mesmo assim no dia-a-dia parece difícil assumir explicitamente que saúde depende
desses fatores e tentar articular uma melhor resposta aos problemas dos usuários do
SUS em Eldorado. O que nos leva a pensar nos modelos de assistência a saúde vigente
no dia-a-dia dos serviços. MEHRY e FRANCO (2002, 1999) discutem o trabalho em
saúde, para os autores há necessidade de uma recomposição técnica do modelo
assistencial em saúde, através do uso de tecnologias leves de caráter relacional. Os
autores discutem o modelo médico hegemônico, centrado no que identificam como
tecnologias duras e no Trabalho Morto, ou seja, somente instrumental. E mais, de
afirmação do modelo de assistência hegemônico do médico. Mas há possibilidade do
trabalho relacional, com uso das tecnologias leves, em que mesmo utilizando-se do
instrumental (medicamentos ou exames) reconhece no usuário de saúde “uma certa
origem social, relações sociais e familiares, uma dada subjetividade que expressa sua
história e portanto, este conjunto deve ser olhado” (MEHRY e FRANCO, 2002).
Por outro lado, inevitavelmente, as desconexões diárias também nos levam a pensar no
apoio que os profissionais sentem que tiveram na formação profissional, tanto no curso
de graduação quanto qualquer outro. A seguir, a partir das respostas que tivemos dos
profissionais da saúde sobre esta questão, discutimos a formação profissional.
7) Formação profissional ainda distante dos lugares de atuação
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Uma questão de interesse foi verificar com os profissionais da saúde em Eldorado com a
formação os preparou para as desconexões que mencionamos acima. Através das
entrevistas e grupo focal obtivemos algumas respostas.
Trecho 1, grupo focal
G – Fato interessante, porque na faculdade você aprende basicamente uma medicina
elitizada, né, pouco dentro da faculdade se fala sobre pobreza, ou doenças da pobreza (?),
mas lógico tem também (?).
E - Sobre minha formação, eu me graduei em Santos, numa região com pobreza (?). E outra,
já divergindo da medicina, os estágios da minha faculdade foram todos em escola, não,
hospitais particulares de qualidade, com equipamentos sofisticados (?). Quando você de
depara com a realidade pública (?) é bem diverso daquilo que você é preparado na
graduação. Você encontra aqui problemas (?). Nem todo mundo vai trabalhar num Albert
Einstein. Bastante profissionais, acho até que a maioria dos profissionais da graduação não
são preparados para encarar uma realidade como a nossa aqui (?). Saúde, pobreza, doença,
falta de higiene, saneamento básico. (?) Poder público (?) Só que a saúde pública é feita
para todo cidadão de direito, nada é diferenciado para o mais pobre ou menos pobre. O
governo (?). O governo lança (?) tanto a classe pobre quanto a classe (?).
C - No meu curso não tinha nenhuma matéria específica, né, sobre pobreza, nada disso, né,
e aonde eu estudei, realmente, pessoas com poder aquisitivo bem alto, né. Já o estágio que
eu fiz foi no Hospital Geral de Duque de Caxias, hospital público, então era aonde você via
a pobreza e difícil de você trabalhar, né. Assim, você não tinha muita coisa o que fazer, a
aparelhagem também precária, né, as pessoas às vezes não podiam ir fazer fisioterapia
porque não tinham dinheiro para pagar a passagem, né, e não podia ir andando porque era
longe de casa, né. E aqui também, agora, já muita pobreza, a gente vê, o pessoal deixa de
vir fazer, né, o tratamento por quê, porque não tem o dinheiro da passagem, né. Muitos às
vezes vêm e têm que voltar logo porque não tem dinheiro para fazer um lanche, nada, quer
dizer, é difícil, né? Bem complicado, principalmente aqui, aqui em Eldorado. =
M - = Eu fiz meu internato na Santa Casa, tá, que atendia pelo SUS, Santa Casa do Rio de
Janeiro, e estagiei em hospital público, e trabalhei, tive a oportunidade de trabalhar, em
instituição particular e eu via grande diferença entre o pobre e o rico. No caso do pobre,
pobre lá no Rio, que não tem um plano de saúde, sofre, ele tem que acordar cedo, tem que
madrugar na fila para conseguir um especialista, às vezes até para conseguir uma consulta
de uma Unidade Básica, tá. E, diferente daqueles que conseguem ter um plano de saúde, tá,
que tem um atendimento melhor e fora as condições, de alojamento, de leitos, a gente via a
diferença do leito de uma instituição pública e de um leito numa instituição particular, se
bem que tem instituição pública, tipo Instituto Nacional do Câncer, que é bem superior a
qualquer estabelecimento particular, tá, mas na maioria dos casos nas instituições públicas
é inferior. E o pobre que não tem plano de saúde realmente sofre se depender do SUS, tem
dificuldade, pelo menos lá no Rio.
Trecho 1, entrevista com a médica pediatra da UBS
S. - Gostaria que você primeiro me falasse da formação, se teve uma discussão sobre a
temática da pobreza.
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I. Uma cadeira específica falando sobre isso não teve não. Não teve e eu acho que ainda não
tem. Agora, de uma maneira geral essa miséria, ela é muito antiga. Desde Carlos Chagas e,
antes dele até, a temática da fome, por exemplo, teve abrangência em todo o curso médico,
né. Agora especificamente uma cadeira que falasse sobre ela, não tem não. Todas as
matérias que você faz de clínica, você passa por isso, você vai saber que vai lidar com a
miséria extrema mesmo. Com o cara que é abandonado, excluído, essa coisa toda *.
Trecho 6, entrevista com a médica pediatra da UBS
I. - Nas universidades lá no Rio, por exemplo, entrou no ambulatório para fazer o cadastro,
já de cara, já se faz estas pesquisas todas, entendeu, de verminose, pesar, medir, verificar
(?). A criança extremamente desnutrida, hoje em dia você quase não vê. (?) Fome zero. (?) *
Eu que sou formada há muitos anos, tenho mais de vinte anos de pediatria, eu vi isto quando
era estudante, quando era acadêmica (?) Criança com aquela desnutrição horrorosa. (?)
Fotografias que tem da África. (?) E olha que eu já rodei esse Brasil. Tem crianças que
estão com baixo peso, mas aquela desnutrição que a gente chama de marasmo, grave e que
vai até matar o indivíduo. (?) Estes realmente eu não tenho visto atualmente. Na faculdade o
que a gente vê da miséria é isto, a conseqüência da miséria: a fome, a desnutrição,
verminose, entendeu.
Trecho 1, entrevista com médico Santa Casa
S. Então, acho que primeiro você pode falar da formação, né, se teve alguma disciplina, um
foco na questão da pobreza.
R. Fiz o curso básico de medicina durante seis anos, a única disciplina que se aproximava
mais era epidemiologia, noções básicas, tá. Não especificamente uma disciplina sobre
pobreza.
S. Epidemiologia, sobre as condições de vida.
R. Marcadores de saúde, mortalidade. Nascimento, doenças, a prevalência de certas
doenças numa comunidade.
S. Que ano era?
R. (risos) (?) Não tinha idéia de onde iria atuar.
Trecho 4, entrevista com médico Santa Casa
R. Hoje (?) aqui no pronto socorro, não tem condições de arcar com a receita básica, que são
os medicamentos, muitas vezes, você viu ali, na criança, tive que fazer um (?) injetável (?). A
faculdade não ensina a fazer estas adaptações. (?)
S. É os outros colegas disseram assim, ensina como se a gente fosse atender sempre com boas
condições de trabalho.
Formação e educação em saúde é um elemento importante para pensar as desconexões
vividas no dia-a-dia da atuação profissional. Através dos relatos, os profissionais nos
52
contam que a formação não os preparou para realidades tão diferentes que iriam
encontrar no trabalho. Principalmente em relação às populações atendidas e suas
condições de vida e mesmo de saúde, aos lugares de atuação, a estrutura e aos recursos
disponíveis. Logicamente não podemos responsabilizar a formação em saúde pelas
desconexões enfrentadas no dia-a-dia, se há culpa, essa se constitui de muitos mais
elementos do que se imagina.
MEHRY e FRANCO (2003; 1999) ao discutirem o “Trabalho Vivo” e as tecnologias
“leves, duras e leve-duras” no trabalho em saúde nos ensinam sobre o conhecimento que
se produz nos próprios serviços de saúde, com os fazeres de cada dia.
Esta função criativa e criadora que pode caracterizar os serviços de
saúde, a partir das relações singulares, é operada por "tecnologias
leves", território onde se inscreve o "trabalho vivo em ato". Buscar na
arena da produção de serviços de saúde, os lugares onde se matriciam
o conhecimento e a forma de potencializá-los para a assistência à
saúde é fundamental. Isto só será possível, se for permitido, por
conquista ou por política institucional, que cada trabalhador utilize o
máximo da sua potência para resolver efetivamente os problemas de
saúde dos usuários. O "trabalho vivo em ato" é aquele que ocorre no
momento mesmo em que ele se realiza, no imediato fazer a produção
do serviço. (MEHRY e FRANCO, 1999)
Por outro lado, e de forma bastante criativa, FARIAS (2005) no Congresso Nacional de
Psicologia Social com o trabalho “O psicólogo na saúde coletiva e a formação médica:
muito além da psicologia hospitalar”, utilizou-se de charges
2
para a discussão dos
“vários SUS”: o SUS para pobre, o SUS formal, SUS real e o SUS democrático. O autor
trabalha com a formação de futuros médicos e tenta mostrar diferentes realidades
vividas no SUS. E assim, contribui para uma questão que nos parece fundamental, que é
a de mostrar aos profissionais da saúde as diferenças dos possíveis lugares para se
trabalhar e a diversidade de inserções profissionais.
2
Ver “Só rindo da saúde”, em História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol.7 no.1, Rio de
Janeiro, Mar./June, 2000.
53
Sérgio Jaguaribe, o Jaguar, carioca, 66 anos, começou sua carreira em
1957, na revista Manchete. Colaborou na Tribuna da Imprensa,
ocupou o cargo de editor de humor na revista Senhor e foi chargista de
Última Hora. Um dos fundadores do Pasquim, onde trabalhou do
primeiro ao último número, ilustrou todos os livros de Stanislaw Ponte
Preta e as anedotas do Pasquim, de Ziraldo.
Atualmente é chargista de O Dia, mantém uma seção (‘Inverdades &
Mentiras’) na revista Sexy, faz vinhetas para a TV Globo e é
colaborador em várias revistas. Recebeu, em 1998, o prêmio Líbero
Badaró, na categoria charge, pela revista Caros Amigos. É o único
chargista que produziu, sem interrupção, desde 1957 até hoje, num
período de 41 anos. Nesse tempo, fez aproximadamente vinte mil
desenhos, dos quais, segundo diz, não guardou nenhum.
54
Herminio Macedo Castelo Branco nasceu em Fortaleza (CE)
em 1944. Formado em direito, é jornalista, cartunista,
ilustrador, artista plástico e programador visual. Publicou as
obras No Words (cartuns), O pequeno planeta perdido (em
parceria com Ziraldo), Poeminos e Minha vã filosofia (poesia
e pensamentos), Os Peixes (monografia).
Lançou a revista de humor O Almanaque Mino. Foi premiado
em vários salões internacionais.
Nelatir Rebés Abreu nasceu em Santiago do
Boqueirão (RS) em 1950. Trabalhou nos jornais
55
Folha da Tarde, Correio do Povo, Coojornal,
Pasquim e O Estado de S. Paulo. Foi premiado mais
de uma vez no Salão Yomiur Shimbum do Japão.
Recebeu prêmios nos salões de humor de Montreal e
Piracicaba.
Criador do personagem gaúcho típico Macanudo
Taurinho Fagundes, publicou vários livros.
Lailson de Holanda Cavalcanti nasceu em Recife
(PE) no dia 26 de dezembro de 1952, teve trabalhos
publicados no Pasquim, Jornal da Semana, Jornal
da Cidade e nas revistas Mad e KYX-93. Trabalha no
Diário de Pernambuco.
Entre seus diversos prêmios, figuram os do Salão de
Humor de Montreal (1983, 1985).
Há uma série de discussões dentro da Saúde Pública e Saúde Coletiva sobre a formação
e a educação em saúde. CARVALHO e CECCIM (2006) retomam importantes questões
como a falta de integração ensino e trabalho – principalmente no SUS, o papel
secundário da Saúde Coletiva e Saúde Pública, o excesso teórico-conceitual na
formação, as disciplinas compartimentadas e a ênfase na base biológica dos processos
saúde-doença.
