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Juraci Andrade de Oliveira Leão
ESCRITA, CORPO E AÇÃO: A POÉTICA E A
POLÍTICA DE ADRIENNE RICH.
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do
Programa de Pós-Graduação em Letras da
Faculdade de Letras da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor.
Área de Concentração: Literatura Comparada
Orientadora: Profª Drª Sandra Regina Goulart
Almeida.
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2007
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Para Geraldo e Luíza.
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AGRADECIMENTOS
Devo a muitas pessoas a possibilidade de que este trabalho se concretizasse. À
minha orientadora Professora Sandra Almeida, por ter me acolhido em um momento tão
difícil, partilhando comigo seu conhecimento e com quem muito aprendi. Suas várias
leituras, sugestões e, principalmente, respeito na orientação fizeram com que esse trabalho
fosse viabilizado. Ao meu orientador nos Estados Unidos, o Professor George Lensing, pela
disponibilidade e atenção com meu trabalho. À Professora Connie Eble pelo acolhimento e
carinho durante meu estágio em Chapel Hill. Ao Professor Reinaldo Marques, pelo apoio e
as valiosas contribuições durante o curso e no exame de qualificação. Às minhas irmãs Fão,
Giza, Vani pelo incentivo e afeto e à Dalila, sempre presente, pelas longas conversas sobre
a influência da escrita de Rich em nossas vidas. Às amigas e amigos Agnaldo, Fernanda,
Gracy, Luciano, Rondon, Rosana, Sérgio e Verinha pelo carinho durante esse processo. À
Meire, Priscila e Sílvia por dividirem comigo risos e lágrimas durante o estágio no exterior.
Ao Celinho por me encorajar nos momentos de crise. À minha e que me mostrou desde
cedo o valor do conhecimento. À CAPES pelo apoio concedido durante o estágio no
exterior. Aos funcionários da Fale, especialmente, Letícia, Rosana e Rosangela pela
paciência e gentileza com que me trataram durante todo esse processo. À Luíza, minha
filha, pela compreensão e aceitação de minha ausência em vários momentos, ao longo da
realização da pesquisa. E, por fim, ao Geraldo, meu maior cúmplice, por dividir comigo
cada etapa desse trabalho, fazendo por vezes também a minha parte em nossas tarefas do
dia a dia, pelo longo diálogo, afeto e amor. Muito obrigada a todos!
“A poem invites you to feel. More than that:
it invites you to respond. And better than
that: a poem invites a total response.”
Muriel Rukeyser
RESUMO
Este trabalho busca analisar a trajetória da poeta e ativista política estadunidense
Adrienne Rich, investigando até que ponto o engajamento nas lutas sociais se reflete em
sua obra. Para tanto, foi feito o levantamento da produção literária da autora, que incluem
suas coleções de poemas, ensaios críticos e entrevistas concedidas por ela. Em relação às
reflexões desenvolvidas no trabalho, foram utilizados tanto textos críticos sobre a poeta
quanto outras teorias, nomeadamente as de Michel Foucault, Edward Said e Hannah
Arendt, entre outras. A partir de sua escrita, é possível perceber os diversos papéis
assumidos pela poeta e a maneira pela qual a experiência pessoal influencia seu olhar sobre
a condição das mulheres na sociedade contemporânea. Rich tem participado de vários
movimentos sociais e políticos em seu país, posicionando-se de forma crítica diante dos
sucessivos governos dos Estados Unidos da América. A política assume um papel
importante na composição de sua arte. A poeta reconhece o poder do discurso como um
instrumento que possibilita transformações sociais, e por essa razão busca fortalecer o
poder das mulheres também na esfera política. Rich privilegia o discurso que denuncia e
procura desestabilizar o poder institucionalizado. Segundo ela, para realizar transformações
concretas na sociedade é necessário estabelecer uma relação mais próxima entre o discurso
e a ação. Em sua busca por unir escrita e ação política, a poeta teoriza o corpo como um
espaço de representação cultural. A partir da análise de seus poemas, ensaios críticos e
entrevistas é possível perceber como Rich procura revelar diferentes formas de vivenciar o
corpo gendrado, ao mesmo tempo em que faz dessa experiência um ato que pode levar à
ação política.
ABSTRACT
The aim of this work is to analyze the trajectory of the North-American poet and
political activist Adrienne Rich, observing how her involvement in the social struggles is
reflected in her work. For this purpose, it was based on her literary production, which
includes her collections of poems, essays and the interviews. The theoretical support for
this work include some critical texts about the poet as well as other theories such as Michel
Foucault’s, Edward Said’s and Hannah Arendt’s, among others. In her work, it is possible
to perceive the different roles the author assumes and the way her personal experience
influences her view on the condition of women in the contemporary society. Rich has
participated in many social and political movements in her country, criticizing the
successive governments of the United States of America. Politics becomes, thus, an
important aspect of her art. The poet recognizes the power of discourse as an instrument
which promotes social transformations and because of that she also tries to strengthen
women’s power in the political sphere. Rich reinforces the discourse that denounces and
unbalances the institutionalized power. According to Rich, in order to accomplish concrete
transformations in society it is necessary to establish a close relation between discourse and
action. In her attempt to join writing and political action, the poet theorizes the body as a
place of cultural representation. Throughout the analysis of her poems, critical essays and
interviews, it is possible to perceive how Rich seeks to reveal different ways of
experiencing the gendered body at the same time that she makes this a means to attain
political action.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
08
CAPÍTULO 1 – O DESPERTAR DA POETA
1.1 A poeta ativista
1.2 A voz da diferença: Rich e o homossexualismo
1.3 Poesia e poder
1.4 Rich e o presente
15
22
31
43
58
CAPÍTULO 2 – ESCREVENDO AS MULHERES
2.1 Escrita e feminismo
2.2 Rich e o feminismo
2.3 Rich e o feminismo radical
2.4 Rich e as feministas na fronteira
2.5 As mulheres e o discurso
61
61
69
78
82
90
CAPÍTULO 3 – A INTELECTUAL E O PODER
3.1 Os intelectuais no passado
3.2 Os intelectuais no presente
3.3 Escrita e poder
3.4 A cor da escrita
3.5 A escrita da ação e a ação da escrita
94
95
98
108
120
124
CAPÍTULO 4 – CORPO E ESCRITA
4.1 Corpo apropriado
4.2 Corpo erotizado
4.3 Corpo resistente
4.4 Corpo ressignificado
132
142
152
158
162
CONSIDERAÇÕES FINAIS
167
NOTAS
173
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
189
Introdução
I suggest that not anatomy, but enforced ignorance,
has been a crucial key to our powerlessness.
I think I began at this point to feel that politics was not something “out there”
but something “in here” and of the essence of my condition.
Poetry must recall us to our senses–
our bodily sensual life and our sense of other and different human presences.
Adrienne Rich
A consciência acerca da condição das mulheres, na sociedade moderna, tem feito
com que algumas escritoras busquem, no ativismo político e na escrita, formas de intervir
nessa condição. A luta pelo acesso à educação e a participação na esfera pública são
algumas das principais reivindicações das mulheres ao longo da história do movimento
feminista. Adrienne Rich retoma essas discussões e procura, através de sua arte, fortalecer a
importância da conquista desses direitos, criando, ao mesmo tempo, possibilidades para
ampliá-los. Sua poética e posicionamento crítico frente às políticas conduzidas pelos
Estados Unidos têm lhe proporcionado a visibilidade na esfera pública como um dos
grandes nomes da história do movimento feminista anglo-americano e como uma
importante ativista e intelectual em seu país. A poeta vem expressando, através de seus
poemas, ensaios críticos e entrevistas, diversas questões que perpassam as experiências das
9
mulheres na contemporaneidade. Sua produção, iniciada a partir de meados do século XX,
vem contribuindo para os estudos sobre as mulheres no campo da literatura e para a atuação
dos movimentos feministas nos Estados Unidos.
A importância de sua obra nas discussões de gênero e a participação das mulheres
na esfera pública despertaram em mim o interesse em aprofundar a investigação da
dimensão política presente em sua escrita. Seu posicionamento firme e corajoso como uma
intelectual que critica e condena as atitudes de seu país em relação ao resto do mundo
fizeram com que eu elegesse sua obra como meu objeto de pesquisa. Uma outra razão que
me levou a pesquisar seu trabalho foi o fato de perceber que suas idéias têm ultrapassado as
fronteiras estadunidenses, mas permanecem ainda distantes do público brasileiro. A poeta é
pouco conhecida no Brasil e não temos, até o momento, nenhuma tradução publicada de
sua obra. Nesse sentido, para a realização do estudo, foi necessário não somente reunir
dados sobre a vida e obra da autora, como também traduzir parte dos poemas, ensaios e
entrevistas produzidos por ela e utilizados na pesquisa.
Tanto o exercício da tradução quanto a análise de diferentes gêneros literários na
obra de Rich me possibilitam realizar ainda um estudo comparatista do trabalho da autora.
Procuro observar não somente a especificidade retórica de cada gênero como também
possíveis estratégias utilizadas pela autora para alcançar um objetivo que permeia várias de
suas obras.
Comprometida prioritariamente com o fazer poético, Rich tem procurado
desmistificar a aura do poeta. Ela não descaracteriza a importância da habilidade no jogo
com as palavras, mas deixa claro que a poesia não pode ser valorizada somente pela beleza
e forma. Segundo Rich, a poesia tem que estar em sintonia também com as questões
mundanas. Sua postura na poética assim como em seus ensaios críticos e entrevistas tem
10
sido de tornar explícitas as injustiças sociais e a corrupção que envolve a vida pública em
seu país. A poeta tem estabelecido uma ligação direta entre a arte e a política, tentando
abordar em sua escrita as mais variadas questões que afligem os seres humanos na tentativa
de tornar visíveis as opressões presentes nas relações sociais.
Rich tem consciência do quanto a educação foi importante em sua trajetória como
poeta e escritora, por isso demonstra a intenção em fazer disso um direito do conjunto das
mulheres. Fazendo eco às reflexões de Virginia Woolf, a poeta relata a dificuldade
enfrentada pelas escritoras no processo de imposição do próprio discurso e, juntamente com
outras feministas, tem procurado garantir que a educação formal seja um direito de todas as
mulheres. Sua escrita mais recente revela a intenção em abordar a experiência de outras
mulheres, isto é, aquelas que não fazem parte do seu universo cultural. O reconhecimento
de que existem especificidades nas relações de desigualdade dos gêneros e que outras
questões devem ser consideradas no processo de compreensão das complexidades das
mulheres faz da escrita de Rich uma importante contribuição ao movimento feminista.
Tendo essas questões em mente, o problema que proponho, para esse estudo, baseia-
se na teorização da ação política de Rich como intelectual que, em sua escrita, não pode ser
dissociada da sua visão do feminismo e da questão do corpo. Interessa-me investigar de que
forma a representação do corpo da mulher se torna um instrumento de resistência em sua
poesia, ensaios críticos e entrevistas. Busco verificar como a poeta articula essa questão
através dos diferentes gêneros literários produzidos por ela: poesia, crítica e entrevistas,
como parte integrante de sua posição como intelectual, ativista política e feminista.
Sendo assim, para ter uma visão geral da vida e obra da autora bem como para
compreender os momentos em que redireciona seu trabalho, busco traçar, no primeiro
capítulo, sua trajetória desde o início da carreira até a publicação de sua coletânea mais
11
recente. Procuro mostrar como sua escrita é movida pelos conflitos e enfrentamentos do
cotidiano da poeta. Os poemas e ensaios críticos de Rich registram sua evolução tanto do
ponto de vista pessoal quanto de sua teoria crítica na consciência das questões que afetam
os sujeitos inseridos na sociedade contemporânea. As primeiras coletâneas se concentram
nas relações de conflitos entre os gêneros feminino e masculino, mas à medida que ela se
envolve nos movimentos sociais, sua arte assume uma dimensão mais ampla e engajada.
Rich dedica grande parte de sua obra à tentativa de compreender a complexidade que
envolve as mulheres, por isso analisa não somente o sistema patriarcal e seus
desdobramentos na relação de opressão, mas também outras variáveis que entrecruzam as
relações de desigualdade social. Sua obra reflete como o sistema patriarcal discrimina as
mulheres e, por conseqüência, os homossexuais, os negros e os pobres. A poeta questiona
as bases da estabilidade na relação heterossexual ao negar que as mulheres têm autonomia
na expressão de seus desejos. Segundo Rich, enquanto a sociedade for regida pelas leis do
pai, as mulheres estarão sujeitas à vontade dos homens.
Rich procura estabelecer, na escrita, uma relação mais próxima com a prática, por
essa razão tenta combinar sua teoria às mais diversas experiências que perpassam o
cotidiano das mulheres. Ela demonstra a importância que a política assume na composição
de sua arte, por isso privilegia o discurso de denúncia ao poder institucionalizado não
somente na poesia, mas primordialmente em seus ensaios críticos e entrevistas.
Nesse sentido, busco também compreender o momento e as razões que levam a
poeta a redirecionar sua arte, principalmente em relação às reivindicações feministas na
sociedade estadunidense que, em sua visão, tomam rumos contrários àquilo que ela
acreditava ser possível no processo de transformação social. Sendo assim, Rich tem
procurado incorporar à sua escrita formas de tornar mais ampla a discussão acerca da
12
condição das mulheres. O engajamento da intelectual nas questões políticas de seu país
passa, então, a ser a base de sua criação literária. Diante da visão geral de sua vida e obra, a
questão do gênero bem como sua participação efetiva no movimento feminista tomam uma
dimensão em sua escrita que se tornam relevantes na compreensão do processo de ação
política e resistência das mulheres.
No segundo capítulo, analiso a posição de Rich como ativista no movimento
feminista anglo-americano, verificando de que forma ela atua e contribui por melhores
condições de vida das mulheres. Rich teve uma participação marcante no movimento
feminista e na organização das mulheres como grupo. Na cada de 80, ela foi uma das
principais articuladoras do feminismo radical anglo-americano e, juntamente com outras
escritoras lésbicas, denunciou a discriminação aos homossexuais, reivindicando a
legitimidade de seus discursos. Rich, nessa época, além de apontar o sistema patriarcal
como o principal responsável pela opressão imposta às mulheres, foi também uma das
precursoras a assumir as implicações do racismo em seu país.
Frente às divergências e cisões que o movimento feminista nos Estados Unidos tem
apresentado nas últimas décadas, Rich redireciona sua postura e participação na luta das
mulheres. O diálogo com outras escritoras bem como sua visão crítica em relação à
soberania do movimento feminista anglo-americano fazem com que a poeta procure
repensar sua atuação como poeta e feminista em seu país. Rich não desconsidera a
relevância da organização das mulheres no processo de enfrentamento ao poder público,
mas busca também incorporar em seu discurso outras questões que, a seu ver, estavam
sendo negligenciadas pela crítica feminista estadunidense. Por essa razão, ela não somente
critica as limitações de algumas feministas como também revela, em sua escrita, outras
experiências que são igualmente importantes no processo de transformação social. Seu
13
discurso ultrapassa as fronteiras do gênero ao ressaltar as relações de opressão vividas pelas
minorias presentes nos Estados Unidos. Dessa maneira, sua escrita será permeada pelas
questões também relacionadas às diferenças de classe, etnia e orientação sexual.
A poeta reconhece, ainda, a importância do discurso como um instrumento que
possibilita as transformações sociais. Por essa razão, passa a fortalecer o poder das
mulheres também na esfera política. A visão da autora como feminista e sua percepção de
como o sistema patriarcal orientou e determinou a soberania dos homens em relação às
mulheres será importante na compreensão da poética de Rich. Esse reconhecimento do
poder do discurso que estabelece a relação hierárquica entre os gêneros faz com que Rich
procure investir no poder do discurso das mulheres.
No terceiro capítulo, faço uso das reflexões de alguns intelectuais sobre a relação
com o poder para compreender a posição de Rich como uma intelectual que questiona o
poder instituído. Procuro verificar de que maneira a poeta usa seu reconhecimento público
como intelectual para tensionar o poder institucionalizado. Rich, assim como outros poetas
e escritores, busca refletir como a fronteira se tornou um lugar de produção cultural. A
articulação do discurso se torna um dos principais elementos na conquista por um espaço na
esfera política. Ela estabelece diálogo com outros poetas fronteiriços para afirmar que a
poesia não é um privilégio das elites culturais. A poeta se mostra consciente do poder
atribuído à cultura ao tentar estabelecer uma linguagem que seja mais próxima do leitor.
Por acreditar que as mulheres também ocupam uma posição fronteiriça na cultura, a poeta
tem buscado cada vez mais minar o monopólio do discurso masculino e desmistificar o
distanciamento entre a elite pensante e a sociedade em geral. Dessa maneira, ciente da
existência de um discurso que preestabelece e determina o comportamento das mulheres,
bem como define a hierarquia nas relações sociais, Rich busca na geografia mais restrita – o
14
corpo formas de se libertar das premissas que reprimem e controlam o comportamento,
principalmente, das mulheres.
No quarto capítulo, procuro localizar na obra da autora a importância do corpo
como um espaço de representação cultural e de ação política. Para a poeta, o discurso de
objetificação do corpo feminino tem revelado não somente como os homens se apropriaram
das mulheres, mas também como elas foram usadas para atender aos interesses do Estado.
Por essa razão, mostro de que forma Rich articula em sua escrita algumas possibilidades de
desestabilizar esse discurso que legitima e perpetua a idéia do corpo das mulheres como
espaço de dominação dos homens. Mais ainda, analiso como Rich demonstra, através de
outras experiências, novas maneiras de vivenciar e ressignificar o corpo gendrado.
Portanto, tendo como base as reflexões aqui levantadas, analiso, nesse trabalho, os
poemas, ensaios críticos e entrevistas da autora, discutindo tanto a poética quanto a política
de Adrienne Rich em seu papel como escritora e intelectual no que se refere às questões
feministas, percebendo como o corpo emerge em sua obra como uma dimensão central.
Capítulo 1
O despertar da poeta
O objetivo desse primeiro capítulo é historicizar a vida e obra da poeta norte-
americana Adrienne Rich, demonstrando, ao longo de sua trajetória como poeta e escritora
crítica, os momentos e acontecimentos que contribuíram para que ela ocupe, na
contemporaneidade, um relevante papel como feminista e intelectual em seu país.
Adrienne Cecile Rich, a filha mais velha entre as três da família, nasceu em
Baltimore, Maryland, em 16 de maio de 1929. Seu pai, Arnold Rich, era judeu, médico e
professor na Universidade Johns Hopkins. Sua mãe, Helen Jones, foi pianista e
compositora. Segundo Rich, o pai foi o grande responsável por seu desenvolvimento
intelectual precoce. Ele sempre a incentivou a estudar e copiar poemas dos grandes
clássicos daquela época e também a criar suas próprias composições. Segundo Cheri Colby
Langdell, “ela teve a felicidade de nascer dentro das tradições judaica e sulista que
valorizam a aprendizagem, a poesia, a literatura e o amor pela arte européia, pela história e
pela música”
1
(2004, p. 9, tradução nossa). Rich reconhece o privilégio de ter sido
motivada, pela única figura masculina da família, a estudar e gostar de literatura em uma
época em que a grande maioria das mulheres não tinha acesso à educação.
Desde a publicação de sua primeira coletânea de poemas A Change of World (Uma
mudança do mundo), em 1951, até a mais recente, The School among the Ruins (A escola
entre as ruínas), publicada em 2004, Rich vem demonstrando, através da arte, seu
comprometimento na busca por uma sociedade mais justa e igualitária. Nesses 53 anos de
produção literária, a poeta e crítica acumula vários prêmios e publicações ao lado de
16
escritores como Sylvia Plath, Anne Sexton, Robert Lowell e Ted Hughes, entre outros
grandes nomes da literatura estadunidense.
Na retrospectiva de sua extensa trajetória, é visível como Rich utiliza sua
experiência pessoal para analisar a condição das mulheres na sociedade. Nos diversos
papéis vividos e assumidos por ela, tais como poeta, esposa, mãe, feminista, professora,
intelectual e ativista política, percebemos que Rich faz do pessoal o político, principalmente
por tornar públicas suas experiências através da arte. Percebemos, também, um crescente
desenvolvimento na busca por autonomia como mulher e escritora. Rich vivencia, reflete e
analisa as questões que afligem a sociedade, em especial, as mulheres. Nesse sentido, sua
obra espelha a evolução de seu desenvolvimento intelectual e, ao mesmo tempo, registra os
diferentes momentos da trajetória das mulheres na sociedade moderna, bem como sua luta
pelos direitos feministas.
Seu primeiro livro de poemas, A Change of World (Uma mudança do mundo), foi
publicado quando ela era ainda muito jovem e cursava o último ano na universidade. O
prefácio foi escrito pelo grande e consagrado poeta inglês, W. H. Auden, que a escolhe para
receber o prêmio de jovem poeta pela Yale (Yale Younger Poets Award). Nessa coletânea,
Rich carrega muito da tradição em que se insere, caso contrário não teria sido tão
valorizada por Auden. Segundo Claire Keyes, “os primeiros mentores de Rich foram
homens. Com eles, ela aprendeu a escrever poemas. Almejando tornar-se poeta,
naturalmente ela escrevia como os poetas que estudava e admirava – Yeats, Auden, Stevens
e Frost”
2
(1986, p. 02, tradução nossa). Muito embora nessa fase Rich demonstre estar sob
forte influência desses poetas, percebemos que alguns dos poemas desse primeiro livro
deixam transparecer certo desconforto em relação à autoridade masculina, como podemos
observar em “Aunt Jennifer’s Tigers” (Os tigres da tia Jennifer), que cito abaixo:
17
Os tigres da tia Jennifer marcham pela tela,
Habitantes cor de topázio brilhante de um mundo verde.
Sem temer os homens sob a árvore;
Eles caminham com a elegante certeza cavalheiresca.
Os dedos da tia Jennifer manuseiam a lã
Acham difícil até puxar a agulha de marfim.
O peso maciço da aliança de casamento
Repousa fortemente sobre a mão da tia Jennifer.
Quando a Tia estiver morta, suas mãos aterrorizadas irão repousar
Todavia marcadas pelas provações a que ela se submeteu.
Os tigres na tapeçaria que ela fez
Continuarão a marchar, orgulhosos e destemidos.
3
(1993, p. 4, tradução
nossa).
Nesse poema, a escritora descreve uma mulher alienada em sua rotina. A autora
aponta o conflito feminino entre a liberdade da imaginação representada pelos tigres
imponentes e o papel difícil das mulheres expresso pelo peso da aliança na mão de tia
Jennifer. Se, por um lado, esse poema aponta a tensão na relação homem/mulher; por outro
lado, o uso do pronome she(ela) ao invés de I(eu) em grande parte dos poemas desse
primeiro livro, demonstra também a dificuldade em inscrever a si própria em seus poemas,
como ela admite mais tarde em seu ensaio crítico “When We Dead Awaken: Writing as Re-
Vision” (Quando despertamos de entre os mortos: a escrita como re-visão). Segundo Rich:
“[...] eu ainda não tinha encontrado coragem para compor sem autoridades, ou até mesmo
usar o pronome ‘eu’ a mulher no poema é sempre ‘ela’”
4
(1979, p. 45, tradução nossa).
Tal atitude estaria revelando, a meu ver, nessa fase inicial, uma certa insegurança e mesmo
falta de assertividade em seu fazer literário. Também é verdade que o uso da terceira pessoa
nos dá a idéia de que a poeta busca manter um distanciamento de modo a observar
criticamente sua condição. Nesse sentido, ela faz uso de duas prerrogativas a de ser
mulher e ser poeta ocupando, assim, uma posição ambivalente: a mulher que vive e sente
18
a situação e a poeta que de longe observa. Nessa convergência entre mulher e poeta, Rich
procura igualar o trabalho artesanal da escritora ao próprio fazer poético.
Depois da publicação de Uma mudança do mundo, Rich se casa com o economista e
professor da Universidade de Harvard, Alfred Conrad. Eles tiveram três filhos e, durante o
tempo em que ela esteve casada, pouco pôde produzir, pois tinha dificuldades em conciliar
o papel de mãe e esposa com o de escritora. Mesmo tendo conseguido publicar seu segundo
livro de poemas, Rich se sentia insatisfeita ora com seu trabalho, ora com sua vida pessoal:
“Eu achava que tinha que me considerar fracassada como mulher ou como poeta”
5
(1976, p.
285, tradução nossa). Na entrega ao papel de mãe e esposa, a autora percebe que estava
perdendo sua autonomia:
O que mais me assustava era a sensação de estar à deriva, de estar sendo
conduzida por uma corrente que se autodenominava, mas na qual eu
parecia estar perdendo contato com quem quer que eu tivesse sido, com a
garota que tinha vivenciado seu próprio desejo e energia, às vezes quase
como um êxtase, circulando por uma cidade qualquer ou andando de
trem à noite, ou datilografando na sala de estudos.
6
(1976, p. 285,
tradução nossa).
Através desse fragmento, podemos perceber que Rich se recusa a aceitar o “destino”
que a nova condição parecia lhe impor e estabelece comparações com a época em que
conduzia sua vida sem tantas limitações. A partir daí, ela revela uma constante inquietude
em relação à condição a que estava submetida.
Seu segundo livro, The Diamond Cutters and Other Poems (Os lapidadores de
diamantes e outros poemas), publicado em 1955, ainda traz grande influência dos poetas
que ela admirava, mas demonstra um tom nitidamente feminista. Na visão de Langdell,
“Os poemas de Rich ainda apresentam uma poética pessoal feminina ‘organizados e
19
modestamente adornados’ que Auden acolheu na companhia dos melhores poetas dos
Estados Unidos de 1951 em seu prefácio para Uma mudança do mundo
7
(2004, p. 29,
tradução nossa). Essa característica apontada por Langdell também está presente no poema
“Autumn Equinox(Equinócio de outono) no qual Rich aborda a condição da mulher que
se casa com um intelectual e se anula ao priorizar a profissão do marido: “[...] desse modo
me tornei sua parceira em uma vida/Anual e acadêmica [...]”
8
(1993, p. 97, tradução nossa).
Se em Os tigres da tia Jennifer” a mulher é observada e, apenas à distância, compreendida
pela poeta, em “Equinócio de outono o eu poético é uma mulher que reflete sobre a
própria condição e tem consciência de sua angústia. Em Equinócio”, a mulher, embora
relatando certa impotência para mudar essa condição, revela as possíveis causas de seu
desgosto e sofrimento. O poema é um relato de um olhar do passado para entender o
presente. Segundo Langdell:
‘Equinócio de outono’ é notável pela construção dramática de uma
esposa reprimida e silenciosamente frustrada que vem, ao longo de toda
sua vida, investindo na carreira acadêmica de seu marido, sem, ao final,
obter nenhuma recompensa visível não que a reivindicasse. A esposa
no poema não consegue localizar a causa de sua insatisfação, mas
possivelmente esta é a razão de ela ter sido impedida de desenvolver
talento, ambições e carreira próprias.
9
(2004, p. 30, tradução nossa).
Nesse poema, o leitor se conscientiza de que seu sofrimento está principalmente no
fato de ela ter abandonado o próprio sonho para apoiar e fortalecer o sonho do marido. É
visível também que, mesmo tendo o conhecido na faculdade e, portanto, aparentemente
tendo o mesmo nível intelectual, ela se mantém em casa para que ele seqüência a sua
vida acadêmica. A mulher deixa clara sua transformação depois do casamento:
20
Às vezes ligo para Alice Hume
e a encontro na cerca onde as mulheres se encontram
para conversar sobre o clima
falar dos maridos
de trocas, ou filosofar –
a dura filosofia da vizinhança.
Ela talvez pense no quanto minha língua era afiada
e como ando calma agora
sem aquela vaidade por ter me casado com o Lyman
Professor da universidade, enquanto seu marido era apenas um
fazendeiro.
10
(RICH, 1993, p. 96, tradução nossa).
Esse fragmento revela uma mulher consciente de sua mudança quando fala da
liberdade de expressão que possuía anteriormente ao casamento e que no presente se mostra
mais ajustada ao afirmar: “ando calma agora”. Ela demonstra sua alienação ao privilegiar a
rotina e dedicação à vida de casada. O poema também revela a insatisfação de seu
confinamento à esfera privada e o desejo da mulher em partilhar seu sentimento, mas o
marido parece incapaz de compreender a angústia feminina:
Noite e chorei alto; meio adormecida
Meio sentindo a surpresa de Lyman ao se curvar
E me sacudir. ‘Você está doente, infeliz?
Me diz o que posso fazer.’
‘Estou doente, eu acho –
pensei que a vida fosse diferente do que é.
‘Me diz o que há de errado. Porque você nunca diz?
Estou aqui, você sabe.’
Meio envergonhada, observo
Os traços do amor penoso em seu rosto,
O amor que toca e não pode entender.
‘Devo estar louca, Lyman – ou um sonho
me fez balbuciar coisas que nunca pensei.
Volte a dormir isso não vai acontecer de novo’.
11
(1993, p. 98-99,
tradução nossa).
Embora saiba que Lyman quer ajudá-la, seu sentimento é de que ele não a
entenderia. A mulher justifica sua insatisfação e se mostra consciente da impossibilidade de
mudar seu destino: “[...] nós nos tornamos/ tão acomodados como duas árvores/ Não
questionando, mas vivendo [...]
12
(1993, p. 99, tradução nossa). Contudo, o relato de sua
21
longa experiência do casamento não aponta para um possível rompimento da condição em
que ela se encontra; pois, não notamos nenhum questionamento direto da condição da
mulher no casamento; ao contrário, o poema parece sugerir apenas a constatação dessa
condição. A mulher demonstra sua infelicidade, mas não responsabiliza o parceiro por seu
sofrimento. Alguns críticos acreditam que, neste caso talvez, Rich estivesse descrevendo
sua própria realidade no poema. Afinal, seu marido, Alfred H. Conrad, assim como Lyman,
também era professor universitário.
A tentativa de se desvencilhar dos grandes poetas que a influenciaram em seus dois
primeiros livros e, ainda, sua experiência no casamento e maternidade fizeram com que ela
apresentasse, em seu próximo volume, uma poesia diferente. Snapshots of a Daughter-in-
Law: Poems 1954-1962 (Instantâneos de uma nora: poemas 1954-1962), que foi publicado
em 1963, na visão de Keyes, se diferencia dos anteriores por apresentar uma voz poética
predominantemente masculina. Em grande parte dos poemas dessa coletânea, Rich faz uso
da voz poética masculina como, por exemplo, em “The Roofwalker” (O telhadista): “[...]
Estou nu, ignorante, um homem nu, fugindo pelos telhados [...]”
13
(1993, p. 193, tradução
nossa). Nesse poema, porém, a autora parece rejeitar qualquer noção inferiorizante da
condição feminina e busca se igualar aos homens, assumindo os riscos dessa opção: “Eu me
sinto como eles lá no alto: expostos, maiores que a vida e pronta a quebrar meu pescoço”
14
(1993, p. 193, tradução nossa). Assim como o telhadista, ela também o teme o
desconhecido. De acordo com Keyes, “‘o telhadista’ também pode ser considerado mais um
dos poemas de Rich no qual os riscos que ela corre fazem parte da jornada em direção ao
próprio eu”
15
(1986, p. 63, tradução nossa). Notamos em Instantâneos de uma nora que,
mesmo assumindo uma voz poética masculina, a autora, na verdade, se recusa a aceitar a
22
condição de vítima e reage à submissão, como acrescenta Keyes: “Com efeito, ela cria para
si própria a aliança feminina de que necessita, pois ‘O telhadistanão permanece sentado
sob a proteção da sala de estar patriarcal
16
(1986, p. 65, tradução nossa). O fato de ela
enfrentar os mesmos perigos enfrentados pelos homens a coloca em condição de igualdade
com eles. Se em Os lapidadores de diamantes já aparecem indícios da necessidade de
transformação da condição das mulheres, em Instantâneos de uma nora percebemos que ela
prioriza o discurso que pode viabilizar tal transformação.
A poeta ativista
Em Necessities of Life: Poems 1962-1965 (Necessidades da vida: poemas 1962-
1965), publicado em 1966, Rich se apega à linguagem como um dos instrumentos capazes
de transformar a condição das mulheres na sociedade. Ela busca primeiro compreender suas
limitações e capacidades para adquirir sua força interior e depois se voltar para o exterior.
Rich reconhece como a fragilidade feminina foi imposta pelo discurso, por isso procura
recompor esse discurso para dar um novo significado à situação das mulheres. Esse
reconhecimento será importante à medida que ela passa a usá-lo como fonte de seu poder
criativo. Nas palavras de Keyes, Necessidades da vida nos proporciona observar a
crescente consciência da poeta de que ser mulher é uma questão essencial ao seu poder
criativo”
17
(1986, p. 77, tradução nossa). Existe, nesse caso, uma satisfação em assumir a
posição de mulher, não como vítima, mas sim como agente capaz de reverter e transformar
essa condição inferiorizada imposta às mulheres pela sociedade patriarcal na qual estão
23
inseridas. Percebemos, em seus textos, que existe um forte desejo de desvendar uma
linguagem que seja capaz de revelar as múltiplas experiências das mulheres.
Notamos, a partir desse livro, que a poeta se mostra mais comprometida
politicamente e demonstra também um amadurecimento maior na composição poética. Rich
se liberta das amarras dos seus “guias” e se lança no campo do livre fazer literário. Por isso,
faz da sua própria linguagem seu fio condutor. A autora busca ampliar sua consciência do
universo das mulheres, aprimorando seu discurso e adquirindo forças para criar textos que
possam vir a transformar a realidade. Rich, nessa fase, se mostra mais segura e ponderada,
tanto no campo pessoal quanto no profissional. Ela não se assume como uma poeta
engajada ao abordar questões críticas em relação ao governo dos Estados Unidos, mas
também ao participar efetivamente como ativista política. Seu compromisso com a
mudança vai além do plano individual. Na década de sessenta, quando mora em Nova
York, Rich se inscreve no programa SEEK (Search for Education, Elevation and
Knowledge), o qual era isento de processo seletivo, para lecionar a língua inglesa àqueles
alunos que não tinham acesso à universidade. Sendo assim, ela passa a ter contato com
diferentes etnias ao trabalhar com gregos, chineses, italianos, alemães, porto-riquenhos e
negros. Esse contato desperta nela uma sensibilidade para compreender o universo de seus
alunos. Tal atividade faz com que ela materialize sua crença no poder da linguagem para
transformar a realidade. Segundo a poeta:
No vel mais profundo do meu pensamento sobre isso está a idéia de
que a linguagem é poder, e que, como Simone Weil diz, aqueles que
sofrem com a injustiça são os menos capazes de articular seus
sofrimentos: e que, se a maioria silenciosa conseguisse se desoprimir
através da linguagem, não se contentaria com a perpetuação das
condições as quais a tem submetido. Mas essa noção se sustenta em uma
concepção especial do que significa se expressar na linguagem: não basta
simplesmente aprender o jargão de uma elite e se adequar de forma
24
natural ao status quo, mas sim aprender que a linguagem pode ser usada
como meio de transformar a realidade.
18
(1980, p. 67, tradução nossa).
Como mostra a citação acima, se, o que está por trás da capacidade de se articular
através da linguagem é o conhecimento da realidade, a educação formal será, portanto, um
dos caminhos na orientação do indivíduo para compreender sua própria condição. Por isso,
a autora demonstra a intenção de estender a educação formal aos mais diversos grupos de
pessoas, fazendo disso um direito. Rich procura valorizar e fortalecer as instituições de
ensino ignoradas pelos grupos de elite. A poeta assume, nesse ensaio, que até então ela
teria tido contato com instituições elitistas como Harvard, Radcliffe, Swarthmore e
Columbia. Por isso, a experiência de lecionar no programa SEEK contribui também para a
sua percepção da necessidade de transformações radicais na sociedade estadunidense. Mais
ainda, acreditando nessa possibilidade transformadora, Rich, durante os anos em que mora
e trabalha em Nova York, se envolve também em movimentos de protestos antiguerras.
Em seu volume de poemas seguinte, Rich aproxima ainda mais a relação entre
política e arte. Em Leaflets: Poems 1965-1968 (Panfletos: poemas 1965-1968), publicado
em 1969, ela estabelece uma relação mais próxima entre poesia e ativismo político. A poeta
demonstra, nesse volume, que seu olhar ultrapassa fronteiras ao buscar exemplos de
coragem não somente nas figuras feministas inglesas e norte-americanas do passado, mas
também naquelas fora dos Estados Unidos e da Inglaterra, como afirma Keyes: “Além de
buscar uma precursora norte-americana, Rich retoma também a poeta iídiche Kadia
Maldovsky em ‘Existem noites de primavera semelhantes’ e a russa Anna Akhamatova, em
‘Dois poemas’”
19
(1986, p. 91). Essas mulheres, assim como Rich, privilegiam a questão
política em sua poesia. Rich intensifica o valor da linguagem como mecanismo na
25
transformação da sociedade, mas acredita que será necessário ir além do individual, ou seja,
ela percebe que, para que haja transformações concretas, é necessário que a questão saia do
âmbito particular e privado e tome uma dimensão mais abrangente e, portanto, pública. Por
essa razão, a poeta aposta na importância de tornar públicas as questões que oprimem as
mulheres. Assim, elas têm a chance de reconhecer suas semelhanças e diferenças, ao
mesmo tempo em que estabelecem uma cumplicidade como grupo articulado politicamente.
The Will to Change: Poems 1968-1970 (O desejo de mudar: poemas 1968-1970),
publicado em 1971, demonstra uma mulher mais madura em busca de uma poesia cada vez
mais consistente e politizada. Segundo Keyes, “as mulheres não se silenciavam mais,
algumas eram até ativistas radicais. As transformações tinham ocorrido e as mulheres as
tinham vivenciado”
20
(1986, p. 114, tradução nossa). Nesse sentido, Rich mergulha cada
vez mais na junção da escrita e do ativismo político. A correlação entre as atividades de
escrita e ativismo estimula o indivíduo a reagir às demandas do cotidiano. No confronto
com a realidade e na expressão através da linguagem, as mulheres têm a possibilidade de
vislumbrarem formas de saírem da condição de timas. Entretanto, o fato de enfrentar a
realidade não significava uma busca por soluções imediatas, mas sim uma forma de abordar
e refletir sobre as questões que até então vinham contribuindo para a vitimização das
mulheres. Por exemplo, no poema “Planetarium” (Planetário), citado abaixo, a poeta
procura dar visibilidade a uma astrônoma que, por ser mulher, não teve em vida o
reconhecimento do seu trabalho e permanece, portanto, nos bastidores da história:
Uma mulher em forma de monstro
Um monstro em forma de mulher
Os céus estão cheios delas
26
Uma mulher ‘na neve
entre os relógios e instrumentos
ou medindo o chão com estacas’
em seus 98 anos descobrir
oito cometas.
21
(1993, p. 361, tradução nossa)
O poema se refere à figura de Caroline Herschel, irmã do astrônomo alemão
William Herschel, e desmistifica o poder masculino, ressaltando o brilhantismo dessa
mulher em um campo historicamente atribuído aos homens. Essa mulher, sozinha, faz a
descoberta de oito cometas entre os anos de 1786 e 1797. A poeta elege Herschel para
mostrar às outras mulheres as suas capacidades criativas no campo profissional,
descaracterizando a soberania masculina. Nesse poema, Rich coloca a mulher em evidência
e assume um eu poético feminista como podemos observar nesse excerto:
Sou bombardeada e ainda resisto
Eu tenho resistido durante toda a minha vida no
caminho direto de uma bateria de sinais
os mais corretamente transmitidos a mais
intraduzível língua do universo
Eu sou uma nuvem galáctica tão profunda tão densa
que uma onda de luz levaria 15
anos para viajar através de mim e
levou Eu sou um instrumento em forma
de mulher tentando traduzir pulsações
em imagens para o alívio do corpo
e a reconstrução da mente.
22
(1993, p. 361, tradução nossa).
Embora apresente uma identificação com a capacidade criativa da astrônoma, o
poema também revela a angústia da poeta em querer alcançar uma escrita capaz de
desvendar seus sentimentos. Ao mesmo tempo em que busca no universo a força das
mulheres, a poeta revela, através da poesia, a fonte de energia para alcançar sua
criatividade. As mulheres, embora desumanizadas “em forma de monstro”, se reorientam
através da escrita, “tentando traduzir pulsações em imagens”. Não deveriam, portanto, se
27
acomodar ao papel a elas determinado na sociedade patriarcal: “O que vemos, vemos/e ver
é mudar”. Quanto à estrutura formal, o poema apresenta também uma evolução: a escrita
que começa fragmentada, associada à dificuldade de expressão do eu poético, parece
alcançar uma harmonia no último verso, quando a continuidade não é rompida. Temos,
então, a idéia de que ela consegue, ao concluir o poema, alcançar uma unidade no relato da
narrativa.
Em Diving Into the Wreck: Poems 1971-1973 (Mergulho na destruição: poemas
1971-1973), publicado em 1973, Rich, por outro lado, manifesta sua ira em relação aos
homens. A poeta rejeita a escrita orientada por seus “guias”. De acordo com Keyes, é nesse
volume de poemas que ela rompe definitivamente com o discurso masculino e assume seu
feminismo: “Quando ela abraçou a causa feminista, deu origem a uma retórica forte”
23
(1986, p. 136, tradução nossa). Nessa coletânea, Rich reconhece a importância do discurso
assumidamente feminista. No poema “Trying to Talk with a Man” (Tentando conversar
com um homem), por exemplo, ela se coloca em situação de igualdade com o homem:
Aqui, eu me sinto mais vulnerável
com você do que sem você
Você fala de perigo
e lista o equipamento
nós falamos de pessoas cuidando uns dos outros
nas emergências – lacerações, sede –
mas você me olha como uma emergência
Seu calor árido demonstra força
seus olhos são estrelas de uma magnitude diferente
eles refletem luzes que soletram: SAÍDA
quando você se levanta e caminha de um lado para o outro
falando do perigo
como se não fossemos nós mesmos
como se não testássemos nada mais.
24
(1973, p. 3, tradução nossa).
28
Ao afirmar que se sente mais vulnerável na presença do que na ausência do homem
a quem se dirige nesse poema, Rich deixa claro ser auto-suficiente e sugere a falta de
consistência do sujeito masculino ao afirmar que “seu calor árido demonstra força”. Se, por
um lado, essa afirmação sinaliza poder; por outro lado, a afirmação seguinte revela a
inconsistência desse poder. Afinal seus olhos buscam a saída. No diálogo com o homem, a
mulher procura mostrar que o “perigo” está na verdade, na relação entre eles. Nessa
coletânea, ela privilegia uma voz poética que demonstra sua autonomia em relação aos
homens e busca concentrar sua poesia na experiência das mulheres. Para Wendy Martin,
“‘em Mergulho na destruição (1973), Rich não procura mais por um homem para protegê-
la, pois começa a agir por conta própria”
25
(COOPER, 1984, p. 164, tradução nossa). O
desapego com relação à figura masculina faz com que ela perceba sua própria força e
poder.
Primeiro, o poder que Rich busca é interno, isto é, a partir da consciência histórica
das conseqüências do sistema patriarcal na relação entre homens e mulheres. Em seguida,
reconhece que suas fragilidades foram impostas ou culturalmente construídas. Por isso,
reage à acomodação e, ao reagir, adquire a coragem para expressar e buscar, junto com
outras mulheres, alternativas na reivindicação por melhores condições, como afirma Keyes:
“essencial ao desenvolvimento desse poder pessoal é a ligação entre as mulheres, que irá
proporcionar um poder político capaz de realizar mudanças em grande escala entre elas,
uma mudança radical nas estruturas do patriarcalismo”
26
(1986, p. 137, tradução nossa). Em
outras palavras, ela reconhece o valor da força do indivíduo, mas tem consciência de que a
ação individual por si não será capaz de provocar mudanças; ao contrário, para que haja
29
condições de pressionar as instituições de poder serão necessários a consciência e o esforço
coletivo.
