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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
CRISTIANE GROPPO
DE PROFESSOR PARA PROFESSOR-COORDENADOR:
SENTIMENTOS E EMOÇÕES ENVOLVIDOS NA MUDANÇA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2007
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CRISTIANE GROPPO
DE PROFESSOR PARA PROFESSOR-COORDENADOR:
SENTIMENTOS E EMOÇÕES ENVOLVIDOS NA MUDANÇA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Orientadora: Prof ª. Dr ª. LAURINDA RAMALHO DE ALMEIDA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
CRISTIANE GROPPO
DE PROFESSOR PARA PROFESSOR-COORDENADOR:
SENTIMENTOS E EMOÇÕES ENVOLVIDOS NA MUDANÇA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Educação: Psicologia da Educação,
sob a orientação da Professora Doutora
Laurinda Ramalho de Almeida.
SÃO PAULO
2007
Banca examinadora:
_________________________
_________________________
_________________________
Data: ___/___/_____
Aos meus pais Milton e Deoclésia, pessoas incomparáveis.
Ao Clóvis, meu amado, meu esteio.
Dedico esse trabalho.
Agradecimentos Especiais
À minha querida orientadora, Profª. Drª.
Laurinda Ramalho de Almeida, pela orientação,
solidariedade e crescimento humano e profissional;
Aos meus amigos, irmãos de coração, Manoel
Felix de Souza Filho e Jean Corino Teodoro da Silva
pela amizade e ajuda nos momentos difíceis;
À amiga de todas as horas, Rita de Cássia
Vereda, pelos sentimentos compartilhados.
Agradecimentos
“Já percebi que estar junto de quem gosto me basta,
Ficar na companhia dos outros num fim de tarde me basta (...)
Walt Whitman
Primeiramente agradeço a Deus, Nosso Senhor, por ter me concedido
sabedoria, persistência, perseverança para realizar este trabalho;
À Secretaria de Estado da Educação de São Paulo pela possibilidade de
concretizar um sonho tão esperado;
À querida Dirigente de Ensino, Maria Aparecida dos Santos Martins pelo seu
apoio em todos os sentidos;
Às Professoras Doutoras Abigail Alvarenga Mahoney e Vera Maria Nigro de
Souza Placco pelas valiosas contribuições a mim oferecidas durante as aulas e
no Exame de Qualificação;
Aos Professores do Curso de Psicologia da Educação da PUC/SP, pelo
aprendizado e a busca pelo saber;
À Irene e Helena, do Programa de Educação: Psicologia da Educação e ao
Rodrigo, da Secretaria da pós-graduação que proporcionaram as orientações
necessárias com muito carinho.
À minha família, em especial: Milton Jr., Cíntia, Cecília, Pedro, Mariana, André,
Ana, Eli, Toninho, Lurdinha, Agda, Milton, Susi, Mauro, Mônica e Letícia, pelos
momentos de descontração;
À família Carneiro, sempre prestativa e alegre;
Aos alunos do Programa de Educação: Psicologia da Educação, em especial:
Leia Soares, Maristela, Almunita, Tereza, Flávia, Victor, Camila, Regiane,
Vivian, Zildene, Júlio e Norma, pela emoção e companheirismo;
Às queridas professoras da Faculdade Integração Zona Oeste, especialmente:
Vera Lúcia Trevisan de Souza, Eliane Bambini Gorgueira Bruno e Maria
Aparecida Guedes Monção, cujos nomes estão guardados em meu coração;
Às alunas do curso de Pedagogia da Faculdade Integração Zona Oeste, Ieda
Gil, Patrícia, Nadir, Júlia, Juliana, Elza pelos anos de companheirismo que o
tempo não vai apagar;
Ao ATP Antônio Cláudio, pelo ‘abstract’ e revisão deste trabalho, sempre tão
amigo e gentil;
Aos Supervisores de Ensino, em especial Irena e Revi, pela amizade e
incentivo;
À Yara do setor de Finanças e ao Supervisor Claude, que conduziram com
muita dedicação o meu processo de bolsa-mestrado;
Às meninas do Setor de Planejamento Valéria, Carmen e Soraya, pelas
informações que muito contribuíram para a realização deste estudo;
Ao Danilo, querido amigo, pela constante força e sempre disposto a ajudar
com o seu carisma;
Aos amigos ATPs, em especial: Marycilda, Isabel, Ivone, Antônio Caffi,
Edinéia, Kelly, Ângela, Osmar ( Caraguatatuba ), Wagner ( Santo André ), João
( Sertãozinho ), Paulinha ( Pirassununga ), Edinei ( São Joaquim da Barra ),
Émerson ( Franca ) e Miriam ( Ribeirão Preto ) pela força e carinho;
Aos amigos Dona Ada, Dona Rosa, Sr. Tadeu, Ieda Maria, Marquinhos, Tânia,
Denise, Júlio César, Jussara e Silvia Góes, pela preocupação dispensada;
Aos amigos da Vila Ipojuca, obrigada pelos momentos alegres;
Ao Paulo, meu professor de piano, pela ajuda constante;
Aos amigos Professores Coordenadores do Programa Ensino Médio em Rede,
em especial: Nina, Romeu, Suely, Doju e Wagner que muito me ensinaram;
Aos Diretores das Escolas onde se realizou esta pesquisa, o meu sincero
agradecimento;
Aos Professores Coordenadores participantes desta pesquisa, pela paciência e
auxílio na construção deste trabalho.
“Quando a tua mão direita estiver hábil pinta com a esquerda;
Quando a esquerda ficar hábil pinta com os pés.”
Paul Gaugin
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo identificar sentimentos e emoções
manifestados no professor que se torna professor-coordenador de escola
pública estadual paulista noturna, nos dias que antecedem o início de suas
atividades e nos primeiros meses na nova função, bem como compreender as
situações indutoras desses sentimentos e emoções. O estudo justifica-se pelo
priorizar das questões afetivas, pela reflexão sobre a preparação do professor
para exercer o papel de professor coordenador, o apoio dispensado a ele e as
orientações oferecidas no início da nova função. Ao levar em conta a
afetividade como elemento importante na constituição da pessoa, o
embasamento teórico escolhido para a análise é a teoria de Henri Wallon, cujo
eixo principal é a integração do organismo – meio e dos conjuntos funcionais:
afetividade, cognição e movimento. Os instrumentos de coleta de dados são: a
entrevista com 05 professores coordenadores recém-chegados na função, de
uma região da Grande São Paulo; documentos e observação do contexto de
atuação. Após a análise e discussão dos dados, concluiu-se que antes da
entrada na função de professor-coordenador prevalecem os sentimentos de
tonalidades agradáveis ao contrário dos primeiros meses, já designado, em
que predominam os sentimentos de tonalidades desagradáveis. Nos dias que
antecedem a nomeação, o aspirante à função sente-se valorizado e confiante
pela possibilidade de exercer um novo trabalho. Nos primeiros meses, na
maior parte, sente-se inseguro, decepcionado, desencorajado e frustrado. Os
sentimentos de tonalidades desagradáveis têm, em geral, suas origens na
experiência de vida que interferem na atividade do professor-coordenador, na
falta de orientação e apoio nos primeiros momentos da coordenação, nas
situações de embates e no desvio de função.
Palavras-chave: dimensão afetiva, teoria walloniana e professor-
coordenador.
Abstract
This research intends to identify feelings and emotions present in the
teacher who becomes a coordinator teacher in a public school of the state of
São Paulo not only in the period that precedes the beginning of his activities but
also in the first months he is in the new position. Besides it tries to understand
the situations of life that lead to these feelings and emotions. My studies give
priority to affectionate matters and emphasize the reflections on preparation of
the teacher who will be a coordinator; in addition to these methodological
purposes they examine the support and orientation he is given at the
commencement of his new job. The basis for my analyses was provided by
Henry Wallon´s theory, whose main subject includes three important elements
found in the composition of the human character: affectionateness, cognition
and movement. Different instruments were utilized to collect the data: an
interview with five coordinator teachers just employed in the position in public
schools located in the outskirsts of the city of São Paulo; other documents and
observations of the context in which the data are considered as well. After the
analysis of the data I came to the conclusion that before being a coordinator,
the feelings that prevail in the teacher are those of satistaction, agreeable
sensation. As time goes by, on the contrary, little by little, he begins to feel
uncomfortable when he is about to start the new job. The data showed that he
feels secure and important to get the position of coordinator. But after some
months in the occupation he feels insecure, disappointed, discouraged and
frustratred. As a rule, disagreeable feelings have its origin in facts of life that
interfere substantially in the activity of the coordinator teacher, what is
materialized in the lack of specific orientation for the coordinator and the
absence of the required support that may give him skills to solve many
situations of conflict that happen in the daily life of his school.
Key words: affectionate dimension – Wallonian theory –
coordinator teacher.
Sumário
Introdução........................................................................................................14
Capítulo 1. O ensino noturno e pesquisas sobre o professor-coordenador.....22
1.1. O curso Noturno.........................................................................................22
1.2. O professor-coordenador do período noturno............................................27
1.3. Pesquisas sobre o professor-coordenador...............................................31
Capítulo 2. Contribuições de Henri Wallon......................................................36
2.1. A integração organismo-meio....................................................................40
2.2. A importância do outro na constituição da pessoa....................................42
2.3. A integração afetiva, cognitiva e motora....................................................43
2.4. Dimensão afetiva.......................................................................................45
2.5. Wallon e a educação.................................................................................49
Capítulo 3. Procedimento Metodológico..........................................................51
3.1. A trajetória da pesquisa.............................................................................52
3.1.1. Primeiro passo....................................................................................52
3.1.2. Segundo passo...................................................................................53
3.1.3. Terceiro passo....................................................................................55
3.1.4. Quarto passo......................................................................................58
3.1.5. Quinto passo......................................................................................59
3.1.6. Sexto passo........................................................................................59
Capítulo 4. Análise e discussão dos dados.....................................................61
4.1. Apresentação dos participantes e contexto de atuação............................61
4.1.1. Participantes em estudo.....................................................................62
4.1.2. Cenários do estudo: as escolas..........................................................62
4.2.3. Síntese dos biogramas e contexto de atuação...................................63
4.2. Sentimentos e emoções envolvidos no processo de mudança...............75
4.2.1. Bagagem dos professores-coordenadores........................................76
4.2.2. Razão para tornar-se professor-coordenador....................................80
4.2.3. Preparação para exercer a função.....................................................85
4.2.4. Início na função de professor-coordenador........................................90
4.2.4.1. Orientação de outros ao professor-coordenador..........................90
4.2.4.2. Primeiros contatos na função de professor-coordenador.............94
4.2.4.3. Primeiras atividades na função de professor-coordenador........106
4.2.4.4. Primeiras impressões na função de professor-coordenador......109
Capítulo 5. Considerações Finais.................................................................116
Referências Bibliográficas..........................................................................121
Anexos
Anexo 1. Roteiro de Entrevista......................................................................127
Anexo 2. Resolução SE nº 66, de 03 de outubro de 2006............................128
Anexo 3. Biogramas e Quadros....................................................................138
1. Contexto Escolar: Luisa............................................................................139
2. Biograma: Luisa........................................................................................140
3. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança” : Luisa........142
4. Contexto Escolar: Fernando.....................................................................154
5. Biograma: Fernando.................................................................................155
6. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Fernando..157
7. Contexto Escolar: Mateus.........................................................................167
8. Biograma: Mateus.....................................................................................168
9. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Mateus......171
10. Contexto Escolar: Julia............................................................................181
11. Biograma: Julia........................................................................................183
12. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Julia.........186
13. Contexto Escolar: Carolina......................................................................194
14. Biograma: Carolina..................................................................................195
15. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Carolina...199
INTRODUÇÃO
“Certo como a certeza mais certa....aprumado, bem trançado, firme na vigas,
Forte como um cavalo, carinhoso, orgulhoso, elétrico
Aqui estamos eu e este mistério.”
Walt Whitman
A trajetória profissional do educador está sempre permeada de
lembranças das suas experiências no ambiente escolar e fora dele, as quais são
tangidas por emoções e sentimentos.
Esses sentimentos são processados através da interação com seus
pares e fatos ocorridos com a própria pessoa. Sendo assim, precisamos considerar
as diferentes formas de expressão para compreender o processo de cada uma
das partes envolvidas para a construção de um relacionamento de afetividade que
contribua na formação integral do indivíduo.
Na educação, trabalhamos com pessoas e é necessário conhecer
como elas se constituem, como pensam, como agem e por que o
fazem de determinadas formas, o que determina sua maneira de
ser, seus motivos e afetos
( SOUZA, 2002 : 39 ).
Cada conhecimento novo, obtido por várias vias, pode mobilizar no
educador sentimentos de alegria, medo, frustração, ansiedade, prazer, entre outros.
Durante o seu percurso profissional, ao se deparar com situações diferenciadas,
tais como novas turmas de alunos, nova unidade escolar, mudança de corpo de
gestores ou mudança de função, sentimentos e emoções são nele provocados e
expressos de diferentes formas.
Uma das funções que o docente pode exercer, ao longo da sua
trajetória, é a de professor – coordenador. Essa pessoa é responsável pela
articulação e mobilização da equipe escolar na construção do projeto pedagógico
da escola, e tem, como uma das atribuições, a formação dos professores de sua
unidade. A mudança de professor para professor-coordenador é uma situação
indutora de emoções e sentimentos.
Vale ressaltar que o professor-coordenador, hoje, na rede oficial de
ensino do estado de São Paulo, exerce uma função e não um cargo. Ou seja, ele
não passa por um concurso público para ser efetivado. O candidato à função,
atualmente, deve atender a alguns requisitos: ter 3 ( três ) anos de efetivo exercício
no quadro do magistério, possuir licenciatura plena em qualquer área e ser
aprovado em um processo de seleção. A prova responsável pela escolha do
aspirante à função é elaborada por uma equipe de supervisores e assistentes
técnicos pedagógicos em cada Diretoria de Ensino
1
e pode ser oferecida em dias
diversos. Assim, um professor que deseja prestar a prova em duas Diretorias de
Ensino poderá fazê -lo se esta não for marcada no mesmo dia. Os supervisores têm
autonomia na construção da prova, tanto na indicação da bibliografia quanto na
elaboração das questões.
Após a aprovação, o candidato identifica o estabelecimento de
ensino que está aceitando projetos de professores - coordenadores. Na data
específica, reservada pela escola, os interessados em pleitear a vaga apresentam
suas propostas de trabalho ao Conselho de Escola
2
. Segue-se, assim, uma
eleição para decidir quem ficará à frente de todo processo pedagógico juntamente
com os professores, a partir da análise da proposta apresentada pelo aspirante à
função. É comum, muito embora não esteja na Resolução
3
, a apresentação do
1
Ao todo, no estado de São Paulo, são 90 Diretorias de Ensino.
2
O conselho de escola obedece a seguinte composição: 40% de docentes, 5% de especialistas em
educação, exceto o Diretor da escola, 5% dos demais funcionários, 25% de pais de alunos e 25% de
alunos.
3
Resolução SE n º 66, de 03 de outubro de 2006
aspirante à função, para a equipe docente da unidade escolar, no HTPC
4
( Horário
de Trabalho Pedagógico Coletivo ). Caso tenha mais de um candidato, os
professores votam naquele que melhor atende as suas expectativas.
Dessa maneira, o novo professor-coordenador passa a exercer a
função que já não é mais a de professor, responsável por uma sala de aula, mas de
um profissional comprometido com a formação da equipe docente da escola ( que
pode ser aquela onde atuava como professor ou uma nova escola) . Desenvolver a
formação de um professor reflexivo e autônomo não parece tarefa fácil,
considerando-se um professor - coordenador recém-designado para a função.
O início da carreira tem sido árduo para muitos professores -
coordenadores. Acostumados a cuidar da sua própria sala de aula, passam a
conviver com uma diversidade imensa de obrigações e a visualizar não somente o
seu mundo, mas também o conjunto de classes de uma escola, inserido em um
sistema escolar mais amplo. O momento da passagem do papel de professor para
o de professor-coordenador é, via de regra, um momento de turbulência na
dimensão afetiva. Desta forma, interessa-nos identificar quais os sentimentos e
emoções do professor quando se torna professor-coordenador. Quais são as
situações indutoras para essas emoções e sentimentos? Com quem conta ele para
facilitar essa passagem?
Nas escolas, nota-se que a equipe docente, professor-coordenador
e direção procuram discutir os aspectos motores e cognitivos. No entanto, os
aspectos relacionais, interpessoais e intrapessoais são discutidos mais no seu
aspecto cognitivo ou pouco refletidos. Isso torna mais complexa a situação
pedagógica. No ambiente escolar o reflexo desta desatenção pode interferir no
desenvolvimento e no amadurecimento do educador.
4
O HTPC – Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo. Horário destinado ao encontro da equipe
docente para discutir questões relevantes da unidade escolar.
Em boa parte dos casos, o professor-coordenador ingressante pode
não ter a habilidade necessária para atuar. O apoio dos demais docentes e da
equipe gestora possibilita colaborar no enfrentamento dos desafios e das incertezas
da função, amenizando as angústias e os medos. É provável que, sem esse auxílio,
a expressão dos sentimentos do novo professor-coordenador passe a ser
reprimida.
Carl Rogers ( 2001 ) aponta-nos que as emoções podem ser
reprimidas no processo de socialização e aprendizagem através da interiorização
de formas de conduta admitidas pelo meio social no qual vivencia suas
experiências. No entanto:
Quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior sua
tendência para abandonar as falsas defesas que empregou para
enfrentar a vida, maior sua tendência para se mover para frente (
ROGERS, 2001:31 ).
Ao considerarmos a afetividade como combustível fundamental na
trajetória docente, definimos como objetivo de pesquisa: identificar os sentimentos
e emoções presentes na passagem de professor para professor – coordenador do
período noturno na escola pública, nos dias que antecedem o início de suas
atividades e nos primeiros meses na nova função, bem como compreender as
situações indutoras desses sentimentos e emoções.
Por entendermos que o ambiente escolar é um espaço valioso para
o estudo da construção do percurso docente e das relações interpessoais, portanto
da dimensão afetiva, é que enfatizamos as experiências vividas pelo professor-
coordenador.
Razão pela escolha do tema
Foram dois os motivos principais da escolha desse tema para a
dissertação de mestrado. O primeiro deles parte da minha experiência como
professora - coordenadora. Em janeiro de 2001, assumi essa função em uma
escola pública estadual da região da Grande São Paulo. Era um estabelecimento
de grande porte, com cerca de 3000 alunos e 102 docentes. Essa mudança gerou
muitos questionamentos no meu modo de pensar a escola e todos que a integram.
O início da minha atuação foi marcado pela ansiedade e pela vontade de fazer o
melhor, mas sem saber como fazê-lo. Esse fato afetou-me e levou-me a refletir
sobre os sentimentos e emoções no período de transição de professor para
professor- coordenador.
O segundo interesse pelo tema partiu da atividade que exerço
atualmente na educação pública estadual: a de assistente técnico pedagógico
(ATP)
5
. Nessa função, fui responsável pela formação e mediação dos professores
– coordenadores do período noturno no curso semi-presencial “Programa Ensino
Médio em Rede”
6
,oferecido pela Secretaria Estadual de Educação do Estado de
São Paulo.
Razão pela escolha do período noturno e dos participantes da
pesquisa
As capacitações do “Ensino Médio em Rede” foram destinadas
aos professores-coordenadores dos períodos diurno e noturno de escolas públicas
estaduais que ofereciam o Ensino Médio regular, mesmo que fosse uma só classe.
O programa de formação continuada foi desenvolvido ao longo dos anos de 2004 a
2006. Na Diretoria de Ensino da região onde trabalho , formaram-se cinco turmas
de professores – coordenadores ( com média de quinze inscritos cada ), sendo
5
A função de assistente técnico pedagógico é exercida por docentes do quadro do magistério afastados
da escola para integrar a equipe de profissionais responsáveis na Diretoria de Ensino. Entre suas
atribuições estão: a divulgação de projetos da Secretaria Estadual de Educação; ministrar cursos de
formação de professores, professores-coordenadores e gestores da rede estadual paulista e tornar públicos
os materiais existentes na videoteca e biblioteca, auxiliando o professor na realização de uma aula
diversificada. O número de assistentes técnicos pedagógicos varia conforme cada Diretoria de Ensino. A
Diretoria de Ensino, onde exerço a função, conta com onze profissionais.
6
O programa semipresencial “Ensino Médio em Rede” realizou-se como um curso, parte em encontros
presenciais na Diretoria de Ensino e parte a distância por videoconferências e atividades no ambiente on-
line. Teve entre suas metas, promover a implementação da reforma curricular do Ensino Médio.
responsáveis pelas turmas, três profissionais do período diurno e dois do período
noturno.
Na divisão dos responsáveis para cada turma, somente dois
assistentes técnicos pedagógicos estavam disponíveis para exercer o trabalho à
noite, sendo eu, um deles. Dessa maneira, fui formadora e mediadora de quinze
professores – coordenadores do período noturno no programa “Ensino Médio em
Rede”. Nos encontros presenciais, todos os professores-coordenadores
participavam juntos das discussões, isto é, trinta profissionais, somando-se as duas
turmas. A divisão das turmas era necessária para facilitar a correção das atividades
encaminhadas pelos inscritos e a melhor interação no ambiente on-line.
No decorrer do programa, precisamente na metade, foram
realizadas inscrições de novos professores-coordenadores do período noturno:
novos no programa “Ensino Médio em Rede” e novos na função de professor –
coordenador. Ao todo, cinco professores – coordenadores de ambas as turmas
efetivaram seus cadastros no início do ano de 2005.
O curso de formação continuada encontrava-se adiantado para os
recém – chegados à função, por isso, além dos encontros presenciais no período
noturno os principiantes teriam que compensar trinta horas de atividade para
receber o certificado no final do programa. Após um consenso entre formador e os
cinco professores-coordenadores, estes encontros ocorreram à tarde e eram
permeados de emoções e sentimentos pelos novos participantes . Eles estavam
impacientes, na expectativa de compartilharem suas experiências e angústias dos
primeiros dias de trabalho. Desejavam ser ouvidos, compreendidos e ajudados em
suas novas funções.
Durante os seis encontros, totalizando trinta horas, percebi que
surgiam dúvidas em relação ao trabalho a ser realizado com o professor, o papel do
professor-coordenador como articulador da equipe docente e as especificidades da
sua função. Contudo, era visível nas reações corporais e nos diálogos dos novos
professores-coordenadores a preocupação em estabelecer boas relações
interpessoais na unidade escolar, entendendo que, assim, a mudança de função
poderia ser menos traumática.
Frente a esta situação, procurando entender as razões de tantas
incertezas, solicitei aos profissionais recém-chegados na função que me
auxiliassem na busca de respostas. Dessa forma, os participantes desta pesquisa
são cinco professores-coordenadores da rede pública estadual de São Paulo que
pela primeira vez passam por essa experiência.
Referencial teórico
Como educadores, temos boas e más recordações da nossa
trajetória. Entretanto, não nos cabe agora julgar o passado, mas refletir sobre ele, e
aproveitar o máximo de nossas percepções para análise dos assuntos referentes à
emoção e aos sentimentos dos professores que renovam o seu processo
profissional e galgam novas funções. Para tanto, busquei na teoria de
desenvolvimento de Henri Wallon o suporte teórico para descortinar o tema
escolhido nesta dissertação.
A teoria de Henri Wallon, cujo eixo principal é a integração
organismo – meio e dos conjuntos funcionais: afetividade, cognição e movimento,
leva em conta a afetividade como conjunto fundante na constituição da pessoa.
Priorizar a dimensão afetiva não significa desmerecer as dimensões cognitivas e
motoras. Significa tentar compreender que a dimensão afetiva prepondera, em
alguns momentos, sobre as outras, em complementaridade.
Na teoria walloniana,
o afetivo, o motor, o cognitivo se relacionam entre si
profundamente, a cada momento, e dão como resultado a pessoa
individual, única. O que define é essa individualidade,
conseqüência das relações internas, próprias de cada sujeito, e
das situações objetivas que ele encontra ao longo do seu
desenvolvimento ( MAHONEY, 2003: 17 ).
A possibilidade de relacionar a teoria à vivência pessoal,
despertou-me para discussões inesperadas e significativas para o meu
aprendizado. Mais do que isso, penso que a resposta obtida por essa pesquisa
poderá apresentar subsídios na preparação do professor que vai exercer a função
de professor-coordenador e oferecer-lhe o apoio e orientações necessários no
início dessa etapa.
Acreditando, portanto, que toda construção se dá em processo,
essa pesquisa foi amadurecendo durante o percurso de sua elaboração. Assim, a
estrutura de apresentação está organizada da seguinte forma:
1. Capítulo I: A escola noturna e pesquisas sobre o professor-coordenador - uma
breve apresentação histórica e atual do curso noturno e do professor-coordenador
do período noturno, assim como pesquisas recentes em relação ao professor-
coordenador.
2. Capítulo II: Fundamentação teórica – apresentação das contribuições do
teórico Henri Wallon para a educação.
3. Capítulo III: Procedimento Metodológico – descrição do processo de construção
desse trabalho, bem como os princípios que nortearam a coleta de dados.
4. Capítulo IV: Análise e discussão dos dados – uma reflexão dos dados através da
articulação teórica com as informações adquiridas.
5. Capítulo V: Considerações finais – uma síntese do aprendizado e o
envolvimento com o processo enriquecedor dessa pesquisa.
Convidamos o leitor a compartilhar esse conhecimento e refletir
sobre a importância da afetividade na trajetória docente, que busca tornar seu
percurso mais humano, percebido por outros e valorizado como pessoa.
1. A escola noturna e as pesquisas sobre o
professor-coordenador
Pensar no tempo....pensar retrospectivamente,
Pensar no hoje..e nas eras que estão por vir.”
Walt Whitman
O capítulo apresenta alguns fragmentos históricos e dados atuais
sobre o curso noturno e o professor-coordenador do período noturno, assim como
pesquisas recentes em relação a este profissional.
1.1. O Curso Noturno
As primeiras referências aos cursos noturnos, no Brasil, datam dos
tempos do Império, inicialmente para adultos analfabetos, e posteriormente visando
ao prosseguimento de estudos ( ALMEIDA, 1988 ).
No Estado de São Paulo, a Lei nº 88/1892 ( primeira reforma da
instrução paulista no período republicano ) cria escolas noturnas para adultos e
crianças operárias, e a Lei nº 1.184/ 1909 determina a localização das escolas
operárias nas proximidades das fábricas em que se ocupam crianças, o que leva
Almeida ( 1995 ) a afirmar:
os atos legais referidos deixam bem claro o caráter do ensino
noturno, já na sua gênese, em nosso Estado: atender o aluno
trabalhador, crianças, jovem ou adulto, mas necessariamente
ligado ao mercado de trabalho. Tanto é que algumas leis
estabelecem a instalação das escolas noturnas nas proximidades
das fábricas, e de acordo com o horário de seu funcionamento. (
ALMEIDA, 1995: 19 )
No início do século XX, houve um aumento significativo nas
matrículas do ensino noturno no Estado de São Paulo. A industrialização em pleno
desenvolvimento, o crescimento populacional advindo da imigração e os interesses
políticos como forma de atrair a clientela eleitoral, foram fatores decisivos na sua
expansão.
Na educação pública, o aumento de novas escolas foi determinado
pelo número de eleitores, ou seja, localidades onde as reivindicações eram intensas
e que, ao mesmo tempo, traziam benefícios eleitoreiros para os políticos, passavam
a ser contempladas com a criação de escolas. Esse fato possibilita explicar o
crescimento na área educacional: de 40 ginásios existentes até 1940; no período
de 1953 a 1958, anos pré-eleitorais e eleitorais, o número saltou para 359.
Segundo Carvalho ( 2001 ), não havendo verba disponível para a
construção de prédios, principalmente na capital, o curso noturno foi instalado em
grupos escolares já existentes. Esse recurso, a princípio emergencial, passou a ser
definitivo e muitas escolas funcionaram em condições precárias.
Visto como intruso, o ginásio sofreu um verdadeiro confronto:
empecilhos administrativos criados pelo outro estabelecimento; teve parte da sua
área delimitada, faltando, muitas vezes, até sala de aula para os alunos do período
noturno; os corpos docente e discente não tinham direito à utilização da biblioteca e
do laboratório e, sendo a clientela do período noturno trabalhadores-estudantes,
com faixa etária acima do período diurno, cabiam a esses alunos a culpa pela
depredação do prédio e estragos materiais ( CARVALHO 2001 ).
