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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
MARIA CÉLIA BORGES DALBERIO
ESCOLA PÚBLICA, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO
EMANCIPADORA: o projeto político-pedagógico como mediação
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO/CURRÍCULO
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria Célia Borges Dalberio
ESCOLA PÚBLICA, CURRÍCULO E EDUCAÇÃO EMANCIPADORA:
o projeto político-pedagógico como mediação
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Educação/Currículo, sob a
orientação do Prof. Doutor Mário Sérgio
Cortella.
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO/CURRÍCULO
SÃO PAULO
2007
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Banca examinadora
_____________________________________________________
Prof. Dr. Mário Sérgio Cortella
_____________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino
_____________________________________________________
Prof. Dr. Alípio Márcio Casali
_____________________________________________________
Profa. Dra. Marina Graziela Feldmann
_____________________________________________________
Profa. Dra. Camila Lima Coimbra
AGRADECIMENTOS
Expresso meu reconhecimento e minha gratidão, sinceramente, a todas as pessoas
que contribuíram para a concretização deste estudo e, de modo especial, destaco:
Ao Prof. Dr. Mário Sérgio Cortella, pela orientação segura e sempre animadora e,
sobretudo, por ter contribuído com o meu crescimento enquanto educadora e
pesquisadora.
A todos os meus professores que enriqueceram a minha formação, especialmente
ao Prof. Dr. Alípio Casali, à Profa. Dra. Anna Maria Saul (mais os colegas da
Cátedra) e à Profa. Dra. Marina Feldmann.
Aos membros da banca do exame de qualificação – Prof. Dr. Mário Sérgio Cortella,
Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino, Prof. Dr. Alípio Casali - pelas preciosas
orientações e ricas observações.
Aos autores que compuseram o meu quadro de referências, pelos ricos subsídios
teóricos oferecidos ao meu trabalho.
À Secretaria Municipal de Educação de Uberaba-MG e, especialmente, aos sujeitos
que foram entrevistados nesta investigação, meus saudosos companheiros(as) de
labor e de esperança.
Aos meus colegas e educadores da Universidade Federal de Uberlândia, por
facilitarem e incentivarem a minha pesquisa.
Aos meus colegas e amigos de Curso, especialmente o Fernando, a Valéria, a Rose,
a Adriana e a Maju, cujas presenças tornaram a caminhada mais leve e feliz.
Ao Claudenir Módolo Alves, pela amizade, pelas indicações e encorajamento.
À Sra. Rita de Cássia Dias Miyagui, Secretária do Programa de Pós-graduação,
pela atenção e colaboração.
À minha família pelo apoio, especialmente minha mãe, pelas orações.
A todos os meus alunos, cuja convivência interativa me permitiu ensinar e aprender.
À CAPES, pela bolsa de estudo que me foi concedida e que viabilizou os meus
estudos nesta conceituada Universidade (PUCSP).
Dedico este trabalho à minha família, especialmente
a meus queridos filhos Bruno e Lucas e a todos os
meus alunos antigos, atuais e aos que virão.
RESUMO
O objetivo geral da presente investigação consistiu em conhecer o que foi/é
realizado no cotidiano das escolas do Município de Uberaba-MG, com relação ao
Projeto Político -Pedagógico e sua interferência na formação dos professores, na
gestão democrática, na participação ativa da comunidade escolar na tomada de
decisões e, por último, na conquista de a melhoria da qualidade de ensino e,
portanto, na adoção de um Currículo que favoreça uma escola mais inclusiva. A
pesquisa sobre as relações do PPP se justifica por não ter sido ainda explorada no
lócus e na problemática escolhidos, num contexto de mais de uma década de
experiência. Nossa hipótese inicial foi de que o PPP é um documento que orienta os
rumos e redimensiona a prática pedagógica escolar, com poder para adensar a
qualidade da educação. Para a realização da pesquisa nos orientamos pela
perspectiva crítico-dialética, numa perspectiva freireana. Inicialmente fizemos uma
pesquisa bibliográfica, seguida da pesquisa documental e, em seguida, realizamos
entrevistas com 52 educadores da Secretaria de Educação de Uberaba-MG,
mediante questões orientadas por um roteiro, semi-estruturado. Constatamos que
houve pequeno avanço no processo democrático das escolas municipais de
Uberaba, entretanto, a participação é ainda muito tímida e incipiente. A comunidade
pouco interfere na vida da escola, pois permanece imobilizada, sem consciência
democrática e inerte mediante o descaso político quanto à qualidade da educação,
que é um direito legal e legítimo. A construção e a experiência do PPP pouco
interferiram também na formação dos professores, na melhoria da qualidade de
ensino e, portanto, no redimensionamento do Currículo e no alcance de uma escola
mais inclusiva. Contudo, continuamos acreditando que o PPP, quando assumido
como projeto próprio, pode ser capaz de adensar a qualidade de educação. Como
perspectivas esperançosas apontamos a conscientização e mobilização da
comunidade, para a participação coletiva e ativa junto às instituições e órgãos
públicos, para cobrar os seus direitos e agir/construir, solidariamente com os
educadores, uma escola mais democrática, humana e emancipadora.
Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico; Gestão democrática; Currículo e
Qualidade de ensino.
ABSTRACT
The general objective of the present investigation consisted of knowing what was/is
realized in the daily one of the Uberaba City schools about the Pedagogical-Politician
Project and its interference in the teachers formation, in the democratic management,
the active participation of the community school in the taking of decisions and, finally,
in the conquest of the quality improvement of education and, therefore, in the
adoption of a curriculum that favors more inclusive a school. The research on the
PPP relations justifies itself for still not have been explored in locus and the
problematic one chosen, in a context of more than one decade of experience. Our
initial hypothesis was the PPP is a document that guides the routes and redirects the
pedagogical practice pertaining to school, being able to accumulate the education
quality. For the research accomplishment we guide us by the critical-dialectic
perspective, a Paulo Freire perspective. Initially we made a bibliographical research,
followed of a documentary research and, after that, we realized interviews with 52
educators of the Education Secretariat of Uberaba-MG, by means questions guided
for a half-structuralized script. We evidence that it had a small advance in the
democratic process of the municipal Uberaba schools; however, the participation is
still shy and very incipient. The community insufficiently intervenes with the school
life; it remains immobilized, without democratic conscience and inert by means of the
politician indifference related to the education quality, a legal and legitimate right. The
construction and the PPP experience had also insufficiently intervened with the
teachers formation, education quality improvement and, therefore, with the curriculum
redirecting and the reach of a more inclusive school. However, we continue believing
the PPP can be capable to accumulate the education quality when assumed as
proper project. As hopeful perspective we point the awareness and mobilization of
the community, with respect to the collective and active participation with the public
institutions and agencies to ask its rights and to act/to construct, together with the
educators, a more human, emancipator, democratic school.
Keyword: Pedagogical-Politician Project; Democratic management; Curriculum and
education quality.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................9
CAPITULO 1 .............................................................................................................23
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS, O NEOLIBERALISMO E A
GLOBALIZAÇÃO.......................................................................................................23
1.1 O contexto social hodierno: Globalização e Neoliberalismo............................24
1.2 O papel da educação no mundo globalizado e orientado pela política neoliberal
...............................................................................................................................43
CAPÍTULO 2 .............................................................................................................59
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA POPULAR.59
2.1 O contexto histórico e social brasileiro.............................................................60
2.2 Democracia como um direito...........................................................................62
2.3 Como fazer democracia na escola ..................................................................72
2.4 A escola pública popular tem que ter qualidade de ensino..............................80
CAPÍTULO 3 .............................................................................................................97
ANÁLISES DOS DADOS EMERGENTES NA PESQUISA: as relações entre o
proclamado e o realizado..........................................................................................97
3.1 A análise dos dados.......................................................................................105
3.2 Considerações gerais sobre os dados empíricos..........................................131
CAPÍTULO 4 ...........................................................................................................139
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: o caminho para uma educação emancipadora
................................................................................................................................139
4.1 O Projeto Político-Pedagógico: conceito e processo de construção..............139
4.2 A tarefa formadora do PPP – a formação docente para a diversidade discente
.............................................................................................................................154
4. 2.1 A efetiva representação da diversidade e a tarefa formadora do PPP..158
4.3 Dificuldades e obstáculos na concretização do PPP.....................................163
4.4 O PPP como instrumento de participação coletiva: o papel da família na escola
.............................................................................................................................166
4.5 O PPP como possibilidade de romper com o projeto (neoliberal) de exclusão
.............................................................................................................................169
CAPÍTULO 5 ...........................................................................................................177
O COMPROMISSO ÉTICO NA PRÁTICA ESCOLAR E A FORÇA DA
COMUNIDADE PARA A EDUCAÇÃO EMANCIPADORA.......................................177
5.1 A crise de identidade: a modernidade, a pós-modernidade e a hiper-
modernidade........................................................................................................178
5.2 Ética da Libertação e Comunidade: para uma sociedade e uma escola mais
inclusivas.............................................................................................................190
5.2.1 O diálogo que aproxima e transforma as pessoas em Comunidade.......193
5.2.2 A ética da libertação para SER MAIS......................................................199
5.3 Perspectivas esperançosas...........................................................................207
À GUISA DE CONCLUSÃO....................................................................................213
REFERÊNCIAS.......................................................................................................233
REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS ...........................................................................241
APÊNDICES............................................................................................................243
1) Roteiro para a entrevista: ................................................................................243
2) Tabela 1: Apresentação dos Sujeitos entrevistados:.......................................244
INTRODUÇÃO
Minha segurança se funda na convicção de
que sei algo e de que ignoro algo a que se
junta à certeza de que posso saber melhor o
que já sei e conhecer o que ainda não sei.
(FREIRE, 1983).
De início, a opção foi por apresentar alguns fatos relacionados à história da
minha formação acadêmica e, em seguida, da experiência profissional. Dessa forma,
acredito facilitar a compreensão da escolha do problema de pesquisa, bem como
justificar o interesse pelo mesmo e, desse modo, explicitar a relevância social e
educacional da presente investigação.
Abordo, em primeiro lugar, a experiência vivida na escola, como aluna do
Ensino Fundamental. Destaco o fato de que contava com mais de 8 anos de idade
quando fui pela primeira vez à escola, em 1972. Além disso, os meus primeiros
quatro anos escolares aconteceram na zona rural, em uma sala multiseriada, com
uma única professora. Minha família e eu morávamos a aproximadamente 10
quilômetros da escola e, distância que, inicialmente, percorria a cavalo e, depois, de
ônibus comum, que passava na rodovia, distante cerca de dois quilômetros de minha
casa. A escola era de pau a pique, de chão de “terra branca pisada”, com bancos de
madeira e sem encosto. A professora dividia o único quadro em quatro partes, para
passar a lição para as quatro turmas dos primeiros anos do Primário (hoje Séries
Iniciais do Ensino Fundamental). A faixa-etária dos alunos era muito variada, em
todas as séries escolares. A cartilha utilizada para a alfabetização foi “O caminho
suave”, cujo método é o silábico. Com todas as dificuldades, gostava muito dessa
escola e me era claro o objetivo de estar ali, pois isso representava um privilégio
que, inclusive, custava muito, devido às dificuldades sócio-econômicas familiares,
aos problemas de transporte, à distância, aos desafios do percurso, dentre outros.
Logo fui destacada como uma das alunas mais interessadas e com maior
facilidade em fazer “composição”. A professora incentivava muito. Era uma pessoa
doce, dedicada e amorosa. Não media esforços para, dentro das condições
existentes, fazer com que todos os alunos aprendessem.
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Um fato marcante foi a posse do novo prefeito eleito, que trouxe esperança
para a escola rural. Pois, no projeto de campanha, prometeu melhorar a infra-
estrutura das escolas da zona rural. Nesse momento, a professora me pediu que
escrevesse uma carta ao Prefeito, relembrando-o de sua promessa. Escrevi, em
nome de todos os alunos, então, a minha primeira carta, para o Exmo. Senhor
Prefeito Municipal.
Foi com muita alegria que recebi a resposta, a qual reafirmava a construção
do novo prédio com uma estrutura que nos possibilitaria maior conforto e qualidade
para o desenvolvimento das atividades acadêmicas. Destaco as suas palavras
marcantes: “Recebi com satisfação a sua carta. E um pedido de uma criança, em
nome de tantas outras, torna-se uma ordem. Pois, a criança é autêntica e suas
manifestações são sinceras”. Contudo, não compreendia, naquele momento, que
estava aprendendo a exercer a cidadania, reivindicando um direito legal e legítimo
para aquela comunidade rural.
O mais importante é que um ano depois a nova escola estava pronta e, aos
meus olhos (e dos meus colegas), sua estrutura física era grande, linda, confortável,
maravilhosa! Foi inaugurada com a celebração de uma Missa, na qual a maioria dos
alunos, preparados pela professora, fez a Primeira Comunhão. Houve também
discursos políticos e muitos fogos.
Com 12 anos de idade, emigrei para a cidade mais próxima: Uberaba, no ano
de 1976. Como minha família era bastante humilde, meu pai, meus irmãos e eu
tivemos que trabalhar para nos sustentar na vida citadina. Meu primeiro trabalho foi
como pajem, e, em seguida, trabalho doméstico. Comecei, então, a estudar à noite,
em uma Escola Estadual do Bairro onde morávamos. Somente quando concluí o
Ensino Fundamental é que consegui um trabalho na função de secretária de uma
grande loja. Tive, então, carteira assinada e conquistei o teto do salário mínimo.
Pude, desse modo, cursar o Ensino Médio, no noturno, em escola particular. Fiz o
primeiro ano básico e, em seguida, o Curso de Magistério (Normal). Esse curso era
a primeira experiência da referida Escola. Por conseguinte, tive que enfrentar os
desafios e as “descobertas” improvisadas das dificuldades que surgiam. A maioria
do corpo docente não possuía, ainda, Curso completo de graduação. Eram
iniciantes no magistério, estudantes de Pedagogia, de Matemática, de Engenharia,
de Educação Física, de Enfermagem, dentre outros. Observava, desde então, a
prática docente de cada um deles. Havia aqueles mais comprometidos com a
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docência, mas também aqueles que a tinham apenas como “bico” ou trabalho
provisório para completar o orçamento no final do mês.
Concluída essa etapa, coloquei-me diante do desafio de enfrentar o vestibular
na Faculdade particular da cidade. Inicialmente, almejava o Curso de Psicologia.
Entretanto, era um curso muito caro e que exigia tempo integral. Não possuía
condições para enfrentar tais exigências. Contudo, o desejo de cursar uma
graduação era enorme, e não podia desistir. Decidi, então, optar pelo Curso de
Pedagogia, que dava continuidade ao Curso de Magistério e, no momento, era o
Curso que, nas palavras de Freitag (1980) “a minha condição de classe me permitia
fazer”.
Com o decorrer do tempo, aprendi a gostar do Curso de Pedagogia. Embora
fosse um Curso em período noturno, cuja turma era composta por alunos(as)
trabalhadores(as), foi um bom curso. Os professores eram, na maioria, experientes e
comprometidos. A Instituição era privada e se denominava Faculdade de Educação
de Uberaba (FIUBE).
Esta agregou os professores e a proposta educacional da antiga e extinta
Faculdade de Educação Santo Thomaz de Aquino (FISTA), que foi organizada e
estruturada dentro dos valores e preceitos educacionais da Congregação das Irmãs
Dominicanas. O meu Curso de Graduação durou quatro anos e meio (1983-1987), e
este me possibilitou o diploma com as habilitações – conforme o antigo currículo da
Pedagogia – em Magistério das Matérias Pedagógicas, Orientação Educacional,
Supervisão Pedagógica e Administração Escolar.
Apresento, neste momento, alguns dados sobre minha rica experiência na
educação, no exercício da docência e de cargos administrativos. A primeira
experiência foi em uma escola pública popular, em 1989, no Ensino Fundamental.
Inicialmente, trabalhei por um semestre com Ensino Religioso, nas turmas de 5ª a 8ª
séries numa Escola Estadual. Na minha primeira experiência como docente fui
desafiada a descobrir a arte de conquistar os alunos e “seduzi-los” para a aula, de
um conteúdo cuja freqüência era livre e sem aferição de notas para aprovação. Foi
uma boa e desafiadora experiência. Depois, assumi, entre os anos 1993 e 1997, a
regência dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Simultaneamente, tive a
experiência na gestão escolar, exercendo a função de vice-diretora por mais de
cinco anos, na Rede Estadual. Por conseguinte, exerci também o papel de diretora
escolar, entre 1998 a 2005, de um Centro de atendimento às crianças com
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necessidades educacionais especiais. Tais atividades, divididas entre pedagógicas e
administrativas, foram me enriquecendo de experiências, obrigando-me a confrontar
sempre a teoria e a prática e, com isso, despertavam-me muitas inquietudes e
curiosidades.
Diante de tais perspectivas, a curiosidade e o desejo de conhecer me
impulsionava, ao mesmo tempo, a procurar vários cursos de aperfeiçoamento,
participar de Seminários e eventos educativos, e também buscar os cursos de pós-
graduação Lato-Sensu, nos quais procurava aprimorar os fundamentos da educação
para uma prática pedagógica mais consistente e de melhor qualidade.
Depois da graduação, e diante dos desafios da docência, percebi que
precisava continuar estudando para superar algumas lacunas da formação, como
também melhorar as oportunidades de trabalho. Por isso, procurei as “Faculdades
Claretianas de Batatais”, no interior de São Paulo, para o meu primeiro Curso de
Pós-graduação Lato Sensu – “Metodologia do Ensino Superior”, cursado em 1994.
Depois deste, em 1995, voltei para a FIUBE, agora Universidade de Uberaba
(UNIUBE), para cursar o segundo Curso de Pós-graduação Lato Sensu,
“Fundamentos da Educação”. Em cada um desses cursos, acrescentei algo à minha
formação e os meus horizontes foram se alargando.
Em 1996, procurei um Curso que me aproximasse mais da Psicologia, que foi
a minha “vocação” inicial. Retornei às Faculdades Claretianas de Batatais (SP) para
cursar “Psicopedagogia”, um curso de Especialização Lato Sensu, que me
possibilitou compreender melhor os problemas e as intervenções nos processos de
ensino-aprendizagem. Neste Curso, deparei-me com discussões sobre os aspectos
relativos ao fracasso e ao sucesso escolar, à inclusão e à exclusão dos alunos nas
escolas, as diferentes áreas do conhecimento. Assim, ampliei meus conhecimentos
relativos ao binômio ensinar/aprender, considerando a diversidade de crianças
presentes no sistema escolar.
É importante, neste momento, voltar ao ano de 1993, no qual, paralelo ao
cargo de vice-direção no Estado, após a aprovação em concurso público, assumi a
função de pedagoga em uma Escola Municipal. Como pedagoga, fui convocada para
participar de um curso de aperfeiçoamento, no qual seria habilitada a conduzir o
processo de construção do Projeto Político-Pedagógico nas Escolas Municipais de
Uberaba-MG.
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Munida de orientações teóricas e instrumentais que foram oferecidas pelo
curso de atualização, eu, juntamente com as demais pedagogas da Rede Municipal
de Uberaba, chegamos às escolas municipais com a incumbência de elaborar,
coletivamente, com todos os segmentos da escola, o Projeto Político-Pedagógico
das mesmas, cujos objetivos eram fazer uma escola mais democrática, participativa,
autônoma e de maior qualidade.
Além da construção do projeto da escola, meu trabalho como pedagoga
escolar também privilegiou o apoio e a orientação do trabalho pedagógico junto às
crianças que se encontravam em situação de risco ou fracasso escolar. Aproveitei,
assim, para exercitar a formação em Psicopedagogia e trabalhar junto aos pais,
professores, e mesmo com os alunos, recorrendo à intervenção no desenvolvimento
do aprendizado, no qual utilizei recursos, formas e tempos diversificados, tendo
como objetivo possibilitar aos alunos o avanço na aprendizagem escolar.
Vale destacar que, após a década de 1990, a Secretaria Municipal de
Educação de Uberaba-MG adotou os pressupostos políticos e filosóficos da “Escola
Cidadã”. Desde então, tem procurado viver experiências exitosas, em busca de uma
administração democrática e participativa nas escolas. A partir daí, seu trabalho
pedagógico passou a enfocar os diferentes e múltiplos aspectos do ato de
ensinar/aprender, pois a escola cidadã é
[...] aquela que se assume como um centro de direitos, como um
centro de deveres. A formação se dá dentro de um espaço de
tempo. O que caracteriza a Escola Cidadã é uma formação para a
cidadania. A Escola Cidadã é a escola que viabiliza a cidadania. A
quem está nela e de quem vem a ela. É uma escola que, brigando
para ser ela mesma, viabiliza ou luta para que os educandos e os
educadores também sejam eles mesmos e, como ninguém pode ser
só, a Escola Cidadã é uma escola de comunidade, de
companheirismo (FREIRE, apud PREFEITURA MUNICIPAL DE
UBERABA, 2000).
Com o trabalho pedagógico norteado por tais princípios, as escolas
municipais de Uberaba-MG passaram a vivenciar, no seu cotidiano, um currículo
voltado para a construção da cidadania. Entretanto, acredito que a cidadania não se
constrói de forma decretada ou imposta, ou por força da Lei. Mas, sim dentro de um
processo de construção, cooperação e participação ativa e coletiva. Assim, pela
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práxis pedagógica, por meio do debate, da socialização e da troca de diversos
saberes, constroem-se novos saberes.
A crença explicitada nos registros dos manuais e subsídios orientadores da
Secretaria supõe que democracia garante a participação de todos os segmentos da
comunidade escolar, viabilizando o diálogo e a troca, por meio do respeito ao
pluralismo de idéias; e que o poder de decisões deixa de ser centralizado e acontece
a divisão do poder, entre todos que se comprometem com responsabilidade pela
reconstrução e o redimensionamento do espaço pedagógico. Essa prática foi/está
sendo resgatada, nas Escolas Municipais de Uberaba-MG, por intermédio da
participação conjunta em busca da construção do Projeto Político-Pedagógico para
nortear o trabalho da Escola.
Foram inúmeras as dificuldades encontradas. Dentre algumas, citamos uma
limitação comum que era a falta de experiência com a gestão democrática, como
também as dificuldades da comunidade, em vivenciar e garantir a eficácia desse
processo. Entretanto, apesar das dificuldades e limitações, depois de seis meses de
trabalho, o Projeto ficou pronto. Cada equipe escolar procurou fazer o melhor e a
maioria mostrava-se orgulhosa do “seu” Projeto, que, a partir daquele momento,
conduziria os rumos da escola. Cada unidade escolar devia entregar uma cópia do
seu projeto à Secretaria de Educação, na qual ele seria examinado, apreciado e
avaliado. Após a avaliação da Secretaria, foram solicitadas algumas correções e
complementos, visando aperfeiçoar a qualidade do documento elaborado nas
escolas.
Nesse contexto, os primeiros Projetos Político-Pedagógicos das Escolas
Municipais de Uberaba ficaram prontos no ano de 1993. O modelo de todos eles
seguia o manual de orientações expedido pela Secretaria. Poucas unidades
escolares ousaram fazer alguma mudança que fugisse das orientações traçadas,
para personalizar criativamente o “seu” Projeto.
Com o documento pronto, o passo seguinte seria colocá-lo em prática. Afinal,
o Projeto Político-Pedagógico (PPP) é o documento orientador das mudanças,
norteando o caminho das mudanças e as inovações do cotidiano da escola na busca
de uma maior qualidade de ensino. Não poderia jamais ficar esquecido na gaveta do
diretor ou dos pedagogos. Ele é o leme, é o projeto que direciona o projetar-se para
frente, indica o caminho a ser seguido.
15
A cada ano, o Projeto era revisado pelo grupo e, na oportunidade,
acrescentavam-se ou retiravam-se subprojetos, deixando o documento orientador
sempre atualizado.
Em 1999, assumi a gestão de um Centro de Atendimento, Diagnóstico e
Orientações para a Educação Especial (CADOPE). Nessa nova missão, tive também
que coordenar a construção do Projeto Político-Pedagógico do referido Centro, o
qual apresentava características bem diferentes dos das escolas comuns. Procurei
elaborar esse Projeto de acordo com as orientações técnico-políticas e filosóficas
fornecidas pela Secretaria de Educação. Dentre essas, estava a idéia de que o
Projeto deveria ser democrático e participativo, envolvendo todos os trabalhadores,
pais e alunos relacionados àquele trabalho educativo e reeducativo. Estive por
quatro anos administrando esse trabalho, fazendo o Projeto se efetivar, revisando-o
e ajustando-o de acordo com as necessidades existentes. Durante esse trabalho,
pude explorar e experienciar, longamente, os conhecimentos adquiridos no Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu, com especialização em Psicopedagogia, conquistado
em anos anteriores.
Nesse trabalho contínuo, enfrentava muitos desafios. Percebia a dificuldade
para contar com a efetiva participação de todos, de realmente realizar um processo
democrático, de encontrar horários para as reuniões, de mobilizar todos os
envolvidos na escola no sentido de envolvê-los e incentivá-los para a participação
como sujeito ativo, que opina, discute e interfere para modificar e enriquecer o
processo.
Portanto, muitas eram as dificuldades daquele primeiro momento. Percebia a
dificuldade de se fazer um trabalho democrático, de fato, com o envolvimento de
todos. Por ser uma proposta nova, alguns olhavam com desconfiança e até faziam
comentários irônicos, revelando a descrença diante de inovações. Além disso,
Faltavam experiências e vivências de práticas democráticas, havia também
interpretações errôneas ou do senso-comum sobre o conceito de democracia,
faltava desejo de participar, havia imobilismo, descrença e desesperança no olhar
vago e sem brilho dos professores e demais servidores das unidades escolares.
Por outro lado, percebia alguns avanços: era um pequeno número, mas
algumas pessoas já se envolviam mais, demonstravam entusiasmo e queriam
participar ativamente. O processo de democracia explicitava indícios de vida, tênue e
tímida, mas era um começo.
16
A experiência na área da Educação Especial, trabalhando como diretora,
coordenadora dos projetos pedagógicos, muitas vezes como avaliadora e no
assessoramento para a intervenção nos problemas de aprendizagem, conduziu-me
à busca de mais conhecimentos sobre a área. Por isso, no Curso de Mestrado em
Educação (1999/2000), oferecido pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
minha dissertação teve como título “Quem são e onde estão os alunos egressos da
Educação Especial?”. Saliento que, no início deste Curso, estava na direção de um
Centro de Educação Especial mantido pelo Estado de Minas Gerais, o Centro de
Orientações e Pesquisa em Educação Especial (CEOPEE). Por isso, escolhi como
problema de pesquisa qual era a real contribuição que os Centros Estaduais de
Educação Especial em Minas Gerais proporcionavam aos alunos que permaneciam
pelo menos dois anos nas salas especiais dos mesmos. Orientada pela concepção
do materialismo histórico dialético, fiz uma revisão bibliográfica sobre a Educação
Especial, explorando sua legislação, as políticas públicas e os seus princípios
norteadores, destacando os preceitos de integração e inclusão. Realizei mais de 40
entrevistas com as famílias dos alunos egressos dos três Centros de Educação
Especial localizados em Minas Gerais, nos municípios de Uberaba, Uberlândia e
Barbacena. Na conclusão, o trabalho evidenciou que os alunos egressos dos
Centros Estaduais de Minas Gerais pertencem, em sua maioria, às famílias das
classes desprovidas de riquezas, são do sexo masculino, muitos evadiram da escola
e outros continuam ainda estudando. Os que continuam na escola encontram-se em
situação de retenção e com história de fracasso escolar, sentem-se desanimados e
apáticos com relação à escola. Quanto ao ingresso no mercado de trabalho, quando
conseguem empregos, são mal remunerados, não têm carteira assinada e exercem
funções que não exigem qualificação e/ou raciocínio. A maioria buscou também os
programas compensatórios de educação, como cursos supletivos, alfabetização de
adultos, classes especiais na escola comum, dentre outros. Dessa forma, a
conclusão indicou que a escola especial pouco contribuiu para o avanço dos alunos
egressos, que continuam marginalizados no sistema educacional e social vigente.
Portanto, na forma como está estruturada, a escola especial pouco contribui para a
inclusão social do educando com necessidades educativas especiais.
O trabalho de Mestrado foi importantíssimo para me ajudar a compreender a
legislação, as políticas públicas, os princípios norteadores da educação especial,
17
seu papel diante da sociedade e, principalmente, todos os interesses e contradições
inerentes a essa área de atuação educacional.
A docência no Ensino Superior foi outra experiência importante que ocoorreu
do ano de 2000 a 2006, na Universidade de Uberaba (UNIUBE). Nesta instituição,
trabalhei como docente, assumindo uma unidade temática intitulada “Projeto
Político-Pedagógico”, com os alunos do segundo ano dos Cursos de Licenciatura.
Havia uma parte teórica e uma parte de orientação à pesquisa de campo, na qual os
alunos analisavam o documento e realizavam entrevistas sobre o mesmo com os
pedagogos da escola. Foi uma experiência bastante enriquecedora. Nesse
momento, tive a oportunidade de publicar três artigos sobre o tema na Série
Pedagogia, material editado pela Universidade, como subsídio teórico para os
Cursos de Licenciatura, na modalidade à distância. Foi um trabalho interessante e,
por isso, julguei importante utilizá-los em citações, neste trabalho, adotando-os
também como referência.
Todas essas experiências acadêmicas e de trabalho no cotidiano escolar
desafiavam-me a estudar, discutir, pesquisar e, com isso, estava sempre
aprendendo. Todavia, nunca era o suficiente, sempre queria saber e fazer mais e
melhor. Era uma busca constante de aperfeiçoamento que me mobilizava a repensar
e rever sempre minhas ações, bem como minhas convicções e desafios.
Assim, tais experiências conduziam-me a diversos e constantes
questionamentos. Dentre esses, passo a elencar alguns:
- O PPP da Secretaria Municipal de Educação de Uberaba foi
construído realmente dentro de um processo participativo?
- O PPP interferiu na formação e na visão de mundo do professor?
- O PPP pode transformar as concepções e a prática pedagógica do
professor?
- Qual é a importância do PPP no ensino para a diversidade
discente?
- Depois do PPP houve alguma mudança no currículo e no ensino
escolar?
- O PPP depois de construído está sendo utilizado para orientar e
redimensionar a prática escolar?
18
- O PPP representa, para a escola de Uberaba, realmente o guia
orientador do processo vivido na prática, ou, em outras palavras,
representava o “folheto turístico ou o mapa de navegação”?
- Existem mesmo democracia e participação na escola? Quais as
ações concretas que as reafirmam?
- A que distância está a escola inclusiva, e, portanto, de qualidade
para todos?
Assim, o objetivo geral da investigação busca responder se o Projeto Político-
Pedagógico que foi implantado na Secretaria de Educação do Município de
Uberaba-MG no ano de 1993 colaborou com a gestão democrática, a busca de
maior participação ativa da comunidade escolar na tomada de decisões, a formação
dos professores e, por último, a melhoria da qualidade de ensino e,
conseqüentemente, na conquista de uma escola mais inclusiva.
Por conseguinte, o problema de pesquisa foi assim formulado: a prática do
Projeto Político-Pedagógico, instalado desde 1993 nas Escolas Municipais de
Uberaba, conduziu a uma gestão realmente democrática, interferiu no Currículo
escolar e possibilitou a melhoria da qualidade da educação e, ainda, responde aos
desafios do que se entende como papel da educação perante às exigências da
sociedade atual?
Com relação à metodologia, a pesquisa em pauta é de cunho qualitativo,
dentro de uma vertente crítica. Nesse sentido, as reflexões e análises da pesquisa
são orientadas pela concepção filosófica dentro de uma visão crítico-dialética, em
uma perspectiva freireana.
Pela perspectiva crítico-dialética eleita, à luz de Paulo Freire (2003, p. 18),
reafirmo a visão do Homem e de sua condição de ser histórico-social,
experimentando e vivenciando continuamente “[...] a tensão de estar sendo para
poder ser e de estar sendo não apenas o que herda mas também o que adquire e
não de forma mecânica. Isto significa ser o humano, enquanto histórico, um ser
finito, limitado, inconcluso, mas consciente de sua inconclusão”. Por isso, o homem é
um ser interruptamente em processo e em busca de ser mais, “Um ser que, tendo
por vocação a humanização, se confronta, no entanto, com o incessante desafio da
desumanização, como distorção daquela vocação” (FREIRE, 2003, p. 18).
19
Nessa perspectiva, o Homem é um ser que vive a dialética entre o social e o
individual, entre o conhecimento científico e o conhecimento popular, entre o ser
político e o ser histórico, constituindo o ser condicionado que, reconhecendo-se
como tal, pode e deve superar os limites de seu próprio condicionamento. Então, se
por um lado o homem é um ser que pode ser moldado para viver castrado,
manobrado, dirigido e alienado, por outro pode ser um sujeito consciente, crítico,
decidido, transformador e construtor de sua trajetória histórica. Acredito, pois, que
da submissão à alienação, o ser humano pode descobrir o caminho da libertação ou
da emancipação.
Carlos Torres chama a atenção pela forma que o educador Paulo Freire tem
de observar a realidade, sempre descrevendo-a e analisando-a, partindo de simples
observações, mas em “permanente diálogo com sua compreensão teórica, filosófica
e epistemológica, o que faz com que você se mova, indo e vindo, entre certos
princípios epistemológicos como a discussão entre teoria e prática...” (FREIRE,
2005, p. 136). É essa a dialética de Paulo Freire, é a forma como ele observa,
analisa e faz a leitura do mundo.
Assim, a concepção pedagógica eleita é freireana e, nesse prisma, reafirma
que educadores e educandos devem assumir o papel crítico de sujeitos
cognoscentes, mediante a compreensão dialética da educação vivamente
preocupada com o processo de conhecer. Nesse contexto, as discussões são
pautadas pelas reflexões contínuas, indicando que tudo está relacionado a um
movimento histórico, à dinâmica que explicita uma dimensão de inacabamento, de
incompletude, de confronto de interesses, em constante busca de perfeição,
produzindo-se em um constante vir-a-ser.
Escolhi como categoria-mãe a discussão sobre o Projeto Político-Pedagógico
escolar e, relacionado a este, outras temáticas permeiam as discussões e análises,
na revisão bibliográfica. Os temas imbricados com a discussão sobre o PPP são: o
contexto social, político e educacional atual; a qualidade de ensino da escola pública
popular; o sistema educacional excludente e a perspectiva da escola inclusiva; a
gestão democrática e a participação na escola; a docência e o compromisso ético
com a construção da cidadania, tendo em vista o alcance de uma escola mais
humanizante e inclusiva. No Capítulo de análise dos dados empíricos, no qual
apresentei os discursos obtidos por meio das entrevistas, priorizei 6 (seis) categorias
relacionadas à categoria principal : a construção do PPP; o reconhecimento e a
20
utilização do PPP; PPP e formação docente; o PPP e a participação democrática na
escola; o PPP e o Currículo escolar; a relação do PPP com a qualidade de ensino
(inclusão).
Inicialmente, realizei uma pesquisa bibliográfica, com a qual busquei
conhecer mais profundamente as exigências da sociedade globalizada, que vivencia
uma revolução tecnológica e o processo de construção do Projeto Político-
Pedagógico, nesse contexto. Entre os principais autores que recorri, dentro da
vertente epistêmica eleita, citei e dialoguei com Paulo Freire, Enrique Dussel, Moacir
Gadotti, José Carlos Libâneo, Dermeval Saviani, Danilo Gandin, Ilma Passos Veiga,
Paulo Roberto Padilha, José Eustáquio Romão, Luiz Carlos de Freitas, Antônio
Joaquim Severino, Terezinha Rios, Mário Sérgio Cortella, Alípio Casali, dentre
outros. Elegi também alguns dos autores clássicos, dentre eles Karl Marx, Michel
Foucault e Antônio Gramsci, que por serem familiarizados com a matriz epistêmica
escolhida, puderam enriquecer a investigação em pauta.
Recorri, ainda, a diversos autores filiados a outras concepções filosóficas,
mais especificamente da fenomenologia e da teoria da complexidade. As idéias
desses autores foram importantes para apoiar, iluminar e enriquecer a investigação
em pauta; contudo, procurei não me desviar da corrente crítico-dialética, a qual foi
realmente a âncora de apoio e a luz que iluminou e orientou nossas reflexões,
análises-críticas e conclusões.
Em seguida, o foco foi a análise dos documentos localizados nas secretarias
das Escolas Municipais de Uberaba (MG). Dentre esses, encontramos o Projeto
Político-Pedagógico, o Regimento Escolar e os livros de atas.
Por conseguinte, realizei uma entrevista utilizando um roteiro semi-
estruturado, com diretores, professores, pedagogos, serviçais, pais de alunos e
alunos. A técnica da entrevista favorece o diálogo e a interação entre os sujeitos
da pesquisa e inclusive a análise. Todas as entrevistas foram gravadas, submetidas
ao processo de transcrição e, em seguidas, digitadas “respeitando-se o vocabulário,
o estilo da resposta e as eventuais contradições da fala [...]” (CHIZZOTTI, 2005,
p.58).
A Secretaria Municipal de Educação e Cultura do Município de Uberaba-MG,
conta com 34 escolas municipais. Elegi 7 delas para o levantamento de dados. Ao
todo, foram realizadas 52 entrevistas, todas analisadas e comparadas, levantando
as principais categorias para a análise do material coletado. Busquei, de forma
21
crítica, descortinar os mitos, ler as linhas e as entrelinhas, confrontar o proclamado e
o realizado, o discurso e a prática da vida educacional na Secretaria Municipal de
Educação de Uberaba, após os anos 1990.
Finalmente, apresentei aqui os resultados da pesquisa, organizando a
estrutura da tese, conforme descrevo em seguida.
Nesta Introdução, socializo um pouco de minha história de formação e
experiências na educação, as quais dão origem ao problema da presente pesquisa.
Em seguida, apresento o problema e os objetivos da investigação, bem como a
metodologia, os recursos e a população alvo, utilizados no desenvolvimento do
trabalho.
No Capítulo 1, discuto os aspectos eleitos como elementos desencadeadores
da exclusão social e educacional, e a influência dos preceitos do Neoliberalismo.
Para tanto, faço uma retrospectiva retomando alguns fatos históricos sobre o
Positivismo, o Liberalismo, o modelo social-democrata, a globalização e o
Neoliberalismo, explicitando os aspectos positivos e negativos referentes às
influências de tais concepções e modelos na sociedade como um todo e,
especificamente, nas políticas educacionais.
No Capítulo 2, discuto a categoria da democracia e dela avanço para
discussões como a participação, a gestão participativa, a autonomia da escola, a
cidadania, a escola pública popular e a qualidade de ensino. Procuro, aqui,
apresentar o discurso teórico sobre os temas e também explicitar a realidade do
cotidiano escolar que, muitas vezes, contradiz tal discurso.
No Capítulo 3, apresento a análise crítica dos documentos das escolas (o
PPP) e dos dados colhidos nas entrevistas semi-estruturadas, que foram aplicadas a
52 pessoas, representantes dos sujeitos que fazem a educação no Município de
Uberaba-MG. Foi, neste capítulo, que pudemos confrontar as teorias proclamadas
com a prática realizada no cotidiano das escolas.
No Capítulo 4, discuto o Projeto Político-Pedagógico e destaco seu conceito,
origem, importância, exigência legal, bem como as dificuldades para a sua
viabilização, com o sucesso e o alcance dos seus objetivos. Discuto, igualmente, a
necessidade de um projeto coletivo, no sentido de reestruturar a escola para que
possa atender à diversidade de alunos presentes no sistema escolar e,
conseqüentemente, aceitar o desafio de se construir uma escola mais inclusiva.
22
No Capítulo 5, reafirmo que a política neoliberal interfere na formação
docente, como também na prática pedagógica e, conseqüentemente, na qualidade
de ensino. Muitos são os entraves que interferem na prática docente e que colocam
o educador em situação de inércia. Explicito a influência da Pós-Modernidade, como
geradora de incertezas, desesperança e inércia na atuação da sociedade e,
especificamente, dos educadores. Discuto e aponto algumas alternativas e
possibilidades para se construir uma escola de melhor qualidade, que forma para a
cidadania e a autonomia, na busca de se alcançar a emancipação educacional e
uma vida mais justa e digna.
Na conclusão, retomo as idéias básicas do trabalho e procuro responder ao
problema inicial. O PPP, mesmo diante das limitações constatadas, continua sendo
uma possibilidade de resgatar e agregar a força da comunidade, num movimento
coletivo, em prol de atitudes emancipadoras. Coloco, ainda, algumas alternativas
e/ou perspectivas esperançosos na busca de superar os entraves que prejudicam o
desejo e a necessidade de se construir uma escola mais democrática, de maior
qualidade e, portanto, inclusiva.
CAPITULO 1
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS, O NEOLIBERALISMO E A
GLOBALIZAÇÃO
O homem existe – existere – no tempo. Está
dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica.
Porque não está preso a um tempo reduzido a
um hoje que o esmaga, emerge dele. Banha-
se nele. Temporaliza-se. (FREIRE, 1967).
Neste momento, elegemos ser importante contextualizar a alguns aspectos da
realidade vivida no Brasil e, a partir dela, compreender melhor em que sociedade
nos encontramos, quais são as influências, os interesses, as políticas e as
perspectivas para o futuro, concernente aos aspectos sociais e educacionais. Desse
modo, esperamos poder conhecer também os nossos limites, os desafios e as
possibilidades existentes, no contexto revelado.
Para tanto, fazemos uma retrospectiva retomando alguns fatos históricos
sobre o Positivismo, o Liberalismo, o modelo social-democrata, a Globalização e o
Neoliberalismo, explicitando os aspectos positivos e negativos referentes às
influências de tais concepções e modelos na sociedade como um todo e,
especificamente, no setor educacional. Temos clareza de que as concepções e
políticas orientadoras da sociedade brasileira atual influenciam os rumos e os
processos educacionais, especialmente na escola pública.
Contudo, queremos deixar claro que não pretendemos nos aprofundar nos
temas aqui colocados em pauta, uma vez que não é essa a intenção de nossa
temática de pesquisa. Portanto, trazemos tais discussões apenas para contextualizar
o nosso momento histórico, na busca de fazer a relação desse momento histórico
com a situação do sistema educacional de nosso país. Como nosso trabalho não é
um tratado de Filosofia e nem de Sociologia, buscamos aqui apenas nos situar no
cenário global. Nesse sentindo, os temas discutidos possibilitarão uma visão mais
clara do nosso contexto social/político/educacional e farão ponte para
compreendermos nossa proposta de pesquisa que visa entender os efeitos e as
ações concretas com relação aos processos de democratização da escola pública,
tendo em vista a melhoria da qualidade de ensino.
24
1.1 O contexto social hodierno: Globalização e Neoliberalismo
No Brasil, a educação começou sob a direção, a organização e a orientação
dos Jesuítas, que vieram juntamente com nossos “colonizadores” para educar os
nobres ou “bem-nascidos” e também os vocacionados da Igreja Católica. Nesse
prisma, nos primeiros séculos da colonização do território brasileiro, a educação
esteve sob o domínio da Igreja Católica e, de um lado, era de cunho religioso e
humanista e, de outro, seletiva e excludente. Havia também a preocupação com o
catecismo e a formação para a fé e a submissão. Portanto, é inegável que o sistema
educacional brasileiro apresenta fortes configurações das raízes escolásticas, que
tem como alicerce o modelo jesuítico.
No início do século XX, o sistema educacional brasileiro sofre
influências da orientação positivista, foi subsidiado pelo pensamento de Comte e
reforçado por Durkheim, segundo o qual se reafirmou o valor das disciplinas, da
hierarquização das séries escolares e da fragmentação do conhecimento. Esse
modelo espelha-se na visão de que a ciência apresenta uma linguagem analítico-
experimental, que separa, divide, localiza, mede e calcula na busca de ser racional e
objetiva. Por muito tempo, foi a única vertente aceitável para justificar cientificamente
todos os fenômenos. O ensino sistematizado exigiu um currículo, ou seja, um
conjunto de conteúdos determinados para cada ano escolar, delimitados pela grade
curricular. Assim, tradicionalmente, a organização da instituição escolar e do
Currículo foi compreendida de modo restrito, representado pelo elenco de conteúdos
ou pela grade curricular de um determinado curso. Sabemos que a “pedagogia
disciplinar, que tem fortes raízes pré-modernas, seria formalizada a partir do século
XVIII – caso do modelo dos jesuítas – inventando procedimentos de classificação,
ordenação e hierarquização dos estudantes no espaço e no tempo” (SACRISTÁN,
1999, p. 171).
