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LÍSIA REGINA FERREIRA MICHELS
ASPECTOS-CHAVE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA APRENDIZAGEM
DE UMA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN NO PROCESSO DE
INCLUSÃO NO ENSINO REGULAR
Doutorado em Educação: Psicologia da Educação
PUC/SP
SÃO PAULO SP
2007
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1
LÍSIA REGINA FERREIRA MICHELS
ASPECTOS-CHAVE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA APRENDIZAGEM
DE UMA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN NO PROCESSO DE
INCLUSÃO NO ENSINO REGULAR
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Doutor em
Educação: Psicologia da Educação, sob orientação
da Prof. Dra. Cláudia Leme Ferreira Davis.
SÃO PAULO SP
2007
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2
BANCA EXAMINADORA
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Dedicatória
A minha querida mãe, Professora Odetti
Almeida Ferreira, que apoiou
incondicionalmente as minhas escolhas e
lutou para que seus filhos tivessem uma
educação de qualidade.
4
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas colaboraram na realização deste estudo. Quero registrar a
minha eterna gratidão a todos que diretamente contribuíram para que eu chegasse
até aqui.
A Dra Claudia Davis, pela orientação valiosa, apoio e parceria na construção
deste estudo.
A Dra Maria Helena Cordeiro, minha parceira na universidade, com quem
aprendo sempre. Muito obrigada pelo apoio e solidariedade, por ter compartilhado
sua experiência e conhecimento na área de alfabetização.
A Dra Laurinda Ramalho, pelas contribuições a este estudo, pelo afeto e
sabedoria partilhados em sala de aula.
A Dra Maria Eloísa Famá Dántino, pelas sugestões pertinentes a este
trabalho.
A Dra Clarilza Prado, pela acolhida carinhosa, no Programa de Pós-
Graduação da PUC-SP.
A Dra Eliana Bhering e a Dra Luciane Schlindwein, pelo incentivo no início do
Doutorado.
As amigas, Márcia de Oliveira, Kátia Ploner e Lúcia Lorenzetti, pelo apoio e
carinho, durante tantos anos de convivência.
As colegas do grupo de pesquisa em educação infantil do Mestrado em
Educação da UNIVALI. Especialmente, a Viviane Gândara, Jaqueline Benoit,
Saionara Costa, pelas relações prazerosas, que resultam em aprendizado constante.
A Stael e Priscila, pelas interlocuções sobre a educação inclusiva.
5
Ao Marcos e seus familiares, que abriram as portas de suas vidas, e
permitiram que eu me aproximasse. A rede de apoio de Marcos, que contribuíram
substantivamente, para que este estudo fosse realizado.
A Adriana Ferreira Mussi, pela escuta, compreensão e colaboração.
As amigas de turma: Daniela, Romilda, Risomar, pelas trocas afetivas.
Aos meus pais e irmãos, pelo carinho e empatia pelos meus ideais.
A minha irmã, Cláudia, pelo carinho à Laís, em vários momentos em que eu
não estive presente.
A família Rhinow Michels, pela compreensão e acolhida. Especialmente, ao
Bernardo, pelo amor e confiança.
Agradeço, especialmente, ao Luciano, meu marido querido, pelo seu amor,
confiança e compreensão; e a Laís, minha filha maravilhosa, pelo seu amor e
ternura. A vocês, muito obrigada, principalmente por entenderam que alguns
projetos da nossa família serão realizados somente após a conclusão do Doutorado.
Tenho certeza que este sonho foi possível porque construímos uma relação
afetiva, que está alicerçada no respeito, na confiança e na solidariedade.
6
RESUMO
Este estudo teve por objetivo investigar os aspectos-chave envolvidos no processo
de construção da escrita de uma criança com Síndrome de Down, visando à
compreensão dos indícios que revelam progressos no processo de apropriação da
escrita, durante as atividades regulares, em uma turma no início do ensino
fundamental. O estudo desenvolveu-se a partir de um enfoque qualitativo de
pesquisa. Tendo como foco, a criança com Síndrome de Down, incluída no ensino
regular, adotamos como referencial de análise a teoria histórico-cultural. Analisamos
o desenvolvimento da escrita de uma criança no grupo-classe e na sala de aula,
levando em consideração as interações criança-criança, professor-criança e os
apoios disponibilizados para auxiliar o aluno a aprender a escrever. Analisamos a
rede apoio formada pelos atores sociais da escola. Os dados foram coletados por
meio de análise documental, entrevistas, observação sistemática das atividades em
sala, análise dos materiais escritos pela criança e análise das avaliações bimestrais,
realizadas pelas professoras da série e da série. A análise dos dados
demonstrou que os alunos com Síndrome de Down aprendem a linguagem escrita
no ensino regular. Mas, para isso, é fundamental que a escola empreenda uma série
de ações, entre as quais se destacam as seguintes: disponibilizar recursos e apoios
necessários para esse fim; avaliar o nível de desenvolvimento real dos alunos; e,
planejar deliberadamente o processo de ensino-aprendizagem, levando em conta
que ele precisa ser significativo para todos e que se em um contexto
compartilhado de interações. Para que a educação inclusiva tenha, de fato, sucesso,
a escola precisa investir na formação continuada dos docentes e profissionais da
educação. Sem isso, não como se contar com os subsídios cnicos necessários
para planejar e implantar um ensino eficaz para todos os alunos. Além disso, é
necessário o envolvimento e a mobilização de todos aqueles que atuam no espaço
escolar, pois se apenas o professor se prepara para receber os alunos com
deficiência, eles não progredirão em sua aprendizagem e desenvolvimento. É
preciso que todos aqueles que se encontram envolvidos com a escola participem
consciente e ativamente deste processo.
Palavras-chave: educação inclusiva, linguagem escrita, síndrome de down
7
ABSTRACT
The objective of this study was to investigate the main aspects involved in the
process of construction of a child’s writing with Down’s Syndrome, in order to
understand the indications which reveal advances in the process of appropriation of
writing abilities, during regular activities, in a group in the beginning of the elementary
school. The study was carried out starting from a qualitative focus of research.
Besides the child with Down’s Syndrome in the regular teaching as a focus, we
adopted the historical and cultural theory as reference to the analysis. We analyzed
the development of a child’s writing in a group and in the classroom, taking into
account the interactions between the children and between the teacher and the
children and all support offered to the student to learn how to write. We analyzed the
support network formed by social agents of the school. The data were collected
through documental analysis, interviews, systematic observation of the activities in
the classroom, analysis of what children wrote and analysis of bimonthly
evaluations, carried out by teachers from the 1
st
and 2
nd
grades. The analysis of the
data demonstrated that the students with Down’s Syndrome learn the written
language in the regular teaching. In order to accomplish this result, however, it is
essential that the school undertakes a series of actions, among which we can
highlight the following: offer resources and necessary support for it; evaluate the real
level of development of the students; and plan the teaching and learning process
deliberately, taking into account that it needs to be meaningful to everyone and that it
happens in a shared context of interactions. For the success of the inclusive
education, the school needs to invest in the continuous formation of teachers and
professionals of the educational area. Without that, there is no possibility to count on
the necessary technical elements to plan and establish an effective teaching for all
of the students. Besides, the ones who act in the school environment need to
participate and mobilize themselves, because if the teacher is the only one prepared
to receive the students with deficiency, they won’t progress in their learning and
development. It is necessary that all those who are involved with the school have a
conscious and active participation in this process.
Key-word: inclusive education, written language, down syndrome.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................09
2 OBJETIVOS...........................................................................................................12
3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS............................................................................13
3.1 Apresentando a Síndrome de Down ...................................................................13
3.2 Os aspectos cognitivos da Síndrome de Down...................................................14
3.3 Considerações sobre a Educação Inclusiva........................................................18
3.4 O papel do professor na escola inclusiva............................................................29
3.5 As interações sociais no contexto escolar...........................................................31
3.6 As redes de apoio na construção de uma escola inclusiva.................................33
3.7 Considerações sobre a abordagem sócio-histórica.............................................35
3.8 A apropriação da linguagem escrita na perspectiva histórico cultural.................41
4 MÉTODO................................................................................................................49
4.1 Escolha da modalidade de pesquisa...................................................................49
4.2 Procedimentos ....................................................................................................52
4.3 Procedimentos para análise de dados ................................................................54
4.4 Estratégias para buscar validação interna...........................................................54
4.5 Aspectos éticos ...................................................................................................55
5 ANÁLISE DOS DADOS.........................................................................................56
5.1 Descrição do sujeito............................................................................................56
5.2 Caracterização da escola....................................................................................58
5.3 Serviços disponibilizados ....................................................................................63
5.4 O grupo da 1ª série .............................................................................................64
5.5 A professora da 1ª série......................................................................................65
5.6 O grupo da 2ª série .............................................................................................65
5.7 A professora da 2ª série......................................................................................66
5.8 Entrando no campo.............................................................................................66
5.9 Apresentação do primeiro momento: cópia sem qualquer significado ................76
5.10 Apresentação do segmento momento: o aluno escreve com o apoio do
adulto................................................................................................................81
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................104
7 REFERÊNCIAS....................................................................................................112
8 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .........................................................................119
ANEXOS.................................................................................................................120
9
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa surge da trajetória acadêmica e profissional que venho
construindo ao longo dos dezesseis anos de prática profissional como Psicóloga
Educacional. Nesse período, estive sempre envolvida com as questões ligadas à
educação de pessoas com deficiência, participei e continuo envolvida em projetos
que lutam pela inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular.
Logo após a conclusão do Curso de Graduação em Psicologia, fui trabalhar
em uma Escola Especial para alunos com deficiência mental e outras deficiências
associadas à deficiência mental, exercendo a função de Psicóloga Educacional.
Essa escola era mantida pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAE), em um município de Santa Catarina. Desde então, tive contato direto com
outras instituições de atendimento especializado em Educação Especial.
Com base nessas experiências em Educação Especial, tenho refletido sobre
o trabalho na área da deficiência mental, e defendido que a educação de pessoas
com deficiência mental precisa tomar outra direção, que vislumbre possibilidades
reais de desenvolvimento e aprendizagem. A experiência nesta área vem, ano após
ano, confirmando minhas impressões iniciais: os professores do Ensino Especial não
estão devidamente capacitados para atuar com uma clientela tão específica e que
apresenta aos educadores um enorme desafio - como intencionalmente mediar o
conhecimento do aluno com deficiência mental?
A cada de 90 foi marcada pelo movimento da educação inclusiva no Brasil.
Investiguei esse tema em relação a alunos com deficiência auditiva no ensino
regular e desenvolvi uma pesquisa, em nível de especialização em Educação
Especial. Atuei como professora de alunos surdos, em sala de apoio pedagógico, no
Instituto de Fonoaudiologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), situada no
município de Itajaí, em Santa Catarina, de março de 1992 a dezembro de 1993.
Em 1994, fui contratada para a função de Psicóloga Educacional no mesmo
setor. Nessa época, desenvolvi um projeto de educação inclusiva, com o objetivo de
contribuir para a inclusão de alunos surdos no ensino regular. Coordenei o referido
projeto até o ano de 1996, envolvendo professores do ensino regular e especial, pais
e alunos surdos. Ao ingressar no programa de Mestrado da PUCRS, em 1998,
investiguei a inclusão de alunos com deficiência no ensino superior, que resultou na
10
dissertação intitulada “A Inclusão/Exclusão da Pessoa Portadora de Necessidades
Especiais no Contexto Universitário”. Desde 1994, sou docente do Curso de
Psicologia da UNIVALI, oriento alunos no estágio supervisionado de Psicologia
Educacional e trabalhos de iniciação científica. O estágio e os trabalhos de iniciação
científica enfocam a temática da educação inclusiva.
A inclusão de crianças com deficiência no ensino regular vem sendo
pesquisada e discutida por diversos autores da atualidade (BARTALOTTI, 2004;
EVANS, 2001; PACHECO et al, 2007; STAINBACK, 1999; MENDES, 2002;
FONSECA, 1987; MANTOAN, 1997; MAZZOTTA,1987). Anteriormente, outros
autores abordaram essa questão. Entre eles, destaca-se Vygotsky (1996) que,
durante grande parte de sua vida profissional, envolveu-se com o desenvolvimento
de crianças com deficiências. Conforme argumenta Goldfeld (1997), além das
relações entre pensamento e linguagem, Vygotsky estudou as questões sobre o
significado e o sentido das palavras, a aquisição da linguagem, a formação de
conceitos, a relação entre desenvolvimento e aprendizagem e, também, o
desenvolvimento de crianças com deficiência.
Conforme aponta Tudge (1996), o próprio Vygotsky defendeu, em sua
abordagem em relação à educação de crianças física e mentalmente deficientes,
que mudanças no contexto da educação podem ter profundas conseqüências para o
desenvolvimento. Pontuou, ainda, que crianças com algum tipo de deficiência devem
ser encorajadas a interagir amplamente, ou seja, a participar de ambientes
inclusivos. Nesta perspectiva, crianças educadas em escolas especiais terão um
desenvolvimento diferente dos colegas mais estimulados. Importante destacar que,
na perspectiva vygotskiana, ambientes educacionais restritos somente ao convívio
das crianças com deficiência acentuam a deficiência, por nela fixar o foco da
atenção, algo que estigmatiza a criança.
As idéias de Vygotsky apresentam a base de uma abordagem importante
para a compreensão de uma questão atual relativa à educação inclusiva. Considerar
as crianças com deficiência como inferiores é um resquício da história da educação
especial que, por séculos, as estigmatizou, dando origem às escolas especiais.
Atualmente, o movimento pela educação inclusiva defende e prioriza os ambientes
integrados, com base na constatação de que pessoas com deficiência não têm as
mesmas oportunidades que as demais. No que se refere à educação, elas são
freqüentemente segregadas, seja em escolas especiais ou em escolas regulares.
11
Assim, se a escola é vista como micro cultura, os aportes teóricos de
Vygotsky - que enfatizam a importância das atividades humanas organizadas
culturalmente - estão em condições de contribuir para o debate da educação
inclusiva. Considerando a segregação e o isolamento imperativo nas escolas
especiais, nas quais as experiências sociais e educacionais estão bem distantes das
escolas regulares, Evans (2001) pondera ser provável que as crianças educadas em
escolas especiais desenvolvam uma forma de pensar culturalmente diferente das
crianças educadas em escolas regulares.
A educação inclusiva e o ensino de qualidade são direitos do cidadão
brasileiro. Toda e qualquer criança tem direito à boa escolarização, para que possa
enfrentar, tal como seus pares, os desafios postos na escola regular, ministrada via
métodos diversificados, buscando alcançar a apropriação dos conhecimentos,
formas de pensar e valores significativos, descritos no currículo. Mas, conforme
aponta Vitaliano (2003), é preciso analisar os resultados das pesquisas que tiveram
a preocupação de descrever como se processa a inserção de alunos com deficiência
no ensino regular. Elas indicam que, de acordo com os professores entrevistados, os
alunos são inseridos nas salas de aula sem os docentes estarem devidamente
preparados, sem materiais adequados estarem disponíveis e sem adaptações
necessárias na estrutura física.
Tudo isso vai contra aquilo que Stainback (1999) aponta como sendo a razão
mais importante para o ensino inclusivo: a eqüidade. Ao se ensinar aos alunos que
cada um é diferente do outro e nem por isso pior do que o outro, contribui-se para
eliminar experiências passadas de segregação e para praticar a idéia de inclusão,
no seio da qual as deficiências são respeitadas. Consideramos que, à luz da teoria
histórico-cultural, especialmente a partir das idéias de Vygotsky, poderemos
aprofundar o estudo da temática da inclusão de uma criança com Síndrome de
Down no ensino regular, notadamente o processo por meio do qual, na e pelas
interações sociais com professores e pares, ela se integra à escola e tira proveito da
experiência que nela vive. Pretendemos, com isso, ampliar a discussão sobre as
possibilidades de desenvolvimento da criança com deficiência mental em situação
de aprendizagem regular. Esperamos, ainda, que seus resultados possam subsidiar
a elaboração de programas de formação de professores no ensino regular,
especificamente na questão da inclusão de alunos com deficiência nessa
modalidade de ensino.
12
2 OBJETIVOS
Verificar como se dá o processo de apropriação da escrita de uma criança
com Síndrome de Down, durante as atividades regulares em uma turma no início do
ensino fundamental.
Para tanto, faz-se necessário:
a) investigar quais foram os aspectos-chave envolvidos no processo de
construção da escrita dessa criança;
b) identificar e analisar a rede de apoio com que essa criança contava, no
processo de construção da escrita.
13
3 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
3.1 Apresentando a Síndrome de Down
A Síndrome de Down (SD
1
) é o resultado de uma alteração genética presente
desde a concepção ou imediatamente após a concepção, que ocorre de modo
bastante regular na espécie humana, afetando cerca de um em cada 800/1.000
recém-nascidos vivos (Schwartzman, 2003). De fato, a presença de um terceiro
cromossomo no par 21 provoca um desequilíbrio nas funções das células do corpo
humano. Essas crianças apresentam características físicas semelhantes, que podem
ser evidenciadas desde o nascimento. Entretanto, não se pode dizer o mesmo em
relação ao seu comportamento e padrão de desenvolvimento: em geral, encontra-se
neles a mesma diversidade presente em qualquer indivíduo na espécie humana
(Schwartzman, 1999; Voivodic, 2004)
No sistema nervoso, essa alteração genética interfere diretamente na
aprendizagem e na conduta dos indivíduos. As habilidades intelectuais, de
linguagem e o comprometimento emocional das pessoas com SD variam
significativamente. Além disso, encontra-se, com freqüência, comprometimento do
desenvolvimento psico-motor, que surge na forma de hipotonia generalizada desde
o nascimento. Esse atraso, conforme pontua Voivodic (2004), vai repercutir no
desenvolvimento de outros aspectos, uma vez que é por meio da exploração do
ambiente que a criança constrói seu conhecimento do mundo.
Um importante órgão afetado pela SD é o cérebro que, por isso, ocasiona a
deficiência mental. Nesse caso, ele apresenta volume e peso menores do que o
estimado, com diminuição das circunvoluções secundárias e número de neurônios
reduzido em várias áreas do córtex cerebral, hipocampo e cerebelo. Saad (2003)
lembra que, classicamente, o cérebro era considerado como estrutura passiva e
estática, algo que, na atualidade, é negado, salientando-se seu caráter dinâmico:
1
Será adotada esta sigla para denominar a expressão Síndrome de Down.
14
O desenvolvimento do cérebro abrange desde a formação de
neurônios, sua diferenciação e organização funcional, organização
de redes e circuitos cerebrais, até a plasticidade neuronal, que se faz
pelas modificações produzidas no ambiente físico e eletroquímico ao
longo da vida (SAAD, 2003).
Os estudos desenvolvidos pelos autores anteriormente citados indicam que
somente duas décadas se tem a convicção de que o cérebro adulto é modificável
pela atividade, pelo re-estímulo e pela força sináptica. O avanço científico, com os
resultados das pesquisas sobre anormalidades cromossômicas e sobre questões
pertinentes à SD, tem revertido o quadro pessimista que a envolvia, alterando,
sobretudo, o prognóstico educacional. De fato, conforme argumentam Macedo e
Martins (2004), a SD foi considerada, durante muitas décadas, como uma deficiência
mental severa, com prognóstico impreciso e negativo, que implicou a formação de
uma visão distorcida e pessimista sobre aqueles que apresentam esta alteração
genética (Macedo e Martins, 2004). Essa visão, felizmente, não mais se sustenta
nos dias atuais.
3.2 Os aspectos cognitivos da Síndrome de Down
Considerando o aspecto cognitivo, a pessoa com SD apresenta rebaixamento
da capacidade de aprendizagem. Devido ao comprometimento do sistema
neurológico, como bem lembra Gândara (2005), algumas limitações apresentadas
pelas crianças com SD estão diretamente ligadas à dificuldade em adquirir
linguagem, seja ela oral ou escrita, além de demonstrar problemas na coordenação
motora. Nessa perspectiva, Danielsky (2001) postula que os impasses do processo
de aprendizagem da linguagem oral de crianças com SD decorrem da dificuldade de
organização e análise dos sons, trazendo implicações para a seletividade e a
espacialidade auditiva. As considerações de Schwartzman (1999) revelam-nos que a
criança com SD começa a emitir as primeiras palavras em torno dos dezoito meses
de idade. Apesar de tais dificuldades, essas pessoas conseguem fazer uso funcional
da linguagem e compreendem os padrões utilizados na conversação.
As habilidades comunicativas o variáveis e estão ligadas às possibilidades
15
de comunicação disponíveis no contexto em que a criança está inserida. Na
perspectiva de Schwartzman (1999), os testes formais de inteligência oferecem
medidas grosseiras e incompletas, pois não foram nem atualizados, nem
normatizados para uso em população com deficiência.
O conceito de deficiência mental apresentado pela Associação Americana de
Deficiência Mental (A.A.M.R, 2006) considera que ela seja uma alteração
caracterizada por limitações significativas, tanto no funcionamento intelectual
(habilidades conceituais) quanto no comportamento adaptativo (habilidades práticas
e sociais), que se inicia antes dos 18 anos. A mesma associação apresenta cinco
pressupostos que devem ser respeitados para a correta aplicação da definição de
Deficiência Mental:
as limitações no funcionamento atual devem ser consideradas no contexto
do ambiente da comunidade, para os indivíduos de mesma idade e cultura
do indivíduo;
uma avaliação válida considera a diversidade cultural e lingüística, e
também as diferenças na comunicação, nos fatores sensoriais, motores e
comportamentais;
em cada indivíduo, a limitação sempre coexiste com as potencialidades;
um propósito importante ao descrever as limitações é o de desenvolver um
perfil preciso que permita os apoios necessários;
com apoios personalizados apropriados durante um período de tempo, o
funcionamento da vida de uma pessoa com deficiência mental é,
geralmente, melhorado (A. A. M. R., 2006).
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde,
conhecida como CIF,
2
engloba todos os aspectos da saúde humana e alguns
componentes relacionados ao bem-estar, descritos em termos de domínios de saúde
e domínios relacionados à saúde. Por conseguinte, a CIF ultrapassa a perspectiva
médica, ao incluir uma perspectiva social e ambiental. A funcionalidade e a
incapacidade de uma pessoa são concebidas como uma “interação dinâmica” entre
os estados de saúde e os fatores contextuais. Os fatores contextuais representam o
2
A CIF, publicada em 2001, é uma versão revisada da International Classification of Impairments,
Disabilities, and Handicaps ICIDH (Classificação Internacional de Incapacidades, Deficiências e
Desvantagens.
16
histórico completo da vida e do estilo de vida de um sujeito, incluindo fatores
pessoais e ambientais que têm um impacto sobre o sujeito (CIF, 2003).
O funcionamento é conceituado, assim, a partir de três dimensões básicas,
que representam as perspectivas do corpo, do indivíduo e da sociedade. Esse
modelo da CIF permite muitos padrões de interações complexas entre tais
componentes, de modo que a deficiência mental não pode mais ser explicada
somente pela presença de uma incapacidade primária (as condições orgânicas e
fisiológicas). Ela deve ser analisada também a partir de outras considerações de
ordem ambientais, sociais e psicológicas. Nesta linha de pensamento, os apoios
apropriados para quaisquer das três dimensões acima mencionadas podem
influenciar o estado de funcionamento de um indivíduo.
Almeida (2004) analisou todas as definições de retardo mental propostas
pela Associação Americana de Retardo Mental (A.A.M.R), levantadas no período de
1908 a 2002. Concluiu que é cedo para avaliar como as novas reconceituações irão
influenciar as práticas em Educação Especial. Observou, também, que no Brasil este
tema ainda não foi devidamente discutido. Bartalotti (2004) corrobora esta análise,
ao afirmar, a partir de um olhar dinâmico sobre a deficiência mental - entendida não
mais como diagnóstico fechado, mas como processo - que as pessoas com
deficiência mental não sejam mais classificadas por níveis de severidade (leve,
moderado, severo e profundo). Efetivamente, eles foram usados por décadas e,
após muitos debates, fundamentalmente nos Estados Unidos, o manual da AAMR
(1992) adotou um novo sistema de classificação, que descreve os níveis de suportes
necessários ao desenvolvimento de cada área da vida (conduta adaptativa). De
acordo com a A.A.M.R. (2006), são quatro os possíveis níveis de intensidade de
apoio, assim definidos:
Apoio intermitente: é oferecido de acordo com as necessidades da
pessoa. Caracteriza-se por sua natureza episódica, tendo em vista que
nem sempre a pessoa precisa de apoio. Ele pode ser necessário por
períodos curtos ou em alguma situação pontual, podendo ser de alta ou
baixa intensidade. O apoio se faz necessário, por exemplo, quando se
perdeu o emprego, ou diante de uma crise de saúde aguda.
Apoio limitado: é caracterizado pela pontualidade com que ocorre e pela
consistência ao longo tempo. Pode ser necessário envolver uma pequena
rede de apoio, e envolve menos custo do que níveis de apoio mais
17
intensos. Esse tipo de apoio é empregado, por exemplo, quando a pessoa
precisa de um treinamento específico para a inserção no mercado de
trabalho, ou apoios transitórios durante o período de escola para adultos.
Apoio extensivo: caracterizado pela regularidade com que é dispensado,
em pelo menos alguns ambientes, tais como o trabalho, a escola ou em
casa; e de natureza sem tempo limitado. Por exemplo, o apoio de longo
prazo à vida doméstica.
Apoio pervasivo: é caracterizado por sua constância e intensidade. É
oferecido no local a pessoa vive, sendo considerado vital. Esse apoio
envolve uma rede de apoio maior e um nível de interferência mais elevado
do que os apoios extensos e de tempo limitado.
A intensidade dos apoios necessários deve ser sempre diferenciada, a partir
das necessidades de cada pessoa, situações em que se encontra e de sua etapa de
vida. Assim, eles precisam ser considerados como “potencialmente variados, tanto
na duração quanto na intensidade” (A. A. R. M., 2006).
Oliveira (1998) acrescenta uma quinta categoria: sem necessidade de apoio.
Nesta proposição, o enfoque está centrado nas possibilidades da pessoa, pois se
não necessidade de apoio em algumas áreas, pressupõe-se que o sujeito é
capaz de superar eventuais dificuldades a partir de seus próprios recursos ou dos
recursos presentes em seu entorno social. Também na perspectiva de Vygotsky
(1997), a deficiência mental não é uma totalidade simples e homogênea. O autor
considera o conceito de atraso mental impreciso, devido ao fato de se estender a um
grupo heterogêneo. Salienta que mesmo quando os fenômenos apresentam
semelhanças, elas variam em intensidade. O autor critica, também, a identificação
deste grupo com base nas características negativas e denuncia que, antes de se
apoiar no que falta à criança com deficiência mental, deve-se estar atento às suas
possibilidades.
Ao se referir ao desenvolvimento da pessoa com deficiência mental, Vygotsky
(1997) explica que, devido à alteração dos processos sensoriais, intelectuais,
afetivos e volitivos, a correlação das funções psíquicas também pode variar: umas
desaparecem ou demoram a surgir; outras se desenvolvem de maneira
compensatória. O autor postula que as possibilidades de desenvolvimento para
crianças com “deficiências” devem ser buscadas nas funções psicológicas
superiores, que se desenvolvem na ação social, por intermédio do uso de
18
instrumentos culturais. A tese central da defectologia, defendida por Vygotsky (1997,
p.14)
3
, considera que:
Todo defeito cria os estímulos para elaborar uma compensação. Por
isso, o estudo da criança deficiente não pode se limitar a determinar
o nível e a gravidade da insuficiência e, sim, incluir obrigatoriamente
a consideração dos processos compensatórios, quer dizer,
substitutivos, super-estruturados e niveladores, no desenvolvimento
e na conduta da criança.
3.3 Considerações sobre a Educação Inclusiva
Segundo Martins (2003), durante muito tempo as pessoas com deficiência
foram vistas como estando à margem da sociedade e da educação. Essa exclusão,
porém, não faz parte do passado: ainda hoje se faz presente na vida de muitas
pessoas, impedindo-as de ter acesso a bens culturais e intelectuais, prejudicando,
em muito, sua inclusão social. Conforme aponta a referida autora, nas últimas duas
décadas do século XX, muitos organismos internacionais têm se preocupado em
discutir o direito à educação, à plena participação e à plena igualdade de
oportunidade para todas as pessoas que apresentam necessidades especiais.
Assim, foram realizados diversos eventos em vários países, culminando com: a) a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos, no ano de 1990, em Jomtien,
Tailândia, a qual foi promovida conjuntamente pela UNICEF, UNESCO, Banco
Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e, b) com a
Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em
Salamanca, Espanha, no ano de 1994, promovida pela UNESCO e pelo Governo
Espanhol (MARTINS, 2003).
Nessa última conferência houve, efetivamente e, de forma objetiva, uma
discussão sobre o direito à educação por parte das pessoas com deficiência. Nela,
92 governos e 25 organizações internacionais reafirmaram algo que não era
novidade: o direito de todas as pessoas à educação, conforme estabelecido desde
1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Naquela oportunidade, foi
reconhecida a necessidade de o ensino ser oferecido no sistema comum de
3
Tradução nossa
19
educação a todas as crianças, jovens e adultos com deficiência. Começou, então, a
se propagar a idéia da educação inclusiva, que tem como proposta oportunizar
condições educacionais adequadas às pessoas (ou seja, de acordo com sua
singularidade), construindo assim uma escola democrática e justa (MARTINS, 2003).
Stainback; Stainback (1999) mencionam que, apesar dos relatos de
experiências de integração de pessoas com deficiência desde a década de 50,
somente no final dos anos 80 é que o movimento ganhou força, evidenciando-se a
necessidade de um lugar para todos nas escolas regulares de ensino. O movimento
de inclusão social foi intensificado na cada de 90, nos Estados Unidos: registrou-
se o aumento de publicações sobre o tema “inclusão”, culminando em uma reforma
geral da educação nesse país. Os autores apresentam, no entanto, relatos de
resistência à implementação da educação inclusiva. De igual maneira, Bartalotti
(2004) comenta que ocorre, no Brasil, uma resistência semelhante. Afirma, assim,
“que o medo do desconhecido e a necessidade de se discutir mais profundamente a
situação daqueles envolvidos no processo o é algo que se restringe a nossa
realidade” (BARTALOTTI, 2004, p. 28).
Almeida (2004) também considera que a resistência para inserir alunos com
deficiência no ensino regular - demonstrada pelos professores, pelos demais alunos,
por seus pais e, inclusive, pelos gestores da educação decorre do fato de eles
carregarem, como tantos outros grupos marginalizados pela sociedade, um estigma
social. Ou seja, o sujeito com deficiência tem sua identidade social estigmatizada -
seja por ser diferente, seja por não se enquadrar no padrão de normalidade imposto
pela sociedade , com conseqüente intensificação da discriminação. Amaral (1996)
analisa o problema a partir da formação de idéias pré-concebidas, correspondentes
a uma realidade não experimentada:
As ações e comportamentos discriminatórios, dirigidos a um alvo
específico, concretizam-se nas relações interpessoais mediadas
pelos estereótipos, que funcionam então como um biombo entre as
pessoas envolvidas na situação. Esses estereótipos são, por sua
vez, fruto de preconceitos que, como o próprio nome diz, são
conceitos preexistentes, portanto desvinculados de uma experiência
concreta (Amaral, 1996:10).
