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UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
COORDENADORIA GERAL DE PÓS GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
“A AÇÃO POLÍTICA DO GRUPO FERRAMENTA NA DÉCADA
DE OITENTA EM IPATINGA.”
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
JOÃO CARLOS DUARTE
VASSOURAS 2007
JOAO CARLOS DUARTE
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III
A AÇÃO POLÍTICA DO GRUPO FERRAMENTA NA DÉCADA DE OITENTA
EM IPATINGA.
Dissertação apresentada ao programa de Mestrado em
História da Universidade Severino Sombra, como parte dos
requisitos para obtenção do título de mestre em História
Social. Sob a orientação do Prof. Dr. José D’Assunção
Barros.
Vassouras, fevereiro de 2007
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IV
FOLHA DE APROVAÇÃO
Universidade Severino Sombra
Programa de Mestrado em História Social.
Dissertação intitulada: “A Ação Política do Grupo Ferramenta na Década de Oitenta em
Ipatinga”, de autoria de João Carlos Duarte, defendida e aprovada pela banca
examinadora constituída pelos seguintes professores.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
PRESIDENTE: Prof. Dr. José D’Assunção Barros – USS - Orientador
________________________________________________________
1º Examinador: Prof. Drª Surama Conde
________________________________________________________
2º Examinador: Prof. Dr. Amedis Germano
Vassouras, fevereiro de 2007.
V
AGRADECIMENTOS
À minha esposa, Crisley Venâncio, pela compreensão e paciência nestes dois anos de
clausura.
Ao meu orientador Dr. Assunção pela interlocução competente, pelo apoio, pela
orientação e atenção dispensada .
À professora Surama Conde, pelo estímulo a esta pesquisa e por ter me despertado o
gosto pela História Oral.
Ao Colégio São Francisco Xavier e Faculdade de Direito de Ipatinga, por terem fornecido
condições para que esta pesquisa fosse realizada.
Aos desvelos da minha sogra Claricéia e os incansáveis préstimos das colegas de trabalho
Flaviana , Tatiane ,Viviane
, Aline e Edilene.
Aos colegas professores: Luzia Henrique, Sérgio Duarte, Marileide, Hortêncio, Honorato
e sua esposa Claúdia, José Rosa, Fernando, pelas incansáveis leituras e sugestões.
VI
E o que é trabalhar numa siderúrgica?
“Uma siderúrgica é uma sucursal do inferno. Os fornos exalam um calor inimaginável. O
ar tem cor. É vermelho, de um vermelho lindo e horrorizante. O barulho é a soma de todos
os barulhos mais abomináveis; o som esfaqueante do ferro batendo em ferro, a estridência
aguda das roldanas e guindastes que relincham como cavalos de metal, o ronco
mongolóide de motores brutais. À volta, nos pátios, o chocalhar dos vagões de carga,
montanhas tétricas de minério e carvão, que não cessam de subir e descer numa zoeira
infernal, a tudo envolvendo em nuvens opacas de poeira mineral, de que os olhos, os
pulmões, a boca e a pele não têm como se defender.”
FREITAS, Jânio de., Folha de S. Paulo,11/11/88 p.14.
VII
RESUMO
A ação política da chapa Ferramenta na década de oitenta em Ipatinga, movimento
sócio-político de organização dos operários da Usiminas contra a cultura despótica da empresa
por mais de duas décadas é o objeto desta pesquisa. As análises recaem sobre as circunstâncias de
se instalar uma grande siderúrgica nesta região, as conseqüências sociais e políticas desta criação,
a construção às pressas de uma cidade-fábrica para abrigar milhares de migrantes nas décadas de
cinqüenta e sessenta. A postura autoritária da empresa em relação aos operários inicia-se com o
massacre de inúmeros trabalhadores em 1963, estendendo-se até 1988, com a demissão sumária
de todos os metalúrgicos que participaram de chapas sindicais oposicionistas ao sindicato
controlado pela empresa. As perseguições e demissões projetam parte dos demitidos para uma
bem sucedida aventura pela política partidária.
Palavras- chave: – Metalúrgicos – Cultura Usiminas - Novo sindicalismo Consciência
operária – Cidade Disciplinar.
VIII
ABSTRACT
The political action of the Ferramenta Party during the eighties in Ipatinga, social-
political bustle of the Usiminas employees organization against the despot culture of the same
enterprise for more than two decades is the goal of this study/research. The analyses fall on the
circumstances of building a big steel industry on this area (Ipatinga); the social and political
consequences of that making, the quick building of a factory – village to be home of thousands of
migrants during the fifties and sixties. The demanding position of the factory related to the
employees begin with a massacre of several workers in 1963, going up to 1998, and a brief
dismissal of all the workers came after such happening, the ones that participated from union
parties against the trade union controlled by the factory. Pursuits and dismissals lead a group of
fired employees to a successful adventure through some political parties.
IX
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
CAPÍTULO 1
Do sonho à realidade – Minas tem uma grande siderúrgica
1.1. O Projeto de construção de uma grande Siderúrgica em Minas........................................23
1.2 A Instalação da Usiminas em Ipatinga...............................................................................34
1.3 A emancipação política de Ipatinga – Um parto em plena Ditadura Militar.......................46
CAPÍTULO 2
O Olhar vigilante da siderúrgica sobre a cidade.
2.1 A divisão espacial da cidade: disciplina e segregação........................................................52
2.2 Vigilância e controle comandando a cidade..........................................................................64
2.3 A postura paternalista da Usiminas.....................................................................................73
CAPÍTULO 3
A Reação da cidade à prepotência da Usiminas
3.1 A Cultura autoritária como marca da Empresa. ..................................................................83
3.2 O despertar de uma consciência operária dos técnicos do Centro de Pesquisas ...............95
3.3 A prepotência gerando reação e Projeção Política.............................................................107
CONCLUSÃO........................................................................................................................142
REFERÊNCIAS......................................................................................................................147
ANEXOS.................................................................................................................................152
10
INTRODUÇÃO
“Todas as mágoas são suportáveis, quando fazemos delas uma história ou
contamos uma história a seu respeito”.
1
Partindo do pressuposto de que as relações sociais se constroem através das
contradições, sendo essas causadoras de ações e movimentos, buscamos, a partir da
formação de um grupo de metalúrgicos, compreender e, ao mesmo tempo, expor o processo
histórico da formação política e social da cidade de Ipatinga, a partir da instalação da
Usiminas – Usina Siderúrgica de Minas Gerais – no Vale do Aço.
Nessa dissertação, intitulada “A Ação Política do Grupo Ferramenta na Década de
Oitenta em Ipatinga – MG”, elegemos como objeto os acontecimentos ocorridos na década
de 1980, “tratando-se de um episódio ‘quente”,
2
correspondendo a uma história do tempo
presente. Para o desenvolvimento deste trabalho, remontou-se às origens da produção
3
,
acompanhando as transformações sociais daí decorrentes, como a formação de uma
incipiente classe operária e as relações de poder daí resultantes e o controle da Usiminas
sobre seus trabalhadores e sobre a cidade por ela construída.
A hegemonia da empresa sobre a cidade culmina na reação de seus citadinos, sendo
que o primeiro ensaio de uma resistência ao poder despótico exercido pela Usiminas se deu
em 1963, com uma manifestação de operários na porta da empresa em relação às buscas
vexatórias procedidas por vigilantes, quando do revezamento dos turnos. A repressão
indiscriminada por parte da Polícia Militar e da vigilância patrimonial culminará na morte
de inúmeros trabalhadores e dezenas de feridos.
4
1
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001,
p. 188.
2
BARROS, José D’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Rio de Janeiro: Cela, 2002. p .37.
3
Produção: conceito marxista, entendido como “o complexo de relações mutuamente dependentes entre
natureza, trabalho social e organização social”.
4
RAMALHO , Marilene Assis Tuler. O Massacre de Ipatinga: o contexto sócio-político do Golpe Militar de
1964 através de um estudo de caso. Dissertação de Mestrado – Universidade Severino Sombra: Vassouras-
RJ, 2006.
11
Dentro dessa proposição, ambiciona-se demonstrar o surgimento de uma
consciência operária
5
na década de oitenta por parte de um conjunto significativo de
metalúrgicos da Usiminas, que encabeçam uma chapa de oposição ao Sindicato dos
Metalúrgicos de Ipatinga —SINDIPA — criado em 1964, funcionando ao longo dos anos
como um dos departamentos da empresa. Merece atenção especial a ação
6
política desse
grupo de metalúrgicos denominados “Grupo Ferramenta”, primeiramente como lideranças
sindicais e posteriormente a notável projeção de parte de seus integrantes no cenário
político nacional.
O campo histórico abordado nesta pesquisa é da História Social, aqui entendido
como o estudo dos grandes processos (industrialização, modernização, ou quaisquer
outros , inclusive as revoluções), que aparecem na rubrica “movimentos sociais”. Esses
movimentos dificilmente podem ser trabalhados fora de uma conexão entre o social e o
político e, possivelmente, o econômico. A propósito, eis o que escreveu Barros: “Em certo
sentido toda a história que se escreve é de algum modo uma História Social - mesmo que
direcionada para as dimensões política,,econômica ou cultural”.
7
A história social do trabalho, organizada como especialidade desde a década de
1960, mantém um perfil mais claramente diferenciado, contemplando temas como: o
movimento operário e sindical, suas relações com o Estado, as massas trabalhadoras e o
ambiente urbano, o cotidiano operário e o controle social nas fábricas e fora delas,
colocando-se como questão o próprio processo histórico de construção de uma identidade
5
O conceito de Consciência Operária está fundamentado na obra: Miséria da Filosofia, de Karl Marx,
quando afirma que (...) “As condições econômicas transformam a massa da população do país em
trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa uma situação comum, interesses comuns.
Assim, pois esta massa já é uma classe com respeito ao capital, mas ainda não é uma classe para si. Na luta
(...) esta massa se une, se constitui como classe para si.” Logo, a qualidade de membro de uma classe
proporciona as bases potenciais para o surgimento da consciência de grupo e da ação coletiva. A experiência e
os interesses comuns levam, inevitavelmente, à consciência de classe e à ação política, conduzindo
necessariamente na sociedade capitalista, à formação de associações políticas (sindicatos) que buscam a união
solidária da classe oprimida com vistas à defesa de seus interesses e ao combate aos opressores. GURVITCH.
Georges. As Classes Sociais. Tradução de Sérgio Miguel Grácio.2ª ed. Iniciativas Editoriais Lisboa, 1966.
6
O conceito de Ação é amplamente explorado por Hannah Arendt em “A Condição Humana”. Para a autora
a Ação é a única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da
matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que os homens habitam a terra e não o
contrário, vivem na terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação
com a política; mas esta pluralidade é especificamente a condição – de toda a vida política.
7
BARROS, José D’Assunção, O Projeto de Pesquisa em História, p.116.
12
operária, não mais entendido como conseqüência direta e automática do processo de
industrialização.
8
Logo, este estudo enquadra-se em uma das linhas de pesquisa, inserindo-se no
campo da história social, “uma história dos movimentos populares, história vista a partir
de baixo ou história da gente comum”,
9
uma vez que este pesquisador pretende percorrer
parte da luta de um ousado grupo de metalúrgicos, aqui eleitos como protagonistas desse
enredo, responsáveis por desafiarem as regras impostas no interior da Usiminas, que não
admitia o surgimento de uma chapa sindical que se opusesse aos interesses da empresa e,
ignorando as circunstâncias, optaram por reescrever uma outra página da história de suas
vidas e da cidade, até então restrita à história da Usiminas.
Nenhum fato histórico está isolado no tempo e no espaço, não se pode continuar
tratando este tema como um fato localizado: logo, serão estabelecidas relações com outros
movimentos operários, sobretudo com as vertentes do novo sindicalismo surgido em São
Paulo no final da década de setenta, e suas influências na organização de luta dos operários
em todo o país na década de oitenta, combinando reivindicações sociais e políticas, em
franca oposição ao regime ditatorial implantado em 1964.
A escolha do tema “A Ação Política do Grupo
10
Ferramenta na Década de Oitenta
em Ipatinga”, resultou de inquietações que há muito se fazem presentes, incitando o desejo
de melhor compreender a dinâmica sócio-política que explica a formação do referido
grupo.
O fato de residir na cidade de Ipatinga e ser conhecedor de parte de sua história
facilitou o acesso às fontes e a viabilidade de reuni-las num determinado tempo, para que
pudéssemos satisfatoriamente proceder a estruturação desta pesquisa.
Também na década de 1980, este pesquisador chega a essa cidade sonhando
trabalhar na Usiminas, mas em tempos de crise econômica, essa aventura não logrou êxito.
8
CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (Orgs), Domínios da História. .Ensaios de Teoria e
metodologia, Rio de Janeiro: Campus,1997. O Capítulo II foi escrito por Hebe Castro, no qual autora tece
maiores considerações sobre a evolução dos estudos em História Social
9
HOBSBAWN Eric. Sobre História – Ensaios. Tradução: Cid Knipel Moreira – São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. p. 216.
10
Ely Chinoy, entende Grupo Social: como um certo número de pessoas cujas relações se fundam numa
série de papéis e status interligados. Elas interagem de forma mais ou menos padronizada, em grande parte
determinada pelas normas e valores que aceitam. São unidas ou mantidas juntas por um sentido de identidade
comum ou uma semelhança de interesses que lhes permite distinguir os membros dos que não são membros.
13
Ulteriormente trabalhando como professor de história, ficou ainda mais seduzido pelos
acontecimentos que marcaram a história da cidade, logo percebendo que pouco se escreveu
sobre seus sujeitos históricos.
Essa jovem cidade industrial, desprovida de uma tradição política, cederia espaço a
uma escrita histórica para a glorificação do poder econômico, através de extensas narrativas
biográficas dos “grandes engenheiros”, na qualidade de administradores empresariais.
Esta reflexão fica evidente na abundante “História Institucional” exibida pela
Empresa Siderúrgica Usiminas em forma de fascículos, lançados em seus aniversários mais
significativos, como nos seus 25 e 40 anos de fundação, e distribuídos à comunidade.
No aspecto histórico, a relevância social desta pesquisa consiste em dar vozes aos
excluídos, aos sem vozes, “(...) em uma história das massas e mesmo em uma história do
indivíduo anônimo”,
11
através da análise e interpretação de relatos de moradores e
operários sobre a história da cidade.
A busca de fontes foi facilitada pela possibilidade de Anistia Política, concedida
por parte do Estado brasileiro “ aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os
níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob
controle estatal, (...) ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão
dos que foram atingidos a partir de 1979...” .
12
A possibilidade de serem ressarcidos
financeiramente favoreceu a reunião de parte do grupo no escritório de advocacia de um
dos demitidos, vinte anos após o lançamento da Chapa 1, em 1985.
Muitas perguntas são feitas sobre o porquê da postura autoritária da Usiminas em
relação à organização e manifestações operárias nos últimos 40 anos. As sucessivas
demissões de todos os componentes de chapas sindicais por anos seguidos comportam uma
série de interrogações sobre a origem do despotismo por parte da Empresa, tais como: Por
que ao longo de quase quatro décadas a cultura da empresa foi pautada pelo autoritarismo?
Seria esse autoritarismo um reflexo da conjuntura política ditatorial, sendo que esse
autoritarismo governamental permeou toda a Administração das Empresas Estatais? Que
CHINOY, Ely. Sociedade — Uma Introdução à Sociologia. Tradução de Octávio Mendes Cajado. São Paulo:
Cultrix. 1979. p.192.
11
BARROS, José D’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História, p.106.
12
O Requerimento de Anistia Política nº 20030137295, protocolado por José Geraldo de Oliveira, como
processo administrativo junto ao Ministério da Justiça, tem como fundamento Jurídico A Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 8º, parágrafo 1º ao 5º do ADCT.
14
motivos levaram a empresa
13
a manter um agente do SNI como diretor por mais de 20
anos? Haverá alguma relação entre o fato do fundador e Presidente da Empresa por mais de
15 anos e alguns de seus diretores mais próximo, confessarem, em entrevistas, que quando
estudantes de Engenharia na década de 40, foram adeptos da ideologia Integralista, e seus
pais, também Engenheiros, pertenceram às altas fileiras da Ação Integralista Brasileira?
14
Por que mesmo com a volta do Estado Democrático de Direito e após a promulgação da
Constituição de 1988, após a empresa ser privatizada, os métodos autoritários continuaram
sendo adotados, sendo os integrantes de outras duas chapas sindicais de oposição
sumariamente demitidos? Seria a votação esplendorosa em 1986, para Deputado Estadual,
do líder sindical de oposição demitido em 1985, e sua magnífica eleição para Prefeito
Municipal em 1988, a resposta silenciosa dos citadinos a esse autoritarismo?
São inúmeras as indagações que necessitam de respostas. O que se pretende neste
trabalho é iniciar as discussões sobre o ranço autoritário que permeou a sociedade brasileira
desde os mais altos escalões da Política até os micropoderes cotidianos, penetrando todas as
relações sociais em uma cidade subjugada às decisões de uma empresa.
Esta dissertação pretende contribuir para novos estudos acerca da extensão do
movimento sindical no Brasil, especificamente do novo sindicalismo na década de 1980,
procurando, com isso mostrar que se tratou de um fenômeno nacional, não restrito aos
grandes centros urbanos como São Paulo e ao mesmo tempo, contribuir para novos estudos
sobre a agenda sindical mineira em sintonia com os estudos de Michel Marie Le Ven e
Magda de Almeida Neves sobre o novo sindicalismo em Minas Gerais.
Também nesta pesquisa pretende-se analisar as relações de poder dentro da
Usiminas e o seu poder sobre a cidade por ela projetada, bem como a ação ousada e
desafiadora de certos atores sociais, face a esse status quo, proporcionando a projeção
política desses novos atores no cenário político nacional.
Dentre as hipóteses consideradas nesta pesquisa, sobressaiu-se primeiramente a
atuação do movimento sindical liderado pelos técnicos do Centro de Pesquisas tenha sido
caracterizada como um conflito interno vivido por este segmento do novo operariado, que
13
A denúncia de que o sindicato abrigava um diretor como espião do SNI encontra-se na Revista do Sindicato
dos Metalúrgicos de Ipatinga/Sindipa 40 anos de História, p31.
14
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO: A Usiminas conta sua História, 25 anos. Belo Horizonte, 1987.
Entrevistas de Amaro Lanari Júnior e Gabriel A. Janot Pacheco. p. 63.
15
oscila entre uma imagem valorizada da categoria dos técnicos, atribuindo um valor de
modernidade à sua trajetória pessoal e, contraditoriamente, uma imagem de “peão”
construída em relações hierárquicas e depreciativas confirmadas no bloqueamento ou
estrangulamento de carreira a que estão sujeitos esses profissionais. Por faltar-lhes o curso
superior, não poderiam ocupar os melhores cargos reservados aos engenheiros. Diante
desse impasse, a saída para a militância sindical soa como válvula de escape para as
frustrações profissionais dessa categoria. Esta tese foi comprovada nos estudos realizados
por Michel Agier e outros, no pólo de Camaçari na Bahia, no mesmo período.
15
Outra hipótese levantada está ligada às relações estabelecidas por esses
trabalhadores com outros movimentos sociais importantes que se manifestavam no país na
década de oitenta, como as influências do ‘novo sindicalismo’ do ABC Paulista e dos
setores progressistas da Igreja Católica, organizados nas pastorais operárias e Comunidades
Eclesiais de Base (CEBS), procurando dimensionar a influência desses movimentos na
ação desses sujeitos históricos.
Encontrar fontes para a realização deste trabalho não foi uma empreitada fácil, uma
vez que se trata de uma história do tempo presente, uma história a ser contada. Maiores
dificuldades são encontradas justamente porque muita gente ainda se recusa a falar sobre os
episódios envolvendo a Usiminas, herança da lei do silêncio que imperou e ainda impera na
cidade. O local mais indicado seria, os arquivos da empresa, mas esses não são abertos à
consulta. Outro local seriam o Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga — SINDIPA — mas,
convenientemente, o seu presidente vendeu todo o arquivo como papel velho para uma
recicladora de lixo. Por sorte, o proprietário da reciclagem era José Geraldo Silva, um dos
participantes do Grupo Ferramenta, que, alertado por um funcionário sobre o teor dos
papéis que encaminhara para a prensa, conseguiu salvar a tempo parte do material.
16
José D’Assunção Barros mostra que em uma pesquisa “faz-se necessário construir
em primeiro lugar uma delimitação mais ampla da realidade para depois confeccionar um
quadro mais específico”.
17
Para tanto, foram analisados os fascículos referentes ao
15
AGIER Michel; GUIMARÃES, Antônio Sérgio; CASTRO, Nadya Araújo. Imagens e Identidades do
Trabalho. 1ªed. São Paulo: Hucitec, 1995. p 5.
16
Entrevista com José Geraldo da Silva. Integrante da chapa 1, demitido em 1986.
17
BARROS, José D’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. p. 53.
16
aniversário de 25 anos da Usiminas nos quais seus primeiros dirigentes recontam a
história da fundação da empresa no vale do aço.
Neste trabalho, fizeram-se necessárias análises dos diferentes discursos produzidos
pelos primeiros engenheiros “como os sujeitos autorizados que constroem e interferem nos
próprios processos de apropriação do saber, (...) que em nome da defesa do interesse de
todos, limitam o número daqueles que podem proferir os discursos de suas
especialidades”.
18
Como bem lembra Foucault, há assuntos que demandam conhecimentos
— especializações — e é sobre esses engenheiros, os especialistas, portadores de um
discurso racional e de uma competência autorizada pelo saber,
19
que se narra a primeira
história sobre a instalação da Usiminas e consequentemente da construção da cidade-
fábrica.
Para se compreender a realidade local, foi necessário recorrer a jornais de
circulação regional como o periódico Diário do Aço, Jornal dos Comerciários, Jornal dos
Bairros, reportagens esparsas do jornal O Globo e do Estado de Minas.
Outra importante fonte de pesquisa foi a consulta aos fascículos da coleção
“Homens em Série – A História de Ipatinga contada por seus próprios personagens”,
editada pela Prefeitura Municipal em 1992, tratando de olhares dos citadinos e de seus
referidos discursos sobre a cidade-fábrica que eles ajudaram a construir. São nove
entrevistas concedidas à jornalista Lenira Rueda, no intuito de se contar uma outra história
da cidade. Percebe-se claramente a intenção desse trabalho editorial em contrapor aos
outros nove depoimentos colhidos pela Fundação João Pinheiro, originando os fascículos a
“Usiminas conta a sua história — 25 anos”.
A edição destes fascículos na Administração de Chico Ferramenta, ex-metalúrgico
da Usiminas e um dos líderes sindicais demitidos em 1985, revela o intento de se construir
uma Nova História com enfoque voltado para os movimentos sociais que surgiram na
cidade. Esse resgate certamente não é de todo desinteressado, pois as novas lideranças
políticas se apropriam da memória, podendo-se perceber, na cidade de Ipatinga, atuações
muito próximas do que Tvzetan Todorov chama de
18
GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem: Textos e Linguagem – 4º ed. – São Paulo: Martins
Fontes, 1997. p. 64.
19
FOUCAULT, Michel. A Ordem do discurso. In GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem: Textos e
Linguagem, p. 65.
17
“vida, do passado no presente, que é instrumentalizado com vistas a
objetivos atuais. Após ter sido reconhecido e interpretado, o passado será
agora utilizado. É assim que procedem as pessoas privadas, que põem o
passado a serviço de suas necessidades presentes, mas também os
políticos que relembram fatos passados para alcançar objetivos novos”.
20
A projeção política dos novos atores sociais revela uma luta pela posse da memória
histórica da cidade. Esta nova história, será agora reexaminada e explorada no maior teor
semântico destas duas palavras. Um exemplo claro da projeção mencionada é a idealização
de se comemorar o aniversário do massacre de Ipatinga, vinte dois anos após o ocorrido.
Com a vitória do grupo Ferramenta em 1988, será construído o clube 07 de
Outubro, sendo este um memorial representativo do massacre dos trabalhadores.
Mas no que se transformou o 07 de Outubro? Um clube apenas? Um quadro, como
guernica de Picasso, ou seria uma representação, como descreve Pierre Vilar:
“Efetivamente, a representação de Guernica – no espírito de muita gente
que não tem mais o cuidado de saber, exatamente de onde surgiu - é um
quadro de Picasso. Observei em Paris, a forma como Picasso foi solicitado
a dar explicações sobre sua obra e depois vi, o nome Guernica aparecendo
na imagem das pessoas. Guernica tornou-se a representação de um fato
preciso, o fato preciso está esquecido, a representação continua. Admito
totalmente que isto tenha uma certa importância, mas devemos estar
atentos, pois esses jovens , que sabiam que Guernica é um quadro de
Picasso, não conheciam o fato político que o gerou”.
21
A avaliação de Villar parece coerente com a construção da memória dos operários
mortos em 1963, e ressuscitados pela oposição sindical metalúrgica ferramenta a partir de
1985, tornando-se, a partir de 1988, um dia de reflexão, como se fosse assim o dia da
“consciência operária” institucional.
Há algum tempo, a questão da representação ganhou importância entre os
historiadores, uma vez que o registro da história decorre de interpretações, da
multiplicidade dos pontos de vista. A maneira como os homens representam a realidade
em que vivem, ou como as realidades produzem tais representações. Nesta cidade será
construída uma nova representação do homem operário, que passará a ocupar o antigo lugar
20
TODOROV, Tvzetan. Memória do mal, tentação do bem. ARX. p149.
21
VILLAR, Pierre. História e Representação In VICENTINO, Claúdio, DORIGO, Gianpaolo. História para
o Ensino Médio: História geral e do Brasil- São Paulo: Scipione, 2005.
18
dos Engenheiros da empresa, colocando novamente o problema da verdade/objetividade na
historiografia e na história.
Uma análise interessante para a comprovação das demissões injustas dos
metalúrgicos que participaram da formação das chapas de oposições sindicais, em 1985 e
1988, encontra-se detalhada nos Requerimentos de Anistia Política protocolados junto ao
Ministério da Justiça em 2003, aguardando decisão.
Também, foi utilizada como fonte desta pesquisa a variedade de panfletos
disponíveis encontrados com líderes do movimento operário, que eram distribuídos nas
portarias da Usiminas, quando das eleições sindicais de 1985 e 1988, e campanhas e
dissídios salariais do período. Procurou-se comprovar as várias denúncias contidas nesses
boletins contra a empresa através de conversas com aposentados, por acreditar que a “a
função social do velho é lembrar e aconselhar — memini moneo — unir o começo e o fim,
ligando o que foi e o porvir”.
22
A análise dos panfletos permitiu visualizar a extensão do movimento, uma vez que
há boletins de solidariedade aos “companheiros” da Usiminas provenientes de metalúrgicos
da CSN/ Volta Redonda-RJ, Manesmam e FIAT/Contagem-MG e farto material
proveniente dos metalúrgicos do ABC Paulista.
23
Outra fonte utilizada nesta pesquisa foram os Boletins da Pastoral Operária
recolhidos junto à religiosa Irmã Lurdinha, que se deslocara de Campinas-SP, em 1982,
para a região, a fim de organizar os trabalhos da Pastoral Operária na cidade. A análise
desse material permite constatar que ali surgiu o embrião dos movimentos sociais
organizados na cidade.
Um caminho obrigatório por quem transita pela história do tempo presente é a
utilização da metodologia de História oral, possibilitando assim um encontro com os
sujeitos da história, já que “(...) ao privilegiar a análise dos excluídos, marginalizados, a
história oral resgatou a importância da memória subterrânea que, como parte integrante
22
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembrança de Velhos. 3. ed. — São Paulo: Companhia das Letras,
1994, p.18.
23
INFORMATIVOS DA OPOSIÇÃO SINDICAL METALÚRGICA FERRAMENTA DE IPATINGA,—
panfletos diversos — recolhidos junto a líderes sindicais.
19
das culturas minoritárias e dominadas, se opõe à memória oficial, essa é a memória do
subterrâneo”.
24
O método utilizado ampliou o conhecimento sobre acontecimentos e conjunturas do
passado através de um estudo de experiências e versões particulares, na tentativa de
compreender a sociedade através do indivíduo que nela viveu, estabelecendo relações entre
o contexto geral e o particular, recorrendo à análise comparativa de diferentes testemunhos,
como forma de ver como o passado é apreendido e interpretado por indivíduos e grupos,
tentando compreender o significado de suas ações.
Nesse sentido, (...) “a história oral é inovadora porque tem mais condições de
contribuir para que se libere o que está reprimido e se exprima o inexprimível, tendo uma
função propriamente política de purgação da memória”.
25
.
Como todos aqueles que enveredam pela história imediata, tornou-se necessário o
recurso a entrevistas, com o intuito de coletar ou comprovar informações sobre o tema
escolhido. Recorrendo às entrevistas temáticas, como Verena Alberti observou, elas são de
grande valia, pois
“são aquelas que versam prioritariamente sobre a participação do
entrevistado no tema escolhido, temas que têm estatuto relativamente
definido na trajetória de vida dos depoentes, uma função desempenhada
ou envolvimento e experiência em acontecimentos ou conjunturas
específicas”.
26
Destarte, foram tomados depoimentos orais de metalúrgicos, visando resgatar suas
histórias de vida como método de investigação. Esse método permitiu preencher em parte a
falta de documentos escritos, sendo uma forma de reconstruir o passado vivido por aqueles
operários, captando como se constrói a visão de si e de sua atuação política, para si e para
seus interlocutores.
No procedimento das entrevistas constatou-se o que Eric Hobsbawn experimentara
quando entrevistou sobreviventes da Sociedade Fabiana pré-1914 :
24
POLLAK, Michell. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, 1992,
p.200,212.
FERREIRA, Marieta de Moraes, AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 5ª ed. 2002. p. 12.
26
ALBERTI ,Verena. Manual de História Ora . Rio de Janeiro, Editora FGV. 2000, p.37.
20
“(...) a respeito de seu tempo, e a primeira lição que aprendi foi que, nem
mesmo valia a pena entrevistá-los, a menos que eu tivesse descoberto mais
sobre o tema da entrevista do que poderiam se lembrar. E concluí que ‘a
maior parte da história oral é memória pessoal, um meio escorregadio de
preservar fatos’. A questão é que a memória é menos uma gravação que
um mecanismo seletivo, e a seleção, dentro de certos limites, é
constantemente mutável” .
27
Cientes das dificuldades de se escrever a história de nosso próprio tempo,
persistimos neste caminho escorregadio das entrevistas. Procuramos ouvir outros operários
que fizeram parte da chapa1 e chapa3, mas que não se projetaram politicamente, sendo que
em três entrevistas procedidas constatou-se o que Celina D’Araújo já havia alertado
quando promovera entrevistas com militares de baixo escalão, que por sua vez participaram
do golpe militar de 1964 e serviriam aos Governos de Exceção no pós-64, “(...)
preocupações e dúvidas apareceram nos primeiros momentos para depois dar lugar,
muitas vezes, a um sentimento de vaidade e de valorização. Ser ouvido foi para eles uma
demonstração de prestígio e de notoriedade.[...] uma oportunidade de expressar
frustrações e dúvidas”.
28
Esses viram, no ato de falar, também uma possibilidade de
remontar a significação de seu passado e de reavaliar, no presente, o papel de suas ações.
No primeiro capítulo deste trabalho, intitulado “Do sonho à realidade – Minas tem
uma grande siderúrgica”, procurou-se reconstituir o surgimento da cidade a partir de uma
breve História da Siderurgia no Brasil, destacando as disputas, intrigas e os bastidores da
política nacional , tendo como protagonista o Estado de Minas Gerais e sua competição
com o Estado do Rio de Janeiro, para sediar a primeira siderúrgica estatal do país, durante o
primeiro Governo de Vargas. Nessa disputa os cariocas saem vencedores. Mas a partir de
1956, com Juscelino Kubitschek eleito Presidente da República, estava aberto o caminho
para a reunião dos capitais necessários para a construção da grande Usina Siderúrgica em
Minas Gerais.
27
Hobsbawn Eric. Sobre História – Ensaios. Tradução: Cid Knipel Moreira – São Paulo: Companhia das
Letras, 198. p. 220.
28
D’ARAÚJO, Celina. Ouvindo os militares: imagens do poder que se foi. XVII Encontro Anual da Anpocs,
Caxambu — MG, 1993.
21
A parceria com o capital japonês, cioso de novas áreas para investimentos após a
derrota na Segunda Guerra, viabilizou os recursos necessários para a instalação da Usina
Siderúrgica em Ipatinga. No decorrer deste capítulo serão avaliados os impactos
econômicos provocados pela presença dessa empresa na região, bem como as alterações
políticas e sociais advindas para a antiga vila de Ipatinga.
No segundo capítulo, “O Olhar Vigilante da Siderúrgica sobre a cidade”, tráz
análises a respeito das relações de poder da empresa sobre a antiga vila de Ipatinga. Essa
vila seria potencialmente isolada dos bairros recém-construídos pela empresa, que
passariam a abrigar os trabalhadores da Indústria Siderúrgica.
Nesse sentido, recorrer-se-á aos estudos de Michel Foucault, Michelle Perrot e
Margareth Rago, para fundamentar o nascimento de mais uma cidade disciplinar. Nessa
cidade-fábrica, o viver, o morar e o trabalhar se confundem com a rígida hierarquia fabril.
Torna-se difícil saber onde começa e onde termina a empresa, pois ela permeia todos os
espaços de sociabilidade de uma população, que, assim como o ar, respira Usiminas, sendo
dela totalmente dependente, numa relação dominadora, paternalista.
No terceiro, “A Reação da Cidade à prepotência da Usiminas”, procuramos analisar
o contexto histórico em que nasce essa empresa, contexto esse marcado pelo autoritarismo
político pós-64. Ele passou a servir de modelo gerencial para a relação capital/trabalho. A
reação à ditadura fabril interna e externa se fará sentir com a tomada de consciência por
parte de um grupo de metalúrgicos, em especial da categoria dos técnicos, que irão formar
em 1985 a primeira chapa de oposição sindical com o sugestivo nome de “Chapa
Ferramenta”, para concorrer às eleições sindicais contra a chapa sindical da empresa, que,
por mais de duas décadas, controlava o Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga – SINDIPA.
Tão logo a empresa descobre o lançamento da chapa de oposição, utiliza de todos
os artifícios para evitar a vitória do grupo oposicionista. Confirmando sua prepotência,
demitiu sumariamente todos os envolvidos no movimento. Aquela, que seria uma derrota,
foi o trampolim para uma bem sucedida aventura político-partidária. Derrotados pela
empresa, sairiam vencedores no imaginário popular, elegendo-se para diversos cargos
políticos, dentre eles o de chefe do executivo municipal por 16 anos ininterruptos. Destarte,
a vitória política do Grupo Ferramenta seria a grande responsável pela mudança na história
da cidade, até então, restrita à história da empresa.
22
CAPÍTULO 1
1. Do sonho à realidade – Minas tem uma grande siderúrgica
1.1 O Projeto de construção de uma grande Siderúrgica em Minas
Esta pesquisa relaciona-se com o trabalhar na Usiminas, Empresa de Siderurgia,
implantada na década de cinqüenta em Ipatinga, no Vale do Aço, uma microrregião mineira
que se define pela produção de aço — como o próprio nome indica. Esta cidade tem sido
apresentada somente enquanto espaço de crescimento econômico, por sediar o maior
complexo siderúrgico da América Latina, ou seja, apresenta uma imagem atrelada
exclusivamente à presença da Usina Siderúrgica.
Os estudos vêm desprezando o cotidiano de seus habitantes, não retratando de forma
suficiente a existência política e social da categoria dos metalúrgicos, os quais construíram
e movem as engrenagens que dão vida à produção e, conseqüentemente, à cidade.
A instalação dessa Empresa reorganizou o traçado urbano da antiga vila
29
e
promoveu a centralização das representações profissionais de inúmeros trabalhadores,
tornando-se o alvo dos projetos pessoais e de vida de diversos agentes sociais, oriundos de
famílias camponesas pobres, camadas médias urbanas, pequena burguesia, provenientes de
diversas partes do país. Essas pessoas, em sua maioria camponeses da própria região,
adequaram-se diferentemente aos requisitos e à vivência do novo ambiente industrial,
conforme o testemunho de um dos responsáveis pela fundação da Usiminas:
“Em volta de Ipatinga existiam muitos municípios pequenos, como Belo
Oriente, Bagre, Bom Jesus do Galho. Era uma zona agropastoril, e a
maioria desses operários das empreiteiras e mesmo a mão-de-obra
braçal
vieram dessa zona rural. Depois, começou a chegar gente de mais longe,
do Nordeste, etc. Mas os primeiros foram da própria região, como de
Dionísio, Mesquita, Santo Antônio, onde a CEMIG tem uma represa. É
aquela região do Vale do Médio Rio Doce, onde ele encontra o
Piracicaba. Dali é que vinha a maioria da mão-de-obra desqualificada.
Agora, o pessoal mais qualificado, engenheiros e técnicos vinham de
29
Vide mapa da cidade no anexo 2, p. 153.
23
Itajubá e Ouro Preto. Assim eram os eletrotécnicos de Itajubá e os
engenheiros de minas e metalurgia, de Ouro Preto”.
30
As informações colhidas parecem corresponder em parte às indagações de Michelle
Perrot. “De onde a indústria moderna tirou sua mão-de-obra? Como camponeses, artesãos
– ou andarilhos – foram transformados em operários”?
31
No Brasil, o acelerado êxodo rural no Centro-Sul, entre as décadas de 1950 e 1980,
foi uma das válvulas de escape para os excedentes demográficos gerados pela
modernização agrícola. No pós-guerra, essa modernização subordinou a agropecuária aos
capitais industriais e financeiros. Esse processo de subordinação materializou-se pela
transformação dos antigos complexos rurais em complexos agroindustriais, expulsando
milhares de trabalhadores do campo, formando com isso um excedente proletário ou um
exército industrial de reserva, tão necessário para a reprodução do capital.
No Vale do Aço, houve o englobamento dos sítios pelas empresas de
reflorestamento que passaram a utilizar os melhores solos para o cultivo de eucalipto,
visando ao abastecimento de carvão vegetal para as Companhias siderúrgicas Belgo
Mineira e Acesita e contribuindo para a expulsão de parcela significativa da força de
trabalho rural para os centros urbanos.
Os antigos camponeses transformados em metalúrgicos foram atraídos pela
modernidade tecnológica, “(...) esse grande espetáculo que o capitalismo oferece ao
mundo, essa ‘vitrina’ gigantesca que celebra as maravilhas da Indústria, catedrais da nova
humanidade, [...] difusora de uma ideologia da ciência e do progresso ”.
32
Destarte, maior foi a sedução pelo nível de renda relativamente alto de seus
funcionários, pela maior estabilidade no emprego de seus trabalhadores, sendo um caminho
seguro para a obtenção de direitos sociais escassamente difundidos pelo interior de Minas,
como: saúde, educação, moradia, etc. “Esses benefícios seriam dificilmente acessíveis aos
assalariados de outros setores mais tradicionais”.
33
30
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO - Usiminas 25 anos. Depoimento de Paulo Pinto. p. 9.
31
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História – Operários, mulheres e prisioneiros. Tradução. Tradução
de Denise Bottmam –Rio de Janeiro: Paz Terra, 2001. p . 82 e 83.
32
Ibidem. p. 83.
33
PEREIRA, Lígia Maria Leite & Faria , Maria Auxiliadora. Amaro Lanari Júnior- Pensamento de uma
Siderurgia -Usiminas 40 anos. Editora Comarte –Belo Horizonte - 2002. p. 144.
24
Dentro dessa problemática mais ampla, fez-se necessário mostrar como se
desenvolveu em Ipatinga, no período em questão, a consciência operária dos metalúrgicos
da Usiminas através da Ação Política do Grupo Ferramenta – conjunto significativo de
lideranças sindicais entre os metalúrgicos da região. Mas antes de chegarmos a essa questão
mais específica, convém compreendermos o desenvolvimento histórico que permitiu a
introdução de uma indústria siderúrgica nesta região específica e as transformações
políticas daí decorrentes.
José Murilo de Carvalho, em “História da Escola de Minas de Ouro Preto”,
conta de que ainda no século XIX o imperador Pedro II, nosso último monarca, um —
ardoroso discípulo do progresso das ciências naturais, teve a iniciativa de criar a Escola de
Minas, na então Capital do Estado de Minas Gerais Ouro Preto - em 1876, contratando
para tal feito o engenheiro francês Claude Henry Gorceix. A esse foi dada a missão de
estruturar uma Escola que formasse geólogos, mineralogistas e metalurgistas, num país em
que a economia se sustentava nas grandes plantações de café e no trabalho escravo.
34
Em fontes históricas provenientes da empresa, observa-se um destaque excessivo do
papel da Escola de Minas e da posterior Universidade Federal de Ouro Preto na
implantação de um parque siderúrgico em Minas Gerais. Encontram-se, com facilidade,
expressões deterministas, tais como: “a história do desenvolvimento econômico do Estado
de Minas Gerais confundir-se-á com os ideais e biografias de Engenheiros egressos da
Escola de Minas”.
35
A profusão de discursos, vangloriando o papel dos Engenheiros da referida Escola,
faz sentido quando entendemos que “a memória é uma reconstrução psíquica e intelectual
que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é
aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social,
nacional”.
36
Ao constatarmos que os membros da futura diretoria responsável pela implantação
da Usiminas na década de cinqüenta estudou em Ouro Preto, não surpreende que tempos
depois, quando realizados profissionalmente, tenham sido responsáveis pela produção de
34
As informações sobre a Escola de Minas foram extraídas de CARVALHO, José Murilo de. A Escola de
Minas de Ouro Preto – o peso da Glória. Rio de Janeiro FINEP, 1978. p. 112.