Em The Kingdom of the Fathers (O Reino dos pais), publicado primeiramente em
1976 e republicado, dez anos depois, como um capítulo do livro Of Woman Born:
Motherhood as Experience and Institution (Da mulher nascida: maternidade como
experiência e instituição), Rich explicita as razões da dificuldade do rompimento com o
discurso patriarcal uma vez que:
O poder dos pais tem sido difícil de alcançar, pois ele permeia tudo, até
mesmo a língua na qual tentamos descrevê-lo. Ele é difuso e concreto,
simbólico e literal, universal e expresso com variações locais que podem
tornar obscura sua universalidade.
27
(1995, p. 57-58, tradução nossa).
Nesse trabalho que teve grande repercussão entre as feministas, a autora faz um
estudo minucioso da maternidade como instituição e desafia as supostas verdades absolutas
do sistema patriarcal. Para Rich, mesmo as mulheres tendo a possibilidade de fazer opções
na vida, seja pelo tipo de trabalho que irão exercer ou pela escolha sexual, estarão sempre
sujeitas ao poder patriarcal. Sendo assim, é importante ressaltar como a escritora busca
compreender as raízes históricas da dominação dos homens sobre as mulheres para
estabelecer formas de enfrentar o poder do discurso masculino. Rich reconhece, mais uma
vez, o poder da linguagem, que perpetua os mecanismos de dominação masculina sobre as
mulheres:
Quando nos tornamos severa e incomodamente conscientes da linguagem
que estamos usando e pela qual estamos sendo usadas, nós começamos a
atingir o recurso material que as mulheres nunca antes tentaram
coletivamente re-possuir (embora nós fôssemos suas inventoras e embora
escritoras individuais como Dickinson, Woolf, Stein e H. D., tenham
abordado a linguagem como poder transformador). A linguagem é tão
real e tangível em nossas vidas como as ruas, as tubulações subterrâneas,
as mesas telefônicas, os microondas, o laboratório de clonagem e as
estações de energia nuclear.
28
(1979, p. 247, tradução nossa).
30
A poeta demonstra, nessa passagem, a importância da linguagem na relação com a
vida prática. Por isso, compreender que a submissão das mulheres é mediada
principalmente pelo discurso se torna fundamental no processo de mudança da condição
das mulheres. A poeta reconhece a relevância da entrada das mulheres na disputa no campo
cultural. Da mesma forma, Rich tem consciência de como o poder masculino foi construído
através do discurso no qual se embasa sua legitimidade. Ela investiga as relações patriarcais
e localiza a força e o poder da linguagem transgressora. Por essa razão, o retorno ao
passado se torna tão importante, pois através dele é possível compreender todo o processo
de opressão vivido pelas mulheres.
Nesse sentido, em 1979, Rich é convidada a falar para as formandas de uma
instituição de ensino para mulheres. Em seu discurso, ela aponta a necessidade da tomada
de consciência das mulheres no que se refere ao poder: “A verdade é que toda a ciência, o
conhecimento e a arte são ideológicos, não existe neutralidade na cultura”
29
(1979, p. 8,
tradução nossa). Nesse discurso, a poeta não aponta a importância das mulheres do
passado que abriram caminho nas mais diversas profissões permitidas somente aos homens,
como também deixa claro que para que as mulheres consigam garantir seu espaço nas
relações de trabalho e na sociedade será necessário que se assumam politicamente. Afinal
“não existe neutralidade na cultura”. Rich acrescenta, “[...] mas por um longo tempo até o
presente, as feministas têm falado sobre redefinição de poder; sobre o significado do poder
que retoma a sua raiz: posse, potere, pouvoir ser capaz, ter o potencial, possuir e usar a
energia da criação: o poder transformador”
30
(1979, p. 9, tradução nossa). Nessa passagem,
ela desmistifica o poder instituído e aponta para o que vai nortear sua arte no futuro, “o
poder transformador”. Ela ainda critica as mulheres que são levadas ao poder pelos homens
31
e são incentivadas a se diferenciarem das demais. Segundo Rich, o poder dessas mulheres é
falso, pois elas não proporcionam nenhum tipo de mudança principalmente quando
procuram agir como os homens, correspondendo às expectativas nelas depositadas. Para
Rich:
A mulher simbólica é encorajada a se ver como diferente da maioria das
mulheres; como excepcionalmente talentosa e merecedora; a se distinguir
da extensa condição feminina; ela é percebida pelas mulheres ‘comuns’
como distinta também: talvez até como mais forte que elas mesmas.
31
(1979, p. 9, tradução nossa).
Naquele contexto, não estaria a poeta ocupando essa posição que critica? Talvez
possamos inferir aqui que a autora estivesse também fazendo uma autocrítica. Afinal, ela
tinha consciência da posição de poder que vinha ocupando na sociedade estadunidense a
qual a diferenciava das demais mulheres. No entanto, a poeta deixa claro que seu
compromisso como intelectual que ocupa um lugar de destaque na sociedade vai além do
individual, pois busca usar esse poder para tornar visíveis as questões de interesse do
conjunto das mulheres.
A voz da diferença: Rich e o homossexualismo
Na relação que estabelece com a arte com o objetivo de sempre relatar a realidade,
incluindo a sua própria, Rich revela a importância de se assumir na sociedade. Por isso
observamos um novo momento em sua vida pessoal que irá se refletir também em sua arte.
Rich rompe com o casamento, e a partir de 1970, após a morte do marido, Rich passa a ter
uma participação mais efetiva no movimento de libertação das mulheres e assume
publicamente seu homossexualismo.
32
Através de sua escrita, percebemos que ela desmistifica o estereótipo da mulher
homossexual. Rich, nessa fase, não sente nenhuma necessidade de se afirmar através da
força masculina como fez anteriormente; ao contrário, ela passa a ver a escrita como uma
maneira de revelar suas diferentes sensações e experiências. Seu ensaio “The Meaning of
Our Love for Women is What We Have Constantly to Expand” (O significado do nosso
amor pelas mulheres é o que precisamos constantemente expandir) é um exemplo dessa
demonstração. Há nesse texto a intenção de mostrar o lesbianismo sob um prisma mais
aceitável socialmente. Nesse documento, que foi publicado em 1977, Rich aborda tanto a
questão do patriarcalismo quanto a questão política mais abrangente ao afirmar: “Tem se
articulado ultimamente um ataque à homossexualidade pela Igreja, mídia e todas as forças
nesse país que precisam de um bode expiatório para desviar a atenção do racismo, da
pobreza, do desemprego e da corrupção obscena da vida pública”
32
(1977, p. 224, tradução
nossa). Neste texto, ela aponta e denuncia a estratégia moralista do governo
estadunidense para criticar e reprimir as relações homossexuais como forma de disfarçar as
reais funções da política.
Rich historiciza o homossexualismo feminino deixando claro como o
homossexualismo masculino, em uma escala de poder cultural, predomina e é mais aceito
socialmente: “Ao mesmo tempo em que a cultura homossexual masculina se desenvolveu,
as vidas dos homens têm, como sempre, sido vistas como a cultura ‘real’. As lésbicas não
têm tido o poder econômico e cultural dos homossexuais [...]”
33
(1977, p. 225, tradução
nossa). Ou seja, também na questão do homossexualismo os homens têm a legitimidade,
que, como sempre, é negada às mulheres. Sendo assim, a poeta busca dar visibilidade ao
lesbianismo através de sua reconstrução histórica, demonstrando que a homossexualidade
feminina é tão legítima quanto a homossexualidade masculina.
33
Segundo Rich, as mulheres que se assumem como lésbicas são forçadas a viver
entre duas culturas de domínio masculino: a heterossexista e a homossexual patriarcal. A
cultura heterossexista direciona as mulheres ao casamento e à maternidade, através de
mecanismos de pressão de ordem econômica, religiosa e até legal; e a cultura homossexual
patriarcal, em sua visão, tem como base o domínio e a submissão. Para Rich, nem a cultura
heterossexual nem a homossexual tem proporcionado às lésbicas espaço para a descoberta
do que significa se assumirem como homossexuais, terem amor próprio e serem
identificadas como mulheres.
Rich também problematiza, nesse ensaio, a separação entre feminismo e
lesbianismo. Se o patriarcalismo tradicionalmente classifica as mulheres por meio de
binarismos é porque tem o objetivo de separá-las e não deixar que unam suas forças, pois o
patriarcalismo, segundo ela “[...] tem nos dividido em mulheres puras e prostitutas, mães e
lésbicas, madonas e medusas”
34
(RICH, 1979, p. 226, tradução nossa). Ela acredita que
através da aliança entre o feminismo e o lesbianismo as mulheres podem alcançar uma
força capaz de abalar a estrutura do poder patriarcal e, conseqüentemente, transformar a
sociedade (1979, p. 226). Existe, nesse ensaio, o desejo de unir forças na luta por melhores
condições de vida na sociedade pautadas pelo respeito às individualidades e às opções
sexuais das mulheres. A poeta torna pública a importância da contribuição das lésbicas para
o avanço do movimento feminista, principalmente no campo literário. Com o objetivo de
uma prática política com o ofício de escritora, de 1981 a 1983, Rich, juntamente com a
escritora Michelle Cliff, edita o periódico Sinister Wisdom: a Multicultural Journal by & for
Lesbians (Sabedoria sinistra: um periódico multicultural por & para as lésbicas). Fundado
em 1976, esse periódico tem como objetivo criar um espaço multicultural e multirracial
para as mulheres homossexuais.
34
Em seu ensaio “Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence”
(Heterossexualidade compulsória e existência lésbica) publicado em 1980, Rich, mais
uma vez, procura reduzir a distância existente entre o feminismo e o lesbianismo. Nesse
documento, ela analisa o uso do discurso moralista por instituições como a família, a igreja
e o estado que têm tradicionalmente estabelecido regras de comportamento para as
mulheres. Por essa razão, Rich acredita que a questão da preferência sexual deve ser
politizada, afinal:
A heterossexualidade, assim como a maternidade, precisa ser
reconhecida e estudada como uma instituição política até mesmo ou
especialmente por aqueles indivíduos que sentem que são, em suas
experiências pessoais, os precursores de uma nova relação social entre os
sexos.
35
(1986, p. 35, tradução nossa).
Na busca pela igualdade social entre os homens e as mulheres, o direito à escolha
deve estar isento do preconceito e das pressões sociais. A autora ainda deixa claro que as
mulheres, por serem discriminadas e ocuparem sempre posições inferiores no trabalho,
sofrem desvantagem econômica e se prendem à idéia do casamento como forma de garantir
sua sobrevivência. Para a poeta, a questão do homossexualismo feminino não pode ser
reduzida meramente ao sexo, mas sim à identificação das experiências das mulheres com a
história: “A existência lésbica sugere tanto o fato da presença histórica das lésbicas quanto
a nossa criação contínua do significado dessa existência”
36
(1994, p. 51, tradução nossa).
Nessa tentativa de historicizar o lesbianismo, Rich atribui poder ao não-institucionalizado e
aposta na “existência lésbica”, contrapondo a relação heterossexual institucionalizada. Em
sua análise das bases da relação heterossexual, ela revela o autoritarismo ao qual as
mulheres têm se sujeitado e aponta para a busca pelo direito à liberdade de escolha.
Segundo a poeta:
35
Dentro da instituição existem, obviamente, diferenças qualitativas de
experiência; mas a ausência da escolha permanece a grande realidade
inaceitável e, diante da ausência da escolha, as mulheres continuarão a
depender da chance ou sorte dos relacionamentos particulares e não
conseguirão ter nenhum poder coletivo para determinar o significado e
lugar da sexualidade em suas vidas.
37
(1994, p. 67, tradução nossa).
Rich aposta no reconhecimento da heterossexualidade como uma instituição
política, pois dessa forma será possível abrir espaços para o questionamento de como as
relações de gênero são organizadas e legitimadas. Segundo Rich, as mulheres têm
condições de compreender a relação heterossexual não como uma questão inevitável em
suas vidas e sim como uma opção. O importante é que as mulheres tenham liberdade e
segurança para fazerem suas escolhas e exercerem sua autonomia.
Em The Dream of a Common Language: Poems 1974-1977 (O sonho de uma
linguagem comum: poemas 1974-1977), publicado em 1978, Rich, através dos 21 Love
Poems (21 poemas de amor), demonstra sua ruptura com a hierarquia sexual ao apresentar a
relação entre duas mulheres e, ao mesmo tempo, desmistifica a legitimidade da relação
heterossexual. Segundo Langdell, “ela procura criar e fortalecer os textos verdadeiramente
lésbicos e feministas, não somente por sua originalidade literária pura, mas também como
uma forma de refletir uma sexualidade e paixão a priori, ignorada, apagada ou enterrada
como a própria tradição feminina”
38
(2004, p. 144, tradução nossa). Nessa coletânea, Rich
privilegia a relação entre mulheres colocando-as como centrais no discurso. Sendo assim,
busca encorajar a escrita de outras escritoras lésbicas no sentido de se sentirem livres para
expressarem suas subjetividades, e que não sejam socialmente controladas ou mantidas na
clandestinidade.
36
A poesia de Rich, na visão de Alice Templeton “[...] pode ser diferenciada das
outras formas de poesia lírica na medida em que demonstra sua determinação em unir o
poder poético simbólico ao poder político literal sem promover noções simplistas de
unidade ou identidade entre o mundo no qual a poeta sonha e o mundo dos seus sonhos”
39
(1994, p. 77, tradução nossa). Na verdade, Rich procura, em sua poesia, unir a prática à
teoria. Ela aproxima a idéia do objeto e se aprofunda no sentido das palavras e metáforas
para traduzir seus sentimentos; mergulha e não teme as conseqüências do risco na busca
pelos significados. O marcante nos poemas de O sonho de uma linguagem comum é a
necessidade de ampliar a consciência para além da reflexão sobre a experiência. Rich eleva
o poder da linguagem e busca revelar a possibilidade da ação, como afirma Templeton:
Claramente a poesia de Rich em O sonho de uma linguagem comum é
mais do que uma simples reflexão da experiência: como um ato de
imaginar e conceber novos mundos e novas relações, a poesia move a
poeta e o leitor através de uma compreensão crítica e criativa da
experiência e da possibilidade de ação.
40
(1994, p. 78, tradução nossa).
Rich quer instigar os leitores, principalmente as leitoras, a pensar na idéia da
transformação social não somente como teoria, mas principalmente como uma
possibilidade viável de se realizar na prática.
Ao relatar a sensualidade e amor entre mulheres, Rich legitima a natureza da relação
homossexual estabelecendo uma ruptura com o que é socialmente reprimido. Assim, expõe
neste volume uma poesia que assume uma temática marcadamente homossexual. Esse
trabalho, do ponto de vista político, se apresenta revolucionário uma vez que atravessa as
barreiras das convenções sociais. A linguagem se torna fundamental ao revelar toda a carga
de sentimentos represados.
37
Rich se mostra também consciente do poder das mulheres como indivíduos. Ela
conclui o poema “Splittings” (Divisões) dizendo: “[...] Eu escolho amar dessa vez com toda
a minha inteligência”
41
(1978, p. 10, tradução nossa), rechaçando qualquer possibilidade de
dependência, ou seja; ela assume as conseqüências das suas escolhas sexuais e emocionais.
Sua relação pode e deve ser pautada pela própria escolha. Fazendo isso, está mais uma vez
rejeitando o papel da mulher vitimizada e revelando sua autonomia. Ao revelar seus
sentimentos e escolhas, a poeta instiga as mulheres a assumirem suas preferências e se
responsabilizarem por si mesmas e por suas opções.
Templeton afirma que “a opção de Rich pelo uso de verbos performativos que
relacionam escolha e negação refletem sua consciência de que a linguagem pode nos mover
no engajamento e na relação com os outros, o que torna a ação política possível e
necessária”
42
(1994, p. 82, tradução nossa). Talvez fosse essa a intenção da poeta quando
intitulou a obra O sonho de uma linguagem comum, isto é, reconhecer o valor da
“linguagem comum” como forma de abranger um número maior de leitoras e incitá-las à
ação.
A inquietude e desejo de mudança diante do que está socialmente preestabelecido
vão percorrer a vida e obra de Rich em muitos outros momentos, não somente na poesia,
mas principalmente em seus ensaios críticos ou outros relatos de sua biografia. A poeta
sempre reage ao que está posto e revela o desejo de desequilibrar e transformar o poder
instituído. Por isso, em O sonho de uma linguagem comum, assim como em Mergulho na
destruição, Rich prossegue na busca por uma definição de si mesma que seja identificada
como marcadamente feminista. Segundo Jane Vanderbosch, em “Beginning Again”
(Começando novamente):
38
O Sonho faz muito, ele também fala da sobrevivência das mulheres ‘em
um mundo masculinizado/inadequado às mulheres ou homens’. Além do
mais, ele fala de uma nova paisagem que está metaforicamente dentro do
corpo das mulheres e oferece uma definição do feminino que seja
identificado pelas próprias mulheres.
43
(1987, p. 115, tradução nossa).
Na busca por focalizar seu discurso nas mulheres, Rich tenta fortalecer o discurso
de equilíbrio entre o corpo e a mente. Ela reconhece a existência do discurso acerca da
vulnerabilidade feminina, mas não compactua com isso; ao contrário, ela canaliza essa
percepção para encorajar as mulheres. Tanto em O sonho de uma linguagem comum quanto
em Mergulho na destruição, a poeta privilegia uma poética dirigida especificamente às
mulheres.
A partir de 1980, a poética de Rich se torna ainda mais revolucionária. Para revelar
abertamente os mecanismos da dominação masculina, ela vai além do pessoal e verbaliza
sua reação. Na visão de Jane Vanderbosch, “Rich busca a consciência da simultaneidade na
existência das mulheres; ela retorna ao passado para reivindicar uma herança
particularmente feminina como forma de revisar o presente e prever um futuro mais
femininizado”
44
(1987, p. 124, tradução nossa). Cientes do passado, as mulheres podem
reorganizar o presente e projetar um novo futuro.
Em 1981, Rich publica A Wild Patience Has Taken Me This Far: Poems 1978-1981
(Uma paciência selvagem tem me levado nessa distância: poemas 1978-1981). Nessa
coletânea, ela parece demonstrar uma maturidade maior em relação ao fazer poético. No
poema “Integrity” (Integridade), por exemplo, a poeta reconhece suas fragmentações (dois
eus) e procura manter o equilíbrio entre seus diferentes eus, como podemos perceber no
trecho abaixo:
39
Raiva e ternura: meus dois eus
E agora posso acreditar que eles respiram em mim
como anjos, não polaridades.
Raiva e ternura: a habilidade da aranha
girar e tecer na mesma ação
de seu próprio corpo, em qualquer lugar –
até mesmo de uma teia rompida.
45
(1981, p. 8, tradução nossa).
Rich observa a capacidade da aranha, que em seu trabalho solitário, domina o tecer
da teia. Assim como a aranha que por vezes perde a direção através do rompimento da teia,
mas consegue retomar o curso do tecer, a poeta reflete sobre suas contradições e procura,
analogamente, ter o domínio da própria vida. Esse paralelo também pode ser feito em
relação ao fazer poético em busca do domínio da escrita. No poema, Rich reconhece os
diferentes “eus” que ela mesma define ser a união da raiva e ternura. Segundo Templeton:
“Reivindicar autoridade para nós mesmas envolve aceitação das contradições,
complexidades e incompletudes de nossas vidas pessoais e de nossa circunstância histórica,
não uma tentativa de escapar da história ou alcançar algum ponto de vista objetivo no qual
se observa o todo”
46
(1994, p. 100, tradução nossa). O fato de Rich reconhecer essas
contradições contribui para a compreensão acerca de si mesma e lhe garante a autoridade
nos termos abordados por Templeton; afinal, assim como a aranha consegue retomar o
trabalho da teia rompida, a poeta tem também a possibilidade de redirecionar sua vida. Em
outra passagem desse mesmo poema, ela revela estar ciente da responsabilidade por si
própria:
[...] mas na verdade eu não tenho nada a não ser eu mesma
para me guiar, nada
permanece no campo da pura necessidade
exceto o que minhas mãos podem segurar.
Nada a não ser eu mesma? ... Meus eus.
47
(1981, p. 8, tradução nossa).
A percepção de que não tem nada nem ninguém para conduzi-la aumenta seu senso
de autonomia. Rich acrescenta, nesse poema, logo abaixo do título “Integridade”, as
40
seguintes definições: “a qualidade ou estado de ser completo, condição absoluta,
totalidade”
48
(1981, p. 3, tradução nossa). Sua atitude em buscar a definição no dicionário
demonstra sua necessidade em traduzir significados. Ela não procura compreender o
todo, como também necessita defini-lo. Rich reconhece que a escrita sozinha não é capaz
de reais transformações, por isso, para ela, se torna ainda mais relevante a efetivação da
ação através do ativismo político. A poeta tem consciência das limitações das mulheres
quando se refere ao poder, mas acredita que através do coletivo seja possível alcançar
mudanças. O que diferencia esse volume dos demais é que nele Rich transmite mais
segurança em si própria, tanto como indivíduo quanto como poeta e escritora. A impressão
que temos é que nada mais pode amedrontá-la.
Em Sources (Fontes), coletânea primeiramente publicada em 1983 e que em 1986
foi incorporada à coleção Your Native Land, Your Life (Sua terra nativa, sua vida), Rich
apresenta uma poética mais introspectiva. Embora tenha mostrado, em seus poemas
anteriores, estar ciente da influência do externo no domínio do individuo, nesse volume
uma sensação de recolhimento, como podemos observar no poema abaixo:
Eu me recuso a me tornar uma investigadora de curas
tudo que tem sempre
me ajudado tem vindo através do que já tenho
armazenado em mim. Velhas questões, difusas, inominadas,
permanecem fortes
em meu coração.
Isso de onde
minha força vem, até quando perco minha força
mesmo quando ela se revolta contra mim
como um violento dono.
49
(1986, p. 4, tradução nossa).
Nesse poema, a poeta se mostra forte mesmo havendo resistência na busca por
soluções. O reconhecimento de que questões passadas, difusas, inominadas ainda a afetam,
na verdade, demonstra que a capacidade em localizar essas questões é que traduzem sua
41
força. A resistência está em ser capaz de compreender e nomear seus conflitos. Segundo
Langdell, “em um certo sentido, ‘Fontes’ é uma busca pelas origens de sua força poética e
caráter pessoal suas origens poéticas assim como a origem de sua convicção de uma
nação feminista”
50
(2004, p. 162, tradução nossa). Rich incorpora à sua poética outras
reivindicações de ordem social e política, mas não abandona sua principal fonte de luta o
desejo de transformar a condição das mulheres na sociedade. Nesse outro poema da mesma
coleção intitulada Sua terra nativa, sua vida, Rich fala da busca pelo saber como um
processo infindável o qual parece fundamental à sua autonomia. A poeta descarta a
vitimização (amargura) e a alienação (distanciamento) como subterfúgios da condição
feminina e deposita sua crença no poder das mulheres para ocupar o espaço na sociedade
que a elas pertence:
Eu queria poder descansar entre as ervas belas e comuns
que eu pudesse nomear, tanto aqui quanto em outras partes do globo.
Mas não existe
um saber limitado e nem tal descanso. Pássaros inocentes, desertos,
manhãs gloriosas,
atenção às escolhas, nos distanciando do familiar. Quando
falo em finalizar o sofrimento, não quero dizer anestesia. Quero dizer
conhecer o
mundo e meu lugar nele, não observá-lo com amargura
ou distanciamento, mas como um considerável poder feminino,
femininamente.
51
(1986, p. 27, tradução nossa).
Embora o processo de maturidade seja sofrido, ela não busca paliativos (anestesia).
Para que possa se sentir inteira como mulher e poeta, ela precisa reconhecer seu lugar no
mundo sem a amargura provocada pelo saber e nem o distanciamento como opção de
alienação. Assumindo essa postura, Rich mais uma vez se recusa a ver as mulheres como
vítimas. Segundo Langdell:
A exploração das fontes tem como objetivo a busca de identidade do
passado e do presente, não para mostrar como ela foi vitimizada, mas
para ajudar o eu lírico e cada uma de nós a assumir responsabilidade por
42
nós mesmas, para que possamos fazer uso de nossa cidadania e usar
nossa solidão mais construtivamente.
52
(2004, p. 163, tradução nossa).
Nesse sentido, Rich, através do passado, busca ressignificar o presente. Ao invés de
se apoiar na condição vitimizada, ela quer provocar uma participação mais efetiva das
mulheres. No ato de escrever e descrever as palavras, a poeta reforça a importância do peso
do discurso nesse processo e manifesta o desejo de ter uma participação efetiva na
sociedade. Fazendo isso, mais uma vez, ela une escrita e ação, o fazer poético e a atuação
política.
Se em Fontes a poeta se volta ao eu para resgatar sua força, em Time’s Power (O
poder do tempo), publicado em 1989, ela se mostra ciente do efeito brutal do tempo em
nossas vidas. Em grande parte dos poemas dessa coletânea existe a presença da morte e o
sentimento melancólico relacionado à inevitabilidade do tempo. A idade, as constantes
dores musculares devido à artrite e à experiência de vida parecem pesar sobre sua
consciência. A esperança de haver transformações persiste, mas Rich também estabelece
diálogos com a morte, como podemos observar nesse fragmento do Love Poem” (Poema
de amor):
Bela, quando você era jovem
nós pensávamos que éramos jovens
agora que tudo está feito
somos sérias agora
sobre a morte nós conversamos com ela
dia a dia como com um vizinho
estamos aprendendo a ser verdadeiras
com ela ela tem as chaves
dessa casa caso precise
ela pode permanecer.
53
(1989, p. 7-8, tradução nossa).
43
Nesse poema, a poeta traça um paralelo entre o tempo em que as amantes do poema
eram jovens e agora que estão mais velhas. Embora fale da morte, não parece haver nesse
relato o sentimento de angústia em relação à idéia do fim da vida. Ela reconhece uma
proximidade maior com a morte e mesmo havendo esse reconhecimento, não se entrega,
como parece visível neste fragmento de outro poema da mesma coleção: “[...] Estou
andando novamente. Meu coração não dói, embora de vez em quando se enfureça”
54
(1989,
p. 44, tradução nossa). Mesmo fisicamente fragilizada, ela ainda consegue demonstrar
resistência e disposição para reagir.
Poesia e poder
Em An Atlas of the Difficult World: Poems 1988-1991 (Um atlas do mundo difícil:
poemas 1988-1991), publicado em 1991, a autora concentra seu olhar nas constantes
contradições entre o discurso e a prática política em seu próprio país. Em uma entrevista
realizada em 1994
55
(RICH, 1994), a poeta tece comentários acerca desse livro: “Até certo
ponto, em Atlas, eu estava tentando falar sobre o lugar, os privilégios, as complexidades de
amar meu país e odiar as formas nas quais o interesse nacional vem sendo definido por
nós”
56
(RICH, 1994, p. 5-6, tradução nossa). Essa afirmação, assim como os poemas dessa
coletânea, refletem à dificuldade de Rich que se vê dividida entre dois sentimentos: o amor
por sua pátria e a revolta pela forma como os interesses nacionais têm sido definidos pelos
cidadãos de seu país. Em um fragmento do poema XI, a poeta critica as incoerências
presentes na sociedade estadunidense:
Um patriota não é uma arma. Um patriota é alguém que disputa pela
alma de seu país
assim como ela briga por si própria, pela alma do país dele
(olhando através do grande círculo na janela de pedra o brilho
44
do Muro Viet Nam)
como ele luta por si próprio. Um patriota é um cidadão tentando
despertar
do sonho destruidor da inocência, o pesadelo
do general branco e do general Negro demonstrados
na camuflagem deles,
para lembrar do verdadeiro país dela, se lembrar do sofrimento da terra
dele:
se lembrar
que o abençoado e o amaldiçoado nascem gêmeos e são separados no
nascimento
para se encontrar novamente no velório
que o emigrante interno é o que mais sente a falta de sua pátria entre
todas as mulheres e
homens
que toda bandeira que é hasteada hoje é um grito de dor
Onde estamos ancorados?
Quais são nossos vínculos?
O que nos cabe?
57
(1991, p. 22, tradução nossa)
Nesse poema, Rich traz à tona as contradições do discurso estadunidense acerca do
nacionalismo e suas conseqüências desastrosas. A necessidade de dominar e controlar o
Vietnã naquele momento, assim como a perseguição aos grupos terroristas em épocas mais
recentes tem sido o principal álibi do governo dos Estados Unidos para justificar seu
discurso bélico. Na constante busca pela paz, não o raciocínio da determinação de
“justiça” em primeiro lugar, busca-se a paz sem pensar que esses mesmos que a querem são
aqueles que provocaram os conflitos. Mais ainda, ao refletir sobre a palavra “paz”, a poeta
reforça a idéia de que essa é uma determinação do homem branco. Na afirmação: “Um
patriota não é uma arma”, ela desassocia a idéia de que patriotismo seja sinônimo de
violência, revelando que esse tem sido o mote do governo dos Estados Unidos da América
para justificar seus ataques violentos contra outros países. O final do poema é uma tentativa
de alerta com relação ao isolamento para o qual caminha seu país, como afirma Langdell:
Claramente o que nos cabe hoje é reconhecer que nós, americanos,
precisamos levar em consideração as condições de vida do resto do
mundo-árabe, assim como os países da África, do Oriente Médio e Ásia.
Precisamos começar a nos ver como parte do mundo, não simplesmente
45
como o país mais privilegiado do mundo.
58
(2004, p. 194, tradução
nossa).
Este reconhecimento tem sido um dos principais aspectos abordados por Rich nos
últimos tempos, principalmente em suas entrevistas. A poeta tem questionado as
implicações do discurso que justifica a soberania de seu país em relação ao resto do mundo.
Percebemos que ela passa a enfocar as questões políticas mais emergentes em seu discurso.
Em uma entrevista realizada em 1987, Rich fala de sua trajetória como escritora e poeta,
relatando seus diversos questionamentos de ordem social e política, os quais irão
permanecer presentes em sua arte. Na busca pela compreensão do poder instituído, porém,
a autora demonstra possuir consciência da opressão presente nas relações de poder:
Eu estava pensando muito sobre algumas coisas que não eram muito
comentadas naquela época. Eu estava pensando sobre o lugar da
sexualidade em meio àquilo tudo. Qual é a ligação entre o Vietnã e a
cama dos amantes? Se essa violência insana está sendo exercida contra
um pequeno país por esse outro, grande e poderoso, no qual eu resido, o
que isso tem a ver com sexualidade e com o que está acontecendo entre
homens e mulheres, que eu sentia como um conflito? Eu era casada.
Eu estava tentando me definir de várias formas. Eu não conseguia me
adequar no ... Eu não conseguia encontrar um modelo para o que eu
queria ser, tanto no relacionamento com o homem, quanto como mulher
no mundo.
59
(1992, p. 11, tradução nossa).
Por meio dessa passagem, percebemos que Rich, mesmo quando aborda questões da
política nacional, não deixa a questão de gênero de lado, mas busca relacionar as
implicações entre as esferas públicas e privadas. Segundo a poeta, há um vínculo forte entre
a ação beligerante exercida pelos Estados Unidos contra o Vietnã e as relações desiguais de
poder que permeiam a vida cotidiana. Para ela, o poder público e o privado estão
intimamente relacionados. Em sua visão, o poder exercido no espaço público está também
calcado, por exemplo, nas relações de gênero. Ao analisar a correlação de forças entre seu
Estado e um "outro" (a população vietnamita), reconhecendo as respectivas desigualdades e
traçando o paralelo com a opressão também presente nas relações de gênero, Rich aponta
46
para a necessidade de transformação da sociedade a partir de sua base. Ou seja, para que
haja transformação no espaço público é preciso que ocorra também uma transformação no
espaço privado. Isto se manifesta de forma clara em sua biografia no momento em que a
poeta rompe com a instituição do matrimônio, rechaçando o poder patriarcal no que se
refere ao papel submisso estabelecido para as mulheres na sociedade.
Sua aproximação e contato com os diversos problemas sociais existentes na
sociedade estadunidense fazem com que a poeta tome consciência da proximidade da
relação entre o pessoal e o político. Em um de seus ensaios, Rich declara: “Eu comecei, a
partir daquele momento, a sentir que política não era algo ‘lá fora’, mas sim ‘aqui dentro’, e
feita da essência de minha condição”
60
(2001, p. 22, tradução nossa). Essa junção das duas
esferas irá dar uma nova face a sua arte, como ela mesma afirma em outro momento: "Eu
acredito que tenha sido finalmente o envolvimento na política que me levou a escrever mais
prosa, como parte da minha vida, como uma parte normal da minha escrita”
61
(1992, p. 15,
tradução nossa). Ela passa a fazer de sua arte um instrumento de luta no processo de
conscientização social. Seus ensaios e poemas, dessa fase mais recente, privilegiam desde a
denúncia da política externa estadunidense de massacre e domínio econômico de outros
países até a política interna de perseguição a grupos minoritários.
Rich busca, portanto, sua legitimidade como intelectual através da escrita. Ela
utiliza sua arte como meio de imprimir uma outra forma de poder: aquele que questiona as
desigualdades, as barreiras, os limites e as violências do poder institucionalizado. Em 1997,
a poeta recusou a National Medal for the Arts (Medalha Nacional para as Artes), oferecida
pelo Presidente Bill Clinton a doze artistas. Em uma carta dirigida ao organizador do
evento, Rich declara:
47
Nessas últimas duas cadas tenho testemunhado o crescente impacto
brutal da injustiça econômica e racial em nosso país. Não existe uma
fórmula simples para o relacionamento da arte com a justiça. Mas eu sei
que arte no meu próprio caso a arte da poesia não significa nada se
apenas enfeitar uma mesa de jantar do poder que a mantém refém. As
diferenças radicais de riqueza e poder na América estão se ampliando em
um ritmo devastador. Um presidente não pode significativamente
homenagear alguns artistas enquanto o povo em si é desrespeitado.
62
(2001, p. 99, tradução nossa).
Sua atitude em rejeitar a premiação e as razões para tal explicitadas na carta
endereçada à Casa Branca reforçam a postura política de Adrienne Rich em relação ao seu
país. A poeta encerra sua carta afirmando ser o evento um “ritual hipócrita” do qual não
poderia participar. O uso do discurso franco, assim como sua atitude em publicar a carta,
demonstra uma postura engajada que busca dar visibilidade às contradições da democracia
estadunidense. Ela assume, de forma transparente e corajosa, o papel de explicitadora de
um pensamento crítico que questiona as estruturas de poder na sociedade dos Estados
Unidos. Também é verdade que, se por um lado, sua postura revela a intenção de
desestabilizar o poder institucionalizado; por outro, essa mesma postura lhe visibilidade
e conseqüentemente um outro tipo de poder. Segundo Norberto Bobbio:
O poder ideológico se baseia na influência que as idéias formuladas de
um certo modo, expressas em certas circunstâncias, por uma pessoa
investida de certa autoridade e difundidas mediante certos processos,
exercem sobre a conduta dos consociados: deste tipo de condicionamento
nasce a importância social que atinge, nos grupos organizados, aqueles
que sabem, os sábios, sejam eles os sacerdotes das sociedades arcaicas,
sejam os intelectuais ou cientistas das sociedades evoluídas, pois é por
eles, pelos valores que difundem ou pelos conhecimentos que
comunicam, que se consuma o processo de socialização necessário à
coesão e integração do grupo. (1992, p. 955).
Essa definição do poder ideológico nos serve como exemplo para compreender
como Rich articula sua posição como intelectual em seu país. A poeta reconhece o poder de
48
seu discurso no espaço contra-hegemônico e não nega o fato de pertencer a essa elite
cultural. Ela não desconsidera a relevância do papel do intelectual crítico na sociedade de
seu país. Entretanto, procura se desvencilhar da diferença intelectual buscando partilhar sua
consciência política e fazendo de sua arte um espaço de denúncia. Ela, como intelectual,
não se coloca em posição superior às outras mulheres; ao contrário, deixa claro que a
transformação da condição das mulheres acontece quando cada uma delas toma
consciência dessa necessidade. Em uma entrevista em 1994, Rich é questionada em relação
às leitoras que a procuram para dizer que ela é a grande responsável por seus respectivos
despertares: “Você tem o reconhecimento das leitoras. E sobre aquelas que chegam até
você e dizem, ‘você mudou minha vida’?
63
(RICH, 1994, p. 7, tradução nossa) e Rich
responde:
Sim, e eu geralmente digo a elas - o que eu acredito também ser verdade
– ‘você estava mudando sua vida e leu meu livro ou leu aquele poema no
momento em que foi útil a você, eu me sinto muito feliz, mas você é que
estava mudando sua vida’. De qualquer forma, quando estamos no
processo de realizar algum tipo de autotransformação nos forçando a ir
um pouco mais além, talvez correndo algum risco que nunca
imaginaríamos correr algumas vezes um poema irá vir a nós por algum
tipo de atração magnética.
64
(RICH, 1994, p. 7, tradução nossa).
A poeta responde que ela não é responsável por essa mudança, pois, o despertar
acontece quando a leitora está também em seu momento de mudar, em seu processo de
desenvolvimento individual.
Dark Fields of the Republic (Campos sombrios da república), publicado em 1995, é
um bom exemplo do engajamento e compromisso da intelectual com a ação política. Em
grande parte dos poemas dessa coleção, a poeta tenta tornar aparente as negligências
cometidas pelos governos dos Estados Unidos. De acordo com Langdell:
49
Ao explorar sua própria natureza e o impulso dos outros em formar
movimentos, descobrir as origens pessoais e intelectuais de uma direção
à liberdade, desenvolver suas próprias idéias e vozes e se tornar parte da
história, ela [Rich] encontra seu próprio lugar na nação, estabelecendo
tanto uma identidade nacional quanto a posição do sujeito feminino
através de seus eus poéticos e seus ensaios feministas. Por isso, ela
estabelece seu próprio lugar e o lugar das outras mulheres na história.
65
(2004, p. 197, tradução nossa).
Por encontrar seu lugar na história é que a poeta sente a necessidade de revelar as
contradições históricas de seu país. Nesse sentido, no poema What Kind of Times Are
These” (Que tempos são esses), Rich não só faz do seu poema o eco de um poeta exilado ao
caricaturar Stalin, mas usa desse eco para demonstrar que seu país também tem cometido
atrocidades semelhantes:
Eu andei por lá apanhando cogumelos à margem do terror, mas
não seja tolo,
isso não é um poema russo, isso não acontece em outro lugar senão aqui,
nosso próprio país se aproximando mais e mais de sua própria verdade e
terror,
suas próprias formas de fazer as pessoas desaparecerem.
66
(1995, p. 3,
tradução nossa).
O uso de uma linguagem mais direta revela a sua preocupação em associar a ação
crítica do intelectual às mudanças na sociedade. Entretanto, ela se revela ciente de que
somente as palavras não bastam no processo de transformação social. Rich afirma que a
linguagem é apenas um dos instrumentos nesse processo:
Meu sentimento é que são as ativistas que nos movem. Não se faz um
movimento político simplesmente com palavras. Estou pensando nas
organizações de mulheres das zonas rurais, ativistas que têm assistido
centenas de entrevistas com mulheres abusadas ou violentadas
sexualmente, ajudando a fortalecê-las e que o conhecimento acerca
dessas questões não é metafórico.
67
(1992, p. 9, tradução nossa).
50
Tal afirmação nos revela uma visão menos utópica do trabalho do intelectual. Ela
não descaracteriza a importância das palavras, mas demonstra consciência de que para
haver uma transformação radical da sociedade é necessário que haja organização dos
diversos segmentos sociais e enfrentamento ao poder institucionalizado. Podemos também
inferir que, embora seja visível em seus ensaios críticos e poemas a importância da
combinação da escrita e da ação política, a poeta nega, em outros momentos, que essa seja
uma característica de sua arte. Rich deixa claro que o ativismo é importante, mas ressalta
que para ela como poeta e intelectual o que interessa é o recurso retórico: “Para mim é
sempre uma questão da linguagem como uma investigação do desconhecido ou não
familiar”
68
(2001, p. 140, tradução nossa). Rich afirma que sua poética é movida por
questões de ordem política ao denunciar as injustiças do poder público; no entanto, isso não
significa que ela o faça por estar comprometida com esses injustiçados, mas sim por o que
ela chama de uma “necessidade interior”. Segundo a autora:
Surpreendo-me quando as pessoas escrevem sobre meu trabalho como se
eu assumisse o lado dos desprivilegiados’ ou dos ‘oprimidos,’ como um
tipo de trabalho missionário. Eu escrevo da mais absoluta necessidade
interior, respondendo ao meu lugar no tempo e no espaço, tentando
encontrar uma linguagem igual a isso.
69
(2001, p. 141, tradução nossa).
Se sua escrita fosse movida somente por essa “necessidade interior” então por que
será que a poeta se envolveu nos movimentos antiguerras, assumiu a bandeira dos negros e
homossexuais na luta por melhores condições na sociedade? Ou ainda, porque se inscreveu
no programa SEEK para lecionar a língua inglesa àqueles alunos que, de alguma forma,
foram excluídos da educação formal? O fato de ter escrito uma carta para o presidente Bill
Clinton se recusando a receber o prêmio e explicitando as questões que a levaram a tal
51
atitude não seria também uma forma de ativismo, isto é, de se colocar do lado dos
“desprivilegiados ou oprimidos”? Assumir que sua arte está intimamente ligada a essas
questões não a reduz; afinal, não é assim que grande parte de seus leitores a vêem? Não
seria essa uma contradição em seu discurso?
De qualquer forma, sua escrita revela também consciência de que os diferentes
conflitos sociais observados por ela não são exclusivos de seu país. Para Rich, a opressão
exercida nos Estados Unidos em relação à mulher, ao negro e ao trabalhador é repetida em
várias partes do globo. Mais ainda, a resistência dos grupos minoritários que vêm brotando
no interior da sociedade estadunidense também tem surgido e se fortalecido em outras
comunidades:
Uma enorme quantidade de coisas está acontecendo globalmente
diferentes conflitos em diferentes países, em diferentes sociedades. Se
pensarmos na África do Sul, veremos que existe lá um grande número de
lideranças femininas. As mulheres negras na África do Sul estão criando
e mantendo uma estrutura. Naquela sociedade dominada pela violência,
em meio a uma revolução, elas estão criando centros de assistência à
infância e de refeições para famintos, cultivando hortas, mantendo a vida
no nível humano. Não são somente mulheres fazendo o trabalho do
mundo. Tais mulheres são líderes em suas comunidades. Nós poderíamos
falar sobre o feminismo nas Filipinas, na Índia, na América Latina, no
Caribe, não como um movimento monolítico global, mas muitos
movimentos, em todo o mundo, combatendo dentro e contra as diversas
culturas. O movimento dos Estados Unidos é apenas uma pequena parte
desse retrato.
70
(1992, p. 15, tradução nossa).
Ao se referir às diferentes sociedades, Rich procura descentralizar seu olhar,
focado primordialmente nas questões internas em seu país. Ela se diferencia a partir do
conhecimento da problemática enfrentada por outras nações e culturas. Ao mesmo tempo,
reconhece que o desejo de mudança por parte dos oprimidos também não é um privilégio
52
dos grupos residentes nos Estados Unidos. Ao explicitar tal abrangência, a autora revela sua
capacidade de perceber o "outro", mesmo que distante geográfico e culturalmente. Ela se
desloca do âmbito interno e trata de questões que se referem a outros povos. Também é
verdade que a poeta aborda diferentes conflitos sociais, mas sem nunca deixar de lado a
questão do gênero.
A junção que faz entre a ação política por meio do engajamento nas lutas sociais e o
uso da escrita como instrumento de poder e luta política demonstram seu compromisso e
responsabilidade como poeta e intelectual. De acordo com Edward Said:
No fundo, o intelectual, no sentido que dou à palavra, não é nem um
pacificador nem um criador de consensos, mas alguém que empenha todo
o seu ser no senso crítico, na recusa em aceitar fórmulas fáceis ou clichês
prontos, ou confirmações afáveis, sempre tão conciliadoras sobre o que
os poderosos ou convencionais têm a dizer e sobre o que fazem. Não
apenas relutando de modo passivo, mas desejando ativamente dizer isso
em público. (2005, p. 35-36).