Nesse contexto, a história nos mostra que a educação, em suas origens, foi
sistematizada por preceitos liberais do capitalismo, pelos quais a construção da
sociedade moderna era alicerçada por dois pilares: o mercado e a democracia. Já
nesse momento, havia contradições, pois, se por um lado, a concepção do mercado
buscava a acumulação de riquezas por meio do lucro e da mais valia, por outro, o
ideal de democracia buscava ações e práticas mais inclusivas, buscando diminuir o
grau de desigualdade e exclusão.
25
Assim, o Estado liberal caracteriza-se pela separação entre Estado e
economia e pela tentativa de reduzir a política à chamada sociedade política, ou
seja, por tentar despolitizar as relações econômicas e sociais. Nesse sentido, ao
separar a política da economia, o Estado liberal define, por um lado, o conceito de
sociedade reduzida aos produtores e aos cidadãos e, por outro, ambos tendo em
comum a qualidade de humano, separados, contudo, por esfera de atuação. Nesse
prisma, as classes sociais existiam no século XIX, mas o funcionamento institucional
do Estado e da economia não as refletia diretamente; ao contrário, procurava negá-
las, uma vez que colocava o Estado de cidadãos de um lado, e uma sociedade de
proprietários, de outro, negando a condição da classe operária como classe.
Na visão de Toledo (1995), a teoria Liberal tem como princípios fundamentais:
a) o Individualismo, que concebe a sociedade como a soma das ações individuais;
estas ações são concebidas como racionais ou em estreita conexão entre meios e
fins; e estes últimos representados pela otimização dos benefícios, a partir de meios
escassos, sendo que o somatório de ações racionais, egoístas e otimizadoras gerará
o bem-estar geral; b) o Naturalismo, influência sobre o Liberalismo clássico da visão
newtoniana do mundo, com seus componentes de leis universais e de crença em
uma natureza humana imutável, sujeita às leis universais. Dessa forma, a sociedade
seria apenas um meio de igualar as leis naturais da propriedade e da liberdade. Por
isso, o ser humano se caracteriza por ser proprietário e livre; o homem é proprietário
da sua pessoa e de suas capacidades; portanto, a sociedade seria um conjunto de
relações individuais entre proprietários. A sociedade política só se justificaria para
proteger a propriedade e cuidar para que as relações mercantis transcorressem de
forma ordenada. Por fim, c) Progresso, a sociedade baseia-se na razão, razão
natural com leis naturais. Isto é herança do Iluminismo, que apresenta uma
confiança nas capacidades neutras da ciência em sinalizar caminhos naturais de
progresso. Assim, destaca-se o conceito abstrato de liberdade, descontextualizado
e, em uma democracia egoísta, contrária à ética medieval, mas também à
solidariedade socialista nascente.
Outra contradição explícita era que o Estado apresentava-se como oposto
aos privilégios de nascimento ou por direito divino; contudo, só assegurava a
igualdade política dos proprietários. Então, o conceito de igualdade versus o de
liberdade advinha do bem-estar geral do indivíduo. Posteriormente,
26
[...] as lutas sociais e políticas do nascente proletariado do século
XIX ganharam forças e pressionaram em direção à igualdade
política e à distribuição igualitária dos bens, ou melhor, em direção à
abolição do capitalismo. Isto é, o liberalismo nos campos econômico
e político provocou uma grande desigualdade social e um grande
conflito e antagonismo entre a burguesia e o proletariado, os
partidos e as revoluções socialistas se desenvolveram. (TOLEDO,
1995, p. 72).
Certamente, as teorias liberais da ação social no século XIX, frente às teorias
sociológicas como as de Comte e Durkheim ou à economia política de Marx,
causaram uma grande divisão nas ciências sociais, pois, de um lado, colocaram-se
os metodologicamente individualistas e, de outro, os holistas
1
ou de compreensão
total da realidade do outro.
Dentro da concepção liberal, a visão individualista se constituiu por uma
sociedade política livre, aberta aos investimentos e ao crescimento do capital. Por
isso, tudo era válido em nome do lucro.
Nessa visão de mundo, segundo o pensamento de Marx, o capitalismo se
tornou uma religião da vida cotidiana, apresentando crenças, devoções,
espiritualidades, mitos e ritos; contudo, sem o ônus de receber críticas, como
acontece com as religiões. Nesse contexto, a secularização marcava o início de um
novo paradigma, no qual as religiões ficam em segundo plano e a ciência toma
frente como a reveladora das verdades científicas aceitas pela sociedade.
Assim, se por um lado, na Idade Média, a felicidade ou o “reino dos céus” era
conquistado após a morte, pela escatologia, por outro, na Idade Moderna, cada
sujeito era responsável pela criação de sua história, na qual seria possível viver a
“liberdade, fraternidade e a igualdade”, segundo os preceitos da Revolução
Francesa, que passaram a ser as promessas e os objetivos do mundo moderno.
Nesse prisma, Mo Sung (2006, p. 74) afirma que a história passa a ser
“compreendida como um objeto a ser moldado ou levado à sua plenitude pelos
novos sujeitos históricos: a burguesia liberal, no capitalismo, ou o partido comunista
e o proletariado, no socialismo marxista”. A sociedade é movida, então, por forças
1
O termo holista vem de Holismo (grego holos, todo) é a idéia de que as propriedades de um sistema, quer se
trate de seres humanos ou outros organismos, não podem ser explicadas apenas pela soma de suas componentes.
A palavra foi cunhada por Jan Smuts por volta de 1920, governador britânico no sul da Índia, que assim a
definiu: “A tendência da Natureza a formar, através de evolução criativa, ‘todos’ que são maiores do que a soma
de suas partes”; é, portanto, um termo que ao mesmo tempo indica uma tendência ao ver o todo além das partes.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Holismo).
27
contraditórias, com ideais opostos que se chocam e lutam pela afirmação de suas
crenças, na busca de conquistar a plenitude, que seria a realização e uma vida feliz.
Chegada a crise do Liberalismo, a partir daí se estrutura o Estado Social.
Podemos entender que isso foi resultado não do triunfo teórico de um paradigma
alternativo, mas das lutas sociais e políticas do século XIX e princípios do século XX:
o auge do movimento socialista e a decadência do assistencialismo cristão.
Fracassou por ser incapaz de sustentar o crescimento econômico sem grandes
crises, assim como garantir a ordem social. Tal derrota desencadeou uma mudança
de rumos em direção ao Estado Social, que surgiu em torno dos anos 1920 e
predominou até a década de 1970, do século passado. Dentro da nova concepção, a
sociedade deixa de ser pensada como somatório de indivíduos e implicitamente
reconhece-se conformada por classes sociais. Desse modo, as organizações,
representantes de interesses setoriais, além de serem legitimadas, conquistam o
direito de participar de pactos e relações que transcendem a democracia
parlamentar.
Acontece, também, a redefinição das relações clássicas entre sociedade civil
e política, seguida da politização das relações civis por meio da intervenção do
Estado na economia e das corporações na política econômica, e um processo de
“civilização” das relações políticas.
Assim, se por um lado o Estado Social configura-se como investidor
econômico, em parte regulador da economia e dos conflitos, por outro é também
Estado benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com legitimidade da
ordem social.
Nesse prisma, o Estado torna-se um planejador e interventor com relação aos
excessos do Liberalismo, na busca de atenuar a crise que foi desencadeada. Investe
nas estatais, discute questões sociais procura adotar medidas mais sociais para
atender às necessidades do povo.
Com relação à teoria econômica, o Estado Social assume o abandono das
teorias dominantes de que o equilíbrio poderia ser conseguido de forma espontânea.
Nesse sentido, reconhece-se que a ordem social neoclássica não é automática, e
que a classe operária, por meio de suas demandas, pode romper o equilíbrio e,
portanto, que o
28
[...] Estado planejado deve-se impor frente ao Estado guardião. O
futuro tem que ser assegurado como pacto e como planejamento. O
Estado Social capitalista, que se impôs em todo o mundo e dominou
durante uns quarenta anos, permitiu nesse lapso de tempo altas
taxas de crescimento, ordem social e uma alternativa aos triunfantes
socialismos reais. (TOLEDO, 1995, p. 76).
Assim, conforme Mo Sung (2006), para justificar a lógica da concorrência do
mercado, implantada pela concepção liberal, a sociedade capitalista aderiu ao
discurso da democracia, por apresentar uma perspectiva mais inclusiva. Essas
idéias se materializam na história de luta para ampliação do número de eleitores, no
princípio de propriedade, de liberdade para os homens e depois para as mulheres,
dentre outros. Tudo em nome dos valores fundamentais da democracia e da
participação. Nessa perspectiva, o “modelo social-democrata implantado na
primeira metade do século XX em diversos países foi, sem dúvida, uma resposta
prática e teórica para o ‘lado sombrio’ do viver em função da acumulação de riqueza”
(MO SUNG, 2006, p. 73, grifos do autor). Nesse sentido, as novas idéias dessa
concepção vieram justificar na teoria e na prática os ideais do capitalismo,
desmistificando o seu lado nefasto no qual coexistem a acumulação de mais
riquezas para uma minoria e o crescimento da pobreza e da miséria de uma grande
massa.
Concretamente, emergiram os direitos sociais e, assim, foram criados vários
projetos e programas sociais com objetivo de atenuar os índices da crescente
miséria e desigualdade social. Dentre esses programas, citamos o salário-
desemprego, a educação e a saúde gratuita, o auxílio moradia, dentre outros. É uma
forma de solidariedade institucionalizada da sociedade para com os indivíduos
economicamente mais fragilizados.
No entanto, a crise do Estado Social também chegou, por volta de 1970,
tendo sido subvertido pelo Neoliberalismo, em uma longa fase de transição, que
ainda não se acabou. São várias as explicações para a crise do Estado Social. Na
denominada crise fiscal, o Estado Social viu-se obrigado a gastar muito além de um
orçamento não-inflacionário, ao se converter em um eixo de acumulação do capital e
da ordem social. Assim, segundo os monetaristas, o funcionamento financeiro do
Estado conduzia a um déficit por meio do subsídio ao investimento, à produção e ao
consumo. Outro aspecto demonstra que tal concepção é baseada na “inflação” das
29
demandas e das proteções aos trabalhadores. Nesse sentido, o crescimento da
produtividade pressionaria a baixar a taxa de lucros, também pela rigidez nos
processos de trabalho.
Portanto, tais argumentos indicam que a crise de produtividade gerou o
desemprego, a queda salarial, a menor arrecadação para o Estado e crise fiscal, a
crise de legitimidade e, por fim, a reestruturação do próprio Estado em direção ao
Neoliberalismo que, pelas suas características, evidencia um retorno ao antigo
Liberalismo.
Existem diferentes formas de definir o Neoliberalismo. Diversos autores já o
fizeram e há conceitos que se complementam e outros que se divergem. Melo
(1996) afirmou que o Neoliberalismo se constitui em uma doutrina, com base
econômica, mas que se reveste de uma forte carga ideológica. Então, para sustentar
sua doutrina e alcançar seus objetivos, o Neoliberalismo cria uma ideologia própria
para se fazer sedutor e ganhar adeptos. Assim, tal política tem provocado o
antiestatismo espontâneo do povo, reforçando a idéia do estado como causador de
crise; Estado que cobra altos impostos para proporcionar a previdência social;
alimenta a grande burocracia ineficiente e protege os trabalhadores sindicalizados.
Mas, qual é a origem do Neoliberalismo?
Já em 1776, Adam Smith destacou-se como um grande teórico do
capitalismo. Smith defendeu a idéia de que o “livre mercado” possuía a propriedade
de superar os grandes problemas acumulados ao longo do tempo, podendo, desse
modo, eliminar a fome e a miséria e levar à plena satisfação e à liberdade individual,
desde que o Estado não interferisse na economia e as próprias empresas pudessem
se auto-regular. Vemos como são antigas as idéias do livre mercado, liberdade
individual, minimização do poder estatal, dentre outras.
A formulação do Neoliberalismo mostrava-se já desde os primeiros anos após
a II Guerra Mundial, nas regiões da Europa e da América do Norte, onde imperava o
capitalismo, que foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar social. O livro de Friedrich Hayek
2
- O caminho da
servidão - é seu texto de origem, e foi escrito em 1944.
2
Friedrich Hayek é considerado o pai do Neoliberalismo. Em 1944, escreveu o livro O caminho da servidão,
que é um ataque apaixonado a qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas
como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. Seu alvo foi o partido
trabalhista inglês, sobre o qual denunciava abertamente: “Apesar das boas intenções, a social-democracia
moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna”. (ANDERSON,
1995, p. 9).
30
O Neoliberalismo é conhecido como o “novo Liberalismo”, que corresponde a
uma nova fase do desenvolvimento do capitalismo, que se organiza para realizar um
novo padrão de acumulação do capital, a partir de um alto grau de concentração,
seja a partir do setor produtivo ou financeiro.
Por volta de 1973, todo o mundo capitalista avançado caiu em uma grande
crise que levou as economias mundiais, 10 anos após, a uma profunda recessão.
Se, por um lado, havia baixas taxas de crescimento, por outro havia altas taxas de
inflação. Tal crise deu força e abriu caminho para as idéias neoliberais conquistarem
seu espaço, pois elas adentraram a sociedade com promessas de salvação.
Hayek e seus seguidores afirmavam que as raízes da crise se deviam à
influência nefasta dos sindicatos, como também do movimento operário, uma vez
que suas pressões reivindicatórias para os salários e sua pressão parasitária
corroeram as bases de acumulação capitalista e, ainda, obrigavam o Estado a
aumentar os seus gastos sociais.
Como medida, procurou-se, então, manter o Estado forte na capacidade de
romper com o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, bem como amenizar o
poder do Estado com relação aos gastos sociais e nas intervenções econômicas.
A hegemonia dessa doutrina não se consolidou de um dia para outro, mas
ainda encontra-se em processo e em contínua atualização.
Há um marco importante em 1979, quando, na Inglaterra, foi eleito o governo
Margareth Thatcher, confirmando-se como o primeiro regime de um país de
capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa
neoliberal. Depois disso, segundo Anderson (1995), em 1980, Ronald Reagan chega
à presidência da república e adere ao programa. Logo após, em 1982, Kohl derrota
o regime social liberal de Helmut Schmidt, na Alemanha. Em 1983, na Dinamarca, o
Estado do modelo do bem-estar escandinavo cai sob o controle de uma coalizão
clara de direita, o governo de Schluter. Outros países da Europa ocidental aderem à
política neoliberal, exceto Suécia e Áustria. Desse modo, fica instaurado o triunfo da
ideologia neoliberal na região do capitalismo avançado.
Julgamos pertinente registrar aqui, a prática efetiva dos primeiros governos
que assumiram o Neoliberalismo. Os governos Thatcher
31
[...] contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros,
baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos,
aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de
desemprego massivos, aplastraram greves, impuseram uma nova
legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente, -
esta foi a medida surpreendentemente tardia – se lançaram num
amplo programa de privatização, começando por habitação pública
e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a
eletricidade, o petróleo, o gás e a água. (ANDERSON, 1995, p. 12).
Tais medidas representam o pacote mais sistemático e ambicioso de todas as
experiências neoliberais em países de capitalismo avançado. Contudo, o modelo
neoliberal, inaugurado pelos governos Thatcher e Reagan, já mostrou os
lamentáveis resultados para a maioria dos trabalhadores.
Nos Estados Unidos, diferentemente da Europa, quase não existia o Estado
de bem-estar social, daí a prioridade da política neoliberal dirigir-se para a
competição militar com a União Soviética, cujo objetivo era derrubar o regime
comunista na Rússia. Todavia, na política interna, Reagan reduziu os impostos
(beneficiando os ricos), elevou as taxas de juros e acabou com a única greve séria
de sua gestão. Entretanto, Reagan também não respeitou a disciplina orçamentária,
pois se lançou no investimento armamentista sem precedentes, envolvendo enormes
gastos armamentistas, o que resultou em um déficit público muito maior do que
qualquer outro presidente da história americana.
Assim, a ideologia neoliberal foi se estendendo por todo o mundo, divulgando
e persuadindo as diversas nações com suas promessas de busca de estabilidade
monetária, desenvolvimento, liberdade individual, livre comércio, detenção da
inflação, dentre outros.
No conjunto dos países da OCDE
3
, realmente houve queda da inflação.
Contudo, a deflação era a condição para a recuperação dos lucros. Assim, em
um primeiro momento, a ideologia neoliberal mostrava-se cada vez mais sedutora,
evidenciando êxitos em sua prática, por meio da deflação, dos lucros, do aumento
de empregos e salários.
3
Organização Européia para o Comércio e o Desenvolvimento – OCDE. Segundo Libâneo; Oliveira; Toschi,
(2003, p. 82)) “o poder de decisão ocorre nas instâncias mundiais de concentração do poder econômico, político
e militar”. Nesse sentido, os autores citam a Organização das Nações Unidas (ONU), o grupo dos sete países
mais ricos e poderosos do mundo (G7 – Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha, Inglaterra, França e Itália), a
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial
(Bird), o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (OMC). Freitas (2005, p. 110) traz uma citação em nota de roda
sobre o G8 e, neste grupo, inclui a Grã-Bretanha e a Rússia e exclui a Inglaterra.
32
Todavia, a recuperação dos lucros não levou à recuperação dos
investimentos. A desregulamentação financeira, importante elemento no programa
neoliberal, criou condições muito mais favoráveis à inversão especulativa do que
produtiva. Daí, na década de 1980, haver um crescimento explosivo dos mercados
de câmbio internacionais, cujas transações orçamentárias acabaram por diminuir o
comércio mundial de mercadorias reais. Então, o neoliberalismo começou a
fracassar, uma vez que o peso do Estado de bem-estar social não diminuiu muito,
apesar de todas as medidas tomadas para conter os gastos sociais. Na verdade,
depois veio o aumento do desemprego e o aumento demográfico dos aposentados
da população, que aumentaram os gastos sociais, representando bilhões para os
cofres do Estado.
Por conseguinte, por ironia, desencadeia-se uma profunda recessão no
capitalismo avançado, e, em 1991, a dívida pública começou a assumir dimensões
alarmantes, em quase todos os países ocidentais, inclusive na Inglaterra e nos
Estados Unidos. Conseqüentemente, acontece o endividamento privado das
famílias, das empresas, o aumento do desemprego e, em decorrência disso, o
aumento da miséria.
Contudo, quando se esperava da sociedade uma reação contrária ao
Neoliberalismo, isso não aconteceu e ele sobreviveu e ganhou ainda mais força.
Assim, na Suécia, a social-democracia, que havia resistido ao avanço neoliberal nos
anos 1980, foi derrotada por uma frente unida da direita em 1991. Outra clara vitória
do Neoliberalismo foi a queda do comunismo na Europa Oriental e na União
Soviética, de 1989 a 1991, exatamente no momento em que os limites do
Neoliberalismo no próprio Ocidente se tornavam cada vez mais óbvios.
Na América Latina, o impacto do Neoliberalismo tardou um pouco; entretanto,
hoje esta se converte na terceira grande cena de experimentação neoliberal. No
Chile, diferentemente dos outros países, a política neoliberal se instalou sob a
ditadura de Pinochet. Começou seus programas de maneira dura, aplicando a
desregulação, o desemprego massivo, a repressão sindical, a redistribuição de
renda em favor dos ricos e a privatização de bens públicos. Assim, o Neoliberalismo
chileno, segundo Anderson (1995), pressupunha a abolição da democracia e a
instalação de uma das mais cruéis ditaduras militares do pós-guerra.
Desse modo, o Chile foi a experiência-piloto para o novo Neoliberalismo dos
países avançados do Ocidente. Na Bolívia, em 1985, Jeffrey Sachs aperfeiçoou o
33
seu tratamento de choque, mais tarde aplicado também à Polônia e à Rússia. Na
verdade, na experiência da Bolívia, não havia necessidade de quebrar um
movimento operário poderoso, como no Chile, mas parar a hiperinflação. O Chile e a
Bolívia constituíram-se como experiências isoladas que adotaram a ideologia
neoliberal, até o final dos anos 1980.
Mais tarde, outros países da América Latina adotam o Neoliberalismo. Dentre
estes, citamos o México, em 1988; a Argentina, em 1989; o Peru, em 1990. Das
experiências viáveis, nesta década, notamos que três evidenciaram êxitos em curto
prazo – México, Argentina e Peru – e uma fracassou: Venezuela. O sucesso dos
primeiros deveu-se à concentração de poder e autoritarismo político, o que não
ocorreu na Venezuela, com sua democracia partidária, mais contínua e sólida do
que em qualquer outro país da América do Sul.
No Brasil, no final da década de 1980, ainda no governo Sarney, já havia
grandes índices de inflação. A hiperinflação tornou-se necessária para condicionar o
povo a aceitar a medida anti-inflacionária drástica que faltava nesse país. Por
conseguinte, a hiperinflação chegou também ao Brasil, e diante dessa realidade, o
país tornou-se uma presa frágil em face das ondulações da ideologia neoliberal.
A maior inserção do Brasil no mercado internacional deu início às tentativas
de impor o Neoliberalismo entre nós. O presidente Collor propiciou um terreno fértil
para essas idéias. Com o seu impeachment, o vice-presidente Itamar Franco foi
empossado e deu prosseguimento à implantação do novo modelo. Em seguida,
Fernando Henrique Cardoso foi nomeado Ministro das Relações Exteriores e,
posteriormente, Ministro da Fazenda. Nessa condição, FHC, em constante contato
com os EUA, fez acordos e declarações pomposas que foram acolhidas com
simpatia e interesse pelos grandes empresários americanos.
Depois, em outubro de 1994, FHC elegeu-se presidente do país, com um
discurso de campanha fundamentado no Plano Real, apresentado como o
estabilizador da economia. Entretanto, logo cessou a euforia, pois, em curto prazo,
veio o aumento do desemprego, as altas taxas de juros e o aumento da dívida
pública.
Contudo, a política neoliberal ganhou forças e se estendeu. E, com a adesão
a ela,
34
[...] passam a seguir a risca toda a política de ajuste do FMI, do
Banco Mundial, do Consenso de Washington (realizado em 1989)
que intensificaram suas exigências no cumprimento do novo
modelo. Exigem, assim, a abertura cada vez maior do mercado
interno, a desestruturação do Estado nacional, amplo programa de
privatização das empresas estatais estratégicas e mais lucrativas,
desemprego maciço, rebaixamento dos níveis de vida dos
trabalhadores e das grandes massas, aplastamento da classe média
e a cessão total dos recursos estratégicos não-renováveis, que
poderiam ser usados para seu próprio desenvolvimento. (MELO,
1996, p. 18).
Assim, a consolidação do Neoliberalismo resultou de sua aparente forma de
contornar, idealmente, a crise atual do capitalismo, tendo como principais triunfos a
queda da inflação e o aumento gradativo das taxas de lucro, entretanto, à custa do
empobrecimento da maioria da população.
Existe um emaranhado de posições teóricas acerca do Neoliberalismo e
valorativas dos neoliberais atuais. Os Estados capitalistas, pós-Estados sociais, têm
traçado políticas econômicas formando novos blocos e forças e difundindo uma
cultura e um sentido comum que retoma aspectos parciais de diversos
neoliberalismos teóricos, mas que nunca são a aplicações rigorosas de nenhum
deles. Nesse prisma, Toledo (1995) afirma que se fosse necessário identificar
algumas das características econômicas, políticas e ideológicas dos novos Estados
liberais, poderíamos identificar um núcleo bem definido como o seguinte:
1) Superioridade do livre mercado existe, ainda, a forma de
sanção dos eficientes pelo mercado, embora já não se suponha
racionalidade total. A ênfase na auto-regulação distingue-se de
qualquer keynesianismo, populismo estatista ou socialismo.
2) O individualismo metodológico, que novamente pode se colocar
de uma forma anárquica, mas que normalmente precisa ser
amortecido por certa intervenção do Estado. Destacam-se os
valores do individualismo, da liberdade, da privatização e da menor
eficiência na previdência social, que se encontram de mãos dadas.
3) As contradições entre liberdade e igualdade podem ter
primeiras uma conotação ou justificação econômica: o prêmio aos
improdutivos, o que não promove a superação e, portanto, o
35
crescimento da economia; junto a justificações morais e ao mito da
“ascensão social” pelo esforço pessoal. Pressupõe-se que a
desigualdade no mercado é necessária e promove a liberdade, a
iniciativa otimizadora e a inovação. O argumento é que a
desigualdade não é justa e nem injusta, dado o mercado não ser
voluntário e, assim, justifica-se a retirada dos benefícios sociais do
mercado.
4) O conceito abstrato de liberdade e igualdade defende o controle
de cada um sobre sua conduta e destino, com mínima coerção de
outros; desse modo, traduz-se em desregulamentações estatais e
privatizações.
Diante do exposto, concluímos que o Neoliberalismo combina freqüentemente
com o conservadorismo no plano cultural, e com o autoritarismo no plano político.
Portanto, se por um lado, suas orientações proclamam a liberdade econômica, por
outro, limitam o terreno da liberdade política das massas, deixando que as decisões
fiquem a cargo da burguesia, que usufrui a liberdade concedida pelo Estado. Assim,
o Neoliberalismo coloca o Estado menos proprietário e interventor na economia e na
previdência social, mas não é, necessariamente, por isso, um Estado fraco.
Nesse sentido, há restrição da democracia real, considerada pelos
neoclássicos como elemento exógeno, que pode perturbar o equilíbrio econômico.
Assim, a tendência é marginalizar as corporações sindicais do Estado, ou organizar
mecanismos de controle do descontentamento frente às políticas salariais restritivas,
à diminuição dos gastos sociais ou mesmo mediar estatalmente o conflito operário-
patronal em favor da empresa e da flexibilidade não ajustada das relações
trabalhistas.
Por conseguinte, podemos afirmar que o Neoliberalismo coloca-se como uma
doutrina justificadora de uma nova ordem, posterior à do Estado Social, mas, na
verdade, só cumpre os seus pressupostos em parte, embora, em troca, enfrente
contradições importantes.
Se, por um lado, permite às economias um crescimento dentro dos limites e
reduz taxas de inflação, mesmo à custa de uma polarização produtiva e social; por
outro, a promessa de igualdade no mercado se cumpre com a desregulamentação e
36
privatização, sem atentar contra os monopólios que crescem em poder juntamente
com as políticas neoliberais.
Outra contradição é que a liberalização dos mercados desencadeia uma
rígida política salarial que provoca a queda nos salários reais. Não há preocupação
em eliminar fatores exógenos para equilibrar os preços e, então, a crise de fato recai
sobre os ombros dos assalariados.
Mediante tantas contradições, de fato, podemos afirmar que o Neoliberalismo
[...] realmente existente não é senão o Estado do grande capital que,
por meio da derrota da classe operária, impôs rupturas ou limitações
aos pactos corporativos do pós-guerra; implantou uma nova
disciplina fabril e uma austeridade salarial, também nos gastos
sociais; e descontou sobre os trabalhadores os custos da crise. A
derrota proletária foi econômica e política, mas também ideológica,
onde o keynesianismo e marxismo estão desprestigiados, e a
intervenção estatal virou sinônimo de ineficiência, inflação e
privilégios. (TOLEDO, 1995, p. 84).
Como resultado, a ideologia neoliberal assume a acumulação do capital em
um novo patamar, fazendo sua concentração nas mãos de uma nova e “insensível”
elite, que se considera dotada de inteligência e atributos de competência
excepcionais que lhe dão o direito a usufruir todo o tipo de privilégios; isso, no
entanto, impossibilita os índices de crescimento desejável dos países que o
adotaram e promove o desemprego estrutural, que atinge a taxas elevadíssimas em
todo o mundo.
Assim, a distribuição de renda em nível mundial é inaceitável:
71% da população do planeta recebe apenas 15% da renda global,
enquanto 10% mais ricos apropriam-se de mais da metade da renda
produzida. E mais estarrecedor: apenas 358 bilionários controlam as
principais fontes de riqueza do mundo e decidem a sorte e o futuro
da humanidade. O PNB médio per capita do Norte é 18 vezes
superior ao do Sul. (MELO, 1996, p. 20).
37
Nesse prisma, os índices de bem-estar e qualidade de vida apontam a
desigualdade crescente. Se, de um lado, há um rápido enriquecimento de alguns,
por outro, há um ofensivo e célebre empobrecimento de muitos outros, evidenciando
a gritante desigualdade entre pobres e ricos. Nessa perspectiva, Bauman (1998, p.
76) informa que a
[...] quinta parte socialmente mais alta da população mundial era, em
1960, trinta vezes mais rica do que o quinto mais baixo; em 1991, já
era sessenta e uma vezes mais rica. Nada aponta para a
probabilidade, no futuro previsível, de que essa ampliação da
diferença seja reduzida ou detida, quanto mais revertida. O quinto
mais alto do mundo desfrutava, em 1991, de 84,7% do produto
mundial bruto, 84,2 % do comércio global e 85 % do investimento
interno, contra respectivamente 1,4%, 0,9% que era o quinhão do
quinto mais baixo. O quinto mais elevado consumia 70% da energia
mundial, 75% dos metais e 85% da madeira. Por outro lado, o débito
dos países economicamente fracos do “terceiro mundo” estava, em
1970, mais ou menos estável em torno de 200 bilhões de dólares.
Desde então, ele cresceu dez vezes e está hoje, rapidamente, se
aproximando da atordoante cifra de 2.000 bilhões de dólares. (ver
Programa para o Desenvolvimento, das Nações Unidas, edição de
1994).
Desse modo, nosso sistema capitalista, orientado pelos princípios da
sociedade liberal, produz constantemente vítimas. E as “vítimas são re-conhecidas
como sujeitos éticos, como seres humanos que não podem reproduzir ou
desenvolver sua vida, que foram excluídos da participação na discussão, que são
afetados por alguma situação de morte [...]” (DUSSEL, 2002, p. 303).
Está explícita a desigualdade em nível mundial, não só nos países pobres. Os
pobres são os dominados, as vítimas desse sistema: “A alteridade das vítimas
descobre como ilegítimo e perverso o sistema material dos valores, a cultura
responsável pela dor injustamente sofrido pelos oprimidos [...]” (DUSSEL, 2002, p.
315-316).
Outrossim, a globalização está intrinsecamente relacionada à evolução do
Neoliberalismo; por isso, podemos afirmar que o Neoliberalismo é o retrato ou a
expressão da globalização em andamento. Na verdade, um dá sustentação ao outro.
Atualmente, não se pode pensar no capitalismo – que se expande cada vez mais
vorazmente - desvinculado da globalização. Por isso, vamos discutir sobre ela,
38
explicitando sua origem, conceito, intenções, bem como os seus aspectos positivos
e negativos.
Nas duas últimas décadas, começa-se a discutir o conceito de globalização.
Mas o que é mesmo globalização?
Para responder a essa questão, recorremos aos autores Burbules; Torres
(2004), que afirmam que a globalização apresenta múltiplos significados e que ela
está afetando a política educacional em vários Estados ao redor do mundo. Assim, o
termo diz respeito ao aparecimento das instituições supranacionais, cujas decisões
interferem nas opções políticas para qualquer Estado. É verdade que a globalização
provoca um impacto avassalador nos processos econômicos globais, incluindo
processos de produção, consumo, comércio, fluxo de capital e interdependência
monetária.
De outra forma, a globalização se explica pelo surgimento de novas formas
culturais, de meios de tecnologias de comunicações globais, que moldam as
interações e identidade dentro dos cenários culturais locais. Com a discussão da
globalização, a ascensão do Neoliberalismo torna-se um discurso político
hegemônico. Esta pode ser vista como um elenco de mudanças percebidas como
instrumento utilizado pelos legisladores para conseguir apoio e suprimir a oposição
às mudanças, porque “forças maiores”, como a competição global, as exigências do
FMI e do Banco Mundial, bem como as obrigações com as alianças regionais,
pressionam o Estado para agir segundo as regras que não criou.
A globalização pode ser definida como “uma gama de fatores econômicos,
sociais, políticos e culturais que expressam o espírito e a etapa de desenvolvimento
do capitalismo em que o mundo se encontra atualmente” (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2003, p. 70). Sem dúvida, é uma palavra de difícil conceituação por sua
complexidade. Na prática, ela tem trazido grandes mudanças e até mesmo
revolucionado os setores econômico, financeiro, tecnológico e de comunicação em
nosso país.
Todavia, é inegável que a globalização trouxe alguns aspectos positivos, tais
como os avanços obtidos nas ciências e nas tecnologias, na imediação e na
comunicação sem fronteiras, no aumento da longevidade humana e na cura de
algumas doenças antes consideradas incuráveis.
Por conseguinte, é fato que a globalização provocou grandes e significativas
mudanças em nossa sociedade. E tais mudanças não param, pois continuam
39
emergindo e nos surpreendendo a cada dia. Tal fato nos mobiliza a estar atentos,
abertos e flexíveis para as adaptações que elas exigem.
Para entendermos essas mudanças, precisamos também compreender em
que consistem as transformações técnico-científicas. Os estudiosos do assunto
usam diferentes denominações para essas transformações, a exemplo de Terceira
Revolução Industrial, revolução científica e técnica, revolução informática, era digital,
revolução tecnológica e outras.
Libâneo; Oliveira; Toschi (2003) apresentam três etapas diferentes das
revoluções científicas e tecnológicas da modernidade. A primeira Revolução
científica e Tecnológica, que se caracteriza como Mecânica aparece na segunda
metade do século XVIII: “Nasce na Inglaterra, vinculada ao processo de
industrialização, substituindo a produção artesanal pela fabril” (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2003, p. 61-62). Representa a evolução da tecnologia aplicada à produção
das mercadorias, utilizando o ferro como matéria prima, a invenção do tear e ainda a
substituição da força humana pela energia e máquina a vapor, dando início à
passagem de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial.
A segunda Revolução científica e tecnológica nasceu na segunda metade do
século XIX, é a Revolução Industrial. Sua ascendência foi devido ao aparecimento
do aço e da energia elétrica, do petróleo e da indústria química, e também pelo
desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação. Neste modelo, surgiu a
gerência do trabalho, administrada nos modelos de Taylor e Ford, que primam pela
racionalização e pelo aumento da produção. Além da divisão técnica do trabalho,
esses modelos de produção provocam a fragmentação, a hierarquização e a
individualização. Além disso, criam as escolas industriais e profissionalizantes para
formarem profissionais e/ou técnicos que atendessem ao novo modelo econômico.
A terceira Revolução Científica e Tecnológica aparece na segunda metade do
século XX e é este o modelo atual. É a Revolução da Informática, cuja base é a
microeletrônica, a cibernética, a tecnotrônica, a microbiologia, a engenharia
genética, as novas formas de energia, a robótica, a informática, a química fina, a
produção de sintéticos, as fibras óticas, os chips. Como isso muda a organização do
processo produtivo, aumenta a velocidade e a descontinuidade do processo
tecnológico e a centralização do capital.
Costa; Silva (1996) confirma essa idéia ao dizer que vivenciamos a Terceira
Revolução Industrial, engendrada, neste momento, por significativos avanços das
40
forças produtivas e que têm na ciência e na tecnologia o seu mais importante meio
de produção dos bens e serviços, cujos reflexos se fazem sentir na cultura, nas
práticas sociais, nas relações de poder e, de modo específico, na produção e
disseminação do conhecimento.
Isso leva-nos a crer que as mudanças econômicas, sociais, políticas e
educacionais decorrem da aceleração das transformações técnico-científicas. A
ciência e a técnica estariam assumindo a responsabilidade da produção em lugar
dos trabalhadores, diminuindo significativamente o trabalho humano. Percebemos,
nesses termos, que a era tecnológica atual aponta para o fato de estar em processo
uma radical revolução da técnica e da ciência e de essa revolução ser responsável
pela modificação da produção, do trabalho e das relações sociais.
Nesse sentido, todo o
[...] redirecionamento e as conseqüentes transformações sociais
dele decorrentes configuram o chamado paradigma da automação
ou a sociedade do conhecimento ou, ainda, a civilização tecnológica
– uma nova forma de conhecer e interpretar o mundo capitalista dos
nossos tempos, como resultado da substituição do modelo
taylorista-fordista, dominante durante a segunda revolução
industrial, pela flexibilização e polivalência. (COSTA; SILVA, 1996,
p. 26).
Assim, tais mudanças exigem um novo perfil do trabalhador e um novo
padrão de gestão, consoantes com os imperativos da nova ordem mundial,
caracterizada, sobretudo, pela globalização da economia, pela privatização das
empresas estatais, pela desregulamentação econômica como decorrência da
limitação da intervenção estatal que antes foi constituída, e pela velocidade dos
meios de informação e comunicação.
Em resumo, a chamada revolução do conhecimento, nas áreas da
microeletrônica e da biotecnologia, carrega as suas contradições, pois, se possibilita
à humanidade revolver os mais graves problemas de escassez, permite que a
privatização do usufruto de tais inovações lança a maioria da população à barbárie,
a uma espécie de infeliz retorno ao estado da natureza.
Libâneo; Oliveira; Toschi (2003) afirmam que, no campo de indústria, as
modificações do processo de produção são intensas. A microeletrônica é
41
responsável pela informatização e automação das fábricas, especialmente da
indústria automobilística. Desse modo, a microeletrônica permite:
a) o aumento da produção em um tempo menor; b) a eliminação de
postos de trabalho; c) maior flexibilidade e, ao mesmo tempo, maior
controle do processo de produção e do trabalho; d) o barateamento
e a melhoria da qualidade dos produtos e serviços. Provavelmente,
os maiores efeitos dessa revolução sejam a crescente eliminação do
trabalho humano na produção e nos serviços pelo uso da robótica e
da informatização, o qual leva ao aumento do desemprego
estrutural, à dualização crescente do mercado de trabalho (incluídos
/excluídos) e à intensificação da desintegração social e da demanda
por talento e por capacidades, para o desenvolvimento de atividades
que exigem maior qualificação. (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2003, p.
65).
Nos centros urbanos, é comum assistirmos ao aglomerado de favelas e
pessoas morando nas ruas, presenciar e vivenciar a violência, os excessos que se
tornam necessidades, o corpo buscando excitantes brutais, o isolamento do
indivíduo, acuado pelo sentimento de impotência diante das flutuações políticas,
cultos sombrios e malignos, imolação das crianças, suicídios em massa, massacres
políticos, o império da dor, da fome e da miséria humana.
Bauman (1998, p. 59) confirma essa idéia dizendo que “cada vez mais, ser
pobre é encarado como um crime; empobrecer, como produto de predisposições ou
intenções criminosas – abusos do álcool, jogos de azar, drogas, vadiagem e
vagabundagem”. Dessa maneira, cada vez tornamo-nos mais individualistas e
menos solidários, uma vez que não se quer dividir nada com os desvaforecidos, pois
“os pobres, longe de fazer jus a cuidado e assistência, merecem ódio e condenação
– como a própria encarnação do pecado” (BAUMAN, 1998, p. 59).
Dentro dessa perspectiva, o Estado diminui os investimentos destinados à
saúde, à educação, à previdência, aos serviços públicos essenciais e, sobretudo, à
população, em nome de uma ideologia que, enfim, proclama ser moderna. Desse
modo, o zelo pelo setor social do país deixa de ser prioritário, deixando-o à própria
sorte ou a cargo da sociedade civil.
Destarte, o conhecimento científico avança, o entendimento ético cresce e,
por isso, ninguém em sã consciência julgaria éticas ou corretas muitas atitudes reais
42
ou “asseveraria a sério ser correto e benéfico poluir a atmosfera, perfurar a camada
de ozônio, ou empreender guerras, superpovoar a Terra ou transformar as pessoas
em nômades sem teto” (BAUMAN, 1998, p. 73). Entretanto, tudo isso está
acontecendo e muitas outras barbáries. Cada vez mais aumenta a distância entre os
ricos e os pobres. A cada dia confirma-se a idéia de que “os ricos provavelmente se
tornarão mais ricos, mas os pobres muito certamente se tornarão mais pobres”
(BAUMAN, 1998, p. 77).
O capitalismo mundial recupera os lucros históricos, em taxas próximas às
dos anos 1940 a meados de 1970 do século passado. Entretanto, tão somente um
terço da população mundial usufrui bens produzidos por essa sociedade e pode
consumir. Os outros dois terços restantes dos habitantes do planeta vivem na
exclusão, sofrem a restrição dos direitos da cidadania e, por isso, não podem
consumir. Desse modo, os pobres são considerados consumidores falhos, imunes
às adulações do mercado e improváveis consumidores. São, portanto, inúteis na
sociedade capitalista e globalizada. Ainda, segundo Bauman (1998), os pobres não
são mais considerados “pessoas exploradas” na produção de excedentes para
transformação em capital; nem são “exército de reserva da mão-de-obra” para ser
reintegrado no processo de produção do capital.
Nessa perspectiva, os pobres de hoje, dentro da visão econômica e política
neoliberal, são redundantes, inúteis, disponíveis, e não existe nenhuma razão
racional para a manutenção de sua existência. A intenção, pelo que tudo indica, é
excluí-los da sociedade. Nesse sentido, Castells apud Góes; Laplane (2004, p. 9) diz
que o “que caracteriza a globalização é que ela é extraordinariamente excludente e
inclusiva ao mesmo tempo. Inclui o que gera valor e exclui o que não é dinâmico e
não cria valor”.
Por fim, constatamos que, na globalização, há uma crescente desigualdade
social, o aumento do desemprego e, conseqüentemente, da pobreza e da miséria
humana. O indivíduo que não consegue ser o melhor em sua atuação produtiva
inclui-se nos padrões da sociedade de massa, tornando-se mais um dessa
sociedade excludente. Já o cidadão que se destaca pela sua atuação e
empreendimento, consegue o seu espaço “local” e, por conseguinte, sai da
padronização. Mas, estes representam uma minoria.
No mundo capitalista, as pessoas valem pelo que possuem e por isso a luta é
para cada vez acumular mais capital, para ter sempre mais, não importa se para isso
43
tenha que explorar e promover a miséria dos outros. É uma ganância egoísta,
déspota e sem medidas. Os indivíduos passam a não ter mais valor como pessoas,
mas pelos seus bens e riquezas acumulados.
Por fim, constatamos que há um discurso e uma legislação que conclamam a
democracia, a liberdade e a inclusão, e, no reverso disso, assistimos às
desigualdades, à injustiça, à miséria e às ações desumanas, que impedem o sujeito
de ser cidadão, de fato, livre e com direito à fruição de todos os bens produzidos
nessa sociedade ocidental.
E a escola, como se encontra dentro dessa sociedade capitalista, desigual e
excludente?
E o conhecimento científico e a educação poderão contribuir com a
construção de um mundo melhor?
Passamos a analisar, nessa perspectiva, o sistema educacional vigente, em
nosso País.
1.2 O papel da educação no mundo globalizado e orientado pela política
neoliberal
É evidente que a globalização e a política neoliberal estão influenciando nos
sistemas educacionais e que a educação está mudando e tem de mudar muito mais,
para dar respostas às circunstâncias novas advindas da globalização.
A verdade é que na implementação de políticas neoliberais, o Estado omitiu-
se de sua responsabilidade de administrar os recursos públicos para promover a
justiça social, a qual está sendo substituída por uma fé cega no mercado. Como
conseqüência, temos os apelos por mais privatizações de escolas, e pela esperança
de que o crescimento econômico gere uma forma de ajudar o pobre, ou que a
caridade privada assuma aquilo que os programas de governo deixam de fora.
Mostram-se evidentes os efeitos da globalização presentes no cotidiano das
escolas. A educação liberal reflete os ideais da burguesia, cujo discurso enfatiza o
individualismo e o espírito de liberdade. Mais comumente, divulga-se a idéia de que
a todos são dadas as mesmas oportunidades educacionais, por isso vencem os
melhores. Na verdade, a escola se caracteriza como dualista, na qual os jovens são
44
encaminhados, de acordo com sua origem social, para a formação global, para a
estrita formação técnica ou, ainda, para a simples iniciação no ler, escrever e contar.
No setor educacional, o Neoliberalismo apresenta posicionamentos ambíguos
e contraditórios: prevalece a tendência do Social/Liberalismo, denominado o novo
Liberalismo, que enfatiza a escola pública, gratuita, universal e obrigatória, portanto,
democrática e popular, voltada para a garantia da cidadania. Nesse prisma, a
democratização do ensino garantiria a igualdade de oportunidades, e a seleção dos
indivíduos viria naturalmente.
Em paralelo, coexiste o Neoliberalismo de mercado, que julga o Estado falido
e incompetente para gerir a educação; por isso, dá ênfase ao ensino privado, na
busca da eficiência e qualidade de ensino. Propõe uma escola diferenciada e
dualista, oferecendo o ensino propedêutico para a formação das elites intelectuais, e
os cursos profissionalizantes para a classe menos favorecida, atendendo, assim, às
demandas do mercado de trabalho.