35
PEREIRA, Lígia Maria Leite & Faria ,Maria Auxiliadora. Amaro Lanari Júnior — Pensamento de uma
Siderurgia” p. 120.
25
uma farta biografia institucional, diga-se uma autobiografia coletiva, elevando a escola de
origem e conseqüentemente seus ex-alunos ao mais alto pedestal, como se observa neste
relato:
“Por sua vez, a base humana de sustentação dessa luta pela defesa e
exploração dos recursos naturais, em especial ferríferos, de Minas e do País,
concentrava-se no corpo de professores e alunos da Escola de Minas. Essa
Escola, durante muito tempo, garantiu uma atuação fundamental e constante
no delineamento de uma política mineral nacional e nos estudos e pesquisas
voltadas para o maior conhecimento de nossas riquezas minerais. Seus ex-
alunos participaram de diversas comissões técnicas e grupos de trabalhos
organizados por iniciativa governamental, exercendo grande influência
sobre eles, tanto para a elaboração do Código de Minas e de Águas de 1934
quanto na estruturação de órgãos técnicos do Estado, como o Departamento
de Pesquisas Minerais e o serviço Geológico e Mineralógico”.
37
Em parte os discursos são procedentes e José Murilo de Carvalho. Em sua análise
da trajetória e do papel desta Escola, chega a dizer que a participação de seus ex-alunos no
processo de desenvolvimento de Minas teve caráter nacionalista, principalmente quando se
tratava do problema do minério de ferro. Esse caráter, segundo o autor, se acentuava à
medida que a pessoa estivesse mais estritamente ligada à Escola.
38
Os ideais da Escola de Minas de se utilizar racionalmente os recursos naturais como
o minério de ferro foi esquecido por algum tempo. Mas um novo alento surgiria durante o
período do Estado Novo com o presidente Getúlio Vargas e sua política nacionalista,
estatizante e industrializante. Nesse contexto ganhou corpo o ideal de se construir em
Minas uma grande Usina Siderúrgica que utilizasse o carvão mineral como combustível,
produzindo o aço de melhor qualidade e em larga escala.
A crise internacional provocada pela Segunda Guerra assegurou as condições
externas da industrialização. Na qualidade de aliado de última hora dos Estados Unidos, o
governo brasileiro obteve os recursos estrangeiros necessários da Missão Cook, em 1941,
por meio de um empréstimo norte-americano para a construção da primeira usina
siderúrgica brasileira.
39
36
FERREIRA, Marieta de Moraes, AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral. p. 22.
37
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO.A Usiminas conta sua história – 25 anos. Depoimento de Amaro Lanari
Junior. p. 19.
38
CARVALHO, José Murilo. A Escola e Minas de Ouro Preto – O peso da Glória. Rio de Janeiro. FINEP,
1978. p. 112 – 113.
39
TEIXEIRA, Francisco M.P. Teixeira. Brasil. História e Sociedade. Rio de Janeiro Ed. Ao Livro Técnico. 2
º ed. 2004, p. 127.
26
Concomitantemente, o governo Vargas criava a Companhia Vale do Rio Doce -
CVRD — para a exploração de minérios, com a finalidade principal de aumentar a renda
das exportações e obter recursos para os novos empreendimentos capazes de sustentar a
industrialização e o desenvolvimento econômico. Conforme as palavras do próprio Vargas,
(...) “Ferro, carvão e petróleo são os esteios da emancipação econômica de qualquer
país.[...] Desde alguns anos, sem descontinuidade ou esmorecimento, vem o governo
estudando a forma de instalar no país a grande siderurgia”.
40
Mas, não seria dessa vez que o Estado de Minas teria sua primeira siderurgia. Por
motivações políticas, a sede da primeira Siderúrgica — Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) —, coube a Volta Redonda, cidade do Rio de Janeiro, (...) “mas nós achávamos que,
vamos dizer, foi mesmo coincidência (sic), em pleno Governo de Vargas, tivesse pesado
muito o fator político, pois o seu genro Ernâni do Amaral Peixoto era Interventor do Rio
de Janeiro”.
41
Portanto, a implantação da moderna siderurgia no Brasil, marcada por disputas e
intrigas nos bastidores da política nacional, tendo inicialmente como protagonista o Estado
de Minas Gerais e sua competição com o Estado do Rio de Janeiro para sediar a primeira
siderúrgica do país, teve como vencedores os cariocas.
Já no governo do Presidente Juscelino Kubitscheck, a disputa seria com o Estado de
São Paulo, onde um grupo de empresários agilizaram a constituição da Companhia
Siderúrgica Paulista (COSIPA), tendo tal decisão afetado em muito o brio dos mineiros.
Paralelamente, em Minas Gerais processava-se um movimento no sentido de se
criar uma usina, seja de carvão importado, seja da mistura de carvão nacional com carvão
importado.
“O espírito dominante no estado montanhês é que aí é que deveria ser o
centro da grande indústria siderúrgica nacional. Pois os mineiros ainda
não estavam curados do desaponto de estabelecer a Companhia
Siderúrgica Nacional junto às jazidas de minérios da Central do Brasil na
região mineira de Lafaiete”.
42
40
ALENCAR, Francisco. CARPI Lúcia. RIBEIRO, Marcus Venício. História das Sociedades. Rio de Janeiro,
Ed. Ao Livro Técnico, 1994. p. 325.
41
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. A Usiminas conta sua história. Depoimento de Gabriel A. Janot. p. 23.
42
GOMES. Francisco Magalhães. História da Siderurgia no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia,1983.
P.343.
27
Desde a primeira metade da década de 50, vinha ocorrendo, praticamente sem
interrupções, o processo de industrialização da economia brasileira, e a partir da segunda
metade dessa década esse processo ganha grande impulso com a entrada definitiva da
indústria brasileira no circuito internacional do capital. “É a era Juscelino, Plano de Metas,
no qual ocorrera a construção de Brasília, expansão de rede ferroviária, a implantação de
indústria automobilística, a expansão da siderurgia, a construção das hidrelétricas, etc.”
43
Segundo os ideólogos do desenvolvimentismo, o atraso e a pobreza do país deviam-
se sobretudo à ainda forte participação do setor agroexportador na economia brasileira e
não à situação de dependência econômica e política a que estava submetida toda a
economia. Em conseqüência, deduziam que bastava industrializar o país para resolver todos
os seus grandes problemas. Em vez de reformas econômicas e políticas reclamadas por
alguns setores da sociedade, asseguravam que os países subdesenvolvidos como o Brasil
deveriam estreitar a sua integração ao sistema capitalista internacional, para “recuperar o
tempo perdido”.
O período da presidência de Juscelino foi a fase áurea de vigência no Brasil do que
se convencionou chamar de pensamento desenvolvimentista. Mas no seu cerne estava a
concepção de que o desenvolvimento, entendido como crescimento econômico, levaria, por
si só, ao progresso e ao bem-estar social.
Para os desenvolvimentistas, os desequilíbrios econômicos só poderiam ser
resolvidos com a maior aceleração do processo de desenvolvimento, cabendo ao Estado
criar as condições que permitissem ao setor privado proceder à arrancada necessária desse
crescimento.
Nessa perspectiva, a colaboração estrangeira seria fundamental enquanto meio para
atingir o fim do desenvolvimento econômico. Ou seja, até que fosse alcançada a fase em
que os recursos pudessem ser gerados internamente, e o país pudesse prosseguir seu
crescimento com independência, de forma acelerada e contínua.
Juscelino Kubitschek concentrou a tônica de seu discurso no desenvolvimento na
industrialização do país, tendo como força motriz o Programa de Metas. De sua elaboração
participaram Lucas Lopes, que se tornaria um dos homens fortes da Usimnas e Roberto
43
Jornal Diário do Aço – Um Século de História/2000, Apud SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e
evolução urbana no Brasil Belo Horizonte Ed. Nacional,1968. p. 266.
28
Campos, nomeados, respectivamente, presidente e superintendente do Banco Nacional e
Desenvolvimento Econômico.
O alto índice de desenvolvimento econômico no governo JK é atribuído ao
Programa de Metas. Nos dizeres de Maria Vitória Benevides:
“O objetivo principal do Programa de Metas era acelerar o processo de
acumulação aumentando a produtividade dos investimentos existentes e
aplicando novos investimentos em atividades produtoras. Como fim
último propunha elevar o nível de vida da população, através de novas
oportunidades de emprego, visando um futuro melhor, ponto enfatizado
pelo Presidente em sua campanha eleitoral e nos discursos ao longo do
governo. Incorporando aspectos de planos anteriores, e principalmente os
estudos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos( desde 1951) e do
CEPAL-BNDE (desde 1952), de maneira mais ampla e sistemática, o
Programa de Metas consistia no planejamento de 31 metas distribuídas em
seis grandes grupos”.
44
A fixação pelo Programa de Metas de 31 objetivos a serem atingidos durante o
qüinqüênio governamental, relacionava os cinco setores fundamentais: energia, transportes,
alimentação, indústrias de base e educação. Não obstante, os setores de energia e transporte
foram os que mereceram maior atenção, representando, respectivamente 23,4% e 29,6% do
total do investimento previsto. Os projetos deveriam ser realizados pelo poder público e
privado, sendo que em alguns setores o Estado seria o agente econômico privilegiado ou
exclusivo. Foram previstos investimentos diretos do poder público no setor de energia,
transportes e em algumas atividades de base, em particular a siderurgia.
45
A expansão da siderurgia era a condição desse processo de industrialização, pois a
presença do aço era essencial nos setores projetados pelo plano, sendo o elemento básico de
todo o desenvolvimento industrial. A produção interna de aço deveria desenvolver-se, em
quantidade e qualidade, de maneira a não vir a prejudicar o desenvolvimento econômico do
País.
Era necessária a mobilização de grandes recursos financeiros e acesso à tecnologia
para que fossem viabilizados esses investimentos e Jayme Peconick reconhece que Minas
e, mais precisamente, o Brasil era:
44
BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita. O governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e
estabilidade política, 1956 – 1960. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. p 210.
45
Ibidem. p. 210.
29
“(...) Pobre em finanças e pobre em tecnologia para começar uma grande
indústria siderúrgica a “coque” sem um auxílio externo. Então, de certo
modo, nós recebemos a idéia de que era preciso conquistar apoio externo.
Esse apoio se delineou, pela primeira vez, através da vinda ao Brasil, em
1956, de uma missão de siderurgistas e economistas japoneses”.
46
É nesse momento que se cruza a pretensão de uma elite acadêmica de Minas Gerais
com o Programa de Metas do Presidente Juscelino Kubitscheck e o interesse do capital
japonês. O Japão já havia demonstrado interesse em investir em Minas Gerais e naquela
ocasião, a convite da Sociedade Mineira de Engenheiros, o Embaixador do Japão no Brasil
visitara o Estado com a finalidade de averiguar as suas possibilidades industriais.
Em decorrência das conversações mantidas com entidades de classe e o governo
estadual, ficou acertada a vinda de uma missão japonesa para estudar a questão siderúrgica.
Foi então enviado ao Brasil o grande siderurgista Sr. Masao Yukawa que, andando por
Minas Gerais, estuda, olha minérios, e se espanta com as facilidades que Minas apresentava
para a realização de uma grande siderurgia a “coque”. Voltando ao Japão, viabilizaria
grandes investimentos junto a empresários de seu país para investimentos no Brasil.
As circunstâncias políticas e econômicas japonesas e brasileiras apresentaram-se
convenientes às negociações entre os dois países. Por um lado, o Brasil adotava uma
política econômica favorável à participação do capital externo em investimentos industriais
no país e necessitava de tecnologia estrangeira. O Japão, por sua vez, recuperando-se dos
desastres da Segunda Guerra Mundial, incluía em seus planos a expansão econômica
disfarçada de reaproximação política com outras nações, em especial as do mundo
ocidental, e a demonstração perante o mundo de suas conquistas tecnológicas.
Os fascículos do aniversário de vinte e cinco anos da Usiminas trazem como fatores
que favoreceram essa aproximação dos japoneses com o Brasil a flagorosa derrota japonesa
na Segunda Guerra e a presença no Brasil de uma significativa colônia de imigrantes
japoneses, conforme os relatos abaixo:
“Aquela guerra foi uma provocação tremenda ao povo japonês. Mas serviu
como um estímulo especial para que aquele grande povo se aperfeiçoasse
em tudo. (...) eles diziam, com muita franqueza, que tinham uma grande
gratidão para com o Brasil, porque o Brasil tinha sido o primeiro país a
reconhecer diplomaticamente o Japão depois da guerra, e tinha sido o
46
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Usiminas 25 anos Depoimento de Jayme Peconick. p. 21
30
primeiro também a decidir aceitar a imigração japonesa depois da
guerra”.
47
Os relatos acima reproduzidos ignoram a realidade histórica, ao colocar os
japoneses como vítimas da Segunda Guerra. Consultando qualquer manual sobre a história
da humanidade, nota-se um destaque para a política imperialista desenvolvida pelos
japoneses desde o início do século vinte e que essa redundou em duas guerras mundiais.
Logo, torna-se difícil distinguirmos os inocentes dos culpados nesse processo. Além do
mais, ninguém ignora que o território japonês é exíguo e carente de recursos minerais e que
esses sempre foram importados, ora de colônias na Ásia ora de outras partes do mundo.
Por conseguinte, o que ocorreu não foi um ato de bondade nem de reconhecimento
do povo japonês para com os brasileiros, mas necessidade imperiosa de expansão do capital
japonês. Para a consecução de tal plano, assistiu-se à junção de interesses convergentes
entre o capital brasileiro — cioso de tecnologia e dos japoneses, destituídos de colônias na
Ásia após a Segunda Guerra e já parcialmente recuperados da derrota sofrida, partindo em
busca de novos parceiros comerciais indiferentemente da nacionalidade.
48
Sustentados pelos bons resultados da missão Yukawa, que visitara Minas em 1956 e
constatara as potencialidades do mercado brasileiro e as condições mineiras favoráveis à
siderurgia pesada, os contatos japoneses tornaram-se mais concretos e oficiais com a
participação direta da Embaixada nas negociações. Em visita a Minas, os diplomatas
japoneses manifestaram o propósito de o Japão fazer parte do projeto de produção de aço.
Formulou um convite ao governo mineiro e ao da República, em nome do governo e das
associações siderúrgicas japonesas, no sentido de ser enviada uma comissão brasileira
àquele país. Essa comissão deveria visitar as indústrias pesadas e entrar em entendimentos
com os industriais e técnicos nipônicos que estavam dispostos a colaborar com o Estado de
Minas na organização, construção e operação de uma usina siderúrgica.
49
Em primeiro de setembro de 1956, a missão brasileira liderada por Amaro Lanari
Júnior assinou com a Federação das Organizações Econômicas do Japão uma declaração
conjunta na qual se firmava a intenção de instalar uma usina siderúrgica em Minas Gerais,
47
Ibidem. p .16.
48
ADAS, Melhem. Geografia. O quadro político e econômico do mundo atual.. 3 ed. São Paulo: Moderna,
1994. p. 158.
49
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO. A Usiminas conta a sua história p. 80.
31
com previsão de produzir entre 350.000 e 400.000 t/ano de produtos acabados. Os
japoneses entraram com 40% do capital, o Estado de Minas Gerais com 20% e o BNDE
com 40%, naquela ocasião “tudo o que foi pedido os japoneses deram porque a Usiminas
era uma questão de honra para o Japão”.
50
Neste contexto, o Estado de Minas Gerais apresentava condições efetivas para a
implantação de uma grande siderúrgica em seu território. Na primeira metade do século
vinte, mudanças cruciais ocorrem na infra-estrutura da região como a inauguração, apartir
de 1922, da Estrada de Ferro Vitória-Minas ligando o Estado ao porto exportador do
vizinho estado do Espírito Santo. A Belgo Mineira já se instalara em João Monlevade em
l937, trazendo com ela os carvoeiros e tropeiros que se misturaram aos fazendeiros da
região. A siderúrgica ACESITA, em 1944, se faz presente em Timóteo, distrito de
Coronel Fabriciano. Após a construção da usina hidrelétrica de Salto Grande, estava
montado o cenário para a chegada da Usina Siderúrgica em Minas Gerais.
A topografia plana, a proximidade das fontes de matérias-primas oriundas do
quadrilátero ferrífero, a Estrada de Ferro Vitória—Minas, construída pela Companhia Vale
do Rio Doce para o transporte dos minérios até Vitória, atendendo assim os centros
consumidores, as facilidades de captação de recursos hídricos nos vales dos rios Doce e
Piracicaba, a abundância de energia elétrica, com a recente inauguração da Usina
Hidrelétrica de Salto Grande, condicionaram sua localização em Ipatinga.
A construção da segunda usina siderúrgica estatal de grande porte no Brasil,
utilizando “o coque”,
51
materializava a opção pelo carvão mineral como combustível. As
obras iniciam-se em agosto de 1958 e foram inauguradas em 26 de outubro de 1962, pelo
então Presidente da República João Goulart, escolhido para acender o alto-forno, sendo
saudado pelo presidente da Usiminas, que invoca um discurso nacionalista, remontando aos
inconfidentes e ao elevado papel da Escola de Minas na formação dos homens responsáveis
por esse evento.
50
PEREIRA, Lígia Maria Leite. FARIA, Maria Auxiliadora.. Amaro Lanari Júnior-Pensamento de uma
Siderurgia, p.103.
32
“O fogo que V.Exª inflamou, o braseiro que vai acender o primeiro alto-
forno da Usina Intendente Câmara, foi trazido pelos estudantes da
tradicional Escola de Minas de Ouro Preto, do local onde repousam os
restos mortais dos Inconfidentes Mineiros. Este fogo sagrado torna
realidade o sonho de TIRADENTES, o primeiro a idealizar num Brasil
independente, uma grande indústria siderúrgica, junto as fabulosas
montanhas de minério de Minas Gerais, e cumprirá a patriótica
determinação do Intendente Câmara, o grande brasileiro, cujo nome
honramos nesta usina, e que foi o primeiro a fundir o ferro neste vale, que
ele imaginou fadado a um grande destino industrial”.
52
Na esteira de discursos oficiais saudando a “nova maravilha das Minas Gerais”,
coube ao então Presidente João Goulart também recorrer ao velho nacionalismo pragmático
de Vargas. Em seu pronunciamento, o Presidente da República salienta o papel da
Usiminas como “mais uma etapa do ciclo da nossa industrialização, iniciada sob a
inspiração patriótica de Getúlio Vargas, com a construção pioneira da CSN (...) os
mineiros vêem realizar seu grande sonho e que, sem dúvida, vai se transformar em
poderoso centro irradiador de progresso, riqueza e bem-estar social” .
53
Como se vê, a Usiminas nasceu de um projeto nipo-brasileiro em que os japoneses
queriam mostrar ao mundo ocidental sua eficiência, sendo esse o primeiro grande projeto
japonês no Ocidente, justamente no Brasil que buscava elevar sua produção de aço. Hoje a
empresa é internacionalmente conhecida, com destaque para os índices que apresenta
quanto ao baixo custo de produção, aproveitamento de energia e matéria-prima, baixo custo
de mão-de-obra, alta produtividade. Até 1984, era considerada a segunda siderúrgica mais
automatizada do mundo, perdendo apenas para IKMUTZ, usina japonesa do grupo Nipon
Steel.
A Usiminas contava até 1992 com um quadro de aproximadamente 20 mil
trabalhadores, sendo 13 mil trabalhando diretamente na empresa e um número próximo a 7
mil trabalhadores contratados por empreiteiras, mas que trabalhavam dentro da área da
usina, recebendo um salário inferior aos demais.
Desde sua fundação até a década de 90, a empresa consolidou um espantoso aparato
de controle da força de trabalho, composto de rigorosos critérios de recrutamento, baixos
51
Coque: Subproduto do carvão mineral utilizado nos altos-fornos siderúrgicos, em substituição ao carvão
vegetal já largamente utilizado em outras siderúrgicas de pequeno porte até a construção da Companhia
Siderúrgica Nacional durante o Estado Novo, integrando a siderurgia brasileira a era do coque.
52
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO. A Usiminas conta a sua história. p .83.
53
Ibidem p. 23.
33
salários e benefícios indiretos (clubes, caixinhas beneficentes), com a função de incutir na
mente dos trabalhadores a ideologia de “empresa-mãe”, pretensamente zelosa dos seus
empregados em uma forma de paternalismo burocrático.
54
Até meados da década de
oitenta, a empresa exercia sobre seus trabalhadores e sobre o município absoluto controle,
quando seria desafiada pelas ações do movimento sindical encabeçado pelo grupo
Ferramenta, objeto de análise aprofundada no capítulo 3 dessa dissertação.
1.2 A Instalação da Usiminas em Ipatinga
A presença da Usiminas no Vale do Aço, até então carente de recursos, foi o marco
inicial que alavancou profundas transformações sócio-econômicas, a começar pela natureza
do empreendimento e pelos elevados gastos iniciais para a construção da usina projetada
pelo consórcio Brasil/Japão.
Fez-se necessário, conjuntamente, o planejamento e a construção às pressas de uma
nova cidade para abrigar o enorme contingente de trabalhadores que se deslocaram das
diversas partes do país em busca do tão sonhado emprego.
A instalação da Usiminas na região que passaria a ser conhecida como “Vale do
Aço” parece confirmar o que Moisés Arimatéia destacara “(...) A história das grandes
siderúrgicas no Brasil parece se confundir, pois chegam sempre a locais em que a
comunidade é carente de empregos e provocam enormes alterações sociais, como foi o
caso da CSN em Volta Redonda na década de quarenta”.
55
No pós- guerra, assiste-se à opção do capital por regiões que proporcionassem mão-
de- obra barata e não organizada, diminuindo com isso a concentração operária nos grandes
centros urbanos. Esse continuou sendo um dos motivos que levaram também as
multinacionais a darem preferência aos países subdesenvolvidos, em função do baixo custo
da mão- de- obra. Apesar de essa mão- de- obra ser desqualificada, as indústrias preferem
investir no seu aperfeiçoamento, o que as torna mais competitivas em termos de custo em
relação às dos seus países de origem.
54
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO METALÚRGICA SINDICAL FERRAMENTA nº 13. Ano 1986.
34
Como exemplo, podemos citar a escolha de Betim em Minas Gerais para a
instalação da montadora de automóveis FIAT, na década de setenta, como nos mostra a
denúncia de um sindicalista:
“A FIAT, quando escolheu para vir para Minas, deve ter feito, é claro, é
lógico, um estudo muito grande sobre a condição do trabalhador. Ou seja,
“ela” queria um burro de guia. Então deram para eles esse salário que não
encontram em Minas. Acontece que para o pessoal que estava acostumado
a trabalhar na roça o dia inteiro para ganhar o que está ganhando numa
hora na FIAT, tá muito bom; as críticas à FIAT, para eles, eram coisa de
minoria”.
56
Em uma perspectiva de história comparada, assistimos à instalação de pólos
siderúrgicos e industriais em diversos pontos do país, como ocorrera antes em Volta
Redonda, no Rio de Janeiro, e ulteriormente na região de Contagem em Minas Gerais. Esse
é o momento em que o Estado Brasileiro, arrogando-se na qualidade de grande empresário,
opta por acelerar o processo de acumulação capitalista de modo a projetar a economia
nacional para patamares mais condizentes com os objetivos do grande capital.
Nessa ótica, opera-se a estratégia de forçar a constituição de parcerias com
empresários e trabalhadores para a consecução desses empreendimentos que penetram na
vida das pessoas com a finalidade de as transformarem em força de trabalho subserviente,
atendendo aos objetivos de expansão dos projetos capitalistas.
Nesse panorama, não fora casual a tão sonhada e esperada Siderúrgica a coque ser
implantada em uma região inóspita, que vivia basicamente do extrativismo vegetal. Ali
encontraram um porto seguro para sua localização e a reprodução dos ganhos fabulosos do
capital.
A década de cinqüenta no Brasil foi marcada por um aprofundamento da divisão
social do trabalho em função da industrialização que se tornou o motor e o centro dinâmico
da economia e, portanto, de sua expansão. Antes disso, o esforço de acumulação na
economia que foi desenfreado, era desprovido da existência de uma base industrial prévia,
oque significava uma acumulação que se cristalizasse através das máquinas.”
55
ARIMATÉIA, Moisés. Trabalhadores do Vale do Aço. 36 f. Dissertação de Mestrado USS. 2003 apud
CALIFE, M. N S. A Relação Capital – Trabalho na Gênese da CSN. Universidade Severino Sombra.
Vassouras 2000.
56
LE VEN, Michel Marie. Trabalho e Democracia: A Experiência dos metalúrgicos mineiros (1978-1984)
93 f. Tese de Doutorado – Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte.1988
35
A expansão capitalista brasileira até a segunda metade do século passado se
assentou em uma forma primária de exploração, decorrente de uma imperiosa mais- valia
sustentada apenas no consumo do trabalho vivo, isto é, a exploração direta da força de
trabalho. Os investimentos estrangeiros após a Segunda Guerra serão os responsáveis pela
introdução dos lucros provenientes do trabalho morto, o que se traduzem ganhos
decorrentes do trabalho contido nas máquinas.
57
A economia brasileira tinha enorme vitalidade de acumulação, mas é fundamental
ter em mente que a base da acumulação é a exploração da força de trabalho, porém carente
em termos de máquinas e equipamentos. É nesse contexto que Juscelino Kubitschek
consubstanciou em seu Plano de Metas o salto para a superação dessa situação: era então
preciso “crescer cinqüenta anos em cinco”.
A ausência de base industrial prévia exigiu profundas transformações no momento
em que se empreendeu o esforço de aprofundar a divisão social do trabalho através da
industrialização. O Estado e o capital estrangeiro, no caso em tela o capital japonês,
emergiram nesse processo, qualitativamente, como duas forças novas. Essas se redefiniram,
adquirindo uma nova qualidade no processo econômico e particularmente no processo
político.
O capital estrangeiro, qualitativamente novo, possibilitou trazer para a economia
nacional as máquinas e os equipamentos que iriam suprir a carência de um pilar industrial
que até então debilitava a economia brasileira. O Estado, dotado de novas tecnologias,
investiria pesadamente nos setores produtivos, passando a assumir um novo papel — o de
agente econômico.
Entre as razões desse procedimento, destacou-se a impossibilidade de que as tarefas
de segurança nacional pudessem ser feitas ou mesmo serem sustentadas pela própria força
da burguesia nacional em confronto com o capital estrangeiro. Dessa forma, o Estado
realizou certas tarefas de acumulação, que a contradição “burguesia nacional versus
imperialismo” seria incapaz de promover.
Nessa perspectiva, o capital privado nacional, expresso inicialmente na construção
das usinas siderúrgicas ACESITA e COSIPA, ao lado do capital estrangeiro associado ao
57
Ibidem. p. 63.
36
capital estatal, no caso da Usiminas, compuseram o tripé econômico, social e político que
deram sustentação à industrialização brasileira. Francisco de Oliveira definiu esse processo
da seguinte maneira:
“Estes [capital privado nacional, estrangeiro e estatal] são os agentes que
dão a marca do processo, e, de certa forma, o populismo é a marca
específica da conciliação de interesses das classes dominantes, no sentido
de realizarem essas tarefas de acumulação, às expensas da classe
dominada mas, contraditoriamente, empurradas por estas. Do lado da
estrutura social, esses avanços na divisão social do trabalho, significam
também transformações muito profundas, transformações essas cujo
caráter principal pode ser notado na divisão social do trabalho entre o
campo e a cidade: o país estava se urbanizando significando isso que se
estavam gestando, a nível das classes sociais dominadas, novas
diferenciações sociais; criava-se um proletariado propriamente dito e
criavam-se novas classes trabalhadoras urbanas não operárias, dedicadas
às atividades de produção de serviços”.
58
Segundo Ricardo Antunes, “após o nascimento da indústria automobilística no pós-
55, imaginava-se uma Suécia submersa num continente africanizado”.
59
Parece que essa
lógica está condizente com o que ocorrera quando da instalação da Usiminas, no que se
refere à contenção de gastos iniciais e no tratamento dispensado a uma mão- de- obra ainda
despreparada para tão grande desafio. Essa idéia é corroborada pelo relato de um de seus
fundadores: “Se se (sic) pode dizer assim, a Usiminas foi construída num regime espartano.
Só se gastava o que era absolutamente indispensável”.
60
Preliminarmente, é de proveito nessa abordagem compreender a história de
Ipatinga, partindo inicialmente não de uma cidade-estado à moda ateniense e sua incipiente
democracia, mas de um regime espartano, no que tange ao autoritarismo então reinante
desde sua fundação.
Nossa preocupação primeira não se limitará apenas à questão da eliminação de
gastos considerados excessivos, quando da implantação da Usiminas, mas, muito mais à
prática truculenta imposta por essa empresa aos seus primeiros trabalhadores, ainda
hipossuficientes, desde os canteiros de obras onde Ipatinga foi inventada e modelada.
58
OLIVEIRA, Francisco. A economia da Dependência Imperfeita. Rio de janeiro, Graall,1977 apud. AGIER,
Michel, GUIMARÃES, Antônio Sérgio, e CASTRO Nadya Araújo. Imagens e Identidades do trabalho. p.
189.
59
ANTUNES, Ricardo. Novo sindicalismo. 1ª Ed. São Paulo: Brasil Urgente, 1991, p.97.
60
FUNDAÇAO JOAO PINHEIRO. Usiminas conta sua história 25 anos. Depoimento de Gabriel Andrade
Janot Pacheco. p. 66.
37
Da antiga vila de carvoeiros antes da chegada das empreiteiras responsáveis pela
construção da Usina, restaram alguns retratos de parede, porque a indústria siderúrgica “(...)
a tomou de assalto, apoderou-se dela e remanejou-a segundo suas necessidades”,
61
transformando por completo o processo histórico da formação política e social da cidade.
Nesse percurso, acompanhar-se-á o sentido e a direção da cidade de Ipatinga,
tentando compreender o seu novo rumo, a partir do pressuposto de que a cidade é tão
indispensável à existência do capitalismo quanto o é o operário para o lucro do patrão.
Desde os primórdios do capitalismo, é nas cidades que se encontra a mão-de-obra livre,
sujeita à compra e venda, tão necessária à formação do capitalismo.
Sem mão-de-obra livre e disponível e sem os proprietários dos meios de produção
também livres, não existem mercados. Por livre, entende-se, no primeiro caso, indivíduos
formalmente não sujeitos à terra ou a qualquer meio de produção, ou seja, pessoas que
devem acorrer ao mercado para barganhar sua força de trabalho por meios de subsistência
que lhes são assegurados pelo salário: noutros termos, trabalhadores da cidade. Mas, a
cidade é antes de tudo um lugar de trocas:
“Trocas materiais antes de tudo: o lugar mais favorável à distribuição dos
produtos da terra, à produção e distribuição dos produtos manufaturados e
industriais e , enfim, ao consumo dos bens e serviços os mais diversos. A
essas trocas materiais ligam-se as trocas do espírito: a cidade é por
excelência o lugar do poder administrativo, ele mesmo representativo do
sistema econômico, social e político e é , igualmente, o espaço
privilegiado da função educadora e de um grande número de lazeres:
espetáculos e representações que implicam a presença de um público
bastante denso”.
62
Qualificar a cidade apenas como lugar de produção significa reduzir sua função a
um imperativo economicista, não explicativo de suas reais dimensões. Trata-se de um
espaço privilegiado de atuação do poder político, e de se fazer política, desde a pólis
63
grega, passando pelo palco das grandes revoluções como fora Paris na França durante o
61
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Olhares de Citadinos – cidadãos se fazendo na cidade (1958 –
1992). p.8.
62
SCARLATO, Francisco C. O Espaço Industrial Brasileiro apud ROSS, Jurandir L. Sanches (org).
Geografia do Brasil São Paulo 1996 EDUSP. p . 400.
63
Norberto Bobbio, em seu dicionário de Política, entende por Pólis: uma cidade autônoma e soberana, cujo
quadro institucional é caracterizado por uma ou várias magistraturas, por um conselho e uma assembléia e
cidadãos (politai).
38
século dezenove. Além do mais, ali passaram a concentrar os teatros, responsáveis pelas
primeiras formas de entretenimento das massas.
A história de uma cidade pode ser considerada como a história da humanidade. E
sempre esteve presente nas obras dos grandes filósofos da Antigüidade, principalmente
Platão e Aristóteles, que já viam nelas alvo de preocupações, quando pensavam o destino
do homem. Para esses filósofos, qualquer desequilíbrio na estrutura da cidade poderia
significar perigo para a unidade e organização da sociedade.
64
As cidades sempre representaram a mais profunda intervenção humana sobre a
superfície do planeta. O espaço urbano condensa uma longa história de atividade social,
refletindo os diferentes ambientes culturais e as variadas estruturas econômicas que
envolveram a produção.
Portanto, a criação de uma cidade como qualquer outra modificação do espaço é
fruto de uma conjuntura histórico-cultural da vida de uma sociedade. Ela se situa como
elemento de uma nova produção determinada, com suas relações de produção e sua
organização do poder político. Isso se deu como constante no decorrer da história, como
sugere Paul Singer: “A origem da cidade se confunde com a origem da sociedade de
classes, a qual no entanto a precede historicamente”.
65
As cidades foram fundadas historicamente a partir da produção de um excedente
alimentar em vias de ser apropriadas por uma classe, numa relação de exploração-
dominação, para assegurar a transferência dos produtos do mundo rural para o urbano.
Referindo-se às cidades medievais, Fernando Henrique Cardoso observou:
“A caracterização da Cidade como um lugar de mercado parece ser um
ponto pacífico na literatura que cuida do fenômeno urbano na Europa
Ocidental. Marx coincide neste ponto. Mostrou, ademais, que a existência
de uma economia urbana supõe um longo processo de divisão social do
trabalho e uma definição das formas de exploração de umas classes pelas
outras, de tal modo que a cidade surge como expressão da economia
feudal e do antigo regime senhorial. À economia cerrada do feudo ou ao
regime das corporações de ofício dos ajuntamentos de populações da idade
média — algumas dos quais por critérios que não levam em consideração
o grau de complexidade do processo de divisão do trabalho entre o campo
e a cidade entre outros as relações de trabalho na cidade poderiam
64
ROSS, Jurandir L. Sanches (org). Geografia do Brasil São Paulo 1996 EDUSP. p400.
65
SINGER, PAUL Israel; CARDOSO, Fernando Henrique. A Cidade e o Campo. Caderno CEBRAP apud LE
VEN, Michel Marie. Classes Sociais e Poder Político na Formação Espacial de Belo horizonte (1893-1914),
6 f, Dissertação de Mestrado ,Universidade Federal de Minas Gerais 1977.
39
aparecer já como “cidades” — se substituirá uma forma de organização
econômica que encontra na existência da mão-de-obra “livre e
disponível” e na concentração dos meios de produção nas mãos de certo
tipo proprietários, a relação fundamental e necessária para o aparecimento
do modo de produção capitalista”.
66
A criação de cidades no Brasil é um fato ordinário, e segundo Michel Le Ven(...)
assim como Brasília, e outras como Goiânia”, Ipatinga parece revelar a idéia de que(...)
no Brasil, criar cidades não é fato excepcional”.
67
Principalmente a construção de cidades
a partir das necessidades do capital, acarretando uma brutal organização da massa
trabalhadora num espaço e tempo historicamente definidos. Acredita-se que a construção de
uma cidade não é apenas a obra de engenheiros e arquitetos, mas de todos os grupos
sociais, que se organizam em função de interesses específicos não necessariamente
convergentes, principalmente da classe operária que em uma cidade industrial de fato
conquistará e construirá o seu espaço social.
Tratando-se de um estudo inicial de mais uma cidade planejada, vai-se também ater
ao aspecto da morfologia urbana, aqui entendida como o estudo do traçado do plano da
cidade e as relações com a estruturação dos bairros, os traçados de ruas e praças, a
formação de quarteirões, e suas formas específicas de ocupação e uso do solo urbano para o
comércio, residências e serviços
A importância de um estudo das cidades está na relação direta com suas funções por
elas abrigadas. Entre essas, pode-se citar a comercial, a industrial, a financeira e a política.
Em razão delas é que são definidas as hierarquias citadinas no interior de uma rede urbana,
tendo a presença da Indústria norteado o seu rumo e sua direção.
Mas nesse ensaio sobre a existência e a importância de uma cidade não se pode
privilegiar apenas o objetivo, o palpável. Outro parâmetro no estudo das cidades deve ser
uma atenção especial ao seu significado para os indivíduos. Por muito tempo, ficou-se
indiferente aos aspectos subjetivos no estudo do espaço urbano. As maneiras de viver, de
sentir a paisagem, e a percepção foram deixadas de lado.
66
Ibidem. p. 60.
67
Ibidem. p . 115.
40
Essa indiferença para com o subjetivo é fruto de um ranço positivista,
68
e suas
correntes teóricas, que até bem recentemente se prenderam sempre ao estudo do sítio,
69
das
funções e da situação política das cidades. Procurando explicar a relação entre essas
dimensões em uma abordagem orgânica, passou-se a valorizar as representações simbólicas
desempenhadas pelo espaço no cotidiano da vida daqueles que o habitam, tais como o
significado de morar em uma determinada rua, bairro ou cidade e as relações de identidade
que se estabelecem entre o morador e seu lugar.
Hoje a ciência geográfica consegue perceber as relações de identidade entre os
indivíduos e seus lugares, tendo em vista as influências exercidas por outras correntes
teóricas como a fenomenologia,
70
que valoriza a compreensão ou a maneira como o
indivíduo vê a realidade, e não somente a explicação ou as relações de causa e efeito entre
as coisas.
Dessa forma, ampliou-se o horizonte dessa ciência no estudo das cidades. Isso
permite aos estudiosos do tema oferecer suas contribuições para um planejamento urbano
mais humanístico, no qual a política urbana possa levar em consideração também o
significado afetivo e visual de cada componente dos lugares habitados para as pessoas que
neles vivem.
71
As impressões do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss sobre as condições
topográficas da cidade planejada de Goiânia (em 1937) parecem perfeitas para o sítio onde
será construída a também cidade panejada de Ipatinga:
“Uma planície sem fim, que parecia ao mesmo tempo, um campo de
batalha, eriçada de postes de eletricidade e de estacas de agrimensura,
exibia uma centena de casas novas dispersas pelos quatro cantos do
horizonte.(...) Pois nada poderia ser tão bárbaro, tão inumano quanto esse
empreendimento. Essa construção sem graça era o contrário de Goiás,
nenhuma história, nenhuma duração, nenhum hábito havia saturado o seu
68
Positivismo aqui entendido como diverso do idealismo, e que reivindica o primado da ciência na
sociedade: nós conhecemos somente aquilo que as ciências nos dão a conhecer, pois o único método de
conhecimento é o das ciências naturais.
69
Sítio: terreno físico sobre o qual se ergue uma cidade.
70
Por fenomenologia entende-se a pretensão de superar a dicotomia razão-experiência no processo de
conhecimento, afirmando que toda ciência é intencional. Isto significa que , contrariamente ao que afirmam os
racionalistas, não há pura consciência, separada do mundo; toda consciência é consciência de alguma coisa.
Mas também, contrariamente aos empiristas, os fenomenólogos afirmam que não há objeto em si, já que o
objeto existe para um sujeito que lhe dá significado.
71
SCARLATO, Francisco Carlos. População e Urbanização Brasileira. In ROSS, Jurandir L. Sanches (org).
Geografia do Brasil. p. 410.
41
vazio ou amenizado a sua rigidez. Sentíamo-nos ali como numa estação ou
num hospital, sempre passageiros e nunca residentes. Somente o temor de
um cataclismo poderia justificar essa casamata. Produziu-se um, com
efeito, cuja ameaça se prolongava no silêncio e na imobilidade reinantes.
Cadmus o Civilizador, tinha semeado os dentes do dragão em uma terra
esfolada e queimada pelo hálito do monstro; esperava-se que nascessem
homens”.
72
Não há como negar que, sem a presença da Usiminas, a empresa fundadora de
Ipatinga ou, como prefere Lévi-Strauss a “civilizadora”, a antiga vila de carvoeiros,
encruada em um vale coberto de eucaliptos e assolado freqüentemente pelo mosquito da
malária, continuaria a ser um dos últimos locais a ser ocupado e povoado. O relato de
Paulo Pinto reforça essa idéia: “O clima foi um problema sério porque é quente e úmido.
Mas o que mais incomodava eram as doenças, principalmente a malária, porque atingia
indistintamente a todos — engenheiros, operários, etc.- e começou a perturbar a obra,
tamanha era a incidência”.
73
Mas a presença da siderúrgica seria, em pleno século vinte, o “novo eldorado”, não
um lugar de delícias, auspicioso de riquezas, mas capaz de atrair gente de toda a espécie,
como nos relata o senhor Raimundo Anício, um dos primeiros moradores da região, que
assistiu de perto a todo esse processo “(...) A notícia da Usiminas correu o Brasil todo, e
todo mundo que sabia vinha. Uns eram bem-sucedidos porque chegavam e encontravam
serviço. Outros não. E não tinham condições de voltar. Esse foi um ponto bastante difícil
que nós enfrentamos aqui”.
74
Como não poderia deixar de ser, a região assiste a um intenso movimento
migratório e, consequentemente a uma espantosa especulação imobiliária, acompanhada da
construção às pressas de uma cidade artificial que se constitui com o único propósito de
abrigar a população trabalhadora responsável pela produção de aço e, “(...) até determinado
momento, havia duas Ipatingas: uma que crescia com a Usiminas e a outra que crescia, à
parte, estimulada pela presença da usina, mas sem a interferência dela”.
