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UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR
CAMPUS UMUARAMA – SEDE
A (I)LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS
CRIMES SEXUAIS
FRANCISCO JOSÉ SOARES BARROSO
UMUARAMA - PR
2007
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UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR
CAMPUS UMUARAMA – SEDE
A (I)LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOS
CRIMES SEXUAIS
Dissertação apresentada como requisito parcial
para conclusão do Mestrado em Direito processual
e Cidadania, área de concentração em Processo
Penal, pela Universidade Paranaense – UNIPAR.
Professor Orientador: Dr. Mauro César Martins de
Souza.
UMUARAMA - PR
2007
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À memória de minha mãe,
Oneide Soares Barroso,
e de minha inesquecível avó materna,
Joaquina de Menezes Soares Barroso.
Ao meu querido filho,
João Manuel da Silva Soares Barroso,
e à minha amada esposa,
Kátia da Silva Soares Barroso, presentes sempre
na força do meu pensamento e na ternura do meu
coração.
AGRADECIMENTOS
Aos colegas de curso, pelo companheirismo e compartilhamento de
idéias que enriqueceram o meu dia-a-dia.
Aos professores, que de uma forma ou de outra permitiram o início
desta jornada.
Ao meu orientador, Professor Dr. Mauro César Martins de Souza,
pela empatia e indispensável ajuda na elaboração desta obra.
Em especial à minha esposa Kátia da Silva Soares Barroso, pelo
incentivo inicial à realização do mestrado e inestimável colaboração.
O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo tempo é eternamente presente
Todo tempo é irredimível.
O que poderia ter sido é uma abstração
Que permanece, perpétua possibilidade,
Num mundo apenas de especulação.
O que poderia ter sido e o que foi
Convergem para um só fim, que é sempre presente.
(T.S. Eliot)
RESUMO
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, tem como fundamentos, dentre
outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana; e como objetivos da
República, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
erradicação da pobreza e da marginalização e conseqüentemente redução das
desigualdades sociais. O presente trabalho trata especialmente da disciplina do
artigo 225, § 1º, inciso I, c.c. o seu § 2º, do Código Penal, referente à ação penal nos
crimes contra os costumes, em confronto com a nova ordem constitucional, quando
se revela violador do princípio da isonomia, em função do tratamento diferenciado
dispensado às pessoas que tenham posses e aquelas desprovidas de recurso,
quando vítimas de crimes contra os costumes. Para isto, analisa as funções
institucionais do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem assim a validade da
Súmula 608 do STF, em razão da transformação da natureza da ação penal nos
crimes de lesões corporais simples, que passou a ser pública condicionada à
representação da vítima, após o advento da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de
1995. Em função desse estudo, aponta a progressiva inconstitucionalidade do citado
dispositivo do Código Penal, nos locais onde tenha sido criada e instalada a
Defensoria Pública, com a conseqüente ilegitimidade do Ministério Público para
oferecer denúncia nas ações penais referentes aos crimes sexuais quando a vítima
ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos
indispensáveis à manutenção da família.
Palavras-chave: inconstitucionalidade progressiva; miserabilidade jurídica; crimes
sexuais; crimes contra os costumes.
ABSTRACT
The 1988 Federal Constitution, in its Article III, has as its fundamentals, among
others, the citizenship and the dignity of the human being; and as the Republic
objectives, the promotion of a free, fair and solicitous society, the eradication of
poverty and marginalization and consequently the decrease of social inequalities.
This paper focus upon the regulation of the Article 225, § 1
st
, section I and II from the
Penal Code, referring to the lawsuit in crimes against the customs faced with the
new constitutional order, when it turns out to be a violator of the isonomy principle, on
account of the different treatment given to the wealthy people and the poor ones
when they are victims of crimes against the customs. With this purpose, it analyses
the institutional functions of the Brazilian Public Ministry and the Public Defender
Legal Service, as well as the STF 608 Compendium, due to the transformation of the
nature of the penal action on crimes of personal injuries, which, after the Law n.
9099, from September 26, 1995, turned out to be public and conditioned to the victim
representation. These studies point out the progressive inconstitutionality of the
mentioned device of the Penal Code, where a Public Defender Legal Service has
been created and established with the consequent illegitimacy of the Brazilian Public
Ministry to offer the denunciation on the penal actions related to sexual offenses
when the victim or his/her parents cannot afford the process cost without abstaining
from the essential resources for their family support.
Keywords: Progressive inconstitutionality, juridical miserability, sexual offenses;
offenses against customs.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................09
1 DOS CRIMES SEXUAIS.......................................................................................122
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO.....................................................................................12
1.1.1 Os Códigos da Antiguidade .........................................................................130
1.1.2 Os Códigos do Brasil......................................................................................18
2 A LIBERDADE SEXUAL PROTEGIDA..................................................................30
2.1 A CARACTERÍSTICA DA TUTELA PENAL NOS CRIMES SEXUAIS .................30
2.1.1 A Presunção de Violência...............................................................................33
2.1.2 A Liberdade Sexual Atualmente.....................................................................36
3 AS AÇÕES, A DEFENSORIA PÚBLICA E O MINISTÉRIO PÚBLICO..................44
3.1 AS AÇÕES...........................................................................................................44
3.2 A DEFENSORIA PÚBLICA ..................................................................................55
3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO - ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA PROMOÇÃO
DA JUSTIÇA ........................................................................................................61
4 A AÇÃO PENAL NOS CRIMES SEXUAIS.............................................................69
5 A VÍTIMA E SEUS DIREITOS.................................................................................77
6 A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS...............................................................................83
CONCLUSÕES..........................................................................................................93
REFERÊNCIAS..........................................................................................................94
9
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, tem como
fundamentos, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana; e como
objetivos da República, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária; erradicação da pobreza e da marginalização e conseqüentemente redução
das desigualdades sociais. A consolidação deste objetivo vem direcionada na
premissa que “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos” (CF/1988, artigo 5º, inciso LXXIV).
O constituinte de 1988 complementou tais garantias estatuindo que o
advogado é indispensável à administração da justiça (art. 133), atribuindo à
Defensoria Pública – como instituição essencial à função jurisdicional do Estado – a
orientação e a defesa jurídica das pessoas necessitadas (insuficiência econômica),
em todos os graus, prevendo a criação de Lei Complementar pelos entes políticos
União, Estados e Distrito Federal que organizaria essa assistência, provendo os
cargos públicos de defensores mediante concurso de provas e títulos (art. 134, §§ 1º
e 2º).
O interesse em discutir o tema advém do fato de que, embora as
Defensorias Públicas já tenham sido criadas em alguns estados, outros ainda se
ressentem da sua ausência e, nesse vácuo legislativo, outros órgãos do estado, não
vocacionados para o serviço, passam a assumir uma tarefa constitucionalmente
preservada à Defensoria Pública.
Apenas para exemplificar, até pouquíssimo tempo o Estado de São
Paulo não possuía Defensoria Pública, ficando a defesa dos hipossuficientes a cargo
do serviço de assistência judiciária da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo,
10
uma vez que a vítima, quando tem condições financeiras, pode constituir um
advogado e custear as despesas do processo.
Usou-se deste preâmbulo para que fiquem claros os objetivos deste
trabalho, ou seja, que nos crimes sexuais, a vítima hipossuficiente, valendo-se da
Defensoria Pública, tenha os mesmos direitos assegurados a qualquer cidadão que
possa pagar um advogado.
O presente trabalho trata, especialmente da disciplina do artigo 225,
§ 1º, inciso I, c.c. o seu § 2º, do Código Penal, referente à ação penal nos crimes
contra os costumes, conjuntamente com o artigo 101 do mesmo Código, bem como
visa examinar a aplicabilidade ou não da Súmula 608 do STF, ao crime de estupro e
atentado violento ao pudor, cometidos mediante violência real, consistente em lesão
corporal leve, face à redação do artigo 88 da Lei federal nº 9.099 de 26/09/1995.
Também, conforme precedentemente mencionado, o fato da vítima
valer-se da Defensoria Pública para ter os mesmos direitos assegurados a qualquer
cidadão que possa pagar um advogado, não sofrendo as limitações impostas pelo
artigo 225 do Código Penal Brasileiro relativamente à sua miserabilidade jurídica,
senão o seu reconhecimento absoluto à ação penal privada, porquanto, como se
sabe, quando a ação penal é iniciada mediante queixa, este fato não retira do
querelante a possibilidade de desistir da ação ou do querelado valer-se da
perempção; enquanto na ação penal iniciada mediante representação da vítima, no
caso de miserabilidade jurídica a querelante possui unicamente o direito de retratar-
se da representação oferecida ao Ministério Público e, ainda assim, até o
oferecimento da denúncia, consoante dispõem o artigo 25 do Código de Processo
Penal e o artigo 102 do Código Penal.
11
Com efeito, na ação penal privada a decisão de iniciar ou prosseguir
com o processo, situa-se unicamente na esfera de conveniência do ofendido, e esse
poder de dispor do conteúdo do processo por ser exercitado até o trânsito em
julgado da sentença condenatória por meio do perdão ou da perempção nos termos
do que dispõe o nosso Código de Processo Penal.
Aliado a isso, fazer despertar nos operadores do direito a
importância da Defensoria Pública, como atividade essencial à função jurisdicional
(artigo 134 da Constituição Federal de 1988), porquanto continua sendo reconhecida
a legitimidade do Ministério Público nas ações penais privadas, nos casos em que a
vítima seja juridicamente carente, mesmo nos estados onde haja Defensoria Pública
organizada. Nesse sentido, busca-se a mudança de paradigma.
Saliente-se que no desenvolvimento deste estudo se buscará
prioritariamente demonstrar a ilegitimidade ativa do Ministério Público para as ações
penais privadas, unicamente nos Estados onde a Defensoria Pública tenha sido
criada e estruturada na forma do já citado artigo 134 da Constituição Federal de
1988, uma vez que se instalada segundo o artigo constitucional que a criou, a ela
compete garantir o princípio constitucional da igualdade com o acesso à Justiça e
implementar uma política pública que priorize um atendimento de qualidade ao
cidadão necessitado e que garanta condições efetivas ao exercício da cidadania e,
dessa forma, apresentar a possibilidade da vítima de crimes sexuais em condição de
pobreza, socorrer-se do Judiciário através dos seus órgãos de atuação, fazendo
valer o seu direito à intimidade, mantendo em condições privadas sua honra e
imagem, igualando-se àqueles que podem constituir advogado, não tendo, assim,
um tratamento diverso nos referidos crimes.
1 DOS CRIMES SEXUAIS
1.1 CONTEXTO HISTÓRICO
1.1.1 Os Códigos da Antiguidade
[...] Porém se algum homem achar uma mulher e a forçar e se deitar
com ela, então morrerá; à mulher não farás nada: ela não tem culpa,
pois a achou no campo, a mulher gritou e não houve quem a livrasse.
(DEUTERONÔMIO 22:25-27).
É através da história da tipificação dos delitos e pela demonstração
de como eram punidos os crimes contra os costumes, que o estupro e o atentado
violento ao pudor sempre foram reprimidos conforme os costumes, etnias e origem
de cada povo. No Brasil esses crimes foram arrolados nos “crimes hediondos” e
normatizados pela Lei 8.072 de 1990, publicamente conhecida como Lei dos Crimes
Hediondos.
Os crimes sexuais preocupam o ser humano desde os mais remotos
tempos. No Código de Hamurábi, o estupro era definido no artigo 130 o qual previa
que: “[...] se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa
paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto e a
mulher irá livre”.
1
Na Lei de Moisés se um homem mantivesse relação com uma
donzela e noiva dentro dos portões da cidade, eram ambos apedrejados até a morte,
mas se o homem encontrasse essa mesma donzela fora dos portões da cidade e
com ela praticasse o mesmo ato usando de violência física, somente o homem era
1
CODIGO DE HAMURÁBI. Disponível em dji.com.br/dicionário/codigodehamurábi.htm
13
apedrejado, enquanto que na legislação norteadora do direito egípcio antigo a pena
era a castração do estuprador.
2
De acordo com Noronha, na Grécia se o delito fosse praticado
somente uma vez, era imposta uma simples multa, porém mais tarde a legislação foi
modificada e assim, cominada à pena de morte. Algumas polis tinham leis próprias,
baseadas nos costumes locais. Mas na maioria das cidades gregas seguiam essa
legislação.
3
Os crimes dessa natureza foram descritos no Direito Penal Romano,
base para o estudo do direito penal vigente no Brasil, por oferecer o ciclo jurídico
completo, constituindo até hoje a maior fonte originária de inúmeros institutos
jurídicos.
Cezar Roberto Bitencourt salienta que Roma é tida como a síntese
da sociedade antiga, representado um elo entre o mundo antigo e o mundo
moderno
4
. Assinala o autor que na organização jurídica da Roma monárquica
prevalecia o rígido e formalista Direito Consuetudinário
5
e, de acordo com a história
a Monarquia foi abolida em Roma depois de uma revolta dos Senadores motivada
pelo estupro de Lucrecia, esposa de um senador, pelo filho do rei Tarquínio, “o
soberbo”. Além da revolta do senado, esse crime levou Lucrecia ao suicídio.
6
Dessa forma, pode-se argumentar que a distinção entre os crimes
públicos e privados surgiu nos primeiros períodos da realeza romana, sendo a
traição ou conspiração política contra o Estado e o assassinato classificados como
2
BÍBLIA SAGRADA. Deuteronômio: 22:25ss. Sociedade Bíblica do Brasil. Distrito Federal:
Brasília.,1969.
3
NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 121.
4
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 7. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2002, v. I, p. 214.
5
Conjunto de normas não escritas, mas conforme à boa razão, consagradas pelos usos e costumes
tradicionais do povo e de longa data praticado e sem ofensa à lei e à ordem pública.
6
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 214.
14
crimes públicos e os demais considerados como crimes privados. O julgamento dos
crimes públicos, de atribuição do Estado, era realizado por tribunais especiais,
através do magistrado e a pena aplicada era a pena de morte. Já os julgamentos
dos crimes privados eram confiados ao próprio particular ofendido, interferindo o
Estado apenas para regular o seu exercício. Os crimes privados pertenciam ao
direito privado e não passavam de simples fontes de obrigação. O tempo fez surgir
um conjunto de leis publicadas, que criaram a verdadeira tipologia de crimes,
catalogando aqueles comportamentos que deveriam ser considerados criminosos.
7
Cezar Roberto Bitencourt afirma que o primeiro Código Romano
escrito foi a Lei das XII Tábuas, contendo ainda as normas do talião e da
composição, que resultou da luta entre patrícios e plebeus. Essa lei, segundo o
autor, inicia o período dos diplomas legais, contribuindo de forma decisiva para a
evolução do direito penal com a criação de princípios penais sobre o erro, culpa ou
dolo (bonus e malus), imputabilidade, coação irresistível, agravantes, atenuantes,
legítima defesa.
8
Observa Noronha que na Roma antiga, a violência sexual era punida
com a morte pela “lex julia de vi publica”, considerado crime abominável. De acordo
com o autor, era considerado assim, por que se tinha mais em vista a violência
empregada do que o fim do agente. Nesse mesmo período histórico a denominação
estupro não era aplicada, pois era usada a palavra stuprum na referida lei que
designava como crime a conjunção carnal ilícita com mulher virgem ou viúva
honesta, mas tal conjunção não poderia ter violência.
9
7
MEIRA, Silvio A. B. Instituições de Direito Romano. 4. ed. São Paulo: Max Limonade.1998, 2 vl, p.
13.
8
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 283.
9
NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 123.
15
Seguindo o curso histórico do direito primitivo, o direito germânico
contribuiu sobremaneira para a evolução do direito penal. Tanto que Regis Prado
ensina que os germanos ocupavam, fora das fronteiras do Império Romano, uma
extensa zona que se estendia ao leste do rio Reno e ao norte do Danúbio, até a
região conhecida hoje como Rússia.
10
Conforme o autor, o povo germânico era dividido em uma série de
tribos, em geral nômades, cada qual com sua organização própria, unida ante um
ancestral comum, sob liderança de um chefe de guerra escolhido em razão de sua
bravura, num sistema conhecido por comitatus.
A sociedade germânica da época era
constituída por nobres, homens livres, semilivres e escravos, todos dominados pela
concepção religiosa de que os deuses dirigiam o destino humano. Esse caráter
religioso do direito primitivo, caracterizado pelos sacrifícios humanos, cedeu depois à
proeminência do Estado, tutor da Paz, que para os germânicos era sinônimo de
direito.
11
Julio Fabrini Mirabete cita que uma outra característica do direito
bárbaro foi à ausência de distinção entre dolo, culpa e caso fortuito, determinando-
se a punição do autor do fato sempre em relação ao dano por ele causado e não de
acordo com o aspecto subjetivo de seu ato. No processo, segundo ele, vigoravam as
“ordálias” ou “juízos de Deus” (prova de água fervente, de ferro em brasa, etc.) e os
duelos judiciários, com os quais se decidiam os litígios, “pessoalmente ou através de
lutadores profissionais”.
12
Para Enrico Ferri a característica mais importante do direito
10
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte Geral. 1º ao 120 – 3. ed. rev. atual.
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. I, p. 125.
11
PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 125.
12
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral – 1º a 120 do CP. 12. ed. São
Paulo: Atlas, 1997. v. I, p. 35.
16
germânico foi a progressiva prevalência da autoridade de Estado contra os direitos e
os excessos privados da vingança, especialmente junto dos povos que, por um lado,
tiveram mais fortemente organizado o poder monárquico e, por outro lado, mais
sentiram e sofreram a influência das instituições romanas. Só muito mais tarde foi
aplicado o Talião, por influência do Direito Romano e do Cristianismo.
13
De acordo com o ensino de Nelson Hungria, o Direito Canônico
surgido na transição entre a época do Direito Romano, Germânico e do Direito
Moderno e com a influência decisiva do Cristianismo na legislação penal, ditava que
para haver estupro, era necessário que a mulher fosse virgem, pois a mulher
deflorada não poderia ser vítima deste crime, além disso, era exigido para a
consumação do delito, o emprego de violência, ou seja, força física de qualquer
espécie. Assim, a mulher já casada ou que já tivesse praticado ato sexual com
homem caracterizando a conjunção carnal, não poderia ser sujeito passivo deste
delito.
14
Regis Prado explica que o Código Canônico determinava que se
alcançava apenas o coito com mulher virgem e não casada, mas honesta era
considerado stuprum violentum de publica, com a pena capital, onde se cortava a
cabeça do indivíduo que cometesse tal crime, em praça pública. Então, uma
prostituta não poderia alegar estupro, mesmo que fosse vítima de tal violência.
15
Emerson Garcia nessa mesma linha de pensamento tece
considerações sobre a legislação espanhola que também punia o réu com a pena de
morte, que era chamada de fuero viejo (velha jurisdição) castigo com a pena capital
e também poderia ser punido com a declaracion de enemistad (declaração de
13
FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal. 4. ed. São Paulo: Bookseller, 1999, p. 98.
14
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. VIII, p. 115.
15
Op. cit., p. 198.
17
inimizade), ou seja, outorgava aos parentes da vítima o direito de matar o
delinqüente.
16
Nas leis da Inglaterra, de acordo com Heleno Cláudio Fragoso
17
, o
crime, primeiramente foi punido com a morte, depois foi substituída pelo furo nos
olhos que, obviamente deixava o infrator cego, exemplo claro retratado na lenda
inglesa de Lady Godiva (século XI), e o corte dos testículos.
Conforme o ensino de Regis Prado o Direito Francês distinguiu o
rapto violento e o estupro. Sendo o rapto “a subtração violenta de donzelas, mulher
solteira ou casada e viúvas não importando a idade nem estado civil”. Para a
efetivação deste crime era de vital importância que fosse contra a vontade delas e o
fim deveria ser de abusá-las sexualmente. Assim, o estupro era definido que
“deveria haver o emprego de força por parte do delinqüente contra a vítima tendo em
vista a conjunção carnal”.
18
Como se observa, o elemento que diferenciava o
primeiro delito do segundo, era a remoção da vítima de um lugar para o outro.
Este era o entendimento anterior. Todavia o Código de 1940 fez uma
completa distinção dos dois delitos, onde o rapto passou a ser a subtração de menor
e a conjunção carnal ou o estupro nada mais teria em comum com este delito.
