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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
COLÉGIO PEDRO II NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR:
SUBORDINAÇÃO E RESISTÊNCIA
Licia Maciel Hauer
NITERÓI
SETEMBRO / 2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
COLÉGIO PEDRO II NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR:
SUBORDINAÇÃO E RESISTÊNCIA
Licia Maciel Hauer
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a
obtenção do Título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profª Drª Claudia Alves (UFF)
NITERÓI
SETEMBRO / 2007
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Dedico esta dissertação
ao meu inesquecível amigo Vânio
José de Matos
1
e a todos que, assim
como ele, sonham com uma
sociedade justa e fraterna;
aos sempre alunos do Colégio Pedro
II que lutaram contra a ditadura
militar defendendo um ensino
público, gratuito, de qualidade para
todos;
aos eternos alunos do Colégio Pedro
II Marcos Nonato da Fonseca,
Kleber Lemos, Roberto Spigner,
Lucimar Brandão, Alex Xavier e
Fernando Augusto da Fonseca que
foram capazes de oferecer, na luta
contra a ditadura, o maior ato de
generosidade em prol da liberdade -
sua própria vida.
1
Vânio José de Matos foi para o Chile, em 1971, no grupo dos 70 presos que foram trocados pelo embaixador
suíço. Após o golpe militar que derrubou o Presidente Salvador Allende, em setembro de 1973, Vânio foi levado
preso para o Estádio Nacional do Chile e faleceu em outubro daquele ano.
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RESUMO
Esta dissertação visa identificar e analisar os efeitos das diversas ações repressivas e
controladoras no funcionamento e nas concepções pedagógicas do Colégio Pedro II entre o
golpe militar de 1964 e o processo de abertura política na passagem da década de 70 para a
década de 80.
A história do Colégio Pedro II oscila de acordo com o contexto político e de acordo
com as políticas educacionais que são implementadas, desde a monarquia até os dias atuais.
O período sobre o qual nos debruçaremos, entre 1964 e 1979, do golpe militar até a
abertura política, corresponde a um período obscuro da nossa história, da história da educação
e, conseqüentemente, da história do Colégio Pedro II. Foi assim delimitado devido à correlação
histórica entre fatores conjunturais nacionais e fatores internos ao Colégio. No âmbito
nacional, este período é considerado o de maior repressão durante os anos de ditadura. No
âmbito interno ao Colégio Pedro II, esses quinze anos se destacam como uma fase de medo e
apatia, com repercussões administrativas e pedagógicas negativas. O silêncio, verificado até
mesmo nos dias atuais, salta aos ouvidos e nos desperta para o desvelo histórico necessário.
O presente trabalho tem como um dos objetivos examinar os aspectos gerais da gestão
que vigorou no Colégio Pedro II durante a ditadura militar, no qual procuramos analisar a
relação entre subordinação e resistência da comunidade escolar do CPII diante das imposições
da Direção do Colégio e do Ministério da Educação.
Para abordar essa problemática, analisamos diversos documentos relacionados a esses
acontecimentos e que de alguma forma também estejam vinculados ao Colégio Pedro II. Para
averiguar tais processos de resistência e de subordinação no interior do Colégio Pedro II
trabalhamos com fontes recém descobertas no arquivo da Secretaria de Ensino do Colégio e
organizadas pelo Núcleo de Documentação e Memória (NUDOM). Para obter mais
informações sobre as questões políticas, recorremos à documentos do extinto DOPS que
atualmente fazem parte do acervo permanente do Arquivo Público do Rio de Janeiro ( APERJ)
e analisamos alguns jornais vinculados aos grêmios estudantis de então.
Além do levantamento e da análise das fontes documentais, a pesquisa incorporou
entrevistas com professores, ex-professores, ex-alunos e funcionários técnicos que vivenciaram
experiências no Colégio, durante esse período, relacionando suas histórias de vida às
informações das documentações e à própria história política do Colégio no período em questão.
Palavras – Chaves: Colégio Pedro II – Movimento Estudantil Secundarista – Ditadura
Militar
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Hipóteses e objetivo da pesquisa
Pressupostos teórico-metodológicos
O trabalho de campo
CAPITULO 1: POR DENTRO DA HISTORIA: O Colégio Pedro II no contexto da
educação
1.1. O Colégio Pedro II: breve histórico
1.1.1 Vozes da memória – o ensino no Colégio Pedro II na década de 1960
1.2. A educação sob a ditadura militar
1.3. O ensino no CP II nos tempos da ditadura
1.3.1Vozes da memória – o ensino no CPII no período da ditadura
1.3.2. Vozes da memória – no dia do Golpe
CAPITULO 2: O SILÊNCIO COMO ESTRATÉGIAS DE SUBORDINAÇÃO
2.1. Silenciando por segurança
2.2. O CPII nos primeiros anos da ditadura
2.3. Sob os olhos da repressão
2.3.1. Vozes da memória – os mecanismos de controle
2.3.2. Vozes da memória – memória silenciada
CAPITULO 3: GRITOS DE RESISTÊNCIA: a luta contra a ditadura na imprensa
estudantil do Colégio Pedro II
3.1. O Movimento Estudantil
3.1.1. Vozes da memória – os grêmios do Colégio Pedro II: organização e luta
3.2. A Imprensa Estudantil do Colégio Pedro II
3.3. Os alunos do CP II contra a ditadura
3.3.1. Vozes da memória – a reorganização dos grêmios do Colégio Pedro II nos
primeiros anos da Ditadura Militar
3.3.2. Vozes da memória – formas de resistência e de luta
3.3.3. Vozes da memória – os professores na resistência
3.3.4; Vozes da memória – a luta contra a transformação do Colégio Pedro II em
Fundação Educacional
CONCLUSÃO
FONTES
BIBLIOGRAFIA
ANEXOS
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INTRODUÇÃO
O interesse que tenho pelo estudo da educação brasileira é fruto de minhas
preocupações ao longo de vinte anos de prática docente. Essas preocupações partem da
constatação de que as políticas educacionais implantadas no Brasil se baseiam em concepções
que visam, acima de tudo, formar indivíduos para servir ao sistema capitalista, reproduzindo
a ideologia vigente e formando mão-de-obra em conformidade com o mercado.
Atualmente, vivemos um momento de expropriação de direitos, onde o público esta
sendo solapado para atender, mais uma vez, a interesses da classe dominante, através de uma
política neoliberal que representa um aprofundamento das relações de dominação. A
necessidade de se contrapor a esse modelo hegemônico é apontada hoje como uma
necessidade de ruptura, que podemos verificar nas mais variadas formas de resistências.
Defender o público significa lutar contra as imposições do mercado, principalmente quando
se trata de educação.
Muitas foram as lutas travadas por educadores, em vários momentos da nossa história,
na perspectiva de mudar este sistema. Dentre elas podemos citar as lutas em defesa da escola
pública, os movimentos de educação popular e, atualmente, a luta pela consolidação do Plano
Nacional de Educação - Proposta da Sociedade Brasileira, defendida nos CONEDs pelos
trabalhadores da educação. Porém, essas tentativas foram sempre interrompidas por meio de
ações arbitrárias dos sucessivos governos.
Nesse sentido, podemos afirmar que o atual sistema educacional brasileiro está
transpassado por relações de poder, que expressam a forma que assume a dominação no
presente momento. Essa relação entre educação e poder pode ser verificada nos diversos
períodos da história da educação no Brasil.
Porém, quando iniciei a elaboração de um projeto nesse sentido, deparei-me com o
fato de não existir nos arquivos do Colégio nenhuma pesquisa que tenha tratado do Colégio
Pedro II durante a ditadura militar. Resolvi, então, me dedicar a preencher essa lacuna.
Resgatar a memória da escola pública é uma das formas de defendê-la. Resgatar a
memória do Colégio Pedro II é contribuir para que se mantenha viva uma parte importante da
memória coletiva da educação pública brasileira. A motivação central do trabalho é contribuir
para o resgate da história do Colégio Pedro II no período militar, que ainda hoje permanece
obscurecida na memória coletiva da comunidade escolar.
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O recorte temporal é delimitado entre os anos de 1964 e 1979, devido à correlação
histórica entre fatores conjunturais nacionais e fatores internos ao Colégio. No âmbito
nacional, este período é considerado o de maior repressão durante os anos de ditadura, tendo
como marco inicial o próprio golpe militar e como marco final a anistia e a retomada dos
movimentos populares de redemocratização. No âmbito interno ao Colégio Pedro II, esses
quinze anos se destacam como uma fase de medo e apatia, com repercussões administrativas
e pedagógicas negativas. O silêncio, verificado até mesmo nos dias atuais, salta aos ouvidos e
nos desperta para o desvelo histórico necessário.
Hipóteses e objetivos da pesquisa
Considerando a resistência como um outro pólo da dominação, inseparável e em
constante conflito, o que esteve em disputa no período abordado foram meios diferentes de
lidar com a realidade específica vivida nos anos da ditadura. A partir das investigações
iniciadas, levantamos a hipótese central de que existiram processos contraditórios de
subordinação e resistência no interior do Colégio Pedro II, identificados a partir de ações e
reações individuais, coletivas ou da própria instituição em relação ao MEC e ao governo.
Portanto, essa pesquisa tem como objetivo principal compreender as atitudes de
subordinação e as estratégias de resistência que afloraram, durante os anos de ditadura, na
comunidade escolar do Colégio Pedro II e identificar os efeitos da Lei Suplicy, do Decreto-
Lei 477/69 e da Lei 5692/71 no cotidiano e do Colégio Pedro II, no período em que estiveram
em vigor, ou seja, até o processo de abertura política na passagem da década de 1970 para a
década de 1980. Analisaremos particularmente:
a participação política de alunos, professores e técnico-administrativos no período
da ditadura, diante das imposições do regime militar;
as diversas formas de engajamento no movimento estudantil das quais participaram
alunos do colégio;
a relação de subordinação que se estabeleceu entre Estado e educação no âmbito do
CPII e a construção de formas de resistência coletiva.
Para tanto, estaremos refletindo sobre as seguintes questões: Qual o papel do CPII em
relação às disputas políticas no campo da educação durante os anos da ditadura militar? Quais
as estratégias governamentais para garantir a subordinação daquela escola aos ditames de sua
política educacional? Que importância teve o movimento estudantil do CPII após o golpe e na
retomada das lutas contra a ditadura que ocorreram naquele período? Que outras formas de
resistência ocorreram no interior da escola?
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O CPII que foi sendo revelado através das investigações é um estabelecimento de
ensino inserido na realidade imposta por aqueles anos de chumbo. É um CPII inserido no
contexto do Brasil sob a ditadura militar, que nos primeiros anos sofreu com as imposições de
atos institucionais, com as imposições da Lei Suplicy, em um contexto educacional sob
interferência dos acordos MEC-USAID. Nos anos seguintes, o Ato Institucional n
o
5 e o
Decreto Lei 477 tiveram bastante repercussão no CPII, fazendo que os anos subseqüentes
fossem caracterizados pelo controle ideológico da doutrina elaborada por esses senhores do
poder através de políticas educacionais impostas.
Desse modo, a presente pesquisa se propõe, também, a contribuir com as
investigações, no campo da história da educação, sobre os problemas gerados pelo regime
militar, particularmente no que tange à educação pública, e preencher uma lacuna existente
na história do Colégio Pedro II.
Pressupostos teórico-metodológicos
Para refletirmos sobre as questões que foram levantadas, convém definir o que
entendemos pelos conceitos de poder e de Estado, por um lado, e de subordinação e
resistência, por outro lado. A partir dessa reflexão, procuramos entender a relação que se
estabelece, em um determinado contexto histórico, entre o poder hegemônico e a sociedade
civil.
Nesse trabalho analisamos essas relações a partir do golpe de 1964, período em que
as classes dominantes brasileiras, associadas ao capital internacional, impõem, pela força e
pela repressão, o novo modelo econômico e político sustentado pelo autoritarismo.
Devemos compreender que as relações de subordinação e resistência, no âmbito de
uma instituição de ensino, pressupõem relações de poder. Neste caso, tratamos da relação que
se estabelece entre escola e Estado. Para isso, iniciamos fazendo uma breve análise sobre o
Estado de um modo geral e uma caracterização do tipo de Estado que emergiu a partir do
golpe de 1964.
Para Gramsci, a função principal do Estado é garantir a exploração, que se exerce
pela dominação política e pela produção de uma lógica hegemônica e serve como
“instrumento para adequar a sociedade civil à estrutura econômica” (GRAMSCI apud
BADALONI, 1978:43). Essa dominação pode ser exercida pela imposição ideológica, assim
como pela força, acionando os aparelhos repressivos, toda vez que for necessário, de acordo
com o contexto político ou econômico. Este último, geralmente, se faz necessário em período
de crise, possibilitando a reestruturação do Estado conforme a exigência das mudanças no
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campo da produção material. Considerando que o “Estado é sociedade política + sociedade
civil, isto é, hegemonia revestida de coerção” (GRAMSCI, 1980:149), esse mecanismo faz
com que as classes subalternas aceitem a sua condição de subordinados.
Podemos, portanto, dizer que o Estado militar instituído em 1964 formou um novo
bloco hegemônico, constituído por diferentes parcelas da classe dominante, que entregaram
às Forças Armadas o poder de exercer o comando do Estado brasileiro. Contudo, segundo W.
Germano o controle militar sobre o Estado implica numa determinada forma de dominação
e, por conseguinte, da atuação prática em diversos campos da vida econômica, social e
política do país, na qual se situa a política educacional” (1993:19). Esse controle militar
pôde ser exercido por haver, naquele momento histórico, cumplicidade entre o regime
instituído e as outras frações da classe dominante.
Nessa perspectiva, podemos afirmar que o tipo de Estado que se impõe no Brasil
após o golpe de 1964 caracteriza-se por seu caráter repressivo. No início da década de 1960, a
contradição gerada pelos interesses das diversas frações da classe dominante chega a um
impasse, quando se intensifica a penetração do investimento internacional no país. A
sociedade deveria, para isso, estruturar-se de forma a aceitar a dependência econômica.
Porém, a conjuntura política encaminhava, num outro sentido, o fortalecimento das
reivindicações populares.
Nesse contexto, não restou à burguesia comprometida com o capital internacional
outra opção a não ser deixar para as Forças Armadas o papel de “substituir as classes sociais
em sua função de protagonista do processo de transformação e o de assumir a tarefa de dirigir
politicamente as próprias classes dominantes” (GERMANO, 1993: 36).
Além do caráter repressivo, o Estado exerce a função político-ideólogica através de
políticas educacionais e outras políticas sociais. O objetivo principal era obter a hegemonia
na sociedade do projeto representado nos governos ditatoriais. O tipo de Estado que se impõe,
então, se caracteriza por uma ditadura, que se mantém através da participação efetiva de
quadros da burguesia, em diversas instâncias do poder e em aliança com o setor militar que se
coloca a serviço do poder econômico para possibilitar a reestruturação do Estado.
Nesse contexto, as reformas educacionais contribuíram no sentido de desarticular os
programas educativos, atender aos anseios da burguesia industrial, divulgar a ideologia da
segurança nacional, acompanhar as tendências modernizadoras internacionais, controlar o
sistema educacional. Configura-se, então, no processo educacional brasileiro a ambigüidade
própria de uma sociedade de classe que é, em si, contraditória, gerando, nesse período,
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formas próprias de resistência. A contradição existente no campo educacional brasileiro
reproduz e reflete os conflitos sociais e econômicos da sociedade brasileira.
O regime político que se instaurou no Brasil após 1964 desencadeou formas
específicas de subordinação e resistência. Os embates políticos que se manifestaram no seio
da sociedade brasileira, em suas diversas instâncias, foram expressões do grau de
descontentamento de parcelas da sociedade que se recusavam a aceitar as imposições do
governo autoritário. As diversas reações ao sistema instalado se apresentaram ora como
resistência ativa ou passiva, ora como subordinação.
O dilema em que vivem os profissionais da educação no Brasil é decorrente da
contradição percebida entre a educação que existe e a educação que poderia existir. Esse
conflito manifesta-se na forma de consciência trágica: ao perceber-se como parte integrante
desse processo ambivalente, o educador conforma-se diante do instituído e ao mesmo tempo
nega o que está posto reinventando uma identidade própria na sua prática cotidiana.
A escola é um exemplo de locus onde, no dia-a-dia, o educador se depara com a
realidade do ensino e com o seu papel como profissional, tendo que conviver com o dilema
entre reproduzir a ordem vigente ou romper com o instituído e lutar por esse espaço público
que é tratado como um “espaço privado dos dominantes” (Chauí, 1993:126).
É nessa escola, espaço contraditório que se verifica a cidadania negada, através da
falta de vagas, do desrespeito aos direitos dos alunos, da desvalorização dos profissionais, do
distanciamento entre a própria comunidade escolar e da exclusão produzida pelo desrespeito
ao conhecimento popular que é elaborado coletivamente pela prática, no interior da escola e
fora dela.
Segundo Marilena Chauí (1993:70), as pessoas, de um modo geral, têm a
capacidade de reinventar práticas no dia-a-dia, recriando uma identidade diferente, ou mesmo
oposta, à produzida pela “sociedade mais ampla”. A força de resistência encontra-se no
ambiente onde se constrói o saber do senso comum, onde se preserva a memória viva. O
ambiente desse saber está em permanente transformação, nele se criam condições de
sobrevivência de acordo com as necessidades concretas de autopreservação ou quando surge
a necessidade de oposição a situações impostas pelos que detêm um determinado poder de
dominação.
Na idéia de resistência está embutida, antes de tudo, a vontade de se opor ou reagir a
uma força que oprime, assim como a necessidade de não sucumbir ou de conservar-se a uma
outra força, negando-se a ser dominada, resistindo através de movimentos de defesa ou
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autopreservação. Resistência é, portanto, a capacidade individual ou coletiva de desenvolver,
numa relação de opressão, meios para manter-se vivo ou para criar circunstâncias que alterem
essa mesma relação.
A resistência muitas vezes, é confundida com uma força conservadora. Na verdade,
a oposição que se coloca entre uma força de dominação e uma força de resistência não é entre
a modernização externa e as conservações internas, compreendendo a modernização vinda de
fora e de cima como sendo a única força dotada do poder de evoluir, posicionando as culturas
em diferentes estágios de evolução em que, vias de regra, as culturas dominantes são sempre
posicionadas no estágio superior. O que se disputa são formas diferentes, ou melhor, opostas,
de evolução. É nesse contexto que consideramos a resistência como um outro pólo da
dominação, inseparável e em constante conflito, ou seja, a resistência não é uma distorção
externa aos sistemas de poder da sociedade.
Como o objetivo de conquistar o espaço da escola como um espaço público e de
direitos que a sociedade brasileira presenciou diversas disputas e conflitos ao longo da
história como a luta pela escola pública, a luta pela educação popular e a luta pela
democratização dentre outros movimentos gerais de resistência e de reivindicações, assim
como “práticas dotadas de uma lógica e que as transforma em atos de resistência” (Chauí,
1993: 63), independentemente do tipo de regime instituído.
Como podemos confirmar a partir dos diversos movimentos educacionais ocorridos,
no Brasil, desde o início do século XX, tais como, a luta em defesa da escola pública, os
movimentos por uma educação popular, as lutas travadas contra as imposições dos acordos
MEC-USAID e as diversas formas alternativas de se opor às políticas educacionais,
principalmente, na década de 1970.
Essa maneira de se opor às determinações vindas de cima são formas de resistência
onde se verifica a ambigüidade da ação das classes populares no âmbito nacional.
Trabalho de campo: metodológico - operacional
Num Colégio que se destaca pela sua história e tradição, a busca por informações
sobre o período da ditadura nos revelou uma grande lacuna na narrativa canônica da
instituição. Internamente, os documentos oficiais do Colégio são categóricos no esquecimento
do período entre 1964 e 1979, como podemos comprovar nos históricos do Projeto Político
Pedagógico do Colégio Pedro II (2000), do CD-ROM Colégio Pedro II ( 2003) e do site
oficial { HYPERLINK "http://www.cp2.g12.br" }.
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Os livros de memórias de ex-alunos e ex-professores realçam tempos áureos do
Colégio, que quase nunca passam pelos anos de 1960. Ao procurar os anuários publicados
pelo Colégio, constatamos que o último editado é de 1963 e mesmo meros ofícios arquivados
são extremamente escassos no período entre 1964 e 1979. As pesquisas acadêmicas sobre o
CPII se concentram em outros períodos, seja o primeiro centenário do Colégio, seja o período
em que o CPII era designado como colégio-padrão, seja sobre a década de 1980 em diante,
com a análise dos novos currículos e a questão do neoliberalismo.
Na vasta historiografia sobre o movimento estudantil no período militar, pouco
destaque é dado aos secundaristas e, dentre eles, aos alunos do CPII. Uma pequena exceção a
essa lacuna apareceu não em trabalhos acadêmicos, mas na minissérie Anos Rebeldes, escrita
pelo ex-aluno do CPII, Gilberto Braga. Para a produção do roteiro da minissérie, muitos ex-
alunos foram entrevistados. Alguns desses alunos foram os mesmos que escreveram um livro
coletivo de memórias, cujo foco não era o período da ditadura, mas que apontava alguns
acontecimentos desses tempos.
Os caminhos da pesquisa foram as trilhas do silenciamento histórico de um período
relevante da história do CPII. Quando nos propusemos a fazer um estudo sobre o Colégio
Pedro II durante a ditadura militar, a idéia inicial era, principalmente, averiguar os impactos
das políticas educacionais implementadas naquele período no CPII. Tínhamos a intenção de
verificar os aspectos de subordinação e resistência da comunidade escolar a essas políticas e
analisar as concepções pedagógicas que vigoravam no CPII nesse período. Poucas
informações estavam disponíveis sobre as lutas concretas travadas pela comunidade escolar
do CPII contra a ditadura instalada em 1964 e contra as arbitrariedades ocorridas dentro do
CPII.
As primeiras informações que obtivemos, em entrevistas informais, procurando
sondar os acontecimentos no CPII, naquela época, eram evasivas ou afirmavam que nada
demais havia acontecido a não ser má administração do Diretor Geral da época.
Começamos a pesquisa pelo NUDOM, investigando tudo que havia relativo a esse
período. Infelizmente, o havia muita documentação, pois, segundo informações, a maioria
dos documentos havia se perdido. Mesmo assim, com a ajuda dos responsáveis pelo setor,
fomos encontrando documentos que começavam a revelar os acontecimentos. Os primeiros
indícios encontramos nas pastas do professor Haroldo Lisboa da Cunha
2
: recorte de jornais,
relatórios, anotações pessoais, etc.
2
Haroldo Lisboa da Cunha era professor catedrático de Matemática e foi Diretor do Externato de 1967 a 1968.
{
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Iniciamos as entrevistas. A primeira entrevista foi marcada com o atual Diretor Geral,
Wilson Choeri
3
. Ao saber do que se tratava e ele informou que nesse período não trabalhava
na instituição e, até onde ele sabia, não tinha acontecido nada de relevante. Quando
indagamos sobre o esvaziamento do colégio na década de 1970 ele informou que a Lei
5.692/71 tinha acabado com o concurso de admissão no primeiro grau. Esse era um dos
motivos do esvaziamento. Esse primeiro encontro não foi muito revelador. Marcamos novo
encontro para realmente fazermos uma entrevista mais detalhada sobre o tema.
Logo depois, entrevistamos o Professor Geraldo Pinto Vieira
4
e o Professor Clóvis do
Rego Monteiro Filho
5
. Nessas entrevistas, soubemos mais sobre o funcionamento do colégio
naquele período, alguns acontecimentos relevantes, a gestão do Professor Vandick Londres
da Nóbrega
6
, as perseguições a professores, alunos que desapareceram do colégio e um tal
“livro de denúncias” que o professor Vandick instaurou, mas que nunca foi usado. Essas
informações abriram o caminho da pesquisa, no sentido de nos levar a um olhar mais crítico
em relação à gestão do Colégio no período escolhido.
A entrevista com o professor do Laboratório de Química, Victor Hugo D’Oliveira
Cabral
7
foi fundamental para conseguirmos os primeiros indícios dos tipos de repressão que
ocorreram no Colégio. Com ele conseguimos os primeiros jornais estudantis, que foram
importantes para obtermos informações e encontrar os ex-alunos envolvidos nos Grêmios
estudantis da época.
As entrevistas foram, de início, o instrumento de pesquisa mais eficaz, por revelarem
acontecimentos que aparentemente não tinham sido registrados. Essas entrevistas nos
levaram a iniciar a pesquisa nos documentos do DOPS, que se encontram no APERJ
(Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro) e, a partir das informações obtidas nas
entrevistas e nos documentos, foi possível traçar o caminho da atual pesquisa, pois as
informações começaram a se cruzar e gerar novas hipóteses.
3
Wilson Choeri é Diretor Geral do CPII desde 1994.
4
Geraldo Pinto Vieira se formou no CPII em 1955 e foi funcionário do CP II desde 1956. Formado em História
pela UERJ em 1959. Foi professor de História do CP II, tendo exercido o cargo de coordenador e chefe do
Departamento de História até 1985.Atualmente, aposentado, é um dos responsáveis pela organização do
NUDOM.
5
Clóvis Monteiro Filho foi professor de História do CPII entre 1956 e 2006. Em 1959, fez parte da Congregação
do colégio como representante dos professores e foi coordenador de Historia da Unidade São Cristóvão.
6
Vandick L. da Nóbrega foi Diretor do Internato a partir de 1964 e foi o primeiro Diretor Geral do Colégio
Pedro II de 1967 a 1979.
7
Vitor Hugo d’Oliveira Cabral trabalha no Colégio desde 1960. Formado em Química pela Faculdade Souza
Márquez em 1975. Atualmente aposentado de uma das matrículas, exerce o cargo de Laboratorista de Química,
na segunda matrícula.
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Confirmou-se a necessidade de se aprofundar o estudo da biografia do Prof. Vandick
Londres da Nóbrega, que assumiu a direção do internato em 1964 e, mais tarde, veio a ser o
primeiro Diretor Geral do CPII. Sua gestão abrangeu todo período ditatorial, entre abril de
1964 e a abertura política em 1979, quando foi dispensado da função de Diretor Geral pelo
então Ministro da Educação, Eduardo Portella.
Para isso, investigamos atos administrativos e fichas funcionais de alguns professores,
nas quais foi possível verificar que o Colégio Pedro II foi, como tantas outras instituições de
ensino, atingido de diversas formas pelo regime instaurado pelo golpe de 1964, através de
perseguições, afastamentos e aposentadorias de professores e técnicos administrativos, assim
como pela repressão a estudantes. Através dos documentos do DOPS, pudemos confirmar as
histórias contadas, sob outros pontos de vista, e averiguar novos fatos. Nos documentos do
Fundo de Polícia Política nos deparamos com um outro CPII, um CPII sob vigilância, sob
controle, guardado nos porões escuros da ditadura.
Através das entrevistas, que de início pareciam não revelar muito, verificamos, em
vários momentos, um esquecimento revelador e uma memória silenciada, que aos poucos foi
se restaurando. A presente pesquisa foi elaborada perseguindo as pegadas, quase apagadas
pela memória silenciada, na qual se refugiam as lembranças que preferimos esquecer.
História, silêncios e subjetividade
Os procedimentos da pesquisa seguiram ao mesmo tempo uma contingência e uma
opção teórica. O silêncio na história foi uma imposição dos registros, uma fonte de
curiosidade e um ponto de partida, mas se transformou numa chave para o entendimento da
própria história. Essa chave teórica está expressa em Michel-Rolph Trouillot (1995), em um
livro que trata da relação entre poder e produção da história.
Trouillot parte do duplo significado da história como ação e narração: “os seres
humanos participam na história como atores e como narradores” (1995: 2). Essa
ambivalência é constitutiva da história e torna fluidos os limites entre os significados da
história como “processo sócio-histórico” e como “conhecimento desse processo”. Ao
falarmos da história dos alunos do CPII no período militar, podemos nos referir tanto aos
processos dos quais eles fizeram parte quanto aos relatos realizados pelos mesmos narrando
os acontecimentos de sua época. Reconhecer esse caráter duplamente histórico dos sujeitos
significa reconhecer a capacidade subjetiva dos atores históricos como também narradores de
sua ação. Por outro, implica pensar o contexto histórico da produção da história, em suas
diversas etapas de produção. Aqueles que registram, que narram, que sintetizam as
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informações, todos estes não são meras figuras distanciadas dos acontecimentos, mas sim
atores que produzem história e interferem nos próprios acontecimentos.
Em um jornal de ampla circulação coletado por um ex-aluno, observamos uma foto
curiosa que apresenta alguns elementos do que queremos apresentar aqui. O fotógrafo
registra a repressão policial sobre uma manifestação estudantil do CPII. O foco da fotografia
não está no policial, mas na aluna que ao fundo registra a mesma cena com uma câmera
fotográfica. O duplo registro da repressão é um fator inibidor para o policial, a narração
interfere no acontecimento; a aluna faz a história ao participar da manifestação e ser
registrada pelo fotógrafo, mas também ela mesma produz a narrativa ao produzir sua imagem
subjetiva do acontecimento.
Além do momento do registro instantâneo, na redação do jornal fizeram uma escolha
para incluir a foto na edição do jornal. A repercussão da fotografia foi diferenciada entre
leitores, entre agentes da repressão e entre os próprios alunos do Colégio que tenham se
reconhecido na foto. Uma terceira etapa do processo está no arquivamento do jornal,
realizado por um ex-aluno que produziu um acervo particular de reportagens de jornal sobre o
CPII no período da ditadura e por isso tanto tempo depois tal imagem, mesmo sem estar
guardada de forma relevante em nenhum arquivo oficial público ou institucional, pode chegar
às nossas mãos como um registro histórico.
Aqui chegamos à constatação de uma relação diferente entre fato e fonte. O fato
objetivo não está desligado das condições em que ele pode ser analisado como um fato,
condições estas que também são históricas. Segundo Trouillot, o “jogo de poder na produção
de narrativas alternativas se inicia com a criação conjunta de fatos e fontes, por ao menos
duas razões. Primeiro, os fatos não são sem significados: realmente, eles se tornam fatos
somente porque interessa de algum modo. Segundo, os fatos não são igualmente criados: a
produção de traços é sempre também a criação de silêncios” (1995: 29). Fatos e fontes são
constituídos mutuamente em relações de poder que estão presentes na produção da história.
Ainda segundo Trouillot: “os silêncios entram no processo de produção da história em
quatro momentos cruciais: o momento da criação do fato (produção das fontes); o momento
da reunião do fato (produção dos arquivos); o momento da recuperação dos fatos (produção
das narrativas); e o momento da significância retrospectiva (produção da história em última
instância)” (Trouillot, 1995: 26). A tarefa do historiador é a de desconstruir esses silêncios e,
a partir da análise de suas produções, que aparecem sobrepostas no presente, empreender uma
síntese específica que possa trilhar as raízes do poder na produção da história.
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Essas questões colocam novos parâmetros para a abordagem do tema, no sentido de
enfatizar a relação entre fatos e fontes e as relações de poder na história e em sua produção.
Isso define nossa posição de agrupar os registros históricos não em seqüência cronológica ou
temática, mas na relação entre os fatos narrados e as fontes, incluindo na descrição dos fatos
os próprios meios que possibilitam entendê-los como fatos.
Contexto histórico e três registros: a vigilância, os jornais e os depoimentos.
Na combinação entre fatos e fontes, optamos por relacionar o contexto histórico em
que as narrativas estão inscritas a três registros principais: o da vigilância, o dos jornais e o
das entrevistas. O contexto histórico busca situar as narrativas apresentadas em cada registro
em um enquadramento histórico que expresse as relações fundamentais entre educação e
Estado no período da ditadura e a seqüência em que estão inseridas as narrativas internas ao
Colégio Pedro II.
No Capítulo I, o contexto é formado, pois, de um breve histórico sobre o Colégio,
relacionando sua história institucional às sucessivas conjunturas políticas e educacionais.
Portanto, as circunstâncias sociais foram relacionadas com as situações concretas no âmbito
do Colégio Pedro II, demonstrando a importância do Colégio na educação brasileira até o
período analisado. A descrição do funcionamento do Colégio e sua relação com os órgãos
governamentais ajudam a entender alguns aspectos de sua situação no período ditatorial.
Além disso, ao analisar a administração imediatamente anterior à gestão de Vandick
L. da Nóbrega podemos estabelecer uma comparação entre duas propostas educacionais
distintas, inscritas em conjunturas políticas também bastante distintas. Os depoimentos de ex-
alunos que estudaram nos anos anteriores à ditadura, que estão distribuídos ao longo dos
capítulos, também aparecem no sentido de estabelecer essa comparação.
Com relação ao período após 1964, enfatizamos a conjuntura educacional sob as
imposições do governo militar e, separadamente, suas repercussões no âmbito interno do
Colégio Pedro II. Para isso, foi necessária uma revisão da bibliografia sobre as reformas
educacionais da ditadura militar que afetaram o ensino secundário. Sobre os impactos no
Colégio Pedro II, obtivemos algumas informações em artigos do próprio professor Vandick
L. da Nóbrega sobre a implementação das novas diretrizes educacionais, através das
mudanças curriculares e da tentativa de aplicar o ensino profissionalizante.
O Capítulo II tem o foco sobre os arquivos da repressão política praticada no Colégio
Pedro II e sobre os documentos administrativos que permitem analisar os efeitos das ações
repressivas na reestruturação do CPII. Relacionamos tais análises à combinação entre a
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ideologia de segurança nacional propagada pelos governos militares e o contexto específico
da direção de Vandick L. da Nóbrega no CPII entre 1964 e 1979. Sobre a ideologia de
segurança nacional, mostramos como o binômio segurança / desenvolvimento legitimava
ações simultâneas de cunho repressivo e ideológico no âmbito da educação. No caso do CPII,
tais ações são apresentadas dentro do quadro específico do grupo político interno que assume
o comando do Colégio em 1964. Com os documentos coletados, podemos verificar a
“vigilância hierárquica” e as mediações necessárias para o exercício do poder.
A relação entre fatos e fontes é definida pelas circunstâncias em que as informações
foram produzidas. Nos arquivos do DOPS encontramos diversos dados que nos revelam,
além da informação descrita, a vigilância exercida sobre o CPII em suas diversas dimensões.
São informações produzidas para o exercício do controle de alunos, professores e técnicos.
Segundo Foucault, “o poder disciplinar (...) se exerce tornando-se invisível: em compensação
impõe aos que submete um princípio de visibilidade obrigatória” (1999 [1976]: 156). Esse
princípio explica a aparente contradição entre a existência excessiva de dados sobre os
dominados e a quase inexistência de registros sobre as formas de ação dos que exercem o
poder. Na ausência de tais registros, buscamos nas próprias informações encontradas nos
arquivos os elementos que possibilitam dar visibilidade a alguns dos meios utilizados para a
vigilância e o controle.
Além do aspecto funcional da associação entre “vigiar e punir”, a vigilância e a
punição guardam também suas dimensões simbólicas. Assim, a violência simbólica é uma
violência exemplar, cuja economia está na propagação dos seus efeitos para além de seu
emprego imediato. A análise da pedagogia da ditadura não deve se circunscrever à análise de
suas políticas educacionais. Um estudo sobre os efeitos pedagógicos da vigilância e da
repressão empreendidas nas escolas secundárias no período da ditadura ainda está por ser
feito.
Os arquivos da ditadura são arquivos da violência: são registros da extração violenta
da voz, da negação do direito individual ao silêncio. Os efeitos buscados pela vigilância
eram, por sua vez, o silenciamento definitivo dos corpos e mentes rebeldes, que não se
submetiam à sua lógica de dominação. O uso atual que fazemos das informações obtidas
pelos órgãos de repressão leva em conta as circunstâncias em que foram produzidas, os
interesses imediatos dos sujeitos que as produziram e o interesse público posterior, ao qual
tais informações devem ser postas a serviço. O silêncio é o que se produz atualmente com a
não liberação completa dos arquivos da ditadura militar, o que nada mais é do que a
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perpetuação no presente das mesmas relações autoritárias e violências do passado que
permitiram que tais arquivos fossem produzidos.
O Capítulo III trata do movimento estudantil do Colégio Pedro II através dos diversos
jornais publicados pelos próprios estudantes. Neste capítulo iremos, em primeiro lugar, fazer
um pequeno histórico sobre a imprensa estudantil no Colégio Pedro II. Na segunda parte,
descrevemos os jornais analisados, detalhadamente: como eram divididos, quais os assuntos
abordados e quais eram apresentados com mais destaque. A última parte é dedicada a mostrar
as lutas travadas no período da ditadura a partir do ponto de vista dos estudantes, que naquele
momento exerciam o duplo papel histórico de fazer acontecer, de participar e de escrever sua
própria historia.
Em todos os capítulos, acrescentamos os picos “Vozes da Memória”, que
apresentam a história contada nas entrevistas realizadas com professores, alunos e
funcionários técnicos que vivenciaram experiências no Colégio, durante esse período,
relacionando suas histórias de vida às informações que a documentação apontou e à própria
história política do Colégio no período em questão.
Para isso, consideramos as dificuldades próprias do trabalho de entrevista. Segundo
Pierre Bourdieu, a entrevista é uma relação social que deveria excluir qualquer forma de
violência simbólica. Portanto, cabe ao entrevistador, em primeiro lugar “instaurar uma
relação de escuta ativa e metódica” e tentar adotar “sua linguagem e a entrar em seus pontos
de vistas, em seus sentimentos, em seus pensamentos, com a construção metódica, forte, do
seu conhecimento das condições objetivas, comuns a toda uma categoria” (BOURDIEU,
2001: 695).
A liberdade de escolher os pesquisados entre pessoas conhecidas é fundamental,
segundo Bourdieu, para a efetivação de uma comunicação não violenta. Pois, desenvolver
uma relação de cumplicidade permite superar muitas dificuldades iniciais. É importante que o
momento da entrevista seja um deslocamento em direção ao outro, ou seja, o investigador
deve ser capaz de se colocar no lugar do pesquisado para compreender que a entrevista deve
ser feita “de tal modo que a interrogação e a própria situação tenham sentido para o
pesquisado” (BOURDIEU, 2001: 700). Nessa perspectiva, não nos pautamos por nenhum
questionário específico, mas por algumas perguntas-guia que davam lugar ao livre discurso
dos entrevistados, o que fez com que cada entrevista assumisse o formato da relação
estabelecida, variando em tempo de duração, linguagens e assuntos, bem como na
combinação de informações do presente e do passado.
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CAPÍTULO 1: POR DENTRO DA HISTÓRIA: o Colégio Pedro II no contexto da
Educação
1.1. O Colégio Pedro II: breve histórico
O Colégio Pedro II é uma tradicional instituição de ensino público, localizada no Rio
de Janeiro, fundada em 2 de dezembro de 1837 com o objetivo de servir como modelo de
instrução secundária para a capital do Império do Brasil. Foi organizado segundo os padrões
educacionais europeus para servir de instrumento para o projeto civilizatório da Monarquia,
do qual faziam parte a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Arquivo
Público do Império. A longevidade do Colégio é sempre ressaltada positivamente no sentido
de marcar uma tradição que remonta à própria consolidação da identidade nacional.
Por ser uma das poucas instituições de ensino oficial de nível secundário existentes no
país até sobretudo a cada de 1930, o Colégio Pedro II esteve no centro das reformas de
ensino secundário, tanto durante a monarquia quanto em todo o período republicano,
cumprindo seu papel na construção do Estado nacional. Dessa forma, caracterizou-se por um
ensino elitista, comprometido em formar quadros políticos e intelectuais para os postos da
alta administração, principalmente blica. Com a instauração do novo regime, a República,
que projetava o ideal positivista de ordem e progresso, assimilou o modelo educacional
baseado no primado da ciência como alavanca para o progresso.
A partir da década de 1930, a Reforma Francisco Campos conferiu ao Colégio Pedro
II o papel de colégio-padrão e estabeleceu, “no seu primeiro artigo, que o ensino secundário,
oficialmente reconhecido, será ministrado no Colégio Pedro II e em estabelecimentos sob
regime de inspeção oficial” (MASSUNAGA, 1989: 117).
Segundo Otaiza Romanelli, a partir da Reforma Francisco Campos organiza-se pela
primeira vez na história da educação brasileira a base do sistema nacional, dando início à
ação mais objetiva do Estado na educação. A Reforma se preocupou em dar organicidade ao
ensino secundário, onde o Colégio Pedro II exercia um papel relevante como colégio-padrão:
“estabelecendo definitivamente o currículo seriado, a freqüência obrigatória, dois ciclos, um
fundamental e outro complementar, e a exigência de habilitação neles para o ingresso no
curso superior. Além disso equiparou todos o colégios secundários oficiais ao Colégio Pedro
II, mediante a inspeção federal e deu a mesma oportunidade às escolas particulares que se
organizassem, segundo o decreto, e se submetessem à mesma inspeção.” (ROMANELLI,
1984: 135)
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A chamada reforma Francisco Campos foi a primeira mudança que atingiu os vários
níveis de ensino e se estendia a todo o território nacional. Essa década foi marcada pela
polarização de dois projetos de educação, o dos grupos ligados à Igreja Católica e o projeto
dos “renovadores” que defendiam a educação nova. No período de definição de um projeto
nacional para a educação, o Colégio Pedro II foi uma referência e muitos de seus professores
participaram ativamente do movimento escolanovista, que polarizou com a Igreja Católica
com posições em defesa da escola pública.
Porém, o CPII era também uma expressão das contradições vividas pela sociedade.
Além de sofrer as imposições do governo, o Colégio participava ativamente da formação das
políticas educacionais e das formulações críticas a essas políticas. A tradição elitista da
educação brasileira, em todos os níveis, se deve à própria divisão social e econômica da
sociedade que, no campo educacional, se apresenta através da divisão do ensino em prático e
intelectual.
Podemos confirmar o caráter elitista e elitizante do Colégio, como afirma Vera
Andrade, por possuir “[o] corpo docente de notório saber nomeado pelo governo; a
seletividade de corpo discente feita pelos exames de admissão e promocionais; as despesas
escolares e do pagamento das anuidades; a rigidez disciplinar do bacharelado, curso
classista de tradição humanística (...)(ANDRADE, 1999:141). O Colégio Pedro II se
insere, nesse contexto, como um centro de formação da elite intelectual e cultural,
fortalecendo as concepções das classes dominantes, formando os quadros de dirigentes da
nova nação.
Em 1942, ainda sob o Estado Novo, iniciaram-se reformas em alguns ramos do ensino
que abrangeram o ensino primário e o médio. Essas reformas foram chamadas de Leis
Orgânicas do Ensino e foram decretadas entre os anos de 1942 e 1946 (ROMANELLI,
1984:154). As reformas implementadas por Gustavo Capanema ampliaram a reforma
anterior, contemplando os três departamentos da economia – organizado nos ramos industrial,
comercial e agrícola e regulamentando a formação para o trabalho, por meio do ensino
técnico-profissional.
As Leis Orgânicas estavam inseridas no contexto de construção da nova ordem do
regime autoritário do presidente Getúlio Vargas, período de centralização do poder, em todas
as instâncias. Durante a implantação da Lei Orgânica do Ensino Secundário, instituída pela
Reforma Capanema, assistiu-se à quebra do padrão do Colégio Pedro II, devido ao fato de a
referida Lei não considerá-lo mais como a instituição padrão e sequer mencioná-lo. O
Colégio Pedro II, nesse período, lutou para reconquistar seu lugar como Colégio padrão.
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Na década de 1950, durante o governo Vargas, o Colégio retomou o seu lugar de
Colégio-padrão, em outros moldes. A partir do oficio 121, no qual a Congregação do
Colégio reivindicava autonomia didática para melhor elaborar seu programa de ensino, o
ministro Simões Filho baixou a portaria 614, na qual resolveu que os programas de ensino
das disciplinas seriam elaborados pelo próprio Colégio e seriam adotados por todos os outros
estabelecimentos de ensino secundário (MASSUNAGA, 1989: 150-153).
No âmbito do Colégio Pedro II, essa década foi marcada pela expansão do Colégio
para atender à demanda da época. Segundo Massunaga (1989:166), a partir dessa expansão
pode-se verificar um início de democratização do Colégio, no sentido de tornar-se mais
heterogêneo, abranger diversas classes sociais e abrigar alunos das mais variadas regiões do
país.
No entanto, esse processo de expansão acabou por gerar uma crise de identidade”,
decorrente da dificuldade do Colégio Pedro II em administrar seu espaço físico e seu corpo
de alunos e servidores segundo suas novas características. Mesmo assim, a qualidade de
ensino foi mantida e a “crise de identidade” foi superada pela força da mística do Colégio.
Até 1951, o CPII era constituído por duas Unidades: o Internato, situado em São
Cristóvão, e o Externato, situado à Rua Marechal Floriano, no Centro do Rio de Janeiro.
Apesar de serem partes de um único estabelecimento de ensino, essas Unidades tinham
administração independente, cada uma com seu respectivo diretor.
Em 1952, foram instaladas duas novas Seções, as quais foram incorporadas à Unidade
Externato. A primeira Seção a ser fundada foi a Seção Norte (atual Unidade Engenho Novo),
situada no bairro do Engenho Novo. Na ocasião, o diretor do externato, Prof. Gildásio
Amado
8
, nomeou o Prof. Honório de Souza Silvestre
9
como administrador da recém criada
Seção. A Seção Sul (atual Unidade Humaitá), fundada nesse mesmo ano, teve como primeiro
Administrador o Prof. João Batista de Mello e Souza
10
.
Houve, então, em 1953, uma reestruturação administrativa instituída pelo Novo
Regimento
11
. De acordo com esse regimento, a diretoria seria constituída pelos Diretores das
duas Unidades, ambos nomeados pelo Presidente da República.
8
Gildasio Amado era professor catedrático de Química e foi Diretor do Colégio Pedro II Externato entre 1947
e 1956.
9
Honório de Souza Silvestre era professor catedrático de Geografia e foi Diretor da Seção Norte entre 1952 e
1955.
10
João Batista de Mello e Souza era professor catedrático de Historia Geral e do Brasil. Foi Diretor da Seção Sul
de 1952 a 1959.
11
Esse Regimento foi instituído pelo Decreto nº 34.742, de 1953.
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O Internato era administrado por um diretor exclusivo e as outras Seções ficaram
subordinadas ao Diretor do Externato, porém com autonomia administrativa, tendo cada
Seção um dirigente nomeado pelo Diretor.
A Diretoria tinha como principal atribuição fazer cumprir o Regimento, fazer executar
as decisões da Congregação
12
, além de outras atribuições especificamente administrativas. A
Congregação era o órgão superior da direção didática e pedagógica do Colégio. Esse
Regimento criou o Conselho Departamental, órgão técnico-administrativo, com a atribuição
de “funcionar como órgão consultivo da Direção”
13
.
A Seção Tijuca (atual Unidade Tijuca) foi criada em abril de 1957, durante o governo
Juscelino Kubitschek, sob a gestão do professor Clóvis Monteiro
14
, então Diretor do
Externato. Essa Seção, que nos dois primeiros anos era denominada de Anexo Tijuca, foi
administrada pelo Prof. Dulcídio do Espírito Santo Cardoso
15
, que exerceu essa função até
1961.
Esse crescimento exigiu mudanças no CPII, para que, em novos patamares,
continuasse oferecendo um ensino de qualidade. As reformulações estruturais foram
inevitáveis na busca de adaptar-se às exigências da nova realidade.
Em 1959, por ocasião da visita do então Presidente Juscelino Kubitscheck e do então
Ministro da Educação Clovis Salgado, a Congregação do CPII, com o objetivo de obter mais
flexibilidade administrativa, apresentou ao Governo a proposta para conceder autonomia
16
administrativa, financeira, didática e disciplinar ao Colégio. O Projeto de Lei
17
foi, então,
enviado ao Congresso pelo Presidente da República.
O ministro Clóvis Salgado defendeu a proposta de autonomia, em sessão solene e
apresentou uma síntese dos avanços e da expansão do colégio na última década:
12
A Congregação era constituída pelos professores catedráticos em exercício, pelos ocupantes interinos do cargo
de professor catedrático, pelos professores eméritos, por um representante dos docentes livres. A presidência da
congregação era exercida, alternadamente, em cada ano, pelos Diretores das Unidades do Colégio. Somente os
professores catedráticos em exercício tinham direitos a voto.
13
Regimento Interno, 1953, artigo 209, Capítulo II.
14
Clóvis Monteiro era professor catedrático do Colégio Pedro II de Português e Literatura, foi membro do
Conselho Federal do Ensino Secundário e Superior, Secretário Geral de Educação e Cultura do Distrito Federal,
professor do Instituto de Educação, da PUC e da faculdade Santa Úrsula e diretor do CPII - Externato entre 1956
e 1961. Foi membro da Academia Brasileira de Imprensa.
15
Dulcídio do Espírito Santo Cardoso era professor catedrático de Geografia e foi Diretor da Seção Tijuca de
1957 a 1961.
16
Apesar de reivindicar a autonomia desde a década de 1950, o colégio só a conseguiu em 1967, ao transformar-
se em autarquia federal.
17
Pode-se ler na íntegra o Projeto de Lei encaminhado ao congresso, em 1959, no Anuário do Colégio Pedro II
1951-1961, publicado em 1963.
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“O colégio tem 7.740 alunos todos gratuitos. A população da cidade cresceu 30 vezes e a
matrícula do Colégio 285 vezes. Esses números são uma medida da auspiciosa prosperidade
do educandário (...) em 1838 – 30 alunos; em 1955 – 3.500 alunos; em 1959 – 7.740.
Conclusão: em 4 anos , o crescimento da matrícula foi maior do que um século”. (“Jornal do
Comércio”, de 3/12/59, In Anuário do CPII – XVI, p. 49).
Esse crescimento no número de alunos matriculados exigiu também a expansão do
seu corpo docente. A solução imediata foi a contratação de servidores horistas que não
pertenciam ao quadro permanente do colégio, o que acarretava dificuldades na parte
administrativa e na pedagógica.
No sentido de melhorar essa situação, o Professor Roberto Accioli
18
, representante da
Congregação, no discurso proferido, nessa ocasião, reivindicou estabilidade para os
professores e funcionários horistas e lembrou, também, das reformas físicas necessárias,
principalmente no prédio do internato.
A preocupação da Congregação, naquele momento, era a de garantir a continuidade
das melhorias das condições materiais para o ano de 1960, que haveria eleições para
presidente e havia o receio da descontinuidade administrativa que sempre caracterizou a
administração pública no Brasil. Desde a fundação do Colégio, a “dotação de verbas e outros
recursos oscila. Assim, o colégio passa ora por fase de precariedade ora por fases positivas”
(MASSUNAGA, 1989:167). Nesse sentido, em seu discurso, o professor Accioli não vacilou
em lembrar:
“Os horistas, quer como professores ou como funcionários, são outros tantos devotados ao
estabelecimento e para eles afigura-se de justiça assegurar-lhes o governo, como está
cogitando, a estabilidade merecida. As desapropriações levadas a efeitos ainda recentemente e
o reinício das obras do internato constituem demonstração de que o interesse por parte das
altas autoridades não esmorece, no tocante ao colégio” (In Anuário do CPII – XVI, p. 49)
No âmbito da educação nacional, a década de 1950 foi um período de debates e
enfrentamentos de posições divergentes, iniciado em 1946, desde a proposta de implantação
de uma comissão para elaborar a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) até a aprovação da
Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional (LDBEN)
19
, em 1961. Esse conflito ideológico
18
Roberto Accioli era professor catedrático de História. Foi Vice-Diretor do Internato entre 1958 e 1961 quando
o Prof. Carlos Potsch era Diretor.
19
A LDBEN (Lei de 4024/61), aprovada e sancionada pelo presidente João Goulart, deveria reformular a
estrutura educacional do país. As tentativas nesse sentido vinham desde 1946, quando Clemente Mariani (UDN)
formou uma comissão para elaborar a nova LDB. Esta foi instalada em 1947 e remetida a primeira versão ao
Congresso em 1948. Integraram a comissão educadores de várias tendências, como Fernando de Azevedo,
Lourenço Filho, Padre Leonel Franca e outros, mas o Projeto foi arquivado em 1949. Em 1951, tentou-se
desarquivá-lo, mas o trabalho anterior havia se extraviado. A Comissão do Congresso partiu para a
reconstituição do projeto. Em 1957, reiniciou-se a discussão, mas o substitutivo Lacerda, de 1958, alterou o texto
original. Esse substitutivo defendia interesses privatistas tais como o direito da família na educação dos filhos e o
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desencadeou a Campanha em Defesa da Escola Pública que gerou uma discussão entre os
setores privatistas e os defensores da escola pública. Para os integrantes da Campanha em
Defesa da Escola Pública, a democratização da sociedade passava também pela
democratização do ensino.
Segundo Dermeval Saviani (1988: 55-56), nesse momento, entram em cena os
partidos ideológicos. A Igreja Católica se mobiliza em defesa dos interesses privatistas, a
imprensa se posiciona formando opinião. Alguns órgãos defendem as escolas privadas e
outros apóiam os defensores da escola pública, envolvendo a sociedade civil numa discussão
acirrada sobre os rumos da educação.
A luta dos defensores do ensino público levou os educadores a lançarem, em julho de
1959, um novo manifesto defendendo a educação universal, obrigatória e gratuita, intitulado
“Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados” (GHIRALDELLI, 1990), assinado
por duzentos educadores, dentre eles vários professores do Colégio Pedro II.
Nesse mesmo ano, como membro do Conselho Nacional de Educação, o Prof.
Roberto Accioli concedeu uma entrevista ao “Diário de Notícias”
20
analisando o projeto da
LDB em tramitação no Congresso Nacional e focalizou pontos importantes relativos à
educação. Sobre o problema da centralização e descentralização, afirmou ele que qualquer
que fosse a decisão, esta poderia “resultar inconveniente, dadas as condições peculiares do
nosso país”. Abordou a questão da educação popular, defendendo que a educação popular “é
uma tomada de posição diante dos problemas e das responsabilidades, a fim de colocar-se
em situação de compreender e agir” em todas as dimensões da vida. A educação não poderia
oferecer tão-somente noções superficiais e deveria se preocupar em corresponder às
exigências da vida do trabalhador, visando ao indivíduo físico, à família, ao trabalho, à
nação e ao mundo”. Propunha uma educação que não admitisse a continuidade da divisão
entre o intelectual e o operário e que devesse “relegar a pretensão ultrapassada de que os
homens do campo e da fábrica não podem possuir a alegria e o proveito de ler nas suas
próprias línguas os grandes clássicos ou de compreender os princípios das ciências que
aplicam a todo o momento”.
Nessa entrevista, o Prof. Roberto Accioli propunha, ainda, modificações no currículo
do curso ginasial, do primário e do ensino superior; o ano letivo de 180 dias; a autonomia
didática, financeira e administrativa para os estabelecimentos que integravam o sistema
financiamento de escolas confessionais católicas. As divergências se aprofundaram a ponto de o deputado Padre
Fonseca e Silva acusar os defensores do ensino publico de marxistas e comunistas.
20
Pode-se ler o artigo na íntegra em ACCIOLI, R. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1959.
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federal de ensino; a reestruturação do MEC; a remuneração condigna do professorado; a
efetivação dos concursados e, finalmente, a educação como direito de todos e uma verba para
a educação igual ou maior do que 10%.
Durante essa década, podemos notar que esteve presente na comunidade do Colégio,
através da Congregação, a preocupação de defender o ensino público e gratuito, tendo como
referência o próprio Colégio, assim como de exigir qualidade do ensino, proporcionando as
melhores condições de estudo para os alunos e lutando pelos direitos dos docentes, tanto no
âmbito do Colégio quanto no âmbito da educação nacional.
Com a posse do Presidente João Goulart, após a renuncia de Jânio Quadros
21
, são
nomeados, por indicação da Congregação do Colégio, para o cargo de Diretor do Externato, o
Prof. Roberto Accioli e, para Diretor do Internato, o Prof. Helio de Oliveira Fontes
22
. Os
diretores nomeados para as Seções do Externato foram: o Prof. Alfredo D’ Escragnolle
Taunay
23
(Seção Sul), o Prof. Odin Aquino Casses
24
(Seção Norte) e o Prof. Augusto Gomes
Villaça
25
(Seção Tijuca). A sessão solene de transmissão dos cargos de direção aconteceu no
dia 17 de outubro de 1961. Nessa ocasião, os professores Afrânio Coutinho
26
, Rocha Lima
27
,
Helio Fontes, Candido Jucá (Filho)
28
e Roberto Accioli proferiram discursos
29
nos quais
apresentam a situação do Colégio naquele momento.
O Prof. Afrânio Coutinho era presidente da Congregação e o mais antigo catedrático
do Internato. Assumiu o internato substituindo o Prof. Carlos Henrique da Rocha Lima logo
após o incêndio
30
, que consumiu o prédio velho do Internato. Assumiu, em 1961, o cargo de
Vice-Diretor do Internato e transmitiu o cargo de Diretor do Internato ao Prof. Helio Fontes.
No seu discurso de posse, colocou em relevo a unidade do Colégio Pedro II,
salientando que, embora funcionando em duas Unidades, Internato e Externato, em lugares
diferentes o Colégio era um só, “com uma alma e a mesma mística (...) firmemente
decidido a lutar para colocar o Colégio à altura adequada à sua importância e alevantados
destinos”.
21
O Presidente eleito, em 1960, pela sigla da UDN, Jânio Quadros renunciou em 1961.
22
Helio D’Oliveira Fontes era professor catedrático de Matemática. Foi Diretor da Seção Norte entre 1958 e
1961, Vice-Diretor do externato em 1961 e Diretor do Internato entre 1961 e 1964.
23
Alfredo D’ Escragnolle Taunay era professor catedrático de História Geral e do Brasil.
24
Odin Aquino Casses era professor catedrático de História Geral.
25
Augusto Gomes Villaça era professor catedrático de Geografia.
26
Afrânio Coutinho era professor catedrático de Literatura e foi Vice-diretor do Internato em 1961.
27
Carlos Henrique da Rocha Lima era professor catedrático de Português e foi Diretor do Internato em 1961.
28
Candido Jucá (Filho) era professor catedrático de Português e foi Diretor do externato até outubro de 1961.
29
Os discursos foram publicados, em 1962, em forma de folheto intitulado Congregação do Colégio Pedro II.
30
O incêndio aconteceu em 17/01/1961. Conseguiram restabelecer a normalidade para iniciar as aulas em 33
dias.
{
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}
O Prof. Afrânio Coutinho denuncia, nessa ocasião, o abandono no qual vivia o CPII
devido à falta de verbas, que estavam “sendo devoradas pela empresas privadas de ensino” e
ainda convoca a comunidade petrossecundense a lutar por melhorias: “Vamos lutar todos,
unidos professores, alunos, funcionários na obtenção do que nos é devido. (...) Vamos rogar,
mas pedir muito, para conseguir o máximo”.
Nesse mesmo discurso, demonstrando consciência da situação política pela qual
passava o país, naquele primeiro ano da década de 1960, afirma que “o Brasil está assentado
sobre uma carga de alto poder explosivo” e que não é hora de se iludir nem de se acomodar:
“Ao contrário, todos os homens responsáveis temos parte na crise e na sua solução”. E
ainda chama à responsabilidade, principalmente, os educadores, defendendo a concepção de
que a educação é da “maior eficácia social para contribuir na condução da conjuntura em
bom termo”.
O Prof. Afrânio Coutinho realça positivamente o fato do ministro ter acatado a
solicitação da Congregação em nomear os dois professores para a Direção das unidades e
lembra mais uma vez do programa de luta da Congregação: a autonomia didática e financeira;
a reconstrução jurídica e administrativa; a remodelação material de suas casas. E encerra
dizendo: “Esse é o objetivo pelo qual guerrearemos, os diretores individualmente e a
congregação como corpo coletivo”.
No discurso proferido pelo Prof. Helio Fontes, podemos mais uma vez verificar a
preocupação em comprometer o Ministério da Educação com a melhoria do Colégio. O Prof.
Candido Jucá (Filho) também se mostra apreensivo no seu discurso, principalmente em
relação à descontinuidade da administração pública e ressalta a maturidade do corpo discente
nesse período difícil.
O último discurso foi proferido pelo Prof. Roberto Accioli
31
como Diretor do
Externato. Ele resumiu a proposta administrativa e pedagógica que pretendia realizar durante
sua gestão. Iniciou enfatizando que o Colégio Pedro II tinha o mérito de conseguir o
equilíbrio entre tradição e inovação: “Em sua marcha evolutiva vêm-se objetivando duas
configurações essenciais da vida;a manutenção do adquirido e a iniciativa inovadora”
(ACCIOLI, 1961:25).
31
O Prof. Roberto Accioli tinha exercido diversos cargos administrativos como: Diretor do Departamento de
Educação Complementar da Prefeitura do Distrito Federal (P.D.F.) na gestão do Prefeito Filadelfo de Azevedo;
Diretor da Diretoria do Ensino Secundário do M.E.C., na época do ministro Simões Filho; Secretário-Geral de
Educação e cultura da P.D.F., na gestão do professor Dulcídio Cardoso e foi membro efetivo do Conselho
Nacional de Educação.
{
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}
E, aproveitando a presença do Ministro da Educação
32
, mais uma vez realça a
necessidade de melhorar as condições materiais do Colégio, a urgência da reestruturação em
termos de autonomia administrativa, didática e financeira, e enfatiza o alto valor do
contingente humano do Colégio “mantendo aliás característica proveniente desde seus
primórdios, quer quanto aos corpos discente e docente” (ACCIOLI, 1961: 26).
Naquela ocasião, o Colégio já comportava nove mil alunos, mil professores e
quinhentos funcionários administrativos. As melhorias e a reformulação do Regimento
Interno seriam necessárias para que o Colégio pudesse adaptar-se às novas condições que se
impunham com sua expansão e a para adequar-se às propostas da nova LDB.
Nesse sentido, o Prof. Accioli propunha que se aprimorassem os diversos setores do
Colégio, tais como a assistência médica e odontológica, a alimentação escolar, as salas
ambiente de cada disciplina, dentre outros. Também defendeu o regime escolar de três turnos
e o semi-internato. Podemos notar, nesse discurso, a preocupação com a melhoria das
condições de estudos dos alunos, tanto nos aspectos materiais, quanto no aspecto pedagógico.
Principalmente ao afirmar que:
“[deve se dar] especial ênfase às atividades extra-curriculares e às práticas educativas que
emolduram todo sistema de ensino, abrangendo de modo particular o concernente à educação
física, e aos desportos, à música, ao canto, ao ballet, ao teatro, ao cinema, à biblioteca, à
imprensa escolar, à amplitude das associações de estudantes, estabelecendo organismos
peculiares de representação que as reúna, para significar a unidade discente das diversas
secções, bem como as visitas e excursões aos locais e monumentos históricos, de finalidade
altamente cívica e patriótica”.(ACCIOLI, R. 1961: 27).
Em relação ao método de ensino, o Prof. Roberto Accioli defendeu, para o Colégio
Pedro II, um ensino em que o pedagogo devesse apresentar duas características conjugadas:
“a do incitador preocupado sem cessar de abrir novos horizontes intelectuais aos estudantes,
de estimular sua curiosidade, de suscitar seu entusiasmo, sem conferir importância capital aos
conhecimentos eles próprios e a do instruidor que busca, antes de tudo, facilitar a aquisição
do saber por um ensino claro, simples, metódico, graduado, com cuidado, as dificuldades, isto
é concede a preeminência à atitude didática ela mesma.
Conjugando tais caracteres sumariamente expostos, o Colégio Perdro II, integrado na rede
federal dos estabelecimentos de ensino, cuja expansão é um imperativo contemporâneo,
reitera, unidos os seus componentes, o propósito que o anima de contribuir, cada vez mais,
para o engrandecimento da educação nacional, servindo, assim, decidida e conscientemente ao
Brasil”. (ACCIOLI, R. 1961: 29).
32
Em 1961, o Ministro da Educação no governo de João Goulart era Antonio de Oliveira Brito.