75
No processo de construção de Ipatinga, não se pode esquecer que surgiram duas
Ipatingas, sendo uma a vila operária, construída pela empresa, e do outro lado da linha
72
STRAUSS, Claude Levi. Tristes Trópicos. São Paulo: Anhembi. 1957, p. 128 .
73
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO. A Usiminas conta a Sua História. Depoimento de Paulo Pinto. p. 9.
74
RUEDA, Lenira. NAHAS Antônio júnior (coords) Homens em Série..., Depoimento de Raimundo Anício
p.9.
75
Ibidem p.17.
42
férrea a antiga vila de carvoeiros, caracterizada como cidade velha e suja, abrigando uma
outra cidade.
A história da construção de Belo Horizonte, primeira cidade planejada pelo poder
público ainda no século XIX, para servir de capital do proeminente Estado de Minas
Gerais, parece confirmar esta distinção entre o velho e o novo, no que tange à política
mineira e a construção de cidades, uma vez que a antiga capital Ouro Preto seria relegada
também a segundo plano, e, conforme Micchel Le Vem: “foi realmente destruída a velha
ordem da mineração. As forças dinâmicas ascendentes vão saber se reagrupar na nova
cidade (...) todos ligados a uma perspectiva modernizante, com base economicamente
agrária e politicamente republicana”.
76
Quando se refere mais especificamente sobre a fundação de Ipatinga, compete
analisar os discursos de diversos de seus fundadores, que nela se instalam, ou antigos
moradores, que recontam a história da cidade, como mostra a primeira professora da vila
Dona Bizuca.
“Aos poucos e inevitavelmente, mescla-se peões com a Ipatinga dos
carvoeiros, dos comerciantes, dos fazendeiros locais, das prostitutas da
Zona boêmia do Juá instalada na Rua do Buraco, ponto de encontro dos
candangos.Com a instalação da Usiminas, as coisas se modificaram.
Vieram muitos peões. São volantes fazendo progresso em espiral. O nome
é exatamente esse[...]. Eles vieram para trabalhar na Usiminas e
começaram a surgir os bairros para mão-de-obra pesada e outros para o
pessoal mais qualificado e especializado. E ficaram exatamente entre
linhas divisórias. De um lado, ficaram as pessoas que vieram iludidas pela
propaganda da Usiminas, de que aqui se pagava bem. Quem ficou bem
alocado ficou morando nos bairros da Usiminas. E do outro, na antiga vila,
formaram-se favelas, triste realidade de uma sociedade tão complexa”.
77
Pelo que se percebe dos depoimentos de antigos moradores, a empresa contribuiu
para o desenvolvimento da cidade, que de uma pequena vila tornar-se-ia uma cidade de
porte médio em um curto espaço de tempo. Porém, ao mesmo tempo, as ações políticas da
empresa foram as responsáveis pela divisão da cidade, conforme o que se segue.
“(...) tenho a impressão de que a Usiminas contribuiu com Ipatinga, mas,
ao mesmo tempo, separou-se dela. Ficou a Usiminas de um lado e Ipatinga
76
LE VEN, Michel Marie. Classes Sociais e Poder Político na Formação Espacial de Belo Horizonte, p.
179.
77
RUEDA, Lenira. NAHAS, Antônio Júnior (coords.) Homens em série, Depoimento de dona Bizuca. p. 41
43
do outro. No princípio, não havia uma ligação do pessoal, digo, parte do
pessoal de Ipatinga com o pessoal da Usiminas”.
78
“(...) talvez fosse por isso que a Usiminas cercou Ipatinga com arame
farpado, cercaram toda a entrada de Ipatinga, era eucalipto. Na rua
Diamantina só tinha uma entrada e uma saída para Coronel Fabriciano. A
cerca era de mais ou menos 6 Km. Um negócio absurdo”.
79
Dividir a cidade, cercá-la com arame farpado, transformá-la em uma fortaleza,
afastando com isso, a presença dos bárbaros, ou seja, os que não pertencem à empresa e
com, isso demarcar os limites de um campo simbólico “cuja eficácia reside na
possibilidade de ordenar o mundo natural e social através de representações que não
passam de alegorias que simulam a estrutura real de relações sociais – a uma percepção
de sua função ideológica e política de legitimar uma ordem arbitrária em que se funda o
sistema de dominação”.
80
Foi dessa forma que o traçado urbano inicial ganhou contornos e
limites impostos para construir um ordenamento que isolou pessoas ao mesmo tempo que
as protegia.
Com a instalação da empresa, assistiu-se à construção de assentamentos urbanos
isolados, dotados de equipamentos básicos que possibilitam a seus moradores evitar
contatos maiores com pessoas de condição inferior na escala hierárquica, fora das relações
de trabalho, consumando a intenção de seus fundadores de se construir um verdadeiro
condado onde o seu xerife exerceria total controle sobre seus novos moradores. “(...)
Ipatinga seria uma cidade construída como se constrói uma empresa — e a empresa para
si mesma e não para a cidade ou para os cidadãos. A Usiminas seria a responsável pelo
projeto da cidade imposta, que teve como representantes os empresários envolvidos na
sua estruturação”.
81
Na ausência do poder público municipal, devido ao fato da então vila de Ipatinga
pertencer a Coronel Fabriciano que, no dizer de Paulo Pinto “(...) era o Cabo Fabriciano,
uma vez que nada fazia pela vila”,
82
a empresa acaba por assumir a responsabilidade pelos
78
Ibidem. p. 8.
79
Ibidem . p. 33.
80
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. In MICELI, Sérgio. Introdução: A Força do
Sentido – São Paulo: Perspectiva 2003. p XIV.
81
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: olhares de citadinos – cidadãos se fazendo na cidade. p. 39.
82
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO. A Usiminas conta a sua História. Depoimento de Paulo Pinto. p.13
44
problemas de habitação, urbanização, saúde, educação, lazer, transportes, comunicação e
outros, já que os poderes públicos e a iniciativa privada não estavam em condições de
realizar satisfatoriamente esses serviços. A carência de recursos na região foi assim fator
determinante para a adoção das práticas paternalistas que caracterizaram e ainda
caracterizam a atuação da empresa.
A cidade de Ipatinga não conhecera até 1988 sua autonomia,
83
não passando de
uma extensão da grande empresa, havia de tudo, menos os cidadãos, a razão maior da
cidade. A Usina controla tanto a produção como a reprodução de sua força de trabalho.
Esse controle se dá de uma maneira paternalista e mesmo patriarcal, extremamente
assistencialista. Predominando a relação individual que faz do trabalhador uma propriedade
do empregador dentro da Usina e na cidade.
Recorrendo ao filósofo Rousseau, encontramos um significado real e simbólico do
que é uma cidade. Ele enfatizou:
“A cidade. Os modernos quase que completamente esqueceram o
verdadeiro sentido desta palavra. A maior parte confunde construções
materiais de uma cidade com a própria cidade e o habitante da cidade com
um cidadão. Eles não sabem que as casas constituem a parte material, mas
que a verdadeira cidade é formada por cidadãos”.
84
Uma cidade não é um feudo ou uma propriedade particular de um homem ou de
uma empresa. Ipatinga, antes de ser produtora de aço, é também o local de moradia, e são
seus habitantes constituídos em sua maioria por metalúrgicos. São eles que constituem o
objeto maior desta pesquisa e, mesmo que por força do capitalismo a maioria seja vista
como simples mão-de-obra ou consumidores, preferimos vê-los como indivíduos no pleno
gozo dos direitos civis e políticos, ou seja, como cidadãos se fazendo na cidade.
83
O conceito de Autonomia consiste na capacidade de se reger por si mesmo, mais explicitamente,
“capacidade interna, individual e coletiva para se autodeterminar e se auto-realizar. Do grego “autos” (si
mesmo) e “nomos” (lei), autonomia significa a capacidade de dar-se a si mesmo a sua própria lei e uma ação
de constituir a si mesmo”. LE VEN, Michel Marie. Classes Sociais e Poder Político na Formação Espacial
de Belo Horizonte. p. 28.
84
ROSS, Jurandir L. Sanches (org). Geografia do Brasil. p. 46.
45
1.3 A emancipação política de Ipatinga – Um parto em plena Ditadura Militar
Optamos por desenvolver este estudo na linha de pesquisa da História Social, aqui
entendida como o estudo dos grandes processos como a industrialização, a modernização e,
inclusive, as revoluções. Tais processos são intitulados “movimentos sociais”. Esses
dificilmente podem ser trabalhados fora de uma conexão entre o econômico, o social e o
político. José Assunção Barros afirma que “em certo sentido toda a história que se escreve
é de algum modo uma História Social mesmo que direcionada para as dimensões
política, econômica ou cultural”.
85
A dimensão historiográfica mais sujeita a oscilações de significados é precisamente
a da história social, categoria que, por ocasião dos Annales foi construída (...) por
oposição à história política tradicional.
86
Mas se a história social foi se constituindo
inicialmente como uma subespecialidade do campo histórico, direcionada para objetos
distintos e bem específicos, por outro lado a noção de “História Social” também foi
vinculada por alguns pensadores e historiadores a uma “História Total ”, encarregada de
realizar uma grande síntese da diversidade de dimensões e enfoques pertinentes ao estudo
de uma determinada comunidade ou formação social.
Dessa forma, estaria a cargo da história social criar as devidas conexões entre os
campos político e econômico, o que implica nessa acepção que a História social deixa de
ser uma modalidade mais específica, como qualquer outra, para se tornar um campo
histórico mais abrangente, que se abriria à possibilidade de mediação ou de síntese, como
história da Sociedade.
Partindo da premissa de que história social é história total, torna-se necessário ater-
se às implicações políticas da implantação da Usiminas na vila de Ipatinga. É nesse espaço
que os comerciantes em processo de enriquecimento, já constituindo uma pequena
burguesia, encabeçam um movimento para elevar a vila de Ipatinga à categoria de distrito,
permitindo com isso a eleição de vereadores e sua posterior representatividade junto à sede
do poder municipal em Coronel Fabriciano.
85
BARROS, José D’Assunção. O Projeto de pesquisa em História. p. 116.
86
Idem, .2002. p.119
46
Alcançado o primeiro objetivo em 1962, seria constituída a Sociedade dos Amigos
de Ipatinga, liderada pelos comerciantes Raimundo Anício da UDN, José Carvalho do PSD,
e João Lamego, do PTB, que passariam a pleitear, a partir de 1963, junto ao Governador de
Minas, a emancipação política do município.
Esse processo pró-emancipatório ocorre às vésperas do golpe militar de 1964, sendo
esse o motivo do veto do então governador de Minas Gerais Magalhães Pinto. Na avaliação
de José Carvalho, o veto foi uma questão militar, e afirma: “Naquela ocasião havia uma
efervescência muito grande na política de 1964. Os militares interferiram e não queriam
criar municípios, porque, segundo eles, prejudicaria a Revolução. Diante disso, o
Governador Magalhães Pinto vetou a emancipação”.
87
A preocupação dos militares, em parte, é certamente devida à influência do Partido
Trabalhista Brasileiro e do Partido Comunista sobre a massa operária do Brasil no período,
ainda mais que os municípios que pleiteiam a emancipação são áreas industriais formadas
basicamente de uma população proletária, sensível ao discurso de partidos populistas, o que
muito incomodava as altas patentes do exército. No caso específico do Vale do Aço as
velhas oligarquias do PSD controlavam politicamente a região.
No período em questão, mais três distrito no Vale do Aço que se desenvolvem em
torno da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira ( Bela Vista e Minas e João Monlevade) e
da Acesita (Timóteo) não conseguem emancipar. Esses distritos tiveram que esperar a
oportunidade certa, para convencer o governo estadual da necessidade de suspensão do
veto.
Parece curioso, mas a presença do então Governador do Estado da Guanabara
Carlos Lacerda, em Coronel Fabriciano, no interior de Minas Gerais, pelo visto já em
campanha para as eleições presidenciais de 1966, foi de fundamental importância para a
emancipação de Ipatinga em 1964. Assim relata o episódio o comerciante e político filiado
ao PSD José Carvalho,
“(...) Porém, quando falaram em eleições presidenciais de 1965,
Magalhães Pinto, se interessou em sair candidato pela UDN. Ciro
Poggiali, prefeito de Coronel Fabriciano, também contrário a
emancipação, estava aguardando Carlos Lacerda, outro candidato pela
UDN em visita a Fabriciano. Fotografamos o ato e fizemos uma nova
87
RUEDA, Lenira. NAHAS, Antônio Júnior. Homens em série, Depoimento de José Carvalho, p.34.
47
reunião com Magalhães Pinto, até então reticente quanto à emancipação.
Foi uma
jogada política.( grifo nosso) Mostramos a foto de Lacerda e
dissemos que ele o governador de Minas, apoiava o prefeito de Coronel
Fabriciano, mas o prefeito não o apoiava para presidente, apoiava Carlos
Lacerda. E argumentamos sobre a emancipação. Neste momento ele
orientou o seu líder na Assembléia para suspender o veto à emancipação.
Com isso emancipou-se Ipatinga em 1964”.
88
De tal sorte que, em 28 de abril de 1964 estava emancipado um novo município,
exatos vinte e nove dias após o Golpe Civil Militar que sepultaria a Democracia por 21
anos. Sob a égide dos Generais Presidentes e do governador de Minas Magalhães Pinto
89
,
um dos grandes articuladores da ruptura política, seria logo nomeado um interventor de fora
para Ipatinga, uma vez que as eleições municipais estavam suspensas pelos novos
mandatários. Essa nomeação contrariou políticos locais que esperavam interferir no
processo.
Quanto à emancipação, merece destaque a avaliação de José Carvalho: “Com isso
Ipatinga deixou de ser feudo da Usiminas e, além do mais, dividindo o município dividiria
o poder do PTB e a força do sindicalismo na região”.
90
Esse depoimento sugere as aspirações de uma pequena burguesia que se sente
sufocada pelo predomínio da empresa, e tenta com isso adquirir as rédeas políticas do novo
município, reafirmando um desejo latente de parte dos cidadãos de administrarem a cidade.
Evidencia também, na região, a aversão à força dos sindicatos e, consecutivamente, do
Partido Trabalhista Brasileiro, tendo à frente líderes populistas como Leonel Brizola e o
próprio presidente deposto João Goulart.
Essa análise parece condizente com a de Hortêncio Vespasiano, defensor da tese de
que a emancipação teve a finalidade de enfraquecer o movimento sindical já coordenado
pelo Sindicato dos Metalúrgicos da ACESITA (METASITA). O METASITA surgiu em
1952 e, inicialmente, tinha caráter assistencialista mas, a partir de l962, tendo à frente
Geraldo Ribeiro, esse sindicato desvincula-se da empresa. Em 1963 promoveu a primeira
greve na ACESITA.
88
RUEDA, Lenira. NAHAS, Antônio Júnior. Homens em série. Depoimento de José Carvalho, p.37.
89
Ver Marilene Tuler Ramalho, sobre as tramas do Governador de Minas Gerais Magalhães Pinto, nos
momentos que antecederam o golpe Civil-militar de 1964. In RAMALHO, Marilene Tuller O massacre de
Ipatinga através de um estudo de caso. p. 77.
90
RUEDA, Lenira. NAHAS, Antônio Júnior. Homens em série, Depoimento de José Carvalho. p.38.
48
Com um sindicato estruturado no município de Coronel Fabriciano, esse irá
incorporar os metalúrgicos da Usiminas, no mesmo município. Nesse sentido, Vespasiano
acrescenta que “(...) em um período de obscuridade em Ipatinga surgia a Usiminas a todo
vapor e lá não tinha sindicato. A empresa se utilizou de todas as formas de pressão para
que esse sindicato não assumisse aquela base sindical naquele distrito”.
91
Acompanhando essa linha de raciocínio, podemos afirmar que a criação do novo
município significou a oportunidade para surgir um novo sindicato, e, por ser novo,
entende-se a facilidade, por parte da empresa, para controlar as primeiras eleições e, quiçá,
o próprio sindicato.
Sob a égide do autoritarismo, ocorreu o parto de mais um Município no Brasil,
palco de um episódio que refletiu o clima de tensão reinante no país. Seu nascimento foi
marcado pelo famigerado “massacre de Ipatinga”. Em 07 de outubro de 1963, um grupo de
trabalhadores foi brutalmente metralhado pela Polícia Militar na portaria da Usiminas por
protestarem contra o despotismo dos vigilantes da Empresa, quase todos ex-policiais que,
na entrada e saída da siderúrgica, revistaram todos os seus pertences de forma humilhante e
agressiva. Conta-se que mais de uma dezena de trabalhadores foram assassinados e
Marilene Tuler Ramalho, em brilhante trabalho sobre o tema, destaca como a imprensa
noticiou em duas ocasiões os motivos que provocaram o início dos tumultos:
“As causas do incidente remontam-se aos espancamentos de operários na
noite de anteontem. Não há política: o princípio do desentendimento foi a
proibição feita por vigilantes contra os operários que queriam sair para
Coronel Fabriciano sem documentos. Houve protestos e quebra-quebra
nos alojamentos, surgindo a polícia militar que invadiu os dormitórios
espancando crianças e mulheres.” (...)Motivo principal das violências
ocorridas em Ipatinga é a animosidade geral com relação ao corpo de
vigilantes, que por causa de pequenos furtos verificados na empresa,
revistavam os trabalhadores na saída da Usina”.
92
A opção pelo autoritarismo e a aversão aos movimentos sociais é uma constante na
história dessa cidade, e será explorada no decorrer deste trabalho, como em parte já fora
mostrado com o surgimento do município em pleno período da Ditadura Militar, atendendo
91
CASSEMIRO, Hortêncio Vespasiano. A Trajetória do Sindicato dos Trabalhadores metalúrgicos de
Coronel Fabriciano.2003. Monografia ( Pós-Graduação lato sensu) Centro Universitário de Caratinga,
Caratinga , MG.
92
RAMALHO, Marilene Tuler O massacre de Ipatinga através de um estudo de caso. p. 50.
49
mais aos caprichos estratégicos de elites preocupadas com o crescimento político do PTB e
com o avanço de um sindicalismo combativo na região.
A primeira manifestação materializada desse autoritarismo é expressa na formação
do corpo de vigilantes da Usiminas, reduto de homens violentos: “se o sujeito fosse
matador profissional ou ex-policial era imediatamente fichado para vigilância. Era uma
perseguição muito grande em cima dos trabalhadores, davam busca pessoal de cima em
baixo”.
93
Perguntado a respeito da vigilância, Gil Guatmossim, um dos diretores da Usiminas
quando da sua fundação, evidencia o perfil autoritário do grupo ao afirmar que “o pessoal
de vigilância da Usiminas era um pessoal truculento, eles eram egressos da polícia. Mas
hoje, também não é mais ou menos do mesmo jeito”?
94
Essa discussão será retomada no capítulo III, quando forem enfocadas
especificamente as relações da direção da Usiminas por mais de 20 anos com o movimento
sindical e o “tratamento de choque” dispensado aos integrantes da Oposição Sindical
Metalúrgica Ferramenta.
93
RUEDA, Lenira. NAHAS, Antônio Júnior. Homens em série, Depoimento de José Serrinha. P..36.
93
idem. p. 37
94
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO .A Usiminas conta a sua história. Depoimento de Gil Guatimossim
Júnior. p. 14.
50
CAPÍTULO 2
2. O Olhar Vigilante da Siderúrgica sobre a cidade
2.1 A divisão Espacial da Cidade: disciplina e segregação
A pequena vila de Ipatinga, que girava em torno da rua do comércio, nas
proximidades da estação ferroviária, hoje a avenida 28 de abril, contava com
aproximadamente 300 casas, grande parte dos moradores eram trabalhadores da Belgo
Mineira e o restante eram comerciantes.
O relato de um dos primeiros moradores da região é bastante esclarecedor acerca
da precariedade da infra-estrutura e das dificuldades que atingiam os moradores.
“Em 1953,vim para Ipatinga. Era um povoado só, sem nenhum conforto.
No tempo de chuva, muito barro; no tempo de sol, muita poeira. Não havia
calçamento, rede de esgoto e energia elétrica. Nessa época, eu fornecia luz
elétrica a motor. Forneci durante 12 anos, para 60 casas. Tinha muita
dificuldade para receber o fornecimento. Muitos não queriam pagar. Com
a chegada da Usiminas aumentou muito o número de eleitores no distrito.
Em 1960 fundei a UDN em Ipatinga. Mas o comércio era muito bom,
sofria a influência do pessoal que fazia o transporte do maquinário da
Usina de Salto Grande. Além do mais, os carvoeiros da Belgo faziam
compras em Ipatinga”.
95
A cidade renasceria com a construção da Siderúrgica Usiminas. Competiria à
empresa realizar diversas obras de urbanização, saneamento, recreação, habitação,
construindo uma outra “cidade” no entorno da empresa. Esta nova cidade dotaria os seus
bairros de uma organização espacial que reproduziria a divisão do trabalho dentro da
fábrica.
95
RUEDA, Lenira. NAHAS, Antônio J. Homens em série..., Depoimento de Raimundo Anício Alves. p. .28.
51
Desde as primeiras construções, havia uma pretensão da empresa de separar a
cidade. Por um lado, preservou-se a antiga vila formada no entorno da estação ferroviária:
por outro, com o surgimento dos bairros da empresa, pensou-se unicamente em criar
condições para a sobrevivência e controle do grupo de trabalhadores treinados para
assegurar o funcionamento adequado da usina nos seus primeiros anos, principalmente as
centenas de trabalhadores japoneses que foram trazidos para suprir uma necessidade, já que
nosso país era, então, carente de mão-de-obra especializada em Siderurgia.
96
O projeto urbanístico da nova cidade construída pela Usiminas foi planejado pelo
arquiteto Rafael Hardy Filho, com a interferência dos engenheiros responsáveis pela
construção da usina e aprovado sem restrições pelo engenheiro Lúcio Costa, co-autor do
plano piloto de Brasília.
97
Em parte foi aproveitado o modelo arquitetônico estruturado
pelo arquiteto Oscar Niemayer e por Lúcio Costa, mentores da nova capital brasileira.
Ideologicamente, o plano desenvolvido para a construção de Brasília vinculava-se à
tradição de pensamento urbanístico do francês Le Corbusier e da Escola Arquitetônica da
carta de Atenas, cujos princípios remontam ao IV Congresso de Arquitetura Moderna,
realizado em 1933.
Para essa Escola Arquitetônica a cidade deveria, a uma só tempo, ser funcional e
harmônica, fazendo mover uma engrenagem de residências, consumo e trabalho,
reproduzindo a engenhosidade de uma máquina. E o próprio Le Corbusier adverte que “os
pontos chaves da urbanística consistem nas quatro funções: morar, trabalhar, divertir-se
(no tempo livre), circular. Os planos determinarão a estrutura de cada um dos setores
atribuídos às quatro funções-chaves e fixarão sua respectiva localização no conjunto”.
98
Assim como na fábrica, a especialização dos bairros residenciais é levada às
máximas conseqüências. Dos princípios tayloristas da especialização profissional dos
cargos, resultaria a especialização funcional dos espaços na visão do arquiteto francês Le
Corbusier, como nos mostra Domenico De Masi.
96
PEREIRA, Lígia Maria Leite. FARIA , Maria Auxiliadora. Amaro Lanari Júnior-Pensamento de uma
Siderurgia, p.105.
97
DIÁRIO DO AÇOUm século de História 2000. p. 50.
98
LE CORBUSIER, Introdução à Oeuvre complète 1929-1934, Zurique, 1952. In BENEVOLO, Leonardo.
História da Arquitetura Moderna. Tradução: Ana M. Galdberguer Ed. Perspectiva, São Paulo. 2004. P..513.
52
“A cidade também se especializa, por sua vez: desenvolve-se a zona
industrial, local onde se produz; os bairros residenciais, onde se descansa;
os bairros comerciais, onde se fazem as compras; as zonas de lazer, lugar
de diversão, etc. Trata-se da cidade funcional tão cara a Corbusier, que a
teoriza em um livro de urbanística de 1923. Significa que trabalho, vida,
oração, diversão e embriaguez não se encontram mais concentrados numa
só casa, nem num só bairro. Agora é o ser humano que se desloca
rapidamente de um lugar para o outro”.
99
Para isso, os planejadores deveriam dispor da capacidade de organizar o espaço de
forma total, absoluta, excluindo as incertezas, ambigüidades e conflitos inerentes ao
desenvolvimento espontâneo das aglomerações urbanas. A partir de então a ordem do
traçado urbano seria um produto da autoridade e do saber urbanístico.
Assim como Brasília, a base espacial do plano urbanístico de Ipatinga reside na
segregação funcional. Nela não temos, como no Planalto Central, áreas reservadas às
diversas funções urbanas, mas às diferentes divisões e hierarquias internas da empresa,
comprovando o que assevera Domenico De Masi.
“A fábrica sincronizada requer uma cidade sincronizada: para que todos
estejam presentes na mesma hora, na própria linha de montagem (seja ela
a autêntica cadeia de montagem, seja a dos empregos burocráticos, nos
escritórios das fábricas), todo mundo tem que sair e voltar para a casa no
mesmo horário. ‘Na hora do rush, até o adultério torna-se impossível”.
100
Entre os bairros residenciais construídos pela empresa, destacam-se Castelo, Cariru,
Bela Vista, Bom Retiro etc. A maioria desses bairros é dotada de escolas, igrejas, clubes de
recreação e espaços de consumo local, aqui chamados de centros comerciais. Nesses bairros
tem-se de quase tudo, não sendo preciso sair para quase nada. Porém, essa funcionalidade
significa maior controle social sobre a massa operária, tendo como maior objetivo introjetar
a disciplina panóptica do trabalho industrial para além dos muros da fábrica, prescindindo
do recurso da utilização da força bruta e mascarando o exercício do poder por um discurso
de funcionalidade.
Em comparação com outra grande cidade industrial, percebe-se que, no processo de
formação urbana da cidade de São Paulo no início do século XX, a burguesia Paulista
também já idealizara vilas operárias como a vila Madalena, Maria Zélia, dotadas pelos
99
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo: entrevista a Maria Serena Palieri, tradução de Léa Manzi- Rio de
Janeiro: Sextante. 2002. p. 153.
53
industriais de jardins públicos, lojas, cinema, clubes, escolas, quadras de tênis, piscina,
campo de futebol, água encanada, luz elétrica e esgoto. Enquanto discurso patronal, tais
atitudes visam limpar a cidade das impurezas constantes nos cortiços, como sugere
Margareth Rago
“A solução ideal preconizada pela higiene pública para a questão da
habitação popular desde o final do século XIX, no Brasil, é a construção
das vilas operárias pelos poderes estatais ou por capitalistas particulares,
nos bairros periféricos da cidade. Combina-se, assim, a luta sistemática
contra a insalubridade da moradia do pobre com o utilitarismo reinante.
Afinal, a construção das “habitações higiênicas e baratas” se tornará um
negócio lucrativo tanto para os industriais/senhorios, quanto para as
companhias de saneamento”.
101
Nesse período, a construção das vilas operárias tinha a princípio o objetivo de dar
uma resposta para o problema da saúde da população pobre da cidade, diante da
insalubridade que povoava as moradias populares, tão bem descritas por Aluísio de
Azevedo, que sentia náuseas por causa do cheiro repugnante do povo amontoado nos
cortiços, gerados espontaneamente como vermes, pois “naquela terra encharcada e
fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer
um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo,
daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco”.
102
No contexto da formação do proletariado industrial brasileiro, os médicos e
higienistas tiveram papel relevante na abertura do caminho para a realização da utopia
burguesa de fabricação da classe trabalhadora desejada, combinando imperativos
econômicos e políticos.
Na verdade, muito mais que uma maneira de morar, as vilas ou bairros operários
representam a vontade de impor com sutilidade um estilo de vida. Através da imposição das
vilas operárias, vilas punitivas e disciplinares estabelece-se todo um código de condutas
que persegue o trabalhador em todos os espaços de sociabilidade, da casa ao trabalho e,
deste ao lazer.
As vilas, antíteses dos cortiços, permitem que o poder disciplinar exerça um
controle tênue e leve sobre as pequenas relações cotidianas da vida e do trabalhador. Muito
100
Ibidem. p. 154.
101
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: A Utopia da Cidade Disciplinar. p. 124.
54
antes das cidades planejadas de Corbusier, as vilas operárias já eliminam todos os
intervalos que separam vida e trabalho do dia-a-dia do operário. Instaura-se um novo
campo de moralização e de vigilância a partir da habitação designada para o pobre.
Michel Foucault, em Vigiar e Punir, destaca que na formação de corpos dóceis, tão
úteis à sociedade capitalista, há que se levar em consideração a arte das distribuições dos
indivíduos no espaço, destacando que:
“as regras das localizações funcionais vão pouco a pouco, nas instituições
disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente
livre e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para
satisfazer não só a necessidade de vigiar, de romper as comunicações
perigosas, mas também de criar um espaço útil. O processo aparece
claramente nos hospitais, principalmente nos hospitais militares e
marítimos”.
103
A estratégica patronal de fixação da força de trabalho ao redor da unidade produtiva
no momento histórico de constituição do mercado de trabalho livre do país, como a
construção das vilas operárias paulistas, permite controlar a economia interna do
trabalhador e seu próprio tempo fora da esfera do trabalho, delimitando o espaço em que ele
pode circular.
Satisfeito com a instalação da vila Maria Zélia ao redor de sua fábrica de tecidos,
em 1916, o industrial Jorge Street explicava seus sonhos:
“Em redor da fábrica, mandei construir casas para moradia dos
trabalhadores, com toda a comodidade e conforto da vida social atual (...)
depois um grande parque com coreto para concertos, salão para
representações e baile; escola de canto coral e música, um campo de
football; uma grande igreja com batistério; um grande armazém com tudo
o que o operário possa ter necessidade para sua vida, (...) uma sala de
cirurgia-modelo e uma grande farmácia (...) uma escola para os filhos de
operários e creches para lactantes (...). Quis dar ao operário a possibilidade
de não precisar sair do âmbito da pequena cidade que fiz construir à
margem do rio, nem para a mais elementar necessidade da vida. Consegui,
assim, proporcionar, também, aos operários, distração gratuita dentro do
estabelecimento, evitando que freqüentem bares, botequins e outros
lugares de vício, afastando-os especialmente do álcool e do jogo”.
104
Esse modelo de construção de vilas operárias, onde todos os comportamentos são
controlados, foi também adotado pela Companhia Siderúrgica Belgo Mineira fundada em
102
Ibidem. p. 175.
103
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir Petrópolis-Vozes. 2002. p. 123
55
1937 em João Monlevade, cidade industrial, localizada a 100 quilômetros de Ipatinga,
conforme relata Michel Le Ven:
“Monlevade já foi uma cidade fechada, onde tudo era propriedade da
Belgo Mineira: mercado, farmácia, cinema, hospital, assistência médica,
casas, leite, ruas e toda a infra-estrutura urbana era propriedade exclusiva
da Belgo, até seus operários. Em troca de seu trabalho, pagava baixíssimo
salário. Mantinha os operários sob rígido controle, interferindo até na sua
vida familiar. Em suma, os operários eram propriedade particular dos
senhores da Belgo”.
105
Assim como a siderúrgica Belgo Mineira teve o controle da cidade de João
Monlevade, a Usiminas teve o pleno controle da cidade de Ipatinga até 1998. Há outra
similitude entre esta cidade e Brasília. Nela também se abominam as multidões nas ruas,
praticamente inexistem transeuntes, as ruas e as avenidas largas vivem silenciosas, a maior
parte do tempo e, se acaso agitam é porque está no horário de troca de turnos.
A planura do sítio original favoreceu a criação de perspectivas retilíneas,
permitindo que a técnica moderna se apossasse da arquitetura da cidade.
A cidade já nasce especializada em função de uma zona industrial — local onde se
produz — acrescentados os bairros residenciais onde se descansa; os bairros comerciais,
onde se fazem as compras; as zonas de lazer, lugar de diversão. Trata-se de uma divisão da
área urbana em setores reservados às mais diversas funcionalidades.
Esse sistema de zoneamento urbano favorece o funcionamento do trânsito, sendo
priorizado o automóvel, o tráfego motorizado, a circulação rápida, expressa, em amplas
avenidas que cortam a cidade, verdadeiras auto-pistas que se transformaram em um sério
problema devido ao elevado índice de acidentes graves em plena cidade. A solução
encontrada pelo poder público também saiu de Brasília, com a instalação de instrumentos
eletrônicos dotados de câmara fotográfica ou “radares”, para flagrarem motoristas em
velocidade acima do permitido pela legislação de trânsito.
Como nas vilas operárias, o contato entre as pessoas deve se limitar às unidades de
vizinhança e às necessidades do trabalho, não necessitando o seu morador deslocar-se para
fora do bairro, pois a maioria dos bairros é equipada de centros comerciais e,
104
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar. A Utopia da Cidade Disciplinar, p. 187.
105
LE VEN, Michel Marie. Classes Sociais e Poder Político na Formação Espacial de Belo Horizonte, p.
395.
56
especialmente, de clubes, construídos estrategicamente em cada bairro pela empresa. Mas
esse modelo importado e imposto enfrentaria críticas por parte dos beneficiados, como
demonstra o relato desta moradora:
“(...) a cidade foi um projeto errado, porque eles queriam proteger seus
funcionários da poluição da usina, mas nós, da empresa é que comíamos
toda aquela poeira. Diziam que a empresa seria construída nos moldes da
Inglaterra, condados; a cidade não teria prefeitura, ela seria um condado
da Usiminas. Ipatinga não era uma cidade, um espaço onde o povo vive,
sonha com o crescimento, não só de sua cidade, mas dele em primeiro
lugar. E a cidade era a Usiminas e nós não tínhamos cidade; nós tínhamos
como referência de endereço a empresa, não a cidade”.
106
O relato dessa antiga moradora chama a atenção para um elemento novo em nossa
discussão: o problema da poluição, e nesse sentido, “foi um projeto errado” porque
planejaram quase tudo, mas esqueceram-se da poluição que assola os bairros da empresa,
esses ficam debaixo da chaminé de três gigantes altos-fornos. Até 1985, a empresa, carente
de uma consciência ambiental, não havia instalado filtros para conter a poluição.
Em 1987 foi instalada uma comissão de sindicância na Assembléia Legislativa de
Minas Gerais para apurar a poluição regional, como atesta este periódico de circulação
local.
“Foi instalada na tarde de ontem, na Assembléia Legislativa de Minas
Gerais, a comissão de sindicância encarregada de apurar o problema da
poluição no Vale do Aço. Um grupo de cinco deputados realizarão
trabalhos em cinco fases e deverão estar com os mesmos prontos até
meados de novembro com a apresentação do relatório final. Seu roteiro de
trabalho é o seguinte: 1ª fase –‘poluentes no ambiente’; 2ª fase
‘poluentes no meio ambiente, ar e água’ ( sendo ouvidos técnicos da
Copasa, IESA e da Universidade de Viçosa), 3ª fase – ‘poluição ambiental
e saúde do trabalhador’ ( sendo feitas palestras com técnicos da Secretaria
de Saúde de São Paulo, alguém do Centro Regional de saúde); 4ª fase –
‘desmembramento do tema anterior, com palestras de uma médica da
UFMG, Cetec, médica da delegacia Regional do Trabalho e representantes
dos sindicatos de Volta Redonda e Santos’; 5ª fase – ‘visita às usinas da
Acesita e Usiminas, seguindo os depoimentos de prefeitos da região”.
107
Portanto, a construção do condado Usiminas sairia do projeto do arquiteto Hardy,
inspirado no modelo de cidade funcional, fruto da arquitetura moderna e seria adaptado às
necessidades locais, para atender em parte os setores da empresa, que conjuntamente
106
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: olhares de citadinos – cidadãos se fazendo na cidade, p.39.
107
Diário do Aço, edição de 19 de agosto de 1987.
57
idealizaram a construção de cidades jardins combinadas ao velho modelo das vilas
operárias paulistas – conhecidas por cidades fábricas ou cidades disciplinares que, com
certeza, atenderiam melhor às necessidades de controle social por parte da empresa,
conforme atesta Margareth Rago:
“Na verdade, muito mais que uma maneira de morar, as vilas representam
muito a vontade de impor um estilo de vida. Através da imposição das
vilas operárias, vilas punitivas e disciplinares estabelecem um código de
condutas que persegue o trabalhador em todos os espaços de sociabilidade,
do trabalho ao lazer. Eliminando todos os intervalos que separam a vida e
trabalho do operário, a forma burguesa designada para o pobre instaura um
novo campo de moralização e de vigilância”.
108
Em Ipatinga, a cidade inventada a mando da Usiminas, conciliou-se disciplina e
hierarquia, instaurando um espaço de conforto e satisfação de onde o trabalhador não
precisa sair nem mesmo para divertir-se. Os bairros operários estão vinculados ao aparato
da produção através desse mecanismo sutil de dominação que é a própria habitação. Com
isso esperava-se evitar a promiscuidade de operários com os inferninhos, como o prostíbulo
Joá — conjunto de cortiços localizados na Rua do Buraco, no centro velho, um dos poucos
locais de sociabilidade para a massa operária fora do domínio da empresa.
No discurso, os engenheiros-patrões prometem retirar e abrigar o operário em uma
casa salubre, fugindo com isso da contaminação moral das ruas agitadas e de pontos
viciados e escuros situados do outro lado da cidade, como o centro velho de Ipatinga,
evitando com isso que “ o operário busque o boteco e o cabaré para se refugiar no álcool
e no jogo, à procura das compensações que lhe faltam dentro do ambiente doméstico” .
109
Essa situação de controle sobre a vida e a moralidade do novo homem trabalhador,
conseqüência necessária do desenvolvimento do industrialismo, não passou despercebida às
reflexões de Antônio Gramsci ao analisar o Americanismo e Fordismo, em suas anotações,
nos cadernos originais escritos no cárcere. Ele assim destaca: “Os instintos sexuais são os
que sofreram a maior repressão da sociedade em desenvolvimento, a sua regulamentação
108
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: A Utopia da Cidade Disciplinar, p.177.
109
Ibidem. p. 116
58
em virtude das contradições que gera e das preservações que lhe são atribuídas, parece a
mais “inatural”: assim, são mais freqüentes neste campo os apelos da “natureza”.
110
E logo em seguida, ao examinar a formação da sociedade industrial norte-
americana, conclui que:
“O proibicionismo já forneceu um exemplo desta separação. Quem
consumia álcool introduzido pelos contrabandistas nos Estados Unidos? O
álcool tornara-se uma mercadoria de luxo e nem mesmo os mais altos
salários poderiam permitir que ele fosse consumido pelas massas
trabalhadoras: quem trabalha pelo salário, com um horário fixo, não tem
tempo para procurar o álcool, pra praticar esportes ou para iludir as leis. A
mesma observação pode ser feita em relação à sexualidade. A “caça à
mulher” exige muitos loisirs: assim, repetir-se-á no operário de tipo novo,
de outra forma, o que ocorre nas aldeias do campo. A relativa solidez das
uniões sexuais no campo liga-se estreitamente ao sistema de trabalho
agrícola. O camponês que volta para casa à noite, depois de uma longa
jornada de trabalho... ele não está habituado a sair em busca de mulheres
de fortuna: ama a sua, segura e infalível. Parece que assim a função sexual
se mecaniza, mas na realidade, trata-se e uma nova forma de união sexual
sem as cores “fascinantes” da fantasia romântica própria do pequeno
burguês e do boêmio vadio. Percebe-se que o novo industrialismo pretende
a monogamia, exige-se que o homem trabalhador não desperdice suas
energias nervosas na procura desordenada e excitante da satisfação
sexual ocasional: o operário que vai ao trabalho depois de uma noite de
“desvarios” não é um bom trabalhador, a exaltação passional não está de
acordo com os movimentos cronometrados dos gestos produtivos ligados
aos mais perfeitos processos de automação. Este conjunto de
compressões, coerções diretas e indiretas exercidas sobre a massa
produzirá , indubitavelmente, resultados e proporcionará o surgimento de
uma nova forma de união sexual, da qual a monogamia e a estabilidade
relativa parecem ser o traço característico e fundamental”.
111
Para esse homem monogâmico e disciplinado para o trabalho, a solução ideal de
residência visualizada pela Usiminas é a “casa isolada” ou as “cidades-jardins”. A imagem
do jardim/natureza oposta à do botequim/sociedade reforça a proposta moral da empresa de
inclusão da classe operária. Assim, a habitação popular é utilizada como pretexto para a
aplicação de regimes disciplinares análogos às imagens da prisão, do convento ou do
exército que, conjuntamente com o sistema de fábrica, torna-se mais um dispositivo de
fabricação de corpos dóceis.
112
110
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Civilização Brasileira . 6ª ed. Tradução
de Luiz Mário Gazzaneo, 1988. p. 403.
111
GRAMSCI, Antônio, op. cit. p. 404.
112
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. p. 124.