Na década de 70, houve uma expansão considerável de jovens
trabalhadores e do número de matrículas no curso noturno ( principalmente no
Ensino Médio ). Preocupados com a escolarização, jovens e adultos vêem nos
estudos uma perspectiva de progresso social, além disso, o aumento crescente da
população trabalhadora leva o aluno a almejar um grau de instrução cada vez maior
por causa das imposições no mercado de trabalho. Para Almeida (1995 ):
o fato de trabalhar contribui para o esforço do jovem e da família
para permanecer na Escola, pois há a percepção de que, à
medida que se amplia o acesso ao sistema escolar, aumentam as
exigências para a admissão de trabalhadores nas ocupações,
inclusive pouco qualificadas, dos diversos setores da economia. (
ALMEIDA, 1995: 23 )
Junto com a ampliação das matrículas no noturno, a repetência e
evasão são altas nesse período. Dados apontam que na 5ª série, a metade dos
alunos no Estado de São Paulo era reprovada. A partir do fato, técnicos ligados à
educação, chegam a questionar o gasto do governo oferecido para o noturno, em
detrimento ao ínfimo rendimento dos alunos ( ALMEIDA, 1992 ).
Na década de 80, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
propõe o projeto Noturno a ser desenvolvido por 152 escolas, nos anos de 1984 e
1985. O Projeto serviu de base para que as escolas elaborassem seu próprio
Projeto Noturno, a partir da sua realidade e solicitassem dos órgãos centrais da
Secretaria da Educação meios de viabilizar o Projeto ( ALMEIDA, 1992 ).
Ainda na mesma década, e na seguinte, outras propostas foram
feitas pelos órgãos centrais da Secretaria do Estado da Educação de São Paulo
para a melhoria do ensino noturno, porém os ganhos em termos de rendimento
foram pequenos.
No ano de 2000, segundo relatório do SARESP
7
, o período noturno
abrange a maior parte dos estudantes do Ensino Médio e uma pequena parcela dos
alunos do Ensino Fundamental:
7
SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. A avaliação diagnóstica,
no ano de 2000, foi aplicada para alunos da 5ª e 7ª séries do Ensino Fundamental e para alunos da 3ª série do
Ensino Médio nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. O Saresp, além de avaliar o desempenho
nos diferentes componentes curriculares, permitiu, por meio de questionário, identificar fatores relativos ao
universo escolar, socioeconômico e cultural dos alunos que interferiram no rendimento.
para a análise dos resultados do Saresp 2000, foram
considerados 1.320.336 alunos. Dos 516.592 alunos que fizeram
a prova na 5ª série do Ensino Fundamental, quase a totalidade (
99,12% ) estudavam no período diurno. Na 7ª série do Ensino
Fundamental, dos 495.885 alunos que realizaram a prova,
89,94% pertenciam ao período diurno e 10,06% ao noturno. Já no
caso dos estudantes que cursavam a 3ª série do Ensino Médio,
tem-se a incidência maior no período noturno ( 68,82% ) que no
diurno ( 31,18% ), totalizando 307.859 alunos.” ( SECRETARIA
DA ESTADO DA EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO, 2000: 16 )
A análise da avaliação trouxe informações interessantes em relação
ao empenho dos estudantes do noturno. Construindo um paralelo entre o
questionário respondido pelos alunos e as notas alcançadas por eles, foi possível a
seguinte leitura para explicar a variabilidade dos resultados no Saresp:
* alunos que não freqüentaram aulas de recuperação tiveram um
desempenho melhor;
* alunos que estudavam em unidades escolares em que o diretor lia
jornais, revistas e livros com freqüência, obtiveram notas mais altas comparadas
com alunos que estudavam em escolas onde o diretor nunca lia;
* estudantes que freqüentavam escolas em que o professor -
coordenador tinha idade inferior a 25 anos obtiveram notas mais baixas;
* alunos mais jovens alcançaram melhores resultados em
comparação com estudantes em defasagem de idade, ou seja, a cada ano
acrescido, houve um decréscimo na nota da avaliação;
* alunos do noturno que não trabalham obtiveram notas mais baixas
do que seus pares que têm uma jornada acima de 21 horas;
* alunos que estudavam em escolas da região da Grande São Paulo
obtiveram notas mais baixas do que os estudantes do interior do estado de São
Paulo. Assim, a localização das escolas influenciou no nível de empenho dos
alunos;
* alunos que estudavam em escolas cujos professores do noturno
utilizavam equipamentos e instalações escolares como laboratórios, biblioteca, sala
– ambiente, sala de vídeo etc, tiveram melhor desempenho;
* alunos que estudavam em escolas que tiveram uma avaliação
excelente em relação as condições de conservação e instalação do prédio
obtiveram notas mais altas;
* estudantes de escolas menores obtiveram melhores resultados em
relação aos alunos de unidades de médio e grande porte. Na menor escola
encontrada no estudo – 184 alunos – a habilidade média é 6,70 pontos mais alta
comparando-se com a maior escola observada – 4.082 alunos.
A análise ainda permitiu verificar que o período noturno continua
tendo os menores índices de rendimento escolar, em comparação com os outros
períodos. O número de alunos do 3º ano do Ensino Médio, participantes do Saresp
2000, que deixou de estudar por algum tempo, é maior no noturno, 21,7% contra
8,4% do diurno. A expectativa de prestar vestibular após o término do último ano do
Ensino Médio é menor para os alunos do noturno do que para os estudantes do
diurno.
Os dados apontam que no ensino noturno a clientela permanece
sendo, na sua maioria, de estudantes-trabalhadores. As dificuldades de conciliar
escola e estudo é um dos empecilhos no período noturno, haja vista a
porcentagem de alunos que deixam de estudar por um determinado momento.
Entretanto, apesar do desgaste do dia-a-dia, estar inserido no mercado de trabalho
proporciona um ganho para estes estudantes: a responsabilidade dos estudos e ter
conhecimento da sua importância no avanço do seu percurso escolar e profissional.
Hoje, jovens e adultos procuram o ensino noturno com o objetivo de
prosseguirem seus estudos. Há diversas modalidades de ensino: Educação de
Jovens e Adultos ( Suplência ou Telessala ) e Ensino Regular. Dar condições aos
alunos trabalhadores de estarem satisfeitos com a escola é um desafio das políticas
públicas e dos profissionais que atuam no ensino noturno. Dessa forma, a
possibilidade de reverter um quadro que durante décadas persiste na área
educacional mostra-se como sendo uma realidade.
1.2. O professor-coordenador do período noturno
O termo Coordenador Pedagógico
8
foi utilizado, inicialmente, no
ano de 1976 nas escolas públicas estaduais paulistas de 1º e 2º graus. Nas
unidades escolares o profissional seria responsável pela coordenação,
acompanhamento e controle das atividades curriculares. Segundo os estudos de
Andreucci ( 1989 ) os candidatos à função eram indicados por seus diretores e sua
indicação homologada em reunião com o corpo docente. O futuro profissional
deveria atender aos seguintes requisitos: ter seis anos de efetivo exercício no
quadro do magistério, ser formado em Pedagogia com habilitação em supervisão
escolar e ser aprovado em prova de seleção realizada em nível central.
As atribuições do coordenador pedagógico permaneceram
indefinidas por todo ano de 1977, sendo que somente no início do ano seguinte
passaram a ter funções delimitadas. No entanto, a função pouco a pouco vai
desaparecendo das escolas, tornando-se rara a figura deste especialista (
CARDOZO, 2006 ).
8
O histórico sobre a função do professor coordenador pode ser lido em: Andreucci, Sônia Brasil de Siqueira
( 1989 ) . “ O coordenador pedagógico na rede oficial de ensino em São Paulo – relato de uma experiência de
alfabetização”. São Paulo: PUC . Dissertação de Mestrado; Lomonico, Circe Ferreira (1980 ). “ Avaliação do
desempenho das atribuições do coordenador pedagógico junto às escolas carentes da região metropolitana da
Grande São Paulo”. São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado e Cardozo, Marcel Fernando Inácio ( 2006 ). “
O professor coordenador: um estudo sobre identidade”. São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado
Em 1984 e 1985, todas as escolas ( 152 ) participantes do Projeto
Noturno, já referido, passam a ter o Professor Coordenador com atribuições
claramente definidas para seu trabalho no curso noturno ( Resolução SE 54/84
publicada no Diário Oficial de 25 de fevereiro de 1984 ), porém não houve o
respaldo dos órgãos centrais da Secretaria da Educação para seu trabalho (
ALMEIDA, 1992 ).
Em 1992 surgiu o projeto Escola-Padrão implantado
gradativamente na rede Pública Estadual que, inicialmente, abrangia 306 escolas e,
em 1994, atingiu um total de 1613 unidades participantes. As vantagens, entre
outras, foram as criações da função de coordenador do curso diurno e do curso
noturno.
Ao criar a função de Coordenador do Curso Noturno, o projeto
Escola-Padrão atendeu a antiga reivindicação do professorado e
deu um passo importante para a elaboração e fortalecimento de
um projeto pedagógico para o curso Noturno. ( TOZZI, 1995: 177
).
Com a implementação do projeto Escola-Padrão e da função de
Coordenador do Curso Noturno houve, a necessidade de se rever os métodos de
trabalho e a aprendizagem na Escola Pública Noturna. Assim, sob a
responsabilidade conjunta da FDE e CENP
9
iniciou-se o “Projeto de Capacitação
dos Coordenadores do Curso Noturno”. De acordo com Tozzi ( 1995 ) o projeto de
capacitação era dividido em dois módulos. O módulo I tinha como título “ o Papel do
Coordenador do Curso Noturno” e conseguiu-se “ desenvolver as bases conceituais
do trabalho do Coordenador do Curso Noturno, contextualizando sua função e seu
papel no cotidiano da Escola Pública” ( TOZZI, 1995: 180 ). No módulo II, com o
tema “Curso Noturno: Contradições e Alternativas de Organização do Trabalho
Escolar” apontou para as atribuições do Coordenador do Curso Noturno quanto à
organização do trabalho coletivo e à construção do projeto pedagógico da escola.
Tozzi ( 1995 ) ainda menciona a importância da continuidade do
“Projeto de Capacitação dos Coordenadores do Curso Noturno” tendo em vista a
influência deste profissional na unidade escolar. Entretanto, o Projeto “Escola-
Padrão” , ao invés da ampliação prevista, foi extinto em 1996, talvez por ser
duramente criticado pelos educadores e pesquisadores, já que nem todas as
escolas da rede pública estadual paulista beneficiaram-se com este projeto.
Outros projetos que contaram com a figura do coordenador,
durante os anos de sua execução, foram o Ciclo Básico ( CB ) e Centro de
Formação Específica para o Magistério ( CEFAM ), porém, sem a atribuição
específica para o noturno.
No final do ano de 1995, de acordo com o artigo 4
o
, do decreto
n
o
40.510 de 04 de dezembro, todas as unidades escolares passaram a ter
professores designados para a função de professor-coordenador, tanto no período
diurno quanto no noturno, o que representou um verdadeiro ganho para a educação
pública.
Além dos professores-coordenadores dos períodos diurno e
noturno, passados dez anos, foi implantado no início de 2006, o projeto “Escola de
Tempo Integral”
10
. Neste contexto, no segundo semestre do mesmo ano, houve a
necessidade de mais um docente designado para a função, agora, sendo professor-
coordenador das oficinas educacionais, tais como: Matemática, Informática e
Educação Física.
9
FDE: Fundação para o desenvolvimento da educação; CENP: Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas.
10
Escolas onde na parte da manhã há o Ensino Fundamental Regular e à tarde oficinas educativas.
Funcionam em um período de 9 horas. As escolas participantes da pesquisa “De professor para professor-
coordenador: sentimentos e emoções no processo de mudança” não fazem parte da lista de escolas de tempo
integral.
Atualmente, a designação do professor-coordenador está
regulamentada pela resolução SE 66, de 03 de outubro de 2006
11
e dispõe sobre o
processo de credenciamento, seleção e indicação de docentes para o posto de
trabalho de professor-coordenador, em escolas da rede estadual de ensino.
A Resolução 66/2006 considera importante a atuação do
professor-coordenador quanto à integração curricular da equipe docente, à
elaboração, implementação e avaliação da proposta pedagógica da escola, a
formação continuada dos professores e integração dos trabalhos da escola, da
equipe de supervisão e Oficina Pedagógica. A Resolução enfatiza, ainda, o
trabalho amplo do professor-coordenador, não limitando-se apenas ao grupo
docente e, sim, acompanhar o desempenho escolar dos alunos e estimular
parcerias com a comunidade.
O artigo 1
o
da Resolução 66/2006 refere-se aos postos de
trabalhos destinados ao exercício das atribuições de professor-coordenador:
* um posto de trabalho para a escola que apresente, no mínimo, doze classes,
distribuídas em dois ou mais turnos;
* dois postos de trabalho para a escola que apresente, no mínimo, doze classes
distribuídas em dois ou mais turnos diurnos, e mais, no mínimo, dez classes no
noturno;
* um posto de trabalho de professor-coordenador na Escola de Tempo Integral, não
importando a quantidade de classes funcionando, porém, em um regime de nove
horas diárias, com no mínimo 140 ( cento e quatorze ) alunos matriculados e
freqüentes nessas classes. A Escola de tempo Integral pode fazer jus a mais postos
de trabalho caso atenda às condições acima citadas.
O professor-coordenador do período noturno, de acordo com a
Resolução 66/2006 tem a carga horária de 24 ( vinte e quatro ) horas a serem
11
A Resolução 66, de 03 de outubro de 2006 encontra-se, na íntegra, no anexo 2.
cumpridas integramente na unidade escolar e pode ministrar aulas, em outros
períodos, até completar a carga máxima de 40 ( quarenta ) horas semanais.
Nossa experiência mostra, juntamente com relatos de professores-
coordenadores do período noturno, que estes profissionais realizam um número
menor de cursos oferecidos pela Secretaria da Educação e Diretoria de Ensino, em
relação ao professor-coordenador do período diurno. Uma das explicações
possíveis é o cronograma de encontros: estes órgãos funcionam, normalmente, no
horário comercial, isto é, das 8:00 às 17:00 horas e, portanto, são poucos os
eventos ou cursos oferecidos para o período noturno.
Outro ponto, igualmente baseado na minha experiência, da última
década, é o envolvimento dos professores-coordenadores com a elaboração de
projetos. Os agentes educacionais e o corpo discente do período noturno
desenvolvem número menor de projetos do que os do período diurno. Uma das
razões que encontramos para essa situação é o fato de o noturno, na sua maioria,
receber alunos jovens e adultos trabalhadores que, assim como seus professores,
pensam a escola de forma tradicional.
Cumpre observar, ainda, que nossa experiência atesta uma relativa
rotatividade dos professores-coordenadores nas escolas, fato ratificado por um
estudo realizado com 5.780 professores-coordenadores, pela Secretaria do Estado
da Educação de São Paulo no SARESP 2000, com o objetivo de caracterizar esse
profissional e sua atuação. A tabela abaixo mostra a distribuição dos professores-
coordenadores segundo o tempo de exercício na função na escola em que
trabalham:
Tempo de exercício na função na escola Nº de professores -coordenadores %
Menos de 1 ano 1.936 33,
Até 2 anos 1.108 19,
Até 3 anos 657 11,
Mais de 3 anos 2.056 35,
total 5.757 100,
Analisando os dados apresentados pelo SARESP 2000, verificamos
que, para mais da metade desses educadores, o tempo exercido na função de
professor-coordenador nas escolas em que trabalham é de três anos ou menos.
1.3. Pesquisas sobre o professor-coordenador
Serão apresentadas, nesse item, algumas pesquisas que trazem
como foco a figura do professor-coordenador. Ao proceder um levantamento de
fontes bibliográficas foram selecionados os trabalhos de Bruno ( 1998 ), Roman (
2001 ), Vieira ( 2002 ), Gil ( 2004 ), Abreu ( 2006 ), Cardozo ( 2006 ), Horta ( 2007 )
e Cunha ( 2007 ) por tratarem de temas ligados à nossa pesquisa: formação de
professores, identidade, atuação do professor-coordenador, sentimentos, entre
outros.
A fim de facilitar a exposição, os estudos comentados encontram-se
separados por eixos temáticos:
* formação do professor-coordenador e formação docente;
* identidade do professor-coordenador;
* atuação do professor-coordenador.
Formação do professor-coordenador e formação docente
Fazem parte do eixo os trabalhos de Bruno ( 1998 ), Vieira ( 2002
), Gil ( 2004 ) e Cunha ( 2007 ).
O processo de formação continuada do professor-coordenador é o
tema discutido por Bruno. A autora desenvolveu um trabalho em conjunto com uma
professora-coordenadora da rede pública levantando, primeiramente, os interesses
desta na função. Por meio de um plano de trabalho e de registros sistemáticos,
formadora e formanda puderam pensar a prática educacional agindo sobre ela.
Bruno defende que a formação do professor-coordenador deve
partir das suas expectativas. Percebe que, a princípio, o formando estabelece certa
dependência em relação ao formador. Exemplo disso é a participante da pesquisa
entender a sua principal atribuição ,que é formar professores, mas não saber como
fazê-lo: faltava um norte, um caminho a seguir, e uma solicitação à pesquisadora
que a ajudasse a trabalhar coletivamente com seus professores. Sua demanda é
acolhida pela pesquisadora que desenvolve, então, uma pesquisa-ação ( ou
pesquisa colaborativa ) chegando a resultados satisfatórios para ambas.
A investigação de Cunha refere-se à formação de professores no
espaço coletivo ,a partir da mediação do professor-coordenador, buscando
compreender se o coordenador se reconhece como sendo formador do grupo
docente da escola onde atua. Os dados apontam que há compreensão do
processo de formar, percebendo-se como mediador do trabalho coletivo e os
docentes como co-autores da sua própria formação. Cunha conclui, ainda, que os
professores-coordenadores constroem uma proposta de formação baseada nas
suas possibilidades e condições de trabalho.
A dimensão afetiva aparece nas pesquisas de Bruno e Cunha,
porém, não é o foco do problema proposto por elas. Nos estudos de Vieira e Gil os
sentimentos fazem parte da investigação como tema principal, no entanto,
enfatizam o sentir do professor.
Vieira focaliza, em sua dissertação de mestrado, a necessidade do
professor-coordenador reconhecer os sentimentos que vão surgindo no processo
de formação docente. Acredita que a comunicação é um dos instrumentos mais
eficazes na forma de expressar a afetividade. O falar e o ouvir são recursos que
devem ser levados em conta pelo professor-coordenador. Sendo assim, os
sentimentos dos professores aparecem como sinais de redimensionamento das
ações e reações do formador.
Na mesma linha, a pesquisa de Gil ( trabalho de conclusão de
curso com outros autores ) aborda a percepção dos sentimentos dos professores e
a construção do vínculo afetivo na formação docente. Seu trabalho demonstra a
relevância do professor-coordenador como sendo um profissional responsável em
criar uma relação de confiança com seu grupo docente. Ser capaz de apreciar seus
sentimentos, o professor-coordenador terá a oportunidade de conhecer cada
docente como pessoa. A autora acredita que conforme o professor percebe-se
sendo cuidado pelo coordenador, se sentirá mais confiante, valorizado e estimulado
para desenvolver suas atividades. Gil, ao se reportar à construção do vínculo
afetivo na formação docente, destaca que o professor-coordenador necessita de
instrumentos facilitadores para a sua ação. Um dos instrumentos citados pela
autora, a partir do depoimento da participante da pesquisa, é a possibilidade do
trabalho com dinâmicas e textos de auto-estima, tudo com o objetivo de “tocar” ou
“seduzir” e, assim, favorecer o desenvolvimento da sensibilidade do professor. É
um processo lento, do dia-a-dia e compartilhado entre formador e formandos.
Identidade do professor-coordenador
Os trabalhos de Cardozo ( 2006 ) e Horta ( 2007 ) tratam da
identidade do professor-coordenador. As abordagens diferem na seleção dos
procedimentos de coletas de informações. Enquanto o estudo de Cardozo se utiliza
das narrativas de história de vida, a investigação de Horta tem cunho teórico-
analítico.
A pesquisa de Cardozo sugere que os diferentes determinantes
sociais na constituição do sujeito interferem na atividade desenvolvida pelo
professor-coordenador. O autor verifica que o indivíduo se constitui como síntese
do social e do individual. Em sua atuação, o professor-coordenador pauta-se,
também, em conhecimentos já produzidos e na apreensão de atitudes, sobretudo
da família e dos agentes educacionais. Múltiplos fatores podem possibilitar o
rompimento da alienação e produzir a melhoria do ensino oferecido pela escola.
Horta, na discussão das identidades do grupo docente e do
professor-coordenador, critica a ênfase dada, nas teorias educacionais, ao
profissional “autônomo” e “reflexivo”. Questiona a relação de tutela do formador
sobre o formando e enfatiza a necessidade de se buscarem outras formas de
interação que de fato promovam o desenvolvimento docente.
Atuação do professor-coordenador
Roman ( 2001 ) e Abreu ( 2006 ), em seus estudos, analisam a
atuação do professor-coordenador.
Roman ( 2001 ) argumenta que ao professor-coordenador, por uma
tendência histórica, cabe a tarefa de inovar as práticas pedagógicas. Porém,
essas inovações partem dos órgãos superiores e encontram dificuldades de
implementação no cristalizado cotidiano escolar. A complexa rede de relações
institucionais, ressalta Roman, é marcada pelos conflitos dos quais o professor-
coordenador participa ativamente. O autor afirma que o desenrolar dos conflitos
gera indefinição das funções do professor-coordenador e, assim, o trabalho
pedagógico é relegado.
Abreu ( 2006 ) parte do pressuposto que os conflitos ocorrem no
ambiente escolar. O foco da investigação é atuação do professor-coordenador
frente aos principais conflitos observados e como os professores e alunos
percebem essa atuação. Entende-se por conflitos as situações de embate entre os
agentes escolares. Abreu aponta que o corpo docente está satisfeito em relação à
atuação do professor-coordenador, pois ele busca resolver as situações
conflituosas. Todavia, a atitude do coordenador não favorece a autonomia dos
professores. A autora afirma a importância do formador em ajudar as partes a
encontrar a solução, de modo que ambos ( professor coordenador - professor /
professor-aluno ) tenham as suas necessidades satisfeitas.
As pesquisas de Bruno ( 1998 ), Roman ( 2001 ), Vieira ( 2002 ), Gil
( 2004 ), Abreu ( 2006 ), Cardozo ( 2006 ), Horta ( 2007 ) e Cunha ( 2007 )
demonstram a preocupação com a qualidade do trabalho do professor-coordenador
tanto na formação de professores quanto nas suas relações interpessoais. É
interessante notar o entrelaçamento de alguns estudos principalmente sobre a
construção da autonomia do professor. Entretanto, as investigações voltam-se para
os afazeres do formador, sendo a sua afetividade pouco discutida até então. É
possível que o professor-coordenador iniciante se depare com situações de
embates entre docentes e alunos, por exemplo. Desse modo, quais os sentimentos
envolvidos? Qual a razão para sentir-se desse jeito? Seria importante, nesse
sentido, estudar os sentimentos e as emoções do professor que se torna professor-
coordenador.
2. Contribuições de Henri Wallon
“Um mundo está ciente, e é de longe pra mim o mais imenso, eu-mesmo,
E se chego a ser o que sou hoje ou em dez mil ou dez milhões de anos,
Posso aceita-lo agora mesmo com alegria, ou com a mesma alegria posso esperar
Walt Whitman
Ao levar em conta a afetividade como elemento importante na
constituição da pessoa, identificando emoções e sentimentos na trajetória do
educador, manifesta-se de forma inevitável a passagem por alguns estudiosos
preocupados em compreender o indivíduo como um ser completo. Como eixo
norteador, foi escolhida a teoria de Henri Wallon
12
para a análise dos dados desta
pesquisa. Por ter esta pesquisa como ponto mais importante o professor –
coordenador, o foco principal da teoria de Wallon, aqui apresentado, será aquele
relacionado ao adulto.
Diversos autores procuram tornar inteligível o desenvolvimento
humano e suas relações. Assim, a opção por Henri Wallon partiu do eixo principal
da sua teoria psicogenética: a integração organismo-meio e a integração cognitiva,
afetiva e motora. Outra razão foi a concepção de escola e de aluno que Wallon
propagou em suas atividades educacionais: uma escola para todos, preocupada em
atender as necessidades de um aluno concreto, inserido em um determinado
contexto sócio-econômico-político.
12
Henri Wallon nasceu em Paris em 1879 e faleceu no mesmo local em 1962. Teve intensa atuação nos
movimentos sociais de sua época. Foi médico, psicólogo, pesquisador, educador.
O autor voltou sua atenção para a criança. Em uma perspectiva
abrangente, estuda a criança de maneira completa. Segundo Galvão,
Wallon investiga a criança nos vários campos da sua atividade e
nos vários momentos de sua evolução psíquica. Enfoca o
desenvolvimento em seus domínios afetivo, cognitivo e motor,
procurando mostrar quais são, nas diferentes etapas, os vínculos
entre cada campo e suas implicações com o todo representado
pela personalidade. ( GALVÃO, 2004: 11 )
Wallon estudou a constituição da pessoa a partir da sua gênese e
por meio da comparação. O autor compara a criança ao primitivo, ao animal, ao
patológico e ao adulto. Para Wallon, certos fenômenos devem ser explicados além
do plano em que eles se dão, pois quanto mais planos estudados e comparados,
melhor e mais completo será o esclarecimento desses fenômenos. Mahoney (
2003 ) denomina seu método de análise genética comparativa multidimensional.
Na teoria walloniana, o homem é um ser geneticamente social e o
seu desenvolvimento, como processo, compõe a pessoa concreta inserida em um
contexto, isto é, nas suas relações com o meio. Os efeitos do desenvolvimento
humano, segundo o autor, “podem ser amplamente transformados pelas
circunstâncias sociais da sua existência, donde a escolha pessoal não está
ausente” .( WALLON, 1980: 165 ). Assim, o homem é geneticamente social por uma
necessidade íntima e a existência dos dois – homem e sociedade – está ligada. “É
difícil imaginar o homem antes da sociedade”. (WALLON, 1980: 165 )
Para explicar sua teoria do desenvolvimento humano, Wallon
estabelece estágios
13
que só adquirem sentido dentro de uma sucessão temporal,
quando se considera que o conteúdo de cada estágio depende da cultura onde está
inserido o indivíduo.
13
Estágios: Impulsivo Emocional ( 0 a 1 ano ), Sensório-Motor e Projetivo ( 1 a 3 anos ), Personalismo ( 3 a 6
anos ), Categorial ( 6 a 11 anos ) e Puberdade e Adolescência ( 11 anos em diante ). De acordo com Mahoney
( 2003 ) as idades indicadas em cada estágio do desenvolvimento infantil foram propostas por Wallon para
crianças de sua época e cultura. Assim, necessitam ser revistas para a nossa cultura e para os dias de hoje.
Em relação à idade adulta, Wallon acredita que o adulto é
constituído das experiências vividas no decorrer dos anos. Assim, ele traz da sua
psicogênese passada seus erros e acertos.
A idade adulta é a dos sucessos e insucessos na vida privada e
na vida pública profissional do indivíduo. O peso das
circunstâncias torna-se aí muito grande. Mesmo se há erro da
pessoa, talvez seja mesmo a sua psicogênese passada a
responsável, não estando já relacionado com uma fase atual da
sua evolução psíquica. ( WALLON: 1980, 71 )
Estas concepções de Wallon condizem com as histórias de vida
relatadas pelos professores-coordenadores, participantes dessa pesquisa. Quando
se tornam adultos, trazem consigo componentes da criança e do adolescente que
um dia foram. Mais do que isso, trazem as marcas de sua trajetória, positivas ou
negativas para seu desenvolvimento pessoal e profissional.
Segundo Almeida e Mahoney ( 2006 ) a teoria de desenvolvimento
de Henri Wallon auxilia na compreensão do processo de constituição da pessoa,
fornece recursos para o professor aceitar trabalhar com as características de cada
fase de desenvolvimento do aluno, refletindo as possibilidades de utilizar o ensino
como algo que possa ajudar no desenvolvimento integral. Propicia ao professor
pensar nas atividades adequadas aos alunos da sua sala, promovendo alterações
quando necessárias. A teoria deve ser constantemente testada e verificada, no
confronto com a sua prática, pelo docente que passa a ter postura de pesquisador:
observando, questionando e sendo curioso em compreender certos fenômenos.