{
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}
No início do ano letivo de 1962, o discurso proferido pelo Prof. Carlos Potsch
33
, então
Vice-Diretor do Externato, na Aula Inaugural
34
, nos permite obter uma noção panorâmica
sobre as primeiras medidas tomadas pela diretoria que assumiu em 1961.
O Prof. Carlos Potsch ressalta, nesse discurso, o crescimento que o colégio teve desde
sua fundação, apesar das dificuldades por que passou ao longo de sua história, devido às
diversas crises pelas quais o Brasil atravessou, mesmo antes da proclamação da República:
“Aqueles 35 alunos de 1838 multiplicaram-se e são hoje cerca de 12.000, que acorrem de
todos os cantos desta bela cidade e do Brasil, das mais variadas categorias
sociais”(POTSCH, 1962: 24). E enfatiza que a presença do então Deputado Antonio de
Oliveira Brito, Ministro da Educação e Cultura, representa o reconhecimento das
prerrogativas a que o Colégio faz jus como colégio padrão pela “fecunda existência à causa
da educação nacional”.
Em relação à nova LDB que estava sendo implantada, o professor apresenta as
intenções da Administração do Colégio em executá-la, lembrando que o Colégio Pedro II
seguiu os debates parlamentares durante os 14 anos nos quais o Projeto esteve em discussão
no Congresso Nacional. Afirma ainda que, apesar das falhas, a mobilidade da nova Lei
possibilitaria as devidas adaptações às condições sócio-econômicas do país. Ressalta a
importância de adequar a educação ao estágio de desenvolvimento que o Brasil atingia
naquele momento, confirmando a idéia desenvolvimentista da educação tão em voga a partir
da década de 1960, e elogia as modificações curriculares propostas pelo Conselho Federal de
Educação tanto para o ensino fundamental como para o ensino ginasial.
Em relação às melhorias físicas, ressalta as reformas da sede do Externato,
defendendo a idéia de transferir todo o 2°ciclo para o prédio da rua Marechal Floriano, de
modo que todos os alunos ao deixarem o Colégio hajam passado pelos bancos escolares da
velha sede (...) e não será necessário montar eficientes laboratórios e gabinetes (...) em cada
uma das Seções do Colégio”. Mas lembra que todas as Seções sentiram os benefícios das
verbas destinadas à educação:
“Não posso deixar de ressaltar aqui a orientação do atual Governo na aplicação de verbas
extraordinárias para o maior desenvolvimento do ensino público. Tal processo, relativamente
a Sede do Externato, vem permitir o aproveitamento das verbas ordinárias nas demais Seções
do Colégio” (p.29)
33
Carlos Potsch era professor catedrático de Historia Natural (Biologia). Foi Diretor do Internato entre 1958 e
1961, Vice-diretor do Externato entre 1961 e 1964 e, após o golpe militar, assumiu a Direção dessa Seção a
1967.
34
A Aula Inaugural do professor Carlos Potsch foi publicado, na íntegra, no Anuário XVII de 1962.
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}
E, também, cita a aprovação do Novo Regimento do Colégio
35
com as modificações
necessárias para facilitar a adequação do Colégio, em termos administrativos e pedagógicos,
à LDBEN/61 –, a reorganização dos currículos do primeiro ciclo e do segundo ciclo
oferecendo três diferentes currículos em cada um e as dificuldades das adaptações às
mudanças por parte dos alunos e dos responsáveis. Ao encerrar, o Prof. Carlos Potsch oferece
a mais ampla colaboração para alterar a antiga estrutura educacional brasileira e defende,
mais uma vez, a importância da escola pública.
No mesmo anuário, o Prof. Roberto Accioli fez um balanço do seu primeiro ano de
administração, afirmando que conseguiu levar a efeito algumas melhorias das condições
materiais no tocante a prédios, instalações e aparelhagens, além de reformular o Regimento
Interno a fim de adequar-se às exigências da nova LDB. Finalizando, Accioli afirmou: “Estas
foram as reivindicações que julguei mais prementes para vida do tradicional
estabelecimento. Este foi o ponto de partida para o trabalho, que hoje vemos concretizado”.
Nos primeiros anos da década de 1960, o contexto histórico pelo qual passava o Brasil
era de efervescência política. A renúncia de Jânio Quadros abalou a política nacional,
levando a sociedade a se posicionar no sentido de garantir a posse de João Goulart. Nos anos
que se seguiram, a reivindicação pelas Reformas de Base mobilizou os setores populares.
Para o Colégio Pedro II, foi também um período conturbado. No âmbito interno,
principalmente no ano de 1963, os alunos fizeram manifestações por maior participação nas
decisões administrativas e por um ensino mais voltado para a realidade brasileira, além de se
organizarem para reivindicar melhores condições de ensino.
No âmbito externo, os alunos
36
se envolveram tanto nas questões políticas e
econômicas que estavam em debate na sociedade, quanto nas questões educacionais. As lutas
eram para exigir maior igualdade social, e se traduziram em reivindicações por meia
passagem nos bondes e nos outros transportes coletivos, por meio ingresso nos cinemas e
teatros e por descontos especiais nos materiais escolares e livros didáticos.
A política educacional do governo João Goulart avançou em relação aos governos
anteriores, apesar da LDBEN/61 não ter garantido que as verbas destinadas à educação
atendessem exclusivamente à educação pública.
Concretamente, a legislação proposta pela Lei 4024/61 conciliaria interesses dos privatistas e
defensores da escola pública (estatal), como era de se esperar de um embate em que os
principais envolvidos representavam frações de uma mesma classe social. Os interesses
realmente antagônicos estavam sendo forjados no movimento operário, no movimento dos
camponeses, em certos setores das camadas médias ou de grupos de intelectuais que foram
35
O Novo Regimento foi aprovado através do Decreto nº 632 de 27 de fevereiro de 1962.
36
Mais informações sobre as atuações dos alunos, nesse período, ver nos depoimentos.
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}
derrotados na seqüência dos acontecimentos políticos ocorridos no transcorrer dos governos
de Jânio Quadros e João Goulart, culminando com a vitória do movimento civil-militar de
1964 (SANFELICE, 2006).
A Campanha em Defesa da Escola Pública foi um movimento de resistência
organizado por educadores de várias tendências e defendia, principalmente, que as verbas
públicas fossem destinadas somente para as escolas públicas. Esse era o principal ponto da
luta pela aprovação da LDBEN, que esteve para ser votada desde 1948.
A LDBEN foi aprovada em 1961 e, posteriormente, sancionada pelo presidente João
Goulart, contrariando as expectativas populares e das vanguardas intelectuais, devido ao seu
conteúdo ambíguo em relação à escola pública. Anísio Teixeira, no artigo intitulado
Comentário à Lei, afinal aprovada: meia vitória, mas vitória, explicitou mais uma das
contradições existentes no âmbito da educação brasileira, que se expressa no próprio título.
Ele sugere uma “vitória” finalmente conquistada, porém não plenamente, sendo, portanto,
uma “meia-vitória” à qual os lutadores teriam de se conformar, apesar dos treze anos de luta
por essa “meia-vitória”. Além disso, também exprime uma preocupação com o autoritarismo
cristalizado na sociedade brasileira, alertando que [s]e não houver visão e vigilância no
cumprimento da Lei, a máquina administrativa poderá vir a burlá-la completamente, sem
outro esforço que o de manter as atitudes e os hábitos da burocracia educacional criada pelo
Estado Novo” (TEIXEIRA, 1999: 276).
Outro artigo escrito na mesma ocasião, que denuncia outros aspectos da contraditória
democracia brasileira, foi apresentado por Florestan Fernandes, quando mostra com clareza a
oposição de interesses da classe dominante e interesses populares e o desprezo dos
conservadores “diante do destino da democracia do país, da educação popular e do
desenvolvimento da instrução pública”. Ele denuncia a capacidade dos poderosos de
“conformar o projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional à sua avidez, aos seus
desígnios e às suas ambições”. Florestan Fernandes não mede palavras ao dizer que o
senhor João Goulart não nos traiu. Deu-nos de graça a reação!” (FERNANDES apud
GHIRALDELLI Jr., 1990: 117).
O outro movimento de resistência que se formou no âmbito da educação foram os
movimentos de cultura popular e de educação popular, na década de 1960. Pode-se dizer que
esses movimentos surgiram como respostas ao sistema educacional da época, que, apesar dos
avanços, ainda era regido pelo antigo sistema elitista.
A preocupação principal desses grupos era o de elevar o nível de consciência política
do povo. No caso do Movimento de Cultura Popular (MCP) de Pernambuco, era fundamental
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a participação do povo no processo de elaboração da cultura e da construção de um
pensamento coletivo. Nesse sentido, como afirma Góes ao se remeter ao período, “a
educação popular vai se concretizar num instrumento em favor da transformação social, pois
o seu compromisso remete às forças políticas que se apóiam no movimento popular. Por isso
diz o documento do MCP que ‘o movimento popular gera o movimento de cultura popular’”
(CUNHA e GÓES, 2002: 18).
Nesse contexto nasceu também a proposta educacional de Paulo Freire em
Pernambuco e a campanha de no Chão Também se Aprende a Ler, no Rio Grande do
Norte e, explicitando o conflito econômico e ideológico da sociedade brasileira, surge o MEB
(Movimento de Educação de Base). Também surge o Centro Popular de Cultura
37
(CPC),
organizado pela UNE com o objetivo de promover uma “conscientização em massa”, mas
com o enfoque mais voltado para as manifestações artísticas.
No âmbito nacional, a política do Governo João Goulart entrou em contradição com o
modelo econômico que se desenvolvia no Brasil. O capital estrangeiro penetrava cada vez
mais na economia nacional. As modificações que se impunham favorecendo os interesses do
capital internacional encontraram apoio numa parcela da classe dominante que se constituía
pela aliança entre a oligarquia latifundiária e a parcela da burguesia comprometida com o
capital estrangeiro. Porém, esses interesses entraram em choque com a proposta de
desenvolvimento de setores da burguesia industrial que visavam ampliar o mercado interno.
Segundo Sonia Mendonça:
“Para alguns, a crise econômica de 1962-64 foi uma crise de realização da produção, devida
ao caráter limitado da demanda interna (...) era urgente que se “criassem novas classes
médias”. Uma serie de mudanças ocorridas na primeira, ao longo da década de 1950, tinha
criado novas formas de redistributivismo (...). Para outros autores, a raiz da crise estava no
esgotamento do fôlego da “substituição das importações” em razão da impossibilidade
absoluta de um novo pacote de investimentos. Como o colocam abordagens mais recentes,
acontecia no país entre 1962 e 1964 uma típica crise do capitalismo monopolista, uma crise de
super acumulação, que consistia na impossibilidade do conjunto do capital social valorizar-se
a não ser à taxa decrescente.
A acumulação capitalista no Brasil obstaculizada por dois outros fatores em início dos anos
60: a impossibilidade monetária do Estado realizar novos investimentos e as manifestações
políticas do colapso populista. (1988: 84-86).
Nesse contexto, assistimos, no âmbito político, ao crescimento dos movimentos
populares. O governo de João Goulart avançou no sentido de atender às reivindicações
exigidas por diversos setores da sociedade civil. As reformas de base vão propor mudanças
37
Em “A questão da Cultura popular” (1963), Carlos Estevam um panorama sobre quais foram as propostas
do Centro Popular de Cultura, o que eles pretendiam, quais eram as concepções teóricas nas quais eles se
basearam. Definindo o que se entendia por cultura alienada e desalienada e aborda a questão central que é a
cultura popular. Nessa publicação encontra-se, na íntegra, o manifesto redigido pelos artistas e intelectuais que
compunham o CPC, no qual eles lançam os fundamentos da Arte Revolucionária.
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estruturais e políticas nos setores educacionais, financeiros, tributários e no sistema de
distribuição de terra, levando adiante o projeto de reforma agrária. Essa política desagradou
às forças conservadoras, principalmente o setor da burguesia atrelada ao capital financeiro e
ao setor rural. A possibilidade de concretização da reforma aprofundou a crise entre as
parcelas da burguesia. Criou-se um impasse econômico e político.
“O desenvolvimento dependente e os interesses internacionais específicos e nacionais a ele
associados forma[ram] o pano de fundo indispensável à avaliação da conspiração civil e
militar que derrubou o governo constitucional de João Goulart” (ALVES, 1984:21).
A solução da classe dominante, então, foi acionar os mecanismos repressivos, as
Forças Armadas. Dessa forma, instaurou-se a ditadura militar com amplo apoio da parcela
mais conservadora da classe dominante, da oligarquia latifundiária aliada à burguesia
industrial, que estava atrelada ao capital estrangeiro.
“Do ponto de vista econômico, stricto sensu, o golpe de 1964 não correspondeu a nenhum
marco no sentido da definição de um novo modelo de acumulação. Pelo contrário, seu papel
foi apenas o de garantir a consolidação definitiva do modelo implantado nos anos 50,
aprimorando-o (...). Portanto o período compreendido entre 1962 e 1967 foi todo ele de crise
econômica, sendo que, a partir da inflexão produzida em 1964, se praticou uma recessão
calculada, tida como necessária para o restabelecimento do ciclo econômico. Seus resultados
seriam - entre 1968 e 1974 - o conhecido “milagre brasileiro”, cuja essência nada mais
significou senão a garantia de lucros faraônicos às empresas monopolistas”. (MENDONÇA,
1988 p.91).
1.1.1 Vozes da Memória – O ensino no Colégio Pedro II na década de 1960
O ensino no CPII até 1963
“(...) A gente elegia os professores que simbolizavam o colégio, mesmo sem essa noção muito clara,
mas elegia a maioria dos professores, que era de esquerda. Não quer dizer que todos fossem
comunistas. Eram de esquerda e não quer dizer que todos fossem inflamados na sala.
Tinham vários colegas que falavam que eram de família de direita, chegavam no colégio e viravam
[de esquerda] (...)
O Prof. Renato foi importantíssimo, influía na gente mesmo sem ser professor da nossa turma. Ele só
foi meu professor no último ano, o terceiro ano clássico. Ele era professor de História, antes ele foi,
também, diretor da Seção Norte (...). Aquela cena de 61, do carnaval de final de ano, foi um
aprendizado que eu trago até hoje. Ele [Renato] botou na nossa mão a decisão de encerrar aquela
bagunça, quando estavam querendo mandar a policia para o colégio ele falou: “vocês brinquem
mais meia hora, fechem o grêmio e vão embora”, aquilo foi um espanto para gente. E ele conseguiu
realmente que nós concordássemos (...)
Tinham os professores que nos levavam para fazer visitas fora, como em Volta Redonda por
exemplo. Então, a gente não ficava na sala de aula. E é claro que muitos iam pela movimentação,
mas eram passadas muitas coisas nessas visitas. Confirmava o que era dito pelos professores,
complementava. Eu acho os professores fundamentais, o as coisas mais importantes do colégio.
Eles se posicionavam.
(...) Eles tinham, mesmo que não fossem diretamente da esquerda, essa questão da noção política, do
consumismo, da questão da propaganda subliminar. Eu lembro até hoje da aula do Prof. Alberto, foi
em 62. O que eu levei para mim, que está na raiz de até hoje fazer trabalho voluntário, é a questão de
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}
que muitos alunos cursam a universidade pública, depois abrem seus consultórios, cobrando sei o
que, e não tem a noção da dívida que a gente tem com a sociedade. Isso era passado lá dentro (...).
E a gente via o resultado do que fazia, não era uma coisa filosófica. A gente via o resultado da
greve, via algumas decisões lá do colégio, que voltavam atrás. Essa era uma coisa importante
também, essa oportunidade que davam para gente, a gente batalhava, mas que também era dada. E
era interessante que a direção do colégio, por mais tradicional que fosse, sabia que tinha que permitir
ao aluno alguma coisa. Eu acho que a direção até respeitava o aluno, sabia que era um material
humano a ser respeitado. A gente lutava também pelas coisas e para ser respeitado.
Não os professores, alguns inspetores eram igualmente importantes. O Amaury foi meu inspetor
no segundo ginasial. O Cloves Dottori foi meu inspetor também. O Marchesine (ex-aluno) também
foi nosso professor depois e foi do grêmio também no começo. Isso dava, para quem estudava lá,
uma perspectiva do futuro, e a gente sabia o valor, pelos ex-alunos que voltavam para visitar os
professores dentro de sala. Quantas vezes a gente estava em aula, e um ex-aluno que já estava na
faculdade, voltava para visitar o professor. Era um dos momentos bonitos. A gente tinha noção de
que era especial.
Os professores de literatura eram outra coisa muito boa. Tem até aquele professor que eu falo, que
era um militar com um perfil bem louco, que até pouco tempo ainda era vivo. Ele levava os livros
dele, livros de coleção, encadernados, levava um monte e deixava lá. Aquilo era uma coisa legal. A
gente teve contato com o Jorge de Lima. Era diferente de ler um Drummond, “tinha uma pedra no
meio do caminho”, que todo mundo conhecia (...).
Mas esses outros autores, ele colocava ali, e podia levar para casa. Ele não anotava nada, mas os
livros voltavam. Era maravilhoso. As pessoas liam na hora, trocavam uma idéia com o colega. Era
um esquema de aula que apara nós era espantoso naquela época. Mas é claro que a gente adorava.
As aulas de língua eram aquelas clássicas e não tinham os recursos de hoje, audiovisuais, e no
entanto era assim. Eu que acho entrava muito da personalidade do professor. Talvez tivesse mais
liberdade, mais encanto por ensinar, então ele entrava do jeito dele. Por exemplo, o Prof. Alberto
falava sobre filmes também.
Tinha um professor, o Pimenta, que quando sentia que a turma estava meio assim, contava uma
piada. Era um recurso mesmo, e a turma engrenava de novo.
Tinha um professor de História do Brasil, terrível, ficava ditando, era caderno de perguntas e
respostas, e a gente detestava. Hoje talvez seja tudo o que o aluno quer, caderno de perguntas e
respostas com o que vai cair na prova, mas a gente detestava.
Eram aulas bem vivas. Tinham os professores teatrais, era aquela paixão, eram professores
excelentes, a maioria deles. Eu acho que a diferença está na paixão. Ou também acreditar que o
professor faz a diferença, talvez os de hoje não acreditem.
O colégio confirmou a minha preocupação com o social, ele me focou nessa área. Eu tive primeiro
uma pretensão de fazer Belas Artes, mas foi o social que me pegou mais. Enquanto eu fazia
faculdade à noite, de dia trabalhava em saúde pública, já um campo também do social, e que era o
que eu gostava. Eu escolhi uma carreira que está no campo social, sou assistente social. Eu tenho
noção do meu papel, é o trabalho de formiguinha, mas tenho noção do valor disso. Se as grandes
coisas não acontecem, tem que começar a minar por baixo e não desistir nunca, porque sempre cada
um de nós tem essa oportunidade de mexer com o outro, assim como eu fui mexida por esses
professores” (MIRIAN CAVALCANTI, 2007).
“(...) A maioria dos professores tinha sido ex-alunos”. Isso foi importantíssimo. Ou seja, a maioria da
congregação tinha sido de ex-alunos. Então eles tinham todo aquele amor, todo aquele conhecimento
do colégio e nos transmitiam toda aquela questão da participação no colégio e na vida do país
também. Os professores ministravam aulas bem diversificadas. O Prof. Renato levou um grupo mais
antigo a Friburgo e à Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, que na época era muito visitada.
Realmente nós tínhamos aulas maravilhosas de Historia, Geografia, por exemplo. Em Português,
eram professores realmente inesquecíveis. Matemática com o Prof. Jairo era cultura pura, ele não se
prendia única e exclusivamente aos meros. Na ocasião da morte do Kennedy, a sala do Prof.
Renato ficou superlotada e a do próprio Prof. Cloves Dottori que realmente dava uma senhora aula
de geografia. Nas outras Seções acredito que também era assim. Agora, a Seção Norte, não é
puxando sardinha para o nosso lado, era realmente a tal, pelo menos naquele momento que eu
estive.
Eu acho que politicamente começamos ali a aprender. O colégio sempre foi mais de humanas. Os
professores, a maioria, não ficavam presos exclusivamente à disciplina deles. Nós tínhamos um
respeito muito grande pelos professores. Mas, evidentemente, como alunos do Pedro II nós
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buscávamos fazer “das nossas”, Nós levantávamos quando o professor chegava só que quando
levantávamos os assentos levantavam também, então, abaixávamos os assentos fazendo todos com o
maior barulho possível e os professores de um modo geral não podiam reclamar, porque nós
respeitosamente levantávamos para recebê-los. Era um regime quase militar (PAULO RUBEM,
2007).
“(...) Quando eu entrei no CPII, as turmas eram separadas, mulheres de manhã e homens à tarde. No
meu 3º ano misturou. No científico eram quase todos homens. Mas as turmas começaram a ficar mais
misturadas. Nisso eu estudei com o Paulo Rubens, com o Dario, o Pereira. Foi naquele 3º ano que eu
estive pela primeira vez na sala com eles. Enquanto que no ano clássico, tinha o Gilberto Costa
Matos, o Nilson... Humanidades era mais misturado, mas tinha turma de Engenharia, turma de
Medicina, de Direito. Tinha uma mais a ver com Artes, Literatura, eu não lembro o nome. (...)
Tínhamos trabalhos manuais (...).
A gente jogava na quadra pique-bandeira. Eu não freqüentava muito o grêmio no começo, que tinha
essa característica, de juntar as pessoas. Isso é uma coisa interessante do Pedro II. Não tinha a
turminha A, a B, ou C, sempre teve condições de mesclar, era um sentimento do Colégio. Você
ficava de peito aberto para conhecer, se comunicar, interagir com todos.
(...) Quando tive de ir para a Sede foi uma coisa horrível o que fizeram com a gente. Mas talvez
tenha sido um crescimento. Após o ginásio, quando nos formávamos, tínhamos que fazer o científico
ou o clássico na sede. Então foi um desamparo total, ninguém pensava em sair dali. Nós,
adolescentes, que nunca tínhamos ido à cidade(...). Pois é, foi um enriquecimento. Seguraram o
científico na Sede por mais dois anos, depois voltou a ter clássico e científico nas próprias seções. O
próprio prédio [da Sede], eu poderia ter saído do Pedro II sem conhecer. (...) Nessa época nós
entendemos isso como um plano para desarticular os grêmios. Todos chegariam à sede sem se
conhecer e as seções ficariam com a garotada, sem as lideranças. O grêmio ficaria esportivo.
Em 63 foi determinado isso. Durante o ano eu sabia que esse seria o meu último ano na Seção
Norte. Em 64, quem quisesse continuar no Pedro II tinha que ir para a Sede.
A gente quando entrava, com 11, 12 anos, olhava para os alunos do científico. E passaríamos a ficar
sem o científico e o clássico. Não ia ter mais isso, ia empobrecer. É porque são burros, graças a
Deus, e voltaram atrás. Porque se tivessem um pouco de paciência, ficaria mais difícil, ainda mais
com a repressão.
E aquele ano de 63 foi decisivo. Muitos não foram [para a sede], mudaram para o Paulo de Frontin,
para o Instituto de Educação, para colégios na Zona Norte, porque não queriam ir para o Centro. Eu
mesma tinha muito medo. O bonde demorava, parava em vários lugares, tinha que sair de casa com
antecedência. Ficávamos vulneráveis, não sabíamos lidar muito bem com isso. Mas eu acho que foi
muito bom, tanto que no segundo ano na Sede eu fui estudar à noite, me considerava apta a
enfrentar a noite.
No final do ano de 63, no auditório do Ministério da Educação, eu fui oradora da turma. Eu vejo
todos encostados na parede, o Francílio, o Muniz, o Godofredo e o Paulo Rubens, o Fernando Celso,
de no fundo do auditório. Eles me cumprimentaram pelo discurso, porque eu falava deles de
alguma forma, o que eles foram para a gente, e eles estavam se despedindo, alguns para sempre, uns
iam para a Sede, e outros para sempre, que era o caso deles. Eles nos prestigiavam muito, nós do
ginásio. Davam força para o time de futebol.
Na Sede eu não sentia isso. Ninguém se conhecia a ponto de se abrir. Tanto que eu não tive
integração com essa turma e nunca quis ser oradora de turma, como eu havia sido no ginásio.
tinha uma espécie de inscrição, tinha que se inscrever já com um pré-discurso. E aquilo não tinha
nada a ver. Como eu vou saber um ano antes o que eu vou dizer no dia da formatura?
O meu discurso de formatura, que estava lindo, eu o fiz numa folha de papel almaço amarelada, fiz
praticamente de uma vez e levei, porque insistiram muito que eu tinha dar para algum professor ler.
Então numa noite eu saí e levei para um colega nosso, o Álvaro, que até já faleceu, e ele me levou na
casa do Prof. Teomar, que era um quarteirão distante da minha. O Prof. Teomar, que ia ser nosso
paraninfo eu não conhecia, porque ele dava aula para os meninos não consertou uma vírgula do
meu discurso.
Ele começou a ler a introdução e me perguntou se eu não ia me dirigir aos meus colegas. Eu o
respondi que depois. Ele continuou lendo, e numa parte mais adiante, eu me dediquei aos meus
colegas e ele achou muito interessante.
No dia da formatura ele estava dando a maior força. Quando terminei, o patrono, que era do
Correio da Manhã, e queria uma cópia para publicar no jornal”(MARIA CRISTINA FAISSAL,
2007).
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}
“(...) Quando eu terminei a prova oral e veio o resultado foi emocionante, eu vi a quantidade de gente
com quem eu estava concorrendo, eu tinha 12 anos, era muito menina e tinha passado. A minha mãe
ficou muito orgulhosa. Então a primeira coisa que a gente fez foi sair do colégio, lá na Sede,
atravessar a rua, em frente tinha uma loja. Ela disse assim: vamos comprar seu uniforme.
Compramos o uniforme completo e eu vim pra casa toda orgulhosa.
O primeiro dia de aula também foi uma emoção muito grande eu me vestindo toda orgulhosa porque
eu tinha passado essa barreira.
Nós não tínhamos na Seção Tijuca a convivência que se tinha no Engenho Novo, como conta o Paulo
Rubem. Nós éramos, vamos dizer assim, um pouco segregados, nós sentíamos isso. Até porque a
Seção Tijuca tinha um apelido chamavam-nos de Maracangalha, a gente não gostava daquilo porque
era pejorativo.
Claro que quando havia briga ou confusão era todo mundo junto. Era tudo uma coisa só, mas eu
sentia essas diferenças entre as seções. Mais tarde não, mas tarde a gente passa a compreender, acha
graça, ri, também canta as músicas. Nos jogos da primavera todo mundo participava junto. Então isso
também vai unindo.
A minha convivência no Pedro II foi durante pouco tempo porque o meu sonho mesmo era ir para o
Instituto de Educação. Então quando eu terminei a quarta série ginasial, eu fiz concurso para o
Instituto e fui estudar lá. Mas aqueles anos no Pedro II ficaram e as minhas amizades de hoje em dia
são aquelas do Pedro II. São amizades que ficaram até hoje. Nós somos como irmãs, são daquele
tempo do Pedro II, não do Instituto de Educação” (LIANE N. VALENTE, 2007)
“(...) Ir para o Pedro II, para mim, foi muito bom. Eu posso me considerar uma pessoa muito feliz
por ter estudado lá. Em todos os sentidos. Foi muita sorte na minha vida ter estudado na Seção Norte.
Se tivesse estudado no Pedro II da Zona Sul, poderia haver alguma diferença na minha formação
hoje. Porque eu acho que o critério era mais ou menos esse, eu tenho isso na cabeça, porque todos os
meus colegas, “ah, fulano é suburbano”. Ninguém passava da Tijuca, era da Zona Oeste até a Tijuca.
Nas turmas que eu tive no Pedro II eu não conheço ninguém que passasse do túnel. Então fui um
privilegiado, aprendi desde cedo a valorizar o que é público, a valorizar o que é social, a reconhecer
que era a sociedade que estava me permitindo ter aquela oportunidade.
Agora, sorte maior foi estudar num colégio policlassista”, isso que eu acho que marcou a todos.
Quando revejo a turma, eu vejo gente que ascendeu socialmente, uma minoria que ficou rica – talvez
isso não seja significativo, porque acho que os que ficaram ricos não devem nem aparecer no
churrasco mas, são um pouco progressistas, não conheço nenhum grande reacionário que tenha se
formado no Pedro II. Marcou a gente como democratas. Como pessoas que defendem a justiça
social, e no meu caso, propiciou uma introdução na luta política muito cedo, e, também a outra sorte,
é que isso se deu num momento de uma polarização política no Brasil” (IVAN PINHEIRO, 2007).
“Entrar no Pedro II era muito especial para qualquer jovem de 11, 12 anos, que era a idade com que
ingressávamos no colégio, através de um concurso muito disputado. Mesmo porque toda aquela fama
de bom ensino vinha acompanhada também, de forma a atrair jovens para suas fileiras. O colégio que
tinha uma aura romântica para os jovens, pela bagunça, pela presença nas ruas, alegres, bandos de
meninos muito orgulhosos de serem alunos do Colégio Pedro II.
E para mim, um jovem vindo da classe média baixa, órfão de pai desde os 4 anos, entrar para o
internato significou [muito]. Apesar da perspectiva, que logo se colocou, de ficar privado da vida
fora do colégio, logo fui atraído para uma atividade bastante viva dentro do colégio.
O Colégio Pedro II Internato tinha no seu corpo de alunos meninos de 11 anos, até jovens com
20 anos, concluindo o curso. Essa heterogeneidade de experiências vividas, de momentos de vida, de
formação, dava uma complexidade muito grande ao colégio. Mas o jovem, ele logo se sentia muito
atraído por esse proselitismo que encontrava ali, de colégio padrão que reunia ótimas cabeças jovens
(...).
Mas a escola passou pela direção do Prof. Vandick, que junto com outros professores, era,
contraditoriamente, um pouco de orgulho para gente, porque eram os autores dos grandes livros
didáticos assumidos por todas as escolas, inclusive as particulares.
O Vandick era um deles. Mas ele tinha um lado muito atrasado, de mentalidade, e numa época que o
mundo da psicanálise não estava ainda consolidado, não tinha ainda voz na vida brasileira, absurdos
foram perpetrados contra jovens. A biblioteca, por exemplo, cerceava, censurava livros. Estavam
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sempre muito atentos as coisa do Grêmio, havia um choque, o Grêmio não tinha uma voz junto a
direção do colégio, embora os professores em geral reconhecessem o Grêmio, tivessem respeito
pelos seus dirigentes.
62. Tinha est Tinha estande,

Era um colégio
interno ali no Campo de São Cristóvão, uma grande propriedade, onde nós usávamos todos os
recursos para burlar, o tempo todo, a tudo e a todos. Isso tudo foi muito rico, eu acho que essa
seleção que se fazia reunia vários jovens especiais, eu pude conviver com colegas muito
interessantes, em todos os momentos da minha formação, isso foi muito estimulante para todos nós,
tivemos professores excepcionais, em várias matérias.
E a maioria dos nossos colegas vinha da classe média baixa, quase todos da Zona Norte, embora
alguns da Zona Sul, e havia aqueles que vinham de outros estados, principalmente do Norte e
Nordeste, alguns do Sudeste, e esses ficavam internos o tempo todo. Essa presença desses colegas de
outros estados foi bastante enriquecedora também.
Eu vou falar da situação econômica que o internato me proporcionou, percebendo que isso não era só
comigo, se dava com outros colegas também. Um ensino gratuito de qualidade realmente foi
transformador nas nossas vidas, nos abriu oportunidades enormes. Mais tarde convivi com alguns
desses colegas na vida universitária, e mesmo alguns que não se habilitaram para a universidade,
mergulharam no mundo do trabalho, por razoes econômicas, qualificados que eram, fizeram
concursos, muitas dessas vagas foram ocupadas por colegas do colégio, o que mostrava que tínhamos
uma qualificação muito boa para qualquer concurso haja vista os vestibulares que s
acompanhávamos, sempre muito orgulhosos dos feitos nossos e dos nossos colegas, tirando muitas
vezes 1º, 2º e 3º lugar.
Essa qualidade de ensino, esse ensino gratuito, nos propiciou tudo isso e, a mim, como órfão, como a
outros órfãos, propiciou além do ensino, uniformes e livros. Realmente, sem o Colégio Pedro II, a
minha vida, a minha possibilidade de competir no mundo dos meninos da classe média, que eu
encontrei na Faculdade Nacional de Direito, seria impossível.
Vou para a Sede em 1962, e termino em 1963, e aí, ao lado de outros alunos de outras Seções, que
foram compulsoriamente reunidos no turno da noite, da Sede, porque imaginaram que pudessem
assim controlar esses alunos, o movimento que eles costumavam liderar, e esvaziar o movimento das
demais seções montando um verdadeiro aparato de controle, com funcionários destinados para isso.
O Diretor da sede era o Prof. Roberto Accioli. Muito embora na vida nacional representasse o
governo João Goulart, na relação conosco, representava o atraso. Então, por isso nós não
estabelecíamos diferenças entre as direções. Era Direção, ela se opunha à gente, independente de
posição política” (VALTER BEZZE, 2007).
“O Pedro II sempre foi, vamos dizer, uma fábrica de personalidades. O Pedro II é uma amostra da
sociedade. Você via o filho da cozinheira convivendo com o filho do doutor, e especialmente no
internato, onde fui aluno. Na minha turma, uma coisa curiosa, o exame de admissão que eu fiz, em
1943, eu tirei o 2º lugar, meu pai era diretor do internato. O primeiro lugar quem tirou foi o Melchior
Tavares de Alcântara, que era filho de um servente do internato. Então isso mostra bem o que era o
Colégio.
Eram pessoas de várias categorias, de vários tipos. O Pedro II sempre teve uma consistência na
formação do aluno. Então, isso desemboca em pegar pessoas de personalidade e essas pessoas são
justamente aquelas em que surge o líder. Daí essa participação dos alunos do Pedro II. Não que eles
tenham sido orientados no sentido de lutar por isso ou por aquilo, mas é que eles têm uma formação
que forja um individuo capaz de ser líder. Isso é que explica, em todos os movimentos, em todas as
épocas. O aluno ali tem que lutar para estar colocado. A sobrevivência ali dentro, a competição, o
sujeito tem que ter personalidade, e nisso são criados elementos propensos a se tornarem líderes.
O Pedro II representou, vamos dizer assim, um embrião de universidade, quando não se havia ainda
sistematizado o ensino superior no Brasil. o Pedro II vinha desde o Império como Colégio Padrão
de ensino secundário no Brasil. Então houve épocas em que a legislação obrigava até aqueles que
tinham se formado em colégios particulares a fazer exame no Pedro II, para poder convalidar seus
diplomas. Então os programas elaborados pelos catedráticos em cada matéria se tornavam modelos
para os colégios do Brasil inteiro.
Ainda hoje, eu me lembro que pessoas que eram minhas amigas, que 60 anos eram alunos em
Belém do Pará, os livros deles eram de professores do Pedro II, que os programas eram baseados
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justamente nos programas do Pedro II. Daí o porquê de o Pedro II ser chamado de Colégio Padrão,
porque houve uma fase em que os alunos tinham que prestar exames para poder validar seus
diplomas feitos em colégios particulares.
E a mística é uma coisa impressionante. Tem um fato que consagra isso. Um episódio, em 1963: meu
tio Max do Rego Monteiro, no governo do Jango, era presidente da COFAP, Companhia Federal de
Alimentos e Preços, algo assim. E quando o presidente vinha ao Rio de Janeiro, todos que ocupavam
cargo tinham de ir recebê-lo no aeroporto, aquela “puxação de saco”. E uma vez eu acompanhei o
meu tio ao Santos Dumont. Quando chegamos lá, o Max me apresentou ao General Albino Silva,
chefe da Casa Militar, e ele falou: “Clovis Monteiro Filho, filho do Clovis Monteiro? Eu fui aluno do
internato”. Ele tinha terminado em 1929, eu terminei em 1946, ou seja, 17 anos de diferença. Mas
nisso ele largou toda a comitiva para lá, e ficou conversando comigo num canto sobre os
funcionários do Colégio. Passamos quase meia hora naquele papo. Quer dizer, essa identificação
entre os alunos, seja de que época for, faz parte dessa mística” (CLOVIS MONTEIRO FILHO,
2007).
1.2. A educação sob a ditadura militar
As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pela repressão da ditadura militar, que
tomou o poder em 1964. O General Humberto de Alencar Castello Branco, que assumiu a
Presidência a partir de abril de 1964, conseguiu implementar, nos três primeiros anos, mais
de três mil atos punitivos que destituíram de direitos políticos os cidadãos e instalaram a
repressão.
Em relação à educação, o regime recém instaurado tratou de reprimir, de imediato,
professores e alunos indesejáveis à nova ordem estabelecida. A repressão desarticulou os
movimentos de educação e de cultura popular que tinham iniciado suas atividades durante o
governo anterior.
No âmbito político, o regime instalado se fez legitimar através do primeiro Ato
Institucional (AI-1), de 1964, que foi responsável por dar forma à ditadura. Segundo
Willington Germano (1993:58) [o] AI-1 foi apenas o começo da “montagem” institucional
da ditadura, num processo em que a hipertrofia do executivo foi levada às últimas
conseqüências.” A partir desse ato, o Presidente da República deteve o poder de remeter ao
Congresso sugestões para reformas constitucionais, promulgar leis sobre qualquer assunto,
inclusive orçamentário, suspender os direitos políticos de qualquer ordem e decretar o estado
de sítio.
Em outubro de 1965, decretou-se o AI-2, cujo objetivo era controlar o Congresso
Nacional, através do fortalecimento do poder executivo. Com isso, todos os partidos políticos
foram extintos. Em seu lugar, apareceram a ARENA, como força conservadora, e o MDB,
como oposição ao regime militar, e institucionalizou-se a eleição indireta que consistia em
eleger o Presidente da República através do voto parlamentar (Colégio Eleitoral).
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No início de 1966, o governo baixou o Ato Institucional 3 com o objetivo principal
de convocar eleições para governador e prefeito, porém estabelecendo eleições indiretas para
governador e para os prefeitos das principais capitais para, assim, exercer um maior controle
político sobre os mais importantes Estados, em nome da segurança nacional. Em janeiro de
1967, foi promulgada a Constituição de 1967, cujo texto foi elaborado pelo Congresso
Nacional, convocado pelo Presidente através do Ato Institucional nº 4. O novo texto outorgou
mais poderes ao executivo.
Segundo Maria Helena M. Alves, o Ato Institucional 5 estava preparado desde
julho de 1968 com o objetivo de atingir o crescente movimento de oposição, apesar de ter
sido decretado somente em 13 de dezembro de 1968, menos de 24 horas após o Congresso
Nacional ter rejeitado o fim da imunidade parlamentar. Essa votação foi uma exigência dos
militares que visavam à cassação do mandato do Deputado Federal Marcio Moreira Alves por
ter pronunciado, em plenário, um discurso que consideraram ofensivo.
No ano de 1968, apesar da repressão às manifestações de protesto, intensificaram-se
os movimentos de oposição.
A política de controle salarial do Estado resultou em considerável aviltamento da renda da
população assalariada. Este fator, somado à generalizada insegurança causada pela aplicação
do programa do FGTS, e à repressão de manifestações e protestos de rua, estimulou uma onda
oposicionista. Ocorreriam em 1967 e 1968 importantes manifestações contra a política
econômica e social do Estado, e uma rápida reorganização de setores de oposição na
sociedade civil. (ALVES, 1984:115)
As forças da oposição foram se fortalecendo com o movimento estudantil, com os
movimentos grevistas dos trabalhadores de Contagem (MG) e Osasco (SP), e com uma
crescente oposição dentro do Congresso Nacional, após as eleições de 1966, favorecendo a
concretização da Frente Ampla. A morte do estudante secundarista Edson Luís “catalisou a
indignação popular reprimida e resultou em demonstrações de massa que assumiram
proporções de verdadeira rebelião social” (ALVES, 1984:117), culminando na passeata dos
cem mil.
Os protestos em oposição às medidas políticas e econômicas do regime militar
cresciam, tomavam as ruas dos principais centros urbanos e estavam sendo engrossados pelo
apoio de grande parte da classe média, que em sua grande parte havia antes se posicionado
contra o governo João Goulart. Essa reorganização da oposição começou a preocupar a
ditadura militar e a saída encontrada foi baixar o mais violento dos Atos Institucionais,
implantando e institucionalizando o controle, a violência, a repressão e o terror.
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Os poderes atribuídos ao executivo pelo Ato Institucional Nº 5 podem ser assim resumidos: 1)
poder de fechar o Congresso Nacional e as assembléias estaduais e municipais; 2) direito de
cassar os mandatos eleitorais de membros dos Legislativo e Executivo nos níveis federal
/estadual e municipal; 3) direito de suspender por dez anos os direitos políticos dos cidadãos;
4) direito de demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade funcionários da burocracia
federal / estadual e municipal; 5) direito de demitir ou remover juízes, e suspensão das
garantias ao judiciário de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade; 6) poder de decretar
estado de sítio sem qualquer dos impedimentos fixados na Constituição de 1967; 7) direito de
confiscar bens como punição por corrupção; 8) suspensão da garantia de habeas corpus em
todos os casos de crimes contra a segurança nacional; 9) julgamentos de crimes políticos por
tribunais militares; 10) direito de legislar por decreto e baixar outros Atos Institucionais ou
complementares; 11) proibição de apreciação pelo judiciário de recursos impetrados por
pessoas acusadas em nome do Ato Institucional 5. Os réus julgados por tribunais militares
não teriam direito a recurso. Todas as disposições do ato permaneceriam em vigência até que
o Presidente da República assinasse decreto específico para revogá-lo”. (ALVES, 1984:131).
Ainda nesse período, foram decretados diversos Atos Complementares, leis e
Decretos-Leis com o objetivo de facilitar a atuação da repressão, tais como: os Atos do
Comando Supremo da Revolução, que cassavam os direitos políticos, civis e militares
oposicionistas; a Lei nº 4.464/64 (Lei Suplicy), que proibia a organização política estudantil; a
Lei nº 4.341/64, responsável pela criação do Serviço Nacional de Informação (SNI); o
Decreto-Lei nº 314/67, que definia os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e
social; a Lei de Imprensa, de fevereiro de 1967, que regulava a liberdade de manifestação do
pensamento e de informação; o Decreto-Lei 359 /68, que instituía a Comissão Geral de
Investigações; O Decreto-Lei 459/69, que criou a Comissão Geral de Inquérito Policial-
Militar; o Decreto-Lei 477/69, que dispunha sobre infrações disciplinares praticadas por
professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino; o Decreto-
Lei 1.007/70, o qual estipulava a censura prévia de livros e periódicos, dentre outras
arbitrariedades.
Após impingirem o AI-5, a atuação massiva dos setores organizados que se opunham
ao regime foi se retraindo e as alternativas de luta se radicalizaram, levando diversas
organizações a optarem pela luta armada.
No âmbito da economia, a primeira preocupação do novo regime foi anular as
reformas de base iniciadas pelo governo João Goulart.
“Em termos imediatos o golpe representou o afastamento dos setores mais atrasados das
classes dominantes do núcleo do poder, substituídos pela burguesia industrial e financeira.
Simultaneamente, ele representou o esmagamento e a desarticulação das forças populares”.
(MENDONÇA, S. 184: 89).
A partir desse momento, instituiu-se uma política econômica que estimulou o capital
estrangeiro, tomando-se as seguintes medidas: abertura de crédito para o setor privado,
redução dos gastos públicos, revogação da lei de remessas de lucros promulgada em 1962,
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que controlava a entrada e saída de capital estrangeiro –, criação do FGTS (Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço), que extinguiu a estabilidade no emprego favorecendo o
arrocho salarial e fixando teto salarial no setor público e no setor privado, abolição do direito
à greve. Essas medidas desencadearam insatisfação dos trabalhadores em geral e não
trouxeram benefícios significativos à classe média.
O novo regime percebeu, desde o início, a importância da educação como um fator
significativo para o desenvolvimento do novo modelo econômico que se expandia no país a
partir de 1964. Em termos de repressão, este período foi caracterizado pelas perseguições
políticas a estudantes e servidores através da repressão, primeiramente com a Lei Suplicy e
depois com o Decreto-Lei 477/69, alguns meses após o Ato Institucional nº 5 (AI-5).
A partir do Golpe Militar, desde 1964, a educação brasileira passou a sofrer
interferência direta do governo dos Estados Unidos, através dos acordos entre o MEC e a
Agency for International Development dos Estados Unidos (USAID). As reformas do ensino
empreendidas pelo regime militar estavam vinculadas às recomendações de agências
internacionais. Os acordos MEC-USAID abriram caminho à formulação de uma política
educacional fundamentada em concepções economicistas e produtivistas que enfatizavam a
racionalidade e a eficiência. Essas concepções foram a base para as reformas educacionais
das décadas de 1960 e 1970. Tais acordos comprometeram definitivamente a política
educacional brasileira. Esses acordos se tornaram exeqüíveis com a promulgação da Lei
Suplicy de Lacerda, que legitimou a repressão e a perseguição a estudantes e trabalhadores da
educação, desarticulando os movimentos de educação e de cultura popular, que haviam
iniciados suas atividades durante o governo anterior, e facilitando a penetração das
concepções educacionais dos acordos MEC-USAID nas instituições de ensino.
A propósito, afirma Poerner:
“O governo Castello Branco procurou, logo de saída, desobstruir o Ministério da Educação,
removendo os obstáculos que se antepunham à americanização do ensino. Fê-lo, afastando ou
isolando os melhores técnicos, prendendo ou demitindo os funcionários mais nacionalistas e
carregando, para o Ministério, o que havia de mais medíocre e comprometido com o governo
norte-americano, com o comércio educacional e com as oligarquias nacionais” (1968: 248).
Segundo O. Romanelli (1984:209), os acordos MEC-USAID foram firmados com o
propósito de preparar um sistema educacional mais eficaz e adequado à nova fase de
desenvolvimento econômico.
“As forças produtivas e as relações de produção características do capitalismo somente se
concretizam e expandem num universo de valores, idéias, noções e doutrinas apropriado.
Nenhum Estado capitalista, portanto, pode prescindir de uma ideologia de justificação que
conteúdo e substância à sua ação. Num país dependente, a essa ideologia, evidentemente
alimentada pelas camadas ou grupos detentores do poder, corresponde, se não a ideologia
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alimentada pelas camadas dirigentes dos paises centrais, pelo menos o reflexo dela”
(ROMANELLI,1984:209).
A atuação da USAID no Brasil, segundo O. Romanelli (1984:211), teve por função
influenciar e facilitar a concepção de uma estratégia da educação desenvolvendo programas,
oferecendo assessoria técnica e financeira junto aos órgãos, às autoridades e às instituições
educacionais, doutrinando e treinando as pessoas dos órgãos intermediários,
compartimentando os estudos da realidade e desenvolvendo uma operação em cadeia.
A USAID possuía um programa específico para cada um de seus objetivos:
1. Estabelecer uma relação de eficácia entre os recursos aplicados e produtividade do sistema
escolar;
2. atuar sobre o processo escolar em nível de microssistema, no sentido de se “melhorarem”
conteúdos, métodos e técnicas de ensino;
3. atuar diretamente sobre as instituições escolares, no sentido de conseguir delas uma “função
mais eficaz para o desenvolvimento”
4. modernizar os meios de comunicação de massa, com vistas à melhoria da “informação nos
domínios da educação escolar”;
5. reforçar o ensino superior, “com vista ao desenvolvimento nacional”.
Segundo Otaiza Romanelli (1984:210), esses programas justificavam-se com base nas
análises de deficiência no sistema de ensino, observados por John Hilliard (diretor da
USAID) e Rudolph Atcon (membro da AID). As deficiências eram:
a) insuficiência de recursos disponíveis para educação;
b) má repartição e utilização de recursos;
c) “ausência de informações sobre outras possibilidades praticas de financiamento, redução de
custos e medidas de resultados obtidos”
A partir dessas análises, e aproveitando a crise que se manifestava na educação, foram
firmados os acordos que definiram a política educacional brasileira. A crise educacional
serviu como “justificativa de intervenção” para a definição dessas políticas, conforme as
concepções elaboradas para esse fim. Na época, houve denúncias públicas que questionavam
o regime, como a do Prof. Roberto Lyra, decano da Faculdade de Direito da Guanabara:
Os erros e as necessidades de nossa universidade estão servindo de pretexto para sua
desnacionalização. O remédio para as necessidades é satisfazê-las e, para os erros, é corrigi-
los, sem a palmatória estrangeira manejada em causa própria... Assistência técnica vem sendo
o disfarce para a penetração que agora visa o reduto de maiores responsabilidades na formação
das elites e a última resistência da cultura e fora do comércio...” (Correio da Manhã,
15/09/1966: In POERNER,1968:259)
O movimento estudantil organizado denunciou esses acordos e protestou para evitar
que fosse levado a efeitos. Em um de seus manifestos, os estudantes denunciam os cortes de
verba para a educação e analisam as políticas educacionais do governo definindo-as como a
desmoralização oficial das universidades públicas. Denunciam, ainda, a proposta de
transformar as universidades em fundações, citando como exemplos a Fundação Ford, a
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Fundação Rockfeller, dentre outras, e revelam que na Maternidade Escola estava sendo
financiada pela USAID a pesquisa sobre a aplicação de Dspositivos Intra-Uterinos (DIU),
para efetuarem uma esterilização em massa. Nesse manifesto, propõe-se lutar por mais verbas
federais para a educação e contra os acordos MEC-USAID, as Fundações e o Plano Atcon
(DOPS, 67: 2: 78).
Apesar das denúncias e dos protestos estudantis, entre 1964 e 1968, foram firmados
mais de doze acordos, aprofundando as interferências estrangeiras, o que comprometeu a
política educacional do país às determinações dos técnicos americanos.
“Objetivavam uma completa reforma do sistema universitário brasileiro, com a finalidade de
privatizar as instituições de educação. A reforma seria efetuada sob a direção e a coordenação
de comissões de planejamento criadas nos termos do acordo. Compunham-se elas basicamente
de cnicos norte-americanos e estabeleceriam diretrizes para toda a política educacional, a
educação agrícola e a publicação de livros-texto. As reformas transformariam completamente
o sistema universitário brasileiro aproximando-o do modelo adotado no sistema norte-
americano”.(ALVES, 1984:116)
Em O poder Jovem, Arthur Poerner (1968: 245) afirma que mesmo antes do golpe de
1964 houve várias tentativas de interferências do governo dos Estados Unidos nas questões
educacionais brasileiras, com a chegada ao Brasil, em julho de 1951, de Helen Rogers e
Eiser Eisenberg, enviados, por setores governamentais especializados” em assuntos
estudantis, dos Estados Unidos, para deter a “infiltração comunista” nas Universidades
brasileiras”.
Também foram feitas outras tentativas como o acordo firmado entre o governo de
Pernambuco e o Governo dos Estados Unidos que, mais tarde, foi denunciado publicamente
pelo governo de Miguel Arraes, que os definiu como perniciosos para o Estado. “A denúncia
se aplicava a muitos Estados brasileiros, pois as tentativas de interferências se
generalizavam, sobretudo através de projetos de formação do magistério e de preparação de
material didático” (POERNER,1968:247).
No relatório de Rudolph P. Atcon, de 1958, que serviu como base à elaboração dos
acordos MEC-USAID na década de 1960, pode-se constatar, em toda a América Latina, uma
intenção clara de privatização e de interferência ideológica direta na educação, como
podemos verificar em suas próprias palavras:
“Desenvolver uma filosofia educacional para todo o continente;...estabelecer programas de
ação educacional em todos os níveis educacionais e obter os meios financeiros para levar à
prática tal política; criar e manter um serviço de consultoria para as Universidades latino-
americanas; ... a transformação da Universidade estatal numa fundação privada; ... a
eliminação da interferência estudantil na administração, tanto colegiada como gremial;
colocação do ensino superior em bases rentáveis, cobrando matrículas crescentes durante um
período de dez anos ...” (Relatório Atcon págs.147-157: IN POERNER, 1968:250).
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Esses acordos lançaram “as principais bases das reformas que se seguiram e serviram
de fundamento para a principal das comissões brasileiras que complementaram a definição da
política educacional: a comissão Meira Matos” (ROMANELLI, 1984:197).
A Lei 5.540/68 e a Lei 5.692/71 instituíram as reformas que deram sustentação à
política educacional do regime militar, que perdurou durante todo o regime ditatorial. A
educação no período militar sofreu limites financeiros, através da escassez de verbas para
educação pública, e repressão, através de controle político e ideológico. A educação foi
subordinada ao mercado de trabalho.
Segundo Luiz Antonio Cunha, o projeto de uma reforma universitária constava no rol
das Reformas de Base do governo João Goulart. Após o golpe de 1964, o movimento por
reforma se intensificou levando o Estado a incorporar essa reivindicação, porém “redefinindo
o seu sentido para torná-lo mero apoio à modernização do ensino superior” (1983: 207),
proposta antagônica às reivindicações de mudanças imaginadas pelos estudantes que seria
“neutralizar o poder das “cúpulas dirigentes da universidade”, pois elas estariam
comprometidas com a estrutura colonial e alienada em fase de superação”. O primeiro
passo da reforma seria, então, a conquista da autonomia da universidade diante do governo,
transformando-a em autarquia ou fundação” (...) (CUNHA, 1983: 225).
Segundo Paulo Ghiraldelli (1990:169), o então ministro Roberto Campos considerava
que a agitação estudantil era causada pelo tipo de formação universitária da época que, por
estar desvinculada do mercado de trabalho, deixava os estudantes com muito tempo ocioso
que estaria sendo preenchido por aventuras políticas. Logo, se fazia necessária uma reforma
universitária que restabelecesse a ordem nacional.
A Reforma Universitária, baseada na lei 5.540/68, implementou nas universidades
brasileiras uma mentalidade empresarial. Dentre suas características podemos citar: os
currículos muito extensos; a estrutura departamental dos cursos; a instituição do sistema de
créditos; o incentivo à privatização do ensino; a instituição do vestibular unificado; a divisão
do currículo em 2 ciclos (básico e profissional) e a licenciatura curta. Essas medidas
resultaram na fragmentação do ensino superior e na despolitização dos cursos, desarticulando
os movimentos estudantis. E, ainda, serviu para conter o acesso ao ensino superior e abrir
caminho à proliferação de universidades particulares. Além disso, tornou obrigatória a
disciplina Estudos dos Problemas Brasileiros no nível superior de ensino. Mas,
contraditoriamente, promoveu algumas renovações como a extinção da cátedra, o tempo
integral e a dedicação exclusiva de professores, a integração das atividades de ensino e
pesquisa e a ênfase na pós-graduação.
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A partir do final do ano de 1969, o Brasil vivia um clima de euforia gerado pelo
“milagre” econômico, propaganda ideológica reforçada pelo tri-campeonato mundial de
futebol, entre outros. Mas, na verdade, passava-se pelo estado de terror da linha dura, que foi
o período do General Médici.
Nesse contexto, é promulgada pelo General Emilio G. Médici, então presidente da
República, a Lei 5692, de 11 de agosto de 1971, que fixa as Diretrizes e Bases para o ensino
de e graus e da outras providências. Essa Lei, segundo Saviani completa o ciclo de
reformas educacionais, perpetradas pelo regime militar, destinadas a ajustar a educação
brasileira à continuidade da ordem sócio-econômica.
Essa reorganização do ensino teve como elemento fundamental a profissionalização
do ensino de grau. Mas, contraditoriamente, incorporou os objetivos gerais do ensino que
se encontravam na LDBEN / 61, principalmente, as finalidades da educação. A Lei 5692/71
preconizava que se deveria “proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania” (GHIRALDELLI,
1990). Ao mesmo tempo, defendia os princípios do regime militar, que sustentavam o
discurso de que o ensino profissionalizante no segundo grau se fazia necessário para atrelar o
ensino ao mercado de trabalho, atendendo, assim, à necessidade imediata da classe
trabalhadora de se qualificar profissionalmente sem ter que ingressar no ensino superior.
Dermeval Saviani esclarece essa aparente contradição afirmando:
Entretanto, se a proclamação dos objetivos revela continuidade entre ambas as leis, é
preciso considerar que, no que diz respeito à estrutura e funcionamento dos sistemas de
ensino, ocorreu uma ruptura. E isto é compreensível porque, se a continuidade da
ordem sócio-econômica só pôde ser garantida através da ruptura política, na educação a
continuidade das funções dela demandadas pelas condições sociais e econômicas exigiu
uma ruptura no âmbito da política educacional (...)” (1988: 129).
O discurso de que o ensino profissionalizante seria uma forma de amenizar as
desigualdades sociais fez com que muitos trabalhadores optassem pelo ensino de grau,
desistindo do ensino superior. A institucionalização do ensino profissionalizante, oferecendo
diversos cursos e habilitações, desconfigurou o ensino de segundo grau de tradição humanista
e o ensino normal foi gradativamente perdendo sua qualidade.
A Lei 5692/71 significou uma ruptura com a LDBEN/61, apesar de incorporar os
objetivos gerais do ensino da lei anterior. Por outro lado, se diferenciava por defender os
princípios da ditadura: ampliou os anos de escolaridade para oito anos visando absorver a
força de trabalho supérflua; estabeleceu um ensino baseado na racionalização; adotou o
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ensino profissionalizante no grau, enxertado de conteúdos específicos obrigatórios
prejudicando a liberdade de incluir outras disciplinas. E a Educação Física e a Educação
Moral e Cívica apareceram como um único bloco na Lei 5.692/71, que preconizava, na
Educação Física, a idéia de atleta-herói, a massificação do desporto, a desmobilização do
movimento estudantil por práticas desportivas nas horas livres e o desporto com objetivo de
construir um “Brasil Grande”.
Segundo Durmeval Trigueiro, “[a] Lei do e do graus consiste na verbalização
das soluções e não sua viabilização. (...) Ora, a legislação do e do 2º graus, em alguns
pontos, é bastante detalhada, mas imprecisa nas suas conceituações básicas. Não oferecendo
inteligibilidade, dificultando, por isso mesmo, sua aplicação” (1972:157).
Na nova lei prevaleceu o discurso de que era necessário atrelar o ensino ao mercado
de trabalho para atender às necessidades das classes baixas e de uma pequena parcela da
classe média que almejava um ensino voltado para qualificação profissional imediata, numa
visão distorcida do processo de desenvolvimento capitalista brasileiro. Na realidade, o
objetivo era conter a demanda pelo ensino superior. O ensino profissional foi nocivo para os
trabalhadores, porque estes deixaram de adquirir conhecimentos mais aprofundados, e
também para as classes médias, que visava ingressar na universidade, mas sua formação era
falha.
Nesse sentido, Luiz A. Cunha afirmou, à época, que “a política de profissionalização
do ensino médio expressa pela Lei 5692/71 tem um caráter ideológico, na medida em que os
seus alvos manifestos não coincidem com os não manifestos” (1977:147). Isso se refere à
função conservadora dessa Lei que não está explícita no seu texto. Desse modo, “a
profissionalização do ensino médio é uma resposta educacional a um problema social não
educacional. Trata-se da utilização do aparelho educacional no sentido de atenuar crises
passíveis de expressão política como aconteceu em 1968” (1977:147).
O ensino superior significava ascensão social para a classe média e para uma pequena
parcela da classe baixa, uma vez que a política econômica adotada naquele período limitou
“as possibilidades não educacionais de ascensão para os indivíduos das camadas médias”
(CUNHA, 1977:131).
Essa proposta estabeleceu um sistema de via única para todos, mas não tinha o
objetivo de mudar a velha estrutura dualista e sim uniformizar o tecnicismo em todas as
modalidades de ensino. Segundo Acácia Kuenzer (1997), esta era a preocupação do MEC, em
1972, ao oferecer, através do Parecer 45/72, um variado cardápio de habilitações plenas e
parciais. Porém, o caráter formalista e academicista deste nível de ensino acabou piorando a
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qualidade da educação profissional. A propósito disso, Durmeval Trigueiro questionou o
ensino profissionalizante, que estava sendo implementado, por não ser “coerente com as
exigências reais do mercado de trabalho”, além de não haver coerência “entre educação,
tecnológica, perfil da demanda, sociedade industrial e cultura brasileira” (1972:156).
As conseqüências foram desastrosas, pois a política educacional do regime militar
afetou, de forma irreversível, a qualidade do ensino em todos os níveis pelo fato de diminuir
as verbas para a educação. Isso gerou a desvalorização do magistério pela descaracterização
da escola normal, transformada-a em habilitação para o magistério, e pelas perdas salariais
dos professores. Além disso, tal política contribuiu para elevar os índices de evasão e
repetência e descaracterizar o ensino público, dentre outros problemas.
Durante o período do regime militar, os movimentos por democratização política e
pela democratização do ensino se manifestaram, de forma coletiva, pela categoria do
magistério brasileiro em geral, através das entidades que foram possíveis ser organizadas
naquele período e, também, por ações isoladas que aconteciam em escolas de várias cidades
pelo Brasil afora.
Essas práticas recriavam, ao seu modo, alternativas ao sistema educacional vigente.
Como mostra Luiz Antonio Cunha (1991). [a] formulação e a implementação de políticas
educacionais voltadas para os interesses populares não esperaram pelo fim do regime
militar (...) e nas eleições de 1976 deram vitória a forças partidárias que buscavam novas
posturas políticas”. Tais ações contribuíram para ampliar a visão sobre participação popular
no que se refere à gestão e à busca de novas concepções educacionais. Nesse sentido, várias
experiências foram realizadas a partir de meados da década de 1970.
Em Boa Esperança (ES), o prefeito eleito em 1976, Amaro Covre, influenciado
ideologicamente pelas comunidades eclesiais da Igreja Católica, desenvolveu um trabalho
participativo que retirava o poder dos gabinetes e o delegava à comunidade de forma que
prevalecesse o interesse popular evitando a política de favores. No caso da educação, o
problema era, principalmente, a inadequação do currículo para a zona rural, o que foi
resolvido através de uma reforma curricular que valorizava a realidade do campo. Assim, a
iniciativa da administração municipal e a participação popular convergiam na ampliação e
na reforma do ensino público, desenvolvendo formas inéditas de gestão” (CUNHA,
1991:112).
Na experiência de Lages (SC), em 1976, desenvolvida pelo prefeito Dirceu Carneiro,
a participação popular foi incentivada sob o lema “Lages, a força do povo” com o objetivo de
que a população se organizasse para reivindicar os seus direitos. No âmbito da educação,
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essa iniciativa conseguiu “implantar mais profundamente as medidas de política educacional
preconizada pela esquerda católica no Brasil” (CUNHA, 1991:114).
As modificações no ensino foram feitas no sentido de propiciar, a partir da sua própria
realidade, o desenvolvimento, de:
‘“um ferramental para colocar em ação quando estiverem diante das dificuldades concretas
da vida. (...) a história que se contou foi a história do povo, seus ‘causos’, suas lendas, suas
origens, suas falas, suas crenças, e seus dramas. Uma equipe de professores ensaiou um
reconstituição da história popular, embasada em estudos e depoimentos de pessoas simples,
que ajudaram a construir a história”’ (CARNEIRO apud CUNHA, 1991:114 ).
Em 1981, em Blumenau (SC), a administração municipal se empenhou numa
resistência às imposições da época de forma mais frontal, propondo, através do Seminário
Nacional realizado em abril desse ano, o julgamento da lei 5692/71 que foi imposta “aos
estudantes e suas famílias, aos professores, aos administradores locais e aos próprios
técnicos em educação dos sistemas de ensino, sem que suas experiências e reivindicações
tivessem sido levadas em conta” (CUNHA, 1991:120).
Podemos, ainda, citar como exemplos de resistência, na década de 1970 e no início da
década de 1980, as formas alternativas de lutas, elaboradas nas universidades, contra as
políticas educacionais impostas pelo governo ditatorial.
A história da educação no Brasil nos mostra que, desde o início da industrialização,
através das diversas propostas educacionais, o ensino vem se subordinando a modelos
hegemônicos vinculados a interesses do grande capital. Durante o regime militar, essa opção
foi apresentada através do discurso do “desenvolvimento” apresentado como a única
possibilidade para o país. Apoiando-se na Teoria do Capital Humano, o governo de então
conseguiu subordinar a educação, mais uma vez, aos interesses do grande capital.
