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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CURRÍCULO
COMPLEXIDADE E METODOLOGIA DE PROJETOS:
MELHORANDO A PRÁTICA DOCENTE EM CURSOS DE
GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA
Doutorando: Fernando Leme do Prado
Orientadora: Profa. Dra. Maria Candida Moraes
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CURRÍCULO
COMPLEXIDADE E METODOLOGIA DE PROJETOS:
MELHORANDO A PRÁTICA DOCENTE EM CURSOS DE
GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA
SÃO PAULO
2007
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica, como
exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Educação, sob orientação da
Professora Dra. Maria Candida Moraes.
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Profa. Dra. Maria Candida Moraes
________________________________________
Prof. Dr. Eduardo O. C. Chaves
________________________________________
Profa. Dra. Ivani Fazenda
________________________________________
Profa. Dra. Maria Inês Fini
________________________________________
Profa. Dra. Marina G. Feldmnn
O conhecimento não decorre da experimentação, mas da comparação
entre o que se observa e o que se imagina (Albert Einstein).
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os que, direta ou indiretamente, contribuíram
para a construção deste trabalho. Assim o faço, pois sei que
cada um tem consciência do seu grau de importância e,
também, a grandeza necessária para entender este gesto.
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO......................................................................................... 12
2 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 22
2.1 Contextualizando o Problema............................................................... 23
2.1.1 Ciência, técnica e tecnologia ..................................................... 23
2.1.2 Os cursos tecnológicos.............................................................. 24
2.1.3 Relação com o contexto............................................................. 25
2.1.4 As relações ensino-aprendizagem............................................. 27
2.2 A Metodogia de Projetos....................................................................... 29
2.3 Recorte da Metodologia........................................................................ 31
2.3.1 Desenvolvimento da pesquisa ................................................... 33
2.4 O Problema........................................................................................... 36
2.5 Pressupostos ........................................................................................ 36
2.6 Objetivos da Pesquisa ..........................................................................37
2.7 Relevância da Pesquisa........................................................................ 37
2.8 Fundamentação Teórica....................................................................... 38
2.9 Descrição dos Capítulos.......................................................................39
3 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................ 41
3.1 Ciência.................................................................................................. 41
3.2 A Técnica.............................................................................................. 46
3.3 A Tecnologia......................................................................................... 50
3.4 O que é Tecnologia?............................................................................. 52
3.5 Crise dos Paradigmas e as Novas Tecnologias.................................... 53
3.5.1 Como ocorre a mudança de paradigma..................................... 53
3.6 As Novas Tecnologias (NTICs)............................................................. 63
3.6.1 As NTICs e a centralidade dos computadores........................... 67
3.7 A Sociedade do Conhecimento............................................................. 73
3.8 Paradigmas, Pós-Moderno ou Pós-Modernidade ................................. 76
3.9 O Sistema Produtivo - Do Fordismo ao Toyotismo............................... 79
3.9.1 O Novo Mundo do Trabalho....................................................... 83
3.10 Visão Sistêmica e Sociedade Aprendente .......................................... 86
3.11 A Teoria Geral de Sistemas (TGS) ..................................................... 88
3.11.1 As bases da TGS..................................................................... 88
3.11.2 Parâmetros sistêmicos............................................................. 96
3.12 O Paradigma Eco-Sistêmico............................................................. 102
3.12.1 Autopoiese e Enação............................................................. 103
3.12.2 Retomando o paradigma eco-sistêmico................................. 105
3.13 A Sociedade Aprendente.................................................................. 108
3.13.1 Organizações aprendentes.................................................... 109
3.13.2 Conceito de Sociedade Aprendente ...................................... 111
3.14 A Teoria da Complexidade................................................................ 114
3.15 A Pesquisa-Ação............................................................................... 117
3.15.1 Origens .................................................................................. 117
3.15.2 Principais características da pesquisa-ação .......................... 120
4 CONTEXTUALIZAÇÃO............................................................................... 123
4.1 Educação Tecnológica........................................................................ 123
4.2 A Educação Profissional no Brasil ...................................................... 131
4.2.1 Breve Histórico da Educação Profissional no Brasil ................ 132
4.3 Os Cursos Tecnológicos – Legislação e Características.................... 141
4.4 Catálogo Nacional de Cursos e Eixos Tecnológicos........................... 151
4.5 Diferenças entre os Tecnológicos e as outras Graduações................ 153
4.6 Relações com o Mundo do Trabalho .................................................. 155
4.7 Metodologia de Projetos ..................................................................... 156
4.8 Inter e Transdisciplinaridade............................................................... 159
4.9 Breve Histórico da Faculdade de Tecnologia Professor Luiz Rosa .... 161
4.9.1 Perfil dos alunos ...................................................................... 162
5 METODOLOGIA DE PROJETOS: DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA.171
5.1 Contexto e Atores ............................................................................... 174
5.2 A Pesquisa-Ação na Metodogia de Projetos....................................... 176
5.3 Fases dos Projetos ............................................................................. 178
5.3.1 Fase 1 - Projetos Interdisciplinares.......................................... 180
5.3.2 Fase 2 - Projetos Integradores................................................. 186
5.3.3 Fase 3 – Escritório de Projetos Integradores.......................... 200
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 205
7 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 226
7.1 Obras.................................................................................................. 226
7.2 Legislação........................................................................................... 232
RESUMO
Este trabalho enfoca a metodologia de projetos e, mais especificamente, os
projetos integradores praticados pela Faculdade de Tecnologia Professor Luiz
Rosa, Jundiaí, Estado de São Paulo, com a finalidade de reflexionar sobre as
práticas docentes levadas a efeito nos cursos de graduação tecnológica ali
oferecidos à luz dos princípios norteadores da pesquisa-ação, em uma de suas
variantes, conhecida como Investigación-Acción (Carr e Kemmis,1988;
MacTaggart, 1988; e Latorre 2003), cujas estratégias não cartesianas são mais
adequadas à aplicação em sistemas não lineares. Partindo da indagação de
quais práticas pedagógicas seriam mais apropriadas aos cursos tecnológicos
oferecidos pela instituição face às habilidades e competências hoje requeridas
pelos sistemas social e produtivo, considero que a análise dos procedimentos
dos atores envolvidos nos projetos, ou seja, de alunos, coordenadores e
professores de diferentes áreas e disciplinas, quando orientados por
referenciais abertos à incerteza, pode desvelar princípios de uma metodologia
complexa capaz de se aplicar a quaisquer cursos tecnológicos com bons
resultados. O estudo se embasou nos instrumentais da pesquisa-ação e nos
pressupostos teóricos da Teoria Geral de Sistemas (Bunge e Vieira),
paradigma eco-sistêmico (Moraes) e pensamento complexo (Morin). A
pesquisa até aqui mostra que a metodologia de projetos evoluiu de projetos
interdisciplinares, em uma primeira etapa, para projetos integradores, em uma
segunda etapa e, atualmente, para uma instância ainda em construção
denominada escritório de projetos integradores, que caracterizaria uma terceira
etapa da pesquisa-ação, demonstrando ter havido até a presente data um
significativo aumento da organização e complexidade, seja da instituição
ofertante, seja da metodologia, quando e se considerados sistemas não
lineares abertos.
Palavras-chave: metodologia de projetos, Teoria Geral de Sistemas,
paradigma eco-sistêmico, teoria da complexidade.
ABSTRACT
The focus of the present work is project methodology – specifically, the
methodology of integrating projects such as practiced by the College of
Technology “Professor Luiz Rosa”, in Jundiaí, State of São Paulo, Brazil. Its
objective is to reflect about the teaching practices adopted in the undergraduate
programs in technology offered by that institution. Reflection is conducted in the
light of the guiding principles of action research, in one of its variants, known as
“Investigación-Acción” (Carr e Kemmis,1988; MacTaggart, 1988; e Latorre
2003). The strategies of this variant are non-cartesian, and, therefore, better
applicable to non-linear systems. The question of which pedagogical practices
are most appropriate to the programs in technology offered by the institution,
given the competencies and skills that the social and productive environment
requires today, is the starting-point of this reflection. It is proposed, in answer to
this question, that an analysis of the procedures adopted by the actors involved
in the projects (students, professors and coordinators of different academic
areas and disciplines) can, when guided by theoretical frameworks open to
uncertainty, unveil the principles of a complex methodology that can be applied,
with good results, to any programs of technology. The present study, based on
the tools of action research and on the theoretical assumptions of the General
Systems Theory (Bunge and Vieira), of the eco-systemic paradigm (Moraes)
and of the theory of complex thought (Morin), has shown that project
methodologies evolved from interdisciplinary projects (first phase) into
integrating projects (second phase), and, presently, show a tendency to move
into a third phase, still under construction, named bureau of integrating projects.
The present phase has shown a significant increase in the organization and
complexity, both of the institution offering the projects and of the methodology
used, when and if open, non-linear systems are considered.
Keywords: Project methodology, General Systems Theory, eco-systemic
paradigm, and theory of complexity.
1 APRESENTAÇÃO
Este trabalho pretende examinar as diversas fases de alguns projetos
integradores, planejados e colocados em prática em graduações tecnológicas –
oferecidas por uma faculdade de tecnologia situada na cidade de Jundiaí,
interior do Estado de São Paulo – como parte da metodologia de projetos
adotada pela referida instituição, à luz dos pressupostos teórico-metodológicos
da pesquisa-ação.
Ressalto que minhas atuais preocupações com metodologias mais
voltadas à dinamização e integração entre ensino e aprendizagem não são
recentes. Há muito tempo busco por teorias e estratégias mais consistentes e
consonantes com minha maneira de pensar a prática pedagógica.
Assim, meu interesse por esse tema é antigo, alimentado continuamente
pelo inconformismo com os princípios norteadores da escola tradicional, cujas
características fragmentárias, disciplinares, centradas no instrucionismo e não
na ensinagem, não mais atendem aos anseios e demandas da nova sociedade
e sistema produtivo, agitados por mudanças cada vez mais rápidas e
profundas.
Mas para compreender a origem do problema, é preciso voltar às
minhas origens, história de vida pessoal, escolar e acadêmica, para constatar
que o destino não é algo predeterminado e simples, mas sim um longo
processo complexo, que, desenrolando-se ao longo do tempo, faz interagir um
número inimaginável de variáveis, gerando “emergências”, perturbações, fatos,
fechando e abrindo horizontes, apontando entradas e saídas. Enfim, como
dizem os teóricos sistemistas, o caminho se faz caminhando a partir de um
único e primeiro passo.
E essa trajetória, com suas idas e vindas, ensaios, erros e acertos – hoje
consigo ver mais claramente – não foi diferente: cheguei aqui graças a uma
série de acontecimentos que moldaram meu comportamento, caráter e
crenças. Assim, para acompanhar a gênese dessa problemática, é necessário
reportar-se à minha história de vida, esclarecendo ser praticamente impossível
13
dissociar o desenvolvimento pessoal e profissional da história familiar e da
Instituição Educacional Professor Luiz Rosa, em Jundiaí, Estado de São Paulo.
Neto, filho e sobrinho de professores que hoje emprestam seus nomes a
diversas instituições de ensino, toda minha formação escolar foi voltada à
educação, ao magistério e a atividades de administração escolar, assim como
sucedeu também com uma irmã e alguns primos, hoje também professores.
Creio ter sido essa uma interferência altamente benéfica, razão pela qual
não ter queixa pelo direcionamento dado à minha vida escolar. Ao contrário,
considero absolutamente feliz e oportuna a iniciativa dos que me apontaram os
caminhos a trilhar.
A Escola Professor Luiz Rosa foi fundada em 1917, na cidade de
Jundiaí, Estado de São Paulo, pelo Professor Luiz Felippe da Rosa. Lá eram
oferecidos cursos regulares e não regulares, de acordo com a legislação
vigente na época.
No meu caso, após o colegial orientado para as engenharias, o caminho
natural foram licenciaturas em matemática e física, as quais podiam ser
concomitantemente cursadas na Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
onde entrei muito cedo, tanto que só me apresentei para o serviço militar
quando já estudante universitário.
No mesmo ano de ingresso no curso superior iniciei-me no magistério
como professor substituto de Matemática para as séries finais do então 1º grau,
hoje ensino fundamental, na Escola Professor Luiz Rosa. Devido à precocidade
de minha formação, a diferença de idade dos alunos para os quais lecionava
era pequena. Entretanto, isso não se fez sentir de forma significativa,
possivelmente porque, graças talvez a uma inclinação possivelmente genética,
o recém-professor, ainda em formação, já buscava a inovação e a melhor
relação entre ensino e aprendizagem (hoje: ensinagem). Mas só agora essa
particularidade me assalta com uma impressionante clareza. Na época não
passava de uma intuição.
No final do 2º ano da faculdade, já era professor titular das aulas do 1º
14
grau diurno e de várias turmas no noturno, inclusive atuando no ensino
supletivo, hoje conhecido como EJA – Educação de Jovens e Adultos. Nessa
turma de supletivo, era curioso e inédito o fato de o professor ser bem mais
jovem que qualquer de seus alunos.
Lecionei, neste período, aulas de matemática em cursos preparatórios
para o vestibular, os chamados cursinhos, que continuam a existir. Eram
turmas de até trezentos alunos, cuja idade média permanecia superior à minha.
Essa referência à idade é aqui necessária para enfatizar o fato de que,
desde o começo da minha trajetória docente, tive de enfrentar um desafio a
mais. Normalmente, o professor, revestido da autoridade que a idade lhe
confere, impõe-se pelo respeito que os mais jovens (pelo menos na época
ainda era assim devido ao tradicionalismo reinante) lhe devotam. No meu caso,
entretanto, devido à inexistência desse fator “natural”, tive de buscar outras
estratégias “compensadoras”, ou seja, de meios capazes de estabelecer ou
restabelecer de algum modo esta relação de autoridade, sob pena de ver
turbado o bom andamento das atividades em sala de aula.
Ora, no meu caso em particular, essa saída foi justamente deslocar a
ênfase do ensino à ensinagem, com vistas a gerar o interesse continuado e a
curiosidade da sala, empregando atividades mais práticas, desafiadoras,
interessantes.
Essa necessidade acabou me estimulando a criar mecanismos
inovadores, que, além de resgatar a pretendida relação hierárquica – agora
baseada no respeito ao repertório e métodos utilizados pelo professor –
revelou-se altamente benéfica, porque, desde ali, já me servia de
procedimentos didáticos eficazes, os quais têm sido apenas recentemente
abordados pela literatura especializada, embora deva ressaltar que Paulo
Freire (1974), desde sempre, já nos advertia sobre a necessidade e a
pertinência de se deslocar o foco do instrucionismo reprodutor de “conteúdos” à
aprendizagem (hoje, essa relação foi sistematizada na ensinagem, como
processo relacional e complexo).
Isso ilustra como, desde aquela época, me preocupava a necessidade
15
de me concentrar mais no processo de aprendizagem, adequando-o aos
procedimentos didáticos e/ou métodos de ensino. Inconscientemente intuía já
ali os princípios do paradigma ecossistêmico, da inter e transdisciplinaridade e
da teoria da complexidade, cujos fundamentos eu iria conhecer muito tempo
depois.
Durante alguns anos trabalhei com a matemática, sempre buscando a
intensa participação dos alunos na construção de seus conhecimentos, fugindo
das propostas tradicionais que prescreviam a mera retransmissão de
informações, que acabavam, invariavelmente, memorizadas mecanicamente,
sem nenhuma ancoragem, utilidade e sentido, razão pela qual eram, logo
depois, esquecidas. Continuei com as aulas, mas iniciei algumas atividades
ligadas à administração do Rosa.
Concluídas as licenciaturas, fui aceito no Mestrado em Matemática que
começava a ser ofertado pelo Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da
Computação, na Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, e lá estive
por dois semestres, até que as reformas de ensino que costumam ocorrer com
regularidade neste país, forçaram-me a trilhar novos caminhos. Na época,
como precisei assumir as atividades administrativas do Rosa, a prioridade
passou a ser o curso de Pedagogia.
Foi durante tal graduação que comecei a vislumbrar com mais clareza a
possibilidade de ampliar meus horizontes educacionais, até ali restritos à área
das ciências exatas. Notei, então, que aquelas idéias implementadas nas aulas
de Matemática podiam ser estendidas a outros cenários, a algumas outras
disciplinas ou a um conjunto delas, ou seja, essas novas práticas pedagógicas
poderiam ser bem implementadas desde que fundamentadas em novas
propostas educacionais.
Nesse sentido, nenhum solo poderia ser mais propício a um lançar de
sementes: a Escola Professor Luiz Rosa, com forte tradição em educação
profissional, oferecia, com efeito, um campo suficientemente fértil à introdução
de alguns projetos inovadores.
Concluída a graduação em Pedagogia, cursada nas Faculdades Padre
16
Anchieta em Jundiaí, uma vez mais a busca por uma melhor fundamentação
teórico-metodológica me conduziu de volta à Unicamp, dessa vez, à Faculdade
de Educação. Selecionado para o Mestrado, preferi a área da Metodologia de
Ensino, embora uma das linhas de pesquisa fosse justamente Administração
Escolar, que mostrava visível afinidade com as tarefas que eu havia passado a
exercer após a conclusão do curso de Pedagogia, no qual havia me
especializado na área de Administração, ou seja, o interesse pelas práticas de
sala de aula foi maior que a necessidade, apesar de, na época, estar atuando
pouco na atividade docente.
Assim, voltei ao magistério, aceitando convites para lecionar no ensino
superior na área de Administração Escolar em cursos de Pedagogia. Essa
atividade foi então exercida em diferentes faculdades e universidades, e tive a
oportunidade de conhecer de perto as mais diversas formas de ver, organizar,
desenvolver, operacionalizar, enfim, de tratar o processo educativo.
Vi, por exemplo, instituições entregarem um programa pronto e
detalhado para ser simplesmente cumprido, e, não sem um profundo pesar,
verifiquei também que muitos docentes preferiam isso, sentindo-se respaldados
e protegidos por um documento que não lhes dera nenhum trabalho criar.
Presenciei, ainda, escolas que nem sequer indicavam as salas onde os alunos
receberiam as aulas. Nem orientações, nem trabalhos, nem reuniões. Todavia,
das lembranças desse tempo, restaram-me preciosas lições. Como diz o
provérbio chinês, é do choque que surge a luz. Aprendi, ao vivo, com exemplos
de situações reais, o que deve e o que não deve ser feito em matéria de
educação.
Como estava habituado a tratar o planejamento escolar com profundo
respeito, consciente de sua importância e forma de construção, busquei
realizar o que poderia ser desenvolvido por sucessivas reformulações em
função das características da turma à qual se destinava, levando em conta
também os objetivos da disciplina e a proposta pedagógica da instituição,
quando e se explicitada. Em algumas instituições, verifiquei ser possível e até
bem-vinda essa postura, pois as chances de surtirem bons resultados
aumentavam significativamente. Por outro lado, sempre encontrei quem
17
preferisse a obediência cega ao programa, à ordem e ao cronograma
previamente traçado, pouco importando a quem se destinasse.
Curiosamente, muitos defensores deste último modelo acreditavam e
acreditam até agora que tal forma de trabalho está associada a uma proposta
educativa séria e exigente, julgando serem atributos de uma educação de
qualidade avaliações rígidas que se limitam à verificação da mera retenção de
conteúdos, respaldadas por propostas centradas exclusivamente no ensino.
Ora, o que venho percebendo, já há algum tempo, é que um dos
principais fatores impeditivos da implementação de propostas inovadoras em
educação é justamente este contra-senso do senso comum, que imagina a
escola ideal como aquela guiada pelos padrões do tradicionalismo positivista,
sem compreender que tal enfoque apresenta uma defasagem que perpassa
gerações, confundindo educação produtiva e horas de memorização com
aprendizagem.
O problema é que, à luz de tais pressupostos ortodoxos, a análise dos
resultados do processo educativo sempre parece mais significativa, uma vez
que os verdadeiros valores agregados e os aspectos formativos são difíceis de
mensurar. Nesse sentido, minha experiência de magistério no ensino superior
mostra como é cômodo atender às expectativas de todos - alunos, instituição,
coordenadores e diretores - com propostas cartesianas, repetitivas e
informativas, enfim, tradicionais. Este é um bom exemplo de como as
aparências podem enganar.
Aliás, esta crença nas aparências dos fenômenos foi um dos pontos
centrais da minha dissertação de mestrado, em que abordei a organização
curricular de cursos técnicos de nível médio, especialmente a matrícula por
disciplina (MPD) – defendendo-a como adequada a esse novo tempo-espaço,
em que os antigos paradigmas da ordem e da previsibidade entram em crise,
determinando em todos os setores da sociedade e áreas do conhecimento:
uma grande mudança de rumos, um conjunto de idéias e critérios que
apontam para novas possibilidades de recorte e leitura da realidade,
formas básicas, teorias e instrumentais de como compreender o mundo,
18
sociedade ou civilização, abrangendo o modo de perceber, pensar,
acreditar, avaliar, comentar e agir de acordo com uma visão mais ou
menos consolidada, consensual, coletiva, para tanto [acatando] o fato de
que a maneira como vemos o “real” é apreendida não só objetivamente
pelos cinco sentidos, mas determinada a priori pela cultura, num certo
tempo e espaço, e, portanto, susceptível de transmissão às gerações
posteriores, estando, tal percepção/interpretação de alguma forma
marcada e afetada pela ideologia daquela cultura em especial (...).
[Portanto], uma primeira especificidade do período atual é a evanescência
da informação, resultante da virtualização de referentes e ambientes. Ou
seja: as representações predominam sobre seus referentes
1
(Prado, 2001:
29-32).
Voltando à minha trajetória, recordo ter sido esse um tempo de muitas
intercorrências e interferências, inclusive de ordem familiar, o que provocou a
descontinuidade do meu mestrado em Educação.
A Instituição Educacional Prof. Luiz Rosa atravessava um período de
transição, havendo necessidade de mudanças e investimentos, reformulação
dos quadros de pessoal e estrutura acadêmica, entre outras. Desse modo,
mesmo com os créditos concluídos e o trabalho de pesquisa em andamento,
não me foi possível cumprir os prazos para a qualificação e apresentação da
dissertação.
Os anos que se seguiram foram difíceis, com muito trabalho para
recuperar e reestruturar a instituição. Foram reorganizados os cursos técnicos
e introduzida a matrícula por disciplina. Por meio de uma reforma na
organização curricular, a escola conseguiu recuperar significativo número de
alunos, fazendo parceria com uma escola de educação básica, na época
oferecendo o 1º e o 2º graus.
Por mais de uma década trabalhei na consolidação desse modelo de
organização curricular, e, mais uma vez, defrontei-me com mudanças na
1
Emprestando alguns termos da Lingüística, poderíamos dizer que o significante (a
representação) assume o lugar central no processo comunicativo, significativo,
19
legislação. Por razões estruturais e conjunturais, os cursos técnicos de
formação profissional estavam tendo sua oferta reduzida. Depois de muita
análise, decidi me tornar mantenedor de ensino superior.
Construí, então, em conjunto com outros educadores, uma estrutura
societária que planejou, estruturou e conseguiu a aprovação para funcionar
cursos superiores de bacharelado nas áreas de administração, letras,
pedagogia e engenharia. Esta escola compartilhou o mesmo prédio do Luiz
Rosa por um ano, e, com sua mudança de endereço, abriu espaço para um
novo projeto.
Nesse momento, depois de praticamente extintos, os cursos
tecnológicos passavam por uma profunda reestruturação. Na verdade, o que
sucedera é que, pensados e desenhados para atender a uma tendência de
formação do final dos anos 60, tinham progressivamente sido
descaracterizados por assumir um caráter intermediário em relação a outros
cursos cuja formação era considerada “plena”.
Esta concepção inadequada da formação dos tecnólogos teria
provocado seu desaparecimento não fossem as mudanças no mundo da
produção terem começado a exigir um novo modelo de formação profissional
como alternativa às graduações consideradas clássicas, as quais, por seu
caráter generalista, já não mais atendiam às constantes mudanças no mundo e
no sistema produtivo. Esse novo cenário passava a solicitar novos
especialistas, ou seja, indivíduos que pudessem ser incorporados
imediatamente aos meios de produção. Este é o mundo da graduação
tecnológica.
Contudo, foi preciso muito trabalho e cuidadosos estudos para propor
novos cursos que efetivamente atendessem às expectativas dos alunos e
garantissem sua empregabilidade. A relação com o mundo do trabalho era
fundamental, e o principal foco de tais cursos passou a ser exatamente este.
informacional. Referente seria, então, o objeto num sentido lato (ser, coisa, idéia etc.)
a que o significante se refere.
20
Enquanto trabalhava na reconstrução da educação tecnológica, foi se
tornando imperiosa a volta à Academia, uma vez que, no meio universitário, a
titulação é elemento fundamental nos processos de autorização e
reconhecimento de cursos superiores e credenciamento das instituições
ofertantes.
Este retorno se deu graças a um programa de recuperação de ex-alunos
da Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp, razão por que
pude obter a convalidação dos créditos já cursados, tendo, ainda, sido
beneficiado pela gentileza de um antigo orientador, Professor José Camilo dos
Santos Filho, que me aceitou novamente. Com ele preparei nova dissertação,
abordando temas relativos às minhas experiências profissionais na área de
administração escolar.
Feita a necessária mudança da área de concentração, concluí o
mestrado, partindo da indagação de qual seria o modo mais adequado de
viabilizar ensino seriado com ensino modular e ensino médio com ensino
técnico, para satisfazer às exigências preconizadas pela LDB e demais
regulamentos, e, ainda, preparar o cidadão para a vida social e mercado de
trabalho. Com base no trabalho que vinha efetuando nas duas últimas
décadas, defendi a matrícula por disciplina (MPD) controlada por um sistema
de créditos como forma de organização curricular capaz de conjugar ensino
médio e profissional técnico, nos termos da Lei 9394/96 e Decreto nº 2208/97
(depois revogado), que regulamentava, na época, essa relação. Nesse
processo de retorno, desde o início até o final, tive a colaboração de vários
professores e ex-professores da Faculdade de Educação da Unicamp, sem os
quais certamente não teria obtido essa titulação.
Fora dos circuitos acadêmicos, a luta pela consolidação dos novos
cursos tecnológicos me levou a participar ativamente da criação da Associação
Nacional da Educação Tecnológica – ANET, que reuniu diretores de escolas de
origem profissionalizante na busca de novos caminhos para suas instituições.
Com eles planejamos e desenvolvemos os primeiros cursos tecnológicos,
moldamos suas principais características e auxiliamos na construção da
legislação que norteia seu funcionamento.
21
Desse modo, a ANET participou e vem participando até hoje ativamente,
em conjunto com os órgãos do MEC e do Conselho Nacional de Educação, da
elaboração de decretos, portarias e diretrizes curriculares relativos aos novos
cursos de graduação tecnológica.
Contudo, não interrompi minha trajetória acadêmica, passando a
freqüentar, como aluno especial, aulas da professora Maria Cândida Moraes,
no Programa de Pós-Graduação em Educação-Currículo da PUC de São
Paulo. Familiarizado com a obra da professora Maria Cândida, graças às
leituras realizadas durante a retomada do mestrado, sua abordagem dos temas
educacionais me motivou a candidatar-me ao doutorado nessa linha de
pesquisa, tendo ela gentilmente aceitado me orientar em mais essa etapa da
minha vida acadêmica.
Devido à minha crescente preocupação com a ensinagem em sala de
aula, pretendia, inicialmente, desenvolver na tese uma pesquisa com alunos do
ensino fundamental, mas a produção de um livro sobre educação tecnológica,
recém- editado, acabou determinando novos rumos desta tese.
Curiosamente, a prática confirma a teoria: minha vida, mais uma vez,
parece, à revelia de predeterminações, deixar-se guiar pela imprevisibilidade.
Findos os créditos do doutorado, tenho de reconhecer, ao longo do
caminho percorrido no Programa, ter sido relevante o curso todo, orientações,
literatura indicada, pesquisas, trabalhos produzidos, palestras, congressos,
assim como registrar que, durante toda minha trajetória pessoal e profissional,
recebi o decisivo apoio e orientação de abnegados mestres, conselheiros,
amigos, orientadores.
2 INTRODUÇÃO
Com foco na metodologia de projetos, e no âmbito desta, nos projetos
integradores, este trabalho pretende analisar as diversas fases de implantação
dos citados projetos na Faculdade de Tecnologia Professor Luiz Rosa,
localizada na cidade de Jundiaí, Estado de São Paulo, com a finalidade de
reflexionar sobre as práticas docentes levadas a efeito nos cursos de
graduação tecnológica oferecidos pela instituição, à luz dos princípios
norteadores da pesquisa-ação
2
.
De acordo com a visão sistêmica que norteia este trabalho, estarei
adotando como referencial teórico algumas noções centrais da teoria geral de
sistemas (Bunge e Vieira), paradigma eco-sistêmico (Moraes) e teoria da
complexidade (Morin).
Parece-me que essas idéias e conceitos nucleares, em perfeita
consonância com os pressupostos da pesquisa-ação – cíclico-recursiva e
sujeita a um contínuo planejamento, ação e reflexão dos professores sobre sua
própria prática docente, a fim de melhorá-la – são mais adequados para
aplicação em sistemas não lineares, como, por exemplo, a sociedade humana,
escolas, organizações, empresas etc.
2
Normalmente, a pesquisa-ação baseia-se em pressupostos teórico-filosóficos
diversos dos que propomos. No Brasil enfatiza-se seu caráter “transformador” da
consciência dos pesquisados, a fim de mudar algo. De acordo com Thiollent (2000),
por exemplo, tal pesquisa tem cunho social, pois o pesquisador desempenha um papel
ativo na transformação de uma dada situação, interage com a comunidade, grupo,
setor ou instituição, levanta os problemas, analisa-os, propõe alternativas e as
encaminha na forma de soluções (Thiollent, 2000:16). Portanto, embora usemos a
denominação pesquisa-ação, devemos ressaltar tratar-se de uma variante diversa,
conhecida em espanhol como Investigación-Acción (Carr e Kemmis,1988;
MacTaggart, 1988; e Latorre 2003), cujos específicos procedimentos e estratégias não
cartesianas são mais adequadas a sistemas não lineares. Assim, deixo de adotar a
tradução literal, que seria Investigação-Ação, pelo fato de o termo investigação entre
nós ter outra conotação, diferente da de pesquisa em sentido acadêmico.
23
2.1 Contextualizando o Problema
Para chegar à problemática desta pesquisa, é necessário precisar com
mais clareza alguns conceitos, entre os quais o de educação tecnológica, tendo
em vista a expressão adquirir, ao longo do tempo, vários significados, podendo
se referir, por exemplo, ao ensino-aprendizagem com algum suporte da
tecnologia. Assim, convém, em primeiro lugar, indicar e explicar qual tecnologia
é enfocada no presente trabalho, para tanto diferenciando os conceitos de
ciência, técnica e tecnologia.
2.1.1 Ciência, técnica e tecnologia
Segundo Feenberg (2003), tanto a ciência como a tecnologia partem do
mesmo tipo de pensamento racional, baseado na observação empírica e
conhecimento da causalidade natural. Entretanto, a tecnologia não busca a
verdade e, sim, a utilidade.
Para Bunge (1980:186), “habitualmente entende-se por tecnologia a
técnica que emprega conhecimento científico”.
Feenberg (2003) e Bunge (1980) afirmam que toda tecnologia é fundada
na ciência, pois suas técnicas estão a serviço de um processo científico, lei,
teoria.
Porém o inverso não é verdadeiro: nem toda técnica é tecnologia, e aí se
enquadram muitas das atividades que o senso comum acredita serem
tecnológicas, quando, na verdade, são apenas fazeres ou empíricos (como
objetos artísticos e artesanais, sujeitos à aleatoriedade do erro/acerto), ou
instrumentais, a serviço de uma determinada tecnologia e orientados por um
processo científico rumo a um objetivo preestabelecido.
Então, o cientista puro ou aplicado se diferencia do tecnólogo e este do
técnico justamente porque o campo de ação de cada qual é mais amplo, e os
objetivos, diversos.
24
Um quadro com os campos de conhecimento-ação poderia assim ser
representado:
Ciência – cientistas Æ verdade
Tecnologia – tecnólogos Æ utilidade
Técnica – técnicos Æ executabilidade
Há, como se vê acima, uma hierarquia: a tecnologia precisa da ciência e
ambas, na maior parte das vezes, para gerar efeitos concretos no mundo físico,
precisam de técnicas. Portanto, o saber e o fazer de um tecnólogo são
orientados por procedimentos (métodos) científicos, que visam à utilidade e
não à verdade.
Enquanto a ciência busca a “verdade” dos fenômenos, sua explicação
científica e matematização, a tecnologia se volta mais à praticidade,
escolhendo, dentre os procedimentos científicos, aqueles que possam resultar
em alguma utilidade, bem-estar, enfim, que possam melhorar a vida das
pessoas.
Essa é a finalidade da pesquisa tecnológica e esse é o campo de
atuação da educação tecnológica, ministrada nas graduações tecnológicas.
2.1.2 Os cursos tecnológicos
Das asserções acima, pode-se deduzir que o perfil do tecnólogo é
necessariamente complexo, pois se compõe de certos conhecimentos de uma
ou mais ciências e de técnicas e métodos necessários à consecução de
objetivos úteis específicos, sejam estes de natureza “concreta” (aplicação em
objetos reais, como fabricação de artefatos), sejam de natureza virtual ou
conceitual (como na informática e na gestão financeira, por exemplo). Sua
visão tem de ser mais abrangente, pois ele terá de entender os processos
científicos que orientam as técnicas, para, se preciso, neles interferir,
reformulá-los, melhorá-los, otimizá-los.
25
Por essa razão, cada curso tem a duração adequada para formar o
tecnólogo para aquele preciso campo, área ou segmento do mercado. Dessa
forma, este foco definido, especificidades do mercado (regional ou local) e
objetivos específicos irão determinar o currículo, o método, as práticas e as
técnicas a serem desenvolvidos em cada curso tecnológico.
Outras diferenças entre os tecnológicos e as demais graduações dizem
respeito às especificidades de seus atores, singularidades de suas demandas,
desenho modular, otimização da gestão e metodologia, rapidez e flexibilidade
estrutural, e principalmente uma alta sensibilidade às condições iniciais,
intrínsecas aos sistemas que aciona em seu funcionamento, fazendo-os
interagir.
2.1.3 Relação com o contexto
O mundo passa por uma transição sem precedentes, com instabilidade
da economia internacional e profundas repercussões nas relações sociais. A
concepção de trabalho vem se modificando. O chamado “capital volátil” gira
pelas Bolsas dos países à velocidade da luz. Transnacionais tiram e põem
suas fábricas em qualquer ponto do planeta num abrir e fechar de olhos.
Um dos consensos é o de que, em todas as áreas do saber e do fazer
humanos, nas ciências, nas artes, no mundo do trabalho, na economia e no
dia-a-dia das pessoas vêm sucedendo muitas transformações. Hoje um
computador fica obsoleto em poucos meses devido à velocidade com que a
tecnologia de ponta implementa aprimoramentos.
Há uma mudança global e radical no sistema produtivo e, portanto, nos
requisitos e nas condições de empregabilidade, exigindo das graduações uma
significativa e profunda mudança de mentalidade, o que implica em uma
urgente modificação de gestão, políticas, metodologias, didáticas.
Há algumas décadas havia mudanças, mas lentas, de modo que os
cidadãos dispunham de tempo hábil para assimilá-las, como, por exemplo,
sucedeu com a televisão e a máquina de escrever. Mas hoje a aceleração é tão
intensa que impede o ser humano de acompanhar a evolução das mutações
26
tecnológicas que passam a acontecer simultaneamente em todos os setores da
sociedade. A velocidade excede em muito a nossa capacidade de assimilação.
Mais ainda: a velocidade atinge a qualificação das pessoas, o trabalho.
Se um profissional pára de estudar, em pouco tempo estará defasado em
relação ao entorno mutante, e, portanto, desqualificado para exercer suas
funções em um mercado de trabalho igualmente ágil e móvel.
Por conta disso, o grau de educação e qualificação profissional da mão-
de-obra constitui um dos fatores mais relevantes para o desenvolvimento de
qualquer país, e a recente escalada da tecnologia tende a transformá-lo no
elemento primordial para a inserção competitiva desse país no mercado
mundial. Exemplos atestam que padrões inadequados de qualificação
profissional comprometem ou, no limite, inviabilizam a introdução de técnicas
eficientes nas atividades produtivas. As demandas do mundo do trabalho e a
evolução da informática balizam o ritmo do progresso tecnológico atual,
requerendo um nível de escolaridade crescentemente sofisticado.
Organizações se reciclam, informatizam-se, buscam a flexibilidade, a
competitividade, a eficiência e a criatividade, e, por incrível que pareça, muitas
parecem funcionar melhor com menos funcionários mais ativos e
“colaboradores”.
É necessário, pois, mudarmos nossa maneira de pensar, crenças,
comportamentos, atitudes, e começar a considerar a emergência de um novo
paradigma educacional, cuja personagem central é o aprendente, um ser que
sabe viver em sociedade e “fazer coisas”, dominando o funcionamento de
máquinas e equipamentos, mas, sobretudo, processos, podendo agir sobre
estes, adaptá-los e mudá-los se preciso.
O novo mundo do trabalho requer colaboradores éticos, flexíveis e
curiosos (curiosidade entendida como a disposição do profissional em absorver
lições a partir de qualquer experiência). Inteligência e conhecimento são
requisitos exigidos, assim como a capacidade de solucionar problemas, liderar,
tomar decisões, adaptar-se a novas situações e trabalhar em equipe,
singularidades hoje exigidas pela nova configuração do mundo do trabalho e
27
que não cabem em nenhuma disciplina específica, por serem essencialmente
transdisciplinares.
Necessita-se de profissionais formados com base na tríade
comprometimento – atitude – conhecimento. Comprometimento entendido
como capacidade abstrata (mais ligado às competências), e atitude como ação
concreta e visível (mais ligada às habilidades).
São estes os valores perseguidos pelos cursos tecnológicos oferecidos
pela instituição sob exame, os quais, em sua configuração interdisciplinar e
modularizada, colocam em interação diferentes turmas, séries e cursos,
estimulando os alunos a trabalhar em equipe, respeitando as diferenças e
intercambiando produtivamente saberes e fazeres das diversas áreas. É uma
ética concreta, um desenvolvimento, até certo ponto natural, das atitudes
positivas de respeito mútuo, cordialidade e convivencialidade, dificilmente
observadas em outros tipos de graduações generalistas.
Todos trocam experiências, completam-se e complementam-se, enfim
interagem uns com os outros, movidos por um objetivo comum visado pelo
projeto integrador, que lhes mobiliza as atenções e esforços. Ora, são essas
justamente as habilidades e competências requeridas pelo atual sistema
produtivo.
2.1.4 As relações ensino-aprendizagem
Parto da idéia de que há ou deve haver uma interação relacional entre
ensino e aprendizagem.
Ao enumerar algumas das características do novo paradigma
educacional eco-sistêmico no que se refere ao instrucionismo, Moraes (2004),
retomando Maturana e Varela, afirma que a aprendizagem é um fenômeno
interpretativo, o que implica retomar a idéia de que o professor (assim como a
Internet, revistas, jornais e TV, por exemplo) transmite dados, que só serão
transformados em conhecimento na mente do aluno se este tiver suficiente
repertório (subsunçores no dizer de Ausubel, 1980, que usa a expressão
aprendizagem significativa para nomear este processo relacional).
28
Além do mais, prossegue Moraes (2004), pelo conceito de auto-
organização que rege os sistemas vivos, a aprendizagem também envolve, em
sua dinâmica profunda, processos de auto-organização e reorganização mental
e emocional, do que decorre que, na prática docente, deve haver um generoso
espaço para o aleatório, acaso, processos intuitivos e criativos, e não apenas
reprodutivos, repetitivos e adaptativos.
Esta assertiva refere-se ao conceito de clausura operacional, formulado
por Maturana e Varela (1997 e 2001). Apesar de recebermos estímulos do
meio externo (sensações, dados e informações), o modo de operar da máquina
autopoiética como rede fechada, só permite modificações (entre as quais, o
conhecimento) dentro do sistema.
Assim, conclui a autora, a aprendizagem não se restringe à mera
transmissão/acumulação de informações, mas resulta de mudanças estruturais
decorrentes de ações e interações provocadas por perturbações a superar,
entre as quais os desafios que estimulam o organismo a agir/reorganizar-se,
razão pela qual tal processo deve evoluir mediante fluxos de trocas e
análises/sínteses progressivamente mais complexas.
Em outros termos, portanto, a linha de raciocínio de Moraes (2003) nos
remete ao conceito de ensinagem
3
aqui adotado, formulado por Anastasiou e
Pimenta (2002: 208), para as quais “ensino e aprendizagem constituem
unidade didádica no processo, caracterizada pelo papel condutor do professor
e pela auto-atividade do aluno, em que o ensino existe para provocar a
aprendizagem mediante tarefas contínuas dos sujeitos do processo.”
3
Entendo que ensinar não se limita à simples transmissão de conteúdos prontos,
razão pela qual prefiro o conceito de ensinagem ao de ensino, conforme defendem
Pimenta e Anastasiou (2002: 205): “o verbo ensinar contém uma utilização intencional
– a intenção da aprendizagem – que nem sempre vem acompanhada da obtenção da
meta – a efetiva ocorrência da aprendizagem por parte do aprendiz”. Neste processo,
prosseguem as autoras (2002: 205), a “ação de ensinar é definida em relação à ação
de aprender, pois, para além da meta que revela a intencionalidade, o ensino
desencadeia necessariamente a ação de aprender” (apreender).
29
Mas a ensinagem é um conceito abstrato, que só pode ser exercida, no
real educativo, por meio de estratégias, didáticas, currículos, metodologias. Os
tecnológicos examinados adotam a metodologia de projetos.
2.2 A Metodogia de Projetos
A metodologia de projetos, empregada nos cursos tecnológicos sob
exame, tem como eixo central os projetos integradores, os quais se constituem
nos instrumentais mais eficientes adotados em tais graduações, podendo-se
afirmar serem uma das “marcas registradas” que as distinguem das
graduações generalistas.
Um projeto integrador, quando e se adotado por uma faculdade ou
universidade tecnológica, é o eixo metodológico em torno do qual giram as
estratégias didático-pedagógicas, potentes e capazes de alcançar os objetivos
dos cursos superiores de tecnologia. Por esse motivo, nos bons cursos
tecnológicos
4
, é a metodologia de projetos que orienta os projetos integradores
aí pensados, elaborados e postos em prática.
Porém, falar em metodologia implica falar em complexidade. Uma das
idéias nucleares do pensamento complexo
5
é a ênfase na ensinagem (e não no
4
Em alguns trechos deste trabalho utilizamos a expressão bons ou legítimos cursos
tecnológicos. A nosso ver, tal distinção é necessária por haver instituições que
oferecem pseudo-cursos tecnológicos. Há casos, inclusive, em que a própria
instituição admite declaradamente que seu minibacharelado (devidamente travestido
com um rótulo de tecnológico) é um curso menor se comparado ao bacharelado
correspondente, este oferecido como pleno e aquele como uma opção de segunda
linha e, portanto, mais barata. Buscam assim clientes, pois, findo o “recorte” de dois
anos, oferecem-lhes o bacharelado (graduação plena) que pode, então, ser cursado
com aproveitamento de estudos, em “apenas” mais dois anos. Ademais, essa é a
principal causa histórica dos insucessos dos tecnológicos e a razão pela qual
mostram, ainda hoje, apesar de seu vertiginoso crescimento, uma tímida
representatividade no cenário educacional brasileiro.
5
Edgar Morin é sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo, considerado um dos
maiores intelectuais contemporâneos. Preocupa-se com a elaboração de um método
capaz de apreender a complexidade do real, eliminando a fragmentação e propondo
uma reforma do pensamento por meio da transdisciplinaridade, capaz de formar
cidadãos planetários, solidários e éticos, aptos a enfrentar os desafios dos tempos
atuais. O pensamento complexo, que ele defende, funda-se na complexidade (do latim
complexus, o que foi tecido junto), estando presente quando o econômico, o político, o
30
instrucionismo puro); no processo (e não no produto), visto que a
particularidade mais visível da sociedade contemporânea é o aumento da
complexidade, processo que aciona e faz interagir significativo número de
variáveis imbricadas, sujeitas ao simultâneo escrutínio de várias áreas do
conhecimento humano.
No caso dos cursos da Faculdade de Tecnologia Professor Luiz Rosa, a
organização curricular e a composição dos módulos orientados pela
metodologia de projetos articulam disciplinas de formação geral, tecnológica e
atividades didáticas ao adotar como prática central os projetos integradores,
baseados na complexidade e na transdisciplinaridade. Para tal, disciplinas afins
são colocadas em um mesmo módulo, com ênfase na problematização,
aprendizagem e prática (ação), para depois “re-fletir”, retornar à teoria, induzida
a partir de respostas a situações concretas. Para achar a solução do problema,
o aluno precisa “enxergar” as várias interfaces que as disciplinas compõem do
objeto tratado.
Esse objetivo se concretiza no real educativo a partir de situações-
problema reais, durante as quais alternativas e propostas vão sendo
incorporadas ao processo, testadas, avaliadas, corrigidas e assim por diante,
até a resolução do problema proposto. É um processo dinâmico e aberto a
incertezas, indo e vindo da prática aos conceitos teóricos, estes de novo
enriquecidos com as iluminações emergentes, questionamentos, estratégias de
busca, seleção, ordenação e interpretação de informações necessárias à
solução dos problemas levantados.
Trata-se de um processo complexo porque, como lembra Morin (2001:
125), uma organização não pode ser explicada por leis simples: "quem produz
as coisas ao mesmo tempo autoproduz-se; o próprio produtor é o seu próprio
produto". É desta sinalização da empresa à escola e desta com os atores
(subsistemas) que as compõem que emergem produtos e processos, ensino e
aprendizagem, teoria e prática.
sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico formam um tecido interdependente,
interativo, ligando unidade e multiplicidade.
31
Também a transdisciplinaridade permeia os projetos integradores, visto
que aí se criam novos objetos de conhecimento, transforma-se a escola em
espaço de pesquisa, e o aluno em pesquisador, convertendo a ensinagem em
trabalho de grupo. Tal configuração corresponde às propostas das empresas
que, no cotidiano, têm de analisar e resolver problemas de características
múltiplas, adotando uma visão sistêmica do processo e fazendo interagir
pessoas e equipes.
2.3 Recorte da Metodologia
Até aqui falei sobre a pesquisa-ação, mas não nos docentes nem no
aperfeiçoamento da prática docente, o objetivo central ou a preocupação
primeira da referida metodologia, sendo agora conveniente fazê-lo, ressaltando
haver uma estreita consonância entre a pesquisa-ação e um projeto integrador,
pelo fato de este ser pensado em conjunto pelos professores das áreas
envolvidas, elaborado (redigido), experimentado, avaliado, e continuamente
adaptado para alcançar seus objetivos.
As etapas de cada projeto integrador adotado na instituição examinada
seguem, no meu entender, as mesmas fases que Latorre (2003) caracteriza
com as de uma pesquisa-ação, razão pela qual a adoto como intrumental
metodológico na análise a ser levada a efeito neste estudo.
É preciso reconhecer haver uma estreita consonância entre o suporte
teórico aqui adotado e a metodologia de projetos, consubstanciada, na prática,
no planejamento e execução de um projeto integrador. Nos cursos examinados
é esse enlace teórico-metodólogico que dá validade e consistência ao
instrumental metodológico formulado por Latorre (2003) e outros,
compatibilizando-o com os novos paradigmas.
6
6
Paradigma é uma estrutura (corpus de conhecimento organizado), que permite
compreender o mundo. O termo foi cunhado por Thomas Kuhn, em seu livro Estrutura
das Revoluções Científicas. Segundo Prigogine (1996:12), paradigmas “são modos de
ver o mundo, devendo ser capazes de atrair cientistas com idéias divergentes, mas
incompletos para deixar problemas a serem solucionados. Devem fornecer uma teoria
de interpretação da natureza e serem passíveis de seleção, avaliação e crítica.”
32
Sem dúvida, como a TGS, eco-sistemismo, complexidade e outros
referenciais teóricos, a citada metodologia também se coloca na instância do
indeterminado e da abertura, ao admitir o erro como intrínseco e produtivo, idas
e vindas, tentativas, ou seja, ao analisar continuamente a história do sistema e
a sintaxe do processo ao longo do tempo, abrindo um generoso espaço à
reflexão e à autocorreção.
Se há alguma idéia preconcebida, esta é tão somente uma conjectura,
uma quase intuição que precisa ser experimentada e colocada em ação para,
avaliados seus resultados e a partir deles, chegar-se a uma nova hipótese de
ação, aplicando-a de novo e assim por diante, até o ponto em que o processo,
decorrido um tempo de maturação, passe a “recomendar” o descarte de certas
problematizações e implementações em favor de outras mais produtivas, com
base em emergências que brotam e se mostram apenas no decorrer das
ações-decisões-reflexões. Elas não estavam ali previamente, mas, emergindo,
deixaram-se visualizar no desenrolar do processo em aberto, incerto,
imprevísivel, orientado, se assim se pode dizer, por suas próprias “leis”, razões,
direções, interações.
Então, tanto na pesquisa-ação como em todos os demais correlatos
teóricos aqui utilizados, inverte-se a mão de direção lógica: é a prática que gera
a teoria, e esta vai sendo continuamente testada e aperfeiçoada em uma
espiral evolutiva auto-reflexiva virtuosa. Ou seja, uma práxis em aberto ad
infinitum.
Ora, em um contexto movediço como o de agora, é cada vez mais difícil
agir-refletir-decidir com base em instrumentais ultrapassados para movermo-
nos nessa outra realidade relativa regida pelo acaso. É como ir a uma guerra
nuclear empunhando velhos fuzis.
Não é outra senão essa a razão por que métodos e metodologias com
suas contrapartidas significantes – termos e expressões consagrados no
paradigma tradicional, na educação e também nas ciências de um modo geral,
33
quando aplicados em um tempo-espaço regido pela incerteza e indeterminismo
– mostram-se ineficazes para dar conta da crescente complexidade presente
em todas as áreas e setores do conhecimento humano.
Por outro lado, nesses novos tempos, devido à velocidade, magnitude e
abrangência das mudanças, torna-se mais apropriado e produtivo adotar-se
uma pesquisa acionada por uma idéia inicial, acompanhada de um
pressuposto, todo o processo sujeito a uma contínua avaliação, reflexão e
correção de rumos.
Isso ocorre porque, notadamente quando se trata de seres humanos,
sistemas vivos e aprendentes, não faz sentido uma pesquisa estruturada em
termos cartesianos e positivistas, na qual o pesquisador parte de quase-
certezas (hipóteses), a serem depois de algum modo ratificadas como certezas
(teses), por vezes à custa do sacrifício ou distorção de alguns resultados
inesperados e/ou indesejáveis.
Reiteradas vezes vemos em pesquisas ortodoxas a certeza se impor a
forcéps: eliminam-se os ruídos, de modo que os resultados restantes, limpos e
convenientes, possam validar a hipótese inicial. Como diz Vieira (2001: 2), os
seres humanos são “considerados os mais complexos sistemas conhecidos”.
Não se pode domar o acaso, a incerteza, o destino.
Não se deve, enfim, tratar seres complexos como se fossem astros ou
amebas.
Se tenho certezas prévias, não haveria uma razão plausível de
desenvolver um cansativo trabalho de pesquisa. A lição que daí se pode extrair
é que a complexidade deve ser aferida necessariamente por instrumentais
complexos.
2.3.1 Desenvolvimento da pesquisa
Passo, agora, a esquematizar minha pesquisa, ressaltando ter fortes
componentes ligados à estrutura e funcionamento dos cursos de formação de
tecnólogos ofertados pela Faculdade de Tecnologia Luiz Rosa, embora cuide,
34
mais especificamente, da construção e implantação dos projetos integradores
desenvolvidos na referida instituição desde 2005.
Trata-se de uma extensa pesquisa inter e transdisciplinar que
representa, no meu entender, uma inovação no processo de ensino-
aprendizagem, conjugando saberes produzidos dentro e fora do ambiente
escolar, levando em conta, sobretudo, os sistemas social e produtivo.
Assim, tendo em vista que os projetos integradores são os instrumentos
centrais de uma metodologia de projetos, esta, por sua vez, afinada com os
objetivos e especificidades dos cursos tecnológicos oferecidos pela instituição
examinada, e levando em conta que a pesquisa-ação é uma metodologia
aberta ao indeterminismo e à incerteza, adoto-a aqui em razão de ser,
simultaneamente:
a) adequada e eficiente no que diz respeito à elaboração-implementação-
avaliação-reflexão-correção (ciclo) dos projetos integradores, pois ajuda os
formuladores a alcançar não apenas os objetivos propostos para cada
projeto, mas, sobretudo, ao longo do tempo, a continuamente aperfeiçoar
sua prática docente;
b) regida pelos mesmos pressupostos teóricos, ontológicos e
metodológicos que regem os cursos tecnológicos em geral e a didática de
projetos em particular;
c) um valioso instrumento de avaliação do aperfeiçoamento da
metodologia e da prática docente aplicável aos cursos tecnológicos em
geral, bem como da prática gestora, no caso, em benefício deste
pesquisador, que atuará no processo da pesquisa-ação, como observador
das reuniões de grupos e das etapas constantes dos projetos integradores.
Para tanto, estarei analisando, dentre outros documentos, as atas das
reuniões de professores e coordenadores da Instituição Educacional Professor
Luiz Rosa, envolvidos na construção e implantação dos projetos integradores
desenvolvidos na instituição de 2005 em diante, verificando, também, as
sucessivas correções, rumo aos objetivos propostos.
Desde 2005 foram desenvolvidas duas de três fases, a terceira tendo
35
início em 2007. A análise dos documentos produzidos no transcorrer desse
tempo (diário de bordo, pesquisas, atas de reuniões entre outros) indica ter
havido uma evolução.
A primeira fase foi denominada como a dos projetos interdisciplinares; a
segunda, dos projetos integradores, objeto de estudo do presente trabalho; e a
terceira, em andamento, escritório de projetos integradores.
Observo, ainda, que cada fase subseqüente, após seguidas correções,
efetuadas com o concurso de todos os atores (professores e coordenadores),
aproveitou o que de melhor foi pensado e produzido na fase precedente, o que,
a meu ver, caracteriza a seqüência filosófico-metodológica de uma pesquisa-
ação.
