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U N I V E R S I D A D E P A R A N A E N S E - U N I P A R
C A M P U S U M U A R A M A - S E D E
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E AGRAVO EM PRIMEIRO
GRAU DE JURISDIÇÃO: CRÍTICA À LEI 11.187/2005
CLEVERSON IVAN MERLO
UMUARAMA – PR
2007
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U N I V E R S I D A D E P A R A N A E N S E - U N I P A R
C A M P U S U M U A R A M A - S E D E
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E AGRAVO EM PRIMEIRO
GRAU DE JURISDIÇÃO: CRÍTICA À LEI 11.187/2005
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção de grau de Mestre pelo Programa de
Mestrado em Direito Processual e Cidadania da
Universidade Paranaense – UNIPAR.
Orientador: Dr. José Miguel Garcia Medina
UMUARAMA – PR
2007
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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E AGRAVO EM PRIMEIRO GRAU DE
JURISDIÇÃO: CRÍTICA À LEI 11.187/2005
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação
em Direito Processual e Cidadania da Universidade
Paranaense, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
Professor Doutor José Miguel Garcia Medina
Professor Doutor Celso Hiroshi Iocohama
Professor Doutor Ivan Aparecido Ruiz
Umuarama, 22 de fevereiro de 2007.
À Salete,
à Lídia e
ao Zeferino
AGRADECIMENTOS
Aos professores do mestrado, pela condução ao saber.
Aos colegas de escritório, pela compreensão e pelas substituições nos afazeres profissionais.
Aos familiares, pelo apoio nos momentos mais difíceis de tão árdua jornada.
Aos colegas do corpo docente da Universidade Paranaense – Campus Toledo, em especial
Alberto, Kátia, Silvia, Solange, Jomah e Ricardo, pela troca de idéias e pelo apoio na fase
final da presente dissertação.
Em especial ao Professor Doutor José Miguel Garcia Medina, por ter acompanhado os meus
passos na graduação, na pós-graduação lato sensu e, agora, como professor e orientador no
Mestrado.
MERLO, Cleverson Ivan. Decisão interlocutória e agravo em primeiro grau de jurisdição:
crítica à lei 11.187/2005. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito Processual e Cidadania) –
Universidade Paranaense.
RESUMO
Analisa a teoria geral dos pronunciamentos judiciais, com especial enfoque nos problemas
quanto a sua conceituação legal, o que implica em incongruências no sistema de sua
recorribilidade. Além disso, a falta de um aprofundado estudo das decisões interlocutórias,
que indubitavelmente possuem hoje maior importância no sistema processual, ante o declínio
da excessiva ordinarização e monetização do processo e, com o prestígio das tutelas baseadas
em cognição sumária, acaba por revelar um aparente, mas apenas aparente, abuso nos
recursos de tal espécie de pronunciamento judicial. Este suposto abuso acaba atraindo a
atenção do legislador que, mesmo sem um estudo estatístico sério, mas influenciado
sobretudo pelos reclames dos magistrados de superior instância, procede inúmeras alterações
legislativas nesta matéria, as quais se demonstram, muitas vezes, cíclicas. Dentro deste
contexto veio a tona à lei 11.187/2005, buscando limitar o acesso dos jurisdicionados ao
segundo grau de jurisdição em relação às decisões interlocutórias, mormente através da
tentativa de adoção do agravo retido como regra. Além disso, ao consagrar a irrecorribilidade
da decisão do relator nos casos dos incisos II e III do artigo 527 do Código de Processo Civil,
abre-se novamente as portas para a utilização do mandado de segurança como sucedâneo
recursal. Por último, a lacunosa regulamentação procedimental em tal lei, muito dificultará a
tarefa dos operadores do direito, complicando e retardando a entrega da prestação
jurisdicional, contrariando os objetivos almejados pelo legislador ao criar tal diploma legal.
Palavras-chave: atos processuais, decisão interlocutória, agravo retido, agravo de
instrumento, reforma processual;
MERLO, Cleverson Ivan. Interlocutory judgement and aggravate in first degree of
jurisdiction: critical to law 11.187/2005.
ABSTRACT
It analyzes the general theory of the procedural acts, with special approach in the problems as
for its legal conceptualization, that it implies in congruence lack in the system of its
appealbility. Moreover, the lack of one deepened study of the interlocutory judgements, that
undoubtedly possess today bigger importance in the procedural system, before the decline of
the extreme ordinarization and monetization of the process and, with the prestige of the
guardianships based on summary cognition, finishes for disclosing an apparent, but a only an
apparent, abuse in the resources of such species of judicial uprising. This presumption abuse
finishes attracting the attention from the legislator who, exactly without a serious statistical
study, but influenced over all for the complain of the magistrates of the superior instance,
proceeds innumerable legislative alterations in this subject, which if demonstrate, many times,
cyclical. Inside of this context it emerge the law 11.187/2005, searching to limit the access of
the jurisdicionated ones to the second degree of jurisdiction in relation to the interlocutory
judgements, normally through the attempt of adoption of the aggravate it restrained as rule.
Moreover, when consecrating the irrecorribilidade of the decision of the reporter in the cases
of interpolated propositions II and III of article 527 of the Code of Civil Action, again it
makes way for the use of the safety warrant as substitute resort. Finally, the gap procedural
regulation in such law, much will make it difficult the task of the operators of the law, having
complicated and delaying the handing over of the judicial sentence, opposing the objectives
longed for the legislator when creating such statute.
Keywords: procedural acts, interlocutory judgement, aggravate restrained, interlocutory
appeal, procedural reform.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 10
1 TEORIA GERAL DOS ATOS PROCESSUAIS......................................................... 13
1.1 CONCEITO E SUJEITOS DOS ATOS PROCESSUAIS............................................................ 13
1.2 DO CONTEÚDO E DA FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS.................................................. 16
1.3 DA CORRELAÇÃO ATO PROCESSUAL/PROCEDIMENTO.................................................. 21
1.4 A
TOS PROCESSUAIS DAS PARTES .................................................................................. 23
1.5 P
RONUNCIAMENTOS JUDICIAIS ..................................................................................... 29
1.5.1 Da Sentença.................................................................................................................. 33
1.5.2 Da Decisão Interlocutória ............................................................................................ 41
1.5.3 Dos Despachos............................................................................................................. 41
1.6 DA (IN)EXISTÊNCIA DE DECISÕES IMPLÍCITAS NO SISTEMA PROCESSUAL E
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO. .................................................................................... 50
2 DECISÃO INTERLOCUTÓRIA ................................................................................ 53
2.1 O ESTADO LIBERAL CLÁSSICO E A SUA INFLUÊNCIA SOBRE A TUTELA
JURISDICIONAL SUPERAÇÃO DE TAL CONCEPÇÃO E REFLEXOS NAS DECISÕES
INTERLOCUTÓRIAS........................................................................................................ 53
2.2 DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E O PRINCÍPIO DA ORALIDADE........................................... 60
2.3 C
ONCEITO ..................................................................................................................... 62
2.4 DIFERENCIAÇÃO ENTRE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E DESPACHO................................ 74
2.5 DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E AÇÃO RESCISÓRIA.......................................................... 79
3 RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS .............................. 81
3.1 P
ROBLEMÁTICA............................................................................................................. 81
3.2 B
REVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O AGRAVO DAS DECISÕES DE PRIMEIRO GRAU ........ 88
3.2.1 O Agravo Retido e por Instrumento............................................................................. 92
3.2.2 O Juízo de Retratação Cabível no Agravo Retido e por Instrumento.......................... 95
3.3 UM BREVE PASSAR DE OLHOS SOBRE O SURGIMENTO DO AGRAVO E A
RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NOS CÓDIGOS DE 1939 E
1973 ............................................................................................................................. 98
3.4 A REFORMA DE 1995 .................................................................................................... 105
3.5 A REFORMA DE 2001 .................................................................................................... 107
3.6 A
REFORMA DE 2005 .................................................................................................... 109
4 CRÍTICAS A LEI 11.187/2005................................................................................... 116
4.1 O
S PROBLEMAS ENVOLVENDO A FALTA DE POSSIBILIDADE DE ESCOLHA ENTRE O
AGRAVO RETIDO E O AGRAVO DE INSTRUMENTO......................................................... 116
4.2 CRITÉRIOS E PROBLEMAS PARA A CLASSIFICAÇÃO DA LESÃO COMO GRAVE E DE
DIFICIL REPARAÇÃO..................................................................................................... 139
4.3 O RISCO DE PROLIFERAÇÃO DE SENTENÇAS SOB CONDIÇÃO ........................................ 152
4.4 OS PROBLEMAS ENVOLVENDO A CONVERSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM
AGRAVO RETIDO .......................................................................................................... 157
4.5 HIPÓTESES LEGAIS DE CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO.............................. 162
4.6 B
REVE ROL (NÃO EXAUSTIVO) DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS QUE CONTINUAM
A
DESAFIAR O MANEJO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO................................................ 164
4.7 A
IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO DO RELATOR DITADA PELO PARÁGRAFO
ÚNICO DO ATIGO 527 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ................................................ 175
4.7.1 O Pedido de Reconsideração e o Mandado de Segurança como Sucedâneo
Recursal em Matéria de Agravo .................................................................................. 186
4.8 O
PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO DE INTERPOSIÇÃO ORAL DO AGRAVO RETIDO EM
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO JULGAMENTO.................................................................... 196
4.8.1 Da Possibilidade de Manejo de Agravo de Instrumento das Decisões Proferidas
em Audiência e Instrução Processual. ......................................................................... 197
4.8.2 Do Prazo para Apresentação da Resposta do Agravo Interposto Oral e
Imediatamente.............................................................................................................. 202
4.8.3 Da Obrigatoriedade de Interposição Oral e Imediata do Agravo Apenas nas
Audiências De Instrução e Julgamento........................................................................ 206
4.8.4 Agravo e Sentença Proferida em Audiência................................................................ 210
4.8.5 A Interpretação da Expressão “Imediatamente”.......................................................... 214
5 CONCLUSÃO............................................................................................................. 217
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 223
10
INTRODUÇÃO
Alvo de constante alteração legislativa, o sistema recursal tem sido
apontado por muitos, como o mais grave ponto de estrangulamento do sistema processual
brasileiro. Prova cabal desta preocupação, são as constantes modificações legislativas
pertinentes à matéria, sendo que dos 70 artigos do Código de Processo Civil, que disciplinam
os recursos, apenas 30 mantêm sua redação original.
Se o sistema recursal tem sofrido este ataque reformista, uma das espécies
de pronunciamento judicial tem suportado, especificamente, um ataque ainda mais intenso: a
decisão interlocutória. O recurso por excelência deste tipo de pronunciamento, qual seja, o
agravo, não tem sido poupado nas últimas ondas reformistas, tendo sofrido três alterações
profundas em sua sistemática, desde 1995.
Dentro desta incontestável realidade, o presente estudo destina-se a analisar,
num primeiro momento, o pronunciamento judicial apto a ser atacado através do agravo, ou
seja, a decisão interlocutória. Para tanto, necessária se faz uma breve incursão pela teoria
geral dos atos processuais, em especial dos atos processuais do juiz, buscando uma análise
crítica dos conceitos legais estabelecidos.
Em seguida, necessário o estudo da decisão interlocutória, tanto em seu
aspecto histórico como em seu aspecto conceitual, buscando delimitar suas primordiais
características, mormente na atualidade, onde a busca incessante pela efetividade processual
acabou por alterar substancialmente a essência e a importância da decisão interlocutória
dentro do sistema processual, principalmente, ante a ampla utilização das decisões calcadas
em cognição sumária.
Aliado a tal fato, a proliferação dos conceitos indeterminados e de rol não
taxativos na legislação, conferiu um poder interpretativo bastante elastecido ao magistrado, o
11
que reclama um sistema recursal apto a se permitir os controles da interpretação judicial
nestes casos, seja no que concerne às sentenças, seja no que concerne às decisões
interlocutórias.
Originariamente a intenção do presente trabalho, era o estudo das decisões
interlocutórias, sem uma ênfase especial quanto à questão de sua recorribilidade. Porém, no
transcorrer do levantamento bibliográfico ficou bastante nítido que a classificação e
conceituação das decisões como interlocutórias tem como razão primordial os problemas que
envolvem a possibilidade de manejo de recurso, bem como qual o recurso adequado. Por isso,
os capítulos 4 e 5 são dedicados a este tema, sem dúvida um dos mais debatidos no processo
civil brasileiro.
Apesar de breves menções aos agravos nos tribunais, em especial o agravo
interno, este não é ponto nevrálgico deste estudo que procurará delimitar os aspectos
polêmicos da interposição de agravo das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição.
No capítulo 4 demonstrar-se-á, o problema que envolve a recorribilidade ou
não das interlocutórias, problema, aliás, mais antigo que o próprio direito processual
brasileiro, vez que o direito português, já sofria com as evoluções e involuções atinentes a
recorribilidade de tal espécie de decisão.
Por último, seguindo uma linha preponderantemente pragmática proceder-
se-á uma análise crítica da reforma processual, trazida em matéria de agravo pela Lei
11.187/2005. O ponto central abordado neste capítulo, serão os problemas práticos oriundos
das sucessivas reformas processuais em matéria de agravo, procurando contribuir na
discussão de aspectos importantes e as vezes contraditórios da atual legislação sobre o agravo,
tanto na forma retida, como por instrumento. Frise-se novamente, com especial ênfase na
reforma de 2005, justificando-se tal aprofundamento pela atualidade do tema e, pelas
inúmeras incoerências em tal reforma.
12
Obviamente se torna impossível dissecar-se tão amplo assunto neste
trabalho. Os aspectos históricos e evolutivos envolvendo as decisões interlocutórias e a sua
recorribilidade, seriam dignos de figurar com exclusividade em uma dissertação de mestrado.
Porém, ante a linha predominantemente pragmática ora adotada, estes assuntos serão vistos de
forma superficial, apenas com a intenção de balizar e permitir a compreensão das críticas ora
elaboradas, seja em relação aos conceitos dos pronunciamentos judiciais, seja em relação as
alterações trazidas pela Lei 11.187/2005.
Assim, se ao final do presente trabalho o leitor estiver apto a refletir sobre
os motivos que levam aos movimentos cíclicos que envolvem a regulamentação do agravo,
permitindo assim uma leitura crítica das recentes reformas, o objetivo a que nos propomos, se
cumprirá.
13
1 TEORIA GERAL DOS ATOS PROCESSUAIS
1.1 CONCEITO E SUJEITOS DOS ATOS PROCESSUAIS
O objeto do presente estudo, são as decisões interlocutórias e os aspectos
polêmicos destas, mormente ante a sua valorização no sistema processual pelas técnicas de
sumarização da demanda e pela tentativa de mitigação da ordinariedade e monetarização do
processo, na busca de se adequar à tutela jurisdicional ao direito material invocado. Neste
mister, ciente de que a decisão interlocutória é um ato processual, mais especificamente um
ato do juiz, consubstanciado em um pronunciamento, necessário se faz uma breve incursão na
teoria geral dos atos processuais. Esta, não visa de maneira alguma analisar detalhadamente
todas as questões e conceitos que envolvem esta intricada parte do sistema processual. A
busca, neste instante, é se ter uma visão básica do sistema dos atos processuais e das
incoerências no ordenamento jurídico nacional.
Impossível pensar em processo, sem um instrumento que lhe possa
concretizar e dar vida, sem um instrumento que lhe permita percorrer o caminho que vai da
postulação até a entrega da prestação jurisdicional. Em suma, o processo precisa de algo que o
materialize e, esse algo; são os atos processuais. Esta idéia, é adotada por ENRICO TULLIO
LIEBMAN, ao afirmar que,
O processo tem início, tem seu andamento e se conclui com a realização dos
variados atos de seus sujeitos, que são os atos processuais. Estes se
distinguem dos atos jurídicos em geral pelo fato de pertencerem ao processo,
e de exercerem um efeito jurídico direto e imediato sobre a relação
processual, quando os constituem, os desenvolvem ou os concluem. Em
outras palavras, os atos processuais são os atos do processo
1
.
1
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil, Vol. 1, Palmas: Intelectus, 2003. p. 191.
14
Já para JOSÉ FREDERICO MARQUES, “ato processual é aquele praticado
no processo e que para este tem relevância jurídica”
2
.
Pela definição sintética de JOSÉ FREDERICO MARQUES, percebe-se
claramente que diversos atos, embora influenciem o processo, não podem ser classificados
como atos processuais, vez que praticados fora da relação jurídica processual. Tal constatação
é confirmada por LIEBMAN, quando diz que,
Não dão lugar aos atos processuais as simples atividades de fato, com escopo
preparatório, dos sujeitos do processo, tais como o estudo de papéis
processuais por parte do juiz, as instruções das partes a seus defensores etc.
Também não são atos processuais aqueles realizados pelas partes fora do
processo, embora a este possam ser destinados e sobre eles possa exercer um
certo efeito: por exemplo, a eleição de domicílio de uma parte, a entrega da
procuração para a lide ao defensor, a conclusão de uma transação entre as
partes ou de um compromisso arbitral, e assim por diante. Por outro lado,
são atos processuais a produção em juízo de documentos e portanto também
daqueles que comprovam a eleição do domicílio, a procuração, a transação,
o compromisso, etc
3
.
Por outro lado, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, demonstra toda a
amplitude do ato processual, definindo-o como “condutas humanas realizadas no processo
4
.
Exsurge assim que os atos processuais são praticados, obrigatoriamente, pelos sujeitos do
processo. Inquestionavelmente surge a dúvida sobre o que seria, por exemplo, um depoimento
testemunhal no bojo processual.
Ora, a testemunha, indubitavelmente não é parte. O seu depoimento seria
um “nada” jurídico? Obviamente que não. O depoimento em si é um simples fato. Porém,
deste fato surge um ato que é a colheita e redução a termo de tal testemunho por parte do juiz.
Novamente as lições de LIEBMAN são aptas a esclarecer a questão, ao argumentar que:
2
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1976, p. 302.
3
LIEBMAN, op.cit., p. 191.
4
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II, São Paulo: Malheiros, 2001.
p. 466.
15
Igualmente não é ato processual o simples comportamento mantido por um
dos sujeitos, embora juridicamente relevante, ou a presença na audiência de
uma parte ou de seu defensor ou sua ausência, a falta de constituição em
juízo, a negativa de resposta a um interrogatório (fatos omissivos). Enfim,
não são atos processuais aqueles de terceiros, embora praticados no
processo: por exemplo, é um simples fato processual a deposição de uma
testemunha, mas são atos processuais a colheita do testemunho por parte do
juiz e sua verbalização
5
.
Após análise desses exemplos, pode-se agora trabalhar com a definição de
LIEBMAN de ato processual, como sendo:
Uma declaração ou manifestação do pensamento, feita voluntariamente por
um dos sujeitos do processo, que entre numa das categorias de atos previstos
pela lei processual e pertença a um procedimento, com eficácia constitutiva,
modificativa ou extintiva sobre a correspondente relação processual
6
.
Realizada esta pequena digressão acerca do que venha a ser o ato
processual, pode-se passar a etapa seguinte, qual seja, a análise dos sujeitos dos atos
processuais. A classificação, neste tópico, para grande parte da doutrina, como por exemplo,
JOSÉ FREDERICO MARQUES e ENRICO TULLIO LIEBMAN, nas obras já citadas, é
bipartida em atos das partes e atos do juiz.
Diante desta classificação, novo problema surge. É sabido que o juiz se vale
de auxiliares e estes também praticam atos no processo. Seriam estes, também atos
processuais? Frise-se que esta questão, conforme adiante analisado, traz sérias implicações,
principalmente no que se refere aos despachos e a questão envolvendo a sua recorribilidade.
Tal situação problema ganhou importância com a reforma na Constituição
Federal, com a inserção pela Emenda Constitucional nº 45 do inciso XIV ao artigo 93, e com
a reforma no Código de Processo Civil, com o acréscimo do § 4º, ao artigo 162, através da Lei
nº 8.952/94. Mas como já dito, a questão da recorribilidade de tais atos será adiante analisada.
5
LIEBMAN, op. cit., p. 191/192.
6
Id. Ibid., p. 192.
16
Voltando a questão de saber, se os atos praticados pelos auxiliares do juiz
seriam atos processuais, tem-se a lição de LIEBMAN, que num primeiro momento afirmará
categoricamente que os atos processuais somente poderiam ser praticados pelos sujeitos do
processo:
Mas os sujeitos do processo são entendidos neste aspecto num sentido
bastante amplo. Por isso são atos processuais não apenas os do juiz, mas
também os dos órgãos menores, como são o escrivão e o oficial de justiça, e
dos auxiliares do juiz, tais como o consultor técnico e o depositário
(excluída, quanto a este último, a atividade de conservação e administração
dos bens confiados à sua custódia, que não é ato processual)
7
.
Portanto, os atos processuais englobam os atos das partes, do juiz e de seus
auxiliares, sendo estes os sujeitos dos atos processuais, conforme acima explicitado, sendo
que os atos praticados pelos auxiliares e serventuários serão analisados dentro do item
referente aos atos do juiz, vez que realizados por ordem e supervisão deste, mais
especificamente quando se tratar dos despachos.
1.2 DO CONTEÚDO E DA FORMA DOS ATOS PROCESSUAIS
Diante da complexidade do processo, em seu bojo, são praticados tantos e
tão variados atos processuais, que é praticamente impossível descrever o conteúdo e a forma
de cada um destes atos. Em virtude de tal fato, o Código de Processo Civil, no artigo 154,
estabeleceu que os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, a não ser
nos casos expressamente consignados em lei, bastando para a sua validade que preencham a
finalidade essencial a que se destinam.
Ante esta multiplicidade de atos, o legislador optou, com acerto, por uma
regulamentação bastante superficial dos atos processuais no capítulo I, do título V, do Livro I,
7
Idem.
17
do Código de Processo Civil, preferindo regulamentar, em local próprio, os atos processuais
em espécie. Assim agindo, o legislador adotou a mesma sistemática do legislador italiano,
como ensina ENRICO TULLIO LIEBMAN:
A grande, quase indefinida, variedade dos atos processuais não permite
formular a respeito deles regras gerais (à semelhança, por exemplo, do que
se faz para os negócios jurídicos de direito privado ou para os atos
administrativos) e torna pouco fecundas também as tentativas de classificá-
los e de sujeitar a regras próprias os grupos de atos que daí resultam. É assim
bem compreensível que o legislador tenha ditado no primeiro livro do código
apenas umas poucas regras de caráter geral e tenha regulado, depois, a maior
parte dos atos nos livros em que se disciplinam os procedimentos
singulares
8
.
Porém, mesmo diante da peculiaridade de cada ato, JOSÉ FREDERICO
MARQUES identificou uma característica marcante do conteúdo do ato processual, qual seja,
a presença de manifestação de vontade, por parte daquele que pratica o ato:
Os atos processuais contêm sempre manifestação de vontade, conteúdo
volitivo este que apresenta três modalidades ou categorias: a da
voluntariedade, a da vontade e a da vontade dispositiva ou intencional. Ato
voluntário é aquele em que a vontade do sujeito se manifesta com a
consciência de o estar praticando, para atender a algum ônus, para cumprir
dever funcional, ou para exercer um direito. Ato processual apenas volitivo é
o praticado para criar uma situação jurídica, cujos efeitos, no entanto, a lei
prefixa ou determina. Ato processual intencional, ou negócio jurídico
processual, é o ato de causação, ou dispositivo, em que o respectivo efeito é
plasmado pela vontade do sujeito que o pratica
9
.
Neste mesmo sentido, são as lições de Liebman, apenas ressaltando a não
classificação nos moldes acima, bem como a ausência de valoração da “real” vontade do
praticante do ato:
Em sua qualidade de atos jurídicos, os atos processuais são indubitavelmente
e por definição fatos voluntários; e não são nem menos pensáveis senão
8
Ibid., p. 194.
9
MARQUES, op. cit.,, p. 303.
18
como resultado da vontade do sujeito que o pratica. Mas se trata aqui de uma
vontade de todo genérica: a simples vontade e consciência de realizar o ato,
não se requerendo de fato que seja dirigida a atingir determinado efeito e não
se podendo nem ao menos determiná-lo e adequá-lo à própria vontade,
porque o efeito é já fixado e preestabelecido pela lei. Nisto os atos
processuais se distinguem das outras categorias de atos jurídicos e em
particular dos negócios jurídicos.
10
Além do conteúdo, necessário observar, ainda que brevemente, as questões
atinentes a forma dos atos processuais. Os dispositivos legais que regem a forma dos atos
processuais estão, conforme acima citado, elencados no capítulo I, do título V, do Livro I, do
Código de Processo Civil, com especial ênfase ao artigo 154: “Os atos e termos processuais não
dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os
que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial."
O artigo 244 do Código de Processo Civil reitera esta forma ao dizer
expressamente, que nos casos em que a lei prescreve a forma do ato, mas sem prever a
cominação de nulidade, o mesmo será convalidado, se atingir a sua finalidade. Diante de tais
preceitos, a observância da forma do ato processual, foi mitigada em relação a grande maioria
dos atos processuais.
Todavia, sacrificar o processo em sua marcha ou eficácia, em virtude apenas
de inobservância da forma, sem que prejuízo tenha daí advindo às partes, é
orientação hoje abandonada, pois as leis processuais, antes que presas à regra
de relevância absoluta da forma, seguem o princípio da instrumentalidade
das formas, em que o aspecto formal do ato cede passo a seu sentido
teleológico, e o modus faciendi à causa finalis.
11
Destaca-se apenas, que a obra de JOSÉ FREDERICO MARQUES, acima
citada, foi escrita em 1976, sendo já naquela época adotado o princípio da instrumentalidade
das formas, bem como estando claro que o processo é um meio e não um fim em si mesmo.
10
LIEBMAN, op. cit., p. 196.
11
MARQUES, op. cit., p. 304.
19
Porém, em que pese esta mitigação a forma prescrita em lei, sempre que
possível, deve ser seguida estritamente, pois o objetivo, por assim dizer, desta regularidade
formal é permitir que as partes e os interessados tenham plena ciência do desenrolar do
processo. Logo, não se pode esquecer que alguns atos mantêm a obrigatoriedade de
observância da forma, sob pena de nulidade. LIEBMAN ressalta a importância da forma
assim tratando-a:
também ela [a forma] deve responder antes de tudo a necessidade técnica de
fazer o ato atingir seu escopo e de levá-lo ao conhecimento de seu
destinatário. Mas o legislador, com a intenção de dar às atividades
processuais ordem, clareza, precisão, segurança de resultados, e de
salvaguardar as razões de muitas pessoas que podem ter interesse neles,
criou algumas exigências técnicas e subordinou a eficácia dos atos
processuais a observância dos prescritos requisitos da forma.
12
Mas o que seria a forma do ato processual? Para JOSÉ FREDERICO
MARQUES, “forma é aquilo que dá realidade ao atoforma dat esse rei. Com a forma, o ato
adquire existência e se torna ato jurídico relevante no processo”
13
.
Logo, neste diapasão, como se externará o ato jurídico, é um dos aspectos
relevantes no que concerne a forma. O Código de Processo Civil faz menção a este aspecto no
artigo 156, estabelecendo que todos os termos ou atos deverão ser realizados com o uso do
vernáculo, sendo complementado pelo artigo 157, que exige a utilização da língua portuguesa
para todos os documentos juntados aos autos, a não ser que estes estejam traduzidos por
tradutor juramentado.
Já a forma de expressão do ato poderá ser escrita ou oral. Os mais afoitos
poderiam se perguntar, se os atos processuais do juiz obedeceriam a mesma regra, vez que tais
atos estariam estampados no artigo 162 do Código de Processo Civil, sendo classificados
como sentença, decisão interlocutória e despacho.
12
LIEBMAN, op. cit., p. 194.
13
MARQUES, op. cit., p. 304.
20
Como adiante se verá, tais atos na verdade, são apenas espécie -
pronunciamentos judiciais - do qual os atos processuais são gênero. Mas tal equívoco
terminológico do legislador será adiante analisado. O importante neste momento, é ressaltar
que existem sim atos processuais do juiz que podem ser orais, como por exemplo, ocorre em
audiência, ressaltando-se apenas que estes devem ser reduzidos a termo:
Quanto à forma de expressão, o ato processual pode ser escrito ou oral,
manifestando-se este último através do ditado, da leitura, do pregão ou do
discurso. A palavra falada é a forma de expressão de que se faz mais uso, em
atos complexos como, verbi gratia, as audiências, as sessões de julgamento,
a praça ou o leilão, e assim por diante.
14
Existe ainda a classificação dos atos processuais em simples, complexo e
composto. Esta classificação traz importante influência nos casos de anulação de uma decisão,
visto que,
Para a existência de atos processuais simples (singulares ou unitários) nada
se exige além da ação do agente. São exemplos de atos processuais simples a
petição inicial e a sentença. Diferentemente, o ato complexo, é um feixe
formado pela soma de diversos atos simples que conservam sua própria
singularidade, seus próprios efeitos. A audiência é exemplo de ato complexo.
O ato composto também é soma de atos, mas difere do ato complexo quanto
aos efeitos: para produzir efeito jurídico como um todo é necessária a
multiplicidade de ações, como no caso da arrematação. Esta classificação é
importante para entender-se os efeitos de eventual nulidade. Anulada uma
sentença (ato simples), outra há de ser proferida por inteiro. Nulo um dos
atos simples que compõem o ato composto, a nulidade alcança todo ato. Ou
seja, anulada a arrematação, recomeça-se do edital, que é seu ponto inicial.
“Nos atos complexos, porém, a anulação pode se dar no todo ou em parte.
Pode ser anulada toda a audiência, ou apenas para que seja tomado o
depoimento e testemunha que não fora ouvida” (Aragão, 1974, p. 308)”
15
.
Eis, em breves linhas algumas considerações acerca da forma e conteúdo
dos atos processuais, calcadas, primordialmente, nas obras de JOSÉ FREDERICO
14
Ibid., p. 305.
15
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 2ª Tiragem. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 148.
21
MARQUES e ENRICO TULLIO LIEBMAN, permitindo assim uma visão correlata do
sistema brasileiro e italiano.
1.3 DA CORRELAÇÃO ATO PROCESSUAL - PROCEDIMENTO
Os atos processuais cumprem dois papéis de fundamental importância no
processo. O primeiro, é de externar a vontade dos sujeitos processuais. O segundo é permitir
que o caminho processual seja cumprido para a efetiva e integral prestação da tutela
jurisdicional.
São na verdade dois aspectos correlatos, mas que permitem a divisão dos
atos processuais. Seguindo a classificação de JOSÉ FREDERICO MARQUES, tem-se dois
planos: o processual e o procedimental:
No plano processual, esses atos traduzem e formalizam manifestações de
vontade, instrumentalizando o exercício de direitos e poderes dos respectivos
sujeitos, bem como o cumprimento de ônus, obrigações ou deveres. No
plano procedimental os atos processuais se apresentam como instrumento e
forma para a atuação dos sujeitos do processo, seus auxiliares e terceiros. O
que aí se destaca e sobreleva é o contorno ou estrutura formal do ato, bem
como sua posição no procedimento, a ligar-se com os atos que lhe sucedem
ou que o antecedem, e ainda a respectiva documentação. A forma que o ato
processual recebe no procedimento é que lhe dá configuração jurídica,
porquanto exterioriza as manifestações de vontade das pessoas que
participam do processo. Além disso, no procedimento é que se situa o ato na
sua posição funcional dentro do processo, ligando-o a outros atos, a fim de
que a correlação processual se desenvolva gradativamente, até encerrar-se ou
exaurir-se.
16
.
LIEBMAN também ressalta este duplo aspecto dos atos processuais
afirmando que,
Uma ulterior característica dos atos processuais é aquela de não se
apresentarem isolados; cada ato se acha coligado e coordenado a um grupo
16
MARQUES, op. cit., p. 302/303.
22
mais ou menos numeroso de outros atos processuais que se sucedem no
tempo e forma uma série contínua, como os anéis de uma corrente: o grupo
forma uma unidade que leva o nome de procedimento, e os atos singulares
são desta unidade os elementos constitutivos.
17
Esta característica, de coligação dos atos processuais é bastante interessante,
inclusive para as noções de prejuízo e de recorribilidade que se verá a seguir, quando se tratar
dos pronunciamentos judiciais. Se cada ato achar-se coligado a outro, formando uma corrente
que levará à final prestação da tutela jurisdicional, deve o jurista observar que determinados
atos, observados de forma isolada, estariam preenchendo todos os requisitos formais. Porém,
analisados dentro do contexto procedimental, este ato adquire outros contornos, podendo
inclusive causar prejuízo à parte contrária.
A título exemplificativo, pode-se pensar em um ato nulo em virtude da
preclusão consumativa. Pode-se, imaginar o caso em que o advogado, intimado da
interposição de um agravo de instrumento, apresenta resposta no 5º dia, a contar da sua
intimação e, visando aprimorar sua resposta, apresenta nova petição no 10º dia. Neste caso, a
segunda petição estaria, se analisada de forma isolada, dentro da forma e parâmetros legais
existentes. Porém, analisada no conjunto procedimental flagrante a ilegalidade do despacho
que determinou o recebimento de referida resposta (a segunda, é obvio).
Este seria, por exemplo, um caso em que um simples despacho (recebimento
da 2ª resposta) causaria prejuízo a parte contrária, sendo portanto, recorrível, em que pese o
disposto no artigo 504 do Código de Processo Civil. Tal situação, porém, será analisada no
tópico próprio onde serão analisados os despachos, sendo que o exemplo somente foi dado
com o intuito de demonstrar a importância de se analisar o ato processual tanto sob o ângulo
processual como sobre o ângulo procedimental.
17
LIEBMAN, op. cit., p. 197.
23
LIEBMAN afirma em sua obra, que o procedimento teria dois atos
fundamentais, sendo eles o inicial e o final. O primeiro, seria a demanda da parte e o segundo
a decisão do juiz. Trataria-se, singelamente, de uma pergunta e uma resposta. Este doutrinador
chega a afirmar, que todos os atos intermediários, não tem outro escopo que o de preparar esta
resposta, sendo o procedimento pensado e dirigido com o objetivo único de se chegar a uma
decisão final
18
.
Referida afirmação, torna-se pelo menos questionável no atual estágio de
desenvolvimento do processo civil. Isto porque a ordinariedade excessiva, que embasou a
afirmação de LIEBMAN, foi deveras mitigada por todas as reformas processuais recentes,
sempre na busca de ajuste do direito processual aos anseios do direito material em litígio.
Portanto, hoje, diversas decisões interlocutórias, ou pelo menos diversas
decisões assim classificadas para efeito de recorrribilidade, afetam o próprio direito postulado
alcançando por vezes, status de irreversibilidade. É, sem dúvida, dentro deste contexto que
devem ser analisadas tais afirmações.
A importância desta correlação entre atos processuais e procedimentos é
fundamental para o entendimento de diversos aspectos referentes a classificação do
pronunciamento judicial e referentes a questão da sua recorribilidade.
1.4 ATOS PROCESSUAIS DAS PARTES
Dois grandes grupos de atos processuais se formam tendo por ponto base o
sujeito que o pratica. O primeiro e ora em estudo, é o grupo de atos processuais das partes.
Porém, a parte aqui elencada tem sentido amplo, não abarcando apenas o autor e réu
originários da ação. Os chamados “terceiros” que intervêm no processo, e que, na prática
18
Idem.
24
acabam assumindo um posto no pólo passivo ou ativo da demanda, para fins de estudo dos
atos processuais, encontram-se neste grupo inseridos.
JAMES GOLDSMICHT tem o seguinte conceito de ato processual das
partes:
São chamados atos das partes os que dão vida à situação jurídica processual,
quer dizer, os que criam, modificam ou extinguem as perspectivas,
possibilidades e deveres processuais, ou a liberação destas. Os atos das
partes são atos jurídicos, isto é, de transcendência jurídica.
19
Já ENRICO TULLIO LIEBMAN traz o conceito abaixo de ato processual
das partes, destacando-se a amplitude do mesmo, como já citado acima, abarcando na citação
do italiano, inclusive os atos realizados a título pessoal pelos advogados atuantes no processo:
Atos processuais das partes são aqueles praticados pessoalmente pelas partes
ou, em seu nome, pelos seus defensores e consultores técnicos. Mas são atos
processuais também aqueles levados a efeito a título pessoal pelo defensor
(por exemplo, a comunicação de renúncia a procuração, da morte da parte,
etc.).
20
Amplo também, é o conceito de JOSÉ FREDERICO MARQUES:
Atos processuais das partes são aqueles praticados pelo autor ou réu, pelas
partes intervenientes ou pelo Ministério Público, no curso do processo. Tais
atos têm como conteúdo manifestação de vontade, com o objetivo de atuar
no processo para o exercício de direitos ou poderes, ou para o cumprimento
de ônus, obrigações ou deveres.
LIEBMAN deixa claro que, no tocante aos atos processuais das partes,
muito pouco há a se acrescentar além do conceito. O referido autor, apenas destaca que os
comentários tecidos em relação aos atos processuais em geral, se aplicam aos atos processuais
19
GOLDSCHMIDT, James. Direito Processual Civil. Tomo I, Campinas: Bookseller, 2003, p. 269.
20
LIEBMAN, op. cit., p. 192.
25
praticados pelas partes, ressaltando que tal aplicação se dá, inclusive, no tocante à liberdade
das formas
21
.
Já no tocante a classificação dos atos processuais das partes, há de se
ressaltar a classificação formulada por JAMES GOLDSCHMIDT, tendo sido citada e adotada
por LIEBMAN
22
, que classifica os atos das partes em de postulação e constitutivos.
Os primeiros, de postulação “buscam uma resolução judicial de determinado
conteúdo, mediante influências psíquicas exercidas sobre o juiz”
23
. São, como a própria
palavra deixa claro, pedidos e requerimentos que se faz ao julgador. Geralmente tem estes
atos íntima ligação com o mérito da demanda.
Já os atos constitutivos, são, por exclusão, todos os demais atos do processo,
conforme nos ensina GOLDSCHMIDT, guardadas as devidas adequações quanto aos
exemplos dados pelo autor:
[...] estão sempre numa relação de finalidade com os atos de postulação já
realizados, que poderão ser realizados, e são de tal classe os convênios (por
exemplo, prorrogação da competência, compromisso e transação), as
declarações unilaterais de vontade (por exemplo, a desistência da demanda
ou do recurso, a assunção de um processo do causante, o consentimento para
a modificação da demanda, a renúncia ao recurso, o outorgamento do poder
processual, a ratificação de atos processuais), as participações de vontade (os
requerimentos, como por exemplo, o de que se nomeie advogado, a citação,
o anúncio do propósito que se tem que continuar o procedimento, as
denegações, assim como a renúncia à ação, a conformação e a confissão), os
avisos de fatos (por exemplo, litisdenúncia, anúncio da extinção do poder ou
da nomeação de um novo advogado ou representante legal) e os chamados
actos reales (por exemplo, exibição ou retirada de um documento,
apresentação de meios de prova).
24
.
Continua o doutrinador alemão informando que, com base na classificação
acima, também variaria o ângulo a ser observado pelo magistrado, em que pese ambos devam
21
Ibid., p. 217.
22
Ibid., p. 218.
23
GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 269.
24
Ibid., p. 269/270.
26
ser objeto de estimação judicial. Quanto aos atos de postulação, estes devem ser examinados
pelo órgão jurisdicional:
[...] (a) se são ou não admissíveis, se deve passar-se a investigar seu
conteúdo; as condições de admissibilidade determinam-se exclusivamente
conforme o Direito processual. b) Se estão ou não devidamente
fundamentados, quer dizer, se por seu conteúdo são apropriados para
conseguir sua finalidade: a esse respeito o Direito material decide a maior
parte das vezes.
25
Já os atos constitutivos possuem uma menor área de análise pelo julgador,
visto que,
Referente aos atos constitutivos, somente deve examinar-se se são ou não
dignos de serem atendidos, quer dizer, se são eficazes do ponto de vista
processual. Os atos constitutivos, não obstante, não são objeto de estimação
ou de apreciação em si mesmos, senão que representam fatores
determinantes da apreciação de um ato de postulação, quer dizer, para fixar
sua admissibilidade e fundamentação. Assim, por exemplo, a validade e
eficácia de um contrato de prorrogação de foro é um fator determinante da
admissibilidade da demanda perante o Tribunal ao qual se prorroga a
competência
26
.
Já JOSÉ FREDERICO MARQUES classifica os atos processuais das partes
em quatro grandes grupos, tendo por base o conteúdo veiculado. Para ele as categorias de atos
processuais das partes são: os atos postulatórios ou de obtenção, os atos dispositivos ou de
causação, os atos probatórios e os atos reais
27
.
Atos postulatórios seriam para o autor, os que a parte busca do magistrado,
uma providência ou pronunciamento judicial de conteúdo determinado. Tratam-se, assim, de
atos postulatórios a petição inicial e a contestação, por exemplo. Porém, neles incluindo
25
Ibid., p. 269/271.
26
GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 271.
27
MARQUES, op. cit., p. 309.
27
também os requerimentos, alegações e os pedidos de produção de provas. Característica
marcante dos atos postulatórios, é a sua natureza de pedido
28
.
Os atos de causação, são os chamados negócios jurídicos processuais.
Ressaltam-se nesta espécie de atos, o elemento vontade. São atos de causação os convênios,
avenças ou acordos processuais como, por exemplo, o acordo sobre redução ou dilação de
prazo, a convenção para suspender o processo, etc. São ainda atos de causação as declarações
unilaterais de vontade, tais como a desistência da ação pelo autor, a renúncia ao prazo recursal
e o reconhecimento do pedido pelo réu
29
.
Conseqüência importante do ato, se enquadrar ou não como ato de causação,
diz respeito a necessidade de homologação judicial do ato praticado. O Código de Processo
Civil possui regra própria a este respeito no artigo 158, ressalvando-se apenas a exceção
anotada em seu parágrafo único:
Art. 158. Os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou
bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação
ou a extinção de direitos processuais.
Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeito depois de
homologada por sentença.
30
Logo, se o efeito do ato atingir questão apenas processual, inexiste
necessidade de homologação judicial, salvo no caso de desistência da ação, ante a expressa
exceção prevista no parágrafo único do artigo 158, do Código de Processo Civil. Porém, o
mesmo não se pode dizer quando a manifestação envolver o direito material, ou seja, o
próprio mérito da demanda. Esclarece JOSÉ FREDERICO MARQUES:
Com a norma exarada no citado art. 158, o novo Código de Processo Civil
caracterizou, com ênfase, a natureza de declaração dispositiva, ou de negócio
28
Ibid., p. 309/310.
29
Ibid., p. 310.
30
BRASIL, Código de Processo Civi.- 10. ed. -: Sao Paulo: Saraiva, 2004. p.56.
28
jurídico, dos atos processuais de causação. Assim sendo, entroncam-se tais
atos, em seu disciplinamento jurídico, nas regras contidas no Código Civil –
com as adaptações necessárias – sobre os atos jurídicos”
31
.
Porém, repita-se que a aplicação de tal dispositivo claramente restringe-se
aos direitos processuais. Se a pactuação, por exemplo, for referente aos direitos envolvidos no
litígio, mais precisamente ao direito material, “há a necessidade de sentença homologatória,
com o controle jurisdicional, portanto, do ato praticado”
32
.
Interessante se acrescentar, por último, uma característica única dos atos
processuais praticados pelas partes: a falta de estrito compromisso com as normas materiais e
processuais, desde que não violem preceitos éticos. É o que nos ensina CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO, ao afirmar que:
Cada uma das partes realiza atos endereçados a obter para si a tutela
jurisdicional e o maior compromisso que têm é com a pretensão que
apresentou em juízo: o autor é com a demanda inicial e o do réu, com aquilo
que houver demandado ao responder. Quem atua imparcialmente,
comprometido com a justiça, é o juiz. Isso não importa inexistência de
compromisso com a ética e nem significa que a parte possa postular de modo
acintosamente contrário ao direito: litiga de má-fé quem o fizer, respondendo
por isso (CPC, arts. 16-18). [...] É lícito correr riscos e, se não fosse lícito ou
ético postular contra os modos como os tribunais entendem ser corretos,
jamais evoluiria a jurisprudência.
33
Em breve síntese, estes são aspectos conceituais e classificatórios sobre os
atos processuais das partes, sendo que desnecessária se faz uma análise mais profunda das
peculiaridades de tais atos, vez que o presente trabalho busca o estudo e o aprofundamento
sobre um tema que, apesar de ser ato processual não é da parte, mas sim do juiz.
31
Ibid., p. 313.
32
Idem.
33
DINAMARCO, op. cit., p. 481.
29
1.5 PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS
Do protocolo da petição inicial até a efetiva entrega da tutela jurisdicional
ao cidadão, o magistrado deve praticar uma sucessão de atos e pronunciamentos, sendo que
uma correta teorização dos atos jurídicos processuais é pré-requisito, inclusive para a
construção de uma teoria das relações jurídicas processuais, como nos ensina FRANCESCO
CARNELUTTI:
A construção, cada vez mais harmoniosa, de uma teoria das relações
jurídicas processuais postula, por sua vez, uma correlativa teoria dos atos
jurídicos processuais. Basta lembrar, para demonstrar a necessidade disso, a
íntima correlação entre os dois conceitos da relação e do ato, os quais estão
em função um do outro: o ato jurídico é desenvolvimento da relação, e a
relação jurídica é o fundamento do ato; a juridicidade da relação é o prius da
juridicidade do ato e esta, por sua vez, deriva daquela.
34
Em momento anterior de sua obra, CARNELUTTI já havia classificado o
processo como um sistema complicado, que somente funcionaria se os seus movimentos
estivessem combinados por vínculos, os quais seriam as relações jurídicas. Referido autor
comparou esta complexidade, a complexidade da anatomia do corpo humano. Agora, ao tratar
dos atos jurídicos, novamente é utilizada esta analogia, comparando os atos ao sistema
muscular, em contraposição às relações jurídicas, que formariam o sistema nervoso:
A comparação faz um momento inusitado, entre o sistema das relações do
processo e o sistema nervoso poderia se prosseguir comparando o sistema
dos atos ao sistema muscular: os músculos não podem trabalhar sem os
nervos, e os nervos desenvolvem sua ação através dos músculos”
35
.
34
CARNELUTTI, Francesco. Direito Processual Civil e Penal. Vol I, Campinas: Peritas Editora e Distribuidora,
2001, p. 74.
35
Idem.
30
Uma análise perfunctória dos atos processuais do juiz, como se verá agora,
desmascarará o equívoco cometido pelo legislador na redação do artigo 162 do Código de
Processo Civil. Isto porque, o artigo citado consignou expressamente que os atos do juiz
consistiriam em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. A idéia passada é de que
estes seriam os únicos atos do juiz no processo, o que obviamente não é verdade. Portanto, o
“sistema muscular”, no que concerne aos atos do juiz, é mais complexo do que parece.
Os atos elencados no artigo 162, caput, são os atos principais do juiz, sendo
que os demais atos praticados visam apenas preparar o processo para uma das hipóteses do
artigo 162. Mas, sem dúvida, tal aspecto deveria ser melhor tratado pelo legislador, inclusive
sob pena de induzir o jurisdicionado a erro. É o que adverte NELSON NERY JUNIOR:
Existem outros atos do juiz que não se enquadram nas definições do art. 162,
como por exemplo, a inspeção judicial (CPC 440) e o interrogatório da parte
em depoimento pessoal (CPC 342). Estas providências judiciais não
poderiam ser consideradas como despacho, como aparentemente faz crer o
CPC 162 § 3º.
36
Explica GOLDSCHMITD que além das decisões, o juiz pratica outros atos
no processo:
O ponto central dos atos judiciais são as decisões. Estas são as declarações
de vontade emitidas pelo juiz com a finalidade de determinar o que se estima
como justo. Ademais desses existem outros atos do juiz, a saber: meras
comunicações (por exemplo, instruções, informes, documentações) e atos
reais (por exemplo, fornecimento de documentos e devolução de
documentos exibidos). Ao lado destes “atos constitutivos” judiciais, existem
os de execução de provas, em conseqüência da apresentação das mesmas
pelas partes, os atos de instrução (enquanto impere o princípio inquisitivo) e,
finalmente, os debates (audiências) e a junção das provas.
37
36
NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 235.
37
GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 346.
31
LIEBMAN, levando em conta o diploma processual italiano, traz os
seguintes exemplos de atos processuais do juiz, os quais, guardadas as devidas proporções,
tem validade também no sistema processual civil brasileiro:
As atividades do juiz no processo são de variada natureza: dirigir a audiência
(arts. 127 e 128), ordenar e dirigir o desenvolvimento do processo de
cognição (art. 175) e da expropriação (art. 484), ouvir as partes (art. 117) e
os interessados na expropriação (art. 485), inspecionar pessoas e coisas (art.
118), encarregar-se das provas (art. 188), fixar as audiências sucessivas em
que todas estas atividades devem se desenvolver (art. 175, segundo
parágrafo), decidir a causa (arts. 277, 279), ordenar a distribuição da soma
obtida pela expropriação (art. 510) etc. Entre estas atividades, muitas das
quais têm caráter material, distinguem-se e salientam-se pela importância as
decisões a respeito das quais as outras atividades têm caráter preparatório,
auxiliar, complementar.
38
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER comenta a imprecisão técnica do
legislador nos seguintes termos:
Em que pese a letra do art. 162, parece que de má técnica se serviu o
legislador, ao redigir tal dispositivo. Em seu caput, se prevê que os atos do
juiz são as sentenças, as decisões interlocutórias e despachos. Atos, termo
utilizado pelo dispositivo em questão, é expressão significativa de um
gênero, de que pronunciamentos são espécie. Ato judicial é categoria mais
ampla, que abrange, por exemplo, a oitiva de testemunhas e a realização de
inspeção judicial. Portanto, não é tecnicamente correto dizer-se que os atos
do juiz se subdividem em sentenças, decisões interlocutórias e despachos,
pois há outros atos judiciais, que não se encartam, como se viu, em nenhuma
das três categorias.
39
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, conceitua os pronunciamentos
judiciais, que são o verdadeiro conteúdo dos atos estampados no comentado artigo 162 do
Código de Processo Civil, alertando em seguida para o equívoco do legislador:
38
LIEBMAN, op. cit., p. 205.
39
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006. p. 105.
32
[...] são as manifestações de pensamento que o juiz emite no processo
através de palavras faladas ou escritas; são os atos com que ele decide
alguma demanda incidente ou o próprio mérito, ou emite um comando às
partes, procuradores, auxiliares e Justiça ou terceiros [...] Melhor seria se
dissesse que os atos do juiz se classificam em atos materiais e provimentos,
subdividindo-se estes naquela forma que o art. 162 indica (sentenças,
decisões interlocutórias e despachos)
40
.
Mas não param por aí os equívocos do legislador no campo terminológico.
A redação do artigo 165 do Código de Processo Civil, que afirma que as sentenças e acórdãos
serão proferidos, atendendo o disposto no artigo 458, também está tecnicamente incorreto, vez
que este artigo traz os elementos da sentença. Ora, se existem acórdãos com evidente
conteúdo de decisão interlocutória, não há que se falar sempre em atendimento aos requisitos
do artigo 458
41
.
Superada a imprecisão terminológica, pode-se voltar ao artigo 162 do
Código de Processo Civil, tendo ciência que os atos processuais ali elencados são na verdade
os pronunciamentos do juiz, espécie da qual os atos processuais do juiz são gênero.
A sistemática adotada pelo Código de Processo Civil de 1973, que como se
verá adiante necessita de sérias reformas, classifica os pronunciamentos judiciais em sentença,
decisão interlocutória e despacho, baseando-se no Código de Processo Civil Italiano de 1940,
que entrou em vigor em 1942. Basta uma leitura da obra de LIEBMAN, sobre a legislação
italiana, para identificar as semelhanças ora citadas:
A lei prevê três tipos de decisões: a sentença, a ordenança e o decreto, e
geralmente prescreve em quais casos o juiz deve pronunciar uma ou outra
decisão. À falta de prescrição, as decisões são dadas em qualquer forma
idônea para atingir o seu escopo (art. 131). [...] De qualquer modo o segundo
parágrafo do art. 131 é de interpretar no sentido de que, faltando uma
prescrição legal expressa, o juiz tem liberdade de pronunciar sua decisão na
forma que entenda mais idônea, escolhendo um dos três tipos previstos em
40
DINAMARCO, op. cit., p. 220.