Segundo Frigotto, a educação passa a ser vista como um investimento, a partir da
Teoria do Capital Humano que tem sua gênese no Plano Marshall. Esse caráter de
investimento foi objeto de estudo no decorrer das décadas de 1950 e 1960 e se baseia na
concepção de que o investimento em capital humano aumenta futuras rendas. Portanto,
deveria haver investimentos na educação considerando-a como qualquer outro tipo de
investimento, ou seja, “[a] educação, então, é o principal capital humano enquanto é
concebida como produtora de capacidade de trabalho, potenciadora do fator trabalho. Neste
sentido é um investimento como qualquer outro” (FRIGOTTO, 1989: 40).
Na América Latina, essa teoria se instala, principalmente, a partir da década de 1960,
com o discurso de que investir em uma educação atrelada ao tipo de economia que vinha se
desenvolvendo favoreceria a inserção da população no mercado de trabalho, desenvolveria o
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país e amenizaria a desigualdade social. No Brasil este discurso vai prevalecer até o final da
década de 1970, “a educação passa a ser evocada como um instrumento de modernização
o fator preponderante, para a diminuição das “disparidades” regionais. O equilíbrio, entre
as regiões (...) se daria mediante a modernização dos fatores de produção, especialmente
pela qualificação da mão-de-obra” ( FRIGOTTO, 1989: 128). A política educacional que se
desenvolve a partir desse conceito é antagônico aos interesses da classe trabalhadora por
incutir a ideologia de que a desigualdade social se devia somente a alguns fatores de
desequilíbrio que podem ser sanados a partir do investimento em capital humano. A Lei
5692/71 estava inserida no contexto de hegemonia do pensamento pedagógico baseado na
teoria do capital humano.
A partir de meados da década de 1970, diversas pesquisas educacionais foram
elaboradas com o intuito de se opor às concepções educacionais que embasaram as propostas
educacionais da ditadura militar. Destacaram-se, com esse objetivo, os trabalhos de Dermeval
Saviani que, baseado num referencial teórico-metodológico marxista, insere a categoria luta
de classes no âmbito da educação abrindo caminho a diversas pesquisas. Além de Saviani, as
principais pesquisas, nesse sentido, foram realizadas pelos seguintes autores: Mirian J.
Warde, Luiz Antonio Cunha, Marialice Foracci, José Luis Sanfelice, Acácia Kuenzer, Afonso
Celso Scocuglia, Bárbara Freitag, Vanilda P. Paiva, Gaudêncio Frigotto e muitos outros.
“apesar da crítica que deve ser feita à forma como se deram as transformações do ensino
superior no Brasil durante os governos militares, o desenvolvimento da universidade,
especialmente da universidade pública, propiciou contraditoriamente condições para que
dela saíssem diagnósticos, propostas e críticas consistentes que foram de alguma maneira
incorporadas pelos partidos políticos e outras organizações que faziam oposição ao regime
autoritário” (CUNHA, 1991: 59).
As Conferências Brasileiras de Educação, ocorridas na década de 1980 organizadas
por entidades do campo educacional – ANPED, CEDES e ANDE – elaboraram propostas que
se opunham frontalmente à política educacional desenvolvida pelo regime militar. que se
notar que mesmo a presença, em pequeno número, de quadros governamentais da
administração educacional e das agências de fomento à pesquisa não chegou a dar aos
eventos um caráter governista (CUNHA, 1991: 95).
Essas organizações envolviam professores de todos os níveis e pesquisadores de
diversas instituições de educação que colaboraram, com suas pesquisas de pós-graduação,
para a democratização do Brasil. Nota-se, nesses exemplos, que a ambigüidade presente nos
movimentos de resistência, nos quais os educadores ora se submeteram às regras vigentes,
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ora se rebelaram de forma frontal ou disfarçada, favoreceu a (re)invenção de práticas
educacionais alternativas de resistência que aconteceram por dentro do próprio sistema. Além
disso, aproveitaram suas brechas para, dessa forma, (re)criarem as condições necessárias para
tentarem modificar a condição de dominados.
1.3.O ensino do CPII nos tempos da ditadura
O Colégio Pedro II foi logo atingido pela repressão política que estava assolando o
país desde de abril de 1964. Nesse mesmo mês, teve início a reorganização do Colégio, a
partir da substituição dos dois principais diretores. O Diretor do CPII Externato Roberto
Accioli foi substituído pelo seu Vice-Diretor Carlos Potsch e o Diretor do CPII Internato
Helio Fontes foi substituído pelo prof. Vandick l. da Nóbrega. Houve, também, a substituição
de diretores nas diversas Seções que constituíam o Colégio. As reformas de ensino, tanto a
reforma universitária
38
quanto a reforma do ensino médio, implementadas naquele período,
interferiram no Colégio Pedro II.
Em relação ao tipo de ensino, não houve mudanças significativas no período de 1964
a 1969, as mudanças ocorridas, nesse período, foram em termos de repressão e de controle
ideológico. A partir da década de 1970, especificamente, após a reforma do ensino de e
graus, a mudança se verifica em termos de estrutura, funcionamento e de filosofia.O Colégio
que outrora era voltado ao ensino humanista se vê obrigado a adaptar-se aos ditames da nova
Lei.
Segundo Vandick L. da Nóbrega, Diretor Geral do Colégio Pedro II, a Lei 5692/71
previa no item I, § 1º, que o Conselho Federal de Educação (CFE) fixasse o mínimo exigido
em cada habilitação profissional. A redação final da resolução deveria ser aprovada até o dia
15 de janeiro de 1972.
“O CPII, por sempre se destacar pela prática do estudo humanístico, é, por alguns
injustamente qualificado de reacionário, justamente para o dar pretexto aos que assim
procedem, fizemos questão de agir de forma que ele fosse o primeiro na aplicação da
Reforma”. (NÓBREGA, 1974: 81).
Suas declarações apresentavam discordância com alguns pontos dessa medida
governamental, por considerar que se deveria condicionar “a introdução do ensino
profissionalizante nos estabelecimentos oficiais à concessão dos necessários recursos para
38
A reforma universitária interferiu na estrutura do Colégio Pedro II em dois momentos: ao extinguir a cátedra,
pois a carreira dos professores do CP II era semelhante aos dos professores universitários, e na década de 1970,
quando foi criada a FAHUPE (Faculdade de Humanidades Pedro II).
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instalação de oficinas adequadas”. Apesar disso, apressou-se em mostrar ao governo que o
Colégio faria o melhor possível para aplicar os preceitos da Lei. Uma reunião do Conselho
Departamental foi convocada a fim de elaborar os novos currículos, o que foi designado para
duas comissões. Os currículos passariam a ser aplicado em 1972, nas primeiras séries de cada
grau.
Podemos verificar a pretensão de contribuir, “com sua experiência para enquadrar-
se no espírito das novas diretrizes contidas nas recentes leis de ensino”, na portaria 5 de
15 de fevereiro de 1971, intitulada “Pedro II adapta-se às Reforma de Ensino”, na qual o
Diretor Geral constitui uma comissão com a incumbência de elaborar um plano que “se
adapte às reformas de ensino de grau médio e superior, se adapte às reformas do ensino,
inclusive à futura Lei Básica do Ensino Fundamental e Médio”.
O trabalho elaborado foi apresentado ao CFE antes da reunião e os novos currículos
foram, então, submetidos à consideração do Egrégio CFE, no prazo pretendido.
“Ao elaborar seus currículos teve o CPII o cuidado de procurar contornar as conseqüências
decorrentes da diminuição de horas semanais das disciplinas consideradas de “Educação
Geral” que sofreram acentuada redução para que, em cumprimento da imperativa legal,
fossem introduzidas, com carga horária semanal maior as disciplinas profissionalizantes. Por
isto foram organizados currículos que, alem de proporcionarem habilitações profissional
(sic) como determina a lei, ministram, com maior desenvolvimento, o ensino das disciplinas
exigidas nos respectivos Concursos Vestibulares” (NÓBREGA, V.1974, p.82).
As modalidades de currículos elaborados pelo CPII e aprovados pelo CFE foram as
seguintes:
- Técnico em Contabilidade
- Tradutor e Intérprete
- Laboratorista de Análises Clínicas
Além das modalidades aprovadas pelo CFE foram oferecidas as seguintes
modalidades conveniadas com a Escola Técnica Celso Sucow da Fonseca:
- Técnico de Mecânica
- Técnico em Eletrônica
- Técnico de Meteorologia
- Técnico em Edificações
Ao aprovar os novos currículos do Pedro II, a comissão do CFE emitiu o parecer
152/72, reconhecendo o esforço do Colégio Pedro II em providenciar a imediata implantação
da Reforma, ressaltando o fato de um estabelecimento tradicionalmente voltado para o
humanismo clássico d[ar] uma demonstração extraordinária da abertura às renovações, sem
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temer o impacto das mudanças, atendendo a um dos objetivos da nova Lei que é o de
profissionalização a nível de 2º grau (...)”.(NÓBREGA, 1974: 84)
As aulas das disciplinas profissionalizantes eram ministradas em turnos inversos às
disciplinas do chamado “Núcleo Comum” e às aulas ministradas no Pedro II, com intuito de
conseguir conciliá-los sem prejuízo da carga horária.
“O CPII, fiel à sua trajetória de mais de dois séculos e à sua tradição, alicerçada no estudo
das humanidades, jamais poderia pretender situar-se numa posição anacrônica. Justamente
acompanha a normal evolução dos tempos, reconhece os benefícios decorrentes do estudo das
ciências (...) organizou rigorosamente dentro das normas legais, os seus currículos, nos
quais a superioridade de horas atribuídas às matérias de formação especial será temperada
pelo ensino de disciplinas que diretamente contribuem para que o homem seja mais espírito
do que matéria.(...) O ensino Religioso figura em seus currículos, como disciplina de caráter
facultativo(...)” (NÓBREGA, 1974: 82).
No início do ano letivo, o Diretor Geral expediu uma circular
39
ao corpo docente
esclarecendo as principais inovações da nova Lei, na qual afirma: “Essa Lei impõe
transformações profundas (...) [que] afeta a própria mentalidade dos que se dedicam a esse
grau de ensino” (NÓBREGA, 1974: 88).
Prosseguia mostrando as inovações a respeito: da abrangência do 1º grau, pois a
referida Lei instituiu oito anos; do currículo, constituído por um núcleo comum e por
disciplinas profissionalizantes; do Ensino Religioso facultativo; da aplicação da Reforma nas
séries iniciais de cada ciclo e, por fim, solicitava a colaboração de todo o corpo docente.
No final do ano de 1972, foi feito um inquérito entre os alunos da primeira série do 2º
grau. Mais de 90%, segundo o Diretor Geral, responderam afirmativamente quanto à
aplicação da Reforma. Porém, no final desse mesmo ano, começaram a surgir problemas
operacionais referentes à implementação da Lei no Colégio. No ofício 433 / 73
40
, enviado
ao Ministro da Educação Jarbas Passarinho, relatou-se problemas detectados pela
comunidade escolar do Colégio durante o primeiro ano da reforma. Os alunos da e da
séries do grau, em comissão, alegaram que: os conteúdos das disciplinas
profissionalizantes não estavam sendo ministrados; as aulas da Escola Técnica não eram
suficientes para se considerarem aptos ao exercício de uma profissão e, ainda, solicitaram que
fossem ministradas matérias básicas para os diversos cursos superiores.
Esses problemas vieram, segundo o Diretor Geral, confirmar as advertências feitas
pelo colégio ao Conselho Federal de Educação, na ocasião da elaboração da lei da Reforma,
as quais apontavam que, antes de implantar a Reforma, deveriam: elaborar planos de
39
Circular nº 2, de 25 de fevereiro de 1972. Em anexo, o texto da circular na íntegra.
40
NÓBREGA, 1974: 126.
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}
adaptação para tornar os estabelecimentos de ensino em condições de proporcionar a referida
formação, indicar recursos para sua execução e garantir que os respectivos governos
concedessem os recursos efetivamente. Essas sugestões se justificavam pelo fato de que os
“estabelecimentos oficiais que, geralmente, não dispõem dessas instalações deve[riam]
promover a sua aquisição e para isso necessitam dos indispensáveis recursos”. (NÓBREGA,
1974: 128
).
O referido ofício encerra afirmando que o Colégio Pedro II “não dispõe de meios
para a implantação da Reforma, sem que lhe sejam proporcionados os recursos
indispensáveis”.
Em relação à Reforma de Ensino, o Prof. Fernando Segismundo (1989: 34) afirma que
a frustração em relação ao ensino profissionalizante, “que não funcionou a contento em
nenhuma das demais instituições similares”, levou o Conselho Federal de Educação a
estabelecer as habilitações básicas, através do Parecer 76, de 1975. Esse parecer permitiu
algumas soluções a partir do convênio com o PREMEN, o qual equiparia uma das unidades e
forneceria recursos e treinamento pessoal. O Colégio Pedro II, então, empenhou-se mais uma
vez em implementar a proposta educacional do MEC, esbarrando novamente em diversas
dificuldades.
Segundo o Prof. Vandick, foram elaborados planos pelo PREMEN
41
com o objetivo
de sanar as dificuldades apresentadas, porém seriam necessários cerca de dois anos para a
Unidade São Cristóvão ter a real condição de ministrar o ensino profissionalizante. Por esse
motivo, o Colégio poderia somente ministrar cursos como os de tradutor e intérprete ou
técnico em contabilidade. Em caso contrário, seria necessário reduzir pela metade o número
de alunos matriculados no grau. A partir desse momento, o Colégio vivenciou uma crise
que resultou no esvaziamento dos seus quadros docente e discentes e que acarretou a queda
da qualidade de ensino, além de uma desmotivação que atingiu a comunidade escolar naquele
período.
Em março de 1979, a nova direção
42
que assumiu o Colégio Pedro II o encontrou
esvaziado. De dezessete mil alunos de outrora restavam apenas quatro mil alunos. A partir de
1979, aumentou-se para 10 mil o número de alunos (SEGISMUNDO, 1989: 66), ou seja, o
Colégio Pedro II só conseguiu reverter este quadro com o início da abertura política.
41
O PREMEN era um setor do Ministério da Educação responsável por executar trabalhos extraordinários na
construção de unidades escolares e no recrutamento de pessoal docente. (NOBREGA, 1974:130)
42
Em 02/04/79 J. B. Figueiredo (Eduardo Portella Min.) dispensa o Prof, Vandick e nomeia O Professor Tito
Urbano como Diretor Geral. (DOC. Pasta Vandick) e em 30/06/79 acontece o I Encontro de Professores do
CPII”
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1.3.1 Vozes da memória –CPII no período da ditadura
O ensino no CPII de 1964 a 1969
“O ensino do Colégio Pedro II influenciou muito a minha formação. a gente aprendia além das
matérias curriculares, valores que ajudavam a formar nossas personalidades. Tínhamos ótimos
professores. A gente aprendia o sentido da solidariedade e na nossa formação havia uma visão crítica
em relação ao consumismo. O consumo não tem nada a ver com solidariedade. A gente sentia que
realmente fazia parte de um grupo, de algo maior. Isso dava responsabilidade (...)” (CARLOS E.
GOUVEIA, 2007).
“O ensino do Pedro II me ajudou bastante. Na época em que eu estudei, já não era o mesmo de anos
anteriores, como dizem que o de hoje não é o mesmo da minha época, sempre dizem que piorou, e
não tem como aquilatar isso. Mas era um ensino excelente, estudei grego, latim por três anos,
filosofia, francês, inglês e antigamente, quando terminava o antigo ginásio, tinha que optar por fazer
o científico ou o clássico. O científico era para quem queria seguir carreira de Medicina ou
Engenharia. Tinha aula de Química, sica, e Matemática, era mais forte. o clássico era para
quem queria fazer Direito, Literatura, Jornalismo, e como eu queria fazer Jornalismo, já naquela
época, eu fui fazer o curso clássico. Então carregava muito nas línguas e em Filosofia. Os professores
eram muito bons.” Ele [o meu pai] dizia que era o melhor colégio do Brasil. E eu não aceitava, mas
como quase sempre os pais tem razão, eu não consigo me imaginar hoje sem ter passado por lá.
Estudei sete anos, e com certeza foram os melhores anos da minha vida. Em tudo, aprendizado,
amizade, realização, experiência, foi realmente fabuloso (ALZIR, 2007)
“Eu entrei no Pedro II em 1959, devo ter feito meu exame de admissão em 1958, e saí em 1965.
Então sou de uma geração que pegou uma faixa da história política brasileira muito específica,
porque eu peguei o que chamo de ancien régime, o período pré-golpe, o golpe militar de 1964
propriamente, com todo seu impacto, e os dois primeiros anos do regime. Eu diria até os três
primeiros anos, porque foram dois como aluno do colégio, e o ano que foi em 1966, que apesar de
não ser mais aluno, minha vida ainda girava em torno do Pedro II. Fui vice-presidente do Grêmio,
depois presidente, muito ativo no movimento estudantil. E, minha esposa, que eu conheci no Pedro II
por conta do envolvimento nas lutas estudantis, estava no colégio. Nessa época, ela chegou a a
presidir a Associação dos Alunos. Então eu ainda estava muito envolvido com o colégio. Esse
período para mim foi o despertar de uma consciência política. E eu fui para uma turma muito
especial, que devia ter 30 alunos, que era a turma da Seção Humaitá, zona sul do Rio. Entre os meus
colegas de turma, estavam, por exemplo, dois estudantes que tiraram 10 em todas as prova de
admissão e outros alunos também muito brilhantes, era a elite da elite, o crème de lá crème.
(...) Os professores do Pedro II eram realmente excepcionais. Nunca me saiu da memória, por
exemplo, uma aula de Francês em que apareceu o Paulo Rónai, europeu, que veio para o Brasil
durante a repressão nazista, era catedrático de Francês do Pedro II, e foi uma vez na turma para fazer
uma inspeção, saber como estava o aprendizado dos alunos. Foi um período muito marcante em
Francês, História, Matemática. Eram professores excepcionais. O pai do José Alexandre Scheikman,
o Dr. Samuel, que também foi aluno do Pedro II, me contou o caso de um professor que ele teve, que
passou no concurso para professor catedrático da Faculdade Nacional de Medicina, o supra-sumo do
ensino de medicina no Brasil, e passou ao mesmo tempo para catedrático do Pedro II, e tendo que
optar entre um dos dois, preferiu ser catedrático do Pedro II. Dava mais prestígio naquela época.
Era curioso, por exemplo, que na Seção Humaitá as meninas estudavam de manhã e os meninos à
tarde. Então eu fiz todo meu ginásio sem conviver com as garotas. Uma recordação péssima dessa
época era o ódio que eu tinha de uma cadeira chamada Trabalhos Manuais, que não sei se existe
hoje, mas eu era um péssimo aluno, era aprovado por condescendência da professora, que via a
minha absoluta incapacidade. Era feito nos fundos do colégio, tinha uma espécie de cabana, onde
tínhamos que serrar, pintar, entre outras coisas, e eu sempre fui péssimo. Compensava em línguas,
História, Geografia e em Matemática (MAURICIO D. DAVID, 2007).
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“(...) Uma coisa interessante que a gente nota, é que as pessoas eram completamente diferentes. O
pessoal da Seção Sul tinha um traço, o pessoal da Sede tinha outro, Seção Norte era outro, Tijuca era
outro, o Internato era um jeito completamente diferente. Eram jovens com a mesma competição, com
ideais muito comuns nas mesmas direções estudantis, mas tinham visão do mundo e maneira de agir
muito diferentes. Tinham alguma coisa de insatisfação social clara nessa geração. Mas, cada Unidade
tinha uma característica. A Seção Norte mais pobre, a Seção Sul mais rica. Eu acho que a Seção
Norte era classe média e classe média baixa. A Seção Sul tinha muita gente de posse, mas ir para o
Pedro II era melhor do que ir para o São Bento ou para o Santo Inácio.
Se você não fosse católico, ia para o Pedro II, não ia para nenhum colégio católico. A alternativa era
ir para o Aplicação ou para o Pedro II, mas como o Aplicação era muito pequeno, grande parte das
pessoas ia para o Pedro II. E o pessoal da Sede era misturado, porque não tinha científico nas outras
Seções, então houve transferência de todo mundo para a Sede. Depois criaram o científico nas
Seções. (...) Essa mistura gerava mais união ainda. Porque tinha gente de todos os lugares ali na
Sede, então tinha como ter relação com os outros alunos das outras Seções.Era mais fácil. E também
nós tínhamos uma preocupação em construir essa relação (MARIA BEATRIZ A. DAVID, 2007).
“Eu entrei no Pedro II em 1963, através de um concurso de admissão bastante difícil. Entrei para o
internato, não como interno, mas como semi-interno. Chegava às 7h e saía às 5h da tarde. Naquela
época tinha praticamente tudo. O Pedro II dava apoio, tinha uma boa biblioteca. De manhã estudava,
tinha alimentação, lanche, almoço. Para aqueles que precisavam, tinha a caixa escolar que ajudava a
comprar livros, uniforme. Um serviço médico decente. Era uma estrutura muito boa. Lembrando
ainda que o internato tinha sofrido um incêndio, pouco antes. Boa parte dele tinha sido destruída. Eu
estudava numa parte que estavam começando a refazer. Em suma, nas condições brasileiras, era
um excelente colégio, com boas instalações, bons professores, biblioteca. E era público, gratuito.
dentro a disciplina era, nas aparências, bastante forte, tinha que usar uniforme de manga comprida,
formar, marchar, em suma, tinha uns resquícios do que deve ter sido a educação nos anos 50, 40. O
ensino público era mais valorizado.
O Pedro II foi muito importante na minha formação, não apenas na intelectual, mas na formação
social. Eu posso dizer que praticamente foi uma escola de vida. A convivência intensa com os
colegas, os debates, a vida, a socialização, foi muito importante. No meu caso foi muito importante
porque eu perdi meu pai cedo, vivia em Belém do Pará, meu pai foi para lá e morreu numa
expedição, voltei para cá com 10 anos, bastante abalado, esse retorno não foi fácil.
A chefe da casa era a minha mãe, que trabalhava. Quem tomava mais conta da casa era a minha avó.
Então tinha essa relação familiar meio peculiar. O Pedro II foi uma maneira de me sentir “eu”. Foi
mais do que isso, foi uma maneira de me realizar.
E o diretor da época, Vandick Londres da Nóbrega, um latinista, fez o latim voltar. A gente dizia que
era para vender os livros dele. Era também um germanófilo, era da sociedade germânica, alemão e
latim eram as suas áreas fortes. Era bastante autoritário, não era aberto ao diálogo, ao contrário de
muitos professores que havia na escola nesse período – são tantos que nem vou me lembrar
Dottori, Dias, a Rosa, professores que, embora fossem rigorosos e competentes, estavam abertos ao
diálogo.
o Vandick não, nunca teve muito contato com os alunos, sempre foi muito fechado no gabinete
dele. E tinha toda uma estrutura de inspetores que nos acompanhavam, exerciam uma espécie de
vigilância interna” (CLAUDIO EGLER, 2007).
“Simultaneamente, a minha formação escolar no Pedro II tinha mais de uma faceta. De um lado era
tradicional, o Pedro II tinha muitos professores tradicionais, conservadores, mesmo na área de
disciplinas humanas, História, Geografia, tinham professores muito conservadores, que davam suas
aulas seguindo o programa de livros muito reacionários. Mas tinham também professores
sintonizados com a ascensão do movimento estudantil, do movimento dos intelectuais de classe
média. Eu me lembro, particularmente, da Profa. Norma, não me lembro o sobrenome, era professora
de História, Era negra, muito boa intelectualmente, tanto no sentido de ser progressista para a época,
como no sentido de boa professora pedagogicamente, que estimulava os alunos, estimulava o espírito
crítico. Uma pessoa muito interessante. E o professor de Filosofia e Psicologia, Prof. Alberto Coelho
de Souza, que também estimulava o pensamento social, o pensamento crítico. Ele mesmo, se eu não
em engano, era uma liderança no movimento dos professores nessa articulação mais geral com o
movimento estudantil, que a gente nota em 1966 e 1967.
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Na verdade, a grande influência, bem particular, pessoal, que o ensino no Pedro II teve sob a minha
formação, foi me despertar sistematicamente pra Literatura. Meu primeiro interesse intelectual foi
por Psicologia, Psicanálise, também influência familiar, porque eu tinha um tio que era psicanalista,
muito inteligente, que me emprestava alguns livros e eu gostava do assunto. E, depois, através da
Profa. Eneida Bonfim, de Português, o interesse pela Literatura, principalmente por poesia. Eu fazia
algumas redações em forma de poesia, ela gostava, estimulava muito, emprestava livros do Gullar,
obras completas de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles. Emprestou uma vez até um
gravador de rolo, ficou muito tempo comigo, em casa, pra eu me gravar falando poesia. Ela
prestou um bom serviço emprestando esse gravador, foi um ótimo estímulo. A gente se ouvia
declamando poesia de boa qualidade. Era muito legal. Foi nessa fase que eu cometi os poemetos da
adolescência que eu tenho em cadernos. A influência dela nesse sentido foi muito forte. trazia isso
de casa, porque os meus pais sempre estimularam muito a leitura, mas ela deu uma atualizada boa, na
medida em que abria a possibilidade de eu fazer isso ativamente nas redações, com os comentários e
incentivos que ela fazia nas correções dos exercícios. Então eu precisamente identifico aí a influência
do Pedro II na minha formação” (RENATO LEMOS, 2007).
“O Pedro II sempre foi um colégio muito tradicional. Quando eu cheguei aqui em 1960, minha carga
horária era de seis horas. Chegava às seis horas da manhã e saía ao meio dia. Tinha que chegar às
seis horas mesmo, se chegasse 6:10 , já era um pouco criticado. Tinha esse rigor muito grande com o
horário, tinha que assinar um ponto, e se atrasasse, perdia, (...) era tudo muito bem enquadrado.
Nessa época a nossa organização era muito bem estruturada. Hoje não, depois do golpe militar, eles
desestruturaram o sistema público, então hoje é até mais fácil cometer um desvio qualquer de
conduta do que naquela ocasião, porque não se conhece um chefe, alguém com poder de chefe. Então
o serviço fica assim, perde muito, não funciona direito.
O Pedro II sempre foi muito certinho. Naquela época tinham os catedráticos, que eram quase
doutores. Tinha o grupo deles e tinha o grupo que não era deles, que eram de outros funcionários. E
aquelas pessoas realmente tinham um cabedal, como se chamava na época.
Em 1964, quando houve o golpe, colocaram um gabinete embaixo [na entrada do Colégio] Era
coronel em todo lugar, eles faziam parte do quadro do Colégio e eram também do Colégio Militar.
Só que na época do golpe eles ascenderam à assessoria da Direção. E não foi só no Pedro II, em todo
os lugares havia um coronel, vários comandantes, era até uma maneira de se dar uma “graninha” para
o cara.
Nessa época [havia] o General Sombra, era o Diretor da Merenda Escolar. A merenda escolar vinha
com um selo dos Estados Unidos. Um selo da “Aliança para o Progresso”. Um outro rótulo que
existia era o do Corpo da Paz.
O “Aliança para o Progresso” era um programa de ingestão política de tudo quanto é jeito. Então, a
merenda escolar tinha um leite em pó difícil de ser batido. Tinha aquele caminhão com toneladas de
leite em pó, trigo em grão, um outro grão que eu não lembro o nome, e era muita coisa, até estragava
o leite, não tinha um gosto bom, nunca teve. Aquilo acabou. Mas foi instalado aqui.
Também teve um curso de Defesa Civil. Eu sei que era para defesa civil, para que caso houvesse um
cataclisma aqui no Rio, o pessoal estivesse preparado pra socorrer as pessoas. O treinamento era feito
em sala de aula. Tinha uma verba do MEC. O curso foi dado por um tal Coronel, ele que patrocinou
a idéia inicial, e um outro major que eu não lembro o nome. Na ocasião, essas pessoas vieram a ser
professores do Pedro II, de Educação Moral e Cívica, foram admitidos no Colégio Pedro II como
professores (VICTOR HUGO CABRAL, 2007).
O ensino no CPII de 1970 a 1979
“Eu fiz dea a 8ª, no Engenho Novo eu entrei em 70 tive a mesma professora de História e
isso foi marcante para mim. Eu gostava de História nessa época, até alguns familiares me davam
livros de história, e eu gostava muito dessa professora. Ela destoava do restante dos professores. A
gente tinha professores muito antigos, em vista de se aposentarem ou aposentados, pareciam
aqueles professores catedráticos, muito distantes de nós, que éramos novinhos. E ela era a mais nova,
mais animada, usava métodos mais ativos, colocava a gente para falar, colocava questões para gente
conversar, discutir, e isso eu acho que despertou o interesse pela história, não em mim, mas em
outras pessoas também. Era considerada uma boa professora, a turma a adorava, tivemos aula com
ela durante uns quatro anos. Tempos depois eu a encontrei, e ela ficou muito satisfeita por eu fazer
História. Foi uma história boa no Pedro II, a Prof
a
Maria Sílvia.
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A passagem para São Cristóvão foi direta. Não fiz prova, não sei se pela média, algo assim, mas foi
direta a passagem. Eu fiz prova para entrar na série e da para foi direto, não lembro de ter
feito prova. Não tinha Ensino Médio no Engenho Novo, tinha no Centro e em São Cristóvão, eles
escolheram pela gente.
No ensino médio eu fui para área biomédica, com essa experiência boa em História, eu não sei
direito o porquê da escolha. Acho que eu quis mudar um pouco, tanto que no vestibular eu voltei
para História.
(...) Sempre gostei muito de Biologia e em São Cristóvão tinha uma boa professora, que eu não
lembro o nome, bons laboratórios. Eu gostava muito das aulas, achava muito interessante mexer
naqueles microscópios, fazer aqueles exames.
Apesar de já ter uma tendência para área de humanas, eu não tenho uma boa recordação dos
professores da área de humanas do Ensino Médio de lá. De geografia talvez um pouco mais, eu até
lembro do professor, mas História eu nem lembro o nome.
Em São Cristóvão acho que estava havendo alguma transição relacionada à FAHUPE. Alguns
professores, como os graduandos da FAHUPE, nos davam aula. Não sei se eram da área de humanas,
mas eu percebia que eram professores não muito qualificados. Era um clima muito desestimulante
para o aluno. E olha que a gente estava em 1974 e 1975 começando a pensar em alguma abertura
política, mas o Pedro II parecia que continuava em pleno “anos de chumbo” naquele momento.
Não tive filosofia. A gente tinha Latim, Francês e Inglês. O professor de Latim era um professor já
mais antigo. As pessoas não entendiam o porquê das aulas de Latim e ninguém fazia questão também
de explicar para gente qual era a serventia daquilo. Já os de Francês e Inglês eram professores
interessantes, traziam novidades, outros métodos didáticos mais interessantes. Mas filosofia a gente
não teve, nem no Ensino Médio, no qual eu fazia biomédica. Possivelmente o pessoal que fazia
tradução-intérprete tinha.
Você escolhia segundo a sua carreira. Eram poucas aulas de história, poucas aulas de humanas.
Tinha mais ênfase na área biomédica. Eu não lembro nem do material de História que a gente usava
nessa época (...).
Quando cheguei no terceiro ano e fui fazer o Bahiense, eu tive professores de História mais
revolucionários e eu descobri que era História mesmo o que eu queria. Mas eu pensei em estudar
Psicologia também. Achei que poderia ser legal.
Fui para o Bahiense e foi ótimo. Inclusive muitos colegas meus saíram e foram ser meus colegas no
Bahiense. O clima do cursinho era muito mais interessante, muito mais vibrante, professores mais
animados. Acho que eu tinha uma liberdade muito maior, um pique muito maior. O ensino médio
em São Cristóvão realmente não estimulava nenhum aluno a se mover.
Eu não estabeleci muitos vínculos em função dessa história toda. Lembro mais dos meus colegas do
cursinho do que das pessoas que nesse momento me pareciam muito desinteressantes. A minha
família teve uma vida no Pedro II. Foram cinco irmãos que estudaram lá, contando comigo, então a
minha família apostava nisso, sabia que era uma escola de tradição (AMERICO FREIRE, 2007).
“Eu entrei no Colégio Pedro II em 1972. Nessa época havia de fato uma grande repressão política.
Eu me recordo que um dos primeiros contatos que tive com o colégio foi uma manifestação por conta
da gravata dos meninos terem sido abolidas. Os meninos queriam a gravata. Eu me lembro deles
gritando na rua, muitos deles: “Queremos a gravata, queremos a gravata”. Isso no Engenho Novo.
Para mim, era uma coisa muito nova porque eu vinha de um colégio de freiras, de uma formação
muito rígida, e a primeira recomendação que eu tive, quando eu passei no concurso, foi a seguinte:
“Lá é um lugar muito perigoso, rolam drogas”. A preocupação dos meus pais era realmente essa:
“não aceite nada de ninguém. Não a lugares que você não conhece. Se alguém falar para você ir a
algum lugar você não vá”, enfim.
Tanto que meus pais compraram telefone na época, por conta disso, para poderem me controlar e
para eu poder entrar em contato com a minha casa. Eles se preocupavam porque nessa época o Pedro
II tinha fama, era um colégio meio libertário, um lugar onde se quebravam as regras, se rompiam
os preconceitos.
Então, eu tive logo, de imediato, contato com essa manifestação. Eu tinha dez ou onze anos. Foi uma
coisa muito nova. Mas engraçado que era esse o ritmo do Pedro II, essa liberdade que comecei a
respirar, embora eu não tenha me levado para esse caminho, de ser alguém, assim, rebelde, que
enveredasse por uma trilha meio desviante. Mas isso fez com que eu acabasse com a minha timidez.
Eu mudei completamente. Minha cabeça mudou.
(...) Eu tive ótimos professores. Eu tive o Prof. Serafim da Silva Neto que era um expoente em
Língua Portuguesa. Eu fui aluna do Jairo Bezerra que também era outro expoente em Matemática.
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Tinham alguns que eram muitos ruins. Tinha um tal de Herinson que era de História que dizia assim:
“Vai à pedra, Denise”. Pedra era o quadro negro. Ele gostava de uma aluna da turma que se chamava
Denise. Então era: “Vai à pedra, Denise”. E a tal da Denise tinha que toda a vida ir à tal da pedra. E
ensinar, que era bom, não ensinava.
Eu acho que a gente tinha professores muito bons e outros com os quais eu não aprendi
absolutamente nada. Deixavam muito a desejar nesse aspecto. E a gente tinha aquela formação em
Latim. Latim era obrigatório. Sou traumatizada até hoje com Latim. Embora eu tenha feito Letras,
acho que nunca aprendi Latim na minha vida por conta dessa experiência. Eu era muito novinha e o
ensino muito ruim. Não havia a preocupação de despertar a gente para aquilo.
Depois, em 1976, eu fui para São Cristóvão. Não mudou muito em relação ao Engenho Novo. Só que
era muito mais amplo. Minha turma era MI, Medicina e Profissionalizante em Técnico de
Laboratório. A gente nunca teve aula de Laboratório na vida. Se tive, foram duas ou três, nem
lembro. Seria esse o objetivo: profissionalizante. Só que a gente não tinha nada.
Havia muita repressão. Qualquer coisa colocavam para fora de sala. Era essa a punição. Aquilo era
uma vergonha pra gente. Outra coisa importante: nas aulas de História e OSPB que a gente tinha, não
se falava em ditadura. Era proibido falar. Eu fui saber disso um pouco mais tarde, na faculdade.
Não se falava em golpe de 64. Não se falava em nada disso.
Eu tinha uma professora de Inglês que dava aula com o dicionário no colo. Quando a gente fazia uma
pergunta, ela pegava o dicionário e olhava. A gente sentava na frente. A gente via por baixo da mesa
o dicionário dela no colo.
Então, o ensino não estava bom nesse momento. O que eu tive no antigo ginasial, na a série,
expoentes como professores, eu não tive no grau (...). Mas eu acho que a gente, ainda, tinha uma
base muito melhor do que a dos outros colégios. Não era ideal, de fato não era, havia muitas falhas,
mas a gente tinha uma boa base. (...) Quando eu estava passando para a última série, em casa, s
chegamos à conclusão que seria melhor fazer um convênio com o Miguel Couto/Bahiense, porque eu
não teria suporte para passar no vestibular. Fui para o Instituto Batista de Ensino, que tinha convênio
com o Miguel Couto, e estudava o dia inteiro (...)” (SHIRLEY L. BRAGA, 2007).
A FAHUPE foi uma idéia que o Vandick teve de criar uma Faculdade do Colégio Pedro II. Mas
parece que esbarrou em alguma legislação e não conseguiu que fosse integrada ao Colégio. Então ele
criou com a sede dentro do Pedro II, criando um aluguel simbólico, a Faculdade de Humanidades
Pedro II, FAHUPE, e procurou desenvolver essa faculdade dentro do Colégio, mas não do Colégio.
Eles criaram um aluguel, provavelmente simbólico, e utilizavam os próprios professores do colégio
que ganhavam como funcionários da FAHUPE. Eu acho que a FAHUPE não tem uma ligação com o
esvaziamento do Colégio. Foi a incompetência do Vandick como administrador.
Quando o Tito recebeu o Colégio ele estava reduzido a quase nada. Havia concurso de admissão em
que não era preenchido o mero de vagas porque foi se desmanchando, se desvalorizando, se
perdendo o conceito que tinha.
Em pouco tempo o Tito conseguiu reverter essa situação. Chamou o Choeri que estava um pouco
afastado do Colégio. Ele sempre esteve muito afastado do Pedro II por causa da UERJ, onde ele
continuou. E o Tito entregou ao Choeri a Secretaria de Ensino. O Tito era um homem
inteligentíssimo, tão inteligente que gostava de se cercar de pessoas que pudessem ser mais que ele.
A pessoa inteligente tem capacidade, o burro se agarra a suas opiniões e não consegue se afastar
disso. O inteligente não: quando chega uma pessoa e mostra, ele tem capacidade de mudar.
O Tito chamou o Choeri, e ele ficou feliz da vida com isso, porque realmente queria a reformar a
situação do Colégio (...) (CLOVIS MONTEIRO FILHO, 2007).
(...) O grupo militar nunca fez pressão sobre o Pedro II e nem sobre as universidades, eu digo isso
porque fui sub-reitor e era o secretário executivo da minha universidade. Eles perguntavam o
seguinte: “fulano de tal é aluno desta Universidade?” Cabia você dizer sim ou não.
Aqui no Pedro II ninguém foi cassado pela revolução sendo do Pedro II. Foram cassados por
atuações fora. Bayard Demaria Boiteux era professor aqui, foi cassado por motivos de fora e
outros professores também. O Prof. Robespierre Martins ficou. O Vandick apesar de ser um homem
conservador não fez perseguição política aqui.
As leis 5.540/69 e 5.692/71 foram aprovadas. E foi um grupo civil, da fina flor da intelectualidade
da Educação que estavam em sua elaboração. Foram eles que fizeram.
Ocorreu então que a Lei de Diretrizes e Base foi para o “beleléu” e a 5692 que deveria ter sido
promulgada primeiro, foi depois da Universitária. A 5692 introduz o o Primeiro Grau e o Segundo
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Grau. O Primeiro Grau era constituído de dois segmentos contínuos e o Segundo Grau era o que era
o antigo Científico. Ela proibiu o exame de admissão porque dava evasão de aluno. Não foi a
“milicada” não, foi pedagogo que fez isso. Essa turma toda que depois fica botando o dedo contra a
revolução.
Acontece que o Pedro II não podia fazer o exame de admissão, porque não tinha o primário, não
tinha o primeiro segmento, só tinha o segundo segmento de quinta a oitava. Assim, começou. No ano
seguinte não tinha quinta série, depois não tinha a sexta e a sétima, quando nós assumimos estava a
oitava série com meia dúzia de alunos. Este fator foi um fator que trouxe sérios danos à educação.
Quando eu assumi como Secretário de Ensino do Tito, estavam estruturadas todas as habilitações
profissionais. Foi o Vandick que as preparou. que faziam habilitações para exame de sangue
clínico. E o que tinha de aluno fazendo isso. Todos os laboratórios do Brasil não conseguiriam dar
empregos a esse pessoal.
Puseram o curso de intérprete. Ora o intérprete é uma especialização pós-universitária. Então o título
de intérprete era uma porcaria, não sabiam nem falar a língua que iriam interpretar, por a fora.
Agora, o que o Vandick fez foi atender à reforma 5.692 de maneira que ele exauriu todas as
habilitações, mas sem ter uma visão diacrônica e sincrônica. Outro fator foi ter criado a FAHUPE (a
Faculdade de Humanidades Pedro II) que desviou a atenção.
Em momento algum a revolução me perguntou que eu deixava de fazer ou não fazer. Ela foi positiva
sob alguns aspectos e negativas em outros. Se acautele. A revolução não impôs nada na área da
educação, quem gerou tudo foram professores.
O Pedro II eu precisava restaurar. Eu levantei a tese de que o Colégio Pedro II não tem que ser
modelo da educação, mas paradigma da educação pública de massa e de qualidade.
Então eu precisava dar um impulso ao Pedro II e reuni os professores no Primeiro Encontro
Pedagógico. Então eu implantei o projeto piloto e fui crescendo até alcançar aqui.
Eu usei um subterfúgio. Eu sei que nós brasileiros somos animais semânticos gostamos de reformas
semânticas. Então eu criei um slogan O Novo Velho Pedro II”. Novo no sentido de incorporar tudo
o que é de Ciência e Tecnologia e colocar a serviço da Pedagogia e velho para não perder suas
tradições.
Peguei 580 professores fora de sala de aula. A grade curricular não chagava a 20 horas semanais, e
eu botei para 32 tempos. Português era dado em duas ou três horas de aula. Eu botei para quatro ou
cinco, para poder botar o professor em sala de aula.
Deixei a diretriz, o objetivo a ser atingido. A estratégia cabia ao núcleo dirigente. Agora, a tática
cabia a quem ia trabalhar. Então eu não interferi. Disse como os programas teriam que ser elaborados
em unidades didáticas, mas quem fez foi o departamento.
Ao invés de eu deixar os departamentos aglutinados eu distribui os departamentos, por causa do
número de professores que cada um abrigava, e fiz a representação departamental e a representação
de coordenação. Eu consegui fazer a democratização sem fazer “oba-oba”.
Eu procurei a Secretaria de Educação do Município. Fizemos um convênio com eles, o Tito me
autorizou, para receber os alunos concluintes da quarta série que quisessem continuar seus estudos no
Pedro II, não precisava fazer admissão, eu não fiz admissão, quer dizer, semântica. Como houve
corrupção no município estavam vendendo vagas nós restabelecemos o exame de seleção para
continuidade. Era só para continuidade e resolvemos o problema.
Foi que o Pedro II sofreu uma distensão vertical e o grande segredo foi a cobrança do processo
ensino-aprendizagem. Eu transformei em cinco provas, sendo três livres para o professor aplicar e
duas do Departamento, as PUs (Provas Únicas). Isso deu uma unidade ao Colégio, porque não tinha
programa.
Quando eu fiz o Segundo Encontro Pedagógico eu coloquei outro slogan, em vez de ser O Novo
Velho Pedro II”, foi “O Futuro Velho Pedro II”: que Pedro II nós queremos para o ano 2000?
Em linhas gerais foi isso” (WILSON CHOERI, 2007).
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1.3.2 Vozes da memória - no dia do Golpe
O dia do golpe foi vivenciado de formas diferentes pelos alunos entrevistados. Aqui
mostramos quatro depoimentos que refletem o sentimento de uma geração de jovens que
tiveram seus sonhos abruptamente interrompidos. As imagens ainda estão arraigadas na retina
de seus olhos como testemunhas das violências. A memória do dia do golpe é atravessada por
sensações – de estranhamento, de ansiedade, de perda, de frustração. Simultaneamente, a
experiência do dia é visual, corporal, emocional. Diferenciadas em ambientes vistos de forma
diferente o colégio e a comemoração, as ruas e o povo nos ônibus, a sede da UNE e as
chamas ou algo que se passa somente no próprio corpo o aborto vs. o êxtase, a expectativa
interrompida, o rastejar no chão da própria casa.
“Mal terminei o colégio, entro na Faculdade Nacional de Filosofia que era o centro da agitação do
movimento estudantil universitário, na Rua Antonio Carlos, do lado da Maison. Logo que passei
comecei a freqüentar. Eu disse que parei um ano, mas eu não parei um ano. Eu freqüentei, mas ao
longo do curso eu parei de ir à aula, meu pai queria que eu fosse engenheiro, eu fiquei fazendo curso
vestibular, aí me atrapalhava, e eu parei. Eu nem tranquei matricula, eu parei.
Entrei pra faculdade e veio o golpe. Eu acho que não tinha nem 15 dias de aula, e veio o golpe. No dia
do golpe meu pai botou um casaco, e ele tinha uma 45 e uma 38. Aí eu me lembro dele me ensinando a
atirar. Ele queimou livros e ele me ensinando a atirar, rastejando no chão, mostrando como se
rastejava, e eu ali todo pronto.
Quando ele terminou, eu disse assim: “então agora me entrega a pistola...” porque eu queria atender o
chamado da UNE, porque ela estava chamando pra ir pra faculdade de Direito. Pra fazer resistência. E
ele disse “não eu não vou te dar”, e eu saí. Saí sem arma pra tentar ir pra cidade, do Engenho Novo
ao Méier não consegui nenhuma condução, eu via passar caminhões com trabalhadores gritando
“Jango, Jango!”. estou eu na Dias da Cruz não tinha condução, eu desisti. Então o participei”
(FRANCÍLIO P. LEME, 2007).
“Eu entrei no Pedro II em 1964. Eu lembro muito do dia do golpe, que os meninos estavam todos
felizes, no dia 31 de março, comemorando, e eu me sentia um pouco na contra mão, porque o meu pai
era de esquerda, gostava do governo do Jango. Mas os meninos tinham sido tomados pela euforia do
golpe, não sei porquê, nem como. O golpe foi comemorado no Pedro II. E eu muito quietinho, era
muito tímido, muito novo também, tinha 13 anos, fiquei com uma primeira impressão meio agressiva
do colégio, poucos meses depois de entrar. Mas a entrada no colégio foi bastante chocante, porque
conheci a Zona Norte do Rio, conheci um outro mundo. Eu nasci e fui criado no Flamengo, até os 12
anos vivi naquele grupinho, escola primária perto de casa, uma coisa muito protegida, familiar. E o
Pedro II era um colégio com 2 mil alunos, todo tipo de gente, todo tipo de origem, todo tipo de
consciência, de ética, tinha de tudo, era um bom mostruário do que era o Rio de Janeiro. E foi muito
difícil me adaptar. Depois com esse episódio de 31 de março, de abril, com todo mundo
comemorando, eu me senti ainda mais diferente, estranho àquele mundo” (ARI ROITMAN, 2007).
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“Eu freqüentava muito a UNE nesse período, mesmo sendo estudante secundarista, porque eu era
muito engajado, me politizei quase sozinho, lia os jornais do Partido Comunista, e como não podia ler
em casa, parava numa esquina e ficava lendo. Eu era tratado com uma certa condescendência pelos
mais velhos, porque visto como um garoto secundarista que estava se engajando no movimento
estudantil, mas era um engajamento político que não passava pelo Pedro II. Obviamente que depois do
golpe de 64 já estava com mais idade, mais amadurecido, e passei a canalizar isso para dentro do Pedro
II, numa certa politização que era muitas vezes em sala de aula, do aluno que era rebelde, que discutia
com o professor. Vivi o golpe um pouco na rua, tentando ver a resistência. Acompanhei na Cinelândia
o cerco às tropas militares que foram expulsar os militantes, e voltando para casa de carona, vi a sede
da UNE em chamas” (MAURICIO D. DAVID, 2007)
“Antes da 64, a gente pensava que ia mudar o mundo. E acreditava, acreditava mesmo. E quando
também o movimento de jovens começou a pipocar no mundo todo, no Brasil começou antes, era
como se confirmasse o papel da nossa geração, que era virar a mesa.
E a gente achava que depois, que parece que a coisa está efervescendo, que daria chance da gente dar
aquela continuidade. Mas, foi interrompida foi abortada.
Eu acho que foi muito difícil para essa geração que hoje tem a minha idade, porque a gente entrou nos
vinte anos, com a certeza de uma coisa que ia acontecer e que estava nas nossas mãos, e que era a
gente para virar aquilo. E ninguém se sentia herói. É interessante isso. Era uma coisa natural exercer o
papel que cabia a nós.
Quando acontece o golpe foi muito terrível. O que tinha de direita nesse país, que nem se mostrava,
que entrava em êxtase” (MIRIAN CAVALCANTI, 2007).
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CAPÍTULO 2: O SILÊNCIO COMO ESTRATÉGIA DE SUBORDINAÇÃO
“Durante o período militar o Estado brasileiro não se desinteressou pela educação. O seu interesse
se manifestou, primeiramente, através da repressão a professores e alunos indesejáveis ao regime
através do controle político e ideológico do ensino, visando à eliminação do exercício da crítica
social e política para obter a adesão de segmentos sociais cada vez mais amplos para seu projeto de
dominação” (GERMANO, 1993:126).
No âmbito do Colégio Pedro II, o controle político e ideológico realizou-se através de
interferências diretas no setor administrativo, de forma indireta, nas relações interpessoais e
nas concepções pedagógicas.
Através de documentos, encontrados nos arquivos do Departamento Pessoal do CPII,
do NUDOM (Núcleo de Documentação e Memória do CPII) e do APERJ (Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro), pudemos acompanhar as formas de exercício do controle, os
métodos de vigilância e a repressão aos servidores e alunos que se opunham ao regime militar
ou se engajavam nas diversas lutas que foram sendo organizadas pelos movimentos contra a
ditadura e pelo movimento estudantil.
Na primeira parte, relacionamos a lógica da repressão baseada na doutrina de
Segurança Nacional vigente no período, juntamente com as posições específicas do Diretor
Geral Vandick Londres da Nóbrega e do grupo que o acompanhou no comando do CPII entre
1964 e 1979. O que se verifica é uma confluência nas formulações e nas práticas repressivas
que são resultado da estrutura de vigilância e controle formada pelos governos ditatoriais,
mas que não podem ser entendidos sem levar em conta a adesão local, nos círculos interiores
do CPII, às políticas e ações da Ditadura Militar.
Na segunda parte deste capítulo, nos dedicamos às maneiras como se iniciaram no
Colégio a reorganização administrativa e o processo de operação limpeza
43
de acordo com as
determinações do primeiro Ato Institucional, nos primeiros anos da ditadura militar. Para isso
utilizamos documentos oficiais do Colégio, como ofícios, portarias, fichas funcionais e atas
das reuniões do Conselho Departamental.
Na terceira parte, trataremos mais especificamente dos mecanismos de vigilância e de
controle utilizados no CPII, através da análise dos documentos do Fundo de Polícia Política,
principalmente do DOPS, arquivados no APERJ.
43
“Operação Limpeza” era o codinome que os militares davam as medidas utilizadas para dar ao Estado o
controle sobre áreas políticas, militares, e psico-sociais. A partir do primeiro Ato Institucional, o governo Castelo
Branco baixou o Decreto-Lei instituindo os IPMs e, em seguida as Comissões Gerais de Inquérito, para
investigar o envolvimento, em alguma atividade subversiva”, de funcionários públicos em todos os níveis e
instituições governamentais. A decisão final e a punição deveriam ser publicadas no Diário Oficial da União ou
dos Estados ou municipalidades.(ALVES, M. Helena M.1984, p.56 e 57).
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Encerramos este capítulo com depoimentos que relatam como os mecanismos de
controle agiam no dia-a-dia do Colégio, com lembranças e informações sobre os alunos que
foram mortos pelos órgãos de repressão na década de 1970.
2.1. Silenciando por segurança
Segundo Eliezer R. de Oliveira (1976: 19-23), a criação da Escola Superior de Guerra
(ESG) está intimamente associada à participação do Brasil na II Guerra Mundial e ao debate
sobre a exploração do petróleo o que acarretou a divisão política no interior das Forças
Armadas. Um setor do corpo de oficiais formulou um ideário nacionalista de
desenvolvimento econômico auto-sustentado. Essa corrente dirigia a sua atuação, fora do
Estado, para a mobilização da opinião pública. Por outro lado, uma segunda corrente, de
oficiais vinculados a ESG, trabalhava no sentido de reforçar a presença política do militar no
aparelho de Estado.
A ESG foi criada por meio de um Decreto baixado no Governo Dutra, em 1949, e sua
implantação e organização baseou-se nas experiências norte-americana, inglesa e francesa. O
objetivo central da ESG era o de formar quadros militares e civis, de alto nível, para exercer a
funções de direção e planejamento da Segurança Nacional, formulando a política da
segurança nacional e desenvolvimento.
“Até 1975, a ESG havia instruído 1294 civis e 1621 militares, ao passo que a ADESG, a
associação de ex-alunos da ESG, difundira sua doutrina entre mais de 25.000 civis e militares.
Além disso, a ESG e a ADESG introduziram seus textos como material básico de estudo em outros
centros militares de treinamento e educação, assim como em cursos civis, principalmente nos
programas universitários de educação cívica”(DREIFUSS, 1981: 80).
Desse modo, a ESG constitui, com a criação do Curso Superior de Guerra, um
aparelho ideológico no interior das Forças Armadas, tendo como objetivo principal garantir a
ideologia embutida na ideologia da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento que
tinha como meta desenvolver um modelo econômico favorável à entrada do capital
estrangeiro. Para isso, foi imprescindível a colaboração do Instituto de Pesquisa e Estudos
Sociais (IPES) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), instituições civis
sustentadas por empresários interessados em derrubar o governo João Goulart e dar
continuidade ao modelo conservador de desenvolvimento que se iniciara na década de 1950.
Segundo Maria Helena Moreira Alves, a Doutrina de Segurança Nacional era um
“abrangente corpo teórico constituído de elementos ideológicos e de diretrizes para
{
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}
infiltração, coleta de informações e planejamento político econômico de programas
governamentais” (1984: 35), permitindo planejamentos periódicos.
Os aparelhos repressivos criados sob os preceitos da ESG foram tidos como
necessários por considerarem que as “forças do comunismo planeja[vam] cuidadosamente e
monta[vam] campanhas de propaganda e outras formas de manipulação ideológica” para
atingir o “país-alvo” através da sua “estratégia da ação indireta”. Com esse discurso, os
teóricos da DSN desenvolveram o conceito de Segurança Interna, utilizando todas as medidas
para conter qualquer tipo de antagonismo ou pressão dentro das fronteiras nacionais e
combater aqueles que eram por eles identificados como “inimigos internos”.
Com a criação do Serviço Nacional de Informações, através da Lei 4.341, de 13 de
junho de 1964, cujo Artigo estabeleceu que o “Serviço Nacional de Informações t[inha]
por finalidade superintender e coordenar, em todo o território nacional, as atividades de
informação contra-informação, em particular as que interessem à Segurança Nacional”,
iniciou-se a montagem do sistema de informações com a criação da Comissão Geral de
Inquérito, com as instalações de Inquéritos Policial-Militares que foram responsáveis por um
verdadeiro “caça às bruxas” na primeira fase da ditadura.
Vários órgãos do estado foram submetidos à operação limpeza, que poderia acontecer
através de instalações de comissões de inquérito que investigavam os suspeitos de subversão
e, como represália, poderia haver substituições de funcionários, principalmente das chefias,
demissões, cassações e prisões. As medidas utilizadas pelos diversos setores de segurança
tinham o objetivo, no primeiro momento, ede combater os movimentos contrários ao regime
recém instaurado e de consolidar a ideologia da segurança nacional.
No âmbito do Colégio Pedro II, no mesmo mês de abril de 1964, foi nomeado,
diretamente pelo Presidente Humberto Castello Branco, o Prof. Vandick L da Nóbrega
44
para
exercer o cargo de Diretor do Internato. O Prof. Vandick defendia ideais conservadores e,
44
Vandick Londres da brega nasceu em João Pessoa, em 1918. Fez o curso secundário no Liceu Paraibano e
no Colégio Diocesano Pio X, na Paraíba, onde adquiriu uma formação sob as concepções católicas dos Padres
Maristas. Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito de Recife, de cujo Diretório
Acadêmico foi presidente por duas vezes. Vandick iniciou sua carreira no serviço público desempenhando a
função de Inspetor Federal de Ensino, de 1939 a 1942, em Recife, em Santos e em São Paulo. Nessa ocasião,
publicou uma série de artigos no jornal “O Estado de São Paulo” sob o Pseudônimo Londinium e sua primeira
publicação sobre Latim. Embora não tenha seguido o caminho da política, se envolvia em movimentos políticos
como a campanha de José Américo de Almeida para presidente, e sempre escreveu artigos ou proferiu discursos
posicionando-se politicamente.
Amigo pessoal de Jânio Quadros, participou de sua campanha para presidente e esteve sempre atento a seus atos
políticos. Tal relacionamento resultou no interesse de fazer uma investigação sobre os motivos que o levaram a
renunciar à presidência da Republica, publicada em 1982 sob o título “A Grandeza da Renúncia na Voz da
História”, sendo sua última publicação.
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}
apesar de se considerar de centro, desde a época de estudante apresentava uma nítida
tendência à direita. Como podemos conferir a partir da conferência na Faculdade de Direito
de Recife, em 1938, na qual ele se refere aos comunistas como um inimigo ameaçador:
[t]emos o inimigo às portas, e é preciso muito cuidado para que não haja exterminação da
nossa civilização”.
Apresentando a tese “A Arte Poética de Horácio” iniciou a carreira no magistério no
Colégio Pedro II como professor de Latim, tornando-se posteriormente professor catedrático
a partir de 1945. Especialista em língua latina, desde os dezenove anos defendeu o ensino de
Latim nos cursos ginasiais ou secundários. Não poupava esforços para valorizá-la em artigos
jornalísticos e publicando livros como “O Latim no Ginásio” (1943), “O Latim do
Vestibular” (1951), “A Presença do Latim” (1962), dentre outras publicações. Para defender
o ensino de Latim chegou até elogiar o ensino da URSS, em 1961, em artigo no jornal O
Globo, criticando a LDBEN/61, que sequer mencionava sua importância.
Foi nomeado Diretor do Colégio Pedro II Internato pelo Presidente Eurico Dutra,
em 1948. Em seu discurso de posse, defendeu o ensino do Latim como disciplina obrigatória
para “evitar males futuros nos estudos de letras”, defendeu o ensino religioso, “mesmo
facultativo e de acordo com a crença de cada um” como solução para os problemas e
necessidades do homem e concluiu que somente através da educação em conjunto com a
instrução religiosa poderia se “combater a doutrina de Marx e vencer o comunismo”. Por fim,
defendeu que a educação deveria ser continuação da família. Vandick exerceu o cargo de
Diretor do Internato até 1958.
Nesse ínterim, foi membro da Comissão Nacional do Livro Didático a partir de 1953,
na qual foi designado para exercer a função de presidente, em 1956, e foi admitido como
professor catedrático de Direito Romano da Faculdade Nacional de Direito, da Universidade
do Brasil, em 1954, além de participar de diversos congressos na Alemanha, na França e no
Chile. Em 1961, foi colocado à disposição do Itamaraty. Durante o Governo João Goulart
ausentou-se do país para participar de congressos e lecionar a disciplina de Direito Romano
na Universidade Livre de Berlim, como professor visitante, até 1963.
Nessa ocasião, integrou o Movimento Popular Jânio Quadros (MPJQ), durante a
campanha eleitoral de Jânio Quadros para presidente, escrevendo diversos artigos na
imprensa defendendo sua candidatura, e, mais tarde, escreveu diversos artigos para o jornal O
Globo analisando a renúncia de Jânio Quadros e criticando o governo do Presidente João
Goulart. Em seu artigo Ao Presidente Goulart, publicado em “O Globo” de 2 de março de
1964, o Prof. Vandick se posiciona contrário aos rumos tomados pelo governo.
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}
Regressando ao Brasil, em 1964, a convite do presidente Humberto de A. Castello
Branco, exerceu funções de confiança, como a de presidente da Comissão Geral de Inquérito,
constituída para apurar atos que o governo chamava de “subversão e de corrupção”. Nesse
mesmo ano, participou da comissão para apurar esses atos na Universidade de Brasília. Em
1964, o Prof. Vandick proferiu uma conferência no Clube Militar por ocasião do aniversário
da “intentona comunista”, em que discorreu sobre o tema com o discurso intitulado “Vitimas
do Comunismo e Mártires da Independência”, o que confirma seu alinhamento ideológico
com os preceitos da ditadura militar.
Durante esse período, o Prof. Vandick foi nomeado para exercer interinamente, nos
impedimentos do Conselheiro Dom Hélder Câmara, as funções de Membro do Conselho
Federal de Educação. Foi novamente Diretor do Colégio Pedro II Internato, designado pelo
Presidente Castello Branco. Em 1967, foi nomeado para exercer as funções de Membro do
Conselho Federal de Educação e foi nomeado, pelo Presidente Castello Branco, para exercer
o cargo de Diretor-Geral do Colégio Pedro II, cargo recém criado.
Para o Prof. Vandick L. da Nóbrega, o golpe militar de 1964 era um movimento
democrático, que tinha como objetivo principal “impedir a disseminação do comunismo
totalitário e ateu”. No período da Ditadura Militar, o Prof. Vandick continuou escrevendo
artigos em diversos jornais da época, principalmente em O Globo. Dentre os artigos
destacam-se aqueles em defesa do movimento militar de 1964 e suas ações, tais como: A
Chamada Lei Suplicy”, publicado em O Globo, de 23/8/1965, Fundação ou Subversão”,
publicado em O Globo, de 3 / 5 / 1966, e O Espírito da Revolução”, publicado em O
Jornal, de 10 /1/ 1969.
Em relação à Lei de Segurança nacional o Prof . Vandick L. da Nóbrega, em um dos
relatórios que enviara ao Governo quando era presidente da Comissão incumbida de apurar
atos de subversão e corrupção no MEC, recomendava o seguinte:
“Submeter à consideração do Senhor Presidente da República a necessidade de enviar Mensagem
ao Congresso Nacional dispositivo que qualifique de crime de Segurança Nacional do Estado os
atos praticados por qualquer pessoa investida de função ou cargo público e que intencionalmente
favoreçam a implantação de indisciplina generalizada dos subordinados contra superiores
hierárquicos, sendo assim considerados os atos que visem, de forma inequívoca, a modificar o
regime democrático estabelecido na Constituição da República”(NOBREGA, 1974: 33)
Em Relação ao AI – 5 o Prof. Vandick se posicionou da seguinte forma:
“As medidas de exceção contidas no Ato Institucional 5 não podem ser apresentadas como
ameaça aos direitos de nossos concidadãos, mas, apenas, como instrumento de defesa do Estado. E
neste sentido tem agido os nossos presidentes, pois se houvessem procedido diferentemente
estariam contrariando os princípios dos quais o Movimento de 1964 se tornou fiador.
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}
Aqueles, cuja atuação não se enquadra como ameaça às nossas instituições democráticas, nada
devem temer, mesmo porque a Revolução de 1964 não foi feita para causar temor, mas confiança
dos brasileiros nos que governam (...) (NOBREGA, 1974: 34).
2.2. O CPII nos primeiros anos da ditadura
Após o golpe militar de 1964, houve, no Colégio Pedro II, logo nos primeiros meses,
mudanças significativas nas diversas Unidades Escolares que constituem o Colégio. Muitos
Diretores foram substituídos imediatamente após o golpe, assim como coordenadores e
membros da Congregação.
O Diretor do Colégio Pedro II Internato, Prof. Helio Carvalho de Oliveira Fontes,
foi imediatamente substituído pelo Prof. Vandick Londres da Nóbrega
45
no cargo de diretor
do Internato.
O Prof. Roberto Accioli, que exercia a função de Diretor do Externato desde 1961, foi
substituído pelo Prof. Carlos Potsch, que era o vice-diretor e assumiu a Direção do Externato
com o intuito de evitar uma intervenção federal”.