Refinando melhor o objeto desta pesquisa, noto haver nela dois
momentos e níveis, a saber:
a) nível ontológico, da realidade, do ser, do fazer e do agir, do aqui-e-
agora onde se deu o desenrolar da Pesquisa-ação como processos
cíclicos nos quais se sucederam as fases de planificação, ação,
observação, reflexão, revisão da planificação, nova ação etc. de cada
projeto integrador;
b) nível metodológico, no qual se tentará a sistematização de todas as
atas de reuniões, nas quais se registraram os passos e fases,
implementação, correções etc. de cada projeto integrador levado a efeito e
agora objeto da análise deste pesquisador no presente trabalho, à luz dos
pressupostos da pesquisa-ação.
Cada projeto integrador, em um primeiro momento, teve por finalidade –
para além dos resultados obtidos, do exercício inter e transdisciplinar e do
aprimoramento dos conteúdos comportamentais, atitudinais e conceituais de
docentes e discentes – a melhoria da prática docente de cada um dos
envolvidos.
Agora, em um segundo momento e à luz dos mesmos pressupostos da
pesquisa-ação, farei a análise das atas das respectivas reuniões no referido
36
período, com o objetivo de reflexionar recursivamente sobre as fases do
processo, adequações, adaptações e correções como um todo, com o objetivo
de avaliar se, como e em que medida houve o aprimoramento da metodologia
dos tecnológicos ofertados pela instituição, no sentido de cumprir seus
objetivos maiores, quais sejam os de inserir o cidadão-tecnólogo na sociedade
e no sistema produtivo, em boas condições de convivencialidade e
empregabilidade.
Simultaneamente, tenho como objetivo exercitar a validade da
metodologia de pesquisa-ação empregada como instrumental de observação
da realidade por este pesquisador.
Seria, pois, esta segunda etapa algo mais abrangente e generalizante a
partir das pesquisas setoriais que compuseram a sintaxe e a história de cada
projeto desenvolvido.
2.4 O Problema
Nesse contexto, a problemática do presente trabalho poderia ser
formulada nos seguintes termos: Tendo em vista as habilidades e
competências hoje requeridas pelo sistema social e sistema produtivo,
sobretudo as de características inter e transdisciplinares, à luz dos princípios
cíclicos e autocorretivos da pesquisa-ação, quais as práticas pedagógicas
necessárias para alcançar tais objetivos?
2.5 Pressupostos
Parto do pressuposto de que a análise dos procedimentos de
professores e coordenadores, atuando em projetos desenvolvidos por alunos
de diferentes áreas e disciplinas da instituição ao longo de certo período de
tempo e usando diversos procedimentos orientados por referenciais
ontológicos e metodológicos complementares e abertos à incerteza, pode
desvelar princípios de uma metodologia complexa capaz de se aplicar a outros
cursos tecnológicos, com bons resultados. Acredito, porém, que os princípios
da pesquisa-ação podem ser aplicados a outros sistemas abertos, ou seja, em
37
organizações de um modo geral.
2.6 Objetivos da Pesquisa
Com base no suporte teórico e metodológico adotado, o objetivo deste
trabalho é sistematizar as fases dos projetos integradores, desde o
planejamento até a implementação, durante certo período de tempo, de modo a
aplicar suas estratégias metodológicas a outros cursos tecnológicos, para que
cumpram suas finalidades, ou seja, estarei sugerindo práticas pedagógicas
inovadoras possíveis de ser aplicadas na formação de tecnólogos e adequadas
tanto às expectativas dos estudantes (empregabilidade) como às exigências do
sistema produtivo (praticidade, flexibilidade, trabalho em equipe entre outros).
Subsidiariamente, outro objetivo deste trabalho é contribuir para o contínuo
aperfeiçoamento da prática docente de cada um dos professores dos cursos
tecnológicos oferecidos pela Instituição Educacional Professor Luiz Rosa e, no
conjunto, para a melhoria da prática docente dos tecnológicos em geral.
2.7 Relevância da Pesquisa
A presente pesquisa tem relevância social, pois o objetivo primordial das
graduações tecnológicas é formar cidadãos críticos e pensantes, aptos a ser
inseridos na sociedade e no mundo do trabalho em mutação contínua.
Os novos cursos superiores de tecnologia visam não só aprimorar o
raciocínio lógico do aluno, sua capacidade de resolver problemas, lidar com as
emergências e trabalhar em equipe, mas também melhorar suas atitudes e
comportamentos, virtudes imponderáveis hoje nem sempre contempladas por
graduações generalistas. Para comprovar isso, tenho em mãos os dados das
pesquisas realizadas regularmente com alunos e ex-alunos, que indicam ter
sido relevante a metodologia utilizada no desenvolvimento profissional deles,
contribuindo decisivamente para assegurar-lhes a empregabilidade e a
realização pessoal, ou seja, colaborando para sua inserção no convívio social e
no mundo do trabalho, que são justamente os objetivos perseguidos pela
Faculdade de Tecnologia sob exame.
38
Além disso, a despeito da dicotomia entre ensino e pesquisa, a presente
proposta revela haver a possibilidade de se desenvolver pesquisa acadêmica
nos cursos tecnológicos, na medida em que se buscam soluções de problemas
reais, detectados na comunidade em que a escola atua (seu entorno, sistema
social, sistema produtivo etc.), podendo propiciar ao tecnólogo em formação a
vivência em atividades de pesquisa aplicada.
2.8 Fundamentação Teórica
Utilizo neste trabalho uma pesquisa qualitativa, mais especificamente um
estudo de caso, cuja finalidade é refletir sobre a construção de práticas
pedagógicas levadas a efeito nas graduações tecnológicas ofertadas pela
Instituição Educacional Professor Luiz Rosa, a fim de adequá-las e otimizá-las,
de modo a fazê-las atingir seus objetivos, auxiliando, ao mesmo tempo, cada
professor envolvido na elaboração do projeto integrador a refletir sobre sua
própria prática pedagógica para melhorá-la.
Parto do pressuposto de que os cursos tecnológicos devem estar, de um
ponto de vista ontológico-metodológico, embasados em aspectos nucleares da
Teoria Geral de Sistemas (TGS), reformulada por Bunge (1977, 1979 e 1980) e
Vieira (1999, 2001 e 2003) e, no tocante à metodologia especificamente,
complementada pelo paradigma eco-sistêmico, cujas idéias vêm sendo
formuladas por Moraes (1997, 2002a, 2002b, 2003 e 2004), com base no
pensamento complexo de Morin (1990, 1996, 1997 e 2001); teoria autopoiética
(Maturana e Varela, 1997 e 2001) e da enação de Varela (1990), e em alguns
pontos da física quântica. Esse enfoque sistêmico considera o mundo como um
supersistema composto por sistemas e subsistemas interagentes.
Quanto à pesquisa-ação, é preciso esclarecer que, em mais de meio
século de existência, tomou dois diversos caminhos: o primeiro enfatizando o
aspecto sociológico, a partir dos trabalhos de Kurt Lewin (1946) e Fals Borda
(1972), e o segundo colocando ênfase na educação, com base nas idéias e
práticas de Freire (1999), Stenhouse (1983 e 1996), Kemmis e McTaggart
(1988); Carr e Kemmis (1988); Hopkins (1989); Eliott (1990 e 1993) e, em
especial, Latorre (2003).
39
2.9 Descrição dos Capítulos
No terceiro capítulo tratarei do referencial teórico, iniciando por um breve
histórico da ciência, tecnologia e técnica, diferenças e especificidades, tendo
como cenário as rápidas transformações na esteira do que se convencionou
denominar mudança de paradigma ou paradigmas, continuamente alimentada
e acelerada pela evolução e disseminação das novas tecnologias, entre as
quais, os computadores presentes na vida cotidiana, com um conseqüente
impacto nas ciências, nas artes, na academia, no sistema produtivo e no
cotidiano das pessoas, afetando o modo como entendemos o mundo, relações
sociais e econômicas, o que exige do sistema escolar uma nova mentalidade.
Ainda nesse capítulo falarei sobre as várias nomenclaturas que tentam
conceituar o espaço-tempo em que vivemos, entre as quais a pós-modernidade
e o novo mundo do trabalho após a passagem do fordismo ao toyotismo.
Explicitarei também as conceituações centrais da TGS, reformulada por Bunge
e Vieira, complementadas pelos pressupostos dos paradigmas eco-sistêmico
(Moraes) e da complexidade (Morin), iluminações que têm orientado o percurso
dos cursos tecnológicos oferecidos pela organização analisada, na busca por
cumprir seus objetivos, em consonância com a veloz sofisticação científico-
tecnológica do novo espaço-tempo, novas demandas da sociedade, dos
cidadãos-trabalhadores e do sistema produtivo. Finalmente, examinarei de
forma mais sucinta os pressupostos da pesquisa-ação, origens e
características, à luz das orientações dos estudiosos já referidos, mas,
sobretudo, Latorre (2003), que a meu ver consegue sintetizar em termos mais
concretos as diversas etapas da citada estratégia metodológica.
No quarto capítulo abordarei mais detidamente a contextualização da
educação tecnológica, da evolução dos cursos tecnológicos no Brasil, seu
campo de atuação, para tanto iniciando com um breve histórico da educação
profissional no Brasil, legislação e evolução até o ano de 1997, quando foi
editado o Decreto 2.208/97, que dividiu a educação profissional em três
diferentes níveis (básico, técnico e tecnológico) e, portanto, legalmente
instaurou os cursos de graduação tecnológica em seu novo desenho e
destinação. A partir desse divisor de águas, passarei a enfocar mais
40
detalhadamente a educação tecnológica, características, legislação e evolução
atual.
Em seguida, explicitarei a íntima relação que os tecnológicos têm de
manter com o sistema produtivo atual e tratarei da metodologia de projetos em
sua busca da inter e da transdisciplinaridade.
Discorrerei ainda sobre o histórico da Escola Professor Luiz Rosa, há
noventa anos atuando em Jundiaí, hoje funcionando como Faculdade de
Tecnologia, com oito cursos tecnológicos e sobre a pesquisa que a instituição
realiza desde 2004 com alunos e ex-alunos, a fim de comprovar o alto grau de
satisfação dos entrevistados com a didática e metodologia dos cursos
tecnológicos, a elevada taxa de empregabilidade, na maioria dos casos, aliada
à preservação do emprego e à melhoria de renda.
No quinto capítulo retomarei os fundamentos da metodologia da
pesquisa-ação aqui adotada, para, ao mesmo tempo, ir confrontando teoria e
prática, relatando as etapas da pesquisa realizada a partir da análise de
diferentes documentos, dentre os quais, atas de reuniões de professores e
coordenadores que acompanharam a construção e implantação de alguns
projetos integradores nos diversos cursos desenvolvidos na Instituição
Educacional Professor Luiz Rosa, desde 2005, para mostrar que, nesse
sentido, a instituição sob exame conseguiu criar e executar práticas
pedagógicas inovadoras aplicadas na formação de tecnólogos, de modo a
atender às expectativas desse público e, simultaneamente, às do atual sistema
produtivo, conseguindo conciliar ensino e pesquisa.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Como examinei na introdução, os tecnólogos atuam dentro de
determinada faixa do conhecimento técnico-científico, cujos limites,
considerando-se o diagrama vertical “ciência-tecnologia-técnica”, relacionam-se
acima com as ciências puras ou aplicadas e, abaixo, com as técnicas (artes e
ofícios). Com base nisso, a LDB estabeleceu três níveis para a educação
profissional: o básico, o técnico e o tecnológico.
Neste capítulo, discorrerei sobre alguns princípios básicos da tecnologia,
observando que esta se inter-relaciona com outras instâncias, pois as ciências
fornecem-lhe subsídios téorico-metodológicos, e a tecnologia orienta as
atividades técnicas. Não há, porém, um fluxo sempre descendente, pois a
tecnologia, ao mesmo tempo em que se guia por princípios científicos, também
fornece à ciência (pura ou aplicada) subsídios práticos, em um constante
movimento práxico. Então, a tecnologia, ao aplicar princípios extraídos das
ciências, testa-os na prática, verificando possíveis inconsistências que possam
exigir correções ou até mesmo a formulação de novos problemas e hipóteses.
Assim, a tecnologia utiliza-se de técnicas para atingir objetivos utilitários,
tanto na manufatura como no trabalho com objetos virtuais, conceituais e ainda
procedimentos metodológicos. Por isso, em se tratando de educação
tecnológica, é recomendável adotar uma visão sistêmica. Ciência, tecnologia e
técnica não são coisas isoladas, mas sistemas complexos formados por
organismos vivos e aprendentes, fortemente inter-relacionados e mutuamente
dependentes. Disso decorre ainda ser bastante difícil, na prática, separar as
fronteiras entre essas atividades, já que se relacionam muito estreitamente.
Dessa maneira, utilizo o critério da cientificidade.
A meu ver, é a maior ou a menor fundamentação científica da atividade
que pode apontar não apenas sua especificidade, mas, sobretudo, a diferença
entre ela e as outras. Começo pela ciência.
3.1 Ciência
42
É difícil chegar a uma conceituação satisfatória e completa do que seja
ciência. Na verdade, não há uma só definição e nem consenso quanto à
possibilidade de se conceituar ciência. Freire-Maia (1998:24), por exemplo,
afirma que raramente os filósofos da ciência a definem e, segundo ele, isso se
deve a três motivos principais:
a) toda definição é necessariamente incompleta;
b) o assunto é complexo por envolver uma série de aspectos e
fatores nem sempre definidos;
c) falta de consenso quanto a uma possível definição.
Assim, Freire-Maia (1998:24), utilizando princípios elementares, chega a
uma definição básica da ciência como um “conjunto de descrições,
interpretações, teorias, leis e modelos, visando ao conhecimento de uma
parcela da realidade [...]”, por meio de uma “metodologia especial”, no caso a
científica.
Merton (1979:38) diz ser quase unânime a noção de que a ciência “é um
vocábulo enganosamente amplo, que designa grande diversidade de coisas,
embora relacionadas entre si” e Roqueplo (1979:140) completa afirmando que
“falar do significado da ciência levanta imediatamente numerosas questões,
umas relativas à palavra ciência e outras relativas à palavra significado” (grifos
do autor).
Para Morais (1988:24), ciência é “mais do que uma instituição, é uma
atividade (...) e um conceito abstrato.” Desse modo, continua o autor, o que se
conhece “concretamente” são os cientistas e o resultado de seus trabalhos. Diz
ele que “o cientista contemporâneo sabe bem que nada há de definitivo e
indiscutível que tenha sido assentado por homens”.
A ciência também não pode ser distinta das demais atividades pelo uso
de experimentos, visto extrapolar tais limites, sendo extremamente abrangente
e complexa. Apesar de o experimento científico, como critério de cientificidade,
ser fundamental para o desenvolvimento das ciências exatas e biológicas ou da
natureza (como a física e a biologia), isso não é imprescindível, por exemplo,
43
nas chamadas ciências humanas e sociais.
Com efeito, o pensamento científico não é gerado nem se transforma
apenas pelo experimento, uma vez que, anteriores à práxis científica, estão a
idéia, o pensamento, o “conhecimento do conhecimento”, a filosofia da ciência,
os conceitos da epistemologia, dos paradigmas, da ética, da moral, da política,
enfim, características ligadas ao conhecimento e aos possíveis
desdobramentos e conseqüências que possam trazer.
O conhecimento científico tem a ver com as formas de pensamento e
observação concretizadas em estratégias que o pesquisador utiliza para
desvendar fenômenos (Barros e Lehfeld, 2000). São os problemas para os
quais o pesquisador busca soluções que vão gerar táticas de pesquisa,
métodos e processos de ação. Assim, é a procura da verdade ou certeza sobre
um dado fenômeno que irá determinar os métodos científicos, ou seja, modos,
fórmulas e experimentos criados pelo homem para controlar os processos e
buscar formas de compreender o porquê de certo fenômeno. Segundo Bunge
(1977), o método científico deve procurar:
a) descobrir o problema ou lacuna em um conjunto de
conhecimentos;
b) delinear precisamente o problema ou, ainda, repensar um velho
problema à luz de novas evidências e conhecimentos;
c) utilizar conhecimentos e/ou instrumentos relevantes, dados
empíricos, teorias, aparelhos e técnicas de medição, entre outros;
d) buscar a solução exata ou aproximada do problema com o auxílio
dos instrumentos conceituais e/ou empíricos disponíveis;
e) investigar as conseqüências que uma possível solução pode
gerar;
f) provar/comprovar a solução, confrontando-a com as teorias e
informações empíricas pertinentes;
44
g) corrigir as hipóteses, teorias, procedimentos ou dados
empregados na obtenção da solução correta.
Lembro aqui que a episthéme e a filosofia (filos = amigo + sofia =
sabedoria) dos gregos visavam ao conhecimento puro e descomprometido com
as questões práticas, ou seja, visavam à descoberta da verdade. Mas a
diferença maior entre a episthéme e a filosofia era o que hoje se designa por
rigor científico. Assim, enquanto a filosofia especulava sobre determinado
fenômeno ou buscava responder a questões existenciais mais básicas (de
onde, por que e como viemos, para onde vamos), a episthéme procurava a
explicação racional dos fenômenos pela via demonstrativa.
Todavia nem sempre filosofia e ciência estiveram em lados opostos.
Segundo Moles (1971:3), localizavam-se na filosofia natural: “nem Platão nem
Bacon separavam o ‘amor à sabedoria’ da posição do homem no Universo e do
estudo estrutural deste”. Para este autor (1971:4), a ruptura ocorreu a partir do
Renascimento, no momento em que a filosofia começa a se tornar mais
abrangente, “englobando até a ética individual e social e as partes mais
subjetivas de reflexão do homem sobre si mesmo”.
Na Grécia Antiga, a própria etimologia do termo filosofia indicava que ela
consistia na busca do saber e da verdade. Desde aquela época e, por muitos
séculos, a filosofia abarcou todos os ramos do conhecimento puro (em
oposição às artes e ofícios). Mas, com o decorrer do tempo, algumas áreas
foram se tornando autônomas, como a matemática, a astronomia, a história, a
biologia e a física.
Então, a distinção entre a filosofia e a ciência vai se esboçando no início
do período moderno, no século XVI, e acentuando-se nos séculos seguintes.
Por sua vez, a ciência foi caminhando cada vez mais em busca de um
universo possível de ser explicado, experimentado e racionalizado, excluindo,
gradativamente, uma visão filosófica do mundo.
Portanto, conforme Moles (1971), o “cientificismo” foi se distanciando da
filosofia, à medida que considerava “que toda reflexão do homem sobre seu
45
lugar no mundo é devaneio inútil e impotente”. Mas a filosofia foi se tornando
desnecessária em razão de a ciência se arvorar em deter as respostas para
todos os problemas. Diz Moles (1971:4) que o pensamento reinante era o de
que “se ela não os resolve hoje, deve resolvê-los amanhã.”
Atualmente, na concepção de Bunge (2002:54), a moderna ciência se
empenha na “busca crítica de ou para a utilização de padrões nas idéias, na
natureza ou na sociedade.”
Para este autor, a ciência:
pode ser formal ou fatual: a primeira, se referir-se a construtos, a segunda,
a fatos. A lógica e a matemática são ciências formais: lidam apenas com
conceitos e suas combinações, e, por esse motivo, não têm emprego nos
procedimentos empíricos ou dados — exceto como fontes de problemas
ou de ajuda no raciocínio. A física e a história, e todas as ciências no
entremeio, são fatuais: elas versam sobre coisas concretas como feixes de
luz e firmas comerciais. Portanto, têm necessidade de procedimentos em-
píricos, como a mensuração, ao lado de procedimentos conceituais, como
a observação. As ciências fatuais podem ser divididas em naturais (e. g.,
biologia), sociais (e. g., economia), e biossociais (e. g., psicologia).
Ainda segundo Bunge (2002:54), a ciência, segundo sua praticidade,
pode ser aplicada ou básica. A ciência aplicada:
procura novos conhecimentos científicos de possível aplicação prática
(matemáticos, físicos, químicos, bioquímicos, farmacologistas, psicólogos
clínicos e sociólogos) aplicam a ciência na medida em que se empenham
em pesquisa científica original de possível uso na indústria ou no governo.
Se utilizam apenas os achados científicos em uma função profissional,
colocam-se como peritos ou militares altamente especializados.
Já a ciência básica, conforme o autor (2002:54), dedica-se à “busca
desinteressada de novos conhecimentos científicos.”
Mas o que caracteriza a ciência atual não é mais (como na Antigüidade
grega) a pretensão de alcançar um saber verdadeiro, mas, como entende
Popper (1985:68), obter um saber rigoroso e passível de ser constatado,
ratificado ou até refutado: "a ciência deve conseguir estruturar
46
sistematicamente os conhecimentos em função de alguns princípios gerais que
sirvam de explicação (...), buscando uma coerência geral anteriormente
inexistente".
Assim, conforme afirmei no início deste capítulo, a ciência atual não
pode nutrir a crença de que suas respostas sejam definitivas, assegurando-se
de que avançará até o infinito na busca (sempre provisória) de novos
problemas, mais profundos e gerais, justificando e demonstrando, quando for o
caso, as evidências encontradas e as respostas obtidas. Tal ciência, nessa
perspectiva atual, deve necessariamente convencer-se de sua falibilidade,
abertura, incompletude, estando alerta para descobrir e corrigir deficiências ao
longo do tempo.
Lembro também que, quando se emprega o termo “ciência”, trata-se de
um uso metonímico, pois, como destaca Shulman (1986:9-10), a ciência é um
processo concreto e em aberto levado a termo por homens reais:
o conhecimento não cresce de forma natural e inexorável. Cresce por meio
das investigações dos estudiosos (empíricos, teóricos, práticos) e,
sobretudo, em função das perguntas formuladas, problemas colocados e
questões levantadas pelos pesquisadores.
Os cursos de graduação tecnológica devem também ser construídos
com esta clareza, consolidando o princípio de uma formação completa e não
apenas utilitária, como se costuma ver a educação profissional.
3.2 A Técnica
Como já referi, na prática, os termos técnica e tecnologia se confundem
devido ao uso trivial que as pessoas (e até autores) fazem deles. Assim, tais
termos e as atividades às quais se remetem se relacionam tão fortemente que,
quando se faz referência a um deles, invariavelmente os demais são
envolvidos, pelo que se torna necessário tentar compreender as sutis
distinções entre ciência, técnica e tecnologia, particularizando, o mais possível,
o campo de cada atividade.
47
As origens mais remotas da técnica talvez se devam ao temor que o ser
humano sentiu ante os fenômenos naturais e animais ferozes que ameaçavam
sua sobrevivência. Paradoxalmente, de um lado, por ser o animal mais
indefeso da criação, e por outro, o mais inteligente, deve ter recorrido a toda
sorte de expedientes para enfrentar as adversidades. Tudo leva a crer que,
com o tempo, as crenças em soluções mágicas e místicas, bem como os rituais
religiosos foram sendo substituídos por conhecimentos e habilidades usados
na busca por controlar a natureza e garantir sua permanência (e evolução) no
planeta.
Portanto, a técnica é tão antiga quanto a civilização humana.
Antropólogos encontraram, em muitos sítios arqueológicos, armas e utensílios
junto a restos fossilizados de humanos, o que indica ter o homem fabricado
instrumentos para se defender dos animais selvagens e/ou melhorar suas
condições de vida, alimentar-se e construir abrigos. Assim, Homo Sapiens e
Homo Faber seriam, mais que estágios evolutivos, duas das principais
características que distinguem seres humanos (racionais) dos animais ditos
irracionais.
Enquanto a expressão latina Homo Sapiens enfatiza a capacidade
humana de conhecer a realidade, estar consciente do mundo e de si mesmo,
Homo Faber remete à habilidade humana de criar artefatos e utensílios, com a
ajuda dos quais o homem interage com a natureza e a transforma. Um breve
exame da história permite notar que, durante milênios, algum tipo de técnica foi
usada para auxiliar os humanos em seus trabalhos manuais e atividades
físicas, permitindo, ao longo do tempo, um aprendizado direto e empírico (por
meio de tentativas, erros e acertos) com o meio ambiente e com os demais
seres.
Ortega y Gasset (1963:75-78) denominou esta técnica primitiva “técnica
do acaso”. Ele explica que quando, por exemplo, os ancestrais conseguiram
obter fogo pelo atrito de pedras ou gravetos, chegaram a isso por acaso.
Assim, nesse estágio, fabricar instrumentos era um ato natural e não habilidade
de apenas alguns indivíduos, mas de todos da comunidade.
48
Essas técnicas primitivas se originaram provavelmente com a
descoberta do fogo, polimento das pedras e cozimento dos alimentos, ainda no
período Paleolítico (3,5 milhões a 10.000 a.C.). No Neolítico (8000 a 5000 a.C.)
houve uma verdadeira revolução técnica, com a agricultura, pastoreio,
domesticação de animais, cerâmica e fabricação do vinho e da cerveja,
tornando possível a formação das primeiras comunidades. A descoberta do
bronze e do ferro seriam as próximas conquistas técnicas que permitiram às
sociedades rurais patriarcais se transformar em cidades. Mas nessa época
descobertas eram consideradas dádivas divinas, e o povo acreditava que, de
algum modo, agricultores, pastores, sacerdotes detinham poderes mágicos e
saberes sagrados e secretos.
Todavia, dos instrumentos primitivos de pedra lascada e pedra polida, o
certo é que o saber técnico evoluiu. Os latinos atribuíam à técnica a
denominação genérica de artes, nelas incluindo a arquitetura, a medicina, a
navegação, a caça, as artes militares e também o direito. As belas artes seriam
a escultura e a pintura. Nesse período começam a se delinear também as artes
“ocultas” ou “mágicas”, como a mineração e a forjaria. Todas elas eram
consideradas techné: saber prático. Sendo a techné este saber prático, saber-
fazer, não dava conta das causas e princípios das coisas.
Porém, a partir do século XVI, a técnica foi gradativamente se tornando
mais e mais presente no cotidiano das pessoas, passando a fazer parte das
cidades e sociedades modernas. Primeiro foi a tipografia (tipos móveis)
aperfeiçoados por Gutemberg, por volta de 1455, que, ao permitir a impressão
de livros, popularizou o saber, ajudando a difundir idéias. Depois, já no século
XX, surgiram e vieram se aprimorando o telefone, o telégrafo, a fotografia, o
cinema, o rádio, a televisão, o computador e as telecomunicações, notáveis
avanços técnico-científicos que acabaram por impactar a vida de milhões de
pessoas, facilitando a formação do atual mundo globalizado e tecnológico em
que vivemos.
Assim, examinando a história, observa-se que o termo tecnologia, além
de ser muito recente, é freqüentemente usado como sinônimo de técnica. Por
seu turno, o termo técnica historicamente se confunde com arte, habilidade,
49
destreza ou ofício, método para desempenhar alguma atividade artística, tema
relativo à profissão, esporte, ciência ou empresa, podendo ainda designar algo
relacionado a uma ocupação ou especialidade. Nesse sentido, quando se fala
de arte, habilidade ou destreza, diz-se, por exemplo, técnica de fazer poesias,
tocar instrumentos, fotografar ou dançar. E mais: quando se trata de atividade
relativa a alguma profissão, as pessoas dizem técnica cirúrgica, esportiva,
gerencial, contábil, comercial, agrícola, de armazenagem etc.
Porém, é preciso mais rigor, pois, como lembra Braudel (1985: 115),
"tudo é técnica, mas toda e qualquer técnica não é tecnologia". Ora, isso leva à
conclusão que, em linhas gerais, embora a tecnologia possa referir tanto o
resultado como a extensão de alguma técnica, aquela - a tecnologia - não deve
ser considerada nem equivalente nem substituta desta - a técnica.
Destinos idênticos recebem os termos artes e ofícios, embora haja sutis
diferenças entre atividades artísticas e técnicas. Grosso modo, artes são
técnicas voltadas a algum objetivo estético e/ou prático, mas o contrário não é
verdadeiro: nem toda técnica é arte. Se alguém consultar a história da Grécia
antiga, verá que, por volta do século VI a.C., a techné designava o fazer
humano e aí se incluía o artesanato praticado pelo mestre, que conhecia todo o
processo, transmitindo técnicas (compreendidas como passos rumo a um
objetivo) aos aprendizes.
Ortega y Gasset (1963:79-81) denomina técnica do artesanato ou
técnica do artesão a esse estágio da techné, identificando-a na antiga Grécia,
na Roma pré-imperial e na Idade Média (corporações de ofício). As atividades
artesanais – entendidas como um estágio sofisticado da técnica – eram
transmitidas de geração em geração. Ortega inclui como artesanato a invenção
e o aperfeiçoamento dos instrumentos. O importante é que, nesse estágio,
surgem certos homens dotados de maior habilidade que se encarregam de tais
funções técnicas, dedicando-se exclusivamente a elas. São os artesãos, os
mestres que ensinam aprendizes. Este tipo de aprendizado evoluiu, e tratados
foram escritos para auxiliar o ensino das respectivas técnicas. Tal evolução
implica ancorar a técnica em fundamentos epistêmicos (episthéme), o que vai
resultar mais tarde na tecnologia, em seu conceito moderno de técnica utilitária
50
embasada em fundamentos científicos. Por fim, o termo ofício, embora, em
certos casos, utilizado como sinônimo de arte e técnica, em um sentido mais
estrito, parece particularizar a profissão de técnico ou artesão, mais voltado às
atividades industriais e profissionalizantes.
3.3 A Tecnologia
Uma das coisas mais comuns que se observa no dia-a-dia é o uso cada
vez mais intenso do termo tecnologia para nomear as mais recentes
“tecnologias”. A palavra tecnologia, a princípio empregada para nomear uma
área do saber-fazer humano, um campo de atividade, portanto, tem agora (por
um processo de derivação imprópria) seu uso estendido a aparelhos e artefatos
tecnológicos, estes, notadamente, criados a partir do final do século XIX e
início do século XX. Então se costuma falar, por exemplo, em novas
tecnologias da informação e da comunicação (NTICs) para designar
computadores, satélites de comunicação, teleconferência, redes de
computadores etc.
Na educação também permanece um equívoco quanto à utilização da
tecnologia, qual seja o de julgar que qualquer atividade educacional “moderna”
tem de lançar mão de uma parafernália tecnológica, datashow, teleconferência,
TV por satélite, raio laser, Power Point etc. Ou seja, os adeptos desta corrente
confundem tecnologia com o aparato tecnológico contemporâneo, quase
sempre baseado em máquinas informatizadas, esquecendo-se de que muitas
das coisas que utilizamos há anos são tecnologias ou produtos da tecnologia.
Voltando ao critério de cientificidade, afirma Feenberg (2003 online), um
dos mais renomados pioneiros da protofilosofia da tecnologia, que, nas
sociedades tradicionais, o modo de pensar se orientava pelos costumes e
mitos que não podiam ser explicados nem justificados racionalmente, razão por
que tais sociedades proibiam certos tipos de questões que poderiam
desestabilizar suas crenças.
Acrescenta o autor que, ao contrário, as sociedades modernas, ao se
libertarem dessas formas tradicionais de pensamento, passaram a valorizar
51
costumes e instituições que se mostravam úteis à humanidade e, nessas
circunstâncias, ciência e tecnologia não só passaram a se alicerçar em novos
fundamentos como também a incrementar novas crenças, reformulando o que
entendíamos como pensamento "racional."
Porém, não há dúvida, prossegue Feenberg (2003 online), de que hoje
em dia a tecnologia é onipresente na vida dos cidadãos, e esta nova realidade
tecnocientífica representa uma nova cultura. Assim, à medida que tal cultura é
utilitarista em todos os sentidos, os problemas que dela emergem devem ser
tratados pela Filosofia da Tecnologia.
Segundo o autor (2003 online), na Grécia antiga, o termo physis referia-
se à Natureza, pelos gregos julgada um ser que cria a si mesmo, emerge de si
mesmo. Porém, para esse povo, outras coisas dependiam de que algo
passasse a existir. Neste sentido, poiesis seria “a atividade prática de fazer da
qual os seres humanos se ocupam quando produzem algo. Nós chamamos
estes seres criados de artefatos e incluímos entre eles os produtos da arte, do
artesanato e da convenção social.”
Ainda segundo o filósofo da tecnologia, o termo techné significava
conhecimento associado a alguma forma de poiesis como, por exemplo, a
medicina, técnica cujo objetivo era o de curar alguém.
Discorrendo sobre a distinção entre técnica e tecnologia, Bunge
(1980:186) lembra que:
Em português e em outros idiomas dispomos de duas palavras, técnica e
tecnologia, e sabemos distinguir bem os conceitos que designam.
Habitualmente, entende-se por tecnologia a técnica que emprega
conhecimento científico. Em sua maioria os dicionários não distinguem a
tecnologia moderna da Engenharia. Se aceitarmos esta igualdade, não
saberemos onde situar disciplinas que não participam da produção.
E acrescenta ainda (1980:186):
Para evitar dificuldades, deveríamos adotar uma definição de tecnologia
capaz de abranger todos os ramos supervenientes. Isso pode ser atingido
se forem caracterizados os fins e os meios da tecnologia, tal como na
52
seguinte: "Um corpo de conhecimentos é uma tecnologia se, e somente se,
(i) é compatível com a ciência contemporânea e controlável pelo método
científico, e (ii) é empregado para controlar, transformar ou criar coisas ou
processos, naturais ou sociais.
3.4 O que é Tecnologia?
Em obra mais recente, separando a tecnologia da ciência básica e da
ciência aplicada e ainda das técnicas, Bunge (2002: 375) fornece uma
conceituação mais precisa de tecnologia como sendo:
O ramo do conhecimento interessado em projetar artefatos e processos, e
em normatizar e planejar a ação humana. A tecnologia tradicional, ou
técnicas, era principalmente empírica e, por isso, às vezes não útil, outras
vezes ineficiente ou pior ainda, e sempre perfectível unicamente por
tentativa e erro. A moderna tecnologia baseia-se na ciência e, portanto, é
capaz de ser aperfeiçoada por meio da pesquisa. (...) A tecnologia não
deve ser confundida com a ciência aplicada, que é, na realidade, a ponte
entre ciência básica e tecnologia, uma vez que ela busca novo
conhecimento com potencial prático. O que se espera dos tecnólogos é
que projetem artefatos, como máquinas e processos industriais ou sociais.
E espera-se que eles sirvam seus clientes ou empregadores, os quais
buscam seu trabalho especializado para promover interesses econômicos
ou políticos. Daí por que a tecnologia pode ser boa, má, ou ambivalente.
Bunge (2002: 375), ao final de sua conceituação, aborda dois pontos
interessantes: o primeiro diz respeito às finalidades da tecnologia, e o segundo,
seu aspecto ético.
Assim, em prirmeiro lugar, quando diz que os tecnólogos devem projetar
artefatos, máquinas e processos industriais ou sociais a serviço de clientes ou
empregadores, toca no aspecto pragmático da tecnologia, entendida como
atividade lucrativa, que busca as melhores soluções em todos os campos do
conhecimento a custos crescentemente menores, estando a serviço de
organizações estatais, governos e empresas.
Em segundo lugar, o mesmo autor toca no aspecto ético da tecnologia,
que pode ser boa ou má. Assim, acrescenta ele que, se há interesses em jogo,
53
de empresas, pessoas e governos, então a tecnologia pode ser empregada em
prol de boas ou de más causas, segundo as intenções envolvidas. A história é
farta em exemplos de bons e maus usos da tecnologia.
3.5 Crise dos Paradigmas e as Novas Tecnologias
Examinei os diversos significados dos termos técnica (artes e ofícios),
tecnologia e ciência, observando que, apesar de freqüentemente utilizados
como sinônimos, cada um tem sua especificidade. Constatei também que o
termo tecnologia, central a este trabalho, pode ser confundido com técnica, ou
empregado em sentido tão abrangente que inviabiliza sua conceituação mais
precisa e objetiva. Então, usei o critério da cientificidade para demonstrar que a
tecnologia é uma atividade técnica sim, porém fundada em princípios
científicos.
Ressalte-se, todavia, que a despeito de discussões e confusões, não há
como negar que a tecnologia é um dos assuntos mais discutidos atualmente,
em razão de esta atividade (com seus processos e produtos) vir assumindo um
papel central e preponderante na sociedade de hoje. Desse modo, seria bom
examinarmos os motivos que levam a esta evolução cada vez mais acelerada
da tecnologia em todos os campos do conhecimento humano, entendendo que
uma boa maneira de começar a pensar sobre essa nova sociedade é tentar
traçar um breve histórico da chamada mudança de paradigma (ou de
paradigmas, conforme alguns autores).
3.5.1 Como ocorre a mudança de paradigma
As mudanças ocorridas na física do princípio do século XX, amplamente
discutidas por físicos e filósofos durante cinco décadas, levaram Thomas Kuhn
(1994) a formular a noção de paradigma científico, como "uma constelação de
realizações - concepções, valores, técnicas etc. - compartilhada por uma
comunidade científica e usada por essa comunidade para definir problemas e
soluções legítimos". Mudanças de paradigmas, para Kuhn, ocorrem mediante
rupturas descontínuas e revolucionárias (Capra, 1999).
54
Observando-se a história da ciência, nota-se que a tecnologia de que a
humanidade hoje dispõe resulta de um contínuo desenvolvimento pontilhado
por grandes e pequenas descobertas, aprimoramentos e incansáveis
pesquisas. Todavia, segundo Kuhn (1994), de certa forma esta linearidade que
parece levar do erro ao acerto, do mais primitivo (como pior) ao mais recente
(como melhor) é bastante ilusória, pois a ciência não promove uma transição
suave do erro à verdade, mas sim se move em uma série de idas e voltas,
erros e acertos, crises e revoluções que, após certo tempo, vão caracterizar a
chamada mudança de paradigma.
O paradigma determina para uma comunidade científica quais são as
questões importantes, e qual a melhor maneira de respondê-las, desde que
estas revelem ser persistentes. O mais recente se coloca bruscamente no lugar
do mais antigo, sendo, porém aceito aos poucos pela comunidade. A
substituição é rápida, mas a aceitação, muito lenta.
Paradigma (do grego paradeigma) significa modelo de mundo,
cosmovisão, visão de mundo, ou seja, é um conjunto de teorias explicativas
dos fenômenos naturais e humanos que passa a nortear todas as atividades e
até o dia-a-dia das pessoas.
Uma de suas principais vantagens é concentrar a pesquisa. Sem uma
direção (apontada pelo paradigma emergente), diferentes investigadores
continuariam a acumular diferentes dados, procurando, cada qual, dar sentido
ao caos e derrubar seus concorrentes. Por outro lado, uma das
inconveniências de um paradigma emergente é o de se tornar fechado e rígido,
acessível apenas a uma seleta comunidade de especialistas.
Mas esses modelos de mundo são pressionados quando passam a ser
contestados por novas evidências. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando
Galileu descobriu que Júpiter tinha luas, e essa descoberta fez derrocar a
astronomia ptolomaica. Nessas ocasiões, muitos se agarram aos velhos
paradigmas, com medo do novo e desconhecido.
O pensamento central de Kuhn (1994) é que a mudança de paradigma
desafia a imagem idealizada da ciência como progresso gradual e constante
55
rumo à Verdade. Enquanto um paradigma se mostrar eficiente e a comunidade
científica o aceitar, enquanto ele explicar razoavelmente bem a natureza, as
pesquisas e descobertas serão graduais e cumulativas. Porém, apesar de
inovações não serem facilmente assimiladas, revoluções científicas são
inevitáveis e necessárias, à medida que as teorias vigentes começam a
apresentar incoerências ou incompletude.
Moraes (2003: 139-140) valida esta assertiva, porém afirmando ser mais
adequado e correto falar-se em coexistência de paradigmas, uma vez que
“conceitos e teorias soberanos convivem com teorias rivais (...) com outros
modelos, conceitos ou fenômenos recalcitrantes que não se ajustam facilmente
ao paradigma vigente”.
Prova disso é a eficiência das leis da física clássica em cálculos
envolvendo sistemas lineares, sendo, por exemplo, capaz de prever fenômenos
celestes (passagem de cometas, eclipses etc.) com a precisão de milésimos de
segundo.
Assim, a bem da verdade, quando se utiliza a expressão antigo
paradigma, não significa isso que tal modelo é imprestável ou descartável. O
que se contesta aqui é sua supremacia como teoria infalível capaz de explicar
todos os enigmas da natureza. Como lembra Goldenberg (1994: 88), era
justamente essa certeza que Galileu nutria ao crer que a natureza poderia ser
perfeitamente explicada por fórmulas matemáticas:
A natureza, diz Galileu, está escrita em caracteres matemáticos. Desde os
planetas até os átomos, passando pelos genes, toda a trama do real falaria
uma linguagem matemática. Os cientistas seriam os intérpretes. Não
apenas para dialogar com ele, mas para intimá-lo a responder. Como
ciência pura, a física, por exemplo, interpela a natureza de modo a que ela
se mostre como um complexo calculável e previsível de forças. A
experimentação, em seguida, interrogará a natureza assim interpelada,
para saber como ela responde à injunção.
Ora, esta idéia, disseminada e generalizada, pressupõe um reino
natural, um universo regido por leis rígidas e imutáveis, o que dá segurança –
56
psicológica e física – aos crédulos de que coisas e mundo funcionam por
indução e o mesmo que observamos hoje se repetirá amanhã. Conforme
Popper (1985: 27-28), o “problema da indução torna-se solúvel: não existe
indução porque as teorias universais não são dedutíveis de enunciados
singulares. Mas é possível refutá-las por enunciados singulares pelo fato de
que elas podem deparar com descrições de fatos observáveis”.
Na contramão das evidências que desaconselham a validade da
indução, cientistas e pessoas em geral depositam uma fé inquebrantável na
certeza (indutiva) de que todos os cisnes foram, são e sempre serão brancos,
estando fechadas à possibilidade de deparar a qualquer momento com um
cisne negro, por exemplo. Ou seja, nada garante que não possa haver alguma
modificação no curso natural das coisas, apesar de, estatisticamente, as
chances de isso acontecer serem pequenas. Para mentes desarmadas, o
mundo realmente parece ser regido pela ordem e previsibilidade, pois tendem a
notar somente as regularidades mais visíveis.
Um dos sintomas mais visíveis deste equívoco é que, atualmente,
graduados com excelente formação universitária não conseguem acesso ao
mercado de trabalho, saturado das profissões consideradas clássicas.
Pesquisas mostram que eles ficam anos desempregados, e muitos
aceitam salários incompatíveis com sua formação, por vezes em atividades
estranhas à sua área. Outros têm vários empregos para conseguir um salário
melhor. Terceiros recorrem a subempregos. Filas de candidatos crescem às
portas de organizações públicas e privadas, muitos com titulação maior que a
exigida para as funções a que concorrem.
Entretanto, a despeito das evidências de que algo mudou, muitos não
conseguem visualizar essas mutações e têm dificuldades de aceitar inovações,
por receio ou desinformação, apesar de ser urgentemente necessário mudar
crenças, comportamentos e atitudes, considerando a emergência de um novo
modelo educacional, centrado na aprendizagem e voltado a formar
aprendentes-cidadãos que saibam viver em sociedade e “fazer coisas”,
dominando processos, agindo sobre eles, adaptando-os e mudando-os se
57
preciso.
Os cursos de tecnologia, em seu atual estágio de desenvolvimento, têm
que enfrentar permanentemente os contra-sensos do senso comum que
tendem a perpetuar a educação tradicional em detrimento das necessárias
mudanças e inovações didático-pedagógicas.
Fica cada vez mais claro que o sistema produtivo precisa de seres
criativos, flexíveis e dispostos a aprender e a mudar sempre. Em um mundo
assim, não há mais lugar para conteúdos prontos, fórmulas e cultura inútil.
Nada disso se aproveita em tempos de vertiginosa evolução tecnológica e num
mundo inacabado e “em progresso”. Cidadãos-aprendentes são aqueles que
sabem criar fórmulas e coisas, equacionar problemas, arquitetar processos.
Hoje, tudo o que diz respeito à ordem, previsibilidade e educação tradicionalista
com ênfase no ensino (transmissão de dados) vem desaparecendo, e é isso
que dificulta que muitos cheguem a um correto diagnóstico sobre as
singularidades do “novo mundo”.
Outro fato importante é que, na ciência, cada nova descoberta corrige
deficiências, ilumina o conhecimento e faz com que o homem se aproxime um
pouco mais da verdade. Hoje, depois do alerta de Kuhn, devemos reconhecer
que o novo paradigma gerou uma transformação cultural profunda, que não
atinge apenas a ciência, mas também a sociedade, em proporções ainda mais
dramáticas.
Note-se que o antigo paradigma – que ora retrocede – dominou a cultura
ocidental por séculos, modelando a moderna sociedade e influenciando
significativamente o restante do mundo, com base em algumas idéias e
valores, entre os quais a visão do universo como um sistema mecânico
fundado em blocos de construção elementares; a do corpo humano como
máquina e da vida em sociedade como competição pela existência. Além disso,
disseminou a crença em um progresso material ilimitado, a ser conquistado por
meio do crescimento econômico e tecnológico, fundado na exploração da
natureza.
Assim, para compreender melhor o espaço-tempo em que vivemos, é
58
necessário traçar um breve histórico da atual mudança de paradigma, e mais,
como ela influi profundamente na academia, economia, ciências, artes,
religiões, enfim como penetra em todos os interstícios da vida social e cultural,
de modo a tornar rapidamente obsoletos não apenas aparelhos (estes
obviamente os mais atingidos pela rotatividade tecnológica), mas, sobretudo,
conceitos, técnicas, métodos e pessoas.
Na verdade sempre houve paradigmas que vingaram, tiveram seu auge
e decaíram. Um paradigma muda (ou vai mudando, sendo assimilado e
aplicado) à proporção que surge e se firma na ciência. Isso já se vislumbra na
Antigüidade, quando vigorava o modelo ptolomaico do geocentrismo, ou seja, a
crença de que a Terra ocupava o centro do universo.
Por séculos perdurou esta crença, até que Copérnico (1473-1543)
primeiro, em 1543 (com sua obra De Revolutionibus Orbium Caelestium) e
Galileu Galilei (1564-1642) depois, em 1600 (com o tratado Siderius Nuncius),
provaram, após exaustivas observações astronômicas e cálculos matemáticos,
que a Terra, além de um movimento de rotação em torno de seu próprio eixo,
movia-se ao redor do Sol, e não o contrário, como até ali se pensava.
A partir daí, sob vários rótulos, a razão humana predominou por séculos,
fortalecendo-se ao longo do tempo à medida que as leis da física newtoniana
migravam progressivamente para as demais áreas do saber e do fazer
humanos, contagiando artes, ciências, religiões, enfim, passando a influir
decisivamente na vida das pessoas. Estas leis baseiam-se sempre no
comportamento de sistemas regulares e em equilíbrio. Tais sistemas são
denominados deterministas ou determinísticos. Ilya Prigogine (1996:19),
eminente cientista contemporâneo, explica que um exemplo:
por excelência é a lei de Newton, que liga a força à aceleração (...) ao
mesmo tempo determinista e reversível no tempo. Se conhecemos as
condições iniciais de um sistema submetido a essa lei, ou seja, seu estado
num instante qualquer, podemos calcular todos os estados seguintes, bem
como todos os estados precedentes.
Devido ao êxito da física clássica, diversas áreas do saber passaram a
59
aspirar ao status de ciência, nem que para tal fosse preciso distorcer alguns
resultados, ignorar exceções, erradicando indesejáveis acasos de
experimentos e observações.
Ressalto que a Revolução Industrial foi, sem dúvida, uma das aplicações
mais bem-sucedidas das leis da física clássica na economia. Tanto que, a partir
dela, a economia passou a guiar os destinos da humanidade, determinando o
rumo dos acontecimentos. Na educação, o novo paradigma capitalista passaria
a orientar ações, currículos, programas, políticas, metodologias e didáticas.
Porém, o “antigo” paradigma, capitaneado pela mecânica celeste de
Newton e pelos fundamentos do cartesianismo e determinismo, teorias
fundadas na razão humana, sofre agora a concorrência de um novo modelo de
mundo, que procura estudar grande parte dos eventos e fenômenos
imprevisíveis observados no universo e que parecem não mais "obedecer" aos
princípios da mecânica newtoniana, mas pelas probabilidades do acaso. Estes
fenômenos ocorrem em sistemas ditos longe do equilíbrio.
Esse novo universo não é mais estático nem sujeito a leis imutáveis e
deterministas, mas instável e dinâmico, guiado pela incerteza, pelo acaso e
pela multiplicidade. Sob esta ótica, a ênfase é dada não mais aos fenômenos
isolados, mas aos processos e às estruturas que os geram. Aquela antiga
postura determinista e mecanicista, baseada na crença de que, conhecidas a
velocidade e posição dos componentes de um sistema, se poderia calcular o
estado deste sistema no presente e no futuro não tem mais razão de ser.
No século XX, a física, especialmente a quântica, tem-se dedicado ao
estudo de problemas complexos que envolvem esses sistemas longe do
equilíbrio, descobrindo que fenômenos que aí ocorrem, contrariando as idéias
clássicas, podem contribuir para a criação de uma nova ordem (order from
noise). O novo paradigma do caos formula seus postulados a partir de
problemas concretos ligados a turbulências, comportamento das Bolsas de
Valores, previsão de tempo, grupamentos humanos etc. Tais instâncias são
considerados sistemas não lineares.
Sistemas lineares são simples e previsíveis, como o dos astros e o do
60
pêndulo. Assim, como as pessoas se acostumam a ver no mundo as
regularidades, a tendência delas é perceber somente esses tipos de sistemas,
o que implica simplificar o mundo (erradicando muitas das variáveis presentes
nos fenômenos) para entendê-lo. Por exemplo, se considero uma fábrica como
um sistema linear, posso tentar prever sua produção calculando a quantidade
de operários, horas e matéria-prima. Mas analisando esta mesma fábrica mais
detidamente, não posso deixar de notar que a questão não é tão simples
assim: há um número enorme de fatores que influem na produção, e qualquer
diferença nos dados iniciais implica lá na frente um resultado totalmente
diferente do que seria obtido pela aplicação de cálculos deterministas em
sistemas lineares, ou seja, uma previsão determinista não leva em conta
quaisquer mudanças significativas.
Assim, se bem observadas as coisas, uma fábrica é um sistema não
linear, como a maior parte dos que estão à minha volta, cujo comportamento é
imprevisível devido ao enorme número de variáveis envolvidas, a maior parte
das quais escapa ao controle. Aliás, a imprevisibilidade é uma das principais
características de um sistema não linear ou longe do equilíbrio, gerada pela
dependência direta das condições iniciais. Há fatores imprevisíveis: pode ser
um simples resfriado que acometa um dos chefes de seção, uma greve geral
ou parcial que paralise a produção ou um tsunami na China, que faça os
clientes chineses desistirem de seus pedidos de mercadorias.
Enfim, é preciso considerar todas as variáveis, e a maior parte delas
foge a qualquer previsão. O conjunto dessas variáveis aleatórias presentes nos
sistemas longe do equilíbrio constitui o que Lorenz denominou
hipersensibilidade das condições iniciais. Ou ainda, mais singelamente, efeito-
borboleta, isso porque se costuma usar a metáfora das asas da borboleta como
o central ao entendimento da teoria do caos, que, apesar de ficar conhecida
apenas nos anos 80, teve suas bases lançadas uma década antes, quando
Edward Lorenz (meteorologista do MIT - Massachussets Institute of
Technology) desenvolvia modelos computacionais para determinar padrões do
tempo.
Como se sabe, é bastante difícil prever o tempo a longo prazo, ainda
61
que se isolem muitas variáveis em jogo que possam gerar drásticas mudanças
nos resultados finais. Lorenz pensava que, para obter uma melhor previsão,
seria apenas preciso criar um modelo computacional mais abrangente. Então,
escreveu um programa baseado em doze equações simples, que, em linhas
gerais, modelava os principais fatores que influenciavam o tempo. Porém,
descobriu algo surpreendente: ínfimas mudanças ou pequenos erros em um
par de variáveis produziam efeitos desproporcionais. Em um período de dois
dias, tais diferenças não eram relevantes, mas em um mês ou mais, produziam
resultados desconcertantes. Segundo Gleick (1990), foi assim que Lorenz criou
a expressão (e a metáfora) efeito borboleta, retirada do título de um artigo por
ele publicado em 1979 (Previsibilidade: pode o bater de asas de uma borboleta
no Brasil desencadear um tornado no Texas?).
A metáfora alegoriza que o bater de asas de uma borboleta no Brasil
poderia ir causando uma série de reações, a princípio leves e sutis, mas que,
com o passar do tempo, vão transformando de tal modo o curso natural das
coisas, que ao final acabam por provocar um tornado no Texas. Essa metáfora
indica que, em um sistema não linear, qualquer mudança, mesmo
extremamente pequena, pode gerar resultados insólitos e imprevisíveis.
Nesse sentido, se analiso a sociedade humana como um imenso e
complexo sistema, composto por uma infinidade de subsistemas concretos
(sociais) e conceituais (artes, ciências), verifico que o comportamento de tais
subsistemas só podem ser regidos pelas leis da probabilidade, irreversibilidade
e caos, em virtude de os seres humanos, devido à sua intrínseca
complexidade, serem altamente instáveis.
Ora, transpondo a nova visão para a educação e, mais especificamente,
para o da educação tecnológica, há que se reformular uma série de coisas,
métodos, políticas, didáticas, currículos, de modo a ajustar (o mais possível) as
ações e os objetivos desta modalidade às “idiossincrasias” do novo paradigma.
Em termos mais simples, não posso mais me guiar por um modelo de mundo
esclerosado e obsoleto, para qualificar pessoas (cidadãos) para um mercado
de trabalho em veloz mutação, pela simples razão de que é este mercado de
trabalho (que pertence ao sistema ou super-sistema econômico) justamente o
62
ponto mais sensível a mudanças, em última instância, o epicentro das
revoluções contemporâneas. Em termos mais técnicos: não se pode mais
formar profissionais “sistêmico-caóticos” (ou eco-sistêmicos) usando recursos
determinísticos. É como tratar pessoas como se planetas fossem. Ou pêndulos.
