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UNIPAR – UNIVERSIDADE PARANAENSE DE
UMUARAMA
MARCELA LEILA RODRIGUES DA SILVA VALES
AÇÃO INIBITÓRIA COLETIVA PARA PROTEÇÃO DO
DIREITO DO CONSUMIDOR
Umuarama
2007
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MARCELA LEILA RODRIGUES DA SILVA VALES
AÇÃO INIBITÓRIA COLETIVA PARA PROTEÇÃO DO
DIREITO DO CONSUMIDOR
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito Processual e Cidadania
da Universidade Paranaense -UNIPAR, como
exigência parcial para a obtenção do título de
Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Celso Hiroshi Iocohama.
Umuarama
2007
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COMISSÃO EXAMINADORA
Umuarama-Paraná, ____ de ________ de 2007.
Ao meu esposo Edson e minhas filhas Bruna e
Mariana, meus pilares e razão de todo esforço
despendido. Ainda a minha querida mãe, exemplo de
perseverança e crescimento contínuo.
AGRADECIMENTOS
Meus mais puros agradecimentos a Deus que providenciou, fortaleceu e tornou
possível a realização do curso e deste trabalho de pesquisa.
Os meus sinceros agradecimentos ao meu pai, Francisco Rodrigues da Silva, por
todo auxílio externado para a realização do mestrado, bem como pela constante demonstração
da confiança depositada em mim.
Agradeço também meus professores pelas aulas ministradas, pois foram de suma
importância para a escolha do tema proposto. Aos meus colegas de curso: muito obrigada
pelos momentos agradáveis e pelo fortalecimento de laços sinceros de amizade.
Não poderia deixar de agradecer a amiga e Professora France Ferrari, que foi
companheira e colaboradora na correção e linguagem fluída de todo o texto.
Meus especiais e sinceros agradecimentos ao meu orientador Professor Doutor
Celso Hiroshi Iocohama, imprescindível para a conclusão deste trabalho, alicerce e base para
o aprimoramento, sem dizer, presença constante em toda a pesquisa e orientação, grande
questionador e fomento para a tese defendida.
RESUMO
O presente trabalho objetiva resgatar os elementos de fixação dos direitos fundamentais do
consumidor, bem como históricos que se projetam na contemporaneidade para a exposição de
instrumento hábil e efetivo da tutela do direito fundamental do consumidor em sua forma
coletiva. O estudo coloca sob análise a possibilidade de existir uma medida processual
denominada ação inibitória para proteção do direito coletivo do consumidor, análise que vem
contribuir para o debate sobre a necessidade de vislumbrar o direito do consumidor como
inviolável e passível de proteção completa contra qualquer tipo de lesão ou ameaça de lesão.
A ação inibitória é colocada sobre a apreciação do Judiciário, para o fim de impedir que
determinada(s) cláusula(s),considerada(s) abusiva(s), seja utilizada em contratos futuros de
consumo, evitando-se a continuação da abusividade (ilícito) nos contratos em vigência e
prevenindo a sua validação nos contratos que ainda não foram efetivados. Para a formação do
Estado Constitucional na defesa dos interesses do consumidor, a lei consumerista objetiva o
amparo dos consumidores em sua forma mais ampla. Desta forma, para os objetivos da Lei do
Consumidor e da Constituição Federal, o acesso à justiça e aos instrumentos processuais
postos à disposição dos lesados são as bases para as defesas dos consumidores, tornando a sua
defesa um direito fundamental. A forma coletiva de pactuação, identificada como contrato de
massa tornou-se imprescindível ao atual sistema de produção e de distribuição em grande
escala, trazendo vantagens para os fornecedores, dentre elas a rapidez, a segurança, a previsão
dos riscos, representando um perigo aos consumidores contratantes que ficam em posição de
vulnerabilidade, pois ocorre a adesão dos mesmos sem o conhecimento intrínseco das
cláusulas vigentes, abrindo ensejo à existência de cláusulas abusivas. Como tutela preventiva,
a ação inibitória é instrumento para evitar a existência de cláusulas abusivas, impedindo a sua
prática, continuação ou a repetição nos contratos de consumo, representando, em muitos
casos, a única forma de proteção preventiva do direito ameaçado de lesão, visto que não é
incomum que o conhecimento da ameaça de ofensa a direito contratual se dê apenas pouco
tempo antes de sua efetiva constatação.
Palavras-Chave: ação inibitória, direito coletivo, consumidor.
ABSTRACT
The present work has as its objective to rescue elements of fixation of the fundamental rights
of the consumers, as well as the historic which leads to the present day to a practical
instrument of exposure and effective maintenance of the fundamental right of the consumer in
its collective form. The study puts under analyses the possibility of existing and procedural
denominated inhibitory action to the protection of the collective right of the consumer,
analyses which come to contribute to the debate about the necessity to visualize the
consumer’s rights as inviolable and passive of complete protection against any kind of lesion
or threat of lesion. The inhibitory action is put under judiciary appreciation, as the purpose to
block any determined clause considered abusive be used in future contracts of consume,
avoiding the extend of being abused (illicit) in the current contracts and preventing its
validation in contract that were not yet signed. To the formation of the Constitutional State in
the defense of the interest of the consumers, to the consumerist law has as its objective the
support of consumer in its broad way, this way, to the objectives of the consumer’s law and
the Federal Constitution, the access to justice and to procedural instruments put into service of
the defendant are the basis for the defenses of the consumers, making the defense a
fundamental right. The collective form of agreement, identified as mass contract became
essential the actual system of production and distribution in large scale, bringing advantages
to the suppliers among them rapidity, security, and risk prevention, representing a danger to
the consumers who are vulnerable position, because the enrollment occurs without the
intrinsic knowledge of the current clauses, making the possibility of abusive clauses. As
preventive guardianship, the inhibitory action is an instrument to avoid the existence of
abusive clauses, stopping its practice, continuation, or repetition in consume contracts,
representing, in many cases, the only way of preventive protection of the threat right of lesion,
as it is not uncommon that the knowledge of threat of offense to a contractual right, is just a
short time after its deflagration.
Key words: Inhibitory Action, collective right, consumer.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9
CAPÍTULO I - OS DIREITOS OU INTERESSES DO CONSUMIDOR ........................11
1.1 DA NATUREZA JURÍDICA DOS INTERESSES ...........................................................14
1.1.1 Dos Interesses Individuais, Coletivos, Difusos e Individuais Homogêneos ............ 16
1.2 OS DIREITOS E INTERESSES FUNDAMENTAIS DO CONSUMIDOR ................. 21
1.3 A RELAÇÃO DE CONSUMO E SUA POLÍTICA SOCIAL............................................28
CAPÍTULO II - OS CONTRATOS COLETIVOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR...........................................................................................31
2.1 OS CONTRATOS DE MASSA E A NOVA REALIDADE CONTRATUAL..................31
2.1.1 Os Princípios Norteadores dos Contratos de Massa...................................................37
2.2 AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS...............................................................42
2.3 A CLÁUSULA GERAL ABUSIVA NOS CONTRATOS DE MASSA E AÇÃO
INIBITÓRIA........................................................................................................................44
CAPÍTULO III - AS AÇÕES COLETIVAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR........................................................................................52
3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS AÇÕES COLETIVAS E SUA VINCULAÇÃO NO
DIREITO COMPARADO..................................................................................................58
3.1.1 As Ações Coletivas na Inglaterra..................................................................................59
3.1.2 As Class Actions Norte-Americanas.............................................................................63
3.1.3 As Ações Coletivas na Itália..........................................................................................67
CAPÍTULO IV - A TUTELA INIBITÓRIA NA PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR........................................................................................75
4.1 O ACESSO À JUSTIÇA: EFETIVIDADE E INSTRUMENTALIDADE DO
PROCESSO ......................................................................................................................82
4.2 A TUTELA INIBITÓRIA E SEUS FUNDAMENTOS JURÍDICOS..............................90
4.3 A TUTELA INIBITÓRIA E TUTELA CAUTELAR........................................................95
4.4 A QUESTÃO DA TUTELA INIBITÓRIA ANTECIPADA E SEUS REQUISITOS.....100
4.5 A AVALIAÇÃO DOS INTERESSES ENVOLVIDOS E OS EFEITOS DA DECISÃO
JUDICIAL.........................................................................................................................104
CAPÍTULO V - DA DEFESA COLETIVA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO...............108
5.1 DA AÇÃO INIBITÓRIA PARA A DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES
COLETIVOS.....................................................................................................................116
5.1.1 O Objeto da Ação Inibitória no Âmbito Coletivo .....................................................118
5.1.2 A prova na Ação Inibitória Coletiva ..........................................................................121
5.2 DA LEGITIMIDADE NA AÇÃO INIBITÓRIA COLETIVA ........................................122
5.3 A MANDAMENTALIDADE DA SENTENÇA INIBITÓRIA........................................128
5.3.1 As Características da Sentença Mandamental...........................................................132
5.4 A SENTENÇA INIBITÓRIA COLETIVA.......................................................................137
5.4.1 Da Efetividade da Ação Inibitória...............................................................................139
5.4.2 Das Medidas Coercitivas..............................................................................................142
5.5 DA COISA JULGADA NAS AÇÕES INIBITÓRIAS COLETIVAS.............................147
CONCLUSÃO.......................................................................................................................153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................156
9
INTRODUÇÃO
O presente estudo ocupa-se de reflexão crítica construtivista de uma das
formas de acesso à justiça, através da transformação do pensamento jurídico voltado para a
inseparável ligação entre o direito processual, o direito material e a realidade social. Imbuída
neste objetivo, à pesquisa atém-se ao resgate de elementos de fixação dos direitos
fundamentais do consumidor, bem como de históricos que se projetam na
contemporaneidade, expondo à existência de instrumento hábil e efetivo a tutela do direito
fundamental do consumidor, em sua forma coletiva.
Para tanto, o trabalho se divide em partes estruturantes, as quais se subdividem
em diversos itens que têm como objetivo demonstrar que o direito processual, através da
ação inibitória, desempenha imprescindível instrumento para a proteção dos direitos
coletivos dos consumidores.
Trata-se de um estudo que vem contribuir para o debate sobre a necessidade
de proteção do direito do consumidor de forma coletiva, como inviolável e passível de
amparo amplo e completo contra qualquer tipo de lesão ou ameaça de lesão. Desta forma, a
tutela inibitória é reconhecida para evitar qualquer tipo de ameaça ou violação a direito
material do consumidor como um caminho para a máxima efetividade do processo, e também
como função estatal atenta ao direito fundamental e à tutela jurisdicional efetiva do
consumidor.
A problematização, porém, não se limita apenas a demonstrar a tutela
inibitória como fundamento para a tutela preventiva do direito, mas também trazer as
necessárias modificações das categorias do processo focado para as novas necessidades e
realidades do direito do consumidor, que urge pelo amparo jurídico.
10
O tema revela-se sempre contemporâneo, notadamente porque, cada vez mais,
a tutela coletiva tem buscado atender aos interesses sociais de forma mais ampla possível.
Sendo assim, a intervenção do Poder Judiciário, através de Ação Inibitória serve para evitar
que cláusulas consideradas abusivas em contrato de consumo sejam utilizadas em contratos
futuros de consumo. Assim, evita-se a continuação da abusividade (ilícito) nos contratos em
vigência, bem como a utilização das mesmas nos contratos que ainda não foram efetivados.
Deste modo, apresenta uma sistematização dos objetivos do Código de Defesa
do Consumidor, bem como os direitos protegidos, a tutela coletiva e os entes legitimados
para atuar na defesa dos interesses da sociedade, assim como trazendo uma análise da
sentença inibitória e a efetivação do direito nas ações coletivas.
O objetivo desta pesquisa é fornecer um panorama de alguns dos principais
pontos que permitem o desenvolvimento mais amplo possível desta forma de tutela coletiva,
partindo da premissa da instrumentalidade do processo. Assim, o desenvolvimento do tema
proposto obedece a uma ordem metodológica de caráter didático, como uma forma de
analisar a ciência do direito processual civil no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.
Desta forma, prende-se a presente pesquisa em prover uma participação prática mais
específica na área jurídico-crítica, contando com o benefício de uma identificação das teorias
de doutrinadores que servem de fomento para o aprofundamento do conhecimento científico
com a investigação de resultados tendencialmente autônomos.
Trata-se, portanto, de procurar definir os fundamentos e os contornos de uma
nova tutela jurisdicional no plano do direito coletivo do consumidor, admitindo a função
processual em termos de tutela dos direitos
1
.
1
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 29-31.
11
CAPÍTULO I
OS DIREITOS OU INTERESSES DO CONSUMIDOR
Não há como pensar em proteção a Direito sem que seja analisado o aspecto do
direito do consumidor. Partindo da premissa de que o Direito constitui uma unidade
conceitual no plano filosófico, uma unidade orgânica no plano científico, e uma unidade
teleológica no plano social
2
, ele surge com múnus reconhecido de proteção jurídica pelo
Estado.
Com o objetivo de tutelar a convivência entre os homens, o Direito nasce
atuando segundo o binômio anseio social e segurança jurídica, operando na solução de
conflitos na medida em que eles vão surgindo.
Destarte, além do Direito, o indivíduo também se encontra envolto ao interesse,
onde partindo da premissa de que é impossível o exercício de um Direito efetivo sem que haja
um interesse jurídico a ser protegido
3
. Referido interesse assume vários significados, podendo
se identificar como jurídico ou não, transparecendo a idéia de “utilidade, vantagem, proveito
ou lucro”
4
.
Mancuso
5
classifica o interesse não jurídico como sendo aquele que não tem
pertinência ou proteção pela ordem jurídica, ou seja, trata de interesse simples que se limita à
esfera do pensamento do indivíduo. Desta forma, referidos interesses mantêm-se separados do
conceito jurídico, permanecendo no plano primário da “existência-utilidade”, sem atingir o
plano “ético-normativo”.
2
ACQUAVIVA. Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 8. ed. Editora Jurídica Brasileira,
1995, p.524-525.
3
MANCUSO, Rodolfo Camargo de. Interesses Difusos. Conceito e legitimação para agir. 5. ed. rev. e atual. –
São Paulo: RT, p. 20 e segs.
4
GONÇALVES, Marcos Vinícius Rio.Tutela de interesses difusos e coletivos. v. 26. São Paulo: Saraiva, 2006.
p. 2.
5
MANCUSO, op. Cit., p. 52.
12
O interesse do indivíduo é elemento que se detecta com o objetivo a ser
alcançado, e conforme adverte Lisboa
6
o interesse do sujeito “existe, muitas vezes, sem a
existência do direito, hipótese nas quais é a opinião de se ter o direito”. Sendo assim, existe a
necessidade para o Direito de que o interesse do indivíduo seja jurídico, relevante para o
mundo jurídico que o reconhece como direito material e passa a ser juridicamente tutelado.
Ademais, necessário acrescentar as palavras do citado autor:
O direito subjetivo não aborda todas as situações subjetivas tão-somente
porque há casos que não podem ser tidos como fato jurídico e não interessam,
pois, ao Direito. Relevante notar que todo ato humano, comissivo ou
omissivo, se jurídico for, terá referência a um direito subjetivo. Caso contrário,
nenhuma importância terá para o mundo jurídico, podendo, porém, interessar a
outros campos: ética, moral, religião, entre outros.
O presente estudo atém-se a idéia de interesse reconhecido juridicamente, não
interessando neste caso, tratar de direitos comuns ou relacionados apenas na esfera do
pensamento do indivíduo.
Desta forma, o interesse jurídico trazido pelo artigo 76 do revogado Código
Civil, assim determina: “para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo
interesse econômico, ou moral”. Ou seja, somente mediante a existência de repercussão
jurídica é que o direito seria reconhecido pelo ordenamento jurídico, tornando-se necessária a
expressa previsão legal do direito. Destarte, nem todos os direito ou interesses são expressos
pela lei. Existem direitos relevantes para o mundo jurídico que não encontram-se consagrados
pela norma, mas que são reconhecidos e aplicados pelo ordenamento, diante de fato jurídico
relevante ou de interesse relevante.
Neste sentido Tomaszewski
7
, esclarece:
6
LISBOA, Roberto Sinise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed.rev. e atual. São Paulo: RT, 2000. p. 53.
7
TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. A tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos. Disponível na
Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 24 de maio de 2007.
13
Perceba-se a este instante então, que o interesse deve ser jurídico para que
ocorra a repercussão no Direito, desautorizando-se o interesse de natureza
puramente ética à busca da tutela jurisdicional, pois isto conduziria à falta de
interesse de agir e, portanto, à carência de ação. Com base em Francesco
Carnelutti, a respeito do interesse processual, é possível afirmar que, de uma
maneira muito simplista, este é reconhecido, quando o processo se revela útil e
necessário à obtenção de certa posição de vantagem, inalcançável de outro
modo. Aliás, o entendimento do conteúdo de direito subjetivo carrega consigo
justamente isto, posições de vantagem, privilégios ou prerrogativas que,
integradas ao patrimônio juridicamente tutelado de uma pessoa, passa a
receber especial tutela do Estado.
Ademais, através da existência de interesse coletivo por parte do consumidor a
sociedade passou a ter aspirações, demonstrando um interesse não apenas individual, mas
também que atinge um grupo ou uma coletividade de indivíduos, e dentre estas estão às
aspirações e interesses gerais dos consumidores.
O interesse jurídico compõe-se de vários significados técnicos, destarte para a
delimitação do tema proposto, torna-se válido aqui destacar as relações jurídico-privadas e
relações jurídico-públicas, que demonstram uma aproximação e preocupação da esfera
pública com a privada. Adverte Tomaszewski
8
:
Todavia há um momento na história em que a noção de “interesse público”
estava bastante distanciada do “interesse privado”. Esta apartação era
perfeitamente cabível naquela fase em que apenas o indivíduo e o Estado
estavam definidos. Não existiam os entes intermediários que ao longo da
evolução da sociedade surgiram para conter a atividade Estatal. Isto ocorreu
por intermédio de várias fontes, pois de início foram os feudos que exigiram a
participação nas tomadas de decisão e, conseqüentemente uma parcela do
poder. Depois deles, as corporações de ofícios, a Igreja, modernamente, os
sindicatos, as mais variadas espécies de associações, os partidos políticos e
etc.
A par de tudo isto, podemos perceber que as Constituições da Alemanha e da
Itália já não traziam o homem isolado, como um indivíduo solitário, mas sim
visto por uma lente que o rotulou como um “homem social”, o que o fez
assumir então uma nova dimensão dentro do grupo que participasse, de forma
que este agrupamento se tornou uma entidade autônoma, merecedora de uma
especial atenção e valoração jurídica. É bem verdade que no pertinente ao
Direito Processual, isto não foi tão simples assim, pois decorrente do
antropocentrismo, o liberalismo havia incutido a idéia de que a iniciativa
8
Acrescenta ainda o autor que, com a globalização e a propagação da cultura de massa, o ser humano deixou de
ser considerado individualmente para ser absorvido pela consciência coletiva, passando a exercer direitos de
forma coletiva.TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. A tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos.
Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 24 de maio de 2007.
14
sempre deveria ser exclusivamente subordinada ao interesse do indivíduo
quando lesado na esfera individual.
E trazendo toda esta análise de relevância jurídica do interesse, e atentando
para o tema objeto desta pesquisa, na conjectura de “socialização do direito”
9
, verifica-se que
o interesse juridicamente protegido não subsiste sem o reconhecimento do Direito, portanto
existe uma correlação entre os mesmos, a qual, mediante a existência do Direito, o interesse
despertado se legitima.
1.1 DAS NATUREZAS JURÍDICAS DOS INTERESSES
Dentre as prerrogativas do estudo dos interesses dos consumidores, imperiosa
se torna a análise da divisão trazida pela doutrina entre o interesse primário, reconhecido
como direito material do indivíduo, bem como o interesse secundário que se caracteriza pela
ocorrência de impedimento ao exercício efetivo do direito, abrindo ensejo à propositura de
uma ação judicial para reclamar o ilícito.
O que se verifica, neste caso, é que o interesse primário está relacionado ao
direito material do indivíduo, ou seja, tem natureza material, ao passo que o interesse
secundário refere-se à legitimação do sujeito à propositura da ação judicial, ou seja, tem
natureza processual.
Através do interesse secundário, o indivíduo utiliza-se do processo para
recuperar o exercício de seu interesse primário, o que conclui para o fato de que o interesse
secundário objetiva a plenitude do interesse primário.
9
Explica o autor a distinção do interesse público primário e secundário, na qual o Estado deixa de exercer o seu
papel central, com vistas ao bem-comum, que não mais se entrelaça com a idéia de o que aquilo que é bom para
o Estado também o é para a sociedade. LISBOA, Roberto Sinise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed.rev. e
atual. São Paulo: RT, 2000. p. 60.
15
Os interesses das relações jurídico-privadas referem-se ao interesse de pessoa
física ou jurídica, ou ainda de vários sujeitos que atuam em qualquer um dos pólos do liame
jurídico processual, mas que assim considerado, pois não vinculado à matéria de direito
Público
10
.
Cabe ao interesse da relação jurídica determinar se a relação é privada ou
pública
11
. Se for privada existe o interesse pessoal, como no caso do credor que consiste no
recebimento do seu crédito, ou seja, trata-se de um interesse econômico. Já o interesse do
devedor consiste na liberação do vínculo, ou seja, obter a quitação da dívida para com o
credor, rompendo assim a relação obrigacional.
Nas relações jurídico-públicas, o interesse está relacionado às necessidades
sociais “em que o beneficiário direto é o Estado”
12
. Nestes, o contrato distingue-se dos
meramente privados, pois a finalidade do interesse público obedece a normas jurídicas de
cunho social.
Dentre estas assertivas e diferenciações, pautando pela análise do contrato do
consumidor, mas que tem o interesse social envolvido, portanto passível de amparo, temos
que a proteção do consumidor, partindo da perspectiva de um direito processual voltado à
esfera da proteção dos direitos em sociedade. O Código de Defesa do Consumidor admitiu a
defesa coletiva do consumidor através das chamadas ações de interesse coletivo.
Nesta perspectiva da modernidade processual, referido interesse existente em
sociedade se classifica como sendo interesses individuais; coletivos; difusos; e, individuais
homogêneos.
10
LISBOA, Roberto Sinise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed.rev. e atual. São Paulo: RT, 2000. p. 65.
11
Adverte Lisboa que existem muitos princípios de ordem pública em que sua matéria é definida como privada,
diante de seus efeitos repercutirem às partes e a terceiros. Assim, nem toda a relação jurídica na qual o Estado
faça parte se caracterizará como pública, podendo a administração pública também efetuar negócios jurídicos de
natureza privada. Ibid., p. 64.
12
Ibid. p. 57.
16
1.1.1 Dos Interesses Individuais, Coletivos, Difusos e Individuais Homogêneos
No código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81
13
dispõe sobre a
proteção dos interesses no âmbito individual, bem como elenca três espécies distintas de
tutelas coletivas, que servem para legitimar a proteção coletiva do direito do consumidor.
Os interesses individuais, como a própria nomenclatura demontra, são relativos
às pessoas físicas ou jurídicas consideradas em sua individualidade, ou seja, quando o
interesse ou o direito interessa somente a esta parte. Tomaszewski
14
traz um exemplo de
interesse individual:
... um crédito decorrente de uma obrigação não cumprida entre particulares,
somente gerará interesse aos entes vinculados, pois a utilidade do evento se
esgota no âmbito de participação dos envolvidos, motivo pelo qual o meu
conteúdo ético em ver que um devedor cumpra com suas responsabilidades
está impedido de atuar em juízo. Justamente por esta limitação, que o Direito
se aproxima da noção de socialização, substituindo o individualismo jurídico,
que é insuficiente para manter o equilíbrio das relações jurídicas em
sociedade.
Bittar
15
, a respeito dos direitos individuais, qualifica-o como sendo típico do
liberalismo social, que se satisfaz através do sucesso pessoal sem qualquer preocupação com a
coletividade. E acrescenta:
Exercício “pelo” individualismo significa, em termos processuais, pertencer apenas ao
sujeito do direito a legitimidade para pleitear, em nome próprio, o direito que afirma
ter, fórmula consagrada no art. 6° do Código de Processo Civil. O interesse “para”o
indivíduo dimensiona a fronteira da fruição, atribuída exclusivamente ao seu portador,
13
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza
indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
14
TOMASZEWSKI. Adalto de Almeida. A tutela Jurisdicional dos Direitos Difusos e Coletivos. Artigo publicado no
Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 22.09.2003.
15
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. Coordenador. São Paulo:
Saraiva, 1992, p.96.
17
significando em última análise a satisfação das particulares necessidades deste.
Permanecendo na esfera puramente pessoa, o interesse individual não se mostra capaz
de transcender, em tais casos, os efeitos da lesão da categoria em que se enquadra.
No que concerne à tutela individual do consumidor, aplicam-se as regras
inerentes ao sistema do Código de Processo Civil, bem como do sistema processual dos
Juizados Especiais de Causas Cíveis, Lei n° 9.099/95, tema de igual relevância, mas que foge
do objetivo deste trabalho.
Quanto à defesa coletiva, o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 81,
inciso primeiro, traz o reconhecimento do interesse difuso. E este interesse se identifica pela
existência de um grupo indeterminado de sujeitos, ou seja, pela impossível identificação de
interessados, dada à amplitude do bem jurídico a ser guarnecido, interesse este gozado por
parcela abundante da sociedade, na qual, indiretamente, o interesse à proteção é de toda a
sociedade. Adverte Tomaszewski
16
:
Pode-se afirmar que interesses difusos guardam a característica de que o bem
jurídico a ser tutelado toca a considerável parcela da sociedade e, muitas
vezes, indiretamente a toda ela. Desta forma, podemos citar como exemplos, o
curtume que emite insuportável odor, a empresa que emite gases poluentes
acima do tolerado pela legislação aplicável, ou o indivíduo que adquire um
veículo de determinada marca e modelo e que sistematicamente apresenta
panes elétricas. Aferida a existência de interesses difusos, de imediato tornam-
se exigíveis por quem sejam os seus titulares. Como não é possível de plano
determinar os sujeitos, a lei confere legitimidade a qualquer dos interessados
para buscar a respectiva tutela. Assim, além dos casos arrolados, torna-se
possível buscar assistência pública à saúde, segurança ou ensino fundamental.
Ressalta-se que os interesses ou direitos identificados como difusos são
reconhecidos por sua natureza indivisível, bem como pela inexistência de relação jurídica
base entre os sujeitos envolvidos, o que impossibilita a identificação ou determinação dos
titulares.
16
TOMASZEWSKI. Adalto de Almeida. A tutela Jurisdicional dos Direitos Difusos e Coletivos. Artigo publicado no
Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 22.09.2003.
18
Ademais, em se tratando de interesses difusos, que se diferenciam pela
impossibilidade de determinação da coletividade afetada por determinado ato lesivo, dado que
o bem jurídico em jogo interessa a toda a sociedade, surge o múnus desenvolvido pelo
Ministério Público, órgão encarregado de seu amparo e fiscalização.
O inciso segundo do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor reconhece os
interesses coletivos, também conhecidos como grupais, pois se referem aos direitos que
interessam a uma determinada coletividade. Portanto, impõem-se soluções jurídicas
homogêneas para a composição do conflito existente.
Também são classificados como transindividuais de natureza indivisível de
que seja titular o grupo, categoria ou a classe de pessoas interligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base. Esta dita relação jurídica base, encontra-se
fundamentada no parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, onde a
relação jurídica se apresenta preexistente à lesão ou ameaça de lesão do interesse ou direito do
grupo em questão.
Moreira
17
traz uma definição deste interesse coletivo, definindo-o como
“interesse para o qual se reclama tutela pode ser comum a um grupo mais ou menos vasto de
pessoas, em razão de vínculo jurídico que as une a todas entre si, sem no entanto, situar-se no
próprio conteúdo da relação plurissubjetiva”.
A expressão transindividual se destaca pela idéia de interesses individuais
agrupados, ou ainda amontoado de interesses individuais da totalidade dos membros de uma
entidade ou de parte deles. Este interesse deve-se revelar comum a uma determinada
coletividade, impondo soluções homogêneas para a composição de seus conflitos, bem como
deve se referir diretamente a uma determinada classe de sujeitos.
17
MOREIRA. José Carlos Barbosa. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela
jurisdicional dos chamados interesses difusos, in Temas de direito processual, 1ª. Série, 2ª. Ed., Saraiva:
1997, p. 111.
19
O denominado interesse coletivo, a respeito do qual o Código de Defesa do
Consumidor procede à distinção, foca-se na proteção de um dos sujeitos da relação de
consumo, considerado hipossuficiente, daí que se trata de uma disciplina protetiva.
Por último, o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor disciplina sobre
os interesses individuais homogêneos, reconhecendo como sendo os de origem comum.
Referido interesse permite a tutela do direito a título coletivo, diante da existência de um fato
comum existente entre os sujeitos de direito.
Assim como nos direitos difusos, nos direitos e interesses individuais
homogêneos poderá inexistir entre as pessoas uma relação jurídica base anterior. Neste, o que
verdadeiramente importa é que sejam todos os interesses individuais decorrentes de origem
comum, pois a ligação com a parte contrária é conseqüência da própria lesão ocorrida. Desta
forma, surge uma relação jurídica que nasce da lesão, é individualizada na pessoa de cada um
dos prejudicados, diante de ofensas diferentes nas esferas jurídicas dos demandados,
permitindo uma determinação das pessoas afetadas.
Assevera Watanabe
18
que a permissão da tutela dos direitos individuais
homogêneos a título coletivo revela-se como sendo uma novidade no sistema jurídico
brasileiro, assemelhando-se à class action norte americana, e acrescentando que:
“Origem comum” não significa, necessariamente, uma unidade factual e
temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários
órgãos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde
adquiridos por vários consumidores num largo espaço de tempo e em várias
regiões têm, como causa de seus danos, fatos com homogeneidade tal que os
tornam a “origem comum” de todos eles.
18
WATABABE. Kazuo. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. 6
ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 724-725.
20
Ressalta-se ainda para o fato que os direitos ou interesses individuais
homogêneos não tratarem de uma subespécie de interesses coletivos, pois guardam em sua
essência o caráter individual, sendo, portanto coletivo “apenas na forma em que são
tutelados”.
19
Sendo assim, os interesses individuais homogêneos que são tutelados de forma
coletiva, visam à reparação da repercussão na esfera jurídica de cada sujeito.
Batalha
20
desenvolveu uma teoria de interesses identificando as espécies de
interesses ligados aos instrumentos judiciais determinados, e pela sua análise dos interesses
coletivos, que são o objeto deste estudo, seriam apenas os relacionados aos sindicatos,
associações, comunidades determinadas, interesses populares ou protegidos pela ação
popular.
Na tese do referido Batalha, os interesses difusos seriam os guarnecidos pelas
ações civis públicas interesses gerais ou políticos; sociais e econômicos.
A distinção entre os interesses coletivos e os difusos tem por base a maior
abrangência destes últimos, onde o universo de pessoas afetadas pelo ato lesivo não é passível
de determinação, enquanto que, em relação aos interesses coletivos, há uma coletividade
concreta e determinável ligada aos bens jurídicos em discussão.
A natureza indivisível dos direitos e interesses coletivos se verifica pela
identidade dos sujeitos, que, independentemente de sua harmonização formal ou pela reunião
de seus titulares em torno de uma entidade representativa, passam a formar uma só unidade,
tornando-se perfeitamente viável, e desejável, sua proteção jurisdicional de forma molecular,
unida.
19
WATABABE. Kazuo. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. 6
ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 729.
20
BATALHA. Wilson de Souza Campos. Direito Processual das Coletividades e dos Grupos, LTr - 1992 -
São Paulo, 2ª edição, p. 42-49.
21
A previsão legal abarca referido direito coletivo e pode não ser organizado,
mas os seus interesses ou direitos se tornam indivisíveis. Nas palavras de Tomaszewski
21
os
“direitos e interesses, portanto, que extrapolam a individualidade e transbordam para o
coletivo ou o indeterminado”.
Diante de referidas classificações, percebe-se que o sistema jurídico brasileiro
reconheceu a necessidade de uma socialização do direito, que substitui o individualismo
jurídico para o reconhecimento do interesse de uma coletividade de pessoas, fato que se torna
de suma importância para que se mantenha o equilíbrio e a igualdade entre as relações
jurídicas de consumo.
Assim, em se tratando de interesses ou direitos coletivos, identificados pela
classe ou grupo, cabe às entidades de classe, associações e organizações sindicais defender
judicialmente, através dos instrumentos processuais que a Constituição e as leis ordinárias
lhes conferem.
Diante da proposta do presente trabalho em especificar e ater-se à matéria de
defesa dos direitos e interesses coletivos, tornou-se importante também um breve estudo dos
demais interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme
acima exposto.
1.2 OS DIREITOS E INTERESSES FUNDAMENTAIS DO CONSUMIDOR
Como direito e garantia fundamental, está inserido no artigo 5°, inciso XXXII,
da Constituição Federal a promoção da defesa do consumidor. Este reconhecimento
constitucional de defesa do consumidor se apresenta como um direito munido de status
fundamental.
21
TOMASZEWSKI. Adalto de Almeida. A tutela Jurisdicional dos Direitos Difusos e Coletivos. Artigo publicado no
Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 22.09.2003.
22
Assim, para a formação deste Estado de direito na defesa dos interesses do
consumidor, na definição trazida por Watanabe
22
, à lei consumerista objetiva o controle de
qualidade, a educação, a formação dos fornecedores e consumidores quanto aos direitos e
deveres, a coibição e repressão em nível administrativo e criminal de todas as formas de
abuso, bem como o fortalecimento dos consumidores quanto pela criação e desenvolvimento
de associações representativas, organização dos mecanismos alternativos, oficiais e privados
de solução de conflito de consumo.