Para Nelson Hungria
19
há um conjunto de legislação que,
praticamente não se diverge entre si, como as da Suíça (Artigo 187), Polônia (Art.
204), Uruguai (Art. 272), Argentina (Art. 119), Peru (Art. 196), Espanha (Art. 431),
Portugal (Art. 393), China (Art. 221), Itália (Art. 519, caput), Alemanha (§ 177) e
16
GARCIA, Emerson. O Ministério Público no Mundo: Processo Constitucional Português e a
Atuação do Ministério Público. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em
Maio de 2006.
17
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte especial. 5. ed. rev. atual. Rio de
janeiro: Forense, 1986, v. II, p. 03.
18
Op. cit., p.201.
19
Op. cit., p.110.
18
Rússia (Art. 153).
20
Por outro lado, os Códigos Italiano, Argentino, Uruguaio e
Polonês não fazem distinção sobre o sujeito passivo do delito de estupro, ou seja,
tanto pode ser o homem quanto a mulher. Já, os Códigos da Alemanha, Portugal,
Espanha, China, Rússia e Peru, excluem totalmente o homem como sujeito passivo
do delito.
Nelson Hungria argumenta ainda que, embora se tenha consignado
penas rigorosas para o delito de estupro ao longo da história, o Código Penal Russo
trazia uma pena branda para esse delito, que era tipificado no artigo 153 e atribuía
pena de prisão de até no máximo cinco anos.
21
Assim, chega-se ao tratamento no Brasil dos crimes sexuais,
assunto exposto nos Códigos brasileiros apresentados no item seguinte.
1.1.2 Os Códigos do Brasil
Antes da promulgação do Código Criminal do Império, ocorrida em
1830, o Brasil era regido pelo Direito Português, o que ocorreu mesmo após a sua
independência, no período transitório de sua legislação autônoma, em decorrência
da aplicação no Brasil das Ordenações Filipinas, por força da Lei de 20 de outubro
de 1823, promulgada por D. Pedro I.
Naquela época, Portugal era regido pelas Ordenações do Reino,
constituídas por três sucessivos códigos oficiais: Ordenações Afonsinas (1446),
Ordenações Manuelinas (1521) e Ordenações Filipinas (1603).
As Ordenações Afonsinas nenhuma aplicação tiveram no Brasil,
20
Ibid.
21
Ibid.
19
pois, quando em 1521 foram revogadas pelas Ordenações Manuelinas, nenhum
núcleo colonizador havia se instalado no Brasil. Só em 1532, Martin Afonso de
Souza iniciou a colonização, fundando a cidade de São Vicente. Nessa época, já
estavam em vigor as Ordenações Manuelinas
22
.
Tanto nas Ordenações Manuelinas quanto nas Ordenações Filipinas,
a parte criminal vinha tratada no Livro V.
As Ordenações Manuelinas
23
puniam o crime de conjunção carnal
“por força” com a pena de morte, da qual não escapava o criminoso nem mesmo se
casasse com sua vítima. Essa disposição foi mantida pelo chamado Código Filipino:
Todo homem, de qualquer stado e condição que seja, que forçosamente
dormir com qualquer mulher, postoque ganhe dinheiro per seu corpo, ou
seja scrava, morra por ello
24
(...)
E posto que o forçador depois do malefício feito case com a mulher forçada,
e ainda que o casamento seja feito por vontade dellla, será relevado da dita
pena, mas morretá, assi como se com ella não houvesse casado.
25
Sobre o Livro V das Ordenações do Reino, veemente é a crítica de
José Frederico Marques, para quem:
[...] os preceitos se aglutinavam em uma estruturação primária e rudimentar
de indisfarçável empirismo. Falta ao livro V uma parte geral; e, na parte
especial, os delitos se enumeram casuisticamente, sem técnica apropriada,
numa linguagem (muitas vezes pitoresca) em que falta o emprego de
conceitos adequados do ponto de vista jurídico. As figuras delituosas se
amontoam sem nexo, na ausência de espírito de sistema para catalogá-las
racionalmente, formando muitas vezes verdadeiros pastiches, tal a confusa
e difusa redação dos textos em que se condensam as condutas delituosas e
respectivas sanções.
26
Contudo, a despeito dessa falta de sistematização, não se pode
22
PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: Evolução histórica. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2004, p. 61.
23
Ordenações Manuelinas, Livro V, Título XIIII.
24
Ordenações Filipinas, Livro V, Título VXIII.
25
Livro V das Ordenações do Reino – Código Filipino, § 1.
26
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. I, p. 116.
20
negar que os crimes sexuais sempre foram severamente punidos no Brasil.
Com o advento do Código Criminal do Império, de 1830, o crime de
estupro foi previsto no artigo 222, que assim enunciava:
Art. 222. Ter cópula carnal por meio de violência, ou ameaças, com
qualquer mulher honesta.
Penas – de prisão de tres a doze anos, e de dotar a offendida.
Se a violentada for prostituta.
Penas – de prisão por um mez a dous annos.
Como se vê, houve um injustificável retrocesso na matéria,
porquanto a legislação anterior (Ordenações Filipinas) também punia – e
severamente – o estupro praticado contra a prostituta, conforme precedentemente
apontado.
Chrysolito de Gusmão, informando que foram três as fases pelas
quais a humanidade passou no aferir tais atentados contra as meretrizes, esclarece
que os romanos não puniam como estupro a conjunção carnal violenta com a
meretriz e isso porque não julgavam a prostituta digna de merecer essa proteção
destinada pela Lei, unicamente, às mulheres honestas, viúvas ou virgens, embora
também constasse disposição que dá lugar a se poder admitir pudesse o crime ser
punido como crime de violência pública.
27
E prossegue o citado autor:
Já, porém, na Idade Média, a Constituição omnes nostri, citada em
CARRARA, proclamara a necessidade de pôr essas infelizes sob a proteção
da lei.
Na segunda fase, a doutrina jurídica, calcada na pugnação contra o pecado,
já influenciada por essas idéias que germinaram na Idade Média,
estabeleceu a igualdade injusta da pena, punindo com a mesma pena tanto
o estupro contra a mulher honesta como contra a meretriz, teoria essa que
influenciou várias legislações antigas, como as citadas Ordenações
Filipinas, de modo a que se não fizesse a distinção, só após fixada, como já
ponderamos.
A terceira fase, é constituída pela teoria de que o estupro não deixa de
27
GUSMÃO, Chrysolito de. Dos Crimes Sexuais. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1954,
p. 143/144.
21
existir quando praticado contra uma prostituta, mas a pena deve ser
diminuída, pelas razões que adiante exporemos, princípio que exerceu sua
influência, como já vimos, em muitas legislações do século passado e nas
quais foram se inspirar os Códigos vigentes da Itália e do Brasil, tanto o do
Império (art. 222, 2ª parte) como o atual (art. 268, § 1º)
28
e a antiga
legislação portuguesa. Essa teoria adquiriu, como era natural, plenos foros
de idade e é a propugnada pela unanimidade dos mais eminentes e doutos
penólogos.
29
Nesse contexto as mulheres que se apresentavam como “ofendidas”
(vítimas de crime sexual) precisavam provar sua honestidade e a de sua família para
serem então consideradas merecedoras de proteção da justiça. Mulheres honestas,
por exemplo, não possuíam desejo sexual.
30
Martha de Abreu Esteves ensina que os homens acusados de crimes
sexuais também eram julgados por sua conduta, por aquilo que eles eram, e não
somente por serem ou não os autores do crime pelo qual eram acusados. Homens
de “bom caráter”, trabalhadores, tinham mais chance de serem absolvidos.
31
Como se constata, por essa época no Brasil, apesar de estar
normatizado, o ato de violência sexual não era levado aos tribunais ou mesmo ao
conhecimento público, a não ser em casos raros de denúncia.
Tanto nos códigos anteriores, como no código em vigor, fica evidente
que a consumação do estupro ocorre pela força e exigência daquele que detém o
poder, ou seja, o constrangimento por meio de violência ou grave ameaça e a cópula
carnal, em que o autor usa de violência na abordagem de uma mulher, deixando
claro que seu objetivo é a prática sexual, vindo a vítima, depois, a consentir na
realização de conjunção carnal, sendo tal consentimento inválido, pois, em verdade,
28
Código Penal de 1890.
29
Op. cit., p. 143/144.
30
GAVRON, Eva Lúcia. Mulher honesta sente desejo? Esboços. Revista do Programa de Pós-
Graduação em História da UFSC. Chapecó: UFSC, n.9, 2002, p.106.
31
ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de
Janeiro da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 41.
22
não houve. A mulher, nessa hipótese, permitiu a conjunção em virtude do temor
provocado pela violência.
32
De acordo com Silvio Meira em casos semelhantes a esse, a
doutrina e, especialmente a jurisprudência é farta em apontar a caracterização do
estupro. Interessante característica das Ordenações é a preocupação exacerbada
com que o legislador cogitava dos crimes sexuais, dedicando-lhes capítulos muito
extensos, com dispositivos os mais bizarros e extravagantes, como o Título XIII -
Dos que cometem pecado de sodomia e com alimárias cuja pena era a fogueira para
o homem que tivesse relações carnais com um irracional, declarando os anotadores
que o mesmo sucedia ao animal
33
, o que leva à conclusão de que os crimes de
natureza sexual ou que atentam contra os costumes sempre tiveram repúdio
incondicional tanto pelo legislador como pelos operadores do direito.
Sobrevindo o Código Penal de 1890, o legislador preocupou-se em
definir “estupro” no artigo 269 (“chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa,
com violência, de uma mulher, seja virgem ou não”), sendo que o tipo penal e as
penas constavam no artigo 268:
Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta: pena – de prizão
cellular por um a seis annos. § 1º. Si a estuprada for mulher pública ou
prostituta: pena – de prizão cellular por seis mezes a duos annos. § 2º. Si o
crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas, a pena será
augmentada da quarta parte.
34
Na lição de Regis Prado, o Código de 1890 excluía a possibilidade
de as mulheres não honestas serem vítimas do crime de estupro. A disposição era
expressa e não sujeita a quaisquer dúvidas ou questionamentos: "Estuprar mulher
32
GAVRON, Eva Lúcia. Op. cit., p.108.
33
PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p.15.
34
Ibid., p. 198.
23
virgem ou não, mas honesta [...]”. Como se observa, é uma distinção
discriminatória.
35
Entretanto, Chrysolito de Gusmão, trazendo à colação jurisprudência
contemporânea ao Código de 1890
36
, afirma que a qualidade da vítima, se virgem ou
desvirginada, honesta ou não, recatada ou prostituta, como seu estado civil não influi
para a integralização do delito, apenas variando, ante o Código, da mesma forma
que se dá em algumas legislações estrangeiras, a pena, no caso de se tratar de
prostituta (art. 268, § 1º, do Código Penal), esclarecendo:
A expressão honesta deve ser encarada, não no sentido moral ou de Direito
Civil, mas no sentido penal, e, conquanto bem certo seja que essa
expressão seja limitativa e restritiva, em si, certo, porém é, que ela não pode
ser interpretada sem se a pôr sempre em confronto com a expressão
caracterizadora do tipo, único, que, na lei penal, lhe é contrária – mulher
pública ou prostituta. Assim não é de confundir aquela que prodigaliza os
efêmeros prazeres genésicos a qualquer, em forma multíplice, seja ou não
por lucro pecuniário, é de admitir que a melhor doutrina, com a mulher que
na mancebia ou no consórcio trai seus ímpios amores. Doutra forma seria
estabelecer uma terceira categoria, que não seria, admita-se, a mulher
honesta do art. 268, mas que, também, não se enquadraria no § 1º de tal
artigo, o que não encontra, de nenhuma forma, uma justificativa com feição
jurídica, desde que, em casos semelhantes, o intérprete e em tal fazendo,
em os conjugando, não poderá esquecer que o legislador quando se refere
as prostitutas ou mulheres públicas o faz no sentido jurídico que essa
expressão tem tradicionalmente.
Em seguida, o citado autor conclui que “o método a adotar é o da
exclusão, de forma que, em não sendo mulher pública ou prostituta, a vítima será
35
Ibid., p. 195.
36
JURISPRUDÊNCIA – A honestidade da mulher não é elemento essencial do crime de estupro;
entra apenas como circunstância gradativa da pena. O estupro pode verificar-se em mulheres virgens
ou não, maiores ou menores, casadas ou viúvas, e até em prostitutas. No art. 268 o legislador pune o
estupro de mulher virgem ou não, mas honesta e no § 1º o de mulher pública ou prostituta, aquele
naturalmente com pena mais elevada do que este. Se a mulher é virgem, a presunção é da
honestidade, presunção júris tantum, admitindo prova em contrário; se a mulher não é virgem, é
necessário que se faça a prova de sua honestidade. De modo que, como já decidiu o Supremo
Tribunal Federal em acórdão de 13 de janeiro de 1909: “A virgindade da mulher estuprada, ou a sua
honestidade ‘’quando não virgem” são elementos do crime definido no art. 268 do Código Penal (Ver.
de Dir., vol. XIV, pág. 303). Assim, o legislador equiparou, para os fins penais, ao estupro da mulher
virgem o estupro da mulher não virgem, mas honesta; se a mulher além de virgem, é menor de 21
anos, a hipótese é a de um defloramento agravado pela violência, violência presumida, só se trata de
menor de 16 anos (Sent. Conf. Ac. Da 3ª Câm.da Corte de Ap., de 17 de dezembro de 1921).
24
incluída na categoria penal das honestas.
37
Regis Prado afirma que em conseqüência da evolução da sociedade
e do Ordenamento Jurídico, os quais cada vez mais delimita suas condutas,
refletindo-se, igualmente nas sanções cominadas, novos preceitos foram criados
para que a liberdade sexual fosse defendida, conforme descreve o Código Penal de
1940, onde o legislador tratou do assunto no Título VI "Dos crimes contra os
Costumes", dividindo-o em 6 (seis) Capítulos. Salienta o autor que nos crimes
sexuais, seja atentado violento ao pudor ou estupro, a vítima sofre conseqüências
extremamente graves de ordem física, moral, psíquica e familiar.
38
Ainda, conforme o ensino de Luiz Regis Prado, com o Código Penal
de 1940, os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da individualização Da
pena, no tocante ao crime de estupro, ganharam uma nova redação: "Constranger
mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”, não fazendo
quaisquer diferenças e o constrangimento perante sua leitura seria passível de ser
praticado por homem ou mulher. Assim, a mulher que, sob coação de morte,
constranger outra a manter relação sexual carnal com um homem, deve responder
pela infração de estupro, vez que o enquadramento penal foi completo e perfeito.
39
Diferentemente, afirma Regis Prado, sob a égide do Código Criminal
de 1890, não haveria qualquer possibilidade de considerá-la autora no mencionado
crime. Sua conduta era enquadrada como constrangimento ilegal, delito cuja pena é
significativamente inferior à cominada no estupro, afrontando aos princípios da
proporcionalidade e da individualização da pena, segundo os quais a pena deve ser
aplicada, proporcionalmente, de acordo com a gravidade do delito.
37
Op. cit., p. 137/138
38
Op. cit., p. 195.
39
Ibid.
25
Por conseguinte, ainda segundo o ilustre doutrinador, homens e
mulheres, dentro do possível e de suas condutas, passaram a ser visto, pelo menos
no caso específico de estupro, diante da lei penal, igualitariamente.
40
Em que pese a afirmação abalizada do citado autor, é de se ver que
a história evidencia que o tratamento não é tão igualitário assim, existindo estudo
antigo demonstrando que um homem pode ser violentado por uma mulher:
A idéia é quase inconcebível, mas o fato ocorre na prática. E as vítimas do
abuso – homens forçados ao ato sexual por mulheres armadas ou mais
fortes que eles – saem da experiência com traumas tão profundos que
podem afundar na impotência permanente. Essas revelações vêm de um
endereço explosivo na área dos estudos sexuais: a Fundação para
Pesquisa da Biologia Reprodutiva em Saint Louis, Missouri, nos Estados
Unidos, dirigida pela célebre dupla de sexólogos William Howell Masters, 67
anos, e sua mulher Virginia Johnson, 57. É o mesmo casal que, em l966,
surpreendeu a comunidade científica com o livro ‘Reação Sexual Humana’,
um estudo da fisiologia e da anatomia da atividade sexual humana,
observada ao vivo em laboratório.
41
A recente alteração dessa matéria, promovida pela Lei n. 11.106/05,
apesar de consideráveis avanços, olvidou dessa possibilidade, nada mudando em
relação ao estupro e atentado violento ao pudor, os quais permanecem inalterados.
Assim, a mulher, sozinha, continua não podendo ser sujeito passivo do crime,
porquanto se delimitou o sujeito passivo quando se adotou a expressão “constranger
mulher” à conjunção carnal. Para corrigir essa distorção, bastaria que o legislador
trocasse essa expressão por “alguém”, tal como foi feito com o artigo 216, para
permitir que o sujeito passivo também fosse o homem.
Aliás, a Lei n. 11.106/05, que entrou em vigor na data de sua
publicação, em 29 de março de 2005, modificou sensivelmente o panorama dos
crimes contra os costumes, introduzindo diversas modificações no Código Penal.
40
Op. cit., p. 196.
41
Revista VEJA, 28 de abril de 1982, p. 88.
26
No que concerne às ações, estas continuam, de regra, de iniciativa
privada, não tendo havido nenhuma alteração no artigo 225 do Código Penal.
Para aqueles que repudiam a existência da ação penal privada,
perdeu-se uma ótima oportunidade de transformar as ações relativas aos crimes
contra os costumes em públicas.
Aqui, não se pode negar que a proteção do ofendido nessas
situações, onde a sua exposição ao processo possa acarretar um dano maior que a
própria infração penal, poderia facilmente ser alcançada com a adoção da ação
penal de iniciativa pública condicionada à representação.
Conquanto tenha se perdido essa oportunidade, não se pode olvidar
a existência do Projeto de Lei n. 6.909/2002, encaminhado à apreciação da
Presidência da República, onde se encontra até agora, desde 22 de maio de 2002.
A proposta objetiva dar nova redação ao artigo 225 do Código Penal
vigente, para que, nos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e corrupção de
menores, a ação penal seja iniciada pelo Ministério Público mediante representação
do ofendido, preservando a intimidade da vítima, porque a ela cabe a comunicação
do fato delituoso, mas a desonera do acompanhamento do trâmite do processo e
dos ônus financeiros decorrentes da necessária representação processual da parte
autora.
Objetivando proteger o incapaz, a proposta contempla, ainda, a
previsão de ação penal incondicionada em tais crimes, quando houver indícios de
que o representante legal do ofendido deixa de representar contra o infrator para
atender interesse diverso da vítima incapaz.
No Senado existem projetos de lei versando sobre essa matéria,
“para estabelecer hipótese de ação pública” (PLS 491 de 2003, de autoria da
27
Senadora Patrícia Saboya Gomes); para adotar a ação pública e segredo de justiça
nos crimes contra os costumes (cf. PLS 88 de 2002 de autoria do Senador Lúcio
Alcântara); e também na Câmara de autoria do Deputado Pastor Frankembergen,
dando nova redação ao artigo 225 do Código Penal (Nos crimes definidos nos
capítulos anteriores, a ação penal correrá em seguro de Justiça, preservando-se a
identidade da vítima), e revogando seus parágrafos e respectivos incisos.
Ainda no que diz respeito aos crimes de estupro e de atentado
violento ao pudor, perdeu-se outra oportunidade de correção.
Como se sabe, tais crimes possuem idênticas sanções, por força de
modificação introduzida com a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), o que
pode, na prática, acarretar desigualdades e malferir o princípio da proporcionalidade.
Com efeito, a felação, o apalpamento malicioso ou um beijo lascivo
representam um grau de aviltamento da conduta muito menor do que aquele
resultante de uma conjunção carnal forçada, esta sim, mais próxima de um
aviltamento resultante de um coito anal naquelas mesmas condições. Ocorre que a
expressão “ato libidinoso diverso da conjunção carnal” compreende, por sua
amplitude, uma variada gama de atos libidinosos, pelo que se corre o risco de serem
reprimidos da mesma forma crimes com potenciais ofensivos diversos. Para que isto
fosse corrigido, a pena mínima do crime de atentado violento ao pudor deveria ficar
abaixo daquela cominada ao crime de estupro, ficando a cargo do julgador, por
ocasião da fixação da pena e, em atenção ao artigo 59 do Código Penal (em
especial, às circunstâncias e conseqüências do crime), dar tratamento diferenciado
às diversas formas dos atos libidinosos, tratando de forma idêntica à conjunção
carnal apenas o coito anal.