Nessa perspectiva, acusam o Estado de ser incompetente para gerir os
recursos públicos que poderiam garantir uma escola de qualidade. Todavia,
sabemos que, na verdade, os governos latino-americanos não gastam “mal” em
educação; gastam pouco e cada vez menos, porque diferentemente do que
expressam em seus discursos, não tomam e não vêem a educação como uma
prioridade
4
. No cotidiano das escolas públicas, é evidente a desvalorização dos seus
profissionais, explicitada nos baixos salários e nas condições de trabalho,
relacionados à infra-estrutura e aos recursos didáticos pedagógicos, comumente
precários e ineficientes. Conseqüentemente, podemos concluir que a ideologia
neoliberal, com relação à educação pública, apresenta um discurso diferente do que
se apresenta na prática, pois...
[...] esta política redundou numa drástica diminuição do investimento
público, com a deterioração da infra-estrutura (em especial das áreas
marginais). Paralelamente, degradaram-se os serviços públicos, não só por
falta de investimentos, mas sim de recursos correntes para o seu
funcionamento; frente a essa realidade, os grupos de alta renda optaram
por utilizar serviços privados de educação, saúde e segurança. Ao mesmo
4
Sobre os recursos financeiros destinados para a educação Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p.159) “O projeto
do MEC propunha a aplicação de 5,5% do PIB, ao passo que o da sociedade brasileira falava em 10%. A versão
aprovada ficou em 7%, valor vetado pelo presidente da República”. O Brasil investe na educação, hoje, “4,2 %
do PIB, valor bem abaixo comparado com outros países. Os Estados Unidos e Austrália investem 5 % do
PIB,enquanto Cuba aplica 8,7 % na educação” (PUENTES, R. V, 2007).
45
tempo, os grupos de menor renda perderam um mecanismo compensador.
A regressão se fez maior ainda pela supressão de certos subsídios, em
especial para os alimentos. (CALCAGNO, 1992, apud GENTILI, 1996, p.
84).
É comum, em nossa realidade (mesmo para os professores que atuam na
escola pública), que os profissionais da educação façam sacrifícios para manter os
seus filhos em uma escola, segundo acreditam, de melhor qualidade e, nesse caso,
optam pelas escolas em instituições privadas. Tal atitude não deixa de ser
contraditória, pois, se por um lado trabalham na escola pública, na qual investe a
maior parte da sua carreira, por outro não acreditam na sua boa qualidade e
reafirmam a sua ineficiência, uma vez que recusam, para si mesmo, os seus
serviços.
A retórica neoliberal traz algumas explicações e argumentos, tentando
justificar a má qualidade da escola pública. Gentili (1996) discute e analisa
criticamente essas “verdades irrefutáveis”, colocadas como o diagnóstico do
Neoliberalismo sobre a natureza da crise educacional, apresentando, também,
estratégias políticas destinadas à sua superação. Tal discurso justifica a crise na
educação, apresentando três argumentos principais:
a) A educação funciona mal porque se gasta mal. Transfere-se,
desse modo, a crise da educação para o gerenciamento. Os
responsáveis pela educação não têm eficácia, eficiência para
administrar os recursos, considerando que, com os mesmos
recursos, seria possível um ensino de melhor qualidade, com a
readministração dos gastos públicos. Na verdade, os princípios
neoliberais estão encobrindo a constante redução de investimentos
na educação e a conseqüente escassez de recursos para atender
as necessidades básicas da vida.
b) Os principais responsáveis pela crise educacional são os
professores porque estão mal formados e não têm competência
para exercer sua função. Entretanto, os neoliberais acusam os
profissionais da educação e, ao mesmo tempo, desejam realmente
46
um sistema escolar como se fosse um mercado, escolas pensadas
como empresas que devem produzir para competir no mercado.
c) A educação se articula ao mercado de trabalho; contudo, o
mercado oferece indicações e a educação deve se ajustar a ele.
Entretanto, essa idéia não coaduna com o ponto de vista de ajuste
à globalização excludente nem no plano ético-político, no qual a
educação deixa de ser um direito para gradativamente transformar-
se em mercadoria. Por isso, não é verdade que a educação
funciona mal porque não está vinculada às necessidades
formuladas pelo mundo do trabalho.
Em seguida, o autor mostra as contradições e inverdades dessas explicações
que, segundo ele, são “mentiras que parecem verdades”.
As escolas públicas, ao democratizar as suas vagas, garantindo a entrada da
classe menos favorecida na escola, proclamam um discurso de que oferece
igualdade de oportunidades tanto para os ricos como para os pobres. Entretanto, a
escola pública atual, longe de oferecer oportunidades de igualar oportunidades, está
fazendo justamente o contrário, devido à baixa qualidade do ensino oferecido por
essas escolas. As escolas abriram, de fato, suas portas para todos; no entanto, os
investimentos na área educacional continuaram parcos, pois faltam condições
dignas de trabalho e salários decentes para os professores.
Por isso, entendemos que, em um processo de modernização conservadora,
a idéia é libertar os indivíduos para propósitos econômicos e controlá-los para
propósitos sociais. Assim, por um lado, haverá um setor educacional menos
regulamentado, de qualidade e privatizado para os ricos e, de outro, escolas
públicas, rigidamente controladas e patrulhadas, recebendo poucas verbas e com
professores sem remuneração decente, para as classes menos favorecidas.
Nesse sentido, Apple (1994, p. 81, apud RIBEIRO, 1996, p. 73) diz que não
seria difícil prever as conseqüências para a educação de classes populares no
Brasil, cujo destino leva à uma situação em que se constata uma
[...] crise fiscal [que] na maioria de nossas áreas urbanas já é tão
aguda a ponto de as aulas estarem sendo dadas em ginásios de
47
esportes e corredores; em que muitas escolas não dispõem de
verbas suficientes nem para se manterem abertas durante os [...]
dias letivos; em que os prédios-escolas estão literalmente
desabando diante de nossos olhos; em algumas cidades, três salas
de aula do primeiro grau precisam dividir os mesmos livros [...].
Se a concepção neoliberal tem desmobilizado as lutas sociais de resistência,
bem como as lutas sindicais e de organização popular, cria, ainda, as políticas
compensatórias que pretendem diminuir a miséria do povo, mas não atingem os
seus objetivos e representam mais uma desculpa para sobrecarregar os
contribuintes, ao mesmo tempo em que serve à política assistencialista, demagógica
e eleitoreira.
Assim, divulga-se a idéia de que a sociedade como um todo e,
especificamente as pessoas, são responsáveis pela crise; os pobres pela pobreza,
os desempregados pelo desemprego, os favelados e os sem-terra pela violência, os
pais pelo pouco rendimento dos filhos na escola. O darwinismo social
5
impõe a idéia
de que é preciso competir e só os melhores triunfarão.
Nesse prisma, os educadores devem compreender os conceitos, as
interferências e reconhecer a força da globalização e da política neoliberal, bem
como suas implicações para moldar e limitar as escolhas disponíveis de políticas e
práticas educacionais. Tornou-se urgente aprender a ler as linhas e as entrelinhas
da sedutora ideologia neoliberal, para que os atores sociais e, principalmente, os
educadores, não se coloquem como indivíduos passivos, manipulados e utilizados
como personagens que colaboram com a manutenção e a perpetuação do status
quo.
Por isso, devemos ficar atentos para os meios de comunicação, pois “as
mídias exercem cada vez mais um papel de mediação e de tradução da realidade
social” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003 p. 67). Elas contam o que acontece no
mundo, muitas vezes de forma manejada ou desvirtuada, “fazendo com que grande
parte da realidade seja percebida de forma virtual” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI,
2003 p. 67). Acontece, desse modo, o entretenimento e a doutrinação das massas
pelo meio de comunicação mais comum, que é a televisão.
5
O termo darwinismo social é aqui utilizado como uma associação ao darwinismo de Darwin (1809-1882), cuja
doutrina da evolução biológica é “fundada em dois princípios: 1. a existência das condições ambientais, e das
quais algumas, pela lei da probabilidade, seriam biologicamente vantajosas; 2. a seleção natural graças à qual
sobreviveram, na luta pela vida, os indivíduos em que se manifestassem as variações orgânicas mais favoráveis”.
(ABBAGNANO, 1962, p. 216). A seleção se dá, dessa forma, de maneira natural e vencem os melhores.
48
Nesses termos, as transformações no mundo e no Brasil são incontestáveis,
ao passo que a escola, atualmente, tem passado por grandes mudanças. E, com
certeza, a escola tem que mudar muito mais, para dar conta de responder aos
desafios que nos são colocados no mundo hodierno.
A educação nesse mundo capitalista vem assumindo um papel com uma
opção técnica voltada para o mundo do trabalho, atendendo às demandas do capital
e, em paralelo, assume também um discurso de preocupação com a construção de
uma modernidade que seja ética e humanista. Nessa segunda posição, a escola
coloca-se, diante da sociedade, como agente de mudanças, capaz de interferir no
processo histórico de forma positiva. No entanto, qual é a distância existente entre o
que é proclamado e o que é realizado? Diante dessa sociedade capitalista, desigual
e excludente, qual é o verdadeiro papel da escola?
Dentro de uma sociedade competitiva que busca a melhoria da qualidade dos
recursos humanos, a competência e a produtividade, a “orientação do Banco
Mundial (1995) tem sido a de produzir mais e melhor. Para o banco, o investimento
em educação, em uma sociedade livre de mercado, permite o aumento da
produtividade e do crescimento econômico” (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2003,
p. 95). Por isso, com o apoio do Banco Mundial, houve a expansão educacional e a
perda da qualidade de ensino, evidenciada pelas altas taxas de reprovação e
evasão escolares.
Nos dias atuais, a escola vem sendo questionada acerca de seu papel social
e educativo diante das transformações que o mundo vem sofrendo nos setores
econômicos, sociais, culturais, políticos e tecnológicos. Esse conjunto de
transformações, em decorrência da globalização, afeta a educação escolar de modo
geral.
Com isso, exige-se da escola o cumprimento de finalidades educacionais
mais compatíveis com o interesse da política capitalista. E as novas necessidades e
valores escolares; induzem mudanças nas atitudes dos professores em relação aos
meios de comunicação, tecnológicos e outros. Nessa perspectiva, Libâneo (2003)
questiona o papel social da escola que explicita a dualidade entre formar para o
trabalho ou para a formação do cidadão participante da vida social.
Para atender a política neoliberalista, o governo direciona uma educação
voltada para os objetivos do mercado de trabalho, embora estejamos buscando uma
educação preocupada com o indivíduo enquanto um cidadão que contribui para a
49
transformação da sociedade. Para isso, a escola deveria trabalhar na perspectiva da
formação do ser humano, afirmando ou reafirmando valores tais como solidariedade,
justiça, liberdade e compromisso com o coletivo.
Por conseguinte, o saber tecnológico torna-se dominante nas escolas,
adquirindo status e pretensão de validade como conhecimento único e verdadeiro.
Nesse sentido, no aspecto educacional, aparecem algumas características
importantes, dentre elas:
[...] introdução das escolas e seus atores na lógica competitiva do
mercado, centralização pelo Estado, através do governo central, de
práticas institucionais como a adoção de mecanismos
descentralizadores de financiamento e gestão; adoção de um
currículo nacional obrigatório que enfatize competências para a nova
organização do trabalho e da tecnologia; avaliação periódica de
escolas, professores e alunos com a publicação dos resultados;
crescente pressão para responder às necessidades observadas nas
empresas e indústrias. (RIBEIRO, 1996, p. 71).
Na visão de Paro (2001), na realidade de nossas escolas públicas básicas
existe um descompasso entre a teoria e a prática, que se expressa pela ausência de
informação dos educadores em relação à política pública em educação. Além da
ausência de importantes componentes teóricos nas atividades escolares. Ainda,
[...] pode-se perceber a falta, a presença ainda muito tímida, de
posturas críticas sobre os temas como o neoliberalismo, os efeitos
da ação do Banco Mundial na política educacional, a privatização do
ensino [...] a autonomia escolar, ou a organização da escolaridade
em ciclos. (PARO, 2001, p. 29-30).
Grande parte dos educadores escolares entende o Neoliberalismo e o Banco
Mundial apenas como slogan, não os compreendendo, dentre outros aspectos,
“como a defesa das leis naturais do mercado se coloca contra a própria
especificidade do trabalho pedagógico, com conseqüências determinantes sobre as
ações dos educadores em sala de aula”. (PARO, 2001, p. 30).
50
A falta do pensamento crítico nas escolas e do conhecimento sobre as
políticas públicas, relativas à Educação Básica, interfere na compreensão dos
fenômenos sociais, educacionais e culturais. Com isso, gera uma marginalização na
realização da prática social educativa.
Vale ressaltar que o processo educativo é uma experiência complexa e não
se restringe apenas à sala de aula. Segundo Paro (2001, p. 30), “há todo um
conjunto complexo de relações, rotinas, fatos, situações, interesses e concepções de
mundo”. Enfim, todo o processo curricular da escola interfere no tipo de educação
que está sendo oferecida ao educando e determina a qualidade de sua formação.
Não podemos, então, considerar a educação escolar limitada apenas à sala de aula
ou aos conteúdos e disciplinas, é preciso compreender a importância do conjunto de
relações sociais em que a escola está inserida.
Os sistemas de ensino público e privado vêm passando por várias reformas,
desde a década de 1980, como resposta às políticas educacionais. Tais reformas
acontecem em âmbito estadual, local e até mesmo nas unidades escolares. Algumas
reformas são mais abrangentes e envolvem todo o sistema educativo, outras são
mais restritas e contemplam apenas alguns setores.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96) incorporou
experiências da história educacional do país e trouxe novas reformas. Na verdade, a
LDB apresenta intenções de ressignificar os processos de ensinar/aprender,
aderindo a um paradigma curricular no qual os conteúdos de ensino deixam de ter
importância em si mesmo e são compreendidos como meios para construir
aprendizagem e desenvolver competências e habilidades entre os alunos.
A lei maior da educação no país é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Ela se situa abaixo da Constituição Federal, na qual define as diretrizes
gerais da educação brasileira. Contudo, o Plano Nacional de Educação é a principal
medida de política educacional decorrente da LDB.
Na visão de Saviani (2000, p. 3):
[...] sua importância deriva de seu caráter global, abrangente de
todos os aspectos concernentes à organização da educação
nacional, e de seu caráter operacional, já que implica a definição de
ações, traduzidas em metas a serem atingidas em prazos
determinados dentro do limite global de tempo abrangido pelo plano
que a própria LDB definiu para um período de dez anos.
51
Os 10 anos colocados pela LDB já se passaram. Os seus princípios foram
colocados em prática? A Lei conseguiu realmente implementar medidas globais em
busca da melhoria da qualidade na educação?
Para nortear os currículos nacionais, tendo em vista as prescrições do Plano
Nacional de Educação, segundo Alves (1996), o MEC instituiu os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, além de
Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, Educação Indígena e Educação
de Jovens e Adultos. Os PCNs apresentam, portanto, o Currículo como indicador de
princípios e metas do projeto educativo, deixando espaço para a criatividade do
professor.
Entretanto, a Faculdade de Educação da UFRS (1996) realizou uma pesquisa
dos PCNs publicado na obra Escola S.A. O trabalho questiona: faz sentido um
currículo nacional? Segundo o estudo realizado, a qualidade não é explicitada no
documento e, seguramente, não é um currículo nacional que vai resolver as
questões que estão no início das causas dos baixos desempenhos. Além do mais, o
documento encaminha-se de maneira uniforme, hegemônico e burocrático, pois
mesmo não sendo obrigatório, pelo modo como se apresenta, dificilmente deixarão
de ser adotados.
De outro modo, Libâneo; Oliveira; Toschi (2003) denunciam que a suposta
necessidade da criação de uma cultura tecnológica, tendo em vista a expansão do
capital, visa a requalificação dos trabalhadores com o objetivo do aumento de
produção, por um lado, e o aumento do consumo, por outro. Assim, o realce da
importância da universalização do Ensino Fundamental apresenta três princípios
fundamentais: a eficiência, a eqüidade e a qualidade. Portanto, esses são os novos
slogans do discurso do Neoliberalismo. Lembramos que tais princípios aparecem na
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990)
6
, nos documentos da
Unesco Transformação Produtiva para a Eqüidade (1990) e Educação e
conhecimento: eixo da transformação produtiva com eqüidade (1992) e ainda no
Plano Decenal de Educação para Todos, junho de 1990. Tais fatos evidenciam que
“parece haver uma junção entre os dois paradigmas capitalistas-liberais no tocante
ao ensino fundamental, com o fim de atender às demandas e às necessidades
6
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos é um documento que representa o resultado de uma
Conferência em nível Internacional, da qual o Brasil é signatário, realizada em Jontien, Tailândia, de 05 a 09 de
março de 1990.
52
dessa nova fase do projeto de modernização capitalista” (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2003, p. 94).
Vários organismos multilaterais, a exemplo do MEC, da Unesco, do Inep, da
Fiesp, dentre outros, difundiram em seus documentos as mesmas orientações
relativas às políticas educacionais, no decorrer da década de 1990, confirmando a
articulação da educação e da produção do conhecimento com o novo processo
produtivo. Confirmamos, assim, que a expansão da educação e do conhecimento,
especialmente o tecnológico, é/são necessários ao capital e à sociedade
globalizada. Aderimos os novos conceitos, e podemos, ainda, somar outros tais
como: “modernização, diversidade, flexibilidade, competitividade, excelência,
desempenho, eficiência, descentralização, integração, autonomia, eqüidade, etc.”
(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003).
Recordamos que, nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil avançou
significativamente no sentido de ampliar o acesso ao Ensino Fundamental
obrigatório, estendendo a oferta de vagas nas escolas e investindo na qualidade da
aprendizagem desse nível escolar. Neste momento, faz-se um esforço para a
incorporação das crianças de 6 anos ao sistema educacional, no Ensino
Fundamental.
As políticas educacionais indicam em seus discursos preocupação com a
democratização do acesso e melhoria da qualidade da educação básica. Iniciativas
nesse sentido evidenciam-se na modernização econômica, reconhecimento ao
direito de cidadania, pela disseminação das tecnologias da informação.
Por conseguinte, os autores Libâneo; Oliveira; Toschi (2003) nos lembram
que discussão sobre a democratização do ensino e o debate sobre
quantidade/qualidade teve início ainda no século XIX, na transição do Império da
República; o movimento do entusiasmo pela educação revelava preocupação de
caráter quantitativo e propunha a expansão da rede escolar para a alfabetização da
população. Entre as décadas de 1920 e 1930, o otimismo pedagógico reacendeu a
preocupação com a melhoria das condições didáticas e pedagógicas das escolas.
A questão é que se favoreceu a ampliação de vagas, garantindo
quantitativamente o aumento de vagas nas escolas; entretanto, esta não foi
acompanhada com a melhora qualitativa, e, não havendo o comprometimento da
qualidade dos serviços prestados, aconteceu a degradação das condições de
exercício do magistério e da desvalorização do professor. Por isso, a
53
[...] ampliação das vagas deu-se pela redução da jornada escolar,
pelo aumento do número de turnos, pela multiplicação de classes
multisseriadas e unidocentes, pelo achatamento dos salários dos
professores e pela absorção de professores leigos. O trabalho
precoce e o emprobrecimento da população, aliados às condições
precárias de oferecimento do ensino, levaram à baixa qualidade do
processo, com altos índices de reprovação. (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2003, p. 144).
Conseqüentemente, a má qualidade de ensino na educação básica conduz ao
atraso técnico-científico e cultural brasileiro e impede sua inserção no novo
reordenamento mundial. Portanto, “a educação básica falha constitui fator que tolhe
a competitividade internacional no Brasil” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003).
Dalberio; Paroneto (2006) colocam que, em primeiro lugar, precisamos
entender o conflito existente entre as áreas econômicas e as sociais que exigem do
governo tomadas de decisões para implementar políticas econômicas e sociais que
atendam aos interesses industriais, comerciais, financeiros, dentre outros; e a
necessidade de investir recursos e medidas que atendam ao setor educacional.
Assim, para (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 55):
[...] o governo brasileiro vem implementando suas políticas
econômicas e educacionais de ajuste, ou seja, diretrizes e medidas
pelas quais o País se moderniza, adquire as condições de inserção
no mundo globalizado e, se ajusta às exigências de globalização da
economia estabelecidas pelas instituições financeiras e pelas
corporações internacionais.
Por isso, torna-se importante refletir sobre o papel social da escola, que
consiste em promover o desenvolvimento integral da pessoa, o seu preparo para o
exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. Para cumprir tal função,
a escola precisa ater-se a princípios que nortearão os objetivos do ensino escolar.
Outra questão trazida por Libâneo; Oliveira; Toschi (2003) refere-se aos
organismos financiadores da educação dos países do terceiro-mundo, mais
precisamente o Banco Mundial; dessa forma, os autores sugerem a garantia de
educação básica mantida pelo Estado, portanto, gratuita. Isto não significa, todavia,
que ela seja ministrada em escolas públicas. Os adeptos da política neoliberal
criticam o fato de a escola pública manter o monopólio do ensino gratuito.
54
Apresentam, por outro lado, a idéia de que o governo dê aos pais cheques com o
valor necessário para a manutenção dos estudos dos filhos, oportunizando ao
mercado de escolas públicas e particulares disputarem esses cheques,
conquistando-os pela comprovação de sua qualidade.
Nesse sentido, “as escolas públicas não receberiam recursos do Estado e se
manteriam com o recebimento desses valores em condições iguais às das
particulares, alterando-se, assim, o conceito de público” (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2003, p. 132). A discussão sobre essa concepção da escola pública é
polêmica e complexa e, por isso, será contemplada no próximo capítulo.
Sobre o mesmo tema, mas dentro de uma outra perspectiva, Friedman (1985,
p. 83) discute o “papel do governo na educação” e começa afirmando que, nos
Estados Unidos, “a educação formal é financiada e quase inteiramente administrada
por entidades governamentais ou instituições sem fins lucrativos”. O resultado,
segundo o autor, foi uma extensão indiscriminada da responsabilidade do governo
sobre a educação. Explica que o governo assume a educação geral dos cidadãos e
exige um grau mínimo de alfabetização e conhecimento de um conjunto de valores,
para todos os cidadãos. Tal investimento do Estado traz benefícios não só para as
crianças e os seus pais ou responsáveis, mas, sobretudo, contribui para o bem-estar
da sociedade como um todo, em termos de promoção de uma sociedade estável e
democrática. Tal investimento gera, então, o que o autor chamou de “efeito lateral”.
Entretanto, esse modelo de “nacionalização” da educação tem por um lado,
sobrecarregado os cofres públicos pelo alto investimento em educação e, por outro
lado, as escolas públicas não têm apresentado o nível de qualidade desejada pelos
pais, que se encontram insatisfeitos com a educação oferecida a seus filhos.
A situação explicitada desencadeou uma proposta de “desnacionalização das
escolas”, cujo modelo daria maior espaço de escolha aos pais. A proposta consiste
em que os
[...] investimentos atuais em instrução fossem postos à disposição
dos pais independentemente de para onde enviassem seus filhos,
ampla variedade de escolas surgiria para satisfazer a demanda. Os
pais poderiam expressar sua opinião a respeito das escolas
diretamente, retirando seus filhos de uma escola e mandando-os
para outra – de modo muito mais amplo do que é possível agora.
(FRIEDMAN, 1985, p. 87).
55
Tal proposta despertou dúvida, incerteza e desconfiança. Alguns afirmam que
as escolas privadas tendem a exacerbar as diferenças de classe, pois são
organizadas e estruturadas para atender às necessidades das elites e não das
classes desprivilegiadas. Quanto à idéia de garantir maior liberdade de escolha
para os pais, também apresenta dúvidas, pois as escolas particulares e de melhor
qualidade estão localizadas nos centros, enquanto que as escolas públicas de baixa
qualidade encontram-se localizadas nas periferias, onde moram os desfavorecidos
socialmente. Existem também os problemas de distâncias, transporte, segurança,
dentre outros.
Como fazer então, para que as escolas públicas e/ou privadas possam
oferecer, realmente, a igualdade de oportunidades?
Outro tipo de solução proposta por Friedman e que ele considera mais
adequado, pelo menos nos níveis primários e secundários, seria a combinação de
escolas públicas e particulares. Nessa perspectiva, “os pais que quiserem mandar os
filhos para escolas privadas receberiam uma importância igual ao custo estimado de
educar uma criança numa escola pública, desde que tal importância fosse utilizada
em educação numa escola aprovada” (FRIEDMAN, 1985, p. 89). Essa idéia
resolveria o problema das justas reclamações dos pais quando dizem que, se
mandarem os filhos para escolas privadas, pagam duas vezes pela educação – uma
vez sob a forma de impostos e outra diretamente nas escolas. Outro ponto positivo é
que abriria espaço para uma justa competição entre as escolas e, desse modo, o
desenvolvimento e o progresso de todas as escolas estariam garantidos.
Diante de tudo isso, estamos analisando ainda tais propostas com cautela e
desconfiança. Como sabemos, a realidade brasileira difere muito da realidade
estadunidense. Em um país no qual os nossos representantes políticos trabalham,
em sua maioria, por benefícios próprios e apresentam interesses individualistas, e
ainda em um contexto no qual as Leis e as políticas educacionais não saem do
papel, toda proposta de mudança, mesmo as mais radicais e, à primeira vista
ousadas e bem intencionadas, merecem estudo cuidadoso e cautela antes de nossa
adesão a elas.
Sabemos que a LDB 9394/96, não obstante, é a norteadora da política
educacional brasileira. As diretrizes curriculares são os princípios que direcionam
essas políticas. E desses princípios emergem os Parâmetros Curriculares Nacionais
que, por sua vez, dão sustentação aos Projetos Políticos Pedagógicos escolares.
56
Assim, para que as políticas educacionais se concretizem em mudanças no
sistema escolar, direcionados para a melhoria da qualidade de ensino, torna-se
imprescindível que o coletivo da escola – como também os pais e a comunidade no
entorno da escola tenha conhecimento de tais políticas e, ao mesmo tempo,
comprometa-se com a educação de forma a unirem-se na construção e execução do
Projeto Político-Pedagógico coerente com os princípios de uma escola que visa
formar para e pela cidadania.
Nesse contexto, torna-se importante compreender como a formação docente
recebe influências da política que o Banco Mundial dissemina no seu processo de
cooperação, na forma de acordos de financiamento para a educação, com os
governos.
Em uma visão realista da situação, os acordos do Banco com o Brasil, para
que esses empréstimos aconteçam, estão diretamente ligados à política de ajuste
econômico, nos dizeres de Fonseca (2001, p. 18-24),
[...] para fundamentar a concessão de créditos, o Banco Mundial
definiu um conjunto de políticas, nas quais duas tendências são
perceptíveis: a primeira é a vinculação dos objetivos educacionais à
política de ajuste econômico do Banco; nesse sentido, a oferta
educacional deve ser seletiva, de forma que diminua os encargos
financeiros dos estados. [...] A segunda estratégia é a produção e a
gestão de informações, [...] o Banco desenvolve considerável e
contínua produção de pesquisas e estudos na área social, que são
negociados com as equipes decisórias do país. [...] No campo da
educação, os estudos abrangem uma variedade de temas voltados
para a relação entre educação e desenvolvimento, educação-
emprego-renda.
Com base nessas afirmações, vale reforçar a importância de conhecermos
sobre as questões das políticas públicas brasileiras e refletirmos sobre o papel de
interlocutor que o Banco Mundial vem realizando junto à educação, concedido pelas
autoridades brasileiras, para que possamos criar espaços para a solução do
problema.
É preciso buscar uma saída para essa situação. E a educação escolar pode
interferir nesse processo?
Concordamos com a idéia do autor que diz que
57
O grande propósito da educação seria proporcionar ao filho das
classes trabalhadoras a consciência, portanto a motivação (além de
instrumentos intelectuais), que lhe permita o engajamento em
movimentos coletivos visando tornar a sociedade mais livre e
igualitária. É óbvio que a educação escolar também deveria cumprir
muitos outros propósitos, que poderiam ser resumidos na habilitação
do indivíduo a se inserir de forma adequada na vida adulta:
profissional, familiar, esportiva, artística, etc. (SINGER, 1996, p. 5).
Nesse prisma, partimos do princípio de que a tarefa da escola atual é
contribuir com a formação de cidadãos livres, conscientes e autônomos, que tenham
utopias, compreendam e considerem a diversidade e a pluralidade, intervindo de
forma efetiva para uma sociedade mais justa e solidária.
A escola é uma organização cujas experiências requerem um espaço e um
tempo para seja organizada e direcione suas atividades. Dentro desse espaço,
ocorrem experiências diversas; pela diversidade de sujeitos com diferentes culturas,
memórias e suas histórias.
Em resumo, é verdade que crescem cada vez mais a pobreza e os processos
de exclusão social. Tal fato leva à conformação de sociedades estruturalmente
dividas em classes desiguais, nas quais, fundamentalmente, o acesso às instituições
educacionais de boa qualidade e a permanência nas mesmas são vistas como um
privilégio do qual gozam apenas os bem nascidos. A discriminação social e,
especificamente, a discriminação educacional, relaciona-se com os mecanismos
perversos da discriminação racial, sexual e regional, existentes historicamente em
nossa sociedade. Tais processos expressam idéias e princípios da dinâmica
assumida pela economia-mundo capitalista, apesar de se concretizarem com
algumas diferenças regionais existentes.
Portanto, esse contexto confirma o grande êxito da política neoliberal, que
impõe seus argumentos como verdades derivadas e comprovadas nos fatos e
resultados. Existe uma saída? Como contrapor uma força tão grande e sedutora?
Enquanto educadores, os nossos desafios são imensos, sem medidas. Não é nada
fácil desarticular a aparentemente inquestionável nacionalidade natural do discurso
neoliberal. Entretanto, para a construção de uma outra hegemonia, legítima, e que
ofereça sustentação material e cultural a uma nova sociedade, realmente plena de
democracia e cidadania, como também de distribuição igualitária dos bens sociais, é
o desafio que conclama a todos nós educadores, unidos, à luta.
58
Finalmente, na apresentação do nosso cenário global, percebemos que a
política neoliberal apoiada pela globalização é contraditória e nos coloca em um
mundo de dúvidas, incertezas e inseguranças. Se há avanços tecnológicos e
científicos que promovem maior qualidade de vida, mesmo que seja somente para
alguns privilegiados, há, ainda, uma outra perspectiva, que promove o aviltamento
das desigualdades sociais e, principalmente a exclusão social para a maioria.
No próximo capítulo, vamos discutir sobre a gestão democrática, bem como
sobre as instâncias que promovem a democracia na escola, a participação popular
dentro dos seus avanços e limites, como também a efetivação/limitação da escola
pública e popular na busca de maior qualidade de ensino. Para tanto, recorreremos
a vários autores, em um diálogo que favorece a interação de idéias e debates,
procurando alinhavar os pontos comuns, divergentes e complementares entre eles.
O objetivo maior é compreender a importância da participação e da democracia na
escola, como acontecem, quais os limites e obstáculos e, nesse prisma, quais são
as perspectivas para o avanço.
CAPÍTULO 2
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO NA ESCOLA PÚBLICA POPULAR
O futuro não é um pré-dado. Quando uma
geração chega ao mundo, seu futuro não está
predeterminado, preestabelecido. Por outro
lado, o futuro não é também, por exemplo, a
pura repetição de um presente de
insatisfações. O futuro é algo que se vai
dando, e esse “se vai dando” significa que o
futuro existe na medida em que eu ou nós
mudamos o presente. E é mudando o
presente que a gente fabrica o futuro; por isso,
então, a história é possibilidade e não
determinação. (FREIRE, 2005).
O presente capítulo discute os conceitos de democracia, democracia escolar,
autonomia, cidadania, gestão participativa, bem como os desafios e as
possibilidades para o alcance de uma escola democrática.
Logo no início, deixamos claro que os conceitos de democracia, autonomia,
cidadania, gestão participativa, aqui discutidos, não têm o mesmo significado
adotado por alguns autores e/ou políticos que os usam de acordo com uma visão
cartesiana, positivista, na perspectiva da modernidade e da ideologia neoliberal. O
propósito dessas concepções é desvirtuar seus verdadeiros significados e
concretizar metas e objetivos contrários às concepções que têm como objetivo a
libertação e a emancipação das classes oprimidas.
Portanto, nossa reflexão pretende colocar-se dentro de uma perspectiva
libertadora e emancipadora, à luz do legado de Paulo Freire, na busca de cada vez
mais humanização para o ser humano, na luta contínua para o seu desenvolvimento
integral e a conquista de “ser mais”.
Para tanto, dividimos o capítulo em quatro partes: na primeira parte trazemos
o contexto histórico e social brasileiro, valorizando nossa história e nosso contexto
atual; na segunda, discutimos a Democracia como um direito; Como fazer
democracia na escola, é o problema colocado na terceira parte e, por último,
abordamos a temática que a escola pública popular tem que ter qualidade de
ensino.
60
2.1 O contexto histórico e social brasileiro
A dimensão local não pode ficar isolada do contexto nacional e global, nem o
tempo presente pode ser o único referencial. Há razões históricas para o nosso estar
sendo. Precisamos conhecer o passado, entender o presente e projetar o futuro.
Por isso, o caráter autoritário da estrutura social e da cultura brasileira,
representa o eco de uma marca histórica. Pois, no panorama político e econômico
do Brasil a história explicita crises, autoritarismo, submissão e, mesmo assim,
mudanças, avanços e recuos. Além disso, vivemos por muito tempo, em nosso país,
uma história de autoritarismo, sob regime militar fechado, cuja ditadura cerceava a
liberdade de pensamento do povo e, mais especificamente, o pensamento crítico
dos educadores. Podemos dizer que o golpe de 1964 representou a interrupção
do avanço da democratização social e política em gestação em nossa história,
incluindo a educação escolar e popular no Brasil.
Afirmamos, então, que o Regime Militar interferiu na área educacional criando
uma cultura de comandos autoritários de mandatos legais, baseados mais no direito
da força do que na força do direito. E mudar mentalidades formadas para a
submissão, o respeito à ordem e a obediência às regras impostas, não é tarefa fácil.
Por conseguinte, encontramos, em nosso meio, comportamentos de toda ordem,
explicitando a inércia, a rivalidade, o corporativismo, o preconceito, a desconfiança,
o desinteresse pela mudança e pelo novo, o conformismo, a falta de perspectivas e
a incapacidade de enxergar novas possibilidades.
Com o passar do tempo, a ditadura militar fica desgastada mediante os
problemas sociais e econômicos do País. A pressão popular conduz à abertura da
censura e, assim, crescem os movimentos de oposição política e o movimento das
massas. Emergem as organizações de trabalhadores urbanos e rurais por meio de
sindicatos, associações de bairros, dentre outros.
O advento da abertura política desencadeou a superação da censura, o que
favoreceu a produção de uma literatura mais crítica. Daí por diante, diversos
Seminários e debates sobre os problemas da educação brasileira começaram a
emergir. As discussões críticas provocaram o questionamento dos princípios liberais
e sua influência na educação. Educadores renomados assumiram secretarias de
educação e articularam projetos ousados e consistentes, sustentados por um
referencial teórico crítico.
61
Recordamos que, na década de 1980, muitas lutas foram travadas em prol da
democratização. Nessa luta, a democratização da educação e da escola se
articulava com as lutas pela redemocratização da sociedade brasileira. O Movimento
das Diretas Já representa uma evidência concreta das manifestações populares,
deixando marcas nas bandeiras e reivindicações dos trabalhadores da educação. A
década de 1980 culminou com a promulgação da Constituição Federal, que veio
reforçar o direito à cidadania, à participação, enfim, à democracia.
Na década de 1990, outros movimentos passaram a garantir o direito à
democracia, à participação e o direito de todos terem justiça e vida digna. Como
frutos desses movimentos, foram criados e promulgados importantes documentos e
leis. Dentre esses, citamos a Conferência Mundial de Educação para Todos,
realizada em 1990, em Jomtiem, propondo equidade social nos países mais pobres
e populosos do mundo; no Brasil, especificamente, foi lançado o Programa Nacional
de Alfabetização e Cidadania (PNAC), pelo governo Collor em setembro de 1990; a
elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos, em 1993; em 1994, foi
lançada a Declaração de Salamanca, que comunga com o princípio de eqüidade e
reafirma o direito à educação para as pessoas com necessidades educativas
especiais, da qual o Brasil é signatário, e neste aconteceu a Conferência Nacional
de Educação para Todos; e, por último, em 1996 foi lançada a atual Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96).
É importante ressaltar que todos esses movimentos, leis e documentos
repercutem na sociedade e na escola, fazendo do direito à democracia e à
cidadania, um direito legal. Decorrente desses movimentos, acontece, então,
significativa ampliação do acesso à escola, maior abertura e oportunidade de
estudos, debates, discussões. Então, destacamos a idéia de que, quando a
sociedade como um todo se manifestou e exigiu a democratização da escola
pública, ela foi ouvida e atendida.
Entretanto, a cultura brasileira nasceu de uma situação de subalternidade e,
além disso, a Ditadura Militar instaurada nos anos 1960 deixou seqüelas e ranços.
Nesse sentido, Paulo Freire (2003, p. 77) afirma que
[...] o ranço autoritário não deixava pressentir, sequer, a importância
para o desenvolvimento de nosso processo democrático do diálogo
entre aqueles saberes e a presença popular na intimidade da
62
escola. É que para os autoritários, a democracia se deteriora
quando as classes populares estão ficando demasiado presentes
nas escolas, nas ruas, nas praças públicas, denunciando a feiúra do
mundo e anunciando um mundo mais bonito.
Assim, há ainda imobilismo e inércia, mediante os abusos do poder e ações
contra o bem comum. Como hipótese inicial, acreditamos que há, na verdade, muito
discurso de democracia; contudo, esta se apresenta, ainda, tímida e fragilmente
vivenciada na prática cotidiana.
Nesse sentido, Freire (2003, p. 11) já nos alertava de que, como seres
políticos, os homens não podem deixar de ter consciência do seu ser ou do que está
sendo, e “é preciso que se envolvam permanentemente no domínio político,
refazendo sempre as estruturas sociais, econômicas, em que se dão as relações de
poder e geram as ideologias”. A vocação humana não é para ser dominado,
massacrado, modelado ou dirigido, mas, para “ser mais”, fazer e refazer sua história,
intervindo no seu meio.
Mas, o que é Democracia? O que é cidadania e qual a relação entre ambas?
Existe realmente, em nosso País, Democracia e Cidadania?
2.2 Democracia como um direito
Vivemos em um país cuja opção de governo é a democracia. Mas, o que é
democracia? Denomina-se democracia (do grego demos, "povo", e kratos, poder)
uma forma de organização política que reconhece a cada sujeito, membro da
comunidade, o direito de participar da direção e gestão dos assuntos públicos.
Definida também como sistema político fundamentado no princípio de que a
autoridade emana do povo (conjunto de cidadãos) e é exercida por ele ao investir o
poder soberano por meio de eleições periódicas livres, e no princípio da distribuição
eqüitativa do poder.
Por conseguinte, podemos afirmar que democracia é um regime de governo
no qual o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, que
são os componentes da sociedade. É ao povo ou à comunidade a quem cabe
63
discutir, refletir, pensar e encontrar soluções e intervenções para os próprios
problemas.
No entanto, é importante acrescentar que a democracia “não é um fim em si
mesma; é uma poderosa e indispensável ferramenta para a construção contínua da
cidadania, da justiça social e da liberdade compartilhada. Ela é a garantia do
princípio da igualdade irrestrita entre todas e todos...” (CORTELA, 2005, p. 146).
Contudo, mesmo apoiados pela legislação, sabemos que muito temos a
avançar para conquistarmos uma sociedade realmente democrática. Prova disso é
que vivemos em um país cuja opção de governo é a democracia; entretanto, em
nossa realidade encontramos muitas contradições que evidenciam o contrário.
Em outro prisma, existe também o conceito que se denomina democracia
popular
7
, que constitui um tipo de regime político. Trata-se de uma expressão
institucional, mais utilizada nos estados socialistas. Estes tiveram um grande
desenvolvimento no século XX, e alguns ainda sobrevivem no século XXI. As
democracias populares diferenciam-se de outros regimes contemporâneos não
liberais que igualmente, proclamam ser democráticos, utilizam um discurso
legitimador pela construção de uma sociedade socialista em uma interação do
nacionalismo com a solidariedade internacional.
A democracia participativa é uma expressão ampla, que se refere às formas
de democracia nas quais os cidadãos têm uma maior participação na tomada de
decisões políticas do que à que outorga tradicionalmente a democracia
representativa. Pode-se definir com maior precisão como um modelo político que
facilita aos cidadãos suas capacidades de associar-se e organizar-se de tal modo
que possam exercer uma influência direta nas decisões públicas.
Sabemos, entretanto, que as formas de democracia popular e democracia
participativa são experiências dos países socialistas e não combinam com os ideais
da sociedade capitalista. Mas, em um país orientado pelo capitalismo e pela política
neoliberal existe democracia?
Nesse prisma, Freire (2003, p. 25) já questionava sobre que democracia é
essa que comunga com escandalosa desigualdade social, inerte da dor de milhões
de famintos, outros milhões sem teto, outros analfabetos, os excluídos dos bens
7
Conceito encontrado na Enciclopédia Wikipedia. Democracia Popular. Disponível em:
< http://es.wikipedia.org/wiki/Democracia_popular >. Acesso em: 01 de abr., 2007.
64
produzidos nessa sociedade. Mesmo assim, dizia ainda o mesmo autor, não se
pode deixar de sonhar
[...] um sonho possível, mas cuja concretização exige coerência,
valor, tenacidade, senso de justiça força para brigar, de todas e de
todos os que a ele se entreguem é o sonho por um mundo menos
feio, em que as desigualdades diminuam, em que as discriminações
de raça, de sexo, de classe sejam sinais de vergonha e não de
afirmação orgulhosa ou de lamentação puramente cavilosa. No
fundo, é um sonho sem cuja realização a democracia de que tanto
falamos, sobretudo hoje, é uma farsa.
Assim, a democracia que se constitui uma mentira, discurso vazio, faz com
que os homens sejam dóceis, fáceis de manobrar e aceitar imposições. A visão
sectária
8
de uma minoria privilegiada acredita que as classes populares são
consideradas incompetentes e indolentes inatos, inábeis intelectualmente, seus
representantes não devem ser chamados para o diálogo, mas devem apenas ouvir
e acatar ordens e instruções dos técnicos e cientistas competentes.
Reafirmamos o que colocamos no início deste capítulo que a democracia da
qual falamos, não é a mesma proclamada pelos discursos dos sociais democratas
ou dos neoliberais, mas falamos da democracia real, na qual há o desejo e a prática
de justiça e de respeito a todo ser humano e, mais ainda, há luta pela sua
humanização.
E a democracia chegou também na escola. Mas, o que é democracia escolar?
Qual é a relação entre Democracia e democracia escolar?
A democracia escolar só se efetiva dentro de um processo de gestão
democrática, entendida “como uma das formas de superação do caráter
centralizador, hierárquico e autoritário que a escola vem assumindo ao longo dos
anos...” (ANTUNES, 2002, p. 131), cujo objetivo maior é garantir a participação e a
autonomia das escolas. Ainda é importante acrescentar que a “gestão da escola não
visa apenas à melhoria do gerenciamento da escola, visa também a melhoria da
qualidade do ensino” (ANTUNES, 2002, p. 134). Busca, sobretudo, construir e
8
No livro Pedagogia do Oprimido (1983, p. 22), Paulo Freire faz um paralelo entre a radicalização e a
sectarização. O autor afirma que a primeira é sempre criadora, crítica e, portanto, libertadora; enquanto a
segunda é alienante, castradora, fanática, mítica irracional, sendo um obstáculo à emancipação dos homens.
65
consolidar uma esfera pública de decisão no espaço educacional, fortalecendo o
controle social sobre o Estado, a fim de garantir que a escola pública atenda aos
anseios e necessidades da população a que se destina. Democracia implica, ainda,
co-responsabilizar com os compromissos assumidos e, por isso, cabe-nos fiscalizar,
acompanhar e avaliar as ações dos governantes, como também dos compromissos
assumidos coletivamente.
A educação apresenta limites e possibilidades, por isso Paulo Freire (2005, p.
30) diz que a eficácia da educação está em seus limites e lembra aos educadores
progressistas
9
que a “educação não é a alavanca da transformação da sociedade,
mas sabem também o papel que ela tem nesse processo”. Ressalta, ainda, que
cabe a cada um de nós, educadores progressistas, ver o que se pode fazer
competente e concretamente dentro de cada realidade.