Referidos objetivos se encontram encartados no art. 4° da Lei 8.078/90
23
, que
tem como fonte inspiradora os objetivos constitucionais no sentido de harmonizar as partes
interligadas à relação de consumo. Trata-se da mentalidade voltada para os valores sociais, em
que no contexto histórico contemporâneo, o direito processual e do consumidor estão voltados
para uma sociedade mais participativa e solidária, preocupada com o bem estar social, assim
como com a diminuição gradativa das diferenças.
22
WATANABE. Kazuo. In GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do
consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 707.
23
Art. 4º: A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e
desempenho.
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios
nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à
melhoria do mercado de consumo;
V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos
e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a
concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e
signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.
23
Desta forma, para estes objetivos da lei do consumidor e da Constituição
Federal, o acesso à justiça e aos instrumentos processuais postos à disposição dos lesados são
as bases para as defesas dos consumidores, tornando-se a defesa do consumidor um direito
fundamental, pois previsto e reconhecido pela Constituição Federal.
Marinoni
24
, ao tratar da tutela coletiva do consumidor contra o uso de cláusulas
gerais abusivas, apresenta o artigo 6° em seu inciso IV do Código de Defesa do Consumidor:
De acordo com o art. 6°, IV do CDC, constitui direito do consumidor a
proteção contra “práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de
produtos e serviços”. O mesmo artigo, em seu inc. VI, afirma é direito do
consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos”.
Como se verifica, também é objetivo da legislação consumerista a proteção do
consumidor contra as práticas e cláusulas abusivas que vêm colocar em risco direitos
fundamentais.
Assim, os instrumentos de defesa postos à disposição do consumidor
apresentam-se como um princípio fundamental da atividade econômica, prevista nos art. 5°,
XXXII e 170 da Carta Magna, bem como no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor
apresentando de forma específica e expressa a normatização desta proteção constitucional,
que poderá ser exercida para tutela de interesses e direitos individuais, difusos, coletivos e
individuais homogêneos.
Assevera Marinoni
25
:
Os direitos fundamentais estão ligados, como parece óbvio, a sua
“fundamentalidade”, que pode ser vista nos sentidos material e formal. Essa
última está vinculada ao sistema constitucional positivo. A Constituição
confere dignidade e proteção especiais aos direitos fundamentais, seja
deixando claro que as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata (art. 5°, § 1° CF), seja permitindo a
conclusão de que os direitos fundamentais estão protegidos não apenas diante
do legislador ordinário, mas também contra o poder constituinte reformador –
por integrarem o rol das denominadas cláusulas pétreas (art. 60, CF).
24
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 111.
25
Id., Técnica Processual e Tutela dos Direito. São Paulo: RT, 2004, p. 166.
24
O caráter fundamental do direito do consumidor gera efeitos sobre a estrutura
do Estado e da sociedade, firmando valores sobre todo o ordenamento jurídico, direcionando
os seus efeitos na atuação do Judiciário, legislativo e executivo.
26
Uma das preocupações do Estado que tem por base uma economia fundada na
livre iniciativa, na liberdade contratual, a posição do consumidor diante das regras contratuais
ocorridas caracteriza-se como a parte fraca da relação contratual. Assim, há a necessidade de
existir uma proteção desta sociedade de consumo, na defesa da parte menos favorecida do
contrato, com vista no nivelamento de posições e condições da situação das partes no contrato
de consumo.
Conrado
27
adverte para a ocorrência de alterações no cenário econômico
mundial, que se desencadeou pela Revolução Industrial, ocorrendo um aumento gradativo do
desequilíbrio nas relações de consumo, com vistas na concentração de capitais. Em virtude
destas transformações e desequilíbrio jurídico contratual, editou-se uma lei penal, com o
objetivo de punir fraudes e falsificações de mercadorias, prevendo assim o crime contra a
organização do comércio e propaganda enganosa.
O fato de haver desigualdades nos sistemas jurídicos advindos do liberalismo
permitiu a ocorrência de crise de relacionamento e, também, ocorrência de lesão a direito do
consumidor. Por estes motivos, a defesa do direito e interesse do consumidor passau a receber
status fundamental pela Constituição Federal de 1988.
Desta forma, o direito do consumidor tornou-se uma garantia constitucional
através do art. 5°, inciso XXXII, da Constituição Federal, que determina a defesa do
consumidor como responsabilidade do Estado, bem como lhe atribui caráter fundamental. E
26
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direito. São Paulo: RT, 2004, p. 166-168.
27
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Repensando o direito do consumidor: 15 anos do CDC.
CONRADO, Marcelo (Org.) – Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, Coleção Comissões
v. 1 Curitiba: agosto de 2005. p.28/29 .
25
como se não bastasse, o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina
ao Congresso Nacional o dever de elaborar o Código de Defesa do Consumidor no prazo de
cento e vinte dias após a promulgação da Magna Carta, ressaltando a urgência da medida a ser
tomada na defesa da parte fraca na relação de consumo.
Dentre esta deliberação constitucional, o interesse do consumidor tornou-se
direito fundamental para também servir de legitimidade do Estado de direito, interferindo o
Estado no mercado de consumo, e conforme esclarecem Grinover e Benjamin
28
, atuando na
proteção do mesmo da seguinte forma:
Contra todos os desvios de quantidade e qualidade (vícios de qualidade por
insegurança e vícios de qualidade por inadequação); melhoria do regime jurídico dos
prazos prescricionais e decadências; ampliação das hipóteses de desconsideração da
personalidade jurídica das sociedades; regramento do marketing (oferta e publicidade);
controle das práticas e cláusulas abusivas, bancos de dados e cobrança de dívidas de
consumo; introdução de um sistema sancionatório administrativo e penal; facilitação
do acesso à justiça para o consumidor; incentivo à composição privada entre
consumidores e fornecedores, notadamente com a previsão de convenções coletivas de
consumo.
A Constituição Federal de 1988 consagrou as conquistas já conseguidas por
outros países no contexto do direito comparado
29
, determinando-se a análise do direito e
interesse, bem como a defesa do consumidor como um princípio constitucional. Desta forma,
o interesse do consumidor, que é protegido pelo Estado, se assenta na categoria de interesse
público, constitucionalmente protegido pelo Estado. Com o objetivo de lhes garantir a
paridade de condições, na relação entre consumidor e fornecedor, assim como garantir o
direito e interesse do consumidor, constitucionalmente tutelado.
28
GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.11.
29
Foi nos Estados Unidos da América do Norte e na Europa Ocidental que originaram as primeiras normas
atinentes ao consumidor. In: Repensando o direito do consumidor: 15 anos do CDC. Org. CONRADO,
Marcelo. – Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, Coleção Comissões v. 1 Curitiba:
agosto de 2005, p.30.
26
A materialização do direito do consumidor encontra-se exemplificada no artigo
6° do Código de Defesa do Consumidor
30
, o qual relacionou os direitos básicos do
consumidor, sobre os quais Filomeno
31
adverte não se tratarem de relação taxativa, trazendo o
comentário de Eduardo Pólo que esclarece o direito do consumidor como sendo:
O direito a saúde e a segurança, o direito de defender-se contra a publicidade
enganosa e mentirosa; o direito de exigir as quantidades e qualidades
prometidas e pactuadas; o direito de informações sobre o produto, os serviços
e suas características, sobre o conteúdo dos contratos e a respeito dos meios de
proteção e defesa; o direito à liberdade de escolha e à igualdade de
contratação; o direito de intervir na fixação do conteúdo do contrato, o direito
de não se submeter às clausulas abusivas; o direito de reclamar judicialmente
pelo descumprimento ou cumprimento parcial ou defeituoso dos contratos; o
direito à indenização pelos danos e prejuízos sofridos; o direito de associar-se
para a proteção de seus interesses; o direito de voz e representação em todos
os organismos cuja decisões afetem diretamente seus interesses; o direito,
enfim, como usuário, a uma eficaz prestação dos serviços públicos e até
mesmo à proteção do meio ambiente.
A relação de direitos apresentado pelo Código de Defesa do Consumidor atém-
se à Resolução da ONU (Organização das Nações Unidas), identificada pelo número 39/284,
30
Art. 6° - São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e
serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de
escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como
contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em
razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica
aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências;
IX - (vetado);
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
31
O autor cita a obra de Eduardo Pólo que comenta sobre a dificuldade de delimitar o tema dos direitos e
interesses do consumidor, asseverando que “tudo hoje em dia é direito do consumidor”, mesmo quando não
elencado no art. 6° do Código de Defesa do Consumidor. FILOMENO, José Geraldo Brito in GRINOVER, Ada
Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.118-119.
27
de 10 de abril de 1985, que enumera em seu item 3 as normas de proteção aos
consumidores
32
.
Por meio do Conselho das Comunidades Européias, através do Programa
Preliminar da CEE (Comunidade Econômica Européia) para uma Política de Proteção aos
Consumidores, ficaram estabelecidas cinco categorias fundamentais dos direitos dos
consumidores assim identificadas
33
: “a) direito à proteção saúde e segurança; b) direito à
proteção dos interesses econômicos; c) direito à reparação de prejuízos; d) direito à formação
e à educação; e) direito à representação.
Alvim
34
, ao se referir sobre esta classificação de direitos apresenta como
direitos básicos do consumidor, servindo-se do artigo 6° do Código de defesa do consumidor
como uma “explicitação” destes interesses, vindo a representar a essência principiológica
trazida pelo artigo 4° do mesmo dispositivo legal.
Almeida
35
ao se referir à enumeração dos direitos reconhecidos, comenta
sobre os reparos ocorridos no Código de Defesa do Consumidor, e vislumbra como positiva a
classificação dos mesmos “uma vez que a lei é dirigida aos operadores do direito em geral,
mas deve ser acessível também, e principalmente, às partes envolvidas, o fornecedor e o
consumidor, não necessariamente versadas no estudo das leis.
Ainda, Marques
36
reforça o fundamento constitucional do direito do
consumidor afirmando que: “o direito do consumidor tem origem constitucional, mas é sim
um direito fundamental do cidadão, direito humano de nova geração, positivado no art. 5°,
XXXII, da CF/88”. E acrescenta que referido direito trata-se de “um direito positivo de
32
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Repensando o direito do consumidor: 15 anos do CDC. Org.
CONRADO, Marcelo. – Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, Coleção Comissões v. 1
Curitiba: agosto de 2005. p.34.
33
Ibid., p. 35.
34
ALVIM, Arruda. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: RT, 1995, p. 60.
35
Comenta da simetria entre os direitos enumerados pelo organismo internacional e assegurados pelo CDC, “não
contemplando a nova legislação o direito a um meio ambiente saudável. ALMEIDA, João Batista. A proteção
jurídica do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 50.
36
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: RT, 2006. p.
372.
28
atuação do Estado na sua proteção”. Ou seja, vem a ser um direito fundamental básico do
indivíduo.
Com o reconhecimento constitucional do direito do consumidor, concretizado
desde a Carta Magna de 1988, e assim pelo Código de defesa do consumidor, conjugado com
a disposição do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, apresenta-se um contexto para o
direito do consumidor brasileiro, deixando de ser apenas uma preleção teórica para ater-se à
práxis, à efetividade e ao reconhecimento do direito através das normas editadas.
Assim, verifica-se que na publicação do Código de Defesa do Consumidor
ocorre um reflexo dos princípios constitucionais, como a boa-fé e a dignidade da pessoa
humana, que representam a essência do Estado Constitucional. E em razão disto, o Estado se
obriga a criar as condições necessárias ao exercício efetivo dos direitos fundamentais do
consumidor, fator que torna legítima a Democracia, pois está intrinsecamente ligado aos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inseridos em seu art. 3° da
Constituição Federal, para a constituição efetiva do Estado democrático de direito.
1.3 A RELAÇÃO DE CONSUMO E SUA POLÍTICA SOCIAL
Para a proteção dos interesses e direitos do consumidor o Código de Defesa do
Consumidor
37
dispõe sobre os objetivos da proteção, e sobre os princípios norteadores a
37
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e
desempenho;
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios
29
serem respeitados, servindo de objetivo ao sistema legal compreendido com a proteção no
atendimento às necessidades como saúde e segurança, proteção de seus interesses
econômicos, melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento harmônico da vulnerabilidade
do consumidor no mercado de consumo
38
.
Adverte Almeida
39
que “a defesa do consumidor não pode ser encarada como
instrumento de confronto entre produção e consumo, senão como meio de compatibilizar e
harmonizar os interesses envolvidos”.
Dentro deste contexto, a política observada pelo Código de Defesa do
Consumidor teve como objetivo atender às necessidades dos consumidores com a
transparência e harmonia das relações de consumo.
Filomeno
40
, ao comentar o assunto, adverte:
Se por um lado efetivamente se preocupa com o atendimento das necessidades
básicas dos consumidores (isto é, respeito à dignidade, saúde, segurança e aos
seus interesses econômicos, almejando-se a melhoria de sua qualidade de
vida), por outro visa igualmente à paz daquelas, para tanto atendidos certos
requisitos, como serão analisados a seguir, dentre os quais se destacam as boas
relações comerciais, a proteção da livre concorrência, do livre mercado, da
tutela das marcas e patente, inventos e processos industriais, programas de
qualidade e produtividade, enfim, uma política que diz respeito ao mais
perfeito possível relacionamento entre consumidores – todos nós em última
análise, em menor ou maior grau – e os fornecedores.
Também se apresenta como objetivo a garantia de melhor qualidade de vida do
consumidor “assegurando a presença no mercado de produtos e serviços não nocivos à vida, à
nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à
melhoria do mercado de consumo;
V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos
e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a
concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e
signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo
38
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários do código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2002, p.
147.
39
ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 16.
40
FILOMENO, José Geraldo Brito in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do
consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6
ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.118-
53-54.
30
saúde e à segurança dos adquirentes e usuários”
41
, assim, coibindo a prática abusiva e
ressarcindo os interesses econômicos em caso de ofensa a direito.
Saad
42
entende como exagerada a pretensão do Código do Consumidor em
levar a um melhor padrão de vida do povo, entendendo não ser este o objetivo da proteção
legislada, atestando que a proteção estatal pode contribuir para uma melhor qualidade de vida,
mas o Estado não é o único responsável pelo bem-estar do cidadão, que depende de muitos
outros fatores não abrangidos pelas normas do Código de Defesa do Consumidor.
O que se verifica é que a política nacional das relações de consumo prima pela
melhoria dos serviços públicos, o qual diz respeito à prestação de serviços seguros e eficientes
por parte do ente estatal. Esse dever de segurança e eficiência não é exclusivo do setor
privado, como também da área pública para a garantia da qualidade de vida, saúde e
segurança do consumidor.
Assim, o poder público e o privado têm o dever de proteção do consumidor
tanto com a adoção de medidas e providências, quanto aos seus produtos e serviços
fornecidos, devendo atender aos padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e
desempenho.
41
ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 17.
42
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários do código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2002, p.
149.
31
CAPÍTULO II
OS CONTRATOS COLETIVOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Partindo do princípio de que o direito nasce com a sociedade, sendo ele
legitimado pela existência desta, na qual o convívio entre os seres humanos geram conflitos,
interesses e litígios, faz-se necessária a norma disciplinadora na busca da paz social.
Analisando o fenômeno jurídico, afirma-se que o direito, em cada momento
histórico, espelha a sociedade disciplinada por ele, e diante da atual realidade social vivida,
surgem conflitos e interesses novos, que em outras épocas inexistiam, exigindo normas
apropriadas para solução destes conflitos, interesses e direitos, no que diz respeito à proteção
do consumidor ou ainda à própria qualidade de vida ou à preservação do meio ambiente,
temas que envolvem um grande número de pessoas.
Com o propósito de analisar os interesses, conflitos e direitos relacionados à
defesa do consumidor, observa-se na sociedade moderna que estas situações não estão
relacionadas apenas com o indivíduo, mas também com a coletividade, apresentando-se o
contrato como o objeto do Código de Defesa do Consumidor que é a proteção contratual nas
relações de consumo
43
. Diante disso, torna-se importante a análise dos contratos na sociedade
de consumo.
2.1 OS CONTRATOS DE MASSA E A NOVA REALIDADE CONTRATUAL
Nos dias atuais, na sociedade de consumo há uma necessidade de levar em
consideração o fato da existência de um sistema de produção e de distribuição de bens e
43
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 429.
32
serviços em grande escala, em conseqüência deste fenômeno social, econômico e jurídico, a
concepção tradicional de contrato deixou de ser freqüente com a existência de discussão
individual e livre das cláusulas de acordos de vontades, passando a ser contratos
estandardizados e pré-estabelecidos.
Segundo Marques
44
, esta situação degradou na despersonalização e
desmaterialização do comércio jurídico, afirmando:
Por uma questão de economia, de racionalização, de praticidade e mesmo de
segurança, a empresa predispõe antecipadamente um esquema contratual,
oferecido à simples adesão dos consumidores, isto é, pré-redige um complexo
uniforme de cláusulas, que serão aplicáveis indistintamente a toda esta série de
futuras relações contratuais.
Este tipo de contrato de massa encontra-se legitimado pela economia e
reconhecido pelo direito, havendo a necessidade de se discutir quanto ao equilíbrio social
entre o indivíduo consumidor, e aquele que detém a posição negocial de elaborar referida
obrigação contratual.
Esta realidade contratual encontra-se presente e não pode ser ignorada,
havendo o imperativo de adeqüá-la ao equilíbrio contratual. Para tanto, será objeto de análise
o contrato de massa por adesão, entendido como sendo “escrito, preparados e impressos com
anterioridade pelo fornecedor, nos quais só resta preencher os espaços referentes à
identificação do comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato”
45
.
Esta forma de pactuação em massa tornou-se imprescindível ao atual sistema
de produção e de distribuição em grande escala, trazendo vantagens para os fornecedores
dentre elas a rapidez, a segurança, a previsão dos riscos, em contrapartida ressalta nesta forma
de contratação um perigo aos contratantes em posição de vulnerabilidade. Conforme salienta
44
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002, p.
52.
45
Ibid., p. 56.
33
Mendes
46
, ocorre a adesão dos consumidores sem o conhecimento intrínseco das cláusulas
vigentes, numa manifestação de confiança depositada na empresa que contrata, única
responsável pela elaboração do pacto, objetivando um amparo que almeja, com um resguardo
de um direito mais social.
Nos contratos de massa, esta confiança depositada pelo consumidor nem
sempre retribui no instrumento contratual unilateralmente elaborado, demonstrando a
supremacia do interesse dos fornecedores em detrimento dos direitos dos consumidores, fato
que deve ser abruptamente repelido pelo direito, para que possa atender aos seus reais fins.
Um dos métodos de contratação em massa, objeto de análise deste trabalho,
são os chamados contratos de adesão, conceituados pelo caput do artigo 54 do Código de
Defesa do Consumidor, que define como sendo aquele “cujas cláusulas tenham sido
aprovadas pela autoridade competente estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo”.
Nery Júnior
47
salienta que o contrato de adesão “não encerra novo tipo
contratual ou categoria autônoma de contrato, mas somente técnica de formação do contrato,
que pode ser aplicada a qualquer categoria ou tipo contratual”, nos casos em que se busca a
agilidade na terminação do negócio que se pretende.
Nas palavras de Marques
48
:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas
unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte
(fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa
discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito.
46
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 58.
47
NERY JÚNIOR. Nelson... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 551
48
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002, p.
58-59.
34
O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme,
geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à
identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço.
Desta forma, nestes contratos estandes inexistem discussão individual e livre
de cláusulas de acordo de vontades, caracterizando-se o consentimento pela adesão do
consumidor ao contrato preestabelecido, ou seja, a simples adesão ao contrato corresponde ao
consentimento do consumidor em contratar.
As regras do contrato de adesão são elaboradas pelo fornecedor dos produtos
ou serviços, com exceção de alguns contratos oferecidos à adesão que se referem à matéria
atinente ao controle de recomendações ou imposições de associações profissionais, assim
como a lei ou regulamento administrativo podem limitar o teor das cláusulas contratuais
nestes contratos, chamados de contratos “dirigidos” ou “ditados”.
49
Passa a existir pactuação pela modalidade de adesão a partir do momento da
formação do vínculo obrigacional que se dá pela manifestação de vontade do consumidor.
Segundo a explanação de Mendes
50
, a adesão do consumidor entendida como
consentimento “é que provoca o nascimento do contrato, a concretização do vínculo
contratual entre as partes”. Referido consentimento preenche o requisito da necessária
declaração de vontade, na qual o consumidor passa a aceitar em massa as regras
preestabelecidas pelo fornecedor, o que torna uma lamentável ocorrência de adesão em grande
escala de contratos que sequer são lidos ou entendidos pelos diversos aderentes.
Não deixa de ser uma facilidade ao fornecedor de impor regras contratuais de
difícil compreensão, as quais os consumidores, na ânsia de obterem o produto ou serviço
oferecido, aderem sem compreender as obrigações ditadas pelas mesmas. Somando-se a este
fato os contratos em si, que muitas vezes são pré-impressos com escritas minúsculas, de cores
49
Ibid., p. 60.
50
MARQUES, Op. cit., p. 62.
35
que confundem e desinteressam a leitura, sem dizer, do uso de vocabulários de difícil
compreensão.
Diante destas assertivas, para a validade do contrato de adesão faz-se
necessária apenas a capacidade dos contratantes, a aceitação das regras fixadas no pacto,
caracterizando-se uma adesão manifestada de maneira intricada no instrumento, tornando-se
irrelevante a existência de erro nestes contratos.
Em contrapartida, em contratos com cláusulas de fácil compreensão, como
ocorreu no julgado em que o consumidor pretendia reembolso de despesas, onde o contrato de
seguros-saúde desobrigava expressamente a empresa contratada a efetuar o reembolso, a
pacta sunt servanda, opera, conforme entendeu o Relator Desembargador Mauricio Vidigal
em 04/11/2003, com a seguinte ementa:
SEGURO-SAÚDE – Tutela antecipatória - Pretendido reembolso das despesas
efetuadas com transplante de órgãos – Inadmissibilidade se o contrato exclui
da cobertura, por meio de cláusula contratual expressa e de fácil compreensão,
esse tipo de procedimento cirúrgico.
Ementa da Redação: Não se admite a concessão de tutela antecipada visando o
reembolso das despesas efetuadas com transplante de órgãos se o contrato de
seguro-saúde exclui da cobertura securitária, por meio de cláusula contratual
expressa e de fácil compreensão, esse tipo de procedimento cirúrgico.
51
A superioridade econômica e social do fornecedor é flagrante, abrindo margem
para a existência de abusos contratuais.
E por esta razão, existe nestes contratos a liberdade contratual que pela atuação
do Estado, esta liberdade é limitada, imperando as normas de ordem pública. Assim, é
assegurado ao contratante-adquirente o direito de conhecer todo o conteúdo dos dispositivos
contratuais, em respeito ao princípio da boa-fé contratual, em atenção ao direito à informação.
51
AgIn 311.846-4/8 – 1ª. Câm. - Revista dos Tribunais, ano 93. Volume 823. Maio de 2004. p. 204.
36
Outrossim, o contrato deve preservar pela justiça, ou seja, deve manter o
equilíbrio de direitos e obrigações entre as partes, bem como perante terceiros, reduzindo a
coação imposta pelo absolutismo econômico.
No que diz respeito às regras de interpretação do contrato, prevalece a real
intenção das partes; a cláusula ambígüa deve ser entendida no sentido em que pode gerar
efeitos, se for o que mais convém à natureza do contrato; a cláusula ambígua se interpreta
conforme o uso local; cláusula deve ser entendida no sentido em que pode gerar efeitos, se for
o que mais convém à natureza do contrato; na dúvida, a cláusula deve ser interpretada contra
quem a estipula; mesmo dos dispositivos mais genéricos somente compreendem o que as
partes pretendem dizer; tratando-se o objeto do contrato de uma universalidade, encontram-se
nela compreendidas as coisas particulares que a compõe; não se restringe a extensão da
obrigação pela ausência de dispositivo expresso a respeito; a cláusula concebida no plural se
distribui em singulares; o que está no fim de uma frase se refere a todo o seu conteúdo, e não
àquilo que precede imediatamente.
52
Neste sentido são os entendimentos de alguns julgados, no caso do contrato de
seguro-saúde, a empresa contratada excluiu antecipadamente a cobertura de despesas com o
procedimento cirúrgico para o diagnóstico de obesidade mórbida. Trata-se de uma doença em
que deve ser objeto de cobertura total do seguro, não podendo o fornecedor se eximir da
obrigação por simples literalidade sua, ademais assenta o relator Desembargador Oldemar
Azevedo, que decidiu caso semelhante em 18.05.2005, com a seguinte ementa:
SEGURO-SAÚDE – Consumidor – Exclusão da cobertura das despesas com o
procedimento cirúrgico para o diagnóstico de obesidade mórbida –
Inaplicabilidade – Cláusula manifestamente abusiva – Interpretação mais
favorável à segunda que se impõe – Inteligência da Lei 9.656/98.
Ementa da Redação: Mostra-se abusiva a cláusula que, em contrato de seguro-
saúde, exclui expressamente da cobertura do plano as despesas com o
52
LISBOA. Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2 ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2000, p.
166.
37
procedimento cirúrgico indicado para o diagnóstico de obesidade mórbida, já
que, no contrato entre as partes assinado, incide o Código de Defesa do
Consumidor – que impõe a interpretação mais favorável à segurada – além da
Lei 9.656/98, que determina a cobertura para as doenças assinaladas pela
Organização Mundial de Saúde
53
.
Quanto à proteção dos direitos da personalidade do aderente nos contratos de
massa, devem ser preservados os direitos à vida, à saúde e à segurança do aderente, e de
terceiros são protegidos pelos direitos sociais.
2.1.1 Os Princípios Norteadores dos Contratos de Massa
Nos contratos de massa, alguns princípios devem ser impreterivelmente
respeitados, dentre eles, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, no qual é vedada a
excessiva onerosidade do consumidor aderente.
O consumidor que é conceituado pelo artigo 2° do Código de Defesa do
Consumidor
54
, que apresenta o caráter econômico em sua conceituação ao considerar apenas
o sujeito relativo ao mercado de consumo que adquire bens ou contrata a prestação de
serviços
55
. O Código de Defesa do Consumidor tem o objetivo de tutelar direito básico do
consumidor que se apresenta à parte mais fraca da relação processual, pois “não dispõe de
controle sobre os bens de produção, e por conseguinte, deve se submeter ao poder dos
titulares deste”
56
.
A situação de vulnerabilidade do consumidor apresenta-se como a sustentação
da proteção ao consumidor, e também como o fundamento do movimento protecionista. A
53
Ap 357.054-04/0-00 – 5ª. Câm. – TJSP – na Revista dos Tribunais, ano 94. Volume 838. Agosto de 2005. p.
219.
54
Art. 2º: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.
55
FILOMENO, José Geraldo Brito in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do
consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6
ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.26.
56
Ibid., p. 54.
38
situação de vulnerabilidade está reconhecida mundialmente, asseverando Almeida
57
que não
se duvida da vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo sobre a qual “apresenta
ele sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico”. Ainda, nas relações de
consumo é, para Saad
58
“mais fácil o consumidor ser lesado em seus direitos que o
fornecedor, o que importa dizer que ele é mais vulnerável ao dano que o fornecedor”.
O princípio da informação, onde o hipossuficiente tem direito à informação
clara e verdadeira, para a compreensão daquilo que está se obrigando através de contrato. O
Princípio do in dúbio pro aderente, que em caso de dúvida, interpreta-se o contrato em favor
do aderente, em função da presunção da hipossuficiência. A intransmissibilidade das
obrigações ex lege, em que o predisponente não pode transferir ao aderente obrigações que lhe
são legalmente impostas.
Por tratar-se de norma jurídica de ordem pública, descabe à disposição de
direitos, assim, a transferência das obrigações ao aderente torna-se nula de pleno direito.
Ainda há que ser respeitado o princípio da reparação do dano, em que todo o dano patrimonial
ou moral decorrente de responsabilidade contratual ensejará indenização contra quem praticou
o ato. Assim, toda a cláusula que excluir o dever de indenizar é considerada nula.
Existe ainda a necessidade de respeito ao princípio da responsabilidade da
oferta, reprimindo a propaganda abusiva ou enganosa, pois em caso de publicidade, a
veracidade dos fatos nela descritos incumbe àquele que patrocina o anúncio.
Quanto ao princípio da boa-fé, as partes são obrigadas a cumprir seus deveres
assumidos no contrato. A doutrina tece ainda considerações quanto á cláusula penal nos
contratos de consumo, o hipossuficiente não pode perder o montante total pago, em caso de
inadimplemento, a título de cláusula penal.
57
ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 17.
58
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários do código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2002, p.
148.
39
Adverte Lisboa
59
que o intervencionismo do Estado, que adentra neste campo
privado dos contratos, vem para igualar as partes, evitando os abusos proporcionados pela
doutrina individualista. Tratam-se de normas de ordem pública, de índole política, econômica
e social. Esse intervencionismo estatal encontra-se presente nas relações trabalhistas, no
direito previdenciário, bem como, nas relações de consumo, em defesa do hipossuficiente,
contra o abuso do poder econômico.
A Presença do Estado se verifica através da ação governamental tendente à
harmonia na relação de consumo. Trata-se de corolário do princípio da vulnerabilidade do
consumidor, atuando o Estado na defesa da parte mais fraca da relação.
Através de ações governamentais direta e indiretamente, o Estado organiza-se
para “atender aos interessados e dar sustentação às atividades fiscalizadoras conducentes a
sanções administrativas, penais e civis”
60
.
O princípio da presença do Estado vem sendo descumprido diante da edição de
normas constitucionais que asseguram a defesa do consumidor pelo Poder Público
61
, e assim
editou-se lei específica para a proteção do consumidor, com a sustentação dos órgãos
administrativos de defesa do consumidor
62
.
Ainda como princípio a ser respeitado tem-se a coibição de abusos, advertindo
Almeida
63
que a Política de Relações de Consumo “não será completa se não dispuser sobre a
coibição dos abusos praticados no mercado de consumo”.
59
LISBOA. Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2. ed. Revista dos Tribunais: São Paulo. 2000, p
178-180.
60
Ibid., p. 149.
61
O Art. 5°, inciso XXXII da Constituição Federal assim dispõe: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
62
A estimulação do Estado para a criação de associações representativas dos consumidores, advertindo Saad que
poderia o Estado criar “centros de treinamento e capacitação dos administradores de tais sociedades, o que
aumentaria consideravelmente as probabilidades de sucesso dos programas por elas adotados”. LISBOA, op. cit.
p. 149.
63
ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 18.
40
Assim, pauta-se a proteção do consumidor na repressão do descomedimento
por parte do fornecedor, em verdadeira aversão a qualquer tipo de prática abusiva que possa
ser praticada em prejuízo a uma das partes na relação de consumo. Nota-se que prevenção
eficiente de prática abusiva vem representar “desestímulo dos potenciais fraudadores”
64
.
O incentivo ao autocontrole atém-se ao princípio de oportunizar ao fornecedor
a abstenção de prática abusiva através de um controle voluntário, ou seja, oportunizar o
impedimento à existência de práticas abusivas, mediante o controle da qualidade dos bens ou
serviços fornecidos ou prestados, a prática de recall, convocando consumidores de bens
produzidos em série e que contenham defeitos de fabricação, arcando com as despesas por tal
prática; ainda pelo incentivo à criação, pelas empresas de centros de serviços de atendimento
ao consumidor
65
.
Ainda para a busca do equilíbrio nas relações de consumo, torna-se necessária
a conscientização do consumidor e do fornecedor, para que atentam para os interesses
particulares de cada parte, evitando o conflito. Adverte Batista que “quanto maior o grau de
conscientização das partes envolvidas, menor será o índice de conflito nas relações de
consumo”
66
.
Ressalta-se ainda o respeito ao princípio da razoabilidade, onde o julgador
busca alcançar o bom senso, como o objetivo de determinar o equilíbrio do negócio jurídico,
compatibilizando os interesses da empresa com a necessidade coletiva.
No que tange ao princípio da inaplicabilidade da cláusula de eleição de foro,
está reconhecida a eficácia da cláusula de eleição de foro nos contratos de adesão, desde que
dela não resulte dificuldade de acesso à Justiça para o aderente.
Ao tratar da responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, é objetiva a
culpa do predisponente pelo vício ou defeito do bem negociado. Esse defeito pode ser causado
64
Ibid., p. 18.
65
ALMEIDA, op. cit. p. 19-20.
66
Ibid., p. 20.
41
pela má qualidade, ou menor quantidade do produto, que o torne impróprio ou inadequado
para o consumo.
Ademais, quanto ao controle das cláusulas negociais gerais, a lei confere ampla
legitimidade para a sua ocorrência, pois o próprio aderente, assim como associações que o
representam, bem como o Ministério Público, podem intervir a fim de erradicar do contrato
cláusula geral contrária ao sistema protetivo ao hipossuficiente.
Esse controle poderá ser feito judicialmente ou extrajudicial. Os entes
legitimados para a tutela do hipossuficiente poderão tomar providências administrativas como
formas de controle de cláusulas negociais abusivas, junto aos órgãos de fiscalização. As
autoridades administrativas poderão, usando do poder de polícia, coibir comportamento e
atitudes de empresas que contrariem o interesse social coletivo.
Sendo assim, os contratos de adesão são caracterizados pela massificação de
seu conteúdo preestabelecido de forma unilateral, fator que deixa vulnerável a condição de
uma das partes contratantes (aderente), diante da facilidade de inclusão de cláusulas abusivas
que asseguram vantagens unilaterais e excessivas para o fornecedor que as elabora
67
.
Dentro desta possibilidade intrínseca de abuso, o caráter social envolvido nos
contratos de massa retira a abusividade para que haja um equilíbrio de forças entre os
contratantes. E assim, diante do direito processual fundamental do indivíduo, ou ainda da
coletividade prejudicada em seu direito, o Estado deve oferecer meios hábeis para a defesa
dos seus interesses, servindo a tutela inibitória como um dos meios capazes de atuar na esfera
de proteção do direito lesado ou ameaçado de lesão.
67
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p.
64-65.