A primeira modificação introduzida pela Lei n. 11.106/05 a ser
28
abordada, é a revogação dos incisos VII e VII do artigo 107 do Código Penal, que
extinguiam a punibilidade de determinados crimes contra os costumes em razão do
casamento da vítima com o agente ou com terceiros, havendo aqui um
recrudescimento no tratamento da matéria, consoante se pode concluir olhando-se
para o tratamento inicial a ela dispensado, por ocasião das Ordenações Filipinas.
A segunda modificação, diz respeito à revogação dos crimes de
sedução (art. 217 do Código Penal) e rapto, em todas as suas modalidades (artigos
219 a 222, do Código Penal).
Revogou-se, também, o inciso III, do artigo 226 do Código Penal,
que dispunha sobre o aumento da pena quando o agente fosse casado, mas esta
não foi uma revogação pura e simples, tendo ela outras implicações.
Com efeito, anteriormente o caput do artigo 226 dispunha que a
pena era “aumentada de quarta parte”, o que valia para os três incisos. Agora, o
inciso III que foi revogado (“se o agente é casado”) faz parte do inciso II (“se o
agente é cônjuge da vítima”), é dizer, casado com a própria vítima e não
simplesmente casado com outra pessoa, como anteriormente era previsto, que
passa a sofrer o acréscimo de metade, ficando mantido o acréscimo da quarta parte
para o inciso I. Em sua nova redação, o inciso II passou a contar com os termos
“madrasta”, “tio” e “companheiro”, suprimindo-se “pai adotivo”, expressão que desde
a Constituição Federal de 1988 já estava compreendida no termo “ascendente”, face
à impossibilidade de diferenciação entre filhos naturais e adotados.
A parte final do inciso II, do artigo 226, do Código Penal, (se o
agente é “empregado da vítima ou por qualquer outro tipo tem autoridade sobre ela”)
não pode ser aplicada ao crime de assédio sexual (artigo 216-A, acrescentado pela
Lei n. 10.224/01), vez que a relação de ascendência sobre a vítima é da essência do
29
tipo, o que constituiria “bis in idem”.
Em relação aos tipos penais, abrangidos por este estudo, que são
aqueles de iniciativa privada, a Lei n. 11.106/05, alcançou o artigo 215 do Código
Penal, para dele suprimir a elementar normativa “honesta”, que ainda adjetivava o
sujeito passivo daquele delito, permitindo, portanto, que uma prostituta possa ser
sujeito passivo desse delito.
Também foi alterada a redação do artigo 216 do Código Penal, para
que o sujeito passivo – que antes só podia ser a “mulher honesta” – possa agora
alcançar qualquer pessoa, inclusive o homem, tendo em vista que a expressão
“mulher honesta” foi modificada por “alguém”.
As outras modificações introduzidas no Código Penal pela Lei n.
11.106/05 (como por exemplo, a revogação do adultério) não serão aqui
examinadas, pois não dizem respeito aos crimes de ação penal privada, alcançados
pelo art. 225 do Código Penal.
Por fim, cabe esclarecer que na atual sociedade os crimes sexuais
não se restringem somente às mulheres, que com maior freqüência são alvos desse
delito, apesar delas serem as mais visadas pela própria fragilidade, não só física
como emocional, mas também, são considerados os casos de violência sexual
praticados contra indivíduos do sexo masculino, principalmente o crime de abuso
contra menores, os quais, entretanto, fogem ao âmbito deste trabalho.
2 A LIBERDADE SEXUAL PROTEGIDA
2.1 A CARACTERÍSTICA DA TUTELA PENAL NOS CRIMES SEXUAIS
Os crimes contra os costumes, assim denominados no Titulo VI do
nosso Código Penal, são crimes sexuais, porquanto relacionados com a sexualidade
das pessoas.
Em primeiro lugar, não se pode esquecer que se está a falar do
Código Penal Brasileiro de 1940, onde os crimes contra os costumes resultam de
uma moral ultrapassada, marcados que são por relações de subordinações entre o
homem e a mulher, característicos da ideologia do patriarcado, então dominante.
Em segundo, o indisfarçável descompasso do Código Penal
Brasileiro de 1940 com a Constituição Federal de 1988, a qual consagrou
expressamente a igualdade entre homens e mulheres, igualdade também
reconhecida no exercício de direitos e deveres da sociedade conjugal e entre os
filhos havidos de qualquer relação, o que evidencia indisfarçavelmente uma
evolução nos costumes.
Dessa forma, a discussão do tratamento dado pela lei penal às
questões ligadas a sexualidade há que seguir essa orientação, de forma a romper
com a ideologia do patriarcado, mas também, não deve se tornar refém da
manipulação de um sentimento de insegurança e medo, característicos da
sociedade atual, para, através de novas incriminações e restrições à liberdade,
alcançar a falsa sensação de segurança e tranqüilidade.
Tais questões foram abordadas com muita lucidez por Maria Lúcia
Karan, em trabalho elaborado por solicitação do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher, onde, ao discorrer sobre “um novo tratamento penal para as questões
31
ligadas à sexualidade e às relações familiares”, deixou assentado:
A orientação de não criminalizar quando se trata de tornar dominante uma
determinada concepção moral já recomenda o afastamento da idéia de se
estabelecerem tipificações penais em que o bem jurídico protegido seja a
moral pública sexual, como ocorre sempre que se definem, como em nossa
lei penal, crimes contra os costumes.
Neste ponto, não se trata simplesmente de apontar a defasagem entre
dispositivos contidos na Parte Especial do Código Penal Brasileiro, vigente
desde 1940, e a natural evolução social que deu origem a uma nova
dominante neste campo da sexualidade, tampouco devendo se limitar a
discussão à inconstitucionalidade da proteção diferenciada da sexualidade
de homens e mulheres com o princípio constitucionalmente consagrado da
igualdade entre os sexos.
Não se trata, assim, apenas de questionar a criminalização de condutas
como as definidas nos tipos da sedução (art. 217 do Código Penal) e da
posse sexual ou atentado ao pudor mediante fraude (arts. 215 e 216 do
Código Penal), em que, além de se consagrar uma visão discriminatória da
mulher, como um ser inferior, se trabalha com uma suposta ingenuidade,
que, se ainda poderia existir nos anos 40, a toda evidência, não faz parte da
realidade. Também não se trata simplesmente de repudiar as mais óbvias
traduções do controle da sexualidade feminina, presentes tanto na
utilização de elementos normativos como “mulher honesta” (integrando os já
mencionados tipos da posse sexual e do atentado ao pudor mediante
fraude, como também a definição do tipo do rapto contida na regra do art.
219 do Código Penal), quanto na consideração da virgindade e da
intocabilidade da mulher até o casamento como um valor digno de proteção
penal (fundamentando não só o tipo de sedução, mas ainda a
criminalização do rapto consensual previsto no art. 220 do Código Penal).
O desaparecimento de tais dispositivos legais de nosso ordenamento
jurídico se impõe não apenas por se ter ali uma vitimização exclusiva da
mulher incompatível com o princípio constitucionalmente consagrado da
igualdade entre homens e mulheres, ou por neles se refletir uma concepção
moral absolutamente ultrapassada.
Ainda mais importante é afirmar a inadmissibilidade de utilização da lei
penal para imposição de pautas morais de comportamento, em um campo
reservado às convicções íntimas e à consciência individual, campo onde o
Estado não pode intervir, não se podendo confundir Direito e Moral, como
tampouco crime e pecado. Quando se erige uma moral pública sexual,
qualquer que seja esta, à categoria de bem jurídico, o que se acaba por
estabelecer é a imposição de uma concepção moral dominante sobre a
sexualidade, que, embora possa até ser compartilhada pela maioria dos
membros da sociedade, pode não ser aceita por indivíduos ou grupos
sociais, cujo direito à diferença há que ser garantido, sempre que não
atingidos direitos alheiros.
A utilização da lei penal neste campo há que ser, portanto, condicionada,
em primeiro lugar, por esta indispensável diferenciação entre Direito e
Moral, limitando-se a intervenção do sistema penal à finalidade de proteção
da pessoa, de forma a garantir a cada indivíduo o direito ao livre exercício
de sua sexualidade.
Daí o correto posicionamento, adotado pelos movimentos feministas, em
sua reivindicação de deslocamento dos tipos penais relacionados às
ofensas à liberdade sexual, para sua inclusão no Título do Código Penal
dedicado aos crimes contra a pessoa, em capítulo relativo aos crimes contra
a liberdade individual.
Assim entendidas as ofensas à liberdade sexual, duas colocações básicas
se impõem. Primeiro, passo essencial para a superação das relações
específicas de dominação estabelecidas pela estruturação do patriarcado e
já aqui mais de uma vez mencionada, a de que a proteção à sexualidade há
32
que ser idêntica para homens e mulheres, não podendo haver lugar, por
manifesta contrariedade ao princípio constitucionalmente consagrado da
igualdade entre os sexos, para tipos penais em que seja vitimizada apenas
a mulher.
De outro lado, a superação das relações mais gerais de dominação e
exclusão, a implicar no compromisso com a perspectiva de imediata
redução do sistema penal (como passo no caminho de sua futura abolição),
através da efetiva concretização de um Direito Penal mínimo, leva à
segunda destas colocações básicas: só se devem criminalizar condutas
ofensivas à liberdade sexual que envolvam violência ou grave ameaça e
que possam resultar em significativo dano à integridade pessoal e à
intimidade do ofendido.
Nesta linha, a proteção penal à liberdade sexual deveria se concentrar em
uma única figura típica, crimiminalizando-se a conduta de ter relação sexual
com alguém, constrangendo-o mediante violência ou grave ameaça, ou, por
qualquer outro meio análogo, impossibilitando sua resistência.
42
A recente Lei n. 11.106/05, anteriormente mencionada, contemplou
algumas dessas sugestões, demonstrando o caráter de vanguarda que emoldura o
texto acima transcrito.
Nesse mesmo diapasão é o entendimento de Ana Lucia Sabadell,
para quem “há dois conceitos que estão na base de qualquer discussão sobre o
tema: patriarcado e esfera privada”.
43
Para a autora:
A violência sexual é hoje um fenômeno mais comum do que se imagina na
sociedade dos países em desenvolvimento e requer acima da ação do
direito, uma ação multidisciplinar e não se trata mais de uma ação de um
sujeito adulto contra uma criança, o abuso pode estar configurado entre
adultos porque vem caracterizado pela dominação e sujeição, e pelas
condições e intensidade de uma relação não permitida por uma das
partes.
44
Induvidosamente, essa relação envolve aspectos culturais, religiosos
ou condições sociais e econômicas de uma sociedade, possibilitando
comportamentos que se configuram como violação de direitos humanos. No espaço
42
KARAN, Maria Lúcia. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, n. 9, 1995, p. 153/154
43
SABADELL, Ana Lucia. A problemática dos delitos sexuais numa perspectiva de direito
comparado. Revista Brasileira, jul/set.1999, nº 27, p. 80-102.
44
Ibid.
33
privado se refere à política e ao espaço de discussão sobre temas considerados de
interesse comum, reproduzindo a submissão e a violação dos direitos fundamentais.
2.1.1 A Presunção de Violência
O legislador, ao elaborar a norma penal baseia-se em fatos da vida
social, em regras extraídas do senso comum e em elementos colhidos do cotidiano,
para estabelecer certos parâmetros de sua aplicação, determinando, com base
nessas observações, algumas presunções, tal como faz com a maioridade penal e a
violência presumida.
Nesse contexto, Alberto Silva Franco busca amparo em Bettiol e
Ferraiolo, e apresenta a seguinte definição:
Presunção legal “é o procedimento lógico necessário para estabelecer uma
relação entre dois fatos na base de uma regra de experiência codificada
pelo legislador”. A presunção legal constitui, portanto, um abrandamento da
prova: “baseando-se numa regra de experiência, a lei deduz, de um fato, um
outro fato e antecipa o procedimento lógico necessário para estabelecer
uma relação entre dois fatos, recorrendo a um parâmetro abstrato de
valoração que alivia o juiz do encargo da verificação”.
45
É, portanto, uma relação que se estabelece entre os fatos contidos
na lei (ser a vítima menor de catorze anos, alienada ou débil mental, e o agente
conhecer essa circunstância ou se não puder, por qualquer outra causa, oferecer
resistência) e o fato presumido como existente pelo legislador (a violência).
Assim, violência presumida é aquela situação prevista em lei na qual
a pessoa não possui capacidade de discernir entre a conveniência ou não de adotar
determinada postura em relação ao ato praticado, o que, para o nosso estudo, é a
45
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. Notas sobre a Lei 8.072/90. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1991, p. 150-151.
34
sexualidade.
Neste sentido, é de se ver que a lei não leva em conta a eventual
concordância do ofendido com o ato sexual mantido com terceiro, presumindo a
existência da violência.
Assim, a presunção de violência impõe um dever absoluto de
abstenção da prática de atos sexuais com aquelas pessoas que lei penal tutela e
com as quais, tais atos sexuais, ainda que consentidos, são incriminados pela
própria lei, tornando inválido eventual consentimento.
Ao estabelecer a presunção de violência o legislador teve em vista, à
maneira de diversos códigos estrangeiros, instituir como uma presunção a falta de
consentimento livre, porquanto considerou que naquela determinada faixa etária
ainda não há o suficiente amadurecimento, quer físico, quer mental, que possibilite
ao indivíduo avaliar em toda a sua extensão e com precisão a gravidade e as
conseqüências dos atos sexuais.
O princípio informador dessa presunção é a innocentia consilli, que
cobre o indivíduo com uma espécie de manto sagrado, permitindo afirmar que
naquela faixa etária não se reconhece malícia no ofendido.
Desde as Ordenações Filipinas a presunção de violência habita o
nosso sistema penal. Evidentemente que o entendimento de então não se revestia
de presunção a que hoje temos, contudo, fica explicito em todo ordenamento pátrio,
a intenção do legislador de resguardar a integridade daquelas pessoas que, mesmo
por vontade, mantinham união de carne com o outro sexo.
Martha de Abreu Esteves salienta que, se reforçando a tese que
igualmente há ausência de consentimento válido quando o sujeito passivo é
alienado ou débil mental, e, se a incapacidade de consentimento faz presumir a
35
violência, e com maioria de razão deve ter o mesmo efeito o estado de inconsciência
da vítima ou sua incapacidade de resistência, sendo essa resultante de causas
mórbidas ou de especiais condições físicas.
46
Como a violência presumida está fora dos Capítulos anteriores
47
, I, II
e III, do Título VI do Código Penal, tal como se dá com o art. 223 e parágrafo único
do Código Penal, a ação penal recairia sob a regra geral da ação penal pública (art.
100, do Código Penal). As hipóteses de violência real colocadas no artigo 223 e seu
parágrafo único, com maior razão, a violência presumida, inserida no artigo 224, “a”,
“b” e “c”, para configurar mais uma modalidade de ação penal pública. Nos Capítulos
III e IV, os artigos 223 e 224 ficariam, assim, fora do alcance da ação penal privada.
Se o artigo 223 e seu parágrafo único estão no rol da ação penal pública
incondicionada, qual a razão para entendimento diverso nas hipóteses do artigo 224
do Código Penal? Eles estão fora dos capítulos anteriores, âmbito de abrangência
da ação penal privada. A resposta é simples: o artigo 223 e seu parágrafo único
contêm norma penal incriminadora, enquanto o artigo 224 abriga, apenas, norma
interpretativa ou explicativa, esclarecendo o que vem a ser violência presumida,
artigo 224, “a”, “b”, e “c” do Código Penal.
Assim, nos casos de violência presumida, cabe a ação penal
privada, salvo por motivo de pobreza, caso em que se transforma em ação penal
pública condicionada à representação.
46
Op. cit., p.119.
47
Art. 225, “caput” do CP: “Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede
mediante queixa”.
36
2.1.2 A Liberdade Sexual Atualmente
Inicialmente, não se pode esquecer que a Parte Especial do Código
Penal Brasileiro remonta ao ano de 1940, época muitíssimo diferente da atual,
notadamente em relação à sexualidade.
Também, não se pode olvidar que a preocupação do legislador de
1940, relativamente aos chamados crimes sexuais, ou seja, a de proteger a
integridade psicológica e moral da vítima transcendeu aquela época, permanecendo
na atualidade.
O que se está querendo dizer é que a sexualidade hoje deve ser
interpretada em suas diferentes formas. O que importa afirmar que o diferente deve,
necessariamente, ser admitido por imperativos constitucionais de liberdade e de
proibição de quaisquer tipos de discriminação.
Nesse contexto, há que se concordar com o ensinamento de Alberto
Silva Franco e Rui Stocco, para os quais:
Não há que se cogitar, na atualidade, um conceito de sexualidade fora do
espaço da pessoa humana, não cabendo delimitação de sua área de
significado segundo parâmetros éticos, de moralidade pública ou de bons
costumes. Assim, só não pode encontrar suporte jurídico a sexualidade
exercida com coerção ou explorada.
48
Como precedentemente ressaltado, os crimes sexuais devem ser
definidos dentro dos artigos destinados aos crimes contra a pessoa, porquanto
violam uma das esferas da liberdade individual (tal como o seqüestro viola a
liberdade de locomoção, etc.).
48
FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (Coord.). Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial.
7. ed. São Paulo: RT, 2001, v. II, p. 3.059.
37
Isso porque em uma estrutura penal moderna, o bem jurídico a ser
tutelado deve ser, tão-somente, a liberdade sexual, ou seja, deve-se, antes de tudo,
reconhecer-se ao cidadão em geral o direito à sexualidade, o direito de querer a
prática de ato sexual, dentro do direito constitucional de que todo cidadão tem sobre
sua liberdade, necessitando ressaltar que só deve ser alvo do direito penal quando
se tratar de sexo com coerção ou exploração.
Neste sentido, evidencia-se aqui a distinção entre as duas
possibilidades de crimes contra os costumes, também denominados crimes sexuais,
ou contrários à liberdade sexual: aquele cometido contra pessoas absolutamente
capazes e contra os juridicamente considerados incapazes, conforme determina o
Código Penal em vigência.
Essa distinção torna-se relevante na medida em que os atos sexuais
praticados com o consentimento de maiores são absolutamente lícitos, constituindo
um indiferente penal, o mesmo não ocorrendo na situação inversa, onde se deve
demonstrar que o dissenso da vítima é realmente sincero
49
.
Reafirme-se que o legislador pátrio no Título VI da Parte Especial do
Código Penal (arts. 213 a 249) estabeleceu a tutela jurídica dos "costumes" e dentro
desse universo que envolve desde crimes contra a liberdade sexual até aqueles
contra filiação e o pátrio poder (poder familiar, segundo a Lei 10.406/2002), interessa
49
CRIMES CONTRA OS COSTUMES – ESTUPRO – NULIDADE – ILEGITIMIDADE DO
IMINISTÉRIO PÚBLICO – PRELIMINAR PREJUDICADA – FRAGILIDADE DOS ELEMENTOS DE
PROVA A RESPALDAR O DECRETO CONDENATÓRIO VERIFICADA – DEPOIMENTOS
CONTRADITÓRIOS DA VÍTIMA – INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUE APÓIEM O DEPOIMENTO DA
VÍTIMA – MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO DEMONSTRADAS – ABSOLVIÇÃO OPERADA –
RECURSO PROVIDO – “No embate entre a versão acusatória da vítima com a negativa de autoria do
agente, prudente tomar esta por estar aquela impregnada de divergências, sem o respaldo de outros
elementos concludentes para apenar – A ameaça deve restar sólida e irretorquível no ventre dos
autos, irresistível e séria, de modo a vencer as barreiras da resistência da ofendida – O binômio
dissenso e resistência não pode estar ausente no processo executivo do delito, compreendendo estar
na dinamização daquele, sendo insuficiente a platônica discordância. Provimento do apelo, pela
incerteza da reprovação social do agente” (TJRS – RJTJERGS 190/202). (TJPR – Apr 0321857-5 –
Guairá – 5ª C. Crim. – Relª Desª Maria José de Toledo Marcondes Teixeira – j. 16.03.2006)
38
ao presente trabalho aqueles que se convencionou chamar de "crimes sexuais",
quais sejam, estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude,
atentado ao pudor mediante fraude, assédio sexual e a corrupção de menores
(definidos nos arts. 213 a 218 do Código Penal), tanto em suas formas qualificadas
quanto presumidas (arts. 223 e 224 do Código Penal), aplicáveis somente aos
crimes de estupro e atentado violento ao pudor (arts. 213 e 214 do Código Penal),
sendo certo que a sedução e o rapto, este em todas as suas modalidades, foram
revogados pela Lei n. 11.106/2005.