Ora, se a tarefa é qualificar cidadãos (críticos e pensantes) para um
novo mercado de trabalho, a questão fundamental é que este mercado de
trabalho, antes mais ou menos estável ou previsível, encontra-se em constante
estado de passagem, ebulição, mudança. O ideal aqui seria sintonizar escola e
ambiente.
Entretanto, observa-se que, de fato, a escola pouco mudou, e da forma
como está estruturada, permanece muito aquém das novas expectativas e
demandas, em razão de sua flagrante defasagem (e portanto, desvantagem)
com o dinamismo da vida e do mercado que segue sempre à frente numa
velocidade cada vez mais intensa, deixando para trás uma massa (crescente)
de profissionais desqualificados. Então, o problema não é estar acontecendo a
referida mudança de paradigma, aliada e/ou otimizada pelas novas tecnologias;
para além da natureza e realidade dessa mudança, o problema fundamental
que se impõe doravante às escolas é acompanhar a aceleração com que tais
mudanças se sucedem. Só para se ter uma idéia da magnitude e rapidez
dessas transformações, segundo a Lei de Moore, a capacidade de
armazenamento de dados em um microchip dobra a cada dezoito meses, o que
equivale dizer que a capacidade de processamento dos computadores duplica
a cada dois anos:
A lei de Gordon-Moore (que vem se mostrando exata nos últimos 25 anos)
prevê que, a cada dezoito meses, a evolução técnica permite dobrar a
densidade dos microprocessadores em termos do número de operadores
lógicos elementares. Ora, essa densidade traduz-se quase linearmente em
velocidade e potência de cálculo. Podemos ainda ilustrar essa rapidez de
evolução dizendo que a potência dos maiores supercomputadores de hoje
estará disponível em um computador pessoal ao alcance da maior parte
dos bolsos em dez anos (Lévy, 1999:33).
Desse modo, a instituição escolar vem perdendo de vista o ambiente
63
mutável que atualmente a circunda, presa ainda a antigos paradigmas.
Defasada em seus métodos, políticas e currículos, não oferece uma educação
suficientemente ampla, transdisciplinar e complexa, capaz de dotar seus alunos
de competências que lhes permitam interpretar o mundo, o que implica, entre
outras conseqüências, sua crescente inaptidão para preparar o acesso de
pessoas a um mercado de trabalho cada vez mais cambiante, seletivo e
exigente.
Assim, é lícito indagar-se de que modo a educação tecnológica, ela
própria a reboque das velocidades e acelerações pós-modernas, pode aplicar
parâmetros confiáveis para aferir a realidade social e econômica que o jovem
egresso encontrará mais à frente. Como e quais estratégias pedagógico-
didáticas deve aplicar frente a tantas mudanças? O que visar? Saber-fazer ou
saber pensar? Técnica ou conhecimento?
A meu ver, a educação tecnológica deve desenvolver estratégias
(programas, currículos, políticas e metodologias próprias) que contemplem a
integral formação do homem, de modo a fazê-lo adquirir em tempo hábil e
mediante a progressiva assimilação de esquemas cognitivos mais complexos,
as competências e habilidades capazes de viabilizar seu acesso e sucesso no
mercado de trabalho, habilitando-o a não só aí exercer cargos ou funções, mas
sobretudo, no âmbito maior da sociedade, atingir sua real cidadania.
3.6 As Novas Tecnologias (NTICs)
Como meu objeto de estudo é a educação tecnológica e se, como referi,
a tecnologia se faz presente em praticamente todos os setores da sociedade,
busco aqui caracterizar o atual cenário, traçando um breve histórico da
escalada da tecnologia até os dias de hoje.
Recordo, de início, que, como os outros mamíferos, o homem se move
em um ambiente anterior a seu aparecimento. Porém, diferentemente deles,
este meio onde o Homo Sapiens se insere não foi colocado à sua disposição
para um relacionamento pronto e harmonioso. Ao contrário, ele precisa
organizar o mundo para superar o caos. De acordo com Marx (1818-1883), isso
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seria a função da técnica, qual seja a de transformar a natureza no corpo
inorgânico do homem, que teria então de humanizar a natureza (Morais, 1988:
102).
Assim, para a sua permanência, o ser humano precisou aprender a
domesticar a natureza, criando artefatos, instrumentos e utensílios, enfim
extraindo do ambiente circundante o necessário à sua sobrevivência. É a esta
ação que se denomina técnica, um saber-fazer empírico importante ao
desenvolvimento e ao bem-estar dos grupamentos humanos. Vargas (1994)
considera esse fazer manual, essa técnica primitiva “tão antiga quanto o
homem, pois aparece com a fabricação de instrumentos (...) não há homem
sem instrumentos, por mais rudimentares que sejam” (Vargas, 1994: 18-19).
De um modo bem resumido, pode-se afirmar que, desde o Paleolítico,
ou Idade da Pedra Lascada, o homem começa a fabricar seus instrumentos. Já
era certamente caçador e pescador, e as principais matérias-primas para o
fabrico de instrumentos eram o sílex, o quartzo e a quartzite. Já no Paleolítico
Superior passou a usar madeiras, marfim, chifres e ossos para fabricação de
facas, raspadores, furadores, agulhas, serrotes, lâminas e pontas de setas.
Nesse período deve ter criado meios rudimentares de transporte. Mas o fogo
foi uma de suas mais importantes conquistas na luta pela sobrevivência,
servindo para aquecer, cozer alimentos, iluminar o interior das cavernas. Desse
período datam algumas pinturas nas paredes das cavernas, como as gravuras
rupestres do vale do Côa.
No Neolítico, aparecem a agricultura (cereais, trigo e cevada), as
atividades pastoris e a domesticação de animais. Isso transforma os
grupamentos humanos ao estabelecer novas relações entre o homem e a
natureza, visto a necessidade de os nossos ancestrais se fixarem próximos a
mananciais para regar seus terrenos. As casas passam a ser construídas com
adobe, barro, junco, pedra. Desenvolvem-se novas técnicas, como a cestaria,
cerâmica, fiação e tecelagem, que revolucionam os abrigos e o vestuário.
Igualmente incrementam-se a moagem, o trabalho com metais, a construção
do barco a remo, depois à vela, a atrelagem, a metalurgia e a roda de oleiro.
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A metalurgia propicia ao ser humano novo salto qualitativo: é a Idade
dos Metais, seguindo-se, depois, a revolução urbana. Surgem as primeiras
civilizações da Antigüidade: Suméria, Egito, Mesopotâmia, Fenícia.
Com as cidades, surgem e desenvolvem-se as técnicas de trabalho com
os metais (cobre, bronze e ferro), a escrita e o cálculo, bem como as atividades
econômicas, políticas (ordem, defesa, proteção); administrativas, comerciais e
religiosas. Para distribuir melhor a água necessária à agricultura, os ancestrais
aprimoram as técnicas de irrigação (diques e canais) e de construção. A
matemática é também aprimorada com a finalidade de calcular impostos e
medições diversas. Por outro lado, a construção de moradias, vilas e
monumentos impulsiona a arquitetura e a geometria.
Ao se utilizar da pedra lascada para perfurar um objeto, o homem se
comunicou e comunicou algo, interagiu com a técnica, transformando a
natureza. Com o passar do tempo, surgiu uma linguagem mais elaborada,
aprimorando e complexificando trocas e relações não apenas entre os homens,
mas entre estes e as máquinas. Inicialmente apenas movimentos gestuais
regulavam a comunicação entre os membros dos primitivos núcleos sociais.
Mais adiante, a linguagem oral fará com que o homem dê um salto qualitativo:
a experiência é verbalizada e passada de geração a geração, em nível muito
mais complexo. A memória passa a ser considerada fundamental para as
organizações sociais existentes.
Mas o aproveitamento da fala ainda era limitado. Dependia da presença
física do comunicador e da capacidade de memorização dos ouvintes. Estes
limites acabaram por ser ultrapassados com a invenção da escrita que
reestruturou, mais uma vez, toda a comunicação e o modus vivendi humano,
possibilitando o registro e a permanência do saber, abrindo, pois, largos
horizontes à ciência e à abstração. Após Gutemberg, foi a imprensa escrita que
se encarregou de impulsionar e democratizar a informação, penetrando em
todas as instâncias da vida social.
Na Idade Média, com a difusão do cristianismo, a Igreja assimila
elementos da filosofia grega, subordinando-a à teologia. Houve, é certo,
66
progresso nas técnicas de tecelagem e da navegação, bem como o
aproveitamento da força motriz das rodas d’água nos moinhos. A arquitetura, o
direito e a medicina – entendidos como técnicas – também se desenvolveram.
Mas pouco se fez em matéria de ciência sistematizada.
Todavia, a partir do século XIV, as instituições e os ideais medievais
entram em decadência, e, simultaneamente, alguns postulados próprios da
Antigüidade greco-romana começam a ganhar força, passando a substituir as
fontes filosófico-espirituais da Idade Média: é o Renascimento ou Renascença
que chega, período que abrange esse complexo movimento de natureza
filosófica, científica e artístico-cultural, na Europa, entre os séculos XV e XVI.
Surge aí a figura do mecenas, comerciantes, banqueiros, bispos e até papas,
que, tendo um elevado poder aquisitivo, passam a estimular e a financiar o
trabalho intelectual e artístico, tendo sido retomados, então, muitos aspectos da
cultura helenística e o estudo das ciências da natureza.
Também no Renascimento ressurge o humanismo, reforçando-se a
crença de que o ser humano seria o senhor do universo, capaz de agir sobre a
natureza para dominá-la. Este aspecto de dominação da natureza e retomada
das ciências naturais incrementam o método científico de investigação, uma
nova fase no desenvolvimento da ciência que, mais tarde, seria considerada
uma significativa revolução científica (Bronowsky e Mazlisch, 1983: 123).
Segundo Reale e Antiseri (1990), ela teria ocorrido entre a publicação da obra
De revolutionibus de Nicolau Copérnico (1543) e a de Isaac Newton,
Philosophiae naturalis principia mathematica (1687), tratando-se de um
movimento surgido e desenvolvido no século XVII, a partir de Galileu, e
filosoficamente baseado nas idéias de Bacon e Descartes. Nicolau Copérnico
(1473-1543), Johannes Kepler (1571-1630) e Galileu Galilei (1564-1642) iriam
embasar os pressupostos da física clássica de Isaac Newton (1642-1727).
Mas o fato mais importante nesse período é a queda dos fundamentos
da cosmologia aristolélico-ptolomaica, até então hegemônica. O universo passa
a ser visto uma máquina sujeita a leis matemáticas e a ciência como algo
experimental, ou seja, adquire o status de ciência moderna, fundada em teorias
sistematicamente controladas por experimentos (Reale e Antiseri, 1990: 187).
67
O desenvolvimento da física, sobretudo a mecânica, possibilitará, mais
tarde, a aplicação dos conhecimentos para a construção da máquina a vapor e
de outros inventos importantes, despontando, desse modo, um embrião de
ciência aplicada, consistindo esta no uso prático do conhecimento científico
teórico em campos específicos da atividade humana, o que levaria filósofos
como Heidegger (1998: 204) a afirmar que a “ciência moderna é uma forma
necessária de realização da técnica moderna.”
3.6.1 As NTICs e a centralidade dos computadores
Uma das principais forças motrizes das mudanças pelas quais passa a
sociedade é a informatização dos processos, que, graças à utilização cada vez
mais ampla de dispositivos informatizados, tornam-se mais rápidos, dinâmicos
e complexos. Informatização refere-se ao processo de substituição de
tecnologias analógicas por tecnologias digitais, à anexação de controladores
informatizados a processos mecânicos e à disseminação geral de dispositivos
de suporte universal que reúnem diferentes funções ou a capacidade de
realizar diferentes funções.
Na verdade, o mundo jamais viu algo como os computadores, a mais
poderosa ferramenta para gravar e transmitir símbolos, a primeira máquina
que, alimentada com adequada informação, pôde estimular o trabalho de
outras máquinas, incluindo as imaginárias. A evolução é tão veloz que o
modelo mais atual se torna obsoleto em poucos meses.
Os primeiros computadores eletrônicos, nos anos 50, eram do tamanho
de uma casa e custavam centenas de dólares. Hoje, uma calculadora portátil
de três dólares tem mais capacidade e funções que os antigos computadores.
Em 1956, o primeiro cabo de telefone transatlântico permitia cinqüenta
chamadas. Agora, um cabo de fibra ótica permite mais de quatrocentas mil
chamadas simultâneas. E é inevitável que estes números sejam rapidamente
ultrapassados.
Os estudiosos têm usado a sigla NTICs - Novas Tecnologias da
Informação e Comunicação – elencando entre elas as infovias, o ciberespaço e
68
a comunicação digital. Assim, a sigla NTICs aponta para a compreensão do
fenômeno de mutação pela qual passa a sociedade, sendo, pois, um aspecto
restrito do processo de mudanças:
As NTICs designam um conjunto de meios de armazenamento, de
tratamento e de difusão da informação gerado pelo casamento entre a
informática, as telecomunicações e o audiovisual: CD-ROM, Internet, auto-
estradas da informação (...) Telefone, fax, multimídia, informática, Internet,
auto-estradas da informação, teleformação, teletrabalho, hipertexto,
videogames, as tecnologias da comunicação estão evoluindo a alta
velocidade e recrutam cada dia mais adeptos. Portanto a generalização do
seu uso levanta muitas perguntas de ordem econômica, social,
antropológica e até ética. As NTICs provocam um impacto real e concreto
sobre as praticas: trabalho, aprendizagem, relacionamento humano
(Vigneron, 1997: 21).
Elas englobam as mudanças tecnológicas, mas em uma perspectiva de
interação com o humano, com o seu cotidiano, ou seja, move-se aqui em uma
perspectiva de impacto nas relações humanas. Em sua obra, Lévy (1996: 107)
entende a sociedade como composta de fluxos de informação. Para ele, a
evolução humana, bem como a comunicação, o trabalho, as ciências, as
filosofias e até mesmo a compreensão do eu, estão condicionados a um
processo de trocas semânticas:
Para nós, o mundo, nosso mundo humano, é um campo problemático, uma
configuração dinâmica, um imenso hipertexto em constante metamorfose,
atravessado de tensões, cinzento e pouco investido em certas zonas,
intensamente investido e luxuosamente detalhado em outras. As
proximidades geográficas, as conectividades causais clássicas são apenas
um pequeno subconjunto das ligações de significação, de analogia e de
circulação afetiva que estruturam nosso universo subjetivo. O universo
físico é um caso particular do mundo subjetivo que o cerca, o impregna e o
sustenta.
Um primeiro ponto a ser ressaltado é a passagem (mudança de
paradigma?) do átomo (linguagem analógica) ao bit (linguagem digital). O fator
que potencializa e dinamiza esta universalidade é, em sua essência, a
comunicação digital. Deve-se compreender que o universo de fluxos de
69
informações humano é complexo e imenso. Esta característica, contudo,
sempre esteve presente e latente, mesmo quando o ser humano era movido
por fluxos cinéticos e de contato como fala e gesto. Com a interferência dos
meios digitais, o processo se acelerou, mudou de escala, deixando de progredir
matematicamente para evoluir geometricamente.
Para se entender melhor esta passagem, poder-se-ia utilizar uma
metáfora criada por Nicholas Negroponte, em sua obra Vida Digital (1997).
Segundo este autor (1997: 106), a interação entre dispositivos tecnológicos
hoje é ainda “burra”. Em uma cozinha contemporânea, apesar de os aparelhos
serem avançados, pouco “sabem” sobre o que se passa em seu meio. O
liquidificador não “sabe” o que se passa na geladeira, e ambos “desconhecem”
o que faz o microondas. Contudo, apesar de suas diferenças em função e
componentes, esses seres eletrônicos têm em comum um fator que permite
serem considerados um só grupo: são equipados com dispositivos
microeletrônicos de controle, em sua maioria, de base digital,
computadorizados.
A Língua Franca dos Bits, conforme Negroponte, pode ser comparada a
um esperanto em versão digital. Por serem controlados por
microprocessadores, os dispositivos utilizam linguagem binária, digital, para
realizar, modificar e ajustar suas funções. Como operam com a mesma base,
apresentam as mesmas características: "todos falam a mesma língua em seu
nível mais básico".
Assim, a metáfora da Língua Franca dos Bits permite a qualquer
dispositivo, independentemente de porte ou função, desde que tenha
processador digital, comunicar-se potencialmente com outras máquinas,
podendo ser inserido na rede formada pela conexão destes. Por essa razão,
esta analogia é apropriada para exprimir o meio pelo qual o processo é
dinamizado em seu menor denominador comum, a partícula de informação ou
bit (algoritmos matemáticos).
O segundo ponto consiste em compreender que hoje é impossível
pensar em novas tecnologias no dia-a-dia sem o computador. Ele é
70
responsável pelas mudanças sociais por operacionalizá-las em profundidade.
Sua importância para a análise do processo de mutação social está no fato de
ter sido um catalisador, um “potenciador” de alterações que se estavam
anunciando desde há algum tempo e que esperavam por um meio adequado
para se realizar. Contudo, os computadores não apenas aceleram este
processo, como também o modificam constantemente em seus aspectos mais
básicos. Como diz Lévy (1998: 161):
os computadores não se contentam com servir ao ensino, à gestão ou ao
processamento de imagens: redefinem o aprendizado, a gerência ou a
criação de imagens. Seu poder está em ser uma matriz de máquinas. É o
gerador de respostas para problemas, sempre que lhe seja apresentada
uma questão com os parâmetros a partir dos quais tal problema possa ser
resolvido.
E acrescenta mais à frente:
Uma máquina universal possui tamanho poder porque seu quadro de
instruções foi concebido para fazê-la imitar o comportamento de qualquer
máquina dada. Ou seja, não se fornece a uma máquina universal apenas
os dados do problema a ser tratado, mas também a descrição codificada
da máquina capaz de resolver esse problema. A descrição de uma
máquina reduz-se de fato à transcrição de seu quadro de instruções. Como
este sempre é finito e agenciado de acordo com uma organização padrão,
é fácil representá-la com uma seqüência de símbolos na fita da máquina
universal (Lévy, 1998: 165).
Portanto, o computador deve ser considerado um potente recurso capaz
de incrementar as mudanças sociais otimizadas pela comunicação digital:
Considerar o computador apenas como um instrumento a mais para
produzir textos, sons ou imagens sobre suporte fixo (papel, película, fita
magnética) equivale a negar sua fecundidade propriamente cultural, ou
seja, o aparecimento de novos gêneros ligados à interatividade. O
computador é, portanto, antes de tudo um operador de potencialização da
informação (Lévy, 1996: 41).
Em terceiro lugar, a importância do computador na vida das pessoas,
economia, ciência, enfim, em todos os setores da sociedade, pode ser melhor
71
compreendida recorrendo-se a McLuhan (1969), para quem os meios de
comunicação são extensões do homem.
Assim, por exemplo, o telefone, televisão, radar, microscópio, telescópio
e muitas invenções do homem são prolongamentos de seu corpo, órgãos e/ou
sentidos. Se as modernas tecnologias são extensões do homem, as
tecnologias computadorizadas têm suas funções amplificadas por softwares
como mentes separadas (projetadas) do nosso corpo, e somente este fato (a
projeção da mente a distância) é de fundamental importância.
Um quarto ponto a destacar é o seguinte: se é correto afirmar que o
período atual é marcado por novas tecnologias, há o problema de se identificar
quais seriam estas novas tecnologias como inovações que impulsionam o
processo social das vidas humanas, visto que as fronteiras entre “velhas“ e
novas tecnologias são nebulosas, indefinidas e carregadas de subjetividade.
Portanto, como lembra Lévy (1998: 105), é preciso cuidado para não se
confundir:
Para avaliar as “novas tecnologias”, temos de nos contentar em evocar, à
medida que os projetores da atualidade midiática os designam para a
atenção do público, as “infovias”, o trabalho à distância, os compact discs
interativos e os jogos em realidade virtual? Perdemos de vista, assim, a
continuidade entre esses fenômenos espetaculares e a utilização
cotidiana, invisível, das tecnologias intelectuais já em uso. Diante das
novidades técnicas percebidas isoladamente como objetos caídos do céu,
esquecemos o sistema aberto e dinâmico que elas constroem, sua
interconexão no ciberespaço, sua inserção conflituosa nos processos
culturais em andamento. Permanecemos cegos às diferentes
possibilidades que elas oferecem ao devir humano, ao leque de
possibilidades que raramente é percebido em sua totalidade e que deveria
constituir objeto de deliberação, de escolha, de juízos de gosto, e não só
da parte de especialistas em máquinas. No que concerne às aparelhagens
de comunicação e de pensamento, negligenciamos a dimensão de
interioridade, de subjetividade, coletiva, de ética e de sensibilidade, que
envolvem as decisões aparentemente mais técnicas.
E mais adiante, ele completa (1998: 105):
72
Aquilo que identificamos, de forma grosseira, como “novas tecnologias”
recobre na verdade a atividade multiforme de grupos humanos, um devir
coletivo complexo que se cristaliza sobretudo em volta de objetos
materiais, de programas de computador e de dispositivos de comunicação.
É o processo social em toda sua opacidade, é a atividade dos outros, que
retorna para o indivíduo sob a máscara estrangeira, inumana, da técnica.
O quinto aspecto diz respeito à diferença entre os termos comunicação e
informação. Apesar de freqüentemente aparecerem juntos, não são sinônimos.
O processo de comunicação ocorre entre um emissor – que transmite uma
mensagem qualquer – a um receptor, utilizando-se de um canal (ar, papel, fio
etc.). Embora seja basicamente um processo de trocas de significados na
transmissão e recepção, acabou sendo potencializado pelos instrumentos e
técnicas atuais. A imprensa, cinema, rádio e televisão, cada uma destas mídias
trouxe novas possibilidades ao universo da comunicação, novas formas de se
transmitir uma mensagem. Assim, comunicação é o processo pelo qual uma
informação (produto) é transmitida de um emissor a um receptor (Dimbley e
Burton, 1990: 40).
O sexto ponto envolve a diferença entre operacionalidade e função.
Mencionei que, de conformidade com a Lei de Gordon-Moore, os
microprocessadores podem potencialmente dobrar sua capacidade no mesmo
período. Contudo, apesar de esses dispositivos operacionais serem cada vez
mais velozes e eficientes, sua função permanece, em essência, a mesma, o
que permite abordá-los sob um aspecto mais teórico que técnico. Desse modo,
o que muda é apenas a capacidade de cálculo, mas a função permanece.
Um bom exemplo é o seguinte: a despeito das evidentes diferenças
entre um computador obsoleto, digamos um 386 Mhz, e um Pentium IV ou
superior, na essência a função de ambos permanece a mesma, ou seja, a de
executor de programas. Aumenta sua potência de cálculo, mas sua
propriedade calculadora segue inalterada.
O sétimo ponto a examinar são as relações interpessoais, mediadas
pelas novas tecnologias.
Na verdade, como lembra o autor, não se trata de discutir apenas se
73
este ou aquele chip é mais novo ou potente, mas, sobretudo, de se examinar
como sua utilização modifica as relações interpessoais, as quais, conforme
Lévy (1993: 179), são extremamente mais importantes que os dispositivos de
que se utilizam: "O sentido de um dispositivo técnico não é a soma dos
sentidos de seus componentes, mas sim algo de novo que irá surgir, na forma
interpretativa, de um exterior indeterminável."
Por fim, sublinhe-se que nenhuma tecnologia, por mais sofisticada que
seja, opera no vazio, ou por si só é capaz de saltos qualitativos.
Tais saltos são dados por pessoas usando a lógica, o raciocínio e a
criatividade, enfim, o pensamento relacional e o conhecimento previamente
adquiridos. Em outras palavras, a máquina apenas potencializa o que existe.
Ainda não faz milagres.
E esta valorização da tecnologia, em todos os setores da vida humana, é
justamente um dos pontos mais estratégicos a serem levados em conta na
educação tecnológica, qual seja o fato de formar cidadãos tanto para o convívio
social como para um sistema produtivo que, continuamente acionado pelas
novas tecnologias, requer cada vez mais flexibilidade, criatividade e
capacidade de criar e fazer coisas a partir de uma sólida base científica.
Em um cenário globalizado, tecnologizado e interligado pelas redes
informatizadas, sob a regência do indeterminismo e de contínuas mudanças, o
grau de qualificação profissional da mão-de-obra se torna um fator relevante
para o desenvolvimento de um país, sendo talvez elemento primordial para a
inserção competitiva desse país no cenário mundial.
Afinal, a razão de ser da tecnologia, se e quando bem usada, é contribuir
para o progresso e bem-estar da humanidade. Como se viu neste trabalho, a
tecnologia visa à utilidade.
3.7 A Sociedade do Conhecimento
Muitos rótulos conceituais tentam definir o período atual.
74
Alguns realçam a troca de informações via redes digitais, como, por
exemplo, sociedade da informação (nomenclatura adotada por muitos países),
sociedade do conhecimento e sociedade em rede (Castells, 1999). Outros
propõem um enfoque temporal, como, por exemplo, terceira onda (Tofler, 1980)
e sociedade pós-industrial. Terceiros colocam em relevo uma das
características da cultura: sociedade de massa, sociedade global (Ianni, 1995;
2001) e sociedade digital (Negroponte, 1997). Outros ainda, “desencantados”
com a crescente perda da referencialização (ou seja, perda da fidelidade dos
signos às suas contrapartidas no mundo “real”), enfatizam o caráter
fantasmático, simulativo dos signos na pós-modernidade (para Baudrillard,
1991, simulacros), e aí se destaca Guy Debord (1997), que cunhou o termo
sociedade do espetáculo.
Duas dessas nomenclaturas merecem ser examinadas.
Sociedade da informação refere-se a um modo de desenvolvimento
socioeconômico que consiste na aquisição, armazenamento, processamento,
transmissão e disseminação da informação, que conduz à criação de
conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos. Nela as
empresas desempenham um papel central na atividade econômica, criação de
riqueza, definição da qualidade de vida e práticas culturais. A sociedade da
informação, por conseguinte:
recorre crescentemente a redes digitais de informação, e esta alteração do
domínio da atividade econômica e dos fatores determinantes do bem-estar
social resulta do desenvolvimento das novas tecnologias da informação, do
audiovisual e das comunicações, com suas importantes ramificações no
trabalho, educação, ciência, saúde, lazer, transportes e ambiente (Missão
para a Sociedade da Informação, 1997, Portugal).
Porém, a meu ver, esta expressão carrega certa impropriedade
epistemológica, qual seja a de contemplar a informação e não o conhecimento.
Segundo Crawford (1994: 22-24):
Um conjunto de coordenadas da posição de um navio ou o mapa do
oceano são informações, a habilidade para utilizar essas coordenadas e o
75
mapa na definição de uma rota para o navio é conhecimento. As
coordenadas e o mapa são as "matérias-primas" para se planejar a rota do
navio. Quando você diferencia informação de conhecimento é muito
importante ressaltar que informação pode ser encontrada numa variedade
de objetos inanimados, desde um livro até um disquete de computador,
enquanto o conhecimento só é encontrado nos seres humanos. (...)
Somente os seres humanos são capazes de aplicar desta forma a
informação através de seu cérebro ou de suas habilidosas mãos. A
informação torna-se inútil sem o conhecimento do ser humano para aplicá-
la produtivamente. Um livro que não é lido não tem valor para ninguém.
(...)
Outros fazem uma tripartição “evolutiva”: dado
Æ
informação
Æ
conhecimento, na qual dado seria uma informação bruta como, por exemplo,
números em uma tabela, que não têm significado se não comparados com
outros dados no mesmo ou em outros contextos, tabelas, gráficos, para, aí sim,
adquirirem sentido, fornecendo uma informação. Mas conhecimento é saber de
“grau” mais alto: se o dado é informação bruta, o conhecimento é uma
informação processada e interpretada pela mente humana, mediante o
confronto com/entre outros dados e informações. Ou seja, o conhecimento
nasce inevitavelmente de uma relação intersectiva de uma mensagem com
outra e de ambas com uma mente (no caso, a humana) preparada para
interpretá-la, dela tirando conclusões, desvelando processos, conseqüências,
nexos de causa-efeito etc.
Portanto, a expressão sociedade do conhecimento coloca em realce a
centralidade do conhecimento como a verdadeira moeda corrente em um
mundo globalizado e plugado, onde o processo cognitivo toma o lugar da oferta
e da procura, produção e estoque, elementos fundamentais na anterior era
industrial.
Drucker, falando sobre a passagem da sociedade industrial para a
sociedade do conhecimento, já em 1968, em sua obra Uma Era da
Descontinuidade, enumerou quatro tendências desta última que resumem bem
a configuração da sociedade atual:
76
a) Estão surgindo tecnologias genuinamente novas. É quase certo que
elas criarão novas indústrias importantes e novos tipos de grandes
empresas e que tornarão, ao mesmo tempo, obsoletas as grandes
indústrias e empreendimentos atualmente existentes (...). As próximas
décadas da tecnologia lembrarão, mais provavelmente, as últimas décadas
do século passado, quando nascia uma grande indústria baseada em nova
tecnologia poucos anos após o aparecimento de outra, e não farão lembrar
a continuidade tecnológica e industrial dos últimos cinqüenta anos.
2ª. Estamos diante de grandes mudanças na economia mundial. (...) O
mundo tornou-se, em outras palavras, um mercado, um centro de compras
global.
3ª. A matriz política da vida social e econômica está mudando
celeremente. A sociedade e a nação de hoje são pluralistas.
4ª. O conhecimento, nestas últimas décadas, tornou-se o capital principal,
o centro de custo e o recurso crucial da economia. Isso muda as forças
produtivas e o trabalho; o ensino e o aprendizado; e o significado do
conhecimento e suas políticas. Mas também cria o problema das
responsabilidades dos novos detentores do poder, os homens do
conhecimento (Drucker, 1968:7-9).
3.8 Paradigmas, Pós-Moderno ou Pós-Modernidade
Já me referi à chamada crise dos paradigmas. Esta expressão é uma
das características marcantes do atual período, talvez sua base teórico-
epistemológica catalisadora. A ela subjaz uma notável mudança de rumos, cujo
epicentro aponta para um conjunto de idéias e critérios que abrem novas
possibilidades de recorte e leitura da realidade, formas básicas, teorias e
instrumentais de como perceber o mundo, sociedade ou civilização,
compreender, pensar, avaliar, comentar e agir.
Um primeiro ponto a ser lembrado é que o novo período requer uma
nova visão de mundo. Ora, para tal, é preciso refletir (e normalmente não o
fazemos) sobre a maneira como entendemos o mundo, ou seja, como este
mundo, com seus seres, fatos, fenômenos e relações impactam nossa mente e
nos faz reagir frente a alguma situação. Afinal, quando um novo paradigma se
77
instala, a primeira reflexão que ele nos solicita é justamente essa: como
percebemos o mundo que nos cerca e como reagimos frente a um estímulo
qualquer?
Só para dar um exemplo, se alguém olha o céu hoje, nele vê a mesma
configuração (posição do Sol, da Lua, estrelas etc.) de dois mil anos atrás. No
entanto, ninguém acredita mais que a Terra ocupa o centro do sistema solar,
pois a ciência já forneceu definitivas evidências de que é a Terra que gira em
torno do Sol (heliocentrismo). Então, a percepção das pessoas é dirigida a
priori por uma teoria científica, mesmo que ela não consiga (por suas limitações
perceptivas) perceber tais evidências.
Assim também, uma série de crenças faz o homem, de um modo quase
automático, recortar e conceitualizar sua experiência pessoal e coletiva. São
crenças quanto à história, futuro, valor, ética, a maioria das quais
inconscientes, mas que, de certo modo, condicionam a visão de mundo
vigente: o ser humano tende, por exemplo, a prejulgar certas pessoas, etnias,
nações, crenças e culturas como inferiores, estranhas, “piores” ou “melhores”
etc., por ter nascido e estar imerso em uma dada cultura, tempo e lugar que
cultiva outras crenças, idéias, hábitos e comportamentos sociais. Isso se dá
porque, como o indivíduo nasce mergulhado em certa cultura e se reconhece
como parte dela, sua cosmovisão é sempre condicionada por este conjunto de
crenças e comportamentos e que, nesta específica cultura, são inculcados
desde sempre nas pessoas, praticados, incentivados e transmitidos de geração
em geração como válidos, corretos e naturais.
Ora, tudo isso se relativiza em um mundo globalizado e interligado pelas
telecomunicações. Esse novo paradigma atinge prioritariamente a economia,
mas seus efeitos ultrapassam esse limite, provocando a gradativa
homogeneização cultural dos países, influindo, em grande parte, na
cosmovisão das pessoas, nas ciências, artes, enfim, na vida cotidiana das
pessoas.
Velhos hábitos e crenças são abandonados, instaurando-se novos
modos de ver e de interpretar o mundo. Pode-se dizer que o mundo caminha,
78
mesmo que muito lentamente, rumo a uma progressiva homogeneização ético-
cultural.
Assmann (1996: 54) liga pós-modernidade à Terceira Revolução
Industrial:
O termo pós-modernidade se presta para aludir de forma genérica às
condições amplas da Terceira Revolução Industrial, incluindo os aspectos
socioeconômicos (pós-fordismo e nova gestão empresarial, financeirização
ultrafetichista do capital, globalização, redefinição do trabalho etc.), a
explosão exponencial da ciência e da tecnologia (era tecnotrônica, crise
dos paradigmas) e as transformações culturais (comunicação global quase
instantânea, ciberespaço, Internet, reconfiguração da possibilidade de
intervir, mixagem do público e do privado, a terrível solidão dos
hipercomunicados etc.).
É importante notar que o paradigma pós-moderno ou da pós-
modernidade (incompleto, em andamento) desenha uma nova cartografia do
conhecimento, aliando caos e acaso, ordem e desordem. As teorias regidas
pela ordem e razão ao longo dos últimos séculos perdem a força, e o caos se
infiltra na cultura, na economia, nos fazeres e saberes humanos. Emergem e
se firmam novas teorias, como a do caos determinista, a matemática do caos,
sistemas auto-organizativos, estruturas dissipativas e investigações da ordem a
partir do ruído e complexidade.
As ciências cognitivas ganham renovado impulso. Surgem novas idéias
a respeito de representações e processos, bem como novas metodologias para
testar hipóteses por meio de simulação computacional. Tudo isso é facilitado
pelo uso e difusão intensivos da informação e informatização dos sistemas, e
as tecnologias que não cessam de se aprimorar. Esta nova cartografia do
saber humano acarreta modificações igualmente rápidas e profundas na
percepção humana, intelecto e sensibilidade. Discorrendo sobre isso, Morin
(apud Pessis-Pasternak, 1993: 18) define bem as atuais forças que se
confrontam na arena do conhecimento científico: "a única coisa que é real é a
conjunção da ordem e da desordem (...) a idéia de ordem é mais rica que a
idéia de leis (...) a desordem não é uma noção simétrica à da ordem, é um
macroconceito.”
79
3.9 O Sistema Produtivo - Do Fordismo ao Toyotismo
Os primitivos humanos eram caçadores e se alimentavam de animais e
plantas. Porém esses alimentos eram suficientes apenas para pequenas
populações. A revolução agrícola se deu quando domesticaram os animais e
aprenderam a cultivar e a colher. Com maior controle sobre sua existência e
alimentação, foi-lhes possível pôr fim à vida nômade e estabelecerem-se em
comunidades agrárias. Esta foi uma primeira e radical mudança.
Mas o final do século XIX ficou marcado pela segunda maior
transformação cultural humana – a Revolução Industrial. Até lá, a maioria das
pessoas e comunidades eram auto-suficientes: coziam o próprio alimento,
teciam vestes, fabricavam instrumentos de trabalho. A emergência das
máquinas facilitou o êxodo rural em busca de emprego nas fábricas, fator que
alterou profundamente o modo de vida dos homens:
Nas últimas décadas do século XIX, um conjunto de novas invenções
deflagrou a Segunda Revolução lndustrial. A produção de aço, a utilização da
eletricidade e do petróleo, o aperfeiçoamento dos motores à combustão interna
e a emergência da indústria do automóvel, o desenvolvimento do transporte
ferroviário, todas essas transformações abriram a era do crescimento
exponencial da produção e consumo, catalisando a concentração dos capitais
e estimulando o êxodo rural e a urbanização.
Um dos principais setores econômicos das forças produtivas do início do
século XX, a indústria automobilística, com Henry Ford à frente (daí o modelo
produtivo ficar conhecido como fordismo), irá fixar um padrão de acumulação
que marcará o pós-guerra, alçando o fordismo à categoria de um verdadeiro
paradigma, que passa a orientar a industrialização pesada, a organização
industrial, o processo de trabalho, a ideologia e até um estilo de vida bem
determinado.
O capitalismo é um sistema econômico em que os meios de produção,
distribuição e câmbio pertencem à iniciativa privada, sendo dirigidos por
indivíduos ou corporações. Desenvolveu-se na Europa Ocidental entre os
80
séculos XVI e XIX, quando, por diversas circunstâncias, grande quantidade de
riquezas se acumulou nas mãos de algumas pessoas. Nesse novo sistema, o
artesão é substituído pelo trabalhador livre na indústria. Essa mudança gerará
inovações técnicas na produção, as quais, por seu turno, irão gerar uma
crescente separação entre o trabalhador e os instrumentos de produção.
Como se sabe, este modelo fundava-se na produção em série,
homogeneização e verticalização produtivas. Ao Estado cabia manter a
estabilidade do sistema produtivo pela via da regulação mediante um
compromisso firmado entre capital e trabalho. O fordismo compreendia práticas
e teorias racionalizadoras da produção, como o sistema de Taylor (taylorismo),
que predominou na grande indústria capitalista ao longo do século XX. Este se
baseava, fundamentalmente, na separação entre as tarefas de concepção e de
execução, com a parcelização desta, de modo que o operário executava
apenas tarefas simples, enquanto a mecanização do processo de trabalho
utilizava máquinas no processo produtivo, e estas é que ditavam o ritmo do
trabalho. O fordismo incorporou esses elementos em sua linha de montagem
(Bihr, 1999).
Porém, este modelo começou a declinar nos anos 60 e, na década
seguinte, entrou em crise devido a vários fatores: a) limitação da capacidade
humana de trabalho; b) falta de investimentos em tecnologia; c) desaceleração
dos ganhos de produtividade aliada ao progressivo investimento em capital
fixo, com redução concomitante da mão-de-obra empregada, criando
dificuldade crescente de rentabilização do capital investido; d) fortalecimento da
combatividade sindical e crescente revolta dos trabalhadores contra o
despotismo da organização do trabalho nos moldes fordistas-tayloristas; e)
queda da produtividade, associada a investimentos cada vez mais altos e a
salários elevados, gerando queda do lucro.
Na década de 70, os mecanismos de proteção do Estado do Bem-Estar
Social (Welfare State) conseguiram sustentar o nível de consumo, impedindo a
queda drástica da demanda nos países desenvolvidos, amortecendo e
adiando, de certo modo, uma crise socioeconômica de maiores proporções.
Entretanto, em 1973, a crise não só persistiu como foi agravada pelo "choque
81
do petróleo", inviabilizando os investimentos, e a situação financeira das
empresas, especialmente no setor industrial, deteriorou-se ainda mais.
As ações desencadeadas pelo capital para recuperar a rentabilidade
consistiram basicamente na redução dos salários. Porém, como na outra ponta
do processo, o sistema necessitava manter o consumo em um nível aceitável,
na medida em que não havia reajustes salariais e, conseqüentemente,
aumentava a taxa de desemprego, caía o poder aquisitivo da população em
geral, gerando redução da demanda e, por conseguinte, em efeito-cascata, a
diminuição da atividade produtiva, com risco de recessão.
Por essas e outras mazelas, a sociedade de consumo e produção em
massa patrocinada pelo fordismo acabou por revelar, notadamente durante as
crises da década de 70, sua incapacidade de promover o crescimento
econômico, causando estagnação econômica, inflação, desemprego estrutural,
déficit público e recessão. Por sua vez, estes fatores adversos – novamente o
efeito-dominó – provocaram um persistente déficit público, visto que as
transferências sociais eram financiadas por impostos e cotizações, em grande
parte subvencionados, direta ou indiretamente, pelas próprias empresas, o que
lhes agravou os problemas com a rentabilidade e capacidade de investimento.
Mas, segundo Harvey (1996), já em meados da década de 60, muitos
índices apontavam para um colapso do fordismo. Europa e Japão, recuperados
economicamente e com seus mercados internos saturados, passaram a
incrementar as exportações. Além disso, a formação do Euromercado, aliada à
industrialização de diversos países em desenvolvimento, acirraram ainda mais
a concorrência, colocando em xeque o poder de regulamentação do sistema
financeiro mundial (acordo de Bretton Woods). Na época, muitas empresas
entram em um período de reestruturação e racionalização da produção,
intensificação do controle e exploração do trabalho. A escalada das novas
tecnologias, automação, busca de novas linhas de produto e nichos de
mercado, a dispersão geográfica a fim de conseguir maior controle sobre o
trabalho e sucessivas fusões de empresas tornam-se estratégias vitais à
sobrevivência das corporações. É nesse contexto que se inicia a era da
acumulação flexível, que procurará adequar a produção à lógica econômica
82
capitalista, a fim de recuperar os patamares de produtividade e lucratividade.
Para Harvey (1996), a acumulação flexível seria uma resposta do capital
(que sempre se rearticula) à rigidez do modelo fordista, e que se caracteriza
pela flexibilização dos processos de trabalho, mercados, produtos e padrões de
consumo, buscando conferir maior dinamismo à produção. O modelo, segundo
Harvey (1996), enfatiza os conceitos de flexibilização, horizontalização,
terceirização, multiespecialização e liberalização do Estado, consistindo, pois,
em uma transformação político-econômica do capitalismo, que gera um novo
regime de acumulação cuja idéia central é flexibilizar. A transferência
geográfica de fábricas, a flexibilização do trabalho, a automação e inovação
dos produtos alteram substancialmente a posição do trabalhador e a posição
dos países na relação entre capital, trabalho e desenvolvimento social.
Tudo começa quando algumas empresas experimentam outras
modalidades de desconcentração industrial e padrões de gestão. Entre estas
experiências, o toyotismo (aplicado na fábrica de automóveis Toyota no Japão)
é a que causou maior impacto, expandindo-se para o mundo todo.
Antunes (1995) destaca alguns pontos fundamentais do toyotismo: a)
produção orientada segundo a demanda, com estoque mínimo; b) o just in time
que garante o melhor aproveitamento possível do tempo de produção; c)
trabalhador multifuncional; d) trabalho em equipe; e) horizontalização das
modalidades de trabalho terceirizadas; f) flexibilização dos direitos trabalhistas.
Com o advento da terceira revolução tecnocientífica, o novo modelo
impulsionado pela microeletrônica, biotecnologia e uma sofisticada estrutura de
serviços informatizados, just-in-time, qualidade total, automação, logística,
terceirização, marketing, subcontratações e franquias acaba por se difundir
para inúmeras partes do planeta, desenhando um novo estilo de vida e de
sociedade.
83
3.9.1 O Novo Mundo do Trabalho
Nessas últimas décadas, o sistema produtivo vem apresentando
inovações tecnológicas que alteram não apenas as formas de produção, mas
também sua gestão, destacando-se, entre outras, a utilização de processos
automatizados, tecnologia limpa e produção flexível, que exigem profissionais
multifuncionais, polivalentes e capazes de atuar em estruturas produtivas
celulares, assumindo significativa responsabilidade no processo. Este tipo de
teoria organizacional, o toyotismo, resultou, basicamente, do atraso tecnológico
da linha de montagem e da resistência operária ao mal-estar físico e mental
provocado pela intensificação do ritmo de trabalho.
A crise dos processos de trabalho fordistas na indústria automobilística,
por exemplo, vem acontecendo desde a década de 60, nos Estados Unidos,
agravada pela concorrência do carro japonês, avanço da escolarização da
população e salário-desemprego, resultante da formulação de políticas públicas
estatais (Singer, 1987: 56-57), tornando necessário introduzir outras formas de
controle e de influenciar o comportamento humano, mas sem provocar uma
mudança prática na estratégia central da realidade organizacional (Silva, 1994:
178-189).
Igualmente, as relações de poder no âmbito organizacional sofrem
transformações à medida que se reduzem os níveis hierárquicos e são
adotadas novas sistemáticas de gestão, buscando crescente redução de
custos, otimização da produtividade e da qualidade, fatores que, juntos, visam
aumentar a competitividade das organizações. A base tecnológica do processo
produtivo altera-se substancialmente com o uso da microeletrônica.
Apesar de todas as mudanças, muitas empresas insistem em continuar
adotando os tradicionais modelos de produção, em flagrante descompasso
com a atual realidade mutante, escorregadia e indeterminística, enquanto se
assiste aos desdobramentos da chamada terceira revolução tecnológica,
impulsionada pela informática e microeletrônica, cujos efeitos estariam apenas
começando a se esboçar neste início de milênio.
84
Segundo Schaff (1985: 71), na sociedade informática as novas
tecnologias impactam a vida social e o futuro. Esta revolução tecnológica
baseada na informática, microeletrônica e biotecnologia acarreta problemas
que demandam soluções alternativas. Para ele, a humanidade está frente a
uma revolução na qual as capacidades intelectuais do homem estão sendo
ampliadas e até substituídas por autômatos, o que implica a crescente
eliminação do trabalho humano, na produção e serviços, exigindo, de imediato,
mudanças sociais profundas, que incluem alterações na natureza da
administração pública e privada.
Para este autor (1985:71), a primeira revolução (final do século XVIII e
início do século XIX) substituiu a força física do homem pela energia das
máquinas (linha de montagem fordista), e a segunda permitiu-lhe um salto
qualitativo no progresso técnico, rompendo com a continuidade dos avanços
que se iam acumulando nas tecnologias existentes:
A primeira revolução conduziu a um incremento no rendimento do trabalho
humano, a segunda aspira à eliminação deste. (...) Esta nova revolução
coloca uma série de problemas sociais ligados à necessidade de encontrar
uma instituição que possa substituir o trabalho humano tradicional, seja
como fonte de renda que permita ao homem satisfazer suas necessidades
materiais, seja como fonte tradicional de sentido de vida, entendido como
fundamental para a satisfação das suas necessidades não materiais, isto
é, das necessidades espirituais.
De Masi (1994), ao analisar o impacto da automação sobre o trabalho
industrial, afirma que o trabalho intelectual hoje é mais valorizado que o
manual, e a criatividade, mais importante que a execução. Padronização,
especialização e sincronização são substituídos por outros valores, como a
qualidade da vida, intelectualização e afetividade. Segundo ele, para combater
o desemprego estrutural (destruição de postos de trabalho em decorrência do
impacto das novas tecnologias), é preciso substituir a "cultura da demissão"
pela redução da jornada de trabalho e, sobretudo, incrementar a melhoria do
sistema educacional.
Sabe-se ainda que a alteração na base científica do trabalho valoriza a
85
integração entre ciência e técnica em um esforço interdisciplinar. A
revalorização da dimensão política do tecnólogo reflete bem este momento de
transformação dos paradigmas com suas ressonâncias em todos os setores da
sociedade contemporânea.
No antigo paradigma, a relação professor-aluno não estimulava o
questionamento, nem a curiosidade, nem a pesquisa, e muito menos punha em
ação o pensamento crítico-relacional. Os alunos, à semelhança do operário na
linha de montagem, eram (e ainda são, em muitos casos) encarados como
objetos e não como sujeitos históricos, transformadores e criativos. Neste
sentido, é bastante ilustrativa uma consideração de Smith (1983: 213-214)
acerca dos indivíduos na Era Industrial empenhados em atividades repetitivas:
a ocupação da maior parte daqueles que vivem do trabalho, isto é, a
maioria da população, acaba restringindo-se a algumas operações
extremamente simples, muitas vezes a uma ou duas (...). O homem que
gasta toda sua vida executando algumas operações simples, cujos efeitos
também são, não tem nenhuma oportunidade para exercitar sua
compreensão ou para exercer seu espírito inventivo no sentido de
encontrar meios para eliminar dificuldades que nunca ocorrem. Ele perde
naturalmente o hábito de fazer isso, tornando-se geralmente tão embotado
e ignorante quanto possa ser uma criatura humana. O entorpecimento de
sua mente o torna tão somente incapaz de saborear ou ter alguma
participação em toda conversação racional, mas também de conceber
algum sentimento generoso, nobre ou terno, e, conseqüentemente de
formar algum julgamento justo até mesmo acerca de muitas obrigações da
vida privada.
Assim, a compreensão que me direciona é a de que o trabalho traz (ou
melhor, sempre trouxe), intrinsecamente, em maior ou menor grau
(dependendo da atividade), o uso da criatividade e da razão, motivo pelo qual
proponho-me aqui a refletir sobre as possíveis estratégias educacionais a
serem empregadas na formação do tecnólogo, cuja atuação ultrapasse a
dicotomia entre trabalho manual e intelectual, articulando saberes científicos e
técnicos, a fim de ter um bom desempenho em um mundo do trabalho aberto e
indeterminado, sujeito, portanto, à chamada hipersensibilidade das condições
iniciais. Assim, daqui para frente, conceituarei e considerarei empresas e
86
escola (especialmente os cursos tecnológicos) como sistemas não lineares
fortemente inter-relacionados.
3.10 Visão Sistêmica e Sociedade Aprendente
Venho utilizando até aqui a expressão sociedade do conhecimento,
nomenclatura, a meu ver, adequada para designar o atual espaço (globalizado)
em que o tempo (comprimido) marca a velocidade com que um enorme número
de representações fluem pelas infovias, ligando usuários do mundo todo,
tecendo as redes (entre as quais a Internet) informáticas que compõem o
ciberespaço.
7
Nessa sociedade em rede (Castells, 1999) as inter-relações
(mediadas por computador) assumem nova dinâmica, colocando em xeque
antigas crenças e instaurando uma nova ordem a partir do ruído (order from
noise, conforme Förster, 1960: 31).
Morin (1999: 140) esclarece que o princípio da ordem a partir do ruído,
formulado por Heinz von Föerster em 1959, expressa uma relação
complementar e, contudo, logicamente antagônica, entre as noções de ordem,
desordem e organização, opondo-se ao princípio da física clássica order from
order, e apontando para o fato de que fenômenos ordenados (ou organizados)
podem surgir de uma agitação ou turbulência desordenada.
O importante é que, neste novo contexto de incertezas e
indeterminações, surge a necessidade de se buscar novos modelos científicos
que expliquem adequadamente a condução e a regulação de sistemas sociais,
principalmente de organizações que exercem suas atividades nesse período de
mudanças por vezes caóticas, aí se considerando como organizações tanto
empresas como escolas, sejam estas públicas, particulares, mistas, presenciais
87
ou virtuais.
Validando a noção de sociedade do conhecimento, muitos
pesquisadores defendem que a sociedade atual assim se denomina em virtude
de o conhecimento ser a moeda corrente mais valiosa a ser trocada entre
atores, sociedades e nações, diferentemente da era anterior, na qual o valor
era atribuído a componentes como a propriedade, máquinas mecânicas ou
eletromecânicas, matéria-prima, estoque etc. Porém, é necessário precisar
melhor, em termos de interação, o lugar e natureza da sociedade do
conhecimento no esquema sígnico-comunicacional contemporâneo. Apresento
o gráfico abaixo:
Note-se aí que o conhecimento se dá na intersecção entre o signo e a
mente/corpo que o interpreta mediante o confronto com outros dados,
informações e conhecimentos já “estocados” na memória. Este “estoque” é o
que se chama repertório na lingüística (ou experiência colateral na semiótica),
isto é, um conjunto de conhecimentos prévios que o receptor emprega para
decodificar mensagens. O conhecimento é, então, por enquanto, prerrogativa
do ser humano. Só o homem é capaz de conhecer, no sentido ontológico e
epistemológico do termo. O conhecimento é o grau mais alto da informação,
isto é, é o resultado de uma informação “processada”, comparada com outros
dados, informações, referências, textos etc. por uma mente incorporada
(Varela, 1990 e 2003). Ora, infere-se disso que não pode haver transmissão de
7
Adiante pretendo, com o auxílio de alguns instrumentais teóricos, refinar minha linha
de raciocínio, apresentando o conceito de sociedade aprendente como mais
apropriado aos fins a que este trabalho se destina.
REFERENTE
REPRESENTAÇÃO
OU SIGNO
CONHECIMENTO
88
conhecimentos (“ensino”), mas somente de estímulos externos, dados e
informações que “entram” no sistema, aí podendo ser interpretados como
conhecimento se houver condições favoráveis, “âncoras” (Ausubel, 1980).
Portanto, conhecimento é criação interna.
Como afirma Moraes (2004), retomando Maturana e Varela (1997 e
2001), o processo de cognição não se dá a partir da mera “transcrição” do
mundo real e exterior ao interpretante, mas a partir de uma reapresentação,
recriação, reconstrução em aberto, que depende da estrutura de cada sujeito,
sua corporeidade, sistema sensório-motor. Não “re-presentação” como cópia
do real, mas reinterpretação, recriação, para as quais concorrem a experiência,
história de vida e cultura do receptor.
3.11 A Teoria Geral de Sistemas (TGS)
Partindo da idéia de que, fundamentalmente, a vocação dos processos
educacionais deve contemplar princípios e instrumentais metodológicos
voltados à ensinagem (e não ao instrucionismo puro), enfatizando a aquisição
de habilidades e competências como forma de integração social e estímulo a
atividades profissionais eficientes, meu foco é a educação tecnológica, à luz
das atuais mudanças paradigmáticas, cujo propósito é formar cidadãos que
interajam crítica e criativamente com o processo produtivo, nele interferindo
não só para corrigi-lo e melhorá-lo, mas também visando a assegurar seu
próprio desenvolvimento pessoal, em consonância com suas aspirações,
necessidades e interesses.
O instrumental que adoto, a TGS é contextual, oposta à do pensamento
analítico, visto examinar simultaneamente o todo e suas partes, bem como as
especificidades e relações que ocorrem na interação entre os componentes
(subsistemas) deste todo (sistema). No pós-guerra, esta prototeoria foi
formulada por Ludwig von Bertalanffy, que sintetizou as novas idéias científicas
em uma abordagem dos “todos integrados”, já referidos por Bogdanov, em
1922.