A origem da palavra Gestão advém do verbo latino gero, gessi, gestum,
gerere, cujo significado é levar sobre si, carregar, chamar a si, executar, exercer e
gerar. Um dos substantivos gerados do verbo demonstra que sempre implica o
sujeito. É a palavra gestatio, o mesmo que gestação, o ato que traz em si e dentro
de si algo inovador, diferente, um novo ente. Assim, o termo gestão tem sua raiz
etimológica em ger que significa fazer brotar, germinar, fazer nascer. Dessa mesma
raiz originam-se os termos genitora, genitor, gérmem. Desse modo, gestão é a
geração de um novo modo de administrar uma realidade, sendo então, por si
mesma, democrática, pois traduz a idéia de comunicação, pelo envolvimento
coletivo, por meio da discussão e do diálogo.
Legalmente, observamos que a gestão democrática está amparada tanto pela
Constituição Federal (05/10/1988), quanto pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB de 20/12/1996) e também pelo Plano Nacional de
Educação (PNE – Lei n. 10.127, 09/01/ 2001).
Na Constituição Federal (CF), no Cap. III, que se intitula “Da Educação, da
Cultura e do desporto” o Art. 206, VI afirma a “gestão democrática do ensino público,
na forma da lei”; e, ainda no item VII, diz: “garantia de padrão de qualidade”.
9
No livro Política e Educação, Paulo Freire (2003, p. 94) diz que os educadores progressistas são responsáveis,
coerentes com a educação como prática de liberdade, leais à radical vocação para a autonomia, abertos e críticos
à importância da posição de classe, de sexo, de raça e de luta pela libertação. A tarefa do educador progressista é
desocultar verdades, jamais mentir. Diz ainda, que “Cabe aos educadores e educadoras progressistas, armados de
clareza e decisão política, de coerência, de competência pedagógica e científica, da necessária sabedora que
percebe as relações entre táticas e estratégias não se deixarem intimidar” (FREIRE, 2003, p. 100).
66
A LDB/96, no Art. 3º, Item VIII, reafirma tal idéia utilizando os termos “gestão
democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de
ensino”. E os artigos 12 a 15 da mesma Lei reafirmam a autonomia pedagógica e
administrativa das unidades escolares, a importância da elaboração do Projeto
Político-Pedagógico da Escola, acentuando o valor da articulação com “as famílias e
a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola” (Art.
12, item VI).
O PNE/2001 também coloca a gestão em destaque: no Cap. V –
Financiamento e Gestão, item 11.3.2, n. 22, diz: “Definir, em cada sistema de ensino,
normas e diretrizes de gestão democrática do ensino público, com a participação da
comunidade. E ainda no n. 24, afirma: “Desenvolver padrão de gestão que tenha
como elementos a destinação de recursos para as atividades-fim, a
descentralização, a autonomia da escola, a eqüidade, o foco na aprendizagem dos
alunos e a participação da comunidade”.
Paro (2005) diz que o caráter mediador da administração manifesta-se de
forma peculiar na gestão educacional, pois acredita que os fins a serem realizados
estão estreitamente relacionados com a emancipação de sujeitos históricos, para os
quais a apreensão do saber se coloca como elemento decisivo na construção da
cidadania. Por conseguinte, os conceitos de qualidade da educação, bem como o de
democratização da gestão, ganham novas configurações.
Posicionando-se sobre a gestão escolar, Padilha (2005, p. 75) diz que
[...] o diretor da escola ou dirigente da unidade escolar e seu vice,
responsáveis pela coordenação de todas as atividades escolares,
devem ser capazes de “seduzir” os demais segmentos para a
melhoria da qualidade do trabalho desenvolvido na escola. Isso
significa, por exemplo, criar mecanismos e condições favoráveis
para envolvê-los na elaboração do projeto político-pedagógico da
unidade, contando para esse fim com as diversas atividades de
planejamento.
Nesse sentido, retomamos o pensamento de Prais (1990, p. 86), autor que
afirma que o diretor da escola deve ter “a capacidade de saber ouvir, alinhavar
idéias, questionar, inferir, traduzir posições e sintetizar uma política de ação como o
propósito de coordenar efetivamente o processo educativo”. Acrescentamos a essa
67
idéia que o diretor não deve ser autoritário pois, ao gestor, cabe o perfil de ser
democrático e, portanto, ter condições de favorecer o processo democrático no
cotidiano da escola. Para ter todas essas características, o gestor deve possuir
grande arcabouço teórico na área da Pedagogia, bem como as habilidades técnicas
e políticas, que representam recursos fundamentais para se garantir uma gestão
dentro de uma perspectiva democrática, na qual todos participam.
A qualidade de educação dentro da nova concepção, não se restringe à mera
exposição de conteúdos para erigir-se uma prática social que atualiza cultural e
historicamente o educando. Segundo Paro (2005), a gestão democrática
[...] ultrapassa os limites da democracia política, articula-se com a
noção de controle democrático do Estado pela população como
condição necessária para a construção de uma verdadeira
democracia social, que no âmbito da unidade escolar, assume a
participação da população nas decisões, no duplo sentido de direito
dos usuários e de necessidade da escola para o bom desempenho
de suas funções.
Assim, a educação concebida como a apropriação do saber historicamente
produzido é prática social que consiste na própria atualização cultural e histórica. O
homem produz conhecimentos, técnicas, valores, comportamentos, atitudes, tudo,
enfim, que configura o saber historicamente produzido e constrói a sua história. Para
que a humanidade não tenha que reinventar tudo que produziu, a cada nova
geração, fato que a condenaria a permanecer na mais primitiva situação, é preciso
que o saber seja permanentemente transmitido para as gerações subseqüentes.
Essa mediação é realizada pela educação, do que decorre sua centralidade
enquanto condição imprescindível da própria realização histórica do homem.
Lima (2002, p. 19) afirma que a governação democrática das escolas refere-
se a uma perspectiva conceitual e focaliza intervenções democraticamente
referenciadas, exercidas por atores educativos e consubstanciados em ações que
não apenas se revelam enquanto decisões político-educativos, tomadas a partir de
contextos organizacionais e de estrutura de poder de decisão, na criação e recriação
de estruturas mais democráticas de exercer os poderes educativos no sistema
escolar, na escola e na sala de aula.
68
Vale lembrar que existe, ainda, falsa democracia escolar, que explicita o
ponto de vista da direita, que está no poder, com fortes reflexos do Neoliberalismo.
Nesta, “a gestão é democrática na medida em que o professor ensine, o aluno
estude, o zelador use bem suas mãos, o cozinheiro faça comida e o diretor ordene”
(FREIRE, 2003, p. 105). Entretanto, em uma perspectiva progressista, todas as
tarefas são importantes e devem ser respeitadas e dignificadas, para o avanço da
escola. Pois, sem
[...] fugir à responsabilidade de intervir, de dirigir, de coordenar, de
estabelecer limites, o diretor não é, na prática realmente
democrática, o proprietário da vontade dos demais. Sozinho ele não
é a escola. Sua palavra não deve ser a única a ser ouvida”
(FREIRE, 2003, p. 105).
Acreditamos que a democracia na escola só será real e efetiva se puder
contar com a participação da comunidade, no sentido de fazer parte, inserir-se,
participar discutindo, refletindo e interferindo como sujeito, naquele espaço. É
preciso fazer com que a gestão democrática se realize concretamente na prática do
cotidiano escolar, pois “só participa efetivamente quem efetivamente exerce a
democracia” (ANTUNES, 2002, p. 98).
Dentro dessa perspectiva, Paulo Freire afirmou que “como qualquer sonho, a
democracia não se faz com palavras desencarnadas, com reflexão e prática”.
Reafirmando, a democracia não se constrói apenas com discurso, mas necessita de
ações de práticas que possam corporificá-la. E isso costuma levar tempo para
aprender. Mas, sem dúvidas, só se aprende a fazer, fazendo, experimentando,
errando e acertando. Então, é preciso criar espaços para a participação de todos na
escola, para se aprender a exercitar a democracia.
Para garantir a democracia, exige-se a participação popular, de presença e
intervenção ativa de todos. Não vale estar presente e somente ouvir e/ou consentir,
é preciso aprender a questionar e a interferir. Exercendo verdadeiramente a
cidadania, a população – pais, mães, alunos, professores, gestores e pessoal
administrativo, devem ser capazes de superar a tutela do poder estatal e aprender a
reinvidicar, planejar, decidir, cobrar e acompanhar ações concretas em benefício da
comunidade escolar.
69
Por conseguinte, é importante reafirmar que o “professor e a Escola devem
ter uma margem de autonomia dentro de sua sala de aula, com seus alunos, e na
relação com a Comunidade, para realizarem um Projeto Pedagógico efetivamente
educativo” (FREIRE, 1983, p. 5). A liberdade de ação abre espaço para a
criatividade e a inventividade. O sujeito sente-se desafiado a buscar soluções para
os problemas. Por isso, na vivência democrática, os professores vão descobrir que a
escola tem de deixar que o sujeito se manifeste, estimular que ele diga o que pensa,
simplesmente deixar o sujeito ser.
Ressaltamos, ainda, que nesse processo de discussão acontece o repensar
sobre a prática, os professores descobrem-se como sujeitos de uma prática
intencionada, com oportunidade de combinar o seu fazer pedagógico com a
reflexão. E pensar sobre a prática implica buscar alternativas para mudanças, tomar
decisões para a inovação da prática educacional. Nesse sentido, a ação pedagógica
poderá se consolidar realmente em uma práxis transformadora. Esse processo é
importante, pois “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no
trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2003, p. 92).
Formar e educar não é negar a subjetividade. Pelo contrário, é criar condições
cabíveis para a construção da subjetividade dos alunos e a dos educadores
também. Cada professor constrói a sua identidade docente, quando soma a sua
formação inicial e continuada com a experiência, sendo, nesses termos, docente.
A escola é uma instituição universal, cuja função social é transmitir e construir
conhecimentos, e se sustenta sob o pressuposto de que todos têm direito à
educação. Nesse espaço de relações humanas, todas as ações precisam de
suporte, apoio e ancoragem. Portanto, o trabalho em equipe e a solidariedade são
elementos imprescindíveis.
No processo de construção, no debate, na garantia de participação e
envolvimento comprometido dos diversos segmentos da escola, oportunizam-se a
todos e a todas reconhecerem “[...] como seres inacabados, inconclusos, em e com
uma realidade, que sendo histórica também, é igualmente inacabada” (FREIRE,
1983, p. 83).
Não há diálogo; porém, “se não há um profundo amor ao mundo e aos
homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação,
se não há amor que a infunda” (FREIRE, 1989, p. 93-94). Sem dúvidas, é preciso
70
que o educador tenha amor à vida, à profissão, à criança em desenvolvimento. É
preciso ter projeto e ter esperança na construção de um futuro melhor.
Acreditamos que todo esse processo amplo de discussão, debate, trocas e
interações, também fazem parte do Currículo da escola. Tal processo também
resulta em aprendizado e, portanto, em desenvolvimento.
Entretanto, o que acontece mais comumente é a inibição da participação, é o
estímulo a ouvir e a obedecer. Desvelamos um autoritarismo que contradiz um
discurso democrático. É a negação da participação e da democracia, e também da
possibilidade do ser humano se realizar como pessoa que decide, que opta, que
participa e interfere. Trata-se de um autoritarismo vergonhoso e contraditório.
Assim, se por um lado a legislação e os discursos inflamados com a ideologia
neoliberal proclamam a democracia como bandeira, por outro, na prática, persiste o
autoritarismo, a imposição, as decisões decretadas como experiências vivas no
cotidiano de nossas escolas.
Por conseguinte, existe a falsa participação, na qual educadores, embora
apresentem discursos progressistas, realizam modelos
[...] rígidos, verticais, em que não há lugar para a mais mínima
posição de dúvida, de curiosidade, de crítica, de sugestão, de
presença viva, com voz, de professores e professoras que devem
estar submissos aos pacotes; dos educandos, cujo direito se resume
em dever de estudar sem indagar, sem investigar, submissos aos
professores; dos zeladores, das cozinheiras, dos vigias que,
trabalhando na escola, são também educadores e precisam ter voz;
dos pais, das mães, que são convidados a vir à escola ou para
festinhas de final de ano ou para receber queixas de seus filhos ou
para se engajar em mutirões para o reparo de prédios ou até para
‘participar’de quotas a fim de comprar material escolar[...] (FREIRE,
2003, p.73-74).
Evidenciamos, desse modo, de “um lado a proibição ou a inibição total da
participação; de outro, a falsa participação” (FREIRE, 2003, p. 74). Conscientes de
tudo isso precisamos, portanto, superar esses dois modelos contraditórios e buscar
a verdadeira participação.
A participação verdadeira, realizada por educadores progressistas e
coerentes com o seu discurso, possibilita o “exercício da voz, de ter voz, de ingerir,
71
de decidir em certos níveis de poder, enquanto direito de cidadania, se acha em
relação direta, necessária, com a prática educativo-progressista[...]” (FREIRE, 2003,
p. 73).
A ideologia neoliberal apresentou um novo conceito de cidadão, definindo-o,
atualmente, pela sua capacidade de consumir os bens materiais e simbólicos que
são produzidos na nova ordem mundial, mediante a introdução de sofisticadas
tecnologias. Por isso, o estímulo ao consumo de luxo e personalizado exige novo
formato das mercadorias para que elas se tornem mais sedutoras.
Entretanto, em uma outra perspectiva, compreende-se que a cidadania não
pode ficar restrita aos direitos do cidadão como eleitor, contribuinte e obediente às
leis, e muito menos pela quantidade e qualidade de produtos que possa consumir.
Assim, a cidadania democrática é ativa e o cidadão exige a igualdade intermediada
pela participação, pela criação de novos direitos, pela possibilidade de intervenção e
decisão, pela conquista de novos espaços e pela possibilidade de novos sujeitos
políticos, novos cidadãos ativos.
Outro aspecto fundamental para a verdadeira cidadania e da democracia na
escola é a tão proclamada autonomia. Esta, tal como a concebe o campo
democrático popular, objetiva contribuir com a capacitação da sociedade civil para
gerir políticas públicas, avaliar e fiscalizar os serviços prestados à população para
tornar público o caráter privado do Estado. Pressupomos que o exercício de uma
Pedagogia da participação popular é capaz de contribuir para a construção de novas
formas de exercício do poder, no terreno da sociedade civil e das ações do Estado.
O exercício da autonomia vai formar habilidades e preparar a sociedade civil
para gerir políticas públicas, fiscalizar e avaliar os serviços prestados à população,
objetivando tornar público o caráter privativo do Estado. Contudo, esta idéia não
pode ser confundida com a de desresponsabilizar o Estado pelos seus
compromissos e deveres com a educação e a dignidade do povo, ou, ainda, com a
privatização geral das escolas.
Como lutar contra o autoritarismo do diretor na escola? Como construir um
espaço escolar que favoreça o debate horizontal, o diálogo aberto entre pais,
professores, governantes e toda comunidade escolar?
72
2.3 Como fazer democracia na escola
Após a divulgação das idéias da Conferência Mundial sobre Educação para
Todos, em Jomtiem, 1990, explicita-se a necessidade de um projeto político
pedagógico para nortear a educação de qualidade, da qual o País muito
carecia/carece.
Toda mudança que visa transformação para melhor, exige planejamento e
ousadia. A escola, como um organismo vivo, é um projeto. Pro-jeto é projetar ações
para realizar mudanças, visando instituir uma nova realidade. A escola com projeto é
uma escola instituinte, em transformação e em construção permanente,
vislumbrando sempre aprimoramento e desenvolvimento.
Assim, o Projeto Político Pedagógico orienta o processo de mudança,
direcionando o futuro pela explicitação de princípios, diretrizes e propostas de ação
para melhor organizar, sistematizar e dar significado às atividades desenvolvidas
pela escola como um todo. Além do mais, a sua dimensão político-pedagógica
pressupõe uma construção coletiva e participativa que envolve ativamente os
diversos segmentos escolares.
Com isso, a gestão escolar dará maior consistência e qualidade ao Projeto
Político-Pedagógico se for, de fato, uma gestão democrática e autônoma. E a escola
atual precisa conquistar e ampliar cada vez mais o seu nível de autonomia. A
autonomia administrativa garante à escola a liberdade para elaborar e gerir os seus
próprios planos, programas e projetos, considerando a sua realidade, o momento
histórico e, principalmente, as suas necessidades.
Nesse contexto, o estilo da gestão escolar, deve ser realmente democrático.
Assim, segundo Veiga (2001a, p. 16), a direção da escola deve funcionar como
coordenadora de um processo que envolve relações internas e externas, envolvendo
o sistema educativo e a comunidade na qual a escola está inserida. Vale ressaltar
que a
autonomia administrativa traduz a possibilidade de a escola garantir
a indicação dos dirigentes por meio de processo eleitoral que
realmente verifique a competência profissional e a liderança dos
candidatos; a constituição dos conselhos escolares com funções
73
deliberativa, consultiva e fiscalizadora; a formulação, a aprovação e
a implementação do plano de gestão da escola. (GADOTTI;
ROMÃO, apud VEIGA, 2001, p. 16-17).
Devemos lembrar que a gestão democrática não se resume em eleições ou
escolha democrática do diretor escolar. É preciso muito mais que isso. Nesse
sentido, dentro da escola, podemos criar conselhos ou grupos que ajudam na
efetivação da democracia na escola. Tais instâncias colegiadas devem fazer parte
do Projeto Político-Pedagógico da escola, conhecer e construir a concepção
educacional que orienta a prática pedagógica.
Acreditamos que quando homens, mulheres e crianças, com diferentes
culturas, valores e experiências de vida, se reúnem, formam um coletivo que pode
se unir ou se aproximar por aspirações e interesses que representam o bem comum.
Assim, a gestão democrática buscará formas de trazer os pais, os alunos, os
professores e demais trabalhadores da escola para discutir os seus projetos e
decidir os seus rumos.
Mas, como se constrói uma escola verdadeiramente democrática e
autônoma? Sabemos que em uma escola democrática, torna-se pertinente “criar
órgãos de gestão que garantam, por um lado, a representatividade e, por outro, a
continuidade e conseqüentemente a legitimidade” (VEIGA, 2001, p. 115).
Dentre esses órgãos colegiados, podemos incentivar na Escola a instituição
do Conselho Escolar, do Conselho de Classe, da Associação de Pais e Mestres e do
Grêmio Estudantil.
O Conselho Escolar ou o Colegiado Escolar, segundo Veiga (2001, p. 115) “é
concebido como local de debate e tomada de decisões”. E o espaço de discussão,
de reflexão e de debate favorece a todos os segmentos presentes na escola –
professores, funcionários, pais e alunos – a explicitação de seus interesses, suas
crenças e reivindicações. O Conselho (ou Colegiado) é, então, um canal de
participação e também instrumento de gestão da própria escola. Nesse sentido, o
Conselho Escolar deve incentivar a comunicação ampla e a participação nas
decisões sobre questões importantes e que estão inter-relacionadas na escola, tais
como currículo, qualidade de ensino, inclusão, sucesso escolar, dentre outros.
Ressaltamos, igualmente, a importância do Colegiado Escolar na construção coletiva
do Projeto Político-Pedagógico – posto que participa de sua elaboração, aprovação,
74
acompanhamento e execução – fazendo com que esse documento realmente seja
significativo para a vida e o direcionamento dos rumos da escola.
Lima (2002, p. 61) refere-se ao artigo 8 do Regimento Comum da Secretaria
Municipal de São Paulo, na gestão da Heloísa Erundina, tendo como Secretário da
Educação o Educador Paulo Freire (1989-1993), o qual expressava que a “gestão da
escola será desenvolvida de modo coletivo, sendo o Conselho da Escola a instância
de elaboração, deliberação, acompanhamento e avaliação do planejamento e do
funcionamento da Unidade Escolar”.
A gestão acima citada é um modelo pioneiro de busca de democratização do
espaço escolar. O modelo que se pretende implantar no cotidiano das escolas fica
estabelecido no Regimento Escolar.
Nesse mesmo sentido, também a LDB (9394/96), no Art. 14, afirma que
Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática
do ensino público na educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes.
Mesmo existindo a Lei, por muito tempo o Colegiado configurou-se apenas
como um órgão consultivo, no qual o próprio nome já explicita a idéia de que ele não
toma decisões, mas apenas é consultado sobre os problemas da escola. E, nesse
prisma, o Colegiado passava a discutir mais questões burocráticas, endossar
prestações de contas, confirmar decisões já realizadas pela direção.
Contudo, avançando para uma idéia de colegiado mais ampla e moderna,
este se tornou deliberativo, podendo (e devendo), a partir daí, definir diretrizes,
elaborar projetos, aprovar questões, decidir sobre os problemas da escola, indicar
profissionais para frentes de trabalho, garantir o cumprimento das leis, eleger
pessoas e deliberar questões da Escola. Dessa forma, o Colegiado deliberativo
possui maior força de atuação e poder na escola.
Em um relato de Paulo Freire, quando se indaga a uma mãe sobre a
importância do Colegiado escolar, ela reafirma o seu valor dizendo que é
75
[...] bom porque em parte a comunidade pode saber como a escola
é por dentro. O que é feito com nossos filhos, a utilização do
dinheiro. Antes, a comunidade ficava do portão para fora. Só
entrávamos na escola para saber das notas e reclamações dos
filhos. Era só para isso que, antigamente, os pais eram chamados –
ou para trazer para as festas um prato de quitute. (FREIRE, 2003,
p. 76).
Sabemos que, tradicionalmente, as famílias eram chamadas na escola
apenas para receber admoestações sobre os filhos, estar cientes das notas, para
ajudar na organização de festas e também levantar recursos para atender
prioridades da escola, decididas por outros e que até desconhece.
Diferentemente dessa concepção, compete ao Colegiado discutir a proposta
pedagógica da escola, a qualidade de ensino, o Currículo, apontar falhas e buscar
soluções conjuntas para os problemas.
Como a democracia necessita de aprendizado, a gestão democrática da
escola deve buscar, criativamente, variadas formas de incentivar os pais, as mães,
os alunos e as alunas a sentirem-se motivados a participar do Colegiado.
Outra instância colegiada é o Conselho de Classe. Segundo Dalberio;
Paroneto (2006), o Conselho de Classe muitas vezes é compreendido e utilizado
equivocadamente, contendo, em sua função, diversas contradições. Quando
acontece só uma troca de informações sobre notas, valorizando os aspectos
quantitativos e decidindo sobre as reprovações, fica muito limitado e não cumpre o
seu papel. Por isso, o Conselho de Classe deve representar um apoio, uma
estratégia de ação, um momento de reflexão, avaliação e auto-avaliação, na qual
todos se reúnem tendo em vista a melhoria nos resultados do processo de ensino.
Interessa, então, saber como se desenvolve o trabalho pedagógico escolar,
e como fazer para que se alcance mais êxito, beneficiando sempre o aluno no seu
processo de desenvolvimento e de aprendizagem. Portanto, o Conselho de Classe
deve se preocupar em como acontece o processo ensino-aprendizagem, conduzindo
à avaliação da aprendizagem do aluno, mas também do trabalho do professor e da
equipe escolar como um todo.
76
Sabemos que, com freqüência, a comunidade tem apresentado uma
participação tímida na escola
10
, não compartilhando com sua vida, nem comungando
com seus problemas e nem mesmo interferindo com sugestões, cobranças ou ações
em prol da sua melhoria. No início, a participação dos pais pode ser retraída, porque
desconhecem as questões educacionais, teóricas e pedagógicas e mesmo não
apresentam uma clareza devida sobre o seu papel de cidadão. Contudo, por certo
não terão dificuldades para discutir sobre o modo como os professores estão se
relacionando com seus filhos, sobre a forma como a escola trata a questão
disciplinar, sobre a existência ou não de atividades extra-classe, aulas passeios,
promoção de semana cientifica, sobre o número de paralisações dos professores, do
interesse de seus filhos pela escola, sobre as dificuldades que eles apresentam em
participar da gestão da escola, sobre o aproveitamento de seus filhos, dentre outros.
Assim, faz-se necessário abrir as portas para a Comunidade e começar a
construir um País mais justo e democrático. Por isso, a instituição Associação de
Pais e Mestres torna-se oportuna para incentivar as famílias a participarem da
escola; não se trata só de organização de festas ou participação mediante trabalho,
mas discutindo, refletindo e buscando soluções para os problemas e questões
escolares. Mas, para tanto, é preciso dar oportunidade aos pais para que participem
do cotidiano escolar, esclarecê-los e convencê-los da importância de sua
participação interventiva.
Por último, o Grêmio Estudantil representa outra organização colegiada que
deve ser incentivada na escola. Os alunos não podem constituir-se como meros
consumidores de um saber compartimentado e descontextualizado. A escola existe
para ele, para a sua boa formação em todos os aspectos. O estudante precisa
aprender também a ler criticamente o seu mundo, conhecer e reivindicar seus
direitos, cumprir conscientemente os seus deveres e aprender a ser cidadão.
Percorrendo a história, verificamos que os movimentos estudantis foram
interrompidos e desestimulados pelo autoritarismo que se implantou na sociedade
brasileira, a partir de 1964, especificamente pela Ditadura Militar. Entretanto, a Lei
Federal n. 7.398/85 garante aos estudantes o direito de criarem e organizarem o
grêmio estudantil, como entidade representativa de seus direitos e interesses.
10
Esse tema será melhor discutido adiante, no Capítulo IV, com o subtítulo “O PPP como instrumento de
participação coletiva: o papel da família na escola”.
77
Além do mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito à
participação dos alunos. Padilha (2005, p. 74) reafirma que “Eles devem ser ouvidos
em todos os assuntos que lhes dizem respeito”.
É importante ressaltar o grêmio como entidade representativa, e como tal
deve ser garantida, ao aluno, a participação no processo de construção do Projeto
Político-Pedagógico. Assim, o grêmio deve ser visto como um hábito saudável de
reflexão e participação política, favorecendo o amadurecimento dos educandos
frente aos seus problemas e à experiência democrática, formando, desse modo,
verdadeiros cidadãos. Ressaltamos que um grêmio participativo e dinâmico pode
promover campeonatos, excursões, bailes; organizar debates para discussões de
temas interessantes; confeccionar jornal do Grêmio; eleger Grêmio Júnior, dentre
outros.
Sabemos, entretanto, que há os entraves, os obstáculos, a ausência de
mobilização da comunidade, os reflexos de uma cultura opressora e, por isso, a
inércia, a passividade diante da estrutura que bloqueia e não estimula o
desenvolvimento da participação. Mas, acreditamos que a pela sua forma de gerir,
experimentando e vivenciando a democracia, a própria escola, na interação com a
comunidade, conseguirá mudar mentalidades oprimidas e despertar os sujeitos
históricos e ativos, que se encontram adormecidos em cada cidadão.
A histórica cultura de submissão, em nosso país, e a herança da ditadura
ainda estão vivas, explícitas nas atitudes de resistência entre diretores, professores,
pais de alunos, dentre outros. Além disso, a cultura brasileira herdou e carrega
consigo um ranço de autoritarismo, explicitados em toda a sua história política.
Contudo, a escola precisa encontrar uma forma de educar para a cidadania e para a
autonomia.
No lugar da democracia plena, sabemos que ainda existe um poder sutil, mas
atuante, nas relações escolares. Nesse sentido, retomamos Foucault (2007, p. 71),
que discute as relações de poder e, a propósito, afirma: “existe um sistema de poder
que barra, proíbe, invalida esse discurso sobre o saber. Poder esse que não se
encontra somente nas instâncias superiores de censura, mas que penetra muito
profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade”.
Por isso, retomamos o educador Paulo Freire (1996, p. 26) que nos diz que o
“educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente,
reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão”. O
78
educador diz, de igual modo, que para se aprender criticamente, exige-se a
“presença de educadores e educandos criadores, instigadores, inquietos,
rigorosamente curiosos, humildes e persistentes” (FREIRE, 1996, p. 26). Só assim é
possível formar sujeitos conscientes, autônomos, que saibam ler as palavras, e,
sobretudo, o mundo ao seu redor. Assim, saber interpretar as leis e os discursos
pelo que dizem, e também pelo que não dizem.
Destacamos que, na visão de Padilha (2005), todos devem participar,
inclusive as associações de bairro, entidades comunitárias e as ONGs. Todos
podem construir parcerias com a escola, integrando suas atividades às atividades
curriculares e extra-escolares. Pois, a
[...] a participação de todos os segmentos escolares e comunitários
se refere às diferentes dimensões do trabalho escolar e comunitário,
passando pelas decisões financeiras/orçamentárias (por exemplo,
optando pelo regime de Ciclos e do que chamamos de avaliação
dialógica continuada), ou administrativas/de gestão (por exemplo,
pela iniciativa da reorganização coletiva e democrática dos
colegiados escolares). (PADILHA, 2005, p. 74).
Sabemos que o colegiado escolar ainda constitui-se como um canal de
participação muito limitado. Comumente, notamos a presença de representantes da
comunidade escolar nas reuniões; entretanto, essa participação ainda aparenta ser
apática, submissa e indiferente. Por isso, os órgãos colegiados devem “desencadear
um movimento no sentido de organizar o trabalho pedagógico com base na
concepção do planejamento participativo e emancipador”. (VEIGA, 2001, p. 124).
Acreditamos, por conseguinte, que a escola de hoje precisa articular-se para
formar cidadãos aptos ao questionamento, à problematização, à tomada de
decisões, buscando soluções individuais e para a comunidade onde se vive.
Quando todos participam, o envolvimento e o comprometimento de todos se
amplia. Descobrem que têm uma causa em comum, comprometem-se com a vida
dos educandos e com o futuro da escola. Assumem responsabilidades com as
mudanças. Por isso, precisa haver liberdade para um cada falar, posicionar-se,
participar como sujeito ativo. Para tanto, faz-se imprescindível a instauração da
Constituinte Escolar como um movimento amplo de participação ativa da
79
comunidade escolar, na qual todos – pais, alunos, trabalhadores em educação,
representantes da comunidade/bairro – tenham direito à voz, ao voto e à
interferência nas decisões.
Nesse prisma,
é preciso e até urgente que a escola vá se tornando em espaço
escolar acolhedor e multiplicador de certos gostos democráticos
como o de ouvir os outros, não por puro favor, mas por dever, o de
respeitá-los, o da tolerância, o do acatamento às decisões tomadas
pela maioria a que não falte contudo o direito de quem diverge de
exprimir sua contrariedade. (FREIRE, 1993, p. 89).
Ressaltamos que, no processo de discussão favorecido pela gestão
democrática no processo de construção do Projeto Político-Pedagógico, acontece o
repensar sobre a prática; os atores se descobrem como sujeitos de uma prática
intencionada, com oportunidade de combinar fazer pedagógico e reflexão. Pensar
sobre a prática implica buscar alternativas para mudanças, tomar decisões para a
inovação da prática educacional. Nesse sentido, a ação pedagógica poderá se
consolidar realmente em uma práxis transformadora.
Cabe-nos, agora, distinguir a democracia em nível do sistema educacional e,
mais especificamente, a democracia na escola. Paulo Freire propôs a democracia
na escola, local onde pudessem participar os educadores em geral, tais como o
quadro administrativo, os pais, os alunos, todos e todas que estivessem envolvidos
no processo educacional e a quem interessasse uma escola com maior qualidade
11
.
Participar como sujeito que ouve, reflete, interage, sugere, interfere, questiona, opina
e, conseqüentemente, modifica os rumos da escola. A democracia pressupõe se co-
responsabilizar com os compromissos assumidos, e exige acompanhamento,
fiscalização e avaliação das ações.
Segundo Lima (2002), a educação que conduz à cidadania democrática não é
algo restrito à escola ou aos atores escolares, nem é algo curricularizável e avaliável
ao estilo escolar convencional. Assim, a educação democrática é uma invenção
social que exige um saber político, gestando-se na prática de por ela lutar, refletir e
refazer. É um processo contínuo, sempre em construção, que exige engajamento,
discernimento político, coerência e decisão.
11
Adiante, nesta seção, discorreremos sobre o conceito de qualidade da educação que foi adotado nesta pesquisa.
80
Contudo, a escola, da forma como está estruturada, não tem educado e dado
exemplos vivos de democracia. Evidenciamos que o que vivemos na escola e na
sociedade permanecem como relações nas quais impera o poder de uns poucos
sobre muitos. Mediante o discurso da democracia, o exercício do poder é sutil, pois
se trata de
[...] alguma maneira de uma microfísica do poder posta em jogo
pelos aparelhos e instituições, mas cujo campo de validade se
coloca de algum modo entre esses grandes funcionamentos e os
próprios corpos com sua materialidade e suas forças. (FOUCAULT,
1998, p. 26).
Portanto, as relações de poder, mesmo sutis ou até invisíveis para alguns,
mas, ao mesmo tempo penosas para outros, continuam vivas e atuantes. Faz parte
de nossa cultura como também são resquícios da ditadura. É um problema que
precisa ser superado nas relações humanas.
Estamos diante de um impasse e de um grande desafio: construir uma escola
de qualidade que possa, de fato, cumprir sua função e abrir caminhos para uma
sociedade mais harmoniosa e inclusiva.
2.4 A escola pública popular tem que ter qualidade de ensino
Nossa preocupação, nesta seção, é a escola pública, a mesma que acolhe
principalmente os educandos das classes menos favorecidas, aqueles que vêem na
escola uma possibilidade de se instrumentalizar e se preparar para garantir um
futuro melhor.
Mas, e as escolas públicas, destinadas às classes menos favorecidas, como
se encontram dentro dessa sociedade capitalista, desigual e excludente?
E o conhecimento científico, a educação e, especificamente, as escolas,
poderão contribuir com a construção de um mundo melhor?
81
É evidente que a globalização está influenciando os sistemas educacionais e
que a educação está mudando e tem de mudar muito mais, para dar respostas às
circunstancias novas advindas das políticas neoliberais.
A realidade brasileira reflete a exclusão social e educacional. As escolas
públicas do Ensino Fundamental atendem à maioria, recebendo a matrícula
daqueles que a procuram. O que se anuncia é que há vagas para todos. Contudo,
percebemos que falta a tão proclamada qualidade de ensino para todos. A escola
não tem conseguido cumprir a sua função de ensinar à diversidade de alunos
presentes no seu cotidiano.
Em relato de sua experiência na Secretaria de Educação de São Paulo, Paulo
Freire afirmou que a escola, para ser prazerosa, deve ser atraente e gostosa de
ficar, evitando-se o desânimo, a falta de entusiasmo, o descompromisso com a
aprendizagem e, conseqüentemente, a evasão escolar e a repetência. Assim, as
paredes, as portas, as carteiras escolares, tudo deve ser bem cuidado, cheio de zelo
e boniteza. Freire diz ainda que “precisamos demonstrar que respeitamos as
crianças, suas professoras, sua escola, seus pais, sua comunidade, que
respeitamos a coisa pública, tratando-os com decência” (FREIRE, 2005, p. 34). Não
podemos falar de princípio e valores se a escola estiver suja, invadida de água, de
vento frio, de sujeira, pois o “ético está muito ligado ao estético” (FREIRE, 2005, p.
34).
Com a abertura da escola como direito de todos os cidadãos, nos últimos 30
anos, aumentou consideravelmente o número de vagas nas escolas, e essa passa
de seletiva para democrática. Cresce o número de alunos e, conseqüentemente, a
diversidade
12
de educandos no interior das escolas. E para atender a toda essa
diversidade de alunos, fazem-se necessários muitos ajustes, investimentos,
mudança de valores, de planejamento, de formas e muito mais. É uma nova e
desafiante realidade.
A idéia de diversidade trouxe a obrigação do reconhecimento de que não há
mais homogeneidade na escola. Antes, na escola tradicional, os papéis dos
educadores eram/são prescritos. Ensinava-se de uma única maneira, para todos,
12
Por diversidade entendemos o conjunto de todas as crianças matriculadas e inseridas nas escolas, pertencentes
a diferentes etnias, raças, culturas, religiões, histórias de vida, sexo etc. Crianças, portanto, diferentes em sua
constituição, formação, crenças, modos de ver o mundo e, conseqüentemente, de aprender e se desenvolver.
Exploraremos mais este tema no Capítulo 4, item 4.2, detendo-nos na importância da “formação docente para
diversidade docente”.
82
supondo que todos aprendessem no mesmo tempo e no mesmo espaço. Agora, o
professor está diante de algo que não conhece, o que representa um grande
desafio.
Destarte, Rios (2003, p. 43) afirma que diante deste “mundo complexo,
também se tornam mais complexas as tarefas dos educadores. Como voltar-se
criticamente para a realidade, como definir os caminhos do conhecimento, da
aprendizagem, em última instância, da construção do humano, de sua afirmação?”
Nessa sociedade em que impera a desigualdade, há um sistema escolar
desigual e contraditório, que se materializa na organização do sistema de ensino
dual, formado de um lado por escolas de má qualidade, com infra-estrutura inferior,
carga horária restrita, com professores com formação insuficiente, com ênfase à
formação da mão-de-obra especializada para atender ao mercado de trabalho; e de
outro, escolas particulares, bem estruturadas e equipadas, com professores
especializados que oferecem os cursos propedêuticos e, por isso, garantem o
ingresso nas Universidades Públicas de boa qualidade.
O tema da qualidade de ensino já se fazia presente na antiguidade grega,
constituindo-se como uma das preocupações daquela civilização. No período áureo
da filosofia iluminista, na nascente modernidade, o pensador Locke, no século XVIII,
chegou a classificar a qualidade, evidenciando as diferenças que ela é capaz de
comportar. Nesse sentido, a história nos mostra que a qualidade não é um tema
inscrito na contemporaneidade e que vem acompanhando a trajetória da
humanidade e assumindo diversos formatos e significados, nas diversas formações
sociais que o mundo conhece. É preciso, então, contextualizar a qualidade na
história, no tempo e no espaço.
Assim, a preocupação com a qualidade de ensino e as pesquisas sobre os
resultados da educação são antigas. Bárbara Freitag (1980, p. 61) já apontava que
de
[...] 1.000 alunos que em 1960 ingressaram no primeiro ano
primário, somente 466 atingiram a segunda série primária. Na quarta
série ainda restavam 239. Dessas, somente 152 ingressaram em
1964 no ensino ginasial, 91 alcançaram a quarta série e 84 o último
ano do colégio. Dos 1.000 alunos iniciais em 1960, somente 56
conseguiram alcançar o primeiro ano universitário em 1973. Isso
significa taxas de evasão de 44% no primeiro ano primário, 22% no
83
segundo, 17% no terceiro. A elas se associam taxas de reprovação
que entre 1967 e 1971 oscilavam em torno de 63,5%.
A autora justifica a situação caótica da educação nessa época, atribuindo-a
aos sistemas rígidos de avaliação classificatória, aos currículos inadequados, aos
professores mal preparados, aos parcos equipamentos e à falta de infra-estrutura
para condições dignas do trabalho docente.
Entretanto, duas décadas depois disso, Silva; Vizim (2001, p. 30) denunciam
que em “São Paulo, o estado mais rico do país, a maioria dos jovens de 18 a 24
anos (56,2%) está fora da escola, sendo que destes, 44,3% não completaram o
ensino fundamental”.
Mais recentemente, os resultados da pesquisa realizada pelo Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), em 2003, apontam que a qualidade da
educação pública apresenta índices ainda bastante insatisfatórios. A pesquisa
constatou, por exemplo, que, em média, “os alunos de 4ª série se atrapalham ao
interpretar textos longos ou com informação científica e não conseguem ler horas em
relógios de ponteiros. Também não conseguem fazer operações de multiplicação
com números de dois algarismos” (SANDER, 2006).
Os dados estatísticos, resultados das pesquisas, mostram que a escola não
tem conseguido cumprir integralmente a sua função social. E aqueles que fracassam
na escola são aqueles que justamente mais precisam dela. São os filhos das classes
subalternas que teriam nesta uma chance de ascender socialmente, e, mais
importante que isso, recordando Paulo Freire, aprender a “ler o mundo” de forma
crítica e a tornar-se sujeito com autonomia para construir e transformar a sua própria
história.
Se a escola não cumpre a sua função, acaba funcionando como aparelho
ideológico do estado – AIE
13
– como denunciou Althusser (apud FREITAG, 1980, p.
35), servindo de instrumento para a manutenção e a preservação do status quo.
Pois, a “reprodução da ideologia vem a ser uma condição sine que non da
reprodução das relações materiais e sociais de produção. A escola, como AIE mais
13
Bárbara Freitag, em seu livro Estado, Escola e Sociedade (1980, p. 34-36), relembra a tese de Althusser sobre
as escolas representarem Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) por difundirem a ideologia dominante e
colaborarem com a manutenção do status quo, ou seja, a perpetuação da classe dominante e, conseqüentemente,
das desigualdades sociais.
84
importante das sociedades capitalistas modernas, satisfaz plenamente essa função”
(FREITAG, 1980, p. 34-35).
Contudo, sabemos que a escola não é a única causa da alienação ou
produção da falsa consciência, nem o único veículo de perpetuação das relações de
desigualdade. Mas, será que a maioria dos professores tem consciência disso? Os
menos esclarecidos representam aqueles com uma visão mais estreita do mundo,
não passando de meros reprodutores, submissos ao sistema existente e que
acabam contribuindo com a política neoliberal.
Dessa forma, a escola acaba reproduzindo a exclusão social, criando vítimas
do sistema capitalista excludente. Sem o domínio dos conteúdos científicos
historicamente acumulados, de forma compreensiva, clara, interdisciplinar e
contextualizados, o filho da classe operária torna-se um indivíduo com poucas
condições de concorrer a uma vaga no competitivo mercado de trabalho. Torna-se,
desse modo, um sujeito com poucas chances de viver dentro dos padrões de
dignidade, tornando-se um candidato à exclusão social.
Diante do exposto, percebemos que a preocupação com a qualidade do
ensino não é recente. E por que não conseguimos avançar? Por que diante de tanto
progresso e evolução da ciência, ainda hoje falta qualidade no ensino? E o que se
entende por qualidade de ensino?
Existem diferentes conceitos para qualidade de ensino.
Na escola tradicional de décadas atrás, era muito mais seletiva, e os alunos
que freqüentavam a escola pública eram os filhos da elite. Nesse prisma, o seu
objetivo era formar líderes e também preparar os jovens para o ingresso na
universidade. Atualmente, a escola pública democratizou suas vagas, trazendo os
filhos das classes desprovidas de riquezas para o seu interior. Entretanto, os
objetivos do trabalho pedagógico continuam muito parecidos com o da escola
tradicional. Tais objetivos restringem-se a preparar para o trabalho, para o ingresso
na universidade, garantir aprovação nos exames, dentre eles o fadado vestibular.
Por isso, Paro (2007) denuncia a “falta de objetivos socialmente relevantes e
humanamente defensáveis a dirigir a ação escolar”, e a competência da ação
escolar fica restrita à sua capacidade de garantir a aprovação dos alunos nos
exames; é a cultura do mero treino para “tirarem boas notas”.
Nesse sentido, Lobrot (1992) afirma que a escola atual não nos desperta para
o desejo de conhecer, para a sede pela sabedoria. A nossa cultura escolar faz com
85
que as notas, as promoções em série, os diplomas, os certificados, sejam
valorizados no lugar do verdadeiro conhecimento. A sede pelo saber nos conduziria
à busca pelo conhecimento, tendo-o como valioso e inesgotável. A sabedoria, assim,
seria o foco e a meta.
Ainda, nesse prisma, Lobrot (1992) afirma que a escola é monótona, chata,
sem cor e não dá prazer ao aluno. Além do mais, é castradora e repressiva. Cita
como exemplo a ordem de que o aluno
[...] produza um fenómeno muito importante, e ver-se-á que se
produz, com uma freqüência variável. O aluno tem vontade de fazer
outra coisa, quero dizer algo que não o contacto com essa fonte de
informação e obriga-se a fazê-lo. Chame-se A ao acto que ele teria
vontade de praticar, por exemplo falar com os colegas, brincar,
sonhar, escrever uma carta pessoal, realizar uma outra actividade
escolar e, B, à actividade escolar que é imposta, por exemplo, um
exercício de matemática. Para este preciso aluno, o facto de
realizar-se A, não é, necessariamente em si, um acto penoso e
doloroso; eventualmente pode mesmo constituir uma fonte de
prazer. No entanto, torna-se penoso e doloroso apenas porque
impede a realização de uma outra actividade, desejada e desejável.
B, torna-se uma fonte de frustração. E apesar de ser
recompensado, pelo conjunto de vantagens que são oferecidas se
ele for efectuado, continua a ser extremamente penoso devido à
experiência verdadeiramente sentida que provoca. (LOBROT, 1992,
p. 47, 48).