42
2.2 AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS FUTUROS
Os contratos relacionados aos consumidores encontram-se submetidos a
algumas condições gerais. Referidas condições disciplinam o contrato específico, podendo o
mesmo ser escrito ou não, aceito tácita ou implicitamente pelo consumidor, contendo
cláusulas preestabelecidas unilateralmente pelo fornecedor.
A doutrina européia caracteriza as principais condições gerais, a qual segundo
a explanação de Marques
68
, trata-se de cláusulas ou condições de um contrato,
independentemente do tipo de contrato e de onde se localizam, bem como se referem às
cláusulas pré-elaboradas que antecipam a conclusão do contrato por uma das partes ou
terceiros para que sejam incluídas em um futuro contrato, destinando-se para um número
múltiplo e indeterminado de contratos, e não pré-elaboradas para um único contrato.
Finalizando com a característica de que as cláusulas são pré-elaboradas unilateralmente por
um dos contraentes, ou mesmo por terceiros, e são apresentadas à aceitação dos outros.
As condições gerais dos contratos (CONDGs) têm origem junto à
industrialização da sociedade, e se diferencia do contrato de adesão pela peculiaridade de
englobar este contrato pré-formulado unilateralmente, como também se caracteriza pela oferta
concretizada do fornecedor, realizado de todas as formas possíveis, saliente Marques
69
:
Cabe lembrar, igualmente, que as CONDGs podem constituir uma parte
externa ao contrato, um anexo, um cartaz afixado no estabelecimento, ou, ao
contrário, podem estar inseridas no texto do documento contratual, não
importando a sua extensão, o modo como estão escritas, a sua autoria ou a
forma e tipo do contrato.
68
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2002 p.
67-68.
69
Ibid., p. 68.
43
A inclusão de condições gerais de contratos do consumidor pode assumir
variadas formas, podendo representar a forma escrita ou não, assim, não detém status de
norma legal, pois necessariamente dependem da inserção de um contrato para que possam
gozar de força obrigatória. Destarte, a aceitação do consumidor é imperativo para a validade
do contrato, que se opera com o conhecimento ou pela oportunidade de ter conhecimento de
sua inclusão no contrato.
Salienta Marques
70
que referidas condições gerais podem gerar influências na
decisão do consumidor, o que justifica o dever de informação por parte do fornecedor para o
uso das mesmas. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor exige o dever de informação
por parte do fornecedor, conforme artigos 30
71
e 46
72
do Código de Defesa do Consumidor.
Adverte-se ainda que não basta a simples menção das condições gerais usadas no contrato,
faz-se necessária a possibilidade do consumidor em entender pela simples leitura das mesmas,
bem como aceitá-las de forma tácita ou expressa, mas, principalmente exarar o seu
consentimento.
Da mesma forma, a interpretação das condições gerais dos contratos deve
buscar o equilíbrio contratual entre as partes, pois a boa-fé na interpretação dos negócios
jurídicos deve ser imperativa. O Código Civil de 2002 ao trazer o art. 113, dispõe que: “os
negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
elaboração”, bem como no art. 422 do mesmo codex: “os contratantes são obrigados a
guardar, assim a conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé”.
70
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2002, p.
64-72.
71
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de
comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer
veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
72
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for
dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem
redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
44
O artigo 47
73
do Código de Defesa do Consumidor também determina a
adequação mais benéfica ao hipossuficiente, trazendo o controle das cláusulas abusivas no
artigo 51, que dão embasamento legal para que se respeite à confiança depositada pelos
consumidores e os interesses dos mesmos ao acolherem as disposições pré-elaboradas.
Como se verifica, em se tratando de contratos submetidos às disposições de
Condições Gerais dos Contratos, inexiste liberdade entre as partes para determinar e discutir
conteúdo, diante da característica da pré-elaboração unilateral das cláusulas e condições, o
que abre uma grande margem à existência de cláusulas abusivas, necessitando da intervenção
estatal para a busca do equilíbrio contratual, da proteção do hipossuficiente, da inibição de
injustiças e lesão ou ameaça de lesão a direito do consumidor.
2.3 A CLÁUSULA GERAL ABUSIVA NOS CONTRATOS DE MASSA E AÇÃO
INIBITÓRIA
O assunto a ser tratado consubstancia um apanhado para a proteção contratual
dos consumidores, e dentro desta perspectiva de amparo, tem-se que esta proteção advém da
ampliação do princípio da conservação das cláusulas contratuais.
As cláusulas contratuais elaboradas destinam-se a fortificar o caráter
econômico e jurídico do fornecedor que as comanda, sendo assim, o objetivo destas cláusulas
não é realizar o equilíbrio das obrigações entre as partes.
74
Sendo assim, nos contratos de
massa ocorrem com não pouca freqüência, a diminuição dos seus deveres em relação ao
consumidor, que por sua posição vulnerável se depara com uma situação de disparidade na
relação negocial, na qual ocorre a supremacia do interesse do fornecedor ao interesse do
consumidor.
73
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
74
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002, p.
146.
45
Marques
75
adverte que:
A concepção e a redação unilateral pelo fornecedor do conteúdo do contrato,
como que convida à elaboração de cláusulas que primam pela unilateralidade
dos direitos asseguram, garantido vantagens somente para o fornecedor de
bens e serviços, quebrando o equilíbrio do contrato e enfraquecendo ainda
mais a posição contratual do consumidor .
O Código de Defesa do Consumidor regulamenta esta proteção através do
artigo 51
76
, conforme Neri Junior
77
, apresentando-se como “sinônima de cláusulas opressivas,
cláusulas vexatórias, cláusulas onerosas, ou ainda cláusulas excessivas”.
75
MARQUES. Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2002, p.
147.
76
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos
e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos
produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o
fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao
consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja
conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua
celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu
objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o
interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
§ 2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência,
apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
§ 3º (Vetado).
§ 4º É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a
competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste Código ou de
qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
46
Desta forma, segundo o princípio da proteção contratual dos consumidores, a
norma garante o direito de modificação das cláusulas contratuais ou a sua revisão quando o
contrato revelar prestação desproporcional diante do consumidor. Logo, se estiver presente no
pacto a desproporção entre prestação e contraprestação, estar-se-á diante de um contrato
abusivo, tendente a ter modificações em suas cláusulas para garantia do equilíbrio contratual
entre os contratantes
78
.
A proteção contratual do consumidor, em particular os que concernem aos
contratos que se desenvolvem por adesão, diante de sua extensa utilização no mercado de
consumo, frequentemente “negam o espaço próprio da autonomia da vontade na seara
contratual, não havendo possibilidade de discussão e individualização contratual.”
79
O Código Civil de 2002, em seu artigo 478, para reforçar a defesa do
consumidor contra a abusividade de cláusulas contratuais, prevê a resolução do contrato por
meio de sentença judicial, diante a ocorrência de onerosidade excessiva.
80
Outra modalidade protecionista nos contratos de consumo é a validação do
princípio da pacta sunt servanda somente se ajustado à cláusula rebus sic standibus. Ou seja,
os acordos de vontade nos contratos de massa persistirão desde que assente as condições
gerais na qual o contrato foi recebido. Na lição de Alvim
81
“eventos supervenientes à avença
contratual que tenham o condão de desequilibrar o que inicialmente havia sido aceitavelmente
ajustado, trazendo onerosidade excessiva ao consumidor, autorizam a revisão do primitivo
contrato, a fim de restabelecer a almejada igualdade de contratação”.
77
NERI JUNIOR, Nelson. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. 6
ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.489.
78
ALVIM, Arruda. et. al. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: RT, 1995, p. 63.
79
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Repensando o direito do consumidor: 15 anos do CDC. Org.
CONRADO, Marcelo. – Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, Coleção Comissões v. 1.
Curitiba: agosto de 2005, p. 28-29.
80
“Estas alterações deverão ser feitas preferencialmente de modo suasório, pelo comum acordo entre os
partícipes da relação de consumo objeto da relação contratual, todavia, em se mostrando necessária a provocação
da função jurisdicional do Estado...” ALVIM, Arruda. et. al. Código do Consumidor Comentado. São Paulo:
RT, 1995, p. 66.
81
Ibid., p. 66.
47
Neste sentido, adverte Saad
82
que “cláusulas que onerem sobremaneira o
consumidor, provocando o desequilíbrio que, de ordinário, deve haver entre as partes, são
chamadas de abusivas”.
O real objetivo do Código de Defesa do Consumidor é efetivamente o
adimplemento do contrato assumido pelas partes contratantes, onde a “nulidade das cláusulas,
em princípio não tem o poder de afetar todo o conteúdo do contrato.”
83
E, em respeito a este
objetivo, a interpretação das cláusulas devem ater-se às circunstâncias que atentam para a
preservação do contrato.
Destarte, as chamadas cláusulas contratuais abusivas para a proteção do
consumidor são assinaladas com verdadeiro repúdio pelo legislador, pois atentam contra a
proteção contratual, compreendendo não apenas o “problema das cláusulas abusivas como
também as condições gerais dos contratos e os contratos de adesão”
84
.
Conforme salientado no tópico dos contratos em massa, estas cláusulas
abusivas são encontradas, freqüentemente, atentando contra direito reconhecido do
consumidor. E, diante da infringência a direito tutelado, a presença das cláusulas contratuais
abusivas deve ser entendida como ilícitos contratuais. E ainda, a presença de cláusula abusiva
tem como unidade conceitual o significado de ilicitude, contrário às leis ou à moral, vedado,
defeso. Nas palavras de Marinoni
85
, trata-se de “ato contra ius que pode causar dano”.
O Código de Defesa do Consumidor trouxe o art. 83, com o seu parágrafo
único
86
vetado, entende Marinoni
87
, que a vedação do dispositivo demonstra uma verdadeira
82
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários do código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2002, p.
454.
83
ALMEIDA, João Batista. A proteção jurídica do consumidor. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 142-143.
84
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor. 2.ed. São Paulo: Edipro, 2000, p. 73.
85
MARINONI. Luiz Guilherme, Tutela inibitória, 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 45.
86
Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Parágrafo único. Poderá ser ajuizada, pelos legitimados no artigo anterior ou por qualquer interessado, ação
visando ao controle abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais. (VETADO)
87
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela específica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 112.
48
incompreensão do que seja a tutela inibitória, servindo o dispositivo vetado para impedir a
difusão de cláusulas gerais abusivas. E acrescenta:
Quando o referido parágrafo único aludiu a “controle abstrato e preventivo”,
ele desejou evidenciar a necessidade de um controle prévio e preventivo das
cláusulas contratuais gerais, ou, ainda, a imprescindibilidade de uma tutela
destinada a impedir a difusão de cláusulas abusivas ao público consumidor.
Como se sabe, as cláusulas contratuais gerais tem sido largamente utilizadas
nos contratos bancários, de seguro, de planos de saúde, de consórcios etc. Tais
cláusulas – que também marcam as relações entre o Poder Público e os
consumidores – não são efetivamente discutidas pelo consumidor, que na
verdade a elas adere; é por isso que se diz que são preestabelecidas.
A importância da proteção contratual assenta-se no fato de muitas vezes as
cláusulas contratuais regulamentarem bens imprescindíveis à vida do consumidor, e diante da
unilateralidade de sua fixação, diante de contratos de massa, o repúdio a sua prática se faz
necessário.
Adverte Marinoni
88
que a faculdade trazida pelo parágrafo 4°, do artigo 51 do
Código de Defesa do Consumidor, abre oportunidade para que a doutrina realize o controle
das cláusulas abusivas, vindo a ser identificado como um controle posterior à contratação
entre o consumidor e o fornecedor, apresentando-se como insatisfatório, vez que obriga o
consumidor a pactuar e se sujeitar à abusividade da cláusula, o que demonstra tratar-se de fato
custoso e prejudicial ao consumidor.
Inobstante o veto do parágrafo único do artigo 83, do Código de defesa do
consumidor, perdurou o explícito dispositivo para a efetiva e adequada tutela jurídica
processual de todos os direitos consagrados na defesa do consumidor
89
.
88
Ibid., p. 114.
89
WATANABE, Kazuo. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. 6
ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p.743.
49
Dentro desta perspectiva está a defesa do consumidor contra cláusulas
contratuais abusivas em contratos de massa, possibilitando a existência de uma ação coletiva
destinada a inibir o uso destas ilicitudes contratuais.
Assim, a necessidade de uma tutela inibitória, prestada para a conservação e
integridade do direito, serve como sustentáculo processual absoluto para evitar que
determinada(s) cláusula(s) considerada(s) abusiva(s) seja(m) utilizada(s) em contratos futuros
de consumo. Existe uma necessidade de se tutelar direito na forma específica, inibindo a
prática abusiva de forma preventiva, e este é o objetivo a ação inibitória. Pretendendo-se
evitar a continuação da abusividade (ilícito) nos contratos em vigência, bem como a utilização
das mesmas nos contratos que ainda não foram efetivados. E adverte Marinoni
90
:
Note-se que o próprio Código de Defesa do Consumidor enumera algumas
cláusulas reputadas abusivas, submetendo-as ao regime da nulidade de pleno
direito (art. 51, CDC). Ora, de nada adiante definir as cláusulas gerais
abusivas e deixar que elas possam circular impunemente em prejuízo do
consumidor, que somente poderá discuti-las em concreto, isto é, após ter sido
submetido à abusividade.
E acrescenta:
Admitir que o consumidor somente pode discutir a abusividade da cláusula em
concreto é não perceber que a ação que objetiva cobrar o que não deveria ter
sido pago – ou a ação desconstitutiva – sempre o prejudica, beneficiando na
mesma proporção o estipulante. Se o consumidor é obrigado a desembolsar
determinado valor, muitas vezes fundamental para o seu sustento, apenas em
razão de uma cláusula abusiva, é evidente que a tutela repressiva, que chegará
alguns anos depois, o prejudicará, beneficiando na mesma proporção o
estipulante.
Pelos próprios princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor,
seria inconcebível a existência da lesão a direito para oportunizar discussão judicial quanto à
abusividade ou não do contrato, ou de suas cláusulas. Aguardar a ocorrência de ato contrário
ao direito para que se abra margem para a tutela do Estado, é o mesmo que negar o direito
90
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela específica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 116.
50
fundamental processual do consumidor, que tem o amparo de ter o seu direito tutelado mesmo
quando este se encontre sobre qualquer ameaça de lesão.
Esta é a tarefa da ação inibitória, que na sua forma pura evita a ocorrência de
ilícito a direito. Nota-se que existe uma enorme diferença entre a existência de ilícito e o
dano, que antes eram vistos como sinônimos pela idéia de que “ilicitude e responsabilidade
civil constitui reflexo da idéia de que toda violação de direito pode ser valorada em pecúnia”
91
. O direito de impedir a violação a direito, ou de remover o ato que lhe é contrário, nada tem
a ver com o dano, sendo este uma conseqüência da violação ocorrida.
Antigamente não se vislumbrava a existência de direito que não podia ser
adequadamente tutelado mediante a via ressarcitória, sendo este o único meio de tutelar
direito.
92
Aceitar a via ressarcitória como a única forma de tutela contra o ilícito é o mesmo
que admitir lesão a direito do consumidor, que somente poderá reclamar após a aceitação e
contratação de um contrato abusivo.
A aceitação da ação inibitória é de suma importância para a defesa coletiva do
consumidor, pois visa unicamente evitar a prática, a repetição ou a continuação de uma
conduta abusiva que fere direito da parte mais fraca da relação contratual.
Adverte Marinoni que:
93
Considerando-se que muitos bens, imprescindíveis para a vida do cidadão,
somente podem ser obtidos mediante a contratação de uma determinada
pessoa, classe de pessoas ou como Poder Público, o consumidor, que não pode
se dar ao luxo de se submeter à cláusula abusiva para depois discuti-la, pode
ser obrigado a abrir mão de um produto ou de um serviço essencial, o que
certamente não pode ser desconsiderado quando está pensando em
instrumentos adequados para a tutela dos direitos.
91
Marinoni adverte que o ilícito não está ligado a pecúnia, mas sim em fato danoso, que muitas vezes pode
removido independentemente de ter provocado dano. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e
tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 158.
92
Id., Tutela específica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 25.
93
Ibid., p. 116.
51
Sendo assim, ação inibitória contra o uso de cláusulas contratuais abusivas
pode ser utilizada para a proteção coletiva do direito dos consumidores
94
, evitando-se que
cláusulas consideradas abusivas possam vincular e comprometer direito do consumidor,
permitindo a existência de atuação do Estado na defesa deste direito e na inibição do uso de
cláusulas abusivas, que poderão ser impedidas anteriormente à contratação. Este fato
demonstra que o Código de Defesa do Consumidor previu a possibilidade de defesa coletiva
dos consumidores, ainda que indetermináveis
95
, atribuindo amplitude aos chamados interesses
coletivos.
94
Com base no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal, bem como do artigo 83 do CDC, encontra-se
garantida a defesa do consumidor, que poderá utilizar-se de todos os meios processuais de defesa, capazes de
propiciar a efetiva e adequada tutela dos direitos.
95
Prevê o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos
consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza
indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
52
CAPÍTULO III
AÇÕES COLETIVAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O art. 83
96
do Código de Defesa do Consumidor admite todas as espécies de
ações capazes de proporcionar a proteção do direito individual e coletivo do consumidor.
Assevera Watanabe
97
que referido dispositivo torna explícito “o princípio da
efetiva e adequada proteção jurídica processual de todos os direitos consagrados no Código”.
Trata-se de norma auto aplicável pois dela se extrai as várias conseqüências
tais como a realização processual de oferecer exatamente o que o sujeito tem de direito, retirar
do sistema processual uma ação capaz de proporcionar a proteção efetiva dos direitos dos
consumidores, atribuindo uma amplitude na proteção dos direitos patrimoniais e não
patrimoniais, tutelando de forma completa o direito “à vida, à saúde, à integridade física e
mental e à personalidade”
98
.
Assim, para tratamento coletivo dos interesses sociais, sejam eles de natureza
difusa, coletiva ou individuais homogêneos, a ação coletiva foi criada para facilitar o acesso
de consumidores lesados à apreciação do Judiciário.
Ressalta-se que o processo coletivo trata de sistema totalmente desligado do
processo civil individual, advertindo Leonel
99
que o legislador brasileiro, a partir dos anos
noventa passou a adotar leis direcionadas ao amparo de segmentos das circunstância jurídicas
coletivas:
Além da já existente Lei da ação popular (Lei. 4.717/65), são exemplos de
instrumentos legislativos voltados à tutela coletiva: a Lei da ação civil pública
96
Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
97
WATANABE, Kazuo. In GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do
consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 743.
98
Ibid., p. 743.
99
LEONEL, Ricardo de Barros. Ações coletivas: nota sobre competência, liquidação e execução. Revista de
Processo, Ano 31, n. 132, fevereiro de 2006, RT, p. 33.
53
(Lei 7.347/85), a Lei de defesa das pessoas portadoras de deficiência (Lei
7.853/89), a Lei de defesa dos investidores do mercado de valores mobiliários
(Lei 7.913/89), o Estatuto da criança e do adolescente (Lei 8.069/90), o
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a Lei de improbidade
administrativa (Lei 8.429/92), a Lei para defesa da ordem econômica e da
livre concorrência (Lei 8.884/94).
Topan
100
, ao analisar as ações coletivas, esclarece:
O legislador acordou também para certos agrupamentos de interesses que
mereciam, apesar de não serem ao molde dos interesses difusos e coletivos,
transindividuais, atenção do Estado, pela importância que refletiam no
exercício e respeito à cidadania, v.g., direitos do consumidor, vítimas de
catástrofes coletivas, etc.
E acrescenta:
Aí reside a verdadeira ratio, que cria a necessidade de institutos processuais
(ação coletiva, ação civil pública, etc) e instituições (Ministério Público) com
mister de proteção para o tratamento coletivo dos interesses sociais, sejam
difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Diante da previsão legal de legitimidade de todas as ações, capazes de atender
a defesa dos direitos e interesses dos consumidores na esfera coletiva, as espécies de ações
coletivas previstas no ordenamento jurídico processual brasileiro, que podem ser utilizadas
para atender a defesa do consumidor, são as ações coletivas stricto sensu, a ação civil pública,
o mandado de segurança coletivo, a ação popular, cada qual com suas características
peculiares, e que serão brevemente destacadas, pois o objeto deste trabalho é atentar para a
ação coletiva inibitória.
O artigo 91
101
, do Código de Defesa do Consumidor, prevê ação coletiva
stricto sensu para a defesa dos interesses individuais homogêneos, ou seja, “aqueles em que o
100
TOPAN, Luiz Renato. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
1998, p 40-41.
101
Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou
seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o
disposto nos artigos seguintes.
54
interesse é individualizado na pessoa de cada um dos prejudicados, fazendo com que as
pessoas sejam determináveis”
102
. Cria-se um meio hábil para a proteção conjunta de
direitos afetos às relações de consumo quando houver lesão alastrada por fato de origem
comum.
Embora o artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor se refira,
especificamente, para a ação coletiva de responsabilidade por danos individualmente sofridos,
os entes legitimados mencionados no art. 82
103
, do referido codex, são aptos a ajuizar
quaisquer ações coletivas, desde que baseadas em interesses ou direitos difusos, coletivos ou
individuais homogêneos. Para tanto adverte Bortolai
104
:
O Ministério Público, se não ajuizar a ação, atuará sempre como fiscal da lei
(art. 92); ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a
causa a Justiça local no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano,
quando de âmbito local (art. 93, I), ou no foro da Capital do Estado ou no
Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as
regras de competência do Código de Processo Civil aos casos de competência
concorrente ( art. 93, II); proposta a ação, será publicada em edital no órgão
oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como
litisconsortes, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação
social por parte dos órgãos de defesa do consumidor (art. 94); em caso de
procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a
responsabilidade do réu pelos danos causados (art. 95).
102
PAULA. Bruna Valentina Moreira de. As ações coletivas na defesa do consumidor. Revista de Ciências
Jurídicas e Sociais da Unipar. Universidade Paranaense, v. 1, n. 1, Jul./Dez., 1998. Toledo: UNIPAR, 2003,
p.142.
103
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a
defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1º O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes,
quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância
do bem jurídico a ser protegido.
104
BORTOLAI, Edson Cosac. Da defesa do consumidor em juízo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 79.
55
Ainda, segundo Topan
105
, a ação coletiva stricto sensu trata-se de uma espécie
da ação civil pública, diante do significado de “instrumento apto a provocar a jurisdição no
escopo de uma tutela a interesses com teor social, ditos públicos primários”.
Acrescenta Bortolai
106
que as disposições baseadas no direito do consumidor,
no âmbito individual ou coletivo, serão aplicadas as normas do Código de Processo Civil e da
Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, inclusive no que concerne ao inquérito civil,
tratando-se de uma referência trazida pelo artigo 90
107
do Código de Defesa do Consumidor.
Estando diante de interesses grupais ou coletivos, que se manifestam comuns a
uma determinada coletividade, impondo soluções homogêneas para a composição de
conflitos, o Ministério Público é um ente legitimado a propor a Ação Civil Pública, visando
resguardar a ordem jurídica protetora dos interesses coletivos dos consumidores. O Ministério
Público, no âmbito das relações de consumo, de dimensão coletiva, tem legitimidade ativa
para defender os interesses coletivos dos consumidores da sociedade, utilizando-se, para isso,
da ação civil pública, que pode ser precedida, ou não, de inquérito civil para apuração de
fatos.
Acrescenta Tomaszewski
108
:
A ação civil pública foi idealizada no intuito de ser um instrumento apto a
proteger direitos e interesses relacionados ao meio ambiente, mas passou
também a ser utilizada, entre outras, para a proteção de pessoas portadoras de
deficiência (Lei 7853/89), para a apuração de responsabilidade por danos
causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, Lei 7913/89,
proteção dos direitos da criança e do adolescente, Lei 9.69/90, para o
resguardo e a defesa dos direitos do consumidor, Lei 8079/90.
105
TOPAN, Luiz Renato. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
1998, p 48
106
BORTOLAI, Edson Cosac. Da defesa do consumidor em juízo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 86.
107
Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347,
de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
108
TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. A tutela jurisdicional dos direitos difusos e coletivos. Disponível
na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br.
56
Criada pela Lei nº 7.347, de 1985, a ação civil pública é estruturada para
instrumentalizar demandas preventivas, cominatórias, reparatórias e cautelares de quaisquer
direitos e interesses difusos e coletivos.
Válido ainda é tecer breves comentários sobre a Ação Popular, prevista na Lei
nº. 4.717, de 1965, que constitui também um instrumento de defesa de interesses difusos e
coletivos. Referida medida tem como escopo anular ato lesivo ao patrimônio público ou a
entidade em que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural.
Hely Lopes Meirelles
109
conceitua o referido instituto processual como:
Meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a
invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados –
ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas
autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com
dinheiros públicos.
Isso dificilmente pode ocorrer numa relação de consumo, mas diante de uma
situação hipotética, o Ministério Público, neste caso, acompanhará a ação, cabendo-lhe
apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela
incidirem, sendo vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos
seus autores.
A distinção desta medida com a ação coletiva e a ação civil pública assenta no
fato de estas se tratarem de ações não- individuais que objetivam interesses coletivos, ao
passo que a ação popular trata-se de uma ação eminentemente individual, porém objetivando
interesses coletivos. Diante da finalidade coletiva da ação popular, ela é considerada também
como uma ação coletiva, que assim se qualifica por seu real objetivo
110
.
109
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ação popular. 9
ª
ed. ampl. – São Paulo: RT, 1983, p.
81.
110
BORTOLAI, Edson Cosac. Da defesa do consumidor em juízo. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 90.
57
Ainda como medida coletiva prevê a Constituição Federal, em seu art. 5° ,
inciso LXX
111
, a legitimidade dos entes para a impetração de mandado de segurança coletivo,
atuando na defesa de interesses difusos e coletivos. Assim, encontram-se habilitados a
defender coletivamente direitos individuais de consumidores com base no art. 127 da CF,
juntamente com os arts. 91 e 92 do Código de Defesa do Consumidor.
Destarte, estas relações de instrumentos processuais não se esgotam, pois,
conforme prevê o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, para a defesa dos direitos e
interesses protegidos pela lei consumerista são admissíveis todas as espécies de ações capazes
de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Ou seja, ações condenatórias, declaratórias,
constitutivas, executivas lato sensu, e mandamentais.
Dentro deste contexto das ações, importante trazer a previsão do art. 87
112
do
Código de Defesa do Consumidor, que prevê a isenção de custas, emolumentos e honorários
referentes a toda e qualquer ação coletiva.
Na interpretação de Watanabe
113
este benefício legal facilita o acesso à justiça
dos direitos em juízo.
Imperioso ainda destacar que nas ações coletivas de consumo encontra-se
proibido o instituto processual da denunciação da lide. Com fundamento no artigo 88
114
do
111
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
...
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo
menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
112
Art. 87. Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adiantamento de custas, emolumentos,
honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-
fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.
Parágrafo único. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura
da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da
responsabilidade por perdas e danos.
113
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 758.
114
Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em
processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.
58
Código de Defesa do Consumidor, que traz manifesta vedação, poderá a parte sucumbente
ajuizar processo autônomo, sendo-lhe ainda facultada a possibilidade de prosseguir, nos
mesmos autos para as ações regressivas.
Esclarece Watanabe
115
que:
Por razões de economia processual, permite o Código, no art. 88, que a ação
de regresso seja aforada no próprio juízo da ação de indenização e com o
aproveitamento dos mesmos autos de processo. É a idêntica técnica utilizada
pelo legislador pátrio para a cobrança da multa imposta ao locador em favor
do locatário, por desvio de uso do imóvel retomado (parágrafo único do art. 39
da Lei n° 6.649/79).
Neste desiderato, a vedação legal atém-se ao fato de se evitar que a tutela
jurídica processual dos consumidores pudesse ser retardada e também, via de regra, a dedução
dessa lide incidental será feita com o fundamento de uma causa de pedir diversa.
3.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS AÇÕES COLETIVAS E SUA VINCULAÇÃO
NO DIREITO COMPARADO
Sem o propósito de esgotar a matéria atinente ao progresso do direito
processual coletivo, o presente tópico versa sobre os momentos históricos mais significativos
no contexto social. Para tanto, através de uma abordagem temática trazida por Mendes
116
, o
presente tópico será sucinto, atendendo o objetivo de abordar e refletir apenas os marcos
expressivos do surgimento e avanço das ações coletivas.
A questão do acesso coletivo à justiça tem sido elemento de pesquisa em
diversos países, que na explanação de Leite
117
possibilita a identificação de três sistemas que
apresentam diferentes soluções:
115
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 758.
116
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 43-44.
117
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O sistema integrado de acesso coletivo à Justiça e a nova “jurisdição
metaindividual" Editora Pelenum. Edição 87. vol. 2, JP87CD02, Março 2006.
59
a) o publicista, no qual a legitimação para defender os interesses
metaindividuais é confiada a órgãos públicos, tais como o Ministério Público
francês,(20) o Ombudsman dos países escandinavos, a Prokouratoura soviética
e o Attorney General norte-americano;
b) o privatista, que confere a legitimação para defender tais interesses à
iniciativa dos particulares, é dizer, dos próprio indivíduos. É o sistema adotado
nas relator actions e nas class actions dos países de common law;
c) o associacionista, que é fundado no reconhecimento da capacidade dos
grupos sociais ou associações privadas para representar, em juízo, os
interesses públicos ou metaindividuais. Tal sistema é o que conta com um
número crescente de adeptos e tem sido adotado na maioria dos países do
continente europeu e em alguns países latino-americanos. No início, restrito a
matérias decorrentes de conflitos de trabalho; atualmente, ampliado para
matérias concernentes à proteção do meio ambiente, consumidor, patrimônio
social e cultural.
Pela abordagem pesquisada, verifica-se que o direito brasileiro adotou a
solução das várias fontes diante da harmonização dos três sistemas acima identificada.
Os marcos históricos que difundiram as ações transindividuais considerados
como fundamentais no cenário internacional, atêm-se ao surgimento de ações coletivas na
Inglaterra, as class actions norte-americanas e a doutrina italiana.
3.1.1 As Ações Coletivas na Inglaterra
A Inglaterra é considerada pelos historiadores a nascente dos litígios coletivos.
Referidas ações transindividuais ocorreram em três períodos da história, ou seja, entre o
século XII e XV, período identificado como medieval; entre o século XVI e XVII, período
primitivo-moderno; e do século XVIII em diante, período moderno
118
.
Dentre estes momentos, as ações coletivas passaram por grandes
transformações, mas desde a sua origem, referidas ações eram utilizadas para tutela de
interesses de toda a comunidade enquanto grupo e não como indivíduos.
118
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 45.
60
A partir da era primitivo-moderna, a proteção dos direitos estavam sujeitos aos
senhores feudais na medida em que não eram resguardados pelo direito costumeiro. Os
processos coletivos nesta época passaram a não ser tão freqüentes, devido as grandes
modificações sociais ocorridas, pois os grupos sociais se concentraram na área rural, e por
conseguinte, as ações de grupo se confinaram nesta região.
Ainda neste período discussões quanto à legitimação começaram a surgir, e
com isto surgiram as primeiras objeções e teorias relacionadas com os litígios coletivos, fato
que levou a alguns historiadores a compreenderem que apenas no século XVII, nasceram os
primeiros casos de litígios coletivos. Mas é neste momento que discussões jurídicas
processuais dos litígios transindividuais começam a ser levantadas, tornando-se um marco
histórico relevante e merecedor de destaque
119
.
O caráter excepcional das grup litigations, bem como os aspectos relacionados
com o direito material sobre o qual versavam, ensejaram, durante a
modernidade, a concentração desse tipo de causa no Tribunal da Equidade.
Assim, as ações de grupo, que eram apreciadas por várias cortes, passaram a
ser julgadas apenas pela Court of Chancery.
Segundo Yeazell, citado por Mendes
120
, Lord Nottingham, considerado o
propulsor da eqüidade moderna, atuou na defesa da edição de norma que possibilitasse três
pessoas obterem autoridade para atuar em nome do grupo. É ainda no período primitivo
moderno que surgem discussões quanto à tutela pretendida, ou seja, sobre a natureza e matéria
da causa, prevalecendo as ações declaratórias e mandamentais, as quais argumentavam que
estas medidas possuiriam caráter preventivo, com a resolução imediata do conflito “em torno
da existência da obrigação, impediria o desdobramento da lide, evitando-se,
119
YEAZELL, Stephen C. From medieval group litigation to the modern class action. New Haven: Yale
University Press, 1987, p. 146. apud MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito
comparado e nacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 46.
120
Ibid., p. 45.
61
consequentemente, o ajuizamento de demandas indenizatórias, e em geral, de pretensões
condenatórias para o pagamento de quantias certas”
121
.
Assim, a característica marcante deste momento é de que as demandas
coletivas dependiam da existência de interesses comuns, abarcando um número expressivo de
pessoas que, na demanda, sujeitar-se-iam aos efeitos da coisa julgada. Ou seja, a única
semelhança quanto ao período anterior se firma na existência de um agrupamento de pessoas,
ao passo que neste momento surge a necessidade da existência de interesses comuns entre os
integrantes do grupo.
A interpretação em torno da existência do interesse comum, na era considerada
moderna, guarda feição mais expressiva passando os grupos a se formalizarem através de
corporações. A representação nas ações coletivas passou a ter previsão formal.
Destarte, entre o final do século XIX e início do século XX ocorreu a supressão
das ações coletivas na Inglaterra, porém neste período ficaram assinaladas as discussões
quanto à viabilidade da demanda coletiva, tais como o pedido de indenização concebido como
direito pessoal e pendente de provas particularizadas, bem como a ausência do interesse
comum
122
.
A partir de 1979, as ações coletivas passaram a ter um procedimento
diferenciado, onde o processo foi repartido em duas fases: “na primeira de natureza
declaratória, se procurou estabelecer a existência ou não da obrigação de indenizar; enquanto,
na segunda, os indivíduos buscavam estabelecer a condenação específica, de acordo com os
seus respectivos direitos”
123
.