3.11.1 As bases da TGS
89
Ressalte-se que, quanto às relações entre ciência e tecnologia, estarei
seguindo Bunge (1977) em sua visão de uma ontologia (ou metafísica). Para
este autor, a TGS se apresenta como forma sistemática e científica de
aproximação e representação da realidade, orientando uma prática
inter/transdisciplinar:
(...) A Teoria Geral de Sistemas é um campo de pesquisa científica e
tecnológica de considerável interesse à filosofia. Por conta de sua
generalidade, apresenta conexões interessantes com a Ontologia ou
Metafísica tradicional, no sentido pré-hegeliano, e também com a
Ontologia científica. Pesquisadores da Teoria de Sistemas estão
interessados nas propriedades comuns a todos os sistemas
independentemente de suas particularidades, para tal empregando teorias
extremamente gerais (Bunge 1977: 3).
Como paradigma científico, a TGS caracteriza-se por sua perspectiva
integrada, que analisa as relações no interior dos sistemas e os novos
componentes que podem emergir a partir delas, com o objetivo de oferecer um
campo apropriado para a inter-relação e comunicação entre especialistas e
especialidades e facilitar o desenvolvimento de uma terminologia geral que
permita descrever características, funções e comportamentos sistêmicos,
desenvolvendo leis aplicáveis a todos estes comportamentos e promovendo
uma formalização destas leis.
Sua primeira formulação neste sentido é atribuída a Ludwig von
Bertalanffy (1973), que cunhou a nomenclatura Teoria Geral de Sistemas. Para
ele, esta teoria deveria constituir-se em um mecanismo de integração entre a
realidade e as ciências sociais e, ao mesmo tempo, em um instrumento básico
para novas orientações e inquietações científicas, tendo em vista o visível
esgotamento do paradigma determinista, com seus princípios mecânico-
causais.
Conforme lembra Souza (2001: 43):
importantes inovações em outras áreas do saber vêm contribuindo para o
campo analítico-teórico da Teoria Geral de Sistemas, como, por exemplo,
as noções sobre as estruturas dissipativas, auto-referencialidade, auto-
90
observação, autodescrição, autoorganização, reflexão e autopoiese. Desse
modo, a teoria é transdisciplinar, derivando de postulados da teoria de
grupos (Mesarovic), teoria das redes (Rapoport), cibernética (Wiener),
teoria da informação (Shannon e Wiever), inteligência artificial (Turing),
teoria dos jogos (von Neumann), entre outras.
Segundo Bunge (1977), a ciência é um tipo ou forma de conhecimento
apoiado em um conjunto de hipóteses de natureza filosófica: a primeira delas, o
realismo, leva em conta a realidade do mundo externo; a segunda, o
pluralismo, considera a realidade como sendo estruturada em vários níveis, e a
terceira, o determinismo ontológico, parte do princípio de que a realidade segue
leis. Assim, ontologicamente, para Bunge, a realidade seria sistêmica; b)
complexa; c) legaliforme.
Portanto, parece-me uma boa atividade científica perceber e discutir a
natureza da educação tecnológica à luz dos conceitos centrais da TGS, com o
propósito de surpreender o real educativo como sistema psicossocial
complexo, para melhor compreendê-lo. Para tal, pretendo estabelecer relações,
via TGS, entre o mundo do trabalho na sociedade do conhecimento
8
e o perfil
do tecnólogo que o atual sistema produtivo exige.
Por ser central a este trabalho, apresentarei os principais pontos da
TGS, partindo da premissa de que o universo é composto por sistemas,
utilizando tal visão sistêmica da realidade em seu aspecto ontológico,
considerando organizações as empresas lucrativas e não-lucrativas, públicas
ou privadas, uma vez que, em uma perspectiva sistêmica, toda organização é
um sistema. Nesse sentido, estarei, por vezes, utilizando escola em sentido
amplo, como lugar onde se educa alguém para algo, ou como equivalente à
educação. Outra ressalva é a de que não vou adotar a formulação de
Bertanlaffy (1973), mas a reformulada por Bunge
9
, para quem uma correta
8
Devo relembrar que, embora sem descartar a validade do conceito de sociedade do
conhecimento, adiante postularei que a nomenclatura sociedade aprendente, de um
ponto de vista sistêmico, seria mais apropriada aos fins a que este trabalho se destina.
9
Mario Bunge nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1919. É Ph.D em ciências
físico-matemáticas pela Universidade Nacional de La Plata. Desde 1981, é professor
de Lógica e Metafísica na Universidade McGill em Montreal, Canadá. Sua obra
91
análise do real deveria levar em conta que: a) o mundo não é um agregado de
coisas, mas um sistema composto de subsistemas; b) a sociedade é um destes
sistemas, tendo como envoltório o ambiente natural e a articulação interna de
quatro subsistemas: biológico, econômico, político e cultural; c) (sub)sistemas
são estreitamente interagentes e interdependentes entre eles e da natureza,
podendo ser distintos, mas não separados; d) em virtude desta
interdependência, toda mudança social envolve aspectos biológicos,
econômicos, políticos e culturais, com um correspondente impacto no
ambiente; e) portanto, o desenvolvimento não pode ser setorial mas integral,
não de cada sistema isolado, mas de todos ao mesmo tempo.
Para a TGS, portanto, seres, eventos, fenômenos e coisas são sistemas
que apresentam em comum certas funções e parâmetros. Sistema seria um
conjunto (todo) de objetos ou conceitos (partes) inter-relacionados e articulados
para cumprir uma função específica, podendo ser materiais (sistema solar,
conjunto de órgãos do corpo humano, estrelas etc.) ou conceituais (equações,
conceitos de uma teoria etc.).
Numa realidade sistêmica todos os agregados são sistemas, e assim
podemos nomeá-los sempre. Mas há que se considerar que, conforme o nível
de recorte da realidade enfocado, subsistema em um nível mais alto poderá ser
sistema no nível imediatamente abaixo. Por isso, conforme o caso, estarei me
referindo a sistema e/ou a subsistema.
Para efeito didático, focalizo o sistema biopsicossocial, que engloba
outros sistemas, como o social, o econômico, o político, o biológico e o cultural.
A qualificação para o mundo do trabalho se dá no sistema educacional ou
sistema escolar, central a este estudo, subsistema do sistema cultural que, por
sua vez, compreende outros subsistemas como o gerencial-administrativo
(diretores, supervisores, secretários, bedéis, funcionários em geral); o
normativo (leis, normas, pareceres etc.); o político-pedagógico (políticas
educacionais, diretrizes, parâmetros curriculares, currículos, programas etc.); e
principal é Treatise on Basic Philosophy. Amsterdam: D. Reidel Publishing Company,
1977 e 1979.
92
ainda o subsistema denominado núcleo processador (no qual ocorrem os
eventos educativos, sendo tal subsistema a razão de ser da educação e
composto basicamente por professores, alunos, saberes e fazeres). Todos
estes são considerados sistemas psicossociais complexos.
Sob a denominação genérica de qualificação para o trabalho
considerarei quaisquer atividades educacionais voltadas a preparar
profissionais e, mais especificamente, o tecnólogo, para o mundo do trabalho.
No outro pólo do presente enfoque, o sistema produtivo é um
subsistema do sistema econômico, que compreende uma série de outros
subsistemas, como o sistema financeiro, o monetário etc. Há que se considerar
também o sistema-envoltório, porque todo sistema é rodeado por um ambiente
que, no caso do subsistema educacional ou subsistema escolar, é o sistema
cultural e, no caso do subsistema produtivo, o sistema econômico.
É, pois, importante a análise da estrutura básica desses sistemas e
subsistemas, uma vez que a qualificação profissional, na literatura
especializada, costuma ser vista como instância isolada, cujas funções seriam
de exclusiva responsabilidade da educação em geral e, no presente caso, a
tecnológica e, portanto, deveria ocorrer na escola, sem levar em conta todas as
variáveis sistêmicas aí envolvidas, a começar pelo próprio aluno, ele também
um sistema aprendente. Isso, a meu ver, constitui um equívoco ontológico,
pois, além de se desconsiderar outras instâncias educativas (como o ambiente,
o ensino fundamental e ensino médio, graduações e pós-graduações,
especializações, extensões, educação continuada, educação a distância etc.,
que, teoricamente preparam ou deveriam preparar para o trabalho), deixa de
considerar justamente o sistema produtivo, o mundo do trabalho, para o qual a
educação (em seu mais amplo e ético sentido) deveria estar orientada.
Em suas obras, Bunge (1977, 1979 e 1980; Vieira, 1999, 2001 e 2003
online) consideram sistemas abertos como os que interagem com o meio
exterior e com os demais sistemas por meio de trocas de matéria, energia e
informação. Os sistemas social, escolar e produtivo são sistemas abertos, em
interação com o meio ambiente e com os demais sistemas (e subsistemas),
93
mantendo um fluxo dinâmico e sofrendo mudanças, na forma de flutuações ou
perturbações. Já um sistema isolado nada troca com nenhum outro sistema e
ambiente, sendo, no dizer de Vieira (2003 online: 22), uma impossibilidade
ontológica, porque tende à morte, ao colapso. Assim, todo sistema tende a ser
aberto em algum grau.
Vieira (1999: 3), baseando-se nos estudos de Bunge (1979), afirma que
“uma das vantagens da prática ontológica é que, ao lidarmos com traços muito
gerais de coisas”, podemos utilizá-los “para fazer comparações e conexões
inter e transdisciplinares. O domínio da ontologia é aquele que é básico e
fundamental para o estudo de qualquer objeto e agregados de objetos.”
Em seguida, este autor (1999: 3) resume os antecedentes da TGS:
Contribuições das engenharias mecânica, elétrica e eletrônica começaram
neste século, a partir do problema da equilibragem de máquinas e
posteriormente com a questão da estabilização de redes elétricas e
sistemas eletrônicos, assim como o desenvolvimento de
servomecanismos. Essa atividade tecnológica gerou ferramentas
matemáticas de grande fertilidade em aplicações, propiciando o
surgimento da Teoria da Informação com Shannon e Weaver e da
Cibernética de Wiener e Rosemblueth, assim como da Teoria dos
Automata de Von Neumann. Por outro lado, na área da Mecânica Celeste,
os problemas da não-linearidade e não-integrabilidade em sistemas
clássicos já eram do conhecimento de Henri Poincaré, no início do século
e logo depois surgem as contribuições do biólogo Lugwig Von Bertanlaffy,
o primeiro grande esforço de uma construção sistêmica e do tratamento da
complexidade. Desenvolvimentos teóricos envolvendo o conceito de
sistema prosseguem; escolas surgiram, privilegiando algumas visões
científicas e filosóficas, como a escola russa (um bom representante é
Avanir Uyemov), a tcheca (Jiri Zeman e Libor Kubat), a da lógica na
Polônia (Lesniewsky), e ainda as propostas de filósofos como Kenneth
Denbigh, na Inglaterra, do ecólogo Werner Mende na Alemanha.
Apresentaremos algumas características e conceitos acerca de
agregados e sistemas, seus parâmetros básicos e evolutivos.
94
Em sua obra, Bunge
10
(1977: 4) declara a intenção de explicar a
realidade por meio do sistemismo, para tal, ultrapassando o mote holístico que
diz "o todo é maior que a soma de suas partes", para ir "além desta
caracterização (...), para tal fim usando alguns conceitos matemáticos
elementares como também noções comuns – como essas de coisa,
propriedade e tempo."
Segundo ele, a realidade é composta por agregados e sistemas:
Um agregado ou reunião é uma coleção de itens não unidos por relações,
faltando-lhe por isso integridade ou unidade. Agregados podem ser
conceituais ou concretos (materiais). Um agregado conceitual é um
agrupamento (um agrupamento baseado em uma estrutura é um sistema
conceitual). Um agregado concreto ou material, por outro lado, é composto
por coisas, e seus componentes não estão unidos, conectados, ou coesos,
como o são, por exemplo, um campo constituído por dois campos
superpostos, tais como uma constelação celeste e uma amostra aleatória
de alguma população biológica (Bunge 1977: 4).
Em virtude de os elementos de um agregado não interagirem ou fazê-lo
muito fracamente, o comportamento de cada um deles independe do
comportamento dos demais, motivo pelo qual a história do agregado é a soma
das histórias de seus componentes. Por outro lado, os componentes de um
sistema podem estar ligados, desde que a história do todo seja diversa da
somatória das histórias de suas partes.
Os elementos básicos de um sistema são composição, ambiente e
estrutura:
Qualquer que seja sua natureza - conceitual ou concreta - pode afirmar-se
que um sistema tem uma composição definida, um ambiente definido, e
uma estrutura definida. A composição de um sistema é a reunião de seus
componentes: o ambiente, o conjunto de coisas com as quais está
conectado; e a sua estrutura, as relações entre seus componentes e entre
estes e o ambiente (Bunge 1977: 4).
10
Todas as citações de Mario Bunge usadas aqui foram por nós traduzidas a partir da
obra, Treatise on basic philosophy, v. 3, Dordrecht: D. Reidel Publ., 1977.
95
Então, resumindo, sistema seria um conjunto de objetos que se
caracteriza pela inter-relação entre suas partes e destas com o ambiente que o
circunda.
Lembro que, conforme Bunge, os componentes sistêmicos são tanto
"objetos" físicos ou materiais como conceituais (leis, regras, funções, equações
etc.):
Se os componentes são conceituais, assim é o sistema; se concretos ou
materiais, então constituirão um sistema concreto ou material. Uma teoria
é um sistema conceitual, enquanto uma escola é um sistema concreto do
tipo social. Estes são os únicos reinos de sistemas que nós reconhecemos:
conceitual e concreto (Bunge 1977:4).
E então ele enfatiza a necessidade de serem analisados os elementos
básicos de um sistema - composição, ambiente e estrutura – bem como,
acrescenta, a história deste sistema (particularmente no caso de biossistemas
ou sociossistemas) e as leis do sistema, ressalvando, porém, ser muito difícil
obter um conhecimento completo, notadamente quanto a sistemas complexos,
porque o modelo mínimo de sistema, por ser qualitativo, não se presta a
propósitos quantitativos, como, por exemplo, predizer seu grau de organização
ou desorganização (Bunge 1977: 8).
O autor explica que a ordem na qual tais elementos são enunciados no
conceito de sistema é natural e não acidental, pois:
ao tomarmos contato com certos sistemas, como uma planta, um relógio,
ou uma galáxia, começamos freqüentemente nossa procura pela totalidade
e seu ambiente, e depois sua composição e estrutura. Mas ao investigar
uma floresta, um sistema social, e um supersistema social como uma
nação, devemos primeiramente conhecer seus componentes (ou partes
atômicas) em um ambiente, para depois tentar entender a estrutura do
todo, estudando o comportamento dos componentes individuais (Bunge
1977: 43).
Finalmente, Bunge trata dos conceitos de sistema, supersistema e
subsistema, afirmando que um componente de um sistema pode ou não ser
também sistema:
96
Fábricas, hospitais e escolas constituem subsistemas de qualquer
sociedade moderna. Por outro lado, as pessoas que os compõem são
sistemas sociais: eles são mais propriamente biossistemas. (...) Um feto é
um subsistema de sua mãe; mas se torna um sistema depois de seu
nascimento. Antes disso não está subordinado a quaisquer das leis,
naturais ou sociais (Bunge 1977: 11).
As noções de supersistema e subsistema referem o fato de que um
sistema pode estar contido em outro mais amplo, no caso, um supersistema.
Mas, por outro lado, este sistema é constituído de partes que também são
sistemas, o que nos permite inferir que estes sistemas – enquanto partes de
um sistema maior, são subsistemas.
3.11.2 Parâmetros sistêmicos
Segundo Vieira (1999: 5) parâmetros sistêmicos são as “características
que ocorrem em todos os sistemas, independentemente da natureza particular
de cada um, ou seja, traços que podem ser encontrados tanto em uma galáxia
quanto em uma sinfonia, por exemplo”, podendo ser divididos em duas classes:
a) básicos ou fundamentais: aqueles que todo e qualquer sistema
apresenta, independentemente de processos evolutivos; e
b) evolutivos: são os que surgem ao longo da evolução do sistema ao longo
do tempo, podendo estar presentes em um e não em outro sistema, mas
mesmo nestes podendo emergir em algum ponto futuro.
Para Bunge (1977) e Vieira (1999), os parâmetros sistêmicos básicos ou
fundamentais são: a permanência, o ambiente e a autonomia.
A permanência consiste na tendência que todo sistema tem de otimizar
sua estrutura a fim de se desenvolver e permanecer no tempo. No caso,
aplicando este parâmetro às instituições (universidades, centros universitários
e demais estabelecimentos) que oferecem cursos tecnológicos, ele se
consubstanciaria, na prática, em criar subsistemas (burocrático-administrativo,
legais, pedagógicos etc.) que ao longo do tempo “aprendem” enfrentando
desafios, assimilando adversidades e adotando soluções criativas, de modo a
97
flexibilizar-se cada vez mais, para não apenas cumprir seus objetivos, mas,
principalmente, permanecer e prosperar no cenário educacional.
Quanto ao parâmetro ambiente, os sistemas podem ser fechados ou
abertos, de conformidade com o intercâmbio que promovem com seu entorno
(local, regional, mundial). Para Bunge e Vieira, uma escola é (ou deveria ser)
um sistema aberto, trocando com os demais sistemas (e o sistema-ambiente)
informações. No caso do sistema escolar, os “produtos” seriam seres humanos,
cidadãos e trabalhadores capacitados ao convívio social e a desempenhar
funções no sistema produtivo.
Uma observação importante é que, no caso dos cursos tecnológicos,
recomenda-se uma pesquisa prévia, anterior à configuração e implementação
do curso, que avalie as reais condições do mercado de trabalho, capacidade de
absorção dos egressos, perfil profissiográfico (competências e habilidades
demandadas), justamente para garantir, ao longo do tempo em que dure o
curso, uma consonância real deste com seu entorno.
O terceiro parâmetro básico é o da autonomia, que permite ao sistema
trocas com os demais sistemas, de modo a receber informações e processá-
las, gerando internamente um “estoque” (memória) das emergências havidas
durante as interações ao longo do tempo (problemas, soluções, diretrizes,
guias, planos, documentos etc.) que o ajudem a permanecer e crescer em
complexidade. Mas autonomia também tem a ver com flexibilidade frente a
mudanças, com liberdade e criatividade, conseguidas à custa dos talentos que
o sistema aloca, inteligências aprendentes, mentes incorporadas que
transformam informação em conhecimento em prol da permanência e
complexização do sistema. Na escola este parâmetro diz respeito à história e a
memória do sistema, razão pela qual há de se otimizar todas as formas de
registro, documentos produzidos pelos componentes, atas de reuniões,
inovações, artigos, idéias, soluções, experiências, particularidades, obras,
metodologias, currículos, didáticas e outros.
Os parâmetros sistêmicos evolutivos são aqueles que influem na história
do sistema, desde o surgimento até o alcance de uma máxima complexidade.
98
São eles: a composição, conectividade, estrutura, integralidade, funcionalidade,
organização e complexidade.
A composição diz respeito à configuração relacional das partes
(subsistemas) de um sistema maior, ou seja, envolve não apenas a descrição
de cada componente, mas também a interação dinâmica entre esses
componentes ao longo do tempo. Para Vieira (1999: 6-7), a composição
compreende a quantidade - número de elementos que compõem o sistema; a
qualidade, que diz respeito à natureza dos elementos; a diversidade, que se
refere à diversificação em classes e tipos dos elementos; a informação,
relacionada à diversidade e à sensibilidade do sistema em selecionar
informação do meio ambiente a fim de garantir sua permanência e autonomia;
e a entropia, que varia conforme o grau de diversidade do sistema: quanto mais
os tipos de elementos ocorrerem em quantidades diversas, menor a entropia
(perda, desgaste, tendência ao colapso). Inversamente, quanto maior a
homogeneidade (quantidades aproximadamente iguais de tipos), maior a
entropia.
A lição que daí se extrai é até certo ponto paradoxal: um sistema, ao
contrário do que se pensa, tem de admitir e administrar em seu interior as
diferenças, pois é da diversidade de tipos, pessoas, pontos de vista, linhas de
raciocínio etc. que advém a capacidade de este sistema permanecer saudável,
otimizar sua memória e autonomia, crescer em organização e complexidade. A
homogeneidade, por exemplo, é própria dos regimes totalitários (nos quais são
eliminadas as diferenças) e das antigas administrações monológico-piramidais
(nas quais as diferenças ficam niveladas e subordinadas aos escalões
superiores). Tais organizações, com a velocidade crescente das mudanças
(tecnológicas, paradigmáticas), acabam por desaparecer se não se
adequarem.
Moraes (2002a online) lembra que o parâmetro da composição se
relaciona muito estreitamente com o aumento da complexidade sistêmica:
Complexidade refere-se à quantidade de informações que possui um
organismo ou um sistema qualquer, indicando uma grande quantidade de
interações e de interferências possíveis nos mais diversos níveis. A
99
complexidade aumenta com a diversidade de elementos que constituírem
o sistema. Além do aspecto quantitativo implícito neste termo, existiria
também a incerteza, o indeterminismo e o papel do acaso, indicando que a
complexidade surge da intersecção entre ordem e desordem. O importante
é reconhecer que a complexidade é um dos parâmetros presentes na
composição de um sistema complexo ou hipercomplexo como o cérebro
humano, assim como também está presente na complexa tessitura comum
das redes que constituem as comunidades virtuais que navegam no
ciberespaço (grifo meu).
O parâmetro evolutivo da conectividade, segundo Bunge (1977: 6), tem
a ver com a capacidade de os elementos do sistema estabelecerem relações
ou conexões. Vieira (1999: 7) acrescenta que conexões seriam as relações que
permitem a interação entre os componentes do sistema, abrindo a
possibilidade de mudar a história desses componentes e, conseqüentemente, a
de todo o sistema.
Este autor lembra que a conectividade “pode ter um caráter seletivo, ou
seja, sistemas complexos podem agregar certos elementos e negar ou excluir
outros, na medida em que isso importe para a sua permanência” (1999: 7). É
exatamente assim que se comportam sistemas (educacionais) complexos,
tanto no que respeita ao aspecto físico, concreto (relação física), como no que
concerne a conexões virtuais.
No interior de um sistema, alguns componentes tendem a ser eliminados
e outros preservados, visando à sua “saúde” e permanência. Seja em nível real
ou virtual, é impossível a um sistema conectar-se ou relacionar-se com um
número excessivo (dependendo, é claro, de cada caso) de sistemas ou com
todos os demais, pois isso ocasionaria um excesso de informação não
processável, perdas de energia, tempo e recursos, desviando o sistema de
seus objetivos, retardando-os ou inviabilizando-os. Por outro lado, não pode
fechar-se em demasia, sob pena de colapsar. Assim, para permanecer e
otimizar-se, as conexões e relações entre componentes dos subsistemas de
um sistema e as deste com os demais sistemas tendem a ser altamente
seletivas, preservando-se e/ou intensificando-se aquelas que agregam valor ao
sistema. Um bom exemplo são as parcerias, acordos, convênios etc.
100
O parâmetro estrutura diz respeito ao número de relações verificadas no
sistema até um determinado instante de tempo, ou seja, aferidas por um
observador que nesse instante tenha constatado e contado as relações entre
seus componentes, independentemente de grau de intensidade ou coesão
(Vieira 1999: 7-8). Sistemas de diferentes tipos têm composições diferentes ou
estruturas diferentes. Bunge (1977) lembra que diferenças na composição do
sistema induzem a diferenças estruturais, mas não o contrário, citando os
isômeros, sistemas com a mesma composição mas diferente estrutura.
Todavia, todos os sistemas de mesmo gênero parecem apresentar a mesma
configuração ou "plano geral" (Bunge 1977:11).
Outro parâmetro evolutivo, o da integralidade, “mede” o grau desejável
de seletividade observado pelos componentes internos de um sistema
(portanto subsistemas) e deste sistema com os demais, de modo que, a
despeito da possibilidade em aberto de haver relações entre quaisquer
componentes do sistema, para evitar repetições e redundância desnecessárias,
algumas relações devem ser realizadas em detrimento de outras, ou seja, é
desejável que isso não aconteça em nível de sistema, mas entre “ilhas”
conectadas entre si, para evitar uma exagerada coesão e rigidez.
Segundo Vieira (1999: 8), observa-se que na natureza:
a conectividade age de modo a não conectar todos os elementos entre si
[mas entre] subconjuntos de elementos que sofrem alta conectividade,
formando “ilhas” diversas, e essas então são conectas entre si, tal que,
com esse artifício, o número de conexões cai e o sistema não fica coeso
demais, no sentido de muito rígido. Isso porque a permanência exige que o
sistema seja coeso o suficiente para sobreviver a crises, mas flexível o
suficiente para adaptar-se a elas na medida do possível. Ou seja, nem a
rigidez total nem a flexibilidade amorfa são desejáveis.
Imagine-se, por exemplo, uma faculdade ou universidade que, para
promover uma correção em seus currículos face a alguma mudança no
sistema-ambiente, tivesse que consultar todos os seus integrantes, fazer
reuniões, assembléias com alunos, professores etc. Certamente ela não teria a
agilidade necessária para efetuar tais mudanças em tempo hábil, inviabilizando
101
assim os objetivos do curso ou cursos que devessem sofrer correção. Por essa
razão é que Bunge e Vieira falam em “ilhas de integralidade”, células,
agrupamentos de componentes que se conectam com vistas a algum objetivo
específico, excluindo os demais.
A funcionalidade, outro parâmetro evolutivo, aponta para a otimização do
sistema conseguida à custa de uma adequada integralidade. Em outras
palavras, se a integralidade for “dosada” de modo a permitir aos subsistemas
melhor partilharem suas propriedades, facilitando a emergência destas, tais
propriedades emergentes podem garantir ao subsistema maiores
possibilidades de permanência e autonomia. Esta otimização implica
flexibilidade.
O penúltimo parâmetro evolutivo, o da organização, envolve e abarca
todos os anteriores. Lembra Vieira (1999: 8) que, se o sistema que mostra uma
peculiar composição otimiza sua conectividade, tornando-se progressivamente
melhor estruturado, integral e funcional, ele é organizado. A organização diz
respeito ao sistema como um todo. Enquanto estrutura se refere a relações
localizadas, estando próxima do conceito de coesão, a organização se
relaciona mais de perto com o conceito de coerência.
Por fim, a complexidade, na verdade um metaparâmetro evolutivo, é de
difícil conceituação, porque como diz Vieira (1999: 9), a dificuldade para se
lidar com os parâmetros cresce na medida em que nos aproximamos do
conceito de complexidade, uma vez que esta se relaciona com todos os demais
parâmetros, mas não se prende a nenhum deles. Desse modo, é mais fácil
entender tal conceito com suas várias faces, perpassando o sistema em sua
evolução ao longo do tempo. Assim, não se pode reduzir o conceito de
complexidade a uma só de suas inúmeras faces. Na verdade, a complexidade
pode estar tanto no entrópico como no caótico, tanto no organizado como no
estético, axiológico etc. Sobre a influência dos parâmetros sistêmicos, Moraes
(2002a online) afirma:
Os parâmetros sistêmicos influenciam, não apenas a visão que temos do
universo e de como ele opera, mas também como se constrói o
conhecimento e como os indivíduos, sendo sistemas vivos, operam mental
102
e emocionalmente, vivem/convivem socialmente. O mesmo tipo de
pensamento abrangente pode ser estendido para a compreensão de
diferentes tipos de organizações, incluindo a escola e as comunidades
virtuais de aprendizagem, já que algumas de suas características também
estão presentes nos fenômenos sociais.
3.12 O Paradigma Eco-Sistêmico
A Teoria Geral de Sistemas, tratada no item anterior, é uma prototeoria
(ciência ainda em estágio inicial) e metateoria (pois trata de objetos onto-
epistemologicamente observados), sendo, pois, a meu ver, bastante produtiva
quando se trata de variáveis envolvidas na gestão de escolas (em sentido
amplo: cursos de graduação, extensão, em faculdades ou universidades)
tecnológicas.
De fato, a TGS permite uma visão complexa e ampla da realidade, na
qual se movem e agem atores, comunidades, empresas, organizações
diversas, todos em interação contínua, acarretando mudanças mútuas e
múltiplas, ou seja, focaliza sistemas (e subsistemas) em interação em um dado
contexto (sistema-ambiente).
Porém entendo que, no caso específico do aluno (organismo humano)
de um curso tecnológico qualquer, levando em conta suas especificidades
biológicas, fisiológicas, psicológicas, históricas e sociais, que fazem dele um
“universo” único “em permanente construção”, o novo paradigma eco-
sistêmico, como vem sendo formulado por Moraes (1997, 2003, 2002a, 2002b),
com base nas teorias da TGS (Bunge, 1977, 1979 e 1980; Vieira, 1999, 2001 e
2003), da complexidade de Morin (1990, 1996, 1997, 1999 e 2001),
autopoiética (Maturana e Varela, 1997 e 2001) e da enação de Varela (1990 e
2003), e em alguns pontos da física quântica, é mais operacionalizável,
facilitando a otimização de currículos e didáticas a serem adotadas em uma
sociedade do conhecimento, ou como mais à frente pleiteio, em uma sociedade
aprendente.
Tal paradigma visa ampliar nossa visão, percepções e valores relativos a
103
uma prática educacional não mais fundada no instrucionismo (mera
transmissão de conteúdos a um organismo), mas na aprendizagem entendida
como processo não-linear que envolve a interação viva entre um organismo e
seu meio ambiente, realizada por meio de práticas capazes de neste
organismo provocar sucessivos desequilíbrios (desestabilizações), que possam
levá-lo a novas equilibrações, de modo a fazê-lo participar da construção de
seu próprio conhecimento.
3.12.1 Autopoiese e Enação
Um primeiro conceito a considerar é o de autopoiese. O neologismo vem
do grego auto (próprio) + poiesis (produção, criação), e foi cunhado pelos
biólogos Maturana e Varela (1997: 71):
máquinas autopoiéticas são máquinas homeostáticas. Porém, sua
peculiaridade não reside nisto, e sim na variável fundamental que mantém
constante. Uma máquina autopoiética é uma máquina organizada como
um sistema de processos de produção de componentes concatenados de
tal maneira que produzem componentes que: I) geram os processos
(relações) de produção que os produzem através de suas contínuas
interações e transformações, e II) constituem a máquina como uma
unidade no espaço físico.
Esta noção há muito ultrapassou o campo da biologia, sendo usada em
áreas tão diversas como a educação, a sociologia, administração, antropologia
etc.
O termo autopoiese (autoprodução) apareceu pela primeira vez em
1974, em um artigo publicado por Varela, Maturana e Uribe, para definir os
seres vivos como sistemas que produzem continuamente a si mesmos. Para
estes autores, sistemas são autopoiéticos porque recompõem continuamente
seus componentes, sendo, ao mesmo tempo, produtores e produtos.
Portanto, a autopoiese está no "centro da dinâmica constitutiva dos
seres vivos", seres simultaneamente autônomos e dependentes. O aparente
paradoxo não pode ser explicado por um pensamento linear e binário, para o
qual coisas, seres, denômenos se reduzem a pares de oposições. Este
104
pensamento procura analisar as partes separadas, desconsiderando as
relações dinâmicas entre elas.
Somente um pensamento sistêmico e complexo pode adequadamente
explicar o paradoxo autonomia-dependência dos sistemas vivos. Varela (1990
e 2003) propõe um tipo de reflexão aberta acerca dos fenômenos para cuja
interpretação concorrem o corpo e a mente. Trata-se do conceito de enação,
ou ação incorporada, que entende a cognição como um ato interpretativo que
dependente da mente e do corpo e, ainda, da emergência de estados globais,
que ocorrem a partir dos padrões sensório-motores corporais.
Para este autor, os seres humanos são estruturas internas e externas,
biológicas e fenomenológicas, e a corporeidade faz parte da experiência e
contexto cognitivo. A enação é uma ação encarnada que se situa nesse
contexto experiencial e corporal e se refere ao fenômeno da interpretação,
entendida como "fazer-emergir” da significação.
O termo enação é um neologismo criado por Varela (1990). Do espanhol
enacción e do inglês enaction, traduzido por Assmann (1996) como "fazer
emergir", relaciona-se ao conceito de cognição formulado por Varela, que
emerge da corporeidade, da ação e da experiência vivida, ligando ser-fazer-
conhecer.
11
Portanto, o conceito de cognição como enação surge da história de
acoplamentos estruturais entre o organismo e o meio, um “perturbando” o
outro, destas oscilações resultando emergências que tecem redes de
11
Conceituando a enação, Varela (1990: 89) indaga: “Questão 1: O que é a cognição?
Resposta: A acção produtiva: o historial da união estrutural que en-age, que faz-
emergir um mundo. Questão 2: Como funciona? Resposta: Por intermédio de uma
rede de elementos interconectados, capaz de sofrer alterações estruturais ao longo de
um historial não interrompido. Questão 3: Como saber se um sistema cognitivo
funciona de modo apropriado? Resposta: Quando ele se une a um mundo de
significados preexistente, em desenvolvimento contínuo (como é o caso dos
descendentes de todas as espécies), ou quando forma um mundo novo (como
acontece na história da evolução).”
105
conhecimentos interconectadas. Nesse sentido, a cognição passa a fazer parte
de um mundo em processo e em contínuo movimento.
O acoplamento estrutural é descrito como o mecanismo-chave que o
sistema nervoso utiliza para expandir o domínio de interações de um
organismo, mediante uma rede de neurônios (Maturana e Varela, 1997 e
2001). Raciocinando nesses termos, poder-se-ia dizer que o conhecimento
seria uma forma de interpretação que emerge da capacidade de compreensão
imersas num corpo biológico que vivencia experiências históricas e culturais.
Em outras palavras, em uma mente incorporada (corpo + mente como um
continuum).
3.12.2 Retomando o paradigma eco-sistêmico
Retomando os autores, Moraes (2004) afirma que se de um lado somos
determinados estruturalmente (pois os estímulos externos não podem nos
determinar), de outro, não somos predeterminados e, portanto, nossos
conhecimentos “emergem” no processo, são construídos no momento de sua
ocorrência, como resultantes da interação entre as estruturas do nosso sistema
nervoso e do nosso organismo, de modo que o estímulo externo só pode
acelerar mudanças, facilitadas por especificidades do nosso próprio organismo,
e não forjada pela intencionalidade de agentes externos.
Esta idéia refere-se ao conceito de clausura operacional, formulado por
Maturana e Varela (1997 e 2001). Apesar de o organismo receber estímulos do
meio externo (dados e informações), o modo de operar da máquina
autopoiética como rede fechada só permite modificações (entre as quais, o
conhecimento) dentro do sistema. Assim, como não há realidade fora do
observador, é o organismo que constrói e reconstrói continuamente sua própria
realidade, à sua imagem e semelhança. Assim, à luz do novo paradigma, o
processo de aprendizagem se desenrola na combinação complexa de variáveis
interagentes, analisada a partir de três diversas dimensões:
a) dimensão construtivista: o conhecimento é construído por um
processo contínuo de co-determinação física e mental em que se dá o
106
acoplamento estrutural entre um sujeito (organismo vivo) e um objeto na
presença operativa do meio ambiente, da interação destas variáveis
emergindo condutas, comportamentos, saberes e fazeres, processos
adaptativos, assimilativos, aprendentes; então, a aprendizagem, nesta
dimensão, implica mudança de conduta resultante da “dança recursiva do
organismo articulada com a dança estrutural do meio”;
b) dimensão interacionista: se qualquer ação física ou mental resulta da
interação entre o indivíduo (que interpreta o mundo à sua maneira) e seu
meio, envolvendo a corporeidade e a bidirecionalidade sujeito/objeto (pois
tanto o sujeito age sobre o objeto como sofre a ação deste), a capacidade
de conhecer se desenvolve à medida que o sujeito produz conhecimento,
no curso de um fenômeno necessariamente dialético, que implica
dialogicidade e produção compartilhada (dinâmica das relações);
c) dimensão social: a aquisição do conhecimento implica relações do
organismo com o meio e com outros indivíduos, em contínuo processo de
co-criação (criação coletiva) e diálogo com a realidade, consigo mesmo,
com os semelhantes, cultura e contexto.
A partir deste instrumental, a autora defende que processos
instrucionistas (ensino) não são possíveis, porque o organismo nada aprende
“de fora para dentro”, pois “somos dinamicamente determinados em nossas
estruturas” e, de acordo com as teorias autopoiética e enativa, não pode haver
transmissão de conhecimento do objeto para o sujeito sem a mediação do
organismo e do meio. Assim, a aprendizagem é um fenômeno interpretativo,
implicando a construção, desconstrução e reconstrução da realidade, não
sendo possível reproduzi-la (usando “modelos”) e/ou transmiti-la, por meio de
relações impositivas, que visem ao condicionamento (estímulo Æ resposta).
Cada qual, e mais ninguém, é o construtor do seu próprio caminho.
Moraes (2004) enumera algumas das características do novo paradigma
educacional eco-sistêmico, afirmando que não representamos a realidade, mas
sim a captamos e continuamente a reconstruímos nos limites do nosso
equipamento sensório-mental. Porém, como tal realidade não é precisa, mas
complexa e dinâmica, mera potencialidade ou possibilidade, o problema não é
ela em si – a realidade – mas a leitura (equivocada e parcial) que dela fazemos
por meio de métodos, instrumentos e pensamentos limitados, uma vez que, na
107
ânsia por compreendê-la, acabamos por fragmentá-la e quantificá-la, além do
fato de que, estando “dentro” dela, fica difícil “lê-la” e entendê-la em sua
totalidade.
Quanto ao instrucionismo, a autora, retomando Maturana e Varela,
afirma ser epistemologicamente insuficiente para desencadear ou explicar o
processo de conhecimento da realidade, pois não existe movimento de fora
para dentro do nosso cérebro, porque, visto que a aprendizagem é um
fenômeno interpretativo, pressupondo particular
construção/desconstrução/reconstrução da realidade, é impossível sua
reprodução, ou seja, biologicamente falando, é impossível ao organismo
submeter-se ao ambiente ou reproduzir seu destino histórico.
Aqui é pertinente recordar o conceito de ensinagem (Pimenta e
Anastasiou, 2002), para as quais o ensino e aprendizagem constituem unidade
dialética no processo, caracterizada pelo papel mediador do professor e pela
auto-atividade do aluno, em que o ensino existe para provocar a aprendizagem
mediante tarefas contínuas dos sujeitos do processo: professor e aluno. Para
tornar efetivo o processo de apropriação que supera a idéia de mero consumo
de informação por memorização, é necessário caminhar na direção do
apreender, superando um modelo centrado na transmissão de dados por um
professor, rumo a uma nova concepção de ensino e aprendizagem. Dizem as
autoras:
O paradigma tradicional, professor palestrante e aluno ouvinte, foi-nos
ensinado pela nossa vivência de alunos, sendo, portanto, o que sabemos
fazer, por experiência ou hábito, em contraposição a uma crescente
necessidade da construção de um paradigma atual, em que o
enfrentamento do conhecimento científico existente utilize um processo
diferenciado, no qual a construção e a parceria sejam elementos
fundamentais na relação (Pimenta e Anastasiou, 2002: 211-212).
O instrucionismo é inviável porque, como acrescenta Moraes (2004),
pelo conceito de auto-organização que rege os sistemas vivos, a aprendizagem
também envolve, em sua dinâmica profunda, processos de auto-organização e
reorganização mental e emocional, do que decorre que, na prática docente,
108
deve haver um generoso espaço para o aleatório, acaso, processos intuitivos e
criativos, e não apenas reprodutivos, repetitivos e adaptativos.
Ela acrescenta que a aprendizagem não é apenas mera
transmissão/acumulação de informações, mas resulta de mudanças estruturais
decorrentes de ações e interações provocadas por perturbações a superar, ou
seja, desafios que estimulem o organismo a agir/reorganizar-se, razão pela
qual tal processo evolui por meio de fluxos de trocas e análises/sínteses
progressivamente mais complexas.
Para ela, o hífen na expressão “ensino-aprendizagem” leva à ilusão de
processos encadeados, quando, na verdade, são de naturezas distintas,
envolvendo distintos atores, pelo que pode existir ensino sem aprendizagem e
vice-versa, ambos, todavia, sendo regidos pela co-determinação,
desencadeadora de potencialidades em aberto e imprevisíveis. Recorda a
autora que a ênfase no ensino nega a dimensão bio-psico-sociogênica
fundacional do processo de conhecer, que solicita didáticas inovadoras e
situações desafiadoras para o aprendiz.
Quanto à expressão mente incorporada (Varela), a autora lembra que a
morfogênese do conhecimento não ocorre só no cérebro, mas envolve todo o
corpo, inclusive a emoção, enquanto reconfiguração de uma aprendizagem
geradora de espaços operacionais de ação/reflexão, percepção, intuição etc.
Assim, para ela, considerar o aprendiz como sistema autopoiético implica
considerar seu corpo como fundamental no processo, e, portanto, foco central
das preocupações educacionais, unindo o enfoque mentalista ao da
corporeidade, levando em conta que circunstâncias peculiares a cada momento
da aprendizagem envolvem sentimentos, sensações e emoções datadas e
irrepetíveis.
3.13 A Sociedade Aprendente
Até aqui discorri sobre a sociedade do conhecimento, noção que
designa o atual espaço-tempo, por abranger várias das principais componentes
da nova sociedade em rede (Castells, 1999), notadamente as inter-relações
109
físicas, presenciais, e as realizadas entre cibernautas de todo mundo,
contribuindo, de um lado, para apagar as fronteiras entre o local/nacional e o
mundial/transnacional, globalizando crenças, procedimentos, idéias, obras e
desenhando a chamada inteligência coletiva (Lévy), que une cidadãos de todas
as raças, nações, etnias, na partilha de descobertas e conhecimentos,
facilitando saltos qualitativos (sociais, científicos, estéticos), instaurando uma
nova proto-ética (ciberética?) solidária e cooperativa ainda em andamento e
implodindo antigos dogmas, metanarrativas, sujeitos.
Enfim, trata-se de um tempo-espaço marcado pelo “efêmero coletivo”,
descentrado, desterritorializado, imprevisível, indeterminado.
Por sua vez, estas noções formuladas por Moraes coadunam-se com os
princípios básicos da corrente cognitivista denominada aprendizagem
significativa, que tem em Ausubel (1980) seu principal divulgador. A idéia
central desta teoria é a de que, para que ocorra a aprendizagem, é necessário
partir daquilo que o aluno já sabe, e, assim, os educadores deveriam criar
situações didáticas com a finalidade de descobrir tais conhecimentos, por
Ausubel designados prévios. Então, para Ausubel (1980), um conhecimento
novo se apóia sempre em um processo que ele denomina ancoragem.
Por essas razões aqui sucintamente enumeradas, entendo que, em um
mundo mutante, tudo é efêmero e precário. Em um cenário assim constituído, o
conhecimento seria apenas uma “ponte”, um caminho que nos impulsiona à
frente, ou, em termos mais simples, processo em aberto e em andamento.
Neste sentido, para Senge (1998), as organizações de agora deveriam
“aprender a aprender”, porque, quanto maior a distância entre o alto escalão e
os operários do “chão de fábrica”, menos haverá equipes coesas e
comprometidas com o aprendizado permanente.
3.13.1 Organizações aprendentes
Senge (1998: 40-45) enumera alguns pressupostos que deveriam
convergir para inovar “organizações que aprendem”:
110
a) pensamento sistêmico – quadro de referência conceitual, conjunto de
conhecimentos e instrumentais teóricos que conduzem à idéia de que
organizações não são a simples soma de departamentos estanques, mas
um sistema composto por subsistemas, os quais deveriam estar
continuamente conectados e em interação uns com os outros, pois essa
conectividade (um dos parâmetros sistêmicos) facilitaria aos colaboradores
adquirirem uma visão do todo e não somente da parte em que atuam;
b) aprendizagem em equipe – que se inicia pelo diálogo, desde que se
abandonem preconceitos e passe a se pensar em conjunto, pois equipes
(e não indivíduos) são a força de aprendizagem nas atuais organizações;
c) modelos mentais - pressupostos e crenças arraigados, generalizações
e/ou mesmo imagens influenciam a forma de ver o mundo e de agir;
devendo, pois, predominar as idéias de todos e não uma só visão, por
melhor que esta seja;
d) domínio pessoal – consiste em esclarecer e aprofundar a visão pessoal,
concentrando energias, desenvolvendo a paciência e aprimorando os
instrumentais para enxergar objetivamente a realidade.
Nota-se que este autor adota uma visão sistêmica capaz de permitir a
interação entre os departamentos (subsistemas) da organização, bem como
entre seus componentes humanos (subsistemas biopsicológicos dessa
organização).
Isso, de um ponto de vista sistêmico, serviria para otimizar as trocas
entre os subsistemas, destes com o sistema superior, e, finalmente, deste com
os demais sistemas e sistema-ambiente. É o aumento desta conectividade
(comunicação, troca) que faz com que o sistema permaneça, sobreviva, e
gradativamente se organize, adquirindo cada vez maior complexidade. Uma
organização cujos departamentos não se comunicam ou o fazem mal, não
permutam continuamente energia, informação e/ou matéria, não pode
prosperar.
Há, ao longo da história, muitos exemplos de organismos públicos ou
privados, que acabaram se extinguindo por não terem interagido, no nível
interno, com os seus subsistemas nem, no nível externo, com os demais
111
sistemas e o sistema-ambiente, perdendo, pois, a razão de ser.
É o que sucedeu a muitas empresas pontocom, por desconhecerem ou
ignorarem o fato de, como empresas virtuais e “quânticas”, estarem sujeitas à
hipersensibilidade das condições iniciais, que submete todo sistema não linear
ou longe do equilíbrio, deixando-o susceptível a mínimas perturbações ou
flutuações.
É também o que vem acontecendo com escolas que persistem em
empregar métodos de gestão, currículos, políticas e metodologias ortodoxos,
contrariando as tendências ditadas pelos novos paradigmas. Em âmbito
público, as organizações “sobrevivem” mesmo assim, à custa de pesados ônus
a seus usuários-contribuintes (note-se, por exemplo, muitos dos sistemas
públicos de saúde no Brasil). Todavia, na iniciativa privada, há cada vez menos
espaço para erros, sendo o fracasso aí, no mesmo ritmo frenético das
mudanças que se sucedem, cada vez mais rápido e letal. Organizações que se
isolam, não permutam energia, matéria e/ou informação com os demais
(sub)sistemas “morrem” sem deixar vestígios.
3.13.2 Conceito de Sociedade Aprendente
Em uma sociedade aprendente, como advoga Eco (1993), no que
respeita à aprendizagem e ao conhecimento, assiste-se a uma transformação
sem precedentes na escola, tanto em sua ecologia cognitiva interna como
externa, ambas interferindo profundamente na sua gestão, currículos, didáticas
e políticas. Eco afirma que as novas tecnologias não irão substituir a figura do
professor, nem anular o esforço disciplinado do estudo, mas nos auxiliarão a
compreender e aplicar o pensamento complexo, interativo e transversal,
desenvolvendo a sensibilidade solidária, ética, inteligência relacional e
flexibilidade.
Assmann (1999), referindo-se à expressão sociedade da informação,
afirma que esta é discutível por enfatizar apenas um dos aspectos da
sociedade, qual seja o da presença cada vez maior das novas tecnologias da
informação e da comunicação, não servindo, porém, para caracterizar a
112
sociedade em seus aspectos relacionais mais importantes. Ele acrescenta que
do conceito de sociedade da informação, passou-se ao de Knowledge Society
(sociedade do conhecimento) e Learning Society (sociedade aprendente), que,
em francês alguns traduzem por Societé Cognitive, razão pela qual ele acredita
haver, em português, pertinência de se usar a expressão sociedade
aprendente.
Senge (1998) lembra que, também nas teorias de gerenciamento
empresarial, é cada vez mais usado o conceito de learning organisations
(organizações aprendentes).
Entretanto, a razão que me leva a preferir a expressão sociedade
aprendente a outras, entre as quais, sociedade da informação e sociedade do
conhecimento (estas duas as mais usadas por pensadores de todas as áreas),
é o caráter sígnico-sistêmico da primeira, bem mais abrangente que o das
demais, por contemplar os três pólos sígnicos do esquema comunicacional
contemporâneo (referente Æ signo Æ interpretante), além de se fundar em uma
visão sistêmica (e eco-sistêmica) da realidade, uma vez que, em uma
sociedade aprendente, todos os atores e organizações envolvidas nas
interações presenciais ou virtuais são sistemas abertos em algum grau, que
entre si permutam energia e/ou informação e/ou matéria, estando sujeitos à
hipersensibilidade das condições iniciais (efeito-borboleta).
Como nos lembra Flückiger (1995), reiterando o que aqui já afirmei, o
caminho que leva da informação ao conhecimento é um processo relacional
essencialmente humano, e não mera operação tecnológica, sendo fundamental
estabelecer a distinção entre dados, informação e conhecimento. Dados não
conduzem automaticamente à informação, e, da mesma forma, a informação
não leva necessariamente ao conhecimento, pois tem de ser, antes,
classificada, analisada, estudada e processada a fim de gerar conhecimento.
Até aqui usei a expressão sociedade do conhecimento. No entanto, após
ter apresentado os princípios básicos da TGS e do paradigma eco-sistêmico,
se pretendo incorporá-los à essa linha de raciocínio, tenho de refinar o suporte
teórico. Nesse sentido, empregando algum rigor metodológico, noto haver certa
113
inadequação na expressão até aqui utilizada.
Com efeito, a despeito de sua evidente elegância teórico-prática, para os
específicos propósitos deste estudo, a expressão sociedade do conhecimento
não seria a mais adequada porque: a) conota certa “estaticidade”, passando a
impressão de que conhecimento é algo pronto, acabado e, portanto, a-histórico
e transmissível; b) não enfatiza o processo, mas o produto; embora o
conhecimento seja precioso, o que me interessa mais é o como é obtido, o
caminho, e não o que resulta do processo.
Assim, raciocinando em termos mais rigorosos, à luz dos postulados
básicos da TGS e do novo paradigma eco-sistêmico, o que importa mais não é
o conhecimento em si mesmo. Lógico que ele é muito importante, mas como
meio e não fim, e assim, deve ser tão só o pressuposto inicial a guiar o
processo de aquisição de um saber, este em parte aplicado, em parte usado
para gerar novos conhecimentos, aumentando gradativa e cumulativamente, o
repertório do intérprete.
Também a experiência e as técnicas não podem ser consideradas algo
estático, pois, igualmente, são em parte aplicáveis e em parte usadas para
enriquecer os instrumentais teórico-científicos que propiciem novos saltos
qualitativos, essa, em resumo, uma boa práxis onto-epistemológica aplicável à
educação tecnológica, práxis, diga-se, também em processo.
Então, se conhecimento é produto (resultado) e me interessa mais o
processo, parece-me sensato admitir como mais precisa a expressão
sociedade aprendente, que me parece mais dinâmica, complexa, processual,
sistêmica e em aberto.
Com efeito, se em uma sociedade aprendente admite-se a práxis entre
técnica e tecnologia, produto e processo, senso comum e ciência, experiência
e conhecimento, prática e teoria como uma de suas características
fundamentais, estaremos próximos de viver em uma comunidade na qual
exercitaríamos nosso pouco de mestre e de aprendiz, partilhando saberes e
fazeres, somando e trocando experiências.
114
De fato, não é a dicotomia entre coisas e termos, nem isolamento
(sistema isolado morre), nem compartimentação e reducionismos que nos
desvelam caminhos e processos. Contudo, falar em sociedade aprendente hoje
pode parecer utopia, algo fantasioso e etéreo.
Entretanto, em educação, temos de ser otimistas, pois na velocidade em
que as mudanças ocorrem, o futuro vem se tornando cada vez mais próximo e
presente. Se isso não bastar, lembro que utopia é apenas uma potência à
espera de um espaço e de um tempo para se tornar ato.
3.14 A Teoria da Complexidade
Neste trabalho, em diversas ocasiões falei em complexidade,
notadamente como um dos parâmetros sistêmicos ou, mais que isso, como a
instância metacognitiva para a qual convergem e colaboram todos os demais
parâmetros. Contudo, não é tarefa fácil conceituar precisamente complexidade.
Para começar, a complexidade é inerente à espécie humana. O homem
tem por volta de trinta bilhões de células, controladas e reproduzidas de
conformidade com um sistema genético que se foi adequando ao longo de
milhões de anos. Seu cérebro mede cerca de 1500 cm
2
e dispõe de
aproximadamente vinte bilhões de neurônios, com o poder de interagir entre si,
formando um número extraordinário de sinapses, que, por sua vez, vão se
entrelaçando em extensas redes neurais.
Sendo o ser humano produto da natureza, há no próprio sistema-
ambiente traços desta complexidade. A natureza é caótica e refratária à
indefectibilidade dos processos prescritos pela racionalidade humana, não
havendo modos de se estabelecer ou calcular sua perfeita regularidade (ou
melhor, admitir haver nela somente regularidades, como acreditavam Laplace,
Copérnico, Galileu, Comte, Descartes, Newton e tantos outros), razão por que
as sucessivas descobertas, sobretudo na física, na biologia e na química, vêm
impondo a necessidade de se adotar uma nova ontologia e epistemologia que
contemplem, em todas as áreas do conhecimento, o predomínio do acaso, do
provável e do incerto.
115
No âmbito educacional, a ausência de instrumentais sofisticados,
complexos e sistêmicos não permite sequer admitir a complexidade,
contribuindo para aumentar gradativamente a defasagem entre gestão,
metodologias, currículos e didáticas e as mutações que se verificam no
sistema-ambiente. Em outras palavras, a falta de uma visada sistêmica na
educação inviabiliza o uso de instrumentais metodológico-didáticos eficientes.
Prova disso é a desorientação geral em que mergulha a prática escolar, na
qual proliferam variados modismos que se vêm e que se vão sem mudar o
essencial, qual seja a ênfase no ensino e na multidisciplinaridade (abrem-se
agora “frentes” dentro de uma mesma disciplina). Em outras palavras, a escola
vem – há tempos e sem sucesso – tentando domar o acaso, decompor o real
em partes e simplificá-lo para tentar compreendê-lo, adotando procedimentos e
métodos cartesianos para observar sistemas complexos em interação.
Logicamente isso constitui um erro grave, cujas desastrosas conseqüências
são de conhecimento público.