41
WAMBIER, op. cit., p. 118.
33
lei, e de tal modo ele deve ser entendido. Em outros termos, não existe um
quarto tipo inominado de decisão
42
.
Estipulando um paralelo, as sentenças guardam a mesma nomenclatura em
ambos os sistemas, sendo que as ordenanças seriam as decisões interlocutórias e os decretos
seriam os despachos.
Mas tal paralelo, entre as conceituações e as dificuldades que surgem a
partir do momento em que o legislador opta por estipular em lei as definições dos institutos
processuais, serão adiante estudadas.
1.5.1. Da Sentença
A sentença, dentro de uma visão estanque do processo civil, apenas calcada
nos preceitos clássicos da divisão trinária das ações, levando em consideração a dicotomia
processo de conhecimento e processo de execução, será no primeiro caso, o fim almejado pelo
jurisdicionado, pois a tutela jurisdicional no processo de conhecimento se limitará a uma
declaração do direito, sendo os atos executórios praticados em uma nova relação jurídico-
processual.
Obviamente, tais considerações não são mais aceitas de forma pacífica pelos
processualistas, pois clarividente a existência de cognição no processo de execução e de
execução no processo de conhecimento. Porém, a adoção desta visão, por assim dizer,
clássica, é necessária para a compreensão das palavras de JOSÉ FREDERICO MARQUES,
em obra publicada em 1976.
Supracitado autor, afirma categoricamente que:
42
LIEBMAN, op. cit., p. 205/206.
34
A sentença constitui o mais típico e genuíno ato jurisdicional, porque
compõe o litígio ou mostra ser inadmissível, in casu, a tutela jurisdicional.
Nas decisões e despachos, sobreleva o aspecto processual, isto é, a
ordenação do procedimento e a resolução de incidentes
43
.
O artigo 162, § 1º do Código de Processo Civil de 1973, traz o conceito de
sentença. Como sempre, ao conceituar os institutos jurídicos, o legislador acabou por tolher o
enriquecimento que a doutrina e a jurisprudência podem dar ao instituto, adequando-o a
realidade e livrando-o de equívocos ou contradições verificadas na aplicação prática.
Neste diapasão, o conceito de sentença, elencado no artigo supracitado, em
sua redação original, sempre foi alvo de críticas por parte da doutrina, a qual acreditava que a
definição estampada no dispositivo legal não era apta a efetivamente delimitar o que é uma
sentença.
Neste sentido, LUIZ RODRIGUES WAMBIER, TERESA ARRUDA
ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA afirmam categoricamente que,
“dizer-se que a sentença é o ato do juiz que põe fim ao procedimento em primeiro grau de
jurisdição dava ensejo a uma tautologia”
44
. Isto porque ao se questionar qual o ato do juiz que
põe fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição, tem-se como resposta uma sentença.
Já ao perguntar-se o que é uma sentença tem-se como resposta o enunciado da pergunta
anteriormente formulada, ou seja, é o ato do juiz que põe fim ao procedimento em primeiro
grau de jurisdição
45
.
Outro equívoco encontrado no conceito estampado no artigo 162, § 1º, do
Código de Processo Civil, em sua redação original, decorre de que a sentença não foi
conceituada pelo que ela é, mas sim por seu efeito, qual seja, o de por fim ao procedimento
em primeiro grau de jurisdição.
43
MARQUES, op. cit., p. 317
44
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier; MEDINA, José Miguel Garcia.
Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil – 2ª Série. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
30.
45
Idem
35
Para demonstrar o problema, nada como um exemplo. E, no caso, o
exemplo mais adequado é o do pronunciamento judicial que indefere a reconvenção. JOSÉ
HENRIQUE MOUTA ARAÚJO traz um apanhado geral, tanto doutrinário como
jurisprudencial, envolvendo a natureza deste pronunciamento. Por não ser esta discussão o
objetivo central do presente trabalho, se utilizará do bem formulado quadro abaixo para
demonstrar que a classificação constante do artigo 162 do Código de Processo Civil não é
apta a resolver, tecnicamente, os problemas de recorribilidade de nosso sistema:
Em sede doutrinária, não há unanimidade de posicionamento acerca da
natureza da decisão que indefere a reconvenção. José Joaquim Calmon de
Passos entende que: “uma dúvida, contudo, se oferece quanto ao recurso
cabível. A decisão de indeferimento põe fim à ação reconvencional, mas não
extingue o processo. Logo, o recurso será o de agravo, ainda quando o
indeferimento inicial tenha ocorrido com fundamento em matéria de mérito
(prescrição e decadência)” (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio
de Janeiro: Forense, p. 322). Também Marcelo Abelha Rodrigues observa
que: “acolhidas de plano a prescrição e a decadência (art. 295, IV, do CPC)
haverá extinção da ação reconvencional por meio de decisão interlocutória
de mérito. Tanto na hipótese colocada no texto, quanto aqui, o recurso
cabível é o agravo de instrumento” (Elementos de Direito Processual Civil,
São Paulo: RT, v. 2, p. 289, nota 11). [...] Por outro lado, há entendimento
em sentido contrário, entendendo ser cabível o recurso de apelação nos casos
envolvendo indeferimento liminar de reconvenção. Apesar de minoritário,
merece registro tal posicionamento, constante, v.g., na RT 558/149 e 519/94.
Aliás, é caso inclusive de aplicação do princípio da fungibilidade recursal
46
.
Ao lado destes problemas, ainda existia as questões atinentes às chamadas
“ações executivas lato sensu”, que se proliferaram nos últimos anos no ordenamento jurídico,
atendendo assim ao anseio dos jurisdicionados.
Neste caso, independentemente da interposição ou não de recurso pelas
partes, o processo não tinha um “fim” com a simples publicação da sentença, pois os atos
executivos eram praticados neste mesmo processo. Apesar do problema, acertadamente, os
46
ARAÚJO, José Henrique Mouta. O agravo e as mais recentes alterações processuais: alguns questionamentos.
In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol.10. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 205.
36
operadores do direito fizeram solucionaram o problema e continuaram, também nestas ações a
manejar o recurso de apelação.
O problema da não extinção do processo pela sentença nos casos das ações
executivas lato sensu foi assim tratado pela doutrina:
Assim, o fato de não se ter recorrido contra uma sentença não implicará a
extinção do processo, mas a extinção da fase preponderantemente cognitiva
do processo, já que, após a sentença, se realizarão atos executivos de sub-
rogação ou de coerção, conforme o caso, não mais se permitindo ao próprio
juiz rever seu julgamento
47
.
Para demonstrar a inviabilidade da manutenção do conceito de sentença em
seus termos originais, pode-se citar o seguinte comentário de CASSIO SCARPINELLA
BUENO, informando que para adequar o conceito à realidade, o legislador:
[...] alterou a redação do § 1º do art. 162 e, conseqüentemente, precisou
ajustar a dos arts. 267, caput, 269, caput e 463, caput: tudo para deixar bem
claro que o processo não se esgota com o reconhecimento do direito na
sentença (sentença definitiva) ou com o reconhecimento de que não há como
o Estado-juiz manifestar-se sobre o direito na forma como foi provocado
(sentença terminativa). Processo há, ainda, na fase recursal, e há também
naqueles casos e que o reconhecimento do direito demandar a prática de
outros atos pelo Estado-juiz, o desenvolvimento de outras atividade para a
realização concreta daquilo que foi reconhecido
48
.
Nas alterações advindas da Lei 11.232 de 2005, as sentenças condenatórias,
que tinham como objeto a obrigação de pagar quantia certa, até aquele momento expoente
máximo da teoria trinária da ação, passaram a ter um tratamento sincrético. Logo, nem mais
estas sentenças “poriam fim ao processo”. Diante desta nova realidade, era possível se manter
o conceito original de sentença estampado pelo legislador de 1973?
47
WAMBIER, op. cit., p. 36.
48
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. Vol. 1. São Paulo:
Saraiva, 2006. p. 7.
37
A resposta é não. Constatado o problema, ou melhor, o agravamento do
problema envolvendo a conceituação de sentença, o legislador, através da Lei 11.232, de 22
de dezembro de 2005, modificou o § 1º do Código de Processo Civil, alterando assim o
conceito de sentença. Neste sentido DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES expõe que:
A modificação mais substancial da Lei 11.232/2005, entretanto, não permitia
mais que o conceito de sentença se fizesse tomando-se por base o efeito de
pôr termo ao processo, porque, com a transformação das ações que têm
como objeto a obrigação de pagar quantia certa em ações sincréticas, todas
as sentenças condenatórias – incluídas aqui também as sentenças
mandamentais e executivas para os adeptos da teoria quinária – deixaram de
colocar fim ao processo. Seria de fato um manifesto contra-senso continuar a
fazer vista grossa para a determinação legal, aplicando-a somente para as
sentenças que dispensam a fase de satisfação para entregar o bem da vida ao
autor, como ocorre com a sentença meramente declaratória e constitutiva
49
.
Adotou-se assim, critério que TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER já
defendia de longa data, qual seja, a conceituação de defesa pelo seu conteúdo e não por seu
efeito. É o que se extrai da seguinte passagem:
Os possíveis conteúdos materiais das sentenças vêm expressamente previstos
nos arts. 267 e 269 do CPC. Cremos, portanto, ser esta a nota marcante das
sentenças, ou seja, é o seu conteúdo, preestabelecido por lei de forma
expressa e taxativa, que as distingue dos demais pronunciamentos do juiz
50
.
As críticas quanto a redação originária do dispositivo restaram superadas.
Porém, novas críticas surgiram, principalmente envolvendo a questão da recorribilidade das
decisões:
49
NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves ... [et al]. Reformas do CPC: leis 11.187/2005, 11.232/2005,
11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 79.
50
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Sobre a incidência dos recursos especial e extraordinário
retidos e “interlocutórias” que são sentenças. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo
com a Lei 10.352/2001. Vol. 5. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006.
p. 527.
38
Conforme apontado anteriormente, a opção legislativa foi pela conceituação
tomando-se por base o conteúdo do pronunciamento judicial. O problema é
eminentemente prático, porque criará uma recorribilidade incompatível com
o andamento do processo, conforme se verá. Tomem-se como exemplo duas
situações freqüentes na praxe forense: o indeferimento liminar da
reconvenção e a exclusão do processo de um dos litisconsortes [...] Diante do
novo conceito de sentença, tais decisões passarão a ser consideradas
sentenças, porque o fato de não extinguirem o processo passa a ser
irrelevante. Tendo conteúdo de sentença – e para tanto basta ter com
conteúdo uma das matérias previstas pelos arts. 267 e 269 do CPC -, terão
natureza jurídica de sentença, e, por aplicação do art. 513 do CPC, deverão
ser impugnadas por apelação
51
.
Em termos de logicidade, nenhum problema haveria. Porém, em termos de
praticidade tal constatação leva a situações absurdas, pois em nosso sistema a apelação exige,
inexoravelmente, a remessa dos autos ao tribunal, paralisando o andamento do processo
quanto ao restante das matérias decididas.
A confusão se dá porque, legalmente, estaríamos diante de uma sentença.
Porém, em termos pragmáticos, tal classificação, mormente para fins de recorribilidade, seria
desastrosa ao andamento do feito. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ
RODRIGUES WAMBIER E JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA defendem, apesar do
conteúdo de sentença, a sua consideração como decisões interlocutórias para fins de
recorribilidade:
Há pronunciamentos judiciais que, embora proferidos no curso do processo,
têm por conteúdo um dos incisos dos arts. 267 e 269 do CPC. É o que
ocorre, por exemplo, quando o juiz afasta um dos autores do processo, em
razão da prescrição de seu direito, ou indefere a petição inicial em relação a
um dos réus, em virtude da ilegitimidade passiva ad causam deste.
Semelhantemente, é o que ocorre quando o juiz julga uma das ações
cumuladas, determinando o prosseguimento da demanda quanto à outra (cf.
CPC, art. 273, § 6º). Em tais situações, o pronunciamento pode ter conteúdo
de sentença, mas assim não será considerado, para fins de recorribilidade. É
que, em casos como estes, será necessário que o procedimento continue, para
que o juiz examine os pedidos – rectius, as ações – que ainda não foram
51
NEVES, op. cit., p. 82.
39
julgados e, por tal razão, os autos devem permanecer perante o juízo de
primeiro grau
52
.
Como resolver este imbróglio? Talvez o entendimento combinado do artigo
162, § 1º, do Código de Processo Civil, com o teor do artigo 267 do mesmo diploma legal
pudesse levar a uma solução para este impasse. Neste caso, como o artigo 267 usa a expressão
“extingue-se o processo”, poderíamos afirmar que o pronunciamento judicial, somente
sentença será, se além de prever uma das matérias do artigo 267, ainda provocar a extinção do
processo. Solucionado estariam os dois problemas acima citados: indeferimento liminar da
reconvenção e exclusão de um dos litisconsortes.
Mas assim agindo, o legislador acabou por criar uma diferenciação entre os
conceitos de sentença terminativa e sentença definitiva, pois o artigo 269 não faz qualquer
menção a exigência de extinção do processo. Além disso, existem casos dentro deste artigo
que acabam por produzir decisões atualmente consideradas, para fim de recorribilidade, como
decisões interlocutórias. É o caso do artigo 273, § 6º, do Código de Processo Civil. Logo, esta
interpretação não supre integralmente o problema.
Na verdade, a solução prática continuará a ser a até hoje adotada pela
doutrina e jurisprudência: o recurso cabível será o que melhor se coaduna ao sistema,
independentemente dos conceitos legais estampado no artigo 162 do Código de Processo
Civil. É o que nos assinala DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES:
Aplicando-se a teoria do mal menor, tudo leva a crer que nossa
jurisprudência não modificará o entendimento a respeito da espécie de
recurso cabível dessas decisões que, apesar de conteúdo de sentença, não
tem como efeito a extinção do processo. Será como se o conceito de
52
WAMBIER, op. cit., p. 37.
40
sentença simplesmente não tivesse sido modificado, ao menos para fins de
cabimento do recurso
53
.
A intenção do legislador foi boa, mas os efeitos da alteração não o foram,
trazendo um toque de irracionalidade ao sistema recursal brasileiro. Melhor teria agido o
legislador se deixasse a tarefa de conceituação para a doutrina que, com certeza, encontraria
um ponto de equilíbrio para definir o que é sentença, o que é decisão interlocutória e o que é
despacho.
Além disso, obviamente, as definições doutrinárias possuem maior
flexibilidade do que as definições legais. Mudando-se os institutos processuais,
automaticamente, a doutrina procederia às alterações necessárias, ao passo que, todos sabem a
dificuldade e a demora de uma alteração legislativa no Brasil.
CASSIO SCARPINELLA BUENO, traz um conceito de sentença, valendo-
se de critérios híbridos entre o conceito antigo e o novo que parece, no atual estágio do direito
processual, atender os seus objetivos. Afirma o autor que:
[...] deve-se ter em mente que o proferimento da sentença caracteriza-se, a
despeito da nova letra do dispositivo, como o ato que encerra uma fase do
procedimento em primeiro grau de jurisdição e que terá, necessariamente,
um dos conteúdos dos arts. 267, caput, e 269, caput. E, por isto, por colocar
fim a uma fase, a uma etapa, do procedimento em primeiro grau de
jurisdição, é que dela caberá o recurso de apelação, de acordo com o art.
513
54
.
Ou ainda, o conceito de sentença poderia ser aquele constante na atual
redação do § 1º, do Código de Processo Civil, porém, acrescido de uma condicionante: o
julgamento integral da lide. Sentença seria, então, o ato do juiz que implica alguma das
53
NEVES, op. cit., p. 84.
54
BUENO, op. cit., p. 20.
41
situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei, desde que analise integralmente as “ações
ajuizadas”, visto que:
Somente se considerará sentença o pronunciamento que resolver a lide
(CPC, art. 269) ou declarar que isso não é possível (CPC, art. 267) em
relação à integralidade das ações ajuizadas ou daquelas que remanescerem,
depois que parte delas tiver sido julgada, no mesmo processo
55
.
Talvez assim, não tivéssemos que adotar, para o bem da ciência processual,
a solução contra a lei de existência de sentenças que são recorríveis através de agravo.
1.5.2. Da Decisão Interlocutória
Decisão interlocutória é a espécie de pronunciamento judicial descrita no §
2º, do artigo 162 do Código de Processo Civil.
As decisões interlocutórias e o problema de sua recorribilidade, mormente
após as alterações trazidas pela Lei 11.187/2005, são o ponto central deste estudo, motivo
pelo qual serão analisadas em capítulo próprio.
1.5.3. Dos Despachos
No que concerne aos despachos, o legislador também não foi feliz em sua
definição legal, estabelecendo como critério a exclusão: o que não for sentença e nem decisão
interlocutória será, por conseqüência, despacho.
55
WAMBIER, op. cit., p. 37.
42
Primeiramente, não custa ressaltar que, o artigo 162 traz o rol de
pronunciamentos judiciais e não de atos judiciais. Tal imprecisão deve ser considerada sob
pena de considerarmos, por exemplo, uma inspeção judicial como despacho.
Eis a crítica de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO a este conceito:
É muito imperfeita a definição legal dos despachos de mero expediente
como “todos os demais atos do juiz, praticados no processo de-ofício ou a
requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabeleça outra forma”
(art. 162, § 3º). Ela é completamente vazia de conteúdo e não oferece a quem
a leia a noção do que significa despacho, no contexto dos pronunciamentos
judiciais. A lei não estabelece formas a serem exigidas em outros atos, nem é
formal o critério de sua distinção
56
.
A fórmula adotada pelo legislador também é criticada por JOSÉ CARLOS
BARBOSA MOREIRA, que a classifica de “infeliz”
57
.
Os despachos sempre foram considerados, pelo ordenamento jurídico, pela
doutrina e pela jurisprudência como pronunciamentos judiciais de menor importância, vez que
estariam desprovidos de conteúdo decisório, não merecendo sequer a possibilidade de
reapreciação por instância superior, sendo irrecorríveis, pelo menos quando classificados
como de mero expediente, nos termos do artigo 504 do Código de Processo Civil.
Porém, as discussões sobre a forma e importância dos despachos que
pareciam adormecidas ganharam novo fôlego após a reforma do Código de Processo Civil de
1994, quando pela Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, foi acrescido o § 4º ao artigo 162,
permitindo ao servidor praticar atos meramente ordinatórios, como juntada e a vista
obrigatória, independentemente de despacho.
Tal tendência foi reforçada e constitucionalizada pela Emenda
Constitucional 45/2004 que acresceu o inciso XIV ao artigo 93 da Constituição Federal,
56
DINAMARCO, op. cit., p. 492.
57
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol 5. 11ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 243
43
delegando poderes aos servidores para a prática de atos de administração e atos de mero
expediente sem caráter decisório.
O intuito do legislador, foi o de racionalizar os trabalhos no transcurso do
processo, evitando obrigar o magistrado a realizar atos que não possuem qualquer necessidade
de juízo discricionário, tratando-se de atos desprovidos de conteúdo decisório marcante,
mormente se levado em conta que tais atos, na prática, já eram realizados pelos servidores.
Assim, pelo menos, se dispensou a necessidade de se fingir que o juiz procedera o ato,
colhendo-se apenas a sua assinatura.
É interessante comentar, que mesmo com o permissivo legal e
constitucional, como bem demonstra TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, o ato
praticado pelo serventuário da justiça nos termos do artigo 162, § 4º, continua sendo ato do
juiz:
É importante frisar-se, todavia, segundo a nova disciplina, que estes atos
podem continuar a ser considerados como atos do juiz. O que houve foi um
mecanismo análogo à delegação, já que se trata de ato praticado no exercício
de poder “vinculado”, se é que se pode estabelecer esta analogia com esta
categoria que, na verdade, é mais afeita ao direito administrativo. Ademais,
conforme a dicção legal, estes atos deverão ser revistos pelo juiz, se
necessário (art. 162, § 4º)
58
.
A redação do § 4º, do artigo 162 do Código de Processo Civil, bem como a
redação do inciso XIV do artigo 93 da Constituão Federal, faz parte do movimento chamado
de automatismo judicial. Porém, esta adoção do automatismo judicial, embora possa parecer
uma questão puramente administrativa e interna dos órgãos prestadores da atividade
jurisdicional, acaba causando importante interferência prática no processo, inclusive com
reflexos no sistema de recorribilidade de tais decisões.
58
WAMBIER, op. cit., p. 122.
44
Pela sistemática anterior, era irrelevante a classificação dos despachos.
Bastava saber que estes eram os pronunciamentos judiciais desprovidos de conteúdo
decisório, vez que todo e qualquer despacho deveria ser elaborado e concretizado pelas mãos
do magistrado. Com as alterações legislativas acima citadas, tal posicionamento deve ser
revisto, como aliás procedido por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER:
Sustentamos na 1ª edição deste trabalho, que não valia a pena distinguir
entre despachos, despachos de expediente e de mero expediente. Tratava-se
de atos desprovidos de conteúdo decisório e, portanto, pelo menos em
princípio, não passíveis de ser vulnerados por meio de recurso.[...] Todavia,
em face do que atualmente dispõe o art. 162, § 4º, parece ser conveniente
que se comece a pensar na importância de distinguir, dentre os atos que antes
eram despachos proferidos exclusivamente pelo juiz, entre aqueles que são,
de fato, de mero expediente e os que não chegam a ser decisão interlocutória,
mas têm algum cunho decisório e que, no regime atual, não devem ficar a
cargo do serventuário da justiça
59
.
O problema assim, será o critério diferenciador entre despacho e despacho
de mero expediente. Para a supracitada doutrinadora, a solução se dá pelo critério de
existência de possibilidade de escolha. Se no momento de agir, o juiz pode optar por uma ou
outra forma, estar-se-á diante de um despacho. Se não existe opção de escolha, estar-se-á
diante de um despacho de mero expediente, podendo o mesmo ser realizado nos termos do
artigo 162, § 4º, do Código de Processo Civil.
Exemplo da primeira hipótese, é o despacho que determina que se realize a
citação, pois neste caso existe a possibilidade de outras formas de proceder por parte do
magistrado, como a possibilidade de determinação de emenda a inicial. Exemplo do segundo
caso é a remessa dos autos ao contador, a cobrança de autos retidos pelo advogado da parte
60
.
A delegação do ato do juiz ao serventuário da justiça obriga o magistrado,
em caso de necessidade, a rever tal ato. Seria este ato de revisão recorrível? Discordamos
59
Ibid., p. 118.
60
Ibid., p. 119/120.
45
desta afirmação em termos gerais, visto que, se os despachos de mero expediente são
irrecorríveis nos termos do artigo 504 do Código de Processo Civil, e, se somente os
despachos de mero expediente poderão ser praticados pelo serventuário da justiça, estes não
serão passíveis de recurso, mesmo nos casos de reapreciação por parte do magistrado.
Quando o juiz praticava o ato, antes das reformas legislativas, o teor do seu
despacho era irrecorrível. Se agora o serventuário da justiça pratica o ato e este é confirmado
ou reformado pelo magistrado, que tem poder absoluto para dar a última palavra, o ato
também será irrecorrível. E será irrecorrível pelo simples fato de não ter conteúdo decisório.
Portanto, a discussão que sempre se travou quanto ao conteúdo decisório ou
não das decisões, que antes ocorria por questões ligadas exclusivamente a possibilidade de
recurso ou não, hoje abarca também a discussão acerca da possibilidade de realização do ato
por serventuário da justiça ou da necessidade de prolação pelo juiz.
Exemplo clássico, já referido acima, de forma bastante superficial, diz
respeito à classificação do ato que determina a citação. O entendimento majoritário do
Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que tal pronunciamento não possui cunho
decisório, sendo portanto um despacho e, conseqüentemente, irrecorrível. Neste sentido os
julgamentos do STJ nos Resp´s 242.185/RJ e 537379/RN.
Com a redação do artigo 162, § 4º, do Código de Processo Civil e do artigo
93, inciso XIV da Constituição Federal, necessária se faz a análise da possibilidade da prática
de tal ato pelo serventuário da justiça, evitando-se tumulto processual e pedido de declaração
de nulidades.
Seguindo o critério acima elencado de TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER, antes de proferir este despacho, o juiz pode fazer “escolhas” como declarar a
inépcia da inicial. Logo, este despacho não pode ser delegado, devendo ser obrigatoriamente
realizado pelo magistrado.
46
Por último, ressalta-se, que a imprecisão técnica constante do legislador
deve ser levada em consideração, evitando-se equívocos que podem trazer um grave prejuízo
as partes. Por isso, necessário se faz adotar um critério para a classificação dos atos
processuais. No caso em tela, esse critério deve ser a carga de decisão do pronunciamento e a
sua potencialidade de gerar prejuízo, vez que o legislador em diversos dispositivos, utiliza-se
de nomenclatura equivocada, classificando de despacho alguns pronunciamentos de natureza
evidentemente decisória. Exemplo são os artigos 338 e 930, parágrafo único, do Código de
Processo Civil, os quais denominam decisões interlocutórias, de despacho.
Não bastasse tal reviravolta na importância da classificação ou não dos
despachos, outro fator de fundamental importância é a questão de saber, até que ponto a visão
dogmática de que os despachos não têm caráter decisório se confirma. Ao que tudo indica se
está diante de um dogma semelhante ao dogma da imparcialidade do juiz. Ora todos sabem
que materialmente o juiz não pode ser totalmente imparcial, pois portador de uma carga de
valores e conceitos que formam a sua personalidade, sendo, portanto, por motivos ideológicos
parcial, em maior ou menor grau.
Da mesma forma, a conceituação de que despachos, são os pronunciamentos
judiciais sem carga decisória, incorre no mesmo problema. Levando-se ao pé da letra a
conceituação, pode-se dizer, com toda a certeza, que os despachos não existem, pois todo e
qualquer pronunciamento possui uma carga decisória, seja quanto ao mérito, seja quanto a
forma ou quanto a critérios de oportunidade.
Assim, na verdade, o legislador ao criar a categoria despachos, atribuindo-
lhes o status de irrecorríveis, adotou uma política de simplificação do procedimento, tentando
evitar abusos das partes. Criou-se um sistema em que os despachos são irrecorríveis, pois
seriam praticados por força de lei e dentro dos parâmetros desta. Logo, se o despacho “tem
47
que ser proferido em tais termos, e se a sua carga decisória é tão reduzida que não será apta a
gerar prejuízo, não haveria a necessidade de recurso para tais pronunciamentos.
Porém, essa ausência de prejuízos seria inerente aos despachos de mero
expediente proferidos corretamente, sendo que no caso de despachos proferidos ao arrepio da
lei, as conseqüências são diversas. ARRUDA ALVIM assim trata a matéria:
Neste caso, é evidente que pode ocorrer prejuízo, apesar de a idéia estar
subjacente à norma do art. 504. Nesta hipótese, configura-se lesão,
claramente, dado que só se o despacho de mero expediente houvesse sido
proferido corretamente é que inocorreria prejuízo”
61
.
Diante desta sistemática, cria-se um grave problema. Os despachos corretos
não causam prejuízo e, portanto, não são agraváveis. Logo, os únicos despachos agraváveis
são os incorretos. Se somente destes cabe recurso, o juízo de admissibilidade seria o próprio
julgamento do recurso.
Se tal sistema fosse viável, poderia se criar um sistema único para as
sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Estes pronunciamentos somente são
recorríveis quando estão errados. Isso não pode ocorrer porque o objetivo do recurso é
exatamente permitir o reexame da questão por uma instância superior, para que esta analise a
questão, a confirme ou a reforme.
Como não é possível permitir apenas a recorribilidade dos despachos
erroneamente proferidos pelo juiz (incluindo-se aqueles delegados ao serventuário da justiça),
tem-se que, a possibilidade de ocorrência de prejuízo a parte possibilita a interposição de
recurso de despachos, em virtude de seu contexto no bojo do caderno processual.
Adotado o posicionamento acima, necessário se discutir, mesmo que em
breves linhas, qual seria o recurso, ou sucedâneo recursal cabível no caso. A melhor solução
61
ALVIM, Arruda. Notas a respeito dos aspectos gerais e fundamentais da existência dos recursos – Direito
Brasileiro, Repro 48/7-26.
48
seria a interposição de agravo, mesmo contra expressa previsão legal. É o que ensina
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER:
Por isso, diante de um despacho errado, entre fazer uso do agravo e lançar
mão do mandado de segurança, deve-se, a nosso ver, interpor o recurso, por
ser a solução mais afeiçoada à mecânica processual, usual e ordinária, tendo-
se em vista a regra de que o meio “normal” de se vulnerarem os atos do juiz
são os recursos, e não as ações autônomas, salvo excpecionalmente.
62
.
Grande parte da doutrina, e aqui, a título meramente exemplificativo, nos
valemos das palavras de LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART,
que englobam o fator “prejuízo” no bojo do conceito de despacho. Se a decisão for apta a
causar prejuízo, o que era para ser um despacho, transmuda-se em decisão interlocutória,
sendo atacável através do agravo:
Note-se que os despachos de mero expediente (como a vista dos autos às
partes, a baixa ao contador etc.), por definição, são incapazes de provocar
prejuízo a quem quer que seja. Por essa razão, são irrecorríveis. Se, todavia,
um “despacho” vier a causar prejuízo – pela opção judicial que se fez, a um
dos sujeitos do processo, ou mesma a terceiro -, então perderá sua essência
de despacho, transformando-se em decisão interlocutória. O nome que se lhe
dá, portanto, é irrelevante; para caracterizar um despacho de mero
expediente, é necessário avaliar se ele é inofensivo ou não ao interesse de
qualquer sujeito
63
.
Por isso, para JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA não existe razão
lógica para se subdividir o “despacho” em espécies. Ou ele não tem conteúdo decisório ou,
tendo, transmuda-se em decisão interlocutória, deixando de ser despacho. Assim,
Em resumo: todo e qualquer “despacho” em que o órgão jurisdicional decida
questão, no curso do processo, pura e simplesmente não é despacho, ainda
que assim lhe chame o texto: encaixando-se no conceito de decisão
interlocutória (art. 162, § 2º), ipso facto deixa de pertencer à outra classe.
62
WAMBIER, op. cit., p. 141.
63
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 546.
49
Absurdo lógico seria conceder-lhe lugar em ambas. A interpretação
sistemática tem de corrigir as incoerências do Código, que não prima aqui
pela exatidão”
64
.
Apenas refutamos este entendimento porque, ante as reformas processuais,
os chamados “atos ordinatórios” que nada mais são que despachos, puderam ser delegados
aos serventuários da justiça. Logo, como já dito acima, atualmente, necessária esta
classificação.
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER traz um exemplo concreto e
muito pertinente para demonstrar a dificuldade da correlação entre pronunciamento do juiz e
recorribilidade. A princípio, não se pode negar que um pronunciamento, que determina o
apensamento dos autos, se trata de despacho. Porém, vejamos o exemplo da citada autora:
Mandar apensar autos, em princípio, é despacho de mero expediente.
Entretanto, já se deu provimento a agravo interposto contra pronunciamento
que manda apensar aos autos da ação principal os da ação cautelar, para que
elas seja julgadas simultaneamente, pois esse despacho foi considerado
errado, uma vez que o processo cautelar é autônomo e visa à segurança de
um resultado útil na demanda principal, o que faz com que careça de sentido
julgá-las em conjunto. Trata-se, pois, de um pronunciamento judicial que,
pelo contexto em que se insere, causou prejuízo, sendo, pois, impugnável. O
meio adequado, sem dúvida, para que este ato seja atacado, é o agravo
65
.
Por isso, entendemos que os despachos necessitariam uma nova
conceituação, determinando-se a impossibilidade de prejuízo como fator caracterizante de tal
espécie de pronunciamento. Assim, despacho passaria a ser o ato pelo qual o magistrado, ou
serventuário da justiça nos casos permitidos por lei, desse regular andamento ao processo,
desde que tal ato não tivesse o condão de causar prejuízo às partes.
64
BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 245
65
WAMBIER, op. cit., p. 143.
50
1.6. DA (IN)EXISTÊNCIA DE DECISÕES IMPLÍCITAS NO SISTEMA PROCESSUAL E
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO.
Um problema que assola os operadores do direito, no momento de utilizar-
se do sistema processual, é a questão envolvendo a fundamentação das decisões e os efeitos
desta para a escolha do recurso adequado. Tal problema se reveste de maior gravidade,
quando a decisão judicial é proferida quanto a um aspecto, mas que em termos práticos
demonstra o posicionamento do magistrado, de forma implícita, no que concerne a outro
aspecto correlacionado.
Tentando deixar mais clara a situação, pode-se falar no seguinte exemplo: a
parte autora solicita a oitiva de testemunhas, através de carta precatória, porém o juiz profere
despacho determinando as partes que apresentem suas razões finais. Pergunta-se: qual o efeito
desta decisão sobre o pedido de oitiva de testemunhas por carta precatória? Estaria-se diante
de uma decisão implícita, quanto a este ponto?
Prestigiando-se o regramento constitucional atinente a matéria, parece ser
inadmissível se adotar como válidas as chamadas decisões implícitas, nos termos do artigo 93,
IX da Constituição Federal, que exige a fundamentação de todas as decisões. Tema sempre
presente nas obras de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, a necessidade de motivação
das decisões, se justifica por questões de ordem técnica:
Várias razões levam a que se estabeleça a regra de que as decisões do juiz,
quaisquer que sejam, devem ser explícitas, motivadas e que a elas deve ser
dada publicidade. A primeira razão, familiar ao pensamento tradicional, é de
ordem técnica. Sem fundamentação não se pode delimitar o âmbito do que
tenha sido decidido. E, além disso, a possibilidade de impugnação tem como
pressuposto a circunstância de que as decisões sejam fundamentadas. A
recorribilidade supõe a motivação, pois o que se ataca, com o recurso, é
51
justamente esse aspecto, com vistas a que, via reflexa, cai por terra a decisão
impugnada.
66
Continua a doutrinadora, agora ressaltado a justificativa de ordem política
para tal comando constitucional, que:
Há, também, razões de ordem política, para que as decisões devam ser
explícitas, fundamentadas e públicas, e que são ligadas à idéia de garantia. O
Estado de Direito se caracteriza por ter sua atividade pautada na ordem
jurídica que ele mesmo cria e a que também se submete. O Estado, quando,
por meio do Poder Judiciário, profere decisões expressas, motivadas e
públicas, expõe a lisura e a regularidade de sua atividade; e o particular, a
seu turno, tem em mão preciosos dados para controlar a legalidade da
decisão, constatando se foi ilegal, ou não, e, bem assim, se foi também fruto
de arbitrariedade
67
.
Tais considerações já são aptas, per si, a embasar a tese contrária a
possibilidade de existência de decisão implícita no sistema processual brasileiro, não
acarretando portanto qualquer sistema de preclusão. No exemplo dado acima, proferido o
despacho, abrindo as partes o prazo para apresentação das razões finais, o que traria implícita
a idéia de rejeição do pedido de oitiva de testemunhas por carta precatória, não se pode falar
que transcorridos dez dias de tal intimação, o prazo para irresignação da parte prejudicada
estaria consumado, acarretando a preclusão.
Assim, se as decisões não podem ser implícitas, mas, ao contrário, devem ser
explícitas, fundamentadas e públicas, evidentemente não há que se falar em
precluso em relação quer às partes, quer ao juiz, com respeito àquilo que
teria “implicitamente” decidido, porque, na verdade, nada fica
implicitamente decidido
68
.
66
Ibid., p. 132.
67
Idem.
68
Ibid., p. 133.
52
Por isso, tecnicamente, correto está o entendimento de JOSÉ HENRIQUE
MOUTA ARAÚJO, ao tratar da classificação do pronunciamento judicial, que determina a
citação, de que:
A questão que resta saber é se o pronunciamento que determina a citação é
despacho ou decisão. Levando em conta tratar-se de decisão provisória, sem
qualquer preclusão quanto às matérias de ordem pública (v.g., condições da
ação e pressupostos processuais), entende-se tratar-se realmente de
despacho, sujeitando-se a reapreciação das questões implicitamente
decididas
69
.
No mesmo sentido é a lição de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER,
ao dizer que:
O pronunciamento judicial que ordena seja o réu citado é despacho (não de
mero expediente) e não decisão interlocutória, não se podendo dizer que
quando o juiz manda citar o réu esteja, implicitamente, admitindo
(considerando apta) a petição inicial, pois no direito brasileiro todas as
decisões, por força do texto constitucional, hão de ser explícitas,
fundamentadas e públicas
70
.
Se pudéssemos falar, neste caso, em decisão implícita, certamente tal
pronunciamento judicial não mais seria um despacho, passando a ter conteúdo decisório,
transmudando-se em decisão interlocutória, cabendo à parte, a interposição de agravo, sob
pena de preclusão. Tal situação demonstra de forma inequívoca, a utilidade e necessidade do
estudo deste tema.
69
ARAÚJO, oo. cit., p. 203.
70
WAMBIER, op. cit., p. 637
53
2. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
2.1 O ESTADO LIBERAL CLÁSSICO E A SUA INFLUÊNCIA SOBRE A TUTELA JURISDICIONAL
SUPERAÇÃO DE TAL CONCEPÇÃO E REFLEXOS NAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
Após a Revolução Francesa, e ante a vitória e consagração dos ideais
burgueses sobre os ideais da nobreza, a nova classe no poder teve de preocupar-se com a
atividade jurisdicional, evitando que magistrados ligados à ideologia da supremacia da
nobreza pudessem, através da sua função judicante, macular a igualdade tão arduamente
conquistada. Ao tratar do tema, JÔNATAS LUIZ MOREIRA DE PAULA, afirma que “a
destruição da liberdade política e a separação das classes sociais foram objetos dos
revolucionários franceses”
71
.
Neste desiderato, nada mais prático e eficiente, do que limitar os poderes do
juiz, evitando com isso que através do ato interpretativo, este, violasse a disposição literal da
lei. Neste momento histórico e cultural, o Estado era o grande vilão a ser batido, necessitando,
portanto, de um corpo de leis que garantisse, principalmente, o direito a liberdade e a
igualdade.
Esta última, obviamente, apenas no plano formal, não permitindo que
fossem consideradas situações peculiares a cada direito ofendido, desconhecendo e
desprezando totalmente a assertiva que igualdade é tratar desigualmente os desiguais, na
medida de sua desigualdade, como já nos ensinava Rui Barbosa.
Neste sentido, interessante as palavras de LUIZ GUILHERME
MARINONI:
71
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. História do Direito Processual Brasileiro – Das Origens Lusas à Escola
Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002. p. 300.
54
Em razão disso, imaginava-se que, para a preservação da liberdade, seria
fundamental manter o Estado longe da esfera dos particulares. Como o
Estado liberal não se preocupava em proteger os menos favorecidos e em
promover políticas públicas para uma organização comunitária mais justa,
mas apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, sem
qualquer preocupação com as diferenças das posições sociais, qualquer
interferência do Estado junto aos particulares era vista como intromissão
indevida
72
.
Portanto, o Estado liberal em sua concepção clássica, preocupou-se muito
mais com a limitação dos poderes do juiz, do que com o fornecimento de meios e mecanismos
que lhe proporcionassem conceder uma tutela jurisdicional ágil e em conformidade com as
exigências do direito material sub judice.
Diante deste quadro, desenvolveu-se a doutrina de limitação dos poderes do
magistrado. Talvez a mais famosa expressão desta doutrina, esteja cravada na clássica obra de
MONTESQUIEU intitulada Do Espírito das Leis, onde o mesmo afirma que o juiz é “a boca
da lei”, sendo que qualquer coisa fora disto seria apenas “uma opinião particular do juiz
capaz de criar apenas insegurança jurídica
73
.
Na expressão de MONTESQUIEU fica evidente que a atividade
jurisdicional deveria guiar-se pela ordinarização do processo, sem qualquer poder “criativo”
do julgador, pois todos os direitos materiais, de regra, deveriam ser igualmente tutelados, bem
como fica explicita a atitude meramente declaratória do juiz.
Sob essa influência, e calcada nesta premissa, desenvolveu-se a teoria
trinária das ações, considerando que o pronunciamento judicial deveria ser sempre de ordem
declarativa, aqui considerada em sentido lato.
O processo deveria ou declarar a existência ou inexistência de uma
determinada relação jurídica, ou a autenticidade ou falsidade de um documento, nos termos do
72
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004. p. 40.
73
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos
poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. São Paulo: Saraiva, 1994.
55
artigo 4º do Código de Processo Civil brasileiro.
74
Neste caso estar-se-ia diante de uma
sentença declaratória em sentido estrito. Poderia ainda a sentença conter um plus, como bem
adverte MARINONI, caso no qual estar-se-ia diante de uma sentença condenatória ou
constitutiva:
Ou seja, as três sentenças da classificação trinária contêm declaração. A
condenação e a constituição representam apenas “algo mais” que se agrega à
declaração contida na sentença. A primeira, além de declarar o direito
existente, aplica a sanção, abrindo oportunidade para a ação de execução,
enquanto a segunda, após declarar, constitui uma nova situação jurídica
75
.
Em comum, estas três espécies de sentença trazem também, exatamente por
força desta carga declarativa, a impossibilidade de alteração na situação fática. Pelo sistema
criado, as três espécies de sentença não permitiam ao juiz ultrapassar as barreiras da mera
declaração, devendo apenas dizer o direito. Caberia, em seguida, a parte interessada,
promover uma nova relação jurídico processual, esta sim com poderes executórios. Na esteira
deste pensamento, surgiu o princípio da autonomia do processo de execução, em relação ao
processo de conhecimento.
JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA explica com precisão o porquê desta
separação, valendo-se, para tanto, inclusive, do pensamento de LIEBMAN, ao dizer que:
A razão desta distinção decorreria da espécie de atividade jurisdicional
desenvolvida no processo. No processo de conhecimento, seriam realizadas
atividades cognitivas, de caráter lógico e ideal; no processo de execução
ocorreriam atividades práticas e materiais. Tal disparidade entre atividade
cognitiva e executiva justificaria, para a doutrina, a alocação de tais
atividades em processos distintos e “puros”, não sendo conveniente ante tal
diversidade, a realização, no processo de conhecimento, de atos executivos,
75
MARINONI, op. cit., p. 37.
56
ou, no processo de execução, de atos cognitivos voltados à verificação da
existência do direito material a ser tutelado
76
.
OVÍDIO BATISTA DA SILVA, bem retrata esta separação quase que
absoluta, procurada pela divisão clássica do processo em conhecimento e execução:
A justificação teórica para a formação do conceito moderno de Processo de
Conhecimento decorre, fundamentalmente, da necessidade de expurgá-lo de
toda e qualquer atividade executória, de modo que a relação processual
declaratória que lhe dá substância encerre-se com a prolação da sentença de
mérito, tal como dispõe o art. 463 do nosso Código de Processo Civil,
transferindo-se para a subseqüente – e autônoma – relação processual
executória toda a atividade jurisdicional posterior à decisão da causa”
77
.
Aqui, porém, necessário se faz mencionar que o artigo citado acima, teve
sua redação alterada pela Lei 11.232 de 22 de dezembro de 2005. Esta alteração, como
percebido através de uma análise perfunctória, buscou modernizar o sistema, adequando-o ao
que se espera do moderno processo civil, trazendo o sincretismo da tutela cognitiva e
executiva em vários casos, ante o teor dos novos artigos “475”, acompanhados dos já
existentes artigos 461, 461-A e 273, § 6º, do Código de Processo Civil.
Não cabe neste momento, maior consideração, acerca de referida mudança,
pois em momento oportuno, voltar-se-á ao tema, demonstrando a evolução do ordenamento
jurídico e o aumento de importância das decisões interlocutórias.
Voltando-se à questão da separação, entre processo de conhecimento e
processo de execução, verifica-se que esta classificação estanque das tutelas, criada sob os
auspícios do Estado Liberal, não atende o interesse dos jurisdicionados, vez que calcada em
uma situação fática e ideológica diversa da vivenciada nos dias atuais, confere, muitas vezes,
um provimento incapaz de proporcionar a satisfação do direito do vencedor.
76
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil: teoria geral : princípios fundamentais. 2ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004. p. 263
77
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: execução obrigacional, execução real e ações
mandamentais. Vol. 2. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1998, p. 21
57
Esta visão clássica, fortemente influenciada pelo liberalismo, não atendia ao
que LUIZ GUILHERME MARINONI chama de direito fundamental à efetiva tutela
jurisdicional. Para MARINONI, a fundamentação deste direito encontra-se no inciso XXXV,
do artigo 5º da Constituição Federal, que afirma que a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário, lesão ou ameaça a direito. Mas esse direito à prestação jurisdicional, não é
entendida como antigamente, com a mera prestação formal da tutela jurisdicional. Nos dias
atuais, não basta a mera solução do mérito, pois o direito fundamental a efetiva tutela
jurisdicional exige mais:
“A concepção de direito de ação como direito a sentença de mérito não
poderia ter vida muito longa, uma vez que o julgamento do mérito somente
tem importância – como deveria ser óbvio – se o direito material envolvido
no litígio for realizado – além de reconhecido pelo Estado-Juiz. Nesse
sentido, o direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos
meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que
significa direito à efetividade em sentido estrito”
78
.
JESUALDO EDUARDO DE ALMEIDA JUNIOR, também pauta-se no
direito fundamental à efetiva tutela jurisdicional, para que se atendam os reclames dos
jurisdicionados:
Ademais, o direito fundamental à efetiva tutela jurisdicional, pautada na
tempestividade e adequação do processo ao direito material, aliado à
constatação de que as situações em sociedade não são iguais, acarreta a
impossibilidade de tratamento processual uniforme aos conflitos sociais.
Com efeito, certas situações sociais merecem tratamento diferenciado: novas
formas de tutela
79
.
Diante das agruras suportadas pelos jurisdicionados, que tinham de
enfrentar um longo processo para ao final, alcançar um título executivo inócuo em si mesmo,
78
MARINONI, op. cit., 180.
79
ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. A terceira onda de reforma do Código de Processo Civil – Leis
11.232, de 22 de dezembro de 2005, 11.277 e 11.276, ambas de 07 de fevereiro de 2006. in Revista Jurídica.
Ano 54, nº 340, fevereiro de 2006. p. 71.
58
vez que dependente de uma nova relação jurídica processual, com nova citação, novas
oportunidades de defesa, novo pagamento de custas, as ondas reformistas, optaram
parcialmente pelo sincretismo das tutelas, mormente nos casos em que o direito material em
jogo necessitasse de uma proteção peculiar e mais intensa.
O sincretismo, aqui definido como “amálgama de doutrinas, idéias ou
concepções heterogêneas”
80
, no âmbito processual, busca permitir essa fusão de tutelas na
mesma relação jurídico processual, evitando com isso que a necessidade de se percorrer e
transpor todos os obstáculos da ordinarização do processo, acabe tornando imprestável ou
inatingível o objeto do processo, o bem da vida buscado.
Neste sentido, explicando a tendência atual à adoção do sincretismo das
tutelas, em oposição à separação clássica da atividade cognitiva e executória, tem-se a lição
de JESUALDO EDUARDO DE ALMEIDA JÚNIOR:
Contrapondo-se a essa concepção, há o sincretismo das tutelas processuais,
garantindo ao juiz e, por conseguinte, àquele que busca a tutela judicial que
se lhe defiram medidas executivas já no curso do processo de conhecimento,
de maneira muito mais ágil e eficiente
81
.
Exatamente diante deste quadro de superação, ainda que parcial, da divisão
entre processo de conhecimento e processo de execução, é que as decisões interlocutórias
necessitam serem analisadas, sob uma nova perspectiva, vez que são elas que permitem e
exteriorizam, na maioria das vezes, esta atuação fática e executiva no bojo do processo de
conhecimento, possuindo em diversas vezes uma carga de eficácia igual ou até superior a da
sentença de mérito.
O estudo evolutivo e a necessidade de uma nova visão das decisões
interlocutórias, exsurge da superação da clássica divisão das sentenças e do princípio nulla
80
XIMENES, Sérgio. Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p 861.
81
ALMEIDA JÚNIOR, loc, cit.
59
executio sine titulo, onde a questão levada ao Poder Judiciário deveria passar pelo longo e
lento caminho de acertamento da lide, obtida através do processo de conhecimento, o qual nas
palavras de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, deveria provocar uma suposta
formulação de uma norma jurídica concreta a ser aplicada naquele caso
82
. Somente após o
trânsito em julgado desta “norma jurídica concreta”, poderia se praticar atos aptos a produzir
alteração fática na situação das partes, isso já dentro de outra relação jurídico processual, qual
seja, o processo de execução.
Esse novo papel das decisões interlocutórias, é bem explicado por LUIZ
GUILHERME MARINONI, que inclui a decisão interlocutória, como uma das formas aptas a
tutela adequada dos direitos envolvidos:
Como a prestação efetiva da tutela jurisdicional depende do provimento
adequado, é claro que não há como se falar em direito à tutela sem pensar
em direito ao provimento que seja capaz de prestá-la. Antes de mais nada,
cabe esclarecer que, quando aludimos a provimento, estamos nos referindo à
decisão interlocutória e à sentença. Evitamos falar apenas em sentença em
razão do fato de que a decisão interlocutória (e não somente a sentença)
também deve assumir formas variadas para poder tutelar de maneira
adequada os direitos
83
.
Com esta lição, evidente a mudança de paradigma experimentada na
concepção clássica, de que a decisão interlocutória, somente teria a função de levar o processo
ao seu final, resolvendo apenas questões incidentes de cunho processual. Hoje, ninguém pode
negar, que as decisões interlocutórias são instrumento, quando necessário, de satisfação do
direito material pleiteado, merecendo, muitas vezes, o mesmo tratamento que uma sentença.
Frise-se que, nestes casos, a decisão interlocutória terá muito mais eficácia
que uma sentença declaratória ou condenatória, vez que estas não interferem diretamente e
por si só na esfera material, qual seja, de satisfação do direito.
82
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento.
Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 3.
83
MARINONI, op. cit., p. 210.
60
2.2. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E O PRINCÍPIO DA ORALIDADE
O princípio da oralidade, é muito mais amplo do que parece à primeira vista.
Não há em seu bojo apenas a aparente intenção de tornar predominante a prática oral dos atos
em detrimento da forma escrita. O maior defensor do princípio da oralidade foi
CHIOVENDA, que defendia que ante a importância e complexidade deste princípio, para sua
efetivação, necessária seria a presença de outros cinco (sub)princípios. Quem nos traz esta
lição de CHIOVENDA, é PAULO CAMARGO TEDESCO:
Tal modelo [da oralidade] tem como norte os ensinamentos de Chiovenda,
que, como maior arauto do princípio da oralidade, defendia que sua fiel
observância dependia do cumprimento de outros cinco princípios,
diretamente associados a ele: predominância da palavra falada, imediação do
juiz com as partes e provas, identidade física do juiz, concentração da causa
em período único e irrecorribilidade das decisões interlocutórias
84
.
Corolário do princípio da oralidade, é a busca da concentração dos atos
processuais, de forma mais ampla possível, em audiência. Elevado a termos absolutos e
radicais, o princípio da oralidade acabaria por extinguir do processo as decisões
interlocutórias. Isso claro, como já dito, dentro de um quadro extremo e que, no atual estágio
de evolução do processo moderno, se torna praticamente impossível. Para se chegar a tal
desiderato, necessário seria que toda a causa fosse apreciada em uma única audiência. Neste
sentido, a lição de OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA ao declarar que:
Se fosse praticamente possível a construção de um sistema processual que se
submetesse ao princípio da oralidade absoluta e radical – com seu
consectário lógico da concentração numa única audiência do inteiro
tratamento da causa – as decisões interlocutórias acabariam desaparecendo.
A freqüência com que elas aparecem, num determinado sistema processual,
aumenta na mesma proporção em que o sistema se afasta da oralidade e da
84
TEDESCO, Paulo Camargo. O agravo na Lei 11.187/2005 e o princípio da oralidade. In Aspectos Polêmicos
e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol. 9. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT,
2006. p. 417.
61
concentração e tende a tornar-se ordinário, com predomínio da escritura
sobre a comunicação oral
85
.