Rich incorpora esse papel definido pelo crítico. Sua postura como intelectual tem
sido manter constante a busca por uma linguagem que consiga tornar visíveis as
incoerências presentes na sociedade estadunidense. Em seu poema “North American Time”
(Tempo norte-americano) que faz parte da coletânea Sua terra nativa, sua vida, Rich eleva
a responsabilidade do poeta ao afirmar:
[...] Movemo-nos mas nossas palavras permanecem estáticas.
tornam-se responsáveis
por mais que desejávamos
e isso é um privilégio verbal
III
Tente se sentar diante de sua máquina de escrever
numa noite calma de verão
em uma mesa próxima à janela
53
no campo, tente fingir que
seu tempo não existe
que você é simplesmente você
que a imaginação simplesmente flui
como uma grande mariposa, sem nenhuma intenção
tente dizer a você mesmo
que você não é responsável
pela vida de sua tribo
a vida do seu planeta.
IV
Não importa o que você pensa
As palavras são responsáveis
tudo o que pode fazer é escolhê-las
ou escolher
permanecer em silêncio [...].
71
(1986, p. 33, tradução nossa).
Nesse poema, a poeta demonstra a importância da escrita que seja comprometida
com as transformações sociais. Rich procura mostrar a responsabilidade do uso do
“privilégio verbal” reforçando a relevância da arte engajada. Dessa maneira, deixa claro
que o compromisso com o que se escreve é fundamental, isto é, que o privilégio do
conhecimento deveria ser utilizado como instrumento de alerta e conscientização. No verso
VII do mesmo poema, a autora acrescenta:
Penso nisso em um país
onde as palavras são roubadas das bocas
como o pão é roubado das bocas
aonde os poetas não vão para a prisão
por serem poetas, mas por serem
negros, mulheres, pobres.
escrevo isso em um tempo
em que qualquer coisa que escrevemos
pode ser usada contra aqueles que amamos
em que o contexto nunca é dado
embora tentemos explicar, sempre
Ao menos pela poesia
Eu preciso saber essas coisas.
72
(1986, p. 33, tradução nossa).
Através dessas linhas, a escritora revela sua revolta diante da alienação a que a
sociedade está sujeita. Rich não compreende a situação dos alienados e oprimidos, mas
54
reivindica saber "das coisas" pelo bem da arte. Ela expressa a função da poesia como forma
de alcançar algum tipo de transformação. Na busca pela quebra do silêncio do "contexto"
velado, a poeta se esforça por não se manter alienada das estratégias e mecanismos de
domínio exercidos pelo seu país.
Ao reconhecer a existência dos mais diversos tipos de opressão calcados nas
questões de gênero, etnia e classe, a poeta aponta para a necessidade de resistência e
rompimento com o poder. Ela busca justificar, não através de seu trabalho, mas também
ao assumir sua postura crítica em relação à sociedade e ao governo estadunidenses, a
função do trabalho intelectual. Em outras palavras, a partir do poder de seu discurso
legitimado como intelectual, procura incentivar o fortalecimento dos movimentos
emergentes que expressam as contradições sociais.
Nesse embate, a autora contribui para as transformações sociais não a partir da sua
ação crítica no interior das instituições do Estado, mas a partir do engajamento nas causas e
nas demandas dos movimentos sociais. Ou seja, visto sob esse prisma, o trabalho do
intelectual não se apresenta como acabado, mas como algo aberto ao devir histórico. Não se
trata também de uma postura meramente individual, mas de um engajamento na ação
coletiva. A percepção da tensão exterior é que move a poesia de Rich. Ela discute seus
desejos e angústias, mas principalmente tem o compromisso de denunciar o mundo violento
no qual vive. Por essa razão, em Midnight Salvage: Poems 1995-1998 (Salvamento à meia-
noite: poemas 1995-1998), publicado em 1999, Rich divide com o leitor seu ideal
revolucionário e explicita a necessidade de transformações radicais na sociedade. De
acordo com Langdell, “esses poemas possibilitam ao leitor perceber sua outra paixão
política, o pensamento marxista, uma veia intelectual que ultimamente ela vem buscando
55
como algo que conduz mais à reforma política e social [...]”
73
(2004, p. 221, tradução
nossa). Depois de tantos anos dedicados à causa feminista, Rich, especialmente nesse
volume de poesia, parece ter perdido a crença no movimento. Isso se deve, a seu ver, aos
rumos que o movimento feminista tem tomado nos últimos anos. Para a poeta, é inegável a
importância das mulheres no processo de transformação social, mas é também necessário
reconhecer que para conseguir mudanças de ordem social será preciso envolver o conjunto
da sociedade. Segundo Langdell:
Rich quer, claramente, compartilhar com seus leitores as filosofias
políticas que a tem influenciado em sua indagação que parte do
feminismo e vai até o marxismo. A primeira revolução que ela efetiva é a
das mulheres e a próxima que abraça é a igualdade dos homens e
mulheres governando juntos.
74
(2004, p. 221, tradução nossa).
Essa transição do feminismo para o marxismo acontece à medida que a poeta
percebe a abrangência das questões que permeiam os sistemas de opressão do mundo
capitalista que não estão calcados somente na questão de gênero. Por isso, a poeta aposta
em políticas que irão considerar o bem estar comum de homens e mulheres. Mesmo
considerando a necessidade da união de homens e mulheres para provocar mudanças na
sociedade, a poeta não descarta a relevância das mulheres nesse processo. Na verdade, a
razão dessa união está em reconhecer que as mulheres têm poder de igualdade na luta por
melhores condições de vida. Mais ainda, Rich continua concentrando sua energia na arte.
Nesse sentido, a poeta busca expressar o que parece inexprimível:
Não tenho teorias. Eu desconheço a razão por estar sendo perdoada. Eu
sou minha arte: eu a faço do meu corpo e dos corpos que produziram o
meu. Eu estou ainda tentando encontrar a linguagem pictórica para essa
cólera e medo que giram no eixo do amor. Se eu ainda me levanto e vou
para o estúdio é porque encontro a companhia que preciso para
continuar trabalhando.
75
(1999, p. 67, tradução nossa).
56
Nesse fragmento que faz parte do poema “A Long Conversation” (Uma longa
conversa), a poeta revela sua impossibilidade de ter respostas para suas dúvidas. Rich
explicita seu desejo de encontrar uma linguagem que seja capaz de expressar seu
sentimento, fato que também demonstra ser uma busca interminável. Ela enfatiza sua
principal base de sustentação, sua arte, e acrescenta que essa tem sido sua fonte de energia
na vida.
Dois anos após a publicação de Salvamento à meia-noite, Rich lança Fox: Poems
1998-2000 (Raposa: poemas 1998-2000). Se nos dois volumes anteriores a poeta demonstra
as raízes de sua cólera em relação ao poder e continua buscando a conscientização das
massas, em Raposa vamos ter contato com uma poesia menos otimista. A autora demonstra
uma certa desilusão com as reais possibilidades de transformação social. A descrença com
o movimento feminista, sinalizada em Salvamento à meia-noite, reaparece em Raposa.
Rich revela, nessa coletânea, a fragilidade do movimento feminista diante de suas
constantes divisões. Na sessão quatro do poema “Terza Rima” (Terceira rima), a poeta
desabafa:
Eu perdi nosso caminho a culpa é minha
nossa a culpa pertence
a nós eu me tornei o guia
quem teria negligenciado
quem teria permanecido o principiante
eu como guia falhei
eu como principiante estremeci
eu deveria ter sido mais forte nos mantido
unidas.
76
(2001, p. 41, tradução nossa).
Nesse poema, Rich não somente questiona os rumos do movimento feminista
como também faz autocrítica de sua posição como liderança. Existe uma sobrecarga de
57
responsabilidade do eu poético e um sentimento de impotência para transformar uma
sociedade já contaminada. De acordo com Langdell, nesse poema,
O ‘nós’ são as feministas e aquelas no Movimento com ela. Estaria ela se
culpando pelas divisões no movimento das mulheres e pelos confrontos
verbais violentos entre as feministas trabalhadoras e os diferentes grupos
étnicos nas inevitáveis revoltas dos anos 80? Estaria ela pensando que se
tivesse sido mais forte ou uma líder melhor poderia manter unificado o
movimento feminista americano?
77
(2004, p. 246, tradução nossa).
O que parece, entretanto, é que a poeta se sente no embate. Em sua opinião,
outras variáveis deveriam estar sendo incorporadas à luta das mulheres. Rich busca
conhecer outras realidades diferentes daquelas vivenciadas na sociedade em que se insere.
A poeta visita outros países como o Chile e a Nicarágua. Isso a possibilita tomar contato
com outras questões que oprimem o ser humano. Nesse contato e proximidade com outros
povos, a poeta reconhece a contradição de viver entre o amor por seu país e a revolta em ter
que aceitar uma política de isolamento e destruição do outro que ela havia apontado em
seu volume anterior. Ela afirma que sua visão em relação a outras experiências se a
partir de sua viagem à Nicarágua. O deslocamento geográfico de seu país assim como a
proximidade da outra cultura fazem com que a poeta presencie e perceba a opressão
exercida pelo seu país à Nicarágua, como afirma nessa passagem: “Eu pude sentir
fisicamente o peso dos Estados Unidos da América em minhas costas, de suas forças
militares, sua ampla posse de dinheiro e de seus meios de comunicação de massa”
78
(RICH,
2001, p. 71, tradução nossa). A experiência de estar na Nicarágua no momento em que o
país estava sendo alvo dos interesses dos Estados Unidos da América possibilitou-lhe
perceber a brutal diferença de poder entre os dois países. No entanto, o fato de ter tido a
oportunidade de acompanhar as ações comandadas por seu governo no país visitado não a
coloca em situação de igualdade com as pessoas que residem. Não seria esse um exagero
58
de linguagem em seu discurso? Mesmo se ela morasse na Nicarágua e tivesse participação
ativa nas guerrilhas, ainda assim, sua experiência não seria semelhante às experiências dos
nicaragüenses. Seria esse exagero uma forma de compensar sua parcela de culpa e
responsabilidade como cidadã estadunidense no processo, como a autora parece mostrar?
Rich e o presente
A energia depositada na palavra e na crença por reais transformações sociais na
obra de Rich parece ter perdido um pouco da força depois da virada do século. Depois de
tanto tempo dedicado a compreender e mudar a vida das mulheres, a poeta muda o foco de
seu olhar. Rich vem demonstrando, cada vez mais através de sua escrita, que a luta por
transformações sociais não pode se restringir somente à questão do gênero; ao contrário, ela
tem reforçado a importância de aglutinar as forças no combate aos mais diversos tipos de
opressão. Por isso, tem se posicionado contrária às constantes cisões que o movimento
feminista vem apresentando. A poeta vem buscando compreender, nesses últimos anos,
diferentes contextos em que está inserida. Sendo assim, em seu último livro, Rich procura
revelar ao leitor, principalmente ao leitor de seu país, a outra vertente resultante das
constantes guerras civis que direta ou indiretamente possuem uma relação com os Estados
Unidos. Embora sua poesia tenha perdido parte da confiança nas possibilidades de
transformar o mundo, em A escola entre as ruínas, a poeta continua reafirmando seu
compromisso de denunciar e criticar os abusos nas relações de poder.
59
No poema que título à coletânea, Rich relata a dramática situação do professor
e dos alunos que buscam o conhecimento em meio a bombardeios e violência provocados
pelas guerras civis. Além de descrever o medo e horror daqueles que vivenciam um
cotidiano violento, a poeta já explicita no título as cidades que vivem em constante tensão:
“A Escola entre Ruínas/Beirute.Bagdá.Saraievo.Bethlehem.Kabul. Claro que não aqui
79
(2004, p.22,
tradução nossa). A poeta relaciona as cidades fazendo uso de letras menores e em itálico,
separadas por pontos sem intervalo entre uma e outra cidade, demonstrando a pouca
importância atribuída a esta lista de lugares. Na mesma frase, a poeta lança mão da ironia
ao afirmar que em seu país aquilo não acontece. A devastação da guerra leva à mais
absoluta desumanização, como parece visível no excerto abaixo:
5.
Tem uma gata forçando
a cabeça nas barras da janela
Ela está faminta como nós
mas pode se alimentar com os ratos
seu pêlo bronze arrepiado
nos fala de uma vida já selvagem
seus olhos dourados
não desviam ela vai nos ensinar vamos chamá-la de
Irmã
quando conseguirmos leite vamos dar a ela um pouco.
80
(2004, p. 24,
tradução nossa)
Embora a gata estivesse tão faminta quanto as crianças, ela tem a chance de
sobreviver comendo os ratos. A escola que permanece entre as ruínas do presente ainda é o
lugar de esperança. Em: “[...] Não deixem seus rostos se transformarem em pedras/Não
parem de me perguntar por que [...]
81
(2004, p. 25, tradução nossa) a poeta manifesta a
necessidade do questionamento constante para que os alunos não se deixem alienar. Mesmo
estando expostos ao medo: “[...] diarréia primeira pergunta do dia/as crianças tremendo/é
setembro/segunda pergunta: onde está minha mãe? [...]”
82
(2004, p. 23, tradução nossa) a
60
escola, embora ilhada em meio ao bombardeio, ainda é o referencial e o espaço onde as
crianças podem ser protegidas: “[...] mas vocês não estão perdidos/Esta é a nossa escola
[...]”
83
(2004, p. 24, tradução nossa). A poeta parece também apostar na educação como
uma única saída para o momento em que vivemos e onde ainda podemos depositar a
esperança de um futuro melhor: “[...] Quem sabe amanhã os padeiros possam consertar os
fornos [...]”
84
(2004, p. 25, tradução nossa). No entanto, por mais que ela acredite na
educação como uma das formas de alcançar mudanças na sociedade, essa última coletânea
de Rich retrata uma poética menos otimista. A poeta parece explicitar a crise e impotência
do indivíduo diante de uma sociedade cada vez mais cindida e irracional.
Mediante essa idéia geral de sua vida e obra, percebemos que a poeta tem
demonstrado, ao longo de sua vivência, uma inquietação em relação ao que está social e
culturalmente estabelecido. A escrita tem sido o viés que possibilita o questionamento e
compreensão de suas experiências e também um meio de expressar publicamente suas
inquietações. Através do ativismo político e da participação no movimento de libertação
das mulheres, Rich alcançou, em seu país, o reconhecimento não somente como uma das
poetas mais expressivas na contemporaneidade, mas também se tornou uma importante
referência histórica do movimento feminista anglo-americano.
Capítulo 2
Escrevendo as mulheres
Escrita e feminismo
Adrienne Rich é uma das grandes referências no movimento feminista anglo-
americano contemporâneo. Sua participação ativa nas mais diversas manifestações por
melhores condições de vida das mulheres e sua extensa produção literária com conteúdo
marcadamente político tem feito com que Rich ocupe um lugar de destaque na esfera
cultural estadunidense.
Apoiada nas reflexões de críticas que abordam a escrita como um dos elementos que
contribuem para o movimento de emancipação das mulheres, discuto, nesse capítulo, a
trajetória da poeta como escritora e ativista política, verificando, principalmente, algumas
das questões que influenciaram sua participação no movimento feminista em seu país. Sua
escrita revela o compromisso em estabelecer uma relação mais próxima entre arte e
política. Interessa-me investigar como Rich se tornou uma das principais articuladoras do
chamado movimento radical feminista e quais fatores foram determinantes em seu processo
de migração do radicalismo do passado à postura marxista mais moderada na
contemporaneidade (LANGDELL, 2004, p. 2), e ainda a um processo de mudança que a faz
questionar os rumos tomados pelo movimento.
62
As mulheres têm buscado diferentes formas de participarem da vida pública:
trabalhando, debatendo, escrevendo, enfim, exercendo algum tipo de atividade que as
coloquem na condição de sujeito. A literatura tem sido um dos principais vieses dessa
manifestação. A escrita das mulheres, por vezes, surge a partir da exposição do eu, por essa
razão se torna não um exercício de expressão de suas idéias, mas também uma forma de
lidar com suas próprias experiências. A escrita de autoria feminina foi, em sua maioria,
associada à escrita intimista e autobiográfica. Essa característica encontra justificativa na
própria posição que as mulheres ocupavam na sociedade uma vez que seu universo se
restringia, historicamente, à esfera privada, ao lar.
A partir da escrita, muitas mulheres puderam se colocar diante do outro e, ao
mesmo tempo, tiveram a oportunidade de traçar indagações acerca de si mesmas na
condição de sujeito. Esse processo fez com que elas buscassem uma abertura no campo
literário tradicionalmente dominado pelos homens. A escrita surge, então, como uma forma
de se exporem sem as amarras dos padrões estabelecidos para a produção literária e,
aparentemente, pelo menos no início, sem objetivos comerciais, o que faz com que essa
escrita apresente características singulares. Também parece ser verdade que a
argumentação das mulheres, ao justificarem sua escrita como sendo intimista e sem
interesses mercadológicos, corresponderia a uma estratégia de aceitação (GAZOLLA,
1995). A elas cabia criar novas formas de minar a predominância masculina no campo
literário. Tanto o reconhecimento social da literatura de autoria feminina quanto a
experiência da escrita vão contribuir para as mudanças na posição delas na sociedade ao
longo dos anos.
No entanto, tal processo não se apresenta livre de conflitos, visto que o discurso de
autoria feminina irá emergir em um campo tradicionalmente dominado pelo discurso
63
masculino. A escritora e crítica literária Elaine Showalter afirma que a escrita das mulheres
surge sob a orientação do discurso masculino:
Ao estudarmos o estereótipo das mulheres, o sexismo dos críticos
homens e o papel limitado das mulheres na história literária, estaremos
aprendendo não o que as mulheres sentiram e vivenciaram, mas somente
o que os homens pensavam que elas deveriam ser.
85
(1986, p. 130,
tradução nossa).
Sendo assim, a tarefa das mulheres era ainda mais árdua, pois elas teriam que
construir suas subjetividades a partir de outras definidas pelo discurso masculino. Para
Sandra Gilbert e Susan Gubar: “A batalha dela [da mulher], entretanto, não é contra a
leitura do mundo feita por seu precursor (homem), mas contra a leitura que ele faz dela.
Para se definir como autora, ela precisa redefinir primeiro os termos de sua socialização”
86
(1979, p. 49, tradução nossa). Seria necessário primeiro solapar o discurso masculino
acerca de uma visão estereotipada das mulheres para, posteriormente, construir o que
Showalter acreditava ser o próprio discurso de autoria feminina.
Uma das primeiras e mais emblemáticas escritoras que reflete sobre essa questão é a
inglesa Virginia Woolf. Em dois de seus textos A Room of One’s Own (Um teto todo seu)
e “Professions For Women” (Profissões para mulheres), Woolf aborda a necessidade de
romper com a tradição masculina, da qual as mulheres se tornaram dependentes, assumindo
assim uma postura individualizada. A autora expressa suas próprias dificuldades quando
começa a escrever profissionalmente. Ao resgatar o título de um poema vitoriano, “The
Angel in the House” (O anjo na casa), que idealiza a vida doméstica feminina, Woolf
nomeia o fantasma que a perseguia toda vez que tentava expressar sua própria opinião.
Assim, a autora traça ironicamente a caricatura dócil da mulher vitoriana (anjo), que era
reforçada como o papel da mulher, no período, para demonstrar os obstáculos enfrentados
por ela no campo literário. O fantasma desencoraja a reação da mulher e procura sempre
64
acomodá-la a uma posição submissa. Woolf enfatiza a necessidade da destruição desse
fantasma. Segundo a autora: “[...] é mais difícil matar o fantasma que a realidade”
87
(WOOLF, 1985, p. 1385, tradução nossa). Afinal, enfrentar o abstrato e o invisível nos
parece uma tarefa impossível, pois mesmo diante da sensação de tê-lo exterminado, existirá
sempre a possibilidade de seu retorno. Em outras palavras, o fantasma poderá voltar a
assombrar.
Portanto, romper com o discurso patriarcal também se torna difícil, pois assim como
um fantasma ele é sempre uma ameaça ao trabalho das escritoras. Se considerarmos que
esse fantasma está presente nas relações de trabalho, na esfera política e nas relações
sociais, podemos também concluir que ele continua a assombrar a escrita das mulheres a
partir de diferentes campos. O processo de destruição do fantasma envolve sofrimento e
coragem, pois é mais confortável continuar na posição estável e segura que se lançar
sozinha em um campo dominado. O rompimento com a tradição implica assumir posições
pioneiras, responsabilizando-se por si próprias, como Woolf afirma:
[...] se tivermos o hábito da liberdade e a coragem de escrever
exatamente o que pensamos; se fugirmos um pouco da sala de estar
comum e virmos os seres humanos nem sempre em sua relação uns com
os outros, mas em relação à realidade, e também o céu e as árvores ou o
que quer que seja, como são; se olharmos além do espectro de Milton,
pois nenhum ser humano deve tapar o horizonte; se encararmos o fato,
pois é um fato, de que não há nenhum braço em que nos apoiarmos, mas
que seguimos sozinhas e que nossa relação é para com o mundo da
realidade e não apenas para com o mundo dos homens e das mulheres,
então chegará a oportunidade, e o poeta morto que foi a irmã de
Shakespeare assumirá o corpo que com tanta freqüência deitou por terra.
(1985, p. 148).
Para demonstrar o difícil papel das mulheres escritoras no século XVI, Woolf cria a
imagem de Judith, suposta irmã de Shakespeare que seria tão talentosa quanto ele, mas que
provavelmente teria morrido ainda jovem sem conseguir se expressar pela arte. Woolf,
65
porém, apesar das dificuldades, convida as mulheres a verem o mundo com seus próprios
olhos, motivando-as a buscarem autonomia na relação com o outro. É nesse momento de
solidão e, ao mesmo tempo, de coragem para a composição que as escritoras se afirmam. A
ruptura com o discurso patriarcal, assim como a introdução do discurso próprio, é um longo
processo que elas têm enfrentado ao longo dos anos.
Rich também reconhece a dificuldade desse rompimento com o discurso patriarcal.
Por essa razão, ao retomar alguns pressupostos básicos de feministas renomadas como
Wollstonecraft, Simone de Beauvoir e Woolf, ela reconhece a educação formal como um
dos principais passos para a conquista da autonomia das mulheres. Em 1977, ao discursar
em uma universidade para mulheres, a poeta afirma: “A primeira coisa que quero dizer a
vocês que são alunas é que vocês não podem pensar que estão aqui para receber uma
educação; vocês farão melhor se pensarem que estão aqui para reivindicá-la
88
(1979, p.
231, tradução nossa). A poeta instiga as alunas a pensarem na educação como um direito
que deveria ser estendido a todas e não um privilégio para poucas. Mais ainda, Rich aponta
o efeito nocivo do sexismo na ciência, pois a educação que elas estão adquirindo reflete tão
somente a visão de como os homens pensaram e organizaram o conhecimento, por isso as
mulheres não se reconhecem nesse processo. Na crítica à tradicional soberania masculina
no campo intelectual, Rich quer despertar as mulheres para a mudança de postura que as
têm levado ao comodismo. Diz a autora:
A nós têm sido oferecidos modelos éticos de esposa e mãe abnegadas;
modelos intelectuais da brilhante, mas precipitada diletante que nunca se
submete por inteiro em uma determinada causa, ou a mulher inteligente
que nega sua inteligência para parecer mais ‘feminina’, ou aquela que se
silencia até mesmo quando discorda internamente com tudo que está
sendo dito ao seu redor.
89
(1979, p. 233, tradução nossa).
66
Em nenhum dos exemplos acima citados, as mulheres se colocam como sujeitos na
situação, isto é, elas não têm uma responsabilidade direta para consigo mesmas; ao
contrário, estão quase sempre em uma posição subserviente. Mudar essa postura é romper
com a dependência das mulheres também no campo intelectual. Para a poeta, uma das
principais prerrogativas da autonomia das mulheres é a conquista de suas subjetividades.
Sendo assim, as mulheres devem buscar compreender seus anseios e assumir o controle de
suas próprias vidas, sofrendo os desprazeres e usufruindo das vantagens que tal atitude
possa vir causar. Segundo Rich:
Responsabilidade por si mesma significa se recusar a deixar que os
outros controlem seu pensamento e fala e os nomeiem por você; significa
aprender a respeitar e usar seu próprio cérebro e instintos; é
conseqüentemente um trabalho duro... Responsabilidade por si mesma
significa que você não se deixa levar por soluções rasas e fáceis – livros e
idéias preconcebidas.
90
(RICH, 1979, p. 233, tradução nossa).
Assumir a si quer dizer não mais delegar ao outro o próprio poder, não permitir que
o outro controle sua subjetividade; significa, portanto, aprender a lidar com as frustrações e
não mais buscar o apoio masculino como salvação. Significa, principalmente, questionar o
discurso tradicional estabelecido através dos “livros e idéias preconcebidas” (RICH, 1979,
p. 233). Essa postura é duplamente desafiadora para as mulheres escritoras ao se
materializar não somente em suas vidas, mas também na escrita. É preciso, ainda,
compreender o processo pelo qual as mulheres foram levadas e se deixaram levar para
entender que a vulnerabilidade, aparentemente inerente à condição feminina, foi, na
verdade, socialmente construída através dos tempos.
As reflexões de Woolf em relação ao exercício da escrita parecem visíveis na
trajetória da poeta e escritora Adrienne Rich. Em seu ensaio crítico, “Quando despertamos
67
de entre os mortos: a escrita como re-visão”, a poeta discute os desafios da mulher
escritora. Rich retoma as reflexões de Woolf em Um teto todo seu e traça um paralelo de
sua própria experiência e dificuldade quando tinha que conciliar a escrita com os cuidados
dos filhos, da casa e do marido. Fazendo eco às proposições de Woolf, Rich reforça a
importância de se ocupar um lugar no campo literário, mas também demonstra seus
próprios desafios nessa busca: “Mas escrever poesia ou ficção, ou mesmo pensar bem, não
é fantasiar, ou colocar fantasias no papel. Para um poema coalescer, para um personagem
tomar forma, tem que haver uma transformação imaginativa da realidade que não é de
forma alguma passiva”
91
(1979, p. 43, tradução nossa). Nesse sentido, a criatividade e
iniciativa das mulheres não poderiam ser ignoradas; ao contrário, Rich instiga as mulheres à
ação, questionando a própria realidade que estão vivendo.
No ano de 1974, em uma conversa com Albert e Barbara Gelpi sobre violência e
maternidade, Adrienne Rich analisa o comportamento da mulher que se angustia em seu
cotidiano de submissão à figura masculina. Na impossibilidade de reagir contra todo o
sistema ao qual está inserida, ela se torna amarga ou violenta na relação com o filho.
Segundo Rich, a razão que leva a mulher a tal comportamento é o sentimento de impotência
e a alienação de sua condição na esfera privada. Tal sentimento faz com que ela reproduza
a violência em vez de canalizar sua raiva para o verdadeiro opressor. Para Rich, o equilíbrio
e a força da mulher estão em perceber que sua existência vai além da maternidade. Ela
ressalta a importância das mulheres terem consciência do que querem:
A violência mais autodestrutiva é cometida pelas pessoas que não sabem
o que querem, que somente sabem que estão em um estado de
necessidade terrível, frustração terrível. Se uma mulher realmente sabe o
que quer, ela irá dizer ao seu marido: ‘Olha, essas são as minhas
necessidades’. Ou ela irá deixá-lo ou procurar por um emprego ou
68
enfrentar seu chefe. Ela o continuará a fazer isso com seus filhos ou
com ela própria.
92
(1975, p.109, tradução nossa).
Assim, não basta somente conhecer seu desejo, mas principalmente ter a
capacidade de expressá-lo é fundamental na conquista da autonomia feminina. Por isso, a
escrita assume um papel importante nas indagações acerca da condição feminina. Através
dos diários, romances e poemas, as mulheres vêm relatando suas experiências e
demonstrando a relevância do reconhecimento da histórica dependência feminina, mas ao
mesmo tempo, apontam a necessidade do rompimento desse padrão. De acordo com
Aisenberg, “Se as mulheres requerem uma língua especial ou não, se esse discurso surge do
corpo como algumas feministas sugerem, elas precisam introduzir algum tipo de discurso
para o bem da saúde delas”
93
(1994, p. 101, tradução nossa). Transformar o silêncio é ter a
capacidade de externar a angústia e raiva para que não se transformem na violência
autodestrutiva, apontada por Rich, ou em depressão.
Ao longo de sua trajetória como poeta e escritora, Rich, que se sentia oprimida
com a condição social que lhe era imposta como mulher, passou a se dedicar não somente à
escrita comprometida com a luta das mulheres, mas também ao ativismo político em seu
cotidiano. À medida que se envolve nos movimentos sociais por condições melhores na
sociedade, sua poesia assume um caráter mais revolucionário e político. Paralelamente,
seus ensaios críticos, além de ter o caráter de discutir alguns de seus poemas, reforçam ou
explicitam sua intenção em fazer de sua arte um instrumento de conscientização e
transformação social.
69
Rich e o feminismo
Rich demonstra as dificuldades e obstáculos em tornar legítimo seu lugar como
mulher e poeta na esfera pública. Como demonstrado no capítulo anterior, sua obra poética
revela desde a imitação e dependência dos grandes poetas e escritores no início da carreira,
passando pela rejeição dos valores culturais preestabelecidos, até alcançar uma escrita mais
autônoma no presente. Se por um lado, observamos uma evolução progressiva em sua
composição poética, por outro lado também é verdade que a caracterização dessas etapas
em sua trajetória não obedece a uma ordem cronológica, pois principalmente sua poesia
revela suas diferentes e inconstantes perspectivas em tempos diversos.
Para termos uma visão mais clara do ativismo de Rich, de seu lugar no movimento
feminista de seu país e do reflexo dessa atuação em sua escrita, parece-me relevante
abordar, em primeiro lugar, a diferença entre as duas tradições na história do feminismo no
mundo ocidental, isto é, o feminismo anglo-americano e o feminismo francês. A corrente
anglo-americana se prima pelo relacionamento entre os textos e o mundo extratextual,
investindo na crítica literária que retrata as ações políticas concretas das mulheres. O
feminismo francês tem como base principal as reflexões psicanalíticas de Freud e Lacan e
as teorias desconstrutivas de Jacques Derrida (ALMEIDA, 1994, p. 34-35). Se, por um
lado, a corrente francesa tem como diretriz para a análise da condição das mulheres na
sociedade principalmente o aspecto psicanalítico, por outro lado, a corrente anglo-
americana, tradição na qual Rich está inserida, tem investido no conhecimento do passado
histórico das mulheres e no desenvolvimento de teorias que abordam questões diretamente
ligadas às experiências delas.
70
Rich, desde o início de sua carreira como escritora, tem ressaltado a importância da
atuação de suas antecessoras e valorizado o registro dessa atuação através da escrita delas.
Segundo seu ponto de vista, “um obstáculo cultural sério encontrado por qualquer escritora
feminista é que cada trabalho feminista tem tido a tendência a ser recebido como se ele
tivesse surgido do nada; como se cada uma de nós tivesse vivido, pensado e trabalhado sem
nenhum passado histórico ou presente contextualizado”
94
(1979, p. 11, tradução nossa).
Rich reconhece que não é pioneira na luta por melhores condições de vida das mulheres e
não desconsidera a importância do trabalho de suas precursoras tais como Mary
Wollstonecraft, Susan B. Anthony e Virginia Woolf, por isso valoriza o resgate do passado
como forma de manter acesa a luta travada por essas mulheres.
Entre as décadas de 60 e 70, ela deposita grande parte de sua energia no movimento
feminista. A poeta acredita que somente através da união das mulheres será possível
reverter a condição delas. No entanto, a partir de 70, o movimento feminista, nos Estados
Unidos, começa a revelar tensões entre os diversos grupos que o compunham, causando
constantes revoltas que os anos 80 nos fizeram ver. O debate interno intensifica entre os
vários movimentos que se formam com as feministas radicais, as liberais, as trabalhadoras,
as intelectuais, entre outras. Segundo Imelda Whelehan:
[...] a seriedade de alguns conflitos atingiram o ponto culminante quando
as negras, as lésbicas e as trabalhadoras usaram o discurso feminista para
articular a consciência de sua exclusão da tendência atual e, ao fazer isso,
sugeriram que o feminismo era seriamente falho em seu conceito
moderno.
95
(1995, p. 129, tradução nossa).
O suposto ideal de unidade entre as mulheres, defendido pelas feministas do
período, que eram em sua maioria, brancas, heterossexuais, de classe média ou alta, foi
rompido à medida que eram desconsideradas as diversidades entre elas. Rich foi uma das
71
ativistas que assumiu a postura de questionar os rumos da crítica feminista, juntamente com
esse grupo de mulheres que se rebelou.
No ensaio “Toward a More Feminist Criticism” (Em direção a uma crítica mais
feminista), publicado em 1981, Rich denuncia o academicismo do feminismo ao firmar que
a crítica feminista nos Estados Unidos é composta por duas tendências distintas. A
primeira, oriunda das universidades, tem em geral a própria comunidade como principal
alvo para dirigir sua produção literária. Essa tendência busca valorizar a tradição,
priorizando os clássicos do passado e não encontra dificuldades quanto à publicação e
inclusão de seus textos no cânone literário existente. A segunda, embora se constitua
também por mulheres do meio universitário, tem como base uma comunidade feminista
mais ampla que procura agregar uma diversidade maior na escrita quanto ao tom, à
linguagem e ao estilo literário. Rich critica a postura elitista e excludente da primeira
corrente, mas busca também ponderar sobre o posicionamento, por vezes radical, da
segunda tendência. Em sua análise, ela tenta estabelecer um distanciamento dessas duas
tendências para possibilitar-lhe um olhar mais crítico sobre elas. Contudo, parece visível
sua identificação maior com a segunda tendência. Rich critica principalmente a postura
limitada de algumas feministas que dedicavam grande parte de sua escrita ao debate com
escritores homens e, em sua maioria, brancos ao invés de concentrarem seu tempo e
trabalho em questões que afligiam e importavam às mulheres. Isso não quer dizer que o
debate com eles não seja importante, mas a autora condena a concentração de esforços
somente nesse debate, o que significa reduzir o papel da crítica feminista. Por essa razão,
ela acrescenta:
Eu quero instigá-la (a crítica feminista) a considerar seu trabalho também
como um recurso potencial, um recurso para nós, para nosso movimento;
a se ver escrevendo não somente para outros críticos e estudiosos, mas
72
para ajudar a fazer livros ‘reais e lembrados,’ provocar as mulheres
comuns a ler aquilo que elas de alguma forma perdem ou evitam, nos
ajudar a todas a selecionar quais palavras, na frase de Lillian Smith, nos
acorrentam e quais podem nos libertar.
96
(1986, p. 89-90, tradução
nossa).
Essa passagem deixa clara sua intenção em estabelecer uma ligação mais objetiva
entre o que é produzido pela crítica literária e a vida das mulheres. Por essa razão, Rich
recrimina o uso do discurso distanciado por algumas críticas e aposta na escrita mais
embasada e concreta das experiências da vida das mulheres. Em sua opinião, a crítica
literária feminista deveria submeter sua teoria não somente às mulheres que se autodefinem
escritoras, mas também às mulheres comuns. Rich demonstra a intenção em tornar mais
significativo o trabalho da crítica literária feminista e em aproximar o trabalho da mulher
intelectual à realidade das mulheres comuns”. Por isso, declara a importância, para ela
como poeta, em ouvir críticas reais, isto é, bem embasadas de seu trabalho: “Eu penso que
toda poeta feminista deve ansiar eu anseio por uma crítica verdadeira de seu trabalho
não unicamente descritiva, mas uma crítica analítica a qual considere sua linguagem e
imagens seriamente o suficiente para questioná-las [...]”
97
(1986, p. 91, tradução nossa). É
notório que a poeta, principalmente através de suas entrevistas, tem se mostrado aberta à
crítica de sua obra, mas parece contraditória nesse tipo de análise crítica esperada, já que
dificilmente tal análise poderia ser feita por uma leitora comum.
De qualquer maneira, o fato de submeter seu trabalho ao que ela classifica como
crítica verdadeira revela sua intenção em querer alargar a visão da multiplicidade e
diversidade vivenciadas pelas mulheres. Fazendo isso, Rich procura tornar mais
democráticas as relações no interior do movimento feminista. Para a poeta, negligenciar a
existência dessas experiências faz com que o campo intelectual se torne cada vez mais
delimitado, por isso conclui:
73
Eu também preciso saber quando em meu trabalho estou simplesmente
fazendo bem o que sei bem como fazer e quando me esquivo de algumas
expressões de risco. E embora eu possa contar com os amigos em relação
a isso, talvez fosse melhor para todas as escritoras feministas se o
princípio da crítica viesse também de estranhos tal atitude ampliaria o
campo no qual estamos trabalhando.
98
(1986, p. 91, tradução nossa).
Essa postura da crítica feminista em seu país restringe as possibilidades de novas
indagações acerca do que tem sido produzido por elas. Rich questiona os estudos feministas
que demonstravam a pretensão de discutir a crítica literária feminista conferindo à
discussão uma abrangência capaz de cobrir a totalidade das mulheres, com um discurso
único que clamaria pela libertação de todas da mesma forma. No entanto, suas teorias, a
princípio, não incorporavam uma visão acerca da literatura produzida pelas escritoras
lésbicas e negras. Rich foi uma das primeiras críticas que assumiu o discurso sobre o
racismo no movimento feminista de seu país ainda nos anos 70. Segundo Whelehan:
“Adrienne Rich foi uma das poucas feministas brancas a tratar do tormentoso discurso da
diferença racial e de seu impacto no pensamento feminista durante os anos 70 em ‘Desleal
à civilização: feminismo, racismo e ginefobia’ (1978)”
99
(1995, p. 135, tradução nossa).
Nesse ensaio, Rich procura discutir a dificuldade que as feministas têm para especificar a
experiência distinta das feministas negras e atribui tal postura ao sistema educacional que
tem como diretriz os valores dos brancos. Para a autora: “Essa ignorância é, logicamente,
verdadeira. Ela é produzida por aquilo que passa pela educação, a qual considera a
experiência branca como normativa, e é escorada pelo mesmo medo e ansiedade que ela
cria”
100
(1979, p. 281, tradução nossa). Embora sua intenção seja, na verdade, inovadora
naquele momento para evidenciar as discussões sobre o racismo no seio do movimento
feminista, percebemos também algumas nuanças em seu discurso que podem minar as
diferenças ao invés de ressaltá-las. Segundo Whelehan, “Ela própria [Rich] é culpável por
74
um erro primordial no curso de sua discussão, que é falar das ‘mulheres’ e dos ‘negros’
como se eles fossem dois grupos exclusivos de interesses mútuos, criando uma brecha
retórica na qual as negras são incorporadas, submetidas e, novamente, invisíveis”
101
(1995,
p. 136, tradução nossa). Se, por um lado, seu discurso demonstra a excessiva preocupação
em evidenciar os desdobramentos da diferença racial, por outro lado, esse mesmo discurso
obscurece a presença das negras.
A poeta pontua ainda que tem escrito sobre o trabalho literário das mulheres negras,
mas deixa claro que o tipo de sentimento que ela reflete em sua crítica não lhe permite falar
com mais legitimidade do que permitiria, por exemplo, à crítica elaborada por uma
escritora negra, pois Rich é branca e pertencente à classe média. Assim, segundo ela, sua
visão não será a mesma daquela que tem a experiência do preconceito de classe e de raça.
Mais ainda, a poeta reconhece que embora haja discriminações relacionadas às
diferenças de classe, gênero, raça e orientação sexual, a questão da diferença racial
sobrepõe às outras por ser visível e imediata. Nesse sentido, mesmo sendo ela
assumidamente homossexual, a discriminação que sofre é proporcionalmente menor
quando comparada à sofrida por uma mulher negra, pois a questão da orientação sexual não
é tão visível como a questão racial.
A poeta fala da dificuldade que as intelectuais negras encontram para legitimar seu
espaço na cultura, por isso critica a posição da intelectual branca que não consegue se
desvencilhar do lugar e posição que ocupa na sociedade para analisar a experiência de
outras mulheres.
Rich reconhece os mecanismos da cultura para fortalecer uns em detrimento dos
outros. Não foi essa uma das principais premissas do sistema patriarcal? As mulheres
precisavam ser consideradas fracas para que os homens se considerassem fortes? Na
75
contemporaneidade são inúmeras as diferenças que determinam o privilégio de uns em
relação aos outros. Sendo assim, a própria autora se mostra ciente que o fato de ser branca,
por exemplo, a coloca em condições mais privilegiadas que uma negra. Por isso, conclui a
autora, “Eu serei levada mais seriamente porque sou branca, porque embora lésbica, sou
propositadamente não percebida como tal e porque a invisibilidade da mulher de cor que é
estudiosa/crítica ou poeta ou romancista é parte da estrutura do meu privilégio, até mesmo
de minha credibilidade”
102
(1986, p. 94, tradução nossa). Em outras palavras, ao reconhecer
a superioridade de determinado grupo em relação ao outro, a poeta procura desestabilizar as
bases do discurso dominante e admite a impossibilidade da teoria feminista anglo-
americana de pretender abarcar em seu discurso as mais diversas experiências.
Por outro lado, Rich, juntamente com outras feministas, dedicou grande parte de sua
escrita à denúncia do preconceito contra as lésbicas. A poeta denuncia a violência contra as
mulheres e a heterossexualidade que privilegia e caracteriza a normalidade social da relação
heterossexual como forma de reprimir a relação homossexual. A partir da denúncia do
preconceito contra o homossexualismo, elas apontam outros tipos de preconceitos presentes
na sociedade. Por isso, a poeta afirma: “Em particular, a teoria feminista lésbica tem
consistentemente problematizado a heterossexualidade como uma instituição central na
manutenção do sistema patriarcal e a opressão das mulheres dentro dele”
103
(1985, p. 248,
tradução nossa). O questionamento das bases da heterossexualidade pode revelar a
condição das mulheres na sociedade e, ao mesmo tempo, proporcionar espaços para a
revelação de outras experiências.
Incorporar a experiência das lésbicas assim como das mulheres negras à crítica
feminista entre outras experiências que o momento do feminismo em sua fase mais tardia
reivindica significa, portanto, desestabilizar o caráter soberano e homogêneo que a primeira
76
tendência do movimento feminista norte-americano demonstrou. Rich valoriza o avanço
desse movimento, mas acredita que a contemporaneidade apresenta outras experiências que
devam ser somadas ao discurso de luta das mulheres.
De maneira análoga, a também poeta, escritora e ativista, contemporânea de Rich,
Audre Lorde, critica o ideal de unidade defendido por algumas feministas. Lorde partilhava
com Rich a crítica aos rumos tomados pelo movimento feminista nos Estados Unidos.
Segundo seu ponto de vista:
Em geral, dentro do movimento das mulheres hoje, as mulheres brancas
se concentram na opressão de si próprias como mulheres e ignoram as
diferenças de raça, preferência sexual, classe e idade. Existe uma falsa
idéia em homogeneizar a experiência em torno da palavra irmandade que
de fato não existe.
104
(1992, p. 214-215, tradução nossa).
Lorde revela a tensão provocada por outras variáveis que atravessam o gênero e
abalam a estrutura desse discurso. Se no passado a principal reivindicação das mulheres era
a igualdade social com os homens, hoje a situação é mais complexa, pois outras questões e
experiências que permeiam a condição delas precisam ser levadas em consideração e
incorporadas ao discurso feminista.
A posição assumida e defendida por Rich na década de 70 é ainda retomada por
algumas feministas na contemporaneidade. Linda M. G. Zerilli, por exemplo, baseando-se
em um texto que foi coletivamente escrito em 1987 pela Milan Women’s Bookstore
Collective (Livraria coletiva de mulheres), propõe uma inversão nas reivindicações
feministas. Ao invés de continuar a eterna busca pela igualdade de direitos com os homens,
a autora sugere a busca pela liberdade. Em seu ponto de vista, a real igualdade de direitos
nunca se efetivará, uma vez que os papéis sociais de cada gênero foram previamente
77
determinados. Assim sendo, por mais que as mulheres busquem iguais direitos com os
homens, elas estarão sempre limitadas. A liberdade, diferentemente, permitirá romper com
todos os padrões anteriormente estabelecidos, significando, por exemplo, agir sem se
preocupar em corresponder às expectativas esperadas. Por isso, segundo a autora, será
necessário politizar a diferença sexual. Ou seja:
Entender o projeto do feminismo em um plano centrado na liberdade é
priorizar o problema da construção do mundo, a Milan Collective nos
convida a pensar a diferença sexual como política: ou seja; uma
reivindicação para um ser sexual que precisa ser articulado, que é trazido
para a relação pública como uma reivindicação no espaço público.