Contudo, deve ser ressaltado que tais crimes não serão objeto de
capítulo específico, embora suas características principais sejam abordadas ao
longo desse trabalho.
É indiscutível que o número de abusos sexuais que se vê nas
estatísticas, seja quantos milhares forem de fato, esse número pode ser bem maior.
A maioria desses casos não é reportada pela mídia ou mesmo admitida na
comunidade, tendo em vista, que a pessoa que sofreu o delito, tem medo de dizer a
alguém o que se passou com elas, principalmente se o sujeito do crime for criança.
50
Questão centenária, mas sempre atual, é saber a natureza jurídica
da presunção de violência, contida no art. 224, alínea "a" do Código Penal: trata-se
de uma presunção absoluta (iuris et de iure) ou relativa (iuris tantum)?
Esse dissenso remonta ao Código Penal de 1890 que presumia a
violência em seu art. 272 sempre que a ofendida fosse menor de 16 anos, como
anteriormente delineado.
50
SABADELL, Ana Lucia. Op. cit., p. 80-102.
39
Desde logo, impende ressaltar que se o agente se equivoca quanto à
idade da vítima, na verdade estaremos diante do chamado erro de tipo, não sendo
razoável ocorrer punição.
Com efeito, uma pessoa que encontre alguém contando 14 anos
incompletos, mas que aparente ter muito mais que isso, e com ela mantém relações
sexuais consentidas, pode perfeitamente incidir na hipótese do artigo 20 do Código
Penal, deixando de ser punida.
O Supremo Tribunal Federal tem entendimento histórico e iterativo
sobre esse tema, onde nem o desconhecimento da idade da vítima, nem a sua vida
promíscua constituem fatos elisivos da violência presumida.
51
Entretanto, essa uniformidade de entendimento do Supremo Tribunal
Federal sofreu uma ruptura por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 73.662,
onde funcionou como relator o Ministro Marco Aurélio, ocasião em que foi concedida
a ordem para absolver o paciente, acusado de ter mantido relações sexuais
consentidas com uma menor de doze anos de idade.
É certo, contudo, que o caso foi cercado de particularidades, como o
fato da vítima ter se passado por pessoa com idade superior a real, quer sob o
aspecto físico, quer sob o aspecto mental, além de levar vida promíscua, tudo
somado à especial circunstância do acusado – à época solteiro – ter contraído
matrimônio, levando uma vida regular e sendo pai de um filho menor.
Aliás, os votos dos ministros que acompanharam o relator sempre
ressaltaram as particularidades do caso, onde a permanência da condenação não
fazia justiça ao caso concreto e onde, em função dos verdadeiros contornos em que
51
RTJ 127/343 e RTJ 68/375
40
o fato se deu, seria insensibilidade não reconhecer, no caso, que a presunção de
violência era relativa.
Posteriormente, quando do julgamento pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal de outro habeas corpus, o próprio Ministro Marco Aurélio enfatizou
que, no precedente de sua lavra (o HC 73.662) – tantas vezes invocado no sentido
da elisão da violência presumida pelo assentimento da menor – o que predominara
fora a evidência do erro de fato do agente. Disse S. Exa:
[...] creio que não se pode fugir ao princípio que direciona no sentido de
examinar-se sempre a culpa ou o dolo do agente. O artigo 224 não alija do
cenário jurídico essa ótica, ao indicar que se presume ocorrida violência
quando a vítima é menor de catorze anos. Foi com base, justamente, nessa
premissa que a Segunda Turma, em acórdão que não se mostrou, no
âmbito do Judiciário, pioneiro, afastou, no caso concreto – que se
apresentava, repito, peculiaridades quanto ao total desconhecimento do
agente em relação à idade da vítima –, a configuração do estupro.
52
Portanto, em que pese o acórdão do HC 73.662
53
mencionar que a
presunção de violência é relativa, tal não significou uma mudança de
posicionamento do Supremo Tribunal Federal, para quem, de maneira história e
iterativa, a presunção de violência sempre foi absoluta, restando essa decisão
isolada.
Com efeito, um mês depois daquela decisão, a Primeira Turma do
Supremo Tribunal Federal reafirmava o caráter absoluto da presunção de violência
do artigo 224, “a”, do Código Penal, e a conseqüente irrelevância do consentimento
da menor de 14 anos, legalmente incapaz de prestá-la
54
.
Esse acórdão da Primeira Turma seria invocado posteriormente pela
Segunda Turma (é certo que na ausência dos Ministros Marco Aurélio e Velloso)
52
STF – Tribunal Pleno – HC 74.983-RS – J. 30.06.97, DJ de 29.08.1997, p. 40217.
53
STF - 2ª Turma - HC 73.662-MG - Julgado de 21.05.96 Publicado no DJ de 20-09-96 - p. 34535.
54
STF - 1ª Turma, HC 74.286-SC, Julgado de 22.10.96, Sanches, RTJ 163/291.
41
para reassentar a possibilidade da persecução penal nas hipóteses de crimes
sexuais praticados com a concordância da vítima menor de 14 anos
55
.
Também na doutrina, o entendimento de que a presunção era
absoluta, isto é, não admitia prova em contrário, segundo Maurício Jorge Pereira da
Mota, nunca se mostrou ponto pacífico. Segundo o comentarista, “eram partidários
do caráter absoluto da presunção, entre outros, Viveiros de Castro, Galdino Siqueira,
João Vieira, Bento de Faria e Nélson Hungria”.
56
De outro lado, a relatividade da presunção era defendida por
Magalhães Noronha, Heleno Cláudio Fragoso
57
e Chrysólito de Gusmão, para quem:
[...] não é justo, jurídico, nem tampouco lógico, que essa presunção seja
júris et jure, como defendia entre nós Viveiros de Castro, tal como o
esposara a lei pátria adotando a mesma expressão absoluta do Código
sardo – ‘la violenza è sempre presunta’ – e que foi adotada pelo vigente
Código Italiano, como vimos, com a supressão, porém, da expressão
‘sempre’ não contida no projeto italiano e que a Comissão senatorial julgou,
aliás, desnecessário incluir para que como expressão júris et jure se
devesse compreender.
58
Essa questão, contudo, sempre foi e continua sendo muito
conturbada
59
, sobrevindo na jurisprudência decisão em ambos os sentidos, até os
dias de hoje, devendo ser ressalvado que no Superior Tribunal de Justiça
60
e no
55
STF, 2ª Turma, HC 75.608, Julgado de 10.02.98, Publicado no DJ de 27.03.98
56
MOTA, Mauricio Jorge Pereira da. In: Estupro e Violência Presumida. Julgado e Comentários
publicado em www.uerj.gov.br/artigos.
57
Autores citados pelo Ministro Marco Aurélio, no histórico HC 76.6629/MG
58
Op. cit., p. 132.
59
Conforme comentário do autor, na jurisprudência também não havia consenso, numerosos
julgados definiam tal presunção como absoluta. MOTA. Maurício Jorge Pereira da. In: Revista dos
Tribunais, 36/112; 77/102; 92/41; 94/376; 97/77; 117/101; 123/496; 128/442 - Revista Forense,
72/693; 75/630; 76/373; 77/370). Não eram, porém, menos numerosos os que sustentavam a tese
contrária da presunção relativa (Revista dos Tribunais, 36/493; 41/374; 5/307; 86/482; 87/25; 98/388;
115/791; 118/85; 121/120; 77/373). In: Estupro e Violência Presumida. Julgado e Comentários
publicado em www.uerj.gov.br/artigos.
60
Veja-se, a propósito, o Recurso Especial n. 841691/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, 5ª Turma, j.
21.09.2006, DJ 30.10.2006.
42
Supremo Tribunal Federal
61
a questão encontra-se pacificada, com a reafirmação de
que:
a violência presumida, prevista no artigo 224, alínea a, do Código Penal,
tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à
liberdade sexual do menor de 14 (quatorze) anos, em razão de sua
incapacidade volitiva”, daí porque “o consentimento do menor de 14
(quatorze) anos é irrelevante para a formação do tipo penal do estupro, pois
a proibição legal é no sentido de coibir qualquer prática sexual com pessoa
nessa faixa etária.
E nem poderia ser diferente, pois o fundamento da ficção legal da
violência, no caso dos adolescentes, é a innocentia consilli do sujeito passivo, ou
seja, a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais, de modo que não se
pode dar valor algum ao seu consentimento.
Todavia, não se pode negar que, na época atual, tal como fez o
Ministro Marco Aurélio, em julgamento considerado histórico,
62
seria abstrair-se
hipocritamente a realidade o negar-se que uma pessoa de 14(quatorze) anos
completos já tem uma noção teórica, bastante exata, dos segredos da vida sexual e
do risco que corre se presta à lascívia de outrem.
Neste caso, cabe dizer que onde existe a mesma razão, deve existir
a mesma disposição: se a idéia de innocentia consillii infere necessariamente a
presunção absoluta de violência, tal desiderato tem que ser válido para todas as
hipóteses elencadas na lei e não para apenas uma delas.
Por outro lado, é preciso sempre ter cuidado com mecanismos que,
sob o pretexto de tutelar ou proteger determinados grupos de pessoas consideradas
mais frágeis, acabam por servir para inferiorizar tais grupos, com base em supostas
61
Veja-se, a propósito, o HC n. 81.268-6/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 16.10.2001, DJ
16.11.2001.
62
HC n 73.662/MG
43
reduções da capacidade física, psíquica ou cultural de seus integrantes.
63
É o que acontecia, por exemplo, com o crime de sedução, cuja
revogação através da Lei n. 11.106/2005, trouxe maior liberdade sexual à mulher
maior de catorze anos, além de colocá-la em situação de igualdade com o homem.
Os crimes sexuais, além de serem muito comuns, são aqueles que
envolvem violência que, em tese, pode ser real ou presumida, sendo esta última alvo
da principal questão a ser abordada neste trabalho: a da possibilidade de que tais
crimes tenham suas ações patrocinadas pelas defensorias publicas, por envolverem
atitudes de foro intimo da vítima, portanto, passível de uma ação privada.
Doutrinadores como Frederico Marques
64
, Aníbal Bruno
65
e Tourinho
Filho
66
discutem a abordagem de uma ação pública, entendendo que a ação penal
não pertence ao direito material, sendo da exclusiva alçada do direito processual.
Salientando que as análises conceituais subjetivas (sujeitos ativo e
passivo) dos delitos, apesar de terem sido aqui apresentadas de forma sintética, o
mesmo acontecendo com os julgados que aqui foram expostos, fogem do âmbito
dessa pesquisa, porque se propõe apenas inserir num contexto os crimes contra os
costumes, para que sejam entendidas as razões pelas quais se discute a
(i)ligitimidade do Ministério Público em tais ações, questão prioritária discutida no
decorrer deste estudo.
63
KARAN, Maria Lúcia. Op. cit., p. 156.
64
MARQUES, Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1965, p.
307.
65
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 231.
66
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 272.
3 AS AÇÕES, A DEFENSORIA PÚBLICA E O MINISTÉRIO PÚBLICO
3.1 AS AÇÕES
A conceituação é importante, não para restringir posteriores
informações, mas para proporcionar uma interpretação coerente evitando-se
distorções de sentido ou qualquer influencia ideológica.
Assim, este capítulo será dedicado a conceitos do que sejam as
ações, o Ministério Público e seu papel enquanto tutelador e defensor da ordem e da
justiça; e da Defensoria Pública, como entidade protetora e auxiliadora do homem
enquanto sujeito passível das conseqüências originadas pelo descumprimento do
ordenamento jurídico que venham causar danos nas suas relações sociais.
No direito romano, segundo Regis Prado o processo não era
autônomo, e estava relacionado ao conceito que os juristas faziam com respeito ao
direito subjetivo material e a ação judiciária (actio).
As normas de caráter processual, segundo Regis Prado, eram
baseadas na experiência jurídica romana unida num caráter substancial, sendo que
o direito subjetivo não era entendido pelo aspecto do seu conteúdo substancial, mas
pela ótica da ação, a qual o titular podia tutelar contra possíveis ofensas.
67
O titular
da actio era aquele que realmente apresentasse uma situação de direito material
existente.
No processo privado, afirma ainda Regis Prado, o mais importante
foi a unificação das instâncias.
68
Com a intervenção da cognitio extraordinaria, o
procedimento passou a desenvolver-se diante do magistrado-funcionário (autoridade
67
Op. cit., p. 203.
68
Ibid.
45
estatal).
O processo passou a ser todo estatal, onde o parecer do magistrado
não mais correspondia apenas a um parecer jurídico (sententia), mas estava ligado a
um órgão estatal. A sentença, no processo privado romano, era consolidada na
atuação da autoridade do Estado (ex auctoritate principis), não mais se baseando
apenas em caráter arbitral ou num ato restrito do cidadão. Com isso o processo
tornou-se totalmente público, e, ao lado da jurisdição ordinária, pouco a pouco,
formou-se um novo sistema processual.
69
As ações da lei eram instrumentos processuais exclusivos dos
cidadãos romanos tendo em vista a guarda de seus direitos subjetivos previsto no
ius quiritarium, e este sistema processual possuía uma estrutura individualizada para
situações expressamente reconhecidas. O processo nesta época histórica, conforme
Silvio A.B. Meira, era marcado pela extrema rigidez de seus atos, onde as ações
tomavam a forma da própria lei, conservando-se imutáveis como esta.
70
Durante este período, assinala Silvio A.B.Meira, o direito em Roma
vinha de hábitos e costumes e o conhecimento das regras jurídicas era monopólio
dos sacerdotes, que detinham o conhecimento tanto de tais regras como do
calendário e se Conjugavam o elemento laico e o elemento religioso, sendo um
processo investido de formalismo, solenidade e oralidade, com um ritual de gesto e
palavras pré-estabelecidas.
71
Direito e ação eram conceitos estritamente conexos no sistema
jurídico romano. O romano concebia e enunciava o direito mais sob o aspecto
processual que material. Durante toda a época clássica, o direito romano era mais
69
PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p. 204.
70
Op. cit., p. 25.
71
CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 28.
46
um sistema de actiones e de meios processuais do que de direitos subjetivos. Em
Roma, a cada direito correspondia uma ação específica.
72
Hoje, tem-se um conceito genérico de ação; a doutrina pátria ensina
que a Ação é o direito subjetivo público, abstrato, autônomo e instrumental de exigir
do Estado-Juiz um provimento de mérito sobre a demanda.
73
Observa Celso Delmanto que é considerado direito abstrato porque
independe do resultado final do processo, ou seja, pode-se exercer o direito de ação
validamente e se obter um julgamento favorável ou desfavorável. O direito de ação
seria concreto se só se considerasse exercido quando o autor tivesse seu pedido
julgado procedente; é considerado autônomo uma vez que independe da existência
do direito material; e finalmente pode ser considerada instrumental, já que sua
finalidade é dar solução a uma situação de direito material, ou seja, satisfazer a uma
pretensão material.
74
Uma ação pode ser estabelecida, para que sejam definitivamente
postos em prática os resguardos ao ofendido. A ação é única, voltada à obtenção de
mecanismos aptos a assegurar o direito afirmado, atuados através de atividades
desenvolvidas pelo Estado.
75
O que pode ser qualificado, o que admite adjetivação, é a tutela
jurisdicional que, segundo Joaquim Felipe Spadoni tem previsão no artigo 461 do
CPC, "embora genérica como previsão, pode ser classificada à luz da pretensão e
da situação material à qual se refere ou de seus efeitos".
76
72
MEIRA, Silvio A. B. Op. cit., p. 36.
73
MIRABETE, Júlio Fabrini. Código Penal Interpretado Jurisprudencialmente. São Paulo: Atlas, 1988,
p. 531.
74
DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 458.
75
Ibid.
76
SPADONI, Joaquim Felipe. Ação Inibitória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 65.
47
Ainda, é importante salientar que de acordo com Joaquim Felipe
Spadoni o fundamento da responsabilidade civil e penal é praticamente o mesmo.
As condições em que surgem é que são diferentes, pois uma é mais exigente do que
a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se
efetivar.
77
A responsabilidade penal, segundo o autor, pressupõe uma turbação
social determinada pela violação da norma penal.
78
O agente infringe uma norma de
direito público. O interesse lesado é da sociedade. Na responsabilidade civil, o
interesse lesado é privado. O prejudicado pode, ou não, pleitear reparação, sendo
que a diferença entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal é a
distinção entre o direito civil e o direito penal.
79
Na responsabilidade civil não se verifica se o ato que causou dano
ao particular ameaça, ou não, a ordem social. Não importa que a pessoa compelida
à reparação seja, ou não, moralmente responsável.
80
A responsabilidade penal envolve dano que atinge a paz social,
embora, muitas vezes, atinja um só indivíduo. Essa responsabilidade é intransferível,
respondendo o réu com a privação de sua liberdade. Ao Estado incumbe reprimir o
crime e deve arcar com o ônus da prova.
81
No cível qualquer ação ou omissão pode gerar a responsabilidade
civil, desde que haja violação de direito ou prejuízo de outrem. No crime há a
presença da tipicidade: e é necessário que haja perfeita adequação do fato concreto
77
Op. cit., p. 65.
78
Ibid.
79
Ibid.
80
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. I, p. 6.
81
REIS, Clayton. Dano moral. 4. ed. São Paulo: Forense,1997, p.14.
48
ou tipo penal.
82
A culpabilidade é mais ampla no cível, na esfera criminal nem toda
culpa resulta na condenação do réu, assim como a questão da imputabilidade
também é tratada de forma diferente. Há regras no cível que divergem das do
crime.
83
A responsabilidade civil envolve o dano
84
, o prejuízo, o desfalque, o
desequilíbrio ou descompensação do patrimônio de alguém. Quando coincidem, a
responsabilidade civil e a responsabilidade penal proporcionam as respectivas
ações, isto é, as formas de se fazerem efetivas: Uma exercível pela vítima; outra
pela sociedade; uma tendente à reparação; outra à punição.
Em relação às ações, doutrinadores, entre eles Cristina Rapisarda,
classificam as ações pelo critério subjetivo, ou seja, as ações são classificadas
segundo o seu titular.
85
Dessa forma, a ação penal será pública quando seu titular for o
Ministério público; incondicionada se o seu exercício não depender de nenhuma
condição específica e, por outro lado, será condicionada se o seu exercício estiver
subordinado ao preenchimento de uma condição de procedibilidade, ou seja, à
representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça. A ação será
privada quando a lei conferir legitimidade ad causam ativa ao ofendido ou seu
representante legal.
No caso da ação penal privada, há que se observar a distinção entre
ação penal exclusivamente privada, ação privada personalíssima e ação privada
82
Op. cit., p. 14.
83
Ibid.
84
Todo dano que resulte de ato ilícito (por ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou
imperícia) é passível de ressarcimento (art. 159 do Código Civil), sustentando-se, em doutrina, a
equiparação do fato danoso com o ato ilícito ou ilegal.
85
RAPISARDA, Cristina apud SPADONI, Joaquim Felipe. Op. cit., p. 25.
49
subsidiária da pública.
Na primeira hipótese, o seu exercício é conferido exclusivamente ao
ofendido ou a quem legalmente o represente e, em caso de morte ou de ausência
judicialmente declarada, o direito de queixa ou de prosseguir na ação transmite-se
ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Na segunda hipótese, somente o
cônjuge inocente é que pode exercer o direito de queixa, não se admitindo aquela
sucessão a que se refere o artigo 31 do Código de Processo Penal. Na terceira
hipótese, o exercício da queixa compete ao ofendido ou ao seu representante legal
(observando-se também o art. 31 do CPP), se o titular da ação penal pública ficar
inerte, é dizer, se o Ministério Público deixar de promovê-la no prazo legal.