Porém, como ensina LUIZ GUILHERME MARINONI, por motivos vários,
infelizmente, o princípio da oralidade, dentro dos ensinamento de CHIOVENDA, acabou por
se dissipar:
Entretanto, o projeto de Chiovenda, ligado à oralidade, esvaziou-se tanto na
Itália como no Brasil. A falta de estrutura do Poder Judiciário para dar conta
das inúmeras causas apresentadas tornou impossível a concentração dos atos
processuais, enquanto a demora do processo trouxe grande dificuldade para a
implementação da identidade física, o que, por conseqüência lógica, reduziu
a quase zero o benefício que poderia ser trazido pela imediatidade. Tudo
isso, aliado à falta de percepção de que a imediatidade é fundamental ao
livre convencimento, acabou inviabilizando a oralidade
86
.
É nesta conjuntura que o princípio da oralidade deve ser analisado
atualmente. Não podemos defender e invocar o princípio da oralidade apenas quando falarmos
em irrecorribilidade das decisões interlocutórias. O sistema da oralidade é totalmente
concatenado. Se os demais sub-princípios não forem concretamente aplicados, a simples
irrecorribilidade das interlocutórias trará, sem dúvida, mais problemas do que soluções. E, no
sistema brasileiro, tal sistema claramente não é aplicado:
Na verdade, nenhum desses princípios funciona no processo moderno. A
imediação, que se destina a colocar o juiz em contato imediato com as partes
e com as testemunhas, não passa de “letra morta”, porque a grande maioria
dos juízes foge das partes e de seus advogados como “o capeta foge da
cruz”. O princípio da concentração que deveria determinar a prática de todos
os atos processuais numa assentada não funciona, porquanto o procedimento
é freqüentemente desdobrado em mais de uma audiência, sendo uma inicial
para a tentativa de conciliação e outras seqüenciais para tomada de
depoimentos das partes e das testemunhas, além das interrupções
determinadas por provas periciais que quebram o ritmo do processo. O
princípio da identidade física do juiz nunca foi observado em algumas
85
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Da sentença liminar à nulidade da sentença. Rio de Janeiro: Forense:
2001, p. 03.
86
MARINONI, op. cit., p. 142.
62
modalidades de processo, como o trabalhista e o penal, justo porque em vez
de acelerar retarda o procedimento, impondo a sua paralisação quando o juiz,
por exemplo, entra em gozo de férias individuais ou entra em gozo de algum
direito garantido pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Assim, não
seria o princípio da irrecorribilidade o único a funcionar, e, realmente, nunca
funcionou, porquanto a regra é a recorribilidade das decisões interlocutórias,
que, mesmo na esfera em que são irrecorríveis, como na Justiça do Trabalho
e nos Juizados Especiais Federais, vêm sendo impugnadas através de
mandado de segurança contra ato judicial [...]
87
.
Logo, deve-se aplicar o princípio da oralidade em sua totalidade, trazendo-
se coerência ao procedimento, sob pena de se criar situações extremamente indesejáveis. Ora,
a irrecorribilidade das interlocutórias aplica-se, por exemplo, porque existe o sub-princípio da
concentração. Ou seja, se o juiz, julgasse o feito sempre (ou pelo menos na maioria das
vezes), nas audiências de instrução e julgamento, a irrecorribilidade das interlocutórias teria
um fortíssimo argumento a seu favor. Mas isso não acontece.
Portanto, o princípio da oralidade, que teoricamente seria fator de celeridade
e economia processual, jamais foi aplicado integralmente, sendo um contra-senso aplicá-lo
apenas parcialmente.
2.3
CONCEITO
Uma análise profunda do conceito de decisão interlocutória pode parecer
desnecessária em um primeiro momento, pois a mesma está estampada de forma clara no
artigo 162, § 2º do Código de Processo Civil. Porém, não pode o jurista conformar-se com a
pura e isolada dicção legal.
A leitura de um conceito e a compreensão do instituto exige muito mais do
que a interpretação gramatical e isolada do parágrafo de um artigo, mormente se tratando do
87
CARREIRA ALVIM, J. E.; CABRAL, Luciana Gontijo Carreira Alvim. Nova Mexida nos Agravos Retido e
de Instrumento. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol. 9. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa
Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 277.
63
estudo das decisões interlocutórias, que possuem um papel cada vez mais relevante na
prestação da tutela jurisdicional.
ELIEZER ROSA ressalta a importância do estudo das decisões
interlocutórias, conforme nos informa TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER:
As decisões interlocutórias, nas palavras de Eliezer Rosa, “devem tornar-se
um tema de intensa e demorada pesquisa por parte dos estudiosos modernos
do processo civil, pois nelas está a mais intensa atuação dos legítimos
poderes do juiz, fazendo o processo caminhar na direção e realização de seu
escopo”; “elas são o tecido nervoso do processo
88
.
Tal importância, surge a partir da complexidade do sistema processual, cada
vez mais adaptado as necessidades da tutela do direito material. Está ruindo – conforme se
verifica nas várias etapas das reformas do Código de Processo Civil – a ordinarização
excessiva do procedimento. Para tutela de diferentes bens jurídicos necessários diferentes
procedimentos. Isto obriga que o processo sofra maior número de percalços em seu andar
devendo ser resolvidos por meio de pronunciamentos judiciais, que se consubstanciam em
decisões interlocutórias.
Poderia-se dizer, que as decisões interlocutórias são um mal necessário
dentro de um sistema processual, pois obviamente, a concentração de atos com ganho de
tempo e economia processual sempre foi um ideal a ser alcançado. Porém, apesar de ser fator
importante, a celeridade não é sinônimo de prestação jurisdicional eficaz, pois em seu nome
não podem ser sacrificados direitos elementares das partes, como o contraditório e a ampla
defesa.
O ideal seria que o processo se desenvolvesse sem nenhum percalço, desde a
petição inicial até a sentença, mas, infelizmente, isso é impossível,
porquanto a prática de um ato por uma das partes, contendo uma pretensão
ou alegação, importa na manifestação da parte contrária, em obediência ao
88
WAMBIER, op. cit., p. 102.
64
princípio do contraditório e da isonomia. Justo em função das manifestações
das partes cumpre ao juiz, igualmente, manifestar-se através de decisões
interlocutórias, assim chamadas porque são proferidas entre uma fala e outra
das partes (inter locutio)
89
.
Com as reformas legislativas, principalmente a partir de 1994, quando o
artigo 273 do Código de Processo Civil passou a regular a antecipação dos efeitos da
sentença, a dicção do artigo 162, §2º passou a ter um significado mais abrangente,
aumentando de forma radical a importância das decisões interlocutórias no processo.
Antes restritas a questões incidentes no processo, não interferindo
diretamente no mérito da demanda, salvo exceções expressas no ordenamento jurídico,
passaram a interlocutórias a interferir no mérito da demanda, com eficácia muitas vezes
superior a da sentença proferida em primeiro grau, por exemplo.
Essa decisão interlocutória (antecipação dos efeitos da tutela), além de
possuir eficácia imediata, e meios executivos eficazes, em diversas oportunidades acaba
produzindo efeitos práticos irreversíveis. Basta pensar-se no caso de uma antecipação dos
efeitos da sentença, em um caso em que um médico solicite autorização judicial para realizar
transfusão de sangue em um menor, cujos pais, por motivos religiosos, não aceitem tal
procedimento. Uma vez deferida a tutela antecipada e realizado a transfusão, os efeitos
práticos, oriundos de tal tutela antecipada, serão irreversíveis.
Assim, o conceito legal de decisão interlocutória não foi alterado, mas
dentro de uma interpretação sistemática do direito, não se pode ver referido instituto como
aquele pensado pelo legislador de 1973. Neste sentido as palavras de TERESA ARRUDA
ALVIM WAMBIER chamam a atenção:
Chamamos a atenção, ainda, para o fato de que a decisão interlocutória, tal
como concebida inicialmente pelo CPC/1973, relacionava-se apenas às
89
CARREIRA ALVIM, op. cit., p. 276.
65
questões “incidentes” (CPC, art. 162, § 2º), isto é, como afirmava a doutrina
citada acima, eram desligadas do julgamento do mérito, que deveria ocorrer
apenas com a sentença “final”. Modernamente, embora inalterada a redação
do artigo 162, § 2º, do Código, pode-se dizer que há interlocutórias que
dizem respeito ao mérito. Quando o juiz profere decisão antecipando efeitos
da tutela (CPC, art. 273), realiza, às vezes, exaurientemente, o direito
afirmado pelo autor.[...] Não se exclui até mesmo que, em alguns casos,
excepcionalmente, a decisão interlocutória conduza a um estado fático e
jurídico irreversível, a despeito do que estabelece o art. 273, § 2º, do CPC
90
.
É plenamente possível existir no sistema processual, decisões interlocutórias
que contenham um conteúdo definitivo, inclusive capazes de gerar, per si, a coisa julgada
quanto a matéria que abordam, sendo o caso, por exemplo, das que decidem ações incidentes
de forma definitiva. Trata-se, ainda assim, de decisão interlocutória e, não de sentença, porque
continua a relação processual em relação ao capítulo não decidido
91
.
Inclusive, no que concerne ao estabelecimento da definitividade da tutela
antecipada em alguns casos, existe um projeto de lei tramitando junto ao Congresso Nacional,
mais precisamente no Senado Federal, sob o nº 186/2005, que visa exatamente permitir a
chamada “estabilização” da tutela antecipada. Na exposição de motivos do projeto, assim
pronunciou-se o Senador ANTERO PAES DE BARROS:
Elaborada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), e a nós
encaminhada por sua presidenta, Professora Ada Pellegrini Grinover, a
proposta de estabilização da tutela antecipada procura, em síntese, tornar
definitivo e suficiente o comando estabelecido por ocasião da decisão
antecipatória. Não importa se se trata de antecipação total ou parcial. O que
se pretende, por razões eminentemente pragmáticas - mas não destituídas de
embasamento teórico - é deixar que as próprias partes decidam sobre a
conveniência, ou não, da instauração ou do prosseguimento da demanda e
sua definição em termos tradicionais, com atividades instrutórias das partes,
cognição plena e exauriente do juiz e a correspondente sentença de mérito
92
.
90
WAMBIER, op. cit., p. 103.
91
ARAÚJO, op. cit., p. 206.
92
BARROS, Antero Paes de. Projeto de Lei do Senado. Disponível em http://www.senado.gov.br. Acesso em 19
de janeiro de 2007 às 15h00min.
66
Diante das constantes reformas do Código de Processo Civil, pode-se
afirmar que hoje temos um novo processo e, conseqüentemente uma nova decisão
interlocutória, muito mais importante e ativa, atingindo não mais o simples andamento do
processo, mas também o próprio direito material discutido, sendo apta a gerar modificações
fáticas, uma força que até bem pouco tempo atrás, sequer a sentença definitiva de eficácia
condenatória possuía.
Novamente TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, sintetiza tal mudança
de importância, vez que:
As decisões interlocutórias, assim, desempenham atualmente papel muito
mais relevantes no ordenamento processual civil: além de resolverem toda
sorte de questões processuais, através de tais decisões pode-se realizar aquilo
que, ordinariamente, só se realizaria após a prolação da sentença final
93
.
Ainda, em virtude da valorização das decisões interlocutórias no moderno
processo civil, surgiram institutos que não podiam (ou não podem) ser classificados dentro
dos conceitos legais de sentença, decisão interlocutória ou despacho. Exemplo clássico é o
previsto no artigo 273, § 6º, do Código de Processo Civil, cuja redação foi dada pela Lei
10.444 de 7 de maio de 2002. Referido dispositivo permite ao juiz antecipar os efeitos da
tutela jurisdicional quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcelas deles, mostrar-se
incontroverso.
Pelo sistema clássico, seria vedado pelo Código de Processo Civil esse
“parcelamento” do provimento jurisdicional final, por suposta violação ao princípio da
unidade e unicidade do julgamento. Esta é a lição de LUIZ GUILHERME MARINONI, que
nos explica que tais princípios foram adotados pela intenção do legislador, de prestigiar o
princípio da oralidade.
93
WAMBIER, op. cit., p. 103/104.
67
Obviamente, ante o princípio da concentração, que como já vimos, é um dos
cinco (sub)princípios da oralidade, concentrando-se o procedimento, a matéria poderia ser
resolvida de uma única vez. Mas, como o princípio da oralidade não pode, por problemas de
falta de infraestrutura, ser aplicado plenamente no sistema processual brasileiro, a
unidade/unicidade do julgamento, perdeu seu objetivo. Inobstante, continua para os clássicos,
como que intocado:
Ainda que o abandono da oralidade deva ser lamentada, não é racional
manter intocado um princípio (o da sentença única) que pressupunha o seu
funcionamento. A idéia de julgamento de todo o mérito em um único
momento parte da premissa de que a instrução e o julgamento são
simultâneos, e assim que o julgador teve contado direto com as partes e
testemunhas. Tal idéia, porém, não pode ser associada com a simples
falência da oralidade, mas também com o agravamento da lentidão do
processo civil, com o incentivo, a partir do princípio da economia
processual, à cumulação de pedidos, e ainda com as novas situações de
direito substancial
94
.
Diante deste quadro, visando conferir maior efetividade a tutela
jurisdicional, criou-se a hipótese do § 6º, do artigo 273 do Código de Processo Civil.
Adotando-se o conceito de sentença, estampado na redação originária do artigo 162, § 1º, do
Código de Processo Civil, ou ainda analisando-se a redação do § 2º do referido artigo, chega-
se a um impasse: trata-se, referida decisão, de uma sentença ou de uma decisão interlocutória?
Certo é que referida decisão não põe fim ao processo, pelo menos em sua totalidade, vez que a
causa será, se necessário, instruída e julgada posteriormente, não sendo referida “antecipação
de tutela”, o ato a encerrar o processo.
Porém, de igual forma, referida decisão não pode ser classificada
gramaticalmente como decisão interlocutória, vez que a questão resolvida não é incidente,
mas sim, verdadeiro julgamento antecipado parcial da lide, pois ante a incontrovérsia do
94
MARINONI, op. cit.,. 143.
68
pedido, este será julgado em definitivo. Não se trata, na verdade, sequer de antecipação de
tutela, pois tal provimento exige “certeza”, e não exige o periculum in mora.
Tal exemplo é salutar para demonstrar a dificuldade de se tentar adaptar os
modernos institutos e normas processuais, a conceituações legais antigas e ultrapassadas.
Acabam por se criar, na verdade, inúmeros problemas, consubstanciados em uma cadeia
sucessiva de exceções à regra originária.
O problema da redação do artigo 273, § 6º, do Código de Processo Civil fica
ainda mais grave, se levado em consideração à nova redação do artigo 162, § 1º, do citado
diploma legal. Conforme já explanado no item 1.5.1. (DA SENTENÇA), a Lei 11.232 de 22
de dezembro de 2005 modificou o conceito de sentença, deslocando do seu núcleo a posição
do ato no processo (por fim ao processo), para valorizar o conteúdo do pronunciamento
judicial (ato que implica em uma das situações elencadas nos artigos 267 e 269 do Código de
Processo Civil).
Assim, se o juiz valendo-se do poder que lhe é outorgado pelo artigo 273, §
6º, do Código de Processo Civil, julgar a parte incontroversa da lide, por exemplo, acolhendo
o pedido, estará sem dúvida incidindo no disposto no inciso I do artigo 269 do Código de
Processo Civil. Logo, estará, indubitavelmente proferindo uma sentença, ainda que parcial.
CHIOVENDA, citado por OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, já tratava
desta espécie de decisão como sentença, corroborando o entendimento acima esposado:
Escreve, porém, Chiovenda: “Sentença definitiva, no conceito romano e na
lógica processual, é a sentença que se pronuncia sobre a demanda judicial,
acolhendo-a ou rejeitando-a, ou declarando não poder decidir sobre ela, ou
seja, o ato por meio do qual o juiz satisfaz (sem grifo no original) a prestação
que lhe cumpre” (op. et. loc. cits.). A partir deste conceito, diz o jurista,
deve-se concluir que todas as outras decisões, como quer que se denominem,
e qualquer que seja o ponto que resolvam, atinente seja ao processo seja ao
mérito, definitivas não serão. Porém – e neste ponto da lição de Chiovenda
encontra-se a questão que nos interessa: “reconhece-se ainda que, se a
prestação principal do juiz pode satisfazer-se (novamente grifamos) em
vários momentos, como na hipótese de cumulação de ações, toda sentença
69
que se pronuncia sobre uma das demandas, ou sobre parte da demanda, é
definitiva conquanto parcial
95
.
Partindo deste pressuposto, que se diga de passagem, parece ser o correto,
tem-se uma gama de problemas de ordem procedimental. Qual o recurso cabível desta
decisão? Interposto o recurso, como este será processado? Como se processará a execução
desta parte incontroversa da demanda, se os demais pedidos terão que seguir as etapas
procedimentais?
Em virtude de problemas criados pela constante evolução do processo civil,
é que não se pode considerar decisão interlocutória como decisão que julga decisão incidente,
aqui considerada como contraposta ao mérito. Esta situação se agravará ainda mais com a
evolução das teorias que defendem a chamada estabilização da tutela antecipada, a qual
inclusive, como já dito alhures, é objeto de projeto de lei em tramite perante o Senado
Federal.
Levantando-se em conta a problemática acima exposta necessário se faz,
abandonar o que OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA chamou de “perspectiva do Direito
medieval” sobre decisão interlocutória e sentença:
Entretanto, mesmo na perspectiva do Direito medieval, em que se busca
aproximar conceitualmente as interlocutórias das sentenças, permanece
suficientemente demarcada a linha de competência de cada uma destas duas
classes de ato jurisdicional: a sentença tem por objeto a definição da questão
principal, ou seja, a resolução da questão de mérito; as interlocutórias não
decidem sobre o principal, mas apenas sobre questões incidentes
96
.
Cristalino que tal concepção não se aplica nos dias atuais, vez que a
proliferação de provimentos jurisdicionais calcados em cognição sumária, principalmente a
95
SILVA, op. cit., p. 08.
96
Ibid., p. 06.
70
partir de 1994, transformaram a realidade, em que pese inexistir uma alteração no conceito
legal.
Abandonando a interpretação meramente gramatical do conceito legal,
pode-se chegar a um conceito de decisão interlocutória mais próximo das necessidades do
atual processo civil. Para isto, é necessário que se abarque no conceito de decisão
interlocutória, não apenas as decisões incidentes do processo, como por exemplo, as que
deferem ou indeferem a produção de prova, mas também aquelas decisões que embora não
encerrem a atividade jurisdicional de primeiro grau, abordem o próprio mérito da demanda.
Para melhor esclarecer tal situação, interessantes as palavras de ORESTE
NESTOR DE SOUZA LASPRO, citado por TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER:
Exatamente neste sentido, Oreste Nestor de Souza Laspro alude a que o
agravo em uma de suas modalidades é recurso que cabe contra as decisões
interlocutórias de 1ª instância, entendidas estas como as que não põem termo
ao processo, resolvendo incidentes que surgem em seu curso e que devem
ser superados para que seja proferida uma decisão final, e contra sentenças
que colocam termo a demandas cumuladas, como, por exemplo, no caso do
julgamento da reconvenção e prosseguimento da ação principal
97
.
Tais observações foram escritas à luz da redação originária do § 1º do artigo
162 do Código de Processo Civil. Porém, com a nova redação do aludido dispositivo legal
parece que na essência, a conceituação supracitada é válida, porém ainda lacunosa.
Volta-se aqui a utilizar-se do § 6º do artigo 273 do Código de Processo
Civil, dispositivo legal que servirá de fator de problematização e comparação em diversos
momentos no presente estudo, pois ante as suas peculiaridades, torna-se a expressão clara de
necessidade de mudança conceitual, no que concerne aos pronunciamentos judiciais.
Se a “antecipação da tutela”, da parte incontroversa da demanda, é na
verdade a rejeição ou acolhimento definitivo da pretensão do Autor, inegável que a hipótese
97
WAMBIER, op. cit., p. 108/109.
71
esteja elencada no artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil, sendo, portanto, sentença.
Agora, sequer o óbice de não por termo ao processo existe, ante a alteração legislativa já
comentada.
Se mesmo antes da entrada em vigor da nova redação do artigo 162, § 1º, a
natureza de sentença do § 6º, do artigo 273 já era propalada pela doutrina, agora, tal questão
parece inquestionável:
Há pronunciamentos judiciais que, embora proferidos no curso do
processo, têm por conteúdo um dos incisos dos arts. 267 e 269 do
CPC. É o que ocorre, por exemplo, quando o juiz afasta um dos
autores do processo, em razão da prescrição de seu direito, ou indefere
a petição inicial em relação a um dos réus, em virtude da ilegitimidade
passiva ad causam deste. Semelhantemente, é o que ocorre quando o
juiz julga uma das ações cumuladas, determinando o prosseguimento
da demanda quanto à outra (cf. CPC, art. 273, § 6º, referido acima).
Em tais situações, o pronunciamento judicial pode ter conteúdo de
sentença, mas assim não será considerado, para fins de recorribilidade.
É que, em casos como os ora exemplificados, será necessário que o
procedimento continue, para que o juiz examine os pedidos – rectius,
as ações – que ainda não foram julgados e, por tal razão, os autos
devem permanecer perante o juízo de primeiro grau
98
.
Este problema conceitual, necessita de uma urgente solução para que se
possa sistematizar e tornar coerente o sistema recursal civil. Porém, ou referida mudança se
opera de forma profunda e racional, repensando a atual importância das decisões
interlocutórias dentro do moderno processo civil, ou se estará apenas remendando uma
codificação antiga, sendo que referido remendo, com certeza, não passará incólume às novas
alterações que, com certeza já despontam, por exemplo, através o projeto de lei que pretende
tornar definitivo e suficiente o comando deferido através de decisão interlocutória nos casos
de antecipação de tutela.
98
Ibid.,. p. 112.
72
Para resolver o problema, por exemplo, do artigo 273, § 6º do Código de
Processo Civil necessária se faria, ou a declaração expressa de que a sentença ali estipulada é
recorrível através de agravo de instrumento, criando exceção a regra, ou a necessidade de
modificação no procedimento, permitindo a interposição de apelação desta sentença, com
formação de autos apartados para remessa a superior instância, o que não seria recomendável,
visto que:
Assim, mesmo nos casos em que o pronunciamento judicial tem conteúdo
encartável em uma das hipóteses referidas nos arts. 267 e 269 do CPC, não
será cabível apelação, se parte do objeto do processo ainda depender de
julgamento. A apelação somente será admissível se o pronunciamento
jurisdicional, conquanto fundado no art. 267 ou no art. 269 do CPC, tiver
esgotado a atividade cognitiva que deveria ter-se realizado perante o juízo de
primeira instância, seja porque não há mais mérito a ser julgado, seja porque
o mérito não pode ser julgado. Em casos como os ora analisados, se estará
diante de uma sentença que, excepcionalmente, poderá ser objeto de agravo.
A fragmentação da causa, com a admissibilidade de apelação contra cada
uma das sentenças “parciais” proferidas ao longo do processo antes da
sentença “final”, com a conseqüente paralisação do procedimento, se
admitida, protrairia a resolução integral da lide, o que não é desejável, e
contraria a finalidade do processo, que é a resolução integral e o mais rápido
possível da lide
99
.
Portanto, a reformulação do conceito legal de decisão interlocutória é
medida que se impõe, excluindo-se a idéia de pronunciamento que resolve questão incidente,
de modo a abarcar-se em seu bojo as situações em que o mérito da demanda, é decidido de
forma parcial, nos casos de cumulação de demandas, bem como nos casos sui generis criados
pelo legislador para atender os modernos anseios do processo civil.
Obviamente, tal espécie de reformulação acabaria por ocasionar uma nova
mudança do conceito de sentença, a qual necessitaria ser conceituada como o pronunciamento
judicial que, implicando nas situações previstas nos artigos 267 e 269 do Código de Processo
Civil, viesse a julgar a integralidade das demandas, ou de todas as que remanesceram após o
99
Ibid., p. 113.
73
encerramento da instrução processual. Os demais pronunciamentos judiciais com carga
decisória seriam, obrigatoriamente, decisões interlocutórias.
Dentro deste sistema, a conceituação trazida por FLÁVIO BUONADUCE
BORGES deve ser vista com as devidas ressalvas: “Sendo assim, a decisão interlocutória é
todo e qualquer pronunciamento judicial proferido no curso do processo, decidindo sobre
variados assuntos que não a questão de fundo, e que não encerre o processo”
100
.
Isto porque já ficou explícito e devidamente exemplificado que, atualmente,
não raras vezes, o teor da decisão interlocutória atinge sim a chamada questão de fundo,
muitas vezes com eficácia inclusive maior que a própria sentença.
Já LUÍS HENRIQUE BARBANTE FRANZÉ conceitua decisão
interlocutória como sendo: “o pronunciamento judicial fundamentado, relativo ao ponto
meramente duvidoso, sem pôr termo ao processo, no intuito de determinar a tramitação dele,
até que seja possível a entrega da tutela jurisdicional”
101
.
Obviamente tal conceito é restritivo e não atende o atual estágio de evolução
do direito processual civil, sendo certo que, de longa data, as decisões interlocutórias
deixaram de simplesmente ser responsáveis pelo trâmite do processo, outorgando, muitas
vezes, a própria tutela jurisdicional pleiteada, mesmo que de forma provisória.
Poderia o legislador orientar-se então, pelo mesmo critério utilizado para a
elaboração do conceito de sentença, com base no conteúdo do provimento, no caso brasileiro,
com base nos arts. 267 e 269. JEFFERSON CARÚS GUEDES assim se expressa:
[...] poder-se-ia definir a decisão interlocutória como a resolução judicial de
ímpeto decisório apenas parcial, não inserida nos casos dos arts. 267 e 269
100
BORGES, Flávio Buonaduce. Meios de impugnação dos atos judiciais no direito processual brasileiro: o
recurso de agravo na sistemática processual brasileira. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis.
Vol.9. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 184.
101
FRANZÉ, Luís Henrique Barbante. Agravo frente aos pronunciamentos de primeiro grau no processo civil. 4ª
ed. Curitiba: Juruá, 2006. p.43.
74
do CPC, porquanto esta última (sentença) tem em seu conteúdo a solução
total/global do pedido ou equivalente material
102
.
Não difere de tal conceituação, em essência, a lição de CÂNDIDO
RANGEL DINAMARCO, em que pese sua obra seja anterior a reforma do conceito de
sentença, sendo que, ao que parece, o antigo conceito foi determinante para o autor: “Dizem-
se decisões interlocutórias os provimentos com que o juiz, no curso do processo e sem pôr fim
a ele, decide sobre matérias de interesse do processo e sobre certos pedidos e requerimentos
das partes”
103
.
Em suma, no que concerne aos conceitos dos pronunciamentos judiciais, ou
o legislador abandona a técnica de conceituação legal, deixando este trabalho para a doutrina
que é mais dinâmica, ou procede uma profunda reformulação neste instante, mesmo ciente de
que, em breve, com novas técnicas e modificações do sistema processual o eventual novo
conceito também será superado.
2.4.
DIFERENCIAÇÃO ENTRE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E DESPACHO
No item 1.5.3 foi procedida, em breves linhas, a discussão dos contornos
básicos dos pronunciamentos judiciais, classificados como despachos. Porém agora, dentro da
análise das decisões interlocutórias, faz-se necessário observar o que diferencia essas duas
espécies de pronunciamentos judiciais.
Sem dúvida a missão é árdua, ante a existência de uma linha por demais
tênue a separar os institutos, sendo que as situações limítrofes entre uma e outra situação não
são facilmente identificáveis, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência.
102
GUEDES, Jefferson Carús. Recursos retidos e a “aplicação” dos subprincípios da oralidade. In Aspectos
Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei 10.352/2001. Vol. 5. Coord. Nelson Nery Jr. e
Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 302.
103
DINAMARCO, op. cit., p. 490.
75
Para solucionar este impasse, necessário a descoberta de elementos técnicos
aptos a auxiliar nesta busca. Dentre estes, o primeiro critério, que poderia ser utilizado seria a
terminologia legal adotada, sendo decisão interlocutória e despacho, o que a lei declarasse
como tal. Contudo, conforme já analisado, o legislador cai em muitas oportunidades em
imprecisão terminológica, chamando de sentença e de despacho o que na realidade é decisão
interlocutória. No primeiro caso tem-se como exemplo o artigo 761, do Código de Processo
Civil. Já exemplo do segundo caso são os artigos 338 e 930, parágrafo único do Código de
Processo Civil.
Logo, o critério de interpretação gramatical dos dispositivos legais não é
seguro para a correta diferenciação entre os pronunciamentos judiciais.
Um critério interessante que vem sendo adotado pela doutrina e pela
jurisprudência é a verificação do potencial de prejudicialidade da decisão.
Interessantes os exemplos de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER
sobre as peculiaridades que tornam um mesmo pronunciamento judicial, ora recorrível ora
irrecorrível, segundo o critério da prejudicialidade:
Veja-se, por exemplo, o pronunciamento que manda juntar um rol de
testemunhas. Era indubitavelmente um despacho. Como este ato está entre
os meramente ordinatórios, hoje pode ser determinada, essa juntada, pelo
cartorário. Se, entretanto, já tinha ocorrido preclusão, a outra parte seria
prejudicada, tornando-se, por isso, recorrível o pronunciamento. O mesmo se
diga quanto ao pronunciamento em que se adia uma audiência. Causando
prejuízo, dele se podia recorrer.
104
LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA também adota a questão da
prejudicialidade como parâmetro de recorribilidade ou não de um despacho ao dizer que:
“Significa, então, que o agravo de instrumento contra despacho de mero expediente depende
104
WAMBIER, op. cit., p. 126.
76
da presença de prejuízo. Em outras palavras, o prejuízo desponta, nesse caso, como requisito
de admissibilidade para o agravo”
105
.
Pode-se observar, portanto, que a existência da chamada “zona cinzenta” é
algo concreto e factual. Isto porque, apesar da característica marcante dos despachos ser a
ausência de decisão, inegavelmente, tal fato, em termos absolutos, nunca se concretiza. Ora,
se como acima se comentou existem atos que pela faculdade atribuída ao juiz, pode se falar
em despachos com conteúdo, mesmo que reduzido, decisório, e, portanto, apto a gerar
prejuízo a parte, como se sustentar a irrecorribilidade absoluta de tais despachos? E se,
adotando-se a tese da existência de conteúdo decisório no despacho, admitir-se a sua
recorribilidade, qual o recurso cabível? E, ainda, neste caso o suposto despacho não teria se
transmudado em uma decisão interlocutória?
A questão é polêmica. Uma solução apontada pela doutrina seria a de que os
despachos não seriam recorríveis, mas seriam aptos a gerarem incidentes. Tais incidentes
teriam de ser questionados junto ao magistrado que, para resolvê-los, proferiria uma decisão
interlocutória:
Segundo alguns autores, os despachos, apesar de irrecorríveis, podem gerar
incidentes, passíveis de serem resolvidos por decisões interlocutórias, sendo
estas agraváveis. Pense-se na hipótese de o cartório juntar aos autos um
documento, sendo este ato confirmado pelo juiz. A parte se opõe, através de
um pedido de reconsideração, e pede o desentranhamento deste documento.
Segundo alguns autores, o primeiro pronunciamento do juiz não seria
agravável, pois seria um despacho. Nesta linha de raciocínio, então, não se
deve dizer que o pedido de reconsideração teria suspendido o prazo do
recurso para este primeiro pronunciamento, porque este era irrecorrível. Só
teria passado a caber agravo da decisão que resolveu a questão surgida com
o despacho, ou seja, da decisão em que o juiz se nega a ordenar que se
desentranhe dos autos o documento
106
.
105
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Evoluções e involuções do agravo. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos
Recursos Cíveis. Vol. 9. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 294.
106
106
WAMBIER, op. cit., p. 128.
77
Este entendimento, provavelmente resolveria a maior parte dos problemas
gerados por despachos equivocados. Primeiramente porque, no caso de ter sido proferido pelo
serventuário da justiça, nos termos do § 4º, do artigo 162, do Código de Processo Civil, a
parte questionaria o teor do despacho ao juiz que confirmaria ou não o ato. Tal confirmação
deveria ser fundamentada, pois teria de responder a indagação da parte que se sentiu
prejudicada.
Confirmando o juiz o ato, e, refutando os argumentos da parte, estaria na
verdade resolvendo o incidente criado pelo despacho, através de uma decisão interlocutória,
esta sim recorrível. Isto também porque o pronunciamento judicial que contenha conteúdo
decisório, por menor que este seja, deve, por força constitucional, ser obrigatoriamente
fundamentado. Infere-se da citação abaixo transcrita, que este parece ser o entendimento de
NELSON NERY JUNIOR:
Em primeiro lugar, cumpre-nos observar que, no direito processual civil
brasileiro, somente os atos do juiz são passíveis de recurso. Os atos
processuais das partes, do Ministério Público, bem como dos auxiliares do
juízo (escrevente, oficial de justiça, perito, entre outros), são insuscetíveis de
recurso. Isto porque, entre nós, não têm conteúdo decisório capaz de causar
gravame às partes, já que sofrem controle do juiz
107
.
Mas, tal entendimento, dentro do sistema de preclusões, é perigoso, pois o
posicionamento em sentido contrário do julgador poderá ocasionar a declaração da
intempestividade do recurso, ante a ausência de interrupção/suspensão do prazo recursal pelo
protocolo do pedido de reconsideração.
NELSON NERY JUNIOR em sua clássica obra Teoria Geral dos Recursos,
estabelece critério que teoricamente é simples e correto, mas que não ajuda a resolver todos os
problemas práticos criados pela confusão, muitas vezes ocorrida, entre um despacho e uma
decisão interlocutória. Afirma o autor que:
107
NERY JUNIOR, op. cit,, p. 234.
78
[Despachos] São atos destinados a dar andamento ao processo, não
possuindo nenhum conteúdo decisório. Se contiver nele um tema decisório
capaz de causar gravame ou prejuízo à parte ou ao interessado, não será
despacho mas sim decisão interlocutória
108
.
Adotando-se tal entendimento e considerando que somente os despachos
errados ou equivocados, geralmente têm o condão de gerar prejuízo, chegaríamos à conclusão,
que os despachos equivocados se transmudam em decisões interlocutórias.
Outros doutrinadores preferem, ante a dificuldade de se conceituar um
pronunciamento judicial que não tenha marcante conteúdo decisório, mas que possa causar
prejuízo a parte, afirmar a natureza híbrida de tais pronunciamentos:
Temos para nós que os pronunciamentos jurisdicionais desprovidos de
conteúdo decisório relevante, mas que eventualmente causam prejuízo – até
mesmo pelo contexto em que são proferidos -, são híbridos de despacho –
porque não possuem caráter decisório – e de decisão interlocutória – porque
causam prejuízo -, desafiando agravo e embargos de declaração. É o que
acontece, por exemplo, com a decisão pela qual o juiz ordena a citação na
execução
109
.
Em suma, apenas uma mudança no próprio conceito de despacho, ligando-o
a ausência de conteúdo decisório marcante e ausência de potencialmente causar prejuízos,
poderia resolver o problema. Enquanto isso, mesmo ao arrepio da legislação, há de se admitir
a interposição de recurso contra os despachos aptos a causar prejuízos, como ensina TERESA
ARRUDA ALVIM WAMBIER, sendo cabível, neste caso, o agravo:
Entretanto, um despacho incorreto, ainda que de mero expediente, proferido
em desconformidade com a lei, embora, em nosso sentir, não se transmude
em decisão interlocutória, passa a ser um pronunciamento recorrível, porque
108
Ibid., p. 236.
109
NEVES, op. cit., p. 345
79
capaz de gerar prejuízo. Deve a parte provocar o juiz e, se este confirmar o
ato do serventuário da justiça, recorrer
110
.
Portanto, como já vimos, no que concerne à sentença e a decisão
interlocutória, também nos despachos, necessária se faz uma readaptação do conceito legal.
2.5. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E AÇÃO RESCISÓRIA
A interpretação literal do artigo 162 do Código de Processo Civil pode
trazer sérios problemas ao operador do direito menos consciente da necessidade de uma
interpretação sistemática do direito e das evoluções constantes que assolam o processo civil.
Tal situação ocorreria, por exemplo, para a verificação de cabimento de
ação rescisória em determinados pronunciamentos judiciais. Na dicção pura e simples do
artigo 485 do Código de Processo Civil, está estampado de forma clara e insofismável que
poderá ser rescindida, nas hipóteses elencadas nos incisos I à IX, a sentença de mérito,
transitada em julgado. Todos os demais artigos constantes do Livro I, Título IX, Capítulo IV,
do Código de Processo Civil repetem a expressão sentença, não contemplando, a princípio,
outros pronunciamentos judiciais.
Logo, proferido pronunciamento do juiz de primeiro grau, “antecipando a
tutela” nos termos do artigo 273, § 6º, do Código de Processo Civil, este seria recorrível
através de agravo de instrumento, ou seja, através do recurso cabível para impugnar decisões
interlocutórias. No caso de improvimento do agravo ou ainda, no caso de não interposição
deste, a decisão se tornaria definitiva. Como já dito alhures, referida decisão seria uma
sentença parcial, proferida como se decisão interlocutória fosse.
110
WAMBIER, op. cit., p. 636.
80
Diante deste quadro, no caso de posterior ciência por parte do Réu, de que
aquela decisão havia sido proferida por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (art.
485, I, do CPC), qual o remédio a ser adotado?
De uma leitura isolada do artigo 162, § 2º e do artigo 485, ambos do Código
de Processo Civil, a resposta seria pela impossibilidade de manejo da ação rescisória, cabendo
apenas a rescisão como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil, a teor do artigo 486
do CPC.
Porém, obviamente esta não é a melhor interpretação. O pronunciamento a
ser rescindido no caso em tela, tem conteúdo de sentença, embora para as questões de
recorribilidade seja considerado como uma decisão interlocutória. Assim, no caso em tela,
seria cabível a ação rescisória:
Assim, é cabível ação rescisória contra a decisão que tenha conteúdo de
sentença de mérito, mesmo que veiculada através de pronunciamento que,
por não ter esgotado a atividade jurisdicional cognitiva, seja suscetível de ser
impugnado por agravo de instrumento
111
.
Eis mais um exemplo de que as modificações no processo civil,
transformaram as decisões interlocutórias, atribuindo-lhes grande importância.
111
Ibid., p. 114.
81
3 RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
3.1 PROBLEMÁTICA
A questão da recorribilidade das decisões interlocutórias, tem sido apontada
como um dos problemas nevrálgicos do Poder Judiciário. Na prática forense, os operadores do
direito têm anunciado um crescimento desenfreado da interposição de agravos de instrumento,
fato que estaria sobrecarregando os órgãos jurisdicionais, principalmente os Tribunais,
levando a uma demora crescente na solução final das lides, em que pese a ausência de dados
estatísticos oficiais sobre tal fenômeno.
Prova de que a recorribilidade e a forma de recorribilidade das decisões
interlocutórias, é um problema que aflige os operadores do direito através dos séculos, se dá,
por exemplo, com a proposta de NELSON NERY JUNIOR, de elencar como um dos
princípios fundamentais dos recursos civis o “princípio da irrecorribilidade em separado das
decisões interlocutórias”. Porém, diferentemente do que pode sugerir tal título, a
irrecorribilidade não se dá em sentido amplo, mas mesmo assim não deixa de demonstrar
como o tratamento da recorribilidade das decisões interlocutórias é importante, uma vez que:
Segundo esse princípio, as decisões interlocutórias não são impugnáveis de
maneira tal a paralisar todo o curso do procedimento. Sua impugnação dá-se
de maneira racional, observando os princípios da concentração dos atos
processuais e da economia processual. Sua definição não é, como pode a
primeira vista parecer, a irrecorribilidade das interlocutórias em sentido
amplo. [...] O que define a questão é a locução em separado, que significa
impugnação com a suspensão do processo. Em outras palavras, o que se
pretende evitar com a adoção do princípio da irrecorribilidade em separado
82
das interlocutórias é que se confira efeito suspensivo ao recurso previsto para
atacá-las
112
.
Não se pode negar que o sistema recursal brasileiro sempre prestigiou e
continua a prestigiar este sistema, não conferindo efeito suspensivo ao recurso de agravo,
salvo raríssimas exceções. Logo, a violação do princípio ora em comento, não é fator para
justificar as reformas constantes sobre o agravo.
A prova cabal de que o legislador atribui ao agravo a responsabilidade por
grande parte das mazelas do Judiciário, está traduzida na voracidade do Poder Legislativo, ao
tratar a matéria, com profundas alterações nas três últimas grandes reformas processuais (Lei
9.139 de 30 de novembro de 1995, Lei 10.352 de 26 de dezembro de 2001 e Lei 11.187 de 19
de outubro de 2005). Neste sentido, comentando a última destas reformas, assim manifestou-
se HEITOR VITOR MENDONÇA SICA:
Mais uma vez o recurso de agravo sofre investida do legislador reformista.
Não bastasse sua disciplina ter sido profundamente alterada nas duas ondas
de reforma do Código de Processo Civil já operadas (a primeira, de 1994 a
1995, por meio da Lei 9.139/1995, e a segunda de 2001 a 2002, pela Lei
10.352/2001), a terceira onde de reformas processuais se inicia justamente
com novas alterações nos arts. 522 a 527 do CPC
113
.
Todas estas alterações, contudo, são fruto de um movimento maior, que
culpa o sistema recursal em sentido lato pelas mais graves mazelas do Poder Judiciário, em
especial no que se refere ao dano marginal criado aos litigantes. Para ilustrar esta afirmação,
importante observar a constatação de LUIZ RODRIGUES WAMBIER, TERESA ARRUDA
ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, de que:
112
NERY JUNIOR, op. cit., p. 180.
113
SICA, Heitor Vitor Mendonça. O Agravo e o “Mito de Prometeu: considerações sobre a Lei 11.187/2005. In
Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol. 9. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 193.
83
É importante observar, depois de refletirmos sobre esta trágica e interessante
analogia, que nenhum dispositivo do Cap. II do título Recursos no CPC
mantém sua redação original. Mais da metade dos 72 artigos não são mais os
mesmos e muitos foram modificados mais de uma vez, com (sic), por
exemplo, os arts. 511 e 526
114
.
Para corroborar as palavras acima, extraí-se a lição de BARBOSA
MOREIRA sobre o chamado “fogo de artilharia reformadora”:
A disciplina dos recursos vem sendo um dos terrenos de eleição das
reformas do nosso processo civil, empreendidas ao longo da última década.
No Código, o texto original do Título X do Livro I, dedicado a matéria,
continha 70 artigos (de 496 à 565). A esses cumpria acrescentar mais dois
(464 e 465), extraviados no Título VIII, mas na realidade atinentes a uma
figura – a dos embargos de declaração – tratada pela lei como recurso,
independentemente de controvérsias doutrinárias, pretéritas e presentes,
sobre a respectiva “natureza”. Pois bem: dos 72 artigos, se nossas contas
estão corretas, só 30 (menos da metade, portanto) – os de números 499, 501,
502, 503, 504, 505, 507, 509, 510, 512, 513, 515, 517, 520, 530, 534, 547,
548, 549, 552, 553, 554, 555, 556, 559, 560, 561, 562, 564 e 565 –
conservam o teor original; todos os restantes foram atingidos, em tal ou qual
medida, e alguns mais de uma vez, pelas sucessivas modificações que o
texto codificado sofreu, a partir da Lei 8.038, de 28.05.1990. Em nenhum
outro título do estatuto processual se concentrou com tanta intensidade o
fogo da artilharia reformadora. Uma conjectura alternativa não pode deixar
de ocorrer aqui ao espírito do observador. Com efeito: ou se vem enxergando
no Título X, do Livro I a parte do Código mais inçada de defeitos – quando
nada pelo ângulo prático, que predominou, em linha de princípio, na escolha
dos alvos de ataque - , ou então os promotores das reformas, sobretudo as
mais recentes, têm razões especialíssimas para vivenciar com maior
intensidade os problemas, reais ou supostos, da atividade judicante em grau
superior, e, em conseqüência, para atropelar-se no afã de dar-lhes soluções –
igualmente reais ou supostas
115
.
Frise-se que a obra de Barbosa Moreira é de 1999, ou seja, foi escrita antes
das ondas reformistas de 2001 e 2005, que trouxeram novas e drásticas mudanças ao já tão
reformado e remendado capítulo dos recursos. Assim, se em termos gerais pode-se afirmar,
sem medo de errar, que o sistema recursal sempre foi objeto de ataque dos legisladores
(baseados em estudos muitas vezes feitos pelos componentes dos Tribunais), é certo que o
114
WAMBIER, op. cit., p. 241.
115
BARBOSA MOREIRA, op. cit.
84
capítulo destinado ao agravo tem sido alvo de fervoroso bombardear, sendo que em cada
reforma parece ser deixados defeitos, que se exteriorizam com tempo e exigem que novas
reformas sejam feitas.
Parece ainda que BARBOSA MOREIRA deixou clara a sua insatisfação
com as reformas processuais recentes, promovidas e elaboradas basicamente por membros do
Poder Judiciário, em especial do Superior Tribunal de Justiça, que tem, sem dúvida alguma,
em todas as etapas reformistas, procurado restringir ou dificultar sobremaneira o acesso aos
Tribunais.
Ao que parece, contudo, o problema jamais será solucionado com constantes
alterações legislativas, vez que não são criados efetivos questionamentos sobre a real causa de
estagnação do Poder Judiciário. Critica-se a legislação existente. Critica-se os operadores que
manejam os recursos. Porém, não se discute a fundo questões como déficit de magistrados e
funcionários no Poder Judiciário, o qual guarda em linhas gerais a mesma organização de
décadas atrás, em que pese o vertiginoso crescimento populacional e as intensas
transformações sociais havidas, transformando a sociedade rural de outrora em uma sociedade
de massa.
Um exemplo claro, é que os grandes problemas do Poder Judiciário não se
encontram na legislação recursal, e muito menos da disciplina do agravo de instrumento, se
encontra na Justiça do Trabalho. É sabido que no processo do trabalho vigora o princípio da
irrecorribilidade das decisões interlocutórias – salvo raras exceções, como a decisão que
acolhe exceção de incompetência e determina a remessa dos autos a outro Tribunal Regional
do Trabalho – e, nem por isso se pode afirmar que referida Justiça do Trabalho presta uma
célere e efetiva prestação jurisdicional.
É sabido que, mesmo que não admitido pelos reformistas de forma clara, o
objeto das últimas reformas, principalmente em 2001 e 2005, não foi o aperfeiçoamento do
85
recurso de agravo, mas sim a criação de filtros que tornem cada vez mais difícil o acesso de
segundo grau aos prejudicados por decisões proferidas no curso processual. Também é sabido
que o objetivo principal deste enrijecimento nos requisitos para interposição do agravo, foi
desafogar os tribunais do suposto excessivo número de agravos interpostos, permitindo aos
julgadores imprimir maior celeridade nos julgamentos.
Os tribunais trabalhistas não sofrem com o excessivo número de agravos,
vez que naquela justiça especializada o agravo retido sequer existe e, o agravo de instrumento,
nos termos do artigo 897 da Consolidação das Leis do Trabalho, somente tem a finalidade de
destrancar recursos. Porém, ainda assim, diversos processos têm tramitação superior há 10
(dez) anos. O próprio Tribunal Superior do Trabalho tem levado longos anos para o
julgamento dos processos em “terceira instância”.
J. E. CARREIRA ALVIM e LUCIANA GONTIJO CARREIRA ALVIM
CABRAL retratam esta situação, demonstrando que o agravo de instrumento não é o grande
vilão responsável pela morosidade da justiça:
O recurso das decisões interlocutórias de natureza processual tem sido
considerado pela doutrina como um dos grandes obstáculos na outorga da
prestação jurisdicional, o que tem determinado um ingente esforço dos
processualistas no sentido de neutralizarem o efeito perverso que eles
produzem no curso do procedimento. Com esse objetivo, alguns processos
chegam a tornar “irrecorríveis” as decisões interlocutórias processuais, como
sucede com o processo trabalhista, mas nem por isso essa medida garante a
celeridade necessária para garantir ao trabalhador a satisfação oportuna do
seu direito. Apesar de “concentrado” o processo trabalhista é tão lerdo
quanto o processo de conhecimento sumário ou ordinário do processo
civil
116
.
Assim, resta evidente que o problema dos tribunais não é pura e
simplesmente o excessivo número de agravos, mas, entre outros fatores, a ausência de um
trabalho de modernização do Poder Judiciário, mormente nos tribunais.
116
CARREIRA ALVIM, op. cit., p. 276.
86
O problema dos tribunais não é, absolutamente, o excessivo número de
agravos. Pelo contrário, não há sequer um estudo estatístico, pelo menos de nosso
conhecimento, que demonstre que o número de agravo apresentado junto aos tribunais seja
efetivamente excessivo. Crescente sim, excessivo não.
Esta mudança de conjuntura, que acabou provocando o legítimo aumento do
número de agravos interpostos, será analisada em seguida, em um estudo das evoluções do
agravo no sistema processual brasileiro desde a entrada em vigor do diploma processual de
1973.
Far-se-á assim, uma análise bastante crítica das reformas no recurso de
agravo, trazidos pela Lei 11.187/2005, pois como se verá, a tentativa de se diminuir o trabalho
dos tribunais, per si, não é apta a conferir legitimidade as reformas.
Antes de mais nada, é preciso ter-se em mente que qualquer alteração da lei,
de entendimento jurisprudencial ou edição de súmula que tenha por
propósito única e exclusivamente diminuir a carga de trabalho nos tribunais
sejam eles quais forem não é, só por isso, legítima: ou seja, exclusivamente
por que SÓ têm esta finalidade, como finalidade única, são ilegítimas
117
.
Obviamente não se pode, dentro dos objetivos deste trabalho, se discorrer
profundamente sobre o aspecto da legitimidade do Direito. Mas não podemos deixar de citar
as seguintes palavras de EROS ROBERTO GRAU:
Podemos afirmar, assim, que a norma é legítima – dotada de legitimidade –
quando existir correspondência entre o comando nela consubstanciado e o
sentido admitido e consentido pelo todo social, a partir da realidade coletada
como justiticadora do preceito normatizado. [...] Direito legítimo é o
produzido com autoridade, de modo a expressar os padrões de cultura, ou
117
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Restrições indevidas ao direito de recorrer. In Revista de
Processo, nº 130, dezembro de 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 249.
87
seja os sentidos, forjados pela sociedade, como expressões das aspirações e
dos rumos que ela, sociedade, pretende seguir
118
.
Ou, como ensina LUIZ FERNANDO COELHO, nos moldes normalmente
aceitos, “legitimidade pressupõe consenso mais ou menos generalizado”
119
.
Se o agravo está sendo atacado pelo simples motivo de ser bastante utilizado
pelos jurisdicionados, não há legitimidade no sentido de vontade do todo, pela sua limitação.
Pelo contrário. Se bastante utilizado, mostra o agravo o cumprimento técnico de seu papel. Se
o problema é o congestionamento dos tribunais, que se converte em morosidade processual,
haverá legitimo interesse na reformulação da estrutura do Judiciário, mas jamais no ataque ao
remédio processual.
Diante deste quadro que aparenta, em um primeiro momento, ser desolador,
não basta simplesmente lamentar. As normas, independentemente do ponto de vista do
operador do direito, devem ser aplicadas. Mas não aplicadas sem reflexão e sem uma
interpretação sistemática do ordenamento. Neste sistema, ressaltasse o poder constitucional
que deve sempre ser lembrado pelo julgador:
O que falta, porém, é atentar para que, se a técnica processual é
imprescindível para a efetividade da tutela dos direitos, não se pode supor
que, diante da omissão do legislador, o juiz nada possa fazer. Isso por uma
razão simples: o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional não
se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige contra o Estado-
juiz. Por isso, é absurdo pensar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de
forma efetiva os direitos somente porque o legislador deixou de editar uma
norma processual mais explícita
120
.
118
GRAU, Eros Roberto. Direito, conceitos e normas jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 39 e
51.
119
COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 505.
120
MARINONI, op. cit., p. 224.
88
3.2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS AGRAVOS DAS DECISÕES DE PRIMEIRO GRAU
Procedidas as considerações acima sobre a decisão interlocutória e,
realizado uma breve análise da problemática que envolve a sua recorribilidade, necessário
proceder-se um estudo, ainda que em breves linhas, da espécie (ou espécies) de recursos aptos
a impugnar tais decisões. Tratar-se-á, muito brevemente das modalidades de agravo existentes
atualmente em nossa legislação contra as decisões interlocutórias proferidas pelo magistrado
de primeira instância.