Vários autores (CARVALHO e CECCIM, 2006; PAIM e ALMEIDA FILHO, 1998)
mencionam a influência do famoso Relatório Flexner do início do século XX no ensino
médico e em outras profissões de saúde, que legitimou uma educação científica em
saúde. Seguiu este modelo a Johns Hopkins University, influente no ensino da medicina
56
em muitos países, inclusive no Brasil. Para conferir, basta olhar para as diversas
especialidades médicas - logicamente com os devidos méritos - mas que contribuíram
para a fragmentação dos cuidados à saúde das pessoas; assim como o surgimento de
profissões tão especializadas como fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.
Um exemplo é a organização da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
com suas disciplinas, departamentos e institutos: 1) Cardio-Pneumologia (subdividido
em Bases fisiológicas da clínica médica, Cardiologia-Incor, Cirurgia torácica cardio-
vascular, Pneumologia); 2) Cirurgia (subdividido em Anestesiologia, Cirurgia Plástica,
Cirurgia de cabeça e pescoço, Cirurgia do trauma, Cirurgia Geral e Topografia
Estrutural Humana, Cirurgia Pediátrica, Cirurgia vascular, Disciplina de transplante e
cirurgia do fígado, Urologia, Disciplina de técnica cirúrgica e cirurgia experimental); 3)
Clínica médica (subdividido em Reumatologia, Disciplina de imunologia clínica e
alergia, Clínica geral e propedêutica, Emergências clínicas, Endocrinologia e
metabologia, Unidade de endocrinologia genética e hereditária, Hematologia e
Hemoterapia, Nefrologia, Terapêutica clínica); 4) Dermatologia; 5) Doenças
Infeccionas e parasitárias; 6) FOFITO (fisioterapia, fonoaudiologia e terapia
ocupacional); 7) Gastroenterologia; 8) Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e
do Trabalho; 9) Medicina Preventiva; 10) Neurologia (subdividido em Neurocirurgia,
Neurologia clínica, Neurologia experimental, Neurologia infantil; 11) Obstetrícia e
ginecologia; 12) Oftalmologia e otorrinolaringologia; 13) Ortopedia e traumatologia;
14) Patologia (subdividido em disciplinas de Informática médica, Telemedicina e
Patologia Clínica; 15) Pediatria (Instituto da Criança); 16) Psiquiatria; 17) Radiologia.
Ainda segundo os autores, respostas específicas para a integração serviços de saúde e
ensino surgiram a partir da década de 1980 no Brasil, como a rede de Integração
Docente-Assistencial, os Projetos UNI (que incluía a participação da comunidade), os
movimentos dos cursos de enfermagem e medicina (Seminários Regionais e Nacionais
de Ensino Superior em Enfermagem e Comissão Interinstitucional de Avaliação do
Ensino Médico – Cinaem), a Rede Unida e finalmente, a aprovação das Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em saúde, e ainda a política do
SUS para uma aproximação com o ensino: AprenderSUS, de 2004.
57
Na Psicologia, observamos a ressonância dessa política durante todo o ano de 2006 com
os eventos preparatórios para o I Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública:
Contribuições técnicas e políticas para avançar o SUS, promovidos pelo conselho
federal de psicologia e conselhos regionais. E ainda as oficinas regionais e nacional da
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (Abep), com o eixo temático “A
construção do SUS que queremos – a mudança curricular da psicologia na área da
saúde”.
CARVALHO e CECCIM (2006) ainda mencionam a importância da educação
permanente em saúde. E o que encontramos foi a Portaria 198/GM/MS de 2004, que
institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde.
Como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o
desenvolvimento de trabalhadores para o setor. Para a condução
locorregional da política, foram criados os
Pólos de Educação
Permanente em Saúde
(PEPS) para o SUS.
Constituem-se em instâncias interinstitucionais e locorregionais para a
gestão colegiada da educação em serviço, possibilitando, portanto, a
articulação entre gestores do SUS e instituições formadoras,
objetivando adequar os processos de formação e educação
permanente às necessidades do sistema. A falta de profissionais com
perfil adequado tem sido, ao lado de problemas de gestão e
organização da atenção, um dos principais obstáculos para a melhoria
da qualidade da atenção e para a efetividade do SUS. (PORTARIA
198/GM/MS,2004)
No Estado de São Paulo há oito pólos e o CEREST (Registro) está no Pólo Sudoeste
Paulista de Educação Permanente para o SUS, tem representantes do DRS VII (Direção
Regional de Saúde de Registro), HRVR (Hospital Regional do Vale do Ribeira) e
hospital São João (Registro).
Como podemos observar há esforços para integrar ensino e o trabalho no SUS
continuamente. A principal necessidade é que os profissionais conheçam os locais de
atuação e como vivem as pessoas atendidas. E assim, transformar como e o quê se
aprende, ou se aprendeu, em saúde. Mas, além disso, é a oportunidade de conhecer as
condições de pobreza em que vivem milhares de usuários do SUS e, novamente, buscar
transformar as práticas de saúde, que perpassam
a organização dos serviços, a política
de saúde, a formação/educação dos profissionais e o discurso científico enquanto
práticas discursivas.
58
8) Espaços para a pobreza nas revistas científicas de Saúde Pública
Conforme mencionamos as revistas científicas de Saúde Pública também compõem o
campo-tema, ao entendermos esses materiais como praticas discursivas, mostram-se
“um excelente caminho para a compreensão da gradativa emergência, consolidação e
reformulações dos saberes e fazeres.” (SPINK, 2004, p. )
Pesquisamos as palavras pobreza ou desigualdade nos títulos da coleção Scielo Saúde
Pública. Utilizamos desigualdade porque pareceu um termo bastante utilizado na área
da saúde para referir-se a questão da pobreza, assim, apareceram 48 referências.
A palavra pobreza apareceu no título de vinte e sete artigos, relacionando-se com os
seguintes temas conforme o quadro abaixo:
TÍTULO REVISTA ANO TEMAS RELACIONADOS A
POBREZA
¿Qué se hace para no morir de
hambre? Dinámicas domésticas y
alimentación en la niñez en un área
rural de extrema pobreza de México.
Salud pública
Méx
2006 - Fome
- alimentação
- infância
- área rural
Pobreza, jóvenes y consumo de tabaco
em México.
2006 - jovens
- consumo de tabaco
Cáncer cervical, una enfermedad de la
pobreza: diferencias en la mortalidad
por áreas urbanas y rurales en México.
2003 - câncer cervical
- diferenças na mortalidade
Saúde e pobreza: o controle da saúde
pela mulher.
1992 - saúde
- controle da saúde pela mulher
Nível de pobreza e estado de saúde das
crianças: um estudo de fatores de risco
em população urbana de baixo nível
socioeconômico.
1996 - estado de saúde
- fatores de risco
- população urbana de baixo nível
socioeconômico
Perímetros braquial y cefálico como
indicadores de pobreza y enfermedad
diarreica aguda en niños menores de 5
años, em Bogotá.
Rev. salud
pública
2004 - perímetros braquial e cefálico
- diarréia aguda
- crianças
El paludismo y la pobreza. Rev Panam Salud
Publica
2005 - paludismo
Pobreza y desigualdades en el sector
de la salud.
2002 - desigualdades no setor saúde
Progreso, pobreza y exclusión: una
historia económica de América Latina
em el siglo XX.
1999 - progresso
- exclusão
- história econômica séc. XX
Los médicos deben combatir la
pobreza para reducir la enfermedad.
1999 - médicos combater
- redução das doenças
Influencia de las desigualdades
sociales, la conflictividad social y la
pobreza extrema sobre la morbilidad
por tuberculosis en la ciudad de
Barcelona.
Rev. Esp. Salud
Publica
2001 - tuberculose
Las clases sociales y la pobreza Gac Sanit 2004 - classes sociais
59
Pobreza moral. 2003 - pobreza moral
Pobreza, desnutrição e mortalidade
infantil: condicionantes sócio-
econômicos.
Cad. Saúde
Pública
1993 - desnutrição
- mortalidade infantil
Violência: pobreza ou fraqueza
institucional?
1994 - violência
- fraqueza institucional
Pobreza e HIV/AIDS: aspectos
antropológicos e sociológicos.
2000 - HIV/Aids
- Antropologia e sociologia
Enfrentando a pobreza, reconstruindo
vínculos sociais: as lições da Ação da
Cidadania contra a Fome, a Miséria e
pela Vida.
2002 - enfrentar pobreza
- reconstruir vínculos sociais
- Ação da Cidadania
Itinerários terapêuticos em situações
de pobreza: diversidade e pluralidade.
2006 - itinerários terapêuticos
- diversidade e pluralidade
Obesidade e pobreza: o aparente
paradoxo. Um estudo com mulheres da
Favela da Rocinha, Rio de Janeiro,
Brasil.
2005 - obesidade
- mulheres
- favela
La pobreza, el crecimiento
demográfico y el control de la
natalidad: Una crítica a la perspectiva
ética de Peter Singer sobre la relación
entre ricos y pobres.
1998 - crescimento demográfico
- controle de natalidade
- crítica a Peter Singer
Costo y resultados de los sistemas de
información para los indicadores de
salud y pobreza en la República
Unida de Tanzânia
Bull World
Health Organ
2005 - custos e resultados
- sistemas de informação
- indicadores de saúde
Precios garantizados o compromisos
de compra como mecanismos de
creación de mercados para los
tratamientos de las enfermedades de la
pobreza: lecciones de tres políticas.
2005 - garantia de preços
- compromissos de compra
- mercados para tratamento
- doenças da pobreza
- políticas
Distribución mundial de los factores
de riesgo por nivel de pobreza.
2005 - distribuição mundial dos
- fatores de risco
Pobreza y desnutrición y morbilidad
infantiles: nuevos datos sobre la Índia.
2005 - desnutrição
- morbilidade infantil
Prestar atención al género y la pobreza
en las investigaciones sanitarias:
aspectos relacionados con el contenido
y com el proceso de publicación.
2005 - gênero
- investigações sanitárias
- conteúdo e processo de
publicação
Pobreza y trastornos mentales
comunes em los países en desarrollo.
2003 - transtornos mentais comuns
- países em desenvolvimento
Pobreza, equidad, derechos humanos y
salud.
2003 - equidade
- direitos humanos
- saúde
Poverty and health sector inequalities 2002 - saúde
- iniqüidades no setor
A maioria dos artigos mostra a relação entre pobreza e desigualdades na distribuição das
doenças como paludismo, tuberculose, diarréia, câncer cervical, HIV e transtornos
mentais. Ou então, esses artigos relacionam pobreza com as desigualdades nos
indicadores de saúde, como mortalidade infantil, natalidade e desnutrição, obesidade;
60
entre outras desigualdades nas condições ou estados de saúde não especificados nos
títulos.
Não pretendemos negar a importância de trabalhos e pesquisas como todas essas, que
chamam a atenção para o fato de que pessoas que vivem em condição de pobreza têm
pior saúde. Mas, certamente, para muitos profissionais da saúde que trabalham com
populações de municípios caracterizados pela pobreza como Eldorado, o cotidiano
transforma em obviedade as desigualdades nas condições de saúde. Quem sabe
desigualdades nas condições de saúde não tão mensuráveis como mostram esses
trabalhos e pesquisas. Citamos um exemplo nada difícil de encontrar em Eldorado. Um
homem que necessita fazer fisioterapia e vive na zona rural, a mais de 20 km da sede do
município, que tem uma família com esposa e dois filhos, trabalha informalmente e
recebe R$15,00 reais por dia no pior estilo “trabalhar na hora do almoço para garantir a
janta”, como ele pode comparecer as sessões semanais de fisioterapia? Uma família
como essa somente tem dinheiro para a famosa compra do mês, quando no quinto dia
útil de cada mês, observamos os três supermercados de Eldorado completamente
lotados de gente e caixas de compras. Após essa compra quase nada resta de dinheiro
para a família, muito menos para pagar passagens de ônibus e comparecer as sessões de
fisioterapia. Para outros exemplos, ver as desconexões nas práticas de saúde no início
do capítulo.
A mesma relação observamos na pesquisa com a palavra desigualdade, usada nos
artigos para referir-se tanto a desigualdade social quanto as desigualdades em saúde -
que perpassam a desigualdade social e inclui a pobreza. Observamos o uso da palavra
em relação às desigualdades na distribuição das doenças, como doenças
cardiovasculares e diabetes. Também na relação com indicadores de saúde, como taxas
de cesarianas em primíparas, altura em crianças, mortalidade hospitalar, mortalidade por
homicídios e sobrevivência de trabalhadores. Entre outros indicadores e condições de
saúde não especificados nos títulos; como podemos observar no quadro abaixo.