59
A segregação das pessoas ou “a espacialização dos corpos, que se tornam dóceis e
manobráveis”
113
desde o espaço urbano até o interior da casa, facilita a gerência da vida
dos dominados até mesmo em sua intimidade, e, a partir daí, a vigilância panóptica que se
exerce no âmbito da fábrica invade o interior da moradia operária. Refletindo sobre as
cidades fábricas ou cidades-jardins, Margareth Rago pontua:
“O engenheiro Marcelo Taylor de Mendonça, autor de “Casas Populares –
Cidades-jardins”, apresenta como solução ideal para o problema da
moradia operária ‘sob o ponto de vista higiênico e social’, a construção de
cidades ou bairros-jardins, a exemplo do que já vinha sendo praticado em
Chicago, na Inglaterra ou na França. Partindo da idéia da cidade-jardim,
formulada por Ebenezer Howard no final do século XIX, pretendia realizar
a síntese da cidade e do campo. Desejava-se, então, criar um espaço
descongestionado, instalando uma cidade planejada que não deveria
ultrapassar uma certa quantidade de indivíduos e onde estes poderiam
usufruir tanto dos benefícios da vida urbana (como os serviços públicos e
as atividades sociais) quanto das vantagens do campo: ar puro, zonas
verdes, tranqüilidade, muito espaço”.
114
Em Ipatinga, o ordenamento dos bairros da empresa atendeu em parte ao modelo de
cidades-jardins no que se refere ao espaço e áreas verdes que circundam os bairros,
conforme o relato do engenheiro Amaro Lanari, responsável pela implantação da empresa.
“Nós tivemos de fazer a cidade. Encarregamos o Hardy de fazer o projeto.
Ele arrumou um grupo de arquitetos e todos estavam de acordo que se
devia dar um caráter de vida ao ar livre, o ‘country-life’ inglês, ou seja,
quanto mais separada da usina melhor, a fim de não ver nada da usina,
nem fumaça. A cidade foi feita mais ou menos dentro dessa filosofia”.
115
Mas o próprio engenheiro reconhece que este modelo inglês de isolamento não era
o ideal para a nossa gente “devido ao fato do sujeito não ter o que fazer, não ter lazer, não
ter distração. Acho que nós somos mais parecidos com os italianos do que com os ingleses.
Na Itália, por mais espaço que se tenha, as casas situam-se juntas umas das outras”.
116
O resultado imediato da aplicação do modelo inglês é que aumentou o número de
casos de loucura e Amaro Lanari — engenheiro chefe de operações da Usiminas —
113
Ibidem. p. 124.
114
RAGO, Margareth. Do cabaré ao Lar. A Utopia da Cidade Disciplinar, p.195.
115
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO. A Usiminas conta a sua história. Depoimento de Amaro Lanari Júnior.
p.15.
116
Ibidem. p. 16.
60
reconhece que no mês de outubro ocorreram sete casos de loucura e as pessoas preferiam
os bairros amontoados, ou inferninhos, ninguém queria saber do “country-life”, aquilo era
negócio para inglês. A partir daí, equiparam os bairros operários com supermercados,
sorveteria etc. Aos poucos o projeto inicial foi sendo adaptado no sentido de se criar alguns
pequenos espaços de sociabilidade, atendendo às necessidades cotidianas.
No que tange à hierarquização do espaço e reprodução do organograma interno da
Usina, compete descrever essa hierarquia e os nomes das respectivas ruas que obedecem a
essa divisão espacial/social. Logo, Diretores, Chefes de Departamentos e de Divisão
ficaram no sugestivo bairro Castelo. Os nomes das respectivas ruas que cortam o bairro,
foram uma reverência aos planetas do sistema solar; Chefes de seção e alguns Engenheiros
em um bairro logo abaixo — bairro Cariru — onde se constata uma predominância de
nomes de ruas relacionados aos países da Europa; Supervisores no bairro Imbaúbas e,
percorrendo suas ruas, depara-se com uma verdadeira tabela periódica e todos os
elementos químicos, estampados nas placas de suas ruas.
Assim, engenheiros em um bairro, Supervisores e Técnicos reunidos em um mesmo
lugar e os Operários do outro lado da cidade, em um bairro com o sugestivo nome de Ideal.
Esse planejamento reproduzirá o ambiente interno de trabalho nas suas divisões, nas suas
tensões, na sua hierarquização, e parece não o conforto de um lar, mas “(...) uma extensão
da fábrica, um pátio onde se estacionam máquinas fora do seu horário de uso”.
117
Assim como Belo Horizonte, Goiânia, Curitiba, Brasília e, mais recentemente,
Palmas, no Tocantins, nasceu Ipatinga, mais uma cidade planejada. Cidades frias, racionais,
desprovidas de um passado histórico, como nos mostra, em seus “Tristes Trópicos”, o
francês Lévi-Strauss
“Nessas cidades sínteses do Brasil Meridional, a vontade secreta e
obstinada que aparecia na implantação das casas, na especialização das
artérias, no estilo nascente dos bairros, era tanto mais significativa quando
contrariava, prolongando o capricho que tinha dado nascença ao
empreendimento (...) nascidas da decisão de um grupo de engenheiros e de
financistas — voltavam insensivelmente à concreta diversidade de uma
ordem verdadeira como havia feito Curitiba um século antes e depois com
Belo Horizonte , que apareceram no mapa no dia em que os governos
decidiram fazer delas uma cidade. (...) Não sei se devemos regozijar com o
absurdo ou deplorá-lo: o governo tinha decidido esquecer Goiás, tudo
aquilo era velho demais , demasiadamente pequeno. Encontraram a 100
117
RUEDA, Lenir. NAHAS, Antônio Júnior. op. cit. p. 37.
61
quilômetros o local adequado para a futura capital do país. Como nenhum
acidente natural existisse para importunar os arquitetos, estes puderam
trabalhar sobre o terreno como se trabalhassem sobre suas pranchetas. O
traçado foi desenhado na terra; delimitou-se o contorno e, no interior, as
diferentes zonas: residencial, administrativa, comercial, industrial e a que
se consagrou às distrações. Estas são importantes em cidade pioneira , pois
em Marília, nascida de um empreendimento semelhante, sobre 600 casas
construídas, contava 100 de tolerância, a maior parte ocupada pelas
francezinhas”.
118
Das observações de Lévi-Strauss, extrai-se, que outras cidades planejadas como
Curitiba e Belo Horizonte surgiram de decisões governamentais. Então, não se pode ignorar
o papel do Estado como agente fomentador da produção no espaço urbano. A fundação da
cidade de Ipatinga decorre de um determinado processo político-econômico que culmina
com a decisão política da criação da Usiminas no Vale do Aço e conseqüentemente a nova
configuração dada ao espaço para atender às necessidades do capital e dos novos grupos
sociais constitutivos da sociedade.
Depois de se chegar a cortejar a cidade mineira de Governador Valadares para
sediar a grande siderúrgica, optou-se por uma planície a 100 km, coberta por uma
imensidão de matas. Assim como no planalto central, os arquitetos puderam também
trabalhar sobre o terreno como se trabalhassem sobre suas pranchetas após, o
desmatamento da floresta de eucaliptos então existente.
Preliminarmente fez-se necessário demarcar o espaço longitudinal da área da futura
empresa. A ela foi reservado o melhor terreno em uma extensão de 07 quilômetros de
comprimento por três mil metros de largura, perfazendo aproximadamente 21 metros
quadrados de clareira onde foram montadas as instalações necessárias à produção do aço. E
em volta dessas instalações optaram por construir os bairros da empresa.
2.2 Vigilância e controle comandando a cidade
A empresa e a cidade nasceram sob os auspícios da Ditadura Militar e
consequentemente, sob o signo da segurança nacional. E uma observação, mesmo
118
STRAUSS, Claude-Lévi. Tristes Trópicos. p. 126.
62
descuidada, de um visitante absorto que decida percorrer os bairros da empresa, facilmente
notará que esses ficaram encurralados entre os muros da enorme fábrica e a extensão das
águas do Rio Doce em sua confluência com o Rio Piracicaba e a mata nativa, reserva
natural quase intransponível do Parque Estadual do Rio Doce.
Notamos ainda que o acesso aos bairros construídos pela empresa poderá ser
impedido com facilidade, uma vez que os mesmos dispõem apenas de uma entrada e uma
saída. Isso demonstra que em caso de motim ou ameaça de outra ordem, esses bairros
seriam facilmente isolados e mais de 10 mil homens enjaulados com seus familiares. Tudo
pode não passar de fantasias deste pesquisador, mas será mesmo?
Acredita-se que não, amparados em Michel Foucault, entendemos que “o poder é
saber,”
119
um saber sobre os corpos, que os tornam dóceis, manietados pelo conhecimento
científico. As Ciências Sociais, ao ousarem estudar o comportamento dos homens, não
tiveram a preocupação de libertá-los no plano material, porque “as luzes que criaram a
liberdade criaram também as disciplinas”.
120
Portanto, a razão iluminista, ao propor a libertação dos homens do obscurantismo
que marcava a sociedade do Antigo Regime, criou novas condições para que os homens
continuassem dominados, submetidos aos caprichos dos inúmeros poderes que permeiam as
relações sociais. O que se tem a partir de então é um espaço quadriculado das cidades,
assim como das fábricas que ficariam sob o olhar vigilante do patrão, como relata Foucault:
“Nas fábricas que aparecem no fim do século XVIII, o princípio do
quadriculamento individualizante se complica. Importa distribuir os
indivíduos num espaço onde se possa isolá-los e localizá-los: mas também
articular essa distribuição sobre um aparelho de produção que tem suas
exigências próprias”.
121
A discussão que ora se inicia passa pelo campo da política, não a política partidária,
mas política enquanto entendimento do poder. Dessa forma, Ipatinga representa também
uma tradução da idéia de política: política como a emanação da técnica e da ciência, do
saber e do poder, e não um produto dos conflitos entre interesses diferentes e contraditórios.
A vida das pessoas deve ser regulada a partir do alto, onde se encontra a razão, e não de
119
FOUCAULT, Michel. Micro-física do Poder. Rio de Janeiro Ed. Graal. 2003. p. 43.
120
Ibidem. p. 123
121
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 124.
63
baixo, onde se concentram a desordem e o tumulto. Erguida na aurora da ditadura militar, a
nova cidade tornou-se logo uma fortaleza da empresa contra as greves, tão caras ao regime
militar.
Portanto, discutir as relações de poder nessa cidade é referir-se à política adotada
pela Usiminas ao longo dos anos, e compete aqui procurar os meandros dos poderes ora
instituídos. Embora haja inúmeras definições e interpretações a respeito do conceito de
poder, vai-se considerá-lo aqui, genericamente,(...)“como sendo a capacidade ou
possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos humanos”.
122
Por conseguinte, o poder supõe dois pólos: o de quem exerce o poder e daquele
sobre o qual é exercido. Logo, o poder é uma relação social ou um conjunto de relações
pelas quais indivíduos ou grupos interferem na atividade de outros indivíduos ou grupos.
Em vista disso, dentre os conceitos de poder, aquele que interessa aqui não se refere
à política e, consequentemente ao poder do Estado que, desde os tempos modernos, se
configura como a instância por excelência do exercício do poder político. Para esta análise
recorrer-se-á novamente à visão Foucaultiana de Microfísica do Poder:
“O poder não como um objeto natural, uma coisa, e sim uma prática
social, e, como tal, constituída historicamente. O Estado não visto como
aparelho exclusivo do poder, mas fruto de uma articulação com poderes
locais , específicos, circunscritos a uma pequena área de ação , existindo
outras formas de poder a ele articuladas, conjunto e mecânica, o poder
que se expande por toda a sociedade assumindo formas mais regionais,
concretas, investindo em instituições, tomando corpo em técnicas e
dominação. Poder que intervém materialmente atingindo a realidade mais
concreta do indivíduo, e que se situa ao nível do seu corpo social e não
acima dele, penetrando na vida cotidiana, por isso podendo ser
caracterizado como micro-poder ou subpoder: microfísica”.
123
Nesse sentido, é conveniente desvendar os micropoderes que permitem o exercício
do poder da Empresa Usiminas sobre seus empregados no cotidiano da fábrica e a extensão
dessas relações de poder sobre a cidade por ela projetada, bem como na outra cidade que
surge fora dos muros da empresa, como mostra esta reportagem recente do jornal o Globo:
122
ARANHA, Maria Lúcia Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução à Filosofia.
2ª ed. São Paulo: Moderna, 1999.p. 179.
123
FOUCAULT, Michel. Microfisíca do Poder, p.15.
64
“Ipatinga, cidade do progresso, mas também da ordem, da imposição de
uma paz social, por meio de um sistema de vigilância política as seus
empregados, dentro e fora da siderúrgica Usiminas, [...] incluindo registros
sobre a vida privada dos operários, onde os agentes internos codificavam
cada ato suspeito de um empregado. Eram 19 os códigos, cobriam desde
atitudes políticas, dentro e fora da fábrica, até brigas domésticas e hábitos
sexuais”.
124
Essa mania de investigar a privacidade alheia por parte de industriais pelo visto não
é fato novo. Fenômeno parecido foi assim descrito por Antônio Gramsci em relação ao
processo de industrialização dos Estados Unidos no início do século vinte:
“Na América, a racionalização e o proibicionismo estão dubitavelmente
ligados: os inquéritos dos industriais sobre a vida íntima dos operários, os
serviços de inspeção criados por algumas empresas para controlar a
‘moralidade’ dos operários são necessidades do novo método de trabalho.
Quem risse destas iniciativas (mesmo falidas) e visse nelas apenas uma
manifestação hipócrita de ‘puritanismo’, estaria desprezando qualquer
possibilidade de compreender a importância, o significado e o alcance
objetivo do fenômeno americano, que é também o maior esforço coletivo
realizado até agora para criar, com rapidez incrível e com uma consciência
do fim jamais visto na História, um tipo novo de trabalhador e de
homem”.
125
A impressão que se tem é que se vive um “1984 de George Orwel”.
126
.Os métodos
usados para manter sob controle todos os seus empregados, dos mais baixos, aos mais
altos níveis hierárquicos reproduzem o Panóptico de Bentham, intelectual inglês do século
XVIII, que arquitetou uma sociedade disciplinar, onde seus hóspedes se sintam a todo
tempo vigiados,(...) “nossa sociedade não é de espetáculo, mas de vigilância: sob a
superfície das imagens, investem-se os corpos em profundidade;[...] a totalidade do
indivíduo não é amputada, reprimida, mas o indivíduo é cuidadosamente fabricado”.
127
Em seu famoso Panóptico, Bentham pensa resolver o problema disciplinar da
prisão, “por um simples projeto arquitetônico”: do seu pavilhão situado no centro de um
círculo, o inspetor “vê sem ser visto” os detentos, cujas celas com grades simples e abertas
124
Jornal O Globo edição de 4 de setembro de 2004.
125
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, p. 402.
126
ARANHA, Maria Lúcia Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução à Filosofia
.p.5.
127
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p.115.
65
à sua vista distribuem-se ao redor. Só o seu olhar, e a consciência que os presos dele têm,
basta para fazer com que reine a ordem.
Logo a arquitetura da vigilância reproduz na construção dos bairros operários a
estrutura hierárquica e despótica presente no interior da fábrica. Também por esta plaga o
modelo inglês parece referenciar o projeto arquitetônico dos engenheiros pela implantação
da Usina de aço. As casas são dispostas no entorno da fábrica, uma disposição panóptica:
maneira pela qual a arquitetura, a partir dos princípios de Bentham, pôde resolver o
problema de permitir a um só olhar vigiar e controlar o comportamento de muitos, fazendo
com que a própria idéia de um olhar atento e vigilante ininterrupto fosse internalizada pelas
pessoas sobre as quais recaísse de fato ou não a vigilância.
Através da organização do espaço urbano, a chefia pode vigiar e cercar o
trabalhador minuciosamente, desde os momentos mais íntimos de sua vida diária até suas
ações sociais múltiplas. Nesse espaço quadriculado, todos se conhecem, dos proprietários
aos vizinhos, e se observam, se espiam, se controlam. As preocupações se deslocam para os
aspectos mais corriqueiros do dia-a-dia e instala-se a concorrência mesquinha entre os
moradores das casas vizinhas: quem tem o jardim mais transado, qual casa é a mais limpa,
com quem conversam as esposas, quais os problemas dos casais, quem tem televisão ou
uma simples bicicleta.
Nesse sentido, o depoimento de Adil Albano, operário aposentado é bastante
esclarecedor:
“Em 1966 mudei-me para o bairro Iguaçu, numa casa alugada, à beira do
rio. Mas eu sempre sonhei ‘ganhar’ uma casa da Usiminas. Só depois de
um ano e meio é que consegui uma, no Vila Ipanema, isso em 1969 ou
1970.(...) Mas quando me mudei a vida começou a ficar ruim. Eu não
sabia que num bairro da Usiminas tem-se a impressão de estar em
serviço todo o tempo, é como se estivesse no interior da Usina. É um
povo que tem a inveja como predominância de vida. Por exemplo, meu
irmão comprou uma ‘advance rabo-quente’ e instalamos a televisão em
minha casa. No dia seguinte minha casa começou a ser apedrejada pelos
vizinhos por inveja. Minha vida passou a ser um inferno. As pessoas
vigiavam até quando você chegava em casa. Estranhei aquele modo de
vida. Então voltei para o Iguaçu e nunca mais voltei lá. Comprei um lote e
fiz uma casa de tábua que tinha greta de até dois dedos”.
128
128
RUEDA, Lenira e NAHAS, Antônio Júnior. (coords.). Homens em Série..., Depoimento de Adil Albano. p
.83.
66
Os poderes circulam em todos os espaços de sociabilidade do trabalhador: na
fábrica, na habitação, na escola de seus filhos, no armazém, na igreja ou no teatro. Do
trabalho ao lazer, nenhum intervalo é esquecido por esta penalização diária e difusa da
existência. Além dos regimentos internos de fábrica, os operários devem obedecer aos
regulamentos externos que estipulam as normas de conduta de cada um, em cada espaço e
em cada momento, complementando a tarefa de constituição dos “soldados do trabalho
para além dos muros da produção.
Os equipamentos coletivos que o bairro possui, como cooperativa de consumo,
colégio, hospital, clubes, cinema, teatros e outros, cercam o operário por todos os lados,
satisfazendo suas necessidades elementares. Mas ao mesmo tempo criam outras, como
participar das atividades da empresa, das festas de comemoração, ou, num nível mais
invisível, indicando os espaços adequados para cada ato, confinando a sexualidade
normalizada do casal ao quarto. Em caso de desvios são codificados por agentes internos da
empresa. Logo, estão condenadas as relações perigosas.
Qualquer desvio do operário, seja em sua vida particular ou assuntos relativos à
empresa ou manifestações pró-salariais serão objeto de uma codificação por parte dos
arapongas” da empresa que estão em todas as partes, conforme denúncia do jornal o
Globo, já anteriormente citada.
O depoimento de Geraldo Cilico, ex-operário da Usiminas, comprova o clima de
espionagem que estavam submetidos os operários que residiam nas casas construídas pela
empresa e demonstra parte do cotidiano desses trabalhadores:
“Lá no Imbaúbas não tinha nada. Todos tinham que ir ao Bom Retiro e ao
Horto comprar. Era difícil, pois trabalhava de turno. Comprei uma casa no
Bom Retiro em 1970, mas por problemas de vizinhança mudei de lá. A
vida era só Usiminas. Se alguém comprava uma geladeira o vizinho tinha
que ter também. Comprei um carro e troquei por uma casa no bairro
Iguaçu. Minha vida mudou quando eu saí da área da Usiminas em 1971.
Foi a melhor coisa que fiz, ter saído das garras da Usiminas em si. Era
uma coisa ruim. .
Parecia que a gente era espionado, incomodava. (g.n)
No bairro Iguaçu era coisa nova. Todos eram diferentes, tanto que hoje eu
nem gosto de ir para os lados da Usiminas”.
129
( grifo nosso)
129
RUEDA, Lenira e NAHAS, Antônio Júnior. (coords.). Homens em Série..., Depoimento de Geraldo Cilico.
p. 84.
67
Os moradores, como bons legionários, estão de prontidão vinte e quatro horas
ininterruptamente, porque o olhar vigilante da empresa perpassa por todos os poros de sua
vida social. Um dos informativos sindicais denúncia que a “Usiminas não é quartel e
metalúgico não é soldado: A ditadura militar ainda impera na administração da Usiminas.
A empresa se vangloria de conhecer a vida dos trabalhadores dentro e fora da fábrica”.
130
Então, não tem descanso, não tem lazer, vive-se e respira-se trabalho; talvez por isso
é que os informativos sindicais qualificam a empresa como campo de concentração e seus
chefes como nazistas e outros termos correlatos, como: “ É essa mentalidade retrógrada,
fascista, medieval, que pensa que a Usiminas é um campo de concentração que ainda
impera na estatal que deu certo”. (...) “Dar certo para essa gente é isso: é oprimir,
disciplinar, vigiar, demitir...”.
131
Conforme já demonstramos, em Ipatinga todo o lazer está condicionado à empresa
que é possuidora de tudo, começando pelo ordenamento dos bairros da empresa os quais
atenderam em parte ao modelo de cidades jardins no que se refere ao espaço e áreas verdes
que circundam os bairros.
Como se mencionou, percebeu-se a reprodução hierárquica e escalonada do
organograma interno da Usina: Diretores, Chefes de departamentos e de divisão habitam
um bairro específico. Chefes de seção, e alguns engenheiros, em um bairro próximo ao
bairro da chefia, originando um ordenamento social segregador e disciplindor, cerceando a
liberdade.
O curioso é que após a construção da cidade, os Engenheiros-chefes tentam explicar
essa divisão social, para isso utilizam-se de um discurso invocando a ordem natural das
coisas, como a grande responsável pela heterogeneidade social, como o fundamento da
segregação:
“A população dessa vila se constituirá de elementos heterogêneos, quer
quanto às condições econômico-sociais, quer quanto às condições de
educação e hierarquia. Não seríamos nós que haveríamos de preconizar
uma cidade segregada. No entanto, as próprias condições de trabalho de
uma usina do porte da Usiminas, seja por tradição, seja por conveniências
130
ÓRGÃO INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO SINDICAL FERRAMENTA DE IPATINGA-Agosto/87
Anos III Nº19. p. 01.
131
Ibidem. p. 02.
68
administrativas, obrigam a uma discriminação das unidades habitacionais
por classe de funcionários, engenheiros e operários”.
132
A segregação, a visibilidade e a vigilância também são os princípios da disciplina
nas fábricas e nos bairros que são uma extensão da usina. Elas correspondem a uma
tecnologia simples, fundada mais nos instrumentos, como a disposição dos bairros, do que
nas máquinas. O trabalho manual predomina com uma intensa divisão do trabalho. É essa
divisão do trabalho que estrutura a organização em empresas diversas e fornece os
princípios de ordenamento do espaço cotidiano do operário, permitindo ao poder um
controle incessante sobre os corpos.
Neste estudo, buscamos estabelecer correlações com os aspectos sociais, políticos e
econômicos, por se entender que a presença da Usina Siderúrgica na localidade em
questão foi a geradora de novas relações sociais, passando pelo chão da fábrica e
influenciando toda a sociedade local, que vive às expensas da grande empresa.
Não se pode falar da grande industrialização e produção do espaço no Brasil sem se
reportar à ação do Estado. Sua ação sempre se deu no sentido de intervir para ajustar a
desordem, e não para suprimi-la. Nada melhor para expressar a histórica incapacidade do
Estado brasileiro de sustentar qualquer planejamento urbano do que as experiências de
cidades que foram previamente projetadas e planejadas como Brasília e Belo Horizonte,
baseadas em concepções que significaram o triunfo da razão sobre o empirismo e o
espontaneísmo que caracterizava até então a urbanização.
133
Essas duas grandes cidades planejadas surgem por uma imposição da ordem estatal,
e servirão de modelos de planejamento urbano. Mas o fracasso desse planejamento se
expressa em pouco tempo. Mesmo contra a vontade de seus idealizadores, serão
circundadas por favelas. No caso de Belo Horizonte, para além da avenida do Contorno, e,
Brasília, às margens do plano piloto. Em Brasília nasceria uma outra capital — esta a
capital da pobreza”, formada pelas cidades satélites.
Ipatinga, a penúltima das cidades planejadas não se diferenciou nesse quesito de
suas irmãs mais velhas e nota-se que, por mais que a Usiminas tentasse criar a sua cidade,
132
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO .A Usiminas conta a sua história. Depoimento de Amaro Lanari Júnior.
p. 15.
133
LE VEN, Michel Marie. Classes Sociais e Poder Político na formação Espacial de Belo Horizonte (1893-
1914) p 154.
69
não foi possível impedir a prosperidade dos bairros populares do outro lado da cidade, que
foram loteados independentemente, fora do seu controle, conforme a fala de um antigo
morador: “Todo mundo comprava. Sempre o pessoal da Usiminas comprava, mas a
maioria dos compradores era gente da população e outros que vinham de fora. E os
bairros criados foram crescendo independentemente”.
134
A segregação, a visibilidade e a vigilância também são os princípios da disciplina
nas fábricas e nos bairros que são uma extensão da mesma. O trabalho manual predomina,
com uma intensa divisão do trabalho. É essa divisão do trabalho que estrutura a
organização em empresas diversas e fornece os princípios de ordenamento do espaço
cotidiano do operário, permitindo ao poder um controle incessante sobre os corpos.
Nesse processo de ação segregadora do espaço social por parte da empresa
Usiminas, a memória de dona Bizuca é bastante esclarecedora:
“A Usiminas ajudava as escolas, mas a primeira preocupação era com o
filho de seu empregado. Só que ela esqueceu do filho do peão também.
Mas o peão morava aqui, e nunca foi considerado filho de funcionário da
usina. Era sempre relegado. (...) Nunca foi concedido ao filho de peão que
morava na rua do buraco o direito de estudar no Grupo Escolar Almirante
Toyoda, no bairro Cariru. Não se bloqueava, mas a própria sociedade
discriminava. Ele se sentia inibido e voltava”.
135
Nessa trilha por uma cidade dividida a empresa preocupou-se apenas com o seu empregado,
porque os demais que trabalhavam nas empreiteiras e que foram seduzidos pela idéia de se
empregar na Usiminas, teriam um tratamento diferenciado e ficaram conhecidos como
peãozada, conforme atesta este depoimento de uma das primeiras moradoras:
“A cidade era a Usiminas”. Nós não tínhamos cidade, sempre existiu o
outro lado da cidade, o da pobreza, o da miséria, da peãozada... e eu vivia
com eles do outro lado tentando construir a cidade deles (...) “Havia um
planejamento de distribuição de moradia: apartamento, uma casa; a
escolha ficava por conta do empregado da usina”. Para nós aquilo foi
muito bom, moradia, bom salário. Foi interessante porque nunca tinha
visto tanto dinheiro; mas sabíamos e nos preocupava a situação dos piões
das empreiteiras, (...) éramos solidários!
136
134
FUNDAÇAO JOÃO PINHEIRO. A Usiminas conta a sua história. p.75.
135
RUEDA, Lenira e NAHAS, Antônio Júnior. (coords.). Homens em Série, Depoimento de Dona Bizuca. p
17.
136
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: olhares de citadinos – cidadãos se fazendo na cidade(1958 –
1992), p. 123.
70
Quando tratamos dos operários que conseguiram emprego direto na empresa estatal,
não há dúvidas de que num primeiro momento os salários dos trabalhadores redefiniram
seus padrões de consumo, antes reservados à classe média, alterando seus hábitos e a
simbologia de sua auto-identificação social, não significando, porém, que os trabalhadores
das empreiteiras tenham sido contemplados.
O estudo realizado possibilitou ver que pode-se dividir a população Ipatinguense em
três grupos: sendo o primeiro aquele que fora abençoado com casas e uma certa regalia por
trabalhar em uma grande empresa, constituindo, com o tempo, em trabalhadores prósperos;
um segundo grupo, formado pelos peões, formando os bairros populares, e finalmente
aqueles que se dedicaram ao comércio, muitos dos quais já habitavam a antiga vila, antes
da chegada da empresa, e parte deles formariam uma pequena burguesia.
É esse último grupo que, desde cedo, se preocupa com os destinos e o controle
político da cidade. E por mais de 20 anos administrariam a cidade em parceria com a
Usiminas.
137
Esse tema será mais bem desenvolvido no capítulo terceiro, no qual
analisamos a luta da comunidade para assumir o controle da cidade e o questionamento ao
autoritarismo da empresa.
2.3 A postura paternalista da Usiminas
O trabalhar na Usiminas tornou-se o alvo dos projetos pessoais e de vida de diversos
grupos sociais oriundos de camadas médias urbanas, pequena burguesia, famílias pobres,
provenientes de todas as partes do país. Essas pessoas adequaram-se diferentemente aos
requisitos e à vivência do novo ambiente industrial.
138
A maioria dos trabalhadores da Usiminas é seduzida pelas benesses da Empresa,
que em uma postura paternalista promete e concede casa própria, financiada pelo BNH,
compras na cooperativa de consumo, escola e hospital para o atendimento de seus
funcionários e familiares, fazendo surgir em pouco tempo um grupo de trabalhadores
prósperos entre a categoria dos técnicos, grupo médio da empresa , formando assim uma
137
DIARIO DO AÇO – 21 de agosto de 1988.
138
RUEDA, Lenira e NAHAS, Antônio Júnior. ( coords.). Homens em Série, Depoimento de Raimundo
Anício p. 17.
71
verdadeira aristocracia operária,
139
cooptada e, portanto desprovida de consciência
operária por ser um extrato economicamente privilegiado da classe trabalhadora, segundo
os cânones Marxistas.
Na ausência de um poder público atuante, coube à Usiminas suprir esta lacuna,
tornando-se a verdadeira mãe para uma enorme massa trabalhadora, carente de todos os
recursos; nessa região “a empresa é uma ‘instituição total, sua inteligência manipula as
emoções e os afetos. É o coletivo que prevalece sobre o individual. Até quando fazem amor,
é a empresa que ama em seus corpos”.
140
A Usiminas assumiu, em Ipatinga, a responsabilidade pelos problemas de
habitação, urbanização, saúde, educação, lazer, transportes, comunicação e outros, uma vez
que os poderes públicos e a iniciativa privada não estavam em condições de realizar
satisfatoriamente esses serviços, implicando uma evidente sobrecarga da estrutura
administrativa da empresa e elevados gastos financeiros, justamente na época de sua
implantação.
A postura paternalista assumida teve como objetivo interferir desde cedo nos rumos
da formação da classe operária, procurando com isso neutralizar os movimentos políticos
dos trabalhadores e relacionar-se com eles de maneira individualizada, ignorando suas
entidades de classe, tanto quanto possível. Um dos mecanismos utilizados pela direção é o
de que a fábrica deve ser valorizada como “uma grande família”, com a qual cada
trabalhador se identifica, domesticando com isso as relações trabalhistas.
Fato semelhante é observado por Benjamim Coriat ao estudar as empresas
japonesas, dentre elas a Toyota. Esse autor menciona que em 1954, após embates com um
sindicato interno atuante e combativo, ela constitui um novo sindicato, dessa vez
cooperativo e inserido no “espírito Toyota” onde a campanha reinvidicatória tornou-se,
então, naquele ano, movida pelo lema: proteger nossa empresa para defender a vida!
141
139
O Conceito de Aristocracia Operária baseia-se nas argumentações de Eric Hobsbawn de que na era
Vitoriana havia o alto da hierarquia da classe operária: uma camada auto-reconhecida e reconhecida pelos
outros como superior até certo ponto, separada dos restantes e, como estrato privilegiado, incorporara os
padrões burgueses de consumo, arrefecendo com isto os ânimos revolucionários, como proposto pelos
Marxistas Ortodoxos. HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho – Novos Estudos sobre História
Operária..3ªed.São Paulo: Paz e Terra,2000.p.220.
140
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo, p. 164.
141
CORIAT, Benjamin. Ell Taller y Robot ( Ensaios sobre el Fordismo y la Produccion em Masa em la Era
de la Eletronica. Apud ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre a metamorfose e a
Centralidade do Mundo do Trabalho. 5. Ed. – São Paulo : Cortez: ed. Unicamp. 1988. p.25.
72
Esse parece um lema muito próximo dos discursos gerenciais da Usiminas dada sua filiação
ao capital japonês.
Em troca de casa e comida, que na expressão popular são “ganhados”, há um
discurso patronal que exige resignação por parte de seus empregados, como relata o Diretor
Social da empresa Paulo Pinto:
“Agora, em sã consciência – eu não estou defendendo a empresa, não – a
Usiminas nunca descurou, e ela foi assim um marco novo na ligação
empresa-empregado. Eu costumava conversar muito com os operários.
Eles tinham muita confiança na gente. Eu dizia: “
Vocês são uns
milionários. “Têm casa, com rua asfaltada; escola para as crianças:
médico à vontade: um salário razoável; uma cooperativa de consumo,
lazer”. Hoje há, eu acho, 10 ou 12 clubes. A USIPA, hoje, tem técnicos
japoneses que ensinam judô. Há intercâmbio: nós mandamos treinador de
futebol para eles, e eles mandam isso para a gente. Então, eu falava:
“Vocês pensem bem, antes de sair daqui”. Porque, às vezes, vinha um e
dizia: ”Ah! Dr., estou pensando em ir para a Mannesman ou para a CSN!
Às vezes, eram uns técnicos muito bons. E tinham também treinamento
profissional, SENAI, etc. Por isso, eu dizia: “Pense bem. Isso tudo vale
muito mais do que um salário.
Até sem salário vale a pena trabalhar aqui.
Eu posso dizer por mim”. No início, a empresa me deu uma casa boa. Era
de madeira, mas muito boa. E eu levei a esposa com uma filha, a primeira
que nasceu. Nem lâmpada eu trocava
. Já era paternalismo
exagerado”.
142
(g.n)
O que se observa dessa alocução e em outras é um superdimensionamento da
carência de recursos na região como sendo esse o fator determinante das práticas
paternalistas que caracterizaram a atuação da empresa nos primeiros anos de construção e
operação da usina. Sendo que, dessa forma, o empregado acostumou-se a ter gratuitamente,
ou a preços simbólicos, casa, luz, água, esgoto, coleta de lixo, serviços de saúde, educação
e transporte, dentre outros.
Em conversas com aposentados da empresa, eles dão conta de que nem sempre os
empregados conseguiram pagar as prestações das casas “ganhadas” da Usina junto ao
BNH, uma vez que as primeiras prestações eram elevadas e depois de um tempo é que o
valor das prestações reduzia um pouco, justamente quando o trabalhador, depois de ter feito
uma poupança forçada, fora autorizada a sacar suas parcas reservas junto ao Fundo de
142
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO .A Usiminas conta a sua história. Depoimento de Paulo Pinto. p. 1l.
73
Garantia por Tempo de Serviço - FGTS e quitar a sua casa.
143
Mas depois, para vender as
casas, precisavam de autorização da empresa, que então às repassava para outros
empregados. Até hoje, no bairro Castelo, onde reside a alta chefia da siderurgia, só se
compra e vende uma casa com autorização da Empresa.
Um dos Informativos Sindicais do Grupo Ferramenta confirma as denúncias dos
altos preços das prestações junto ao BNH e os descontos efetuados em folha de pagamento,
alegando que:
“Levados pela enganosa propaganda de ‘ganhar’ uma casa da Usiminas e
ansiosos por ficarem livres dos aluguéis, centenas de metalúrgicos viraram
mutuários do BNH no bairro Ideal. Hoje vivem numa triste situação, as
prestações engoliram seus salários, o saldo devedor foi para as nuvens e a
situação piora a cada dia. As casas destinadas aos trabalhadores de baixa
renda chegam a ter as maiores prestações do país. Alguns companheiros
pagam até 700 mil mensais, descontados em contracheque, o que torna o
pagamento obrigatório. Alguns companheiros chegam a pedir demissão
por não suportarem estes descontos. Nas outras empresas da Siderbrás este
absurdo não ocorre”.
144
Em entrevista com metalúrgicos aposentados como, o senhor Geraldo das Graças
que participou de atividades sindicais em 1988, a denúncia acima foi confirmada, e ele
atesta que teve de desfazer de sua casa no bairro Ideal, o último dos loteamentos populares
da empresa, por não ter como quitar as prestações do BNH. Em 1985 a situação de penúria
era tamanha neste bairro, que os lixeiros se recusavam a fazer a coleta nos horários
determinados, priorizando outros bairros, de onde pudessem tirar alguns dividendos, ou seja
algo aproveitável. E ainda acentua: “o bairro ideal era descartado pelos lixeiros por terem
de recolher apenas casca de ovos e latas vazias de sardinha”.
145
Mesmo assim, o discurso patronal incorporou as vantagens concedidas como
benesses absolutas, esperando com isso uma mão-de-obra sedentária e ordeira, como se
depreende dos discursos patronais. A empresa, para muitos aposentados, continua sendo
tudo na vida e muitos deles se esquivaram em conversar com este pesquisador, talvez por
143
Entrevista concedida por Geraldo das Graças em março de 2006 . metalúrgico aposentado por invalidez e
participante da chapa ferramenta de 1988.
144
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO SINDICAL METALÚRGICA FERRAMENTA 1985 por ocasião das
eleições sindicais da chapa 1.Sem número
145
GERALDO DAS GRAÇAS. Metalúrgico aposentado por invalidez e participante da Chapa Ferramenta em
1988.
74
medo, uma vez que têm parentes na empresa e temem que os mesmos possam ser
prejudicados. Outros foram seduzidos pelo discurso fácil, como um deles que, procurado,
foi lacônico: “A Usiminas foi uma mãe para mim”. Na qualidade de mãe, a empresa é
qualificada moralmente. Os benefícios ainda são percebidos por muitos como uma bondade
e transparecem em expressões corriqueiras de aposentados, como: “Tudo que tenho foi a
Usina que me deu.”
Destarte, procura-se insinuar, juntamente com esses “benefícios”, a idéia de que
trabalhadores e patrões pertencem a uma mesma “comunidade”, lutando por interesses
comuns. A imagem da família, utilizada para pensar a empresa, cumpre a função explícita
de negar a existência do conflito capital/trabalho, sugerindo a idéia de uma harmoniosa
cooperação entre chefia e empregados, esperando deles uma subserviência quase cega não
ao grande patrão, sem rosto, mas ao bom pai que tudo dá ao filho indefeso, em troca de
obediência.
Compete-nos indagar, como fez Michelle Perrot, qual a origem e a simbologia do
termo Patrão. Essa autora menciona que as relações sociais do trabalho são concebidas
conforme o modelo familiar: na linguagem da empresa, o patrão é o pai e os operários, os
filhos que recebem o emprego e que o patrão deve assegurá-lo aos operários Os
trabalhadores aceitam essa forma de integração, e até a reivindicam.
146
Eles têm a
linguagem e o espírito da “casa”; têm orgulho de pertencer à empresa com a qual se
identificam. Essa atitude é muito mais freqüente do que se imagina; há inúmeros exemplos,
como o hábito atual de forçar o empregado a “vestir a camisa da empresa”.
147
Frank Annunziato citado por Coriat faz uma sugestiva alusão à particularidade
japonesa, de onde o sistema Usiminas recebe forte influência. Indubitavelmente no que diz
respeito à relação entre capital e trabalho, “O capitalista japonês, como encarnação do
senhor feudal, garante a estabilidade do trabalho, obtendo em troca, por parte dos
trabalhadores, encarnação do servo feudal, lealdade e obediência”.
148
146
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História – Operários, mulheres e prisioneiros, p. 82.
147
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO SINDICAL FERRAMENTA, Nº 13, 1987.
148
ANNUNZIATO, Frank. In CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e
organização. Tradução de Emerson S. da Silva. Rio de Janeiro: Revan: UFRJ 1994. p. 221.
75
O sistema social de relações paternais entre chefe e subordinados, como se fossem
estes uma família tutelada por aquele, permite-nos compreender por que, afinal de contas,
tantas vezes as empresas procuraram ignorar a greve. Ela seria impensável num contexto
paternalista, e fica evidente que a repressão por si só é insuficiente para explicar uma certa
negligência por parte da classe operária no que tange à luta pela extensão de certos direitos
trabalhistas a serem conquistados.
Bem entendido, a adesão daquele que exerce uma arte ou ofício, percebendo salário,
é absolutamente necessária para o funcionamento de um sistema paternalista em detrimento
de outro tipo de relação. Enquanto tal, o paternalismo é um sistema de gestão da mão-de-
obra bastante sutil e complexo, e seria preciso apreciá-lo em todas as suas dimensões, sejam
elas: sociológicas, psicológicas, políticas, simbólicas.
O paternalismo por muito tempo foi, e ainda continua a ser, um dos sistemas mais
importantes de relações sociais do trabalho. E na análise de Michelle Perrot o vocábulo
supõe pelo menos três elementos além outras conotações:
“1) presença física do patrão nos locais de produção, e mesmo a moradia
patronal;
2) linguagem e prática de tipo familiar entre patrões e operários;
3) adesão dos trabalhadores a esse modo de organização. Onde o ‘nós’
substitui o ‘eles’ da indiferença ou da hostilidade. E acontece que os
operários se identifiquem com a ‘casa’ onde trabalham, vangloriando-se de
sua estabilidade, do recrutamento hereditário que une sua linhagem à
empresa: nasce-se como alguém, e aí se morre. Os conflitos são raros
nessas condições, e assumem um significado mais dramático:
dilaceramento do tecido familiar, revolta contra o pai, mais difícil do que a
coalizão contra um empregador comum. “A ausência de greves, que
merece a mesma atenção que a existência delas, pode-se explicar pela
densidade de tais relações, que sob certos aspectos assemelham-se à
condição doméstica”.
149
No dia-a-dia é comum chamarmos o empresário de patrão, mas, se observarmos
mais de perto, esse termo não é absolutamente sinônimo de empresário. O termo
empresário é mais coerente, pois pode haver empresas sem patrões, como é o caso de
empresas estatais tipo a Usiminas ou as sociedades anônimas.
O título de patrão designa mais especificamente as relações com os assalariados;
ele denota uma certa idéia moral de proteção, de patrocínio, uma concepção dos direitos e
149
Ibidem. p. 82 e 83.
