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de transição de idade e status social, é associado ao mamífero aquático
ariranha, por ter, com este, uma homologia de comportamento. O momen-
to não se reduz à fase de desenvolvimento biológico, mas anuncia a entra-
da no mundo dos homens, tanto no plano humano como no sobre-humano.
Trata-se de uma forma de realização simbólica da ruptura com a fase in-
fantil que enfatiza a continuidade de outra etapa de vida nos dois planos,
indicando a nova posição a ser assumida de acordo com as habilidades de
cada indivíduo.
O Jyré caracteriza um dos aõni habitantes da água, presente
na mitocosmologia Karajá, que é organizada por uma vasta categoria de
seres – aõni
11
, dos três níveis cosmológicos, a saber: do céu, da terra e da
água, como aponta Toral (1992a: 170) que, “Mais do que denotar um elenco
de seres, a palavra aõni remete a uma forma de existência, um estado ao
exercício de habilidades e poderes que são característicos”. Na classica-
ção Karajá, segundo Iwraru
12
, são considerados como seres sobrenaturais,
existindo os bons e os maus aõni.
O Hetohokў dá início ao processo iniciativo em que o menino
cará durante um ano na condição Jyré, que segundo elaboração da cosmo-
logia Inў, é a fase de transição que marca a entrada no mundo dos homens.
Simbolicamente é como vestir um novo “couro”
13
a ser descartado após o
processo de “metamorfose”. Embora esses povos do Araguaia não tenham
em sua galeria de mitos de criação, o da “cobra grande”
14
, associam o pro-
cesso de troca de pele das cobras à fase de transição dos meninos. Este
período de passagem, que dura um ano, é dividido em etapas que são enun-
ciadas no corte curto do cabelo e na pintura corporal que vai diminuindo
gradativamente, seguindo os padrões de grasmo determinados para tal
11
Em uma tradução livre de Toral, “os que parecem ser (diversas coisas)”
12
Iwraru Karajá, cacique da Aldeia de Santa Isabel e um dos informantes que muito auxiliaram na pesquisa de
campo nos anos de 2005 e 2006.
13
Segundo informações dos Karajá, obtidas em campo.
14
Mito que faz parte de cosmologia de vários povos do Xingu.