Em todas estas hipóteses, quando o ofendido é juridicamente pobre,
caberá à Defensoria Pública o patrocínio das respectivas ações, não atuando
conforme o Ministério Público atua, na qualidade de substituto processual, mas tão
somente representando os interesses da parte em juízo.
Saliente-se que em nosso país não existe a chamada ação penal
popular e qualquer previsão neste sentido seria inconstitucional em virtude do artigo
129, I, da Constituição Federal de 1988.
Alguns autores, entre eles, Ada Pellegrini Grinover
86
chamam de
ação penal popular, de modo não técnico, a regulada na Lei 1.079/50, que permite a
qualquer do povo dar início ao processo de impeachment por crime de
responsabilidade contra o Presidente de República e outras altas autoridades.
Se o crime é de ação pública condicionada, incondicionada ou
privada, de acordo com o que dita o artigo 100 do Código Penal, no caso da lei, ela
86
GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo Constitucional em marcha. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999.
50
será pública incondicionada, sendo que nos demais casos haverá menção expressa
na lei.
De acordo com o ensino de João José Leal é fato que toda ação
penal é de natureza pública porque além de colocar seu autor diante do Estado-juiz
e de sujeitá-la a normas de procedimento gerais e obrigatórias, constitui ela, de
acordo com o entendimento predominante na doutrina, um direito subjetivo público
do Estado-administração e o que a doutrina divide em público e privado é o exercício
da ação.
87
Defendem alguns doutrinadores, entre eles João José Leal que se o
Estado detém em suas mãos o jus puniendi e se esse mesmo Estado criou um
órgão específico para, em nome da coletividade, exercer o seu direito subjetivo
público de acionar penalmente o autor de um crime, não se afigura mais razoável,
nem desejável, que essa função seja exercida, ainda que excepcionalmente, pelo
particular.
88
Neste ponto, cumpre ressaltar que esse estudo não adota
posicionamento favorável ou contrário ao Ministério Público, mas apenas aponta
uma situação existente e que torna o Ministério Público parte ilegítima para as ações
penais públicas condicionadas à representação em decorrência do estado de
miserabilidade jurídica da vítima, o que importa em tratamento desigual entre pobres
e ricos.
Contudo, enquanto o exercício da ação penal não é conferido com
exclusividade ao Ministério Público, não se pode deixar de harmonizar os preceitos
da Constituição Federal de 1988 com aquelas disposições que não foram
87
LEAL, João José. A extinção da ação penal. Revista do Curso de Direito da Universidade de
Uberlândia, v. 23, n. 172, dezembro 1994, p. 188.
88
Ibid., p.193.
51
recepcionadas pela Lei Maior.
Assim, tem-se como pacífico o que determina o direito positivo
pátrio, ou seja, nos casos de crimes de ação privada, cabe ao ofendido conforme o
artigo 30,
89
do Código de Processo Penal, exercê-la, o que deve ser feito através de
advogado constituído pelo ofendido. Mas pode ocorrer que o ofendido não tenha
condições econômicas para contratar um advogado, hipótese em que duas
situações podem ocorrer, a prevista no artigo 32 do Código de Processo Penal, e
aquela prevista no artigo 225, § 1º, I, e § 2º, do Código Penal.
Contudo, não se pode olvidar a lição de Geraldo Batista de Siqueira
e Geraldo Batista de Siqueira Filho, quanto à segunda hipótese acima referida:
Tratando-se dos crimes contra os costumes (arts. 213 a 221, CP), a
miserabilidade da vítima não se inclui na possibilidade de assistência
judiciária, como prevê o art. 32 do Código de Processo Penal. O juiz não
nomeará advogado para a promoção da peça vestibular. A titularidade da
acusação transfere-se para o Ministério Público.
90
Igualmente, não se pode olvidar que a Constituição Federal de 1988
pretendeu garantir o acesso à justiça de todos aqueles que não podem pagar
advogado através da Defensoria Pública, alçada, pelo texto constitucional, a
condição de essencial à função jurisdicional do Estado.
Nesse sentido, é de se ver que em ambas as hipóteses, a parte
juridicamente pobre será assistida pela Defensoria Pública.
No direito romano, a responsabilidade da ação e do saneamento de
controvérsias, era o rex, chefe religioso e político da época. Com a introdução da
legis actio per iudicis arbitrive postulationem, essa incumbência passou para o juiz e
para um árbitro, ambos laicos, escolhidos entre patrícios, senadores e mais tarde
89
Art. 30 - Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.
90
SIQUEIRA FILHO, Geraldo Batista de. Ação Penal nos Crimes contra os Costumes. Belo
Horizonte: Inédita, 1996, p. 23.
52
entre plebeus. Com a criação do pretor urbano e com a bipartição do processo é
estendida a legis actio sacramento.
91
Assim, para se iniciar o procedimento da legis actiones era
necessário a citação do réu (in ius vocatio). Nesse período, conforme o ensino de
José Cretella Junior o processo apresentava três etapas.
92
A primeira, conhecida pela introdução da instância (in ius vocatio)
que se constituía em chegar a presença do magistrado as duas partes em questão
(autor e réu). Nessa etapa do procedimento da in ius vocatio, todos os atos eram
realizados oralmente e essa só podia efetivar-se em lugar público (termas e teatros,
como também qualquer lugar da rua, até na porta domiciliar do demandado). Ficava
a cargo do autor, que, de acordo com os preceitos contidos na Lei das XII Tábuas,
ao encontrar, na rua, o réu, devia chamá-lo a Juízo, empregando termos solenes
(uerba certa). Se o réu se recusasse a atender, a Lei das XII Tábuas determinava
que o autor tomasse testemunhas e conduzisse o réu à presença do magistrado,
ainda que tivesse de empregar a força.
93
A segunda marcava pela instância diante do magistrado ou pretor (in
iure), que davam ou não o direito de ação. O réu era conduzido pelo autor até
presença do magistrado competente, iniciando a fase in iure. As partes recitavam as
fórmulas solenes e faziam os gestos rituais próprios de cada uma das ações da lei.
Feita a citação, e negando o réu as acusações, era escolhido um juiz, após 30 dias,
pela vontade de ambas as partes, ou por indicação do magistrado, ou até por
sorteio. Tudo era realizado diante de testemunhas. Quando não era possível
estabelecer os limites das demandas no mesmo dia, o réu tinha que prometer que
91
CRETELLA JÚNIOR José. Op. cit., p. 32.
92
Ibid.
93
Ibid., p. 34.
53
voltaria, fornecendo, inclusive, fiadores (vades) ao autor.
94
A terceira fase, caso a ação fosse concedida, era a instância diante
do juiz popular (apud iudicem). O magistrado dava a fórmula de solução do conflito e
oferecia uma lista de juízes (album indicum) para que as partes escolhessem um
dentre eles. As pessoas integrantes dessa lista variaram no decorrer da história de
Roma em virtude de questões políticas. Essa fase se desenvolvia diante de um
particular, que apurava a veracidade dos fatos alegados pelas partes litigantes,
baseando-se para decretar a sentença. Nessa fase se encontra o iudex privatus, ou
em certos processos os tribunais permanentes.
95
No direito romano, as ações não podiam ser julgadas a revelia, era
necessária a presença do pretor e do adversário. Também, não se permitia a
representação em juízo, ou seja, era vedado a alguém agir em nome de outrem.
Ainda de acordo com o ensino de Cretella Junior, com a nomeação
do iudex, as partes deviam comparecer à presença dele três dias depois. Se alguma
das partes não comparecesse esperava-se até o meio dia, após o qual julgava-se
favoravelmente ao litigante que havia comparecido. Ambos, autor e réu, expunham
sumariamente a demanda (causae coniectio), depois disso davam as razões
(causae perovatio), seguidas pela produção das provas. O juramento, a confissão e
o testemunho eram considerados meios de prova.
Produzidas as provas, o iudex dava a sentença (sententiam dicere),
podendo condenar o réu, através de pagamento, ou restituição ou prestação de um
ato; ou o absolvendo. Qualquer que fosse a sentença era impossível ao réu recorrer
94
Ibid., p. 35.
95
Ibid., p. 32.
54
a uma nova legis actio sobre a mesma questão.
96
A capacidade de postulação no sistema processual brasileiro
compete exclusivamente aos advogados, conforme o artigo 36, do Código de
Processo Civil, in verbis:
a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado.
Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver
habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou
recusa ou impedimento dos que houve.
O artigo 133 da Constituição Federal dispõe: “O advogado é
indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão e nos limites da lei”.
Desde que a exigência da presença do advogado é obrigatória, em
todo e qualquer processo, pois não está ao alcance de leigos conduzi-lo, é forçoso
convir que a assistência dos advogados não pode ser privilégio, devendo estar à
disposição de todos quanto dele necessitam.
97
Para Cappelletti e Garth, “a defesa dos direitos do cidadão comum, a
assistência e a representação continuarão a ser importante em muitos casos
complicados”.
98
O autor afirma ainda que um enfoque cada vez mais evidente nos
procedimentos especializados consiste em: “desenvolver substitutos mais
especializados e menos dispendiosos que os advogados individuais”.
99
Muitos tribunais de pequenas causas, por exemplo, proporcionam o
aconselhamento jurídico que torna desnecessária a presença dos advogados.
96
CRETELLA JÚNIOR, J. Op. cit., p. 32ss.
97
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à Justiça no direito processual brasileiro. São Paulo:
Acadêmica, 1994, p. 40.
98
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Fabris, 1988. p. 143.
99
Ibid.
55
Em síntese, a obrigatoriedade da presença do advogado ou não em
toda e qualquer atividade jurisdicional, olhando sob o prisma do acesso à justiça, é
bastante complexa, e geradora de polêmica nos meios jurídicos, conforme
demonstra Horácio Wanderlei Rodrigues:
a) de um lado a sua presença aumenta, em tese a qualidade e a
segurança da defesa dos interesses das partes, tendo em vista a
formação técnica que o mesmo possui,
b) de outra parte a maioria da população não tem condições de pagar
seus honorários,
c) não basta a presença física do advogado. É necessário considerar-se
a sua qualificação profissional,
d) há situações específicas, como a dos juizados de pequenas causas,
nas quais a exigência de sua presença pode inviabilizar a própria
instituição.
100
3.2 A DEFENSORIA PÚBLICA
A presença do advogado, conforme determina a Constituição pátria,
excluindo-se os casos que podem ser resolvidos nos tribunais de pequenas causas,
ainda é de suma importância, como defendem os operadores do direito, dado o
emaranhado de leis que compõem o nosso sistema jurídico.
Dessa forma, a presença de um advogado, para pequenas questões,
só não será necessária, quando o cidadão de posse das noções básicas de seus
direitos e deveres, recorrer aos juizados especiais disponíveis então em todas as
jurisdições conforme determina a Constituição de 1988.
A essência do artigo 133 da Constituição Federal está reafirmada no
artigo 134 que determina ser a Defensoria Pública “uma instituição essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em
todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.
E no seu parágrafo único determina que Lei complementar
100
Ibid., p. 43-44.
56
organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e
prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de
carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos,
assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício
da advocacia fora das atribuições institucionais. Tratando no artigo 135 de disciplinar
as carreiras nas seções II e III do Capítulo e remuneração na forma do artigo 39, §
4º.
101
Daí a entrar-se na essência da polêmica que cerca a legitimidade
extraordinária do Ministério Público, especialmente no assunto alvo deste estudo
que são os crimes sexuais.
O serviço de prestação de assistência jurídica integral e gratuita é
um dever do Estado, que foi imposto pelo artigo 5º, inciso LXXIV, e nos termos da
atual Constituição Federal, o órgão público que deve ser incumbido de prestá-la é a
Defensoria Pública.
São garantias asseguradas na Constituição Federal de 1988, que
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal,
assegurando-se aos acusados em geral o contraditório, a ampla defesa, bem como
a assistência jurídica integral e gratuita, aos que comprovarem insuficiência de
recursos, custeada pelo Estado ou Poder Público (artigo 5º, incisos LIV, LV e
LXXIV).
O legislador de 1988 complementou tais garantias ao estatuir nos
artigos 133 e 134 do Texto Constitucional que o advogado é indispensável à
administração da Justiça, bem como ao instituir a Defensoria Pública da União,
101
§ 4º - O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários
Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única,
vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou
outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
57
Estados e do Distrito Federal, incumbida da orientação e defesa jurídica das
pessoas necessitadas (insuficiência econômica), em todos os graus. Previu ainda
que Lei Complementar dos entes políticos (União, Estados e Distrito Federal)
organizaria a Defensoria, inclusive provendo os cargos públicos de defensores
mediante concurso de provas e títulos.
A Defensoria Pública pode ser conceituada como uma instituição
essencial à função jurisdicional do Estado, conforme interpretação do artigo
constitucional, correspondendo a uma manifestação e instrumento do regime
democrático, cabendo-lhe a orientação jurídica integral e gratuita, a postulação e a
defesa judicial em todos os graus de jurisdição e extrajudicial, de direitos, individuais
e coletivos, titularizados por hipossuficientes econômicos.
A Constituição Federal de 1988 criou uma seção especial sobre a
Advocacia e a Defensoria Pública, e é da própria Carta Magna que se extrai o
conceito: “artigo 134: A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os
graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV”.
A Defensoria Pública é dotada de três princípios institucionais, que
estão elencados no artigo 3º da Lei Complementar nº 80, de 1994. O princípio da
unidade corresponde à afirmação de que a Defensoria Pública corresponde a um
todo orgânico, sob uma mesma direção, mesmos fundamentos e mesmas
finalidades. Pode um Defensor Público, ser substituído, no decorrer do processo,
sem prejuízo para a atuação da Instituição.
Pelo principio da indivisibilidade, deve-se entender que a Defensoria
Pública, como um todo orgânico, não está sujeita a rupturas e fracionamentos; assim
como, por independência funcional, deve-se entender que a Instituição é dotada de
58
autonomia perante os demais órgãos estatais, estando imune de qualquer
interferência política que afete sua atuação, o que é demonstrado pela nomeação do
Defensor Público–Geral dentre os componentes de carreira, a existência de um
regime jurídico próprio dos Defensores Públicos, garantias e prerrogativas.
Os defensores públicos, conforme determina a Constituição Federal
de 1988, são agentes políticos do Estado, ou seja, agentes públicos que executam
atribuições determinadas na Constituição Federal, dependendo, para tal, de
independência funcional e outras prerrogativas.
As funções institucionais da Defensoria Pública estão elencadas no
artigo 4º da Lei Complementar nº 80, de 1994, correspondendo a uma enumeração
não exaustiva, já que outras funções institucionais da Defensoria Pública podem
decorrer das Constituições estaduais e das Leis complementares estaduais, que ao
organizar a Instituição, não deverá limitar-se a repetir as atribuições estabelecidas
na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, havendo possibilidades de
elencarem novas funções, desde que compatíveis com a finalidade de sua atuação,
que, da mesma forma, podem decorrer do exercício de sua atividade.
A orientação jurídica e a promoção de conciliações devem ser o foco
dos trabalhos a serem desenvolvidos pelos Defensores Públicos.
A Defensoria Pública apresenta um papel importante, porque ela
tem, ou deveria ter, uma influência direta na mudança do atual quadro social. Ela é
um instrumento pelo qual se irá viabilizar o exercício, por parte de cada cidadão
carente, dos direitos e garantias individuais que o Constituinte tanto se preocupou
em assegurar aos brasileiros.
Obviamente não se faz necessário mencionar que há um enorme
contingente de carentes que não são elegíveis para os programas públicos de
59
assistência jurídica. Essa população, não tendo condição de buscar serviço jurídico
remunerado, fica basicamente desatendida e os serviços prestados pelas
Defensorias Públicas são imprescindíveis. Em muitos dos Estados estão bem
organizadas e atendem grande parte da demanda, oferecendo um serviço de
excepcional qualidade. Enquanto que em alguns estados a instituição da Defensoria
Pública Estadual não é uma realidade e alguns Estados não disponibilizam nenhuma
forma de amparo aos necessitados no campo da assistência jurídica, embora sem a
instituição de uma Defensoria Pública de carreira, prestam assistência jurídica
através da Procuradoria do Estado.
102
Como exemplo, podem ser citados os escritórios de assistência,
mantidos pelas Faculdades de Direito que já há algum tempo prestam serviços de
justiça e orientação jurídica aos cidadãos em algumas comarcas, onde é grande a
procura por justiça, em várias áreas de direito, e de onde saem compostos
diariamente acordos, que, se tivessem que ir à demanda judicial sobrecarregariam
ainda mais os Juizados, ou não se faria justiça, pois, em sua maioria, esses
cidadãos não teriam com que pagar defensor e os altos custos Judiciais.
103
É a Defensoria Pública, assim, incumbida de conferir acesso à
justiça para a grande maioria da população brasileira, privada das mínimas
condições de vida digna. Como se trata de uma instituição nova – criada pela Carta
102
De acordo com o II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, promovido pelo Ministério da
Justiça, no Paraná, o serviço de assistência jurídica não está estruturado na forma da Constituição da
República. Em Santa Catarina ainda não foi implantada, o mesmo ocorrendo com o Estado de Goiás.
Após a aprovação da Emenda Constitucional n. 45/2004, duas Defensorias Públicas foram instaladas
no Brasil: a do Rio Grande do Norte (criada em 2005) e a de São Paulo (criada em 2006). Disponível
em: http://www.mj.gov.br/reforma/diagnostico.htm
103
Conforme dados constantes no II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, promovido pelo
Ministério da Justiça Foram avaliadas 25 unidades federativas, e 16 mantêm convênios com alguma
entidade para prestação de assistência jurídica gratuita. Atualmente, apenas não possuem convênio
as Defensorias Públicas dos Estados do Acre, Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso,
Pará, Piauí, Rio Grande do Sul e a Defensoria da União. Disponível em:
http://www.mj.gov.br/reforma/diagnostico.htm
60
Constitucional de 1988 – ainda sofre equívocos que a impede de exercer o seu
papel de inserção social imprescindível à efetivação da Justiça.
Em comarcas onda não há instalada a Defensoria Pública
104
, Ordem
dos Advogados do Brasil dá contribuição para um bom atendimento do carente.
Infelizmente, no entanto, por melhor que sejam esses serviços, o acesso à justiça,
por falta de advogado, ainda constitui um grande problema para largas parcelas da
população brasileira.
Sua atuação em favor dos necessitados pode ser claramente
observada nos julgados nos quais se declara a Defensoria Pública como instituição
essencial à função jurisdicional do Estado, erigida como órgão autônomo da
administração da justiça, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos
os graus, dos necessitados,
105
sendo inconcebível que o Estado se exonere dessa
obrigação constitucional.
No entanto, é relevante ressaltar que há um grande equívoco por
parte da sociedade em geral ao entender que o desempenho da Defensoria Pública
só interessa aos necessitados e, não, como de fato ocorre, à sociedade como um
todo. Tal reducionismo provém da visão parcial da realidade constitucional e social
brasileira, e do enorme contingente de brasileiros carentes e com acesso limitado à
justiça, mas não há como se negar que a paz social interessa a todos. Direitos
fundamentais não têm classes.
104
De acordo com o II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, segundo informações prestadas
pelos Defensores Públicos-Gerais, 996 comarcas são atendidas pela Defensoria Pública, o que
corresponde a 39,7% do total de comarcas existentes no Brasil. Apenas em 6 unidades da Federação
todas as comarcas são cobertas pelos serviços prestados pela Defensoria Pública: Amapá, Mato
Grosso do Sul, Roraima, Distrito Federal, Acre e Paraíba.
105
Artigo 134 e parágrafo único da Constituição Federal de 1988
61
3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO - ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA PROMOÇÃO DA
JUSTIÇA
O denominado Parquet, de acordo com Alexandre Nery de
Oliveira
106
tem origem nas antigas Procuradorias do Rei, quando o Promotor de
Justiça representava o Rei junto aos Tribunais e promovia a acusação criminal dos
que desrespeitassem o interesse real no âmbito penal ou correlato, representando-o,
ainda, no âmbito cível, mas com a função precípua de fiscalizar a atuação dos
juízes, que então proferiam a Justiça em nome do Rei.
Ainda segundo o autor, no Brasil, durante longo tempo o Ministério
Público teve envolvimento direto com o Poder Executivo, notadamente no campo
federal, enquanto acumulava as funções institucionais agora de representante da
Sociedade e de Fiscal da Lei e de outro lado as de representante judicial do Estado
(Poder Público), atividades que, vez por outra, colidiam entre si.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05
de outubro de 1988, define o Ministério Público, no "caput" do seu artigo 127,
traçando suas demais características nos respectivos parágrafos 1º e 2º, a saber:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional.