Em se tratando das pessoas com deficiência, a autora ressalta que os
preconceitos remetem a diferentes leituras sobre a deficiência, e destaca a
generalização indevida, ao se referir à cristalização da pessoa com deficiência na
20
deficiência em si. Desse ângulo, a pessoa não é vista como alguém com uma dada
condição e, sim, como a condição específica e nada mais (Amaral, 1994a:129).
Os meios de comunicação de massa têm o papel fundamental de informar a
população sobre as diferentes formas de exclusão social e de preconceito. Mas, na
perspectiva de Amaral (1994b:18), eles não atuam dessa maneira, pois:
Essas atitudes, esses preconceitos e estereótipos podem ser reflexo
das defesas que, penso e repito, quase inexoravelmente se
levantam à diferença marcante, à mutilação. Mas são também
ingredientes da combinação que resulta na sua cristalização,
alimentada diuturnamente pelos meios de comunicação de massa
e assim cria-se um círculo vicioso.
Nosso cotidiano está repleto de estereótipos, podendo-se dizer mesmo que
alguns programas televisivos sobrevivem em decorrência de sua exploração
(negros, homossexuais, loucos, judeus, deficientes...).Um dos obstáculos à
educação inclusiva é o preconceito. Um estudo realizado por Michels e Díaz (2003),
sobre a percepção de professores do ensino superior frente à educação inclusiva,
evidenciou que o preconceito não se manifesta de maneira direta e aberta, sendo
encobertos por atitudes paternalistas que dificultam sua apreensão. De acordo com
as autoras:
[...] preconceito não se manifesta abertamente senão de maneira
velada, porém acaba constituindo do mesmo modo um ato de
discriminação. De alguma forma, todas as pessoas sabem que não
podem se apresentar preconceituosas, pois o politicamente correto é
não ter preconceitos. No entanto, estes aparecem de qualquer forma
e, quando negados ou supostamente ocultos, serão mais difíceis de
serem superados (MICHELS; DÍAZ, 2003, p. 99).
Atitudes paternalistas são absolutamente incompatíveis com o conceito de
inclusão que consideramos ser necessário para a construção de uma sociedade
mais justa e eqüitativa. Na visão paternalista, a pessoa com deficiência acaba sendo
“portadora” de um problema grave, que marca a incompetência para a vida social e
produtiva.
Impregnadas por essa visão, todas as práticas e políticas educacionais que
estiveram vigentes por muitas décadas começam a ser questionadas pelo
movimento de inclusão, que propõe que todos os alunos sejam incluídos em classes
regulares, nas quais tenham suas necessidades educativas reconhecidas e
atendidas. A educação inclusiva é um processo que, se bem planejado e executado,
21
beneficia não apenas as pessoas com deficiência, mas todos os envolvidos no
ambiente escolar.
No entanto, para que de fato ela ocorra tal como apregoada, é necessário o
envolvimento e a mobilização de todos aqueles que atuam na escola: não basta que
apenas o professor se prepare para receber um aluno com deficiência; é preciso que
a escola como um todo participe consciente e ativamente deste processo (Martins,
2003). Ressaltamos que uma condição fundamental para isso é o investimento na
formação inicial e continuada de seus profissionais, para que saibam como acolher e
superar a diversidade humana. Para Rabelo e Amaral (2003), a inclusão está
baseada na idéia de que todas as pessoas devem participar democraticamente e de
forma ativa na organização da sociedade, usufruindo todas as oportunidades de
desenvolvimento sociocultural, de acordo com suas singularidades.
No entanto, pode-se perceber que a realidade social em que se vive
atualmente ainda não incorporou os valores da inclusão. As ações que acontecem
em um determinado momento histórico refletem-se nos processos educacionais de
modo que uma escola inclusiva nada mais é do que o reflexo de uma sociedade
inclusiva. Mas, de igual modo, pode-se dizer que uma educação inclusiva tem
impacto na sociedade, tornando-a mais igualitária, intolerante com o preconceito e
com a exclusão.
Para que essa nova educação e essa nova sociedade se concretizem, é
necessário abandonar a crença de que a inclusão de uma criança com deficiência
será realizada naturalmente na escola regular, com base em um diagnóstico técnico
e no atendimento em classes especiais, visando a “normalização” do indivíduo, para
que possa viver em comunidade. No movimento inclusivo, todos devem conviver no
mesmo tipo de ambiente e desfrutar das mesmas condições de ingresso, sendo
amparados por profissionais bem formados, capazes de re-significar estereótipos e
preconceitos. Evidencia-se a importância de desenvolver as possibilidades das
pessoas, valorizando a diversidade humana (GARCEZ; SACALOSKI, 2004).
Para Martins (2003), a educação inclusiva objetiva respeitar as diversidades
dos alunos e assegurar sua inserção efetiva na escola, incluindo tanto os
considerados dentro dos padrões normais como os que apresentam diferenças
significativas. É um novo olhar que começa a ser construído, para que se possa
entender e atuar educacionalmente com pessoas que foram rotuladas e
classificadas de acordo com o déficit que apresentam, além de enquadradas em
22
modalidades outras de escolarização julgadas adequadas por especialistas, também
eles preconceituosos. Porém, não basta que os alunos com deficiência tenham
acesso à escola, não é suficiente que sejam incluídos apenas fisicamente: é
necessário possibilitar sua entrada e sua permanência bem sucedida na escola.
É fundamental que a criança, o jovem ou o adulto faça parte e participe
intensamente da escola, interagindo com outras pessoas, dando e recebendo ajuda,
identificando-se com o grupo e sendo por ele valorizado e desafiado. De acordo com
Karagiannis; Stainback; Stainback (1999), existem três componentes
interdependentes no ensino inclusivo: o primeiro é a rede de apoio formal ou
informal; o segundo é a consulta cooperativa e o trabalho em equipe, no qual vários
especialistas planejam e implementam juntos os programas para diferentes alunos;
finalmente, o terceiro componente é a aprendizagem cooperativa, que diz respeito à
criação de uma atmosfera propícia à construção do saber em sala de aula, de modo
que alunos com vários interesses e habilidades possam exercer sua cidadania.
A inclusão exige, da escola, um trabalho criativo e consciente, que permita um
trabalho cooperativo, em equipe, envolvendo todos os atores sociais da escola, com
vistas a uma experiência que beneficia todos os envolvidos na proposta inclusiva.
Porém, mesmo diante de tantos benefícios, surgem junto com o processo da
inclusão vários desafios: a importância de conscientizar a comunidade escolar e a
sociedade sobre o novo modo de entender e educar as pessoas com necessidades
especiais; de realizar um investimento sério na qualificação profissional da equipe
escolar; de desenvolver pesquisas; de estruturar métodos, técnicas e recursos de
ensino adequados a esses alunos; de adaptar o currículo, de integrar os pais e toda
a sociedade nesse processo e, ainda, de buscar uma educação de qualidade para
todos (MARTINS, 2003).
Este movimento pela inclusão tem como objetivo criar espaços em que todas
as crianças trabalhem e aprendam juntas, desenvolvendo repertórios de ajuda
mútua e apoio. A singularidade de cada aluno deve ser levada em conta para que o
grupo se desenvolva tanto quanto possível. Aceitar e valorizar a diversidade de
estilos individuais de aprender é o primeiro passo rumo à criação de uma escola de
qualidade para todos (SANTOS, 1999).
Mantoan (2003) mantém um forte posicionamento na luta pela inclusão,
apresentando-a como uma nova perspectiva para as pessoas com deficiência,
desde que assegurada a boa qualidade de ensino nas escolas públicas e privadas.
23
Ressalta que é preciso que estas se tornem competentes para responder às
necessidades de cada um de seus alunos, de acordo com suas especificidades, sem
dependerem eternamente da educação especial e de outras modalidades de
exclusão.
Para essa autora, a inclusão causa mudança na perspectiva educacional, pois
não se limita a acolher os alunos que apresentam dificuldades na escola. Apóia
todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na
corrente educativa geral. Concordamos com esta perspectiva de mudança, mas
ressaltamos que é preciso a implementação e o acompanhamento de políticas
públicas nesta área. O que temos no Brasil, hoje, são algumas experiências pontuais
de inclusão com sucesso. Conforme Barbosa (1999), a inclusão possibilita a todos
os alunos o aprender, desde que seja identificado o que eles sabem e se
compreendam o estilo e as necessidades de cada um para aprender.
Neste sentido, Ferreira (2003) revela que a escolarização constrói um espaço
de desenvolvimento para as crianças com deficiência mental, uma vez que
possibilita experiências de relações interpessoais, em que as funções psicológicas
superiores serão construídas e utilizadas de uma forma sistemática, ampliando o
universo de significações dessas crianças. Conforme a mesma autora, estas
mudanças implicam a oferta de educação escolar que, de acordo com a
singularidade e as possibilidades de cada aluno, promova o desenvolvimento de
todos, mediante a ampliação do conhecimento do mundo, a apropriação de múltiplas
formas de linguagem, a competência para dirigir a própria vida de maneira
responsável e autônoma.
Entender que temos em sala de aula alunos com diferentes possibilidades é,
de fato, algo importante. Compreender isso significa saber que a educação deve ser
pensada de outra forma, com outros pressupostos, que levem a outras escolhas.
Efetivamente, pensar em inclusão requer reconhecer que todos os alunos - com ou
sem deficiência possuem capacidade ilimitada de aprender. Na perspectiva de
Scotto (2002), a escola inclusiva muda os papéis tradicionais de seus professores e
de sua equipe técnica: os professores tornam-se mais próximos dos alunos e a
escola torna-se integrada à comunidade Nesta linha de pensamento, os critérios de
avaliação anteriormente utilizados deverão ser reformulados, para atender os alunos
com necessidades especiais. A criação de novas estruturas no processo de ensino-
aprendizagem é, realmente, fundamental para que isso ocorra.
24
Atualmente, a exclusão dos alunos que não se enquadram na norma, no
padrão estabelecido pela escola regular de ensino, impede que eles tenham acesso
e se apropriem dos conhecimentos científicos. A segregação é, dessa maneira,
prejudicial a tais alunos, pois, como afirma Barbosa (1999), educá-los em salas
especiais representa negar-lhes o acesso a formas ricas e estimulantes de
socialização e aprendizagem. As turmas segregadas são também prejudiciais
porque não levam à independência dos alunos que, alienados de seus pares, vivem
terríveis sensações de anomia e de isolamento. Daí a importância de ambientes
inclusivos, que apóiem e respeitem a diversidade humana. Karagiannis, Stainback;
Stainback (1999, p. 25) consideram que:
[...] alunos com deficiência recebem, afinal, pouca educação útil para
a vida real, e os alunos sem deficiência experimentam
fundamentalmente uma educação que valoriza pouco a diversidade,
a cooperação e o respeito por aqueles que são diferentes.
Como se pode ver, a educação inclusiva vem sendo analisada por diversos
autores atuais da educação e da psicologia. No entanto, Vygotsky apontava para
essa proposta quando alegava que:
[...] se o cego, o surdo-mudo, a criança mentalmente retardada for
educada separadamente da criança normal, seu desenvolvimento
procederá de uma maneira totalmente diferente e não benéfica, a
qual leva inevitavelmente à criação de um tipo de pessoa especial.
(MOLL, 1996, p. 153).
A classe inclusiva propicia aos alunos com deficiência situarem-se em um
contexto de aprendizagem mais motivador e significativo. Scotto (2002) afirma que
‘inclusão’ significa escola para todos: é um direito inalienável de toda criança,
requerendo empenho e articulação de toda a sociedade.
Por sua vez, o conceito de integração, anterior ao conceito de inclusão,
pressupõe que o aluno com deficiência tenha acesso à educação, devendo sua
formação ser adaptada às suas demandas específicas. A metáfora do conceito de
integração é o sistema de “cascata”, pois permite ao aluno transitar no sistema - da
classe regular ao ensino especial e vice-versa. Mantoan (2001), no entanto, em uma
visão bastante radical, diz que a “cascata” é uma concepção de integração parcial,
pois disponibiliza serviços segregados, que não são almejados pelos princípios da
normalização.
25
Ao discutir sobre inclusão e integração, Mazzotta (1999) alerta os educadores
que, para conquistarmos uma escola que não exclua qualquer aluno, especialmente
aqueles com deficiência, é fundamental que se compreenda que a inclusão e a
integração não se concretizam pela simples extinção ou retirada de serviços
especiais de educação. Para alguns alunos, os recursos especiais são
indispensáveis ao próprio processo de inclusão. Segundo Mantoan (2001), o
conceito de inclusão abandona a ação de apenas integrar, trazendo o propósito de
inserir todos os alunos no ensino regular. Evidencia-se, aí, uma mudança
significativa, pois não se restringe aos alunos com dificuldade, abarcando, antes,
todos os que dela participem. Nesta perspectiva, não é apenas o ser humano que
deve se adaptar à sociedade: é a sociedade que deve se modificar para atender e
acolher à diversidade. Na escola, o processo refere-se à promoção das reais
possibilidades de aprender e de obter sucesso escolar.
De acordo com Michels e Díaz (2001), a instituição de ensino regular deve ter
apoios, recursos, programas integrados, com currículos e avaliações adaptadas ao
perfil de cada aluno e, em especial, educadores com novas atitudes e competências
para assegurar o sucesso escolar de todos. As autoras assumem um
posicionamento favorável à inclusão educacional; pois acreditam que ela é não
possível, como aumenta as possibilidades das pessoas com deficiência
estabelecerem laços afetivos significativos, de se desenvolverem física e
cognitivamente e de serem membros ativos na construção de conhecimentos.
Consideram importante, também, destacar a controvérsia que existe em torno do
princípio da educação inclusiva, tendo em vista autores que defendem a inclusão
total, ou seja, que inclusão funciona para todos os alunos nas classes regulares
(Barbosa, 1999; Stainback e Stainback,1999; Mantoan, 2001), e outros que
assumem uma posição mais ponderada, admitindo que a classe regular pode não
ser a modalidade de atendimento ideal, pelo menos em tempo integral, para aqueles
alunos que ainda necessitam de atendimento especializado do serviço de educação
especial (CORREIA, 1997).
Correia (2001) alerta que é preciso garantir uma educação apropriada, na
qual a escola exerça suas atividades tendo em vista a prestação de um serviço de
qualidade aos alunos com e sem deficiência. O autor argumenta que as soluções
não o simples, nem otimistas, considerando que os alunos com deficiência se
beneficiam do ensino regular “quando existe congruência entre as suas
26
características, suas necessidades, as expectativas e atitudes dos professores e os
apoios adequados” (CORREIA, 2001). E, se isto não acontece, o autor alerta que
passamos da inclusão para a exclusão funcional, em que os programas são
indiferentes às necessidades dos alunos com deficiência.
Pacheco et al (2007) orientam que a inclusão total pode ser conquistada por
meio de um ambiente de aprendizagem escolar que manifeste altas expectativas em
relação aos alunos, que seja seguro, acolhedor e agradável. Neste ambiente, os
gestores da escola encorajam práticas inovadoras, o planejamento é colaborativo e
se conta, ainda, com o apoio de consultores externos. Assim, é possível promover a
responsabilidade social no sistema como um todo.
De acordo com Mazzotta (1993), a inclusão dos alunos com deficiência
envolve três dimensões: a física, a funcional e a social. A dimensão física implica a
redução da distância física entre os alunos com deficiência e os demais alunos,
garantindo que o aluno com deficiência deve tenha acesso a todos os ambientes da
escola; a funcional diz respeito à utilização dos recursos educacionais existentes; e a
social supõe o estabelecimento das relações sociais entre os alunos com deficiência
e os que não as têm. Stainback & Stainback (1999) afirmam que, se temos vários
aliados no caminho da educação inclusiva, cabe a nós mobilizá-los. Dentre eles,
destacam-se os pais. De fato, quando descobrirem o poder que têm para inserir
seus filhos tanto na família como na comunidade, um grande passo para a
transformação social terá sido dado. Vale mencionar, a título de exemplo, que na
década de 90, nos Estados Unidos, muitos pais abriram processos judiciais contra
escolas regulares que recusaram a matrícula para seus filhos com deficiência.
Saíram vitoriosos.
A prática da inclusão social baseia-se em princípios diferentes daqueles
presentes na sociedade tradicional: aceitação das diferenças individuais, valorização
de cada pessoa, convivência dentro da diversidade humana, aprendizagem por meio
da cooperação. Na visão rotineira em nossas escolas, o aluno é considerado,
essencialmente, uma reprodução do sujeito da razão e da consciência, determinado
por quadros de referência que mantêm estável o mundo escolar. O aluno da escola
inclusiva é sujeito sem identidade fixa, que contesta os dispositivos naturalizantes
que regulam a escola, com suas exclusões e repetências. Mantoan (2003) aponta
algumas condições que contribuem para que as escolas se tornem espaços vivos de
acolhimento, ambientes verdadeiramente inclusivos:
27
garantir o prosseguimento da escolaridade até o nível que cada aluno for
capaz de atingir;
modernizar e reestruturar as condições atuais da maioria das escolas
brasileiras (especialmente as de nível básico);
recriar o modelo educativo escolar, tendo como eixo o ensino para todos;
reorganizar pedagogicamente as escolas, abrindo espaços para que a
cooperação, o diálogo, a criatividade e o espírito crítico sejam presentes
na escola;
garantir aos alunos tempo e liberdade para aprender;
formar e valorizar continuamente o professor.
Semeghini (1998), refletindo sobre a formação inicial e a formação contínua
do professor, defende que é preciso revê-las para assegurar a estruturação da
escola inclusiva. Em todos os cursos de graduação que formam professores, são
necessárias leituras, orientações e debates que informem sobre a educação
inclusiva. Efetivamente, isso se faz urgente: ao analisarmos os currículos dos cursos
de licenciatura, raramente encontramos disciplinas que abordem esta temática.
Dessa forma, os professores continuam sendo formados para atuarem com classes
homogêneas de alunos; ou seja, classes que não existem!
Conforme defende Mittler (2003), a inclusão educacional envolve um
processo de reformulação e de reestruturação das escolas como um todo, com o
objetivo de assegurar ao conjunto de alunos o acesso às diversas oportunidades
educacionais e sociais oferecidas pela escola. Isto inclui o currículo vigente, a
avaliação, as decisões tomadas sobre o agrupamento dos alunos nas escolas, as
práticas de sala de aula, as estratégias de ensino. Os caminhos pedagógicos da
inclusão são evidenciados por Mantoan (2001), que defende o pressuposto da
educação democrática para todos, argumentando que isto só será possível à medida
que os sistemas educacionais se especializarem para lidar com a variedade de
alunos e não com apenas alguns deles: os alunos sem necessidades especiais. A
inclusão, como conseqüência de um ensino de qualidade para todos, provoca e
requer da escola brasileira novos posicionamentos, constituindo mais um motivo
para que o ensino se modernize e para que os professores aperfeiçoem suas
práticas.
Madeira (2003) considera a educação inclusiva como um dever das
sociedades que se construíram, historicamente, sobre a recusa da naturalização da
28
desigualdade entre os sujeitos. Sob esse prisma, deve-se problematizar a educação
especial, que justifica a separação de contextos e de trajetórias de vida das crianças
e jovens de uma mesma comunidade. Assim, a escola inclusiva constitui um
caminho para a educação especial, que está pautada em padrões cristalizados de
desenvolvimento e aprendizagem, formulados mediante estatísticas como média,
norma e desvio. Neste sentido, vale destacar que os padrões de referência são
avaliados assimetricamente, pelo grupo dominante.
O sucesso da inclusão de alunos com deficiência na escola regular decorre,
portanto, das possibilidades de eles progredirem, de maneira significativa, em sua
escolaridade. Para tanto, conforme já mencionado, é preciso que se dê a adequação
das práticas pedagógicas à diversidade dos alunos. Este sucesso é possível quando
a escola regular assume que as dificuldades de alguns alunos o são apenas
deles, mas resultam, em grande parte, do modo como o ensino é ministrado, a
aprendizagem concebida e a avaliação realizada. Como muito bem sabido, não
apenas os alunos com necessidades especiais são excluídos; outras vítimas do
fracasso escolar que, após várias histórias de reprovação, desistiram da escola ou,
melhor dizendo, a escola desistiu dessas pessoas. Bruno e Abreu (2006) corroboram
com esta idéia, e argumentam que a escola atual deve enfrentar o fracasso escolar,
primando pela formação integral da pessoa, sem dissociar a formação, o ensino e a
convivência do processo educativo.
Bartalotti (2004) analisou os fatores que favorecem o sucesso da inclusão de
crianças com deficiência mental na creche. Em sua visão, este sucesso não é
possível simplesmente via garantia legal, nem mesmo por intermédio de ações
informativas. O sucesso das práticas inclusivas na escola só se dará por meio de um
processo de transformação das concepções e práticas vigentes, algo que pode ser
alcançado na e pela interação dos diferentes. muitos discursos circulando em
termos do compromisso de governo com a inclusão social. As iniciativas de políticas
educacionais vêm sendo um marco nas diretrizes de propostas inclusivas. Sá (1998)
defende que a escola inclusiva equivale à escola significativa. Ao se referir aos
alunos com deficiência, argumenta que eles têm direito a uma educação plena e
significativa, e não apenas a freqüentar o ensino regular. Nesta perspectiva, glio
(2006) alerta que para conquistarmos uma escola pública de qualidade, este não
deve ser um compromisso somente dos profissionais que atuam na escola, são
necessárias políticas públicas que considerem todos os alunos.
29
3.4 O papel do professor na escola inclusiva
Discutir a construção de uma escola inclusiva e, por que não dizer, de uma
sociedade inclusiva, remete-nos ao papel desempenhado pelo professor neste
processo. Mantoan (2003) argumenta que, ao engendrar e participar da caminhada
da conquista do saber com seus alunos, ele consegue certamente compreender
suas dificuldades e possibilidades e, assim, exercer seu papel mediador de maneira
mais efetiva. Penin (1994) parece concordar com essa idéia, ao apontar que, no
contexto da sala de aula, se encontra a marca social do processo educativo, desde o
nível macro até as interações entre os diversos sujeitos que ali se encontram.
Analisemos esse processo: por exemplo, uma sala de aula freqüentada por
um aluno com SD. Diante desse grupo, este aluno difere dos demais e, tudo sendo
como é, pouco lugar para a diferença. Sabendo disso, é fundamental que o
professor analise a situação e invista em estratégias que valorizem e respeitem a
diferença. Neste sentido, Ross (2004), ao analisar as implicações do princípio da
diversidade humana quando aplicado à pedagogia da inclusão, defende que deve
predominar, em ambientes inclusivos, uma aprendizagem mais cooperativa e
desafiadora e menos competitiva. Para tanto, o professor deve abandonar o papel
de transmissor do conhecimento e assumir o papel de seu gestor, adotando novas e
variadas estratégias de aprendizagem.
Assim, cada ação do professor deverá estar pautada por uma decisão clara
do que está fazendo e para onde está encaminhando sua prática pedagógica. Ele
deve observar, analisar e refletir acerca de sua prática pedagógica como algo a ser
cotidianamente modificado, sendo parte integrante e conseqüente do processo de
ensino-aprendizagem. Espera-se, assim, que assuma uma postura política a favor
da competência de todos para a participação democrática na vida social e que tome
ações conseqüentes com esse modo de pensar (Lorenzetti, 2001).
Carvalho (2000) admite ser um desafio para todo e qualquer docente refletir
sobre sua prática pedagógica, na tentativa de remover as barreiras à aprendizagem.
Isso significa considerar as características dos alunos e, ainda, olhar de maneira
aberta para si mesmo, a escola e o sistema educacional, reconhecendo as
influências ideológicas que neles atuam. Evans (2001) reforça esse ponto de vista.
Para ele, uma das contribuições da teoria de Vygotsky está no fato de tratar
30
construtivamente os problemas educacionais relativos a crianças com necessidades
especiais, procurando soluções, no interior dos sistemas, que as possam apoiar.
Outro fator de grande importância é a necessidade de dar flexibilidade aos
currículos escolares, de modo que possam responder realmente às diferentes
necessidades dos alunos e aos contextos sócio-educacionais em que estão
inseridos. Essas necessidades relacionam-se a um currículo comum, que pode
sofrer as necessárias adaptações para assegurar e proporcionar oportunidades a
todos (Lorenzetti,2001). O fato de existir, no contexto educativo, um grupo de alunos
com diferentes possibilidades, exige que pensemos a aprendizagem de forma
coletiva e diferenciada dos moldes atuais. Ross (2004, p. 254) lembra que o
paradigma da inclusão requer que apoiemos os professores para o ensino interativo
“em rede e não em série, em compartimentos sem sentido”.
Sob esta ótica, a avaliação (impregnada de significados ditados pelos valores
do contexto) também deve ser analisada pelo professor e entendida como um
processo mais amplo do que a simples aferição de conhecimentos construídos pelos
alunos em um determinado momento escolar. Avaliar significa observar ritmos,
comportamentos, experiências, trajetórias pessoais que revelam formas de agir,
pensar e conhecer, construídas no processo de ensino-aprendizagem, a partir de
mediações estabelecidas em diferentes momentos (Lorenzetti, 2001). A avaliação
deve ser entendida como um processo constante, participativo e ativo, que enseja
oportunidades para que professores e alunos se conscientizem da evolução de sua
aprendizagem. Dessa forma, a avaliação passa a ser utilizada como instrumento de
ajuda para alunos e de tomada de decisões para escolas e sistema de ensino.
Nesse contexto, a escola deve elaborar seu projeto político-pedagógico, com
vistas a adoção de uma visão democrática de escolarização e tornar-se promotora
da autonomia e do conhecimento. Em outras palavras, deve garantir o direito à
escolarização, ao acesso e à permanência a todos os alunos, contribuindo para a
formação de sujeitos críticos, participativos, capazes de respeitar as diferenças
apresentadas no contexto histórico cultural da humanidade. Voivodic (2004) lembra
que a inclusão é um processo que deve ser entendido e analisado a partir das
condições reais de cada sociedade, pois, de outra forma, será sempre uma falácia e
uma eterna utopia. Sabemos da importância do trabalho que o professor pode
realizar em sala de aula, quando um projeto político-pedagógico que respalde a
transformação do processo educativo, envolvendo a tão esperada inclusão.
31
A Resolução CNE/CEB (Art.18) refere-se ao perfil do docente para atuar na
educação inclusiva, considerando capacitado para atuar neste contexto apenas os
profissionais que tiverem, em sua formação, conteúdos ou disciplinas sobre
educação especial. De acordo com essa resolução, os professores têm que
desenvolver competências para perceber as necessidades educacionais dos alunos,
flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas do conhecimento, avaliar
continuamente a eficácia do processo educativo e atuar em equipe de profissionais
especializados em educação especial (Rocha; Marquezine; Sanches, 2003). Um
outro aspecto importante a ser observado diz respeito às condições oferecidas para
que o professor possa desempenhar sua função com competência: participar
ativamente da construção do projeto político-pedagógico da escola, o qual deve,
necessariamente, incluir e valorizar a diversidade humana.
Mantoan (2003) afirma que o docente ideal é aquele que permite que todos
os alunos interajam para, juntos, construírem conceitos, valores e atitudes. Desta
maneira, o professor consegue entender melhor as dificuldades e as possibilidades
de cada aluno. Mas, para que isso aconteça, ele deve estar capacitado a atender às
necessidades de todos os alunos, meta a ser alcançada também pelos governos
federais, estaduais e municipais em todos os níveis de formação. Vale lembrar que
esta capacitação não deve se ater somente às informações sobre as necessidades
especiais, mas, fundamentalmente, promover a reflexão sobre o estigma, sobre as
concepções de desenvolvimento e aprendizagem que abordem o poder e o valor
das interações sociais e sobre as possibilidades de apropriação do conhecimento na
e pela interação.
3.5 As interações sociais no contexto escolar
A teoria sócio-histórica, apresenta uma importante contribuição à educação.
Ao traçar a compreensão do desenvolvimento humano, Vygotsky afirma que o
sujeito constitui-se enquanto tal, especialmente, nas e pelas interações sociais, das
trocas realizadas com outros sujeitos e não somente através dos processos de
maturação biológica. Nesta perspectiva, o desenvolvimento do psiquismo humano é
sempre mediado pelo outro, ou seja, pelas pessoas do grupo cultural, que indicam e
32
atribuem significados à realidade.
“O aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um
processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que a
cercam” (VYGOTSKY, 1991, p. 161).
Newman e Holzman (2002) concordam com o autor, quando afirmam que
está claro para o mundo que a aprendizagem ocorre em um contexto social.
Vygotsky (1991) considera que a criação das zonas de desenvolvimento próximo
(ZDP) se através das interações estabelecidas na educação escolar, favorecendo
o desenvolvimento do sujeito. Sob tal enfoque, é fundamental que os professores
compreendam a importância das interações sociais na formação de ZDP. Em
conseqüência, o autor defende:
Um ensino orientado até a etapa de desenvolvimento realizado é
ineficaz sob o ponto de vista do desenvolvimento geral da criança,
pois não é capaz de dirigir o processo de desenvolvimento: vai atrás
dele. A teoria do âmbito do desenvolvimento próximo [zona de
desenvolvimento próximo] origina uma fórmula que contradiz
exatamente a orientação tradicional: o único bom ensino é o que se
adianta ao desenvolvimento (Vygotsky, 1998, p. 47).
Daniels (2002) argumenta ter Vygotsky afirmado que os seres humanos
controlam a si próprios de fora para dentro”, por meio de sistemas simbólicos,
culturais. Neste sentido, o que importa para o desenvolvimento do pensamento é o
significado apreendido nos signos. Davis et al (1989), ao refletir sobre o papel e o
valor das interações sociais em sala, alerta que o basta o contato entre professor
e aluno, mas é fundamental, que se efetive diversos tipos de interações sociais no
grupo.
Interações sociais contribuem para a construção do saber e, por esta
razão, são consideradas educativas, referem-se, pois, a situações
específicas: aquelas que exigem coordenação de conhecimentos,
articulação da ação, superação das contradições, etc. Para tanto, é
preciso que certezas sejam questionadas, o implícito explicitado,
lacunas de informações preenchidas, conhecimentos expandidos,
negociações entabuladas, decisões tomadas. Tal intenção, no
entanto, ocorrerá apenas na medida em que [sic] houver conexões
entre seus objetivos (conhecimentos a serem construídos) e o
universo vivido pelos participantes, entendidos enquanto atores que
possuem interesses, motivos e formas próprias de organizar sua
ação. Para que os parceiros de uma dada interação abram mão da
individualidade que os move, é fundamental que o significado e a
importância da atividade conjunta estejam claros para todos os
participantes (DAVIS et al, 1989, p. 52).
33
Ao referirmo-nos ao processo de inclusão dos alunos com Síndrome de Down
no ensino regular, acreditamos que isto será possível se forem efetivadas as práticas
das interações sociais de todos os alunos, respeitando-se a heterogeneidade do
grupo. O papel do professor é fundamental neste processo. De fato, com as
mudanças provocadas pela inclusão escolar, novos desafios estão postos: acolher a
diversidade humana, interagir com todos os alunos, mediar o conhecimento e lutar
por uma aprendizagem significativa!