Tal situação ilustra como a criança aprende a se afastar das atividades,
entregando-se a uma tarefa, participando de uma experiência infeliz. Por isso, as
crianças desenvolvem as atividades sem prazer, por obrigação.
Para Saviani, a escola de qualidade vai garantir a aquisição dos conteúdos
vivos e atualizados aos alunos das classes menos favorecidas, pois para a escola
tem de ser mesmo de qualidade, uma vez que “[...] o dominado não se liberta se ele
não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os
dominantes dominam é condição de libertação” (SAVIANI, 2005, p. 55). O autor
destaca a idéia de que precisamos defender o “aprimoramento exatamente do
ensino destinado às camadas populares. Essa defesa implica na prioridade de
conteúdo” (SAVIANI, 2005, p. 55). Concordamos que o conteúdo é importante,
86
entretanto, não devemos valorizar o conteúdo que é da elite, como único válido para
o domínio do excluído, para sua libertação.
Nesse sentido, é inadmissível valorizar apenas conteúdos e líderes que vêem
de fora, para impor um saber e uma estratégia salvadora àqueles que se encontram
na opressão. Pois, se por um lado os oprimidos estão oprimidos porque não sabem,
por outro, não poderão ser libertados e ascenderem socialmente, somente se vierem
deter o conhecimento dos opressores. Aprender conteúdos de forma mecânica não
colabora com o desenvolvimento do pensamento crítico, tampouco com a formação
do cidadão livre e autônomo. Assim, temos de cuidar para que o conceito de
qualidade concebido não seja preconceituoso e seletivo, pois pode estar valorizando
apenas o conhecimento de uma determinada e privilegiada classe.
Em outro prisma, a qualidade, de acordo com a perspectiva do programa da
Qualidade Total
14
(QT), tem como sinônimo a competência que se verifica na prática
profissional, cuja intencionalidade traz a marca dos valores neoliberais. Daí, para ser
de qualidade, deve ser produtivo e lucrativo, dentro de uma visão empresarial
capitalista.
Dentro do mesmo sentido, encontramos ainda nos PCN/Ensino Médio, que
afirma:
[...] A nova sociedade, decorrente da revolução tecnológica e seus
desdobramentos na produção e na área da informação, apresenta
características possíveis de assegurar à educação uma autonomia
ainda não alcançada. Isso ocorre na medida em que o
desenvolvimento das competências cognitivas e culturais exigidas
para o pleno desenvolvimento humano passa a coincidir com o que
se espera na esfera da produção. (BRASIL/MEC, 1999, p. 25).
Há, sem dúvidas, uma referência à qualificação e espera-se um profissional
qualificado para atender ao mercado de trabalho. É, portanto, o mesmo discurso da
Qualidade Total, identificando-se com as idéias de competitividade e de adequação
14
O Programa de Qualidade Total teve seu início em empresas do Japão, na década de 1950, e traz uma proposta
denominada “novo paradigma” em administração, tem sido implantada em organizações do mundo inteiro. As
palavras de ordem do programa são: eficiência, controle, competitividade. Procurando ir além da administração
de caráter taylorista, que privilegia a produtividade centrada na quantidade de trabalho, instala-se a palavra de
ordem da qualidade, cujo significado “deve ser buscado fundamentalmente na conformidade dos produtos com
os objetivos e características das organizações e de seus processos de produção, [...] no pleno atendimento das
necessidades de seus clientes” (MEZOMO, 1995, p. 160, apud RIOS, 2003, p. 72).
87
aos critérios da racionalidade econômica e mercadológica. É competente aquele que
produz muito e, conseqüentemente, dá lucro. Por isso, o conceito de competência
carrega em si uma compreensão ideologizante, que pode conduzir o trabalho
pedagógico a um novo tecnicismo.
Contudo, acreditamos que não podemos reduzir a qualidade de ensino ao
paradigma tecnológico e/ou atrelar a escola ao setor produtivo, renunciando à sua
função fundamental que é a formação integral do homem.
Endossamos a idéia de Costa; Silva (1996), que denunciam a adesão à
proposta da qualidade total por alguns educadores brasileiros, inclusive alguns que
proclamam um discurso progressista, concebendo esta tese como um grande
equívoco. Falta-lhes uma profunda reflexão filosófico-sociológica que lhes permita
situar o projeto da qualidade total nos marcos da relação educação x sociedade no
modelo capitalista de produção, no sentido de apreender a lógica que lhe dá
sustentação. Completam os autores que
Transvestida daqueles valores defendidos por uma educação que se
coloca a serviço do projeto de transformação social, a exemplo do
espírito de equipe, de cooperação, de solidariedade, do sentimento
de pertença, a qualidade total, põem em jogo as possibilidades de
uma prática educativa comprometida com o projeto dos excluídos.
(COSTA; SILVA, 1996).
Nesse sentido, Rios (2003, p. 81) critica essa idéia dizendo que “[...] o
desenvolvimento da competência conduz à formação de um indivíduo qualificado”.
Na visão da autora, o que se busca para uma sociedade não é uma educação de
qualidade total, visando apenas quantidade, dentro de uma visão empresarial. O que
se busca, antes, para uma sociedade democrática é “[...] uma educação da melhor
qualidade, que se coloca sempre à frente, como algo a ser construído e buscado
pelos sujeitos que a constroem” (RIOS, 2003, p. 74).
Em uma outra vertente, podemos buscar o conceito de qualidade a partir de
uma perspectiva crítica e dialética, associando o conceito de qualidade ao de
democracia, em uma proposta em que a qualidade é adjetivada de “social”, sendo
indicadora de presença, na escola pública, de uma “sólida base cientifica,
formação crítica de cidadania e solidariedade de classe social” (CORTELLA,
88
1998, p. 15, grifos do autor). Desse modo, qualidade e democracia estão
intrinsecamente relacionadas e complementam-se mutuamente.
Arroyo (apud Rios, 2003, p. 74) acrescenta a idéia de qualidade “sócio-
cultural” que passa pela “construção de um espaço público, de reconhecimento de
diferenças, dos direitos iguais nas diferenças” e, contemporaneamente, “renovação
dos conteúdos críticos e da consciência crítica dos profissionais”, pela “resistência a
uma concepção mercantilizada e burocratizada do conhecimento”, pelo “alargamento
da função social e cultural da escola e intervenção nas estruturas excludentes do
velho e seletivo sistema escolar”.
Mas, qual é a função social da escola? Segundo Rios (2003, p. 91), “é tarefa
da escola desenvolver capacidades, habilidades e isso se realiza pela socialização
dos conhecimentos, dos múltiplos saberes”. Por isso, os conteúdos transmitidos,
construídos ou socializados na escola têm de ter sentido para a construção do ser
humano, mais comprometida com o desenvolvimento humano.
Para Lobrot (1992, p. 16), o sucesso escolar é condicionado pela cultura da
família, de modo que “quando as crianças modernas aprendem a ler é porque vivem
num meio em que se dá importância à leitura”. Assim, o sucesso escolar é
condicionado pela cultura de origem e que é oficialmente rejeitada e constantemente
desfigurada pelos processos psicológicos escolares, considerando a forma em que
está estruturada a escola. A escola atual favorece o desenvolvimento e o
aprendizado da elite, que já possui toda uma estimulação e um modelo de cultura
que lhe é familiar.
Portanto, é importante que a escola pública tenha qualidade de ensino
adequado, que atenda às suas necessidades. Necessita, sobretudo, ser atraente,
despertar sentidos e interesses. Pois, talvez seja a única chance das populações
subalternas se desenvolverem no processo de aprendizagem, para inserirem-se em
contextos que as tornem cientes de seus direitos e se libertarem da ignorância e da
opressão. Por isso, precisamos nos comprometer com essa causa. Portanto, a
escola pública precisa oferecer-lhes o melhor ensino, pois o domínio do
conhecimento conduz à autonomia e representa um instrumento de libertação para
os oprimidos.
Entretanto, não podemos supervalorizar os conteúdos endossados pela
pequena elite burguesa e nem pressupor que a classe menos favorecida precisa de
um “salvador” para libertá-la da opressão.
89
Em sua experiência como Secretário da Educação na Prefeitura de São
Paulo, o educador Paulo Freire publicou no diário Oficial de São Paulo, em 01 de
fevereiro e 1989, a definição da escola pública popular com o título “Aos Que Fazem
a Educação Conosco em São Paulo”, com os seguintes dizeres:
A qualidade dessa escola deverá ser medida não apenas pela
quantidade de conteúdos transmitidos e assimilados, mas
igualmente pela solidariedade de classe que tiver construído, pela
possibilidade que todos os usuários da escola – incluindo pais e
comunidades – tiverem de utilizá-la como um espaço para a
elaboração de sua cultura. (FREIRE, 2005, p. 15-16).
A concepção de Freire sobre a escola pública popular é o de uma escola
aberta, na qual os pais não vão apenas receber repreensões, advertências,
reclamações ou trabalho; antes, se dirigem a ela como um espaço para participação
coletiva, que possibilita somar diversos saberes e experiências, e, nesse sentido,
consideram as necessidades e desejos da comunidade escolar. Tal participação
popular favorece a criação de culturas e fornece instrumentos para que cada um
seja sujeito ativo da construção da sua própria história, discutindo, interagindo,
opinando, intervindo e aprendendo a exercer a sua cidadania.
É importante ressaltar que a Educação Popular não é homogênea nem em
suas práticas e nem tampouco em suas concepções, por isso é fundamental o
esclarecimento de que Freire refere-se a Educação Popular a partir de uma linha
progressista e democrática, superando
[...] o que chamei, na Pedagogia do Oprimido, ‘educação bancária’,
tenta o esforço necessário de ter no educando um sujeito
cognoscente, que por isso mesmo, se assume como um sujeito em
busca de, e não como a pura incidência da ação do educador.
(FREIRE, 2001, p. 28).
Diante do exposto, a Educação Popular deve possibilitar a compreensão de
que os homens e as mulheres são sujeitos fazedores da história, ou sujeitos
históricos, que não apenas adaptam-se à realidade e ao mundo, mas a fazem e a
90
refazem sempre considerando um processo contraditório e de busca de sua
humanização e libertação.
O projeto de educação popular idealizada por Freire, nesse prisma, é crítico-
libertador, na direção da construção de uma Educação Pública Popular e
Democrática. Tal opção inclui “o sonho de mudar a cara da escola. O sonho de
democratizá-la, de superar o seu elitismo autoritário, o que só pode ser feito
democraticamente” (FREIRE, 2001, p. 74).
Nesse sentido, Freire (2001, p. 127) reafirma a idéia de que
[...] é absolutamente impossível democratizar a nossa escola sem
superar os preconceitos contra as classes populares, contra as
crianças chamadas “pobres”, sem superar os preconceitos contra
sua linguagem, sua cultura, os preconceitos contra o saber com que
as crianças chegam à escola. Sem abrir a escola à presença
realmente participante dos pais e de sua própria vizinhança nos
destinos dela. [...]. Participar é discutir, é ter voz, ganhando-a, na
política educacional das escolas, na organização de seus
orçamentos. Sem uma forte convicção política, sem um discurso
democrático cada vez mais próximo da prática democrática, sem
competência científica nada disto é possível.
Freire (2005, p. 19), em outro espaço, reafirma sua definição para a Educação
Popular dizendo que a
[...] educação popular como esforço de mobilização, organização e
capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica.
Entendo que esse esforço não se esquece, que é preciso poder, ou
seja, é preciso transformar essa organização do poder burguês que
está aí, para que se possa fazer escola de outro jeito.
O processo de debate e a discussão, permitindo aos professores fazerem
uma reflexão acerca da concepção da educação e sua relação com sua prática
pedagógica, com a sociedade e com a escola, o que leva também à reflexão sobre o
homem a ser formado, a cidadania e a consciência crítica. Assim, coletivamente, a
consciência crítica será despertada, junto ao desejo de se construir uma nova
realidade. A discussão e a reflexão crítica levam a refletir sobre “[...] o papel dos
91
homens no mundo e com o mundo, como seres da transformação e não da
adaptação” (FREIRE, 1983, p. 136).
A elite reivindica a educação de qualidade. É uma bandeira levantada
insistentemente, pelos partidos da direita, cujos preceitos explicitam os princípios
neoliberais. Entretanto, é preciso ter bem claro que a educação de qualidade
reivindicada pela comunidade “elitista compreende a expressão como uma prática
educativa centrando-se em valores das elites e da negação implícita dos valores
populares. O culto da sintaxe dominante e o repúdio, como feiúra e corruptela, da
prosódia, da ortografia e da sintaxe populares” (FREIRE, 1983, p. 42).
Reafirmamos que a educação tem de ser de qualidade ou não é educação. O
educador progressista é pós-moderno
15
, jamais sectário, “entende a expressão
como a busca de uma educação séria, rigorosa, democrática, em nada
discriminadora nem dos renegados nem dos favorecidos” (FREIRE, 2003, p. 42). E,
além disso, por ser educação de qualidade, não sendo neutra, considera toda a
realidade existente e todos as tramas, relações e interferências do contexto na qual
está inserida. Portanto, é “desveladora das verdades, desocultadora, iluminadora
das tramas sociais e históricas” (FREIRE, 2003, p. 42).
Nessa perspectiva, a escola se torna alegre, revelando sua identidade ética e
esteticamente, de forma bonita e prazerosa. Está dentro de uma concepção que
ilumina o seu fazer que é uma práxis “democrática, popular, rigorosa, séria,
respeitadora e estimuladora da presença popular nos destinos da escola” (FREIRE,
2003, p. 43) que, dessa forma, vai se tornando cada vez mais alegre.
Nesse mesmo sentido, Rios (2003, p. 87) diz que “A ética deve estar presente
na técnica, que não é neutra, e na política, que abriga uma multiplicidade de poderes
e interesses. A ética garante, então, o caráter dialético da relação”. A ética é que
problematiza e orienta o que é bom ou mal e que define também o que é válido para
o bem-comum.
Para a mesma autora, competência tem o sentido de saber fazer bem o
dever. Refere-se, então, a um conjunto de saberes e ao posicionamento diante
daquilo que é desejável e necessário. É preciso considerar, nesse prisma, o saber, o
15
Paulo Freire, no livro Política e Educação (2003, p. 42), utilizou o termo pós-moderno dando-lhe um sentido
conservador e um sentido progressista. Para ele, o educador progressista considerado um pós-moderno não é
sectário e nem conservador, pois compreende a educação de forma séria, rigorosa, democrática, justa e ética,
que, portanto, favorece e promove a classe oprimida. Busque essas definições na página 17 e 62 do mesmo livro.
92
fazer e o dever como elementos historicamente situados e construídos pelos sujeitos
em sua práxis.
A educação de boa qualidade
16
é uma prática exercida por profissionais
educadores comprometidos com o desenvolvimento, sob todas as formas, da classe
oprimida. Por isso, é uma “prática fundamentalmente ética contra a exploração dos
homens e mulheres e em favor de sua vocação de ser mais” (FREIRE, 2003, p. 42).
Por conseguinte, a
Qualidade da educação; educação de qualidade; educação e
qualidade de vida, não importa em que enunciado se encontrem,
educação e qualidade são sempre uma questão política, fora de cuja
reflexão, de cuja compreensão não nos é possível entender nem
uma e nem outra. (RIOS, 2003, p. 43).
Sem dúvida, a educação escolar de boa qualidade deve contribuir para a
emancipação do indivíduo enquanto cidadão ativo e partícipe de uma sociedade
democrática e, ao mesmo tempo, fornecer-lhes os meios, não apenas para
sobreviver, mas para viver bem e melhor no usufruto de bens culturais que hoje são
privilégio de poucos.
Retomamos a idéia de que a educação não é neutra, está encharcada de
intenções políticas, implica uma opção política, orientada por concepções e valores;
e exige, certamente, decisões e atitudes políticas corajosas e coerentes, a fim de
materializá-la.
Assim, o professor precisa ter consciência clara da concepção pedagógica
que orienta a sua prática educativa e do seu compromisso político com os seus
alunos. Se trabalhar com a classe menos favorecida – as vítimas da sociedade
capitalista – precisa trabalhar a favor deles.
A democratização da sociedade brasileira e, especificamente, a da educação,
dar-se-á não apenas pela garantia de acesso à escola, mas também pela
16
Terezinha A. Rios (2003, p. 21) afirma que é “comum utilizarmos o conceito de qualidade como se ele já
guardasse uma conotação positiva – dizemos que algo é de qualidade querendo dizer que é bom. Entretanto, a
qualidade é um atributo essencial da realidade. Há boa e qualidade nos seres com que nos relacionamos, nas
situações que vivenciamos. Trata-se, assim, de qualificar a qualidade, de refletir sobre a significação de que ela
se reveste no interior da prática.
93
permanência e pelo sucesso do educando. A escola precisa cumprir sua função
social.
Por isso, a escola de melhor qualidade, na visão de Paro (2007), “supõe dizer
que a boa escola envolve ensino e aprendizagem ou, melhor ainda, supõe
considerar que só há ensino quando há aprendizagem”. Nesse mesmo prisma, a
escola de qualidade garante o binômio ensinar/aprender, em um “processo
compartilhado de trabalhar os conhecimentos, no qual concorrem conteúdo, forma
de ensinar e resultados mutuamente dependentes” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002,
p. 214) tem que haver aprendizagem. A qualidade que nos interessa deve se
traduzir na democratização do conhecimento para todos (as) os (as educandos (as).
Freire pensou a escola pública popular de qualidade, a Escola Cidadã, que
ensina para e pela cidadania. Preocupa-se em formar o aluno crítico, que tem
autonomia para dizer a sua palavra e ser protagonista de sua história. Na escola
cidadã, a relação pedagógica é generosa e todas as interações são solidárias, e
nesta o objetivo maior é colocar o oprimido no palco de sua história. Quando todos
têm escola de qualidade, na qual se aprende a ler, escrever, pensar e refletir sobre a
realidade vivida, não há dirigidos e dirigentes, mas sim oprimidos emancipados que
assumem o protagonismo de sua história.
Por fim, reafirmamos nossa crença de que a escola para ser de boa qualidade
precisa transmitir, construir e produzir conhecimentos vivos, dinâmicos e atuais,
sem, contudo, deixar de considerar o conhecimento e o interesse dos seus
educandos. Outrossim, deve, para além da garantia da aquisição dos conteúdos
sistematizados e atuais, garantir a formação política e o despertar da consciência
crítica dos educandos, formando cidadãos livres, autônomos, capazes de interferir
em sua realidade e colocar-se com protagonistas de sua história.
A educação de melhor qualidade necessita, sem dúvidas, de competências
nas dimensões política, técnica, ética e estética, em prol do desenvolvimento
humano e do bem-comum.
A globalização e a política neoliberal têm trazido, inegavelmente, mudanças
para a sociedade e também para o sistema educacional. As mudanças mais sérias e
comprometedoras são as que trazem o empobrecimento das massas, e a produção
de excluídos e vítimas, que se tornam privadas da oportunidade de se desenvolver
como ser humano e de viver dignamente.
94
Mas, mesmo diante de tantos obstáculos, não podemos perder a esperança,
nem no mundo e, muito menos, na educação. Somos educadores, semeadores de
esperança: “A desesperança das sociedades alienadas passa a ser substituída por
esperança, quando começam a se ver com os seus próprios olhos e se tornam
capazes de projetar. [...] Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não
pode fazer-se na desesperança” (FREIRE, 1983, p. 97). Por isso, o nosso projeto
educacional deve conter a utopia e a esperança como motivação.
Tendo sido realizado o processo de conscientização, a comunidade-escola,
autônoma, com projeto de sua autoria, representando seus desejos e aspirações,
estará preparada para superar toda forma de indiferença, individualismo e
superficialidade, e alcançar um patamar mais elevado, a sociabilidade. Nesta, as
pessoas se tocam, se olham, interagem, trocam, crescem em comunhão e, juntas,
comprometem-se com uma causa que representa o bem comum.
A escola existe para servir a comunidade onde se situa. Ela precisa ser um
fórum aberto de participação, no qual se efetiva a democracia. E esta somente se
concretizará, de fato, quando a comunidade (o povo) tomar as rédeas e decidir
ousada e corajosamente os rumos da sua história. Portanto, é indispensável que a
escola chegue à família e a traga para dentro da escola, forme uma comunidade ou
um grupo para discutirem problemas de interesse comum.
Nessa perspectiva, a escola se faz democrática, de fato, garantindo a
participação de todos por meio de sua gestão e por meio de um documento
denominado Projeto Político-Pedagógico. Na apresentação do livro de Licínio
(2002), Padilha nos diz que a chama de governação democrática, a participação de
todos nas decisões sobre a vida da escola e, sobretudo, a organização do trabalho
escolar, não deve dicotomizar o pedagógico e o administrativo e não deve abaixar a
vigilância contra o risco da despolitização da educação: precisamos ampliar a
participação e somar forças contra as práticas neoliberais, contra as quais Paulo
Freire sempre se manifestou, indicando-nos o caminho da escola pública e
democrática.
O modelo de educação dentro de uma perspectiva democrática, anti-
discriminatória, pela qual se vivencia uma gestão participativa, comprometida com a
construção de uma escola pública popular de qualidade, busca formar alunos livres
e conscientes e que conseguem fazer uma aproximação crítica entre a escola e a
vida. A cidadania será, desse modo, construída no exercício efetivo de práticas
95
democráticas e participativas na escola, comprometidas com a emancipação e a
autonomia dos sujeitos ativos e atores de sua própria história.
Explicitamos aqui as benesses de uma escola democrática e participativa,
bem como os seus desafios e entraves. E, apesar de todas as limitações e
problemas existentes, reconhecemos a escola pública de boa qualidade como o
lugar social de se viver, experimentar e construir a verdadeira democracia.
No próximo capítulo, vamos analisar os dados coletados in loco, no interior
das Escolas Municipais de Uberaba-MG, cidade que representa uma das pioneiras
na construção do Projeto Político-Pedagógico, como instrumento norteador e
sistematizador de uma prática consciente, tendo em vista a construção da escola
cidadã, cujo objetivo maior é a melhoria da qualidade de ensino na escola pública
popular.
Chegou o momento de conferirmos qual é a relação, bem como as
contradições que se apresentam entre aquilo que é proclamado – por meio das
teorias científicas – e aquilo que realmente é praticado e vivido, no cotidiano e no
interior da escola.
CAPÍTULO 3
ANÁLISES DOS DADOS EMERGENTES NA PESQUISA: as relações entre o
proclamado e o realizado
A prática é a melhor maneira de aprender a
pensar certo. O pensamento que ilumina a
prática é por ela iluminado tal como a prática
que ilumina o pensamento é por ele iluminada.
(FREIRE, 1978).
Este capítulo tem por objetivo a apresentação e a discussão dos dados
empíricos. Iniciamos com uma breve apresentação sobre o Município de Uberaba.
Reafirmamos os objetivos e a metodologia utilizada na pesquisa. Por conseguinte,
expomos a análise dos dados documentais e, em seguida, apresentamos e
analisamos os dados colhidos nas entrevistas. Para concluir esta seção, fazemos
uma síntese com a análise crítica sobre todos os dados observados.
Uberaba é um município brasileiro do estado de Minas Gerais, na região do
Triângulo Mineiro. Localiza-se eqüidistante 500 km de Belo Horizonte, 487 km de
São Paulo, 537 km de Brasília, 860 km do Rio de Janeiro e 424 km de Goiânia. Sua
população, projetada para 2006, foi de 285.094 habitantes.
A cidade é internacionalmente reconhecida como a “Terra do Zebu” pelo seu
desenvolvimento na área da pecuária com a criação de gado leiteiro, para corte e
para procriação de raças nobres. É um pólo na criação, desenvolvimento genético e
comercialização do zebu, tendo sido escolhida como sede de duas das principais
centrais de inseminação pecuária do País: a Nova Índia e a ABS Pecplan. A
Expozebu continua sendo a maior feira de gado Zebu em todo o mundo e é uma das
principais atrações turísticas de Uberaba, que se realiza anualmente no mês de
maio, atraindo pessoas de várias partes do país e do exterior.
Uberaba é ainda conhecida como a cidade de “Chico Xavier”, um espírita que
se destacou pela dedicação aos pobres e pelas obras caritativas. A cidade é visitada
98
durante todo o ano por milhares de seguidores do grande líder espírita do Brasil,
eleito no ano de 2000 “O Mineiro do Século”
17
.
Uberaba é considerada um pólo educacional, contando com universidades de
renome e qualidade, nas modalidades pública e privada, com boa infra-estrutura e
centros de pesquisas e extensão, por isso recebe estudantes de todo o país a
procura de formação profissional.
Nos últimos anos, tem recebido um número expressivo e crescente de
visitantes e turistas que procuram a cidade com objetivos diversos, tais como o
turismo de negócios, graças ao significativo crescimento econômico, ao turismo
religioso, ao turismo educacional, e ao interesse cada vez maior pelo Sítio e Museu
Paleontológico de Peirópolis, onde são encontrados fósseis de mais de 85 milhões
de anos.
No entanto, é importante frisar que Uberaba não se destacou apenas na
produção do setor da pecuária; houve uma expansão do setor industrial e aumento
da produção agrícola com um elevado grau de mecanização dos processos de
produção nesse setor. Assim, a produção agropecuária, continua sendo a grande
marca na economia da cidade.
Embora seja uma cidade do interior do estado de Minas Gerais, sendo
considerada de uma cultura conservadora em conseqüência da predominância dos
costumes e valores do campo pela criação do gado zebu, observamos que a cidade
apresenta uma infraestrutura comercial equivalente aos grandes centros. A cidade
conta com um acolhedor Center Shopping, com diversos pontos comerciais como
MacDonald, Casas Bahia, Lojas Americanas, dentre outros. Conta com grandes
redes de hipermercados, tais como o Bretas e o Carrefour. Na era da globalização, e
em um tempo de exarcebação do consumo, em Uberaba existe mercado para
satisfazer a necessidade de consumo e realizar o impulso dos consumidores em
quase todos os setores. Desse modo, o Comércio local é bem diversificado e
sedutor.
O setor educacional está bem estruturado e apresenta grande oferta no
ensino superior, colocados à disposição da comunidade por diversas instituições de
17
As informações sobre Uberaba-MG foram retiradas da página http://pt.wikipedia.org/wiki/Uberaba. Google.
Uberaba. Dia 19.06.2007 e também da página do Município de Uberaba:
http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/index.php
99
nível superior, dentre elas duas Universidades bem conceituadas
18
. Uberaba oferece
um significativo número de escolas para atender a Educação Infantil, o Ensino
Fundamental, cursos para educação de adultos (EJA), cursos profissionalizantes
tanto técnicos como tecnológicos, oferecidos em diversas instituições públicas e
privadas.
O Ensino Fundamental é oferecido pelas escolas públicas municipais e
também por algumas escolas públicas estaduais. Há também significativo número de
escolas privadas que o oferecem. Portanto, Uberaba oferece as diversas
modalidades de ensino, atendendo todos os níveis de escolarização, que se dividem
em instituições educacionais públicas e privadas.
No final da década de 1980, a Secretaria Municipal de Educação de Uberaba
demonstrava uma preocupação com a expansão da rede municipal de ensino de
Uberaba na busca de atender a crescente demanda da população urbana,
especialmente voltada para a educação pré-escolar e, lentamente, a expansão foi se
estendendo também a outras séries do Ensino Fundamental.
De acordo com Borges (2003), o crescimento da rede municipal de ensino até
a década de 1990 ocorreu sem contar com uma proposta político-pedagógica mais
clara e definida. Diz, ainda, que os professores não recebiam nenhuma orientação
pedagógica mais objetiva e fundamentada que orientasse o trabalho educativo.
Portanto, a Secretaria de Educação não possuía diretrizes sistematizadas e nem
documentos que pudessem nortear o trabalho pedagógico escolar.
Somente em 1993 a pasta da Secretaria Municipal de Educação e Cultura do
Município de Uberaba (SMEC) foi assumida por uma equipe que anunciava os novos
rumos da educação. A nova secretária era, de fato, uma educadora. Havia concluído
o curso de Mestrado e estava iniciando o curso de doutorado na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, no Programa de Educação: Currículo. Ela
apresentava como traço principal de sua formação uma forte paixão pela Pedagogia
de Paulo Freire. O anúncio da nova gestão apresentava como slogan os “ideais de
democracia, participação e competência técnica a serviço da maioria”. Se, por um
lado, tal slogan explicitava a preocupação com a democracia e a qualidade de
ensino, por outro anunciava uma concepção tecnicista como um valor nos princípios
educacionais. Mas, ainda é cedo para afirmações precisas. Por isso, avancemos.
18
Universidade de Uberaba (UNIUBE), que é privada; Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), que
é pública, dentre outras Instituições que oferecem Cursos de Graduação e Pós-Graduação.
100
Inicialmente, podemos afirmar que a bandeira da nova administração era a
busca do envolvimento de todos os segmentos da escola, dentre esses, pais,
professores, alunos, pedagogos, agentes administrativos e direção escolar, para a
construção coletiva do processo de planejamento da educação que estava se
iniciando na escola. Assim, “a necessidade de maior democratização da gestão da
escola no município de Uberaba, tomava corpo no discurso oficial, marcado pela
recorrente defesa de uma escola pública participativa, gratuita, democrática e de
qualidade” (BORGES, 2003, p. 16).
Como considerável avanço, a Secretaria Municipal de Educação de Uberaba-
MG foi pioneira em elaborar o seu Plano Municipal de Educação, o qual apresentava
cinco programas básicos: Melhoria da Qualidade de Ensino, Universalização do
Acesso, Democratização da Gestão, Integração e Infra-estrutura. A partir desses
princípios, cada escola deveria elaborar o seu Plano Global Integrado (PGI), na
busca de sistematizar as ações educacionais.
Nesse sentido, as afirmações aqui expostas são fundamentadas em vários
depoimentos dos educadores entrevistados. Dentre eles, destacamos o depoimento
de uma pedagoga:
Antes da década de 1990 a Secretaria de Educação não tinha nada
sistematizado, não. Era tudo sem orientação, sem registro... não
tinha uma concepção teórica que orientasse o trabalho pedagógico
da rede municipal. Era tudo meio por intuição. A gente ia
improvisando soluções para os problemas que surgiam na escola.
(Ped. 1).
O relato acima comprova que até o final da década de 1980 não existiam
diretrizes e nem sistematização para o trabalho da secretaria municipal.
Como na década de 1990 o debate educacional nacional era favorável à
presença dos mecanismos considerados importantes para uma política de
democratização da gestão escolar a partir de 1993, com uma secretaria municipal
cuja marca apresentava discursos, crenças e utopias inovadoras, tivemos várias
conquistas no setor educacional, dentre essas: a realização do I Encontro Regional
de Educadores de Uberaba, com a proposta de realização anual e anunciado como
espaço de discussão coletiva e socialização de saberes e práticas construídas no
101
cotidiano escolar; tivemos também a implantação dos Colegiados Escolares e dos
Caixas Escolares; a implantação de uma política de gestão democrática instituindo
as “eleições” para a escolha dos dirigentes escolares. Uberaba foi também pioneira
na elaboração do Projeto Pedagógico, que na época denominava-se, de acordo
com o modelo da Secretaria de Estado, Plano Global Integrado.
Por conseguinte, percebemos que no Estado de Minas Gerais, na década de
1990, Uberaba se destacou com significativa importância no setor político e
econômico do Estado, como também por meio das políticas implementadas no setor
educacional.
Concomitante a outras experiências educativas relevantes no âmbito
nacional, tais como a Escola Cidadã no Município de Porto Alegre, a gestão de
Paulo Freire no Município de São Paulo, a Escola Plural no município de Belo
Horizonte, Uberaba igualmente se apresentou como destaque em inovações
educativas, sendo referência em livros como uma das experiências bem sucedidas
na educação brasileira comprometida com a construção de um novo modelo de
educação, dentro de uma perspectiva emancipadora. Vejamos a citação:
Esta é uma preocupação fundamentada da equipe coordenada pelo
Prof. Miguel Arroyo e que vem propondo ao país, em Belo
Horizonte, uma das melhores re-invenções da escola. É uma
lastima que não tenha havido ainda, uma emissora de TV que se
dedicasse a mostrar experiências como a de Belo Horizonte, a de
Uberaba, a de Porto Alegre, a do Recife e de tantas outras
espalhadas pelo Brasil. (FREIRE, 1996, p. 49 – grifos nossos).
A bandeira da educação do Município de Uberaba, a partir de 1993,
denominou-se
102
“Escola Cidadã
19
”, cujos princípios filosóficos eram ancorados pela
teoria de Paulo Freire. Seu principal propósito era construir no
cotidiano da escola “uma educação que, ao procurar responder às
legítimas necessidades do homem, historicamente situado,
promovesse ‘A CONSTRUÇÃO AMOROSA DA CIDADANIA’
(PRAIS, 2000, p. 7 – grifos do autor).
Acreditamos ser válido destacar que nesse mesmo momento histórico
ingressamos, por meio de concurso público, na rede Municipal de Uberaba. Atuamos
como pedagoga e, portanto, fizemos parte desse cenário educacional, como atores
do processo de mudanças e busca de inovações. Estivemos na rede municipal até o
ano de 2005, e retornamos neste momento, como pesquisadora.
Percebemos que as mudanças foram promissoras e ousadas, considerando
que até o momento não havia nenhuma sistematização de uma política educacional
para o município de Uberaba. O discurso, naquele momento, estava se
concretizando e superando os discursos vazios. No cotidiano das escolas havia
muita movimentação e o trabalho pedagógico tornara-se mais exigente e
sistematizado. Todos estavam envolvidos e tinham obrigações a cumprir, pois a
responsabilidade era de todos.
Entretanto, algumas questões começaram a nos incomodar:
- Que concepções teóricas teriam os educadores da rede
educacional como um todo?
- Qual a vivência e a maturidade dos educadores para a experiência
democrática?
- Como seria a construção coletiva e a efetivação dos Projetos
Pedagógicos escolares?
19
Segundo Prais (2000), os eixos que norteiam a Escola-Cidadã, trabalham na busca de:
- dar condições para cada aluno construir sua identicidade sócio-cultural, sendo um sujeito interativo, expressivo
e participativo;
- resgatar o papel do professor, com o sujeito co-autor da ação-educativa, que considera as experiências dos
alunos, problematiza situações e aprofunda seus conhecimentos;
- redimensionar o trabalho no conjunto da escola, buscando a conscientização e o comprometimento de todos os
segmentos atuantes nos diversos ciclos;
- superar as verdades inquestionáveis e considerar a provisoriedade do conhecimento, marcado pelo contexto
histórico e social;
- estabelecer ação metodológica apropriada à proposta educativa assumida, dentro de uma relação dialógica que
possibilite a participação e intervenção de todos.
103
- As novas diretrizes, embora inovadoras, representavam um
consenso coletivo, ou foram impostas à rede municipal, como a única
e melhor solução?
- Qual era a relação das políticas educacionais implantadas naquele
momento pela nova gestão, com as políticas educacionais nacionais
e o contexto mais amplo da sociedade brasileira?
- O Projeto Político-Pedagógico conseguiu ser implementado e
cumprir a sua função de tornar a escola mais autônoma, democrática,
participativa e, principalmente, de maior qualidade?
Diante do exposto, julgamos de grande relevância a investigação desses
questionamentos pela razão de que esse objeto de pesquisa não foi até o momento
explorado e, ainda, por se tratar de uma cidade tradicional, cuja proposta de
educação não contava com nenhuma diretriz até a década de 1980. Reafirmamos
que, posteriormente, na década de 1990, a história educacional do município
ganhou outra forma e consistência teórica, com a implantação de um processo
democrático de ensino, concretizado pelas eleições para diretores e pela construção
coletiva do Projeto Pedagógico em cada escola. As instituições colegiadas se
tornaram realidade nas diversas unidades escolares e a formação continuada dos
professores apresentou um novo impulso com a criação do Centro de Formação de
Professores (CEFOR). Outro fato importante é que foram traçadas linhas e diretrizes
filosóficas que representaram/representam teorias que fundamentam a prática no
cotidiano escolar.
Vemos como pertinente, neste momento, apresentar o objetivo geral e a
metodologia de trabalho utilizada na presente investigação.
O objetivo é conhecer o que foi/é realizado no cotidiano das escolas do
Município de Uberaba-MG, com relação ao Projeto Político-Pedagógico e sua
incisão na formação dos professores, na gestão democrática, na busca de maior
participação ativa da comunidade escolar na tomada de decisões, na melhoria da
qualidade de ensino e, conseqüentemente, na conquista de uma escola mais
inclusiva.
104
Utilizamos, em todo o processo de investigação, a análise crítico-dialética,
dentro de uma perspectiva freireana
20
, inclusive na tabulação e análise dos dados
referente ao conteúdo das entrevistas (que foram norteadas por um roteiro semi-
estruturado, gravadas e transcritas). A aplicação das entrevistas foi orientada pela
concepção de Gómez (1998), uma vez que pretendemos
[...] indagar as diferentes representações, os pensamentos e as
atitudes, na procura de superar as verbalizações imediatas e
habituais, buscando os pontos críticos, as teorias implícitas, as
proposições latentes, os processos contraditórios nas próprias
crenças e esquemas mentais bem como nas relações entre o
pensamento e os modos de sentir e o pensamento e os modos de
atuar (GÓMEZ, 1998, p. 109).
Utilizamos também a análise documental, especificamente dos Projetos
Político-Pedagógicos encontrados nas escolas municipais. A observação de fatos,
atitudes e comportamentos também foram considerados.
Para analisar o que aconteceu concretamente no cotidiano das escolas
municipais de Uberaba-MG, no decorrer da década de 1990, fomos in loco conhecer
a realidade e o que foi e é realmente realizado na prática escolar do Município de
Uberaba. Partimos do pressuposto de que para se “compreender os significados de
um outro indivíduo, é necessário que se coloque a ação dentro de um contexto de
significado. Ou seja, o significado não pode ser divorciado do contexto”. (SANTOS
FILHO; GAMBOA, 2000, p. 33). Gómez (1998) reforça essa idéia dizendo que a
complexidade da investigação educativa encontra-se na necessidade de ter acesso
aos significados, já que estes só podem ser captados de modo situacional, no
contexto dos indivíduos que os produzem e trocam.
20
A concepção filosófica escolhida para a orientação da pesquisa foi justificada na introdução do presente texto.
105
3.1 A análise dos dados
Primeiramente, analisamos os documentos das escolas
21
que, no momento
atual, já se denomina Projeto Político-Pedagógico. O objetivo da análise dos
documentos consistiu em observar e comparar a estrutura dos documentos, bem
como as concepções pedagógicas inerentes aos seus conteúdos e a preocupação
na reestruturação do Currículo escolar.
Já nas primeiras análises, notamos que todos os documentos apresentavam
um padrão único. Ao questionarmos o porquê desse fato, fomos informadas que a
Secretaria Municipal de Educação ofereceu um curso de aperfeiçoamento para
todos os pedagogos, ainda em 1993, e nesse curso foi distribuído um manual de
orientação de como estruturar o documento – Projeto Político-Pedagógico, que
apresentava o resultado do processo de discussão, debate, ou, mais precisamente,
o processo de planejamento e, portanto, o registro dessas discussões se
apresentava como parte inicial do documento elaborado em cada unidade escolar.
Constatamos que até mesmo o “diagnóstico da realidade” escolar colocado
nos documentos de várias escolas, de forma muito semelhante, quase uniforme.
Pouca inovação havia nesse sentido nas diferentes escolas.
Indagamos nas escolas o porquê da homogeneidade na apresentação dos
documentos do PPP nas diferentes escolas. Obtivemos os seguintes depoimentos:
Foi passada uma orientação geral para que todos seguissem os
passos certinhos na construção do PPP. Tinha até um livreto que
era como se fosse um manualzinho que orientava o como fazer o
PPP. Esse livreto foi elaborado pela equipe da Secretaria e enviado
a todas as escolas para a equipe dirigente. (Ped.1).
Muitas escolas copiaram uma da outra ou até mandaram fazer fora
o primeiro PPP. Ninguém tinha experiência de elaborar tal
documento e no início era muito difícil. (Prof. 3).
Além de não estar acostumado com tanta discussão, não tínhamos
o domínio da técnica de elaborar projetos. Então, não dava para
criar muito. Era seguir as orientações dadas, procurando não fugir
delas, para não errar. No final, tinha de mandar um modelo pra
Secretaria avaliar o conteúdo. (Ped. 2).
21
Os documentos da escola que foram analisados: O Projeto Político-Pedagógico, o Regimento comum das
escolas, algumas atas de reuniões.
106
Diante dos depoimentos, constatamos que os projetos eram uniformes devido
a diversos fatores, dentre eles: a falta de tempo para criar e inovar; a pouca
experiência democrática; a organização estrutural da escola que não favorecia o
tempo; o descrédito por uma novidade que ainda não havia sido compreendida e
assimilada pela equipe escolar; a falta do domínio teórico e técnico para elaboração
de projetos; o rigor e a vigilância quanto à forma e estrutura final do documento.
Nesse sentido, em conformação com uma visão tecnicista e, portanto, estratégica, a
construção de Projetos Pedagógicos quando muito normatizados são utilizados e
orientados em grande escala por especialistas. São, portanto, “padronizadores e
centralizadores por serem definidos de cima para baixo. A padronização é uma
forma sutil e eficiente de controle e vigilância”. (VEIGA, 2001b, p. 49)
No primeiro momento de implantação do PPP no município, percebemos que
sua construção foi uma imposição vinda da Secretaria de Educação, sendo,
portanto, considerada um fardo para a equipe pedagógica. Assim, naquele
momento, tal incumbência não representava nem desejo e nem a necessidade de
cada unidade escolar. Portanto, tratava-se de um documento complexo, técnico e
que demandava tempo para construção, e que servia, na maioria das vezes, para
atender às exigências burocráticas do órgão superior.
Outro aspecto relevante foi observarmos que quando chegávamos à escola e
solicitávamos o documento PPP para analisar, este demorava a ser localizado e
ficávamos esperando muito tempo para ver e, finalmente, poder examinar o
documento. Tivemos duas experiências interessantes, nesse sentido: em uma das
escolas, a pedagoga pediu-nos para aguardar a diretora, pois o projeto estava
trancado na sala dela. Então, aguardamos. Quando ela chegou, logo nos recebeu
atenciosamente. Como era pessoa conhecida, indagamos sobre o porquê do
“trancamento” do PPP. Ela explicou que “os estagiários da Universidade que
estavam estudando sobre o PPP chegaram para consultar o documento e o levaram
sem licença da equipe escolar. Foi mesmo um roubo, usando a linguagem direta”
(Dir. 1). Dissemos a ela que se o documento permanecer inacessível poderia não
cumprir a sua função. Ela afirmou, entretanto, que nas reuniões pedagógicas, o
documento estava sempre presente e era o orientador dos trabalhos da escola.
107
Quanto à estrutura e organização dos documentos (PPP), comumente os
mesmos apresentavam capa, com identificação constando o nome da Secretaria, da
escola; página de rosto, informando o objetivo do documento e equipe responsável
pela elaboração; sumário ou índice; o marco referencial, composto pelos marcos
situacional, doutrinal e operacional, nos quais se explicitava a visão de mundo num
contexto amplo, as concepções filosóficas da educação e, por último, a metodologia
utilizada para a construção do PPP; o diagnóstico da realidade, que era o retrato
da escola; os objetivos geral e específicos; as metas, o quadro de projetos, os
projetos (planos de ação a curto prazo), e por fim, as referências consultadas.
Este modelo se assemelha ao orientado por Gandin (2005), o qual encontra-se
registrado no próximo capítulo.
O documento PPP apresentava, em sua última parte, os subprojetos
elaborados por cada unidade escolar para o desenvolvimento das metas e
intervenção na realidade escolar. Estes se apresentavam classificados em três
grupos: os pedagógicos, os administrativos e os da relação escola-comunidade. No
grupo dos projetos de cunho pedagógico, normalmente havia projetos denominados
“Alfabetização com sucesso”, “Formação docente”, “Ensino Alternativo”, “Oficina
Pedagógica”, “Laboratório de jogos”, “Informática”, dentre outros. No grupo dos
projetos administrativos, encontramos os projetos relacionados ao caixa escolar, às
reformas, às construções de quadra e de laboratórios, “Sistema de informatização
escolar”, dentre outros. No grupo da relação escola-comunidade, os projetos de
parcerias e convênios, organização de festas para a comunidade, “Escola de pais”,
“Domingo na escola”, dentre outros.
Analisamos todos os subprojetos, que se encontram divididos por áreas:
Administrativos e Recursos Financeiros, Pedagógicos, Relação com a Comunidade.