Como pressuposto da ação coletiva, passou a ser considerada através da análise
do número de pessoas com interesses comuns, onde o processo poderia ser iniciado e
121
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 47.
122
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1998, p. 141.
123
MENDES, op. cit., p. 49.
62
percorrer o seu curso normal. De outra sorte, a questão da legitimidade estaria ligada à defesa
de direitos próprios e de outrem, aos quais referida representação não se considerava
extraordinária e sim ordinária, trazendo uma nova repartição das espécies, sendo tamm
objeto de análise oportuna neste trabalho.
Ainda no século XX a Inglaterra e os Países de Galé aprovam um Código de
Processo Civil, denominado Rules Of Civil Procedure, substituindo os costumes e regras
específicas editadas pelas diversas cortes.
Com a necessária importância dada ao processo, questões como acesso à
Justiça passaram a ser objeto de discussões e destaque, bem como questões quanto à
efetividade e proporcionalidade para as resoluções, sendo ainda tratado o equilíbrio entre os
direitos dos autores e demandados e o interesse do grupo e seu direito de ação.
Através das novas regras pode ser considerado litígio coletivo quando houver
interesses fundados em questões comuns de direito, nas quais o procedimento coletivo passa a
ser determinado através de requerimento da parte ou através de ofício pelo órgão judicial, mas
sempre mediante parecer do Serviço de Informações sobre Ações Coletivas da Law Society,
órgão competente para averiguar a existência de outros casos relacionados com a causa a ser
discutida.
A demanda coletiva passa a ser objeto de discussão a partir de 1820 através de
Joseph Story, que indaga a respeito da presença do interesse comum e à desnecessidade do
ensejo de litisconsórcio necessário. Salienta Leal
124
:
Onde as partes são muito numerosas e a corte percebe que será quase
impossível traze-las perante o tribunal, ou onde a questão é de interesse geral
em que uns poucos podem promover uma ação em benefício de todos, ou onde
houver uma associação voluntária com fins públicos ou privados em que seja
possível a representação dos direitos e interesses de todos que dela fazem
parte; nesses e em casos análogos, a ação se demonstra não ser meramente em
124
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1998, p. 150.
63
nome dos autores, mas de todos os outros interessados; o pedido para
formação de litisconsórcio necessário deverá ser repelido e o tribunal deverá
dar prosseguimento ao processo até a decisão de mérito
.
E em casos práticos que envolviam direitos coletivos abriu-se o precedente em
que os interesses comuns poderiam ser defendidos por líderes daquela classe envolvida no
litígio, e a capacidade de representação do grupo não poderia residir em autorizações formais
e oficiais, mas sim regulada e concedida, em cada caso concreto, pelas cortes julgadoras.
3.1.2 As Class Actions Norte-Americanas
O tratamento das ações coletivas teve grande transformação no direito norte-
americano a partir da edição do primeiro Código de Processo Civil no âmbito Federal, editado
em 1938, que passou a regular as chamadas class actions, que, conforme o conceito de
Barroso
125
, “a ação de classe dá lugar a um tipo de processo no qual uma pessoa ou um grupo
limitado de pessoas atuam em juízo na qualidade de representantes de um grupo maior, uma
classe, em razão de compartilharem um interesse comum”.
Assim, a class action teve origem no século XVII através do Bill of Peace, que
pressupõe a existência de um número elevado de titulares de posições individuais de
vantagem no plano substancial, possibilitando o tratamento processual único e simultâneo a
todos.
126
A Rule 23 fixou as regras fundamentais deste sistema, das quais passam-se a
destacar pelos apontamentos de Grinover
127
125
BARROSO. Luiz Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da class action
norte-americana. Revista de Processo. Ano 30, n. 130. dezembro de 2005, p. 148.
126
TUCCI, José Rogério Cruz e. Class action e mandado de segurança coletivo. Saraiva: 1990, p. 11.
127
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p.763.
64
a) a class action seria admissível quando impossível reunir todos os integrantes
da class;
b) caberia ao juiz o controle sobre a adequada representatividade;
c) também ao juiz competiria à aferição da existência da comunhão de
interesses entre os membros da class.
Segundo Tucci
128
as regras impostas relacionam com o objeto da ação, a
legitimação dos autores, os poderes do magistrado, o devido processo legal e ainda os limites
da coisa julgada. Logo existe a necessidade de pluralidade de pessoas agindo conjuntamente
diante de um objeto comum, “determinando uma ter class action”. Autorização a qualquer
membro da classe, sem nenhuma formalidade, “desde que titular de uma posição jurídica
idêntica à dos demais”, para agir em benefícios do grupo. Necessário ainda a pertinência de
poderes aos órgãos jurisdicionais na direção do processo, com a liberdade para “negar ou
permitir o seu processamento, delimitar o seu objeto, determinar a notificação dos litigantes
estranhos ao processo e autorizar a intervenção prática de atos dispositivos”. Ainda, o direito
à informação dos interessados, respeitando o contraditório, através da notificação desde que
não prejudique o alcance dos objetivos práticos da class; e por derradeiro, os efeitos da
sentença, com extensão ultra partes, salvo se não for assegurado o fair notice do processo,
sendo “assegurado a todos os interessados, de ser considerado como não-integrante do grupo
(rigt to opto ut)”.
Referida class passou a propagar juízos de eqüidade tendo como um dos casos
de maior repercussão o denominado Browm v. Vermuden (1676), no qual representantes de
mineradores se opuseram ao pagamento de certo tributo pela Igreja
129
.
128
TUCCI, José Rogério Cruz e. Class action e mandado de segurança coletivo. Saraiva: 1990, p. 33-34.
129
TOPAN, Luiz Renado. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. 2.ed. Del Rey: Belo Horizonte.
1993, p. 43.
65
Quanto à Regra 23, assevera Tucci
130
que “a partir de 1° de julho de 1966,
somente é possível o ajuizamento e a tramitação de uma class action se estiverem preenchidas
as exigências ditadas pelo Diploma Legal que a disciplina”.
Acrescenta Topan
131
que houve uma reestruturação da class action com a
edição do Court of Judicature Act, em 1873, ocasião em que passou disseminar suas
influências nos países de common law.
Trata-se de instrumento que leva à apreciação do judiciário, problema que
cerca toda uma classe de pessoas, tutelando interesses coletivos e objetivando o caráter
reparatório da medida.
No direito brasileiro, a class action também germinou os seus efeitos,
adaptando-se à realidade deste País. Assim, inspirado nas class actions americana, o
legislador criou as ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos, de natureza
indivisível, através da Lei de Ação Civil Pública (Lei n° 7.347/85). Destarte, não permitia que
por intermédio deste instrumento processual se fizesse a reparação dos danos pessoalmente
sofridos, cabendo aos indivíduos diretamente prejudicados valerem-se das ações individuais
ressarcitórias
132
.
Com a edição da Lei 7.913/89, cuidou-se da reparação pelos danos causados
aos investidores no mercado de valores mobiliário, legitimando o Ministério Público a adotar
medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos e obter ressarcimentos. Assim, surge à
primeira class action for damages do sistema brasileiro, muito embora a lei não especificasse
130
TUCCI, José Rogério Cruz e. Class action e mandado de segurança coletivo. Saraiva: 1990, p. 19.
131
TOPAN, Luiz Renado. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. 2.ed. Del Rey: Belo Horizonte.
1993, p . 43.
132
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 767.
66
que a habilitação se faria por intermédio de processos de liquidação, sugerindo a idéia de uma
condenação que já levaria em consideração os danos sofridos pelos investidores
133
.
Neste contexto histórico já se encontrava em elaboração o Código de Defesa do
Consumidor, que criava a categoria mais abrangente das ações coletivas para a defesa de
interesses ou direitos subjetivos individuais, tratados conjuntamente por sua origem comum.
E no direito brasileiro houve a consagração definitiva da class actions com a regulamentação
das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos.
O que se verifica é que o instituto da class action incorporou e gerou efeitos no
mundo a serviço dos interesses coletivos, inclusive transformando postulados capitalistas da
indústria e de outras fontes de lucro dos Estados Unidos da América.
O instituto da class action, como meio de proteção dos interesses supra-
individuais, oportuniza aos cidadãos cultural e economicamente mais fracos um verdadeiro
acesso aos tribunais, vez que dada esta condição inferior de muitos dos litigantes dificultaria a
individualidade das demandas. Assim, como o ajuizamento da class action implica evidente
redução de custo e de tempo, em se comparando com as propostas individualmente.
Ressalta-se ainda que pelo procedimento da class action, a iniciativa de apenas
alguns dos legitimados beneficia a inteira categoria, diminuindo ao máximo o sacrifício
econômico de cada um, porquanto as despesas processuais são rateadas entre os seus
integrantes. Destarte, possibilitando o tratamento coletivo da reparação dos danos
pessoalmente sofridos, mercê da destinação do ressarcimento às vítimas, mas não excluindo a
destinação da indenização, globalmente devida, a um fundo, quando impossível ou
insuficiente o rateio entre as pessoas individualmente prejudicadas. Ademais, os litigantes não
podem renunciar ou transigir no âmbito da class action sem autorização do tribunal, que
133
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 767.
67
disporá sobre a notificação, na forma em que determinar, do conteúdo da renúncia ou da
transação a todos os membros do grupo.
Assim sendo, como efeito da sentença da class action, uma vez considerada
adequada à representação da classe e tendo os seus respectivos integrantes recebido a fair
notice do processo, a coisa julgada vale para todos eles; caso contrário, vislumbrando-se
possível ofensa às garantias do due process oflaw, o efeito declaratório do decisum se
restringe apenas aos litigantes que participaram do processo.
O que se evidencia é que as soluções estrangeiras não são importadas para o
direito brasileiro sem sofrer as transformações culturais e sociais deste país. Mas a
experiência trazida da class action, ao enfrentar e encaminhar soluções para problemas
comuns, foi submergida pela lei brasileira com suas particularidades intrínsecas, introduzindo
através do Código de Defesa do Consumidor a ação coletiva de defesa de interesses
individuais homogêneos.
3.1.3 As Ações Coletivas na Itália
Imperioso se faz ainda tecer algumas considerações quanto à influência das
regras italianas quanto aos litígios coletivos, localidade reconhecida como o berço dos
movimentos sociais e do direito do trabalho.
Em necessário destaque, a doutrina italiana passou a fomentar importantes
discussões que tiveram conseqüências imperiosas para o direito, tais como o surgimento dos
chamados interesses difusos e coletivos.
Através da obra de Cappelletti foram encontrados os termos “difusos” e
“coletivos”, tratados muitas vezes como sinônimos, mas que identificava como sendo os
68
interesses que não pertenceriam às pessoas individualmente consideradas, mas sim à
coletividade.
134
E conforme adverte Mendes
135
:
Neste contexto, surgem novas situações, como por exemplo, a do consumidor,
que precisa se organizar em sociedade de consumidores, para se defender
contra os abusos (assim como realizado pelos trabalhadores no início do
século); a da proteção ao meio ambiente, que reclama solução não egoística; e
a dos pequenos e médios acionistas, diante das sociedades por ações e de
outros grupos de poder econômico.
O que se verifica é um verdadeiro rompimento da visão tradicional do
processo, acendendo discussões quanto à necessidade de tutela de direitos, bem como a
abertura de novos interesses legítimos englobando setores, grupos, classes e coletividades
inteiras.
Discussões quanto à legitimação, garantias processuais dos membros ausentes,
limites subjetivos e objetivos da coisa julgada e a necessidade de provimentos adequados para
a tutela dos interesses coletivos, são os temas tratados por Cappelletti, o que demonstra a sua
real importância para o direito mundial, bem como o direito em sua esfera coletiva.
Para a legitimação coletiva de agir, Mendes cita a posição de Cappelletti
136
que
vislumbra a necessidade de se estabelecer certos requisitos nos quais o autor não seria apenas
detentor do seu interesse jurídico individual, mas também do interesse comunitário, através de
uma relação ideológica entre as partes e a relação discutida na lide. Referida legitimidade
estaria adstrita à discricionariedade do judiciário, cabendo ao juiz a decisão da matéria diante
da variedade de casos concretos.
134
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 101.
135
Ibid., 101.
136
CAPPELLETTI. Mauro. Appunti sulla tutela giurisdizionale di interessi colletivi o diffusi. In: Lê azioni a
tutela di interessi colllettivi: atti del convegno di studio Pavia, 11-12 giugno 1974. Pádua: Cedam, 1976, p. 197.
In MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 101.
69
Mediante a representatividade adequada e reconhecida, os membros detentores
de interesses comuns da coletividade estariam garantidos pelo resultado alcançado na
demanda coletiva, mesmo os que não fizessem parte no processo discutido. Trata-se do
alcance da “garantia suficiente para o grupo, alcançável, também, essencialmente, mediante o
requisito da representatividade adequada”
137
.
Os efeitos da coisa julgada também foram matéria de análise pelo doutrinador,
que criticou a idéia de que a decisão contrária ao grupo não veda a possibilidade de
ajuizamento de nova demanda, entendendo Cappelletti que os efeitos da decisão devem gerar
a todos os detentores do interesse comum, independentemente se a decisão for de procedência
ou improcedência.
138
A tutela dos direitos e interesses coletivos foi tratada por Cappelletti, que
defendia na sua época a “necessidade de formas mais variadas e eficazes de provimentos de
caráter preventivo, com sanções fortes e adequadas, talvez também de caráter criminal, para o
caso de inobservância”
139
.
O que se verifica na doutrina italiana é a superação do garantismo meramente
individualista do direito, bem como do tratamento do mesmo junto ao processo civil, que
gerou efeitos gradativos na atuação do processo coletivo até os dias atuais.
Ressaltando a importância da doutrina italiana no direito coletivo, não menos
importante é tecer algumas considerações a respeito da doutrina de Vicenzo Vigoriti
140
, que
sistematizou o estudo do interesse coletivo em sua obra Interessi collettivi e processo: la
legitimazione ad agire, trazendo a definição de interesse coletivo e suas características.
137
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 105.
138
CAPPELLETTI. Mauro. Appunti sulla tutela giurisdizionale di interessi colletivi o diffusi. In: Lê azioni a
tutela di interessi colllettivi: atti del convegno di studio (Pavia, 11-12 giugno 1974. Pádua: Cedam, 1976, p. 206.
139
MENDES, Op. cit., p. 106.
140
VIGORITI. Vicenzo. Interessi collettivi e processo: la legitimazione ad agire. Milão: Giuffrè, 1979, p. 60. in
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2002, p. 105.
70
Na obra do citado autor, a consciência da dimensão coletiva e a disposição para
a perseguição dos fins comuns almejados é que o qualifica como interesse coletivo, não
importando tratar de discussão de natureza pública ou privada, pois a vontade coletiva recai
sobre numerosos objetos.
Assim, atribui ênfase no aspecto volitivo e organizacional para a existência e
caracterização do interesse coletivo. Para Vigoriti, a indivisibilidade do objeto não é
fundamento da esfera metaindividual
141
, pois considerar assim reduziria o fenômeno do
interesse coletivo a mero “acontecimento objetivo”, ou seja, estaria negando que vários outros
bens fossem coletivamente desejados e perseguíveis, implicitamente excluindo a dimensão
superindividual de certos interesses.
A preocupação com a distinção entre o interesse coletivo e difuso também é
tema tratado por Vicenzo, que diferencia os interesses através da organização, na medida em
que os interesses difusos se referem a um estado mais abrangente do processo de cooptação
dos interesses individuais onde não se verifica a coordenação de vontades individuais.
Quanto à legitimação, o professor de Florença constrói um sistema baseado em
três categorias segundo Mendes
142
:
Em primeiro lugar, haveria a legitimação de todas as pessoas titulares de
interesses que estivessem confluindo no respectivo coletivo. (...). Na segunda
categoria, estariam legitimados, tão-somente, alguns dos titulares do interesse
coletivamente reunido (...) Por fim, Vigoriti elenca a legitimação para agir em
juízo dos entes ou órgãos públicos, marcando, no entanto, posições
contundentemente contrária à defesa dos interesses coletivos pelo Ministério
Público.
Desta forma, percebe-se que as ações coletivas no direito italiano sofreram
substancial influência da União Européia com a incorporação das orientações contidas na
141
VIGORITI. Vicenzo. Interessi collettivi e processo: la legitimazione ad agire. Milão: Giuffrè, 1979, p. 60. in
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2002, p. 17 e ss.
142
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.107-108
71
Diretiva 93/13, do Conselho das Comunidades Européias, atinentes às clausulas abusivas nos
contratos celebrados com os consumidores.
Referida norma estabeleceu a necessidade da tutela inibitória para a proteção
dos consumidores contra práticas ilegais. Esta criação surge nos dizeres de Marinoni
143
a
partir da produção normativa alemã, com base nas leis contra a concorrência desleal que
previam a possibilidade de se buscar a tutela inibitória coletiva mediante a propositura das
ações associativas. Estas ações passaram a ser “referencial no modelo de ações coletivas,
propostas por associações”
144
.
Ainda, em 1998 a Lei 281 foi editada em consonância com o tratado da União
Européia e normas derivadas, que trouxe a disciplina dos direitos dos consumidores de
produtos e serviços. E neste contexto, a tutela coletiva passou ter um tratamento diferenciado
estabelecendo as finalidades e objetivos da lei consumerista, reconhecendo como direitos com
promoção de nível nacional e local.
Assim, as associações, para agirem nos interesses de seus associados à norma
editada em 1998, estabeleceram uma série de exigências, dentre elas a necessidade de serem
registradas junto ao Ministério da Indústria, para que pudessem ser consideradas legítimas
para requerer a tutela coletiva. Desta forma, o art. 3° da Lei 281 de 1998 prevê que as
associações devidamente registradas poderão requerer junto ao órgão competente:
a) a inibição dos atos e comportamentos lesivos aos interesses dos
consumidores; b) a adoção de medidas idôneas a corrigir ou eliminar os
efeitos danosos da violação verificada; c) que ordene a publicação da decisão
em um ou mais de um órgão de difusão, nacional ou local, se, no caso, a
publicidade do pronunciamento judicial puder contribuir para corrigir ou
eliminar os efeitos da violação realizada.
143
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 236.
144
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.112.
72
Prevê ainda o estatuto, em defesa do consumidor italiano, que a legitimação
das associações não exclui o direito subjetivo das pessoas para promoverem ações individuais,
ou seja, a legitimidade das associações não prejudica a ação individual intentada pelo sujeito,
ressalvados os casos relacionados com as normas sobre litispendência, continência, conexão e
reunião de processos.
Ademais, prevê o Código de Processo Civil italiano que a tutela inibitória
coletiva poderá ser outorgada diante da existência de urgência e do reconhecimento desta.
Neste mesmo contexto histórico em que os italianos legitimavam a norma de
proteção ao consumidor, a União Européia desenvolvia diretrizes normativas voltadas para a
tutela coletiva dos consumidores, advindo da Diretiva 98/27 editada em 19 de maio de 1998.
Na esfera da defesa coletiva dos consumidores, segundo Mendes
145
, referida norma
materializou a aproximação das disposições legislativas, regulamentares a administrativas,
dos Estados-membros da União Européia, atinentes às ações inibitórias.
Assim passou a existir previsão legal e legitimidade da ação inibitória para
defesa dos interesses coletivos dos consumidores no seguinte rol de matérias: de publicidade
enganosa; contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais; crédito ao consumo;
exercício da atividade de radiodifusão e televisiva; publicidade dos medicamentos para uso
humano; cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores; proteção dos
adquirentes quanto a certos aspectos dos contratos de aquisição de um direito de utilização a
tempo parcial de bens imóveis; proteção dos consumidores em matéria de contratos à
distancia; a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a elas relativas e a
certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio
eletrônico, no mercado interno europeu.
145
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.118.
73
Esta necessidade de evitar lesão a direito através da ação inibitória passou a
gerar seus efeitos no momento em que a Itália havia formalizado a proteção inibitória coletiva
concernente às cláusulas abusivas, assim, o sistema jurídico italiano apresentou-se carente em
relação à diretiva da União Européia, não assumindo a proteção ao consumidor na esfera das
relações atinentes com os europeus em geral.
Esta proteção do consumidor só foi formalmente suprida através da edição do
Decreto Legislativo n° 224 de 23 de abril de 2001.
Através da análise concisa apresentada, verifica-se que dentro do quadro
classificatório da evolução histórica das ações coletivas e sua vinculação no direito
comparado, os países sucintamente verificados, e cada qual ao seu tempo e evolução,
vislumbraram a necessidade das providências preventivas em termos de defesa coletiva dos
interesses.
A tutela inibitória passou a ser instrumento indispensável à proteção coletiva
dos indivíduos, pois a proteção ao meio ambiente, à vida e a saúde dos consumidores exigiria
medidas preventivas, muitas vezes irreversíveis ou de difícil reparação. E nas palavras de
Moreira
146
, vislumbra-se:
Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o
de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de
fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição; nunca o de
simplesmente oferecer os interessados o pífio consolo de uma indenização que
de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido,
insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia.
Em sede de interesses coletivos, dentre esta preocupação trazida por Moreira,
conclui-se que os países analisados além da própria União Européia, formalizaram
expressamente a tutela inibitória, legitimando-a como instrumento processual hábil para a
146
MOREIRA. José Carlos Barbosa. Tutela sancionatória e tutela preventiva. In: Temas de Direito
Processual: segunda série. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 24.
74
busca pela completude do direito substancial, possibilitando ao direito processual uma maior
garantia da prestação da tutela jurisdicional efetiva, que na verdade, são os verdadeiros ideais
buscados pelos estudiosos, cientistas e operadores do direito em todos os momentos
históricos.
75
CAPÍTULO IV
TUTELA INIBITÓRIA NA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR
Estabelecidas as considerações acerca dos direitos do consumidor,
principalmente no que concerne à importância, natureza e objeto, fica evidenciada a
necessidade de sua proteção efetiva, seja em nível substancial ou material, seja em nível
processual.
Marinoni
147
assevera que as normas de direito material respondem ao “dever
de proteção do estado aos direitos fundamentais – normas que protegem o consumidor e o
meio ambiente, por exemplo – evidentemente prestam tutela – ou proteção a esses direitos”.
Verifica-se que a própria norma de direito material é quem constitui a proteção
a direito. A tutela jurisdicional se verifica com a “estipulação de tipos de ações destinadas a
realizar o preceito sancionatório, substancialmente previsto. O estudo desses tipos de ações
denomina-se tutela jurisdicional”.
148
Para Marinoni
149
, a tutela jurisdicional constitui uma das espécies do gênero
tutela dos direitos, podendo ou não prestar a tutela do direito, e explica:
Há tutela do direito quando a sentença e a decisão interlocutória reconhecem o
direito material. Isso significa que a tutela jurisdicional engloba a sentença de
procedência (que presta a tutela do direito) e a sentença de improcedência (que
não presta a tutela do direito, embora constitua resposta ao dever do Estado de
prestar tutela jurisdicional). Daí já se percebe que a decisão interlocutória e a
sentença constituem apenas técnicas para a prestação da tutela do direito. Ou
seja, resposta ou tutela jurisdicional há sempre, mas tutela do direito apenas no
caso em que a técnica processual reconhecer o direito, isto é, quando a
sentença for de procedência.
147
MARINONI. Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 145.
148
MURITIBA. Sérgio Silva. Tutela inibitória e os direitos da personalidade. Revista de processo, Ano 30, n.
122. Revista dos Tribunais: abril de 2005. p. 29.
149
MARINONI, op. cit. p. 145-146.
76
Os direitos do consumidor, até pouco tempo atrás, foram protegidos apenas por
meio de tutela ressarcitória e cautelar, jurisdicionalmente instrumentalizadas através da ação
condenatória ou ainda inadequada utilização da ação cautelar.
Se ponderado à respeito da tutela ressarcitória, ela objetiva o ressarcimento ou
a compensação dos danos sofridos por alguém em decorrência de um ilícito. Esta
compensação ou ressarcimento se materializa através do pagamento de uma indenização, ou
por outro meio que compense os danos da infração.
Assevera Marques e Bellinetti
150
:
Visando evitar a ocorrência, manutenção ou repetição de um ato ilícito,
independentemente da possibilidade de ocorrência de dano, a tutela
ressarcitória apresenta-se evidentemente insuficiente e inadequada, uma vez
que esta última tem a finalidade de ressarcir os danos materiais ou morais
causados a alguém, ou seja, após a prática do ilícito.
A tutela cautelar, segundo Marinoni, é utilizada como “válvula de escape para
a efetividade dos direitos” e favorece uma tutela preventiva e rápida para qualquer situação de
direito substancial (cautelar inominada), desde que demonstrada a presença do fumus boni
iuris e o periculum in mora.
151
Diante da falta de previsão de norma processual antevendo uma tutela
preventiva, a ação cautelar passou a ser utilizada para atender aquilo que deveria ser tutelado
pelo procedimento ordinário, bem como diante da previsão da ação cominatória, disposta no
artigo 287, do Código de Processo Civil de 1973
152
, que autorizava medida judicial com a
150
MARQUES. Elmer da Silva. BELLINETTI. Luiz Fernando. A antecipação da tutela inibitória em face da
Fazenda Pública e o destinatário das medidas coercitivas. Revista de Processo. Ano 31, n° 141, novembro de
2006, Revista dos Tribunais, p.73.
151
MARINONI. Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 89.
152
Art. 287 do CPC de 1973: Se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da prática de algum ato, a tolerar
alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial a
cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença.
77
cominação de multa em caso de descumprimento de ordem judicial. Porém, a sua incidência
somente poderia ser cobrada após o trânsito em julgado da sentença.
Diante desta realidade processual, Marinoni
153
conclui que “o antigo art. 287
não viabilizava a tutela preventiva e, assim, até a reforma que introduziu o art. 461, não havia
uma ação adequada à prevenção do ilícito no Código de Processo Civil”.
Logo, careceu por muito tempo a previsão de uma tutela preventiva,
conduzindo o uso de tutela cautelar inominada que foi editada para garantir o resultado útil do
processo principal, e não tutelar o direito material do indivíduo lesado. E diante deste fato, a
tutela cautelar foi utilizada indevidamente para buscar a proteção preventiva do direito
material, fato que veio confundir a utilização da tutela cautelar com a tutela preventiva e ainda
a tutela jurisdicional (cominatória) que de forma inefetiva atendia o direito à prevenção.
154
Diante da necessidade da existência de um meio processual hábil e eficaz para
a defesa preventiva do direito material, evitando-se a prática, repetição ou manutenção de um
ato ilícito, surge o imperativo da tutela preventiva que visa impedir ilícitos presentes ou
futuros. Assim, em consonância com o previsto no artigo 5°, XXXV da Constituição
Federal
155
, a simples ameaça de lesão a algum direito reconhecido pelo ordenamento jurídico
abre ensejo à utilização da tutela preventiva. A respeito da tutela preventiva adverte
Muritiba
156
que “corrobora também em favor da utilização da tutela preventiva, a imperiosa
necessidade social de garantia a estrita observância dos comandos estabelecidos nas normas
jurídicas”.
153
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 67.
154
Ibid., p. 68.
155
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
156
MURITIBA. Sérgio Silva. Tutela inibitória e os direitos da personalidade. Revista de processo, Ano 30, n.
122. Revista dos Tribunais: abril de 2005, p. 33.
78
Logo, concluiu-se que a tutela ressarcitória e cautelar revelaram-se
insuficientes para a proteção preventiva dos direitos do consumidor, que só foi amparado
através da edição do artigo 84
157
do Código de Defesa do Consumidor, fundada na maior
proteção e prevenção do ilícito a direito.
Assim, a tutela inibitória surge para a adequada prevenção da prática ilícita, ou
seja, para evitar a prática, a manutenção ou a repetição de um ato ilícito, independentemente
do fato do ato ilícito apto a provocar um dano.
158
Nas palavras de Marinoni
159
, a tutela inibitória está relacionada à prevenção e é
aplicada a todos os direitos podendo se tornar “necessária em todos os locais em que se
apresentar como insuficiente à reintegração ou à reparação do direito”.
Neste sentido, a defesa do direito do consumidor também necessita da tutela
inibitória, diante da necessária garantia ao direito à adequada tutela jurisdicional e com ela o
direito à técnica processual capaz de viabilizar o exercício do direito à tutela inibitória.
A tutela inibitória tem como objetivo intrínseco impedir a prática, continuação
ou a repetição do ilícito. Trata-se de uma tutela voltada contra o ilícito na perspectiva de
evitar ou remover o ato ilegítimo.
Neste desiderato, a tutela inibitória vem de encontro com o desígnio do
processo judicial, pois oportuniza a efetivação do direito, evitando a lesão ou ameaça a direito
através do processo, que deveria ter decorrido de forma espontânea pela efetivação do direito
substancial.
Uma vez repelido o emprego da autotutela, o direito processual autentica meios
hábeis a adequar os desejos da tutela do Estado, a efetivação do direito, no sentido de retornar
157
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
158
MARQUES. Elmer da Silva. BELLINETTI. Luiz Fernando. A antecipação da tutela inibitória em face da
Fazenda Pública e o destinatário das medidas coercitivas. Revista de Processo. Ano 31, n° 141, novembro de
2006, Revista dos Tribunais, p.73.
159
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela Inibitória.3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 72.
79
ao status quo ante, como se inexistisse lesão ou ameaça e lesão. E neste sentido surge a tutela
específica para constituir a efetividade da prestação jurisdicional com um conjugado de
técnicas capazes a adequar tal efetividade na prestação da tutela.
Vige aqui esclarecer que a tutela inibitória, segundo o ensinamento de
Marinoni
160
não quer dizer técnica processual, caracterizando esta como meio hábil a
viabilizar a prestação da tutela, definindo a finalidade da tutela inibitória como forma de
impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito.
E assim, na defesa do consumidor a tutela inibitória advém para cumprir com
sua finalidade de impedir a prática abusiva, a repetição ou a continuação do ilícito, através das
técnicas trazidas pelo art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, bem como com o artigo
461 do Código de Processo Civil, como forma de tutela específica para a proteção da
integridade do direito do consumidor, antes mesmo de haver lesão a direito.
A inibição pode consistir em evitar uma possível prática de um ilícito, como a
repetição desta, bem como a continuação da prática de um ilícito. Logo, esta probabilidade da
prática, da continuação ou da repetição do ilícito é condição imprescindível para que seja
possível a viabilização da tutela inibitória.
Observa-se que a tutela inibitória, pelo seu peculiar caráter preventivo, atua
prevenindo possível lesão a direito, para mantê-lo em sua íntegra quando se manifesta alvo de
provável ato ilegítimo. Esta característica especial da tutela inibitória faz com que essa técnica
processual obtenha a efetividade pretendida e desejada pelo consumidor, uma vez que impede
a ocorrência da lesão ao direito substancial, dando motivo para que o Judiciário conceda a
tutela na sua forma mais específica possível.
160
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 119-120.
80
Asseveram Marques e Bellinetti
161
que a “tutela inibitória somente terá
cabimento quando o ilícito ainda não tenha ocorrido ou quando, tendo ocorrido, tende a se
repetir ou continuar”. E ao se referir a Joaquim Felipe Spadoni
162
, transcreve suas palavras:
Não mais existindo ameaça de lesão, mas lesão efetivada, a este titular de
direito só restara pleitear a indenização pelos prejuízos causados, ou ainda
requerer a reintegração em forma específica do direito lesado, ambas as
espécies de tutela repressiva. Não mais caberá tutela preventiva pela simples
razão de que a prevenção tem por objeto atos futuros, e não atos passados
consumados definitivamente. {...} Em se tratando de atos ilícitos instantâneos,
é intuitivo que, acaso praticados, no transcorrer do processo, a concessão de
uma ulterior tutela inibitória ficará irremediavelmente prejudicada. {...} Mas
se a hipótese for de ilícitos continuados ou repetitivos, mesmo que sejam
praticados atos no transcorrer do processo, ainda assim poderá ser concedida a
tutela inibitória.
E neste contexto crítico da legitimação e proteção do direito material, Marinoni
esclarece:
Desconsiderar as diversas funções que podem ser cumpridas pelo processo é,
na verdade, uma nítida tentativa de deixar encoberta as necessidades de direito
material que nunca foram tratadas de forma adequada pelo processo civil (por
exemplo, os direitos da personalidade), e manter escondidas, através de uma
análise falsamente neutra do processo, as situações de direito substancial que
sempre foram por ele privilegiadas.
Assim sendo, o direito do consumidor, em sua esfera coletiva, também pode
ser abarcado pela tutela inibitória, através da sentença mandamental, evitando lesão ou
ameaça de lesão aos consumidores, vez que a tutela inibitória é inerente ao ordenamento
jurídico e almeja a efetivação de direitos e não apenas a sua declaração.
161
MARQUES. Elmer da Silva. BELLINETTI. Luiz Fernando. A antecipação da tutela inibitória em face da
Fazenda Pública e o destinatário das medidas coercitivas. Revista de Processo. Ano 31, n° 141, novembro de
2006, Revista dos Tribunais, p.74.
162
SPADONI Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 48-49 in MARQUES. Elmer da Silva. BELLINETTI. Luiz Fernando. A
antecipação da tutela inibitória em face da Fazenda Pública e o destinatário das medidas coercitivas. Revista de
Processo. Ano 31, n° 141, novembro de 2006, Revista dos Tribunais, p.74.
81
Na ação mandamental, da qual se classifica a tutela inibitória, ocorre à
imposição coercitiva da conduta descrita no comando sentencial, servindo como instrumento
coercitivo para o cumprimento da ordem judicial. Muritiba
163
assevera que através do
conceito da mandamentalidade subtrai a conclusão de que a “ação mandamental é a única
dentre os tipos de ações que tem como eficácia possibilitar o recurso aos meios de coerção,
como forma de compelir o réu ao cumprimento da conduta.” Assim, a técnica mandamental
age sobre o próprio demandado, coagindo-o a agir de acordo com o comando judicial.