46
O Prof. Roberto Accioli era membro do
Conselho Nacional de Educação e presidente do IBGE e, em 1964, prefaciou o livreto
impresso pelo IBGE intitulado “Ação Governamental de João Goulart”, largamente
distribuído no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, o que foi fator decisivo
para sua cassação.
47
Nos primeiros anos, houve também perseguições a professores supostamente
subversivos ou àqueles que tinham se engajado em atividades políticas no governo de João
Goulart ou em atividades sindicais. Alguns deles tiveram que responder a processos em
Inquéritos Policiais Militares. Além disso, ocorreram exonerações e aposentadoria
compulsória ou proporcional de servidores, principalmente professores.
Logo no primeiro mês do Regime Militar, a Direção do Colégio recebeu um aviso do
MEC o qual comunicava a necessidade de se instalar uma Comissão de Inquérito
48
no CPII,
de acordo com o primeiro Ato Institucional
49
. Na reunião do Conselho Departamental, ficou
45
Diário Oficial de 29/04/1964
46
Depoimento do professor Clovis Monteiro Filho, 2007.
47
Informação fornecida pelo Professor Geraldo P. Vieira. Registrada na capa interna do referido livreto.
48
As Comissões de Inquéritos foram instituídas em 14/04/1964 pelo Ato do Comando Supremo da Revolução
8 e pela portaria 1 do Comando Supremo da Revolução. Os objetivos dessas determinações eram facilitar as
diligências e as investigações nas instituições públicas, entidades associativas, sindicatos, etc.(FICO, 2004:
337). Segundo depoimentos dos professores do colégio o Inquérito não levado a efeito.
49
Ato Institucional 1 de 9 de abril de 1964 (conhecido como AI-1). Esse Ato se “destina a assegurar ao novo
governo, a ser instituídos, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e
moral do Brasil” (FICO, P.339) Neste Ato Institucional os artigos 7º e se referem aos atos governamentais
em relação aos servidores públicos. O artigo 8º trata dos inquéritos administrativos e militares. Assinam este ato
institucional o General Arthur Costa e Silva, Tenente Brigadeiro F. A. Correia de Mello, e o Almirante Augusto
Hamann Rademaker Grünewald.
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}
decidido que a mesma seria presidida por um professor catedrático. Nessa ocasião o Prof.
Vandick L. da Nóbrega comunicou “a seus pares que foi designado para presidir a
Comissão Geral de Inquérito do Ministério da Educação, da qual estão excluídos o CPII, o
INES e alguns outros órgãos
50
”.
Apesar de não ter ocorrido o Inquérito no Colégio, nos moldes do Ato Institucional,
alguns servidores do Colégio foram perseguidos por participarem de movimentos políticos.
Muitas vezes, professores e alunos eram retirados de sala e submetidos a interrogatórios.
Investigar os servidores tornou-se corriqueiro. Desde os primeiros meses, o Serviço de
Segurança Nacional (SSN) enviava ofícios aos diretores solicitando informações sobre
servidores suspeitos de subversão.
Esse foi o caso do professor de filosofia Alberto Coelho de Souza
51
. O SSN enviou
ofício ao diretor solicitando informações a respeito do referido professor de filosofia e de
outros. Houve um período em que o Ministério solicitou que se recebesse, como servidores
do Colégio, funcionários de outros órgãos para “prestarem serviços especializados ao
MEC”.
52
Por ordem do Prof. Vandick, ocorreu também uma tentativa de controle ideológico
através de um “Livro de Denúncias”, iniciativa esta que não obteve êxito, visto que “esse
livro ficou em branco”.
53
Um Inquérito Policial Militar (IPM), de n° 43/64
54
, foi instaurado pelo DOPS em 3 de
junho de 1964, com o objetivo de apurar ações subversivas dos dirigentes do Sindicato dos
Professores do Ensino Secundário, Primário e de Artes do Rio de Janeiro. De acordo com o
relatório referente a esse IPM, o Prof. Helio Marques da Silva
55
, presidente do sindicato dos
professores, e os professores Bayard Demaria Botteux
56
e Robespierre Martins Teixeira
57
50
Ata do Conselho Departamental, abril 1964.
51
O professor Alberto Coelho de Souza foi admitido em 15/3/1960 (Oficio ao Diretor-6/1965, NUDOM) Era
formado em psicologia e era professor de filosofia. Foi professor de filosofia do Engenho Novo até 1964 e de
psicologia no Humaitá até 1969, quando foi aposentado compulsoriamente pelo AI 5 como consta no D.O. de
28/04/1969 e foi excluído da folha de pagamento do Colégio Pedro II a partir de junho do mesmo ano (Ficha do
Departamento de Pessoal, DP-CPII). O professor Alberto participou como conferencista do tema “Como
Atingiremos nossos Objetivos nas Universidades”, no último dia do Fórum de Debates, que foi realizado na
Faculdade de Economia da UFRJ, no período de férias, no mês de julho de 1968. ( Boletim Reservado 63 de
maio /68).
52
Oficio ao Diretor do CP II – Sede de 1965. NUDOM
53
Depoimento Geraldo P. Vieira.
54
Estudantil 23. APERJ.
55
Helio Marques da Silva era professor de História, admitido no CPII em 1960. Foi presidente do Sindicato dos
Professores, foi detido para averiguações em junho de 1964 ficando preso por um mês.Foi cassado em agosto de
1964 e retirado da folha de pagamento do Colégio Pedro II. Foi anistiado em julho de 1980.
56
Bayard Demaria Botteux foi admitido no CPII como professor de Matemática, em 1953. Em 1964, foi
atingido pelo AI 1, através da Comissão Geral de Inquérito do MEC, instaurada em 7/10/64, sendo demitido em
1/11/64, tendo sua demissão revertida em 14/7/80, por ocasião da Anistia. O Prof. Bayard foi aluno do Colégio
{
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}
foram acusados de subversivos. Em virtude dessa acusação, eles foram atingidos pelo Ato
Institucional, sendo alguns meses mais tarde demitidos ou afastados de seus cargos. O Prof.
Hélio Marques da Silva foi cassado em agosto de 1964, depois de ter ficado detido durante
um mês no III Batalhão da Polícia Militar. Nos documentos arquivados no setor de Divisão
de Pessoal do Colégio encontramos registrados estes fatos da seguinte maneira:
“De acordo com o oficio 38 da Comissão Geral de Inquérito, datado de 06/07/1964, o servidor
foi detido para averiguações no período de 05/06/ a 02/07/1964, resultando na sua cassação
conforme o Ato Institucional, pelo período de 01/08/1964 a 14/07/1980”.
O professor de matemática Bayard Demaria Botteux foi demitido do Colégio Pedro II
em 1964.
“O Presidente da República, tendo em vista a sindicância da Comissão Geral de Investigação
resolve demitir o professor de ensino secundário Bayard Demaria Botteux, nível 19, do quadro
permanente do M.E.C. Decreto de 7 de outubro de 1964. D.O. de 8/10/1964”.
Outros foram impedidos de ministrar suas aulas, principalmente professores das
disciplinas relacionadas às humanidades. Foi o caso do professor de história Renato
Azevedo
58
: [a] ditadura militar voltaria sua atenção para ele (...) foi afastado das salas de
aula, alijado do contato com os alunos que tanto o admiravam”.
Em relação aos alunos e às organizações estudantis do Colégio, uma das primeiras
medidas foi interferir nos grêmios das Seções dos Externatos e do Internato. Alguns foram
fechados e somente reabertos em setembro de 1965, quando o Novo Regimento do Grêmio
do CPII-Externato foi aprovado pelo Conselho Departamental
59
e o regimento do Grêmio do
CPII - Internato foi apresentado para ser aprovado, em meados de 1966. Os regimentos
deveriam estar de acordo com as imposições da recém promulgada Lei Suplicy
60
, na qual se
Pedro II, se formando em Bacharel em 1933, fez licenciatura em Matemática na UEG (atual UERJ) em 1947,
Doutor em Ciências pela UEG em 1957, Doutor em ciências Econômicas pela UEG em 1962.Foi aprovado em
vários concursos públicos. Em 1952 foi aprovado para professor de Matemática do colégio Pedro II (4º lugar) e
até 1963 foi professor de varias escolas e da Universidade do Estado da Guanabara, em 1975 1976 foi professor
universitário em Portugal. Começou as atividades políticas quando era aluno do Colégio Pedro II. Em 1938 foi
expulso da Escola Naval por motivos políticos. Lutou contra a ditadura de Vargas. Teve papel atuante na
Campanha da Anistia, em 1946. Participou da campanha “Petróleo é Nosso”.Militou durante mais de 50 anos no
Sindicato dos Professores onde fundou a Folha do Professor. Em 4 de abril de 1967, foi preso em razão de estar
participando da luta armada vinculada a chamada guerrilha do Caparaó e foi demitido de todas as suas funções.
Foi condenado a 12 anos de prisão. Cumpriu três anos de cadeia. Em 1970 foi exilado, voltando ao Brasil em
1979 com a anistia e aqui continuou sua atividade política no PDT (BOITEUX, 1998:118 – 135).
57
Robespierre Martins Teixeira era professor de Matemática do CP II, admitido em 6/3/64. Não foi afastado do
CP II. Foi diretor do Sindicato do Professores e por isso foi acusado de subversivo em 1964.
58
Renato Azevedo foi professor de História e de Geografia e foi Diretor da Seção Norte até 1963. Este fato
consta no livro Ao Pedro II, Tudo ou Nada?, no qual encontramos vários depoimentos de ex-alunos sobre o
professor Renato.
59
Em setembro de 1965, foi aprovado o Novo Regimento do Grêmio do CPII externato. O Regimento foi baixado por
portaria pelo professor Carlos Potsch (Ata do Conselho Departamental, setembro de 1965).
60
A Lei 4.464, a chamada Lei Suplicy, foi promulgada em novembro de 1964.
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}
exigia que as entidades estudantis dos estabelecimentos de ensino médio fossem monitoradas
por algum setor pedagógico.
Nesse período, houve reorganização em rios aspectos. Ao analisarmos as atas das
reuniões do Conselho Departamental pudemos perceber que, desde os primeiros meses do
novo governo, o MEC passava por reformas administrativas, que atingiam diretamente o
Colégio. Em uma das reuniões, houve discussões a esse respeito, na qual o Prof. Vandick fez
explanação sobre o projeto de reforma administrativa do MEC, tendo como um dos pontos
“examinar a posição a ser dada ao CPII
61
. Ele mostrou que havia uma corrente que
desejava incluir o CPII na estrutura da Diretoria do Ensino Secundário e concluiu frisando a
necessidade de reformar o Regimento do CPII.
Em novembro de 1966, o MEC havia proposto reformas no CPII, apesar de estar
em tramitação, no Congresso Nacional, um projeto que concederia autonomia ao Colégio. A
solicitação dos servidores do Colégio para obter autonomia administrativa, didática e
financeira estava sendo discutida desde o final da década de 1950, quando a Congregação
encaminhou um anteprojeto ao presidente Juscelino Kubitschek. Porém, após o golpe militar,
o MEC havia começado a reformular as propostas educacionais do governo anterior,
aprofundando uma tendência privatista de ensino. Nesse contexto, no início do ano letivo de
1965, o Prof. Vandick, como Presidente do Corpo Congregado, propôs a transformação do
Colégio Pedro II em fundação. No prefácio da obra intitulada O Colégio Pedro II e sua
Tradição, o Prof. Vandick indica o futuro do Colégio Pedro II, que entraria em uma nova fase
com a “instituição dos Cursos de Altos Estudos e a esperada criação da Fundação
Educacional Pedro II (...). Será a fase da plena maturidade, a que chegou paulatinamente,
sem precipitações que, muitas vezes, prejudicam a elaboração duma boa obra” (NÓBREGA,
1965: Prefácio).
Essa proposta gerou polêmica nos diversos setores do Colégio, protestos do corpo
discente e, ainda, ultrapassou os seus muros envolvendo, nessa discussão, ex-alunos, ex-
professores e pais de alunos. Aos poucos começaram a se formar, no interior do Colégio, dois
grupos bem definidos: o primeiro formado por aqueles que, na ocasião, estavam no poder, “o
grupo do Vandick”; do outro lado, o grupo que se opunha àquele diretor. Essa divisão se fez
sentir em todas as Seções e todos os setores. Assim, foi se desenhando uma oposição, por
parte de professores, técnicos e alunos, às novas autoridades, pelo fato de que estas
representavam, no âmbito do CPII, o regime ditatorial recém instaurado no Brasil.
61
Ata do Conselho Departamental, 1965.
{
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}
O ano de 1967 iniciou-se com a notícia de um expediente do MEC no qual se
verificava que o CPII deixaria de estar diretamente subordinado ao gabinete do Ministro da
Educação e Cultura, de acordo com a reforma administrativa. Em seguida, o Decreto-Lei
245
62
transformava o Colégio Pedro II em Autarquia Federal, enterrando de vez a
possibilidade da proposta de fundação. Essa notícia foi considerada pelos alunos do Colégio,
e por uma boa parte dos servidores, como uma grande vitória depois de quase dois anos de
mobilização contra as Fundações Educacionais. Porém, esse Decreto-Lei criou o cargo de
Diretor Geral
63
, o qual foi imediatamente ocupado pelo então Diretor do Internato Prof.
Vandick L. da Nóbrega, nomeado diretamente pelo Presidente Humberto Castello Branco.
Com a criação do cargo de Diretor Geral, houve uma centralização do poder nas mãos
do dirigente, o que facilitou o controle e a vigilância interferindo tanto no andamento
pedagógico quanto na relação professor-aluno e nas diversas relações interpessoais. Uma das
primeiras medidas do recém nomeado Diretor Geral Vandick L. da Nóbrega foi designar uma
comissão para elaborar o anteprojeto o Regulamento Geral do Colégio Pedro II
64
, nos termos
de Autarquia. Poucos meses depois, as emendas foram aprovadas e a Congregação redigiu o
texto definitivo. Foi aprovado, por decreto, o Regulamento Geral do CPII, que substituiu o
Regimento de 1962.
A partir de então, o Internato foi extinto e as Seções passaram a ser denominadas de
Unidades Escolares: Externato Bernardo de Vasconcelos (São Cristóvão), ficando a este
subordinadas as Seções Sul e Tijuca, tendo como Diretor o Prof. Haroldo Lisboa da Cunha
65
,
e o Externato Frei de Guadalupe (Centro), ficando a este subordinada a Seção Norte, tendo
como Diretor o Prof. Spencer Daltro de Miranda
66
. Os diretores que foram nomeados para
cada Unidade estavam estreitamente ligados ao governo militar, tinham cursado a Escola
Superior de Guerra e eram afinados com a doutrina adotada pelos militares.
Uma outra etapa de reorganização autoritária do Colégio, durante a gestão do Prof.
Vandick, aconteceu no final do governo Arthur da Costa e Silva, a partir do Ato Institucional
5. O professor de Filosofia do Colégio Pedro II e Técnico Educacional do MEC, Cleantho
Rodrigues de Siqueira, foi aposentado proporcionalmente, com base no Ato Institucional nº 5
(como consta no Diário Oficial de 14/04/6). No trecho do texto de despedida, escrito por seu
62
28/02/67 – transforma o CPII em autarquia e da outras providencias.
63
12/04/67 – Posse do primeiro Diretor Geral do CPII.
64
O Regulamento Geral do Colégio Pedro II foi baixado através da portaria nº 597 de 28 de agosto de 1968.
65
Haroldo Lisboa da Cunha era professor catedrático de Matemática. Fez o Curso Superior de Guerra formando-
se em 1969.
66
Spencer Daltro de Miranda era professor de Física. Fez o curso Superior de Guerra em 1963.
{
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}
irmão Célio R. Siqueira, por ocasião do seu falecimento, em 1996, pudemos ter uma idéia
sobre o motivo de sua aposentadoria compulsória.
“[Cleantho], nos governos Jânio Quadros e João Goulart sofreu perseguições dentro do Ministério
por causa das suas idéias pedagógicas e seus princípios cristãos.(...). (...) quando veio a Revolução
de 1964, o Presidente Castello Branco o convidou para ser Secretario de Educação de Brasília,
cargo que ele ocupou por um tempo. E por acreditar que a revolução fora para valer e que todos os
vitoriosos estavam interessado em dar um bom exemplo, incompatibilizou-se com aproveitadores
influentes e teve que deixar o cargo”.
Segundo um documento intitulado Atos Punitivos
67
, em 1969, os professores Alberto
Coelho de Souza, Roberto Bandeira Accioli e Hélio Marques da Silva, através do Decreto-
Lei de 25/4/69, foram aposentados e retirados da folha de pagamento do Colégio “em virtude
de ter[em] sido atingido[s] pelos atos institucionais e complementares”, segundo consta no
Diário Oficial de 28 de abril de 1969.
2.3. Sob os olhos da repressão
A partir das informações sobre o Colégio Pedro II que obtivemos nos documentos do
Fundo de Polícia Política, verificamos que, mesmo antes do período da ditadura militar, o
Serviço de Informação elaborava documentos para vigiar o CPII, como era feito também com
outras instituições, partidos e movimentos políticos. Durante a ditadura militar, essa
vigilância foi legitimada pela Doutrina de Segurança Nacional.
Através desses documentos, nota-se que a vigilância se exerceu no cotidiano do
Colégio, com denúncias de subversão e com perseguições políticas a alunos e servidores. Em
várias ocasiões, era o próprio Diretor Geral ou os diretores das Unidades que comunicavam à
polícia política ou denunciavam, através de boletins informativos, os alunos, ex-alunos e
servidores do Colégio que estavam envolvidos em ações supostamente subversivas.
Dentre os documentos encontrados nos arquivos do APERJ destacaremos para análise
aqueles que nos ofereceram informações mais detalhadas sobre a movimentação política no
Colégio Pedro II.
O primeiro documento que nos chamou atenção, pelo seu detalhamento, foi um
Boletim Informativo
68
enviado para a Secretaria de Segurança Pública do Estado da
Guanabara com um recado em anexo endereçado ao General Niemayer, que dizia o seguinte:
“Ao General Oswaldo Niemayer Lisboa, com cumprimentos de (Dx).
Envio os seguintes informes em anexo:
67
Secreto, folhas: 100 e 101.
68
Estudantil,01,02,03, folhas: 130-132. APERJ.
{
PAGE
}
1) Boletim Informativo sobre o Movimento Secundarista
2) Circular Nº 1/ 66 da diretoria da AMES
3) Volante distribuído nos estabelecimentos de ensino
4) Circular do sindicato, cujos motivos já cessaram”
Esse Boletim Informativo foi enviado no início de 1966, porém revelava fatos
referentes ao período entre dezembro de 1964 e março de 1966. Segundo o Boletim, desde
dezembro de 1964, os secundaristas se reuniam, principalmente os do Colégio Pedro II -
Sede, para reorganizar o movimento estudantil no Colégio. Eles contavam com a colaboração
direta da extinta AMES
69
(Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas), através
de um aluno do CPII, membro da diretoria dessa entidade, “que possu[ía] antecedentes neste
DOPS, face aos últimos acontecimentos”
70
, e recebiam também influência de militantes
“”esquerdistas” e da Ação Popular (AP), em particular, em virtude de ter sido vitoriosa uma
chapa cujo presidente era um “elemento nitidamente da AP”’
71
. Ainda segundo o boletim, os
alunos do Colégio Pedro II estavam sendo cativados por grupos “esquerdistas” através de
um vasto material de propaganda como as revistas “Mundo Estudantil” e “El Estudiante”,
além de murais e panfletos.
Informa, ainda, que no ano de 1965, teve início a luta contra a transformação do
Colégio em Fundação Educacional. Referindo-se a essa questão, o documento relata às
autoridades da seguinte forma:
“Recentemente eclodiu um movimento de âmbito geral, tendo como ponto de partida elementos do
Colégio Pedro II, que são contrários à transformação do Colégio em Fundação Educacional:
conforme projeto do Conselho Departamental, principalmente, o seu artigo 5º que permite a
participação de firmas particulares na direção da Fundação” “Os alunos marcaram uma assembléia
geral para o dia 20 p.p.( 20/03/66) convocada pela presidente da Associação dos Alunos do CPII
(...)
72
., em que repudiaram totalmente a Fundação. Dias depois foi distribuído nas Seções do CPII
um jornal intitulado “Vanguarda Estudantil”,em que aborda amplamente os acontecimentos
73
.
Uma circular da AMES, 1/66, de 15 de março de 1966
74
, anexada ao Boletim
Informativo, indicava que essa entidade convidara, logo no início do ano, todos os
presidentes dos grêmios para uma reunião organizativa.
69
A Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (AMES) era uma entidade que organizava os estudantes
para lutar em prol das causas estudantis.
70
Estudantil, 01, 02, 03, folhas: 130-132. APERJ.
71
Idem
72
No documento consta o nome da aluna.
73
No capitulo III desta dissertação iremos abordar os acontecimentos através dos registros nos jornais estudantis
publicados pelos alunos do CP II, nesse período.
74
Estudantil, 01, 02,03. APERJ Esse documento foi assinado por três diretores da AMES, dentre os quais um dos
diretores era aluno do CP II. (Esse documento foi enviado pelo DOPS à vários grupos da polícia política com pedido de
providenciar “a infiltração de alguns elementos na reunião (.Px..) o qual nos fornecerá relatório).
{
PAGE
}
“A Junta Governativa da AMES (...) vem pela presente circular, convocar os presidentes dos
Grêmios Colegiais (...) para uma reunião que fará se realizar sábado, dia 19, ás 14horas no
auditório do Jornal Diário de Noticias, situado à Rua Riachuelo 114 para tratar de vários assuntos
referentes a entidade tais como:
a) reorganização;
b) preenchimento de cargos vagos da diretoria e órgãos subsidiários;
c) aprovação do Plano de Trabalho a ser executado até o Congresso Metropolitano que deverá
realizar-se na segunda quinzena do mês de maio”.
Junto à circular citada encontra-se um outro documento do DOPS-SI, SP/24 de
6/4/66 que se refere à circular 01/66 da AMES, a qual pedia “providenciar caso anexo” e
informava:
1) Foram fornecidas 3(três) cópias ao detetive (.Dt.) para disseminação.
2) Foi fornecida uma copia ao Setor Executivo para publicação da nota no Boletim Reservado de
18/3/66.
3) Foi dado conhecimento à Turma Cultural em 18/3/66.
4) Providenciada a infiltração de alguns elementos na reunião, através do professor (.Px.), o qual
nos fornecerá relatório.
5) Fornecida uma cópia da circular anexa à SFA em 6/4/66.
Porém, o mesmo Boletim Informativo revela que esse Congresso foi proibido pelas
autoridades referindo-se ao fato da seguinte forma: “os estudantes tentaram realizar, apesar
de proibido, um congresso, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos”. Na opinião do
informante, os secundaristas pretendiam, no Congresso:
“expor suas reivindicações e compelir os diretores dos colégios a permitir a abertura dos grêmios e
do teatro. Não calcularam a gravidade na realização desse Congresso, no qual seriam alvo de
articulação comunista, ávido por fomentar a articulação de um movimento nacional secundarista.
Foram os componentes da Diretoria da AMES, convidados a dialogar com as autoridades do
DOPS para expor-lhes”.
75
Mais adiante encontramos outro documento
76
, que estava fragmentado, o qual também
trata, dentre outros assuntos, do congresso da AMES de 1966, e revela que alunos do CPII,
junto com alunos de outras instituições públicas de ensino, como o Cap-UFRJ e as Escolas
Técnicas, participaram de reuniões organizativas com secundaristas que militavam em
diversas organizações de esquerda, como Ação Popular (AP) e Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Esses alunos, segundo o documento, participaram de “reuniões no Calabouço que
tratavam da reorganização do Movimento Secundarista e no auditório do Diário de Notícias
onde foram realizadas as reuniões do Conselho Nacional dos Estudantes”, cuja pauta em
relação ao movimento secundarista foi a organização do congresso da AMES e a luta contra
as Fundações Educacionais.
75
Pasta Estudantil, 01, 02, 03.
76
Informações 78, folhas: 225-227. Esse documento, fragmentado, faz parte de um depoimento prestado ao DOPS sob
interrogatório. Constam, neste documento, os nomes dos seis alunos do CP II como sendo militantes do PCB.
{
PAGE
}
Em documentos pouco detalhados denominados Informações SI/SFA, que descrevem
um ato consumado, foi informado que os alunos do Colégio participaram das passeatas
77
que
aconteceram em 1966, em conjunto com os estudantes universitários. Em março, segundo o
documento
78
, houve suspensão das aulas no Colégio Pedro II, a partir das 15 horas, para que
os alunos aderissem à passeata do dia 24 de março, no Rio de Janeiro. Nesse dia, alguns
alunos foram “recolhidos ao xadrez para averiguações, sendo postos em liberdade na mesma
data”. Em setembro, os estudantes do Colégio Pedro II participaram da manifestação na
Faculdade Nacional de Medicina com o Comando Secundarista de Resistência sob a égide
da AMES, Colégio Pedro II e Escola Técnica Nacional
79
”.
Segundo um Informe (tipo de documento endereçado à Policia Política mandando
informações sobre as futuras ações de um grupo de oposição ao governo) da Turma Cultural
da Superintendência Executiva do DOPS, em abril de 1967, houve várias manifestações que
“foram conseqüências de um plano traçado pela extinta UNE”. Foi o caso do dia 27/04/67:
“Desde às 11 horas de hoje, grupos de estudantes estão se concentrando em diversos pontos da
cidade, a pretexto de reivindicar melhorias nas universidades, não pagamento das anuidades, vagas
e reabertura do restaurantes, os estudantes cariocas farão um comício protestando contra o
espancamento sofrido da polícia na última quinta feira, os alunos da Universidade de Brasília.
Para tanto, haverá o comparecimento em massa de alunos de todas as universidades da Guanabara,
além dos colégios Secundários, capitaneados pelo Colégio Pedro II, contando com o apoio do
Instituto de Educação.
O ponto culminante será a queima de uma bandeira dos Estados Unidos. O sistema usado pelos
líderes estudantis, será aquele posto em prática durante a última passeata da F.N.Fi., consistindo
em: esquema de quatro colunas”
80
Durante o ano de 1967, conforme diversos informes enviados para o DOPS, os alunos
do Colégio continuaram mobilizados e participantes da vida política interna e externa ao
Colégio. O Boletim Reservado de 6 de novembro de 1967
81
, sob o título “20º Congresso da
AMES”, dizia que a classe secundarista foi convocada para uma concentração, no dia 8 de
novembro do mesmo ano, na Escola Estadual Orsina da Fonseca, “para homologar o 20º
congresso da entidade clandestina e apresentar, em seguida, os novos dirigentes que atuarão
junto aos grêmios na politização da massa secundarista”.
77
Essas passeatas começaram em março de 1966 nas principais cidades do país, em solidariedade aos estudantes que
foram reprimidos em Minas Gerais no início daquele mês, “culminando com um Dia Nacional de Protesto, dia 22 de
setembro. (Brasil Nunca Mais, p. 133). No Rio de Janeiro esse dia ficou conhecido pelo massacre da Praia Vermelha
quando os PMs invadiram a Faculdade Nacional de Medicina, “ás 3h45 do dia 23,quando o futuro senador Mario
Martins negociava a retirada pacifica dos estudantes”.(POERNER, A. p. 250). Sobre a participação dos alunos do CP II
nessa resistência histórica ver capitulo III.
78
DOPS 85, folha: 93 de 07/66.
79
Informações: 78 de 10/66. DOPS: SI / SFA, 9702 de 19/10/66. Assunto: Subversão na Faculdade de Medicina.
Nesse documento são ainda citados os nomes dos estudantes que mais se destacaram na passeata, dos quais oito eram
secundaristas, sendo três alunos do CP II.
80
Estudantil, 26 e 27 de 27/04/1967. Esquema em anexo.
81
Secreto 90, Boletim Reservado de 6/11/67.
{
PAGE
}
Encontramos vários informes sobre o processo de eleição para a direção do grêmio,
que ocorreu no final daquele ano, tais como: um boletim informativo
82
, analisando a chapa do
CPII - Centro, Unidade e Trabalho (UT) como sendo de esquerda; um documento
apreendido
83
intitulado “Manifesto da Chapa Frente Estudantil de Renovação e Ação –
FERA”, chapa que concorria ao Grêmio do CPII - Engenho Novo; um panfleto do Grêmio
Científico Literário Pedro II – Externato, assinado pelo Movimento Unidade e Trabalho e um
Auto de Prisão em Flagrante
84
de alunos do Colégio Pedro II Centro que estavam
escrevendo nas fachadas do prédio.
Além desses documentos, que tratam diretamente do movimento estudantil interno,
encontramos um Boletim Informativo
85
informando “que os alunos do Colégio Pedro II e de
outras escolas realizaram uma reunião subversiva em Campinhos”. Ainda, referente ao ano
de 1967, o Boletim Reservado 23 do DOPS intitulado Indisciplina no Ensino Médio”, no
qual se faz uma análise de várias escolas públicas e particulares de ensino médio, afirma que
o CPII – Externato passava, em 1967, um período dominado pela subversão, por se encontrar
em condições contrárias às diretrizes educacionais ditadas pelo regime militar. Nesse
Boletim, o informante faz uma análise detalhada de doze folhas sobre o Colégio Pedro II. O
trecho a seguir relata um pouco do que ocorreu no CPII antes e durante a gestão do Prof.
Haroldo Lisboa da Cunha:
Cognominado de “Colégio Pedrão”, o CPII é um dos maiores estabelecimentos de ensino médio
do Estado da Guanabara, possuindo um corpo docente que totaliza seis mil secundaristas,
fracionados em quatro seções, a saber: Seção Centro, Seção Norte, Seção Sul e Seção Tijuca(...)
(...)Em maio de 1967 o colégio foi transformado em autarquia, e, conseqüentemente, surgiu o novo
diretor geral e um diretor para o externato e outro para o internato. Assumia a direção geral o
professor Vandick Londres da Nóbrega do externado o professor Haroldo Lisboa da Cunha, ambos
de magnífica formação moral e intelectual, e perfeitamente identificados com a revolução.
O professor Haroldo enquadrou todos os alunos indisciplinados e os funcionários relapsos. Fechou
várias vezes o grêmio, e puniu severamente alguns diretores dos mesmos. Essa obra, entretanto,
não era vista com bons olhos, por parte dos professores (P1), (P2), (P3) e (P4), porquanto veio
confirmar a existência de negligência por parte deles. Visando a tumultuar a gestão dos novos
diretores, aqueles professores instruíam e incitaram o corpo discente a deflagrar uma greve. Em
agosto de 1967, os alunos alegando excesso de rigor disciplinar, por parte da nova administração,
deflagraram greve, com a conivência do professor (P2) e ampla cobertura da imprensa.
O aluno (A1), Secretário do grêmio, redator chefe do Jornal Reflexo, órgão representativo do
corpo discente foi surpreendido, no interior do gabinete do professor (P2), batendo à máquina uns
documentos subversivos, protestando contra as medidas disciplinares impostas pelo novo diretor
geral. Seria expulso do colégio, mas em se tratar de um filho de um professor da casa foi lhe dado
uma nova oportunidade, concedendo-lhe, apenas transferência para outro colégio.
82
Secreto 90, folhas: 106-109 de 11/67.
83
Estudantil 13, folha: 30 de 11/67.
84
Estudantil, 13, folhas 22-25 de 04/11/67.
85
Terrorista 2, folha: 154 de 1967. Dentre os alunos citados está o nome de Alex de Paula Xavier Pereira, aluno do
Colégio, transferido (expulso) no final do ano letivo de 1968 e assassinado pelo DOI / CODI em 1972.
{
PAGE
}
Os alunos implicados na greve tiveram seus nomes relacionados, a fim de não terem suas
matrículas renovadas em 1968(...).
Os professores acima mencionados viram que o ponto vulnerável da atual administração era o
professor Vandick, Diretor Geral, então, passaram a pressioná-lo.
O Professor Haroldo Lisboa sentiu que suas determinações não estavam sendo cumpridas. As
punições impostas aos alunos foram aos poucos sendo retiradas ou relaxadas. Procurando o Diretor
Geral recebeu respostas evasivas às suas perguntas. Com o desenrolar dos acontecimentos
verificou aquele diretor que o professor Vandick estava sob o domínio dos professores (P2) e (P1),
temerário e acovardado. Diante disso, passou também a ser assediado pelos dois professores, com
ameaças de fazer uso de suas influências políticas.
Em face das grandes pressões, que não permitiam ao professor Haroldo Lisboa da Cunha realizar
um trabalho honesto e honrado, o mesmo renunciou à direção do externato no dia 6/2/1968, o que
trouxe grande alegria ao grupo da subversão e da corrupção. A os alunos subversivos que se
achavam em férias escolares compareceram ao colégio para comemorar o fato, pois a saída do
professor Haroldo Lisboa da Cunha significa a garantia de suas matrículas para 1968
86
.
Em 1968, continuaram as reivindicações estudantis por direito à liberdade, por
melhorias das condições de ensino em todos os níveis e contra todo tipo de violência. As
chamadas “Passeatas dos Cem mil
87
criaram um clima de maior abertura, o qual
proporcionou discussões na sociedade sobre a realidade em que se vivia. Nesse clima, em
julho do mesmo ano, segundo o informe 63 do Boletim Reservado, estudantes secundaristas
de diversos colégios reuniram-se no D.A. da Faculdade de Farmácia da UFRJ para discutir a
organização do movimento secundarista. Como podemos confirmar no documento abaixo:
“(...) Também os secundaristas cariocas convocados pela extinta AMES, reuniram-se no último
sábado no Diretório Acadêmico da Faculdade de Farmácia da UFRJ, na Praia Vermelha.
Compareceram a essa reunião representantes dos seguintes colégios: Colégio Pedro II, internato e
externato: André Maurois, Colégio de Aplicação, Colégio Cristo Rei, Colégio Franco-brasileiro,
Ateneu São Luiz, Escola Técnica e Frente Unida dos Estudantes do Calabouço. Presidiu a reunião
estudante (E1, presidente da extinta AMES), que convocou os estudantes secundaristas para a
sessão de estudos a ser realizada 4ªfeira, dia 17, no externato do Colégio Pedro II, Zona Sul, no
Humaitá, às 14 horas, quando haverá discussão política sobre o movimento estudantil de hoje e
planejamento da movimentação do semestre. A proposta da FUEC para fortalecimento das
delegacias estudantis, criadas durante o último conselho da ex-AMES, o que tem por finalidade
organizar e coordenar o movimento estudantil nos colégios, foi aprovada por 29 votos. Em
princípio ficou decidido que as delegacias deverão manter contatos com todos os estudantes para
discutir nas bases os problemas das lutas estudantis e prepará-los para, no segundo semestre,
participarem da luta sabendo por que estão nas ruas. São três as delegacias criadas pelo conselho
da AMES, e assim apresentadas: Zona Centro, formada pelos representantes do Colégio Pedro II,
Rivadávia Correia e SENAC; Zona Norte,pelos representantes dos colégios Ferreira Viana,
República da Argentina e João Alfredo e Zona Sul, formada pelos representantes dos colégios
Pedro II, André Maurois, Camilo Castello Branco, Rodrigues Alves, Rui Barbosa e Pedro Álvares
Cabral
88
.
86
Boletim Reservado nº 23/68.
87
As Passeatas dos Cem mil aconteceram no dia 26 de junho e no dia 4 de julho de 1968, no Rio de Janeiro. Nas
outras cidades, as passeatas realizadas nesses meses também aglutinaram milhares de pessoas em manifestações
pacíficas.
88
Boletim Reservado, 63 maio / 68. Este informe é constituído por oito paginas datilografada, divididas em três
partes. A primeira parte trata de dois assuntos: do Movimento Universitário, que segundo o informante, estavam
se reunindo para “resolverem as divergências” e Movimento Secundarista. A segunda parte o informante
descreve ações da UME e da UNE contra a ditadura. Na última parte uma informação completa sobre a
programação do Fórum de Debate da Faculdade de Economia da UFRJ.
{
PAGE
}
No dia 18 de julho, “os alunos do CPII sede, em assembléia geral realizada hoje,
decidiram deflagrar, amanhã, às 10 horas, uma greve (...)”
89
para reivindicarem mais verba
para a educação, com o objetivo de melhorar a manutenção dos trabalhos escolares, pagar
melhor aos professores e repudiar a proposta de Fundações Educacionais.
“Os alunos do CPII deflagraram greve parcial em todas secções, a partir das 8 horas e 30 minutos
de hoje (...). Espera-se para dentro de poucas horas a adesão completa ao movimento encabeçado
pela Sede (...).
Segundo consta, em virtude dos últimos acontecimentos estudantis, os alunos, de todas as secções,
terão férias antecipadas. Os coordenadores da greve tiveram seus nomes fichados
90
.
No segundo semestre do ano letivo de 1968, os alunos do CPII participaram de
diversos protestos e manifestações organizadas pelos grêmios do Colégio em conjunto com as
entidades estudantis. Os informes selecionados abaixo constituem uma amostra dos tipos de
reivindicações feitas pelos alunos:
- melhores condições de estudos;
Existe clima de inquietação no Colégio Pedro II, Secção Norte, na B. do Bom Retiro 726, pelo
descontentamento de seus alunos e responsáveis, e, isto em virtude de irregularidades apontadas
como sejam: reinício tarde das aulas ( semestre) e a falta de professores. Segundo consta, os
professores contratados foram dispensados pela direção geral deste educandário, restando somente
os catedráticos
91
.
- qualidade de ensino e mais verbas para a educação, como podemos confirmar no Boletim
Reservado intitulado “Estudantil - Perturbações no CPII - Sede”.
Cerca das 18:00 de ontem, alunos do CPII – externato-sede, em grupos, tentaram invadir a sede do
estabelecimento de ensino, localizada na Av. Marechal Floriano, que estava fechado por motivos
de falta de água, segundo constava alguns dos alunos ali presente, como a mando da Diretoria para
esvaziar a assembléia marcada para o mesmo dia, naquela hora e local.
Com a chegada de um choque da PMEG, os alunos começaram a se dispersar pacificamente e às
20 horas, retirou-se do local o referido choque, quando então restavam apenas alguns alunos que
finalmente abandonaram as imediações do Colégio às 20 horas e 30 minutos.
No local foram arrecadados exemplares de um panfleto mimeografado, em que os alunos eram
concitados a lutar contra as Fundações Educacionais, a boicotar as anuidades escolares, e exigir
por “uma cultura com base voltada para a realidade brasileira”.
Foram, ainda, ali arrecadados faixas e cartazes, sendo os seguintes os dizeres destes últimos:
“Colégio fechado é o dialogo da Direção Geral”; “Exigimos currículos adequados”; “Participação
na luta estudantil fortalece cada vez mais as nossas entidades”; “Mais verbas menos balas”;
“Exigimos grêmios livres”; “Vemos mais uma manobra da Direção Geral”(...) A nossa
assembléia não foi permitida. Não faz mal. Nós a faremos na rua juntamente com o povo”; CPII
AMES UBES Pelo calabouço, pela divisão curricular, contra as anuidades”; CPII contra as
Fundações”
92
.
89
Boletim Reservado nº 47/68.
90
Boletim Reservado nº 52/68.
91
Boletim Reservado nº 70/68.
92
Boletim Reservado nº 77/68.
{
PAGE
}
Essas manifestações foram de imediato reprimidas pela Direção Geral que ordenou o
fechamento dos Grêmios, o que acarretou no arrombamento, por parte dos alunos, da sala do
Grêmio do CPII São Cristóvão. Na mesma semana, alunos do CPII – São Cristóvão,
segundo o Registro de Ocorrências nº 729 da Secretaria de Segurança Pública, foram prestar
depoimentos. Um informe sobre um dos alunos detidos exemplifica o ocorrido: “o aluno
(A1)
93
do CPII São Cristóvão... era um dos alunos que lideravam o movimento estudantil
naquele Colégio. Inclusive participou do arrombamento da porta do Grêmio. Fato ocorrido
dia 16/10/68. O aluno (A1) era, segundo essa informação, militante do Núcleo Marxista-
Leninista – NML e da VPR e freqüentava as assembléias da AMES desde 1967”.
94
O documento da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Guanabara intitulado
“aspecto fotográfico da invasão e depredação ocorrida no Colégio Pedro II Seção São
Cristóvão no dia 16/10/1968”
95
mostra o interior da sala do grêmio, onde aparecem as
paredes com cartazes sobre luta armada e uma foto de Che Guevara. Na mesma fotografia,
aparece o Diretor do Colégio apontando para as paredes. Nessa ocasião, foram apreendidos
vários materiais do grêmio, inclusive um mimeógrafo. Essa atitude gerou revolta nos alunos
deflagrando uma greve que perdurou uns dez dias
96
.
Muitos alunos ficaram marcados por terem participado de movimentos de oposição
ao governo militar, o que acarretou a “transferência” de alguns para as diferentes Seções ou
para outras instituições de ensino, por não poderem renovar suas matrículas no ano seguinte.
O informe do Boletim Reservado nº 3 / 69 a seguir nos mostra como isso aconteceu:
O Diretor do CPII Sessão Externato, o professor (P1), alegando determinações de autoridades
superiores, de acordo com o Regulamento Interno do Estabelecimento, informou que cerca de 100
(cem) alunos serão impedidos de renovar suas matrículas na escola, por estarem envolvidos nos
movimentos estudantis do ano passado, que perturbaram a ordem interna do Colégio.
Esclareceu o professor (P1) que não se trata de expulsão, o que impediria de requerer matrícula em
qualquer outro colégio do Brasil, mas houve impedimento para a renovação de matrícula naquele
ano. Tendo “os indesejáveis” o direito de levar consigo um documento válido como
transferência
97
.
O ano letivo de 1969 iniciou-se sob a égide do Ato Institucional 5, baixado no dia
13 de dezembro de 1968. Seu impacto se fez sentir no Colégio, através das transferências dos
alunos “indisciplinados” e da demissão de alguns docentes, por terem sido atingidos pelo AI-
5. O famigerado ato considerava que todos esses fatos perturbadores da ordem são
93
O aluno citado neste documento foi expulso do Colégio, em 1968 e em 1973 foi acusado por um promotor,
junto com outras 21 pessoas, de exercer atividades subversivas (Jornal do Brasil de 15/8/73 Comunismo:
118/119 fl.193).
94
Informação, 156 folhas: 235 e 234 de 10/68 e Secreto, 41 folhas: 314-319 de 04/69.
95
DOPS 121 folha: 131. Documento em anexo.
96
Mais informações sobre esse episódio nos depoimentos.
97
Boletim Reservado nº 3/69.
{
PAGE
}
contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que
por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo a adotarem as providências necessárias,
que evitem sua destruição” (FICO, 2004: 382).
A partir dessa ótica, depois de o recém instituído Governo ter consultado o Conselho
de Segurança Nacional, o Brasil entrava em outro período de repressão, no qual se
institucionalizou qualquer tipo de violência. Com o AI 5 e o Decreto-Lei 477, o silêncio
substituiu os gritos de protestos, facilitando as implantações das políticas impostas pelo
regime vigente.
“A repressão desencadeou uma violência que teve como conseqüência a perseguição de centenas
de militantes e estudantes, a cassação de vários políticos, a expulsão e exílio de outros tantos.
Muitos foram torturados e assassinados. (...) Desespero e apatia foram os dois componentes do
efeito da repressão nas escolas e nas universidades. Entre o desespero e a apatia caminhavam
professores e estudantes que buscavam resguardar a dignidade de sua situação, possível num
ambiente de liberdades democráticas” (CUNHA, 2002:40).
Podemos observar, a partir de 1969, nos documentos da Polícia Política, que os nomes
dos alunos
98
e servidores do Colégio, que antes apareciam nos informes sobre o Movimento
Estudantil direcionados aos departamentos de investigação, passavam agora a constar em
documentos ligados ao Exército ou à Marinha, arquivados na sua maioria nos seguintes
setores: Secreto, Comunismo, Terrorismo, Alvarás ou Confidencial.
Esses documentos tratavam de assuntos de competência militar por infringir o
“Decreto-Lei nº 898/69 - Lei de Segurança Nacional” e deveriam ser encaminhados ao I
Exército a que compete solucioná-los, e encaminhá-los a auditoria da Marinha da
CJM
99
, na forma da Legislação vigente
100
”. A solução geralmente era “decretar a prisão
101
No Colégio Pedro II, o Diretor Geral inaugura a década de 1970, distribuindo prêmios
aos alunos afinados com a ideologia vigente. Segundo o documento do Serviço Nacional de
Informação 58 /71, o Diretor Geral, através da Portaria 54
102
, de 9 de junho de 1970,
promoveu o concurso temático na Faculdade de Humanidades Colégio Pedro II (FAHUPE):
“A revolução de 64 julgada pelos estudantes de 70”. O aluno da FAHUPE (A9) Foi o
colocado ao apresentar o trabalho intitulado “A Revolução Brasileira de 1964”. “Ele ganhou
como prêmio uma viagem a Manaus, em agosto de 1970, pelo presidente Médici”.
98
Muitos desses alunos se tornaram ex-alunos do Colégio, a partir de 1969. Outros já tinham saído do Colégio
nos anos anteriores.
99
Circunscrição Judiciária Militar (Brasil Nunca Mais, 1986: 277)
100
Comunismo 126 folha: 117. Neste documento consta a decretação de prisão do ex-aluno Marcos Nonato da Fonseca
que foi “transferido” do CPII em 1969 e em 1972 foi assassinado pelo DOI-CODI/SP.
101
Essa foi a solução que encontraram para muitos alunos. Ver depoimentos.
102
Essa Portaria designou para compor a comissão julgadora quatro professores do Colégio e um Coronel.
{
PAGE
}
Esse mesmo documento informa que o “aluno (A9) ingressou no Colégio Pedro II
Centro, em 1961, cursou até o ano ginasial. Em 1965 e 1966 cursou a escola preparatória
de cadetes e retornou ao CPII em 1967 onde terminou o científico (engenharia) (...) e
concluiu, na FAHUPE, em 1973, seus estudos”. Esse mesmo aluno apareceu em outro
informe de 1967
103
assim: “Foi um dos estudantes que constituiu a chapa de esquerda
candidata à diretoria do Grêmio Científico e Literário do Colégio Pedro II – Sede”.
Em 1973, o Diretor Geral promoveu outro concurso temático, através da portaria
85
104
, de 12 de junho de 1973: “A revolução de 64 e a integração nacional”. O mesmo aluno
(A9) ganhou o 5º lugar ao apresentar o trabalho intitulado “A Revolução de 1964 e a
Juventude”. Esses trabalhos eram editados pela FAHUPE
105
.
O Colégio continuava sendo vigiado. Qualquer manifestação era comunicada aos
Setores de Informações. O que se confirma ao encontrarmos no APERJ diversos informes
que indicavam denúncias feitas a partir do Colégio. Na folha 206 da pasta DOPS 152,
anexado no informe uma parte do Jornal do Professor, de julho de 1971, onde um artigo
intitulado “Professores do Pedro II reclamam tratamento de acordo com a Lei”, no qual os
funcionários, reclamam das irregularidades administrativas do Colégio, sob diversos
aspectos, como podemos confirmar no artigo abaixo:
“(...)
um grupo de servidores do educandário reclamam contra uma série de atos que chamam
de“irregularidades administrativas do Colégio”.(...) [É] elevado o número de turmas (...) que não
contam com professores para a ministração das aulas. (...) com a aposentadoria e demissão de
diversos mestres, não existem substitutos, de vez que a Direção Geral ainda não convocou os
concursados aprovados nos exames realizados no ano passado. Essas omissões dizem fazem
com que o quadro docente permaneça deficitário, o que prejudica o andamento das aulas.
Nós, funcionários do colégio, regidos pela Lei Trabalhista, recebemos o salário-mínimo sem
distinção de cargos, embora o Sr. Diretor-Geral saiba que um decreto-lei assinado pelo
Presidente da República.
(...)Ressaltando que até hoje o quadro funcional da autarquia ainda não foi elaborado, os servidores
citam, ainda, que os funcionários contra-recibo do estabelecimento não receberam seus
pagamentos nem tiveram sua situação regularizada. Salientam que esse problema se arrasta
quatro anos(...).
Do concurso realizado em maio de 1970, para o cargo de Professor Auxiliar de Ensino do Colégio
Pedro II, até hoje, somente uma foi convocada a assumir o cargo, na cadeira de Educação Moral e
Cívica, a primeira colocada, que é aposentada como professora de Química do próprio Colégio
Pedro II e também aposentada pelo Estado e que agora, com a nomeação do Diretor-Geral, veio
arranjar seu terceiro emprego, o que por lei – dizem – é proibido(...).
103
DOPS 67, Boletim Especial, nº 44.
104
Essa portaria designou para compor a comissão julgadora quatro professores, um Major do Exercito, um Capitão de
Corveta e um Capitão da Aeronáutica.
105
A respeito desses concursos, Elio Gaspari, em A Ditadura Escancarada (2003: 458) afirma, no capítulo sobre a
guerrilha do Araguaia, que as chamadas equipes Zebra, encarregadas de caçar guerrilheiros, eram compostas de homens
atrás de recompensas que iam de 3mil cruzeiros por uma boa informação a 5 mil por um guerrilheiro morto. Três mil
cruzeiros era o valor do premio que o Colégio Pedro II pagara ao aluno da sua Faculdade de Humanidades que fizera o
melhor ensaio sobre o tema “A Revolução de 1964 e a educação nacional”.O melhor ensaio foi “A Revolução e a
Juventude”
{
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}
(...) Indagam os aprovados, também, como professores de Ciências, Trabalhos Manuais e
inclusive funcionários do Colégio que prestaram o concurso, estão lecionando a referida Cadeira,
se somente foi chamado a assumir quem tirou o primeiro lugar. Perguntam se “esses privilegiados”
estariam recebendo pelos dois cargos. Do Diretor-Geral não conseguem, segundo revelaram, nem
audiência.
Outra pergunta que os funcionaram fazem à Diretoria Geral do Pedro II, diz respeito à Cadeira de
Ge8ografia, onde também foi chamado a assumir o primeiro colocado. “Acontece que, por
coincidência este primeiro colocado é funcionário efetivo do Colégio, em outra função. Não
pedindo demissão, o referido professor está acumulando dois cargos com a aquiescência da
diretoria”
106
.
Uma das denúncias, de agosto de 1971, acusava um servidor da casa. Segundo a
informação 1353, da Divisão de Informação do DOPS
107
, o (D1) fez uma denúncia sobre
uma bomba caseira que se encontrava no laboratório de química do CPII Centro. O agente,
então, solicitou providências. O grupo de Operações Especiais enviou uma “equipe chefiada
pelo tenente (T1) em cujo laboratório arrecadou um acionado de bomba de fabricação
caseira, bem como dois exemplares do jornal“Resistência”
108
de 29 e 30 e um panfleto
intitulado “Experiência de Queda e Tortura de um Companheiro”. (...) Segundo o (D2), as
suspeitas sobre o caso recaem sobre um funcionário do Colégio Pedro II de nome (F1) que
já esteve preso no DOPS e no CENIMAR” .
Outra denúncia, do dia 4 de julho de 1972, atinge dois ex-alunos. O informe
109
endereçado à Divisão de Segurança e Informações do MEC, intitulado “Jornal subversivo”
relata que:
“Esta ARSI informa que foi encontrado nas dependências da FAHUPE o jornal subversivo
“Independência ou Morte”24 de fevereiro de 72. Destaca-se neste número a capa do especial
de 08/10/71 com a figura de“Che Guevara”. (...) Estabelecemos conotação entre esse fato e a
presença de dois ex-alunos: (A10) e (A11) que distribuíram nas dependências do CPII os jornais
Papirus” e “Pau Brasil”.
Soubemos, ainda que os ditos jovens, apesar de não serem alunos, persistem em permanecer dentro
do recinto escolar, apesar de já terem sido proibidos e alertados a não voltar, pelo (D1)”.
Em outubro desse mesmo ano, houve outra denúncia, desta vez envolvendo uma aluna
do Colégio. O informe intitulado “Show no Colégio Pedro II (Chico Buarque e MPB 4)”
110
,
revela a intenção de se realizar, no Ginásio da FAHUPE II, o qual tinha a capacidade de
5.000 lugares, um show intitulado “Circuito Universitário”, no dia 13/10/72, com a presença
de Chico Buarque e MPB 4. O evento foi proibido pelo Diretor Geral, através da portaria
104 de 28/09/72, que mandou retirar os cartazes referentes ao show. Alegando não saber para
106
DOPS 152, folha: 206.
107
DOPS 152, fl 202-204. Informação 1353 de 11/08/71.
108
O jornais encontrados em anexo são no formato A4 e mimeografados à álcool. O jornal 29 contem 11 páginas e o
de nº 30 contem 14 páginas. Tratam, principalmente, da conjuntura nacional da época.
109
DOPS, Estudantil 38, folha: 377.
110
Estudantil 38, folha: 442-444. Informação nº 186 / ARSI / GB / DSI / MEC / 02 de outubro de 1972. Em Anexo.
{
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}
quem reverteria o lucro do show, mandou que apurassem. O preço do ingresso seria de CR$
10,00.
A portaria 104
111
expõe vários motivos para a suspensão do referido show. Os
motivos eram: o uso de dependências do Colégio somente poderia ser feito mediante
autorização da Direção Geral (DG); os alunos convidaram elementos que teriam sido
atingidos por ato institucional; a venda de ingressos tornaria impossível impedir a entrada de
elementos indesejáveis; elementos interessados na perturbação da ordem usariam de
processos, aparentemente inofensivos, para suscitar pronunciamentos contra o regime
constituído; cartazes foram colocados sem autorização, o que constituiria desrespeito à
autoridade de acordo com o item VI do art. do Decreto-Lei 477 de 26/2/1969; qualquer
venda de ingresso deveria ser feita sob controle das autoridades; jamais a Direção Geral
descuidou em fornecer recursos para atividades extra-curriculares.
As resoluções eram: a utilização de dependências do Colégio somente seria permitida
com autorização por escrito; não poderia ser cobrado ingresso para eventuais reuniões; se
fosse feita qualquer cobrança deveria ser controlada e o valor arrecadado ser depositado
integralmente na conta do Colégio; se ocorrer o que é proibido deve-se proceder como
determina o parágrafo único de art. 2º do Decreto-Lei 477.
Podemos perceber, a partir das análises desses documentos, que, no ponto de vista dos
militares, o Colégio Pedro II era considerado como um dos focos de subversivos. Os diversos
documentos do DOPS demonstram que os Serviços de Informações se preocupavam com o
Colégio Pedro II pelo fato de este ter no seu quadro discente lideranças estudantis que, em
muitos momentos, capitaneavam o movimento secundarista no Rio de Janeiro.
2.3.1. Vozes da Memória – os mecanismos de controle
“A partir do ginásio comecei a fazer o curso noturno no Colégio Pedro II - Centro. Fiquei no
Humaitá até 1961 e, em 1962, fui para o Centro. Foi um choque porque eu entrei numa turma do 4º
ano ginasial que era totalmente oposta àquela turma de onde eu vinha, na Zona Sul. Eram alunos
mais velhos. Tinha um colega que era sargento, outro que tinha parado os estudos porque a família
tinha falido, era casado, tinha dois ou três filhos. Tinham outros que eram transferidos de outros
estados. Então, era uma turma bastante diferente.
Quando tinha um problema para resolver era com o Tito e com o Potsch, isso a partir de 1964. O
Tito, não tenho muita lembrança, era vice-diretor do colégio, e engraçado que ele até tinha muito
diálogo conosco, tinha uma visão muito paternalista, então procurava dialogar, estar sempre
conversando. E o Potsch, o Diretor, era um velho liberal, reprimia, “usava o chicote”, mas passava
a mão na cabeça, tinha um pouco aquela visão de que nós éramos garotos muito audaciosos, “o que
vocês pensam que são?” Lembro de uma vez em que eu estava no gabinete dele, tínhamos marcado
uma reunião, e veio uma ordem de Brasília proibindo. Certamente, pelo meu jeito, dificilmente
111
Estudantil 38, folha: 442 e 443. (ao todo a Portaria nº 104 é constituída de oito considerandos e seis artigos
em três paginas.)
{
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}
devo ter levantado a voz, mas ele perdeu o controle e deu um soco na mesa, com a voz um pouco
esganiçada, e disse: “quem é você para levantar a voz aqui no meu gabinete?” Eu devo ter falado
um pouco mais exaltado, com um pouco mais de vigor, mas certamente não levantei a voz com
ele, não era meu estilo.
Nessas ocasiões, endurecia mais para gente, era proibido o acesso ao Colégio aos sábados, que era
quando a gente se reunia. Tentavam aumentar o controle sobre o Grêmio e proibir quaisquer outras
atividades. A gente tinha que ter uma relação permanente com os inspetores de ensino para poder
entrar, convencer o sujeito, levar para tomar uma cervejinha. Eu, por exemplo, era presidente do
Grêmio e tinha dificuldades de entrar de manhã ou de tarde, porque não tinha o reconhecimento de
poder entrar fora de meu horário de aula. Com isso, tinha que entrar praticamente de forma
clandestina, ou forçando a barra, e muitas vezes não conseguia entrar. Então era uma luta, nós
éramos tolhidos de mil maneiras. Para fazer atividades, precisava de uma força de vontade
hercúlea. Certamente eles, os diretores, sofriam muita pressão. Mas era algo paradoxal, porque
para nós eles eram durões, reprimiam, nos impediam de entrar, ainda que pudesse perceber aqui e
ali uma fresta. Mas certamente eles eram altamente pressionados por fora, contra a gente, tínhamos
uma relação difícil. Com Tito um pouco melhor, com Carlos Potsch algum diálogo, mas sentíamos
que eram os opressores, não tinha essa condescendência que o movimento de repressão da ditadura
talvez apontasse.
Nós éramos fortemente controlados. Havia um gabinete estudantil, o Gabinete de Orientação
Vocacional, que na verdade eram dois professores que ficavam encostados. Um deles era o Prof.
Milton, que tinha a função de controlar o Grêmio. Então os alunos do Grêmio tinham que pedir
autorização para tudo. Eu, por exemplo, investia boa parte do meu tempo embromando o Prof.
Milton, cortejando, visitando, e ele percebia claramente que eu estava ali com a função de tentar
convencê-lo a aprovar as atividades do Grêmio. Tenho certeza de que essa era a única função desse
Gabinete, mas a gente ia burlando por aqui, por ali, fosse para obter autorização para organizar um
cineclube, fosse para organizar um campeonato de futebol, ou para editar o jornal” (MAURICIO
D. DAVID, 2007).
“Nessa época, em 1966, o diretor do colégio (Seção Norte) era o Prof. Gabriel Chaves,
matemático, uma pessoa muito cordata, democrática, e apesar de não ter uma preocupação
ideológica, nós tínhamos consciência dos nossos direitos, lutamos por eles, e eu posso citar uns
dois exemplos disso. Havia uma professora chamada Cléia, não sei se ela era psicóloga, se era
orientadora educacional, tinha um gabinete que, se não me falha a memória, era de orientação
educacional, e pouco depois de assumirmos o grêmio eu recebi algumas cartas de outros colégios,
inclusive do grêmio do Colégio Militar. E eu vi que a carta veio aberta, e fui reclamar com ela, que
disse: “vocês são menores de idade, não podem, isso é lei, vocês não podem receber. Nós temos
que ler o conteúdo porque vocês são menores de idade”. Aquilo me revoltou muito, e como nós
havíamos criado um jornal, “A Chama”, que, aliás, era um jornal antigo, eu preparei alguma
coisa para falar sobre isso.
Mas, nesse mesmo período, um colega meu, o Luis Alberto, nosso diretor cultural, que de todos
era o que tinha maior preocupação social, falou comigo que conseguiria junto ao MEC um contrato
para que o grêmio vendesse material escolar a preço de custo, e eu achei excelente. Fizemos o
contrato com o MEC, que deixou conosco o material escolar. Eu escrevi um artigo para o jornal
falando que íamos vender o material do MEC a preço de custo. O MEC deixou conosco em
consignação, depois entregaríamos o dinheiro do que fosse vendido e devolveríamos o material
não vendido. Eles, que não nos conheciam, tiveram total confiança na gente.
Quando eu fui escrever esse artigo, que era censurado, teve que passar antes pela Prof
a
Cléia. Ela
disse que aquilo não podia sair no jornal, porque era muito perigoso que nós alunos lidássemos
com dinheiro, e que o colégio não permitia aquilo.
Então escrevi um outro artigo substituindo esse, um editorial criticando, até de uma maneira muito
infantil, dizendo que o gabinete tinha “burrocratas”. E tudo escrito a caneta, não tínhamos
máquina de escrever, e mandei numa folha de caderno escolar esse artigo para ela, reclamando que
ela era muito “burrocrata”, emperrava as ações do grêmio. Eu sabia que aquilo ia ter volta, que não
ia ficar daquele jeito.
Um belo dia, eu estava em sala e o Sales, um dos chefes da disciplina, pediu licença ao professor e
disse que o Prof. Chaves estava me chamando na sala dele. Todo mundo olhou, até o professor.
Todos pensaram que ia acontecer alguma coisa, inclusive eu.
Fui, entrei na sala, vi que a Prof
a
. Cléia estava sentada em frente a ele, com um casaquinho
jogado sobre os ombros, olhando por cima dos óculos, com uma cara muito afetada, muito sentida,
magoada, e o Prof. Chaves, que gostava muito de mim, tentou contornar a situação.
{
PAGE
}
“Seu Alzir, eu estou aqui conversando com a Prof
a
Cléia e ela disse que tem uma queixa a fazer.
Eu a estou convencendo de que ela está equivocada. Você não teve a intenção de chamar a ela e os
seus colegas de burros, foi um erro, você botou um “r” a mais, sem querer, no artigo no qual você
disse que eles eram ‘burrocratas’. Eu queria que você confirmasse isso, porque ela está pedindo a
sua suspensão, e eu estou dizendo que foi um pequeno erro seu.
Eu falei: “Não, Prof. Chaves, eu gosto muito do senhor, sinto muito contrariá-lo, mas realmente
não foi isso. Eu escrevi burrocrata” mesmo, eu não quis chamá-la de burocrata, mas de burra
realmente”.
Ele se levantou mais da cadeira, “Bom, Alzir, então você não me deixa outra alternativa a não ser
puni-lo, porque isso é um ofensa”.
Então eu disse: “Professor, o senhor me desculpe, mas tenho uma outra interpretação. Acho que eu
a teria ofendido se a tivesse chamado de alguma coisa que depusesse contra a personalidade dela,
ela ser burra, coitada, nasceu burra, não nada demais. Se eu a chamasse de ladra, como ela me
chamou, por exemplo, aí sim, seria deformação de caráter, uma pessoa honesta que se tornou ladra.
Ela me chamou de ladrão, isso sim é ofensivo”.
Aí ele disse: “Ela te chamou de ladrão?” Ela respondeu: “eu nunca faria isso”.
Eu então expliquei toda a história do convênio com o MEC, que ela disse que era muito perigoso
que nós lidássemos com dinheiro. E no momento que eu disse isso, ele falou: “Prof
a
Cléia, não
acredito que a senhora fez isso! Pelo amor de Deus, como que a senhora fez um negócio desse, a
senhora não pode impedir...”, e o feitiço virou contra o feiticeiro.
Eu aproveitei a oportunidade, e disse: “Falando nisso professor, eu sei que é inconstitucional
censurar correspondências, e a Prof
a
Cléia está abrindo todas as correspondências que chegam para
o grêmio, que vêm de outros colégios, e eu recebo com o envelope aberto”.
Antes que ele falasse alguma coisa, ela disse: “É claro professor! Nós temos que censurar, eles não
podem receber...”, e foi outra bronca. Quer dizer, realmente o feitiço virou contra o feiticeiro. Foi
só bronca em cima dela.