Percebemos, então, que eles estavam individualizados, soltos e desconectados.
Assim, não pudemos perceber que na construção dos projetos houve a preocupação
com a articulação dos conteúdos escolares ou com o Currículo escolar por meio do
qual se constrói e se efetiva, na prática, uma escola de maior qualidade.
Outro dado nos chamou a atenção durante o nosso trabalho de investigação:
observamos que a maioria das escolas guardava o seu PPP sob proteção e, por
isso, a sua consulta nem sempre era de fácil acesso.
108
Para dar prosseguimento à pesquisa e alcançar os nossos objetivos,
elaboramos um roteiro semi-estruturado, para a aplicação das entrevistas
22
. Feito
isto, selecionamos as escolas que passavam a representar uma amostra significativa
do contexto investigado.
Ao escolher o número de escolas e de pessoas a serem entrevistadas, nossa
preocupação voltou-se mais pela representação qualitativa dos diversos segmentos
da escola, das diferentes visões de mundo e de realidade. Optamos, então, pela
participação democrática dos atores e sujeitos envolvidos no contexto e na realidade
estudados. Entendemos, desse modo, que o “conhecimento deve ser produzido em
processos de colaboração e se comparar e disseminar também mediante processos
de troca e de participação em situação de igualdade de oportunidades” (GÓMEZ,
1998, p. 117).
Desse modo, das 34 escolas municipais, escolhemos 7 delas para a
realização das entrevistas semi-estruturadas. Essas 7 escolas estão localizadas em
pontos estratégicos da cidade: uma central, uma da zona rural, e cinco estão
localizadas nos bairros periféricos da cidade.
Inicialmente, pensamos em escolher, aleatoriamente, 4 pessoas de diferentes
segmentos, em cada escola, para realizar as entrevistas, o que somaria em torno de
28 pessoas. Entretanto, no desenvolvimento do trabalho, notamos que
precisaríamos selecionar um grupo maior de pessoas para a aplicação das
entrevistas. Isso garantiria maior qualidade no conteúdo e também ofereceria
subsídios mais ricos para uma leitura e crítica sobre a realidade. Chegamos, então,
ao somatório de 52 pessoas. Dentre elas, entrevistamos nove alunos, 12
professoras, 14 pedagogas, quatro diretoras, nove mães, dois pais e dois
representantes do quadro administrativo escolar. Por conseguinte, na busca de mais
informações, e também da confirmação de alguns dados, procuramos, ainda, a ex-
secretária de educação que permanecera por duas gestões respondendo pela
Secretaria Municipal de Educação de Uberaba e que foi a mentora intelectual e a
coordenadora das mudanças implementadas no setor educacional, na última
década.
Contudo, nem todas as entrevistas foram aproveitadas. Avaliamos que em
torno de 20% delas não havia contribuição significativa para os objetivos do trabalho
22
O roteiro utilizado para a orientação das entrevistas compõe o apêndice do presente texto.
109
e, por isso, foram descartadas. As demais, que representavam 80% das entrevistas
realizadas, foram comparadas, analisadas e colocadas sob uma apreciação crítica.
Dessas, procuramos explorar ao máximo o seu conteúdo, na busca de atender aos
objetivos de nossa investigação.
A análise dos dados colhidos nas entrevistas explicita uma riqueza de
informações, dentre essas, muitos avanços importantes e, obviamente, também
muitas contradições entre o que é proclamado e o que é realizado, de fato, no
interior das escolas municipais de ensino do município de Uberaba-MG.
Apresentamos, a seguir, os resultados das entrevistas. Primeiramente, vamos
descrever os resultados na ordem das questões que aparecem em nosso roteiro de
entrevistas. Em seguida, vamos apresentar as diferentes vozes dos sujeitos
23
entrevistados, destacando as falas que mais nos chamaram a atenção, tendo em
vista os nossos objetivos.
Elaboramos um roteiro de entrevistas divididos em blocos e, no primeiro
momento, utilizamos o 1° bloco de questões relacionadas à Construção do PPP.
Com essa orientação, indagamos aos sujeitos de nossa investigação sobre como foi
construído o PPP, enfocando quais os segmentos da escola que participaram da
elaboração do PPP, quantas reuniões aconteceram, se houve momentos de grande
grupo e de pequenos grupos e quais os sujeitos que participaram e interferiram
mais, apresentando idéias e sugestões. Quem coordenava o processo de
construção? Elegemos alguns depoimentos que ilustram as respostas:
Na primeira experiência de elaborar o PPP houve pouca
participação. Você encontrava pouca ressonância aos apelos para
as reuniões, porque as pessoas não tinham essa cultura de planejar
em conjunto e não acreditavam, por isso tinham pouco
compromisso. (Ped.11).
Todos os segmentos da escola participaram da construção do PPP.
Professores, pedagogos, diretora, serviçais, alunos, pais, todo
mundo. (Ped. 5).
23
Cada um dos entrevistados foi identificado pela abreviatura que aparece entre parênteses. Confira os mesmos
dados organizados num quadro que compõe os Apêdices: Diretores (Dir.); Pedagogos (Ped.); Professores (Prof.);
Pais (pais); Mães (Mãe); Alunos (aluno) e funcionários do quadro Administrativo Serviço Administrativo
(Admin.).
110
Na minha escola todo mundo era convocado pra reunião, mas só
alguns falavam. A maioria só ficava ouvindo e não tinha nada o que
sugerir. Os pedagogos é que falavam o tempo todo... (Prof. 4).
Nós pais não temos muito o que falar, né? A gente não entende
direito sobre educação. Quem sabe mais são os pedagogos e os
professores. (Mãe 1).
Poucos pais participaram. Normalmente havia um representante do
colegiado. Mas, quase não palpitava em nada. (Ped. 6).
Eu não tenho tempo de ir às reuniões. Procuro me informar do que
tá acontecendo. Só vou a escola quando meu filho tem algum
problema lá, briga, por exemplo... (Mãe 3).
Tivemos várias reuniões, com todo mundo junto, e depois grupos
menores. A coordenação, elaboração e a redação do documento, no
final, ficaram com a equipe pedagógica. (Ped. 8).
Nas reuniões eu não gosto de opinar, não. Geralmente eu vou pra
ouvir. Não gosto de ficar batendo de frente, porque acompanho
pouco e fico por fora dos assuntos. (Mãe 1).
Todos são convocados a participar, mas os mais ativos são os
pedagogos e alguns professores. Normalmente, os pais, os
serviçais e pessoal administrativo ficam alheios, como se nada lhes
dissesse respeito. (Dir. 2).
Pudemos observar, por meio dos depoimentos que aconteceram, de fato,
diversas reuniões dentro do processo de construção do Projeto Político-Pedagógico.
As reuniões aconteciam com o grande grupo, mas também com grupos menores,
por segmentos. No final, a equipe pedagógica é que fazia a síntese. Contudo,
observamos nos depoimentos que a participação era mesmo decretada. Faltava,
ainda, a experiência da vivência democrática, a compreensão e a valorização da
participação e da intervenção nos momentos coletivos. A participação dos
professores ainda era/é tímida e com poucas interferências e a dos pais e alunos,
mais ainda.
Os diversos depoimentos dos pais mostram que eles não têm consciência do
valor da sua participação real, como sujeitos que devem interferir e reivindicar os
seus direitos. Ficam tímidos, acanhados, sentem-se ignorantes e desprovidos de
conhecimento sobre educação, e mesmo privados de argumentos para possam
interferir ou contribuir. Perguntamos ainda: O PPP é elaborado para quanto tempo?
Nesse intervalo é revisado? De quanto em quanto tempo?
111
O PPP é elaborado para uma gestão de 4 anos e anualmente ele é
revisado. (Dir. 4).
O PPP foi sempre revisado a cada ano, no começo. Sempre chega
gente nova na escola e aí é momento de socializar o projeto e
atualizá-lo. (Ped. 13).
Na revisão do PPP o que mais acontece é simplesmente o
acréscimo de projetos, a cada ano. (Ped. 13).
Nem sempre o projeto é atualizado. Às vezes, não sobra tempo.
(Prof. 8).
Quanto à revisão do projeto PPP, algumas escolas afirmaram fazê-lo por
julgarem ser importante para a apresentação do projeto PPP aos novos educadores
que chegam ao início do ano, como também para atualização dos projetos a serem
desenvolvidos. Contudo, percebemos que isso não é regra geral e nem faz parte da
cultura de todas as escolas. Outras escolas, naquilo que chamam de revisão do
PPP, limitam-se a acrescentar projetos para serem executados ou já em execução.
A coordenação dos projetos sempre ficava a cargo dos pedagogos e,
algumas vezes, do gestor escolar, apoiado pelos pedagogos.
Em seguida, no 2° bloco de questões, o foco escolhido foi o reconhecimento
e utilização do PPP. Para tanto, questionamos se todos os servidores da escola
conhecem o PPP e se têm consciência do seu conteúdo, finalidade e importância. O
PPP está sendo utilizado para orientar a prática escola? Os depoimentos foram
diversos, alguns afirmando e outros contradizendo a informação do outro. Vejamos
alguns relatos:
Claro, todos os servidores conhecem o PPP da escola. É ele que
orienta a nossa prática, no dia-a-dia da escola. Em todas as
reuniões, principalmente nos “dias escolares”, ele é lembrado e,
além disso, a cada início de ano ele é revisto e reestruturado. (Ped.
09).
Eu já tive a oportunidade de dar uma olhada, de estar verificando...
(Prof. 5).
Eu peguei o PPP porque eu to fazendo Pedagogia e tem uma
disciplina que exigiu que a gente analisasse o PPP da escola. (Prof.
2).
112
Se todo mundo conhece o PPP, aí eu não posso te falar, porque
depende da boa vontade de cada um, do empenho de cada um em
estar procurando se inteirar. (Prof. 5).
Há muita rotatividade nas escolas. Todo ano muda o quadro, há
ainda muitos professores que não são concursados e são
designados para um cargo por um período. (Ped. 14).
Parte dos entrevistados afirmou que todos conhecem o documento; outros
disseram que buscaram informações no PPP por interesse e necessidade de
cumprir uma tarefa escolar; outros conhecem superficialmente e, enfim, outros,
afirmam que não pode garantir que todos o conheçam, explicitando aí a verdade:
nem todos os segmentos da escola e, especificamente os professores, conhecem o
PPP, que deveria direcionar o trabalho pedagógico.
Tivemos depoimentos em que se apresenta a problemática da rotatividade de
professores na escola. Sabemos que isso dificulta a criação de vínculos e o
compromisso com a comunidade escolar. O projeto que se encontra pronto não
pertence a quem chega depois da sua construção.
Outros sujeitos entrevistados foram mais incisivos em afirmar que, realmente,
nem todas as pessoas envolvidas no processo educacional conhecem o PPP da
escola:
Não. Nem todos conhecem o PPP da escola. Sei que ele fica
trancado na sala da diretora, mas nunca o vi. Também, eu sou
contratada, cheguei aqui no ano passado. Deve ser por isso. (Prof.
3).
Os pais, principalmente, nem imaginam o que seja isso. Os alunos
também não sabem. Isso é mais coisa dos pedagogos. Só alguns
professores, os mais antigos da escola, conhecem o PPP. (Prof. 2).
O pessoal que trabalha na secretaria e também os serviçais acha
que não entendem e que não têm nada a ver com o PPP. (Adm.2).
O PPP direciona o trabalho da escola, sim. Colocamos em prática
todos os pequenos projetos que ele contém. (Ped. 07).
Acho que mais ou menos. Nem sempre recorremos ao PPP para
orientar as ações da escola. (Prof. 8).
113
Assim, confirmamos que alguns sujeitos representantes dos vários segmentos
da escola não entenderam ainda a importância e o valor do PPP, como também qual
é a sua responsabilidade e compromisso diante desse plano, que tem a ver com
toda a vida da escola, da qual faz parte.
Verificamos, ainda, que nem sempre o PPP serve como o documento
orientador da prática escolar. Ele é construído em um momento, separado da
prática; por isso, muitas vezes fica mesmo “na gaveta”.
O nosso colegiado é presente, mas eles se limitam a discutir
questões financeiras e administrativas. (Ped.11).
A verdade é que o Colegiado da escola ainda é manipulado. Os pais
são chamados só para referendar o que já está decidido antes. Eles
não participam da tomada de decisões, mas são apenas
comunicados sobre as decisões tomadas. (Ped. 13).
Esse ano o colegiado ta mais ativo: questiona, interfere, se não
resolver aqui vamos procurar um vereador ou prefeito... Mas,
relacionado ao pedagógico, eles delegam a responsabilidade para o
professor e justificam que não têm conhecimento suficiente para
estar interferindo. (Prof. 2).
Notamos que a participação do Colegiado escolar muitas vezes se limita a
discutir questões burocráticas ou financeiras, desprezando o tema mais importante,
que é a qualidade de ensino, ou seja, o aspecto pedagógico da escola. Contudo, em
algumas escolas, percebemos que as pessoas, de forma mais otimista, vêem que a
participação do Colegiado escolar tem melhorado.
O PPP não é de fácil acesso na maioria das escolas, pois normalmente o
documento fica trancado na sala do diretor, como demonstramos anteriormente. A
maioria dos servidores não tem tempo e nem mesmo interesse em conhecê-lo
melhor. Faltam envolvimento e compromisso com as propostas ali registradas. O
pessoal administrativo, juntamente com os pais e alunos, são os que menos
conhecem o documento e, especificamente, o seu conteúdo, o seu valor, a sua
importância e sua necessidade.
Notamos que a realidade do que acontece, de fato, nas escolas, é diferente,
dependendo da sua equipe pedagógica e administrativa. Em algumas, a participação
é maior e existe mais sonho e desejo de mudança. Há preocupação em fazer que o
114
PPP seja mesmo um documento norteador da prática pedagógica escolar e que
ajude a consolidar mudanças significativas. Por outro lado, em outras escolas, o
PPP é tido como algo inútil. A maioria não conhece, não sabe para que serve e,
portanto, não acredita na sua necessidade.
Destacamos aqui que, dos segmentos entrevistados, aquele que apresenta o
envolvimento menor e menos significativo, está representado pelos pais e alunos da
escola. E estes, cremos, são os que deveriam estar mais envolvidos, exigindo uma
escola de maior qualidade, pois a boa qualidade da escola significa o diferencial na
formação do seu filho. Vejamos outras falas:
Às vezes também é porque tá todo mundo muito sobrecarregado. A
maioria trabalha em duas, três e até cinco escolas. É uma correria
danada, não dá pra parar e ver o PPP, discutir problemas... Isso é
mais para os pedagogos. (Prof. 5).
Nem todo mundo conhece o PPP da escola. Também acho que é
falta de interesse das pessoas. Todo mundo tá cansado, estressado.
Existe muita descrença, descrédito e falta de interesse mesmo, por
tudo o que vem como exigência da Secretaria de educação. (Ped.
3).
O salário tá muito ruim. Quando os professores tão envolvidos, as
coisas acontecem. Mas, há aqueles que estão alheios a tudo. Muito
desânimo, pessimismo, críticas e ironias. A crença comum, é que
nada adianta, nada funciona e nada vai mudar mesmo. (Ped. 9).
O salário do professor na prefeitura de Uberaba é um dos piores de
toda a região. Falta a valorização do professor e condições dignas
de trabalho. (Ped. 13).
A maioria dos trabalhadores da educação está sobrecarregada de trabalho,
acumulam funções em várias escolas com um grande número de aulas semanais.
Não têm tempo para pesquisar, estudar, trocar experiências e discutir os problemas
da escola. Acreditamos que tal situação inibe também o seu entusiasmo e
esperança em construir uma escola de maior qualidade. Destacamos que a
sobrecarga de trabalho do professor, a desvalorização dos profissionais explicitada
nos baixos salários, as condições ruins de trabalho, o desinteresse, a descrença e o
pessimismo, conduzem à inércia diante da situação desumanizante.
115
A forma como está estruturado o tempo escolar, a grade horário, são enormes
impeditivos do diálogo, da troca e, principalmente, da reflexão sobre a prática.
Para confirmar se os professores conheciam de fato o PPP, indagamos: Você
se lembra de algum projeto - ou plano de ação - que está sendo desenvolvido na
escola e que está contido no PPP?
Lembro de um projeto de leitura e agora acho que é o de
alfabetização, leitura e escrita. Tem mais outros projetos. Ah! Tem
um projeto que é desenvolvido já a mais de quatro anos, que agora
se tornaram dois em um, que é a parceria com a Cargill. Chama-se
projeto “Fura-Bolo” e o outro de “Grão de Bico”. E temos um outro
projeto “Semeando”, que está sendo desenvolvido o ano todo. Mas
não sei se esses projetos estão no PPP... (Prof. 1).
Não me lembro do nome de nenhum projeto. Mas sei que tem. (Pai
2).
Ah! São muitos, agora não me lembro do nome de nenhum. (Admin.
2).
A escola tá desenvolvendo agora dois projetos novos: o da
Informática e o do Laboratório de aprendizagem, que dá reforço
escolar. Esses são novos, vieram da Secretaria e ainda não estão
no livro do PPP. (Ped. 7).
Notamos que alguns professores tinham dificuldade em se lembrar até o
nome dos projetos que constavam no PPP. Entre os pais e os técnico-
administrativos a dificuldade era maior ainda.
Em seguida, no 3º bloco de questões, o enfoque dado foi para a relação
existente entre o PPP e a formação docente. Perguntamos se o processo de
construção do PPP interfere na formação e na visão de mundo do professor e, se ele
pode, concomitantemente, transformar as concepções e a prática pedagógica do
professor. Tivemos opiniões muito variadas, a respeito, dentre essas:
Eu acredito que as pessoas começaram a pensar, a ver mais as
coisas, porque houve muita discussão e troca de informação. Então,
acho que fica mais informado e pode mudar a maneira de pensar.
(Prof. 1).
Ah, eu acho que mexe com a formação dos professores, sim. Eles
discutem, trocam idéias e aprendem juntos. (Mãe 4).
116
De alguma forma, não sei como, mas acho que acaba interferindo,
não é mesmo? (Prof. 2).
Ah! Com certeza! O professor estuda, pesquisa, reflete sobre sua
prática. Isso o ajuda a rever a sua prática e procurar se aperfeiçoar.
(Ped.7).
Acho que sim. Devagarzinho, nós estamos aprendendo a fazer
democracia. (Pai 3).
Obtivemos relatos que explicitaram uma visão parcial e ingênua sobre a
questão apresentada. Pensam que o processo vivido interfere de alguma forma, mas
não sabem dizer como isso acontece. Todavia, é louvável o reconhecimento de que
a democracia carece de experiência e aprendizagem. É um processo a ser
construído. Aparecem outros depoimentos – em maior quantitativamente – que
também apresentam argumentos que julgamos aproximar mais da realidade vivida.
Apresentamos as falas:
Um pouquinho pode. Mas só um pouquinho, nada tão significativo.
O professor tem práticas e concepções arraigadas, que não são
superadas facilmente. (Ped. 6).
Não, eu não acredito. Tudo é muito rápido, as participações são
fracas. O objetivo maior é cumprir a exigência da Secretaria. (Prof.
5).
Ah! Eu acho que não. Isso não mudou nada na minha prática. O que
eu mudei, eu procurei fazer por mim mesma. Fui atrás de cursos,
corri atrás, procurei aprender mais. (Prof. 8).
Nem se tem tanto tempo para discutir concepções educacionais. O
tempo é limitado e tudo a ser discutido está programado numa pauta
fechada, não há tempo pra discussões maiores. E, não acho que o
objetivo seja esse também. Fazer o projeto da escola não tem nada
a ver com a formação do professor. Essa acontece noutra instância,
é no CEFOR. (Ped. 5).
Não acredito. A formação do professor não tem nada a ver com a
construção do PPP. Não é o objetivo dele e ninguém nem fez essa
relação e viu nesse processo a possibilidade de formação. (Ped. 3).
Ainda acho que os professores ficam muito arraigados nos valores
tradicionais. Eles participam de tudo, mas pouco interferem. Falta a
conscientização e isso é lento, requer muita leitura, requer muito
estudo. Eles sabem que existe o documento, a gente solicita a sua
117
consulta, mas não existe a consciência de que esse documento é a
possibilidade de transformação. (Ped. 9).
Se por um lado tivemos depoimentos que afirmam a importância e a validade
do PPP como mediador da formação e aperfeiçoamento da prática do professor, por
outro tivemos um maior número de depoimentos que negam essa função do PPP.
Foi também reafirmada a idéia de que o PPP é feito às pressas, sem
envolvimento afetivo e sem compromisso. A preocupação maior é atender à
exigência burocrática. O fator tempo também volta sempre à pauta das discussões.
A escola, da forma como está estruturada é burocrática, fria, presa em um tempo e
em um espaço e, por isso, não permite inovações significativas.
Não reconhecendo o processo de construção do PPP, no qual há – ou
deveria haver – estudo, debate, discussões sobre os problemas, busca coletiva de
soluções, não o legitima como um veículo de divulgação de informações,
oportunidade de trocas de experiências e, portanto, mediador da formação de todos
os segmentos da escola. E, na visão de um grupo significativo, a formação se dá em
outro espaço e tempo, separado do da escola, no qual se organizam cursos para a
atualização docente, entretanto, esta permanece desvinculada da prática. Perde-se,
desse modo, a oportunidade da “formação em serviço”, mediante a discussão dos
problemas reais da escola, de quais as suas necessidades, da importante troca de
experiências entre os pares e a busca coletiva de soluções para os problemas
comuns.
Ao dar prosseguimento às entrevistas, passamos para o 4º bloco de questões
que enfocam o PPP e a participação democrática na escola. Para tanto,
perguntamos: depois de toda essa experiência do Município em elaborar e
reelaborar o PPP, desde o ano de 1993, você acha que existe mesmo democracia
na escola? Que meios a escola utiliza para garantir maior participação? Os pais têm
participado da vida da escola? Qual é a participação deles?
Selecionamos algumas afirmações de entrevistados que acreditam e pensam
que a democracia já está efetivamente acontecendo nas escolas, com a participação
de todos e com os projetos que procuram trazer os pais para a participação na
escola. Percebemos a visão ingênua e a crença de que se a democracia é lei, ela se
concretiza apenas pela presença de alguns membros da comunidade, ou seja, pela
representatividade, e também pela abertura da direção da escola em deixar dizer o
118
que se pensa. Ou ainda a idéia de que se pode fazer democracia aplicando um
decreto para tal:
Aqui na escola tem democracia, sim. A diretora é muito aberta, dá
liberdade pra todo mundo falar o que pensa, reclamar, sugerir.
(Adm. 2).
Na escola tem um projeto que está trazendo a comunidade pra
dentro dela. Convida a comunidade a vir no último domingo do mês
e acontecem várias oficinas de artes, de dança, de saúde e outros.
O objetivo é trazer as famílias pra escola. (Prof. 11).
Geralmente tem reuniões bimestrais com os pais. O colegiado
também tem a participação dos pais. Tem ainda a “Escola de Pais”
para os pais estarem vindo pra escola. (Prof. 03)
Na escola tem colegiado e conselho de classe. Mas desse último só
participam os professores e pedagogos. (Mãe 7).
Em outras afirmações, percebemos o quanto é difícil garantir a participação
de todos, de forma consciente e comprometida. A presença dos pais acontece em
poucos momentos – no final do bimestre, uma vez por mês – eles são convidados
para uma finalidade, como por exemplo, ouvir reclamações sobre o comportamento
e o baixo rendimento na aprendizagem dos filhos. E, ainda assim, a
presença/participação é muito pequena. Para conseguir a adesão dos pais às
reuniões, é preciso fazer apelos emocionais, sortear brindes, ameaçar. Destacamos
que a participação dos pais é tímida, individualista e apolítica, desvinculada de um
direito coletivo e da busca de uma escola de maior qualidade para os seus filhos. A
democracia não é compreendida e nem faz parte da cultura da comunidade.
A escola conta com órgãos colegiados, que favoreceriam/favorecem a
participação democrática, Contudo, registramos a ausência da organização do
Grêmio Estudantil e do Conselho de Pais, nas escolas municipais, o que favoreceria
maior participação e intervenção da comunidade, na vida da escola:
Os pais vêm muito pouco. A escola até criou um brinde para sortear
para os pais que vêem à escola de pais. Tem umas palestras
interessantes, e isto é um recurso usado para ver se consegue
conscientizar os pais a virem e participarem mais... (Ped. 3).
119
Dos pais, aqui, a gente não tem ajuda de jeito nenhum. Pra eles
virem tem de ameaçar que o filho não entra mais na escola... (Prof.
5).
A participação dos pais depende da relação afetiva que eles têm ou
não com o professor. (Prof.03)
Se o professor tem o perfil de estabelecer uma relação empática
com os pais, eles atendem mais o seu pedido. (Ped. 3).
Ontem mesmo fizemos a reunião da “Escola de pais”. Houve uma
palestra sobre o “Relacionamento pais e filhos”. Convidamos uma
psicóloga para fazer a palestra. Vieram apenas seis mães. (Ped. 2).
Normalmente, os pais vêm pouco à escola. Quando vêm é para
reclamar ou brigar porque outro aluno brigou com o filho ou não
gostou da forma como a professora tratou seu filho. Dificilmente
reivindicam uma coisa de valor coletivo ou sobre a melhoria da
qualidade de ensino. (Dir. 4).
Os pais vêem pouco à escola. Nos finais de cada bimestre fazemos
plantão na escola para receber os pais. Criamos até um horário
especial, no sábado. (Ped. 11).
Como vimos, alguns educadores criam alternativas diferentes, tentando atrair
a presença dos pais, pelo menos no sentido de virem à escola para acompanhar o
processo de aprendizagem dos filhos. Algumas vezes, para conseguir a adesão dos
pais às reuniões, os educadores têm de fazer apelos emocionais, sortear brindes,
ameaçar.
Notamos que alguns sujeitos representados por vários segmentos da escola,
apresentam uma visão mais crítica e percebem que a democracia real está garantida
na lei e que isso trouxe alguns avanços, com alguns ensaios de experiências
democráticas. Se, por um lado, muitos ainda não conseguem perceber que a
democracia exige mais do que decreto e discurso político, por outro, outros já
apresentam uma visão mais crítica sobre essa problemática. Esses conseguem
também perceber que o processo de democracia está apenas no começo e ainda há
muito que se construir dentro dessa perspectiva:
Acho que melhorou a participação, cada um pode dizer o que pensa.
Mas, muitas vezes diz e não se compromete com os seus deveres.
Só sabe criticar e reivindicar. Acho mesmo que a democracia não foi
ainda internalizada e compreendida no seu conceito real. (Dir. 5).
120
A conquista da democracia depende de um processo longo... há
avanços e retrocessos... é preciso continuar insistindo. (Ped. 13).
Mas a democracia ainda é decretada, imposta por Lei. Não é uma
escolha da comunidade, que ainda não aprendeu a viver a
democracia. A autonomia da escola também é vigiada e limitada.
Ainda falta muito... (Ped. 11).
Temos muito que aprender sobre a democracia. Essa existe mais no
papel, com poucas experiências concretas. (Dir 3).
Outra constatação intrigante pela contradição que explicita é a informação de
que alguns projetos não estão contidos no PPP, pois foram “enviados” ou impostos
pela Secretaria da Educação. Tal fato, de acordo com nossa visão, contraria os
princípios de democracia e de autonomia da escola.
Indagamos sobre isso a duas diretoras que entrevistamos, e obtivemos os
seguintes depoimentos:
Olha, o projeto vem de cima pra baixo, é verdade! Mas, depende
como a gente o encara. Já que ele veio, como podemos aproveitar
esse projeto para ajudar a melhorar o trabalho da escola. Quando a
gente encara de maneira positiva, sempre temos bons resultados.
(Dir. 3).
Olha, nós não concordamos e não assumimos muitos projetos que
vêem impostos da Secretaria. Aquele que é bom para nossa
realidade nós aceitamos. Aqueles que não têm nada a ver,
rejeitamos. Mas a maioria das escolas se submete e aceita tudo que
vem. (Ped. 11).
É verdade que existe também muita pressão na escola, em cima do
professor. Com a avaliação externa, há uma cobrança em cima de
resultados. O professor fica angustiado e se sente pressionado a
mostrar resultados. (Prof. 7).
O professor que não faltar nem um dia no ano e nem pegar atestado
médico, ganha um salário a mais no fim do ano: é o prêmio do 14º
salário. (Prof. 3).
Tem pressão, sim: os contratados têm medo de perder o emprego;
os que têm dobra de turno têm medo de perder a dobra de turno...;
os efetivos têm medo da avaliação de desempenho e de serem
colocados à disposição da secretaria... (Prof. 06).
121
Pudemos confirmar que realmente a Secretaria envia constantemente
projetos prontos para serem executados nas escolas, e apenas após algum tempo é
que eles comporão o PPP. Portanto, grande número desses projetos é executado
sem, ainda, fazer parte do PPP. Entendemos que há escolas que simplesmente
acatam os projetos que vêem da Secretaria, executando-os sem questionamentos.
Contudo, há outras escolas que questionam e aderem somente àqueles que vão ao
encontro de suas necessidades.
Confirmamos a pressão existente com relação aos professores, exigindo
maior qualidade, competência e resultados no seu trabalho. Quem não reage ou não
atende às exigências, recebe punição e esta existe de formas variadas e algumas
vezes sutis e outras vezes mais explícitas.
Tivemos, ainda, outros relatos relacionados à existência da democracia e a
autonomia na escola:
Não existe democracia real, só no papel. A autonomia da escola
também é muito limitada e controlada. Ainda temos que caminhar
muito pra acontecer de verdade. (Prof. 7).
Em nome da descentralização, passaram para a escola muita
responsabilidade... mas, o comando continuou sendo em nível
central. (Ped. 9).
A autonomia ainda é muito relativa. Acredito que enquanto a
sociedade não se unir à escola, num grito uníssimo, nós não
teremos autonomia, de fato. A autonomia da escola está atrelada à
autonomia social. (Ped. 11).
- Mais a democracia já existe, o processo já foi instalado... e é na
escola pública que ele tem mais chance de acontecer. Mais o
processo ainda é capenga e tem de ser melhorado. (Ped. 13)
Por fim, concordamos com o depoimento que diz que a democracia ainda não é
completa e a autonomia é muito limitada. A democracia e a autonomia realmente
ainda estão engatinhando, são controladas e, por isso, há muito que se construir e
conquistar. E, por fim, reafirmamos o relato da pedagoga que diz que a democracia,
a participação e, enfim, a autonomia, são conquistas maiores, que exigem mudança
de cultura e também de postura, e envolve toda a sociedade. Destacamos como
122
importante o depoimento da pedagoga que disse que a escola pública é o lugar mais
indicado para a vivência democrática, que esta já existe, embora de forma limitada.
Acreditamos, então, que houve pequeno avanço na participação, mas é preciso
buscar o aperfeiçoamento.
Por fim, a gestão democrática, a participação livre e interventiva e a autonomia
da escola, defendidas e anunciadas na esteira de Paulo Freire, no Capítulo II, ainda
precisa ser aperfeiçoada e construída para ser plenamente alcançada.
Para confirmar o tema da qualidade de ensino, utilizamos no 5º bloco de
questões relacionadas ao PPP e o Currículo escola, no qual questionamos sobre o
que mudou, de fato, depois da implementação do PPP, no Currículo escolar. A
questão apresentada foi: Você acredita que depois da implementação do PPP houve
alguma mudança no Currículo e na qualidade do ensino escolar? O PPP está sendo
utilizado para orientar e aperfeiçoar a prática escolar? De que forma?
Obtivemos as seguintes respostas:
Claro que acontecem mudanças, sim. A escola e toda equipe ficou
mais empenhada em fazer um trabalho de mais qualidade. Todo
mundo se compromete mais.(Adm. 1).
Melhorou sim, um pouco. Mais ainda é muito pouco mesmo. Tem
muito que melhorar, ainda. (Prof. 11).
Penso que sim, né? A escola é tida como boa, pela comunidade.
Então, acho que melhorou e tá melhorando. (Pai 3).
Melhorou bastante, como por exemplo: aprendemos a trabalhar com
projetos, a buscar parcerias na comunidade, a sair da sala de aula
para uma aula campo ou excursão, tivemos oportunidade de discutir
coletivamente os nossos problemas. (Ped. 10).
Ah! Depois do trabalho com projetos, nós procuramos trabalhar com
maior integração, procurando fazer uma interdisciplinaridade entre
os conteúdos. Ficou mais rico o trabalho. (Prof. 3).
Esse ano chegou os computadores na escola. Temos agora aula de
informática, uma vez por semana e tem também internet para fazer
pesquisas. (Aluno 4).
Encontramos depoimentos de sujeitos que conseguiram perceber aspectos
positivos no aperfeiçoamento do Currículo escolar e as mudanças qualitativas no
123
trabalho pedagógico da escola, destacando o trabalho com projetos e a busca da
prática interdisciplinar. Entretanto, no discurso dos professores, percebíamos que
não entendiam com clareza sobre qual é a diferença entre o trabalho integrado e a
interdisciplinaridade
24
. As palavras são, ainda, usadas como “chavões” ou
expressões da moda, que impressionam e procuram aparentar um caráter
progressista ou um discurso moderno e atualizado para a educação.
Outra inovação comprovada e que responde às exigências da globalização é
o investimento em computadores e o acesso à internet, que verificamos que já foi
implantado em aproximadamente 20 escolas municipais. Tal investimento favorece
aos alunos da classe menos favorecida; o acesso ao computador, mesmo que de
forma mínima e precária, como mostra os depoimentos abaixo, é importante:
Mas os computadores vivem dando problemas. Às vezes tem só
metade funcionando. E junta a turma toda para a aula de
informática, que é só uma vez por semana, em cinqüenta minutos.
Quase não dá tempo pra gente explorar e fazer pesquisa. (Aluno 3).
É muito boa a aula de informática. Mas, devia ter mais tempo pra
gente explorar mais. Às vezes não dá nem pra gente vê os e-mails.
(Aluno 5).
A sala da informática é muito pequena, foi utilizada metade da
biblioteca. A turma é grande e todo mundo fica apertado lá... (Aluno
7).
A biblioteca foi dividida por causa da informática. Ela ficou muito
pequena, difícil de trabalhar nela. Além do mais, quase não tem
livros. É tudo velho e ultrapassado. Não dá vontade de ler... (Aluno
7).
A denúncia dos alunos esclarece a precariedade existente com relação aos
novos computadores que chegaram à escola. As máquinas apresentam problemas
quanto à qualidade e ao tempo de exploração, falta de manutenção e espaços
ambientais. Aparece também a denúncia de que a biblioteca tem espaço físico e
acervo bibliográfico precário e deficiente.
24
Para compreender melhor os conceitos de disciplinarização, integração dos conteúdos, interdisciplinaridade,
multidisciplinaridade e transversalidade, recorram-se às obras:
SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Trad. Cláudia Schilling. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul Ttda, 1998. p. 70.
SECRETARIA DO ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Sistema de Ação Pedagógica
Dicionário do Professor. Currículo. p. 43.
124
Dentro de outra perspectiva, outros entrevistados foram incisivos em afirmar
que o processo de construção do PPP:
Não ajudou a melhorar o Currículo. Os projetos que contem no PPP
são fragmentados. O professor tem que parar de dar o seu
conteúdo, para agora executar aquele projeto que consta no PPP ou
que veio da Secretaria. (Ped. 11).
Não, não acho que alterou alguma coisa no Currículo. No projeto
inicial ele nem fazia menção ao Currículo. Era um projeto à parte,
que discutia mais a realidade ou o retrato da escola, explicitava uma
filosofia, apresentava objetivos, metas e sub-projetos. Mas, a
maioria deles era diferente daquilo que se fazia na sala de aula.
(Prof. 8).
Não. O PPP é um projeto separado e à parte. Nem faz comentário
sobre o Currículo da escola. (Ped. 6).
Ainda, não. Bom, se o PPP for aberto e democrático, ele poderia sim
interferir no Currículo da escola. A grade curricular não precisaria
ser uma grade... Poderíamos ter mais interdisciplinaridade, trabalhar
com maior integração entre os profissionais. Acho que isso faz parte
da democratização do PPP. (Prof. 11).
Não, não interferiu. O Currículo continuou sendo o mesmo e não
estava relacionado com o PPP. (Prof. 3).
A estrutura da escola não favorece o planejamento conjunto dos
professores para estudo, planejamento e troca de experiências.
Assim, fica difícil o trabalho interdisciplinar. (Ped. 13).
A filosofia do Município é que a gente deve trabalhar na perspectiva
interdisciplinar. Mas falta o conceito teórico, as ações acontecem em
alguns momentos apenas de forma interdisciplinar, mas é um
interdisciplinar que não se sustenta na linha de um teórico. (Ped. 9).
Diante dos depoimentos, percebemos que quase sempre o PPP fora
construído seguindo uma orientação técnica, mas sem grande preocupação em
fazer a interação dos seus projetos, com os conteúdos trabalhados pelo professor na
sala de aula. Aqueles conteúdos previstos em cada ano escolar, para as diferentes
turmas, deveriam ser considerados e aproximados, fazendo-os interagir, de modo
que se alcançasse a sintonia e a junção dos conhecimentos. Não poderíamos ter um
momento para os conteúdos da série ou do ciclo e outro momento separado, para o
desenvolvimento dos projetos. Assim, percebemos que a prática tradicional ainda se
faz presente e encontra-se viva e atuante em nosso espaço escolar.
125
Nesse sentido, o conhecimento ainda está sendo visto como um produto
pronto e acabado, fragmentado e fragilizado que, comumente, é transmitido e
armazenado pela repetição mecânica e a memorização.
Por conseguinte, chegamos ao 6º bloco de questões, cujo enfoque foi a
relação do PPP com a melhoria da qualidade de ensino ou o alcance de uma
escola inclusiva. Indagamos sobre qual é a importância do PPP para a qualidade
do ensino. Tivemos, de igual modo, respostas variadas, umas que se
complementam e outras que se divergem completamente. Dentre essas, elencamos
os seguintes depoimentos:
Ele é muito importante. O objetivo dele maior é isso: garantir a
melhoria da qualidade de ensino. Por isso que ele analisa a
realidade da escola e, diante dessa realidade, traça objetivos, metas
e propõe projetos de mudança. (Ped. 5).
Eu acho que já melhorou um pouco. Mas, acredito que as mudanças
têm que ocorrer primeiro internamente, é um processo demorado.
Ainda falta muito... (Dir. 1).
Eu acho que é importante, sim. Se fazem o tal projeto é para
melhorar a escola. Acho que tão conseguindo isso, sim. (Mãe 2).
Sei que os professores vivem fazendo curso pra melhorar a aula. Se
fazem o projeto é porque é importante e querem melhorar. (Mãe 3).
É importante. De qualquer forma a gente tem tentado, né? Faz
curso, estuda, planeja... Mas, a gente que ainda temos muito o que
melhorar. (Prof. 13).
Encontramos depoimentos que mostram a crença de que o PPP tem
interferido e colaborado com a melhoria da qualidade de ensino. Mas, se por um
lado alguns acham que a melhoria foi significativa, por outro lado vários
entrevistados já percebem que a influência foi pequena e pouco significativa.
Diferentemente, outros sujeitos entrevistados já apresentaram de forma
incisiva, a opinião de que os PPPs pouco ou nada interferiram na melhoria da
qualidade de ensino da escola municipal. Vejamos os depoimentos:
126
Sei que se faz projeto para melhorar, corrigir os erros, aperfeiçoar o
trabalho. Mas, não vejo que o PPP até o momento, tenha cumprido
esses objetivos. (Ped. 11).
Não vejo sintonia entre o PPP e a preocupação com a qualidade de
ensino. Acho que isso, pelo menos até agora, está meio dissociado.
(Prof. 7).
Não. Acho que uma coisa é o PPP, documento técnico, pra cumprir
uma exigência da Secretaria. Outra coisa é a qualidade ou aquilo
que acontece, de verdade, na escola. (Prof. 11).
A avaliação externa mostrou que a qualidade de ensino está muito
baixa. Falta muito para melhorar. (Dir. 2).
Agora temos a preocupação de melhorar a qualidade pra sair bem
na avaliação externa, né. (Prof. 07).
Não melhorou a qualidade de ensino. Prova disso é que os nossos
alunos continuam chegando à 5ª. Série ou até concluindo o Ensino
Fundamental e mal sabem ler e escrever. São semi-analfabetos. A
escola vai promovendo eles, tipo promoção automática, e eles saem
sem saber quase nada. (Ped. 7).
Destacamos, nesse contexto, o desabafo da pedagoga que também é mãe de
um aluno da escola pública. Explicita a denúncia e confirma a baixa qualidade de
ensino da escola pública municipal. Portanto, sem dúvidas, há limitações no
processo de ensino aprendizagem e a escola falha no cumprimento de suas
funções.
Por conseguinte, apresentamos aos sujeitos de nossa pesquisa, a seguinte
questão: O processo de elaboração do PPP trouxe o aperfeiçoamento da qualidade
de ensino? Depoimentos:
Eu acho que sim. Por exemplo, no último conselho de classe, depois
também desse resultado da Prova Brasil, a gente conversou muito a
respeito de como estar melhorando as práticas em sala de aula, nos
professores estar buscando uma qualificação, freqüentando cursos.
Com tudo isso, temos tudo pra melhorar... (Prof. 11).
Acho que sim. Agora trabalhamos mais com projetos. Esse ano tem
o do “cantinho da leitura”, tem o da CTBC que incentiva os alunos a
escreverem cartas; tem um da Universidade que traz psicólogos
para atender os alunos... (Ped. 4).
Acho que ajudou. Agora nós temos aulas de informática, uma vez
por semana, é divertido e interessante. (Aluno 2).
127
Acredito que muito pouco. Nossas escolas foram submetidas à
avaliação externa que mostra o fracasso da escola em ensinar os
alunos. Pouca coisa melhorou e tem muito mais para se repensar.
(Dir. 2).
A qualidade de ensino ainda é precária. Agora a gente trabalha
pensando em preparar os alunos pra avaliação externa. O ensino
fica centrado nisso e a gente fica sem autonomia. (Prof. 8).
Aparece novamente a questão da pressão sobre o fato de ter que mostrar
resultados na avaliação externa. A qualidade de ensino fica amarrada a uma
pressão do sistema, e não há como fluir naturalmente.
Assim,
[...] o processo avaliativo está vinculado a aspectos quantitativos e
pontuais, visando aferir e controlar a qualidade por meio de
instrumentos técnico-burocráticos e aplicados por grupos
estratégicos articulados em diferentes níveis da esfera
administrativa” (VEIGA, 2001b, p. 52-53).
Se por um lado, houve respostas afirmativas quanto à visão de melhoria da
qualidade de ensino, por outro houve também respostas negativas, que denunciam
a fragilidade da escola municipal, mediante os maus resultados do desempenho dos
alunos, revelados na avaliação externa.
Vale destacar o reconhecimento da aprendizagem sobre a cultura de projetos,
a importância de a escola estar aprendendo a fazer parcerias e convênios com
instituições ou empresas da comunidade, a introdução do projeto de informática, que
possibilitam o acesso ao computador, aos alunos carentes.
Acreditamos que a escola de boa qualidade está intrinsecamente relacionada
à escola inclusiva, porque deve acolher e ensinar a todos.
Por último, fizemos a seguinte pergunta aos entrevistados: Você considera a
escola pública municipal de Uberaba, uma escola inclusiva? Que recursos a escola
utiliza para atender à diversidade de alunos que aprendem em ritmos, formas e
tempos diferentes? Por favor, justifique o que pensa:
128
As crianças com maior dificuldade ou defasagem na aprendizagem
são atendidas no extraturno, duas vezes por semana, no projeto
“Ensino Alternativo” e também nos “Laboratórios de aprendizagem”
que dão reforço pra quem apresenta déficit de aprendizagem. (Prof.
3).
A escola tem o projeto “Ensino Alternativo”, que ajuda muito as
crianças que tão com defasagem. Meu filho participou dois anos
desse projeto, e depois melhorou muito. (Mãe 1).
O novo Secretário acabou com o projeto “Ensino Alternativo” e criou
outro parecido que agora se chama “Laboratório de aprendizagem”.
O objetivo é dar reforço para os alunos com dificuldades. (Adm. 2).
As Escolas Municipais de Uberaba contaram por aproximadamente 10 anos
(1996-2005) com o Projeto intitulado “Ensino Alternativo”. Era um atendimento
pedagógico feito por professor especializado que acompanhava o desenvolvimento
pedagógico de grupos de quatro a seis alunos e, para isso, esse profissional devia
estar sempre pesquisando e procurando atualização na área. Cada aluno passava
por uma avaliação psicopedagógica e as aulas de acompanhamento pedagógico
aconteciam de acordo com um plano de intervenção específico, que atendesse às
necessidades de cada aluno. Sem dúvidas, era um projeto importante, que oferecia
apoio ao desenvolvimento da aprendizagem das crianças, no extra-turno escolar.