§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e
administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder
Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares,
provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a
política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua
organização e funcionamento.
106
OLIVEIRA, Alexandre Nery de. Reforma do Judiciário (VIII): funções essenciais à Justiça. Jus
Navigandi, Teresina, ano 3, n. 33, jul. 1999. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=222>. Acesso em: 06 jan. 2007 .
62
Referindo-se às Cartas Constitucionais anteriores, Vigliar e Macedo
Júnior observam que:
[...] de uma maneira mais ou menos precisa, as diversas Constituições
estabeleceram como era, nas não disciplinaram o que era e para que era o
Ministério Público. Faltou sempre estabelecer quais eram as características
fundamentais da instituição, dando-lhe uma definição precisa e
determinando suas atribuições próprias.
107
Entendendo-se que no Brasil o Ministério Público é o órgão
incumbido de defender os interesses da sociedade e de fiscalizar a aplicação e a
execução das leis. Por isso, é vulgarmente conhecido como o guardião da lei.
Representa o interesse social perante os órgãos judiciários, mas não se confunde
com esses, possuindo natureza administrativa.
Os membros do Ministério Público são funcionários da administração
pública que se distinguem por serem funcionalmente independentes, promovem,
postulam, pedem, impetram, litigam, porém não ordenam nem coordenam, sendo
sua função essencial de promover a justiça.
A legitimação do Ministério Público é tratada historicamente nas
constituições desde 1937, quando em seu artigo 99 determinava que
O Ministério Público Federal terá por Chefe o Procurador-Geral da
República, que funcionará junto ao Supremo Tribunal Federal, e será de
livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a
escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do
Supremo Tribunal Federal.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 61, § 1º, II, “d” diz que são
de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre a
organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como
107
VIGLIAR, José Marcelo Meneses; MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Ministério Público II:
Democracia. São Paulo: Atlas, 1999, p. 177-192.
63
normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
O Ministério Público possui legitimação ativa decorrente do
mandamento constitucional, uma vez que lhe incumbe “a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (artigo
127, caput, da Constituição Federal de 1988); preceituando também a Carta Magna
(artigo 129) que são funções institucionais do Ministério Público, entre outras no
inciso II, “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, aos direitos consagrados
nessa Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia” e no inciso
III diz: “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
O Ministério Público detendo a amplitude de atribuições para garantir
a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e individuais
indisponíveis, concretiza a concepção que, quando intervém no processo, não se
basta apenas como coadjuvante de meio para solução de conflitos individuais, mas
lhe confere dimensões mais amplas, dando um objetivo social à composição dos
conflitos.
O legislador concedeu ao Ministério Público o poder de promover
inúmeras ações, cabendo-lhe levar ao conhecimento do Judiciário as várias
questões fáticas concedendo-lhe também alguns privilégios processuais.
Em se tratando do interesse público, há que se destacar que esse
não se trata de interesse na acepção de interesse estatal, mas de interesse geral.
Quanto a esse caráter de essencialidade à jurisdição cabe evidenciar
a afirmação de Hugo Nigro Mazzilli para quem isso diz menos do que deveria,
segundo o autor:
64
O Ministério Público tem inúmeras funções exercidas independentemente
da prestação jurisdicional, como na fiscalização de fundações e prisões, nas
habilitações de casamento, na homologação de acordos extrajudiciais, no
inquérito civil etc. [E, paradoxalmente] também diz mais do que deveria, pois
o Ministério Público não oficia em todos os feitos judiciais.
108
A essencialidade jurisdicional do Ministério público se materializa
com sua atuação em diversos ramos do direito, ora como órgão agente, ora como
órgão interveniente. O importante é que o Ministério Público atende ao que diz o
artigo 129, IX da Constituição Federal, ressalvadas as exceções legais e
constitucionais ditadas no artigo 128, §5°, II, b, da Constituição Federal.
109
Doutrinariamente há polêmica no que diz respeito à posição
processual de parte do Ministério Público e sobre essa questão assim se expressa
Paulo Cezar Pinheiro, citado por Victor Roberto Corrêa de Souza:
A controvérsia, no nosso entender, é falsa. Ser parte não é algo que se
possa qualificar em tipos, dependendo do modo como ela atua, e sim o fato
de alguém figurar no pólo ativo ou passivo da relação jurídica processual
com direitos, poderes e ônus. Do mesmo modo, não é o fato de uma pessoa
figurar como parte na relação jurídica processual que irá obrigá-la,
necessariamente, ao ataque ou defesa das questões existentes. Caso
contrário, não se admitiria o reconhecimento do pedido, a renúncia ao
direito, a contestação somente de algum ponto da lide e a aceitação de
outros. (...) Ora, ser parte é ser parte simplesmente, sem necessidade de
adjetivação. A lei é que definirá os limites de sua atuação seja no âmbito do
processo penal, seja no do processo civil.
110
Segundo Victor Roberto Correa de Souza:
O Código de Processo Civil concede privilégios ao Ministério Público como
a não sujeição ao pagamento antecipado de custas processuais (também
aplicável à sua atuação como custos legis), bem como o prazo contado em
dobro para recorrer, e em quádruplo para contestar salientando a
108
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 58.
109
"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade,
sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas."
110
PINHEIRO, Paulo Cezar apud SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. Ministério Público: questões
polêmicas. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 229, 22 fev. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4866>. Acesso em: 27 fev. 2006.
65
prerrogativa disposta na Lei de n°. 75/93, em seu art. 18, seja, o direito a ser
intimado pessoalmente.
111
Afirma ainda o autor que “visto como parte no processo, o Ministério
Público tem legitimidade para impetrar, de forma privativa, a ação penal pública, nos
termos do art. 129, inciso I, da Constituição Federal, bem como do art. 24 de nosso
Código de Processo Penal”.
112
Neste mesmo contexto, a ação civil pública para a defesa do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos na forma do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (ou seja, de forma concorrente),
ressaltando Roberto Corrêa de Souza que:
Os interesses difusos e coletivos geram uma competência ministerial
bastante ampla, requerendo a efetividade dessa concessão de competência
por parte da jurisprudência, bem como por parte dos próprios
representantes do Ministério Público.
113
Dessa forma, segundo entendimento proporcionado pelo autor, o
Ministério Público enquanto parte, poderá promover as mais variadas ações, desde
que o objetivo seja proteger a lei e o cidadão.
A exigência da atuação do Ministério Público como órgão
interveniente, vem da própria lei e ocorre também nas situações onde seja parte do
processo, tendo os mesmos direito e poderes processuais das partes como afirma
Humberto Theodoro Junior:
O Ministério Público, quando [...] atua como custos legis, apresenta-se como
sujeito especial do processo ou do procedimento. Como destaca José
Frederico Marques, ‘atua em nome próprio, para defesa de interesse que o
Estado deve tutelar nos conflitos litigiosos, ou na administração judicial de
direitos subjetivos, a fim de que não fiquem à mercê da vontade privada.
Ou, ainda, sujeito especial que participa do processo, como viva vox de
interesses da ordem jurídica a serem salvaguardados na composição da
111
Ibid.
112
Ibid.
113
Ibid.
66
lide.
114
No que determina a Súmula 99 do Superior Tribunal de Justiça “O
Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como
fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”. Nesse sentido, conforme
comentário de Vitor Roberto Correia de Souza “estas intervenções são de dois tipos:
Ora o Ministério Público atuará in ratione materiae, ora in ratione persona”.
115
Na
primeira hipótese, diz o autor:
Desvinculado totalmente das partes em litígio, o Ministério Público atuará
em vista da natureza do direito discutido e intervirá como fiscal de direitos e
interesses tidos como indisponíveis para toda a sociedade, assim, será ele
incumbido de velar pela primazia do interesse público.
116
E conclui que “até pouco tempo atrás era um grande ponto de
dissenso saber quem deveria dizer se havia interesse público a ensejar a
intervenção do órgão ministerial”. Segundo ele, alguns juízes e doutrinadores
argumentavam “ser da competência do Judiciário decidir pela presença ou não do
interesse público justificador da presença ministerial”.
117
Comenta ainda que “caso o juiz julgasse ser necessária a
intervenção do Ministério Público, este nada podia fazer a não ser proferir sua
opinião sobre a causa. Desse modo se apresentava uma forma de submissão do
Ministério Público ao Judiciário”.
118
Com a elevação institucional verificada com a
Constituição Federal de 1988, em relação ao Ministério Público, essa celeuma não
mais possui razão de existir.
119
114
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1999, v. I, p.151.
115
Op. cit., p. 5.
116
Ibid.
117
Ibid.
118
Ibid.
119
Ibid.
67
Para maior compreensão, traz-se o ensino de Sérgio Gilberto Porto
citado por Vitor Roberto Correa de Souza quando este diz que há um consenso
jurisprudencial sobre a questão, que uma vez identificado o interesse público, deverá
o Juízo intimar o órgão para que este se pronuncie, não havendo, outrossim,
cogência em torno da necessidade da intervenção efetiva. Resultando como
conseqüência desta linha de orientação a posição de que compete ao Ministério
Público definir sua efetiva participação ou não, em razão de sua absoluta soberania
e independência.
120
Atuando in ratione persona o Ministério Público trabalha em defesa
de determinados destinatários, declaradas pela lei como é o caso de incapazes,
indígenas, acidentados de trabalho, portadores de deficiência, entre outras porque
buscará nestes casos o interesse público (custos legis) correlacionado às lides sob
sua intervenção conforme determinam os artigos 82 e 83 do Código de Processo
Civil.
121
Outros exemplos de atuação interveniente são dispostos no
ordenamento jurídico brasileiro, de forma esparsa, desde as ações públicas em geral
àquelas que se referem à propriedade, aos bens e família, bem como as ações
coletivas ou individuais que discutam o bem estar da sociedade e se harmonizem
120
Op. cit., p. 5.
121
Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:
I - nas causas em que há interesses de incapazes;
II - nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição,
casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;
III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que
há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte. (Redação dada pela Lei
nº 9.415, de 23.12.1996)
Art. 83. Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público:
I - terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo;
II - poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou
diligências necessárias ao descobrimento da verdade."
68
com o Código Civil vigente e não firam os princípios constitucionais.
122
Induvidosamente, a Constituição federal de 1988, além de espelhar o
significativo avanço do Ministério Público, representou um grande crescimento do
papel desse órgão na organização do Estado e na consolidação da democracia.
A antiga Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que
estabelecia normas gerais a serem adotadas nos Estados, previa, como um dos
deveres de seus membros, “prestar assistência judiciária aos necessitados, onde
não houver órgãos próprios”
123
, dever desaparecido com o advento da atual Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público.
124
A história mais recente da Defensoria Pública tem a sua gênese no
Ministério Público, onde se iniciava a carreira de Promotor de Justiça como Defensor
Público.
125
Essa realidade somente foi alterada após o advento da Constituição
Federal de 1988 e a posterior edição da Lei Orgânica do Ministério Público, em
1993.
Assim, atualmente, não possui o Ministério Público, ainda que
supletivamente (como acontecia anteriormente) o dever ou a atribuição de defender
o hipossuficiente, tarefa reservada constitucionalmente à Defensoria Pública.
Impende ressaltar que nem mesmo nos Estados, onde a Defensoria
Pública não tenha sido estruturada, o Ministério Público detêm legitimidade para
defender aqueles que não possam pagar advogado, situação flagrantemente
inconstitucional, salvo quando se tratar de direitos indisponíveis.
122
SOUZA, Victor Roberto Corrêa de. Op. cit.
123
Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981.
124
Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.
125
Exemplo desse modelo, nós tivemos no Rio de Janeiro e em Mato Grosso do Sul.
69
4 A AÇÃO PENAL NOS CRIMES SEXUAIS
A discussão acerca do cabimento ou não da ação penal
exclusivamente pública resume-se nas hipóteses previstas no Código Penal, em seu
artigo 225, § 1º, II (se o crime for cometido com abuso do pátrio poder, ou da
qualidade de padrasto, tutor ou curador), artigo 223 (se da violência resulta lesão
corporal de natureza grave) e artigo 223, parágrafo único (se do fato resulta a
morte), uma vez que, em princípio, tais atos contra os costumes são de iniciativa
privada, nos termos do caput do artigo 225 do Código Penal.
Nas três hipóteses acima mencionadas, a ação penal será pública
incondicionada, porquanto o artigo 225 está situado no Capítulo IV do Titulo VI da
parte Especial do Código. Ora, dispondo aquele artigo serem de ação privada os
crimes definidos nos capítulos anteriores, forçoso concluir que não se referiu às
hipóteses previstas no artigo 223, pois este dispositivo não se encontra nos
“capítulos anteriores”, mas no mesmo capítulo em que está situado o artigo 225. Em
conseqüência, as hipóteses previstas no artigo 223 são de ação pública
incondicionada.
A outra hipótese de ação não suscita nenhuma indagação quanto à
sua natureza privada, embora possa tornar-se pública condicionada à representação
do ofendido, nos termos do art. 225, § 1º, II, c.c. o seu § 2º, do Código Penal:
Art. 225 - Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se
procede mediante queixa.
§ 1º - Procede-se, entretanto, mediante ação pública:
I - se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo,
sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da
família;
(...)
§ 2º - No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público
depende de representação.
70
Tourinho Filho argumenta que se o crime de estupro, na sua forma
singela, fosse de ação pública incondicionada, como o é quando qualificado, o
legislador, no artigo 223 do Código Penal, teria dito: “Se da violência resulta lesão
corporal ou morte” No entanto, outra é a redação: “Se da violência resulta lesão
corporal de natureza grave”. Assim, em face do artigo 225, caput, parece claro que,
no crime de estupro, se da violência empregada resulta lesão corporal leve, o crime
será de ação privada, se a ofendida tiver posses, ou de ação pública subordinada à
representação, se pobre for.
126
Devido a tal desencontro de interpretação, o Supremo Tribunal
Federal entendeu que se da violência empregada no estupro resultasse lesão
corporal leve, o crime seria, também, de ação penal pública, e tal decisão foi
solidificada na Súmula 608: “No crime de estupro, praticado mediante violência real,
a ação penal é pública incondicionada”.
Tourinho Filho, após tecer críticas ao entendimento do Supremo
Tribunal Federal, conclui que:
Em face do art. 88 da Lei n. 9099/95 subordinando a ação penal nos crimes
de lesão corporal leve e culposa à representação, nenhuma aplicação
poderá ter a regra do art. 101 do CP e, de conseguinte, ao que tudo indica,
a Súmula 608 perdeu a sua importância.
127
Danielle Martins Silva apoia-se no ensino de Frederico Marques e diz
que “o desacerto em se atribuir o exercício da ação penal ora ao ofendido ora ao
Ministério Público se acentua devido aos princípios regedores de uma e outra
ação”.
128
126
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 357.
127
Ibid.
128
SILVA, Danielle Martins. Fundamentos da ação penal privada nos crimes contra os costumes:
uma abordagem crítica. Disponível em www.ibccrim.org.br, 03.10.2003.
71
Isto porque, de acordo com o entendimento da autora, a ação penal
pública submete-se aos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade, que
impõe ao seu titular o poder-dever funcional de promovê-la sempre que presentes a
justa causa e demais condições da ação, sendo vedada a desistência, de acordo
com o artigo 42 do Código de Processo Penal, enquanto a ação penal privada, a seu
turno, é regida pelo princípio da oportunidade, que confere ao titular plenos poderes
de disposição sobre a atividade acusatória, a faculdade de proceder, a qualquer
momento, como melhor lhe aprouver; pode optar pela não propositura da ação penal
e deixar que seu direito seja alvejado pela decadência; pode renunciar ao direito de
queixa, tácita ou expressamente; pode perdoar o acusado, mesmo depois de
instaurado o processo ou ainda, deixar ocorrer a perempção da instância.
129
De acordo com a autora há divergências em relação a sua
aplicabilidade, discutindo a doutrina pátria se a ação penal nos crimes de estupro
com violência real é pública ou privada. Tradicionalmente, os autores, bem como a
jurisprudência, vêm dando dupla interpretação quanto a aplicabilidade da Súmula
608 do STF aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados mediante
violência real.
130
A primeira corrente defende que nos crimes de estupro e atentado
violento ao pudor, quando cometidos com violência real (vias de fato ou lesão
corporal leve), aplica-se a Súmula 608 do STF, plenamente em vigor
131
.
Os adeptos dessa corrente, segundo Danielle Martins Silva, utilizam-
se do que dispõe o artigo 101 do Código Penal, parte geral, que se refere a ação
129
SILVA, Danielle Martins. Op. cit.
130
Ibid.
131
Súmula 608: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada. Data de Aprovação: Sessão Plenária de 17/10/1984. Fonte de Publicação: DJ de
29/10/1984, p. 18113; DJ de 30/10/1984, p. 18201;DJ de 31/10/1984, p. 18285.
72
penal no crime complexo, para justificar a aplicação da referida súmula.
132
Dessa
forma, praticado o crime de estupro mediante violência real, consistente, tipificado
como lesão corporal leve, se afigura um crime complexo, autorizando o Ministério
Público a intentar ação penal pública, justificada pelo crime componente em relação
ao qual cabe denúncia (lesão corporal leve, descrita no artigo 129, caput, do Código
Penal).
Com a edição da Súmula 608, o Supremo Tribunal Federal
confirmou sua posição de que o artigo 101 do Código Penal deve prevalecer sobre o
artigo 225, ou seja, havendo violência real no crime de estupro, a lesão corporal
leve, estaria dando condições ao MP, para que ajuizasse a ação penal, in casu,
pública incondicionada, ante a irrestrita aplicabilidade da súmula.
Conforme ensinam Zaffaroni e Pierangeli, relativamente à
aplicabilidade da já referida Súmula, “Os crimes contra a honra e contra os costumes
são, em regra, submetidos à ação penal privada, mas é o próprio código que
estabelece a exceção”. Em relação aos crimes sexuais violentos, o artigo 101
prevalece sobre o artigo 225, e, nesse sentido, “pouco importa, pois, que se trate de
lesão corporal de natureza grave ou leve. Aqui, a ação penal é sempre pública”.
133
Marcos Brant Gambier Costa apoiando-se no ensino de Flávio
Augusto Monteiro de Barros reconhece a relevância do estudo da ação penal no
crime complexo, que é arrefecida pelo que dispõe a regra do artigo 100, mas
assevera que tal relevância está ligada à forma de composição dos crimes de
estupro. De acordo com o autor, Flávio Augusto Monteiro de Barros defende ainda
que, “na linguagem do artigo 101 do Código Penal, crime complexo é o que tem
132
Op. cit.
133
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro.
Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 778.
73
como elemento ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem
crimes”.
134
Nos artigos 213 e 214, cometidos com violência real, dentro dos
respectivos tipos penais, apresentam-se outros fatos que, isoladamente constituem
crimes, quais sejam, artigos 129 (lesão corporal), 146 (constrangimento ilegal) e 147
(ameaça).
Sobre a questão Julio Fabbrini Mirabete assevera que,
a solução mais adequada é a manutenção da Súmula 608, não com
fundamento no artigo 129 do Código Penal, em que se exige a
representação para a ação penal pelo crime de lesões corporais leves, mas
com base no artigo 146 do mesmo Estatuto, uma vez que o
constrangimento ilegal, apurado mediante ação penal pública
incondicionada é, indiscutivelmente, elemento constitutivo do crime de
estupro e atentado violento ao pudor.
135
Uma segunda corrente defende que a ação penal nos crimes sexuais
com violência real é sempre de iniciativa privada (resguardadas as exceções do
parágrafo 1º e 2º do artigo 225 do Código Penal), que as lesões corporais leves e as
vias de fato seriam absorvidas pelo crime sexual praticado. Demais, o crime de
estupro não é crime complexo, daí não se justificar a aplicação do artigo 101 do
Código Penal ao crime de estupro praticado com violência real, resultando, portanto,
de flagrante impropriedade a Súmula 608 do STF.