76
deveres de um chefe em relação aos seus subordinados, não mais satisfazendo uma relação
estritamente racional e econômica como a acepção de empresário na atualidade
Destarte, os patrões são senhores. E em dois momentos anteriormente analisados,
mostramos que a Usiminas é vista pelos citadinos como o grande senhor feudal ficando
toda a população submetida à sua servidão. Para o comerciante José Carvalho,
anteriormente citado, a emancipação política em 1964 significou uma espécie de foral ou
carta de franquia da comuna livre de Ipatinga diante do despotismo da empresa. Ele chegou
a afirmar que “se não fosse a emancipação, seríamos eternamente feudo da Usiminas”.
150
Para Dona Ione, como se viu, a Usiminas construiu um “condado” e não uma
cidade livre,“ a cidade seria construída nos moldes da Inglaterra, condados; a cidade não
teria prefeitura, ela seria um condado da Usiminas. Ipatinga não era uma cidade, um
espaço onde o povo vive, sonha com o crescimento. A cidade era a Usiminas e nós não
tínhamos cidade; nós tínhamos como referência de endereço a empresa, não a cidade”.
151
Vejam a sabedoria desses depoimentos; se a empresa é a possuidora de tudo, de fato
não existiu uma cidade livre e sim um feudo, um domínio particular, que passava pela
segurança, casa, comida, saúde, escola, diversão. A esses itens adiciona-se o Serviço
Nacional de aprendizagem (SENAI),esse novo ingrediente permite que o aprendiz de
operário, geralmente filho de um bom trabalhador, seja desde cedo submetido a um
verdadeiro “catecismo” no qual se aprendem as regras de boa convivência industrial. Ou “
um adestramento para o desempenho de um conjunto delimitado de tarefas”.
152
Michel Foucault, em A Ordem do Discurso, menciona que “em uma sociedade
como a nossa [...] sabe-se que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de
tudo em qualquer circunstância, enfim, não se pode falar de qualquer coisa a todos”.
153
De fato o mestre francês tem razão: no meio operário a fala cedeu espaço à representação
iconográfica ao longo dos anos. E, ao contrário do que esperava o patronato, nem sempre
esses foram retratados como bons pais.
150
RUEDA, Lenira e NAHAS, Antônio Júnior. (coords.). Homens em Série...,,Depoimento de José Carvalho.
p. 34.
151
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: olhares de citadinos – cidadãos se fazendo na cidade, p. .39.
152
SALGADO, Maria Umbelina Caiafa. Os Determinantes das Unidades de Treinamento nas Siderurgias de
grande porte: Acesita, Belgo Mineira e Usiminas. Tese de Doutorado. UFMG/FAE, 1984.
153
FOUCAULT, Michel. A Ordem do discurso. p. 76.
77
Pesquisando a França do século XIX, Michelle Perrot, assim expôs a descrição das
feições ou do caráter do patrão:
“O retrato físico do patrão oscila entre o do aristocrata “com o porte
arrogante”, ‘o passo leve’ o talhe ereto como o de um cortesão, e o outro,
dominante, do burguês arqueado, ‘pançudo e de barriga cheia’, ‘inchado,
bochechudo, obeso, estufado de ouro, engordado com o suor do povo’.
Esta última imagem predomina na iconografia, onde os patrões aparecem
enormes, com o charuto na boca, a corrente do relógio no colete
ressaltando uma barriga que quase desaba”.
154
Essas descrições da iconografia operária francesa guardam semelhanças com as
imagens retratadas por Hobsbawn acerca das caricaturas dos capitalistas ingleses, feitas
pelos socialistas da Belle Époque, sendo o patrão apresentado como “um homem gordo
usando uma cartola e fumando um charuto, mas nunca como uma mulher gorda; porque a
maioria dos patrões não era apenas imaginada como masculina, mas era composta de
homens”.
155
Discorrendo sobre o tema, o sociólogo italiano Domenico de Masi corrobora a
afirmação de Hobsbawn, vendo a fábrica com um instrumento de dominação masculina,
acrescentando que “A esfera pública é gerida pelos homens, que para isso usam justamente
a razão. A sociedade é masculina por definição. A sociedade nunca foi tão masculina como
na idade industrial”. (g.n)
156
Em Ipatinga a iconografia operária se fez presente nos informativos sindicais.
Nesses informativos, tipo panfletos, a Usiminas é retratada ora como um monstro
devorador de ingênuos operários
157
, ora como um campo de concentração. Ali seus chefes
são satirizados de fascistas ou como encarnações de velhos nazistas, como atesta esta
denúncia do Informativo da Oposição sindical, que tem como manchete:
UDL: tem chefe com mania de nazista:” O ex-chefe da ULNA, Alberto
Januário Valério Neto, participou diretamente da demissão do
companheiro Carlos Afonso (ULNA). Os companheiros até desconfiam
que Alberto, tido como agente do SNI e do Exército, está com o espírito
154
PERROT, Michelle. Os Excluídos da História – Operários, mulheres e prisioneiros, p.89.
155
HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho – Novos Estudos sobre História, p. 124.
156
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo, p. 214.
157
Vide anexo 4, p. 156.
78
de Menguele no corpo. Vale lembrar que o Sr. Alberto é apenas um, entre
muitos chefes da Usina com a mesma mania de perseguição.
158
Não podendo expressar seus sentimentos no interior da fábrica, os operários
alimentam com informações os ativistas sindicais, após 1985. Esses reproduzem as
insatisfações generalizadas no cotidiano fabril, através de panfletos distribuídos nas
portarias da empresa. Muitas vezes, utiliza-se de um carro de som para denunciar as
demissões injustas e os engenheiros são considerados carrascos para com os metalúrgicos,
não lhes poupando as mais absurdas caricaturas e adjetivos.
Por se tratar de uma empresa estatal, cabe perguntar: mas onde está o patrão em
uma empresa estatal, se essa é de capital nacional? Sabemos que as estatais foram criadas
a partir dos anos quarenta, imbuídas de uma forte conotação nacionalista. Sendo assim,
essas empresas aparentemente pertenceriam a todos; inclusive chegou-se a questionar qual
o comportamento do operariado nessas empresas, e alguns atestaram que seria este um
operariado passivo e facilmente cooptado pelo discurso do nacionalismo presente.
Um dos aspectos que mais despertam a atenção quando se estuda o comportamento
de novos segmentos operários como os da Usiminas, tendo em vista o papel decisivo do
Estado na sua constituição, é a subserviência frente ao empregador. Essa situação é tão
inusitada que alguns autores chegaram a considerá-la um obstáculo à constituição de
identidades de classe entre esses segmentos.
Um dos argumentos a esse respeito foi assim sintetizado:
“(...) o compromisso dos trabalhadores com o destino das empresas
estatais que os empregavam inviabilizaria a construção da alteridade
necessária para forjar uma identidade de si. E isto por várias razões: ou
porque não os levaria a experimentar uma gestão de trabalho
verdadeiramente conflituosa ou exploradora; ou porque não os colocaria
diante de patrões propriamente capitalistas, mas simples gestores de bem
público; ou, ainda, porque os discursos – nacionalistas e regionalistas –
que justificaram e legitimaram os grandes projetos de desenvolvimento
local, mascarariam as verdadeiras relações de exploração tecidas entre
classes”.
159
158
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO SINDICAL METALÚRGICA FERRAMENTA- Ipatinga Ano I- Nº1
28/02/86.
159
GURVITCH. Georges. As Classes Sociais. Tradução de Sérgio Miguel Grácio. 2ª ed. Iniciativas Editoriais
Lisboa, 1966. p.49.
79
Desse modo, o moderno operariado, cirurgicamente implantado nas áreas de
expansão pela ação integrada do Estado, como em Volta Redonda, Ipatinga e outras
localidades, dificilmente chegariam a alcançar “a condição paradigmática de “classe-para-
si” pelo simples fato de jamais haver conseguido ser uma “classe-para-outros”. Isto é, a
emergência de uma identidade operária socialmente constituída e compartilhada requeria
a construção do “Outro” – o inimigo de classe no qual os trabalhadores se
reconheceriam”.
160
Analistas argumentam que isso se tornava impossível em empresas estatais, nas
quais o capital não tem proprietário aparente, ou em filiais de empresas que fossem elas
estrangeiras ou ainda em joint-ventures de capitais diversos, “cujos proprietários são uma
espécie de burguesias sem burgueses à sua frente”.
161
Ora, os anos 70 mostraram em grande parte do mundo ocidental que o movimento
operário podia ser bastante virulento sob regimes em que o capital e o trabalho eram
gerenciados por executivos e técnicos assalariados. Nesses regimes, a figura do patrão
cedera lugar à “companhia”, e à “chefia” que age em nome do capital. Esses, logo serão
vistos pelos empregados como “colaboradores” da exploração capitalista, indiferentemente
de sua matiz
Parece claro, portanto, que tais formas de gestão não são dotadas de eficiência
intrínseca, nem necessariamente talhadas a integrar a classe trabalhadora
162
, como as
suposições anteriores.
Ademais, conjunturas de crise econômica como a da década de 80 ou de crise de
credibilidade da gerência estatal podem deflagrar descontentamentos nos chãos-de-fábrica
capazes de ofender exatamente aquelas modalidades de gestão do trabalho que parecem ser
supremas, tornando-as menos aptas para impedir os avanços dos conflitos de classe.
Essas observações se encaixam com a realidade da cidade de Ipatinga, mais
precisamente na década de oitenta quando um grupo de operários optou pela atividade
sindical. Essa foi sempre feita contra à vontade das gerências, em franca contestação às
160
Ibidem. p. 125.
161
Ibidem. p. 127.
162
Georges Gurvitch estabelece a distinção entre proletariado e outras classes oprimidas, graças ao conceito
de “tomada de consciência” através do qual a classe existente já virtualmente se torna um grupo atual,
enquanto totalidade dinâmica. Assim para Marx, no Manifesto, a classe social é constituída de modo
80
mesmas e ao poder absoluto do empresariado no âmbito fabril, ousando desafiar a cultura
despótica, paternalista e racionalista da estatal, lançando uma chapa de Oposição ao então
Sindicato, que funcionava como um mero departamento da empresa.
163
Tal ação é movida
por descontentamentos internos e, em parte, seguindo os rumos do operariado paulista. Esse
assunto será nosso objeto de análise no capítulo a seguir.
definitivo só quando, para além dum mesmo papel na produção e de interesses econômicos comuns, intervém
a solidariedade de classe,que, por sua vez, só pode ser obtida pela ideologia de classe. Op. cit p.24.
163
OLIVEIRA, José Geraldo de Oliveira. Requerimento de Anistia Política junto ao Ministério da Justiça em
2005.
81
CAPÍTULO 3
3. A Reação da Cidade à prepotência da Usiminas
3.1 A Cultura autoritária como marca da Empresa.
Ipatinga, essa jovem cidade industrial, foi o espaço escolhido para abrigar parte da
expansão industrial dentro de um plano de crescimento econômico do país esboçado pelos
“Cinqüenta Anos em cinco” do então presidente mineiro Juscelino Kubitschek e de seus
esforços na busca do progresso pela industrialização. O grande desafio dos empresários
mineiros passou a ser então fazer de Ipatinga a cidade-sede do maior parque siderúrgico da
América Latina, vindo a transformá-la em uma referência, por seu modelo de gestão, sua
qualidade de vida e desenvolvimento sócio-econômico.
A mídia, na atualidade tem dado destaque ao aspecto econômico e político,
alcançado pelo município, valendo-se de uma ótica laudatória condizente com aqueles que
privilegiam a velha história positivista, entretanto, minúsculo destaque foi dedicado ao
estudo do espaço onde se constituíram as relações de poder entre a fábrica e seus operários,
e ainda menos entre a fábrica e seus habitantes ao longo dos anos .
Julga-se de fundamental importância procurar compreender a cultura e a postura
autoritária adotadas pela empresa por mais de duas décadas em relação à sua sociedade,
surgida à sua volta e dela dependente. Este autoritarismo se fez presente nas ações
cotidianas do chão-de-fábrica e fora de seus muros, causando estranhamentos, silêncios e
produzindo como resultado natural das relações contraditórias, ações contestadoras.
Consideramos de fundamental relevância levantar as possíveis reações políticas ao
autoritarismo imposto, caracterizado por uma intensa vigilância tanto interna quanto
externa nos limites físicos da “empresa mãe”. As reações foram engendradas tanto pelo
passivo da relação social quanto na rotina do trabalho, além de outras manifestações
espontâneas de resistência como os movimentos sociais organizados, que intencionaram
romper com o status quo. Esperamos, assim, poder contribuir para uma melhor análise da
existência política e social da categoria trabalho, pouco presente na história dessa cidade.
82
Ainda que por aqui não haja grandes homens, ou melhor dizendo grandes políticos,
coube ao poder econômico instituído, suprir essa lacuna, e com freqüência recorreu às
extensas narrativas biográficas dos grandes administradores empresariais, como fica
evidente na abundante “História Institucional” exibida pela Empresa Siderúrgica Usiminas
em seus aniversários mais significativos, como nos seus 25 e 40 anos de fundação,
exaltando os feitos realizados.
É interessante observar que a empresa ocupa o lugar do antigo coronel, figura de
destaque do arcaico comando político dos sertões e que ainda impera como poder local pelo
interior das Minas Gerais. Ela incorpora,com ares de modernidade um novo mandonismo
econômico; porém, esse mando foi pautado pela racionalidade de toda uma estrutura
burocrática, hierárquica, autoritária, superando em muito o poder dos velhos chefes locais.
Ao se relatar a postura autoritária da empresa, torna-se necessária uma reconstrução
histórica de todo um passado arbitrário, buscando, quando possível, as origens de tal
comportamento. O marco inicial da arbitrariedade ocorreu em 1963 no denominado
massacre de Ipatinga”,
164
no qual dezenas de trabalhadores foram metralhados pela
polícia, com a anuência da chefia. Uma outra materialização deste autoritarismo ficou
evidenciado na demissão sumária de todos os componentes e supostos colaboradores da
Chapa Ferramenta, tanto no ano de 1985 como em 1988, por ousarem concorrer às eleições
sindicais, filiados à chapa de oposição.
As sucessivas demissões de todos os componentes de chapas sindicais por anos
seguidos, mesmo após o advento da Constituição democrática de 1988, levam a uma série
de indagações sobre a origem de tanto despotismo por parte da Empresa.
De antemão, é bom ressaltar que o autoritarismo é uma das principais características
da sociedade brasileira desde a sua gênese e que há dois séculos a história registra
movimentos na tentativa de se implantar no Brasil uma sociedade democrático-liberal no
estilo proposto pelos líderes da Independência Americana e pelos filósofos da Revolução
Francesa
165
. Esse processo, no entanto, vem sendo freqüentemente interrompido por golpes
militares que são a expressão de um forte poder aristocrático ou burguês, que não teve
164
RAMALHO, Marilene Assis Tuler. O Massacre de Ipatinga: o contexto sócio-político do Golpe Militar
de 1964 através de um estudo de caso. p. 76.
165
Reporta-se aqui às rebeliões separatistas do século XVIII e XIX, como Conjuração Baiana e Insurreição
Pernambucana.
83
grande simpatia pela chamada democracia política, afiançadora de certos princípios como
liberdade e igualdade perante a lei.
Um sistema político democrático pressupõe uma sociedade democrática e em uma
análise histórica percebemos, que não tivemos nem um nem outra. Por isso o ideal seria
que as atuais democracias liberais se sujeitassem-se a uma profunda transformação, no
sentido de uma nítida democratização das instituições sociais, a começar pelas instituições
econômicas em suas relações cotidianas.
Se não tivemos uma tradição histórica pautada no respaldo da garantia dos direitos
civis que “são aqueles que pretendem valorizar o homem, assegurando-lhe liberdades
abstratas que formariam a sociedade civil, imagine quanto aos direitos da segunda
geração que são os direitos econômicos, sociais e culturais”.
166
Na história republicana as nossas elites políticas sempre relutarem em tolerar o
princípio formal e abstrato da igualdade perante a lei. De tal sorte, terão maiores
dificuldades em aceitar as idéias gerais da Carta de Declaração dos Direitos Humanos. Em
vez do diálogo, sempre recorreram à repressão às diversas formas de luta e de organização
sociais e populares. Quanto mais se estas fossem realizadas por trabalhadores
167
.
A esse respeito vale reproduzir dois artigos da referida Carta, que prescrevem: art.
20. I “Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.” E o
artigo 23. IV “Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para
proteção de seus interesses”.
168
Esses e outros artigos da Declaração, no período estudado,
jamais foram levados a sério pelo Poder Público ou Privado, mesmo sendo o Brasil um dos
signatários da referida Carta de intenções.
Além da permanência de um Estado autoritário, inclui-se o fato de que na
sociedade brasileira as relações capitalistas entre os donos dos meios de produção e os
operários produtores são marcadas pela assimetria. O capital decide sobre a vida e sobre a
morte de todos os homens que lhes são subordinados.
À soma do autoritarismo “regular" da sociedade brasileira e da relação social
assimétrica entre os donos dos meios de produção e os operários produtores, típicas do
166
MARTINS. Sérgio Pinto. Direito do Trabalho –— 18. Ed. – São Paulo: Atlas, 2003. p. 665.
167
HISTÓRIA DA CLASSE OPERÁRIA NO BRASIL - Resistindo à Ditadura1964 à 1978.5º Caderno.
Rio de Janeiro: Ação Católica Operária, 1985.
168
LOCHE, Adriana et al. Sociologia Jurídica: Estudos e sociologia, Direito e sociedade.- Porto Alegre
Síntese, 1999. p. .94
84
modo de produção capitalista, acrescentaram-se, no contexto em destaque, os ingredientes
do golpe de 64. Esse será o responsável por estabelecer as bases das relações sociais em
lpatinga. O resultado destes ingredientes foi o surgimento de uma sociedade extremamente
fechada, fortemente hierarquizada e verticalizada em todas as relações.
Em Ipatinga tudo isso atingiu uma maior intensidade, uma vez que a própria
emancipação do Município veio a ocorrer com a instalação do golpe militar de 1964.
Exatamente nesse ano inicia-se no Brasil a mais extrema, brutal e reveladora manifestação
histórica do poder burguês. Um Poder que se impõe sem rebuços de cima para baixo,
recorrendo a quaisquer meios para prevalecer, instituindo-se a si mesmo como fonte de sua
própria legitimidade e convertendo, por fim, o Estado nacional, até então democrático, em
instrumento puro e simples de uma ditadura de classe.
Em uma sociedade pautada pelo autoritarismo desde sua gênese, imaginar que as
instituições econômicas invertam esta regra seria esperar muito. Quanto mais se der o
devido crédito às palavras do sociólogo italiano Domenico De Masi, que reitera:
“Uma sociedade é democrática quando os governados podem escolher
seus governantes. Mas as empresas por definição, são hierárquicas,
piramidais autoritárias: seus chefes não são eleitos pela base, mas
nomeados pelo topo. E muitas vezes de fora. Aos dependentes, mesmo
aqueles do mais alto nível, não resta senão acatar as novas nomeações, das
quais tomam conhecimento através do jornal ou telejornais, e não pelos
canais internos. Tudo somado, observava profeticamente Tocqueville: me
parece que a aristocracia industrial, a de hoje, já das mais duras, entre
todas as que existiram’ (...) é desta porta que a democracia deve temer o
retorno das desigualdades sociais”.
169
Constata-se com pesar que esse quadro de prática democrática típico do poder
estatal autoritário servirá de parâmetro administrativo para os chefes das empresas estatais
de capital misto, como no caso da Usiminas.
Referindo-se ao modelo autoritário implantado em 1964 no Brasil, pouco depois da
implantação da Usiminas em Ipatinga, Paulo César Pinheiro destaca que:
“A derrota imposta às forças opositoras, coincidindo com a reconversão
do modelo econômico, possibilitou a estabilização do regime durante
vários anos, processo que serviu de suporte para a montagem de um
formidável aparelho repressivo (...) e do chamado Serviço Nacional de
169
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo, p. 248.
85
Informação (SNI), rede extensa de informantes e de agentes penetrados em
milhares de condutos da sociedade e do Estado”.
170
Da fala de Pinheiro, extrai-se que a rede de espionagem estatal atinge todas as
artérias da sociedade. O que, de certa forma percebemos ter ocorrido na relação construída
entre a Usiminas e a sociedade ipatiguense, constituindo assim um de seus pilares básicos.
Neste sentido, recorreremos a Max Weber que procurou analisar as relações entre o poder e
os que lhe estão submetidos, vendo nas técnicas administrativas elementos institucionais
destinados a perpetuar as relações de dominação-sujeição, ou seja, o quadro da
racionalidade subjacente às relações de poder em uma dada sociedade.
Weber, ao analisar o quadro da racionalidade, observa que esta também possuía um
princípio histórico embutido. Esse processo histórico começou no âmbito do Estado, e
passa a abranger a sociedade inteira, mais precisamente a empresa capitalista, incorporando
todas as dinâmicas sociais e todos os espaços de realização do indivíduo.
171
Seguindo os passos de Weber e Pinheiro, percebe-se que a racionalização
172
iniciada com o Estado Brasileiro será estendida por toda a sociedade de Ipatinga, haja vista
que a Usiminas adotou em uma escala equiparativa os mesmos métodos investigativos do
aparato estatal, tendo como espelho o antigo SNI.
Logo, utilizando de um corpo organizacional já estruturado pelo Estado, a empresa
recorrerá a ex-militares, em sua maioria dos quadros da reserva das Forças Armadas,
montando com isso um bem treinado Corpo de vigilantes, capaz de manter a chefia
abastecida de todas as informações possíveis sobre todos os passos do trabalhador, como já
denunciado em reportagem do jornal O Globo e informativos sindicais, sobre os quais
falamos anteriormente.
Para o filósofo grego Heráclito, a essência verdadeira das coisas está na
transformação, uma vez que “todo ser tem o seu ser, mas também o não-ser, o seu oposto.
170
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O passado não está morto: nem passado é ainda. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996 apud LOCHE, Adriana et al. Sociologia Jurídica: Estudos e sociologia, Direito e sociedade. – p.
1999.
171
QUITANEIRO, Tânia. BARBOSA, Maria Lígia. OLIVEIRA, Maria G. Monteiro. Um toque de Clássicos
– Marx, Durkheim e Weber. 2ª ed. Belo Horizonte: UFMG 2003.
172
Racionalização: o processo que consiste no predomínio da ação racional com relação a um fim.
86
Assim, o universo está em permanente guerra com seu contrário [...] Conhecer qualquer
coisa só é possível porque existe o seu contrário”.
173
Dando prosseguimento a esse aforismo, nota-se que o entulho autoritário
implantado em 1964 acabou por gerar o seu contrário, ou seja, a resistência de grupos
armados que se dispuseram a enfrentar o Estado de exceção instituído. Mas tal tipo de
reação não ficou restrito às esferas do Poder Público, também a chefia da Usiminas
encontrou-se temerosa com ameaças de sabotagem e ações terroristas, conforme o relato de
Maurício de Mello:
“Após o movimento de 64, logo no início, procuraram localizar os
ativistas extremos. Havia também o “Grupo dos Onze”, e esquemas
terroristas. Estava encarregado de uma coisa que não tinha planejado na
minha vida, que era assumir aquele Departamento de Relações Industriais,
por momentos de apreensão. Para conduzir a missão, seria necessário, em
primeiro lugar, organizar melhor o serviço de vigilância da Usina. Para
isso, havia sido contratado o Gen. Elcino Bragança com mais alguns
companheiros dele das Forças Armadas, como o Capitão Fasheber e o
Major Gonçalves. Na área de segurança do trabalho e no corpo de
bombeiros, contávamos com o Capitão Agripa e o Cel. Russo,
respectivamente. O Gen. Elcino organizou, na realidade, a vigilância de
uma maneira mais moderna e atualizada”.
174
Neste depoimento, ficam evidentes as relações do aparato militar com a organização
dos serviços de segurança da empresa. A reprodução da caserna na esfera civil é
decorrência da histeria anticomunista presente no país e do clima de caça às bruxas reinante
após o golpe militar
175
chegou a veicular até a presença de uma organização terrorista
liderada por Leonel Brizola, conhecida como o Grupo dos Onze, que teve ramificações aqui
na cidade, com células instaladas no interior da empresa.
Marilene Ramalho, em trabalho recente comprova que a cidade de Ipatinga
conheceu uma célula do Grupo dos Onze liderada por “Serrinha”, e que este mais outros
dois colegas foram presos após o golpe de 1964.
176
A superdimensão do fato, no entender
173
REALE, Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Edições
Paulinas,1991.Vol. 1. p. 874.
174
FUNDAÇAO JOAO PINHEIRO. A Usiminas conta a sua história. Depoimento de Maurício de Mello.
p.17.
175
RODRIGUES, Marly. O Brasil da Abertura – De 1974 à Constituinte. 8ª ed. São Paulo: Atual 1995.
176
RAMALHO, Marilene Assis Tuler. O Massacre de Ipatinga: o contexto sócio-político do Golpe Militar
de 1964 através de um estudo de caso. p. 137.
87
da Diretoria, serviu para legitimar por parte da empresa a montagem de um posto
avançado do Sistema Nacional de Informações, com a finalidade de vigiar os trabalhadores.
O local de maior infiltração de tal órgão de informação foi o recém-criado Sindicato
dos Metalúrgicos de Ipatinga, fundado em plena ditadura pelo governo Castelo Branco,
quando de sua visita à Usiminas em 1965, para a entrega da Carta sindical, conforme o
relato de Geraldo Ribeiro:
“Ele (o presidente da República) chegou a Ipatinga com todo aquele
aparato, tinha gente de segurança em todos os lugares da cidade. Eles
fecharam a entrada de Ipatinga por Fabriciano com um ônibus. Até certa
hora passou carro, depois não passou mais nada, fecharam tudo. Próximo a
Ipaba, interditaram a linha de trem, pegaram pranchas de madeira e
instalou canhões, soldados e canhões, um verdadeiro aparato de guerra.
Tudo apontado para a cidade. Naqueles vãos que existem nas passarelas da
Laminação a Quente, de dois em dois metros, tinha um soldado com a
metralhadora na mão, apontada para a cabeça dos dirigentes sindicais. Na
hora que o locutor oficial, que eles trouxeram, anunciou a entrega, só se
ouvia o barulho dos soldados armando as metralhadoras, voltadas para a
cabeça dos dirigentes. Assim foi fundado o sindicato dos Trabalhadores
Metalúrgicos de Ipatinga em 1965, ‘esta foi a grande festa do 1º de Maio,
que o governo sempre patrocinava”.
177
Como se observa, o Sindicato que representaria os trabalhadores nasce sob o
patrocínio das metralhadoras. Os informativos sindicais dão conta de que nesse sindicato o
diretor Ascy Castelo foi o maior referencial de colaboração com os órgãos de repressão.
178
Esse diretor foi escolhido pela empresa em 1965 para compor a Diretoria do Sindicato e se
transformou num dos principais articuladores dos interesses do capital.
Este diretor sempre foi considerado um quadro à direita da linha de pensamento
predominante no sindicalismo brasileiro, funcionando como um verdadeiro informante do
extinto Serviço Nacional de Informações (SNI).
A esse respeito, a revista comemorativa dos 40 anos do SINDIPA destaca que:
“Quanto às acusações de que era informante do extinto SNI, infiltrado no
movimento Sindical, ele nega, mas aos poucos, entretanto, revela sua
proximidade com o regime militar, ao ser convidado para o curso da
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg), em
1975, época em que também fazia o curso de Direito em Governador
Valadares. Os participantes dos cursos da Adesg tinham informações
confidenciais sobre a segurança nacional, como frota naval, aviões,
177
REVISTA DO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE IPATINGA- SINDIPA 40 anos- p.17
178
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO METALÚRGICA SINDICAL – CHAPA FERRAMENTA 10/ 12 /87
88
equipamentos e efetivos militares para o caso de conflitos internos e
externos, que só eram acessíveis aos “aliados”. Ele próprio reconhece que
os cursos da Adesg eram uma maneira de o regime militar ampliar sua
influência na sociedade civil”.
179
Mesmo negando sua participação como informante em material produzido pelo
próprio sindicato, algumas questões carecem de maior elucidação. Curiosamente, encerrada
a Ditadura Militar, esse funcionário aposenta-se e muda-se de Ipatinga. Indagado sobre as
razões de sua saída do movimento sindical com a redemocratização do país, Ascy Castelo é
breve: “ Já era hora de sair. Meu tempo era aquele”.
180
O tom enigmático da resposta
causa desconfiança em qualquer pessoa conhecedora do assunto. A sua proximidade com o
Regime Militar ficou comprovada após receber o diploma pela participação como membro
da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra. Trata-se de fato incomum
um sindicalista participar de reuniões conjuntas aos aparelhos de repressão.
Quando se discute o despotismo fabril reinante por mais de 40 anos, aqui por nós
conceituado como cultura Usiminas, compete indagar suas origens.
181
Para desvendar
essas origens, parte-se do princípio de que o modelo de gestão política autoritária
implantado em 1964 serviu de referencial prático para os futuros administradores.
Aprofundando-nos nessa busca, depara-nos com o trabalho de Umbelina Salgado e
a constatação de uma ambigüidade na cultura Usiminas.
182
“Apresentando-se como tradicional e de cunho autoritário – repressivo,
uma vez que pressupõe um ser humano incapaz de autocontrole. Mas
desde 1966 em parte associa-se também a uma gerência do tipo japonesa ‘
um esprit de corps Usiminas’, pautado pela disciplina e obediência, com a
intenção clara de adaptação do empregado à empresa em um processo
decisório formalizado, com níveis hierárquicos articulados, bem como
evidências de esforço no sentido de desenvolver cultura institucional
própria, favorecendo a internalização de valores e normas da empresa”.
183
179
Ibidem. p. 31.
180
REVISTA DO SINDIPA, op. cit. p. 18.
181
Estas questões foram levantadas na Introdução deste trabalho, p. 12.
182
Por Cultura Usiminas entende-se uma cultura institucional, com um processo decisório formalizado com
níveis hierárquicos articulados, favorecendo a internalização de valores e normas da empresa, forjando um
consenso no qual as decisões individuais são meras aplicações de normas gerais, por meio de treinamentos
constantes.
183
SALGADO, Maria Umbelina Caiafa. Os Determinantes das Unidades de Treinamento nas Siderurgias de
grande porte: Acesita, Belgo Mineira e Usiminas. p. 223.
89
Tal pesquisadora, ao comparar os processos de gerências de três siderúrgicas de
grande porte como a Acesita, a Belgo-Mineira e a Usiminas, constatou que apenas a última
conheceu uma completa centralização das decisões e o recurso de maiores treinamentos
de pessoal visando a um maior controle social sobre os trabalhadores. Mencionando que
na Usiminas, as unidades de treinamento são mais fortes e prestigiadas, possuindo maior
grau de sofisticação técnica, os conflitos são resolvidos por meio do que se poderia
denominar ‘processo de participação controlada”,
184
a autora evidencia o perfil de uma
instituição centralizadora, em que as decisões partem do escritório central em Belo
Horizonte. Através das unidades de treinamentos, as Gerências de Produção se encarregam
de promover a internalização de valores e normas de conduta.
Entendimento parecido com o deste trabalho acadêmico é compartilhado por um
diretor sindical, que credita o autoritarismo da empresa ao modelo japonês de gestão,
conjuntamente com a conjuntura política autoritária do pós-64, quando é implantada de vez
a Usiminas.
Nesse sentido, em um dos informativos sindicais da Chapa Ferramenta, o diretor
sindical Vicente de Paulo assevera que “o que acontece é que a Usiminas foi baseada no
modelo japonês, onde a hierarquia e a disciplina são muito fortes. Além disso, a Usiminas
nasceu com a ditadura e nunca viveu um clima de democracia. Por isso não admite a vida
sindical em Ipatinga”.
185
O próprio primeiro Presidente e fundador da Empresa — conforme já havíamos
mencionado em nossas indagações sobre as origens do autoritarismo da empresa
186
alega que fora induzido pelo pai, também Engenheiro e participante ativo da Executiva
Nacional integralista, a seguir os princípios da ideologia facista, conforme seu próprio
relato:
“Eu estava meio fascinado pelo socialismo, quando meu pai veio com
outras preocupações: família, a pátria, a moral. Apareceu o manifesto
Integralista, ele aderiu e nós fomos juntos. Era uma solução socialista,
tudo isso era socialismo, quer dizer, o social acima do individual.
Começou com socialismo, com comunismo, depois com fascismo, e o
nacional-socialismo. Plínio Salgado propunha um integralismo de origem
lusitana, mas com ideais baseados em princípios muito sinceros, “Deus,
184
Ibidem. p. 224.
185
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO METALURGICA SINDICAL FERRAMENTA nº 13.
186
Vide página 13.
90
pátria e família”. No entanto, de forma bem devagar, ele ia nos
doutrinando e nos levando a uma certo radicalismo: quem não pensasse
como os integralistas era visto como nosso inimigo. Às vezes
inimigos de
morte”.
187
( g.n )
Refletindo sobre autoritarismo, Bobbio destaca que “o adjetivo autoritário e o
substantivo autoritarismo que dele deriva, empregam-se especificamente em três contextos:
a estrutura dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a respeito do poder e as
ideologias políticas”.
188
Nessa reflexão, vamos nos prender ao sentido psicológico do termo autoritarismo, e
mais especificamente ao conceito de personalidade autoritária, por se tratar de um tipo de
personalidade formada por diversos traços característicos centrados na junção de duas
atitudes estreitamente ligadas entre si: de uma parte a disposição à obediência para com os
superiores, encontrada nos regimes totalitários da Europa, que incluiu também, por vezes,
a adulação para com todos aqueles que detêm força e poder e de outra parte, a disposição
para tratar com arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos aqueles
que não têm poder e autoridade.
Estabelecendo uma possível relação entre os discursos do primeiro diretor e seus
dois primos, também diretores-chefes e a opção política de seus pais na década de 40,
julgamos ter encontrado uma das razões para a condição e o legado autoritário herdado,
colocado em prática e transmitido pelos diretores administrativos da Siderúrgica Usimimas,
por mais de duas gerações.
Por ocasião da comemoração dos 40 anos da Usiminas, foi publicada a biografia do
primeiro Presidente. Ele reitera o desprezo para com as práticas políticas democráticas em
determinado momento de sua vida:
“Nesse período em que acreditava no integralismo eu vivia em Sabará. Era
um jovem que achava que a ditadura era uma solução possível para o
Brasil porque naquele tempo a democracia era muito nativa. Achávamos
que cairíamos no comunismo se a juventude não reagisse. (...). Meu pai
entrou e nós nos empolgamos também. Fomos integralistas. Meu pai era
conselheiro do Plínio Salgado, pertencia à Câmara dos Quarenta. O Brasil
naquela época estava enfrentando uma democracia vagabunda com os
comunistas muito ativos. Nós éramos os anticomunistas, tínhamos medo
do comunismo. O Integralismo do Plínio veio como uma reação, mas
187
PEREIRA, Lígia Maria Leite & Faria ,Maria Auxiliadora. Amaro Lanari Júnior-Pensamento de uma
Siderurgia, p. 113.
188
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfanco. Dicionário de Política. p. 94.
91
depois nós todos nos desiludimos. O Amaro não foi influente e não chegou
a dirigir o movimento. Já o Cássio, meu irmão, foi municipal em Ouro
Preto e o Gil Guatimossim da direção estadual, apesar de não ter cargo o
Amaro acabou preso também”.
189
Pelo relato, percebe-se o legado de uma personalidade autoritária que se refletiu em
sua concepção de poder político constituído. Neste sentido, as relações de domínio
autoritário refugiam-se numa ordem estruturada e inflexível, fazendo uso de estereótipos
como “democracia vagabunda”, revelando desde os tempos de jovem estudante de
engenharia traços de uma personalidade autoritária.
Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política mostra que a análise de
personalidades autoritárias é extremamente psicanalítica e que:
“Uma relação hierárquica e opressiva entre pais e filhos cria no filho um
comportamento muito intenso e profundamente ambivalente em relação à
autoridade. De um lado existe uma forte disposição para a submissão: por
outro lado, poderosos impulsos hostis e agressivos. Esses últimos impulsos
são, porém drasticamente eliminados pelo superego. E a energia dos
impulsos contidos, enquanto contribui para tornar mais cega e absoluta a
obediência à autoridade, é em sua maior parte dirigida contra débeis e
inferiores, portanto um mecanismo através do qual o indivíduo procura
inconscientemente superar seus conflitos interiores, o que desencadeia o
dinamismo da personalidade autoritária. O indivíduo para salvar o próprio
equilíbrio ameaçado em sua raiz pelos impulsos em conflito se agarra a
tudo que é força e energia e ataca tudo que é fraqueza. A esse dinamismo
fundamental estão ligados todos os outros traços da personalidade
autoritária: desde a tendência a depender de forças externas até a
preocupação obsessiva pelo poder e desde a rigidez até o
conformismo”.
190
Recorrendo à psicanálise, detecta-se que pais autoritários geram filhos autoritários
e, por analogia, chefes autoritários geram cultura empresarial autoritária, e que esse ranço
despótico se enraíza também em instituições como as familiares, escolares, religiosas e
econômicas. Pode-se dizer que uma instituição é mais autoritária à medida que as relações
de poder que a distinguem são confiadas a comandos aparelhados de ameaças de punição e
com a tendência a excluir ou reduzir a participação de inferiores na tomada de decisões.
No cotidiano do chão-de-fábrica, essas práticas autoritárias têm levado os operários
por diversas vezes a qualificar a empresa como quartel: “A ditadura militar ainda não
189
Ibidem. p. 452.
92
acabou na administração da Usiminas. Essa direção pensa que a empresa é um quartel,
que eles são generais e que a gente é soldado deles, que tem de marchar e bater
continências”.
191
Os métodos para se conseguir uma mão-de-obra dócil assemelham-se ao de um
quartel, tendo como preocupação não a segurança pública, mas a reprodução e expansão do
capital. Os meios para isso é a organização do processo de trabalho através da coordenação
e controle da mão-de-obra, como maneiras de tornar previsível a criação de valor,
combinando racionalidade com dominação.
Umbelina Salgado caracteriza este modelo de controle dos trabalhadores na
Siderúrgica Usiminas como “Gerência Por Objetivos — GPO”, ou administração por
pressão, baseada apenas em premissas financeiras, visando obter resultados consistentes em
curto prazo. Após serem definidos os objetivos pela alta gerência, são determinadas cotas
mínimas a serem obtidas pelos operários que, sob o olhar vigilante de supervisores, se
encarregam de alcançar os objetivos previstos.
192
A combinação de uma ausência de prática democrática por parte dos altos dirigentes
da empresa em decorrência da tradição familiar, somada ao momento político vivido pelo
país na década de quarenta e cinqüenta, em que a iminência de um golpe militar esteve
sempre presente, como forma de conter aquilo que seria a ameaça comunista e também a
herança de um modelo administrativo que procurou combinar a disciplina japonesa com a
racionalidade presente na administração das empresas são os elementos responsáveis pela
cultura autoritária da Usiminas.
A totalidade desses fatores dará ensejo à reação da cidade à prepotência da empresa
por três décadas seguidas. O que se assistirá de agora em diante é a organização dos
trabalhadores clandestinamente no local de trabalho e em outros locais fora da fábrica, a
fim de estruturar uma chapa de oposição sindical para fazer frente a esse status quo.
190
Ibidem. p. 453.
191
ÓRGÃO INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO SINDICAL METALURGICA FERRAMENTA DE
IPAINGA - Agosto/87. Ano III nº 19.
192
SALGADO, Maria Umbelina Caiafa. Os Determinantes das Unidades de Treinamento nas Siderurgias de
grande porte: Acesita, Belgo Mineira e Usiminas. p. 225.
93
3.2 O despertar de uma consciência operária dos técnicos do Centro de Pesquisas
Apesar de todo o autoritarismo reinante na década de 1980, um grupo de
trabalhadores menos qualificados, dentre eles três técnicos do centro de pesquisa da
Usiminas, encabeçam pela primeira vez uma chapa sindical de oposição, depois de mais de
duas décadas de mandonismo de um sindicato controlado pela empresa. Os discursos
193
remetem para com uma insatisfação generalizada dos trabalhadores com a política fabril
autoritária, hierarquizada, fundada numa cultura técnica que não se furta em exibir seu
desprezo pelo homem trabalhador.
O fato de as primeiras manifestações serem encabeçadas por técnicos do Centro de
Pesquisas da Usiminas, órgão vital da empresa, sendo para um dos entrevistados “lugar de
doidos, gênio ou revolucionário”, comporta algumas interrogações, tais como: O Centro de
Pesquisas foi o pólo centralizador das frustrações e insatisfações dos metalúrgicos da
Usiminas na década de oitenta? Seriam os trabalhadores técnicos, “grupo médio da
empresa”, os mais conscientes do grau de exploração a que estavam submetidos?
Ao procurar respostas para tais indagações, torna-se salutar descrever a atipicidade
do trabalhar no Centro de Pesquisa da Usiminas.
Em 1965, com a entrada em operação de toda linha de produção, foi criado o
Centro de Pesquisa da Usiminas. Inicialmente, surge dentro de uma filosofia de trabalho
que previa adaptar eficientemente o “know-how” estrangeiro às condições da empresa,
tendo em vista desenvolver o próprio conhecimento para a manutenção de um elevado nível
tecnológico da produção, procurando expandí-la e melhorá-la, como suporte à operação e
às expansões futuras.