3.6 As redes de apoio na construção de uma escola inclusiva
Considerando a complexidade que envolve a construção de uma escola
inclusiva, é fundamental, para que a inclusão tenha sucesso, que as escolas criem e
acionem, sempre que necessário, sua rede de apoio. A criação de redes de apoio é
um passo importante no processo inclusivo, tanto para os professores quanto para
os alunos que precisam de estímulo e apoio técnico. Com a participação de outros
profissionais, os professores têm oportunidades para apontar e esclarecer suas
dúvidas acerca do processo de inclusão, trocando experiências e aperfeiçoando sua
prática. A rede de apoio pode ser formada por professores, alunos, pais, diretores,
orientadores educacionais, psicólogos, fonoaudiólogos, assistentes sociais, entre
outros profissionais da comunidade (STAINBACK; STAINBACK, 1999).
[...] uma equipe de apoio é um grupo de pessoas que se reúne para
debater, resolver problemas e trocar idéias, métodos, técnicas e
atividades para ajudar os professores e/ou os alunos a conseguirem
o apoio que necessitam para serem bem sucedidos em seus papéis
(Ibid, p. 74).
De acordo com os referidos autores, as redes de apoio têm os seguintes
princípios básicos: a) em cada sujeito, possibilidades e talentos a serem
desenvolvidos; b) todas as pessoas estão envolvidas na ajuda e no apoio mútuo; c)
os sujeitos são únicos e diferem em suas necessidades, as quais mudam com o
tempo; d) o apoio proporcionado inclui capacitar uma pessoa para não se ajudar
como, também, aos outros; e) a rede de apoio deve ser parte da instituição e
conduzida por pessoas da instituição; f) a rede de apoio é para todos. Ross (2004)
34
confirma esta idéia, ao afirmar que uma das características dos ambientes
humanizadores é a presença do apoio social, fato que permite aos alunos se
beneficiarem da escola que conta com ele, recebendo cooperação e encorajamento.
Considerando estes princípios, a escola ideal é aquela que pratica a inclusão, que
oferece apoio aos professores e alunos, que respeita as diferenças individuais e
estimula constantemente as possibilidades dos alunos.
É freqüente a presença de redes em diferentes contextos e campos
profissionais, desde a informática até as ciências sociais, despertando o interesse de
organizações governamentais ou não, que delas dispõem. Elas são particularmente
relevantes em grupos organizados pertencentes à sociedade civil, que consideram
as redes sociais como uma via para o desenvolvimento da cidadania. Freitas e
Montero (2003) apresentam uma contribuição substantiva a respeito das origens das
redes de apoio:
É comum encontrar na literatura, relatos de experiência no campo da
educação e da saúde, referentes a redes de apoio e solidariedade
que complementam o trabalho realizado pelas instituições dessas
áreas; também referências a redes geradas por instituições que
têm outras finalidades, tais como as redes ligadas a movimentos
sociais. É necessário assinalar que essas origens não são
excludentes entre si. Nos dois casos se trata de redes criadas
intencionalmente para dar resposta a certos objetivos ou
necessidades, já que elas têm recursos humanos, assim como a
possibilidade de mobilizá-los (FREITAS; MONTERO 2003, p.175).
As referidas autoras revisaram a bibliografia sobre o tema e extraíram
algumas características consideradas pela literatura como identificadoras de uma
rede:
é um conjunto de sujeitos que interagem freqüente e regularmente;
as pessoas são unidas por um interesse ou valor comum;
forma um sistema aberto: qualquer um de seus membros pode exercer a
liderança em sua área de competência;
supõe certo conjunto de crenças ou de valores, que constitui seu elemento
aglutinador;
pode ser considerada como uma estratégia social de ação e, desta
maneira, vista como uma metodologia que permite manter e criar
35
alternativas desejáveis para os membros de uma dada organização social;
é vista como o conjunto de interações espontâneas, baseadas na
solidariedade e cooperação;
tem como base a informação e o conhecimento compartilhados;
é um importante âmbito de participação e parte específica do tecido social;
representa um espaço reflexivo sobre o social.
Como podemos verificar, mais do que propiciar uma definição, os aspectos
acima mencionados evidenciam as funções que cumprem as redes sociais e suas
características constitutivas. Por isso, vale ressaltar que elas são as expressões
mais evidentes das relações sociais que construímos e que somos.
3.7 Considerações sobre a abordagem sócio-histórica
Este estudo assume os pressupostos teóricos da abordagem sócio-histórica
em Psicologia, especialmente as concepções de Vygotsky, para quem o psiquismo
humano é socialmente constituído, à medida que o ser humano transcende sua
natureza biológica e se constitui como ser cultural e histórico. Rego (2003) discute
as principais idéias de Vygotsky, presentes em toda a obra do autor. A primeira
delas refere-se à relação entre o indivíduo e a sociedade. Para esta tese, Vygotsky
afirma que as características tipicamente humanas não estão presentes desde o
nascimento, nem resultam de reações ao meio externo. Elas são o resultado da
interação dialética entre o homem e o seu meio sócio-cultural. Assim, ao mesmo
tempo que o sujeito transforma o seu meio para atender a suas necessidades
básicas, transforma-se a si mesmo. Rego analisa, neste princípio, a integração dos
aspectos biológicos e sociais do indivíduo, mencionados por Luria (1992, p. 60):
[...] as funções psicológicas superiores do ser humano surgem da
interação dos fatores biológicos, que são parte da constituição física
do Homo sapiens, com os fatores culturais, que evoluíram através
das dezenas de milhares de anos de história humana [...].
A segunda tese decorre da anterior e refere-se à origem cultural das funções
psíquicas. Para Vygotsky, as funções psicológicas especificamente humanas se
36
originam nas relações do indivíduo e seu contexto cultural e social. Não podemos
pensar o desenvolvimento psicológico como um processo abstrato,
descontextualizado, universal; o funcionamento psicológico, especificamente no que
se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado
nos modos culturalmente construídos de ordenar o real.
A terceira tese diz respeito à base biológica do funcionamento do psicológico:
o cérebro, visto como principal órgão da atividade mental. O cérebro não é um
sistema de funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, com plasticidade, cuja
estrutura e modos de funcionamento são modificados ao longo da história da
espécie e do desenvolvimento individual. A quarta idéia central refere-se à mediação
presente em toda atividade humana. A relação do homem com o mundo não é uma
relação direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os
elementos intermediários entre o sujeito e o mundo. Vygotsky confere à linguagem
um papel de destaque, considerando-a um signo mediador, pois carrega em si os
conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana. O quinto postulado de
Vygotsky aponta para a conservação das características básicas dos processos
psicológicos, exclusivamente humanos. Conforme mostra Rego (2003, p. 43):
Este princípio está baseado na idéia de que os processos
psicológicos complexos se diferenciam dos mecanismos elementares
e não podem, portanto, ser reduzidos à cadeia de reflexos. Estes
modos de funcionamento psicológicos mais sofisticados, que se
desenvolvem num processo histórico, podem ser explicados e
descritos. Assim ao abordar a consciência humana como produto da
história social, aponta na direção da necessidade do estudo das
mudanças que ocorrem no desenvolvimento mental a partir do
contexto social.
3.7.1 Desenvolvimento e aprendizagem
Vygotsky considera fundamental o papel da interação social no
desenvolvimento do ser humano. A concepção de desenvolvimento humano,
destacada no manuscrito de 1929, é diferenciada pelo caráter histórico a ela
atribuído. Silva e Davis (2004) concordam com Vygotsky:
A interação com outros indivíduos tem, para Vygotsky, um outro
caráter que não cumpre apenas a função de desenvolver a tolerância
37
ou a solidariedade. Ela é uma necessidade ontológica, ou seja, é por
meio da relação do homem com outros, com a natureza e com a
história dessas relações, que este se humaniza (SILVA; DAVIS,
2004, p. 639)
Davis e Oliveira (1994), ao explicarem a construção social do sujeito a partir
da perspectiva sócio-histórica, defendem que, por meio do convívio social, a criança
aprende a planejar, direcionar e avaliar a sua ação. As atividades práticas que
realiza criam as condições necessárias para o aparecimento da consciência,
entendida como a capacidade de distinguir entre as propriedades objetivas e
estáveis da realidade e aquilo que é vivido subjetivamente. Na ótica de Baquero
(1998:26) “... o desenvolvimento é concebido como um processo culturalmente
organizado”. O processo de desenvolvimento é a apropriação ativa do conhecimento
acessível na sociedade em que a criança vive. O sujeito forma-se pela apropriação
gradual dos instrumentos culturais e pela internalização progressiva de operações
psicológicas na vida social. Este processo não é uma simples acumulação, mas uma
reorganização da atividade psicológica do sujeito, que se como produto de sua
participação em atividades e situações sociais.
O desenvolvimento do ser humano dá-se a partir das interações com o meio
físico e social em que vive, considerando que as formas psicológicas mais
sofisticadas emergem da vida social. O desenvolvimento do psiquismo humano é
sempre mediado pelo outro, pelo grupo cultural, que atribui significados à realidade.
Para Vygotsky, este não é um processo solitário. No desenvolvimento da criança,
toda função psicológica aparece duas vezes: primeiro no plano social (regulação
interpsicológica) e, depois, na esfera do individual (regulação intrapsicológica). O
sujeito apropria-se de um conhecimento, de uma ação, e partilha essa experiência
com outros; desta ação partilhada resulta um contexto de significação no qual são
negociados significados. O que o sujeito apreende não é o significado, mas a
significação, a qual é dada pelo contexto. Esta significação será negociada no
espaço interpsicológico e internalizada de acordo com as vivências do indivíduo,
passando a fazer parte dele (BARTALOTTI, 2004).
Conforme aponta Rego (2003), os membros imaturos da espécie humana vão
se apropriando dos modos de funcionamento psicológico, do comportamento, da
cultura, do patrimônio da história da humanidade. Quando estes processos são
internalizados, começam a surgir sem a intermediação do outro. Vygotsky chamou
38
de internalização a reconstrução interna de uma operação externa. Ao internalizar as
experiências fornecidas pela cultura, a criança reconstrói individualmente os modos
de ação realizados externamente e aprende a organizar seus próprios processos
mentais. Emerge, então, a percepção da criança sobre a realidade, por meio de
recursos internalizados (imagens, representações mentais, conceitos). Bartalotti
(2004, p. 46) analisa como se este processo na criança com deficiência mental e
afirma:
Ela vive este mesmo processo! No entanto, sua peculiaridade
envolve dificuldades específicas na compreensão, na generalização,
nos processos de atenção e memória. Estes fatores não podem ser
desconsiderados, nem analisados de maneira descontextualizada
(BARTALOTTI, 2004, p. 46).
A autora defende que não basta acreditar que a repetição garantirá partilhar
os significados de maneira adequada: isso não ocorre. O que acontece é uma
mecanização de uma resposta que, dificilmente, se transformará em um instrumento
de mediação interna (de auto-regulação da conduta). Na perspectiva de Vygotsky, o
desenvolvimento de todas as crianças deve caminhar em direção à independência e
à autodeterminação. Para tanto, elas precisam desenvolver instrumentos
psicológicos que lhes permitam maior flexibilidade frente às demandas do meio.
Estes seriam, para Vygotsky, os processos psicológicos superiores. O
desenvolvimento das funções psicológicas superiores é, em um primeiro plano, uma
construção coletiva; posteriormente, transforma-se em funções psíquicas da
personalidade. Nesta perspectiva, Vygotsky (1998) explica a constituição dos
processos psicológicos por duas linhas: a natural e a cultural. A linha natural refere-
se à constituição dos processos elementares - regulados por mecanismos
biológicos, envolvendo formas elementares de memorização, a atividade sensório-
perceptiva e a motivação instintiva - determinados pela estimulação ambiental. A
linha cultural refere-se aos processos sociais, que focalizam os processos de
apropriação da cultura.
Na mesma direção, Sirgado (2000, p. 54) vale-se de Vygotsky para explicar
como ocorre a constituição das funções psicológicas superiores:
Segundo Vygotsky, o desenvolvimento cultural passa por três
estágios: desenvolvimento em si, para os outros, e para si mesmo
Neste contexto, a expressão “em si” quer dizer ‘aquilo cuja existência
39
não depende da ação do homem’; a expressão “para si” é o “em si”
como objeto da consciência do homem; e, o “para os outros”, é o
equivalente do “para si”, mas com a consciência do outro. Isto
significa, que “nós nos tornamos nós mesmos através dos outros.
Com estas formulações, Vygotsky sugere que o desenvolvimento cultural
passa, necessariamente, pelo “outro”. Esse é o motivo pelo qual seu fator dinâmico
não reside na natureza biológica do homem e, sim, em algo externo a ela: o
mediador entre o ser humano e o “outro” é, assim, a significação que este outro
atribui às ações naturais do primeiro (SIRGADO, 2000). Para Vygotsky, os
processos psicológicos superiores são subdivididos em dois:
a) os rudimentares, adquiridos na vida social em geral, mediados por signos,
produzidos pela internalização da atividade social;
b) os avançados, caracterizados por um grau maior de independência do
contexto, são voluntariamente regulados e conscientes. Sua aquisição
ocorre em processos específicos de socialização como, por exemplo, nos
processos de escolarização.
Sirgado (2000) endossa esta idéia, afirmando que as funções psicológicas
superiores são uma transposição para o plano pessoal das funções inerentes às
relações sociais em que o ser humano está envolvido. Pontua que essas últimas são
determinadas pelo modo de produção que prevalece no social, em um dado
momento histórico.
3.7.2 O desenvolvimento dos conceitos científicos na infância
Vygotsky, quando se preocupou com a criação de métodos eficientes para a
instrução das crianças em idade escolar, considerou fundamental entender como se
o desenvolvimento dos conceitos científicos. O autor levantou as seguintes
questões: “O que acontece na mente da criança com os conceitos científicos que lhe
são ensinados na escola?” Qual é a relação entre a assimilação da informação e o
desenvolvimento interno de um conceito científico na consciência da criança?
(VYGOTSKY, 1998, p. 103).
40
A psicologia infantil apresenta duas respostas para essas questões. Uma
escola de pensamento defende que os conhecimentos científicos não têm história
interna, não passam por qualquer processo de desenvolvimento: são absorvidos
prontos, por meio de um processo de compreensão e assimilação. A outra escola
não nega a existência de um processo de desenvolvimento na mente da criança em
idade escolar, mas também não difere, em nenhum aspecto, do desenvolvimento
dos conceitos formados pela criança em sua experiência cotidiana (VYGOTSKY,
1998). Mais adiante, o autor assinala o que já se sabe a respeito deste processo:
Como sabemos, a partir das investigações sobre o processo de
formação de conceitos, um conceito é mais do que a soma de certas
conexões associativas formadas pela memória, é mais do que um
simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que
não pode ser ensinado por meio de treinamento, podendo ser
realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança
tiver atingido o nível necessário. Em qualquer idade, um conceito
expresso por uma palavra representa um ato de generalização
(VYGOTSKY, 1998, p. 104).
Neste sentido, é importante destacarmos que um conceito não vai ser
aprendido tal qual é ensinado, pois não existe um processo linear entre ensinar e
aprender. A palavra representa uma função importante neste processo, pois um
conceito expresso por uma palavra representa um ato de generalização. Ademais,
os significados das palavras evoluem:
Quando uma palavra nova é aprendida pela criança, o seu
desenvolvimento mal começou: a palavra é primeiramente uma
generalização do tipo mais primitivo; à medida que o intelecto da
criança se desenvolve, é substituído por generalizações de um tipo
cada vez mais elevado processo este que acaba por levar à
formação dos verdadeiros conceitos. O desenvolvimento dos
conceitos, ou dos significados das palavras, pressupõe o
desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada,
memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar.
Esses processos psicológicos complexos não podem ser dominados
apenas através da aprendizagem inicial (VYGOTSKY, 1998, p. 104).
Vygotsky diferencia os conceitos cotidianos dos conceitos científicos. Os
primeiros são desenvolvidos no decorrer das atividades práticas da criança, de suas
interações sociais imediatas. os conceitos científicos são adquiridos por meio do
ensino e fazem parte de um sistema organizado de conhecimentos. Para o autor, o
desenvolvimento dos conceitos cotidianos e dos conceitos científicos relaciona-se e
41
influencia-se constantemente.
A inter-relação entre os conceitos científicos e os conceitos
espontâneos é um caso especial de um tema mais amplo: a relação
entre o aprendizado escolar e o desenvolvimento mental da criança
(VYGOTSKY, 1998, p.117).
O estudo dos conceitos científicos desempenha um papel importante na
educação. Conforme aponta Vygotsky, é no início da idade escolar que as funções
intelectuais superiores, com suas características tais como a consciência reflexiva e
o controle deliberado, adquirem um papel importante no processo de
desenvolvimento. Neste período, a atenção passa a ser voluntária e fica cada vez
mais atrelada ao pensamento da criança; a memória mecânica transforma-se em
memória lógica, orientada agora pelo significado.
3.8 A apropriação da linguagem escrita na perspectiva histórico cultural.
A obra de Vygotsky reflete o seu interesse pelo desenvolvimento de uma
cultura escrita, e pela compreensão dos processos psicológicos implicados em sua
aquisição. Gerken (2001, p.57) vale-se de Vygotsky para explicar a concepção da
escrita na perspectiva histórico-cultural:
Vygotsky concebe a escrita como um sistema particular de signos
cuja posse prenuncia um momento crítico em todo o
desenvolvimento cultural da criança, uma vez que o seu domínio
representa a conquista de uma série de funções psicológicas
complexas como a memória lógica, a atenção consciente e o
raciocínio abstrato. Atento para os aspectos particulares de
apreensão deste sistema complexo de signos, o autor concebe o seu
desenvolvimento como um processo que comporta tanto evoluções,
quanto involuções. Trata-se, por conseguinte, de uma concepção
que pretende dar conta deste processo apontando as
descontinuidades e rupturas que se evidenciam desde a sua gênese.
A tarefa da Psicologia é mostrar, então, o que conduz as crianças a
escrever e qual a sua relação com o aprendizado escolar.
Na perspectiva de Vygotsky (1998), a única forma de nos aproximarmos de
uma solução correta para a psicologia da escrita é compreendermos toda a história
do desenvolvimento dos signos na criança. O autor considerou que a Psicologia não
42
estava em condições de escrever uma história coerente ou completa da linguagem
escrita nas crianças, mas somente distinguir os pontos importantes deste
desenvolvimento e discutir as suas principais mudanças.
Na pré-história da escrita, o aparecimento do gesto é o signo visual inicial que
contém a futura escrita da criança. Os gestos são a escrita da criança no ar, e os
signos escritos são gestos que foram fixados. Nesta dimensão, a explicação segue
na direção das transformações pelas quais passam o rabisco: que deixa de ser um
gesto fixado numa superfície para se transformar num gesto indicador de um objeto,
e posteriormente, por meio do brinquedo e dos jogos de faz de conta, os objetos
tornam-se suportes dos gestos indicativos, transformando-se em objetos substitutos,
isto é, em um sistema de representação (Vygotsky, 1998).
A criança precisa fazer uma descoberta básica: que além das coisas, é
possível desenhar também a fala. Para Vygotsky (1998, p153) “foi essa descoberta e
somente ela, que levou a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e
frases; essa mesma descoberta conduz as crianças à escrita literal”. Em seguida, a
escrita transforma-se em um simbolismo de primeira ordem, desligando-se da
linguagem oral para representar diretamente os significados do mundo concreto.
Considerando as principais conclusões que Vygotsky formula, destacamos
uma dimensão que deve ser tomada como pressuposto epistemológico para se
pensar sobre a natureza dos processos psíquicos que norteiam o aprendizado da
escrita. Trata-se da idéia de que a leitura e a escrita devem fazer parte das
necessidades da criança, assumindo uma posição relevante em sua vida . A escrita
precisa ter significado para as crianças, e isto ocorre à medida que uma necessidade
intrínseca é incorporada a uma tarefa necessária (Gerken, 2001).
Vygotsky (1998) defende que a escrita deve ser ensinada naturalmente, em
situações de brincadeira, nas quais as crianças sintam a necessidade de ler e
escrever. Assim, o autor alerta que a escrita não deve ser uma imposição da escola,
e ressalta que o desenhar e o brincar deveriam ser estágios preparatórios ao
desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças. Seguindo esta linha de
pensamento, os educadores devem organizar as ações educativas, levando em
consideração o seguinte pressuposto: “devemos ensinar às crianças a linguagem
escrita e não apenas a escrita de letras” (op.cit. p.134).
Para Luria (1986), a história da escrita na criança se inicia antes da primeira
vez em que o professor oferece um lápis e mostra como se formam as letras. Assim,
43
quando a criança entra na escola, ela adquiriu um patrimônio de habilidades e
destrezas que a habilitará a escrever em um curto espaço de tempo. O autor define
a escrita como uma função que se realiza “culturalmente, por mediação”. Ele
sustenta que:
A condição mais fundamental exigida para que a criança seja capaz
de tomar nota de alguma noção, conceito ou frase é que algum
estímulo, ou insinuação particular, que, em si mesmo, nada tem que
ver com esta idéia, conceito ou frase, é empregado como um signo
auxiliar cuja percepção leva a criança a recordar a idéia à qual se
refere (Luria, 1986, p.144).
Nesta perspectiva, para que uma criança escreva ou anote, duas condições
são necessárias: a primeira condição é que as relações que a criança estabelece
com as coisas ao seu redor devem ser diferenciadas pelo interesse que os objetos
despertam na criança. A segunda condição é que a criança seja capaz de controlar
seu comportamento e desenvolver uma relação funcional com as coisas. A partir
desta relação, as complexas formas intelectuais do comportamento humano
começaram a se desenvolver (Luria, 1986).
Vygotsky considera que a apropriação da linguagem escrita é mais complexa
para a criança do que a da linguagem oral, porque exige um alto grau de abstração.
Trata-se de uma linguagem sem entonação, sem expressividade; é uma linguagem
em pensamento. Neste sentido, o caráter abstrato da linguagem escrita constitui-se
em uma das maiores dificuldades enfrentadas pela criança durante o processo de
aquisição da escrita. O autor explica que:
A linguagem escrita, continua mostrando a investigação, é mais
abstrata que a oral também em outro sentido. É uma linguagem sem
interlocutor, o que constitui uma situação completamente nova para a
conversação da criança. A situação da linguagem escrita é uma
situação em que a pessoa a quem se dirige está ausente ou não se
acha em contato com quem escreve. Trata-se de uma linguagem
monólogo, da conversação com uma folha de papel em branco, com
um interlocutor imaginário, enquanto que qualquer situação de
linguagem oral é uma situação de conversação. A situação de
linguagem escrita é uma situação que exige da criança uma dupla
abstração: do aspecto sonoro e do interlocutor (Vygotsky, 1993,
p.229).
A ausência do interlocutor acarreta a necessidade de se imaginar, de se
representar, no discurso escrito, o grau de conhecimento compartilhado deste
44
mesmo interlocutor sobre o tema; porque não é possível significar pelo tom de voz,
exigindo outros mecanismos mais complexos de expressão; acarreta ainda a
impossibilidade de resposta imediata, atribuindo ao discurso uma estruturação mais
complexa (ROJO, 1997).
Outra particularidade da linguagem escrita está ligada à voluntariedade e à
consciência. Isto exige que a criança atue de um “modo mais intelectual”, tomando
consciência do próprio processo de fala. Com base na premissa que a linguagem
escrita é um processo totalmente diferente da linguagem oral, desde a natureza
psíquica das funções que a integram, Vygotsky explica porque se manifesta uma
separação entre elas:
esta separação está determinada pela separação entre os níveis de
desenvolvimento da atividade espontânea, involuntária e não
consciente por um lado e a atividade abstrata, voluntária e
consciente por outro (Vygotsky, 1993, p 232).
Smolka (2003) defende que a escrita não é somente um “objeto de
conhecimento na escola”. Como uma forma de linguagem, a escrita constitui o
conhecimento na interação. Portanto:
Não se trata, então, apenas de ensinar (no sentido de transmitir) a
escrita, mas de usar, fazer funcionar a escrita como interação e
interlocução na sala de aula, experienciando a linguagem nas suas
várias possibilidades. No movimento das interações sociais e nos
momentos das interlocuções, a linguagem se cria, se transforma, se
constrói, como conhecimento humano (SMOLKA, 2003, p.45).
O sentido atribuído à palavra é fruto da utilização das palavras nos diversos
contextos. Na dimensão da abordagem histórico-cultural, a linguagem é uma
atividade criadora e constitutiva de conhecimento, e por esta razão, é
transformadora. A construção do conhecimento sobre a escrita, dentro ou fora da
escola, processa-se no jogo das representações sociais e dos interesses envolvidos,
sendo permeada pelos usos, funções e experiências sociais de linguagem e
interação verbal. Nesse processo, destaca-se a relevância do papel do “outro” como
constitutivo de nós mesmos e de nosso próprio conhecimento (SMOLKA, 2003).
Nesta perspectiva, o processo de conhecimento é concebido como produção
simbólica, tendo lugar na dinâmica interativa.
Esse também é o pensamento de Freitas (2000), quando afirma que todo
45
conhecimento é construído na partilha com o outro. A autora explica que é: “pelo
outro que vou percebendo o mundo ao meu redor e construindo, a partir dele, o meu
próprio” (Freitas, 2000, p.63). Nesta dimensão transformadora, o outro desempenha
um papel fundamental, pois a partir de experiências significativas com a linguagem
escrita, a criança descobre o prazer de ler e escrever. É importante ressaltar o papel
do professor que, ao transmitir o valor da linguagem, demonstra a importância que
ela tem para si. Assim, para que o professor funcione como um mediador para os
alunos, ele também deverá ter uma relação prazerosa com a leitura e a escrita. Rojo
(2006) explica que o repertório cultural do professor faz toda a diferença na escola,
pois se ele não lê jornais, revistas e livros de literatura, não terá condições de
dominar os gêneros que circulam nesses portadores de textos. A autora destaca que
se a escola não valoriza a cultura local, levando em consideração o que e para quê
as pessoas lêem, o trabalho “fica aborrecido, provoca indisciplina, desistência e
resistência”.
Costa (2000) corrobora com esta idéia, e argumenta que a escola
desempenha um papel importante na estruturação conceitual da criança e do jovem.
Ela deve ser feita a partir de definições, referências ou conceitos, mediados pelo
conhecimento acumulado nas diferentes ciências e consolidado na cultura. Diante
desta perspectiva, os significados propiciam a mediação semiótica entre o sujeito e o
mundo real. Para Vygotsky (1993, p.104):
O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito
do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de
um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento. Uma
palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um
critério da “palavra”, seu componente indispensável. Pareceria,
então, que o significado poderia ser visto como um fenômeno da fala.
Mas, do ponto de vista da psicologia, o significado de cada palavra é
uma generalização ou um conceito. E como as generalizações e os
conceitos são inegavelmente atos de pensamento, podemos
considerar o significado como um fenômeno do pensamento.
Na perspectiva adotada por Vygotsky (1993), a linguagem do outro assume
um caráter de instrumento mediador entre a criança e o mundo, possibilitando a
aprendizagem da criança. A aprendizagem impulsiona o desenvolvimento da criança
e esse último, tendo avançado, permite novas aprendizagens. Daí a postulação de
Vygostsky, segundo o qual, na articulação desenvolvimento aprendizagem,
construímos as funções psicológicas superiores:
46
Todas as funções psico-intelectuais superiores aparecem duas vezes
no decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas
atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções
interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como
propriedades internas do pensamento da criança, ou seja, como
funções intrapsíquicas (Vygotsky, 1993).
Rojo (2000), ao analisar os modos de transposição dos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental às práticas de sala de aula,
argumenta que a seleção dos objetivos de ensino e a elaboração do projeto de
ensino-aprendizagem estão submetidas a uma “dupla determinação”: a das
possibilidades e a das necessidades de aprendizagem. Para tanto, a autora ressalta
a necessidade da formação do professor em uma teoria de base sócio-histórica
vygotskiana, acreditando que só assim o professor será capaz de:
- avaliar o desenvolvimento real de seus alunos, e a partir desta avaliação,
indicar quais serão as possibilidades de aprendizagem para cada objeto de ensino;
- refletir sobre as necessidades de aprendizagem, com base na perspectiva
sócio-histórica, e eleger os “objetos históricos-culturais” que serão propostos para a
aprendizagem no desenvolvimento potencial do aluno, na criação de zonas
potenciais de desenvolvimento;
- refletir sobre os processos de interação e a mediação simbólica em sala de
aula.
Contrariando uma prática muito difundida nas escolas - a de que as crianças
em fase de alfabetização devam praticar a leitura de forma isolada -, Nogueira
(1993) analisou a mediação pelo outro no processo de leitura, tendo como foco os
modos de negociação entre dois sujeitos durante a atividade de leitura conjunta. A
partir deste estudo, a autora explicita que o desenvolvimento das crianças pode ser
constituído e transformado pelas interações e relações de ensino, na escola. A
apropriação da escrita, pela criança, é mediada pelo outro e pelos signos. Diante
deste processo, a mediação do professor e dos parceiros de classe é importante no
sentido da construção conjunta da atividade, a partir das condições oferecidas no
espaço escolar.
Schiochetti (2004) explica que alfabetizar é promover o domínio do princípio
alfabético, com o objetivo que as crianças usem a língua escrita como veículo para
construção e troca de sentidos em sua interação social. Para tanto, é necessário que
dominem o sistema alfabético, ou seja, que tomem consciência acerca da existência
47
da palavra, da sílaba e das relações entre grafemas e fonemas. Nesta perspectiva:
para compreender a aprendizagem do sistema alfabético, é preciso
saber exatamente o que é o alfabeto, como ele se tornou capaz de
representar a linguagem no nível dos fonemas, de que capacidades
nós precisamos para apreender essa relação, e como a
representação alfabética pode ser modulada por convenções
ortográficas (MORAIS, 1996, p.50).
Schiochetti (2004) esclarece ainda que o domínio destas questões não é o
objetivo do processo de alfabetização. Salienta, entretanto, que sem esse domínio,
não é possível atingir o verdadeiro objetivo da alfabetização, que é a construção de
sentidos, utilizando-se a linguagem escrita na interação social. Neste sentido, Rojo
(2007) explica que a alfabetização não deixa de ser um momento do letramento, em
que a escola leva o aluno a conhecer e dominar as relações entre fonemas e letras
que constituem o alfabeto. A autora assinala que isto serve “não meramente para
conhecê-los e decodificá-las”, mas para utilizar a escrita em práticas letradas
concretas e de circulação social.
Neste sentido, a alfabetização deve, ela também, além de trabalhar o
conhecimento do alfabeto, fazê-lo sobre textos em gêneros de
circulação social concreta, importantes para a prática social ativa e
cidadã dos alunos: desde guiar-se por receitas e rótulos nas práticas
cotidianas culinárias, até deleitar-se com um romance ou escrever
uma carta de leitor a um jornal marcando posição. Nada impede que
as práticas alfabetizadoras se dêem sobre textos interessantes e
relevantes, ao invés de sobre frases descontextualizadas e às vezes
inimagináveis, como a girafa está na geladeira, somente porque
estas apresentam determinada letra ou família (ROJO, 2007, p.07)
Estes posicionamentos corroboram o pensamento de Vygotsky (1993),
quando ele critica o ensino tradicional da linguagem escrita por meio da
mecanização empregada nos métodos tradicionais de alfabetização. Para o autor, a
criança é ensinada a desenhar letras e a formar palavras, sem entrar em contato
com a linguagem escrita e tendo como foco somente o treino motor. Seguindo esta
linha de pensamento, Vygotsky defende que a linguagem escrita, como um
simbolismo de primeira ordem, o pode ser alcançada por intermédio de métodos
mecânicos e externos à criança, requerendo, antes, um processo de
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, bem como o de
desenvolvimento dos signos na infância. Nesse sentido, as práticas de alfabetização
48
e letramento devem valorizar a função social da escrita, levando os alunos em fase
de alfabetização a ter interesse e prazer em compreender a utilidade da escrita e de
sua circulação social, bem como suas finalidades e suas formas (Rojo, 2007).