Há por outro lado, doutrinadores que não seguem ou discordam do
referido na Súmula 608, como é o caso de Celso Delmanto:
Entendemos que a regra do artigo 225 deveria preponderar sobre a do
artigo 101, e não o contrário. Firmamos nosso posicionamento pela
consideração de que o artigo 101 é inaplicável aos crimes de estupro e de
atentado violento ao pudor, pois nenhuma dessas duas figuras penais é, em
verdade, crime complexo [...].
136
134
COSTA, Marcos Brant Gambier. Ação penal nos crimes contra os costumes: inaplicabilidade da
Súmula 608 do STF. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 44, ago. 2000. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1058>. Acesso em: 24 jul. 2006 .
135
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito Penal, Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
136
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado e legislação complementar. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003.
74
Argumenta ainda o autor que mesmo que se entenda o estupro e o
atentado violento ao pudor como crimes complexos, a regra do artigo 225 é de
natureza especial, prevalecendo sobre a norma geral do artigo 101, ambos do
Código Penal.
Para Guilherme de Souza Nucci a posição adotada pelo Supremo
Tribunal Federal, consubstanciada na Súmula 608, advém de política criminal:
“Diante da gravidade do fato e da vontade de camuflar o crime, atitude geralmente
presente por parte da vítima, deliberou a Suprema Corte ser o crime de ação pública
incondicionada”.
137
Damásio E. de Jesus entende “que o artigo 101 não pode ser
aplicado à questão simplesmente porque o estupro não é delito complexo”.
138
Como
exemplo dessa espécie apresenta-se o estupro, compreensivo do constrangimento
ilegal e ulterior elemento da conjunção carnal, que em si mesmo não constitui delito.
Para o renomado jurista, se o delito complexo, de acordo com a
normatividade penal brasileira, é constituído da reunião de dois ou mais crimes, e se
no estupro tem-se apenas o constrangimento ilegal (art. 146 do CP) acrescido da
conjunção carnal (que em si mesmo não configura crime), conclui-se que o estupro
não é delito complexo. Afastada, portanto, a incidência do art. 101, que trata da ação
penal por crime complexo, a ação penal por delito de estupro com lesão corporal
leve, que não é complexo, é regida pelo artigo 225, caput, do Código Penal, ou seja,
é de natureza privada.
139
137
NUCCI, Guilherme de Souza. digo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,
p. 478
138
JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 291.
139
Ibid.
75
A controvertida posição da doutrina pela prevalência do art. 225
sobre o art. 101 do Código Penal, quando da análise da ação penal nos crimes de
estupro e atentado violento ao pudor, chama a atenção para o fato de que a Súmula
608 do STF, não tem razão de ser ante a inexistência de crime complexo nos caso
dos delitos dos artigos 213 e 214 do Código Penal, cometidos mediante violência
real (lesão corporal leve e vias de fato), sobretudo pela superveniência do artigo 88
da Lei 9009/95
140
preceitua ser condicionada à representação do ofendido a ação
penal no crime de lesões corporais leves.
Para Júlio Fabbrini Mirabete: “a superveniência da Lei nº 9.099/95,
por força de seu art. 88, que passou a exigir a representação no crime de lesões
corporais leves, tornaria discutível a vigência desta súmula”.
141
A defesa pela vigência da citada súmula é fundamentada na
complexibilidade do crime de estupro cometido mediante violência, e como tal se
enquadra em três artigos (129,146 e 147) do Código Penal, que são passíveis de
diferentes tipos de ação, ou seja, o artigo 129 requer ação penal pública
condicionada, no artigo 146 a ação penal é pública incondicionada e o artigo 147 a
ação penal é de iniciativa privada, sendo que dentro de tal entendimento justifica-se
sua aplicabilidade pelo disposto no art. 101, do Código Penal, in verbis: “Quando a
lei considera como elemento ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos,
constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a
qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público”.
140
“Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de
representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.”
141
MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 371/372
76
O Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o tema, concluiu pela
vigência da Súmula 608 do STF, aduzindo que “o estupro absorve as lesões
corporais leves decorrentes do constrangimento, ou da conjunção carnal, não
havendo, pois, como separar estas daquele, para se exigir a representação prevista
no artigo 88, da Lei n. 9.099/95”.
142
Nessa mesma linha de entendimento firmou-se o Supremo Tribunal
Federal, deixando assentado que “o advento da Lei 9.099/95 não alterou a Súmula
STF 608 que continua em vigor. O Estupro com violência real é processado em ação
pública incondicionada. Não Importa se a violência é de natureza leve ou grave”.
143
Assim, em que pesem as discussões doutrinárias, a jurisprudência
firmou-se pela vigência da Súmula 608 do STF.
142
HC 7.910/PB, Rel. Min. Anselmo Santiago, j. em 20.10.1998, DJ 23.11.1998. Nesse mesmo
sentido: REsp n. 171426/MG, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, j. em 05.03.2002, DJ de 01.04.2002,
p. 227
143
HC 82206/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Nelson Jobim, j. em 08.10.2002, DJ de 22.11.2002, p. 83.
Nesse mesmo sentido, a anterior decisão: HC 72.088/GO, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, j. em
14.03.1995, DJ de 06.10.1995, p. 33130
5 A VÍTIMA E SEUS DIREITOS
Vítima vem do latim "victima", "ae", significando a pessoa ou animal
sacrificado ou que se destinaria a um sacrifício. E nesse contexto tem-se a visão
antropológica de vítima conhecida em Gênesis, cap. 22, 5-9: "Meu pai. E ele
respondeu: que queres, filho? Eis, disse (Isaac), o fogo e a lenha, (mas) onde está a
vítima para o holocausto? E Abraão respondeu: Meu filho, Deus providenciará a
vítima para o seu holocausto"
Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira define vítima como:
Criatura viva imolada em holocausto aos deuses; Pessoa arbitrariamente
condenada à morte, ou torturada, violentada; Pessoa sacrificada aos
interesses ou paixões alheias. Pessoa ferida ou assassinada. Pessoa que
sofre algum infortúnio, ou que sucumbe a uma desgraça, ou morre num
acidente, epidemia, catástrofe, guerra, revolta, etc. Tudo quanto sofre
qualquer dano. (Jur.) Sujeito passivo do ilícito penal; paciente; Pessoa
contra quem se comete crime ou contravenção.
144
São várias as definições didáticas de vítima, mas segue-se nesse
estudo a conceituação doutrinária de estudiosos como Carlos Santiago Caramuti
que entende por vítima “o sujeito passivo do delito, ou seja, é o titular do bem
jurídico protegido (vida, integridade física, honra, liberdade, propriedade, etc)”. Diz
ainda que a “terminologia processual determina como vítima, o ofendido penalmente
pelo delito”.
145
O conceito de vítima sofreu alterações ao longo do tempo e de
acordo com o enfoque de cada criminólogo que se dedicou ao estudo do tema.
Todavia, a Declaração sobre os princípios fundamentais de Justiça para as vítimas
144
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI. Atualizada em
2005 via Internet.
145
CARAMUTI, Carlos Santiago. Dogmática e política Criminal de la víctima en relación a la
titularidad y ejercicio de la acción penal. In: Ciências Penales Contemporâneas. Revista de Derecho
Penal Procesal Penal y Criminologia, p. 32.
78
de delitos e abuso do poder, extraída dos debates realizados no Sétimo Congresso
das Nações Unidas sobre a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, em
Milão, Itália, no ano de 1985, esclarece que vítima é a pessoa que, individual ou
coletivamente, tenha sofrido dano, inclusive lesão física ou mental, sofrimento
emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos
fundamentais, como conseqüência de ações ou omissões que violem a legislação
penal vigente nos Estados Membros, ou que, mesmo não ofensivas às leis penais
nacionais, contrariem normas internacionalmente reconhecidas relativas aos direitos
humanos.
Inferindo-se pelo estudo doutrinário que o conceito de vítima pode
ser apresentado levando-se em conta vários sentidos, ou seja, no sentido de sua
origem, onde se designa a pessoa ou animal sacrificando à divindade; no sentido
geral, no qual a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, dos atos
de outros, ou do acaso. O conceito jurídico-geral caracteriza a vítima como aquele
que sofre diretamente a ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo Direito; e no
sentido jurídico penal restrito tem-se como vítima o indivíduo que sofre diretamente
as conseqüências da violação da norma penal e finalmente num sentido Jurídico-
penal-amplo que abrange o indivíduo e a comunidade que sofrem diretamente as
conseqüências do crime.
A Lei n. 9.099/95 é apontada pelos doutrinadores, dentre eles Luiz
Flávio Gomes, como o "Modelo Consensual de Justiça Criminal", onde as
fundamentais reivindicações da vitimologia são realçadas, notadamente por meio da
"reparação dos danos". Sustenta referido autor, em sintonia com Thaís Vani Bemfica
e Ana Sofia Schmidt de Oliveira, a "redescoberta" da vítima, pois, segundo eles, a
contar do momento em que o Estado monopolizou a distribuição da justiça, a vítima
79
foi neutralizada, desprezando-se os efeitos por ela sofridos em decorrência da ação
delituosa.
146
O ofendido pelo crime, sujeito passivo da relação jurídico-penal,
normalmente não integra a relação jurídico-processual penal, salvo nas ações
penais de iniciativa privada quando poderá, em nome próprio, oferecer queixa-crime.
Já nas ações penais públicas (a grande maioria), porém, a vítima
desempenha um papel absolutamente secundário. Mesmo que se habilite como
assistente de acusação, ainda assim, tem suas atividades bastante reduzidas, não
podendo sequer interpor todos os recursos previstos na legislação processual
147
.
García-Pablos relata que a vítima do delito experimentou um secular
e deliberado abandono, ressaltando que no denominado “Estado Social de Direito”,
ainda que pareça paradoxal, as atitudes reais em favor da vítima do delito oscilam
entre a compaixão e a demagogia, entre a beneficência e a manipulação.
Para o citado autor espanhol:
O sistema legal define com precisão os direitos – status – do infrator
(acusado), sem que referidas garantias em favor do presumido responsável
tenha como lógico correlato uma preocupação semelhante pelos da vítima.
O Estado – e os poderes públicos – orienta a resposta oficial ao delito com
base em critérios vingativos, retributivos (castigo ao culpável),
desatendendo às mais elementares exigências reparatórias, de maneira que
a vítima resulta relegada a um total desamparo, sem outro papel que o de
puramente “testemunhal.
148
A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano
secundário, inclusive pela inexistência de dispositivos que possam assegurar os
seus direitos, atingidos pela ação criminosa.
146
PEQUENO, Sandra Maria Nascimento de Souza. Do casamento do ofensor com a vítima como
causa de extinção de punibilidade nos crimes de estupro e atentando violento ao pudor. Disponível
em www.jus.com.br
147
Veja-se, a propósito, o artigo 271 do Código de Processo Penal.
148
MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p. 65/66.
80
O que ocorre é que a lide penal se consubstancia, basicamente, no
conflito entre a pretensão punitiva do Estado e a pretensão à liberdade do acusado
(status libertatis). Neste contexto, a vítima não é considerada como um sujeito de
direitos, mas como mero objeto ou pretexto da investigação.
Contudo, com o surgimento da Lei nº. 9.099/95, privilegiou-se o
sujeito passivo do crime, dando-se extrema importância à reparação civil dos danos
(arts. 72 e 89, § 1º., I), chegando a se eleger como um dos objetivos da lei a
reparação dos danos sofridos pela vítima (art. 62, in fine).
Sobre a questão, diz Luiz Flávio Gomes: a vítima é encarada como
mero objeto, dela se esperando que cumpra seu papel testemunhal, com todos os
inconvenientes e riscos que isso acarreta.
149
Ensina ainda o autor, que nos primórdios da vivência do direito, a
vítima e sua família ocupavam uma posição privilegiada. A elas se facultava requerer
a vingança ou a compensação. Com a evolução social e política, o Estado passou a
ser o titular da persecutio criminis, migrando a vítima de uma posição central para
uma posição periférica.
150
No modelo clássico de Justiça Criminal, a vítima transformou-se em
mero sujeito passivo de uma infração da lei do Estado. A reparação dos danos
sempre representou, em geral, o efeito civil do delito (reparação civil ex delicto), sem
afetar em nada a pretensão punitiva estatal. Aliás, é visível a ausência de
coercibilidade da reparação do dano à vítima, senão após os intrincados
procedimentos postos à sua disposição, o que, na maioria das vezes, dada a
complexidade e morosidade, frustra o ressarcimento e as expectativas da vítima.
149
GOMES, Luiz Flávio. A Vitimologia e o Modelo Consensual de Justiça Criminal. RT 745/423.
150
Ibid.
81
Também é de se registrar que, quase sempre, o infrator integra grupos de
marginalizados, bem como família com renda abaixo da linha de pobreza,
constituindo um outro fator a acenar desfavoravelmente à reparação.
151
Para Sandra M. N. de Souza Pequeno, nessa "redescoberta" da
vítima, desponta o art. 245 do Texto Constitucional, o qual estabelece: "A lei disporá
sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos
herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem
prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito".
Na dicção de Luiz Flávio Gomes, a vitimologia reclama que o novo
modelo de legislação criminal seja comunicativo e resolutivo.
152
Que se permita o
diálogo, sempre que possível, entre o autor do fato e a vítima; que a vítima seja
comunicada de todo o andamento do feito, dos seus direitos, etc., de outro lado, que
a decisão do juiz criminal, na medida do possível, resolva o conflito, isto é, que
permita a reparação do dano, mesmo porque a prisão, que constitui o eixo do
modelo clássico, não soluciona nada, não resolve o problema da vítima e tem um
custo social muito alto, por tudo isso, deve ser reservada para casos extremos
(ultima ratio).
À reparação dos danos deve ser atribuída eficácia penal
despenalizadora, obedecendo ao princípio de intervenção mínima ou de ultima ratio
do Direito Penal. O Código Penal, no art. 91, I, estabelece que a condenação na
esfera criminal torna certa a reparação do dano causado à vítima
153
. E ainda, que a
reparação do prejuízo à vítima, antes da propositura da ação penal, possibilita a
151
PEQUENO, Sandra Maria Nascimento de Souza. Op. cit.
152
RT 745/425
153
A reparação do dano é prevista como condição para concessão da Suspensão Condicional do
Processo (art. 89 da Lei 9.099/95), Suspensão Condicional da Pena e Livramento Condicional (arts.
78, § 2º, e 83, IV, do Código Penal, respectivamente), desde que o condenado possua condições
econômicas e financeiras de suportar a satisfação do prejuízo causado.
82
redução da pena, bem como constitui atenuante da reprimenda, nos termos dos arts.
16 e 65, III, b, do aludido Código.
Incontestavelmente, o sistema penal não prevê uma prioridade na
tentativa de reparação do dano pelo acusado. É necessário que seja resguardada a
vítima, responsabilizando aquele que praticou o delito.
A regra geral, nos crimes havidos com violência, é a de que as
vítimas não queiram nenhum contato com o acusado, pois temem represálias, e o
fato de terem estado em contato direto com ele, quando do ilícito, permite-lhes
avaliar o grau de periculosidade que ele oferece, uma vez que a reparação deve ser
solicitada, as vítimas sentem-se ameaçadas e desamparadas, deixando de
reivindicar seus direitos.
Seria extremamente aceitável que a nossa legislação penal
processual contemplasse outros direitos à vítima, acautelando seus interesses e
prevenindo seus temores.
6 A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS
Os tribunais brasileiros têm papel importante na elaboração dos
suportes conceituais relativos à assistência jurídica especialmente diante dos crimes
contra os costumes e que afetam diretamente aos menos favorecidos.
Segundo Jose Alfredo Baracho a jurisprudência assenta-se nos
valores constitucionais da igualdade e da solidariedade, valores estes que
consolidam e asseguram o exercício dos direitos sociais e individuais. A liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça são
apresentados como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
154
Os julgados levados a termo nas diversas instâncias decorrem das
solicitações e devidas opiniões, em respeito sempre ao reconhecimento da lei,
embora possam eventualmente surgir opiniões divergentes. É nos tribunais que se
assegura o princípio fundamental, ou seja, cidadania, dignidade da pessoa, valores
que constroem uma sociedade justa, prevalecendo os direitos humanos.
Em decisão de 23 de março de 1994, o Supremo Tribunal Federal,
ampliou a possibilidade no controle de constitucionalidade, admitindo que lei que
concedia prazo em dobro para a Defensoria Pública era de ser considerada
constitucional enquanto esses órgãos não estivessem devidamente habilitados ou
estruturados
155
.
154
BARACHO, José Alfredo. Teoria da Cidadania e as Garantias Constitucionais e Processuais. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 34.
155
HC 70.514/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sidney Sanches, j. 23.03.1994, DJ 27.06.1997, p. 30225.
84
Na dicção do relator do feito, a inconstitucionalidade do prazo em
dobro conferido à Defensoria Pública não poderia ser aceita, “ao menos até que a
sua organização, nos Estados, alcance o nível da organização do respectivo
Ministério Público”.
Vê-se, portanto, que afirmação sobre a constitucionalidade da norma
assentava-se em uma circunstância de fato que se modifica no tempo, pelo que,
uma vez concretizada essa circunstância, torna-se perfeitamente possível a
declaração de inconstitucionalidade do referido prazo em dobro.
Posteriormente, essa teoria foi aplicada no julgamento do Recurso
Extraordinário n. 147.776
156
, ocasião em que o tema voltou a ser discutido, já agora
sobre a legitimidade do Ministério Público para propor a ação civil ex delicto, prevista
no artigo 68 do Código de Processo Penal.
Em razão do seu expressivo conteúdo didático e pela importância
que encerra, torna-se importante a transcrição do voto do Ministro Sepúlveda
Pertence:
A questão deste RE está em saber à luz do art. 129, IX, da Constituição, se
foi recebido pela ordem constitucional vigente o art.68 do Código de
Processo Penal e, em conseqüência, se o Ministério Público retém a
atribuição nele prevista – e a conseqüente legitimação ad causam ou
capacidade postulatória, conforme seja ela entendida – para promover, a
156
Ementa: “Ministério Público: Legitimação para a promoção , no juízo cível, do ressarcimento do
dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: Código de Processo Penal, artigo 68,
ainda constitucional (cf. RE 135.328): o processo de inconstitucionalização das leis.
1. A alternativa radical da jurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a
declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucinalidade da lei com fulminante
eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem
constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da
norma da constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada –
subordina-se muitas vezes a alterações da realizada fáctica que a viabilizem.
2. No contexto da Coonstituição de 1998, a atribuição anteriormente dada ao Ministério Público pelo
art. 68, do Código de Processo Penal – constituindo modalidade de assistência judiciária – deve
reputar-se transferida para a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar
existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria
Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na União ou cada Estado
considerado - , se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional
de atribuições, o art. 68, do Código de Processo Penal, será considerado ainda vigente: é o caso do
Estado de São paulo, como decidiu o plenário no RE 135.328”
85
requerimento do interessado, a execução civil da sentença penal
condenatória (CPP, art. 63) ou ação civil de reparação de danos ex delicto
(art. 64), quando for pobre o titular da pretensão.
(…)
De logo, estou convencido de que a tese do Ministro Marco Aurélio – a de
não caber a atribuição questionada na norma de encerramento do art. 129,
IX, da CF, por ser ela incompatível com as finalidades institucionais do
Ministério Público – passa necessariamente – como ficou explícito no voto
de S. Exa. – pelo art. 134 da Lei fundamental, que erige também a
Defensoria Pública em “instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os
graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.
Do fato de ser a reparação do dano resultante do crime, quando sofrido por
particular, um direito privado, patrimonial e disponível, não posso extrair a
inexistência de um interesse social em que se propicie ao lesado, quando
desprovido de recursos, o patrocínio em juízo de sua pretensão: prova-o o
art. 245 da Constituição – que, segundo as considerações de Ada Grinover,
lembradas pelo Ministro Celso de Mello - se alinha à preocupação
internacional com a proteção da vítima de atos criminosos, “que
transcende à satisfação pessoal, para inserir-se no quadro dos
interesses que afetam a comunidade como um todo e o próprio
Estado”.
O aludido art. 245 da Constituição impôs ao Poder Público o dever de
assumir a “assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas
vitimadas por crimes dolosos, sem prejuízo da responsabilidade civil do
autor do ilícito”: parece óbvio que, se a efetivação desta reclama assistência
judiciária – independentemente da previsão geral do art. 5º, LXXIV – o
Estado há de propiciá-la, em nome de um interesse social específico,
qualificado pelo preceito da Lei Fundamental.