TÍTULO REVISTA ANO TEMAS RELACIONADOS A
POBREZA
Desigualdade social e mortalidade
precoce por doenças cardiovasculares
no Brasil.
Rev. Saúde
Pública
2006 - mortalidade precoce
- doenças cardiovasculares
Desi
g
ualdade social nas taxas de 2005 - taxas de cesariana
61
cesariana em primíparas no Rio
Grande do Sul.
Estudo da desigualdade na mortalidade
hospitalar pelo índice de de
comorbidade de Charlson.
2004 - mortalidade hospitalar
Violência e desigualdade social:
mortalidade por homicídios e
condições de vida em Salvador, Brasil.
2001 - violência
- mortalidade
- condições de vida
Desigualdade de indicadores de
mortalidade no Sudeste do Brasil.
1999 - mortalidade
A desigualdade e a saúde pública. 1997 - saúde pública
Assistência hospitalar como indicador
da desigualdade social.
1997 - assistência hospitalar
Epidemiologia e desigualdade: notas
sobre a teoria e a história.
Ver. Panam.
Salud Publica
2002 - epidemiologia
- teoria e história
Desigualdade social e saúde no Brasil. Cad. Saúde
Pública
2002 - saúde
Desigualdade, violência e ecologia no
Brasil.
1994 - violência
- ecologia
Desigualdade social e outros
determinantes da altura em crianças:
uma análise multinível.
2003 - determinantes altura em crianças
Desenvolvimento econômico,
desigualdade e saúde.
1994 - desenvolvimento econômico
- saúde
Desigualdade social e saúde entre
idosos brasileiros: um estudo baseado
na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios.
2003 - saúde
- idosos brasileiros
Desigualdade da sobrevivência de
trabalhadores de Botucatu, São Paulo,
Brasil.
2001 - sobrevivência de trabalhadores
Raça e desigualdade entre as mulheres:
um exemplo no sul do Brasil.
2000 - raça
- mulheres
Estudo da desigualdade na utilização
de serviços de saúde por idosos em
três regiões da cidade do Rio de
Janeiro.
1999 - utilização de serviços de saúde
Desigualdade de renda e situação de
saúde: o caso do Rio de Janeiro.
1999 - situação de saúde
Diabetes mellitus auto-referido no
Município de São Paulo: prevalência e
desigualdade.
1996 - diabetes
- prevalência
Novamente, lembramos que o cotidiano de trabalho em saúde com a população pobre já
evidencia as desigualdades nas condições e indicadores de saúde. A questão é o que
cada profissional da saúde deve fazer em situações que são principalmente de pobreza,
que se apresentam e se perpetuam cada dia aos olhos dos médicos, das agentes
comunitárias, na UBS, na Santa Casa, etc. Dois artigos, dos quarenta e oito que
apareceram em nossa pesquisa, expõem no título a necessidade de atacar a pobreza a
partir da saúde: “Los médicos deben combatir la pobreza para reducir la enfermedad” e
62
“Enfrentando a pobreza, reconstruindo vínculos sociais: as lições da Ação da Cidadania
contra a Fome, a Miséria e pela Vida”. Infelizmente, apenas esses dois artigos nos
dizem diretamente da importância da ação do profissional da saúde no combate a
pobreza, para assim melhorar as questões relacionadas a saúde.
Quatro artigos não estão presentes nos quadros, pois relacionam pobreza a outros temas
variados, intitulados “Progreso, pobreza y exclusión: una historia económica de
América Latina en el siglo XX”, “Costo y resultados de los sistemas de información
para los indicadores de salud y pobreza en la República Unida de Tanzânia”, “Precios
garantizados o compromisos de compra como mecanismos de creación de mercados
para los tratamientos de las enfermedades de la pobreza: lecciones de tres políticas” e
“Prestar atención al género y la pobreza en las investigaciones sanitarias: aspectos
relacionados con el contenido y com el proceso de publicación”.
63
5. CONVERSAS SOBRE A POBREZA E COMO COMBATÊ-LA A PARTIR
DAS PRÁTICAS DE SAÚDE
Nas entrevistas e grupo focal também exploramos o tema da pobreza com os
profissionais da saúde, principalmente no que se refere a compreensão destes sobre o
tema e como lidam com as desconexões nas práticas diárias. Os encontros de psicólogos
na cidade de Pariquera-açu, os microeventos e as visitas com o PSF também foram
importantes para esta compreensão.
Trecho 3, entrevista com médica pediatra UBS
I. Porque às vezes você vê gente extremamente pobre que ganha roupas e que tem comida
porque a patroa dá. E, no entanto a criança tá limpa, tá com bons cuidados de higiene, né. E
não tá aquele precariedade toda. Quando você vem para o interior, isto mais na cidade maior,
que existe miséria extrema também, que existe abandono, que existe a falta de saneamento
básico, no Rio também tem isso, nas favelas lá, (?), é vala negra, é tudo muito precário. Agora,
quando você vem paro o interior, você vê que também existe isto, não tem saneamento, não tem
nenhum cuidado. Mas as pessoas aqui têm uma coisa, que pode ser, vamos dizer assim
mediada (?) em relação ao pessoal da cidade grande. Porque as prefeituras são muito, mas
extremamente protetoras.
S. – Assistenciais?
I. - É. Tudo eles jogam pra cima da política, né. É o prefeito que tem que arrumar, é o prefeito
que tem que fazer, tem que dar condução, tem que dar o remédio quando ele não tem, a comida
e não sei mais o quê, né. E essa coisa assistencialista, meio, meio safada que existe aqui no
Brasil, é isso mesmo, na base desses programas todos que têm aí, bolsa família, bolsa escola,
bolsa não sei o quê, ticket para isso, ticket para aquilo, vale gás, vale refeição. Isso tudo pra
não dar emprego para o camarada. Então eles ficam tapando o sol com a peneira, dando esse
dinheirinho, e as pessoas se sentem ótimas porque se elas têm dez filhos, que beleza, olha
quanto ela vai juntar, entendeu *. Então, não deixa o povo raciocinar que isso não é o melhor
para ele não. Mas vão dando aquela esmolinha no decorrer do ano e as pessoas vão achando
que aquilo ali é uma boa coisa, né. Aí tem o programa do leite, tem o pessoal da pastoral que
dá aquelas farinhas nutritivas. Mas no duro, no que devia ser feito, que é uma casa decente
para o sujeito morar, com água para ele tomar banho, para ele fazer a comida, lavar sua
roupa, isso ninguém se preocupa. (?) Para aonde vão os dejetos, também ninguém taí para
isso. Então o lugar que ele bebe água é lugar para onde as fezes estão indo, é por aí vai. Então
você vê essa miséria desgraçada *. As crianças cada vez mais com problemas, verminose aqui,
por exemplo, é uma coisa de doido.
S. – Sim, outros médicos falaram.
I. - A incidência é muito alta e prevalente mesmo a coisa da verminose. Giardia, que é um
germe, um protozoário da água, né, a contaminação se dá através da água. Isso aqui, vamos
dizer, eu acho que oitenta e cinco por cento da população é portadora. Não tem uma criança
que entre aqui, que não tenha tido pelo menos uma vez no ano um episódio bravo de dor
abdominal com fezes aquosas, explosivas e tudo mais, entendeu. Então tem esse problema
todo, isso aí é o que, falta de saneamento básico.
64
Trecho 5, entrevista com médica pediatra UBS
I. De uma maneira geral é isso o que você tem, assim, em termos de pobreza. Está muito ligada
a isso, a abandono mesmo, e falta de emprego, falta de estrutura. Meninas cada vez mais
jovens tendo crianças, garotas de quatorze e quinze anos que engravidam e não sabem às vezes
o que fazer com aquilo, né. Olha para aquela criança «e agora o que eu faço», né. Não sabem
amamentar, não tiveram nenhum tipo de orientação. Tem o problema da mãe que não tá nem
aí para elas, «agora, vire-se».
S. - As avós.
I. Sim, as avós. Algumas ficam furiosas, mas acabam assumindo a criança porque acham que a
mãe não tem juízo. Mas isso faz com ela tenha o segundo, terceiro e quarto filho, porque
aquela está botando debaixo da asa. Então os filhos ficam assim meio jogados, né. Fora outras
doenças todas, né, que podem ser adquiridas e tal. Tem esta história dessa promiscuidade *. E
aqui nesta região tem outra coisa, que é, que é muito comum, que tem bastante casos, que é a
doença da anemia falciforme. Que é uma anemia ligada a raça negra, que inclusive ano que
vem vai ser um ano sobre a inclusão do negro, alguma coisa assim. Então isto vai fazer parte,
porque não adianta ser só inclusão social, cultural, sem a inclusão da saúde. E eles têm uma
doença que pode levá-los à morte, né. Então, muita doença criança aqui tem a doença, outra
parte, maior, é portadora. Então estes portadores têm que receber uma orientação, se tiver
condições de pesquisar isto, ou fazer um pré-nupcial ou pré-natal. Para poder investigar se
existe na parte do parceiro, também da mulher, da parceira, investigar esse traço (?). Para
que faça um acompanhamento, se vai valer a penas ter tantos filhos e correr o risco de ter uma
criança com anemia falciforme. E vamos dizer assim, das crianças com anemia verdadeira,
com defeito da hemoglobina, que é um defeito genético (?).
S. - E anemia falciforme não tem cura?
I. - Cura, não, ela é um defeito genético. Existe uma profilaxia, né, profilaxia não, uma
profilaxia para os quadros assim, de infecção, que essas pessoas, elas apresentam a doença
falciforme quando elas (?). Estrago no organismo da pessoa e * erradamente aqui a pessoas
dão muito ferro para as crianças, porque são muito pálidas, principalmente quando chegam
com sete, oito meses de idade, a criança empalidece muito. Então a mãe por conta própria, ela
acha que aquilo é uma vitamina, então tome ferro. E não vai resolver o problema da criança
porque o problema dela não é basicamente a falta do ferro. Ela tem é um defeito (?). Às vezes
até eles tem um nível de ferro razoável, tem uma hemoglobina que não fica muito
descompensada, a não se esses que são os portadores mesmo (?), aí eles vão ter uma
hemoglobina bem baixa mesmo e tal. E as mães ficam dando ferro toda vida, ferro, ferro,
ferro. Esquecem de fazer a profilaxia das infecções. Quer dizer, esquecem não, elas nem tem
orientação para isso, entendeu. Então, tinha que haver um cadastro, ir nestes quilombos aí,
por aí. Fazer um cadastramento deste pessoal e tal. (?) É uma doença extremamente dolorosa,
a criança sofre muito, tem muita dor e é aquela dor que só pode ser contornada com (?). Então
é muito sofrido, é muito sofrido pra mãe ver aquela criança, o sofrimento daquela criança *.
As vezes faz umas pneumonias, que nem são na maioria pneumonia, é uma doença, é uma
síndrome (?), com muita dor e tal. E que leva a morte assim (?), e acaba sendo diagnóstico de
pneumonia, erradamente. Mas a realidade (?). A pessoa acaba morrendo, porque não tinha
mais pulmão para respirar. Quando você passa o raio X assim, ta tudo branco. Ah, pneumonia,
pneumonia bilateral, pneumonia dupla como o pessoal fala. Mas na realidade não era nem
pneumonia. Podia até ter tido um quadro infeccioso (?). Morreu deste efeito que a anemia
falciforme causa. * Então quer dizer, isto tudo é miséria, isto tudo é pobreza, porque isto não é
avaliado, não é levado em conta.
65
Trecho 4, grupo focal
M – Sem contar o estilo de vida, né, do pobre, que geralmente é um trabalho braçal, tá, e a
maioria das consultas é mialgia, lombalgia, do trabalho braçal que eles fazem.
E - Certa vez eu vi numa revista, uma matéria, que pobre não tem direito de ficar doente, e o
organismo entende dessa forma. O organismo dele sabe que ele não pode adoecer, se ele
adoecer a família (?). Então, o organismo vai até o limite, então, quando ele, usando o termo
quando ele “abre o bico”, né, é porque ele não tem mais pra onde esticar a correia. E aí (?),
mas quando cede, pra você recuperar esse organismo é difícil. Então o organismo entende e
mente desse homem, entende que ele não pode ficar doente, porque se ele ficar doente, parou
tudo, então não fica. Aí, até o limite, a hora que ele cede, aí não tem jeito, para recuperar esse
homem. (?) Você vê, normalmente o pobre, normalmente o pobre (?)
C - Aí você vê, é, é o pobre que tem mais filhos.
E - Não tem direito a (?), controle de natalidade, aí uma família (?).