As autoras, nesse sentido, afirmam que:
uma teoria de desenvolvimento assume três funções paralelas e
complementares: dá previsibilidade à rotina, oferece subsídios para
o questionamento e enriquecimento da prática e da própria teoria,
possibilita alternativas de ação com maior autonomia e segurança. (
ALMEIDA E MAHONEY, 2006: 58, 59 )
Na psicogenética walloniana, a mudança de um estágio para o outro
não é linear: há avanços e retrocessos, dependendo das circunstâncias. Sobre o
ritmo pelo qual sucedem os estágios, Galvão ( 2004 ) menciona:
a psicogenética walloniana contrapõe-se às concepções que
vêem no desenvolvimento uma linearidade, e o encaram como
simples adição de sistemas progressivamente mais complexos
que resultariam da reorganização de elementos presentes desde
o início. Para Wallon, a passagem de um a outro estágio não é
uma simples ampliação, mas uma reformulação. Com freqüência,
instala-se, nos momentos de passagem, uma crise que pode
afetar visivelmente a conduta da criança. ( GALVÃO, 2004: 41 )
Os períodos de tensão são, na teoria walloniana, propulsores de
desenvolvimento. A criança necessita passar por esses momentos: tanto
relacionados aos desencontros das suas próprias ações e do ambiente exterior,
quanto referentes à sua maturação nervosa. O processo de maturação nervosa
traz novas funções, mais evoluídas, que não eliminam as antigas funções, mas
exercem um controle sobre elas. Esse movimento, nos períodos de tensão, traz a
passagem de uma fase para outra.
Uma das características da teoria de Wallon é que o
desenvolvimento se faz sempre do sincretismo para a diferenciação, nos vários
conjuntos; afetividade, cognição, motricidade e pessoa.
O pensamento sincrético não aparece apenas na infância mas em
toda a fase do desenvolvimento humano, isto é, até a fase adulta. O professor –
coordenador, participante dessa pesquisa, no início da sua função está imbuído de
pensamentos confusos. As dúvidas são constantes, as idéias misturam-se a outras
e a superação de obstáculos passa a ser fundamental na sua nova função. Estes
períodos nebulosos propiciam o progresso do pensamento, surgindo formulação e
reformulação dos fatos que tendem para conceitos que se unem e diferenciam-se.
Este movimento permite a passagem do sincretismo para a diferenciação.
Os estágios de desenvolvimento na teoria walloniana apontam as
leis reguladoras do desenvolvimento: lei da alternância funcional, lei da
predominância funcional e a lei da integração funcional.
A lei da alternância funcional indica a alternância de movimentos predominantes,
sendo que ora é para o conhecimento de si ( para dentro ) ora é para o
conhecimento do mundo exterior ( para fora ).
A lei da predominância funcional indica qual dimensão – motora, cognitiva e
afetiva - fica mais evidente. Nos estágios de desenvolvimento, ora prepondera a
motora, ora a cognitiva e em outros momentos a afetiva. Cada dimensão está
ligada na outra e interfere no seu desenvolvimento mutuamente.
De acordo com Mahoney:
aproximando as duas leis, vemos que quando a direção é para si
mesmo – centrípeta – o predomínio é do afetivo; quando é para o
mundo exterior – centrífuga – predomina o cognitivo. O afetivo e o
cognitivo têm sempre como suporte a atividade motora, ou em
sua expressão exterior ( deslocamento no espaço ) ou em sua
expressão plástica ( a forma do corpo mediante seu tônus ). (
MAHONEY, 2003:14 )
A lei da integração funcional indica que os primeiros estágios são conjuntos com
atividades simples e primitivas e vão integrando-se aos estágios seguintes por meio
de conjuntos mais complexos, conforme as possibilidades orgânicas e do meio em
que a pessoa vive.
Segundo Wallon, na fase adulta, há um equilíbrio entre as dimensões
motora, afetiva e cognitiva e entre as direções centrífuga e centrípeta. Assim, o
adulto tem domínio de si mesmo e do seu mundo exterior; tendo já definido seus
valores, passa a ter compromissos, objetivos definidos e consegue ponderar suas
decisões: consegue ficar centrado em si e no outro.
2.1. A integração organismo – meio
Na teoria walloniana, a psicogênese do homem está ligada às
condições orgânicas e às relativas ao meio.
Wallon denomina a maturação biológica como sendo o ponto inicial do
desenvolvimento. No entanto, afirma ele: “a constituição biológica da criança ao
nascer não será a lei única do seu futuro destino” ( WALLON,1980: 165 ), pois a
variação no processo de desenvolvimento, de criança para criança, dependerá das
condições oferecidas a ela. Neste caso, o meio passa a ser fundamental. “O meio é
o complemento indispensável do ser vivo. Ele deve corresponder às suas
necessidades e às suas aptidões sensório-motoras e mais tarde psicomotoras.” (
WALLON, 1980: 164 )
É na integração organismo – meio que o indivíduo se desenvolve, em
uma determinada cultura, época e sociedade. O meio em que o sujeito vive traz
recursos para o seu desenvolvimento, de acordo com a sua maturação biológica.
Wallon esclarece que:
os meios onde a criança vive e os que ambiciona são molde que
dá o cunho à sua pessoa. Não se trata de um cunho
passivamente suportado. O meio de que depende começam
certamente por dirigir as suas condutas e o hábito precede a
escolha, mas a escolha pode impor-se quer para resolver
discordâncias quer por comparação dos seus próprios meios com
outros ( WALLON, 1980: 167 )
Daí a importância da escola, como meio para o desenvolvimento
cognitivo- afetivo – motor. Possibilitando o contato com crianças de diferentes
meios sociais, oferecendo os recursos da cultura que socializa, insere, desenvolve.
Para Wallon, certos meios, como a família, são grupos que reúnem
indivíduos, cada qual com o seu papel e lugar dentro do conjunto. A escola não é
um grupo propriamente dito, mas é constituída sim de vários grupos com
tendências diversificadas, que podem estar em concordância ou discordância com
seus objetivos. ( WALLON, 1980 ).
O grupo, componente do meio, é indispensável tanto para a criança,
quanto para o adulto. No grupo aprende-se a conviver socialmente e auxilia no
desenvolvimento da personalidade. De acordo com Wallon, “o grupo coloca-se
entre duas exigências opostas.” ( WALLON, 1980: 175 ). Por um lado, filiar-se ao
grupo requer assimilar seus interesses, suas aspirações. Por outro lado, o indivíduo
deve tomar um lugar neste grupo, ter um papel determinado, fazer parte dele com
suas proezas e fraquezas, sendo distinto e certo de que possui autonomia. Assim, o
grupo apresenta duas tendências complementares em um mesmo processo:
individualismo e espírito coletivo.
Dessa forma, Wallon expressa a importância do grupo na formação
das pessoas, desenvolvendo a cooperação e, sobretudo, a solidariedade. Enfatiza,
ainda, que além de períodos em grupo cada pessoa necessita de momentos de
intimidade.
2.2. A importância do outro na constituição da pessoa
Na teoria walloniana, o outro ou o socius estará presente por toda a
vida psíquica e é parte essencial na constituição da pessoa. De acordo com Wallon:
as pessoas do seu meio não são em suma senão ocasiões ou
motivos para o sujeito se exprimir ou se realizar. Mas se lhes pode
dar vida e consistência fora dele, é porque fez nele a distinção do
seu eu e do que dele é complemento indispensável: esse
estranho essencial que é o outro.
( WALLON, 1980: 158 )
O eu e o outro mantém uma parceria constante. O outro está
contido no eu, mas é, por vezes, negado e reduzido. O eu, no esforço para
individualizar-se, trava uma luta de oposição e diferenciação. A pessoa firma-se
como pessoa opondo-se à sociedade, opondo-se ao outro. Ao mesmo tempo que o
eu necessita do outro para sua sobrevivência e evolução, o eu só irá constituir a
sua identidade pela libertação deste outro. O outro – não um, mas muitos,
representantes da cultura, é o que Wallon chama de socius, conceito bastante
complexo na sua teoria.
Na psicologia genética de Wallon, a medida que a criança sente
necessidade de afirmar-se ela manifesta interesse pelas outras pessoas. Passa,
então, a imitá-las. “A necessidade de imitar, de auto-substituir os outros,
testemunhando ainda uma certa indiferenciação entre o eu e o outro” ( WALLON,
1980: 156 ). Imitar significa conhecer melhor as pessoas e ao mesmo tempo
apropriar-se do que é reconhecido como sendo pertencentes a elas. A imitação não
ocorre somente nas crianças, o adulto imita igualmente aquele com quem mais se
identifica. Wallon chamou essa característica de imitação seletiva: a pessoa não se
dirige aos outros de maneira igual, mas, sim, àqueles que, por motivo diverso, se
impõem a ela.
Segundo Wallon, em certos casos, a preponderância pode passar do
eu ao outro. É um estado de consciência nebulosa, onde não há limitações
precisas. É como se o eu estivesse dependente das vontades do outro. Apesar de
ser mais comum nas crianças,
um adulto pode ter momentos em que se sente mais
deliberadamente ele mesmo e outros em que se sente sujeito a um
destino menos pessoal e mais submetido às influencias, vontades,
fantasias dos outros ou às necessidades que fazem recair sobre ele
as situações em que está empenhado perante os outros homens. (
WALLON, 1980: 158 )
Sem dúvida, o outro pode exercer poder sobre o indivíduo. Contudo,
as influências devem ser reguladas por fatores, entre os quais, os íntimos ou
orgânicos. Disso depende o equilíbrio das relações com os outros e as adaptações
às circunstancias exteriores.
2.3. A integração Afetiva, Cognitiva e Motora
Na teoria walloniana “ os domínios funcionais entre os quais se
dividirá o estudo das etapas que a criança percorre serão, portanto, os da
afetividade, do ato motor, do conhecimento e da pessoa” ( WALLON, 1995: 135 ).
A divisão dos domínios afetivo, cognitivo e motor se explica apenas
como forma de análise, é um recurso didático para compreender o complexo
funcionamento do indivíduo. Assim, não é possível, na prática, pensar na existência
isolada de um deles, os domínios são interligados, complementando-se entre si.
No domínio motor, Wallon apresenta três formas de deslocamento: o
movimento exógeno ou passivo, o movimento autógeno ou ativo e o movimento de
reações posturais ou deslocamentos dos segmentos corporais uns em relação aos
outros.
Como este trabalho se refere a sentimentos e emoções, é preciso explicar
o terceiro movimento do domínio motor. O movimento de reações posturais ou
deslocamento dos segmentos corporais uns em relação aos outros, é caracterizado
pelas mímicas ou expressões corporais e faciais. Cuja origem está na variação das
emoções, ficando o movimento num nível músculo-cutâneo. Dessa forma, Wallon
acrescenta que o movimento, além de ser físico e externo, passa a ser orgânico
interno do corpo.
O reconhecimento das emoções e do pensamento nos movimentos
trouxe avanços na forma de olhar os alunos: o professor pode perceber alegria ou
tristeza sem que o aluno tenha dito uma única palavra, apenas observando a sua
fisionomia. O docente que presta atenção nos movimentos posturais de seus
alunos verifica se a aula está interessante, se todos estão aprendendo ou se
apresentam cansaço.
Na mudança de função, de professor para professor-coordenador,
talvez, se os envolvidos “lessem” certas reações posturais dos coordenadores, essa
transição não seria tão árdua. Ao observarem com atenção o nervosismo, o medo,
a insegurança presentes no olhar e no tônus do professor-coordenador recém-
chegado à função, os gestores e a equipe docente poderiam canalizar seus
cuidados, auxiliando o professor-coordenador no que fosse preciso.
O domínio cognitivo apresenta as funções intelectuais e possibilitam
à pessoa adquirir conhecimentos sobre si e sobre o mundo externo. Permite, dessa
forma, a aquisição de idéias, representações e noções dentro de um espaço e
tempo. O domínio cognitivo “permite ainda registrar e rever o passado, fixar e
analisar o presente e projetar futuros e imaginários” ( ALMEIDA E MAHONEY,
2006: 60 ).
Na teoria walloniana, o domínio afetivo refere-se ao ato de ser
afetado pelo mundo externo/ interno não apenas por sensações agradáveis, mas
igualmente por desagradáveis. A afetividade engloba a emoção, os sentimentos e
a paixão.
Nesta pesquisa, cujo tema são os sentimentos e emoções do
professor que se torna professor-coordenador na escola pública noturna, o domínio
afetivo será detalhado a seguir, pois compreende o foco principal desse estudo.
A pessoa, integração do afetivo, cognitivo e motor, é o quarto
domínio funcional. Para Wallon, é impraticável pensar no indivíduo, se estiver
ausente um dos domínios funcionais. Durante toda a vida, em todos os estágios de
desenvolvimento, o afetivo, o movimento e o conhecimento irão manifestar-se,
apresentando diferentes configurações, conforme a preponderância de um ou de
outro.
2.4. Dimensão Afetiva
A teoria de Wallon aponta que a dimensão afetiva que engloba a
emoção, sentimento e paixão, ocupa lugar de destaque, tanto do ponto de vista da
construção da pessoa, quanto do conhecimento. A afetividade é condição para um
bom aprendizado. Para que o educador consiga atingir seu objetivo, de ensinar, é
preciso olhar para seu aluno como um ser total: biológico, social, afetivo, cognitivo.
As contribuições de Wallon para a educação propõem refletir sobre
o processo de ensinar e aprender de uma forma integrada, considerando as
condições intelectuais e relacionais importantes para o desenvolvimento do aluno.
A afetividade tem sua origem nas sensibilidades orgânicas e
primitivas, denominadas sensibilidades interoceptiva e proprioceptiva. A
sensibilidade interoceptiva é uma sensibilidade visceral, que permite a percepção
de como estão os órgãos internos, por exemplo, estômago, intestino. A
sensibilidade proprioceptiva está ligada ao equilíbrio, às atitudes e aos movimentos;
localiza-se nos tendões, articulações e músculos. As sensações interoceptiva e
proprioceptiva são as primeiras manifestações afetivas da criança e podem ter
tonalidades agradáveis ( quando causam conforto ) e tonalidades desagradáveis (
quando causam desconforto ).
No estágio impulsivo-emocional, o choro do bebê é inicialmente
expressão de uma sensibilidade desagradável. Ao chamar atenção para suas
necessidades, o adulto interpreta essa manifestação que pode ter vários
significados: fome, dor de estômago, frio, calor. A mãe, ou quem dele cuida, aos
poucos, passa a reconhecer cada tipo de choro da criança por meio de seus
gestos, da sua fisionomia, das suas atitudes, garantindo a sobrevivência física do
bebê. O mesmo acontece com o riso: ele expressa bem-estar e o adulto avalia que
a criança está feliz, calma e confortável. Dessa forma, manifestações de
tonalidades desagradáveis como o choro ou de tonalidades agradáveis como o riso
vão se tornando cada vez mais sociais.
A presença do outro garantirá não somente a sobrevivência física
do bebê, mas também a sobrevivência cultural pela transmissão de valores,
instrumentos, técnicas, crenças, idéias e afetos predominantes na cultura. Isso se
fará gradualmente por meio de recursos intelectuais de que a criança vai
gradativamente dispondo.
O bebê responde, principalmente, à sensibilidade interoceptiva e à
sensibilidade proprioceptiva. As duas sensibilidades precedem a sensibilidade
exteroceptiva, em que a criança se volta para o mundo externo. Dessa forma, de
estágio para estágio, as emoções terão um caráter cada vez mais organizado,
regulado, a partir de centros nervosos que coordenem suas manifestações.
A emoção é a primeira revelação de afetividade a provocar um
contágio no meio humano. Neste sentido, a emoção necessita de expectadores, a
criança chora buscando a acolhida do meio. O expectador, por sua vez, se vê
contagiado pela emoção da criança e tenta conferir significado a essa
manifestação.
A emoção tem a necessidade de suscitar reações similares ou
recíprocas em outrem e, inversamente, tem sobre o outro uma
grande força de contágio. É difícil ficar indiferente às suas
manifestações, não se associar a elas através de arroubos de
mesmo sentido, complementares, ou mesmo antagônicos. É nas
grandes afluências de pessoas, quando mais se apaga em cada um
a noção de sua individualidade, que as emoções explodem com
mais facilidade e intensidade. ( WALLON, 1995: 99 ).
O contágio emocional não ocorre somente no início do
desenvolvimento infantil, mas em todas as fases, inclusive na fase adulta. Ao
observar uma pessoa que expressa profunda tristeza, nos sentimos contagiados
por essa emoção e ficamos comovidos pela sua situação. “ O contágio das
emoções é um fato comprovado freqüentemente.” ( WALLON, 1995: 141 ).
Assim, a emoção é a exteriorização da afetividade. É corpórea,
motora e fisiológica.As emoções fazem parte da vida de crianças e dos adultos, e
manifestam-se com características específicas como batimento cardíaco acelerado,
dificuldades na ingestão de alimentos, secura na boca, suor nas mãos. Na emoção,
o tônus ( nível de tensão muscular ) revela as intenções e a postura, que
,combinados, formam sistemas de atitudes.
Na fase adulta, um controle na manifestação das emoções. É
cobrado do adulto o equilíbrio necessário para resolver problemas, para a não
exposição de situações ridículas e que ele reflita sobre a responsabilidade de seus
atos. Consiste em um indicador de amadurecimento: “estar centrado em si” e “estar
centrado no outro”. Para Wallon, “não ceder às emoções significa ter adquirido a
capacidade de lhes contrapor a atividade dos sentidos ou da inteligência “ (
WALLON, 1995: 87 ). É “a redução da emoção através do controlo ou simples
tradução intelectual dos seus motivos ou circunstâncias; derrota do raciocínio e das
representações objetivas pela emoção” ( WALLON, 1995:144 ).
A emoção é a manifestação de um estado subjetivo e garante a
passagem do orgânico para o social. A emoção:
é uma forma concreta de participação mútua, é uma forma primitiva
de comunhão que se apresenta nos ritos coletivos, que funde as
relações interindividuais; que funde os indivíduos e as
circunstâncias exteriores; é um instrumento de sociabilidade que
une os indivíduos entre si ( ALMEIDA E MAHONEY, 2006: 61 )
O sentimento corresponde à representação da emoção; não é
momentâneo como a emoção, ele é um estado mais permanente, enquanto a
emoção, por ser mais orgânica, é efêmera.
A criança que é solicitada pelo sentimento não tem, perante as
circunstâncias, as reações instantâneas e diretas da emoção. A sua
atitude é de abstenção, e se observa, é com um olhar longínquo ou
furtivo que recusa qualquer participação ativa nas relações que se
encadeiam à sua volta. ( WALLON, 1995: 144 ) .
Segundo Almeida e Mahoney ( 2006 ) o adulto tem maior recurso
para representar do que a criança. Ele observa, reflete antes de agir e sabe
quando e onde se expressar.
Por volta dos 4 anos, no estágio do personalismo, surge a paixão.
Na paixão predomina o autocontrole, que torna a emoção silenciosa. A criança
sente ciúme, não o manifesta, e pensa em uma maneira para prejudicar quem
está provocando esse ciúme sem causar alarmes. “ A criança torna-se capaz de
amadurecer secretamente frenéticos ciúmes, ligações afetivas exclusivas,
ambições mais ou menos vagas mas exigentes.” ( WALLON, 1995: 145 ).
Na fase adulta, o autocontrole torna-se elemento indispensável para
as relações sociais. O adulto mesmo não aceitando determinados fatos, consegue
silenciar a sua emoção com o objetivo de atingir seus objetivos e solucionar seus
problemas. Ele prevê situações conduzindo seus pensamentos e atos para aquilo
que lhe interessa.
As emoções, os sentimentos e a paixão são modificados e
transformados nas relações sociais, isto é, nas trocas e interações que se dão entre
os indivíduos. No ambiente escolar, conhecer a trajetória afetiva dos envolvidos no
processo, implica manter um relacionamento preocupado em acolher, favorecendo
um ambiente agradável e propício ao desenvolvimento integral da pessoa.
2.5. Wallon e a educação
Wallon não é considerado propriamente um pedagogo, mas as suas
contribuições para a educação são numerosas. Sua teoria psicogenética serve
como reflexão pedagógica, auxiliando o professor para uma prática mais adequada
em relação as idades da criança. Seu interesse pela área educacional levou-o a
elaborar textos sobre o tema e participar da reforma do ensino francês, atuando
decisivamente no “Plano Langevin-Wallon.”
14
O Plano Langevin Wallon é indicador de respeito pela instituição
escolar e pelo professor que nela atua: “ a escola é um meio indispensável à
formação do ser humano, e o professor deve ter uma formação adequada para
atuar nesse meio e o reconhecimento de sua atuação.” ( ALMEIDA, 2003: 77 ). O
plano prevê, entre outras metas, que a escola seja um leque de oportunidades para
os alunos, tanto no presente, quanto no futuro, ao mesmo tempo em que abre
caminhos para a livre manifestação e senso crítico, mas sempre buscando fornecer
às crianças e jovens o gosto pela verdade.
Wallon defende que:
reduzir a arte de ensinar a prescrições e a processos é congelá-la, é
impedir as possibilidades de adaptação que podem oferecer a
matéria ensinada e as disposições da criança, conforme as
circunstâncias. Mas é precisamente ao estudo destes dois termos
que é necessário dar atenção: as disposições que a criança
apresenta dependentes da sua idade e do seu temperamento
individual, as aptidões que exige e que exerce cada disciplina a
ensinar. (WALLON, 1980: 356 )
Para Wallon, o desenvolvimento intelectual da criança não deve ser
o único objetivo escolar, mas a pessoa como um todo. Em suas idéias, ele propõe
que a escola deve estar engajada em movimentos de transformação da sociedade
e que os alunos se formem na cultura independentemente da sua origem étnica,
religiosa ou social. Assim, de acordo com o autor, a escola é responsável pelo
desenvolvimento das crianças e jovens integrando o social e o individual.
14
O plano teve como objetivo a reforma do sistema de ensino francês após a Segunda Guerra Mundial. Sendo
resultado de um trabalho de três anos ( 1945 a 1947 ) período em que Paul Langevin foi o presidente e
Wallon, juntamente com Piéron, vice-presidentes. Após a morte de Langevin, Wallon assumiu a presidência.
Em relação ao professor, Wallon menciona que a sua formação
deve ir além da teoria. As experiências pedagógicas, que ele próprio pode realizar,
são entendidas como formação e devem fazer parte do seu cotidiano. Na teoria
walloniana, compreender o professor implica conhecer também o meio no qual ele
está inserido e, assim como o aluno, o professor é visto na totalidade, isto é,
munido de afeto, cognição e movimento.
Dessa forma, realizando inferências a partir da teoria de Wallon, o
professor-coordenador é também uma pessoa completa, sendo afetado e
transformado por todos os envolvidos no ambiente escolar.
3 . Procedimento Metodológico
“Tudo é um processo,
O universo é um processo em seu movimento belo e equilibrado.”
Walt Whitman
Entendemos que da natureza do problema a ser investigado parte o
recurso metodológico que irá direcionar a pesquisa. Neste caso, sendo a
identificação dos sentimentos e emoções e as respectivas situações indutoras o
objetivo principal do trabalho, nesta pesquisa, de abordagem qualitativa,
selecionamos a entrevista como meio de coleta de dados. A entrevista exige a
presença do pesquisador com a finalidade de retirar as informações necessárias e,
assim, obter a resposta do problema. Esse procedimento de coleta de dados tem a
vantagem de promover uma relação pessoal entre pesquisador e sujeito, facilitando
esclarecer pontos nebulosos. ( MOROZ E GIANFALDONI, 2002 )
A entrevista permite reunir informações que, segundo Luna ( 2002 ),
são consideradas opinativas, ou seja, exprimem a opinião de um indivíduo a
respeito dele mesmo ou de outras pessoas, de uma situação, envolvendo suas
crenças, sentimentos, valores etc.
Foram dois os momentos de entrevista ( que ocorreram em dias
diferentes ):
1) para captar sentimentos e emoções ( e situações indutoras ) envolvidos na
mudança de função;
2) para captar histórias de vida dos participantes.
Na caracterização das escolas, que fazem parte do contexto deste
estudo, foram utilizados documentos como o Quadro Escolar ( QE )
15
e
observações do espaço físico de cada unidade.
3.1. A trajetória da pesquisa
A trajetória da pesquisa foi dividida em passos para uma melhor
compreensão do leitor:
3.1.1) Primeiro passo: seleção dos participantes e, por conseqüência, dos
cenários de pesquisa;
3.1.2) Segundo passo: realização das entrevistas para a construção do
quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”;
3.1.3) Terceiro passo: realização das entrevistas para a construção do
biograma;
3.1.4) Quarto passo: retomada das entrevistas com os depoentes e
reelaboração dos biogramas;
3.1.5) Quinto passo: visita à Diretoria de Ensino, com o objetivo de colher
informações a respeito dos cenários da pesquisa;
3.1.6) Sexto passo: visita às escolas, com a finalidade de contextualizar o
local onde cada professor-coordenador atua.
A seguir, apresentamos a trajetória desta pesquisa.
3.1.1 . Primeiro passo
Os participantes da pesquisa foram selecionados a partir do
programa “ Ensino Médio em Rede “ oferecido pela Secretaria do Estado da
Educação aos professores – coordenadores dos períodos diurno e noturno. Como
já citado na introdução deste trabalho, no ano de 2005, cinco escolas públicas
estaduais, de uma Diretoria de Ensino da Região da Grande São Paulo, admitiram
novos professores – coordenadores no período noturno. Dessa maneira, são cinco
15
O Quadro Escolar será explicitado no quinto passo (item 2.1.5)
profissionais que, pela primeira vez em sua trajetória no magistério, passam por
essa experiência.
O próximo passo exigiu um contato presencial ou por meio do
telefone com os cinco participantes da pesquisa. O objetivo era explicar o trabalho
proposto e se eles ( professores – coordenadores ) aceitariam colaborar na
realização deste estudo. Todos se mostraram solícitos e concordaram em participar
das entrevistas.
3.1.2 – Segundo passo
Antes de seguirmos a campo com a coleta de dados definitiva,
fizemos um roteiro de perguntas e realizamos uma entrevista - piloto com um
professor coordenador recém – chegado na função, mas do período diurno. Com
isso, a finalidade era perceber a eficácia do roteiro, ou seja, se era possível
alcançar os objetivos da questão norteadora da pesquisa.
A entrevista - piloto ajudou-nos a perceber que algumas questões
estavam repetitivas e outras distanciavam-se do foco da pesquisa, além de
provocarem certa confusão no entrevistado que sentiu, em determinados
momentos, já ter respondido à pergunta.
Essa simulação favoreceu não apenas a reformulação do roteiro
de entrevista, mas também a mudança de postura do entrevistador frente à coleta
de dados. Percebemos ser melhor partir para uma entrevista semi-estruturada ou
semi-diretiva, ou seja, através de uma conversa na qual o entrevistado se sentisse
à vontade em um clima descontraído; no entanto, para não perder o norte da
pesquisa, elaboramos cinco questões norteadoras, sem descartar, se necessário,
intervenções, pois:
as intervenções no momento da entrevista servirão de índices, no
momento de análise, para observar momentos de digressões, de
confusão na expressão de idéias ou fatos e de superficialidade no
tratamento de alguma idéia. Essas observações podem ser
reveladoras para a compreensão do fenômeno estudado. (
SZYMANSKI, 2003: 212 )
A coleta de dados foi então feita através de entrevistas gravadas
com quatro professores-coordenadores do período noturno. Segundo Queiroz (
1991 ) o gravador, como recurso tecnológico, é um meio de captar o real. As fitas
registram a voz dos entrevistados com as suas entonações, suas emoções, suas
pausas e suas idas e vindas.
Um depoente recusou-se a gravar a entrevista e o seu relato foi
escrito diretamente, ou seja, conforme o entrevistado relatava o seu processo de
mudança de professor para professor-coordenador, o entrevistador registrava os
dados no papel, na íntegra.
Foram definidas datas e horários para a entrevista conforme a
disponibilidade de tempo dos participantes da pesquisa. É importante ressaltar que
as entrevistas se concretizaram nos meses de novembro e dezembro de 2005 no
próprio ambiente onde os professores - coordenadores atuam. Cada encontro,
individualmente, possibilitou uma interação positiva entre pesquisador e
pesquisado, como por exemplo, visualizar a emoção de contar um fato marcante
ocorrido no início da nova função.
De acordo com Szymanski, a entrevista face a face é fundamental
para a interação humana, na qual os sentimentos, as expectativas, preconceitos,
interpretações e constituições de sentidos dos entrevistadores e entrevistados
tornam-se perceptíveis.