Importante que o estudo das modalidades de agravo, seja feito após a análise
de questões conceituais e históricas acerca das decisões interlocutórias, pois ante o princípio
da correspondência, as decisões são intimamente ligadas ao tipo de recurso que delas é
interponível
121
. Este é, sem dúvida, o ponto de maior importância da classificação dos
pronunciamentos judiciais, justificando as dissecações teóricas acima realizadas, por exemplo,
ao se estudar a natureza do pronunciamento judicial previsto no art. 273, § 6º, do Código de
Processo Civil.
No campo das decisões interlocutórias, tal estudo se mostra ainda mais
necessário, porém, muito mais árduo, seja ante as criações do legislador que acabam dando
aparência de decisão interlocutória a pronunciamentos que não o são, seja pela infindável
gama de situações dentro do processo que podem ser classificadas, por conceito ou por
equiparação como decisões interlocutórias. É o que nos ensina TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER:
Por isso é que o âmbito de cabimento dos agravos no direito brasileiro
vigente é imenso, e a sua extensão é resultado direto do número de decisões
121
WAMBIER, op. cit., p. 252.
89
que podem ser classificadas como decisões interlocutórias ou que são com
essas decisões aparentadas e a essa categoria, assimiláveis
122
.
Não é por outro motivo, senão pelo excessivo número de decisões
interlocutórias, ou a estas equiparadas, que existem diversas modalidade de agravo, cada qual
cabível contra determinado tipo de decisão. Esta pluralidade justifica-se assim como se
justifica a existência de procedimentos diferenciados e adaptados a tutela jurisdicional de
certos direitos materiais, que pela sua importância, ou por determinada característica (por
exemplo, urgência), não podem sofrer com as agruras do procedimento ordinário ou, ainda,
com a tendência de monetarização dos direitos, herança do Estado Liberal.
Voltamos, novamente, as lições de TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER, que em breves linhas faz um rápido quadro dos agravos existentes atualmente
em nosso sistema recursal:
Há o agravo interponível contra decisões interlocutórias proferidas pelo juízo
singular de primeira instância, que pode ter dois regimes jurídicos, o da
interposição direta no tribunal e o da retenção, sendo, de acordo com a nova
redação do art. 522 (cf. Lei 11.187/2005), o regime de retenção, a regra. E há
outros agravos: aquele interponível contra a decisão do relator proferida com
base no art. 557; aquele por meio do qual se impugna a decisão do relator
que indefere os embargos infringentes (CPC, art. 532); aquele cuja função é
a de impugnar a decisão do juízo a quo, denegatória de seguimento a recurso
especial ou a extraordinário (CPC, art. 544); há o agravo contra ato do
relator, nos Tribunais Superiores (STF e STJ); além de outros agravos
previstos em leis especiais
123
.
Todos os pronunciamentos acima são agravos, em que pese a diversidade de
procedimentos e, são assim classificados, por serem oponíveis contra decisões interlocutórias
ou a elas equiparáveis.
Assim, resumidamente, NELSON NERY JUNIOR enumera os agravos
existentes em termos gerais no Código de Processo Civil, ressaltando que existem outros,
122
Idem.
123
Ibid., p. 253.
90
como por exemplo, os existentes na ação direta de inconstitucionalidade, que, por não serem
objetos do presente trabalho, não serão aqui analisados:
Além dos agravos de instrumento e retido nos autos (CPC 522 e ss.), há três
“outros agravos” previstos expressamente no Código fora do elenco do CPC
522. Na doutrina, já é corrente a denominação de agravo interno para esses
“outros agravos”, que são os seguintes: a) agravo contra o indeferimento
liminar dos embargos infringentes pelo relator (CPC 532); b) agravo contra o
ato do relator que não admite o agravo de instrumento, nega provimento ou
reforma o acórdão recorrido pelo RE ou Resp (CPC 545); c) agravo contra
decisão do relator (CPC 557 § 1º): c1) que negar seguimento a recurso
manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário a
súmula ou à jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior (CPC 557 caput); c2) que der
provimento a recurso, quando a decisão recorrida estiver em manifesta
contrariedade com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior (CPC 557, § 1º-A). Nestes casos o
órgão ad quem, para conhecer e julgar o agravo interno, será aquele que
tiver competência para o julgamento do recurso apreciado singularmente
pelo relator. Estes agravos internos processam-se dentro dos autos (não por
instrumento apartado) e não são retidos porque não há futura apelação para
que possam ser reiterados. Por esta razão procedimental é que esse recurso é
nominado de “agravo interno”. Assim, o “agravo” (gênero) do CPC 496 II
pode ser interposto por três formas distintas: retido nos autos (agravo retido
– CPC 523), interno aos autos (CPC 532, 545 e 557 § 1º) e agravo por
instrumento (CPC 524)
124
.
Obviamente, as mais comuns e por isso objeto de estudo mais aprofundado
se referem ao primeiro tipo de agravo, aquele proferido contra a decisão do juízo de primeira
instância e que possui duas modalidades, por instrumento ou de retenção. Justifica-se ainda
mais o aprofundamento do estudo deste agravo porque novamente foi alvo de alterações por
parte do conhecido e já citado “fogo de artilharia reformadora”.
Este, acabou não abarcando as demais modalidades de agravo, com exceção
do agravo que era previsto no caso de conversão de agravo de instrumento em agravo retido
pelo relator, que após a reforma de 2005, passou a ser irrecorrível, nos termos proclamados no
parágrafo único do artigo 527 do Código de Processo Civil, que determina que tal decisão
124
NERY JUNIOR, op. cit,, p. 50/51.
91
somente será passível de reforma por ocasião do julgamento do agravo, a não ser que o
próprio relator a reconsidere.
Não se incluiu o agravo regimental dentro das modalidades de agravo,
primeiro porque não constitui o objeto de estudo deste trabalho monográfico e, segundo,
porque novamente nos valendo da doutrina de NELSON NERY JUNIOR, fica evidente a sua
inconstitucionalidade:
Estes agravos regimentais vêm previstos na grande maioria dos regimentos
internos dos tribunais brasileiros. Essa previsão é inconstitucional por ferir,
frontalmente, o CF 22 I. Com efeito, somente ao Poder Legislativo da União
(Congresso Nacional) é dado o poder de legislar sobre direito processual
125
.
Não é diferente o entendimento de CASSIO SCARPINELLA BUENO:
Não obstante ser bastante comum a previsão dos chamados “agravos
regimentais” nos regimentos internos de diversos Tribunais, ela
violenta escancaradamente a Constituição Federal. Só lei – e lei
federal – pode criar regras de processo (art. 22, I, da Constituição
Federal)
126
.
Passaremos então a uma breve constatação do conceito e escopo das
modalidades de agravo existentes no direito brasileiro, para as decisões interlocutórias
proferidas em primeiro grau de jurisdição.
125
Ibid., p. 51.
126
BUENO, op. cit., p. 232.
92
3.2.1 O Agravo Retido e por Instrumento
Na atual sistemática recursal, têm-se duas modalidades de recurso de agravo
para atacar as decisões interlocutórias proferidas pelo magistrado de primeiro grau – e às
vezes até sentenças travestidas de decisões interlocutórias – sendo eles o agravo retido e o
agravo de instrumento.
Apesar de ambos serem “agravos” (nomenclatura herdada do sistema
português), a diferença entre eles é gritante, mormente em tempos atuais, de reformas que
acabaram com a discricionariedade na escolha do agravo, tornando o agravo retido regra e o
agravo de instrumento exceção (será?).
Primeiramente é preciso se conceituar o que vem a ser o agravo retido. Para
LUÍS HENRIQUE BARBANTE FRANZÉ, já dentro da sistemática trazida pela Lei 11.187
de 2005,
[...] o agravo retido é uma espécie de agravo, processado obrigatoriamente
por meio da forma oral (quando interposto em audiência de instrução e
julgamento) e na forma expressa (em relação às demais decisões
interlocutórias que não admitirem o agravo de instrumento). Sempre será
processado dentro dos próprios autos e visa a impugnar a decisão
interlocutória, além de somente ser conhecido, em regra, se o agravante
requerer em preliminar, em sede de ulteriores razões ou contra-razões de
apelação
127
.
Outro aspecto a ser observado é o motivo que levou o legislador a instituir,
num primeiro momento, dois recursos para se atacar a mesma espécie de decisão. Enfim,
necessário se analisar os escopos dos recursos criados.
A primeira finalidade é, evitar que se opere a preclusão acerca da questão
decidida, sem que seja necessário se submeter o recurso a imediata apreciação do tribunal,
atingindo assim a segunda finalidade, qual seja, evitar o excessivo acúmulo de serviço nos
127
FRANZÉ, op. cit., p.131.
93
tribunais e evitando-se gastos com formação do instrumento. Enfim, serviria o agravo retido
como meio de alcance da celeridade e economia processual.
Dentre as duas finalidades, acreditamos na legitimidade apenas da primeira
justificativa. Ou seja, a questão envolvendo a economia processual principalmente para as
partes. Não acreditamos que a justificativa de desafogar os tribunais seja, per si, suficiente a
permitir que as partes tenham seus direitos recursais tolhidos. Seria o mesmo que afastar o
acesso dos jurisdicionados ao Poder Judiciário, porque o número de demandas aumenta ano a
ano. Afinal, celeridade não é sinônimo de efetividade processual, mormente quando obtida em
detrimento de outras garantias processuais, como a ampla defesa.
Por isso, em nosso entender, agiu com acerto o legislador de 1973 ao
instituir duas modalidades de interposição para o agravo, cabendo a parte prejudicada pela
decisão a escolha de qual das modalidades atenderia de melhor forma os seus anseios. As
poucas exceções a essa liberdade de escolha eram limitadas as disposições do artigo 523, § 4º
e art. 280, inciso III, ambos já revogados, sendo o primeiro pela Lei 11.187/2005 e o segundo
pela Lei 10.444/2002.
Porém, este não foi o entendimento do legislador reformista que preferiu
elevar o agravo retido a status de regra, deixando o agravo de instrumento numa situação de
subsidiariedade. Portanto, em que pese à discordância quanto a esta alteração e as dúvidas
quanto aos resultados a serem obtidos, não se pode negar que o agravo retido passou a ter
maior importância no ordenamento, merecendo uma atenção especial, principalmente quanto
às alterações sofridas pela Lei 11.187/2005, pois será sempre ele cabível, a não ser nos casos
em que a decisão possa trazer à parte lesão grave ou de difícil reparação, ou ainda nos casos
de inadmissão da apelação e nos relativos a forma de seu recebimento. Nestes casos,
obviamente, o agravo de instrumento terá de ser manejado, tudo nos termos do art. 522 do
Código de Processo Civil.
94
Quanto ao agravo de instrumento, como já dito acima, trata-se do mesmo
recurso, mas com diversa modalidade de interposição e procedimento. Por isso, tudo o que já
se falou até aqui sobre agravo como recurso para ataque de decisão interlocutória, vale,
obviamente para o agravo de instrumento.
Após as inúmeras reformas legislativas, o traço marcante do agravo de
instrumento é a hipótese de seu cabimento, restringida aos casos de urgência e de falta de
interesse recursal para o manejo do agravo retido.
LUÍS HENRIQUE BARBANTE FRANZÉ conceitua agravo de instrumento
como:
[...] modalidade recursal interposta diretamente no tribunal competente,
possuindo o efeito devolutivo como regra (podendo, entretanto, ter efeito
suspensivo para preservar sua efetividade), voltado par o deslinde das
questões diversas da sentença, que tenham conteúdo decisório capaz de
causar gravame
128
.
Respeitado o escopo do legislador, poderia ser acrescida a essa conceituação
a finalidade de atacar decisão interlocutória capaz de provocar lesão grave e de difícil
reparação ou nos casos expressamente previstos em lei.
Assim, pelos atuais contornos legais, o agravo de instrumento possui três
escopos básicos: evitar a preclusão, propiciar que matéria caracterizada pela urgência seja
imediatamente reapreciada pela instância superior e, cobrir as situações em que o manejo do
agravo retido padeça de interesse processual.
As questões procedimentais e hipóteses de cabimento serão analisadas
adiante.
128
Ibid., p.157
95
3.2.2 O Juízo de Retratação Cabível no Agravo Retido e por Instrumento
Atualmente o juízo de retratação é cabível tanto para o agravo interposto na
forma retida como para o agravo interposto por instrumento.
Inexistia o juízo de retratação no agravo retido, até a reforma promovida
pela Lei 9.139/95. Esta possibilidade era permitida apenas no que concerne ao agravo de
instrumento. Referida lei criou expressamente esta possibilidade, abrindo prazo para o
magistrado retratar-se, em até cinco dias após a manifestação da parte contrária. Frise-se
apenas que, apesar da inexistência de regra expressa, os tribunais, atendendo aos princípios da
celeridade e economia processual, já vinham admitindo tal possibilidade, como nos informa
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO:
Interposto o agravo retido, já antes da lei 9.139/95 inclinavam-se os tribunais
no sentido de que ao juiz cabia manifestar-se em juízo de retratação:
“Segundo esmagador posicionamento da doutrina e da jurisprudência,
admissível é a retratação na modalidade retida do agravo” (STJ, 4ª Turma,
Ag. nº 12.203, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU 02.12.91)
129
.
A Lei 10.352/2001 manteve a possibilidade do exercício do juízo de
retratação, porém excluiu a menção expressa do prazo de 5 (cinco) dias para retratação.
Salutar a possibilidade de retratação por parte do juízo, vez que atende aos
princípios da economia e celeridade processual. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER já
defendia que, mesmo antes da previsão expressa no Código de Processo Civil, o magistrado já
poderia exercer esse direito de retratação:
A lei alude expressa e explicitamente à possibilidade de que haja juízo de
retratação no agravo retido, depois de ouvida a parte, em conformidade com
a sugestão que parte da doutrina fazia, mesmo de lege lata, à luz do sistema
129
CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravos e agravo interno. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p.
123.
96
anterior à Reforma de 1995. Nós mesmos, ainda na 1ª edição desse trabalho,
sustentávamos que, salvo se se tratasse de matéria que não gera preclusão
pro judicato – a respeito da qual, portanto, poderia o juiz alterar sua redação
mesmo de ofício -, deveria o juiz, no caso de agravo retido, ouvir a outra
parte antes de se retratar
130
.
Deve, contudo, o julgador pautar-se com cautela ao proferir uma decisão e,
após o agravo, retratar-se. Isto porque, havendo o exercício do juízo de retratação, haverá
também uma inversão no pólo recursal das partes atingidas por aquela decisão. O originário
agravado, no caso de retratação, terá agora uma decisão contrária aos seus interesses,
passando a ter legitimidade para interposição de um novo agravo, o que pode acabar
tumultuando tanto, por exemplo, uma audiência, como o processo em si.
Basta se pensar no exemplo citado por TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER, em que o juiz profere decisão, indeferindo a produção de prova pericial e prova
testemunhal. Neste caso existem duas decisões no mesmo pronunciamento judicial.
Exercendo o juiz, neste caso, um juízo de retratação parcial, deferindo a prova pericial, por
exemplo, quanto a esta parte da decisão, haverá inversão de interesses e o agravado,
querendo, deverá interpor novo agravo, sob pena de o tribunal não apreciar a matéria em que
houve juízo de retratação, no momento oportuno, para não ocorrer a reforma in pejus. Por isso
[...] ao Tribunal, fica vedada a repreciação da parte da decisão interlocutória
que foi reformada pelo magistrado, ainda que, de qualquer modo, tenha que
julgar o agravo, pois, diante deste novo quadro (parte da decisão alterada),
só há recurso da outra parte, em relação à qual não houve alteração
131
.
Questão interessante atualmente é a discussão se, exercido o juízo de
retratação, o originário agravado poderia utilizar-se do recurso já interposto, agora na
condição de agravante. Havia expressa previsão no Código de Processo Civil neste sentido,
mais precisamente no ab-rogado § 6º, do art. 527, permitindo tal procedimento. SÉRGIO
130
WAMBIER, op. cit. p. 266.
131
Ibid., p. 261.
97
BERMUDES entende que, mesmo diante da supressão do texto legal, tal procedimento ainda
é possível:
Creio que o princípio da economia processual permite o aproveitamento do
agravo já existente no tribunal, na hipótese de retratação na primeira
instância. Nesse caso, poupar-se-iam tempo e despesas, mas o agravado,
agora agravante, deverá apresentar suas razões, ou reportar-se à resposta que,
porventura, já houver dado, pedindo a reforma da nova decisão, da qual
juntará cópia, acompanhada de prova da intimação e do preparo desse novo
agravo, que o anterior agravante, agora recorrido, responderá em dez dias,
depois de regularmente intimado, diante do princípio do contraditório e da
ampla defesa
132
.
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, contudo, tem entendimento em
sentido contrário, ao argumentar que:
Alterada a decisão, invertendo-se as posições de agravante e agravado, não
cabe mais à outra parte simplesmente “requerer a subida” do instrumento já
formado. A lei é silente, e o prejudicado pela nova decisão deve interpor
outro agravo
133
.
Ressalta-se, ainda, que o juízo de retratação independe de “pedido de
reconsideração” pela parte prejudicada, devendo o juiz, entendendo ser o caso, reconsiderar
de ofício a sua decisão. Como afirma JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “a ciência da
interposição basta como pressuposto do exercício do poder-dever de proceder ao reexame”
134
.
Por último, importante, ante o princípio do contraditório, que o magistrado,
antes de se retratar, possibilite a oitiva da parte contrária, salvo nos casos em que a matéria for
de ordem pública.
132
BERMUDES, Sérgio. Direito Processual Civil – estudos e pareceres. 3ª Série. São Paulo: Saraiva, 2002. p.
115.
133
WAMBIER, op. cit., p. 642
134
BARBOSA MOREIRA, José op. cit., p. 512
98
3.3 UM BREVE PASSAR DE OLHOS SOBRE O SURGIMENTO DO AGRAVO E A
RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NOS CÓDIGOS DE 1939 E 1973
Antes de uma análise mais aprofundada de um instituto, necessário se faz o
estudo dos aspectos históricos deste, de modo que as lições do passado ajudem a compreender
o atual estágio de evolução do instituto, bem como permitam aperfeiçoá-lo. Assim, a presente
análise histórica não se restringirá a narrar uma mera sucessão de fatos, mas buscará
desvendar as nuances históricas e ideológicas que levaram a criação do atual sistema.
Tratar-se-á, a partir do presente item, de todas as grandes reformas
processuais que atingiram o recurso de agravo. Far-se-á neste capítulo, breve menção ao
sistema do código revogado de 1939, comparando-o com as inovações trazidas pelo Código
de Processo Civil de 1973, elaborado por Alfredo Buzaid. Em seguida passar-se-á a um
estudo das alterações no recurso de agravo pela Lei 9.139 de 30 de novembro de 1995, Lei
10.352 de 26 de dezembro de 2001 e, por último da Lei 11.187/2005.
O estudo, principalmente deste item, ou seja, das inovações trazidas pelo
Código vigente, em detrimento das estipulações do Código de 1939, será visto de forma
superficial, até porque, como já dito alhures, sequer um dos artigos originários do Código
possui a mesma redação que lhe foi dada por ocasião da promulgação do Código. Logo,
proceder-se-á este brevíssimo estudo com a finalidade única e exclusiva de demonstras os
fluxos e refluxos da disciplina do agravo em nosso sistema recursal. Apenas no que concerne
a reforma de 2005, pela sua atualidade, procederemos uma análise mais aprofundada.
O recurso de agravo é anterior ao próprio descobrimento do Brasil. Surgiu
na Metrópole Portuguesa e foi implantado na Colônia Brasileira, como todo o ordenamento
jurídico português:
99
O surgimento do agravo em Portugal, entre os séculos XIII e XIV, foi fruto
da rebeldia e do inconformismo dos litigantes diante da lei régia que proibia
apelação contra grande parte das interlocutórias. Surgido como remédio
excepcional e sem figura de juízo, acabou se ordinarizando, e ficou
impregnado em nossa cultura processual, não tendo jamais deixado de
figurar entre os recursos, seja em terras brasileiras, seja em terras lusitanas,
até hoje
135
.
O surgimento do agravo, demonstrando de forma inequívoca o seu caráter
cíclico, foi fruto do inconformismo das partes com a decisão de D. Afonso IV de eliminar a
recorribilidade das chamadas, na época, sentenças interlocutórias, modificando a legislação
anterior que previa a ampla recorribilidade. Esta é a lição de HEITOR VITOR MENDONÇA
SICA:
[...] no inicio do século XIV, D. Afonso IV, sob o fundamento de que as
partes valiam-se maliciosamente das apelações para embaraçar os processos,
proibiu a recorribilidade das interlocutórias, exceto daquelas que implicavam
o término do processo (hoje por nós chamadas de terminativas) e daqieças
que poderiam causar dano não passível de reparação pela sentença definitiva.
Ambas as leis acham-se reproduzidas no Livro 3 das Ordenações Afonsinas,
respectivamente nos Títulos 71 e 72. A partir daí plantou-se a semente para a
gênese do agravo. Nessa hipótese, incabível a apelação e, ante a recusa de
retratação pelo juiz prolator, impunham as Ordenações Afonsinas (3.67.5)
que deveria ser extraído o “Extormento de agravo” ou a “Carta
testemunhável”, que eram os meios pelos quais o agravado (litigante que
sofrera agravo ou prejuízo emergente da decisão interlocutória) levava à
Corte queixa sem forma ou figura de juízo. Pouco a pouco, o nome agravo
passou, então, a designar o remédio que se voltava contra o prejuízo surgido
da interlocutória inapelável, até que, nas Ordenações Manuelinas, editadas
definitivamente em 1521, o agravo apareceu como recurso ordinário, em
suas variadas formas
136
.
Tal informação histórica é reforçada pelos ensinamentos de RODRIGO DA
CUNHA LIMA FREIRE, após externar que durante o século XIII as interlocutórias eram
recorríveis através de apelação:
135
SICA, op. cit., p. 214
136
Idem.
100
Mas quando D. Afonso IV (1325-1357), filho de D. Diniz (1279-1325)
resolveu restringir a faculdade de apelar em separado das interlocutórias –
exceto quando fossem terminativas do feito e tivessem força de definitivas
ou quando acarretassem prejuízo irreparável -, por volta de 1352, as partes
começaram a se servir com intensidade das querimas ou querimônias, pelas
quais pediam ao soberano ou ao magistrado de grau superior que cassasse as
interlocutórias que lhes causassem agravo – gravame, prejuízo. Como a parte
não poderia comparecer à Corte para queixar-se oralmente a El Rei ou aos
seus delegados, fazia-o por instrumento redigido por tabelião (estormento)
ou por escrivão (carta testemunhável). Esta é, em rápida síntese, a origem do
recurso que, posteriormente – mais precisamente nas Ordenações
Manuelinas -, recebeu a denominação de agravo
137
.
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA também relata o surgimento do
agravo de instrumento como um ato de inconformismo dos litigantes contra a decisão de
Afonso IV de suprimir a faculdade de apelação contra as decisões interlocutórias:
O recurso de agravo surgiu no velho direito português como reação da
prática judiciária ante a restrição imposta por Afonso IV à faculdade de
apelar contra as interlocutórias. Não se conformavam as partes com decisões
desse tipo, que lhes causavam, às vezes, prejuízo irreparável. Insistiam em
pleitear a imediata correção do agravo sofrido
138
.
Portanto, o próprio surgimento do agravo é fruto do problema que envolve a
recorribilidade das decisões interlocutórias, com a alternação das leis, ora permitindo a
recorribilidade de forma ampla, ora restringindo-a. A prova cabal deste fato é que as
Ordenações Filipinas vigoraram por mais de 200 (duzentos) anos para, só então receber a sua
primeira alteração no sistema recursal. Alteração esta exatamente no agravo, em movimento,
guardadas as devidas proporções, semelhante aos verificados nas recentes reformas: prestígio
do agravo retido (no auto do processo):
O primeiro ato que modificou as Ordenações Filipinas, no que diz respeito
aos recursos, teve lugar mais de 200 anos após sua entrada em vigor. Foi o
Decreto 24, de 16.05.1832, que restringiu os recursos cabíveis das sentenças
137
NEVES, op. cit., p. 35.
138
BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 482
101
interlocutórias ao agravo no auto do processo, desaparecendo, assim, os
agravos de instrumento, de petição e o ordinário
139
.
Porém, tais modalidades foram re-inseridas no ordenamento poucos anos
depois.
O Código de 1939 trazia o recurso de agravo subdividido em três
modalidades de interposição: agravo de petição, agravo por instrumento e agravo no auto de
processo. O artigo 842 de referido Código trazia as hipóteses em que o agravo cabível era por
instrumento, e o artigo 851, previa as hipóteses de cabimento do agravo no auto de processo,
sendo tal rol taxativo. Já o agravo de petição, era cabível contra as sentenças que extinguiam o
processo sem o julgamento do mérito.
Logo, pela sistemática do Código revogado a opção pelo regime do agravo
não era da parte. As três modalidades de agravo possuíam a sua hipótese de incidência
prevista taxativamente na lei.
O agravo de petição do Código de Processo Civil de 1939 foi eliminado,
acertadamente, no Código de Processo Civil de 1973, pois não existia razão de existir dois
recursos para a decisão que extinguisse o processo. Procedimentalmente, pouco importa se a
extinção foi com ou sem julgamento de mérito. Frise-se ainda, que o como já relatado acima,
o agravo de petição do Código de 1939 nenhuma semelhança, a não ser na nomenclatura,
guarda com o atual agravo de petição existente no processo do trabalho, vez que este é o
recurso cabível contra as decisões proferidas na execução.
Como já dito pouco acima, a taxatividade era característica do cabimento do
agravo. Porém, ante o caráter dinâmico do direito e ante a impossibilidade do legislador de
tudo prever, surgiram situações em que importantes decisões, por falta de expressa previsão
139
WAMBIER, op. cit., p. 45.
102
legal, acabaram tornando-se irrecorríveis, obrigando os operadores do direito a se valer dos
sucedâneos recursais. É o que nos informa TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER:
Inúmeras outras decisões, que podiam ter como efeito dano irreparável, ou
de dificílima reparação, o direito das partes ou influenciar o teor da sentença
final, ficavam, teoricamente, imunes a ataques recursais.Foi precisamente
esta circunstância que fez com que os advogados acabassem por se valer de
outros meios, que não recursais, com o fito de tentar modificar estas
decisões
140
.
Mas voltemos agora a questão do agravo de instrumento e agravo retido. No
momento de elaboração do projeto por Alfredo Buzaid, este propôs a eliminação do agravo no
auto do processo, ou seja, do nosso atual agravo retido, sendo que este somente voltou, como
bem lembra ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, oportunamente, durante a tramitação no
Congresso Nacional:
Ao elaborar o projeto do vigente Código de Processo Civil, a proposta inicial
de Alfredo Buzaid tendia a conservar apenas o agravo por instrumento. No
entanto, durante a tramitação legislativa, oportuna emenda restaurou o antigo
agravo no auto do processo para aqueles casos em que, não tendo o litigante
interesse maior na “imediata” reforma da decisão interlocutória a ele
desfavorável, entende todavia prudente interpor, a fim de evitar preclusão,
um recurso com eficácia diferida, ou seja, para ser conhecido e julgado
(como preliminar de apelação) apenas se alguma das partes vier e apelar e se
o interessado reiterar o agravo, expressamente, nas razões (se for ele o
apelante) ou nas contra-razões (CPC, art. 522)
141
.
A mesma lição nos é dada por NELSON NERY JUNIOR, demonstrando
que da alteração legislativa “incompleta”, acabou surgindo a anomalia técnica originariamente
detectada no artigo 496, inciso II, do Código de Processo Civil, como se o agravo de
instrumento fosse recurso-gênero:
140
Ibid., p. 81.
141
CARNEIRO, Athos Gusmão. Do recurso de agravo ante a Lei 11.187/2005. In Aspectos Polêmicos e Atuais
dos Recursos Cíveis. Vol. 10. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p.
34.
103
O Prof. Buzaid restringiu em seu projeto as hipóteses de agravo, reduzindo-
as tão-somente ao agravo de instrumento. Os antigos agravo de petição, no
auto do processo, e inominados foram repudiados. Assim, no texto enviado
ao Congresso Nacional constou como gênero o agravo de instrumento, único
adotado pelo consagrado processualista. Quando tramitava no Senado, o
projeto original sofreu emenda, sob a nítida influência do Prof. Moniz de
Aragão, que alterava o atual CPC 522 para fazer constar a possibilidade de
agravar-se na forma retida. Esqueceu-se, entretanto, o parlamentar autor da
emenda, de providenciar a alteração também do CPC 496 II, pois com a
existência de dois tipos de agravo, o recurso-gênero não seria mais o agravo
de instrumento mas simplesmente o “agravo”
142
.
O agravo retido é, portanto, a denominação atual do antigo agravo no auto
do processo, criado nas Ordenações Manuelinas e trazidos novamente ao sistema recursal
brasileiro, de onde não mais saiu, pelo Código de Processo Civil de 1939
143
, em que pese as
diferenças procedimentais gritantes.
Na redação originária do Código de 1973, o agravante tinha opção de
escolha entre o agravo de instrumento e o agravo retido. Eliminou-se a taxatividade de
hipóteses de cabimento de uma e outra modalidade, sendo que agora cabia a parte escolher a
forma de interposição, respeitadas apenas as questões atinentes ao interesse recursal. Em
suma, a recorribilidade das decisões interlocutórias, dentro de sua história de valorização e
mitigação, foi amplamente prestigiada pelo legislador.
Pode-se extrair da exposição de motivos do Código de Processo Civil de
1973 os motivos que levaram o legislador a assim proceder, explicando porque, ante as
peculiaridades nacionais, não pode o processo oral ser adotado com maior ênfase:
Outro ponto é o da irrecorribilidade, em separado, das decisões
interlocutórias. A aplicação deste princípio entre nós provou que os
litigantes, impacientes de qualquer demora no julgamento do recurso,
acabaram por engendrar esdrúxulas formas de impugnação. Podem ser
lembradas, a título de exemplo, a correição parcial e o mandado de
segurança. Não sendo possível modificar a natureza das coisas, o projeto
142
NERY JUNIOR, op. cit., p. 54.
143
CARNEIRO, op. cit., p. 35.
104
preferiu admitir agravo de instrumento de todas as decisões
interlocutórias
144
.
Continua ALFREDO BUZAID a justificar as alterações no sistema recursal:
Diversamente do Código vigente, o projeto simplifica o sistema de recursos.
Concede apelação só de sentença; de todas as decisões interlocutórias,
agravo de instrumento. Esta solução atende plenamente aos princípios
fundamentais do Código, sem sacrificar o andamento da causa e sem retardar
injustificavelmente a resolução de questões incidentes, muitas das quais são
de importância decisiva para a apreciação do mérito. O critério que distingue
os dois recursos é simples. Se o juiz põe termo ao processo, cabe apelação.
Não importa indagar se decidiu ou não o mérito. A condição do recurso é
que tenha havido julgamento final no processo. Cabe agravo de instrumento
de toda a decisão, proferida no curso do processo, pela qual o juiz resolve
questão incidente
145
.
Tecnicamente, as alterações trazidas pelo novo Código foram excelentes,
dando coerência ao sistema e evitando que sucedâneos recursais fizessem, corriqueiramente,
as vezes de recurso. Além disso, corrigiu a prática de elaboração de rol taxativo de decisões
para determinação do regime de agravo a ser manejado. Alteração, também salutar, visto que
a dinâmica do direito não permite que se criem rol com toda a gama de decisões possíveis de
serem proferidas em um processo. Logo, a cada decisão que não se encaixasse perfeitamente
nos artigos que determinavam a interposição de agravo de instrumento e de agravo retido,
criava-se um sério impasse. Frise-se que hoje, a proliferação de conceitos indeterminados e de
rol meramente exemplificativos, é técnica processual amplamente adotada, como, por
exemplo, nos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil.
No sistema originário do Código de Processo Civil ora vigente, tanto o
agravo por instrumento como o agravo retido nos autos, eram interpostos perante o
magistrado de primeiro grau, cabendo a este, sopesar a utilidade e o interesse do recorrente
144
BUZAID, Alfredo. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11.1.1973). Código de
Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 12.
145
Ibidi., p. 23.
105
em se valer de determinada forma de interposição, podendo, inclusive, converter o agravo.
Mas a opção pelo regime era absoluta da parte, bastando demonstrar o interesse processual na
forma de interposição do agravo retido.
3.4 A REFORMA DE 1995
Desde o advento do vigente Código de Processo Civil, a opção de ampla
liberdade ao agravante, na escolha do regime do agravo, provocou criticas. Porém, apesar das
críticas, inexistem dados estatísticos acerca da utilização, ou má utilização, do agravo de
instrumento. É o que informa MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO, demonstrando que,
apesar da insatisfação, somente em 1995 é que houve alteração para modificar esta situação.
Ou seja, bem ou mal, o sistema de livre escolha do regime do agravo perdurou por mais de 20
(vinte) anos:
Este sistema foi muito criticado desde o início, principalmente por conceder
o agravo de instrumento de todas as decisões proferidas durante o processo.
Muito cedo se percebeu que para parte delas seria mais adequado o agravo
retido. Mesmo assim, ele permaneceu intocável até 1995 [...]
146
.
Naquele ano, o legislador começou a dar azo a sua intenção de eliminar a
livre opção da parte na escolha entre o agravo de instrumento e o agravo retido, apesar de
forma tímida, num movimento que se estende há mais de uma década.
No citado ano, duas leis introduziram mudanças no regime de agravo.
Primeiramente a Lei 9.139 trouxe uma verdadeira revolução no que concerne ao agravo de
instrumento, em que pese não ter trazido nenhuma alteração no ponto nevrálgico: as hipóteses
de cabimento, a não ser a tímida alteração constante do § 4º do artigo 523, demonstrando que
146
FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Considerações sobre a Lei 11.187, de 19.10.2005, que altera a
disciplina do agravo de instrumento. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol. 10. Coord.
Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 319.
106
será sempre retido o agravo das decisões posteriores à sentença, a não ser, obviamente no caso
de inadmissão da apelação.
Poucos dias depois, a Lei 9.245 que trouxe alterações no procedimento
sumário, acabou trazendo a outra regra no sentido de obrigatoriedade da retenção para as
decisões proferidas sobre matéria probatória ou proferidas em audiência. Iniciava-se a onda
reformista, que, ao que parece, até agora está incompleta.
Modificou-se ainda a forma de interpor o agravo de instrumento, que antes
era interposto perante o juízo a quo, para somente depois, caso não houvesse juízo de
retratação, fosse formado o instrumento e remetido ao juízo ad quem.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, de forma sucinta retrata as duas
grandes alterações trazidas na disciplina do agravo em 1995, comentando a intenção do
legislador:
A primeira Reforma do Código de Processo Civil introduziu uma série
grande de transformações radicais na disciplina legal do agravo de
instrumento, visando à maior celeridade de sua tramitação e à pronteza dos
resultados que ele visa a produzir. Foi assim, acima de tudo, a inovação na
própria sistemática de interposição desse recurso, diretamente perante o
tribunal e não mais mediante apresentação ao juízo inferior (art. 524). Tão
significante como essa foi a novidade nos poderes do relator do agravo, seja
para autorizá-lo a suspender a eficácia da decisão agravada (art. 527, inc. II),
seja para mandar que negue seguimento a esse recurso, tanto quanto a
apelação, nos casos que o art. 557 indica
147
.
Com a possibilidade de interposição direta no tribunal, ganhou-se
velocidade na apreciação da questão. Já com a possibilidade de concessão de efeito
suspensivo, eliminou-se a prática de utilizar-se o mandado de segurança com essa finalidade.
147
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 177.
107
3.5 A REFORMA DE 2001
Se a primeira grande alteração na sistemática do agravo demorou mais de 20
(vinte) anos para acontecer, a segunda foi mais breve. Seis anos após o advento da Lei
9.139/1995, foi editada a Lei 10.352, de 26 de dezembro de 2001, com nítida intenção de
limitar ainda mais as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento.
Procedeu-se assim a uniformização do procedimento anteriormente previsto
para o procedimento sumário. Além disso, surgiu o critério de periculum in mora, para
permitir a utilização do agravo de instrumento e a possibilidade de conversão pelo relator.
Sinteticamente, LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA nos traz as
seguintes alterações substanciais, mormente quanto ao agravo de instrumento:
Quanto ao agravo de instrumento, a Lei 10.352/2001 introduziu três regras:
(a) a obrigatoriedade da regra contida no art. 526 do CPC; (b) o
processamento e a conversão em agravo retido; e, por fim, a (c) antecipação
da tutela recursal
148
.
ARRUDA ALVIM, também traz de forma sintética a principal alteração no
sistema do agravo trazido pela Lei 10.352 de 2001:
há modificações mais profundas em relação ao recurso de agravo, dentre as
quais parece ser mais relevante a diminuição do papel do agravo de
instrumento, que poderá vir a ser convertido em agravo retido, salvo se
houver urgência ou se estiver presente a perspectiva de que ocorra leso
grave, de difícil ou incerta reparação
149
.
Porém, como relata MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO a opção de
conversão do agravo de instrumento em agravo retido, que se bem aplicada tornaria
148
CUNHA, op. cit., p. 301.
149
ARRUDA ALVIM. Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001. In Aspectos
Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Vol. 6. Coord.
Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2002. p. 63.
108
desnecessária boa parte da reforma de 2005, não foi “adotada” amplamente pelos julgadores,
visto que:
A possibilidade de conversão, ao que se observa da experiência, não
entusiasmou os relatores. Compreende-se: ela reclama exame do caso (para
verificar se ele a admite ou não) e, se é para examiná-lo, melhor aproveitar
essa oportunidade para decidi-lo monocraticamente ou, quando menos,
preparar o possível futuro acórdão. Seja por esta suposta razão, ou por outra
qualquer, o fato é que a conversão tem sido muito pouco utilizada
150
.
Transcorridos 4 (quatro) anos da edição de tal lei e, já em vigor uma nova a
lei a tratar do assunto, ainda que apresentando modificações apenas parciais, LEONARDO
JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA procedeu a seguinte análise das finalidades da lei e de seus
efeitos práticos:
Como se viu, a Lei 10.352/2001 tentou diminuir o fluxo de agravos de
instrumento nos tribunais, alterando várias regras atinentes ao agravo, tanto
retido como de instrumento. Parece, contudo, que as modificações
introduzidas por tal diploma legal não surtiram muito efeito
151
.
Grande parte do insucesso desta lei, foi atribuída a previsão de
recorribilidade da decisão do relator que convertesse o agravo de instrumento em agravo
retido, pois as partes acabavam sempre recorrendo, obrigando o tribunal a proferir duas
decisões. Tal constatação é verdadeira, mas demonstra a falta de “pulso” dos tribunais para
pacificar a matéria.
Não podemos partir do pressuposto que as partes, através de seus
advogados, tenham “prazer” em recorrer. Tal ato toma tempo e dinheiro! Se os tribunais
passassem a consolidar seus entendimentos sobre os casos de conversão, a longo-prazo, as
partes se “conformariam” com tal decisão e o número de recursos diminuiria.
150
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 320.
151
CUNHA, Leonardo op. cit., p. 302.
109
Independentemente do sucesso ou não das reformas, o certo é que já a partir
desta lei, o sistema de livre escolha entre o agravo retido e o agravo de instrumento foi
sepultado. O agravo retido seria, pela lei, regra, e o agravo de instrumento exceção,
resguardada aos casos de urgência. Isto será adiante analisado no estudo da Lei 11.187/2005,
que neste aspecto, só veio repetir, com outras palavras, o que a Lei 10.352/2001 já previa.
3.6 A REFORMA DE 2005
A Lei 11.187/2005, de 19 de outubro de 2005, “altera a Lei 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, para conferir nova disciplina ao cabimento dos
agravos retido e de instrumento e dá outras providências”
152
.
Foi fixado, para entrada em vigor de referida lei, a vacatio legis de 90
(noventa) dias, passando a mesma a vigorar a partir de 18.01.2006, sendo que a partir desta
data, por ser norma processual, deve ser aplicada, tanto aos futuros processos a serem
ajuizados como aos processos já em curso, levando-se em consideração a seguinte regra
extraída da obra de NELSON NERY JUNIOR:
No que tange aos recursos, entretanto, é preciso particularizar-se essa regra:
a lei vigente no dia em que foi proferido o julgamento é a que determina o
cabimento do recurso; e a lei vigente no dia em que foi efetivamente
interposto o recurso é a que regula o seu procedimento
153
.
A reforma na sistemática do agravo foi realizada com nítido caráter
restritivo do acesso ao segundo grau de jurisdição:
O recurso de agravo tem sido acusado, injustamente, em nosso sentir, de ser
uma das mais fortes raízes dos inúmeros males de que padece o sistema
152
BRASIL, Lei 11.187, de 19.10.2005, publicada no Diário Oficial da União de 20.10.2005.
153
NERY JUNIOR, op. cit., p. 493.
110
jurisdicional brasileiro. Apontado como um dos “pontos de
estrangulamento” do sistema, tem sido objeto de intensa atividade
legislativa, sofrendo excessivas reformas, todas voltadas – ainda que isso
não seja expressamente confessado – a reduzir sua utilização pelas partes
154
.
Sempre importante identificar-se, ao se analisar uma lei e seus efeitos, a
conjuntura que levou a apresentação do projeto e quem participou da elaboração dos estudos
preliminares. ANDRÉ PAGANI DE SOUZA traz um breve relato com essas informações:
O projeto que resultou na Lei 11.185/2005 fez parte do chamado “pacote
republicano”, apresentado pelo Presidente da República no dia 15.12.2004,
em decorrência do trabalho que vinha sendo feito pela Secretaria de Reforma
do Judiciário do Ministério da Justiça. O Instituto Brasileiro de Direito
Processual participou da elaboração do projeto, cujo texto foi modificado
posteriormente pelo governo. Na Câmara dos Deputados o projeto teve como
relator o Deputado José Eduardo Cardozo, do PT de São Paulo, tendo
recebido o n. 4.727/2004. Houve apenas uma emenda ao projeto para fazer
constar expressamente do § 3º do art. 523 que o agravo retido das decisões
proferidas na audiência de instrução e julgamento deve ser interposto
oralmente. Após a aprovação do texto e da emenda pela Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o projeto foi enviado ao
Senado Federal, onde recebeu o n. 72/2005. O relator no Senado foi o
Senador Edison Lobão, do PFL do Maranhão. O projeto foi aprovado sem
emendas pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e em
21.09.2005 foi aprovado pelo Congresso Nacional, tendo sido sancionado
pelo Presidente da República no dia 19.10.2005
155
.
Percebe-se, portanto, que o projeto que deu origem à lei ora em comento,
não foi elaborada no “apagar das luzes”, como ocorre muitas vezes, geralmente para
beneficiar o próprio legislador ou para atender os interesses de lobbies de grandes setores
econômicos. Além disso, o projeto não foi elaborado por leigos, mas sim pela Secretaria,
dentro do Ministério da Justiça, encarregada única e exclusivamente de tratar das reformas do
Poder Judiciário.
154
WAMBIER, op. cit., p. 238.
155
SOUZA, André Pagani. O Regime de retenção do agravo como regra geral. In Aspectos Polêmicos e Atuais
dos Recursos Cíveis. Vol.10. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p.
13/14.
111
Além disso, ressalte-se a participação do Instituto Brasileiro de Direito
Processual, o que permitiu (ou deveria permitir), que as alterações fossem tecnicamente
viáveis e atendesse os anseios, tanto dos operadores do Direito, como dos jurisdicionados,
permitindo uma tutela jurisdicional mais célere e econômica.
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO traz informações também relevantes sobre
o contexto de elaboração e promulgação de referida lei:
Esta Lei 11.187/2005 foi a primeira sancionada, de uma série de projetos
remetidos ao Congresso pelo Poder Executivo em dezembro de 2004, no
assim chamado “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e
Republicano”, sob sugestões do Instituto Brasileiro de Direito Processual –
IBDP, da Associação Brasileira de Magistrados – AMB, da Associação de
Juízes Federais – Ajufe e de juristas e outras instituições. O projeto desta lei
terá decorrido basicamente de proposta da AMB, com o intuito maior de
erigir o agravo pela modalidade retida como sendo o recurso em regra
cabível para impugnação às decisões interlocutórias proferidas em primeira
instância, deixando o agravo por instrumento para os casos de provimentos
judiciais de urgência, capazes de resultar em prováveis danos graves
156
.
Evidente, pois a esmagadora influência da magistratura na elaboração do
projeto em que resultou a promulgação da Lei 11.187/2005.
Após a reforma do agravo pela Lei 11.187/2005, a doutrina alardeou como
principais mudanças, sendo que algumas já foram brevemente comentadas acima, o regime de
retenção do agravo como regra geral e a irrecorribilidade da decisão do relator, que converte o
agravo de instrumento em agravo retido.
A segunda alteração, irrecorribilidade da decisão proferida pelo relator,
efetivamente foi significativa. A primeira, na verdade, apenas reforçou uma regra que já
vigorava desde 2001, conforme adiante se verá de forma mais detalhada, mormente quando
tratarmos dos problemas envolvendo a falta de possibilidade de escolha entre os dois regimes
156
CARNEIRO, op. cit., p. 39.
112
de agravo cabíveis contra as decisões proferidas pelo juízo de primeira instância, motivo pelo
qual discordamos da afirmação de GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA de que:
[...] o panorama legal, na verdade, é diverso daquele existente até então,
mesmo após a Lei 10.352/2001. Com a presente Lei 11.187/2005, o agravo
de instrumento passou a ser excepcional (art. 522), e a sua conversão para
agravo retido tornou-se imperativa (art. 527, II)
157
.
Desta falta de novidade, porém, trataremos adiante, demonstrando que as
alterações, quando a adoção do agravo retido como regra, foram apenas de “fachada”, pois a
essência já vinha regulamentada no bojo da Lei 10.352 de 2001.
Mas voltando as alterações trazidas pela Lei 11.187/2005, ao lado das
supostas duas grandes alterações, obviamente, outras alterações, principalmente
procedimentais ocorrerão, seja explicitamente, como o caso de necessidade (em regra) de
interposição de agravo retido oral e imediato das decisões proferidas em audiência de
instrução e julgamento, seja implicitamente, por necessidade de adaptação ao novo
regramento, como o problema da resposta ao agravo interposto na supracitada audiência (oral
e imediata ou por escrito em 10 (dez) dias?).
BRUNO DANTAS NASCIMENTO procurou enumerar as alterações
trazidas pela Lei 11.187/2005, as quais serão citadas aqui de forma breve, e sem maior
aprofundamento, com o fito único de propiciar uma visão geral das alterações trazidas pela
nova reforma, sendo os efeitos e problemas comentados em tópicos próprios:
A nova lei, composta de três artigos, modifica os arts. 522, 523 e 527 do
CPC e tem, essencialmente, as seguintes conseqüências práticas: (i) a nova
redação do caput do art. 522 reafirma o que a Lei 10.352, de 2002, já havia
feito de forma menos ostensiva: fixar que o recurso tido como regra para a
impugnação de decisões interlocutórias é o agravo na forma retida; (ii) ainda
157
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. A nova disciplina do agravo no processo civil decorrente da Lei
11.185/2005. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol.10. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa
Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 145.
113
em razão da nova redação do caput do art. 522, o agravo de instrumento
passa a ser cabível apenas nas seguintes situações excepcionais: (a) para
atacar a decisão que inadmitir a apelação; (b) para impugnar a decisão
relativa aos efeitos em que a apelação é recebida; e (c) em situações
urgentes, quando a decisão recorrida puder causar lesão grave e de difícil
reparação; (iii)
da interpretação conjugada do caput do art. 522 com o § 3º
do art. 523, alcança-se a conclusão de que, em regra, o prazo para o recurso
de agravo continua a ser de 10 dias, salvo quando a decisão for proferida em
audiência de instrução e julgamento, hipótese em que ele deverá ser
interposto imediata e oralmente. A mesma regra, todavia, não se aplica para
a resposta do agravo, que, por ausência de disposição expressa, deverá ser
apresentada por escrito no prazo de 10 dias; (iv) a nova redação do inc. II e
do parágrafo único do art. 527 amplia os poderes do relator do agravo de
instrumento, facultando-lhe, por decisão insuscetível de reexame pelo
colegiado, exercer juízo prévio e isolado acerca do cabimento do recurso,
podendo convertê-lo em agravo retido; (v) além do que observamos no item
iv, o novo parágrafo único do art. 527 torna irrecorríveis, ainda, as decisões
liminares do relator do agravo de instrumento que atribuírem efeito
suspensivo ou deferirem a antecipação da tutela recursal (CPC, art. 527,
III)
158
Nos dois primeiros tópicos (i e ii), o doutrinador deixa claro que a mais
propalada novidade da nova disciplina do agravo, não se trata de efetiva novidade, podendo,
no máximo, ser classificada como um reforço mais detalhado da regra que já havia sido
instituída na reforma anterior do recurso de agravo. Esta matéria será analisada, de forma
mais detalhada no tópico seguinte.
A terceira (iii) conclusão do autor, já foi objeto de comentário (e parcial
discordância), no item intitulado “O problema da obrigação de interposição oral do agravo
retido em audiência de instrução e julgamento”.
Os dois últimos itens (iv e v), tratam da problemática envolvendo a
irrecorribilidade das decisões proferidas pelo relator, ao converter o agravo de instrumento em
agravo retido e ao atribuir efeito suspensivo ou deferir a antecipação de tutela recursal. Estas
alterações são efetivamente significativas e serão estudadas com maior afinco, em especial
158
NASCIMENTO, Bruno Dantas. Inovações na Regência do Recurso de Agravo trazidas pela Lei 11.187/2005.
In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol. 9. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 60.
114
ante os problemas que poderão decorrer de tal reforma, em especial com a volta da utilização
maciça do mandado de segurança como sucedâneo recursal.
Dentro deste contexto, as inovações trazidas buscam dar continuidade às
alterações que já vinham sendo realizadas paulatinamente, timidamente pela Lei 9.139/1995,
passando pela Lei 9.756/1998 e culminando com a Lei 10.352/2001, sempre procurando
prestigiar a celeridade, mesmo que em prejuízo de outros valores do processo civil moderno,
como a segurança jurídica:
A inovação segue a linha ousada experimentada nos últimos anos, que se
caracteriza por alçar a celeridade a patamar elevado, sobrepondo-a, quando
necessário, ao devido processo legal, mediante a supressão de algumas
garantias para que se observe a efetividade do processo em seu grau último.
Por isso, a nova lei deve ser observada com parcimônia
159
.
Com esta visão ampla das reformas, pretende-se agora, analisar criticamente
as alterações trazidas pela nova norma, atendendo assim aos ensinamentos de KAZUO
WATANABE:
O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores
resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da
utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais –
prestigiando ou adaptando ou reformulando os institutos tradicionais, ou
concebendo institutos novos – sempre com a preocupação de fazer com que
o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se
destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento
à efetiva realização dos direitos
160
.
A análise será procedida de forma bastante crítica, até porque, como já
analisado em outros tópicos, entendemos pela falta de legitimidade da lei no que concerne a
seu único objetivo: reduzir o número de agravos nos tribunais. Isto porque, conforme bem
159
TEDESCO, op. cit., p. 416.
160
WATANABE, op. cit., p. 16.
115
afirma HEITOR VITOR MENDONÇA SICA, o problema do congestionamento nos tribunais
não passa, exclusivamente, pelo suposto número excessivo de agravos de instrumento:
Muitas são as causas desse quadro desolador: a insuficiência de juízes, a
precariedade da estrutura física do Poder Judiciário, a excessiva litigiosidade
do Estado em suas diversas esferas e outras tantas que estão direta ou
indiretamente relacionadas aos problemas socioeconômicos de nosso país
161
.
161
SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recorribilidade das interlocutórias e reformas processuais: novos horizontes
do agravo retido. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outros meios de impugnação às
decisões judiciais. Vol. 8. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2005. p.
162.
116
4 CRÍTICAS A LEI 11.187/2005
4.1 OS PROBLEMAS ENVOLVENDO A FALTA DE POSSIBILIDADE DE ESCOLHA ENTRE O
AGRAVO RETIDO E O AGRAVO DE INSTRUMENTO
Conforme já exposto em diversas passagens do presente trabalho, desde
2001, com a advento da Lei 10.352, pode-se afirmar que a escolha entre a interposição de
agravo retido e de agravo de instrumento, deixou de ser opção da parte prejudicada. Logo, a
reforma de 2005 não trouxe qualquer mudança substancial quanto a este aspecto, como bem
informa ATHOS GUSMÃO CARNEIRO ao comparar os textos da lei nova com a lei
revogada, mais precisamente no seu artigo 522:
Observações: Nenhuma maior novidade; na prática, o que realmente ocorreu
foi a transferência para o (longo) texto do “novo” art. 522 de regras que
constavam do (agora revogado) § 4º do art. 523. Note-se, outrossim, que a
menção aos casos em que o agravo de instrumento é permitido apresenta-se
absolutamente lacunosa, como veremos
162
.