Essa é a opinião dos idealizadores do Centro de Pesquisas, como atesta Amaro
Lanari Jr:
“o domínio e o controle de uma tecnologia significam a capacidade para
especificar e projetar o equipamento, produzir segundo padrões técnicos e
econômicos controlados e melhorar indefinidamente todos esses índices
(...) a tecnologia é propriedade da empresa, somente se realiza na empresa.
193
Entrevista concedida pelo ex-metalúrgico José Geraldo da Silva, demitido em 1985 por fazer parte da
chapa de oposição sindical em 1985.
94
O domínio tecnológico não se localiza em pessoas, nem mesmo em
equipes, mas na coletividade integral da empresa”.
194
Desde o início de seu funcionamento, a empresa teve como preocupação o
crescimento progressivo de maiores investimentos no desenvolvimento de pesquisa
tecnológica aplicada. As pesquisas baseavam-se no lema: “É preciso dominar a tecnologia,
não basta saber fazer”.
195
Sabedores de que o domínio e o aperfeiçoamento de tecnologia
acarretam o progresso de qualquer tipo de indústria, e que o avanço dos processos e
métodos industriais resultariam em produtos de melhor qualidade e, consecutivamente, em
aumento dos índices de produtividade e redução dos custos de produção, a partir de então o
Centro de Pesquisas torna-se o órgão vital da empresa. Para a realização de tal intento fez-
se necessária a seleção dos primeiros técnicos e engenheiros para o Centro de Pesquisas.
Estes serão treinados na própria empresa e terão oportunidades de estágios em outras
empresas siderúrgicas e em escolas do País e do exterior.
Em 1969 a empresa japonesa Nippon Steel Corporation assinou acordo de
consultoria técnica com a Usiminas para a organização e instalação do Centro de Pesquisas.
Dispondo de uma mão-de-obra já preparada para tal desafio, foi inaugurado em 26 de
outubro de 1971, em Ipatinga, aquele que se tornaria o “cérebro” da empresa, se
subordinando diretamente à Chefia Geral da Usina.
Referindo-se ao Centro de Pesquisa, Amaro Lanari destaca:
“Tinha pessoal de nível técnico e superior e alguns PhDs. Trabalhava-se
com pesquisa programada para todo ano, conforme os setores que
precisavam. Eram mais ou menos umas 80 a 100 por ano. Tão importante
como pesquisa de laboratório – porque nós tínhamos laboratórios
completos de física, de química, etc. – era a engenharia industrial. Ela
começou a trabalhar também na forma de pesquisa. Já possuía de 150 a
220 trabalhos/ano. Foi com esse trabalho que passamos de 500 mil
toneladas para um milhão, um milhão e cem, sem gastar nada com novos
equipamentos, só procurando racionalizar as coisas”.
196
Nesse ensaio, foi eleito qualitativamente o Centro de pesquisa como o “cérebro” da
Siderúrgica Usiminas por ser o local destinado a produzir ou adaptar tecnologias,
194
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO: Usiminas conta sua história. Entrevistas de Amaro Lanari Júnior. p.
125
195
Ibidem. p. 126.
196
Ibidem. p. 123.
95
requerendo uma mão de obra que não se dedica apenas à execução de tarefas, mas também
assume a responsabilidade pela concepção e produção de novas tecnologias. E muito mais,
esse foi o locus privilegiado para o despertar de uma nítida consciência operária, capaz de
capitanear o movimento sindical nos anos 80.
Mas tal importância não se estende as outras siderúrgicas, muitas delas por não ter
tido esta preocupação primeira com a tecnologia. Em uma escala comparativa pode-se citar
a Siderúrgica Belgo Mineira de João Monlevade. Nas análises de Michel Le Ven o
destaque recai sobre o setor final da produção – a Aciaria -, por ele denominado de
coração” da empresa:
“Em termos qualitativos, no conjunto das operações do processo
siderúrgico, ocoração” da usina é a aciaria, sem com isso se afirmar que
outros setores, como a fábrica de oxigênio e os Altos Fornos, não sejam
também essenciais. Mas é na aciaria que se decide a quantidade e a
qualidade do produto final e, portanto, a produtividade empresarial. È ela a
unidade estratégica porque nela se faz a combinação apropriada das
matérias primas (ferro gusa e fundente) cujas composições químicas e
medidas variam segundo os imperativos de produtividade e o tipo de aço
requerido pelo mercado”.
197
Como se viu, ao contrário de outras siderúrgicas, a Usiminas optou por adaptar ou
desenvolver sua própria tecnologia. Isso não constitui novidade no mundo capitalista, uma
vez que o mesmo obtém seus lucros através de dois mecanismos: a tecnologia e a gestão da
força de trabalho. Referindo-se à ciência e tecnologia, Harry Braverman assim observou
“A ciência é a última - e depois do trabalho a mais importante -
propriedade social a converter-se num auxiliar do capital. Isto foi realizado
por meio da transformação da ciência mesma, numa mercadoria comprada
e vendida como outros implementos e trabalhos de produção. De uma
“economia externa” o conhecimento cientifico transformou-se num artigo
de balanço geral.”.
198
Desde muito cedo a direção da Usiminas percebe que investir em pesquisas que
possam desenvolver ou adaptar novas tecnologias consiste em algo valioso e de retorno
garantido na reprodução do capital.
197
LE VEN Michel Marie.Trabalho e Democracia: A Experiência dos metalúrgicos mineiros, p.44.
198
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista – A degradação do trabalho no Século XX. Trad.
Nathanael C. Caixeiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980. p. 146.
96
A inserção de tecnologia no processo de produção de uma usina siderúrgica
integrada em rede como a Usiminas, consiste numa série de cadeias produtivas de fluxo
contínuo, subdividido em quatro etapas: a mineração e tratamento de matérias-primas
(cokeria), a redução do minério em ferro-gusa (altos-fornos), a transformação ou “refino”
do ferro-gusa em aço (aciaria) e, enfim, a laminação das chapas de aço segundo as
exigências do mercado final. Todas essas operações são interligadas por um sistema
sofisticado de transporte, de informações e de normas coletivas que criam uma integração
entre os trabalhadores.
Faz-se necessária essa descrição do processo de produção por se entender que a
produção é a fonte geradora de um trabalho diário, constituído de equipes de trabalhadores
diretamente ligadas ao funcionamento dos equipamentos industriais. São estes processos
industriais, em princípio, que determinam o ritmo de produção que, por sua vez, determina
o ritmo de trabalho.
A “economia do tempo” depende basicamente do ritmo de produção, isto é, o tempo
do trabalhador repousado nos elementos fixos do fluxo contínuo entre as quatro operações
já mencionadas. Esse conjunto constitui o mundo coletivo do trabalho em uma siderúrgica e
a submissão do homem às cadências e ao cronômetro da máquina.
199
Nesta análise, ocuparemo-nos do desenvolvimento dos processos de produção e do
trabalho em geral, passando pela organização da moderna industrialização. Esse modelo
organizacional foi denominado de gerência científica por Frederick W. Taylor e passou a
servir de cartilha administrativa ocidental no século vinte, não ficando restrito ao
capitalismo, pois seduziu até o líder soviético Lênin, que assim asseverou:
“O sistema de Taylor é uma combinação da refinada brutalidade da
exploração burguesa com uma quantidade dos maiores feitos científicos no
campo da análise dos movimentos mecânicos durante o trabalho, a
eliminação dos movimentos supérfluos e lentos, da elaboração dos
métodos corretos de trabalho, a introdução do melhor sistema de
contabilidade e controle etc.”.
200
O modelo taylorista acima descrito, aplicado na universalidade das indústrias
siderúrgicas, não atingiu em sua integralidade um setor da Usiminas. Trata-se dos
199
LE VEN Michel Marie. Trabalho e Democracia: A Experiência dos metalúrgicos mineiros, p.45.
200
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista – A degradação do trabalho no Século XX. p 6.
97
trabalhadores do Centro de Pesquisa, uma vez que por lá não se registrou tão intensamente
a clássica dicotomia concepção-execução, ou seja, a hierarquia e divisão no ato de trabalhar
entre um grupo que pensa e o outro que executa. Para Umbelina Salgado, “no Centro de
Pesquisa os técnicos estavam encarregados da concepção/planejamento na área
operacional”.
201
A priori, as reflexões conduziam para a existência de um caso muito semelhante ao
ocorrido no pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia. A categoria dos técnicos foi objeto
de pesquisa de: Michel Agier, Nádya Araújo Castro e Antônio Sérgio Guimarães, que
acompanharam a trajetória profissional de um grupo desses trabalhadores, bem como suas
inquietações, frustrações. A insatisfação desse grupo de técnicos com o emprego se deu em
decorrência do bloqueamento ou estrangulamento de suas carreiras, uma vez que estão
subdivididos em técnicos de níveis 1,2,3, não podendo galgar outros cargos de chefia,
reservados aos portadores de curso superior, como os engenheiros.
As frustrações diante do ambiente fabril, associadas ao estrangulamento da carreira
de técnico, acaba por levar muitos deles a procurarem outros atalhos; um deles é a luta
sindical.
Em uma análise comparativa, esperava-se a verificação de um quadro semelhante
em Ipatinga. Mas em entrevistas com técnicos, os mesmos alegam outros motivos para se
oporem à política fabril. Ao contrário do que se imaginava, na Usiminas as insatisfações
dos técnicos não se referiam á estrangulamento de carreira, até porque, esses, em sua
maioria, eram jovens, não tendo ainda dado conta deste processo.
Contrariando as primeiras lucubrações e as regras de Administração Científica do
Trabalho, detectou-se, através de entrevistas, uma maior interação entre um grupo de
engenheiros e técnicos. Este ambiente de trabalho diferenciado seria um dos responsáveis
pelo afloramento de uma consciência da real exploração capitalista. Essa consciência
operária pode ser atribuída a uma solidariedade por cima, envolvendo técnicos e
engenheiros.
201
SALGADO, Maria Umbelina Caiafa. Os Determinantes das Unidades de Treinamento nas Siderurgias de
grande porte: Acesita, Belgo Mineira e Usiminas. p. 250.
201
Ibidem. p. 251.
98
Fato como esse é pouco conhecido na literatura do movimento operário. Essa
solidariedade se fortaleceria em função de um ambiente de trabalho mais livre e partilhado
socialmente por engenheiros e técnicos de nível médio. Nessa redoma, surgiria um grupo
de metalúrgicos capazes de articularem meticulosamente a formação de um movimento de
oposição sindical.
Parece pouco provável a possibilidade da reprodução desse ambiente entre outros
segmentos ou em outros setores da empresa, uma vez que as condições gerais que imperam
nos demais setores são marcadas por uma forma de gestão autoritária. Nesses setores, desde
muito cedo o técnico é levado a perceber que ocupa uma posição subordinada e que a classe
média real é formada pelos engenheiros, e não por eles.
Recorrendo aos Informativos sindicais, encontrou-se uma verdadeira cartilha do
cotidiano de um técnico em uma metalúrgica:
1) O técnico de que sempre se falou é aquele que tem subordinados,
como: mecânicos, eletricistas, operadores de equipamentos etc. e não os
trata como seres humanos.
2) Estes técnicos precisam entender que ficam em uma posição de
sanduíche. É o engenheiro incompetente dando ordens absurdas de cima e
a peãozada vendo isto e não querendo cumprir de baixo.
3) É necessário que o técnico tenha personalidade e entenda do serviço
para discutir com o engenheiro o porque de um serviço, a necessidade para
que a peãozada não pague o pato.
4) Que este mesmo técnico entenda que quem está no frio do zero hora, o
feriado, ou domingo, é igual ao peão. Enquanto o engenheiro está no bem-
bom, tomando um whisky ou em uma viagem à praia.
5) O técnico que está em todas as situações com o peão, ele é que deve
decidir sobre o abono, folga para um casamento, batizado etc. e não o
engenheiro, que não conhece a peãozada, pois fica numa sala com ar
condicionado lendo uma revistinha.
202
Mais do que isso, na vivência operária impera a subordinação e a arbitrariedade de
um grupo sobre o outro, principalmente para aqueles que trabalham de turno e
experimentam uma total falta de controle sobre seu tempo e não dispõem de um espaço
social de interação.
203
Em todos os estudos que privilegiam o ambiente fabril como locus de investigação a
subordinação é fato comum. O trabalhar no Centro de Pesquisas rompeu com esse ambiente
202
INFORMATIVO DO SINDICATO DOS MINERADORES: CONGONHAS/ BELO VALE E OURO
PRETO. 28/10/88 nº 58.
203
LE VEN Michel Marie. Trabalho e Democracia: A Experiência dos metalúrgicos mineiros, p. 44.
99
de subordinação direta a um chefe, transformando o que seria uma relação hierárquica
típica do espaço fabril em uma interação diária. Os trabalhadores ali reunidos, muitos deles
já tendo experiência de trabalho em outras empresas, passarão a questionar não a chefia
imediata, como é de praxe no meio operário, mas a cultura autoritária da empresa. O ex-
metalúrgico Ivo José, ao ser entrevistado relatou:
“Trabalhar no Centro de Pesquisa era muito bom, assim como o
relacionamento entre técnicos e engenheiros imediatos. O Centro dispunha
de biblioteca e espaço para leituras. Além do mais, o horário do almoço
era marcado por uma caminhada até o refeitório, e esse caminhar tornou-se
um espaço para conversas diversas entre técnicos e engenheiros. É dessas
conversas, ou troca de experiências no ambiente de trabalho de forma
clandestina que surgem os nomes dos técnicos. Muitos deles já
participavam de movimentos sociais ligados à Pastoral Operária. Nas
conversas partilhadas, nota-se um certo inconformismo com a cultura
empresarial, marcada pela censura e autoritarismo”.
204
.
Em entrevistas com os técnicos do Centro de Pesquisa não se encontrou, como é
comum em conversas com outros metalúrgicos de outros setores, o sentimento de
dependência acompanhada do reconhecimento da superioridade de uns em relação aos
outros, ou seja, entre técnico de nível médio e engenheiro.
Por via de regra, compete ao engenheiro, em uma empresa, a identificação com as
funções de supervisão decorrentes de maior saber e de maior liderança. O trabalho em
equipe no Centro de Pesquisas eliminou aquela capacidade necessária ao engenheiro em
outros setores, onde se exige dele um conhecimento que abarca mais formas de comando
que de interação.
O trivial na tarefa de um engenheiro consiste em deter um maior conhecimento
político-econômico, além de uma capacidade de manipular ao mesmo tempo variáveis
internas e externas ao processo produtivo, não apenas o processo técnico de produção, mas
também o processo de valorização e as condições de realização do produto, mormente os
custos de produção, as variações de preço de mercado, a qualidade média e as condições de
concorrência. Ou seja, uma posição de comando e decisão, muitas das vezes compartilhada
com a chefia imediata e dificilmente um entrosamento com alguém hierarquicamente
inferior.
204
Entrevista com o ex-operário Ivo José da Silva, integrante da chapa 1, demitido em 1986.
100
Constatou-se que esses requisitos tradicionais em parte foram anulados, uma vez
que o padrão de relação entre trabalhadores de nível médio e superior no Centro de
Pesquisas não estava socialmente marcado pela diferença hierárquica e por símbolos de
subordinação. É desse modo que as diferenças de formação escolar não se consolidaram em
diferenças de titulação e nem expressaram uma rígida separação de esferas de competência,
que marcam a organização do poder nas fábricas.
Nesse ambiente de trabalho diferenciado que é o Centro de Pesquisas não se fez
presente o monopólio das posições de poder social por parte dessa camada profissional, em
detrimento da competência operacional demonstrada pelos técnicos. Esses casos de
monopolização das posições de poder social são mais comuns nas áreas de operação,
constituídas como territórios despoticamente comandados por engenheiros. Despótico no
sentido exato de que o arbítrio da autoridade fabril, na prática, não encontra limites legais,
pois não existem canais ou mecanismos formais de negociação de agravos.
205
Harry Braverman, ao comentar os principais efeitos da gerência, destaca que:
“a profissão de engenheiro é um fato relativamente recente. Antes dele, as funções
conceptuais e de projeto eram de competência do profissional do ofício, do mesmo
modo como as funções de estimular as artes industriais mediante inovação. [...] ele
não é o descendente em linha direta do antigo engenheiro militar, mas do operário
e do ferrageiro da época dos ofícios”.
206
Essa discussão remete para um breve histórico do nascimento das fábricas e,
conseqüentemente, o surgimento da divisão social do trabalho marcada pela dicotomia
concepção-execução do trabalho.
Na passagem do feudalismo para o capitalismo, assistir-se-á a uma série
transformações na vida social e econômica. Além do aperfeiçoamento das técnicas, dão-se
o processo de acumulação de capital e a ampliação dos mercados. O capital acumulado com
essa ampliação permite a compra de matérias-primas e máquinas, o que faz com que muitas
famílias que sobreviviam do trabalho doméstico nas antigas corporações e manufaturas
205
AGIER Michel; GUIMARÃES, Antônio Sérgio; CASTRO Nadya Araújo. Imagens e Identidades do
trabalho. p. 223.
206
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista – A degradação do trabalho no Século XX. p.
118.
101
tenham de dispor de seus antigos instrumentos de trabalho e, para sobreviver, se vejam
obrigadas a vender sua força de trabalho em troca de salário.
Com o aumento significativo da produção, aparecem os primeiros barracões das
futuras fábricas, onde os trabalhadores são submetidos a uma nova ordem, a da divisão do
trabalho com ritmo e horários preestabelecidos. O fruto do trabalho não mais lhes pertence
e a produção é vendida pelo empresário, que fica com os lucros.
Está ocorrendo o nascimento de uma nova classe: o proletariado, que é fruto da
divisão do trabalho.
A esse proletário é imposto um processo pelo qual um pequeno grupo de pessoas
concebe, cria, inventa o que vai ser produzido, e o outro é obrigado à simples execução do
trabalho, sempre parcelado, pois a cada um cabe parte do processo.
207
A divisão do trabalho foi intensificada no início de século XX, quando Henry Ford
introduziu o sistema de linha de montagem na indústria automobilista. A expressão teórica
do processo de trabalho parcelado é levada a efeito por Frederick Taylor (1856-1915), no
livro Princípios de Administração Científica, onde estabeleceu os parâmetros do método
científico de racionalização da produção – daí em diante conhecido por Taylorismo – e que
visa o aumento de produtividade com a economia de tempo, a supressão de gestos
desnecessários e comportamentos supérfluos no interior do processo produtivo.
208
Também a divisão e o parcelamento do trabalho se mostram importantes para a
simplificação e maior rapidez do processo produtivo. A partir da divisão das tarefas,
assistimos à especialização de cargos, como o de gerentes especializados em treinar
operário utilizando cronômetros e depois vigiando-os no desempenho de suas funções.
A este respeito, João Carlos Moreira acrescenta, ainda, que Taylor “defendia o
aprofundamento da divisão entre concepção e a execução de qualquer artigo industrial, ou
seja, entre trabalho intelectual, reservado aos dirigentes e funcionários com alto nível de
especialização, e trabalho manual, reservado aos operários da linha de montagem”.
209
207
ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – Introdução à Filosofia. p.
13.
208
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista – A degradação do trabalho no Século XX. p.
119.
209
MOREIRA, João Carlos. SENE, Eustáquio. Geografia para o ensino médio: geografia Geral e do Brasil.
São Paulo: Scipione,2002.
102
A gerência científica torna-se um método de extrema importância no modelamento
da empresa moderna e jamais foi superada. O aspecto mais importante desse método é o
controle gerencial sobre o trabalho, que assumiria dimensões sem precedentes. Antes a
função do gerente incluía: reunião dos trabalhadores numa oficina e fixação da jornada de
trabalho, supervisão dos trabalhadores, fixação dos mínimos de produção. “Mas Taylor
elevou o conceito de controle a um plano inteiramente novo, quando asseverou como uma
necessidade absoluta para gerência a imposição ao trabalhador da maneira rigorosa pela
qual o trabalho deve ser executado”.
210
Sabe-se que não foi fácil submeter o operário a um trabalho rotineiro, irreflexivo e
repetitivo no qual, enquanto homem, ele se encontra reduzido a gestos estereotipados. Pois,
se não se compreende o sentido de sua ação e se o produto do trabalho não é o seu, é bem
difícil dedicar-se com empenho a qualquer tarefa. Mas os métodos tayloristas tiveram
como função substituir as formas de coação visíveis, de violência direta, pessoal, de “um
antigo feitor de escravos”, por formas mais sutis que tornam o operário dócil e submisso.
Esse novo sistema impessoaliza a ordem, que não aparece mais com a face de um
chefe que oprime, essas ordens são diluídas nas ordens de serviço vindas de diversos
setores, como o de planejamento. É retirada toda a iniciativa do operário, que cumpre
ordens, modela seu corpo segundo critérios exteriores “científicos”, criando a possibilidade
de interiorização da norma.
O impulso para mecanizar tornou-se uma constante através do subseqüente
desenvolvimento do capitalismo, pois é inerente a esse sistema a busca de maior
produtividade em virtude do seu propósito de expansão do capital.
A partir do final do século XIX, imensos agregados demográficos e capitais
puderam ser reunidos e seu controle operacional, recaiu cada vez mais sob um
funcionalismo gerencial, sendo que o capital ultrapassou sua forma pessoal, passando à
forma institucional. É importante ressaltar também a criação de departamentos diversos,
setores e sessões como conseqüência da considerável ampliação das empresas, onde os
trabalhadores executam suas tarefas totalmente separadas dos processos de produção. Mas
tal separação implicou necessariamente, um maior controle sobre esses trabalhadores em
relação aos da área de produção.
210
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª ed.- Rio de Janeiro : Campus.
103
Inicialmente isso foi feito, aplicando-se os métodos de gerência científica nos
escritórios. Posteriormente, verificou-se uma crescente automação dos serviços de
escritórios, exatamente como ocorreu nas áreas de produção.
Devido a isso, surgiram os departamentos de pessoal e de relações trabalhistas,
profissionais contratados com o objetivo de selecionar, treinar e motivar os trabalhadores.
Nas Universidades surgiram disciplinas destinadas ao estudo do trabalhador e, em outras
instituições, realizavam-se pesquisas com o objetivo de se descobrir novas formas de
indução do trabalhador à maior produtividade. Surgiram diversas escolas, cada uma
defendendo um modo ideal de administração de trabalhadores.
Abordar-se-á, aqui, o papel de uma Escola por nós considerada a mais importante
para o presente estudo, uma vez que procura romper com o modelo Taylorista.
Trata-se da Escola de Relações Humanas que surge na década de 1920, em
decorrência de vários experimentos realizados por Elton Mayo na Western Electric, uma
fábrica de Hawthorne. As conclusões que Mayo e sua equipe tiraram do seu estudo foram
que a produtividade está relacionada com um “ambiente mais livre e mais agradável, com
um superior que não é considerado como patrão, uma moral mais elevada”.
211
Quando se fala em ambiente de trabalho, relembram-se os discursos dos
metalúrgicos do Centro de Pesquisas da Usiminas. O trabalhar neste local estava
relacionado a um “ambiente mais livre e mais agradável”, praticamente sem um superior
direto. Não foi imposto a este setor a clássica divisão entre concepção e execução, ou seja,
entre trabalho intelectual, reservado aos dirigentes e funcionários com alto nível de
especialização, e trabalho manual, reservado aos operários da linha de produção. Porém,
aos técnicos é dado o direito de pensar a fábrica como um todo, não só no sentido de
aumentar a produção, mas também motivados pelo desejo de transformação.
O pensar a fábrica a partir da ótica operária somente foi possível em decorrência de
um ambiente interno marcado pela maior liberdade de ação. A fábrica, enquanto espaço de
sociabilidade, acaba por gerar uma manifestação até então diferenciada, uma vez que no
Centro de Pesquisas local não se questiona este ou aquele chefe, como é comum no
2000. p. 125.
211
CHIAVENATO Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. p. 126.
104
cotidiano fabril, mas todo o sistema de gestão autoritária que imperava por mais de 25
anos.
Nessa pesquisa, constatou-se que o trabalhar no Centro de Pesquisas rompe com um
padrão de comportamento, até então estabelecido, que privilegia a divisão de funções entre
o homem que pensa e o homem que só executa. As condições internas de trabalho
afastaram a dominação excessiva, tão comum em outros setores, não se percebendo ali a
idéia de que só alguns sabem e são competentes e, portanto, decidem, e, uma maioria que
nada sabe, e mediante sua incompetência, deve apenas obedecer. A não consumação dessa
lógica permitirá a um grupo de técnicos, que normalmente executam tarefas já
determinadas, uma nova empreitada de pensar a empresa.
Neste ensaio, acompanhou-se a formação de uma identidade de classes entre o
segmento dos trabalhadores menos qualificados e trabalhadores considerados prósperos,
como a categoria dos técnicos da Usiminas na década de 80. Assim como fez Michel Agier,
essa constatação permite expor e criticar alguns argumentos clássicos sobre a
impossibilidade de emergência de classes operárias em ambientes de salários relativamente
altos e emprego estável. Para os marxistas clássicos, nesse ambiente emergiria uma
aristocracia operária desprovida de consciência de classe, o que não se comprovou em
Ipatinga.
O conceito de aristocracia operária, embora pouco preciso, havia se mostrado um
recurso interpretativo eficaz , freqüentemente trazido à baila por analistas das classes
sociais, que se fixaram nos postulados de marxistas clássicos como Engels e Lênin, ao se
referirem ao “desvio’’ economicista e corporativista dos trabalhadores ingleses.
212
Hobsbawn incorpora esse conceito à moderna historiografia para referir-se tanto a
um estrato economicamente privilegiado da classe trabalhadora quanto para explicar o
padrão de formação, conflito e consciência de classe na Inglaterra Vitoriana.
213
Pesquisas
como a de Agier na Bahia, e o caso em tela, demonstram que onde pareciam postar-se as
condições objetivas para o surgimento de uma aristocracia do trabalho, desprovida de
consciência operária, ocorreu o inverso, pois foi essa categoria profissional a responsável
212
AGIER ,Michel, GUIMARÃES, Antônio Sérgio, e CASTRO, Nadya Araújo. Imagens e Identidades do
Trabalho. p.25.
213
HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho – Novos Estudos sobre História Operária. p. 326.
105
pela emergência de um segmento com discurso aberto, de natureza antipatronal, ousado e
desafiador.
A sociologia industrial registra uma série de casos, em que essa sabotagem se
manifesta. Para Peter Berger “a sabotagem social consiste na técnica de redefinir uma
situação contra as expectativas gerais”. E acrescenta: “é possível aos homens, sozinhos ou
em grupos, construir seus próprios mundos e assim se apartarem dos mundos nos quais
foram originalmente socializados”.
214
Nessa circunstância o indivíduo manipula as estruturas sociais, sem se apartar delas,
usa-as deliberadamente, sempre de maneira imprevista por seus guardiães legítimos. Com
esse artificio, cortam um atalho através da selva social, manipulando as estruturas de
acordo com seus propósitos.
215
Nesse sentido, os trabalhadores do Centro de Pesquisas
empregaram a organização oficial para fins discordantes e antagônicos às intenções da
administração.
Pagos para pensar a empresa, esses trabalhadores promoveram uma inversão,
porque aproveitaram do espaço fabril para refletirem sobre a secular dominação capitalista.
Abandonando a teoria, optaram pela luta, com a finalidade de inverter essa situação ao
canalizarem seus anseios e perspectivas para o movimento sindical combativo. Observa-se
que a técnica que até então estava a serviço da exploração do homem, permitirá a esse
homem repensar a sua condição de operário.
3.3 A prepotência gerando reação e projeção política
Enquanto na Usiminas os metalúrgicos articularam junto à comunidade uma chapa
de Oposição Sindical, para fazer frente à chapa encabeçada pela empresa, nos principais
centros industriais o sindicalismo brasileiro passa por profundas transformações que
marcarão significativamente os anos 80.
O período foi aberto com o vigoroso movimento grevista do ABC paulista, em
maio de 1978, indo até o fim da década de 80. Ocorreram inúmeras transformações, como a
214
BERGER, Peter L. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística; tradução de Donaldson M.
Garschagen. Petrópolis, Vozes 1986 p.148.
215
Ibidem. p 150.
106
retomada das ações grevistas, a explosão do sindicalismo dos assalariados médios e do
setor de serviços, o avanço do sindicalismo rural, o nascimento das centrais sindicais, as
tentativas de consolidação da organização dos trabalhadores nas fábricas, os aumentos do
índice de sindicalização.
Neste sentido, Iram Jácome Rodrigues destaca que:
“Os acontecimentos de 1978 e seus desdobramentos sinalizarão para duas
vertentes distintas que no caminho se encontram: o padrão de ação dos
sindicalistas de são Bernardo e a prática de organização pela base dos
militantes da oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. Esses aspectos
explicam a sensibilidade que esses segmentos operários tiveram diante da
criatividade dos trabalhadores no momento da eclosão das greves”.
216
As concepções desses dois movimentos e suas práticas criarão as condições para o
aparecimento de um novo tipo de ação sindical, conhecido inicialmente como novo
sindicalismo, por dar ênfase à “organização de base, com conseqüente aproximação
liderança-base; reivindicações no sentido de uma radical revisão da legislação sindical,
particularmente no tocante à autonomia em relação ao Estado, além de uma disposição
para a militância”.
217
O ressurgimento do movimento grevista, a partir do ABC paulista, adquiriu no
biênio 1978/79, uma dimensão decisiva: a luta contra a superexploração do trabalho,
estampada na ação contra o arrocho salarial, a legislação repressiva que regulava a ação
sindical, o sindicalismo atrelado configurou ao movimento desencadeado no ABC paulista,
uma ação econômica de clara significação política.
Era a reaparição do trabalhador na cena social e política, através de uma onda
grevista que se expandiu ao longo dos anos 80, apesar das inúmeras singularidades que
marcaram suas formas de ser: greves parciais ou greves por categorias ou por empresa,
mais defensivas ou ofensivas. Estas tiveram como eixo principal a luta contra a
superexploração do trabalho, o incremento da produtividade, e a elevada jornada de
trabalho.
216
RODRIGUES Iram Jácome. Sindicalismo e Política; a trajetória da CUT. Apud RODRIGUES, Iram
Jácome . O Novo Sindicalismo-vinte anos depois. Rio de Janeiro.Vozes,1991, p.79.
217
ALVES, Maria Hermínia Tavares. Estado e Oposição o Brasil (1964-184). Apud ZANELLI, José Carlos.
BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo. BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt. (orgs.) Psicologia _
Organização e Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 204. p. 44.
107
Como um dos determinantes da existência desse movimento político, houve a
crescente degradação dos salários a que estão submetidos os trabalhadores assalariados no
país. Esse movimento é resultado de uma política econômica baseada no arrocho salarial,
que fez com que os trabalhadores vissem nas greves a possibilidade de obstar tal processo.
Pode-se dizer que o êxito dessas greves deve-se a vários elementos, merecendo
destaque um contexto de crise e desgaste, primeiramente dos últimos governos militares,
em especial o do Presidente Figueiredo e, posteriormente, houve a crise econômica que se
arrastaria pela Nova República, associada a um nível de organização sindical prévio no
ABC paulista e em outras regiões, tudo isso somado especialmente a presença da CUT e,
em menor dimensão, de outras tendências que propunham reivindicações que encontravam
eco social. A maior ou menor adesão das massas trabalhadoras foi decisiva para o saldo
favorável das greves.
Nesse sentido, Ricardo Antunes destaca:
“Finda a euforia do “Milagre” e com o afloramento da crise econômica,
que as greves operárias deflagradas a partir de maio de 1978 encontraram
suas raízes. Não restava alternativa para a ação operária: ao barulho
ensurdecedor da produção, via-se agora o silêncio das máquinas paradas.
Nasceu, a partir de então o ciclo grevista mais importante da história social
do país. Sua essenciabilidade era dada pela luta contra a superexploração
do trabalho. Econômica na sua causação inicial, política na sua
significação mais profunda, as greves dos anos 1978/80 estavam eivadas
de um potencial de ofensividade no confronto com a política econômica
vigente”.
218
Assim, além das questões políticas e econômicas, evoca-se o sentimento por parte
dos trabalhadores contra a exclusão social, a miséria, o despotismo das chefias, os baixos
salários, precipitando a entrada dos trabalhadores na cena política brasileira. A pauta desses
novos atores inclui uma demanda mais ampla por direitos elementares, como o de moradia,
de melhorias salariais e de justiça social. Procura com isso fazer-se presente na sociedade,
interferindo com maior eficácia no processo de transição política do País, rumo à ampliação
das conquistas democráticas.
Segundo Rodrigues, nesse contexto emerge o novo sindicalismo, muito diferente do
sindicalismo pré-64:
218
ANTUNES, Ricardo. O Novo Sindicalismo, p. 32.
108
“Em outras palavras, se de um lado havia a reivindicação mais ampla por
direitos democráticos, de outro, havia uma preocupação mais específica
pelas questões suscitadas no interior das empresas, como, por exemplo,
aquelas pequenas lutas consideradas, muitas vezes, “sem importância” no
cotidiano da produção e que, em certo sentido, possibilitaram o
surgimento do movimento grevista de 1978. Simultaneamente, criaram
partes das condições que levariam ao surgimento de um sindicalismo
diferenciado daquele que se conhecia no pré-64: um padrão de ação
sindical mais preocupado com os trabalhadores em seus locais de trabalho
e com sua organização a partir das empresas”.
219
Alguns historiadores entendem que essa nova corrente do movimento sindical
brasileiro surge em contraposição àquela vigente no período anterior ao golpe militar de
1964. Assim, eles associam ao velho sindicalismo, dito populista, o fardo de ser
caracterizado por um distanciamento das bases e o pouco empenho reivindicativo pelos
interesses imediatos da classe trabalhadora, em detrimento de uma maior participação na
orquestração política.
Entendem ainda que o movimento pré-64 foi o grande responsável pelo atrelamento
do movimento dos trabalhadores a uma estrutura sindical corporativista, que se torna um
mero apêndice do jogo de dominação das elites.
Algumas análises reforçam a oposição novo/velho a partir, por exemplo, da
democratização e da aproximação com as bases trazidas pelo “novo sindicalismo.”A
respeito do velho sindicalismo, destacam que:
“o ‘velho sindicalismo’ tem sua atuação orientada pela lei de
sindicalização promulgada em 1931, que estabelece o sindicato único por
ramo produtivo e por região e garante a intervenção direta do Estado no
funcionamento interno dos sindicatos e na regulação das relações entre
capital e trabalho. Os sindicatos alinhados com essa concepção
concentravam-se, basicamente, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro,
no período compreendido entre 1943 e o golpe militar, em abril de 1964, e
suas atividades ligavam-se organicamente com o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e com o Partido Comunista Brasileiro (PCB)”.
220
A partir de 1978 quando os metalúrgicos do ABC paulista entram em greve,
assistiu-se a uma luta pela hegemonia política e sindical na esquerda brasileira. As
219
RODRIGUES, Iram Jácome (org) O Novo Sindicalismo – vinte anos depois, p.78.
109
divergências levam à formação de dois blocos: os chamados sindicalistas autênticos,
reunidos em torno dos sindicalistas metalúrgicos do ABC, agregando sindicalistas de
diversas categorias do país, os quais, com os grupos integrantes das chamadas oposições
sindicais, compunham o autodenominado bloco combativo,
221
e o denominado velho
sindicalismo no qual se agrupa a unidade sindical, formado por lideranças tradicionais do
interior do movimento sindical, muitos deles vinculados aos setores denominados
“pelegos”, e outros tradicionais militantes de setores de esquerda, tais como o Partido
Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR 8). Estes dois blocos seriam as bases de sustentação dos
organismos intersindicais de cúpula. O primeiro ligado à CUT; e o segundo à CONCLAT.
Corroborando essa análise, Marcos Aurélio Santana entende que o novo
sindicalismo:
“agregava sob sua rubrica uma série de forças distintas entre si, mas que
tinham em comum o posicionamento contrário àqueles outros setores os
quais classificam como reformistas ou pelegos, sendo este um
sindicalismo de colaboração de classes. [...] o momento da emergência do
“novo sindicalismo” pode ser caracterizado por uma situação de
concorrência entre projetos políticos e sindicais no interior dos setores de
esquerda no Brasil”.
222
A acepção “novo sindicalismo” foi sendo cunhada na junção entre o movimento
social e a reflexão acadêmica. Parte dos discursos sustenta que em contraposição ao “velho
sindicalismo” pré-64, o novo movimento sindical, iniciado em 1978, tinha como
sustentáculo uma classe trabalhadora jovem, nova em tempo e espaço. A esse respeito, eis
o que o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Luís
Inácio da Silva (o Lula), disse em 1979:
“O que está existindo no ABC, principalmente em São Bernardo do
Campo, é uma massa jovem de trabalhadores, pessoas que não aceitam
esse tipo de exploração, que querem participar da vida política do país,
que não viveram o populismo de Getúlio Vargas. São pessoas que
começam a acreditarem nelas mesmas”.
223
220
Ibidem. p.75.
221
Ibidem. p.76.
222
SANTANA, Marco Aurélio. Política e história em disputa: O Novo Sindicalismo e a idéia da ruptura com
o passado. In RODRIGUES, Iram Jácome (org) O Novo Sindicalismo – vinte anos depois. p.136
223
Ibidem. p.179.
110
Essa nova práxis sindical que, em larga medida, mostraria sua eficácia na ação
conflitiva com o patronato nos anos 80, estaria na origem do surgimento da Central Única
dos Trabalhadores — CUT. Esse novo órgão representativo da classe trabalhadora adotará
uma posição mais combativa diante do Estado e do empresariado. Esse posicionamento
colidente acabaria por atrair em pouco tempo a representatividade de amplas parcelas de
assalariados, tanto no setor público como no privado.
Criada no período de declínio do regime militar, a CUT, conceituada por João Pinto
Furtado como: “Nova Esquerda”: entendida como fundamentalmente os agrupamentos
políticos que deram origem ao Partido dos Trabalhadores”,
224
inicia seu processo de
consolidação, enfrentando o regime de exceção e reivindicando também a democratização
do País que viesse acompanhada de mudanças econômicas e sociais em benefício para os
assalariados.
Para se afirmar como direção de uma significativa corrente do movimento sindical e
construir sua identidade, essa entidade representativa dos trabalhadores, em um primeiro
momento, adota uma postura mais conflitiva na relação capital/trabalho, incluindo entre as
demandas dos trabalhadores, melhores salários, democratização no interior da empresa,
contratos de trabalho negociados coletivamente, participação nas discussões políticas,
econômicas e sociais (políticas públicas), a luta pela democracia, mais precisamente,
reivindicações por direitos de cidadania.
Para Leôncio Martins,a palavra novo encanta: Novo Brasil, Estado Novo, Nova
República, Novo Sindicalismo”.
225
Compete perguntar até quando o novo sindicalismo foi
de fato novo, e se houve de fato uma ruptura entre a estrutura que sustentava o “velho
sindicalismo” e os paradigmas do novo sindicalismo.
Em suas análises, Santana prescreve que:
“O que podemos observar é que o corte entre o novo e o velho
sindicalismo, da forma como se estabeleceu, acabou por obscurecer as
continuidades e pontos de contato existentes na prática organizativa dos
224
FURTADO, João Pinto. Movimentos Sociais e Crise das Ideologias. VII ENCONTRO REGIONAL DE
HISTÓRIA DA AMPUH- MG- UFOP- Vol.2 . Nº 1. 1991
225
SANTANA, Marco Aurélio. Política e história em disputa: O Novo Sindicalismo e a idéia da ruptura com
o passado. In RODRIGUES, Iram Jácome (org) O Novo Sindicalismo – vinte anos depois. Rio de Janeiro.
Vozes,
1991, p. 134.
111
trabalhadores, bem como os limites a ela impostos. Mais ainda, baseando-
se em pesquisas recentes, pode-se observar um reducionismo nas visões
sobre o passado que serviram para a idéia de ruptura total entre o novo e o
velho”.
226
Seguindo esse mesmo itinerário, Boito Júnior sustenta que a visão segundo a qual a
estrutura sindical
227
teria entrado numa fase de crise irreversível com a emergência do novo
sindicalismo do ABC paulista foi lançada, inicialmente, por Franscisco Weffort, em seu
estudo sobre as greves ocorridas em Contagem e Osasco, no ano de 1968. Alega também
que mais tarde essa mesma idéia foi tomada por outros estudiosos, como Maria Hermínia
Tavares de Almeida, José Álvaro Moisés e Ricardo Maranhão.
Na avaliação deste historiador, o argumento desses autores, com diferenças e
variações, possui um núcleo comum. Pois partem da idéia, que se revelou correta, de que a
industrialização brasileira, tendo concentrado uma nova classe operária em espaços urbanos
tipicamente industriais e em estabelecimentos fabris de grande porte, teria criado um agente
social potencialmente interessado e capaz de superar o velho sindicalismo populista e a
estrutura sindical tutelada pelo governo, que correspondia a esse sindicalismo.
Todavia, a partir daí concluem precipitadamente que tal situação teria aberto uma
crise na velha estrutura sindical. Com o ressurgimento do movimento sindical em massa,
em 1978, reaparece essa idéia de crise da estrutura sindical. Ela está presente, por exemplo,
nos trabalhos citados por Moisés e Maranhão. Para esse grupo de historiadores, a estrutura
sindical teria perdido toda a base de sustentação social, e que essa estrutura sindical
herdada da década de 30 havia sido superada.
228
As análises de Marcos Santana e Boito Júnior diferenciam-se das demais. Esses
autores procuram mostrar que a estrutura sindical não conheceu nenhuma crise ao longo
dos últimos anos, e que as inovações pelas quais passou representam não a sua extinção,
mas sim a sua reforma. O segundo autor procura mostrar que essa reforma é que lhe
permitiu sobreviver à crítica ideológica e prática a que foi submetida desde os anos 70.