Depois ele propôs que, em troca de fazer o convênio com o MEC e as cartas não serem mais
violadas, eu retirasse o artigo chamando o gabinete de “burrocrata”. E nós aceitamos e vencemos,
deixamos de ser censurados e pudemos fazer o convênio com o MEC, que, aliás, nem acabamos
fazendo, porque tinha passado a época e acabou que não conseguimos levar esse beneficio para
o colégio. Então, apesar de não sermos ligados a partido político, tínhamos consciência de nossos
direitos e, mal ou bem, a gente utilizava isso” (ALZIR RABELLO, 2007).
“Por outro lado, tinha [no CPII-Centro] um senhor gordinho, meio mulato, que até hoje mora no
Grajaú. Era esse senhor que coordenava as atividades dos alunos, que tomava conta, fazia parte de
um setor específico do colégio, que ficava em cima na sede. De fato, ele fazia a ligação entre os
órgãos de repressão, o colégio e a disciplina, ele era o responsável por isso. Era funcionário. Então
as negociações, tanto de melhorias, quanto de atividades, podiam ser feitas diretamente com o
diretor, mas ele era o intermediário, lidava com as atividades extra-escolares.
Então era uma negociação permanente para não haver punições disciplinares. Porque o diretor
discutia com a gente as grandes linhas, com o Potsch era muito fácil. o Potsch foi substituído
pelo Tito. O Tito foi antes do Haroldo, ele era vice-presidente do Potsch. Quando o Potsch viajava
começava a repressão.
Nós fizemos uma greve nessa época que eu não sei o motivo, tem que olhar nos jornais para
saber –, em 66. o Diretor me puniu. Ele fez uma comissão de inquérito para tentar me expulsar,
mas não deu certo, e ele chamou o meu pai. Mas eu tinha o apoio dos catedráticos, então não
adiantava. Enquanto Potsch não estava viajando, o Potsch sempre negociava, nunca radicalizava. E
a gente, também, não era burro de radicalizar. se radicaliza quando não tem diálogo. Hoje a
gente tem consciência disso.
Ele me suspendeu, e o DOPS me chamou para que eu fosse investigada. Eu tinha 16 anos, e foi o
irmão do Evandro Lins e Silva que me acompanhou. Ele ficou indignadíssimo por eles
convocarem uma pessoa de 16 anos.
Então, nessa ocasião, eles chamaram meu pai para conversar. Ele disse que não podia fazer nada,
que não tinha o controle da situação. Ele era diretor de colégio privado também. E no final eles
resolveram somente me suspender, não me expulsaram.
Mas a partir daí eles começaram uma campanha para que eu tivesse que abandonar o colégio de
todas as maneiras, inclusive uma das diretrizes do Ministério da Educação disse que eu tinha que
sair do colégio, então eu tinha que me formar de qualquer maneira naquele ano.
{
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}
E a maneira que eles encontraram foi em matemática. Eu falei que não ia passar, que eu ia ficar. A
única matéria que eu tinha possibilidade de ficar reprovada seria matemática. Então a única
maneira de me formar era essa, que eu passaria realmente, pois eles fizeram da seguinte maneira:
puseram as perguntas e as respostas no quadro, e eu obrigatoriamente tinha que copiar, eu não saía
enquanto não copiasse. Foi um acordo mais ou menos para não me expulsar” (M. BEATRIZ A.
DAVID, 2007).
“Em 1968 é um ano especial, marcou a vida de muita gente, com o incremento do movimento
estudantil, e o aumento da repressão também, que vai num crescente, a nossa atividade começou a
exercer pressão cada vez maior, dentro e fora do Colégio (CPII – São Cristóvão).
Em setembro ou outubro de 68, o Vandick fechou o grêmio e mandou botar um cadeado na porta,
lacrando o grêmio. Uma atitude unilateral, autoritária, feita da noite para o dia, e s tínhamos o
nosso mimeógrafo dentro, nossos textos, nossos livros, em suma, todo o material da diretoria
que estava dentro. Ele não quis negociar, então fizemos uma manifestação, e arrombamos a
porta do grêmio. Nisso já estávamos em greve, conseguimos mantê-la durante uma semana, dez
dias. Paralisamos o colégio, fizemos esse ato de força, entramos no grêmio, retiramos o que era
importante, e com isso o grêmio foi definitivamente fechado, só foi reaberto muito depois.
Ele [Vandick] denunciou essa invasão, que ele considerava uma invasão do colégio, ao DOPS, e
fomos intimados a comparecer, prestar depoimento. Fomos levados de camburão do colégio até a
Rua da Relação. Todos éramos menores na época, eu tinha 17 anos, o Ari tinha 16, e vários outros,
o Helio, o César, o Cláudio.
(...) O movimento estudantil continua, tínhamos outras atividades, estávamos envolvidos. Nessa
época, em 1968, começa aquele processo de pulverização, rachas sucessivos no movimento
político de esquerda, o movimento estudantil se acirrou, os grupos políticos também, e cada um de
nós vai ter trajetórias diferentes.
No final de 68, nós fomos notificados de que não poderíamos mais continuar no colégio, nós
éramos muito bons para o colégio, e ele não nos queria mais. E simplesmente não renovaram
nossas matrículas. Lembrando que nesse momento não havíamos acabado o 2º ano científico, o
que criou um problema para muitos de nós.
No meu caso, comecei a fazer pré-vestibular para Economia, mas o envolvimento político não me
deixava muito, tinha muitas atividades, movimento estudantil, reuniões, e acabei não continuando
o curso. Fiz o artigo 99, durante o ano de 1969 (CLAUDIO EGLER, 2007).
“(...) No final do ano, o Diretor do Colégio (CPII – São Cristóvão) se sentiu fortalecido o
suficiente para intervir e fechou o grêmio. Um dos motivos para ele fechar o grêmio foi aquela
edição de “A Flama”, em que no expediente estava escrito, de propósito, “esse jornal sofreu
censura prévia...” Isso foi uma provocação que nós fizemos, porque tinha que passar por aquela
censura dele, e foi isso que desencadeou a fúria. E que veio o famoso episódio do mimeógrafo.
Então o fechamento do grêmio, que a gente achava que podia acontecer mais cedo ou mais tarde,
não nos abalou tanto quanto a perda do mimeógrafo, que o [Cláudio] Egler tinha conseguido,
graças a muita lábia, com o próprio fabricante. Servia para fazer panfleto, era um equipamento
estratégico. Então o arrombamento da porta foi isso, disfarçamos que era um protesto, que
queríamos o nosso grêmio, mas queríamos mesmo era o nosso mimeógrafo. O mimeógrafo acabou
não sendo resgatado, não conseguimos.
Antes disso, teve o famoso julgamento no Juizado de Menores, acho que foi em 67. O Vandick era
o diretor, denunciou à polícia, e fomos a julgamento no Juizado e condenados a um ano de
liberdade vigiada. Eles nos acusaram não me lembro direito de subversão, essas coisas, e fui
expulso no final de 68, no meio do 2º semestre, antes do AI-5.
Aconteceu o seguinte: me deram zero em todas as matérias. Eu tenho o boletim, até o ano
clássico, eu tinha notas normais, 7, 8, 9, e no ano, Zero. Era para terminar o secundário, mas fui
expulso em setembro. Então não tinha o grau, não me formei. O meu diploma é por outro
colégio. Era um conhecido dos meus pais, Moises Genes, que era diretor de um colégio, muito
democrata, muito progressista, o Colégio Scholem Aleichem. Graças a ele eu tive o meu diploma.
O Vandick chamou o meu pai e falou: “tome cuidado, o seu filho é da juventude comunista”. Levei
uma bronca, mas o meu pai disse: “isso não é nada, você está muito à esquerda da juventude
comunista”. Meu pai queria que eu fosse do PC” (ARI ROITMAN, 2007).
“Fiquei seis anos no Colégio, mas não tenho a menor idéia de como era o Diretor, nem por
fotografia. Eu nunca vi o Vandick na minha frente, em nenhuma cerimônia, nada. No Pedro II, o
{
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}
poder era algo totalmente distante, a gente não tinha noção do que era aquilo, a gente convivia
com os inspetores. Alguns deles, aliás, eram bastante duros, chegavam a falar da 477
112
, falar que
não podia fazer política na escola, e a gente achava até meio extemporâneo isso, porque não tinha
nada. Pelo menos eu não via.
Essa questão da 477 na escola pode ser que tenha a ver com a FAHUPE. O meu irmão nunca foi
oficialmente expulso, mas sofreu pressões.
A FAHUPE deve ter interferido, ou seja, acho que a idéia de criar a FAHUPE, criar uma
Faculdade de Humanidade para formar professores para o próprio Pedro II, deve ter movimentado
os alunos. Os meus irmãos foram do Pedro II e um deles foi para FAHUPE e depois acabou sendo
convidado a se retirar exatamente nessa época, entre 1972 e 1973. Eu via que o meu irmão se
movimentava politicamente, e acho que a repressão em cima da FAHUPE também incidiu sobre
nós.
Os alunos da FAHUPE eu nunca vi também. Eu nem sei se a FAHUPE era à noite, não sei bem
como era, mas eu lembro de alguns professores muito novos que pareciam estudantes da
FAHUPE. Mas não havia essa relação entre nós e a FAHUPE. Era um colégio grande ainda. As
turmas eram grandes, 30, 40 alunos, e eram muitas turmas, muitas salas, aqueles corredores
enormes, muita gente.
Eu acho que havia um clima de um medo, mas velado, o era algo tão claro. (...) Não quero
também dar a impressão de que era um clima de castelo de horror, não era isso. Eu acho que era
um clima meio amórfico mesmo, onde nada acontecia, não havia organização, crítica, nada disso.
Os inspetores falavam algumas coisas e tal, mas a gente não entendia bem porque eles estavam
falando aquilo (AMERICO FREIRE, 2007).
“(...) Vandick L. da brega, paraibano, colega de turma no Liceu Paraibano em João Pessoa, em
Paraíba do Norte, aos 10 anos, colega de minhas duas irmãs. O Vandick, se apoiava nas quatro
estrelas do Exército para permanecer no Pedro II. Toda vez que alguém, algum Ministro da
Educação tentava substituí-lo, à casa do ministro compareciam generais. Como que eu sei? Quem
me contou foi o Senador Jarbas Passarinho no gabinete dele. Ele disse para mim: “quando eu era
Ministro da Educação, cada vez que eu assinava a demissão, substituição do Prof. Vandick, a
minha casa se enchia, a noite até de madrugada pedindo por ele, eram generais de quatro estrelas”.
Naquele período, as grandes instituições importantes designavam alguém que tivesse uma
credencial para fazer um curso na Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. Um
belo dia, o Haroldo da Cunha me telefona e disse que eu ia fazer um curso na ADESG, “é coisa
simples, votira aquilo de letra. São três horas, à noite, na Presidente Vargas, tem tese, tem livro,
tem não sei o que...” Eu disse: “Mas, Haroldo, eu não tenho tempo...”. Ele continuou: “Olha, tem
que usar paletó, gravata, não pode chegar atrasado. E muito respeito, hein. “É órgão político!” Eu
insisti: “Mas professor...” Ele nem me deixou terminar: “Já está matriculado”.
E eu fui fazer o curso. E eu reconheci alguns. Tinha uma do Pedro II. ia gente que tivesse
“pedigree”.
General “fulano de tal”, segunda aula, intervalo, acendia a luzinha, podia fazer uma pergunta que
não ultrapassasse um minuto. Tinha a prorrogação de meio minuto para ter a resposta. Tinha que
se levantar, fazer por escrito, ler, com cópia e por lá na mesa.
O engenheiro que, por coincidência, é primo do meu compadre de Curitiba, Maurício Schumann,
que foi diretor de banco, foi fazer a palestra sobre banco BNDES. Então eu perguntei: “professor,
como se admite que o governo garanta todas as regalias, que haja falência com garantias do
governo pelo BNDES. Como é que o governo faz uma coisa vergonhosa dessas?Baixei a lenha,
arrasei o governo da época da ditadura. Mas eu disse tudo que não devia dizer e o sujeito atrás de
mim disse: “Genes, você será preso na saída, se prepare. Isso não é pergunta que se faça, cuidado”.
O Mauricio Schumman, com aquela elegância, relógio de ouro, cheio de jóias, muito competente
enrolou, enrolou, e não respondeu. que insinuou algo, que eu tomasse cuidado. Na época o
pessoal falou: “Genes, como você teve coragem, nesta fase em que nós estamos. Vonão está
vendo que isto aqui é lavagem cerebral?
Eu fui coordenador da tese, eu fui o relator da tese, houve gente que não escreveu nenhuma linha,
misturou tudo, houve gente que disse: “Genes, você escreve por mim, depois assino”. Mas houve
gente competente, uma professora do Pedro II, de História. Eu não sei se eu me dei bem na
apresentação. Foi impresso. Foi uma fase cansativa, eu chegava aqui [em casa] às vezes 11h da
noite, de paletó e gravata, cansado, de táxi” (MOYSES GENES, 2007).
112
477...
{
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}
“Eu me lembro que quando eu estava sendo processado, uma vez, eu afui no MEC, na sede
aqui do Rio pra ver como se iniciou o meu processo aqui na escola, porque eu estava sendo
processado pela Marinha, mas aqui também tinha um processo, porque eu não reassumi assim que
saí da prisão, fiquei afastado do Pedro II por um período de sete anos, depois de dois anos e três
meses preso. O processo ficou rolando. Esse processo às vezes desaparecia. Diziam que era a
“manu militari”. Depois reaparecia. O Prof. Raimundo, que era Diretor do Serviço do Pessoal na
época, falava que estava no Ministério, na Divisão de Avaliação de Processo, e essa divisão de
informação era justamente a divisão que monitorava todo o Colégio.
Em função dessa rigidez do Pedro II, dessa tradição, o ensino na década de 1960 basicamente não
mudou. O movimento dos alunos do Grêmio continuou com suas atividades. Por exemplo, as
passeatas aumentaram, pararam o trânsito da Marechal Floriano em 1968. Se não houvesse uma
movimentação que tivesse uma visibilidade, eu não poderia perceber. Eu acho que o Grêmio ficou
até fechado nessa ocasião, mas a pressão externa era muito grande.
Eu percebia a movimentação do Grêmio Estudantil. Eram eles que movimentavam
politicamente o Colégio. Independente de ser um aluno mais politizado, pode ver pelos jornais,
aqui tinha filho de dirigentes militantes, o filho de Roberto Moreno estudava aqui, o filho do
Hércules Correa, do jornalista da Imprensa Popular, o And Motta Lima, e eu me lembro que
tinha um filho de um dirigente comunista que estudava aqui. Mas também tinha os alunos que não
eram filhos de comunistas, pelo menos não que eu saiba, mas que tinham uma atuação muito
interessante, tinham um perfil de dirigente mesmo, de massa.
Na delegacia do MEC tinha um serviço de segurança interna comandado por um coronel e um
major. E esse serviço de informação estava sempre fiscalizando os alunos, sobretudo por ser o
Colégio Pedro II um colégio federal, que tinha uma quantidade de alunos muito grande. Eram
dezesseis mil naquela época. Qualquer manifestação com esse quantitativo de aluno teria uma
grande visibilidade, e era um colégio tradicional, do governo. De modo que eles tinham uma
preocupação muito grande com o Pedro II, como têm a hoje”(VICTOR HUGO CABRAL,
2007).
2.3.2. Vozes da Memória – memórias silenciadas
O fato de alunos do Pedro II terem participado dos movimentos estudantis dentro do
colégio, nos grêmios e fora do colégio, nos movimentos estaduais e nacionais, levou-os, no
momento de maior repressão, após o AI-5, a tomarem a decisão de fazer parte das outras
formas de resistências à ditadura militar que se organizaram a partir de então. Com o
endurecimento da ditadura, muitos alunos e ex-alunos do colégio, em 1969, se engajaram
numa luta mais radical seja diretamente na luta armada ou como simpatizantes de
movimentos revolucionários que visavam além da luta pela democratização, a revolução
socialista.
Foram os casos dos ex-alunos Marcos Nonato da Fonseca, Kleber Lemos, Roberto
Spigner, Lucimar Brandão Guimarães, Alex Xavier Pereira e Fernando Augusto da Fonseca,
que foram assassinados no início da década de 1970.
Durante as entrevistas realizadas para a efetivação deste trabalho foi possível recolher
mais informações e lembranças que esses eternos alunos do Colégio Pedro II, “brasileiros de
um enorme e subido valor”
113
, deixaram na memória de luta dos estudantes secundaristas
desse secular educandário:
113
Trecho do hino do Colégio Pedro II.
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}
“O Alex era bem mais novo que a gente, era bem atuante, era do grêmio da Zona Sul. Ele foi
diretor do grêmio na mesma época em que eu era diretora do grêmio da Sede. Acho que ele foi
dirigente da Associação. Eu não lembro se as conversas com Mariguela foram ainda quando a
gente estava no Pedro II ou quando a gente já estava na faculdade. A gente mantinha relação com
esse pessoal, todo mundo era do PC naquela época. O Alex era uma figura muito particular, era
bem jovem no Pedro II, mas já era um dos diretores do grêmio. O Alex tinha essa tradição
familiar, era do partido, então entrou em aliança com as diretorias do grêmio. Ele era uma figura
muito tímida, o irmão dele [Iuri] era mais ativo. Eles até que não eram figuras proeminentes,
eles ficaram proeminentes à medida que entravam na chapa..
A gente tinha: o Alex que tinha saído, Roberto e o “Sandália”
114
também. Esse pessoal era
contemporâneo nossos que morreram, na universidade, bem depois. Esses alunos foram
expulsos do colégio... Eu lembro dessa greve. Foi a última greve, em 1968. Fizeram uma lista com
todos que participaram, e nisso foram cortando as cabeças” (MARIA BEATRIZ A. DAVID,
2007).
“O Lucimar foi meu aluno no Clássico, eu lembro que ele estava numa sala de meninas. Por causa
do nome ele foi parar lá, achavam que era uma menina. Ele era muito inteligente, se interessava
bastante por História e tinha opinião. Aqui no Colégio ele era muito reservado. Quando ele sumiu,
foi de repente, acho que foi em 1969, nunca mais o vimos. Anos mais tarde eu soube que havia
sido morto naquela época” (GERALDO P. VIEIRA, 2007).
“Então entre o pessoal que fez o nosso jornal, estava o Benício Medeiros, que depois se tornou
jornalista, o Anselmo Amador, um menino absolutamente brilhante, que acabou sendo assassinado
por um louco que morava na sua rua, o José Roberto Spigner, que também era muito inteligente,
era muito ligado ao Gabeira, foi quem me iniciou praticamente no cinema, depois se envolveu na
luta armada e, com isso, foi assassinado nesse período” (MAURICIO D. DAVID, 2007).
“Kleber Lemos da Silva era aquele adolescente de aparência franzina, fora dos padrões atléticos,
mas transmitindo uma força interior que contrastava completamente com sua estrutura física. A
sua lógica no pensar e no agir era absolutamente dialética, nada formal, fazendo dele uma pessoa
leve, prática, com senso de humor constante. Sua ideologia o tornava belo e contagiante, poético
mesmo. Sem se falar da alegria e da ternura que transmitia, mesmo nos momentos das articulações
mais difíceis do enfretamento do imperialismo americano. Hay que endurecerse pero sin perder la
ternura jamas.’ – a frase de Che Guevara retrata fielmente o Kléber (…).
Foram 30 anos vividos com a maior dignidade e coerência. Salve, Kléber! Você foi demais! Vo
é demais”. (SANDRA DE F. ALVES In: Ao Pedro II, Tudo ou Nada?, 2003: 305)
Nos arquivos do Grupo Tortura Nunca Mais e no “Dossiê dos mortos e desaparecidos
políticos a partir de 1964” encontramos as seguintes informações sobre esses ex-alunos do
Colégio:
ALEX DE PAULA XAVIER PEREIRA (CPII – Humaitá até 1969)
Militante da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN). Nasceu em 09 de
agosto de 1949, filho de João Baptista Xavier Pereira e Zilda Xavier Pereira. Foi
morto aos 22 anos de idade. Participou do movimento estudantil secundarista e foi
diretor do Grêmio do Colégio Pedro II, no Rio, em 1968, junto com Aldo
Brito, Luiz Afonso de Almeida e Marcos Nonato da Fonseca, também mortos na
luta contra a ditadura militar. Conheceu desde cedo a perseguição e a repressão
que atingiu sua família com o golpe militar de 1964 e ingressou, ainda muito
jovem, no PCB.Quando dentro do PCB surgiu nova perspectiva revolucionária,
114
Nome de guerra do Fernando Augusto da Fonseca.
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}
alinhou-se com aqueles que defendiam a luta armada contra a ditadura, unindo-se
ao grupo liderado por Carlos Marighella e ingressando na ALN. Logo tornou-se
chefe de um Grupo Tático Armado da ALN, empreendendo intensa atividade
política. Passou a viver na clandestinidade e respondeu a alguns processos
policiais-militares. Foi fuzilado em 20 de janeiro de 1972, por policiais
pertencentes à Equipe B do DOI/CODI-SP, quando se encontrava em um carro
junto com Gelson Reicher, igualmente assassinado. A nota oficial divulgada pelos
órgãos de segurança descrevia a morte de Alex e Gelson como conseqüência de
um tiroteio nas imediações da Av. República do Líbano, em São Paulo, em
decorrência de um acidente com o carro dos mesmos, acidente este que, segundo
os moradores do local, nunca aconteceu.(1995: 131).
LUCIMAR BRANDÃO GUIMARÃES (CPII – Sede até 1969):
Militante da VANGUARDA ARMADA REVOLUCIONÁRIA (VAR-
PALMARES).
Nasceu em Lambari, sul de Minas, no dia 31 de julho de 1948,onde passou sua
infância. Estudou no Colégio Pedro II, participou da Juventude Estudantil Católica
–JEC – e foi líder estudantil secundarista no Rio de Janeiro. Militante do PCB, de
onde saiu para uma dissidência chamada Núcleo Marxista Leninista NML e,
posteriormente, filiou-se à VAR-Palmares. Saiu do Rio de Janeiro em fins de
1969, indo morar em Belo Horizonte.Usava os codinomes de Calixto e Antunes
que acabaram virando Calixto Antunes, no momento de sua prisão, em Belo
Horizonte. Foi preso no dia 26 de janeiro de 1970, no apartamento onde residia,
com os companheiros José Roberto Borges Champs, Antônio Orlando Macedo
Ferreira, João de Barros e Artur Eduardo Consentino Alvarez.
Foi visto pela última vez pelos seus companheiros quatro dias depois de sua
prisão, quando chegava escoltado à penitenciária Magalhães Pinto, em Neves.
Submetido à tortura teve a coluna vertebral quebrada, o que o manteve deitado até
sua morte, no dia 31 de agosto de 1970, no Hospital Militar de Belo Horizonte
(1995: 87).
JOSÉ ROBERTO SPINGER (CPII – Sede até 1966)
Militante do MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO 8 DE OUTUBRO (MR-8).
Nasceu em 30 de dezembro de 1948, em Barra do Piraí, Estado do Rio de Janeiro.
no antigo ginásio e científico, no Colégio Pedro II, José Roberto começou a
participar do movimento estudantil, atuando no Grêmio. Estudou também na
Aliança Francesa e Cultura Inglesa, fazendo vários outros cursos como cinema e
jornalismo. Participou de um concurso de cinema amador de curta metragem,
ficando em lugar
115
. Em 1966, entrou para a Faculdade de Economia da UFRJ
115
O nome de José Roberto Spiegner aparece no jornal Vanguarda Estudantil de 1965 como um dos redatores-
chefe, no exemplar de 1966 como colaborador e também nas reportagens sobre os filmes realizados pelo Grêmio
Científico e Literário Pedro II para os festivais de cinema amador que ocorreram naqueles anos.
Em 1965 o “filme do aluno do Pedro II, Daniel Chutorianscy, “Manequinho ganhou o segundo prêmio do
Festival Amador do Jornal do Brasil, na mesma ocasião, outros dois filmes, “Caminho”, que ganhou um premio
especial, de Sergio Rubens e “À Beira da Realidade” de José Roberto Spiegner e de Antonio Carlos
Lengruber, também realizados por alunos do CP II, participaram do Festival”.(1965: 3).Em 1966 outros dois
filmes foram produzidos pelo Grêmio Científico e Literário Pedro II, para o Festival de Cinema Amador JB
Mesbla. O filme “Terceiro Tempo”, realizado por Daniel Chutorianscy, Ronald Dreux e Celso Silva, fala sobre o
futebol enquanto válvula de escape do povo brasileiro. O filme “Canção Urbana”, realizado por José Roberto
Spiegner, Antonio Carlos Lengruber, José Paulo Kupfer, Ronald Dória Dreux e Sérgio Rubens Torres. Inspirado
no poema mesmo nome, de Fernando Mendes Vianna , quer, de acordo com a sinopse, “observar o trabalhador.
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}
sendo aprovado em lugar, passando a militar no Diretório Acadêmico.
Ingressou, à época, no MR-8 e, em 1968, pelo agravamento geral da situação do
país, entrou na clandestinidade. Em 17 de fevereiro de 1970, foi morto em tiroteio,
no Rio de Janeiro, na Rua Joaquim Silva, n° 53, entrada 05, quarto 08, por agentes
do DOI/CODI/RJ. O corpo de José Roberto entrou no IML, pela Guia 01 do
DOPS/RJ, sendo necropsiado pelos Drs. Ivan Nogueira Bastos e Nelson Caparelli
que confirmam a morte em tiroteio e retirado por seu cunhado, Sérgio Leão Klein,
sendo enterrado pela família no Cemitério Comunal Israelita de Vila Rosali (RJ)
(1995: 85).
Sua irmã, Marilene Spigner, assim fala de José Roberto:
“Desde muito cedo, inconformado com as diferenças sociais e dedicado às
leituras filosóficas, passou a defender seus ideais no Grêmio do Colégio Pedro II
e no jornal do colégio, veículo dos jovens daquela geração” (1995: 86).
KLEBER LEMOS DA SILVA ( CPII – Seção Norte até 1963)
Militante do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B).Nasceu em 21 de
maio de 1942, no Rio de Janeiro, filho de Norival Euphrosino da Silva e Karitza
Lemos da Silva. Desaparecido na Guerrilha do Araguaia em junho de 1972.
Participou do movimento estudantil da década de 60 e em princípios de 70,
formado em Economia, foi residir na região do Araguaia, na localidade de Caiano,
onde residiam outros companheiros, incorporando-se ao Destacamento B da
Guerrilha. O Relatório do Ministério do Exército diz que Kleber era “militante do
PCdoB, participou da Guerrilha do Araguaia, foi morto no dia 29/01/72 em
confronto com uma patrulha, sendo sepultado na selva sem que se possa precisar o
local exato”. Esta informação tem pelo menos um equívoco, pois os confrontos
armados no Araguaia tiveram início a partir do dia 12 de abril de 1972.
Relatório do Ministério da Marinha diz que “foi preso quando se encontrava
acampado na mata” (1995: 330).
FERNANDO AUGUSTO DA FONSECA (CPII – Humaitá até 1969)
Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Filho de José
Augusto Valente da Fonseca e Nathaly Machado da Fonseca, nasceu no Rio de
Janeiro em 13 de janeiro de 1947. Casado, tinha 2 filhos. Concluiu o grau no
Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Estudava economia na Universidade Federal
do Rio de Janeiro e trabalhava no Banco do Brasil (Agência Central). Foi
demitido por abandono do emprego quando, em 1970, foi obrigado a viver na
clandestinidade pela perseguição implacável que lhe moviam os órgãos de
segurança. Militou na Corrente e no PCBR, chegando a ser membro do seu
Comitê Central. Preso em Recife na quinzena de dezembro de 1972, levado
para o DOI/CODI/RJ, onde passou a ser torturado. Na ocasião, sua mulher Sandra
Maria Araújo da Fonseca, e seu filho André (com cerca de 2 anos de idade) foram
presos no DOPS/RJ. No Rio de Janeiro, haviam sido presos 3 companheiros de
Fernando Augusto: José Silton Pinheiro, José Bartolomeu Rodrigues de Souza e
Getúlio d´Oliveira Cabral, todos igualmente torturados (1995: 144).
Mostrá-lo. seu trabalho, seu comportamento, suas divisões, amigos e locais costumeiros, onde passeia, seus
grupos, suas praças.são eles ainda retratados na busca do sexo oposto como possível escape (...) . Inspirado no
poema que diz: “ os pares entrelaçados / nesta urbe dividida / são brados de luz nos ares / de uma terra
escurecida”.(...) (1966: 3)
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}
MARCOS NONATO DA FONSECA (CPII – Humaitá até 1969):
Militante da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN).Nascido a 01 de junho
de 1953 na cidade do Rio de Janeiro, filho de Otávio Fonseca e Leda Nonato
Fonseca. Estudante secundarista foi morto aos 19 anos pelo DOI-CODI/SP. No
final dos anos 60, Marcos era mais um estudante secundarista do Colégio Pedro II
/ Humaitá. De origem humilde, cuidava dos irmãos menores quando voltava do
Colégio, enquanto seus pais trabalhavam: ela, como manicure, ele, como
cozinheiro. Morava numa casa muito simples em São Conrado. Admirava a vida e
a obra de D. Helder Câmara em favor dos necessitados. Assim como aconteceu
com vários outros naquela época, Marcos envolveu-se com as lutas estudantis
contra a ditadura militar. O ano de 1969 foi decisivo para muitos: após o AI-5,
Marcos escolheu manter-se na luta e passou a ser perseguido; foi obrigado a sair
de casa no final de 1969 e abandonar o convívio com a família para viver
clandestinamente, aos 16 anos, com seus companheiros de luta. Através da
informação fornecida pelo alcagüete Manuel Henrique de Oliveira, dono do
Restaurante Varella, na Moóca, em São Paulo, a repressão montou uma
emboscada, no dia 14 de junho de 1972, que resultou na sua morte e de Ana Maria
Nacinovic Corrêa e Iúri Xavier Pereira. (1995: 166).
“Estou escrevendo novamente, depois de um longo tempo sem mandar notícias. (...). O povo
Perdeu combatentes de valor, como Marighella, Câmara Ferreira, Lamarca e tantos outros.
Mas apesar disso, nossa luta não terminou, porque é a luta de um povo contra seus
opressores... Estou me lembrando que amanhã vão fazer dois anos em que estivemos juntos
pela última vez. Foi numa passagem de ano de 69 para 70... Não me arrependo do caminho
que escolhi... Até uma outra vez”.
Seu saudoso filho, Marcos Nonato Fonseca. Brasil, 30 de dezembro de 1971”
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CAPITULO 3: GRITOS DE RESISTÊNCIA: a luta contra a ditadura na imprensa
estudantil do Colégio Pedro II
3.1. O Movimento Estudantil
O movimento estudantil no Brasil é bastante recente. Isso é conseqüência do fato de
que a própria existência massiva de estudantes no Brasil é recente em relação aos países
europeus e mesmo a outros países da América Latina.
Somente a partir da década de 1930 a criação de um sistema nacional de educação é
colocada na ordem do dia, dentro da mesma perspectiva de construção nacional que permeou
as revoluções educacionais na Europa na segunda metade do século XIX. É a partir também
dos anos 30 que o movimento estudantil começa a crescer. Em 1934, no bojo do crescimento
da Aliança Nacional Libertadora e da luta anti-fascista, é realizado o 1
o
Congresso da
Juventude Operária-Estudantil, apoiado principalmente pela Juventude Comunista.
Em 1937, é fundada a União Nacional dos Estudantes. Pouco antes de ser decretado o
Estado Novo, a UNE é reconhecida oficialmente como a entidade coordenadora e
representativa dos corpos discentes dos estabelecimentos de ensino superior, em 1942, pelo
Decreto-Lei 4.105, de 1 de fevereiro de 1942. As atividades da UNE cresceram com as lutas
a favor do posicionamento do Brasil contra o Eixo, durante a II Guerra Mundial
116
, contra o
Estado Novo e a favor da Constituinte. Nesse período, os estudantes secundaristas
começaram a participar das atividades em conjunto com os universitários, passando, desde
meados da década de 1930 a se organizarem para discutir os rumos da educação no Brasil e a
se engajarem em partidos políticos. A partir da expansão do ensino médio, na década de
1940, o contingente de estudantes secundaristas foi crescendo e junto foi crescendo a sua
participação na vida política do país.
A necessidade de se organizarem para fortalecer o movimento estudantil secundarista
fez nascer a Associação Metropolitana de Estudantes Secundários (AMES). “A implantação
se deu num congresso realizado nas instalações da Associação Brasileira de Imprensa. (...) A
chapa organizada pelos alunos do Colégio saiu vencedora. Assim foi criada a AMES e,
alguns meses depois, a UBES” (CHOERI, 2004), no dia 25 de julho de 1948, a partir do seu
primeiro congresso, no qual, também, foi oficializada a colaboração entre UNE / UBES.
116
Participação do CPII contra o nazi-fascismo: “O Colégio Pedro II, que se mobilizara através de seus alunos
para que após o afundamento dos nossos navios mercantes por submarinos alemães, fosse declarada guerra ao
eixo Roma-Berlim e se integrara totalmente à mobilização econômica para a luta, engajou-se nas campanhas
pela Anistia e pela convocação da Assembléia Constituinte. Os alunos que passam a atuar politicamente
dividem sua preferências entre o Partido Comunista (PCB) e a União Democrática Nacional (UDN)”
(CHOERI, 2004, p.85).
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}
A UBES
117
desde a sua fundação lutou por melhores condições de estudos para os
alunos carentes, reivindicando mais bolsas de ensino, desconto no material didático, meio
ingresso em eventos culturais e foi para as ruas, na década de 1950, junto com a UNE,
AMES, UME e outras entidades, na campanha do “Petróleo é Nosso”, mesmo a contragosto
da direção da UNE, naquele período de “domínio direitista”
118
.
Os alunos do Colégio Pedro II desde sempre procuraram participar da vida política do
país, mas foi na cada de 1930 que se intensificou a participação no movimento estudantil,
após a fundação do Grêmio Científico e Literário Pedro II, em 1931, o qual foi lembrado
pelos alunos do Colégio, em setembro de 1965, no jornal Vanguarda Estudantil:
“No dia 23 de agosto o grêmio completou 34 anos de atividades em favor da classe estudantil
pedrossecundênse. Fundado por um grupo de idealistas entre os quais devemos ressaltar os
nomes de Edmundo Silvio Elias (seu primeiro presidente e hoje catedrático do colégio), o
poeta J.G de Araújo Jorge, o radialista Júlio Louzada, o então jornalista Alziro Zarur, Hugo
Kamitzen e outros, nunca se afastou do seu papel de representante autêntico defendendo seus
interesses e formando líderes que muito se destacaram e se destacarão na vida pública do país.
Em seus 34 anos de existência atividades gremistas sempre se desenvolveram impulsionadas
pelo espírito do livre pensamento de defesa das liberdades fundamentais do homem que
sempre caracterizaram os jovens” (Página 3).
Os outros grêmios do Colégio foram sendo fundados à medida que cada Seção foi se
organizando. O grêmio do Engenho Novo foi criado em 1952, no mesmo ano de sua
fundação. Um de seus fundadores, Cloves Dottori, veio a ser inspetor de alunos na própria
Seção onde estudou e, mais tarde, depois de formado, foi professor do Colégio. Na Seção Sul,
o grêmio somente se organizou, efetivamente, a partir no final da década de 1950, apesar de a
Seção também ter sido fundada em 1952. O grêmio da Seção Tijuca, a última Seção a ser
instalada, em 1957, passou a funcionar efetivamente, a partir da década de 1960.
No início da década de 50, começou uma ascensão da direita no movimento
estudantil. O período direitista da UNE, liderado pelo estudante Paulo Egydio, que mais tarde
se tornou ministro na ditadura militar, teve fim em julho de 1956, com a recuperação da
direção da UNE por estudantes democratas. Essa fração democrática ganhou prestígio
117
A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) representa os alunos dos Ensinos Fundamental,
Médio, Técnico, Profissionalizante e Pré-Vestibular de Brasil. Reúne, em torno de si, todos os grêmios das
escolas públicas e particulares, além das entidades estaduais e municipais secundaristas. Desde 1948, a UBES
defende a juventude, a educação e uma nação livre e soberana, ao lado dos principais movimentos sociais. Os
estudantes secundaristas participaram de diversos momentos da história do país, como na época da ditadura
militar, no governo Collor com os cara pintadas, durante o governo FHC contra o neoliberalismo no Brasil e na
América Latina. (www.une.org.br/home3/opiniao/entrevistas/m_6764.html).
118
Segundo Poerner (1968: 193), a fase direitista da UNE teve início em 1940, a partir da vitória de Paulo
Egydio Martins, período em que se iniciou a infiltração norte-americana no movimento estudantil brasileiro,
quem mandava de fato na UNE era a estudante norte-americana Helen Rogers. O “tempo de Paulo Egydio”
durou até 1956.
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principalmente após uma campanha desencadeada contra o aumento, de um para dois
cruzeiros, no preço da passagem dos bondes. A campanha paralisou o Rio de Janeiro nos dias
30 e 31 de maio de 1956.
“Na época, fazíamos concursos para as escolas públicas, escolas do estado, Pedro II e Colégio
Militar. Eu escolhi o Pedro II. Entrei em 1956, num ano de um grande batismo, que foi o ano da
greve dos bondes. Era um movimento com o Pedro II liderando, mas os outros colégios públicos
do estado também tinham uma representatividade, e, também, a Escola Técnica Federal.
Foi para nós uma grande experiência, porque tínhamos que passar por tudo que acontecia, até por
baionetas, e pelos soldados da Polícia do Exercito que ficavam ali policiando, na Rua Alan Kardec,
onde o bonde passava, e na Rua Barão do Bom Retiro, no Engenho Novo. Ali, então,
passávamos sabão no trilho, o bonde escorregava, e desengatava o reboque e o condutor
desesperado corria atrás para tentar trilhar o bonde. Eles voltavam, passavam de novo em frente ao
colégio, e tudo se repetia. Eram os mais velhos, evidentemente, que faziam isso tudo, eu ficava
assistindo. Mas sempre dizia que eu fui uma formiguinha nesse movimento, porque eu tinha
participado desse movimento” (PAULO RUBEM, 2007).
“Aquela greve que teve em 1956, a greve dos bondes, que a Light ofereceu: “vamos dar um
desconto para vocês, estudantes.”, mas, aquela moçada ali foi gritando que não aceitava. Isso
mostrava que moçada era essa. O bonde passou de 1 cruzeiro para 2 cruzeiros. Até que a Light não
agüentou mais, então veio e fez a proposta para os estudantes: “vocês do colégio público vão ficar
com 1 cruzeiro, e o resto, para todo mundo, fica 2 cruzeiros” e os estudantes disseram não. Porque
se pensou: mas e os operários? Quem anda de bonde é pobre. Então se chegou a um acordo, ficou
por 1,50, porque também os estudantes souberam abrir mão, porque a greve durou muito tempo.
Ali se aprendeu a negociar no melhor sentido” (MIRIAN CAVALCANTI, 2007).
Em 1961, começa a fase de ascensão da Ação Popular, dissidência da Juventude
Universitária Católica com a hierarquia da Igreja. No início da década de 1960, o movimento
de massas no Brasil se encontrava em forte crescimento. No campo organizavam-se as Ligas
Camponesas para lutar pela reforma agrária, as lutas sindicais ganhavam força na cidade e o
crescimento da luta estudantil vinha também acompanhando, com vigor, o crescimento das
forças populares.
Em agosto de 1961, os alunos do Colégio Pedro II se manifestam nas ruas do Rio de
Janeiro reivindicando 50% de abatimento nas passagens dos bondes para todos os estudantes
cariocas.
“Em 61, houve uma passeata no Centro pela Rua do Passeio, Av. Rio Branco, onde conseguimos
50% de desconto da Light. E ali era uma questão de Brasil e Canadá, porque a Light era
canadense. E foi uma passeata-monstro. Jogavam dos edifícios papel picado, tínhamos apoio da
população. Mas também havia os contrários, porque fazia do centro da cidade um caos. Mas essa
nós conseguimos, ganhamos 50% na passagem do bonde. Logicamente todos os alunos levaram
essa vantagem” (PAULO RUBEM, 2007).
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Tal acontecimento foi assim noticiado no jornal Correio da Manhã: “Alunos de todas
as seções do Colégio Pedro II realizaram ontem a“Passeata da Solicitação”
119
, movimento
pacífico para pleitear publicamente a redução de 50% nas tarifas de bonde, em favor dos
estudantes cariocas” (Correio da Manhã, 24/8/1961). Esse movimento coincidiu com a
renúncia de Jânio Quadros, no dia 25 de agosto, o que fez o movimento mudar de rumo e se
relacionar à política nacional, levando à participação dos secundaristas, juntamente com a
UNE, na Campanha da Legalidade que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart após
a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961.
A ão Popular (AP) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) eram as principais
forças no movimento estudantil. O período entre 1961 e o golpe militar de abril de 1964 foi
de grande efervescência. A UNE aprofundava sua visão crítica da Universidade como
instrumento de manutenção da ordem social vigente, debatia as reformas universitárias e
denunciava o caráter elitista da Universidade brasileira.
Em maio de 1961, a UNE havia promovido, em Salvador, o 1
o
Semin2ário Nacional
de Reforma Universitária. Desse seminário resultou um documento, conhecido como a
Declaração da Bahia, que se dividia em três partes: “A realidade brasileira”; “A Universidade
no Brasil” e “A Reforma Universitária”. Mais do que como análise da realidade brasileira e
universitária, a Declaração da Bahia serviu principalmente para fomentar o debate sobre tais
temas e para a delimitação de um eixo de discussão (FÁVERO, 1995: 36).
Faltava uma perspectiva tática imediata, que foi concluída no 2
o
Seminário, realizado
em março de 1962, em Curitiba. De saiu a Carta do Paraná, dentro da mesma linha anti-
capitalista e revolucionária do documento anterior, porém com um grau maior de
objetividade. Dividia-se também em três partes: “Fundamentação teórica da Reforma
Universitária”; “Análise crítica da Universidade brasileira” e “Síntese final: esquema tático
de luta pela Reforma Universitária”. Um dos principais líderes estudantis da época afirmava
que “a Carta do Paraná termina nas suas linhas gerais, uma fase de fundamentação teórica da
Reforma Universitária. Tratava-se, agora, de levá-la à luta concreta. Era esse o pensamento
que lhe foi contemporâneo. E assim foi sua ação” (FÁVERO, 2003: 569). A ação à qual se
referia começou com uma greve estudantil, em 1962, que exigia a participação dos estudantes
nos órgãos colegiados da Universidade, na base de um terço do colegiado, com direito a voz e
voto.
119
O resultado dessa passeata foi positivo. “Veio logo a vitória com a assinatura do decreto nº 543 de 26 de
agosto de 1961, que concedia o exigido, mais tarde regulamentado através de passes” (Padrão, novembro de
1963 – Órgão Oficial da Associação dos Alunos do Colégio Pedro II).
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}
No mesmo período, no Colégio Pedro II, os professores (não-catedráticos) e os
estudantes iniciaram reivindicações nesse sentido. No CPII, somente os professores
catedráticos poderiam fazer parte da Congregação e deliberar. Em um artigo de 1963, o
professor Segismundo defendeu a participação representativa dos professores não-
catedráticos e dos alunos na Congregação afirmando que no Colégio Pedro II “a direção é de
uns poucos que, por mais devotados e competentes, não podem atender a todos os reclamos
duma instituição que abrange cinco casas, agasalha 15.000 mil alunos, é servida por 700
funcionários...” (SEGISMUNDO, 1987: 26).
“O movimento secundarista o tinha essa capacidade de organização e aglutinação, não tinha esta
força parecida com a da UNE, era muito mais frágil, menos representativo. Dos vários grêmios,
que tinham nos diversos colégios do Rio de Janeiro, muitos eram impostos pela direção, ou eram
sugeridos pela direção. Poucos existiam de maneira absolutamente independente como aqueles do
Colégio Pedro II, que existiam apesar da direção, e muitas vezes contra a direção.
Nos próprios congressos estudantis, os grêmios com baixa representatividade, e eu acho também
que havia alguma atividade viciada da esquerda, de um certo golpismo, que mais ou menos
imitava o que fazia a direita. Quer dizer, tomar de mão um grêmio, sem muita representatividade
para algum processo especial. Então, representativos eram poucos, tinham os colégios estaduais
também, alguns particulares também, da Zona Sul, que eram grêmios ativos, que eram eleições
vivas e disputadas.
Nos próprios congressos estudantis tinham com grêmios com baixa representatividade, e eu acho
também que havia alguma atividade viciada da esquerda, de um certo golpismo, uma certa falta de
representatividade, que mais ou menos imitava o que fazia a direita. Quer dizer, tomar de mão um
grêmio, sem muita representatividade para algum processo especial. Então, representativos eram
poucos, tinham os colégios estaduais também, alguns particulares também, da Zona Sul, que eram
grêmios ativos, que eram eleições vivas e disputadas. O movimento secundarista procurava se
expressar, nesse contexto de uma luta política crescente na sociedade brasileira. Cada eleição
significa mais deputados comprometidos com as reformas de base. Determinadas instituições
corporativas de advogados, engenheiros, arquitetos, começavam a exercer um papel semelhante,
de esclarecimento popular. A direita, por isso, se organizava em reação a esse crescimento. Então
o movimento secundarista, embora mais secundário nesse cenário, também cumpria um papel
semelhante, claro, expressão que era da vida social brasileira" (VALTER BEZZE, 2007).
Com o objetivo de fortalecer o movimento estudantil do Colégio e suas reivindicações,
os grêmios resolveram fundar a Associação dos Alunos do Colégio Pedro II (AACPII), que
uniria todos os grêmios, sendo efetivada a sua fundação em 1963. Após dois anos de trabalho,
a AACPII era o órgão máximo representativo dos alunos do estabelecimento, todos os
grêmios existentes estavam filiados, e tinha como a mais importante finalidade representar
os interesses do corpo discente do Colégio” (Padrão, novembro de 1963). Nesse início da
década de 1960, a AACPII tinha se engajado em diversas atividades reivindicatórias:
distribuiu uma nota oficial
120
a favor da proposta de Reforma da Congregação, apoiando a
120
A nota oficial distribuída, naquela ocasião, encontra-se em anexo.
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}
proposta que defendia a participação de alunos na mesma; lançou o jornal Padrão; apresentou
tese sobre a Reforma de Ensino no XVII Congresso
121
da AMES, dentre outras ações.
A participação dos alunos do Colégio Pedro II nos congresso da AMES nos primeiros
anos da década de 1960 foi fundamental para o fortalecimento do movimento estudantil no
Colégio e para a organização dos grêmios em todas as Seções, principalmente, depois da
renúncia do Presidente Jânio Quadros. A movimentação e a organização dos alunos do
Colégio podem ser acompanhadas nos relatos a seguir:
“Em 1962, quando o Pedro II vai participar do congresso da AMES. Nós vamos passar a ter
contato com as forças políticas organizadas, ali vai ter cara do Partidão. Por que na nossa época do
colégio, nenhum de nós era influenciado. E era uma coisa engraçada. Não era por negação política,
era por negação da forma, da prática deles.
Bom, nesse congresso da AMES o Pedro II vai ter papel fundamental. eu estabeleço uma
relação muito boa com Valter Bezze, que era um cara do São Cristóvão, ele sim mais ligado ao
Partidão.
Vamos ter um congresso da AMES em que os conjuntos das forças sociais estão pegando fogo.
Em 1962, nós tínhamos o governo do Carlos Lacerda, tínhamos o governo do Jango, tínhamos o
Carlos Lacerda já falando do Jânio Quadros, e tínhamos JK saindo daquele governo
desenvolvimentista até 60. Então nhamos um quadro em que o Lacerda procurava firmar a sua
hegemonia. Aí a Igreja, que estava muito articulada a ele, resolve fazer um movimento de
participar da AMES. Porque antes eles diziam que a AMES, a UNE, que isso tudo era instrumento
da esquerda, não representativo. E de fato esses colégios mais tradicionais não participavam do
congresso. Então eles se organizam para esse congresso da AMES de 1962.
Esse congresso foi no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Cristóvão. Eles se organizaram, toda
a Igreja se articulou junto com a Ação Católica e levaram representantes de um montão de colégios
que não tinham tradição. No Sion, por exemplo, as freiras iam com as menininhas, levando
sanduíches. Na época tinham uma infra-estrutura fantástica de salgadinhos, de tudo, pra resistir e
“tomar” a AMES da esquerda.
Bom, eu lembro que foi um trabalho de articulação muito grande que nós fizemos, principalmente
o Pedro II, porque nós tivemos que desenvolver duas estratégias. Havia no grupo, que era
apresentado como direita, duas posições. Uma de direita mesmo, mais alienada, conservadora, e
uma do setor progressista, que queria participar das entidades. E tinham muitos jovens que tinham
uma certa vontade de participar, mesmo do Sion, do Sacré Coeur, e que acabaram interagindo com
a gente.
Então não era uma coisa monolítica do outro lado. E a gente decidiu, para conseguirmos um
espaço para essa área progressista, montar uma chapa fictícia na hora da disputa. O Pedro II, botou
dois ou três na frente pra fazer uns discursos mais radicais, dentro da perspectiva que as freiras
achavam que nós éramos. E, lançou-se uma chapa de centro, com o pessoal da JEC. E a direita
então lançou a chapa dela. que todos nós descarregando o voto na chapa progressista da JEC,
que se aliou com a gente, e nós derrotamos a direita numa artimanha de fingir que somente nós do
Pedro II éramos de esquerda” (CARLOS ALBERTO MUNIZ, 2007).
“O grêmio do Pedro II tinha uma participação decisiva na AMES. Eu cheguei a ir a um congresso
da AMES. Aquilo foi uma grande novidade pra mim, claro. O congresso deve ter sido em 61. Eu
devia ser do ano ginasial. Ali eu entendi que as grandes lideranças do movimento de esquerda
da AMES eram do Pedro II. O Pedro II tinha uma liderança com os colégios públicos numa
posição de esquerda, e com alguns colégios particulares. Agora, ali não era disputa entre esquerda
e esquerda, era disputa, e isso é importante, entre esquerda e direita. Lá pelo menos a gente julgava
121
A participação do CP II no XVII Congresso da AMES foi significativa para o avanço do movimento estudantil
no interior do Colégio. O Congresso realizado em outubro de 1963 elegeu a diretoria para a gestão 63/64, sendo
eleita a chapa apoiada pelo CP II, em qual dois componentes eram alunos do Colégio. (Padrão, novembro de
1963 – Órgão Oficial da Associação dos Alunos do Colégio Pedro II).
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o que era direita, que era um movimento liderado por colégios como Santo Inácio, São Bento, isto
é, colégios religiosos” (FRANCILIO P. LEME, 2007).
“Tínhamos a participação também de outros colégios. Existia uma certa separação entre os
colégios particulares e os colégios públicos. Mais tarde, nas participações nos congressos da
AMES, fica clara a separação, até mesmo por sentarmos em lados opostos. Um ou outro colégio
particular ficava junto, mas a maioria ficava separado. Eu observei e me lembro muito dos
colégios da zona sul particulares, que ficavam mais separados ainda. Não sei se os outros colegas
que estavam observaram sobre isso. Nos congressos da AMES, por exemplo, de 1962, 1963,
isso ficou muito claro, estava numa época pré-64. Em 1962, o Congresso da AMES foi no
Sindicato dos Metalúrgicos, onde as diretorias dos grêmios participavam, eram cinco efetivos por
cada colégio, e cinco suplentes. E nós sempre dissemos, sempre brigamos, sempre lutamos
dizendo que o Pedro II era um só. E, evidentemente que os colégios particulares, contrários na
época, quiseram que fôssemos representados somente com cinco, mas nos lutamos. Nós
brigamos e conseguimos mudar. Porque nós éramos cinco Seções. E, assim, cinco vezes cinco,
vinte e cinco. Tivemos, então, na realidade 25 efetivos e 25 suplentes. Éramos 50 no sindicato,
50 sentados bem na frente. E as brigas nas votações eram internas, depois cada Seção votava
(PAULO RUBEM, 2007).
“O congresso da AMES foi muito interessante. O crescimento de gente realmente comprometida,
não com os próprios interesses, mas com princípios, fez com que a direita se organizasse.
Eu participo do congresso da AMES, primeiro como candidato, e sou secretário geral da AMES,
onde o Colégio Pedro II tem um papel muito importante, através das suas cinco unidades. Cada
colégio tinha direito a cinco votos, nós tínhamos 25 votos fechados. E, no congresso seguinte, a
direita se organiza melhor, imediatamente os colégios católicos são reunidos, chegam em ônibus.
As meninas, especialmente protegidas por alguns dessa tropa de direção deles, impedindo que
alunos desses colégios mais politizados tivessem acesso a elas.
Mas é claro que no decorrer do congresso isso foi se quebrando, por exemplo, eu me lembro de
uma bancada do colégio Sion, que as meninas se encantaram com as idéias que acabaram ouvindo
lá... Isso era bem uma expressão do movimento que se dava na sociedade. Mesmo pessoas de
classe média o Sion era um colégio de elite de repente eram pessoas honestas e abertas e se
despertavam para idéias novas.
Em 1962 - é muito interessante esse episódio - o Congresso se dava no prédio da UNE, porque a
AMES ocupava uma sala no prédio, a UBES também, e havia um auditório comum, que era
pequeno, tinha se revelado pequeno no último congresso. Então nos viramos e arranjamos um
auditório em São Cristóvão, na rua Ana Néri. E o pessoal da direita, que já se mobilizara, fez uma
reclamação junto ao juizado de menores, dizendo que tinham menores, que era um lugar perigoso.
E eu fui lá no juizado.
Como eu morava ali em o Cristóvão, dominava tudo aquilo ali, falei para o juiz que nos
interrogou que estaria sob nosso controle absoluto, a mercê dos estudantes. E as meninas diziam
que não tinha condução para elas, e eu dizia que tinha sim, tem o ônibus tal, o ônibus tal... eu
perguntei na frente do juizado: “vocês já ouviram falar do bairro Piedade, Bonsucesso, Olaria?...”
e aqueles rapazes e meninas não tinham a menor vivência, tinham a vida encravada ali na Zona
Sul, nunca tinham ouvido falar. Falei que isso para a maioria dos estudantes ia significar uma coisa
formidável, com acesso fácil, sem prejuízo para o pessoal da Zona Sul, tinha dois ônibus que
passavam por . E o juiz concordou plenamente conosco. O congresso foi um sucesso absoluto, a
imprensa cobriu como havia coberto antes, uma afluência de gente, muito mais representativo que
o anterior. Essa era a tendência, não era nenhum mérito nosso, era mérito principalmente do
movimento da sociedade que se refletia ali dentro, eram interesses cada vez maiores, isso era um
reflexo geral, portanto” (VALTER BEZZE, 2007).
No início da década de 1960, o movimento estudantil ficou marcado pela efetivação
das atividades do Centro Popular de Cultura da UNE (CPC), com as quais a atuação dos
estudantes no cenário nacional ganhou maior força. O CPC foi a principal tentativa de unir os
estudantes e o povo. Isso era feito através da cultura. Foram criados diversos grupos de teatro,
núcleos de música, de poesia e de cinema, além de cursos que eram organizados em todo
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Brasil. A UNE-Volante percorria favelas, bairros populares e cidades no campo apresentando
suas peças de teatro e filmes e organizando debates em torno da realidade brasileira.
“E comecei a ter acesso àqueles cadernos do CPC na UNE. No último ano, em 1963, eu já comecei
a freqüentar a União Nacional dos Estudantes e a Faculdade Nacional de Filosofia, porque a gente
tinha uma ajuda, se eu não me engano tinha um jornalzinho que a gente fazia naquela época, então
já era a anteporta da minha entrada na universidade” (FRANCILIO P. LEME, 2007).
“O Pedro II sempre teve uma participação importante na vida pública do país. Em 1963, logo que
eu entrei, o grêmio promoveu uma manifestação, por melhores condições na educação, mais
verbas. Nós saímos do Internato e fomos para o Ministério da Educação, o Palácio Capanema, na
Graça Aranha, fomos de bonde, um grupo de alunos, eu tinha acabado de entrar, estava no
ginasial” (CLAUDIO EGLER, 2007).
“Um fato interessante: em 1963, nós do Pedro II organizamos, junto com o Ministério da Educação
fizemos um grupo para organizarmos os principais colégios numa atividade associativa. Ou seja, se
tem grêmio, organizar o jornal do grêmio, se não tem organizar o grêmio. Nós passamos um mês no
Rio Grande do Sul fazendo isso. Era eu, o Carlos Weis, do CAP, o Abelheira que era do Pedro II -
Zona Sul, o Franklin Martins, que era do CAP, ele foi do Pedro II também. Então nós fomos pro Rio
Grande do Sul fazer esses contatos, era uma outra atividade. Nós nos organizamos aqui, e fomos
para o Rio Grande do Sul desenvolver cursos. Mantivemos contato com os colégios principais, e
fomos à Porto Alegre, Caxias do Sul, São Leopoldo. E,nós demos todo o curso”. (CARLOS
ALBERTO MUNIZ, 2007).
Os estudantes estavam presentes no comício de 13 de março de 1964, na Central do
Brasil, quando o então presidente João Goulart anunciava as reformas de base. Com o clima
de confiança das organizações populares, subestimaram as forças reacionárias que, pouco
mais de duas semanas depois do comício, encerravam, sem maiores resistências populares,
um período de grandes mobilizações de massa em praticamente todos os segmentos do povo.
“Quando eu era aluno do Pedro II, em 1961, 1962 foi na época do Brizola havia um grupo de
professores, que eu admirava muito, um era o Cloves Dottori, que tinha sido o primeiro presidente
do grêmio do Pedro II.
O Cloves Dottori, quando eu era aluno, ele era inspetor do Pedro II. Mas tinha um grupo. As
discussões políticas com os professores eram muito intensas e tinha um grupo que participava, esse
grupo que era chegado ao Brizola, defendia o governo Jango, as reformas de base. E a gente
chegou a ir a comícios juntos. Nós fomos num comício do Brizola no Jardim do Méier com o
Muniz, o Bento, era um grupo” (FRANCILIO P. LEME, 2007).
O golpe militar de 1
o
de abril de 1964 interrompeu todo o processo de evolução
política do CPC, da UNE e de todos os movimentos populares. Os militares assumiram o
comando em 1
o
de abril de 1964 e deram início à ditadura militar.
A UNE e o movimento estudantil foram um dos principais alvos da repressão militar.
Depois de ter sua sede incendiada no dia do golpe militar, a UNE entra na ilegalidade.
Lideranças e estudantes eram perseguidos, presos e torturados. Alguns foram assassinados,
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entraram na clandestinidade ou fugiram do país. Os militares destruíram a Universidade de
Brasília, símbolo da tentativa de uma nova universidade minimamente comprometida com o
desenvolvimento mais ou menos independente do pensamento acadêmico no Brasil, voltada
para os problemas da realidade brasileira.
Apesar de tudo isso, o movimento estudantil foi um dos poucos que conseguiu resistir
à crise política da esquerda em 1964 e pôde se reorganizar após o golpe. Nesse momento,
porém, as forças populares estavam em período de acentuada queda e total desmobilização.
Esse recuo teve sua expressão no movimento estudantil, até porque os estudantes não
representam uma classe, com interesses próprios e perspectiva histórica de poder. Ou seja, o
refluxo das forças proletárias se refletiu no movimento estudantil pós-64, determinando seus
objetivos e suas táticas dentro dessa nova realidade.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a ditadura militar teve um projeto na
educação similar ao projeto econômico e político que pôs em curso a partir do golpe. O
alinhamento da educação à política e à economia teve como ponto-chave os Acordos MEC-
USAID. A resistência estudantil existente na década de 1960 se tornava, pois, um entrave na
implementação dos projetos educacionais da ditadura. Por isso, para acompanhar tal
implementação, além do “tratamento de choque”, foi aprovada uma lei específica para a
repressão do movimento estudantil, em novembro de 1964, que ficou conhecida como Lei
Suplicy de Lacerda. A lei tinha o nome do então Ministro da Educação.
Segundo um manifesto, redigido pelos estudantes da época, a Lei Suplicy era:
“(...) uma intervenção indébita do governo no direito dos estudantes se associarem livremente, regidos
pelas normas que eles próprios em sua maioria julgarem justas e cabíveis. Fixa regras antidemocráticas,
restritivas, que buscam fazer com que o D.A. (Diretório Acadêmico) deixe de ser o organismo
autêntico de representação dos alunos para transformar-se em sucursal do MEC, manejados por pelegos
estudantis. Impede que as verdadeiras reivindicações estudantis sejam ouvidas (...)”(DOPS, 67:2:78)
Segundo Arthur Poerner, “a Lei procurou destruir a autonomia e a
representatividade do movimento, deformando as entidades estudantis, em todos os escalões,
ao transformá-las em meros apêndices do Ministério da Educação, dele dependentes em
verbas e orientação” (1968: 242). Essa era a situação após o golpe, quando a Lei Suplicy de
Lacerda limpava a área para garantir os Acordos MEC-USAID. O ministro não esperava
que sua lei servisse como aglutinante de um movimento estudantil que ainda tentava se
reorganizar. A sua revogação foi uma das principais bandeiras de luta dos estudantes nesse
período.
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As experiências e as discussões sobre a realidade universitária e sobre a situação do
ensino no Brasil de antes do golpe foram fundamentais para a continuação das lutas
estudantis posteriormente. As principais lideranças foram perseguidas, outras tiveram que
surgir, dentro de uma nova situação política que se apresentava, numa situação de refluxo das
lutas populares.
Uma das primeiras manifestações de protesto e de reivindicação que acontece ainda e
1964 é a luta por mais vagas nas instituições públicas de ensino, nas universidades e nas
escolas de ensino médio, as chamadas “luta pelos excedentes”
No inicio da cada de 1960 a sociedade brasileira clamava por reformas. No âmbito da
educação professores e estudantes se uniram para pleitear uma educação mais voltada para a
realidade brasileira. Uma das preocupações era o acesso limitado, pela falta de vagas, às
universidades e aos colégios de ensino médio de qualidade, porque, para muitos, o diploma de
um curso superior era a garantia de ascensão social. A luta em favor dos alunos excedentes do
Colégio Pedro II teve inicio logo depois do resultado das provas de admissão em janeiro de
1965. No depoimento a seguir o Mauricio resgata essa história e nos mostra mais uma vez a
força dos Grêmios do Colégio.
“Eu diria que antes desse movimento contra a fundação, houve um grande movimento que ficou
meio perdido na história, e só agora estou me lembrando, que foi o dos excedentes, que eram alunos
aprovados no concurso, mas que ficavam de fora por conta do limite de vagas. Isso ocorreu numa
época em que eu estava mais ativo no grêmio, acho até que era o presidente, e nos engajamos
ativamente nesse movimento pela entrada dos excedentes, coisa que a direção do colégio não
aceitava, e nos aliamos fortemente com os pais dos alunos. Eu me lembro de ter ido ao programa do
Flavio Cavalcanti na Rádio Nacional, ali na Praça Mauá, que era a TV Globo da época, com um
grupo de pais de excedentes, que eram muito ativos nessa época. Lembro de um major da
aeronáutica, chamado Major Guimarães, que era um sujeito realmente um pouco politizado, talvez
um nacionalista das Forças Armadas, que tinha pelo menos um filho aprovado nesse exame, e que se
aproximou do grêmio, e fizemos então uma aliança muito grande. Depois de a gente ter ido ao
Flavio Cavalcanti, todo mundo falava nisso, era um programa que tinha uma grande audiência, e
com isso causou um grande impacto. Mas não me recordo, sinceramente, se esses excedentes
acabaram entrando no Pedro II
122
. Esse foi o primeiro engajamento do grêmio, a gente entrou nessa
briga para valer, foi uma grande movimentação externa, de mobilização dos alunos do colégio.
Eu lembro que quando o ministro da educação Raimundo Muniz de Aragão foi ministrar uma aula
inaugural na sala da congregação do Pedro II, fui procurar o Potsch porque queria entregar uma carta
ao ministro, e ficou combinado que eu ficaria no corredor esperando, que não tinha acesso à sala
da congregação. E, aí entreguei uma carta para o ministro, ali na hora, logo alguém me afastou. Mas,
não era uma manifestação contra o regime nem contra ele, era pedindo pelos excedentes”
(MAURICIO D. DAVID, 2007).