Nem mesmo a “maquiagem” no texto, como a alteração da expressão
“poderá converter” por “converterá”, trará qualquer alteração prática na aplicação da norma,
pois como será visto adiante, não há discricionariedade no ato jurisdicional. Quando a lei diz
“poderá converter”, está na verdade dizendo “converterá”, desde que presentes os
pressupostos a justificar tal conversão. Por isso, o entendimento de GUSTAVO FILIPE
BARBOSA GARCIA de que agora a conversão é obrigatória e não mais mera faculdade do
162
CARNEIRO, op. cit., p. 39.
117
relator
163
, não pode prosperar, pois discricionariedade jamais houve. Como, diz LEONARDO
JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, na melhor das hipóteses, a alteração terá força psicológica
sobre os relatores:
A modificação do tempo verbal talvez tenha uma força psicológica,
destinando-se a “convencer” os relatores a efetivamente aplicarem a regra, a
fim de determinarem a conversão do agravo de instrumento. Não se pode
entender que, na redação anterior, ao relator se conferia uma faculdade para
converter o agravo de instrumento em agravo retido, vindo a regra, agora,
com a “alteração”, a encerrar conteúdo cogente, obrigatório, imperativo
164
.
Esta decisão do legislador, demonstra o movimento cíclico do direito
processual, vez que, conforme também já dito alhures, na vigência do Código de Processo
Civil de 1939, o agravo de instrumento possuía um rol taxativo de situações de cabimento.
Não queremos aqui dizer que a reforma trouxe o sistema aos moldes do Código revogado,
mas sim que volta a restringir a escolha entre as modalidades de agravo.
Neste movimento cíclico, exsurge uma série de incoerências nos institutos
processuais, maltratados pelas constantes e, às vezes impensadas modificações. Vejamos dois
aspectos questionáveis acerca do procedimento de conversão do agravo de instrumento em
agravo retido. No artigo audiência de instrução e julgamento: decisões interlocutórias e meios
de impugnação, os autores afirmaram, corretamente que:
O Código de Processo Civil de 1973 manteve o agravo de instrumento,
extinguiu-o de petição e criou o agravo na forma retida. O agravo de
instrumento, cabível contra decisão interlocutória, era interposto em primeira
instância, tramitava perante o juízo recorrido e nunca tinha efeito
suspensivo, o que resultou em tribunais lotados de mandados de segurança
objetivando, em decisão liminar, o efeito suspensivo
165
.
163
GARCIA, op. cit., p. 147.
164
CUNHA, op. cit., p. 305.
165
AFONSO, Aline Valério Bueno Pereira Afonso; BERNABÉ, Luciene Resende do Prado; CABRINI, Marilisa
Ravelli; PREIS, Melissa Sabaini Furlan; FERREIRA, Antonio Rafael Marchezan. Audiências de instrução e
118
Agora, dentro da sistemática implantada pela Lei 11.187 de 2005, o agravo
retido tornou-se a regra e o agravo de instrumento exceção. Porém, se a parte optar pelo
agravo de instrumento e o relator entender pelo equívoco da parte, converterá o agravo de
instrumento em agravo retido, e, desta decisão não caberá recurso. Voltamos, portanto, a nos
valer do texto do artigo acima citado:
Se a opção pelo agravo de instrumento for feita equivocadamente, o relator
poderá fazer a conversão em retido, decisão da qual não cabe recurso (art.
527, § único), sendo possível apenas o pedido de reconsideração que, se não
for acolhido, o remédio processual será o mandado de segurança
166
.
Obviamente, o problema da utilização do mandado de segurança como
sucedâneo recursal, que tanto “atravancou” os tribunais poderá voltar a tona com a
irrecorribilidade da determinação da conversão do agravo retido. Por isso, a afirmação dos
autores citados no sentido de permissão de conversão no caso de “equívoco” na escolha do
agravo de instrumento, deve ser observada com bastante cuidado. E se o “equívoco” não for
da parte que manejou o agravo de instrumento? E se o equivocado for o relator que
determinou a conversão? E se o prejuízo causado por tal conversão for grave e irreversível ou
de dificílima reparação?
Nestes casos, infelizmente, não haverá como se conceber que a parte
amargue o prejuízo calada. Tolhendo o ordenamento os meios recursais de insurgência, a
parte prejudicada poderá, legitimamente valer-se de sucedâneos recursais, e, entre estes,
sempre se destaca o mandado de segurança.
Agora, novamente é de se perguntar: o que levaria a uma solução mais
econômica e célere: a possibilidade de recurso desta decisão ou o ajuizamento de um novo
julgamento: decisões interlocutórias e meios de impugnação. Revista de Ciências Jurídicas e Sociais da Unipar.
Umuarama. Vol 9, n. 1. p. 173, jan/jun., 2006.
166
Ibid., p. 174, jan/jun., 2006.
119
processo, com necessidade de pagamento de custas, citação, apresentação de defesa,
possibilidade de recurso de apelação, etc.?
Por isso, entendemos que no atual estágio de evolução da ciência jurídica,
onde reinam os conceitos abertos, as medidas executivas não taxativas, a possibilidade de
coerção direta e indireta, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela e etc, não se
pode conferir o status de irrecorribilidade a decisões que podem trazer graves prejuízos a
parte, como é o caso da decisão que determina a conversão do agravo de instrumento em
agravo retido, nos termos do artigo 527, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Discordamos assim do entendimento de BRUNO NASCIMENTO
DANTAS para quem, “a nova regra aproxima nosso sistema do necessário equilíbrio entre os
valores celeridade e segurança”
167
. A concordância do autor com o regime instituído (ou
reforçado) pela Lei 11.187/2005, tem como base a consagração da antecipação da tutela
jurisdicional, o que impediria o retorno ao regime da irrecorribilidade das decisões
interlocutórias, advertindo ainda que tal retorno seria inviável:
Isto porque, como se sabe, tal regime pressupunha um procedimento
altamente concentrado e oral, no qual todas as questões eram resolvidas na
audiência de instrução e julgamento, o que, decerto, não se compatibiliza
com nosso procedimento ordinário
168
.
Para reforçar este ponto, justificando a impossibilidade de irrecorribilidade
absoluta das decisões interlocutórias, interessante a lição de BARBOSA MOREIRA:
Mas até agora a ninguém ocorreu sugerir que se adote um sistema desse
feitio para a totalidade dos pleitos, e a razão é igualmente óbvia: a celeridade
não constitui o único valor em jogo, e o legislador processual, aqui e alhures,
dificilmente se animaria a sobrepô-la de modo tão radical a quaisquer outros.
O que sugere o bom senso é tentar encontrar o justo ponto de equilíbrio entre
as solicitações contrapostas que aí se manifestam; e, para isso, muito
167
NASCIMENTO, op. cit., p. 61.
168
Ibid., p. 62.
120
ajudaria que tivéssemos elementos objetivos, colhidos na realidade
quotidiana do foro e dotados de confiabilidade superior à das nossas
variáveis experiências pessoais – ou, a fortiori, das meras impressões pelas
quais não raro nos deixamos guiar
169
.
Neste ponto concordamos integralmente com os autores. Pensar em um
retorno ao sistema de irrecorribilidade das decisões interlocutórias é impensável dentro do
atual sistema processual brasileiro. Felizmente, a partir de 1994, algumas “amarras” do
sistema liberal foram rompidas, deixando de lado a excessiva ordinarização e monetarização
do processo, criando-se tutelas jurisdicionais diferenciadas para a proteção de certos direitos.
Criou-se a possibilidade de concessão de antecipação dos efeitos da tutela. O artigo 461
trouxe maior efetividade a execução das obrigações de fazer e não fazer. Posteriormente, tal
efetividade foi permitida as obrigações de dar, através da inserção do artigo 461-A ao Código
de Processo Civil.
Todas estas alterações criaram uma gama infindável de decisões que podem
ser proferidas, com base em cognição por vezes sumária, mas capazes de gerar efeitos
concretos e severos sobre o direito das partes. Não se trata, como no sistema antigo, de
“mera” sentença condenatória, que, por si, nenhuma mudança trazia no plano fático. Dentro
desta nova realidade, quando as decisões proferidas no curso do processo ganham cada vez
mais importância, querer proclamar a irrecorribilidade das decisões interlocutórias é um
contra-senso.
A Justiça do Trabalho sofre hoje sérios problemas envolvendo a adoção da
irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Tal problema se agravou após a reforma
processual de 1994, que instituiu através do artigo 273 a antecipação dos efeitos da tutela,
inquestionavelmente aplicável aquela Justiça Especializada por força do artigo 769 da
169
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p.
143.
121
Consolidação das Leis do Trabalho, que prega a aplicação subsidiária das normas processuais
comuns.
Inúmeras decisões concessivas ou denegatórias de antecipação de tutela
acabam gerando conseqüências gravíssimas, tanto ao autor como ao réu. Basta pensar em uma
trabalhadora que é demitida grávida, sendo, portanto, portadora de estabilidade provisória no
emprego nos termos do artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, até 5 (cinco) meses após o parto.
Ante a sua demissão arbitrária e ingressando com a reclamatória trabalhista,
a trabalhadora poderá solicitar a antecipação dos efeitos da tutela, ante a verossimilhança de
suas alegações e ante o dano irreparável que pode advir da sua demissão (impossibilidade de
seu sustento e de sua família, ante a perca de sua única fonte de renda, qual seja, o salário,
com possíveis prejuízos a condução saudável de sua gravidez).
Porém, o magistrado a quo pode indeferir a tutela antecipada, alegando, por
exemplo que a Autora não havia comunicado o empregador de seu estado gravídico. Tal tese
viola frontalmente a Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho que assim dispõe em seu
inciso I, que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao
pagamento da indenização decorrente da estabilidade.
Em que pese à violação, inclusive ao entendimento sumulado do Tribunal
Superior do Trabalho, a decisão do magistrado a quo será irrecorrível. A situação é absurda e
acaba permitindo o manejo do mandado de segurança como sucedâneo recursal. É obvio que
nestes casos deve existir uma forma de recurso para reforma da decisão do magistrado de
primeiro grau. Porém, prefere-se em nome da hipotética irrecorribilidade das decisões
interlocutórias, se “transformar” o mandado de segurança em “agravo de instrumento”,
onerando e dificultando o trabalho das partes.
122
Que este exemplo sirva de lição ao reformista civil. Não basta simples regra
de irrecorribilidade, pois dentro do sistema constitucional, nenhum tribunal permitirá que uma
decisão como a acima citada seja irrecorrível. Pouco importará a afirmação de que de
determinada decisão não caberá agravo de instrumento, se, na prática o mandado de segurança
fará às vezes de agravo de instrumento, sendo apenas mais oneroso as partes e ao Estado.
Frise-se ainda que na Justiça do Trabalho, inquestionavelmente, grande
parte das ações versa apenas sobre o pagamento de verbas trabalhistas, consubstanciando-se,
portanto, em ações do rito ordinário ou sumaríssimo que visam a constituição de um título
executivo judicial.
Já no processo civil, existe uma enormidade de procedimentos especiais,
bem como as situações fáticas narradas cotidianamente são infindáveis. Portanto, se na Justiça
do Trabalho, com sua uniformidade procedimental já existe dificuldade no sistema de
irrecorribilidade de decisões interlocutórias, na Justiça Estadual e Federal este sistema seria
absolutamente impraticável.
É certo que parte da doutrina defendia a tese da adoção do agravo retido
como regra, destacando-se o posicionamento de HUMBERTO THEODORO JUNIOR, que
em artigo datado de agosto de 2003, ou seja, muito antes da reforma realizada pela Lei
11.187/2005 já tinha este posicionamento, bem como já defendia a irrecorribilidade da
decisão do relator que converte o agravo de instrumento em agravo retido. Este entendimento,
como já citado alhures, vem respaldado apenas na tentativa de desafogar os tribunais. É o que
se extrai da seguinte lição do doutrinador mineiro, ao comentar a reforma de 1995, implantada
pela Lei 9.139, de 30 de novembro:
Adveio, porém, um gravíssimo congestionamento do segundo grau de
jurisdição: as partes, animadas pelo acesso fácil à instância recursal e pela
esperança de suspender de plano a decisão interlocutória adversa, passaram a
recorrer sistematicamente de todo e qualquer decisório da espécie. A
avalanche de agravos atingiu proporções inusitadas, ingurgitando as pautas
123
de julgamento dos tribunais. O congestionamento que se procurou evitar em
primeira instância se deslocou para a segunda instância. De qualquer modo o
alongamento do processo como um todo e o distanciamento da solução final
da causa continuaram desprestigiando a prestação jurisdicional
170
.
JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO também cita como motivo da
reforma processual de 2005, a tentativa do legislador de desestimular a utilização do agravo
por instrumento:
O que vem ocorrendo nas últimas reformas processuais é uma tentativa de
desestimular a utilização do agravo por instrumento, considerando o
acúmulo desse recurso nos tribunais ordinários, com o conseqüente estímulo
ao manejo na modalidade retida nos autos
171
.
Outro problema sério que poderá advir da regra geral de retenção do agravo
será a manipulação desta regra pelo réu procrastinador, que se valendo do regime de retenção,
poderá retardar a solução final do litígio. É o que nos adverte BRUNO DANTAS
NASCIMENTO, em que pese a sua condição de defensor das restrições ao agravo de
instrumento:
Embora a restrição do agravo seja positiva, é necessário que se tenha
consciência de que, em muitos casos, a retenção do agravo será um
mecanismo a favorecer os réus que se opõem com contumácia as pretensões
contra si dirigidas, e que, diante de uma nulidade no inicio do processo,
permitirão que este ultime sua tramitação e receba sentença de mérito, par,
só ao final, obter o conhecimento e provimento do agravo retido, com a
conseqüente anulação de todo o feito, já em sede de apelação (ou seja, após
decorrido grande lapso temporal, em flagrante prejuízo da parte ex
adversa)
172
.
170
THEODORO JUNIOR, THEODORO JUNIOR, Humberto. O problema da recorribilidade das
interlocutórias no processo civil brasileiro. In www.abdpc.org.br, acesso em 21 de setembro de 2006, às
18h30min.
171
ARAÚJO, op. cit., p. 206.
172
NASCIMENTO, op. cit., p. 64.
124
Obviamente este problema não ocorrerá apenas no caso de má-fé do
litigante. Pelo contrário, este problema ocorrerá corriqueiramente, trazendo um dano marginal
incomensurável à parte. Mas deste tipo de ocorrência, com a devida exemplificação, se
discorrerá no tópico seguinte, onde se analisará o que vem a ser lesão grave ou de difícil
reparação para fins de permissão do manejo do agravo de instrumento.
Assim, como já falamos em diversas oportunidades, não foram problemas
técnicos que levaram a criação do agravo retido como regra geral, mas sim o suposto
excessivo número de agravos nos tribunais. Ora, não se move uma palha para modificar-se a
estrutura dos tribunais, como também não se aponta, em termos técnicos a necessidade de
modificação do procedimento do agravo. A única alegação é: existe muito trabalho para os
magistrados de segundo grau! ATHOS GUSMÃO CARNEIRO reitera que as sucessivas
mudanças no recurso de agravo visam, sobretudo, atender os anseios dos magistrados de
segundo grau que se sentem assoberbados pelo excessivo número de agravos interpostos:
Como decorre da sucessão de leis relativas ao regime do agravo, o legislador
vem buscando incentivar o emprego do agravo sob a forma retida, tendo em
vista inclusive as críticas (principalmente de magistrados de segundo grau)
alusivas ao superlativo número de agravos de instrumento pendentes nos
tribunais
173
.
Assim, partilhamos do ponto de vista de FLÁVIO BUONADUCE
BORGES, para quem o excesso de trabalho nos tribunais não é motivo legitimo para as
alterações legislativas. O agravo tem uma função e vem cumprindo com esta função. Compete
ao Estado propiciar os meios materiais para que a “engrenagem” continue a funcionar”:
A regra, agora, seria a forma retida. E, ao que parece, isto se deu,
principalmente, sob a alegação de que o agravo de instrumento é utilizado de
forma indiscriminada, inviabilizando os tribunais brasileiros, em face do
elevado número de interposições. Contudo, a nosso ver, tal assertiva não
173
CARNEIRO, op. cit., p. 37.
125
justifica uma alteração tão substancial do referido recurso. O fato dos
tribunais estarem abarrotados de agravos de instrumento não ensejaria, por si
só, uma tentativa de supressão tão evidente do recurso. O que poderia
motivar uma modificação tão profunda seria, por exemplo, um
desvirtuamento na sua utilização, não servindo para o objetivo a que foi
criado, qual seja, a revisão de decisões interlocutórias
174
.
Não observa o legislador, porém, que a atual fase do direito processual civil
brasileiro, justifica o excessivo número de aumento dos agravos não por simples “prazer de
recorrer”, mas sim pela bem vinda criação de mecanismos para dar efetividade aos processos.
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO que acima relatou os motivos da reforma, explica com
exemplar clareza esta situação, para em seguida dar exemplos de situações que não podem
aguardar para serem revistas apenas no caso de interposição da apelação:
Vale, todavia, reiterar que a pletora de agravos é de certa forma inerente ao
processo civil moderno, em que as exigências de celeridade na solução
(ainda que provisória) da lide levaram o legislador, no Brasil como alhures, a
autorizar, sob cognição superficial, a concessão liminar de providências
cautelares e de antecipações dos efeitos da (provável) futura sentença de
procedência. Na realidade processual contemporânea, as interlocutórias
multiplicam-se, muitas com efeitos os mais relevantes no andamento e na
decisão da causa, impondo-se assim a previsão de um recurso que seja útil à
parte que razoavelmente invoque prejuízos delas decorrentes. E neste ponto
é mister ponderar que, conforme o caso, o emprego do agravo retido poderá
revelar-se ineficaz; realmente, é com freqüência necessário que o (alegado)
gravame seja de logo examinado e (se procedentes as alegações do
recorrente) afastado, pois quaisquer providências mais tardias serão
inoperantes naquelas hipóteses em que o dano venha a qualificar-se como
irreparável, ou de reparação difícil e incompleta. Se um inventariante é sem
justo motivo destituído; se o levantamento de dinheiro é autorizado sem
garantia eficaz de sua eventual restituição futura; se uma perícia é denegada
e os vestígios do ilícito irão desaparecer em breve; se a ação reconvencional
é pelo juiz tida como inadmissível; se não é autorizada a alienação imediata
de mercadoria perecível; etc.[...].
175
Certo, portanto, que em virtude da proliferação, diga-se de passagem,
necessária, das decisões concessivas de medida cautelar ou antecipatória de tutela, calcada em
cognição não exauriente, natural o aumento de agravo nos tribunais. Competiria aos tribunais
174
BORGES, op. cirt., p. 190.
175
CARNEIRO, op. cit., p. 38.
126
se reestruturem para atender a demanda e não a cada dificuldade pleitear a reforma do sistema
recursal, massacrado pelo já citado “fogo de artilharia reformadora”.
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ RODRIGUES WAMBIER
E JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, retratam esta situação:
Mas o que se tem que perceber é que, diante da proliferação das liminares,
decorrência direta e inexorável da atual redação dos arts.273, 461 e 461-A,
realmente não é possível se estreitar exageradamente o acesso ao 2º grau de
jurisdição. À atribuição de maiores poderes ao magistrado de 1º grau deve
corresponder, necessariamente, uma larga margem de controle das decisões
desse juízo pelos tribunais, acompanhada de permanente processo de
aprimoramento na formação intelectual e ética da magistratura
176
.
Obviamente o agravo de instrumento, em tese, continuará a atender a esta
função, mas o regime de retenção como regra e a irrecorribilidade das decisões do relator será
campo propício à perpetuação de erros judiciários, mormente ante a proliferação de conceitos
indeterminados em nosso ordenamento jurídico, fato que dificulta sobremaneira a
interpretação jurídica.
Apenas para prestar um esclarecimento quanto a utilização do termo
conceito indeterminado, seguindo o ensinamento de EROS ROBERTO GRAU, evidente a
imprecisão terminológica desta expressão, pois os conceitos, por sua natureza, contêm idéias
universais. Logo, por esta natureza, os conceitos não podem ser vagos e nem indeterminados.
Assim, o que é indeterminado é o termo que a expressa e não o conceito
177
. Porém, a
expressão “conceito indeterminado” alcançou, ousamos afirmar, uma unanimidade na
doutrina, motivo pelo qual será assim utilizada no transcurso deste trabalho.
Mas o que são estes conceitos indeterminados? Para EROS ROBERTO
GRAU indeterminados são as expressões:
176
WAMBIER, op. cit., p. 239.
177
GRAU, op. cit., p. 72.
127
[...] cujos termos são ambíguos ou imprecisos – especialmente imprecisos –
razão pela qual necessitam ser completados por quem os aplique. Neste
sentido, talvez pudéssemos referi-los como conceitos carentes de
preenchimento com dados extraídos da realidade. Daí a afirmação, que
introduzo, de que os parâmetros para tal preenchimento – quando se trate de
conceito aberto por imprecisão – devem ser buscados na realidade, inclusive
na consideração das concepções políticas predominantes, concepções essas
que variam conforme a atuação das forças sociais
178
.
Após tecer várias considerações sobre as alterações trazidas pela Lei
11.187/2005, tratando as reformas artigo por artigo e, exemplificando com salutar singeleza,
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO chega a uma conclusão que nos parece acertada:
Tudo sucintamente considerado, cumpre indagar: irá o legislador conseguir,
com a aplicação da nova lei, o objetivo de erigir o agravo retido como o
“agravo-padrão”? Devo manifestar fundadas dúvidas. Bem pensando, o
recurso-padrão das interlocutórias era, e continuará a ser, o agravo por
instrumento, permissivo de um breve solução da questão incidental,
mantendo-se o agravo retido numa posição ancilar, empregado em
hipóteses de menor importância
179
.
E aqui aplauso merece o doutrinador citado, pois deixou de lado os tão
alardeados problemas envolvendo o assoberbamento dos tribunais, procedendo uma análise
técnica e jurídica do problema e, dentro deste contexto, não há como se negar que o agravo de
instrumento responde aos anseios das partes de forma mais eficaz e célere que o agravo
retido, permitindo a imediata apreciação da decisão pelo tribunal, evitando-se, muitas vezes, a
determinação do retorno dos autos para a prática de atos e novo julgamento.
Não pode o legislador estipular regras que firam o acesso, ao que LUIZ
GUILHERME MARINONI chamou de direito fundamental a tutela jurisdicional efetiva. Isto
porque tal direito fundamental incide sobre o legislador e sobre o juiz. No caso em que o
legislador, no afã de reduzir o número de agravos nos tribunais cria norma capaz de impedir a
efetivação do direito da parte, cabe ao magistrado sanar a situação:
178
GRAU, op. cit., p. 72.
179
CARNEIRO, op. cit., p. 46.
128
Contudo, como o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva também
incide sobre a jurisdição – até porque constitui a contrapartida do dever
estatal de proteção (que não é apenas do legislativo) -, o juiz tem a obrigação
de extrair da regra processual a técnica adequada à tutela das necessidades
de direito material reveladas no caso concreto. Na verdade, a procura da
técnica processual adequada exige não apenas a interpretação da norma
processual de acordo com o direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva, mas também, para se evitar a declaração da sua
inconstitucionalidade, o seu tratamento através das técnicas da interpretação
conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto.Assim,
por exemplo, ao analisar a norma que afirma que a tutela antecipatória não
pode ser concedida quando puder causar efeitos irreversíveis ao réu, o juiz,
ao invés de declarar a sua inconstitucionalidade, deverá concluir que o texto
legal apenas proíbe a sua concessão quando o valor do direito do réu, diante
do caso concreto, não justificar tal risco. Isso porque o risco de prejuízo
irreversível, como é óbvio, por si só não pode impedir a concessão da tutela
antecipatória, pois a proteção adiantada do direito tem como requisitos o
risco de irreversibilidade ao direito do autor e a sua probabilidade. Ora, se o
direito do autor é provável e está sendo ameaçado de lesão (e isso é
premissa para a concessão da tutela antecipatória), é completamente
irracional e injustificável pensar que o direito do réu – que então é
improvável – não pode ser exposto a risco. Mas, o que realmente importa, na
linha que está sendo desenvolvida, é a interpretação da norma processual de
acordo com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. A
interpretação de acordo com esse direito fundamental (que é processual)
requer que a interpretação da regra processual seja feita segundo as
necessidades de direito material particularizadas no caso concreto. Ou seja,
a interpretação de acordo com o direito fundamental à tutela jurisdicional
efetiva exige a percepção da natureza instrumental da norma processual, ou
melhor, a compreensão de que ela deve permitir ao juiz encontrar uma
técnica processual idônea à tutela das necessidades do caso conflitivo.
Portanto, a interpretação de acordo com o direito fundamental à tutela
jurisdicional efetiva outorga ao juiz a obrigação de identificar as
necessidades do caso concreto e de descobrir a técnica processual idônea
para lhe dar efetividade
180
.
Na verdade, adotando ou não as nomenclaturas e as teses de MARINONI, o
certo é que nossos tribunais já vinham, acertadamente, abrindo exceções a regras, mutatis
mutandis, como a instituída pela Lei 11.187/2005. É o caso da regra prevista no art. 542, § 3º,
do Código de Processo Civil que determina que o regime de retenção para o recurso
extraordinário e para o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória, em
processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução. Apesar da expressa disposição
180
MARINONI, op. cit., Acesso em www.professormarinoni.com.br, em 14 de julho de 2006, às 18h00min
129
legal, o Superior Tribunal de Justiça, em casos mesmo que de dano processual (por exemplo,
em decisões relativas a competência), vem determinando o processamento do recurso:
PROCESSUAL CIVIL – MEDIDA CAUTELAR – PROCESSAMENTO
DE RECURSO ESPECIAL RETIDO (ART. 542, § 3º, DO CPC) –
POSSIBILIDADE – PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO
ESPECIAL – AUSÊNCIA DE RISCO DE DANO IRREPARÁVEL – 1. A
jurisprudência desta Corte é no sentido de admitir o processamento imediato
do Recurso Especial, sem a retenção na origem prevista no § 3º do art. 542
do CPC, quando isso for indispensável para evitar que o julgamento
postergado acarrete irremediável prejuízo do próprio recurso. 2. Na hipótese
em que se discute a competência para apreciação e julgamento de ação
indenizatória, postergar o julgamento para o momento em que será apreciada
a decisão final da causa, significa, na prática, a possibilidade de um processo
ter trâmite perante um juízo incompetente, o que acarretará a sua eventual
anulação, após uma exaustiva atuação jurisprudencial, causando prejuízos a
ambas as partes litigantes. 3. Em situações excepcionais, presentes o forte
risco de dano irreparável e a relevância do direito alegado, mostra-se cabível
a medida cautelar para conferir efeito suspensivo a Recurso Especial cuja
admissibilidade não foi apreciada na instância de origem. 4. A outorga de
efeito suspensivo somente se justificaria em hipótese de excepcional
urgência e relevância, o que não é o caso. 5. Medida cautelar parcialmente
procedente, para determinar o processamento do Recurso Especial retido.
181
Se neste caso, em que a norma é taxativa ao determinar a aplicação da
retenção do recurso especial e extraordinário, o Superior Tribunal de Justiça tem, muitas
vezes, atendido às exigências do caso concreto, determinando o processamento do recurso,
com certeza, no cotidiano forense a maior parte das decisões poderá (continuar a) ser atacada
através de agravo de instrumento, permitindo a fundamentação do magistrado, dentro dos
amplos limites interpretativos da expressão “lesão grave e de difícil reparação”.
Há de se refletir ainda sobre as hipóteses em que a decisão pode causar uma
lesão que nada tenha a ver com o objeto do processo e, sequer dano processual a parte
ocorrerá, mas sim um dano a terceiro. É o que nos ensina FREDIE DIDIER JÚNIOR ao
declarar que:
181
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MC 7195-RJ. 1ª T. Relator Ministro. Teori Albino Zavascki – DJU
19.04.2004 – p. 00153.
130
Existem questões que são absolutamente independentes e estranhas ao objeto
do processo; a decisão que se lhes dê em nada afetará a futura decisão sobre
o objeto do processo (quer diga respeito à admissibilidade, quer se refira ao
próprio exame do mérito), pois não tem qualquer vínculo com a questão
principal
182
.
Por último, como se percebe de uma análise entre a legislação até então
vigente e o texto do Código após a Lei 11.187/2005, nenhuma alteração substancial houve no
que concerne a intenção do legislador em atribuir ao agravo de instrumento recurso de
exceção, tornando o agravo retido a regra.
Mudou-se a redação, para pior, tornando o texto do caput do artigo 522 mais
longo, vez que o teor do § 4º, do artigo 523 lhe foi incorporado, mas a essência, neste aspecto,
é o mesmo da lei antiga. Nem mesmo a tentativa de dar maior carga imperativa à regra,
consistente na troca da expressão poderá converter, por converterá é de relevância jurídica,
como aliás já tratado no presente trabalho.
Então, é de se perguntar, se a legislação anterior não deu azo a resolver os
problemas envolvendo o agravo de instrumento, pequena alteração, meramente gramatical,
terá o condão de evitar que as partes utilizem-se amplamente do agravo de instrumento?
A resposta nos parece negativa. ANDRÉ PAGANI DE SOUZA explica que,
apesar da sistemática imposta pela Lei 10.352/2001, o problema do alegado (e justificado)
aumento da interposição de agravo de instrumento não foi resolvido:
Apesar dessa sistemática imposta pela Lei Federal 10.352/2001, foi possível
notar no dia-a-dia forense que os jurisdicionados continuaram recorrendo das
decisões interlocutórias pelo regime do agravo de instrumento, e os
tribunais, a despeito do poder conferido aos relatores pelo inc. II, do art. 527,
deixaram de converter em retidos os agravos que deveriam ter adotado esse
regime.
182
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Questões controvertidas sobre o agravo (após as últimas reformas processuais). In
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação as decisões judiciais.Vol. 7. Coord.
Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2003. p. 285.
131
O relator que recebia, e continuará recebendo um grande número de agravo
de instrumento em mãos, terá, com certeza, que proceder uma acurada análise de todo o
caderno processual para verificar, no caso concreto, se a decisão pode ou não causar grave
lesão ou de difícil reparação. Feita esta análise, a probabilidade de já ter a conclusão, quanto
ao mérito da demanda, será grande.
Racionalmente, será mais adequado optar pelo julgamento da insurgência do
recurso do que convertê-lo em agravo retido, que acarretará, provavelmente, a posteriori, a
necessidade de novo estudo para julgamento em sede de preliminar de apelação. Isso sem
contar a possibilidade de o agravante, no caso de conversão, optar pela utilização do mandado
de segurança como sucedâneo recursal, o que mais trabalho e morosidade trará ao judiciário.
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER traz citação acertada, mas que, se
efetivamente levada a efeito pelos relatores, acabará com a intenção do legislador reformista
de privilegiar a utilização do agravo retido:
A solução, contudo, pode não conduzir a resultados plenamente satisfatórios,
uma vez que, ao examinar o recurso, perquerindo se existe ou não o risco de
“lesão grave e de difícil reparação” a que se refere o art. 522, o relator,
muitas vezes, realizará exame em grau de profundidade que permitiria o
próprio julgamento do mérito do agravo de instrumento (art. 557, caput), e
não apenas a sua conversão em agravo retido. Sob este prisma,
considerando que tal decisão é irrecorrível (art. 527, parágrafo único),
pensamos que o relator somente deverá determinar a conversão do agravo de
instrumento em agravo retido nos casos em que se mostrar evidente a
ausência de urgência no julgamento do recurso. Caso, diversamente, para
saber se há ou não o risco de lesão mencionado no art. 522, deva o relator
realizar exame mais aprofundado do recurso, de duas, uma: a) deverá julgá-
lo desde logo, se presentes os requisitos do art. 557 do CPC; ou b) não
deverá convertê-lo em agravo retido, mas dar seguimento ao processamento
do recurso, encaminhando-o ao julgamento do órgão colegiado
183
.
Situação que demonstra de forma clara a irracionalidade, em termos de
dispêndio de tempo e trabalho dos magistrados provocado pela nova Lei, se dá no caso em
183
WAMBIER, op. cit., p. 458.
132
que o relator determina o processamento do agravo de instrumento e, o colegiado, no
momento de julgá-lo, opta pela conversão em agravo retido. GUSTAVO FILIPE BARBOSA
GARCIA traz a baila esta situação:
Também pode ocorrer de o relator processar o agravo de instrumento, mas,
na decisão do colegiado, prevalecer o entendimento de que não corresponde
a nenhuma das exceções à regra de interposição na modalidade retida. A
nova disposição do art. 522, caput, do CPC é cogente, não podendo por isso,
deixar de ser aplicada somente porque o agravo de instrumento já foi
processado. Assim, também neste caso, deve-se converter o agravo de
instrumento em agravo retido. [...] Por outro lado, caso se entendesse que o
agravo, embora não sendo a rigor, admissível na modalidade de instrumento,
por já ter sido processado, deva ser julgado na forma em que se encontra,
estar-se-ia diante de injustificável incentivo à perpetuação da interposição de
agravos de instrumento não admissíveis, em manifesto prejuízo ao célere
andamento dos feitos nos tribunais
184
.
Tecnicamente este entendimento pode ser sustentado. Porém, analisando-se
critérios de conveniência e oportunidade e, principalmente o escopo de toda a onda reformista
sobre o agravo, que procura descongestionar os tribunais, tal interpretação não faz sentido. E
disso se apercebeu CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO ao comentar a reforma de 2001, que
se manteve, quanto a este tópico, plenamente pertinente:
Havendo o relator deferido o processamento do agravo de instrumento e
assim chegado ele à câmara ou turma, terá esta o poder de negar-lhe
conhecimento e convertê-lo em retido, procedendo como está no inc. II do
art. 527? Não parece razoável agir assim porque, mal ou bem, nesse
momento tudo o que se queria evitar já estaria consumado (o acúmulo de
recursos chegando aos colegiais recursais)
185
.
Diante deste quadro, entendemos que a utilização mais flexível do agravo de
instrumento, tecnicamente, é a melhor solução para o jurisdicionado. O problema do
excessivo número de agravos nos tribunais, deve ser resolvido principalmente com a
184
GARCIA, op. cit., p. 144.
185
DINAMARCO, op. cit., p. 172.
133
reestruturação destes tribunais e com o investimento maciço em estrutura (pessoal e material).
Agora, a simples alteração legislativa terá o condão de descongestionar os tribunais?
Tudo indica que a resposta é negativa, pois o jurisdicionado sempre tenderá
a sustentar que o seu problema é o mais grave e reclamará solução urgente.
Trata-se de um problema cultural. A história recente das reformas
legislativas confirma esta assertiva. Muitos acreditaram que o agravo retido
seria largamente utilizado, sobretudo após a Lei 9.139/1995 (por exemplo,
Eduardo Talamini), pois acham que seria muito trabalhoso interpor o recurso
direto no tribunal e o jurisdicionado teria consciência de que nem todos os
problemas reclamam por solução urgente. Porém, não foi bem isso que
aconteceu
186
.
Apenas de se fazer as devidas ressalvas a afirmação, também não cientifica,
de que o no Brasil a cultura é da recorribilidade. Qual o estudo cientifico apto a dizer que a
cultura brasileira é excessiva do ponto de vista recursal? Essa cultura, pelo teor das
legislações, surge concomitantemente ao sistema judiciário, nada tendo de local, e mais,
sendo plenamente justificada pela própria natureza humana:
Sendo assim, partindo do princípio de que o homem, quando envolvido em
uma questão jurídica, sempre que se vê atingido por uma decisão judicial
que lhe é desfavorável, tentará, dentro dos meios previstos pela legislação
processual, alterar esta decisão de forma a atingir suas pretensões postas em
juízo, é que a teoria dos recursos possui posição de destaque dentro da
sistemática de distribuição da justiça. [...] E este direito subjetivo [recurso],
como é de conhecimento geral, já era concedido às pessoas desde os
primórdios da humanidade, encontrando-o entre os egípcios, judeus, gregos,
romanos, bárbaros, posteriormente no direito canônico, e atualmente
encontra-se inserido nas legislações mais modernas
187
.
RUI PORTANOVA informa que o princípio da recursividade – “a parte que
se sentir prejudicada tem o poder de pedir o reexame, visando a obter reforma ou modificação
186
BORGES, op. cit., p. 182/183.
187
SOUZA, op. cit., 2006. p. 29
134
da decisão” - que tem origem em tempo imemoriável, com diferentes graus de extensão,
alcança a quase totalidade das legislações contemporâneas
188
.
E esta proclamada ineficácia da norma ora vigente, é fruto da falta de um
estudo técnico e estatístico correto sobre o impacto dos agravos no sistema recursal brasileiro,
bem como da falta de cientificidade na explicação dos motivos que levaram a um aumento na
utilização deste recurso (proliferação necessária de decisões interlocutórias, aumento da
utilização de conceitos indeterminados, etc.). Sem estes dados, e sem a verificação da
necessidade de reestruturação dos tribunais, o legislador, fortemente influenciado pelo
reclame dos magistrados de instância superior, acabam por estabelecer regramentos de forma
cíclica, repetindo fórmulas que não solucionaram o problema anteriormente:
O que se percebe da análise da história do agravo é que ele sempre foi
associado à demora do processo e a chicanas processuais que impedem o
Poder Judiciário de cumprir a sua função de dirimir conflitos. O que se
percebe também é que as reformas legislativas são cíclicas, cheias de “idas e
vindas”. Parece que estamos perdidos, andando em círculos e passando pelo
mesmo lugar por mais de uma vez. [...] Vale lembrar que o Código de
Processo Civil revogado restringia o cabimento dos recursos de decisões
interlocutórias, o passo que o diploma de 1973 admitiu tais recursos sem
quaisquer restrições. Porém, desde as reformas que se iniciaram em 1995, há
tentativas de se restringir novamente a recorribilidade das decisões
interlocutórias
189
.
Este fato se confirma, por exemplo, quando JOSÉ HENRIQUE MOUTA
ARAÚJO informa que dos aproximadamente 23 (vinte e três) projetos em trâmite no
Congresso Nacional, objetivando a reforma do Código de Processo Civil, ainda existe um, o
de número 4.729/2004, que trata do recurso de agravo, visando permitir a sustentação oral nos
agravos que tratem de matéria que decida o mérito da causa
190
.
188
PORTANOVA, op. cit., p. 103 e 105.
189
SOUZA, op. cit., p. 30.
190
ARAÚJO, op. cit., p. 202.
135
O agravo retido tem sim seu valor, agindo com o acerto o legislador de 1973
ao não eliminá-lo do ordenamento jurídico, como era a intenção de Buzaid. Sem dúvida,
concretizasse a celeridade e economia processual quando o agravo retido não é reiterado em
sede de apelação, por ser o agravante vencedor da demanda, ou ainda, por aquela matéria não
ter influenciado o seu insucesso.
Porém, diferentemente do que pretende o legislador reformista e, como bem
dito por ATHOS GUSMÃO CARNEIRO na citação acima, o agravo de instrumento foi e
continuará sendo o recurso por excelência das decisões interlocutórias. Por isso, a livre
escolha entre o regime do agravo era salutar para a parte: necessitando de celeridade
manejava o agravo de instrumento e, em casos outros, manejava o agravo retido, por não
exigir qualquer preparo e não necessitar de formação de instrumento.
Acreditamos ainda que o agravo de instrumento é a modalidade capaz de
trazer a melhor solução para o problema das decisões interlocutórias porque, inegavelmente,
existe um cunho psicológico no julgador de segunda instância, que dificilmente jogará por
terra todo o trabalho do legislador de primeiro grau, mesmo que para isso precise dar uma
pequena “forçada” interpretativa. É o que nos ensina HEITOR VITOR MENDONÇA SICA:
Em trabalho anterior já havíamos pontuado que “a prática profissional da
advocacia nos ensina que o agravo de instrumento é muito mais eficaz que o
retido, pois o tribunal, ao julgá-lo, não tem a considerar o risco de jogar por
terra a sentença e, eventualmente, grande quantidade de atividade processual
desempenhada pelo juízo singular”
191
.
Seguindo as palavras deste doutrinador, percebe-se que por mais que tente,
o legislador não poderá subverter a ordem e a utilidade dos institutos processuais, vez que os
jurisdicionados, dentro do sistema constitucional atual sempre “criarão” um sucedâneo
recursal para reabrir a porta indevidamente fechada pelo legislador. Alguns podem entender
191
SICA, op. cit., p. 194.
136
essa postura como “problema cultural”. Já outros verão tal atitude como exercício de
cidadania e busca pela efetivação de seus direitos:
A verdade é que o legislador não pode fugir da natureza das coisas. As
decisões interlocutórias, em essência, servem para “viabilizar a marcha do
processo” e para remover “os obstáculos opostos a esta meta”. Deixar a
solução definitiva para momento posterior pode inviabilizar a marcha
processual, ressuscitando em segundo grau obstáculos que foram apenas
provisoriamente removidos na primeira instância
192
.
Enfim, é certo que os operadores do direito e os próprios jurisdicionados
não se conformarão com as alterações envolvendo o regime obrigatório de retenção do agravo
(como regra), pois a sua fundamentação se dá apenas em virtude do problema de estagnação
dos tribunais, causados mais por deficiência de infra-estrutura do Poder Judiciário, tanto na
parte material como na parte de pessoal, além da própria estrutura organizacional dos
tribunais, que se mantém igual, ou quase igual, a estrutura de décadas atrás.
E essa “revolta” justificada dos operadores do direito acabará por tornar
ainda mais problemática a prestação de tutela jurisdicional, muitas vezes se valendo de
expediente mais trabalhosos que o próprio agravo de instrumento:
Mesmo na vigência da Lei 11.187/2005, todo e qualquer advogado
certamente arriscará o uso do agravo de instrumento, na obstante a previsão
do texto legal reformado. Terão como trabalho adicional, apenas, sustentar a
existência de risco de dano de difícil ou incerta reparação a seu constituinte,
o que, como vimos, é tarefa fácil, dada a própria natureza das questões
incidentais. Na pior das hipóteses, a conversão do agravo de instrumento em
retido deixará livre o caminho para embargos de declaração, pedidos de
reconsideração e, nada mais nada menos, do que dois mandados de
segurança, tendo por objeto decisões distintas: um em face da decisão
interlocutória singular agravada, outro contra a decisão que determinou a
conversão
193
.
192
Ibid., p. 207.
193
Ibid., p. 216
137
Não pensa diferente LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA quando
constata que:
A praxe forense vem revelando, todavia, uma preferência pelo agravo de
instrumento, num indicativo evidente de que o agravante pretende ver logo
apreciada a questão pelo tribunal, ainda que não haja urgência na revisão da
decisão proferida pelo juízo de primeira instância. Por outro lado, a dinâmica
da vida moderna (ou pós-moderna, para muitos) reclama respostas imediatas
e instantes, sendo certo que os jurisdicionados transportam tal exigência para
o processo, esperando a prolação de decisões com brevidades muitas vezes
incompatíveis com a seqüência do procedimento
194
.
Os próprios tribunais superiores, maiores prejudicados pelo suposto
exagerado número de agravos, coerentemente, têm feito letra morta de dispositivos legais que,
visando acelerar a marcha processual, acabam tolhendo direitos e garantias fundamentais dos
jurisdicionados. É o que aconteceu, com a possibilidade de conversão do agravo de
instrumento em agravo retido pelo relator. Diante dos percalços de tal conduta, os relatores
desconsideravam esta prerrogativa, determinando, salvo raras exceções, o processamento do
agravo de instrumento.
Na prática, inferiu-se que o regime por instrumento do agravo – que
demanda do recorrente esforço muito maior do que o agravo retido, além de
desembolso financeiro – era freqüente não por mero hábito dos operadores
do direito, mas por absoluta necessidade de apreciação de questão
interlocutória em momento anterior ao do julgamento da apelação. Por isso,
a faculdade outorgada ao relator do agravo de instrumento foi poucas vezes
utilizada, tornando-se letra morta no sistema processual brasileiro
195
.
Mas o exemplo mais forte e conclusivo se dá quanto a já citada
aplicabilidade do § 3º, do artigo 542 do Código de Processo Civil, fruto de alteração
legislativa ocorrida no final do ano de 1998. Nesta reforma, o legislador determinou que os
recursos especial e extraordinário das decisões interlocutórias proferidas em processo de
194
CUNHA, op. cit., p. 298.
195
TEDESCO, op. cit., p. 421.
138
conhecimento, cautelar ou embargos à execução, deveriam ser processados, obrigatoriamente,
na forma retida. Porém, em que pese a redação do dispositivo legal que, não abriu uma
exceção sequer, os Tribunais Superiores, em especial o Superior Tribunal de Justiça, acabou
flexibilizando sobremaneira a regra, determinando em diversas oportunidades o
processamento imediato do recurso, restabelecendo assim, a verdadeira efetividade do
processo:
Ao que tudo indica, os julgadores compreenderam que, embora o processo
moderno objetive o rápido desfecho dos litígios, a supressão de algumas
garantias em seu curso pode ocasionar efeito reverso ao pretendido,
provocando o perecimento do direito enquanto o processo ainda não chegou
ao seu final, ou o seu retrocesso a estágio inicial devido a lapso processual
de menor envergadura
196
.
Frise-se que, principalmente o STJ, sequer limitou-se a determinar o
imediato processamento do recurso especial nos casos de lesão grave ou de difícil reparação
no campo material (v.g. antecipação de tutela). Os limites foram mais elásticos, abarcando as
hipóteses de lesão grave e de difícil reparação também no campo processual, como nos casos
de discussão quanto a competência (vide o já citado julgamento do STJ – MC 7195 – RJ – 1ª
T. – Rel. Min. Teori Albino Zavascki – DJU 19.04.2004 – p. 00153).
Assim, se os tribunais entenderam pela flexibilização do regime de retenção
obrigatória dos recursos especial e extraordinário, mesmo quando o legislador não estabelece
qualquer exceção, certamente, no estabelecimento do agravo retido como regra, ante a
utilização de um conceito indeterminado para permissão do manejo do agravo de instrumento,
com certeza, a regra continuará a ser o agravo de instrumento.
Talvez, após mais esta reforma envolvendo o sistema recursal brasileiro, a
qual acreditamos não atenderá os anseios dos jurisdicionados, o legislador se aperceba que o
196
TEDESCO, op. cit., p. 420.
139
problema não se encontra nos recursos propriamente ditos, mas na incapacidade do sistema
para lhes dar o andamento necessário:
A lógica, o bom senso e o conceito de cidadania plena exigiriam do
legislador outro “método” que não o da criação de gargalos legislativos, para
impedir o acesso da parte aos tribunais. O correto, a nosso ver, seria a
realização de amplo debate sobre os problemas estruturais da prestação do
serviço jurisdicional. Se há muita demanda do serviço judiciário, o que se
deve fazer é aparelhá-lho para atender à sociedade, em vez de promover o
seu afastamento. Pedindo licença para comparação, mas se a lógica
legislativa é essa, deve-se pensar na hipótese de restringir ferozmente a
circulação de veículos, porque as estradas estão intransitáveis
197
.
Quem sabe, finalmente, no caso de insucesso de mais esta lei, se deixe de
lado as reformas legislativas processuais em matéria recursal, passando-se a uma análise e
reestruturação organizacional do Poder Judiciário.
4.2
CRITÉRIOS E PROBLEMAS PARA A CLASSIFICAÇÃO DA LESÃO COMO GRAVE E DE
DIFÍCIL REPARAÇÃO
Sem sombras de dúvida, dentro de uma política de conferir efetividade aos
direitos, através de tutelas jurisdicionais diferenciadas para determinados direitos materiais, o
legislador, ciente da impossibilidade de tudo regular optou por estabelecer uma espécie de
“regime aberto”, utilizando-se para tanto, de conceitos indeterminados e rol não taxativos.
Com esta atitude, o legislador transfere ao aplicador da lei, a possibilidade
de estabelecer no caso concreto, a extensão e aplicabilidade da norma legal.
Exemplo de rol não taxativo está estampado na nova redação do parágrafo
quinto do artigo 461 do Código de Processo Civil, ao estabelecer que para a efetivação da
tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a
197
WAMBIER, op. cit., p. 243.
140
requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo
de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
A expressão “tais como”, demonstra de forma inequívoca, a condição
exemplificativa do rol. Não servindo nenhuma desta modalidade de atividade executiva para
forçar o réu ao cumprimento da obrigação, terá o juiz liberdade para adotar outras que surtam
o efeito desejado.
Já para exemplificar um conceito indeterminado, não precisamos fugir do
tema central proposto no presente estudo. Na nova disciplina do recurso de agravo, mais
precisamente no caput do artigo 522, temos a regra de que o agravo será retido, salvo se a
decisão for apta a causar lesão grave e de difícil reparação.
Sem dúvida a expressão lesão grave e de difícil reparação é indeterminada,
ou como preferimos, aberta. E assim o é porque neste caso como nos ensina ARRUDA
ALVIM, por opção legislativa de transferência da responsabilidade de se dirimir as dúvidas
conceituais ao julgador:
[...] quando o legislador opta por transferir ao julgador a incumbência de
dirimir dúvidas conceituais que se apresentam em decorrência da utilização
de conceitos vagos ou indeterminados nas normas jurídicas, acaba por
transferir-lhe, igualmente, o ônus de manutenção da segurança jurídica, de
modo que há de ser estabelecido algum mecanismo que possibilite ao
próprio aplicador da lei zelar por este elevado valor
198
.
Ao tratar da expressão lesão grave e de difícil reparação, LUIS
GUILHERME AIDAR BONDIOLI nos dá a seguinte lição hermenêutica, demonstrando toda
a dificuldade que terão os operadores do direito, até que os limites desta expressão sejam
delineados de forma segura pela doutrina e, principalmente, pela jurisprudência:
198
ARRUDA ALVIM. A argüição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: RT, 1988. p. 14.
141
Não existe uma enunciação apriorística e hermética das situações lesivas
autorizadoras do imediato processamento do agravo de instrumento. Como
acontece com as cláusulas gerais atreladas às técnicas legislativas
contemporâneas, compete ao operador do direito trabalhar com a parte
nuclear do seu conteúdo e amoldar a parte fluída às nuances do caso
concreto. Daí a importância de dispositivos legais e construções
jurisprudenciais relacionadas com tema para servir de apoio nessas
circunstâncias
199
.
Inexoravelmente, a proliferação dos conceitos indeterminados e a ampliação
dos poderes do juiz, levam a necessidade de meios corretivos da atividade jurisdicional.
Assim, não basta, como afirmado por ARRUDA ALVIM, que apenas o julgador zele pela
manutenção da segurança jurídica. Necessário que o magistrado e as partes saibam, que existe
a possibilidade de recurso das decisões do magistrado, para que qualquer distorção neste
conceito indeterminado seja sanada, em segundo grau de jurisdição.
Isto porque, o conceito indeterminado, por si só, não leva a conclusão que
haveria mais de uma (ou várias) soluções ditas corretas sob o ângulo jurídico. Interessante a
alusão geométrica que TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER faz dos conceitos,
demonstrando as dificuldades, mas não impossibilidade de aplicação:
Os conceitos, frisamos, têm uma estrutura interna: um círculo de certeza; um
círculo pouco maior que este, que seria a zona cinzenta ou zona de
“penumbra”; e outro, ainda maior, que seria uma zona de certeza. O núcleo
do conceito é a área de certeza positiva (é, com certeza) e o círculo maior, a
zona de certeza negativa (não é, com certeza)
200
.
Ao refutar a tese de que nas decisões judiciais, mesmo as calcadas em
normas que contenham conceitos abertos, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER dá uma
interessante lição, pois a ausência de discricionariedade, em nosso entender, leva a
199
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Primeiras impressões sobre o novo regime do agravo. In Aspectos
Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Vol. 10. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São
Paulo: RT, 2006. p. 237.
200
WAMBIER, op. cit., p. 372.