49
4 MÉTODO
Este estudo teve por objetivo investigar os aspectos-chave envolvidos no
processo de construção da escrita de uma criança com Síndrome de Down, visando
à compreensão dos indícios que revelam progressos no processo de apropriação da
escrita, durante as atividades regulares em uma turma no início do ensino
fundamental.
4.1 Escolha da modalidade de pesquisa
Para atender aos objetivos propostos, o estudo desenvolveu-se a partir de um
enfoque qualitativo de pesquisa, que se configurou como o mais adequado para
responder nossa pergunta. Considerando que se pretendeu analisar uma situação
particular, ou seja, os aspectos-chave na construção da escrita por uma criança com
Síndrome de Down no processo de inclusão no ensino regular, não temos hipóteses
a priori; elas foram construídas, indutivamente, a partir das situações observadas em
campo, das entrevistas realizadas e da análise documental.
A influência dos métodos qualitativos no estudo de várias questões
educacionais e sociais intensificou-se nas últimas décadas. Pesquisadores na área
de educação vêm manifestando uma atitude positiva frente às modificações nas
estratégias de investigação, contemplando a abordagem qualitativa. Bodgan e Biklen
(1994) defendem que a abordagem qualitativa pode ser incorporada na prática
educativa, contribuindo para a eficácia da educação. Os referidos autores
apresentam cinco características básicas que configuram esse tipo de estudo:
a fonte direta de dados é o ambiente natural e o pesquisador é o seu
principal instrumento;
os dados coletados são predominantemente descritivos, o material é rico
em descrições de pessoas, situações, interações, fatos;
o foco está mais no processo do que simplesmente no resultado ou no
produto;
o ponto de vista dos participantes é fundamental;
50
a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.
Uma das formas que a pesquisa qualitativa pode assumir é o estudo de caso,
que vem sendo adotado muito tempo em diferentes áreas do conhecimento:
sociologia, antropologia, psicologia, administração, serviço social, medicina e demais
áreas da saúde. Conforme explica André (2005, p.13), a origem dos estudos de caso
em sociologia e antropologia foi registrada no final do século XIX e início do século
XX, por Fréderic Le Play, na França e Bronislaw Malinowski e demais membros da
Escola de Chicago, nos Estados Unidos. Na área da educação, os estudos
aparecem somente em manuais de metodologia de pesquisa nas décadas de 60 e
70. Para Ludke e André (1986), o estudo de caso tem elevada aceitação na área da
educação, devido ao seu potencial para estudar as questões relacionadas à escola.
Para as autoras, o estudo de caso “é o estudo de um caso”. O “caso” deve ser bem
delimitado, devendo ter seus contornos bem definidos no desenvolvimento do
estudo. Portanto, quando queremos estudar algo singular, que apresente um valor
em si mesmo, o estudo de caso é o mais apropriado. Ludke e And (1986)
destacam, ainda, os princípios fundamentais do estudo de caso qualitativo:
visam à descoberta;
enfatizam a interpretação em contexto;
buscam retratar a realidade de forma completa e profunda;
utilizam uma variedade de informações, procurando representar diferentes
pontos de vista em diferentes situações;
revelam a experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas;
procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista
presentes numa situação social;
adotam, em seus relatos, uma linguagem mais flexível do que a usada em
outros relatórios de pesquisa.
Diante destas características, as autoras questionam: qual a distinção entre o
estudo de caso e outros tipos de pesquisa? E respondem:
A preocupação central, ao desenvolver esse tipo de pesquisa, é a
compreensão de uma instância singular. Isso significa que o objeto
estudado é tratado como único, uma representação singular da
realidade que é multidimensional e historicamente situada. Desse
modo, a questão sobre o caso ser ou não típico, isto é,
empiricamente representativo de uma população determinada, torna-
se inadequada, que cada caso é tratado como tendo um valor
intrínseco (LUDKE; ANDRÉ,1986, p.21).
51
Na perspectiva de Bodgan; Biklen (1994), o estudo de caso difere dos demais
por consistir na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma fonte de
documentos ou de um acontecimento específico. Vianna (2003) também concorda
que a observação é uma das mais importantes fontes de informação em estudos
qualitativos na área da educação, pois:
Sem acurada observação, não ciência. Anotações cuidadosas e
detalhadas vão constituir os dados brutos das observações, cuja
qualidade vai depender, em grande parte, da maior ou menor
habilidade do observador e também da sua capacidade de observar,
sendo ambas as características desenvolvidas, predominantemente,
por intermédio de intensa formação (VIANNA, 2003, p.12).
Stake (1995), um dos autores clássicos na literatura sobre estudo de caso,
distingue três tipos de estudo de caso:
a) o intrínseco, quando o pesquisador tem por objetivo a compreensão de
um caso particular, que é, em si mesmo, o interesse da investigação;
b) o instrumental, quando um caso é examinado para elucidar um assunto,
para refinar uma teoria, para proporcionar conhecimento sobre algo que
não é o caso em si. O estudo de caso funciona, nesse caso, como um
instrumento para compreender outro fenômeno;
c) coletivo, quando o caso busca permitir, por meio da comparação com
outros casos, um conhecimento aprofundado sobre o fenômeno estudado.
Na perspectiva de Stake (1995), para cada tipo de caso são indicados
métodos de coleta diferenciados, que variam de acordo com o fenômeno a ser
pesquisado.
Yin (2005) destaca três princípios que devem ser considerados para se
realizar um estudo de caso de alta qualidade:
a) a utilização de várias fontes de evidências, e não apenas uma fonte. A
vantagem mais importante que se apresenta no uso de fontes múltiplas é
o desenvolvimento de linhas convergentes de investigação, uma
triangulação de dados. Uma descoberta ou conclusão seacurada se
apoiada em várias fontes distintas de informação;
b) a criação de um banco de dados para o estudo de caso, para organizar e
documentar sistematicamente os dados coletados;
c) a manutenção de um encadeamento de evidências.
52
4.2 Procedimentos
4.2.1 Participantes
A escolha dos participantes foi intencional. Desde agosto de 2003,
acompanho uma criança com Síndrome de Down que freqüenta a educação infantil
de uma escola privada em Santa Catarina. Este acompanhamento é sistemático:
faço observações em sala, discuto o caso com as professoras, a orientadora
pedagógica e os pais. Conto ainda com uma estagiária do Curso de Graduação em
Psicologia, que auxilia nos registros de campo. A criança que participou desse
estudo passou para a 1
a
série do ensino fundamental em fevereiro de 2005; no ano
de 2004, foi alvo de uma investigação
4
, em nosso grupo de pesquisa, que avaliou o
desenvolvimento de sua escrita em uma situação individual, a saber, na interação
entre a pesquisadora e o sujeito de pesquisa. Agora, neste estudo, analisamos o
desenvolvimento da escrita dessa criança no grupo-classe e na sala de aula,
levando em consideração as interações criança-criança, professor-criança e os
apoios disponibilizados para auxiliar esse aluno a aprender a escrever: as
professoras da e 2ª série do ensino fundamental, a estagiária que o acompanhou
nesse período, a psicóloga do serviço especializado (núcleo de apoio) e os pais do
menino. Esses atores constituíam o que chamamos aqui de rede de apoio.
Participaram também desta pesquisa, na condição de rede de apoio, a
coordenadora do ensino fundamental, a orientadora pedagógica e os colegas de
sala de aula da criança,. seus pares.
4.2.2 Instrumentos de coleta de dados
Os dados foram coletados no período de março de 2005 a novembro de
2006. No ano de 2005, foram realizadas visitas sistemáticas e semanais à escola,
4
GÂNDARA, V.S. Caminhos Trilhados na Compreensão da Representação Escrita por uma Criança
com Síndrome de Down: um estudo de caso. Dissertação de Mestrado.Educação: UNIVALI, 2OO5.
53
com duração de duas a quatro horas cada uma delas. No ano de 2006, mais visitas
sistemáticas e mensais foram feitas à escola, com o objetivo de ampliar os dados
para fins de análise.
Para a coleta de dados adotamos os seguintes instrumentos:
a. análise documental referente à escola. O projeto político-pedagógico foi
analisado com o objetivo de caracterizar a escola a partir de seus
aspectos históricos, organizacionais e principalmente de sua concepção
da educação.
b. observação sistemática das atividades em sala e nos ambientes da escola
em que a criança escrevia, com foco nas interações crianças-criança e
criança-adultos. As observações foram registradas em diário de campo.
c. Realização de entrevistas com (Anexos 1, 2, 3, 4 e 5):
as professoras da e da série do ensino fundamental e a estagiária
do serviço especializado (núcleo de apoio), para identificar a visão que
tinham acerca da criança; da rotina da criança na sala de aula; da
interação que mantinham com a criança e da interação com sua família;
a coordenadora do ensino fundamental e com a orientadora
educacional, para conhecer a visão da escola sobre a educação
inclusiva;
a psicóloga do serviço especializado, para conhecer sua visão sobre a
educação inclusiva e sua proposta de trabalho psico-pedagógico para
Marcos (sujeito do estudo) e da integração deste apoio às propostas da
escola;
os pais (pai e mãe), para identificar sua visão sobre a criança (principais
problemas e qualidades), a forma como avaliam a escola, bem como a
percepção mantida acerca da rotina da criança e da interação da família
com o filho. A pesquisadora manteve um contato mais próximo com a
mãe, conversando na escola, otimizando os momentos em que a mãe
levava seus filhos à escola e participando de algumas reuniões que teve
com a orientadora educacional;
d) Análise de todos os materiais escritos pela criança, nos anos de 2005 e
2006, incluindo os cadernos e as pastas que agruparam a produção
escrita em folhas de sulfite A4; para estudar o processo de apropriação da
escrita.
54
e) Análise das avaliações bimestrais, realizadas pelas professoras da 1ª
série e da série, para compreender os progressos na escrita e outras
aprendizagens da criança.
4.3 Procedimentos para Análise de Dados
Após o período de coleta sistemática, os dados foram organizados a partir de
várias leituras e de construção, a posteriori, de categorias de análise. O primeiro
passo dado para organização e análise dos dados foi a construção de um quadro
síntese, com o registro das atividades de escrita realizadas pela criança; estas
atividades foram agrupadas de acordo com os aspectos figurativos da escrita, com o
local onde foi produzida (na escola ou em casa) e com a modalidade de apoio
recebida (se com auxílio de um adulto ou se sozinho). As avaliações bimestrais das
professoras foram agrupadas em três categorias: somente leitura e escrita, outras
aprendizagens escolares, comportamento e socialização. Esses registros foram
analisados mensalmente. A partir deste quadro inicial, tentamos identificar quais
foram os aspectos da escrita que sinalizavam mudanças significativas.
Selecionamos, assim, as atividades que demonstraram os avanços nos aspectos
gráficos e fonológicos, identificando como se deu a mediação do adulto em cada
caso específico. No processo de apropriação da linguagem escrita, identificamos
três categorias de análise: a) o aluno realiza cópia sem qualquer significado; b) o
aluno escreve com ajuda de um adulto; c) o aluno escreve sozinho.
4.4 Estratégias para buscar validação interna
Para buscar a validação interna desta pesquisa foram utilizados os seguintes
recursos:
a. triangulação de dados: os dados foram coletados a partir de entrevistas,
observações, análise documental e análise de produção escrita. Estes instrumentos
ofereceram dados que foram transformados em resultados e confluíram em uma
55
mesma direção;
b. sistematicidade das observações, as quais foram realizadas durante um
período de dois anos, na mesma escola, permitindo verificar a consistência dos
dados coletados;
c. discussões regulares das interpretações realizadas pela pesquisadora com
a orientadora da pesquisa e com outros profissionais da área de educação e
psicologia, permitindo sua confrontação.
4.5 Aspectos Éticos
O presente estudo foi realizado de acordo com princípios éticos traduzidos
em:
- explicitação para todos os envolvidos da relevância social e científica da
pesquisa, evidenciando a importância do estudo para os participantes;
- consentimento livre e esclarecido dos participantes envolvidos (Anexo 6 e 7);
- garantia do sigilo quanto à identidade dos participantes.
56
5 ANÁLISE DOS DADOS
5.1 Descrição do sujeito
Marcos
5
: tem 11 anos de idade, é aluno de uma turma de 2
a
série do ensino
fundamental, no Colégio de Aplicação de uma Universidade de Santa Catarina.
Estuda nesse colégio quatro anos; nos dois anos anteriores, freqüentou a
educação infantil, permanecendo dois anos com a mesma professora de turma;
iniciou o ensino fundamental no ano de 2005. A família é constituída de pai, mãe e
um irmão de 09 anos (que freqüenta a 3
a
série do ensino fundamental, no mesmo
colégio). O pai é professor universitário, concluiu o Doutorado dois anos. No
período em que Marcos foi aluno da série, seu pai teve contato com a família
somente de sexta-feira a domingo, devido aos compromissos assumidos com o
trabalho na cidade vizinha, a 100 km da cidade onde reside a família. Segundo o
próprio relato do pai, ficou combinado entre o casal que, neste momento, a mãe
assumiria mais o papel de cuidar e educar os filhos. No período em que Marcos
freqüentou a rie, seu pai retornou para casa, e passou a participar diariamente
da educação dos filhos. A mãe cursou o ensino médio completo, não trabalha, e
disponibiliza uma parte significativa do seu tempo livre para as atividades de Marcos:
natação, fonoaudiologia, atendimento psicopedagógico, eqüoterapia, tai ken do,
passeios, viagens, compras.
Marcos iniciou o processo de estimulação precoce
6
aos quarenta dias de vida
e, dos dezoito meses até os quatro anos de idade, freqüentou uma instituição de
ensino regular. A partir daí, a família mudou-se para a Europa, permanecendo
dezenove meses. Segundo relato da mãe, a experiência escolar não foi positiva para
Marcos, devido à mudança de idioma (língua inglesa). Durante três meses e meio,
ele freqüentou uma escola de ensino regular, sendo, depois, transferido para uma
escola especial, da qual participou durante quinze meses, até todos retornarem ao
Brasil. Aqui chegando, voltou para a mesma escola que havia freqüentado até os
5
Nome fictício
6
A estimulação precoce é um tipo de intervenção que visa estimular o desenvolvimento de crianças
com distúrbios de desenvolvimento global.
57
dezoito meses, permanecendo por dois anos. Em seguida, aos 08 anos de idade,
ingressou no Colégio de Aplicação. A rotina semanal de Marcos inclui: sessões de
fonoaudiologia, aula de natação e atendimento psicopedagógico, realizado no
núcleo de apoio da universidade. A mãe é a pessoa responsável por levar e buscar
a criança nestas atividades, inclusive no que respeita à escola. Os pais
disponibilizam, para os filhos, jornais, revistas, cadernos, livros de literatura infantil, o
que vem promovendo o interesse de Marcos pela leitura e a escrita. Este interesse é
confirmado pelas professoras da e da série, segundo quem Marcos vai
diariamente à biblioteca infantil. Ele compreende as regras de funcionamento da
biblioteca, e manifesta interesse em conhecer as outras bibliotecas do campus
universitário, o que lhe foi permitido somente de vez em quando, em forma de
prêmio pela sua participação na sala da 1ª série.
Marcos é apoiado pela família, especialmente na realização das atividades
escolares. Sua mãe dedica um tempo diário para assisti-lo nas tarefas da escola:
além de apoiar a criança nas tarefas enviadas pela professora, elabora novas
tarefas. O irmão também desempenha um papel importante no desenvolvimento de
Marcos, uma vez que ambos mantêm um bom relacionamento, assistem a filmes,
brincam, vão à praia, e estudam na mesma escola, no período vespertino. No
período matutino, os irmãos ficam juntos, na presença da mãe, que organiza a rotina
entre as atividades da casa e as atividades com os filhos. Marcos têm, em seu
quarto, uma série de fitas de vídeo e DVD de obras cinematográficas, muitos livros,
de histórias infantis, incluindo um atlas do corpo humano, que é seu livro preferido.
A família de Marcos desempenha um papel fundamental no seu
desenvolvimento. Desde muito cedo, incentiva o emprego de diferentes linguagens:
verbal, corporal e escrita, evidenciando algo que pode ser definido como parte de
um cotidiano bem cuidado e amoroso. A expectativa dos pais em relação a Marcos é
a de que ele se aproprie da leitura e da escrita, que aprenda a lidar com dinheiro,
que tenha um meio de sobrevivência que lhe permita ser um adulto autônomo.
Marcos não apresenta problemas de saúde, comparece assiduamente à
escola, compreendeu e se apropriou da cultura da escola. Participa das atividades
culturais e esportivas que a escola oferece: no final da série, fez parte de uma
peça teatral com o grupo da escola; nesta peça, ele interpretou o “Rei Leão” e atuou
em consonância com o grupo; na série, participou das olimpíadas da escola e foi
classificado em lugar na modalidade de natação. Na prova final desse esporte, os
58
alunos da 2ª série torceram muito por ele, que foi aplaudido com entusiasmo por
todos os presentes.
5.2 Caracterização da escola
Este estudo foi realizado em um colégio
7
fundado em 1978 e mantido por uma
Fundação Universitária. Situada no campus universitário, a missão da escola, de
acordo com o projeto político-pedagógico, é “promover a educação e a socialização
do conhecimento por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, visando à
formação do ser humano crítico e ético e à melhoria da qualidade de vida”.
Sua concepção filosófica busca a compreensão de que a sociedade é fruto de
acontecimentos produzidos por forças humanas que, desta forma, constroem sua
própria história; a escola procura contribuir para a formação integral, com uma
educação de qualidade baseada nos seguintes princípios:
trabalho em equipe: comprometimento de toda a comunidade educativa;
disciplina como princípio de organização individual e institucional,
significando responsabilidade, compromisso, respeito, cultivo de hábitos,
direitos, deveres, organização, limites;
transparência: ter coragem, o compromisso e a honestidade de avaliar
constantemente as ações pedagógicas e administrativas realizadas, com a
finalidade de reconstruí-las;
profissionalismo: ética, comprometimento, responsabilidade e qualificação.
De acordo com o projeto político-pedagógico da escola, são quatro as
categorias em que se encontra alicerçada a proposta pedagógica:
a. interação: relação de simultaneidade com o mundo em que se vive e com
as formas de organização da realidade expressas na cultura. Trata-se da influência
recíproca que história, cultura e indivíduo mantém entre si, um constituindo o outro;
b. construção do conhecimento: considera a experiência prévia do educador,
sua capacidade de ensinar o que sabe a seus alunos, reconhecendo-os como
7
As informações referentes ao colégio foram retiradas do projeto político-pedagógico e obtidas com a
coordenação de ensino e secretaria da escola. A escola não está identificada, seguindo os princípios
éticos que garantem aos participantes da pesquisa o sigilo quanto a sua identidade.
59
sujeitos ativos no processo ensino-aprendizagem;
c. problematização: ponto de partida que deve desencadear nos alunos a
necessidade de buscar respostas para uma determinada situação problema,
levantando hipóteses e confrontando-as com as informações obtidas por meio de
conhecimento científico;
c. significação: está na relação que se estabelece entre o conhecimento
formal da escola a partir das expectativas dos alunos e a cultura social e familiar.
Conceber o aluno como co-partícipe da (re) elaboração do conhecimento não
pressupõe a seleção arbitrária de conteúdos, mas a escolha responsável e
significativa daqueles que atendem aos anseios de todos os envolvidos no processo
educativo.
O projeto pedagógico da escola aponta como eixo metodológico o trabalho
com projetos, por propiciar a construção coletiva do conhecimento e a
problematização de contextos ligados à vida da criança e do jovem. Por meio de
situações de aprendizagem diversificadas, conhecimentos de várias disciplinas são
mobilizados e competências são desenvolvidas. É o processo do aprender a
aprender, em que o conhecimento disciplinar é meio e o um fim. O aluno pode,
assim, analisar e problematizar a realidade e nela provocar intervenções.
O projeto pedagógico, no capítulo que anuncia o papel da escola frente aos
fundamentos epistemológicos e pedagógicos, discute a possibilidade de ela se
tornar uma escola inclusiva, reconhecendo que desafios a serem vencidos
gradativamente. Eles incluem: participação da comunidade com vistas à inclusão de
alunos com deficiência; articulação do colégio com outros setores da universidade
para possibilitar a integração dessas crianças; criação de uma rede de auto-ajuda,
adotando princípios de colaboração e cooperação; mudança de papéis e
responsabilidades, por parte de professores e equipe técnica, tornando os
professores mais próximos dos alunos; estabelecimento de uma infra-estrutura de
serviços, criando uma rede de suporte para superação de suas maiores dificuldades;
parceria com os pais; construção de ambientes educacionais específicos, pois o
colégio deve se adaptar ao aluno em função das necessidades de seu processo de
aprendizagem; elaboração de estratégias baseadas em pesquisas, com o suporte
dos cursos de graduação, pós graduação e núcleo de apoio; estabelecimento de
novas formas de avaliação; garantia de acessibilidade aos alunos com deficiência;
fomento à formação continuada de professores e equipe técnica.
60
A escola apresenta uma proposta diferenciada para a inclusão de alunos com
deficiência. Esta proposta é subsidiada por uma equipe de profissionais do núcleo
de apoio às pessoas com deficiência. A equipe está dividida pela especificidade de
cada deficiência. No caso de Marcos (o sujeito do nosso estudo de caso), ele é
atendido em horário alternado ao ensino regular, por uma psicóloga, que trabalha
numa perspectiva psicopedagógica behaviorista, bem como por uma estagiária, que
é aluna do segundo ano do Curso de Graduação em Pedagogia e que desempenha
a função de tutora de Marcos em sala de aula, diariamente. Outra aluna do Curso de
Graduação em Psicologia, estagiária de Psicologia Educacional, acompanha Marcos
e apóia a professora, disponibilizando informações educacionais, de acordo com as
necessidades que vão surgindo. A orientadora educacional demonstra preocupação
e interesse na inclusão de Marcos na escola; ela solicita a presença dos pais,
discute o caso com os envolvidos: a fonoaudióloga, a psicóloga, a estagiária de
Psicologia. Na escola, tivemos acesso à pasta de Marcos e, para nossa surpresa,
quase o havia registros de seus trabalhos. Além disso, tivemos acesso a duas
avaliações, uma da professora da Educação Infantil e outra da Psicóloga do Núcleo.
Considerando que Marcos é acompanhado, sistematicamente, por alguns
profissionais, os registros são parcos.
A escola adota uma linha construtivista e os professores seguem e
desenvolvem um trabalho nessa perspectiva. Destacamos que a psicóloga que
atende Marcos, no serviço especializado, adota a abordagem behaviorista. Estas
duas perspectivas teóricas trazem, em seu bojo, diferenças significativas frente à
concepção de homem e de mundo. Estas diferenças geraram algumas dificuldades
entre a rede de apoio, que acabava passando instruções divergentes entre si para a
criança e para os pais.
5.2.1 O corpo discente
A escola atende alunos provenientes de famílias de classe média e alta. No
ano de 2006, eram 800 alunos, de acordo com o quadro 1:
61
Quadro 1: Perfil do corpo discente
Modalidade de
Ensino
Sexo
Educação Infantil Masculino Feminino
Número de
alunos
Subtotal 44 42 86
Ensino
Fundamental
Masculino Feminino Total
Subtotal 200 223 423
Ensino Médio Masculino Feminino
Subtotal 150 141 291
TOTAL 394 406 800
Fonte: Secretaria da escola
Dentre essa população, havia 23 alunos com diversos tipos de deficiência,
como apresentado no quadro 2:
Quadro 2 - Alunos com deficiência
Deficiência Idade Série E.F. E.I E.M.
01
Auditiva 19
x
02
Auditiva 17
X
03
Auditiva 13
X
04
Auditiva 14
X
05
Transtorno de aprendizagem - com
causas neurológicas
11 X
06
Baixa visão 11 X
07
Dificuldades na aprendizagem 11
X
08
Paralisia Cerebral 11 X
09
Auditiva 9 X
10
Microcefalia 10 X
11
Paralisia Cerebral 11 X
12
Síndrome de Down 11 X
13
Microcefalia 9 X
14
Defasagem no desenvolvimento.
Epilepsia
7 X
15
Auditiva 9 X -
16
Síndrome de West 8
Grupo
III
X
17
Síndrome de Down 6
Grupo
III
X
18
Auditiva 4
Grupo
III
X
19
Hipotonia 5
Grupo
II
X
Fonte: Núcleo de apoio
62
Como pode ser visto, cerca de 3% do total de alunos da escola têm algum
tipo de deficiência. Nesses, a faixa etária varia entre 5 anos e 19 anos. A maioria
deles (69,5%) freqüentam o Ensino Fundamental. Um dado importante refere-se à
diferença, pouco significativa, entre a idade e a série que estudam no ensino regular;
isto sugere que os alunos estão avançando nos níveis de ensino, sem as marcas
que poderiam ser deixadas pelo fracasso escolar.
5.2.2 O corpo docente
De acordo com o projeto político-pedagógico da escola, o corpo docente é
formado por 76 professores, sendo 48 do sexo feminino e 28 do sexo masculino.
Analisando a formação inicial dos professores e a área de atuação, identificamos
uma relação pertinente entre formação inicial e área de atuação: dos 76 docentes,
somente um não tem formação no ensino superior; nos demais, a formação é
condizente com a área de atuação. Quanto ao investimento na qualificação
profissional, 71,05% dos docentes têm curso de pós-graduação: 52,63% em nível de
Especialização lato sensu, 17,11% em nível de Mestrado e 1,32% emvel de
Doutorado.
5.2.3 Localização, funcionamento e infra-estrutura
O Colégio funciona em um bloco da fundação universitária, no período diurno;
no período noturno, as salas de aula são ocupadas para o ensino de graduação. A
educação infantil tem um espaço de uso exclusivo, com 06 salas de aula, uma
brinquedoteca, um parque, uma sala de deo, uma cozinha, uma sala de reuniões,
uma sala de coordenação. A educação infantil funciona das 13h30min às 18h30min.
O ensino fundamental de 1ª a 8ª série funciona no período vespertino, das 13h30min
às 17h30min; o ensino dio funciona no período matutino, das 7h45min às
11h45min.
Em sua estrutura, contam-se as seguintes dependências: 08 salas de aula,
63
um laboratório de informática, uma sala de vídeo, uma sala para coordenação, uma
secretaria, uma biblioteca infantil, uma biblioteca central, uma sala para direção, três
lanchonetes. A escola dispõe de equipamentos para fins pedagógicos e
administrativos: vídeo cassete, dvd, televisores, computadores interligados à
internet, retroprojetores, datashow. O colégio utiliza, sempre que necessário, a infra-
estrutura da fundação universitária, tais como: o anfiteatro com capacidade para
1000 pessoas, 06 auditórios com capacidades que variam entre 150 e 500 pessoas,
dois ginásios de esporte, uma piscina olímpica, uma quadra de esporte, 01
restaurante universitário; um centro comercial que oferece diversos serviços à
comunidade acadêmica: restaurantes, lanchonetes, banco e lojas de conveniência.
uma direção geral responsável pela coordenação de toda a escola. O
ensino fundamental dispõe de uma coordenadora pedagógica, uma orientadora
educacional, 08 professores de turmas, uma professora de inglês, uma de educação
física, uma professora de informática, uma professora de música e 11 estagiárias.
Cada turma tem uma professora e uma estagiária, com exceção das turmas que têm
alunos com deficiência em sala, que contam com mais uma estagiária. As aulas de
educação física, inglês, música, informática realizam-se duas vezes por semana,
com duração de 45 minutos. A escola oferece outras atividades educacionais: aulas
de reforço, estudo de línguas (inglês e espanhol), laboratório de química/biologia,
laboratório de física, laboratório de informática e biblioteca infantil. Desenvolve
atividades esportivas com as escolinhas de vôlei, handebol, basquete, futebol de
salão, xadrez, tênis de mesa e natação.
5.3 Serviços disponibilizados
Um aspecto importante a ser considerado nesta instituição de ensino é a
existência de um serviço especializado
8
( denominado de núcleo de apoio às
pessoas com deficiência), implantado em 2000. Seu objetivo é o de fornecer
acompanhamento pedagógico tanto para acadêmicos matriculados nos cursos de
graduação, como para alunos do ensino fundamental e médio do Colégio de
8
A psicóloga deste serviço especializado faz parte da rede de apoio do Marcos.
64
Aplicação. Na época de sua implementação, o núcleo desenvolvia atividades de:
assessoramento ao acadêmico com necessidades especiais; adaptação de material
didático-pedagógico e, ainda, cursos de informática adaptada para portadores de
deficiência visual. Contava, na época, com os seguintes materiais: impressora
Braille, fotocopiadora para ampliação de textos, computadores, biblioteca
especializada, reglete (régua para escrita em braille), máquina de escrever em
Braille, mini gravadores, entre outros materiais.
Em 2002, o núcleo teve sua proposta pedagógica reestruturada e seu âmbito
de atuação, no que se refere ao ensino, ficou assim delimitado:
assessoria psicopedagógica às pessoas com necessidades especiais
matriculadas nos cursos de graduação e no Colégio de Aplicação da
universidade, nos diferentes níveis de ensino: básico, médio e superior;
produção e adaptação de recursos pedagógicos que contribuam para o
processo de aprendizagem e a inclusão do acadêmico com necessidades
especiais;
formação continuada de professores nos diferentes níveis de ensino
oferecidos pela universidade;
orientação técnica sistemática aos docentes que têm alunos com
necessidades especiais matriculados em suas disciplinas.
5.4 O grupo da 1ª série
No ano de 2005, o grupo era formado por 20 crianças, sendo 11 meninos e
09 meninas, uma professora e três estagiárias (uma do núcleo de apoio designada
para acompanhar Marcos, uma estagiária do Curso de Pedagogia que apóia o grupo
de alunos, e uma estagiária do Curso de Psicologia que apóia a professora e os
alunos). Quando os estudantes de 7 anos de idade ingressaram na série, Marcos
estava com 10, diferença que não é imediatamente apreensível porque ele tem a
estatura média do grupo.
65
5.5 A professora da 1ª série
A professora da série formou-se em magistério, cursou em seguida
Pedagogia (com Habilitação em Orientação Educacional) e concluiu sua formação
inicial 16 anos. Em relação à pós-graduação, terminou o curso de Especialização
em Séries Iniciais. Sua experiência no magistério é vasta: há 20 anos é professora,
sendo que os primeiros quatro foram marcados pela atuação no ensino público
municipal. Nos últimos 16 anos, ela é docente no ensino privado, na mesma escola.