122
A luta dos excedentes foi amplamente noticiada nos jornais da época.Em 1965 os alunos excedentes do CP II
se tiveram de se matricularem em colégios da rede estadual. Em 1966, depois de muita luta, o então ministro da
educação Pedro Aleixo foi favorável a ampliação de vagas para atender os alunos excedentes. (Ata do Conselho
Departamental fevereiro de 1966).
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Os grêmios do Colégio Pedro II tinham sido fechados logo após o golpe,
desmobilizando os alunos, já perplexos diante do próprio golpe. A nova situação imposta aos
estudantes obrigou-os a iniciarem as discussões sobre a reorganização do movimento e lutar
pela reabertura dos grêmios, principalmente após a extinção oficial, pelo governo militar, das
entidades estudantis.
Os secundaristas resolveram enfrentar as imposições governamentais reorganizando-
se através do Conselho Nacional dos Estudantes e nomearam uma junta governativa com o
objetivo de dirigir a AMES para realizar o Congresso que elegeria uma nova diretoria. Além
disso, criaram delegacias regionais que tiveram como função principal “centralizar os
trabalhos de penetração e fortalecimento do movimento secundarista” (REFLEXO,1966: 2).
No âmbito interno do CPII, os alunos lutaram, durante o ano de 1965, pela aprovação
do Regimento Interno do Grêmio Científico Literário Pedro II Externato
123
(sede), pela
reorganização dos grêmios de todas as Seções e pela reestruturação da Associação dos
Alunos do Colégio Pedro II, que, naquele momento, era de extrema importância para a união
de todos os alunos num propósito comum.
A questão do movimento de massas é o que podemos destacar, em primeiro lugar,
como um dos principais avanços do movimento estudantil no período entre 1964 e 1968. A
necessidade de mobilização das massas era um imperativo para o prosseguimento da luta
política dentro das escolas e universidades, num momento de refluxo das forças populares.
Com a forte repressão pós-64, o movimento se reorganizou a partir das questões concretas
dos estudantes. Eram elas as lutas contra as anuidades, contra as Fundações Educacionais, por
mais vagas e mais verbas nas universidades, pela manutenção dos restaurantes universitários,
contra a Lei Suplicy e os Acordos MEC-USAID, etc.
A luta contra a transformação dos estabelecimentos de ensino público em Fundações
Educacionais aglutinou os estudantes de vel médio e de nível superior. Segundo Poerner,
em 1966, o movimento estudantil se aprofundou nas denúncias das interferências norte-
123
No jornal Vanguarda Estudantil, foi noticiado este fato dando ênfase à importância da participação dos alunos
na luta pelos seus direitos: “O Grêmio conquistou uma das maiores vitórias políticas no sentido do seu
fortalecimento ao ser aprovado pelo conselho departamental e baixado em portaria pelo diretor do externato,
Professor Carlos Potch, o seu regimento interno, cujos estudos preliminares absorveram o trabalho de várias
gestões, concluído afinal grandes vitórias para os gremistas pela atual diretoria da entidade(...)
(...) Constituída por quatro títulos subdivididos em onze capítulos, nossa “constituição”, entre outras coisas,
consigna fato de capital importância: o reconhecimento do caráter representativo do corpo discente que possui o
grêmio, cabendo-lhe, pois, a responsabilidade de expressar seu pensamento e defender seus interesses.
Isto implica na ampliação dos horizontes gremistas, até então cercado nas limitações das promoções esportivas e
assistenciais, através de perspectivas de defesa conseqüente dos interesses estudantis, como a luta no abatimento
nas conduções pelo ensino oficial, contra a cobrança de taxas e pelo desenvolvimento social, pelas liberdades
democráticas, por uma consciência nacionalista, etc.”. (VANGUARDA ESTUDANTIL, Nº 4, setembro de
1966).
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americanas na educação e propôs o não pagamento de anuidades, principalmente por essa
medida simbolizar o “cumprimento da orientação norte-americana de privatizar o ensino
brasileiro, mediante a transformação das universidades federais e estaduais e dos colégios
públicos secundários, como o Pedro II, em fundações” (2004: 241).
No Colégio Pedro II, a luta contra a Fundação teve início em março de 1966, em uma
assembléia com seis mil alunos, representando todas as Seções. Os protestos se estenderam
até ser anunciado que o Colégio viria a se constituir uma Autarquia Federal de administração
indireta, o que se concretizou somente em fevereiro de 1967. Essa mobilização fortaleceu os
grêmios de todas as Seções.
Os anos de 1966 a 1968 foram marcados por manifestações por mais verbas, por mais
vagas nas universidades e nos colégios públicos e contra as anuidades, que desencadearam a
mobilização nacional dos estudantes contra o corte de verbas para as universidades. Nesse
período, a participação dos estudantes secundaristas cresceu tanto que formavam uma
verdadeira linha dura do movimento, com um radicalismo e uma disposição que chegavam a
assustar os universitários” (POERNER, 2004: 258).
Após a morte do secundarista Edson Luís de Lima e Souto, em 28 de março de 1968,
o movimento estudantil assumiu uma dimensão de aglutinante do descontentamento social
contra a ditadura. A partir desse episódio, a “passeata dos 100 mil” foi um marco do apoio de
diversos setores da sociedade, inclusive de grande parte da classe média, às reivindicações
estudantis, demonstrando um desgaste na imagem da ditadura militar.
A partir do segundo semestre de 1968, as lutas estudantis de massas entraram em um
relativo refluxo. Muitas lideranças estavam na clandestinidade. Em outubro, foi abortada a
realização do XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, e a polícia prendeu as principais
lideranças do movimento.
A partir do AI-5, o Brasil passou por anos difíceis para a luta. A vanguarda estava
toda esfacelada e a resistência armada sofreu derrotas irreparáveis. Os pequenos sucessos,
como os seqüestros de embaixadores para libertar presos políticos, não representavam
qualquer acúmulo político maior. A luta armada teve sua derrocada final em 1974 com a
derrota da guerrilha do Araguaia liderada pelo PC do B.
Do meio para o final da década de 70 é que começaram a se reorganizar, mesmo que
esparsamente, os movimentos populares. As greves do ABC paulista e as lutas pela Anistia
representaram momentos importantes nesse processo. Mas, além disso, diversos outros
pequenos movimentos, como as associações de moradores e de favelas e a própria retomada
do trabalho de base estudantil, foram representativos de um novo crescimento do campo de
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luta popular. Em 1980, em Salvador, foi realizado o Congresso de reorganização da UNE e a
reorganização da UBES somente foi possível em 1981
124
.
3.1.1. Vozes da Memória - os Grêmios do Colégio Pedro II: organização e luta
Para entendermos como os alunos do Colégio conseguiram se organizar tão
rapidamente após o golpe militar é importante sabermos como era a organização dos Grêmios
do Pedro II no período anterior. Suas alianças externas ao Colégio, a rede de relacionamento
que os envolvia, o seu funcionamento, assim como a relação que se desenvolvia com o
alunado do Colégio. A organização do grêmio existe no CPII desde a década de 1930 com o
objetivo de associar os alunos num objetivo comum e fortalecer o alunado inserido numa luta
coletiva de defesa dos interesses estudantis
Nesse sentido, apontamos à concepção desenvolvida por Valéria Carvalho para
tratar da relação de educador e educando que ocorre entre dirigentes e estudantes, “na qual os
dirigentes do movimento estudantil podem assumir papel relevante no processo de
desenvolvimento e amadurecimento da consciência crítica dos estudantes, na medida em que
inseridos nas lutas cotidianas dos estudantes, trabalhem politicamente, estimulando-os a
engajarem-se na luta pela transformação social” (2006: 18).
O fato de não haver historiografia sobre o tema e os estudantes secundaristas não
terem documentos organizados dificultou o desenvolvimento de um trabalho bibliográfico.
Essa história permanece como memória e no campo da historia oral. Os relatos abaixo nos
ajudarão a perceber a força que tinha, no período imediatamente anterior ao golpe, o
movimento estudantil secundarista, mais especificamente no Colégio Pedro II.
“Naquela época era ginásio. Então, desde o ginásio começávamos a participar, o pessoal do
científico já colocava aqueles que freqüentavam mais, por serem mais curiosos, para ficarem mais
junto ao Grêmio.
O Grêmio tinha teatro, tinha também um piano, além das mesas de ping-pong. O grêmio tinha
projeção de filmes, palestras, excursões. Eu fui diretor do Grêmio em 1962, na direção do Muniz.
Eu fui do Departamento de Esportes e quando eu estava no científico, fui sub-diretor de um
colega que era da 4ª série ginasial.
Os diretores eram eleitos. Existia pelo menos uma outra chapa concorrendo também. Pode ter
acontecido, mas eu não me lembro de chapa única. Então os cinco diretores eleitos escolhiam
todos os diretores de departamento.
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A reconstrução veio aos poucos, a partir de 1977. Algumas entidades secundaristas conseguiram fortalecer a
sua atuação nos chamados centros cívicos de algumas cidades e começaram a reaparecer alguns grêmios e um
movimento nacional pelo renascimento da UBES. A consolidação aconteceu com muito esforço em 1981, em
Curitiba. Um antigo galpão, sem teto, banheiros, salas e cadeiras, serviu de base pra as discussões. No local,
apenas muita poeira. Muitos estudantes foram para o sul do país sem dinheiro para voltar. Pedágios foram
armados para levantar recursos. A polícia chegou a invadir o Congresso com a cavalaria. Mesmo com tantas
dificuldades, a UBES renasceu (www.une.org.br/home3/opiniao/entrevistas/m_6764.html ).
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Nem todos os alunos eram cios do Grêmio. Para ser sócio pagava-se uma anuidade. Não era
obrigatório, evidente que não tinha uma rigidez. É claro que nós sabíamos que alguns não tinham
nem condições. Então nós estudávamos as propostas dos que pediam isenção. Muitos também não
tinham tempo, não freqüentavam, tinham que ir direto para casa. Mas era um movimento muito
grande. A cada diretoria o Grêmio ganhava mais participação, e participação política também. Não
uma política partidária, mas uma política estudantil em prol do aluno” (PAULO RUBEM, 2007).
“Quando eu entrei no colégio, em 1957/1958, eu era um jovem atento, e rapidamente eu acabei
indo pro Grêmio, no 2º ano do ginásio. Considero que a experiência que eu tive no Pedro II foi a
experiência mais rica e mais importante.
Eu fui o editor do jornal, que era “A Chama”. Eu virei diretor cultural do Grêmio. Acho que isso
foi em 1959 ou 1960. A partir de 1961, fui eleito para a executiva. Eu acho que fui secretário geral
do Grêmio. Em 1962, fui eleito presidente do Grêmio. Em 1963, eu fui o primeiro presidente da
Associação Geral dos Alunos do Colégio Pedro II, de todas as cinco Seções.
Nisso nós passamos a desenvolver uma visão de que a atividade do Grêmio era congregar os
alunos, desenvolver aquilo que a gente herdava e conhecia, de uma forma que não tinha teoria,
mas sim uma reprodução oral, que era a tradição de ser do Colégio Pedro II.
Então essa atividade era muito menos uma atividade partidarizada, vamos dizer, do ponto de vista
doutrinário. Era a favor das reformas de base, era progressista, mas não era do Partido Comunista.
O que era externo ao Colégio era que nós éramos muito receptivos às coisas que estavam
acontecendo politicamente, às coisas que estavam acontecendo fora. Mas, elas ganhavam uma
tradução ali dentro.
Eu me lembro que nessa atividade associativa, a plataforma mais importante na minha gestão,
na presidência do Grêmio, era desenvolver as seguintes idéias: primeiro, todo aluno é naturalmente
sócio do Grêmio, se ele não quiser, ele avisa que não quer. Então o aluno tem o direito de
trazer a foto e pegar a carteirinha, e não tem que pagar para ser sócio do Grêmio. Antes não
bastava ser estudante, tinha que ser sócio do Grêmio e tinha que pagar uma mensalidade, que era
um porcaria, mas porcaria por porcaria, todo mundo pagando, era dinheiro. Devia ser como uns
dez reais.
A segunda coisa importante: decidimos que teríamos dois tipos de diretoria, uma eleita e uma outra
diretoria, que era a infanto-juvenil, com o objetivo de formar quadros. Era o pessoal que se reunia
com a gente para se entrosar” (CARLOS ALBERTO MUNIZ, 2007).
“Estudei no Colégio Pedro II de 1960 a 1968, na Unidade Engenho Novo até o ano cientifico.
Em 1968 sai do CP II e fui fazer o curso pré-vestibular de medicina no Miguel Couto. No Pedro II
eu fui Diretor do Grêmio do Engenho Novo na época do Muniz. O Muniz era presidente e eu era do
Departamento Infanto-juvenil. Eu tinha quinze anos mas sempre tive facilidade pra organizar
eventos. Então eu era da comissão de baile, de formatura e das atividades do Grêmio. Em 1964 as
divergências políticas se acentuaram em nível nacional, no Pedro II também.
Quando o Grêmio foi fechado no inicio de 1965 por ordem do Vandick, alegando que era ordem do
governo, eu fiquei muito traumatizado. O grêmio ficou fechado com uma corrente e nós ficamos
muito isolados, não podíamos fazer nada, não havia nenhum tipo de atividade. Ficamos um bom
tempo sem ter nada para fazer. Nessa ocasião, de 1965 a 1967, houve um crescimento do
nacionalismo dentro do Colégio e se lutava pelo Colégio. Quando eu sai do Engenho Novo eu perdi
o contato com o pessoal.
Só fui entrar para política na Candido Mendes, eu fazia Direito. Eu fazia tudo que podia para ajudar
no movimento.O Muniz era uma grande liderança desde o CP II, tinha carisma. Mais tarde eu entro
para o PDT. Eu era muito amigo do Nilo Batista, desde o tempo da faculdade quando aconteceu
que eu estava assistindo uma audiência e ele teve um sério desentendimento com o juiz. Ele me
perguntou: “você assistiu?”. Eu tinha visto todo o ocorrido, então, assinei a ata como testemunha.
Nos anos de 1991 a 1994 fui trabalhar com o Nilo como chefe do gabinete. Eu me filiei ao PDT por
causa do projeto de educação que o partido tinha. Eu sou fruto disso, No CPII tive um ensino de
qualidade sem gastar dinheiro, era gratuito e de qualidade. Passei em 12º lugar em Direito.
Existe uma relação de cumplicidade entre os petrossecundenses. O CPII é uma das melhores coisas
que aconteceram minha vida. Tenho orgulho. Os professores era excelentes Eu lembro do professor
de inglês e o de geografia. Eram ótimos. Eu queria ficar no Colégio o tempo todo, queria ficar com
as pessoas, queria brincar. Havia amor, era uma família” (SILVIO VIOLA, 2007).
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“Ali tinha uma organização do PCB no grêmio, que era o Louzada, o Muniz, o Rodolfo, o Motta
Lima, e outros. Eu era massa de manobra, no bom sentido. Era do partido e não sabia, não me
considerava do partido, era liderado por eles, achava tudo justo, era cabo eleitoral nas disputas do
grêmio. Até porque eles eram mais velhos.
Então começamos a ler. Eu me lembro que um dos primeiros livros que eu li foi “A Mãe”, do
Gorki. Eu devia ter uns 14 ou 15 anos, me emocionou muito, me marcou muito o personagem
Pavel, a mãe dele era revolucionária.
Eu não me lembro de ter sido aparelhado pelo PCB. Eu acompanhava o que eu achava justo. Por
exemplo, todas as lutas contra o aumento de bonde, quem encaminhava era o Pedro II. E era
através dessa liderança, que era do partido.
Eu sentia, nessa fase que eu fui do grêmio, muita liberdade em relação à direção do colégio, muita
autonomia. A gente falava de igual para igual com o diretor, respeito mútuo, mas muita autonomia.
Havia seriedade nas prestações de contas, acho até que o Paulo Rubem foi tesoureiro. Havia
transparência, honestidade, uma preocupação com o dinheiro público, que era o nosso dinheiro, e
uma articulação muito interessante com os outros colégios públicos, tinha esse corporativismo.
Teve um peso muito grande na transição da minha vida política, o aspecto da tradição do colégio,
na parte lúdica do grêmio, do esporte, das festas, das brincadeiras que tínhamos, do profundo
espírito de corpo que nos unia, das bagunças. De início eu era de um setor mais despolitizado, mas
que era muito ativo na hora da bagunça, então era assim: “Tem que quebrar o bonde? Então é
comigo mesmo”. Isso com 13, 14 anos, se alguém tinha que fingir que morreu, era comigo, se
tinha que sair no tapa com o colégio tal...” (IVAN PINHEIRO, 2007).
“(...) A gente tinha um sentimento de pertencimento, vinha do Grêmio na medida em que os mais
velhos protegiam os mais novos. Eu não tinha medo da policia, imagina, em 1956 na greve contra
o aumento das passagens do bonde, nós não nhamos medo da polícia. E a gente ia confiante,
porque os mais velhos sempre tinham aquele olhar, protegendo.
Quando tinham as eleições, se eu não me engano, tenho a impressão de que as chapas iam às salas.
Então, mesmo o aluno que não era ligado ao Grêmio, sabia que alguma coisa estava acontecendo.
A gente já começava a ver o que era o mundo, a gente tinha a nossa representação ali, já
começava a ver um correspondente. Porque ali a gente também tinha uma posição, a gente
escolhia, e o que era escolhido, acontecia. Isso era importante.
Eu fui para o Grêmio até um pouco tarde. Fui para diretoria, quando alguém saiu, não me lembro
quem, das Relações Públicas. Então a Alice, que sabia que eu batia máquina, pediu para ajudar a
fazer os ofícios, e assim eu entrei para o Grêmio. Eu não me julgava muito daquele mundo. Eu não
achava que esse fosse um mundo que eu pudesse participar. Teria que ir a reuniões, teria que ir aos
sábados, e eu não tinha essa vida, eu era mida para isso. Eu achava que era um outro perfil, que
não era o meu, então eu ia ajudando de outras formas. Tinha que rever os próprios conceitos para ir
às reuniões, em que as coisas eram mais abertamente colocadas, as posições eram discutidas.
Mas tinha o sentimento de pertencimento, que era muito forte, porque era o Grêmio que ficava
mais com a gente, porque o Grêmio era a ação. Então no colégio você tinha toda aquela filosofia
que amparava, aquela coisa bonita, mas agora o bonito sem ação se perde. Então o Grêmio era a
ação” (MIRIAN CAVALCANTI, 2007).
“Eu entrei no Pedro II em 1956. E o acordar para a política, para a atividade política, a formação
de uma consciência para os problemas políticos, isso se deu, creio eu, em 1960, eu estava na
série ginasial (atual série). E existia o grêmio. Onde é o Pedrinho agora. Eu estudava na Seção
Norte.
Um belo dia, eu me surpreendi olhando uma torre, que devia ter uns três metros, de petróleo
vermelho, na porta do grêmio. Aquilo me chamou a atenção e eu fui ver o que era. Era uma
semana, ou duas, não sei, um conjunto de palestras que haveria sobre a questão do petróleo
promovido pelo grêmio e dado pelo antigo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) que
reunia os intelectuais.
E foi que eu conheci o presidente do grêmio, eu me lembro que ele já era do científico, e era um
cara do Partido, do PCB, eu descobri isso muitos anos depois. Bom, eu fui a uma primeira
palestra, não devo ter entendido muito, mas aquilo me chamou atenção.
Depois eu fiz uma segunda descoberta que foi o meu pai. Eu cheguei em casa e fui falar com o
meu pai “lá no colégio teve uma palestra...”, e eu descobri que o meu pai tinha ao lado da
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cabeceira dele um monte de livros que toda noite antes de dormir ele lia. Meu pai era do Exército,
naquela época ele devia ser tenente-coronel, major, major tenente-coronel. E meu pai me deu um
livro de presente, “lê esse livro aqui”. Foi o primeiro livro que eu li, “O que sabe você sobre o
petróleo?”, famoso livro.
Eu me lembro, por exemplo, que houve uma greve no Pedro II, liderada pelo grêmio, e quando
chegou o diretor de manhã, estavam aquelas crianças todas, pequenas, grandes, o diretor subiu no
muro fez um discurso como diretor e deu uma de Caxias, “sigam-me!”. E ele ficou sozinho,
porque o presidente do grêmio fez um discurso e ficaram todos com ele. Quer dizer, a palavra do
grêmio já tinha um significado, tinha uma força” (FRANCILIO P. LEME, 2007).
“Na Seção Tijuca não havia isso. A Tijuca começou em 1957, mas s não tínhamos um
Grêmio atuante como eles tinham no Engenho Novo. Eu não tive baile de calouros. Eu não via
uma participação do nosso Grêmio. Não sei se foi responsabilidade do Diretor, de não permitir, ou
se porque nós não tínhamos o científico na época, isto é, o colegial e o clássico.
tinha o antigo ginásio. Quando eu entrei, em 1960, tinha gente nova que não tinha essa
prática, não sabia fazer isso. Então nós não nhamos essa história toda que o Paulo está contando.
Eu não participei disso. Sai em 1963 do Colégio. E, em 1963, o Grêmio estava começando a
aparecer. Nesse ano, o Grêmio teve o Pedro Paulo. Nós não tínhamos um lugar nosso como eles
tinham lá na Seção Norte, eles tinham uma sala e tinham galpão. Nós na Seção Tijuca não
tínhamos nenhum lugar em que o Grêmio pudesse se reunir. A gente sabia das coisas pelos outros
colegas, quando a gente se encontrava. Eu acho que o grêmio do Engenho Novo foi diferente
porque o ambiente foi propício. Os professores ajudavam. Na Tijuca nós não tivemos isso
porque o Diretor não permitia, ele não permitia que a gente se reunisse, se visse um grupinho de
alunos, ele chegava para afastar, para desmanchar. s não tínhamos baile de primavera, não
tínhamos eleição de rainha, não tínhamos nada disso. A única coisa que nós tínhamos era festa
junina. Porque o colégio arrecadava dinheiro que ficava para ele, não para o grêmio. Ficava para a
caixa escolar, que ajudava os alunos” (LIANE N. VALENTE, 2007).
“Lá a gente encontrava uma vida do Grêmio muito viva. Claro, a peculiaridade de ser um internato
criava uma facilidade de ser representativo, de congregar os alunos. Ela se dava na medida em que
o Grêmio conseguia tornar realmente estimulante a sua participação, que inclusive se desenvolvia
pela luta política, entre grupos que debatiam as idéias, alguns mais outros menos radicais em
relação às propostas de transformação da sociedade brasileira, mas todos que se encontravam com
a forma de transformar essa realidade.
Basta dizer que no ano anterior à minha eleição, as duas chapas que disputaram as eleições tinham
elementos da chamada esquerda. A direita não se fazia representar. Não que não tivesse voz, mas
não tinha capacidade de reunir uma chapa e se impor como uma alternativa de poder no Grêmio.
O grêmio, dentro desse quadro, era uma vanguarda dos alunos, com essa integração que existia
entre os alunos. Tinha menino de onze anos e o rapaz mais velho. E depois o pessoal da bagunça
acabava sendo atraído pelo Grêmio também, para as idéias, para a luta política. E eu estava sendo
um deles, que estava sendo atraído para a vida política nacional, mas não era, naquele momento,
daqueles mais qualificados para ser um presidente de Grêmio. A eleição do Grêmio era algo muito
disputada. Os candidatos percorriam sala por sala, discutindo idéias, trazendo idéias, e virava um
rebuliço, com cartazes, propaganda, era um negócio quente.
No ano da minha eleição, no meio de 1961, pela primeira vez a direita consegue se organizar e
lançar um candidato que poderia representar os seus valores. Então, eles tiveram que lançar mão
de um nome popular, que ao mesmo tempo tivesse umas “minhocas na cabeça”. E eu
representava isso. Depois disso todos nós conseguimos nos politizar, mas é claro que a política não
tomava todo o nosso tempo, tínhamos mil atividades.
E entre tantas atividades esportivas e culturais, havia uma que tinha um sabor muito especial, se
recordada hoje em dia. Se não me falha a memória, havia uma vez por semana, o que chamávamos
de “A hora literária”. Eram os alunos no auditório, sem a interferência de nenhum professor, a não
ser se convidado por nós. Participavam, levavam suas especulações escritas sobre qualquer
problema, qualquer tema. Eram ouvidos. Essa atividade se dava durante o recreio maior, o da
noite, na hora do jantar. Isso significava que vários alunos escolhiam em vez de ficar nas
brincadeiras próprias da idade, sentar no auditório, ouvir esses debates, que muitas vezes eram
inflamados.
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Quando fui presidente do Grêmio, o diretor era o professor Rocha Lima, que proibiu os bailes.
Para nós foi um desgosto muito grande. O baile era organizado por nós. Tinha um salão enorme,
muito adequado para um grande baile. Quando houve finalmente, no final da minha gestão a
mudança de direção para o professor Afrânio Coutinho, perguntei se podia fazer o baile e ele
respondeu “claro, evidente que pode”, e para nós foi uma festa enorme.
O baile teve uma grande orquestra, do Ed Lincoln, que era o conjunto mais disputado na época, e
eu fui pessoalmente contratar a orquestra, e ele me recebeu muito bem. Quando eu disse que não
tinha um tostão para dar de entrada ele riu muito. Foi um baile inesquecível lá no internato.
Tínhamos atividades esportivas. Quase sempre contávamos com o apoio da direção do colégio.
Organizávamos filmes. Conseguimos levar palestrantes para o colégio, figuras interessantes da
vida nacional e isso tudo provocava freqüência, era formidável. Era uma atividade rica, intensa e
transformadora das vidas dos meninos do colégio.
Quando foram concentrados no turno da noite, na Sede, os alunos mais politizados encontraram
uma ausência de movimento nesta Seção. Não eram politizados, era um movimento frágil. Mas
como nós começamos a incendiar aquele negócio, com as idéias e os debates, o turno da noite logo
se interessou, se mobilizou.
Aconteceu um episódio da luta política na sede. Nós, um dia, em oposição à direção do colégio,
mandamos imprimir um manifesto, claro que não nos identificamos. E mandamos rodar o
manifesto numa gráfica que ficava na rua lateral do colégio. E o sujeito da gráfica, para adiantar o
trabalho, pensando em adiantar o trabalho, mandou entregar à Direção do Colégio. A Direção deve
ter ficado perplexa ao receber não sei quantos manifestos, criticando a própria Direção. Foi um
episódio hilariante, mas que para nós foi terrível naquele momento.
Nós não estávamos atrelados a partidos políticos oficiais. Nós estávamos nos politizando,
descobrindo o socialismo como alternativa. Quer dizer, queríamos as reformas mais radicais, mais
completas.
E o que aconteceu foi que essa reunião de meninos, já trazendo alguma experiência dos Gmio, da
sua vida política, estudantil, levavam para o Pedro II do Centro, toda essa experiência, e a colocava
em movimento imediatamente. Foi chegar e começar a divulgar idéias com os alunos e também
com professores. Nós tivemos até professor que resolveu debater conosco, abriu os olhos para
determinadas coisas. Naquele momento o debate nacional era muito intenso, a UNE crescia a cada
ano, traduzindo tantas lutas do povo brasileiro, em relação às reformas de base e, especialmente,
denunciando o percentual mínimo que chegava à universidade no Brasil, propugnando por verbas
para a universidade. Uma luta que cada vez mais ampliava o seu papel dentro da universidade e
fora dela, no conjunto da sociedade.
Estávamos um pouco isolados no turno da noite. Fomos dialogar com o pessoal da manhã, dizendo
que tínhamos que participar das eleições. E para costurar essa frente foi demorado. Se eu não me
engano, duas chapas lançaram candidatos, e na última hora conseguimos costurar uma aliança com
parte do grupo de bagunceiros.
O nome da chapa foi o seguinte: “Seriedade, Unidade, e Ação”. E saíamos todos gritando: “qual é
a sua chapa?”, “é a SUA”. E aquilo foi um sucesso de marketing, e ganhamos a eleição. E
ganhamos com composição mesmo. Tinha os meninos da bagunça, mas eles se tornaram mais
responsáveis. Eram diretores do Grêmio, com o pessoal mais politizado. E foi ali que eu deixei o
Colégio Pedro II. Foi esse o apagar de luzes da minha participação” (VALTER BEZZE, 2007).
“Havia um movimento estudantil, mas acho que no Pedro II ainda não havia essa atividade, na
Seção Sul, nessa época, a gente era impregnado pela vida política nacional. Final do governo
Juscelino, eleições de 60, depois o governo Jânio, a renúncia, o brizolismo em ascensão,
principalmente a partir da resistência à tentativa do golpe de 61, o impedimento do João Goulart
para ser presidente de república, o movimento estudantil, enfim, tudo isso foi um despertar para a
luta política.
Eu passei a ter uma vida mais estudantil no Pedro II do Centro tinha me afastado daqueles meus
colegas da Zona Sul. Inicialmente me engajei no grêmio, acho que em determinado ano fui
Secretário numa chapa que se elegeu. Isso deve ter sido em 64, já não me recordo mais se fui eleito
no final de 63 ou no princípio de 64, nesse ano eu já estava muito engajado politicamente.
O movimento estudantil do Pedro II, como o movimento estudantil de um modo geral, sofria
influências externas, então havia duas grandes forças que se confrontavam, a AP, ligada ao grupo
católico de esquerda, e o Partido Comunista, junto com as forças de esquerda que circulavam em
torno dele.
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Recordo-me que em algum momento houve uma repressão muito forte, alguns alunos foram
suspensos e ameaçados de expulsão. Quem dirigia o colégio na época era o Roberto Acioli, que era
um quadro político muito eminente do PTB, Partido Trabalhista Brasileiro.
Eu lembro de ter ido numa reunião no apartamento do Darcy Ribeiro, que nessa ocasião era o
Chefe da Casa Civil da Presidência da República, com um grupo de liderança da AMES e da
UBES. E nós fomos conversar com o Darcy para justamente tentar ver como estava a situação
desses alunos que haviam sido suspensos, ou então ameaçados de suspensão do Pedro II, por um
diretor que era considerado progressista, ou pelo menos vinculado ao governo, politicamente,
ideologicamente, talvez de um trabalhismo um pouco conservador, mas que via o movimento
estudantil como contaminado pelo comunismo” (MAURICIO D. DAVID, 2007).
Os conflitos entre os alunos do Colégio Pedro II e do Colégio Militar já fazia parte de
uma história de difícil relação, que acontecia muitos anos e ninguém sabe ao certo como
começou. Atingiu seu ápice no final do ano letivo de 1963, poucos meses antes do golpe
militar, fato que foi largamente noticiado nos jornais da época e teve sua relevância por ter
acontecido naquele momento político conflituoso dos primeiros anos da década de 1960. Os
alunos da Seção Norte contam a sua versão do seguinte maneira:
O episódio da nossa formatura foi marcado pela disputa política, porque era a PE e a PM. Nós
tínhamos uma demanda histórica com o pessoal do Colégio Militar. Em novembro de 1963, nós
resolvemos fazer a festa da nossa formatura, que foi de todo o Pedro II, foi na Zona Norte, foi
centralizada lá. Foi gente de outros Pedro II, nem todo mundo, mas foram delegações. Foi
exatamente um carnaval de final de ano, com bandinha, que era a nossa banda, e nós chamamos as
outras unidades para festejar a nossa formatura. Era muita emoção na despedida do Colégio, a
gente não queria sair. Interessante que era um dia quase que de tristeza, podia ser alegria para
quem não agüentava mais, mas era uma tristeza deixar de ser aluno do Colégio Pedro II.
de manhã cedo, pelas 10 horas da manhã, alguém inventou de pegar o bonde, que vinha na
hora do almoço com a cachorrada do Colégio Militar, o bonde Lins de Vasconcelos que ia passar
na Dona Romana, e virar à direita na Rua Barão de Bom Retiro.
Arrumamos uma turma para ir lá, eu estava envolvido, me disponibilizei, e enfiamos a mão nos
caras do Colégio Militar. O bonde acabou ficando um pouco quebrado também.
Nisso veio uma patrulhinha, um Fusca com dois PMs, e nós metemos a mão nos caras, arrancamos
o rádio deles, para eles não se comunicarem com a central, viramos o Fusca e botamos fogo.
Aquilo mexeu com o espírito de corpo deles, eles começaram a irpara brigar com a gente, então
nós chamamos a PE, porque é um prédio federal, nhamos que ser protegidos pela PE. Quando
ela chegou, nós vibramos, e começamos a jogá-la contra a PM, mas os caras não entraram na
provocação. Ficaram um tempo dentro e, de repente, a PE foi embora, fez um acordo para que a
PM não entrasse.
Ficamos dentro, os líderes. E quem eram os líderes? Em princípio, eram os alunos do terceiro
ano, que estavam indo embora naquele dia e, mais responsáveis ainda, eram aqueles do terceiro
ano da Zona Norte e que eram diretores do grêmio.
Havia um pacto entre nós de que íamos ficar até o fim, tentar salvar todo mundo e ficarmos para o
que viesse, e cumprimos. Foi um processo de negociação grande, eu também fiz parte de algumas
negociações, primeiro conseguimos soltar as crianças da primeira série, depois as meninas, eles
deixaram ir sem que apanhassem, depois o primeiro ano, segundo ano, e ficamos nós. Nisso eles
começaram a jogar bomba de gás lacrimogêneo.
A gente foi destelhando tudo, jogando pedra, acabamos com as pedras todas, com as telhas todas,
as garrafas cheias e vazias do refeitório, não tínhamos mais como resistir. Então arrombamos uma
dependência onde tinha as ferramentas dos pedreiros que trabalhavam na manutenção,
conseguimos fazer um buraco para que alguns fugissem pela Condessa Belmonte, que é uma rua
que tinha atrás. Mas nós decidimos que não íamos fugir, íamos ficar até o fim, e ficamos. Nós
tivemos que nos render, porque a gente não agüentava mais o cheiro do gás, nos prenderam e deu
esse negócio” (IVAN PINHEIRO, 2007).
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“Em 63 foi uma barbaridade. O Exército protegendo o Pedro II do Colégio Militar, para garantir as
provas. Isso porque os dois colégios eram federais, então não podia ser a PM, para nos defender só
o Exército Nacional. Hoje eu acho isso ridículo! Mas para ver a importância do Colégio. Nos
jornais apareceu o Ministro da Guerra conversando, saíram reportagens.
Era muito engraçado, porque a gente não dava a mínima para a PM. Porque nós éramos federais,
então tudo tinha que ser federal. Então essa história do Pedro II deixar de ser federal, causa uma
comoção. Pedro II é federal, colégio padrão do Brasil. Não é qualquer coisa. E naquela época,
dava briga com os militares, isso ficou bem claro, de que a questão era federal também, éramos
federais também.
Nesse dia o meu irmão pequeno, que nunca estudou no Pedro II, mas adorava ir para lá, estava
perto quando o Colégio Militar chegou. Eu não estava lá, estava saindo de casa, que ficava a uns
150 metros.
Eles foram para cima e jogaram garrafas nos alunos do Militar. Era o que tinha. Então quando
eu saí, eu vi aqueles alunos do Militar na porta do Pedro II, e vi também um deles com uma bola
presa numa corrente de ferro, que ele jogou na placa onde estava escrito “Colégio Pedro II”. Eu dei
um berro, queria ir lá, minha irmã me segurou, mas eu sabia que meu irmão estava lá dentro.
E quando eles começaram a entrar, começaram a jogar garrafa, virou uma guerra. Fecharam a
porta de vidro, da entrada do colégio, mas eles quebraram a porta. Tinha funcionários dentro, e
todos estavam tentando trancar pelos fundos, onde tinha uma grade pantográfica. E eu do lado de
fora chorando, gritando. Chamaram a polícia, mas eles não chegaram a pegar ninguém, não
fizeram corpo a corpo, a intenção era desarticular.
E os alunos do Militar queriam destruir o colégio, eles deram a volta, hoje não para ver, mas na
época era um espaço livre, e cercaram o prédio. E os alunos em cima jogando tudo o que tinha
para evitar que eles entrassem, porque se entrassem iam pegar o pessoal, eles eram muitos. E quem
estava era a turma do final da festa, que estava arrumando, eram poucos. E eu me lembro até
hoje do rapaz com a bola de ferro presa na corrente, jogando na placa do colégio.
Isso foi em julho, mas a briga continuou, era uma convivência perigosa, nem sei como os alunos
do Maracangalha (Seção Tijuca) conseguiam conviver com eles tão próximos. Eu acho que o
problema era mesmo com a gente da Seção Norte.
Em novembro, eles disseram que iam atacar, foi resquício da outra briga. Aí colocaram o Exército
que parou o trânsito. Foi uma bagunça. Estava passando um bonde com gente do Militar, que deu
problema. Depois que eles foram agredidos, saltaram e depois voltaram. A PM jogou bombas de
gás lacrimogêneo. O Colégio Pedro II e o Colégio Militar tinham relações delicadas, sempre no fio
da navalha, pela questão ideológica, chamavam os alunos do Militar de “cachorrinhos
matriculados”. Mas também na época eles eram mais para o lado do Lacerda. Eles eram a defesa
do status quo. Não foi à toa que depois veio o golpe. A sociedade estava muito dividida” (MARIA
CRISTINA FAISSAL, 2007).
3.2.A imprensa estudantil do Colégio Pedro II
A imprensa estudantil foi um dos principais instrumentos de mobilização e
conscientização dos estudantes do CPII. Desde o final do século XIX, sempre esteve presente
a preocupação dos alunos em opinar sobre os problemas nacionais e defender suas idéias. Os
debates sobre o abolicionismo, sobre a República e outros assuntos da política nacional
inspiraram a fundação, em 1879, da revista As Letras, fundada por Raul Pompéia, que foi
aluno do Colégio. E, desde esses tempos, havia quem censurasse vários dos periódicos que
circulavam entre os alunos. Conta Fernando Segismundo, a respeito:
“Ocasiões houve em que a censura caminhou paralela com os jornais, abortando-lhes os propósitos.
Assim sucedeu ao periódico “A Discussão”, proibido de circular em 1886, graças às idéias nele
expedidas. Liquidaram-no o Ministro do Império Ambrósio Leitão da Cunha (Barão de Mamoré) e o
reitor do Internato Aureliano Corrêa Pereira Pimentel” (SEGISMUNDO, 1987: 45).
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No início do século passado, a produção de jornais, manuscritos ou impressos, foi
intensa no Colégio Pedro II. “Quando há recursos financeiros são as folhas impressas,
ganhando aparência de autênticos jornais” (SEGISMUNDO, F. 1987, p.45). Dentre os
autores e incentivadores, Fernando Segismundo cita os ex-alunos Visconde de Taunay,
Prudente de Morais, Pedro Nava, os vários professores que inspiraram as produções literárias,
tais como: Joaquim Manuel de Macedo, Silvio Romero, José Oiticica, Álvaro Lins dentre
outros que igualmente influenciaram diversas gerações de alunos a prosseguirem essa
atividade como: o poeta J.G. de Araújo Jorge, Alziro Zarur, Isaac Volchan, Julio Louzada, o
próprio Fernando Segismundo e mais uns tantos alunos jornalistas que deixaram seus sonhos
e ideais registrados nas páginas dos jornais estudantis. As publicações, citadas pelo professor
Segismundo, eram Pronome, Arauto, Vanguarda, Fon-Fon, A Careta, Vamos Ler, Ciências e
Letras, Atalaia, Ateneu, etc.” (1987, p.47).
A respeito, o Prof. Wilson Choeri afirma que a produção de imprensa estudantil
sempre foi estimulada no Colégio. “Tanto no internato como na Sede surgiam jornais e
revistas. Algumas publicações foram incentivadas por professores: outras, por iniciativa
própria do alunado, e mantinham linha de independência crítica”. Na década de 1940,
publicações como Ciências e Letras, O Brado, O Tangará e Alfa-Ômega abordavam os
acontecimentos “históricos e sociológicos que pulsavam no Brasil e no Rio de Janeiro”
(CHOERI, 2004: 106) Ainda segundo observação de Choeri, os alunos “primavam pela
qualidade na redação dos seus textos, quer nos assuntos, quer no uso escorreito da língua”
(CHOERI, 2004: 110).
Com a expansão do Colégio, através da fundação das novas Seções e, também, com a
criação dos diversos grêmios estudantis, proliferou a produção de jornais e revistas. Alguns
chegavam a ter uma tiragem de mais de cinco mil exemplares, impressos na gráfica do
Colégio. A partir da década de 1950, outras publicações surgiram nas Seções. Os alunos do
Internato fundaram A Flama; na Seção Norte, foi fundado o jornal A Chama e a revista CAE
(Ciência e Arte Estudantil) e nas outras Seções houve outras publicações de menor alcance.
“(...) Em 56, na Seção Norte, é criada a CAE, revista Ciência e Arte Estudantil, criada por Ricardo
Tacuchian, Amauri Solon Ribeiro e Charles Chan. Depois, durante vários anos, outros entraram e
outros saíram ao se formarem. Eram vários números, eu hoje relendo fico imaginando como eles
conseguiram. É interessantíssimo como eles conseguem patrocínio de Casa Cruz, várias casas
famosas da época, varias casas grandes, Casa Mattos, Ao Estudante, Correia, Casa José Silva, A
Colegial e tem o seu Jorge também, com a Papelaria 3B patrocinando. Eles conseguem, em 56,
patrocínio de fábrica de carroceria de ônibus, e outros mais. Quer dizer, era a importância do
colégio.
Esses três primeiros criadores da revista não eram do grêmio, depois eles criam a Academia de
Letras do Colégio Pedro II, semelhante à Academia Brasileira de Letras, em 1955. E depois, logo
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em 56, é criado “A Chama”, que é do pessoal do Grêmio. Depois juntam, vira uma coisa só, não há
mais a separação” (PAULO RUBEM, 2007).
O último jornal criado antes do golpe militar foi o Padrão, órgão oficial da
Associação dos Alunos do Colégio Pedro II, que foi fundado em 1963, logo após a fundação
da AACPII. No editorial desse jornal percebemos a preocupação dos dirigentes em valorizar
a relação com o alunado afirmando que o Padrão era “o elo que une a cúpula da entidade
máxima representativa às suas bases. É o diálogo franco entre educando e educador,tendo
como objetivo tornar o estudante sujeito de sua própria educação” (PADRÃO, novembro de
1963).
Com o golpe militar, os grêmios do Colégio foram fechados e as publicações
cessaram. O movimento estudantil secundarista, assim como o movimento universitário, foi
desmantelado e suas entidades de nível nacional e estadual foram extintas. Nos primeiros
meses após o golpe, os secundaristas iniciaram a reorganização do movimento, tendo de
preparar novas lideranças e estruturas. Jornais como A Chama (S. Norte) e A Flama
(Internato), que existiam antes do golpe, haviam sido interrompidos, mas ressurgiram a
partir da reorganização dos grêmios. No ano de 1964, foi fundado o jornal Vanguarda
Estudantil, com o objetivo de ser um meio de divulgação das lutas em defesa dos direitos dos
estudantes. Anselmo André Amador um dos fundadores do jornal, aluno padrão e
verdadeiro líder estudantil”
125
, cultivava a idéia de que o Colégio Pedro II deveria estar na
vanguarda das transformações sociais e educacionais do país.
“Uma coisa que também me impressionava muito no Pedro II era a qualidade da imprensa, pela
quantidade de jornais em todos os lugares do colégio (...) os jornais eram uma forma de manter
contato com as pessoas, e de ter diferentes linhas políticas. Você vê que no jornal uma profusão
de linhas Políticas” (MARIA BEATRIZ A. DAVID, 2007).
Os outros jornais como Reflexo (S. Norte - 1966), Bossa Nova (Sede - 1966) e
Carcará (Sede - 1966) foram surgindo à medida que os Grêmios foram se reestruturando e as
discussões políticas foram se acirrando. Dependendo da ocasião, defendiam chapas diferentes
em época de eleições para direção dos grêmios. Em alguns pontos mais específicos tomavam
posições divergentes.
Todos os jornais citados eram de qualidade, bem estruturados, com mais de oito
páginas, em formato grande de jornal, com uma tiragem que atendia a todas as Seções,
chegando a doze mil exemplares, impressos em gráficas de jornais de grande circulação, nos
125
Palavras proferidas pelo professor Carlos Potsch na solenidade de inauguração, na sala do Grêmio – Sede, da
placa com o nome do fundador do jornal Vanguarda Estudantil, que havia falecido há cerca de dois meses.
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quais eram abordados assuntos de relevância local, no âmbito do Colégio, e assuntos acerca
das questões nacionais e internacionais.
Analisamos exemplares dos cinco jornais que circulavam no Colégio, no período de
1965 a 1967, período no qual ainda era possível se manifestar, protestar e exprimir, com
relativa liberdade, as opiniões estudantis. Depois do AI-5 isso se tornou impossível. A partir
das análises desses jornais, pudemos acompanhar as diversas lutas organizadas, nesse
período, pelo movimento estudantil e o engajamento da comunidade do CPII nessas lutas.
Vanguarda Estudantil
O jornal Vanguarda Estudantil foi criado em 1964, tendo como fundadores Anselmo
André Amador e Léo Alves do Rego Serra, ambos falecidos entre os anos de 1965 e 1966.
Esse jornal era constituído por 16 páginas divididas em dois cadernos de oito páginas cada
um. O primeiro caderno tratava, principalmente, de assuntos relativos ao grêmio, ao colégio,
ao movimento estudantil e à educação. O intitulado “Outro Caderno” tratava de questões
internacionais, cultura e entretenimento.
Os números do Vanguarda Estudantil que analisamos neste trabalho foram dois
exemplares do primeiro caderno, de setembro de 1965 e de outubro de 1966, e um exemplar
do segundo caderno de maio de 1965.
Na primeira gina, do exemplar de setembro de 1965
126
, sob a manchete
“Vanguarda Estudantil perde seu fundador”, é reeditado o artigo “O drama de um cara de
cavalo” escrito por Anselmo Amador para o primeiro número do jornal. Na mesma gina, o
artigo intitulado “Manequinho vence festival”, informa que o filme, realizado por um aluno
do Pedro II, foi premiado no Festival do JB. Esse assunto foi ressaltado, na página 3, com
maiores detalhes sobre os filmes.
Os problemas internos do Colégio foram abordados em vários espaços do primeiro
caderno, em matérias que tratavam das diversas reivindicações dos alunos como: o fim das
aulas aos sábados no turno noturno; o encaminhamento do projeto de Regimento Interno do
Grêmio ao Conselho Departamental (p.2); a aprovação do Regimento Interno do Grêmio pelo
Conselho Departamental, baixado em portaria pelo Diretor do Externato, Carlos Potsch, e a
instituição do curso gratuito de recuperação, nos moldes do curso de férias (p. 7).
126
Expediente do jornal 4 de setembro de 1965 (ano II): Redator-chefe: José Roberto Spiegner, Redação: José
Paulo Kupfer, José Alexandre Schiekman, Edson Rodrigues; Arte: Carlos Alexandre Paiva, Benício Medeiros;
Fotografia: Jovanildo Savastano; Publicidade: Léo Alves do Rego, Mauricio Gregório, Jonas Gomes. Obs:
artigos não assinados são de inteira responsabilidade da diretoria do grêmio. Era vendido por 70 Cruzeiros. Os
anúncios que apoiaram e financiaram este exemplar foram: Casa Cruz, corretores de fundos públicos; Pré-
vestibular Boechat e, na página 6, anúncio de página inteira do Curso Bahiense.
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Através de pequenas notas, eram informadas as atuações do grêmio, como: a
reorganização da secretaria (p. 2); a inauguração da sala do grêmio com o nome de Anselmo
André Amador (p. 4); o retorno do Setor de Promoções Cinematográficas do grêmio, com a
realização de sessões semanais pelo cineclube (p. 8).
Na Seção “Zona Sul”, o artigo sobre o grêmio, que completou 34 anos, relata sua
origem e seu objetivo de “formar uma geração de homens autênticos, livres, e conscientes,
que se encarregarão de promover a emancipação política, econômica e cultural de nossa
pátria” (p. 3). Ainda na seção “Zona Sul”, o texto “O que é realmente um grêmio”, de
Francisco José Costa Rodrigues, critica o grêmio da Seção Sul, por não ter diálogo com os
alunos, e pelo fato de suas atividades se reduzirem à confecção de carteirinhas e cartazes (p.
4).
Na Seção Internacional foi publicada, com a intenção de esclarecer a “situação
através de um novo ângulo”, uma carta de um universitário norte-americano que estava
vivenciando a luta racial no Sul dos Estados Unidos (p. 5).
Na última gina, dedicada principalmente ao esporte, havia artigos sobre o torneio
Copa-Sede de Futebol de Salão e sobre a realização semanal de Voleibol “para formar uma
equipe representativa do Grêmio (...)”.
O segundo caderno do Vanguarda Estudantil, chamado “Outro Caderno”, de
Maio/Junho de 1965, abre com a matéria “Guerra é assunto de todo mundo: Vietnã”, escrita
por Paulo Fernando Cardoso, em repúdio à guerra do Vietnã. Mas essa parte do jornal era
dedicada, prioritariamente, à cultura e ao lazer.
Nas primeiras páginas encontramos a matéria sobre teatro, assinada por Luiz
Fernando (p.1), falando sobre a estréia da peça “Electra”, do Grupo Decisão, que
comemorava seu segundo aniversário; a coluna sobre cinema, de Paulo Sternick, com o texto
“Ensaio Crítico Histórico sobre a origem do cinema”; e uma nota sobre ciclo de cinema
realizado pelo Departamento Cultural do Grêmio (p.2). O jornal se preocupou, também, em
incentivar a literatura através de crônicas, poesias, humor e charadas feitas exclusivamente
por alunos, além de tratar de ciências e futebol (p. 4 - 8).
O exemplar de outubro de 1966
127
é uma edição extra que ressalta, na primeira página
as eleições para o Grêmio, sendo o assunto tratado, também, na matéria “O grêmio e a
127
Expediente do jornal 7, de outubro de 1966 (ano III). Edição Extra: Redator-chefe: Benício Neiva de
Medeiros; Redatores: Roberto Lent, José Paulo Kupfer e Alexandre Gaze. Colaboraram neste número: André
Luis de Sousa Pontes, Francisco José Costa Rodrigues, Paulo Brejeirão, Paulo Murilo Portelinha, Sérgio
Trouiller, A. Coentrão Leal, J. Luis Fontoura de Albuquerque, Arno Wehling, JoRoberto Spiegner e Hélio
Augusto da Assunção. Fundadores: Anselmo André Amador Jr. e Léo Alves do Rego Serra (ambos já falecidos).
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‘Unidade e Trabalho” (p. 8), destacando as realizações de sua gestão anterior. Nessa página,
aborda-se a reivindicação dos alunos do terceiro turno contra a exigência do uso de paletó e
gravata para esse turno.
Destaca-se, na segunda página, a matéria “Resistência histórica” – depoimento de um
aluno do CPII (não identificado) que participou da invasão da Faculdade de Medicina, na
madrugada do dia 22 de setembro de 1966.
Os assuntos educacionais são tratados nas matérias sobre a carreira de Desenho
Industrial (p. 4), sobre o combate ao analfabetismo (p. 8) e na matéria sobre montanhismo,
assinada por Maria Therezinha Guzzo.
Percebemos o incentivo à cultura na matéria sobre Chico Buarque, de José Paulo
Kupfer (p. 5), no texto sobre Frederico Garcia Lorca (p. 5) e na página sete com as poesias:
“Criação”, de Francisco José Costa Rodrigues, “Caleidoscópio”, de Benício Neiva de
Medeiros e “Resquício de felicidade”, de André Luiz de Souza Pontes e no artigo sobre os
dois filmes produzidos pelo Grêmio Científico e Literário Pedro II, para o Festival de Cinema
Amador JB – Mesbla, “Canção Urbana” e o filme “Terceiro Tempo” (p. 3).
(...) o “Vanguarda Estudantil”, tinha uma tiragem de 10 mil exemplares. Eu fui em alguns cursos
pré-vestibulares e algumas editoras, como a Jorge Zahar, que era a grande editora de ciências
sociais da época, mostrar o nosso jornal. Jogava aquela lábia, de que ele era lido por 10 mil alunos
do Pedro II, e quando eles fossem para a faculdade iriam comprar livros, e para os cursos, vendia a
idéia de eles terem um canal de comunicação com os futuros vestibulandos.
Com isso a gente deu um salto, porque conseguimos um financiamento mais ou menos estável, e
assim evoluímos profissionalmente. Aliás, nessa época, o nosso jornal era o que mais perturbava o
colégio, era impresso, com uma tiragem de milhares de exemplares, distribuídos gratuitamente, e
que era financiado pelos anúncios dos cursinhos pré-vestibulares (Mauricio).
Bossa Nova
O Jornal Bossa Nova
128
era constituído por duas partes: o primeiro caderno com oito
páginas e o segundo caderno intitulado Opinião, que não poderia ser vendido separadamente,
de quatro páginas.
Obs: Autores assinam e se responsabilizam. A tiragem deste número foi de 12 Mil Exemplares. Anúncios que
apoiaram essa edição: Curso Geológico, especializado em pré-vestibular de Geologia, “O Brasil e suas
Riquezas”, livro de Valdemiro Potsch, Institucional da Esso (sobre seus projetos culturais), Curso P. Antonio
Vieira, admissão e Art. 99, Sabonete Eucalol, Indústrias Klabin do Paraná de Celulose, Electra, escola de rádio e
televisão, Cursos Vetor, Miguel Couto, Curso Bahiense, Curso Freitas Dias, preparatório para normal e cadetes
do ar.
128
Expediente do jornal Bossa Nova do CP II Sede 2 maio / junho de 1966 (Ano I): Redator-chefe: Mauro
Kopit, Secretária: Aparecida Silva, Tesoureiro: Carlos Loureiro, Diretor comercial: Eduardo Ponte, Diretor de
distribuição: Tédison Kubrusly, Diretor de artes: Lena Rúbia Jesus, Fotógrafo: L. A. São Paulo, Colaboradores:
Sandra Regina Silva, Angeliki Alexandrou, Nicola Visconde Luciano, Edileuza Brandão, Maria Inês Rachid,
Mário Bouças. Obs: o jornal não se responsabiliza pelos artigos assinados. Impresso nas oficinas gráficas do O
Dia. Edição de 12 Páginas era vendido por 50 Cruzeiros. Os anúncios que financiaram esse exemplar foram:
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Na primeira gina, o destaque era a manchete: “Proibido congresso da AMES”, com
uma foto do então presidente da entidade discursando no Largo do Pedregulho, ao voltar da
entrevista com o General Niemeyer que confirmou a proibição da realização do XIX
Congresso da AMES. Também nessa primeira página, havia uma nota sobre um professor de
colégio carioca a favor da volta da palmatória, uma chamada para a matéria sobre o projeto
de fundação e outra sobre o Brasil na Copa do Mundo.
Na Seção “Revolta” (p. 2), predominavam textos críticos sobre questões sociais e de
diferentes tendências políticas como: “Páginas Negras” sobre a escravidão, de João Pedro,
“O problema das revistas infantis”, de Lena Rúbia, “Imperialismo mal milenar” e
“Nacionalismo”, de Ed Luciano e “Por que o Kremlin o levanta a ‘Cortina de ferro’” (p.
2).
Na Seção “Tudo de tudo”, de Lena Rúbia, como o próprio nome diz, eram publicadas
pequenas notas sobre assuntos variados, como música e teatro e ainda uma matéria sobre os
males causados pelo cigarro intitulada “Jovens Fumantes”, de José Ricardo Santana Santos
(da turma 4ª A).
O Bossa Nova abordava assuntos variados que se espalhavam pelo jornal, dentre as
diversas matérias se destacavam os textos: o “Muiraquitã”, sobre uma história baseada em
lendas indígenas da Amazônia(p. 4); “As simpatias de São João” sobre as tradições da festa
de São João;“Pique-nique com comida congelada”, que tratava sobre a inauguração da
primeira fábrica de comida congelada no Brasil, de Carlos Loureiro (p. 6); “Enxadristas
célebres”, sobre xadrez escrito por J. T. Mangini, bicampeão brasileiro e dez vezes campeão
carioca; uma entrevista com o Almirante Aniceto Cruz Santos, sobre a construção naval no
Brasil (p. 7); e “O Brasil e a Copa” (p. 8).
Nas notas BN curioso” (Bossa Nova curioso), tratava-se de curiosidades em geral
tais como, tapetes persas amaldiçoados, equívocos sobre a História do Brasil, automobilismo,
questão atômica e outras curiosidades.
A matéria sobre a proibição do congresso da AMES, foi ressaltada em uma
página,nesse número, na qual é publicada a programação inteira do evento e nota oficial da
entidade. As principais reivindicações eram 50% de desconto nas passagens, padronização
das carteiras estudantis e dos livros didáticos, e barateamento do material escolar. O
congresso estava marcado para o dia 27 de maio, no Sindicato dos Metalúrgicos, às 20 horas,
porém, os policiais que estavam desde cedo vigiando a movimentação, impediram a entrada
Livraria Entrelivros, Cursos Boechat, anúncio de meia página do Curso Bahiense, Sabões Dunorte, Jornadas
Esportivas ESSO, transmitidas pela Rádio Globo, Instituto de Idiomas Yázigi.
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dos estudantes. No dia de junho, às 14 horas, durante a entrevista do presidente da AMES
com o Gal. Niemeyer, Superintendente Executivo do DOPS, ficou resolvido que o Congresso
não se realizaria, sem serem apresentadas razões para tal decisão (p. 5).
E a outra matéria relevante foi intitulada “Morreu o projeto de Fundação?”, em que o
Prof. Carlos Potsch declarava à redação do jornal que “o projeto de transformar o colégio
padrão em fundação morrera”, enquanto que os diretores do Grêmio e da associação
afirmavam que continuava em andamento. O Ministro da Educação, Pedro Aleixo, em
declarações publicadas no “Correio da Manhã”, afirmou ser contra o projeto, e que o colégio
deveria manter sua condição de estabelecimento padrão e de centro do Ensino Médio, nos
regimes de Externato e Internato. Afirmava, também, que pretendia fixar o número de vagas,
e que os excedentes seriam matriculados em outros colégios, em convênio com o governo
federal (p. 7).
O suplemento “Opiniãotratava de assuntos culturais e artísticos, como as poesias
“Parabéns para você, de Lena Rúbia, “Adolescente!”, de Maria Inês Rachid, “Mãe”, da
inspetora Conceição Correa Pereira, a crônica “Hoje”, de Maria Aparecida da Silva, o texto
de Lena Rúbia sobre seu livro “Meu mundo” e a Seção “Beatlopinião”.
Carcará
O Carcará
129
era constituído por um caderno de oito páginas, contendo,
prioritariamente, notícias e informações sobre os problemas relativos aos estudantes do
Colégio Pedro II e suas reivindicações. Além disso, também abordava as reivindicações
estudantis no âmbito mais amplo e os problemas nacionais como o texto sobre a fome no
Brasil, de Balthazar “Fome problema do momento”, no qual denunciava o alto índice de
mortalidade infantil por inanição (p. 7).
Percebemos, no exemplar analisado, a preocupação com questões culturais nas seções
que tratavam de cinema, no texto de José Paulo Kupfer (p. 4) , de música, por Guigo (p. 4),
de artes plásticas, por Jack London (p.3), no conto “Missa do Galo”, de Machado de Assis
(p.3), na crônica “Inocentes culpados”, de Manoel Monteiro Jr e no texto sobre ballet, de
Arturo Washington (p. 7). Assuntos diversos eram tratados em matérias como o texto de José
Sérgio Toledo sobre a ex-aluna Vilma Greco, candidata à Miss Brasil, a matéria sobre futebol
129
Órgão dos Estudantes do Colégio Pedro II Externato (Sede), Junho de 1966 –Ano 1, Número 1. Este jornal
recebia apoio através dos seguintes anúncios: Curso de inglês Peter, Fábrica de Doces Pingo de Leite, Banco da
Lavoura de Minas Gerais. A tiragem desse exemplar foi de dez mil exemplares. Na primeira página, uma
propaganda: “Colega! O dever do estudante é educar-se na luta pela emancipação da pátria! Leia sempre
Carcará, um jornal autêntico”.
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“Jornada do Tri”, escrito por José S. Toledo (p. 8) e a seção de humorismo, escrita por Gugu
(p .5).
Na manchete da primeira página deste número destacou-se a notícia sobre a vitória da
comunidade petrossecundense na luta contra a transformação do CPII em Fundação
Educacional, “Vencemos. Fundação: primeira etapa da luta”. Seguia um artigo que avaliava
essa vitória como sendo um fato auspicioso e indicava que somente organizados se atingiria
os objetivos e que do “trabalho consciente e real, objetivo e concreto, dependerá o futuro
(...)”. Ao lado do artigo, a foto da aluna Beatriz, presidente da Associação de Alunos,
discursando ao lado do diretor Carlos Potsch, na assembléia em que 6.000 alunos repudiaram
o anteprojeto que propunha transformar o Colégio em fundação.
Na segunda página, o artigo sobre a suspensão do congresso da AMES, e as alegações
do superintendente do DOPS, Gal. Niemeyer. Em reunião com a direção da entidade, o
general alegou que “a realização do Congresso ia de encontro às normas vigentes do atual
governo”.
Também nessa página o artigo intitulado “Liberdade, liberdade”, de José Sérgio
Toledo, ressaltava como ponto positivo do trote, realizado pelo CACO, nas ruas do centro do
Rio, as críticas dos estudantes ao Governo Federal, à Universidade do Brasil, à SUNAB e aos
Estados Unidos.
Na seção Política, escrita por Regina, o artigo A Participação dos Estudantes na
Vida Política do País” (p. 3) mostrava a indignação dos estudantes com a concepção que se
tentava impingir à sociedade, naqueles tempos, de que os estudantes não deveriam participar
da vida política do país.
Pudemos perceber as atividades dos Grêmios em diversas notas espalhadas pelo
jornal, tais como: a nota sobre a realizada festa junina da Seção Norte, felicitando os
organizadores e desejando que a mesma fizesse parte do calendário da Associação de Alunos,
assinada pela direção do jornal; a nota de rodapé em que apresentavam a intenção organizar,
em breve, o Comitê Geral de Imprensa do Colégio Pedro II (p. 3); a nota da AMES
agradecendo à diretoria, professores e alunos dos colégios Cardeal Leme e D. João VI pela
solidariedade à campanha pelo abatimento de 50% nos transportes coletivos para os
estudantes (p. 7); e o texto de Carlos Bastos em repúdio ao Grêmio da Tijuca, criticando a
alta anuidade e a discriminação em relação ao sexo. No grêmio dessa seção, os alunos
podiam entrar no grêmio se estivessem com a anuidade paga e eram separados dias para as
visitas dos meninos e das meninas.
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A Flama
O jornal estudantil A FLAMA
130
era composto e impresso nas oficinas gráficas do
Internato e já existia havia 14 anos. Tinha como lema “Atreve-te a viver tal como pensas”.
No número que localizamos, percebemos na capa a preocupação em destacar às
questões internas do Colégio, como no artigo “Associação em ponto morto”, criticando a
Associação de Alunos, considerando-a divisionista, “pela inoperância de alguns e a falta de
representantes autênticos nas seções, provocando o não cumprimento das palavras de ordem
lançadas”. Apontava, ainda, a necessidade de legalização, que foi atrasada por conta da
prorrogação em apresentar os estatutos para a Direção, o que atrapalhava as ações, como
ocorreu na Sede e na Seção Norte. Considerava que a falta de atuação do órgão central de
representação, poderia dificultar uma reação às constantes ameaças sofridas pelos alunos
(p.1).