C - É uma coisa que nunca vai em frente, né, porque aquela família que tem seis filhos, a filha já
tem mais quatro, cinco, e nunca ninguém vai ter acesso a nada, a um estudo legal, alimentação
legal, né?
Trecho 8, grupo focal
G - Eu acho assim (?) se você fala numa empresa, você tem pobres que trabalham muito (?)
difícil trabalhar. Eu acho que aqui é um lugar aonde existe até uma oferta de emprego, né,
lógico que a gente pode até questionar valores, enfim, pode tá reclamando, mas a gente vê que
tem gente que tem, entre aspas, medo de trabalhar.
C - Medo e porque ganha muito fácil também as coisas.
G - Não, mas então aí começa outro ponto, a partir do momento que o governo dá isso, você
escuta do paciente, por quê você não tem uma horta em casa, ah, o governo dá, por quê eu
vou fazer.
C – É.
G – Lógico, entra o fator cultural, né, eu acho, não sei até onde cabe isso, mas é uma coisa
assim, que eu achei um absurdo aqui. Um fazendeiro dizendo que tinha um empregado, ele
pagava oito reais por dia para os empregados, e esse um, ele trabalhava melhor que os
outros, então ele chegou para ele na sexta-feira e falou assim, fulano, a partir da semana que
vem, você não fala pra ninguém, mas a partir da semana que vem vou te pagar dez reais por
dia. Na sexta-feira, quando foi no sábado, aliás, quando foi na segunda-feira ela já não veio
trabalhar, aí veio na terça. O fazendeiro perguntou, tava doente segunda, ele falou não é que
como você vai me pagar dez reais por dia eu posso trabalhar um dia a menos na semana, que
eu vou ganhar a mesma coisa. É inacreditável, mas é, complicado.
Trecho 3, entrevista médico plantonista da Santa Casa
S. Um médico do PSF me deu a idéia de perguntar, como você já está aqui há um
tempo, [ah, pergunta pra ele se era assim no começo, essa situação de pobreza, se era
do jeito que está agora, se piorou].
66
Interrupção – toca o telefone
R. Era, não tanto, né.
Interrupção – toca o telefone
R. Quando eu vim aqui para Eldorado não tinha conhecimento, por exemplo,
leshimaniose, doenças típicas regionais, leishmaniose em alguns bairros, hanseníase
tem boa prevalência aqui em Eldorado. Mas assim, a medida que a situação
econômica piora, piora as doenças, piora a carência. (?) A medida que o serviço
melhora, é mais acreditado, maior é a procura, aparece mais casos. Acredito que seja
a mesma coisa em psicologia, né.
S. É.
R. A medida que você divulga o serviço, o atendimento e o povo acredita, que procura
mais, (?) a nível ambulatorial, preventivo, curativo. (?) Quando eu cheguei aqui já
existia pobreza, não como hoje, a coisa piorou. (?)
No Encontro de psicólogos do Vale do Ribeira que atuam na saúde, que ocorreu no
município de Eldorado, surgiu o termo “demanda socioclínica” que também remete uma
noção de pobreza.
16/02/2006 Encontro dos psicólogos (Pariquera-açu). “Demanda socioclínica”.
Conversa sobre a demanda do serviço de psicologia. Caracteriza a demanda do Vale
do Ribeira como “sócio-clínica”, relaciona com as condições de pobreza em que vivem
os usuários dos serviços. Não basta fazermos a nossa parte, por exemplo, do
atendimento clínico, devemos pensar nos segmentos sociais (palavra utilizada pela
coordenadora) têm que fazer a parte deles também, para ajudar no tratamento. Os
segmentos sociais referem-se ao Serviço Social, Escola, Cultura, Esporte, Conselho
Tutelar, etc. A palavra demanda foi dita muitas vezes, principalmente pelas
coordenadoras, desde o primeiro encontro transmitiram a preocupação com a grande
procura pelo serviço de psicologia, o quanto os psicólogos não dão conta da grande
demanda. Concordo com isso, muitas pessoas também me procuram em Eldorado.
Nesse momento me perguntava de que demanda estávamos falando exatamente. Será
que as psicólogas e os psicólogos não estão “psicologizando” toda a demanda? No
relato da minha experiência comento o quanto à demanda é social, não exclusivamente
psicológica, e o quanto isso pode tornar-se uma armadilha para perpetuarmos os
modelos de trabalho que não ajudam efetivamente os usuários do serviço de psicologia.
Uma das formas encontradas pelos profissionais da saúde para falar sobre pobreza
refere-se às situações com as quais se deparam no dia-a-dia, como verminose, mialgia,
lombalgia, gravidez na adolescência, anemia, leishmaniose, hanseníase. São situações
de saúde relacionadas à pobreza, ou seja, à falta de moradia decente, trabalho, renda,
saneamento básico, educação, informação e hábitos mais saudáveis.
Com os psicólogos observamos que a situação é um pouco diferente, não houve uma
relação entre transtorno mental e pobreza. Com recursos próprios trabalho do psicólogo
67
seria possível conhecer as condições de vida das pessoas atendidas, como em entrevistas
realizadas para uma avaliação psicológica. Portanto, sabe-se que a demanda é “sócio-
clínica”, termo utilizado quase como sinônimo de pobreza.
Falar sobre pobreza também enveredou para a questão de responsabilidade das pessoas
pobres pelas próprias condições de vida. Por exemplo, ter muitos filhos ou engravidar
na adolescência, ou ainda, o fato de manter a casa limpa independe de dinheiro, e sim da
atitude de cada um. O que remete a certa permanência da idéia de pobreza trabalhada
por DONNANGELO (1976), relacionada a fatores individuais e morais. Idéias nessa
vertente são um alerta ao profissional da saúde, principalmente quando se depara no
trabalho diário com famílias jovens, numerosas, que vivem numa casa precária, com
pouca escolaridade e baixa renda. Como já vimos, pobreza é assunto complexo e está
muito distante de uma análise individual.
Já em outros momentos emergiu a questão do governo, que não respeita os direitos do
cidadão e não ataca verdadeiramente o problema, utilizando medidas que não
funcionam como a Bolsa Escola. É evidente a indignação com os programas de
transferência de renda, pois seria uma estratégia do governo para mascarar os reais
problemas, para agradar a população, para deixar as pessoas acomodadas e não buscar
mais recursos, por exemplo, através do trabalho. Quase culpabilizam as pessoas
atendidas por Bolsa Família, principalmente por receberem sem trabalhar. Quando o
que mais parece é o efeito perverso desses tipos de programas, segundo DEMO (2003)
ao “comprar o desespero da população por R$15,00” (DEMO, 2003, p. 38). O autor
discute a política social no Brasil, que tende a priorizar uma distribuição de renda na
forma de migalhas e atrelar a sobrevivência da população pobre a esses tipos de
benefícios (como o Bolsa-família). Assim, o autor alerta para a situação de abuso desses
tipos de recursos assistenciais.
Não se pode, porém, confundir o mais importante com o mais
imediato. As necessidades humanas são todas importantes, embora
algumas sejam mais imediatas. Fome mata mais rápido que a falta de
escolaridade, mas o atendimento de ambas é crucial para a qualidade
de vida humana. Não cabe, para o pobre morrendo de fome, oferecer-
lhe discurso bem articulado sobre emancipação. Precisa comer. E isto
é direito fundamental, radical. Assistência é prática necessária de
política social. Condena-se tão somente seu abuso.
(DEMO, 2003,
p. 42).
68
Quanto a lidar ou combater a pobreza, primeiramente obtivemos respostas que
dependem de características pessoais e de vida do profissional. Posicionamento que não
parece justo para os profissionais da saúde, tampouco suficiente para a situação vivida
em Eldorado.
Trecho 2, entrevista com médica pediatra da UBS
I. Agora, como é que vai lidar com isso a gente é que vai traçar, né. Dependendo da
sua formação cultural, familiar, né, seu lado emocional, essa coisa toda. Você vai lidar
com isso com certas nuances. Ah, em pediatria, por exemplo, a gente, é uma coisa
assim. A gente não pode ficar se lamentando o tempo todo disso, senão você não dá um
passo para frente. Cada vez que você olha para uma criança miserável, sem roupa, com
frio, cheia de sarna entendeu, com ferida da cabeça aos pés, com a bunda cheia de
ferida, que só falta, sangrantes, né. Que não consegue, quando evacua dói, quando
urina dói. Você se deixar levar por isso aí, você não consegue dar uma passo para
frente, né. Então você tem que encarar essa coisa, tentar fazer com que aquela mulher,
aquela mãe entenda, que aquilo é parte pobreza, parte miséria, parte abandono e parte
relaxamento, tá *.
Trecho 2, entrevista com médico plantonista da Santa Casa
S. E no dia-a-dia aqui, como que é isso? Exercer a medicina com essa população.
R. No dia-a-dia é complicado, porque além de você ser médico, você tem que ser um
p
ouco de assistente social, carregar o paciente também, com as suas dificuldades, ver o
melhor que pode fazer, tá, dentro do seu ramo de atuação, esse é o nosso dia-a-dia.
Lutando com falta de ambulância no hospital, lutando contra dificuldades econômicas,
medicamentos, (?) patologia na enfermaria ou por outro lado, na unidade básica de
saúde, há falta de medicamentos, a gente lida com o dose certa, em certos períodos a
gente tem um hiato, onde você não tem, por exemplo, as coisas básicas, um anti-
hipertensivo falta, aí você tem que esperar.
S. Porque as pessoas não podem comprar.
R. Não podem comprar.
Trecho 5, entrevista com médico plantonista da Santa Casa
R. A gente vê progresso no trabalho que a gente desenvolve, claro, um trabalho lento,
que não aparece, o que aparece são os indicadores, por exemplo, ambulatório de
cardiologia que existe aqui. Com esse ambulatório você diminui a incidência de infarto
do miocárdio, você diminui o edema agudo de pulmão que é complicação. Os
hipertensos são controlados a nível ambulatorial, então isso melhora os marcadores.
S. Isso não tinha antes?
R. Não.
R. Precisa ser um pouco teimoso e ousado nisso aí, fazer medicina na carência e nas
dificuldades, correndo risco profissional. Pela falta de recursos, as distâncias entre as
69
cidades.
Trecho 7, grupo focal
Nesse trecho complemento falas anteriores sobre a importância das reuniões de equipe
de saúde da UBS. Novamente questiono alternativas.
S - Seria uma alternativa então, né? Para alguns problemas do dia-a-dia. E a C., que
alternativa encontra para seus pacientes?
C - Ah, para os meus pacientes, difícil, né? Uma alternativa que seria é se eu fosse
rica, eu daria dinheiro para eles virem fazer fisioterapia (risos), mas infelizmente
também sou pobre, então não sei.
Microevento. Data: 11/08/2005. Hoje no pátio da Santa Casa encontrei com B.
novamente, é sexta-feira está muito apressado, quer ir para casa porque volta para o
sítio amanhã, comprou sabão em pó para lavar a casa de uma paciente, segundo ele
não há menor condição de uma pessoa viver ou morrer numa casa naquelas condições.
Por iniciativa própria. (micro evento do cotidiano)
Trecho da visita com o PSF II dia 30/11/2005.
Data: 30/11/05 PSF II. Colibri. Saímos de Eldorado. Equipe de PSF hoje: dentista,
auxiliar de dentista e duas agentes comunitárias que ficariam pelo caminho. Destino os
bairros do Areadinho e Barra do Batatal, no distrito da Barra do Braço. Depois de
mais de uma hora dentro do jipe chegamos ao Areadinho, mais acima o bairro Cavuvu.
Viagem realmente difícil, o médico tinha razão. Um calor insuportável. Chegamos ao
lugar do atendimento do PSF, uma casa que pertence a uma fazenda, e o dono cede
essa casa. Encontramos cerca de sete pessoas e a agente comunitária do bairro, um
clima tenso para dizer que o médico não veio. As duas equipes de PSF estão com
dentistas e auxiliares de dentista há aproximadamente um mês. Mas ainda não foram
construídos consultórios para o atendimento odontológico, que será basicamente de
prevenção e extração. Estes profissionais estão há um mês fazendo triagem dos
pacientes, mas pela demora comentam que as pessoas estão desacreditando do serviço.