105
(2004, p. 56, tradução nossa).
Se até então a imagem social das mulheres estava relacionada à submissão e
dependência, o desafio agora está em estabelecer novas representações do universo das
mulheres uma temática constantemente aludida por Rich. Essa seria uma representação
desvinculada dos preceitos previamente determinados para as mulheres. Para Zerilli, “O
que faz com que a mulher se torne consciente de sua opressão, em outras palavras, não é
propriamente a verdadeira opressão, mas uma simbólica representação da liberdade
feminina”
106
(2004, p. 62, tradução nossa). O foco utilizado pelo movimento feminista não
seria mais a representação das mulheres submissas que, segundo a autora, contribui para a
formação da identidade fragilizada, mas sim a representação das mulheres livres. A partir
desse novo modelo, em vez de reivindicar a igualdade com os homens, as mulheres
passariam a buscar seus reais desejos que podem ou não coincidir com os deles.
No entanto, diferentemente da visão defendida pelo movimento feminista de
igualdade entre as mulheres, Zerilli acredita que o reconhecimento das diferenças entre elas
é que irá unificá-las, algo também aludido por Rich. A aceitação das diferentes origens,
78
classes, etnias, sexualidades, assim como a diversidade nas preferências, como quer Rich,
possibilita a união das mulheres na busca por objetivos mais amplos. Esse reconhecimento
torna mais flexível a idéia de compromisso delas em sua luta e favorece a negociação para
uma unidade mais abrangente do conjunto das mulheres. O resgate do passado possibilita às
mulheres ressignificá-lo, ou seja, ao contrário da eterna busca pelo reconhecimento social
de sua condição inferiorizada, elas devem estabelecer uma representação simbólica da
liberdade feminina. Essa característica, pontuada por Zerilli, está presente na escrita de
Rich. O conhecimento do passado histórico das mulheres não faz com que a poeta
compactue com o discurso que perpetua a vitimização delas; ao contrário, isso faz com
Rich priorize um discurso mais reativo, principalmente em seus ensaios críticos e
entrevistas. Tal postura implica o abandono da idéia de vítima e procura rever o presente a
partir de seus reais desejos: “os direitos não são coisas distribuídas de cima para baixo, mas
uma demanda de baixo para cima”
107
(Zerilli, 2004, p. 82, tradução nossa). Por isso,
segundo Rich e Zerilli, as conquistas no campo feminino serão significativas se partirem
das próprias mulheres, isto é, se forem respostas às demandas das mulheres.
Rich e o feminismo radical
O feminismo radical se baseia, fundamentalmente, na idéia de que é o sistema
patriarcal o principal responsável pela opressão das mulheres. Ele é, como afirma
Rosemarie Tong, “[…] um sistema caracterizado pelo poder, domínio, hierarquia e
competição, um sistema que não deve ser reformado, mas demolido completamente”
108
79
(1989, p. 2-3, tradução nossa). Para as radicais, a reforma do sistema não seria a solução,
uma vez que também as instituições do âmbito social e cultural se orientam pelo poder
patriarcal.
Partilhando dessa idéia, Rich cumpre um importante papel no movimento feminista
radical, principalmente nos anos 80, época em que publica o ensaio “Heterossexualidade
compulsória e existência lésbica”. A poeta afirma, nesse ensaio, que a heterossexualidade
compulsória é uma instituição política a serviço da soberania masculina. Segundo
Josephine Donovan,
Nesse ensaio, Rich sugere que ‘A Heterossexualidade Compulsória’ é
uma instituição política que assegura a subordinação contínua das
mulheres, pois ela requer a identificação masculina’ no que se refere à
maioria das mulheres: isso significa como temos visto: priorizar as
necessidades, demandas e perspectivas dos homens, negando a existência
ou potencial da identificação feminina.
109
(1994, p. 165, tradução nossa).
Por reconhecer a heterossexualidade como uma instituição política que tem como
principal premissa a identificação masculina assim pontuada por Donovan, Rich concentra
seus esforços em imprimir um discurso que incentiva e valoriza a identificação entre as
mulheres, pois acredita que é possível estabelecer novos parâmetros de vivência das
mulheres.
Rich tem uma participação efetiva entre o grupo das feministas radicais. Seu
discurso, nessa fase, enfoca duas questões que ela classifica como essenciais à discussão do
movimento das mulheres: o racismo e o lesbianismo. A poeta busca debater essas questões
no intuito de romper com a resistência, priorizando a discussão entre as mulheres para, em
um segundo momento, ampliar a discussão para o conjunto da sociedade. Rich chega a
radicalizar seu discurso quando, em um evento em 1976, declara: “É a lésbica em nós que
nos impulsiona a sentirmos imaginativamente, exprimir na linguagem, alcançar a ligação
80
total entre mulher e mulher. É a lésbica em nós que é criativa, pois a filha submissa ao pai é
somente competente”
110
(1979, p. 201, tradução nossa). Embora sua intenção fosse
problematizar a repressão social da relação homossexual entre as mulheres e revelar as
recompensas daquelas que têm a coragem de se assumirem como tal, a forma como a poeta
se coloca causa controvérsias entre as mulheres e até mesmo entre as lésbicas que estavam
presentes nesse evento. A afirmação de Rich foi criticada como sendo essencialista por
reduzir toda a capacidade criativa das mulheres à questão da sexualidade (1979, p. 201)
deixando de lado tantas outras experiências que as motivam e impulsionam.
Na ocasião da publicação do livro: On Lies, Secrets, and Silence (Sobre mentiras,
segredos e silêncio), a poeta publica o discurso que proferiu no evento e reproduz as
respostas das mulheres que rebateram as suas afirmações acrescentando sua autocrítica e
verdadeira intenção com aquele discurso:
Para nós, o processo de nomear e definir não é um jogo intelectual, mas
um alcance de nossa experiência e uma chave para a ação. A palavra
lésbica deve ser afirmada, pois descartá-la significa colaborar com o
silêncio e a mentira em relação a nossa real existência; com o jogo
fechado, a criação do inexprimível.
111
(RICH, 1979, p. 202, tradução
nossa).
Essa afirmação revela o poder que a poeta, neste momento, atribui à linguagem, o
que nos leva a interpretar sua afinidade com o pós-estruturalismo. Rich parece ciente do
poder do discurso como um instrumento capaz de realizar transformações. Por essa razão, a
poeta não compactua com a clandestinidade da condição de muitas das mulheres que se
silenciam e reforça a importância de expressar sua “real existência”. Ao afirmar que
“nomear e definir” não faz parte de “um jogo intelectual”, a poeta revela seu desejo de
aproximar a escrita da ação, ou seja, a partir da textualidade ela busca alcançar aquilo que é
tangível.
81
A defesa de uma escrita combinada à ação, bem como sua esperança na constituição
de um vínculo maior entre as mulheres, revelada principalmente em seus ensaios,
“Heterossexualidade compulsória e existência lésbica” e “O significado do nosso amor
pelas mulheres é o que precisamos constantemente expandir”, fazem com que Rich seja
identificada como uma feminista separatista. O separatismo, de uma maneira geral, surge a
partir do momento que,
[...] começamos a questionar nosso lugar na sociedade e somos
conduzidos a perguntar como, onde e de que forma participamos dela.
Rejeitar algumas relações resistir a pagar imposto de renda para as
armas nucleares e para nos livrar da África do Sul, ou ser um opositor
consciente, por exemplo – é se comprometer na recusa de cooperação, na
recusa de participação, no separatismo.
112
(TONG, 1989, p. 125, tradução
nossa).
Esses questionamentos levam algumas feministas lésbicas a reconhecerem os
homens como seus principais opressores. Por essa razão, elas passam a defender a absoluta
negação de suas participações na instituição da heterossexualidade. Em outras palavras,
para essas feministas não basta somente a autonomia delas em relação aos aspectos sociais,
econômicos e culturais, mas significava também, principalmente, a rejeição ao
relacionamento afetivo e sexual com os homens. Segundo Tong, é notória a intransigência
de algumas radicais ao acreditar que “[...] as mulheres não podem ser livres do controle
patriarcal enquanto estiverem envolvidas sexualmente com os homens”
113
(1989, p. 125,
tradução nossa). O principal álibi na defesa do feminismo separatista é a crença de que
através da ruptura com o sistema patriarcal as mulheres teriam a oportunidade de adquirir
seu próprio poder e estabelecer novas relações entre elas. Entretanto, Rich, embora
identificada por algumas críticas como feminista separatista, demonstra mais flexibilidade
em relação à sua posição, como Tong acrescenta: “Mas esse chamamento pela não
participação na heterossexualidade pode ser interpretado menos absolutamente como foi
82
por Adrienne Rich que acreditava que todas as feministas incluindo as heterossexuais
são, até o ponto em que elas desejam se identificarem com outras mulheres, lésbicas [...]”
114
(1989, p. 125-126, tradução nossa). O que a diferenciava das demais separatistas é que ao
invés de focar seu discurso no rompimento da relação sexual com os homens, Rich
concentrava seu discurso na construção de relações mais fraternas entre as mulheres.
Rich e as feministas na fronteira
A poeta busca estabelecer diálogo com outras escritoras que, assim como ela,
também se sentem marginalizadas e procuram combinar arte e política por compreenderem
que é através da politização que se torna possível alcançar reais transformações. Sua
aproximação com a escrita de Gloria Anzaldúa e Cherríe Moraga reforça seu desejo de
compreender a fronteira como espaço de tensão entre origem, gênero, classe, etnia,
orientação sexual e outras questões que permeiam a cultura ocidental para que ela possa
repensar seu lugar nesse processo.
As contribuições de Anzaldúa e Moraga, ambas norte-americanas de descendência
hispânica, entre outras vozes emergentes do chamado “Terceiro mundo”, são de grande
importância para uma nova configuração do movimento das mulheres e para a teorização
de Rich. Essas escritoras, prioritariamente comprometidas com a teoria feminista lésbica,
têm, assim como Rich, denunciado a heterossexualidade, mas vão além das fronteiras do
gênero ao incorporarem ao seu discurso a experiência do mestiço em uma sociedade
etnocêntrica como a dos Estados Unidos da América. Tanto Anzaldúa quanto Moraga, entre
outras mulheres de origens asiáticas e negras, revelam a tensão entre a diversidade de
83
identidades presente na sociedade estadunidense e apontam a necessidade do
reconhecimento da existência de especificidades na opressão vivida por elas. Como Rich
nos lembra, a experiência de uma mulher branca não pode ser considerada a mesma vivida
por uma mulher negra ou asiática. Existe, por parte dessas autoras, uma preocupação em
valorizar a cultura de origem e buscar o vínculo com seu passado histórico. De acordo com
Maggie Humm,
O tom e as formas de expressão das asiáticas e negras são uma parte
importante de seu significado. As feministas asiáticas e negras exploram
com intensidade as ligações materiais e emocionais entre mães e filhas de
gerações diferentes, compartilhando uma responsabilidade pelas
mulheres asiáticas e negras que vai além de sua história imediata ou lugar
nacional.
115
(1992, p. 123, tradução nossa).
Essas escritoras procuram não deixar que a cultura a qual estão inseridas apague sua
cultura de raiz. Por essa razão, procuram manter o vínculo não somente com seus
antepassados, mas também o contato com a língua materna. Grande parte dessas escritoras
entremeia o espanhol em suas narrativas escritas na língua inglesa. Cherríe Moraga, em seu
ensaio “Art in America con Acento” (Arte na América com sotaque), discute sua difícil
posição de escritora latina em um país que subjuga a cultura não-americana. A autora
retrata a condição dos grupos étnicos nos Estados Unidos e demonstra o desconforto social
vivido por esses grupos. Moraga politiza sua arte e a coloca como um instrumento de
denúncia das atitudes governamentais dos Estados Unidos em relação a outras culturas:
Uma escritora irá escrever, a partir ou não de um movimento, mas ao
mesmo tempo, para as Chicanas, lésbicas, homossexuais e escritoras
feministas qualquer uma escrevendo contra o solo da cultura anglo-
misógina são os movimentos políticos que têm permitido nossa escrita
submergir dos lugares secretos em nossos diários para a esfera pública.
116
(1990, p. 304, tradução nossa).
84
A escrita propicia o resgate de um passado histórico que foi silenciado. De acordo
com Homi Bhabha, “[...] o crítico deve tentar apreender totalmente e assumir a
responsabilidade pelos passados não ditos, não representados, que assombram o presente
histórico” (1998, p. 34). Gloria Anzaldúa, assim como Rich e Moraga, também faz
referência ao sentimento de deslocamento vivido pelas homossexuais, feministas, mulheres
do Terceiro Mundo e aquelas de diferentes raças e etnias na sociedade norte-americana. Diz
ela: “Nós somos os grupos homossexuais, pessoas que não pertencem a lugar nenhum, nem
ao mundo dominante, nem estamos completamente inseridas em nossas respectivas
culturas”
117
(1992, p. 143, tradução nossa). Anzaldúa sugere a criação do El Mundo Zurdo
(O mundo canhoto), o lugar onde as diferenças étnicas, culturais, políticas, entre outras que
têm sido consideradas ameaças à sociedade, são aceitas e incorporadas na união de forças
para transformar o mundo. Os discursos de Moraga, Anzaldúa e mesmo Rich são
mecanismos de pressão de ações políticas que visam melhorar a qualidade de vida desses
grupos. Essas escritoras procuram não somente estender as reivindicações feministas, como
também mobilizar o discurso acerca da política cultural. Por isso, buscam por autoridade no
campo cultural. Através do trabalho intelectual, elas têm condições de disputar por um
lugar na arena política.
No mundo contemporâneo, a intolerância à diferença tem sido uma constante
principalmente nos países desenvolvidos. O debate acerca da ressignificação das fronteiras
territoriais é um elemento importante na busca por uma ação política efetiva à medida que
torna essas relações menos tensas. Rich tem buscado compreender esses conflitos que
também perpassam a questão feminista. O fato de explicitar, em suas obra, a ambigüidade
85
da identidade dos grupos étnicos demonstra que a escritora encontra, na escrita, uma forma
de valorizar a condição marginalizada. Juan Flores e George Yúdice afirmam que “[...]
todos os grupos culturais precisam do senso de valor para poderem sobreviver” (1992, p.
80). Portanto, na obra de Rich, outras questões entrelaçam a opressão feminina que o
estão calcadas somente na questão do gênero, mas também de classe, etnia e orientação
sexual. Esse argumento que hoje é corrente no movimento feminista foi uma novidade
quando Rich falou sobre sua luta junto com Anzaldúa e Moraga.
Sendo assim, o fato de em 1981 a poeta demonstrar em seu ensaio “Toward a More
Feminist Criticism” afinidades com a escrita de Moraga e Anzaldúa, que estavam fora do
circuito intelectual elitista e que mais tarde seriam classificadas como pertencentes à
histórica fase do movimento feminista contemporâneo, revela sua inquietude em relação à
posição das feministas radicais, com as quais Rich até então se identificava. Diz a autora:
Eu quero instigar a crítica de literatura que se informe não somente a
partir da exegese literária, mas em um concreto e embasado
conhecimento do movimento feminista o que significa ler não somente
livros de mulheres, mas jornais feministas, periódicos, panfletos, artigos;
estudos sobre mulheres violentadas, mães que dependem de benefícios,
conflitos econômicos e sexuais no local de trabalho, esterilização
compulsória, incesto, mulheres na prisão [...]
118
(1986, p. 89, tradução
nossa).
Rich novamente provoca a crítica feminista a estabelecer uma relação mais
complexa e abrangente com o conhecimento. Relação essa que irá desestabilizar a visão
homogeneizante e valorizar outras vivências que certamente impulsionam a luta das
mulheres por melhores condições na sociedade. Segundo Toril Moi: “[...] ao realçar as
diferentes situações e os interesses conflituosos dos grupos específicos de mulheres, essas
abordagens críticas forçam as feministas brancas, heterossexuais a reexaminarem seu
próprio, por vezes, totalitário conceito de ‘mulher’ como uma categoria homogênea”
119
86
(1985, p. 86, tradução nossa). A essencialização do conceito de mulher não intensifica a
discriminação em relação às outras que não são brancas, as homossexuais, de diferentes
etnias e/ou classes sociais, como também perpetua a soberania de um grupo em relação ao
outro.
Também Judith Butler problematiza a visão de unidade entre as mulheres. A
teorização de Butler acerca das mulheres nos serve de apoio para compreender a prática
cultural exercida por Rich. Entretanto, percebemos que as duas escritoras apresentam
algumas divergências em relação à formulação de suas teorias. Enquanto Butler produz
uma teoria filosófica e, por vezes, considerada complexa, Rich procura produzir uma teoria
que seja lida e compreendida pelas mulheres comuns.
Em seu livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, Butler
tensiona a coerência e estabilidade da categoria ‘mulheres’ que, mesmo depois de a crítica
feminista ter ampliado o conceito dessa categoria para o plural (mulheres), continua
‘excludente’ pois ainda deixa intocáveis questões relacionadas à classe e raça (2003, p. 34).
Mesmo havendo o interesse em agrupar uma gama maior de diversidade entre as mulheres
em nome do diálogo e da democratização das relações na busca pela unidade delas, é
possível perceber que não necessariamente as contradições são debatidas no interior do
movimento.
Butler aponta a fragilidade das alianças (coalizões) em nome da unidade da
categoria. Segundo seu ponto de vista, “insistir a priori no objetivo da ‘unidade’ da
coalizão supõe que a solidariedade, qualquer que seja seu preço, é um pré-requisito da ação
política” (2003, p. 35). A unidade colocada como uma meta da ação política tende a
obliterar as diferenças, desconsiderando aquelas identidades emergentes que não obedecem
87
ao que a autora nomeia como “ideal normativo”, ou seja, a identidade que corresponda aos
ideais sociais de cada gênero. Por isso, Butler sugere a ‘coalizão aberta’, isto é, uma aliança
mais ampla, capaz de articular uma unidade que propicie a desestabilização do conceito
normativo e que consiga reunir uma diversidade maior entre as várias posições do conjunto
das mulheres. Em suas palavras: “Uma coalizão aberta, portanto, afirmaria identidades
alternativamente instituídas e abandonadas, segundo as propostas em curso; tratar-se-á de
uma assembléia que permita múltiplas convergências e divergências, sem obediência a um
telos normativo e definidor” (2003, p. 37). A ausência de um modelo padrão estabelecido a
priori permitiria a afluência de outras identidades. Seguindo essa linha de pensamento,
Butler se apóia principalmente nas questões que reforçam e confirmam o conceito de
identidade relativizada, pois “[...] a ‘identidade’ [é] assegurada por conceitos
estabilizadores de sexo, gênero e sexualidade [...]” (2003, p. 38). Portanto, uma das formas
de desestabilizar esses conceitos é a partir da valorização das diferentes experiências das
mulheres.
Nesse sentido, assim como Butler, Rich ultrapassa as fronteiras do binarismo
masculino/feminino questionando a unidade do eu como é visível em muitos de seus
poemas. Em “The Stranger” (O estranho), poema que faz parte da coletânea Mergulho na
destruição, a poeta declara: [...] se eles perguntam minha identidade/o que posso dizer
senão/eu sou o andrógino/sou a mente viva que você falha ao descrever/em sua ngua
morta [...]”
120
(1973, p. 19, tradução nossa). Rich não relativiza a fixidez do eu como
também assume múltiplas subjetividades. A partir de sua escrita, principalmente seus
ensaios críticos, podemos inferir que ela vem discutindo a necessidade de se questionar a
estabilidade do conceito de identidade, das noções de gênero e seu lugar na cultura
88
estadunidense. Em 1984, Rich declara em seu ensaio “Notes toward a Politic of Location”
(Anotações sobre uma política do local): Desse modo, os sentimentos brancos
permanecem no centro. E sim, eu preciso me deslocar da base e do centro dos meus
sentimentos, mas com a percepção corretiva de que meus sentimentos não são o centro do
feminismo”
121
(1986, p. 231, tradução nossa). A poeta, nesse ensaio, reforça a sua crítica ao
movimento feminista em seu país que, embora venha debatendo outras produções teóricas
que abordam uma diversidade maior das experiências das mulheres, ainda mantêm a idéia
de que são as responsáveis pela história do feminismo.
As reflexões de Butler nos servem também como parâmetro para compreender o
momento em que Rich abandona a corrente feminista radical e passa a repensar sua
orientação teórica. No prefácio da coletânea Blood, bread, and poetry: Selected prose
1979-1985 (Sangue, pão, e poesia: prosa selecionada 1979-1985), a poeta assume estar:
Descontente com os impulsos polarizadores dentro do feminismo radical,
com o academicismo dos estudos das mulheres, com a facilidade com
que a sociedade se dirige ao conservadorismo, de como o feminismo
pode obscurecer no enclave das mulheres e como a afirmação feminista
das mulheres pode transformar-se em mero idealismo.
122
(1986, p. xiii,
tradução nossa).
Essa passagem reflete sua descrença no movimento que tem como base o ideal de
transformação, mas que parece estar limitado a si mesmo. Rich critica principalmente o
distanciamento cada vez maior entre o que as mulheres idealizam na teoria e o que elas
realizam na prática. Se, em seu estágio inicial no movimento das mulheres, a desigualdade
de gênero era vista por ela como o principal eixo opressor, a poeta, nessa fase, percebe a
pressão do poder econômico e da cultura dominante como fortes influências nas relações de
desigualdades sociais. Em um outro momento ela acrescenta:
Como outros movimentos sérios e vibrantes, o feminismo deveria ter se
oposto aos padrões culturais imprevistos antes dos anos 80: ao
89
autoconsumo crescente e indiferente da classe média tanto em relação às
idéias quanto à ordem social maior, somada a concentração do poder da
mídia e dos recursos dos meios em menos e poucas mãos, durante e além
dos anos de Reagan.
123
(2001, p. 2, tradução nossa).
Nessa citação ela menciona como o ideal de transformação feminista estava cada
vez mais afastado da maioria das pessoas, pois as mudanças estavam ocorrendo e não eram
incorporadas à agenda feminista. Sendo assim, Rich passa a demonstrar, em sua escrita, a
visão de que a desigualdade econômica é tão relevante quanto a desigualdade nas relações
de gênero. Por essa razão tem atribuído à sua arte o papel de tensionar o poder estabelecido.
Em seu ensaio “What If” (Supondo), publicado em 2003, afirma:
A arte revolucionária reside, pela sua natureza, nas extremidades. Esse é
seu poder: a tensão entre sujeito e forma, entre o que é e o que pode ser.
Extremidades entre ruína e celebração. Nomeando e lamentando o
prejuízo, mantendo a dor vocal de forma que isso não se torne
normalizado nem aceitável.
124
(2003, p. 242, tradução nossa).
Por isso, a poeta aposta na arte que seja capaz de manter aceso o questionamento, de
não deixar obscuras as injustiças estabelecidas pelo poder público e que incorpore as mais
diversas questões que tem subjugado os indivíduos. Não permitir que as relações de
desigualdades sejam normalizadas e aceitáveis é não perder o contato com as experiências
das pessoas nem permitir que as idéias continuem separadas dos seus cotidianos.
A teorização de Rich demonstra a difícil trajetória das mulheres na sociedade em
sua luta por uma condição melhor e, ao mesmo tempo, revela algumas das contradições e
ou limitações vividas por elas. O dinamismo do mundo atual tem trazido mudanças em um
curto espaço de tempo e exigido respostas imediatas. A história do feminismo de Rich nos
mostra que as mulheres que se sobressaíram na história, em sua maioria, receberam
educação formal e passaram a freqüentar o lugar legitimamente masculino. A percepção de
que o discurso é um importante instrumento de poder na sociedade contemporânea, como
90
Rich argumenta, tem incitado as mulheres a buscar não somente articular seu próprio
discurso, mas também sua legitimidade intelectual ao participar no campo de lutas cultural.
As mulheres e o discurso
A análise da escritora e crítica literária Toril Moi acerca do estágio atual do
movimento feminista anglo-americano nos possibilita perceber que os avanços na luta das
mulheres têm se dado principalmente pela ênfase na política sexual como enfrentamento.
Aqui aparece um ponto de convergência entre a teoria de Moi e a escrita de Rich. A poeta
tem revelado tanto em sua obra poética, quanto em sua obra crítica, a necessidade de se
rediscutir as políticas sexuais que tem sido a base do domínio de um gênero sobre o outro.
Rich busca mostrar que um entrelaçamento das questões que afligem as mulheres e que
estão diretamente ligadas à questão sexual. Para Moi, “se a crítica feminista tem subvertido
os julgamentos críticos estabelecidos é devida a sua ênfase radicalmente nova nas políticas
sexuais
125
(1985, p. 87, tradução nossa). Da mesma forma, segundo Rich, é justamente a
partir da abertura ou consideração de outras experiências que tem surgido a possibilidade
das mulheres ampliarem não somente seu campo de lutas, mas também suas conquistas
(1985, p. 87).
A escrita de Rich tem revelado seu esforço em politizar as questões que, em geral,
são consideradas do âmbito privado. Por essa razão, seus questionamentos acerca da
relação heterossexual compulsória, da maternidade institucionalizada e do
homossexualismo velado demonstram a necessidade de repensar as bases que tornam
91
estáveis o discurso hegemônico e estabelecer novas significações dos conceitos de
subjetividades. Segundo Sandra Almeida,
A necessidade de uma re-negociação de conceitos identitários aparece
com freqüência em textos de escritoras contemporâneas [...], geralmente
descrito em narrativas com conteúdo auto-biográfico, e vivenciado
através de um corpo gendrado e do questionamento de noções de
identidades preestabelecidas. (2006, p. 197).
Essa é também a experiência de Rich, pois, a partir do questionamento e da
renegociação das subjetividades é possível estabelecer novas formas de vivenciar o corpo,
nesse caso, o corpo feminino. Rich, através de sua escrita, tem procurado compreender o
corpo das mulheres como um espaço entremeado por imposições culturais, por essa razão,
tem analisado as forças discursivas impostas sobre o corpo como forma de compreender
suas subjetividades.
O discurso de apropriação do próprio corpo, tema esse que será abordado mais
detalhadamente no capítulo quatro, não somente explicita a submissão sexual feminina no
sistema patriarcal, como também possibilita a abertura do debate acerca dos reais desejos e
experiências das mulheres. Uma das principais temáticas da poética de Rich é a teorização
do corpo, principalmente o corpo lésbico. Tanto as escritoras heterossexuais quanto as
homossexuais têm priorizado a discussão sobre o corpo gendrado e relatam a violência
sexual desde o estupro até o uso da pornografia para demonstrar a desigualdade nas
relações de gênero. Procuram também, por outro lado, ressignificar de forma positiva este
corpo marcado pela violência. Talvez seja por essa razão que o corpo tem sido uma
constante temática na escrita das mulheres. Portanto, conhecer a história através do passado
e reconhecer que a desigualdade do nero se baseou principalmente na idéia do corpo
como espaço de poder contribui para que as mulheres compreendam sua histórica
92
submissão. Essa consciência, como Rich nos mostra, pode ser então um passo fundamental
na tomada de atitude para a transformação da condição feminina.
Assim, Rich mantém constantes suas indagações referentes não somente aos rumos
do movimento feminista nos Estados Unidos, mas também ao próprio lugar que ela, como
poeta e intelectual, tem ocupado na esfera pública. Embora tenha críticas à elitização do
movimento feminista em seu país, a poeta não descarta a importância da organização das
mulheres rumo às transformações sociais. O contato com outras (os) escritoras (es) que
assim como ela problematizam a visão da cultura ocidental como o centro reforça sua
postura de busca pelo alargamento das fronteiras discursivas no sentido de deixar em aberto
o espaço para o questionamento. Rich tem demonstrado também, através de seus poemas,
ensaios e entrevistas sua proximidade com as idéias marxistas. Na verdade, Rich continua
tendo como base os princípios marxistas que atribuem a relação de opressão de gênero às
divisões de classe (GIDDENS, 2001, p. 533). No entanto, a poeta reconhece que na
contemporaneidade outros fatores exercem semelhante influência no sistema de opressão
que sobrepõem às diferenças de gênero. A poeta tem feito referência a si mesma como
“uma impenitente socialista e feminista”
126
(2003, p. 261). Sua obra tem privilegiado o
discurso que valoriza a materialidade como base para as transformações sociais, e, por essa
razão, a poeta vem enfocando a necessidade de unir o discurso à ação.
Sendo assim, pretendo abordar, no capítulo seguinte, a trajetória da poeta como uma
intelectual que tem buscado, através de sua arte, não somente compreender a direção do
movimento feminista na luta por um futuro melhor, mas também problematizar a
supremacia de seu país em relação ao resto do mundo. Assim como suas precursoras, ela
também coloca a educação formal como um dos principais pilares na transformação da
93
condição das mulheres; por isso tem revelado o desejo de reduzir, através de sua arte, a
distância entre o intelectual e a sociedade em geral.
Capítulo 3
A intelectual e o poder
Adrienne Rich alcançou, nos últimos anos, o status de uma das mais conhecidas
poetas e intelectuais em seu país. Sua obra não mais se restringe somente aos Estados
Unidos, pois seus poemas e ensaios críticos têm sido traduzidos para várias outras línguas.
A postura crítica da escritora em relação à política adotada pelo governo estadunidense tem
lhe propiciado visibilidade como poeta, mas também como intelectual. A poeta tem usado
essa expressividade na mídia para manifestar sua indignação com os rumos da política de
seu país e engendra um discurso de ativismo político que assume um posicionamento
crítico diante das conseqüências desastrosas dessa política.
Sua participação no movimento feminista, conforme abordada no capítulo anterior,
somada ao engajamento político fizeram com que Rich, juntamente com outras críticas,
forçasse, de certa maneira, a entrada e permanência das mulheres na esfera política. A
percepção de que o poder está fundado, principalmente, no discurso, faz com que a poeta
não busque fortalecer o discurso das mulheres, mas também requerer seu próprio
reconhecimento como uma intelectual. Por essa razão, uma das principais reivindicações de
Rich tem sido tornar legítimo seu lugar no campo de luta cultural. Sua relação com o poder
se baseia na crítica ao poder instituído e no fortalecimento do poder instituinte, capaz de ir
além da mera participação nas instituições. Diante da relevância de sua arte como um
instrumento de questionamento e pressão no âmbito da esfera política, busco evidenciar,
nesse capítulo, a posição da poeta como intelectual que participa crítica e ativamente das
questões políticas de seu país e de sua interação com outros países.
95
À luz da reflexão de alguns críticos, discuto o papel dos intelectuais no mundo
contemporâneo, principalmente no contexto estadunidense, buscando compreender como
Rich tem ressignificado os espaços de resistência política por meio da escrita. Procuro focar
a obra de Rich, como escritora e poeta, para verificar de que forma ela legitima seu discurso
em um espaço ainda tradicionalmente masculino e de que modo rompe com o discurso
patriarcal – base de sua educação formal e busca revelar outras experiências em seu fazer
literário e em seu discurso político. Investigo como sua escrita reflete a intenção de
diminuir o distanciamento entre a intelectual e seus leitores e de que maneira a poeta
articula sua posição política, que parte de uma formação intelectual tradicional, para uma
prática que se ajusta à lógica moderna, destacando as possíveis contradições e tensões que
daí resultam.
Os intelectuais no passado
Em Os intelectuais e as massas, John Carey faz um estudo da inteligência literária
européia no período de 1880 a 1939. Segundo o autor, nessa época, a maioria dos
intelectuais se mostra contrária à vulgarização da arte e estabelece um distanciamento entre
eles, colocados em um patamar superior e, as massas, descritas como um grande
contingente de pessoas consideradas culturalmente inferiores (CAREY, 1993, p. 16).
Carey afirma que com a expansão do capitalismo os intelectuais se vêem frustrados
diante das grandes transformações sociais, principalmente daquelas relativas à cultura. A
superpopulação nos grandes centros urbanos e a popularização da arte fazem com que se
mostrem indignados com as mudanças ocorridas no mundo moderno. Esse sentimento irá
96
acarretar em muitos deles o desejo de se distinguirem em relação aos homens "comuns", ou
seja, de se colocarem em uma posição superior no campo do conhecimento. A grande
maioria dos intelectuais, nessa época, se declara contrária à vulgarização da arte, alguns até
de forma mais radical, estabelecendo assim um maior distanciamento das massas. A partir
da constituição da idéia de vanguarda, porém, os intelectuais se unificam como grupo na
defesa da diferença cultural. John Carey, ao refletir sobre essa questão, afirma:
A expansão maciça dos subúrbios e os antagonismos, as divisões e o
sentimento de perda irrecuperável que gerou foram importantes fatores
formadores da cultura inglesa do século XX. Exacerbaram a sensação de
isolamento entre o intelectual e aquilo que ele considerava como hordas
provincianas, também chamadas de classe média ou burguesia, cuja
estupidez e pequenez mental é retratada (isto é; inventada) com deleite
pelo intelectual. (1993, p. 54).
Nesse sentido, podemos notar que grande parte dos intelectuais europeus e alguns
norte-americanos desse período abordado por Carey irão defender e reforçar o
distanciamento entre eles e a sociedade em geral através da afirmação da existência de uma
cultura superior. A visão que prepondera será a de que a massa não tem condições de ser
instruída e que uma elite pensante se torna fundamental na condução da sociedade.
Segundo Carey, “a imagem mais comum da massa em Nietzsche é uma manada de animais.
Mas também a representa como um enxame de moscas venenosas, ou como gotas de chuva
e ervas daninhas, arruinando altivas estruturas” (1993, p. 30). A imagem retratada pelo
filósofo não desumaniza a multidão, mas também a coloca como maléfica e capaz de
contaminar a vanguarda intelectual. Essa distância entre os interlocutores da cultura e o
restante da população se justificaria principalmente pela visão errônea, na percepção de
Carey, da incapacidade de a massa compreender e valorizar a arte.
97
A intolerância apresentada pelos intelectuais em relação à questão de classe se
estende também à questão do gênero. Segundo Carey, Nietzsche é enfático ao afirmar que
“a crença de que as mulheres são iguais ou merecem educação é um sinal de
superficialidade [...]" e que elas "[...] deveriam ser tratadas como propriedades, escravas ou
animais domésticos" (1993, p. 74). Rebaixadas pelo filósofo e oprimidas na sociedade
patriarcal, as mulheres não teriam, por um longo tempo, igual direito à educação. Elas
foram relegadas a um segundo plano, pois mesmo se pertencessem a uma classe superior,
ainda assim não seriam aceitas na esfera política. Embora as mulheres, no começo do
século XX, se esforçassem pela democratização da educação feminina, o que observamos é
que ainda predominava a supremacia masculina. Como afirma Carey, “o aristocrata
intelectual do início do século XX é uma fantasia quase exclusivamente masculina.
Paralelamente, as mulheres, as crianças e a vida familiar são vistas como preocupações
secundárias” (1993, p. 74). Historicamente as idéias circulantes na esfera pública estavam
diretamente relacionadas aos homens. As mulheres, mesmo tendo acesso à educação,
tinham dificuldades em se afirmar não somente na esfera pública, mas também no campo
intelectual. Logo, elas precisariam encontrar formas de luta que não lhes garantisse seus
direitos à educação, como também lhes permitissem ocupar espaço e poder no campo de
luta política.
Os intelectuais estão ligados à cultura assim como os políticos ao poder. A
princípio, poderíamos pensar que eles estão a serviço do poder político no que se refere a
formular idéias e ações que irão promover esse poder. Assim, cumpririam o papel de dar
suporte teórico para quem verdadeiramente ocupa o lugar no governo e tem a
responsabilidade direta com a ação política o político. Norberto Bobbio, discutindo a
98
relação entre o intelectual e o político, traça a diferença que norteia o trabalho dos
intelectuais e dos políticos. Para ele, “[...] a tarefa do intelectual é a de agitar idéias,
levantar problemas, elaborar programas ou apenas teorias gerais; a tarefa do político é a de
tomar decisões” (1997, p. 82). Assim sendo, o trabalho dos intelectuais se resume a
idealizar e teorizar o que os políticos realizarão ou colocarão em prática.
A relação íntima entre essas duas esferas tem levado alguns críticos a
responsabilizar os intelectuais por rumos históricos desastrosos. Um caso extremo que
podemos citar é a aproximação feita por alguns autores entre a Filosofia de Nietzsche e o
Nazismo. As reflexões elaboradas por Nietzsche na defesa de uma sociedade saudável e
menos numerosa podem ter sido modelo para as atrocidades conduzidas por Hitler. De
maneira análoga, Carey fala do romancista norueguês Knut Hamsun que “[...] acabou
encontrando seu grande terrorista em Hitler, sendo o único grande intelectual europeu que
lhe permaneceu fiel até o fim” (CAREY, 1993, p. 13). Embora haja afinidades entre as
reflexões de Nietzsche e Hamsun e o Nazismo, o processo que desencadeou esse último foi
muito mais amplo, não podendo, é claro, ser o filósofo e o escritor responsabilizados pelo
seu desenvolvimento histórico.
Os intelectuais no presente
No mundo contemporâneo em que cada vez mais incerteza e descrença nos
valores universais, o papel dos intelectuais se torna um dos principais temas de discussão.
Um seminário promovido pelo Ministério da Cultura, no segundo semestre de 2005, no
Brasil, reuniu um grupo de intelectuais no debate sobre os rumos da cultura e a função
deles nesse processo. Os conferencistas retomaram desde os intelectuais clássicos até os
99
intelectuais contemporâneos. Na verdade, como mostra Bobbio, os intelectuais sempre
estiveram próximos ao poder e essa relação entre eles e o poder tem sido discutida desde os
tempos mais remotos; sejam como filósofos ou sábios na Antigüidade, sejam na figura dos
profissionais ligados ao campo da produção cultural na modernidade, os intelectuais sempre
mantiveram alguma relação com o poder econômico, político ou ideológico em diferentes
sociedades e épocas.
A globalização e o avanço tecnológico da modernidade, por sua vez, colocaram
novos desafios para os intelectuais que se vêem cada vez mais dependentes dos meios de
comunicação. Para Vera Lúcia Follain de Figueiredo: “A mídia é, hoje, o grande espaço de
divulgação e legitimação dos discursos [...]” (2004, p. 146). Reconhecendo que o discurso é
seu principal instrumento de trabalho, os intelectuais procuram manter, atualmente, uma
relação de proximidade com a mídia. Tal relação, na maioria das vezes, se revela frágil,
pois os intelectuais, para corresponder às expectativas dos meios de comunicação, acabam
se submetendo à lógica midiática e traindo seus ideais ou, ainda, não se sujeitam à mídia,
mas correm o risco de serem esquecidos ou ignorados. A preocupação com a mídia, que é
controlada por grupos econômicos, tem feito com que eles priorizem aspectos
mercadológicos em prejuízo às adesões a valores humanistas que muitas vezes entram em
conflito com interesses econômicos e sociais. Para Eduardo Prado Coelho:
A transferência de valor que autorizava os universitários a falarem para
fora dos limites da sua competência opera hoje, sobretudo, na passagem
do domínio mediático (onde a competência é mais de comunicação do
que de um saber substancial) para o domínio da intervenção intelectual –
embora os profissionais dos mass media considerem importante uma
caução do tipo cultural, e daí a forma como se legitimam através da
publicação de livros (de reflexão, de crônicas, ou de reportagens ou
muitas vezes até de ficção). (2004, p. 22).
100
Essa passagem, de uma certa forma, remete ao fato de que os intelectuais de hoje já
não conseguem falar de tudo como supostamente faziam no passado devido à tempestade
de informações e à efemeridade dos fatos. Seus grandes desafios têm sido conseguir
acompanhar a quantidade e a velocidade dos acontecimentos no mundo contemporâneo
para serem capazes de atender ao imediatismo imposto pelos meios de comunicação. A
complexidade que envolve os intelectuais, na atualidade, está associada ao desconforto
causado tanto pelas crises nos valores universais, quanto pela proliferação cultural ocorrida
a partir do século XX. Por isso, é importante repensar esse papel tendo como base uma
nova realidade.
O intelectual palestino Edward Said, residente nos Estados Unidos desde sua
adolescência, considera essas razões e procura abordar em seu livro Representações do
intelectual as questões que têm reconfigurado a condição dos intelectuais na sociedade
moderna. É compreensível que as constantes transformações sociais influenciem e atinjam
também suas vidas, mas o que Said problematiza é a forma como os intelectuais têm
incorporado os novos valores. Segundo o autor, atualmente é o profissionalismo que os
ameaça:
Por profissionalismo eu entendo pensar no trabalho do intelectual como
alguma coisa que você faz para ganhar a vida, entre nove da manhã e
cinco da tarde, com um olho no relógio e outro no que é considerado um
comportamento apropriado, profissional não entornar o caldo, não sair
dos paradigmas ou limites aceitos, tornando-se, assim, comercializável e,
acima de tudo, apresentável e, portanto, não controverso, apolítico e
‘objetivo’. (SAID, 2005, p. 78).
Essa objetividade e adequação a um determinado comportamento do intelectual
moderno impedem que seu trabalho se desvincule de forças controladoras. Os “filósofos ou
boêmios” do passado, que em certa medida tinham mais liberdade e autonomia para
101
produzir seus saberes, foram substituídos pelos profissionais” do presente que se vêem
cada vez mais atrelados às pressões mercadológicas. Com a efervescência das informações
reproduzidas pelos meios de comunicação de massa e a emergência em dar respostas aos
acontecimentos, os intelectuais revelam a incapacidade de abarcar a totalidade. Por isso,
assim como ocorre com a maioria das profissões, eles também estão sujeitos à
especialização frente ao mercado cada vez mais amplo e diversificado. Por outro lado, a
especialização é uma forma de engessar o pensamento à medida que restringe a área de
conhecimento. De acordo com o autor: “A especialização também mata os prazeres do
arrebatamento e da descoberta, ambos irredutivelmente presentes na índole do intelectual”
(SAID, 2005, p. 81). Especificamente no campo literário, a especialização tem significado,
com grande freqüência, priorizar a arte que se orienta por metodologias e teorias
impessoais, desconsiderando por vez a história, a música ou a política (SAID, 2005, p. 81).
Esses argumentos do autor nos levam a concluir que a impessoalidade, no campo
intelectual, tem limitado as possibilidades do uso do conhecimento na busca por
transformações sociais e aumentado a distância entre os intelectuais e as pessoas que eles
supostamente querem representar.
De maneira análoga, Max Weber apontava, no começo do século XX, a
especialização como a principal prerrogativa do “trabalhador científico”. Em uma palestra
proferida na Universidade de Munique em 1918, o sociólogo, ao discutir a Ciência como
vocação, afirma, “[...] a Ciência entrou numa fase de especialização antes desconhecida
[...]” (1963, p. 160). Para o autor, o que garante a realização do trabalho científico são a
dedicação e o esforço da especialização, mas o envolvimento afetivo com o trabalho não
pode ser deixado de lado. Weber demonstra que a concepção da Ciência é comumente
associada ao “intelecto frio” em contraposição ao “coração e a alma” (WEBER, 1963, p.
102
161). O sociólogo parece apontar a desvantagem do trabalho unicamente mecânico e
objetivo do conhecimento, por isso traça um paralelo entre o trabalho científico e o trabalho
artístico. Esse paralelo demonstra que ambos dependem do esforço e dedicação, mas o
trabalho artístico se prima principalmente pelo envolvimento emocional com seu objeto de
arte. Segundo Weber, “[...] a dedicação íntima à tarefa, e apenas ela, deve elevar o cientista
ao auge e à dignidade do assunto a que ele pretende servir. E isso não difere quanto ao
artista” (1963, p. 163). Sendo assim, o envolvimento e a familiaridade que mobilizam o
artista na composição de sua arte deveriam mobilizar também o cientista no exercício de
sua tarefa.