A tutela inibitória é viabilizada através da tutela mandamental, visto que
somente a mandamentalidade disponibiliza a utilização de meios de coerção como a multa ou
até mesmo a prisão. A ação inibitória se materializa por meio de um comando judicial liminar
que contem a imputação a uma conduta devida (positiva ou negativa), prescrevendo ainda
uma pena para o caso de descumprimento da ordem.
Importante destacar a classificação da tutela inibitória, que pode ser positiva ou
negativa, correspondente às duas maneiras de se praticar o ato ilícito, ou seja, obrigação de
fazer corresponde a tutela inibitória positiva, pois destina-se a impedir o sujeito de realizar
determinada ação. Já a obrigação de não fazer corresponde à tutela inibitória negativa, uma
vez que compele a ação de determinado indivíduo, impedindo que pratique ou retire a pratica,
ou ainda, que continue praticando determinado ato ilícito.
E diante das exposições acima dando conta dos objetivos da tutela inibitória
para a proteção do consumidor, averigua-se que a sentença mandamental reconhecida como
instrumento processual para garantir a integralidade do direito é que vem determinar a prática
positiva ou negativa de um sujeito para que se abstenha ou pare de praticar determinado ato
ilegítimo.
163
MURITIBA. Sérgio Silva. Tutela inibitória e os direitos da personalidade. Revista de processo, Ano 30, n.
122. Revista dos Tribunais: abril de 2005, p. 37.
82
4.1 O ACESSO À JUSTIÇA: EFETIVIDADE E INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
O presente estudo não tem o objetivo de definir acesso à justiça, mas,
sobretudo determinar as suas finalidades básicas no sistema jurídico, bem como discutir o
acesso à justiça tratando do processo no ordenamento jurídico brasileiro em suas reais
finalidades.
O processo é muitas vezes compreendido como instrumento da jurisdição, seja
qual for a sua finalidade, deve ser reconhecido como aparelho hábil a solucionar conflitos
sociais. E neste sentido, Alvim
164
firma o seu posicionamento identificando o processo como
sendo um instrumento através do qual se realiza uma das finalidades do Estado, que se
consubstancia na preservação da serenidade social, bem como a forma pela qual a parte pode
se valer para pleitear seu interesse em juízo. Sendo assim, atua o processo no interesse do
particular e do público.
Nesta nova visão de acesso à justiça, iniciou-se o chamado movimento
universal de acesso à justiça, que vem repudiar o formalismo jurídico enquanto sistema que
reconhece o direito sob a perspectiva exclusivamente normativa, introduzindo como fator
preponderante o sujeito, as instituições e os processos todos em consonância com a realidade
social.
165
Trata-se da concepção tridimensional do direito que deixa para trás a visão
positivista do direito para considerar não apenas a norma jurídica, como tamm todos os
valores que a integram sejam eles individuais, sociais e políticos.
Esta concepção de processo vem sendo influenciada pelo direito material, para
assim, cumprir a sua finalidade principiológica de acesso à justiça, também entendida como
164
ALVIM. J.E.Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 2ª. Ed. Editora
Forense, Rio de Janeiro: 2002
165
CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento
universal de acesso à justiça. RF, v. 326, p. 121.
83
sinônimo de justiça social, ou seja, correspondente à própria concretização do ideal universal
de justiça.
166
Num entendimento divergente, o processo para Dinamarco
167
pode ser
entendido como um instrumento quando estiver legitimado pelos fins a que se destina, ou
seja, através da fixação dos objetivos, os escopos do processo bem como a sua capacidade de
concretização dos mesmos, mensurando o seu grau de utilidade é que vão legitimá-lo como
instrumento da jurisdição.
Referida legitimidade deve estar amparada não só no caráter de utilidade, com
a realização dos objetivos a que se propõe, mas também através da interação da sociedade
com os objetivos e sua absorção. Assim, a expectativa de caráter instrumental do processo,
pela visão teleológica, conduz para que o processo seja entendido como instrumento tendente
a realizar os desígnios propostos. E somente assim, através de objetivos firmados e propensos
a sua concretização, é que se reconhece o processo como instrumento de jurisdição.
Ademais, diante da evolução do processo em sociedade com o reconhecimento
como uma ciência jurídica, o Estado juiz deixou de ser apenas o detentor de um poder
jurisdicional, para assumir um dever voltado aos escopos do processo, reconhecidos pela
preocupação de não somente pacificar conflitos individuais, como também de aplicar o
procedimento jurídico a serviço dos objetivos políticos, sociais e jurídicos.
O processo assumiu o seu caráter político social a partir do momento em que
foi reconhecido como instrumento de realização dos objetivos a que se propõe. Referida
finalidade encontra-se arraigada no dever de ligação com a vida social, “tanto que é o
166
LEITE. Carlos Henrique Bezerra. O sistema integrado de acesso coletivo à justiça e a nova jurisdição
metaindividual. CD Júris Plenum, Edição 88. Vol. 2 – Maio 2006 – JP88CD02.
167
DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6ª. Ed. Malheiros Editores, São Paulo:
1998, p. 149-151.
84
reconhecimento de sua utilidade, pelos membros da sociedade, que a legitima no contexto das
instituições políticas da nação
168
.
Dinamarco
169
acrescenta que:
O sistema processual há de extrapolar os lindes do direito e da sua vida,
projetando-se para fora. É preciso, além do objetivo puramente jurídico da
jurisdição, encarar também as tarefas que lhe cabem perante sociedade e
perante o Estado como tal. O processualista contemporâneo tem a
responsabilidade de conscientizar esses três planos, recusando-se a
permanecer num só, sob pena de esterilidade nas suas construções, timidez ou
endereçamento destoante das diretrizes do próprio Estado social.
Salienta-se que é necessário compreender a jurisdição como acontecimento que
transcende à análise meramente jurídica, totalmente desprendida do direito material, ao qual a
legislação e jurisdição encontram-se conjugadas pela necessidade de garantia das finalidades
de qualquer ordenamento: o de alcançar a paz social. Apesar de serem compreendidos como
ciências distintas, direito e processo peregrinam paralelamente com o objetivo de prover à
coletividade a regulação da vida em sociedade e a solução dos conflitos intersubjetivos.
170
E nesta composição estatal de jurisdição de estabelecer uma ordem social, é
que o Estado atua na edição de normas legislativas que vêm compor o ordenamento jurídico,
equipando o judiciário com os meios necessários, através da preceituação de condutas e
cominação de sanções, legitimando a jurisdição estatal como meio lícito de solução de
conflitos.
171
Destarte, esta solução de conflitos não pode ser alcançada sem que haja o
compromisso de uma pacificação operada com justiça, ou seja, para que haja legitimidade na
168
DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6ª. Ed. Malheiros Editores, São Paulo:
1998, p. 152.
169
Ibid., p. 153.
170
CABRAL, Antonio dos Passos. O Processo como Superego Social: um estudo sobre os fins sociais da
jurisdição. Revista de Processo. Ano 29, n. 115. maio-junho de 2004, p. 362.
171
Ibid., p. 362.
85
jurisdição estatal, a solução da lide deve representar a atuação justa do direito objetivo, deve
estar intimamente ligada aos anseios sociais em seu momento histórico vivido.
Ademais, falar em ideal de justiça e finalidade do processo como acesso à
justiça faz-se necessária a colocação de Halws
172
, que relata a concepção de senso de justiça
como uma parte da visão moral para a constituição de uma sociedade bem ordenada,
afirmando que uma vez adquirida a capacidade para um senso de justiça através da aplicação
das leis psicológicas, o indivíduo adquire o direito a uma justiça com eqüidade.
Assim, cabe a teoria da justiça desenvolver o princípio da reciprocidade para
que todos possam agir em benefício da coletividade, sentindo o respaldo de seus sentimentos
e atitudes, formando assim, uma verdadeira sociedade bem-ordenada, firme, equilibrada e
estável, na qual os fatores externos não coloquem em risco a sua existência, dependendo para
isso unicamente dos seres humanos, que são os verdadeiros responsáveis pela aquisição do
senso de justiça, bem como pelo seu desenvolvimento e prática.
Diante de uma influência iluminista, Rawls defende o controle social através de
princípios reguladores por meio de um contrato social, criando assim, uma simbologia onde
os sujeitos participantes tomem suas decisões pensando no contexto social voltado para o
futuro.
Na visão crítica defendida por Coelho
173
, constroem-se categorias que tentam
compreender a realidade social e nela interferir numa experiência transformadora com a
práxis, inserindo e participando dessa transformação para uma sociedade bem ordenada.
Assim, nesta percepção crítica de fundo ético, a sociedade deixa de ser pensada segundo as
categorias do senso comum, mas como uma reunião de seres humanos, em função de um
objetivo comum: reconstruir em si mesmo o seu contexto comunitário.
172
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes,1997, p. 560-562.
173
COELHO. Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito, 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.114.
86
O exercício jurisdicional não se restringe a imprimir nos membros de uma
sociedade a ciência dos direitos que o ordenamento lhes confere, pois se faz necessária a
criação de uma consciência dos deveres voltados para a sociedade como um todo, formando
assim regras de condutas individuais voltadas aos anseios da coletividade.
Paula
174
adverte ainda que “é dever do Juiz e do Poder Judiciário assegurar,
com eficiência e eficácia, as dimensões de grandeza do homem: vida, liberdade, consciência,
dignidade e as projeções da personalidade humana; e depois exercer as funções de guardião
da Constituição e do Direito Positivo”.
Assim, exige-se uma maior interferência da figura do juiz na formação social,
no conteúdo de justiça em que devem ser considerados não apenas a igualdade e a lei, mas
também os valores sociais.
Logo, a jurisdição tem este compromisso social de antever e voltar-se para a
sua prestação não só às pessoas, como também aos seus direitos, competindo ainda ao Estado
conferir à sociedade um aparelho adequado para a solução destes conflitos intersubjetivos,
que representam a existência legítima do processo que se torna real e efetivo a partir do
momento em que satisfaz os seus integrantes, bem como a toda coletividade.
A clamada efetividade e instrumentalidade ligam-se através dos objetivos
jurídicos do processo, nos quais se faz necessária a eficácia do direito material, pois somente
com a efetividade do processo é que se pacifica o conflito e educa a sociedade. Para atender a
estes escopos, o processo deve estar relacionado e na mesma linha de atuação a realização dos
objetivos sociais da jurisdição
175
.
174
PAULA. Jônatas Luiz Moreira de. A jurisdição como elemento de inclusão social. Barueri: Manole, 2002,
p. 198.
175
CABRAL. Antonio do Passo. O processo como Superego Social: um estudo sobre os fins sociais da
jurisdição. Revista de Processo. Ano 29, n. 115. maio-junho de 2004, p. 369.
87
Através da efetividade e da instrumentalidade é que se legitima o Judiciário
como tutor do homem em sociedade, bem como explica e legitima a perda de parte da
liberdade do indivíduo para a formação do Estado de direito.
Num orbe constitucional, a efetividade e instrumentalidade do processo
ganham status de fundamento, de direito fundamental diante de sua importância dentro da
estrutura do Estado Democrático de Direito, através do art. 5°, XXXV da Constituição
Federal, que fixa o compromisso de proteção ao direito em face de lesão ou ameaça de lesão.
Assim, a tutela jurisdicional assume este caráter instrumental e efetivo, para
que tenha legitimidade, pois o indivíduo conta com o direito à tutela jurisdicional capaz de
impedir a violação do direito ou ainda de sofrer qualquer ameaça a este direito.
Iocohama
176
, ao doutrinar sobre o acesso à Justiça, conclui que esta tarefa “vai
além do próprio acesso, estabelecendo-se ao seu resultado, exigindo comprometimento de
todos a fim de informar-se sobre o direito substancial de fazer a tutela jurisdicional estar
atenta à realidade social”, e acrescenta que:
Por certo, para que se reflita sobre a justiça do processo, não basta apenas a
mais coerente apreciação do conteúdo do direito discutido, mas, com igual
importância, seja realizado num tempo o menor possível, a par das demais
garantias consagradas de limitação do poder e segurança das partes (os
princípios processuais como um todo).
A tutela inibitória encontra-se, portanto, embutida na estrutura da norma que
confere espécies de direitos, “pois não há como conceber a existência de norma que outorgue
direito inviolável sem conferir direito à inibição do ilícito
177
.
Como finalidade do acesso à justiça, compondo os binômios necessários da
efetividade e instrumentalidade do processo, surge o direito à inibição do ilícito no plano do
176
IOCOHAMA, Celso Hiroshi. Litigância de má-fé e lealdade processual. Curitiba: Juruá, 2006, p. 34.
177
MARINONI. Luiz Guilherme. O direito a efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva da teoria dos
direitos fundamentais. Gênesis. N. 28. abril/junho de 2003, p.303.
88
direito material, onde os meios constitucionais postos à disposição do indivíduo atuam na
defesa do direito como compromisso não individual, mas sim social.
Neste desígnio, compondo o processo hábil e eficaz figura como técnica para a
prestação da tutela de inibição do ilícito, pois este é garantia fundamental adquirida pelo
direito material
178
.
Marinoni
179
ressalta que “se o processo, diante da natureza de algumas
situações de direito substancial, não estiver disposto de modo a viabilizar a outorga da tarefa
inibitória àquele que a ela tem direito, certamente estará negando o direito fundamental à
tutela jurisdicional, preventiva em sentido estrito e efetiva em sentido lato”.
Assim, o acesso à justiça efetiva, com mecanismos hábeis à proteção do direito
substancial passa a ser pensado como fundamental, pois a efetividade da prestação
jurisdicional decorre da própria existência dos direitos, inibindo a existência de autotutela.
Logo, o processo deve ater-se ao dever de satisfazer as necessidades das partes, com vistas no
atendimento de toda à sociedade “estabelecendo elementos que permitam a sua valorização e
sua maior eficácia, equilibrando-se os interesses individuais com a organização estatal e sua
atividade”
180
.
Conforme adverte Aloísio Gonçalves de Castro Mendes
181
há que ser
ressaltado que os danos resultantes das lesões a direitos são frequentemente de pequeno valor,
se considerados separadamente, fazendo com que na relação custo-benefício haja um
desestímulo para o ajuizamento de ações individuais, o que demonstra uma fragilidade e
deficiência em relação ao acesso à Justiça.
178
MARINONI. Luiz Guilherme. O direito a efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva da teoria dos
direitos fundamentais. Gênesis. N. 28. abril/junho de 2003, p.304.
179
Ibid., p. 304.
180
IOCOHAMA, Celso Hiroshi. Litigância de má-fé e lealdade processual. Curitiba: Juruá, 2006, p. 31.
181
Ibid., p. 30.
89
Surge, assim, a necessidade de processos supra-individuais, pois lesões a
direitos ocorrem há muito tempo, atingindo a coletividade, ou grupos, ou certa quantia de
indivíduos que poderiam fazer valer os seus direitos de modo coletivo.
Conforme entendimento de Mendes
182
:
A diferença é que, na atualidade, tanto na esfera da vida pública como privada,
as relações de massa expandem-se continuamente, bem como o alcance dos
problemas correlatos, fruto do crescimento da produção, dos meios de
comunicação e do consumo, bem como do número de funcionários públicos e
de trabalhadores, de aposentados e pensionistas, da abertura de capital das
pessoas jurídicas e, consequentemente, do aumento do número de acionistas e
dos danos ambientais causados. Multiplicam-se, portanto, as lesões sofridas
pelas pessoas, sejam na qualidade de consumidores, contribuintes,
aposentados servidores públicos, trabalhadores, moradores etc., decorrentes de
circunstâncias de fato ou relações jurídicas em comum.
Destarte, diante da existência de lesão a direitos, seja ele considerado de
pequena monta ou não, o acesso à justiça deve ser estimulado, contribuindo à ação coletiva
para este objetivo, pois os ilícitos possuem relevância social e econômica no sentido de que
haja sim um desestímulo às praticas abusivas.
Desta forma, a ação coletiva passa a ser empregada em contraposição às ações
individuais, possuindo uma acepção típica, que pode ser encontrada a partir da existência de
uma pluralidade de pessoas que possui dos interesses ou direitos em litígio substituída no
processo pela parte dita ideológica, vindo a atender a uma perspectiva de incremento do
acesso à justiça, e da existência de processos menos formalistas, mais simples, céleres e
eficazes.
Neste aprofundamento teórico que objetiva o estabelecimento de uma tutela
jurisdicional preventiva e adequada para evitar a ocorrência de ilícito a direito, a proteção
inibitória a direito do consumidor se apresenta adequada à inibição do ilícito contra o
182
MENDES. Aloísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 29.
90
consumidor aderente em contratos de massa, prevenindo a prática abusiva das cláusulas
contratuais, “culminando-se por apresentar-se, assim, como uma tutela anterior à sua prática,
e não como uma tutela voltada para o passado, como a tradicional tutela ressarcitória”
183
.
4.2 A TUTELA INIBITÓRIA E SEUS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Partindo da perspectiva de efetividade da tutela jurisdicional, a tutela inibitória
se presta como meio de ação de conhecimento destinada a inibir ilícito em face do direito
material.
Marinoni
184
esclarece que a tutela inibitória não se liga “instrumentalmente a
nenhuma ação, que possa ser dita “principal”. Trata-se de “ação de conhecimento de natureza
preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito”. Esta
condição de ação de conhecimento atribuída à tutela inibitória de caráter preventivo com a
finalidade intrínseca de evitar a prática, a repetição e o prolongamento do ilícito é o que a
diferencia das demais formas de tutela, demonstrando sua verdadeira importância para a
efetiva tutela dos direitos.
Nesta idéia de preventividade, a efetividade da medida se assenta na
possibilidade de impedir o ilícito, seja de forma continuada ou de reiteração. Desta feita, para
se obter efetividade da tutela preventiva, necessária se torna a existência de possibilidade
jurídico-processual de se impedir o ilícito, a sua continuação ou a repetição do mesmo. Com a
edição do artigo 461, do Código de Processo civil
185
, previu-se que na ação que tenha por
objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o magistrado outorgará a tutela
183
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.
36.
184
Id., Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 251.
185
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
91
específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem
o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
O Código de Processo Civil, imbuído no propósito de tutelar direito material de
forma mais efetiva possível, previu de possibilidade de tutela preventiva de forma específica
que vai de encontro, ou contra, a qualquer possibilidade de existência ou de ameaça a ilícito
de direito substancial.
Bittar
186
acrescenta que o direito processual apurou a sua técnica aplicando a
recomendação de Chiovenda que afirmou: “il processo deve dare per quanto è possibile
praticamente a chi ha um diritto tutto quello e próprio quello ch’egli há diritto di
conseguire”
187
.
Observa-se que a tutela inibitória tem caráter preventivo, ou seja, atua
prevenindo possível lesão a direito, para mantê-lo em sua íntegra quando se manifesta alvo de
provável ato ilegítimo. Esta característica peculiar da tutela inibitória faz com que esta técnica
processual obtenha a efetividade pretendida e desejada pelo consumidor, uma vez que impede
a ocorrência da lesão ao direito substancial, dando motivo para que o Judiciário conceda a
tutela na sua forma mais específica possível.
E neste contexto da legitimação e proteção do direito material, Marinoni
esclarece que:
Desconsiderar as diversas funções que podem ser cumpridas pelo processo é,
na verdade, uma nítida tentativa de deixar encoberta as necessidades de direito
material que nunca foram tratadas de forma adequada pelo processo civil (por
exemplo, os direitos da personalidade), e manter escondidas, através de uma
análise falsamente neutra do processo, as situações de direito substancial que
sempre foram por ele privilegiadas.
186
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. Coord. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 105-106.
187
G. Chiovenda, Della azione nascente da contratto preliminare, Roma, Foro Italiano, 1930, v. 1., p. 110, apud
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. Coord. São Paulo: Saraiva, 1992,
p. 106.
92
Diante desta atmosfera inclinada à realização efetiva dos direitos, a tutela
inibitória surge para proporcionar mais apurada a tutela dos direitos constitucionalmente
relevantes, com destaque para a defesa dos direitos difusos e coletivos.
Neste contexto, Marinoni
188
afirma:
A ação inibitória se funda no próprio direito material. São várias situações de
direito substancial, diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é
evidente a necessidade de admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do
contrario, as normas que proclamam direitos, ou objetivam proteger bens
fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser
violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano.
Acrescenta ainda:
A tutela inibitória se volta contra a possibilidade do ilícito, ainda que se trate
de repetição ou continuação. Assim, é voltada para o futuro, e não para o
passado. De modo que nada tem a ver com o ressarcimento do dano e, por
conseqüência, com os elementos para a imputação ressarcitória – os chamados
elementos subjetivos, culpa ou dolo.
Para a proteção do direito em si, torna-se insuficiente e inadequada a tutela
ressarcitória, pois se permitiria a ocorrência do gravame ao direito. Um exemplo trazido por
Bittar
189
deixa evidente a necessidade da tutela do direito em sua integralidade, afirmando:
De que adiantará, e.g., a cominação de pena pecuniária no concernente a
produtos e serviços colocados no mercado de consumo atentatórios à saúde da
população, se o interesse coletivo ou difuso impõe imediata paralisação do
gravame? Nessa matéria bem se compreende, é melhor prevenir do que
remediar, sendo preferível atalhar os ilícitos futuros do que ressarcir os
respectivos prejuízos.
Como corolário da tutela específica do direito, o artigo 84 e respectivos
parágrafos do Código de Defesa do Consumidor, privilegia a proteção preventiva do direito,
188
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 253-255.
189
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. Coord. São Paulo: Saraiva,
1992, p. 107.
93
colocando como objetivo auxiliar a aceitação em dinheiro ou ainda a obtenção de resultado
prático equivalente.
Marinoni
190
esclarece que estudiosos procuraram explicar o fundamento e a
finalidade da tutela inibitória, indagando: “Se a tutela não visa a reparar o dano, qual seriam o
seu fundamento e escopo?”. E responde a esta indagação argumentando:
Afirmou-se, em uma doutrina elaborada há bastante tempo, que a “ação”, em
alguns casos, pode não ser seguida de um evento; lembrou-se, ainda, que
podem ser praticados atos preparatórios voltados a uma finalidade sem que a
ação seja praticada e que, também, uma ação pode ser apenas anunciada como
um propósito, sem que qualquer ato seja praticado. Muito embora não
verificado o evento ou mesmo praticada a ação, entendeu-se que a prática da
ação como conteúdo de um propósito, não poderiam deixar de ter significado.
Foi aí que surgiu a distinção, realizada no interior da categoria da ilicitude
civil, entre o “ilícito de lesão” e o “ilícito de perigo”.
Imperiosa esta diferenciação, pois evidencia uma diferenciação entre a tutela
preventiva que vai de encontro ao perigo de ilícito a direito, e a tutela ressarcitória que se
dirige em face do ilícito de lesão que pressupõe a existência do dano.
A tutela inibitória não tem como objetivo principal a prevenção do dano, mas
sim em sua forma pura, de prevenir a ocorrência de ilícito a direito. Neste desiderato,
Marinoni
191
é taxativo ao afirmar que “o dano é uma conseqüência meramente eventual e não
necessária do ilícito, a tutela inibitória não deve ser compreendida como a tutela contra a
probabilidade do dano, mas sim como uma tutela contra o perigo da prática, da repetição ou
da continuação do ilícito”. Desta forma, o ilícito deve ser interpretado como ato desfavorável
ao direito, que é alheio à forma do dano.
Pode se compreender então, que existe uma grande diferença entre a existência
de ilícito e a conseqüente ocorrência de dano. A ação inibitória é voltada completamente para
a proteção do direito, em face da ocorrência do ilícito. O dano é conseqüência da ilicitude,
190
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 40.
191
Ibid., p. 40.
94
mas não é uma implicação necessária, podendo existir ato ilícito sem a ocorrência do evento
danoso.
Neste desiderato, Marinoni
192
afirma:
A distinção entre ilícito e dano abriu as portas para a doutrina esclarecer que a
tutela preventiva objetiva impedir a prática, a continuação ou a repetição do
ilícito. A diferenciação entre ilícito e dano não só evidencia que a tutela
ressarcitória não é a única tutela contra o ilícito, como também permite a
configuração de uma tutela genuinamente preventiva, que nada tem a ver com
a probabilidade do dano, mas apenas com a probabilidade do ato contrário ao
direito (ilícito).
Por se tratar de uma tutela preventiva, a proteção inibitória objetiva impedir a
ocorrência de ato ilegítimo, ou que o mesmo se repita ou possa prosseguir, inexistindo
qualquer relevância à ilicitude que já foi praticada, e que não mais existe receio de
continuação ou de sua repetição.
Vige aqui esclarecer que a tutela inibitória, segundo o ensinamento de
Marinoni
193
, não quer dizer técnica processual, pois esta se caracteriza como um meio hábil a
viabilizar a prestação da tutela, definindo a finalidade da tutela inibitória como forma de
impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito.
A tutela inibitória, na defesa do consumidor, cumpre com sua finalidade de
impedir a prática abusiva, a repetição ou a continuação do ilícito, através das técnicas trazidas
pelo art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, bem como com o artigo 461 do Código de
Processo Civil, como forma de tutela específica para a proteção da integridade do direito do
consumidor, antes mesmo de haver lesão a direito. Ou seja, a inibição pode consistir em evitar
uma possível prática de um ilícito, como a repetição desta, bem como a continuação da prática
de um ilícito. Logo, esta probabilidade da prática, da continuação ou da repetição do ilícito é
condição imprescindível para que seja possível a viabilização da tutela inibitória.
192
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 47.
193
Ibid., p. 119-120.
95
Sendo assim, o direito do consumidor, em sua esfera coletiva, também pode ser
abarcado pela tutela inibitória, através da sentença mandamental, evitando lesão ou ameaça de
lesão aos consumidores, vez que a tutela inibitória é inerente ao ordenamento jurídico e tem
como objetivo segurança integral dos Direitos e não apenas a sua declaração.
Importante destacar ainda que a classificação da tutela inibitória, podendo ser
positiva e negativa, correspondente às duas maneiras de se praticar o ato ilícito, ou seja, a
obrigação de fazer corresponde à forma positiva, pois destinada a impedir o sujeito de realizar
determinada ação, e a obrigação de não fazer que corresponde à tutela inibitória negativa, vez
que compele a ação de determinado indivíduo, impedindo que pratique ou cesse a pratica, ou
ainda, que continue praticando determinado ato ilícito.
Diante das exposições acima, dando conta da existência dos fundamentos e os
objetivos da tutela inibitória, constata-se que esta forma de proteção determina prática
positiva ou negativa em suas formas, atuando na defesa da integralidade do Direito material,
que é o seu maior fundamento.
4.3 A TUTELA INIBITÓRIA E TUTELA CAUTELAR
Conforme já afirmado anteriormente, o direito processual dos últimos tempos
tem procurado apurar a sua técnica constantemente com a efetiva realização das normas de
direito material. Assim, antes desta moderna preocupação, a tutela cautelar foi, por muito
tempo, utilizada como remédio processual para a proteção do direito material em ameaça.
Conforme adverte Marinoni
194
, em épocas anteriores à edição do artigo 461 do
Código de Processo Civil inexistia solução para a defesa do direito coletivo e individual
ameaçado de lesão, senão utilizar-se de uma ação cautelar. E acrescenta:
194
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 64.
96
Caso a liminar fosse concedida na primeira hipótese, surgiria a “velha”
indagação a respeito da necessidade de uma ação principal, surgindo à falsa
questão de uma “ação cautelar satisfativa”. Esta ação rotulada de cautelar,
entretanto, somente deveria exigir uma ação principal na ausência de
definição, fundada na cognição exauriente, da ilicitude do ato.
Nesta hipótese de medida preventiva para a proteção de lesão a direito, e que
não necessita de uma ação principal diante de sua autonomia, nada mais é do que uma ação
inibitória e não cautelar. E adverte Marinoni
195
que “a ação inibitória, que teria sido proposta
sob o rótulo de “ação cautelar”, somente deveria necessitar de uma ação principal se
terminasse não definindo a existência do ilícito”.
Sendo assim, somente uma ação que se legitima em uma cognição sumária
necessita uma ação principal para a obtenção de um conhecimento completo, ou seja, a
conhecida cognição exauriente.
Conforme acima analisado, a tutela inibitória tem em seu escopo e
fundamentação no direito material, tratando-se de uma tutela autônoma, ou seja, uma ação de
conhecimento de natureza preventiva, que tem como finalidade a prevenção de prática, a
repetição ou a continuação do ilícito.
Em contrapartida, na tutela cautelar não existe tutela de mérito, sendo
subsidiária ou dependente de uma ação principal de mérito. Neste sentido, esclarece
Theodoro Júnior
196
: “As medidas cautelares não têm um fim em si mesmas, já que toda sua
eficácia opera em relação a outras providencias que hão de advir em outro processo”. E
acrescenta de forma incisiva:
195
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 64.
196
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. II. 21 ed. Editora Forense: Rio de
Janeiro. 1998, p. 363.
97
Na verdade, o processo principal busca a tutelar o direito, no mais amplo
sentido, cabendo ao processo cautelar a missão de tutelar o processo, de modo
a garantir que o seu resultado seja eficaz, útil e operante.
Não se pode, evidentemente, entender o processo cautelar senão ligado a um
outro processo, posto que as medidas preventivas não as insatisfativas, mas
apenas preservativas de situações necessárias para que o processo principal
alcance resultado realmente útil.
Gusmão Carneiro
197
, ao tratar da tutela de urgência e analisar a tutela cautelar,
assinala:
De início, sublinhemos, com a devida vênia, que não mais subsistem os
motivos, principalmente de ordem doutrinária, que levaram o legislador de
1973 a enquadrar o procedimento das medidas cautelares (entre as quais estão
incluídas providências ditas cautelares inominadas, e alguns sem nenhum
caráter de cautelaridade) às culminâncias de um processo autônomo, ao lado
do processo de conhecimento e do processo de execução.
A tutela cautelar foi idealizada para a tutela do caráter instrumental do
processo, desde a sua previsão, não vislumbrou a tutela do direito material, e sim para a futura
atuação jurisdicional definitiva, que ocorrerá no processo principal, da qual é dependente.
A distinção entre a tutela cautelar e a inibitória é flagrante, diante das
peculiaridades de cada uma, na qual a tutela inibitória objetiva a proteção do direito material,
ao passo que a tutela cautelar tem como incumbência proteger o resultado útil do processo. A
ação inibitória é autônoma e independente, e a cautelar é subordinada à prestação jurisdicional
de mérito. Ademais, apenas no caráter preventivo é que são comuns as duas formas de tutela,
que se distinguem por suas outras características especiais.
A preventividade da tutela cautelar atualmente é reconhecida pela doutrina,
porém adstrita pelo caráter acessório da medida, visto que tem como missão garantir o
resultado útil do processo e não prevenir dano a direito.
197
CARNEIRO, Athos Gusmão. Tutela de urgência. Medidas antecipatórias e cautelares. Esboço de
reformulação legislativa. Revista de Processo. Ano 31, n. 140. out./2006. Revista dos Tribunais, p. 72.
98
Neste sentido Grossen
198
afirma:
Falando de atividade preventiva do juiz não se deveria esquecer o importante
instituto das medidas cautelares, nem aquele da instrução preventiva. Nós o
deixamos de lado, por seu caráter assessório, ao fim de dedicar mais espaço às
ações que tendem principalmente e exclusivamente à prevenção de um dano.
Diante do recente progresso processual para a tutela dos novos direitos, a ação
cautelar deve deixar de ser utilizada como instrumento processual de inibição de ilícito a
Direito. A tutela inibitória não está adstrita a assegurar resultado útil de nenhum processo ou
resguardar futura execução forçada, mas sim agasalhar a integralidade do direito material.
Neste sentido, adverte Marinoni
199
:
Dessa forma, diastancia-se, em primeiro lugar, da ação cautelar, a qual é
caracterizada por sua ligação com uma ação principal, e, depois, da ação
declaratória, a qual já foi pensada como “preventiva”, ainda que destituída de
mecanismos de execução realmente capazes de impedir o ilícito.
Imperioso ainda destacar que a tutela inibitória tem o condão de impedir a
violação de um direito, seja de forma antecipada ou no curso da cognição sumária. Existe uma
relação entre a tutela final, a tutela antecipada e o provimento jurisdicional definitivo e o
provisório, esclarecendo Marinoni
200
que: “as tutelas não podem ser contrapostas às técnicas
de tutela, isto é aos provimentos”, acrescentando que a tutela inibitória se presta através de um
provimento que tanto pode ser provisório como definitivo. Em sendo provisório, existe a
ocorrência da tutela inibitória antecipada, ao passo que se definitivo o provimento, “há tutela
inibitória final”. Desta forma, em momento algum a tutela inibitória possui natureza cautelar,
seja ela prestada de forma definitiva ou provisória.
198
GROSSEN, Jacques Michel. L’azione in prevenzione al di fuori dei giudizi immobiliari. Revista di Diritto
Processuale, 1959, p. 419, citado por MARINONI. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 242.
199
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 251.
200
Id., Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 251.
99
Compreender a ação inibitória como uma espécie de medida cautelar
inominada, além de incongruente, revela-se absurdo, pois a mesma independe de ação
principal futura, tornando esta exigência uma repetição de conteúdo e debate já ocorrido no
processo anterior. Desta forma a ação inibitória revela-se autônoma, vez que admite o debate
pleno da matéria discutida e a produção de provas satisfatória dos fatos o que torna a cognição
exauriente que dispensa rediscussão da matéria em ação principal futura.
A ocorrência de tutela inibitória de caráter sumário deriva da necessidade de se
proteger efetivamente o direito à prevenção, ou ainda, a impedir violação do direito. Desta
forma, a tutela cautelar não se confunde com a tutela inibitória por suas peculiaridades
intrínsecas de “assegurar a efetividade da tutela de um direito que já foi violado”, ou
“assegurar um direito para a hipótese de ele ser violado”, o qual a segurança, nesta forma de
tutela é direcionada a “garantir o direito na suposição de que ele, após ter sido violado, poderá
ser efetivamente tutelado”
201
. Logo, diante da natureza acautelatória da tutela, admite-se a
ocorrência de violação a direito, sendo esta uma das características que distingue da tutela
inibitória, entendendo Marinoni que a confusão entre as mesmas corresponde a uma
heresia
202
.