Aqui há poucas casas, bem distante uma da outra pode observar na estrada. É um
pouco estranho chamar de bairro, até mesmo o Cavuvu, quando quase não vemos casas
e pessoas. Na volta paramos por um tempo no “postinho” da Barra do Braço. Depois
retornamos para Eldorado, mas antes paramos em Rio Batatal, não entendi ao certo
porquê. Lugar lindo demais, estradinha de barro entre as montanhas, o ribeirão
acompanhando lá embaixo, muito lindo... que até compensava o desconforto do famoso
jipe horrível. Conhecemos o posto de lá. Diante das circunstâncias fiquei
impressionada com o postinho. Era uma casa grande e espaçosa, mais com cara de
postinho de saúde. Voltamos pela estrada novamente, vim apreciando o outro lado da
paisagem. Uma parada obrigatória no posto da Barra do Braço e partimos para
70
Eldorado. Antes de Eldorado, uma parada do postinho de Itapeúna, outro distrito que
tem uma cara de vila. O postinho fica no que poderíamos chamar centro da vila,
novamente uma casa ao lado da igreja católica. Como havia um tempo aqui, duas
agentes comunitárias pedem ao motorista até o bairro Serrinha, há dois quilômetros
dali. Uma das agentes comenta que ali é a área dela e que durante a semana tem que
andar tudo aquilo. Perguntei se poderia ir também, para conhecer o lugar. Comentei
sobre o motivo da minha visita com o PSF, sobre a pesquisa do mestrado. Já no carro,
a agente comunitária comentou que em algumas casas encontra famílias que são muito
pobres, que dá uma pena. Mas também contou uma história de solidariedade. Na época
acompanhavam uma gestante durante o pré-natal, sabiam que as condições de vida
dela não eram das melhores e conseguiram arrecadar entre vários moradores das
redondezas roupas e fraldas para o bebê que iria nascer e que a mãe ficou bastante
feliz. Onde estávamos, Serrinha, novamente havia casas isoladas. Na estrada de barro
quase não há outros veículos. Mesmo do carro sempre cumprimentamos as poucas
pessoas que encontramos pelo caminho. Logo voltamos para Itapeúna, deixamos as
agentes e finalmente, Eldorado.
Os profissionais da saúde apresentaram ainda, versões tradicionais para os problemas do
cotidiano, o saneamento básico é o campeão das soluções apresentadas, conforme
podemos ver nos trechos de grupo focal, das entrevistas e do diário de campo – já
mencionado no capítulo quatro.
Trecho 6, grupo focal
E - Hoje, o Programa de Saúde da Família, a idéia, o objetivo do PSF é não deixar a
população adoecer. (?)
G - É difícil você trabalhar com a prevenção, você tem aquela coisa básica verminose[
E - [Saneamento básico.
G – É, faltando saneamento básico, né, se você não tem. Se a pessoa lá, não tem água
encanada, não tem uma estrutura adequada, então a criançada brinca ali com os
animais no meio do terreno, então não tem como.
Trecho 8, grupo focal
S - E vocês médicos? Que alternativas vocês encontram para essas coisas que já foram
faladas, suas dificuldades.
M - Saneamento básico, esse seria o passo inicial, tá, mas enquanto não acontece.
C - A gente vai ficando com o que tem mesmo.
E – Eu acredito que os obstáculos hoje, daqui a cem anos, vamos imaginar que a
melhora surja hoje. Daqui a cem anos (?) sejam outros obstáculos. Eu só, eu tenho
certeza que isso, faz parte da trajetória (?) vida e esses obstáculos só não podem ser
maiores do que a vontade (?).
G - Veja, eu acho assim, a gente às vezes espera (?). A gente paga uma carga
tributária absolutamente alta, né? Muito imposto, então, o quê, o governo, deveria tá
71
repassando isso, né. Acho que a cobrança em cima disso não deve deixar de existir,
mas uma forma de você conseguir dar uma condição um pouco melhor é o trabalho de
cada um. Como você falou (E.), a doação de medicamento, né, ou então alguma coisa
que a gente possa tá fazendo, alguma promoção, de alguma coisa (?), correr atrás de
doações, buscar outras coisas, outras alternativas. Sem deixar de estar cobrando o
governo, a menos que (?), mas enfim, né. Como você falou, é, às vezes a dificuldade,
nem todo mundo tá com vontade.
E – De buscar alternativas. (?)
G - Hoje na verdade, quando você consegue que a pessoas faça o que tem que fazer é
uma grande coisa, porque tem gente que não faz nem o que deveria fazer.
E - (?) muita gente.
G – Exatamente.
Logicamente a questão do saneamento básico é da maior importância para as condições
de saúde da população. Mas infelizmente não é tão simples a existência de rede geral de
esgoto para muitas pessoas, principalmente na zona rural do município. Um estudo das
condições de saneamento básico realizado por NERY (2004) em comunidades
quilombolas no Estado de São Paulo mostra que:
A maioria das comunidades quilombolas fica em área rural,
tendo menor cobertura de serviços de saneamento básico.
Dados do Censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), mostram, nos 52 municípios onde estão
situadas estas comunidades, um quadro de grande precariedade
nestas áreas. Segundo este mesmo levantamento, dos 900.952
domicílios existentes nestes municípios, 89,4% têm cobertura
de abastecimento de água na área urbana e 25,7% na área rural.
Quanto aos esgotos (rede geral e fossa séptica), a situação é
ainda mais precária, sendo 75,6% de cobertura na área urbana e
10,9% na área
rural. (NERY, 2004)
Para todo o município, Censos do IBGE mostram os seguintes dados do saneamento.
Proporção de Moradores por
Tipo de Abastecimento de Água
1991 2000 Proporção de Moradores por Tipo
de Destino de Lixo
1991 2000
Rede geral 47.7 52.6 Coletado 38.5 53.4
Poço ou nascente (na
propriedade)
49.7 42.3 .. por serviço de limpeza 37.7 53.1
Outra forma 2.6 5.2 .. por caçamba de serviço de
limpeza
0.8 0.3
Proporção de Moradores por tipo
de Instalação Sanitária
Queimado (na propriedade) 34.5 34.1
Rede geral de esgoto ou pluvial 30.4 43.0 Enterrado (na propriedade) 2.6 2.7
Fossa séptica 14.4 20.8 Jogado 23.4 9.0
Fossa rudimentar 32.3 14.2 .. em terreno baldio ou logradouro 23.0 8.3
Vala 10.4 11.0 .. em rio, lago ou mar 0.5 0.7
72
Rio, lago ou mar - 4.1 Outro destino 0.9 0.9
Outro escoadouro 2.7 0.8
Não sabe o tipo de escoadouro 0.2 -
Não tem instalação sanitária 9.5 6.2
Fonte: IBGE/Censos
Outra idéia surgiu num Encontro com os psicólogos do Vale do Ribeira da área da
saúde, novamente surge a discussão sobre a “demanda socioclínica”. A idéia agora é
organizar a rede de apoio disponível em cada município, o que seria importante para
melhorar o atendimento.
06/04/2006. Encontro de psicólogos, auditório do HRVR, discutimos a “demanda
socioclínica” a partir da cartilha “HumanizaSUS: a clínica ampliada”, uma publicação
do Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização, do Ministério da Saúde
(2004). Foi enfatizada a importância de um trabalho integrado, do profissional
psicólogo com outros setores do município, para um melhor atendimento aos usuários
do serviço de psicologia. Principalmente porque o trabalho do psicólogo –
predominantemente clínico entre os presentes – revela a pobreza, as necessidades e
condições de vida difíceis da população de cada município. O profissional buscaria um
outro olhar sobre as pessoas atendidas, não somente o aspecto psicológico, daí a
necessidade de conhecer e saber como funcionam outros recursos do município. Por
exemplo, outras unidades de saúde, o serviço social, a educação, conselho tutelar,
associações, ONG`s, centros comunitários, etc.
Segundo a cartilha HumanizaSUS (2004), o conceito de clínica ampliada refere-se ao
“compromisso radical” do profissional da saúde com o doente, ter a responsabilidade
sobre os usuários do SUS, trabalhar na perspectiva da intersetorialidade, estar atento aos
limites do conhecimento e das tecnologias utilizadas, assim como buscar conhecimentos
em diferentes áreas.
Quando surge no Encontro dos psicólogos a questão de conhecer outros recursos do
município para melhorar o atendimento aos usuários do SUS, pensou-se na
intersetorialidade. Mas é importante tomar cuidado para não reduzir intersetorialidade
ao simples encaminhamento. FEUERWERKER (2000) define intersetorialidade como:
“(...) articulação entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, de saberes,
poderes e vontades diversos, para enfrentar problemas complexos. É uma nova forma de
trabalhar, de governar e de construir políticas públicas que pretende possibilitar a
73
superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir
efeitos mais significativos na saúde da população” FEUERWERKER (2000).
Numa visita com o PSF, foi possível conversar como uma usuária do serviço de saúde
sobre outra idéia para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia relacionada a pobreza e aos
problemas de saúde. Uma senhora sugeriu que os médicos lembrem das plantas
medicinais antes de prescreverem medicamentos. Assim não teriam que se preocupar
com o fato de comprar remédios na farmácia – que não dá mesmo para comprar - e
poderiam ter no quintal de casa.
Visita com PSF II. Dia 23/11 2005. Equipe Flamboyant. Os bairros atendidos foram
Barra do Braço e Descanso da Vida. Saímos do pátio da Santa Casa em torno de oito
horas da manhã. Estava na equipe o médico, a dentista, a auxiliar de dentista e duas
agentes comunitárias, no carro do PSF. O enfermeiro foi no seu próprio carro, por
isso tive condições de acompanhar a equipe, afinal, tinha vaga no carro do enfermeiro.
Antes de sair passamos no mercado para comprar umas bolachinhas e água, o retorno
era a tarde somente. A primeira parada foi no bairro rural da Barra do Braço, cerca
de 30 km do centro de Eldorado, metade do caminho com asfalto. Eu conhecia as
pessoas que trabalhavam no posto de saúde da Barra do Braço. Esperamos o médico
chegar, o atendimento seria num outro bairro, mais para frente chamado Descanso da
Vida. O próprio médico dirigiu o carro, estrada de barro, sob um calor insuportável.
Andamos de carro cerca de trinta minutos. Já fazia um mês que o médico não atendia
no Descanso da Vida. O atendimento foi numa escola municipal desativada, em
péssimo estado de conservação, tudo muito velho e empoeirado. O médico me deixou
ficar com ele durante as consultas, que ocorreram dentro de uma das duas salas de
aula dessa escola. Fui apresentada aos pacientes como a psicóloga da Santa Casa que
hoje estaria trabalhando junto com o PSF. Nenhum dos dez pacientes atendidos
questionou minha presença ali. Tive a oportunidade de explicar melhor o que eu fazis
ali para apenas duas pessoas, que eram da mesma família e moravam no mesmo
terreno da escola. Fiquei sentada e quieta quase todo o tempo durante as consultas.
Não me senti muito à vontade, era como se eu estivesse invadindo aquele momento das
pessoas com o médico. Por outro lado, tive a impressão que os pacientes em nenhum
momento se sentiram invadidos. Quanto às queixas dos pacientes recordo algumas:
dores nas costas, desvios na coluna por causa do trabalho pesado na roça; hipertensos
querendo medir a pressão. Para alguns pacientes o médico perguntou se poderia
comprar o remédio que ele iria prescrever. Uma senhora, paciente mais velha, dá uma
boa dica pra melhorar a sintonia entre o PSF e a população atendida. Foi interessante
o que esta senhora relatou sobre um antigo médico do PSF, que ensinava a cuidar de
certos problemas de saúde com “remédio do mato”. Falou que o médico que atendia
anteriormente sempre passava um chá ou “remédio de mato”, que ajudava bastante
porque era natural e também não precisava comprar porque tinha por perto, no
quintal de casa. Comentei com a paciente que era muito interessante isso que ela
contava, pois ajudava os pacientes. Durante as consultas R. também sugeriu receitas
“caseiras”.
74
Encontramos no site do Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio
experiências exitosas de políticas públicas. Através das publicações “20 Experiências de
Gestão Pública e Cidadania” podemos conhecer um pouco dessas experiências.
Destacamos algumas envolvidas na área da saúde e que podem constituir-se em
exemplos para todos os interessados nas questões de saúde, pois muitas experiências
ocorreram em municípios caracterizados pela pobreza e baixos índices de
desenvolvimento humano.
O Projeto Remédio em Casa: uma estratégia de apoio às políticas públicas de saúde”
(Rio de Janeiro - RJ, 2005), através da Secretaria Municipal de Saúde buscou aumentar
o alcance das pessoas aos programas de saúde com a dispensação farmacêutica a
domicílio. Uma empresa especializada entrega medicamentos para terapêutica de
hipertensos e diabéticos diretamente nas casas dos usuários do SUS, cadastrados para
esse tipo de atendimento. Assim, as pessoas, por exemplo, que vivem em áreas de difícil
locomoção não necessitam abandonar o tratamento e sempre mantém vínculo com as
unidades de saúde do SUS.