A “inspiração” em relação à pesquisa do trabalho científico, geralmente ignorada no
meio intelectual, é tão relevante quanto o esforço árduo do cientista. Para Weber:
“Cientificamente, a idéia de um diletante pode ter a mesma influência, ou ainda maior, para
a Ciência que a idéia de um especialista. Muitas de nossas visões são devidas,
precisamente, a diletantes” (1963, p. 161). Por isso, o autor estabelece um contraponto entre
o perito e o diletante no que se refere ao resultado de uma idéia. No entanto, deixa claro que
tanto o trabalho árduo do perito quanto o “entusiasmo” do diletante são fundamentais para a
obtenção de resultados no trabalho científico. Weber desmistifica a separação entre a vida
pessoal e o trabalho do cientista. Nesse sentido, reforça a importância do diálogo do
cientista com o mundo exterior. Ressalta, ainda, que somente a dedicação ao trabalho na
elaboração de uma idéia não garante o resultado da atividade do especialista, mas a
liberdade e o desprendimento do exercício dessa tarefa é que promovem a idéia que, em
geral, ocorre nos momentos mais inusitados.
103
A valorização do diletantismo observada em Weber encontra eco na discussão do
profissionalismo em Edward Said. Ao pensar nos intelectuais como profissionais, Said
afirma: “A ameaça específica ao intelectual hoje, seja no Ocidente, seja no mundo não
ocidental, não é a academia, nem os subúrbios, nem o comercialismo estarrecedor do
jornalismo e das editoras, mas antes uma atitude que vou chamar de profissionalismo”
(2005, p. 78). Se Weber criticava o aspecto puramente racional da Ciência, Said
descaracteriza o aspecto propriamente econômico da posição dos intelectuais na sociedade.
A profissionalização modela o comportamento dos intelectuais. A preocupação em
preservar suas imagens diante da opinião pública acaba minando uma possível conduta de
assumirem o papel de articuladores na representação de uma filosofia, visão ou atitude que
desafie o poder.
Nesse sentido, os intelectuais de hoje têm se tornado previsíveis, pois estão sempre
prontos a dar respostas que, na maioria das vezes, são aquelas já esperadas. As palavras
“diletantismo” e “amadorismo” possuem conotações positivas no contexto descrito por
Weber e Said, respectivamente. O diletantismo, da forma como é empregada pelo
sociólogo, considera como diretriz do “trabalho científico” a paixão no lugar da obrigação;
da mesma forma, o amadorismo, no trabalho intelectual sugerido por Said, desconsidera
seu caráter primordialmente econômico, pois o amadorismo, compreendido nesses termos,
se refere ao exercício da atividade por gosto, sem considerar somente o retorno financeiro.
Diz o autor, “[...] chamarei essa atitude de amadorismo, literalmente uma atividade que é
alimentada pela dedicação e pela afeição, e não pelo lucro e por uma especialização egoísta
e estreita” (SAID, 2005, p. 86). Ao sugerir que os intelectuais assumam uma posição de
amadorismo, Said instiga os indivíduos ao exercício da autonomia em relação ao
conhecimento e pensamento. Do “trabalhador científico” eram esperadas supostas certezas,
104
os intelectuais contemporâneos deveriam se mostrar mais reflexivos e indagadores sobre
o mundo a sua volta:
[...] o espírito do intelectual como um amador pode transformar a rotina
meramente profissional da maioria das pessoas em algo muito mais
intenso e radical; em vez de se fazer o que supostamente tem que ser
feito, pode-se se perguntar por que se faz isso, quem se beneficia disso, e
como é possível tornar a relacionar essa atitude com um projeto pessoal e
pensamentos originais. (SAID, 2005, p. 86-87).
Esse desprendimento enfatizado tanto por Weber como por Said não torna inválida
a responsabilidade e compromisso com o trabalho tanto dos cientistas quanto dos
intelectuais. Na verdade, ambos demonstram que a fidelidade aos princípios éticos de
responsabilidade está além do meramente profissional e, por esta razão, instigam os
indivíduos a refletir sobre o papel deles no mundo contemporâneo.
Adrienne Rich parece incorporar em seu trabalho intelectual essas características
debatidas pelos dois teóricos. A poeta tem demonstrado, através de seus poemas, ensaios
críticos e entrevistas, seu compromisso primordial com o discurso que tensiona e
desestabiliza o poder instituído. Sua arte não se limita a “metodologia e teorias
impessoais”, como observa Said; ao contrário, a poeta procura priorizar sempre as questões
sociais e políticas relacionadas ao seu tempo e espaço em seu discurso, mas também
transita pela história e a música, entre outras manifestações culturais da modernidade.
Dessa forma, podemos concluir que seu posicionamento como intelectual está mais
próximo ao diletantismo que à especialização, pois Rich se mantém em constante diálogo
com o mundo exterior.
Também em relação ao amadorismo proposto por Said, Rich parece se ajustar, pois
a poeta tem assumido, desde o início da carreira, sua postura publicamente, desafiando a
estrutura de poder na sociedade estadunidense. O fato de recusar o prêmio oferecido pelo
105
presidente Bill Clinton em 1997, como mencionado no capítulo anterior, revela seu
compromisso como intelectual que não sucumbe à persuasão do poder institucionalizado.
Sua atitude ao publicar a carta endereçada à Casa Branca explicitando as razões que a
levaram a tomar tal decisão revela, por um lado, sua despreocupação em preservar a
imagem de uma poeta de prestígio mediante a opinião pública e, por outro lado, reforça a
intenção de manter uma outra imagem, ou seja, como aquela que tem a coragem de dizer
não ao poder instituído. Na verdade, Rich se recusa a receber o destaque na imprensa como
uma artista reconhecida pelo então presidente dos Estados Unidos, mas se apropria desse
reconhecimento para articular um outro discurso que coloca às avessas as intenções desse
presidente. Esse episódio nos leva a vê-la como uma amadora nos termos colocados por
Said.
A poeta vem demonstrando, também, sua coerência discursiva não somente quando
revela as contradições da democracia estadunidense, mas também ao tornar transparentes os
conflitos no interior do movimento feminista. Também em relação a essa questão, a poeta
se posiciona publicamente contra os rumos do movimento. Contudo, podemos concluir que
é como diletante e amadora que ela encontra reconhecimento como intelectual.
Por outro lado, mesmo sendo uma entre as poucas vozes que repudiam a soberania
de seu país, percebemos que Rich consegue articular e negociar com a dia, abrindo
espaços para não somente criticar os equívocos da autoridade suprema estadunidense, mas
também legitimar seu lugar como uma intelectual que radicaliza e se posiciona contra o
poder estabelecido. Nessa relação com os meios de comunicação, Rich procura sempre não
ceder sua visão de mundo em troca de sua visibilidade na mídia.
106
Como observado por rios teóricos, os intelectuais contemporâneos precisam ter
trânsito e capacidade de se articularem com os meios de comunicação para serem ouvidos.
No entanto, esse envolvimento com a mídia não deve transformá-los em simples atores que
dizem sempre o que se espera que eles digam, optando, na maioria das vezes, por um
discurso neutro que não os comprometa. Contrariamente, eles precisam reconhecer que sua
representação deve estar associada a um processo mais amplo de compromisso com a
crítica social em defesa daqueles que representam. Rich, como intelectual, tem
demonstrado esse comprometimento através de sua arte. A poeta procura não deixar que
seus pensamentos cristalizem por compreender que as relações sociais e políticas fazem
parte de um processo inacabado e contínuo. Segundo Said:
As representações do intelectual o que ele representa
127
e como essas
idéias são apresentadas para uma audiência estão sempre enlaçadas e
devem permanecer como parte orgânica de uma experiência contínua da
sociedade: a dos pobres, dos desfavorecidos, dos sem-voz, dos não
representados, dos sem-poder. Estes são igualmente concretos e
permanentes; não podem sobreviver se forem transfigurados e depois
congelados em credos, declarações religiosas ou métodos profissionais.
(2005, p. 114).
Talvez seja esse um dos principais dilemas dos intelectuais no momento atual:
conseguir acompanhar o desenvolvimento do mundo sem perder o vínculo com seus ideais
de transformação social. A autonomia dos intelectuais não deve se restringir somente em
relação ao poder político, mas ao poder em geral. Eles devem manter sempre aberto o
diálogo, possibilitando os constantes questionamentos conjunturais. O compromisso dos
intelectuais com os ideais de uma sociedade mais justa precisa, de acordo com Said, ir além
da vaidade pessoal.
Nesse sentido, Rich participa do grupo de intelectuais que de alguma forma
influenciam ou participam do campo político, principalmente por meio de sua obra que
107
objetiva discutir o “[...] desenvolvimento do trabalho intelectual e teórico como uma prática
política” (HALL, 2003, p. 207). A poeta tem mostrado seu interesse, cada vez maior, em
vincular sua arte à ação política. Por isso, faz-se necessária também uma análise mais
precisa da própria noção de poder, se ele se justifica na afirmação sartriana de que “[...] o
poder é essencialmente o poder do Estado” ou se “[...] está em toda parte, e apenas
secundariamente no aparelho de Estado [...]”, afirmação essa defendida por Foucault
(WOLFF, 2006, p. 63). Sendo assim, Francis Wolff relaciona duas posições dos intelectuais
na contemporaneidade – a primeira, defendida por Sartre, classifica-os como “totais” por se
mostrarem capazes de falar sobre tudo e em nome de todos e a segunda, defendida por
Foucault, atribui-lhes o papel de “[...] estar disseminado em todo corpo social, conduzindo
a cada vez uma luta específica” (2006, p. 63). A polarização entre as duas representações
demonstra que nenhum dos dois intelectuais acima descritos consegue ser ouvido, pois o
primeiro não consegue abarcar a universalidade e o segundo permanece cada vez mais
preso à sua especificidade. A angústia causada por essa polarização tem feito com que
grande parte dos intelectuais busque sua independência na relação com o Estado.
A autonomia dos intelectuais em relação ao Estado possibilita a compreensão mais
global da política a ser conduzida e lhes garante a liberdade na elaboração de um ideal
desvinculado dos interesses político-partidários. Isso não quer dizer que eles não possam
exercer as duas funções simultaneamente, mas é importante perceber que, no exercício do
poder, os intelectuais por vezes se vêem de alguma maneira atrelados a princípios
partidários de um determinado governo. Há uma tensão entre o compromisso com a teoria e
o interesse maior do Estado. Não se trata, portanto, de separar a cultura (intelectual) da
política (poder), mas sim de garantir o que Bobbio chama de “autonomia relativa da
cultura”. A cultura deve estar a serviço da política, mas é necessário que haja espaço para a
108
“[...] reflexão, distanciamento crítico, que geralmente é o que o mundo espera do homem da
razão” (BOBBIO, 1997, p. 106). Ou seja, os intelectuais políticos não deveriam estar presos
a uma única diretriz partidária, mas sim abertos às reflexões em busca de uma visão mais
ampla que orientará a ação política.
Sob esse aspecto, parece-me oportuno pensar na posição de Rich não somente como
uma intelectual que se nega a reproduzir na mídia um discurso neutro que preserve sua
imagem, mas também como uma intelectual que reforça, através do discurso, sua
autonomia em relação ao Estado que é responsável por políticas que ela, como cidadã, tem
repudiado. A poeta tem se colocado entre as imagens do intelectual total e do intelectual
local, pois sua obra transita e procura discutir tanto sobre as questões universais quanto as
específicas. Ela relata desde as questões de ordem mundial até as questões mais peculiares,
específicas e subjetivas em sua obra literária, desde a posição do escritor até a temática do
corpo feminino como um espaço de poder.
Escrita e poder
Tendo em mente a dificuldade de mediação entre cultura e política e consciente
dessa conflituosa relação, interessa-me concentrar na fusão feita por Rich entre a poesia e o
ativismo político. A poeta e intelectual tem se recusado a atrelar-se ao poder e usa a escrita
como o principal instrumento de luta. Nesse sentido, apoiada no argumento de que “[...] a
palavra sempre foi a principal arma do intelectual” (FIGUEIREDO, 2004, p. 143), Rich
tem conseguido fazer da escrita um poderoso instrumento de luta pela transformação social.
Para a teórica política alemã Hannah Arendt:
O poder é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam,
quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as
109
palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar
realidades e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar
relações e novas realidades. (2001, p. 212).
É essa fusão que Rich idealiza em sua arte. A poeta, ecoando com freqüência as
reflexões de Arendt – mesmo que, por vezes, criticamente – reforça a necessidade da
interdependência entre “a palavra e o ato”, ou seja, entre o discurso e a ação. Para Rich, é
preciso “[...] no ato da escrita, sentir nossas próprias ‘questões’ encontrando as ‘questões’
do mundo, reconhecer como estamos no mundo e o mundo em nós”
128
(2003, p. 27,
tradução nossa). É através da experiência da escrita que Rich estabelece seu vínculo com o
mundo. A poeta procura, através das palavras, “revelar realidades” sobre si mesma e sobre
o mundo ao seu redor. Sua afirmação citada acima reflete ainda a adesão ao pensamento de
Arendt quando a teórica alemã afirma: “Na ação e no discurso, os homens mostram quem
são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares e, assim, apresentam-se ao
mundo humano [...]” (2001, p. 192). Sendo assim, é por meio dessa revelação que seu
discurso alcança a esfera pública.
Contudo, embora seja evidente o diálogo constante de Rich com a teoria de Arendt,
notamos também que em seu ensaio “Conditions for Work” (Condições de trabalho), a
poeta tece críticas duras à teórica. Em sua visão:
A discussão das mulheres como as trabalhadoras na reprodução, das
mulheres como operárias na produção, do relacionamento do trabalho
não remunerado das mulheres no lar propiciando a separação entre esfera
‘privada’ e ‘pública’, do corpo das mulheres como mercadoria essas
questões não foram levantadas pela primeira vez nos anos 60 e 70; elas já
tinham sido documentadas nos anos 50 quando A condição humana
estava sendo escrito. Arendt mal e mal faz referência, em geral em de
página, ao compromisso de Marx e Angels com esse tema; e ela escreve
como se o trabalho de Olive Schreiner, Charlotte Perkins Gilman, Emma
Goldman, Jane Addams, para citar somente algumas escritoras, não
tivesse existido.
129
(1995, p. 211-212, tradução nossa).
110
Rich não desconsidera a relevância do trabalho intelectual de Arendt, mas condena a
atitude da autora ao ignorar a questão do gênero em seu livro A condição humana. Para a
poeta, Arendt não somente negligencia a participação das mulheres no processo de trabalho
no mundo moderno, mas também ignora as contribuições das feministas que haviam
abordado a questão do papel das mulheres na sociedade contemporânea. Se por um lado a
poeta critica Arendt por deixar de lado a questão do gênero em A condição humana, por
outro lado, percebemos também que, Rich, em muitos momentos, se apropria do
pensamento dela, como, por exemplo, ao afirmar: “A questão da sobrevivência econômica
em manter o trabalho de alguém é terrivelmente real, mas as questões mais terríveis
permanecem mais profundas como quando uma mulher é forçada, ou se permite, levar uma
vida censurada”
130
(1995, p. 211, tradução nossa). Essa passagem, a meu ver, reproduz o
pensamento de Arendt quando afirma que, “[...] ser escravo e prisioneiro de si mesmo é tão
ou mais amargo e humilhante que ser escravo de outrem” (2001, p. 223). Rich retoma a
idéia de Arendt para reforçar a opressão do gênero. Sendo assim, a poeta procura discutir as
reflexões da teórica, mas sob a ótica do feminismo. Ao unir, por meio da ação nos termos
de Arendt, escrita e ativismo político, Rich pretende criar espaços para relações mais
fraternas entre os seres humanos. Para a poeta, a coerência do trabalho intelectual depende
da possibilidade de ação engendrada pelo discurso e também pela escrita.
Ricardo Piglia, escritor argentino, discute a relação entre a experiência e a
linguagem em seu ensaio “Una propuesta para el nuevo milenio” (Uma proposta para o
novo milênio). O autor fala da dificuldade em relatar a experiência tal como foi vivida e
sentida sem somente informar sobre ela. Piglia se refere a um ponto cego da experiência
que a ficção consegue atingir. Talvez seja essa uma das grandes dificuldades dos poetas em
suas buscas intermináveis por alcançar o limite da linguagem e conseguir expressar o
111
inexpressável. Rich explicita, através de sua obra, a dificuldade e incansável busca para
decifrar essa linha tênue. A poeta procura, através dos diversos “eus”, dialogar com o outro.
Seu poema “A escola entre as ruínas” é um exemplo da tentativa em relatar a experiência
do outro. A poeta assume outras vozes para descrever a vulnerabilidade e impotência do ser
humano em situações de guerra. O poema demonstra a insegurança e a inevitabilidade do
medo dos alunos e professores mediante os constantes bombardeios. O poema é o relato
insano da destruição. Ao apontar, no título do poema, algumas das cidades que foram
alvos de ataques dos Estados Unidos, a poeta está mais uma vez assumindo sua posição
política ao denunciar e responsabilizar seu país pela crueldade com o outro. Rich busca de
alguma forma identificar o sofrimento do outro. Nas palavras de Piglia, ela procura “[...]
sair do centro, deixar que a linguagem fale também na margem, no que se ouve, no que
chega do outro”
131
(2001, p. 03, tradução nossa). O fato de a poeta revelar, nesse poema, o
sofrimento das crianças atingidas pelo bombardeio demonstra seu compromisso como
intelectual que pretende mostrar o outro lado da história e distorcer o discurso normalizado.
Rich busca, dessa forma, tensionar e desestabilizar a argumentação que rotula o outro seja
como violento, terrorista ou simplesmente diferente. Ao fazer isso, a poeta cumpre o papel
intelectual, assim compreendido por Said, de não se acomodar à versão histórica oficial e
apresenta outra “narrativa” que desafia a “memória nacional” (SAID, 2004, p. 47).
Rich vem demonstrando, através da arte, suas indagações em relação à idéia da
nação. A poeta não descarta a importância da identificação com a nação, mas procura
dissociar o discurso de busca pelas raízes culturais daquele que propaga e perpetua o
patriotismo exacerbado. Segundo a poeta:
Como mulheres, eu penso que é essencial que reconheçamos e
investiguemos nossas identidades culturais, nossas identidades nacionais,
mesmo se rejeitarmos o patriotismo, o jingoismo, o nacionalismo
112
oferecido a nós como ‘o estilo americano de vida’. Talvez a desilusão
mais arrogante e malevolente do poder norte-americano do poder
ocidental branco – tenha sido a desilusão do destino, que o branco está no
centro, que o branco é dotado de certo direito ou missão para julgar,
esquadrinhar, assimilar e destruir os valores de outros.
132
(1986, p. 183,
tradução nossa).
Essa passagem revela sua consciência do poder de seu país que age no sentido de
violar e devastar outras culturas. Assim, mesmo tendo sido orientada durante toda a vida a
valorizar e se identificar com sua nação, a poeta busca repensar as bases desse discurso que
tem garantido a própria supremacia destruindo os valores culturais de outros povos,
principalmente em termos do papel da mulher, como a citação acima nos mostra. Em seu
ensaio, “North American Tunnel Vision” (Cegueira Norte-Americana), relata:
Como uma feminista nos Estados Unidos, parece-me necessário
examinar a forma como nós participamos da tendência chauvinista
cultural norte-americana. A crença inconsciente de que os brancos norte-
americanos possuem o direito superior de julgar, selecionar e
esquadrinhar outras culturas e de que nós somos mais ‘avançados’ que as
outras pessoas desse hemisfério. (E que esse chauvinismo cultural se
alimenta constantemente do racismo). Até mesmo quando analisamos e
rejeitamos o chauvinismo patriarcal, até quando nos desvinculamos
desses princípios destrutivos e expressamos outros valores, nós trazemos
em nós – eu tenho encontrado em mim mesma – não somente uma
branca, mas especificamente uma cegueira norte-americana.
133
(RICH,
1986, p. 162, tradução nossa).
Como a citação acima mostra, a autora não só reconhece as dificuldades do
rompimento com a visão de que os Estados Unidos são uma nação hegemônica, como
também faz autocrítica em relação à sua própria alienação. Rich assume que ela não
somente está inserida nesse contexto como também, por vezes, se sente envolvida e acaba
por reproduzir também essa hegemonia. Ela, como intelectual, se na obrigação de não
deixar cristalizar esses valores que têm servido como justificativa para inferiorizar e
massacrar o outro. Por ter essa visão crítica em relação ao poder legitimado que vem do
113
centro é que a poeta investe na descentralização da cultura hegemônica e passa a apostar no
reconhecimento das diversas produções culturais que vem brotando nas margens. Rich tem
procurado, nos últimos anos, investigar e compreender a fronteira como um espaço de
produção cultural.
Em seu ensaio “A poet’s education” (A educação do poeta), Rich intercala os textos
dos poetas norte-americanos de origem mexicana Jimmy Santiago Baca e Gloria Anzaldúa.
Baca, assim como Anzaldúa, fala da importância da margem na definição de sua
identidade. Rich demonstra de que forma o bilingüismo, pois ambos mesclam o espanhol e
o inglês em suas narrativas, foi determinante para a auto-afirmação dos dois chicanos
134
como sujeitos em uma sociedade que discrimina e exclui o diferente. A poeta reitera a
importância da linguagem, mas descaracteriza a poesia como sendo um privilégio de uma
elite intelectual: “É mentira que poesia é somente lida por ou ‘fala para’ as pessoas nas
universidades ou para uma elite de círculos intelectuais”
135
(RICH, 2003, p. 206, tradução
nossa). O excerto de Baca citado por Rich em seu ensaio se refere ao período em que ele
era prisioneiro e encontra na escrita uma forma de se revelar: “Não havia nada mais
humilhante do que ser incapaz de me expressar, minha desarticulação aumentava meu
senso de risco, de estar em perigo”
136
(RICH, 2003, p. 209, tradução nossa). A incapacidade
de expressão reforça o sentimento de inferioridade e impotência. No silêncio da prisão, o
poeta desenvolve sua capacidade de se expressar. O cárcere lhe rende o envolvimento com
a literatura e a paixão pela poesia. Em seu encontro com os poetas Neruda, Paz e
Hemingway, através das leituras, Baca percebe que “A linguagem deles era a magia que
podia me libertar de mim mesmo [...]”
137
(RICH, 2003, p. 207, tradução nossa). Rich
mostra, nesse ensaio, como Anzaldúa e Baca se articulam por meio da fronteira cultural e
fazem dela um lugar de crítica constante. Baca afirma: “Eu comecei a aprender minha
114
própria língua, as palavras e frases bilíngües explicando meu próprio lugar no universo
[...]”
138
(RICH, 2003, p. 207, tradução nossa). Através do texto bilíngüe, Anzaldúa revela o
traço fronteiriço das identidades chicanas. Rich busca, portanto, no diálogo com esses
escritores, reconhecer a margem como um lugar de produção cultural.
A cultura na fronteira é também tema de discussão para o palestino Edward Said.
Em sua análise das representações dos intelectuais, Said aponta a ambivalência da condição
dos intelectuais no exílio. Segundo o autor: “A condição de marginalidade, que pode
parecer irresponsável e impertinente, nos liberta da obrigação de agir sempre com cautela,
com medo de virar tudo de cabeça para baixo, preocupados em não inquietar os colegas,
membros da mesma corporação” (SAID, 2005, p. 70). Nesse sentido, na margem, os
intelectuais têm autonomia tanto em relação à cultura de origem quanto à cultura do país
em que residem. O fato de eles não se sentirem vinculados a nenhuma das duas culturas os
proporciona uma mobilidade maior para a realização do trabalho crítico. Said ainda deixa
claro que, à margem, os intelectuais podem se sentir angustiados devido ao distanciamento
de suas culturas, mas desfrutam também dos privilégios dessa posição. Segundo o autor:
[...] é também muito importante insistir no fato de que essa condição traz
em seu bojo certas recompensas e até mesmo privilégios. Assim, embora
você não seja nem um ganhador de prêmios, nem bem-vindo a todas
essas sociedades honorárias autocongratulatórias que rotineiramente
excluem desordeiros embaraçosos que desobedecem às regras do sistema
ou poder, você está ao mesmo tempo colhendo algumas coisas positivas
do exílio e da marginalidade. (SAID, 2005, p. 66).
Essa passagem revela que a instabilidade na margem se torna um aspecto positivo
na atividade dos intelectuais no exílio, pois permite que suas ações sejam pautadas por seus
princípios ideológicos e não em resposta a interesses de outrem. A autonomia dos
intelectuais da fronteira os liberta das amarras com o poder, por isso eles podem “ousar”,
115
indo além em seus discursos, como acrescenta Said, “o intelectual que encarna a condição
de exilado não responde à lógica do convencional, e sim ao risco da ousadia, à
representação da mudança, ao movimento sem interrupção” (2005, p. 70). O fato de esses
intelectuais que vivem no exílio não se sentirem comprometidos com o poder público lhes
permite relatar suas idéias livremente. Na verdade, embora estejam inseridos naquela
cultura, eles sempre serão estrangeiros tanto em relação aos países de onde vieram quanto
aos países onde residem, ou seja, mesmo estando próximos tanto à cultura de origem
quanto à cultura do país em que residem, os intelectuais não pertencem a nenhuma delas. O
fato de estarem na fronteira possibilita o olhar sobre as duas culturas. Segundo Figueiredo:
O desenraizamento reforça a imagem do intelectual como aquele que
mantém a devida distância de tudo, situando-se numa região fronteiriça
que lhe permitiria alcançar a imparcialidade, independente de seu
engajamento na defesa de etnicidades marginalizadas (2004, p. 137).
Assim como os intelectuais exilados que se situam na margem, as mulheres também
ocupam uma posição fronteiriça na cultura. Igualmente desautorizadas, elas fazem uso
dessa prerrogativa para demonstrar suas visões. Em Da mulher nascida, Rich analisa as
conseqüências do sistema patriarcal na vida das mulheres, levando-nos a perceber as razões
que as levam a temerem seus posicionamentos no campo intelectual. Como mencionado
nos capítulos anteriores, o discurso patriarcal permeia e ameaça todas as relações da vida
social das mulheres. A timidez e o temor ao desempenho das mulheres na esfera pública
fizeram e ainda fazem com que muitas delas não estejam atentas aos próprios desejos,
deixando-se levar pelo dos outros. A base da insegurança das mulheres, na esfera
intelectual, se justifica em constantes afirmações de que o campo do saber estava
diretamente ligado aos homens. A partir da consciência de seus valores, principalmente
116
através da educação, elas procuraram ressignificar suas existências. Em um outro ensaio,
“Taking Women Students Seriously” (Considerando as estudantes seriamente), Rich
afirma: “Eu sugeriria que não a biologia, mas a ignorância em relação a nós mesmas tem
sido a chave para a nossa impotência”
139
(RICH, 1979, p. 240, tradução nossa). Em outras
palavras, através do conhecimento do seu passado histórico e de suas próprias condições,
limitações e sucessos, as mulheres têm condições de compreender que a suposta impotência
associada a elas foi determinada por um discurso patriarcal preconceituoso e inferiorizante.
O desconhecimento quanto ao desempenho do trabalho intelectual das mulheres se
deve, em grande parte, ao processo alienante ao qual foram submetidas e/ou se
submeteram. Rich busca compreender e romper com esse processo na tentativa de fazer
valer seus próprios valores. O fato de assumir publicamente sua reorientação sexual e se
dedicar a uma escrita mais engajada na defesa pelos direitos de expressão dos
homossexuais foi um exemplo de sua tentativa de minar os conceitos preestabelecidos.
Através da publicação de seus ensaios críticos e entrevistas, percebemos que a poeta
tem buscado compreender e valorizar o trabalho de outras poetas marginalizadas. Assim
como os intelectuais diaspóricos que flutuam entre uma e outra cultura, Rich busca mostrar
que sua posição em relação à escolha sexual também é ambivalente em uma sociedade que
discrimina aquele que é socialmente diferente. Embora haja semelhanças em relação ao
lugar que ocupam na sociedade, é preciso reconhecer que o fato de ser ela uma norte-
americana criticando a própria nação pode ter conseqüências menores para si do que terá
para os intelectuais que estão na fronteira. Não se trata de medir qual discriminação é mais
intensa e sim perceber que em um país onde o patriotismo é exarcebado a questão da
origem pode, por vezes, sobrepor à questão do gênero. No entanto, notamos também que a
117
poeta tem uma postura responsável diante do que escreve e defende. Em seu ensaio “The
Muralist” (A muralista) publicado na coletânea What Is Found There: Notebooks on Poetry
and Politics (O que é encontrado lá: agendas sobre poesia e política), Rich afirma:
Dizer que um poeta é sensível e responsável o que pode significar?
Para mim, isso significa que ela ou ele é livre para se tornar
artisticamente mais complexo, sério, e integrado quando mais consciente
das grandes questões dela, dele, de seu próprio tempo. Quando a mente
do criador é estendida ao máximo pelas demandas de seu tempo não às
modas, ao modismo, às rodinhas sociais, aos elegantes e às propagandas
políticas, mas às mensagens profundas de crise, esperança, desespero,
visão, as vozes anônimas, que pulsam através da comunidade humana
como sinais de desequilíbrio, doença, o renascimento do pulso através do
corpo humano.
140
(RICH, 2003, p. 52-53, tradução nossa).
Através dessa passagem, a poeta demonstra duas questões que perpassam a figura
dos intelectuais de hoje. A primeira refere-se à banalização do trabalho dos intelectuais
modernos que têm cada vez mais se distanciado das questões relacionadas à opressão e
sofrimento dos seres humanos em resposta às demandas dos modismos presentes nos meios
de comunicação de massa. A segunda diz respeito ao seu compromisso e responsabilidade
em defender os ideais de uma sociedade mais justa e igualitária.
O fato de se assumir publicamente homossexual somada a outras questões que a
colocam na marginalidade (mulher, feminista e de descendência judaica) reforçam sua
identificação com grupos minoritários. Essa percepção fortalece seu desejo de estreitar
ainda mais a relação entre poesia e política. A convicção de que algo poderia ser feito no
processo de transformação social é reforçada através do contato com os alunos do programa
SEEK e com a retomada de leituras de autores clássicos como Jean Paul Sartre, Albert
Camus, passando por W.E.B. Du Bois, James Baldwin, Audre Lorde até os textos
produzidos pelos seus alunos. A partir do diálogo entre os autores pesquisados e o que
118
estava sendo produzido pelos seus alunos, Rich se convence ainda mais do poder da
linguagem como um instrumento de transformação social. Para Yorke:
Rich devia reconhecer que era impossível criar e usar uma linguagem a
qual a tiraria do silêncio. A linguagem deve ser usada como testemunha
de alguém ou de um povo para desidentificar a cultura dominante,
descrever e analisar, fazer valer, libertar as ditaduras impostas ao invés
de aceitar uma versão pré-determinada do que é. Rich aprendeu de
imediato que ‘linguagem é poder’: e, progressivamente, reconheceu o
potencial revolucionário da linguagem para mudar a realidade daqueles
‘que sofrem de injustiças’.
141
(1997, p. 40-41, tradução nossa).
Assim como os intelectuais diaspóricos, Rich não se sente inserida na cultura que
critica, como Yorke acrescenta, “Rich recusa a identificação com qualquer forma de
identidade unitária e evita a limitação radical da política feminista, expansivamente inclui
uma multiplicidade de diferenças, demonstrando a urgência de suas tensões e jogos nos
campos politizados de sua escrita”
142
(1997, p. 115, tradução nossa). Rich se revela
transgressora, principalmente por ter migrado da identidade da mulher ajustada à sociedade
e que fazia tudo para corresponder às expectativas dessa sociedade até assumir
publicamente a postura de homossexual politicamente engajada. A poeta rompe com um
conceito de identidade que estaria, segundo Judith Butler, “[...] assegurada por conceitos
estabilizadores de sexo, gênero e sexualidade [...] (2003, p. 38). O posicionamento na
margem rompe com a identificação fragilizada daquela (e) que é vitimada (o). O fato de
estar à margem, de viver e participar das tensões ali presentes expõe o indivíduo e faz com
que ele desenvolva mecanismos para conviver com a resistência.
Contudo, seu discurso apresenta também algumas contradições. Em uma entrevista
em 2005, quando questionada sobre a relação do intelectual com o poder, a poeta declara:
[…] mas eu penso que o lugar do intelectual em meio a isso tudo é de se
manter em contato com o ativismo e estar informado sobre o mundo a
nossa volta. Nós temos essa responsabilidade direta de o nos
119
desesperarmos por saber que o mundo não tem nenhum poder.
Novamente eu utilizo o Galeano ao perceber que o poder do mundo é
diferente de outros tipos de poderes. O mundo precisa de seus povos,
talvez coletivamente, mas também individualmente e o impacto
individual pode crescer em direção a um senso coletivo da realidade.
143
(RICH, 2005, tradução nossa).
Tal declaração nos leva a crer que Rich projeta na figura do intelectual alguém
capaz de conduzir de alguma forma a coletividade, ou seja, mesmo reiterando em vários
outros momentos a impossibilidade de transformação, somente a partir do individual, a meu
ver, ela revela, nessa passagem, sua visão de que o povo precisa ser conduzido. Nesse caso,
o poeta ou artista será aquele que está à frente para abrir o caminho.
Rich vem incorporando as realidades de outras culturas à sua escrita, principalmente
através dos ensaios críticos, por isso tem procurado, nos últimos anos, direcionar seu olhar
para fora do país. A poeta tem procurado dialogar com outros escritores que estão fora de
seu circuito intelectual. Na passagem acima citada, Rich faz uma interlocução com o
escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano. Esse autor tem, prioritariamente, abordado
em sua crítica o compromisso político de denunciar as explorações sofridas pelos países da
América Latina. Dessa maneira, o fato de Rich fazer referência ao pensamento de Galeano
demonstra sua intenção em ampliar seu campo de visão. Contudo, percebemos ainda que
ela revela também sua impotência para desvendar os valores coletivos e parte para o
enfrentamento dos micropoderes a partir, a princípio de uma perspectiva individual para
depois invocar o coletivo. Sendo assim, ela partirá da geografia mais restrita o corpo
gendrado – para compreender o global.
120
A cor da escrita
O desenvolvimento de sua consciência do racismo foi igualmente importante para
uma tomada de atitude em relação à preferência sexual, que se reflete também em sua
formação intelectual. Rich fala como o contato com o movimento dos afro-americanos e
com a literatura dos negros foi fundamental para que ela compreendesse o outro lado da
história. Entrevistada em abril de 2005, Rich declara:
Bom, deixe-me dizer que nos anos 60 eu estava preparada para os
movimentos políticos e para a ação política. O primeiro movimento que
eu pude visivelmente perceber foi o movimento pelos direitos civis no
Sul do país e a luta dos afro-americanos pelos direitos humanos que teve
um impacto muito forte em mim, porque eu cresci em um ambiente
sulista branco. Eu sabia sobre o racismo, pois isso foi, por muitos anos,
um assunto proibido em meu mundo. Ouvir a retórica dos afro-
americanos definindo a natureza e estrutura do racismo foi
completamente libertador para mim intelectual e emocionalmente,
porque eu também sabia o que o racismo fazia com os brancos. Eu sabia
por dentro, eu sabia como manter aquele assunto proibido protegido em
todos os tipos de relacionamento com as sociedades brancas e que
também nos tornava irreais. Então, esse foi o primeiro movimento que eu
pude perceber lá fora, pois falavam de coisas que eu já conhecia, mas que
até então não tinha nomeado. A escrita de James Baldwin foi
absolutamente importante para mim na minha formação como uma
intelectual. Ele seria feliz em não ser um ativista, mas tinha que ser e em
certa maneira era resistente, mas foi levado a isso.
144
(RICH, 2005,
tradução nossa).
O contato com a escrita de Baldwin, assim como o seu envolvimento com o
movimento libertário dos negros, contribuiu para que ela tivesse uma compreensão mais
nítida da opressão sofrida pelos negros na sociedade estadunidense e uma visão do racismo
diferente daquela recebida em sua educação. A diferença racial estava presente, mas era
velada, por isso Rich assume que o discurso acerca da definição e estrutura do racismo foi
121
libertador para ela. Sendo assim, para a poeta, também o racismo é institucionalizado, pois
discrimina e exclui a diversidade. Segundo Giddens:
A idéia do racismo institucional sugere que o racismo permeia todas as
estruturas da sociedade de um modo sistemático. De acordo com essa
visão, instituições como a polícia, o serviço de saúde e o sistema
educacional, todas elas promovem políticas que favorecem certos grupos
enquanto discriminam outros (2005, p. 209).
A discriminação infiltrada nessas instituições oprime e inferioriza o negro. A poeta
não ignora que o racismo baseado no traço físico tenha tomado uma dimensão mais ampla
em sociedades como a estadunidense, na qual o racismo biológico se transformou no
racismo cultural. Rich retorna ao corpo biológico como um elemento básico de onde
origina toda essa discriminação que se encontra difundida nos mais diversos setores da
sociedade. Em seu ensaio “Anotações sobre uma política do local”, a poeta afirma: “Eu fui
identificada pela cor e sexo da mesma forma que seguramente uma criança negra foi
identificada pela cor e sexo – embora as implicações de uma identidade branca tenham sido
mistificadas pela presunção de que as pessoas brancas estão no centro do universo”
145
(1986, p. 215, tradução nossa). Nesse sentido, o racismo é um outro fator importante na
compreensão do corpo como um espaço de resistência. Rich procura pensar nas
implicações do corpo negro, por isso assume também que o movimento pela libertação dos
negros foi um fato importante que criou oportunidade para desencadear outras lutas, como
o movimento dos trabalhadores e das mulheres que visam melhores condições na
sociedade.
Assim como Rich, a teórica feminista e intelectual bell hooks também tem
demonstrado a importância de se debater as questões raciais na contemporaneidade. Afro-
americana, professora universitária, hooks tem lutado pela democratização do saber e pela
122
transformação da condição dos negros, das mulheres e dos pobres na sociedade
estadunidense. Em Yearning: Race, Gender, and Cultural Politics (Anseio: raça, gênero, e
políticas culturais), a escritora expõe alguns dos fatores que inferiorizam não os negros,
mas também as mulheres ao longo da história no ocidente. hooks relata seu esforço para
não deixar que os valores do presente apaguem o passado de luta dos negros:
Pensando novamente sobre espaço e lugar, eu ouvi a afirmação ‘nossa
luta é também uma luta da memória contra o esquecimento’; a
politização da memória que se distingue da nostalgia, que espera que
alguma coisa seja como foi um dia, um tipo de ato inútil, daquele que
lembra que serve para iluminar e transformar o presente.
146
(HOOKS,
1990, p. 147, tradução nossa).
Politizar a memória do sofrimento implica refletir racionalmente sobre ela
(memória) como forma de ressignificar o presente ou fazer com que o novo olhar sob o
passado transforme a experiência dos negros no presente. O esforço de hooks em assumir e
valorizar suas raízes em uma sociedade que discrimina e inferioriza o negro, principalmente
pobre, demonstra sua reação e coragem. Rich, da mesma forma, assume sua
homossexualidade publicamente e, assim como hooks, reforça a importância em levar essas
questões por vezes percebidas como pertencentes unicamente à esfera privada para o campo
político. Tanto hooks quanto Rich revelam a margem como espaço de resistência, espaço
esse que propicia o rompimento do silêncio que é revelado através da escrita. Segundo
hooks, “[...] nossa sobrevivência depende de nossa habilidade em conceituar alternativas,
sempre improvisadas. Teorizar sobre essa experiência estética e criticamente está na agenda
da prática cultural radical”
147
(1990, p. 149, tradução nossa). Rich e hooks instigam as
mulheres à prática cultural, principalmente através da escrita, por isso o trabalho das duas
tem oferecido uma grande contribuição para repensarmos a relação dos intelectuais com o
123
poder no contexto estadunidense. Ambas desafiam a legitimidade cultural dominante e
criam espaços para os discursos contra-hegemônicos. Segundo hooks, “foi essa
marginalidade que eu estava nomeando como um lugar central para a produção do discurso
contra-hegemônico que não é somente encontrado nas palavras, mas nos hábitos de ser e na
forma como alguém vive”
148
(1990, p. 149, tradução nossa). Suas próprias vidas
demonstram a resistência aos valores preestabelecidos, isto é, não basta somente analisar e
descrever as relações de opressão é preciso realizar mudanças na prática cotidiana.
Rich e hooks têm procurado formas de democratizar as informações e o
conhecimento em suas relações com a cultura na busca por atenuar o distanciamento entre
os intelectuais e as pessoas comuns. Para hooks é necessário “considerar que o que nós
escrevemos sobre ‘cultura’, somente para nós que somos intelectuais, pensadoras críticas, é
uma continuação de uma idéia hierárquica de conhecimento que falsifica e mantém
estruturas de dominação”
149
(1990, p. 128, tradução nossa). Pensando sob esse aspecto, a
tarefa dos intelectuais parece confortável, pois, por um lado, continuam mantendo a
distância entre eles que supostamente detêm o conhecimento e os outros e, por outro lado,
tendo seus saberes já legitimados raramente encontram resistência em relação ao que
defendem. hooks, porém, acrescenta, “minha luta com a forma, conteúdo e etc... tem sido
orientada pelo desejo de transmitir conhecimento nas formas que tornam acessíveis a um
amplo número de leitores”
150
(1990, p. 129, tradução nossa). Da mesma forma, Rich, assim
como hooks, revela o desejo de encontrar uma linguagem que seja capaz de abranger um
número maior de leitores.
124
A escrita da ação e ação da escrita
Em seu ensaio, “Power and Danger: Works of a Common Woman” (Poder e perigo:
trabalhos de uma mulher comum), Rich demonstra a importância da linguagem como um
mecanismo de transformação social. Para a poeta, “[...] enquanto nossa linguagem for
inadequada, nossa visão permanecerá sem forma, nosso pensamento e sentimento estarão
percorrendo os velhos ciclos, nosso processo será revolucionário’ mas não ainda
transformador”
151
(RICH, 1979, p. 247-248, tradução nossa). A articulação das idéias é um
exercício que deve se materializar através da escrita. Para Rich, o poder está na retórica, na
capacidade de articular a fala que seja suficiente não somente para a compreensão do
processo de submissão, mas que seja também capaz de responder e combater o discurso
dominante. Entretanto, a poeta deixa claro ainda que não tem a pretensão de atingir
transformações concretas na sociedade, somente através da escrita poética ou literária,
como ela mesma pontua na introdução de What Is Found There (O que é encontrado lá) ao
afirmar, “a poesia não pode nos dar as leis, instituições e os representantes; os antídotos que
precisamos: somente o ativismo público através do número massivo de cidadãos pode fazer
isso”
152
(RICH, 2003, p. xviii, tradução nossa). Rich reconhece que na solidão o indivíduo
se torna fraco. Por isso, mais uma vez, é possível aproximar a visão de Rich à de Arendt
quando essa última afirma, “[...] a ação jamais é possível no isolamento. Estar isolado é
estar privado da capacidade de agir” (2001, p. 201). É, portanto, na união com os outros e
através da combinação entre consciência e ação política que as mudanças sociais se tornam
possíveis. O papel dos intelectuais, nesse processo, segundo Rich, é importante à medida
que possam assumir uma posição corajosa de denúncia das injustiças sociais.
125
Rich tem demonstrado, através de sua escrita, um compromisso cada vez maior para
criticar e denunciar o poder público. Em seus ensaios críticos e nas entrevistas concedidas
pela autora, ela reforça de forma explícita seu interesse em fazer da escrita um instrumento
que contribua com as transformações sociais. Sua poesia também reflete esse propósito,
entretanto, pela própria estrutura formal do gênero literário, a linguagem usada nas
entrevistas e nos ensaios deixa mais claro seu objetivo. Por isso, no percurso de sua
trajetória literária, no momento em que Rich rompe com a imitação do discurso poético
masculino, ela rompe também com a estrutura formal da poesia, como afirma Maria Isabel
Mansilla Blanco: “No entanto, a revolução formal de Rich também se refere à sua evolução
nos anos sessenta, época em que Rich abandona a simetria formal dos poemas anteriores
para optar pelo verso sem métrica nem rima
153
(2001, p. 11, tradução nossa). Rich tem
tentado atribuir também à sua poética uma maneira de articular uma linguagem que seja
semelhante àquela expressa nos ensaios e entrevistas.