142
necessidade de dispositivos legais que permitam o reexame da questão. Se discricionariedade
houvesse, tal reexame seria desnecessário:
A circunstância de haver uma norma que, na verdade, possa comportar mais
de uma interpretação não leva necessariamente à conclusão de que o
Judiciário tem “discricionariedade” – pelo fato de dois fenômenos serem
sociologicamente, lingüisticamente, psicologicamente ou mesmo
logicamente o mesmo, isso não significa que o direito lhes tenha dado
idêntica qualificação jurídica
201
.
Mais precisamente sobre os conceitos vagos ou indeterminados, continua
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER em seus ensinamentos alertando:
Tanto na discricionariedade propriamente dita, quanto na liberdade de
investigação ou de interpretação de conceito vago, há vinculação à lei,
embora não direta, e um conteúdo normativo que há simplesmente de ser
aplicado. Há uma vinculação à lei, somada à liberdade relativamente ao seu
conteúdo. E uma vinculação não do tipo lógico-formal, mas de caráter
intencional-teleológico; não de legalidade estrita, mas de juridicidade, em
sentido lato
202
.
Portanto, com a proliferação dos conceitos vagos e indeterminados em
nosso ordenamento jurídico, tanto no campo material como no campo processual, cada vez
aumentam os “caminhos” que o magistrado pode trilhar. Porém, apesar das várias direções,
apenas uma está correta, não podendo a mera convicção pessoal, sem fundamentação,
embasar o ato. E, exatamente neste momento, de grande dificuldade aos magistrados e,
conseqüentemente aos jurisdicionados é que a lei vem e restringe a possibilidade de
reapreciação imediata da matéria.
Com isso, queremos significar que o juiz não tem diante de si vários
caminhos dentre os quais pode, indiferentemente, escolher um, sendo todos,
juridicamente lícitos e “queridos” pela norma. Para o magistrado, há uma só
201
Ibid., p. 374.
202
Ibid., p. 375.
143
solução, que há de ser tida como a correta: a desejada pelo legislador e
determinada pela norma
203
.
Agora, de nada adianta se tecer grandes teses acerca da natureza não
discricionária das decisões judiciais se inexistem instrumentos para efetuar o controle destas
decisões. É o que parece ter sido esquecido pelo legislador ao estipular que o agravo, em
regra, deverá ficar retido aos autos e que das decisões do relator, tanto que converte o agravo
de instrumento e agravo retido como que confere efeito suspensivo ou concede a antecipação
de efeitos da tutela recursal, são irrecorríveis.
Voltando, numa última pincelada acerca da ausência de discricionariedade
na aplicação do alterado inciso II, do artigo 527 do Código de Processo Civil, é de se
perguntar: se a expressão “poderá converter” atribui poderes discricionários ao relator para,
querendo converter ou não o agravo de instrumento em agravo retido, podemos dizer o
mesmo da redação do artigo 273 do Código de Processo Civil, que estipula que o juiz poderá
antecipar os efeitos da tutela jurisdicional? Em ambas a situação é clara e a resposta é não!
Estando presentes os requisitos para a concessão da tutela jurisdicional antecipada o juiz é
“obrigado” a concedê-la. Da mesma forma, não sendo o caso de pronunciamento judicial de
urgência ou que acarrete perigo de lesão grave ou de difícil e incerta reparação, o relator
mesmo sob a égide da Lei 10.352 de 2001 tinha a obrigação de efetuar a conversão.
CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, comentando a redação do artigo 273,
refuta qualquer possibilidade de discricionariedade do juiz:
A leitura do caput e dos dois incisos do art. 273 revela quais são os
pressupostos que, uma vez presentes, devem conduzir o magistrado à
concessão da tutela antecipada. Absolutamente prevalecente em doutrina é a
lição de que não há “liberdade” ou “discrição” para o magistrado na
concessão ou rejeição do pedido de tutela antecipada. Ou bem estão lá os
pressupostos, e o juiz deve conceder, ou não estão, e ele deve rejeitar o
pedido; não há meio-termo, não há uma terceira opção. Houvesse a tal da
203
Ibid., p. 385.
144
“discricionariedade” e, por definição, eventuais recursos pra contrastar a
decisão do juízo a quo seriam iníquos, porque não caberia ao juízo ad quem
substituir seu juízo de valor (discricionário) sobre o fato jurígeno pelo
lançado anteriormente pelo a quo
204
.
Na verdade, a utilização do verbo “poderá” apenas demonstra que a norma
está tratando de conceitos vagos/indeterminados e que, por esta natureza, exigem uma maior
complexidade interpretativa. Mas, reconhecido pelo julgador que a situação concreta se
enquadra na hipótese legal prevista, não tem dois caminhos, devendo, obrigatoriamente,
incidir a determinação legal.
Discordamos, portanto, frontalmente do entendimento de CÂNDIDO
RANGEL DINAMARCO, quando este afirma categoricamente no item denominado “pode e
não deve”, que não estaria a norma criando uma obrigatoriedade para o relator
205
. Tal
entendimento até nos causa estranheza, vez que em outra obra o renomado processualista
intitulou um tópico com a seguinte expressão: “o juiz não tem faculdades nem ônus
processuais”. E, no bojo deste tópico, afirmou categoricamente que:
[...] o juiz não está no processo para gestão de seus próprios interesses, senão
para regular os de outrem, ou seja, das partes. Não tem disponibilidade
alguma sobre esses interesses, que não são seus, nem sobre as situações
jurídico-processuais ocupadas por elas. Todos os poderes que a lei lhe
outorga são acompanhados do dever de exercê-los. Quando o juiz defere a
produção de prova, ele não o faz porque optou por isso, mas porque a parte
que a requereu tem direito a ela; nem há opção pessoal do juiz, ou mesmo do
Estado-jurisdição, com referência ao processamento de uma causa, de um
recurso etc.
206
.
Portanto, a regra que o autor esculpiu em termos gerais, não foi confirmada
pelo mesmo no particular.
204
BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 32.
205
DINAMARCO, op. cit., p. 191.
206
DINAMARCO, op. cit., p. 208.
145
Mas voltando ao tema ora debatido, não podemos concordar com a lição de
ARRUDA ALVIM, que visando questões de ordem prática também entendia pela mera
faculdade de conversão do agravo de instrumento em agravo retido, antes da Lei 11.187/2005:
Ocorre que, para poder ser proferida a decisão de conversão, o julgador a
quem seja distribuído o agravo terá de lê-lo e estudá-lo; não sendo caso de
urgência, converterá o recurso em agravo retido, e, ulteriomente – esse
julgador ou outro -, terá de reestudar o assunto. Por isso é que a expressão
poderá foi utilizada corretamente, porquanto enseja uma possibilidade, pois
nos casos duvidosos, em relação à presença de urgência, ou não, dever-se-á
manter o recurso como sendo de agravo de instrumento
207
.
A conclusão de HEITOR VITOR MENDONÇA SICA no sentido de que,
aqueles que entendiam, pela ausência de discricionariedade, mesmo diante da expressão
“poderá converter”, estavam equivocados, é absolutamente incoerente, pois calcada na baixa
adesão dos relatores ao sistema de conversão do agravo. Vejamos as palavras do doutrinador
ao tratar do entendimento daqueles que proclamavam a natureza de poder-dever do relator em
converter o agravo sob os auspícios da Lei 10.352 de 2001:
Sem adentrar na espinhosa controvérsia em torno do tema
“discricionariedade do juiz no processo civil”, a prática forense desmentiu
clamorosamente a conclusão que esses estudiosos tiraram desse dispositivo
legal. Mesmo depois do advento da Lei 10.352/2001, continuou sendo de
livre escolha do recorrente a modalidade de agravo a interpor, a qual era
derrogada apenas nas raríssimas vezes em que a conversão era determinada
pelo relator sorteado
208
.
Logo, não erraram os que entendiam pela ausência de discricionariedade.
Erraram os relatores ao não aplicar, por diversos motivos de ordem prática, a determinação
estampada no dispositivo legal. Bem afirma JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA que:
207
ARRUDA ALVIM. op. cit., p. 94.
208
SICA, op. cit., p. 196.
146
[...] o fato de o dispositivo legal em análise conter conceitos vagos e
indeterminados não significa que estão sendo dadas, ao relator, duas opções
de igual valor – converter ou não o agravo de instrumento em retido – como
se ambas fossem corretas, perante a lei
209
.
Se o objetivo da reforma era alcançar celeridade processual, parece-nos que
o custo a ser pago se tornou por demais elevado em relação ao ganho de tempo, sendo que
muitas vezes “o tiro sairá pela culatra”.
Pense-se no caso de uma decisão que indefira a prova pericial contábil, para
auferir a existência de ilegal capitalização de juros em um contrato bancário. O juiz,
decidindo pelo indeferimento da prova obrigará a parte a agravar de forma retida e aguardar
para ver sua questão apreciada juntamente com o recurso de apelação, mesmo sabendo que o
Tribunal tem entendimento diverso do esposado pelo juízo a quo.
Após uma longa espera, o Tribunal determinará a remessa dos autos ao juízo
de primeiro grau para que este determine a realização da perícia contábil. Neste interregno
anos se passaram e o dano marginal poderá ter tido conseqüências devastas para a parte.
Alguém poderá afirmar, com certeza, que não houve lesão grave ou de difícil reparação?
Por isso não concordamos com os exemplos de ATHOS GUSMÃO
CARNEIRO abaixo transcritos. Ou melhor, concordamos que diante da atual redação do art.
522, este é o caminho a ser trilhado, mas não concordamos com os critérios de conveniência e
oportunidade que levaram a esta conclusão.
Assim, se o juiz nega a realização de uma perícia, caberá agravo retido se o
dano à parte que a requerera é suscetível de ser sanado posteriormente, como
quando os fatos ou documentos a serem periciados resistem à passagem do
tempo (v.g., um exame grafológico ou contábil); mas o agravo deverá ser por
209
MEDINA, José Miguel Garcia. A recentíssima reforma do sistema recursal brasileiro: análise das principais
modificações introduzidas pela Lei 10.352/2001, e outras questões. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos
e de outros meios de impugnação as decisões judiciais.Vol. 6. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier. São Paulo: RT, 2002. p. 356.
147
instrumento se os vestígios apresentam-se transeuntes (v.g., perícia relativas
aos danos que o gado causou em uma lavoura)
210
.
Assim, parece que, embora não se diga abertamente, o dano grave e de
difícil reparação estaria umbilicalmente ligado a um dano que afetasse diretamente o próprio
direito material da parte. Por isso, os exemplos citados pela doutrina, geralmente envolvem
algum aspecto, ligado a antecipação de tutela e o perigo de perecimento do objeto material
discutido na lide. Citamos, a título meramente exemplificativo as palavras de ANDRÉ
PAGANI DE SOUZA e GUSTAVO FILIPI BARBOSA GARCIA:
Se pensarmos em situação de urgência, como é aquela que dá ensejo ao
pedido de tutela antecipada com fundamento no inc. I do art. 273, não há
dúvida de que o cabimento do agravo retido – da decisão que concede ou
que nega o pedido – deve ser afastado. Se há fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I), não há interesse em aguardar
o julgamento da apelação (art. 523, caput) para ver julgado o agravo retido
da decisão que tenha indeferido o pedido de tutela antecipada. Sob o ponto
de vista do réu, que está na iminência de sofrer os efeitos de uma decisão
que lhe é desfavorável, também não há interesse em interpor agravo retido
da decisão que concede a tutela antecipada, pois tal recurso só seria
examinado quando do julgamento da apelação
211
.
“O perigo de lesão grave e de difícil reparação pode ocorrer, por exemplo, em
decisões interlocutórias que concedem ou rejeitam medidas cautelares e requerimentos de tutela
antecipada
212
.
Obviamente não queremos dizer que estes e, inúmeros outros doutrinadores,
não estão corretos. Pelo contrário, este efetivamente é um exemplo clássico e totalmente
pertinente, até porque, agravar de tais decisões na forma retida seria confessar que o
periculum in mora não estava presente, sendo licito concluir-se pelo acerto da decisão. Assim,
tratando-se de decisão acautelatórias e antecipatórias:
210
CARNEIRO, op. cit., p. 45.
211
SOUZA, op. cit., p. 17.
212
GARCIA, op. cit., p. 143.
148
É intuitivo que a postergação da sua reapreciação pelo tribunal seja inútil,
pois no momento do julgamento da apelação os olhos dos julgadores já
estarão postos sobre a própria tutela jurisdicional final, ou seja, já não terá
qualquer efeito prático discutir sobre antecipá-la ou acautelá-la
213
.
Data vênia, discordamos apenas da visão parcial e não técnica de sempre
vincular a lesão grave e de difícil reparação ao direito material. ATHOS GUSMÃO
CARNEIRO com acerto adverte que existem inúmeros casos em que não haveria o tão
propalado “dano grave ou de difícil reparação” (pelo menos em relação ao direito material das
partes) e, ainda assim o recurso cabível será o agravo de instrumento:
Acrescentemos que no processo de conhecimento casos existem, e não são
poucos, em que é admissível apenas o agravo por instrumento,
independentemente de que possa sobrevir, ou não, lesão “grave e de difícil
reparação. Por exemplo, quando a decisão venha a influir, subjetivamente,
em algum pólo da demanda. Assim, se o juiz não admite reconvenção, o
reconvinte não encontrará utilidade processual alguma no uso do agravo
retido; o agravo retido a ele não interessa juridicamente, pois seu objetivo é a
concomitância da ação e da reconvenção in simultaneus processus. Também
se o juiz não admite a intervenção de um terceiro como, v.g., assistente, pois
pouco adiantará ao terceiro uma assistência deferida apenas em nível de
apelação, já com a lide julgada
214
.
Na verdade, ousamos discordar apenas da afirmação de que não haverá
lesão grave ou de difícil reparação. Haverá sim, porém de ordem processual e não material.
Este é o entendimento de JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA ao comentar as alterações
trazidas pela Lei 10.352/2001, que como já dito, foi a efetiva criadora da regra (pelo menos
formal) de interposição do agravo retido como norma geral, sendo apenas reforçada pela Lei
11.187/2005:
O requisito constante nos dois dispositivos (perigo de lesão grave ou de
difícil ou incerta reparação), segundo pensamos, deve ser entendido em
sentido amplo, para abarcar tanto os casos em que a lesão ou ameaça de
213
BONDIOLI, op. cit., p. 239.
214
CARNEIRO, op. cit., p. 46.
149
lesão possa atingir direito material da parte como também aqueles em que a
interposição do regime de retenção contrarie o princípio da economia dos
juízos, o que ocasionaria, assim, dano processual. É o que ocorre, por
exemplo, com a decisão que rejeita exceção de incompetência relativa. (...).
Pelo que se disse, pode-se dizer, grosso modo, que, a partir da Lei
10.352/2001, o agravo deverá observar, em regra, o regime de retenção,
salvo quando houver risco de lesão material ou processual
215
.
Com a lição de JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, que reputamos correta
e pontual, concluímos obviamente que ATHOS GUSMÃO CARNEIRO tinha toda a razão ao
afirmar que o agravo de instrumento continuará, mesmo contra a idéia do legislador
reformista, a ser o recurso por excelência cabível contra as decisões interlocutórias de
primeiro grau, pois admitindo-se, como deve ser admitido, o agravo de instrumento contra
decisão que provoque ou passa provocar dano processual (por exemplo, exclusão de um dos
litisconsortes passivos), o rol de decisões atacáveis por meio de agravo de instrumento será
maior que o rol de decisões atacáveis por meio de agravo retido.
Vejamos dois exemplos: um, onde a lesão seria material e outro, onde a
lesão seria processual, mas, ambos os casos, justificadores da utilização do agravo de
instrumento:
[...] no primeiro caso, a urgência que deve estar presente para afastar o
cabimento do agravo retido deve fazer parte do conjunto de fatos narrados
em juízo pela parte para embasar o seu pedido. Por exemplo, o autor,
alegando risco de morte se o seu pleito não for atendido, requer a concessão
de uma liminar par que se determine a realização de uma cirurgia do coração
às custas da administradora do seu plano de saúde, que se recusa a emitir
uma guia de autorização para os médicos realizarem ato cirúrgico, mas este
pedido é indeferido em primeira instância. Nessa hipótese, a urgência faz
parte da causa de pedir e fica evidente que não há interesse na interposição
de agravo retido. Já no segundo caso, a urgência não faz parte da causa de
pedir, mas pode surgir em sede recursal. Um bom exemplo citado por Teresa
Arruda Alvim Wambier é o da decisão que não acolhe a alegação de
litispendência. Embora a parte pudesse interpor agravo na forma retida e
aguardar o seu julgamento por ocasião do julgamento da apelação, não é
215
MEDINA, op. cit., p. 354/355.
150
justo obrigá-la a sofrer por um período prolongado os efeitos de uma decisão
errada
216
.
Apesar da natureza de conceito indeterminado, considerando-se que toda a
interpretação jurídica deve ser sistemática, obrigatoriamente temos que nos valer de outros
dispositivos legais que sejam pertinentes à matéria. Assim, o artigo 558 do Código de
Processo traz expressão idêntica à lançada no caput do artigo 522: lesão grave e de difícil
reparação. Porém, naquele dispositivo legal o legislador optou por elaborar um rol,
meramente exemplificativo, de situações classificadas como aptas a causar lesão grave e de
difícil reparação. São elas os casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens e
levantamento de dinheiro sem caução idônea. Nestes casos, o agravo por instrumento será
cabível, independentemente de maiores considerações pelo agravante, bastando à remissão ao
artigo 558.
Assim, correta a lição de ANDRÉ PAGANI DE SOUZA ao conceituar a
urgência apta a permitir o manejo do agravo de instrumento, como “risco de a eficácia da
decisão a ser impugnada por agravo produzir lesão grave ou de difícil e incerta reparação”
217
.
Isto porque o doutrinador não limitou essa lesão grave ou de difícil reparação apenas no
campo material, restando aberta a hipótese de interposição do agravo se o dano for
estritamente processual.
Neste sentido, a lição de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ
RODRIGUES WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA:
Por outro lado, o requisito constante dos dois dispositivos citados (perigo de
lesão grave e de difícil reparação) deve ser entendido em sentido amplo, para
abarcar tanto os casos em que a lesão ou ameaça de lesão possa atingir
direito material da parte, como, também, aqueles em que a imposição do
regime de retenção contrarie o princípio da economia dos juízos, o que
ocasionaria, assim, dano processual. É o que ocorre, por exemplo, com a
216
SOUZA, op. cit., p. 21.
217
Ibid., p. 19.
151
decisão que rejeita exceção de incompetência relativa. Impor no caso o
regime de retenção seria criar embaraço contraproducente, visto que, caso a
incompetência venha a ser admitida somente quando do julgamento da
apelação (cf. art.523, caput), será ocasionada a decretação da nulidade de
todos os atos decisórios realizados em primeiro grau. Neste caso, se está
diante de situação em que a adoção do regime de retenção é indesejável, já
que se pode ocasionar maior demora que a tramitação do agravo de
instrumento.
218
.
Ao lado de todas estas intrincadas questões, no momento de se fixar o que
vem a ser uma lesão grave e de difícil reparação, não se pode simplesmente desconsiderar a
posição de quem faz a interpretação. O que é encarado como uma lesão grave e de difícil
reparação para a parte, será encarado de maneira diferente pelo relator do agravo de
instrumento, que não conhece o estado, por exemplo, emocional e econômico da parte. Pode-
se afirmar, que o relator tem mais possibilidade de auferir a gravidade ou não da lesão do que
a própria parte envolvida? FLÁVIO BUONADUCE BORGES entende que não:
Ocorre que quem tem a real condição de analisar os efeitos ocasionados pela
decisão é a parte prejudicada. A lesão que a decisão pode gerar é
experimentada pela parte, e não pelo legislador. Quem pode se submeter ao
ato de difícil reparação é a parte, e não o legislador. Assim, somente ela
poderia determinar se interposição do agravo deve ser de instrumento ou de
forma retida. A análise dos casos, feita por pessoa que não sofra os efeitos da
decisão, não possibilita o verdadeiro entendimento da extensão do ato
praticado. Só quem terá que se sujeitar ao ato é que pode compreender a
necessidade de sua reforma, se imediata ou não
219
.
Some-se a todos estes fatos, a impossibilidade de interpretação literal do
conceito indeterminado utilizado pelo legislador reformista. Ao que tudo indica, no momento
de escolha da expressão, optou o legislador pelo uso de expressão já consagrada em nosso
ordenamento jurídico, sem sopesar a sua adequação ao dispositivo legal a ser modificado.
Seguindo-se a expressão a risca, teríamos situações absurdas, onde a gravidade da lesão não
estaria configurada para a parte no caso concreto, mas ainda assim seria imperioso se permitir
218
WAMBIER, op. cit., p. 255.
219
BORGES, op. cit., p. 190.
152
o manejo do agravo de instrumento. É o que nos ensina, com a devida exemplificação,
HEITOR VITOR MENDONÇA SICA:
Usando-se da interpretação literal, poder-se-ia entender que as lesões que
não fossem “graves” não seriam merecedoras de tutela pela via do agravo de
instrumento. Parece-nos, contudo, ser inviável essa interpretação, por
conduzir a situações absurdas. Imagine-se exemplo de ação de reparação de
danos decorrente de acidente de trânsito movida contra uma grande empresa
multinacional, cuja inicial alega incapacidade laboral decorrente do sinistro,
mas não traz nenhum elemento probatório ou da verossimilhança da
alegação do autor, e, ainda assim, é deferida a antecipação dos efeitos da
tutela, garantindo-se-lhe a fruição de uma pensão mensal equivalente a um
salário mínimo desde logo. Se reputássemos que a “gravidade” do dano seria
requisito para interposição do agravo de instrumento, a empresa-ré estaria
desprovida de meio eficaz de veicular a sua pretensão recursal, sob o
argumento de que o valor da pensão mensal arbitrada liminarmente
apresenta valor insignificante em face de seu faturamento.
Logo, em que pese os termos do dispositivo legal, a norma deve ser
interpretada sistematicamente, tendo em mente mais a sua finalidade do que a sua expressão
gramatical, sendo certo que a gravidade não pode, em termos absolutos, ser critério para
permissão da utilização do agravo de instrumento, sendo a irreparabilidade ou dificuldade de
reparação um critério mais coerente com os objetivos da norma. Em sentido contrário, seria se
afirmar que pequenas ou médias lesões, mesmo que irreparáveis, podem ser suportadas por
força de decisão judicial.
4.3 O RISCO DE PROLIFERAÇÃO DE SENTENÇAS SOB CONDIÇÃO
Já expressamos nossa opinião no sentido de que o agravo de instrumento,
tecnicamente falando, é o melhor instrumento processual para a insurgência contra as decisões
interlocutórias. Porém, ao lado do real motivo que leva o legislador a restringir cada vez mais
a utilização deste recurso, que é a tentativa de diminuir o trabalho nos tribunais, a
153
fundamentação é de que as reformas processuais se fazem necessárias para se atingir maior
celeridade processual.
Neste ponto também não assiste razão ao legislador. Isto porque, através da
disciplina legal do agravo de instrumento, após a grande reforma de 1995, o agravo de
instrumento, per si, não possui o condão de atrasar sobremaneira o processo. Pelo contrário,
permitirá sim uma rápida solução para a questão, evitando que uma futura decisão, por demais
tardia, ocasione uma série de problemas, como a nulidade do processo a partir de certo ponto,
criando um sério dano marginal.
Exatamente nesta situação, se enquadra o problema das chamadas sentenças
sob condição, sendo que a impossibilidade pelo agravante de escolha entre a modalidade de
agravo retido e agravo de instrumento, ao lado da irrecorribilidade da decisão que converte o
agravo de instrumento em agravo retido, agravará sobremaneira este problema.
A ausência de efeito suspensivo ao recurso de agravo que vige como regra
em nosso sistema, é a causa deste mal, mas que poderá se tornar crônico, dependendo dos
limites de aplicação do regime obrigatório de retenção. Sob as sentenças sob condição, assim
manifesta-se NELSON NERY JUNIOR:
Como o agravo é recebido, em regra, apenas no efeito devolutivo (CPC 497
e 527 III a contrario sensu), a decisão agravada é desde logo eficaz e o
procedimento não se interrompe com a interposição do recurso. Os atos
processuais que são praticados depois da interposição do agravo ficam
sujeitos a condição resolutiva, isto é, dependem do desprovimento do
recurso. Caso seja provido, todos esses atos tornam-se ineficazes
220
.
No mesmo sentido nos adverte JOSÉ HENRIQUE MOUTA ARAÚJO que:
[...] se de um lado procura a reforma prestigiar os princípios da celeridade,
oralidade e diminuir o número de agravos de instrumento nos Tribunais
220
NERY JUNIOR, op. cit., p. 434.
154
Estaduais e Regionais Federais, de outro poderá aumentar as hipóteses das
chamadas sentenças sob condição resolutiva
221
.
Esta hipótese é exatamente aquela descrita na situação hipotética descrita no
item acima, referente ao caso de indeferimento de uma prova no transcurso do tramite
processual, caracterizando-se cerceamento de defesa. Se a interpretação da Lei 11.187/2005
for no sentido de que tal decisão não se enquadra no conceito de “lesão grave ou de difícil
reparação”, deverá ser manejado o agravo retido. Contudo, no caso de seu provimento, em
sede de preliminar de apelação, estar-se-á criando uma prejudicial ao julgamento desta
apelação, pois, necessária será, muitas vezes, a declaração de nulidade de atos decisórios,
inclusive da própria sentença:
Destarte, imagine hipótese de interposição de agravo retido discutindo o
cerceamento do direito de defesa em virtude do indeferimento de uma prova
e, considerando a procedência do pedido requerido pela parte adversa,
houver a interposição de apelação e a ratificação do agravo. In casu, é claro
que há prejudicialidade entre os recursos, sendo primeiramente apreciado o
agravo retido, e, em seguida, e dependendo do resultado daquele, é apreciado
o recurso de apelação. Se houver o provimento do agravo retido, o resultado
poderá atingir os atos decisórios posteriores, inclusive a sentença impugnada
pela apelação, ex vi art. 248 do CPC
222
.
Esta prejudicialidade, inclusive, já foi declarada pelos tribunais
superiores
223
, declarando a insubsistência da própria decisão de primeiro grau, demonstrando
que a busca exagerada pela celeridade processual pode levar a nulidade de todos aqueles atos
que se tentou “adiantar”, provocando-se um grave dano processual a parte.
As situações em que tal nulidade pode ser declarada são inúmeras, sendo
abaixo colacionadas, a título meramente exemplificativo, duas decisões que acabaram por
tornar nula a própria sentença, tornando prejudicada a própria apelação:
221
ARAÚJO, op. cit., p. 223.
222
Ibid., p. 223.
223
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª T. Resp 29035/PR. Rel. Min. Adhemar Maciel. j. 12.12.1996. DJ
24.02.1997. p. 3.310.
155
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO –
ADIAMENTO/REDESIGNAÇÃO – ADVOGADO – NÃO
COMPARECIMENTO – JUSTO IMPEDIMENTO CARACTERIZADO –
JUNTADA EM TEMPO HÁBIL – ARTIGO 453 DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL – NULIDADE – OCORRÊNCIA –
ADMISSIBILIDADE – Se o advogado, residente em outra Comarca, da
autora beneficiada com a justiça gratuita junta, em tempo hábil, comprovante
de sua impossibilidade, por problema de saúde, de comparecer à audiência,
esta há de ser redesignada para que as provas possam ser produzida pelas
partes. Provimento do agravo retido para anular o processo desde a audiência
de instrução e julgamento, com recomendação. Prejudicada a apelação.
224
PREVIDENCIÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO RETIDO –
PRODUÇÃO DE PROVA ORAL – Há nulidade por cerceamento da defesa
se se evidenciar a necessidade de dilação probatória, na hipótese de
julgamento antecipado da lide. Agravo retido provido. Apelação
prejudicada
225
.
Criou-se, portanto, através da reforma processual de 2005, um sistema
dúplice, pois a tão almejada celeridade processual apregoada pelos defensores da reforma
poderá se tornar fator de exacerbado retardamento da prestação da tutela jurisdicional. Basta
para isto, em muitas situações, o simples provimento do agravo retido interposto.
Neste caso, prejudicados estarão tanto a celeridade quanto a economia
processual, obrigando a parte a participar, por exemplo, de duas audiência de instrução,
obrigando o juiz a proferir duas sentenças, obrigando o tribunal a prolatar dois julgamentos
em apelação. Todas estas situações seriam evitadas no caso de interposição do agravo de
instrumento, com o julgamento da insurgência recursal antes de ser proferida a sentença de
primeiro grau.
Entendemos por isso que, nas hipóteses em que a solução do agravo possa
trazer a já citada prejudicialidade a apelação, com a conseqüente declaração de nulidade de
vários atos praticados em primeira instância, estará configurado a lesão grave ou de difícil
224
BRASIL. Segundo Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo. Apelação c/ Rev. 602.810-00/0. 6ª C.
Rel. Juiz Lino Machado . DOESP 14.12.2001.
225
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. AC 681672. (2000.61.19.022136-8). 10ª T. Rel. Des. Fed.
Castro Guerra. DJU 18.06.2004. p. 448.
156
reparação, ainda que o dano seja processual, autorizando o manejo do agravo de instrumento,
sob pena de se atentar contra os princípios da economia e celeridade processual, retardando
até em vários anos a final prestação da tutela jurisdicional.
Poderia se indagar, se o agravo de instrumento é modalidade apta a fazer
desaparecer tal problema, e, resposta seria não! Isto porque, sendo interposto o agravo por
instrumento, ante a demora do tribunal, poderá acontecer de a sentença de primeiro grau ser
proferida e, neste caso, estaríamos também diante de uma sentença sob condição. Tanto tal
hipótese é crível que o próprio CPC, no parágrafo único do artigo 559 prevê esta
circunstância.
Porém, no caso do agravo retido esta situação indesejada sempre acontecerá,
ao passo que no agravo por instrumento esta situação será a exceção.
Apenas a título de esclarecimento, essa característica do agravo é
denominada por parte da doutrina como efeito expansivo, não sendo característica exclusiva
do agravo, mas tendo um traço marcante quanto a este:
Ainda releva notar que, em relação ao agravo, sente-se com maior
intensidade o chamado efeito expansivo, que estende os efeitos da decisão
aos atos processuais dependentes do impugnado. A decisão proferida em
agravo, alterando ou anulando a decisão interlocutória, pode operar efeitos
sobre atos vinculados ao especificamente recorridos. Todos os atos
dependentes do ato anulado ou modificado – pela decisão do agravo –
poderão ser também anulados ou modificados. Compete ao tribunal, ao
examinar o agravo, delimitar essa comunicabilidade de efeitos, esclarecendo
quais atos ficam atingidos pela decisão adotada
226
.
Acreditamos, sinceramente que a jurisprudência não encarará todas as
hipóteses de surgimento de sentenças sob condição como provocadoras de potencial lesão
grave ou de difícil reparação. Contudo, o alerta deve ser feito, pois a morosidade será enorme
226
MARINONI, op. cit., p. 550.
157
em muitos processos que terão, muitas vezes, duas instruções, duas razões finais, duas
sentenças e duas apelações.
4.4 OS PROBLEMAS ENVOLVENDO A CONVERSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM
AGRAVO RETIDO
A redação atual conferida ao inciso II, do artigo 527, no que concerne a
determinação de conversão do agravo de instrumento em agravo retido, não traz nenhuma
alteração substancial sobre este procedimento. Na verdade, a única alteração significativa não
se dá quanto às hipóteses e procedimento de conversão, mas sim quanto à irrecorribilidade
desta.
Também já tivemos a oportunidade de demonstrar que a substituição da
expressão “poderá converter” por “converterá” em nada altera a interpretação quanto à
obrigatoriedade da conversão. Na verdade se trata apenas de um jogo de palavras que, em
nosso sentir, é um “floreio” na norma, pois é certo que discricionariedade nunca houve para o
relator no momento de deliberar sobre a conversão. Neste sentido, fica evidente que a
expressão “poderá”, geralmente acompanha conceitos indeterminados, como era o caso da
norma, ante a expressão “lesão grave e de difícil ou incerta reparação”. O mesmo acontece no
artigo 273 do Código de Processo Civil e ninguém ousa afirmar que presentes os requisitos
para antecipação de tutela poderá o magistrado, a seu alvitre, simplesmente não conceder tal
antecipação.
Agora, principalmente neste primeiro momento de vigência da norma, onde
os entendimentos doutrinários são divergentes e os jurisprudenciais praticamente inexistentes,
há de se exigir extrema cautela dos advogados das partes e muito bom senso por parte dos
158
julgadores, permitindo que o tempo delimite, na prática forense, por exemplo, o que vem a
ser, para efeitos de escolha do regime do agravo, o que é lesão grave e de difícil reparação.
Por isso, nos causou perplexidade as lições de MANOEL CAETANO
FERREIRA FILHO, que procedendo uma interpretação bastante, por assim dizer, “severa” da
norma, acaba trazendo idéias que, se adotadas, em nosso entender, levarão as partes a
raramente valer-se do agravo de instrumento, mesmo existindo a verossimilhança quanto a
existência de lesão grave e de difícil reparação. A primeira questão abordada pelo doutrinador
diz respeito a conversão prevista no já citado artigo 527, inciso II. Assim pronunciou-se o
processualista:
Definido que nos termos da nova lei, ora cabe agravo de instrumento ora
cabe o retido e que quando cabe um não cabe o outro, resta examinar qual a
conseqüência da interposição de um quando cabível o outro. Também aqui
não se faz necessário discurso longo: recurso incabível não deve ser
admitido, pois um dos pressupostos de admissibilidade do recurso é
exatamente o cabimento. Logo, quando for interposto agravo de instrumento
em caso que a lei prevê o retido o relator poderá usar do poder que lhe
confere o artigo 557 do CPC: “negará seguimento a recurso manifestamente
inadmissível. Se preferir, ou se o caso suscitar alguma dúvida sobre a
existência do perigo de lesão grave e de difícil reparação, levará o recurso
para julgamento pelo colegiado
227
.
Conclui o doutrinador, após tecer comentários sobre a fungibilidade
recursal, que:
Em conclusão, a nova lei não mais admite a chamada fungibilidade
automática entre o agravo de instrumento e o retido, nem a vontade da parte
tem qualquer influência no seu cabimento. Quando for interposto o agravo
inadequado, isto é, incabível, o caso será de inadmissibilidade e não de
conversão do de instrumento em retido
228
.
227
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 322.
228
Ibid., p. 323.
159
Com todo o respeito, tal interpretação estaria perfeita, caso não existisse o
inciso II, do artigo 527 do Código de Processo Civil. Efetivamente a regra geral para
admissibilidade dos recursos passa pelo critério adequação. E foi exatamente, ante as
peculiaridades até mesmo históricas do agravo que o legislador preferiu, através do sistema de
conversão, estabelecer uma “válvula de escape” ao rigorismo do sistema.
Portanto, a interpretação de MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO não
pode ser admitida, sob pena de violação ao disposto no artigo 527, inciso II, do Código de
Processo Civil, o que além seria inadequado e traria grande insegurança jurídica.
Na verdade, a sua tese procura “destruir” as reformas trazidas pela Lei
11.187/2005, pois acabaria neutralizando a única grande inovação trazida, qual seja, a
irrecorribilidade do pronunciamento do relator que converte o agravo de instrumento em
retido. Isto porque, se o caso não fosse de conversão, mas sim de inadmissibilidade, a regra
aplicável seria o inciso I, do artigo 527 do Código de Processo Civil, que faz remissão ao já
citado artigo 557.
Nesta interpretação, não incidiria a hipótese prevista no parágrafo único do
artigo 527, sendo que tal decisão poderá ser levada para apreciação pelo colegiado.
Por este motivo, a tese de MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO pode
ser utilizada até mesmo como sugestão legislativa (esperamos sinceramente que não o seja),
de modo a atribuir uma eficácia ainda maior rumo a “irrecorribilidade das decisões
interlocutórias”, evitando-se ainda discussões acerca da constitucionalidade ou não da
irrecorribilidade da decisão do relator que converte o agravo de instrumento em agravo retido.
Agora, em termos interpretativos, a tese não pode ser adotada, pelo simples
fato de sequer mencionar o porquê da inaplicabilidade do inciso II, do artigo 527, vez que se
tratou de opção do legislador, onde não auferirmos qualquer inconstitucionalidade, para criar
exceção a regra da adequação dos recursos.
160
Rebatendo a teoria de MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO, tem-se a
seguinte lição de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ RODRIGUES WAMBIER
e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA:
Já há quem afirme, em nosso entender sem razão, que, equivocada a opção
da parte, cabe ao relator indeferir o recurso, devendo haver conversão só em
caso de dúvida. É a opinião de MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO,
da qual não comungamos, por uma série infinita de razões. A principal delas
é a de que se trata do mesmo recurso, com regimes ou procedimentos
diversos. Se se admite a fungibilidade entre recursos diferentes, como obstar
à parte o direito de recorrer porque se teria equivocado quanto ao regime do
recurso escolhido? Por outro lado, será que os termos urgência, dano
irreparável, dano grave etc. já não envolvem, necessária e propositadamente,
certa dose de discutibilidade? Não seria – aquela pela qual opta MANOEL
CAETANO – uma solução contra todas as tendências do processo civil
contemporâneo, ligadas ao princípio da instrumentalidade? Ademais, no que
pode atrapalhar o andamento do processo um agravo retido?
229
.
O padrão interpretativo, por assim dizer, inflexível, de MANOEL
CAETANO FERREIRA FILHO continua, quando este trata da conversão do agravo de
instrumento em retido de decisão proferida em audiência de instrução e julgamento:
Acreditamos que, com relação às “decisões interlocutórias proferidas em
audiência de instrução e julgamento”, cujo agravo será “na forma retida,
devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do
respectivo termo” (art. 523, § 3º), a ninguém ocorrerá pensar que, se a parte
interpuser agravo de instrumento, o relator deverá convertê-lo em retido. Até
mesmo porque, além do cabimento, haveria o obstáculo do prazo, pois além
de retido o agravo deverá ser interposto imediatamente
230
.
Mais adiante, quando tratarmos dos problemas que envolvem a interposição
oral e imediata do agravo retido das decisões proferidas em audiência de instrução e
julgamento, teremos a oportunidade de voltar a esta questão, mas já adiantamos que nosso
posicionamento é contrário, permitindo sim a conversão, salvo quando demonstrado que a
229
WAMBIER, op. cit., p. 258.
230
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 323.
161
interposição do agravo de instrumento posterior se deu com a finalidade de corrigir a inércia
da parte no transcurso da audiência.
Mas voltando ao problema central da conversão, observamos no texto de
MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO uma incongruência ou, quiçá, um erro material na
edição final do material. O texto confrontado diz o seguinte:
Note-se que o inc. II do artigo 527 diz que a conversão ocorrerá “quando se
tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil
reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos
aos efeitos em que a apelação é recebida”. Não faz sentido!
231
.
Efetivamente não faz sentido. Porém, o doutrinador, ou esqueceu-se ou por
um erro de edição se perdeu, a expressão “salvo”, o que volta a dar, pelo menos, parcial
congruência ao texto. Parcial, porque, este sim, motivo justo de indignação do autor, a lei não
trouxe qualquer novidade quanto as hipóteses de cabimento do agravo, modificando a
redação, mas mantendo, quanto ao cabimento, a mesma regra já existente. Assim manifestou
sua indignação MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO:
Poder-se-ia objetar que este seria um sintoma de que aquela premissa
anterior é que está equivocada e que, assim, quando a parte interpuser agravo
de instrumento de decisão que não lhe cause lesão grave e de difícil
reparação, o relator deverá convertê-lo em retido. Mas se for assim, qual a
novidade? Qual “a nova disciplina ao cabimento dos agravos retidos e de
instrumento” que a ementa da Lei 11.187 afirma que veio “conferir”? A se
concluir que quando a parte interpuser agravo de instrumento o relator
deverá convertê-lo em retido, a lei não terá produzido qualquer alteração no
sistema de cabimento dos agravos
232
.
Em que pese tal insurgência, o que ocorreu foi exatamente a segunda
hipótese: no que concerne as hipóteses de cabimento do agravo retido e por instrumento,
nenhuma alteração houve, apenas sendo a norma “floreada”. Apesar disso, não se pode
231
Ibid., p. 325.
232
Idem.
162
propor uma interpretação totalmente contra legem para tentar dar utilidade a reforma neste
aspecto. O inciso II, do artigo 527, do Código de Processo Civil existe e ganhou nova
redação, o que demonstra que a intenção do legislador jamais foi suprimi-lo. Logo, deve ser
aplicado!
4.5 HIPÓTESES LEGAIS DE CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Além dos casos em que a decisão interlocutória seja passível de causar lesão
grave ou de difícil reparação, o legislador enumerou outras situações onde, quer por existir
uma grave lesão ou de difícil reparação “presumida”, quer por uma questão procedimental,
que impossibilitaria a apreciação do agravo retido, autorizado está o manejo do agravo de
instrumento.
Tratam-se das hipóteses previstas na parte final do artigo 522 do Código de
Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.187/2005, ou seja, nos casos de
inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será
admitida a sua interposição por instrumento. É a repetição das hipóteses previstas no agora
revogado § 4º, do artigo 523, com redação dada pela Lei 10.352 de 2001.
Por este motivo, tratando-se de mera repetição das normas já existentes, não
trazendo qualquer novidade, dedicaremos algumas poucas linhas ao assunto, até porque essas
situações são “objetivas, de fácil subsunção”
233
.
Quanto à primeira hipótese, inadmissão da apelação, CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO deixa clara a inviabilidade da utilização do agravo retido: “Indeferida a
apelação, o agravo retido não teria sequer como subir, porque o próprio veículo de sua
233
GARCIA, op. cit., p. 142.
163
condução ao tribunal está desativado. Daí por que, de modo expresso, autoriza-se o agravo de
instrumento nesse caso”
234
.
No mesmo sentido as palavras de CASSIO SCARPINELLA BUENO ao
tratar, lembrando que se trata da popular utilização do agravo de instrumento para
“destrancamento” de outro recurso, como aliás é o agravo de instrumento, e somente para
isso, utilizado na Justiça do Trabalho:
Uma apelação não recebida desafia o agravo de instrumento porque sua
interposição na forma retida seria de toda inócua porque os autos não vão ser
enviados ao Tribunal, caindo por terra a lógica intrínseca à forma retida de
interposição do agravo que consta do caput do art. 523. O agravo de
instrumento, em casos como este, tem como finalidade o de viabilizar o
recebimento da apelação e, desde que provido, ocasionará o envio dos autos
respectivos par o Tribunal. Como se costuma dizer na prática forense, o
agravo de instrumento, nestes casos, visa ao “destrancamento do recurso de
apelação
235
.
Quanto à segunda hipótese, efeitos em que a apelação é recebida,
obviamente o manejo do agravo retido seria uma aberração, pois somente seria apreciado no
momento do julgamento da apelação. O acerto ou não do magistrado, neste caso, será
discutido com finalidade meramente acadêmica, pois, se o juiz, por exemplo, concedeu efeito
suspensivo a apelação, a reforma desta decisão será inútil, pois a suspensão ocorreu durante
todo o lapso temporal de pendência do recurso. Neste caso, “a falta de utilidade no
provimento acarreta a ausência de interesse processual”
236
. É o que ensina GUSTAVO
FILIPE BARBOSA GARCIA:
Interposta a apelação, a decisão do juízo a quo quanto aos efeitos em que a
recebe (art. 518) é interlocutória e ulterior à publicação da sentença.
Também nesta hipótese, tem-se o cabimento do agravo de instrumento, pois,
caso contrário, a produção ou não dos efeitos da sentença recorrida ficaria na
espera do julgamento da apelação, causando prejuízo e insegurança jurídica.
234
DINAMARCO, op. cit., p. 173.
235
BUENO, op. cit., p. 205.
236
CUNHA, op. cit., p. 300.
164
Basta imaginar a hipótese em que o apelo é recebido no efeito meramente
devolutivo (art. 520, I a VII), possibilitando a execução provisória de
sentença condenatória (art. 521, segunda parte). Para impugnar esta decisão
interlocutória, o agravo retido é ineficaz, não atendendo à necessidade
processual da parte, por ser apreciado somente quando do julgamento da
apelação (art. 523, caput)
237
.
4.6 BREVE ROL (NÃO EXAUSTIVO) DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS QUE CONTINUAM A
DESAFIAR O
MANEJO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Com base nos problemas criados pela atual redação do artigo 522 do Código
de Processo Civil, apesar da tentativa de se estabelecer o agravo retido como regra e o agravo
de instrumento como exceção, percebe-se, na prática, como bem afirmado por ATHOS
GUSMÃO CARNEIRO
238
, que o agravo de instrumento continuará a ser o recurso, por
excelência, cabível para impugnação das decisões interlocutórias.
Pode-se dizer, assim, que o legislador criou uma regra que, em termos
práticos é mais restrita do que a exceção. Ou como afirma HEITOR VITOR MENDONÇA
SICA, “a exceção é mais ampla que a regra”, pois, para ele, as duas únicas hipóteses de
cabimento do agravo retido seriam nas decisões sobre matéria probatória, desde que ausente
risco de seu perecimento e no tocante as matérias de ordem pública, como por exemplo a
rejeição de questões preliminares. Isto porque, segundo ele, o risco de dano é passível de
reparação pela sentença
239
, ou seja, quando na própria sentença o magistrado de primeiro grau
poderia proferir decisão neutralizando os efeitos danosos da decisão interlocutória.
Trata-se de louvável e racional critério para trazer um pouco de luz a tão
intrica discussão. Porém, mesmo nos casos citados, discordamos que o regime de retenção
237
GARCIA, op. cit., p. 142.
238
CARNEIRO, op. cit., p. 46.
239
SICA, op. cit., p. 197.
165
será sempre a melhor forma de interposição do agravo, tudo conforme abaixo se verá. Porém,
apesar de nossa discordância, temos plena ciência que a nossa forma de encarar o regime de
retenção obrigatório não será confirmada nem pela doutrina e nem pela jurisprudência.
Grande parte dos exemplos de cabimento do agravo de instrumento, em
nosso entender, e no entender de grandes nomes da doutrina, foram utilizados no transcurso
do desenvolvimento dos tópicos anteriores, aos quais nos remetemos por questão de
brevidade, sendo que agora se fará uma pequena síntese destas situações.
A primeira hipótese, entendida pela permissão do manejo do agravo de
instrumento, é quanto às chamadas matérias de ordem pública. Neste caso inexiste interesse
na utilização do agravo retido porque:
[...] (a) inexiste preclusão, razão pela qual poderá ser reapreciada a questão
pelo magistrado de piso ou mesmo pelo tribunal na apelação,
independentemente de requerimento expresso; (b) a única forma de permitir
que a matéria ligada a pressuposto processual (ex: coisa julgada) ou
condição da ação (ex: legitimidade ad causam) seja logo apreciada pelo
tribunal é por meio do agravo por instrumento, ocasião em que poderá ser
aplicado o efeito translativo, com a conseqüente extinção do processo (ex vi
art. 267, V ou VI, do CPC); (c) trata-se de hipótese de incabimento de
conversão, em que pese inexistir a necessidade de tutela de urgência no
agravo. Logo, configura-se exceção ao art. 527, II, do CPC
240
.
Aqui, seguindo o escólio de ANTONIO DE PÁDUA NOTARIANO
JÚNIOR, considera-se matérias de ordem pública as que envolvam: os pressupostos
processuais, coisa julgada, litispendência, perempção e as condições da ação
241
.
Ora, como já dito no tópico em que tratamos do agravo retido (item 2.1.1), a
finalidade principal desta forma de interposição de agravo é evitar a preclusão. Logo, qual
seria o interesse de se manejar o agravo retido quanto a uma matéria que não preclui? Além
240
ARAÚJO, op. cit., p. 227.
241
NOTARIANO JUNIOR, Antonio de Pádua. A conversibilidade do agravo de instrumento e as matérias de
ordem pública. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de outros meios de impugnação às
decisões judiciais. Vol. 8. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2005. p. 27.
166
disso, quando se está a falar, por exemplo, de pressupostos processuais e condições da ação, a
vantagem para a parte adversa é a impossibilidade de que seu adversário obtenha a tutela
jurisdicional por não preencher os requisitos processuais necessários ao regular
desenvolvimento do processo. Neste caso, seria justo que o processo se desenvolvesse
integralmente para, somente em sede de apelação, ser consignado que o autor não tinha o
“direito” de ter o trâmite natural de seu processo?
Pense-se no próprio exemplo trazido por HEITOR VITOR MENDONÇA
SICA para justificar o cabimento do agravo retido nas matérias de ordem pública, como, por
exemplo, a que envolva a questão de ilegitimidade passiva ad causam. Para tal doutrinador, o
juiz pode, na sentença, por ser matéria de ordem pública, rever sua decisão e declarar a
ilegitimidade. Pode ainda julgar improcedente a ação, sendo que portanto, os danos a serem
experimentados são meramente potenciais
242
.
Pense-se agora no exemplo de um microempresário, que tem ajuizada uma
ação indenizatória contra si, envolvendo uma relação de consumo, ajuizada em comarca
distante da sua sede, embora cristalinamente não seja o responsável pelo dano causado.
Interposta a ação, este apresenta preliminar de ilegitimidade de parte, a qual contudo não
convence o magistrado a quo. Pergunta-se: tal decisão não é passível de lhe causar lesão
grave e de difícil reparação? Ele terá que pagar todos os atos de seu advogado, inclusive
deslocamentos, terá de comparecer a pelo menos duas audiências, terá de providenciar oitiva
de testemunhas por precatória e quiçá, terá de pagar eventual perícia técnica no caso de o
magistrado entender pela inversão do ônus da prova. Em suma, terá de suportar os ônus
processuais por quem sabe, dois ou três anos, para somente então ver declarada, quem sabe
apenas no tribunal, a sua ilegitimidade passiva. Não acreditamos, diante das peculiaridades de
um caso como este, que o manejo do agravo retido seja a melhor opção.
242
SICA, op. cit., p. 200.
167
Bem adverte ANTONIO DE PÁDUA NOTARIANO JUNIOR que:
[...] a parte não é obrigada a suportar os males de um processo que não reúne
condições de obter um provimento jurisdicional de mérito, devendo o agravo
de instrumento tirado em face de decisões que tenham o condão de extinguir
o processo seguir pelo regime instrumentado, não podendo o relator aplicar
em tais casos o disposto no art. 527, II, do CPC [...] Em nosso sentir, quando
a matéria versada na decisão interlocutória for de ordem pública, o agravo
deverá seguir o regime instrumentado, sendo, portanto, vedado ao relator
convertê-lo em retido
243
.
A alegação de que a possibilidade de apreciação da matéria de ordem
pública, até de ofício pelo Tribunal por ocasião do julgamento da apelação teria o condão de
retirar o interesse recursal da parte não pode prosperar. Nestes casos:
[...] continua a haver interesse recursal, pois a parte não pode ser obrigada a
sofrer os efeitos de uma decisão errada, que lhe causa prejuízo, ou, até, que
implique a instauração, o desenrolar e a finalização de um processo inválido,
como, por exemplo, aquela que não acolhe a alegação de litispendência. [...]
Pode a parte, nestes casos, valer-se do recurso de agravo de instrumento para
obter uma decisão mais rapidamente do que lograria obter se esperasse o
julgamento da apelação, ainda que, em última análise, chegando os autos ao
tribunal, por meio da apelação, tivéssemos o mesmo resultado. O interesse
da parte, neste caso, é gerado pela perspectiva da possibilidade de
precipitação do resultado
244
.
Eis portanto, para nós, a primeira hipótese em que o agravo de instrumento
sempre será cabível: quando a matéria for de ordem pública.
A segunda hipótese onde caberá, em nosso sentir, o agravo de instrumento
será das decisões que criem, no caso de manejo do agravo retido, uma “sentença sob
condição”, ante a possibilidade de dano processual à parte, consistente no retardamento
excessivo da entrega da prestação jurisdicional. Ante a amplitude desta situação, falando-se
243
NOTARIANO JUNIOR, op. cit., p. 33 e 31.
244
WAMBIER, op. cit., p. 463.
168
de agravo, entendemos que a jurisprudência não acatará a aplicabilidade do agravo de
instrumento nessas hipóteses.