Quem pesquisa tem uma intencionalidade que vai além da mera
busca de informações: pretende criar uma situação de confiança
para que o entrevistado se abra, pretende passar uma imagem de
credibilidade e quer que o interlocutor colabore, trazendo dados
relevantes para sua pesquisa. ( SZYMANSKI, 2003:195 )
Após a transcrição das entrevistas, os dados foram agrupados em
forma de quadro, baseado em estudos realizados por Mahoney e Almeida ( 2004b )
a partir de um olhar walloniano, o quadro foi dividido em seis colunas:
* depoimento: relatos transcritos em recortes para análise;
* reações corporais do depoente: registros das reações corporais captados pelo
entrevistador com o objetivo de auxiliar na identificação de sentimentos e emoções;
* emoções/ sentimentos captados pelo pesquisador: a partir dos relatos e das
reações corporais foi possível identificar emoções e sentimentos surgidos no
processo de mudança de professor para professor-coordenador;
* situações indutoras das emoções/ sentimentos: registro das possíveis razões
das emoções/ sentimentos identificados pelo pesquisador;
* sentimentos nomeados pelo depoente: registro dos sentimentos nomeados
pelo depoente durante a entrevista;
* categorias e subcategorias: após várias leituras dos dados coletados, cada
recorte do depoimento analisado foi organizado em categorias e subcategorias com
o objetivo de interpretar, posteriormente, os dados obtidos.
Esse primeiro momento de organização, em forma de quadro (
anexo ), facilitou a visualização dos dados obtidos e a análise posterior dos
depoimentos: o preenchimento do quadro auxiliou a pesquisadora a identificar os
sentimentos e as situações indutoras envolvidas, além de ajudar na discussão
posterior.
3.1.3 – Terceiro passo
Realizadas as entrevistas, houve necessidade de conhecer, além
deste momento de mudança na função, a história de vida de cada participante
desta pesquisa. Saber o percurso dos professores - coordenadores ajudou a
entender, muitas vezes, a razão de certas atitudes e a sua maneira de pensar.
De acordo com Queiroz ( 1991 ) a história de vida se define “ como
o relato de um narrador sobre a sua existência através do tempo, tentando
reconstruir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu”
( QUEIROZ, 1991: 17 ). Na história de vida, o pesquisador interfere o menos
possível, embora tenha ele escolhido o tema da pesquisa e formulou as questões.
Assim, o narrador determina o que é relevante ou não narrar da sua história. (
QUEIROZ, 1991 )
A segunda etapa de coleta de dados não foi tão simples, pois foram
concretizadas no início de 2006 e dois professores - coordenadores afastaram-se
da função: duas escolas tiveram um número reduzido de matrículas do noturno e
não comportaram mais o professor - coordenador neste período.
16
Iniciou-se, então, uma busca para verificar a escola onde cada
professor coordenador afastado da função estava lecionando. Resolvido esse
problema, novamente foi explicado para os cinco participantes da pesquisa,
individualmente, o objetivo dessa segunda entrevista e os pontos que seriam
levantados: a trajetória de vida ( ou parte dela ) com o processo de escolarização e
a razão da escolha pelo magistério.
Nesta etapa, todas as entrevistas foram gravadas e o professor-
coordenador, que na primeira entrevista não se sentiu a vontade de falar “ para um
gravador”, desta vez se mostrava mais seguro e não se opôs a gravar.
16
É necessário um mínimo de 10 salas no período noturno para comportar o professor-coordenador deste
turno.
As entrevistas, com duração média de 50 minutos, revelaram
histórias de vida surpreendente, com forte presença dos familiares na decisão do
ingresso ao magistério. Os depoentes relatavam o passado e em seguida o
presente, voltavam para o passado e traziam os momentos atuais. Segundo Sá e
Almeida ( 2004 ) esse movimento espiral, de idas e vindas, é próprio desse tipo de
entrevista, e assim produz extenso material.
Utilizou-se, dessa forma, o biograma como meio de organização
dos dados coletados. Os biogramas, segundo estudos de Bolívar ( apud SÁ E
ALMEIDA, 2004 ), são sínteses esquemáticas do percurso vivido pelos indivíduos
investigados, são suas histórias de vida, tanto pessoal quanto profissional.
De acordo com e Almeida ( 2004 ) o biograma possui algumas
vantagens:
organiza os dados coletados, já que as entrevistas biográficas produzem um vasto
volume de informações;
é um bom recurso para a devolutiva das entrevistas. Em forma de textos, os
sujeitos da pesquisa podem não ter tempo para a leitura de todo o material. O
esquema organizado pelo biograma facilita na leitura e no entendimento das
questões levantadas, tornando possível ao entrevistado rever certas informações;
o biograma pode ser um recurso para a formação do depoente. Ao ler a sua
trajetória, o sujeito mobiliza-se para compreender o seu próprio percurso pessoal, o
seu processo de escolarização e a sua vida profissional, bem como as suas
tomadas de decisões;
o biograma é um recurso para a autoformação do pesquisador. Ao refletir a
trajetória do outro, o entrevistador é provocado a refletir a sua própria trajetória.
A síntese esquemática proposta nesta dissertação foi retirada dos
estudos de Sá e Almeida ( 2004 ). O biograma, de cada professor coordenador, foi
ordenado em seis colunas, em ordem seqüencial: fases, cronologia, idade, tempo
de docência, acontecimentos e valoração. A tabela era preenchida conforme a
cronologia: dos primeiros anos relatados até os fatos mais recentes.
3.1.4 – Quarto passo
No preenchimento das colunas do biograma, verificaram-se algumas
lacunas: em certos casos a cronologia não correspondia aos fatos relatados e
alguns pontos importantes não foram citados pelos depoentes. Assim sendo, houve
a necessidade de se voltar à escola de cada professor - coordenador e mostrar-lhe
pela primeira vez, o biograma.
Na apresentação, individualmente e sempre no horário marcado por
eles, as reações dos entrevistados, ao verem a tabela organizada, foram parecidas:
a surpresa estava estampada no rosto, no olhar. Não imaginavam que suas
palavras seriam organizadas daquela forma e à medida que liam as informações,
lembravam-se dos momentos que foram tão marcantes. “Foi isso mesmo que
aconteceu!” , “ Não sei por que fiz isso!” , essas frases pronunciadas por alguns
depoentes apareceram durante a leitura. Explicamos para os professores -
coordenadores o que era o biograma, para que servia e as intenções de certos
pontos serem revistos.
O preenchimento das lacunas não demandou muito tempo, já que o
biograma facilita a visualização dos dados. Em certos casos, foram necessárias
modificações no biograma: alguns depoentes não ficaram satisfeitos com a sua fala
e quiseram expressá-las de forma mais clara.
O biograma tornou-se um bom recurso para a devolutiva dos
depoimentos, mesmo para esses profissionais que não estão acostumados a
trabalhar com esquemas e tabelas. O fato de terem a oportunidade de ler
passagens da sua trajetória, lembrar-se da sua família, amigos, antigos professores
e refletir sobre a sua formação, já constituem pontos positivos de aceitação do
biograma pelas pessoas.
Para a maioria dos professores - coordenadores era a primeira vez
que estavam visualizando, cronologicamente, os acontecimentos da sua vida, “a
vida passa e a gente nem se dá conta, não dá tempo para pensar em nada”,
afirmou uma das entrevistadas. Alguns solicitaram que o biograma fosse
encaminhado para o e-mail particular, deste modo teriam um registro do seu
percurso até então.
As novas informações completaram o biograma e possibilitaram o
entendimento dos pontos que haviam, até então, permanecido obscuros.
2.1.5 – Quinto passo
Com o objetivo de colher informações a respeito dos cenários
dessa pesquisa, foi realizada uma visita à Diretoria de Ensino da região onde se
concentram as escolas dos professores-coordenadores. É no setor de
planejamento que estão centralizadas todas essas informações.
Durante a visita ao setor de planejamento, foram retirados dados
relevantes do Quadro Escolar sobre a estrutura física, recursos humanos e
modalidades de ensino. Estas informações auxiliaram na compreensão do meio
onde atuam os professores-coordenadores.
O Quadro Escolar é um documento encaminhado pelas escolas no
início do ano letivo ao setor de planejamento. Os profissionais do setor, conhecidos
como Assistentes Técnicos de Planejamento, conferem os dados e montam um
caderno com os quadros de todas as escolas que compõem a região. O Quadro
Escolar é essencial na organização dos dados e serve de consulta para todas as
ações da Diretoria de Ensino (DE ), Secretaria Estadual de Educação ( SEE ) e
Coordenadoria da Grande São Paulo ( COGSP ).
2.1.6 – Sexto passo
As anotações realizadas a partir do Quadro Escolar são feitas por
meio de números. E somente os números não passam o real contexto vivido pelos
professores-coordenadores. Por isso, realizou-se novamente um contato por
telefone com os cinco professores-coordenadores a fim de ser agendado um dia de
visita em cada escola, sempre no período noturno.
Na visita, foi observada a estrutura física da escola, se o ambiente
é agradável, possui espaço apropriado, iluminação adequada e as condições de
trabalho do professor – coordenador.
Em todas as visitas, a princípio, os professores-coordenadores
mostravam as dependências da escola, relatando as dificuldades e o que
pretendiam fazer para melhorar o seu trabalho e do corpo docente. Várias vezes a
nossa conversa era interrompida, pois a solicitação do professor-coordenador pelos
diretores, professores e alunos ocorria com freqüência. Nesses momentos, tivemos
a oportunidade de observar a postura dos coordenadores e visualizar com calma a
estrutura física de cada escola.
Essas informações, somadas a outras, compuseram o contexto de
atuação dos professores-coordenadores. No próximo capítulo, serão apresentadas
a análise e discussão dos dados, que delinearão respostas às perguntas que esta
pesquisa propõe.
4. Análise e discussão dos resultados
O sol e as estrelas que flutuam ao ar livre....
a terra em forma de maça e a gente sobre ela....
com certeza suas trajetórias são grandiosas;
Não sei dizer o que é isso a não ser que é grandioso, que é felicidade,
E que o motivo da gente estar aqui não é especulação,
ou uma frase de efeito ou um reconhecimento,
E que não é algo que com sorte vire pro lado da gente,
ou sem sorte seja um fracasso pra gente,
E não é coisa que possa ser desdita numa contingência específica.”
Walt Whitman
O referencial teórico e o problema proposto nessa pesquisa irão
nortear a análise e a discussão dos resultados. A análise dos dados, coletados a
partir dos depoimentos dos professores-coordenadores e da observação do meio
onde atuam, já teve início com a elaboração do biograma e do quadro “sentimentos
e emoções no processo de mudança “, localizados no anexo 3. Neste capítulo, a
análise está organizada da seguinte forma:
* Item 4.1 – apresenta os cinco participantes da pesquisa e o contexto de atuação
dos professores – coordenadores ;
* Item 4.2 - propõe identificar os sentimentos e emoções envolvidos no processo
de mudança de professor para professor-coordenador, bem como compreender
suas situações indutoras.
4.1. Apresentação dos participantes e contexto de atuação
Neste item serão apresentados os participantes e os cenários em
estudo que auxiliarão na busca de respostas para o problema dessa pesquisa.
4.1.1. Participantes em estudo
Os participantes em estudo correspondem a cinco professores
coordenadores recém-chegados na função, sendo dois do sexo masculino e três do
sexo feminino. Todos atuam na escola pública estadual e no período noturno.
Abaixo, o quadro com a relação dos entrevistados para a melhor visualização do
leitor:
Participantes Nomes
fictícios
Idade Tempo de
experiência
no magistério
Tempo de
experiência
na função de
professor-
coordenador
Mês e ano de
admissão como
professor-
coordenador
Professor
Coordenador
01
Luísa 33 anos 14 anos 8 meses Abril de 2005
Professor
Coordenador
02
Fernando 47 anos 20 anos 10 meses Fevereiro de 2005
Professor
Coordenador
03
Mateus 48 anos 15 anos 8 meses Abril de 2005
Professor
Coordenador
04
Julia 48 anos 24 anos 8 meses Abril de 2005
Professor
Coordenador
05
Carolina 34 anos 06 anos 5 meses Julho de 2005
4.1.2. Cenários do estudo: as escolas
Na teoria de Wallon, o contexto possui um grande valor para o
desenvolvimento da pessoa. O meio estabelece condições de compreender o
indivíduo, havendo, portanto, uma relação de transformação mútua. Assim, “o meio
é o complemento indispensável do ser vivo” ( WALLON, 1980: 164 ).
Desta maneira, torna-se importante explicar o contexto onde atua
cada professor-coordenador envolvido na pesquisa. As informações partiram do
Quadro Escolar ( QE ) e de observações do ambiente escolar. Fazem parte da
apresentação dos cenários a localização, a estrutura física e os recursos humanos.
Todas essas escolas se localizam na região da Grande São Paulo e
admitiram novos professores-coordenadores no intervalo de fevereiro a julho de
2005. Abaixo, a apresentação do quadro de entrevistados e seus respectivos
cenários:
Participantes Nomes fictícios Cenários
Professor Coordenador 01 Luísa Unidade Escolar 01
Professor Coordenador 02 Fernando Unidade Escolar 02
Professor Coordenador 03 Mateus Unidade Escolar 03
Professor Coordenador 04 Julia Unidade Escolar 04
Professor Coordenador 05 Carolina Unidade Escolar 05
4.1.3. Síntese dos biogramas e contexto de atuação
Síntese do Biograma - Professor- Coordenador 1
Luísa, aluna boazinha e aplicada, desde pequena queria ser
professora. Acompanhava a mãe, que era servente, em todas as festas da escola.
Na oitava série, em 1986, influenciada pela mãe, decide fazer Magistério. Inicia
seus estudos no CEFAM em 1987.A escola era de período integral e por problemas
de transporte chegava tarde em casa; resolve, então, trocar de escola. No segundo
ano do Magistério não aprova a quantidade de faltas dos professores e muda de
unidade novamente. No último ano, em 1991, inicia sua carreira como professora
estagiária do pré à quarta série ( atual Educação Infantil e ciclo I do Ensino
Fundamental ). Revolta-se com a mãe, pois não consegue ser professora titular,
afirma que a idéia do Magistério foi dela. Com 19 anos, em 1992, matricula-se na
faculdade de Letras e em seguida leciona para uma Suplência de sexta-série. A
princípio, fica apavorada por ter alunos já adultos, mas logo sente-se reconhecida
em passar de professora estagiária para contratada. Termina, em 1995, o curso de
Letras na Faculdade Oswaldo Cruz na cidade de São Paulo. Efetiva-se em Língua
Portuguesa no primeiro cargo em 1998 e no segundo cargo em 2000. Inicia o curso
de complementação pedagógica em 2002. Por causa da intensa atividade
profissional ( ministrava 62 aulas durante a semana ) sua garganta começou a
apresentar irritações fortes. Luísa não queria se afastar; entrou em depressão por
não conseguir comunicar-se com seus alunos. Surgiu, então, uma vaga para
professor-coordenador na própria escola em que lecionava. Como já havia
realizado a prova de seleção, elaborou o projeto e o entregou ao Conselho de
Escola tendo sido aprovada para exercer a função. Pretende continuar atualizando-
se, estudar inglês e fazer pós-graduação na área de Letras.
Contexto de atuação - Unidade Escolar 1
Localização
A Unidade Escolar 1 localiza-se na periferia da cidade, o bairro
cresceu nos arredores de um conjunto habitacional de prédios populares. Há casas
com boa infra-estrutura, mas a grande maioria são residências simples. O bairro
não oferece opções de lazer, não há parques, quadras de esporte (somente na
própria escola) e cultura (teatro, cinema, exposições).
Estrutura Física
Desde sua construção em 1977 até o ano de 2005, a escola nunca
sofreu nenhum tipo de reforma geral, por isso apresenta grandes problemas nas
instalações elétricas, hidráulicas e na quadra esportiva.
A Unidade Escolar 01, com dois andares ( térreo e primeiro andar ),
possui na sua estrutura: secretaria, biblioteca, 12 salas de aula, sala dos
professores, sala de direção, sala de coordenação, sala de vice-direção, laboratório
de Ciências, laboratório de informática, pátio, quadra de esportes, sala de vídeo,
sala de Educação Física, sala da “Escola da Família”
17
, sala da “Padaria
Artesanal”
18
, cantina, cozinha para merenda dos alunos, cozinha de funcionários,
banheiro de funcionários, banheiro dos alunos ( 2 femininos e 2 masculinos ) e
almoxarifado.
A sala de Luísa é pequena e nela são guardados todos os tipos de
materiais, inclusive equipamentos e armários sem utilidade. O ambiente tem luz
precária, dificultando o trabalho da coordenadora.
Recursos humanos
A escola atende o Ensino Fundamental, ciclo II, Ensino Médio
Regular e Ensino Médio na Modalidade EJA ( Educação de Jovens e Adultos –
Suplência ). Conta com 1611 alunos matriculados, 01 diretor, 01 vice- diretor, 02
professores coordenadores pedagógicos ( período diurno e noturno ), 65
professores, dos quais, 29 são titulares de cargo efetivo, 24 com sede de controle
na escola, cinco que apenas completam o cargo nesta Unidade, pois na de origem
não têm o número suficiente de aulas para comporem cargo e a jornada de opção
( 20 aulas ou 40 aulas ), 7 professores eventuais, 20 funcionários entre agentes de
organização escolar, agentes de serviços escolares, frente de trabalho
19
( pessoas
contratadas pela prefeitura por 9 meses ) e contratados pela escola.
Síntese do Biograma - Professor – coordenador 2
Fernando, na 1ª e 2ª séries ( ciclo I do Ensino Fundamental ),
estudava na mesma escola onde seu pai trabalhava como diretor. Ciências era a
17
A Unidade Escolar tem uma sala para a administração do programa “Escola da Família”, que tem como
objetivo a abertura da escola, aos finais de semana, transformando-a em centro de convivência com atividades
voltadas às áreas esportiva, cultural, saúde e qualificação para o trabalho.
18
A “Padaria Artesanal” é um projeto que faz parte do programa “Escola da Família”. Nos finais de semana, a
comunidade aprende a fazer pães doces e salgados. A padaria também é utilizada no período de aula por
alguns professores com o objetivo de ensinar medidas de tempo, temperatura, massa,etc.
19
A “Frente de Trabalho” é um programa emergencial de auxílio-desemprego de iniciativa do Governo do
Estado de São Paulo. Envolve todas as secretarias e seus órgãos e objetiva proporcionar ocupação,
qualificação e renda à população desempregada residente no estado. Os funcionários da frente de trabalho
são contratados por 9 meses.
sua disciplina favorita. Na quinta-série, em 1969, durante seu relato, lembra-se com
saudade das aulas de experiência, do imenso laboratório de Biologia e do projetor
de slides trazido pelo professor, cujas imagens gostava de ver. Inicia o colegial e
sente-se feliz por ter aprendido Biologia na prática. Entra no curso de Ciências
Físicas e Biológicas, com 18 anos, na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora do
Patrocínio, na cidade de Itu. Faz a licenciatura por influência do pai e Ciências
Físicas e Biológicas pelas ótimas aulas que teve no decorrer dos seus estudos. Em
1976, ainda aos 18 anos, inicia o trabalho na linha de montagem de uma empresa
e logo é transferido para o escritório. Termina a faculdade em 1980 e não pretende
lecionar por questões salariais, já que ganhava o dobro em relação a um professor.
A empresa, no entanto, passa por uma crise e reduz o salário dos funcionários;
Fernando, então, decide começar a dar aulas. Em 1986, aos 28 anos, não
consegue aula na região onde mora o que o obriga a mudar-se para uma cidade da
Grande São Paulo. No início da docência, realiza todos os cursos oferecidos pela
Secretaria do Estado da Educação de São Paulo na área de Ciências. Na sala de
aula, orgulha-se por incentivar os alunos com aulas no laboratório. Aos 41 anos
começa a lecionar na prefeitura e no estado. Ministra aulas nos três períodos:
manhã, tarde e noite. Mesmo demonstrando problemas de saúde, pela intensa
atividade profissional, orgulha-se por nunca ter faltado e tirado licença médica.
Entra para a coordenação em 2005 e no futuro, pretende fazer um curso de pós-
graduação em meio ambiente.
Contexto de atuação - Unidade Escolar 2
Localização
A Unidade Escolar 02, onde atua Fernando, está localizada próxima
à escola de Luísa. A unidade foi construída para atender a demanda de moradores
do conjunto de prédios habitacionais e de casas populares na década de 70 e
início dos anos 80.
Estrutura Física
A Unidade Escolar 02 tem dois andares ( térreo e primeiro andar ).
Em sua estrutura encontram-se 17 salas de aula, quadra esportiva descoberta,
quadra esportiva coberta, laboratório de Ciências, refeitório, sala de Leitura, sala de
Vídeo, sala de informática, secretaria, biblioteca, sala dos professores, sala de
direção, sala de coordenação, sala de vice-direção, pátio coberto, cantina, cozinha
para merenda dos alunos , banheiro de professores e funcionários, banheiro dos
alunos ( feminino e masculino ). A unidade possui grades em todas as janelas,
nos corredores e na extensão inteira do pátio.
O espaço da sala de coordenação é amplo, bem organizado, fica no
corredor juntamente com as salas de aula. Nos cantos, grandes armários de
madeira guardam livros e materiais encaminhados pela Secretaria Estadual de
Educação. No ambiente, Fernando realiza o HTPC ( horário de tempo pedagógico
coletivo ) com os professores do período noturno.
Recursos Humanos
No total são 967 alunos, sendo 590 do Ensino Fundamental Ciclo II e
377 do Ensino Médio regular. Na escola, funcionam três turnos: manhã ( 07:00 h às
12:20 h ), tarde ( 13:00 h às 18:20 h ) e noite ( 19:00 h às 23:00 h ).
A cada ano, a escola perde um número considerável de alunos. No
período noturno, por exemplo, há 17 salas de aula, mas apenas 10 estão em
funcionamento. Algumas classes têm apenas 24 ou 28 matriculados, onde
normalmente caberiam 45 alunos.
Essa perda no corpo discente pode ser explicada pelo número
elevado de escolas no bairro e pelo fato de que no início da construção dos
prédios populares houve uma grande demanda de alunos, precisando edificar uma
escola com 21 salas de aula ( antigamente os laboratórios comportavam alunos ).
Hoje, não há tantas crianças, jovens e adultos assim e a escola não consegue
matricular novos alunos pois todas as outras unidades da região encontram-se na
mesma situação de risco, ou seja, poderão fechar caso não haja procura de novas
matrículas.
Com a diminuição do número de alunos, o quadro de funcionários
sofre uma perda significativa. A escola, atualmente, possui 1 diretor, 1 vice-diretor,
02 professores- coordenadores ( períodos diurno e noturno ), 3 oficiais de escola e
mais 12 funcionários ( 2 inspetores de alunos, 3 serventes, 1 zelador e 06 pessoas
contratadas pela frente de trabalho ).
Para Fernando, o grande problema na coordenação é a falta de
funcionários. Por esse motivo, há desvio de função e o trabalho pedagógico, com
os professores, acaba prejudicado. Sente-se decepcionado quando relata que
antes de entrar para a função achava que ia desenvolver projetos e fazer
encaminhamentos a partir do plano pedagógico da escola. Na coordenação,
percebeu que fazia serviço de diretor, aplicando advertências e suspensões aos
alunos indisciplinados. A falta de funcionário exigiu um esquema de trabalho em
relação à inspeção do corpo discente. Em certos dias, a servente torna-se
inspetora, já em outros é o próprio Fernando que assume esse papel.
Síntese do Biograma - Professor – coordenador 3
Em 1964, Mateus, inicia seus estudos na 1ª série do primário ( ciclo
I – Ensino Fundamental ). Terminando a 4ª série, seus pais decidem trancar a sua
matrícula, pois moravam num sítio, distante 14 km da nova escola. Sem condução,
Mateus fica quatro anos sem estudar. Aos 14 anos consegue ônibus para ir até a
escola e afirma sentir-se orgulhoso por nunca ter sido retido e tirar boas notas. No
colegial, em 1975, faz o curso de “Patologia Clínica” e torna-se estagiário na área,
logo em seguida. Ao terminar o curso, consegue seu primeiro emprego, mas como
bancário. Com o objetivo de auxiliar seu trabalho no banco, faz a faculdade de
Administração de Empresas, que termina depois de quatro anos. Inicia a docência,
aos 32 anos, “por pura brincadeira” , após perguntar a uma amiga, então
professora da rede estadual, se era fácil dar aulas. Não se imagina como docente e
fica surpreso quando sua amiga o leva até uma unidade escolar. Diz não estar
preparado para ministrar aulas, entretanto, a diretora aponta que precisa dele e a
sua aparência já basta. Atende ao apelo da gestora. Em casa, estuda intensamente
a disciplina Matemática por dois meses. Já na sala de aula, sente medo, no
primeiro instante, mas, depois, fica feliz pelo interesse dos alunos; traz para a aula
atividades práticas do banco. Em 1998 realiza a complementação em Matemática,
o que dá direito a Mateus de ter uma licenciatura plena e prestar concurso público
na área. No ano de 2000 consegue uma promoção no banco. Insatisfeito com as
recentes mudanças na educação, decide largar as aulas, no entanto, seu pedido
não é aceito pela diretora. Já no final do ano, mesmo sem dar autorização, sua
esposa faz a inscrição de Mateus para o concurso público estadual em Matemática.
É aprovado no concurso, iniciando o trabalho como professor efetivo em 2001.
Torna-se professor – coordenador em 2005; ano de muita atividade profissional,
tanto no banco quanto na escola. Pretende aposentar-se do banco daqui cinco
anos e dedicar-se exclusivamente à coordenação e, quem sabe, uma futura direção
de escola.
Contexto de atuação - Unidade Escolar 3
Localização
A Unidade Escolar 03, onde atua Mateus, situa-se no final de uma
rua sem saída, totalmente plana e onde está construída a escola inicia um terreno
íngreme. No bairro, estão as últimas edificações dos prédios populares de um
conjunto habitacional, o mesmo onde se encontram as escolas de Luísa e
Fernando.
Estrutura Física
A construção da Unidade Escolar 03 acompanhou o terreno íngreme
da região. Por esse motivo, a escola tem quatro pavimentos ( térreo mais três
andares ). Na parte externa é pintada de tijolo à vista e com jardins na entrada, tem
um belo visual.
Nas suas dependências encontram-se 16 salas de aula, 2 salas de
vídeo, sala de leitura, laboratório de Ciências e Biologia, pátio, sala de informática,
salão para eventos, refeitório, cantina, cozinha para alunos e funcionários,
banheiros para alunos e funcionários, quadra poli-esportiva coberta, zeladoria,
quadra esportiva descoberta, sala dos professores, sala dos professores-
coordenadores ( diurno e noturno ), sala do vice-diretor, sala do diretor e secretaria
ampla.
A sala de Mateus fica no terceiro andar, perto da sala dos
professores. É espaçosa, bem arejada e tem materiais pedagógicos que enchem os
diversos armários espalhados pelo ambiente.
Recursos Humanos
A Unidade Escolar 03 tem no total 1114 alunos, sendo 210 do
Ensino Fundamental ciclo II ( 5ª a 8ª séries ), 158 do Ensino Médio, 226 de
Educação de Jovens e Adultos ( EJA ) do Ensino Fundamental ciclo II e 520 de
Educação de Jovens e Adultos ( EJA ) do Ensino Médio.
O público escolar, atinge adolescentes de onze a dezoito anos de
idade e adultos acima de dezoito anos. Observa-se um grande número de adultos
que estão na faixa dos 25 anos em diante, ansiosos por conseguirem retomar os
estudos, principalmente nas séries oferecidas pelo EJA. Para eles, estarem
estudando ou concluindo o Ensino Médio é a garantia de conseguir emprego ou ter
a possibilidade de assegurá-los.
Na escola, a Educação de Jovens e Adultos tem duas modalidades:
a suplência e a telessala. Na suplência, cada disciplina é ministrada por um
professor, como no ensino regular, mas com a duração de seis meses para cada
termo. Na telessala, o ensino é realizado por módulo e os alunos assistem aos
vídeos referentes a cada disciplina acompanhando as suas apostilas. Não há
professor específico de cada matéria e, sim, um monitor que tira as dúvidas dos
alunos.
A Unidade Escolar 3 também sofre com a falta de alunos. Assim
como a escola de Fernando, a unidade em que atua Mateus está situada no
conjunto habitacional de prédios populares.O baixo número de matrículas de
crianças e jovens levou a equipe gestora a procurar alternativas para diminuir o
fechamento de salas. Dessa maneira, abriram-se salas de Educação de Jovens e
Adultos ( suplência e telessala ) tanto no Ensino Fundamental e quanto no Médio.