Rich continua fazendo com que sua arte, nesse caso a poesia, possua ritmo e
musicalidade, mas que possa ser também um instrumento que abranja a questão política.
Por isso, a poeta rechaça a idéia de que a arte não possa estar associada à política. Ao
contrário, ela deixa claro que a poesia precisa estar cada vez mais associada à ação política,
como afirma em seu ensaio “Blood, Bread, and Poetry: The Location of the Poet” (Sangue,
pão, e poesia: o local do poeta): “Eu sentia mais e mais urgentemente a dinâmica entre a
poesia como linguagem e a poesia como um tipo de ação, aprofundando, queimando,
esfolando, colocando-se em diálogo com o outro além do eu individual”
154
(RICH, 1986, p.
181, tradução nossa). Novamente a poeta faz repercutir a voz de Arendt para mostrar como
a ação e o discurso são inseparáveis. As expressões “aprofundar’ “queimar” e “esfolar” têm
126
a conotação de tirar o acabamento que encobre o conteúdo e uma aparência às coisas.
Essas expressões demonstram a intenção da autora em ultrapassar a superfície discursiva,
fazendo com que sua escrita provoque incômodos e possa desnudar as relações sociais. Em
outras palavras, Rich busca alcançar a tangibilidade da escrita. Sendo assim, a poesia não
permanece na crítica puramente textual, mas se torna um elemento que propicia a
efetivação da ação política. Por essa razão, em grande parte de sua poética, Rich prioriza os
aspectos ideológicos em sua escrita que tem uma correspondência com a prática.
A poeta ressalta a importância social da linguagem e desmistifica a aura popular da
imagem do poeta como alguém que está em um nível superior. Ela não ignora a habilidade
do poeta no jogo e na articulação das palavras, mas ressalta a importância em estabelecer,
na poesia, a ligação com o mundo à sua volta. Sua intenção é trazer a poesia para a
realidade das pessoas, ou seja, Rich tenta combinar sua arte com a política e não ficar
apenas no exercício estético da arte pela arte. A poeta assume que uma das maneiras
encontradas por ela para registrar historicamente e politizar sua obra foi datando todos os
poemas:
Por volta de 1956, eu comecei a datar meus poemas por ano. Eu fiz isso
porque tinha rompido com a idéia de que um poema é um evento único,
condensado, um trabalho de arte completo em si mesmo. Eu sabia que a
minha vida estava mudando, meu trabalho estava mudando e eu
precisava indicar aos leitores meu senso de estar envolvida em um longo
processo em progresso.
155
(RICH, 1986, p. 180, tradução nossa).
Mais uma vez, a poeta desmistifica a figura do artista. O registro temporal de sua
obra reflete sua consciência de que o trabalho intelectual não pode ser considerado acabado,
pois se ele está comprometido a relatar o estar no mundo em um momento histórico
específico, isso significa assumir também a instabilidade da própria escrita que relata esses
127
momentos políticos e culturais. Tal atitude nos permite acompanhar sua trajetória e
perceber que sua visão, principalmente em relação à poética, sofre mudanças à medida que
ela se envolve nos movimentos sociais e políticos, como demonstrado no capítulo um. Rich
rejeita a separação da poesia de política ou sua arte da vida e demonstra que sua poesia
tem sentido se estiver refletindo a diversidade de suas próprias relações sociais: “Existe a
visão erroneamente mística da arte que assume um tipo de inspiração sobrenatural, uma
posse das forças universais não relacionadas às questões de poder e privilégio ou a relação
do artista com o pão e sangue”
156
(RICH, 1986, p. 178, tradução nossa). A partir dessa
passagem, percebemos que a poeta explicita sua relação com o trabalho intelectual. Ela
descaracteriza a aura do artista e nos faz ver os interesses que perpassam a função do
intelectual na contemporaneidade.
Rich afirma ainda que mesmo quando foi orientada a valorizar a forma, passou a
perceber que a poesia podia representar mais do que simplesmente a sonoridade, a rima e o
ritmo. Por isso, a autora tem buscado estabelecer uma relação mais tangível entre a escrita,
nesse caso a poesia, e os sentimentos que tenta descrever. A poeta expressa também a
impossibilidade de alcançar transformações somente a partir da ação individual, por isso,
em Campos sombrios da República, Rich traz à tona as vozes de outros intelectuais como
Hannah Arendt, Rosa Luxemburg, W. H. Auden e Bertolt Brecht, para evidenciar a
contribuição histórica desses autores, reforçando a importância da ação coletiva no
processo de transformação social. No poema que abre a coletânea “Que tempos são esses”,
citado abaixo, a poeta faz coro ao poema “Aos que virão depois de nós” de Bertolt Brecht:
Existe um lugar entre dois grupos de árvores onde a grama cresce
na colina
e a velha revolucionária estrada termina em sombras
próxima a um templo religioso abandonado pelos perseguidos
128
que desapareceram naquelas sombras.
Eu andei por lá apanhando cogumelos à margem do terror, mas
não seja tolo,
isso não é um poema Russo, isso não acontece em outro lugar, senão
aqui,
nosso próprio país se aproximando mais e mais de sua própria verdade e
terror,
suas próprias formas de fazer as pessoas desaparecerem.
Eu não te direi onde é o lugar, a armadilha escura das matas
encontrando o facho de luz desapercebido –
encruzilhadas fantasmas - oprimidas, paraíso das folhas caídas:
E já sei quem quer comprá-lo, vendê-lo, fazê-lo desaparecer.
E eu não te direi onde é, então porque eu o digo
alguma coisa? Porque você ainda ouve, porque em tempos como esses
tem você que ouvir de qualquer modo, é necessário
conversar sobre as árvores.
157
(RICH, 1995, p. 3, tradução nossa).
O poema de Rich é um questionamento à obscuridade da república estadunidense.
Assim como no poema de Brecht, Rich também critica a alienação a que as massas estão
sujeitas. Em: “[...] não seja tolo,/isso não é um poema Russo, isso não acontece em outro
lugar, senão aqui,/nosso próprio país se aproximando mais e mais de sua própria verdade e
terror [...](RICH, 1995, p. 3, tradução nossa), a poeta faz repercutir o poema de Brecht:
“[...]Aquele que ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia”. Ambos poemas
expressam o sentimento de angústia em relação às arbitrariedades cometidas em seus
países. Brecht também aposta no poder do discurso, pois ao afirmar que “[...] a linguagem
sem malícia é sinal de estupidez”, ele reforça a idéia de que a linguagem deveria estar
associada à realidade do mundo. De forma semelhante, a voz poética em Rich procura
129
alertar a população que está alheia aos acontecimentos políticos em seu país. Ela reafirma
sua posição de não compactuar com as crueldades exercidas pelo governo estadunidense e
busca apresentar os desdobramentos da “democracia”, ou seja, a poeta busca revelar as
formas como aquela democracia na qual ela acredita, pode ser garantida. Nesse poema, a
voz poética assume o papel de intelectual que se coloca como visionário que tem
consciência dos “tempos sombrios” em seu próprio país. Assim como Brecht, Rich também
atribui à linguagem um poder revolucionário.
Em outro poema dessa mesma coletânea, “Pôr-do-sol, dezembro, 1993”, Rich
demonstra a importância da poesia como um instrumento capaz de desencadear a
conscientização, mas expressa também a vulnerabilidade da (o) poeta e dos cidadãos
estadunidenses no final do século:
Perigoso naturalmente traçar
paralelos Ainda mais perigoso escrever
como se houvesse um curso permanente, nós e nossos poemas
protegidos: a vida individual, protegida
poemas, idéias, deslizando
no ar, inocente
Eu abandonei o tombadilho e cada borda
brilhava com o orvalho frio, poderia congelar essa noite
Cada borda é diferente claro, mas cada uma cintila
molhada, debaixo de um complicado céu: montes de tinta dilatados
cinza pesado descarregando na costa
um arco-íris repentinamente e casualmente
revelando sua extensão
130
Perigoso não pensar
como que a terra ainda era em lugares
enquanto as chaminés estremeciam com seus primeiros
descarregamentos.
158
(RICH, 1995, p. 29, tradução nossa)
Para Langdell, “[...] a missão de Rich, nessa coletânea, é explorar aqueles campos
(os campos obscuros da República), escrupulosamente percorrendo-os em busca das
verdades que a América, como nação, tem negligenciado e almejado por necessidade”
159
(2004, p. 198, tradução nossa). Se, por um lado, a poeta se sente ameaçada, pois é
“perigoso escrever”, por outro lado, mais “perigoso é não pensar” e deixar que o holocausto
aconteça “enquanto as chaminés estremeciam com seus primeiros descarregamentos”. A
poeta demonstra o pouco valor atribuído aos poetas: “[...] poema, idéias, deslizando no ar
longe do solo [...]”, por isso assume a responsabilidade intelectual em denunciar os rumos
desastrosos para os quais sua nação se dirige. Nesse sentido, Rich reforça o pensamento de
Edward Said em relação à função dos intelectuais na sociedade que seria de estarem
envolvidos com os conflitos e demandas da comunidade na qual estão inseridos.
Há, portanto, um interesse em relatar, na poesia, os acontecimentos mundanos que
afligem os seres humanos. Os poemas e as idéias não podem, segundo Rich, ficar
“deslizando no ar” longe do solo, é preciso aterrissá-los. Sua intenção em politizar a poesia
passa pela vontade de democratizar a linguagem. Por isso, mais uma vez, busco aproximar
as reflexões do crítico Edward Said acerca do papel dos intelectuais na sociedade moderna
à escrita de Rich, pois assim como Said, a poeta procura repensar sua função na sociedade e
sua responsabilidade em relação à arte que produz. Ela busca dialogar com outros escritores
marginalizados e valorizar a arte que não se prima pelo princípio mercadológico; ao
131
contrário, em sua visão, o intelectual precisa estar atento ao objetivo e tipo de arte que tem
produzido. A poeta conclui seu ensaio “Sangue, pão e poesia” afirmando: “Esse tipo de arte
como a arte de tantos outros não canonizados na cultura dominante não é produzida
como uma mercadoria, mas como parte de uma longa conversa com os antepassados e o
futuro”
160
(RICH, 1986, p. 187, tradução nossa). Segundo Rich, seguindo mais uma vez a
linha de Arendt, é necessário que haja uma relação orgânica entre a poesia e a ação política
que leva à transformação social (1986, p. 184). Sendo assim, uma das formas encontradas
pela autora para compreender a importância que a escrita cumpre como forma de ação será
partir da geografia mais restrita, ou seja, a partir da teorização do corpo nesse processo.
Rich busca entender de que forma o corpo gendrado tem sido um espaço que não somente
reflete as opressões sociais, como também resiste a essas imposições, abrindo caminho para
uma ação política que se faz através da escrita.
Capítulo 4
Corpo e escrita
Uma característica marcante da escrita de Adrienne Rich é o uso das imagens do
corpo para falar de sua ação política e para descrever as relações de dominação sofridas
pelas mulheres ao longo dos anos. Na busca por compreender o processo de discriminação
sexual, a poeta retoma a questão do corpo como uma das principais premissas que
justificaram o domínio de um gênero sobre o outro
161
. O retorno ao corpo e a análise da
construção cultural discursiva em torno dele possibilitam a compreensão do processo que
legitimou a relação de dominação na sociedade. Para a crítica literária Judith Butler “[...] o
corpo é apresentado como superfície e cenário de uma inscrição cultural” (2003, p. 186).
Os valores traçados nesse cenário encontram legitimidade através do discurso no qual as
significações de gênero e identidade do sujeito são articuladas (2003, p. 186). Para ela, o
corpo, mais especificamente o corpo feminino, tem refletido a arbitrariedade de um
conjunto de demandas sociais.
A partir dessa idéia do corpo feminino como um lugar culturalmente demarcado,
enfoco, neste capítulo, algumas questões presentes na obra de Adrienne Rich que
perpassam as representações do corpo. Investigo como a poeta e escritora faz do corpo
feminino um espaço de reflexão sobre as relações de dominação, resistência e luta das
mulheres. Busco compreender de que forma ela teoriza a questão do corpo que, para ela,
não é dissociada da ação política dos intelectuais. Nesse sentido, analiso como Rich articula
em seu discurso a significação e ressignificação do corpo gendrado através de suas
produções críticas e literárias.
133
Rich procura analisar em vários momentos de sua obra as forças discursivas que são
impostas ao corpo feminino. Para a autora, o discurso que estabelece normas que
naturalizam o comportamento de homens e mulheres é também responsável pela tradicional
divisão entre o corpo e a mente. Em Da mulher nascida, a escritora demonstra como a
apropriação do corpo das mulheres foi um elemento importante no processo de dominação
social. Em sua visão:
A organização física que tem significado, por gerações de mulheres,
como involuntária e a maternidade contratada, é ainda um recurso
feminino pouco tocado ou compreendido. Temos tido a tendência a
tornar nossos corpos – de forma cega e escrava, em obediência às teorias
masculinas sobre nós ou tentar existir apesar deles.
162
(1986, p. 285,
tradução nossa).
Essa passagem revela a dificuldade em desestruturar as bases da concepção
tradicional do corpo das mulheres como espaço de apropriação. O discurso que questiona a
função do corpo feminino como sendo diretamente ligado à reprodução e à organização
física involuntária, segundo a autora, ainda permanece pouco debatido. Afinal, continuamos
a tratar nossos corpos de acordo com as duas definições abordadas pela autora, isto é, nós
os tratamos como um objeto aos olhos masculinos ou os conduzimos, mas ignorando suas
reais possibilidades e condições. Dessa maneira, um dos maiores desafios impostos às
mulheres na modernidade, de acordo com Rich, tem sido questionar as bases do discurso
que legitima a cisão entre mente e corpo e repensar novas formas de inverter esse discurso.
A poeta procura, não somente através de seus poemas, mas principalmente por meio de
seus ensaios críticos, desfazer essa separação e imprimir a visão da correlação cultural e
histórica entre o corpo e a mente, principalmente em relação às mulheres.
Analisando a história das mulheres no Ocidente, vimos que elas têm sido colocadas
à margem da esfera pública. Mesmo se levarmos em conta os avanços obtidos nas últimas
134
décadas em relação à participação delas tanto na política quanto na cultura, as mulheres
ainda são estigmatizadas por uma suposta inferioridade feminina. Seus esforços na busca
por uma participação legítima na política encontram barreiras baseadas nessa noção
estereotipada de inferioridade, que embora venham sendo debatidas e questionadas, ainda
persistem em muitas relações sociais atuais.
Mark Mazower, historiador britânico, faz um estudo da democracia européia no
século XX em seu livro Continente sombrio e discute como o controle sobre o corpo passa
a ser um elemento importante na concepção da nação moderna. No mundo ocidental,
principalmente no período que compreende as duas grandes guerras mundiais, o discurso
acerca do controle do Estado sobre o corpo dos indivíduos assumiu uma dimensão visível
em relação aos interesses da sociedade capitalista. A diminuição da população européia,
que já vinha ocorrendo, se agravou após a Primeira Guerra Mundial e fez com que parte das
lideranças governamentais na França, Inglaterra e Alemanha propagasse a idéia da
importância da natalidade. A preocupação era principalmente com a queda de nascimento
das “raças brancas”. Mazower faz uso dessa expressão para se referir especificamente ao
contexto europeu do começo do século XX em que alguns países temiam a miscigenação
das raças. Com isso, tais países priorizaram medidas tanto para incentivar o crescimento
familiar quanto para reprimir métodos contraceptivos e a realização de abortos.
No discurso da importância da constituição da família fica evidente o interesse do
Estado sobre o controle do corpo feminino, pois, recaía sobre as mulheres a
responsabilidade e o compromisso em fazer a família crescer (MAZOWER, 1998, p. 87).
Dessa forma, a liberdade delas era cerceada, uma vez que seu direito de escolha era negado.
A vida das mulheres ficava restrita ao universo familiar, pois quanto mais filhos tinham,
menos tempo e condições teriam para o mundo fora de casa. Também é verdade que a
135
permanência das mulheres dentro de casa configurava um outro interesse do Estado que era
a garantia do trabalho doméstico. Se por um lado era forte o argumento de compromisso e
dever com sua função reprodutora, por outro as mulheres demonstravam, nessa época,
resistência em submeter seus corpos aos interesses do Estado, como afirma Mazower:
Em toda a Europa, porém, os desejos do Estado e os das mulheres
estavam longe de coincidir. Continuou sendo tão difícil fazer cumprir a
legislação do século XX sobre o aborto quanto sua equivalente
napoleônica. Os processos foram poucos e não tiveram grande impacto
sobre uma prática que se mantinha amplamente difundida entre mulheres
de todas as classes (1998, p. 94).
Portanto, mesmo sob pesado discurso do ponto de vista legal, moral ou religioso, as
mulheres, de alguma forma, continuaram a quebrar a lógica estranha do controle do Estado
sobre seus corpos.
Essa idéia do corpo como alvo dos interesses do Estado pode também ser analisada
à luz do trabalho de Michel Foucault. Em Vigiar e Punir: História da violência nas prisões,
Foucault discute o processo histórico da legislação penal e as formas de punição usadas
pelo poder público para reprimir os delinqüentes. Em sua análise, o corpo se torna um dos
principais elementos na compreensão das relações de poder entre o Estado e o indivíduo.
Nesse estudo, o autor demonstra que a descoberta do corpo como objeto e alvo de poder
teve início ainda na época clássica. A forma como o corpo passa a ser compreendido
favorece o discurso de sua otimização econômica que resulta no domínio e controle dos
indivíduos. Em instituições como os hospitais, as prisões, os quartéis, as escolas e
principalmente as fábricas, os indivíduos são geograficamente alocados de forma que
possam ser observados e vigiados. Foucault demonstra de que forma as disciplinas adotadas
por essas instituições modelam o comportamento dos indivíduos, ou seja: “Forma-se então
uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada
136
de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa
maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe” (FOUCAULT, 1991,
p. 127). Através desse trabalho exercido sobre o corpo é possível controlar o tempo, o
espaço e os movimentos dos indivíduos. O corpo se torna obediente ou dócil; pode ter ao
mesmo tempo sua capacidade elevada em relação à utilidade econômica, ou reduzida
quanto a sua sujeição.
Portanto, um dos pilares discursivos na organização social da política foi a
utilização da imagem do corpo humano como representação do corpo político moderno. De
acordo com Susan Bordo,
Na antiga metáfora do corpo político, o estado ou a sociedade foi
imaginado como um corpo humano, com diferentes órgãos e partes
simbolizando diferentes funções, necessidades, componentes sociais,
forças e assim por diante – a cabeça ou a alma para a soberania, o sangue
para a vontade do povo, os nervos para o sistema de recompensa e
punições, e daí por diante.
163
(1999, p. 251, tradução nossa).
Essa metáfora do corpo humano ilustrava a sociedade como um todo sendo que,
para que houvesse harmonia e bom funcionamento desse corpo, os órgãos precisariam ter
sintonia entre si e responder aos comandos do cérebro. No entanto, essa idéia
corporativista
164
, a partir da visão liberal, revelava fragilidades em sua concepção ao
pressupor que os diferentes grupos sociais por ela representados possuíam interesses
comuns. Os conflitos entre os grupos que compunham esse corpo eram ignorados e o grupo
que apresentasse resistência ao poder soberano era marginalizado. O órgão que não
respondia adequadamente aos comandos do cérebro era considerado doente. A anomalia
poderia ser tratada ou, em casos mais extremos, o membro poderia ser mutilado. Esse
modelo não somente desconsiderou os conflitos entre os diferentes grupos sociais como
também determinou a submissão das mulheres nessa representação. A diversidade entre os
137
gêneros e classes sociais foi ofuscada pelo princípio da universalidade. As mulheres, assim
como os negros, os homossexuais, os trabalhadores, entre outros grupos marginalizados,
foram excluídas da participação desse corpo político universalizante e idealizado.
Moira Gatens, em Corporeal Representation in/and the Body Politic”
(Representação corpórea no/e o corpo político), analisa as bases da representação do corpo
humano na teoria política e demonstra de que forma as mulheres foram subjugadas nesse
processo. A imagem eleita para a representação desse corpo, embora tenha a pretensão de
ser neutra, revela ter mais características do gênero masculino do que do feminino, como
afirma a autora: “A atual crítica feminista tem mostrado que o corpo neutro, assumido pelo
estado liberal é implicitamente um corpo masculino”
165
(1997, p. 84, tradução nossa).
Algumas características como a saúde e a capacidade física do corpo foram essenciais na
elaboração de um discurso que justificasse a soberania de um gênero sobre o outro e
estabelecesse as premissas para a participação na vida pública. A suposta fragilidade física
das mulheres justificava sua exclusão do exercício político e, conseqüentemente, seu papel
secundário nessa representação. As mulheres, quando são agregadas a esse modelo,
ocupam, obviamente, uma posição periférica como demonstra Gatens,
As representações do corpo humano são, na maioria das vezes, do corpo
masculino e pode ser que nas margens alguém encontre suplementos das
representações do sistema reprodutivo feminino: o peito lactante, a
vagina, os ovários, partículas de corpos, fragmentos do corpo.
166
(1997, p.
84, tradução nossa).
Essa representação, na margem, demonstra a visão do corpo feminino fragmentado
– fragmentos esses que têm uma relação direta com a função reprodutora – ou seja; o corpo
é apresentado como objeto a serviço dos interesses da nação. A participação das mulheres
na esfera política tem sido um retrato dessa representação. Em grande parte, suas
138
participações têm se dado de forma isolada, pois ao longo dos anos, tem sido pequena sua
presença no centro do corpo político.
Embora Foucault não tenha feito, nesse estudo, referências específicas ao corpo das
mulheres, interessa-me aqui traçar essa relação análoga, verificando como o discurso
patriarcal “fabrica” o corpo feminino, isto é, de que forma o corpo feminino mais que o
masculino se torna um objeto modelado e controlado na sociedade moderna. Através do
discurso patriarcal, o corpo feminino se torna propriedade do controle masculino. Nesse
sentido, a sujeição das mulheres vai sendo sutilmente construída através dos discursos e
reforçada por instâncias sociais como a família, a igreja, a justiça, entre outras. Os
dispositivos disciplinares analisados por Foucault em relação ao corpo humano se ajustam
perfeitamente ao corpo e comportamento femininos. De acordo com Foucault,
O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de apropriar e de
retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para
retirar e apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para
reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo
(1991, p. 153).
De forma semelhante ao adestramento analisado por Foucault, o patriarcalismo
encontrou sua forma discursiva de disciplinar o corpo feminino. A partir do discurso, o
sistema patriarcal não só naturaliza a submissão do gênero feminino ao masculino como
reitera a relação hierárquica entre eles. A internalização desse discurso acerca da disciplina
reforça a submissão das mulheres e reduz as possibilidades de elas agirem como sujeitos.
Bordo afirma que o feminismo inverteu a metáfora do “corpo político” encontrada
nos filósofos do passado para “as políticas do corpo” no presente. Essa outra dimensão
apresentada pelo feminismo tem possibilitado uma discussão mais ampla a respeito do
papel das mulheres na sociedade e favorecido uma nova visão em relação à representação
do corpo feminino, não no contexto sócio-cultural, mas também político. Sendo assim,
139
torna-se fundamental reconhecer ainda o corpo como um meio de cultura. De acordo com
Liz Yorke,
O corpo feminino é sempre mediado pela linguagem. A forma como
compreendemos nossos corpos tem sido constantemente modelada de
acordo com os significados psíquicos e sociais difundidos pela cultura da
mesma forma que nossa visão de nós mesmas é construída em relação
aos contextos geográficos, temporais e familiares.
167
(1997, p. 15,
tradução nossa).
O reconhecimento do corpo como um espaço de expressão cultural nos possibilita
compreender, por exemplo, o momento atual. A preocupação com o corpo feminino tem
atendido cada vez mais às demandas de um ideal de feminilidade imposto pelos meios de
comunicação. Talvez estejamos vivendo o momento no qual a “docilidadedo corpo, ou
seja, o corpo obediente e sujeito às mais diversas modificações da forma como Foucault
compreende, esteja sendo levada às últimas conseqüências. O corpo exageradamente
magro, perfurado ou moldado pelos ajustes cirúrgicos se tornou o espaço que reflete essas
demandas sócio-culturais. Por isso, esse reconhecimento do corpo como meio de expressão
cultural é fundamental na criação de possibilidades de intervenção política.
Apoiada na discussão de Susan Bordo em “Feminism, Foucault and the Politics of
the Body” (Feminismo, Foucault e as políticas do corpo), pode-se perceber os
desdobramentos do discurso acerca do corpo feminino como espaço de apropriação e
dominação para compreender as formas que Adrienne Rich, assim como outras escritoras
contemporâneas, tem encontrado para ressignificar esse discurso. A temática do corpo
feminino como um instrumento apropriado, seja para atender aos interesses do Estado, seja
para corresponder aos prazeres dos homens, é o foco principal da análise de Rich em Da
mulher nascida. Embora seu objetivo primeiro seja abordar as implicações da maternidade
como experiência e instituição, a poeta acaba realizando um estudo detalhado das diversas
140
representações do corpo feminino e suas complexidades na relação com os homens e com
os organismos de poder do Estado. Rich instiga as mulheres a desvendar e conhecer as
possibilidades do próprio corpo, não permitindo que o sistema patriarcal perpetue a
dominação que até então tem sido garantida. Em sua visão fica evidente como o corpo
feminino cumpre o papel de responsável pelos interesses do Estado ao ser a fonte de
reprodução da vida humana.
De maneira análoga, Bordo se apóia nas idéias de Foucault para analisar a relação
de poder sobre o corpo das mulheres na contemporaneidade. Para isso, apresenta duas
vertentes do pensamento foucaultiano debatidas pelo movimento feminista. A primeira tem
como orientação o referencial marxista e a segunda o pós-modernista. Se na primeira
vertente as mulheres são sempre consideradas objetos do desejo masculino e se encontram
alienadas nas relações de poder, atendendo aos interesses da sociedade capitalista; a
vertente pós-moderna considera outras tensões na relação de dominação, pois, de acordo
com essa visão, as mulheres nem sempre são dominadas ou estão alienadas por também
exercerem ativamente o poder. Em outras palavras, para o pós-modernismo existem espaço
e possibilidade de questionamento sobre a posição das mulheres em relação ao poder
(BORDO, 1999, p. 254).
Nesse sentido, Bordo discute os elementos discursivos que formam e reforçam o
ideal de feminilidade, mas também questiona a posição das mulheres nesse processo.
Segundo a autora, “[...] em questões de beleza e feminilidade são as mulheres as
responsáveis por qualquer escravização que sofrem pelos caprichos e tiranias corporais da
‘moda’”
168
(BORDO, 1999, p. 251, tradução nossa). A obsessão com a realização das
mudanças no corpo tem sido uma resposta às exigências do ideal de beleza impostas pelos
meios de comunicação de massa.
141
A partir das idéias foucaultianas, Bordo reconhece que o poder moderno é
descentralizado, isto é, ele está disseminado e presente nas relações cotidianas em toda a
estrutura social. No entanto, o fato de ele se configurar através da impessoalidade não
significa que não haja uma diferenciação entre os membros que fazem parte e participam
dessas relações como afirma a autora: “[...] o fato do poder não ser mantido por alguém não
requer que ele esteja igualmente mantido por todos. Ele não é ‘mantido’ por ninguém; mas
as pessoas e os grupos estão posicionados diferentemente dentro dele”
169
(BORDO, 1999,
p. 253, tradução nossa). Essa diferença nos posicionamentos nos permite visualizar como as
práticas discursivas assumem um papel importante no processo da dominação de um gênero
sobre o outro. São as práticas discursivas que informam e garantem a internalização das
normas sociais. Por isso, o discurso assume um papel importante, pois além de informar e
impor regras ele também oculta as forças dominantes e silencia os dominados. Segundo a
autora: “Para Foucault, o poder moderno (que se contrapõe ao poder soberano) é não-
autoritário, não-conspirador e, de fato, não-orquestrado; ainda assim, produz e normaliza os
corpos para atender às relações predominantes de domínio e de subordinação”
170
(BORDO,
1999, p. 252, tradução nossa). Mesmo compreendendo que o poder se encontra
disseminado entre os mais diversos campos que compõem a vida dos indivíduos, ainda
assim, podemos considerar que pelo menos no mundo ocidental predomina a relação de
dominação masculina e a submissão feminina.
Não se trata, portanto, de opção entre as vertentes marxista ou pós-moderna, mas de
considerar que ambas são importantes na compreensão das relações de poder do corpo
como Bordo conclui, “[...] ambas as perspectivas, eu argumentaria, são essenciais para a
compreensão teórica adequada do poder e do corpo”
171
(1999, p. 255, tradução nossa).
Embora aceitando que o poder se encontra descentralizado na contemporaneidade e que as
142
mulheres, no mundo de hoje, têm mais autonomia em relação aos seus corpos, ainda assim
a questão crucial da submissão de seus corpos se baseia nas premissas do discurso
patriarcal. Esse argumento perpassa também a teorização feita por Rich acerca das
representações do corpo feminino.
Corpo apropriado
172
Rich busca, através da representação do corpo, espaços para intervir na sociedade.
Sendo assim, grande parte de seus poemas privilegia imagens do corpo como um
instrumento que reflete as relações de poder na sociedade. Também em Da mulher nascida,
ela analisa as raízes do poder patriarcal e a forma pela qual as mulheres se sujeitaram ao
domínio masculino. Rich procura abordar todas as questões que envolvem o corpo
feminino, tanto do ponto de vista físico, quanto sócio-econômico e cultural. Em sua análise,
o matrimônio e a maternidade se constituem como instituições que visam primordialmente
à exploração de interesses econômicos e políticos.
A poeta parte do eu para compreender o outro, do pessoal para o político; por isso
utiliza também sua obra crítica para relatar, ao leitor, sua própria experiência. Rich relata
sua experiência na ocasião da primeira gravidez, separando a maternidade biológica da
maternidade institucionalizada. Revela sua alienação quanto ao desconhecimento das
condições do próprio corpo e em corresponder ao comportamento esperado pela sociedade.
Segundo ela, o discurso acerca da maternidade impõe às mulheres regras de
comportamento que reforçam o comodismo e limitam suas atividades intelectuais. Assim
admite: “Eu me distanciei tanto da minha experiência física imediata quanto da minha vida
intelectual”
173
(RICH, 1995, p. 39, tradução nossa). A razão desse distanciamento é que ela
143
se deixou levar pelo discurso que rotulou a experiência, ao invés de observar e sentir de
fato sua própria vivência. Por essa razão, ela desmistifica o discurso que impõe
comportamentos, ou seja, para ela, “A maternidade institucionalizada demanda das
mulheres o ‘instinto’ maternal no lugar da inteligência, a abnegação ao contrário de auto-
realização e a relação com os outros ao invés da criação do eu”
174
(1995, p. 42, tradução
nossa). Embora tenha explicitado sua angústia nesse processo, a poeta procura inverter as
questões que objetivam justificar a fragilidade física e a força das mulheres para demonstrar
que, contrariamente à idéia de vulnerabilidade inerente à condição feminina, a capacidade
de procriar comprova a resistência física das mulheres. Ao refletir sobre a própria
experiência, Rich afirma:
Estou convencida [...] que a biologia da mulher a difusa, sensualidade
intensa irradiando do clitóris, seios, útero e vagina; os ciclos lunares da
menstruação; a gestação e o gozo de vida os quais podem ocorrer no
corpo feminino tem de longe mais implicações radicais do que
possamos chegar ainda a apreciar. O pensamento patriarcal tem limitado
a biologia da mulher às próprias especificações. A visão feminista tem
recuado em relação à biologia feminina por essas razões. Eu acredito que
ainda alcançaremos a visão de nossa fisicalidade como recurso em vez de
destino.
175
(1995, p. 39-40, tradução nossa).
Nessa passagem, a poeta aponta novas possibilidades para compreender a
fisicalidade das mulheres em contraposição à limitação imposta pelo sistema patriarcal.
Rich responsabiliza o sistema patriarcal por reduzir a biologia da mulher aos seus interesses
através do discurso que a rotula de complexa, instintiva, sagrada, entre outras definições
que limitam as mulheres. Por essa razão, segundo Rich, cabe a elas compreender sua
corporalidade para reverter esse discurso.
Nessa obra, a poeta demonstra de que forma o corpo feminino é manipulado pelas
instituições de controle social e aponta a dificuldade enfrentada pelas mulheres no combate
ao discurso patriarcal. Por isso, ela expõe a ambivalência da figura materna demonstrando
144
que os diversos sentimentos que perpassam o cotidiano das mães tais como o ódio, a
impaciência, o descontentamento com a rotina, entre outros, que são silenciados e não
assumidos, na maioria das vezes, ocorrem por temor ao sentimento de culpa. Essa culpa
surge por o se forçarem a suportá-los ou até mesmo por admitirem experimentar tais
sentimentos que o correspondem ao ideal da figura materna. O fato de a escritora ter
assumido esses sentimentos contraditórios foi, na verdade, uma forma de se contrapor ao
discurso estabilizador da imagem angelical e passiva comumente esperada das mães. Na
visão de Yorke,
Os argumentos de Rich pressupõem que o corpo materno é vívido: ele
está em suas especificidades ligado diretamente aos domínios social e
político e é um lugar crucial de luta no qual as instituições culturais de
ordem psicanalítica, sexual, tecnológica, econômica, médica, legal, entre
outras, disputam o poder.
176
(1997, p. 65, tradução nossa).
Como essa citação demonstra, Rich revela os propósitos do discurso patriarcal ao
estabelecer a maternidade como destino das mulheres. A poeta analisa a maternidade do
ponto de vista racional, buscando se distanciar do discurso moral que tornam as mulheres
alienadas e acomodadas a essa condição. Nessa análise, através da escrita, Rich abre
espaços para a consciência crítica das contradições, ambigüidades e imposições nas
experiências das mulheres como mães (YORKE, 1997, p. 66). Se o que direciona e controla
o comportamento das mulheres está fundamentalmente ancorado no discurso, lhe resta
então desestabilizar esse discurso. Por isso, ela busca compreender as bases do discurso
patriarcal para, em um segundo momento, desqualificar esse discurso. Ao fazer isso, Rich
não tensiona a autoridade patriarcal como também questiona as bases que sustentam a
organização política e social, como Yorke afirma:
Rich enfaticamente desafia os conhecimentos definidos pelos homens e
as estruturas sóciopolíticas ao identificar as múltiplas formas nas quais
eles têm constrangido e subjugado os corpos das mulheres através da
145
história em diferentes épocas e em diferentes partes do mundo.
177
(1997,
p. 66, tradução nossa).
Como reitera a autora, a dominação sofrida pelas mulheres, nas relações sociais,
está fundamentalmente ligada ao domínio que os homens exercem ao longo dos anos sobre
seus corpos. Esse domínio tem também relação com os interesses econômicos na sociedade
capitalista. Para a poeta, “o corpo feminino tem sido tanto território quanto máquina, a
selva virgem a ser explorada e a linha de montagem que produz vida”
178
(1995, p. 285,
tradução nossa). Em outras palavras, o corpo das mulheres se tornou um instrumento a
serviço das instituições sóciopolíticas e culturais. O discurso que justifica o papel
secundário das mulheres na sociedade reforça a idéia de sua função reprodutora e
estabelece as diretrizes que configuram o ideal de feminilidade. Nesse ideal, as mulheres
têm que se adequar a um padrão que corresponda às expectativas em relação a uma
determinada postura. A delicadeza e a fragilidade são atributos tradicionais que valorizam o
corpo em detrimento da capacidade de raciocínio e fortalecem o discurso que visa perpetuar
a subordinação feminina.
A tradicional dissociação do corpo e mente favorece o processo de submissão por
desvalorizar a mente e transformar o corpo em objeto. Esse desmembramento enfraquece,
sobretudo, as mulheres que, ao internalizar esse discurso, acabam reforçando a suposta
vulnerabilidade feminina. Esse se um dos principais aspectos enfocados por Rich no
combate ao discurso que estabeleceu a relação dicotômica entre os homens e as mulheres.
O discurso que naturaliza a separação entre a mente e o corpo tem por objetivo
descaracterizar a capacidade intelectual feminina e intensificar a idéia do corpo feminino
como lugar de apropriação. Sendo assim, Rich procura reverter esse discurso demonstrando
146
como a tomada de consciência dessa imposição cultural é importante na conquista da
autonomia das mulheres sobre seus corpos.
A partir das reflexões sobre o próprio corpo quando estava grávida, a poeta conclui:
“O que me mobilizou no final foi a determinação em recuperar o que uma mulher pode,
na medida do possível, junto com outras mulheres a separação entre corpo e mente; não
me perder jamais tanto psíquica e fisicamente daquela forma”
179
(RICH, 1995, p. 40,
tradução nossa). Ela admite suas dificuldades com a experiência da maternidade, por isso,
reforça a importância de buscar mudanças na condição das mulheres. Em sua visão,
restabelecer a união do corpo e da mente, principalmente no caso das mulheres, é um dos
primeiros passos na conquista por sua autonomia. Segundo a autora: “Para viver uma vida
plenamente humana precisamos não somente do controle sobre nossos corpos (embora o
controle seja um pré-requisito); temos que tocar a unidade e ressonância de nossa
fisicalidade, nossa ligação com a ordem natural, a base corporal de nossa inteligência
180
(RICH, 1995, p. 40, tradução nossa). Para ela, não basta somente re-apropriar o corpo, mas,
é necessário também que as mulheres consigam restabelecer o vínculo entre a razão e a
corporalidade. Em outras palavras, para alcançar o controle sobre suas vidas, elas devem
assumir o domínio dos próprios corpos. Em outra passagem, Rich demonstra claramente
sua consciência dessa apropriação pelas mulheres de seus próprios corpos:
No argumento de que ainda não conseguimos explorar ou entender nossa
base biológica, o milagre e paradoxo do corpo feminino e seus
significados político e espiritual, pergunto se realmente as mulheres não
podem começar enfim, a pensar através do corpo, conectar o que foi tão
cruelmente desordenado nossa grande capacidade mental, raramente
usada; nosso senso tangível altamente desenvolvido; nossa índole pela
observação de detalhes; nossa complicada, permanente, doida e multi
prazerosa fisicalidade.
181
(1995, p. 284, tradução nossa).
147
Rich mais uma vez reitera a relevância de agregar o que foi dividido, por isso
“pensar através do corpo” é responder às necessidades do próprio corpo, e utilizar a
“capacidade mental”, ao invés de permitir que o corpo seja submetido à vontade de outrem.
Através dessa passagem, percebemos que a poeta tem consciência da importância da
ressignificação do corpo feminino, desta vez pelas próprias mulheres. Por isso, Rich
demonstra a relevância em compreender o significado político que o corpo assume, isto é, a
suposta inferioridade das mulheres não é uma questão natural e sim construída pelo
discurso. O que Rich reivindica, na verdade, é a reunião do que foi historicamente
fragmentado: razão e emoção. Sendo assim, através da politização e da inversão do
discurso dominante, é que novas possibilidades são abertas para a ressignificação desse
discurso.
Por suas reflexões claras e contundentes em Da mulher nascida, Rich chocou a
opinião pública na época de sua publicação e sofreu várias críticas. Alexander Theroux, em
sua resenha sobre o livro, afirma: Da mulher nascida, desperta em mim, francamente,
como um tipo de colapso nervoso, um exorcismo, um exame de consciência”
182
(COOPER,
1984, p. 307, tradução nossa). O crítico condena, principalmente, o fato de Rich ter feito
uso de sua experiência pessoal para teorizar sobre a maternidade como instituição. Theroux
não somente ironiza o trabalho de Rich ao se referir ao livro como “as confissões da santa
Adrienne” ao invés de um manifesto feminista, como também classifica de exagerada a sua
análise do sistema patriarcal (1984, p. 304).
Contudo, uma parte considerável das idéias formuladas no livro Da mulher nascida
sofreu avanços ao longo dos 31 anos que se passaram, desde sua primeira publicação em
1976, mas essa obra ainda é um trabalho profundo e consistente sobre as questões que
afligem as mulheres.
148
A temática do corpo gendrado também explorada em Da mulher nascida está
presente também em seus poemas. Em “Os tigres da tia Jennifer”, explorado no capítulo
um, Rich demonstra estar ciente da apropriação masculina do corpo da mulher. Por isso,
usa a imagem das mãos da tia Jennifer para demonstrar a submissão a qual estavam sujeitas
as mulheres: “os dedos da tia Jennifer manuseiam a lã/acham difícil até puxar a agulha de
marfim” e “quando a tia estiver morta, suas mãos aterrorizadas irão repousar/todavia
marcadas pelas provações a que ela se submeteu” (1993, p. 4, tradução nossa). Nesse
poema, o corpo responde às tensões vividas por meio das reações demonstradas em: “mãos
aterrorizadas” e “os dedos acham difícil”. Anos mais tarde, a poeta faz referência ao poema
no ensaio crítico “Quando despertamos de entre os mortos: a escrita como re-visão” para
mostrar que, mesmo na época em que escreveu o poema, quando ainda era muito jovem e
influenciada por outros poetas, ela reconhecia a submissão das mulheres. No entanto, ainda
não se sentia preparada para assumir sua própria visão crítica na escrita. Segundo ela:
“Naqueles anos, formalismo era parte da estratégia como luvas de asbestos, isso me
permitia lidar com materiais os quais eu não podia manusear de mãos vazias. Uma
estratégia posterior foi o uso do eu poético masculino [...]”
183
(1979, p. 40-41, tradução
nossa). Tanto a preocupação com a forma do poema quanto o uso de um eu poético
masculino foram estratégias usadas por ela para entremear aspectos da experiência
feminina que demonstram uma certa relação de sujeição.
Rich deixa claro também, nesse ensaio, que durante aproximadamente 20 anos, a
partir do começo de sua produção poética, ela escrevia sob forte influência do pai que era
seu principal crítico e incentivador. Relata que em toda a poesia com a qual estabelecia
contato, nessa época, as mulheres eram representadas apenas como habitantes dos poemas
escritos pelos homens, representadas pela beleza e juventude ou ameaçadas pela falta
149
desses atributos (RICH, 1979, p. 39). Em outras palavras, as mulheres eram retratadas
como objetos através das características físicas e de seus corpos.
Rich analisa, nesse ensaio, a forma como a figura masculina é retratada na poética
de Sylvia Plath e de Diane Wakoski. Em sua visão: “O que me impressiona no trabalho de
ambas é que o Homem aparece como, senão um sonho, um fascínio e terror, e que a fonte
de fascínio e terror é, o poder do Homem de dominar, tiranizar, escolher, ou rejeitar a
mulher”
184
(1979, p. 36, tradução nossa). O contraponto dessa representação é que a
imagem feminina aparece como inferiorizada. Para Rich, mesmo considerando que tais
argumentos são o que move a poesia dessas autoras, é importante também ressaltar que
existe um componente histórico que diferencia os papéis atribuídos a cada gênero, os quais
podem ter influenciado as duas poetas. Segundo Rich:
Enquanto a mulher tem sido uma magnificência para o homem e tem
servido como o modelo do pintor e a musa do poeta, mas também a
consoladora, enfermeira, cozinheira, a condutora da semente dele, sua
secretária assistente e relatora de manuscritos, o homem tem
representado um papel bem diferente para a mulher artista.
185
(1979, p.
36, tradução nossa).
Nessa diferenciação apontada pela autora, o carisma do homem, retratado pela
artista, está na maioria das vezes relacionado ao seu poder sobre ela (RICH, 1979, p. 36). A
representação da mulher sempre esteve tradicionalmente vinculada à idéia de servidão e
utilidade. Tal idéia tende a fortalecer cada vez mais seu papel secundário na sociedade.