Morin (1996:18-20) já havia alertado para o risco de separar o
inseparável. Para ele, a divisão (compartimentada e intransponível) do
conhecimento é a causa primeira do não-conhecimento, uma vez que conhecer
é um processo global, total, indissolúvel, estabelecido num continuum:
E eis que o conhecimento do conhecimento se transforma bruscamente
num problema enorme e estilhaçado: apercebemo-nos de que esta divisão
do conhecimento em disciplinas, que permite o desenvolvimento dos
conhecimentos, é uma organização que torna impossível o conhecimento
do conhecimento. Por quê? Porque este campo está fragmentado em
campos de conhecimento não comunicantes. Se considerarem o cérebro,
ele é objeto das neurociências, que são um campo especializado da
biologia, mas também reenvia para a teoria da evolução, já que o cérebro
e resultado de uma longa evolução. Mas o espírito releva das ciências
humanas, que por sua vez estão separadas em disciplinas e escolas: as
ciências psicológicas, a psicologia cognitiva, a psicanálise etc. (...) que, em
setores universitários muito afastados, ignoram-se umas às outras. A
sociologia da ciência não comunica com a história das idéias, que não
comunica com a teoria do conhecimento, ou muito mal. A própria
epistemologia pertence a outro domínio (...) Entre todos estes fragmentos
separados há uma zona enorme de desconhecimento e damo-nos conta
116
de que o progresso dos conhecimentos constitui ao mesmo tempo um
grande progresso do desconhecimento. (...) Torna-se, pois, necessário
operar uma nova articulação do saber, assim como um esforço de
circulação do saber e um esforço de reflexão fundamental. Empresa
enorme, impossível, e é por isso que as pessoas desistem de a fazer. Por
mim, estou convencido de que e necessário levá-la por diante, com a
consciência dos nossos limites e das nossas carências.
Outros confundem complexidade com complicação. Todavia, o mesmo
Morin (1996:14) afirma que complexidade é uma instância que tenta “agarrar o
inconcebível e o silêncio”. Corretamente, contudo, terceiros, prossegue o autor,
buscam entendê-la enfrentando a contradição e a questão da relação
isomórfica entre a parte e o todo, concluindo que a “parte” não é apenas
parcela do “todo”, mas que o todo está igualmente em cada uma de suas
partes, como em um holograma.
Por essa razão é que, segundo Morin (1996:18), a busca da
complexidade exige a participação de múltiplos atores na constituição do
processo autoprodutor do conhecimento científico, pois o espírito humano
mobilizado neste processo tem de considerar todos os elementos do
conhecimento científico, mergulhando suas raízes na cultura, na sociedade e
no modo de organizar as idéias, confrontando teorias e suas contrapartidas no
real.
Portanto, de uma ótica sistêmica, o equívoco de uma grande parte de
escolas e educadores é tratar problemas complexos e sistêmicos como se
fossem simples e estanques, desconectados das demais variáveis. Ora,
quando Morin fala em múltiplos atores e em relações, ele quer se referir
justamente ao fato de sistemas complexos precisarem de ferramentas
igualmente complexas, capazes de manter e avaliar, a todo momento, a
eficácia do sistema, considerando simultaneamente todas os seus subsistemas
e parâmetros.
Assim, metodologias, currículos e didáticas sistêmicos devem ser
necessariamente parte de um processo vivo, dinâmico e em contínua
reformulação de rumos (autocorretivo), do qual participem atores em constante
117
interação produtiva com o ambiente, fenômenos, seres, objetos, obras, teorias,
fatos. Enfim, saberes, fazeres, dados, informações têm de ser criativa e
criticamente explorados em prol de um conhecimento total e abrangente.
Nesse sentido, Morin, Ciurana e Motta (2003: 69) solicitam evitar o
pensamento simplificante e reducionista, como aquele “que parte de um ponto
inicial (elemento) para chegar a um ponto final (princípio); o pensamento
complexo é um pensamento rotativo, espiral.” Note-se, nesta alusão à
linearidade reducionista, os elos nem sempre visíveis entre pesquisa-ação e
pensamento complexo (ambos sendo aqui metaforizados na forma de uma
“espiral”).
3.15 A Pesquisa-Ação
Aqui, como parte do referencial filosófico-metodológico central a este
trabalho, apresento resumidamente as bases da PA, que retomarei, com
maiores detalhes, ao longo do capítulo 5, reservado à metodologia.
3.15.1 Origens
Conforme Latorre, Rincón e Arnal (2003), as origens da pesquisa-ação,
sob a denominação de Action Research ou Investigación-Acción, remontam à
obra de Dewey (1929), Sources of The Science Education, na qual ele expõe
as idéias da pedagogia progressiva, o caráter democrático da educação, a
aprendizagem em processo e o envolvimento dos professores nos projetos de
pesquisa.
Diversos autores reconhecem que a idéia central de pesquisa-ação foi
desenvolvida na Inglaterra, nos anos 40, por Lewin, que propôs uma espiral
auto-reflexiva formada por ciclos sucessivos de planejamento, ação,
observação e reflexão. Com este tipo de pesquisa, Lewin pretendia investigar
as relações sociais e conseguir mudanças nas atitudes e comportamentos dos
indivíduos, uma vez que considerava que toda pesquisa era pesquisa-ação, por
meio da qual todo avanço teórico e mudança social poder-se-ia obter
simultaneamente. Tais idéias foram aplicadas na área educacional por Corey
118
em 1949.
Conforme Hodgkinson (1957), a pesquisa-ação é o resultado direto de
uma educação progressiva, da qual, depois de os professores e alunos
buscarem formas de resolver seus problemas em conjunto, o passo seguinte
foi adotarem e sistematizarem os métodos que haviam empregado com seus
alunos.
Na América Latina, na década de 50, iniciou-se um movimento crítico da
sociologia que propunha a revisão dos modelos tradicionais de análise das
sociedades do chamado Terceiro Mundo, estimulando o desenvolvimento, nas
décadas seguintes, de metodologias alternativas de pesquisa, que
apresentavam uma clara preocupação de intervenção na vida social.
No Brasil, no início dos anos 60, começa a ganhar corpo um intenso
movimento de valorização da cultura popular, que visava o processo de
participação do povo na criação da cultura. O trabalho de educação popular de
Paulo Freire questionou a tradicional relação sujeito-objeto no processo de
pesquisa, propondo uma relação “dialógica” entre os pólos. Porém, com o caos
político gerado pelo golpe militar de 1964, dissolvem-se os movimentos de
educação popular e os projetos de pesquisa-ação em andamento.
Nos anos 60 e 70, o trabalho de Freire (1999) alimentou experiências
educativas em vários países da América Latina, África, Europa e Estados
Unidos. Com as obras Educação como prática da liberdade e Pedagogia do
Oprimido, Freire inaugura o caráter político-emancipatório com que a pesquisa-
ação em educação passa a ser utilizada em vários países.
Nesse sentido, a experiência chilena – desencadeada na década de 60,
parcialmente idealizada e coordenada por Freire (proposta metodológica de
descoberta do “universo temático” e “temas geradores”) – foi pioneira, por
propor um aprofundamento do processo educativo dos setores envolvidos na
questão, tendo em vista ações modificadoras da realidade.
Nos anos 70, verifica-se uma revitalização da pesquisa-ação em vários
países da Europa como uma reação às teorias técnicas sobre currículo e
119
ensino que estavam ficando crescentemente separadas da prática, sendo
Lawrence Stenhouse seu principal defensor.
No final dos anos 60 e 70, houve um grande salto epistemológico em
direção a metodologias qualitativas nas pesquisas em educação nos Estados
Unidos e Reino Unido.
No Brasil, a revitalização da pesquisa-ação ocorre apenas no final da
década de 70 e na década de 80, com o trabalho do sociólogo colombiano Fals
Borda (1985), como uma experiência significativa de pesquisa-ação
desenvolvida no período.
Este pensador propôs uma revisão radical no panorama da produção
científica, questionando o paradigma vigente nas ciências sociais e
estabelecendo uma distinção entre ciência dominante e ciência popular e, ao
estudar a situação histórica e social de grupos marginalizados, realizou uma
tentativa de vincular a ação investigativa às ações sociais e políticas.
Na pesquisa em educação, existe uma diversidade de vertentes
(enfoques/tendências) sobre o caráter da pesquisa-ação.
A vertente anglo-saxônica baseia-se na proposta de Stenhouse (1983 e
1996) e Elliot (1990 e 1993), que apresenta caráter diagnóstico. Centrou-se
inicialmente na imagem do professor e depois se ampliou e se diversificou,
envolvendo currículo e condições institucionais.
Nesta vertente aparece ainda Hopkins (1992), professor de Educação na
Universidade de Nottingham, para quem os professores são entendidos como
elemento-chave da mudança educativa, pois têm importância vital e ativa neste
processo, sobretudo em se tratando de uma mudança complexa, sistêmica e
permanente.
A vertente australiana baseia-se nos trabalhos de Carr e Kemmis (1988)
e ainda MacTaggart (1988), com contribuições da teoria crítica da Escola de
Frankfurt (Habermas), Marx e Freire, situando os saberes docentes, a
formação de professores e a prática pedagógica em um contexto de práxis
emancipatória, defendendo a relação dialética entre teoria e prática e
120
vinculando o projeto de PA a um projeto emancipador de sociedade, que
estaria orientando a direção e o sentido em que tal prática deve ser melhorada.
Por fim, fundamentada em todas as demais, a vertente espanhola tem
vários representantes (Contreras, 1994; Blández, 1996; Rodríguez, Javier e
Jiménez, 1996), além de Latorre (2003), a meu ver, o autor que melhor
sintetizou e sistematizou os postulados metodológicos da pesquisa-ação e cuja
obra servirá de base para o presente estudo.
Passo, agora, a discorrer sobre as principais características da
pesquisa-ação, realçando suas singularidades que dela fazem uma
metodologia não cartesiana, aberta e própria para aplicação em sistemas
complexos não lineares.
3.15.2 Principais características da pesquisa-ação
A metodologia escolhida para estruturar este trabalho tem como principal
característica o modelo de Elliot (1993), baseado, sobretudo, nos modelos de
Kemmis (1984) e Ebbut (1983), que propõe uma estrutura de ciclos,
configurando, na minha opinião, uma espiral evolutiva.
A partir de uma idéia inicial, seguimos para uma etapa de
reconhecimento na qual devem ser coletados os dados que possibilitem definir
com clareza o trabalho a ser realizado, o conjunto de variáveis intervenientes,
os atores e instituições envolvidos, com razoável grau de detalhamento,
contribuindo assim para uma tomada de consciência da realidade na qual a
pesquisa irá se desenvolver. Com isto é possível planejar e estabelecer passos
que serão implementados, buscando resolver a questão expressa na idéia
inicial.
O conceito amplo da PA poderia ser descrito como: planejar, agir,
observar e refletir. Cada uma destas etapas, de uma forma ou outra, está
prevista em todos os modelos citados.
No modelo de ciclos da pesquisa-ação (Elliott apud Latorre, 2003), uma
vez estabelecido o processo de reconhecimento que possibilita o planejamento,
121
iniciam-se as etapas nas quais as propostas são implementadas para poderem
ser observadas.
A observação ou acompanhamento é feito por um conjunto de
instrumentos que se irão estabelecendo ao longo do processo. O diário de
bordo, as atas das reuniões com os diferentes atores envolvidos, as
entrevistas, as memórias de reuniões ou atividades, os acompanhamentos das
fases dos trabalhos, são alguns dos elementos que podem ser utilizados.
Estas observações são a base da etapa de reflexão que levará a novos
ciclos. A cada passo implementado seguem-se observações e reflexões. A
análise dos resultados, positivos, negativos, ou mesmo neutros de cada passo
direciona ou modifica os passos seguintes. Em cada uma dessas etapas pode-
se ter que voltar à fase do reconhecimento para a obtenção de novos dados ou
informações, ou mesmo, voltar à idéia inicial para reformulações ou ajustes.
Este conjunto: idéia inicial – reconhecimento – planejamento –
implementação – observação – reflexão constitui o ciclo desta espiral evolutiva.
O envolvimento, sobretudo docente, é fundamental para o desenvolvimento de
uma pesquisa-ação na área educacional, na qual a principal meta seja
melhorar a prática educativa.
As propostas inovadoras que visem o aprimoramento do processo
educativo, sobretudo os seus aspectos de aprendizagem nos quais o controle,
diferentemente do ensino, é consideravelmente menor, depende, para sua
implementação, de contínuos ajustes ao longo do seu desenvolvimento, no
qual observar os resultados e refletir sobre eles para reordenar os novos
passos seguem os princípios da pesquisa-ação.
Suas principais conseqüências são: a construção da teoria (reflexão) por
meio da prática (ação), a compreensão de que o processo de mudança
depende da vontade dos envolvidos e que as atividades colaborativas que os
professores empregam com os alunos podem perfeitamente ser utilizadas
também pelos docentes. Assim, o processo da pesquisa-ação pode ser
descrito como uma espiral progressiva, cíclica-recursiva, de natureza flexível,
possibilitando contínuos feedbaks em cada uma de suas fases ou ciclos
122
(Latorre, 2003).
A pesquisa-ação surge, nesse sentido, como reação ao modelo de
pesquisa que reduz a ciência a um conjunto de conhecimentos passíveis de
comprovação e objetivos, gerados por métodos rigorosa e supostamente
neutros. Muitas vezes esteve associada ou tomada como equivalente à
pesquisa participante, pesquisa popular, pesquisa militante, entre outras,
introduzindo a convivência e a participação como dois elementos importantes
no processo de investigação. Portanto, desde sua origem, é apresentada
como uma crítica ao trabalho intelectual tradicional e à metodologia ortodoxa
de pesquisa em ciências sociais. Inúmeras foram as tendências de pesquisa-
ação desenvolvidas nas últimas décadas, todas elas visando à melhoria da
prática docente.
4 CONTEXTUALIZAÇÃO
Depois do referencial teórico, passo agora a tratar da educação
tecnológica no Brasil, sua conceituação, os cursos de graduação tecnológica
em seu atual formato, histórico e legislação da educação profissional até 1997,
ano em que o Decreto-Lei 2.208, de 17 de abril (revogado em 2004 pelo
Decreto nº 5.154, de 23 de julho) estabeleceu os três níveis da educação
profissional, entre os quais, o tecnológico, como seu nível superior. A partir
deste marco divisor, cuido mais propriamente da educação tecnológica e sua
legislação e as principais características dos cursos tecnológicos.
4.1 Educação Tecnológica
Como examinei no decorrer do trabalho até aqui, muito embora cada
pensador, em sua respectiva área do conhecimento, realce e nomeie certos
aspectos da sociedade atual (o que não me parece uma boa forma de
descrever a realidade múltipla, sistêmica e complexa de agora), parece haver,
contudo, uma concordância geral de que algo vem mudando veloz e
radicalmente.
Assim, na área educacional, à medida que a ciência e a tecnologia criam
artefatos físicos e virtuais cada vez mais sofisticadas e presentes no cotidiano,
a escola se vê obrigada a utilizar tais tecnologias no ambiente escolar e na
aprendizagem, a fim de aprimorar os processos cognitivos e a percepção de
mundo, tanto de alunos como de professores, para se manter atualizada ou,
sistemicamente dizendo, permanecer, não entrar em colapso.
Nesse contexto, um primeiro enfoque de educação tecnológica, talvez o
mais comum e abordado na literatura especializada, é o da educação com a
ajuda das novas tecnologias da informação e da comunicação. Inserindo-se a
expressão “educação tecnológica” (assim, com aspas) em um dos muitos
motores de busca da Internet, notar-se-á que 90% dos resultados apontam
para este aspecto de metodologias educacionais suportadas, ampliadas e
mediadas pelas novas tecnologias, entre as quais, computadores, softwares
124
educativos, datashow, Power Point e Internet.
Mas a despeito de esta corrente, ao menos em nível discursivo,
defender a ênfase na aprendizagem, na prática, é infelizmente comum incorrer
no equívoco de manter o antigo paradigma instrucionista, tentando apenas
ornamentar o velho com novas roupagens. Dito de outro modo, inúmeras
escolas, apesar de apregoarem como diferencial qualitativo o uso das novas
tecnologias, continuam praticando o ensino tradicional, no qual um professor
transmite conteúdos aos alunos e os “avalia” em suas provas. Por isso, quase
sempre, as novas tecnologias têm sido utilizadas apenas como forma de tornar
aquela “velha” aula mais atrativa, trocando os antigos recursos do “giz, lousa e
saliva” pelo vídeo e datashow, por exemplo, mas conservando intacto o modelo
instrucionista.
Todavia, há resistências quanto à possibilidade de se otimizar a
construção do conhecimento com o suporte das novas tecnologias.
Clark (2001), por exemplo, advoga que o simples uso da tecnologia no
processo educativo não otimiza a construção do conhecimento, uma vez que a
tecnologia aí se torna apenas veículo de informações. Kozma (apud Clark,
2001) acrescenta que a tecnologia apenas não dinamiza a aprendizagem, mas
o modo como os atores dela se apropriam e com ela interagem, pois as
potencialidades de uma dada tecnologia, se bem exploradas no processo de
construção cognitiva, influi na maneira como os alunos processam
informações. Para ele, quando diversas tecnologias são comparadas e
utilizadas em determinadas atividades, podem propiciar aprendizagens
diferenciadas.
Não sou contrário ao uso da tecnologia como otimizadora do processo
de aprendizagem, desde que aí se pressuponha a ativa interação do aluno com
vistas a construir seu próprio conhecimento, sob a supervisão de um professor-
mediador. Nesse caso, bem administrada, a tecnologia atua como um dos
componentes de um processo ativo-construtivo, no qual o aluno gerencia
estrategicamente os recursos disponíveis para criar e gerir seus próprios
conhecimentos, mediante escolha e interpretação de informações a partir dos
125
conhecimentos de que já se apropriou (aprendizagem significativa de Ausubel).
A fonte principal de informação continua a ser (e cada vez mais
intensamente) a Internet, uma vez que navegar no ciberespaço permite aos
alunos participar na busca do conhecimento, definindo suas escolhas e
necessidades de aprendizagem. No ciberespaço estes atores buscam dados e
informações e compartilham suas descobertas, o que gera um rico ambiente
interativo facilitador e motivador da aprendizagem, ou seja, a Internet torna-se
a mais valiosa repositária de dados, hipertextos e hipermídia, entre outros,
sobrepujando, com larga vantagem, a escola na tarefa de transmitir dados.
Doravante cabe ao professor a ensinagem, desenvolvendo, motivando e
avaliando o processo de aprendizagem sob sua supervisão, otimizando os
dados e traduzindo signos para utilizá-los no processo de ensinagem.
Nesse sentido, quando se fala em educação facilitada pelo uso das
novas tecnologias, lembro que não somente a Internet é relevante, mas o
vídeo, o cinema, a televisão, o computador e os softwares educativos, enfim,
uma gama enorme de dispositivos tecnológicos que, bem utilizados, além de
tornar as atividades educativas mais prazerosas e desafiadoras, tendem a
ampliar o repertório do aluno.
Assim, com a necessária ressalva de que este primeiro enfoque de
educação tecnológica é harmônico e complementar ao segundo (formação de
tecnólogos), visto que a educação, de conformidade com uma visão sistêmica,
deve estar sintonizada com o mundo e, portanto, em sincronia com as novas
tecnologias e demais sistemas materiais e conceituais, passo agora a refinar o
foco da presente abordagem, que trata dos novos cursos de graduação
tecnológica, cuja finalidade é formar tecnólogos.
12
Grinspun (1997), em artigo, discorre sobre estes dois principais
enfoques de educação tecnológica, o primeiro dos quais ela conceitua
retomando a idéia central de Bastos (1997), para quem:
126
a educação no mundo de hoje tende a ser tecnológica, o que, por sua vez,
vai exigir o entendimento e interpretação de tecnologias. Como as
tecnologias são complexas e práticas ao mesmo tempo, elas estão a exigir
uma nova formação do homem que remeta à reflexão e compreensão do
meio social em que ele se circunscreve. Esta relação - educação e
tecnologia - está presente em quase todos os estudos que têm se
dedicado a analisar o contexto educacional atual, vislumbrando
perspectivas para um novo tempo marcado por avanços acelerados.
A autora lembra que a LDBEN recomenda o uso das tecnologias:
A Lei nº. 9394/96 das Diretrizes e Bases da Educação Nacional traz
referências explícitas e implícitas sobre tecnologia, como o domínio dos
princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna
(art. 35); o incentivo ao trabalho de pesquisa e investigação científica,
visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia (art. 43); a
determinação de uma educação profissional, integrada às diferentes
formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia (art. 39).
Em seguida, citando Rodrigues (1996: 1), Grinspun (1997) observa que:
a educação tecnológica se refere mais precisamente ao tipo de educação
para os que irão aprender a fazer a tecnologia [diferenciando] as
expressões educação tecnológica e educação para a tecnologia. A
primeira voltada para os que irão aprender a fazer a tecnologia e a
segunda, para aqueles que irão lidar com a realidade de uma sociedade
tecnologizada.
Então, ela acrescenta que a educação tecnológica deve incorporar estes
dois principais aspectos, ou seja, ser tanto um meio de formar profissionais
para lidar com as variadas formas de tecnologia, como também uma forma de
apropriação e utilização das tecnologias como meio de aprendizagem dizendo
respeito:
ou à formação do indivíduo para viver na era tecnológica, de uma forma
mais crítica e mais humana, ou à aquisição de conhecimentos necessários
12
Este segundo enfoque de educação tecnológica, talvez por ser muito recente, tem
sido abordado apenas em umas poucas obras, artigos e ensaios.
127
à formação profissional (tanto uma formação geral como específica), assim
como às questões mais contextuais da tecnologia, envolvendo tanto a
invenção como a inovação tecnológica.
A conceituação do Ministério da Educação e Cultura (1994) adota um
enfoque abrangente de educação tecnológica, que compreende a formação de
profissionais para todos os níveis de ensino:
Educação tecnológica é a vertente da Educação voltada para a formação
de profissionais em todos os níveis de ensino e para todos os setores da
economia, aptos ao ingresso imediato no mercado de trabalho (...) [assim,
ela] assume um papel que ultrapassa as fronteiras legais das normas e
procedimentos a que está sujeita, como vertente do sistema educativo,
indo até outros campos legais que cobrem setores da produção, da
Ciência e da Tecnologia, da capacitação de mão-de-obra, das relações de
trabalho e outros, exigidos pelos avanços tecnológicos, sociais e
econômicos que tem a ver com o desenvolvimento (Brasil, MEC/SETEC,
1994).
Em seu artigo, Grinspun (1997) cita Perrota (1995: 199), autora que
também defende um conceito de educação tecnológica mais abrangente nos
termos em que a entendo, ou seja, como forma de:
educação como instrumento concreto de conhecimento científico e
tecnológico e a compreensão das condições de produção deste
conhecimento, forma, em vez de consumidores acríticos da ciência e da
tecnologia, cidadãos capazes do exercício da reflexão sobre a prática
social e individual cotidiana da vida e do trabalho, articulada com as
relações sociais mais amplas (1995: 199).
E na parte final de seu documento, Grinspun (1997) completa:
O importante na Educação Tecnológica é o trabalho de formação da
cidadania, propiciando ao cidadão os requisitos básicos para viver numa
sociedade em transformação, com novos impactos tecnológicos, com
novos instrumentos nas produções e relações sociais. Em suma, a
Educação Tecnológica está baseada na concepção de uma educação
transformadora, progressista, que vai além de uma proposta de ensino na
escola para aprofundar-se junto com o projeto político pedagógico dessa
instituição que, por certo, nos dias atuais deve integrar as diferentes
128
categorias do saber, fazer, ou do saber-fazer para uma grande categoria
do saber-ser. Para que alcancemos estas etapas precisamos estar atentos
e acreditar numa educação crítica que dê lugar tanto aos fundamentos
básicos teóricos como à prática social que ela caracteriza.
O documento Educação Média e Tecnológica: fundamentos, diretrizes e
linhas de ação (MEC/SETEC, 1994: 25-28) conceitua educação tecnológica
como a vertente educacional que se caracteriza por formar profissionais:
aptos ao ingresso imediato no mercado de trabalho apresentando como
fundamento constante e estreita interação com os setores agrícola,
industrial e de serviços em todos os seus aspectos, em termos de
formação, extensão e pesquisa tecnológica, com o objetivo de se constituir
em um dos principais fatores de desenvolvimento tecnológico do País,
especialmente de âmbito regional (...) [mantendo] uma base de ensino
teórico-prático, que busca constantemente envolver-se com os avanços
das ciências e das técnicas, estabelecendo um círculo completo e
dinâmico de participação efetiva entre a geração, transferência e aplicação
de conhecimentos, vinculando-a, desta forma, ao mundo do trabalho e da
produção (...) buscando, todavia, inseri-la num contexto maior das
transformações tecnológicas que estão ocorrendo no mundo e na
sociedade.
Assim, continua o documento:
enquanto processo educativo, exige uma série de mudanças de
comportamentos metodológicos, de abordagens técnicas e conceituais,
assim como de atitudes, uso e costumes culturais que irão constituir o
ambiente da educação tecnológica, visando ao enriquecimento da
formação do indivíduo e sua integração à sua sociedade. Face às
demandas dos setores produtivos e às necessidades de atualização do
exercício profissional, provocadas pelos avanços e transformações
tecnológicas, a educação tecnológica adquire contornos diferenciados que
abrangem, também, modalidades não-formais de ensino. Assim, surgem
experiências múltiplas de aperfeiçoamento, com vistas a preparar e
aprimorar o trabalhador para executar tarefas agregadas de ocupações.
Nesse contexto, convém esclarecer que a seleção, utilização e absorção
de tecnologia num país exigem um nível de familiaridade tecnológica, da
mesma ordem de grandeza, da necessidade de gerá-la.
129
Segundo o referido documento (MEC/SETEC, 1994), a educação
tecnológica apresenta, entre outras, as seguintes características:
a) formação teórica-prática, buscando agregar os conhecimentos aos
limites e às direções das aplicações, para formar um todo de
concepção vinculada à execução;
b) orientação para o mundo do trabalho, no que ele possui de
essencial ao saber, ao fazer e ao como fazer, mas também no que
ocorre de transformador, em nível de organização de processos e
de produtos;
c) integração às necessidades da sociedade, nos seus aspectos
culturais e regionais e não apenas às flutuações do mercado de
trabalho;
d) articulação com os setores produtivos, no que eles demonstram de
integração social, aplicação de técnicas, renovação dos processos
de trabalho e de produção, e não simplesmente de atrelamento a
tarefas e funções isoladas tendentes ao imediatismo do ganho e do
lucro;
e) observação especial com relação às transformações que estão
ocorrendo nos campos da ciência e tecnologia, o que exigirá uma
aproximação constante dos núcleos e dos centros de pesquisa e
desenvolvimento, particularmente no campo tecnológico;
f) capacitação permanente do trabalhador, detentor de um saber,
agregado na escola e aplicado nas práticas das experiências
profissionais e, por conseguinte, um elemento renovador do saber
tecnológico;
g) formação de docentes especializados, com base pedagógica, para
ministrar disciplinas profissionalizantes;
130
h) educação continuada, que se desdobra nas práticas profissionais
que se alteram em função das mudanças que acontecem nas
aplicações tecnológicas, nos processos de trabalho e de produção;
i) flexibilidade de organização institucional e modelos técnico-
pedagógicos, explorando soluções alternativas e experiências
inovadoras.
Embora não se faça referência explícita a uma visão sistêmica, nota-se
que as linhas-mestras que diferenciam a educação tecnológica nos moldes
como a adoto estão aí presentes, a saber:
a) articulação sistêmica entre formação teórica e prática (práxica); entre os
sistemas educativo e produtivo; saber (ciência), fazer (técnica e tecnologia)
e como fazer (método científico); do sistema educativo com as mudanças
na organização de processos e produtos, necessidades da sociedade
quanto a aspectos culturais e regionais; inovações referentes à aplicação
de técnicas, processos de trabalho e de produção;
b) abandono de antigos paradigmas que restringiam a educação
tecnológica a “tarefas e funções isoladas tendentes ao imediatismo do
ganho e do lucro” (ou seja, ao instrucionismo e ao pragmatismo
mercadológico);
c) educação permanente do trabalhador, por meio da articulação entre
saber e práticas das experiências profissionais;
d) formação de docentes especializados, com base pedagógica, para
ministrar disciplinas profissionalizantes;
e) educação continuada, que continua nas práticas profissionais que se
alteram em função das mudanças que acontecem nas aplicações
tecnológicas, processos de trabalho, produção e flexibilidade de
organização institucional e de modelos técnico-pedagógicos, explorando
soluções alternativas e experiências inovadoras.
131
Estes pontos, contemplados nas citações acima e, a meu ver,
admiravelmente sintetizados no documento MEC/SETEC (1994), constituem as
idéias nucleares da visão (eco-)sistêmica de educação tecnológica aqui
adotada.
4.2 A Educação Profissional no Brasil
O homem educa-se e se desenvolve vivendo, interagindo, vivenciando
experiências. O trabalho, entendido como processo de produção de bens de
qualquer espécie, representa a principal força de expressão do
desenvolvimento humano.
Isso pode conduzir à idéia de que homem, educação e trabalho,
originalmente, estão intimamente interligados num continuum natural e social,
complementar e harmônico, sem que, todavia, cada um dos elos perca sua
especificidade.
No Brasil, entretanto, esta harmonia entre educação e trabalho vem
demorando a ser alcançada, em parte talvez devido ao caráter dicotômico que,
desde o descobrimento, dividiu a população entre senhores e escravos,
prolongando-se durante as fases seguintes, Brasil-Colônia e Brasil Império
(colonizadores e colonizados), estendendo-se praticamente por todo o período
republicano e Estado Novo (elites e classes populares).
Citando como exemplos os recentes o Decreto-Lei nº 2.208/97
(revogado pelo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004) e a Portaria do MEC
nº 646/97, que modificam o funcionamento do ensino técnico, verifica-se não
serem atitudes isoladas na prática brasileira de se legislar sobre a formação
profissional.
Na história do ensino industrial do Brasil, os decretos e portarias,
baixados pelo poder central, são uma constante. A começar pela lei que dava
início à formação de artífices, no princípio do século, quando os discentes
recebiam instrução para atuar como artesãos nas oficinas de trabalho da
época.
132
Esta incômoda situação que permeia a educação brasileira em geral,
mas mais acentuadamente a educação profissional, apesar de seguidas
mudanças paliativas ou mais profundas, teima em persistir até os dias atuais,
causando conseqüências nocivas, entre as quais a de estigmatizar os cursos
de graduação tecnológica como mais curtos e/ou “aligeirados”, ou ainda, o que
é pior, contemplar atividades manuais e técnicas.
4.2.1 Breve Histórico da Educação Profissional no Brasil
Do descobrimento do Brasil até a década de 40 - portanto, durante mais
de quatro séculos - a educação profissionalizante, ensino industrial ou ensino
tecnológico (a denominação mais atual) praticamente não existiram, a não ser
em ocasiões esporádicas como, por exemplo, em pleno período colonial,
quando o Marquês de Pombal tentou implementar mudanças no incipiente e
ineficiente ensino praticado no País.
Para resumir a situação, durante o Império e a República, como afirma
Chagas (1978), devido em parte ao desejo de imitação das elites brasileiras e à
influência europeizante do ensino ministrado no País geralmente por
estrangeiros, sempre predominou o gosto pelas Humanidades, Filosofia, Artes
e Teologia, disciplinas que constituíam, segundo a ótica daquela época, o
verdadeiro saber elaborado (que o autor denomina escolástico-cartesiano), em
detrimento de outros julgados menores, entre os quais a educação profissional.
Ribeiro (1991: 28) esclarece isso, afirmando que:
O privilegiamento do trabalho intelectual em detrimento do manual
afastava os alunos dos assuntos e problemas relativos à realidade
imediata, distinguia-os da maioria da população que era escrava e iletrada
e alimentava a idéia de que o mundo civilizado estava “lá fora” e servia de
modelo.
Esta autora (1991: 25) defende que a transmissão do saber-fazer se
dava exclusivamente de modo informal e assistemático, pois “a educação
profissional (trabalho manual), sempre muito elementar diante das técnicas
rudimentares de trabalho, era conseguida através do convívio, no ambiente de
trabalho, quer de índios, negros ou mestiços que formavam a maioria da
133
população colonial.”
Assim, segundo Chagas (1978: 17), durante todo o Império,
praticamente nada mudou nem quanto ao ensino secundário e superior, nem,
tampouco, quanto a um possível ensino profissionalizante. Este, com efeito,
padecia do mesmo mal daquele, ou seja, uma persistente distinção entre
escravos e senhores fazia com que as tentativas de democratizar e melhorar o
ensino ou ministrá-lo mais de conformidade com as especificidades do País
fossem seguidamente minadas. No fundo permanecia, de um lado, a
improvisação, a falta de preparo dos professores, e de outro, as mesmas
tendências europeizantes (Humanidades, Ciências, Letras, Filosofia etc.). Se
algo mudava, era por pouco tempo, logo afluía o velho ensino com força
redobrada (Chagas, 1978: 21).
No final da Primeira República, ao menos no Colégio Dom Pedro II,
constatou-se uma maior procura pelo ensino técnico, “que até então em rigor
não existia” (Chagas, 1978: 312). Esta mesma situação se arrastou até a
República, resistindo a velha tendência predominante no Império, que consistia
em desvalorizar o ensino profissionalizante. A partir daí, os ensinos industrial,
comercial, técnico ou tecnológico, conforme a ênfase dada em cada período,
entraram definitivamente no contexto educacional brasileiro.
Somente em 1909, com o Decreto Presidencial nº 7.566, tem-se o início
da formação de artífices, alunos preparados para desempenhar as funções de
artesãos nas oficinas da época. Criaram-se em todas as capitais dos Estados
as “Escolas de Aprendizes e Artífices”, com o objetivo de "habilitar os filhos dos
desfavorecidos da fortuna com indispensável preparo técnico e intelectual".
Em 1930, com a criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública,
pelo Decreto nº 19.402, de 14 de novembro, Getúlio Vargas deu às escolas
nova orientação. Criada a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, em 1931,
nesse mesmo ano, o ensino secundário é reorganizado, para tornar-se
eminentemente educativo.
O Decreto de nº 20.158/31 altera o ensino comercial, organizando-o nos
níveis médio e superior. Outro, de 1932, consolida definitivamente as barreiras
134
entre os diferentes tipos de ensino médio, desarticulando o médio profissional
do secundário e do superior (Xavier, 1990). Em 1937, com o Ministro Gustavo
Capanema, o Ministério passa a chamar-se Ministério de Educação e Saúde, e
as antigas escolas de aprendizes passam a se denominar Liceus Industriais.
Durante o governo de Getúlio Vargas, frente à hesitação dos órgãos
educacionais da época, alguns educadores descontentes lançam o famoso
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 32, preconizando o
estabelecimento de um sistema completo, com uma estrutura orgânica,
conforme as necessidades brasileiras, as novas diretrizes econômicas e sociais
da civilização da época (Ribeiro, 1991: 98).
Nota-se em tal documento uma preocupação com o ensino
profissionalizante, que, ao longo do tempo, permanecera à margem do sistema
educacional, destinado aos desvalidos e classes populares. Em 1937,
Capanema elaborou as “leis orgânicas do ensino”, entre 1942 e 1946. Na
década de 40 à de 70, houve o crescimento e a consolidação da indústria
brasileira e a conseqüente elevação da demanda de mão-de-obra. O Brasil já
contava com uma população urbana e uma classe operária volumosa, com
expressão política, organização sindical e que apresentava conquistas
trabalhistas. Nesse período, entrou em funcionamento o sistema de formação
profissional vinculado às federações e confederações empresariais (Senai e
Senac).
Voltando à década de 40, decretos-leis regulamentarram o ensino
secundário, industrial; comercial, agrícola, primário e normal. A Lei Orgânica do
Ensino Industrial o definia como de primeiro ciclo, classificando cursos,
prescrevendo direitos e deveres de alunos e docentes e bases para elaboração
e execução dos programas de ensino (Ribeiro, 1991: 99-101).
O ensino técnico profissional foi reorganizado em dois ciclos, um
fundamental e outro técnico. Além disso existia, no mesmo ciclo, o curso de
mestria de dois anos e o de formação de professores de um ano, além de
cursos artesanais e os de aprendizagem. Nota-se aí uma preocupação do
Governo em engajar as indústrias na qualificação do pessoal, obrigando-as a
135
colaborar com a sociedade na educação de seus membros, tendo em vista a
incompetência de o Estado alocar recursos para isso.
As características da época exigiam uma redefinição da política de
importação de pessoal técnico qualificado, como vinha acontecendo. A guerra
dificultava a exportação de mão-de-obra para o Brasil, além de não existir uma
política adequada de formação de recursos humanos para a indústria, que
vinha recorrendo à importação de técnicos. Havia dificuldades de importar
produtos industrializados, e o Estado não satisfazia às necessidades do
consumo interno para substituir as importações e não podia expandir o setor
industrial, e com isso absorver mão-de-obra qualificada, e nem importar
pessoal. Daí implantar-se nas indústrias o treinamento de pessoal (Romanelli,
1991: 154-155).
O Decreto-Lei nº 4.127/42 fixa as bases do Ensino Industrial da Rede
Federal, diferenciando escolas técnicas das industriais. Nas capitais, os liceus
são transformados em escolas técnicas. Tentou-se articular os vários ramos de
ensino médio. O Decreto-Lei nº 4.244/42 modificou os ciclos de estudos. O
ginasial passou a durar quatro anos e o colegial, que dava acesso ao ensino
superior, de três anos. Mas ainda faltava flexibilidade entre os vários ramos do
profissional e entre esse e o secundário (Romanelli, 1991: 156).
Na gestão Kubistchek, a Lei nº 3.552/59 reformou o ensino industrial
brasileiro, elevando as escolas técnicas em todo o País à categoria de
autarquias, com autonomia didática, financeira, administrativa e de gestão.
De 1950 a 1970, o governo, premido pelo crescimento da indústria e da
demanda por mão-de-obra, passa a praticar uma educação profissionalizante
com ênfase no treinamento, preparando operários segundo uma visão
fordista/taylorista. Escolas Técnicas e Industriais da Rede Federal passam a
pertencer ao Ministério da Educação, criado em 1953.
Nessa época, o Brasil já apresentava população urbana e classe
operária volumosas, que contavam com conquistas trabalhistas, expressão
política e organização sindical. Surgem, nos centros urbanos em acelerado
crescimento, pressões político-ideológicas no sentido de se criar um sistema
136
público de formação profissional, adequado às demandas sociais e exigências
de um mercado que precisava de mão-de-obra qualificada. Segundo Miranda
(1966: 81), o ginásio industrial é implantado em todas as escolas técnicas em
1961, mas, nesse mesmo ano, a Lei nº 4.024, LDB, veio alterar a estrutura e os
currículos das escolas técnicas, acabando com os “aprendizes” e “artífices” e
criando a figura do “auxiliar-técnico” (com ginásio) e a do “técnico” (com
formação equivalente ao científico, hoje Ensino Médio).
A denominação Escolas Técnicas Federais veio com a Lei nº 4.759/65.
Com a reorganização do MEC em 1970 os ensinos industrial, comercial e
agrícola são unificados.
A Lei nº 5.692/71, que regulamentou a de nº 4.024/61, LDB, amplia as
atribuições do ensino de segundo grau, reformulando objetivos, estabelecendo
obrigatoriedade de profissionalização neste grau e extinguindo o Ginásio
Industrial. Daí em diante, as escolas técnicas passam a oferecer somente
cursos técnicos em nível de segundo grau, legitimando o perfil político-
educacional da Ditadura Militar. A tal ponto ela modificou o ensino da época,
que passou a ser conhecida como a nova LDB, quando, na verdade, era
apenas regulamento. A profissionalização generalizada no 2º grau resultava da
preocupação característica da "sociedade nova" do início do século
("preparação para o trabalho"). Mas, na verdade, o problema subjacente à
promulgação desta lei, insustentável na década de 70 e exigindo solução
imediata, era conter o grande fluxo de alunos rumo à universidade.
O Parecer 45/72, do CFE, importantíssimo, foi arquitetado por um dos
mais eminentes pensadores brasileiros, Valnir Chagas, tendo sido aprovado
em 1972. Tratava da qualificação para o trabalho no ensino de 2º grau e do
mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional, a fim de melhor prover a
educação da infância e da adolescência. Esta norma deixava bem claros três
pontos: 1) o desenvolvimento das potencialidades do educando como forma de
auto-realização; 2) a qualificação para o trabalho; 3) o preparo para o exercício
consciente da cidadania. Nela observa-se uma séria preocupação em mudar a
mentalidade que ainda teimava em separar saber-pensar e saber-fazer,
dicotomia que servia, à perfeição, para continuar marcando duas classes, a
137
elite e os operários, como já vinha sucedendo desde o descobrimento do
Brasil.
É preciso lembrar que a Lei nº 5692/71 não era de diretrizes e bases,
mas regulamento da Lei 4024/61, esta a LDB. Porém, apesar de tal
regulamento ter contribuído para aclarar pontos obscuros da LDB/1961, tudo
isso resultou, dali a um tempo, prejuízo para a educação profissional, que não
conseguia encontrar diretrizes seguras para funcionar em todos os níveis. Por
essa razão, o Parecer 45/72 é um marco na educação profissionalizante
porque espelha a lucidez de seu idealizador, Valnir Chagas, que sempre lutou
para que a educação fosse total, integrando saberes e competências, teoria e
prática, pensar e fazer, tentando acabar com a dicotomia que permanecia
desde a “descoberta” do País.
Mas apesar da boa intenção dos signatários e de Chagas, os mínimos
sugeridos no Parecer (quadros com sugestão de cursos e horas-aula em
anexo), que serviam apenas como sugestões tendentes a manter um núcleo
comum em todo o País a fim de padronizar o ensino e flexibilizar o currículo
para atender às diferenças individuais dos alunos, surtiram efeito contrário ao
desejado, virando norma rígida e intransigente: aqueles que não observassem
as “grades” ou não conseguiam aprovar seu curso, ou passavam por maus
bocados até a aprovação.
A profissionalização obrigatória no 2º grau, imposta pela Lei nº 5.692,
enfrentou dificuldades intransponíveis, tendo sido revogada pela Lei nº 7.044,
de 18 de outubro de 1982, passando a ser opcional. Essa ruptura no eixo
principal da então LDB provocou uma elevação das responsabilidades das
escolas técnicas, que passaram a ocupar um papel central no campo da
formação tecnológica do País.
Em 1988, a Constituição Federal e a nova LDBEN, Lei nº 9.394/96,
haviam introduzido, de forma oportuna a meu ver, reformas substanciais na
educação profissional.
A Constituição, no artigo 6º, prescreve que todos terão direito à
educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, devendo o
138
poder Público prover a proteção à maternidade e à infância e assistência aos
desamparados, e no Título VII, CAPÍTULO III - DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA
E DO DESPORTO, Seção I - DA EDUCAÇÃO, artigos 205 e 214, em
consonância com as transformações por que o mundo passa, estabelecem
relações entre a educação, ética, cidadania e qualificação para o trabalho.
Em 1990 é criada, no âmbito do MEC, a Secretaria Nacional de
Educação Tecnológica (SENETE), com a missão de propor políticas e
diretrizes para o desenvolvimento do ensino de formação profissional nos
níveis de pré-qualificação, técnico e tecnológico, sinalizando a todo País ser
“uma instância privilegiada para o encaminhamento das questões relativas à
Educação técnica”, conforme manifestação do MEC (Ministério da Educação e
Cultura). Em 1992, a SENETE passa a se chamar Secretaria de Educação
Média e Tecnológica (SETEC), com o objetivo de promover o desenvolvimento
e a melhoria do ensino médio em todo o País.
A partir de 1996, um conjunto seqüencial de leis educacionais alterou
profundamente a forma de funcionamento do ensino técnico no país, a
começar pela LDBEN/96 e pelo Decreto Presidencial nº 2.208/97, que
regulamentou os artigos 36, 39 a 42 da LDB (este decreto foi depois revogado
pelo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004).
O Decreto-Lei 2.208/97 articulou a Educação Profissional com a
Educação Básica, compreendendo os níveis: a) básico; b) técnico e c)
tecnológico. A partir desta norma, a educação tecnológica passou a abranger
os cursos de graduação, conferindo aos concluintes todas as prerrogativas de
uma graduação.
Significativa mudança ocorre em relação aos cursos técnicos, uma das
modalidades de ensino de 2º grau estabelecida pela Lei 5692/71, que passam
a ser ofertados em separado da Educação Básica. A concomitância, ou seja,
freqüência ao Ensino Médio e à Educação Profissional de nível técnico
implicava a matrícula conjunta em dois cursos e conferia, portanto, certificado
de conclusão do Ensino Médio e diploma de conclusão do curso de Educação
139
Profissional de nível técnico. A dificuldade de oferecer os dois cursos ao
mesmo tempo e compatibilizar as duas exigências horárias, associada a novas
formas de estrutura curricular, fez com que muitas escolas técnicas não
conseguissem atender às expectativas de seus alunos, gerando, então,
informações desencontradas que anunciavam o fim dos cursos técnicos de
nível médio, o que, definitivamente, não era verdade.
Outra modalidade mais recente são os cursos tecnológicos, de nível
superior, focados em atividades diretamente relacionadas ao mercado de
trabalho, mais específicos, e que representam uma parcela altamente
significativa na formação universitária no mundo globalizado. Embora sua
instituição tenha ocorrido em 1994 (Lei 8948/94), sua regulamentação é
posterior à nova LDB, sendo que, inicialmente, os CEFETs – Centros Federais
de Educação Tecnológica – foram reestruturados. A iniciativa privada, por meio
dos CETs – Centros de Educação Tecnológica (denominação depois
modificada), passam a oferecer estes cursos com a finalidade de atender às
exigências do mundo globalizado. O artigo 36 da LDBEN procura adequar os
currículos à nova realidade:
O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste
Capítulo e as seguintes diretrizes: I - destacará a educação tecnológica
básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o
processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua
portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e
exercício da cidadania; II - adotará metodologias de ensino e de avaliação
que estimulem a iniciativa dos estudantes; III - será incluída uma língua
estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela
comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das
disponibilidades da instituição.
No § 1º a atenção se volta aos conteúdos, metodologias e formas de
avaliação que seriam organizados de forma a que ao final do ensino médio o
educando demonstrasse: I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos
que presidem a produção moderna; II - conhecimento das formas
contemporâneas de linguagem; III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e
140
de Sociologia necessários ao exercício da cidadania.
O § 2º visava facilitar o acesso a profissões técnicas, e no § 3º a lei
admitia que os cursos do ensino médio tinham equivalência legal e habilitavam
ao prosseguimento de estudos.
O § 4º garante que “a preparação geral para o trabalho e,
facultativamente, a habilitação profissional” poderiam ser desenvolvidas nos
próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições
especializadas em educação profissional.
Voltando ao Decreto 2.208, de 17 de abril de 1997, penso que foi de
fundamental importância para a educação profissional e para os cursos
tecnológicos, que representavam o nível superior daquela.
Apesar de revogado sete anos depois pelo Decreto nº 5.154/04, na
época, o Decreto 2.208/97 representou um avanço em matéria de educação
profissional, porque estabeleceu os níveis da educação profissional, entre os
quais o nível tecnológico, que propiciou a implantação de cursos tecnológicos
em sua nova configuração.
Além disso, permitia uma organização curricular própria e o
aproveitamento de disciplinas de caráter profissionalizante cursadas no ensino
médio regular em cursos voltados à educação profissional, abrindo caminho à
flexibilidade e à possibilidade de organização curricular em módulos, com
saídas intermediárias. Seu caráter sistêmico é claramente enfatizado ao
prescrever a necessidade de criarem-se “mecanismos institucionais
permanentes para fomentar a articulação entre escolas, trabalhadores e
empresários, ou seja, para que os setores educacionais e produtivos atuem
organicamente no sentido de definir, estabelecer e rever as competências
necessárias às diferentes áreas profissionais” (Berger Filho, 1999). Esta norma
dividiu a educação profissional em três níveis:
a) Básico, modalidade de educação profissional não-formal, de duração
variável oferecida a estudantes e trabalhadores com qualquer grau de
escolaridade, a fim de qualificá-los, requalificá-los e profissionalizá-los;
141
b) Técnico, a ser oferecido a alunos matriculados ou egressos do Ensino
Médio, podendo ser oferecido de forma concomitante ou seqüencial, sendo
permitido o aproveitamento de até 25% do total da carga horária mínima
do Nível Médio, das disciplinas profissionalizantes nele cursadas;
c) Nível Tecnológico, a ser oferecido em nível superior na área
tecnológica para alunos egressos do ensino médio e técnico, por meio de
processo seletivo.
4.3 Os Cursos Tecnológicos – Legislação e Características
As questões ligadas às atuais mudanças no mundo do trabalho
envolvem aspectos fundamentais, como o impacto das inovações tecnológicas
no processo produtivo e as conseqüências sobre as demandas quanto ao uso
da força de trabalho que, na esfera educacional, exigem, em contrapartida,
adequação das normas e das escolas às novas exigências da pós-
modernidade. Neste contexto, pretendo abordar um pouco da história e
principais características dos novos cursos de graduação tecnológica
implantados pela Lei 9394/96.
Lembro que a educação tecnológica não é nova no Brasil (recente é sua
atual configuração). Nos países desenvolvidos este modelo já tem significativa
tradição, sendo uma das modalidades educacionais mais adotadas.
Porém, no Brasil, a desejada harmonia entre educação e trabalho
demora a ser alcançada, talvez devido ao caráter dicotômico que, desde o
descobrimento, dividiu a população em duas classes, a dos senhores e a dos
escravos, à primeira reservando o ensino das Humanidades (saber pensar) e à
segunda, o treinamento nas “artes e ofícios” (saber-fazer), este considerado
atividade menor. Tal dicotomia atravessou todas as fases da história, e, em
menor grau, persiste até hoje.
Outra face da mesma dicotomia, igualmente equivocada, consiste em
pensar a educação superior desvinculada do mundo do trabalho. Assim, alguns
cursos superiores mais tradicionais, como Direito, Medicina e Engenharia, entre
outros, são considerados “acadêmicos”, quando, na verdade, têm por objetivo
142
preparar seus alunos para o mundo do trabalho. Ou seja, após o nível médio,
todos os cursos são profissionalizantes.
No Brasil, o ensino superior chega com os jesuítas, no século XVI,
sendo depois revitalizado com a vinda da família real. Dom João VI cria a
Academia da Marinha (1808) e a Academia Real Militar (1810) e também
hospitais militares da Bahia e do Rio de Janeiro como escolas técnicas, a fim
de “criar interesses pelos problemas econômicos, imprimir à cultura um novo
espírito, melhorar as condições econômicas da sociedade, e quebrar os
quadros a que se habituara, de letrados, bacharéis e eruditos” (Azevedo, 1996:
552). Contudo, esta divisão entre eruditos e trabalhadores persistiu e vem
resistindo.
A Lei Federal nº 4024/61admitia cursos ou escolas experimentais, com
currículos, métodos e períodos escolares próprios, e a 5.540/68 os permitia em
áreas profissionais que não precisavam de bacharéis, daí surgindo os primeiros
centros de educação tecnológica no Brasil, cujos cursos, mais ágeis, tinham o
objetivo de atender a demandas da indústria, visto o forte desenvolvimento
tecnológico exigir profissionais especializados em atividades específicas.
O Parecer CFE nº 60/63 autorizou a criação de cursos de engenharia de
operação, considerados nova modalidade dos cursos de engenharia. Porém a
sobrevida desses cursos, cuja habilitação era intermediária entre o técnico de
nível médio e o engenheiro, foi curta por várias razões, e a maioria desses
profissionais buscou complementar estudos para se tornarem engenheiros
plenos, resolvendo o impasse criado pelos órgãos de fiscalização do exercício
profissional.
Em São Paulo, em 1968, no ápice dos debates em torno da reforma
universitária, inúmeras manifestações estudantis reivindicavam reformas na
área educacional criticando abertamente o alheamento da universidade em
relação à realidade brasileira. Então, o governo do Estado criou um grupo de
trabalho para estudar a viabilidade da oferta de cursos superiores mais ágeis
naquele Estado.
A possibilidade de implantação de faculdades e de cursos de tecnologia
143
estava implicitamente prevista nos artigos 18 e 23 da Lei Federal nº 5.540/68,
que permitiam a criação de cursos profissionais com duração e modalidades
diferentes, para atender a realidades diversas do mercado de trabalho. Nesse
sentido, o Decreto Lei nº 547/69 autoriza o funcionamento de tais cursos, entre
os quais o de engenharia de operação ofertado nas Escolas Técnicas Federais.
Várias escolas técnicas federais de Minas Gerais, Paraná e Rio de
Janeiro implantaram cursos de engenharia de operação. Ainda em 1969, um
decreto do governo de São Paulo criou o Centro Estadual de Educação
Tecnológica de São Paulo, com o objetivo de promover cursos superiores de
tecnologia. Esta instituição que, em 1973, recebeu a denominação de Centro
Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETEPS – vem-se
constituindo há muitos anos no mais importante pólo formador de tecnólogos
no Estado de São Paulo.
Em 1970, o Parecer CEE/SP nº 50/70, do CEE de São Paulo, autoriza a
instalação e funcionamento dos primeiros cursos de tecnologia do Centro
Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo, ressaltando que:
o tecnólogo virá preencher a lacuna geralmente existente entre o
engenheiro e a mão-de-obra especializada (...) deverá saber resolver
problemas específicos e de aplicação imediata ligados à vida industrial (..)
[vindo] a ser uma espécie de ligação do engenheiro e do cientista com o
trabalhador especializado (...) [e estando] muito mais interessado na
aplicação prática da teoria e princípios, do que no desenvolvimento dos
mesmos.
Na mesma época, o CFE, no Parecer nº 278/70 prescrevia que tais
cursos não deveriam ser caracterizados simplesmente como “de curta duração,
stricto sensu”, mas sim como “curso de duração média”, inserindo-se mais
propriamente no caput do Artigo 23 e não no Parágrafo Único do mesmo artigo,
o que evidencia com clareza que o que caracteriza os cursos superiores de
tecnologia não é sua duração, mas o perfil profissional de conclusão.