O “CAPS/SESAMAR – Transformando o lugar social da loucura no Vale do
Jequitinhonha” (Araçuaí – MG, 2004) é um projeto do município de Araçuaí, um dos
cinqüenta e oito municípios do Vale do Jequitinhonha, a região mais pobre do estado de
Minas Gerais. É uma unidade de referência para de 117.014 habitantes, dos municípios
de Araçuaí , Chapada do Norte, Coronel Murta, Francisco Badaró, Itinga, Jenipapo de
Minas , Virgem da Lapa e Berilo. No ano de 1997 a saúde mental foi uma das
prioridades do governo municipal. Em parceria com o Consórcio Intermunicipal de
Saúde do Médio Jequitinhonha (CISMEJE) a prefeitura criou o Serviço de Saúde
Mental de Araçuaí (SESAMAR), com princípios do movimento antimanicomial e do
atendimento humanizado. A partir de 2000 o serviço passou a ser um Centro de Atenção
Psicossocial, o CAPS/SESAMAR. Observa-se a articulação entre as comunidades, o
poder público e diversos setores da sociedade, “Devolver a dimensão humana para a
loucura, ultrapassar os diagnósticos de doença e promover o exercício dos direitos e da
cidadania tem sido uma tarefa executada com sucesso pelo CAPS/SESAMAR.”
O “Programa Paidéia de Saúde da Família (Campinas – SP, 2003)” reformulou
Programa Saúde da Família (PSF) para municípios de grande porte. O programa surgiu
75
em 2001coordenado pela Secretaria de Saúde de Campinas, município com mais de um
milhão de habitantes.
Programa Paidéia se distingue pela formação de equipes
multiprofissionais, com capacitação e ambiente propício à
troca e à 'soma' de saberes e pelo atendimento diferenciado
dos usuários do sistema, não mais de acordo apenas com o
agendamento prévio ou com a ordem de chegada no posto
de atendimento, mas considerando as condições
emergenciais e os riscos que correm os usuários.
Conforme já mencionado, o Projeto UNI Londrina (Londrina – PR, 2001) traz
mudanças ao propor a articulação entre a universidade, os serviços de saúde e a
comunidade, os quais denominam componentes do Projeto. O Projeto é ligado ao
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina e patrocinado pela
Fundação Kellogg. Os cursos que fazem parte do projeto são enfermagem, medicina,
fisioterapia, farmácia e odontologia. O componente da comunidade refere-se a dez
bairros e sete distritos rurais, com mais de 130 mil habitantes, a participação desses
ocorre através das associações de bairros, de moradores e de mulheres; dos conselhos
locais de saúde; do Conselho Popular Feminino da Região Sul e do Conselho de Saúde
da Região Sul. O componente dos serviços de saúde corresponde às unidades básicas
desses bairros e ao hospital estadual da zona Sul, com 41 leitos.
O Programa Bebê Saudável - Tamboril (Tamboril – CE, 2000) teve origem com o
trabalho de incentivo ao aleitamento materno realizado pela assistente social do
Hospital Municipal de Tamboril. A preocupação inicial foram as elevadas taxas de
mortalidade infantil por diarréia e infecções respiratórias (cerca de 75 por 1000). O
Programa é relativamente simples, numa sala (antes pouco utilizada do hospital) realiza-
se palestras diárias e atendimento individual as gestantes e mães. A consulta é mensal e
com duração de vinte minutos, em que a criança é pesada, medida e a mãe recebe
orientação sobre a lactação e desenvolvimento do bebê. Conforme a necessidade ocorre
o encaminhamento médico para o próprio hospital.
O programa é bastante simples e a articulação das ações
garante o bom desempenho. O envolvimento das mulheres
antes e depois do parto, do pré-natal ao aleitamento, ajuda
a promover a confiança e a criar laços afetivos entre mães
e profissionais, facilitando a troca de informações. Assim
76
que fica grávida, a gestante é encaminhada ao pré-natal e
começa a visitar regularmente o hospital. Além da
vacinação obrigatória, recebe um complexo de vitaminas e
ferro e, nas consultas mensais, assiste às palestras junto
com as mães. A troca de informações entre os dois grupos,
mães e gestantes, incentiva ainda mais o aleitamento.
Olhar os bebês e ouvir suas histórias confirma a validade
das informações recebidas. No décimo dia após o
nascimento, começam as consultas do recém-nascido.
Durante todo o período de lactação é oferecido às mães
um contraceptivo que não causa problemas ao bebê. O
sistema de referência e contra-referência entre hospital e
agentes comunitários de saúde é outro ponto chave para o
sucesso do programa.
O Programa Sobral Criança (Sobral – CE, 1999) foi desenvolvido pela Prefeitura
municipal e coordenado pela Fundação de Ação Social, vinculada à Secretaria de Saúde
e Assistência Social (atualmente Secretaria de Saúde e Ação Social). O Programa não é
uma ação isolada, e sim a busca pela intersetorialidade nas políticas sociais do
município, “articulando ações e parcerias de forma a garantir educação, saúde, cultura e
proteção dos direitos para todas as crianças de Sobral.” A prioridade são ações para
crianças e adolescentes mais vulneráveis. O Programa está organizado e opera através
dos chamados Comitês (Nascer em Sobral, Crescer e Desenvolver em Sobral e Sobral
Criança Cidadã). Os Comitês não são formalizados e constituem-se de vários setores da
sociedade, que atuam na definição de ação das políticas para a criança e o adolescente
em Sobral. Os Comitês reforçam a gestão municipal com base na intersetorialidade e na
participação social. Em cada Comitê concentram-se tipos de ações, no Comitê Nascer
em Sobral concentra-se as de combate à mortalidade infantil e de atenção à saúde e
nutrição da gestante e do recém-nascido. O Comitê é composto pela secretarias de
Saúde e Assistência Social, conselhos municipais (de direitos, tutelares, de assistência e
de saúde), Conselho Regional de Medicina, a Câmara Municipal, o Poder Judiciário, a
Santa Casa, as igrejas, a Diocese, o Hospital, a Associação dos Agentes de Saúde e a
Federação Sobralense de Associações Comunitárias. No Comitê Crescer e Desenvolver
em Sobral as ações concentram-se na educação (formal e informal), cultura e
socialização. Participam a Secretaria de Educação, secretarias municipais (Saúde e
Assistência Social, Desenvolvimento Urbano), conselhos municipais, Universidade do
Vale do Acaraú, Poder Legislativo, Poder Judiciário, Pastoral da Criança, Apae,
Diocese, igrejas, Sesc (Serviço Social do Comércio), Sesi (Sistema Social da Indústria),
77
liga de futebol e liga das escolas de samba. E por último, o Comitê Sobral Criança
Cidadã concentra-se na profissionalização e proteção dos direitos da criança e do
adolescente. Compõem o Comitê várias secretarias municipais (Saúde e Assistência
Social, Educação, Cultura, Desenvolvimento Urbano, Indústria e Comércio),
Universidade do Vale do Acaraú, conselhos municipais (tutelar, de direitos, de
assistência social), Ministério do Trabalho, Detran, Sociedade de Apoio à Família
Sobralense (SAFS), Sociedade Pró-Infância (Sopri), Federação Sobralense das
Associações Comunitárias, Diocese e igrejas, Associação dos Radialistas, Sebrae,
Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Nacional do Comércio (Senac), Clube dos
Diretores Lojistas (CDL).
78
6. REFLEXÕES FINAIS
Durante toda a pesquisa exploramos o campo-tema da pobreza e das práticas de saúde,
lembramos que o método do campo-tema nos permite deslocar a idéia de “campo”
como um lugar para “campo” como um tema ou argumento. O interesse pelo tema
ocorreu, inicialmente, a partir da minha experiência como psicóloga na saúde em
Eldorado e a observação de que muitas práticas de saúde desconectam da ajuda
necessária às pessoas que procuram os serviços. Uma vez que a condição de pobreza em
que vivem essas pessoas impõe uma série de revisões quando se fala em Saúde, ou seja,
nas próprias práticas de saúde, na formação profissional, na organização dos serviços,
na política de saúde e na gestão da saúde no município. Todos esses elementos são
debatidos atualmente, principalmente na área da Saúde Pública e Saúde Coletiva. O
termo equidade em saúde, por exemplo, refere-se ao debate para vencer as
desigualdades em basicamente quatro fatores relacionados à saúde: condições de vida e
saúde da população, “à distribuição espacial da oferta de recursos humanos e de
capacidade instalada”; “ao acesso e utilização de serviços (públicos e privados)” e “à
qualidade da atenção recebida.” (LUCCHESE, 2003).
Entre tantas desigualdades, observa-se que através das práticas de saúde os profissionais
conhecem melhor as condições de vida e saúde da população, defrontando-se, então,
com a pobreza. Reconhecida através da precariedade na alimentação, condições de
moradia, roupas, transporte, objetos do lar, trabalho e renda, fatores determinantes das
condições de saúde, tanto física quanto mental. E quanto a essa questão, a própria Lei
Federal 8.080 de 1990, que regula as ações e serviços de saúde (SUS), nos diz: A saúde
tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o
transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da
população expressam a organização social e econômica do País.” Diversas pesquisas
sobre as desigualdades nas condições de saúde, como as pesquisas epidemiológicas e
relatórios (OPAS, 2002; OMS, 2001; ESCOREL 2001) afirmam que a pobreza, na sua
heterogeneidade, afeta as condições de saúde, tanto físicas quanto mentais. Mesmo
assim no dia-a-dia parece difícil assumir explicitamente que saúde depende desses
fatores, ou em outras palavras, que saúde em regiões como de Eldorado, significa lutar
79
contra a pobreza E assim, a saúde pode tentar articular uma melhor resposta aos
problemas dos usuários do SUS. O que nos leva a pensar nos modelos de assistência a
saúde vigente no dia-a-dia dos serviços. Como discutem MEHRY e FRANCO (2002,
1999), há necessidade de uma recomposição técnica do modelo assistencial em saúde,
através do uso de tecnologias leves de caráter relacional. Para os autores o modelo
médico hegemônico caracteriza-se pelo uso de tecnologias duras e do Trabalho Morto,
ou seja, somente instrumental. O trabalho relacional, com uso das tecnologias leves,
mesmo utilizando-se do instrumental (medicamentos ou exames) reconhece no usuário
de saúde “uma certa origem social, relações sociais e familiares, uma dada subjetividade
que expressa sua história e portanto, este conjunto deve ser olhado.”
O movimento de humanização do trabalho em saúde no SUS, que nos traz, por
exemplo, a noção de clínica ampliada, incentiva os profissionais a olhar melhor a
realidade vivida por cada usuário e a trabalhar com princípios de intersetorialidade. O
conceito de clínica ampliada refere-se ao “compromisso radical” do profissional da
saúde com o doente, ter a responsabilidade sobre os usuários do SUS, trabalhar na
perspectiva da intersetorialidade, estar atento aos limites do conhecimento e das
tecnologias utilizadas, assim como buscar conhecimentos em diferentes áreas.” Em
nossa pesquisa, os próprios profissionais da saúde (no caso, os psicólogos), ao
discutirem a situação de pobreza dos pacientes atendidos sugeriram a discussão da
intersetorialidade. Conforme citamos anteriormente intersetorialidade é a “articulação
entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, de saberes, poderes e vontades
diversos, para enfrentar problemas complexos. É uma nova forma de trabalhar, de
governar e de construir políticas públicas que pretende possibilitar a superação da
fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir efeitos mais
significativos na saúde da população” FEUERWERKER (2000). Mas alertamos que não
se pode reduzir intersetorialidade ao simples encaminhamento, por exemplo, para uma
assistente social.
Quanto à formação e educação em saúde constatou-se que os profissionais se
consideram despreparados para realidades tão diferentes, no que se refere as condições
de vida e de saúde da população, aos lugares de atuação, a estrutura e aos recursos
disponíveis no SUS. Como já dissemos, não podemos responsabilizar a formação em
80
saúde pelas desconexões enfrentadas no dia-a-dia, se há culpa, essa se constitui de
muitos mais elementos do que se imagina. MEHRY e FRANCO (2003; 1999), por
exemplo, ao discutirem o “Trabalho Vivo” e as tecnologias “leves, duras e leve-duras”
no trabalho em saúde nos ensinam sobre o conhecimento que se produz nos próprios
serviços de saúde, com os fazeres de cada dia. FARIAS (2005) de forma muito criativa
sugere para a formação uma discussão dos “vários SUS” que o futuro profissional
poderá encontrar pela frente: o SUS para pobre, o SUS formal, SUS real e o SUS
democrático. CARVALHO e CECCIM (2006) retomam importantes questões como a
falta de integração ensino e trabalho – principalmente no SUS, o papel secundário da
Saúde Coletiva e Saúde Pública, o excesso teórico-conceitual na formação, as
disciplinas compartimentadas e a ênfase na base biológica dos processos saúde-doença.