Na nova gestão da Secretaria Municipal de Educação, o projeto “Ensino
Alternativo” foi extinto e, em seu lugar, foi colocado outro projeto, o “Laboratório de
aprendizagem”, que não vingou e também logo fora extinto.
Entretanto, percebemos que não se avançou na concepção, pois este tem a
característica de reforço escolar e não de apoio psicopedagógico. São apenas
vaidades explicitadas na necessidade dos governantes extinguirem projetos antigos,
ao invés de reestruturá-los, e iniciarem projetos novos, apenas para deixar a sua
marca. Daí a evidência da falta de continuidade das políticas educacionais que
prejudicam o desenvolvimento e o aperfeiçoamento dos bons projetos e, ainda,
favorece o desperdício do dinheiro público em projetos inócuos, que demandariam
tempo para trazer resultados e, não tendo continuidade, não apresentam resultados
positivos.
Entretanto, os discursos indicam que os professores ainda não apresentam
discernimento claro do que seja um atendimento psicopedagógico e uma aula de
129
reforço, denominando os projetos extra-turno ora de reforço e ora de apoio
pedagógico:
Nós não atendemos nenhum aluno com necessidade especial.
temos um aluno com defasagem maior de aprendizagem, e este trás
muita preocupação e ansiedade na maioria dos professores, pois
não sabem o que fazer, ficam inseguros. (Dir. 4).
Mas, a escola normal não dá conta de atender os alunos com
deficiência, não. Não tem professor preparado e nem recursos.
Não tem rampa na escola. A gente tem de mandar pra escola
especializada que tem todos os recursos... (Prof. 3).
A gente aceita as crianças, a gente tenta modificar a cabeça do
professor para aceitar os deficientes... não é fácil! Ainda mais que
temos escada e não tem nada adaptado. (Prof. 5).
Dependendo da boa vontade do pessoal, a escola é sim, inclusiva.
Mas a escola teria que estar adaptada. Ela não tem nenhuma
adaptação arquitetônica e nem profissionais especializados. Tem
alguns professores que tão buscando aprender LIBRAS, a língua de
sinais. (Prof. 11).
As falas aqui explicitadas revelam a dificuldade dos professores para
aceitarem na escola comum as crianças com deficiência. Suas concepções revelam
que se sentem inseguros diante de uma criança com necessidades educativas
especiais. Portanto, não se sentem preparadas para atendê-los e, diante disso,
rejeitam a presença de tais crianças. Por isso, pensam que a melhor solução é
sempre encaminhar tais alunos para as escolas especializadas, as quais possuem
recursos e pessoal específico para trabalhar com elas. Apresentam como principais
obstáculos impeditivos da aceitação dessas crianças o despreparo dos professores,
a falta de recursos didático-pedagógicos e a falta de adaptações arquitetônicas para
atender, neste caso, os deficientes físicos. Outro aspecto que julgamos pertinente
destacar refere-se ao fato de que não basta apenas inserir a criança na escola para
garantir a sua inclusão, como não basta boa vontade e aceitação. É preciso que ela
seja atendida dentro de suas necessidades, para que haja aprendizagem e
desenvolvimento. Inclusão, de fato, não depende só de aceitação e boa vontade,
depende de reestruturação da escola nos aspectos atitudinais, arquitetônicos e
130
pedagógicos, na busca de atender a todas as crianças, de acordo com as
necessidades que elas possuam.
Na verdade, o que acontece nas escolas municipais de Uberaba é Integração
e não Inclusão
25
educacional. Dentro do princípio de Integração, o sistema
educacional como um todo recebe todas as crianças. Entretanto, a criança que não
se adapta à escola comum, da forma como ela está estruturada, sendo, então,
encaminhada para as salas especiais ou escolas especializadas. Tal princípio adota
práticas que conduzem à estigmatização e à classificação, pois separam as crianças
em guetos, de acordo com suas capacidades e habilidades cognitivas, psicomotoras,
perceptivas, visuais, auditivas, dentre outras.
Por conseguinte, outro grupo entrevistado, pensa a inclusão com uma visão
mais aberta e atual. Pronunciaram-se, então, dessa forma:
Inclusão, mesmo, ainda não. A escola recebe os alunos, e mais
aqueles que têm só dificuldades de aprendizagem, e faz o que
pode. (Prof. 6).
A escola recebe todas as crianças, mas falta uma equipe
especializada que dê conta de atender as crianças com deficiência.
(Prof. 5).
Tem um adolescente que mora perto da escola que é doido pra
estudar aqui. Mas, ele é cadeirante e a escola não é adaptada, está
cheia de escadas... Morro de pena! Mas, não tem jeito dele vir pra
escola. (Dir. 2).
A escola não é inclusiva. Não tem nenhuma adaptação
arquitetônica. E o pior é que o Currículo é organizado de forma
tradicional, em gavetinhas e ao mesmo tempo fragmentados... (Ped.
11).
Eu acho que nós ainda temos muitas dificuldades na questão da
inclusão. A escola não está conseguindo atender, com qualidade,
nem aqueles considerados “normais”. Então, como pode haver
inclusão? (Ped. 11).
25
Para entender mais sobre o assunto, consultem as seguintes referências:
DALBERIO, M. C. B. Quem são e onde estão os alunos egressos da Educação Especial? 2000. Dissertação
(Mestrado em Educação, Área de Educação Especial) – Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia - UFU,
2000.
MANTOAN, M. T. E. Inclusão Escolar. O que é? Por que? Como fazer? São Paulo: Moderna. 2003. (Col.
Cotidiano escolar).
131
A avaliação externa – Prova Brasil – mostrou o quanto a qualidade
da educação está mal na escola municipal. No Estado também é a
mesma coisa. (Ped. 09)
Essa escola, não pode ser considerada inclusiva. Falta muito para
alcançar esse patamar. (Ped. 7).
O princípio de inclusão diz respeito à verdadeira escola inclusiva, seria aquela
de boa qualidade para todos, na qual todos pudessem aprender e se desenvolver
juntos, sem rótulos e estigmatizações. A escola deveria ser de tão boa qualidade
que conseguiria “ensinar a turma toda”, como diz Mantoan (2003). Pois, a escola de
boa qualidade tem de conseguir fazer que todos aprendam, sem deixar de respeitar
os diferentes ritmos e tempos de aprendizagem, da diversidade de crianças
presentes no cotidiano escolar.
Notamos que, realmente, a escola ainda não é inclusiva. Reafirmamos que a
escola inclusiva é aquela escola de boa qualidade para todos os alunos,
independente das diferenças que eles possuam.
3.2 Considerações gerais sobre os dados empíricos
Para a compreensão plural das fontes, recursos e informações colhidas nesta
investigação recorremos, neste momento, ao procedimento metodológico da
triangulação, sugerida por Gómez (1998). O objetivo principal é provocar a troca de
pareceres ou a comparação dos registros e informações. Acreditamos, pois, que
comparar as diferentes perspectivas e visões dos diversos agentes que participaram
da pesquisa é um procedimento sine qua non para aclarar as distorções e
tendências subjetivas que necessariamente se produzem na representação
individual ou grupal da vida dos sujeitos envolvidos. Dentro desse prisma,
acreditamos obter a possibilidade de relativizar as “interpretações distintas e
inclusive estranhas, enriquecer e ampliar o âmbito da representação subjetiva e
construir mais criticamente seu pensamento e sua ação” (GÓMEZ, 1998, p. 109).
Passamos a apresentar, em resumo, alguns resultados e aspectos relevantes
da investigação em pauta.
132
De início, reconhecemos o esforço do Município de Uberaba e,
especificamente, da Secretaria Municipal de Educação, em ser umas das cidades
pioneiras no interior de Minas Gerais na sistematização e organização do sistema
educacional. Tal mérito deve ser reconhecido e destacado. Por causa disso, o
Município de Uberaba, desde o ano de 1993, conduz seu processo educacional sob
a orientação de um Plano Municipal de Educação e, além disso, cada unidade
escolar construiu o seu Projeto Político-Pedagógico. Ao adotar a política
educacional da “Escola Cidadã”, acreditou e investiu na construção de uma escola
mais democrática e participativa, na qual fosse possível a formação do cidadão
ciente e responsável diante de seus deveres, e, em paralelo, consciente e zeloso de
seus direitos.
Vivemos a experiência in loco e, além disso, fomos consultar/ouvir os
companheiros e companheiras de jornada, que estiveram ao nosso lado
experimentando o Projeto da “Escola Cidadã”.
Afirmamos, diante dos resultados, que ao aderir a filosofia à proposta
explicitada acima (em 1993), a Secretaria de Educação de Uberaba, representada
por sua equipe coordenadora, não mediu esforços para levar tal concepção
educacional a todos os educadores, pais e alunos. Quis seduzir e mobilizar a todos
com a idéia de construir uma escola de boa qualidade, alegre, mais democrática e
participativa, para todos.
Nesse prisma, preocupou-se com a escolha da Filosofia de Educação do
município e com a sistematização da prática pedagógica por meio de projetos. Foi
criado o Centro de Formação de Professores (CEFOR) para dar formação
continuada aos professores. Houve incentivo para os professores buscarem mais
especialização nos cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Aconteceu o
avanço do regime seriado para a implantação dos ciclos nos moldes da Progressão
Continuada. Criou-se o concurso e a eleição dos diretores escolares, para legitimar a
democracia na escola. O trabalho passou a ser mais sistematizado, orientado por
uma concepção filosófica e com a orientação para a construção do Projeto Político-
Pedagógico para dar maior autonomia às escolas tendo em vista a melhoria de sua
qualidade de ensino. Foi criado o Projeto “Ensino Alternativo” para dar apoio no
extra-turno aos alunos com dificuldades de aprendizagem. Foram ampliadas e
construídas várias escolas para ampliar o atendimento escolar. Realizaram-se
concursos públicos para a escolha de profissionais mais qualificados. Foram criados
133
os “dias escolares”, nos quais, em um sábado mensal, todos os segmentos da
escola se reúnem para estudar e discutir questões próprias. Criaram-se revistas e
jornais para publicações das experiências exitosas dos professores, bem como do
resultado das pesquisas daqueles que estavam cursando pós-graduação. Foram
publicados livretos e cartilhas com orientações, todos com ricos conteúdos que
representavam bons subsídios e apoio para o trabalho docente.
Portanto, é inegável o esforço, o investimento e as ações em prol da
construção de uma escola de melhor qualidade. Tudo isso está registrado nos livros,
nos documentos, nas publicações e também na memória das pessoas que
viveram/vivem, participaram/participam, fizeram e estão fazendo a história da
educação do município de Uberaba.
Em posse das análises dos dados coletados, especialmente confrontando os
diferentes discursos e testemunhos, pela observação da prática pedagógica
(experiência vivida) e também mediante os resultados da avaliação externa,
constatamos que a escola pública municipal de Uberaba ainda não é considerada
uma escola inclusiva e, portanto, de boa qualidade para todos.
Ao tomar como base a informação sobre os resultados da avaliação externa e
nos depoimentos dos próprios educadores, entendemos que a escola pública
municipal de Uberaba ainda não alcançou a boa qualidade de ensino. Por que,
conseqüentemente, não temos, a essa altura, nas escolas municipais de Uberaba,
uma escola de boa qualidade e, assim, uma escola inclusiva?
Porque, acreditamos que mesmo considerando todos os esforços realizados,
notamos que a política educacional adotada, bem como o seu discurso inovador,
que dá ênfase aos conceitos de democracia, participação, formação docente e
qualidade de ensino, é o mesmo adotado pela política neoliberal, em instâncias
nacionais, estaduais e municipais de educação. Sabemos que esse discurso foi, na
verdade, apropriado pela concepção neoliberal, mas sua origem situa-se nos
movimentos sociais e sindicais, que clamam pela libertação contra a opressão e,
principalmente, pela construção de uma nova ordem social.
Lembramos que a cultura de nosso povo está imersa nos valores e condutas
de submissão e resignação, reforçadas pelos resquícios da Ditadura Militar. A
experiência democrática se faz tímida e avança devagar, em um processo lento. Por
isso, a participação se dá, nesse passo, de forma representativa, sendo inibida, sem
expressão e, ainda, sem ressonância. Muitas vezes, há apenas presença física,
134
sem defesa, sem denúncia e, portanto, sem possibilidade de anúncio, de uma nova
realidade.
A valorização do profissional da educação em termos de salários e condições
dignas de trabalho ainda não ocorreu e a situação dos educadores no dia-a-dia das
escolas é degradante: excesso de trabalho, ativismo, falta de condições dignas de
trabalho, pressão, falta de tempo para refletir sobre a prática e, por isso, há um
sentimento de desencanto, de resignação diante das condições indignas de trabalho
e de sobrevivência. É inércia é grande, com iniciativas isoladas.
O Projeto Político-Peagógico ainda é construído de maneira formal, para
cumprir uma exigência da Secretaria. Não nasceu da vontade, do desejo e da
necessidade da comunidade. Não houve, ainda, de maneira geral, o convencimento
e a compreensão sobre o seu valor e o seu poder. Por isso, algumas pessoas nem
o conhecem, ou o conhecem superficialmente. A verdade é que a maioria não o
reconhece como o “seu projeto”, e não o percebe como possibilidade de mudança e
de transformação. Sobretudo, ainda não descobriram a importância do documento
como instrumento que promove a autonomia e a libertação. Por isso, falta
envolvimento, compromisso, esperança e utopia. Destacamos que, apesar de tudo
isso, já houve um pequeno avanço na compreensão da importância do projeto e da
gestão democrática.
Nesse sentido, há muito tempo, Freire (1983, p. 101) havia afirmado que não
podemos ingenuamente esperar resultados positivos de um programa, mesmo que
“seja educativo num sentido mais técnico ou de ação política”, se for desrespeitada a
particular visão de mundo que tenha o povo, uma vez que isso se constitui em uma
forma de “invasão cultural”, ainda que feita com as melhores intenções. Além disso,
Freire denuncia que há muitos exemplos de planos de natureza política, ideológica
ou simplesmente docente, que falharam porque seus realizadores partiram de uma
visão pessoal da realidade: “Porque não levaram em conta, num mínimo instante, os
homens como puras incidências de sua ação”. (FREIRE, 1983, p. 99). Portanto, os
educadores e toda a comunidade escolar, só poderão levar a sério, o projeto que
tiver a sua autoria e representar a sua cultura, suas necessidades e uma firme
orientação para uma prática mais consistente e incisiva.
A participação dos pais é muito tímida. Há apenas uma representatividade
mínima. Existe presença física sem intervenção. Precisam se conscientizar do seu
compromisso como sujeito que tem um papel social a cumprir, que pode interferir e
135
mudar, reivindicar, transformar e construir uma outra realidade menos adversa.
Acreditamos, firmemente, que a escola teria maior qualidade de ensino se os pais e
alunos das classes menos favorecidas – as vítimas do sistema capitalista – fizessem
valer e ouvir a sua voz, gritando em coro, de forma ousada e corajosamente, por
mais respeito, tratamento digno e, conseqüentemente, uma escola de maior
qualidade para seus filhos.
Se, por um lado, o discurso anuncia democracia e autonomia para a escola,
por outro, há imposição de projetos prontos, a liberdade é controlada, existe pressão
e vigilância. Assim, concordamos com Pereira (1997), que afirmou que a
democracia recente e a cidadania incompleta dificultam a governabilidade
democrática. Assim, está nos sendo negada a verdadeira democracia e autonomia.
O processo de discussão para a construção do PPP ainda é muito técnico e
formal. Não oferece abertura para ser um momento de aprendizagem, de troca e de
crescimento. Por conseguinte, o processo não é reconhecido como formador e re-
formulador das concepções educacionais. A formação docente acontece em um
outro tempo e em outro espaço, desvinculado da prática cotidiana do professor.
Dentro desse prisma, o processo de construção do PPP pouco interfere no
aperfeiçoamento do Currículo escolar e, da mesma forma, pouco contribui para a
melhoria da qualidade de ensino. Sem dúvidas, o Currículo sofre influências dos
conflitos e contradições do contexto no qual se insere. É, portanto, determinado
histórica e culturalmente pelas condições existentes.
É verdade que a educação do município conseguiu avançar da seriação para
o ciclo ou progressão continuada, do discurso tradicional para um discurso mais
progressista. De um trabalho completamente assistemático para um trabalho mais
sistematizado. Entretanto, tais mudanças se deram de forma vertical, sendo
impostas pela Secretaria de Educação. Não houve a formação adequada dos
professores e nem a reestruturação do espaço e tempo escolar para garantir o
sucesso das novas propostas e modelos de educação. Tivemos, então, propostas
inovadoras e ousadas, mas não houve investimento nas condições técnico-didático-
pedagógicas para fazê-las acontecer com sucesso.
A implantação do ciclo, em uma perspectiva de construção do conhecimento,
foi desvirtuada pelas condições de trabalho que as inviabilizaram. Se, por um lado,
houve redução nos índices de reprovação e evasão escolar, por outro os alunos
136
permaneceram na escola por mais tempo, sem reprovações; contudo, sem
desenvolver uma aprendizagem significativa.
Assim, notamos que há uma descontinuidade dos projetos em nome da
renovação e do redimensionamento, mas, também, das vaidades dos gestores,
conforme já referenciamos. A cada administração, novos planos e novos projetos
são apresentados. Por isso, desprezam-se os projetos antigos, e começa-se tudo de
novo. Nem ao menos se tem a sensatez de aproveitar o que estava dando certo.
Existe, desse modo, a descontinuidade das políticas educacionais.
Nesse sentido, Foucault (2007, p. 72) denunciou o perigo das reformas
impostas pelos novos governantes:
[...] a noção de reforma é tão estúpida e hipócrita. Ou a reforma é
elaborada por pessoas que se pretendem representativas e que têm
como ocupação falar pelos outros, em nome dos outros, e é uma
reorganização do poder, uma distribuição de poder que se
acompanha de uma repressão crescente. Ou é uma reforma
reivindicada, exigida por aqueles a que ela diz respeito, e aí deixa
de ser uma reforma, é uma ação revolucionária que por seu caráter
parcial está decidida a colocar em questão a totalidade do poder e
de sua hierarquia.
Comumente, o que temos presenciado é o primeiro modelo de reforma
apontado por Foucault. O segundo modelo representaria realmente uma revolução e
um avanço.
O discurso dos educadores em geral – professores e pedagogos – apresenta-
se progressista; contudo, a prática continua orientada pela concepção tradicional de
educação. O trabalho com projetos significa um avanço e um princípio de integração
dos conteúdos, embora seja ainda muito pequena. O que acontece mesmo é a
continuidade do trabalho fragmentado e disciplinarizado. O Currículo continua rígido
e fechado. Existe a busca do trabalho interdisciplinar. No entanto, o que se verifica é
que, na maior parte do tempo, trabalha-se o conteúdo disciplinar, e, em alguns
momentos, em separado, a execução do projeto que está no PPP ou o que foi
enviado pela Secretaria. Na culminância de tais projetos, realizam-se alguns
momentos de ‘glória da interdisciplinaridade’, voltando no dia seguinte para os
conteúdos disciplinares isolados.
137
A avaliação externa foi utilizada no município. Sabemos de todas as
contradições que ela apresenta, tais como a invasão da autonomia da escola, a
descontextualização com cada realidade, a pressão que ela representa sobre os
alunos e os educadores. Entretanto, ela serve também, de algum modo, para
confirmar que a escola não vai bem e que ela não está cumprindo o seu papel de
ensinar bem, com boa qualidade. Serviu para denunciar que a maioria não está
aprendendo.
Entendemos que a questão central do PPP é a participação democrática, que
deve ser representada por todos os segmentos da escola. Cremos que apesar das
dificuldades, ainda é possível fazer com que o projeto da escola seja realmente um
projeto de todos, inclusive dos pais dos alunos e da comunidade.
Assim, o processo de construção do PPP é tomado como guia orientador da
prática escolar e, ainda, se constitui como um exercício de aprendizagem de
democracia e de cidadania.
Concluímos, assim, este capítulo que trata da tabulação dos dados empíricos,
resultados da análise dos documentos da escola e do conteúdo das entrevistas dos
nossos diversos sujeitos.
No próximo capítulo, discutimos teoricamente sobre o Projeto Político-
Pedagógico. Priorizamos os aspectos legais, técnicos e formais, bem como as
dificuldades, a construção e a concretização do documento, bem como as
influências recebidas no contexto histórico atual.
Toda a discussão realizada neste texto, em uma abordagem crítica, conduz-
nos à discussão de um processo de planejamento que se efetiva em um importante
documento/plano – O Projeto Político-Pedagógico da escola – o qual acreditamos
ser um instrumento de luta, como recurso mediador e viabilizador das instâncias que
possibilitam a vivência da democracia e a da conquista da cidadania, bem como a
conquista dos sonhos e utopias aqui registrados. Ainda apostamos nisso.
Esperamos, desse modo, compreender melhor a importância do PPP como
um documento orientador e indicador de caminhos, que guia a ação da escola e, por
isso, interfere e contribui com a melhoria da qualidade de ensino.
CAPÍTULO 4
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: o caminho para uma educação
emancipadora
Todos juntos somos fortes.
Somos flecha e somos arco.
Todos nós no mesmo barco,
Não há nada pra
temer”
26
.
Chico Buarque
Nesta seção, elegemos como objeto de discussão e análise o Projeto Político-
Pedagógico (PPP). Para dar conta dessa missão, apontamos a sua existência legal,
contida na legislação; sua origem, seu valor e importância, sua função formadora e
transformadora, bem como os obstáculos que se entrecruzam procurando desviar o
PPP de sua importante missão e a sua viabilização prática. Discutimos, ainda, a
necessidade de um projeto coletivo, no sentido de reestruturar a escola para que
possa atender à diversidade de alunos presentes no sistema escolar e,
conseqüentemente, aceitar o desafio de se construir uma escola mais inclusiva.
4.1 O Projeto Político-Pedagógico: conceito e processo de construção
Ao fazermos uma retrospectiva histórica, constatamos que a idéia de PPP
surgiu antes da LDB. Temos como marco o ano de 1990, quando se deu ênfase na
implementação de programas e projetos voltados para a liderança do gestor da
escola, fazendo parte de um movimento internacional que “envolveu reformistas e
legisladores em plena sintonia com o projeto político do Banco Mundial, sem faltar
consentimento do Ministério da Educação e Cultura (MEC). O novo modelo de
regulação redefine as relações entre políticas, governos e educação” (ROSSI, 2004,
p. 18).
26
A letra da música de Chico Buarque foi encontrada no site : http://www.chico-buarque.todos-
juntos.buscaletras.com.br/.
140
Um forte marco foi a realização, em 1990, da Conferência Mundial de
Educação para Todos, já referenciada no primeiro capítulo desta tese. O Brasil
tornou-se signatário de tal evento, cuja proposta principal foi a eqüidade social nos
países mais pobres e populosos do mundo. Essa Conferência difundiu a idéia de
que a educação deveria realizar as necessidades básicas da aprendizagem (NEBA)
de crianças, jovens e adultos. Depois disso, desencadeou-se a idéia da necessidade
de repensar sobre o gigante e burocrático sistema de ensino, e partiu-se para a
busca de estratégias para melhoria da alocação de recursos humanos, priorizando a
necessidade de autonomia da escola e a necessidade de cada uma elaborar o seu
próprio projeto institucional e pedagógico, buscando a melhoria da qualidade.
A reforma educacional dos anos 1990 propõe o Estado descentralizador, que
transfere responsabilidades diretas da educação às famílias e aos gestores da
escola. Assim, o gestor escolar tem assumido imensas responsabilidades, que
ultrapassam suas funções internas. Essas medidas visam a desobrigar o Estado da
responsabilidade do financiamento do sistema público de ensino. Por isso,
percebemos que a concepção de gestão disseminada pelos credores
internacionais
27
contrapõe-se à proposta do PPP, especialmente com relação à
construção coletiva do trabalho escolar e, além disso, fortalece a burocracia na
escola, descartando a base política que se dá pelo coletivo e é inerente ao PPP.
Tal orientação estava amarrada ao projeto neoliberal que expressava o
avanço do capitalismo no mercado mundial. Assim, o programa de Qualidade Total
(QT) veio dar resposta às necessidades do capital. No Brasil, tal programa fora
desenvolvido por Cosete Ramos, o qual aplicou o método de administração das
empresas para o campo da gestão das instituições escolares. Dentre os valores da
QT, segundo De Rossi (2004), estão a gestão democrática das escolas por
liderança; o diretor como líder da comunidade educativa; o ensino com base no
aprendizado cooperativo; o trabalho escolar de qualidade e a estratégia de
participação com trabalhos em equipe. Sob um olhar ingênuo e sem ler as
entrelinhas, podemos até pensar que tais estratégias são viáveis e até que,
27
Nos anos 1990, o Brasil recebeu apoio de várias instituições financeiras multilateriais (Banco Mundial e FMI),
adotando, a partir daí, medidas educacionais de caráter descentralizador. Destacava-se que, segundo Borges
(2003, p. 110) “para a melhoria da sua qualidade das escolas fundamentais, era preciso considerar a escola como
unidade de transformação do processo de aprendizagem e, ter a descentralização como estratégia de construção
de escolas eficazes, fortalecendo-se sua autonomia, a despeito da manutenção de estruturas centralizadas
responsáveis por determinados aspectos da administração escolar como currículos, pagamento de professores,
etc”.
141
verdadeiramente, representam inovações e atendem às necessidades do povo.
Entretanto, sabemos que as modificações históricas do mundo do trabalho, desde o
final do século XIX até a atualidade, vieram sempre acompanhadas de projetos
pedagógicos, cujos princípios educativos propõem a divisão entre a concepção e a
execução do trabalho, entre pensamento e ação. Assim, tais técnicas sinalizam um
descompromisso com a relação do conhecimento integrado ao conteúdo e ao
método, assim como privilegiam ora a racionalidade formal, ora a técnica, o que gera
uma fragmentação do saber. Tais práticas têm seus fundamentos alicerçados pelo
Positivismo, cujos princípios não comungam com nossa forma de compreender o
mundo.
Dessa forma, a proposta neoliberal de educação, cujos valores se baseiam na
Qualidade Total, por um lado, diagnosticam os problemas como meramente
gerenciais, ligados às questões técnicas e, por outro, ignoram a análise da esfera
política e a reflexão crítica sobre os problemas estruturais que determinam o
momento hodierno do sistema educacional.
Como discutimos no capítulo anterior, a Constituição Federal de 1988 trouxe,
em seu capítulo dedicado à Educação, a gestão democrática do sistema de ensino
público como princípio norteador da igualdade de condições de acesso à escola e
garantia de padrão de qualidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação atual
regulamentou a gestão democrática das escolas públicas, colocando os Projetos
Político-Pedagógicos como instrumentos de “inteligibilidade de uma mudança
significativa” (DE ROSSI, 2004, p. 13).
Legalmente, o Projeto Político-Pedagógico (PPP) foi outorgado pela atual Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) e, no Art. 14, no inciso
II, garante a “I – participação dos profissionais da educação na elaboração do
projeto pedagógico da escola”.
Antes, no Art. 13, a LDB determina que “Os docentes incumbir-se-ão de: I –
participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino [...]”.
Assim, muitas vezes, não é por livre escolha que as Instituições Educacionais
preocupam-se em construir os seus Projetos Político-Pedagógicos, mas sim por uma
imposição da Lei. Da mesma forma, os docentes e toda a equipe escolar participam
do processo antes, porque é dever legal, e não pelo simples desejo e/ou direito de
exercer o seu papel de cidadão consciente e participativo.
142
Entretanto, o sistema nacional de educação não apresenta, ainda, o que
consiste em um projeto articulado, unitário e orgânico da educação. A LDB mantém
essa fragmentação, pois omite a perspectiva mais ampla do PPP, ou seja, seu
caráter público, democrático e de inclusão social. O PPP passa, então, de acordo
com Melo (2001, apud De Rossi, 2004, p. 14), a representar uma aquisição natural,
“decorrente da existência de uma suposta comunidade educativa, e não como uma
construção sociopolítica resultante de uma luta com perspectivas, interesses, valores
e ideais emancipadores”.
Como foi uma inovação imposta por força da Lei, os primeiros projetos
escolares representaram verdadeiro desafio para os diretores em exercício, nas
escolas públicas. Em busca de atenuar as dificuldades, os Especialistas da
Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo
28
(Udemo) criaram a
Revista do Projeto Pedagógico. Devido ao despreparo dos educadores em lidar com
tal documento que consolidaria uma escola mais democrática, aconteceram desvios
e surgiram obstáculos de toda ordem. Segundo De Rossi (2004), isso resultou em o
PPP ganhar apelidos diversos, tais como “Projeto do chefe”, “Projeto-plágio”,
“Projeto-gaveta”, “Projeto-ficção e “Projeto-cerimônia”. As ironias contidas nesses
apelidos explicitam o desvio de suas reais intenções, pois tais apelidos confirmam a
idéia de que o documento tem uma produção fundamentada na pressa, sob
coordenação e/ou redação de um líder e, na maioria das vezes, fica engavetado, e
que serve, simplesmente, para cumprir a uma exigência legal.
Mesmo diante das elucubrações críticas e das intenções explícitas ou ocultas
com relação ao PPP, ainda insistimos em afirmar que ele é um documento
importante e que pode interferir sobremaneira na vida e nos destinos de uma escola.
Por isso, torna-se válido discutir: o que é mesmo o Projeto Político-
Pedagógico? Qual a sua finalidade e importância para a escola? Como o documento
deve ser estruturado?
Quanto à nomenclatura ou expressão Projeto Político-Pedagógico, temos
ciência que ela é variada e já recebeu e recebe, pelos pesquisadores, diferentes
denominações. Em Minas Gerais, no início da década de 1990, a Secretaria
Estadual de Educação o denominou Plano Global Integrado (PGI), em seguida a
mesma Secretaria, EM 1997M o denominou Plano de Desenvolvimento da Escola
28
Revistas do Projeto Pedagógico elaboradas pela Udemo. Para conhecer mais sobre elas acesse o site:
www.udemo.org.br ou entre em contato por meio do endereço eletrônico: udemo@udemo.org.br.
143
(PDE). E, assim, outros autores o denominaram simplesmente de Proposta
Pedagógica
29
.
A própria LDB (9394/96) apresenta denominações diferentes para o Projeto
Político-Pedagógico, dentre elas “Proposta Pedagógica” (Art. 13, § I) e “Projeto
Pedagógico da Escola” (Art. 14, § I).
Neste estudo, preferimos utilizar a nomenclatura “Projeto Político-Pedagógico”
porque acreditamos que esta seja uma expressão mais completa, uma vez que
explicita as características de Projeto que visa a mudança por meio da
transformação e da construção coletiva, tendo em vista o aperfeiçoamento da
prática. Assim, a expressão deixa explícito que é um projeto que anuncia e busca
mudanças; dotado de intenções políticas e, por isso, contém um referencial teórico,
crenças, utopias e intenções claras e objetivas sobre a realidade a ser transformada;
e é pedagógico porque todo o seu processo é educativo e coletivo e nos mobiliza
para buscar novos conhecimentos e descobertas, como também nos convida ao
enfrentamento de desafios e incertezas.
Sabemos que Projeto é um “projétil”: algo que se lança para frente; segundo o
Dicionário Aurélio (1986), é um empreendimento a ser realizado dentro de
determinado esquema. Em latim, Pro-jectu é o particípio passado de prejicere, que
significa exatamente “lançar-se à frente”. Assim, a vida de cada um de nós é um
projeto, e nela produzimos e realizamos projetos, é um processo, algo que se faz e
refaz continuamente buscando se aperfeiçoar e se desenvolver. E a escola, como
um organismo vivo, é um projeto.
Nessa perspectiva, a escola se faz democrática, como discutimos no capítulo
anterior, se puder garantir a participação de todos, por meio de sua gestão e por um
documento denominado Projeto Político-Pedagógico. A “Escola, como um organismo
vivo, é um projeto. [...] Seu projeto educativo é o de fazer da vida dos educandos um
projetar-se para a frente. [...] viver é projetar-se para um outro modo de ser”
(CASALI, 2004, p. 3). E o “projeto” deve explicitar a cultura, os anseios, os sonhos e
29
Para obter mais informações sobre as denominações recebidas para o Projeto Político-Pedagógico, recorra a:
a) MINAS GERAIS. Secretaria de Estado da Educação. Elaborando e vivenciando o plano de Desenvolvimento
da Escola – PDE/ Belo Horizonte: A Secretaria, 1997.
b) GADOTTI, M. Dimensão Política do Projeto Pedagógico da Escola. In: MINAS GERAIS. PROCAD. Projeto
Político Pedagógico da Escola. Gui de Estudo 3. Belo Horizonte: SEE-MG, 2001.
c) VEIGA, I.P.A. Projeto Político-Pedagógico: Novas trilhas para a escola. In: VEIGA, I.P.A.; FONSECA,
M.(Orgs.) As dimensões do Projeto Político-Pedagógico. Campinas: Papirus, 2001b. (Col.Magistério: Formação
e Trabalho Pedagógico).
144
as utopias do grupo ou da comunidade. Só assim terá sentido colocá-lo em prática,
efetivando-se como um guia que orienta as mudanças e as transformações para o
aperfeiçoamento do trabalho escolar.
Podemos dizer que o Projeto é Político, pois conta com o processo de
envolvimento de várias pessoas e com a participação de todos os segmentos da
escola e, inclusive, a colaboração da comunidade/bairro, na decisão de ações que
efetivem princípios que são estabelecidos com vista à obtenção de objetivos
esperados na educação escolar. E, sendo esta democrática, faz-se importante o
desenvolvimento de habilidades, cuidados que sustentem relações humanas
sustentadas por trocas interativas e saudáveis.
O projeto é também eminentemente Pedagógico, porque todo o processo de
participação coletivo educa para a cidadania, para a consciência política, para a
autonomia, para a troca e para a parceria. Ensina o sujeito, sobretudo, a falar, a se
posicionar, a reivindicar, a palpitar, a interferir; portanto, a ser sujeito ativo, crítico,
participativo e capaz de interferir em um determinado contexto. Como ato educativo
que se institui não apenas na escola, como também na família, nos movimentos
sociais e outros grupos organizados por pessoas que intencionalmente “misturam”
suas vidas com a educação. É importante ressaltar que todo ato pedagógico deve
ser dialógico com a sociedade no qual se desenvolve com a leitura de mundo para o
qual se pretende educar e ainda com a concepção de homem que se quer educado.
Assim, acreditamos, como SEVERINO (1998, p. 81) que a
Instituição escolar se dá como lugar do entrecruzamento do projeto
coletivo da sociedade com os projetos pessoais e existenciais de
educandos e educadores. É ela que viabiliza que as ações
pedagógicas dos educadores se tornem educacionais, na medida
em que os impregna das finalidades políticas da cidadania que
interessa aos educandos. Se, de um lado, a sociedade precisa da
ação dos educadores para a concretização de seus fins, de outro, os
educadores precisam do dimensionamento político do projeto social
para que sua ação tenha real significação como mediação do
processo humanizador dos educandos.
Nesse prisma, para a construção do PPP, é imprescindível todo um processo
de planejamento coletivo, que carece de tempo, disposição, conhecimento
145
didático/metodológico/ pedagógico e, sobretudo, utopia, esperança e desejo de
mudança.
Cabe, neste momento, retomar os conceitos de planejamento e plano. O
Planejamento, segundo Vasconcellos (1995, p. 43), é um processo de reflexão, de
tomada de decisão; enquanto processo, ele é permanente. O planejamento coletivo
combina participação com divisão de tarefas e a organização de instâncias de
tomadas de decisões. E o planejamento participativo se constitui em um processo
político, em um contínuo propósito coletivo, em uma deliberada e amplamente
discutida construção do futuro da comunidade, da qual participe o maior número
possível de membros de todas as representações ou categorias, tendo em vista a
conquista de benefícios para a maioria.
Podemos dizer que o plano é a memória do processo de planejamento. O
plano é, portanto, o registro sucinto e por escrito, seguindo um determinado roteiro,
das decisões tomadas ao longo do processo de planejamento.
Assim, planejamento e plano, embora não sejam sinônimos, são conceitos
que estão estritamente relacionados, pois o primeiro representa o processo e o
segundo representa o registro do processo.
Nas palavras de Gandin (2005, p. 61), a
[...] elaboração de planos é muito importante num processo de
planejamento. Convém repetir, contudo: mais importante que o(s)
plano(s) é o processo que se desencadeia. [...] Fazer um plano(s)
sem um processo de planejamento é tecer uma rede em que só há
os nós e nada que os ligue entre si. Ter um processo de
planejamento sem plano(s) é correr o risco de que a rede se
desmanche por falta de pontos de ligação dos fios.
Como resultado desse processo de planejamento, temos o plano, que é o
documento escrito que serve para a articulação entre os fins e os meios. Assim, ele
ordena, realimenta e modifica todas as atividades pedagógicas, tendo em vista os
objetivos educacionais e, conseqüentemente, a melhoria e o aperfeiçoamento do
trabalho da equipe escolar. Para sua construção, é preciso considerar o instituído,
aquilo que já existe concretamente – a legislação, o currículo, os conteúdos e
métodos de ensino, a equipe escolar – e também o instituinte da cultura escolar,
146
uma vez que cria objetivos, instrumentos e procedimentos novos, valores e modos
de agir, almejando o aperfeiçoamento e a construção de uma nova escola.
Expressa, portanto, sinteticamente, os desejos e as propostas dos educadores que
atuam na escola.
A elaboração de projetos com finalidades educativas estabelece perspectivas
e valores, contendo as aspirações da comunidade global e em torno das quais se
faz acordos e consensos. Sempre é imbuído de características ideológicas e
políticas e, por isso, carece de um longo tempo para o seu desenvolvimento.
Necessita de uma programação que favoreça a viabilização prática e, de outro, a
superação de teorias irreais e utópicas.
Assim, o Projeto Educativo é o plano global da Instituição que, no âmbito
educacional, visa resgatar o sentido humano, científico e libertador do Planejamento.
Pode, então, ser entendido como
[...] a sistematização, nunca definitiva, de um processo de
Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na
caminhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se
quer realizar. É um instrumento teórico-metodológico para a
transformação da realidade. É um elemento de organização e
integração da atividade prática da instituição nesse processo de
transformação. (VASCONCELLOS, 1995, p. 143-145).
Por conseguinte, o Projeto Político-Pedagógico pode ser entendido como um
plano global da instituição escolar. Ele é amplo e incorpora as diferentes
perspectivas da escola. Trata-se de um processo de Planejamento Participativo
que, por não ser definitivo, está sempre em aperfeiçoamento. É um documento
teórico-metodológico que registra um processo vivenciado e em reconstrução, para a
intervenção e mudança da realidade. Estando dentro de um processo de
transformação e, portanto, de mudanças, é “um elemento de organização e
integração da atividade prática da instituição [...]” (VASCONCELLOS, 2000, p. 169).
Quando construímos projetos nas escolas, temos a intenção de fazer e
realizar algo, transformar uma realidade. Nesse sentido, Gadotti (1994, apud VEIGA,
2004, p. 12) disse que
147
Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o
futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para
arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma
nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém
de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser
tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As
promessas tornam visíveis os campos de ação possível,
comprometendo seus atores e autores.
Portanto, um projeto exige compromisso e responsabilidade com as ações e
implementações novas. É ruptura com o velho e o compromisso com o novo. Precisa
ter bem claro onde se deseja chegar e que tipo de ser humano se pretende formar.
Nesse sentido, Romão; Gadotti (1994, apud PADILHA, 2005, p. 44) definem o
Projeto Político-Pedagógico nestes termos:
É preciso entender o projeto político-pedagógico da escola como um
situar-se num horizonte de possibilidades na caminhada, no
cotidiano, imprimindo uma direção que se deriva de respostas a um
feixe de indagações tais como: que educação se quer e que tipo de
cidadão se deseja, para que projeto de sociedade? A direção se fará
ao se entender e propor uma organização que se funda no
entendimento compartilhado dos professores, dos alunos e demais
interessados em educação.
Portanto, para a escola ter uma direção a seguir e poder perseguir seus
objetivos e alcançar metas, é necessário planejar o conjunto de ações a serem
realizadas. A concepção pedagógica explicitada revela o perfil do cidadão que se
pretende formar. Só assim é possível controlar o rumo pretendido e manejar a
história com consciência do que faz e do que pretende fazer. Por isso, o
Projeto Pedagógico Escolar é a oportunidade de a Escola tomar-se
nas mãos, e definir por si, coletivamente, participativamente, os seus
compromissos junto aos alunos, junto a suas famílias. Essa é a
forma de realizar de modo mais acabado o seu caráter cultural,
democrático e educativo, junto à Comunidade. (CASALI, 2004, p. 4).
148
Assim, o Projeto Político Pedagógico orienta o processo de mudança,
direcionando o futuro pela explicitação de princípios, diretrizes e propostas de ação
para melhor organizar, sistematizar e dar significado às atividades desenvolvidas
pela escola como um todo. Além do mais, a sua dimensão político-pedagógica
pressupõe uma construção coletiva e participativa que envolve ativamente os
diversos segmentos escolares. A presença maciça das famílias é importantíssima,
para que possam dizer a sua voz e apresentar que tipo de escola desejam para seus
filhos. Na experiência de participação na construção do PPP,
[...] as pessoas ressignificam suas experiências, refletem sobre suas
práticas, resgatam, reafirmam e atualizam valores, explicitam seus
sonhos e utopias, demonstram seus saberes, dão sentido aos seus
projetos individuais e coletivos, reafirmam suas identidades,
estabelecem novas relações de convivência e indicam um horizonte
de novos caminhos, possibilidades e propostas de ação. (PADILHA,
2003, p. 13).
Na construção do PPP é preciso partir da prática social, tendo o estudo do
cotidiano escolar como base para orientar todo o processo, que deve estar voltado
para a solução dos problemas teóricos e práticos da educação, do currículo e do
processo ensino-aprendizagem na escola. A gestão escolar, a organização da
Instituição e toda a comunidade escolar devem trabalhar com o objetivo comum de
garantir que a escola cumpra a sua função social.
Quanto à estrutura didática/metodológica para a apresentação do PPP, os
autores apresentam diferentes alternativas. Elegemos, inicialmente, a estrutura
apresentada por Gandin
30
(2005) por considerá-lo um clássico sobre a construção
do PPP. O autor propõe um modelo de plano que apresenta três etapas: a) Marco
Referencial; b) Diagnóstico; c) Programação. A seguir, comentamos brevemente
sobre as características de cada uma dessas etapas.
O Marco Referencial apresenta os objetivos escolhidos e a finalidade de todo
o trabalho de planejamento. Indica, então, o ideal ao qual se quer chegar. Nesse
prisma, ele se desdobra em três aspectos: Situacional, Doutrinal e Operativo. O
30
Podemos ainda encontrar subsídios e orientações para a estruturação de um Projeto Político-Pedagógico nas
obras de Vasconcellos (2000); Veiga (2001); Padilha (2005). Veja referência completa no final desta tese.
149
Marco Situacional, de acordo com Gandin (2005, p. 26) expressa a compreensão do
mundo atual, e procura descrevê-lo nos aspectos social, econômico, político,
religioso, cultural e educacional. Por isso, questiona: Qual é a realidade global?
Como se apresenta o mundo humano? O Marco Doutrinal, por sua vez, explicita o
que se elegeu como ideal e utopia. Representa os fins educacionais; entretanto,
deve ser algo realizável, possível de se colocar em prática. Assim, pergunta-se: o
que queremos alcançar neste contexto? Que funções e finalidades terão nossa
instituição no mundo humano? Para quem trabalharemos? Noutro aspecto, o Marco
Operativo, preocupa-se com os meios, com a estrutura operacional e técnica e, por
isso indaga: Como deverá ser a nossa ação (globalmente) para buscar o que
pretendemos? Como trabalharemos? Que direção e enfoque daremos ao nosso
trabalho?
O Diagnóstico é entendido como “o resultado da comparação entre o que se
traçou como ponto de chegada (marco referencial) e a descrição da realidade da
instituição como ela se apresenta” (GANDIN, 2005, p. 31). Então, podemos dizer que
é a comparação entre o ideal – aquilo que deve ser – e o real – aquilo que é. Nesse
sentido, colocam-se as seguintes questões: Até que ponto estamos contribuindo
para que o mundo humano seja como queremos? Quais as causas dos fracassos e
dos sucessos? A que distância estamos da situação ideal? Como podemos diminuir
a distância existente?