As participações diretas nos movimentos dos estudantes naquele período eram
ressaltadas na avaliação positiva da Festa Junina (p. 2) e no balanço da atuação do grêmio em
“O que Fizemos, o que faremos”, escrito por Ari Roitman, sobre a organização definitiva do
grêmio, depois de encontrá-lo parcialmente organizado, por conta das dificuldades
enfrentadas pela gestão anterior, que conseguiu a sua reabertura. Apontava, também,
realizações importantes como a festa junina, a Copa Internato, a articulação da seção cultural,
o departamento de relações públicas e os jornais-murais. Não deixava de ressaltar, também, a
participação mais firme do grêmio em entidades como a Comissão Intergrêmios, e a
Associação de Alunos, e em manifestações, como as organizadas contra o acordo MEC-
USAID. Por fim, convocava os alunos a continuarem apoiando o grêmio, como um meio de
torná-lo cada vez mais forte, e conseqüentemente, mais atendido em suas reivindicações
(p.1).
Os problemas mais gerais, relativos ao movimento estudantil e às relações de poder,
eram tratados na fábula “A formiguinha e o elefante”, cuja moral é “ninguém é tão forte que
não possa ser ferrado”, e a sub-moral “cada um interpreta como quiser, pois a redação jura
que não vai confinar ninguém por isso!”; no texto “Evasão escolar”, retirado na íntegra da
publicação “Flagrantes brasileiros”, do IBGE (p. 2); e na matéria “Perspectivas dos
130
Órgão Oficial Dos Alunos Do Colégio Pedro II – Internato, foi analisado pelo seu exemplar Nº 2, de Outubro/
Novembro de 1967. Expediente: Cláudio A. Egler, sar Romero Garcia, Ari Roitman, Sérgio P. Luz, Mariano
P. Valaderes Filho e Wolf Vel Kos. O jornal apresenta os anúncios do alfaiate Gomes e da loja “A Colegial” ( p.
2) e anúncios da Livraria Missionária, da loja de chaves MRF, da Papelaria S. Benedito e do curso de inglês
Ebec (p.7). Com esses anúncios, os alunos conseguiam o meio financeiro para sustentar o jornal e algumas
emergências do grêmio. O preço estabelecido era NCR$ 0,05 (cinco centavos de um Cruzeiro Novo). Em uma
observação ao final do expediente encontramos: “este jornal é censurado pela direção do Colégio Pedro II”.
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vestibulandos”, que se preocupava em esclarecer aos alunos sobre a “reestruturação do
ensino superior”, a partir dos acordos MEC-USAID, com trechos retirados do Relatório
Atcon. Nessa mesma gina, um artigo menor intitulado “CAP: o mural e a moral”, tratava
da destruição dos murais do Colégio de Aplicação da FNFi
131
, sob a alegação de serem “anti-
pedagógicos e subversivos” (p. 3).
Questões internacionais também eram tratadas. Nesse número, a Guerra do Vietnam é
ressaltada através do poema As reflexões sobre o bombardeio de napalm nas aldeias da
floresta perto de Haiphong”, escrito por uma norte-americana de 13 anos em protesto contra
o lançamento de bombas incendiárias de napalm nas aldeias vietnamitas (p. 5) e a reprodução
dos trechos mais importantes da publicação do filósofo e escritor Bertrand Russel “Um
chamado à consciência norte-americana” (p. 7).
Além das matérias relativas à política local, no âmbito do CPII, e à política geral, o
jornal oferecia uma vasta seção cultural, que tratava sobre música, com o texto “Questão de
sobrevivência”, de César Romero; sobre teatro, com o texto “Teatro e o grupo Opinião”, de
Wolf Kos; e sobre cinema, com o texto “O cinema hoje”, de Cláudio Egler.
Na seção “O Aluno Escreve” (p. 4), os alunos contribuíram com um ensaio sobre
Carlos Drummond de Andrade (p.5), com as poesias e reflexões de André Luiz, Sérgio Luz,
Cypriano e Nino, nas quais falavam sobre o amor, a “esperança da juventude de todo o
mundo”, a igualdade, a vida, as guerras e as reflexões sobre o destino de cada um.
Na última página, dedicada ao esporte, sobressaía uma matéria reivindicando a
dinamização das atividades esportivas no Colégio e mostrava o esforço do Grêmio
Internato em promover atividades esportivas como: a Copa Internato de Futebol, as
competições de tênis de mesa, xadrez e outros torneios e, por fim, lembrava a importância de
se ter um grêmio forte e com ampla participação para se conseguir lutar pelas reivindicações
dos alunos (p. 8).
“(...) Eu tinha sido diretor de “A Flama”, organizei um ou dois números do jornal. Na
época era difícil, não tínhamos dinheiro, tínhamos que contar com ajuda daqui e dali. Tínhamos
que vender um pouco de propaganda, fazíamos de tudo para rodar o jornal, que era rodado na sede
do O Dia. Eu me lembro dos números que saíram e a gente tinha que ficar acompanhando todas as
fases, fazíamos tudo, desde escrever os artigos até entregar o jornal” (CLAUDIO EGLER, 2007).
(...) e eu era amigo do Cláudio Egler, antes do Pedro II a gente vivia junto. Fomos juntos
convidados a participar do grêmio, em 66, e começamos a mexer com o jornal, “A Flama”, porque
gostávamos muito de ler e de escrever. Nisso conhecemos algumas figuras importantes que
acabaram sendo importantes para o resto das nossas vidas. Um deles era o Tom, Wilson Timóteo
Junior o outro era o Luis Antonio, da idade do Tom, da turma dele, que era o presidente do grêmio
131
A FNFi, Faculdade Nacional de Filosofia, congregava os cursos de ciências humanas da UFRJ e foi desativada
durante o período da ditadura. Atualmente o Colégio de Aplicação está vinculado ao Centro de Filosofia e
Ciências Humanas, da UFRJ.
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na época, e passou ser uma espécie de guia ideológico. Eles eram mais velhos, a gente tinha 15,
eles 18, então eram homens com muita experiência. Passei depois a presidência do grêmio para o
Cláudio, em 68 ele foi presidente e eu fiquei com a AMES, mexendo com “A Flama”
também.(ARI ROITMAN, 2007).
Reflexo
O jornal Reflexo
132
foi fundado pela diretoria do Grêmio Científico Literário do
Colégio Pedro II Seção Norte, em 1966, com o objetivo de reorganizar um órgão de
imprensa e dar maior ênfase ao científico que estava voltando a ter aulas nessa Seção. (p. 1).
A manchete “Assembléia dia 20” convocava todos os alunos, de todas as Seções, para
uma assembléia, que seria realizada no dia 20 de março do corrente ano, na Sede (Seção
Centro), com o objetivo de se discutir a proposta de transformação do Colégio Pedro II em
Fundação Educacional.
Nessa mesma página, havia uma nota de Maria Beatriz de Albuquerque, presidente da
Associação, convocando os alunos a lutarem contra a volta da cobrança de taxas, uma ameaça
que tinha o repúdio do Prof. Carlos Postch e de boa parte dos professores; uma chamada que
tratava do movimento secundarista “AMES volta a funcionar”; e outra que tratava da
nomeação, para Diretor de um colégio estadual, de um professor do CPII, “Professor
Gouveia é o novo diretor do colégio República do Peru”.
No final dessa página, em A crônica censurada” em letras garrafais, os responsáveis
denunciavam a censura que sofreu o jornal, pois uma das crônicas não pôde ser editada. O
espaço da crônica censurada se encontrava na página 4, marcado por um X.
Na segunda página, pudemos ler mais sobre os chamados da página 1: o artigo“AMES
volta a funcionar” tratava da realização do Conselho Nacional dos Estudantes de Grau
Médio, uma tentativa de reorganização do Movimento Estudantil Brasileiro;o texto sobre a
assembléia da Sede com alunos de todas as Seções, com a presença do diretor Carlos Potsch,
que se comprometeu a debater o problema da Fundação com os estudantes; a nomeação do
132
O número que analisamos é o 1º, do Ano 1, de 1966, referente aos meses Março e Abril. Esse número teve
uma tiragem de 3 mil exemplares, foi composto e impresso nas oficinas de O Dia e foi vendido por 50 Cruzeiros.
Teve como fundador Carlos Alberto de Souza Tavares. Expediente: Redator-chefe: Carlos Eduardo Gouveia;
Primeiro secretário: Denise Nunes Freitas; Administrador: Carlos Vieira de Mello; Setor de reportagens: Carlos
Augusto Guimarães Baião, Narcélio Carvalho de Queiroz, Adail Blanco, Antonio Carlos da Costa Albino. Obs.:
artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Esse número teve apoio financeiro através dos
seguintes anúncios: Curso Organização CEP, Curso Pré-Normal Jairo Bezerra, Loja À Colegial, Cursos
Preparatórios Castro Alves, Academia Brasileira De Artes Mario Mascarenhas, Instituto Souza-Lino e, na página
6, o anúncio de página inteira do Engenharia Vestibular, Curso Politécnico. “A direção de Reflexo agradece aos
senhores Dr. Newton Alves da Fonseca, Zilmar Madeira de Matos, Alvimar Rodrigues, Alcino Soeiro e Silvio
Monteiro, componentes da Secretaria de Turismo do Automóvel Club do Brasil; ao dirigente de nossa Seção,
Prof. Chaves; ao Grêmio da Sede; Marcos Paiva Nogueira da Gama; Marcio Andrade Cardoso; Manuel Gomes
Moreira, ao Jornal dos Sports; ao Sr. Roberto Peixoto; Mauricio Dias David, ao incentivo que deram a este jornal
em seu primeiro número”.
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ex-aluno e professor Gouveia para assumir a direção do colégio República do Peru. Além
desses artigos, pudemos ler um texto, de Marcos Paiva Nogueira da Gama, reivindicando o
término das obras da Cidade Universitária, no Fundão, e outro texto sobre a “Tabuada” que
falava sobre a mística do Colégio.
Na página 3, havia o relato de um Bacharel, formado no CPII, sobre a Proclamação da
República, quando cursava o ano ginasial, e a crônica de Adail Blanco, “Vida de
Estudante”, no espaço destinado à participação dos leitores.
A cultura é tratada no artigo sobre a peça “Quem tem medo de Virginia Woolf”,
escrito por José Paulo Krupeer (p. 4 e 5), na matéria sobre Noel Rosa, com as letras de
“Palpite infeliz” e “Conversa de botequim” (p.7) e na poesia Tudo é paz(p. 5, que não era
assinada). A Seção “Curiosidades” continha piadas e charadas (p. 7).
Outros assuntos relacionados ao Colégio que mereceram destaque nesse número
foram: o retorno das turmas do científico (2° grau) às seções, durante a gestão do professor
Carlos Potsch; a boa recepção da opinião pública à matrícula dos excedentes; a encampação
do Bar pelo Colégio, revertendo o lucro para a caixa escolar e a intenção da realização de
uma excursão que seria promovida pelo jornal Reflexo, e o texto aos calouros, no qual se
realçava o ingresso à família petrossecundense.
Na última página, dedicada a esporte, encontramos o artigo de Alexandre Guimarães
de Castro “Bairrismo, grande obstáculo ao tri” que criticava a rivalidade que havia entre
paulistas e cariocas em relação ao futebol, a qual prejudicaria a conquista da Copa de 66.
“O que mais me marcou nos anos de Pedro II foi ser redator do jornal Reflexo, por isso, até fiquei
fichado no DOPS. Um dia quando fui viajar, anos depois, eu fui retido, e nessa ocasião eu soube
que na ficha constava a minha atividade no Pedro II.
Fazer parte do jornal, como redator, me proporcionou muita satisfação e aguçou ainda mais o meu
espírito crítico. Nessa época, eu e uns colegas do colégio tínhamos contato com vários jornalistas,
com o Nelson Rodrigues, que era uma pessoa simples, muito boa, revolucionário de idéias. Os
encontros com ele, com o Otto Maria Carpeaux, com o Mario Pedrosa e vários outros, foi muito
bom para minha formação. Nós íamos encontrar com eles e ficávamos durante horas
conversando sobre tudo” (CARLOS EDUARDO GOUVEIA, 2007).
“Tinha o Gouveia, eu não sei se era o Carlos Eduardo, ele tinha um jornal. Nós editávamos o
jornal “A Chama”, acho que fizemos uns três ou quatro jornais ao longo do ano, jornal impresso
com foto e custeado com publicidade, que a gente conseguia com os comerciantes locais. E, nessa
época, tinham três jornais, e um deles era um jornal de oposição à gente, era um jornal bem
ideológico, era o “Reflexo”, do Gouveia, que, depois, se eu não engano, foi para a Sede. Ele tinha
uma ideologia, tinha uma visão política partidária muito mais profunda do que eu e meus colegas
da chapa que ganhamos. Ele criticava o nosso jornal, mas era diferente da Beatriz, que dava uns
toques, ele era mais crítico” (ALZIR RABELO, 2007).
3.3. Os Alunos do CPII Contra a Ditadura
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No âmbito do Colégio Pedro II, nos primeiros anos da Ditadura Militar, se configurou
uma forma de resistência singular em defesa da escola pública, onde houve união de
diferentes forças que, naquele momento, defendiam melhores condições de ensino,
protestavam contra os excessos disciplinares de alguns diretores, contra a repressão ao
movimento estudantil, além de se oporem à ditadura recém instalada no país.
No início do ano letivo de 1965, professores que se sentiam ameaçados com as
propostas de reforma, principalmente os catedráticos, alunos temerosos de perderem o espaço
da escola gratuita que já haviam conquistado e outros preocupados com a qualidade de ensino
aglutinaram suas forças na luta contra a proposta de transformar o Colégio Pedro II em uma
Fundação Educacional, a qual abriria precedentes para a cobrança de anuidade de alunos
dessas escolas públicas.
Vários fatores contribuíram para o engajamento político desses alunos e servidores: o
contexto político do país, a participação dos alunos no Grêmio do Colégio ou nos diversos
movimentos estudantis fora e as atividades políticas exercidas por alguns professores e
técnicos do Colégio.
O descontentamento da comunidade escolar foi crescendo à medida que a repressão
aumentava, principalmente após a promulgação da Lei 4464/64 (a chamada Lei Suplicy), que
gerou revolta tanto no corpo docente quanto no corpo discente, o qual começou a se rebelar
contra as arbitrariedades dos novos diretores.
Os alunos secundaristas uniram-se aos universitários contra a Lei Suplicy, contra os
acordos MEC-USAID e contra as propostas educacionais baseadas no Relatório Atcon e
engajaram-se na luta pela redemocratização do país, e até se envolveram em movimentos
revolucionários mais radicais.
No ano de 1965, têm início as diversas manifestações de protesto contra os excessos
disciplinares e contra a repressão. Jornais como Vanguarda Estudantil, Reflexo, Bossa Nova,
A Flama e Carcará ajudaram a denunciar as arbitrariedades e unir alunos de todas as secções
nessa luta. Esses fatos levaram a Direção do Colégio a tornar-se mais repressiva, a ponto de
punir os alunos com suspensões ou até mesmo expulsões.
Diante dessa situação, os alunos das diferentes Seções se organizaram nos grêmios
com o objetivo de defender seus direitos. Começou, assim, a se delinear uma oposição ao
regime ditatorial. No jornal Vanguarda Estudantil, os alunos do CPII - Sede se
manifestavam nessa direção:
“O presidente do grêmio da sede, colega Maurício, está com grandes planos para a entidade,
inclusive a realização do seminário de estudos gremistas reunindo alunos do externato e
internato do colégio-padrão. Segundo declarações exclusivas ao V.E. do novo presidente, esta
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entidade coordenará a campanha para a realização de eleições livres e democráticas para o
grêmio do internato que encontra-se fechado desde o dia de abril de 1964” (Vanguarda
Estudantil, setembro de 1965)
Os estudantes, junto com os Grêmios, foram assumindo posições mais radicais,
contestando, de diversas formas, as arbitrariedades de dentro e de fora do Colégio.
A luta em defesa da escola pública traduziu-se nas reivindicações por mais verbas
para a educação, por liberdade de organização e por uma educação livre das interferências
externas. Nessa ocasião, os jornais dos grêmios do CPII expressavam as opiniões dos alunos
em relação às diversas medidas do governo ou das direções. Pudemos acompanhar o processo
da luta contra a transformação do CPII em Fundação Educacional, pelos jornais estudantis da
época.
No jornal Vanguarda Estudantil, de setembro de 1965, pode-se conferir que a posição
dos alunos a esse respeito era, no primeiro momento, a de analisar a questão:
A diretoria do grêmio constituiu um grupo de trabalho para o anteprojeto da fundação
educacional Pedro II, elaborado pela congregação e atualmente em estudos por um GT do
MEC, de modo que os alunos do CPII tomam posição contra ou a favor consubstanciados nos
estudos.
No início do ano letivo foi anunciado, no jornal Reflexo 1, uma assembléia de
alunos do Colégio, para o dia 20 de março, com o objetivo de debater os problemas relativos
à Fundação:
“A Associação de Alunos, órgão máximo representativo dos dezesseis mil alunos do CPII
formada pelos grêmios, decidiu por unanimidade a instalação de uma assembléia, convocando
todos os alunos desse educandário para participarem deste conclave estudantil na sede.
O professor Carlos Potsch na ocasião, debaterá com os estudantes a passagem do colégio
Pedro II para fundação. A Associação de Alunos espera o comparecimento maciço dos
estudantes das secções.
A assembléia será dirigida pela presidente da associação, devendo se ressaltar que é a primeira
assembléia do gênero que se realiza em toda a história do Colégio Pedro II’. (Reflexo, 1966).
A respeito desse tema, é bastante elucidativo o artigo publicado no mesmo jornal, no
qual a presidente da Associação dos Alunos do CPII resgata a importância do Colégio para a
sociedade e para o movimento estudantil, convocando a todos para a luta em defesa do ensino
público e gratuito:
“O Colégio Pedro II desde sua fundação assumiu a vanguarda do ensino médio. Manteve-se o
Pedro II nessa vanguarda porque evoluiu, novos métodos de ensino foram aplicados, novos
métodos de assistência ao estudante foram utilizados.
Conseguiu o Pedro II a gratuidade do ensino na administração do professor Gabaglia, agora
sofre este educandário a ameaça de volta à cobrança de todos as taxas, que simbolizarão um
retrocesso na gloriosa história de nosso colégio.
Felizmente, os alunos contam com o apoio do professor Potsch, e de toda uma maioria de
professores, maioria essa que sente a necessidade da preservação da gratuidade escolar, na
hora em que o povo brasileiro sofre os efeitos da crescente alta do custo de vida.
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É hora de cada um de nós defender não só os dezesseis mil alunos atuais, mas um incalculável
número de estudantes que passarão por essa casa e de quase quatrocentos mil estudantes que
passaram por esse colégio, que no momento no Brasil representa o que há de melhor no ensino
secundarista nacional” (Maria Beatriz de Albuquerque - Presidente da Associação de Alunos-
1966).
Em maio de 1966, o jornal Bossa Nova, órgão dos alunos do CPII - Sede, publica um
artigo intitulado Morreu o Projeto de Fundação?”, no qual os estudantes alertam, mais uma
vez, a comunidade escolar. Nesse artigo, o diretor do externato Carlos Potsch afirma:“O
corpo docente do colégio, pela maioria do seu quadro, parece também estar contra o
referido projeto”.
Esses artigos geraram discussões que ultrapassaram os muros do Colégio. O diretor do
internato Vandick Londres da Nóbrega escreveu vários artigos intitulados “Fundação ou
Subversão?”, publicados em O Globo, no mês de maio daquele ano, nos quais defendia o
projeto de fundação e analisava as objeções apresentadas pelos alunos e pelos docentes, em
diversos jornais. O diretor do internato, assim se pronunciou a respeito:
“(...) lemos nos jornais que os alunos do Externato estavam sendo convocados para uma
grande assembléia, na qual manifestariam ao diretor o seu repúdio à transformação. Depois,
surgiram notícias e até um jornal clandestino. Chegou-nos às mãos um exemplar desse jornal
que apresenta na primeira gina notícias imprecisas sobre a fundação, com a preocupação de
mostrar aos alunos que, entre vários inconveniente impatrióticos, seriam eles prejudicados,
com a fundação. Nas outras páginas do jornal reportagens sobre Vietnam, São Domingos
etc... um inexperiente ou ingênuo não perceberia, por trás disso: o dedo de agitadores
subversivos.
(...) Um dos motivos invocados para 1udibriar a boa-fé dos estudantes do Pedro II consiste em
dizer que, com a fundação seriam cobradas mensalidades e taxas. Pura balela, verdadeira
mentira! O que é exatamente o contrário: com a fundação ficarão os alunos livres da
ameaça que sobre eles atualmente existe, se for cumprida a determinação estabelecida no art.
168, item II, da Constituição da República, segundo a qual o ensino oficial ulterior ao
primário somente será gratuito para os que provarem carência de recursos.
(...) Antes de entrarmos na análise de outras objeções devemos assinalar que a fundação é
atualmente a forma ideal para livrar qualquer instituição oficial dos entraves ao seu
funcionamento. Por isto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação determinou que o ensino,
em todos os graus, pode ser ministrado em escolas públicas mantidas por fundações.
(...) Passaremos, agora, à análise das objeções apresentadas à idéia da fundação.
(...) Alegou-se que no conselho-diretor da fundação somente figuravam três catedráticos e um
representante dos professores de ensino secundário, sendo os quatro restantes alheio::; ao
corpo docente do Colégio. Acham que o conselho-diretor deveria ser integralmente
constituído de elementos do corpo docente. Tal objeção pode partir de quem desconhece
totalmente o que é uma fundação. A objeção poderia ser feita exatamente em sentido inverso,
isto é, contra a presença de elementos do Colégio no conselho-diretor, porque a função
principal deste é fiscalizar as contas do diretor-geral e demais diretores, bem como o emprego
das verbas.
(...) No caso do Pedro II, conseguimos, a muito custo, que a comissão designada pelo Ministro
aceitasse a proposta do Colégio no sentido de incluir no conselho-diretor representantes da
Congregação e dos professores de ensino secundário. Assim procedeu a Congregação porque
pretende que o presidente da fundação seja elemento do Colégio, embora sem função
executiva, que será confiada obrigatoriamente a um catedrático.
(...) Outra objeção consiste em dizer que a Fundação poderá receber doações de entidades de
direito público ou privado. Os que assim pensam ignoram que uma das vantagens das
Fundações é precisamente a de além das doações regulares constantes do orçamento da
República, receber doações, com o que poderão aumentar o seu patrimônio.
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(...) Se pretendêssemos suprimir do projeto Fundação para o Pedro II o recebimento de
legados e doações estaríamos privando o futuro organismo de uma de suas fontes de receita.
Seria um absurdo pelo qual somente mereceríamos censura
(...) Uma outra objeção tem causado inquietação no meio dos corpos docentes e
administrativos, porque foi dito que, com o advento da Fundação os atuais professores e
funcionários passariam a serem regidos pela legislação trabalhista, perdendo
conseqüentemente a condição de funcionários federais.
(...) No projeto elaborado para a Fundação Educacional Pedro II, procurou-se até dilatar o
prazo de 90 dias concedendo aos atuais servidores a faculdade de, em qualquer, época, fazer a
opção, isto é, se com o decorrer do tempo o funcionário verificar que os regidos pela
Legislação Trabalhista, estão gozando de mais vantagens, poderá mesmo depois de decorridos
os 90 dias pedir o seu enquadramento sob o novo regime.
(...) O tratamento que o projeto elaborado pela Congregação assegura aos atuais professores e
funcionários do Colégio Pedro II evita que esses servidores sofram qualquer modificação na
sua vida funcional contra a sua vontade expressa. Em resumo: nenhum prejuízo poderá haver,
mas apenas esperança e possibilidades de obtenção de alguma_ melhoria.
(...) O último argumento dos que receiam a criação da Fundação Educacional Pedro II consiste
no temor de que o Governo poderia reduzir-lhes as dotações orçamentárias. Essa possibilidade
existe tanto com a Fundação como na situação atual, havendo neste último caso, o
inconveniente de não ser possível suprir com outras verbas a falta de dotações específicas, fato
que se tem repetido freqüentemente, com graves prejuízos para o ensino. O recebimento da
verba englobadamente permitirá à administração do estabelecimento fazer a distribuição tendo
em vista as necessidades imediatas.
(...) Poderemos prosseguir na apresentação desta série de dificuldades com que se defronta a
direção do Pedro II, mas os exemplos apresentados já constituem uma amostra que muito bem
pode justificar as providências solicitadas ao governo, de integrar o secu1ar estabelecimento
de ensino secundário numa Fundação Educacional.
(...) Com a Fundação, ficaremos definitivamente livres dos malefícios impostos pela asfixiante
burocracia e a benemérita instituição será colocada em condições de poder atender aos seus
grandes objetivos em sintonia com os progressos da educação.
(...) Não serão, contudo, os professores, mas os alunos os que mais lucrarão, se a proposta da
Congregação vier a concretizar-se. Que os verdadeiros amigos do colégio e os sinceramente
interessados no progresso do ensino pátrio meditem atentamente sobre o problema e digam
depois quais os que defendem os legítimos interesses da instituição: os seus catedráticos, que
desejam, com a criação da Fundação; erradicar os males apontados, ou os que pretendem a
manutenção do estado atual, que fatalmente nos levará a ficar reduzido a conservar de grande
apenas o nome, cujo presente não corresponderia ao que foi no passado. Porque queremos
para o Pedro II um presente e um futuro tão grande como o seu passado, não hesitamos em
apoiar a idéia de fundação”.
133
(NOBREGA, 1969, 171-180).
A ameaça de transformar o CPII em Fundação Educacional gerou todo um debate em
torno da importância de defender a escola pública e protestos dentro e fora do Colégio.
Durante todo o ano de 1966, vivenciou-se manifestações de vários tipos daqueles que eram
contrários à idéia de fundação. Os alunos pautavam suas reivindicações no sentido de não
permitir a privatização do Colégio. A comunidade escolar, como um todo, se envolveu, ex-
alunos do CPII solicitaram, através de carta ao Ministro da Educação que o CPII não se
transformasse em uma Fundação.
Em junho de 1966 através do jornal Carcará os estudantes, assim, se manifestam em
relação à vitória conquistada.
133
Os trechos aqui citados foram extraídos do artigo “Fundação ou Subversão”? publicado pelo próprio Vandick
no livro “A revolução brasileira e o sol de Roma”, de 1969, que reproduzem fielmente artigos que foram
publicados no jornal “O Globo”, em maio de 1966.
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“Vencemos! Fundação: primeira etapa da luta”.
“Na BATALHA que ora travamos, acabamos de vencer mais uma etapa!Fato auspicioso e que
deveria ser comemorado condignamente. Queimamos mais uma fase, colegas! Vencemos
temporariamente (...).
(...) De nosso trabalho consciente e real, objetivo e concreto, dependerá o futuro de toda a
nossa geração.
Essa nós vencemos, colegas! Comemoremos vitória temporária transformando-a numa ampla
e geral. Comecemos desde já a nos preparar para a próxima tacada(...)
(...) Nós, alunos desta geração, cumprimos com nosso dever, lutando pelo direito de muitos de
nossos colegas, que não teriam condições de estudar em um regime de Fundação”.
No segundo semestre desse ano a discussão sobre a Fundação continuou em pauta,
dentre outras reivindicações importantes. No jornal Vanguarda Estudantil essa questão
aparece como prioritária em relação às vitórias que alunos conquistaram, durante aquele ano,
em conjunto com o trabalho do grêmio. A Chapa Unidade e Trabalho que concorria, pela
terceira vez, à direção do grêmio, ao fazer um balanço de sua gestão abordava, da seguinte
forma, esse momento de luta unificada:
“Tendo desempenhado uma gestão tumultuosa e em parte prejudicada pela luta que foi
obrigada a travar em defesa dos alunos (contra a Fundação), a UT conseguiu, mesmo assim,
brilhantes vitórias para o estudantado petrossecundense. Entre elas estão: a formação da
Associação de Alunos, órgão que serviu para unificar todas as seções do Colégio na luta
contra a Fundação (...)”
A luta contra o projeto de criar a Fundação Pedro II cessa somente quando, em
28/02/67, através do Decreto-Lei 245/67, o governo decide transformar o CPII em
autarquia. Contudo não cessa a luta contra a repressão.
No jornal Reflexo podemos confirmar essa informação:
“O Conselho Nacional de Estudantes Secundaristas de Grau Médio nomeou uma junta
governativa que deverá dirigir os destinos da AMES, até o próximo congresso a ser realizado
no mês de maio vindouro. A Junta Governativa emitirá nota oficial à imprensa ainda esta
semana (...)”.
“(...) A realização do Conselho Nacional dos Estudantes de Grau Médio, nos últimos dias de
janeiro, estudantes cariocas compareceram, tendo à frente forte movimento gremista,
formados pelos grêmios dos colégios Pedro II, Escola Técnica Nacional e Aplicação”.
Naquela oportunidade alegaram os estudantes cariocas a necessidade de estarem presentes a
tão importante encontro que representa mais uma tentativa de reorganização do movimento
estudantil brasileiro.
Segundo nota oficial que será distribuída à imprensa ainda essa semana, a Junta Governativa
da entidade (...) iniciará vasta campanha no sentido de defesa da escola pública, abatimento
nas conduções para estudantes, barateamento do material escolar, padronização do livro
didático e defesa do funcionamento das entidades estudantis em sua plenitude”.(Reflexo nº1,
1966).
Contudo, o Congresso que estava sendo preparado desde o início daquele ano,
marcado para iniciar dia 27 de maio, às 20 horas, com uma Abertura Solene, no Sindicato dos
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Metalúrgicos, foi proibido “três horas antes do início, receberam os diretores da AMES
ordens, das autoridades, para sustar temporariamente o Congresso”.(Bossa Nova nº 2, 1966).
Nessa ocasião, o jornal Bossa Nova veiculou a programação do XIX Congresso
Metropolitano de Estudantes Secundários, na qual continha os temas e as teses que
pretendiam defender, tais como: a) liberdade de organização do Movimento Estudantil; b)
defesa da Escola Pública contra a transformação do Colégio Pedro II em Fundação; c)
Calabouço; d) aumento da Rede de Escolas Técnicas; e) abatimento de 50 % nos transportes
coletivos; f) padronização das carteiras de identidade estudantil; g) padronização do livro
didático e h) barateamento do material escolar.
Os estudantes, em um artigo redigido na época, assim relatavam esse acontecimento:
(...) “Desde cedo os policiais, comunicando-se, constantemente, pelo rádio, com o posto
central vigiavam a situação. Os alunos que começavam a chegar tiveram sua entrada vetada ao
recinto onde realizar-se-ia, a abertura solene – o auditório do sindicato dos metalúrgicos”.
Nisto os lideres estudantis presentes pertencentes a AMES compareceram para conversar com
as autoridades.(...).
(...) Enquanto aguardava-se a volta dos representantes da AMES levados para entrarem em
entendimento com o general Niemayer, superintendente executivo do DOPS, pediram a todos
os estudantes presentes que se dirigissem para o Largo do Pedregulho até às 20,40, hora
marcada para o retorno dos representantes da AMES que haviam ido parlamentar (...).
(...) a decisão sobre a possibilidade de ser levado a efeito o Congresso seria tomada no dia
primeiro do corrente, às 14 horas, em nova entrevista com o general Niemayer, na policia
central (...).
(...) Desta entrevista ficou resolvido terminantemente, que o congresso não se realizaria, não
sendo para isto apresentadas razões, a não ser as enigmáticas ordens superiores que segundo
se apurou vêm do Ministério da Guerra. (...)” (Bossa Nova nº 2, 1966).
Portanto, em 1966, não foi possível a realização do referido Congresso. Porém,
segundo Maria de Lourdes Fávero ( 2003: 577 )
“Apesar da violenta repressão policial, as manifestações estudantis continuam durante todo o
ano de 1966, e dezenas de estudantes foram detidos. No início de 1967, a situação se agravou:
somente no dia 25 de fevereiro, no Rio de Janeiro, cerca de 300 estudantes foram presos ao
tentarem realizar o Congresso da Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas
(AMES)”.
Além das manifestações e dos protestos relacionados diretamente com as causas
secundaristas ou questões do Colégio, os alunos do CPII se envolviam, por solidariedade, em
outras lutas, como a resistência estudantil, do dia 22 de setembro de 1966, quando se deu a
invasão policial à Faculdade de Medicina da UFRJ. A esse respeito, podemos ler no jornal
Vanguarda Estudantil:
Passado um mês da invasão da Faculdade de Medicina da UFRJ, pela polícia, um dos mais
brutais atentados já realizados contra pacíficos cidadãos(...), O Vanguarda Estudantil publica
abaixo o depoimento de um estudante de nosso Colégio, presente na madrugada de 22 de
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setembro. Por certo este depoimento ficará para a história como um marco de coragem e
civismo de nossa juventude estudantil (...)
(...)12,30 Em número de cem entre moças e rapazes, chegávamos à reitoria da UB,
acompanhados por alguns colegas que nos orientavam, impedindo que muitos de nós
cometêssemos excessos e mostrando-nos com clareza e objetividade a importância de nós
secundaristas estarmos ombro a ombro com os universitários numa luta justa e de real
interesse para o nosso presente e futuro. Muitos de nós portávamos o uniforme do Colégio, o
que fez nossos colegas nos aconselhar a tirar pelo menos a gravata para que posteriormente,
conhecidos demagogos em nosso meio, não dissessem que estávamos “desonrando o nosso
Colégio”, o que não é verdade, pois se quisermos honrar nossa tradição, veremos que na
história do país, o Pedro II sempre teve o seu papel, desde a revolução de 1930 até os tempos
atuais e que é mais importante – sempre terá (...)
(...) No entardecer, o dispositivo policial que se mantinha apenas nas redondezas passou a ter
atitudes agressivas, cercando de armas em punho e bombas de efeito moral, com o intuito de
atemorizar aqueles que resistiam á atitude violenta da reitoria(...)
(...) Por momentos, muitos de nós, pensamos no possível acovardamento da massa estudantil
ali presente, mas, quando foi conclamado a todos que estivessem dispostos a resistir que
erguessem os braços, não ficou um estudante de braços pendidos. Todos gritavam
Resistir”( Vanguarda Estudantil, nº 7, 1966).
No jornal A Flama de 1967 os alunos comparavam o período ditatorial, de meados da
década de 1960, com o nazi-fascismo vivido na Segunda Guerra Mundial:
“Realmente, vivemos num tempo sombrio” (Brecht). Surpreendentemente, podemos usar a
mesma frase do poeta alemão para época em que vivemos. Para esta época que, embora seja
de pós-guerra, continua sangrenta e amarga; para esta época em que embora já vencido o nazi-
fascismo, vemos ser tantas vezes desonrada a democracia, tantas vezes, humilhado o direito da
liberdade de expressão”.
Nesse contexto, os estudantes continuaram se organizando para lutar contra as
arbitrariedades impostas tanto pelos diretores quanto pelo regime.
Esse mesmo artigo denuncia algumas das arbitrariedades que foram praticadas contra
os estudantes como: a proibição da livre expressão dos alunos; a dissolução de assembléias de
alunos, em várias escolas; o fechamento dos grêmios da Seção Norte e da Sede do Colégio
Pedro II, dentre outras arbitrariedades.
“Existem, enfim, vários exemplos dessa ordem que atestam o real diálogo que entre os
estudantes e governo.“O diálogo do governo é o cassetete?”(Jaguar)”.(A Flama, nº 2, 1967).
A preocupação da diretoria do grêmio em esclarecer os alunos, principalmente os
vestibulandos, sobre os acordos MEC-USAID e, de posicionar-se contra, fica evidente nos
seguintes trechos do artigo publicado no jornal A Flama:
“Para uma melhor exposição da eminente situação em que breve nos encontraremos,
resolvemos apresentar alguns trechos do relatório Atcon, elaborado pelo professor
universitário americano Rudolf Atcon, a pedido do departamento do estado dos EUA, como
plano de reorganização das universidades da América Latina, e sua integração econômica, e
do acordo MEC-USAID, que tem como ponto primeiro e principal a reestruturação do ensino
superior(...)
{
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}
(...) A reforma que visa a transformação das universidades em fundações privadas pode ser
vista como uma tentativa para a elitização do ensino superior. Tal fato ocorrerá; porém não
deve esta análise nos levar a crer que este é o objetivo principal do plano. Evidentemente que
ao se aplicarem seus ideais o lhe fossem oferecidos obstáculos, ser-lhes-ia bastante melhor.
Mas problemas de tal ordem poderão estar sanados na medida em que essa aplicação seja
engenhosa e sutil.
(...)Uma das conseqüências da instauração desse plano seria o aniquilamento do movimento
estudantil.
(...)À primeira vista surge o marcante interesse norte-americano de infiltrar-se na formação de
juventude latino-americana, e o pacifismo das autoridades, que ao assinarem acordos como
este demonstram claramente procurar solapar o movimento estudantil, sufocando as
aspirações da juventude.” (A Flama, nº 2, 1967).
Em um artigo do jornal A Flama o aluno Ari Roitman fazia um balanço da então
gestão do Grêmio do CPII – internato de 1967, intitulado “O que fizemos, o que faremos” em
que reafirmava a importância da participação dos estudantes do Colégio em todos os
movimentos de protestos:
“Ao sermos empossados em abril deste ano, deparamos com um grêmio apenas parcialmente
organizado(...)
Sabedores destes fatos, tomamos a tarefa, de agrupar os elementos interessados e realizar a
organização definitiva do Grêmio(...)
Naturalmente, como reflexo do fortalecimento interno, o nosso Grêmio firmou-se no meio
secundarista pela sua atuação, não em reunião de classe (Comissão Inter - Grêmios, Associação
dos alunos do Colégio Pedro II, ect), como também pela sua decisiva atuação em favor da
reabertura do nosso co-irmão da Seção Norte, em prol dos direitos dos nossos colegas da Sede.
Participamos também, ativamente, das manifestações de repúdio ao acordo MEC-USAID,
flagrantemente lesivo aos interesses do estudante”. (A Flama, nº 2, 1967).
Analisando os jornais organizados pelos alunos de todas as seções do CPII, nos
primeiros anos da ditadura, pudemos perceber que os alunos, além de se preocuparem com
assuntos relativos aos acontecimentos no interior do CPII, discutiam os problemas nacionais
e buscavam, na medida do possível, se integrarem às lutas mais amplas travadas na época.
Nos jornais de grande circulação, no âmbito estadual e nacional, foram noticiadas as
atuações dos estudantes, em diversos artigos que relatavam as iniciativas dos alunos do
Colégio Pedro II.
A partir do AI-5, com o endurecimento da repressão e sob o Decreto-Lei 477
134
, os
grêmios foram novamente fechados e as formas de resistência passaram a ser clandestinas.
134
DECRETO-LEI N
o
477 (26 de fevereiro de 1969). Define infrações disciplinares praticadas por professores,
alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e outras
providências. O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o parágrafo 1o do Art. 2o do
Ato Institucional no 5, de 13 de dezembro de 1968, decreta:
Art 1
o
Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino
público ou particular que:
I - Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralização de atividade escolar ou
participe nesse movimento;
II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de
estabelecimentos de ensino, como fora dele;
{
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}
Surgira, então, jornais clandestinos que denunciavam as ações da ditadura. Como por
exemplo o jornal Independência ou Morte e o jornal Resistência.
Alguns desses jornais clandestinos que circulavam no Colégio foram apreendidos
pelos agentes do DOPS e podemos encontrá-los nos arquivos da APERJ. Uma das principais
características desses jornais é a impressão em mimeógrafo a álcool. Infelizmente, o tempo
desbotou muito dos jornais, dificultando a sua leitura e sua reprodução. Em linhas gerais,
esses jornais tratavam de informar notícias censuradas pela grande mídia, denunciavam a
repressão, as prisões e as torturas e faziam análise de conjuntura nacional e internacional.
3.3.1. Vozes da Memória - A reorganização dos Grêmios do Colégio Pedro II nos primeiros
anos da Ditadura Militar
Logo depois do golpe militar de 1964, os grêmios foram fechados e o movimento
secundarista se desarticulou. No Colégio Pedro II não foi diferente, mas a existência de um
grêmio livre e autônomo já era uma tradição, desde o início da década de 1930, e os alunos do
Pedro II já tinham uma história de luta, o que propiciou uma reorganização rápida do
movimento estudantil petrossecundense. Nos depoimentos a seguir, vamos nos deparar com
relatos que descrevem bem como tudo isso aconteceu.
“Chegando no Pedro II, a politização do movimento era grande, mas ao mesmo tempo era muito
ligado às reivindicações dos próprios alunos. Todas as pessoas que tinham despertado para
política, que tinham uma tradição muito grande no colégio, eram preocupadas com o vel de vida
dos alunos, com a merenda escolar e com o esporte, tinham uma ligação enorme com a qualidade
do esporte. Bem, e eu entro na chapa do grêmio da sede, como representante da AP, numa velha
aliança que já existia entre a AP e o PC. Mas a AP naquele momento era mais elitista, mais
desligada, então depois disso eu saio da Ação Popular e entro no Partido Comunista. Naquele
mesmo grupo, já eleita para o grêmio, eu saio da AP e entro pro PC.
III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não
autorizados, ou dele participe;
IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer
natureza;
V - Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo docente, funcionário ou empregado de
estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno;
VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem
pública.
§ 1
o
As infrações definidas neste artigo serão punidas:
I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena
de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma
natureza pelo prazo de cinco anos;
II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento e a proibição de se matricular em qualquer outro
estabelecimento de ensino por prazo de três (3) anos. (...)
{
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}
As pessoas que formaram essa nova chapa eram menos experientes e com menos tradição no
colégio, mas eram muito engajadas em trabalhar ali. E a dificuldade do Pedro II é que as pessoas
que faziam o movimento estudantil faziam parte da parcela mais pobre, que trabalhava e estudava,
então todas eram do turno noturno. Poucos eram os que estudavam, como o Léo, eu, e o próprio
Anselmo, que estudava e dava alguma ajuda em casa, não sei se muita, mas ele fazia algumas
coisas.
Eu estudava no turno da manhã. Mas o grande problema é que nós éramos figuras estranhas
naquela época, muito preocupadas com as questões sociais e políticas, existia pouca preocupação
com a individualidade. Então, ao entrar no movimento estudantil, dedicava-se mais tempo ao
movimento do que a estudar e isso, para mim, era um problema sério. Para mim que sempre fui
boa aluna, as matérias eram fáceis, mas aquelas que exigiam dedicação como matemática, as notas
tendiam a cair. Além de o turno da manhã ser mais difícil do que o turno da noite, sem dúvida.
Eu era secretária do grêmio, e como não sou uma pessoa muito organizada, aquele negócio de
fazer carteirinha, assinar carteirinha, para mim era uma chatice. E o secretário anterior, o Mauro
Pamplona, era uma pessoa organizadíssima, então a preocupação dele era com as carteirinhas, que
as atas da reunião ficassem bem feitas, que tudo estivesse bem organizado. E aquilo pra mim era
uma chatice, mas tinha que fazer.
Havia uma comunicação muito grande com as turmas, a gente não fazia nada sem discutir antes. A
gente passava periodicamente pelas turmas uma vez por semana, às vezes até mais, explicando o
que estava acontecendo, convocando para as atividades, mas também discutindo em cada uma.
Tinham os representantes, era uma estrutura muita bem feita, a gente discutia o que devia fazer e o
que não devia fazer.
Então tinha esse grande propósito de manter uma certa democracia interna no colégio e conseguir
fazer reivindicações. Tanto que essa imprensa que hoje se diz de boa qualidade na época, tudo isso
é resultado de uma efervescência criativa. A gente tinha cinema, os meninos ganhavam o festival
do Jornal do Brasil direto, tinha o pessoal que fazia música, tinha uma coisa artística e cultural
muito grande, não era só política, era uma luta pela liberdade realmente. E essa construção
interessante que nunca teve no passado, não só em caráter esportivo e cultural, mas união do CPII.
Dentro do colégio tinha muita preocupação de nunca se distanciar das lutas concretas dos
estudantes. Por isso que eles nunca conseguiriam isolar a gente, a ligação com os estudantes era
muito grande, a gente brigava por alguma coisa que fosse verdade, em geral, se aquilo estivesse
pautado em reivindicações concretas dos estudantes. Tinha uma preocupação muito grande de que
se você era representante, você representasse realmente. Só avançar se tivesse condições de
avançar, não era uma coisa que saía da cabeça da gente. Passava por todo um processo de
convencimento, e se não convencessem, não convencia.
A gente tentava cumprir a lei, sem sair da legalidade, mantendo sempre o espaço de diálogo.
Porque a gente podia ir para o grêmio livre, mas ia se distanciar da possibilidade de diálogo com
os estudantes. Continuava tendo discussão fora disso, fazia coisas que não podia fazer dentro,
mas mantinha aquele espaço. Porque dava pra fazer bastante coisa nas partes culturais, esportivas e
sociais” (MARIA BEATRIZ A. DAVID, 2007).
“Candidatei-me a presidente do grêmio do Pedro II porque ele havia sido fechado em 65, se eu não
me engano, mas não foi por motivo político. Nós fizemos uma pressão, nos candidatamos em 65,
ganhamos a eleição e nos elegemos no Grêmio Literário e Científico do Pedro II Seção Norte,
em 66. Hoje as entidades estudantis são aparelhadas por partidos políticos, o que não era o nosso
caso, eu era até muito ignorante politicamente quando me candidatei.
Eu queria lutar mais por esporte, porque transformaram a quadra do colégio, na ocasião, em sala
de aula, ficamos sem quadra esportiva. Então a principal reivindicação, minha e de meus colegas,
era brigar para termos uma quadra que pudéssemos praticar esportes. Não tínhamos aspirações
políticas ou ideologia. Nós da Seção Norte éramos muitos ingênuos nesse ponto. Os nossos
colegas da Sede não, a presidente era a Beatriz, eles eram muito politizados. Da Tijuca era a Kátia,
também não eram politizados, eram igual à gente, e de Botafogo e São Cristóvão o lembro
direito.
A Beatriz sugeriu que recriássemos a Associação dos Grêmios do Colégio Pedro II, e foi eleito um
colega nosso da sede. E até fizemos uma festa junina por sugestão da Beatriz, realizada no
Engenho Novo, para arrecadar fundos para essa Associação. Todos os grêmios se uniram, fizemos
uma festa magnífica, lotou, foi um sucesso absoluto, e arrecadamos fundos para Associação.
Mas eu não tinha motivação ideológica, era muito ignorante politicamente até então, e a Beatriz
me cobrava muito quanto a isso, e meus outros colegas de diretoria reagiam. Eles haviam se
candidatado comigo para conseguir ter esportes, nós tivemos alguns embates.
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Eu fiquei até 67 e apoiei uma outra chapa. Meu candidato, se não me engano, era um garoto muito
inteligente. Mas a chapa que o apoiou perdeu para outra chapa, que era mais politizada. E inclusive
uma prima que eu tinha, que era um ano anterior a mim, Nilza Azevedo, ficou na minha chapa, por
parentesco, mas os que se elegeram para 67, que eram da turma dela, eram alunos do segundo ano,
e eram muito mais politizados do que os da minha chapa.
Eu e o Luis Alberto, que era o diretor cultural, mas não foi eleito, éramos os mais politizados. A
eleição era para presidente, vice-presidente, tesoureiro, secretário.
A campanha foi muito boa, a nossa chapa chamava-se “Lute”, mas escrevemos “L U T”, e era
apenas para ter sonoridade, depois que criamos é que fomos ver o que significaria. Então “L”
pusemos legalidade, “U” de união, e “T” trabalho, mas assim como foi legalidade poderia ser
liberalidade. E “FERA” era a chapa do Gouveia” (ALZIR RABELO, 2007).
“O movimento estudantil, naquela época, buscava afirmar a existência no mundo, era uma voz em
ebulição. Nós tínhamos romantismo nas ações, nos envolvíamos por romantismo, por aventura.
Esse envolvimento não estava no campo racional. Era raciocínio binário, numa dinâmica de
contradições. A gente tinha de se limitar a gritar, tínhamos que gritar, era importante gritar e
queríamos ter o direito à voz, a gritar.
Vivíamos num contexto de mudança, numa perspectiva de mudança, principalmente numa
perspectiva de um mundo melhor, havia uma visão crítica em relação aos benefícios que o avanço
tecnológico traria, não queríamos um mundo pior para as próximas gerações, havia esse
sentimento de solidariedade e de responsabilidade. Hoje nãomais isso”(CARLOS EDUARDO
GOUVEIA, 2007).
“Eu encontrei no Pedro II um esboço dessa movimentação estudantil em torno de um grêmio e,
no ano seguinte, quando fiz o ano científico, eu já estava muito engajado no movimento, e isso
foi em 63, quer dizer, véspera do golpe militar, o Brasil estava numa efervescência, e o Pedro II
também. E a partir d eu passei a ser muito ativo no movimento estudantil do grêmio,
participando das reuniões e das greves.
Curiosamente, eu fui mais ativo dentro do Pedro II depois do golpe de 64, então essas atividades
de grêmio, esse engajamento político, foram mais forte em 64, 65, e mesmo depois de 66, quando
tinha saído do colégio, porque praticamente tinha deixado a diretoria do grêmio aos que eu tinha
promovido dentro do grêmio.
Quando fui eleito presidente do grêmio, nós tínhamos crescido dentro do colégio, dentro do
movimento estudantil. Nesse momento, o Partido Comunista era claramente hegemônico. Então
chegamos a dar participação à AP, isso foi depois do golpe, mas a nossa chapa era
hegemônica. Mas, evidentemente, essa articulação via Partido Comunista era uma articulação de
bastidores, para a grande massa a nossa luta era cultural, pela reforma de ensino, em defesa da
escola pública. Eram grandes palavras de ordem que pudessem se mimetizar de uma forma que
fosse palatável.
Depois teve outra movimentação, que era nessa coisa do cineclube, da atividade literária. O nosso
grêmio era Grêmio Recreativo e Literário do Colégio Pedro II. Então a partir daí até conseguimos
uma sede, que era um galpão, fizemos um segundo andar, e ali inventamos a carteirinha estudantil,
o que foi uma grande sacada, os alunos tinham fascínio pela carteirinha da associação dos alunos.
Lembro que eu vi uma frase, “brasileiros tendes que lutar pela independência do Brasil, é um dever
de todo cidadão...”, e colocamos isso na carteirinha. Foi escândalo, queriam apreender a
carteirinha, proibir a circulação, mas a gente fazia na marra. Isso já foi depois do golpe de 64 e
nesse momento era tudo muito sensível” (MAURICIO D. DAVID, 2007).
“Eu tomei conhecimento de que havia um grêmio, até freqüentava um pouco socialmente, era uma
forma também de arranjar namorada e tal... mas não me liguei politicamente ao grêmio estudantil.
A minha ligação se fez mais por fora, pela estrutura do movimento secundarista. Uma das
estruturas existentes, que depois eu vim saber, era a comissão secundarista da dissidência da
dissidência do Partido Comunista Brasileiro.
Em relação à atividade no grêmio: o grêmio existia. Eu não me lembro de ter participado das
atividades sistemáticas do grêmio, de ter me juntado a campanhas, mas o grêmio existia, e pelo
que eu me lembro tinha uma função recreativa, social, explorava um pouco isso. Mas alguns
colegas que participavam do movimento estudantil, tanto ao nível do Pedro II como um todo,
quanto ao nível das organizações municipal, estadual e federal, AMES, UNE e tal, procuravam
politizar essas atividades.
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a partir de 66 a política entra na minha casa por outras portas, outras janelas, na medida em que
o meu irmão, que era do Colégio de Aplicação, se torna, em torno dessa época, presidente do
grêmio estudantil do CAP, se torna um importante líder estudantil lá. E na minha casa
freqüentavam muitos colegas do CAP, gente que depois se destacaria como líder estudantil.
A partir do final de 66, em 67, eu comecei a me sensibilizar pelas atividades políticas, não
por causa do meu irmão, mas porque era um momento de ascensão do movimento estudantil na
cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.
Então muita gente se sensibiliza com isso, eu e alguns colegas de Pedro II também participamos
disso. Mas, fora do colégio em grupo de estudo que reunia gente, como por exemplo, o Wilson
Timoteo, que era o coordenador, a Vera Timoteo, irmã dele, que se tornou minha amiga nessa
época, a gente fazia parte do mesmo grupo de estudo, e pessoas que não faziam parte do Pedro II
também, porque ali era um grupo de estudo teórico, de Teoria Marxista. Foi que eu tomei
conhecimento sistemático dos textos clássicos do Marx, Engels e Lenin.
A partir daí a gente se inseriu em outras estruturas, na medida em que a luta política assumia
outras formas. Participar de grupo de choque, panfletagens em favelas, já não era mais
movimento estudantil. Eram os estudantes, mas não eram atividades de movimento estudantil.
Essa estrutura era, se eu não me engano, da dissidência da dissidência do Partido Comunista, que
veio depois formar a Var-Palmares. E esse grupo estudantil era, antes de tudo, um grupo que
reunia gente do Pedro II, do CAP, e de alguns outros colégios.
Tive uma atividade intensa nessa estrutura realmente, mas razoavelmente descolada do colégio.
Era diferente, por exemplo, do CAP que tinha também essa participação fora muito forte, mas
tinha um movimento muito integrado internamente, mobilizado, mais concentrado, um número de
alunos bem menor, mais homogêneo, então tinha essa possibilidade de ter um movimento mais
ativo.
No Humaitá eu não me lembro, realmente, que houvesse mobilização política que envolvesse
muita gente. Essa questão eu só fui tomar conhecimento já de uma maneira meio resolvida, porque
quando eu me liguei a um grupo organizado já era o grupo dissidente do Partido Comunista,
justamente pela questão da luta armada. Um dos itens básicos da dissidência era a opção armada.
O partido era visto como reformista e esses grupos de esquerda como revolucionários, então era
uma discussão consolidada, raramente era obrigado a argumentar com alguém, porque as pessoas
todas pensavam como eu, e eu pensava como as pessoas a quem eu estava me ligando. Mas no
colégio eu não me lembro disso não. Se havia, eram grupos muito restritos” (RENATO LEMOS,
2007).
“O pessoal que estava no último ano estava saindo do colégio. Estavam muito preocupados em
deixar uma semente. Então por isso eles chamaram a mim e ao Egler, principalmente, e mais dois
ou três, para entrar para o grêmio, para que ele continuasse vivo. E então se decidiu, no final do
ano, apresentar uma chapa, em que eu era candidato à presidente, e o Egler seria diretor do jornal.
E assim foi, em 1967, tínhamos 16 anos. A gente fazia os trabalhos normais de grêmio, aquela
coisa recreativa, campeonato de futebol, ping-pong, a sinuca, que era a grande atração. Mais
discretamente o trabalho político, grupos de estudo, grupos de discussão, às vezes algum debate
público promovido pelo grêmio. Mas eram grupos fechados, 4 ou 5 meninos, os mais interessados,
mais politizados, para pensar, discutir, estudar alguma coisa.
Foi um ano de muita luta, porque o movimento estudantil retomou, no Rio, a partir de 66, quando
houve uma grande manifestação dos estudantes em geral, no ministério, no pátio do MEC, nós
fomos organizadamente, e a partir daí começamos a participar.
Eu acho que a militância foi o caminho em que consegui me integrar e conquistar um espaço no
colégio. E essa coisa de entrar para o grêmio e me interessar por política têm um pouco de origem.
Meu pai era muito politizado, os amigos dele, cujos filhos eram meus amigos, tinham toda uma
formação que vinha de casa.
Participamos de mais de um congresso da AMES. Inclusive eu fui eleito para a diretoria da AMES
em 68. Fui presidente do grêmio em 67, e em 68 assumiu o Egler.
Mas era a AMES clandestina. O único congresso que estou me lembrando foi um clandestino feito
na Igreja do Engenho Novo. Os padres emprestaram a igreja, e as pessoas iam, eram buscadas de
carro, ninguém sabia onde era, foi uma coisa bem feita e alguns dos participantes desse congresso
são políticos notórios hoje, eu me lembro perfeitamente do Carlos Minc e do Chico Alencar. O
Chico era sempre um grande adversário nosso, por questões políticas, ele era da AP, então era da
esquerda católica, foi um congresso memorável” (ARI ROITMAN, 2007).
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“Eu começo a perceber o que estava acontecendo em 1966, com 15 anos, e nisso começa a
retomar o movimento estudantil, o grêmio, que tinha sido fechado em 64, começa a ser reaberto.
Na época, eu me lembro bem, eram três colegas que estavam à frente disso, o Luiz Antonio Prado,
que mais tarde foi diretor da FEEMA, se não me engano, hoje em dia anda pelo Banco Mundial, o
Wilson Timóteo da Costa, que foi assessor de imprensa do Ministério da Indústria e Comércio,
Instituto de Tecnologia Industrial, e faleceu a cerca de dois anos atrás, e o outro era o Roberto
Gusmão, de quem nunca mais ouvi falar. Eram os três que estavam iniciando o processo de
reabertura do grêmio.
A minha aproximação com o grêmio se deu através do jornal “A Flama”. Em 66 o jornal fez um
concurso de poesias, e eu e meu colega de turma Ari Roitman, que conhecia desde o curso de
admissão, éramos alunos da professora Guita, tivemos aula juntos e inclusive nossos pais foram
colegas na Escola Nacional de Agronomia. Ganhamos, não lembro se eu fiquei em primeiro lugar,
e ele em segundo, ou contrário, mas ganhamos.
Ao ganharmos esse concurso de poesias, fomos chamados para uma reunião em Copacabana, não
lembro exatamente onde, e lá fomos apresentados a uma base do Partido Comunista Brasileiro, que
estava atuando lá, e a proposta era a reabertura do grêmio.
Eu me lembro o nome, era um estudante chileno que tinha sido assassinado pouco tempo, era
uma base do movimento estudantil, chamada Santiago Pompillon. E fomos logo apresentados a
uma literatura mais pesada, os clássicos do Marxismo, a gente entrou direto, sem saber muito bem
do que se tratava. Éramos muito jovens, nós estávamos começando a sentir o endurecimento do
regime, as dificuldades no colégio, e então, nós, de um modo ou de outro, começamos a atuar no
movimento estudantil.
Essa atuação, em primeiro lugar, foi local, no grêmio. Então tentamos reabrir o grêmio, o que
conseguimos, se não me engano, em 1966. Também reiniciamos “A Flama”, e depois também a
atuação do grêmio na AMES e na Associação dos Alunos do Pedro II, que envolvia as outras
seções do colégio, principalmente a Sede, com quem tínhamos uma relação mais forte. Eram essas
basicamente as atividades.
Também melhoramos o grêmio, conseguimos um mimeógrafo velho, que foi doado, e uma mesa
de ping-pong. O grêmio procurava ter uma parte de lazer, tínhamos um mural, os colegas
colaboravam, tínhamos uma atividade interessante.
Foi no grêmio que a gente fez algumas campanhas, uma delas foi contra o acordo MEC-USAID,
como nós éramos internos e dentro dos quadros do acordo veio leite em pó americano, nós fizemos
manifestações contra esse leite. Isso foi entre 67 e 68.
Também participamos de várias reuniões, da remontagem da AMES, da associação do Pedro II,
festas para arrecadar fundos, festas juninas, coisas desse tipo, para manter as atividades do grêmio”
(CLAUDIO EGLER, 2007).
“Na Seção Norte, de onde eu saí em 63, o pessoal se preocupava, tinha essa inquietude política,
mas nada concreto. Não existia ainda motivo para isso, nem para luta armada. Quando eu cheguei
na Sede é que eu percebi isso, porque o golpe foi em março, e eu entrei em março de 64. Durante o
ano de 64, e depois ainda mais, quando eu fui para a noite, em 1965, 1966, é que eu vi as pessoas
ligadas a isso, tanto o que seria MR-8, quanto a Ação Popular.
Tinham horas em que eles se juntavam, combinavam coisas, as mulheres eram um pouco deixadas
de lado, enfim, liam livros, trocavam informações. Algumas dessas pessoas foram colocadas
naqueles anúncios de “procura-se”, como o Muniz, eu não me lembro os nomes agora, mas tinha o
Moacir, o Sérgio. Mas eu não convivi com eles, ficava mais observando. não deixavam entrar,
não davam espaço para uma pessoa de fora, mais nova e leiga.
Na Sede eu tentava observar o que acontecia, mas não tinha acesso às lideranças. Engraçado, que
elas não eram do Pedro II da Seção Norte, porque no ano que eu saí, não foi nenhuma liderança
comigo. Ninguém da minha turma era líder. Os líderes foram embora do Colégio naquele ano de
63, inclusive muitos deles estavam na formatura do ginásio, porque se solidarizaram com a gente
por termos que sair da Seção Norte” (MARIA CRISTINA FAISSAL, 2007).
3.3.2. Vozes da Memória – formas de resistência e de luta
Nos depoimentos a seguir podemos verificar as diversas formas de resistências que se
articularam nos movimentos estudantil nas quais os alunos secundaristas especialmente
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alunos do CPII se envolviam numa reivindicação direta ou em solidariedade a outros
movimentos no âmbito geral na luta contra a ditadura. Nesse rol de articulações estão os
protestos internos, passeatas, greves diretamente contra atos arbitrários de alguns diretores do
Colégio e as greves gerais de estudantes. Os diversos jornais que surgiram formaram os
principais instrumentos de comunicação dos alunos em todas as Seções do Pedro II, o que
propiciou a organização da resistência a reorganização da Associação dos Alunos foi também
uma estratégia de resistência.
A Associação de Alunos do Colégio Pedro II tinha como objetivo prioritário unir
todas o grêmios sob uma entidade representativa de todos os grêmios do Colégio. Essa idéia
surgiu no início da década de 1960, porém foi também desarticulada em 1964. Quando os
grêmios começaram a se reorganizar pós-1964, viram na Associação um instrumento de
aglutinação de forças para o movimento estudantil de todo o Colégio num propósito comum:
a democratização no âmbito interno. A respeito, Beatriz explica no seu depoimento a
importância da Associação naquele determinado momento.
“E quando se decidiu reorganizar de fato, estabelecer a Associação de Alunos, foi consenso que eu
assumisse a Associação de Alunos. Então eu ocupava dois cargos, o de Secretária Geral do Grêmio
e o de Presidente da Associação de Alunos. Ainda bem que a gestão do grêmio acabou e eu podia
dedicar mais tempo à Associação.
Por que fazer a Associação? Porque toda a reforma do ensino público, que era um acordo
estabelecido entre o MEC e a USAID para melhorar a educação, passava por uma diminuição e
retirada do governo federal do ensino básico primário e secundário. E o Pedro II, que era
considerado padrão, no sentido que ele devia dar as normas didáticas, tinha que ser reestruturado.
Então se alegava que o governo não tinha condição de dar os recursos que o colégio necessitava.
E a grande assembléia marcou a independência dos alunos do internato, que viviam um regime de
repressão muito maior, porque moravam ali, estavam determinados ali, e era muito mais fácil
controlar o grêmio.
Eles tinham uma comissão provisória, acho que toda essa força geral do colégio fez reabrir o
grêmio do internato. Então havia pela primeira vez uma unidade de propósito de todos. Então, a
gente tinha atividades em conjunto, atividades esportivas. Isso foi construído também, a gente
tinha atividades esportivas em conjunto, a Zona Norte sempre tinha uma festa junina melhor do
que de todos, que ela sempre fazia sozinha, e passou a rachar com o grêmio os recursos, e a
Associação passou a ser patrocinadora da festa.
Assim foi construída uma unidade de propósitos, de recursos financeiros, para poder manter as
atividades dos grêmios. Porque a gente, inclusive, construía a estrutura no colégio, toda a quadra
esportiva, a iluminação da quadra esportiva, foi feita na gestão do Maurício, do grêmio da Sede.
Não tinha lugar para fazer campeonato, não tinha lugar para nada. Aquela quadra, que tem até
hoje, a iluminação foi construída naquela gestão. Nós conseguíamos recursos, fazíamos festas.
Havia uma atividade empreendedora, a gente reformava o grêmio, construía. Às vezes o colégio
participava dando mão-de-obra dos funcionários e, às vezes, os funcionários mesmo ajudavam”
(MARIA BEATRIZ A. DAVID, 2007).
“Nós éramos o que tinha sobrado do movimento estudantil, porque ele tinha sido destroçado, e o
Pedro II tinha um movimento estudantil muito ativo. Tínhamos o Carlos Alberto Muniz, que
depois se engajou no MR-8.