Ainda segundo os autores, respostas específicas para a integração serviços de saúde e
ensino surgiram a partir da década de 1980 no Brasil, até a política do SUS para uma
aproximação com o ensino: AprenderSUS, de 2004. E destacam a importância da
educação permanente em saúde, a Portaria 198/GM/MS de 2004 institui a
Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e a criação dos Pólos de Educação
Permanente em Saúde para o SUS (PEPS).
Consideramos as revistas científicas de Saúde Pública como parte do nosso campo-
tema, compreende-se esses materiais como praticas discursivas, ou seja, “as maneiras a
partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais
cotidianas” (M. J. SPINK, 2004, p. 45). Ao pesquisarmos as palavras pobreza ou
desigualdade nos títulos da coleção Scielo Saúde Pública percebemos a ênfase na
relação entre pobreza e desigualdades na distribuição das doenças como paludismo,
tuberculose, diarréia, câncer cervical, HIV e transtornos mentais. Ou então, esses artigos
relacionam pobreza com as desigualdades nos indicadores de saúde, como mortalidade
infantil, natalidade e desnutrição, obesidade; entre outras desigualdades nas condições
ou estados de saúde não especificados nos títulos. Quem sabe em Eldorado, o que os
profissionais da saúde observam não sejam desigualdades nas condições de vida e saúde
tão mensuráveis quanto revelam as pesquisas que se fazem presentes por esses artigos.
Não quer dizer que seja menos grave ou importante a situação no município e região do
Vale do Ribeira. Apenas dois artigos, dos quarenta e oito que apareceram em nossa
pesquisa, expõem no título a necessidade de atacar a pobreza a partir da saúde: “Los
81
médicos deben combatir la pobreza para reducir la enfermedad” e “Enfrentando a
pobreza, reconstruindo vínculos sociais: as lições da Ação da Cidadania contra a Fome,
a Miséria e pela Vida”. Infelizmente, apenas esses dois artigos nos dizem diretamente
da importância da ação do profissional da saúde no combate a pobreza, para assim
melhorar as questões relacionadas à saúde.
As conversas sobre a pobreza e como combatê-la a partir das práticas de saúde nos
levaram a compreensão da pobreza em relação às condições de saúde com as quais os
profissionais se deparam no dia-a-dia, como verminose, mialgia, lombalgia, gravidez na
adolescência, anemia, leishmaniose, hanseníase. São condições de saúde relacionadas à
pobreza, ou seja, moradia decente, trabalho, renda, saneamento básico, educação,
informação e hábitos mais saudáveis. Os psicólogos não mencionaram uma relação
entre transtorno mental e pobreza, mas com recursos próprios do trabalho seria possível
conhecer as condições de vida das pessoas atendidas, como em entrevistas realizadas
para uma avaliação psicológica. Portanto, sabe-se que a demanda é “sócio-clínica”,
termo utilizado quase como sinônimo de pobreza.
Falar sobre pobreza também enveredou para a questão de responsabilidade das pessoas
pobres pelas próprias condições de vida. Por exemplo, ter muitos filhos ou engravidar
na adolescência, ou ainda, o fato de manter a casa limpa independe de dinheiro, e sim da
atitude de cada um. O que remete a certa permanência da idéia de pobreza trabalhada
por DONNANGELO (1976), relacionada a fatores individuais e morais. Idéias nessa
vertente são um alerta ao profissional da saúde, principalmente quando depara-se no
trabalho diário com famílias jovens, numerosas, que vivem numa casa precária, com
pouca escolaridade e baixa renda. Como já vimos, pobreza é assunto complexo e está
muito distante de uma análise individual.
Já em outros momentos emergiu a questão do governo, que não respeita os direitos do
cidadão e não ataca verdadeiramente o problema, utilizando medidas que não
funcionam como a Bolsa Escola. É evidente a indignação com os programas de
transferência de renda, pois seria uma estratégia do governo para mascarar os reais
problemas, para agradar a população, para deixar as pessoas acomodadas e não buscar
mais recursos, por exemplo, através do trabalho. Quase culpabilizam as pessoas
atendidas por Bolsa Família, principalmente por receberem sem trabalhar. Quando o
82
que mais parece é o efeito perverso desses tipos de programas, de acordo com DEMO
(2003).
Quanto a lidar ou combater a pobreza, primeiramente obtivemos respostas que
dependem de características pessoais e de vida do profissional. Posicionamento que não
nos parece justo para os profissionais da saúde, tampouco suficiente para a situação
vivida em Eldorado. O também reflete ausência de respostas mais coletivas à
problemática. Um caminho seria através do Conselho Municipal de Saúde. Ano passado
pude participar de uma reunião do Conselho, mas logo percebi que ainda não há um
funcionamento claro e efetivo.
Outro conjunto de respostas foi de caráter tradicional, como o saneamento básico ou
educação. Logicamente a questão do saneamento básico é da maior importância para as
condições de saúde da população. Mas infelizmente não é tão simples a existência de
rede geral de esgoto para muitas pessoas, principalmente na zona rural do município,
como mostra o trabalho de NERY (2004). Na realidade, tivemos poucas respostas sobre
como lidar com a pobreza para organizar as idéias e posições dos profissionais sobre o
tema.
Como pudemos observar as mudanças necessárias são em vários níveis ou espaços
diferentes: nas práticas de saúde, na formação profissional, no discurso científico, na
organização dos serviços, na política de saúde e na gestão da saúde no município. Todos
esses espaços se interconectam no cotidiano do atendimento à saúde nos serviços
públicos e são responsáveis pela efetividade ou não do trabalho. E assim, perguntarmo-
nos, será que a pobreza não precisa de maior reconhecimento enquanto questão que
envolve saúde (muito mais que taxas de morbidade em relação a pobreza)? Não será
necessária maior sensibilidade dos profissionais para a problemática da pobreza,
principalmente aqueles que atuam em regiões caracteristicamente pobres? Não será
importante que os profissionais da saúde deixem de encarar a problemática da pobreza
como contexto ou pano de fundo da sua profissão, mas que assumam uma posição mais
estruturada sobre o assunto?
Como já descrevemos no capítulo três, a pobreza no Brasil é para ser alarmante. A
gravidade desses dados, no entanto, é insuficiente para compor uma fotografia da
83
heterogeneidade da pobreza. Infelizmente, algumas interpretações, ainda presentes no
imaginário social, continuam a entender a pobreza exclusivamente sob a ótica monetária
e centrada no indivíduo: pobreza, para estes, remete à condição de ser “pobre”. Outras
abordagens colocam o problema exclusivamente no terreno da política
macroeconômica, esquecendo os múltiplos mecanismos e ações administrativas que
contribuem para a geração da desigualdade e exclusão. Em conseqüência, a tendência
tem sido buscar uma abordagem mais interativa para a questão da pobreza considerando
não somente as capacidades e os recursos individuais ou sociais, ou as estratégias de
estímulo ao desenvolvimento econômico socialmente sustentável, mas também, como
argumentou ABRANCHES (1987), a provisão e o acesso aos serviços e bens
necessários para uma vida mais digna, menos desigual e com o exercício pleno da
cidadania.
Apesar da aparente amplitude da conceituação da pobreza enquanto exclusão e
desigualdade social, muitas vezes assimilada pelas ausências – de dinheiro, educação,
saúde, alimentação, integração, liberdade e dignidade – ela contempla realidades
extremamente diversas, às vezes mensuráveis, às vezes, não. Desta maneira, a noção de
pobreza está diretamente ligada à questão fundamental da cidadania, da democratização
da sociedade, da construção de laços sociais e da falta de proteção aos direitos
individuais e coletivos.
FRIEDMANN (1992) após de uma longa experiência na América Latina, apontou oito
vertentes a partir das quais o processo de inclusão precisa ser compreendido,
começando pela base territorial do lar e da vizinhança segura – o que ele chamou de um
ambiente amigável, que apóia a vida cotidiana. Suas outras vertentes de análise foram:
tempo disponível adicional ao necessário para a subsistência; acesso a conhecimentos e
habilidades; informação que é relevante, clara, honesta e de confiança sobre métodos,
práticas e oportunidades; organização social; redes sociais; instrumentos de trabalho e
de vida diária e recursos financeiros diretos ou em forma de crédito.
O acesso, neste sentido, está diretamente ligado à questão de poder: à capacidade de
assumir um poder social a partir do uso de redes sociais e as habilidades organizativas
próprias para colocar na agenda pública a necessidade de re-alocação de recursos, de
prioridades e de ações. Saúde, habitação e segurança pública são freqüentemente citadas
84
quando se pergunta às pessoas “o que é a cidadania” e a ausência destas é experienciado
como a ausência da cidadania.
Resultados similares emergiram de um estudo comparativo do Banco Mundial (co-
ordenado por NARAYAN, CHAMBERS, SHAH & PETESCH (1999) cujo componente
brasileiro foi coordenado por Marcus Melo da Universidade Federal de Pernambuco
(1999). Neste estudo, algo em torno de 20.000 pessoas de 200 ou mais comunidades em
23 países participaram de discussões em grupo e entrevistas com o intuito de ouvir as
opiniões das populações em situação de pobreza sobre o que é o bem-estar e o que
provocaria uma diferença significativa nas suas vidas. Os resultados demonstraram o
quanto as múltiplas dimensões de desvantagem interagem, criando armadilhas e círculos
viciosos que são quase impossíveis de desmontar. Bem-estar é felicidade, harmonia,
estar livre da ansiedade e ter paz interior, elementos que decorrem da necessidade de se
sentirem protegidos e seguros.
Como foi identificado na parte brasileira do estudo: “a segurança está associada a uma
variedade de fatores incluindo o emprego e a renda regular, acesso à comida, ter boa
saúde e ter acesso aos serviços de saúde, como também ter moradia e título de
propriedade da terra”. As pessoas em situação de pobreza são vistas como vulneráveis e
em maior risco por causa de um meio ambiente insalubre, de violência e criminalidade,
de enchentes e deslizamentos de terra – em si um reflexo da inserção precária na malha
urbana. Entretanto, estas múltiplas questões se configuram diferentemente em lugares
diferentes.
Vulnerabilidade, entretanto, não é a equivalente a incapacidade. Ao contrário, como
FRIEDMANN (op cit) bem lembrou, as pessoas em situações de pobreza, mesmo com
restrições imensas, estão ativamente engajadas na produção e sustentação de suas vidas.
O uso de palavras como “carente” e “humilde” reflete uma negação de competência,
que é em si parte do problema.
Todos esses são “conceitos mediados”, ou seja, são certos conhecimentos sobre
pobreza, por exemplo, que o Banco Mundial considera pessoas abaixo da linha da
pobreza as que vivem com menos de 1 USD por dia, que pobreza é heterogênea, que
exclusão social é uma palavra “mala” em que tudo cabe, etc. Vimos também a
necessidade no município de um esquema organizativo, mobilizador e coletivizador
85
para lidar com a complexidade da pobreza. Enfim, um modelo organizador e de ação
que contenha palavras-chaves, prioridades, palavras de ordem, que empodere e que
ajude a afrouxar a idéia de “estamos perdidos” entre os profissionais. Isso exige a
compreensão mais ampla da situação, que extrapola a profissional. Exige a
disponibilidade para o conflito e por fim, que a população veja o profissional da saúde
como alguém que reflete ela própria. Há exemplos contrários de “estamos perdidos”, ou
seja, de ações de saúde que articulam um melhor resposta a pobreza, como a Pastoral da
criança e os programas/projetos como Projeto Remédio em Casa: uma estratégia de
apoio às políticas públicas de saúde (Rio de Janeiro - RJ, 2005); CAPS/SESAMAR –
Transformando o lugar social da loucura no Vale do Jequitinhonha (Araçuaí – MG,
2004); Programa Paidéia de Saúde da Família (Campinas – SP, 2003); Projeto UNI
Londrina (Londrina – PR, 2001); Programa Bebê Saudável - Tamboril (Tamboril – CE,
2000) e Sobral Criança (Sobral – CE, 1999). Como psicóloga, senti que uma pesquisa
que centraliza a problemática da pobreza nas práticas de saúde, exigiu um
desprendimento para que outras disciplinas entrassem no caminho e que conversas e
leituras nada psicológicas se fizessem presentes, e talvez isso seja também uma das
características do trabalho na vertente da Psicologia Social.