Também deverá ser passível de ataque via agravo por instrumento as
decisões sobre competência, que se diga de passagem, ocasionará uma sentença sobre
condição. Quem nos dá esse prenuncio é LUIS GUILHERME AIDAR BONDIOLI:
Desde os tempos do Tribunal Federal de Recursos, a jurisprudência não
admite agravo retido contra a decisão que rejeita exceção de incompetência,
entendendo que sua impugnação deve se dar por agravo de instrumento.
Some-se a esse dado histórico o fato de que debates em torno da
competência podem conduzir a invalidação de todo o processo. Ademais, o
trâmite do feito numa comarca longínqua pode gerar efetivos entraves para a
parte defender seus interesses no processo. Por isso, ao que parece, a
jurisprudência se encaminhará para, em regra reter agravos relacionados com
o valor da causa e liberar o processamento de agravos atrelados à questão da
competência
245
.
BARBOSA MOREIRA traz semelhante entendimento, tratando do sistema
de retenção dos recursos especial e extraordinário:
Pode haver situações em que a retenção do extraordinário e/ou especial, nos
termos do § 3º do art. 542, trará mais prejuízo do que benefícios. Certos
pontos duvidosos precisam ser enfrentados e esclarecidos quanto antes, sob
pena de, se o deixarmos para mais tarde, nascer o risco de dano irreparável,
ou de inoportuno desperdício de atividade processual. Assim, suscitando-se
dúvida sobre competência, o melhor é resolver desde logo a questão, para
evitar a eventual invalidação de atos praticados por órgão que depois venha a
ser declarado absolutamente incompetente
246
.
Ainda no caso de ocorrência de circunstância prevista no rol exemplificativo
previsto no artigo 558 do Código de Processo Civil (prisão civil, adjudicação, remição de
bens e levantamento de dinheiro sem caução idônea), que traz exatamente a mesma expressão
245
BONDIOLI, op. cit., p. 242.
246
BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 148.
169
do caput do artigo 522 (lesão grave e de difícil reparação), também será cabível o manejo de
agravo por instrumento, independentemente de maiores considerações.
As decisões proferidas durante a execução também podem ser elencadas
neste rol de decisões impugnáveis por meio de agravo por instrumento, novamente por
remissão a outro dispositivo legal atinente ao regime de retenção de recurso. Trata-se do
artigo 542 que em seu parágrafo 3º não elenca entre os casos de retenção a hipótese de
decisão proferida no curso da execução. Conforme nos ensina LUIS GUILHERME AIDAR
BONDIOLI, é lícita a utilização deste critério, para a análise do cabimento do agravo das
decisões interlocutórias proferidas também em primeiro grau:
Chama-se a atenção, principalmente, para o imediato processamento dos
recursos especial e extraordinário que têm na sua origem decisão
interlocutória proferida no processo de execução, que deve valer também
para o agravo. Até porque praticamente todas as decisões tomadas na
execução têm imediatos reflexos no patrimônio das partes, sendo mais do
que provável a iminência de danos a seus direitos e interesses. [...] Ademais,
a decisão final na execução tem a única finalidade de pôr fim ao processo.
não fazendo qualquer consideração acerca do meritum causae. Logo, não
vale a pena postergar discussões travadas incidentalmente no processo
executivo para um segundo momento. É válida, portanto, a conclusão de que
os agravos tirados de processo executivos não são passíveis de retenção
247
.
Em virtude da espécie de sentença proferida na execução, TERESA
ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ RODRIGUES WAMBIER e JOSÉ MIGUEL
GARCIA MEDINA também entendem pelo cabimento do agravo de instrumento das decisões
da execução:
O regime de retenção também não pode ser interposto aos agravos
interpostos no curso do processo de execução. Embora este tenha que se
findar, necessariamente, com uma sentença (art. 795), esta normalmente é
proferida apenas após a exaustão das atividade executivas, com a satisfação
do direito objeto de execução, não sendo comum a interposição de apelação
contra tal decisão. Ademais, atos executivos, pelo menos em tese, quase
sempre serão hábeis a ocasionar lesão grave à parte, tal como ocorre, por
247
BONDIOLI, op. cit., p. 238.
170
exemplo, na decisão que indefere a alegação de nulidade da penhora ou de
preço vil
248
.
Este também é o entendimento de LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA
CUNHA:
Não parece, contudo, que seja compatível com o processo de execução a
interposição de agravo retido. É que, na execução, o pedido da parte é
atendido com a satisfação do crédito. A sentença apenas declara a anterior
satisfação do crédito, pondo termo ao processo; não há mais nada a ser feito.
Enfim, não se compatibiliza com a execução o agravo retido. Interposto o
agravo retido, não há mais como reiterá-lo, pois, sobrevindo a sentença, já se
satisfez o crédito. Não é sem razão, aliás, que o recurso especial e
extraordinário retidos não cabem em processo de execução (CPC, art. 542, §
3º)
249
.
Por último, no mesmo sentido a lição de ATHOS GUSMÃO CARNEIRO,
afirmando que no processo de execução, freqüentemente as decisões desafiarão agravo de
instrumento, ante a inoperância do agravo retido em virtude da espécie de sentença a ser
proferida. Por isso, sequer faculdade ao agravante existiria: “Nas execuções, destarte, àquele
que sucumbe em questão incidente não assiste a faculdade de opção entre uma e outra
modalidades de agravo. Ser-lhe-á útil, em princípio, apenas o agravo de instrumento”
250
.
Esta regra ganha cada vez maior importância, mormente se considerarmos
as alterações trazidas pela Lei 11.232 de 2005, que traz uma grande mitigação do princípio da
autonomia entre o processo de conhecimento e processo de execução, regulando a execução
de obrigação de pagar quantia certa, sendo que as obrigações de dar, fazer e não fazer, já
tinham disciplina própria e diferenciada, em virtude das alterações no artigo 461 e inclusão do
artigo 461-A, no Código de Processo Civil.
248
WAMBIER, op. cit., p. 255.
249
CUNHA, op. cit., p. 308.
250
CARNEIRO, op. cit., p. 105.
171
Sem um processo “inteiramente” autônomo de execução, o agravo de
instrumento ganha cada vez mais importância, tanto que o próprio legislador optou a
expressamente prever esta modalidade de agravo, por exemplo, das decisões que envolvam a
liquidação de sentença (art. 475-H, do CPC) e a impugnação (art. 475-M, § 3º do CPC).
LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA traz esta mesma conclusão:
Proferida a sentença no processo de conhecimento, não haverá mais processo
autônomo de execução. A liquidação da sentença e seu cumprimento far-se-
ão no mesmo processo, em fases adicionais. Logo, tanto a decisão que
resolver a fase de liquidação como a que julgar a impugnação e a que
encerrar o cumprimento da sentença serão, todas elas, decisões
interlocutórias, atacadas por agravo de instrumento
251
.
O mesmo raciocínio se aplica para as decisões interlocutórias proferidas nos
casos de ações executiva lato sensu e mandamentais:
É o que ocorre com as decisões interlocutórias proferidas após a sentença em
ações executivas lato sensu e mandamentais, em que o agravo somente
poderá se subsumir ao regime de instrumento, não se admitindo agravo
retido. Assim, a interlocutória que, após a sentença modifica o valor ou
periodicidade da multa (art. 461, § 6º), ou altera o regime das medidas
executivas estabelecidas na sentença, somente poderá ser impugnada por
agravo de instrumento, e não por agravo retido
252
.
Já citados também os casos que envolvam a intervenção de terceiros ou a
eles digam respeito. Nestes casos, também viável o manejo do agravo de instrumento.
Outra hipótese em que se deverá sempre permitir o manejo do agravo de
instrumento se dá nos casos em que, não obstante, não se configure a lesividade irreparável,
inexista interesse recursal na interposição de agravo retido. Vejamos o exemplo de HEITOR
VITOR MENDONÇA SICA:
251
CUNHA, op. cit., p. 308.
252
WAMBIER, op. cit., p. 458.
172
A assertiva se demonstra mais facilmente à vista de exemplos. Imagine-se,
por exemplo, que o juiz admite, indevidamente, uma denunciação à lide
pleiteada pelo réu, e o autor não se conforma com a decisão, entendendo que
a medida não encontra amparo legal e tumultuará o andamento do feito.
Nesse exemplo, a rigor, o agravo retido haverá de ser inadmitido por falta de
interesse recursal (o remédio é inadequado para que o recorrente alcance
seus objetivos), de modo que o tribunal haverá de processar o agravo de
instrumento, não porque haja, propriamente, risco de dano irreparável
(apenas o processo demorará um pouco mais do que deveria), mas porque a
adoção da forma recursal legalmente adequada importará em falta de
interesse recursal
253
.
No mesmo caso tem-se outro exemplo, bastante elucidativo, de NELSON
NERY JUNIOR:
Se foi indeferido o pedido de julgamento antecipado da lide, a parte não terá
interesse em agravar retido porque, quando da apreciação do agravo, isto é,
no julgamento do recurso de apelação (CPC 523 § 1º), o mérito do agravo já
estará prejudicado em face da existência da sentença. Terá interesse em
agravar de instrumento para que o tribunal possa, provendo o recurso, julgar
antecipadamente a lide
254
.
Ainda, quando estudamos a sentença, ficou evidente que ante a nova
redação do artigo 162, em seu § 1º, muitos pronunciamentos judiciais que legalmente
deveriam ser enquadrados como sentença, por conveniência e praticidade, continuarão a ser
tratados como decisão interlocutória, como por exemplo, a exclusão de um litisconsorte, o
indeferimento liminar da reconvenção e no caso do art. 273, § 6º, do CPC. Nestes casos,
também o recurso de agravo deverá ser manejado por instrumento:
As decisões que têm conteúdo de sentença, mas não põem fim ao processo,
devem ser resolvidas dentro da rapidez típica do julgamento do agravo de
instrumento, até mesmo porque uma eventual procedência de agravo retido
nesse caso gerará a anulação de todo o processo, o que evidentemente
acarretará um sacrifício injustificado ao princípio da economia processual.
Trata-se, indubitavelmente, de decisão apta a gerar grave dano de difícil
253
SICA, op. cit., p. 206
254
NERY JUNIOR, op. cit,, p. 335.
173
reparação à parte, devendo-se aplicar o art. 522 do CPC, que determina ser
nesse caso cabível o agravo retido
255
.
Tal entendimento foi adotado por TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER, LUIZ RODRIGUES WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA ao
tratarem do regime de retenção dos recursos especial e extraordinário. Entendemos, mutatis
mutandis, que a regra também aqui deve ser aplicada:
A mesma solução deve ser observada no que respeita à inaplicabilidade do
regime de retenção dos recursos extraordinário e especial, interpostos contra
os pronunciamentos que tenham conteúdo de sentença, mesmo que
veiculados em acórdão que tenha julgado agravo de instrumento (CPC, art.
542, § 3º). Neste caso, o regime de retenção dos recursos excepcionais não
deve incidir, devendo os referidos recursos ser encaminhados imediatamente
ao Tribunal Superior competente
256
.
JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA em sua obra específica sobre o
prequestionamento nos recursos especial e extraordinário reforça tal idéia:
Percebe-se que o dispositivo legal em análise omitiu o processo de execução,
indicando que os recursos extraordinário ou especial cabíveis contra acórdão
que julgar agravo oriundo do processo executivo tramitarão pelo modo
tradicional, devendo ser encaminhados ao tribunal ad quem competente,
não se sujeitando ao regime de retenção
257
.
O problema é sistematizar todas as hipóteses de cabimento do agravo de
instrumento, sendo certo que na maior parte dos casos a apreciação deverá ser casuística,
observando-se a condição particular das partes e o efeito da decisão proferida.
Mas dentro dos casos acima tratados, vinculados com a classificação de
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER das decisões interlocutórias em seis grandes grupos
255
NEVES, op. cit., p. 85
256
WAMBIER, op. cit., p. 61.
257
MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 4ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 194.
174
(as que dizem respeito às provas, as que concedem ou não providências urgentes, as que
admitem ou não recursos e declaram seus efeitos, as relativas as nulidades absolutas ou
relativas, as que tratam do ingresso de terceiros na lide e as relativas a validade e adequação
das medidas executivas
258
) percebemos que pelo menos 5 destes grupos desafiam o agravo de
instrumento, excluindo-se apenas, dentro dos parâmetros jurisprudenciais e legais vigentes, a
decisão sobre matéria probatória (salvo casos excepcionais). Pergunta-se: qual agravo é regra
e qual é exceção?
Excluímos as interlocutórias sobre matéria probatória, mas sinceramente,
não concordamos com tal entendimento. Eis o motivo do nosso entendimento:
Um exemplo: se o juiz indeferir a produção de uma prova que possa ser
produzida posteriormente, não haverá, ao menos sob o aspecto material,
lesão de difícil reparação, porque, provido o agravo retido: a) haverá, como
conseqüência natural, a rescisão da sentença já proferida; b) a prova será
produzida em primeira instância; e c) o juiz proferirá nova sentença. Mas e o
tempo que se perderá com todo esses procedimento? Admitido o agravo de
instrumento, provavelmente a sua apreciação se dará antes de o juiz proferir
a sentença, evitando que duas sentenças sejam proferidas e que duas
apelações sejam interpostas
259
.
A questão somente será superada com o passar do tempo e com o norte
jurisprudencial a ser dado à matéria. Prova da confusão que se terá até lá, é encontrado na
obra de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO. Em sua obra “A reforma da reforma”, referido
doutrinador afirma que:
Talvez por lapso, a Reforma da Reforma chegou ao ponto de eliminar a
disposição legal, trazida em 1995, que impedia esses agravos contra decisões
em matéria probatória, no procedimento sumário (art. 280, inc. III, red. Lei
258
WAMBIER, op. cit., p. 133/134.
259
NEVES, op. cit,, p. 47.
175
9.245, de 26.12.1995); seria antes o caso de alargar tal norma, para que em
processo algum se admitisse o agravo de instrumento nessa matéria
260
.
Porém, em outra obra, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO expôs
posicionamento totalmente diverso, ao tratar do cabimento do recurso especial e do recurso
extraordinário na forma retida, entendimento que, mutatis mutandis, deve ser aplicado para a
questão do agravo retido e do agravo de instrumento:
Situação análoga tem-se também quando uma prova é deferida, recursos são
interpostos e o julgamento final dessa matéria tarda muito a chegar – a prova
já estará produzida e, se for ilícita, impertinente ou invasiva da intimidade ou
segredo, o mal já estará consumado. Também nessas situações, os tribunais
de superposição deverão estar abertos ao exame de urgências, dispondo-se a
ditar medidas extraordinárias capazes de debelar riscos extraordinários
261
.
4.7 A IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO DO RELATOR DITADA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO
ARTIGO 527 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Este talvez seja, sopesado tudo o que já foi acima citado, o ponto principal
na reforma legislativa de 2005, mormente se considerarmos que desde 2001 o regime de
retenção já era regra quando se falasse no recurso de agravo
262
.
Há mais de 2 (dois) anos antes da reforma de 2005, HUMBERTO
THEODORO JÚNIOR já defendia a irrecorribilidade da decisão do relator que determina a
conversão do agravo de instrumento em agravo retido, inclusive, propondo a solução para se
evitar a proliferação de mandados de segurança contra esta decisão:
260
DINAMARCO, op. cit., p. 178.
261
DINAMARCO, Cândido Rangel. O relator, a jurisprudência e os recursos. In Aspectos Polêmicos e Atuais
dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier.
São Paulo: RT, 1999. p. 142
262
WAMBIER, op. cit., p. 263.
176
Para evitar abusos, duas medidas poderiam ser adotadas: a) a decisão do
relator de converter o agravo de instrumento em agravo retido deveria ser
irrecorrível; b) se por outras vias, como (sic) o mandado de segurança, o
agravante tentasse burlar a forma do agravo retido e não obtivesse sucesso
estaria ipso facto sujeito a penalidade de litigante temerário
263
.
Data máxima vênia, querer se atribuir a penalidade de litigante temerário
pelo simples fato de a parte não obter sucesso na pretensão deduzida em mandado de
segurança parece de uma arbitrariedade excessiva. Se a solução para o problema do excesso
de recursos das decisões interlocutórias fosse tão simples, bastaria se cominar a mesma pena
àquele que manejasse o recurso e o tivesse improvido!
Tal espécie de solução parece estar dentro da hipótese já citada por
BARBOSA MOREIRA de que as reformas tem sido dirigidas apenas para solucionar o
problema de acúmulo de serviço dos integrantes dos tribunais superiores. Se essa fosse a
solução, se poderia aplicar penalidade inversa no caso de reforma, ou seja, obrigar o
magistrado a pagar, por exemplo, uma indenização no caso em que a sua decisão
interlocutória fosse reformada!
Voltaríamos à situação histórica narrada por TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER em que no direito português existia o agravo de ordenação não guardada, meio
processual que obrigava as autoridades judiciárias da época a indenizar os prejuízos causados
por decisões que desrespeitassem à lei processual vigente e acarretassem nulidades
264
.
Obviamente, trata-se de duas sugestões estapafúrdias. No momento
histórico em que os poderes do juiz de primeiro grau são aumentados, no momento em que as
medidas coercitivas são dilatadas, no momento em que abundam os chamados “conceitos
abertos”, em que se criam tutelas diferenciadas, na maioria das vezes calcadas em cognição
sumária, querer atribuir o status de irrecorrível a decisões aptas a causar danos graves a parte
263
THEODORO JUNIOR, op. cit., In www.abdpc.org.br, acesso em 21 de setembro de 2006, às 18h30min
264
WAMBIER, op. cit., p. 42.
177
e, ainda, penalizar aquele que tenta re-estabelecer direito líquido e certo, nos parece um
contra-senso.
No transcorrer dos itens anteriores, em diversas oportunidades foram
trazidas a baila citações de BRUNO DANTAS NASCIMENTO, e, em quase todas, com
caracteres de discordância. Porém, agora, ao tratar da questão da (ir)recorribilidade da decisão
do relator que converte o agravo de instrumento em agravo retido, a concordância em termos
gerais se impõe, mesmo que hajam pequenas discordâncias quanto a fundamentação.
Supracitado autor entende que a atual redação do parágrafo único, do artigo
527, do Código de Processo Civil, fere critérios de conveniência e oportunidade, além de ferir
as próprias disposições constitucionais. Em primeiro momento, concordamos quanto a
(in)conveniência e (in)oportunidade da norma, mas acreditamos que a inconstitucionalidade
da norma deve ser melhor analisada, conforme adiante se verá.
Na verdade, o motivo que nos leva a entender pelo equívoco do legislador
ao transformar o agravo retido em regra, é utilizado também para rebater a conveniência e
oportunidade de se transformar a decisão do relator em irrecorrível. É o que BRUNO
DANTAS NASCIMENTO chama de “valorização de entendimentos minoritários”:
Nessa absurda situação de extrema valorização dos entendimentos
minoritários, mesmo que determinada tese jurídica seja pacífica na turma,
câmara ou órgão especial do tribunal, o jurisdicionado precisará “torcer”
para que o seu recurso não seja distribuído a desembargador que, embora
isolado, mantenha entendimento contrário à sua tese, e, se o for, deverá, mais
uma vez, “torcer” para que o recurso seja julgado rapidamente, a fim de que
sua tese prevaleça no julgamento do colegiado
265
.
Se este argumento é válido para a questão da irrecorribilidade da decisão do
relator, mais válido será para o texto legal que obriga a parte a “se conformar”
temporariamente com uma decisão do juízo de primeiro grau, determinando o processamento
265
NASCIMENTO, op. cit., p. 70.
178
do agravo na forma retida, mesmo sabendo que a decisão do tribunal está consolidada em
sentido oposto. Remetemo-nos, por questão de brevidade, ao exemplo da perícia contábil
citado no tópico anterior.
Muitos aspectos que fundamentam a contrariedade a irrecorribilidade da
decisão do relator que converte o agravo de instrumento em retido ou confere efeito
suspensivo ao agravo e/ou ainda defere a antecipação dos efeitos da tutela recursal, são
semelhantes aos argumentos utilizados para demonstrar a contrariedade ao regime de retenção
do agravo como regra geral. Por isso, também aqui a questão já tratada acima dos conceitos
indeterminados é fator contrário à criação legal de irrecorribilidade de determinadas decisões:
“este contexto que o reexame pelo colegiado das decisões liminares adotadas pelo relator do
agravo de instrumento é necessidade imperiosa, e a sua vedação é verdadeira razão ensejadora
de insegurança jurídica”
266
.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, ao comentar a reforma procedida no
Código de Processo Civil em 2001, afirma que a atribuição de “poderes” ao relator somente
será legitima com a existência de um recurso contra o ato deste:
Constitui fator legitimante da outorga desses poderes extraordinários ao
relator a oferta de um recurso contra o ato deste, como meio de assegurar à
parte contrariada um julgamento em colegiado (turma, câmara) – porque a
colegialidade dos julgamentos superiores é inerente à fórmula ocidental da
diversidade de graus jurisdicionais e de seu próprio fundamento
sistemático
267
.
Em artigo publicado anteriormente a edição da Lei 11.187, EDUARDO
TALAMINI, demonstrava o acerto e os proveitos oriundos da outorga de maiores poderes ao
relator, ante a celeridade e economia processual que poderiam advir de tal situação.Porém,
sempre destacando uma condicionante, sob pena de inconstitucionalidade da norma, e, esta
266
Ibid., p. 71.
267
DINAMARCO, op. cit., p. 192.
179
condicionante era exatamente a possibilidade de apreciação de tal decisão pelo colegiado,
respeitando assim a tradição constitucional brasileira:
É da tradição constitucional brasileira o julgamento colegiado em segundo
grau. Está implícita na estruturação constitucional do Poder Judiciário a
pluralidade na composição dos tribunais locais e federais. E isso não consiste
em mero capricho burocrático ou administrativo. Ao estruturar os tribunais
em órgãos colegiados, pretende-se fazer com que as decisões aí proferidas
sejam essencialmente fruto de deliberação conjunta – em contraposição às
decisões isoladamente adotadas pelos juízes singulares (de “primeiro grau”).
Eis, aliás, um dos próprios motivos que justificam a existência de
tribunais
268
.
Nem se cogite, e seria, com o perdão da palavra, muita “cara de pau” se
cogitar, que a decisão será apreciada pelo colegiado, porém em momento posterior. Tal tema
será tratado um pouco adiante, ainda dentro deste tópico, mas adiantando-se brevemente, fica
cristalino que, nas hipóteses de conversão do agravo de instrumento em retido, e no caso de
não concessão do efeito suspensivo, a apreciação posterior, no momento de julgamento da
apelação, é uma tolice!
Outro motivo dado pela doutrina para refutar a decisão legal de tornar as
decisões do relator irrecorrível, nos termos do art. 527, parágrafo único, é o desvirtuamento da
finalidade da submissão da demanda ao segundo grau de jurisdição. Isto porque, não existe
uma hierarquia propriamente dita entre juizes de primeiro e juizes de segundo grau, tanto que
as decisões dos primeiros não podem, sob hipótese alguma serem determinadas pelos
segundos.
A função do segundo grau é, em virtude de sua maior experiência e através
de reuniões colegiais, onde o assunto seria amplamente discutido, possibilitar a confirmação
ou reforma do julgado a quo. Caso contrário, permitindo-se a solução do litígio na instância
268
TALAMINI, Eduardo. Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e
controle (agravo interno). In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei
10.352/2001. Vol. 5. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 180.
180
superior por um único magistrado, se estaria quebrando a regra clássica da decisão do
colegiado em segundo grau, criando-se um “super juiz”, com finalidade de monocraticamente,
e sem chances de recurso, modificar a decisão de primeira instância.
Com o cerceamento do acesso do jurisdicionado ao colegiado, pretende-se
maior celeridade processual (ou apenas desafogar os tribunais?), porém as custas da segurança
jurídica, o que não é aceitável:
Diante da nova lei que sacrifica o elevado valor segurança em homenagem à
celeridade a qualquer custo, pode-se afirmar que crescem as chances de
ocorrerem erros judiciários, à medida que o dispositivo concentra, de forma
desaconselhável, poderem muito amplos nas mãos do relator, com
conseqüente esvaziamento das competências do colegiado. Como já
mencionamos, no segundo grau de jurisdição a falta de contato entre o
julgador e as partes é compensada com a pluralidade de idéias que se
apresentam no debate travado no órgão colegiado e a fiscalização recíproca
entre seus membros. Com a nova lei, a prevalecer a interpretação dada pelos
que sustem o fim do controle do colegiado sobre as decisões monocráticas,
apenas o relator poderá deferir e reconsiderar decisões liminares no agravo
de instrumento, sem o contato com as partes, sem o debate plural de idéias e
sem a fiscalização de seus pares. Essa situação é especialmente delicada
porque a indeterminação dos conceitos usados pela lei para autorizar o
deferimento da liminar irrecorrível favorece a ocorrência de erros”
269
.
Outro questionamento imperioso que se faz a tão propalada irrecorribilidade
das decisões do relator, diz respeito ao juiz natural para apreciação do agravo de instrumento:
seria o próprio relator ou o colegiado? Se a resposta for a segunda opção, obviamente, diante
da ofensa ao juiz natural, estaríamos diante de uma regra inconstitucional.
Indubitavelmente, conforme se extrai do sistema recursal brasileiro como
um todo, o julgamento de segundo grau é de competência do colegiado. Com o agravo de
instrumento não é diferente. Logo, se é certo que o relator pode ter a atribuição de,
isoladamente, proferir a decisão que converte o agravo de instrumento em retido, bem como
deferir ou não efeito suspensivo ao agravo ou deferir ou não a antecipação de tutela, também é
269
NASCIMENTO, op. cit., p. 74.
181
certo que não pode ser tolhido do colegiado, o verdadeiro juiz natural, a hipótese de re-
analisar essa questão.
EDUARDO TALAMINI, comentando os poderes antes mesmo da reforma
de 2005, expunha com precisão suas idéias que são aptas a contestar a opção legislativa,
entendendo o poder do relator como um poder delegado. Além de sua posição, o autor
informa que tal entendimento é esposado também por Egas Moniz de Aragão e Seabra
Fagundes:
No entanto, em qualquer caso, a atuação isolada do integrante do tribunal
submete-se a uma condicionante para que seja compatível com a
Constituição. Terá de existir – sob pena de inconstitucionalidade –
mecanismo que permita a conferência, por parte do órgão colegiado, do
correto desempenho da atividade delegada. As partes necessariamente terão
de dispor de um instrumento que lhes permita levar as decisões individuais
do relator ao órgão colegiado. Essa é a forma de verificar se o relator
correspondeu, na prática do ato que lhe foi delegado, ao pretendido pelo
órgão colegiado
270
.
Em nosso entender, mutatis mutandis, seria o mesmo que permitir que os
despachos de mero expediente, delegados aos serventuários da justiça, não pudessem ser
reapreciados pelo juízo. Não se trata, obviamente, de comparar o trabalho do relator com o
trabalho dos serventuários da justiça, mas sim de sempre resguardar a possibilidade de revisão
ao juízo efetivamente competente.
BARBOSA MOREIRA reforça o entendimento de que o juiz natural do
recurso é o colegiado, sendo inviável conferir status de irrecorribilidade ao pronunciamento
de apenas um de seus membros, mesmo que a delegação de poder tenha lhe sido feito por lei:
Tendo em vista que o ‘juiz natural’ do recurso é o órgão colegiado; não seria
possível subtrair a este, em termos definitivos, o conhecimento da matéria:
estaria violada a regra do art. 5º, nº LIII, da Carta da República. O relator
pronuncia-se, por assim dizer, na qualidade de “porta-voz” do colegiado,
270
TALAMINI, op. cit., p. 181.
182
mas não é lícito negar ao interessado o direito de exigir que o julgamento se
integre com a manifestação dos outros membros do órgão. Nada assegura,
com efeito, que o pronunciamento “adiantado” do relator reflita com
fidelidade o entendimento do colegiado, que será o decisivo
271
.
CASSIO SCARPINELLA BUENO traz este mesmo entendimento,
aduzindo que a sociedade, através dos operadores do direito, tem a cultura da recorribilidade
para o colegiado, entendendo ser esta a melhor solução. Tanto isto é verdade, que todas as
vezes que um recurso é suprimido ou fatigado, inúmeros sucedâneos recursais surgem para
lhe fazer às vezes, sendo amplamente aceitos pelos tribunais:
Assim, enquanto for preponderante o entendimento – e estou falando de
processo civil – de que toda interlocutória é recorrível e que, no âmbito dos
Tribunais, toda interlocutória proferida monocraticamente é contrastável
pelo colegiado, a vedação imposta pelo parágrafo único do art. 527 é
inconstitucional. Ela agride o que em geral é chamado de “duplo grau de
jurisdição” e, por isto, não pode prevalecer. É como se a vedação do
parágrafo único do art. 527 não existisse
272
.
Diante desta conclusão, a decisão proferida nos casos dos incisos II e III, do
artigo 527 do Código de Processo Civil, continua sendo recorrível através do chamado agravo
interno. Ousado, sem dúvida, o entendimento, porém, em nosso entender, dificilmente
prosperará no cotidiano forense.
Por último, de se frisar que, como já dito em outras oportunidades, em que
pese a alegação de busca de efetividade e celeridade processual, na verdade a lei nova buscou,
em muitos pontos, apenas diminuir a concentração de agravos no segundo grau. Neste ponto,
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO nos traz outro exemplo de que o legislador procurou
“disfarçar” o que realmente pretendia, com receio de parecer autoritário:
271
BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 83.
272
BUENO, op. cit., p. 226.
183
Nos debates precedentes à remessa do projeto de lei ao Congresso,
consideraram alguns que o uso da palavra “irrecorrível” ensejaria a acusação
de ser o dispositivo “anti-democrático”, ofensivo ao princípio constitucional
da ampla defesa, e assim por diante. Optou-se, então, por dizer o mesmo por
vias travessas, com a afirmação de que a decisão somente seria “passível de
reforma no momento do julgamento do agravo”, redação esta bastante
criticável
273
.
Esse medo do legislador em falar abertamente o que efetivamente estava
fazendo acabou por trazer uma incoerência à nova lei, motivo que tornou a redação “bastante
criticável”. O parágrafo único do artigo 527 afirma que nos casos dos incisos II (conversão do
agravo de instrumento em agravo retido) e III (atribuir efeito suspensivo ao recurso, ou
deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal), a decisão
somente será passível de reforma no momento do julgamento do agravo.
Quanto à hipótese prevista no inciso III, inexistem maiores problemas. Mas
é de se perguntar: no caso do inciso II, se no momento do julgar o agravo (ou seja, juntamente
com a apelação), o desembargador entender que o caso era efetivamente de agravo de
instrumento e não de agravo retido, este irá reformar a decisão e determinar o processamento
do agravo de instrumento? É óbvio que não.
Portanto, o medo do legislador em declarar a irrecorribilidade da decisão
monocrática do relator acabou trazendo esta incongruência, como bem adverte ATHOS
GUSMÃO CARNEIRO:
[...] a possibilidade de que a decisão monocrática venha a ser reformada “no
momento do julgamento do agravo” só se aplica aos casos previstos no inc.
III. Nos casos do inc. II, de “conversão do agravo de instrumento em agravo
retido”, evidente que por ocasião do julgamento do agravo retido (como
preliminar o julgamento da apelação) já não terá sentido algum (salvo o
meramente acadêmico) perquirir se a decisão de conversão fora correta ou
273
CARNEIRO, op. cit., p. 47.
184
não, e não haverá possibilidade alguma de reformá-la. Neste passo, salvo
melhor juízo, a norma é passível de fundadas críticas
274
.
LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA é bastante duro ao tecer esta
mesma crítica, chegando a classificar o texto legal de despropositado e risível. Sua indignação
é visível no seguinte trecho de sua obra:
Ora, convertido o agravo de instrumento em agravo retido, essa decisão que
determinou a conversão somente será revista, quando for julgado o agravo
retido...!? Não tem sentido a dicção da norma! Julgado o agravo retido, não
há mais como ser desfeita a conversão, subtraindo-se a utilidade do agravo
de instrumento então interposto. A regra ofende o princípio da efetividade,
deixando de garantir um processo justo, com resultados efetivos. Sua
inconstitucionalidade é, portanto, manifesta. Além do mais, é sabido que a
norma não pode positivar situações esdrúxulas, absurdas ou impraticáveis,
devendo, então, ser desconsiderada
275
.
TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, LUIZ RODRIGUES WAMBIER
e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA enxergam uma dose de cinismo na redação do
dispositivo legal:
Ou seja, há certa dose de cinismo na redação da lei, que não diz
expressamente que não cabe recurso destas decisões, mas fixa um momento
para que se redecida o assunto, em que eventual alteração do teor da decisão
anteriormente proferida seria de integral imprestabilidade para o
recorrente
276
.
Para resumir nosso posicionamento, citamos as palavras de LUIS
GUILHERME AIDAR BONDIOLI sobre os perigos de concentração de poderes na mão do
relator, sem possibilidade de recurso, mormente quando a norma a ser aplicada traz em seu
bojo um conceito indeterminado:
274
Ibid., p. 48.
275
CUNHA, op. cit., p. 312.
276
WAMBIER, op. cit., p. 271.
185
Percebe-se que nas situações em que a lei faz uso de conceitos jurídicos
indeterminados, há sempre a possibilidade de recurso ou, ao menos, a
iminência de controle por parte de outros julgadores (caso do inc. III do art.
527). Aqui, não. O poder conferido ao relator para a retenção do recurso é
praticamente absoluto. Para que esse poder seja exercido legitimamente,
deve-se exigir do relator, ao menos, a motivação mais completa possível. O
mesmo grau de intolerância com abusos das partes no uso do mandado de
segurança vale para a fundamentação do juízo de retenção. É o que se pode
fazer para minimizar os anunciados riscos
277
.
Diferentemente do que espera o legislador, esta alteração não surtirá o efeito
pretendido, pois o sistema processual e constitucional brasileiro encontra-se amadurecido,
sendo que para as tentativas de se violar direitos duramente conquistados pelos
jurisdicionados, sempre haverá meios alternativos de insurgência:
A conseqüência disso é previsível: o sistema não tolerará a mitigação do
devido processo legal e, mais uma vez, os mandados de segurança serão
utilizados de forma freqüente como sucedâneos recursais, de modo a se
evitar o que pode ser um prejuízo irreparável consistente na conversão em
agravo retido de um agravo de instrumento que, ao contrário do
entendimento do relator, verse acerca de matéria que demanda apreciação
judicial imediata
278
.
Resumidamente, BRUNO DANTAS NASCIMENTO em artigo
especialmente dedicado ao tema, traz as seguintes conseqüências nefastas pela redação do
artigo 527, parágrafo único do CPC: (a) insegurança jurídica (no sentido de previsibilidade,
pois a decisão a ser privilegiada será individual, ou seja, “ao gosto do relator”); (b)
desprestígio dos juízes de primeiro grau e do órgão colegiado (deixando de ser a questão
analisada pelo colegiado, cria-se a figura do “sobrejuiz”); (c) potencialização dos erros
judiciários (pela falta de discussão e julgamento coletivo da questão); (d) re-avivamento do
mandado de segurança para impugnar ato judicial (conforme será discutido, amplamente, no
277
BONDIOLI, op. cit., p. 254.
278
TEDESCO, op. cit., p. 425.
186
tópico seguinte; (e) inconstitucionalidade (por violação ao principio da inafastabilidade do
controle jurisdicional)
279
.
Talvez por todos estes problemas ocasionados pela atual redação do artigo
527, parágrafo único do Código de Processo Civil, acabem se concretizando as palavras de J.
E. CARREIRA ALVIM:
Na prática, essa disposição talvez se torne letra morta, porque, na hipótese
do inciso II do art. 527, a parte interessada se apoiará sempre na alegação de
“lesão grave e de difícil reparação” para questionar a justiça da decisão, e o
fará por meio de agravo interno; o mesmo ocorrerá na hipótese do inciso III
desse mesmo artigo, sob o mesmo argumento
280
.
4.7.1 O Pedido de Reconsideração e o Mandado de Segurança como Sucedâneos
Recursais em Matéria de Agravo
Antes de adentrarmos no cerne da questão envolvendo a possibilidade de
utilização do pedido de reconsideração e do mandado de segurança como sucedâneos
recursais, necessário se definir o que venha a ser o pedido de reconsideração e o mandado de
segurança, ainda que de forma sucinta.
Pedido de reconsideração é a simples petição, despida de qualquer
formalidade, onde o prejudicado por determinada decisão lança mão de argumentos no
sentido de sensibilizar o magistrado para que este volte atrás em sua decisão. Duas questões
primordiais devem ser tratadas quando se fala em pedido de reconsideração.
279
NASCIMENTO, Bruno Dantas. Na contramão das reformas processuais: crítica ao novo parágrafo único do
art. 527 do CPC, com redação dada pela Lei 11.187/2005. In Revista de Processo, ano 30, dezembro de 2005,
páginas 94/108, Revista dos Tribunais.
280
CARREIRA ALVIM, J.E.; Irrecorribilidade das liminares previstas no art. 527, II e III, do CPC. In Revista
de Processo, nº 139, setembro de 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 105.
187
O primeiro é a necessidade de se saber que inexiste previsão legal para o
pedido de reconsideração, motivo pelo qual este não possui o condão de suspender ou
interromper o prazo recursal. O segundo é que a decisão judicial deve possuir natureza que
permita ao juiz reconsiderar sua decisão. De nada adiantaria um pedido de reconsideração no
tocante, por exemplo, a uma sentença, vez que o juiz não pode modificá-la, após proferida,
salvo no caso de erro material ou através de embargos de declaração.
Já sucedâneo recursal é o meio processual que, não arrolado como recurso
no sistema legal, lhe faz às vezes, suprimindo lacuna ou vedação no sistema de
recorribilidade. ARAKEN DE ASSIS informa que a expressão foi cunhada por JOSÉ
FREDERICO MARQUES, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1939. Informa
ainda que tais sucedâneos, e isso, interessa ao nosso estudo; surgiram como válvula de escape
para ‘a sufocante atmosfera’ ocasionada pelo princípio da irrecorribilidade das decisões
interlocutórias
281
.
Houve época que o pedido de reconsideração encontrava previsão no
ordenamento jurídico, sendo cabível para impugnar decisão interlocutória, vivendo lado a
lado com o recurso de agravo
282
. Este mesmo doutrinador afirma que, atualmente, inexiste
previsão legal de tal sucedâneo recursal no sistema processual brasileiro, salvo no Código de
Divisão e Organização Judiciárias do Rio de Janeiro
283
.
Porém, a obra de NELSON NERY JUNIOR é de 2004, sendo que, a partir
da entrada em vigor da Lei 11.187/2005, passou a existir previsão para o pedido de
reconsideração no parágrafo único do artigo 527 do Código de Processo Civil, onde o
legislador diz que a reforma da decisão ali estampada só é passível no momento de
julgamento do agravo, salvo no caso de reconsideração pelo relator. Assim, nos parece que
281
ASSIS, Araken de. Introdução aos sucedâneos recursais. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos
Cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Vol. 6. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda
Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2002. p. 16 e 18.
282
NERY JUNIOR, op. cit,, p. 90.
283
Ibid,, p. 89.
188
para o relator reconsiderar, deve haver ou pelo menos se permitir, um pedido de
reconsideração.
Até porque, independentemente de previsão legal, é deveras amplo o rol de
cabimento de tal sucedâneo recursal, como bem adverte ARAKEN DE ASSIS:
É impossível apontar, a priori, as hipóteses em que se admitirá o pedido de
revogação de interlocutórias. Em princípio, respeitando o provimento a
questões de ordem pública – pressupostos processuais e condições da ação -,
afigura-se lícito ao interessado requerer a reconsideração do ato
284
.
Mas, algumas questões devem, obrigatoriamente, ser consideradas no
manejo do pedido de reconsideração, principalmente a inexistência de preclusão pro judicato:
Os pedidos de reconsideração, que se consubstanciam em figura comum na
prática forense, e que, por isso, não podem ser ignorados pelo jurista (cuja
função não pode ser a de teorizar, pura e simplesmente, dissociadamente da
realidade), só pode ter lugar quando a decisão cuja reconsideração se pede
não tenha gerado preclusão pro judicato, ou seja, nos casos em que a decisão
poderia ser alterada até mesmo de ofício
285
.
Diante da nova previsão, nos parece que o primeiro sucedâneo recursal a ser
utilizado, no caso do parágrafo único, do artigo 527, do Código de Processo Civil é o pedido
de reconsideração.
Não reconsiderada a decisão, deve o prejudicado, se for o caso, valer-se de
outro sucedâneo recursal, qual seja, o mandado de segurança contra ato judicial.
Mandado de segurança é o writ constitucional previsto para a proteção de
direito líquido e certo.
Já sucedâneo recursal são instrumentos que não podem ser classificados
como recurso, por ausência de previsão legal, o que ofenderia o princípio da taxatividade, mas
284
ASSIS, op. cit., p. 40.
285
WAMBIER, op. cit., p. 653.
189
que lhe fazem às vezes. Vejamos a conceituação de NELSON NERY JUNIOR, que se faz
acompanhar de um rol dos mais utilizados sucedâneos recursais no sistema brasileiro:
Existem alguns remédios que, por absoluta falta de previsão legal, não são
considerados como recursos, mas tendo em vista a finalidade para a qual
foram criados, fazem as vezes destes e, por esta razão, são denominados de
seus sucedâneos. Os mais importantes são o pedido de reconsideração, a
correição parcial, a remessa obrigatória (CPC 475), a argüição de relevância
no recurso extraordinário, a ação rescisória (CPC 485), os embargos de
terceiro (CPC 1046), a medida cautelar inominada (CPC 798 e 799), os
agravos regimentais, o habeas corpus contra o decreto de prisão civil e o
mandado de segurança contra ato judicial
286
.
No caso da previsão de irrecorribilidade, instituída pelo parágrafo único do
artigo 527 do Código de Processo Civil, o sucedâneo recursal será, em nosso entendimento e
pelo entendimento da doutrina majoritária, o mandado de segurança.
O ministro aposentado do STJ, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, ao analisar
o agravo diante da disciplina da Lei 11.187/2005, expressou sua preocupação com a volta a
utilização maciça do mandado de segurança:
[...] a irrecorribilidade das decisões monocráticas poderá dar azo, sob a
premissa de que os fatos seriam incontestados, ao lamentável ressurgimento
do mandado de segurança como sucedâneo recursal (v.g., caso em que o juiz
defere uma antecipação de tutela: a parte ré, invocando a probabilidade de
grave lesão aos seus direitos, agrava de instrumento e roga o efeito
suspensivo, denegado entretanto pelo relator; segue-se a impetração do writ
pelo demandado)
287
.
Sobre a possibilidade de utilização do mandado de segurança como
sucedâneo recursal, assim se manifestou GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA, com
quem, conforme abaixo fundamentado, não concordamos integralmente:
286
NERY JUNIOR, op. cit., p. 75.
287
CARNEIRO, op. cit., p. 48.
190
Em casos realmente excepcionais, o que se pode prever é a interposição do
mandado de segurança contra a decisão liminar proferida pelo relator, nas
hipóteses dos incs. II e III do art. 527 do CPC, que viole direito líquido e
certo (art. 5º, LXIX, da CF/1988, e art. 5º, II, da Lei 1.533/1951, a contrario
sensu). No entanto, o mandamus deve ser admitido apenas em situações
realmente justificáveis, para contrariar decisões teratológicas ou
manifestamente ilegais, sob pena de se neutralizar por completo a presente
inovação, fundada no ideal de celeridade na prestação jurisdicional
288
.
Que o remédio processual a ser utilizado nestes casos é o mandado de
segurança é incontroverso. Porém, exigir uma qualificação extra para a admissão deste, não
encontra razão de ser. Basta para manejo do writ, a violação ao direito líquido e certo, sendo
desnecessária que a decisão seja “teratológica” ou “manifestamente ilegal”.
Infelizmente, boa parte da doutrina vai neste sentido, criando a exigência de
uma decisão teratológica para manejo do mandado de segurança:
A segunda porta fora do art. 527 está associada ao mandado de segurança.
Esta não é propriamente uma porta, mas uma “saída de emergência”, a ser
usada apenas em situações teratológicas. Teratologia, no caso, seria
converter o agravo de instrumento em retido sem qualquer fundamentação
ou mesmo quando o agravo estivesse voltado contra decisão respeitante ao
recebimento da apelação e seus efeitos ou ainda quando reconhecida a lesão
de difícil reparação, o que deve ser aferível por simples leitura do ato de
conversão ou por confronto com precedentes jurisprudenciais tirados de
idênticas situações. Para a concessão do writ nessas situações, o julgador não
deve precisar de atividade cognitiva profunda. Deve-se estar diante de algo
perceptível primo icto oculi. Havendo a mais ínfima dúvida sobre a
existência de lesão, deve ser denegada a segurança
289
.
Duas considerações, contudo, necessitam ser realizadas. A primeira é que
referido doutrinador, apesar de pregar a exigência de uma decisão “teratológica”, em seu texto
“flexibiliza” esta exigência, pois não há que se falar em “monstruosidade” da decisão que
entende pela inexistência de lesão grave e de difícil reparação, em que pese à existência de
jurisprudência em sentido contrário. A segunda observação diz respeito à frase final acima
288
GARCIA, op. cit., p. 150.
289
BONDIOLI, op. cit., p. 252.
191
citada. Não nos parece razoável que o julgador seja predisposto a denegar a segurança,
devendo assim proceder sempre que tenha a mais ínfima dúvida.
Ademais, a “teratologia” da decisão, ou ausência desta, estará muitas vezes
“na cabeça de quem julga”. Enfim, será um critério por demais subjetivo:
De resto, o critério da “teratologia do ato judicial” a ensejar o cabimento do
mandado de segurança contra ato judicial tem o condão, já acentuei isto
acima, de criar um subjetivismo absolutamente indesejável sobre qual órgão
jurisdicional tem competência para decidir qual caso e por quais motivos
290
.
Além deste entendimento, MANOEL CAETANO FERREIRA FILHO traz
à luz uma nova maneira de interpretar a regra instituída no parágrafo único do artigo 527 do
Código de Processo Civil, em que pese, ao final de seu texto, não concordar com esta solução.
Para tal doutrinador a utilização da expressão “somente é passível de reforma no momento do
julgamento do agravo” seria “mais forte” que a expressão “é irrecorrível”:
Resta analisar se ainda haverá argumento para os que defendem o cabimento
do mandado de segurança. O intuito da lei parece ser afastá-lo. É que ela não
se limita a dizer que a decisão será irrecorrível, vai além: afirma que ela
“somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo”. É de
conhecimento comum na doutrina do processo civil que a reforma de uma
decisão pode ser alcançada pela interposição de recurso ou pela propositura
de ação impugnativa autônoma”. Logo, a afirmação de que uma decisão é
irrecorrível não lhe tolhe, em tese, a possibilidade de reforma por meio de
ação autônoma. Declarar, porém, que ela não pode ser reformada senão em
determinado momento é muito mais! É dizer que antes daquele momento
legal ela não pode ser atacada por qualquer instrumento que conduza à sua
reforma, seja recurso, seja ação impugnativa autônoma. Por esta senda,
afasta-se o cabimento do mandado de segurança
291
.
Interessante como a intenção do legislador resta controvertida após a
promulgação de cada lei. Já tivemos a oportunidade de citar as palavras de ATHOS
GUSMÃO CARNEIRO no sentido de que a expressão irrecorrível não foi utilizada por medo
290
BUENO, op. cit., p. 235.
291
FERREIRA FILHO, op. cit., p. 327.
192
do legislador de parecer “anti-democrático”. Agora, MANOEL CAETANO FERREIRA
FILHO nos traz novo elemento interpretativo decorrente deste “medo” do legislador.
Mas voltando a citação anterior, não nos parece adequada a interpretação
acima, sob pena de ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e do acesso ao
Judiciário, pois, no caso de violação de direito líquido e certo, o writ constitucional poderá ser
manejado, vez que inexiste qualquer limitação constitucional a sua utilização, não podendo a
legislação infraconstitucional assim o fazer.
Ressalte-se, novamente, que o próprio MANOEL CAETANO FERREIRA
FILHO discorda de tal entendimento, concluindo que nos casos de em que “estiverem
presentes os pressupostos constitucionais do mandado de segurança, é de se o admitir”
292
.
HEITOR VITOR MENDONÇA SICA também entende pela possibilidade
de utilização do mandado de segurança, tanto para atacar a decisão prevista no inciso II, como
a prevista no inciso III, do artigo 527 do Código de Processo Civil:
O cabimento do mandado de segurança se apresenta particularmente
evidente contra a decisão que concede antecipação de efeitos da tutela
recursal. [...] Não se pode negar também o cabimento do mandado de
segurança nos casos de indevida conversão do agravo de instrumento em
retido, eis eu, como visto acima, a regra geral será a decisão interlocutória
causadora de dano de incerta reparação
293
.
Já RODRIGO DA CUNHA LIMA FREIRE é taxativo ao afirmar que a Lei
11.187/2005 trará, indubitavelmente, a proliferação de mandados de segurança contra ato
judicial:
A reforma de 2005 ressuscitará a excessiva utilização do mandado de
segurança como sucedâneo recursal, que o próprio Código de 1973 e as
reformas de 1995 (Lei 9.139) e de 2001 (Lei 10.352) procuraram restringir –
primeiro admitindo o cabimento do agravo contra todas as decisões
292
Ibid., p. 328.
293
SICA, op. cit., p. 212/213.
193
interlocutórias (Código de 1973) e depois permitindo que o relator
concedesse, no próprio agravo de instrumento, efeito suspensivo (reforma de
1995) e efeito ativo ou antecipação da tutela recursal (reforma de 2001),
desde que presentes os requisitos legais para tanto
294
.
Mesmo CASSIO SCARPINELLA BUENO que, conforme já visto, entende
pela manutenção do cabimento do agravo interno, ciente das resistências que com certeza sua
tese encontrará, sinaliza que, em termos práticos, acabará vingando no cotidiano forense o
ajuizamento de mandados de segurança contra ato judicial: “[...] se o prezado leitor me
perguntar qual das alternativas que ventilei acima acabará, na minha opinião, prevalecendo
“na prática”, respondo a ele que deverá ser a relativa ao mandado de segurança contra ato
judicial”
295
.
Alguns mandados de segurança foram manejados, inclusive em data anterior
a entrada em vigor da Lei 11.187/2005, visando atacar os atos praticados unilateralmente
pelos relatores. Porém, tais ações não preenchiam a um dos requisitos para o manejo contra
ato judicial: a inexistência de recurso para atacar aquela decisão. Isto porque, na época,
plenamente cabível o agravo interno. Neste sentido foi a decisão do Superior Tribunal de
Justiça no RMS 11.544/SP
296
. Se este era o fundamento de negação da utilização do mandado
de segurança contra ato judicial nesta hipótese, com a reforma, a conseqüência óbvia, será a
admissão:
A propósito, é interessante notar que se decidia, antes das alterações da Lei
11.187/2005, que não cabia mandado de segurança contra decisão do relator
que concedesse ou não efeito suspensivo a agravo de instrumento, em razão
da possibilidade de se interpor agravo interno contra esta decisão. Assim,
se coerente com esta ordem de idéias, passará a jurisprudência a admitir
294
NEVES, op. cit., p. 70.
295
BUENO, op. cit., p. 240.
296
WAMBIER, op. cit., p. 263.
194
mandado de segurança contra a decisão do relator, nos casos em que, de
acordo com a recentíssima Reforma, tal decisão seja irrecorrível
297
.
A doutrina e jurisprudência, como nos informa CLAYTON MARANHÃO
foram sempre bem receptivas quanto ao uso do mandado de segurança para atacar decisão
irrecorrível, ou ainda quando seu efeito não era suspensivo:
Não obstante as posições doutrinárias mais restritivas ao cabimento do
mandado de segurança contra ato judicial, a jurisprudência foi mais liberal,
admitindo-o, inclusive, em face de decisão recorrível somente no efeito
devolutivo, uma vez evidenciado o perigo de dano irreparável ou de difícil
reparação.
298
Esta interpretação extensiva, permitindo o mandado de segurança contra ato
judicial, tanto nos casos de irrecorribilidade como nos casos de ausência de efeito suspensivo
tem como paradigma julgado datado de 1973, conforme escólio de TERESA ARRUDA
ALVIM WAMBIER:
Os primeiros passos para a fixação de uma interpretação nesses moldes
foram marcados por ensinamentos de Galeno Lacerda, constantes de
memorial acolhido pelo acórdão que julgou o RE 76.909 (RS) em
05.12.1973, cujo relator foi o Min. Xavier de Albuquerque, memorial este
que está publicado na revista Ajuris 3/42. Neste acórdão, fixou-se a tese de
que cabe mandado de segurança contra ato judicial de que caiba recurso,
desde que este recurso seja desprovido de efeito suspensivo e que o ato
judicial cause prejuízo irreparável ou de muito difícil reparação
299
.