Acrescenta Arenhart
203
:
A importância desta noção se espraia por diversos campos do direito
processual civil. De um lado, sendo ela tutela de cognição exauriente, dispensa
a propositura de ação principal. De outro lado, por este mesmo motivo, é apta
a gerar coisa julgada material. Ainda, independe do requisito da urgência
(periculum in mora) exigível apenas para as medidas antecipatórias e
cautelares. Por fim, destina-se à resolução em definitivo da controvérsia, com
mecanismos próprios e definitivos de atuação do seu provimento.
Ademais, os instrumentos processuais dos artigos 461 do Código de Processo
Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor inibem a ocorrência de confusão entre as duas
201
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 255.
202
Ibid., p. 257.
203
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. 2. v. RT: 2000, p. 115.
100
tutelas, ao passo que a nova sistemática processual legitima o “surgimento de novas sentenças
e meios de execução, os quais se colocam ao lado das sentenças declaratória, constitutiva e
condenatória”
204
, não oferecendo obstáculo para a outorga de tutelas que anteriormente não
poderia ser prestada.
Vale ainda ressaltar que os referidos dispositivos trouxeram para o processo
uma maior efetividade, consagrando a possibilidade jurídica e processual de, na ação
inibitória ocorrer as sentenças mandamental e executiva e a antecipação da tutela, fato que
impede a ocorrência de confusão com a tutela cautelar.
4.4 A QUESTÃO DA TUTELA INIBITÓRIA ANTECIPADA E SEUS REQUISITOS
Diante da preocupação com proteção coletiva do direito do consumidor, a
efetividade da tutela inibitória, que não se caracteriza como uma tutela de urgência, depende
do manejo adequado de mecanismos de tutela imediata provisória diante do objetivo de
proteção direcionada para a prática futura.
Assim, por exemplo, estando diante de uma pactuação em massa, em que
preexistem contratos a serem aderidos pelos consumidores, como nos casos de planos de
saúde visando à prestação de serviços, e encontrando-se presente cláusulas que prejudicam a
esfera jurídica do consumidor, colocando-o em posição de inferioridade e elevada vantagem
para o fornecedor, faz-se necessária a intervenção do Judiciário através de ação inibitória para
evitar que determinada(s) cláusula(s) considerada(s) abusiva(s) seja(m) utilizada(s) em
contrato(s) futuros de consumo.
Considerando que, pela natureza da tutela inibitória sua proteção é voltada para
o futuro
205
, com esta medida inibitória evitará a continuação da abusividade (ilícito) nos
204
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 258.
205
Ibid., p. 180.
101
contratos em vigência, bem como a utilização das mesmas nos contratos que ainda não foram
efetivados. Portanto, para este desiderato, a tutela inibitória antecipada se faz necessária para
a proteção preventiva de cláusulas contratuais que ainda não estão em vigência, inibindo
assim a ocorrência do ilícito contratual.
Marinoni
206
é categórico ao afirmar:
A tutela antecipatória, ao viabilizar a tutela do direito no curso do processo de
conhecimento, resolve de forma adequada o grave problema da necessidade de
distribuição isonômica do tempo do processo e, mais do que isso, destrói o
mito de que o juiz somente pode julgar após ter encontrado a “certeza
jurídica”.
Arenhart
207
, ao tratar da tutela inibitória da vida privada, salienta sobre a tutela
inibitória antecipada, que também se encaixa perfeitamente na tutela inibitória em relações de
consumo, argumentando sobre a importância do papel da tutela antecipatória do parágrafo
terceiro do artigo 461 do Código de Processo civil, afirmando que:
Na maioria dos casos, a parte não dispõe de tempo hábil para perfectibilizar a
prova plena do seu alegado, ou mesmo para aguardar a tramitação do feito até
a cognição completa, pelo juiz, dos fatos. Entretanto, carece de tutela
imediata, visto que a lesão que pretende evitar apresenta-se iminente – tanto
que, se não fosse, a tutela preventiva lhe seria negada, porquanto inexistente a
ameaça de dano nos termos requeridos pela jurisprudência. Enfim, dada à
necessidade de proteção preventiva deste interesse, a toda evidência exsurge o
papel fundamental da proteção imediata.
O artigo 461 do Código de Processo Civil e o artigo 84 do Código de Defesa
do Consumidor são fontes legais e processuais da tutela preventiva genérica e inominada,
trazendo o claro objetivo de tutelar direito através do entrelaçamento entre a ação de
conhecimento e execução, para a concessão da tutela específica ou a determinação de
206
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 187.
207
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. v. 2. RT: 2000, p. 117.
102
providências que assegurem o resultado equivalente, sem a necessidade de propositura de uma
ação de execução
208
.
Sendo assim, referido dispositivo legal possibilita que o juiz determine
medidas executivas adequadas, autorizando ainda o §3° dos artigos 461 do Código de
Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor a forma antecipada de tutela. Sendo
assim, o indivíduo passa a ter direito à tutela antecipada e de obter uma sentença que decide
providência com força executiva, que são capazes de impedir a violação do direito.
Para a concessão da tutela inibitória antecipada, dois requisitos devem
coexistir, sendo eles: a relevância do fundamento e o justificado receio de ineficácia do
provimento final.
Sendo assim, referidas condições refletem as exigências para a concessão de
provimentos cautelares, porém, na medida inibitória, o requerente demonstra a probabilidade
da ocorrência da ilicitude (que pode ter conseqüências danosas ou não), ao passo que nas
cautelares o receio é de que o dano ocorra e não o ilícito.
Logo, em sede de fumus boni iuris, o requerente da tutela inibitória deve
demonstrar a probabilidade da ilicitude, ou seja, do ato contrário ao direito, o que de forma
alguma requer o temor da ocorrência do dano.
Ademais, importante neste requisito é o fator temporal, pois a pretensão de um
provimento inibitório provisório torna-se necessário quando existir temor de ineficácia do
provimento final. Frignani, neste contexto, afirma: “A noção de perigo empregado nesta sede
é tão diversa daquela acolhida acima em relação ao perigo de ilícito. Ela deve ser realmente,
relacionada temporalmente ao momento em que presumivelmente se concluirá o juízo de
mérito”
209
.
208
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 86-87.
209
FRIGNANI, Aldo. L’ azion inibitória contro le clausole verssatorie (considerazioni ‘fuori dal coro’di un
civilista). Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, out.-dez. 1997, p. 434. In ARENHART, Sérgio Cruz. A
tutela inibitória da vida privada. 2. v. RT: 2000, p. 121.
103
Logo, deve haver fundado receio de que o provimento final se torne impotente
se a medida provisória não for concedida, visto que o ilícito temido, precedido ou não de
dano, está prestes a ocorrer.
Assim, a exigência para a proteção antecipada se refere à impossibilidade do
aguardo da decisão definitiva, no qual o receio ao ilícito a direito revela-se iminente, devendo
acontecer antes de completado o tempo necessário para a prestação da tutela final.
Quanto à relevância do fundamento, “existe a necessidade de avaliação da
probabilidade de existência do direito. Necessário que o autor seja capaz de convencer o juiz,
ainda que com elementos mínimos, ao reconhecimento (ainda que sem força declarativa
suficiente) da plausibilidade de existência do direito afirmado”
210
.
Marinoni
211
, ao analisar a prova e a tutela inibitória antecipada, assevera:
Quando se fala em antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve ser
prestada em um tempo menor do que aquele que será necessário para o
término do procedimento. Como o principal responsável pelo gasto de tempo
no processo é a produção da prova, muitas vezes admite-se a concessão da
tutela antes que as provas requeridas pelas partes tenham sido produzidas.
Neste sentido, afirma-se que a tutela é concedida com a postecipação da
produção da prova, ou com a postecipação do contraditório. Em casos como
estes, “prova inequívoca” somente pode significar a prova formalmente
perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a imediatidade em
que a tutela deve ser concedida (para que o direito não seja frustrado).
Desta forma, para a concessão de provimento inibitório provisório deve haver
demonstração da existência do direito, bem como o manifesto receio de ocorrência de ilícito
ao direito demonstrado, ao qual o provimento provisório se faz necessário, posto que o
aguardo de provimento final da tutela inibitória revelaria insubsistente, pois o temor do ilícito
ameaça acontecer imediatamente.
210
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. 2. v. RT: 2000, p. 120.
211
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 189.
104
Quanto ao momento da concessão da tutela inibitória antecipada, o juiz poderá
conceder a medida antes ou depois de ouvir a parte contrária
212
, vez que a função da tutela
inibitória coletiva tem caráter preventivo e muitas vezes não existe tempo hábil para esperar a
oitiva do demandado.
Destarte, para a demonstração da presença do fumus boni iuris e do periculum
in mora, poderá o requerente pretender audiência de justificação prévia, colhendo
depoimentos que podem auxiliar no esclarecimento da matéria fática, colaborando para o
convencimento do magistrado, com a demonstração do direito e do perigo de lesão ao mesmo.
Neste caso, por conter na medida inibitória a reunião do processo de
conhecimento e a execução, com o provimento antecipado da medida intentada, a sentença
produzirá os seus efeitos para a inibição do ilícito a direito, observando-se assim que, no
provimento final, “a sentença de procedência, no caso, somente agregará força declaratória à
decisão concessiva da tutela”
213
.
Especificamente no que diz respeito à questão da proteção ao consumidor, fica
manifesta a probabilidade de concessão da medida antecipada, inaldita altera pars, sobretudo
porque, em muitos casos, é a única forma de proteção preventiva do direito ameaçado de
lesão. Ademais, não é incomum que o conhecimento da ameaça de ofensa a direito contratual,
se dê apenas pouco tempo antes de sua efetiva constatação.
4.5 A AVALIAÇÃO DOS INTERESSES ENVOLVIDOS E OS EFEITOS DA DECISÃO
JUDICIAL
Para a concessão da medida inibitória antecipada, o juiz deve ponderar alguns
critérios para evitar que a proteção decretada na sentença não se torne uma verdadeira
violação de direitos.
212
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. 2. v. RT: 2000, p.123.
213
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p.193.
105
Para que isto não ocorra o judiciário dispõe de elementos que devem ser
observados por ocasião da decisão liminar. Se bem ponderado, o art. 273, em seu parágrafo
terceiro do Código de Processo Civil
214
, determina a concessão de antecipação da tutela
desde que não haja perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
Apesar de o artigo 461 não fazer análoga previsão a esta limitação, em se
tratando de tutela inibitória antecipada, que objetiva impedir lesão a direito, esta limitação não
pode ser aplicada. Para tanto, Marinoni
215
ressalta a importância da avaliação do princípio da
proporcionalidade por parte do magistrado, e consagra referido princípio como sendo:
O princípio da proporcionalidade consagra a própria lógica da tutela
antecipatória contra o periculum in mora. Na tutela antecipatória fundada em
periculum in mora está sempre em jogo um direito provável que pode ser
lesado. Assim, a afirmação de que o direito do réu, em virtude da tutela
antecipatória, pode ser lesado de forma irreparável, não é suficiente para
convencer alguém – que esteja caminhando sobre os trilhos da boa lógica – de
que a tutela antecipatória não pode ser concedida.
O que se observa é um verdadeiro embate entre os interesses do autor, que
teme a lesão ao seu direito e os interesses do réu. Caso seja concedida a medida provisória, o
réu será efetivamente agredido em sua esfera jurídica
216
.
Conforme adverte Arenhart
217
, “ambas as situações podem acarretar a
irreversibilidade fática da situação criada pela intervenção judicial”, cabendo a solução ao
magistrado de decidir pelo direito que lhe parecer mais verossímil. E acrescenta o autor: “Em
outro pólo, também importa considerar o princípio da proporcionalidade. O juiz, ao analisar o
214
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação
e:
...
§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas
nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.
215
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 195-197.
216
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. 2. v. RT: 2000, p. 125.
217
Ibid., p. 126.
106
caso concreto, deverá ponderar os interesses em litígio, privilegiando o interesse mais caro à
ordem jurídica, em detrimento daquele de menor hierarquia”.
No caso dos direitos coletivos dos consumidores, diante de contratações em
massa, muitas vezes os aderentes encontram-se diante de eminente perigo de dano aos seus
direitos básicos
218
, em contraposição aos interesses da livre iniciativa e a liberdade contratual.
O magistrado, ao analisar o caso concreto, tem o dever de ponderar aos interesses em litígio,
por se tratarem de liberdades, privilegiando o que demonstra ser mais oneroso à ordem
jurídica em detrimento daquele de menor hierarquia.
Outrossim, não está o juiz adstrito ao pedido de provimento antecipado,
podendo decidir segundo as suas convicções, de acordo com a decisão mais adequada para a
satisfação da aspiração urgente manifestada.
Neste sentido, Baur
219
afirma:
o juiz não está cerceado à opção entre deferir o provimento que foi requerido
ou então indeferi-lo, mas – dentro do ‘limite extremo’estabelecido pelo direito
material e pelo fim da tutela jurídica pretendida pelo autor – pode determinar
livremente o que tem por necessário para a segurança de uma pretensão ou de
uma regulação transitória de um estado de coisas.
218
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e
serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas à liberdade de
escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como
contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em
razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica
aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências;
IX - (vetado);
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
219
BAUR, Fritz. Tutela jurídica mediante medidas cautelares. Porto Alegre: Fabris, 1985, p. 102-103. Citado
pelo autor ARENHART. ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. 2. v. RT: 2000, p. 128-
129.
107
Sendo assim, a livre apreciação pelo magistrado deve estar ligada à verificação
da plausibilidade do pedido e atender ao objetivo de alcançar a segurança pretendida, com a
menor interferência possível na liberdade de ação do demandado. Neste caso autoriza a
determinação de medidas necessárias para a segurança e proteção do direito, sendo ela
pretendida ou não pelo demandante. Trata-se da fungibilidade da tutela inibitória antecipada.
Salienta Dinamarco
220
:
As medidas inerentes à tutela antecipatória têm nítido e deliberado caráter
satisfativo, sendo impertinentes quanto a elas as restrições que se fazem à
satisfatividade em matéria cautelar. Elas incidem sobre o próprio direito e não
consistem em meios colaterais de ampara-los, como se dá com as cautelares.
E acrescenta:
Sendo necessário conciliar o caráter satisfativo da tutela antecipatória com o
veto a possíveis efeitos irreversíveis da decisão que as concede, cabe ao juiz
em cada caso impor as medidas assecuratórias que sejam capazes de
resguardar adequadamente a esfera de direitos do réu (cauções etc).
Logo, o deferimento ou não da pretensão em sede liminar deve ater-se à
máxima proteção do direito, torna-se suficiente a demonstração aparente do direito para que
não haja a perpetuação do dogma da irreversibilidade do provimento diante da possibilidade,
em caso de verificação de inexistência do direito, de ensejar ao lesado o direito à indenização.
220
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
1995, p. 146-147.
108
CAPÍTULO V
DA DEFESA COLETIVA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO
Encontra-se encartado no Art. 2°, parágrafo único, e o art. 29 do Código de
Defesa do consumidor a tutela da coletividade de consumidores, ainda que indetermináveis. A
defesa coletiva do consumidor em juízo refere-se à proteção judiciária dos direitos e interesses
do consumidor, considerados em sua esfera coletiva.
Para a tutela destes direitos e interesses na esfera coletiva, Kazuo Watanabe
221
faz uma distinção entre os direitos ou interesses essencialmente coletivos, que se identificam
pelos interesses difusos definidos no inciso I do art. 81, da Lei 8.078/90, e os coletivos
propriamente ditos, que trazem uma dimensão comunitária e impessoal, de natureza
indivisível tendo como titular categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica comum.
Mas, o que se torna importante é que foi instituída, através do Código de
Defesa do Consumidor, uma tutela integral aos consumidores, estabelecendo a equiparação a
consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, referentes a uma coletividade de
sujeitos que intervêm nas relações de consumo ou que se sujeite às práticas comerciais
previstas na lei consumerista.
E complementa o referido autor
222
:
A necessidade de estar o direito subjetivo sempre referido a um titular
determinado ou menos determinável, impediu por muito tempo que os
“interesses” pertinentes, a um tempo, a toda coletividade e a cada um dos
membros dessa mesma coletividade, como, por exemplo, os “interesses”
221
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 718-719
222
Ibid., p. 719.
109
relacionados ao meio ambiente, à saúde, a educação, à qualidade de vida, etc.,
pudessem ser havidos por juridicamente protegíveis.
Verifica-se, neste contexto contemporâneo do direito, a evolução acentuada no
plano doutrinário que passou a interpretar o Direito de acordo com as disposições
constitucionais, com edições de leis ordinárias: na perspectiva de amparo aos direito e
interesses de toda uma coletividade de sujeitos; preocupação processual com a efetividade do
processo dedicado ao amparo do consumidor; e a simplificação de seu ingresso à justiça.
Adverte Bezerra Leite
223
que a “efetivação do acesso coletivo à justiça exige,
sobretudo, um "pensar coletivo", que seja consentâneo com a nova ordem política, econômica
e social implantada em nosso ordenamento jurídico a partir da Carta Magna de 1988”.
O Ministério Público passa a assumir um novo papel político perante a
sociedade, através do múnus de promover a defesa dos direitos sociais e individualmente
indisponível, assim como a defesa do ordenamento jurídico.
Adverte Bezerra Leite
224
que:
As transformações e a complexidade das relações sociais, o aumento da
pobreza e do desemprego, a banalização da violência, a generalização do
descumprimento da legislação, a flexibilização do Direito do Trabalho, a
criação de novos institutos jurídicos e a massificação dos conflitos estão a
exigir um aperfeiçoamento técnico multidisciplinar e permanente dos
membros do Ministério Público.
Não basta, contudo, o aperfeiçoamento técnico. É preciso, paralelamente, que
as escolas do Ministério Público incluam entre as suas finalidades, a exemplo
do que se dá com o Ministério Público nas modernas democracias sociais, a
formação e informação dos futuros promotores e procuradores a respeito dos
valores da ética republicana e democrática consagrada na nossa Constituição
de 1988.
Da mesma sorte, assume o magistrado o dever perante as ações coletivas, visto
que “iniciado o processo, o juiz está comprometido com a justa resolução do litígio posto
223
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O sistema integrado de acesso coletivo à Justiça e a nova “jurisdição
metaindividual". Editora Pelenum. Edição 87. vol. 2, JP87CD02, Março 2006.
224
Ibid., p.
110
diante de si. O juiz não pode ser uma marionete das partes que não podem ao menos
perscrutar o que de fato aconteceu no mundo real”
225
.
Neste sentido Bezerra Leite
226
afirma que:
Nem poderia ser diferente, pois a crescente complexidade das relações sociais;
as transformações sociais rápidas e profundas; a criação assistemática de leis
que privilegiam mais a eficácia de planos econômicos do que a eqüidade e a
justiça das relações jurídicas; a crescente administrativização do direito que é
utilizado como instrumento de governo, economia de massa a gerar intensa
conflituosidade; a configuração coletiva dos conflitos de interesses relativos a
relevantes valores da comunidade, como o meio ambiente e outros interesses
difusos exigem o recrutamento mais aprimorado de juízes e seu permanente
aperfeiçoamento cultural.
Desta forma, ocorre o aprimoramento das várias disciplinas, que compreendem
não apenas o direito como também a sociologia, a economia, a psicologia, a política, enfim,
deve ocorrer "um aperfeiçoamento que conceda e propicie um espectro completo do momento
histórico e do conjunto sócio-econômico-cultural em que atuam os magistrados, que também
assumem o dever político para uma ordem jurídica mais justa”
227
.
Diante de tais prerrogativas principiológicas, atinentes aos conceitos
estabelecidos aos interesses ou direitos difusos, coletivos, individuais homogêneos,
encontram-se os entes legitimados para agir processualmente na defesa dos consumidores,
tornando-se uma preocupação de cunho eminentemente social para a real constituição de um
Estado Democrático de Direito que é preocupação de todos, sejam entes judiciais, políticos ou
civis.
225
FREIRE JUNIOR, Américo Bedê. Os poderes do juiz nas ações coletivas e breves sugestões de lege
ferenda ao aprimoramento do processo coletivo. Revista de Processo, Ano 29, n. 117, setembro-outubro de
2004, RT, p. 130.
226
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O sistema integrado de acesso coletivo à Justiça e a nova “jurisdição
metaindividual". Editora Pelenum. Edição 87. vol. 2, JP87CD02, Março 2006.
227
Ibid.
111
O artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor
228
atribui legitimidade para a
proteção dos interesses coletivos, sendo legitimados: o Ministério Público, a União, os
Estados, os Municípios e o Distrito Federal; as entidades e órgãos da administração pública,
direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa
dos interesses e direitos protegidos pela lei consumerista; e as associações legalmente
constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos
interesses e direitos protegidos pela lei 8.078/90.
Referido dispositivo legal confere legitimação a todos estes entes para
promover ações coletivas destinadas à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos dos consumidores. Tal legitimação caracteriza-se como taxativa, pois não se
atribui capacidade postulatória a outro ente senão ao elencado no referido dispositivo. Desta
forma, citada legitimação se refere tanto a ações de cunho administrativo (extrajudicial) como
judicial, visto que as entidades legitimadas apenas poderão agir se houver o objetivo de
prevenir ou reparar dano causado a algum interesse socialmente relevante.
A lei 8.078/90, ao tratar da defesa dos interesses e direitos do consumidor em
juízo, constituiu o exercício desta proteção através da defesa coletiva quando se tratar de
interesses ou direitos difusos, de interesses ou direitos coletivos e de interesses ou direitos
individuais homogêneos.
229
228
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a
defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1º O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes,
quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância
do bem jurídico a ser protegido.
229
ZAVASCKI, Teori Albino. O Ministério Público e a defesa de direitos individuais homogêneos. Editora
Pelenum. Edição 87. vol. 2, JP87CD02, Março 2006.
112
No afã de tutelar a coletividade de consumidores, Grinover
230
assevera que a
parte processual do Código de Defesa do Consumidor opera a vertente das ações coletivas em
que:
Amplia-se e especifica-se a tutela dos bens dos consumidores,
individualmente considerados, por intermédio das categorias dos interesses
difusos e dos interesses coletivos (art. 81, I e II); cria-se uma nova ação, para o
tratamento coletivo da reparação dos danos pessoalmente sofridos (art. 81, III
e Capítulos II do Título III), sem prejuízo da eventual fluid recovery (art. 100);
aperfeiçoam-se as regras de legitimação e de dispensa de custas e de
honorários advocatícios da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 – a denominada
Lei de Ação Civil Pública – (art. 87); dá-se novo tratamento à coisa julgada,
que no que diz com seus limites subjetivos, quer no que tange à aplicação do
objeto do processo coletivo, para favorecer as pretensões individuais (art.
103); regula-se a litispendência (art. 104); amplia-se, enfim – fora do Título III
– a abrangência da referida Lei n° 7.347/85, para que a tutela desta se
harmonize e se inteire com a do Código de Defesa do Consumidor (art. 109
usque 117).
Diante da homogeneidade de interesses e direitos no espaço coletivo, a defesa
dos consumidores enseja a forma coletiva, mediante ação proposta em regime de substituição
processual por um dos órgãos ou entidades para tanto legitimados.
Torna-se evidente a nova dimensão do acesso à Justiça diante da
inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal como direito processual
fundamental, assim como as garantias fundamentais, a partir da promulgação da Carta Magna.
Logo, “amplia-se, então, no plano mais elevado do nosso ordenamento, o conceito jurídico de
acesso ao Poder Judiciário, não somente para a tutela jurisdicional na hipótese de lesão, mas,
também, na de ameaça a direito”
231
.
E acrescenta Scartezzini
232
:
230
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 704.
231
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O sistema integrado de acesso coletivo à Justiça e a nova “jurisdição
metaindividual". Editora Pelenum. Edição 87. vol. 2, JP87CD02, Março 2006.
232
SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. Ação civil pública. Editora Pelenum. Edição 87. vol. 2,
JP87CD02, Março 2006.
113
Inquestionável é a tendência atual de inserir-se inúmeras relações como
protegidas pelo Código de Defesa do Consumidor, a fim de obter-se maior
proteção ao particular, em tese mais desprotegido em face das pessoas
jurídicas envolvidas na relação. Essa postura, no entanto, leva a um
extremismo condenável, na medida em que desnatura as relações jurídicas e
sufoca a real proteção que deve ser dada a quem tem direito a ser amparado.
Se é verdade que mudou a sociedade e o enfoque de proteção ao direito, que
se apresenta como protetor especialmente dos interesses de massa,
representativos de toda a sociedade, não é menos verdade que se deve
valorizar o indivíduo, como fonte e destino de atos jurídicos que expressam
interesses legítimos, que, pela sua particularidade, também devem ser igual e
intensamente protegidos.
Com a abrangência das formas de proteção, vislumbrada na possibilidade de
utilização de todos os meios possíveis de proteção para a defesa coletiva do consumidor, não
se pode assumir o caráter indiscriminado da tutela para que não nasça uma atmosfera de
insegurança e litigiosidade pelo uso indiscriminado e generalizado das ações coletivas. Desta
forma, deve-se levar em consideração a efetiva proteção do direito existente.
Logo, para a atuação dos entes legitimados na defesa coletiva, torna-se
necessária a identificação dos objetivos da ação coletiva a ser proposta, ou seja, pedido e
causa de pedir. Estes dados importam na correta determinação do legitimado passivo para a
ação, bem como para a correta abrangência da demanda.
Como requisitos imprescindíveis de qualquer ação judicial, o pedido e causa de
pedir devem conter os requisitos da ação coletiva, ou seja, a natureza transindividual e o
caráter indivisível, bem como o aspecto passivo, violação desses mesmos interesses (ou
ameaça a lesão), sendo ainda suficiente uma só demanda coletiva para a proteção de todas as
pessoas titulares desses interesses ou direitos (pessoas determinadas e ligadas por uma relação
jurídica base)
233
.
233
WATANABE, Kazuo, in GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do
consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 726.
114
Acrescenta Watababe
234
que “não faz qualquer sentido admitir-se uma segunda
demanda para a tutela desses interesses ou direitos difusos ou coletivos, ou mesmo interesses
ou direitos individuais homogêneos, mormente se veiculados por um ente legitimado para
todo o País, como o Ministério Público”.
Os titulares do direito protegido são pessoas determináveis, que estão ligadas
por circunstâncias de fato, que se classificam como grupais à respeito das demais
coletividades não identificáveis, assim como categorias profissionais ou econômicas, por
exemplo, associações, comunidades, categorias, como acima já relatado.
A ação coletiva deve visar à proteção aos direitos de pessoas do mesmo grupo,
categoria ou classe, sendo os elementos objetivos da ação de suma importância para a
verificação dos fundamentos, assim como os termos do propósito da medida jurisdicional.
Logo, o que determina a existência de uma demanda coletiva são os seus termos e
fundamentos, trazendo Watanabe
235
o exemplo do desbloqueio de cruzados:
Se a inconstitucionalidade do bloqueio é argüida apenas incidenter tantum,
como mera questão prejudicial para justificar o pedido de desconstituição dos
bloqueios individualizados, estamos diante de demanda individual, quando
muito com pluralidades de partes. Para que a ação seja verdadeiramente uma
demanda coletiva, o autor deverá, mediante enunciação da causa de pedir
(v.g., inconstitucionalidade), postular a desconstituição do ato geral de
bloqueio de cruzados, postulando provimento jurisdicional que beneficie de
modo uniforme todas as pessoas que se encontrem na mesma situação. Mas
para isso, no respeitante ao pólo passivo da ação, deverá subir alguns graus na
hierarquia da estrutura funcional da entidade ré, pois deverá haver perfeita
adequação entre o provimento postulado e o legitimado passivo da ação.
Logo, a demanda coletiva deve objetivar a proteção de direito de uma
coletividade de pessoas, mas que venha a beneficiar de forma equânime a todos
indistintamente.
234
Ibid., p. 726.
235
WATANABE, Kazuo, in GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do
consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 727.
115
Quanto ao foro de competência que está elencado no art. 93 do Código de
Defesa do Consumidor
236
é de âmbito local, ou seja, o lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o
dano. Desta forma o foro de competência é o da Capital do Estado ou do Distrito Federal para
os danos que atingem a esfera nacional ou regional, tudo isso ressalvada a competência da
Justiça Federal.
Destarte, o art. 101 do Código de Defesa do Consumidor
237
, ao regulamentar
as ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, apresenta a competência
residual de acordo com a orientação do art. 6°, inciso VII, da lei consumerista, que institui a
regra de proteção que beneficia o consumidor. Desta forma, as ações coletivas podem ser
intentadas no foro do domicílio da entidade, classe, associação ou onde ocorreu o dano,
cabendo ao ente representativo dos consumidores lesados a opção atribuída pela lei.
Outrossim, na defesa coletiva do consumidor, o Ministério Público atua no
interesse social que se constitui no asseguramento dos direitos tidos como direitos sociais
fundamentais subjetivos, entre eles os previstos da Constituição Federal (art. 5°): o direito de
contratar, bem como o da propriedade individual ou coletiva, observando-se as suas funções
sociais; os direitos sociais do trabalho, da saúde, da previdência e da assistência social (arts.
194 a 204); o direito à Educação e à Cultura (arts. 205 a 216); os direitos da família e da
entidade familiar, assim como dos idosos, da criança e do adolescente (arts. 226 a 230), bem
como os demais legitimados vislumbram a defesa dos direitos e interesses da classe
representada.
236
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional,
aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.
237
Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto
nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as seguintes normas:
I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor;
116
Conforme assevera Gomes Junior
238
, os direitos coletivos tutelados não
afastam o caráter individual, mas “coloca-se enfoque das relações intersubjetiva para as
relações inerentes as sociedades de massa e, portanto, aos direitos que transcendem a esfera
do indivíduo”.
Neste sentido, passa o Estado a optar pelos interesses relativos à preservação
do direito coletivo e ao social, buscando a igualdade de possibilidades e de participação da
comunidade no processo democrático, que passa a ter uma liberdade não apenas negativa,
como também, positiva, de integração definitiva na sociedade.
As ações coletivas objetivam trazer à sociedade um aparato maior de proteção
diante das transformações e complexidades das relações sociais, permitindo o acesso à tutela
jurisdicional a um grupo de pessoas que, em circunstâncias normais, permaneceria sem
qualquer proteção.
5.1 DA AÇÃO INIBITÓRIA PARA A DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES
COLETIVOS
A ação inibitória coletiva no direito brasileiro está fundamentada
processualmente pelo artigo 5°, XXXV da Constituição Federal, e também pelo artigo 84 do
Código de Defesa do Consumidor, prevendo a apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça
de lesão a direito, bem como a possibilidade de concessão da tutela específica da obrigação ou
medidas que lhe assegurem o resultado equivalente.
No direito brasileiro existem duas formas expressas de tutela inibitória, o
mandado de segurança e o interdito proibitório, que são aplicadas mediante a natureza do
direito tutelado. Todavia, distante de situações fáticas que não se encaixam em referidas
medidas, existe a ação inibitória que não é admitida em razão da natureza do direito, “mas sim
238
GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. O direito difuso à informação verdadeira e sua proteção através das
ações coletivas. Gênesis: Revista de Direito Processual Civil. V. 1, n. 1, jan/abr: 1996, p. 138.
117
em virtude da necessidade de prevenção, derivada sobretudo da inadequação da tutela do tipo
repressivo para algumas situações de direito material.
239
Em sede coletiva do direito do consumidor, a ação inibitória assume natureza
de direito fundamental processual, pois diante de situações em que o direito de consumidores
se encontra ameaçado, como no caso de contratos em massa por adesão, o direito ameaçado
não pode ser tutelado de forma adequada através de simples ressarcimento em pecúnia,
principalmente quando dizem respeito a direitos não patrimoniais.
O fato é que, estando os consumidores diante de proposta abusiva de contratos
coletivos, podem se valer a ação inibitória para a proteção integral de seus direitos,
objetivando a prevenção do ilícito, atendendo-se para o interesse comum de todos os sujeitos
ameaçados.
Neste sentido, esclarece Marinoni
240
:
Para o direito à prevenção ser atendido basta apenas uma ação processual,
ação esta que, para responder adequadamente à natureza da situação de direito
substancial deve conter necessariamente em seu bojo a tutela antecipatória.
Ora, se a situação de direito material a que se visa atender é peculiarizada por
uma extrema dificuldade de suportar o tempo do processo de conhecimento,
não se pode conferir a ela um procedimento sem a tutela capaz de responder
sumariamente ao direito.
Funda-se ainda a medida inibitória no sentido de não admitir qualquer forma de
abusividade contratual na relação de consumo, tornando medida efetiva ao ser proposta em
momento anterior à vigência do contrato, que se dá através do consentimento entre as partes.
Logo, estando diante de uma proposta em contratos de consumo, a ação inibitória serve para
prevenir que cláusulas gerais abusivas possam ferir direito aos consumidores.
239
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 71-72.
240
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 69.
118
Ademais, ao tutelar o direito do consumidor após a aplicação e vigência da
cláusula abusiva, a violação do direito já se operou, deixando a medida de atender ao seu fim
primordial de prevenção ao ilícito.
241
Diante da garantia constitucional da inafastabilidade da apreciação
jurisdicional, (art. 5°, XXXV da Constituição Federal) que objetiva a proteção constitucional
contra qualquer ilícito a direito, ainda o artigo 84 da lei 8.078/90 (referente ao direito
coletivo), bem como o artigo 461, do Código de Processo Civil (referente ao direito
individual), embasam a aplicação da ação inibitória voltada contra ilícito.