Nesse período, sua experiência profissional concentrou-se na 1ª e 2ª séries. Durante
dois anos, assumiu a coordenação pedagógica das séries iniciais. A professora
também leciona no Curso de Graduação em Pedagogia, na área de estágio, no
período noturno. Sua formação não contemplou a educação especial, nem a
educação inclusiva, pois somente a partir da década de 1990 os cursos de formação
de professores passaram a incluir disciplinas que abordam esta temática. Durante
esses 20 anos de atuação no ensino regular, a professora teve somente uma
experiência com um aluno surdo, numa série. Nos dois anos em que esteve na
coordenação pedagógica, acompanhou o trabalho das professoras com um aluno
com paralisia cerebral e de outro aluno surdo.
5.6 O grupo da 2ª série
No ano de 2006, o grupo era formado por 29 crianças, sendo 16 meninos e
13 meninas, uma professora e duas estagiárias (uma estagiária designada para
Marcos e uma estagiária para o grupo). Em comparação com o grupo da série,
houve um acréscimo de nove crianças. Foi mantida a mesma estagiária do cleo
de apoio que acompanhava Marcos na 1ª série.
66
5.7 A professora da 2ª série
A professora da série formou-se no magistério, cursou a faculdade de
Pedagogia (com Habilitação em Educação Infantil) 18 anos e, também, fez
especialização em alfabetização. Ela tem 16 anos de magistério, sendo dois anos no
ensino público municipal e 14 no ensino privado. Nesse tempo, a professora
assumiu turmas de pré-escolar, e séries. Trabalhando seis anos na escola
atual, de ensino regular, teve duas alunas com paralisia cerebral. dois anos, seu
trabalho junto a uma delas ficou marcado como uma experiência de sucesso na
escola. Atualmente, a aluna está na série, lê e escreve com o uso do computador.
Este foi um dos motivos que levaram a coordenação pedagógica e a orientação
educacional a designá-la para assumir a 2ª série.
5.8 Entrando no campo
Entrei na escola no momento em que Marcos ingressou na série do ensino
fundamental. Logo no início do ano letivo, participei de uma primeira reunião,
liderada pela orientadora educacional, que reuniu os profissionais que iriam trabalhar
diretamente com o aluno. Nesta reunião, estavam presentes a professora da
educação infantil (do ano anterior), a professora da série, a orientadora
educacional, a psicóloga do serviço especializado e a estagiária de psicologia
educacional. O objetivo da reunião, segundo a orientadora educacional, era o de que
pudéssemos conhecer o que foi possível realizar com Marcos na Educação Infantil e
discutir as propostas para o trabalho na 1ª série. A professora da educação infantil
manteve seu discurso focado nas dificuldades de comportamento do menino, nas
suas características pessoais e pouco se ateve ao processo de ensino e
aprendizagem.
A professora da série falou sobre a sua expectativa: “Quero que ele seja
alfabetizado e conto com o apoio de vocês”. A psicóloga do serviço especializado
explicou o seu papel nesse processo, dizendo que atenderia Marcos duas vezes por
67
semana, individualmente, no serviço especializado, indo ainda semanalmente à
escola para acompanhar, em loco, o trabalho com os alunos com deficiência. A
estagiária de Psicologia colocou-se à disposição para colaborar com o grupo,
especialmente nas questões ligadas à inclusão de crianças com deficiência. A
pesquisadora apresentou sua proposta de estudo, delimitando o seu papel, no
sentido de compreender o processo de aquisição da linguagem escrita de uma
criança com Síndrome de Down, naquele contexto do ensino regular. A partir
daquele momento, caso tivesse o aval do grupo, estaria no campo, observando e
registrando os dados de seu interesse. Partiria de um estudo
9
, realizado no ano
anterior, que analisou o processo de aquisição da escrita por este aluno. Nesse
percurso, ele foi acompanhado ao longo do ano por uma pesquisadora, que fez
intervenções sistemáticas. Ela e sua orientadora se colocaram à disposição para
colaborar com a professora de série, mas essa colaboração acabou não sendo
solicitada. Pude perceber, naquele momento, que a escola tinha uma forte
preocupação com o processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência,
o que, particularmente, me deixou entusiasmada com a perspectiva que se abria, de
realizar um estudo em uma escola que parecia comprometida com a educação
inclusiva.
Em seguida, analisei os materiais disponíveis sobre este aluno que, como
referido anteriormente, freqüentava a escola dois anos. A escola tinha poucos
registros sobre ele arquivados em uma pasta, no setor de orientação educacional.
Havia uma avaliação psicopedagógica, realizada pelo serviço especializado, no ano
de 2004, que continha dados do desenvolvimento motor e da linguagem. Existia,
ainda, outra avaliação, realizada pela professora da educação infantil, focando o
comportamento de Marcos em sala de aula, sem indicadores que permitissem
compreender seu desenvolvimento e a aprendizagem alcançada. Logo no início do
ano letivo, a professora da série reuniu-se com a professora do ano anterior, que
lhe passou informações sobre Marcos, como podemos identificar na fala da
professora da 1ª série:
“Ela [a professora da Educação Infantil] colocou muito a questão do
Marcos mesmo, não do aluno com Síndrome de Down. Ela me
passou o que o Marcos gostava de fazer, as fichas dos animais, a
questão dos livros de literatura, quais eram as preferências dele,
9
Gândara (2005).
68
disse que ele não gostava de tinta, que ele não gostava de sujar as
mãos. Ela deixou claro sobre o que ele gostava e o que ele não
gostava”.
Considero que para uma professora que manteve contato durante um ano
letivo com o menino, as informações disponibilizadas tanto para a professora da
série, como na 1ª reunião do ano e nos seus pareceres descritivos são pouco
esclarecedoras, posto não oferecerem subsídios sobre seu desenvolvimento e sobre
sua aprendizagem. Isto revela uma dificuldade que perpassa vários professores: a
avaliação do desenvolvimento e da aprendizagem dos alunos, sobretudo, quando
eles são alunos com deficiência.
Foi possível evidenciar que em torno de Marcos circulavam várias pessoas e
profissionais, todos opinando sobre o que poderia vir a ser útil para este aluno.
Identifiquei os atores sociais que formavam a rede de apoio: a professora dasérie
do ensino fundamental, a estagiária que o acompanhou nesse período, a psicóloga
do serviço especializado (núcleo de apoio), os pais do menino, a coordenadora
pedagógica do ensino fundamental, a orientadora educacional e os colegas de sala
de aula da criança, seus pares. Todas essas pessoas poderiam contribuir para o
sucesso da educação do aluno, estimulando-o e fornecendo-lhe apoio cnico.
Supus que esse grupo deveria, em conjunto, debater, resolver problemas e trocar
idéias, métodos, técnicas e atividades para não ajudarem Marcos como, também,
para que seus membros pudessem se ajudar entre si, desempenhando, com
sucesso, seus papéis na comunidade em que estavam inseridos.
Além de identificar os atores sociais desse processo, busquei analisar seu
funcionamento enquanto grupo: quando se reuniam, se planejavam suas ações, se
havia conflitos entre eles e como os problemas encontrados eram superados. No
primeiro semestre de 2005, uma parte do grupo (a professora da 1ª série, a
psicóloga, a orientadora educacional, as estagiárias) reunia-se quinzenalmente, para
discutir sobre a educação inclusiva. Nas primeiras reuniões, a equipe discutiu o
conteúdo a ser trabalhado com o menino e, ao fazer isso, algumas dúvidas surgiram,
tais como: “Será que podemos deixar conteúdos que o da série de lado? Isto é
inclusão?”, indagava a professora. A psicóloga do serviço especializado defendia
que o currículo deveria ser adaptado e as atividades flexibilizadas, levando em
consideração os interesses de Marcos. A partir desta discussão, outras questões
foram surgindo: até que ponto ir nessa adaptação curricular? Como adaptar as
69
atividades? Percebi que o grupo ainda não tinha segurança quanto ao trabalho a ser
feito e, menos ainda, quanto ao que estava decidindo. Fiquei com a impressão de
que estavam, antes de tudo, tentando saber o que funcionava com a criança.
Pensando a escola como um espaço educacional, no qual as ações
pedagógicas devem ser implementadas com vistas à promoção da aprendizagem e
do desenvolvimento de todos os alunos, a necessidade de flexibilizar os currículos
escolares para atender às diferentes necessidades dos alunos e dos contextos
sócio-educacionais em que se encontram parecia óbvia. O problema parecia estar
no fato de que não sabiam quais eram as necessidades de Marcos e, portanto, não
conseguiam relacioná-las a um currículo comum e, nem mesmo, a como fazer as
adaptações necessárias para lhe assegurar um ensino efetivo. Claro que contar com
um grupo de alunos com diferentes perfis e experiências escolares exige pensar a
aprendizagem de forma diferenciada dos moldes atuais. Isto era, efetivamente, o
que queria entender.
Logo na primeira quinzena de março, a equipe reuniu-se e fez um
planejamento colaborativo, indicando os conteúdos que seriam trabalhados no
primeiro semestre com Marcos. Estavam presentes nesta reunião: a orientadora
educacional, a psicóloga do serviço especializado, a professora da série, a
estagiária de psicologia. O grupo decidiu abordar os seguintes conteúdos: medidas
de tempo; semana e s; adição e subtração simples; números até o algarismo 10;
conceitos básicos (como os de maior/menor; direito/esquerdo; pequeno/grande;
fino/grosso; muito/pouco; cheio/vazio). Em relação à escrita, focalizou-se o alfabeto,
a ordem alfabética, as palavras que envolvessem sílabas ‘simples
10
’, as palavras
conhecidas; o nome do aluno, dos membros do grupo, dos amigos, da professora,
da auxiliar, dos familiares, dos animais e dos objetos.
Foi decidido, também, que os conteúdos de geografia, história, ciências e
artes seguiriam o mesmo plano adotado para os demais alunos da classe regular e
que, para tanto, a professora modificaria as estratégias e a forma de avaliar Marcos.
O planejamento foi realizado sem um diagnóstico inicial. Isto fica claro, porque os
profissionais não tomaram como ponto de partida para a discussão a última
avaliação realizada pela professora da educação infantil, com data de dezembro de
2004 (e, ainda, nenhuma outra: a avaliação psicopedagógica mais recente datava de
10
Linguagem utilizada pela professora
70
04/11/2003). Outro dado que me chamou a atenção, foi que a professora da
educação infantil não participou desta reunião. Afinal, ela poderia trazer dados
importantes para a discussão deste momento de transição, em que se decidia o que
seria ensinado a Marcos. Os pais também não participaram deste planejamento:
foram informados, posteriormente, do que havia sido planejado para seu filho. Como
deve estar claro, dissociou-se ‘o que ensinar’, de ‘para quem ensinar’, ou seja, não
se considerou aquilo que Marcos fazia para lhe ajudar a fazer novas aquisições.
Deixou-se, no entender de Vygotski, de considerar a ZDP. Assim mesmo, na
perspectiva da professora da série, este foi um momento importante, pois como
afirmou: “Agora eu sei por onde começar”. Estava tomada a decisão: o grupo havia
se comprometido a desenvolver um trabalho em equipe e a apoiar a professora
naquilo que ela pontuava como “um desafio”: alfabetizar um aluno com Síndrome de
Down, numa classe com 20 alunos, na escola regular. Essa meta era, efetivamente,
algo novo não para a professora como para a escola. Pela primeira vez, essa
unidade escolar recebia um aluno com este tipo de deficiência. De igual modo, ao
analisar a experiência profissional da professora e da equipe, verifiquei que esta
também era a primeira vez que lidavam com uma criança com necessidades
especiais. O pai do aluno confirmou essa impressão:
Eu acho que a escola oferece algumas coisas; é parceira no projeto.
Mas existem dificuldades, pois não têm muitos alunos com
Síndrome de Down (SD): o nosso filho é o primeiro caso. Então, é
lógico, a escola não tem aquele know-how. O primeiro trabalho
especial, a professora vai fazer para o meu filho; para os próximos
alunos com SD, esta professora já vai ter um material, vai ter idéia
do que pode fazer.
Esta reflexão do pai sobre a falta de experiência dos professores com alunos
com SD no ensino regular, confirmava a necessidade premente de aprimorar a
formação docente. De alguma maneira, ele estava dizendo que os professores iriam
aprender a lidar com seu filho na prática, sem nenhuma bagagem teórica para
orientá-los. Fiquei espantada, porque sabia que a instituição de ensino tinha um
programa de formação continuada para docentes, breve, é verdade, mas que
acontecera recentemente, em fevereiro daquele ano. Nele, o tema educação
inclusiva tinha sido abordado e voltaria a sê-lo. O fato de o pai desconhecer esse
aspecto positivo da escola sinalizava que, de alguma forma, a interação família-
71
escola, em geral de boa qualidade, tinha falhado.
De qualquer forma, uma vez decidido o que ensinar a Marcos, a ansiedade da
professora diminuiu. As reuniões continuaram ocorrendo e, a partir delas, surgiram
discussões sobre as dificuldades que o aluno enfrentava no decorrer do processo de
apropriação da linguagem escrita. Uma questão sempre apontada estava ligada ao
comportamento de Marcos que, segundo consenso do grupo, o respeitava os
limites e as regras da escola. Uma outra dificuldade relatada pelo grupo referia-se à
relutância de Marcos em participar das atividades de escrita e o seu pouco tempo de
concentração nas atividades propostas. Estas dificuldades apareceram no primeiro
parecer descritivo feito pela professora no mês de abril: “Ele tem se negado a
realizar as atividades. Quando a inicia, logo desiste, amassando ou rasgando o que
fez; sai pulando pela sala, derrubando os objetos dos amigos; risca o quadro e sopra
o de giz”. Diante destas dificuldades, a professora tentava acalmá-lo, pedindo
que ele pensasse sobre as conseqüências de não realizar a atividade. Tudo isso
mostrava um esforço grande para considerar Marcos como qualquer outro menino
da sala. Mas como poderia ele “pensar sobre o que significava não se envolver na
atividade?” Ele tinha SD e isso parecia estar sendo ignorado! Claramente, essa o
era a melhor opção para levá-lo a participar das atividades pedagógicas. Por outro
lado, como se deveria agir com alguém tão diferente?
Situações inadequadas de ensino conviviam, entretanto, com momentos de
acerto. Havia boa-vontade e empenho dos profissionais envolvidos em incentivar
Marcos a realizar as atividades, oferecendo “dicas” que o pudessem auxiliar a ter um
bom desempenho. Queriam ver o menino ir em frente, aprendendo e se
desenvolvendo bem. Estes profissionais percebiam, ainda que não conceituassem
dessa forma, a importância de se criar uma zona de desenvolvimento proximal,
articulando nas atividades, as possibilidades de o aluno aprender e as da professora
de inferir qual seria a melhor modalidade de ajuda para que essas aprendizagens se
efetuassem. Com isso, assumiam, implicitamente, que se o aluno aprendesse, isso o
levaria a se desenvolver. Não percebiam, no entanto, que eles também estavam
aprendendo a ensinar e, portanto, se desenvolvendo. Ainda que os professores não
conhecessem, nem compreendessem de forma clara, a importância das interações
sociais na formação de ZDP, estavam se aprimorando como profissionais e,
conseqüentemente, tornando sua escola uma organização de ensino mais eficiente.
O grupo, à medida que ia se familiarizando com o processo inclusivo, via-se
72
face à face com várias perguntas: Qual o papel da professora diante da inclusão?
Qual o papel da estagiária na sala de aula? Qual o papel da Orientadora
Educacional diante da inclusão e com relação à professora e à auxiliar? Qual o
papel do serviço especializado diante da inclusão na escola? A partir destas
reflexões, no final do mês de maio, o grupo resgatou o papel de cada profissional na
construção de uma sala de aula bem sucedida. A professora reafirmou sua
responsabilidade pelo processo de ensino-aprendizagem de Marcos, apontando a
necessidade da estagiária, para que fosse possível concretizar as ações previstas.
Ela se fazia importante, sobretudo em sala de aula, para auxiliar a professora e,
neste sentido, tornava-se mais um membro da rede de apoio. A Orientadora
Educacional propôs-se a buscar meios para que a rede de apoio à professora fosse
mais eficiente e mais colaborativa. Nesse sentido, percebia-se como facilitadora do
processo de ensino e aprendizagem. Quanto ao serviço especializado,
representado, no grupo, pela psicóloga, ele ficou encarregado de elaborar
estratégias para que a inclusão pudesse ser realmente alcançada. Como pode ser
visto, o grupo delimitou o papel de cada um de seus membros. Mas esta definição
de papéis não foi suficiente para que cumprissem suas respectivas partes, porque se
cada um sabia o que fazer, não se mencionou como esses diferentes fazeres seriam
articulados. Como podemos analisar na fala da professora da série, ela, ao se
referir ao seu planejamento para o aluno com deficiência, destaca a necessidade de
um trabalho articulado, em parceria, mas apenas com o serviço especializado:
... é como eu te digo, o serviço especializado verifica o que eu estou
trabalhando aqui, para dar continuidade ao trabalho e aos
atendimentos que a psicóloga faz com ele, individualmente. Então,
diante daquele meu planejamento, ela também planeja as atividades
dela, de acordo com aqueles objetivos que eu tinha elaborado. Logo,
a construção do planejamento partiu de mim e deve ser [feito] em
conjunto.
Senti, de imediato, nessa fala, que havia uma certa disputa de poder em torno
de Marcos, uma tentativa de delimitar espaços e importâncias. A professora tentava
fazer seu papel preponderar sobre os demais, quando afirmava que era o que ela
planejava que deveria ser o norte dos outros profissionais que trabalhavam com o
menino. Em sua percepção, não havia planejamento conjunto das atividades, algo
que denunciava as dificuldades implicadas em desenvolver um trabalho em equipe.
73
Sua fala e sua convicção iam contra um dos pressupostos básicos para que a
educação inclusiva tenha êxito: o apoio cooperativo entre os profissionais que atuam
na área. Por outro lado, de quem a professora falava? Repassei o papel do
psicólogo do serviço especializado, que desenvolvia atendimento psicopedagógico.
Para esse profissional, sua responsabilidade não mantinha, senão indiretamente,
relação com a meta de levar a criança a se apropriar da escrita, entendida como
algo que dizia respeito apenas à professora. Seu trabalho, conforme decidido no
planejamento colaborativo, era totalmente distinto: elaborar estratégias para
favorecer a inclusão:
No trabalho individualizado, em função de eu estar sozinha com ele
durante uma hora inteira, eu me preocupava muito com estas
questões de habilidades da escrita, de números e tudo o mais.
Quando nós começamos com o trabalho em grupo com as crianças
especiais aqui no núcleo, o meu objetivo já foi outro. Então, eu disse:
‘bom, há umas questões de escrita, mas este tipo de habilidade
quem tem que dar conta é a professora.
Assim, se lhe cabia fornecer subsídios na forma de estratégias interessantes
para serem utilizadas na prática pedagógica inclusiva, seu trabalho com Marcos não
deixou de ser, num primeiro momento, individualizado e a partir de uma perspectiva
psicopedagógica. Em um segundo momento, ela decidiu atender a criança em
grupo. Foi possível ir observando, no processo de pesquisa, que havia, no cotidiano
da escola, uma dificuldade de comunicação entre essa instituição e o serviço
especializado. Por exemplo, reuniões, marcadas entre a professora e a orientadora
educacional com a psicóloga do núcleo de apoio, foram esquecidas e outras
atividades acabaram sendo agendadas nesse horário. Diversas vezes, a psicóloga
foi à escola, sem conseguir se reunir com nenhum desses atores.
Esta dificuldade de comunicação foi também explicitada em uma outra
situação. A orientadora educacional, durante o mês de abril, decidiu realizar um
teatro sobre a questão da diversidade, envolvendo alunos e professores do ensino
fundamental. No entanto, não discutiu isso previamente com a rede de apoio, o que
causou estranheza e surpresa em alguns de seus membros, que gostariam de ter
participado do evento, mas não foram dele informados. Posteriormente, ela se
justificou, alegando ter agido dessa forma, por estarem “fazendo as coisas de trás
para frente”. Ninguém entendeu muito bem o que seria isso, mas ninguém
74
questionou a desculpa fornecida: aparentemente, não convinha colocar “mais água
na fervura”. Esta situação evidencia, entretanto, as dificuldades da rede de apoio
quanto ao planejamento colaborativo: muitas decisões individuais eram tomadas,
sem terem sido discutidas previamente com o grupo de trabalho.
Com isso, Marcos perdia apoios importantes e, ao mesmo tempo, quase era
impossibilitado de agir por conta própria, tal o mero de pessoas à sua volta. Na
escola, em especial, esse apoio era extensivo e regular. A estagiária do serviço
especializado acompanhava Marcos até mesmo nas aulas de Educação Física.
Fiquei muitas vezes angustiada com esse excesso de apoio e mencionei, inclusive, a
necessidade de minimizá-lo, para permitir que Marcos tivesse ocasião de ficar sem a
supervisão de um adulto todo o tempo. Acreditava que, ao invés de ajuda, estava
ocorrendo super-proteção, algo que me parecia duplamente equivocado: impedia a
iniciativa da criança e dava ênfase à deficiência, em uma franca confusão entre o
que é respeitar essa condição e fazer dela centro das atenções, como bem indicou
Bartalotti (2004).
Outro impasse vivido no grupo de apoio foi em torno da avaliação do
quociente intelectual (QI) de Marcos. Durante o primeiro semestre letivo, a
professora solicitou, várias vezes, que a psicóloga do núcleo de apoio realizasse a
avaliação. A psicóloga negava-se a fazê-la, explicando: “Por muito tempo, a
professora me pediu uma avaliação do Marcos. Eu disse: eu não vou fazer, não é
essa a minha linha, não adianta fazer avaliação de QI...Por ser um aluno especial, a
gente precisa ter uma preparação diferenciada. Não pra sair aplicando teste,
porque senão vai dar o quê? Vai dar que a criança é retardada”.
Concordamos com Vygotsky (1998) que esse tipo de avaliação não é
adequado, pois o mesmo grau de QI em duas crianças, não garante o mesmo
desempenho, uma vez que os dados referem-se apenas ao que se consegue fazer
sem ajuda. Falam do passado e, nesse sentido, informam sobre o que se
passou, nada dizendo diante das possibilidades dos alunos aprenderem mediante
ajuda. Para minha surpresa, no segundo semestre, a psicóloga cedeu às pressões
da professora e concordou em providenciar a avaliação psicológica de Marcos, com
o intuito de “tranqüilizar a professora”. A psicóloga entrou em contato com o setor de
avaliação psicológica do Curso de Psicologia da Universidade e tiveram início as
discussões sobre a viabilidade de se fazer uma avaliação diferenciada, sem o uso de
testes de inteligência. A meta era utilizar jogos. A proposta ficou no papel e, até o
75
final do ano, a avaliação do menino não tinha sido realizada. Assim, o dilema da
avaliação psicológica também não foi resolvido, permanecendo em suspenso.
Marcos no começo do ano:
Para compreendermos o contexto de aprendizagem e desenvolvimento de
Marcos, em especial no tocante à escrita, é necessário apontar que a entrada na
série significou uma grande mudança, marcada tanto pelo novo ambiente escolar,
quanto pela presença de uma nova proposta curricular. Como Marcos freqüentara
a educação infantil, durante dois anos e nessa mesma escola, tinha se adaptado a
um tipo de atendimento inspirado na abordagem high scope, na qual se privilegia a
autonomia da criança. O espaço físico era, então, organizado por áreas de interesse
dos alunos, dando-lhes oportunidades de realizarem escolhas e tomarem decisões;
as atividades eram desenvolvidas por meio da construção de um ambiente rico em
interações, no qual as crianças compartilhavam entre si e com os adultos diferentes
formas de sentir, expressar e comunicar a realidade, algo que freqüentemente
resultava em aprendizagens significativas no que se referia à compreensão da
escrita, ao comportamento social e à adaptação na rotina da Educação Infantil
(Gândara, 2005).
Foi neste contexto que Marcos, então com 9 anos de idade, iniciou, em 2005,
o processo de apropriação da escrita. No entanto, a entrada na primeira série exigia
a aceitação e a adaptação a uma nova rotina. Ao contrário da Educação Infantil, na
primeira série o espaço era restrito à sala de aula, exceto nos horários destinados ao
recreio, à educação física e às atividades extra classe, todas elas coletivas. Na
primeira série, as crianças não mais tinham liberdade de escolher as atividades e
esperava-se que permanecessem em suas carteiras durante o tempo em que
estivessem em sala de aula. Assim, o período de adaptação da primeira série foi
marcado por uma forte resistência de Marcos, que se recusava a entrar na sala de
aula, comportamento que persistiu durante todo o mês de março. Pouco a pouco,
com a insistência e o amparo da professora e das estagiárias, o menino começou a
participar das atividades propostas pela professora, sempre com o apoio da
estagiária. Notamos que Marcos, mesmo na sala de aula, tendia a se isolar do
grupo, sentando ao chão, bem no fundo da sala de aula, ficava manuseando sua
águia e seus animais de borracha. Em vários momentos, a professora, tentando
76
motivá-lo, sentava-se ao chão ao seu lado e realizava, ali mesmo, as atividades de
escrita. Mas, em razão de sua relutância, o menino teve poucas oportunidades para
escrever. Efetivamente, foram raros os momentos de participação e envolvimento
nas atividades solicitadas. Na época, Marcos fazia cópias sem significado, como
bem elucida o episódio, descrito a seguir:
5.9 Apresentação do primeiro momento: cópia sem qualquer significado
Episódio 1: março de 2005
Situação:
Estamos na sala da série. A professora entrega uma folha de papel sulfite A4 aos alunos,
explicando como deve ser realizada a atividade, que denominou de: tentativa de escrita”
(Atividade 1- Anexo 8). Segundo ela, os alunos devem copiar na própria folha os seguintes
nomes: BALEIA - TUBARÃO - PEIXE - ELEFANTE - COELHO. A professora relembra as
crianças de que essas palavras, todas escritas em letra maiúscula, o nomes dos
personagens envolvidos nas histórias estudadas durante a semana. Marcos deve fazer a
mesma atividade que o resto da classe. A estagiária do núcleo de apoio está sentada a seu
lado e busca incentivá-lo a escrever, dizendo: “Vamos escrever?” O menino responde:
“Não!!!” Em seguida, levanta-se, senta-se no fundo da sala e brinca com um brinquedo de
borracha (leão). Enquanto isso, os demais realizam a atividade proposta pela professora.
Marcos permanece deitado no chão, de costas para o quadro de giz, mantendo o leão sobre
o peito. Ele observa os cartazes fixados nas paredes. Finalmente, a professora diz: “Marcos,
vem, agora é hora da atividade. Tu disseste que irias guardar o leão”. O menino não
responde, mantendo seu foco de atenção no brinquedo. A estagiária do núcleo de apoio
pergunta novamente: “Marcos, queres fazer a atividade? Ele responde: Não quero”. A
estagiária pergunta: “Queres brincar”? Nesse caso, a resposta é afirmativa, com um
movimento de cabeça. A estagiária diz: Malandro, hein? Nada disso, nós vamos é fazer a
atividade!A professora aproxima-se de Marcos, senta-se ao seu lado, pega uma folha de
sulfite e propõe que ele realize a atividade. Ela soletra as letras da palavra BALEIA,
apontando para a folha, mas ele não as copia. A professora volta a insistir várias vezes.
Marcos, determinadamente, pega o lápis e desenha uma BALEIA, dizendo: “Baleia, baleia!”.
Em seguida, a professora escreve “BALEIA” ao lado do desenho realizado pela criança.
O objetivo da atividade, no caso de Marcos, era desenvolver o treino motor
por meio da cópia. Para uma atividade inicial de alfabetização, essa ação parecia
adequada, pois é importante diferenciar os símbolos que fazem parte do sistema de
representação da escrita. No entanto, neste momento em que Marcos pouco
participava das ações e se mantinha à parte delas, a proposta não procedia por
estar além de suas possibilidades reais de copiar. Se ele não conseguia copiar nem
uma palavra, que diria cinco! Assim, aparentemente para manter a interação com a
77
professora, Marcos desenhou uma baleia, significado da primeira palavra da lista
solicitada. O desenho da baleia, ao invés da escrita da palavra, parece indicar o
período pictográfico da aquisição da escrita, típico de crianças de 5 a 6 anos de
idade. Nesta atividade, Marcos “escrevia” por meio do desenho. No final da
atividade, ele, tal como aprendera antes, na pré-escola, escreveu, sem respeitar a
seqüência, as iniciais do seu nome: MAIOC.
Pude notar que, na 1
a
série, já não mais se fazia uso de situações de
brincadeira para motivar as crianças a ler e a escrever. Jogos, desenhos e
brincadeiras perdiam a centralidade no processo educativo e, no que dizia respeito à
escrita, eram procedimentos que não mais tinham lugar. A falta de conexão com o
ano anterior, o da pré-escola, ficava mais uma vez evidenciada, uma vez que
Gândara (2005) tinha verificado como era difícil para Marcos realizar atividades
com lápis e papel, sobretudo quando se tratava de escrever. Isso tinha levado a
pesquisadora e a professora a adotarem o uso do alfabeto vel, sempre que cabia
escrever algo (tanto na escrita espontânea como na cópia). Pensava-se que esse
recurso possibilitaria evitar que as dificuldades motoras se constituíssem em
obstáculo na apropriação da linguagem da escrita.
As situações de escrita na primeira série eram planejadas e intencionais, para
serem trabalhadas por toda a classe. Nesse aspecto, as diferenças entre as crianças
não eram consideradas. Marcos, no entanto, tentava deixar claro que elas existiam:
negava-se a delas participar, e quando o fazia, demonstrava sua contrariedade e
frustração, enchendo os olhos de água. O grupo de apoio, percebendo que tudo isso
estava se tornando muito aversivo para o menino, buscou outras estratégias, sem
abrir mão de fazer Marcos realizar as mesmas atividades que os demais alunos.
Passou a elogiar a criança nos seus acertos; falar olhando nos olhos do aluno;
observar o que ele estava fazendo, ao invés de chamar sua atenção para o que
deixara de fazer; levá-lo a terminar a atividade proposta.
78
Episódio 2: março de 2005
Situação:
Estamos na sala da série. Marcos e a estagiária do núcleo de apoio auxiliam a professora
na organização da sala: colocam as carteiras lado a lado e formam um círculo. A atividade é
de alfabetização (Atividade 2 Anexo 9), com o objetivo de formar palavras com letras de
madeira (alfabeto móvel). Marcos pega o baú com as tais letras de dentro do armário e
entrega-o para a professora. Ela retira as letras do baú uma a uma, pronuncia o nome da letra
e entrega-a para Marcos, que as vai colocando sobre o papel pardo a sua frente. A
professora forma a palavra ‘arco-íris’ e lê, pausadamente, sílaba por sílaba (ar-co-í-ris),
cabendo aos alunos repetir cada uma delas. Marcos tenta acompanhar a atividade, mas se
perde. A professora explica que todos devem agora escrever a palavra arco-íris. Os alunos
dirigem-se às carteiras, quando a professora pergunta: “Quem gostaria de auxiliar o amigo
Marcos a escrever”? Várias crianças levantam a mão e Bernardo
11
é o escolhido. A
professora solicita que esses dois alunos - Marcos e Bernardo - guardem o baú das letras.