O Parecer CFE nº 4434/76, acatando proposta de uma comissão de
especialistas da DAU/MEC, extingue os cursos de engenharia de operação,
criando o curso de engenharia industrial como nova habilitação, distinguindo
144
com clareza dois perfis de profissionais de nível superior: “os engenheiros,
com funções de concepção e de ligação” e os “tecnólogos, com funções de
execução e de supervisão.”
As questões relativas aos cursos superiores de tecnologia, em particular,
e dos cursos mais ágeis, de maneira geral, foram muito discutidas no início da
década de 70, principalmente a partir da promulgação da Lei Federal nº
5.692/71 que, alterando a Lei Federal nº 4.024/61, instituiu a profissionalização
obrigatória no nível de ensino de 2º grau, hoje ensino médio.
O Projeto nº 19 do Plano Setorial de Educação e Cultura para o período
de 1972/1974 previa incentivo especial para os cursos de nível superior de
curta duração, com o objetivo de responder aos anseios de significativa parcela
da juventude brasileira em busca de ajustar-se às novas exigências
decorrentes do desenvolvimento tecnológico do País naquele momento
especial do século XX.
Um exame mais detido da realidade do mercado de trabalho no início da
década de 70 demonstrava que os profissionais qualificados em cursos de
longa duração eram freqüentemente subutilizados, ocupando funções que
poderiam ser exercidas por profissionais submetidos a uma formação mais
prática e rápida. Daí o fato de ter havido, na época, um grande estímulo à
realização de cursos técnicos de nível médio (do então 2º grau) e de nível
superior. Estes deram origem aos atuais cursos superiores de tecnologia. A
denominação das disciplinas curriculares, mesmo com conteúdo equivalente ao
de um curso superior tradicional, deveria ser diferente. Tudo deveria ser feito
para que o curso de tecnologia fosse mostrado como algo especial e terminal,
que permitiria ao egresso imediata inserção no mercado de trabalho e não no
mundo acadêmico.
Com o desenvolvimento desse Projeto 19, do 1º Plano Setorial de
Educação e Cultura (1972/1974), os cursos de tecnologia passaram a receber
atenção especial por parte do MEC. Este passou a supervisionar sua
implantação em diferentes áreas de atuação e localidades. Assim, foram
implantados, no período de 1973/75, a maioria em universidades e instituições
145
federais, 28 novos cursos superiores de tecnologia.
A Resolução CONFEA nº 218/73 discriminou as atividades das
diferentes modalidades profissionais das áreas de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia, estabelecendo competências e atribuições específicas ao técnico
de nível superior ou tecnólogo. Com todas as críticas que posteriormente lhes
foram feitas, o citado documento representou o primeiro reconhecimento
formal, pelo mercado de trabalho, dos cursos de tecnologia e dos tecnólogos
por eles qualificados.
O 7º Seminário de Assuntos Universitários, promovido pelo Conselho
Federal de Educação em maio de 1974, concluiu que os cursos de graduação
em tecnologia, que outorgavam a seus egressos o diploma de tecnólogo,
deveriam ter currículo próprio, definido e terminal, visto corresponderem às
necessidades não satisfeitas pelos cursos tradicionais de graduação plena.
Além disso, o Projeto Setorial nº 15, do 2º Plano Setorial de Educação e
Cultura (1975/79), dando continuidade ao proposto pelo Projeto anterior,
incentivou as carreiras profissionais decorrentes de cursos de curta duração ou
similares.
Com o advento do Projeto 15, do 2º Plano Setorial de Educação e
Cultura (1975/79) houve um empenho maior do MEC não apenas no que se
refere à criação e implantação de novos cursos superiores de tecnologia, mas,
principalmente, no que diz respeito ao incentivo à criação de melhores
condições de funcionamento dos cursos em questão, recomendando às
instituições buscarem estreitar a aproximação com o mundo empresarial,
realizando rigorosa pesquisa de mercado de trabalho e implantando cursos
apenas em áreas profissionais demandadas pelas empresas, com número de
vagas fixado de acordo com as condições existentes no estabelecimento de
ensino e capacidade de absorção dos formandos pelo mercado de trabalho.
Recomendou ainda que fossem diminuídas as vagas e/ou desativados os
cursos quando houvesse saturação de profissionais no mercado regional,
aconselhando as instituições a buscar professores, laboratoristas e instrutores
das disciplinas profissionalizantes, de preferência, entre os profissionais das
próprias empresas.
146
Porém, na maioria das vezes, estas recomendações não foram acatadas
com a devida seriedade, o que acabou gerando a oferta de cursos superiores
de tecnologia sem observância dos requisitos mínimos exigidos para
funcionarem com a qualidade desejável. Assim, para disciplinar a oferta, o
Conselho Federal de Educação, por meio da Resolução nº 17/77, passou a
exigir, para a implantação de novos cursos, a demonstração de existir mercado
de trabalho para os formandos, bem como o traçado do perfil profissiográfico
do formando para o atendimento das necessidades do mercado de trabalho e a
estrutura curricular de acordo com o perfil profissiográfico apresentado, além
das indicação do corpo docente e respectivas qualificações técnicas para a
docência.
Em 1975, por um ato incoerente do então Conselho Federal de
Educação, contrariando o fato de os cursos de tecnologia primarem justamente
por não ter currículo mínimo a fim de melhor atender às necessidades do
mundo do trabalho, foi aprovada a Resolução CFE nº 55/76, estabelecendo um
currículo mínimo para os cursos superiores de tecnologia em processamento
de dados, o que acabou prejudicando a evolução desse curso em um setor
altamente cambiante e pleno de inovações tecnológicas. Felizmente esses
currículos mínimos já foram totalmente superados pela atual LDBEN e não há
como nem por que restaurá-los.
A Resolução CFE nº 12/80, dispondo sobre a nomenclatura dos cursos
superiores de tecnologia nas áreas da engenharia, ciências agrárias e ciências
da saúde, determinou que tais cursos passassem a “ser denominados cursos
superiores de tecnologia, aprovados com base nos artigos 18 e 23 da lei
5540/68” e que “o profissional formado receberá a denominação de tecnólogo”.
O Decreto Federal nº 94664/87 dispôs sobre o cargo de tecnólogo,
caracterizado na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sob o código
CBO nº 0.029.90, com a seguinte descrição: “estudar, planejar, projetar,
especificar e executar projetos específicos da área de atuação”.
Em 1988, o Decreto Federal nº 97.333, de 22 de dezembro, autorizou a
criação do primeiro curso superior de tecnologia em hotelaria, ofertado pelo
147
SENAC de São Paulo, na Capital, e no Hotel-Escola SENAC de Águas de São
Pedro, e, a partir daí, outros se seguiram, do próprio SENAC, SENAI e de
instituições públicas e privadas de educação profissional em todo o País.
A Lei Federal nº 8948/94 instituiu o Sistema Nacional de Educação
Tecnológica, transformando em centros federais de educação tecnológica as
antigas escolas técnicas.
O Decreto nº 2.406, de 27 de novembro de 1997, que regulamentou a
Lei nº 8.948, de 8 de dezembro de 1994, em seu artigo 1º, prescreve que os
Centros de Educação Tecnológica são “instituições especializadas de
educação profissional, prevista no artigo 40 da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, e no artigo 2º do Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997.
O artigo 3º dessa norma traz as características básicas dos Centros de
Educação Tecnológica:
I - oferta de educação profissional, levando em conta o avanço do
conhecimento tecnológico e a incorporação crescente de novos métodos e
processos de produção e distribuição de bens e serviços; II - atuação
prioritária na área tecnológica, nos diversos setores da economia; III-
conjugação, no ensino, da teoria com a prática; IV - integração efetiva da
educação profissional aos diferentes níveis e modalidades de ensino, ao
trabalho, à ciência e à tecnologia; V - utilização compartilhada dos
laboratórios e dos recursos humanos pelos diferentes níveis e modalidades
de ensino; VI - oferta de ensino superior tecnológico diferenciado das
demais formas de ensino superior; VII - oferta de formação especializada,
levando em consideração as tendências do setor produtivo e do
desenvolvimento tecnológico; VIII - realização de pesquisas aplicadas e
prestação de serviços; IX - desenvolvimento da atividade docente
estruturada, integrando dos diferentes níveis e modalidades de ensino,
observada a qualificação exigida em cada caso; X - desenvolvimento do
processo educacional que favoreça, de modo permanente, a
transformação do conhecimento em bens e serviços, em benefício da
sociedade; XI - estrutura organizacional flexível, racional e adequada às
suas peculiaridades e objetivos; XII - integração das ações educacionais
com as expectativas da sociedade e as tendências do setor produtivo.
O artigo 4º enumera os objetivos da educação tecnológica:
148
I - ministrar cursos de qualificação, requalificação e reprofissionalização e
outros de nível básico da educação profissional; II - ministrar ensino
técnico, destinado a proporcionar habilitação profissional, para os
diferentes setores da economia; III - ministrar ensino médio; IV - ministrar
ensino superior, visando a formação de profissionais e especialistas na
área tecnológica; V - oferecer educação continuada, por diferentes
mecanismos, visando a atualização, o aperfeiçoamento e a especialização
de profissionais na área tecnológica; VI - ministrar cursos de formação de
professores e especialistas, bem como programas especiais de formação
pedagógica, para as disciplinas de educação científica e tecnológica; VII -
realizar pesquisa aplicada, estimulando o desenvolvimento de soluções
tecnológicas, de forma criativa, e estendendo seus benefícios à
comunidade.
Como se nota, esta norma confirma e reforça os mesmos pressupostos
ontológicos, epistemológicos e metodológicos da educação tecnológica no
Brasil já contidos no documento MEC/SETEC (1994) aqui analisado, ou seja,
uma articulação sistêmica entre os cursos tecnológicos (que são um
subsistema do sistema cultural), o sistema ambiente e demais subsistemas dos
sistemas cultural, econômico e social.
O Parecer CNE/CES nº 436/01 enfatiza que a relação permanente dos
cursos tecnológicos com o sistema produtivo e demandas da sociedade facilita
sua contínua atualização e correção de currículos e metodologias, em
consonância com o ambiente (e mundo do trabalho) altamente mutável,
recomendando que tais cursos sejam ministrados por instituições
especializadas em educação profissional de nível tecnológico (centros de
educação tecnológica) e instituições de ensino superior (universidades, centros
universitários, faculdades integradas, faculdades e institutos ou escolas
superiores).
Apesar de a Portaria 1647/99 ter regulamentado a criação dos Centros
de Educação Tecnológica na esfera privada, somente em 2001, as primeiras
entidades educacionais recebem autorização para funcionar seus cursos. Já a
Resolução CNE/CP nº 3/02 estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Profissional de Nível Tecnológico:
149
Art. 1º A educação profissional de nível tecnológico, integrada às diferentes
formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir
aos cidadãos o direito à aquisição de competências profissionais que os
tornem aptos para a inserção em setores profissionais nos quais haja
utilização de tecnologias.
Art. 2º Os cursos de educação profissional de nível tecnológico serão
designados como cursos superiores de tecnologia e deverão: I - incentivar
o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do
processo tecnológico, em suas causas e efeitos; II - incentivar a produção
e a inovação científico-tecnológica, e suas respectivas aplicações no
mundo do trabalho; III - desenvolver competências profissionais
tecnológicas, gerais e específicas, para a gestão de processos e a
produção de bens e serviços.
O Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, revogou o Decreto
2.208/97, regulamentando o § 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 41 da LDBEN.
Seu artigo 1º preconiza que a educação profissional, observadas as diretrizes
curriculares nacionais, será desenvolvida em cursos e programas de formação
inicial e continuada de trabalhadores; educação profissional técnica de nível
médio e educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação.
Portanto, com relação ao Decreto 2.208/97, a norma de 2004 não se
referiu ao nível básico da educação profissional, mas tratou da formação inicial
e continuada de trabalhadores. Retomou a educação profissional de nível
médio e tecnológico, acrescentando cursos de pós-graduação. O artigo 2º
organiza a educação profissional por áreas, e o 3º conceitua cursos e
programas de formação inicial e continuada de trabalhadores em todos os
níveis de escolaridade, que poderão ser ofertados segundo itinerários
formativos, objetivando o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e
social. Já § 1º do artigo 3º define como itinerário formativo o conjunto de etapas
que compõem a organização da educação profissional em determinada área,
possibilitando o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos. O § 2º
prescreve que os cursos deverão se articular, preferencialmente, com os de
EJA, objetivando a qualificação para o trabalho e a elevação do nível de
escolaridade do trabalhador, o qual, após a conclusão com aproveitamento dos
cursos, terá direito a certificados de formação inicial ou continuada para o
trabalho. O artigo 4º prevê a articulação da educação profissional técnica de
150
nível médio com o ensino médio, e seu § 1º esclarece que isso se realize de
forma:
I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino
fundamental, de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica
de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula
única para cada aluno; II - concomitante, oferecida somente a quem já
tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio,
na qual a complementaridade entre a educação profissional técnica de
nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas
distintas para cada curso; III - subseqüente, oferecida somente a quem já
tenha concluído o ensino médio.
O artigo 5º trata dos cursos de educação tecnológica de graduação e
pós-graduação, prescrevendo serem organizados de acordo com as diretrizes
curriculares nacionais definidas pelo CNE. O artigo 6º cuida de cursos e
programas de educação profissional técnica de nível médio e de educação
profissional tecnológica de graduação, prescrevendo que estes, quando
estruturados e organizados em etapas com terminalidade, incluirão saídas
intermediárias, a fim de possibilitar obter certificados de qualificação para o
trabalho se concluídos com aproveitamento. O § 1º define etapa com
terminalidade como a conclusão intermediária de cursos de educação
profissional técnica de nível médio ou de educação profissional tecnológica que
caracterize uma qualificação para o trabalho, definida e com identidade própria.
O § 2º recomenda que as etapas com terminalidade devem estar articuladas,
compondo os itinerários formativos e os respectivos perfis profissionais de
conclusão.
O Decreto nº 5.224/04 dispôs sobre a organização dos Centros Federais
de Educação Tecnológica - CEFET, com o objetivo de prover educação
tecnológica, e a norma seguinte, Decreto nº 5.225/04 alterou dispositivos do
Decreto no 3.860/01, preconizando que as IES passassem a ser denominadas:
I) Universidades; II - Centros Federais de Educação Tecnológica e centros
universitários; e III - faculdades integradas, faculdades de tecnologia,
faculdades, institutos e escolas superiores. O artigo 2º desta norma
acrescentou um artigo (o 11-A) ao Decreto nº 3.860, de 2001. Este artigo trata
151
dos Centros Federais de Educação Tecnológica, considerando-os instituições
de ensino superior pluricurriculares, especializadas na oferta de educação
tecnológica nos diferentes níveis e modalidades de ensino, que se
caracterizam pela atuação prioritária na área tecnológica.
O § 1º do artigo 11-A estende a tais instituições autonomia para criar,
organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior
voltados à área tecnológica, assim como remanejar ou ampliar vagas nos
cursos existentes nessa área. Ressalte-se que o artigo 3º do referido Decreto
nº 3.860/01 preconiza que os atuais Centros de Educação Tecnológica
privados sejam denominados faculdades de tecnologia.
4.4 Catálogo Nacional de Cursos e Eixos Tecnológicos
A Secretaria de Educação Tecnológica (SETEC), recentemente (julho de
2006), sistematizou os Cursos Superiores de Tecnologia em torno de dez eixos
tecnológicos, esclarecendo que a antiga divisão em áreas serviu, de início,
para regulamentar a oferta, mas, conforme orientações do Conselho Nacional
de Educação (CNE), precisava de uma atualização face ao entorno mutante e,
conseqüentemente, às novas demandas do sistema produtivo.
Segundo o referido documento, eixos tecnológicos seriam:
grandes agrupamentos de práxis, de aplicações científicas à atividade
humana: tecnologias simbólicas, organizacionais e físicas, abrigando
cursos que têm um núcleo politécnico comum, fundamentam-se nas
mesmas ciências, utilizam métodos semelhantes, o que torna o processo
educativo mais sintonizado.
13
Essa classificação por Eixos Tecnológicos, como afirma o documento,
“parte do próprio conceito de tecnologia, seus fundamentos científicos e sua
articulação com os setores produtivos”, a fim de “localizar a atividade laboral do
ponto de vista de sua fundamentação, considerando que os projetos
13
Disponível no site http//www.mec.gov.br. Acesso em 8 de novembro de 2006.
152
pedagógicos dos cursos devem levar à construção de competências a partir
dos saberes acumulados pela humanidade em seu desenvolvimento”,
ressaltando que o MEC mantém um canal aberto com as instituições
ofertantes, para ir acrescentando cursos e denominações, de modo a
padronizar a nomenclatura e evitar redundâncias, procurando acompanhar a
evolução do sistema.
Já o Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia (2006),
segundo o MEC/SETEC, tem por fim organizar e orientar “a oferta de Cursos
Superiores de Tecnologia, inspirado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Profissional de Nível Tecnológico e em sintonia com a dinâmica do
setor produtivo e os requerimentos da sociedade atual.” Tal publicação
pretende manter um permanente e atualizado registro dos cursos superiores de
tecnologia, contendo “informações essenciais sobre o perfil profissional do
tecnólogo”, relativas à carga horária mínima e infraestrutura recomendada.
Tanto aos Eixos como ao Catálogo, subjaz, como nas normas e
diretrizes que regulam a oferta dos cursos superiores de tecnologia, a mesma
visão sistêmica e em aberto, que não fecha e não fixa, abrindo, ao contrário,
um generoso espaço à autonomia e à liberdade de um macrossistema em
acelerado crescimento e evolução em organização e complexidade.
Assim, nota-se que o que norteia essas iniciativas do MEC/SETEC é a
busca de uma base mínima de padronização (portanto, ordem) que propicie as
condições para a criação de subsistemas (novos cursos) ao longo do tempo,
sem, no entanto, prescrever regras rígidas que possam “engessar” e imobilizar
o sistema, como em vezes anteriores.
A clara intenção do MEC/SETEC é balizar – provisoriamente – o
crescimento do sistema (de cursos tecnológicos) até que esse internalize uma
sintaxe própria, administrando sua evolução e mantendo suas especificidades
inter e transdisciplinares que o diferenciam no cenário educacional brasileiro.
Portanto, a publicação dos Eixos Tecnológicos e do Catálogo Nacional
153
de Cursos Superiores de Tecnologia (2006) pelo MEC/SETEC deve-se ao
aumento do número (e denominações) dessas graduações, em muitas áreas
do conhecimento e regiões brasileiras.
A finalidade é, pois, ordenar e organizar tal crescimento, balizando as
tendências emergentes, a fim de visualizá-las aos atores e gestores.
Ora, esse fato, de um ponto de vista sistêmico, é auspicioso porque
aponta para uma crescente emergência de cursos tecnológicos (entendidos
como subsistemas de um macrossistema que pode ser denominado Sistema
Nacional de Educação Tecnológica) indicando, enfaticamente, estar havendo
uma acelerada evolução de todo o sistema e subsistemas rumo à diversidade e
à complexidade.
4.5 Diferenças entre os Tecnológicos e as outras Graduações
Um primeiro diferencial dos tecnológicos em relação a outras
graduações é o foco, pois os tecnológicos objetivam formar o cidadão para
área e mercado delimitados. Antes de implantar uma graduação tecnológica, a
instituição ofertante faz uma prévia pesquisa do mercado e, a partir disso,
planeja a metodologia e o currículo adequados a formar um tecnólogo com o
perfil que aquele mercado (regional ou local) espera, com o objetivo de
desempenhar funções em uma área específica. Isso ajuda o aluno a inserir-se
no sistema produtivo, de conformidade com a demanda de emprego nessa
região, área e mercado específicos.
Uma segunda característica é o tempo de duração do curso. Como o
tecnólogo tem de ser um profissional capaz de desenvolver tarefas próprias de
uma determinada área profissional, enquanto as demais graduações formam
para a concepção, reforçando a parte teórica e visando uma atuação genérica,
o tecnólogico tem formação específica, voltada à gestão, desenvolvimento e
difusão de processos tecnológicos. Por isso são graduações menos longas,
porque visam a uma área específica em que o tecnólogo vai atuar e que requer
154
determinadas (não todas nem outras) habilidades. Todavia, face às rápidas
mudanças, o tecnólogo tem de ser formado em tempo hábil, e, nesse sentido,
quatro anos pode não ser melhor que dois. Se um tecnológico durasse muitos
anos (mais de dois ou três), certamente o tecnólogo, ao terminar seu curso, já
estaria defasado.
Outro ponto relevante é que os cursos tecnológicos se apropriam de um
vasto e fértil saber humano produzido fora da escola, que não encontra espaço
nos currículos tradicionais. Esses saberes – fundamentais para o tecnológicos,
mas geralmente não aproveitados nas disciplinas ditas clássicas – contemplam
o desenvolvimento natural da vida, da sociedade e do sistema produtivo. Esse
aproveitamento é uma das principais formas de agilizar o processo de
ensinagem, otimizando o fazer e o saber do senso comum em prol da
aquisição de conhecimentos científicos gradativamente mais sofisticados.
Buscando a otimização em todas as suas variáveis, os tecnológicos
praticam o currículo centrado em competências, que buscam dotar o tecnólogo
de iniciativa, para ser capaz de tomar decisões adequadas na hora certa;
gerenciar sua própria atividade, tempo pessoal e capacidades, ser eficiente na
resolução de problemas e imprevistos, apresentando flexibilidade e disposição
para assumir mutações e ritmos variados de trabalho, assim como usar da
criatividade para solucionar problemas e ser empreendedor.
Assim, os tecnológicos, por serem ágeis e flexíveis, têm de empregar
todos os recursos pedagógicos possíveis a fim de acompanhar as alterações
do mundo mutante, que não mais admite rigidez nem previsibilidade. Assim, a
metodologia é flexível e direcionada a nichos nem sempre atendidos pela
graduação tradicional, o que garante a boa receptividade de seus egressos. O
aprendizado é voltado para o trabalho, visando áreas e setores específicos não
atendidos pelas demais graduações, contemplando uma parte teórica básica,
como no ensino superior tradicional, com a diferença de que, na parte
profissionalizante, são focalizados pontos mais específicos da área profissional.
Ou seja, os objetivos do tecnológico são diferentes dos demais cursos.
Portanto, na prática pedagógica, face às novas tecnologias, entre as
155
quais a Internet, as graduações tecnológicas deslocam a ênfase do ensino
(professor que repassa conteúdos e os solicita depois nas provas) para a
ensinagem, que põe o instrucionismo a serviço da aprendizagem, inserindo
nesse processo interativo e práxico o professor como um ser também
aprendente.
Em resumo, os diferenciais dos cursos tecnológicos frente a outras
graduações poderiam ser também caracterizados como sendo de ordem
espaço-temporal.
Espacial porque visam a um nicho específico do sistema produtivo local
ou regional; temporal porque precisam formar cidadãos para este mercado em
tempo hábil, de modo a que as mudanças tecnológicas não inviabilizem a
qualificação de seus egressos.
Mas essas características se devem também, e em grande parte, à nova
configuração do mundo do trabalho.
4.6 Relações com o Mundo do Trabalho
Alguns dos traços importantes do atual sistema produtivo são:
automação flexível, imprevisibilidade, precarização das relações trabalhistas,
competitividade, flexibilidade, simultaneidade, desterritorialização,
compartilhamento e virtualidade (Prado, 2006:211-220).
Resumindo as inter-relações entre estes traços, pode-se dizer que a
automação é perseguida pelas organizações justamente em busca de um
mínimo de razoabilidade em um mar de imprevisibilidade. Quanto maior o grau
de automação, menor a incerteza e mais eficaz a adaptação às mudanças que
acontecem no ambiente, às quais as empresas são sensíveis. Maiores,
portanto, a flexibilidade e competitividade frente à concorrência.
Nesses tempos incertos, a precarização das relações trabalhistas passa
a ser praticada por que as organizações tendem a aproveitar excedentes de
156
mão-de-obra que se tornam disponíveis graças à crescente supressão de
empregos.
A flexibilização acontece porque o mercado, premido pela
imprevisibilidade e concorrência, opta por modificar a jornada de trabalho,
remuneração e direitos do trabalhador. Nesse sentido, desenvolvem-se as
relações entre as empresas, viabilizadas por diversas formas de
subcontratação, entre as quais a terceirização.
Por outro lado, a virtualização, capitaneada pelas novas tecnologias,
permite que os colaboradores de uma empresa exerçam, fora desta e a partir
de qualquer ponto do globo terrestre (desterritorialização), atividades em tempo
real (simultaneidade), o que lhes facilita enormemente (com economia de
meios para as empresas) a troca produtiva de dados e informações
(compartilhamento).
À luz de uma visão sistêmica, devido a essas características do sistema
produtivo, os tecnológicos têm de trilhar por novos caminhos, tais como
currículos orientados pelo conceito de competência, a busca da inter e
transdisciplinaridade tanto na didática usada na sala de aula como na
metodologia de projetos (integradores), ambas, ressalto, facilitadas pela
peculiar organização curricular modularizada dos referidos cursos.
4.7 Metodologia de Projetos
A metodologia de projetos foi de início delineada por Dewey (1990), na
década de 30, à luz das propostas da chamada Escola Nova.
Segundo ele (1990: 15):
É com convicção que identificamos liberdade com o poder de conceber
projectos, de os traduzir em actos. Esta liberdade é, por sua vez, idêntica
ao auto-controlo, porque a concepção dos fins e a organização dos meios
são um trabalho da inteligência. Outrora, Platão definia o escravo por estas
palavras: “Aquele que executa os projectos concebidos pelos outros”, e,
como acabamos de dizer, não é menos escravo a pessoa submetida aos
seus próprios desejos, se eles forem cegos. Penso que não há, em toda a
157
filosofia da educação progressiva, disposição mais judiciosa que esta
importância dada à participação do educando na concepção dos projectos
que inspiram as suas actividades, no decurso do ensino que lhes
ministramos. E também não há, na educação tradicional, defeito mais
grave que tornar o educando incapaz de cooperar activamente na
construção dos projectos intelectuais que os seus estudos implicam. Mas a
significação dos objectivos e das finalidades não é coisa evidente.
Portanto, esta opção por um processo educativo baseado em projetos
abre a educandos e professores a possibilidade de uma aprendizagem
pluralista, permitindo articulações diferenciadas e individualizadas, porque
ambos, alunos e professores, em comum acordo, podem optar por variadas
formas de pesquisa, após debates coletivos, abertos e reflexivos, nos quais os
envolvidos exercitem sua criticidade, criatividade, respeito, ética e convivência
com a diversidade de opiniões, colaborando para uma aprendizagem rica e
significativa.
Continua Dewey (1990:15) explicando o que seria um projeto, como
surge, o que o motiva e qual sua importância:
Quanto mais insistimos sobre o seu valor educativo, mais importante é
compreendermos o que é um projecto, como surge no decurso da
experiência e como funciona. Um autêntico projecto encontra sempre o
seu ponto de partida no impulso do educando. A brusca inibição dum
impulso transforma-o em desejo. Todavia, e é preciso insistir nisso, nem o
impulso nem o desejo realizam um projecto. O projecto supõe a visão de
um fim. Implica uma previsão de consequências que resultariam da acção
que se introduz no impulso inicial. A previsão das consequências implica,
ela mesma, o jogo da inteligência. Esta exige, em primeiro lugar, a
observação objectiva das condições e das circunstâncias. Porque impulso
e desejo produzem consequências, não por elas, mas pela sua interacção
e cooperação com as condições envolventes.
Ou seja, o que Dewey refere é que não basta observar, mas atribuir um
sentido ao projeto, determinar seus pontos de contato com a realidade
circundante, com a ação concreta, delimitar suas etapas e atividades a
desenvolver.
Mas para isso é preciso que o professor considere as condições de cada
158
aluno, como cada um deles pode participar, partindo do conhecimento
(repertório) já “estocado”. Tudo, no entanto, tem de ser construído, discutido e
deliberado em ação conjunta, visando a desenvolver tanto nos alunos como
nos mestres o aprender a aprender e aprender a pesquisar, a curiosidade, o
gosto pela investigação, ao docente cabendo a responsabilidade de
desencadear o processo e fornecer o suporte teórico ao aluno. Estes, por sua
vez, terão que pesquisar, discutir, elaborar e, especialmente, decidir
conjuntamente o que é ou não relevante para a construção do conhecimento
durante o processo.
Dewey (1990:23) acrescenta:
O verdadeiro método pedagógico consiste primeiro em tornarmo-nos
inteligentemente atentos às aptidões, às necessidades, às experiências
vivenciadas pelo educandos e, em segundo lugar, em desenvolver estas
sugestões de base de tal forma que elas se transformem num plano ou
num projecto que, por sua vez, se organize num todo assumido pelo grupo.
Por outras palavras, o plano é um empreendimento cooperativo e não
ditatorial: a sugestão do professor não deve evocar a idéia de um molde
para fundir objectos duros, pesados e inertes, mas a de um ponto de
dilatação susceptível de se transformar num todo ordenado pelas
contribuições de todos aqueles que se empenham em comum na mesma
experiência educativa.
Passaram-se anos e esta metodologia continua sendo cada vez mais
difundida e aplicada no mundo todo. A proposta original de Dewey foi sendo
aprimorada e detalhada por acréscimos e refinamentos metodológicos de
diversos autores, na busca por métodos críticos e reflexivos, com foco na
aprendizagem.
No caso específico dos cursos tecnológicos, a metodologia de projetos
se inicia com a busca de uma situação-problema existente na área (ou
subárea) do conhecimento para a qual o curso está focado. Mas não só: a
temática, objetivos, recursos e suportes, acordados por alunos, coordenadores
e professores, devem levar em conta a complexidade, diversidade e
interdisciplinaridade do objeto e/ou fenômeno a ser estudado, explicado,
solucionado.
159
O objeto de estudo deve, em primeiro lugar, referir-se a algo concreto
(via de regra, a uma empresa) a ser pesquisado, buscando-se soluções a
problemas reais no segmento ao qual o curso se destina. Em segundo lugar, a
proposta deve oferecer alternativas propícias a uma abordagem interdisciplinar,
a partir das disciplinas ofertadas em cada módulo (ou no curso todo, se for o
caso), devendo ser estabelecidas, portanto, no planejamento inicial, conexões
entre pesquisa, ação, reflexão e produção do conhecimento (planejamento não
como algo pronto e acabado, mas provisório, sujeito a correções ao longo do
processo).
Em seguida, este “rascunho” é submetido a cada professor, para que ele
faça as devidas adequações aos objetivos de sua disciplina e visualize as
possíveis interfaces com as demais disciplinas, recomendando métodos de
pesquisa (qualitativa e quantitativa), locais a visitar, fontes a consultar,
sugerindo recursos e esboçando as etapas. Em seguida, o projeto inicial é
consolidado e colocado em execução. Durante sua execução, um orientador
geral e o professor de cada disciplina supervisionam o andamento, seja
diretamente (acompanhando os alunos a visitas, por exemplo), ou
indiretamente, avaliando, corrigindo e orientando cada etapa do processo, a fim
de que os objetivos sejam cumpridos.
Finalmente, um rascunho do trabalho final é redigido e passado aos
professores. Depois de examinado, corrigido, criticado e debatido, dá origem
ao projeto integrador.
4.8 Inter e Transdisciplinaridade
Para Morin (1997) a interdisciplinaridade implica relação de
reciprocidade e mutualidade, que supõe outra atitude diante do conhecimento,
ultrapassando a concepção fragmentária para alcançar uma visão unitária do
ser humano. Já a transdisciplinaridade vai além das fronteiras disciplinares,
pois as disciplinas, ao analisar os fenômenos de forma fragmentada, não
atingem sua unidade e complexidade. Então, para este autor (2001:136), é a
160
transdisciplinaridade que permite separar os diversos domínios científicos,
mantendo-os, no entanto, em comunicação, sendo, pois, vital ao
desenvolvimento da ciência. Sobre como conseguir tal intento, ele acrescenta
(2000: 115);
No que concerne à transdisciplinaridade, trata-se freqüentemente de
esquemas cognitivos que podem ultrapassar as disciplinas, às vezes com
tal virulência que as deixam em transe. De fato, são os complexos de inter-
multi-trans-disciplinaridade que realizaram e desempenharam um fecundo
papel na história das ciências; é preciso conservar as noções-chave que
estão implicadas nisso, ou seja, cooperação; melhor, objeto comum; e,
melhor ainda, projeto comum.
E aí a palavra-chave usada por ele é projeto comum.
Nos tecnológicos, quando se adota uma visão complexa e sistêmica, a
metodologia de projetos (integradores) leva em conta as singularidades dos
sistemas sociais, produtivo e ambiente, em nível local, regional e mundial (é o
que Morin chama de abordagem multidimensional). As características da
comunidade e do mercado de trabalho local/regional são diagnosticadas na
pesquisa prévia. Por outro lado, deve constar do planejamento disciplinas e
atividades que contemplem uma parte geral constituída por metateorias (como
a TGS, paradigma eco-sistêmico etc.), buscando otimizar a cosmovisão do
aluno. É essa dupla busca do local/regional, alicerçada em uma visão
epistemológica, que favorece o desvelar das relações entre as disciplinas e
para além das disciplinas, facilitando uma progressiva intersecção de fronteiras
e interfaces complementares, que poderá, ao longo do processo, ir compondo
uma visão do todo.
Portanto, uma outra especificidade dos tecnológicos diz respeito à busca
da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, ultrapassando o âmbito das
disciplinas para alcançar uma visão unitária do ser humano, mantendo os
diversos domínios científicos em comunicação. Nesse sentido, a modularização
(módulos interconectados) focaliza as faces de um mesmo objeto, “mostrando”
ao aluno os diversos aspectos de um mesmo fenômeno, juntando peças,
“colando” dados e informações e ampliando seu repertório, para que ele, mais
161
cedo ou mais tarde, vislumbre caminhos rumo à transdisciplinaridade. E esta
singularidade tem a ver com a metodologia. E esta metodologia tem a ver com
a complexidade.
4.9 Breve Histórico da Faculdade de Tecnologia Professor Luiz Rosa
A Faculdade de Tecnologia Professor Luiz Rosa surgiu em 2001 a partir
da escola homônima, que há noventa anos atua na educação básica e ensino
profissionalizante de nível técnico. A Escola Professor Luiz Rosa foi fundada
em 4 de maio de 1917 pelo professor Luiz Felippe da Rosa. Em 1954, foi
adquirida pela família Leme do Prado, sendo dirigida pelos professores José
Leme do Prado e José Leme do Prado Filho. Em 1972, assumiu a direção o
professor Fernando Leme do Prado, este pesquisador, que nela permanece até
hoje.
Autorizada a funcionar em 20 de junho de 1918 pelo então Diretor de
Instrução Pública, Oscar Thompson, inicialmente a escola oferecia cursos
propedêuticos em regime de internato e semi-internato. A partir de 1923,
revelava sua verdadeira vocação ao constituir-se como sucursal da Escola de
Comércio do Rio de Janeiro, passando a formar peritos contadores.
Ao curso técnico em contabilidade, introduzido em 1926, somaram-se os
técnicos em administração e secretariado em 1973, publicidade em 1976 e
processamento de dados em 1981. Em 1982, a Escola adotou o regime de
matrícula por disciplina no sistema semestral, sendo uma das poucas escolas
no país a operar neste sistema, característico dos centros desenvolvidos.
O Luiz Rosa manteve durante muitos anos o curso ginasial equivalente
ao 1º Grau ou 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental. Entretanto, seu trabalho
contínuo ocorreu na formação de técnicos de nível médio.
Após várias transformações, a entidade comemorou, em 2007, noventa
anos, e oferece atualmente oito cursos de formação profissional de nível
técnico, concomitantemente com o ensino de nível médio: administração,
contabilidade, informática, logística, publicidade, secretariado, turismo e
vendas.
162
A partir de 2002, pelo fato de Jundiaí tornar-se um pólo regional,
dispondo de uma ampla estrutura de comércio e de serviços, a instituição
passou a oferecer também cursos superiores de tecnologia (FIGURA 1). Em
atendimento ao Artigo 3º do Decreto nº 5.225/04, o Centro de Educação
Tecnológica Prof. Luiz Rosa passou a denominar-se Faculdade de Tecnologia
Professor Luiz Rosa, cuja missão é oferecer uma educação superior de
qualidade, divulgando e discutindo o saber sistematizado, cientifico e
tecnológico, tendo em vista a formação de profissionais competentes que
possam atuar na vida cidadã e no mundo do trabalho com autonomia,
criatividade, criticidade, ética e comprometimento.
FIGURA 1 Cursos de Graduação Tecnológica oferecidos (2007)
4.9.1 Perfil dos alunos
As informações aqui apresentadas resultam da avaliação institucional da
Curso Carga Horária Duração
em
Semestres
Status Atual
Gestão de Recursos Humanos 1600 h 4 Reconhecido
Comunicação Institucional 1600 h 4 Reconhecido
Análise e Desenvolvimento de Sistemas 2000 h 5 Reconhecido
Gestão Ambiental 1600 h 4 Reconhecido
Gestão Financeira 1600 h 4 Reconhecido
Logística 1600 h 4 Reconhecido
Marketing 1600 h 4 Reconhecido
Gestão da Produção Industrial 2400 h 6 Reconhecido
163
Faculdade de Tecnologia Prof. Luiz Rosa junto à comunidade acadêmica
(discentes e ex-discentes) e da análise dos documentos da IES, à luz das
dimensões tratadas pelos SINAES.
Para se ter uma idéia do perfil dos alunos que freqüentam os cursos
tecnológicos ofertados pela instituição, alguns dos dados apresentados são da
pesquisa formulada no 1º semestre de 2007, da qual participaram 306 alunos
matriculados e 232 ex-alunos. Mas em várias situações, quando disponíveis,
para fins de comparação, serão confrontados dados da pesquisa anterior (ciclo
2004-2005).
Um primeiro grupo de questões focaliza informações relacionadas às
situações demográfica, etária, educacional e social dos pesquisados. Um
segundo grupo, à situação profissional e de renda dos pesquisados, e um
terceiro grupo levanta informações relacionadas à metodologia e formação
obtidas na faculdade.
Quanto à distribuição por sexo, em 2004, 69% dos discentes eram do
sexo masculino e 31% do sexo feminino. Em 2005, 65% eram do sexo
masculino, e 35% do feminino. Em 2007, 67% eram do sexo masculino, contra
33% do feminino. Com relação a ex-alunos, os dados da pesquisa de 2007
indicam a presença de 56% de homens e 44% de mulheres.
A maior presença do público do sexo masculino pode ser explicada em
parte pelo fato de os cursos de Logística e Gestão da Produção Industrial
serem, nos últimos anos, os de maior procura entre os ofertados pela
faculdade, graças à localização e ao seu parque industrial de Jundiaí e região.
Tais cursos são procurados majoritariamente pelo público masculino.
Em 2007, quanto à faixa etária, discentes de até 20 anos perfazem 9%
do corpo discente; de mais de 20 até 25 anos, 29%; de mais de 25 até 30 anos,
22% e mais de 30 anos, 40%. Estes números foram praticamente os mesmos
obtidos nas pesquisas do ciclo 2004-2005, ou seja, houve pouca variação.
Isso permite inferir que mais de 60% da população discente da
faculdade tem mais de 25 anos de idade. Esta é uma informação relevante,
164
pois sinaliza, neste momento, que os cursos ofertados pela instituição parecem
indicar estar sendo importante fator de reinserção social de um grupo de
pessoas que já se encontram fora da faixa etária de formação de cursos
superiores tradicionais. Este tipo de público busca uma oportunidade de
formação diferenciada, mais focada e uma inserção profissional mais rápida no
mercado de trabalho.
Quanto ao estado civil dos alunos, a pesquisa de 2007 aponta que
39,87% dos alunos são casados e 50,65% são solteiros. Os restantes 9,48%
se dividem entre divorciados, desquitados viúvos e outros. Quanto aos ex-
alunos, a pesquisa revela que 65% são casados e 32%, solteiros. Os 3%
restantes se dividem entre divorciados, separados, viúvos e outros. Verifica-se,
então, uma mudança de perfil quanto ao estado civil entre os alunos atuais e
ex-alunos, o que pode ser explicado pela diferença etária do grupo atual em
relação aos egressos dos anos anteriores.
Quanto à responsabilidade pelo sustento familiar, 40% dos atuais alunos
são eles próprios os responsáveis. No grupo dos ex-alunos, 49% o são.
No grupo de alunos, 44% dos respondentes afirmaram que o pai e/ou a
mãe são os responsáveis, enquanto apenas 28,4% dos ex-alunos classificaram
um e/ou outro como responsáveis pelo sustento familiar.
Em relação às despesas com o curso, observa-se que o custeio dos
próprios estudos apresenta percentuais bem próximos tanto no que diz respeito
a alunos quanto a ex-alunos. Porém, há uma grande diferença quanto à
utilização de outros meios de custeio: enquanto 17,43% dos ex-alunos
utilizaram alguma forma de bolsa ou financiamento, 41% dos atuais alunos o
fizeram, ou seja, há o dobro de utilização de bolsas do PROUNI (de 5% para
10%) e o quádruplo de uso de bolsas fornecidas pela própria faculdade (de 1%
para 4%).
Um outro grupo de questões procurou levantar informações sobre a
formação anterior ao início do curso superior de tecnologia. No ciclo 2004-
2005, 34% dos alunos tinham superior incompleto e 66%, o ensino médio
completo. Em 2007, 3% têm o superior completo; 17%, o superior incompleto, e
165
a grande maioria, 80%, o ensino médio completo. Quanto aos ex-alunos, a
pesquisa de 2007 revela que 2% têm o superior completo; 36%, o superior
incompleto, e 63%, o ensino médio completo.
Nos três grupos estudados, aproximadamente 35% dos pesquisados já
haviam iniciado um curso superior anteriormente. Porém, os números caem
para a metade, aproximadamente 17%, no atual grupo de alunos, o que reforça
a tendência de, nos próximos anos, haver uma diminuição da faixa etária dos
alunos que entram para os cursos tecnológicos ofertados pela instituição.
Outra questão procurou verificar há quanto tempo o pesquisado tinha
completado a formação anterior, antes de ingressar nos cursos oferecidos pela
instituição. No grupo de alunos avaliados do ciclo 2004-2005, 34% haviam
concluído a formação anterior de 1 a 3 anos antes; 18%, de 3 a 5 anos, e há
mais de cinco anos, 40%.
Na pesquisa de 2007, no grupo atual de alunos, a faixa de 1 a 3 anos
caiu para 22%, enquanto a de 3 a 5 anos subiu para 20%; a faixa seguinte, 5 a
10 anos, aparece com 25%, e a do grupo que já havia concluído a formação
anterior há mais de 10 anos, 19%.
Entre os ex-alunos, 39% dos respondentes haviam concluído a formação
anterior entre 1 a 3 anos; 20%, entre 3 e 5 anos; 25% entre 5 a 10 anos, e 19%
há mais de 10 anos, dados que indicam que o grupo de alunos do ensino
tecnológico apresenta uma média de idade acima da idade “ideal” para o curso
superior.
Havia uma questão nas avaliações destinada a saber do pesquisado se,
quanto às suas necessidades, o curso atendia a suas expectativas.
Os dados coletados nas pesquisas de 2004 a 2005 e 2007, com alunos
e ex-alunos, indicaram que a necessidade profissional, foco no mercado e
tempo de formação eram as expectativas do público em 2004, tendo o grupo
de ex-alunos destacado, entre outros motivos, a ascensão profissional
(42,67%); preparar-se para o mercado (14,22%); necessidade profissional
(10,35%); e concluir um curso superior (8,19%).
166
No grupo de alunos entrevistados em 2007, os dados destacados foram
os seguintes: preparar-se para o mercado de trabalho, 39%; possibilidade de
ascensão profissional, 24%; e necessidade profissional, 7%. Apenas 4% optou
por responder “concluir um curso superior”.
Iniciar uma carreira foi importante para aproximadamente 9% dos dois
grupos, enquanto a necessidade de preservar o emprego atual caiu de 8% (ex-
alunos) para 3% do grupo atual de alunos.
O grupo de ex-alunos foi questionado se essas expectativas foram
atingidas. Para 80% dos respondentes a resposta foi positiva.
Um outro grupo de questões relacionava-se à situação profissional e
econômico-financeira dos pesquisados.
Perguntados se estavam empregados antes de iniciar o curso, nas
pesquisas realizadas de 2004 a 2005, 14% dos respondentes disseram não
estar empregados, enqaunto 86% já estavam inseridos no sistema produtivo.
No atual grupo de alunos (2007), 12% responderam “não” e 88%, “sim”.
No grupo de ex-alunos: 9% “não”, e 81% “sim”, notando-se, pois, que a média
de empregabilidade antes do início do curso não mudou muito nos últimos
anos.
Na pesquisa de 2007, alunos e ex-alunos foram convidados a responder
se o fato de estar fazendo o curso ou tê-lo feito ajudou a encontrar e/ou a
preservar o emprego. 64% dos alunos atuais e 75% dos ex-alunos
responderam positivamente, ou seja, acharam que o curso ajudou-os tanto a
encontrar como a preservar o atual emprego.
Outra questão procurava constatar a área de atuação dos atuais alunos
e ex-alunos e a relação do emprego com a área do curso. A grande maioria
está empregada, 90%, e destes, aproximadamente 70% na área a que o curso
se destina ou se destinava.
Uma das perguntas relacionava-se à situação profissional dos grupos
pesquisados. Os entrevistados de 2007, tanto alunos como ex-alunos, foram
167
indagados se sua situação profissional melhorou em decorrência de ter
ingressado ou concluído o curso. Com irrelevantes flutuações estatísticas, 3%
disseram ter piorado; 52% afirmaram ter se mantido, e 45% apontaram ter
melhorado.
Assim, de um ponto de vista profissional, o fato de estar fazendo ou ter
feito o curso tecnológico melhorou a situação profissional para
aproximadamente metade dos entrevistados (alunos e ex-alunos). Para a outra
metade, a situação profissional manteve-se, independentemente da melhoria
de renda.
Assim, uma informação relevante era saber se houvera ou não melhoria
da renda do aluno e do egresso. Com irrelevantes flutuações, a renda
melhorou para 65% dos respondentes e para 35% ela se manteve estável.
Quanto à faixa salarial, tanto para o grupo de alunos como de ex-alunos,
observou-se que, antes de iniciar o curso, 30% estavam na faixa de 1 a 3
salários mínimos, percentual que caiu para 21% após o início do curso. Na
faixa a seguir, 28% dos pesquisados recebiam de 3 a 5 salários mínimos, tendo
este índice subido para 33% após o início do curso. Na faixa acima de 5
salários mínimos estavam 41% dos pesquisados; após o início do curso, eram
46%.
No grupo de ex-alunos percebe-se que a parcela que recebia até 3
salários mínimos antes de iniciar o curso caiu de 40% para 20% após realizar o
curso. 35% tinham rendimentos entre 3 e 5 salários mínimos, antes de iniciar o
curso, contra 45% atualmente. Apenas 15% dos ex-alunos recebiam acima de
5 salários mínimos antes de iniciar o curso contra aproximadamente 23% que
se encontram nesta faixa atualmente.
As informações sobre renda apresentadas acima revelam um fato
curioso, pois apresentam tendência contrária a um estudo atual do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), publicado no caderno de Economia, do
jornal O Estado de São Paulo (2007: B7), que noticia ter a remuneração caído
em 82% dos postos de trabalho, tendo sido mais prejudicados os trabalhadores
de alta qualificação e nas grandes cidades. No caso dos alunos dos cursos de
168
tecnologia, o que se pode inferir é o inverso: todo o grupo pesquisado
experimentou melhoria no nível de renda após o término do curso.
Um terceiro bloco de questões procurou avaliar a satisfação dos alunos
e ex-alunos com o curso e a instituição (proposta pedagógica, metodologia,
formação, corpo docente, infra-estrutura etc.). Os pesquisados deveriam
atribuir uma nota que variava de 0 a 10 quanto ao seu grau de satisfação em
relação aos quesitos apresentados.
49% dos entrevistados do ciclo 2004/2005 atribuíram nota acima de 9
para o conhecimento adquirido nos cursos tecnológicos ofertados pela
faculdade, que, somados aos 47% que atribuíram notas de 7 a 9, resulta em
um grau de satisfação superior a 70% para 96% dos alunos do referido ciclo.
No grupo atual (pesquisa de 2007), 85% dos respondentes atribuíram
nota acima de 7 para os conhecimentos adquiridos no curso, enquanto 68%
atribuíram nota acima de 8, e 36%, acima de 9. No grupo de ex-alunos, 37,5%
dos respondentes quantificaram o conhecimento adquirido no curso com nota
acima de 7. 62,5%, com nota acima de 8.
Para complementar e validar os dados deste quesito, na pesquisa de
2007 solicitou-se aos pesquisados que formulassem um conceito traduzindo a
qualidade do curso, que variava de péssimo a ótimo. Tomando por base uma
nota acima de 7 como correspondendo ao conceito bom, verificou-se que para
o atual corpo discente o conhecimento adquirido foi bom (49%) e ótimo (36%).
Já o grupo de ex-alunos, 87% o classificou como bom (66%) e ótimo (21%).
Esses resultados indicam um grau de satisfação elevado e traduzem em
números expressivos os resultados da qualidade do trabalho dos docentes e da
instituição.
A pergunta seguinte buscava aferir se o aluno julgava adequada a
didática praticada na sala de aula, em consonância com a proposta pedagógica
da instituição. Nos mesmos moldes da questão anterior, primeiramente os
pesquisados atribuíam notas de 0 a 10 e, depois, um conceito que variava de
péssimo a ótimo.
169
Analisando as respostas, pôde-se perceber que aproximadamente 74%
do atual corpo discente atribuiu nota superior a 7 para a metodologia. Na
questão suplementar, os conceitos se repetem: bom (48%) e ótimo (26%).
No grupo dos ex-alunos, talvez devido a um maior distanciamento
temporal que possivelmente lhes tenha permitido testar os efeitos da didática,
os resultados foram melhores: 87% deles atribuíram nota superior a 7, e
destes, 59% acima de 8. Esses números se repetem quando traduzidos em
conceitos: bom (66%) e ótimo (19%).
Os excelentes resultados expressos neste quesito são fruto de uma
didática que se baseia em uma proposta eco-sistêmica, privilegiando a
conexão teoria-prática, pensar e fazer, conhecer e produzir conhecimento, ver,
julgar e agir. Ou seja, está fundamentada em uma linha de ação coesa e
coerente, que valoriza o conhecimento como um dos principais meios de
otimizar o desenvolvimento profissional. Tal relação teoria-prática é
compreendida como o eixo articulador da dinâmica curricular, e a prática
pedagógica, como trabalho coletivo do corpo docente em diferentes momentos
da formação do discente, considerando as seguintes categorias:
Educacional: entendida como instrumento de integração do discente com
a realidade socioeconômica e com o trabalho pedagógico, a fim de
possibilitar a interlocução com os referenciais teóricos do currículo.
Didática: utilizada como instrumento de iniciação ao ensino, considerando
que a formação profissional não se desvincula da pesquisa e dos
conhecimentos das áreas desenvolvidas no curso.
Prática: destinada à iniciação profissional, devendo ocorrer no exercício do
educando em escolas e demais unidades educacionais, possibilitando a
participação em projetos de ensino, buscando responder às demandas
colocadas pela prática pedagógica.
As questões seguintes procuraram avaliar a qualidade do corpo docente
da instituição. No ciclo 2004/2005, os alunos o avaliaram com notas acima de 7
(68%). A pesquisa de 2007 indicou que mais de 82% do atual corpo discente
avalia a qualidade dos professores com notas acima de 7, sendo 70% acima de
170
8, e 40% acima de 9. Em conceitos: bom e ótimo (82%). Do grupo de ex-alunos
(pesquisa de 2007), 88% atribuíram nota acima de 7 ao corpo docente, dos
quais 32% acima de 9. Quanto aos conceitos: bom e ótimo (82%).
Outra questão verificou o grau de satisfação geral com o curso. 65% dos
alunos do ciclo 2004-2005 deram nota acima de 7. O grupo atual está mais
satisfeito: 83% deles avaliaram a qualidade do curso com nota acima de 7.
89% dos ex-alunos (2007) avaliaram o curso com nota acima de 7; 69% destes
atribuíram nota acima de 8, o que, em conceitos, equivale a 90% (bom e
ótimo).
Com relação à metodologia de projetos, a pesquisa de 2007 aponta que
para 84% dos atuais alunos é adequada e eficiente, contribuindo para sua
formação geral. Nota-se, porém, que o grupo de ex-alunos tem uma percepção
mais positiva da metodologia de projetos: para 95% deles tal metodologia
contribuiu para sua formação.
Isso pode decorrer do fato de que os ex-alunos, muitos já colocados no
mercado, tenham uma visão mais próxima da realidade do mundo do trabalho,
podendo discernir em que e como a metodologia o ajudou a ter acesso ao
emprego ou a mantê-lo. Mas apesar de os atuais alunos ou ainda não terem
ingressado no mercado de trabalho, ou de, nele atuando, não reunirem
condições de perceber as conexões entre as demandas desse sistema
produtivo e a metodologia empregada nos cursos, esta avaliação apresentou
um resultado positivo em relação ao trabalho realizado pelos docentes e
faculdade em prol da formação de seus alunos.
De um modo geral, nota-se que os resultados aqui verificados apontam
para a satisfação dos alunos e ex-alunos e, portanto, para a adequação da
proposta pedagógica da escola, sua didática, currículos por competências e
metodologia de projetos (integradores). Todo esse instrumental, na visão dos
alunos e egressos, tem sido não apenas facilitador do acesso ao sistema
produtivo, mas, sobretudo, fator decisivo na preservação do emprego e em
uma eventual melhoria de renda.
171
5 METODOLOGIA DE PROJETOS: DESENVOLVIMENTO DA
PESQUISA
Este capítulo tem por objetivo apresentar as linhas-mestras da
metodologia utilizada neste trabalho, seus atores, reflexões e correções de
rumo, à luz dos pressupostos da pesquisa-ação, descrevendo a pesquisa
realizada, suas etapas, processos e alguns resultados.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, mais especificamente um estudo
de caso que vem sendo realizado na Faculdade de Tecnologia Professor Luiz
Rosa, situada na cidade de Jundiaí, Estado de São Paulo, desde o primeiro
semestre de 2005, com base nos princípios da pesquisa-ação, como vem
sendo formulada, entre outros, por Kemmis e MacTaggart (1988) e Latorre
(2003).