Nas palavras de Papp
242
:
A nova disciplina das obrigações de fazer e de não fazer (compreendidas em
sentido amplo), autorizando que o juiz ordene sob pena de multa ou, ainda,
que este determine as medidas necessárias à efetivação da tutela (seja na
prolação da sentença), abre caminho para a tutela voltada contra o ilícito,
independentemente da ocorrência de um dano.
Diante da existência de contratos de massa nas relações de consumo, não se
pode apartar o contrato de adesão das cláusulas gerais dos contratos, e estando neles presente
a ameaça a direito do consumidor, a ação inibitória deverá ser utilizada em sede coletiva para
atuar preventivamente de modo a evitar a prática, a continuação ou a repetição de um ilícito.
5.1.1 O Objeto da Ação Inibitória no Âmbito Coletivo
A questão do acesso à Justiça recebeu nova estrutura a partir da Constituição
Federal de 1998, catalogando os princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e do
241
Ibid., p. 113.
242
PAPP, Leonardo. Tutela inibitória e cumulação de pedidos: uma análise a partir da classificação das
tutelas aderentes ao direito material. Gênesis: Revista de Direito Processual Civil. v. 1. n. 1. jan/abr. 1996,
Curitiba, p. 102.
119
devido processo legal no rol dos direitos e garantias fundamentais relativos aos direitos e
deveres individuais e coletivos. Com esta estrutura, o conceito jurídico de acesso ao Poder
Judiciário, à tutela jurisdicional, passou a se preocupar também com a ameaça a direito, seja
ele de natureza individual ou coletivo.
Dentro desta perspectiva de tutela a direito e diante da existência de contratos
de massa nas relações de consumo, é justificável a não apartação das cláusulas gerais nos
contratos, e estando presente à ameaça a direito do consumidor a ação inibitória poderá ser
utilizada em sede coletiva, para atuar preventivamente de modo a evitar a prática, a
continuação ou a repetição de um ilícito.
Nas palavras de Bittar
243
:
A par da ação individual e sem prejuízo de sua formulação separada,
respeitadas as regras próprias (art. 81 e s. e 91 e s.), dispõe também os lesados
de ação coletiva para a reparação de danos suportados nas relações de
consumo, para defesa de interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos, assim entendidos aos que envolvem várias pessoas em relações
fáticas, ou jurídicas, com o mesmo fornecedor, nos termos em que o Código
os define (parágrafo único do art. 81).
Como corolário de prevenção, a ação inibitória é admissível no ordenamento
jurídico brasileiro para prevenir a prática do ilícito. Pela própria natureza da medida, a sua
legitimação não prescinde da existência do dano, tendo como pressuposto “a mera existência
de uma situação que o ilícito deva necessariamente compreender um dano”
244
.
Ressalta-se ainda que a ação inibitória enseja direito processual legítimo para a
tutela coletiva dos consumidores, estando presente a ameaça a direito dos mesmos. Logo, tem
como pressuposto, e objeto intrínseco da própria medida em sua forma pura de atuação, a
243
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. Saraiva: São Paul, 1992, p. 7.
244
MARINONI. Luiz Guilherme. Questões do novo Direito Processual Civil Brasileiro. Juruá: Curitiba, 1999,
p. 169.
120
integralidade do direito dos consumidores e a prevenção destes direitos quando ameaçados de
lesão.
O que caracteriza a ação inibitória é o seu objeto, bem como a natureza do
provimento inibitório que é mandamental.
Ao se pretender uma tutela a direito ameaçado de lesão, com vistas aos
contratos coletivos de consumo, em que as cláusulas contratuais são impostas unilateralmente
e colocadas à adesão dos consumidores, como ocorrem nos contratos de seguro de vida,
planos de saúde, dentre outros, que oferecem produtos ou serviços necessários para a vida dos
indivíduos, que se obrigam a aceitar a contratação para obtenção do serviço ou produto,
aceitando a lesão aos seus direitos subjetivos, diante da inviabilidade de reclamação judicial
em sede individual, os consumidores devem utilizar-se da ação inibitória para a manutenção
da integralidade do direito, cessando a ameaça ocorrida.
Ao se deparar com a ameaça de lesão a direito básico do consumidor, que se
materializa através da presença de cláusula contratual abusiva, a ação inibitória torna-se
legítima, servindo para facilitar o acesso de consumidores ameaçados, por fato de origem
comum, a não ocorrência do ilícito ao direito comum de todos.
Afirma Marinoni
245
:
Quando a tutela inibitória é prestada através da jurisdição, pouco importa se há
ordem de não fazer ou de fazer, uma vez que a norma pode impor um não
fazer ou um fazer com função preventiva, isto é, para dar tutela inibitória aos
direitos. Importa deixar claro, assim, que a norma que impõe, com escopo
preventivo, determinada conduta, abre oportunidade para ação inibitória em
que o juiz pode ordenar um fazer. O objetivo desta ação é prestar a tutela
inibitória não alcançada fora do processo, dando efetividade à norma de
direito material.
Desta forma o objeto da medida inibitória é conseguir, através do processo,
efetividade ao direito substancial dos indivíduos, seja de forma individual ou coletiva. Assim
245
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 63.
121
ocorrendo, as regras aplicadas à ação coletiva inibitória serão comuns às regras compatíveis
para a defesa do direito ordinário, inclusive processuais, “para a definição e a extensão dos
atos necessários a sua efetivação”
246
.
5.1.2 A Prova na Ação Inibitória Coletiva
Para a defesa coletiva do consumidor através do exercício do direito de ação, a
medida inibitória não prescinde da comprovação do dano, portanto, não está o magistrado
adstrito a esta demonstração
247
.
Quanto à questão probatória na ação inibitória, adverte Marinoni
248
que “é
necessário verificar não só a probabilidade da prática do ato, mas também se tal ato configura
ilícito. Por isto, requer-se o confronto entre a descrição do ato temido e o direito”.
Sendo assim, há necessidade de verificação da existência do direito, bem como
de antever se o ato a ser praticado de fato se enquadra como uma proibição legal, ou seja, se
lesa direito. Logo a análise deverá versar sobre a extensão e a natureza do ato a ser praticado.
Quanto à averiguação da prova, admite-se certa dificuldade para a questão
inibitória pura, na qual o ato temido ainda não gerou os seus efeitos. Mas, para estas situações
caberá aos consumidores tementes à prática do ato, como no caso de vigorar o contrato,
afirmar fatos que sejam satisfatórios para consentir o magistrado acerca da alegação de que
provavelmente será praticado um ilícito. Neste sentido, afirma Marinoni
249
:
246
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992, p.
7.
247
MARINONI. Luiz Guilherme. Questões do novo Direito Processual Civil Brasileiro. Curitiba: Juruá, 1999,
p. 56.
248
Ibid., p 56.
249
MARINONI, op. cit. p. 57.
122
É fundamental, na ação inibitória, manejar de forma adequada os conceitos de
fato indiciário, prova indiciária, raciocínio presuntivo, presunção e juízo.
Tratando-se de ação inibitória, ou seja, de ação voltada para o futuro, não é
possível considerar as virtudes da denominada prova indiciária. Tal
modalidade de prova, pode ser considerada auxiliar importante em face das
tradicionais ações repressivas, assume lugar de destaque e importância diante
da ação inibitória.
Para compor o conjunto probatório na ação inibitória e obtenção de uma
sentença de procedência, é preciso demonstrar os mencionados fatos indiciários, que tratam
da demonstração do fato principal em discussão sob a égide de um indício, um sinal aparente
que revela alguma coisa de uma maneira muito provável, assim como a prova indiciária que
se baseia também numa probabilidade, num indício, soma-se à presunção, efeito de presumir,
supor, suspeitar de que com a prática temida o ilícito pode operar.
Marinoni afirma que nestes casos, “pode-se dizer que uma determinada
presunção não é suficiente para um juízo de procedência, mas que basta a soma desta
presunção com uma outra para ter uma sentença favorável ao autor”.
Obtendo o juiz da causa um raciocínio, certamente alcançará um juízo de valor,
concluindo através das provas produzidas e demonstradas, pela procedência ou não da ação,
tornando a presunção fato importantíssimo para o resultado final da medida.
5.2 DA LEGITIMIDADE NA AÇÃO INIBITÓRIA COLETIVA
A legitimação ativa que implementa uma das condições da ação no processo
civil pátrio, no Código de Defesa do Consumidor a legitimação extraordinária é adotada para
autorizar os entes relacionados no artigo 82 da Lei 8.078/90
250
, a proporem ação inibitória
competente.
250
Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público;
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
123
A legitimação ad causam para a proteção dos interesses metaindividuais é
compreendida como a legitimação para a propositura da ação inibitória. Segundo a
explanação de Bittar
251
com destaque trazido para o Ministério Público, “as pessoas jurídicas
de natureza política e de existência necessária (União, Estados, Municípios, Distrito Federal),
as pessoas jurídicas de natureza administrativa e de existência contingente (entidades e órgãos
da administração pública direta e indireta), bem como as pessoas jurídicas de direito privado
(associações de consumidores) é que podem exercer a função ativa na ação coletiva.
Referida legitimidade é classificada como concorrente ou disjuntiva
252
,
recebendo os entes legitimados o caráter de substituto processual, atuando os mesmos em
nome próprio para a defesa de direitos alheios.
Nota-se que o consumidor, individualmente, não tem legitimidade para
demandar em sede coletiva, pois afirma Bulgarelli
253
que: “pela dicção do art. 91, o indivíduo
(consumidor ou vítima) só está legitimado para a ação coletiva prevista no inciso III do art.
81, e não para as demais (direitos difusos e coletivos, incisos I e II) ”, e acrescenta:
E tal legitimação, por ordinária, não exclui a possibilidade de defesa dos
interesses individuais homogêneos pelos entes mencionados no art. 82, que, de
resto, são os únicos a terem legitimação para a defesa dos interesses difusos e
coletivos (art. 81, I e II), legitimação, essa, extraordinária.
Roberto Senise Lisboa
254
, ao tratar da legitimação extraordinária, expressa:
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a
defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.
251
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992, p.
143.
252
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992, p.
142.
253
BULGARELI, Waldirio. Questões contratuais no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas,
1993.
254
LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2
ª
ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo:RT, 2000, p.
510-511.
124
A legitimação extraordinária é exceção em nosso Direito Processual, uma vez
que é consagrada a regra da legitimação ordinária com base no artigo 6
º
do
CPC.
Porém, admite-se a figura da legitimação extraordinária quando a própria lei
outorgar poderes para que um ente (pessoa física ou jurídica, ou mesmo ente
despersonalizado) venha a propor, dentro de suas atribuições legais ou
voluntárias, ação civil pública da defesa dos interesses transindividuais.
A legitimação extraordinária pode se verificar, entre nós, principalmente por
meio da figura da substituição processual.
Nesse caso, o ente com poderes concedidos pela lei poderá propor ação civil
pública como substituto processual dos titulares dos interesses metaindividuais
de relevância social. Ao agir, o substituto o faz em seu próprio nome,
pleiteando por direito alheio. É, pois, parte da relação processual. Não é mero
representante (como mandatário) ou sucessor processual. Sofre todos os
efeitos do processo e possui, via de regra, atividade processual restrita, pois
não pode praticar atos típicos de disposição.
O substituto processual é parte da relação processual, pois também tem
interesse no desenvolvimento da atividade processual, para a obtenção de
provimento jurisdicional que entenda satisfatório.
Verifica-se que a figura do substituto processual não se trata de litisconsorte
dos titulares dos interesses representados pela substituição, pois atuam em nome dos titulares
sem que estes possam agir
255
.
Neste sentido, assevera Paula
256
que:
Ao contrário da legitimidade ordinária, cuja composição dos pólos deriva da
relação jurídica material, a legitimidade extraordinária vem a ser o fenômeno
processual que confere à uma instituição ou uma pessoa jurídica o direito de
propor medidas judiciais em favor do interesse coletivo ou difuso, em razão de
uma relação jurídica material da qual o legitimado não participa, sempre em
benefício de outras pessoas. Assim, para que concorra a legitimidade
extraordinária é preciso reunir duas condições básicas: a não participação do
legitimado na relação jurídica substancial e tutela de interesse coletivo ou
difuso.
Nas palavras de Topan
257
:
Com vistas aos legitimados, surgem aos que pleiteiam a defesa de interesses
próprios em nome próprio, como o individuo que intenta uma ação de despejo
na condição de locador, ou seja, a legitimação ativa será do titular do interesse
afirmado na pretensão.
255
TOMASZEWSKI. Adalto de Almeida. A tutela Jurisdicional dos Direitos Difusos e Coletivos. Artigo
publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 22.09.2003.
256
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria geral do processo. 3. ed. Leme/SP: Manoele. 2002, p. 110.
257
TOPAN, Luiz Renato. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
1998, p. 60.
125
De outro lado, surge a legitimação extraordinária, na qual se postula a defesa
de interesse alheio em nome próprio. Em nossa sistemática processual vigente,
esta forma é permitida por expressa previsão legal (art. 6°, CPC).
(...) Esta não deve ser confundida com a representação, na qual um
representante da parte está em juízo por faltar a esta pressuposto processual
subjetivo da capacidade de estar em juízo (reflexo processual da capacidade de
fato). No caso da representação, a parte continua sendo o titular do interesse,
porém, representado em juízo. O representante pleiteia direito alheio em nome
alheio, ao passo que o legitimado extraordinário ou substituto processual
pleiteia direito alheio em nome próprio, ou seja, é parte.
Pelas regras contidas no Código de Defesa do Consumidor, a titularidade ativa
das ações coletivas é sempre baseada na legitimação extraordinária, visto que todos os
elencados no artigo 82 da lei consumerista são titulares do interesse material inerente à
pretensão
258
.
No que tange aos legitimados, quanto ao Ministério Público e os órgãos
governamentais, podem exercitar as ações coletivas bem como são legítimos para intentar
ação inibitória sem limitação na atuação. Em contraposição, as associações relacionadas no
inciso IV, do art. 82, do Código de Processo Civil, são legitimadas desde que observados os
requisitos trazidos pela norma, que exige a demonstração de incluir em seus fins institucionais
a defesa dos interesses ou direitos tutelados especificamente pela ação veiculada.
Quanto à legitimação do Ministério Público, acrescenta-se o seu dever
institucional e sua legitimidade ativa na defesa coletiva do consumidor para propor ação civil
pública prevista no art. 5°, caput da Lei 7.347/85, bem como no art. 129, III da Constituição
Federal, para proteção de interesses difusos e coletivos; ainda o art. 127 “caput”, da
Constituição Federal, regulamenta o perfil institucional do Ministério Público ao lhe atribuir a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
disponíveis; e ainda, o Código de Defesa do Consumidor traz a legitimação do Ministério
Público para a propositura de ação coletiva para a defesa de interesses difusos, coletivos e
258
TOPAN, Luiz Renato. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
1998, p. 61.
126
individuais homogêneos, sendo que o artigo 83, cumulado com artigo 82, I, do mesmo
dispositivo legal, legitima o Ministério Público a propor ação inibitória coletiva para a defesa
dos direitos dos consumidores.
Ademais, como corolário do dever institucional do Ministério Público, a
Constituição Federal, em seus artigos 127 e 129
259
, regulamenta este perfil indispensável para
a ordem democrática, atuando na defesa dos consumidores em sede coletiva. Assevera
Bittar
260
que o Ministério Público também poderá tomar providências preparatórias, para a
“propositura das ações civis coletivas, visando o resguardo de interesses difusos e coletivos
dos consumidores”, referindo-se ao inquérito civil.
Quanto à ação inibitória coletiva, o Ministério Público é ente legitimado para a
sua propositura, pois “a tutela preventiva nesses casos é essencialmente assecuratória”.
261
No que se refere à legitimação de entidades associativas na defesa dos
interesses coletivos, representa de fundamental importância à atuação destas entidades e de
órgãos governamentais com finalidade destinada à proteção de consumidores que
representam.
Assim, a legitimação processual das entidades associativas encontra-se prevista
no artigo 5°, XXI, da Constituição Federal, na forma de representação. Destarte, faz-se
necessária a expressa autorização de seus filiados. Outrossim, o inciso LXX, do mesmo
dispositivo constitucional, regulamenta a forma de substituição processual, trazendo-a como
requisito imprescindível aos casos da organização sindical, entidade de classe ou associações,
259
Art. 127- O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
...
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
260
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992, p.
142.
261
Ibid., p. 141.
127
Neste caso, a constituição legal das organizações sindicais, entidades de classes ou
associações deverão obedecer ao prazo mínimo de um ano.
Watanabe
262
, ao comentar sobre a legitimação das associações, ressalta a sua
importância afirmando que “os consumidores não poderão confiar apenas no parternalismo do
Estado. É necessário que a própria sociedade civil se estruture melhor e participe ativamente
da defesa dos interesses de seus membros”. Esta legitimação representa a mentalidade
processual voltada para uma sociedade mais solidária.
Ademais, sendo as associações as que abrangem sindicatos, cooperativas e
todas as demais formas de associativismos constituídas com a finalidade institucional de
defenderem direitos e interesses do consumidor, a legitimação para agir independe de
autorização assemblear. Outrossim, a constituição das associações, que objetivam a defesa
dos consumidores representados, mantém permanente a autorização para agirem na defesa dos
interesses ou direitos dos consumidores
263
.
No caso da ação inibitória, os entes legitimados no inciso IV, do artigo 82, do
Código de Defesa do Consumidor, devem atuar exclusivamente à matéria concernente a
direito coletivo, objetivando a proteção das relações que se referem a direito coletivo do
consumidor, ameaçado de lesão, com o propósito de evitar a sua consumação, continuação ou
repetição.
Mesmo nas ocasiões em que houver atuação das entidades legitimadas, torna-
se obrigatória a presença do Ministério Público, e assevera Topan
264
:
O Ministério Público sempre será lato sensu fiscal da lei. O que ocorre é que,
em face de certas situações jurídicas e fáticas, este atua como mero órgão
interveniente, necessário nas relações processuais eventualmente constituídas.
Em outras, é dado o mister de iniciar a persecução da justiça, inicialmente em
262
WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000, p. 737-738.
263
Ibid., p. 738.
264
TOPAN, Luiz Renato. Ação coletiva e adequação da tutela jurisdicional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
1998, p. 63.
128
uma fase pré-processual (inquérito civil) e, posteriormente, através do
exercício do direito de ação.
Em ambos os casos atuará imparcialmente. No primeiro, o teor presente de
interesse público primário só justifica o exercício vigilante do Parquet quando
instaurado o processo. No segundo, o interesse público primário é maior,
necessitando uma atuação mais intensa, mais ágil.
Desta forma, os entes legitimados podem até atuar na defesa coletiva do
consumidor, porém o múnus obrigatório desta proteção assenta-se na figura do Ministério
Público, que tem o dever institucional de proteger de forma coletiva o consumidor, ente
legitimado para propor todas as ações cabíveis para a defesa do direito, inclusive a ação
inibitória coletiva.
5.3 A MANDAMENTALIDADE DA SENTENÇA INIBITÓRIA
Como uma idéia de um processo civil voltado aos valores sociais, interpretado
de acordo com a realidade social, a tutela mandamental surge no direito brasileiro como
transformação do processo em sociedade para a realização do direito material, atuando sobre a
vontade do demandado.
Para esta nova visão processual, segundo o magistério de Marinoni
265
, há uma
verdadeira necessidade da existência de uma ligação crítica da lei com o fator social, para que
não ocorra uma leitura redutiva do novo, tendente a vislumbrar na nova lei o que existia na
antiga.
A tutela mandamental tem sua origem existencial na Alemanha, conceituando
a sentença dirigida ao órgão do Estado, como por exemplo, a determinação judicial para que
um escrivão do Cartório proceda à retificação de um assento de nascimento. José Carlos
Barbosa Moreira, ao referir-se sobre o jurista alemão Kuttner, relata que “a ordem emitida
pelo juiz em tal categoria de sentença, dirigia-se a outro órgão estatal (ou funcionário seu) que
265
MARINONI. Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 99.
129
não fazia parte do processo, para que cumprisse alguma determinação judicial”. Ou seja, a
sentença mandamental, dirige-se apenas para órgãos estatais, o que demonstra uma distinção
enorme com a concepção brasileira.
A doutrina brasileira tem conceituado a tutela mandamental. Pontes de
Miranda
266
, que foi o pioneiro a exarar um conceito sob a sentença mandamental, numa
expressão pouco didática ou de difícil compreensão, avalia que:
Na sentença mandamental o ato do juiz é junto, imediatamente, às palavras
(verbos) – o ato, por isso, é imediato. Não é mediato, como o ato executivo do
juiz a que a sentença condenatória alude anuncia; nem é incluso como o ato do
juiz na sentença constitutiva. Na sentença mandamental, o juiz não constitui:
‘manda’. Na transição entre o pensamento da sentença condenatória e o ato da
execução, há intervalo, que é o da passagem em julgado da sentença de
condenação e o da petição da ação iudicati. Nas ações executivas de títulos
não-judiciais, essa mediatidade desaparece, de modo que o ato prima ainda
que se tenha de levar em conta o elemento condenatório, a ação é executiva.
Na ação mandamental, pede-se que o juiz mande, não só declare, nem que
condene tão pouco se espera que o juiz por tal maneira fusione o seu
pensamento e o seu ato e que dessa fusão nasça à eficácia constitutiva.
Ovídio Baptista
267
atém-se á ordem da sentença mandamental e esclarece que
“a sentença mandamental o juiz ordena, e não simplesmente condena. E nisso reside,
precisamente, o elemento eficacial que a faz diferente das sentenças próprias do processo de
conhecimento”. Verifica-se que referido doutrinador diferencia a sentença mandamental da
sentença condenatória, vez que na sentença mandamental admite-se a existência de
conhecimento e execução numa só tutela.
Destarte, existe uma parcela da doutrina, como entende José Frederico
Marques
268
, que não admite a existência de sentença mandamental, trazendo uma ligação
com a sentença do mandado de segurança. Afirma o autor que “a ação de mandamento teria
por objeto conseguir ou obter mandado dirigido a outro órgão do Estado, através de sentença
266
MIRANDA. Pontes de, Tratado das ações. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Tomo I, Campinas – São
Paulo: Bookseller, 1998, p. 211.
267
SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil, v 2, 5ª. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais,
2002, p. 336.
268
MARQUES. José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1974, v. 2, p. 36.
130
judicial. O mandado contra o órgão estatal que deve cumprir a sentença é efeito da
condenação ou da execução desta, não havendo motivo, portanto, de se qualificar a ação
proposta, como de mandamento”. Isso demonstra a rigidez da concepção clássica da
classificação trinaria em que admite apenas a existência das tutelas declaratória, condenatória
e executiva.
Para Marinoni
269
a “sentença mandamental, o juiz usa a força do Estado para
estimular o vencido a adimplir”. Conceito que se choca com a concepção de Medina
270
que
reconhece a sentença mandamental como decisão “que contém ordem cujo descumprimento
pode acarretar o surgimento do crime respectivo”.
Como se verifica, existe uma divergência nas concepções doutrinarias dos
professores ora analisados, que distinguem na conceituação e característica da tutela
mandamental, assunto a ser tratado oportunamente.
Sendo assim, surge a teoria da tutela mandamental no direito brasileiro,
atuando sobre a vontade do demandado, em virtude das especialidades de determinados
procedimentos especiais. Neste sistema, o interdito proibitório instituiu-se e o art. 932 do
Código de Processo Civil determinam que “o possuidor direto ou indireto, que tenha justo
receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho
iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena
pecuniária, caso transgrida o preceito”.
Este caráter preventivo do interdito proibitório é ponto pacífico na doutrina,
que tem natureza mandamental e não condenatória, diante da existência da ordem e não de
269
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 390.
270
MEDINA. José Miguel Garcia. Execução Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 487.
131
condenação. Com o progresso do processo civil e do próprio direito, o art. 461
271
, do Código
de Processo Civil, ampliou-se as possibilidades da tutela mandamental.
O que é ponto pacífico nos entendimentos é a existência de ordem nas
sentenças mandamentais e as providências que podem ser tomadas com base nos dispositivos
do Código de Processo Civil (arts. 461 e 461-A). Segundo Medina
272
, podem amoldar-se às
tutelas mandamentais realizando atos executivos coercitivos e de sub-rogação no mesmo
processo, ou seja, preexistir tutelas executivas e de cognição na mesma relação jurídico
processual. Ao passo que a tutela mandamental apresenta-se como um limite ao rol de
atividades jurisdicionais, que podem ser cumpridas com base no artigo 461 do Código de
Processo Civil. Citado autor complementa argumentando que, dependendo do caso concreto,
a ação fundada no art. 461 ou 461-A, do Código de Processo Civil, pode ser caracterizada
como mandamental ou executiva, e o fator limitador da tutela mandamental atem-se ao fato de
que a “diversidade de hipóteses possíveis vem a impedir que se inclua antecipadamente a ação
271
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela
específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é
lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar
poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo
razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de
ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de
atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade
nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou
insuficiente ou excessiva.
Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o
prazo para o cumprimento da obrigação.
§ 1º Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição
inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado
pelo juiz.
§ 2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e
apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.
§ 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461.
272
MEDINA. José Miguel Garcia. Execução Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 476-478.
132
a que se referem os arts. 461 e 461-A do CPC, nesta ou naquela modalidade de tutela
jurisdicional”.
Assim, a tutela mandamental vem consubstanciar os novos direitos e vem
revestida de força executiva para bem atendê-los, como esclarece Marinoni
273
“em razão
dessas disposições, tais sentenças, mesmo que dependentes da prática de ato pelo réu, embora
não autorizem, desde logo, a expedição de mandado de execução, eliminam a necessidade da
propositura da ação de execução”.
A tutela mandamental surge como uma ampliação do poder jurisdicional,
podendo o juiz atuar de ofício concentrando a execução com a cognição, sempre de acordo
com as regras da proporcionalidade, veiculando medida executiva que lhe parecer apropriada
ao caso concreto. Na tutela mandamental encontra-se uma nítida busca pela integralidade do
direito material, fator que se vislumbra pela possibilidade de determinar a medida executiva
adequada, mesmo que não expressamente tipificada em lei.
5.3.1 As Características da Sentença Mandamental
O ponto conflitante entre os doutrinadores em comento encontra-se exatamente
no aspecto constitutivo da tutela mandamental. Neste aspecto da matéria, depara-se com
flagrantes e comentadas distinções características da tutela mandamental nas próprias obras
dos autores que deixam explícito os seus posicionamentos, os quais emitem pareceres
direcionados um do outro quanto a este aspecto.
Discordam os Professores Medina e Marinoni em relação à característica da
tutela mandamental e, quanto à desobediência à ordem emanada na sentença. Sendo assim,
passa-se à análise das características da tutela mandamental segundo o magistério de Luiz
273
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 121.
133
Guilherme Marinoni
274
, que individualiza a sentença mandamental como uma ordem judicial
atrelada à coerção indireta (multa ou prisão civil). Em seu posicionamento, esclarece que a
sentença mandamental se funda em técnica processual que objetiva a concretização dos
direitos e sua natureza é definida de acordo com o que intervém na realidade dos fatos, e
afirma que se assim não for “todas as sentenças deveriam ser conceituadas como
declaratórias”
275
.
Assim, a multa e as medidas dirigentes podem viabilizar a realização do direito
independentemente da vontade do demandado, exercendo pressão sobre a vontade do réu
através da coerção indireta. Para Marinoni, a multa serve como um limitador, uma força do
estado para compelir o demandado a adimplir, destarte adverte que esta medida “não garante a
realização do direito independentemente da sua vontade”
276
, uma vez que esta é a função das
sentenças condenatórias e executivas, conquanto que a função da multa, na sentença
mandamental, tem o condão único de atuar sobre a vontade do demandado para persuadí-lo a
adimplir. Trata-se de uma medida que se expressa através da execução indireta.
Desta forma, o magistrado quando emite uma ordem sob pena de multa, estar-
se-á diante de uma sentença mandamental, onde existe a determinação (ordem) para a
efetivação do direito sem conter ligação com a realização sob pena do pagamento de valor
equivalente ao da prestação descumprida, mas impõe essencialmente a multa em valor
satisfatório para forçar o réu a adimplir. Trata-se de uso da força estatal em que determina
uma conduta sob pena de uma sanção, o que ocorre nos processos de execução direta é
justamente o contrário, pois oportuniza ao demandado a possibilidade de adimplir diante da
execução forçada (ex: penhora de bens), onde o réu não é forçado a cumprir.
274
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 126-127.
275
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 127.
276
Ibid., p. 127.
134
Categoricamente, afirma Marinoni
277
que “a sentença que impõe uma
prestação, mas não se liga à sanção, é meramente declaratória”. Para expressar o
entendimento do professor, importante destacar:
A sentença que “ordena”, e que pode dar origem a um mandado, mas não pode
ser executada mediante meios de coerção suficientes, não pode ser classificada
como mandamental. A mandamentalidade não está na ordem, ou o mandado,
mas na ordem conjugada à força que se empresta à sentença, admitindo-se o
uso de medidas de coerção para forçar o devedor a adimplir. Só há sentido na
ordem quando ela se empresta a força coercitiva; caso contrário, a ordem é
mera declaração. Da mesma forma que a condenação só é condenação porque
aplica a “sanção”, a sentença somente é mandamental quando há coerção
indireta.
Portanto, de acordo com este entendimento, para a caracterização da
mandamentalidade da sentença, torna-se necessária a ligação da ordem com a coerção
indireta, atuando como força do Estado para o adimplemento da obrigação. Assim afirma
Marinoni
278
“o que define a mandamentalidade é a possibilidade de se requerer ordem sob
pena de multa ou sob pena de prisão”.
Do contrário, Medina
279
, que tem uma interpretação diversa, classifica a
sentença mandamental como simples ordem judicial e não como medida coercitiva que a
acompanha, acrescentando:
No direito brasileiro, a desobediência à ordem já tem uma conseqüência
particular prevista em lei, porquanto tal conduta é considerada um ilícito penal
(Código Penal, art. 330). Assim, quando o juiz ordena, a medida coercitiva
está in re ipsa, ante aquela previsão do Código Penal, sendo desnecessária a
cominação de multa para que se esteja diante de uma decisão mandamental. A
multa, assim, tem caráter acessório e eventual.
No entendimento do mencionado processualista, a multa pode ser aplicada na
sentença, destarte o seu caráter que contem multa não é mandamental pela multa e sim pela
277
Id., Tutela inibitória. São Paulo:RT, 2003, p. 395.
278
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 398.
279
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 480.
135
ordem emanada. Ainda em caso de descumprimento da obrigação, a exigibilidade da multa
acarreta uma condenação para o futuro, medida preventiva, pois para recebimento destes
valores arbitrados, é preciso outra execução “semelhante à execução por quantia certa”.
Assim, segundo o entendimento jurisprudencial majoritário, nas sentenças em
que existe a ordem e a imposição de multa, em caso de descumprimento desta ordem, abduz-
se as conseqüências penais decorrente do crime de desobediência à ordem judicial, diante do
princípio da não cumulação das sanções sem expressa determinação legal. Assim, Medina
280
adverte que este princípio reflete na consubstanciação do crime de desobediência a ordem
judicial, “pois tendo sito estabelecida uma penalidade para a hipótese de descumprimento da
decisão judicial, fica afastada a possibilidade de ocorrência do referido crime”.
Logo, o ilícito criminal ocorre com a inobservância da sentença mandamental,
conquanto que a multa fixada na decisão judicial, não seja cobrada imediatamente. Desta
forma, a decisão que determina sob pena de multa é classificada como mandamental quanto à
ordem, e condenatória quanto à multa.
Marinoni refuta as alegações de Medina afirmando que o Código Penal não
tem o objetivo de dar efetividade às decisões do juízo cível, nem mesmo de pressionar
adimplemento de obrigação. Em matéria penal, existe o caráter puro e simplesmente punitivo
da medida, conquanto que a multa e a prisão civil tenha o caráter punitivo e intimidativo que
dê conteúdo a uma sentença mandamental, de forma a constranger o demandado a adimplir.
Adverte o citado autor que prisão penal não é indício de mandamentalidade e a
multa não caracteriza condenação. Esta afirmação vem negar a natureza da multa coercitiva
civil e, quanto a classificar a multa como condenação para o futuro, Marinoni afirma que este
instituto advém da condenação anterior à violação do direito. Assim, no momento em que se
pede a condenação, a violação ainda não ocorreu. A condenação para o futuro objetiva
280
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 480.
136
acelerar a atividade executiva para dar conta de provável violação, e a multa destina-se para o
caso em que o ilícito ainda não tenha sido praticado.
Neste desiderato, o posicionamento deste estudo é reconhecer a validade e a
importância das duas concepções doutrinárias, ao passo que cada qual se funda numa base
teórica e prática aprofundada que merece respeito.
Para tanto, torna-se necessária a afirmação de que a principal característica da
mandamentalidade está no fato de a sentença conter um mandamento para que seja cumprido.
Souza Segundo
281
, ao discorrer sobre a caracterização da sentença
mandamental afirma:
Necessário esclarecer que o que caracteriza a sentença mandamental não é
propriamente a imposição de medidas de coerção – basta notar a sentença
própria do mandado de segurança onde não há tal imposição apesar de ser ela
inquestionavelmente mandamental ou ainda as sentenças cominatórias do art.
287, na sua redação original, nas quais a imposição de multa não altera sua
natureza meramente condenatória. O que é necessário à mandamentalidade é a
força coativa da sentença, isto é, a partir do momento que a sentença
mandamental conduz uma ordem de agente estatal ela, por ser o reflexo de
uma autoridade, traz em si a pretensão de ser atendida e o peso dessa
pretensão faz surgirem conseqüências outras para o seu desatendimento, i.g., a
sanção penal.
Sendo assim, através de uma análise das premissas básicas da sentença
mandamental evidencia-se a existência de uma ordem, cuja efetivação está sujeita a atos a
serem perpetrados pelo demandado, ou seja, a efetivação da medida está intimamente
direcionada à atuação do destinatário da ordem.
