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secretário da saúde de São Paulo).
Na gestalt da página impressa, a diagramação, o título e a ilustração conduzem o
olhar do leitor para o texto e participam de sua decisão pela leitura. O texto ilustrado, seja
por foto ou desenho, provavelmente tem mais chances de ser lido do que o texto “seco”, uma
vez que não há simultaneidade perceptiva. Na superfície do papel, é a imagem que primeiro
captura a atenção do leitor, embora a decisão nal de investir tempo na leitura caiba ao título,
ao “olho” e ao primeiro parágrafo.
As nalidades comunicativa, informativa e crítica preside o trabalho do ilustrador,
que recebe a demanda através da pauta e muitas vezes também pela interpretação do texto
verbal. No entanto, como vimos, ele não está subordinado a essa interpretação. Cabe a ele
se posicionar em relação ao tema indicado pela pauta, garantindo a sua liberdade de expor a
sua opinião.
São de responsabilidade do ilustrador o enfoque em relação ao tema em pauta, a
partir de escolhas de ênfase e exclusão. Ao exercer sua “co-autoria”, e não a simples redun-
dância, o ilustrador enriquece a leitura, montando um jogo de espelhos para a reexão do
leitor. O ilustrador não está a serviço do articulista, está a serviço da pauta e é sempre um
outro olhar sobre o tema.
No processo de criação, o ilustrador elabora mentalmente e constrói linguagem, num
movimento retroalimentador. A ação criativa pressupõe o movimento entre a representação
e a ação mental, o trânsito de informações externas e internas à mente. A elaboração de lin-
guagem visual gráca mobiliza diferentes domínios cognitivos além da esfera especíca da
visualidade. A ação criativa opera mentalmente de forma hipermidiática.
Uma das primeiras decisões do ilustrador diz respeito aos aspectos do campo referen-
cial que ele escolherá sugerir ou explicitar, enfatizar, excluir ou contradizer. Essas escolhas,
até pela natureza distinta das linguagens, são diferentes das escolhas apontadas no texto. O
entendimento dessa triangulação é fundamental para qualquer análise que envolva a relação
entre imagem e texto.
Carlos Matuck apontou e reforçou a distância platônica entre o narrador de Musil e a
mulher, ampliando um aspecto sutil do texto. Ridicularizou “o discurso losóco da moder-
nidade”, mas em voz baixa, igualando as calças. Orlando escolheu mostrar posição oposta
ao secretário da saúde, numa imagem simples e direta, de rápido entendimento e de fácil
identicação para qualquer um que já precisou utilizar os serviços da saúde pública. Samuel
se debruça na complexidade das escolhas entre revelar, ocultar, enquadrar e focar.
Nos rastros dos movimentos de formatação e transformação da matéria gráca, expe-
rimentações, incertezas e escolhas, observamos as operações de armazenar, traçar, texturizar,
esboçar, rafear, deslocar, deformar, fundir, apropriar, ampliar, reduzir, recortar e colar, testar,
escolher, congurar. A escassez de tempo para o trabalho do ilustrador implica em agilidade
na organização do banco de dados, mobilização de informações e sobretudo repertório cul-
tural variado, adequado à temática trabalhada.