Em primeiro lugar, devido a uma série de caminhos que a pesquisa-
ação, ao longo do tempo e em diversos pontos do mundo, foi tomando, hoje
consideradas variantes, ramos de um tronco-mãe, mas exibindo procedimentos
diversos, é necessário que eu precise a forma e a modalidade de pesquisa-
ação que aqui adoto.
Ratificando o que já referi neste trabalho, estou utilizando a expressão
pesquisa-ação, como contrapartida da expressão Investigación-Acción (nos
países de língua espanhola) ou Action Research (nos de língua inglesa),
apenas devido ao fato de o termo investigação ter, em português, uma
interpretação diversa da de busca e pesquisa acadêmicas, tendo seu emprego
mais ligado ao contexto policial e judicial.
Assim, deixo bem claro que, embora esteja o tempo todo usando a
expressão pesquisa-ação, na verdade, minha análise se utiliza dos
pressupostos ontológicos e metodológicos da Investigación-Acción (em
espanhol), visto esta ter visível e produtiva confluência filosófica e
metodológica com os fins a que este trabalho se destina, embora não deva
172
deixar de mencionar que a Investigación-Acción ou Action Research são
variantes da pesquisa-ação ou pesquisa participante, pelo fato de terem em
comum um forte envolvimento e participação de observadores e observados no
desenrolar da pesquisa.
Meu problema de pesquisa é a melhoria das práticas pedagógicas para
possibilitar a aquisição de habilidades e competências pelos alunos de cursos
de graduação tecnológica oferecidos pela instituição sob exame. O
desenvolvimento dessa proposta adotou como metodologia a pesquisa-ação
pela sua afinidade com os demais referenciais teóricos utilizados neste
trabalho. Segundo as propostas de Kemmis e MacTaggart (1988, apud Latorre,
2003: 276-277) os pontos-chave da pesquisa-ação seriam:
a) melhorar a educação mediante mudanças;
b) participar, pois as pessoas trabalham para melhorar suas práticas;
c) seguir uma espiral de ciclos: planejamento, ação, observação e
reflexão;
d) ser colaborativa, pois se realiza em grupo com as pessoas envolvidas;
e) criar comunidades autocríticas de pessoas envolvidas em todas as
fases;
f) ser um processo sistemático de aprendizagem orientado para a prática;
g) induzir a teorizar sobre a prática;
h) exigir que as práticas e as idéias sejam testadas;
i) implicar produzir documentos e provas;
j) necessitar do registro das reflexões;
k) ser um processo político que afeta as pessoas;
l) realizar a análise crítica das situações;
m) levar progressivamente a novas mudanças;
n) começar com pequenos ciclos e se desenvolver;
173
o) começar com pequenos grupos e se ampliar;
p) permitir documentar as melhorias;
q) justificar o trabalho educativo.
Todos estes pontos estão contemplados, em maior ou menor escala, ao
longo do trabalho de pesquisa. Assim, ele se desenvolveu tendo como idéia
inicial a necessidade de buscar novas práticas pedagógicas que pudessem
atender às propostas de formação de tecnólogos.
Conforme a seqüência das etapas acima ilustradas na Figura 2,
FIGURA 2 Ciclo da pesquisa-ação (Elliot, 1993)
IDENTIFICA
Ç
ÃO DA IDÉIA INICIAL
CICLO ICICLO II
RECONHECIMENTO
(LEVANTAMENTO E ANÁLISE DE
DADOS)
PLANEJAMENT
O
PASSO 1
PASSO 2
PASSO 3
.....
IMPLEMENTAÇÃO DE CADA
PASSO
REVISÃO DA
IMPLEMENTA
Ç
ÃO
NOVOS PASSOS
.....
.....
.....
PLANEJAMENTO
MODIFICADO
174
desenvolvo a pesquisa da forma como abaixo a descrevo, ressaltando, antes,
que as características da instituição, com relevante experiência em formação
profissional, aliada às características dos docentes, que possuem concreta
experiência, além da necessária titulação acadêmica, e o conjunto dos alunos,
em sua maioria já vinculados ao mundo do trabalho, ainda que nem sempre na
área do curso ou carreira pretendidos, constituem um conjunto de elementos e
atores favoráveis a uma pesquisa colaborativa e participativa.
Lembro também que, diferentemente das graduações clássicas ou
generalistas, o curso tecnológico é focado no mercado, devendo, pois,
desenvolver habilidades e competências que possam ser rapidamente
utilizadas na realidade do mundo do trabalho, adequadas, inclusive, às velozes
mudanças e incorporação de novas tecnologias.
5.1 Contexto e Atores
É fator relevante que os alunos que buscam os cursos tecnológicos têm
características diferentes daqueles que procuram outras formas de graduação.
Para melhor entendê-los e às suas necessidades, temos realizado pesquisas
para definir o perfil desses alunos.
Essas pesquisas tentam contar com um número significativo de alunos e
ex-alunos para, independentemente de processos estatísticos, assegurar que
os dados coletados possam servir tanto para a avaliação institucional como
para a definição de propostas, inovações e adequações dos cursos
tecnológicos, cujas especificidades e relacionamento com o mundo da
produção devem prepará-los para as contínuas mudanças
14
.
A análise dos dados, inclusive as comparativas entre alunos e ex-alunos,
em espaço de tempo relativamente curto (de aproximadamente três anos),
revela que, neste período, já podem ser observadas mudanças consideráveis.
14
As pesquisas com alunos e ex-alunos fazem parte da avaliação institucional que a Faculdade
de Tecnologia Professor Luiz Rosa realiza sistematicamente. São feitas principalmente por
meio de entrevistas estruturadas, sempre com o maior número de entrevistados possível.
Neste trabalho estou me referindo aos resultados de todas as pesquisas até aqui realizadas.
175
Tais informações serão utilizadas ao longo deste capítulo em diversos
momentos, seja para a caraterização do perfil do aluno, seja para aferir os
resultados dos processos implementados.
Um dos dados que chamam a atenção é que a faixa etária atendida nos
cursos de tecnologia é quase uma década maior que nas outras graduações,
com uma tendência à diminuição. Outra informação relevante é o considerável
número de alunos empregados, cuja receita média cresce ao longo do curso
escolhido. Estes são alguns aspectos do perfil deste aluno.
O emprego dos resultados de tal pesquisa, com alunos e ex-alunos,
neste trabalho acadêmico, tem por fim caracterizar o cidadão que freqüenta um
curso tecnológico e, simultaneamente, verificar se a proposta pedagógica do
curso atende às suas expectativas, especificamente levantando a capacidade
desse aluno de identificar a metodologia de projetos utilizada pela instituição e
sua influência na formação dele. É importante associar essas informações, pois
a análise do conjunto de perguntas e suas respectivas respostas revela que
nem sempre o entrevistado tem a percepção real e imediata do
desenvolvimento de seu processo de aprendizagem e das conseqüências que
isso acarreta para seu desenvolvimento profissional.
Algumas comparações são significativas, como a elevação do nível de
renda que se constata quando se verificam as respostas relativas às faixas
salariais e suas alterações. Entretanto, isso contrasta com as respostas de
alguns alunos que consideram não ter suas expectativas atendidas, ainda que
tenham melhorado seu padrão de renda, ou seja, não vêem nisso uma relação
de causa-efeito.
A média de idade elevada, o auto-sustento e as relações com o mundo
do trabalho fazem com que as exigências do aluno do tecnológico ganhem
outras dimensões. Ainda que não tenha consciência plena, nem saiba como
isso se processa, este aluno anseia por conhecimentos. Assim, as atividades
meramente instrucionistas e o professor sem experiência profissional, mesmo
que titulado, são rejeitados e as tendências aos trabalhos contextualizados e
pragmáticos são uma exigência a ser sistematizada pelo emprego de métodos
176
e metodologias diferenciados.
A percepção deste aluno, sobretudo em relação ao processo educativo,
deve ser considerada em uma dimensão mais profunda, pois ele foi submetido
a diferentes experiências dentro e fora da escola, assim desenvolvendo,
fundamentadamente ou não, princípios e conceitos próprios sobre suas
relações educacionais.
Associado, talvez, ao tempo fora da escola e ao conhecimento aí
produzido, esta situação apresenta-se paradoxal: ao mesmo tempo em que
este aluno rejeita propostas tradicionalistas, conteudistas e teóricas, é
altamente resistente a propostas inovadoras e só consegue absorver e aceitar
novas tecnologias, como a baseada em projetos, depois de algum tempo de
curso. Ainda assim, nem todos, como mostra a pesquisa, se dão conta de seus
efeitos e são extremamente críticos, mesmo diante das contundentes
demonstrações dos resultados alcançados.
Tal aluno, inclusive pelo fato de freqüentar cursos de maior procura
vinculados às áreas industriais (logística e produção), é predominantemente do
sexo masculino e, por razões possivelmente de ordem cultural e social, sente-
se inseguro diante de projetos novos e desconhecidos. Assim, a
implementação de uma pedagogia de projetos que gradualmente o aluno
reconhece como positiva é a base deste nosso trabalho, que procura propor
práticas pedágogicas para atender às características e às necessidades dos
cursos tecnológicos.
5.2 A Pesquisa-Ação na Metodogia de Projetos
Em primeiro lugar devo lembrar haver uma consonância metodológica
entre a pesquisa-ação – que, em sua conformação cíclico-recursiva (espiral
reflexiva virtuosa), remete-se recursivamente às mesmas etapas e fases
embora gradualmente aprimoradas – e as idéias nucleares da metodologia de
projetos, ambas admitindo o “erro” como algo produtivo e permitindo
sucessivas reflexões, avaliações sobre as etapas e fases do processo ao longo
do tempo, a fim de verificar emergências, perturbações, ruídos, a serem
177
reexaminados, repensados, reformulados (order from noise, conforme Förster,
1960: 31). Nesse sentido, a pesquisa-ação é talvez uma meta-metodologia
capaz de permitir uma clareza epistemológica sobre as características de
outras metodologias aplicadas na realidade escolar e na prática docente.
Assim, sob a ótica da pesquisa-ação, desde 2005 já foram
desenvolvidas três fases dessa proposta, tendo sido produzidos documentos,
tais como diário de bordo, pesquisas e, sobretudo, atas de reuniões com
coordenadores de curso, professores e alunos, além de atividades como
seminários, capacitações, palestras e oficinas, cuja análise serve de base para
este trabalho, revelando a construção de ciclos, que resumidamente podem ser
colocados como: planejar, agir, observar e reflexionar (Kemmis, 1984).
A construção de cada documento, sua fundamentação e a relação entre
os documentos são fundamentais para as observações anotadas no decorrer
do processo. Todos eles têm, em determinado espaço-tempo, maior ou menor
relevância, não sendo possível estabelecer entre eles uma hierarquia de
importância.
Desse modo, meu procedimento básico tem sido identificar em cada ata,
devidamente complementada por outros instrumentos, como se desenrolaram
e se desenrolam essas ações. A estrutura das atas segue a seguinte ordem:
data, tema, desenvolvimento, deliberações.
Assim, para cada ata, busquei identificar os passos da pesquisa-ação
proposta por Latorre (2003). Ressalto que, nas primeiras, apenas localizei a
idéia inicial, pois nelas são explicitadas mais as dúvidas, incertezas e
necessidades que caracterizam o problema.
Na etapa seguinte, observa-se o reconhecimento com o levantamento
de dados, havendo já uma mais clara tomada de consciência da realidade e
das possibilidades de implementação dos processos pretendidos.
Nas atas iniciais fica claro não haver ainda a compreensão imediata das
etapas a serem percorridas no processo, tendo sido preciso expor aos atores
envolvidos as idéias básicas da pesquisa-ação e, em seu desenrolar, a
178
necessidade de se refletir sobre a prática docente, com o intuito de melhorá-la,
visando a atingir os objetivos dos cursos tecnológicos.
Foi extremamente importante deixar claro que não estávamos
fornecendo receitas prontas, mas, ao contrário, construindo um caminho ao
caminhar, com todas as incertezas, inseguranças e emergências que tal
processo pode acarretar.
Era indispensável que os professores e coordenadores estivessem
conscientes da necessidade de trabalhar na construção coletiva de uma
proposta, que também contemplasse os princípios do pensamento complexo:
O pensamento complexo não propõe em seu diálogo seu programa, mas
um caminho (método) onde colocar à prova certas estratégias que se
revelarão frutíferas ou não em um mesmo caminhar dialógico. O
pensamento complexo é um estilo de pensamento e de aproximação com
a realidade. Nesse sentido, o pensamento complexo gera sua própria
estratégia, inseparável da participação criativa daqueles que a
desenvolvem. É preciso pôr à prova metodologicamente (ao caminhar) os
principíos geradores do método e ao mesmo tempo inventar e criar novos
princípios (Morin; Ciurana e Motta, 2003: 34).
15
O conceito acima é de Morin, Ciurana e Motta, na obra deles,
denominada Educar em la era planetaria, e diz respeito ao pensamento
complexo ou teoria da complexidade. No entanto, parece feito sob medida para
embasar os princípios da pesquisa-ação. Sinal de essas idéias nucleares estão
intimamente conectadas.
Voltando ao nosso caminho, observo que cada etapa desse processo foi
discutida e, progressivamente, pudemos perceber estarmos usando a própria
pesquisa-ação para compreendê-la, na medida em que estimulávamos os
professores a reflexionar sobre suas práticas.
5.3 Fases dos Projetos
15
Tradução livre do autor.
179
Todo o trabalho desenvolvido por meio da metodologia de projetos pode
ser exposto em suas diversas fases. Inicialmente, registro que essa era uma
atividade já desenvolvida pela instituição há algum tempo, embora sem uma
estruturação definida. Assim, os projetos interdisciplinares, ainda que com uma
proposta muito distante daquela que viria a ser implementada, tiveram como
principal virtude propiciar a “re-construção” do primeiro instrumento coletivo de
um projeto de pesquisa.
Ainda que não houvesse real dimensionamento disso, foi graças a esses
projetos que se iniciou a implantação da metodologia de projetos, tornando
possível a utilização da pesquisa-ação para sua análise.
Tais projetos iniciais foram conduzidos ao longo do ano de 2005, com
resultados muito interessantes se considerarmos não ser um projeto pleno, no
qual as participações eram significativas, mas não totais.
A passagem do projeto interdisciplinar ao projeto integrador se deu de
forma natural e por isso, talvez, não se tenha tido consciência exata de como
isso ocorreu, na medida em que a adesão docente e discente foi
progressivamente aumentando.
A principal característica dos projetos integradores, descontado
evidentemente um conjunto significativo de benefícios que gerou, foi a intensa
relação com o mundo da produção. Muitas foram as pesquisas desenvolvidas
em parcerias com empresas com a utilização de dados e situações com
perspectivas de utilização de seus resultados.
A apresentação dos trabalhos, que é bom lembrar, também ocorria nos
projetos interdisciplinares, ganhou contornos mais estruturados, permitindo
mais um subproduto do processo: a comunicação da proposta.
As dificuldades da adequação do tempo e da orientação necessários ao
desenvolvimento dos projetos e das demais atividades de sala de aula levaram
a instituição a adotar uma configuração denominada escritório de projetos
integradores, que acabou ganhando status de disciplina (denominada EPR),
com direito a integrar o quadro curricular de cada curso da instituição.
180
Escritório não é um termo usual em educação, mas foi escolhido por
simbolizar a relação escola-empresa, que é fundamental para os projetos
integradores e também para a educação profissional. Sua utilização como
disciplina atende às necessiaddes de tempo que os professores e
coordenadores detectaram no desenvolvimento dos projetos, possibilitando
ainda os controles acadêmicos e administrativos do processo. O escritório de
projetos funciona como agente integrador de instituições e atores,
contextualizando a atividade educacional e ampliando a perspectiva de
inserção profissional, além de caracterizar-se como pesquisa aplicada.
No escritório de projetos integradores, um fenômeno novo ocorreu: um
número maior de empresas passou a buscar a faculdade para que seus
problemas fossem analisados e resolvidos. Assim, os horizontes desta nova
instância são ilimitados, pois tal processo tende a se transformar em um órgão
de consultoria e pesquisa aplicada, o que seria uma experiência singular no
meio acadêmico.
5.3.1 Fase 1 - Projetos Interdisciplinares
A análise das atas do início de 2005 mostra que os coordenadores
concordaram ser preciso uma maior reflexão sobre a necessidade de
mudanças no processo de formação dos alunos dos cursos tecnológicos,
reconhecendo, no entanto, possuírem algumas informações, tais como: o curso
deveria ter foco no mercado; ser renovado continuamente; visar à aquisição de
habilidades e competências; estimular a educação permanente; propiciar uma
visão empreendedora e desenvolver uma ética profissional e cidadania.
Para alcançar tais metas, os coordenadores entendiam que precisavam
se basear em elementos da realidade observada e adquirir um maior
conhecimento do perfil do aluno. Esta é a etapa prevista na pesquisa-ação
como a de reconhecimento, na qual os atores buscam conhecer melhor as
condições e o contexto em que as atividades vão se realizar.
Eles observaram que as características dos alunos possibilitariam
aproveitar suas experiências profissionais, permitindo colocá-los diante de
181
problemas reais. Buscando como fazer isso, várias questões de ordem didática
começam a surgir: como trabalhar em grupo, como a participação do aluno
pode ser controlada pelo professor e que tipo de avaliação seria adequada a
este processo. Neste ponto, a avaliação foi escolhida como a primeira etapa de
reflexão, uma vez que as informações sobre os alunos estavam disponíveis
nas pesquisas regulares aqui citadas.
Ao mesmo tempo em que se discutiam essas questões, começaram a
surgir os primeiros elementos que solicitavam a constituição de um instrumento
que seria chamado inicialmente de projeto interdisciplinar, como forma de
congregar todos os elementos até ali analisados.
Já havia na instituição uma atividade denominada projeto interdisciplinar,
cuja principal proposta era integrar conhecimentos de várias disciplinas. Porém,
este era tratado de forma não sistematizada, por alguns professores e em
determinados cursos, como forma de desenvolver atividades práticas, ou seja,
não havia uma correspondência direta com o processo de reflexão com o qual
os coordenadores dos cursos estavam envolvidos.
Voltando à questão da avaliação, os coordenadores se deram conta de
que este seria um modo de avaliar diferentes grupos de forma distinta e cada
aluno em particular, começando a delinear-se o embrião desse projeto, a partir
dessas reflexões e da realidade vivenciada com os alunos.
Sob a ótica da pesquisa-ação, continuávamos ainda na etapa de
reconhecimento, embora as deliberações registradas nas últimas atas do
primeiro semestre de 2005 já apontassem para os passos que a metodologia
prevê, ou seja, o processo começava a entrar em consonância com os passos
preconizados pela pesquisa-ação.
A relação empresa-escola ainda não fora formalizada, mas vinha sendo
destacada. Muitos dos processos utilizados nas empresas foram lembrados
como forma de desenvolvimento de propostas diferenciadas para os cursos
tecnológicos, desde que preservassem os aspectos acadêmicos característicos
de um curso de graduação.
182
Alguns dos itens lembrados pelos coordenadores revelam esta
tendência de aproximação entre escola e mundo do trabalho, tendo sido
enumeradas as seguintes situações: a) estímulo à troca de experiências entre
alunos de diferentes faixas etárias e áreas de atuação profissional; b) estímulo
ao trabalho cooperativo e à tomada de decisão em grupo; c) preservação do
caráter profissional; d) atendimento à necessidade de desenvolver ações em
prazos reduzidos, em princípio, dentro de cada semestre e pelo menos
parcialmente em sala de aula; e) buscar situações e problemas reais em
contatos com empresas.
Aqui já fora referido que a característica de um sistema aberto é sua
interação com o meio exterior por meio de trocas de matéria e/ou energia e/ou
informação. Ora, o sistema social, o sistema escolar e o sistema produtivo são
sistemas vivos abertos, em interação entre eles e deles com o meio, entorno,
mantendo um fluxo dinâmico e sofrendo mudanças, na forma de flutuações ou
emergências.
Assim, essa relação entre empresa e escola, diferentemente das demais
graduações, é uma das características mais importantes dos cursos
tecnológicos, uma vez que, estando em interação com os sistemas social e
produtivo, pode com facilidade atender às demandas de um e de outro, a fim
de cumprir seu principal objetivo, que é o de inserir seus alunos (cidadãos e
trabalhadores a um só tempo) no mundo do trabalho, com boas condições de
empregabilidade e também no convívio social.
Durante minha vivência como gestor de escola, noto que, enquanto as
organizações voltadas à produção de bens e serviços, mercê do dinamismo
que lhes é peculiar, absorveram e vêm absorvendo mais facilmente os novos
paradigmas, adotando parâmetros mais ágeis e eficazes, estruturas menos
verticalizadas, trabalho em equipe, participação, aproximação dos níveis de
decisão dos de execução, valorizando as pessoas (colaboradores) e conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais (Zaballa, 1999).
Porém, muitas organizações educacionais ainda não tomaram
consciência da necessidade de adotar uma visão sistêmica, dinâmica e
183
cooperativa de forma a despertar em seus alunos a capacidade
empreendedora, a auto-estima, a ética, o respeito às diferenças, enfim, virtudes
imponderáveis que a escola normalmente não contempla.
Paradoxalmente, há um quase-consenso no meio acadêmico de que a
escola deve preparar adequadamente profissionais prontos a responder às
rápidas transformações da sociedade. No entanto, se por um lado, todo curso
superior deve ou deveria preparar seus egressos para o mundo trabalho, por
outro, parece-me haver um considerável hiato entre escolas e empresas, como
se fossem instâncias isoladas, quando, ao contrário, as instituições de ensino
superior precisariam estar em constante sintonia com as organizações, suas
demandas e expectativas, visando adequar a qualificação de seus alunos para
inserção no sistema produtivo, já que este, por seu turno, não apenas vem se
adaptando rapidamente às mutações (ou seja, dando o exemplo) como
também, dentro dessa lógica, solicita profissionais com este mesmo perfil
flexível, curioso, empreendedor.
Esse procedimento é equivocado, porque, na área educacional, à
medida que a ciência e a tecnologia criam artefatos físicos e virtuais cada vez
mais sofisticados e presentes no cotidiano, a escola teria de utilizar tais
tecnologias no ambiente escolar e na ensinagem (Pimenta e Anastasiou,
2002), a fim de aprimorar os processos cognitivos e a percepção de mundo, de
alunos e professores, a fim de se manter atualizada e não perder de vista sua
finalidade.
Como aqui mencionei, à medida que a escola não troca informações
com seu entorno e com outros sistemas e subsistemas, corre o risco de entrar
em crise e, no limite, colapsar.
No caso do Luiz Rosa, havia necessidade, portanto, de se buscar a
formação de profissionais capazes e competentes, mantendo na instituição um
ambiente propício a, entre outros fatores, estimular essa cultura
empreendedora.
No início do segundo semestre de 2005 foram feitas reuniões para
regular, definir e reorganizar o instrumento que serviria para exercitar as
184
estratégias comuns a todos os cursos e capaz de, efetivamente, envolver
alunos e professores, sendo consensualmente acordado que tal instrumento
seria uma peculiaridade da instituição. Decidiu-se, então, pela definição e
detalhamento deste, de modo que fosse comum a todos os cursos, e ainda
pela forma de regulação dos demais procedimentos e atividades a serem
realizados nas disciplinas isoladamente.
Retornando à pesquisa-ação, estamos agora na etapa das proposições,
que, como observaremos, irá se confundir com a etapa das implementações,
na medida em que os coordenadores resgataram o projeto interdisciplinar
como modelo a ser aprimorado na construção de um instrumental comum.
Algumas preocupações surgiram, dentre as quais a de como assegurar
sua estrutura coletiva e a necessidade de ser desenvolvido em sala de aula.
Em outras palavras, não se visava apenas a uma forma de documentar as
práticas, mas a um real exercício que envolvesse e mobilizasse professores e
alunos.
Reuniões com coordenadores, professores e representantes de alunos
visaram normatizar e implementar este instrumento como prática regular de
todos os cursos. De tais reuniões, restou evidenciado as muitas possibilidades
de aprendizado que a proposta continha, desde que fosse aprimorada no que
se referia a conseguir o envolvimento de todos os professores, alunos e da
própria instituição. Ao mesmo tempo em que eram implementados os projetos
interdisciplinares, a busca por uma melhor forma de avaliação levou os atores
envolvidos a estabelecer normatizações para a apresentação dos trabalhos,
assim como os elementos que deveriam ser observados no processo de
avaliação.
Idéias e propostas de projetos foram surgindo seguidamente. Nas
reuniões de coordenadores, a troca de sugestões para possíveis projetos
ocupava todo o tempo desses encontros. Era preciso encontrar um mínimo de
sistematização para selecionar e viabilizar os projetos mais adequados.
As relações com empresas haviam aumentado consideravelmente e,
mais uma vez, observava-se a necessidade de promover uma maior
185
participação docente. O que se verificava era que os professores não
vinculados a algum projeto colocavam-se se não contrários, reticentes.
Voltando ao exame das atas, verifico que um novo modelo de
planejamento das aulas do semestre incluía os projetos interdisciplinares na
sua composição. Com isso, todo professor deveria estar ligado, ainda que
indiretamente, a algum projeto, e aí pudemos perceber que a resistência era
mais devida ao fato de não estar participando de um projeto que aos próprios
projetos.
Vencida esta etapa, e com uma significativa participação docente, várias
etapas tiveram de ser retomadas: do modelo de instrumento à forma de
implementação, passando, evidentemente, pelas relações de sala de aula,
desenvolvimento de conteúdos, avaliação e distribuição do tempo.
Uma das principais exigências em relação ao corpo docente da
Instituição Educacional Professor Luiz Rosa sempre foi a experiência
profissional, que prepondera sobre a titulação acadêmica, tanto que, ao
implantar seus cursos de graduação, procurou aproveitar o competente corpo
docente de seus cursos técnicos, promovendo a volta aos estudos destes
professores, em busca de titulação, a fim de habilitá-los ao nível superior.
Como os cursos tecnológicos aí oferecidos visam prioritariamente a
inserção do egresso no sistema produtivo, torna-se fundamental o
conhecimento aliado à prática de quem já trabalha no mercado, para garantir,
ao longo do curso, a ênfase no segmento a que o curso se destina, e nesse
caso, professores, apesar de titulados, mas sem experiência na área, não são
capazes de dar respostas às demandas cognitivas dos alunos.
Assim, graças à adesão desses professores, foi possível implementar
uma proposta de desenvolver projetos interdisciplinares com temas definidos
para cada curso e com a supervisão de todos os professores daquele curso. O
desenvolvimento desses projetos gerou inúmeros debates e reflexões. Como a
etapa reflexiva da pesquisa-ação, estava-se, de fato, promovendo a avaliação
dos projetos enquanto instrumentos de inovação das práticas pedagógicas.
186
A principal preocupação da metodologia de projetos, apoiada pela
pesquisa-ação, é a reflexão sobre a prática. Assim, as mudanças decorrentes
deste processo foram mais significativas nesta fase que nas seguintes.
Para entender este “fenômeno”, poder-se-ia recorrer às leis da física,
que asseguram ser mais fácil manter a velocidade que sair da inércia. Com
efeito, foi mais difícil passar pela fase dos projetos interdisciplinares, que pelas
fases dos projetos integradores e do escritório de projetos integradores.
5.3.2 Fase 2 - Projetos Integradores
No início de 2006, os projetos interdisciplinares começaram
embrionariamente a se caracterizar como integradores, denominação que só
mais tarde seria adotada, pois embora ainda desenvolvidos para cada curso,
buscavam o suporte de outras áreas para serem desenvolvidos.
Havia, nessa época, uma espécie de projeto-símbolo, cujo objetivo era a
melhoria da qualidade de vida de um determinado grupo de famílias, e que
podia ser considerado como uma forma de integrar diferentes cursos e
disciplinas.
O trabalho seria acionado pelo Serviço Social da Prefeitura Municipal de
Jundiaí que, juntamente com uma Sociedade Amigos do Bairro (SAB), indicaria
um grupo de famílias para participar do projeto. Inicialmente seria feito um
levantamento socioeconômico de cada família e, a partir dessa realidade, os
alunos envolvidos no processo buscariam montar um projeto de melhoria da
qualidade de vida daquelas famílias, que abrangeria alguns pontos principais:
a) conjunto de orientações para melhorar a qualificação e a empregabilidade
dos membros da família; b) organização de uma central de compras, em forma
cooperativada, que possibilitasse a utilização mais racional dos recursos
usados na alimentação básica das famílias atendidas; c) racionalização do uso
de água e luz; e d) organização de mutirões para a melhoria das habitações
etc.
Este projeto, que não chegou a ser implementado, era simbólico por
possibilitar a participação de todo e qualquer aluno, independentemente do
187
curso ou do período de entrada. A meu ver, perdeu-se aí uma boa
oportunidade. Com efeito, na medida em que sua implementação exigiria
experiências e conhecimentos de muitas áreas, poderíamos ter um projeto
efetivamente integrador, envolvendo a instituição toda e com um caráter
amplamente social.
Nesse tipo de projeto haveria, a meu ver, uma grande afinidade com os
princípios da pesquisa-ação, visto que, a partir de uma etapa de
reconhecimento, o grupo de alunos decidiria com as famílias a melhor forma de
planejar e implementar as necessárias mudanças, com perspectivas de
benefícios para todos.
Mas, agora, refletindo sobre essas experiências levadas a efeito na
instituição, noto que as primeiras etapas de implementação de um projeto,
como todos os processos e/ou propostas inovadoras, passam por uma fase em
em que ainda não se sabe se a pretendida mudança é efetiva. Neste aspecto,
professores e alunos tendem a agir da mesma forma, ou seja, manifestando
um misto de desconfiança e incredulidade.
Essa resistência às transformações não é um “privilégio” das instituições
educacionais, mas sim de toda e qualquer organização que pretenda mudar
mentalidades, comportamentos, rotinas etc. Na verdade, o medo do novo e do
desconhecido tem origem em uma certa incapacidade de, a partir dos dados e
tendências do agora, fazer previsões sobre o futuro (projetar). Infelizmente é
bastante comum escolas praticarem aquela forma de educação bancária
(Freire, 1984), ignorando a emergência de um novo paradigma educacional,
centrado na ensinagem e em um cidadão-aprendente que sabe, ao mesmo
tempo, viver em sociedade e “fazer coisas”, dominando o funcionamento de
máquinas e equipamentos, mas, sobretudo, processos, estando apto a agir
sobre eles, adaptá-los e mudá-los se preciso.
A conseqüência direta desse equívoco é o egresso encontrar fechadas
as “portas” do mercado.
Voltando ao desenrolar do processo, seguem-se sugestões para
aumentar o controle sobre as etapas iniciais dos projetos interdisciplinares,
188
observando-se aí, outra vez, forte resistência às mudanças, aliada aos hábitos
negativos acumulados ao longo da trajetória educacional de cada um dos
atores envolvidos. Um desses hábitos é a tendência de nos preocuparmos com
avaliação do aluno apenas diante de sua proximidade. A lógica subjacente é a
seguinte: sendo a “cobrança” exclusivamente centrada na memorização de
dados por parte do aluno, a probabilidade de esquecimento é tão maior quanto
mais longa a distância entre o o contato com a informação e a “aferição” dos
conhecimentos.
De acordo com esta “lógica”, considerando que o projeto interdisciplinar
só seria “cobrado” no final do semestre, e sem consciência de se tratar de um
processo de e em construção, o princípio de que não devemos nos preparar
com muita antecedência parecia plausível.
Agora, refletindo sobre esses equívocos, encontro as razões ao
examinar os princípios do paradigma eco-sistêmico (Moraes, 2004). De fato, as
propostas inovadoras requerem, antes de mais nada, mudanças
comportamentais. Então, aquelas posturas observadas com insistentes
retomadas à resistência às mudanças acabam revelando a cultura escolar e
educacional subjacentes às práticas pedagógicas. Assim, toda proposta de
mudança deve considerar não apenas os meios de operacionalização, mas,
sobretudo, a resistência cultural com que irá deparar.
Retornando ao processo, o exame das atas mostrava que os projetos
interdisciplinares – que ao longo do ano passaram a se chamar integradores
deviam levar em conta, durante sua implementação, meios que justifiquem sua
importância no processo educativo.
Buscando estratégias para implementar novas práticas educativas, os
coordenadores discorreram sobre suas experiências profissionais e das
características dos treinamentos realizados nas empresas. Modalidades como
estudos de caso, discussão em grupo, dinâmicas de grupo, debates orientados
e produção de relatórios foram lembrados, tendo sido estudados mecanismos
para sua implementação em sala de aula.
A utilização dessas técnicas, entretanto, deve ser avaliada para sua
189
adequação ao tipo de aluno e às propostas do tecnológico, sobretudo com a
incorporação dos saberes produzidos nos ambientes de trabalho.
Os professores devem ser orientados quanto às estratégias que
possibilitem tanto o aproveitamento dessas experiências quanto à utilização
das técnicas usadas no sistema produtivo.
A análise das atas dessa época revela que as características elencadas
para as estratégias de sala de aula apontavam para a mesma linha de trabalho
proposta para os projetos integradores.
Acho relevante destacar que tenho em diferentes momentos criticado o
que chamo de educação tradicional, conteudismo e foco no ensino. Vou tentar
deixar bastante claro, até mesmo por dever histórico, o que entendo por estes
termos, para estabelecer os princípios que defendo. A educação tradicional, de
características essencialmente positivistas, tem propostas fundamentais na
estruturação do processo educativo e que devem ser preservadas.
O que insistentemente questiono é a sua aplicação como única forma de
desenvolvimento e construção do conhecimento.
Antes, a lentidão com que sucediam as mudanças permitia às escolas
praticar por décadas uma didática conservadora, centrada no ensino, lousa,
saliva e giz. A realidade era mais estável, e o mercado, mais generoso,
absorvia os graduados plenos para treiná-los no serviço. Hoje tudo mudou, e a
aceleração das inserções tecnológicas é tal que não há tempo nem de
assimilar uma e já outra surge, mais eficiente e módica. O mercado passou a
exigir da escola profissionais flexíveis, multiespecializados, polivalentes.
Enquanto aqui fora isso acontece, e em uma crescente aceleração, esse
tipo de instrucionismo ou conteudismo se limita a divulgar informações, como
se conhecimentos estivessem sendo transferidos, preocupando-se
exclusivamente com a transmissão, como uma emissora que ignorasse seus
receptores. Qualidade de ensino é sempre desejável, mas não deve ser
confundida com educação, conceito consideravelmente mais amplo, sobretudo
na sua relação com os processos de aprendizagem.
190
Vamos nos deter neste aspecto que considero fundamental: a relação.
Acredito que os aspectos mais importantes da relação ensino-aprendizagem
não estão no ensino nem na aprendizagem, mas na relação entre eles. Não há
ensino se não houver aprendizagem. E aprendizagem tem, via de regra, uma
forte correlação com o ensino, ainda que tenha ocorrido graças ao auto-ensino.
Afirma Galileu não ser possível ensinar nada a a ninguém, só ajudá-lo a
aprender. A tendência natural dos estudos sobre o processo de ensino-
aprendizagem (ensinagem) busca focar este ou aquele componente do
processo, quando entendo que o mais importante está justamente nesta
relação.
Falando sobre ecologia (de ekos = casa + logos = estudo), Moraes
(2002b) afirma:
A ecologia é a ciência que estuda as relações entre os seres vivos e o seu
meio ambiente. Um pensamento ecológico seria, então, um pensamento
relacional, dialógico, indicando que tudo que existe, co-existe e que nada
existe fora de suas conexões e de suas relações. Isto se refere não
apenas à ecologia natural, mas também à cultura, à sociedade, à mente e
ao indivíduo, indicando a interdependência existente entre diferentes
domínios da natureza, as relações que ocorrem entre seres viventes e
não-viventes, educadores e educandos, indivíduos e contextos. O
pensamento ecológico é, portanto, relacional, aberto e traz consigo a idéia
de movimento, de fluxo energético contínuo, de propriedades globais, de
processos auto-reguladores, auto-organizadores, indicando a existência de
um dinamismo intrínseco que traduz a natureza cíclica e fluída desses
processos.
Portanto, em uma visada sistêmica e eco-sistêmica não há espaço para
o instrucionismo (ênfase no ensino). A base da ensinagem (conceito que se
funda na relação práxica entre ensino e aprendizagem) se constrói sobre as
matrizes de um pensamento relacional.
Didática, em geral, refere-se a ensino e a questão deve ser tratada na
sua dimensão metodológica: a) como melhorar o ensino; b) reflexão sobre as
atividades e situações de sala de aula; c) relacionamento professor-aluno.
191
Isso passa necessariamente pela diferença entre aquelas graduações
generalistas que “ensinam conteúdos” e os tecnológicos, que preparam
cidadãos focados no mercado local ou regional, empregando metodologias
inovadoras. Esse é, a meu ver, o caminho correto porque, devido às rápidas
mudanças que ocorrem agora, entre as quais os processos de reestruturação
produtiva, a educação para o trabalho torna-se complexa, resultante que é da
articulação de muitas variáveis (relações sociais, nível de escolaridade, grau de
acesso à informação, saberes, exposição a obras estéticas, científicas e
culturais, experiências na vida social e profissional etc.), razão pela qual a
formação dos tecnólogos enfatiza competências capazes de habilitá-los a
desempenhar funções na vida social, escolar, pessoal e profissional, em um
contexto incerto que deles solicita – cada vez mais – flexibilidade e rapidez nas
decisões e na resolução de problemas complexos.
Mas, a despeito de todas as evidências de que algo mudou, veloz e
radicalmente, os cursos tecnológicos encontram variadas resistências, tanto
em âmbito interno (professores, alunos), como externo (público em geral).
Tento explicar por que isso ocorre, e mais, por que as pessoas tendem a
considerar as graduações tradicionalistas como mais confiáveis.
Nesse sentido, um primeiro equívoco que o senso comum nutre decorre
da confusão entre técnica e tecnologia. Um curso de graduação tecnológica
(nível superior) não é igual a um curso técnico, de nível médio, que prepara
também para o mercado de trabalho, mas cuja abrangência se restringe a
rotinas e métodos específicos a uma área do conhecimento, buscando
desenvolver habilidades mais práticas. O tecnológico ultrapassa as fronteiras
do mero fazer, embasando-se em procedimentos científicos, em busca de
competências que tornem o tecnólogo capaz de entender processos, modificá-
los, criá-los ou aperfeiçoá-los (saber+fazer). Mas a confusão existe e persiste.
Em segundo lugar, é muito mais fácil ignorar o novo com receio do
desconhecido. Em minha história de vida, relatada na apresentação deste
trabalho, afirmei ter presenciado escolas entregarem um programa pronto a ser
cumprido, e que muitos professores ou preferiam assim, seja por comodidade,
192
seja por julgarem acertado. Certamente um professor com esta crença será
avesso a mudanças ou inovações. Se em âmbito interno há resistências,
imagine-se fora da escola.
Lembro mais uma vez que há alguns anos as mudanças ocorriam, mas
em ritmo muito mais lento. A faculdade ou universidade podia praticar o mesmo
tipo de ensino (e de aula) por muitos anos, décadas até. O mercado de
trabalho, ainda não saturado, também era amigável, compreensivo, aceitando
recém-graduados para treiná-los nas funções requeridas, ou seja, a
flexibilidade dos cursos era mínima, e a generosidade do sistema produtivo,
máxima. Assim, as pessoas cresceram e se formaram nesse tipo de escola,
que praticava o instrucionismo e avaliava dados nas sabatinas e provas. Se o
mestre fosse “linha dura”, reprovando ou dando notas baixas, isso,
paradoxalmente, somava pontos a favor do mestre e da escola, sendo (e ainda
é) tido como sinônimo de “qualidade de ensino”, confiabilidade. E, na verdade,
é mesmo muito mais fácil aferir a “qualidade” da escola pela concorrência no
vestibular, notas que atribui, apostilas prontas, tecnologias de ponta, enfim,
isso são coisas visíveis, concretas, de fácil entendimento e mensuração.
Por outro lado, os cursos tecnológicos, por serem novos, ainda não são
bem conhecidos. Não precisam ter nem avaliações tradicionais nem
metodologias comuns. Seus professores não precisam ser necessariamente
supertitulados, mas certamente muito experientes. Enfim, não apresentam algo
palpável, visível e mensurável.
Se e quando o aluno da graduação tradicionalista tiver dificuldade de se
inserir no mundo do trabalho, talvez, com muita probabilidade, não vai atribuir
seu insucesso à escola que cursou, assim como alguns egressos de cursos
tecnológicos também não se mostraram capazes de associar sua
empregabilidade ou até a progressão na carreira com a eficiência da
metodologia empregada na faculdade de tecnologia onde se formou. Isso
mostra as razões de ser tão difícil aceitar o novo como algo melhor. Para
muitos (se não para a maioria), o “antigo” é sempre mais seguro, e o visível,
mais confiável.
193
Todas essas abordagens nos remetem à complexa tessitura em que nos
vemos envolvidos e nos impedem de caminhar linearmente ao longo de um
tempo igualmente linear. Entretanto, são essas idas e vindas que nos permitem
identificar continuamente o caráter cíclico-recursivo da pesquisa-ação e dos
demais correlatos teóricos aqui acionados.
De conformidade com o paradigma eco-sistêmico, fica bastante clara a
preocupação com o desenvolvimento de aspectos atitudinais ao longo do
processo educativo, com orientações específicas para: a) troca de experiências
profissionais entre alunos; b) trabalho cooperativo e em grupo; c) tomada de
decisão; d) abordagem de problemas reais, acompanhados de uma
preocupação com aspectos acadêmicos; e) prazo e situações de sala de aula.
Muito mais que conteúdos e conhecimentos, os aspectos atitudinais são
hoje exigidos pelo mundo do trabalho. Por essa razão, é indispensável buscar
uma contínua integração entre a escola e o mercado, academia e mundo do
trabalho, teoria e prática. E esta integração é um dos pontos fortes da
metodologia de projetos. Por isso é que se torna produtivo e imprescindível
trabalhar com os alunos em situações-problema (simulações) ou mesmo
problemas (reais) o mais próximos possível da realidade.
Os projetos interdisciplinares, da forma como foram estruturados,
começam a mostrar algumas dificuldades. Os coordenadores se ressentem de
um instrumento que possa caracterizar a proposta pedagógica da instituição,
do mesmo modo que um conjunto de estratégias para a adequada utilização do
instrumento. O ciclo da pesquisa-ação ultrapassa a fase da reflexão e
determina a estruturação de uma nova proposta que pode ser caracterizada
como decorrente de dois problemas colocados para os coordenadores: a
definição e detalhamento de um instrumento (projeto) comum a todos os cursos
e a forma de regulação de todos os outros instrumentos e atividades que
devem ser realizados nas respectivas disciplinas. O que aí se observa é a
necessidade de um mínimo de uniformização.
Há um consenso de que as evidências observadas no desenvolvimento
dos projetos interdisciplinares apontam para a importância desse instrumento e
194
já se nota uma ampla aceitação tanto por parte dos alunos como de
professores, acerca dos efeitos positivos decorrentes de sua adoção. Muitos já
o identificam como metodologia e as resistências diminuem consideravelmente.
Do ponto de vista da pesquisa-ação, esta é a etapa da reflexão sobre a
ação, que levará a novas proposições, iniciando um novo ciclo, como de fato se
observou.
Nas atas subseqüentes aparecem inúmeras sugestões para melhorar o
processo, envolver professores e motivar alunos, mas o mais significativo é que
começa a tomar forma o trabalho de pesquisa aplicada.
Como a pesquisa-ação é um recurso cíclico-recursivo, caracterizado
como um dos operadores cognitivos do pensamento eco-sistêmico e do
pensamento complexo, não é possível vislumbrar com clareza em que ponto
espaço-temporal cada ciclo tem seus limites. A posteriori, é possível identificá-
los, mas no seu transcorrer, os ciclos se sobrepõem e a base de uma nova
proposta se estende por entre esses ciclos. Neste período, a questão da
avaliação ressurge com grande força, pois os atores envolvidos precisariam se
adaptar a uma nova forma de avaliar, adequada à proposta em
desenvolvimento.
São tão complexos os entrelaçamentos entre os elementos constituintes
do processo educativo que, muitas vezes, propostas invadoras não se
implementam por não serem capazes de contemplar todos esses elementos.
Não sei se podemos pensar em um subciclo, não previsto em nenhum dos
autores pequisados. Este seria voltado apenas à avaliação. Foi o que ocorreu
na prática, pois reconhecemos o problema, propusemos alternativas, testamo-
las e reflexionamos sobre seus resultados.
Alunos e professores interagiram e “negociaram” um processo híbrido de
avaliação, incluindo instrumentos objetivos e atribuições de conceitos pela
banca na apresentação dos projetos.
Estes conceitos das bancas foram estabelecidos com base em um
conjunto de indicadores de fácil observação e aferição, ainda que, muitas
195
vezes, subjetivos. Alguns dos aspectos contemplados foram: motivação;
participação docente e discente; desenvolvimento do trabalho; caráter
inovador; atividades de pesquisa; grau de dificuldade e rigor científico.
De um modo geral, os coordenadores estavam bastante otimistas e
havia vários relatos de desenvolvimento de projetos bem-sucedidos, assim
como de seus reflexos em alunos e professores.
Porém, ainda não havia muita uniformidade quanto ao envolvimento com
a qualidade dos trabalhos, mas o nível de consciência de sua necessidade e
importância aumentou consideravelmente, sobretudo em relação aos projetos
na estrutura do curso e na composição da avaliação.
No final do primeiro semestre de 2006, durante a apresentação dos
projetos interdisciplinares, já se evidenciava a valorização que a proposta
apresentava. Surgiram, então, muitas idéias para a melhoria do processo.
Mais uma vez, os princípios da pesquisa-ação se revelaram relevantes,
pois estávamos tomando consciência da necessidade de evoluir a partir dos
projetos interdisciplinares.
No início do segundo semestre de 2006, principalmente em função
desses trabalhos apresentados no final do semestre anterior, foi ficando cada
vez mais claro que a fase “projetos integradores” que sucedera à fase “projetos
interdisciplinares” já estava em andamento. Este é mais um exemplo de como
o fator cíclico-recursivo impossibilita a percepção da mudança no momento
mesmo de sua ocorrência. Isso nos remete à idéia de coexistência de
paradigmas, em que um, dito “antigo”, não substitui o “novo”, mas há um efeito
residual-cognitivo que passa necessariamente daquele para este, convivendo
ambos harmonicamente, cada qual com aplicação consistente em sua e
específica área e domínio.
Moraes (2003: 139-140) valida esta assertiva, afirmando ser mais
adequado e correto falar-se em coexistência de paradigmas, uma vez que
“conceitos e teorias soberanos convivem com teorias rivais (...) com outros
modelos, conceitos ou fenômenos recalcitrantes que não se ajustam facilmente
196
ao paradigma vigente”.
Assim, começou-se a adotar o nome de projetos integradores como uma
necessidade de integrar as disciplinas de cada curso e de diferentes cursos.
O início desse período letivo foi marcado por um movimento de inter-
relações docente-discente na busca da estrutração de novos projetos. Nas
primeiras atas deste semestre encontramos a proposta de que fosse realizada
uma apresentação pública dos melhores trabalhos desenvolvidos ao longo do
semestre. Esta e outras idéias foram sendo progressivamente implementadas e
produziram novos estímulos, que, por sua vez, refletiram na escola como um
todo e na sala da aula em especial. Os alunos, então, começam a buscar nos
conteúdos de cada disciplina as correlações com os projetos integradores que
estavam desenvolvendo.
Como tenho afirmado ao longo deste trabalho, o foco do processo entre
ensino e aprendizagem está na relação entre esses dois elementos. O que se
observava, então, era que os alunos apresentavam mostras significativas de
aprendizagem ao contextualizar os conteúdos em seus respectivos projetos.
Durante todo o semestre, coordenadores, professores e alunos
preocuparam-se em preparar a apresentação para que seus projetos
pudessem ser escolhidos na mostra programada para o final do ano,
evidenciando-se, pois, o papel altamente signicativo dos projetos integradores
e a necessidade de dedicarmos um maior tempo para eles, visto que sua
elaboração colidia com as atividades programadas para as aulas regulares.
Todas as atas a partir da metade do segundo semestre de 2006
apresentavam os problemas decorrentes da implementação dos projetos, tais
como: excessiva especificidade do tema proposto; dificuldade de conciliar a
orientação do projeto e as atividades regulares de sala de aula; diferentes
graus de interesse dos alunos em diferentes grupos ou dentro de um mesmo
grupo; pouca receptividade de algumas empresas; custo do desenvolvimento
de alguns projetos; indisponibilidade de tempo de alguns participantes.
Aos poucos, no entanto, com muita flexibilidade da instituição e dos
197
coordenadores, muitos projetos foram finalizados e a seleção dos melhores foi
bastante difícil e concorrida. Para a apresentação pública, os projetos foram
reordenados, ganhando um novo formato, o que possibilitou um resultado
bastante satisfatório.
5.3.2.1 Projeto Integrador: características, objetivos e etapas
Um projeto integrador visa promover o exercício da aplicação dos
conhecimentos adquiridos durante o curso; exercitar o trabalho em grupo, a
troca de conhecimento e experiências entre alunos integrantes de cada grupo,
integrando-os aos demais alunos de turmas e áreas diferentes e entre eles e os
professores e coordenadores, com o propósito de capacitar a todos para a
identificação e análise de problemas reais em situações reais, concebendo e
avaliando alternativas e, a partir destas, escolhendo hipóteses de ação,
implementando-as na busca de viabilizar a idéia e a hipótese de ação iniciais,
com o intuito de verificar a validade da solução proposta e, se preciso,
reflexionar sobre tais decisões, reformulando escolhas, alternativas e hipóteses
de ação, até que se consigam os resultados esperados para aquele problema
específico.
Um projeto integrador tem, em geral, quatro etapas.
O desenrolar da primeira etapa – Conhecendo o Problema – é
registrada em um relatório do qual constem a identificação das atividades
necessárias para o desenvolvimento das alternativas; formulação de uma
proposta e planejamento da execução do projeto; relação entre a organização
escolhida e a idéia inicial; descrição e contextualização do problema, possíveis
causas e perspectivas; identificação e descrição das atividades necessárias ao
desenvolvimento do projeto e organização do trabalho com a apresentação de
um fluxograma. O planejamento é objeto de um cronograma de execução do
projeto, dele constando as atividades desenvolvidas, reuniões, datas,
participantes, atas e, ainda, a avaliação da participação dos integrantes do
grupo, com o objetivo de estabelecer o comprometimento de todos os alunos
com o trabalho. Tal avaliação é efetivada segundo os critérios adotados pela
instituição.
198
A segunda etapa – Análise do Problema – objetiva conhecer,
detalhadamente a organização escolhida, seus objetivos, histórico, forma de
atuação, insumos, produtos e expectativas; identificar as ações ou mudanças
que podem ser propostas visando a contribuir para a solução do problema,
relacionando e detalhando as dificuldades e facilidades associadas a cada
ação ou mudança identificada. Ao final dessa etapa, um relatório trará a
descrição: a) do problema para efeito de formulação de alternativas de solução;
b) da organização e da sua forma de operação; c) das ações e/ou mudanças
possíveis, que foram identificadas e respectivas dificuldades e facilidades; d) a
apresentação de uma matriz demonstrando como as ações e/ou mudanças
indentificadas se relacionam entre si; e) o relato das atividades desenvolvidas,
indicando as reuniões, datas, participantes e atas; e f) a avaliação da
participação dos integrantes do grupo, nos mesmos moldes da etapa anterior.
A terceira etapa – Formulação da Proposta – visa analisar as ações
e/ou mudanças identificadas e escolher um conjunto que deve constituir uma
ou mais propostas a serem apresentadas à organização; demonstrar a
viabilidade legal, econômica e operacional da proposta ou propostas e sua
efetividade; descrever os resultados esperados com a implementação da
proposta ou propostas apresentadas.
Ao final dessa etapa um relatório ampliado trará os conteúdos dos dois
anteriores relatórios, cujos dados e informações deverão estar organizados e
consolidados; a descrição da análise realizada, da construção da proposta ou
propostas finais e das condições para implementação e resultados esperados.
Suplementarmente, um documento deverá ser elaborado, dele
constando o resumo e a ilustração das informações sobre o problema
enfocado, da organização escolhida e da proposta ou propostas apresentadas;
atividades desenvolvidas, reuniões, datas, participantes e atas; apresentação
das considerações finais e a avaliação da participação dos integrantes do
grupo de acordo com os critérios adotados pela instituição. Do documento
constará ainda a apresentação das referências.
A quarta etapa – Defesa da Proposta – objetiva consolidar e transformar
o relatório final em um documento para apresentação, empregando os recursos
199
considerados necessários ou convenientes para uma defesa oral da proposta
ao público, dentro de tempo máximo predeterminado, e a uma banca
composta, dentre outros, pelo professor orientador e pelo coordenador de
curso. Em seguida, haverá uma discussão e avaliação da apresentação
realizada, com a participação dos alunos do curso e a elaboração da
apresentação resumida para exposição ao público.
Os relatórios científicos finais seguem os critérios estabelecidos pela
instituição (partes, formatação, citações), de conformidade com as normas da
ABNT.
A avaliação do Projeto Integrador, em todas as suas etapas, é realizada
de acordo com os seguintes critérios:
iniciativa - avalia o empenho dos alunos da busca de informações, dados
e orientações para o desenvolvimento do projeto;
efetividade - avalia em que medida os objetivos pretendidos em cada
etapa foram alcançados pelo grupo;
relatórios - avalia o atendimento aos critérios de apresentação, conteúdo
e qualidade do texto;
comprometimento - avalia a participação feita pelos integrantes de cada
grupo;
planejamento - avalia o cumprimento dos prazos limites para a execução
e entrega de cada etapa;
resultados - avalia a qualidade do resultado final alcançado pelos alunos,
isto é, a qualidade da solução proposta ou a pertinência das considerações
finais sobre o tema escolhido e;
apresentação - avalia a desenvoltura do grupo, capacidade para
esclarecer dúvidas e capacidade de comunicação.