Para o encaminhamento dessa análise, é pertinente determinar a situação da
estrutura sindical, ao longo dos anos 80, e o processo de mudanças pelo qual essa estrutura
226
Ibidem. p. 135
227
Estrutura sindical: consiste “no sistema de relações que assegura a subordinação dos sindicatos (oficiais)
às cúpulas do aparelho de Estado – do Executivo, do Judiciário ou do Legislativo”.
228
BOITO JÚNIOR, Armando. (Org.) O sindicalismo brasileiro nos anos 80. p. 48
112
passou, fazer uma caracterização prévia, ainda que sumária, dessa estrutura e do tipo de
sindicalismo que é praticado no seu interior denominado sindicalismo de Estado.
Boito Júnior chama a atenção para o fato de que é essencial não confundir a
estrutura sindical com os seus efeitos, e destaca que as análises da estrutura sindical
brasileira, salvo raras exceções, pecam por confundir essas duas ordens de fenômenos. Elas
se prendem aos efeitos da estrutura sindical que são os eventos mais superficiais e visíveis.
É nesse plano superficial que permanece o discurso da grande maioria dos sindicalistas e
estudiosos que pretendem fazer a análise crítica da estrutura sindical brasileira.
A estrutura, porém, é algo mais profundo, nem sempre fácil de detectar, e, via de
regra, é implícita e inconscientemente reafirmada pelo discurso daqueles que, ao se
referirem criticamente aos efeitos da estrutura sindical, imaginam erroneamente estarem,
por causa disso, criticando a estrutura que produz tais efeitos.
Ao se confundir os efeitos da estrutura sobre a organização e o movimento sindical,
acabam por concorrer para uma nova função política, que consiste em limitar e moderar a
ação sindical dos trabalhadores. Essas distinções devem ser levadas em consideração se
quiserem compreender as transformações pelas quais passou a organização sindical
brasileira ao longo dos anos 80.
A estrutura sindical continuou engessada, uma vez que o reconhecimento legal do
sindicato precisa da chancela do Estado. Para a representação de um segmento de
trabalhadores torna-se necessário obter um registro junto a um ramo do aparelho estatal,
mais precisamente junto ao Ministério do Trabalho e, consecutivamente, a outorga do
Estado.
Discorrendo sobre a tutela estatal sobre os sindicatos brasileiros, Boito Júnior
ressalta que:
“A partir da outorga estatal, necessária para o registro da entidade sindical,
descortina-se outros elementos que compõem essa estrutura, como a
unicidade sindical, ou seja, sindicato único por força de lei em uma base
territorial, bem como as contribuições sindicais obrigatórias e a tutela do
Estado, particularmente da Justiça do Trabalho, sobre atividade
reivindicativa dos sindicatos. Somente com a tutela estatal, um sindicato
consegue ser o único representante de um determinado seguimento de
trabalhadores, podendo receber em seus cofres os recursos provenientes
das contribuições obrigatórias, tornado-se então o único representante de
113
tais trabalhadores para efeito de negociação, acordos e convenções
coletivas de trabalho”.
229
Além do mais, para que um sindicato possa pleitear um dissídio coletivo junto à
Justiça do Trabalho, solicitando uma sentença normativa
230
desse órgão do Judiciário, é
preciso que ele seja o único representante legal de um determinado seguimento de
trabalhadores. A Justiça Trabalhista não emite sentenças que se aplicam apenas aos
trabalhadores individuais associados a um determinado sindicato. Suas decisões se aplicam
ao conjunto de uma categoria em determinada base territorial, fruto do esgotamento de uma
negociação coletiva envolvendo os sindicatos patronais e laborais.
“A unicidade sindical simboliza um verdadeiro monopólio do Estado
sobre a representação sindical somado às contribuições sindicais
compulsórias e a tutela da Justiça do Trabalho sobre a ação reivindicativa
tornam o sindicato oficial uma espécie de célula da estrutura sindical
independente dos trabalhadores e dependente do Estado”.
231
O reconhecimento estatal-legal dos sindicatos nasceu no Brasil a partir de março de
1931, quando o governo impõe, através de um decreto-lei, a necessidade de oficialização
sindical, iniciando o processo de implantação da atual estrutura, e também a história do
sindicalismo populista.
232
É sabido que durante os anos 30 e, pelo menos, até a década de 50 – que é quando
começam a surgir no Brasil as grandes unidades industriais produtoras de bens
intermediários e de bens de consumo duráveis que a classe operária brasileira, sem ser uma
classe desprovida de qualquer tradição de luta como pretendiam os ideólogos da Revolução
de 1930, é ainda uma classe em formação, de contigente reduzido e muito pouco
significativo no total da população do país. Trata-se, inclusive de uma classe dispersa
geograficamente, com poucos centros urbanos onde apresentasse uma maior concentração
operária.
233
Verifica-se que em outros países como Inglaterra, França e Alemanha, os sindicatos
surgiram de baixo para cima. No Brasil ocorreu, o contrário: foi de cima para baixo, com a
229
Ibidem. p. 49.
230
Chama-se sentença normativa a decisão dos Tribunais Regionais do Trabalho ou TST no julgamento dos
dissídios coletivos.
231
BOITO JÚNIOR, Armando....[et al.] O sindicalismo brasileiro nos anos 80, p. 81..
232
FUCHTNER, Hans. Os Sindicatos brasileiros de trabalhadores: organização e função política. Trad.
Jehovanira Chrysóstomo de Souza – Rio de Janeiro: Graal.1980
114
imposição do Estado sobre a organização dos trabalhadores. Enquanto em outros países os
sindicatos foram sendo criados em função de reivindicações de movimentos operários, em
nosso país decorreu de imposição estatal. A partir de então é o Estado que implementa uma
política de expansão dos direitos sociais e da legislação de fábrica, competindo-lhe
reconhecer o direito dos trabalhadores à reivindicação, ao mesmo tempo que procura
integrá-los, ainda que de modo periférico e controlado, ao sistema político.
A mitificação do Estado como entidade supostamente acima das classes sociais é
fruto dessa ideologia populista, que teria como uma das finalidades proteger os
trabalhadores da exploração capitalista. A tutela do Estado sobre os sindicatos aparece,
então, aos olhos do trabalhador ou sindicalista penetrado pela ideologia populista, como
uma vantagem. Dessa forma, o legalismo populista legitima a estrutura sindical.
A estrutura sindical brasileira não entrou em crise no período aberto pelas greves
operárias de 1978, porque, desde então, não se constituiu nenhuma força social que agisse
conscientemente no sentido de suprimir aquela estrutura.
O que esteve em crise a partir de 1978 foi o modelo ditatorial de gestão do
sindicalismo de Estado implantado pela ditadura militar, pautado no controle policial dos
sindicatos, monopólio do peleguismo sobre o aparelho sindical, determinação dos reajustes
salariais exclusivamente através de decretos governamentais, mas não lutaram contra a
estrutura sindical. Os embates se concentraram nos efeitos jurídicos tutelares da estrutura
sindical e não nos elementos essenciais da estrutura sindical.
234
As contradições apontadas têm-se desenvolvido de modo lento, cumulativo, não
gerando no período uma liderança sindical que elegesse a destruição da estrutura sindical
como objetivo de sua ação e que procurasse engajar as massas na luta por esse objetivo.
Ao revisar as pesquisas sobre o tema, chega-se a recolher alguns discursos
ardorosos contra a estrutura sindical, pronunciados na década de 80, de prestigiados líderes
sindicais como Lula e Olívio Dutra:
“Há um entrave imposto pela estrutura sindical brasileira (...) o
movimento sindical tem esse cordão umbilical, preso ao Ministério do
Trabalho. A contribuição é totalmente inadequada [...], foi feita de cima
para baixo [...] é preciso acabar com a contribuição sindical que atrela o
233
FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social. São Paulo: Difel ,1976, p 143.
234
BOITO JÚNIOR, Armando....[et al.] O sindicalismo srasileiro nos anos 80, p. 95.
115
sindicato ao Estado [...] o sindicalismo ideal é aquele que surge
espontaneamente, que existe porque o trabalhador exige que ele exista. (...)
A estrutura sindical é um instrumento político, só que a serviço da classe
dominante e não daqueles a quem deveria servir. O sindicato que
queremos é aquele organizado na base articulado com os setores populares
e que é real em algumas regiões e em algumas categorias. Mas o sindicato
legal, institucional, é uma ferramenta da classe dominante”.
235
Boito Júnior pontua que essa ação de ruptura seria esperada das lideranças operárias
cutistas, mas isto não foi observado, talvez, exceto em alguns discursos inflamados como
os anteriores. Na prática, essas novas lideranças procuraram compatibilizar o sindicalismo
enraizado nas grandes empresas como sindicato oficial, submentendo aquele a este último.
A ação sindical de massa tem se atritado de modo prático, espontâneo, contraditório e
inconsciente com a estrutura sindical. Mas as lideranças sindicais não têm procurado se
apoiar naquilo que existe de mais inovador e crítico dessa prática espontânea.
O que Boito Júnior observou é que, se por um lado há críticas à estrutura sindical,
por outro ainda existe um grupo significativo de trabalhadores que reivindicam esta tutela.
Trata-se do funcionalismo público em que quase totalidade das correntes sindicais, a
despeito de inseridas num setor que pratica um sindicalismo livre, está empenhada em
usufruir o que diz ser o “direito de sindicalização”, isto é, em atrelar os sindicatos livres dos
funcionários à estrutura sindical oficial.
Notou-se que a desigualdade do processo de declínio é morosa, uma vez que aquilo
que o setor mais avançado do operariado vê como uma camisa-de-força para a luta sindical,
isto é, a tutela da Justiça do Trabalho sobre a ação reivindicativa, é visto pela maioria das
correntes sindicais do funcionalismo como uma arma a ser conquistada: a capacidade que
tem um sindicato oficial de instaurar dissídios coletivos.
236
A situação da CUT é no mínimo embaraçosa, pois, ao defender a oficialização dos
sindicatos livres dos funcionários públicos e a manutenção da contribuição assistencial
compulsória, justificando que, criado o sindicato oficial, os funcionários terão um órgão de
representação legal no conjunto da categoria. Eis aí a contradição do discurso cutista que,
ao mesmo tempo em que flerta com a pluralidade sindical, defende nesse caso a unicidade
sindical que publicamente afirma combater.
235
SANTANA, Marco Aurélio. Política e história em disputa: O Novo Sindicalismo e a idéia da ruptura com
o passado. In RODRIGUES, Iram Jácome (org) O Novo Sindicalismo – vinte anos depois. Rio de
Janeiro.Vozes,1991, p. 134.
236
Ibidem. p. 66.
116
Ao defenderem a taxa assistencial ou contribuição sindical compulsória, a entidade
compromete-se com o conjunto da estrutura sindical. Apesar de se declararem favoráveis à
independência financeira do sindicato, continuam alimentando um poder tributário que é
legalmente outorgado pelo Estado.
Nesse sentido, Boito Júnior proclama:
“O discurso cutista possui, portanto, duas camadas sobrepostas. Uma
camada mais visível, onde se proclama abertamente a defesa da liberdade
sindical, a oposição à unicidade, ao imposto, à tutela da Justiça do
Trabalho. Trata-se aqui, na maioria das vezes, das reformulações mais
gerais e de pouca conseqüência prática. A outra camada do discurso
cutista, essa mais ligada às propostas de ação concreta, nega e contradiz o
que as declarações genéricas afirmam. Podemos chamar a primeira
camada de ideologia teórica e a segunda de ideologia prática. É essa
última, envolta e ocultada pela ideologia teórica, que reflete de modo mais
adequado, e não invertido, a ação prática da CUT frente à estrutura
sindical.”.
237
No que se refere à liberdade sindical, a convenção nº 87, em seu artigo 2º da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), dispõe que: “os trabalhadores e os
empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão o direito de constituir, sem
autorização do Estado, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a
essas organizações, sob sua única condição de observar seus estatutos”.
238
Pode-se dizer, assim, que a liberdade sindical implica a possibilidade de livre
criação de um sindicato, inclusive a criação de mais de um sindicato para a mesma
categoria, e o direito de aderir ou não ao sindicato e à liberdade de auto-organização
sindical, sem qualquer ingerência governamental.
Em uma análise comparativa, o jurista Sérgio Pinto Martins ressalta que na França
os princípios básicos em relação ao sindicato são liberdade, pluralidade e autonomia, sendo
livre a criação de sindicatos, com a exigência da apresentação de seus estatutos e da lista de
seus dirigentes, que devem ser mostrados à Prefeitura do local da sede do sindicato.
Discorrendo ainda sobre a liberdade e pluralidade sindical, esse autor questiona
severamente o imposto sindical:
237
BOITO JUNIOR, Armando. O sindicalismo brasileiro nos anos 80. p. 81.
238
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 13ªed. São Paulo: Saraiva 1997. P. 768.
117
“Dentro da idéia de liberdade sindical, não é função do Estado ficar
assegurando receitas ao sindicato, principalmente por intermédio de
contribuição imposta por lei. [...] as receitas do sindicato devem advir,
porém da contribuição dos associados e de contribuições extraordinárias
decorrentes de a agremiação ter participado das negociações coletivas e ter
incorrido em função disso. O sindicato deve manter-se por conta própria,
prestando bons serviços aos associados e não recebendo contribuições que
são compulsórias ou preestabelecidas pelo Estado por intermédio de lei. Se
o Estado garante receita ao sindicato, está indiretamente interferindo na
liberdade sindical, como ocorre com a contribuição sindical, ficando a
agremiação dependente do primeiro, o que de certa forma prejudica sua
autonomia e sua independência”.
239
A eliminação do controle ditatorial sobre os sindicatos oficiais, resultado, como se
viu, da pressão de parcela do movimento sindical sobre a ditadura militar, criou a falsa
impressão de que a estrutura sindical deixou de impor limites à luta sindical. Teve-se a
impressão de que a estrutura sindical tivesse pura e simplesmente desaparecido.
Na prática, prevalece a base da estrutura sindical, a saber, reconhecimento
do sindicato pelo Estado, unicidade sindical, contribuições sindicais obrigatórias, tutela da
Justiça do Trabalho sobre a ação sindical. Após ter passado por uma reforma, essa estrutura
continua existindo e impondo um limite à luta sindical. Os novos dirigentes e militantes
sindicais demonstram não só um acentuado conhecimento das questões relevantes para a
base, como encontraram maneiras de incorporá-las e encaminhá-las como demandas
coerentes dos trabalhadores sem alterar, contudo, a estrutura burocrática que herdaram.
Procurou-se discutir diversas implicações acerca do novo sindicalismo e também a
ação dos metalúrgicos de São Paulo na década de 80, creditando à região do ABC paulista
o foco irradiador de um novo movimento operário.
Em suas reflexões sobre a trajetória da classe operária, o historiador marxista Eric
Hobsbawm destaca que:
“a história de qualquer classe não pode ser escrita, se a isolarmos de
outras classes, dos Estados, instituições e idéias que fornecem sua
estrutura, de sua herança histórica e, obviamente, das transformações das
economias, que requerem o trabalho assalariado industrial e que, portanto,
criaram e transformaram as classes que o executam”.
240
Partindo desse pressuposto, ao descrevermos a ação dos metalúrgicos de São Paulo,
procuramos encontrar as relações com a ação dos metalúrgicos da região do Vale do Aço e,
239
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, p. 672.
118
mais precisamente, suas influências na formação da chapa de Oposição Sindical
Metalúrgica Ferramenta na Ipatinga da década de 80.
Nessa busca, constatatou-se que a imprensa local, através do jornal Diário do Aço,
noticiou com destaque a presença do presidente do Sindicato dos metalúrgicos de São
Bernardo do Campo, Luís Inácio Lula da Silva, no Vale do Aço em 1980, com as seguintes
manchetes: “Lula vem à Região do Aço esta semana”, “Núcleos do Partido dos
Trabalhadores do Vale do Aço discutem a presença de Lula” .
241
O respectivo periódico destaca também a pauta do primeiro encontro de
sindicalistas da região com Lula, mencionando como objetivo maior a fundação do Partido
dos Trabalhadores na região metalúrgica do Vale do Aço, conforme se observa:
“Luís Inácio da Silva, o Lula, vem a Timóteo, neste fim de semana, para o
lançamento do Partido dos Trabalhadores – PT – no Vale do Aço. Lula,
que estará em Minas a partir do dia 22, fará pronunciamento em
Contagem, Nova Lima, Sabará, Caeté, Itabira e no Vale do Aço. (...) Um
número crescente de operários tem participado dos encontros preparativos
para a vinda do líder, cuja presença nas grandes cidades brasileiras tem
movimentado sempre um grande número de trabalhadores”.
242
A presença de Lula na região fomentará a criação do Partido dos Trabalhadores
(PT) no Vale do Aço. Mas em Ipatinga, a criação do Partido coincide com a estruturação do
movimento de oposição sindical. A partir de então um grupo de metalúrgicos, com apoio
dos movimentos sociais já estruturados na cidade, ensaiam a primeira reação à postura da
Usiminas de controlar commão-de-ferro” o Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga –
SINDIPA.
Lígia Diniz, em entrevista com Chico Ferramenta, consegue captar o esboço de uma
primeira reação organizada dos operários de Ipatinga:
“Após ter falado na assembléia que discutia aumento salarial, o meu chefe
me perguntou se eu tinha falado por espontânea vontade ou e eu tinha
uma participação no movimento sindical, se eu participava da Pastoral
Operária, que eles tinham levantado a minha ficha, as pessoas que eu
relacionava. Aí nessa conversa eu já tinha conversado com o pessoal e
240
HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho – Novos estudos Sobre História Operária.. p. 11.
241
Diário do Aço de 07 agosto de 1980.
242
Ibidem
119
com o Ivo José
243
, o pessoal da Pastoral Operária, da Casa do
Trabalhador, na época esse pessoal já falava em eleição sindical, e me
sugeriu que se eu fosse chamado lá pelo chefe que eu falasse que não
participava do grupo”.
244
Nesse percurso fez-se necessário buscar as possíveis ligações de membros dessa
incipiente oposição sindical com outros movimentos operários circunvizinhos. Foi
constatado que, em Ipatinga, a reação organizada dos trabalhadores é tardia, em
comparação com os do Sindicato dos Metalúrgicos da Belgo Mineira em João Monlevade
e o Sindicato dos Metalúrgicos da ACESITA, no Vale do Aço.
Nas abordagens sobre o novo sindicalismo, é comum prender-se apenas ao
movimento ocorrido a partir da década de 70 na grande São Paulo, desprezando com isso
outros Estados importantes da Federação. Percebendo essa lacuna, Michel Le Ven inicia
seus estudos na década de oitenta, enfocando o movimento sindical em Minas Gerais, mais
precisamente na região metropolitana de Belo Horizonte. Suas atenções concentram-se nos
sindicatos dos metalúrgicos da FIAT de Betim-MG e no Sindicato dos Metalúrgicos da
Belgo Mineira de João Monlevade.
245
Em sua análise é dado maior relevo ao pioneirismo do Sindicato dos Metalúrgicos
da Belgo Mineira e sua contribuição para a agenda sindical brasileira, destacando que:
“Além da mobilização e da força coletiva apresentada, o Sindicalismo dos
Metalúrgicos de João Monlevade teve um papel de liderança no Estado de
Minas Gerais. Apoiava todas as mobilizações ocorridas no Vale do Aço e
Vale do Rio Doce, e articulava-se constantemente com os metalúrgicos do
ABC e com outros sindicatos em Minas Gerais”.
246
Michel Le Ven, chama a atenção para o fato de ter sido essa cidade mineira, em
1980, a primeira a sediar o encontro da Articulação Nacional de Movimentos Populares e
Sindicais (ANAMPOS) passando a ser conhecido nacionalmente como “Encontro de João
243
Ivo José, um dos Técnicos do Centro de Pesquisas. Foi um dos mentores da formação da Oposição
Sindical Metalúrgica Ferramenta em 1985, demitido em 1986 da Usiminas, por ter participado do movimento.
Atualmente cumpre mandato de Deputado Federal pelo Partido dos Trabalhadores.
244
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade, p.111.
245
NEVES, Magda de Almeida. FREITAS, Marina Mônica. A agenda sindical mineira nas últimas décadas:
permanências e desafios. In RODRIGUES, Iram Jácome (org) O Novo Sindicalismo – vinte anos depois. Rio
de Janeiro.Vozes,1991,p.192
246
LE VEN. Michel Marie. Trabalho e Democracia: A Experiência dos metalúrgicos Mineiros (1978-1984).
p. 190.
120
Monlevade”, quando a cidade e o sindicato se tornam o ponto de encontro das lideranças
dos principais movimentos sociais do Brasil.
“O Encontro de João Monlevade - MG, denominado de Articulação
Nacional de Movimentos Populares e Sindical — ANAMPOS — é o
primeiro de três outros que serão realizados respectivamente em Taboão
da Serra – SP, em julho de 1980; em Vitória ES, em junho de 1981; e em
Goiânia – GO, em junho de 1982. Em todos esses momentos o Sindicato
dos Metalúrgicos de João Monlevade se fez presente, atuando de forma
conjunta com outros sindicatos e líderes sindicais mineiros e nacionais
para a consolidação de uma nova proposta para o movimento sindical, que
posteriormente veio a ser analisada pelos pesquisadores e estudiosos do
tema como Novo Sindicalismo”.
247
A partir desse encontro, o sindicato dos metalúrgicos de João Monlevade, que se
autodefine como um “grupo de trabalhadores”, tende a se aproximar mais explicitamente
dos problemas internos da Usina Siderúrgica Belgo Mineira, fazendo-se seu porta-voz e
organizador, ao mesmo tempo em que estende sua base aos trabalhadores das pequenas
indústrias de João Monlevade, das empreiteiras da Belgo, e se une ao movimento operário
do conjunto do Vale do Aço.
Segundo Le Ven, no momento que vê aparecer a Central Única dos Trabalhadores
em agosto de 1983, o Sindicato de João Monlevade é considerado em Minas Gerais o mais
organizado, dando atenção aos problemas fabris e operários, participando ativamente no
fortalecimento da CUT em nível nacional e na organização da própria CUT no Vale do
Aço. Sua ação sindical contempla também os problemas dos metalúrgicos “próximos”,
diretamente ameaçados na sua identidade coletiva como no Vale do aço.
248
Em entrevistas com ex-metalúrgicos que participaram da formação da chapa
Ferramenta e em consultas nos Informativos da Oposição Sindical Metalúrgica Ferramenta,
sempre se dá destaque à influência de líderes sindicais de João Monlevade, como João
Paulo Pires e, mais precisamente, o apoio da “Fundação Casa do Trabalhador”, com sede
naquela cidade.
A respeito da Casa do Trabalhador, os estudos reiteram o papel de conscientização
operária exercido por essa instituição:
247
Ibidem. p. 192.
248
Ibidem. p. 177 e 178.
121
“Esta instituição foi juridicamente criada, em fim de 1981, por onze
sindicatos do Vale do Aço, representantes de associações e colaboradores
do movimento operário, entre outros, um deputado federal do PMDB, e
destinada a dar apoio às organizações existentes e futuras. Os fins da Casa
do Trabalhador (permanentes e, em termos imutáveis) são: promover o
aprimoramento do trabalhador em termos de sua conscientização e do
processo histórico em que se insere; valorizar a dignidade humana em
todas as suas dimensões”. Portanto a Casa do Trabalhador é desenvolvida
pelo próprio trabalhador. O trabalhador educa o próprio trabalhador. A CT
é uma escola onde os educadores são os mesmos educandos: a arte, a
cultura são os ofícios do que detêm o domínio da ferramenta; as aulas. São
os trabalhadores se reunindo, dialogando, um aprendendo com o outro e
juntos se organizando. A CT não diz o que o trabalhador deve fazer. O
trabalhador conhece. Ele tem o saber. É o dono da cultura. Contudo, lhe
faltam chances de desenvolver o seu potencial. A CT caminha a passos
dos trabalhadores. Isto é, são eles que fazem a caminhada. A CT anima, é
um espaço de aprimoramento do saber popular... ”A CT não impõe nada
aos trabalhadores, mas permite que a gente expresse o que está dentro de
nós”.
249
As impressões de Michel Le Ven, sobre a filosofia da Casa do Trabalhador, ao
enfocar o respeito à cultura do trabalhador, apresentam pontos de convergência com a
teoria de Thompsom da “experiência operária”. Esse autor desvenda o fazer-se
250
da
classe operária inglesa, como um processo ativo, sendo que essa classe estava presente no
seu autofazer, ao longo da história.
Portanto, para Thompsom “a experiência de classe é a forma como essas
experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de
valores, idéias e formas institucionais’”.
251
Destarte, a experiência concreta ocupa lugar
central no processo de constituição dos discursos e práticas da classe trabalhadora.
Logo, na Casa do Trabalhador, enquanto espaço para o aprimoramento do saber,
permitiu o fazer-se da classe operária, sem a interferência de um organismo que intervenha
nas práticas trabalhistas, prevalecendo o que Castoriadis definiu como “autonomia” ao
enfatizar que “mais, para a organização, não se trata somente de propagar a idéia de
autonomia; trata-se de ajudar os trabalhadores a realizarem ações autônomas. (...) Uma
249
Ibidem. p..292.
250
Referindo-se ao vocábulo fazer-se o tradutor, observa-se que na tradução para o nosso vernáculo como
formação, como aparece no título da obra em português, desvirtuou-se em parte a compreensão semântica do
que de fato o autor inglês quis mostrar com o vocábulo “fazer-se”.
251
THOMPSOM, E.P. A Formação da Classe Operária – A Árvore da liberdade. Vol. I- 4ª ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1998. p.12.
122
ação autônoma dirigida a si mesma, consciente de si mesma, de seus objetivos e de seus
meios”.
252
Este autor percebe o movimento da classe operária como autoconstitutivo.
Observações parecidas são feitas por Michel Le Ven em João Monlevade mostrando que as
ações da Fundação Casa do Trabalhador, como “uma escola onde os educadores são os
mesmos educandos, as aulas são os trabalhadores se reunindo, dialogando, um
aprendendo com o outro e juntos se organizando, não dizendo o que o trabalhador deve
fazer”.
Segundo Moisés Arimatéia, a Casa do Trabalhador foi uma escola sindical e a
cidade de João Monlevade um local estratégico para atender aos trabalhadores das regiões
mineradoras ou aquelas que se abastecem desse minério. Entre essas, citam-se Ipatinga e
Coronel Fabriciano, como observado neste trecho.
“A escolha da cidade de João Monlevade, como sede da Fundação da Casa
do Trabalhador, deveu-se ao fato de estar localizada no centro da região
acima mencionada, e também, porque era palco do trabalho de
organização e renovação sindical que, a partir do Sindicato dos
Trabalhadores Metalúrgicos, se irradiava para as demais entidades
regionais e nacionais. Convém lembrar que esse sindicato historicamente
fazia parte do grupo de dirigentes que encabeçavam o chamado “novo
sindicalismo”.
253
O movimento sindical em Ipatinga foi tardio em relação aos demais movimentos da
região uma vez que somente em 1985, ou seja, 07 anos depois de lançadas as propostas do
novo sindicalismo é que se assistiu ao lançamento de uma chapa de oposição inscrita para
disputar a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Ipatinga (Sindipa). A formação da
chapa Ferramenta foi liderada por Francisco Carlos Delfino, Técnico do Centro de Pesquisa
da Usiminas, conjuntamente com outros 19 metalúrgicos.
Em vários momentos deste trabalho fizemos referências à denominação “Chapa
Ferramenta”. Mas, por que Ferramenta? Hobsbawn, também se preocupou com os
simbolismos criados pelo movimento operário ao longo da história, como "a bandeira
vermelha, o sol nascente do socialismo, a foice e o martelo e ocasionalmente versões
252
CASTORIADIS, Cornellius. A Experiência do Movimento Operário. Trad. Marco Aurélio Garcia. Col. A
Invenção Democrática. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1985. p. 82.
253
ARIMATÉIA, Moisés. Trabalhadores do Vale do Aço-1985 à 1995, p. 65.
123
truncadas de velhas imagens, tais como o símbolo antimilitarista da espada partida em
bandeiras do operariado italiano”.
254
Os metalúrgicos da Usiminas adotaram como
símbolo do movimento, um instrumento de trabalho comum a todos, que é a ferramenta..
A partir de então uma “chave-de-boca
255
será a ferramenta de luta por um
sindicalismo combativo e atuante. Os participantes da chapa Ferramenta e os líderes do
movimento acrescentaram em seus nomes o codinome Ferramenta.
O Grupo Ferramenta se organiza clandestinamente na casa de amigos ou em sítios
próximos para a articulação do movimento, materializando, assim, a expressão evidente de
um descontentamento acumulado ao longo de vários anos, em relação a política
autoritária e controladora da empresa.
Em entrevista, Chico Ferramenta, líder da Oposição, relata suas experiências
antes e depois de se tornar um líder sindical:
“(...) na verdade eu cheguei a Ipatinga sem nenhuma militância anterior,
seja em movimento, nenhum movimento social, estudantil ou sindical,
nada, nenhuma participação política, e quando eu cheguei a Ipatinga, eu
vim exatamente para trabalhar. O projeto meu era fazer um estágio, que eu
não tinha feito nenhum estágio do curso técnico de química e faria esse
estágio durante seis meses e voltaria para Belo Horizonte para continuar o
curso lá de matemática. O meu projeto era terminar matemática e depois
iria fazer física. Aí cheguei aqui e acabei ficando”.
256
Nessa entrevista, ainda não temos o líder sindical. Mas ficou historicamente
comprovado que é difícil contestar e impedir a consciência de classe, já que ela surge
natural e logicamente da condição proletária, pelo menos na forma elementar de
consciência sindical”, isto é, o reconhecimento de que os trabalhadores, como tais,
precisam organizar-se coletivamente contra os empregadores, a fim de defender e melhorar
suas condições como operários assalariados
257
.
Uma classe, em sua acepção plena, só vem a existir no momento histórico em que as
classes começam a adquirir consciência de si próprias como tal. A dura realidade do chão-
de-fábrica foi capaz de gerar o líder sindical que iria enfrentar a poderosa empresa.
254
HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho – Novos Estudos sobre História Operária, p .108.
255
Vide anexo 3
256
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade, p. 125.
257
CASTORIADIS, Cornellius. A Experiência do Movimento Operário, p. .88.
124
No primeiro depoimento de Chico Ferramenta, encontrou-se a expressão de um
indivíduo isolado, mas na entrevista que segue deparamos-nos com o discurso de um
sujeito coletivo:
(...) foi a partir de 84 que eu fui entrando nessa parte política, sendo que no
final de 84 que a coisa deslanchou. No final de 84 que aconteceu uma
campanha salarial dos metalúrgicos né... Que era a campanha salarial. Eu
tinha um vizinho que também trabalhava no Centro de Pesquisas, o João
Mucida, ele era engenheiro no Centro de Pesquisas, aí nós fomos juntos
para a assembléia. Durante o caminho nosso lá para a assembléia ele falou
comigo: ‘ah eu vou parar lá na assembléia, eu estou querendo falar
algumas coisas não sei o que e tal’. Aí quando chegou lá na assembléia ele
falou aí eu fiquei também entusiasmado peguei o microfone e falei
também. A partir daquele momento (“...)”.
258
A partir daquele momento, o operário Chico é uma abstração, pois exprime as
aspirações de muitos indivíduos pertencentes a uma mesma categoria. E para Castoriadis a
produção capitalista é, entre outras formas históricas de produção, uma produção coletiva.
Não somente na sociedade, mas na fábrica, na seção, os trabalhos de cada um dependem
dos trabalhos de todos os outros.
O verdadeiro sujeito da produção moderna não é o indivíduo; é em diversas escalas,
uma coletividade de operários. Se a produção é coletiva, o embate com o capital também
deve ser coletivo. Então, nada melhor do que operários organizados em torno de um
sindicato forte, capaz de fazer frente à tirania do capital.
O próprio capitalismo criou condições para tal reação, ao aglomerar os indivíduos
no seio de uma equipe ou de uma seção de fábrica, pretendendo mantê-los isolados uns dos
outros e ligá-los unicamente através de seus regulamentos de produção. Com efeito, a partir
do momento em que os operários se reúnem para realizar um trabalho, estabelecem-se,
entre eles, relações sociais, desenvolve-se uma atitude coletiva em face do trabalho, da
direção, dos outros grupos de operários.
259
O conteúdo primeiro dessa socialização é que os operários tendem a organizar
espontaneamente sua cooperação, a fim de resolvem os problemas colocados pelo trabalho
em comum e por suas relações com o resto da fábrica. Doravante, o indivíduo colocado
diante de uma tarefa se organiza meio consciente e meio inconscientemente para realizá-la.
258
DINIZ, op. cit. p. 126.
259
Ibidem p.87
125
Lula, em entrevista a Mário Morel, relata suas experiências de operário na
metalúrgica Villares e corrobora a tese de Castoriadis, como no trecho que segue:
“Na parceria a empresa promove a concorrência entre dois trabalhadores,
levando a uma competição natural. Eu trabalhava com um companheiro o
Zé Lagarto, eu trabalhava à noite e ele de dia. E esse companheiro tinha
uma capacidade de produzir fantástica. Vamos dizer, por exemplo, que ele
fazia oitenta anéis de ferro fundido e eu não conseguia fazer trinta à noite.
Eu comecei a mostrar para ele que quando a gente ultrapassava a cota de
produção a gente estava dando lucro para o patrão e não ganhava nada
com isso. E estava me prejudicando, já que eu não tinha a capacidade de
acompanhá-lo na produção. Então sem querer, ele estava provocando a
minha dispensa, porque qualquer chefe manda embora o cara que produz
menos, tendo um que pode dar a produção de dois. [...] ficou demonstrado
o que acontece hoje, enquanto o cara está na oficina, na sua capacidade
total de trabalho, ele é usado como se fosse um jumento. Quando ele
fraqueja um pouco por cansaço ou se acidenta, acabou o valor. Não tem
mais capacidade de produção, então é um velho”.
260
No relato, o operário Lula descobre a mais-valia sem ter lido Marx, e constata as
manobras do capital ao promover o acirramento da concorrência entre os trabalhadores no
cotidiano da fábrica. É dessa forma os operários, situados diante de uma tarefa diária,
tenderá a se organizar para realizá-la, para resolver o problema da relação entre os trabalhos
realizados pelos seus membros e fazer deles um todo que corresponda à finalidade
proposta. Em seu seio, manifesta-se já a atitude gestionária dos operários, sua tendência a
se auto-organizarem para resolver os problemas que lhes são postos por seu trabalho e por
suas relações cotidianas.
261
Como vimos, por terem de resolver em comum problemas da organização de seu
trabalho, cujos diversos aspectos se implicam reciprocamente, os operários adquirem o
espírito de coletividade em uma empresa. A sua situação na produção cria entre eles uma
comunidade de interesses, de atitudes e de objetivos que se opõem irremediavelmente aos
da direção da empresa. Daí os operários se associarem espontaneamente, ora para resistir,
se defender, ou lutar.
Essa ação e essa organização cotidiana são implícitas à existência do proletariado, à
própria condição do proletário. A organização dos operários é apenas um aspecto dessa
260
MOREL, Mário. Lula, o metalúrgico: Anatomia de uma Liderança – Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1981. p..38
261
CASTORIADIS, Cornellius. A Experiência do Movimento Operário. p. 114 e 115.
126
luta. O trabalho, na empresa capitalista, não ocorre sem lutas. Essa situação decorre
diretamente de uma organização do trabalho baseada na oposição entre dirigentes e
executantes.
A organização do coletivo operário na empresa metalúrgica Usiminas se faz sentir
ao articularem e registrarem a chapa com o número 1, às escondidas, situação estranha,
porque sempre às oposições sindicais são reservados outros cardinais. A partir de então,
as pressões da empresa via chefias e intimidações de toda ordem configuram um verdadeiro
conflito social
262
, envolvendo não apenas os operários, mas também a cidade que se
solidariza com o grupo.
Essas pressões não abaterão o ânimo desses metalúrgicos até o dia das eleições
sindicais disputadas por seis chapas, pois que a chapa 1 obteve a maioria dos votos, embora
não o necessário para evitar o segundo turno. Esse será o momento adequado para que as
chapas derrotadas se unam à chapa 2, que disputará o segundo turno com o total apoio da
empresa, sagrando-se vencedora
263
.
O castigo pelo duelo com a grande empresa não tardou, pois entre o final do ano de
1985 e início de 1986, ocorreram as demissões sumárias dos líderes da chapa 1, derrotada
nas eleições sindicais. Como atesta esta denúncia de um dos informativos sindicais:
NOVO MASSACRE DE IPATINGA
A direção da Usiminas, numa tentativa de impedir o avanço da
organização dos trabalhadores, está fazendo uma série de demissões em
Ipatinga, atingindo justamente a Oposição (antiga chapa 1 – Ferramenta
ligada à CUT – até agora são 15 demitidos, entre ex- candidatos da chapa,
apoiadores e mesários.
264
Parte do grupo demitido em 1985,através de José Geraldo Oliveira, ex-participante
da chapa derrotada e demitido em 1986, hoje na qualidade de advogado, pleiteou junto ao
Ministério da Justiça, em 2003, um requerimento de anistia política do grupo, por entender
que a demissão foi “um claro gesto de perseguição política”. Tal requerimento encontra
guarida legal na Lei de Anistia sancionada em 2003, que em seu art.8º dispõe:
“ É concedida a anistia aos que, no período de 18 de setembro de l946 até
a data da promulgação da Constituição, àqueles que foram atingidos, em
262
Segundo o Dicionário de Política de N. Bobbio, Conflito Social é uma forma e interação entre indivíduos,
grupos, organizações e coletividades, que implica choques para o acesso e distribuição de recursos escassos.
263
Diário do Aço edição de 5 de setembro de 1985.
264
ÓRGÃO INFORMATIVO DO DEPARTAMENTO METALÚRGICO DA CUT/MG ano 1- 12 /85.
127
decorrência de motivação exclusivamente política (...) § 5º - A anistia
concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e
aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações,
empresas públicas ou
empresas mistas sob controle estatal (g.n) ou por
motivos exclusivamente políticos, assegurada readmissão dos que foram
atingidos a partir de 1979”.
265
Destarte, com a possibilidade de serem ressarcidos monetariamente e obterem o
reconhecimento por parte do Estado Brasileiro de que as demissões foram injustas, foi
possível, após 20 anos, a reunião da maior parte do antigo grupo que compôs a chapa
Ferramenta. As reuniões fizeram com que elementos dispersos deixassem suas atividades
triviais e passassem a revolver suas vidas em busca de fotos ou outros documentos que
comprovassem a participação nesse momento histórico.
Por ironia da história, não na qualidade de réus, mas de agentes históricos, eles se
reúnem no escritório de advocacia de um dos demitidos em 1985, o qual hoje defende em
juízo a causa dos companheiros.
Em uma das entrevistas, o mais entusiasmado dos entrevistados, Sebastião dos
Santos, enfatiza: “primeiro a possibilidade real da concessão da Anistia Política e,
posteriormente, esta pesquisa que caiu do céu, porque precisamos que todos fiquem
sabendo de a que justiça tarda mas não falha”.
266
Esse ex-metalúrgico e os demais que
foram entrevistados contemplam com este trabalho acadêmico o reconhecimento de que
suas lutas não foram em vão, talvez por perceberem que “vão desaparecer em breve, eles
querem escrever suas histórias”.
267
A escolha de entrevistas temáticas neste tipo de pesquisa é adequada porque o tema
‘A Ação Política do Grupo Ferramenta na Década de Oitenta em Ipatinga’’ teve, e tem,
estatuto relativamente definido na trajetória de vida dos depoentes.
Ao realizar entrevistas como metodologia de trabalho Científico, compete ao
pesquisador recolher e organizar o conhecimento, sistematizá-lo, com o objetivo de tentar
uma aproximação com a ‘verdade dos fatos’, através dos meios conhecidos da pesquisa
científica, como sugere Benjamim Coriat:
265
REQUERIMENTO DE ANISTIA junto ao Ministério da Justiça, por José Geraldo Oliveira.
266
Entrevista com o ex- metalúrgico Sebastião dos Santos, demitido da chapa 3 em 1988.
267
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral, p. 143.
128
“Nas entrevistas com operários, é preciso dar confiança ao que é afirmado.
Eles têm uma percepção correta dos fatos, principalmente a compreensão
de classe, como trabalhadores. Eles não sabem tudo, mas têm uma
percepção vivida dos fatos. Por isso é preciso perguntar dez vezes a
mesma coisa, colocar em cheque com outras afirmações para poder cruzar
os dados. Eles têm razão sobre o sentido das coisas mesmo quando elas
não são exatamente como eles contam. Por isso tem que anotar tudo e
verificar tudo”.
268
Perguntar dez vezes a mesma coisa e colocar em cheque outras afirmações,
cruzar os dados para que se possa, a partir da subjetividade operária, chegar à verdade dos
fatos, a partir da vivência operária e de sua inserção no mundo das relações capitalistas.
Essa tem sido a tônica deste trabalho de pesquisa.
Por ora destacar-se-á a importância dos movimentos sociais que já estão se
organizando na cidade e que muito colaboraram na tarefa de conscientização dos
metalúrgicos. Merecem atenção redobrada as ações das Pastorais Operárias. Esse
movimento ligado à Igreja Católica iria promover uma mudança social nos espaços da vida
cotidiana de seus cidadãos. Ele se mostra (...) e constrói resistências internas, na
organização dos seus atores sociais, seja lutando contra as imposições autoritárias dos
dominantes, seja propondo novas formas de vida, definindo seu modo cultural e
construindo suas entidades de resistência política.