Desta forma, comunga-se do entendimento expedido por Marinoni no aspecto
de que a ordem emanada pelo juiz para que seja obedecida pelo réu deve estabelecer formas
de coerção, mas estas formas de coerção (multa ou prisão) não são o que caracteriza a
mandamentalidade, e sim a própria ordem. Ademais, não se pode reconhecer a multa como
281
SEGUNDO SOUZA. Lino Osvaldo Serra. O Binômio conhecimento-execução e as ações de cumprimento
das obrigações de fazer e não fazer no art. 461 do CPC. Revista de Processo. Ano 30, n. 127. setembro de
2005, p. 280.
137
característica de condenação para o futuro, pois, emanada a ordem, ainda não ocorreu o
ilícito.
Logo, a qualidade acessória da multa é reconhecida nestas medidas, pois
podem estar presentes ou não numa sentença mandamental. Destarte, a coerção indireta é
imperativa para que o destinatário se sinta forçado a cumprir a ordem, uma vez que a
execução direta não possui efetividade nos casos de tutela mandamental.
Como medidas coercitivas previstas no Código de Processo Civil encontram
encartadas nos artigos 461 e 461-A, abrangendo medidas que recaem sobre o patrimônio do
demandado (multa) e sobre a pessoa do executado (prisão, expedição de ordem judicial)
medidas sub-rogatórias (assim como o desfazimento de obras), mas que serão objeto de
análise posteriormente.
5.4 A SENTENÇA INIBITÓRIA COLETIVA
Pelas exposições do tópico anterior, constata-se que o provimento necessário
para a atuação da tutela inibitória deve ser mandamental, já que o provimento impõe um fazer
ou não fazer, consistindo num comando específico e adimplível apenas pelo demandado
282
.
Logo, a sentença inibitória pressupõe a existência de conhecimento e execução
em uma única demanda. Watanabe
283
, ao comentar sobre a execução específica das
obrigações de fazer e não fazer, adverte que:
No plano do provimento jurisdicional, ao juiz foi conferido o poder de adotar
todas as providências adequadas e legítimas à tutela específica das obrigações
de fazer ou não-fazer, sendo-lhe dado desde: a) impor multa diária
independentemente de pedido do autor (sem prejuízo, evidentemente, do
282
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. vol.2. Revista dos Tribunais: São Paulo,
2000, p. 183.
283
WATANABE. Kazuo. In GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do
consumidor. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 493-494.
138
efetivo cumprimento da prestação), se a peculiaridade do caso indicar que a
multa é suficiente ou compatível com a obrigação (art. 84, § 4°), até b)
determinar medidas que sejam adequadas à obtenção do resultado prático
equivalente ao do adimplemento da obrigação se não for possível o
atingimento de sua tutela específica.
Dentro deste contexto, Arenhart
284
define a sentença inibitória com base no
artigo 461, do Código de Processo Civil, como mandamental ou executiva lato sensu,
afirmando que é o único meio de se obter “de forma específica, as proteções afirmadas por
aquele dispositivo legal”.
Não se trata, portanto, de uma sentença condenatória pois, segundo
Marinoni
285
, esta sentença enseja procedimentos executivos disciplinados no Código de
Processo Civil; ao passo que na sentença inibitória com características mandamentais, o juiz
utiliza força coercitiva para estimular o vencido a adimplir.
Ademais, a proteção inibitória pretendida se materializa através da
mandamentalidade, tornando a sentença condenatória insuficiente para a viabilização da tutela
preventiva. Assim sendo, a sentença mandamental pressupõe transgressão do direito
subjetivo, bem como prevê a utilização de mecanismos de coerção necessários para a
imposição dos deveres de fazer e de não-fazer
286
.
Além disso, o provimento judicial não viabiliza a realização substitutiva,
apenas determina ao demandado a obrigação pretendida, pois a ele é dado o fazer ou abster-se
de fazer
287
.
Ressalta-se que o “Código de Defesa do Consumidor redefiniu uma série de
institutos processuais, cujo espectro era estatuído pelo prisma dos conflitos individuais, para
adaptá-los às peculiaridades dos conflitos de massa e das demandas vocacionadas à sua
284
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 184.
285
MARIONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p 324.
286
MURITIBA, Sérgio Silva. Tutela inibitória e os direitos da personalidade. Revista de Processo, ano 30. n.
122. abril 2005, p. 36.
287
DALL’AGNOL JUNIOR. Antonio. Tutela das obrigações de fazer e de não-fazer (art. 461). Revista de
Processo. Ano 31, n. 134. Abril de 2006, p. 243.
139
solução”
288
. Logo, em sede coletiva, a sentença inibitória possui características
mandamentais, que devem ser consideradas por suas peculiaridades intrínsecas.
5.4.1 Da Efetividade da Ação Inibitória
Perante o dever legal do poder legislativo de instituir procedimentos judiciais
voltados à efetivação do direito substancial dos indivíduos, dever este consubstanciado num
direito fundamental do processo, a tutela mandamental responde à adequada participação dos
indivíduos na reivindicação e na proteção de seus direitos.
Atribui-se, através dessa técnica processual, a possibilidade de se ampliar as
possibilidades de amparo ao direito material, cominando à figura do juiz maior força de
atuação para a efetivação do direito.
Imperiosa a transcrição de Marinoni
289
neste contexto que explica o
direcionamento da tutela mandamental, ao comentar sob os artigos 84, do Código de Defesa
do Consumidor, bem como o artigo 461, do Código de Processo Civil:
Como se sabe tais artigos, voltando-se para a possibilidade de imposição de
um fazer ou de um não-fazer, permitem que o juiz conceda a tutela específica
ou determine providências que assegurem resultado prático equivalente
(caput). Além disso, dá-se ao juiz o poder de, segundo as circunstâncias do
caso concreto, ordenar sob pena de multa (§4°) ou decretar medida de
execução direta (que estão somente exemplificadas no §5°), tanto no curso do
processo (§3°) quanto na sentença (§4°). Além disso, o juiz pode, na fase de
execução, aumentar ou diminuir o valor da multa, ou ainda alterar a
modalidade executiva prevista na sentença.
A função reservada ao juiz de apenas declarar o texto da lei extingue no
momento em que o processo passa a ser entendido como um direito fundamental, atribuindo
288
SANTOS, Ronaldo Lima dos. Amplitude da coisa julgada nas ações coletivas. Revista de Processo. Ano
31, n. 142. Dezembro de 2006, p. 43.
289
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004, p. 289.
140
ao julgador poderes suficientes para a efetivação do direito substancial, cessando qualquer
separação entre a atividade de julgar e a atividade executiva.
Para alcançar esta finalidade importante se torna a visualização da função do
magistrado atendo-se aos seus fins políticos, colaborador direto de uma estrutura social, capaz
de legitimar e tornar eficaz os objetivos elencados pela Constituição Federal, para a formação
do Estado democrático de direito.
O papel criador e político do juiz deve obedecer aos princípios constitucionais
do processo e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Mas a eqüidade não está
apenas na lei, como também na base da idéia de justiça na medida em que significa promover
condições adequadas e suficientes para que cada pessoa realize, no plano de suas vocações,
aptidões e capacidades com o maior desenvolvimento possível. “Foi ele, Aristóteles, o
primeiro a formular o conceito de eqüidade como componente necessário de qualquer sistema
legal justo”
290
.
Na busca da máxima efetividade, a sentença mandamental é o único meio a
proporcionar a tutela dos direitos. Diante a visão moderna do fenômeno da efetividade, a
sentença inibitória também deve atender aos fins sociais, políticos e jurídicos, com a adoção
de regras imediatas de executoriedade do comando sentencial.
291
A ação inibitória se torna efetiva quando utilizada para evitar a prática de atos
lesivos aos direitos comuns dos consumidores, não se tornando eficaz “tutelar o consumidor
após a aplicação da cláusula abusiva, já que neste caso o direito já teria sido violado”
292
.
Ademais, salienta Papp
293
:
290
BITTAR Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia aristotélica. Barueri: Manele, 2003, p. 1041.
291
LEONEL. Ricardo de Barros. A eficácia imediata da sentença e as reformas do Código de Processo Civil.
Revista de Processo. Ano 30. n. 119. Janeiro de 2005. p. 117-135
292
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 113.
293
PAPP, Leonardo. Tutela inibitória e cumulação de pedidos: uma análise a partir da classificação das
tutelas aderentes ao direito material. Gênesis: Revista de Direito Processual Civil. v.1. n. 1. jan/abr. 1996, p.
104.
141
Ao operador do Direito preocupado com a efetividade do processo não
bastam, por óbvio, provimentos judiciais que (a melhor das hipóteses)
transformarão o direito do autor que tem razão em um montante em dinheiro.
No caso de direitos sem expressão econômica, longe de haver propriamente
tutela, esse mecanismo apenas compensa monetariamente (nem sempre a
contento) a perda de um direito, mas nunca garante ao seu titular a sua
preservação ou a continuidade de seu exercício.
Para tanto, a sentença inibitória coletiva pela atribuição mandamental utiliza
medidas coercitivas para corresponder ao desiderato maior de impedir a ocorrência de lesão a
direito tutelado.
Vale ainda tecer algumas considerações a respeito da liquidação da sentença
inibitória, diante do fato de que este comando sentencial, por sua natureza preventiva, não
necessita de liquidação.
Frente ao objetivo intrínseco e primordial da tutela inibitória de impedir lesão a
direito, encontra-se prejudicada a ocorrência de liquidação da sentença, vez que, na forma
pura da tutela inibitória, tende a prevenir a ocorrência do ilícito gerador do dano. Logo,
inexistindo dano, também falece o dever de indenizar.
Aliás, o estudo proposto de ação inibitória coletiva para a proteção do
consumidor refere-se à forma pura da tutela inibitória, medida processual que se vislumbra
em evitar ou prevenir o ilícito, quiçá o dano. Neste contexto, não se fala em prejuízo sofrido
individualmente ou coletivamente, apenas em ocorrência da ameaça ao direito dos mesmos.
Pizzol
294
afirma que:
Se a lesão já tiver ocorrido, a jurisdição deverá atuar, primeiramente, num
sentido repristinatório, ou seja, buscando o retorno ao status quo ante, para,
somente em último caso, atuar no sentido da reparação do dano através da
condenação do vencido ao pagamento de indenização
.
294
Op. cit. p. 163.
142
Ocorre que toda sentença inibitória coletiva de procedência será objeto de
liquidação desde que haja ocorrência do dano. Neste sentido, adverte Wambier
295
que “a
sentença, em si mesma considerada, não pode ser ilíquida”.
Destarte, a liquidação da sentença coletiva pode ter por objeto a definição do
quantum debeatur, caso em que se avalia a quantificação do dano e a responsabilidade do
demandado pelos danos causados, podendo também avaliar as provas para a averiguação dos
detentores do direito, como no caso das ações coletivas que visem a cessação da atividade
nociva, ou ainda, impedir a repetição do ilícito. Portanto, nos casos em que o ilícito já operou
e pode estar abrangido pelo dano estarão tendentes a indenização e a sentença necessitará de
liquidação.
Com vistas às características da sentença mandamental que realizam a “quebra
da dualidade conhecimento-execução também implica na ruptura do princípio da tipicidade
das formas executivas”
296
. Sendo assim, na sentença inibitória ocorre a unificação do
conhecimento com a execução numa proposta legislativa de “dar ao juiz maior mobilidade
para a adequação da medida executiva ao caso concreto”
297
.
Através do efeito cognitivo e executivo da sentença inibitória, a sua liquidação
perde a razão de ser quando tratada em sua forma pura, diante de sua existência preventiva do
ilícito e, portanto, do efeito deste.
5.4.2 Das Medidas Coercitivas
Através das considerações analisadas, conclui-se que a sentença mandamental
se configura pela ordem emanada e não pela multa ou coerção internalizada, havendo
295
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Considerações sobre a liquidação de sentença coletiva na proposta de
Código Modelo de processos coletivos para Ibero-América. Revista de Processo. Ano 29, n/116. julho-agosto
de 2004, p. 160.
296
MARINONI. Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: RT, 2004. p. 291.
297
Ibid., p. 291.
143
necessidade de se discutir a respeito da verdadeira importância deste instituto coercitivo para
o cumprimento da sentença inibitória mandamental.
O direito ao Poder Judiciário deve ser pensado como dependente da posição
social e da necessidade concreta do indivíduo. Considerando as assertivas sobre a função do
magistrado, ele pode, através da sentença mandamental, utilizar da força coercitiva (multa,
prisão ou execução por sub-rogação) para garantir o adimplemento da obrigação.
Apesar de ser desnecessária a cominação da multa ou prisão por desobediência
para a caracterização da sentença mandamental, a figura da coerção incidente sobre a vontade
do demandado para que a tutela do direito seja prestada, apresenta-se como um diferencial à
ordem, ou seja, uma sentença mandamental precedida de multa ou qualquer outro tipo de
coerção goza de força executiva com maior efetividade para a tutela do direito.
Muritiba
298
, ao falar sobre a operativização da tutela inibitória através do
constrangimento processual, afirma:
O juiz, nesse tipo de ação, com base em cognição parcial (tutela antecipada)
ou total, e no permissivo legal, formula um comando (exemplo: determinação
para que o réu se abstenha de comercializar uma revista que contenha
indevidamente a imagem de uma pessoa). Tal comando, por si só, não contém
força, já que, pragmaticamente, não obterá quaisquer resultados positivos, no
sentido material. No âmbito processual, a técnica a ser utilizada é a aposição
de uma condicional (se..., então...) no sentido de que, em caso de
descumprimento (se), compute-se multa, prisão, etc. (então) em desfavor do
réu.
Não obstante a inobservância da ordem judicial acarretar um ilícito penal
consubstanciado no crime de desobediência este entendimento tem prevalecido, mas a sua
prática não está sendo estabelecida, restando necessária a força coercitiva indireta ou a
execução por sub-rogação para a concreção da sentença.
298
MURITIBA, Sérgio Silva. Tutela inibitória e os direitos da personalidade. Revista de Processo, ano 30. n.
122. abril 2005, p. 36.
144
Percebe-se assim que deixar o cumprimento da decisão judicial ao livre arbítrio
do destinatário da ordem seria, no mínimo, temerário, pois o demandado (ou terceiro) poderia
simplesmente desobedecer ao preceito mandamental contido na sentença, frustrando a
consecução dos objetivos da medida. Em última análise, colocaria em risco o prestígio das
decisões judiciais de natureza mandamental, que não teriam qualquer valor ou eficácia
prática.
Para que essas ordens emanadas pelo juiz sejam obedecidas por alguém de
direito, o sistema estabelece formas de coerção do destinatário, isto é, aquele que recebe o
ordenamento judicial, em caso de descumprimento, estará sujeito a sanções, tais como multa,
prisão, execução por sub-rogação.
Referidas sanções que não se afirmam indispensáveis, mas com uma carga de
relevância tal, para que o destinatário sinta-se compelido a cumprir a ordem e,
conseqüentemente, para que a decisão judicial não se constitua mais que um simples comando
desprovido de autoridade.
Como observa o Professor Medina
299
, estas medidas coercitivas são previstas
no Código de Processo Civil, nos artigos 461 e 461-A, que recaindo sobre o patrimônio ou
sobre a pessoa do demandado, conforme acima já mencionado. A previsão de multa também é
consubstanciada em outras leis, tais como Lei 7.347/85, e 7.646/87, contendo caráter
patrimonial e caráter pessoal para os casos de multa ou prisão penal por crime de
desobediência à ordem judicial.
Assim, a possibilidade de o juiz impor a multa ao proferir uma sentença
implica na quebra da regra de que o Judiciário não poderia exercer poder de império, ou seja,
concede ao magistrado um poder mais latente que possibilita uma maior concreção da
sentença, bem como de seus objetivos, aos quais certamente a multa tem colaborado para que
299
MEDINA. José Miguel Garcia. Execução Civil. São Paulo: RT, 2004, p. 440-441.
145
os direitos dependentes da imposição de um fazer ou não fazer infungíveis, melhor se
adaptem e obtenham um resultado prático necessário.
Marinoni
300
é categórico ao atribuir imprescindibilidade à multa para a
efetividade da inibição do ilícito. Destarte, para que a mesma cumpra o seu objetivo maior
(compelir o demandado a adimplir a obrigação determinada), o magistrado deve considerar a
sua viabilidade através da análise da capacidade econômica do réu, “não deve limitar-se a
analisar seu patrimônio imobilizado, mas tudo o que indique sua verdadeira situação
financeira”
301
.
No caso da ação inibitória coletiva que pretende a inibição de um ilícito
contratual prestes a gerar os seus efeitos, o juiz poderá arbitrar multa diária contra a empresa
fornecedora do produto ou serviço, caso insista na pactuação de contrato contendo cláusula
abusiva ao direito de consumidores.
Caso não haja cumprimento da determinação judicial e ocorra a aplicação da
multa arbitrada, o beneficiário desta multa, segundo Marinoni
302
, deverá ser o Estado, visto
que referida coerção não tem caráter indenizatório, mas simplesmente objetiva garantir a
efetividade da tutela jurisdicional.
A prisão como medida coercitiva direta, restringe para os casos em que “é
realizado em virtude da atuação de um auxiliar do juiz, ou de alguém que do juiz recebe esta
qualificação”
303
. Neste sentido, Marinoni afirma que “atua-se mediante coerção direta no
caso em que se teme violação de caráter instantâneo (prática ou repetição de ilícito que se
caracteriza em fazer ou não fazer) ou um agir ilícito ( por exemplo, poluição ambiental).” A
prisão como meio de coerção indireta encontra limitação no art. 5°, LXVII, da Constituição
300
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 208.
301
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 216-217.
302
Ibid., p. 219-220.
303
MARINONI, op. cit. p. 228.
146
Federal
304
. Wambier
305
afirma que “dentre os meios coercitivos tendentes à realização da
tutela específica, no entanto, não se compreende a prisão civil”. Assevera ainda que:
O descumprimento da ordem decorrente de sentença de procedência [ou
liminar] proferida em ação proposta com fundamento no art. 461 [e, agora,
também, no 461-A] do CPC não enseja, portanto, prisão civil, como medida
de coerção aplicável pelo próprio juiz da causa. Não significa, porém, que não
se possa aplicar a pena de prisão como sanção penal, no bojo de processo
criminal.
A autora não admite a prisão civil pelo descumprimento da ordem judicial,
admitindo apenas a prisão por ato ou atitude ilícita.
Em contrapartida, Marinoni
306
defende a aplicação da prisão civil como meio
de coerção indireta, interpretando o art. 5°, inciso LXVII, da Constituição Federal, com o fim
de considerar os direitos fundamentais, vez que o impedimento constante da norma refere-se a
devedor que não possua patrimônio. A admissão da prisão como forma de coerção indireta é o
mesmo que aceitar que “o ordenamento jurídico apenas proclama, de forma retórica, os
direitos que não podem ser efetivamente tutelados sem que a jurisdição a tenha em suas mãos
para prestar a tutela jurisdicional efetiva”. E acrescenta:
Em uma interpretação realmente atenta aos direitos fundamentais, e de acordo
com a moderna hermenêutica constitucional, não há como enxergar penas o
que há de negativo na utilização da prisão. Se ela constitui violência
inconcebível em face de dívidas em sentido estrito, não há como deixar de
perceber o seu lado positivo diante da necessidade de tutela inibitória e de
prestações que não dependam do desembolso de dinheiro.
304
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
...
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
305
WAMBIER. Teresa Arruda Alvim. Impossibilidade da decretação de pena de prisão como medida de
apoio, com base no art. 461, para ensejar o cumprimento da obrigação in natura. Revista de Processo, Ano
28. n. 112. outubro – dezembro de 2003.p. 198-199
306
MARINONI. Luiz Guilherme. Tutela inibitória. São Paulo: RT, 2003, p. 231-233.
147
Logo, não se tratando de prestação que implique disposição em dinheiro, a
prisão é possível nos casos em que se teme a ocorrência de um ato ilícito, e mesmo assim, em
ocasiões concretas que o emprego da multa é impossível, necessitando o uso da prisão, pois
trata-se de medida necessária para ao alcance da efetividade do comando judicial
307
.
5.5 A COISA JULGADA NAS AÇÕES INIBITÓRIAS COLETIVAS
Uma das questões de grande relevo é a ocorrência da coisa julgada nas ações
preventivas, assunto que se revela demasiadamente complexo. Arenhart
308
é taxativo ao
reconhecer a possibilidade de ocorrência de coisa julgada material nas ações inibitórias.
A coisa julgada material pressupõe imutabilidade da decisão, servindo como
um reflexo natural do sistema jurídico positivo adotado pela ordem jurídica brasileira. Neste
sentido, Arenhart
309
acrescenta que “a coisa julgada material corresponde à imutabilidade da
declaração judicial sobre o direito da parte que requer alguma prestação jurisdicional;
declaração esta de existência ou inexistência daquela relação jurídica deduzida em juízo”.
Sendo assim, para a ocorrência da coisa julgada material, a sentença deve
declarar a existência ou não de um direito. Além disso, diante da matéria discutida na ação
inibitória, que versa unicamente pela proteção de um direito, o comando sentencial deve,
necessariamente, tratar sobre a existência ou não do direito a ser tutelado, portanto operar a
coisa julgada material.
Neste sentido Adverte Arenhart
310
:
307
Ibid., p. 237.
308
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 217-218.
309
Ibid., p. 219.
310
ARENHART, op. cit. p. 220.
148
Ora, a ação inibitória, como já visto, possui cognição exauriente – com
restrições de prova derivadas do próprio contorno do direito que é veiculado.
Assim, sendo viável que nela o juiz profira julgamento com base em certeza,
não há como fugir da conclusão de que também estas ações são hábeis a
operar coisa julgada material.
Acrescenta-se ainda que “a coisa julgada, nas ações preventivas, opera-se de
forma idêntica ao que ocorre nas demais espécies de ações, pelo que a solução cabível para a
situação aqui posta não difere em nada daquela apresentada para as ações reparatórias”.
311
Desta forma, em se tratando de sentença inibitória coletiva, a regra a ser
observada é a do artigo 103, do Código de Defesa do Consumidor
312
, que estabelece o
alcance subjetivo da imutabilidade da decisão na coisa julgada coletiva.
Dentre os instrumentos processuais de proteção aos interesses ou direitos
coletivos acima mencionados, em especial a ação inibitória, referido instituto processual ao
receber o provimento jurisdicional gera efeito distinto de acordo com o teor da decisão, ou
seja, segundo prescreve o art. 103, do Código de Defesa do Consumidor, a sentença nas ações
coletivas fará coisa julgada erga omnes, estendendo os seus efeitos a toda coletividade, salvo
se improcedente a demanda por carência de provas, pressuposição que legitima a parte a
propor nova ação, com mesmo fundamento, no entanto com amparo em nova(s) prova(s).
Segundo Wambier
313
:
311
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 221.
312
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese
do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de
provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art.
81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na
hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
313
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Considerações sobre a liquidação de sentença coletiva na proposta de
Código Modelo de processos coletivos para Ibero-América. Revista de Processo. Ano 29, n/116. julho-agosto
de 2004, p. 160.
149
O alcance subjetivo da imutabilidade do decisum na coisa julgada coletiva,
diante de terceiros, é eventual, no sentido de que é sempre dependente do
resultado que se dê ao julgamento do pedido de tutela coletiva dos direitos no
plano daqueles que não participaram do processo. Nesse caso ocorre, por
assim dizer, o “transporte” da sentença coletiva de procedência do pedido para
a esfera de interesses daqueles que estejam na mesma situação em que estão
aqueles cujos direitos estão sendo feitos valer, que poderão dessa sentença
servir, com a força da correspondente coisa julgada, para buscar a proteção de
seus interesses individuais, mediante a liquidação individual, nos moldes em
que se verá a seguir.
De acordo com o dispositivo legal, nas ações em defesa de interesses coletivos
em que atuam os legitimados, a sentença de procedência prevalecerá em definitivo perante
todos os sujeitos que estão relacionados entre si, ou com a parte contrária, por uma relação
jurídica base. De outra sorte, em sendo julgado o mérito da questão com a rejeição do pedido
inicial, a sentença produzirá efeitos ultra partes, com relação a todos os sujeitos de classe,
associação, categoria, etc., ali representados, impedindo, assim, a propositura de nova ação
coletiva, porém ressalvado o direito de intentar ações individuais, mesmo contendo os
mesmos fundamentos da demanda coletiva.
Grinover
314
, ao tratar da disciplina da coisa julgada em ações de interesses
difusos, aponta que:
A única diferença reside na diversa extensão dos efeitos da sentença com
relação a terceiros, consoante se trate de interesses difusos ou de interesses
coletivos. No primeiro caso, é própria da sentença a extensão da coisa julgada
a toda a coletividade, sem exceção; no segundo, a natureza mesma dos
interesses coletivos restringe os efeitos da sentença aos membros da categoria
ou classe, ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica
base.
Destarte, posiciona o presente trabalho na indivisibilidade do objeto dos
interesses coletivos, pois nele ocorre uma extensão dos efeitos da sentença que podem gerar
314
GRINOVER, Ada Pellegrini... {et al.}. Código brasileiro de defesa do consumidor. 6° ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2000, p. 824.
150
os seus efeitos a indivíduos estranhos ao vínculo associativo e que não se encontram
representados ou não autorizaram qualquer representação na ação coletiva julgada procedente.
Apresenta Grinover
315
exemplos interessantes que servem para a
materialização da idéia:
Exemplifique-se: quando uma entidade associativa ingressa em juízo com uma
ação coletiva que vise à tutela dos interesses coletivos de seus filiados, será a
todos estes – tenha ou não havido autorização expressa que se estenderão os
efeitos da sentença para beneficiá-los. Mas a própria indivisibilidade do objeto
estenderá necessariamente os efeitos favoráveis da sentença a todos que se
encontrarem na mesma situação em relação à parte contrária: assim, todos os
contribuintes de um determinado tributo, ou todos os mutuários do sistema
habitacional, pertençam ou não à associação autora, serão necessariamente
beneficiados pela sentença que declarar a nulidade da imposição tributária ou
fixar benefícios, in genere, apara os mutuários. Eis aí a eficácia ultra parts,
mas sempre circunscrita ao grupo, classe ou categoria ligada pelo vínculo
jurídico.
Ademais, Maiolino
316
afirma que a influência subjetiva da coisa julgada sofre
as devidas adaptações, pois alcança pessoas que, não obstante titulares das relações “jurídico-
materiais, não participaram do processo e, consequentemente, não engendraram seus esforços
para a obtenção de uma tutela jurisdicional favorável”.
Resta evidenciar que nas ações coletivas de caráter inibitório julgadas
improcedentes por ausência do direito firmado em juízo ou ainda por carência de provas, a
coisa julgada desfavorável formada gera seus efeitos perante o representante e o representado
para que não haja infringência a garantias constitucionais ou processuais ante a ausência
individual de manifestação do processo.
Destarte, uma vez julgada pela procedência do pedido inibitório coletivo, esta
decisão aproveita a todos aqueles que se encontram vinculados juridicamente numa mesma
315
Ibid., p. 825.
316
MAIOLINO, Eurico Zecchin. Coisa julgada nas ações coletivas. Revista de Processo. Ano 30. n. 123. maio
de 1005, p. 61.
151
relação jurídica, estando ou não representados na demanda. Neste sentido, Arenhart
317
esclarece:
Na situação atual de nosso direito, é preciso reconhecer que a lei brasileira
limita às partes a extensão da coisa julgada (seja em relação à ação preventiva,
seja em face daquela reparadora). Tal existe, porém, no que tange à coisa
julgada, mas não no concernente aos efeitos do provimento; quanto a estes
nenhuma regra expressamente diz que devem limitar-se às partes. Aliás, ainda
que esta regra existisse, seria de se apontar para a sua total inutilidade, uma
vez que os efeitos de um provimento judicial não se pode limitar. Tais efeitos
são como as ondas criadas pela queda de um objeto na água: propagam-se
naturalmente em infinitas direções, em inimaginável ordem e por imprevisível
lapso de tempo.
Outrossim, a possibilidade de repropor uma ação coletiva já transitada em
julgado representa uma falta de uniformização entre as sentenças coletivas, já que o regime
adotado pela lei consumerista impede esta ocorrência, visto que “uma vez julgado
improcedente o pedido em uma determinada ação coletiva, a via coletiva estaria preclusa,
restando aos consumidores a propositura da ação individual”
318
, logo os efeitos da decisão
fluirão apenas sobre as partes litigantes.
Ademais, uma vez sentenciada e regando os efeitos jurídicos, esta decisão deve
ser necessariamente divulgada, apesar do veto do art. 96, do Código de Defesa do
Consumidor, para que se possibilite à habilitação dos interessados no processo, por
intermédio de liquidação de sentença. Desta feita, pela interpretação analógica do art. 5°, LX,
da Constituição Federal
319
, bem como 94 do Código de Defesa do Consumidor
320
, o meio
utilizado será a intimação por edital.
317
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 223.
318
MAIOLINO, Eurico Zecchin. Coisa julgada nas ações coletivas. Revista de Processo. Ano 30. n. 123. maio
de 2005, p. 67.
319
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
...
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem;
152
A questão a ser observada é quanto aos limites objetivos da coisa julgada nas
sentenças inibitórias, indagando-se sobre a permanência eterna da decisão que impede o
ilícito, ou apenas permanecendo por dado tempo para uma certa ameaça de prática do ilícito.
Arenhart
321
responde esta questão concluindo:
A sentença gera efeitos futuros imodificáveis – e , em princípio, eternos -, seja
em termos de ação reparatória, seja em termos de ação inibitória. A ordem
emanada de uma ação como esta vigorará ad aeternum, ao menos enquanto
perdurarem existentes os motivos que ensejaram tal decisão judicial, da
mesma forma que vigerá ilimitadamente a imutabilidade da declaração da
ocorrência do ilícito (art. 461, I do Código de Processo Civil).
Parece no mínimo razoável admitir a ocorrência de coisa julgada no comando
inibitório coletivo, pois ao ser proferido amplia a área de atuação de seus efeitos para outras
pessoas, ordenando-lhes a abstenção à prática de atos que importem em lesão ao bem jurídico
tutelado. Destarte, para estas pessoas atingidas pelo comando inibitório fica resguardada a via
judiciária para que possam impugnar a decisão proferida ou seu condicionamento à ela
322
.
Ademais, permanece imutável a decisão inibitória coletiva enquanto perdurar a
nocividade do ato a ser evitado pela medida preventiva.
320
Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir
no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte
dos órgãos de defesa do consumidor.
321
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 229.
322
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 225-226.
153
CONCLUSÃO
A ação inibitória coletiva é mais um meio disponibilizado para a defesa do
consumidor, e pode ser utilizada sempre que o direito material estiver sobre a ameaça de um
ilícito.
Dentre o reconhecimento dos direitos coletivos como fundamentais para uma
sociedade democrática, na qual os instrumentos disponibilizados em sua defesa pelo
Ministério Público ou por qualquer outro ente legitimado, servem de ampla garantia ao acesso
à justiça, oportunizando aos consumidores lesionados o amparo legal, atribuindo aos
legitimados e a própria legislação processual a tarefa de resguardar estes direitos em nome da
coletividade, visando a melhoria da convivência social como um todo.
A tutela de resistência a atos que afrontam direito ou interesse do consumidor
pode ser materializada através da ação inibitória, instrumento cabível para a defesa ampla do
direito do consumidor inibindo violação ou ameaça a direito substancial.
O Mandado de Segurança Coletivo, a Ação Civil Pública, a Ação Popular, o
Inquérito Civil são os instrumentos postos à disposição dos entes legitimados para atuar na
defesa da ordem pública e interesse social, sempre com o objetivo de atender as necessidades
básicas dos consumidores. Destarte, a ação inibitória também pode ser utilizada para a defesa
da inviolabilidade do direito do consumidor, visto que ela representa medida célere e efetiva,
principalmente, pela possibilidade de: antecipação do provimento jurisdicional,
entrelaçamento da ação de conhecimento e execução para a concessão da tutela específica; e
por oportunizar providências que assegurem o resultado prático equivalente.
Desta forma, a ação inibitória previne a violação do direito do consumidor e
serve de instrumento hábil para a defesa do direito à dignidade do consumidor, à proteção de
154
seus interesses econômicos, à melhoria da sua qualidade de vida, bem como à transparência e
harmonia das relações de consumo.
Vale ressaltar que a essência dos direitos coletivos do consumidor e sua
inviolabilidade e proteção comungam com o modo de vida do ser humano, e o escopo do
direito visa, através da disciplina das relações entre os indivíduos, o aprimoramento deste
objetivo, considerando a sociedade e o Estado como meios e não como fins do direito.
Sendo assim, a pesquisa demonstra que os direitos protegidos dos
consumidores, por sua natureza e importância, assumem o caráter de força social propulsora
de um Estado de Direito; é uma análise dos contratos coletivos no Código de Defesa do
Consumidor que, por suas características e peculiaridades, abrem ensejo à existência de
cláusulas gerais abusivas em detrimento dos consumidores e para benefício do fornecedor;
demonstra as influências do direito comparado para a defesa coletiva dos consumidores; e,
ainda, que a proteção coletiva no direito brasileiro deve ser garantida através da ação
inibitória.
Durante toda explanação do trabalho foram apresentadas as suas
peculiaridades, implicações e a função desempenhada pela ação inibitória no direito
processual para a defesa coletiva dos consumidores, devendo ser utilizada pelos entes
legitimados como tutela preventiva, demonstrando o aperfeiçoamento e o progresso do
direito processual brasileiro favorável ao direito material e à realidade social.
Diante de todas as questões analisadas, conclui-se que a ação inibitória
constitui um direito fundamental dos indivíduos para a efetividade e integralidade dos
direitos dos consumidores.
No entanto, sem a aspiração de esgotar a matéria proposta, objetiva-se que
esta pesquisa sirva de fomento para o estudo da ciência do direito processual coletivo, sendo
155
a ação inibitória coletiva uma das formas de acesso à justiça para a defesa do direito dos
consumidores em contratos de massa.
156
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