Cada projeto integrador resulta de reuniões com alunos, professores
200
(orientador e outros) e coordenador do curso, para que sejam acordados, entre
outros itens, a idéia inicial, a hipótese de ação, a viabilidade e exeqüibilidade
do projeto, empresas parceiras e prazos. Há um documento inicial, emitido pelo
coordenador do curso, contendo os cursos e professores envolvidos, a
proposta, etapas, objetivos e, ainda, um cronograma com os prazos para a
realização de cada etapa. No término do projeto, antes da apresentação oral,
cópias do documento são distribuídas aos participantes da banca. Após a
apresentação oral e correções sugeridas, os projetos encadernados são
colocados na biblioteca, formando já um considerável acervo, apesar de este
procedimento (defesa do projeto) ser relativamente recente.
5.3.3 Fase 3 – Escritório de Projetos Integradores
No início de 2007, no formato acima descrito, os projetos integradores já
estavam em pleno desenvolvimento, e muitas das dificuldades iniciais já
haviam sido vencidas. Entretanto, novos problemas (de um ponto de vista
sistêmico, emergências), surgiam, sendo o principal deles conciliar o
desenvolvimento de projetos, que passaram a demandar mais tempo e
dedicação, e as atividades das aulas regulares previstas nos planejamentos.
Além disso, o sistema híbrido de avaliação (aulas-projetos) começava a
apresentar “rachaduras”, pois muitos alunos alegavam que, ao se dedicar ao
projeto, haviam perdido o foco de diversas discplinas e suas respectivas aulas.
Em menor escala, também ocorria o inverso.
Apesar dessas emergências (problemas de ordem prática), por essa
época (início de 2007), os projetos integradores já estavam consolidados como
uma marca da instituição, sendo elogiados até pelos avaliadores do
INEP/MEC, tendo, então, assumido definitivamente e com muitas vantagens, o
papel de monografia de final de curso ou do Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC), que, embora não aplicável aos tecnológicos, é uma das exigências
oficiais para as graduações, e, conseqüentemente, também para a graduação
tecnológica, ainda que não entendida como um trabalho individual que o aluno
tem de entregar no final do curso, e que contempla pontos abordados em uma
formação conteudista, hierarquizada e fragmentária.
201
Tanto isso é verdade que várias instituições de ensino supeior que
ofertam cursos tecnológicos solicitaram (solicitam) informações sobre o
funcionamento desses projetos, revelando que tal prática havia ultrapassado os
limites da Instituição Educacional Professor Luiz Rosa.
A necessidade de conciliar todas as novas dificuldades com a
importância que os projetos integradores haviam assumido levou à constituição
de uma nova disciplina, o escritório de projetos integradores (EPR).
Este processo teve razoável grau de complexidade, pois demandou a
reestruturação do quadro curricular da faculdade, obrigando inclusive uma nova
publicação deste, pois esta é uma exigência do Ministério da Educação.
Por sua vez, a mudança do quadro curricular gerou outras
conseqüências, pois durante sua implantação convivem na instituição alunos
submetidos a diferentes composições de disciplinas, distribuídas em diferentes
semestres. A migração de um quadro para outro é possível, mas o direito do
aluno de concluir o curso com as características existentes quando de sua
matrícula inicial deve ser preservada. Recentemente, com a edição do
Catálogo Nacional de Cursos Tecnológicos pela Secretaria da Educação
Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC), inúmeras instituições ofertantes de
cursos tecnológicos experimentaram a mesma situação.
Todo o trabalho de relacionamento com empresas, sobretudo de
consultoria sem custos, que muitas delas obtiveram por meio de projetos
integradores, cujo objeto de estudo se referia a casos reais, apresentou
resultados positivos. Muitos dos projetos integradores foram desenvolvidos por
meio dessas parcerias e podem ser, definitivamente, caracterizados como
pesquisa aplicada.
Aqui faz sentido falar em aprendizagem integrada, que não dispensa a
aprendizagem de disciplinas científicas e técnicas especializadas, com as suas
metodologias e linguagens próprias, mas complementa-a e integra-a num
corpo organizado de conhecimentos, aberto a novas aquisições e
desenvolvimentos e capacitando para a sua aplicação prática, efetiva e útil
(Moraes e La Torre, 2005).
202
A partir de problemas reais constatados em empresas parceiras, grupos
de alunos, sob a orientação de professores, muitos destes especialistas nas
áreas pesquisadas, desenvolviam, analisavam e mapeavam a situação
constatada; diagnosticavam o problema ou problemas em seus vários
componentes; estudavam as soluções cabíveis, inclusive do ponto de vista da
exeqüibilidade e custos, e apresentavam as soluções para as empresas.
Um dado significativo foi que o número de empresas que passaram a
buscar a instituição cresceu consideravelmente, obrigando a faculdade a iniciar
um processo de seleção das consultorias propostas.
Como pesquisa acadêmica, o tempo de desenvolvimento desses
projetos estava atrelado às disponibilidades dos alunos e dos professores
orientadores, não havendo qualquer compromisso da empresa na sua
implantação e tampouco em qualquer forma de financiamento do seu
desenvolvimento. A única contrapartida exigida eram a abertura e liberdade
para desenvolver o projeto com a participação da empresa. Mesmo a
perspectiva de estágio segue regras próprias, não estando vinculado ao
desenvolvimento do projeto.
Muitas das soluções desenvolvidas acabaram sendo implementadas e
há vários casos em que a empresa contratou os pesquisadores para a
implantação das soluções propostas. Este modo de trabalhar os
conhecimentos por meio de experiências significativas de aprendizagem
integrada é uma alternativa à maneira fragmentada de aprender conteúdos,
obtendo uma compreensão global de mundo. As práticas metodológicas
contempladas nos projetos integradores desenvolvem a capacidade de análise,
de argumentação e de discussão, como partes de um currículo interdisciplinar,
respaldado no pensamento complexo (Moraes e La Torre, 2005).
Voltando às fases do processo em estudo, observamos que o novo
formato do projeto integrador, inserido agora na disciplina Escritório de Projetos
Integradores (EPR), desenvolvido sob a responsabilidade direta do
coordenador de cada curso e indireta, pelos professores deste curso,
possibilitou a disponibilização de tempo de aula exclusivamente para a
203
orientação de projetos. Todos os dias, a última aula de cada turma é dedicada
ao escritório de projetos integradores e dela participam alunos ou grupos de
alunos que necessitam de orientação para desenvolver seus projetos.
O coordenador responsável por esta aula poderá contar com a
colaboração de um ou mais professores orientadores. Com isso, espaço e
tempo são disponibilizados exclusivamente para os projetos e é possível
avaliar o desempenho do aluno nesta disciplina, independentemente de seus
resultados nas outras disciplinas. Esta fase do projeto resultou de um conjunto
de ciclos da pesquisa-ação, com sucessivos reconhecimentos, propostas,
implementações, reflexões, avaliações, novas proposições, novos ciclos.
A estruturação desta última etapa como disciplina gerou alguma
inquietação quanto à possibilidade de os órgãos fiscalizadores questionarem o
cumprimento da carga horária dos cursos, uma vez que nem todos os alunos
estão obrigados a freqüentar tais aulas o tempo todo.
Evidentemente, caberia aqui uma discussão mais ampla sobre o
significado da carga horária oferecida exclusivamente em sala de aula, mas
não pretendo entrar nesse tema, bastando afirmar que a legislação é bem clara
quando diz que a carga horária se refere ao tempo de efetivo trabalho escolar,
independentemente de onde seja realizado. Como o tempo de
desenvolvimento de um projeto devidamente supervisionado e avaliado é muito
superior ao de um conjunto de aulas regulares, não há o que questionar sobre
sua validade. Este é o estágio atual deste conjunto de ações que modificou
sensivelmente o perfil de formação dos alunos da Faculdade de Tecnologia
Professor Luiz Rosa. A proposta desenvolvida e que embasa os instrumentos e
a configuração utillizados foi denominada metodologia de projetos.
Tal metodologia produziu diversos subprodutos, entre os quais um dos
mais significativos foi a confecção de um roteiro de metodologia do trabalho
científico, que orienta professores e alunos quanto aos procedimentos técnicos,
científicos e acadêmicos a serem usados na redação de um projeto integrador.
Importante salientar que todos os projetos desenvolvidos devem ser
apresentados à banca na forma impressa, seguindo as normas da ABNT
204
vigentes para trabalhos acadêmicos. Como preconiza a pesquisa-ação e suas
vinculações, este é um trabalho aberto em que novos ciclos sobrevirão.
Como lembra Moraes (1997: 183):
Em termos operacionais, observamos que uma educação cujo foco é o
indivíduo contextualizado, com suas inteligências e seus diferentes estilos
de aprendizagern, poderá prover uma integração temática interdisciplinar a
ser desenvolvida por projetos ou atividades que incorporem as instruções e
os conteúdos-padrão, e que conectem assuntos e habilidades
naturalmente encontrados na vida. Projetos de interesse dos alunos, que
interligam temas que exploram assuntos interdisciplinares, revelam o perfil
individual, suas forças e suas fraquezas, além de diferentes capacidades
intelectuais. Com base nos projetos, é possível perceber a congruência
interna com o tema, sua capacidade de imaginação, inovação, criatividade,
julgamento, enfim, todo o seu desempenho no desenvolvimento do
trabalho.
Nossa proposta de trabalho era apresentar seu atual estágio e as etapas
que nos trouxeram até aqui. Estou consciente de estarmos apenas iniciando
um trabalho e que há um considerável conjunto de variáveis sobre as quais não
teremos nenhum domínio em cada encruzilhada desse caminho. Resta-nos a
contínua busca da melhoria do trabalho docente como forma indissociável do
processo de formação de tecnólogos. O crescimento desses cursos está se
fazendo, independentemente de todas as dificuldades que o complexo
processo de desenvolvimento das graduações no Brasil apresenta. Para lhes
dar suporte é fundamental que existam propostas pedagógicas inovadoras.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como enfoque central a metodologia de projetos
adotada nos cursos tecnológicos oferecidos pela Faculdade de Tecnologia
Professor Luiz Rosa, localizada na cidade de Jundiaí, Estado de São Paulo, e
mais especificamente, tratou dos projetos integradores, com base nos quais
foram examinadas, à luz dos pressupostos do suporte teórico aqui utilizado, as
diversas fases de planejamento e implantação de uma pesquisa-ação, a partir
das atas e demais documentos produzidos (diário de bordo, relatórios, planos
dentre outros), com a finalidade de reflexionar sobre as práticas docentes dos
atores (professores e coordenadores) envolvidos.
Devo ressaltar que, de conformidade com os referenciais teóricos e
metodológicos utilizados, todos igualmente dinâmicos, flexíveis, voltados à
abertura, à incerteza e a eventuais correções de rumo, adoto a denominação
Considerações Finais e não Conclusão, pois esta, de certo modo, seria
incoerente com a metodologia e a pesquisa ainda em andamento
desenvolvidas na instituição examinada. Entendo, portanto, que o não-
fechamento que modaliza estas Considerações é uma das características mais
significativas dos sistemas abertos não lineares. Nesse sentido, embora haja
aqui certas observações, iluminações e caminhos provisórios, estes não devem
ser, de forma alguma, interpretados como algo acabado e definitivo.
Também mantenho aqui o mesmo caráter cíclico-recursivo intrínseco à
pesquisa-ação que norteou este estudo à luz da TGS, paradigma eco-sistêmico
e pensamento complexo, retomando, quando preciso, certos pontos que julgo
relevantes para o encaminhamento dos resultados ora observados.
Passo agora a tecer alguns comentários pontuais sobre as possíveis
conexões entre os princípios básicos da TGS, paradigma eco-sistêmico,
pensamento complexo, metodologia de projetos e pesquisa-ação, apontando a
relevância e a pertinência de tais relações no desenrolar deste trabalho.
Um primeiro ponto se refere aos cursos tecnológicos oferecidos pela
instituição, locus onde esta pesquisa ocorre e onde se pratica a metodologia de
206
projetos (integradores), aqui focalizada pelas “lentes” metodológico-
epistemológicas da pesquisa-ação. Desse modo, esclareço que os cursos
tecnológicos têm características e objetivos diferenciados: são adequados a
certo tipo de público com um perfil próprio, como revelam as pesquisas
institucionais realizadas desde 2004. Nesse sentido, alguns diferenciais das
graduações tecnológicas são:
a) o foco, que objetiva formar o cidadão para área e mercado delimitados;
b) a organização modular, que permite ao aluno tanto entradas (sem pré-
requisitos) em qualquer dos módulos, como também saídas intermediárias
certificadas, com aproveitamento de estudos;
c) o tempo compatível com os objetivos tendo em vista que o
tecnólogo tem de desenvolver tarefas próprias de uma dada área
profissional, com formação específica, voltada à gestão, desenvolvimento
e difusão de processos tecnológicos;
d) a apropriação de um vasto e fértil saber humano produzido fora da
escola, fundamental para os tecnológicos, mas geralmente ignorado nas
disciplinas ditas clássicas, e que contemplam o desenvolvimento natural da
vida, da sociedade e do sistema produtivo;
f) a ensinagem – que faz interagir ensino e aprendizagem, otimizando o
fazer e o saber (do senso comum) em prol da aquisição de conhecimentos
científicos progressivamente mais sofisticados;
g) o currículo centrado em competências, que visa preparar o tecnólogo
para tomar decisões adequadas na hora certa; gerenciar sua própria
atividade e tempo pessoal; resolver problemas e imprevistos e ter
flexibilidade para assimilar mutações e ritmos variados de trabalho;
h) o cultivo da criatividade, que lhe permite solucionar problemas;
i) a busca do empreendedorismo – que o estimula a preparar-se para
realizar inovações, fazer coisas diferentes, cultivando um comportamento
pró-ativo e criativo, definindo o objeto capaz de determinar seu próprio
futuro;
207
j) a busca da inter e transdisciplinaridade – adotando procedimentos
didáticos e metodológicos, que, embora preservando as disciplinas,
extrapolam-lhes as fronteiras, objetivando alcançar uma visão unitária do
ser humano, busca essa facilitada pelo sistema modularizado, que permite
enfocar o mesmo objeto ou fenômeno de ângulos diversos;
h) a metodologia de projetos – este talvez o grande diferencial, porque
propicia a interação dos organismos (indivíduos) aprendentes de diversas
áreas, idades e cursos, incluindo-se coordenadores e professores, com
vistas a resolver um problema em tempo e espaço reais.
Um segundo ponto a enfatizar é que, como os tecnológicos são novos,
ainda há mal-entendidos quanto à sua natureza, funcionamento e validade. Um
deles, já referido, decorre certamente da dicotomia que separa o saber pensar,
reservado às elites, de um saber fazer, destinado aos menos favorecidos. Daí a
confusão que senso comum faz entre tecnologia e técnica, julgando-as
semelhantes e relativas a fazeres manuais e/ou menos nobres.
Um terceiro ponto diz respeito à crítica de algumas pessoas, para as
quais os tecnológicos não provêm uma adequada formação geral a seus
alunos. Em outros termos, o que estes argumentam é que a escola, de um
modo geral, e a profissionalizante, em especial, coloca-se a serviço do capital,
em vez de, notadamente no nível superior, oferecer uma sólida formação geral.
A meu ver, isso é um equívoco, porque a real finalidade das IES deve ou
deveria ser preparar cidadãos para o mundo do trabalho, sem descuidar,
entretanto, de uma boa formação geral, necessária e imprescindível para que o
graduando possa entender o contexto em que está inserido e, em função dessa
compreensão global, mover-se com certa desenvoltura, atuar, agir e tomar
decisões acertadas. Engano também por ignorar a evidência de que, no nível
superior, todas as graduações são e devem ser profissionalizantes, uma vez
que, no sistema capitalista em que estamos inseridos, não há como se
trabalhar no vazio, preparando indivíduos para outro mundo que não o do
trabalho.
Um quarto ponto a constatar é que a metodologia praticada nos
tecnológicos ofertados pela instituição realmente cumpre sua missão de formar
208
cidadãos criativos para o atual sistema produtivo, como atestam as pesquisas
realizadas desde 2004 com alunos e ex-alunos. O alto grau de satisfação e de
empregabilidade constatado, à luz de uma visão sistêmica, serve como notável
processo de retroalimentação, sinalizando possíveis erros e permitindo ao
sistema autocorrigir-se, permanecer, organizar-se e complexizar-se.
Um quinto ponto refere-se à natureza, singularidades e vocação dos
cursos tecnológicos, cujo objetivo principal é educar cidadãos-trabalhadores-
empreendedores, motivo pelo qual precisam correlacionar teoria e prática,
buscando agilidade e eficiência face à rapidez das alterações que ocorrem no
entorno, motivo por que na elaboração dos projetos e propostas pedagógicas
dos cursos é fundamental uma pesquisa do mercado local e/ou regional, a fim
de se levantar a efetiva necessidade do profissional que se quer formar,
definindo-lhe as necessárias habilidades e competências. São estes os
elementos básicos que o mercado de trabalho sinaliza à escola, de modo a que
esta possa planejar e desenvolver uma formação que atenda às necessidades
desse mercado e às expectativas dos alunos que a ele se destinam. Isso
aumenta enormemente as chances de o tecnólogo ingressar no mercado.
Um sexto tópico diz respeito às relações da organização com o contexto
e a comunidade. Moraes (2004) lembra que organizações “são fluídas e móveis
(...), combinação de estabilidade e movimento, de estabilidade estrutural com
a fluidez da mudança e das transformações”, inferindo-se daí que, se uma
organização quiser implantar uma profunda mudança de mentalidade,
adotando uma visão sistêmica e eco-sistêmica, tem de considerar seus atores
como sistemas aprendentes, abertos a todas as flutuações/perturbações em
todos os sistemas e subsistemas inter-relacionados, para planejar, implementar
e reflexionar sobre suas ações e decisões em todos os níveis, para autocorrigi-
las e redirecioná-las rumo à consecução dos objetivos, visto que é em razão
dessas flutuações (crises) que o sistema cresce em organização e
complexidade. Então, os principais objetivos de uma instituição educacional
sistêmica em nível institucional e eco-sistêmica em nível pedagógico é
estimular em seus educandos a capacidade de improvisação, de diagnosticar a
situação e prognosticar o futuro, neles desenvolvendo o espírito de liderança,
capacidade de tomar decisões e trabalhar em equipe.
209
Opinando sobre a mudança paradigmática, Moraes (1997: 50-51) afirma
que o atual estado de calamidade pública da educação brasileira se deve “às
influências do pensamento cartesiano-newtoniano”, “com sérias implicações
para o futuro da humanidade”, que consiste em gerar “padrões de
comportamento preestabelecidos, com base em um sistema de referência que
nos ensina a não questionar, a não expressar o pensamento divergente, a
aceitar passivamente a autoridade, a ter certeza das coisas”. E ela indaga
(1997: 50-51): “Onde estará a origem de tudo isso? Por que nossas escolas
continuam repetindo, confirmando e reconfirmando o velho ensino?”.
Entendo que a solução para o impasse está em encontrar,
simultaneamente, possíveis soluções a todos os problemas, pois, imbricadas
no complexo ensino-aprendizagem, há muitas variáveis, umas repercutindo nas
outras, de modo a tornar o processo educativo complexo e resultante contínua
interação entre pessoas, métodos, instalações e poderes.
No caso específico da Instituição Educacional Professor Luiz Rosa, há
muito tempo busca-se (e vem se intensificando) a interação com a comunidade
interna e externa, e, principalmente, nos tecnológicos, com as empresas. A
meu ver, a empresa é, por excelência, a parceira maior dos cursos
tecnológicos, e são suas sinalizações, demandas e busca de parcerias, que
forneceram e fornecem valiosos subsídios à instituição na adoção e gradual
aprimoramento de sua metodologia de projetos e projetos integradores. Ora, é
essa interação com o entorno e demais sistemas que caracterizam um sistema
aberto, impedindo-o de defasar-se, fechar-se e não sobreviver.
O sétimo ponto relevante diz respeito às normas que regulamentam os
atuais cursos de graduação tecnológica, cujos legisladores tentaram garantir as
especificidades dos cursos e sua flexibilidade, com o objetivo de formar
multiespecialistas em contínua consonância com as demandas do sistema
produtivo. Todavia, de nada adianta tal flexibilidade legal, se as instituições não
se adequarem aos novos paradigmas e não mudarem de mentalidade. Afinal,
um curso de formação superior não é algo isolado, mas um sistema que
funciona em um tempo-espaço físico habitado por atores reais.
210
Portanto, para revolucionar o processo de ensinagem, é preciso
estruturas curriculares flexíveis, metodologias educacionais inovadoras,
professores integrados ao mercado e parcerias técnicas com as empresas.
Um outro ponto importante refere-se à proposta inicial, qual seja a
escolha da metodologia de projetos como foco central deste trabalho, a fim de
aferir ter sido ou não pertinente tal escolha e se está em consonância com os
correlatos teóricos e postulados da pesquisa-ação adotados neste trabalho.
Recordando, segundo Vieira (1999: 5), parâmetros sistêmicos são
instrumentais teórico-metodológicos aplicáveis a todos os sistemas. Os
parâmetros básicos são traços de todo sistema. Já os evolutivos surgem ao
longo do tempo, podendo emergir a qualquer momento, dependendo das
relações entre as variáveis emergentes.
Os parâmetros sistêmicos básicos, segundo Bunge (1977) e Vieira
(1999), são permanência, ambiente e autonomia. A permanência permite ao
sistema otimizar sua estrutura. O ambiente afere a quantidade e qualidade de
energia, informação e/ou matéria que o sistema troca com seu entorno, e a
autonomia, o grau de liberdade que este adquire para manter trocas com o
entorno e demais sistemas, autonomia garantida por uma “memória”, um
registro das emergências ao longo do tempo, de modo que o sistema possa
utilizá-las em proveito de sua evolução. Quanto maior a abertura do sistema ao
ambiente e aos demais sistemas, quanto maior o número de trocas e mais
organizada sua memória, mais tende a crescer, a permanecer e a evoluir.
Já os parâmetros sistêmicos evolutivos configuram-se na sintaxe, na
história do sistema, desde seu surgimento até o grau máximo de complexidade
que possa atingir. São eles: a composição, conectividade, estrutura,
integralidade, funcionalidade, organização e complexidade.
A composição afere a configuração relacional dos subsistemas de um
sistema, considerando a interação dinâmica entre os componentes ao longo do
tempo, à quantidade e à qualidade destes, que varia conforme a natureza e a
diversidade dos elementos (classes e tipos), e grau de sensibilidade para
selecionar informações relevantes, a fim de garantir sua permanência e
211
autonomia. Quanto maior a diversidade do sistema, menor sua entropia.
A conectividade, segundo Bunge (1977: 6), relaciona-se à capacidade
de os elementos do sistema estabelecerem conexões, entendidas como as
relações que permitem a interação entre seus componentes, que podem mudar
a história deles, e a de todo o sistema. Mas a conectividade tem caráter
seletivo: quanto mais complexo for, mais o sistema tende a se relacionar com
uns e excluir outros, se isso for relevante para a sua permanência.
Por sua vez, a estrutura e a integralidade são parâmetros evolutivos
estreitamente relacionados: enquanto a estrutura afere o número de relações
existentes no sistema em um dado momento, a integralidade “mede” o grau
desejável de seletividade dos subsistemas internos de um sistema entre si e
com os demais, assegurando não haver redundâncias desnecessárias. Se isso
acontece (ou seja, se o número de relações for excessivo e/ou desnecessário),
o sistema se torna rígido e se fecha. Assim, as conexões têm de ser as
estritamente necessárias (Vieira e Bunge denominam-nas “ilhas de
integralidade”) a fim de manter o sistema suficientemente coeso para suportar
oscilações, mas flexível para assimilar mudanças, emergências e perturbações.
A funcionalidade diz respeito à otimização do sistema graças a uma
adequada integralidade. Assim, se esta for equilibrada, os subsistemas podem
melhor partilhar suas propriedades, facilitando a emergência destas e de outras
possíveis, o que vai lhe assegurar maiores chances de permanecer e se tornar
autônomo. Então, a integralidade, a funcionalidade e a autonomia, ao
otimizarem a flexibilidade, contribuem para a permanência do sistema.
A organização compreende todos os parâmetros anteriores, pois sua
peculiar composição otimiza sua conectividade, e esta, sua estrutura. Quanto
mais estruturado, integral e funcional, mais sistema tenderá a se organizar.
Por fim, a complexidade é um metaparâmetro evolutivo difícil de se
conceituar (Vieira, 1999: 9), estando intimamente ligada à organização: à
medida que um sistema se torna mais organizado, tende a se tornar mais
complexo, embora isso não seja uma regra absoluta.
212
Morin (1990:22) associa organização à complexidade ao tratar de
macroconceitos do pensamento complexo, afirmando ser preciso substituir o
paradigma da disjunção, redução e unidimensionalização pelo da distinção,
conjunção e multidimensionalização, a fim de permitir “distinguir sem separar,
associar sem identificar ou reduzir”. Tais diretrizes metodológicas (ou
macroconceitos como Morin as denomina) devem estar presentes visto que
“nas coisas mais importantes os conceitos não se definem pelas suas
fronteiras, mas a partir de seu núcleo”. O primeiro deles é o princípio dialógico,
que consiste em assumir as duas lógicas concorrentes e contraditórias: a lógica
da individualidade, dos sujeitos e da desordem; e a outra, a da totalidade e da
consciência, que transcende o sujeito e alcança uma visão do todo. E aí ele
fala sobre o binômio organização e complexidade, afirmando haver uma
dialogia entre ordem e desordem, visto que não “são dois inimigos: uma
suprime a outra, mas ao mesmo tempo, em certos casos, colaboram e
produzem organização e complexidade” (Morin, 1990: 107).
Voltando, então, ao objeto de nossa pesquisa, a metodologia de projetos
e, em seu âmbito, os projetos integradores, pode-se notar ter havido até aqui
(pois, como sistema aberto, o processo ainda está em andamento), à luz dos
parâmetros sistêmicos (Teoria Geral de Sistemas), uma significativa evolução.
Verificamos que, quando considerados pela ótica dos parâmetros
básicos da permanência, ambiente e autonomia, os tecnológicos não só têm
permanecido como experimentado significativo crescimento em todo o território
brasileiro. Nessa mesma direção, os projetos integradores vêm permanecendo
e cada vez mais colocando seus atores em interação efetiva e produtiva com o
entorno e demais sistemas, sobretudo o produtivo. Resumindo, quando os
parâmetros evolutivos são aplicados aos cursos tecnológicos (e no âmbito
destes à metodologia de projetos e aos projetos integradores), constato que:
composição – o sistema modularizado dos cursos tecnológicos, aliado às
singularidades dos projetos integradores, estimulam as diferenças,
integrando em seu sistema alunos de diferentes idades, áreas, tempo de
curso, fazendo interagir produtivamente uma diversidade de pessoas,
pontos de vista, culturas, experiências, linhas de raciocínio, ou seja,
213
arranjando as condições iniciais do sistema, de modo a que os resultados
tendam a ser positivos;
autonomia – a instituição, com noventa anos de atuação em Jundiaí, tem
cuidado com especial empenho do registro de sua história ao longo de
todo esse tempo, aí incluindo-se os cursos tecnologicos, a metodologia de
projetos e os projetos integradores; a presente pesquisa só foi possível
graças, entre outros documentos, às atas das reuniões dos grupos
realizadas desde 2005; acresça-se o fato de autonomia implicar liberdade
de ação, razão pela qual a instituição delega aos próprios atores que
planejam um projeto integrador a tarefa de buscar empresas parceiras e
projetos viáveis, consentâneos com as áreas do conhecimento envolvidas;
conectividade – diretamente ligado ao parâmetro anterior, para efeito dos
projetos integradores, como no caso dos tecnológicos, o tempo há que ser
otimizado, os grupos envolvidos tendem a estabelecer apenas conexões
pertinentes, propostas, empresas e componentes indispensáveis capazes
de realizar os objetivos do projeto com êxito, para evitar possíveis atrasos
e/ou dispersões;
estrutura e integralidade – parâmetros ligados ao anterior; no caso dos
tecnológicos e projetos integradores, implicam selecionar sistemas
aprendentes em nível interno e externo com os quais têm de manter
conexão de modo a planejar e implementar as diversas etapas e fases de
um projeto em tempo hábil, para tanto criando “ilhas de integralidade” e
alijando do processo todas as variáveis supérfluas.
Por fim, a otimização de todos os parâmetros anteriores leva o sistema a
permanecer organizado, de modo a facilitar sua evolução e aumento de
complexidade. A única medida visível dessa complexidade (que, na verdade,
engloba todas as emergências e as relações entre elas), é o fato de o sistema
precisar criar cada vez mais subsistemas para cumprir seus objetivos. Ora, é
justamente o que se verificou na evolução dos projetos desenvolvidos pela
Instituição Professor Luiz Rosa, que se iniciaram, em uma primeira fase, com a
denominação de interdisciplinares; em uma segunda etapa, com a
nomenclatura de projetos integradores e que, em uma terceira fase (ainda em
aberto), devido ao aumento da procura das empresas pelas consultorias,
214
evoluíram para o escritório de projetos integradores, necessitando de um maior
tempo (diariamente é ministrada uma disciplina denominada EPR na última
aula de cada turma).
Acredito que as variáveis teóricas e metodológicas aqui analisadas estão
estreitamente inter-relacionadas e, nesse sentido, posso adiantar ter isso sido
possível graças à pesquisa-ação, à sua abertura, flexibilidade e recursividade,
tendo em vista que este tipo de pesquisa, entre outras vantagens, abre um
generoso espaço à construção, à participação, à criação coletiva e ao erro
produtivo (que sinaliza eventuais autocorreções), enfim, gera novos espaços de
ensinagem e aprendizagem dentro e fora da escola, ao fazer, externamente,
interagir alunos, consultores, comunidades e empresas e, internamente,
alunos, professores, coordenadores e gestores.
Assim, pude dialogar com os diversos autores e suas idéias, com base
nos quais observei as diversas etapas e fases de implantação dos projetos
integradores na instituição, conseguindo mapeá-las, desvelar sua evolução e,
por fim, sistematizar seus resultados de 2005 até aqui.
Retornando à problemática já exposta, seria pertinente referir-me aos
resultados da pesquisa aqui delineada, etapas e fases em que se deu a
passagem dos projetos interdisciplinares aos projetos integradores e, mais
recentemente, ao escritório de projetos integradores, esta etapa ainda em
andamento. Para tal, durante a pesquisa, examinei, dentre outros documentos,
as atas de reunião sob a ótica da pesquisa-ação, com base nas quais
identifiquei os elementos que caracterizam cada ciclo: a) planejamento das
ações a implementar; b) implementação e observação; c) reflexão sobre os
resultados, cumprindo observar que o ciclo tem características, formas e
duração diversas, não sendo, pois, possível estabelecer um padrão para eles,
exceto quanto à sua estrutura metodológica.
Posso situar o início da pesquisa, aqui relatada, no começo de 2005,
quando, a partir de um tema proposto – que era justamente a melhoria da
prática docente por meio de instrumentais mais adequados – professores,
alunos e grupos de alunos da instituição passam a buscar elementos para
215
formular uma proposta, analisar a situação e resolver um problema. Após o
levantamento de tais dados e, sob a orientação de um professor e/ou
coordenador, passam a elaborar projetos de pesquisa para serem realizados
em um dado período de tempo, geralmente de um semestre.
Dessas reuniões resultaram os projetos interdisciplinares, cujo objetivo
era aglutinar diversas disciplinas, olhares e enfoques em torno de uma idéia
inicial e respectivo pressuposto. Entretanto, pelo fato de a adesão dos
professores, até por desconhecimento da inovação, não ter sido suficiente, o
professor proponente ou o coordenador acabava sendo o único responsável
pelo trabalho. A produção nessa fase foi de trabalhos com características
disciplinares e algum envolvimento ou incursões em outras áreas, porém
notava-se que já aí as práticas pedagógicas começavam a mudar, visto que as
atividades regulares, sobretudo as aulas expositivas, não mais atendiam às
necessidades solicitadas pelos projetos nem pelos alunos.
Com o tempo, a orientação dos diferentes projetos de uma mesma
turma, debates e apresentação final seguida da avaliação proporcionaram um
novo conjunto de práticas pedagógicas que iam além das fronteiras
disciplinares, justamente pelo fato de professores e alunos manterem forte
vinculação com o mundo do trabalho. Após reflexionarem sobre os resultados,
os grupos (alunos, professores, coordenadores) concordaram ser preciso
enfocar problemas presentes na realidade de cada um dos atores e, assim,
passaram a propor situações-problema passíveis de serem analisadas para se
buscarem possíveis soluções. Constataram, ainda, que, para implementar
ações e soluções, seria necessário o concurso de diferentes docentes, em
função de seus conhecimentos específicos.
Houve nessa fase pontos negativos, tais como um baixo envolvimento
de professores não diretamente relacionados ao projeto, dificuldades de
estruturação, pouca compreensão do público externo (empresas parceiras)
acerca do tipo de consultoria oferecida e, conseqüentemente, baixa adesão
aos projetos, além de resistências dos atores envolvidos. Mas, entre os
aspectos positivos, que emergiram ao longo do processo, posso destacar o
maior interesse dos alunos pelas atividades de sala de aula, com
216
questionamento sobre aulas de caráter meramente transmissor de conteúdos,
significativo aumento de freqüência à biblioteca, busca de informações sobre a
metodologia de projetos, percepção das novas metodologias, melhoria de
questões relativas à indisciplina e, ainda, maior interação docente-discente.
Já havia indícios de que algo estava evoluindo, mudando,
desencadeando uma segunda fase, a dos projetos integradores, na qual os
temas passam a ser acordados entre alunos e professores, a partir de
situações reais detectadas nas relações com o sistema produtivo onde atuam
os atores envolvidos no processo, destacando-se aí as etapas de coleta e
análise de dados. A elaboração do projeto passa a ser acompanhada pelo
coordenador de curso e por outros professores, havendo, ainda, em alguns
casos, a participação de um consultor externo, normalmente ligado à empresa
ou empresas envolvidas no projeto.
No início de 2006, ainda que novas dúvidas surgissem e ainda
permanecesse a denominação de projetos interdisciplinares, o processo já
havia evoluído para, no segundo semestre desse mesmo ano, ganhar a
nomenclatura de projeto integrador. Foi também nessa época que juntos
chegamos à percepção de que os projetos interdisciplinares, no caso
específico dos tecnológicos, poderiam substituir com vantagem os trabalhos de
conclusão de curso adotados em graduações generalistas, visto serem frutos
de um sistemático trabalho de pesquisa bibliográfica e de campo,
desenvolvidos de conformidade com todos os requisitos de uma pesquisa
aplicada. Além disso, tinham um caráter inter e transdisciplinar porque
realizados com o concurso de atores de diversas áreas e incorporando o saber
produzido dentro e fora da escola. Faltava-lhes somente um maior rigor
científico e visão acadêmica e, nesse sentido, a pesquisa-ação nos auxiliou a
identificar as diversas fases e etapas que tais projetos apresentavam,
orientando-nos quanto aos procedimentos a seguir, espaço-temporalmente, em
cada um desses segmentos metodológicos.
Gradativamente, passamos a observar uma maior compreensão sobre a
eficiência operacional e interdisciplinar desse instrumento. As resistências às
novas propostas haviam diminuído e, concomitantemente, havia aumentado a
217
participação dos atores envolvidos, sobretudo os docentes.
Na medida em que os projetos integradores evoluíram, aperfeiçoando
seus instrumentais, consolidando objetivos e características, foram se tornando
mais conhecidos, recebendo uma maior atenção tanto em nível interno como
externo e surtindo efeitos positivos, a instituição passou a receber um número
considerável de solicitações para consultorias e convênios com empresas.
Nessa altura, a fase dos projetos integradores, embora sem perder sua
configuração metodológica, já mudava para um patamar mais elevado. Surgia,
assim, a terceira etapa do processo, denominada escritório de projetos
integradores, implantado a partir de 2007.
Sua principal característica, diferentemente da passagem dos projetos
interdisciplinares para integradores, não se deve a mudanças em seu desenho
metodológico, mas ao fato de haver um grande número de empresas que vêm
buscando a instituição a fim de apresentar problemas reais para serem
analisados e resolvidos sob a forma de projetos integradores. Muitos desses
problemas têm, de fato, sido resolvidos.
Ressalto ainda serem excelentes as perspectivas do escritório de
projetos integradores que, até aqui, de acordo com os postulados da pesquisa-
ação, constitui a terceira fase ou terceiro ciclo do processo iniciado em 2005 na
Faculdade Tecnológica Luiz Rosa. Esta terceira fase, ainda em progresso,
como sistema aberto, vem sendo implementada na medida em que um
significativo número de empresas passou a contatar a instituição examinada,
obrigando-a, inclusive, a promover uma seleção das consultorias requeridas.
As vantagens de um escritório de projetos integradores são expressivas.
Em primeiro lugar porque tende a tornar a instituição cada vez mais conhecida
(e, portanto, procurada), esta maior visibilidade podendo ensejar cada vez
maiores chances de empregabilidade para alunos e egressos. Em segundo
lugar, porque a escola se configura, à luz do suporte teórico examinado, cada
vez mais como sistema aberto, trabalhando em estreita interação com seu
sistema ambiente e subsistema produtivo (pertencente ao sistema econômico),
com eles trocando energia, informação e matéria. Ora, sabemos que a
218
evolução de um sistema aberto rumo à organização e complexidade só ocorre
por meio da criação de mais subsistemas. É justamente a criação de novos
subsistemas (com um aumento da complexidade) que fica evidente quando se
verifica as etapas da metodologia de projetos desenvolvidas na instituição.
Portanto, este tipo de pesquisa realizada na própria empresa caracteriza
uma inter-relação cada vez mais intensa da Faculdade de Tecnologia Professor
Luiz Rosa com o sistema produtivo, como um sinal claro de estar havendo uma
maior abertura do sistema escolar no que diz respeito à permuta de informação
com seu entorno. Além disso, como cada grupo de alunos deve desenvolver
seu projeto no local, na empresa solicitante da consultoria, a esta
proporcionando algum tipo de retorno em termos de sugestões de solução para
o problema demandado, esse procedimento configura-se como parte de um
processo de implementação de pesquisa aplicada, tendo em vista que os
projetos integradores são aí desenvolvidos a partir de problemas reais que
chegam a soluções e que causam efeitos concretos, visíveis, mensuráveis.
Com efeito, a metodologia desenvolvida no transcorrer dos projetos
integradores caracteriza-se como pesquisa aplicada, pois: a) os conhecimentos
científicos se encontram em permanente transformação, devido à evolução do
conhecimento (Bunge, 1985); b) o que caracteriza a atividade de pesquisa é a
permanente busca de soluções, de idéias, de fatos e de formulação de
hipóteses explicativas, ou seja, busca por conhecimentos passíveis de serem
tecnologicamente utilizados na melhoria da qualidade de vida humana.
Como lembra Bunge (2002: 281), a pesquisa consiste em uma “busca
imediata do conhecimento (...), marca da ciência e da tecnologia”. Dependendo
do grau de aplicabilidade do conhecimento, muitos autores dividem a pesquisa
científica em pesquisa básica (pura ou teórica) e pesquisa aplicada. Porém
essa divisão torna-se, o mais das vezes, difícil de estabelecer, sendo mais fácil
admitir que toda pesquisa científica é, precipuamente, de natureza básica,
desde que dela decorram conhecimentos potencialmente necessários para
gerar tecnologia, pelo que se pode depreender que a pesquisa aplicada pode
ser considerada uma etapa da pesquisa básica, essa conceituada como uma
forma de investigação sistemática e resultados aplicáveis à solução de um
219
problema. Então, a pesquisa aplicada é a que se empenha em desenvolver,
testar e avaliar produtos e processos, encontrando fundamentos nos princípios
estabelecidos pela pesquisa básica e desenvolvendo uma tecnologia de
natureza utilitária.
Examinando-se os significantes presentes na conceituação acima, nota-
se que atividades, métodos empregados e resultados obtidos nos projetos
integradores são característicos da pesquisa aplicada, pois neles a ênfase na
ensinagem leva à busca de conhecimentos pela via indutiva, da prática à teoria
(práxis), do problema à solução, envolvendo, portanto, um saber-fazer-fazendo.
Na atual fase do escritório de projetos integradores, grupos de alunos,
sob a orientação de professores, muitos dos quais especialistas nas áreas
pesquisadas, analisam a situação constatada; diagnosticam o problema em
seus vários componentes; estudam as soluções cabíveis, inclusive do ponto de
vista da exeqüibilidade e custos, e apresentam as soluções para as empresas.
Isso mostra como uma pequena faculdade tecnológica do interior de São
Paulo, com recursos limitados, torna-se um exemplo eloqüente de que se pode
muito bem associar ensinagem e pesquisa, com a evidente vantagem de estas
duas instâncias estarem fortemente relacionadas.
No caso dos cursos tecnológicos aqui enfocados, todos saem ganhando.
A instituição porque adquire cada vez maior experiência e aceitabilidade,
aumentando as oportunidades de inserir seus alunos e egressos no sistema
produtivo e, portanto, não só permanecendo como sistema aberto, mas
evoluindo em organização e complexidade. Ganham também as empresas,
porque os atores empenhados em cada projeto integrador apresentam
soluções criativas a que dificilmente as empresas chegariam sem a ajuda de
uma consultoria de bom nível e a baixos custos. Há casos em que alunos, no
transcorrer do projeto, foram admitidos ou, logo após, contratados para
gerenciar os sistemas a serem implantados.
Até aqui discorri sobre as relações entre a instituição, seu entorno e
demais sistemas. Sublinho agora outros resultados colaterais importantes.
Considerando que organizações imersas em uma sociedade aprendente
220
são compostas por pessoas, indivíduos singulares, cada qual com sua história
de vida, cultura, experiência, repertório, nota-se ser por essa razão que
grupamentos humanos são exemplos de sistemas não lineares, visto que aí as
oscilações e mudanças (emergências em termos sistêmicos) são difíceis de
prever. Então, há que se levar em conta as relações entre os componentes dos
sistemas estudados, ou seja, focalizar as relações entre as pessoas e entre
estas, o saber e o fazer veiculados nos cursos examinados.
Em primeiro lugar, no que tange às relações intersubjetivas, as principais
observações que ressalto são a convivencialidade, o espírito de equipe, a
elevação da auto-estima, a busca da cidadania e o aprimoramento da ética.
Trata-se, na verdade, de virtudes imponderáveis que não se ensinam na
escola, mas que a nossa experiência (minha e de todos os envolvidos nos
projetos) mostra ser possível apreender no cultivo diário do respeito às
diferenças, no exercício de trabalhos conjuntos em situações reais com
objetivos comuns, para os quais convergem sinergicamente todos os esforços.
Entre estes efeitos positivos, gostaria de ressaltar um significativo
aumento do sentimento da auto-estima, estimulado pelo fato de os alunos
(equipes) apresentarem seus projetos, envolvendo, em uma típica reação em
cadeia, todos os atores e a escola. Ora, trata-se dos chamados componentes
atitudinais (Zaballa, 1999). Refletindo agora sobre esse acontecimento, como
um verdadeiro divisor de águas, observo que os alunos se sentiram valorizados
como sistemas aprendentes singulares, como pessoas e cidadãos com direito
a voz e vez no desenrolar de sua própria história de vida.
Isso é relevante porque um dos maiores desafios que a pós-
modernidade coloca para a educação é uma alternativa de resposta vinculada
à auto-estima, entendida como um dos recursos participantes na construção do
sujeito e que merece atenção dos educadores preocupados com o
desenvolvimento humano.
Em segundo lugar, a TGS é uma metateoria, em minha opinião, bastante
adequada por permitir uma visão complexa e ampla da realidade, na qual
sistemas e subsistemas interagem, provocando e sofrendo mudanças.
221
Entretanto, no caso específico dos atores envolvidos nos projetos integradores
(alunos, professores, coordenadores) das graduações tecnológicas aqui
tratadas, considendo-se suas especificidades biológicas, fisiológicas,
psicológicas e históricas, que fazem de cada um deles um universo único em
permanente construção, o paradigma eco-sistêmico (Moraes, 1997; 2002
online e 2004) revela-se mais focado e apropriado.
Assim, analisados os pressupostos da teoria da complexidade e dos
princípios básicos eco-sistêmicos à luz da pesquisa-ação, quando aplicados às
fases e etapas dos projetos integradores, revelam significativas conexões,
entre as quais, a visão de uma prática pedagógica não embasada apenas no
instrucionismo, mas na relação entre ensino e aprendizagem (ensinagem), uma
vez que, segundo os princípios do citado modelo, a aquisição do conhecimento
não se por representações do mundo exterior, mas por meio de recriações,
reconstruções não lineares, dependentes da estrutura individual e da maneira
como cada organismo aprendente interpreta os fenômenos e a realidade.
Em terceiro lugar, quanto à ensinagem, Moraes (2004), retomando
Maturana, afirma que, de um lado, somos determinados estruturalmente, pois
estímulos externos não podem nos determinar, mas, de outro, não somos
predeterminados, porque nossos conhecimentos resultam da interação entre as
estruturas do nosso sistema nervoso e organismo. Assim, a relação entre
ensino e aprendizagem praticada nos tecnológicos, em consonância com a
autopoiese, pode acelerar mudanças em cada organismo.
Considerando o fato de que se experimenta o “real” não só
objetivamente pelos cinco sentidos, mas, sobretudo, pela mente e
corporeidade, cultura e informações acumuladas em um dado tempo e espaço
(comunidade, sociedade, nação), então, a interpretação delas está de algum
modo marcada e afetada pela ideologia e ética dessa cultura e, por isso, o
processo cognitivo passa a se constituir não mais em representação do mundo
exterior independente do sujeito, mas em recriação, reconstrução sempre em
aberto (não-linear) de acordo com a estrutura do organismo, constituição física
e aparelhamento sensório-motor.
222
Portanto, à luz do paradigma eco-sistêmico, segundo Moraes, o
processo de construção do conhecimento é circular e, em seu centro, o
aprendiz se enreda em suas próprias metanarrativas, devendo ser considerado
como uma espiral evolutiva que rege processos auto-organizativos, nos quais o
produto é também produtor; o educador, educando; e o indivíduo produtor da
sociedade que o produz, subjazendo a tudo, portanto, uma recursividade
natural, que ultrapassa aparentes dualidades (sujeito/objeto, mente/corpo etc.),
tornando-as mutuamente dependentes.
Ressalto ainda que, de conformidade com o paradigma eco-sistêmico, a
aprendizagem depende da combinação complexa de variáveis interagentes,
apresentando uma dimensão construtivista, pois o conhecimento é construído
mediante o acoplamento estrutural entre um organismo aprendente e um
objeto, ambos inseridos em um dado contexto. Da interação entre essas
variáveis é que emergem condutas, comportamentos, saberes e fazeres.
Nesse sentido, cada componente torna-se, simultaneamente, ensinante
e aprendiz, supervisor e supervisionado, ou seja, o constante concurso e
intercâmbio de funções no interior de cada grupo, entre os grupos e entre os
componentes e os sistemas externos, acaba traçando um caminho, por vezes
sinuoso, criando emergências, obrigando a teorizar-se a prática e a praticar-se
a teoria (práxis), bem como a aprender a compreender ao vivo – por meio de
tentativas, erros e acertos – o certo e o errado, o melhor e o pior.
Como se trata de sistemas não lineares, não se pode prever seu
comportamento em algum ponto futuro, cabendo à escola apenas arranjar do
melhor modo possível a configuração das condições iniciais e observar as
emergências que podem surgir ao longo do processo, mantendo umas e
corrigindo outras. Nota-se aí que o processo é regido pelo mesmo princípio de
abertura, circularidade e recursividade que norteia a TGS, o pensamento
complexo e a pesquisa-ação, sendo, portanto clara a conexão do referido
paradigma com os demais referenciais teóricos aqui adotados.
Em consonância com a dimensão interacionista do paradigma eco-
sistêmico (Moraes, 2004), nota-se que os atores das graduações tecnológicas,
223
quando planejam e implementam um projeto integrador nas empresas
(contexto), agem em e sobre o seu meio para modificá-lo, sendo, também,
modificados pelo meio e demais sistemas. E aqui se destaca outra notável
conexão entre sistemismo, eco-sistemismo e pesquisa-ação, sintetizada em um
segundo macroconceito do pensamento complexo formulado por Morin (1990:
108), qual seja o recursividade organizacional, no qual “os produtos e efeitos
são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que os produziu”, postulado
que rompe com a idéia linear de causa e efeito, uma vez que o efeito retorna
sobre a causa em um ciclo auto-organizador e produtor.
Voltando aos princípios básicos do paradigma eco-sistêmico, quanto à
sua dimensão social, afirma Moraes (2004) que a aquisição do conhecimento
implica não apenas relações do organismo com o meio, mas também com
outros indivíduos, em um continuado processo de criação coletiva, diálogo com
a realidade, consigo mesmo, com os semelhantes, cultura e contexto. É isso
que efetivamente acontece durante a implementação dos projetos integradores.
A convivencialidade e o trabalho em equipe são, entre outros, efeitos positivos
que emergem das interações intersubjetivas.
Para ilustrar algumas afinidades entre o suporte teórico utizado e a
pesquisa-ação, assinalo que o percurso até aqui feito, embora incompleto e em
andamento, já aponta para algumas iluminações e tendências. Para tal, solicito
o concurso de Morin, Ciurana e Motta (2003: 17), que não são evidentemente
teóricos da pesquisa-ação, e sim defensores da teoria da complexidade:
El método es un discurso, un ensayo prolongado de un camino que se
piensa. Es un viaje, un desafío, una travesía, una estrategia, que se
ensaya para llegar a un final pensado, imaginado y al mismo tiempo
insólito, imprevisto y errante. No es el discurrir de un pensamiento seguro
de sí mismo, es una búsqueda que se inventa y se reconstruye
continuamente.
Examinem-se os significantes que os autores usam. Falam em método,
ensaio prolongado, caminho, viagem, desafio, travessia, estratégia, tentativas
de se chegar a um lugar possível, mas não de modo linear e predeterminado, e
sim insólito, imprevisto e errante. Note-se que ainda reforçam isso, afirmando
224
não se tratar de algo prévio, uma idéia segura de si mesma, uma certeza
portanto, mas sim de buscar inventar-se e reinventar-se e reconstruir-se
continuamente.
Ora, isso ilustra, a meu ver, e com perfeição, o traçado do caminho que
até aqui percorri de conformidade com os pressupostos da pesquisa-ação, com
o respaldo teórico (e toda teoria é uma guia, uma sinalização do caminho) da
TGS, paradigma eco-sistêmico e teoria da complexidade. No caso dos
tecnológicos, como se viu no decorrer do trabalho, entre outros fatores
relevantes, normas, políticas, metodologias, expectativas dos alunos e da
sociedade, tudo isso converge sinergicamente rumo à consecução do objetivo
primordial de tais singulares graduações, qual seja o de inserir seus egressos
na sociedade e no sistema produtivo, a fim de que estejam aptos, em um e
outro âmbito, para desempenhar com desenvoltura tanto suas tarefas em um
mercado de trabalho altamente mutante como em uma sociedade complexa
agitada por velozes transformações de variada ordem, natureza e intensidade.
Então, refletindo sobre a história do sistema à luz da pesquisa-ação,
penso que aquela idéia inicial apenas movimentou o processo, sendo preciso
que o grupo reunido (vários sistemas pensantes em interação) reconhecer-lhe
a pertinência, validade e natureza para, em seguida, encontrar mecanismos e
estratégias de implementá-la na prática. Mas o processo é algo aberto,
permanente, necessitando ser, a todo momento, avaliado. Isso é o que Latorre
(2003) e outros denominam reflexionar. E aí o ciclo segue, não pode ter fim, a
menos que acreditemos ter atingido a Perfeição.
Retomando a epígrafe inicial deste trabalho, lembro que Albert Einstein,
embora tenha seu grande legado ligado às ciências da natureza, contribuiu
significativamente para a educação. Comentando sobre o trabalho solitário do
astrônomo Johannes Kepler, que dedicou sua vida a enunciar leis sobre o
funcionamento da natureza, especialmente sobre o movimento dos planetas,
buscando uma regularidade matemática entre eles, Einstein (2005: 95) observa
que "o conhecimento não decorre meramente da experimentação, mas da
comparação entre o que se observa e o que se imagina". Julgo que esta
afirmação está intimamente relacionada à metodologia de projetos e à própria
225
pesquisa-ação. Se tudo no processo se baseasse na ordem e na
previsibilidade, não haveria como nem por que pesquisar.
Portanto, este conjunto cíclico-recursivo: idéia inicial – reconhecimento –
planejamento – implementação – observação – reflexão constitui o desenho de
uma espiral evolutiva virtuosa, e o envolvimento, sobretudo docente, é
fundamental para seu desenvolvimento nos cursos tecnológicos oferecidos
pela Faculdade de Tecnologia Professor Luiz Rosa, cujo principal objetivo é
sempre melhorar a prática educativa.
O mundo contemporâneo revela mudanças que afetam todos os setores
da sociedade, sobretudo a educação. A nova configuração de mundo exige
novas capacidades mentais, habilidades gerais de comunicação, flexibilidade,
criatividade e capacidade de abstração. Atores e instituições devem adaptar-se
ao novo cenário, revendo métodos de ensinagem, convívio social e no trabalho.
Neste cenário, a educação tecnológica, premida pelas sucessivas mudanças,
tem mostrado forte tendência de mudar mentalidades e métodos. Acredito que
é chegado o tempo de reencantar a educação (Assmann, 1996).
Foi buscando esse reencantamento, a partir da dúvida e da curiosidade
construtivas, que este trabalho se fundamentou nos princípios da pesquisa-
ação e em sua vocação de trilhar por caminhos sinuosos, não-lineares,
errâncias, com idas e vindas, tentativas, erros (produtivos) e acertos, sujeitos
todos também a correções e aprimoramento constante. Diria que em um
processo assim indeterminado, mesmo o termo acerto é relativo, isto é, apenas
um modo de referir algo provisoriamente adequado a certa situação. É bom
enquanto dura, porque se o ambiente e as pessoas mudam, as demandas,
normas, expectivas e relações idem, e o que era certo ontem pode não o ser
amanhã.
Retomando a lúcida observação de Einstein, se neste mundo não
houvesse choques, tentativas, erros e correções ou, em outros termos, se tudo
fossem certezas, ordem e previsibilidade, não existiria nada por desvendar e o
mundo seria, então, no mínimo, bastante monótono.
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