Logo, o mandado de segurança poderá sim ser manejado,
independentemente de critérios extras, v.g. teratologia da decisão, bastando o preenchimento
das exigências previstas ordinariamente para a concessão da segurança. É o que nos ensina
297
Idem.
298
MARANHÃO, Clayton. Mandado de segurança contra ato judicial. In Aspectos Polêmicos e Atuais dos
Recursos Cíveis de acordo com a Lei 10.352/2001. Vol. 5. Coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier. São Paulo: RT, 2006. p. 102.
299
WAMBIER, op cit., p. 422.
195
novamente TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, entendendo pela manutenção dos
aspectos doutrinários e jurisprudenciais já firmados:
Esse é, a nosso ver, exata e precisamente, o raciocínio que o intérprete deve
continuar a realizar em face das alterações trazidas pelas reformas: estando
preenchidos, na situação concreta, os requisitos de natureza constitucional
(ato ilegal ou abusivo, que ofenda direito líquido e certo) e não oferecendo o
sistema da lei ordinária, solução eficaz,eficiente, operativa, pode a parte
lançar mão do mandado de segurança para impugnar a decisão judicial
300
.
Da mesma forma, a exigência de interposição do recurso para o manejo do
mandado de segurança também não pode ser aceita, vez que também cria mais um requisito,
não constitucional para o manejo do writ:
Exigir-se a interposição do recurso para que se possa lançar mão do
mandado de segurança é ilegal e inconstitucional, na medida em que se
restringe o acesso à justiça, “inventando-se” uma condição que não está na
lei, como requisito para o exercício do direito de ação
301
.
Deve-se, antes de se estudar a questão do mandado de segurança contra ato
judicial se extirpar o “pré-conceito” de que o uso de tal remédio é, por si, prejudicial ao
sistema processual. Na verdade, prejudicial é a criação de procedimentos que inviabilizam
uma prestação jurisdicional efetiva. O mandado de segurança é o remédio a esta
prejudicialidade. É certo que, pela sua aplicação, por assim dizer, anômala, muitas vezes este
remédio é amargo, porém necessário. CARLOS ALBERTO DE SALLES, em texto sobre o
mandado de segurança assim se expressa:
O retrospecto da matéria, indicando uma freqüente utilização do mandado de
segurança como medida (de caráter cautelar) complementar a recursos, não
pode ser vista como uma deturpação. (...) Errada não era a utilização do
mandado de segurança naquelas situações. Errado estava o sistema
300
Ibid., p. 409.
301
Ibid., p. 649.
196
processual ao não oferecer alternativa capaz de propiciar uma efetiva
proteção ao interesse das partes
302
.
Diante destas breves linhas, ficou bastante claro que o mandado de
segurança deverá ser admitido nos casos de decisão do relator constantes dos incisos II e III
do artigo 527, do Código de Processo Civil, desde que preenchidos os requisitos do writ
constitucional e presentes os pressupostos já fixados pela doutrina e jurisprudência para
cabimento do writ contra ato judicial: irrecorribilidade ou ausência de efeito suspensivo para o
recurso (exceto para o terceiro, que sequer o recurso precisa interpor, nos termos da súmula
202 do STJ).
4.8 O PROBLEMA DA OBRIGAÇÃO DE INTERPOSIÇÃO ORAL DO AGRAVO RETIDO EM
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.
A atual redação do artigo 523, § 3º criou regra imperativa, determinando
que em caso de decisão proferida em audiência de instrução e julgamento, caberá a
interposição do agravo retido de forma oral e imediata, constando do termo de audiência, de
forma sucinta, as razões de insurgência do agravante.
Apenas a título de registro, não concordamos com a obrigatoriedade de
interposição do agravo retido oral e imediatamente na audiência de instrução e julgamento. É
certo que tal procedimento propiciará um pequeno ganho de tempo na solução final do litígio,
como ensina BRUNO DANTAS NASCIMENTO:
Também é digna de aplauso a modificação que institui o novo regime de
interposição oral do agravo retido contra decisões proferidas em audiências
de instrução e julgamento. Entendemos que essa singela alteração terá o
condão de acelerar a tramitação do processo, evitando a prática de atos
302
SALLES, Carlos Alberto de. apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier. Os agravos no CPC
brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 266.
197
processuais desnecessários, como a vista dos autos ao agravante para
elaborar as razões de seu recurso e a intimação do agravado por publicação
na imprensa oficial seguida de vistas dos autos para elaboração da resposta
ao recurso
303
.
A nosso ver, esta pequena abreviação procedimental que acarretará, talvez,
uma aceleração processual de aproximadamente 30 (trinta) dias, não é apta a sacrificar o
direito da parte de analisar e formular seu recurso com tempo adequado, valendo-se da
possibilidade de pesquisa de normas, doutrina e jurisprudência. É certo que, determinadas
decisões interlocutórias proferidas durante a audiência de instrução e julgamento tem o
condão de inteferir diretamente na solução final do litígio. De que adianta, em termos
práticos, a abreviação do procedimento em 20 ou 30 dias se, em seguida o processo aguarda a
2 (dois) ou 3 (três) anos até a prolação da sentença?
4.8.1 Da Possibilidade de Manejo de Agravo de Instrumento das Decisões Proferidas em
Audiência de Instrução Processual
Agora, abstraída nossa opinião passemos ao estudo da regra processual. Pela
simples dicção legal, ou seja, procedendo-se uma interpretação meramente gramatical, temos
que o legislador não abriu brechas a exceções. Porém, como em todos os campos do Direito, a
interpretação meramente gramatical e descontextualizada não traz ao jurista uma resposta
adequada. Na discussão ora em comento, é certo que a realização de uma interpretação
sistemática levará a uma conclusão diversa da estampada acima. Ora, o artigo 522 estipula
que caberá agravo de instrumento das decisões que possam trazer grave lesão ou de difícil
reparação. Já o artigo 523, § 3º estipula a obrigatoriedade de se fazer oral e imediatamente o
agravo retido das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento.
303
NASCIMENTO, op. cit., p. 65.
198
Porém, não pode uma decisão proferida durante a audiência de instrução e
julgamento causar uma das hipóteses previstas pelo artigo 522 para cabimento do agravo de
instrumento?
A resposta é óbvia: sim. Os exemplos são muitos, mas nenhum tão comum e
fácil de entender como uma decisão de antecipação dos efeitos da tutela, pois a carga de
eficácia de tal decisão é alta e, portanto, os riscos de se criar grave lesão à parte contrária é
grande.
Entendendo-se, dentro de um contexto gramatical, pela possibilidade apenas
de interposição do agravo retidos, se estaria novamente abrindo a porta para a utilização do
mandado de segurança como sucedâneo recursal.
Tratando da possibilidade do surgimento de decisões aptas a causar lesão
grave ou de difícil reparação no transcorrer da audiência de instrução e julgamento, mais
especificamente no caso de decisão concessiva, ou não, de antecipação dos efeitos da tutela, e
no caso de indeferimento de produção de provas, assim pronunciaram-se LUIZ RODRIGUES
WAMBIER, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA
MEDINA:
Não se deve, por exemplo, esquecer de que nesta fase ou momento
processual o juiz também pode proferir decisões que geram urgência. Pode
negar ou conceder uma liminar! Aquele que a pleiteou, obviamente, tem
urgência em sua concessão. E, ademais, não é ocioso lembrar, que, sendo a
liminar absolutamente descabida, em relação àquele que pretende revogá-la
existe uma espécie de urgência presumida...sempre! Urgência poderá haver
também, a justificar a interposição de agravo de instrumento, no caso em que
o juiz indefere prova requerida pela parte, que recai sobre objeto que pode
modificar-se (p. ex., exame pericial para verificar-se a atual estrutura de uma
construção civil, que poderá alterar-se ao longo do tempo; oitiva de
testemunha acometida de doença muito grave, etc.)
304
.
304
WAMBIER, op. cit., p. 260.
199
Este segundo exemplo é dado por outros doutrinadores. Neste caso,
entendendo o magistrado pela desnecessidade da produção da prova e, entendendo a parte ser
a prova essencial para seu sucesso na lide, qual a atitude a ser tomada pela parte? Com certeza
não é aguardar a prolação da sentença e a subida dos autos ao tribunal para, somente então,
ver apreciado o seu pedido, o qual no caso de deferimento já terá se tornado impossível ou
ineficaz.
A leitura meramente gramatical demonstra, portanto, uma falta de bom
senso do legislador reformista:
Portanto, percebe-se que o legislador foi insensível à complexidade da
dinâmica processual, pois, em uma audiência de instrução e julgamento pode
ser proferida uma série de decisões, reclamando outros meios de impugnação
mais eficazes que o agravo retido
305
.
Dentro deste contexto surge a dúvida: no caso de uma decisão proferida
durante a audiência de instrução e julgamento e que cause, ou possa causa, lesão grave ou de
difícil reparação a parte, caberá agravo retido ou de instrumento?
Essa indagação e, posteriormente a sua devida resposta nos é dada por
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO:
Nos casos de decisões proferidas durante a audiência de instrução e
julgamento, em que a nova lei prevê “agravo na forma retida, devendo ser
interposto oral e imediatamente”, será todavia taxativamente defeso o uso de
agravo de instrumento, interposto no decêndio e por petição escrita? Parece-
nos que não; basta imaginarmos a hipótese em que, durante a audiência, o
juiz venha a proferir decisão considerando-se incompetente (em razão da
matéria, v.g.) para o julgamento da causa; ou proferir decisão recusando-se à
ouvida de testemunha importante, cujo estado de saúde seja grave; ou lançar
decisão excluindo uma das partes, ou um assistente, da relação processual.
Em casos tais, a demora inerente ao agravo retido imporá o emprego, como
recurso processual útil, do agravo de instrumento. A não ser assim, veremos
305
AFONSO, op. cit., p. 174, jan/jun., 2006.
200
o ressurgimento do mandado de segurança, como anômalo sucedâneo
recursal...
306
.
No mesmo sentido, é o entendimento de JOSÉ HENRIQUE MOUTA
ARAÚJO, ao tratar de decisões que embora proferidas em audiência de instrução e
julgamento, possam causar uma lesão grave ou de difícil reparação:
Aliás, não haveria interesse na interposição de gravo retido considerando o
adiamento de sua apreciação. Nos casos em questão, apesar das decisões
terem sido proferidas em audiência de instrução e julgamento, a necessidade
de imediata manifestação jurisdicional demonstra a falta de interesse em
interpor o agravo na modalidade retida. Portanto, cabível o agravo de
instrumento, inclusive com pedido de antecipação da pretensão recursal
307
.
Tão certo como o cabimento do agravo de instrumento das decisões que,
embora proferidas na audiência de instrução e julgamento, possam causar lesão grave e de
difícil reparação à parte, é a desatenção ao prever esta hipótese, vez que revogou o § 4º do
artigo 523, mas não transferiu a ressalva ali existente para outro tópico legal.
Questão interessante ocorrerá no caso da parte prejudicada ficar na dúvida
se o prejuízo advindo da decisão do magistrado na audiência de instrução e julgamento lhe
causará ou não uma lesão grave e/ou de difícil reparação. Sua dúvida pode sequer ser
subjetiva. A parte pode ter certeza que a lesão será efetivamente grave ou de difícil reparação,
mas pode haver entendimento diverso do tribunal ou reinar uma grande divergência
jurisprudencial.
Neste caso, a parte ficará entre duas situações perigosas: ou interpõe o
agravo retido imediatamente e de forma oral na audiência ou arrisca interpor diretamente o
agravo de instrumento no tribunal. Na primeira hipótese, interposto o agravo retido,
fatalmente ocorrerá a preclusão consumativa e, se poderia até dizer, também a lógica, pois a
306
CARNEIRO, op. cit., p. 46.
307
ARAÚJO, op. cit., p. 211.
201
parte estaria confessando que aquela decisão não pode lhe causar lesão grave ou de difícil
reparação.
Logo, uma vez interposto o agravo retido a parte teria que amargar o final
do trâmite processual em primeira instância para ter sua insurgência apreciada pelo tribunal.
Na segunda hipótese, a parte pode optar por não apresentar seu agravo de forma retida,
interpondo o agravo de instrumento, no prazo de 10 (dez) dias, diretamente junto ao tribunal.
Neste caso, o relator pode tomar três atitudes: receber o agravo e julgá-lo;
receber o agravo e, entendendo ser a decisão insuscetível de causar lesão grave ou de difícil
reparação determinar a sua conversão em agravo retido; e, por último, entendendo que como a
decisão não era recorrível por agravo de instrumento e sim por agravo retido, entender que o
mesmo deveria ter sido interposto em audiência de forma oral, sendo a interposição após dez
dias intempestiva.
Vislumbra-se, pois que a situação é mais delicada do que parece, sendo
evidente que não agiu o legislador com a cautela necessária, obrigando os advogados das
partes a tomar decisões imediatas, poderíamos até dizer de improviso, atribuindo-lhe o risco
de causar prejuízos a seus clientes.
Compete agora aos tribunais uniformizar suas decisões, de preferência em
parâmetros que confiram as partes segurança no transcurso processual, permitindo a
interposição do agravo de instrumento quando a decisão proferida em audiência de instrução e
julgamento, desde que possa causar lesão grave ou de difícil reparação à parte. No caso de
manejo de agravo de instrumento de decisão que não tenha o condão de encaixar-se na
hipótese prevista no artigo 522 do Código de Processo Civil, deve o relator determinar a sua
conversão em agravo retido. Por último, somente para os casos esdrúxulos e estapafúrdios,
onde restar evidente que a parte apenas manejou o agravo de instrumento para fugir da
oralidade imposta pela Lei 11.187 de 2005, ou porque “esqueceu-se” de apresentar seu agravo
202
retido de forma oral, é que o agravo de instrumento não deve sequer ser conhecido, por
intempestivo.
4.8.2 Do Prazo para Apresentação da Resposta do Agravo Interposto Oral e
Imediatamente
Os problemas relativos a interposição oral obrigatória do agravo retido em
audiência de instrução e julgamento não terminam na matéria acima discutida, podendo se
discutir, os vários aspectos relativos à apresentação da contra-minuta do agravo.
Apresentado o agravo estaria a parte contrária obrigada a contra minutá-lo
imediatamente e de forma oral? A resposta parece ser afirmativa. Isto porque é regra clássica
e em conformidade com o princípio da isonomia que, o prazo para resposta de um recurso
deve ser o mesmo que a parte recorrente teve para efetuar a interposição.
Este inclusive foi um dos elogios feitos a Lei 10.352/2001, que explicitou
no artigo 523, § 2º, o prazo de 10 dias para resposta do agravado, acabando com a dúvida
existente em virtude da redação anterior, dada pela Lei 9.139/95, que dispunha que interposto
o agravo, o juiz poderia reformar sua decisão, após ouvida a parte contrária, em 5 (cinco) dias.
É certo que, devido ao jogo de vírgulas realizado pelo legislador, não
deveriam haver dúvidas, pois cristalino que o prazo de cinco dias é para o exercício (ou não)
da retratação. Mas para evitar distorções, o reformista de 2001 deixou absolutamente claro
que o prazo do agravado para resposta, atendendo o princípio de isonomia, era exatamente o
mesmo de que dispunha o agravante para interposição do recurso.
Com a alteração legislativa obrigando a interposição do recurso de agravo
retido de forma imediata e oral no que concerne às decisões proferidas nas audiências de
203
instrução e julgamento, pelo mesmo princípio, deve a resposta ser apresentada oral e
imediatamente.
Mas tal entendimento não seria ofensivo ao disposto no artigo 523, § 2º, do
CPC que determina que interposto o agravo, o agravado teria 10 (dez) dias para a resposta?
Para LUÍS HENRIQUE BARBANTE FRANZÉ a resposta seria sim, pois
Atualmente, com a nova redação conferida ao art. 523, § 2º, pela Lei
10.352/2001, resta incontroverso que o prazo para resposta do agravado,
também no agravo retido oral, será de dez dias. Portanto, o agravado não
poderá ser compelido a manifestar-se sobre questões não raramente
complexas, na própria audiência, sem que lhe seja dada a oportunidade de
estudar o tema com mais vagar. Com isso, havendo dúvida concreta, pelo
magistrado, em relação à decisão impugnada, deverá ser aberto prazo para
que, em dez dias, o agravante ofereça a contraminuta
308
.
No mesmo sentido é a doutrina de BRUNO DANTAS NASCIMENTO,
também entendendo pelo prazo de 10 (dez) dias para apresentação da resposta ao agravo,
embora discorde frontalmente desta regra:
[...] da interpretação conjugada do caput do art. 522 com o § 3º do art. 523,
alcança-se a conclusão de que, em regra, o prazo para o recurso de agravo
continua a ser de 10 dias, salvo quando a decisão for proferida em audiência
de instrução e julgamento, hipótese em que ele deverá ser interposto
imediata e oralmente. A mesma regra, todavia, não se aplica para a resposta
do agravo, que, por ausência de disposição expressa, deverá ser apresentada
por escrito no prazo de 10 dias
309
.
Com todo o respeito, não é esta a melhor decisão, exatamente por ferir o
princípio da isonomia. Sob a égide da legislação anterior o raciocínio acima estaria coerente,
pois a interposição oral na audiência, ou por escrito em dez dias, era opção do agravante. Se
ele possuía liberdade de escolha, o agravado também deveria ter esta opção.
308
FRANZÉ, op. cit., p.138.
309
NASCIMENTO, op. cit., p. 60.
204
Porém, com o advento da Lei 11.187/2005, tornando obrigatória a
interposição imediata e oral nas audiências de instrução e julgamento, as regras sobre a
contraminuta também devem mudar. Ora, a justificativa da complexidade da matéria não é
legítima, pois a complexidade existe para todos os litigantes. Se o legislador resolveu
sacrificar o direito do agravante de melhor analisar a questão e melhor formular suas razões
(em nosso entender de forma equivocada), obrigando a interpor o agravo imediatamente, por
uma questão isonômica, de igual forma estará sacrificando o direito do agravado, que como o
agravante será obrigado a formular sua resposta oral e imediatamente.
Este é também o entendimento de TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER:
Em conformidade com o que já havia sido sugerido na edição anterior do
presente trabalho, em função do princípio constitucional da isonomia, é que
decorre o princípio processual da paridade de tratamento, sempre pensamos
que não poderia ser um prazo o de interposição de recurso e outro prazo o da
resposta a esse mesmo recurso
310
.
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, prestigiando a isonomia processual,
também entende pela necessidade de apresentação imediata da resposta ao agravo:
Observemos, ainda, que no termo de audiência devem constar não apenas as
razões do agravante, como também, considerando a isonomia processual,
impõem-se a imediata apresentação das contra-razões do agravado (art. 523,
§ 2º) e sua resumida inserção no aludido termo
311
.
LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA, demonstra que, até mesmo
para satisfazer a intenção do legislador, que foi exatamente se prestigiar os princípios da
oralidade e da concentração, a resposta deve ser também oral e imediata:
310
WAMBIER, op. cit., p. 266.
311
CARNEIRO, op. cit., p. 41.
205
Nesse sentido, interposto o agravo retido oral, devem ser colhidas as contra-
razões ali mesmo, na própria audiência, para que esta se encerre com esse
incidente já resolvido, de sorte que o juiz ou se retrata diante do agravo, ou
mantém a decisão, cabendo ao recorrente reiterar seu agravo retido, nas
razões ou contra-razões de eventual apelação
312
.
Não parece, portanto, que a omissão do legislador no que concerne ao prazo
para resposta do agravo interposto em audiência de instrução e julgamento leve,
necessariamente, a conclusão de que a resposta possa ser escrita e no prazo de 10 (dez) dias,
vez que a interpretação deve ser sistemática e não meramente gramatical, privilegiando o
regramento constitucional.
É certo, porém, que muita discussão haverá acerca do tema, sendo que a
divergência doutrinária provavelmente se reverterá em divergência jurisprudencial. Tal
problema poderia ter sido evitado pelo legislador com a previsão expressa de que a resposta
ao agravo também seria oral e imediata. Neste, como em muitos aspectos da Lei 11.187/2005,
o legislador foi descuidado, principalmente com o aspecto procedimental, fato que levará os
tribunais a decidirem de forma diversa e, somente após muitos anos, com as decisões dos
tribunais superiores, é que a matéria se pacificará (se até lá nova lei não modificar o
regramento acerca do agravo).
O próprio doutrinador BRUNO DANTAS NASCIMENTO alerta para a
violação ao princípio constitucional da isonomia, em que pese seu entendimento de prazo de
10 (dez) dias para resposta do agravado:
Note-se que, pela nova disposição, a discrepância com o princípio da
isonomia tem dois aspectos: (i) prazo diferenciado para agravante e
agravado; e (ii) forma diferenciada de apresentação das razões. Não nos
parece, porém, que tenha sido o intuito do legislador estipular regra revestida
de tamanha falta de razoabilidade. Ao contrário, fica evidente que o lapso
ocorreu por imprevidência, o que desperta preocupação quanto à rapidez
com que certas medidas saem da “fornalha legislativa” do Ministério da
312
CUNHA, op. cit., p. 310.
206
Justiça, tramitam incólumes pelas duas Casas do Congresso Nacional e são,
por fim, sancionadas pelo Presidente da República
313
.
Esse tipo de “pisada de bola” do legislador acabará por retardar ainda mais a
solução do problema, criando novas situações passíveis de ataque através de agravo, podendo
levar a solução final do litígio até o Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal
Federal, dependendo da interpretação adotada pelo juiz singular:
Não é exagero prever que essa quebra de igualdade trará consigo uma
questiúncula processual a ser dirimida pelo juiz, acarretando nova variável
para a solução do litígio, quando o desejável é que a lei simplifique o
procedimento, em vez de criar novas situações suscetíveis de se tornarem
incidentes processuais. Com isso, diante do novo incidente processual para
discutir qual prazo de que dispõe o agravado para apresentar sua resposta,
estará criada uma controvérsia absolutamente desnecessária, que
invariavelmente, atrasará a entrega da prestação jurisdicional. Também não é
disparate supor que da decisão do juiz sobre o prazo para que o agravado
apresente sua resposta caberá novo agravo, que, per se, poderá perfeitamente
chegar ao conhecimento do STJ ou, até mesmo, do STF [...]
314
.
4.8.3 Da Obrigatoriedade de Interposição Oral e Imediata do Agravo Apenas nas
Audiências de Instrução e Julgamento
Além dos problemas naturais inerentes as possibilidades interpretativas
decorrentes da nova lei, alguns doutrinadores acabam por criar, em seus escritos, novas
teorias e novos problemas. É o caso de LUÍS HENRIQUE BARBANTE FRANZÉ, que em
sua obra sobre o agravo, acaba por concluir que “o agravante, tanto na audiência de
conciliação (CPC, art. 331 e § 2º, quanto na de instrução, deve interpor o agravo oral”
315
.
No mesmo sentido é o entendimento de CASSIO SCARPINELLA BUENO,
que fundamenta seu entendimento no artigo 5º, inciso LXXVII, da Constituição Federal:
313
NASCIMENTO, op. cit., p. 67.
314
NASCIMENTO, op. cit., p. 67.
315
FRANZÉ, op. cit., p.135.
207
Agraváveis oral e imediatamente são só as decisões proferidas em audiência
de instrução e julgamento como quer o dispositivo? E as decisões proferidas
em outras audiências, assim, por exemplo, as audiências de justificação e as
preliminares? Parece-me que a diretriz adotada pelo legislador deve ser
utilizada para as interlocutórias proferidas nestas outras audiências também
em nome dos valores que quis destacar pouco acima, com os olhos voltados
para o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal. [...] A mesma ratio de
oralidade, economicidade e racionalidade que justifica o prevalecimento da
palavra oral e não escrita na audiência de instrução e julgamento está
também presente em uma audiência de justificação ou mesmo em uma
audiência preliminar
316
.
Com a devida vênia, este não parece ser o entendimento mais acertado, vez
que a obrigatoriedade de interposição oral e imediata do agravo retido, nos termos do artigo
523, § 3º, do Código de Processo Civil, limita-se claramente as audiências de instrução e
julgamento.
Na verdade, num primeiro momento, valendo-se de uma interpretação mais
técnica, o doutrinador LUIZ HENRIQUE BARBANTE FRANZÉ entende pela exclusão da
obrigatoriedade de interposição oral do agravo na audiência de conciliação, conforme infere-
se da seguinte passagem:
O referido dispositivo apenas faz referência à audiência de instrução e
julgamento. Por essa razão, entendemos que não abrange a audiência
preliminar (de conciliação), pelas razões, a saber: a) dificilmente será
proferida uma decisão que cause prejuízo (interlocutória) nessa audiência; b)
por se tratar de norma restritiva do direito de recorrer, não podemos
interpretá-la ampliativamente para também abarcar a audiência preliminar
317
.
Porém, em seguida afirmando que em direito não existe somente uma
interpretação, o doutrinador afirma que, por cautela, seria recomendável que o agravo seja
interposto oralmente em ambas às audiências. E, em seguida, já afirma que nas duas
audiências o agravo deve ser oral e imediato.
316
BUENO, op. cit., p. 211.
317
FRANZÉ, op. cit., p.134.
208
Duas considerações necessitam serem feitas quanto aos ensinamentos de
FRANZÉ. Primeiro, a alegação de que as decisões proferidas na audiência preliminar
dificilmente poderão causar prejuízo não pode ser considerada correta. Ora, é exatamente na
audiência preliminar que o magistrado faz o saneamento do processo, acolhendo ou rejeitando
as preliminares argüidas pelas partes.
Nesta audiência são fixados os pontos controvertidos, podendo ser acolhidas
ou refutadas as preliminares de ilegitimidade passiva, de coisa julgada, litispendência e etc.
Como se pode dizer que dificilmente haverá decisão capaz de produzir prejuízos? Frise-se que
nesta audiência, pelo rito sumário, será apresentada a defesa e, com base nesta, por exemplo,
o juiz poderá conceder a tutela antecipada pleiteada na exordial, ou ainda, revogar a tutela
antecipada anteriormente concedida.
Ousamos dizer que, nas audiências preliminares previstas no artigo 331 e
277 do Código de Processo Civil, a possibilidade de grave lesão à parte é maior do que na
audiência de instrução e julgamento.
A segunda observação se diz sobre a cautela de se opor agravo retido oral
também na audiência de conciliação. Realmente o direito não possui uma só interpretação,
porém, toda a interpretação deve ser, obrigatoriamente fundamentada e arrazoada. E neste
sentido, o posicionamento de FRANZÉ é desprovido de qualquer fundamentação. Por que se
interpretaria extensivamente a regra do artigo 523, § 3º, do CPC se o texto é claro ao limitar a
obrigatoriedade do agravo retido oral às decisões proferidas em audiência de instrução e
julgamento, mormente quando, conforme citado pelo próprio doutrinador, a interpretação de
regra limitadora de recurso deve ser restritiva?
CASSIO SCARPINELLA BUENO, aliás, apesar de se dizer favorável a
interposição obrigatória, oral e imediata, do agravo retido das decisões proferidas em
audiência, acaba por permitir exceções casuísticas:
209
Mesmo em uma audiência de instrução e julgamento pode ser proferida
decisão de maior complexidade a exigir que o agravo seja interposto
posteriormente, em nome do contraditório (para o próprio agravante!). É o
caso de indeferimento de um pedido de esclarecimento técnico do perito ou
o acolhimento, pelo juiz, de um tal esclarecimento, por exemplo
318
.
Data vênia, admitindo-se este casuísmo, estar-se-á criando um verdadeiro
caos durante a audiência, pois inexistindo parâmetro legal para tanto, criar-se-á insegurança
jurídica para as partes. Por isso, acreditamos que a interposição oral deveria continuar a ser
opção da parte.
Porém, a letra da lei é outra. Assim somente das decisões proferidas em
audiência de instrução e julgamento e que sejam atacáveis por meio de agravo retido é que
este deverá ser oral e imediatamente interposto. Compartilhamos assim do entendimento
abaixo citado:
Note-se que não se refere, a nova redação do art. 523, § 3º, a decisões
proferidas em audiência preliminar (art. 331, § 2º), mas apenas as decisões
proferidas em audiências de instrução e julgamento, razão pela qual as
decisões prolatadas naquela audiência não deverão, obrigatoriamente, ser
alvo de recurso oral. Assim, se o juiz, na audiência a que se refere o § 2º do
art. 331, indefere uma das provas pleiteadas pela parte, nada impede que esta
interponha agravo retido por escrito
319
.
Portanto, ante a clara redação do artigo 523, § 3º e, ante a natureza restritiva
da regra ali exposta, somente das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento
é que o agravo retido deve ser oposto de forma oral e imediatamente.
318
BUENO, op. cit., p. 211.
319
WAMBIER, op. cit., p. 260.
210
4.8.4 Agravo e Sentença Proferida em Audiência
Um último problema ainda precisa ser resolvido no que concerne ao agravo
a ser interposto da decisão proferida em audiência de instrução e julgamento, demonstrando
que as fórmulas simplistas, como a adotada pelo legislador reformista de 2005, não são aptas
a regular toda a matéria envolvendo o agravo, sendo necessário um estudo da situação
concreta, baseada no dia-a-dia forense para suprir as omissões legislativas.
O próprio artigo 523, § 3º, do Código de Processo Civil nomeia a audiência
em que deve ser interposto o agravo retido de forma oral e imediata como “audiência de
instrução e julgamento”. Neste contexto, é de se perguntar: se durante esta audiência, o juiz
resolve proferir a sentença, qual será o procedimento da parte prejudicada por uma decisão
interlocutória proferida durante a audiência e que, por exemplo, indeferiu a oitiva das
testemunhas arroladas? E, se na própria sentença o magistrado resolveu conceder uma
antecipação de tutela sobre um dos pedidos formulados na ação?
Abrindo parênteses na discussão acima proposta, aproveitamos o ensejo
para tecer dois comentários acerca da alteração que prestigiou o princípio da oralidade.
Primeiro, porque a oralidade não abarca também a decisão judicial, determinando que a
sentença seja proferida também, obrigatoriamente em audiência? Acreditamos que isto sim
traria uma enorme concentração dos atos processuais, eliminando a necessidade de
interposições de agravo. A segunda questão é saber se, diante do congestionamento de
processos também em primeiro grau (e não só nos tribunais como parece crer o legislador
reformador), as pautas audiência que tem intervalo entre uma e outra, muitas vezes de 15
(quinze) ou 30 (trinta) minutos, suportará a interposição de razões e contra-razões de agravo
interpostos oralmente?
211
A resposta é desnecessária se levarmos em conta a aplicação analógica do
artigo 454 no que concerne ao prazo para interposição e resposta do agravo, como já apregoa
parte da doutrina, como por exemplo LUIS GUILHERME AIDAR BONDIOLI:
Por fim, consigne-se que o legislador deveria ter regulamentado melhor a
questão da apresentação oral do agravo e da sua resposta. Ante seu silêncio,
sugere-se que a interposição oral do agravo seja regida pelas mesmas
disposições do art. 454: prazo de vinte minutos para o agravante manifestar
sua insurgência, devidamente fundamentada, prorrogáveis por mais dez,
sendo dada a palavra subseqüentemente ao agravado, por igual prazo
320
.
E nem há que de se falar, que o prazo deve ser mais exíguo, pois não
compete ao agravante simplesmente consignar o seu protesto. Ele deve, obrigatoriamente,
apresentar suas razões pugnando pelo provimento da reforma. O mesmo se dá com o
agravado.
Não é suficiente que a parte peça que se consigne no termo de audiência seu
protesto ou inconformismo. Faz-se necessária a transcrição das razões
recursais e o pedido de nova decisão, sob pena de não se atender ao requisito
da regularidade formal, próprio dos recursos. Realmente, cabe ao agravante
discorrer sobre as razões pelas quais se impõe, no seu entender, a reforma ou
anulação da decisão proferida na audiência, devendo demonstrar os supostos
errores in procedendo ou in judicando eventualmente cometidos pelo juiz,
para então, requerer a anulação ou reforma da decisão. Tais razões devem
constar do termo de audiência, sob pena de o agravo retido não ser
conhecido pelo tribunal
321
.
E ainda existirá a hipótese de retratação do julgador, que também deverá ser
fundamentada, o que obviamente consumirá mais tempo na audiência. Sem contar, que tal
retratação possibilitará a inversão dos pólos, passando o agravante a agravado e o agravado a
agravante. Imagine-se, o tempo que durará esta audiência!
320
BONDIOLI, op. cit., p. 249.
321
CUNHA, op. cit., p. 309.
212
Mas voltemos à discussão das hipóteses (infelizmente raras) em que o
julgador opta por proferir a sentença na própria audiência. JOSÉ HENRIQUE MOUTA
ARAÚJO, dentro deste contexto, traz mais uma exceção à regra do artigo 523, § 3º: no caso
em que durante a audiência de instrução e julgamento é proferida a sentença, não há que se
falar em interposição de agravo retido:
Logo, quando o legislador estabelece no § 3º a expressão: “das decisões
interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá
agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente (...)”,
consagra tão-somente as hipóteses em que a sentença também não é
proferida em audiência. Levando em conta que se trata de pronunciamento
único com vários capítulos, as decisões proferidas em audiência (ex.
acolhimento de contradita, indeferimento de produção de alguma prova)
ficarão absorvidas pela sentença, sendo discutíveis também em sede de
apelação, à semelhança do que ocorre nos casos de tutela antecipada
concedida na sentença
322
.
Entendimento diverso é esposado por CASSIO SCARPINELLA BUENO, o
qual compartilhamos:
Mas e se, eis uma outra questão que pode ser formulada, o magistrado
proferir a sentença na audiência? De que vale a interposição do agravo
retido? A resposta é direta: o agravo retido continua a valer como qualquer
agravo retido: para que “o Tribunal dele conheça, preliminarmente, por
ocasião do julgamento da apelação” (art. 523, caput)
323
.
No mesmo sentido, é o entendimento de TERESA ARRUDA ALVIM
WAMBIER
324
.
A segunda situação problema é o caso em que o julgador, além de proferir a
sentença, ainda resolve, no mesmo ato, deferir pedido de antecipação de tutela. Indaga-se, a
322
ARAÚJO, op. cit., p. 216.
323
BUENO, op. cit., p. 214.
324
WAMBIER, op. cit., p. 588.
213
priori, é possível tal procedimento? A resposta é afirmativa e um exemplo pode bem
esclarecer esta possibilidade:
[...] É possível, quando do julgamento de pedidos cumulados (indenização
por dano moral, material e pensão mensal), haver a necessidade de
concessão de tutela antecipada no que respeita a este último. Ora, se na
ocasião da sentença está-se em regra diante de cognição exauriente, será
possível a concessão de tutela antecipada, pronunciamento este que em tese
pode ser concedido com base em simples cognição sumária? A resposta
deve ser positiva, haja vista que é possível antecipar (satisfazer) efeitos
baseados em cognição sumária (que é o menos), quanto mais na cognição
exauriente obtida na sentença (que é o mais). Caso contrário, estar-se-ia
diante de uma perigosa incongruência: o menos ter mais eficácia que o mais,
sendo mais viável ao autor ter um pronunciamento apenas com cognição
sumária do que um outro com exauriente
325
.
Neste caso, indubitavelmente, teremos apenas um pronunciamento judicial,
apesar da sua subdivisão em capítulos. Em virtude do princípio da singularidade recursal,
dúvida não há, de que o recurso a ser interposto é a apelação, apta a atacar toda a matéria
decidida em sentença. Neste sentido o entendimento de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
ao afirmar que a apelação é o recurso cabível da sentença, mesmo que no seu bojo haja um
pronunciamento “interlocutório”:
Assim será, ainda quando a sentença contenha algum pronunciamento que
ordinariamente viria em uma decisão interlocutória, como a concessão de
uma tutela antecipada. Esse capítulo, estando integrado no corpo unitário de
uma sentença, não se destaca dos demais em razão de seu conteúdo, para
receber um tratamento diferente, no tocante ao recurso cabível: caberá
sempre e somente o recurso de apelação porque o conteúdo de cada capítulo
não exerce influência alguma na determinação do recurso adequado ao
caso
326
.
Neste caso, a solução para o impasse criado não se dará na dupla
interposição de recursos (agravo e apelação), mas sim nos efeitos diferenciados em que a
apelação poderá ser recebida. Isto porque no capítulo que concerne à antecipação de tutela, o
325
ARAÚJO, op. cit., p. 213.
326
DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 115.
214
efeito da apelação deverá ser meramente devolutivo, sendo o efeito suspensivo aplicado
quando ao restante da decisão.
Voltemos ao exemplo citado para demonstrar o cabimento da antecipação de
tutela mesmo no ato de prolação da sentença:
De outra banda, necessário é destacar que a apelação também não poderá ser
recebida em sua totalidade apenas no efeito devolutivo se contiver
impugnação que ultrapasse o capítulo antecipado, já que poderá gerar, de
forma equivocada, execução provisória de outros capítulos da decisão.
Utilizando o mesmo exemplo: suponhamos que a sentença tenha condenado
o réu ao pagamento de R$ 100.000,00 por danos morais, R$ 120.000,00
pelos danos materiais e R$ 1.000,00 a título de pensão mensal, sendo este
último capítulo objeto de concessão de tutela antecipada. Se o réu interpuser
recurso de apelação englobando todos os capítulos, deverá ser recebida no
duplo efeito em relação aos danos moral e material e apenas no efeito
devolutivo no que tange à pensão objeto de tutela antecipada
327
.
4.8.5 A Interpretação da Expressão “Imediatamente”
Como o legislador foi por demais sucinto, especialmente quanto ao
procedimento, uma nova questão exsurge no tocante a interposição obrigatória, oral e
imediata, do agravo de instrumento das decisões proferidas em audiência de instrução e
julgamento. Trata-se da extensão da expressão “imediatamente”.
Este imediatamente obriga a interposição do recurso em momento
imediatamente posterior ao pronunciamento judicial (sentido estrito) ou bastaria a
interposição até o final da audiência?
Existem argumentos aptos a justificar a adoção de ambos os
posicionamentos. Se a interpretação for de que imediatamente é logo após proferida a decisão
e antes de um “novo passo” dentro da audiência, o fator positivo será que, no caso, por
327
ARAÚJO, op. cit., p. 216.
215
exemplo, de indeferimento da oitiva de uma testemunha, a interposição imediata do agravo
permitirá que o juiz, querendo, se retrate tempestivamente.
Já se a interpretação for no sentido de que o imediatamente previsto na
norma é em sentido amplo, permitindo a interposição do agravo até o final da audiência, se
estará, indubitavelmente, se prestigiando os princípios da economia e celeridade, pois caso
contrário, imagine-se os sérios problemas envolvendo uma audiência conturbada com a
interposição de vários agravos!
Para RODRIGO DA CUNHA LIMA FREIRE, o vocábulo imediatamente
deve ser interpretado elasticamente, bastando que o agravo seja interposto até o final da
audiência, embora reconheça que, em casos como o já citado, de indeferimento de oitiva de
testemunha, a interposição logo após o indeferimento seria de grande valia
328
. Justifica
referido autor o seu ponto de vista com dois fundamentos:
Além do mais, o juiz pode proferir outras decisões interlocutórias na
audiência de instrução e julgamento. Se o legitimado for obrigado a agravar
rigorosamente após a prolação de cada decisão interlocutória, sob pena de
preclusão, possivelmente vários agravos retidos serão interpostos numa
mesma audiência de instrução e julgamento, em descompasso com os
princípios processuais da concentração dos atos processuais, da economia
processual e da celeridade processual [...] Nesse tocante se prestigia a
economia processual, evitando-se a interposição de recursos que ao final da
audiência já perderam o sentido. Indeferida a oitiva de uma testemunha,
pode ser que outras ouvidas façam com que a parte perca o interesse em
ouvir a testemunha recusada, o que só será conhecido ao final da
audiência
329
.
Da mesma forma entende CASSIO SCARPINELLA BUENO, apenas
ressaltando que, naqueles casos em que por questões práticas for recomendável, o advogado
deve explicar a situação e interpor o agravo imediatamente. Mas esta seria a exceção:
328
NEVES, op. cit,, p. 53.
329
Ibib,, p. 54.
216
Até como forma de evitar que toda a audiência seja entrecortada por agravos
e mais agravos, o que significaria, certamente, um enorme desperdício de
tempo, atentando-se à racionalidade dos trabalhos que devem presidir
qualquer atuação jurisdicional (art. 125, II, lido, com o art. 5º, LXXVIII, da
Constituição Federal). Basta, portanto, que, no final da audiência, as partes
requeiram que, do termo respectivo, conste o agravo ou os agravos cabíveis,
é dizer de forma bem direta: o agravo pode ser interposto “no final da
audiência”, e não no prazo de 10 dias
330
.
Registre-se apenas o posicionamento em sentido contrário de ANTONIO
NOTARIANO JR e GILBERTO GOMES BRUSCHI, para quem o prazo de interposição é
aquele entre o prolação da decisão e o passo seguinte a ser dado na audiência
331
.
Razão, por questões práticas, parece assistir a primeira corrente, no sentido
de que a interposição pode se dar até o final da audiência, sob pena de criação de um grande
tumulto processual. Valemo-nos das palavras, talvez até um pouco exageradas de
FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI, mas que servem para “abrir os olhos” dos
magistrados sobre os problemas que adviriam da interposição oral de diversos agravos de
instrumento em uma única audiência:
Fico aqui a imaginar uma audiência de instrução e julgamento onde
haja várias testemunhas, contraditas, preliminares, etc. Se para cada
decisão interlocutória do juiz com que a parte não concorde (e são
tantas) for interposto um agravo retido obrigatório e na modalidade
oral, a constar do termo, estou certo que devemos expandir os horários
de funcionamento dos fóruns e implantar, definitivamente, rodízio de
funcionários na digitação dos termos (isto sem falar no número de
aposentadorias por lesão de esforço repetitivo)
332
.
330
BUENO, op. cit., p. 213.
331
NOTARIANO JR, Antonio; BRUSCHI, Gilberto Gomes; apud NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves
... [et al]. Reformas do CPC: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 54.
332
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Brevíssimas considerações sobre a nova sistemática do recurso de
agravo introduzida pela Lei 11.187/2005: uma visão pessimista. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7927
. Acesso em 22 de dezembro de 2006 às 17h00min, p. 3.
217
CONCLUSÃO
Os pronunciamentos judiciais, dentre os quais aqui se analisou com mais
afinco, as decisões interlocutórias, merecem um melhor tratamento, seja por parte da doutrina,
seja por parte da jurisprudência, mas principalmente por parte do legislador. É bastante
questionável a técnica de conceituação legal dos institutos, vez que as reformas legislativas
não acompanham, em absoluto, a velocidade das alterações fáticas.
Dentro deste contexto, apesar da recente tentativa do legislador de adequar o
conceito de sentença, este, infelizmente, ainda não se adequou a alguns aspectos práticos,
como por exemplo, o fato de a decisão que declara a ilegitimidade passiva de apenas um dos
litisconsortes, apesar de se enquadrar no rol do artigo 267 do Código de Processo Civil, ser
considerada interlocutória para fins de recorribilidade. Outro grave problema é o da decisão
estampada no artigo 267, § 6º, que apesar de se enquadrar no rol do artigo 269, também sobre
o mesmo tratamento quanto à recorribilidade.
Nem mesmo os renegados despachos passam incólumes por este problema,
vez que muitas vezes carregam uma potencialidade de causar prejuízo, e, nestes casos, apesar
da dicção do artigo 504 do Código de Processo Civil, são recorríveis, e, o recurso adequado é
o agravo.
Seria, portanto, recomendável que o legislador abandonasse à técnica da
conceituação legislativa dos pronuncimentos judiciais, deixando a cargo da doutrina e, quiçá,
da jurisprudência, tal tarefa, sob pena de não permitir uma ordenação racional e prática da
correlação natureza do pronunciamento/recorribilidade.
Mas voltando a questão da recorribilidade das decisões interlocutórias, não
bastasse este problema conceitual, o agravo é alvo constante de reformas processuais, acusado
de causar, ou pelo menos, agravar as mazelas que atingem o Poder Judiciário, sendo o alvo
218
predileto da artilharia reformadora do legislador, geralmente influenciada por estudos e
projetos de associações e entidades formadas por operadores do direito, e, quase sempre, com
forte influência da magistratura.
Porém, no caso específico da recorribilidade das decisões interlocutórias,
estas reformas acabam demonstrando a existência de um movimento cíclico, ora prestigiando
o agravo, ora tentando limitar a sua utilização. Deu-se um enorme passo em favor da ampla
recorribilidade com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, porém, a partir
de 2001, principalmente, a intenção do legislador foi a de restringir cada vez mais a sua
aplicabilidade, principalmente na forma retida.
As evoluções e involuções do agravo são cíclicas porque atendem,
geralmente a interesses casuísticos, mormente dos magistrados de superior instância,
assolados pelo crescente número de agravos, deixando de lado um estudo técnico e estatístico
coerente e sério, levando o legislador a “ressuscitar” normas que comprovadamente, não
foram aptas a solucionar os problemas envolvendo os “problemas” criados pelo agravo.
Tecnicamente, não se pode discutir que o agravo de instrumento atende de
forma mais racional e eficaz aos reclames dos jurisdicionados. Não nos parece que se possa
negar que a recorribilidade instantânea de todos os pronunciamentos judiciais, principalmente
em primeiro grau, seria o ideal, desde que houvesse uma estrutura judicial apta a dar uma
resposta célere e eficaz a esta insurgência, não permitindo que o processo fosse desviado de
seu correto caminho em busca da solução do litígio.
Porém, os idealizadores das recentes reformas que restringem a utilização
do agravo de instrumento, assim agem proclamando esta como a única solução para desafogar
os tribunais.
Mas, não podemos admitir, sob hipótese alguma, a adoção de tais práticas
que acabam limitando o direito das partes, sem que se faça uma discussão mais ampla do
219
tema, inclusive quanto aos aspectos estruturais dos tribunais. Desde 1973, quando da entrada
em vigor do atual Código de Processo Civil, inúmeras mudanças ocorreram no sistema
recursal brasileiro, sendo que a intenção de restringir o acesso das partes as instâncias
superiores foi uma constante. Pergunta-se: tais mudanças surtiram efeito? E neste período,
qual mudança radical houve na estrutura dos tribunais?
A estrutura arcaica e intocável dos tribunais, somada aos problemas como a
falta de juízes e a falta de condições de trabalho aos juízes devem ser consideradas.
Simplesmente adotar medidas limitativas de acesso aos tribunais não são, a nosso ver,
legitimas.
Não questionamos que o número de agravos de instrumento teve
significativo aumento nos tribunais. Apesar da ausência de um profundo e cientifico
levantamento estatístico, nos parece claro que tal aumento efetivamente ocorreu. Porém,
diferente da afirmação de que houve um aumento do número de agravos nos tribunais é a
afirmação de que tal aumento foi injustificado ou abusivo. Tal afirmação sem um estudo
estatístico, por exemplo, do percentual de provimento de tais agravos é uma verdadeira
temeridade.
Além disso, uma análise um pouco mais profunda das reformas processuais,
em especial a partir de 1994, demonstra que existe sim justificativa para um aumento do
número de agravos de instrumento. A primeira destas justificativas foi a clara opção do
legislador de privilegiar as antes marginalizadas decisões calcadas em cognição sumária,
permitindo inclusive atividade executiva no bojo do processo de conhecimento, mitigando o
princípio da nulla executio sine titulo.
Obviamente, tal espécie de decisão acaba gerando inconformismo entre as
partes e, ante a importância e forte carga de eficácia de tal espécie de decisão, nada mais
natural que a parte busque uma rápida e imediata reforma do julgado, tentando não sofrer os
220
efeitos práticos de tal decisão. E, exatamente por ser calcada em cognição não exauriente e
por provocar mudanças na situação fática da parte contrária, o acesso ao tribunal deve ser
amplamente permitido.
Além das decisões calcadas em cognição sumária, a tendência legislativa
contemporânea aponta para a utilização cada vez maior dos chamados “conceitos” abertos,
indeterminados ou vagos.
Novamente estamos diante de um motivo técnico para o aumento do número
de agravos perante os tribunais. A amplitude interpretativa do magistrado diante de um
conceito indeterminado suscitará inconformismo da parte prejudicada e, muitas vezes com
grande razão, mormente se considerarmos que tal espécie de decisão, apesar de alargar o
campo interpretativo, não traz ao magistrado um poder discricionário.
Assim, alegar-se que o aumento no número de agravos é injustificado não se
sustenta sem um forte embasamento estatístico. Pois bem, mesmo sem esses dados, o
legislador opta por restringir, paulatinamente, a utilização do agravo, mormente do agravo de
instrumento. O motivo é claro, porém, per si, não legítimo: a intenção de diminuir o volume
de trabalho nos tribunais.
Não se pode discordar que o instituto deve ser constantemente aperfeiçoado,
pois tem importante papel no sistema processual, de modo a assegurar a sua melhor
utilização. Porém, infelizmente as ondas reformistas não têm aperfeiçoado o agravo, mas sim
tentado, pura e simplesmente, restringir o seu uso pelos jurisdicionados.
Este foi, em nosso entender, a única e exclusiva intenção do legislador ao
editar a Lei 11.187/2005. Apregoando como novidade o que já existia em nosso ordenamento
e buscando tolher das partes o direito de ver sua insurgência imediatamente apreciada pela
superior instância, além de disciplinar a matéria de forma lacunosa, o que, com certeza,
maiores dificuldades acarretarão as partes e aos magistrados.
221
Entendemos que a citada Lei não modifica a essência do recurso de agravo,
pois aquela que seria a maior novidade, qual seja, a adoção do agravo retido como regra e o
agravo de instrumento como exceção já existia desde 2001.
Não bastasse isso, criou-se um típico caso de exceção mais ampla que a
regra. O entendimento doutrinário e jurisprudencial, principalmente calcado por analogia na
interpretação dada ao artigo 542, § 3º do Código de Processo Civil, onde sequer uma brecha
havia, demonstra que a grande maioria das decisões interlocutórias, continuará sendo objeto
de agravo de instrumento.
Apesar da grande maioria dos doutrinadores utilizarem como exemplo de
decisão interlocutória apta a causar lesão grave e de difícil reparação aquelas que envolvam o
direito material (tutela antecipada, por exemplo), é evidente que não somente a esta categoria
de decisão se reserva o agravo de instrumento, sendo este aplicável também a uma vasta gama
de decisões interlocutórias que causem um dano processual grave e de difícil reparação.
Como exemplo, temos a já citada classificação de decisão interlocutória, onde, dos seis
grupos, a tendência jurisprudencial e doutrinaria aponta para o cabimento do agravo de
instrumento em cinco.
Somado a isto, a propalada irrecorribilidade da decisão do relator nos casos
dos incisos II e III do artigo 527, acabará, dentro do movimento cíclico já citado, re-
inaugurando a expansão da utilização do mandado de segurança como sucedâneo recursal,
motivo que levou o legislador de 1973 a optar pelo sistema da livre recorribilidade das
interlocutórias.
Por último, destacamos os sérios problemas procedimentais que ocorrerão
devido à regra de obrigatoriedade da interposição oral e imediata do agravo retido das
decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento. Tal sistema deve ser interpretado
sistematicamente, permitindo, mesmo com aparente contradição com o texto normativo, a
222
utilização do agravo de instrumento das decisões proferidas nesta audiência, desde que aptas a
causar lesão grave e de difícil reparação, observando-se ainda o princípio da isonomia para
fins de apresentação de contra-razões.
Talvez o aspecto crítico tenha sido um pouco exagerado no presente
trabalho, pois querer dar maior celeridade ao andamento dos processos é aspiração legítima
do legislador. Porém, é sabido que para cada aspecto valorizado, outro deve ser,
necessariamente, mitigado. E este fato deve ser sopesado pelo legislador, evitando que sejam
sacrificados em nome da maior celeridade (ganha muitas vezes de forma módica), os
princípios que envolvam a segurança jurídica.
Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que
uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos
devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é.
Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a
qualquer preço
333
.
333
BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 5.
223
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