269
A reação destes movimentos sociais na cidade de Ipatinga contra as relações de
poder então vigentes fornecerá o suporte externo, necessário para a interação com o
movimento operário que se inicia no interior da empresa em contraposição ao despotismo
das relações fabris.
Referindo-se à importância das ações das pastorais, Leôncio Martins destaca que:
“O surgimento, a partir de 1974, da Pastoral Operária, sob inspiração da
Teologia da Libertação, e seu esforço no sentido de aproximar os
movimentos populares do movimento sindical. Faz com que o bairro
torne-se também um local de articulação operária. Muitos trabalhadores,
ligados aos grupos comunitários, passaram a atuar nos sindicatos,
geralmente nas oposições às diretorias consideradas excessivamente
moderadas ou “pelegas”. Vão introduzindo novos conceitos e
reivindicações no campo da militância sindical (democracia de base,
268
CORIAT, B. Changer L’usine, in Travail, Revue de l’association d’enquêtes e de recherches sur
l’organization du travail, nº 2/3, Paris, 1985, apud
LE VEN. Michel Marie. Trabalho e Democracia: A
Experiência dos metalúrgicos mineiros (1978-1984). p. 198.
269
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: A Utopia da Cidade Disciplinar. p. 63.
269
Ibidem, p.175.
129
autonomia sindical, organização a partir do local de trabalho e dos bairros,
comissões de fábricas, etc.).”.
270
Em Ipatinga, a ação da Pastoral Operária teve impulso com a chegada, em 1983, dos
freis franciscanos: João José, Jacyr, Flávio, Adelmo, que se instalaram nos bairros
populares, do outro lado da cidade. Alojados em uma casa simples, desprovidos de
qualquer riqueza material e adotando uma filosofia de vida simples, aos poucos reúnem a
população em igrejas ou na escola mais próxima, para a celebração do culto religioso e
discussão dos problemas sociais da comunidade etc.
O início da construção dessa participação é assim relatado por uma moradora: “A
gente reunia, formava uma comunidade, dava um nome e já começavam as discussões, os
problemas da educação, do transporte, da igreja e tudo. Assim a partir da chegada deles é
que nós começamos os grandes enfrentamentos”.
271
Em consonância com os trabalhos realizados junto aos moradores de baixa renda,
esses religiosos seriam os anunciantes de uma igreja libertária. O trabalho desenvolvido
tinha como escopo transformar a cidade em um espaço público comum a todos os seus
moradores.
Mas esse trabalho incomodava a elite política que, através da imprensa, “se referia
a eles como padres vermelhos, ovelhas negras da Igreja”. E de fato os padres vieram para
incomodar mesmo, como demonstra este relato do Frei Jacy:
“(...) a gente jogava para o povão, seja nos espaços que a gente tinha nas
rádios, nos jornais... então a gente enunciava... era uma pastoral toda
voltada para o mundo do trabalhador, toda a pastoral era fundamentada
nisto, a gente trabalhava na formação de lideranças para fortalecer os
movimentos sociais... era gente que saía da nossa base e tornava-se
presidente da associação dos moradores, líderes da chapa do sindicato,
transformavam-se depois em vereadores... era uma coisa assim, tão
natural”.
272
Nas reuniões, os debates giravam em torno de cursos denominados “fé e política”,
organizando a comunidade em um grande movimento social, urbano e operário. A partir da
270
MARTINS, Leôncio Rodrigues. O sindicalismo brasileiro na década de 80. p. 54.
271
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade (1958 – 1992), p.
133.
272
Ibidem. p. 116.
130
atuação e das discussões desses encontros, aparecem os cidadãos fazendo-se enquanto
sujeitos da própria história, conforme esta narrativa:
“Eu comecei a participar do grupo de jovens, e eu entrei, justamente numa
época, que a igreja aqui estava fazendo uma campanha de discussão sobre
fé e política, principalmente nas pastorais. Percebi que tinha uma ligação
com a história, com o que estava acontecendo no país, como o fim da
ditadura, a anistia, e outros movimentos. O que eu senti foi que eu fui para
participar de um movimento religioso e de repente nós começamos a
discutir política e estabelecer a ligação entre fé e política”.
273
As primeiras reuniões aconteceram nos salões paroquiais das Igrejas Católicas, com
uma presença diminuta de operários em função da lei do silêncio imposta pela empresa:
“tudo era proibido, ninguém podia protestar, então toda a manifestação que a gente fazia,
ela só podia contar com a participação do pessoal da periferia, e algumas vezes das
mulheres, porque os trabalhadores, metalúrgicos principalmente, eles eram proibidos de
manifestar ou de participar”.
274
A presença dos frades fransciscanos, adeptos da Teologia da Libertação, em
Ipatinga transforma o perfil organizacional do movimento, dando-lhe caráter de massa.
Esses movimentos são pautados nas diretrizes dos Concílios de Medellin e Puebla, tendo
como bandeira “opção pelos pobres e oprimidos”. Alavancados por essa bandeira, o setor
progressista da Igreja passaria a exercer papel de suma importância na conscientização e
organização dos trabalhadores no Brasil, através de uma retórica com foco nos movimentos
operários, como se observa neste trecho:
“Por isso na estrutura intermediária profissional, a organização sindical
rural e operária deverá adquirir a força e a presença suficiente a que os
trabalhadores têm direito. Suas associações deverão ter uma força de
solidariedade e responsabilidade capaz de fazer valer o direito de sua
representação e participação nas decisões relativas ao bem comum”.
275
Por se tratar de uma região industrial desprovida de um sindicato forte e
representativo dos trabalhadores, notar-se-á maior empenho na organização da Pastoral
273
Ibidem. p. 117.
274
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade (1958 – 1992, p
118).
275
CONCLUSÕES DE MEDELLIM- II CELAM – Conferência Geral dos Bispos Latino-Americanos. Ed.
Paulinas, 1979. p.18.
131
Operária, visando a despertar a consciência política e “tornando imprescindível a ação
educadora da Igreja, com vistas a que cristãos considerem sua participação na vida
política da Nação como um dever de consciência e como o exercício mais nobre e eficaz
para a comunidade”.
276
Concomitantemente, a Igreja Católica intensificou o seu trabalho de evangelização
numa linha libertadora, através das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs. Essa atuação
da Igreja brasileira foi de vital importância para o crescimento da mobilização popular em
busca de se adquirir uma consciência de classe.
Referindo-se às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Frei Beto menciona:
“Elas nascem no Brasil por iniciativa dos próprios bispos, em 1962, como
uma forma de organizar, sob a inspiração do concílio, as paróquias, porque
antes as paróquias eram praticamente organizadas em termos de massa, e
freqüência aos sacramentos, às missas dominicais, por aquela massa
grande de gente. Só freqüência e não participação. [...] Na Europa algumas
Comunidades de Base surgiram em contestação à estrutura da igreja. No
Brasil nunca ocorreu isso. Eu já corri esse país inteiro trabalhando em
Comunidade de base, nunca encontrei uma questionadora da estrutura da
Igreja. Ela é questionadora da estrutura social, a partir da referência
evangélica”.
277
Com o cerceamento das organizações populares no Brasil, a partir de 1964, esses
grupos de reflexão das comunidades se transformaram no único espaço ou um dos poucos
espaços, senão legais pelo menos legítimos, onde os operários e lavradores poderiam se
encontrar para discutirem seus problemas, à luz do Evangelho.
As discussões sempre foram realizadas dentro do propósito de o método ver, julgar
e agir, quer dizer: qual é o problema? Qual é a causa do problema? Por que é que existe
esse problema? O problema da terra, da água, do esgoto, da luz, da falta de gás, de moradia,
de transporte, do baixo salário – o que o Evangelho está pedindo da gente em relação a tudo
isso? O que Jesus Cristo faria em nosso lugar? Como nós Cristãos devemos reagir diante
dos nossos direitos?
Essas indagações fomentam ainda mais as pequenas lutas populares na comunidade.
Também outros movimentos populares são semeados pelo trabalho das comunidades:
276
PUEBLA – A Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina – Texto Oficial da CNBB.7ª ed.
Petrópolis: Vozes 1987.
277
MOREL, Mário. Lula, o metalúrgico: Anatomia de uma Liderança, p..39.
132
clubes de mães, associações de moradores, luta pela terra, atingindo o nível de participação
sindical, inclusive político, sem nunca perder o caráter político e religioso.
Imbuídos desse espírito questionador, tem-se a gênese de um processo de mudança
que começa a tomar corpo e assume um caráter de irreversibilidade. Aos poucos toda a
comunidade é contagiada pelo discurso eminentemente libertador das missas, voltado para
o ensino de uma religião engajada na vida das pessoas.
A opção pelos pobres pautada nos princípios da Teologia da libertação é levada à
prática nas paróquias onde a Igreja é constituída de operários, desempregados,
marginalizados. Reunidos em pequenos grupos, discutem-se as estruturas econômicas,
sociais e de poder, na cidade e no País.
À luz de um evangelho renovado, procura-se entender os problemas que mais
atormentam os pobres: a insegurança no trabalho, os baixos salários, a terrível desigualdade
que os separa de outras pessoas. Nos encontros, em uma linguagem de fácil acesso,
estudam-se as relações de trabalho consideradas injustas, opressoras, baseadas na
exploração do homem pelo homem, de uma classe sobre a outra, com referências bíblicas
como “O pão dos indigentes, vida dos pobres, quem deles o priva é sanguinário. É
assassino do próximo quem lhe rouba os meios de subsistência: derrama sangue, quem o
priva do seu salário”.
278
Dessa forma, quando se discute o papel da Igreja Católica na organização do
movimento operário em Ipatinga, é valioso recorrermos a outros trabalhos acadêmicos.
Com isso, constata-se que os mais diversos autores que se debruçaram sobre o tema “novo
sindicalismo”, em quase sua totalidade destacaram a contribuição da Igreja Católica para a
eclosão do movimento.
Neste sentido, Rodrigues assinala:
“É oportuno frisar que, no decorrer da década de 70 e início da seguinte,
os movimentos sociais, entendidos em uma acepção mais abrangente,
seguiam uma orientação ideológico-simbólica de matriz comunitária na
qual era forte a presença da Igreja Católica, em particular da Teologia da
Libertação. Nesse período, os movimentos populares alavancaram o
movimento sindical: forneceram os quadros militantes e o arsenal de
referências simbólicas, que nutria a formulação dos discursos e a eleição
278
RELATÓRIO DA COMISSÃO DA PASTORAL OPERÁRIA – Dezembro de 78 a dezembro de 80
– texto mimeografado. (Eclesiástico 34, 25-27) p. 120.
133
das bandeiras de luta em torno das quais se constituíam os grupos de
oposição”.
279
Dando continuidade à extensão do elo entre a atuação da Igreja e o movimento
sindical no país, Michel Le Vem, em seus estudos sobre o novo sindicalismo em Minas
Gerais, constata que na região metropolitana de Belo Horizonte, onde está sediada a FIAT
automóvel, a Igreja Progressista e o sindicato estavam umbilicalmente atrelados desde os
anos 80.
“Diante de diversos impasses, a Oposição Sindical procurou um outro
espaço institucional. Parte dos militantes sindicais de Betim já era ligada à
Igreja. Neste ano de 1980, padres de Betim fundaram a Pastoral Operária,
dentro da quais trabalhadores e sindicalistas encontraram, não só o apoio
institucional considerado imprescindível, mas também condições de
definirem com mais clareza seus objetivos políticos. Na Pastoral Operária,
o movimento operário encontrava naturalmente o movimento urbano e
popular. Foram realizadas reuniões de trabalhadores em Igrejas e locais de
associações de bairros, onde se encontravam os operários ligados à chapa
que iria concorrer às eleições de março de 1981. O Boletim da Pastoral
Operária “Trabalho e Justiça” passou a ser o elo entre os trabalhadores,
suas famílias e os sindicalistas, sendo distribuído tanto em porta de fábrica
como de igrejas”.
280
Em uma perspectiva de história comparada, observou-se que essa associação Igreja
e movimento operário é muito semelhante ao que ocorrera em Ipatinga. Talvez fosse
necessário um outro trabalho acadêmico para desvendar os meandros desta relação.
Conjuntamente à ação dos religiosos e a efervescência do movimento sindical no
país é que na década de 80 o Partido dos Trabalhadores (PT) inicia sua atuação em
lpatinga. Aliado a estes dois fatos, ou seja, ações das Pastorais e a criação do PT em
Ipatinga, começa a se esboçar também a formação da oposição sindical.
É o começo da organização de uma dura caminhada. Porém a travessia seria ainda
mais arriscada, uma vez que rondava o espectro de serem os seus líderes descobertos. Se
identificados, seriam logo, demitidos e atirados na lista negra da empresa, nesse expediente
inconcebível num mundo civilizado. Mas aos poucos vai se burlando todo o esquema de
espionagem da Usiminas, na busca de se construir um verdadeiro sindicato, autônomo,
combativo e representante de seus interesses.
279
RODRIGUES, Iram Jácome (org) O Novo Sindicalismo – vinte anos depois, p.166
280
LE VEN. Michel Marie. Trabalho e Democracia: A Experiência dos metalúrgicos mineira, p.145.
134
Em um dos Informativos Sindicais encontram-se referências ao momento do
lançamento da Chapa 1:
“A Chapa 1 é a Ferramenta de luta para construir um sindicato
representativo, autônomo e combativo. Não pedimos autorização às
chefias ou diretorias da Usiminas e de outras empresas. Entendemos que
essa autorização seria um desrespeito aos companheiros. A direção da
Usiminas sempre controlou o Sindicato e a vida dos trabalhadores, dentro
e fora da Usina. Mas trabalhando na surdina conseguimos registrar a
Chapa 1. Só mesmo trabalhando no sigilo é que poderíamos fugir da
investigação e repressão’”.
281
Todavia, a empresa Usiminas, como o grande coronel, continua insistindo em
controlar o sindicato e as tendências ideológicas das pessoas, mesmo extramuros, não
bastassem todos os mecanismos de repressão e coação sobre a liberdade e os direitos das
pessoas dentro da área da empresa, amparada em um eficiente serviço de segurança e
espionagem sobre o ir e vir e os mais variados níveis de relações das pessoas na cidade. Em
nível interno, a Empresa lança mão do seu próprio sistema hierárquico para exercer
pressões, coletiva ou individualmente, sobre os trabalhadores, de acordo com os seus
interesses.
As lutas dos metalúrgicos da Usiminas se dão a partir das condições reais e
objetivas da vida do trabalho e da cidade, que são percebidas como objeto de exploração.
Elas nascem dos próprios trabalhadores concomitantemente ao clima de “abertura política”
ou “crise” que se anuncia.
A imprensa local e os boletins sindicais dão de conta que as pressões se intensificam
a partir de 1982, por ocasião da campanha política eleitoral, quando a empresa tentou impor
dois candidatos aos trabalhadores, sendo o primeiro ao cargo de Governador de Estado e o
segundo a Prefeito Municipal, sem, contudo, alcançar êxito, como denota este Informativo
Sindical:
“Em 1982, com eleições partidárias, a Usiminas lançou pelo PDS dois
candidatos: Rondon Pacheco, então presidente da empresa, e Zequita,
vice-presidente do Sindipa. Na ocasião, a distribuição de boletins, cartas,
reuniões e até mesmo comícios foram feitos na área interna da Usina.
Nessa época também muitos companheiros que se posicionaram contrários
a essa política suja e de pressão foram demitidos”.
282
281
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO SINDICAL FERRAMENTA, 12 a 16 de agosto de 1985.
282
Ibidem. p. 2.
135
Nas campanhas salariais, sobretudo após o surgimento da Oposição sindical, o
cerceamento de liberdade de expressão e de reivindicação tornou-se algo assustador. Em
1985 as eleições sindicais foram marcadas por pressões de toda natureza. A empresa
utilizaria dos recursos mais arbitrários a fim de evitar uma possível vitória da oposição
sindical representada pela chapa Ferramenta, conforme atesta este jornal:
“Seis chapas concorrem às eleições sindicais e apenas a Chapa 1 foi
proibida de fazer propaganda eleitoral dentro da usina, ao contrário das
outras concorrentes. Segundo denúncias do presidente da CUT/MG um
dos participantes da chapa 1 foi demitido porque as informações de que
seu nome estaria entre os componentes vazou antes de registro da chapa. E
outros dois atuais integrantes da chapa 1 estão sob a ameaça de demissão.
O metalúrgico Francisco Pereira de Lima, informou que chegou a
renunciar à sua participação na chapa 1, por causa das pressões que
atingiram também seus familiares. O presidente da CUT/MG alega que
denunciará por carta ao governador Hélio Garcia e fará contato com o
Ministro do trabalho Almir Pazzianoto, solicitando abertura de inquérito “
para apurar crime contra a organização do trabalho” enviando cópia desta
ao ministro da justiça Fernando Lyra”.
283
O mesmo informativo dá conta de que em 1984, na última campanha salarial, a
Usiminas fez pressões e manobras para ter sua proposta aprovada. E aqueles que se
posicionaram contra foram demitidos, dentre eles o engenheiro João Mucida, relator da
comissão de negociação. Outros trabalhadores que faziam parte da comissão também
sofreram pressões.
284
Nesse espaço de tempo, a empresa pareceu ignorar que, nos últimos anos, seu
prestígio e sua força social vinham declinando a partir do crescimento de uma consciência
social por parte dos citadinos, em parte influenciados pelo trabalho que foi sendo feito
pelas diversas "pastorais" da Igreja Católica e de alguns movimentos populares, como as
Associações de Bairros que passaram a atuar com mais insistência na defesa da dignidade
humana.
Esse ponto de vista é confirmado pelo diretor sindical, ao apontar que “tempos
atrás não havia movimento sindical porque a empresa pagava relativamente bem, dentro
dos padrões do mercado e oferecia benefícios extra-salariais significativos. Hoje a
283
Diário do Comércio, de 21 de maio de 1985. p. 1.
284
Ibidem, p. 3.
136
situação mudou muito. Os salários são baixíssimos. A tradição do trabalhador que veste a
camisa da empresa acabou”.
285
Ludibriando todo o aparato de espionagem da Usiminas, foi organizada a oposição
sindical, que concorreu às eleições sindicais de 1985. O apoio à chapa conseguiu unir a
cidade conforme este relato:
“A nossa chapa, na minha opinião apenas simbolizou, ela conseguiu
encarnar toda uma vontade de mudar as coisas dentro da cidade e juntou
tudo, Igrejas, lideranças políticas, Associações de Bairros, Pastorais, tudo
foi se juntando em termos assim de apoio. O apoio e a repercussão daquela
eleição sindical é... ultrapassaram os limites de uma eleição sindical” .
286
A derrota nas urnas no segundo turno das eleições sindicais e as demissões
paulatinas do grupo Ferramenta acabaram por aumentar uma silenciosa revolta da cidade
contra a empresa. O primeiro propósito desses metalúrgicos em conquistar o sindicato não
obteve o sucesso pretendido.
A esse respeito, Chico Ferramenta, candidato derrotado para a presidência do
SINDIPA comentou que:
“O trabalho da campanha foi muito intenso. Nós conseguimos a vitória no
primeiro turno, disputando com mais cinco chapas. Mas infelizmente no
segundo turno, devido a todo um processo de pressões, intimidações, nós
fomos derrotados do ponto de vista eleitoral no segundo turno. E
consequentemente depois teve já uma campanha salarial, em que atuamos
ainda como oposição. Durante essa campanha e durante o pós-campanha
salarial de 1985 vieram as demissões que acabaram levando todos que
participaram da chapa 1 para a rua. Todos foram demitidos, mas também
continuamos nesse processo trabalhando no movimento sindical, no
movimento popular, trabalhando a construção do PT. A luta não parou.
Continuou porque o objetivo em si, não era só ganhar as eleições sindicais,
mas sempre com a preocupação da transformação social”.
287
A cidade se mobilizou, a vitória no primeiro turno das eleições encheu de ânimos os
citadinos, mas no segundo turno a empresa soube costurar um acordo entre as chapas
derrotadas, fazendo com que o segundo colocado vencesse as eleições.
A seguir, temos o desabafo da militante Maria da Glória após a apuração das
285
INFORMATIVO DA OPOSIÇÃO SINDICAL METALÚRGICA FERRAMENTA – Ipatinga – MG- Ano
III, nº 38 – 17/Dez/87. Depoimento de Vicente Paulo de Souza.
286
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos - Cidadãos se Fazendo na Cidade, p. 110.
287
ARIMATÉIA, Moisés. Trabalhadores do Vale do Aço — 1985 a 1995, p. 98.
137
eleições:
“(...) em 85, no dia da apuração, a gente percebeu que tinha perdido a
eleição, é... nós achamos que a gente havia sido aniquilado. a impressão
que eu pessoalmente tive assim que terminou a apuração, é que a
Usiminas havia nos derrotado. A cada derrota que a gente tinha, era um
sofrimento muito grande porque ali estava o sangue da gente.... a gente
fazia tudo aquilo por convicção, tinha tanta convicção, que poderia vir
Usiminas, o prefeito o governador e dizer o que quisessem, mas a gente
tinha certeza do que estava fazendo, não importa sair derrotado, mas a
gente precisava fazer alguma coisa. Então aquela derrota em 1985 doeu
fundo na alma da gente. Assim que terminou a apuração e foi dado o
resultado, a gente estava reunindo assim na grama em frente a sede do
sindicato, e o Chico, o Chico Ferramenta, desceu lá do auditório onde
estava acontecendo a apuração, fez um discurso, já estava chorando,
levantando o astral da gente, disse que a agente havia perdido apenas uma
batalha mas não a guerra, nós falamos que ia continuar, e cantamos o Hino
Nacional, escoltados pela polícia”.
288
Mas a coragem pelo desafio enfrentado faria do grupo os novos vencedores no
imaginário coletivo, projetando-os para além da luta sindical. Está então arquitetado o
“trampolim”, de onde parte dos integrantes saltam para uma bem sucedida aventura pela
Política Partidária, como se mostrará a seguir.
É o processo de mudança que começa a tomar corpo e assume um caráter de
irreversibilidade. Chico Ferramenta, ao lembrar da derrota sindical – chapa Ferramenta –
mostra o significado de algo novo — mudança e ruptura:
“Foi acontecendo assim naturalmente e a nossa chapa da eleição sindical
simbolizou essa vontade de mudança e depois veio a nossa candidatura de
deputado estadual que também simbolizou isso.” (...) foi em fevereiro de
86 que eu já estava demitido, tinha sido eleito presidente da CUT Regional
Vale do Aço. E naquele momento houve um movimento na cidade das
Comunidades Eclesiais de Base, Pastoral Operária, a cidade inteira se
mobilizou e o PT me procurou para ser, para saber se eu queria realmente
me candidatar ou filiar-me ao PT e tal, aí nós acabamos reunindo a
oposição sindical e decidimos que este poderia ser um caminho para poder
denunciar aquele estado de coisas que estava acontecendo na cidade”.
289
A estréia política partidária ocorreu nas eleições legislativas de l986 com Francisco
Carlos Delfino que, incorporando o símbolo do movimento, passou a ser a partir daquela
data Chico Ferramenta, eleito Deputado Estadual pelo Partido dos Trabalhadores.
288
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade, op. cit. p 113.
289
Ibidem. p. 113.
138
Na época, Chico Ferramenta, candidato sem dinheiro, sem poder, sem uma grande
estrutura partidária, no estilo convencional, apenas com uma proposta de trabalho e falando
a linguagem do trabalhador, sai vitorioso como o Deputado Estadual mais votado de Minas
Gerais, derrotando na região os caciques políticos como João Lamego Neto. Jamil Selim de
Sales Júnior, filho do Prefeito, tem votação inexpressiva no município, mas é socorrido por
votação considerável na região.
A vitória de Chico Ferramenta foi vista como "um fenômeno eleitoral", expressando
que a população optou por votar numa vítima da prepotência dos dirigentes da Usiminas.
Mas não se pode esquecer de que, após ser demitido da empresa, ele encarnaria a oposição
ao despotismo que imperou por mais de vinte anos, sendo o ato da demissão
inteligentemente explorado, tal como fizeram, em relação ao massacre de Ipatinga, a
oposição sindical e a pastoral operária.
Não se pode negar que em lpatinga o PT de Chico Ferramenta teve um excelente
cabo eleitoral, que foi a Usiminas com seus dirigentes tecnocratas, insistindo em usar
métodos arcaicos de oprimir o trabalhador e fazê-lo trabalhar descontente, levando com
isso ao despertar de uma consciência de classe, capaz de perceber a exploração e a
probabilidade de alterar esse quadro.
290
Em Ipatinga acontece algo diverso do que habitualmente ocorrera com outras
lideranças sindicais, uma vez que primeiro se conquista o sindicato e posteriormente a
ascensão na política. Nesta localidade, a derrota nas eleições sindicais é que projeta a maior
parte do grupo na política partidária.
Sem a menor possibilidade de expressar suas opções políticas no interior da Usina e,
durante muito tempo, também fora dela, os trabalhadores esperaram pelo momento certo.
Ele veio com as eleições municipais de 1988, quando Chico Ferramenta torna-se Prefeito
de Ipatinga.
(...) quando nós conquistamos a prefeitura, ele falou, nós conquistamos
porque foi a população que conquistou, então nós passamos a ter ali uma
obrigação, um dever para o conjunto da população. Então a conquista
daquele espaço foi o conjunto da população, então nós apenas demos
vazão, nós apenas tomamos as iniciativas necessárias para efetivar tudo
aquilo que fazia parte do processo, que ao conquistar a prefeitura a
290
Diário do Aço. Edição especial: Um século de história - 1999. p . 29.
139
população conquistou com essas perspectivas de mudanças, de
transformação e o principal, o momento, a mola para isso aí é a
participação popular. Através dela que a população vem para dentro da
administração para decidir as políticas públicas, para decidir os
investimentos da cidade.
291
A projeção política não ficaria restrita apenas ao líder do movimento. Outros seis
metalúrgicos, integrantes do grupo, serão eleitos periodicamente para ocupar vagas, ora nos
legislativos municipais, estaduais ou federais, além do controle do executivo municipal por
membros da chapa 1 e chapa 3 que concorrera às eleições sindicais posteriormente, por 16
anos consecutivos.
292
A revolta silenciosa , contida, explode nas urnas e inicia uma nova fase na história
da política municipal. O resultado vitorioso da primeira gestão de Chico Ferramenta —
1988 a 1992 — levou a população a escolher o vice prefeito João Magno de Moura do PT
à chefia do executivo municipal em 1992, e a reeleger Chico Ferramenta em 1996.
293
As sociedades não são estáticas. São dinâmicas, evoluem, mudam, transformam-se.
Seria impossível manter eternamente o conformismo de todos os cidadãos perante um
determinado perfil de distribuição de bens e valores sociais. Por mais sofisticados,
coercitivos e eficientes que sejam os recursos de poder para manter pessoas escravizadas,
seja pela coação externa, seja pela vigilância, é inevitável a libertação.
A saga desses operários é parte da história da sociedade, ou melhor, de certas
sociedades que possuem características específicas como a sociedade formada em torno da
produção de aço em Ipatinga. Essa história estampa o afloramento de um movimento
político de classe. Como lembrou Marx, “todo movimento em que a classe operária se
apresenta como classe contrariamente às classes dominantes e procura impor-se por
pressão externa, é um movimento político”.
294
291
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade,, p 118.
292
Vide anexo 1 p. 152.
293
Diário do Aço. Edição especial: Um século de história p. 37 e 38.
294
MARX, Karl. Carta a Bolte. Apud ANTUNES, Ricardo. Novo Sindicalismo. p.36.
140
CONCLUSÃO
“A liberdade não é apenas um dos inúmeros problemas e
fenômenos da esfera política... é, na verdade, o motivo por que os
homens convivem politicamente organizados. A
raison d’ être da
política é a liberdade, e seu domínio de experiência é a ação”.
295
Tendo como objeto de reflexão a ação política do Grupo Ferramenta em Ipatinga, o
presente trabalho consistiu em um esforço de buscar compreender a importância da
experiência de metalúrgicos da Usiminas na década de 1980. Esse estudo possibilitou
recontar um pouco da história da siderurgia no Brasil. Iniciamos com a produção
econômica — construção da Usiminas em Ipatinga em 1956 — e avançamos para a análise
do processo histórico que redundou na criação de mais uma cidade disciplinar, fruto de uma
segregação do espaço urbano que reproduziu a hierarquia fabril. Facultou também uma
reflexão sobre a importância do movimento sindical brasileiro a partir da década de setenta
e seus reflexos em movimentos sociais organizados responsáveis por lutas em prol de
direitos.
Recorreu-se a depoimentos de antigos moradores de Ipatinga, que logo cedo
compreenderam o verdadeiro sentido de se viver em uma cidade vigiada, fruto de uma
utopia burguesa que procurou incessantemente moldar um operariado dócil, incapaz de
fazer frente à tirania do capital.
Consideramos que a primeira resistência ao despotismo da empresa ocorreu em 07
de outubro de 1963, no episódio conhecido como “o massacre de Ipatinga”. Assim
começa a ser escrita, com sangue de inocentes, uma outra história da cidade.
Marilene Tuller Ramalho, ao desvendar o massacre de Ipatinga, menciona que após
o massacre:
“Ocorreram mudanças significativas no relacionamento da empresa com a
comunidade, através de medidas sociais com ênfase no lazer, na adoção de
uma ‘Cultura Usiminas’ – baseada na capacitação e motivação, uma
295
ARENDT, Hannah. A condição humana. Apud LE VEM, Michel Marie. Trabalho e Democracia: A
Experiência dos metalúrgicos mineiros, p. 323.
141
melhor estruturação do serviço de vigilância, na venda de casa aos
funcionários, na promoção de lazer para os operários”.
296
Contudo, essa pesquisadora evidencia que a empresa, após o massacre, substituiu
em um primeiro momento a repressão generalizada pela cooptação, tentando com isso,
numa atitude paternalista impedir o afloramento de uma luta de classes.
Observou-se que essa estratégia funcionaria por cerca de vinte anos, em decorrência
de um contexto marcado pelo apogeu da Ditadura Militar e de um avançado serviço de
espionagem de fazer inveja aos órgãos de segurança do país. A empresa, arrogando-se na
qualidade de um “coronel econômico”, controlou seu curral, a começar pelas vilas
operárias, passando pelo sindicato e pela política local.
Mas a cidade cresceu e com ela os movimentos sociais, a Ditadura Militar dá sinais
de fraqueza e o país começa a viver um clima de abertura política. Na retaguarda os
coronéis da empresa não deram conta do processo histórico e tentaram a todo custo manter
a lei do silêncio que imperou desde 1963. Ignoraram os movimentos sociais que se
organizavam do outro lado da cidade em oposição ao status quo.
A segurança e os serviços de espionagem falharam e, às escondidas, um grupo de
técnicos do Centro de Pesquisas da Usiminas – o cérebro da empresa – conjuntamente com
outros metalúrgicos de todas as unidades, articula a formação de uma chapa de oposição
sindical — “Chapa Ferramenta” — visando conquistar pela primeira vez o sindicato que,
até então, funcionou como um mero apêndice do poder econômico.
Um dos boletins da Pastoral Operária qualificou o episódio como a luta entre “Davi
e Golias”. A derrota sindical e a demissão sumária de todo o Grupo e seus colaboradores,
é relembrada pelos citadinos como o novo massacre de Ipatinga. A partir de então “os
novos Davis” serão os vencedores no imaginário popular. E, aventurando-se pela política
partidária, acabam por conquistar o controle político da cidade. Essas foram experiências
construídas e vividas pelos citadinos, no coletivo político da cidade.
Lígia Diniz qualifica aquele momento como o mais contundente da construção do
processo histórico da cidade:
296
RAMALHO, Marilene Assis Tuler. O Massacre de Ipatinga: o contexto sócio-político do Golpe Militar
de 1964 através de um estudo de caso, p174.
142
“sendo este momento a ruptura dos seus cidadãos com a cidade imposta –
através da resistência à autoridade impingida aos seus moradores, pela
Usiminas, que criou Ipatinga pela e para a empresa. Essa ruptura,
construída pelos próprios atores sociais, foi um momento histórico de
extrema importância para os cidadãos — vitória do povo ao eleger o
prefeito do seu desejo”.
297
A ruptura com um passado histórico foi uma construção coletiva que envolveu a
cidade, graças à presença dos freis franciscanos, comprometidos com uma teologia de
libertação. A interação entre os movimentos sociais nos bairros e o movimento operário
transformou o universo fabril, construindo novas formas de convivência e organização
social, precisamente no Centro de Pesquisas, onde se concentrava um grupo de técnicos,
que trabalham em um ambiente mais livre, onde não imperou a dicotomia concepção-
execução típica da produção taylorista, gerando com isso uma solidariedade por cima, ou
seja, engenheiro e técnico, fato incomum na produção capitalista.
Aventou-se a hipótese de que a liderança do movimento de oposição sindical pelos
Técnicos do Centro de Pesquisas teria sido em decorrência do estrangulamento de carreira
dessa categoria, uma vez que, como grupo intermediário em uma fábrica, esse oscila entre a
imagem de chefe e peão ao mesmo tempo, isto é, comanda e é comandado, não sendo,
contudo, capaz de galgar os mais altos cargos, em virtude de não serem possuidores de
curso superior. Essa hipótese não se comprovou, e isso talvez seja que, por serem ainda
jovens e iniciantes na carreira, não haviam indagado sobre as trajetórias pessoais.
Michel Le Ven encontra resposta para a organização dos trabalhadores ao longo da
história em Thompsom, mostrando o caminho que esse autor indica:
“Um caminho novo dentro da tradição marxista, procurando ler na
história do trabalho a existência de uma iniciativa criadora, não só no
espaço fabril, mas na cultura dos trabalhadores, inserida na cultura da
sociedade em geral. Sua obra consiste em escrever a história dos
trabalhadores na sua capacidade de se representarem, criando seu mundo e
reinterpretando valores existentes na sociedade”.
298
Logo, os conflitos seriam resultado das condições reais e objetivas da vida do
trabalho e da cidade que, são percebidos como objeto de exploração. É afirmada a
identidade de classe em geral, envolvendo técnicos de nível médio e operários menos
297
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade, p 137.
298
LE VEN. Michel Marie. Trabalho e Democracia: A Experiência dos metalúrgicos mineiros (1978-1984),
p. 143.
143
qualificados, significando que a luta contra o capital e seu despotismo foi o sustentáculo do
movimento de oposição sindical que, não logrando o êxito esperado, avança na direção
político-partidária.
Nesse sentido, Le Ven afirma que “o movimento operário é também político porque
realiza o reencontro da fábrica (ou local de trabalho) com a política (negociação, pressão,
lutas e acordos e não simples aplicação de reajustes), porque dá um novo conteúdo à
política”
299
. Em Ipatinga, ele resistiu ao poder autoritário da empresa, que se arrogou no
direito de transformar a cidade em um feudo.
A luta dos metalúrgicos de Ipatinga chama a atenção sobre o conteúdo da
democracia naquele momento de abertura política da história brasileira e lembra que o
“autoritarismo” não foi exclusivo do regime Militar. Ele permeou o mundo do trabalho
nesses últimos anos com maior virulência, sem que se possa tributar unicamente à
“Ditadura” recente uma ausência de democracia nas relações de trabalho e de classe ao
longo da história.
Indubitavelmente, nenhuma produção historiográfica é definitiva e completa. Os
fatos relacionados ao Grupo Ferramenta precisam ser mais bem estudados, ampliados,
divulgados e inseridos no contexto nacional do novo sindicalismo da década de oitenta.
Faz-se necessário, portanto, continuar o resgate do episódio como um fato social relevante
na história da classe operária local e brasileira.
Ao longo desta dissertação, procurou-se penetrar no universo daqueles que exercem
uma arte ou ofício, percebendo salário, por se entender que o trabalho estabelece a relação
dialética entre a teoria e a prática, de acordo com a qual uma não pode existir sem a outra: o
projeto orienta a ação e esta altera o projeto, que novamente altera a ação, fazendo com que
haja mudança nos procedimentos empregados, gerando o processo histórico. Pelo
trabalho
300
, o homem se autoproduz, desenvolve habilidades e imaginação, relaciona-se
com os companheiros, vive e compartilha os afetos e as frustrações de toda uma relação
social.
299
Ibidem. p.325.
300
O conceito de Trabalho, extraído do Dicionário Michaellis, é entendido como um tipo de ação pela qual o
homem atua, de acordo com certas normas sociais, sobre uma matéria, a fim de transformá-la.
144
A luta diária pela sobrevivência impõe-lhe uma disciplina: com isso, o trabalhador
não permanece o mesmo, pois o trabalho altera a visão que ele tem do mundo e de si
mesmo. Se por algum momento as relações de dominação capitalista e ação disciplinar
imposta a inúmeros agentes sociais na produção do cotidiano se apresentam aos homens
como destino, o fazer-se no trabalho diário representa a superação desse determinismo. A
liberdade não é alguma coisa dada ao homem, mas é o resultado da sua ação
transformadora sobre o mundo, segundo seus projetos
145
REFERÊNCIAS
Fontes
Jornais:
DIÁRIO DO AÇO. Ipatinga, Consultas a todas as edições em um período de 10 anos de
circulação deste periódico (1979 a 1989), e a seleção de todas as matérias que tratam de
Movimento Sociais, num total de 52 reportagens.
JORNAL DOS BAIRROS. Ipatinga. Foram selecionadas reportagens referentes aos anos de
1985 e 1988.
JORNAL DOS COMERCIÁRIOS. Ipatinga. Foram recolhidos artigos que demonstram
solidariedade por parte destes informativos aos “companheiros” metalúrgicos em 1988.
JORNAL O GLOBO. 14/09/2004
BOLETINS, recolhidos junto a participantes do movimento operário de Ipatinga entre 1985
e 1988, mais precisamente os Informativos da Oposição Sindical Metalúrgica Ferramenta
de Ipatinga focalizando a luta sindical, campanhas salariais e principalmente artigos de
solidariedade de outros metalúrgicos de diversas partes do país.
BOLETINS DA PASTORAL OPERÁRIA, distribuídos por integrantes da Comissão
Pastoral Operária na região, tendo como expoentes desta entidade os Freis Franciscanos e a
rica produção de artigos mimeografados e revistas que enfocam o papel da Igreja na
conscientização dos trabalhadores.
146
CONCLUSÕES DE MEDELLIM & PUEBLA II CELAM – Conferência Geral dos Bispos
Latino Americanos. Ed. Paulinas, 1979.
147
OUTROS
Requerimento de Anistia Política junto ao Ministério da Justiça. Processo nº.20030137295.
Requerente José Geraldo de Oliveira. Ex-integrante da Chapa 1, demitido em 1986.
REVISTA DO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE IPATINGA — SINDIPA — 40
anos de história, Ipatinga.
DINIZ, Lígia Garcia. Viver em Ipatinga: Citadinos – Cidadãos se Fazendo na Cidade
(1958 – 1992) Minas Gerais – UFMG. Dissertação de Mestrado, 1998.
RUEDA, Lenira; NAHAS, Antônio Júnior. (coords.). Homens em Série: a História de
Ipatinga contada por seus próprios personagens. Ipatinga: Revisão, 1992. V.I e II.
Material produzido pela Usiminas em seus aniversários mais significativos:
PERREIRA, Lígia Maria Leite; FARIA, Maria Auxiliadora. Amaro Lanari Júnio r—
Pensamento de uma Siderurgia — Usiminas 40 anos. Editora Comarte-BH-2002
A USIMINAS CONTA SUA HISTÓRIA – Coleção de 09 depoimentos, colhidos pelos
historiadores da Fundação João Pinheiro: Bernardo Mata Machado e Jussara Frizzera. Belo
Horizonte: Usiminas 1987,Entrevistas para o projeto Usiminas 25 anos de história.
ENTREVISTAS
Edsom de Oliveira Araújo. Integrante da chapa 1, demitido em 1985.
Francisco Carlos Ferramenta Delfino. Integrante da chapa 1, demitido em 1985.
Geraldo das Graças. Participante da chapa 3, demitido em 1988.
Ivo José de Oliveira. Participante da chapa1, demitido em 1985.
José Geraldo de Oliveira. Integrante da chapa 1, demitido em 1985.
José Geraldo da Silva. Integrante da chapa 1, demitido em 1985.
Lourdes Paiola Garcia da Silva. Ex-irmã de caridade, participante da Pastoral Operária.
148
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152
ANEXOS
Anexo 1 – Componentes da Chapa Ferramenta, quando de sua formação em 1985.
153
Anexo 2 – Mapa da cidade de Ipatinga, quando da construção da Usiminas.
B. Veneza
Cariru
Castelo
V. Ipanema
B. Betânia
Canaã
B. Caravelas
B. Jardim
Usiminas
N. Cruzeiro
Ideal
B. das Águas
Bela Vista
Bom Retiro
Imbaúbas
Santa Mônica
Horto
Iguaçú
Esperança
Cidade Nobre
Limoeiro
B. Jardim
V. Celeste
Usiminas
Acesita
Área do
Município
IPATINGA
Época da implantação da
USIMINAS
FONTE: PLANO DIRETOR DE IPATINGA
Escala 0.50.000
Centro
154
Anexo 3 – Exemplar de um dos informativos sindicais, com destaque para a figura da chave
de boca — ferramenta — símbolo do movimento operário de Ipatinga.
155
Anexo 4 – Representação da empresa Usiminas nos informativos sindicais.
.
156
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