As diversas modalidades de ensino existentes na Unidade Escolar 3
passaram a ser motivo de dúvidas para Mateus. Encontrar material específico não
era fácil e a biblioteca da escola permanecia fechada no período noturno. No
HTPC, o professor-coordenador nunca trabalhou as diferentes modalidades, todos
os professores realizavam o mesmo trabalho, liam os mesmos textos e discutiam
juntos. Segundo Mateus, não importava se um professor era da suplência,
telessala, regular, Ensino Fundamental ou Ensino Médio: todos eram profissionais
de uma mesma escola. Não diferenciar, para Mateus, evitava constrangimentos, já
que poderia acontecer de um professor da suplência recusar-se a assistir a um
HTPC direcionado aos professores do regular, por exemplo.
Mateus concluiu, então, que se houvesse um professor –
coordenador para cada modalidade de ensino seria mais específico , melhoraria o
trabalho. Mostrou-se sobrecarregado com os afazeres da coordenação e impotente
para mudar esse quadro.
Síntese do Biograma - Professor-coordenador 4
Júlia sempre gostou de estudar. Na escola era aluna exemplar e
tirava boas notas. No entanto, aos dez anos, estudou com uma professora de
Língua Portuguesa que provocava medo; tanto que fica em segunda época nesta
disciplina. Dedica-se intensamente aos estudos; por essa razão passa na prova e o
seu interesse por Língua Portuguesa aumenta. Em 1967 presta o exame de
admissão. Orgulha-se de ter um pai que, somente com o curso no primário, deu
aulas de Português e Matemática para a filha. Na quinta-série estuda em uma
escola cujo nível era considerado excelente. Em 1973, aos 18 anos, consegue o
primeiro emprego como secretária de uma universidade particular. Por intermédio
de uma professora da universidade, ganha uma bolsa de estudos de três anos e
inicia o curso de inglês em uma escola renomada; estuda no horário do almoço. No
ano seguinte entra na USP e faz o curso de Letras a fim de ser tradutora-intérprete.
Na faculdade faz curso de Inglês, Português e Alemão. Orgulha-se por sido a única
filha de quatro irmãos com nível superior. Aos 21 anos muda de cidade e, em razão
da distância, pede dispensa do emprego. Participando de uma reunião, em uma
escola pública estadual, foi convidada pela diretora a dar aulas de Língua
Portuguesa. Inicia, assim, na docência. Após dois anos ganha uma bolsa de
estudos no exterior ( Alemanha ) e em seguida faz curso de Inglês em Oxford. Volta
da Alemanha aos 25 anos e tenta um emprego de tradutora-intérprete em
empresas multinacionais. Sem obter sucesso, volta a lecionar nas redes pública e
particular. No início sente-se frustrada, mas logo pensa que fez a escolha certa. Já
casada, inicia o mestrado na área de Letras e abandona os estudos em seguida;
sua filha nasce com problemas de saúde, necessitando de cuidados permanentes.
Em 2005 sai da sala de aula pela primeira vez e atua na função de professora-
coordenadora.
Contexto de atuação - Unidade Escolar 4
Localização
A Unidade Escolar 04 localiza-se no centro do município, na
avenida principal. Ao redor existem estabelecimentos comerciais de todo tipo, um
posto da polícia militar que atende à população 24 horas e uma rede bancária
razoável que se concentra nessa região.
Estrutura Física
Sendo a maior escola em área construída da região, funcionários e
alunos desfrutam de amplo espaço em todos os setores.
A unidade tem 2 andares ( térreo e primeiro andar ) e possui 21
salas de aula, 2 salas para alunos deficientes auditivos, 1 laboratório de Química, 1
laboratório de Física, 1 laboratório de Arte, 1 laboratório de Ciências e Biologia, 1
laboratório de Informática, 2 salas de vídeo, salão para eventos com palco e área
reservada para o camarim, 2 pátios cobertos, 1 pátio descoberto, sala de leitura,
biblioteca, cozinha para funcionários, cozinha para alunos, 2 almoxarifados,
refeitório,cantina, quadra poli-esportiva coberta, quadra poli-esportiva descoberta,
banheiros para alunos e funcionários, sala dos professores, sala do professor-
coordenador, sala do vice-diretor, sala do diretor e secretaria. Todas as salas estão
em funcionamento.
O amplo espaço da Unidade Escolar 4 pode ser considerado, por
um lado, positivo e, por outro negativo. Alunos e professores usufruem de cinco
laboratórios, salas de evento e de vídeo em perfeitas condições, sendo que poucas
escolas públicas estaduais têm este privilégio. Mas, percorrer toda esta área torna-
se uma tarefa complicada para Júlia. Andar pelos corredores atendendo alunos e a
equipe docente exige um grande esforço físico; auxiliar os professores na utilização
destes recursos pedagógicos demanda muito tempo disponível para tanto.
A sala de Júlia fica ao lado da secretaria e entre as salas da direção
e da vice-direção. Tem espaço restrito, mas suficiente para organizar 3 armários
com livros, 4 cadeiras e 1 mesa com micro-computador.
Recursos humanos
O número de alunos matriculados na Unidade Escolar é 2377,
distribuídos em 633 do Ensino Fundamental Ciclo II, 1714 do Ensino Médio e 30
Deficientes Auditivos.
A Unidade Escolar 04 conta no momento com 73 professores
habilitados ( 19 efetivos, 47 servidores e 07 professores eventuais ), 1 diretor, 2
vice-diretores, 2 professores-coordenadores ( períodos noturno e diurno ), 8 oficiais
de escola, 4 inspetores de alunos, 6 serventes, 1 zelador e 3 funcionários da frente
de trabalho.
No HTPC, assim como o professor – coordenador Mateus, Júlia
aplicava as mesmas atividades tanto para docentes dos Ensinos Fundamental e
Médio quanto para os professores da Educação Especial
20
. Eventualmente, ela
visitava as salas especiais e verificava, com a finalidade de aprender, os trabalhos
desenvolvidos pelos alunos deficientes auditivos. Segundo Julia, torna-se complexo
ser professora – coordenadora em uma escola com alunos especiais; não houve
nenhum tipo de curso para assumir essa responsabilidade. Em alguns momentos,
Júlia sente-se impotente em querer auxiliar os docentes da classe especial, porém,
muitas vezes, não sabe nem por onde começar.
Síntese do Biograma - Professor – coordenador 5
Carolina inicia seus estudos na 1ª série do primário no ano de 1976.
Tira boas notas durante o ginásio, porém, confessa que gostava da escola não pelo
estudo, mas sim por ser o único lugar de lazer. Por ter pais separados e família
desestruturada morava com a avó rigorosa. Queixa-se porque a avó considera o
estudo supérfluo. Ao terminar a 8ª série do ginásio ( Ciclo II do Ensino Fundamental
), sua avó tira Carolina da escola e impõe que a menina trabalhe. Aos 14 anos
consegue o primeiro emprego. Casa-se jovem, aos 17 anos, culpa da avó por ser
rígida. Com o passar do tempo, começa a sentir falta dos estudos. No ano seguinte,
arruma emprego em um escritório. Tenta voltar a estudar, mas as condições
financeiras a impedem de continuar o curso de Processamento de Dados. Nasce
seu filho em 1990 e em conseqüência disso, pede demissão do escritório. Após
dois anos o marido fica desempregado e Carolina, pensando nas dificuldades, volta
20
No período noturno não há salas de Educação Especial, no entanto, os docentes desta
modalidade faziam o HTPC juntamente com os professores do noturno.
a trabalhar na função de merendeira de uma escola pública estadual. Na hora do
intervalo, a diretora proíbe as funcionárias de conversar com os alunos enquanto
estavam servindo a merenda. Observando o corpo discente da escola e as atitudes
rigorosas da diretora, Carolina decide voltar aos estudos e tentar melhorar de vida.
Deixa o emprego de merendeira, em seguida, inicia o curso de Edificações e
consegue um estágio na área. Termina o curso de Edificações em 1997. Pensa em
fazer Engenharia Civil, mas fica angustiada por não ter condições. Aos 27 anos, por
influência da tia, cursa Biologia em uma faculdade de final de semana, mas tranca
a matrícula em seguida; estava insatisfeita com a qualidade do curso. Presta
vestibular em outra faculdade, sendo aprovada no curso de licenciatura em Biologia
na Faculdade Integrada para o Estudo de Osasco ( FIEO ), que agora cursa
diariamente. Inicia como professora eventual em 1999, mas não estava preparada
para lecionar. Decepciona-se com a profissão, os alunos não querem estudar.
Chora muito. No mesmo ano substitui uma professora e consegue aproximar-se
mais dos alunos. Começa a gostar de dar aula. Em 2005, faz a prova para
coordenador; sente-se feliz porque se torna professora-coordenadora na mesma
escola em que era professora eventual.
Contexto de atuação - Unidade Escolar 5
Localização
A Unidade Escolar 05, na qual atua Carolina, localiza-se na periferia
da cidade, na divisa com outro município e no alto de um morro. O bairro é carente,
não há comércio, somente um minimercado. Não tem área de lazer, somente uma
pequena quadra de futebol de areia faz a alegria dos moradores.
Estrutura Física
O terreno escarpado onde a escola foi edificada, fez com que as
salas fossem distribuídas em 4 pisos ( térreo e 3 andares ). Há escadas para todos
os lados; os corredores internos são estreitos e o pátio pequeno.
A Unidade Escolar 05 possui em sua estrutura 16 salas de aula, 1
sala de informática, quadra poli – esportiva descoberta, pátio interno, zeladoria,
cantina, cozinha para funcionários, cozinha para alunos, refeitório, banheiros (
funcionários e alunos ), sala dos professores, sala de coordenação, sala da direção,
sala da vice-direção e secretaria.
A sala de Carolina encontra-se no 2º andar. O espaço, apesar de
pequeno, é bem organizado. Há estante com livros, 2 mesas, cadeiras e um micro-
computador.
Recursos Humanos
São 1428 alunos matriculados, sendo 558 de Ensino Fundamental
de ciclo I ( 1ª a 4ª séries ), 496 de Ensino Fundamental de ciclo II ( 5ª a 8ª séries ) e
374 de Ensino Médio.
A Unidade Escolar 5 possui no seu quadro de funcionários: 48
professores, 1 vice-diretor, 1 diretor, 2 professores-coordenadores ( período diurno
e noturno ), 3 oficiais de escola, 2 inspetores de alunos, 5 serventes, 1 zelador e 4
pessoas da frente de trabalho.
4.2. Sentimentos e emoções envolvidos no processo de
mudança.
Essa pesquisa propõe-se a identificar os sentimentos e emoções
envolvidos no processo de mudança de professor para professor-coordenador, bem
como compreender suas situações indutoras. A análise dos dados está organizada
em categorias com o objetivo de explicar os resultados obtidos. Compõem essa
análise as seguintes categorias:
4.2.1 Bagagem dos professores-coordenadores;
4.2.2 Razão para tornar-se professor-coordenador;
4.2.3 Preparação para exercer a função;
4.2.4 Início na função de professor-coordenador.
4.2.1 Bagagem dos professores-coordenadores
As histórias de vida dos cinco depoentes permitiram compreender
os conhecimentos trazidos para a função de professor-coordenador. É a sua
bagagem, é a experiência que cada um carrega consigo.
A presença do outro é fortemente narrada nas entrevistas e é
responsável pelo sentir e agir do professor-coordenador. Exercendo a sua força, o
outro pôde até determinar a sua trajetória. “ Essa afirmação nos obriga a considerar
esse processo não como uma mera reprodução de papéis, mas como uma
produção de si mesmo” ( CARDOZO, 2006: 133 ).
Comparando as histórias de vida relatadas pelos entrevistados,
Luísa foi a única que sempre quis ser professora, ao contrário dos demais
depoentes, para os quais o Magistério ocupava a segunda opção. Sua formação é
toda voltada para a área educacional. Iniciou muito jovem como docente; na sua
trajetória profissional obteve experiência desde a Educação Infantil até o Ensino
Médio.
Somando-se a esses fatores, Luísa recorria à mãe nos momentos
de dúvidas. Além da imagem materna, a entrevistada sabia que sua mãe era
profunda conhecedora dos assuntos escolares; trabalhava na unidade onde Luísa
era professora havia quase trinta anos, primeiro na função de servente, depois
como secretária.
Analisando as falas de Luísa, os sentimentos de tonalidades
desagradáveis aparecem com menos freqüência em relação aos outros
entrevistados. A sua bagagem de vida promoveu um olhar mais aguçado na função
de professor-coordenador. Sabe ouvir o grupo docente e preocupa-se em
desenvolver a parte pedagógica.
Tanto a formação de Fernando, como a de Luísa, são na área de
educação. Porém, o entrevistado foi funcionário de uma empresa por vários anos.
Quando criança gostava das aulas de Ciências no laboratório e trouxe esse gostar
para a vida adulta, mas no papel de professor de Biologia e, agora, na função de
professor-coordenador.
Mateus, ao longo da sua trajetória, formou-se em diversas áreas:
Patologia Clínica, Administração de Empresas e Licenciatura em Matemática (
complementação ). No entanto, além dos cursos, a experiência que mais o
influenciou na coordenação foi o trabalho de bancário:
“ Uma coisa que bateu muito no começo foi que o professor
vê a escola como estado e não como uma empresa. Ele falta
e fala: ‘ eu tenho direito’ ou ‘eu preciso faltar!’ e na empresa
não é assim. (...) Se eu colocar a escola como uma empresa
eu tenho que ter clientes e lucro. E assim é a escola: os
alunos são clientes e eles têm que ser bem atendidos,
valorizados e o lucro é o conhecimento.” Mateus
A concepção de Mateus sobre educação confunde-se com a idéia
de empresa. Parece simples: os alunos são clientes e devem ser valorizados.
Serem bem atendidos é obrigação dos agentes escolares, mas a comparação entre
aluno e cliente traz a impressão de um relacionamento frio, em que professores são
isentos de orientar o corpo discente a prosseguir seus estudos e também educá-
los para a vida.
O trabalho no banco, a faculdade de Administração de Empresas e
os dias na direção da escola, talvez tenham levado Mateus a preocupar-se mais
com a parte administrativa do que a pedagógica. Mesmo em certas atividades, na
função de professor-coordenador, o depoente demonstra inquietação e
desapontamento quando os professores não entregam as tarefas solicitadas:
“Pra você ver...hoje eu estou recolhendo os diários dos
professores, estou vendo se está tudo certo... e tem professor
que nem entrega.” Mateus
De que maneira Mateus aborda seus professores ao verificar as
cadernetas? Qual o sentido de dizer se está certo ou errado? Novamente a
impressão de empresa: você entrega e eu confiro.
É possível que o choque entre o Mateus, funcionário de um banco, e
o Mateus, professor-coordenador, seja um dos pontos responsável pelos
sentimentos de tonalidades desagradáveis captados durante a entrevista.
Vamos falar de Júlia. Uma característica marcante da professora-
coordenadora é o prazer de estudar. Os vários cursos de idiomas no Brasil e no
exterior evidenciaram tal fato. É bom ressaltar que Júlia interessou-se por Língua
Portuguesa a partir das atitudes rigorosas de uma professora que a deixou para um
exame de recuperação. Dessa maneira, podemos evidenciar que mesmo os
indivíduos que travam uma relação negativa têm uma participação importante no
processo de constituição da pessoa ( CARDOZO, 2006 ).
Entretanto, os anos de docência fizeram a entrevistada parar de
estudar, acomodar-se. A mudança de função trouxe-lhe a possibilidade de voltar a
ler, aprender e ser jovem novamente:
“ Agora o que é bom é que eu voltei a estudar e na sala de
aula você se acomoda. Eu já tenho 24 anos de profissão e
está tudo aqui ( aponta para a cabeça ). Não preciso estudar
mais. Agora, na coordenação, eu tenho que ler, estudar para
saber o que passar para os professores. Estudar...eu voltei a
ser jovem de novo! (...) É muito o que aprender (...).”Júlia
O tempo no Magistério, 24 anos, fez Júlia passar por várias
gestões: conheceu diretores e coordenadores com linhas de pensamento
semelhantes ou diferentes das suas. Essa experiência desencadeou a formação de
novas opiniões sobre ser professor-coordenador. Ao entrar na função, sabia o que
ela, como professora, não gostava e preocupou-se em reverter essa situação:
“Eu estava morrendo de medo de dar HTPC, porque antes eu
achava chato. Nosso HTPC não era legal. A gente respeitava,
então, tinha que fazer. Aí eu falei:’ meu Deus...eu tenho que
fazer de um jeito que eles ( professores ) não achem chato’,
porque eu odiava...a minha preocupação eram os HTPCs.”
Júlia
Após os primeiros HTPCs, o grupo docente aprovou os temas
discutidos durante os encontros. Estimular bons debates é necessário, sobretudo,
um assunto que excite a atenção e a curiosidade de todos. Júlia lê muito, estuda,
pesquisa, por isso, essa sua desenvoltura quanto à escolha de materiais que
garantam a formação dos professores.
Entre os respondentes, Carolina é a professora-coordenadora que
mais passou por dificuldades ao longo da sua trajetória. Observando-lhe as
reações corporais, durante a entrevista, percebemos gestos firmes, seguros e em
outros momentos, tranqüilos. Não apresentou mudanças de entonação; fala com
empolgação somente quando relata que aceitou coordenar por ser na mesma
escola onde era professora. Sorri muito pouco, o que nos mostra uma pessoa
marcada pelas intempéries da vida.
Contudo, Carolina não se deixou levar pelo desânimo. Em seu
depoimento, são evidentes as tentativas, mesmo sem condições financeiras, de se
acertar na carreira profissional. Placco e Souza ( 2006 ) afirmam que:
as situações conflituosas da prática cotidiana podem impulsionar
cada pessoa a lutar ou a desistir. A forma com que cada um reage
diante dessas situações tem estreita relação com suas experiências
de vida e com o processo de constituição de sua identidade. (
PLACCO E SOUZA, 2006: 70 )
Exemplo da determinação de Carolina pode ser verificado na
explicação de uma das possíveis razões para tornar-se professora-coordenadora:
“Eu acho que eu fui para essa função porque nunca tive medo
do novo.” Carolina
Com base nas experiências vividas nas funções de merendeira e
professora eventual, a depoente incorporou na sua bagagem outras formas de
enxergar a escola. No entanto, Carolina é a entrevistada com a formação na área
educacional e atuação no quadro de educadores mais recente. É possível que as
manifestações de sentimentos desagradáveis, ao desenvolver o trabalho na função
de professor-coordenador, sejam devidas a esta falta de vivência no magistério.
Assim, podemos verificar que “a experiência é uma mediação entre
o conhecimento e a vida humana” ( PLACCO E SOUZA, 2006: 70 ) e que os
sentimentos manifestados na passagem de professor para professor-coordenador
igualmente decorrem dela.
4.2.2. Razão para tornar-se professor-coordenador
No presente item analisamos as razões pelos quais o professor se
tornar professor-coordenador, desenvolvendo uma discussão utilizando a teoria de
Wallon.
Nos depoimentos, ficou claro que nenhum entrevistado havia
pensado em ser professor-coordenador. O sentimento de indiferença prevaleceu
em relação a almejar uma nova função. O gostar de dar aulas e estar na
companhia da família no período noturno influenciaram em não querer sequer
pensar em tornar-se professor-coordenador. É como se o cotidiano permanecesse
estagnado pelos vários anos de magistério. Assim, dar aula traz segurança e não
haveria motivos para mudança da prática.
Ser professor – coordenador nas escolas públicas estaduais de São
Paulo, não traz benefícios financeiros e não auxilia na evolução funcional. Esses
motivos, possivelmente, acarretam um desprezo pela função. Na Diretoria de
Ensino onde se realizou essa pesquisa, é grande o número de docentes inscritos
na prova de seleção para professor-coordenador que não comparecem no dia
estipulado ou realizam a avaliação apenas como forma de testar seus
conhecimentos.
Sentimentos de inferioridade e impotência surgiram durante as
entrevistas, já que uma depoente – Luísa - mencionou não ter o perfil adequado
para tentar exercer a função por ser tímida. Compara seu jeito de ser, introspectiva,
com a antiga professora-coordenadora, extrovertida e querida por toda a escola e
comunidade. Na teoria walloniana, o outro tem papel importante na constituição da
pessoa e pode exercer certo poder. No caso de Luísa, estar no lugar da antiga
professora-coordenadora era infundado, quase impossível. A influência do outro,
como ser perfeito, não faria Luisa arriscar-se em ocupar o espaço na função.
Então, se todos os entrevistados não buscavam ser professores-
coordenadores, qual a razão para mudarem de idéia? A resposta está no grupo. A
decisão partiu da influência do corpo docente de cada escola. Os professores
incentivaram os depoentes com palavras otimistas, enfatizando que, se eles fossem
professores – coordenadores, fariam um bom trabalho. Esse fato confirma-se na
fala dos depoentes:
“ (...) Foi a própria decisão do grupo... eles ( professores )
falavam: ‘ você tem um trabalho legal, você trabalha bem esta
parte’. A própria motivação do grupo.” Fernando
“ (...) a maioria quis que eu ficasse...a direção...os
professores.” Mateus
Luísa não foi influenciada pelo grupo de professores da sua escola,
mas, sim, por um outro grupo: a família. “ A sua existência baseia-se na reunião de
indivíduos tendo entre si relações que notificam a cada um o seu papel ou o seu
lugar dentro do conjunto. (...) A família é um grupo natural e necessário” ( WALLON,
1980:167, 168 ). A ação da família foi essencial na decisão de Luísa em querer
participar da eleição para professor-coordenador. Sua mãe assumiu o papel de
conselheira e confidente. Luísa sofria de problemas na garganta, tendo que se
afastar da sala de aula. Ouvindo os problemas da filha, a mãe incentivou-a a tentar
pleitear a nova função.
Na teoria de Wallon, o grupo é o espaço de aprendizagem no qual a
pessoa pode perceber-se, ou seja, tomar consciência do eu, através da
confrontação com o outro. Isso significa que, é nas relações com o outro que o
sujeito reconhece as suas dificuldades, limitações e fraquezas, bem como as suas
qualidades.
Dessa forma, sentimentos de indiferença pela função e impotência
em não fazer jus a ela transformaram-se em sentimentos de valorização,
satisfação e encorajamento. Segundo Wallon, a consciência é resultado da
pressão exercida pelas exigências da vida em sociedade. É na relação com o outro
que os depoentes tomam consciência de suas próprias capacidades , o que os leva
a refletir sobre a possibilidade de serem professores-coordenadores.
No momento em que os participantes dessa pesquisa são
impulsionados pelos colegas de trabalho a exercer a função de professor-
coordenador, surgem sentimentos que nos reportam ao período da Puberdade e
da Adolescência. Na teoria walloniana, o jovem busca a aventura, a conquista, a
necessidade de surpreender o outro, tem a preocupação de mudar o mundo e
ultrapassar a vida cotidiana.
Assim, os entrevistados, mesmo adultos com características
diferentes dos jovens e adolescentes, porque já centrados em si e no outro,
passaram a ter o desejo de estar na coordenação, confiantes que poderiam fazer
algo de bom para a escola, transformá-la inovando seu processo pedagógico. Em
seus sonhos, construíram um “castelo encantado” e tinham a certeza que é
possível mudar.
De acordo com Wallon, todos os grupos têm objetivos determinados
e sua composição depende desses mesmos objetivos. Do mesmo modo, a
repartição dos cargos rege entre si as relações dos membros e , se necessário, a
sua hierarquia ( WALLON, 1980 ). O grupo de professores e a equipe gestora de
cada unidade pesquisada tinham um objetivo comum: não vir um professor-
coordenador de outra escola e ,sim ,eleger um docente do mesmo meio em que
atuam. Como exemplo, apresentamos trechos das falas dos entrevistados:
“ Um dos motivos que me levou a ser coordenador foi o medo
de vir alguém de fora.” Mateus
“ A diretora falou que queria alguém da escola, se não iria
buscar alguém de fora, alguém que não conhece a escola.”
Júlia
“ É até engraçado... porque sendo professor da escola, no
momento você quer que fique alguém conhecido da escola,
porque geralmente temos medo daquele que vem de fora.”
Fernando
O medo é citado pelos depoentes como um sentimento
desagradável, uma incerteza do que pode acontecer se algum estranho ficar à
frente da equipe de professores. Escolher um profissional já conhecido pelo grupo
gera segurança. Todos os docentes, ou grande parte deles, da unidade escolar
sabem a maneira pela qual o aspirante à função se comporta, como é o seu
trabalho na sala de aula e seu relacionamento interpessoal.
Supostamente, temos o outro lado: o medo de ter um professor-
coordenador intruso, estranho ao ambiente, pode representar um receio do novo e
até mesmo um certo comodismo por parte do grupo docente. Por que tanto medo
de vir alguém de fora? É possível que a permanência de um profissional que irá
mudar o cotidiano da escola traga desconforto aos professores habituados ao
mesmo processo educativo. Perpetuar algo cristalizado é, via de regra, mais fácil do
que buscar novos caminhos e provocar transformações significativas.
As cinco vagas oferecidas para os professores – coordenadores
eram nas escolas onde os entrevistados já ministravam aulas. Esse fator foi
predominante na aceitação da nova função. Nos depoimentos, fica evidente que, se
a vaga ocorresse em outra unidade, os entrevistados não aceitariam a função de
professor-coordenador:
“ Se fosse uma escola nova eu não iria (...) se eu chegasse
rápido nessa escola, como eu estava na outra, talvez eu não
quisesse ser coordenadora” Luísa
“Eu quis ser coordenador porque, a princípio, eu estou
trabalhando na mesma escola que sou professor.” Fernando
“ Coordenação para mim, só se for nessa escola, em outra eu
não pegaria.” Carolina
Ao mesmo tempo em que os depoentes sentem medo pela
possibilidade de vir um professor-coordenador que não faça parte do quadro
docente da sua unidade, aventurar-se na função em outra escola passa a ser
perigoso. Lidar com um grupo de professores que possui valores, atitudes e
concepções de educação diferentes dos quais estão acostumados gera
insegurança diante de algo tão desconhecido.
Pelas considerações dos entrevistados, há uma preocupação em
conhecer a escola e a comunidade, justificando a razão de aceitar a função apenas
nas unidades onde lecionam. Sentem-se motivados e desafiados em analisar seu
trabalho antes de entrar para a função e depois, já como professores-
coordenadores. Percebe-se, assim, uma oposição ao antigo professor-coordenador,
na busca de afirmação de si. É um sentimento de competição, muito comum no
estágio do Personalismo indicado por Wallon, onde a criança se apropria do que é
reconhecido como pertencendo aos outros. ( WALLON, 1980 ).
A questão de gênero não foi foco dessa pesquisa. Entretanto, de
cinco professores - coordenadores escolhidos por votação em suas respectivas
escolas, dois são do sexo masculino. Sabemos que a porcentagem de docentes do
sexo feminino na educação básica brasileira é demasiadamente superior ao do
sexo oposto. Aos homens são atribuídos cargos de chefia talvez porque a sua
imagem traga segurança e respeito em um ambiente onde predominam mulheres.
A hipótese levantada aqui parte da idéia de que além do quesito capacidade ou
sociabilidade , um professor pode ser intitulado professor-coordenador por ser do
sexo masculino. Somente esse fator justificaria uma pesquisa à parte sobre
questões de gênero.
4.2.3. Preparação para exercer a função
A teoria de Henri Wallon baseia-se numa visão não-fragmentada do
desenvolvimento humano; busca compreender o indivíduo do ponto de vista do ato
motor, da afetividade e da inteligência ( GALVÃO, 2003 ). Contudo, no exercício da
leitura e comparação entre os relatos, os depoentes prepararam-se para exercer a
função de professor-coordenador levando em consideração a dimensão cognitiva.
Na fase adulta, muito embora o movimento, a afetividade, o
conhecimento e da pessoa sejam conjuntos diferenciados, porém imbricados entre
si, a preponderância é do cognitivo. É o que define a passagem da puberdade e
adolescência para a idade adulta: o desenvolvimento passa a ter objetivos claros
tanto no trabalho quanto nos estudos. “o plano é atingido quando o
desenvolvimento da pessoa e dos conhecimentos pode orientar-se segundo opções
e fins definidos.” ( WALLON, 1980:71 )
Assim, os participantes dessa pesquisa estudaram textos sobre as
atribuições do professor-coordenador, fizeram cursos oferecidos pela Oficina
Pedagógica e, para Carolina, ter finalizado a faculdade há pouco tempo ajudou na
compreensão da função. Estudar, para os futuros professores-coordenadores,
tinha um objetivo evidente: passar na prova de seleção. Buscar inferências,
preparar-se para exercer a função é estar em condições de ser aprovado no exame
e não em preocupar-se com a atuação, de fato, de um professor-coordenador.