Não obstante – como acentuou o em. Ministro Rezek – se há outra
instituição do Estado voltada a esse mister, não há como explicar se
imponha ao fardo do Ministério Público “algo que não é ínsito às suas
tarefas”.
Redargúi, é certo, o Ministro Celso de Mello que a Constituição não
outorgou às atribuições da Defensoria Pública o predicado da exclusividade.
O argumento, data venia, não se me afigura decisivo.
Quando a Constituição cria uma instituição e lhe atribui determinado poder
ou função pública, a presunção é que o faça em caráter privativo, de modo
a excluir a ingerência na matéria de outros órgãos do Estado. “A
adjudicação de prerrogativas diferentes a entidades distintas”
ensinou Ruy (Comentários à Constituição Federal, col. H.Pires, I/408) – ,
“imprime ipso facto o caráter de usurpação ao ingresso de uma no
domínio da outra”.
Certo, no julgamento liminar da ADIn 558, de 16.8.91 (RTJ 146/434, 438) de
que fui relator, entendeu o Plenário, na linha do meu voto, que não
usurpava a função do MP de promover a ação civil pública para a proteção
de interesses coletivos a atribuição da Defensoria Pública do seu patrocínio,
quando propostas por entidades civis destinadas à sua defesa: é que, no
ponto, ao passo que ao Ministério Público se outorgou legitimação ativa ad
causam, para agir em nome próprio, à Defensoria Pública, ao contrário, o
que se conferiu foi a atribuição, tipicamente sua, de assistência judiciária a
terceiros, concorrentemente legitimados com o Ministério Público para
aquele tipo de demanda.
O mesmo, entretanto, não parece ocorrer na hipótese do art. 68 do Código
de Processo Penal: aqui, a subordinação da ação do Ministério Público ao
requerimento do interessado indica cuidar-se de patrocínio em juízo de
demanda alheia e não de legitimação extraordinária para a causa.
Impressionaram-me, contudo, na discussão que antecedeu o pedido de
vista, as ponderações acerca da precariedade de fato, na maioria dos
Estados, do funcionamento da assistência judiciária.
86
Por isso, chegou-se a aventar – salvo engano em intervenção do em.
Ministro Moreira Alves – , a possibilidade de condicionar-se o termo vigência
do art. 68 do Código de Processo Penal a que já exista órgão de assistência
judiciária, no forum competente para cada causa.
A sugestão se inspira na construção germânica do processo de
inconstitucionalização da lei (cf. Gilmar F. Mendes, Controle de
Constitucionalidade, 1990, p. 88ss.; J.C. Béguin, Le Controle de
Constitutionalité des Lois en R. F. d’Allemagne, 1982, p. 273 ss.;
Wolfgand Zeidler, relatório VII Conf. dos Tribunais Constitucionais
Europeus, em Justiça Constitucional e Espécies, Conteúdo e Efeitos
das Decisões sobre a Constitucionalidade de Normas, Lisboa, 1987, 2ª
parte, p. 47, 62 ss).
Tenho o alvitre como fértil e oportuno.
O caso mostra, com efeito, a inflexível estreiteza da alternativa da jurisdição
constitucional ortodoxa, com a qual ainda jogamos no Brasil: consideramo-
nos presos ao dilema entre a constitucionalidade plena e definitiva da lei ou
a declaração de sua inconstitucionalidade com fulminante eficácia ex tunc;
ou ainda, na hipótese de lei ordinária pré-constitucional, entre o
reconhecimento da recepção incondicional e a da perda de vigência desde
a data da Constituição.
Essas alternativas radicais – além dos notórios inconvenientes que gera –
faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem
constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a
possibilidade da realização da norma da Constituição – ainda quando
teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia limitada -, subordina-
se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a viabilizem.
É tipicamente o que sucede com as normas constitucionais que transferem
poderes e atribuições de uma instituição preexistente para outra criada pela
Constituição, mas cuja implantação real pende não apenas de legislação
infraconstitucional, que lhe dê organização normativa, mas também de fatos
materiais que lhe possibilitem atuação efetiva.
Isso o que se passa com a Defensoria Pública, no âmbito da União no da
maioria das Unidades da Federação.
Certo, enquanto garantia individual do pobre e correspondente dever do
Poder Público, a assistência judiciária alçou-se ao plano constitucional
desde o art. 141, § 35, da Constituição de 1946 e subsistiu nas cartas
subseqüentes (1967, art. 150, § 32; 1969, art. 153, § 32) e na Constituição
em vigor, sob a forma ampliada de “assistência jurídica integral” (art. 5 º,
LXXIV).
Entretanto, é inovação substancial do texto de 1988 a imposição à União e
aos Estados da instituição da Defensoria Pública, organizada em carreira
própria. Com membros dotados da garantia constitucional da
inamovabilidade e impedidos do exercício privado da advocacia.
O esboço constitucional da Defensoria Pública vem ser desenvolvido em
cores fortes pela LC 80, de 12.1.94, que em cumprimento do art. 134 da
Constituição, “organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito
Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para que sua
organização nos Estados”. Do diploma se infere a preocupação de
assimilar, quanto possível, o estatuto da Defensoria e o dos seus agentes
aos do Ministério Público: assim, a enumeração dos mesmos princípios
institucionais de unidade, indivisibilidade e independência funcional (art. 3 º);
a nomeação a termo, por dois anos, permitida uma recondução, do
Defensor Público Geral da União (Art. 6 º) e do Distrito Federal (art. 54); a
amplitude das garantias e prerrogativas outorgadas aos Defensores
Públicos, entre as quais, de particular importância, a de “requisitar de
autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias,
vistorias, diligências, processos, documentos, informações,
esclarecimentos e providências necessárias aos exercício de suas
atribuições” (arts. 43, X; 89, X e 128, X).
A Defensoria Pública ganhou, assim, da Constituição e da lei complementar,
87
um equipamento institucional incomparável – em termos de adequação às
suas funções típicas -, ao dos agentes de outros organismos públicos – a
exceção da Procuradoria de diversos Estados – , aos quais se vinha
entregando individualmente, sem que constituíssem um corpo com
identidade própria, a atribuição atípica da prestação de assistência judiciária
aos necessitados.
Ora, no direito pré-constitucional, o art. 68 do Código de Processo Penal –
ao confiá-lo ao Ministério Público – , erigiu em modalidade específica e
qualificada de assistência judiciária o patrocínio em juízo da pretensão
reparatória do lesado pelo crime.
Estou em que, no contexto da Constituição de 1988, essa atribuição deva
efetivamente reputar-se transferida do Ministério Público para a Defensoria
Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde
e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria
Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que – na União ou
em cada Estado considerado – , se implemente essa condição de
viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, e o art.
68 do Código de Processo Penal será considerado ainda vigente.
O caso concreto é de São Paulo, onde, notoriamente, não existe Defensoria
Pública, persistindo a assistência jurídica como tarefa atípica de
Procuradores do Estado.
157
Entretanto, essa progressiva transferência de atribuições do
Ministério Público para a Defensoria Pública não se resume, unicamente, à hipótese
de legitimação extraordinária para promover a ação civil para ressarcimento do dano
decorrente do ato criminoso.
Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 inaugurou um novo
arcabouço jurídico, onde a Defensoria Pública foi consagrada como função essencial
à função jurisdicional do Estado e destinada à defesa dos necessitados.
Tal circunstância retirou do Ministério Público a legitimidade para
defender as pessoas quando o único elemento discriminador é falta de recursos
econômicos.
Com efeito, o artigo 134 da Constituição Federal de 1988 considera
a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados,
157
De acordo com o II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, promovido pelo Ministério da
Justiça, a Defensoria Pública de São Paulo foi criada e instalada em 2006. Disponível em:
http://www.mj.gov.br/reforma/diagnostico.htm
88
estando prevista sua organização em todo o território nacional, não se justificando
mais conferir legitimidade ao Ministério Público para intentar as ações penais, em
que a vítima ou seus pais não possa pagar advogado ou as custas processuais.
A legitimidade do Ministério Público, em tais casos, ofende o
princípio da isonomia, não se justificando o sacrifício do direito à privacidade, cuja
fruição deve ser assegurada tanto aos ricos, quanto aos pobres.
Salvo engano, os únicos doutrinadores a abordarem a
inconstitucionalidade progressiva da legitimação conferida ao Ministério Público, no
caso do art. 225, § 1º, I, do Código Penal, foram os autores Rubens R. R. Casara e
Mylene G. P. Vassal.
Em seu trabalho, os citados autores afirmam:
Vê-se que o tratamento diferenciado gera reflexos tanto na esfera da vítima
quanto do acusado. Os efeitos processuais dessa distorção acabam por
representar nova exclusão daqueles que protagonizam o drama que origina
o processo penal. Por um lado, priva-se o acusado de legítimas
possibilidades de ver prevalecer seu status libertatis, por outro suprime-se
da vítima pobre uma das formas de exercício da cidadania no campo penal.
Vitimizada por sua condição social e pelo crime, a ofendida é, ainda, furtada
de faculdades processuais, o que a torna, por vezes, refém do processo.
O dispositivo legal em questão, se razoável à época de sua elaboração,
perdeu progressivamente sua justificação constitucional, à medida que a
Defensoria Pública foi se estruturando no estado brasileiro. Aliás, a
Defensoria Pública é o único órgão estatal com atribuição oriunda da carta
Magna para prestação de assistência jurídica aos hipossuficientes. Basta a
leitura dos arts. 134 e 129, a contrario sensu, da Constituição da República,
para percebermos que o art. 225, § 1º, inc. I, não resiste a uma filtragem
constitucional e não foi, portanto, recepcionado.
Sem dúvida, a assistência técnica de defensor público habilitado em
concurso público, garante à ofendida (e à sociedade) meios legítimos de ver
prevalecer a pretensão punitiva.
Por outro lado, nos lugares em que a Defensoria Pública não estiver
estruturada, nada obsta que o Parquet faça suas vezes. Todavia, tal
situação estaria subordinada aos princípios que regem a persecução penal
de iniciativa privada e teria natureza provisória. Nessa hipótse, surgiriam
dois fenômenos do moderno constitucionalismo: a) a inconstitucionalidade
parcial, posto que a situação econômica da ofendida não é causa
constitucionalmente adequada da principiologia que rege a ação penal; b) a
inconstitucionalidade progressiva da legitimação do Ministério Público. Ou
seja, na medida em que as Defensoria Públicas forem se sedimentando no
território nacional, a atuação do Ministério Público passa a retratar
89
usurpação de função e afronta às diretrizes do texto maior.
158
Por outro lado, e aqui também excepcionando eventual engano, a
jurisprudência ainda não enfrentou o tema, sobrevindo inúmeras decisões em
relação a velhas questões discutidas e já pacificadas (prova da miserabilidade,
desnecessidade de formas sacramentais em relação à manifestação da vítima), as
quais demonstram, na hipótese, uma postura bastante liberal em matéria de prova,
tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal.
Confira-se no STJ:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PENAL. ATENTADO
VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA POBRE E MENOR DE QUATORZE
ANOS. AÇÃO PENAL PÚBLICA. CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO.
MISERABILIDADE DA VÍTIMA E DE SUA FAMÍLIA DEMONSTRADA.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PERDÃO DO OFENDIDO.
IMPOSSIBILIDADE EM AÇÃO PENAL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
Nos crimes contra os costumes, uma vez atestada a pobreza da vítima pela
autoridade policial ou por outros meios de prova, a ação penal passa a ser
pública condicionada à representação, tendo o Ministério Público
legitimidade para oferecer a denúncia. Inteligência do art. 225, § 1º, do
Código Penal.
Em se tratando de crime de ação penal pública condicionada, não se exige
rigor formal na representação do ofendido ou de seu representante legal,
bastando a sua manifestação de vontade para que se promova a
responsabilização do autor do delito.
O perdão do ofendido, seja ele expresso ou tácito, só é causa de extinção
da punibilidade nos crimes que se apuram exclusivamente por ação penal
privada.
Ordem DENEGADA.
159
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.
CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ALEGAÇÃO DE
ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO-
COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE DA VÍTIMA.
IMPROCEDÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-
EVIDENCIADA DE PLANO.
1. O art. 225, § 1.º, do Código Penal, dispõe que a ação penal será pública
condicionada à representação se a vítima ou seus genitores não tiverem
condições de custear as despesas processuais, sem a provação de
158
CASARA, Rubens R.R., VASSAL, Mylene G.P. Miserabilidade e ação penal: uma (re)leitura
constitucional. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 11, n. 127, p. 8-9, jun. 2003.
159
STJ, HC 45417/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, 6ª Turma, j. 17.08.2006, DJ 25.09.2006, p.
311.
90
recursos indispensáveis à manutenção da família.
2. A representação, que dispensa qualquer rigor formal, supre-se com a
demonstração inequívoca de interesse na condenação do acusado.
3. Não há, no ordenamento jurídico pátrio, imposição de formalidade
específica para a comprovação da miserabilidade da família da vítima, a
qual pode se dar pela simples declaração verbal ou até pela notoriedade do
fato, não sendo imprescindível a apresentação do atestado de pobreza.
Precedentes do STJ.
4. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de
exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma
inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção
da punibilidade.
5. Narrando a denúncia fatos configuradores de crimes em tese, de modo a
possibilitar a defesa dos acusados, não é possível o trancamento da ação
penal na via do habeas corpus, mormente quando a alegação de falta de
justa causa demanda o reexame do material cognitivo constante nos autos.
6. Recurso desprovido.
160
Confira-se no STF:
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME
CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA
CONDICIONADA. MISERABILIDADE DA VÍTIMA. OFERECIMENTO
TARDIO DA REPRESENTAÇÃO. "PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF".
VIOLÊNCIA PRESUMIDA. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-
PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. I - São processados por meio de ação
penal pública condicionada à representação, os crimes contra a liberdade
sexual cometidos contra vítima que não pode suportar as despesas do
processo. II - A miserabilidade da vítima prescinde de demonstração formal,
podendo, inclusive, ser presumida. III - O oferecimento da representação,
condição de procedibilidade da ação penal pública condicionada, não exige
requisito formal, podendo ser suprida pela manifestação expressa da vítima
ou de seu representante, no sentido do prosseguimento da ação penal
contra o autor. IV - Se a vítima, apesar de menor, demonstra interesse no
prosseguimento da persecução penal, a representação formal, oferecida por
curador especial após o oferecimento da denúncia, supre a formalidade, já
que ratifica a manifestação anterior. Inexistência de nulidade se inexiste
comprovação de prejuízo para o réu. V - Há violência presumida nos crimes
contra a liberdade sexual, quando o delito é cometido mediante violência
moral, praticada em virtude de temor reverencial, que retira da vítima a
capacidade de defesa, diante do respeito e obediência devidos ao ofensor.
VI - Não se admite, na via estreita do habeas corpus, a análise aprofundada
de fatos e provas. VII - Ordem denegada.
161
Como precedentemente ressaltado no voto do Ministro Sepúlveda
Pertence, não se pode esquecer que a implementação de uma nova ordem
constitucional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade
160
STJ, RHC 18726/BA, Min. LAURITA VAZ, 5ª Turma, j. 04.04.2006, DJ 08.05.2006, p. 241
161
STF, HC 88.387/MT, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 10.10.2006, DJ
06.11.2006, p. 38
91
de realização da norma com ela advinda subordina-se muitas vezes, a alterações da
realidade fática que a viabilizem. Nesse contexto, a legitimidade do Ministério
Público só pode ser aceita em caráter subsidiário e, ainda assim, até que se
viabilize, em cada Estado, a implementação da Defensoria Pública, conforme
determinado pelo artigo 134, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988,
ressaltando que a atividade jurisdicional só se legitima quando cumpre os fins
preconizados no artigo 3º da Constituição Federal de 1988.
Entretanto, a omissão estatal, no implemento da nova ordem
constitucional, postergando a criação das defensorias públicas, adia esse ideal
democrático, fazendo surgir o que Lenio Luiz Streck qualifica como “situações
constitucionais imperfeitas”.
162
Daí se tornar relevante reafirmar que os tribunais pátrios ainda não
enfrentaram a tese da inconstitucionalidade progressiva do art. 225, § 1º, I, e seu §
2º, nos estados onde a Defensoria Pública esteja estruturada nos moldes
constitucionais e a razão que leva Hugo Nigro Mazzilli
163
a destacar o caráter
residual da aplicabilidade do artigo 68 do Código de Processo Penal.
Tal artigo versa a hipótese de legitimação ativa do Parquet, em sede
de ação civil e assinala, em observação compatível com a natureza ainda
constitucional da mencionada regra processual penal.
Para Tourinho Filho “essa atuação do Ministério Público, hoje, só se
admite em caráter subsidiário, até que se viabilize, em cada Estado, a
implementação da defensoria pública, nos termos do artigo 134, parágrafo único, da
162
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. São Paulo: Livraria do Advogado,
2002, p. 468/469.
163
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 72, item n. 7, nota de rodapé n. 13.
92
Constituição Federal”.
164
A partir do exposto acompanha-se o entendimento de René Souza
quando este argumenta que
Da teoria da inconstitucionalidade progressiva se extrai então o
entendimento de que uma norma, embora incompatível com a Lei Maior,
pode ser considerada constitucional enquanto não sobrevierem
circunstâncias que concretizem seu caráter inconstitucional.
165
Uma vez que o autor entende que o artigo 68 do Código de Processo
Penal pode ser considerado constitucional em todos os seus efeitos até que cada
Estado da federação brasileira crie a instituição da Defensoria Pública, passando
para ela a defesa das pessoas consideradas hipossuficientes.
Sendo assim, segundo René de Souza
166
nos Estados onde já existe
a Defensoria Pública, o mencionado artigo não possui eficácia, sendo neles parte
legítima para a propositura de ação de execução civil da sentença penal
condenatória a Defensoria Pública, e não mais o Ministério Público.
Aplica-se, mutatis mutandi, esse entendimento na hipótese
alcançada pelo art. 225, § 1º, I, c.c. o seu § 2º, do Código Penal, concluindo-se, de
igual forma, pela inconstitucionalidade progressiva do citado artigo, para legitimar o
patrocínio das ações penas privadas pela Defensoria Pública, na representação das
vítimas hipossuficientes.
164
É muito comum usar a expressão Parquet para se referir ao Ministério Público. Explica-se: na
França antiga os Procuradores e advogados do Rei não se sentavam no mesmo estrado onde
ficavam os Juizes, mas sobre o soalho (parquet) da sala das audiências, como as partes e seus
representantes. Hoje, não obstante os membros do Ministério Público fiquem no mesmo plano, a
denominação Parquet é empregada para se referir à Instituição do Ministério Público.In: TOURINHO
FILHO, Fernando da Costa.Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 328.
165
SOUZA, René. Da inconstitucionalidade progressiva e sua aplicação abstrata. Análise do artigo 68
do CPP. Disponível em www.direitonet.com.br. Acessado em Abril de 2006.
166
Ibid.
CONCLUSÕES
1. A história da repressão aos crimes sexuais, evidencia que os tipos
penais foram concebidos sob a influência ideológica do patriarcado, onde a mulher
era submissa e inferiorizada;
2. É completamente desnecessária a criação de novos tipos penais,
3. Mesmo com o advento da Lei n. 11.106/2005, o Código Penal
Brasileiro ainda apresenta anacronismos em relação à evolução da sociedade,
relativamente aos crimes sexuais.
4. Condicionar a persecução penal à queixa crime (se a vítima tiver
dinheiro) ou à representação (se ela for pobre), viola os princípios da dignidade da
pessoa humana e da isonomia.
6. Continua em vigor a Súmula 608 do STF (“Nos crimes de estupro,
praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”), mesmo
com o advento da Lei n. Lei 9.099/95, que em seu artigo 88, transformou o crime de
lesões corporais em ação condicionada à representação.
7. O artigo 225, § 1º, inc. I, c.c. o seu § 2º, do Código Penal, não foi
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, mas ainda é constitucional nas
unidades federativas que não tenham criado e instalado a Defensoria Pública nos
moldes do artigo 134 da própria Constituição Federal.
8. Nos Estados que possuam a Defensoria Pública, a ação penal,
nos casos de miserabilidade jurídica da ofendida (art. 225, § 1º, inc. I, do Código
Penal) será exclusivamente de natureza privada e patrocinada pelo Defensor
Público.
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