Marcos diz: “Não quero”! A estagiária de Psicologia reitera que ele precisa, sim, guardar o
baú e que contará com a ajuda de Bernardo. Ela e Bernardo pegam o baú e ambos
carregam-no até bem próximo de Marcos. A estagiária fala: Última chance: se você não
levantar, vou levar o baú com o Bernardo”! Finalmente, Marcos levanta e auxilia o colega. A
professora explica que a próxima atividade será escrever, no caderno, a palavra ‘arco-íris’ e
suas cores. Os alunos o instruídos pela professora a retornarem às carteiras. A estagiária
do núcleo convida Marcos para realizar a atividade de escrita. Ele diz que não quer fazer! Ela
diz: “Vamos, Marcos, eu te ajudo, vem”, pegando o caderno dele da mochila e colocando-o
sobre a carteira. O menino empurra o caderno e diz: Não”! Mesmo diante dessa recusa, a
estagiária do núcleo insiste para que ele escreva, abrindo o caderno dele e dizendo: Copia
aqui! Vamos escrever arco-íris”. Marcos escreve as iniciais do seu nome e acrescenta outras
letras aleatoriamente. Empurra novamente o caderno, sai da carteira e senta-se no chão no
fundo da sala.
Nesse momento, várias pessoas procuraram auxiliar Marcos: a professora, a
estagiária do cleo de apoio, a estagiária de Psicologia, uma criança do grupo.
Todas elas se aproximaram do menino, indicando interesse pelo que ele estava
realizando. No entanto, esse excesso de atenção mais pareceu irritar Marcos do que
lhe ajudar. Ele empurrou o caderno, saiu da carteira e foi, como sempre, para o
fundo da sala, tentando, aparentemente, indicar que havia muito tumulto, muita
interfencia, muitas pessoas solicitando sua atenção ao mesmo tempo. Nessas
circunstâncias, a ajuda oferecida, no sentido de levar Marcos a copiar palavras, não
cumpriu seu propósito. Ninguém parecia ter claro que o apoio precisava ser dado de
maneira clara, para que pudesse ser discriminado pelo aluno, para que ele pudesse
dele tirar proveito. Da mesma forma, ninguém parecia notar que tão logo isso
ocorresse, a ajuda deveria, pouco a pouco, ser diminuída, até que o menino
pudesse fazer sozinho. Esta situação perdurou por um longo tempo, mesmo após a
11
Nome fictício.
79
pesquisadora ter alertado quanto à necessidade de a ajuda ser dada com cuidado,
uma pessoa por vez (para poder ser mais bem percebida pela criança) e de diminuir
este apoio gradativamente, inclusive para construir desafios maiores para o aluno.
De outra forma, como poderia ele se dar conta das novas conquistas, testando-as e
experimentando-as?
Muito embora a rede de apoio defendesse a importância da conquista de
autonomia por parte deste aluno, nem sempre as atividades propostas em sala de
aula seguiam essa direção. Observei, no grupo da 1ª série, que a maioria das
atividades selecionadas pela professora não eram coletivas ou grupais, de modo
que não favoreciam a interação de pares. Analisando o projeto político pedagógico
dessa escola, vi que se a interação era uma das categorias que alicerçavam a
proposta da escola, eram escassos os momentos em que os alunos resolviam, em
parceria, alguma situação-problema. Quando isso ocorria, Marcos o participava,
como foi explicado pela professora da 1ª série:
Marcos não tem uma interação bem grande, porque cada um quer
cuidar da sua atividade. E, também, todos experimentaram ajudá-
lo e ele também não quis, então eles (os colegas) se afastaram um
pouco. Houve vários momentos em que a gente tentou com a ajuda
da estagiária. O grupo de amigos ofereceu ajuda para ele, mas ele
não quis participar com o grupo da atividade.
Tudo isso de fato aconteceu, mas o justificaria a adoção de atividades
apenas de natureza individual. Em parceria, em grupo, Marcos poderia não só
cumprir a tarefa proposta, como aprender formas de comportamento valorizadas na
e pela escola, que implicavam cooperação. Aprender com os pares representava a
possibilidade de atuar em uma situação simétrica, diferentemente da aprendizagem
com adultos que é, em essência, assimétrica. Marcos perdia, assim, ao interagir
basicamente com as estagiárias e com a professora, ocasiões de participar, em
igualdade de condições com seus colegas, da resolução de uma determinada tarefa.
Se a escola entendia que essa era uma das dificuldades de Marcos, pouco se
atentava para o fato de que eram poucas as possibilidades de ele interagir com
outras crianças e com elas aprender. Esse problema, que, aliás, afetava todas as
crianças, pôde ser resolvido por se apresentar justamente como um problema de
Marcos (ou seja: não se percebia que as demais crianças também mantinham pouca
interação com os colegas).
80
De fato, foi a falta de participação de Marcos nas raras situações de trabalho
em grupo, que fez com que a rede de apoio combinasse de, sempre que possível,
promover atividades em grupo ou em pares. Os pais, inclusive, foram orientados a
estimular atividades dessa natureza em casa. A mãe de Marcos passou a convidar
crianças da sala para brincar com ele. O atendimento, até então individual do
menino no serviço especializado, passou a ser realizado em grupo (outras três
crianças, com e sem deficiência, compunham o grupo de atendimento).
I
Episódio 3: abril de 2005
Situação:
Sala de aula da série. A professora está sentada em uma cadeira, ao lado da carteira de
Marcos. Ela o convida para realizar uma atividade que tem o seguinte objetivo: reconhecer a
palavra MÃE e o nome de sua mãe. Ela diz: “Hoje a atividade é sobre as mães, vamos
desenhar a mãe Lu?” Marcos concorda e diz: “Mãe”. A professora oferece uma folha sulfite
(atividade 3 Anexo 10), ele escolhe uma caneta de seu estojo e desenha a figura de uma
mulher, aparentemente sua mãe. A professora escreve a palavra MÃE e diz: “Agora tu copias
aqui”, indicando o local bem embaixo da palavra. Marcos o faz, mas ao lado da escrita da
palavra Mãe. Em seguida, a professora, sem mencionar o fato, pede que ele escreva
(espontaneamente) o nome da sua mãe. Ele escreve letras aleatoriamente (RLOLELORRO).
A professora escreve o nome da mãe de Marcos e soletra as letras, uma a uma, para que ele
as copie. Como o menino não toma essa iniciativa, ela, segurando em sua mão, ajuda-o a
copiar. Terminado, Marcos espontaneamente ‘escreve’, no canto esquerdo da folha, as letras
LRORIOOM e diz: “Raco-riris” (referindo-se à palavra arco-íris).
Dessa vez, Marcos recebeu apoio da professora para realizar a atividade e a
instrução veio somente de uma pessoa. Com isso, aparentemente, o menino
conseguiu manter sua atenção focada na atividade de escrita, composta por quatro
procedimentos distintos: a) desenho da figura materna; b) cópia da palavra MÃE; c)
escrita espontânea do nome da mãe; d) cópia do nome da mãe. Marcos copiou a
palavra MÃE, com dificuldade; não conseguiu escrever espontaneamente o nome da
sua mãe nem copiar a palavra ARCO-ÍRIS (nome de seu grupo). Analisando a cópia
feita por Marcos, ficou claro que ele grafava as letras sem respeitar a seqüência
correta das palavras. Ele sabia que podia copiar e desenhar, tanto que procurava
seguir a escrita convencional. Marcos também diferenciava escrita de palavras de
desenhos, mas claramente estava tentando se apropriar do conceito de ‘palavra’:
variava a quantidade de letras e evitava empregar a mesma letra (como é possível
visualizar na escrita espontânea das palavras ‘arco-íris’ e do nome da mãe). Tudo
isso parecia indicar que Marcos tinha se apropriado do fato de que uma palavra
81
requer o emprego de diferentes letras. Comparando a escrita espontânea da palavra
‘arco-íris’ e do nome de sua mãe, verifiquei que ele identificava algumas letras (M, O,
que correspondiam às iniciais do seu nome, e a letra L, que era a inicial no nome de
sua mãe) e acrescentava novas letras (I, R, E). Nessa cópia, Marcos não tinha
alcançado domínio motor; fazia uso inadequado do espaço, mas tentava fazer o ~
(til).
5.10 Apresentação do segundo momento: o aluno escreve com o apoio do
adulto
Estamos no segundo semestre de 2005. O grupo de apoio passou a se reunir
uma vez por mês. O semestre se iniciou com a apresentação, por parte da
professora, da avaliação pedagógica que fazia de Marcos. Ela relatou que houve
uma mudança significativa em relação ao seu comportamento, pois ele conseguia
cumprir a maioria das regras estabelecidas pela escola, mantendo uma boa
convivência com os colegas, professores e funcionários. Essa fala evidenciou que a
professora, ao avaliar o menino, levou em consideração seus progressos e sua
maior compreensão acerca dos valores da escola:
Desde julho, a gente vem conversando com a orientadora e com a
psicóloga do núcleo, sobre a passagem do Marcos para a segunda
série. Tem também a questão de idade do Marcos, e do seu
crescimento em relação a sua evolução com o grupo. Ele passou a
compreender as regras de grupo e da escola, está mais confiante em
si, começou a ter mais noção de que não é o que ele quer fazer,
então esse crescimento que a gente começou a ver, esse
amadurecimento, começou a dar indícios que mesmo se ele não se
alfabetizasse, eram indícios de que ele poderia ir para a segunda
série, para continuar essa alfabetização.
Os atores sociais reconheciam tais conquistas e se entusiasmavam. O
menino demonstrava certo interesse pelas atividades, pois as estava realizando:
leitura e escrita (neste caso, a cópia com significado). A professora adaptava as
atividades de sala e as tarefas de casa para Marcos. Nessas últimas, podia-se
contar com o apoio da estagiária de sala, além do envolvimento da mãe para apoiar
a criança:
82
Algumas vezes, é a mesma tarefa dos alunos; outras vezes, é
dirigida a ele a explicação. A explicação é dada em grupo e, depois,
a estagiária dele, posicionada ao seu lado, vai explicando pra ele.
Outras vezes, eu explico a atividade que ele deve fazer. Mas sempre,
quase sempre, eu escrevo um bilhete pra casa, explicando como a
mãe deve intervir para ajudar seu filho na tarefa.
A partir da análise das atividades de linguagem escrita que foram realizadas
por Marcos, percebi que a professora selecionava determinados conteúdos e
diminuía a quantidade de exercícios, tornando-os mais acessíveis ao aluno. Ela
mantinha uma linha de comunicação constante com a mãe do menino: enviava
bilhetes junto com as tarefas, explicando como deveria ser realizada, dava dicas de
como ajudar o filho nas tarefas da escola. A professora e a mãe conversavam,
geralmente, na chegada à escola. A mãe de Marcos acompanhava,
sistematicamente, as tarefas do filho, tentando contribuir para sua aprendizagem.
Esta parceria entre a professora e a e foi importante para o desenvolvimento de
Marcos, à medida que ambas passaram a compartilhar as atividades propostas e a
ajudar Marcos tanto na sala de aula como em casa. Esta parceria, no entanto,
poderia ter sido bem mais efetiva se não reproduzisse o modelo imposto pela escola:
o da repetição. De certa maneira, o apoio extensivo que a criança recebia na escola
durante as atividades de linguagem escrita, estava sendo replicado em casa: só com
a mãe a seu lado é que Marcos fazia as lições, como ela nos conta:
Ela [a professora] manda, geralmente ela manda, não mandava os
bilhetinhos.Aí eu mesma propus para ela, porque as vezes eu fazia
de um jeito [a tarefa] e ela queria de outro.Aí, ela começou a colocar
bem o que ela queria. Eu sempre coloco mais atividades para o
Marcos fazer, porque a tarefa é diferente para ele. E então, as
lições costumam ser bem light. Como ele costuma ser preguiçoso
para fazer a lição, quando acabava a lição da professora, eu já
colocava a minha. Assim: se a professora dava matemática, eu
incluía português e vice versa. Não só numerais, mas colocava,
também, pedrinha, feijão, para contar; propunha uma colagem, essas
coisas assim ajudaram bastante, no fim do ano.
Outra alternativa interessante adotada pela professora foi a utilização de uma
caixa contendo os vários animais de borracha de Marcos e seus respectivos nomes
escritos em fichas (leão, iguana, cachorro, girafa e dinossauro). Marcos demonstrava
apego a estes brinquedos e a professora “negociava” com ele o tempo de brincar
83
com a caixa. Isso significava que ele o poderia fazer depois que realizasse as
atividades de escrita. A professora adotou o uso sistemático do alfabeto móvel de
madeira, oferecendo à criança a possibilidade de escrever palavras ou frases. No
início, ele fazia isso com as letrinhas de madeira e, depois, por meio de pias no
caderno ou em folhas sulfites. Quando as atividades de escrita eram realizadas com
o apoio do alfabeto de madeira, Marcos nitidamente se envolvia mais com a
atividade.
A professora deu continuidade ao plano de trabalho estabelecido
anteriormente, pois o grupo de apoio reconheceu que era necessária a sua
continuidade, no intuito de atingir alguns objetivos referentes à alfabetização. Agora,
era possível identificar que o grupo planejava o ensino de Marcos, levando em
consideração o que ele sabia. Na percepção da professora, a inclusão estava
realmente se efetivando, a despeito de Marcos ainda encontrar dificuldades em
realizar trabalhos em equipe. Efetivamente, eles passaram a ser feitos a partir do
mês de outubro, como bem lembra a professora:
Ontem foi muito legal, a gente fez um trabalho em grupo e foi a
primeira vez que ele participou! Ele nunca tinha participado, sempre
preferia ficar fora dos grupos, era algo dele mesmo. Por exemplo,
quando eu falava: “hoje tem trabalho em grupo,vamos organizar o
que cada um vai fazer”, no momento que Marcos escutava isso - que
a gente ia trabalhar em grupo -, ele se distanciava. E se a gente
chegava perto ou se um amigo chamava, ele se distanciava ainda
mais”.
Como podemos verificar, a professora atribuía as dificuldades encontradas na
interação exclusivamente a Marcos: “Já era algo dele mesmo”. O aluno estava
rotulado como sendo aquele que não interagia, como se carregasse o estigma social
da deficiência, transformando-se na deficiência em si! De fato, a professora sequer
questiona se a sua prática ou se o tipo de organização dos grupos de alunos (que se
sentavam em carteiras enfileiradas, com poucas oportunidades de interação) era
adequada. Com isso, mais uma vez, Marcos deixava de interagir com seus colegas
de classe. Dentre as atividades que observei em sala, selecionei um episódio no
qual foi proposta uma das raras atividades para serem realizadas em pequenos
grupos e de que Marcos não participou, conforme previsto.
84
Episódio 1
A professora organiza as carteiras em pequenos grupos para realizarem a atividade. Ela
explica ao grupo que a atividade será sobre o corpo humano e que eles deverão se organizar
em quatro grupos menores, assim distribuídos: um grupo para elaborar um texto, um grupo
para construir um caça-palavra, um grupo para fazer cruzadinha com charada, e um grupo
para fazer cruzadinha com desenho. Os alunos tiveram a oportunidade de escolher em que
grupo queriam permanecer. A professora escreveu o nome dos alunos no quadro, formando
os grupos, conforme o desejo das crianças. Enquanto isso, Marcos estava sentado sobre
uma mesa. A estagiária do núcleo de apoio perguntou em qual grupo ele gostaria de
participar. Ele fez como se estivesse pensando e a professora também lhe pergunta em qual
grupo ele desejava participar. Ela leu os agrupamentos e ele disse: CRUZADINHA! Com
desenho? Perguntou a professora. Ele respondeu balançando a cabeça: é. Marcos foi o
primeiro da lista daquele agrupamento (mais três alunos - duas meninas e um menino - o
escolheram). A professora explicou novamente que o trabalho seria em grupo, assinalou que
precisariam trabalhar juntos, alertando que seria apenas uma folha por grupo. Ela chamou
todos os alunos para sentarem nas carteiras distribuídas em pequenos grupos. Marcos, que
estava sentado sobre uma das mesas, no fundo da sala, desceu quando a professora disse
que seu grupo iria se sentar ali. Ele foi para a frente da sala, sentou-se próximo ao quadro de
giz e brincou com uma águia de papel. Do fundo da sala, a professora chamou-o, mas ele
não lhe deu atenção. Então, ela comentou com a pesquisadora sobre a dificuldade de Marcos
em participar de atividades em grupo. Uma colega de seu grupo, voluntariamente, foi ao
encontro de Marcos, puxou conversa e pediu para ele que fosse participar, com o grupo, da
atividade. A colega insistiu, mas ele disse que não queria participar. A menina retornou para o
pequeno grupo. Marcos permaneceu sentado, em companhia de sua águia. A professora
passou nos quatro grupos e fez orientações para a realização das atividades. A estagiária do
núcleo de apoio pegou uma folha de sulfite e foi ao encontro de Marcos, pedindo-lhe que
fizesse o desenho de algumas partes do corpo humano. Ele disse que não queria fazer. Ela
afastou-se, retornando para o fundo da sala. Marcos jogou a folha e o lápis no chão. A
estagiária veio conversar comigo (no fundo da sala), e disse que ele nunca participa das
atividades de grupo, porque não gosta”.
Mais uma vez, Marcos carregava o estigma social da deficiência, visto haver
um entendimento partilhado pelos adultos de que a dificuldade para interagir
socialmente era sua. O grupo de apoio, focado na alfabetização, passou a
questionar se o método que estava sendo adotado com Marcos era realmente eficaz
para levá-lo a se apropriar da linguagem escrita. A fala da professora mostrou que
ela mudou as estratégias de ensino, adotando um outro todo de alfabetização,
utilizando com o grupo de alunos e com Marcos estratégias defendidas pela
psicolingüística (vide Smith e Batista, 2003), em geral adotadas pelos defensores da
abordagem construtivista. Essas estratégias incluíam procedimentos nos quais se
apresentava ao aluno o todo (ou seja, palavras, frases, pequenos textos), buscando
extrair dele, significados sem proceder às segmentações fonéticas. A análise
fonética era desenvolvida à medida que a criança ia tentando escrever. Desta forma,
não se podia dizer que a professora seguia propriamente um método de
alfabetização, que pressupunha avanço das crianças ao realizarem coletivamente
as atividades de leitura e escrita. Desse modo, não via a necessidade de
85
intervenções sistemáticas.
A partir do mês de agosto, com base na avaliação das atividades de escrita
realizadas por Marcos, e levando em consideração a capacidade de memorização
do menino, a professora alterou mais uma vez suas estratégias de alfabetização:
passou a adotar o método analítico-sintético, propondo que, a partir de uma palavra
significativa para o aluno, ele aprendesse suas sílabas, além das famílias silábicas
correspondentes, fazendo com elas novas combinações para formar novas palavras.
Esse método incluía ainda cópias e ditados, apoiando-se na memorização para
fortalecer as associações entre sons e letras/sílabas.
Nesse momento o que eu tenho tido em mente é assim: o grupo
está alfabetizado e agora a gente trabalha intensificando a gramática,
a interpretação de texto e conteúdos que são mais abstratos. Então,
para o Marcos, nesse momento, o meu objetivo maior é a fixação
silábica. Eu modifiquei também o meu planejamento com ele, pois no
início do ano, eu pretendia trabalhar a alfabetização, no método que
a gente trabalha: o método de trabalhar tudo junto: textos, histórias.
Não tem silabação, não tem sílabas divididas, primeiro as simples
depois as complexas. Em agosto, eu conversei com a equipe de
apoio, sobre a possibilidade de introduzir a silabação: aquela coisa
sistemática, desde as vogais, pois ele reconhece todas as letras do
alfabeto.
Foi assim, buscando apoiar Marcos que a professora buscou modificar a
forma de apresentar e sistematizar a linguagem escrita. Ela abandonava uma
abordagem que considerava ser construtivista (confundindo, como é freqüente,
construtivismo com estratégia ou método), para seguir uma abordagem considerada
tradicional. A professora explica:
Não é um método totalmente antigo, é mais tradicional. Hoje as
escolas não alfabetizam mais por essa seleção de sílabas. Não estou
testando o método, mas é o teste do que funciona com o Marcos...
Os avanços são pequenos ainda, mas ele consegue, a partir da
silabação, saber que letra eu falei. Então, ele tem escrito pra mim,
por exemplo: esqueleto - que é uma coisa que ele gosta - ele põe
EQLO. Isso, no processo normal de alfabetização, a gente
considera a criança quase silábica! Mas claro que isto acontece
com o adulto ao seu lado!
Como bem lembra Weisz (1999): Se o professor procura inovar sua prática,
adotando um modelo de ensino que pressupõe a construção do conhecimento sem
compreender suficientemente as questões que lhe dão sustentação, ele corre o sério
86
risco de ficar se deslocando de um modelo que lhe é familiar para outro, meio
desconhecido, sem muito domínio de sua própria prática: ‘mesclando’, como se
costuma dizer. Essa decisão da professora sugeria que ela acreditava que a
abordagem construtivista o funcionava para crianças com dificuldades e,
sobretudo, quando alguma deficiência. Portanto, parece estar implícita, nessa
crença, a idéia de que Marcos não era capaz de construir significados utilizando a
linguagem escrita. Essa situação surgiu com mais clareza, quando a professora foi
questionada pela pesquisadora sobre os sentidos atribuídos à linguagem escrita e
ela disse:
Não, o para q escrever não foi trabalhado. Era trabalhado
normalmente: "Vamos Marcos, se tu aprenderes a ler e a escrever tu
vais poder isso, aquilo". Dávamos premiações, mas a função [da
escrita] exatamente, não. Acho que a preocupação era tão grande
que ele aprendesse, e que a gente conseguisse ensinar, que
acabava partindo para a atividade de escrita em si, sem se preocupar
com: o como, porque, para que escrever.
A professora deixou claro que o conseguiu organizar o ensino, fazendo
com que a linguagem escrita se tornasse necessária no cotidiano de Marcos. Isto
nos levou a compreender a relutância do menino diante de tais atividades. Era
evidente que ele ainda não tinha atribuído um sentido à linguagem escrita. Embora
ele soubesse que a escrita estava presente nas inúmeras histórias que ele
manuseava, ele não se via como um possível escritor. É importante ressaltar que a
professora trabalhou os sentidos e a função social da escrita com todo o grupo e,
inclusive, com Marcos no grupo, durante o primeiro semestre. Ela explica:
Com o grande grupo foi trabalhado, inclusive com ele escutando.
Mas quando sentávamos com ele, especificamente, daí não, não era
trabalhado [o como, porque, para quê escrever]”
Pude observar que isto realmente tinha acontecido durante o semestre: a
professora formava o texto com os alunos salientando sua função comunicativa. Na
maioria das vezes, esclarecia que a escrita servia para se comunicar com um
interlocutor ausente (escrevendo um bilhete para os pais, escrevendo um cartão de
aniversário, lendo o texto produzido por um pequeno grupo para o grande grupo). A
questão aqui era complexa, pois Marcos não aderiu às inúmeras propostas da
professora e do grupo no primeiro semestre. Não podemos deixar de considerar que
87
Marcos tinha dificuldade em fazer uso da linguagem oral: falava pouco e utilizava a
linguagem exclusivamente para satisfazer suas necessidades básicas e alcançar
seus desejos. Portanto, se ele pouco interagia no grupo, raramente nele intervinha
comunicativamente. Diante desta situação, a professora teve muitas dificuldades
para aproveitar seus raros momentos de interação e de comunicação (tanto gestual
quanto oral), para motivá-lo a escrever. Parafraseando Davis (1989), a professora
não conseguiu removê-lo de sua individualidade, pois ele não tinha claro o
significado e a importância de realizar atividades conjuntas.
Neste período, várias e diferentes atividades foram desenvolvidas para apoiar
Marcos na escrita, a saber: escritas com o alfabeto móvel (de madeira e de papel),
cópias de palavras do alfabeto móvel no caderno ou no papel sulfite; recortes de
figuras, letras e palavras em revista e jornais; escritas espontâneas, cópias, ditados;
desenhos e pinturas. Estas atividades foram mediadas, na maioria das vezes, por
um adulto, que soletrava as sílabas e, a partir delas, ele as escrevia. Analisando
tudo o que foi feito, foi possível observar que somente a partir de outubro foram
registradas atividades de escrita das famílias silábicas: BA, CA, TA, MA, RA. Embora
a professora, ao ajudar seu aluno, utilizasse a silabação, os registros escritos da
série trazem poucas atividades que evidenciem a escrita da família silábica. Neste
sentido, um trabalho mais sistemático com as famílias silábicas poderia ter sido
levado a efeito, contribuindo, ainda mais, para o processo de alfabetização de
Marcos.
Assim mesmo, esta tomada de decisão auxiliou a aquisição da linguagem
escrita de Marcos. A partir da análise de suas atividades escritas e segundo a
avaliação da professora, houve avanços significativos: Marcos passou a identificar
segmentos sonoros e a compreender que palavras diferentes podem compartilhar o
mesmo som. Isso pode ser observado nos episódios que apresentamos a seguir:
Episódio 2: setembro de 2005
Estamos na sala da série. A professora inicia a atividade (atividade 4- Anexo 11)
incentivando o grupo a relatar oralmente o que fizeram no fim de semana. Algumas
crianças falam que foram ao shopping, outras que assistiram a um filme, brincaram
em casa.... Em seguida, escrevem sobre o fim de semana. Enquanto isso, Marcos
permanece brincando no chão da sala, com sua águia de papel predileta (que ele faz
com folha de revista ou papel de jornal), balançando-a de um lado para o outro. A
estagiária do serviço especializado convida-o para se sentar na cadeira junto com ela
e a realizar a atividade de escrita: “Vem comigo, agora é hora de escrever o que tu
88
fizeste no fim de semana”! Marcos ignora-a e continua brincando com sua águia. Ela
insiste: Vem logo, senão tu vais perder a hora do lanche!” Ao ouvir isso, ele se
levanta e senta-se na cadeira. A professora aproxima-se e diz: “Vamos lá, amigo,
escreve aqui” e em uma folha de sulfite rosa escreve ‘FINAL DE SEMANA’. Outra
estagiária (a da sala) chega e soletra as letras da palavra, tentando levar o menino a
copiar. Ele, pegando um lápis preto, obedece. A professora se afasta, para passar
nas carteiras de outros alunos que solicitavam sua atenção. Marcos permanece em
sua carteira, com uma estagiária de cada lado, tentando contar que foi ao dentista.
Para isso, coloca o dedo indicador em um dente e fala: “Dente, dentista”. A estagiária
do serviço especializado pede que escreva na folha que foi ao dentista e vai
soletrando as letras para ele escrever, mas ele não o faz. Ela, então, escreve a frase:
FUI AO DENTISTA. Marcos copia a frase, com o apoio da estagiária.
Como pode ser visto, Marcos recebe o apoio de três adultos para realizar a
atividade: da estagiária do núcleo de apoio, da estagiária da sala e da professora.
Até esse momento, podemos dizer que o aluno continua recebendo o mesmo tipo de
apoio, ou seja, que nada mudou em relação ao momento 1. Essa ajuda permanecia
extensiva, à medida que um adulto sempre mediava suas atividades na escola.
Assim, observamos que o menino ainda não conseguia prestar atenção à explicação
que a professora dava ao grupo, pois, nessas ocasiões, ele não se mantinha atento,
nem demonstrava nenhum interesse na explicação da professora; no entanto,
quando a explicação era individual, a situação mudava drasticamente: Marcos
olhava, sorria e falava com ela. .Com o apoio das estagiárias, conseguia copiar a
expressão: FINAL DE SEMANA e a frase: FUI NO DENTISTA. Nesta cópia, algumas
mudanças foram notadas em relação ao momento 1, com a criança passando a: a)
seguir a direção correta das letras (da esquerda para a direita), quando antes
apenas as copiava com dificuldade, sem respeitar sua ordem na palavra); b) copiar
sem ajuda, escrevendo frases e palavras, ao invés de se apoiar na mão do adulto,
orientando, sobre a escrita durante as cópias. O fato de copiar palavras e frases
indica um maior domínio motor, tendo em vista o tamanho menor da letra, agora
menos tremida; c) respeitar o espaçamento entre palavras. Até agosto, Marcos
reconhecia todas as letras do alfabeto, e pouco a pouco, as utiliza na escrita.
Episódio 3: setembro de 2005
E
stamos na sala da série. A professora propõe uma atividade a ser realizada
individualmente aos alunos, que consiste em procurar palavras referentes ao corpo humano
no caça-palavras. A atividade é composta por um cabeçalho, caça-palavras, desenho, cálculo
e escrita sobre o corpo humano. Marcos está sentado no chão, brincando com alguns animais
de borracha. A professora se aproxima e diz: “Olha! É o corpo humano. Vamos fazer
atividade” (mostrando a folha que continha suas especificações para ele). Ela aponta a figura
89
de um homem e diz: “Ele é um domador de animais!”). Marcos não mostra nenhuma reação
diante do convite. A professora, então, afasta-se e caminha entre as carteiras da classe,
interagindo com outros alunos que realizam a atividade. Marcos continua brincando no chão
com seus animais de borracha. A professora aproxima-se novamente, pega a folha da mesa
do aluno, abaixa-se e coloca essa folha no chão. Pega a tesoura em sua mão e diz: Esta
tesoura é minha e essa atividade é sua, vamos fazer”? Ela explica que hoje não pode sentar-
se no chão, ele balança a cabeça dizendo: “Não!.” A professora ameaça, como resultado,
retirar os animais com os quais o aluno está brincando, o que o leva a concorda em sentar na
cadeira dele e fazer a atividade. A professora afasta-se para atender às demandas de outros
alunos. Marcos senta, pega seu lápis e começa a escrever. A professora aproxima-se
novamente e senta-se ao lado dele, buscando auxiliá-lo. Ele escreve o próprio nome na folha.
A professora começa, então, a fazer perguntas sobre o corpo humano: “É o combustível do
corpo, corre pelo nosso corpo dentro das veias?” Marcos tem dificuldade para responder à
pergunta, mas finalmente se aproxima da resposta dizendo: Aguinha”. A professora vai em
seu auxílio, dizendo: “Sai do nosso corpo quando a gente se machuca”. Agora, sim, o aluno
responde: “Sangue”. A professora pergunta sobre os membros inferiores e superiores. Ele
nomeia alguns: fêmur, coxa, tíbia, mostrando com a mão as partes de seu corpo. Menciona
ainda o esqueleto e a professora pede-lhe que ele escreva a palavra no verso da folha.
Marcos começa a fazer um desenho (atividade 5 Anexo 12). A professora diz que não foi
isso que pediu e que quando ele terminar o desenho, deve escrever a palavra esqueleto!
Dirige-se, então, para a frente do grupo para dar orientações sobre a atividade que es
sendo feita. Marcos termina seu desenho, escreve seu nome quatro vezes, e vai até a
professora para mostrar-lhe o desenho. Ao vê-lo, a docente exclama que ele não escreveu a
palavra ESQUELETO, apenas fez um lindo desenho! Pede-lhe que leia o que escreveu e ele
diz: “Nome meu”. Então, ela solicita que ele escreva no quadro: esqueleto. A professora
soletra as sílabas. Ao falar o TO, ela diz também: “TA-TE-TI-TO-TU”. Ele indaga: T de tatu”?