Ler livros ou fazer cursos em estabelecimentos externos à escola
são maneiras de formar um educador. Porém, é provável que esteja presente uma
visão dicotômica entre teoria e prática, entre os que produzem conhecimento e
aqueles ligados diretamente aos alunos. O foco da formação do professor é a
própria escola. “Nesse cotidiano ele aprende, desaprende, reestrutura o aprendido,
faz descobertas e, portanto, é nesse lócus que muitas vezes ele vai aprimorando
sua formação” ( CANDAU, 1996:144 ).
De acordo com Candau (1996), favorecer condições mobilizadoras
de um processo formativo requer pensar a prática, identificando os problemas e
sendo capaz de resolvê-los. Pelo contrário, a prática estará vinculada à repetição.
Estudos sobre formação docente convergem para a idéia de que a ação
mobilizadora se faz no coletivo, nas experiências construídas conjuntamente.
Os depoimentos evidenciaram que, a preparação para tornar-se
professor-coordenador é um momento solitário, com cada profissional recluso em
seus livros. Nas entrelinhas, verificamos que os participantes dessa pesquisa não
se dão conta da importância da sua formação ser constituída no grupo e no
ambiente escolar. Parece que estão fadados a cada um resolver os seus problemas
e sentirem-se indiferentes quanto a isso.
Segundo Wallon “ a formação psicológica dos professores não pode
ficar limitada aos livros. Deve ser uma referência perpétua nas experiências
pedagógicas que eles próprios podem pessoalmente realizar.” ( WALLON, 1980:
366 ). É certo que todos os entrevistados experimentaram ser professores-
coordenadores pela primeira vez. Entretanto, possuem um vasto conhecimento
obtido pela prática do dia-a-dia na docência. A teoria e a reflexão das experiências
vividas são igualmente importantes na preparação para exercer a função de
professor-coordenador, mas os depoentes não citam tal fato.
Se por um lado a experiência vivida pelos participante dessa
pesquisa não foi mencionada em relação à preparação para tornar-se, professor-
coordenador, as experiências alheias, nos relatos de Julia e Fernando, passaram a
ser uma fonte rica para o processo de aprendizagem:
“A diretora passou livros e textos para eu estudar para a
prova. Falou da sua experiência como coordenadora (...)”.
Júlia
“Eu...para ter um começo na coordenação, a princípio, eu
verifiquei com os meus colegas como eles trabalhavam na
coordenação, a atuação, nas dificuldades de se trabalhar com
o professor. Li alguns livros sobre coordenação”. Fernando
De acordo com Placco e Souza ( 2006 ):
a aprendizagem do adulto resulta da interação entre adultos,
quando experiências são interpretadas, habilidades e
conhecimentos são adquiridos e ações são desencadeadas.” (
PLACCO E SOUZA, 2006: 16 ). (...) Mas não se trata de qualquer
experiência; ela decorre da implicação com o ato de conhecer e
da escolha deliberada por dar-se a conhecer determinado objeto
ou evento. Por tratar-se de adultos, há uma vivência anterior e as
expectativas irão influenciar a formação de novas idéias. (
PLACCO E SOUZA, 2006:19)
Podemos dizer que ao ouvir os relatos da diretora e dos colegas de
profissão, os depoentes mobilizaram seus recursos pessoais e sociais a fim de
terem uma ação consciente. Para Júlia, aprender levando em consideração as
experiências da gestora, suscitou sentimentos de alegria, satisfação e orgulho. A
aprendizagem, dessa maneira, envolveu a compreensão de que, apesar dos vários
anos de docência, ainda havia muito que descobrir, perguntas a fazer e respostas
para se encontrar.
Sabe-se que a trajetória de vida tem uma forte influência na
atuação de qualquer profissional. Enquanto Júlia se sente feliz pela conquista de
novos saberes e, desde menina, sempre encontrou nos estudos uma fonte de
prazer, para Mateus, funcionário de um banco a partir dos vinte anos de idade,
preparar-se para a função de professor-coordenador não mereceria grande
relevância. Somando-se a vivência como bancário e o tempo assumido na direção
de uma escola, a parte administrativa já era suficiente para seu início como
professor-coordenador.
As atividades desenvolvidas por diretores e funcionários de banco
têm suas especificidades, em geral, burocráticas. É certo que Mateus trouxe para a
função de professor-coordenador,como referido no item “bagagem dos professores-
coordenadores” uma carga de sua experiência em outros setores profissionais.
Contudo, a reflexão do papel do professor-coordenador merecia destaque: saber
que é um representante dos objetivos e princípios da rede escolar a que pertence; é
um educador preocupado com a formação da equipe docente e alguém que busca
valer suas convicções a fim de construir o projeto pedagógico. ( BRUNO, 2003 ).
Além de sua atitude reveladora, Mateus manifesta indiferença ao
relatar não ser necessário preparar-se para a função. Sendo o sentimento a
representação da emoção, o depoente expressa reações corporais visíveis,
balança a cabeça para os lados e fala com desprezo, mostrando desinteresse pelo
tema:
“Eu não me preparei para ser coordenador. Eu já tinha a parte
administrativa. Conhecia a escola e os alunos. Fiquei algum
tempo na direção (...)” Mateus
O sentimento de confiança predominou no depoimento dos cinco
professores – coordenadores. Os gestos, durante esse momento da entrevista ,
simbolizaram tranqüilidade. Na opinião dos participantes dessa pesquisa, a leitura
de materiais relacionada à atribuição do trabalho e o conhecimento da escola em
que irão atuar permitiriam agir com segurança. Na fala de Carolina, preparar-se
para função de professor – coordenador foi algo natural, quase impensado,
aconteceu no dia-a-dia, quando realizou atividades para a antiga professora-
coordenadora :
“ (...) eu já conhecia a função porque já tinha lido bastante.
(...) Como eu era professora eventual aqui, às vezes, não
tinha aula e eu passava o dia inteiro aqui. Então, eu vivia
dentro da sala do coordenador, fazendo alguma atividade.
Então, esse contato também...quando eu vim para essa
função eu já sabia o que estava acontecendo. Eu tive esse
contato antes, eu sempre estava aqui, digitando alguma coisa
(...)”. Carolina
Ao proferir essas palavras, inferimos que não apenas Carolina, mas
a totalidade dos entrevistados não reconhece a complexidade da função do
professor-coordenador. Sentimentos de indiferença e confiança, aqui
representados, estão atrelados a algo que podemos dizer: eu já sei o que fazer na
coordenação... o texto que li dizia isso, então posso coordenar...tenho noções
precisas do trabalho de diretor, assim, sei o que faz um coordenador... passando na
prova de seleção, eu vou ter sucesso... se eu desenvolvia essa atividade para a
antiga professora-coordenadora, sei o que fazer na coordenação... conhecer a
escola e a comunidade já me basta para coordenar...Contudo, não queremos dar a
entender que os futuros professores-coordenadores devam sentir insegurança ao
preparar-se para a função, longe disso. A confiança deve partir de um professor –
coordenador realmente preparado para assumir tal responsabilidade, não sozinho,
mas, sim, no coletivo; um coordenador que compreenda a complexidade de
trabalhar o grupo de professores e os elementos que abrangem a realidade escolar.
Por outro lado, a nomeação para professor-coordenador é um
processo rápido. Segundo relatos dos depoentes, entre o desejo de estar na função
e vir a ser professor – coordenador passam-se uma semana ou um mês. Esse
curto intervalo justifica, em parte, o excesso de confiança em dizer que se sabe do
trabalho ou não é necessário preparar-se para atuar. O processo não admite, ao
menos, pensar na responsabilidade que virá a ser a designação de professor-
coordenador. Ao entrar na função, sentimentos de confiança e indiferença dão
lugar, na maioria das vezes, a sentimentos de tonalidades desagradáveis,
permitindo verificar que ser professor-coordenador não é tão simples como parecia
ser.
4.2.4. Início na função de professor-coordenador
A análise, até o presente momento, buscou abordar os
sentimentos e emoções envolvidos nos dias que antecedem as atividades como
professor – coordenador. Agora, apresentamos uma articulação entre o referencial
teórico de Wallon e os depoimentos dos cinco participantes dessa pesquisa no
início da função. Para tanto, constituem o item quatro subcategorias a seguir:
4.2.4.1 Orientação de outros ao professor-coordenador
4.2.4.2 Primeiros contatos na função de professor-coordenador
4.2.4.3 Primeiras atividades na função de professor-coordenador
4.2.4.4 Primeiras impressões na função de professor-coordenador
4.2.4.1. Orientação de outros ao professor-coordenador
Recém- chegados à função, os novos professores –
coordenadores recebem orientações de formas variadas. Apesar dessa
diversidade, os sentimentos e emoções dos depoentes são similares: segurança,
satisfação, alegria. Para Luisa, a oportunidade de ler um jornal oferecido pela vice-
diretora ajudou-a a compreender melhor as atribuições do professor-coordenador:
“ A vice-diretora trouxe um jornal da UDEMO que saiu em
1998 ou em 1999. Um jornal que tem, de forma clara e sucinta
o que é ser coordenador. Ela cobrou mais, mas também
ajudou. A cobrança dela me ajudou: ‘aqui tem um jornal que
traz as atribuições do coordenador’ ela disse. E aquilo foi
como uma cartilha para mim, eu não sabia quais eram as
atribuições do coordenador.(...). Esse jornal, essa cartilha me
esclareceu um pouco. Era de pergunta e resposta. Me senti
mais segura, eu tive muitas dúvidas”. (...) A parte pedagógica
eu já sabia. (...) Agora, essas outras funções que vão
agregando ao coordenador, eu não tinha firmeza. “ Luísa
A fala de Luísa leva-nos a refletir sobre o significado do vocábulo
orientar. O fato de a gestora apenas entregar-lhe um jornal possibilita à principiante
observar os diversos aspectos que envolvem uma unidade escolar e atuar de modo
a gerar transformações nos participantes do processo educativo? Parece que não.
Tornar-se professor-coordenador não faz parte de um processo natural. Assim, a
leitura deve estar atrelada a um ato de pesquisa: questionando a realidade,
realizando comparações teóricas e assim, constituindo-se como professor-
coordenador. Segundo Pellisson ( 2006 ):
para se desenvolver profissionalmente, necessário se faz que
tome conhecimento das concepções teóricas atuais, no campo da
educação, acompanhe as mudanças que ocorrem nesse meio e,
a partir delas, ressignifique suas práticas, num processo contínuo
de reflexão, preferencialmente coletivo. ( PELLISSON, 2006 :
292 )
As questões teóricas, tão somente, não bastam para orientar o
professor-coordenador na sua nova etapa. A afetividade é condição necessária
para que ele atinja o objetivo de coordenar. A teoria de Wallon pressupõe que a
emoção e cognição estão relacionadas. Dessa forma, o que a pessoa conquista no
plano afetivo é um lastro para o desenvolvimento cognitivo e vice-versa. (
ALMEIDA, 2004 )
Apesar da disposição da vice-diretora em entregar um jornal a fim
de esclarecer as dúvidas de Luisa, não houve preocupação em atender às suas
necessidades e as suas diferentes exigências de afeto. Nesse momento de
transição de professor para professor-coordenador, o recém-chegado à função
precisa ser observado como uma pessoa completa, em cada um de seus domínios
funcionais. Logo, se a gestora olhasse atentamente para Luísa, a orientação seria
um momento de encontro entre as duas. Encontro no sentido de reconhecer um
clima afetivo, de expor suas indecisões e angústias, suas satisfações e alegrias.
Receber orientações da direção da escola nos primeiros dias na
coordenação, por mais rápidas e talvez não eficientes que seja, é privilégio de
alguns professores-coordenadores. Nos relatos de Fernando e Júlia, verificamos
que os principiantes orientaram-se a partir de cursos oferecidos pela Secretaria
Estadual de Educação:
“ Neste ano eu tive oportunidade de aprender mais com os
cursos que fizemos no Núcleo
21
, no Ensino Médio em Rede.
Os cursos da TIC
22
e no Pró-Gestão
23
. Esse valeu a pena!
Porque tem um estudo voltado para professores e alunos.”
Fernando
21
Núcleo Regional de Tecnologia Educacional: parte integrante da Oficina Pedagógica responsável pelas
capacitações e divulgações de materiais na área tecnológica como softwares educacionais, por exemplo.
22
Tecnologia de Informação e Comunicação: curso semipresencial para gestores da educação relativo ao uso
das tecnologias no ambiente escolar.
23
Pró-Gestão: curso para gestores da educação pública; tem por objetivo formar lideranças comprometidas
com a construção de um projeto de gestão democrática.
“Voltei a ser uma grande estudiosa. Estudo daqui...estudo
dali. Não só o curso do Ensino Médio em Rede, vários cursos.
Estudo todos os cursos (...) .Tanta coisa! É muita
informação...projetos e mais projetos.”Júlia
Notamos, nesses depoimentos, a evidência do empenho de
Fernando e Júlia em participar dos cursos. Ao contar sobre sua experiência vivida
em um processo de formação continuada, os professores-coordenadores
exteriorizam suas afetividades, falam com empolgação, mostram-se felizes pela
oportunidade de aprender. Na teoria walloniana, “as emoções consistem
essencialmente em sistemas de atitudes que respondem a uma determinada
espécie de situação” ( WALLON, 1995:140 ). Assim, deixam vir à tona suas
emoções, respondendo o quanto estão satisfeitos pelas orientações dispensadas a
eles. Para Júlia, é momento de resgatar a menina estudiosa, perdida na sua longa
trajetória no magistério.
Por meio dos relatos, foi possível perceber o contentamento dos
depoentes. Para eles, a orientação nos primeiros momentos da nova função
parecia ideal. Entretanto, inferimos que por trás de sentimentos tão agradáveis
estão a solidão, o isolamento. Os professores-coordenadores, no início de suas
atribuições, foram buscando compreender a função sozinhos: lendo e participando
de cursos fora do ambiente de trabalho. Nossos entrevistados não demonstraram
reações perante a falta de uma orientação mais humana, baseada nas relações
interpessoais. Percebemos, a consolidação de um processo, ou seja, cada um é
responsável por si próprio.
Outra atitude dos recém-chegados à função foi recorrer aos
agentes escolares e aos colegas, também professores-coordenadores, do período
diurno e até mesmo de unidades diversas:
“Eu observava muito o que a coordenadora do diurno fazia.
Eu ligava e não a deixava em paz”.
(...) a inspetora me ajudou muito, ela falava: ‘ a outra
coordenadora fazia assim, vamos tentar?’
Luísa
“Algumas coisas que eu tinha dúvida, eu ligava para a
coordenadora do diurno. Aprendi muito com os outros
coordenadores no encontro Ensino Médio em Rede. Foi bom,
principalmente o encontro de Português sobre textos. O curso
do Pró-gestão também me ensinou. Foi mais em que procurei
ajuda”. Mateus
“A orientação que eu tive foi da própria coordenadora do
diurno, os professores e antiga coordenadora do noturno. Eu
fiquei assustada com tanta coisa para fazer! Antes quando eu
só ajudava era uma coisa”. Carolina
O intuito de comunicar-se com outros profissionais é atravessar a
fase de confusão, típica no início de uma nova trajetória. Na teoria de Wallon, o
estado de consciência nebulosa é um estado sem delimitações próprias de ação.
Comum na crise da personalidade nas crianças por volta de três anos, a criança
sente a necessidade de imitar, de auto-substituir os outros, por não diferenciar-se o
eu do outro. Podemos entender que assim ocorre nos professores-coordenadores
iniciantes. A confusão, a consciência nebulosa de não saber suas atribuições, do eu
depender da vontade do outro, gera também a necessidade de imitar. Imitando, o
principiante interessa-se pelas outras pessoas e procura conhecê-las melhor no
objetivo de afirmar-se como pessoa.
Na teoria walloniana, “a criança imita para ser bem aceita, para
obter uma recompensa ou afeto. A imitação torna-se mais uma marca do que uma
reação imediata de simpatia. “ ( WALLON, 1986: 98 ) . Contudo, “a criança não se
dirige a todos indistintamente, mas às pessoas que , por um motivo qualquer, se
impõem a ela. Originalmente é um desejo mais ou menos total de se unir às
pessoas por uma espécie de participação efetiva.” ( WALLON, 1986: 100 ). Dessa
maneira, os professores – coordenadores imitam para serem aceitos pelo grupo ,
mas, a imitação advém de pessoas que possuem conhecimento e experiência que,
de alguma forma, servirão de recursos nas suas atuações.
Em linhas gerais, a orientação oferecida aos entrevistados suscitou
sentimentos de alegria, confiança e satisfação. Ora, o fato que colocamos é,
segundo os relatos acima, tem que partir dos professores-coordenadores a
iniciativa de perguntar e tirar dúvidas em relação à função. Talvez se os depoentes
não tivessem, a princípio, “deixado os outros coordenadores em paz”, qual seria a
possibilidade de coordenar nos primeiros dias da sua nova etapa? Podemos dizer,
portanto, que nas escolas não temos laços de sociabilidade que unam as pessoas
mobilizando-as em torno de um trabalho integrado. Carolina assustou-se por causa
da sobrecarga de atividades a serem desenvolvidas, e parece que a
responsabilidade das múltiplas atribuições é somente dela e de mais ninguém.
Como é possível sentir-se feliz com essas orientações? Devemos, como
educadores, refletir melhor sobre o cuidar, o orientar um profissional iniciante.
Dessa maneira, o recém-chegado professor-coordenador pode sentir-se
verdadeiramente feliz.
4.2.4.2. Primeiros contatos na função de professor-coordenador
Os primeiros contatos de um professor - coordenador principiante
são permeados de sentimentos de tonalidades ora agradáveis, ora desagradáveis.
Disso dependerá o acolhimento concedido ao recém-chegado, ao
comprometimento da equipe docente no processo de formação e as situações de
conflitos entre os envolvidos na unidade escolar.
Nessa subcategoria, ficaram em evidência as verbalizações dos
entrevistados quando se referiram à recepção dos professores no momento da
designação como professores-coordenadores. Apesar dos participantes dessa
pesquisa conhecerem o grupo docente, eles demonstraram sentimentos de medo e
insegurança por talvez não serem aceitos pelos professores.
Na realidade, tornar-se professor-coordenador pressupõe ser
formador, estar à frente do processo pedagógico. Assim, a prática já não é, tão
somente, a da sua sala de aula; o fato de estar ausente na sala dos professores na
hora do intervalo, por exemplo, mostra que algo mudou. É perfeitamente cabível
que um iniciante na função sinta medo. Podemos realizar uma leitura em que não
ser aceito no grupo significa não ser visto como pertencente ao grupo e não
atender as suas expectativas.
Para Carolina, ser professora eventual causava medo na medida
em que a maioria do grupo docente era de professores efetivos ou contratados.
Qual seria a reação deles em relação a isso? Na verdade, Carolina sentiu-se
inferior. Professora eventual, como poderia formar professores cuja situação
perante o quadro do magistério era melhor que a dela? É possível que a
“hierarquia” – efetivo, contratado, eventual – tenha um grande peso na tomada de
decisões. Imaginamos quantos professores eventuais
24
almejam estar na função
de professor-coordenador e não se sintam à vontade para concorrer à vaga, por
inferioridade ou pela incerteza de corresponder a um grupo mais favorecido.
Todavia, os dados apontam a boa receptividade da equipe docente,
fato que possibilitou o surgimento de sentimentos de alegria, mesmo porque se um
professor-coordenador está na função é devido, grande parte, aos votos dos
professores da unidade escolar.
Embora o comportamento dos professores tenha sido positivo, as
interações identificadas durante o período de formação ou nas reuniões de HTPC
manifestaram-se de diferentes formas. Para alguns entrevistados, os encontros
permitiram verificar um acolhimento verdadeiro, ou seja, uma equipe docente
preocupada em auxiliar o recém-chegado professor-coordenador e desenvolver
com ele um bom trabalho. Em outros casos, os primeiros contatos tão calorosos e
24
Ressaltamos que, para ser professor-coordenador, o professor eventual deve ser contratado, no mínimo, por
uma aula. Essa aula garante o vínculo no quadro do magistério do Estado de São Paulo.
amigáveis transformaram-se em relações pautadas no desinteresse, na falta de um
olhar mais aguçado para as necessidades afetivas dos principiantes na função.
Nos depoimentos de Luísa e Júlia verificamos a preocupação, tanto
da equipe docente quanto das entrevistadas, em demonstrar apoio e buscar o
desenvolvimento de um trabalho com êxito:
(...) eu fui muito bem recebida, os professores gostaram... eu
senti isso (...). Eu dava ouvido para todos eles. Ouvia as suas
experiências. Eu percebi que eles queriam me ajudar mesmo.
Tem gente que quer só dar palpite, mas não foi isso que eu
percebi (...) eles foram me ajudando, até hoje. Tem um
professor (...) ele traz novidades. Eles ( professores)
enxergavam em mim... tinham facilidade de chegar (...). ”
Luísa
“ O apoio dos professores foi total. No HTPC tudo o que eu
pedia eles faziam. Nós melhoramos esse noturno! Chega
sexta-feira os alunos vêm. Os professores tinham idéias, a
gente discutia. Eles ajudavam muito. Tudo o que eles
precisavam, na parte pedagógica, eu ajudava...sempre ajudei.
(...) depois os professores falaram: ‘é o melhor HTPC’! Sabe
por quê? Porque eu deixei eles falarem. A gente lia os textos
(...) eu dava abertura para eles falarem... falarem dos
problemas do dia-a-dia, dos problemas com os alunos, trocar
idéias entre eles. Nós tínhamos discussões muito boas, foram
ótimos os HTPCs. Isso me deixa contente! O HTPC acaba e
os professores continuam falando.” Júlia
Podemos identificar, nessas interações, o entusiasmo, a alegria das
entrevistadas. Sentiram-se orgulhosas e valorizadas em auxiliar os professores e
serem amparadas por eles. Nos relatos, notamos que ambas ouviam o grupo
docente e sabiam da importância de conhecer suas experiências ou compreender
suas aflições. Segundo Rogers ( 2001 ) compreender é duplamente enriquecedor .
Por um lado, permitir a si mesmo essa compreensão acarreta uma mudança.
Assim, Luísa e Júlia, ao ouvirem seus professores, enriqueceram-se com suas
falas, tornaram-se mais sensíveis aos seus sentimentos. Por outro lado, a equipe
docente enxergou nas professoras – coordenadoras duas pessoas que atribuíram
valor ao fato de prestar atenção no que diziam.
Rogers ( 2001 ) menciona que a relação entre pessoas é
significativa na medida em que há um desejo contínuo de compreender, uma
empatia sensível que possibilita uma transparência entre elas, aceitando-as da
maneira que são:
quando a outra pessoa pode até certo grau vivenciar estas
atitudes, então eu acredito que a mudança e o desenvolvimento
pessoal construtivo ocorrerão invariavelmente e eu incluo a
palavra ‘invariavelmente’ apenas após longa e cuidadosa
consideração. ( ROGERS, 2001 : 39 )
Júlia expressa contentamento ao falar das mudanças ocorridas no
período noturno. Os alunos do noturno, na sua maioria trabalhadores, tinham o
costume de faltar às aulas nas sextas-feiras. A relação de empatia entre docentes e
a professora - coordenadora possibilitou mudar o quadro e trazer os alunos à
escola. No HTPC, os docentes discutiam até mesmo após o término da reunião,
fato que comprova a mudança de postura do grupo de professores.
É bem possível que tanto Júlia quanto Luísa já cultivassem esse
sentimento de empatia, com a equipe docente, antes da nomeação para professor-
coordenador, como podemos verificar nesse relato:
“Fiz o João
25
conversar com os alunos... imagina!!! Ele é tão
resistente!!! Às vezes ele pára a aula para conversar com os
alunos. Sabe o caderno-espelho
26
? Consegui fazer com que
ele fizesse. Acho que é porque ele me conhece faz tempo e
me respeita ...é tem isso...eles ( professores ) sabem que eu
estou aqui há muitos anos, conhecem o meu trabalho, sabe...
é uma contribuição dupla.” Júlia
25
João é nome fictício.
26
Caderno-espelho: caderno de registro das ocorrências durante o período de aula.
Na contribuição dupla, segundo depoimento de Júlia, ambos se
beneficiaram do trabalho desenvolvido, pelo respeito e amizade de longos anos. A
entrevistada empolga-se ao contar que João, um professor resistente, passou a
conversar com seus alunos, dando maior atenção a eles. Júlia foi capaz de aceitar
João, orientando-o de maneira construtiva, positiva. A professora-coordenadora,
por sua vez, favoreceu-se da mudança de João. Para uma iniciante na função,
“tocar” um professor, fazer com que ele seja afetado é sinônimo de estar no
caminho certo, é sentir-se forte e confiante na busca de trilhar mais desafios.
Contudo, citamos que nem sempre ocorre uma interação onde o
grupo se enxerga e se aceita o outro com suas diferenças, onde já não temem
discordar ou emitir seus pontos de vista ( SOUZA, 2003 ), mas, nas escolas temos
grupos que vêem o professor-coordenador como um mero cumpridor de tarefas, ou
ainda, travam uma relação simbiótica, uma dependência para com o professor-
coordenador, esperam dele a resolução de todos os problemas. Nesses casos os
sentimentos de tonalidades desagradáveis são representados pela tristeza, mágoa,
insatisfação. Mateus e Carolina exemplificam esse fato:
“Cada um queria mandar ( professores ) e não tive apoio. Fui
em alguns pontos bem autoritário. O grupo não era unido. Em
princípio eu senti apoio de alguns, nos outros era puro
interesse. Vários professores são bons, mas têm muito ciúme.
Se eu tivesse apoio no começo, seria diferente... menos
traumático. Tive muita rivalidade entre professores e alunos. E
mais... muita imposição: ‘eu quero! Eu quero! Ou ainda ‘eu
quero biblioteca, eu quero laboratório!’ Mas quando foi feito
ninguém usava e só critica negativa, destrutiva. Muitas
oscilações entre o grupo.” Mateus
“O que falta ainda é que quando eu chego com os cursos, os
professores têm uma certa resistência. Nesse sentido, eu
ainda não estou realizada, ainda falta muito. (...) mas essa é a
pior parte para um coordenador. Na parte pedagógica, eles
ouvem...concordam...mas na realidade é difícil de acontecer.”
Carolina
Mateus, ao tornar-se professor-coordenador, viu-se diante dos
diversos grupos que compõem uma unidade: os que apóiam, os que criticam e
aqueles que impõem. Na teoria walloniana, “ a escola não é um grupo
propriamente dito, mas um meio onde podem constituir-se grupos com tendência
variável e que podem estar ou em discordância ou em concordância com seus
objetivos.” ( WALLON, 1980 :167 ). Para Wallon, individualismo e espírito coletivo
são complementares. Não há grupos sem indivíduos e não há conhecimento de si
próprio sem o coletivo. Porém, a ação deve ser harmonizada, a fim de atingir o
objetivo do grupo ( WALLON, 1980 ).
A falta de harmonia entre a equipe docente e os entrevistados, e
em conseqüência disso os sentimentos de tonalidades desagradáveis de Mateus e
Carolina, pode ser explicada pelo fato de os professores não se enxergarem
pertencentes a uma unidade escolar. Palavras de ordem como: ‘ eu quero... faça
isso...’ e não ‘ vamos fazer juntos ’apenas reforçam a responsabilidade centrada
em um único indivíduo, nesse caso do professor-coordenador. Wallon destaca que
ao assumir tarefas e as normas que impõem a presença da pessoa ao grupo, o
professor-coordenador obriga-se a regular a ação de cada indivíduo e a controlá-la
sobre os grupos, igual a um espelho, em suma, “ a fazer dela uma imagem exterior
a ela própria e de acordo com as exigências que reduzem a espontaneidade
absoluta e a subjetividade inicial.” ( WALLON, 1980 : 176 ).
No caso de Mateus, temos, ainda, a possibilidade de ele estar
agindo e sendo visto pelos professores como diretor. O depoente assumiu a direção
da mesma escola, por trinta dias, antes de tornar-se professor-coordenador e
talvez esteja aplicando um mesmo sentido para funções diferentes: direção e
coordenação têm as suas especificidades. Sem dúvida, o gestor precisa caminhar
ao lado do grupo docente, porém, cabe ao professor-coordenador promover a
interação entre os professores, dando novas formas ao grupo.