86
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Paulo: Editora-Abrasco, 1995.
90
Anexos
91
Análise temática: Entrevista médica pediatra da UBS
Bastidores: a entrevista com a médica da UBS ocorreu dia 03/11/2005 às 15:00 horas na
própria sala da médica, teve duração de 30 minutos. Havíamos programado a entrevista
alguns dias antes e a médica aceitou imediatamente meu pedido. Abaixo o mapa
dialógico com síntese das falas e destaque para os trechos utilizados.
FORMAÇÃO DIFICULDADES
DO DIA-A-DIA
COMO VÊ A
POBREZA
LIDAR COM A
POBREZA
OUTROS TEMAS
(trecho 1)
S – formação e
pobreza
I – não enfocou
pobreza, mas sabe
da miséria
(trecho 2)
I – lidar com
pobreza, fatores
(trecho 3)
I – pobreza,
higiene;
assistencialismo
S - complementa
I – governo, bolsa
família; miséria
S - complementa
I – Eldorado,
verminose
(trecho 4)
I – corrigir “do
chão”
(trecho 5)
I – pobreza, falta
estrutura;
gravidez
S - complementa
I – gravidez na adolescência;
anemia falciforme
S - complementa
I – anemia falciforme, negros
(trecho 6)
I – formada há
vinte anos, saúde-
pobreza era pior
nas crianças,
compara ao
atendimento no
Rio de Janeiro, vê
conseqüência da
miséria
(trecho 7)
S – dificuldades
92
em Eldorado
I – pop. não
acredita;
avaliações;
dificuldade de
acesso
S – distância
I – mora longe
S – Ivaporunduva
I – sem condições
de vir, usa ônibus
escolar
S – nas férias não
tem ônibus
I – complicado;
absurdo Bolsa
para manter filho
na escola
93
Análise temática: Entrevista médico plantonista da Santa Casa
Essa entrevista também foi previamente combinada, mais uma vez meu pedido foi
atendido prontamente, o entrevistado foi o plantonista da Santa Casa. A entrevista
ocorreu no dia 03/11/2005, às 19h20min, com duração de 20 minutos e utilizamos a sala
da enfermagem. Este médico é o mais antigo da cidade, está há cerca de vinte anos em
Eldorado. Antes dessa entrevista um colega sugeriu que eu perguntasse se a situação de
pobreza era diferente na época em que ele chegou a Eldorado. Tivemos algumas
interrupções porque havia um telefone na sala. Abaixo o mapa dialógico com síntese
das falas e destaque para os trechos utilizados.
FORMAÇÃO COMO LIDA COM A
POBREZA NO DIA-A-
DIA
FALTAM
RECURSOS
MATERIAIS PARA
O PROFISSIONAL
DESCONEXÕES
NO DIA-A-DIA
OUTROS TEMAS
(trecho 1)
S. – formação e
pobreza
R.- epidemiologia
aproximava
S. – complementa
R. – continua
S. - complementa
(trecho 2)
S. – pergunta sobre dia-
a-dia
R. – complicado, tem
que ser várias coisas
R. – falta
medicamentos, outras
coisas
S. – pessoas não podem
comprar
R. – complementa
Interrupção, telefone
R. – classe média
(trecho 3)
S. – pergunta sobre
pobreza há vinte
anos
R. – não tanto
Interrupção,
telefone
R. – doenças da
pobreza; serviço
melhorou
S. - complementa
R. – pobreza
piorou
(trecho 4)
94
R. – falta
medicamentos;
adaptações,
faculdade não
ensina adaptações
S. - complementa
R. – mas vê
progresso; serviço
melhorou
S. – complementa
R. - continua
(trecho 5)
R. – teimoso, ousado,
falta recursos materiais
R. – pacientes não
acreditam em PSF
S. - complementa
R. - continua
(trecho 6)
R. – fazer, mesmo
com pouco, internar
quem não precisaria
S. – pergunta, como
é em Jacupiranga
R. – aqui serviço
diversificado
S. – complementa
Interrupção, telefone
R. – continua
S. – complementa
R. – pergunta se
pode perguntar
S. – sim
R. – tempo de
serviço
S. dois anos
R.- posição, doença
mental e carência
S. – problema sério,
trabalho mais difícil
S. – sem essa
discussão
S. – conclui
R. – certo
S. – obrigada
R. – de nada
95
Entrevista com usuária do serviço de saúde
Bastidores: na posição de usuária do serviço de saúde E. participou de uma entrevista.
Com a necessidade de ampliar nosso tema aos usuários de saúde E. foi escolhida, já era
conhecida da pesquisadora. Essa entrevista ocorreu dia 31/03/07 às 18h20min, teve 20
minutos de duração e foi na própria casa de E. Ainda na rua, percebi E. sentada na
calçada em frente a casa, junto com a filha de dez anos. Tive a impressão que era uma
boa hora, E. estava praticamente sem fazer nada. Cheguei e cumprimentei-a. Conheço
V. desde 2004, nos encontramos por vários motivos, inclusive houve uma época em que
fiz várias visitas a casa dela. Com o gravador desligado disse que dessa vez eu é que
precisava da ajuda dela, E. riu curiosa. Perguntei se ela poderia me dar uma entrevista
para eu usar na pesquisa que faço no curso de mestrado em São Paulo, ela já sabia que
eu fazia esse curso. Concordou imediatamente, me convidou para entrar na casa dela.
Perguntei se ela queria assinar um termo de autorização da entrevista, disse que não,
perguntei se ela queria que eu preservasse o anonimato, respondeu que tanto fazia uma
coisa ou outra. Optei por preservar o anonimato e utilizar apenas uma letra inicial. Mais
uma vez o quadro abaixo ajuda a identificar a produção dos trechos de interesse, com os
temas emergentes da entrevista, a síntese dos enunciados e o destaque em negrito, que
se refere ao trecho da análise. Nesta entrevista, como focalizamos a questão das
dificuldades para usar os serviços de saúde, utilizamos grande parte da entrevista na
dissertação.
OPINIÃO SOBRE OS
SERVIÇOS E
PROFISSIONAIS DE
SAÚDE
DIFICULDADES NO DIA-A-
DIA AO UTILIZAR OS
SERVIÇOS DE SAÚDE
SOLUÇÕES PARA
AS DIFICULDADES
OUTROS
TEMAS
S. – opinião, serviços saúde
E. – tudo bem
(trecho 1)
S. – pergunta se tem
dificuldades, ex. medicamentos
E. – sim, e em “viagens”
S. – pergunta se conhece pessoas
que passam dificuldades
E. – não, reclama de outro depto
S. – complementa
E. – continua
S. – complementa
E. – serviço social
E. – Santa Casa está bem
S. – complementa
96
E. – centro de saúde está bem
(trecho 2)
S. – zona rural, mais difícil
E. – não sabe
S. – demora no atendimento,
pegar o ônibus
E. – não tem o problema
S. – sim, mais da zona rural
E. – lembra de situação da UBS
E. – cede lugar para
pessoas da zona rural
S. – complementa
E. - continua
S. pergunta se
profissionais
sabem das
condições de
vida dos
pacientes
E. nunca
perguntaram a
ela
S. -
complementa
E. vida
particular, dif.
trabalho deles.
S. – importante
eles saberem
E. – sim; mais
vagas
(trecho 3)
E. – reclama, privilégio parente
de médico na UBS
S. – complementa
E. – continua
S. - complementa
E. – continua, cede vaga para
quem precisa
S. – complementa
E. - continua
E. sobre você
(as duas, risos)
S. conversei
com tanta gente
E. - É?
S. - conversa
com os
médicos, com
os enfermeiros
E. - Simone é
excelente
pessoa, não tem
do que reclamar
S. - (riso, faz
sinal negativo
com
movimento de
cabeça)
S. – continua
E.
97
importância da
Simone para ela
(trecho 4)
S. – (riso, faz sinal negativo com
movimento de cabeça), médicos,
situações de dificuldades
E. – sim, procura serviço social,
que muitas vezes não atende
S. – nada organizado
E. – concorda
S. – pessoas não sabem que pode
ajudar
E. – sem remédio, no hospital é
garantido; não tem salário
mínimo
S. bolsa
família não dá
E. recebe,
bolsa família,
pensão das
filhas e bicos
S. – trabalho
E. – bicos tem
S. -
complementa
E. - continua
S. – informa
que desliga
gravador,
agradece
98
Análise temática: Grupo focal
Bastidores: o grupo focal teve a participação de M. médico do PSF II, G. médico da
UBS, E. enfermeiro da UBS e C. fisioterapeuta da Santa Casa. Fizemos o convite e
fomos prontamente atendidos, combinamos uma data e local. Portanto, o grupo focal
ocorreu dia 20/10/2005 às 17h30min em uma das salas de um espaço chamado Aldeia
Cultural em Eldorado, teve duração de 50 minutos. Novamente usamos o quadro
temático para localizar o trecho analisado, com os temas emergentes do grupo focal, a
síntese dos enunciados anteriores e posteriores ao destaque em negrito, que se refere ao
trecho de interesse.
A FORMAÇÃO
QUE
RECEBERAM
DIFICULDADES
DO DIA-A-DIA
SOLUÇÕES E
SUGESTÕES QUE
APRESENTAM
CONCEPÇÕES DE
POBREZA
APRESENTAÇÃO/O
UTROS
S. - Conversar saúde e
pobreza, entendem
pobreza, cotidiano,
formação
(trecho 1)
G.
Formação
medicina
elitizada/pouco
saúde e pobreza
E. -
Formação/estágio
hospitais
particulares/saúde
pública diferente
da formação
C. -
Formação/estágio
hospital
público/pobreza/di
fícil trabalhar
M. -
Formação/estágio
hospital público e
privado/diferenças
/pessoa pobre e
acesso a saúde
(trecho 2)
G – acesso a
tratamento; trabalho
pesado; suporte do
INSS; afastamento
E - lesão
G - lesão pior
C - sem dinheiro
99
para fazer
fisioterapia, não pode
fazer repouso em
casa
E - parte
medicamentosa, não
tem acesso a
medicação
S – pergunta como
fica o trabalho
E – voltar pior, vai se
afastar
E – PSF, prevenção
G - difícil trabalhar
com prevenção;
verminose
E - Saneamento
básico.
G – faltando
saneamento básico
E - (?)
(trecho 3)
M - estilo de vida do
pobre, trabalho
braçal, mialgia,
lombalgia
E – matéria revista,
pobre não tem direito
de ficar doente
C - pobre que tem
mais filhos
E - Não tem direito a
controle de
natalidade
C - nunca vai em
frente
(trecho 4)
G - PSF, faltou
anticoncepcional, as
grávidas aparecem
E – muitas
engravidam sem
planejamento, com
oferta de
contraceptivo é
diferente
E - kit do PSF, já
acabou.
S – pergunta o que é
E - Kit de medicação,
do governo federal,
SUS para pobres
S – pergunta sobre PSF
M – trabalho braçal,
falta saneamento
básico, verminose,
anemia, doenças da
pobreza, escabiose
(trecho 5)
100
C – pobreza, sujeira
G - parte cultura.
C – concorda
E - casa sem piso
frio, menos higiene
G - fator cultural,
modos de vida
diferentes mesmo na
pobreza, higiene
E – higiene, educação
M - saúde bucal,
escolas
E - (?)
G - fator cultural,
queimada, ambiente
(trecho 6)
G - complicado
trabalhar prevenção,
PSF, mas teria
economia
E – PSF, Miracatu,
pop. não entendia
PSF, prevenção.
S – pergunta sobre
treinamento do PSF
(trecho 7)
G - PSF, necessidade
de fazer reuniões,
problema com
política
E - (?) reuniões no
posto.
G – reunião,
problema de política
E – Miracatu,
prevenção, reuniões
S – reuniões como
alternativas,
pergunta para
outros
C - se fosse rica,
daria dinheiro
S – pergunta para
outros
M - saneamento
básico
C – complementa
E – vamos vencer
obstáculos
G – cobrar do
governo, aqui,
doações, eventos
E - (?)
G – pessoas não fazem
o que deveriam
E - (?) muita gente.
G - Exatamente.
G – tem pobre que não
101
quer trabalhar
C - ganha fácil as
coisas.
G - escuta do paciente
isso.
C - É.
G - fator cultural,
trabalhador daqui,
complicado
S - finaliza
M – interessante, tem
que ser discutido
C - gostou de participar
E – fato de ser pesquisa
G – interessante
colaborar
S – agradece
G – não atrapalhou
nada
S – (brinca) queriam
cobrar cachê
C – (brinca) não é de
graça
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