E a professora confirma! “Isso mesmo, T de tatu!!Ele escreve no quadro de giz: EQLTR. A
professora pede a Marcos que ele leia o que escreveu. E, Marcos lê: “Esqueleto”. Ela o
questiona, perguntando-lhe se na palavra esqueleto tem a letra R. O menino sinaliza com
gestos que existe sim, a letra R existe na palavra esqueleto. Em seguida, a docente pede
para Marcos retornar à carteira e copiar a palavra escrita no quadro. Ele vai à carteira, senta
e obedece as ordens do outro, copiando do quadro: EQLTR. Retorna e mostra para a
professora o desenho, e a docente volta a lhe perguntar: Te confesso que essa letra R não
existe na palavra ESQUELETO. Quer ver?” Ela escreve no quadro: ESQUELETO, logo
abaixo da palavra EQLTR. A professora sublinha com setas as letras que ele escreveu
corretamente e circula aquelas que ele não escreveu: S, U, E - e circula também a letra R.
Ele permanece atento à correção da professora e ela lhe pede para que apague o quadro.
Marcos olha para seus colegas e observa se alguém copia. Sobe em uma cadeira e apaga o
quadro lentamente.
A atividade de escrita era apresentada de forma lúdica e versava sobre um
tema que se refere aos interesses da criança: o corpo humano. Marcos, desde a
educação infantil, manifestava interesse pela temática do corpo humano. tinha
mostrado seu Atlas do corpo humano, e explicou-o a várias pessoas do grupo,
inclusive à pesquisadora. Marcos contava com a ajuda da professora, que lhe
explicou a atividade, tentando favorecer os interesses da criança. Quando a
professora solicita que ele escreva a palavra esqueleto, Marcos desenha o corpo
humano em forma de esqueleto. Ele recorre à forma pictográfica (ao desenho) para
escrever, mas logo após a nova explicação da professora, podemos ver que ele
apresentava escrita convencional, provavelmente porque começa a perceber que
pode desenhar a fala. Isso evidencia-se com a escrita da palavra esqueleto. Neste
90
caso, o apoio da professora, expresso pela pauta sonora, contribuiu para a produção
da escrita de Marcos.
Analisando o contexto em que se deu a produção da linguagem escrita,
observamos que a professora faz a segmentação oral da palavra em sílabas,
oferecendo um novo apoio para Marcos, ao chamar a atenção para a pauta sonora
da palavra (ES-QUE-LE-TO) para que ele a escrevesse. Mas o que a professora
está ensinando para Marcos quando ela segmenta a palavra? Ela buscou mostrar
que as palavras orais são segmentáveis - ou seja, o constituídas por unidades
sonoras (fonemas) menores, neste caso, as sílabas - para que Marcos associe o
som da sílaba às letras correspondentes. De fato, o aluno conhecia o alfabeto e
utilizava as letras cujas pronúncias se aproximavam do som da sílaba (E para ’ES’;
Q para ‘QUE’; L para ‘LE’; ). No caso da sílaba TO, não havia como relacionar o som
de T com o de “TO”, de modo que Marcos ficou em dúvida sobre o que escrever. A
professora ajudou-o, enunciando oralmente as sílabas que se formam a partir da
junção das vogais com o T. Família TA-TE-TI-TO-TU, levando-o a concluir que seria
necessário a letra T de ‘TATU’. A pergunta indica que Marcos tinha memorizado o
nome e a forma gráfica da letra, associando-os à imagem do tatu. Esta mediação
parece ter-lhe oferecido subsídios para compreender o funcionamento do sistema de
representação alfabético, no qual combinações de letras representam segmentos
fonéticos das palavras. Ele pode, dessa maneira, perceber que a estrutura
fonológica da palavra é composta de segmentos sonoros (Vide Maluf, 2003). Fica
claro que Marcos foi capaz de escrever a palavra ‘ESQUELETO’ mediante o
auxílio do adulto, mas escrever com ajuda implica ser capaz de, no futuro, escrever
sozinho.
O sistema de representação alfabético tem por base a utilização de letras
para representar os menores segmentos fonológicos, ou seja, os fonemas. A tomada
de consciência dos fonemas é um processo muito complexo, pois exige que o sujeito
pense sobre a palavra não somente pelo que ela significa, mas também como um
conjunto de sons. É a isso que Vygotsky se refere, quando defende que a linguagem
escrita para o sujeito começa sendo um simbolismo de segunda ordem, para
somente depois, gradualmente, tornar-se um simbolismo de primeira ordem,
referindo-se diretamente à realidade, sem a mediação da fala. Assim, no início, a
criança, com a mediação do adulto, precisa ser levada a reconhecer que signos (as
palavras) são formados por combinações de letras, em uma determinada ordem
91
(que vai da esquerda para a direita) e separados por espaços vazios.. Desta forma,
a descoberta de que os signos representam os sons das palavras, constitui-se em
um avanço, porém, ainda é necessário descobrir quais são os sons que elas
representam.
Na língua portuguesa, as sílabas são segmentos sonoros salientes e, por
isso, é compreensível que as crianças utilizem suas letras para as representar,
quando compreendem essa particularidade do sistema de escrita (enquanto um
simbolismo de segunda ordem). Embora as letras representem, na realidade,
fonemas e não sílabas, este avanço das crianças permite-lhes começar a relacionar
a pauta sonora com a grafia da palavra, contribuindo para que, posteriormente,
descubram os fonemas. Dessa forma, a tomada de consciência dos fonemas
(aspectos abstratos vinculados ao sistema alfabético de representação) é
fundamental para a apropriação do sistema de escrita, sendo possível quando o
sujeito utiliza uma representação mental que, de alguma forma, torna os fonemas
“materiais”, “concretos”. Essa representação mental é proporcionada pelo
conhecimento de algumas relações som-letra. Morais (1996) explicita esse processo:
... a consciência fonêmica e o conhecimento do código alfabético
surgem simultaneamente. Nenhum é a ‘causa’ do outro. Entretanto,
veremos que eles se influenciam e se reforçam mutuamente. Juntos,
eles contribuem para o sucesso da aprendizagem da leitura e da
escrita (MORAIS, p.176)
É importante destacar que o domínio destas questões (correspondências
entre os sons e as letras) não é o objetivo do processo de alfabetização. Mas, sem
esse domínio não é possível atingir o verdadeiro objetivo da alfabetização, que é a
construção de sentidos fazendo uso da linguagem escrita na interação social
(Schiochetti, 2004). Ao adotar o método analítico sintético, a professora leva em
consideração a ótima memória de Marcos, que lhe permite fixar uma série de
informações. Ela própria argumenta:
Ele consegue memorizar e fixar aquilo por muito tempo! Aquilo que
ele gosta, ele memoriza. A questão silábica, por causa do som e a
questão da memorização, estou trabalhando algumas palavras. A
partir da memorização daquelas palavras, ele está tirando sons da
silabação.
Como foi possível analisar, a professora demonstrou intencionalidade
92
educativa em sua intervenção junto ao aluno, a despeito das eventuais inseguranças
que pudesse ter quanto ao seu acerto. Na verdade, era difícil conhecer os
conhecimentos de seu aluno, já que ele não os verbalizava. Assim, a professora não
podia contar, a partir das produções escritas da criança, com subsídios teóricos
suficientes para inferir qual seu conhecimento sobre a escrita. A mesma dificuldade
foi também expressada pela orientadora educacional:
Em alguns momentos, fica difícil para a equipe saber o que se passa
na cabecinha dele. Como acontece com os outros alunos que dizem
pra gente: “Olha, eu não entendi isso aqui”. Ele não diz isso”.
Para que o Marcos expressasse alguma dificuldade em relação a sua
compreensão sobre o funcionamento do sistema de escrita, seria necessário que ele
tivesse algum conhecimento sobre este funcionamento e, sobretudo, que tivesse
dele consciência. Até lá, caberia aos mediadores deste processo, a partir de uma
avaliação sistemática das produções do menino, inferir quais eram as suas
dificuldades. Isto seria tão mais importante quanto estes mediadores pretendiam
fazer um trabalho numa perspectiva construtivista, a qual pressupõe que a criança
elabora hipóteses acerca do objeto de sua ação mental, (neste caso, a língua
escrita).
Por outro lado, Marcos não era envolvido em sala de aula em situações que
lhe possibilitassem ampliar o sentido das suas produções escritas para além do
proposto pela tarefa escolar. Muito embora fosse possível considerar que ele
compreendesse a função social da escrita enquanto veículo de significados
(sobretudo quando se tratava da literatura infantil e de informações sobre o corpo
humano e sobre outros animais), a impressão que ficava era a de que a percebia
como algo que lhe vinha pronto (dos inúmeros livros que ele manuseava no seu
cotidiano, pois ele os retirava da biblioteca, semanalmente). Aparentemente, ele
ainda não conseguia se perceber como um autor de textos, ou seja, ainda não tinha
sido confrontado com situações que tornassem premente a necessidade da escrita.
Gândara (2005), em estudo anterior com Marcos, afirma:
No ponto de vista das crianças, se a escrita registra o nome dos
objetos, é uma etiqueta para algo que já existia antes do registro. Ela
substituiu o objeto, não o cria. Assim, parece que “M” [Marcos]
acredita que as histórias têm uma identidade anterior à sua
representação gráfica (seja esta na forma de ilustrações, seja na
93
forma escrita), por isso, esta serve para lembrá-las tal como são, não
aceitando que, na leitura, sejam alterados os nomes dos
personagens ou a seqüência dos eventos”.
A autora lembra que Teberosky (2003) considera que:
[...] “o deslumbramento das crianças pela leitura e releitura das
mesmas histórias está relacionado a uma descoberta muito
importante, de que a escrita fixa a ngua e a domina de tal maneira
que não permite que as palavras se dispersem, que se apaguem
nem mesmo sejam substituídas umas pelas outras. Assim, a
aparição das mesmas palavras, uma vez e outra, garante grande
parte do mistério que certamente reside nesta possibilidade de
reprodução, de reiterão e de re-apresentação. (Gândara, 2005,
p.67).
Nesse ponto, teria sido importante que as intervenções da professora
privilegiassem a apropriacão, pelo aluno, da função social da escrita, ampliando-a
para além da função de reprodução e de re-apresentação. Para isso, seria
necessário que a professora criasse um contexto compartilhado de interações
sociais, que não se limitasse somente às tarefas escolares, promovendo o uso da
escrita enquanto ferramenta que permite a comunicação com um interlocutor
ausente. Seja como for, a adoção do método analítico sintético pareceu agradar aos
pais, que, mesmo sem serem consultados, concordaram com tal mudança, conforme
pode ser identificado na fala da mãe: “[...] nós temos fé que agora, com esse novo
método, ele vai ser alfabetizado. Eu sei que pelo outro jeito [de ensinar], ele estava
mais lento”. Esta expectativa dos pais de crianças com deficiência mental quanto à
alfabetização de seus filhos parece sinalizar uma possibilidade de diminuir a
distância entre eles e as crianças alfabetizadas.
94
Episódio 4: outubro de 2005
Estamos na sala da série. A professora está sentada ao lado de Marcos, na carteira. Ela
propõe que Marcos escreva, em uma folha de papel sulfite (atividade 6 anexo 13), sobre o
que fez no final de semana. Ele se mostra indiferente a esta proposta, pois está muito
interessado em falar sobre o livro que havia retirado da biblioteca. Então, a professora o
livro, que conta a história do RATO. Marcos permanece atento à história. Quando ela finda, a
professora sugere que ele escreva a palavra RATO e repete, mais uma vez, a palavra, agora
dando ênfase às sílabas: RA TO. Ele escreve a letra R. A professora repete pausadamente
a sílaba RA, e Marcos escreve a letra A. Para a sílaba seguinte (TO), a professora falou a
família silábica (TA, TE, TI, TO, TU) e ele pergunta se era o T de TATU? A professora
confirma e ele escreve o T. Ela diz que está faltando uma letra e fala TO. Ele indaga se falta a
letra O. A professora confirma e ele escreve O. A professora faz a leitura da palavra RATO.
Ela diz que tem nojo deste animal, pois ele transmite doença. Marcos responde: UI. A
professora pede que ele escreva UI, repetindo-lhe pausadamente a palavra. Marcos escreve
a palavra UI. A professora diz que se o rato a mordesse, ela sentiria dor; então o aluno fala:
AI. Ela solicita que ele escreva AI, o que é feito. Os dois continuam conversando, folheando o
livro, falando sobre a comida do rato. A professora sugere que Marcos escreva a palavra
COMIDA, ele a obedece, tão logo a professora termina de falar a família silábica. Em seguida,
o aluno lembra-se de um passeio ao zoobotânico, referindo-se à iguana. Então, a professora
pede que ele escreva IGUANA; Marcos escreve a palavra, de acordo com a segmentação
feita pela professora: I-GUA-NA.
Nesta atividade, podemos verificar que Marcos conseguia escrever com o
apoio de um adulto mais experiente, algo que ele ainda não fazia no momento 1
(situação em que a professora segurava sua mão para que ele copiasse; se deixado
livre, Marcos não respeitava a seqüência de letras na escrita das palavras, de modo
que elas não passavam de agrupamento de letras sem significado). Mas, nesse
momento 2, uma mudança significativa na apropriação da escrita pela criança: a
escuta dos segmentos silábicos permite sua associação com os fonemas iniciais de
alguma palavra conhecida, cuja representação ortográfica ele memorizou. Dessa
maneira, Marcos consegue identificar a consoante inicial destes segmentos, como
fica claro quando ele indaga: “T de TATU”? Isto revela, ainda, que ele consegue
compreender que palavras diferentes podem compartilhar o mesmo som, e este som
é representado pela mesma letra (neste caso o mesmo T que serve para escrever o
/TA/ de TATU, também serve para escrever o /TO/ de RATO).
É importante destacar, que neste episódio, a professora procura conduzir
Marcos a uma escrita alfabética, não aceitando mais como resposta a utilização de
uma letra somente para representar uma sílaba, como foi descrito no episódio
anterior: agora, a professora exigia, nesse momento, que ele se desse conta de que
faltava uma letra na sílaba, destacando o som /TO/. A partir daí, o aluno analisou
essa sílaba e percebeu que o som /O/ não estava representado e que, portanto,
seria necessário acrescentar a letra correspondente. Isto parece indicar que Marcos
95
estava começando a analisar a sílaba em segmentos menores que, neste caso,
correspondem ao fonema, que a sílaba é do tipo CV (consoante-vogal). A
professora pressupunha que Marcos poderia fazer a correspondência entre o som
e a letra, ou seja, que ele pudesse ter domínio do código de representação escrita
(relações grafema/fonema) Neste apoio, ela estava claramente preocupada com o
processo de aquisição do código, de modo que sua mediação baseava-se em uma
concepção da língua escrita enquanto código, ou seja, enquanto simbolismo de
segunda ordem. Essa parece ter sido a razão pela qual ela não propunha atividades
que levassem Marcos a compreender que a língua escrita é um sistema de
representação, ou seja, que a linguagem escrita representa diretamente os
significados (simbolismo direto).
5.11 Apresentação do terceiro momento: o aluno realiza a atividade sozinho
A entrada de Marcos na 2ª série foi discutida pelo grupo de apoio, que
reconheceu a necessidade da continuidade do processo de alfabetização do
menino. O grupo se preocupou com essa questão, desde a escolha da professora
que acolheria o aluno. Decidiu-se intencionalmente, pela professora Marisa, com
base na experiência de sucesso que a professora teve ao receber em sala, em anos
anteriores, uma criança com paralisia cerebral. Na opinião do grupo, este nome seria
o ideal, uma vez que esta professora, além de alfabetizadora, com especialização
em alfabetização, tinha o perfil profissional apropriado para acolher um aluno como o
Marcos, que estava em processo de aquisição de leitura e escrita. Portanto, ela
assumiu o grupo da série, ciente da expectativa em relação a sua capacidade de
acolher um aluno com Síndrome de Down, e ao mesmo tempo, apreensiva diante
deste novo desafio:
Quando eu fiquei sabendo, de imediato eu fiquei feliz, pois eu
conhecia o Marcos do parquinho, ele me cativou no primeiro
momento. Naquela época [na educação infantil] ele era isolado, não
era muito sociável com os amigos, mas quando eu chegava perto
dele, eu me sentia bem, eu já tinha um carinho especial por ele.
Então eu fiquei bem contente em saber que eu iria recebê-lo, mas
um pouco apreensiva em não saber como trabalhar com ele, pois eu
96
nunca tive um [aluno com]Síndrome de Down na minha sala. No
início do ano, eu peguei a pasta que a professora da série tinha,
que vinha desde a época da Educação Infantil, que tinha todo o
histórico dele e li. Li também algumas coisas sobre SD, até comprei
um livro que falava de uma mãe que tinha um filho com SD. Esta foi
uma tentativa de tentar entender melhor a SD, para poder estar
atuando com ele.
No início do ano letivo, foi realizada uma reunião entre a professora da
segunda série e a professora do ano anterior, com o objetivo de discutir sobre o
processo de ensino e aprendizagem de Marcos. Marisa, a nova professora recebeu
informações sobre o planejamento e os conteúdos que foram trabalhados com o
aluno, a forma de avaliação que fora adotada (ou seja, a avaliação descritiva) e os
métodos adotados para alfabetizar Marcos. A professora preocupava-se em
identificar a zona de desenvolvimento real do aluno para então, planejar seus
procedimentos de ensino. Segundo informou, todas as informações recebidas foram
úteis para o ensino de Marcos:
Este momento foi importante, pois eu tenho que saber exatamente
onde ele parou, para fazer as investidas. Essa era a minha
preocupação: onde ele parou, porque se ele domina determinado
conteúdo, porque eu vou continuar em cima? Vou avançar! Eu tenho
sempre essa preocupação - saber onde a criança parou - para
investir com estratégias para o avanço da criança.
A entrada de Marcos na série foi marcada por uma resistência. Durante os
primeiros quinze dias de atividades negava-se a entrar na sala, a participar das
atividades propostas pela professora. Este comportamento havia sido percebido,
logo no início da 1ª série, quando Marcos negou-se terminantemente a entrar em
sala de aula, durante o mês de março. O grupo de apoio analisou esta situação,
como uma dificuldade de Marcos para se adaptar novamente à escola; mas agora
parecia que haviam aprendido a lidar com o menino, pois não se repetiu outra vez
a pressão, dos diferentes atores, para que ele entrasse na sala. Respeitou-se,
portanto, seu ritmo que,, pouco a pouco, decidiu-se a entrar e participar das
atividades propostas em sala de aula.
As metas colocadas para Marcos na segunda série foram: dar continuidade
ao processo de alfabetização e continuar promovendo sua socialização no grupo. A
professora sabia bem da necessidade de investir em atividades de grupo, para que
97
Marcos pudesse delas participar. Assim, a professora deu continuidade ao método
analítico sintético, adotado pela professora da 1ª série, que parecia ter impulsionado
a aquisição, por parte de Marcos, da linguagem escrita. Havia, da parte da
professora, a aposta de que Marcos, a partir deste método, poderia se tornar um
leitor:
Eu acho que ele pode se tornar um leitor, porque ele tem muito
interesse pelos livros, ele vive com os livros embaixo do braço...
Então, eu acho que ele vai conseguir ler. Eu vejo o Marcos como
um grande leitor. Mas eu acho que, o que nós estamos querendo
agora, é que ele consiga escrever. E essa junção é uma forma que
eu estou acreditando que dê certo!
Nesse ano, o grupo de apoio já não se reunia sistematicamente, como no ano
anterior. As reuniões eram realizadas de acordo com a necessidade percebida pelos
atores sociais. No entanto, a professora manteve um contato direto com os pais de
Marcos, que estiveram sempre presentes na escola, interessados na educação do
menino, apoiando-o nas atividades escolares. A professora também mantinha um
contato freqüente com a orientadora educacional, momentos em que apresentava as
atividades que o aluno vinha desenvolvendo. Nesta transição de Marcos para a
série, o grupo parecia mais confiante quanto ao processo de inclusão deste aluno na
escola. Sem dúvidas, acreditava que o método analítico-sintético, adotado pela
professora do ano anterior, e também pela professora atual, era o caminho mais
seguro para apoiar Marcos na apropriação da linguagem escrita.
Ao avaliar o apoio que o núcleo oferecia, a professora revelou seu
descontentamento e a sua angústia devido às muitas dúvidas que a acompanhavam
no processo de inclusão da criança com deficiência, no que se refere ao
planejamento e à adaptação curricular:
É pouco, é pouco, acho que nós precisaríamos de mais apoio, tanto
emocional, porque mexe com o nosso emocional. Precisamos de
ajuda para dar caminhos pra gente, porque a gente faz o que acha
que dá certo, vai tentando”.
Foi possível perceber, ainda, a presença da mesma dificuldade já evidenciada
no ano anterior, quanto aos fazeres de cada membro no grupo de apoio para que se
constituísse uma rede de ação colaborativa. Sem ela, a professora, mais uma vez,
acabou por decidir, individual e solitariamente, como seria o planejamento a ser
seguido por Marcos:
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Eu vou vendo onde ele parou. Partindo do que ele vivenciou, eu
vou tentando aprofundar um pouquinho mais o conteúdo. Mas a
tomada de decisão realmente é minha, baseada no que eu acho que
o Marcos vai dar conta, mas nada de orientação, de ninguém. É tudo
decisão minha, e isso eu não sei se estou fazendo certo. Eu quero
fazer o melhor e o certo, mas eu acabo tendo que tomar a iniciativa
sozinha e corro o risco. Não tenho nada, não tenho um livro, uma
coisa assim (que diga): vai por esse caminho aqui, que é o certo, né?
Então, isso me angustia muito.
Um dos caminhos possíveis para a construção de uma escola inclusiva, que
garanta a aprendizagem significativa a todos os alunos, é o trabalho colaborativo
entre os diferentes atores sociais da rede de apoio. Mas estava cada vez mais
evidente, desde a dificuldade em realizar em conjunto o planejamento. A professora
assumiu-o sozinha, limitando-se a informar aos demais atores sobre o que vinha
realizando. Neste caso, mesmo bem intencionada, realmente “ela correu o risco” de
comprometer o ensino de Marcos. Pude perceber que neste contexto, devido à
confiança depositada pelo grupo em Marisa, ele lhe delegou a tarefa de assumir,
sozinha, o planejamento dos estudos do menino. De fato, o grupo de apoio nem
mesmo se reunia sistematicamente para discutir os problemas e os sucessos vividos
por Marcos.
Assim mesmo, sem ajuda, a professora desenvolveu um projeto interessante,
de leitura e escrita com os alunos, conhecido pelo nome de “Golfinhos Escritores”.
Como o objetivo era incentivar a leitura e a escrita, Marisa trouxe um “palanquinho”
(púlpito) de madeira para a sala e pedia, diariamente, para um aluno ler uma história.
A professora selecionou, na biblioteca da escola, uma coleção de 26 livros sobre os
animais (Gato, Rato, Bode, Dálmatas, Urso, etc...) e utilizou a seguinte estratégia
para desenvolver este projeto: primeiro, ela contava a história, utilizava o
retroprojetor com as transparências (das figuras dos animais e do texto); em
seguida, convidava um aluno para ler a história do livro no “palanquinho”, depois
passava atividades de escrita para serem feitas pelos alunos. A professora explicou
que fez, especialmente para Marcos, a adaptação de uma atividade de leitura,
incentivando e valorizando seu interesse pelas histórias:
Tenho como proposta que as crianças recontem a história: criando, escrevendo e
acrescentando o que eles acharem necessário. Daí, com o Marcos, além de eu
estar pedindo que escreva algo sobre a história, eu faço um trabalho com as
palavras, as mais significativas. Eu parto da palavra e vou esmiuçando a palavra,
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cortando em sílabas. Daí eu trabalho com a BOTA, o BODE, GATO, MELADO e
assim por diante. Com isso, a gente está construindo: além de ele estar
construindo a escrita, ele também faz esta atividade. Eu estou construindo uma
cartilha com as sílabas das palavras significativas, é uma tentativa de querer
chegar ao objetivo, de fazer com que o Marcos escreva alfabeticamente.
No decorrer desse ano letivo, a professora sistematizou o trabalho com as
famílias silábicas. Ela construiu uma cartilha, em que constavam as figuras de
animais que estavam sendo abordados no projeto ”Golfinhos Escritores”,
portanto, são nomes significativos para Marcos, pois fazem parte da experiência
cotidiana em sala de aula. Associadas aos nomes, a professora trabalhava com
as famílias silábicas. Esta foi uma estratégia importante para apoiar Marcos na
aquisição da linguagem escrita, no sentido de ajudá-lo a associar e consolidar a
conexão entre as imagens ortográficas das sílabas e os sons correspondentes.
Isto foi importante, pois ajudou Marcos na formação e reconhecimento de
palavras novas.
O projeto “Golfinhos Escritores” teve a participação de todos os alunos,
inclusive de Marcos, que ficava torcendo para que chegasse a sua vez de contar
a história.No seu dia, ele disse: “Hoje é o Marcos”! Quando chegou a sua vez, ele
contou a história sobre “Os Dálmatas”, apoiando-se nas figuras, mas seguindo,
com o dedo indicador, as frases do texto.
Uma outra estratégia adotada pela professora para apoiar a leitura e
escrita de Marcos em sala foi a seleção de conteúdos e a adaptação das
atividades dos demais alunos para a criança. Ao fazer a pauta do dia, Marisa
planejava as atividades de linguagem escrita, considerando seu nível de
complexidade e elaborava, quase sempre, duas: uma direcionada ao grande
grupo e outra atividade, menos complexa, dirigida para Marcos, que continuava
recebendo o apoio extensivo, da mesma estagiária do núcleo de apoio. Vale
ressaltar que, em meu entender, em alguns momentos, esse apoio limitava a
participação de Marcos em atividades de grupo. Mas, mesmo em sendo assim, o
apoio dos adultos foi, no decorrer da 2ª série, mais bem dosado, evitando,
inclusive, que passassem diferentes orientações para a mesma atividade, como
ocorrera no ano anterior. O episódio que será apresentado a seguir, mostra
como isso se passava:
100
Episódio 1: julho de 2006
Estávamos na sala da 2ª série e, logo após a leitura da história do Gato, a professora
convidou Marcos para realizar um ditado de palavras:“ - Vamos fazer o ditado, amigo?” Ele
disse: “tá” e, prontamente, pegou um lápis grafite. A professora pediu que a estagiária do
núcleo atendesse o grupo de alunos que estava realizando uma atividade de interpretação de
texto e, em seguida, sentou-se em frente à carteira de Marcos. Entregando-lhe uma folha em
branco, ela disse: “- Posso começar?” Ele olhou para a professora e balançou a cabeça
afirmativamente. A professora ditou seis palavras: GATO, RATO, PATO, RUA, GOTA, PAI. A
cada palavra que a professora ditava, o aluno escrevia e perguntava: “- certo?” A
professora respondia que sim, uma vez que à exceção da primeira palavra - GATO - que foi
escrita de maneira equivocada. Ao final da atividade, a professora vibrou com os acertos de
Marcos e disse: “- olha só, que maravilha, Marcos! Acertasse quase tudo! A professora
beijou o rosto do menino, que sorria, satisfeito em realizar a atividade com sucesso.
A atividade descrita acima (atividade 7 anexo 14) tinha por objetivo
estimular a escrita, sem apresentar o modelo da palavra. Cada uma delas foi ditada,
sem ter sido necessário soletrar suas respectivas sílabas. Esta atividade demonstrou
que Marcos escrevia com maior autonomia e sem o apoio de um adulto mais
experiente, diferentemente do que acontecia no momento 2, em que copiava as
palavras com o apoio do alfabeto móvel de madeira e escrevia sempre com a
assistência de alguém que lhe soletrava as sílabas. Analisando a escrita do menino,
é possível afirmar que se Marcos recorria à memória para escrever, ele também
estava,muito atento às convenções da escrita.
Se este tipo de atividade era necessário para apoiar Marcos na aquisição do
código de representação da escrita, é importante destacar que ela ainda se
apresentava ao aluno como uma tarefa escolar. Eram escassos os momentos em
que a escrita era apresentada como uma necessidade da vida cotidiana, na forma
de cartas, bilhetes, listas de supermercado. Neste sentido, a professora e o grupo de
apoio deveriam ter dado uma maior ênfase ao uso social da escrita, de modo a
permitir que Marcos tivesse mais oportunidades de perceber como seu emprego é
indispensável no nosso dia-a-dia.
Uma mudança significativa percebida na 2ª série ocorreu no campo das
interações sociais. Como já mencionado anteriormente, o grupo de apoio traçou uma
importante meta para Marcos: a sua efetiva participação na sala de aula, como
membro do grupo de alunos. E percebi que a professora realmente levou essa tarefa
adiante com seriedade, posto incluir Marcos em todas as atividades de grupo. Seus
esforços foram recompensados, como bem mostra a descrição feita por Marisa
acerca do aluno:
101
Me apaixonei pelo Marcos.Ele é muito especial, muito querido, muito
carinhoso, como eu posso descrever... Esse ano, eu não sei como
que era ano passado, eu até tenho alguns relatos da professora,
dizendo que ele não gostava muito de ficar com o grupo, que ele
sentava mais sozinho. Hoje em dia não: ele está mais participativo,
está bem socializado com o grupo, conversa com todos, ele pergunta
“como vai?”, convida as crianças para sentar ao lado dele, tem
participado das atividades de artes junto com os amigos. No parque,
também, ele está sempre junto com os amigos, não fica mais tão
isolado. Ele participou de uma apresentação de teatro para toda a
escola, fez o papel do rei leão, foi maravilhoso!”
Durante a primeira quinzena de julho, a escola realizou uma olimpíada. Na
abertura do evento, cada série apresentou uma peça teatral ou musical. O grupo da
série apresentou uma peça de teatro, na qual Marcos interpretou, com muita
propriedade, o papel do “Rei Leão”. Este momento representou uma conquista
importante para o aluno, que desempenhava, no espaço público e para toda a
comunidade acadêmica, seu papel. Havia no local, aproximadamente, 600 pessoas.
Fiquei emocionada, ao vê-lo atuar. Marcos havia rompido uma série de barreiras
para estar lá, interagindo e colaborando com o grupo. Marcos participou, ainda, de
um campeonato de natação na escola e contou com a torcida de seus colegas de
classe: enquanto nadava, seu grupo gritava seu nome: “Marcos, Marcos...”. Ele
conquistou a medalha de ouro, demonstrando, mais uma vez, suas possibilidades e
seu empenho em obter sucesso. A situação narrada a seguir mostra como a
professora mediava a interação de Marcos com o grupo:
Episódio 2: setembro de 2006
Marcos e a estagiária de Psicologia acabaram de brincar com um jogo da memória que havia
sido construído especialmente para o menino com doze pares de palavras que ele conhecia.
Ao final, a professora propôs um ditado de palavras ao grupo, pedindo a Marcos que o
realizasse. Os alunos aceitaram a proposta da professora. Marcos, posicionando-se à frente
do grupo, com as fichas na mão, iniciou o ditado pela palavra “BODE”. Ele falou a primeira
palavra num tom de voz tão baixo, que não foi possível ouvir. Uma aluna pediu que ele
repetisse a palavra e ele aumentou o tom de voz, ao repetir a palavra para a classe. Em
seguida, pegou a segunda ficha e leu “BOTA”. Os alunos escreveram. Marcos controlava as
atividades dos colegas com os olhos, como se estivesse verificando se os alunos tinham
escrito a palavra ditada. Sorria, envolvido com a atividade. Dessa mesma maneira, ditou
todas as doze palavras.