Nos relatos, percebemos a ausência da solidariedade dos
professores em relação aos depoentes. Essa falta pode ter sentido de apatia do
grupo ou no sentido da aceitação do professor-coordenador não ser autêntica. Para
Carolina, os docentes ouviram, concordaram, mas não mudaram a forma de
ministrar suas aulas. A entrevistada sentiu-se decepcionada em trazer novidades e
sofrer resistências dos professores, estes, por sua vez, não participaram
efetivamente do processo pedagógico; não havia por parte deles solidariedade em
ouvir, objetivando a transformação da prática. Assim, os professores apenas
ouviram e permaneceram alheios aos fatos e Carolina frustrada por não conseguir
atingir sua equipe docente.
O segundo sentido refere-se à falta de apoio, do grupo docente,
dispensado a Mateus no início da sua função. É provável que o acolhimento, nos
primeiros dias não tenha sido autêntico por parte dos professores. Talvez o
incentivo de querer Mateus na coordenação seja a vontade dos gestores, já que o
entrevistado fez parte da equipe gestora por um período, e os professores, por
satisfazer as decisões da direção, acomodaram-se com a idéia. Rogers ( 2001 )
afirma que é extremamente importante ser real, “quanto mais conseguir ser genuíno
na relação, mais útil esta será” ( ROGERS, 2001: 37 ). Se o grupo docente
evidenciasse seus reais sentimentos e Mateus tivesse disposição para
compreender essa atitude, os professores não manteriam uma aparência e o
recém-chegado professor-coordenador teria o apoio devido.
Fernando, pelo contrário, não recebeu auxílio da gestora nos
primeiros dias na coordenação. A diretora trouxe outro aspirante à função de
professor-coordenador para concorrer à vaga juntamente com Fernando. O
entrevistado, após receber a maioria dos votos dos professores, foi designado na
função, iniciando um período turbulento na sua trajetória como educador. Sentiu-se
rejeitado pela falta de apoio da equipe gestora e irritado pelas atribuições
conferidas a ele:
“ (...) quando eu entrei para na coordenação, eu disputei a
vaga com mais seis professores, todos de escolas diferentes.
Inclusive um dos representantes foi a própria diretora que
trouxe (...). Isso foi o difícil no começo do nosso
relacionamento: ela queria essa pessoa e os professores
votaram em mim. (...) A princípio eu consegui trabalhar
normalmente...mas depois...ela veio com funções, ela me
atribuiu funções com aluno e professor. Eu disse para ela:
‘não...isso é seu...é sua função perante os professores e
alunos’. A parte pedagógica eu trabalho, mas as
leis...advertências...suspensões...isso é da direção.” Fernando
Podemos notar que os sentimentos de tonalidades desagradáveis
referem-se, entre outros casos, à ausência de um acolhimento verdadeiro tanto por
parte da equipe gestora quanto dos professores. Os dois grupos, juntos, precisam
enxergar o recém-chegado professor-coordenador como uma pessoa completa,
que necessita de cuidados afetivos, motores e cognitivos. Se um dos grupos (
gestores ou docentes ) falha em oferecer apoio ao iniciante na função, firma-se um
ambiente hostil e acaba por isolar o novo professor-coordenador.
Em relação aos funcionários da escola, um dado curioso é relatado
pelos depoentes dessa pesquisa. Tornar-se professor-coordenador é motivo de
mudança na forma de tratamento. É possível que antes, como professores, os
funcionários não dessem as merecidas atenções a eles. Os docentes não tinham,
por muitas vezes, sequer um nome, denominavam-se apenas ‘professor’. E assim,
bastou estar à frente da equipe de professores e estar ao lado da direção, que tudo
mudou. As considerações voltaram aos professores-coordenadores, que passaram
a ser chamados de senhor, dona. Essa atitude dos funcionários suscitou ora
sentimentos de tonalidades agradáveis e ora sentimentos de tonalidades
desagradáveis: sentimento de valorização, os entrevistados sentiram-se bem por
esse diferencial; sentimento de descontentamento, os professores-coordenadores
acharam desnecessária a mudança de tratamento; sentimento de irritação, a função
não deveria acarretar um olhar diferente para as pessoas.
Pensamos, novamente, na autenticidade mencionada por Rogers (
2001 ). Apesar de os funcionários acolherem de maneira agradável os novos
professores-coordenadores, a relação entre eles é autêntica? A preocupação dos
funcionários é apoiar verdadeiramente o recém-chegado à função? Nas entrelinhas,
diríamos que a situação poderia causar um sentimento de desconfiança por parte
dos depoentes. Dessa forma, por que os funcionários agiriam assim, quais seriam
suas intenções? Wallon menciona a importância do papel do professor em evitar
“que se estabeleça entre seus alunos distinções baseadas na sua origem social ou
ética. Deve tomar em consideração as relações que uma sociedade cada vez mais
igualitária exigirá às crianças que estão diante dele nos bancos da sala de aula.” (
WALLON, 1980 : 224 ). Inferimos, da teoria walloniana, que assim ocorre entre
funcionários e professores, funcionários e professores-coordenadores. Uma escola
onde todos devam ser respeitados e cada um “desenvolva o melhor possível
segundo suas aptidões” ( WALLON, 1980 : 224 ), sem preconceitos, sem
distinções, é o desejável.
No início da sua função, os depoentes apontaram algumas
situações de conflitos que envolviam professores e alunos, o que acarreta
sentimentos de tonalidades desagradáveis. De acordo com Abreu ( 2006 ), o
professor-coordenador, via de regra, é a pessoa mais indicada pela equipe escolar
para resolver os conflitos e em meio a tanta diversidade de tarefas desenvolvidas
por ele, geralmente, não sobra tempo hábil para articular os professores a fim de
saberem lidar com essas situações. No trabalho de Abreu ( 2006 ), o participante da
pesquisa, entre outros, era uma professora-coordenadora já experiente. No entanto,
alguns conflitos não puderam ser resolvidos por ela. Imaginamos, agora, um
professor-coordenador recém-chegado na função que nos primeiros dias se vê no
meio de desacordos abrangendo o corpo docente e discente da unidade escolar.
Que estrutura um iniciante possui para lidar nos momentos de conflito? Indecisos,
inseguros, os entrevistados, bem ou mal, tentaram resolver os problemas gerados
na sala de aula ou fora dela.
Estamos falando de conflitos, mas em qual sentido? Buscamos em
Thomas Gordon, psicólogo e educador, a definição envolvendo um modelo
baseado nas relações humanas. Segundo Gordon,
conflito significa batalhas e colisões que ocorrem entre duas ( ou
mais ) pessoas quando o seu comportamento interfere com as
necessidades de um ou de outro ou quando os seus valores não se
encaixam. (...) Os conflitos não pertencem unicamente ao professor
ou ao aluno. Envolvem as necessidades de ambas as partes; por
isso, dizemos que o problema pertence a ambos.( GORDON, 1998 :
187 )
Assim, nos relatos, encontramos situações de conflitos vividas
pelos professores-coordenadores logo no início da função:
“ Foi algo terrível que aconteceu... com uma sala. Essa sala a
lousa estava ruim, não dava para escrever direito e a sala
estava com poeira, apesar da inspetora ter limpado, estava
com poeira, muita poeira. Eu falei: ‘ Dona Lourdes
27
, dá uma
limpada na sala, porque os alunos estão reclamando.’ Mesmo
a sala estando limpa, mesmo assim, acho que por influência
do professor, a sala se revoltou e a sala desceu para
conversar comigo... a sala inteira! Não veio o representante, a
sala inteira com 37 ou 40 alunos, lotada. (...) Bom... aí eu falei
para a sala que eu ia pedir para a servente limpar de novo,
um aluno virou e falou: ‘ não dá para ter aula nessas
condições’.Outra aluna falou: ‘ quem é você para impedir a
gente de sair... você não fede e não cheira!’ Isso me deixou
muito nervosa! Eu falei... ‘e você menina fede!!!’ Eu não
agüentei! E eu percebi que o professor fez com que os alunos
se voltassem contra mim. (...) Eu me senti mal, perante essa
sala, três alunos me desrespeitaram , de falarem alto, serem
grosseiros. Isso me deixou muito abalada.” Luísa
27
O nome Dona Lourdes é fictício
Pela fala de Luísa é possível perceber que ambas as necessidades
não foram satisfeitas, tanto da entrevistada quanto do corpo discente. Luísa
preocupou-se em deixar a sala limpa com o objetivo de os alunos poderem estudar
em um ambiente apropriado. Enquanto eles, os alunos, influenciados pelo
professor, tentaram abandonar as aulas queixando-se da poeira da sala, nada mais
do que um pretexto para sair antes do período terminar. Por serem mais velhos, no
período noturno são jovens e/ou adultos, os alunos reagiram com atitudes
retaliativas, mostraram-se resistentes aos apelos da professora-coordenadora.
Nesse caso, o conflito tornou-se um confronto violento não de força física, mas de
trocas de ofensas. Na luta pelo poder, na batalha a ser ganha não há vencedores e
o que resta são sentimentos de desapontamento, decepção, raiva e irritação.
Analisando o depoimento de Luísa, notamos as três propriedades
da emoção pelas quais agem e alteram o meio. Propriedades, estas, descritas pela
teoria walloniana: contagiosidade, plasticidade e regressividade. Segundo Leite (
2006 ), Wallon chama de contagiosidade a capacidade de contaminar o outro, de
plasticidade a capacidade de refletir no corpo os seus sinais e a regressividade
como a capacidade de regredir as atividades do raciocínio. ( LEITE, 2006 : 20 ).
Luisa foi tomada pela emoção. “A emoção tem o poder de invasão, que precede
toda reflexão” ( WALLON, 1986 : 86 ). A depoente contagiou-se pela circunstância,
deixou-se levar pelas atitudes dos alunos e pelo poder expressivo da emoção.
Irritada, Luisa não conseguiu manter sua atividade intelectual, estava embebida
pela cólera. Portanto, teve dificuldade de reagir coerentemente e compreender as
causas dessa situação.
Apesar da postura da aluna ter sido incorreta, já que ofendeu a
professora-coordenadora, sua fala: ‘ quem é você para impedir a gente de sair...
você não fede e não cheira!’, remete-nos a pensar sobre o quanto os alunos têm
conhecimento da função do professor-coordenador na escola. Quem é ele afinal?
Não é professor, não é diretor, o que faz aqui? Assim, percebemos a falta de
esclarecimentos por parte, principalmente, da equipe gestora das atribuições de um
professor – coordenador para o corpo discente. É possível que se os alunos
soubessem da sua função, do trabalho desenvolvido por ele, não agiriam dessa
forma e por conseqüência o professor-coordenador iria sentir-se melhor.
Retomamos, ainda, as interações conflituosas no cotidiano escolar
no depoimento de Fernando:
“ (...) Eu falei de assalto, esse aluno que assalta já parou de
estudar. Tem um filho pequeno de meses... eu conheço ele
desde a quinta série e fiquei surpreso porque ele estava
discutindo com uma professora. Eu chamei ele e falei: ‘por
que você está fazendo isso?’ Ele respondeu: ‘ porque estou
nervoso...estou sem emprego e os caras estão me chamando
para assaltar, eu já estou fora disso ’. Entendeu? Você acaba
envolvido com os sentimentos e eu não pude ajudar ele. Eu
falei para ele: ‘ se você precisar de cesta básica, nós
ajudamos’. Hoje, eu não sei onde ele está, ninguém sabe...só
sei que é difícil.” Fernando
Ao contrário da situação conflituosa relatada por Luisa, onde ficou
visível um procedimento impulsivo, turbulento, Fernando percebeu que havia um
motivo concreto para a oposição do aluno. O entrevistado estava ciente do papel
desempenhado pelo conflito eu-outro e não tomou como afronta pessoal a sua
atitude. No entanto, desapontamento, decepção, remorso e tristeza foram
manifestações expressas por Fernando que também se deixou levar pela emoção e
talvez esse seja o motivo da falta de racionalidade no auxílio ao aluno.
Segundo Galvão ( 2004 ), apenas reconhecer o motivo concreto da
oposição do aluno não resolve o problema, é preciso descobrir uma forma de lidar
melhor com a situação e esta deve ser encontrada em seu contexto específico.
Está certo que os problemas do aluno perpassam a escola, envolvem questões
financeiras e familiares, mas é possível buscar um caminho, achar recursos que
possam trazer medidas que incluam a cooperação e a solidariedade. Contudo, ao
atuar na resolução de conflitos, a participação de todos os agentes escolares deve
fazer-se presente, ou seja, deve-se fazer um trabalho coletivo em que o professor-
coordenador não será o único responsável a interpretar e agir no complexo sistema
escolar.
4.2.4.3. Primeiras atividades na função de professor-coordenador
As primeiras atividades dos novos professores-coordenadores são
marcadas pela indecisão. A dúvida perpassa desde a elaboração de uma pauta
para as reuniões de HTPC até o desconhecimento das reais atribuições da função:
“ Era começo de ano, falar de projetos que a escola já estava
começando? Eu fiquei em desespero! Preparar o HTPC...”
Luísa
“ Nos primeiros dias como coordenador, você vê... eu estava
como coordenador e estava faltando muito professor. A
diretora pediu para eu juntar três salas e dar aula de Biologia.
Eu coloquei os alunos no laboratório... imagina... coordenador
dando aula de Biologia. Eu não posso estar na coordenação e
dando aula... isso foi muito estranho e muito ruim. Até os
professores falaram: ‘ você é coordenador ou professor? ’Até
começaram a tirar sarro de mim. ”Fernando
“ Eu tive muita dificuldade de fazer livro ATA, eu não sabia
fazer aquilo. Depois que eu fui melhorando.”Mateus
“ (...) logo que eu entrei teve a prova do ENEM
28
. Eu nem
sabia o que fazer... eu não sabia o que os coordenadores
tinham que fazer. Eu e o coordenador do diurno ficamos
perdidos...era aluno que escrevia errado, era aluno que não
trazia documento (...). Menina...passamos ‘dobrado’ aqui. A
responsabilidade pesou, a gente sem experiência nenhuma.”
Júlia
28
ENE
A falta de experiência na função de professor-coordenador trouxe
aos três entrevistados, sentimentos de insegurança: ao preparar a primeira reunião
( Luísa ), por perceber a ambigüidade de ser professor e coordenador ao mesmo
tempo e ser ridicularizado por isso ( Fernando ) e desconhecer as atribuições do
coordenador quanto às avaliações externas ( Julia ).
Lembrando que toda nova experiência provoca um pensamento
sincrético, verificamos nos participantes dessa pesquisa, uma busca em sair do
estado nebuloso, enfrentar as dificuldades, entender os fatos e tomar consciência
de si em um movimento progressivo para a diferenciação e autonomia.
Carolina não apresentou insegurança nas primeiras atividades na
função de professora-coordenadora. Já mencionamos no item “síntese dos
biogramas” que ela foi a entrevistada que passou por inúmeras dificuldades na sua
trajetória de vida, tanto na família quanto no emprego. Deduzimos, por
conseqüência, a razão pela segurança em enfrentar situações inusitadas. Preparar
uma reunião de HTPC era algo tranqüilo e a entrevistada baseou-se na
coordenadora do diurno ao desenvolver o seu trabalho:
“Eu não tive problema no HTPC porque eu vinha de manhã no
HTPC da coordenadora do diurno. Eu via tudo o que ela
passava e fazia o meu à tarde.” Carolina
Carolina buscava concretizar o encontro de HTPC pela
incorporação o outro, ou seja, copiava e assimilava as qualidades e méritos da
pessoa-modelo e, posteriormente, reproduzia de forma a enriquecer a sua
aprendizagem (BASTOS E DÉR, 2000 ). Assim, a entrevistada necessitava do outro
para manter-se segura e confiante.
Todavia, no início das atividades na função de professor-
coordenador, os depoentes permaneceram em um estado de solidão. Sentiram-se
ENEM : Exame Nacional do Ensino Médio.
sós por não haver uma aproximação afetiva, faltou o comunicar-se entre pessoas.
Os recém-chegados professores-coordenadores submeteram-se a situações de
desafios sem que houvesse uma atenção para com eles. Pelo contrário, além da
solidão, da insegurança, especificamente, no caso de Fernando, manifestaram-se
sentimentos de vergonha, desapontamento e constrangimento pelas atitudes da
diretora e do corpo docente. Diríamos que se os agentes escolares
compreendessem o antagonismo entre as dimensões afetiva e cognitiva instalado
nas relações entre eles e os professores-coordenadores , perceberiam que
somente no contato interpessoal, na estimulação da afetividade haveria um melhor
desempenho intelectual dos iniciantes na função.
Certos relatos apresentaram a dicotomia entre as atividades
pedagógicas e as questões de disciplina do corpo discente. Fernando, por exemplo,
mostrou-se esperançoso ao afirmar que o caminho para a obtenção de sucesso na
escola passava primeiro por um controle no comportamento dos alunos para depois
trabalhar a parte pedagógica. Da mesma maneira que afetivo e cognitivo estão
entrelaçados, a disciplina e o processo de formação dos educandos funcionam
como uma engrenagem. Ministrar boas aulas, significativas para o aluno, cria
condições desejáveis na sua conduta e vice-versa.
Enfatizar a parte administrativa, ao invés do trabalho pedagógico;
ter a visão de que a disciplina dos alunos e a parte pedagógica não caminham lado
a lado ou cobrir as faltas dos professores, mesmo sabendo que o mais importante
é conhecer as razões de tantas ausências e tentar agir para que haja compromisso
do corpo docente são atividades que comprovam a falta de uma formação
adequada do professor-coordenador. Sabemos que a formação se dá em serviço,
mas é preciso um conhecimento mínimo ao entrar na função. É indubitável que as
primeiras atividades a serem desenvolvidas por um iniciante causem sentimentos
de dúvida. No entanto, as indecisões, os desapontamentos e os desânimos seriam
reduzidos caso houvesse a valorização da presença do professor-coordenador
sendo um profissional que, assim como outros, necessita de formação específica.
4.2.4.4 Primeiras impressões na função de professor-coordenador
Nos dias que antecedem a nomeação para professor-coordenador,
é interessante notar o sentimento de confiança existente nos cinco entrevistados.
Todos afirmaram estarem preparados para a função. Após a designação, o
sentimento é de incerteza, já não sabem ao certo as atribuições de um professor-
coordenador. Começam as dúvidas e a sobrecarga de atividade, outras funções
vão agregando-se ao coordenador, o trabalho torna-se complexo, abrangendo
todos os agentes escolares, alunos e a comunidade.
Esse conjunto de fatores fez os depoentes pensarem na grande
responsabilidade de ser professor-coordenador e alguns deles mencionaram as
facilidades de estar na sala de aula ao contrário das dificuldades da atual função.
As palavras dos depoentes convergem para tal fato:
“(...) Ser professor é mais fácil. Ser coordenador é uma
seqüência do outro emprego. Eu tenho que administrar
pessoas...o que não é fácil. (...) Eu acho a sala de aula
melhor. Não sei exatamente por quê. Eu saio do banco de
terno e gravata, sento com os alunos, explico e brinco.”
Mateus
“Eu percebi que era muito difícil essa função, porque
infelizmente com a falta de funcionário você acaba desviando
a sua função. Muita responsabilidade, porque ao mesmo
tempo você lida com a questão pedagógica da escola, sem
poder ter tempo disponível para isso.” Fernando
“ Nos primeiros dias senti muita responsabilidade, muito
trabalho. Agora, dependia de mim. (...) É muita
responsabilidade ser coordenadora. Antes, eu só tinha a
minha sala de aula. Hoje, às vezes, eu não consigo dormir de
preocupação. Quando eu estava na sala de aula isso não
acontecia (...). Eu encosto a cabeça e não durmo. Às vezes,
você fica chateada...é professor estressado...com problema...”
Júlia
Neste percurso inicial, em alguns momentos, ficou evidente o
arrependimento de tornar-se professor-coordenador. A função exige, entre outras
tarefas, o acompanhamento do professor em serviço. Este acompanhar é tomado
no sentido amplo, tanto na formação intelectual do grupo docente quanto ouvindo
seus problemas. Entretanto, verificamos que envolver-se com os sentimentos dos
professores traz um certo cansaço, um desânimo de tudo ser canalizado na figura
do professor-coordenador.
Por outro lado, o professor-coordenador do período noturno já
passou por inúmeros afazeres antes de chegar à escola. Todos os entrevistados
relataram ter uma segunda ou até terceira ocupação além da coordenação.
Chegam a trabalhar oito horas durante o dia e somando-se o noturno totaliza treze
horas de trabalho diariamente, fato que nos dá indícios de que nem sempre um
professor-coordenador está apto a comprometer-se em relação aos sentimentos do
grupo docente.
Mahoney e Almeida ( 2002 ), citando Gordon, lembram o “mito do
bom professor” no qual se deve substituir a visão idealizada do professor por um
modelo mais humano. Então, transpondo a idéia, é um mito pensar que o professor-
coordenador nunca apresenta variação de humor e sempre está solícito para
atender as necessidades afetivas e cognitivas dos envolvidos no ambiente escolar.
Agora, é importante frisar, que o cansaço e o desânimo não devem prevalecer,
habitualmente, ao prestar atenção nas pessoas, observando-as em todos os níveis.
Lidar com seres humanos é uma tarefa difícil, exige não somente
disponibilidade e confiança de ambos os lados. Mateus chamou de administrar
pessoas, uma denominação fria, talvez fruto do seu trabalho no banco. Uma das
razões possíveis do entrevistado achar mais fácil a sala de aula, por isso o tom de
arrependimento e insatisfação no seu ato de narrar, é o caso da coordenação exigir
uma mudança de postura nas relações interpessoais:
“Tive uma surpresa: como professor eu vou lá e falo...mas
como coordenador eu tenho que trazer o professor, ser mais
educado...tentar incentivar. Isso perdeu até mais a minha
forma de trabalhar.” Mateus
Em meio a uma fala pausada e corpo encolhido, Mateus expressa
o seu desapontamento quando se refere a uma surpresa indesejada. Inferimos
que, enquanto professor, o depoente tinha o controle da situação, repreendia os
alunos assim que achasse necessário. Já na atual função, repreender o professor
não causaria efeito algum, talvez por serem adultos e alguns efetivos no cargo, o
que faz uma grande diferença. Então, como promover a sua atuação? Sendo mais
educado, incentivando o grupo docente, ser uma pessoa que, na realidade, não é e
isto causaria descontentamento por tornar-se refém.
Podemos inferir, novamente, pensando na autenticidade da
relação entre Mateus e seus alunos, daí o fato da conversa ser franca e aberta: ‘eu
vou e falo’ . Na interação com os professores, o depoente não encontraria espaço
para ser ele mesmo, na intenção do trabalho, deveria fingir aquilo que não é. Nesta
análise, Mateus não manifestaria descontentamento por privar-se de um poder que
lhe era atribuído e, sim, pela troca de uma relação verdadeira por outra menos
desejável.
Uma das dificuldades relatadas pelos entrevistados é provocar
transformações no professor, “que ele possa vir a ser um profissional reflexivo, com
uma identidade positivada e autonomia para conduzir o processo pedagógico com
segurança.” ( BAPTISTA E AGUIAR, 1995 : 85 ). Carolina, ao tentar atingir o grupo
docente, deixou-se levar pelo descrédito e Júlia deparou-se com aspectos
dificultadores, contudo, ainda se sente esperançosa em reverter o quadro:
“(...) Eu passei o final de semana fazendo gráfico para
discutir com os professores e quando você chega...não tem o
retorno...é ...não tem o retorno. Eu crio uma expectativa.”
Carolina
“Como professor você ensina e você vê o resultado
imediato...mas como coordenador você vê o professor dando
aula e muitas vezes você não concorda, mas...como chegar
no professor e falar? Olha professor não é assim, tenta fazer
assim...é difícil lidar com o professor. Mas eu tenho muito que
aprender.”Júlia
Segundo os depoimentos, a insegurança e ansiedade fazem parte
das primeiras impressões na função de professor-coordenador. Ao entrar na
coordenação, o recém-chegado espera resultados rápidos e as mudanças não
ocorrem de maneira imediatista, pois é um processo. Processo na conotação de
formação continuada e na construção de vínculos afetivos, e são indissociáveis.
No caso dos entrevistados, é estranho pensarmos que mesmo
lecionando anos a fio na mesma escola onde pleitearam a vaga de professor-
coordenador seja necessário construir vínculos. Está certo que a construção de
vínculos afetivos, mesmo relacionando-se às pessoas já conhecidas, modifica-se
por toda a vida. Além disso, a mudança de professor para professor-coordenador
gera um estranhamento entre o principiante na função e o grupo docente. O
momento inicial é de avaliação para ambos os lados; os professores talvez reflitam
em relação ao coordenador: ‘será que fizemos a escolha certa? Sabemos que
quando professor ele comportava-se assim e agora na nova função? ‘ e, por outro
lado, são possíveis os mesmos questionamentos na visão do professor-
coordenador: ‘ será que fiz a escolha certa? Sei que quando professor meus
colegas comportavam-se assim e agora eu estando nessa nova função?’ . Dessa
forma, ao iniciar uma nova trajetória, uma nova relação será construída.
Conhecidos ou não, faz-se necessário construir vínculos afetivos
entre professor-coordenador e o grupo docente. Souza ( 2003 ), aponta o cuidado
ao abordar as questões relativas às atividades dos professores: “só quando os
vínculos estão estabelecidos é que se torna possível lidar com as críticas, expor os
não – saberes, confrontar-se com as faltas” ( SOUZA, 2003 : 29 ) . Isso apenas se
concretizará no conviver juntos, na capacidade de percepção e na sensibilidade de
enxergar o outro. Gil ( 2004 ) citando Wallon, ressalta o caráter social da
afetividade:
os afetos por serem inerentes ao homem, são possuidores de
caráter social, pois, as expressões de afeto são adquiridas no
convívio com o meio social, isso quer dizer que não são
espontâneas, e modificam-se de acordo com as situações emotivas.
( Gil , 2004 : 41 )
Agora, ao falarmos do caráter social da afetividade, entramos em
um novo dilema. Segundo os respondentes, há falta de tempo disponível para o
conviver juntos:
“ Não é fácil conhecer os professores...não dá tempo! A gente
fica meio solitário. Para você ver...é a primeira vez que eu
sento e converso com alguém sobre o meu trabalho...desse
jeito...” Mateus
“ (...) no começo, eu tinha que dar suspensão para aluno, eu
sabia que isso não era da minha função. No começo a direção
pediu para eu fazer uma pesquisa...não sei do que...era sobre
cores: negro, branco...depois pesquisar não sei o
que...mandar bilhetinho para o pai e para a mãe dos alunos
menores...coordenação tem que fazer... e aí? Como é que
fica? E os professores... que apoio eu estou dando para eles?
Então, fica tudo solto.” Fernando.
Mateus e Fernando destacaram, nessas falas, a importância do
professor-coordenador estabelecer vínculos com a sua equipe de professores.
Entretanto, queixaram-se da falta de tempo decorrente da organização e condições
de trabalho. Mas, em quem apoiar-se? A quem pedir ajuda? Sentiram-se solitários
em não exporem suas dificuldades. Durante as entrevistas, frisaram o grande valor
da equipe gestora estar ao lado do professor-coordenador no momento da
passagem de função e o quanto seria proveitoso o conviver junto com a direção a
fim de articular a parte pedagógica, mas infelizmente isso não ocorre.
Percebemos, assim, a desvalorização de um profissional, que ao nosso ver, é
fundamental na educação.
Sabemos dos inúmeros problemas existentes na unidade escolar e
a maneira pela qual o meio influencia nestes aspectos. A indisciplina dos alunos,
por exemplo, é citada várias vezes pelos respondentes de escolas localizadas no
subúrbio ao contrário de Júlia que coordena uma unidade no centro do município. É
claro que existem escolas de periferia onde o índice de violência é considerado
baixo, no entanto, aquelas que são situadas em local privilegiado, o próprio nome
diz, têm diversos recursos, sobretudo lazer e segurança.
O meio também influencia o desvio de função quando se refere a
uma escola de grande ou pequeno porte
29
. O desvio de função, apontado como
causador de frustrações e decepções, além da falta de uma organização interna é
fruto de um sistema que pouco colabora com o desenvolvimento da pessoa do
professor-coordenador. Nas escolas de grande porte há somente um professor-
coordenador no período noturno, que se responsabiliza pelo atendimento de 30 ou
40 professores e de 800 ou 900 alunos. Já nas escolas de pequeno porte, o
número reduzido de alunos faz a quantidade de funcionários diminuir, contribuindo
ainda mais no desvio de suas atribuições:
“ Você é um inspetor de aluno, assim...graduado.” Fernando
A situação agrava-se se somarmos a isso as diversas modalidades
de ensino encontradas na escola pública estadual. Mencionamos no item “síntese
do biograma e contexto de atuação “ o fato de um professor-coordenador, que pela
29
Entende-se grande ou pequeno porte pela quantidade de alunos e professores da unidade escolar.