Mas naquela época o Muniz era uma liderança muito forte dentro do Pedro II, era do Partido
Comunista, mas eu não convivi muito politicamente com ele, porque logo veio o golpe, e então o
partido foi destroçado e nós o reconstruímos dentro do Pedro II, de maneira muito precária.
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O ano de 64 foi de debandada geral, então depois foi se articulando com fulano, com beltrano,
cicrano, e rearticulamos o Comitê Secundarista do Partido Comunista, que conduzia o movimento,
e dessa forma, fomos retomando os canais de comunicações.
E a nossa forma de trabalho era o grêmio com um lado recreativo e literário e outro politicamente
engajado, que era mais um celeiro de lideranças, que se ouviam, se movimentavam. Estavam numa
certa movimentação, mas não era dentro do Pedro II que estava a politização, até porque não havia
condição para isso. Essa luta contra a fundação eclodiu com força em 66.
O movimento estudantil do Pedro II, como o movimento estudantil de um modo geral, sofria
influências externas, então havia duas grandes forças que se confrontavam, a AP, ligada ao grupo
católico de esquerda, e o Partido Comunista e as forças de esquerda que circulavam em torno dele.
No Pedro II isso era mais ou menos dividido. Quando fui eleito presidente do grêmio, nós
tínhamos crescido dentro do colégio, dentro do movimento estudantil, nesse momento, o Partido
Comunista era claramente hegemônico.
Então chegamos a dar participação à AP, isso foi depois do golpe, mas a nossa chapa era
hegemônica. Mas, evidentemente, essa articulação via Partido Comunista era uma articulação de
bastidores, para a grande massa a nossa luta era cultural, pela reforma de ensino, em defesa da
escola pública. Eram grandes palavras de ordem que podiam se mimetizar de uma forma que fosse
palatável.
Dois fatos que foram importantes foram a luta pelos excedentes e a luta contra a fundação, que na
verdade eclodiu quando eu já tinha saído do colégio. Mas eu me lembro que participei da
assembléia.
Em determinado momento o presidente da AMES, era um aluno da AP, com quem tínhamos
combinado, que não falaria, para não politizar, para preservar o movimento, não deixar que de
repente sofresse uma violência, porque imagina a tensão que já havia no colégio com relação a
essa assembléia, aquela quadra de esporte estava lotada de alunos e nós fizemos a reunião ali na
marra.
A Beatriz falou e eu estava ali no meio e havia esse acordo. que ele pediu a palavra e começou
logo um discurso contra a ditadura, e eu lembro de ter pulado em cima dele para tirá-lo do palco
porque, se a gente fosse por aquele caminho, iríamos destruir o movimento” (MAURICIO D.
DAVID).
As passeatas, no início da ditadura, juntavam estudantes que reivindicavam mais
vagas nas universidades públicas, mais verbas para educação e uma reforma universitária.
“No começo foi muito terrível, mas depois quando começou a se articular alguma resistência,
quando os estudantes, nós no caso, começamos a ir para rua, era uma certeza.
Naquelas passeatas, eu lembro que uma vez um senhor com a cabeça branquinha na beira da
calçada disse assim: “eu ainda pensei que fosse morrer sem ver...esses meninos...vocês é que
podem salvar esse país”. Os mais velhos acreditavam também na gente, o que era um peso.
E era uma coisa muito do jovem, apesar do movimento de resistência não ter sido dos jovens,
mas quando está numa coisa, o jovem acha que está na comissão de frente, que está puxando tudo.
A gente sentia que muita gente acreditava mesmo. Mesmo que as pessoas não descessem, não
aderissem, quando vinha a chuva de papel picado, era tão lindo.
Eu via os alunos do Pedro II nas passeatas. Eu via os uniformes, via a moçada, eu me sentia
representada ali, me sentia orgulhosa, e sentia até o fato de não ter uniforme. Até num desses
jornais clandestinos, eu falei do aluno do Pedro II, defendendo o aluno. Eu falei contra o Ministro,
que disse que a passeata era universitária, e não tinha que ter aluno do Pedro II” (MIRIAN
CAVALCANTI, 2007).
“1967 foi um ano de muita luta, de muito trabalho político, a gente organizou grupos de estudos,
era um movimento que tinha uma dezena de meninos trabalhando articuladamente.
Com as grandes manifestações de 68, as coisas foram ficando cada vez mais pesadas. Até julho
não, a gente crescia, tinha cada vez mais gente, depois do segundo semestre, a barra pesou
muito, começaram a prender muita gente nas casas, o Vladimir foi preso no Rio, as manifestações
eram cada vez mais difíceis e mais perigosas, e se entrou em outro clima.
A esquerda estava preparando a luta armada, e as Forças Armadas estavam se preparando para
reprimir com muita força. E o movimento estudantil ficou entre a espada e a parede, e foi decaindo
gravemente. A nossa participação foi basicamente no ano de 68. Teve uma reunião do FMI que
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veio o Rockfeller e teve a famosa campanha “Fora FMI”. Houve muitas articulações estudantis,
formando grupos, e muita gente do Pedro II participou, junto com os universitários da UNE. Eu
acho que o auge do movimento estudantil, depois de 64. começou aí, com o “Fora FMI”. Acho que
o pessoal denunciava a ameaça de privatização, uma história que vem rolando desde então.
A garotada do Pedro II certamente gostava mesmo era de bagunça. Então era muito fácil
mobilizar. Começava a fazer um discurso, e todos começavam a gritar, se disséssemos “vamos
quebrar”, saía todo mundo quebrando. A multidão do Pedro II gostava era de arruaça. A massa,
aqueles 1500, não era politizada. Podia ser comovida por algumas denúncias, “o colégio ano tem
verbas, está caindo aos pedaços...”, mas a coisa era mesmo bagunçar, jogar pedra na polícia. Então
tinha manifestação na Cinelândia, “vamos todos para a Cinelândia, contra a ditadura...”, e o
pessoal adorava por conta da Cinelândia, e não por conta da ditadura. E quando tinha polícia era
melhor ainda, porque aí jogava pedra na polícia... imagina aqueles 1500 garotos de 14 a 19 anos.
E quando tinha passeata na Cinelândia saía todo mundo marchando do colégio, em direção à
Quinta, pegava o trem, descia na Central, e ia marchando contra o trânsito da Presidente Vargas e a
Rio Branco, até chegar na manifestação. Muita gente, 500 garotos. Naturalmente, pulávamos a
roleta do trem, ninguém ia pagar passagem, e íamos às manifestações.
Eu estive olhando o depoimento do Vladimir, e ele fala duas ou três vezes dos secundaristas.
Muito de passagem, mas fala: “eles eram muito esquentados... na hora de enfrentar a polícia, eram
os melhores...”. Claro, eram os mais inconscientes” (ARI ROITMAN).
“Em 66, já começa o movimento das passeatas. E desde cedo o Pedro II se envolve nas passeatas,
que começam em 1966, devagar, mas num crescente. E nessa época, nós, como era um colégio
exclusivamente masculino, s éramos bastante jovens, aquele ímpeto que a juventude tem, nós
funcionávamos como uma espécie de tropa de choque. Nós íamos abrindo caminho sem pensar
muito no que estávamos fazendo. E aí entramos em contato primeiro, mais direto, com a repressão,
que naquele momento já começava a atirar. Isso vai crescendo até 68, tem a passeata dos cem mil,
o assassinato do Edson Luis, e esse crescente fez com que a atividade do movimento em 68 fosse
bastante intensa” (CLAUDIO EGLER, 2007).
As greves no CPII, nos primeiros anos, foram contra certas arbitrariedades dos
diretores das Seções. Aconteceram a chamada “Greve dos Cabeludos”, na Seção Norte,
organizada pelo Alzir e outros colegas dessa Seção; a greve em solidariedade aos
universitários, no Humaitá, relatada pelo Renato; e a greve contra o Diretor Geral, em São
Cristóvão, contra o fechamento do Grêmio, na qual participaram o Cláudio e o Ari.
“A greve de 65 foi um dos motivos de eu ter sido eleito, porque eu realmente estive à frente dessa
greve, mas não era político partidário, não era “a ingerência dos americanos que queriam dominar
a cultura”, não tínhamos essa preocupação.
Teve um diretor da Seção Norte, o Sebastião Lobo, que era muito autoritário. Eu me lembro que na
época os Beatles faziam um sucesso muito grande, e tinha a moda de usar cabelo grande. Os pais
reagiam muito “cabelo grande é coisa de marginal, homem não usa cabelo grande”, mas os filhos
iam vencendo essa resistência, e os pais meio a contragosto, iam deixando, mas esse diretor
proibiu que se usasse. Eu gostava de usar, a única exceção que ele autorizava era quando o aluno
mostrasse que era músico, que tocava em alguma banda musical, e tinha que levar um atestado
comprovando.
Ele chegou ao cúmulo de exigir que o guarda-chuva masculino fosse azul-marinho, que o podia
ser preto.
O Colégio Pedro II Engenho Novo tinha uma massa muito grande de alunos que morava na
Central, ou nos subúrbios distantes, tinha essa democracia. Você entrava pelo mérito, pelo seu
conhecimento, não era porque você tinha dinheiro. Naquela época o colégio público tinha um
conceito excelente, até os estaduais. E o Pedro II tinha essa característica de ser um colégio
democrático, porque estudavam pessoas de baixa renda, que tinham acesso à educação. E exigir
que o aluno entrasse com guarda-chuva azul marinho, para combinar com a calça do uniforme, era
algo que beirava a imbecilidade, era uma exigência estúpida, fascista. E nós insurgimos contra
isso, eu e mais alguns colegas.
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Então combinamos de fazer essa greve, e eu que tinha mais tempo de colégio que eles, falei: “Nós
podemos fazer se contarmos com o apoio dos pais, que trazem as crianças da primeira e
segunda série, que vão ser contra, vão querer furar a greve. Por isso vamos ter que impedir que
entrem. De que forma? Para não ficarmos forçando, fazendo barreira, piquete, vamos à noite no
colégio colocar chiclete nos cadeados, para que de manhã, quando o inspetor tentar abrir, não
consiga”.
Então fomos de madrugada, pulamos o muro do colégio, eu tinha 15 ou 16 anos, e vedamos com
chiclete todos os cadeados.
2Nessa época, se não me engano, estudávamos à tarde, mas fomos de manhã para fazer o
movimento, a parede. E quando o inspetor foi tentar abrir o portão, começou a juntar pai, mãe,
aluno, e eles não conseguiam abrir, foi chamar o cara para serrar... E então eu subi em cima do
muro e fiz o discurso contra o diretor, pichamos o muro todo “Fora Lobo”, mas quando gritaram
“o Lobo vem aí”, todo mundo saiu correndo, inclusive eu, porque a gente não queria ser expulso.
Era bonito, mas a gente não assumia claramente.
E numa dessas vezes que eu estava em cima do muro, da grade do colégio, pedindo que os pais
levassem os alunos menores de volta, porque houve uma hora em que eles estavam do nosso lado,
chegou o carro do DOPS, o pessoal todo correu, e eu quis dar uma de machão, e não corri, fiquei
parado esperando. Ele veio falar comigo, um inspetor que era muito famoso na época, saía em
todos os jornais, eu esqueço o nome dele, e ele disse assim: “Alzir, tudo bem, vocês podem fazer a
greve, mas não fique na porta do colégio, quando a gente chegar, vocês saem...”. Falou duma
maneira amigável comigo, me deu um toque, e eu estranhei. Primeiro: como ele sabe o meu nome?
Eu não era nem presidente do grêmio. Fiquei meio grilado com aquilo, mas obedeci, saí de perto”
(ALZIR RABELO, 2007).
“A única atividade exclusivamente de caráter político que eu me lembro de ter feito junto, se não
com o grêmio, eu não tenho certeza, mas pelo menos com os meus colegas politizados do Pedro II
Humaitá, foi uma tentativa de greve. Se eu não me engano, foi em novembro de 68, quando houve
a morte de um estudante, acho que era chamado Luis Paulo, não lembro o sobrenome, da
Faculdade de Medicina e Cirurgia, onde estava havendo mobilizações. Então houve uma
orientação de tentar fazer greve nos colégios, e nós tentamos fazer lá no Pedro II – Humaitá.
Era período de provas. Além de que, a greve não foi preparada uma greve ultra-esquerdista
totalmente e 99,9% dos alunos queria fazer as provas. Então nós fechamos os portões do prédio
para os alunos não entrarem. Tivemos então que enfrentar os alunos que queriam fazer a prova e
fizemos a greve contra as massas.
As massas queriam entrar e a gente não queria deixar. Então tivemos que enfrentar os alunos,
muitas das mães dos alunos, aquelas que normalmente iam levar os filhos na escola, e que
percebiam que os filhos iam perder as provas. Nisso eu fui agredido por uma mãe e pelo vice-
diretor. Eu me lembro que estava segurando o portão pequeno de entrada, na frente, que dava pro
Humaitá. Eu era responsável por não deixar ninguém passar naquele portão, era um portão de
grades vazadas, então o vice-diretor me dava socos nas costas através do portão, e uma mãe me
dava socos pela frente, querendo que o filho entrasse.
A greve evidentemente não deu certo, fracassou, e eu respondi a uma comissão de inquérito
interna. Eu fui dedurado pelo meu professor de grego, cujo sobrenome é Barata. Ele me viu de
longe e me reconheceu pelo cabelo, eu tinha cabelo de surfista, muito queimado de sol, era
praticamente o único assim no colégio na parte da manhã. Ele me reconheceu, me dedurou, e eu
tive que prestar depoimento. Disse que tinha participado da greve porque tinha prova também, se
eu não me engano de Geografia, e não estava preparado, então eu vi na greve uma possibilidade de
ter mais tempo pra estudar para fazer a prova. Foi o argumento que eu usei pra me livrar. Não
resultou em nada, não tive punição nenhuma” (RENATO LEMOS).
3.3.3.Vozes da Memória - os professores na resistência
Naquele período, houve professores que, assim como os alunos, lutaram contra as
arbitrariedades do novo regime e se opuseram às propostas educacionais da ditadura.
“O Vandick, que tem uma posição interessante, era muito ligado ao professor Álvaro Lins, que era
chefe da Casa Civil do presidente João Goulart, e quando houve a revolução, ele teve muito medo
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e, ao que consta, esteve até asilado no consulado alemão. E curioso que ele sai justamente dessa
posição de temor à revolução, por causa da ligação com o Álvaro Lins, e passa a ser um arauto da
revolução, ele se liga através de um falecido professor do Pedro II, que era gaúcho e amigo
ministro da educação escolhido pela revolução.
Então ele usou esse professor do Pedro II para se aproximar. Partiu para Brasília, juntou-se ao
Tarso Dutra e passou a ser então pré-filiado pelo Ministério da Educação. Então com uma certa
rapidez transformou-se de refugiado na embaixada alemã, com medo da revolução, em um dos
trabalhadores da revolução. A vida inteira foi de direita, e por uma questão de amizade pessoal ao
Álvaro Lins, procurou abrigo no governo João Goulart, prestígio no governo João Goulart, que não
tinha nada a ver com a ideologia dele. Mas se preocupou tanto que foi asilado na embaixada
alemã, e partiu daí para invadir a Universidade de Brasília.
O Vandick era Diretor Geral em plena ditadura, e eu era representante dos professores na
Congregação, e isso criava um pânico enorme para o Vandick. Eu me lembro numa congregação
em que ele pateticamente estava com o braço estendido, tirando pressão, porque ele poderia ter
não sei o quê, havia uma chantagem enorme em torno disso. E as pessoas, como Carlinhos, diziam
para eu dar um refresco, ir de leve. E o Vandick ficou muito feliz quando eu resolvi não me
candidatar à reeleição para representante, porque realmente eu o hostilizava, inclusive na sala de
professores, na sala de aula. Eu me lembro que era eu e o Teomar. O Teomar Jones assinava
artigos no “O Jornal” nesse tempo, e a gente atacava o Vandick. Era início de 70.
Os alunos se colocarem contra o Haroldo, como contra o Vandick, era uma posição de rebeldia
contra a chamada revolução, contra o regime militar. Como Diretor e como Diretor Geral, o
Vandick representava, justamente, as autoridades militares. Muitos participaram de movimentos
até políticos e movimentos revolucionários, nas entidades que surgiram na luta contra a ditadura.
A História e a Filosofia são as que têm a política como praia, então os professores dessas
disciplinas eram realmente aqueles que se manifestavam, mas não faziam a cabeça do aluno. O
aluno do Colégio Pedro II sempre teve muita independência, muita autonomia, em todos os
tempos. Ele sabia o que queria. Evidentemente que essas manifestações, em sala de aula,
provavelmente eram de apoio aos movimentos que eles, os alunos, estavam fazendo.
Os alunos não faziam movimento por influência dos professores, os professores eventualmente
tratavam desses assuntos justamente dando apoio ao que os alunos estavam fazendo, porque os
alunos estavam se colocando em posições que eles também adotavam, e não que eles tivessem
pretendido fazer a cabeça dos alunos.
O procedimento dos professores era individual, as manifestações dos professores eram individuais,
não havia uma organização dos professores de História. Nem todos os professores de História, nem
todos os professores de Filosofia, tinham esse comportamento. Alguns tinham. E era, sobretudo,
porque eram as cadeiras mais ligadas à política.
A intenção da criação das cadeiras de Moral e Cívica, como também o Estudo de Problemas
Brasileiros, foi nitidamente uma forma de tenta fazer a cabeça dos alunos a favor da revolução, a
favor do governo. E às vezes o tiro saía pela culatra, porque nem sempre aqueles professores que
foram escolhidos para essas cadeiras estavam de acordo com o governo.
Os alunos faziam, sobretudo externamente, não era questão dentro do colégio. Os alunos se
organizavam e iam para a rua contra a ditadura.
Mas isso vem de outra época... O aluno do Pedro II toma a frente, mas para fora. O aluno do
Pedro II vai para rua. Vai fechar o Bar Luiz para declarar guerra contra o Eixo por causa do
torpedeamento dos navios brasileiros, vai lutar contra a revolução, contra a ditadura militar, tudo
isso para fora. Os professores sempre preservaram o colégio, nunca procuraram levar para dentro
do colégio isso. Eu tenho impressão que era uma sensação de respeito ao colégio. Eles tinham
atividades, o Pedrosa, o Bayard, o próprio Accioli, tinham atividades políticas. Mas eu tenho esse
sentimento de que eles procuravam preservar o colégio. Procuravam isolar o colégio dessas
atividades.
Também os militares respeitavam o Pedro II. Não houve intervenção no colégio, mas poderiam ter
designado um coronel qualquer como interventor do Pedro II. O colégio sempre representou a
totalidade. O Pedro II é um pedaço da totalidade, então todos, sem discriminação de natureza
qualquer, política, religiosa, etc. nunca essas coisas afetaram o colégio. Não me lembro do Accioli
fazendo, campanha nem outros candidatos. Um que foi eleito várias vezes, foi deputado, o J. G. de
Araújo Jorge, com quem convivi muito tempo também, trabalhamos juntos durante anos de manhã
no Externato. Nunca fizeram campanha política dentro do Pedro II. O colégio não estava
envolvido lá embaixo nas coisas, nas disputas, nas divergências, sempre esteve pairando um pouco
acima de tudo. Acontece que o Colégio Pedro II teve a felicidade de encontrar uma pessoa que
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conseguiu trânsito com os militares, chamado Carlos Potsch. Eu diria que ele constituiu uma
muralha no Pedro II contra influências mais nocivas da revolução.
Embora fosse aceito pela revolução, seria incapaz de assumir a direção do colégio pra fazer como
Vandick faria. Havia dificuldade para ele, porque não tinha clima para procurar fazer uma coisa
dessa natureza. Nenhum outro catedrático, ao que me parece, tinha a política do Vandick. Havia
alguns conservadores, como o Haroldo Lisboa da Cunha, e alguns outros, mas não dessa linha. Ele
não teve clima para fazer isso com o colégio, ele não conseguiria adesão dos colegaS”(CLÓVIS
MONTEIRO, 2007).
“Em 1967 e 1968, quando eu era professor do Pedro II, mas tinha uma intensa vida política no
movimento estudantil. E um movimento estudantil à esquerda. Então o negocio era o seguinte: de
tarde eu ficava fazendo comícios relâmpagos na porta da Escola de Belas Artes ou então na Rua
Ouvidor. A gente juntava grupos de 10 pessoas e saía. Quem geralmente falava era eu, eu batia
palma numa esquina, e outros batiam palmas, eu subia num poste e fazia um discurso pregando
luta armada.“Só a luta armada resolve, derruba a ditadura”. À noite eu dava aula no Pedro II.
Quando tinha passeata eu saía de terno, pra descaracterizar porque quando tinha passeata no centro
da cidade tinha que despistar a policia se descaracterizando do tipo de estudante. Então eu botava
paletó e gravata e depois saía correndo pra dar aula no Pedro II à noite. Depois que eu voltava do
Pedro II, ia fazer pichação 1 hora da manhã. Então era uma maluquice total e absoluta. Esse ritmo só
diminuiu mesmo de 1970 pra lá, quando eu comecei a dar aula em curso pré-vestibular, mas
continuei fazendo algumas coisas”.
Depois da morte do Che é formado o MR-8, com a formação do MR-8 e a influencia da amizade que
eu com o Carlos Alberto Muniz,eu entrei para o MR-8, quer dizer, comecei a ter simpatia pelo MR-
8.O Lamarca ficou na minha casa antes de ir pra Bahia, foi o último lugar que ele ficou, ele e a Iara,
cerca de uns 20 dias. O Lamarca ficava me esperando chegar, eu dava aula até às 11 horas da noite
todo dia. A minha casa tinha dois andares, e eu ficava na biblioteca com ele, conversamos muito. Eu
dizia para os moradores que era um casal que estava fazendo uma tese, precisavam da minha ajuda.
Em 1971, o dia que o Lamarca saiu da minha casa, deixei ele ali em Bonsucesso que dali ele ia
viajar.
A minha participação no MR-8 se deu a72 no máximo. Quando eu começo uma revisão crítica da
contestação armada como caminho pra derrota da ditadura. Embora eu não me arrependesse, como já
falei uma vez no Jornal do Brasil quando passou aquele filme do Lamarca, não me arrependo em
nenhum momento de ter participado disso, mas eu comecei a entender que com o isolamento das
organizações de luta armada e a falta de inserção nas grandes massas, isso não ia derrotar a ditadura.
Eu me integrei, então, a uma política de formação de uma frente ampla, única, o mais ampla
possível, que isolasse politicamente o regime militar.
O Pedro II na gestão do Vandick começou a passar por um processo de esvaziamento como escola.
Naquele momento, as previsões de fortalecimento da escola particular e da introdução na escola
pública da cadeira de Moral e Cívica vieram acompanhadas de uma política de esvaziamento do
colégio.
O colégio em vez de ter uma política de expansão, de aumentar o numero de alunos, era o contrário.
O que se falava no colégio era fechar, porque as turmas foram diminuindo, a esculhambação foi
aumentando. Isso formou um quadro tal, que a gente considerou, eu estou falando de São Cristóvão,
eu, Robespierre, Maciel e outros, nós consideramos o seguinte: a maior resistência que podíamos
desenvolver, dentro do Pedro II, eram as nossas aulas, em dois aspectos. Primeiro: dar aula seguindo
religiosamente o horário, porque parecia que existia um plano dentro do colégio, em que sábado
você tinha seis aulas, quando chegava na aula, já começava a varrer a jogar a poeira pra você ir
embora. Fora os professores que não tinham consciência nenhuma e nunca davam a 6ª aula.
Então a gente decidiu “nós, vamos dar até o último minuto, pode jogar poeira, pode jogar o que
quiser, que a gente não vai colaborar pra esse esvaziamento do colégio”. O segundo aspecto era a
qualidade das aulas. E isso veio acompanhado, obviamente, de um desinteresse dos professores e
uma queda na qualidade do ensino. A gente conversava muito... “vamos dar a melhor aula que a
gente tem”. Então a gente fazia o movimento oposto, que era um movimento e resistência.
É claro que nessa trajetória, nessa visão, eu ganhei muitos alunos querendo participar de movimento
político a partir das minhas aulas, contato comigo, amizade, tem vários, lideranças inclusive. Porque
o Pedro II sempre foi um colégio formador de lideranças, desde a minha época de aluno, e continua
sendo assim”(FRANCÍLIO P. LEME).
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“E eu tenho uma história positiva e interessante sobre o Carlos Potsch, que foi diretor. E o irmão
era Paulo Potsch, que foi meu aluno. Ele me contou o seguinte: a ditadura, os comandantes, o SNI,
exigiam credenciais, para abrir inquérito para demitir, e o Vandick era um dos dedos-duros. Então
o que fez o Carlos Potsch? Nas denúncias que o Vandick fazia, ele exigia tais indicações, tais
exigências, mas o Vandick não teve coragem de citar oficialmente o nome de ninguém, então
nenhum inquérito foi aberto pelo professor Carlos Potsch, porque não completava os requisitos.
Quando não completava... indeferido, indeferido, indeferido! Quem me contou isto foi Paulo
Potsch. Batemos um longo papo, e ele foi uma pessoa maravilhosa e que ajudava o Carlos Potsch a
criar dificuldades para não abrir inquérito ou demitir” (MOYSÉS GENES, 2007).
3.3.4. Vozes da memória - a luta contra a transformação do Colégio Pedro II em fundação
educacional.
Os depoimentos a seguir abordarão um dos fatos mais relevantes ocorrido no Colégio
nos primeiros anos da ditadura: a luta contra a proposta de transformar o Colégio em uma
Fundação Educacional. Essa luta teve início em 1965, desdobrando-se com força total a partir
de março de 1966.
A visão não privatista da educação era hegemônica no movimento estudantil antes
mesmo ter sido pauta de discussão e conflito durante a elaboração da LDBEN/61, desde os
primeiros fóruns de discussão do Movimento em Defesa da Escola Pública. Nessa luta,
estavam engajados estudantes e diversos trabalhadores da educação. No Colégio Pedro II, a
luta pela educação pública passava também pela necessidade de autonomia administrativa e
didática desde a década de 1950. O Prof. Clóvis Monteiro Filho expõe a origem dessa
reivindicação no seu depoimento.
Portanto, quando surge a discussão sobre o rumo do Colégio Pedro II, em relação ao
tipo de administração a que estaria submetido, no Congresso Nacional tramitava uma
proposta bem diferente da proposta de Fundação. A ex-aluna Maria Beatriz, que na ocasião
era Presidente da Associação dos Alunos do Pedro II, relata esse fato esclarecendo as
motivações iniciais do movimento.
Na visão do Prof. Clóvis Monteiro Filho, a luta contra a Fundação traduziu o desejo
da comunidade do Colégio, principalmente dos professores que eram contra essa proposta.
Nesse momento, se aprofundara a divisão interna no Colégio.
A luta contra as Fundações Educacionais não se resumia ao Colégio Pedro II. Em
muitas universidades esse ponto estava entrando em pauta nas reivindicações gerais dos
estudantes por mais verbas para a educação e contra as anuidades.
Segundo o Prof. Victor Hugo, que na ocasião trabalhava como técnico-administrativo
na Sede do Colégio, essa luta mobilizou a comunidade escolar de forma bem peculiar
ressaltando a força do grupo contrário ao Prof. Vandick. Os alunos, segundo a visão dos ex-
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alunos Mauricio e Alzir, não sabiam com profundidade o teor da proposta, porém tinham
certeza de que uma proposta governamental, naquela altura dos acontecimentos, viria no
sentido oposto dos seus desejos. A luta contra a Fundação, no Colégio Pedro II, somente
termina em 1967, devido à transformação do Colégio em Autarquia Federal. Contudo, não
cessava a luta contra as arbitrariedades, por melhores condições de ensino, contra as censuras.
No âmbito externo, os alunos do CPII se mobilizavam nas lutas mais amplas do movimento
estudantil.
“A autonomia se origina justamente numa sessão da Congregação, a da comemoração do 122
o
ano
do colégio, que faz aniversario no dia 2 de dezembro. Parece-me que foi uma mensagem ao
Ministro da Educação, que na ocasião era o Clovis Salgado, propondo autonomia ao Pedro II,
como nas universidades.
Esse pleito, da autonomia do colégio, foi justamente porque o colégio realmente exerceu a
autonomia nesse período, no início da República especialmente, era o colégio que ditava as normas
do ensino secundário em todo país. Então o que se quis quando começou a grande expansão do
ensino, o que o Pedro II pleiteava nessa ocasião, justamente no fim da década de 50, era que fosse
conseguida pelo Ministério a autonomia para o colégio. Em todos os sentidos. E acabou resultando
na criação de uma autarquia.
Uma autarquia tem independência administrativa e, naturalmente, independência do ponto de vista
pedagógico também. Uma fundação não. Ou seja, uma fundação não é uma entidade de ação. O
colégio pleiteava essa autonomia, justamente para poder exercer o papel que representava no
ensino do país.
Os professores, nessa época, não tinham organização, e nisso os alunos deram lição aos seus
mestres. A organização dos alunos, através de seus grêmios, conseguiu dar calor a essa luta contra
a transformação em fundação, mas todos os professores eram contra a fundação, a não ser aqueles
que tinham interesse em bajular, em agradar o governo, em agradar o professor Vandick. Ele era
justamente um dos defensores da transformação em fundação.
Não era propriamente privatização, mas deixava de ter aquela autonomia administrativa e
pedagógica. Teria, mas seria como se transformasse num caldo de água com úcar. Enquanto
autarquia não, ela seria uma entidade pública de ação, bem diferente de uma fundação. E houve,
nessa ocasião, pela chamada “Revolução”, essa pretensão de transformar o colégio numa
fundação, contra a qual lutaram aqueles que estavam à frente do colégio. Nunca a maioria dos
professores, nem sequer a Congregação, que era um grupo menor, foi favorável a que se
transformasse em fundação.
Evidentemente que esse era o desejo do Vandick, ele foi um demeritório prestador de serviços à
“Revolução”, então naturalmente pleiteava que se fizesse aquilo que os militares queriam. Então
inventou uma história dessa, de que a maioria era a favor, para robustecer a defesa do seu ponto de
vista, mas nunca a maioria dos professores foi a favor disso” (CLÓVIS MONTEIRO FILHO,
2007).
“A gente sabia que tinha que ter uma política para o movimento estudantil. Então nós começamos
a desenvolver uma movimentação contra a política educacional do governo. E entra a nossa luta
contra as Fundações, contra o acordo MEC-USAID, contra a política do Meira Mattos. Isso vai
marcar esses anos, de 1966 a 1968. Vamos ter várias manifestações que a gente vai fazer no pátio
do MEC, e começamos a ensaiar as “manifestações relâmpago”, porque não se podia fazer de
outro jeito. Vai ser nessa época que nós vamos ter a célebre invasão da Faculdade de Medicina, em
que eu participei ativamente, também dentro de uma linha de luta econômica estudantil, mas com
uma vertente de levar um pouco a luta interna, a visão partidária para o movimento estudantil.
Nós tínhamos o contato com o movimento secundarista, mas ele vai crescer mesmo a partir de
68, quando a gente começa a desenvolver o movimento dos vestibulandos, que vai ser no fim de
67, e ganha corpo em 68” (CARLOS ALBERTO MUNIZ, 2007).
“Naquela ocasião, quando o governo federal queria transformar o colégio em fundação teve uma
luta. Não existia nessa época associação de pais, nem de professor. Mas, existia uma mobilização
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desse grupo, dos profissionais desse núcleo, que era formado por Química, Física e Biologia, para
desestimularem essa idéia. E o que eles tinham? Contatos com ex-alunos, e o jeito era trabalhar
com eles e com os pais de alunos no sentido de conversar. Porque naquela época era assim. Essa
fundação queria injetar recursos da iniciativa privada aqui. Também houve uma proposta de
estadualização” (VITOR HUGO CABRAL, 2007).
“Nós não sabíamos muito bem o que era isso, mas nos opusemos fortemente à idéia, que na
verdade escondia uma tentativa de privatizar o ensino do colégio Pedro II. Nos unimos fortemente
com a velha guarda professoral do colégio, através do professor Valdemiro Potsch, que era uma
figura do colégio. Ele tinha um livro que tinha tirado umas 50 edições “O Brasil e suas riquezas”,
algo assim, era um velho professor do Pedro II, pai do Carlos Potsch, que foi diretor do colégio,
justamente na época em que eu era mais ativo no grêmio.
E o Carlos Potsch ficava doido, porque fizemos uma aliança com o velho Potsch em defesa do
Pedro II, a gente ia à casa do velho, ele gostava muito de receber aquela garotada engajada
politicamente, era um aliado importante.
Mas evidentemente que era algo intuitivo, não era um conhecimento detalhado, tínhamos aliança
com alguns professores que resistiam ao projeto de Fundação, e não tenho mais idéia de quem
patrocinava isso com força, ou não. Certamente, o Potsch, por causa do Valdomiro, pai dele, que
era contra, mas por conservadorismo, por tradição.
Quanto ao projeto de Fundação, a gente não tinha idéia do que era aquilo, mas como era algo do
governo, nhamos que ser contra, além de ser uma grande oportunidade de fazer uma
movimentação, mobilizar as massas, todos os alunos em defesa do Pedro II.
Para nós o projeto da fundação encarnava o anti-Pedro II, e tínhamos ali uma chance de brigar pelo
colégio, em defesa da tradição, e então abraçamos com muita força esse movimento. Certamente, a
gente era muito combatido, diziam que a gente não sabia o que era aquilo. Eu até cheguei a pegar o
material para tentar estudar o assunto” (MAURICIO D. DAVID).
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“Quando o governo federal quis transformar o Pedro II numa fundação o único ensino médio de
responsabilidade federal, porque nos outros estados todos são estaduais –, logicamente sabíamos
que perderiam a qualidade, os professores, os funcionários e os alunos. E fizemos algumas
manifestações, inclusive uma assembléia geral na Marechal Floriano, na sede, em que levamos
muitos alunos de todas as seções.
Foi muito noticiado na época, Correio da Manhã, Jornal do Brasil, os principais jornais da época, e
não vou ser arrogante e dizer que foi o movimento que conseguiu barrar, mas fizemos muito
barulho. E a idéia foi afastada, apesar de estarmos em plena ditadura, em 66. (...) Na luta contra
a fundação éramos todos de acordo, participamos, estávamos juntos com a Associação. Tentaram
mexer primeiro com o Pedro II, porque realmente era tradicional. Mas a reação, a força dos alunos
do grêmio barrou tudo isso. Mexer com as universidades, talvez fosse mais difícil. Eles, então
tentaram mexer lá, mas felizmente não conseguiram” (ALZIR RABELO, 2007).
“Mas qual era o problema de transformar o colégio em fundação? Todo o pessoal que era
catedrático, que tinha mais ou menos o mesmo status de um professor universitário catedrático,
perderia o interesse de ser catedrático no colégio, ia ser catedrático numa universidade ou outra
coisa qualquer, porque lhe convinha muito mais. Então não haveria renovação daqueles quadros.
Qual era a grande vantagem? Teria mais flexibilidade e poderiam ser feitas obras que o colégio
precisava. Qual era a grande preocupação? Aquilo era claramente um processo de privatização, e
de perda de qualidade do ensino básico e do ensino médio.
Então essa assembléia era contra a transformação do colégio em fundação, a partir do ponto de
vista dos catedráticos, que perderiam as suas grandes vantagens e sua estabilidade como
funcionário público, a qual tinham direito, e a partir do ponto de vista dos alunos mais politizados,
que viam nisso um processo de descaracterização do ensino público, que na época era o ensino de
qualidade, ao contrário de hoje em dia. A garantia de manter o Pedro II como órgão do Ministério
da Educação era a tentativa de ter um padrão de qualidade que pudesse ser espelhado em nível
nacional. E a outra questão, era que ficariam inviabilizadas as formas tradicionais de acesso ao
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colégio, que eram várias, mas a principal era entrar no 1º ano no colégio, por concurso com acesso
e oportunidades iguais a todos.
Então isso era claríssimo para a gente, era o início da destruição da escola pública, como a gente
fala que es num processo de destruição da universidade, a gente na época tinha claramente o
início da destruição da escola pública.
Então houve uma luta em que a gente conseguiu unir professores, estudantes e funcionários, por
interesses corporativos, mas também por uma visão mais ampla, porque os funcionários eram
corporativos em sua maioria, mas alguns tinham visão de educação de longo prazo.
Mas o grande ponto daquilo foi o início de voltar a reunir a grande escala. E porque se conseguiu
mobilizar tanta gente? Os grêmios eram muito bons, todos estavam muito integrados, alguns mais,
outros menos o grêmio da Zona Norte era muito preocupado com festa, mas era também muito
ligado à tradição do colégio. Então o grande ponto de união foi a tradição do colégio, porque se
estava rompendo com uma tradição de qualidade e os impactos eram gerais. A grande
assembléia foi só em 66.
houve uma contradição dentro da Congregação do colégio. Existiam dentro da própria
congregação do colégio pessoas mais conservadoras, capitaneadas pelo Vandick, mas que não
tinham muita influência na sede do colégio. Tinha o Potsch, que era o setor hegemônico. Tinha
uma visão liberal e democrática. Entrava em contradição com todo aquele processo de aceleração
do autoritarismo que dividia o Brasil. O Potsch não facilitava o desenvolvimento, mas não
reprimia, buscava o diálogo em vez da repressão.
O impacto desse movimento foi tão grande, que o Ministro da Educação nos recebeu para
conversar, para dizer que não era isso que queria fazer. O Ministro da Educação era um político
mineiro, Pedro Aleixo. Ele era uma figura muito engraçada, porque era ainda aquele mineiro do
terno branco, de fala mansa, e ficou impressionado,“por que esses jovens, tão jovens, estão
fazendo essa confusão tão grande?” Foi uma boa conversa, e acho que ele ficou meio impactado
com aquela mobilização toda e os catedráticos realmente se mobilizaram.
Então a luta impediu que eles implantassem o projeto, foi vitoriosa dentro das condições políticas
que eram muito ruins na época. Eles não conseguem o que queriam, então ficam no intermediário.
Porque autarquia não é um poder tão central, é um pouco mais flexibilizado, mas também não é a
retirada da obrigação do Estado” (MARIA BEATRIZ A. DAVID, 2007).
No processo dessa construção histórica, o resgate da memória favorece o
reconhecimento do papel de cada indivíduo como agente nesse processo. Nesse sentido,
reconhecer a importância que teve o Colégio Pedro II na luta contra a ditadura militar,
principalmente na luta em defesa da escola pública, é quebrar o silêncio sobre um período de
medo e resistência, presente na memória até os dias atuais. É essa memória que trás à tona
não só as circunstâncias mais opressivas, sofridas por muitos, mas também as vitórias
conquistadas, cuja repercussão é vivida ainda hoje.
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CONCLUSÃO
No Capítulo I, tratamos de fazer um breve histórico do Colégio Pedro II relacionando-o
no contexto histórico da educação no Brasil devido à importância que ocupa este Colégio na
história do ensino público brasileiro.
O recorte temporal que privilegiamos neste trabalho foi o período da ditadura militar,
especificamente entre 1964, ano do golpe militar, e 1979, ano do início da abertura política no
Brasil. O recuo aos anos imediatamente anteriores ao golpe militar serviu para traçar um
paralelo entre o CPII nos primeiros anos da década de 1960 e o CPII que emerge ao longo dos
anos da ditadura. O contraste entre os dois momentos deixa claro os antagonismos que se
manifestavam na sociedade e na educação. O golpe militar representou, no âmbito da
educação, uma ruptura em relação às mudanças que estavam sendo desenvolvidas e
reivindicadas por professores e estudantes em todo o Brasil. O CPII estava inserido nesse
contexto, o que se pode verificar pelas tentativas de inovação pedagógica promovidas pelos
professores, pela liberdade de atuação dos grêmios e pela ampliação da base social atendida
pelo colégio, resultante de sua ampliação física e de ações de inserção na sociedade.
Na década de 1960, os alunos demonstravam uma preocupação com os problemas da
sociedade brasileira. O ensino desenvolvido no CPII, nesse período, propiciava ao alunado um
olhar crítico em relação à sociedade, fazendo com que se engajassem em atividades que
visassem à transformação social. Os depoimentos apontam que a atuação do grêmio também
ajudava no desenvolvimento de uma consciência crítica coerente com valores éticos recebidos
de grande parte dos professores, principalmente o respeito pelo coletivo, pelas instituições
públicas e estatais e, especificamente, o respeito pelo Colégio. Esse processo é relatado nos
depoimentos atuais dos alunos, nos jornais estudantis da época e nos discursos de grande parte
dos professores, por ocasião dos debates internos no Colégio e nas reivindicações externas.
O crescimento dos movimentos sociais fez os alunos irem para a rua em 1956 e 1961,
com a greve do bonde; em 1961, pela legalidade da posse de João Goulart; em 1963, junto com
os universitários, durante a greve do 1/3” e a reivindicação pela participação nas decisões
administrativas do Colégio. Tudo isso demonstrava a força da organização de massa dos alunos
do Colégio e ajudou a consolidar uma tradição de luta dos alunos e o grêmio como entidade
representativa.
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No período entre 1964 e 1969, pouca mudança houve em relação ao ensino e a
preocupação com a transformação da realidade continuou. A qualidade dos professores é
ressaltada por todos os alunos que estudaram até 1969. Em compensação, os depoimentos estão
cheios de exemplo de arbitrariedade, vigilância, controle e punições, o que se confirma nos
documentos encontrados no APERJ.
Nos relatos e nos documentos relativos aos anos posteriores a 1969, notamos mudanças
em relação ao ensino, principalmente a partir da implementação da Lei 5692/71. A
implementação do ensino profissionalizante foi um fracasso, como ocorreu de um modo geral
na educação brasileira durante a década de 1970. Mas seus efeitos foram desastrosos no caso
do CPII, pois correspondia à negação de sua tradição humanista. O resultado foi o
esvaziamento progressivo, combinado com o desânimo e o medo generalizado, que era
compensado pela resistência sem visibilidade, porém obstinada e paciente de professores,
servidores e alunos. Essa estagnação seria revertida a partir de 1979, com coincidência do
início da abertura política e a mudança interna na Direção Geral do Colégio Pedro II.
No capítulo II verificamos os efeitos, no Colégio Pedro II do AI 1, da Doutrina de
Segurança Nacional, na vigilância do DOPS assim como os efeitos do AI 5 , do Decreto-Lei
477 e da censura. Nessa parte do trabalho tratamos sobre as estratégias de vigilância e
repressão, que pudemos perceber através de documentos do Fundo de Polícia Política, os quais
nos revelaram uma história a partir do ponto de vista dos informantes, mas que nos ofereceu
pistas para verificar as diversas formas de vigilância e controle.
O Colégio Pedro II, nos primeiros anos após o golpe de 1964, estava sendo atingido por
todas as medidas do governo ditatorial: o AI-1, a lei Suplicy, os Acordos MEC-Usaid e a Lei
de Segurança Nacional. Muitos servidores foram perseguidos e alguns foram demitidos,
baseado em inquéritos policial-militares. Mas os casos mais drásticos se davam por conta da
atuação política externa ao Colégio, geralmente por participação em partidos políticos de
esquerda ou em sindicatos. No âmbito interno, a repressão foi amortecida nos primeiros anos
da ditadura por conta do forte espírito de corpo e da cumplicidade entre servidores, que
buscavam contornar as diversas situações em que um ato repressivo era eminente, apesar de o
Diretor do Internato e, posteriormente, Diretor Geral, Vandick L. da Nóbrega ter estado
fortemente alinhado às posturas autoritárias da ditadura militar.
A partir de 1969, os grêmios foram irreversivelmente fechados, os jornais foram
proibidos de circular e mais de cem alunos foram impedidos de prosseguir seus estudos no
CPII por causa de atividades políticas nos anos anteriores. Esses alunos não puderam se formar
no Colégio Pedro II e obter seus diplomas de conclusão. Alguns professores, que haviam
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permanecido após a operação limpeza promovida logo após o golpe militar, dessa vez foram
afastados. A vigilância interna se intensificou, agora com ameaças de enquadramento dos
alunos no Decreto 477. Nesse mesmo período, a Direção Geral colabora com o MEC
instalando a Lei 5692/71, sendo a primeira instituição de ensino a aceitar a proposta,
ressaltando as suas qualidades ao corpo discente. A Direção Geral promoveu concursos de
redação sobre temas de apologia à “revolução” de 1964. Os alunos do CPII e FAHUPE foram
premiados pelo então Presidente Médici.
Muitos ex-alunos foram perseguidos nos anos seguintes a 1969 por sua atuação política
no Colégio Pedro II. Houve ex-alunos e servidores presos, outros viveram na clandestinidade
ou foram obrigados a se exilar. Professores e ex-alunos se engajaram na resistência armada,
tanto na guerrilha do Caparaó, na guerrilha do Araguaia e na guerrilha urbana. Seis desses ex-
alunos foram brutalmente assassinados pela ditadura militar.
No capítulo III, verificamos como os jornais estudantis no Colégio Pedro II
combinavam diversas funções: difusão de idéias, instrumento de conscientização da realidade
brasileira, aproveitamento da cultura para abordar as questões políticas internas e externas,
divulgação do pensamento dos alunos do Colégio Pedro II, produção intelectual e literária
abordando as questões polêmicas daquela sociedade, posicionamento contra a ditadura militar.
A partir de 1964, os jornais foram um importante meio de organização dos alunos e a principal
vinculação entre o grêmio e o alunado. Além disso, a ampla circulação entre as unidades do
CPII possibilitou uma integração das lutas, que não ficaram isoladas em cada unidade, o que
foi um fator decisivo para diversas vitórias e resistências dos alunos no Colégio.
Sobre a forma de organização do Grêmio, é importante ressaltar o fato de que os
alunos, naquele momento, se posicionaram pela legalidade, isto é, tinham a noção de que
poderiam fazer mais se tivessem com o grêmio legalizado, assimilando formalmente as regras
impostas pela Lei Suplicy, de modo a serem aprovados pela Congregação do CPII. Portanto
eles decidiram utilizar a Lei Suplicy a favor deles, mesmo que limitados. Com isso,
conseguiram fundar jornais para continuar a estabelecer um canal de comunicação com os
estudantes. A associação dos grêmios também foi organizada com o objetivo de não ficarem
isolados, tanto entre as unidades como entre os líderes estudantis e o conjunto dos estudantes.
Os Grêmios funcionavam como uma entidade onde se dava a formação complementar
do alunado em diversos sentidos. Além de proporcionar atividades culturais, esportivas,
literárias e de entretenimento, numa relação de ampla participação no conjunto dos alunos, o
grêmio promovia o engajamento dos alunos nas lutas políticas, numa relação em que os alunos
passavam a ser sujeitos do seu próprio processo educacional.
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Os líderes do Grêmio mantinham uma relação de co-participação onde predominava a
confiança dos alunos com esses dirigentes, numa relação de troca e aprendizagem mútua.
Dentre as preocupações organizacionais dos alunos mais atuantes nos Grêmios, verificamos o
cumprimento das decisões, a responsabilidade dos mais velhos em relação aos mais novos e a
visão da necessidade de formar novos líderes que dessem prosseguimento ao Grêmio no futuro.
A maioria do professorado não teve uma atuação mais organizada em relação à luta
contra a ditadura, devido à falta de uma entidade organizadora. A discussões políticas dos
professores do Colégio aconteciam principalmente na Congregação e as reivindicações eram
levadas diretamente ao Congresso Nacional ou ao Ministério da Educação pelos diretores e
professores.
No âmbito interno ao CPII, a maior resistência contra a ditadura militar se deu através
da mobilização dos alunos, que tiveram o apoio e a cumplicidade de uma grande parte dos
professores e de alguns funcionários técnicos, ex-alunos e responsáveis. Uma atuação mais
radical por parte de alguns professores ocorria também, mas fora do âmbito do Colégio, através
de participação em atividades clandestinas e de guerrilha, da qual participaram professores e
ex-alunos.
A resistência começou a se manifestar principalmente a partir do final do ano de 1964,
quando os alunos começaram a se mobilizar para a reabertura do grêmio e a se rebelarem
contra os abusos de autoridades de alguns diretores da época. As greves e protestos, como nos
casos da luta pelos excedentes e da greve a favor dos “cabeludos”, tiveram apoio dos
responsáveis. A comunidade escolar como um todo também apoiou os protestos contra o
fechamento do grêmio e a proibição da publicação dos jornais estudantis.
A luta contra a fundação foi possível porque houve uma aglutinação de forças onde
se encontraram a preocupação social na defesa da escola pública –, a tradição institucional
na defesa do Colégio –, a tradição de luta em defesa das liberdades –, e a organização do
grêmio – em defesa dos interesses dos alunos.
Os estudos realizados sobre movimento estudantil na época da ditadura militar têm
privilegiado o movimento universitário. A bibliografia sobre o movimento secundarista é
escassa, pois geralmente estão inseridos em estudos sobre juventude ou estudantes em geral.
Os dois trabalhos mais relevantes sobrem o movimento secundarista são duas pesquisas que
tratam especificamente da atuação dos alunos do Cap-UFRJ: a primeira realizadas em 1992 por
Alzira Alves de Abreu intitulada Intelectuais e Guerreiros e a segunda “Uma escola contra a
ditadura” realizada por Patrícia Henriques Mafra (2006) O movimento secundarista foi
protagonista das lutas sociais e estudantis, na década de 1960, e o movimento estudantil do
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Colégio Pedro teve um papel de destaque e de vanguarda na reorganização do movimento
estudantil, tanto pelos alunos, no âmbito interno, quanto pelos ex-alunos, dentro das
universidades.
Essa ausência de pesquisas e informações sobre o movimento estudantil secundarista se
manifestou nas dificuldades de realização da pesquisa bibliográfica e documental. Alguns
jornais foram conseguidos com ex-alunos e outros com um servidor do colégio. Os jornais
foram importantes para conseguirmos as informações sobre as atuações do grêmio e sobre os
acontecimentos que marcaram o colégio naquele período, porém, a falta de exemplares nos
deixa ainda com lacunas a serem preenchidas. Dentre os pontos que surgiram ao longo da
pesquisa, algumas indicações podem ser feitas para futuras investigações: a relação da
FAHUPE no Colégio Pedro II; o grêmio como um espaço de formação política e o papel da
imprensa estudantil do Colégio Pedro II como um instrumento importante para o
desenvolvimento do pensamento crítico entre seu corpo discente.
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FONTES
1. Documentos:
1.1 APERJ - Fundo Polícia Política - Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
SETOR PASTA/VOLUME FOLHA Nº DATA
Alvarás 02 156 4/1972
Boletim Reservado 66 23 3/1968
Boletim Reservado 70 71 8/1968
Boletim Reservado 77 9/1968
Boletim Reservado 03 03 7/1969
Boletim Reservado 52 51/52 e 63 6 e 7/1968
Boletim Reservado 23 63 1968
Boletim Reservado 47 1968
Boletim Reservado 63 05/1968
Comunismo 126 117 12/1973
Comunismo 118/119 193 8/1973
Comunismo 103 21-32 -
Comunismo 118/119 175-176 1970
DGIE 245 25 5/1977
DGIE 273A 02 8/1979
DOPS 67 Nº 44
DOPS 152 176-178 8/1971
DOPS 152 202-204 8/1971
DOPS 152 206 6/1971
DOPS 85 DOSSIÊ 2 7/1966
DOPS 53 31-32 5/1965
DOPS 121 131
Estudantil 38 153-160 8/1971
Estudantil 38 377 6/1972
Estudantil 38 442/448 10/1972
Estudantil 38 378 -
Estudantil 23 83-98 6/1964
Estudantil 26 /27 27/04/67
Estudantil 01, 02, 03 66-83 e 130-132 4/1966
Estudantil 23 49 6/1968
Estudantil 38 26-27 6/1968
Estudantil 04/05 JORNAIS -
Estudantil 04/05 Panfleto/Manifesto 92 -
Estudantil 13 22-25/30 11/1967
Estudantil 19 88-90 1964
Informações 156 234 e 235 10/1968
Informações 92 301 9/1969
Informações 81 09 4/1967
Informações 78 86-93 10/1966
Informações 78 225-226 8/1966
Secreto 90 106-111 11/1967
Secreto 47 578-580 6/1969
Secreto 76 99-101 4/1969
Secreto 41 315-319 10/1968
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Terrorista 02 154 8/1969
1.2 Grupo Tortura Nunca Mais –RJ
- Pesquisa BNM – Atingidos pela Ditadura (acervo digitalizado)
- Dossiê dos Mortos e Desaparecidos no Brasil a partir de 1964
- Arquivo da Guerrilha do Araguaia (acervo digitalizado)
1.3. Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II (NUDOM)
- Documentos do NUDOM: Catálogos de Teses; Tabelas e Catálogo de
Arquivos;
- Documentos oficiais do Colégio Pedro II: Atas do Conselho
Departamental; ofícios; atos administrativos e processos;
- Publicações: Anuários; Discursos; Dissertações e Livros
1.4. Setor de Recursos Humanos do Colégio Pedro II (SRH)
- Fichas Funcionais:
- Diário Oficial (1964 1979): recortes das publicações oficiais sobre
servidores do Colégio Pedro II
1.5 Arquivos Pessoais
- Paulo Rubem de Souza Valente
Documentos do Grêmio Esportivo e Literário do Colégio Pedro II (1960-1963):
Atas de reuniões; panfletos; fotos;
Periódicos Estudantis (1960 – 1963):
Padrão; CAE (Ciência e Arte Estudantil);
Periódicos de grande circulação (1962 – 1968):
Recortes de noticias sobre o Colégio Pedro II e o movimento estudantil
nos jornais O Dia, Diário de Noticias, O Globo e Tribuna da Imprensa
- Mirian da Silva Cavalcanti
Documentos do Grêmio Esportivo e Literário do Colégio Pedro II (1960-1963):
Panfletos; fotos;
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Periódicos Estudantis (1960 – 1966):
CAE (Ciência e Arte Estudantil); Carcará; A Chama;
- Victor Hugo de Oliveira Cabral
Documentos pessoais:
Processo;
Periódicos Estudantis (1965 – 1967):
Vanguarda Estudantil; A Flama; Bossa Nova; Reflexo
Periódicos de grande circulação (1972):
Recortes de noticias sobre nos jornais O Dia, Diário de Noticias, O
Globo e Tribuna da Imprensa
2. Periódicos:
2.1. Jornais estudantis:
A FLAMA: Fundado em 1953 (Órgão Oficial Dos Alunos Do Colégio Pedro II
Internato).
- Nº 2 de Outubro/ Novembro de 1967.
PADRÃO: fundado em 1963 (Órgão oficial da Associação dos Alunos do Colégio
Pedro II). Fundadores: AACPII.
-Nº 1 de novembro / dezembro de 1963 (ano I)
VANGUARDA ESTUDANTIL: Fundado em 1964. Fundadores: Anselmo André
Amador e Léo Alves do Rego. 16 páginas. 2 cadernos de 8 ginas cada um. Tiragem
de 12 mil exemplares. Seção Centro.
-Nº 4 de setembro de 1965 (ano II)
-Nº 7 de outubro de 1966 (ano III), Edição Extra:
REFLEXO: Fundado em 1966. Fundadores: Carlos Alberto de Souza Tavares
Grêmio Cientifico Literário do Colégio Pedro II Seção Norte. Tiragem de 3 mil
exemplares.
-N° 1º de março / abril 1966 (ano I).
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BOSSA NOVA: Fundado em 1966. 2 cadernos de 8 páginas cada uma. Seção Centro.
-Nº 2 de maio / junho de 1966 (Ano I)
CARCARÁ: Fundado em 1966. 1 caderno. Tiragem de 10 mil exemplares. Seção
Centro.
- Nº 1 de Junho de 1966 (Ano 1)
2.2 Jornais de grande circulação:
- Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, Correio da Manhã
3. Audiovisuais:
3.1 DVD:
Os Anos Rebeldes (minissérie escrita por Gilberto Braga e Sergio
Marques, 1992 - Rede Globo)
3.2 CD- ROM:
O Colégio Pedro II (Edição oficial do Colégio Pedro II, 2003)
4. Depoimentos:
Alzir Rabello; Ex-aluno; 1961 1968; Foi diretor do Grêmio da seção Norte 1965
1966.
Américo Oscar Freire; Ex-aluno; 1970 – 1975; Foi aluno da Unidade Engenho Novo e
da Unidade São Cristóvão.
Ari Roitman; Ex-aluno; 1964 1968; Foi diretor do Grêmio CP II Internato 1966 -
1968. Foi detido pelo DOPS em 1968 e transferido do CP II em 1968 por razões
políticas.
Carlos Alberto Muniz; Ex-aluno; 1956 1963; Foi diretor do Grêmio Seção Norte
1961 – 1963. Foi cassado em 1969.
Carlos Eduardo Gouveia ; Ex-aluno; 1963 – 1968; Foi redator – chefe do jornal
Reflexo 1966-1967. Foi transferido do CP II por razões políticas
Cláudio Egler; Ex-aluno; 1964 – 1968; Foi diretor do Grêmio CP II – internato 1966
1968. Foi detido pelo DOPS em 1968 e foi transferido Do CP II por razões políticas.
Em 1971foi detido três vezes e 1973 foi preso por dez meses.
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Clovis do Rego Monteiro Filho; Professor de História ; 1950 2007; Foi aluno do CP
II. Foi representante dos professores na Congregação
Francilio P. P. Leme; Ex-aluno 1956 1963e professor de Física do CP II de 1968 -
2003; Foi diretor do Grêmio Seção Norte 1962 – 1963.
Geraldo Pinto Vieira; Professor de História; 1950 2007...; Foi aluno do CP II. Foi
chefe do Departamento de Historia.
Ivan Martins Pinheiro; Ex-aluno; 1956 1963; Foi diretor do grêmio Seção Norte
1961 – 1963
Liane Nóbrega de S. Valente; Ex-aluno; 1960 – 1963; Era aluna da Seção Tijuca.
Maria Beatriz Albuquerque David; Ex-aluno; 1965 1967; Foi diretora do Grêmio do
CP II – Sede 1965 e presidente da Associação Dos Alunos do CP II 1966 1967. Foi
cassada pelo Decreto-Lei 477 em 1969
Maria Cristina Faissal ; Ex-aluno; 1960 1966; Foi Diretora do Grêmio Seção Norte
1961 -1963
Mauricio Dias David; Ex-aluno; 1959 1965; Foi diretor do Grêmio do CP II Sede
1963 -1965. Foi cassado pelo Decreto-Lei 477 em 1969.
Mirian Cavalcanti; Ex-aluno; 1956 1963; Foi Diretora do Grêmio Seção Norte 1962
-1963
Moises Genes; Professor de Desenho; 1946 1990; Foi aluno do CP II. foi Diretor da
Unidade Humaitá
Paulo Rubem; Ex-aluno; 1956 – 1963; Foi diretor do Grêmio Seção Norte 1961 - 1963
Renato Lemos; Ex-aluno; 1963 – 1969; Foi aluno da Seção Humaitá.
Shirley; Ex-aluno; 1972 1978; Foi aluna da Unidade Engenho Novo e da Unidade
São Cristóvão
Silvio Viola; Ex-aluno; 1960 1968; Foi diretor do Grêmio Seção Norte de 1963 até
fecharem o Grêmio em 1965
Valter Bezze; Ex-aluno; 1956 1963; Foi diretor do Grêmio CP II _ Internato 1961
1962. Em 1963 foi para o CP II - Sede
Victor Hugo d’ Oliveira Cabral; Professor de Química; 1960 2007. Começou a
trabalhar no CP II como técnico no laboratório de química em 1960
1971– 1973: ficou preso. Era militante do PCBR.
1973-1978: esteve afastado sendo processado
Wilson Choeri; Professor de Matemática; 1952 2007; Foi aluno do CP II. Esteve
cedido para outra instituição de 1968 – 1979. Diretor Geral do Colégio Pedro II
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}
BIBLIOGRAFIA
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({ HYPERLINK "http://www.une.org.br/home3/opiniao/entrevistas/m_6764.html" }).
(www.une.org.br/home3/opiniao/entrevistas/m_6764.html ).
(www.cp2.g12.br).
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}
ANEXOS
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}
Documento 1 – Foto referente à página 10
Fonte: Última Hora, 5 de abril de 1968. Arquivo pessoal Paulo Rubem de S. Valente.
{
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}
Documento 3 – Referente à página 69.
PP Estudantil 38 fl. 27
{
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}
Continuação do documento 3
PP Estudantil 38 fl. 26 – APERJ
{
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}
Documento 4 – Referente à página 71.
PP DOPS, informe 63 doc 16-7-68 fls. 1 e 2
{
PAGE
}
Continuação documento 4.
PP DOPS, informe 63 doc 16-7-68 fls. 1 e 2
{
PAGE
}
Continuação documento 4.
PP DOPS, informe 63 doc 16-7-68 fls. 1 e 2
{
PAGE
}
Continuação documento 4.
PP DOPS, informe 63 doc 16-7-68 fls. 1 e 2
{
PAGE
}
Documento 5- Referente à página 73.
PP DOPS, 121 fl. 132
{
PAGE
}
Documento 6 – Referente à página 77.
PP Estudantil 38 fl. 444
{
PAGE
}
Continuação do documento 6.
PP Estudantil 38 fl. 443
{
PAGE
}
Continuação do documento 6.
PP Estudantil 38 fl. 442
{
PAGE
}
Continuação do documento 6.
PP Estudantil 38 fl. 442
{
PAGE
}
Documento 7 – Referente à página 78.
Fonte: A Notícia, 17/10/1968. Arquivo pessoal Paulo Rubem de S. Valente
Documento 8- Referente à página 80
Fonte: A Notícia, 26/10/1965. Arquivo pessoal Paulo Rubem de S. Valente
.
{
PAGE
}
Documento 9 – referente à pág. 83
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
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}
Documento 10 – referente à pág. 83/84
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 11 – referente à pág.84
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 12 – referente à pág.84
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 13 – referente à pág. 84/85
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 14 – referente à pág. 85
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 15– referente à pág. 85
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 16 – referente à pág. 85
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 17 – referente à pág. 86
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 18 – referente à pág. 86
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e
desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
Documento 19 – referente à pág. 86
{
PAGE
}
Fonte: Arquivo Dossiê dos mortos e desaparecidos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
{
PAGE
}
Documento 20 – referente à pág. 89
Fonte: Correio da Manhã, 24/08/1961. Arquivo pessoal de Paulo Rubem de S. Valente
{
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}
Documento 21 – referente à pág. 91
Fonte: Arquivo pessoal de Mirian Cavalcanti
{
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}
Documentos 22 a 25 – referente às páginas 104 e 105
Fonte: Jornais não especificados, novembro de 1963, Arquivo Pessoal de Paulo Rub
em de S. Valente
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}
Documentos 26 a 29 - referentes à pág. 106. (Exemplares de alguns jornais estudantis do
Colégio Pedro II)
FONTE: Arquivo pessoal de Mirian Cavalcanti.
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}
Documentos 30 a 32– referente às páginas 132 a 134
Fonte:., Diário de Notícias, 10/65, Arquivo pessoal de Paulo Rubem de S. Valente
FONTE. A Notícia, 26/10/1965, Arquivo pessoal Paulo Rubem de S. Valente
FONTE: Jornal não especificado, 1966, Arquivo pessoal Paulo Rubem de S. Valente
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}
Documentos 33 e 34 – referente às páginas 137 a 140
Fonte:Correio da Manhã, março de 1966. Arquivo
pessoal de Paulo Rubem de S. Valente
Fonte:Jornal não especificado,
março de 1966. Arquivo
pessoal de Paulo Rubem de S.
{
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}
Documentos 33 e 35 – referente às páginas 137 a 140
Fonte:Correio da Manhã, março de 1966. Arquivo
pessoal de Paulo Rubem de S. Valente
Fonte:Jornal não especificado,
março de 1966. Arquivo
{
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}
Documentos 36 – referente às páginas 137 a 140
Fonte:Jornal estudantil Carcará, março de 1966. Arquivo pessoal de Mirian
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