Como pode ser visto, a professora estava conseguindo removê-lo de si, de
sua individualidade. Marcos percebia a importância de participar em atividades no
102
grupo. A meta traçada estava sendo nitidamente atingida, pois aquele aluno, que na
série raramente participava das atividades propostas pela professora, que
raramente interferia no grupo, demonstrava, agora, enorme interesse pelas tarefas,
agindo e se comunicando ativamente com o grupo. Mediante o auxílio dos adultos e
dos colegas de classe, foi sendo possível construir um contexto compartilhado de
interações que, em conjunto, parecem ter promovido o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores de Marcos.
Quando a escrita passou a fazer sentido para o aluno, muito embora ele ainda
não construísse um texto, já era possível notar seu interesse por esse tipo de
atividade e como dela fazia um uso social. A partir do semestre letivo, Marcos
não levava mais à escola sua lancheira: ele se dirigia à lanchonete, pedia seu lanche
(geralmente um pão de queijo e uma coca-cola) a uma funcionária, que lhe
entregava uma ficha com o seu pedido. Ele escrevia seu nome na ficha, recebendo,
em seguida, um papel com o seu pedido, para retirar o lanche no balcão. Neste
caso, Marcos passou a usar a escrita para interagir com o outro, como uma
ferramenta necessária em seu cotidiano.
Ao analisar os avanços na apropriação da linguagem escrita de Marcos,
considero fundamental relacioná-los à apropriação da cultura escolar, por parte
deste aluno. Como o apoio dos adultos e colegas de classe, ele se transformou em
um importante ator social. Esta transformação foi compartilhada com sua rede de
apoio porque, para fazer parte de um grupo, o sujeito precisa se reconhecer e ser
reconhecido pelos outros como mais um agente no desenvolvimento de tarefas
comuns. Na medida em que Marcos conseguia realizar as atividades propostas pela
professora, que respondia sempre que possível com feedback positivo, ele também
conseguia se auto-avaliar, percebendo-se com um aluno capaz de escrever, e
sobretudo, capaz de integrar um grupo. Esse aspecto parece ter contribuído muito
favoravelmente para a mudança do papel desempenhado por Marcos na escola e,
também, para a mudança nas condutas da professora e dos colegas de classe.
Juntos, eles compartilhavam agora as conquistas, os avanços e, inclusive, os
problemas vividos nas interações sociais. Na perspectiva de Vygotsky, pode-se dizer
que foram justamente elas, as interações sociais, que promoveram o
desenvolvimento de Marcos e de todos os que partilharam, com ele, este espaço de
construção de conhecimento. Perguntei, à professora, o que ela aprendeu ao lidar
com Marcos e ela me disse que foram muitas e variadas as aprendizagens neste
103
processo de ensino:
a gente aprende a ser mais humana, aprende que todo ser humano é
capaz. A gente aprende a se superar, é gratificante! O [aluno com]
Síndrome de Down tem a superação dele, dentro dos desafios na
sala de aula. E a gente tem a nossa superação, enquanto professora.
Como pode ser visto, mesmo quando se faz o possível para incluir, o diferente
não ganha o status de pessoa: não é alguém, não é um aluno com SD ou uma
pessoa com SD: ele é visto como “o Síndrome de Down”. A linguagem revela, em
meu entender, a imensa dificuldade que temos de aceitar o Outro. Portanto, mesmo
após a professora ter reconhecido a própria superação e também a superação de
Marcos, ela continuava a enxergá-lo sob a ótica da deficiência em si. Neste caso,
identificamos o que Amaral (1994) considerou como “deficiência secundária”, ligada
ao conceito de incapacidade, em decorrência de uma certa desvantagem, quando a
pessoa é comparada ao seu grupo. Nesta perspectiva, a deficiência secundária está
diretamente relacionada a leitura social que é feita dessa diferença. Para a autora, a
deficiência jamais passa em brancas nuvens”:
muito pelo contrário: ameaça, desorganiza, mobiliza. Representa
aquilo que foge ao esperado, ao simétrico, ao belo, ao eficiente, ao
perfeito... e, assim como quase tudo que se refere à diferença,
provoca a hegemonia do emocional (AMARAL, 1995, p.112).
Nesta perspectiva, a diferença significativa está posta pelo grupo social,
que imprime outro sentido às interações, que se sustentam por conflitos e
contradições. A pessoa que passa a ser identificada, como “significativamente
diferente”, pressupõe que ela não se enquadra no tipo ideal construído e
sedimentado socialmente.
Ficou claro para mim que para que a escola desenvolva a filosofia
inclusiva em seu interior, uma das condições necessárias é que a equipe escolar
acredite que todos os alunos podem aprender. Assim, para garantir um ensino de
qualidade ao aluno com deficiência mental no ensino regular, são necessárias
mediações intencionais, capazes de promover o acesso ao conhecimento
socialmente elaborado. Não existe, em meu entender, melhor lugar para isso do
que o ambiente escolar.
104
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa analisou como se o processo de apropriação da escrita de
uma criança com Síndrome de Down, durante as atividades regulares em uma turma
no início do ensino fundamental. Para tanto, foi necessário investigar quais eram os
aspectos-chave envolvidos no processo de apropriação da escrita do aluno sujeito
da pesquisa, bem como identificar e analisar a rede de apoio com a qual ele contava
durante o processo de aprender a escrever;
Considero que para defender, com propriedade, a inclusão de crianças com
Síndrome de Down no ensino regular, é preciso assegurar que elas possam,
efetivamente, tirar proveito dessa experiência. Os resultados de nossa investigação
foram positivos, indicando que, sim, os alunos com Síndrome de Down aprendem a
linguagem escrita no ensino regular. Mas, para isso, é fundamental que a escola
empreenda uma série de ações, entre as quais se destacam as seguintes:
disponibilizar recursos e apoios necessários para esse fim; considerar (e, portanto,
avaliar) o nível de desenvolvimento real dos alunos; e, planejar deliberadamente o
processo de ensino-aprendizagem, levando em conta que ele precisa ser
significativo para todos e que se dá em um contexto compartilhado de interações.
O processo de inclusão de alunos com deficiência na escola regular não se
faz por decreto, nem por benevolência. A legislação brasileira garante seu acesso,
preferencialmente no ensino regular, mas não garante a permanência destes alunos
em uma escola de qualidade. Neste sentido, é importante ressaltar que a simples
inserção na classe comum não significa uma aprendizagem significativa. Estes
“alunos da inclusão”, como geralmente são reconhecidos na escola, passam longos
períodos em isolamento, enquanto a equipe escolar tenta descobrir o que funciona
com eles. Como bem lembra Abramowicz (2001), a educação será inclusiva quando
estes novos alunos envergarem a escola com suas diferenças, e a modificarem”.
Para que o aluno modifique a escola, ele precisa estar inserido no grupo, pois
assim ele pode se transformar e, transformado, transformar sua escola. Insisto que
os alunos com deficiência mental sejam, de fato, atores sociais, capazes de
intervirem no funcionamento do grupo e na comunidade em que estão inseridos.
Assim, sem que mitos e preconceitos sejam eliminados, isso não se torna possível,
como bem esclarece D’antino (1997, p.102):
105
Infelizmente, continuamos arcando com as conseqüências das
marcas deixadas pela história, através dos mitos e preconceitos em
relação à pessoa deficiente/diferente. Dentre elas, talvez a mais cruel
seja a marca da tendência em não se acreditar no potencial de
desenvolvimento e aprendizagem do aluno com deficiência mental,
matando precocemente ou, na melhor das hipóteses, dificultando, no
decorrer da vida, as oportunidades de educá-lo para a vida escolar e
social.
Não podemos aceitar que a educação inclusiva seja pautada em um
interminável processo de tentativa e erro: a escola precisa investir na formação
continuada dos docentes e profissionais da educação para que, conforme ressalta
Martins (2003), a educação inclusiva tenha, de fato, sucesso. Sem isso, não
como se contar com os subsídios técnicos necessários para planejar e implantar um
ensino eficaz para todos os alunos. Além disso, é necessário o envolvimento e a
mobilização de todos aqueles que atuam no espaço escolar, pois se apenas o
professor se prepara para receber os alunos com deficiência, eles não progredirão
em sua aprendizagem e desenvolvimento. É preciso que todos aqueles que se
encontram envolvidos com a escola (pais, alunos, funcionários, docentes e equipe
gestora) participem consciente e ativamente deste processo.
No âmbito da formação de professores, de acordo com a Resolução
CNE/CEB (Art. 18), considera-se capacitado para atuar na educação inclusiva o
professor que tiver comprovadamente estudado, no decorrer de sua formação (seja
ela em nível médio, seja ela em nível superior), conteúdos e/ou disciplinas relativos à
educação especial. O docente deve ter desenvolvido - e continuar desenvolvendo -
competências capazes de identificar as necessidades dos alunos; avaliar o processo
ensino-aprendizagem e atuar em equipe, dando flexibilidade para sua ação
pedagógica (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica, 2001). Mas, para que estas diretrizes tenham o efeito esperado,
são necessários investimentos vultosos na implantação de políticas de formação de
professores inclusivos. Concordo com Bueno (2001), quando ele sinaliza a
impossibilidade de processos de inclusão bem sucedidos (ou seja, aqueles que
oferecem uma escolarização de boa qualidade), sem que se disponibilizem serviços
efetivos de apoio ao trabalho docente, nas escolas regulares.
Bartalotti (2001) propõe, tal como vejo, um avanço na formação de
professores que atuam na educação inclusiva, sem, no entanto, oferecer respostas
prontas. Ressalta a autora que essa não é uma multi-habilitação. Ao contrário,
106
parece ser central que se transforme o olhar que o educador dirige a seus alunos,
levando-o a compreender quais são suas necessidades especiais e a
simultaneamente identificar os apoios que elas demandam. Como bem lembra
Mazzotta (1982), as crianças com deficiência requerem modificações no programa
educacional, para que possam aprender e se desenvolver. O autor chama a atenção
para o uso adequado de recursos na educação especial, no contexto da educação
geral:
Nos últimos anos tem havido, de fato, certo esforço no sentido de
incluí-la [a educação especial] como alternativa de educação escolar
no contexto da Educação Geral. No entanto, do meu ponto de vista,
tal circunstância tem sido prejudicada por estarem ainda os
educadores, administradores e legisladores voltados apenas para os
elementos e fatores intra-escolares, esquecendo-se do contexto
social, econômico e cultural em que se inserem. Daí surgirem
propostas e programas irrealísticos que, mais do que contribuir para
a melhoria de sua qualidade, podem contribuir para sua deturpação e
extinção. (MAZZOTTA, 2006).
Em linhas gerais, o sistema de ensino regular deve ser articulado com a
modalidade da educação especial, no sentido obter o suporte necessário para
garantir que os alunos com deficiência se apropriem sistemática e regularmente, do
conhecimento previsto no currículo da educação regular. Ferreira (2003) endossa
esta idéia, ao expressar que devemos garantir aos alunos com deficiência mental,
uma educação escolar que cumpra os objetivos gerais da educação regular e que
promova seu “desenvolvimento (...) mediante a ampliação do conhecimento do
mundo; apropriação de múltiplas formas de linguagens para representá-lo e
competência para dirigir a própria vida”.
O professor, segundo essa ótica, deveria dar-se conta de que todos os alunos
são ‘especiais’, ou seja, diferentes entre si. Se ele conhece os aprendizes, torna-se
possível planejar o ensino, de modo a promover o desenvolvimento de todos. Não
queremos, aqui, responsabilizar somente o professor pelo sucesso do ensino, mas
como ele exerce um papel tão fundamental na construção do saber, ao fazer
mediações significativas, não posso deixar de o ver como peça fundamental na
apropriação do conhecimento científico por parte de seus alunos. Sobretudo ao
adotar a perspectiva histórico-cultural, na qual o conhecimento é entendido como
socialmente produzido, a importância do professor cresce. Na verdade, em conjunto,
o corpo docente, bem regido pelo diretor, deve planejar, implantar e avaliar o ensino
que oferecem, partindo dos saberes dos alunos e encaminhando-os para níveis mais
107
elevados de conhecimento (Davis, 1988).
Neste estudo, ficou evidenciada, especialmente no início da rie, uma
dificuldade do grupo de apoio em avaliar o nível de desenvolvimento real do aluno.
Com isso, a professora também enfrentou problemas, pois não sabia como
encaminhar o aluno para um nível mais elevado de conhecimento (nível de
desenvolvimento próximo). A rede de apoio, atuando em um contexto no qual faltava
domínio da literatura especializada sobre o processo de alfabetização, notadamente
em crianças com deficiência, buscou outras estratégias, talvez com base em suas
próprias experiências como alunos, orientados por um modelo tradicional de
alfabetização, comumente utilizado quando surgem dificuldades no processo de
aquisição da linguagem escrita. O método analítico-sintético, adotado para
alfabetizar Marcos na série, aliado às interações sociais vivenciadas na 2ª série,
foram essenciais para que ele se apropriasse da linguagem escrita. Nestes dois
anos, a despeito dos tropeços vividos pelo grupo de apoio e, notadamente, pelo
aluno, Marcos avançou no conhecimento da linguagem escrita, pois:
- conseguiu, fazendo uso do código alfabético de representação da língua
escrita, grafar palavras conhecidas;
- formou, por meio de memorização ortográfica, um vocabulário de palavras,
que era capaz de reproduzir com bastante segurança;
- conseguiu memorizar alguns segmentos silábicos, reconhecendo-os e
reproduzindo-os em outras palavras;
- requeria auxílio apenas quando escrevia palavras novas (não
memorizadas), para segmentar as sílabas; esse apoio era dispensado
quando o aluno escrevia palavras conhecidas;
- utilizava pistas grafo-fonéticas, ou seja, o conhecimento que tinha sobre as
correspondências entre sons e sílabas, de modo a memorizar as imagens
ortográficas das palavras, reconhecendo-as e reproduzindo-as quando o
modelo não se encontrava disponível;
- passou a atribuir significado à escrita, que ganhou importância em seu
cotidiano;
- conhecia a função social da escrita, utilizando-a como uma ferramenta para
interagir com o outro;
- conseguia avaliar seu desempenho e perceber que estava realizando
atividades em grupo;
108
O ensino da linguagem escrita para crianças com Síndrome de Down não
precisa ser diferente daquele adotado pela escola; central é garantir que o ensino
seja orientado por um planejamento adequado, com acompanhamento e avaliação
sistemática, para que os recursos específicos possam ser utilizados sempre que se
fizerem necessários. Buckley e colaboradores (1993, citado por Bissoto, 2005)
sugerem alguns cuidados cotidianos a serem tomados na interação com os alunos
com Síndrome de Down, uma vez que eles podem impulsionar seu processo de
aprendizagem e de desenvolvimento. Dentre eles, destacam-se dois: a) apoiar a fala
e as instruções dadas em sinais e símbolos gráficos; b) falar clara e descritivamente,
ao narrar ações e situações enfocadas, evitando, sempre, o excesso de palavras.
Esses dois cuidados minimizam as dificuldades causadas pela memória de curto-
prazo que, nas pessoas com Síndrome de Down, apresenta-se disponível por um
período mais breve. Para os educadores, pais e pesquisadores, esse é um dado
importante, porque traz implicações práticas para a aprendizagem e o
desenvolvimento de tais pessoas. Gândara e Cordeiro (2006, p.18), ao analisarem o
processo de desenvolvimento da compreensão da representação escrita por uma
criança de 9 anos com Síndrome de Down freqüentando uma turma de pré-escola,
consideraram que:
é possível pensarmos em uma intervenção de boa qualidade, a qual
exigirá do docente o conhecimento das singularidades do
desenvolvimento cognitivo infantil, para adquirir informações prévias
sobre o potencial da criança e sobre como se processa sua
aprendizagem, possibilitando o planejamento de estratégias de
intervenção baseadas na noção da capacidade infantil de apreensão
do que lhe é ensinado.
Assim, a educação de alunos com Síndrome de Down, deve seguir um
modelo que respeite a diversidade cognitiva e cultural. A ação educativa deve ser,
para todas as pessoas, tenham elas ou não alguma deficiência, intencionalmente
planejada para desenvolver as funções psicológicas superiores. De fato, o ensino
que se pauta apenas no concreto não colabora para que as crianças com
necessidades especiais aprendam e se desenvolvam. Nesta perspectiva, a escola
deve engendrar esforços para que as crianças ganhem justamente o que lhes falta,
em geral, pensamento abstrato.
109
Um dos fundamentos do ensino inclusivo é beneficiar todos os nele
envolvidos. Foi possível conhecer as inúmeras tentativas (adequadas ou o) dos
diferentes atores sociais no sentido de apoiar processo de ensino-aprendizagem de
Marcos. E de fato, os resultados aqui apresentados indicam que acabaram por
alcançar as metas colocadas ao aluno. Foi um processo difícil, mas rico, porque
implicou várias aprendizagens: respeitar os limites da criança, explorar suas
inúmeras possibilidades, manter sempre as expectativas elevadas. As professoras
também construíram novas habilidades e competências no que se refere ao
planejamento do ensino, superando, em parte, suas dificuldades diante das
diferenças encontradas entre os alunos. A professora da 2ª rie, como mostramos,
criou um contexto compartilhado de interações, as quais foram fundamentais para o
desenvolvimento de todos os que participaram deste processo: Marcos, seus
colegas, o grupo de apoio, as professoras e, claro, a pesquisadora. Uma educação
inclusiva exige aceitação, acolhimento e amparo por parte da comunidade social da
escola. Vale dizer que é preciso encorajar a interação social e valorizar as atividades
escolares realizadas na colaboração entre os alunos. Organizados em pequenos
grupos, todos eles podem, juntos, se lançar no universo do conhecimento.
É importante ressaltar que a educação inclusiva não se restringe à sala de
aula: ela deve fazer parte de um projeto político pedagógico que importância à
participação ativa, dos diferentes atores sociais, presentes na escola. Foi possível
perceber uma enorme dificuldade, por parte dos profissionais que formavam o grupo
de apoio, de realizar, eles mesmos, um trabalho colaborativo. No entanto, a
colaboração é um dos componentes essenciais do sucesso da educação inclusiva,
devendo ser incentivada dentro e fora dos muros escolares. Quanto mais
evidenciadas forem as necessidades especiais dos alunos, maior será a
necessidade de se efetivar um trabalho colaborativo. A escola também deve contar
com o apoio de especialistas externos, sempre que essa medida for considerada
adequada. Nesse caso, a escola investigada falhou por não ter aceitado a
colaboração oferecida por pesquisadores da área de alfabetização. Pacheco et al.
(2007) apresentam quatro aspectos principais da colaboração, quando ela se volta
para:
- melhorias e mudança: a prática inclusiva requer mudanças complexas na
escola, demandando reflexão sobre uma nova forma de ver a educação escolar,
construindo uma nova atitude em relação a ela;
110
- o auxílio interpessoal: é altamente recomendado que os professores
definam, em equipe, sua maneira de colaborar, compartilhando a responsabilidade e
o compromisso com todos os alunos;
- a incorporação de agentes externos: os especialistas externos podem
fornecer subsídios importantes para o pessoal da escola, permitindo que ele mesmo
se especialize. Assim, os professores gradualmente vão se tornando mais capazes
de trabalhar com as muitas e diversificadas necessidades de seu alunado;
- a interação dos alunos entre si e com o docente: o professor deve planejar
atividades que permitam interações face a face, de modo a encorajar e a valorizar o
processo de aprendizagem entre os pares, reconhecendo, ainda, a contribuição de
cada um para o coletivo da sala de aula.
A colaboração entre a escola e a família dos alunos é outro ponto importante
a ser considerado na construção de uma escola inclusiva: os pais precisam ser
vistos como parceiros dos professores, capazes de manter uma discussão simétrica
no que tange à tomada de decisões em relação a seus filhos. À luz de todos os
aspectos aqui discutidos, podemos afirmar, com segurança, o quanto é necessário
que se invista na formação inicial e continuada de professores. Esta formação, que
tem como pano de fundo a abordagem social da deficiência, deixa de encará-la
como característica ou atributo de algumas pessoas. É fundamental, portanto, incluir
o Outro na constituição da deficiência, posto é por meio das relações sociais que ela
se acentua ou se dissipa.
Amaral (1992) considera que a “deficiência secundária” está ligada ao
conceito de ‘desvantagem’, visto como uma imposição do grupo social em que a
pessoa com deficiência está inserida: “deficiência secundária é aquela não inerente
necessariamente à diferença em si, mas ligada também à leitura social que é feita
dessa diferença”. A autora reafirma que a deficiência secundária impede o
desenvolvimento da pessoa, uma vez que essa se funde com a deficiência em si,
ficando aprisionada em uma rede de significações sociais que produzem
preconceitos e estereótipos.
Outro dado importante que estudo revela, é a nossa dificuldade, enquanto
professores, de mudarmos as nossas representações sobre os nossos alunos. Neste
estudo, isto foi revelado, pela professora da série, que mesmo depois da
superação da professora e do aluno, Marisa ainda se referia a Marcos como o
“Síndrome de Down”. Penso que o nosso grande desafio em processos inclusivos é
111
modificarmos nossas representações sobre os nossos alunos. Isto nos leva, a novas
questões, para futuras pesquisas na área: Porque nos aferramos às nossas idéias,
mesmo quando sabemos que elas não se sustentam mais? Como proceder, na
formação docente, para levar os professores a abandonar idéias arraigadas?
Concordo com a Lígia Amaral, que em seu legado, deixou inúmeras contribuições à
Psicologia e a Educação, e indicou um dos caminhos possíveis na formação dos
profissionais envolvidos com a questão da diferença:
Essa preparação deve abarcar não habilidades e conhecimentos
técnicos, mas também uma reflexão sobre os conteúdos internos dos
profissionais, sejam estes conteúdos oriundos de seu próprio
universo afetivo-emocional, decorrentes de atitudes socialmente
construídas ou da inexorável articulação entre ambos” (Amaral, 1994,
p.15).
Diante das reflexões empreendidas, este estudo parece-me relevante na área
da Educação e, em especial da Psicologia da Educação, ao evidenciar processos
importantes que se passam na educação inclusiva, apontando ser necessário
acompanhamento das políticas adotadas, no sentido de garantir a construção de
escolas que assegurem sucesso escolar para todos os seus alunos.
112
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120
ANEXOS
121
ANEXO I
ROTEIRO DE ENTREVISTA 1 (PROFESSORAS)
1) Qual a sua formação?
2) Há quanto tempo é professora?
3) Além do aluno Marcos (M), você já teve alguma experiência de inclusão de
crianças com deficiência em sala?
4) O que você considera importante para incluir uma criança com deficiência no
ensino regular?
5) Como você percebe M. em sala de aula?
6) Descreva a rotina da sala.
7) Quais as dificuldades de Marcos que você percebe no cotidiano da
sala/escola? E no processo ensino-aprendizagem?
8) Quais as estratégias que você utiliza para ajudá-lo a superar as dificuldades?
9) Você seleciona os conteúdos para trabalhar com M? Quais são os critérios
que você utiliza?
10) Como você avalia os avanços na apropriação do conhecimento do M.,
especialmente na apropriação da escrita?
11) Como você percebe a interação de M. com o grupo?
12) Que tipo de apoio você recebe para a inclusão de M. na escola?
12.1. Existe um trabalho em equipe? Como se dá o planejamento para a
inclusão?
13. Que tipo de apoio M. recebe para inclusão na escola?
14. Como você avalia este apoio?
15. Desde o ingresso de M. na escola, o que mudou?
16. Quais as dificuldades que você encontra, na sua prática profissional, para a
inclusão de M.?
122
ANEXO 2
ROTEIRO DE ENTREVISTA 2 (PROFESSORAS)
1. Como você soube que teria um aluno com Síndrome de Down. Como você se
sentiu? Quando foi que isso aconteceu?O que você fez de imediato?
2. Você teve contato com a professora da série anterior? Quais as informações que
foram passadas? Elas foram úteis para ensinar alunos com SD?
3. Quais os problemas vividos, como professora, ao lidar com um aluno com SD ?
Como você enfrentou esses problemas?
4. Quais foram as metas (lingüísticas, de socialização, de ensino formal) colocadas
para Marcos? Quem contribuiu para o estabelecimento dessas metas específicas
para o aluno com SD?
5. Houve mudanças no currículo em detrimento do aluno com síndrome de down?
6. O método de ensino adotado para a classe, foi seguido para o aluno com SD?
7. Qual o papel do grupo de apoio junto ao aluno com SD? Como avalia a atuação do
grupo de apoio? No que acertaram e no que deixaram a desejar?
8. O que você aprendeu ao lidar com o aluno com SD?
9. Esses alunos com SD aprendem? Eles alcançam as metas propostas para eles.
Onde você considera que eles seriam melhor atendidos: no ensino regular ou no
ensino especial?
10. Você teve contato com a professora da série seguinte? Se sim, que informações lhe
foram passadas e que perguntas ela fez? Elas foram úteis para ensinar o aluno com
SD?
11. Se um aluno não quer participar da atividade proposta, o que você faz? E com o
aluno com síndrome de down?
12. Como você avalia a sua atuação com o Marcos?
13. Como você se sente como professora ,após a experiência de um ano com um aluno
com SD?
14. Pensando nesta experiência, o que você sugere como recomendações a serem
seguidas para os educadores que terão alunos com síndrome de down em sala de
aula? E quais alertas você daria a esses mesmos professores, no sentido de ajudá-
los a não serem surpreendidos por uma dada situação ou para evitarem algo que
pode prejudicar a interação, seja ela com os professores, seja ela com os demais
alunos.E para o grupo de apoio, quais as suas sugestões e alertas?
123
ANEXO 3
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO ( PAIS)
1- Como é a rotina do Marcos (M.) em casa? Quais são as suas atividades em
casa? Quais são suas preferências?
2- Em relação a tarefa escolar, como o Marcos realiza? Recebe apoio dos pais,
do irmão?
3- Como é que você avalia a escola, pensando nesta questão de uma educação
inclusiva, como você avalia a escola? Das possibilidades, do que é oferecido
para ele, o que a escola oferece para que ele aprenda? Como você avalia
este aspecto da escola?
4- A escola oferece algum apoio para família? Você participa? Como avalia este
apoio?
5- Quais a expectativas que você tem em relação ao Marcos?
6- Como é o seu relacionamento com seu filho?
7- Como é o relacionamento do Marcos com o irmão?
124
ANEXO 4
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA
1- Qual a sua formação?
2- Há quanto tempo trabalha no serviço especializado? Há quanto atende o
Marcos?
3- Como é que tem sido este trabalho e qual é a ligação deste trabalho
psicopedagógico com a escola?
4- Qual a tua percepção em relação a educação inclusiva? Quais são as
dificuldades que você enfrenta? Quais as dificuldades que o Marcos enfrenta?
5- Como é realizado o planejamento das atividades para M.,no serviço
especializado e na escola?
6- Quais as metas traçadas para M.?
7- Como você avalia a rede de apoio de M.? Como avalias esse trabalho
em equipe? Qual o teu papel neste grupo?
8- Em relação ao planejamento da professora, em algum momento, vocês se
organizaram para a elaboração em conjunto? Foi possível você conversar com
ela sobre este planejamento?
125
ANEXO 5
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A COORDENAÇÃO DO ENSINO
FUNDAMENTAL E ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL
1- Qual a sua formação?
2- Há quanto tempo trabalha nesta função? E na escola?
3- Como a escola pensa essa questão da inclusão no seu projeto político-
pedagógico?
4- Qual a tua percepção em relação a educação inclusiva?
5- Como é realizado o planejamento das atividades para Marcos?,
6- Como você avalia a rede de apoio de M.? Como você avalia esse trabalho
em equipe? Qual o seu papel neste grupo?
7- Em relação ao planejamento da professora, em algum momento, vocês se
organizaram para a elaboração em conjunto?
8- Como é o envolvimento entre escola e família no que se refere a educação
inclusiva?
126
ANEXO 6
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (PAIS)
Nome:______________________________________________________________
Idade: ___ anos, sexo: ______, profissão: _________________________________
Doc. Identidade:______________________________________________________
Endereço:___________________________________________________________.
Fui esclarecido (a) sobre a pesquisa intitulada: “Aspectos-chave no processo de
construção do conhecimento: considerações acerca da aprendizagem de uma criança com
Síndrome de down no processo de inclusão no ensino regular”, da autoria de Lísia Regina
Ferreira Michels. A presente pesquisa tem o seguinte objetivo: Investigar os aspectos-
chave envolvidos no processo de construção da escrita de uma criança com ndrome de
Down. Autorizo a pesquisadora Lísia Regina Ferreira Michels a observar as atividades do
cotidiano de sala de aula do meu filho(a). Estou ciente que para participar deste estudo,
o(a) meu (minha) filho(a) será observado(a) em atividades do cotidiano em sala de aula.
Fui esclarecido(a), também, de que a qualquer momento em que precisar de maiores
informações sobre esta pesquisa poderei obtê-las entrando em contato com a
pesquisadora, mesmo após sua publicação. Por ser um estudo de caráter puramente
científico, os dados pessoais e de meu (minha) filho(a), bem como os demais coletados,
serão mantidos em anonimato e utilizados somente para os propósitos deste estudo.
Sendo a participação do(a) meu (minha) filho(a) totalmente voluntária, estou ciente de que
ele não terá direito à remuneração e de que tenho a liberdade de autorizá-lo a não
participar desta pesquisa a qualquer momento.
Itajaí, _____ de ________________de 2005
Assinatura (de acordo): ____________________________________________
Lísia Regina Ferreira Michels: _______________________________________
127
ANEXO 7
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (EDUCADOR)
Nome:______________________________________________________________,
Idade: ____anos, sexo: _______, profissão:________________________________.
Doc. de Identidade:____________________________________________________,
Endereço:___________________________________________________________.
Fui esclarecido (a) sobre a pesquisa intitulada: Aspectos -chave no processo de
construção do conhecimento: considerações acerca da aprendizagem de uma criança com
Síndrome de Down no processo de inclusão no ensino regular”, da autoria de Lísia Regina
Ferreira Michels. A presente pesquisa tem o seguinte objetivo: Investigar os aspectos-
chave envolvidos no processo de construção da escrita de uma criança com ndrome de
Down.
Autorizo a pesquisadora Lísia Regina Ferreira Michels a observar as atividades do
cotidiano de sala de aula, bem como a gravação de uma entrevista, que será transcrita
posteriormente. Estou ciente que para participar deste estudo, serei observada em
atividades do cotidiano em sala de aula. Fui esclarecido(a), também, que a qualquer
momento em que eu precisar de maiores informações sobre esta pesquisa poderei obtê-las
entrando em contato com a pesquisadora, mesmo após sua publicação. Por ser um estudo
de caráter puramente científico, os dados coletados serão mantidos em anonimato e
utilizados somente para os propósitos deste estudo. Sendo minha participação totalmente
voluntária, estou ciente de que não terei direito a remuneração e de que tenho liberdade
para desistir de participar desta pesquisa a qualquer momento.
Itajaí, _____ de ________________de 2005.
Assinatura (de acordo):____________________________
Lísia Regina Ferreira Michels: _________________________
128
ANEXO 8
129
ANEXO 9
130
ANEXO 10
131
ANEXO 11
132
ANEXO 12
133
ANEXO 13
134
ANEXO 14
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