Resolução
30
não necessariamente precisa ser formado em Pedagogia, sair da sua
sala de aula e deparar-se com professores e alunos de Telessala, Suplência e
Educação Especial. De que forma trabalhar com tanta diversidade? Por recair sobre
seus ombros toda a responsabilidade pedagógica da unidade escolar, qual a
qualidade do trabalho a ser realizado? Neste contexto, o professor-coordenador
engajado e consciente da sua função política e social para com a educação está
longe de tornar-se real.
Enfim, as primeiras impressões na função de professor-
coordenador provocaram, em sua grande maioria, sentimentos de tonalidades
desagradáveis. Os depoentes nomearam, ainda, o medo em vários pontos ao
longo das entrevistas. Medo no sentido de ansiedade pela aceitação do grupo
docente, medo como sinônimo de inferioridade por pensarem que não estão no
mesmo nível de conhecimento em relação aos antigos professores-coordenadores,
medo pela expectativa de desenvolver um bom trabalho na coordenação.
Diante de tantos empecilhos o professor – coordenador não deve
acomodar-se perante as dificuldades da função. Nossos entrevistados estão no
início de uma nova trajetória e é o momento de (re) avaliar o seu papel. Para tanto,
a afetividade é fator indissociável no processo de buscar caminhos. Na escola,
cabe a todos os agentes escolares contribuir para que o novo professor-
coordenador avance nas suas atividades, veja significado naquilo que está
realizando e goste de estar na função.
30
Resolução SE nº 66, de 03 de outubro de 2006.
5. Considerações Finais
“Além do empurra-empurra e do trânsito está o que eu sou,
Que se levanta feliz, complacente, compassivo, prequiçoso, unitário,
Que olha pra baixo, fica ereto, ou apóia o braço num indefinível impalpável descanso,
Que olha com a cabeça pensa pro lado curiosa pra saber o que vem por aí,
Dentro e fora do jogo ao mesmo tempo e observando e admirado com isso.”
Walt Whitman
Esta pesquisa teve como objetivo identificar os sentimentos e
emoções manifestados na mudança de função de professor para professor
coordenador, nos dias que antecedem o início das suas atividades e nos primeiros
meses na nova profissão, bem como compreender suas situações indutoras.
Após a análise e discussão dos dados, fizemos algumas
observações importantes sobre esta passagem na trajetória docente. Concluímos
que antes da entrada na função de professor-coordenador prevalecem os
sentimentos de tonalidades agradáveis ao contrário dos primeiros meses, já
designado, onde superam os sentimentos de tonalidades desagradáveis.
Em linhas gerais, antes do início na função, há uma seqüência de
fatos que acarretam sentimentos de indiferença, valorização, encorajamento e
confiança, respectivamente. São eles:
sentimentos de indiferença: os professores, na sua maioria, não almejam ser
professores-coordenadores. O que os impulsiona é a influência do grupo docente
ou da família;
sentimentos de valorização: o aspirante à função, indicado por seus pares,
passa a sentir-se valorizado pelo grupo. Há algo que nele, candidato, faz a
diferença. Talvez a sociabilidade, o aspecto de liderança, o conhecimento
pedagógico, a capacidade de articulação e até questões de gênero;
sentimentos de encorajamento: a valorização do grupo traz, por conseqüência,
um estímulo de experimentar tornar-se professor-coordenador; da certeza que algo
pode ser feito por ele a fim de melhorar as condições de trabalho na unidade
escolar;
sentimentos de confiança: nesta fase, o docente está com a idéia fixa de
concorrer à vaga de professor-coordenador e convicto da sua chance de vencer a
eleição, pois foi indicado pelo grupo. O aspirante prepara-se ou não para exercer a
função de professor-coordenador. Entretanto, permanece confiante nas suas
atribuições e sabe do trabalho a ser desenvolvido na escola.
Verificamos neste estudo que o período de indicação do aspirante
à função é um dos poucos momentos de interação entre o candidato e o grupo
docente, seguido da votação. A preparação para tornar-se professor-coordenador
é um processo solitário: o profissional procura por si só conhecer suas atribuições,
na maioria dos casos, por meio da leitura. Este conhecer se dá, geralmente, no
sentido de memorizar para ir bem na prova de seleção e não em atuar de forma
consciente.
É interessante notar que há uma ausência de percepção do
professor-coordenador quanto à importância da formação configurar-se no grupo.
Nas escolas, encontramos uma cultura voltada para o individualismo onde cada um
é responsável por resolver a sua parte. Este comportamento está de tal forma
arraigado que o professor-coordenador se sente confiante e seguro em desenvolver
um bom trabalho na sua nova trajetória, mesmo sendo a sua preparação apenas
teórica e feita de maneira isolada.
Os sentimentos de confiança e segurança, manifestados nos dias
que antecedem a função são “quebrados” logo nos primeiros meses de designação,
o que nos dá indícios da falta de uma formação adequada antes do ingresso do
professor como coordenador. A formação seria de grande valor para o
entendimento do complexo trabalho da coordenação.
Ao iniciar suas atividades, o recém-chegado professor-
coordenador depara-se com os vários elementos que abrangem a função e
ocasionam, em grande parte, sentimentos de tonalidades desagradáveis. Estes
sentimentos são revelados a partir de alguns fatores, tais como:
a história de vida: as experiências vividas pelo professor-coordenador
interferem nas manifestações de afetividade. Verificamos que o professor-
coordenador com formação ou graduação que não seja a área educacional e além
da coordenação atua em outros setores profissionais, apresenta dificuldades ao
desenvolver o trabalho na função;
o meio social: na teoria walloniana, o indivíduo é amplamente transformado
pelas circunstâncias sociais da sua existência. Esta pesquisa aponta que a falta de
um acolhimento autêntico na chegada do novo professor-coordenador, tanto da
equipe gestora quanto da docente acarreta sentimentos de mágoa, tristeza,
insatisfação. Verificamos, também, que no processo de formação dos professores,
principalmente nas reuniões de HTPC, o não-comprometimento e não-envolvimento
da equipe docente fazem o recém-chegado professor-coordenador estar diante de
grupos que criticam sem fundamentação e aqueles que apenas ouvem e
acomodam-se. Temos, ainda, as situações de conflitos que geram transformações
no professor-coordenador. Logo no início da sua função, o professor-coordenador
depara-se com situações conflituosas. O profissional decepciona-se, sente raiva e
irritação ao tentar resolver estes embates por ser contagiado pelas emoções;
a questão financeira: neste estudo, conferimos que uma característica do
professor-coordenador do noturno é a dupla ou tripla jornada, assim, ele já passou
por inúmeras atividades durante o dia. O aspecto salarial faz o profissional do
magistério trabalhar treze ou quatorze horas diariamente. As relações
interpessoais, em certos casos, podem não ocorrer e serem vencidas pelo cansaço
e pelo desânimo do professor-coordenador;
o aspecto organizacional: os sentimentos de dúvida e insegurança em relação
às atribuições do professor-coordenador aparecem quase na totalidade dos
entrevistados; há um choque entre o que foi visto na teoria e a realidade escolar.
Esta pesquisa revela que o desvio de função é uma das principais causas de
descontentamento por parte dos novos professores-coordenadores. Assim, a parte
pedagógica fica prejudicada e conhecer o grupo docente é uma tarefa difícil de ser
alcançada. Um outro ponto neste aspecto são as diferentes modalidades de ensino
encontradas no período noturno. O professor-coordenador atua numa função para
qual é necessária uma licenciatura em qualquer área, por esta razão, este
profissional não está preparado para lidar com a formação de professores da
Telessala e Suplência. Apesar de não haver Educação Especial à noite, o
professor-coordenador é responsável pela formação dos docentes desta
modalidade do período vespertino, já que estes cumprem o HTPC em conjunto
com os docentes do noturno. Na própria Educação Especial temos salas com
alunos DM ( deficiência mental leve e moderada ), DV ( deficiência visual ) e DA (
deficiência auditiva ).Sem formação específica para trabalhar com tanta
diversidade, o professor-coordenador sente-se impotente em auxiliar os
professores.
Vimos que a preparação para tornar-se professor-coordenador é um
processo solitário. Entretanto, a orientação de outros agentes escolares nos
primeiros dias de função limita-se à entrega de um material, que deve ser lido pelo
recém-chegado. É possível destacar, também, que no decorrer das entrevistas
ficou evidente a busca de uma orientação visando compreender as experiências
alheias, de tal modo que possam auxiliar o professor-coordenador na sua nova
trajetória. A procura por informações, via de regra, é uma iniciativa do principiante
na função e frisamos os sentimentos de alegria e felicidade manifestados até então.
Contudo, verificamos que não há nada de agradável neste fato, pois a preparação
antes do início da função e a orientação nos primeiros meses já como professor-
coordenador são processos igualmente solitários.
Entendemos que a função de professor-coordenador é baseada
quase exclusivamente nas relações interpessoais. Ao analisarmos os depoimentos
ficou clara a predominância somente do aspecto cognitivo: ler, estudar, conhecer.
Não houve, assim, a preocupação em atender as necessidades afetivas dos
professores-coordenadores. A equipe gestora foi citada durante as entrevistas, no
entanto, falta a sua presença no momento de transição do professor para professor-
coordenador, falta “sentar” e “conversar” sobre as suas reais atribuições. Este
sentar e conversar deve ser entendido em seu sentido amplo: ser olhado, ser
compreendido, ser ouvido. O recém-chegado à função precisa ser observado como
uma pessoa completa, em cada um de seus domínios funcionais.
Os sentimentos de tonalidades desagradáveis talvez expliquem a
rotatividade de professores-coordenadores na rede pública estadual paulista. É
uma grande perda para a educação uma vez que não há continuidade do trabalho
na unidade escolar. Sai um profissional entra outro e o processo se reinicia, pois
cada um carrega consigo a sua “bagagem” de experiência.
Está certo que o professor-coordenador deve assumir seu
compromisso junto à equipe escolar, ser uma pessoa inquieta em relação aos
problemas, “(...) que olha com a cabeça pensa pro lado curiosa pra saber o que
vem por aí”. Todavia, os órgãos governamentais são responsáveis por dar
condições financeiras e de trabalho para este profissional. A função de professor-
coordenador é fundamental na articulação do grupo docente; na elaboração,
implementação e avaliação da proposta pedagógica da escola e por esse motivo
não pode ser desvalorizada.
Concluímos este estudo expressando o desejo de que, num futuro
próximo, ao iniciar a função, os sentimentos de tonalidades agradáveis
preponderem sobre os sentimentos de tonalidades desagradáveis e estas
manifestações sirvam como forma de reflexão e aprendizado para o professor-
coordenador.
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*Horta, P.R.T. Identidades em jogo: duplo mal-estar das professoras e das
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*Leite, S.A.S. Afetividade e práticas pedagógicas. In: Leite,S.A.S. (org). Afetividade
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*Luna, S.V. de. Planejamento de Pesquisa, uma introdução. São Paulo: EDUC,
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*Mahoney,A.A. Introdução. In: Mahoney A.A. e Almeida, LR. Henri Wallon –
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*Mahoney, A.A., Almeida, L.R. O ouvir ativo: recurso para criar um relacionamento
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*Roman, M.D. O professor coordenador pedagógico e o cotidiano escolar: um
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*São Paulo ( Estado ) Secretaria da Educação. Fundação para o Desenvolvimento
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*__________. ( on line ) Em: www.educacao.sp.gov.br. Acesso em 02 de fevereiro
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*Souza, V.L.T. de. Relações interpessoais e universidade: desafios e
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*___________. O coordenador pedagógico e a constituição do grupo de
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espaço da mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
*Szymanski,H. Entrevista reflexiva: um olhar psicológico para a entrevista em
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Graduados, v.10/ 11. São Paulo:PUC, 2003.
*Tozzi,D. Capacitação dos coordenadores do Curso Noturno. In: Tozzi, D. ( coord. )
Ensino no período noturno, contradições e alternativas. São Paulo: FDE, 1995 (
série Idéias, nº 25 ).
*Vieira, M.M.S. Mudança e sentimento: o coordenador pedagógico e os
sentimentos dos professores. São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado, 2002.
*Wallon, H. Do ato ao pensamento: imitação e representação. In: Werebe, M.J.G. e
Brulfort, J.N -. Henri Wallon. São Paulo: Ática, 1986.
*______. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa: Editorial Estampa, 1980.
*______. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1995.
*Whitman, W. Folhas de Relva.São Paulo: Iluminuras, 2005
Anexos
Anexo 1
Roteiro de Entrevista
Roteiro de entrevista para a elaboração do quadro “Sentimentos e
Emoções no processo de mudança”
1) Conte por que você quis ser professor-coordenador.
2) Como você se preparou para ser professor-coordenador?
3) Conte como foram os primeiros dias na coordenação.
4) Como foi o acolhimento do grupo quanto ao: diretor, professor, aluno e
funcionários?
5) Você teve a orientação de alguém para exercer essa função?
6) Conte algum fato ocorrido, nos primeiros meses, que marcou o início da sua nova
função.
Questão desencadeadora para a entrevista com vista à elaboração
do “ Biograma”:
Conte um pouco da sua vida, do seu processo de escolarização e as razões da
escolha do Magistério.
Anexo 2
RESOLUÇÃO SE Nº 66, DE 03 DE OUTUBRO DE 2006
Dispõe sobre o processo de credenciamento, seleção e indicação de
docentes para o posto de trabalho de Professor Coordenador, em
escolas da rede estadual de ensino e dá providências correlatas.
Considerando a importância da atuação do Professor Coordenador,
junto à equipe escolar, no processo de:
- integração curricular entre os professores de cursos, períodos e turnos diversos;
- elaboração, implementação e avaliação da proposta pedagógica da escola;
- aprimoramento do processo ensino-aprendizagem;
- acompanhamento e avaliação do desempenho escolar dos alunos;
- formação continuada dos docentes;
- articulação das ações da coordenação pedagógica e otimização de recursos e
parcerias com a comunidade;
- dinamização de todos os espaços pedagógicos e integração dos trabalhos da
escola, das equipes de Supervisão e da Oficina Pedagógica da Diretoria de Ensino,
A Secretária da Educação resolve:
Artigo 1º - As unidades escolares da rede estadual de ensino
contarão com postos de trabalho destinados ao exercício das atribuições de
Professor Coordenador, na seguinte conformidade:
I – 1 (um) posto de trabalho para escola que apresente, no mínimo,
12 (doze) classes, distribuídas em dois ou mais turnos;
II – 2 (dois) postos de trabalho para escola que apresente, no mínimo,
12 classes distribuídas em dois ou mais turnos diurnos, e mais, no mínimo, 10
classes no noturno.
§ 1º – Na unidade escolar que comportar os dois postos de trabalho,
a que se refere o inciso II deste artigo, o segundo Professor Coordenador deverá
ter a atuação direcionada exclusivamente para o curso noturno.
§ 2º- Na Escola de Tempo Integral, qualquer que seja a quantidade
de classes do Ensino Fundamental funcionando em regime de 9 (nove) horas
diárias, com o mínimo de 140 (cento e quarenta) alunos matriculados e freqüentes
nessas classes, haverá, pelo menos, um posto de trabalho de Professor
Coordenador, podendo a unidade fazer jus a mais postos de trabalho, se
comprovar atendimento às condições previstas nos incisos I e/ou II deste artigo.
§ 2º - No cômputo do número de classes da escola, para a definição
do módulo referente ao posto de trabalho de Professor Coordenador, de que tratam
os incisos I e II deste artigo, incluem-se as classes/salas de recurso da Educação
Especial, as classes de escolas vinculadas, as da Educação de Jovens e Adultos –
EJA, bem como as turmas de Telessalas, observada a proporcionalidade de, para
cada 2 (duas) turmas, fazer corresponder 1 (uma) classe e, ainda, as classes em
regime de 9 (nove) horas diárias da Escola de Tempo Integral, que serão contadas
em dobro.
Artigo 2º - Caberá ao docente designado para o exercício das
atribuições de Professor Coordenador, como membro da equipe gestora:
I - assegurar a integração das atividades de desenvolvimento e
aprimoramento do plano de trabalho da escola, articulando as ações de docentes
de cursos, modalidades e turnos diversos;
II - acompanhar a execução e a avaliação das ações e metas fixadas
pela escola em sua proposta pedagógica;
III – garantir, planejar e liderar o desenvolvimento dos trabalhos
realizados na escola, participando ativa, rotineira e diretamente das reuniões nas
Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo – HTPCs;
IV - estabelecer, juntamente com o Diretor da Escola, o horário das
Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo - HTPCs, organizando a participação de
todos os professores em exercício na unidade, de forma a assegurar o caráter
coletivo dos trabalhos;
V - acompanhar o trabalho dos professores, subsidiando-os com
sugestões para a melhoria da prática docente e, nas Escolas de Tempo Integral,
orientar os professores das oficinas curriculares de forma a assegurar que as
atividades nelas desenvolvidas se apresentem dinâmicas, contextualizadas,
significativas e prazerosas;
VI - proceder, juntamente com os professores, à análise dos
resultados da avaliação do desempenho escolar, através de seus indicadores,
registrando e divulgando avanços e estratégias bem sucedidas, bem como
identificando as dificuldades a serem superadas e propondo alternativas de
otimização dos resultados;
VII - coordenar, acompanhar e avaliar as atividades de recuperação
da aprendizagem, em especial da recuperação paralela, e também dos demais
projetos implementados na escola;
VIII - desenvolver ações que visem a ampliação e o fortalecimento da
relação escola - comunidade.
Artigo 3º - São requisitos para o exercício das atribuições de
Professor Coordenador:
I - ser portador de diploma de licenciatura plena;
II – contar, no mínimo, com 3 (três) anos de experiência como
docente da rede estadual de ensino;
III - estar com vínculo docente na rede estadual de ensino, por
ocasião da apresentação da proposta de trabalho e da designação.
Parágrafo único - O docente readaptado poderá exercer as
atribuições de Professor Coordenador na própria sede de exercício ou em outra
unidade escolar, fazendo jus à remuneração correspondente à diferença entre a
quantidade de horas de sua jornada/carga horária e a estabelecida na designação
para o referido posto de trabalho, desde que, em qualquer caso, apresente prévia
manifestação e autorização da C.A.A.S. da Secretaria de Estado da Saúde.
Artigo 4º - Constituem-se componentes do processo de designação
do docente para o posto de trabalho de Professor Coordenador:
I – o credenciamento obtido pela aprovação em processo promovido
pela Diretoria de Ensino, que consistirá de uma prova escrita;
II –a apresentação de proposta de trabalho junto às escolas;
III -a seleção e a indicação, pelo Conselho de Escola, na unidade
escolar, da melhor proposta de trabalho apresentada;
IV – a designação do docente indicado para o posto de Professor
Coordenador, por ato de competência do Diretor de Escola, a ser publicado no
Diário Oficial do Estado – D.O.E..
Artigo 5º - O credenciamento de docentes, de que trata o inciso I do
artigo anterior, dar-se-á mediante processo a ser organizado, executado e avaliado
por uma comissão designada pelo Dirigente Regional de Ensino, composta por
Supervisores de Ensino e por Assistentes Técnico-Pedagógicos.
§ 1º - O processo de credenciamento de docentes poderá ser
promovido e realizado, conjuntamente, por grupo de Diretorias de Ensino de
regiões próximas, sendo que nenhuma Diretoria poderá integrar mais do que 1
(um) grupo.
§ 2º - O credenciamento fornecido ao docente por uma Diretoria de
Ensino terá validade somente para as unidades escolares de sua jurisdição ou, no
caso de credenciamento realizado nos termos do parágrafo anterior, para as
unidades escolares das jurisdições das Diretorias do mesmo grupo.
§ 3º - Caberá ao Dirigente Regional de Ensino a publicação dos
resultados do credenciamento no D.O.E.
Artigo 6º - O processo de credenciamento deverá ocorrer
preferencialmente durante o primeiro semestre do ano, ou a qualquer tempo,
sempre que a Diretoria de Ensino constatar a necessidade de preencher postos de
trabalho vagos e/ou se encontre com carência de docentes devidamente
credenciados no último processo.
§ 1º – A Diretoria de Ensino poderá deixar de promover anualmente
processos de credenciamento de Professor Coordenador.
§ 2º - O processo de credenciamento terá validade de 3 (três) anos,
mantendo-se as designações feitas anteriormente à sua invalidação, desde que se
verifique interesse na continuidade do Professor Coordenador em exercício.
Artigo 7º - A abertura de inscrições para o processo de
credenciamento para Professor Coordenador deverá ser realizada pela Diretoria de
Ensino, por meio de edital publicado no Diário Oficial do Estado, com ampla
divulgação em todas as escolas sob sua jurisdição.
Parágrafo único – Deverão constar do edital:
I – as condições para inscrição;
II - a relação do número e escolas com vagas disponíveis;
III - o período, o local e o horário para a inscrição e para a realização
da prova de credenciamento;
IV – os referenciais bibliográficos;
V – a composição da prova;
VI - o índice de acertos necessários para credenciamento;
VII – o prazo para publicação de resultados;
VIII – a indicação das datas e prazos para inscrição e apresentação
de propostas de trabalho nas unidades escolares.
Artigo 8º - O docente, que atenda as condições previstas nos incisos
I e II do artigo 3º desta resolução, poderá se inscrever e realizar a prova de
credenciamento em quantas Diretorias de Ensino pretenda ser credenciado.
Artigo 9º - Na avaliação e indicação do Professor Coordenador, a
Diretoria de Ensino, por meio de sua comissão de Supervisores de Ensino e de
Assistentes Técnico-Pedagógicos, deverá assessorar as unidades escolares no
reconhecimento da:
I - importância de escolhas conscientes;
II - identificação das características organizacionais da escola e dos
aspectos positivos e negativos de sua prática pedagógica;
III - oportunidade de a escola poder contar com profissional capaz de
inovar e promover mudanças, com vistas à otimização dos planos de trabalho no
processo ensino-aprendizagem.
Artigo 10 - A proposta de trabalho, a ser elaborada pelo docente
credenciado, deverá conter:
I - diagnóstico dos pontos críticos do processo ensino-aprendizagem,
elaborado a partir dos indicadores de resultados educacionais da escola;
II - atividades propostas para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento
do trabalho pedagógico da escola.
Artigo 11 - No processo de seleção e indicação do Professor
Coordenador na unidade escolar competirá ao Diretor de Escola:
I – organizar os procedimentos de análise das propostas
apresentadas ao Conselho de Escola, coordenando e orientando a definição de
critérios e de técnicas avaliatórias (entrevistas, debates etc.) que assegurem a
indicação do profissional cuja qualificação e experiência atendam satisfatoriamente
às necessidades e às expectativas da escola;
II – assegurar, entre os critérios a serem considerados pelo Conselho
de Escola, a valorização de certificados de participação em cursos promovidos pela
Secretaria da Educação, em especial: Circuito-Gestão, Ensino Médio em Rede,
Tecnologia e Informática na Comunicação – T.I.C., entre outros;
III - orientar os docentes credenciados na elaboração de suas
propostas de trabalho, que serão apresentadas ao Conselho de Escola,
disponibilizando-lhes informações e dados sobre o desempenho dos alunos e as
características da unidade escolar.
Artigo 12 - Em caso de empate na avaliação das propostas
apresentadas, deverá ser priorizada a proposta do professor titular de cargo ou
estável que se encontre cumprindo horas de permanência, na condição de adido
ou com carga horária não constituída.
Artigo 13 – A carga horária da designação para o exercício das
atribuições de Professor Coordenador será de 40 (quarenta) horas semanais, a
serem cumpridas integralmente na unidade escolar, cabendo ao Diretor de Escola,
mediante elaboração e fixação de horário, distribuí-las por todos os turnos de
funcionamento da escola, proporcionalmente à quantidade de classes em cada
turno.
§ 1º - O Professor Coordenador designado para atuar no período
noturno, a que se refere o §1º do artigo 1º desta resolução, terá carga horária de
24 (vinte e quatro) horas semanais, a serem cumpridas integralmente na unidade
escolar.
§ 2º - Para o Professor Coordenador da Escola de Tempo Integral, de
que trata o § 2º do artigo 1º desta resolução, a designação dar-se-á pela carga
horária de 30 (trinta) horas semanais, a serem cumpridas integralmente na unidade
escolar, acompanhando o desenvolvimento de todas as oficinas curriculares, bem
como orientando e liderando funcionários da escola para um trabalho educativo e
recreativo, junto aos alunos, no intervalo compreendido entre o final das aulas do
currículo básico e o início das atividades nas oficinas curriculares.
§ 3º - Sem detrimento da carga horária de trabalho, estabelecida na
forma prevista nos parágrafos anteriores, o Professor Coordenador poderá exercer
a docência, ministrando aulas até o limite de carga horária máxima de 40
(quarenta) horas semanais.
§4º Os Professores Coordenadores usufruirão período de férias
regulamentares no mês de janeiro de cada ano, juntamente com seus pares
docentes.
Artigo 14– A manutenção da designação do Professor Coordenador
na unidade escolar, com a recondução do docente, dar-se-á após a avaliação de
seu desempenho, a ser realizada anualmente, por ocasião do início do ano letivo,
pela Direção da unidade escolar e pelo Conselho de Escola, justificada com base
no pleno cumprimento das atribuições previstas no artigo 2º desta resolução e
devidamente registrada em ata.
Artigo15 – A cessação da designação do Professor Coordenador da
escola poderá ocorrer quando não aprovada sua recondução, nos termos do artigo
anterior, ou a qualquer tempo, nas situações previstas no artigo16 desta resolução.
Parágrafo único – Na hipótese do Professor Coordenador não
corresponder às atribuições relativas ao posto de trabalho, a cessação da
designação dar-se-á por decisão conjunta da Direção da unidade escolar, do
Conselho de Escola e da Diretoria de Ensino, devidamente justificada e registrada
em ata.
Artigo16 - É vedada a substituição do ocupante do posto de trabalho
de Professor Coordenador, devendo ocorrer designação de outro docente
devidamente credenciado e indicado pelo Conselho de Escola, quando o professor
designado tiver a designação cessada, em qualquer das seguintes situações:
I – a seu pedido, mediante solicitação por escrito;
II – a critério da administração, em decorrência de:
a) não corresponder às atribuições do posto de trabalho, conforme
prevê o disposto nos artigos 2º e 15 desta resolução;
b) entrar em afastamento, a qualquer título, por período superior a 30
dias;
c) vir a perder o vínculo docente.
Parágrafo único – O docente que tiver sua designação cessada, nas
situações previstas no inciso I ou na alínea “a” do inciso II deste artigo, somente
poderá ser novamente designado Professor Coordenador, da mesma ou de
qualquer outra unidade escolar e Diretoria de Ensino, após se submeter a novo
processo de credenciamento.
Artigo 17 – O titular de cargo de Coordenador Pedagógico poderá,
em todo e qualquer impedimento legal e temporário, por período superior a 30
(trinta) dias, ser substituído por um Professor Coordenador, a ser designado, pela
carga horária de 40 (quarenta) horas semanais, durante o impedimento, desde que
previamente credenciado pela Diretoria de Ensino e selecionado/indicado pelo
Conselho de Escola, de conformidade com o previsto nesta resolução.
Parágrafo único – A unidade escolar que seja órgão de classificação
de um Coordenador Pedagógico deverá manter, em reserva, relação de docentes
credenciados e selecionados, disponíveis para exercer, a qualquer tempo, no
decorrer do ano, a substituição de que trata o caput deste artigo.
Artigo18 - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação,
ficando revogadas as disposições em contrário, em especial a Resolução SE – 35,
de 08/4/2000 e a Resolução SE-50, de 14/7/2006.
Notas:
Revoga a Res. SE 35/00, à pág. 107 do vol. XLIX;
Revoga a Res. SE 50/06.
Anexo 3
Quadros:
Contexto escolar
Biogramas
Sentimentos e emoções no processo de mudança
1. Contexto Escolar: Luisa
2. Biograma: Luisa
3. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança” : Luisa
4. Contexto Escolar: Fernando
5. Biograma: Fernando
6. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Fernando
7. Contexto Escolar: Mateus
8. Biograma: Mateus
9. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Mateus
10. Contexto Escolar: Julia
11. Biograma: Julia
12. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Julia
13. Contexto Escolar: Carolina
14. Biograma: Carolina
15. Quadro “sentimentos e emoções no processo de mudança”: Carolina
Observações: Todos os nomes mencionados durante as entrevistas são fictícios.
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