Rich prossegue sua análise demonstrando que um dos maiores desafios da mulher escritora,
nessa época, ecoando uma das premissas básicas de Woolf em Um teto todo seu, era
encontrar referências femininas que pudessem colocar a mulher escritora em contato
consigo mesma. Segundo seu ponto de vista: “[…] mas precisamente o que ela [a mulher
escritora] não encontra é aquela pessoa meditativa, monótona, confusa, de vez em quando
150
entusiasmada, ela mesma, que se senta na escrivaninha tentando articular as palavras”
186
(1979, p. 39, tradução nossa). Uma vez representada somente através de imagens, em sua
maioria silenciada, a mulher escritora não conseguia estabelecer nenhuma ligação com o
que ela percebia em si mesma, ou seja; suas contradições, sentimentos e frustrações não
eram retratados.
Nesse sentido, quando Rich opta por relatar o cotidiano de uma mulher (tia
Jennifer), aparentemente comum, revela sua intenção em estabelecer uma relação mais
próxima com as mulheres de seu tempo e seus cotidianos em contraposição aos mitos
femininos usados pelos poetas masculinos. Rich elege uma figura feminina diferente
daquelas apresentadas pelos poetas e mostra o trabalho que essa mulher realiza. Também é
verdade que, embora oprimida, a tia Jennifer não é retratada como absolutamente alienada
na esfera doméstica, pois o trabalho da tapeçaria realizado por ela sugere a semelhança e
permanência do trabalho da escrita: “Os tigres na tapeçaria que ela fez/continuarão a
marchar, orgulhosos e destemidos” (RICH, 1993, p. 4, tradução nossa). Rich declara ainda
que: “Foi importante para mim que a tia Jennifer fosse uma pessoa diferente de mim tanto
quanto possível distanciada pelo formalismo do poema, pelo seu tom objetivo e
observador – até por colocá-la em uma geração diferente da minha”
187
(1995, p. 40,
tradução nossa). Se, por um lado, a poeta assume, nesse ensaio, que o “formalismo” no
poema era uma estratégia que a preservava na composição poética do período; por outro
lado, tal estratégia revela principalmente seu grau de dependência da opinião masculina.
Embora houvessem diferenças entre a imagem da tia Jennifer e a poeta, e mesmo
delimitando o distanciamento entre elas, percebemos que Rich, nesse poema, começa a
abordar as mulheres vistas a partir do olhar de outra mulher, pois, mesmo se colocando à
distância, a poeta busca compreender a experiência da mulher relatada no poema, revelando
151
sua identificação com essa mulher. A poeta demonstra, dessa forma, a condição submissa a
qual as mulheres estavam sujeitas tanto na sociedade quanto em relação à cultura. Sendo
assim, se por um lado o poema “Os tigres da tia Jennifer” reflete sua intenção em retratar a
mulher comum, abandonando os “mitos” usados pelos poetas da época; por outro lado, o
poema sugere a impossibilidade de mudança, naquele momento, na condição dessa mulher,
pois sua liberdade só acontecerá quando ela estiver morta.
A visão do corpo feminino como propriedade a serviço dos interesses da nação,
neste caso, da formação da nação, parece visível nessa passagem do seu longo poema
“From an Old House in América” (De uma velha casa na América):
“acorrentada aos corpos do meu lado
Eu sinto minhas dores começarem
Sou levada a esse continente
mandada aqui para ser frutífera
meu corpo um navio vazio
produzindo filhos para essa selva
filhos que irão partir
em seus cavalos, filhas
as quais os sucos irão desaguar como o meu
dentro do arroyo
188
de parto de crianças mortas, massacres [...]
189
(GELPI, 1975, p. 79, tradução nossa)
Nessa passagem, Rich retrata o passado histórico da chegada das mulheres ao
continente norte-americano. A poeta retoma a época da colonização para demonstrar o
papel das mulheres como responsáveis por procriar e povoar a nação que estava se
formando. Em: “meu corpo um navio vazio/produzindo filhos para essa selva”, percebemos
como o corpo da mulher é objetificado e colocado a serviço dos interesses da nação. O
poema também demonstra os diferentes papéis atribuídos aos gêneros, uma vez que os
152
filhos terão liberdade, pois “irão partir em seus cavalos”, enquanto as filhas estão
predestinadas a seguir o mesmo caminho da mãe.
Corpo erotizado
Em “O jogo das curvas”, Selma Regina Nunes Oliveira discute a representação do
corpo feminino nas histórias em quadrinhos produzidas nos Estados Unidos e veiculadas no
Brasil. Nesse trabalho, Oliveira focaliza as imagens da mãe, da criança e da mocinha ou
vilã para analisar o corpo maternizado, o corpo infantilizado e o corpo erotizado (2002, p.
34). Enquanto nas figuras da mãe e da criança existe a preocupação em ressaltar atributos
que descaracterizam os aspectos sexuais, a figura da mocinha ou vilã é carregada de
“curvas”, exaltando os seios e coxas. O discurso é ambivalente à medida que o mesmo
corpo objeto de desejo é deserotizado na condição materna. A mesma representação do
corpo feminino presente no imaginário masculino encontra correspondência no olhar das
mulheres que vêem em tal representação um ideal de beleza que buscam para si mesmas. A
partir da análise dos desenhos, a autora demonstra que tanto o corpo maternizado quanto o
corpo infantilizado, embora apresentem ausência de traços que revelam sensualidade,
reforçam a imagem do corpo feminino como espaço de apropriação e controle do outro.
Segundo a autora,
[...] nas histórias em quadrinhos, o corpo feminino é construído,
reelaborado e reatualizado, não como corpo-sujeito, mas como corpo-
território para posse e deleite do outro, ou corpo-padrão, no qual as
múltiplas identidades da mulher são unificadas e fixadas em
representações que significam e resignificam (sic) uma instância de
vigilância e controle sobre sua sexualidade. (OLIVEIRA, 2002, p. 43).
Assim como na escrita de Rich, mencionado, o corpo feminino nas histórias em
quadrinhos é também representado como território a ser apropriado. Da mesma forma, Rich
153
busca o corpo-sujeito como forma de romper com esse controle sobre a sexualidade,
analisado por Oliveira. Em “21 Poemas de amor”, a poeta inverte a representação
tradicional do corpo feminino ao eleger o erotismo entre duas mulheres. Rich tira da
clandestinidade o lesbianismo, abrindo possibilidades para uma nova forma de exploração
do corpo. Segundo seu ponto de vista, a institucionalização da relação heterossexual,
através do casamento assim como a maternidade, está, na maioria das vezes, a serviço dos
interesses patriarcais. A poeta procura, entretanto, reduzir o distanciamento entre as
lésbicas e as heterossexuais. Segundo Liz Yorke: “Ela convida as mulheres para se unirem
nos interesses de todas as mulheres a forjarem uma identidade política que seja capaz de
abarcar todas as sombras de diferença entre os pólos da dualidade”
190
(1997, p. 78, tradução
nossa). Mesmo reconhecendo a existência de tensões e diferenças entre elas, Rich aposta na
adesão das mulheres aos interesses que sejam capazes de tornar as políticas da sexualidade
mais flexíveis.
Seus poemas da coletânea: O sonho de uma linguagem comum privilegiam a relação
amorosa entre mulheres, apresentando novas possibilidades de vivenciar o corpo. Ela deixa
claro que mesmo sendo iguais em relação ao gênero, suas individualidades e diferenças
estão resguardadas como parece visível no poema XII:
Dormindo, girando em círculo como os planetas
rodando em seu prado de meia noite:
um toque é suficiente para nos mostrar que
não estamos sozinhas no universo, nem mesmo no sono:
os fantasmas do sonho de dois mundos
caminhando em sua cidade fantasma, quase
se dirigem ao outro.
Tenho me despertado para suas palavras emudecidas
faladas à luz ou à sombra de anos passados
como se minha própria voz tivesse falado.
Mas temos diferentes vozes, mesmo no sono,
e nossos corpos, tão semelhantes, são ainda tão diferentes
e o passado ecoando através de nossa corrente sanguínea
é carregado com uma linguagem diferente, diferentes significados –
154
embora em qualquer crônica do mundo que dividimos
isso poderia ser escrito com um novo significado
nós seríamos duas amantes de um único gênero,
nós seríamos duas mulheres de uma única geração.
191
(RICH, 1978, p.
30-31, tradução nossa).
Rich explicita sua intenção em ressignificar a relação de amor entre duas mulheres
que é condenada pelas convenções sociais: “isso poderia ser escrito com um novo
significado” (1978, p. 31). Rich aponta a cumplicidade e identidade entre elas através da
capacidade que uma tem em compreender a outra, “tenho me despertado para suas palavras
emudecidas” (1978, p. 30). Nessa coletânea, Rich abre novas possibilidades de vivenciar o
corpo feminino como Sandra Almeida afirma, “A metáfora do corpo [...] pode ser
visualizada como uma corporificação de múltiplas formas de pertencimento, errância,
desterritorialização e movência” (2003, p. 103). Rich procura desestabilizar a visão do
corpo feminino como um objeto estável e territorializado. Penso que ao questionar a relação
heterossexual, Rich não está abordando somente a dominação masculina sobre a mulher,
mas provocando as mulheres para que mantenham a interrogação contínua dos seus
próprios desejos. Por isso, a poeta faz questão de ressaltar as diferenças entre as duas
amantes no poema XII. Nesse sentido, sua obra parece ecoar o pensamento do sociólogo
inglês Anthony Giddens a respeito do papel da sexualidade na sociedade moderna, que se
baseia principalmente no constante questionamento do eu (GIDDENS, 1993, p. 25).
Em A transformação da intimidade, o autor busca compreender os elementos que
contribuíram para a “Revolução Sexual” ocorrida nos últimos 40 anos. Segundo Giddens, a
busca pela autonomia sexual feminina, o “florescimento” da homossexualidade, tanto
masculina quanto feminina, e o surgimento da “sexualidade plástica” liberada da função
reprodutora foram fundamentais para que a discussão sobre a sexualidade tomasse uma
dimensão mais ampla na sociedade. A partir do conceito de “reflexividade social”, Giddens
155
analisa as variáveis que contribuem para essas mudanças em relação à sexualidade. Nas
palavras do autor: “A reflexividade social refere-se à necessidade de estarmos sempre
pensando, ou refletindo, a respeito das circunstâncias em que nossas vidas se desenrolam”
(GIDDENS, 2005, p. 540). Essa necessidade de reflexão apontada pelo sociólogo
demonstra as inquietações dos indivíduos frente a um mundo em descontrole no qual a
informação e a globalização têm atribuído um novo significado à noção de tempo e espaço
na vida das pessoas. Em meio a tempestade de informações e rápidas transformações, o
questionamento do eu tem sido uma constante no processo de reconfiguração da auto-
identidade. Para Giddens, “hoje em dia, o eu é para todos um projeto reflexivo uma
interrogação mais ou menos contínua do passado, do presente e do futuro” (1993, p. 41).
Em seu raciocínio, a questão vai além da identidade sexual que, claro, é importante no
processo da auto-identidade
192
, mas, ainda assim, as indagações acerca da existência
continuam.
A reflexividade aplicada ao eu e à sexualidade se refletem principalmente no corpo.
Segundo Giddens, o corpo “[...] torna-se um portador visível da auto-identidade, estando
cada vez mais integrado nas decisões individuais do estilo de vida” (1993, p. 42). Tanto a
preocupação excessiva com dietas de emagrecimento quanto as perfurações, tatuagens e
intervenções cirúrgicas são aspectos que demonstram que o corpo se tornou um lugar de
expressão da identidade. Essa questão enfocada pelo sociólogo se ajusta à escrita de Rich
no que diz respeito à sexualidade. Ao questionar o domínio do estereótipo heterossexual, a
poeta busca compreender a sexualidade sob o aspecto do direito à escolha, isto é, ela
reivindica que a relação heterossexual seja apenas uma entre as outras preferências sexuais.
Para Giddens:
156
Hoje em dia a ‘sexualidade’ tem sido descoberta, revelada e propícia ao
desenvolvimento de estilos de vida bastante variados. É algo que cada
um de nós tem’, ou cultiva, não mais uma condição natural que um
indivíduo aceita como um estado de coisas preestabelecido. De algum
modo, que tem de ser investigado, a sexualidade funciona como um
aspecto maleável do eu, um ponto de conexão primário entre o corpo, a
auto-identidade e as normas sociais. (1993, p. 25).
Pode-se dizer que essa passagem remete à escrita de Rich, nesse caso a poesia, que
aponta para a direção de transgredir o papel socialmente “preestabelecido” pelas
instituições sociais. Esse posicionamento presente na lírica é igualmente assumido na prosa.
Em uma entrevista realizada em junho de 1999
193
, o entrevistador Michael Klein pergunta a
Rich: “Uma consciência política forte lhe possibilitou se revelar sexualmente. Os poetas
homossexuais ou não de alguma forma têm que se revelar?”
194
e a poeta responde:
Sim, no sentido de como você se relaciona com o mundo e de como você
define esse mundo com o qual quer se relacionar. As relações que eu
estabelecia com o mundo ao me revelar assumindo seja qual for o tipo
de sexualidade tinha a ver com o fato de que antes eu criticava a
identidade convencional dos homens e mulheres na qual grande parte da
poesia do ocidente se baseava, as visões acerca dos espaços público e
privado, [e o fato] de que os dois nunca entrarão em acordo a mulher
limitada à esfera privada e o homem à esfera blica.
195
(1999, tradução
nossa).
A revelação acerca de sua sexualidade está fundada nas interrogações que ela vinha
fazendo a respeito dos diferentes papéis e espaços atribuídos tanto a homens quanto a
mulheres na sociedade. Rich demonstra coerência entre o que defende na escrita e o que
vive na prática. Por isso, procura colocar a questão da sexualidade também no âmbito da
política, pois, para ela, o privado sempre foi também público. Dessa forma, a poeta não
critica o binarismo imposto pelo sistema patriarcal como aposta em políticas que vão de
fato respeitar e garantir a liberdade de escolha das pessoas.
157
Em seu ensaio “Anotações sobre uma política do local”, a poeta resgata a idéia
marxista de materialidade como forma de demonstrar que o corpo físico é a base de toda e
qualquer experiência humana. Diz a autora:
Mas para muitas mulheres que conheço a necessidade de começar com o
corpo feminino nosso próprio era compreendida não se ajustando ao
princípio marxista para as mulheres, mas estabelecendo as bases de onde
pudessem falar com autoridade como mulheres. Não transcender esse
corpo, mas recuperá-lo. Re-vincular nosso pensamento e fala com o
corpo desse ser humano particular individual, uma mulher.
196
(1986, p.
213, tradução nossa).
Como mostra essa citação, partir do próprio corpo e compreender as experiências
nele refletidas significa, portanto, assumir a responsabilidade por esse corpo, base
necessária para exercer a “autoridade como mulheres”. Por essa razão, Rich reforça a idéia
de reunir o que foi historicamente desvirtuado através do discurso, o corpo e mente das
mulheres. A poeta contrapõe a matéria e a abstração e a teoria e a prática para mostrar que
deve haver uma relação de proximidade maior entre elas; caso contrário, a teoria não sairá
do campo da abstração e, nesse caso, as mulheres ficarão distantes de uma prática capaz de
alterar sua condição. Segundo a poeta: Teoria a visão padronizada, mostrando a floresta
assim como as árvores a teoria pode ser o orvalho que surge da terra, se junta às nuvens e
retorna para a terra repetidas vezes, mas se ela não tem cheiro da terra, o será boa para a
terra”
197
(RICH, 1986, p. 213, tradução nossa). A teoria precisa estar relacionada à prática;
caso contrário, a seu ver, de nada valerá para a prática. Sendo assim, para Rich, é
necessário materializar a discussão sobre a condição das mulheres, reforçando a idéia de
uma ação política que se contrapõe a um modelo preestabelecido de comportamento social.
158
O corpo resistente
A partir do reconhecimento da importância da sexualidade na vida dos indivíduos, a
escritora percebe a necessidade de se organizar politicamente para resistir às imposições
sociais. Rich passa a declarar publicamente, através de seus ensaios críticos e entrevistas, a
importância do ativismo político como forma de enfrentamento ao poder público. Através
de um discurso político que denuncia a tradicional representação do corpo das mulheres
objetificado, a poeta demonstra a necessidade de partir do concreto para desestabilizar o
abstrato, isto é, da teorização sobre o corpo físico para o questionamento às imposições
culturais discursivas que são refletidas nele. Seu discurso demonstra que a resistência
esbarra também no físico. O corpo sente primeiro a necessidade de mudança, como
demonstra através de seus versos:
A vontade de mudar começa no corpo e não na mente
Minha política é meu corpo, provendo e se expandindo com cada
ato de resistência e com cada um de meus fracassos
Trancada em um quarto fechado aos quatro anos de idade eu me jogava
contra as paredes
aquele ato ainda está em mim.
198
(1993, p. 420, tradução nossa).
O corpo, na visão de Rich, manifesta essa necessidade de resistência. Na verdade,
ela não se coloca como simples observadora nesse processo. Assume, portanto, a posição
de sujeito da ação política na composição poética, apresentando sua visão a partir de duas
posições: o ativismo político e o ato da escrita.
A poeta afirma: “Começo, entretanto, não com um continente, um país ou uma casa,
mas com a geografia mais oculta o corpo”
199
(RICH, 2001, p. 64, tradução nossa) A
delimitação social geográfica começa a partir do corpo. O fato de ser branca determina
seu lugar no mundo:
159
Este corpo. Branco, feminino; ou feminino, branco. Os primeiros fatos
óbvios e vitalícios. Mas eu nasci em uma seção branca de um hospital no
qual separava as mulheres Negras e brancas em trabalho de parto e os
bebês negros e brancos no berçário, tanto quanto os negros e brancos
eram separados no necrotério. Eu fui definida como branca antes de ser
definida como mulher.
200
(RICH, 1986, p. 215, tradução nossa).
Rich reconhece e aponta a distinção que irá nortear a vida do indivíduo a partir do
traço físico. Se em seus trabalhos citados anteriormente temos a visão de que a poeta
responsabiliza o sistema patriarcal como o principal elemento na desigualdade dos gêneros,
nesse ensaio, como comentado, ela reconhece a raça como outra influência marcante nas
relações de opressão. A partir da reflexão sobre sua origem, a poeta procura desestabilizar
os valores que supostamente sustentam sua subjetividade. Por isso, reconhece que ser de
pele branca por si já determinava os lugares que ela podia freqüentar em seu país. Essa
divisão de espaço favorecia muito mais aos brancos, principalmente aqueles pertencentes às
classes sociais mais favorecidas, que os negros. A poeta não somente conclui que por muito
tempo negligenciou outras experiências relacionadas à raça, classe ou etnia na compreensão
da opressão feminina, como também critica o essencialismo feminino presente na
teorização do feminismo considerado radical:
Chegar aos termos da natureza delimitada de (nossa) brancura. Embora
sejamos marginalizadas como mulheres, como brancas, ocidentais e
produtoras de teoria, nós também marginalizamos os outros, pois nossa
vívida experiência é irrefletidamente branca e nossa visão cultural das
mulheres está radicada em parte da tradição ocidental. Reconhecer nosso
lugar, ter que nomear a base de nossa origem, as condições que temos
tomado como certas confundir entre as reivindicações para o nosso
olhar ocidental e branco e o olhar da mulher que vê – medo de perder sua
centralidade ao reivindicar a do outro.
201
(RICH, 1986, p. 219, tradução
nossa).
Nessa passagem, Rich problematiza a visão tipicamente estadunidense que
generaliza a teoria sobre a subordinação das mulheres e a estabilidade do lugar que
ocupam. A poeta contesta a tradição ocidental que toma como base a experiência de um
160
grupo específico para classificar as mulheres como um todo. Através dessa passagem, fica
claro que a poeta tem consciência dos privilégios de seu lugar de enunciação e, mesmo
procurando compreender outras experiências e/ou outras formas de opressão, Rich expressa
a dificuldade de se colocar e falar pela outra. Ela não questiona a suposta soberania
ocidental como também questiona a própria teoria feminista aqui criticada por sua visão
essencializante. Para a escritora, a teoria feminista estadunidense está alienada a seu
mundo, acreditando:
[...] que somente algumas pessoas podem fazer teoria, que a mente
branca e educada é capaz de formular tudo, que somente o feminismo da
classe média branca pode saber por todas as mulheres, que somente
quando uma mente branca formula, é essa formulação que deve ser
tomada seriamente.
202
(1986, p. 230, tradução nossa).
Rich reflete acerca da onipotência e arrogância do movimento feminista em seu país
ao querer abarcar teoricamente a condição de todas as mulheres. A autora demonstra que
principalmente o feminismo norte-americano marginaliza e desconsidera outras
experiências.
Ao refletir sobre sua origem e lugar que ocupa na sociedade, a poeta percebe as
bases em que sua subjetividade foi construída. Dessa forma, quando Rich apresenta novas
maneiras de vivenciar o corpo o homossexualismo é uma delas ela abre novas
possibilidades de reconfigurar a identidade gendrada. Para Judith Butler:
[...] existe uma sedimentação das normas do gênero que produzem o
fenômeno próprio de um sexo natural, ou uma mulher real, ou qualquer
número de ficções sociais predominantes e constrangedoras, e que esta é
uma sedimentação que através do tempo tem produzido um conjunto de
estilos corporais os quais, de forma reificada, aparecem como uma
configuração natural dos corpos nos sexos que existe na relação binária
de um com o outro.
203
(1997, p. 407, tradução nossa).
É no sentido de afrouxar essa configuração estabelecida como natural, segundo
Butler, que Rich procura manter vivo o constante questionamento acerca do conceito de
161
identidade. Rich procura abordar também a dimensão do corpo como agente ativo de
intervenção política. Por isso, a poeta não se envolve nos movimentos sociais como
também busca visibilidade pública através da escrita crítica e de entrevistas. Sua postura
tem sido a de criticar e tensionar o poder institucionalizado. Rich atrela a questão
intelectual à questão do corpo e demonstra que a retomada do controle do corpo está
fundamentalmente ligada a reorientação política. Isso implica não permitir que até nossos
desejos mais íntimos sejam controlados pelo Estado. Rich reforça a importância da
politização das questões consideradas próprias do âmbito particular por compreender que a
política está a serviço do bem estar da humanidade. Politizar o corpo significa trazer para a
teoria sentimentos e questões particulares que, quando se tornam públicas, são percebidas
não mais como expressões do indivíduo ou próprias de uma mulher, mas compreendidas e
identificadas pelo conjunto das mulheres. Nesse sentido, a teorização proporciona espaço
para não somente discutir essas questões, mas também transformá-las. bell hooks afirma,
Eu tenho trabalhado para mudar o jeito que falo e escrevo para incorporar
à maneira de dizer um sentido do lugar, de não somente quem eu sou no
presente, mas de onde venho e as múltiplas vozes dentro de mim. Eu
tenho enfrentado o silêncio e a falta de articulação. Quando digo então
que essas palavras surgem do sofrimento, eu me refiro àquela luta interna
para nomear o lugar de onde eu consegui voz – o espaço de minha
teoria.
204
(1991, p. 146, tradução nossa).
hooks demonstra sua dificuldade com os limites da linguagem para exprimir a
experiência humana. Da mesma forma, para Rich a percepção das mulheres com relação à
construção cultural de seus corpos e os lugares que eles ocupam é fundamental na
afirmação dos seus discursos. O “silêncio” e a “falta de articulação” no discurso é o
resultado da condição que foi imposta às mulheres ao longo da história. Como Rich
argumenta, o discurso tradicional que enfatiza as imagens do corpo feminino em detrimento
da mente contribuiu para que as mulheres se ausentassem na esfera intelectual. Nesse
162
sentido, para elas, transformar o silêncio e assumir as dificuldades na articulação retórica é
criar oportunidades para imprimir uma outra prática.
O corpo ressignificado
Se nos poemas “Os tigres de tia Jennifer” e “De uma velha casa na América”, a
poeta retrata o corpo dominado, em “Planetário” parece haver um resgate ou a
reapropriação do corpo. No ensaio “Quando despertamos de entre os mortos: a escrita como
re-visão”, Rich declara que em “Planetário” existe a união das duas mulheres: a que habita
o poema e a que o escreve: “[...] a mulher no poema e a mulher escrevendo o poema se
tornam a mesma pessoa”
205
(2001, p. 25, tradução nossa). Rich incorpora a mulher descrita,
ou seja, não somente a escreve e a compreende como faz com as mulheres escritas nos
poemas citados –, mas também retoma esse corpo. Ela estabelece uma nova relação com
a sua escrita ao se identificar com a mulher que é exaltada no poema. A poeta busca no
espaço galáctico a dimensão do corpo físico para demonstrar o peso ou profundidade do
corpo que toma forma na terra, “Eu sou uma nuvem galáctica tão profunda/tão emaranhada
que uma onda de luz levaria 15 anos para viajar através de mim”
206
(RICH, 2001, p. 27,
tradução nossa). Assim como a nuvem galáctica, a mulher também se sente densa e
complexa. Parece haver uma consciência maior da importância em tomar posse desse
corpo: “O que vemos, vemos/e ver é mudar/a luz que seca uma montanha e deixa um
homem vivo/o batimento cardíaco do pulsar/o coração transpirando através do meu
corpo”
207
(RICH, 2001, p. 26-27, tradução nossa). As mulheres, tanto a do poema quanto a
que escreve o poema, se identificam e reconhecem a importância da harmonia entre o corpo
e a mente: “Eu sou um instrumento em forma de mulher/tentando traduzir pulsações/em
163
imagens para o alívio do corpo/e a reconstrução da mente”
208
(RICH, 2001, p. 27, tradução
nossa). A mediação da linguagem assume um papel essencial na compreensão da
subjetividade feminina: “Eu fui capaz de escrever, pela primeira vez, a partir da minha
própria experiência como mulher”
209
(2001, p. 22, tradução nossa). Rich reconhece que a
partir dessa fase ela rompe também com a escrita que, a seu ver, está comprometida com os
valores preestabelecidos por escritores que a antecederam. A partir do momento em que ela
assume o controle do seu corpo, assume também o controle da escrita e os riscos dessa
decisão:
[...] eu comecei a sentir que meus fragmentos e recortes tinham uma
consciência e um tema comum, aquele no qual eu relutava em colocar no
papel no princípio, pois eu havia aprendido que a poesia deveria ser
universal, o que significava, logicamente, não das mulheres. Até então eu
tinha tentado muito o me identificar como uma poeta.
210
(RICH, 2001,
p. 22, tradução nossa).
Nessa perspectiva, sua poesia toma outra dimensão a partir do abandono da
orientação masculina no exercício da composição poética. A poeta reitera a importância da
ação do corpo em sintonia com a mente, mas relativiza seu discurso ao admitir nessas
passagens do poema “Trânsito” as debilidades do próprio corpo.
Quando encontro a esquiadora ela está sempre
andando, esquis e varas nos ombros, rumo à montanha
se movendo livremente em botas usadas
pelo novo caminho escolhido com neve fresca
seu cabelo grisalho quase escondido por
um boné de muitas cores
seu corpo de 50 anos de idade, forte e impaciente
vestido para o frio e velocidade
seus olhos nivelados aos meus
Quando as irmãs se separam elas se perseguem
como ela, quem eu deva ter sido uma vez, me persegue
ou sou eu que a persigo
parando e observando o caminho
como ela aparece novamente através dos cristais levemente soprados,
como seus joelhos fortes a sustentam
como ela é inconsciente, como isso é simples
para ela, sem obstáculo ou impedimento como
164
ela viaja em seu corpo
até o ponto de passar, onde a esquiadora
e a deficiente precisam decidir
se reconhecerem?
211
(RICH, 1993, p. 19-20, tradução nossa).
Rich reconhece as dificuldades e limites do corpo e lamenta não ter mais o vigor
físico de outrora. A poeta parece demonstrar, nesse poema, as contraposições entre o corpo
sadio da atleta e seu corpo limitado pela artrite. Mesmo tendo a força física, a atleta revela
não ter consciência dessa força, como sugere a passagem: “como seus joelhos fortes a
sustentam/como ela é inconsciente, como isso é simples/para ela, sem obstáculo ou
impedimento/como ela viaja em seu corpo” (1993, p. 19-20). O poema também sugere que
esse relato seja o encontro de seus diferentes eus, “seus olhos nivelados aos meus”. Para
Keyes: “Se a esquiadora reconhecesse a oradora mais expressiva, a ‘deficiente’, encararia
com admiração o vigor dela, a esquiadora casaria sua fisicalidade à força de espírito”
212
(1986, p. 188, tradução nossa). Nesse sentido, esse poema demonstra a intenção constante
de Rich em integrar o corpo e a mente.
Também no poema “Tear Gas” (Gás Lacrimogêneo), Rich demonstra a importância
do corpo associado à linguagem como instrumento de transformação: “Eu precisava tocar
você/com uma mão, um corpo/mas também com palavras/Eu preciso de uma linguagem
para que eu possa me ouvir/para que eu me veja/
213
(RICH, 1993, p. 420, tradução nossa).
A poeta procura por uma linguagem que esteja em sintonia com o corpo, que seja capaz de
corresponder aos comandos do próprio corpo. Para Rich, a linguagem tem que estar em
harmonia com o corpo e é, portanto, o elo entre o corpo e a mente.
Susan Bordo afirma, “eu vejo nossos corpos como um espaço de luta, onde devemos
trabalhar para manter nossas práticas cotidianas a serviço da resistência da dominação de
gênero e não a serviço da docilidade da dominação do gênero”
214
(1997, p. 105, tradução
165
nossa). À medida que as mulheres se submetem às normas de comportamento comumente
esperadas pela sociedade, elas contribuem para o fortalecimento da imagem imposta sobre
elas. É necessário reconhecer o corpo como lugar de resistência, capaz de transformar a
relação de dominação. Por isso, Bordo instiga as mulheres à reflexão de suas práticas
cotidianas. Tanto Bordo quanto Rich acreditam que ressignificar a imagem de
representação do corpo feminino é um elemento chave no processo de intervenção na
sociedade, pois se essa representação do corpo da mulher até então está relacionada ao
objeto de exploração e desejo masculino, cabe às mulheres inverter essa imagem. De
acordo com Moira Gatens:
Se a imagem do corpo é o que fascina alguém, a voz, a razão, qualquer
variação toma forma de linguagem inarticulada. Se a mulher fala de seu
corpo, com a sua voz, quem pode ouvi-la? Quem pode decifrar a
linguagem de uma histérica, os lamentos de uma hiena, o tagarelar de
uma selvagem sem considerar outras histéricas, hienas e selvagens?
215
(1997, p. 86, tradução nossa).
A articulação e domínio do discurso estão relacionados à articulação e ao domínio
do próprio corpo; por isso, a poeta revela seu incansável exercício com as palavras: “Estou
só, com minha linguagem/ e sem sentido/ volto a alguma escrita anos atrás:/ nossas
palavras nos enganam/ querendo uma palavra que irá se derramar como uma lágrima/
sobre a gina/ deixando sua marca”
216
(RICH, 1993, p. 419, tradução nossa). Através
dessa passagem, a poeta expressa sua intenção em apresentar uma escrita que seja capaz de
causar um impacto “deixando sua marca” e que tenha uma relação direta com a vida,
“palavra que irá se derramar como uma lágrima”. Rich acredita que através da consciência
da representação de seu lugar no mundo é possível buscar reais transformações; por essa
razão, ela teoriza a questão do corpo que não se dissocia da questão intelectual em sua
escrita.
166
Rich tem tentado, através de sua escrita, repensar a representação do corpo
feminino. A poeta continua acreditando que o patriarcalismo deixou raízes profundas na
relação de desigualdade entre os gêneros, mas ela reconhece também que outras formas de
opressão influenciam e reforçam o domínio de um gênero sobre o outro. Assim, ela busca
desestabilizar o discurso que normaliza a relação de dominação, mostrando que é possível
remodelar esse discurso e combinar essa conscientização à ação política no sentido de
construir relações mais fraternas entre as pessoas nesse mundo cada vez mais violento. A
intolerância tem sido o que norteia as relações sociais, principalmente em seu país. Para ela,
a discriminação se faz presente não somente na relação homem/mulher, mas também nas
relações com os homossexuais, com os negros, com os mais diversos grupos étnicos de
diferentes classes sociais. A poeta busca tensionar as mais variadas áreas do poder
institucionalizado, mostrando de que forma o discurso de dominação de um gênero sobre o
outro desmembrou e limitou as possibilidades de ação das mulheres. Através da
representação do corpo gendrado, Rich problematiza novas possibilidades de
ressignificação da condição das mulheres na sociedade. Dessa forma, a poeta procura
apostar em políticas que repensem a sexualidade, a diferença de classe, a etnia, enfim, todos
os campos políticos que envolvem a vida privada não somente das mulheres, mas também
de toda a sociedade, questões essas que estão todas refletidas nas teorizações que a autora
faz do corpo.
Considerações finais
I want a poetry that is filmic as a film can be poetic, a poetry that
is theater, performance, voice as body and body as voice.
Adrienne Rich
Neste trabalho pretendi investigar a poética e a política na obra da escritora
estadunidense Adrienne Rich e a forma como a escritora teoriza a ação política, voltada
sobretudo para as questões das mulheres na sociedade contemporânea. A partir da análise
de seus poemas, ensaios críticos e algumas entrevistas concedidas por ela, busquei
compreender de que forma a representação do corpo da mulher se torna um instrumento de
resistência em sua escrita.
Para responder a essas questões, busquei, primeiramente, analisar a trajetória
histórica da autora, elegendo alguns de seus poemas e ensaios críticos que refletem os
diferentes momentos em que ela demonstra seu comprometimento na denúncia das
injustiças sociais em seu país. Mediante a visão geral da escrita de Adrienne Rich, duas
abordagens me pareceram necessárias, sendo a primeira sua atuação como feminista e a
segunda sua atuação como intelectual no contexto estadunidense. Na verdade, essas duas
atuações estão correlacionadas, pois à medida que a poeta se propõe a discutir e defender os
direitos das mulheres, ela está ao mesmo tempo revelando sua ação política através da
esfera política. Por meio da visão de seu posicionamento como poeta, feminista e
intelectual, é possível responder as questões que postulei para esse trabalho.
168
O compromisso em analisar a experiência das mulheres sempre esteve presente na
escrita de Rich. Notamos, em seus primeiros poemas e ensaios críticos, sua intenção em
criar espaços para desestabilizar o discurso que subjuga as mulheres. Rich tem levado para
a agenda política questões que são tradicionalmente consideradas do âmbito particular. Por
essa razão, grande parte de sua obra revela o aprofundamento em questões relacionadas
desde à submissividade das mulheres em relação ao matrimônio e à maternidade até às
discriminações sociais às diferentes raças, etnias e opções sexuais.
Através da análise de sua trajetória no movimento feminista anglo-americano, foi
possível perceber o compromisso de Rich em estabelecer uma relação mais próxima entre
escrita e ativismo político. Nesse sentido, tracei o perfil da poeta e escritora através de sua
vida e obra procurando observar de que maneira ela articula na escrita o que vivencia
também em seu cotidiano. A partir desse olhar sobre sua escrita, transparece o valor que ela
tem atribuído à relação entre teoria e prática.
Na verdade, a participação de Rich no movimento feminista fez com que ela
percebesse que a desigualdade nas relações de nero estava fundamentalmente baseada no
discurso dominante e, para que as mulheres alcançassem mudanças concretas em suas
condições, seria necessário reverter, em primeiro lugar, o discurso que legitimava a relação
de submissão. Sendo assim, a poeta passa a apostar em políticas que visam à
democratização do conhecimento e da educação, forçando, dessa maneira, a entrada das
mulheres no campo de lutas políticas. A escrita de Rich demonstra o investimento no poder
do discurso e na legitimidade da ação das mulheres como intelectuais.
Rich aposta na educação formal como um dos principais elementos na conquista por
melhores condições de vida das mulheres. Por isso, não resgata algumas intelectuais do
169
passado como também elege, em sua escrita, o trabalho de outras escritoras
contemporâneas que discutem a importância da ressignificação do discurso que tem
subjugado as mulheres. A poeta procura ainda se identificar e dialogar com algumas
escritoras que, assim como ela, são marginalizadas por serem homossexuais, ou por serem
de diferentes classes e etnias. Essas escritoras também acreditam no poder do discurso
como elemento capaz de provocar tensões e desestabilizar o discurso hegemônico. No
diálogo com elas, Rich demonstra a importância do trabalho intelectual e revela a fronteira
como um lugar também de produção cultural.
A partir das reflexões de alguns intelectuais acerca de seu papel em relação ao poder
na sociedade contemporânea, foi possível perceber o posicionamento de Rich nesse
contexto. É visível ainda que a poeta tenha conquistado, ao longo de sua trajetória, um
lugar de destaque na esfera política estadunidense. Esse destaque é devido, principalmente,
à postura crítica e contundente de Rich em relação às tiranias e injustiças dos Estados
Unidos no relacionamento com o resto mundo. Também é verdade que essa foi a maneira
encontrada por ela para conquistar seu próprio poder. Diletante e amadora nos termos
classificados por Weber e Said, respectivamente, Adrienne Rich tem atrelado sua arte à
crítica ao poder público. A poeta tem feito uso dessa visibilidade para, através de sua arte,
tornar transparente as contradições da democracia em seu país.
Rich tem utilizado sua escrita para propiciar uma outra forma de poder: aquele que
questiona as desigualdades, as barreiras, os limites e as violências do poder
institucionalizado. Por essa razão, procura compreender os conflitos nas relações de gênero,
mas também a discriminação em relação às mulheres, aos homossexuais, aos negros e aos
grupos de diferentes etnias em seu país. Sendo assim, ela tem denunciado os mecanismos
usados pelas instituições de poder para reprimir e inferiorizar as chamadas minorias nos
170
Estados Unidos. A poeta tem depositado um grande esforço na articulação de um discurso
que seja capaz de desencadear ações políticas efetivas. Por essa razão, tem reafirmado o
interesse em estabelecer a aproximação entre teoria e prática. Tal atitude confirma também
seu comprometimento e crença nos ideais marxistas e feministas.
A pesquisa nos possibilitou perceber também que a poeta tem incorporado, em seu
discurso, outras questões que são tão relevantes à questão das mulheres quanto à
desigualdade na relação de gênero. A autora tem procurado alargar o campo de
reivindicações da agenda das mulheres e demonstrar que outras formas de opressão
relacionadas a diferentes classes, etnias e orientação sexual têm afetado a vida das pessoas
na contemporaneidade. Dessa maneira, ela procura repensar o conceito de identidade e o
seu lugar como poeta e intelectual no processo de transformação social. Sua própria
experiência como lésbica e o contato com as experiências dos negros e com os escritores
marginais fazem com que a poeta perceba outras especificidades nas relações que subjugam
os indivíduos. Sendo assim, Rich ultrapassa o binarismo nas relações de gênero e vai além
ao defender uma escrita que seja capaz de revelar outras tensões que perpassam a
desigualdade dos gêneros.
Em sua análise da margem como um espaço de produção cultural, a poeta reconhece
outras tensões que desestabilizam e colocam em cheque a idéia de uma identidade
preestabelecida. Dessa maneira, Rich passa a discutir os mais diversos elementos que
exercem influência na fragmentação do indivíduo e, ao mesmo tempo, atribui poder a um
outro discurso que seja capaz de lidar com essa sensação de fragmentação. Para a poeta, é
necessário estabelecer um vínculo efetivo entre o discurso e a prática transformadora.
Na busca pelo estreitamento entre discurso e ação, a poeta procura pensar nas bases
do discurso que legitimou a submissão de um gênero em relação ao outro e os
171
desdobramentos dessa visão na modernidade. Em “Anotações sobre uma política do local”,
a poeta reflete sobre o seu lugar no mundo, repensando sua origem e as vantagens e
desvantagens tanto em relação à localização geográfica, quanto em relação aos valores
culturais impostos aos indivíduos. Rich reconhece que, principalmente em seu país, a
delimitação da raça está em primeiro plano, ou seja, a diferenciação determinante nas
relações de poder na sociedade é definida a partir da cor da pele. Ela reconhece ainda que
parte de seu privilégio social está calcado em seu traço físico. Por reconhecer que as bases
das imposições culturais estão relacionadas à sexualidade é que a poeta parte em sua crítica
do espaço mais restrito: o corpo como a principal premissa na representação das relações de
poder na sociedade moderna. Por essa razão, ela discute em sua obra o conceito do corpo
como um espaço culturalmente inscrito (Butler, 2003, p. 186). Rich revela o corpo
gendrado como um espaço que reflete tanto as imposições sociais, quanto a resistência a
essas imposições.
A escrita de Rich procura rever, primordialmente, o discurso que separa mente e
corpo, sobretudo das mulheres, como objetivo para justificar e perpetuar sua submissão. A
poeta relata também a forma como o corpo feminino tem sido um instrumento em resposta
aos interesses não somente dos homens, mas também do Estado. Portanto, para Rich, é
através do conhecimento dessa condição que as mulheres terão possibilidades de
ressignificar o discurso que legitima tal condição. Mais ainda, o rompimento com o
discurso que reforça a relação de submissão propicia a atitude delas em assumir
responsabilidade por si mesmas. Se por um lado, através da idéia do corpo apropriado e do
corpo erotizado, a poeta demonstra como as mulheres têm sido subordinadas, justificando o
papel secundário que exercem na sociedade; por outro lado, através do corpo resistente e do
172
corpo ressignificado, a poeta apresenta novas formas de vivenciar o corpo feminino e
ressignificar o papel a elas atribuído.
Sendo assim, Rich acredita que o domínio do discurso está diretamente ligado ao
domínio do próprio corpo e para que haja possibilidades de transformações efetivas na
condição de vida das mulheres é necessário que uma questão não esteja desvinculada da
outra e que a possibilidade de questionamentos esteja em aberto.
O conhecimento da vida e obra de Rich não apenas nos possibilita indagar sobre a
ação das mulheres como escritoras, ativistas políticas e intelectuais, mas pode também
contribuir para suscitar as mais diversas indagações acerca da condição das mulheres na
contemporaneidade.
Através do diálogo estabelecido nesse estudo entre Rich e as outras vozes aqui
abordadas, das mulheres e dos homens, do passado e do presente, das intelectuais e dos
intelectuais no centro ou na fronteira, fica para mim evidente o compromisso de Rich com a
visão do poder do discurso que, articulado na pluralidade, considera as múltiplas
experiências pessoais e também políticas. Talvez seja essa uma das razões que justifique a
necessidade da poeta e das outras escritoras e escritores aqui abordados manifestarem sua
intenção em manter constante o diálogo como uma possibilidade de concretizar ações
políticas efetivas.
Notas
1
She was fortunate to be born into the Southern and Jewish traditions of respect for learning and for poetry,
literature, and love of European art, history, and music.
2
Rich’s earliest mentors were men. From them, she learned how to write poems. Wanting to become a poet,
naturally she wrote like the poets she studied and admired – Yeats, Auden, Stevens, Frost.
3
Aunt Jennifer’s tigers prance across a screen,
Bright topaz denizens of a world of green.
They do not fear the men beneath the tree;
They pace in sleek chivalric certainty.
Aunt Jennifer’s fingers fluttering through her wool
Find even the ivory needle hard to pull.
The massive weight of Uncle’s wedding band
Sits heavily upon Aunt Jennifer’s hand.
When Aunt is dead, her terrified hands will lie
Still ringed with ordeals she was mastered by.
The tigers in the panel that she made
Will go on prancing, proud and unafraid.
4
[…] I hadn’t found the courage yet to do without authorities, or even to use the pronoun “I”–the woman in
the poem is always “she”.
5
I felt that I had either to consider myself a failed woman and a failed poet.
6
What frightened me most was the sense of drift, of being pulled along on a current which called itself
destiny, but in which I seemed to be losing touch with whoever I had been, with the girl who had experienced
her own will and energy almost ecstatically at times, walking around a city or riding a train at night or typing
in a student room.
7
Rich’s poems still present ‘neatly and modestly dressed’ female subjects Auden welcomed into the company
of the best poets in America in 1951 in his foreword to A Change of World.
8
[…] Thus I became his partner in a life/Annual, academic […].
9
‘Autumn Equinox’ is notable for its dramatic realization of a repressed, mutely frustrated wife whose entire
life has been invested in furthering her husband’s academic career without, in the end, any discernible reward
– not that she is asking for any. The wife in the poem cannot find the reasons for her dissatisfaction, but
possibly it is the fact of her having felt prevented from pursuing her own talents, ambitions, and career.
10
Sometimes I call across to Alice Hume
and meet her at the fence as women meet
to say the weather’s reasonably fine,
talk husbands, bargains, or philosophize–
the dry philosophy of neighborhood.
She thinks perhaps how sharp of tongue and quick
I used to be, and how I’ve quieted down,
without those airs because I’d married Lyman,
Professor at the college, while her husband was just another farmer.
11
Night, and I wept aloud; half in my sleep,
Half feeling Lyman’s wonder as he leaned
Above to shake me. “Are you ill, unhappy?
Tell me what I can do.”
“I’m sick, I guess –
I thought that life was different than it is.”
“Tell me what’s wrong. Why can’t you ever say?
I’m here, you know.”
Half shamed, I turned to see
The lines of grievous love upon his face,
The love that gropes and cannot understand.
174
“I must be crazy, Lyman – or a dream
has made me babble things I never thought.
Go back to sleep – I won’t be so again.”
12
[…] We have become
As unselfconscious as a pair of trees,
Not questioning, but living […].
13
[…] I’m naked, ignorant, a naked man fleeing across the roofs […].
14
I feel like them up there:
exposed, larger than life,
and due to break my neck.
15
We might also see ‘The Roofwalker’ as another of Rich’s animus poems in which the risks she takes are
aspects of her journey into the self.
16
In effect, she creates for herself the female alliance that she needs, for ‘The Roofwalker’ does not remain
sitting in the protection of the patriarchal living room.
17
Necessities of Life provides the opportunity to observe the poet’s growing awareness that being a woman is
an essential aspect of her unique creative power.
18
At the bedrock level of my thinking about this is the sense that language is power, and that, as Simone Weil
says, those who suffer from injustice most are the least able to articulate their suffering; and that the silent
majority, if released into language, would not be content with perpetuation of the conditions which have
betrayed them. But this notion hangs on a special conception of what it means to be released into language:
not simply learning the jargon of an elite, fitting unexceptionably into the status quo, but learning that
language can be used as a means of changing reality.
19
In addition to finding an American precursor, Rich looks abroad to the Yiddish poet Kadia Maldovsky in
‘There Are Such Springlike Nights’ and to the Russian Anna Akhamatova in ‘Two Poems.
20
Women were not as silent anymore; some were even radical activists. Transformations had occurred and
women had experienced them.
21
A woman in the shape of a monster
A monster in the shape of a woman
the skies are full of them
a woman ‘in the snow
among the Clocks and instruments
or measuring the ground with poles’
in her 98 years to discover
8 comets.
22
I am bombarded yet I stand
I have been standing all my life in the
direct path of a battery of signals
the most accurately transmitted most
untranslatable language in the universe
I am a galactic cloud so deep so invo-
lutted that a light wave could take 15
years to travel through me And has
taken I am an instrument in the shape
of a woman trying to translate pulsations
into images for the relief of the body
and the reconstruction of the mind.
23
When she embraced the feminist cause, she gave birth to a powerful rhetoric.
24
Out here I feel more helpless
175
with you than without you
You mention the danger
and list the equipment
we talk of people caring for each other
in emergencies – laceration, thirst –
but you look at me like an emergency
Your dry heat feels like power
your eyes are stars of a different magnitude
they reflect lights that spell out: EXIT
when you get up and pace the floor
talking of the danger
as if it were not ourselves
as if we were testing anything else.
25
In Diving into the Wreck (1973), Rich no longer looks for a man to protect her, as she begins to act on her
own behalf.
26
Essential to the development of this personal power is bonding among women, which will generate a
political power capable of making changes on a larger scale, among them a radical shift in the power
structures of the patriarchy.
27
The power of the fathers has been difficult to grasp because it saturates everything, even the language in
which we try to describe it. It is diffuse and concrete, symbolic and literal, universal and expressed with local
variations which may obscure its universality.
28
When we become acutely, disturbingly aware of the language we are using and that is using us, we begin to
grasp a material resource that women have never before collectively attempted to repossess (though we were
its inventors, and though individual writers like Dickinson, Woolf, Stein, H. D., have approached language as
transforming power). Language is as real, as tangible in our lives as streets, pipelines, telephone switchboards,
microwaves, radioactivity, cloning laboratories, nuclear power stations.
29
Yet the fact is that all science, and all scholarship, and all art, are ideological, there is no neutrality in
culture.
30
[…] But for a long time now, feminists have been talking about redefining power; about that meaning of
power which returns to the root: posse, potere, pouvoir – to be able, to have the potential, to possess and use
one’s energy of creation: transforming power.
31
The token woman is encouraged to see herself as different from most other women; as ecepcionally talented
and deserving; and to separate herself from the wider female condition; and she is perceived by ‘ordinary’
women as separate also: perhaps even as stronger than themselves.
32
A concerted attack is now being waged against homosexuality, by the church, by the media, by all the
forces in this country that need a scapegoat to divert attention from racism, poverty, unemployment, and utter,
obscene corruption in public life.
33
At the same time, as male homosexual culture developed, the lives of men have, as ever, been seen as the
‘real’ culture. Lesbians have never had the economic and cultural power of homosexual men […].
34
[…] has always split us into virtuous women and whores, mothers and dykes, madonnas and medusas.
35
Heterosexuality, like motherhood, needs to be recognized and studied as a political institution – even, or
especially, by those individuals who feel they are, in their personal experience, the precursors of a new social
relation between the sexes.
36
Lesbian existence suggests both the fact of the historical presence of lesbians and our continuing creation of
the meaning of that existence.
37
Within the institution exist, of course, qualitative differences of experience; but the absence of choice
remains the great unacknowledged reality, and in the absence of choice, women will remain dependent upon
the chance or luck of particular relationships and will have no collective power to determine the meaning and
place of sexuality in their lives.
38
She seeks to create and support true lesbian/feminist texts, not only for their pure literary originality but
also as reflecting a sexuality and passion previously as ignored, erased, or buried as the female tradition itself.
176
39
[…] can be distinguished from other forms of lyric poetry by its determination to connect symbolic, poetic
power with literal, political power without promoting simplistic notions of unity or identity between the world
in which the poet dreams and the world of her dreams.
40
Clearly Rich’s poetry in The Dream of a Common Language is more than simply a reflection of experience:
as an act of imagining and conceiving new worlds and new relations, poetry moves the poet and the reader
toward a critical and creative understanding of experience and of possibility for action.
41
[…] I choose to love this time for once with all my intelligence.
42
Rich’s use of performative verbs that relate choice and denial reflect her awareness that language can move
us to an engagement and relation with others that makes political action possible and necessary.
43
Dream does as much; it, too, tells of the survival of women ‘in a world masculinity made/unfit for women
or men.’ In addition, though, it speaks of a new landscape that is metaphorically within the body of women
and offers a woman-identified definition of the female.
44
Rich aims at an awareness of the simultaneity of women’s existence; she reaches back into the past to claim
a particularly female heritage in order to “re-vise” the present and envision a more feminized future.
45
Anger and tenderness: my selves
And now I can believe they breathe in me
as angels, not polarities.
Anger and tenderness: the spider’s genius
to spin and weave in the same action
from her own body, anywhere-
even from a broken web.
46
Claiming authority for ourselves involves acceptance of the contradictions, complexities, and
incompleteness of our personal lives and our historical circumstance, not an attempt to escape history or to
achieve some objective standpoint from which to survey the whole.
47
[...] but really I have nothing but myself
to go by, nothing
stands in the realm of pure necessity
except what my hands can hold.
Nothing but myself? …My selves
48
The quality or state of being complete, unbroken condition, entirety.
49
I refuse to become a seeker for cures.
Everything that has ever
Helped me has come through what already
lay stored in me. Old things, diffuse, unnamed, lie strong
across my heart.
This from where
my strength comes, even when I miss my strength
even when it turns on me
like a violent master.
50
At one level, ‘Sources’ is a search for the origins of her poetic strength and personal character – her poetic
origins as well as the origin of her conviction of feminist nationhood.
51
I have wished I could rest among the beautiful and common weeds
I can name, both here and in other tracts of the globe. But there
is no finite knowing, no such rest. Innocent birds, deserts, morn-
ing-glories, point to choices. leading away from the familiar. When
I speak of an end to suffering I don’t mean anesthesia. I mean know-
ing the world, and my place in it, not in order to stare with bitter-
ness or detachment, but as a powerful and womanly series of
powerful; womanly.
52
The exploration of sources has as its purpose the search of one’s own identity, past and present, not to show
how she was victimized, but to help the lyric ‘I’ and each of us take responsibility for our own identities so
that we can use our citizenship, lives, and our solitude most constructively.
53
Beauty, when you were Young
we both thought we were young
177
now that’s all done
we are serious now
about death we talk to her
daily, as to a neighbor
we’re learning to be true
with her she has the keys
to this house if she must
she can sleep over.
54
[…] I’m walking again. My heart doesn’t ache; sometimes though it rages.
55
Disponível no site: http://www.english.uiuc.edu/maps/poets/m_r/rich/progressive.htm.
56
To a certain extent in Atlas, I was trying to talk about the location, the privileges, the complexity of loving
my country and hating the ways our national interest is being defined for us.
57
A patriot is not a weapon. A patriot is one who wrestles for the
soul of her country
as she wrestles for her own being, for the soul of his country
(gazing through the great circle at Window Rock into the sheen
of the Viet Nam Wall)
as he wrestles for his own being. A patriot is a citizen trying to
wake
from the burn-out dream of innocence, the nightmare
of the white general and the Black general posed in their
camouflage,
to remember her true country, remember his suffering land:
remember
that blessing and cursing are born as twins and separated at birth
to meet again in mourning
that the internal emigrant is the most homesick of all women and
of all men
that every flag that flies today is a cry of pain.
Where are we moored?
What are the bindings?
What behooves us?
58
Clearly what behooves us is to recognize that we as Americans must acknowledge the living conditions of
the rest of the world – Arab states as well as the countries of Africa, the Middle East, and Asia. We might
begin to see ourselves as part of the world, not simply as the most privileged country in the world.
59
I was thinking a lot about something that wasn't being talked about at the time very much. I was thinking
about where sexuality belonged in all this. What is the connection between Vietnam and the lovers' bed? If
this insane violence is being waged against a very small country by this large and powerful country in which I
live, and what does that have to do with sexuality and with what's going on between men and women, which I
felt also as a struggle even then? I was married. I was trying to define myself in a number of ways. I couldn't
fit into the ... I couldn't find a model for the way I wanted to be, either in a relationship with a man or as a
woman in the world.
60
I began at this point to feel that politics was not something 'out there' but 'in here' and of the essence of my
condition.
61
I guess that it was finally involvement in politics that got me writing prose more, as a part of my life, as a
regular part of my writing.
62
Over the past two decades I have witnessed the increasingly brutal impact of racial and economic injustice
in our country. There is no simple formula for the relationship of art to justice. But I do know that art-in my
own case the art of poetry – means nothing if it simply decorates the dinner table of power that holds it
hostage. The radical disparities of wealth and power in America are widening at a devastating rate. A
president cannot meaningfully honor certain token artists while the people at large are so dishonored.
178
63
You must get reinforcement from readers. Do you have readers who come up to you and say, ‘You’ve
changed my life?
64
‘Yes, I do, and I usually say to them—which I also believe to be true—You were changing your life and
you read my book or you read that poem at a point where you could use it, and I’m really glad, but you were
changing your life’. Somehow when we are in the process of making some kind of self-transformation—
pushing ourselves out there further, maybe taking some risk that we never believed we would take before—
sometimes a poem will come to us by some sort of magnetic attraction. (Entrevista para o jornal The
Progressive disponível no site http://www.english.uiuc.edu/maps/poets/m_r/rich/progressive.htm).
65
Exploring the nature of her own and others’ urge to form movements, to discover the intellectual and
personal origins of a drive toward freedom, to develop their own ideas and voices, and to become part of
history, she comes to terms with her own places in the nation, having established both a national identity and
female subject position through her speakers in poetry and her feminist essays, thereby establishing her own
and other women’s places in history.
66
I've walked there picking mushrooms at the edge of dread, but
don't be fooled,
this isn't a Russian poem, this is not somewhere else but here,
our own country moving closer to its own truth and dread,
its own ways of making people disappear.
67
My feeling is that it is the activists who move the rest of us. You don't make a political movement simply
out of words. I'm thinking about grassroots women's organizations, activists who have sat through hundreds
of interviews with battered of raped women, helping to empower them, and who have knowledge about these
things which is not metaphorical.
68
For me it is always a question of language as a probe into the unknown or unfamiliar.
69
It always surprises me when people write of my work as if I had taken up the cudgels for the “unprivileged”
or the “oppressed,” as a kind of missionary work. I write from absolute inner necessity, responding to my
location in time and place, trying to find a language equal to that.
70
An enormous amount is happening globally - different kinds of struggle in different countries, in different
societies. When you look at South Africa, there's enormous leadership by women. Black women in South
Africa are maintaining and creating a structure. In that violence-ridden society, in the midst of revolution,
they are creating childcare centers and soup kitchens, planting gardens, keeping things going on that human
level. That's not just women doing the service work of the world; those women are leaders of their
communities. We could talk about feminism in the Philippines, in India, in Latin America, in the Caribbean,
not a monolithic global movement but many movements, all over of the world, contending within and against
many different cultures. The United States movement is only a small part of the picture.
71
[…] We move but our words stand
become responsible
for more than we intended
and this is verbal privilege
III
Try sitting at a typewriter
one calm summer evening
at a table by a window
in the country, try pretending
your time does not exist
that you are simply you
that the imagination simply strays
like a great moth, unintentional
try telling yourself
you are not accountable
to the life of your tribe
the breath of you planet
IV
179
It doesn't matter what you think.
Words are found responsible
all you can do is choose them
or choose
to remain silent […].
72
I am thinking this in a country
where words are stolen out of mouths
as bread is stolen out of mouths
where poets don't go to jail
for being poets, but for being
dark-skinned, female, poor.
I am writing this in a time
when anything we write
can be used against those we love
where the context is never given
though we try to explain, over and over
For the sake of poetry at least
I need to know these things.
73
These poems afford the reader a glimpse of her other political passion, Marxist thought, an intellectual vein
she has been mining of late as more conducive to social and political reform […].
74
Clearly Rich wants to share with her readers the political philosophies that have driven her recent quest to
move beyond feminism into marxism: the first revolution she effected was women’s, and the next embraces
the equality of men and women governing together.
75
I have no theories. I don’t know what I am being forgiven. I am my art: I make it from my body and the
bodies that produced mine. I am still trying to find the pictorial language for this anger and fear rotating on an
axle of love. If I still get up and go to the studio – it’s there I find the company I need to go on working.
76
I have lost our way the fault is mine
ours the fault belongs
to us I become the guide
who should have defaulted
who should have remained the novice
I as guide failed
I as novice trembled
I should have been stronger held us
together.
77
The ‘us’ are feminists and those in the Movement with her. Does she blame herself for the schisms in the
women’s movement and the violent verbal clashes between radical, liberal, academic, and working-class
feminists, or between various ethnic groups, inviting the inevitable backlash of the 1980s? Could she think
that if she had been a stronger or better leader she might have kept the American feminist movement unified?
78
I could physically feel the weight of the United States of North America, its military forces, its vast
appropriations of money, its mass media, at my back.
79
The School Among the Ruins
Beirut.Baghdad.Saravejo.Bethlehem.Kabul. Not of course here.
80
5
There’s a young cat sticking
her head through window bars
she’s hungry like us
but can feed on mice
her bronze erupting fur
speaks of a life already wild
her golden eyes
don’t give quarter She’ll teach us Let’s call her
180
Sister
when we get milk we’ll give her some
81
[…] Don’t let your faces turn to stone
Don’t stop asking me why […]
82
[…] Diarrhea first question of the day
Children shivering it’s September
Second question: where is my mother? […].
83
[...]but you aren’t lost
This is our school […].
84
[…] Maybe tomorrow the bakers can fix their ovens […].
85
If we study stereotypes of women, the sexism of male critics, and limited roles women play in literary
history, we are not learning what women have felt and experienced, but only what men have thought women
should be.
86
Her battle, however, is not against her (male) precursor’s reading of the world but against his reading of
her. In order to define herself as an author she must redefine the terms of her socialization.
87
It is far harder to kill a phantom than a reality.
88
The first thing I want to say to you who are students, is that you cannot afford to think of being here to
receive an education; you will do much better to think of yourselves as being here to claim one.
89
We have been offered ethical models of the self-denying wife and mother; intellectual models of the
brilliant but slapdash dilettante who never commits herself to anything the whole way, or the intelligent
woman who denies her intelligence in order to seem more ‘feminine,’ or who sits in passive silence even
when she disagrees inwardly with everything that is being said around her.
90
Responsibility to yourself means refusing to let others do your thinking, talking, and naming for you, it
means learning to respect and use your own brains and instincts; hence grappling with hard work
Responsibility to yourself means that you don’t fall for shallow and easy solutions predigested books and
ideas.
91
But to write poetry or fiction, or even to think well, is not to fantasize, or to put fantasies on a paper. For a
poem to coalesce, for a character or an action to take shape, there has to be an imaginative transformation of
reality which is no way passive.
92
The most self-destructive violence is committed by people, who don’t know what they want, who only
know that they are in a state of horrible need, horrible frustration. If a woman really knows what she wants,
she’s going to tell her husband: ‘Look, these are my needs.’ Or she’s going to leave him, or look for a job, or
speak up to her boss. She is not going to go on doing it to her kids or herself.
93
Whether women require a special tongue or not, whether that discourse arises from the body, as some
feminists suggest, they must enter some discourse for their own health.
94
One serious cultural obstacle encountered by any feminist writer is that each feminist work has tended to be
received as if it emerged from nowhere; as is each of us had lived, thought, and worked without any historical
past or contextual present.
95
[…] the seriousness of some conflicts came to a head when black women, lesbians, and working-class
women used feminist discourse to articulate their sense of exclusion from its ‘mainstream’, and in doing so
suggested that feminism was quite seriously flawed in its modern conceptualization.
96
I want to ask her (feminist critic) to consider her work a potential resource also, a resource for us, for our
movement; to see herself not as writing just for other critics and scholars, but to help make books both ‘real
and remembered,’ to stir ordinary women to read what they might otherwise miss or avoid, to help us all sort
through which words, in Lillian Smith’s phrase, chain us and which can set us free.
97
I think that every feminist poet must long–I do–for real criticism of her work–not just descriptive, but
analytical criticism which takes her language and images seriously enough to question them [...].
98
I also need to know when in my work I am merely doing well what I know well how to do and when I am
avoiding certain expressive risks. And while I can count on friends for some of this, it would be better for all
feminist writers if such principled criticism were to come also from strangers–it would broaden the field in
which we are working.
99
Adrienne Rich was one of the few white feminists to address the thorny issue of racial difference and its
impact on feminist thought during the ‘70s in ‘Disloyal to Civilization: Feminism, Racism, Gynephobia’
(1978). A palavra Gynephobia usada pela autora refere-se ao um neologismo que traduzi por ginefobia.
181
100
This ignorance is, of course, actual. It is bred by what passes for education, which takes white experience
as normative, and it is bolstered by the very fear and anxiety it creates.
101
[…] she herself is culpable of one cardinal error during the course of her discussion, which is to talk about
‘women’ and ‘black people’ as if they were two mutually exclusive interest groups, creating a rhetorical
chasm in which black women are absorbed and rendered, invisible yet again.
102
I will be taken more seriously because I am white, because though a lesbian I am often willfully not
perceived as such, and because the invisibility of the woman of color who is the scholar/critic or the poet or
the novelist is part of the structure of my privilege, even my credibility.
103
In particular, lesbian feminist theory has consistently problematized heterosexuality as an institution
central to the maintenance of patriarchy and women’s oppression within it.
104
By and large within the women’s movement today, white women focus upon their oppression as women
and ignore differences of race, sexual preference, class and age. There is a pretence to a homogeneity of
experience covered by the word sisterhood that does not in fact exist.
105
Taking up the project of feminism in a freedom-centered frame that is focused on the problem of world-
building, the Milan Collective invites us to think sexual difference as political: that is, as a claim to sexed
being that has to be articulated, that is, brought into a public relation with other such claims in a public space.
106
What allows a woman to become conscious of oppression, in other words, is not the bare fact or truth of
oppression, but a symbolic representation of female freedom.
107
Rights are not things to be distributed from above, but a demand for something more made from below.
108
[…] a system characterized by power, dominance, hierarchy, and competition, a system that cannot be
reformed but only ripped out root and branch.
109
In this essay Rich suggests that ‘Compulsory Heterosexuality’ is a ‘political institution’ (637) that
guarantees women’s continued subordination, because it requires ‘male-identification’ on the part of most
women: this means, as we have seen, putting men’s needs, issues, and perspectives first, and denying the
existence or potential of woman-identification.
110
It is the lesbian in us who drives us to feel imaginatively, render in language, grasp, the full connection
between woman and woman. It is the lesbian in us who is creative, for the dutiful daughter of the father is
only a hack.
111
For us, the process of naming and defining is not an intellectual game, but a grasping of our experience and
a key to action. The word lesbian must be affirmed because to discard it is to collaborate with silence and
lying about our very existence; with the closet-game, the creation of the unspeakable.
112
[…] we begin to question our place in society, we are led to ask how, where, and in what ways we
participate in it. To reject some relations – to resist paying income tax for nuclear weapons, to divest from
South Africa, or to be a conscious objector, for example – is to engage in noncooperation, in nonparticipation,
in separatism.
113
[…] women cannot be free of patriarchal control so long as women are sexually involved with men.
114
But this call for nonparticipation in heterosexuality can be interpreted less absolutely, as it was by
Adrienne Rich, who believed that all feminist women – including heterosexual women – are, to the extent that
they desire to identify with other women, lesbian […].
115
The sound and forms of Asian and black expression are an important part of its meaning. Asian and black
feminists intensively explore the emotional and material bonds between mothers and daughters and women of
different generations, sharing a responsibility to Asian and black women far beyond their immediate historical
moment or national place.
116
A writer will write, with or without a movement, but at the same time, for Chicano, lesbian, gay, and
feminist writers – anybody writing against the grain of Anglo misogynist culture – political movements are
what have allowed our writing to surface from the secret places in our notebooks into the public sphere.
117
We are the queer groups, the people that don’t belong anywhere, not in the dominant world nor completely
within our own respective cultures.
118
I want to ask the feminist critic of literature to inform herself not just with training in literary exegesis but
in a concrete and grounded knowledge of the feminist movement–which means reading not only books by
women, but feminist newspapers, periodicals, pamphlets, articles; studies on women battering, welfare
mothers, sexual and economic struggles in the workplace, compulsory sterilization, incest, women in prison
[…].
182
119
By highlighting the different situations and often conflicting interests of specific groups of women, these
critical approaches force white heterosexual feminists to re-examine their own sometimes totalitarian
conception of ‘woman’ as a homogeneous category.
120
If they ask me my identity/what can I say but/I am the androgyne/I am the living mind you fail to
describe/in your dead language […].
121
So white feelings remain at the center. And, yes, I need to move outward from the base and center of my
feelings, but with a corrective sense that my feelings are not the center of feminism.
122
Discontent with the polarizing impulses within radical feminism, with the academization of Women’s
Studies, with how easily, in a society turning Rightward, feminism can blur into female enclave, how feminist
affirmation of women can slide into mere idealism.
123
Like other serious and vibrant movements, feminism was to be countered by cultural patterns unforeseen
before the 1980s: a growing middle-class self-absorption and indifference both to ideas and to the larger
social order, along with the compression of media power and resources into fewer and fewer hands, during
and beyond the Reagan years.
124
Revolutionary art dwells, by its nature, on edges. This is its power: the tension between subject and means,
between the is and what can be. Edges between ruin and celebration. Naming and mourning damage, keeping
pain vocal so it cannot become normalized and acceptable.
125
If feminist criticism has subverted established critical judgements it is because of its radically new
emphasis on sexual politics.
126
An unrepentant, socialist and feminist.
127
No texto original Edward Said ressalta a diferença de gênero: “The intellectual’s representation – what he
or she represents […]” tendo sido, portanto, suprimida pelo tradutor.
128
[…] in the act of writing, to feel our own “questions” meeting the world’s “questions,” to recognize how
we are in the world and the world is in us.
129
The issue of women as the laborers in reproduction, of women as workers in production, of the relationship
of women’s unpaid labor in the home to the separation between “private” and “public” spheres, of the
woman’s body as commodity–these questions were not raised for the first time in the 1960s and 1970s; they
had already been documented in the 1950s when The Human Condition was being written. Arendt barely
alludes, usually in a footnote, to Marx and Engels’s engagement with this theme; and she writes as if the work
of Olive Schreiner, Charlotte Perkins Gilman, Emma Goldman, Jane Addams, to name only a few writers, had
never existed.
130
The question of economic survival, of keeping one’s job, is terribly real, but the more terrible questions lie
deeper where a woman is forced, or permits herself, to lead a censored life.
131
Salir del centro, dejar que el lenguaje hable también en el borde, en lo que se oye, en lo que llega de otro.
132
As women, I think it essential that we admit and explore our cultural identities, our national identities,
even as we reject the patriotism, jingoism, nationalism offered to us as “the American way of life.” Perhaps
the most arrogant and malevolent delusion of North American power – of White Western power – has been
the delusion of destiny, that white is at the center, that white is endowed with some right or mission to judge
and ransack and assimilate and destroy the values of other peoples.
133
As a feminist, in the United States it seemed necessary to examine how we participate in mainstream North
American cultural chauvinism, the sometimes unconscious belief that white North Americans possess a
superior right to judge, select, and ransack other cultures, that we are more ‘advanced’ than other peoples of
this hemisphere. (And this cultural chauvinism is constantly feeding itself on racism.) Even as we have
analyzed and rejected patriarchal chauvinism, even as we try to disengage ourselves from its destructive
principles and to express other values, we carry in us–I had been finding in myself–not only a white but a
specifically North American tunnel vision.
134
Termo usado na crítica literária para designar os descendentes mexicanos que residem nos Estados Unidos.
135
It’s a lie that poetry is only read by or ‘speaks to’ people in the universities or elite intellectual circles.
136
There was nothing so humiliating as being unable to express myself, and my inarticulateness increased my
sense of jeopardy, of being endangered.
137
Their language was the magic that could liberate me from myself ...
138
I began to learn my own language, the bilingual words and phrases explaining to me my own place in the
universe.
139
I would suggest that not biology, but ignorance of our selves, has been the key to our powerlessness.
183
140
To say that a poet is responsive, responsible–what can that mean? To me it means that she or he is free to
become artistically most complex, serious, and integrated when most aware of the great questions of her, his,
own time. When the mind of the maker is stretched to the fullest by the demands of the time–not fads, vogues,
cliques, chic, propaganda, but the deep messages of crisis, hope, despair, vision, the anonymous voices, that
pulse through a human community as signs of imbalance, sickness, regeneration pulse through a human body.
141
Rich was to recognise that it is possible to create and use a language in and through which to break out of
silence. Language may be used to bear witness for oneself and one’s people, to disidentify with the dominant
culture, to describe and analyse, to validate, to set free from imposed dictates, rather than accept a
predetermined version of what is. Rich learned first hand that ‘language is power’: increasingly she
recognized the revolutionary potential of language to change reality for those ‘suffering from injustice’.
142
Rich refuses identification with any form of unitary identity and, eschewing single-issue radical feminist
politics, expansively includes a multiplicity of differences, bringing them into tension and play in the urgently
politicized fields of her writings.
143
[…] But I think the place of the intellectual in all of that is to stay in touch with activism and to be
informed about the world around us and we have this key responsibility for that and not to despair about you
know the world has no power again from Galeano I take that and to realize that the power of the world is
different from other kinds of power the world needs its people maybe collectively but also individually and
the individual impact can grow into a collective sense of reality.
144
Well let me just say that in the 1960s I was ready for political movements and political action. And the first
political movement that I could see visibly was the civil rights movements in the native the south and the
Afro-American struggle for human rights and it was a very … it made a profound pressure on me because I
had grown up in a white southern ambiance and I knew about racism. It was also for many years in my world
a dirty little secret and to hear the rhetoric of the Afro-Americans defining the nature of the structure of
racism was completely liberating for me intellectually and emotionally. Because I also knew what racism
does to white people I knew from within, I knew how keeping that dirty little secret warmed of all kinds of
relationships with the white societies also and made us unreal to ourselves. So this was the first movement
that I could see out there that was talking about things that I knew and had no language for up until then. The
writing of James Baldwin was incredibly important to me in my formation as an intellectual and he was an
example to me of someone who was intellectual and he would be happy not to be an activist but had to be and
he was in some ways resistant to it but was drown into it.
145
I was located by color and sex as surely as a Black child was located by color and sex – though the
implications of white identity were mystified by the presumption that white people are the center of the
universe.
146
Thinking again about space and location, I heard the statement ‘our struggle is also a struggle of memory
against forgetting’; a politicization of memory that distinguishes nostalgia, that longing for something to be as
once it was, a kind of useless act, from that remembering that serves to illuminate and transform the present.
147
Our living depends on our ability to conceptualize alternatives, often improvised. Theorizing about this
experience aesthetically, critically is an agenda for radical cultural practice.
148
It was this marginality that I was naming as a central location for the production of a counter-hegemonic
discourse that is not just found in words but in habits of being and the way one lives.
149
To consider that we write about ‘culture’, for only those of us who are intellectuals, critical thinkers, is a
continuation of a hierarchical idea of knowledge that falsifies and maintains structures of domination.
150
My struggle over form, content, etc., has been informed by a desire to convey knowledge in ways that
make it accessible to a wide range of readers.
151
[...]as long as our language is inadequate, our vision remains formless, our thinking and feeling are still
running in the old cycles, our process may be ‘revolutionary’ but not transformative.
152
Poetry can’t give us the laws and institutions and representatives, the antidotes we need: only public
activism by massive numbers of citizens can do that.
153
Sin embargo también refiere la evolución formal de Rich en la que resalta la evolución que se observa en
los sesenta, época en la que Rich abandona la simetría formal de los poemas anteriores para decantarse, con
claridad por el verso sin metro ni rima.
154
I felt more and more urgently the dynamic between poetry as language and poetry as a kind of action,
probing, burning, stripping, placing itself in dialogue with other beyond the individual self.
184
155
By 1956, I had begun dating each of my poems by year. I did this because I was finished with the idea of a
poem as a single, encapsulated event, a work of art complete in itself; I knew my life was changing, my work
was changing, and I needed to indicate to readers my sense of being engaged in a long, continuous process.
156
There is the falsely mystical view of art that assumes a kind of supernatural inspiration, a possession by
universal forces unrelated to questions of power and privilege or the artist’s relation to bread and blood.
157
There’s a place between two stands of trees where the grass grows
Uphill
and the old revolutionary road breaks off into shadows
near a meeting-house abandoned by the persecuted
who disappeared into those shadows.
I’ve walked there picking mushrooms at the edge of dread, but
don’t be fooled,
this isn’t a Russian poem, this is not somewhere else but here,
our country moving closer to its own truth and dread,
its own ways of making people disappear.
I won’t tell you where the place is, the dark mesh of the woods
meeting the unmarked strip of light–
ghost-ridden crossroads, leafmold paradise:
I know already who wants to buy it, sell it, make it disappear.
And I won’t tell you where it is, so why do I tell you
anything? Because you still listen, because in times like these
to have you listen at all, it’s necessary
to talk about trees.
158
Dangerous of course do draw
parallels Yet more dangerous to write
as if there were a steady course, we and our poems
protected: the individual life, protected
poems, ideas, gliding
in mid-air, innocent
I walked out on the deck and every board
was luminous with cold dew It could freeze tonight
Each board is different of course but each does gleam
wet, under a complicated sky: mounds of swollen ink
heavy gray unloading up the coast
a rainbow suddenly and casually
unfolding its span
Dangerous no to think
how the earth still was in places
while the chimneys shuddered with the first dischargements.
159
[...] Rich’s mission in this book is to explore those fields, scrupulously scouring them for the truths
America as a nation has overlooked and died for want of.
160
This kind of art–like the art of so many others uncanonized in the dominant culture–is not produced as a
commodity, but as part of a long conversation with the elders and with the future.
185
161
Sexo se refere às diferenças anatômicas e fisiológicas e o gênero se refere às diferenças psicológicas,
sociais e culturais (GIDDENS, 2005, p. 102).
162
The physical organization which has meant, for generations of women, unchosen, indentured motherhood,
is still a female resource barely touched upon or understood. We have tended either to become our bodies –
blindly, slavishly, in obedience to male theories about us – or to try to exist in spite of them.
163
In the old metaphor of the body politic, the state or society was imagined as a human body, with different
organs and parts symbolizing different functions, needs, social constituents, forces and so forth – the head or
soul for the sovereign, the blood for the will of the people, the nerves for the system of reward and
punishments, and so forth.
164
O corporativismo pode ser compreendido aqui como “uma doutrina que propugna a organização da
coletividade baseada na associação representativa dos interesses e das atividades profissionais (corporações).
Propõe, graças à solidariedade orgânica dos interesses concretos e às fórmulas de colaboração que daí podem
derivar, a remoção ou neutralização dos elementos de conflito: a concorrência no plano econômico, a luta de
classes no plano social, as diferenças ideológicas no plano político” (INCISA, 1983, p. 287).
165
Recent feminist work has shown that the neutral body, assumed by the liberal state, is implicitly a
masculine body.
166
Representations of the human body are most often of the male body and, perhaps, around the borders, one
will find itself insets of representations of the female reproductive system: a lacting breast, a vagina, ovaries;
bits of bodies, body-fragments.
167
The female body is always already mediated in and through language. How we understand our bodies is
continually being shaped within the psychical and social meanings circulating in culture, just as our view of
ourselves is constructed in relation to specific familial, temporal and geographic contexts.
168
in matters of beauty and femininity, it is women who are responsible for whatever ‘enslavement’ they
suffer from the whims and bodily tyrannies of ‘fashion.
169
[…] the fact that power is not held by anyone does not entail that there it is equally held by all. It is ‘held’
by no one; but people and groups are positioned differently within it.
170
.For Foucault, modern power (as opposed to sovereign power) is non-authoritarian, non-conspiratorial, and
indeed non-orchestrated; yet it none the less produces and normalizes bodies to serve prevailing relations of
dominance and subordination.
171
Both perspectives, I would argue, are essential to a fully adequate theoretical understanding of power and
the body.
172
Os subtítulos desse capítulo foram inspirados no trabalho intitulado “Que corpo é esse?” de Elódia Xavier
no qual ela traça uma tipologia das várias representações do corpo encontradas nas narrativas de autoria de
mulheres na literatura brasileira no século XX.
173
I became dissociated both from my immediate, present, bodily experience and from my reading, thinking,
writing life.
174
Institutionalized motherhood demands of women maternal ‘instinct’ rather than intelligence, selflessness
rather than self-realization, relation to others rather than the creation of the self.
175
I have come to believe […] that female biology – the diffuse, intense sensuality radiating out from clitoris,
breasts, uterus, vagina; the lunar cycles of menstruation; the gestation and fruition of life which can take place
in the female body – has far more radical implications than we have come to appreciate. Patriarchal thought
has limited female biology to its own narrow specifications. The feminist vision has recoiled from biology for
these reasons; it will, I believe, come to view our physicality as a resource, rather than a destiny.
176
Rich’s arguments imply that the maternal body is lived: it is bound up in its specificity with the realms of
the social and the political and is a crucial site of struggle in which psychoanalytic, sexual, technological,
economic, medical, legal and other cultural institutions contest for power.
177
Rich does, most emphatically, challenge male-defined knowledges and socio-political structures in
identifying the multiple ways in which they have constrained and subdued women’s bodies through history
and at different times, in different parts of the world.
178
The female body has been both territory and machine, virgin wilderness to be exploited and assembly-line
turning out life.
179
What I carried away in the end was a determination to heal–insofar as an individual woman can, and as
much as possible with other women–the separation between mind and body; never again to lose myself both
psychically and physically in that way.
186
180
In order to live a fully human life we require not only control of our bodies (though control is a
prerequisite); we must touch the unity and resonance of our physicality, our bond with the natural order, the
corporeal ground of our intelligence.
181
In arguing that we have by no means yet explored or understood our biological grounding, the miracle and
paradox of the female body and its spiritual and political meanings, I am really asking whether women cannot
begin, at last, to think through the body, to connect what has been so cruelly disorganized–our great mental
capacities, hardly used; our highly developed tactile sense; our genius for close observation; our complicated,
pain-enduring, multi-pleasured physicality.
182
Of Woman Born, strikes me, frankly, as a kind of nervous breakdown, an exorcism, an examination of
conscience.
183
In those years formalism was part of the strategy – like asbestos gloves, it allowed me to handle materials I
couldn’t pick up bare-handed. A later strategy was to use the persona of a man [...].
184
It strikes me that in the work of both Man appears as, if not a dream, a fascination and a terror; and that the
source of fascination and the terror is, simply, Man’s power – to dominate, tyrannize, choose, or reject the
woman.
185
Where woman has been a luxury for man, and has served as the painter’s model and the poet’s muse, but
also a comforter, nurse, cook, bearer of his seed, secretarial assistant, and copyist of manuscripts, man has
played a quite different role for the female artist.
186
[...] but precisely what she does not find that absorbed, drudging, puzzled, sometimes inspired creature,
herself, who sits at a desk trying to put words together.
187
It was important to me that Aunt Jennifer was a person distinct from myself as possible–distanced by the
formalism of the poem, by its objective, observant tone–even by putting the woman in a different generation.
188
A deep gully cut by an intermittent stream; a dry gulch. (Um rego profundo cortado por um rio
intermitente, uma ravina, tradução nossa).
189
chained to the corpse beside me
I feel my pains begin
I am washed up on this continent
shipped here to be fruitful
my body a hollow ship
bearing sons to the wilderness
sons who ride away
on horseback, daughters
whose juices drain like mine
into the arroyo of stillbirths, massacres […].
190
She invites women to unite in the interests of all women through forging a political ‘identity’ that could
encompass all shades of difference between the poles of the duality.
191
Sleeping, turning in turn like planets
rotating in their midnight meadow:
a touch is enough to let us know
we’re not alone in the universe, even in sleep:
the dream-ghosts of two worlds
walking their ghost-towns, almost address each other.
I’ve wakened to your muttered words
spoken light- or dark-years away
as if my own voice had spoken.
But we have different voices, even in sleep,
and our bodies, so alike, are yet so different
and the past echoing through our bloodstreams
is freighted with different language, different meanings–
though in any chronicle of the world we share
187
it could be written with new meaning
we were two lovers of one gender,
we were two lovers of one gender,
we were two women of one generation.
192
Utilizo o termo usado por Giddens que se refere “ao processo de auto-desenvolvimento através do qual
formulamos um sentido único de nós mesmos e de nossa relação com o mundo à nossa volta”.
193
Disponível em http://www.bostonphoenix.com/archive/lin10/99/06/RICH.html
194
A keen political awareness enabled you to come out sexually. Do poets, gay or not, have to come out in a
certain way?
195
You do, in terms of how do you connect with the world, and what are you defining as the world that you
want to be connected to. The connections I was making with the world by coming out – as having any kind of
sexuality – had to do with the fact that early on, I was critiquing the conventional male-female identities on
which so much of Western poetry has been based, and the ideas about public and private spaces, [and the fact]
that never the twain shall meetwoman defined as the private sphere, man as the public sphere.
196
But for many women I knew, the need to begin with the female body – our own – was understood not as
applying a Marxist principle to women, but as locating the grounds from which to speak with authority as
women. Not to transcend this body, but to reclaim it. To reconnect our thinking and speaking with the body of
this particular living human individual, a woman.
197
Theory–the seeing of pattern, showing the forest as well as the trees–theory can be a dew that rises from
the earth and collects in the rain cloud and returns to earth over and over. But if it doesn’t smell of the earth, it
isn’t good for the earth.
198
The will to change begins in the body not in the mind
My politics is my body, accruing and expanding with every
act of resistance and each of my failures
Locked in the closet at 4 years old I beat the wall with my body
that act is in me still.
199
Begin, though, not with a continent or a country or a house, but with the geography closest in–the body.
200
This body. White, female; or female, white. The first obvious, lifelong facts. But I was born in the white
section of a hospital which separated Black and white women in labor and Black and white babies in the
nursery, just as it separated Black and white bodies in its morgue. I was defined as white before I was defined
as female.
201
To come to terms with the circumscribing nature of (our) whiteness. Marginalized though we have been as
women, as white and Western makers of theory, we also marginalize others because our lived experience is
thoughtlessly white, because our ‘women’s culture’ are rooted in some Western tradition. Recognizing our
location, having to name the ground we’re coming from, the conditions we have taken for granted–there is a
confusion between our claims to the white and Western eye and the woman-seeing eye, fear of losing the
centrality of the one even as we claim the other.
202
That only certain kinds of people can make theory; that the white-educated mind is capable of formulating
everything; that only white middle-class feminism can know for ‘all women’; that only when a white mind
formulates is the formulation to be taken seriously.
203
[…] there is a sedimentation of gender norms that produces the peculiar phenomenon of a natural sex, or a
real woman, or any number of prevalent and compelling social fictions, and that this is a sedimentation that
over time has produced a set of corporeal styles which, in reified form, appear as the natural configuration of
bodies into sexes which exist in a binary relation to one another.
204
I have been working to change the way I speak and write, to incorporate in the manner of telling a sense of
place, of not just who I am in the present but where I am coming from, the multiple voices within me. I have
confronted silence, inarticulateness. When I say, then, that these words emerge from suffering, I refer to that
personal struggle to name that location from which I come to voice – that space of my theorizing.
205
the woman in the poem and the woman writing the poem become the same person.
206
I am a galactic cloud so deep/so involuted that a light wave could take 15 years to travel through me.
207
What we see, we see/ and seeing is changing/the light that shrivels a mountain and leaves a man
alive/Heartbeat of the pulsar/heart sweating through my body.
208
I am an instrument in the shape/ of a woman trying to translate pulsations/into images for the relief of the
body/and the reconstruction of the mind.
209
I was able to write, for the first time, directly about experiencing myself as a woman.
188
210
[…] I began to feel that my fragments and scraps had a common consciousness and a common theme, one
which I would have been unwilling to put on paper at an earlier time because I had been taught that poetry
should be “universal,” which meant, of course, nonfemale. Until then I had tried very much not to identify
myself as a female poet.
211
Transit
When I meet the skier she is always
walking, skis and poles shouldered, toward the mountain
free-swinging in worn boots
over the path new-sifted with fresh snow
her graying dark hair almost hidden by
a cap of many colors
her fifty-year-old, strong, impatient body
dressed for cold and speed
her eyes level with mine
When sisters separate they haunt each other
as she, who I might once have been, haunts me
or is it I who do the haunting
halting and watching on the path
how she appears again through lightly-blowing
crystals, how her strong knees carry her,
how unaware she is, how simple
this is for her, how without let or hindrance
she travels in her body
until the point of passing, where the skier
and the cripple must decide
to recognize each other?
212
If the skier were to recognize the more ‘soulful’ speaker, the ‘cripple’ who gazes in admiration of her
vigor, the skier would marry her physicality to a strength of soul.
213
I needed to touch you
with a hand, a body
but also with words
I need a language to hear myself with
to see myself in.
214
I view our bodies as a site of struggle, where we must work to keep our daily practices in the service of
resistance to gender domination, not in the service of docility and gender domination.
215
If what one is fascinated by is the image of one body, one voice, one reason, any deviation takes the form
of gibberish. If woman speaks from her body, with her voice, who can hear? Who can decipher the language
of an hysteric, the wails of a hyena, the jabbering of a savage–apart from other hysterics, hyenas, and
savages?
216
I am alone, alone with language/and without meaning/coming back to something written years ago:/our
words misunderstand us/wanting a word that will shed itself like a tear/onto the page/leaving its stain.
189
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_____. Your Native Land: Your Life Poems. New York: W. W. Norton & Company, 1993.
_____. Midnight Salvage: Poems 1995-1998. New York: W. W. Norton & Company, 1999.
_____. Of Woman Born: Motherhood as Experience and Institution. New York: W. W.
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