A etapa da Programação apresenta os objetivos, as políticas e as estratégias
de ação, as pessoas responsáveis e as instruções gerais para execução do projeto.
Definimos que “programação é a proposta de ação para aproximar a realidade
existente à realidade desejada”. (GANDIN, 2005, p. 39). Trata-se de uma proposta
de ação e, como tal, indaga: O que faremos no decorrer do plano (orientações e
ações concretas) para contribuir para o alcance do que desejamos construir? Como
diminuir a distância entre o ideal e o real de nossa instituição? Segundo
Vasconcellos (1995, p. 155), é neste momento que “dá-se a tensão entre realidade e
desejo que, por sua vez, oferece-nos o horizonte do histórico-viável”.
A programação das estratégias e as ações a serem desenvolvidas dividem-se
em atividades pedagógicas, administrativas, comunitárias e financeiras da escola.
Na visão de Vasconcellos (1995), a dimensão pedagógica preocupa-se com os
objetivos, o conteúdo, a metodologia e a avaliação. A disciplina e a relação
professor-aluno são também consideradas. A dimensão comunitária preocupa-se
150
com a relação da escola com a comunidade e, especialmente, com a família. A
dimensão administrativa preocupa-se com a organização do Regimento Escolar,
com a organização e a comunicação da escola. Por último, a dimensão financeira
preocupa-se com a autonomia financeira, como investir os recursos e como
participar da gestão financeira da escola. Desse modo, todos os aspectos e
dimensões da escola são incluídos no Projeto Político-Pedagógico, na busca de
contemplar todos os aspectos e necessidades da escola.
Ao conceber o Projeto Político Pedagógico, há necessidade de se considerar
princípios teóricos e metodológicos, lembrando sempre que a educação escolar tem
como função específica a formação do homem para a convivência em uma
sociedade na qual os desafios são constantes e, por isso, a mesma não pode deixar
de garantir o acesso aos instrumentos de produção científica, cultural, técnica e
política.
Veiga (2001) acrescenta, à teoria do Projeto Político-Pedagógico, os
pressupostos que orientam a sua tessitura. Para ela os pressupostos que nortearão
a construção de Projeto Político Pedagógico devem ser explicitados levando em
consideração a teoria pedagógica com a qual a escola se compromete na busca de
solução de seus problemas educacionais. Assim, são listados os pressupostos
filosófico-sociológicos, epistemológicos e didático-metodológicos, que podem ser
entendidos como:
1 - filosófico-sociológicos: “consideram a educação como
compromisso político do Poder Público para com a população, com
vistas à formação do cidadão participativo para um determinado tipo
de sociedade” (VEIGA, 2001, p. 19). Estes pressupostos se
apresentam como um convite à reflexão, uma vez que apontam a
necessidade de indagação sobre elementos direcionadores para a
construção do Projeto Pedagógico, tendo em vista a relação escola
e o contexto em que mesma está inserida.
É a partir dos pressupostos filosófico-sociológicos que a escola e
sua função deve ser repensada, pois poderá oportunizar igualdades
de condições aos educandos em formação, sem reproduzir a
estratificação da sociedade, tornando-se, dessa maneira, um
151
espaço no qual se discute o poder e a política numa relação
dialética.
2 – epistemológicos: a questão que nestes pressupostos se
coloca se refere ao conhecimento a ser trabalhado na educação
escolar que deve resguardar suas especificidades científicas;
porém, devem ser apresentados de forma viva, atualizados e em
articulação crítica com a realidade social. Lembrando sempre que o
conhecimento é uma produção coletiva da humanidade e que em
cada tempo sofre transformações necessárias, o mesmo deve ser
posto no espaço da escola como meio, elemento alimentador da
capacidade de ação do homem no contexto social. Para que isto
ocorra, a escola precisa se perceber na função de mediadora entre
o aluno e o mundo social, o seu papel principal; portanto, é o de
transmitir e garantir o alcance dos conhecimentos historicamente
produzidos. Assim, um projeto construído de forma participativa na
escola deve ser organizado de forma que garanta diferentes
processos de apropriação do saber.
3 – Didático-metodológicos: Está relacionada à prática
pedagógica. É importante o entendimento de que são os processos
didáticos metodológicos que irão conduzir o educando à recepção
do conhecimento, aos conteúdos significativos, à condição de
tornar-se plenamente humano. Cabe à escola compreender que o
conhecimento é resultado, produto das relações sociais e que a ela
se atribui a competência da sistematização do mesmo; por essa
razão, a organização didático-metodológica do processo ensino
aprendizagem é o grande desafio na condução da educação
escolar.
A metodologia não é um elemento neutro, nem tampouco
uma forma de doutrinação que venha transformar o ato educativo
em uma composição de discursos; antes, deve estar posta a
serviço de uma tomada de posicionamento diante da realidade que
se pretende conhecer e fazer uso na prática social.
152
Na construção do PPP, faz-se necessário enfrentar o desafio da mudança na
organização do trabalho pedagógico, questão a que se atrela a proposição de um
currículo.
Todos os processos que se desencadeiam em amplos debates, discussões,
trocas e interações, fazem parte do Currículo da escola, pois entendemos que “toda
a Escola é um organismo vivo, tudo o que se passa dentro dela ‘ensina’, e todas as
pessoas que a compõem são permanentemente afetadas e ‘ensinadas’ [...]”
(CASALI, 2004, p. 2). Nessa perspectiva, a nossa concepção de currículo implica
pensar a escola como totalidade orgânica e não como um instrumento burocrático,
estático e engavetado. Como se organiza formalmente a escola e a tudo o que está
em curso na escola, dá-se o nome de Currículo.
O PPP tem que considerar e, sobretudo, interferir e aprimorar o Currículo
escolar, tendo em vista o aperfeiçoamento do trabalho pedagógico desenvolvido na
escola, que deve ser sempre voltado para um ensino de maior qualidade, que
atenda às necessidades e aspirações da classe menos favorecida.
Por tudo que já foi dito, é inegável o valor do PPP para as instituições
escolares. Trata-se, pois, de uma exigência legal; sobretudo, é um instrumento
capaz de garantir o avanço no processo de democratização da escola, bem como da
conquista de maior autonomia, tendo em vista a busca da melhoria da qualidade do
ensino para escola pública popular.
Na construção do PPP, é preciso partir da prática social, tendo o estudo do
cotidiano escolar como base para orientar todo o processo, que deve estar voltado
para a solução dos problemas da educação, do currículo e do processo ensino-
aprendizagem na escola. A gestão escolar, os diferentes pedagogos, professores e
pessoal auxiliar da administração da Instituição e toda a comunidade escolar devem
trabalhar com o objetivo comum de garantir que a escola cumpra a sua função
social.
Considerando que o Projeto Político Pedagógico (PPP) deve ser construído
em função de uma educação escolar que compreenda as diversas interferências e
interesses que perpassam a sociedade, nele devem estar contidos pressupostos
que assegurem meios que sustentem uma instituição de cultura, de socialização do
saber, de ciência, técnicas e artes produzidas socialmente.
Estamos vivendo um momento histórico sem igual em busca da afirmação da
importância da escolarização na vida humana como um espaço de consolidação da
153
democracia, ou mesmo como meio de responder às novas demandas que o mundo
do trabalho e do capital em constantes mudanças está requerendo de todos. Diante
desse dilema, a nova legislação educacional brasileira tem acarretado para os
educadores mais impasses e incertezas do que respostas ou caminhos, uma vez
que nesse contexto a voz do mercado globalizado, tem se colocado de forma
determinante na formulação de políticas públicas ainda fundamentadas em modelos
de países desenvolvidos.
É nesse momento de contradições que a Nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei 9394/96, art. 12) estabelece, entre outras incumbências da
escola, a elaboração e a execução de proposta pedagógica.
Por isso, precisamos refletir: a Lei tem por ela mesma o poder de mudar a
realidade e transformar escolas em órgãos competentes que assegurem uma
educação democrática?
O sonho de construção de um projeto Pedagógico na escola antes mesmo
das legislações educacionais já estava sendo discutido por muitos educadores
brasileiros
31
, que apontaram as ações coletivas e dialógicas nas escolas como
saídas de imposições autoritárias e tradicionais.
Segundo Veiga (2001), na vida escolar, espaço do Projeto Político
Pedagógico, o mesmo deve ser visto como meio de reflexão sobre as
intencionalidades da escola, razão que passa a requerer uma explicitação do papel
social e quais os caminhos que esta escola pretende percorrer junto a todos
envolvidos no seu cotidiano.
Elegemos como necessário entender que é no espaço da escola que se dá a
unidade do processo educativo, unidade impossível de ser concretizada de forma
democrática e efetiva, apenas por força de legislação.
Por isso, a proposta de um Projeto Político Pedagógico apresentada por
educadores brasileiros é a expressão de suas convicções sobre a necessidade de
organização da escola por meio de intencionalidades claramente postas em defesa
de uma escola realmente democrática. São questões apontadas como resultado de
reflexões, investigação, autocrítica e o entendimento de que a escola só pode
chegar à consecução de objetivos humanizadores da educação se abrir espaço para
que nela ocorra um processo participativo de vivência de um projeto social
31
Danilo Gandin, 1999/ 2005; Neidson Rodrigues; Moacir Gadotti, 2001; Celso Vasconcellos, 2000;
Azanha,1987; Severino,1991; Veiga,1998, 2004, dentre outros.
154
democrático; que no cotidiano da mesma concretizem-se em valores e abram
caminhos para a autonomia por meio de uma prática que considere o tempo
histórico em que acontece.
4.2 A tarefa formadora do PPP – a formação docente para a diversidade
discente
Já colocamos em pauta de discussão a questão da democratização do
ensino, o que representa, por um lado, uma grande conquista, mas, por outro, um
grande desafio para o sistema escolar como um todo e, especialmente, para o
exercício da docência. Pois, com a democratização do ensino escolar, temos uma
diversidade de alunos matriculados em nossas escolas. A escola se abriu para
atender a outros grupos sociais e, para dar conta de sua missão, precisa se abrir
também para o diálogo com novos conhecimentos.
Mas, será que esse modelo tradicional foi superado? E o que mesmo significa
a tão proclamada e discutida diversidade?
Antes de tentar responder às questões propostas recordamos que no Capítulo
3, o qual trata da análise dos dados empíricos, ficou evidenciado que na prática, a
escola ainda não é inclusiva, portanto, não consegue atender a toda a diversidade
de alunos com boa qualidade de ensino.
Entendemos que a diversidade deve ser compreendida como riqueza e não
como diferença. E a diversidade na escola se apresenta nas crianças de diferentes
classes sociais, gêneros, etnias e raças, credos e valores, culturas, histórias de vida
e, conseqüentemente, crianças que constroem seu aprendizado em diferentes
formas, ritmos e tempos.
Por conseguinte, com o aumento do número de alunos na escola, aumenta
também o número de crianças com história de fracasso escolar. O cotidiano da
escola brasileira encontra-se marcado pelo fracasso e pela evasão de uma parte
significativa de seus alunos, os quais são marginalizados pelo insucesso, pelas
privações que sofrem como conseqüência da falta de qualidade na educação como
um todo. E, ainda, “continuamos a discriminar os alunos que não damos conta de
ensinar” (MANTOAN, 2003, p. 28). Tal situação acena para a idéia de que o Sistema
155
Educacional democratizou o acesso à escola, porém ainda não conseguiu garantir o
acesso à aprendizagem para todos. Contudo, sabemos que a função mais
importante da escola pública é democratizar o conhecimento.
Nessa perspectiva, dentre as diretrizes que norteiam nossa proposta da
inclusão, está presente a idéia da diversidade pela qual as “escolas devem acolher
todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais,
sociais, emocionais, lingüísticas ou outras” (BRASIL, 1987, p.17-18). Vale ressaltar
que nossa concepção é de que a diversidade deve ser compreendida como uma
riqueza que precisa ser bem atendida para que todos se desenvolvam.
A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) afirma que, para a conquista
da inclusão, é preciso que os Sistemas Escolares “incluam todo mundo e
reconheçam as diferenças, promovam a aprendizagem e atendam as necessidades
de cada um”. Trata-se, sem dúvida, de um documento importante, pois coloca, para
o sistema educacional, o desafio de se reestruturar para acolher todas as crianças,
indistintamente, independente de suas diferenças, e, dessa forma, atendendo-os
dentro das suas necessidades.
A Constituição Federal de 1988 (Art. 206, inciso I) institui como um dos
princípios do ensino a igualdade de condições de acesso e permanência na escola.
Além do mais, destaca a democracia, na qual se estabelece a base para se viabilizar
a igualdade de oportunidades, cedendo lugar à expressão das diferenças e dos
conflitos e, desse modo, da convivência com a pluralidade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), no Art. 59,
garante que os sistemas de ensino no Brasil buscarão todos os recursos possíveis e
“assegurarão aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos,
técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas
necessidades”. Dessa forma, é garantido legalmente o atendimento especializado a
todos os educandos, de acordo com as suas peculiaridades.
A preservação da dignidade humana junto ao direito de constituir e
reconhecer uma identidade própria conduz à idéia do respeito às diferenças e no
direito à igualdade, assegurando oportunidades diferenciadas e, por certo, a
eqüidade: “O princípio da eqüidade reconhece a diferença e a necessidade de haver
condições diferenciadas para o processo educacional” (BRASIL/MEC, 2001, p. 18).
Assim, viabilizar a inclusão escolar garantindo que todos os alunos,
independentemente da classe, raça, gênero, sexo, características individuais ou
156
necessidades educacionais especiais, possam aprender juntos em uma escola de
qualidade, é uma atitude humanitária e justa, demonstrando uma prática alicerçada
nos valores éticos de respeito à diferença e ao compromisso com a promoção dos
direitos humanos.
Para tanto, exige-se o redimensionamento da prática pedagógica, aderindo a
uma metodologia de caráter interdisciplinar, aberta, lúdica e criativa. Tal proposta só
pode ser viabilizada com sucesso a partir de uma visão de trabalho que se oriente
por uma nova concepção de educação, que comunga com os novos paradigmas
educacionais, pautados pelos princípios da eqüidade na educação e da inclusão.
Contudo, ainda hoje, “deparamo-nos com uma sociedade preconceituosa, que
discrimina e exclui os diferentes. O padrão de normalidade é difundido pela
sociedade elitista, onde vence o melhor, o mais bonito, o mais inteligente”.
(DALBERIO, 2000, p.117). Há uma distância enorme entre o que se determina na
Lei e o que acontece no cotidiano escolar. A evasão, a repetência, a má qualidade
de ensino, como demonstramos no capítulo anterior, ainda, é uma realidade.
Portanto, a sociedade e o sistema educacional são, ainda, preconceituosos e
excludentes.
Para a viabilização da inclusão educacional, a escola brasileira tem de ser
redesenhada. Muitas adaptações e mudanças devem acontecer, marcando uma
revolução que se concretiza na reestruturação do espaço, do tempo e da prática
pedagógica vivenciada na escola. Assim, a escola inclusiva avançará, ao garantir
que a
[...] homogeneização dê lugar à individualização do ensino, na qual
os objetivos, a seqüência e ordenação de conteúdos, o processo de
avaliação e a organização do trabalho escolar em tempos e espaços
diversificados contemplem os diferentes ritmos e habilidades dos
alunos, favorecendo seu desenvolvimento e sua aprendizagem.
(RIBEIRO, 2003, p.49).
Ora, para a implementação da escola inclusiva, inicialmente, exige-se a
mudança de mentalidade e a construção de um novo paradigma educacional. Deve-
se avançar de uma sociedade preconceituosa para uma sociedade humana e
solidária com todos; de uma escola tradicional e fechada para uma escola aberta e
157
inovadora; de uma prática pedagógica homogeneizadora para ações voltadas para
atender, com qualidade, a toda a diversidade de alunos presentes no sistema
educacional. É preciso entender que existem ritmos e tempos diferentes para
aprender, como também diversas maneiras de ensinar.
Se por um lado, na escola tradicional, os educadores avaliavam as crianças
dando enfoque às suas dificuldades e deficiências, e, portanto, fechando suas
perspectivas de desenvolvimento, por outro lado, na escola inclusiva, busca-se a
construção dos novos paradigmas educacionais nos quais a ênfase é a valorização
da riqueza das diferenças humanas.
A formação dos professores deve merecer atenção especial, pois, muitas
vezes, a rejeição dos professores quanto à idéia de inclusão se dá justamente por
não se sentirem preparados para enfrentar o grande desafio. Por isso, os
professores precisam ser subsidiados com os conhecimentos de como lidar com
todos os alunos que representam a diversidade. Para ensinar a todos com
qualidade, é imprescindível que se esteja aberto a aprender e a inovar sempre.
Desse modo, o investimento na formação permanente dos professores é
fundamental para o processo de inclusão.
A maneira como acontece a formação continuada dos professores deve ser
repensada, pois, como constatamos no Capítulo 3, os cursos que têm sido
oferecidos separados da reflexão e da prática, pouco tem interferido no
aperfeiçoamento da mesma.
Diante de tudo que discutimos, percebemos o quanto é preciso trabalhar,
mudar e inovar para que a inclusão se efetive no cotidiano escolar, para que
possamos vislumbrar alguma chama de inclusão.
Portanto, a inclusão social e educacional ainda se constitui em um sonho e/ou
utopia que exige tempo, investimento e muito trabalho coletivo para se alcançar.
Percebemos que o alcance da Escola Inclusiva – que equivale à escola de boa
qualidade – depende de um longo processo que envolve muitas ações e mudanças,
mas que pode ser alcançado com a contribuição não só dos educadores, como
também da sociedade como um todo.
Com a diversidade presente nas escolas, sabemos que não se pode “ficar
indiferente às diferenças”. Assim, acreditamos que a luta contra a desigualdade das
pessoas não almeja a eliminação das diferenças, pois essas são legítimas. Por outro
lado, a igualdade não pode ser sinônimo de homogeneidade. Dessa forma, é certo
158
que “aprender a reconhecer as diferenças ou enxergá-las como legítimas
manifestações do outro é o primeiro passo para a eliminação dos conflitos”
(ROMÃO, 2002, p. 104).
Diante do exposto, fica claro que a construção de um Currículo para atender a
diversidade de alunos presentes no sistema escolar tornou-se um grande desafio. A
construção do PPP, pelo qual se faz uma mobilização de toda a comunidade escolar
representada pelos seus diversos segmentos, tem de considerar tal problemática e
incidir na reestruturação de um Currículo que atenda à necessidade e ao sucesso na
aprendizagem de todos.
4. 2.1 A efetiva representação da diversidade e a tarefa formadora do PPP
Na construção do PPP torna-se indispensável que a escola traga toda a
diversidade
32
de pessoas para fazer parte do seu projeto. Tal diversidade agrega os
diversos representantes sociais, os múltiplos ambientes culturais, os diferentes
segmentos de profissionais, as variadas instituições, as ONGs, as famílias, enfim,
inúmeras representatividades. É a garantia da participação geral, de diferentes
pessoas com diferentes culturas, formas de pensar, de ver o mundo. A democracia
assim o exige. Desse modo, toda a escola e o seu entorno – e especificamente a
família - devem estar mobilizados como o projeto orientador, em função de se
alcançar a emancipação.
Nesse prisma, a construção de uma escola democrática para todos, aberta à
diversidade sócio-cultural e promotora de uma educação multicultural, exige a
participação dos diversos setores comunitários.
Com a diversidade de sujeitos ativos e presentes, a representação é plural e
rica, e a participação ganha mais sentido, ganha mais força e solidez.
Quando a comunidade participa e se envolve na vida da escola, toma
conhecimento de suas virtudes como também de seus problemas, e passa a se co-
responsabilizar na busca de soluções.
32
Diversidade, neste contexto, refere-se à participação de diversos segmentos e representações sociais na
construção do Projeto Político-Pedagógico e na gestão democrática da escola.
159
Em outro prisma, a nossa realidade mostra – como foi também apresentado
no capítulo que apresenta os dados empíricos - a desvalorização do profissional da
educação, do professor e da professora, que se encontram submetidos a salários
humilhantes. O salário do professor é insuficiente para atender às suas
necessidades básicas de sustentar dentro dos padrões considerados dignos. Muito
mais difícil fica, portanto, a busca de maior qualificação e atualização, a aquisição de
livros, de computador, acesso à internet, dentre outros, dificultando a realização de
pesquisas e o aprimoramento do profissional. Tal situação obriga o professor a
lecionar dois a três períodos, em diversas instituições e com variadas atividades e
disciplinas. O professor, desse modo, não tem tempo de preparar e/ou planejar
adequadamente suas atividades docentes, bem como fica privado de tempo para
refletir, repensar e reinventar a sua prática.
Quando os professores são privados de sua liberdade de falar e expor suas
idéias, cria-se um clima de hostilidade e agressividade. Acusam-se entre si daquilo
que são vítimas, criticam-se como são criticados, julgam-se com o olhar apenas
externo de quem os julga. O mal-estar é instalado, formam-se os subgrupos, surge a
imitação coletiva e o êxito individual politicamente útil aos grupos de controle social.
O resultado é o imobilismo e o conformismo. Nascem, ainda, a submissão, a
passividade e a vitória é creditada à concepção neoliberal.
Como resultado, encontramos, no cotidiano escolar, professores que são
executores de tarefas, que vêem de instâncias superiores, sem projeto próprio. Tal
situação priva-lhes da autonomia pedagógica, deixando-os em situação de alienação
e degradação. Por isso, trabalham descontes e sem entusiasmo ao se verem
impedidos de serem sujeitos ativos e capazes de conduzir a sua própria história.
Urgentemente, precisamos encontrar uma saída para isso.
A situação explicitada, ou seja, a forma como está organizada a escola, com
hierarquias, disciplinas, rigidez de horários fechados, impede que os professores
planejem conjuntamente, discutam seus problemas e, sobretudo, troquem
experiências e conhecimentos. O ambiente escolar se torna hostil, efêmero e fugaz.
Por isso, a gestão da escola que se diz articulada à moda da “metodologia dos
projetos” está, na verdade, fragmentada pela escola e ao sistema de avaliação
vigente, “impulsiona a competição entre educadores, ao mesmo tempo que tenta
justificar a competitividade individual e a ‘ação coletiva’ inspirada no mundo das
organizações empresariais” (DE ROSSI, 2004, p. 79).
160
Como conseqüência, acreditamos que o capitalismo de consumo com a
ideologia neoliberal trabalha em prol da individualização excessiva e egoísta, da
sociedade como um todo. A luta pela sobrevivência e para atender às demandas do
consumismo isola e separa as pessoas e os seus projetos. Além disso, a “ausência
de liberdade e a vulnerabilidade ao conflito nos deixam mais expostos ao
conformismo, à passividade. O conformismo é fruto da asfixia da individualidade e
da tirania do coletivo” (DE ROSSI, 2004, p. 39). Por isso, também na escola os
professores e demais servidores apresentam uma relação egoísta e individualista,
impedindo a efetivação dos projetos, construções e lealdades coletivos.
Nesse prisma, a burocracia escolar impõe um quadro social hegemônico, com
hierarquia das funções, regras de promoção, divisão de trabalho e
responsabilidades, estrutura de autoridade definida previamente. A identificação das
pessoas se constrói não pelos ‘sujeitos’ que são, mas pela função que ocupam ou
cargo que exercem. Especificamente nas escolas, “quando diretores, supervisores e
professores não transcendem a burocracia ou a organização, a dominação
permanece dissimulada, para que os dirigidos pareçam comandados pela ‘razão da
organização’, não pela razão das pessoas” (DE ROSSI, 2004, p. 53).
Diante do exposto, mesmo conscientes dos desafios e limitações cotidianas,
acreditamos que o processo de construção do Projeto Político-Pedagógico pode sim
influenciar a formação dos professores, bem como a revisão de seus paradigmas,
concepções e práticas educacionais. Gadotti (2001) reafirma esta idéia dizendo que
o “planejamento constitui um processo de formação social, política e pedagógica”.
Nesse processo, há possibilidade de realização de leituras, pesquisas, discussões,
debates, e trocas. Nessa interação com a diversidade, no diálogo e no apoio
encontrado entre os pares, torna-se possível redefinir valores, obter conhecimentos,
informações e trocar experiências enriquecedoras.
Reafirmando, Veiga (2001, p. 13) diz que o processo de construção do PPP
propicia o debate e a discussão, permitindo aos professores fazerem uma reflexão
acerca da concepção da educação e sua relação com sua prática pedagógica, com
a sociedade e com a escola, o que leva também à reflexão sobre o homem a ser
formado, a cidadania e a consciência crítica. Assim, coletivamente, a consciência
crítica será despertada, junto ao desejo de se construir uma nova realidade. A
discussão e a reflexão crítica levam a refletir sobre “[...] o papel dos homens no
161
mundo e com o mundo, como seres da transformação e não da adaptação”
(FREIRE, 1983, p. 136).
Na visão de Demo (2002, p. 91), o professor precisa estudar com afinco para
estar sempre “renovando as teorias e práticas pós-modernas de aprendizagem, para
poder postar-se na frente dos tempos e oferecer ao aluno o que há de melhor”.
Segundo ele, não serve para ensinar o professor que não sabe aprender, por isso “o
professor precisa ser o exemplo consumado de quem sabe aprender, para poder
fazer o aluno aprender [...] e deve servir à causa maior da geração de oportunidades
para as novas gerações” (DEMO, 2002, p. 91).
Assim, a formação docente deve ser um processo que “deve estar vinculado à
concepção e à análise dos contextos e relações sociais que produzem um conjunto
de valores, saberes e atitudes, os quais imprimem significados ao fazer educativo”.
(FELDMAN, 2004, p. 1) Na realidade, portanto, torna-se fundamental a valorização
de paradigmas de formação que desencadeiem nos professores a reflexão crítica
sobre as suas práticas e teorias, trocas de experiências e apoios mútuos.
Acreditamos, desse modo, que estudando, pesquisando, discutindo e
buscando soluções para problemas da comunidade, o docente desenvolve a
consciência crítica, supera a alienação ou a visão deturpada do mundo, abandona a
subserviência para assumir o papel de sujeito e autor de suas ações. Passará a
reclamar por justiça, pela sua “capacidade de saber pensar e aprender a aprender,
resultando na habilidade de construir proposta própria, eticamente fundada” (DEMO,
2002, p. 40). Será, então, sujeito e autor do seu projeto, no qual acredita,
compromete-se com ele e tudo faz para viabilizá-lo.
Assim, o professor precisa ter consciência clara da concepção pedagógica
que orienta a sua prática educativa e do seu compromisso político com os seus
alunos. Se trabalhar com a classe menos favorecida – as vítimas da sociedade
capitalista – precisa trabalhar a favor deles. Deve, então, oferecer-lhes o melhor
ensino, pois o domínio do conhecimento conduz à autonomia e representa um
instrumento de libertação para os oprimidos.
Mais do que nunca, os professores devem estar atentos, ler, estudar, discutir
as questões sociais, compreender as ideologias e intenções do projeto neoliberal,
pois a docência ou o exercício da prática educativa exige, por parte dos educadores
[...] uma atenta e constante vigilância frente aos riscos da
ideologização de sua atividade, seja ela desenvolvida na sala de
162
aula ou em qualquer outra instância do plano macrossocial do
sistema de educação da sociedade. (SEVERINO, 1998, p. 86).
A democratização da sociedade brasileira e, especificamente, a da educação,
dar-se-á não apenas pela garantia de acesso à escola, mas também da
permanência e do sucesso do educando. A escola precisa cumprir a sua função
social. Sua “contribuição se consubstancia na instrumentalização, isto é, nas
ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário etc., cuja
apropriação o professor seja capaz de garantir aos alunos” (SAVIANI, 1994, p. 89).
O projeto deve conter também um “programa pormenorizado, uma utopia
alternativa que ilumine o caminho” (DUSSEL, 2002, p. 476). Que todos os projetos
de inovação da escola sejam decididos com entusiasmo numa adesão coletiva.
Ademais, é preciso esclarecer que nenhum “projeto pode realizar-se se não for
materialmente possível, e a vontade jamais pode substituir as condições materiais
de possibilidade” (HINKELAMMERT, apud DUSSEL, 2002). E, ainda, que uma
articulação “errada de teoria e práxis não nega apenas a possibilidade de uma teoria
crítica, mas nega também ‘uma práxis de libertação[...]” (DUSSEL, 2002, p. 335).
A escola apresenta uma cultura, cujo conteúdo constitui-se como objeto de
ensino. Além de participar como sujeitos ativos e autônomos na construção do PPP,
os professores devem conhecê-lo inteira e completamente. Pois, ao dominá-lo, será
mais fácil impedir que se desvie de seus propósitos. Assim, é preciso conhecer bem
os contextos políticos externos e internos da escola, para podermos nos aproximar
dos seus modos próprios de regulação/manutenção e também de
transgressão/transformação, dos seus projetos de conformação/regulação e de
emancipação/libertação.
Por fim, acreditamos que a tarefa de educar/ensinar “supõe um
desenvolvimento pessoal e intelectual desejável, uma formação continuada dos
educadores, sem faltar o projeto pedagógico socializado na comunidade escolar”
(DE ROSSI, 2004, p. 73).
A formação continuada dos professores, quando coletiva, junto com a
diversidade representada pelos múltiplos segmentos sociais que compõe a escola,
constitui-se também em autoformação e mobiliza à reelaboração constante dos
saberes que realizam em sua prática. Por isso no processo de construção do PPP,
163
a escola se organiza num espaço de trabalho e de formação, o que garante a gestão
democrática e participativa. Os educadores éticos, como intelectuais críticos, serão
capazes de aprimorar e praticar o discurso da liberdade e da democracia,
envolvendo toda a comunidade escolar.
Com a diversidade de representantes sociais participando da vida da escola,
os professores certamente se sentirão mais fortes e apoiados pela sua comunidade,
conclamados a se comprometer cada vez mais com uma escola melhor. Por fim, a
formação de professores reflexivos, eticamente comprometidos com uma prática
pedagógica de qualidade, convoca e envolve a participação da comunidade para um
projeto humano emancipatório.
4.3 Dificuldades e obstáculos na concretização do PPP
Acreditamos firmemente que o Projeto Político-Pedagógico é uma ferramenta
importante que a escola dispõe para contribuir com a qualidade da educação para
todos. Entretanto, sabemos também que, no cotidiano das escolas, evidencia-se
uma distância entre o dito e o feito. Como verificamos no Capítulo II, analisando os
dados no cotidiano das escolas municipais de Uberaba, os objetivos do Projeto
Político-Pedagógico nem sempre estão sendo alcançados.
Onde está o obstáculo? O que impede o alcance de tão nobre objetivo que é
realizar uma educação de qualidade?
Percebemos que a implementação do Projeto Político-Pedagógico, em grande
parte das escolas, ainda não produziu os efeitos desejados com relação à qualidade
de ensino. E, para justificar essa afirmação, elencamos alguns obstáculos que
acreditamos estar dificultando o processo. Dentre esses,
A falta de vivência democrática dos brasileiros, que não sabem
ainda usufruir a oportunidade de exercer a sua cidadania,
participando, interferindo e mudando o rumo da história;
Dificuldade de liderança para mediar o diálogo, garantindo a
participação e o processo democrático, de modo a valorizar e
164
aproveitar as diversas opiniões, idéias e ideais em jogo no coletivo
de pessoas de cada escola;
A rotatividade dos professores nas escolas não permite a
criação de vínculos e compromisso com a instituição e a
comunidade na qual estão inseridos;
Falta a organização do tempo escolar, visando favorecer o
estudo, a discussão, o planejamento conjunto e a troca de
experiência entre os pares. O sistema de ensino contrata o
professor por hora-aula, o que dificulta o processo de planejamento;
As limitações da formação docente, bem como a sua deturpada
visão de mundo;
A falta de valorização do trabalho docente, com baixa
remuneração, levando o professor trabalhar de duas até seis
diferentes escolas, o que representa uma sobrecarga de trabalho;
Faltam aos professores as condições econômicas, físicas e
emocionais para pesquisa, leitura e atualização constante;
No processo e efetivação do Projeto Político-Pedagógico da
Escola, muitas vezes as relações e interações entre o grupo ainda
são efêmeras, sem densidade, sem vínculo e, portanto, sem
compromisso com o crescimento do grupo e a melhoria da escola;
Faltam conhecimento e consciência clara para a maioria dos
educadores sobre a importância e o significado do Projeto Político-
Pedagógico; no sentido de construí-lo com entusiasmo, superando
a cômoda idéia de apenas cumprir uma exigência burocrática e
assumindo-o realmente o “projeto” que ilumina e orienta as
transformações necessárias para a melhoria da qualidade de
ensino da escola, com o compromisso e o envolvimento de toda a
comunidade;
Dificuldade em manter a coerência entre o sonho e a realidade
da escola;
A dificuldade em manter a continuidade dos esforços. Nem todos
querem continuar a caminhada, por não compreenderem bem o
processo ou por cansaço pela sobrecarga de trabalho;
165
Falta de compromisso ético com a escola pública de boa
qualidade, bem como a falta de entusiasmo, esperança e utopia no
exercício da docência.
Assim, Marx no século XIX afirmou que os homens fazem a história, contudo,
sob as condições que lhe são dadas:
Seus novos intérpretes leram isso no sentido de que os indivíduos
não poderiam de nenhuma forma ser os ‘autores’ ou os agentes da
história, uma vez que eles podiam agir apenas com base em
condições históricas criadas por outros e sob as quais eles
nasceram, utilizando os recursos materiais e de cultura que lhes
foram fornecidos por gerações anteriores. (HALL, 2005, p. 34-35).
Acreditamos que a realidade, no interior e cotidiano das escolas, muitas vezes
dificulta o processo de mudança. Tal realidade se materializa nos parcos recursos
que têm sido aplicados na educação e no descaso dos governantes para garantir a
sua qualidade.
Para reverter tal situação, necessitamos também de muita vontade política,
materializada em ações concretas no cumprimento dos compromissos assumidos
junto aos eleitores. Que nossos governantes abracem o projeto de melhoria da
escola e inclusão educacional não apenas no discurso político, mas, efetivamente,
nas práticas e ações voltadas para a valorização dos docentes e da reestruturação
da escola, vislumbrando a qualidade de ensino para todos. Discursos não são
suficientes para provocar mudanças, carecemos de ações concretas urgentes, para
melhorar a escola das vítimas do sistema capitalista.
É um projeto e, como tal, contém utopias e desejos de mudança. Apresenta
uma dimensão técnica, por isso contém objetivos, metas, estratégias, cronogramas,
recursos, caminhos e meios para transformar o que está instituído. Pro-jeto é
projetar ações para realizar mudanças, visando instituir uma nova realidade,
reafirmamos. A escola com projeto é uma escola instituinte, em transformação e em
construção permanente, vislumbrando sempre aprimoramento e desenvolvimento.
166
4.4 O PPP como instrumento de participação coletiva: o papel da família na
escola
Reafirmamos aqui o que já discutimos no Capítulo 2 e constatamos no
Capitulo 3: é verdade que os pais vão muito pouco à escola. Quando vão, sua visita
à escola tem como objetivo reclamar ou, mais comumente, ouvir reclamações sobre
o comportamento ou sobre as notas – ou sobre o descaso pelos estudos – de seus
filhos.
São chamados também quando as escolas organizam suas festas, cujo
objetivo principal é a arrecadação de fundos para o caixa escolar, uma vez que as
verbas recebidas não são suficientes para a manutenção das escolas.
Quando a criança não aprende, a família é chamada e advertida a dar mais
apoio à criança, e, muitas vezes, os pais são intimados a ajudar a “ensinar” e fazer
com que a criança aprenda. Nesse sentido, a escola muitas vezes delega aos pais o
que é de sua competência. Normalmente, a escola coloca a culpa do fracasso da
criança no descuido ou displicência da família ou em problemas hereditários e/ou
emocionais, e levanta a hipótese ou supõe que a criança possui alguma patologia ou
alguma doença que explique o seu “não aprender”. Quando isso acontece,
normalmente encaminham a criança a uma avaliação diagnóstica, com laudo do
psicólogo ou médico-neurologista, buscando confirmar suspeitas de patologias. Na
maioria dos casos, a existência de patologias é descartada. Contudo, dificilmente
acontece o inverso: dos pais questionarem a escola do porquê ela não consegue
ensinar da forma como o seu filho possa aprender.
Assim, como instituição superior, detentora da autoridade do saber, a escola
muitas vezes culpa e humilha os pais, responsabilizando-os pelas suas próprias
limitações.
Também é verdade que as poucas oportunidades que são oferecidas às
famílias para a participação na escola, essas são presenças sem brilho, que pouco
interferem na vida da escola, transformado em indivíduos úteis para
endossar/aprovar projetos, verbas e decisões anteriormente resolvidas.
Por isso é que quando os pais participam do colegiado, muitas vezes
permanecem calados e concordam com tudo os que “os entendidos do assunto”
resolvem. Por isso, faz-se necessário reestruturar e revigorar a administração dos
167
colegiados escolares, procurando tornar realidade as idéias de representatividade e
participação, principalmente dos pais e dos alunos.
Nesse aspecto, Padilha (2005, p. 74) opina dizendo que a participação dos
pais como também dos alunos deve “dar-se na programação de atividades, na
coordenação de eventos intra e extra-escolares e no estudo da realidade. Eles
devem vincular-se principalmente aos diversos colegiados existentes na escola, com
o que estarão até mesmo consolidando a prática participativa”.
A transformação dos valores ético-sociais e as mudanças nas estruturações
familiares
33
também interferem bastante e exigem laços mais estreitos no
relacionamento família/escola.
Entretanto, sabemos da importância da participação efetiva e interventiva dos
pais juntos às escolas públicas. A escola pública atual não pode limitar-se à função
de ensinar os conteúdos curriculares. Precisa considerar o contexto social e cultural
de seus alunos, bem como seus interesses e necessidades.
Nesse prisma, na construção do PPP, toda a equipe escolar deve assegurar a
presença ativa da família, de forma que possa refletir, sugerir, apontar caminhos,
questionar e participar da gestão democrática. Assim,
Considerar a família como um segmento indispensável para a
construção de um projeto político-pedagógico parece cada dia mais
importante e necessário, inclusive porque as articulações da família
com a escola se transformam, assim como as novas estruturas que
sustentam as relações familiares. (VEIGA, 2001b, p. 62).
Nesse mesmo sentido, diz que é impossível democratizar a escola, de
verdade, sem escancarar as portas da escola
[...] à presença realmente participante dos pais e da sua própria
vizinhança nos destinos dela. Participar é bem mais do que, em
certos finais de semana, ‘oferecer’ aos pais a oportunidade de,
reparando deteriorações, estragos nas escolas, fazer as obrigações
do próprio Estado”. (FREIRE, 2005, p. 127)
33
Segundo Marques (1998), nos dias atuais há muitas transformações na estrutura familiar, dentre essas: família
alargada, com pais, tios, avós, filhos de pais diferentes; redução do tempo do convívio de pais e filhos; aumento
de filhos nascidos fora do matrimônio; mulheres que têm o primeiro filho mais tarde; crescente afirmação
profissional das mulheres e decréscimo nas taxas de natalidade; famílias com um único progenitor; dentre outras.
168
Muitas vezes os próprios pais se afastam da escola argumentando que não
entendem de educação e que não sabem utilizar a linguagem da escola. Isso porque
a escola usa uma linguagem muito distante da utilizada pelos pais e pelas crianças.
Mas, também nesse sentido, Freire (2005, p. 127) alerta que a escola não
conseguirá ser democrática, de fato, se não conseguir superar os preconceitos “[...]
contra as classes populares, contra as crianças chamadas ‘pobres’, sem superar os
preconceitos de sua linguagem, sua cultura, os preconceitos contra o saber com que
as crianças chegam à escola”. A escola deve considerar e respeitar a cultura da
comunidade e, a partir daí, aprimorá-la e elevá-la à uma cultura mais sistematizada e
elaborada.
Para superar essa situação de frágil participação dos pais e alunos nos rumos
da escola e na construção de uma escola de melhor qualidade, Freire (2005, p. 48)
sugeriu a criação dos Conselhos Populares, pelos quais se tornaria “[...] possível que
se dê em nível profundo uma real participação da comunidade de pais e de
representantes de movimentos populares na vida inteira das escolas”.
Lima (2002) afirma que para a construção de uma escola democrática para
todos, exige a participação dos pais e de outros setores comunitários. Todos juntos
podem melhorar e permanecer na escola para reconstruí-la e aperfeiçoá-la sempre.
Com o envolvimento de pais, mães ou responsáveis na vida e nas decisões da
escola estarão, de fato, formando o aluno para o exercício da cidadania.
Os pais têm de ser tomados como colaboradores efetivos da escola, para os
quais as portas devem estar sempre abertas. Sua presença deve ser sempre bem
acolhida, bem como as suas queixas, sugestões, críticas e intervenções, tendo em
vista a concretização de uma escola democrática, participativa e de melhor
qualidade.
169
4.5 O PPP como possibilidade de romper com o projeto (neoliberal) de
exclusão
Já é do nosso conhecimento que a política neoliberal tem delegado diferentes
sentidos a muitas palavras e expressões que representam as categorias discutidas
neste texto. Dentre elas, citamos projeto, participação, democracia, eqüidade,
qualidade, diversidade, e autonomia. Esta última, não deve ser confundida com
participação, com autogestão e nem co-gestão, mesmo havendo alguns pontos
comuns nessas expressões.
Podemos afirmar que os PPPs carregam consigo conflitos de valores de toda
ordem, explicitando diferentes visões de mundo, crenças, afetos e significados,
perante a diversidade dos atores nele envolvidos. Contudo, podemos dizer também
que “os PPPs comportam conflitos de interesses (de grupos, classes) que emanam
basicamente de duas lógicas distintas: a reguladora e a emancipadora” (DE ROSSI,
2004, p. 14).
Nesse sentido, Veiga (2001b) afirma que há projetos reguladores concebidos
como instrumentos de controle por políticas públicas assentadas na lógica
empresarial e que correspondem à economia competitiva de mercado, viabilizados
por estratégias operacionais advindas de vários centros de decisão. Por isso, o
projeto regulador está a serviço da concepção do planejamento estratégico, que
valoriza mais o produto do que o processo e, assim, desarticula a existência dos
conflitos, buscando novas formas de alinhamento, utilizando uma retórica
gerencialista e discursos político-normativos para sustentar mudanças anunciadas.
Acontece o mesmo na situação da gestão escolar.
Por isso, a mesma autora reafirmou em outra obra a importância de “[...]
refletir sobre as relações mais amplas da escola com as políticas alicerçadas na
visão estratégica; de outro, buscamos compreender os pressupostos que devem
embasar a construção do projeto político-pedagógico da instituição educativa na
visão emancipadora” (VEIGA, 2001b, p. 46).
Nesse prisma, o PPP pode apresentar, de um lado, uma concepção teórica e
prática que se coloca a serviço da manutenção da estrutura social desigual ou, por
outro, trabalhar a favor da superação das desigualdades e em busca de uma escola
de maior qualidade para todos.
170
A primeira concepção do projeto da escola localiza-se numa lógica
estratégico-empresarial, na qual, segundo VEIGA (2001b, p. 48 – grifos da autora):
As palavras de ordem passam a ser eficiência e custo, deslocando-
se o eixo da discussão dos fins para os meios, propiciando a
desqualificação do magistério, o atrelamento da escola aos
interesses empresariais e do capital e o desvinculamento dos seus
determinantes sociopolíticos. Trata-se, portanto, de um projeto
político-pedagógico inserido no contexto de reestruturação do
capitalismo
.
Nessa perspectiva, a escola continua funcionando submissa aos valores do
mercado, voltada para a formação de “clientes e consumidores”, com uma prática
excludente e seletiva. Existem também, nessa escola, contradições entre o discurso
democrático e o processo autoritário de tomada de decisões, entre os que pensam e
os que fazem. O seu objetivo maior é garantir uma qualidade formal, que procura
explicitar o desempenho da escola por meio de um planejamento tecnicista e
considerado eficaz. Portanto, conserva as idéias da escola tradicional/tecnicista e
mantém os valores da QT (qualidade total). Combina, também, perfeitamente, com
os valores da orientação neoliberal.
Dentro desse modelo de gestão da escola tipo empresarial, focada no serviço
do cliente e no produto, é que se justifica a concepção do Plano de Desenvolvimento
da Escola, mais conhecido como PDE. Este “[...] opera com base em quatro grandes
separações do trabalho: o pensamento separado da ação; o estratégico separado do
operacional; os pensadores separados dos concretizadores; os estategistas
separados das estratégias” (VEIGA, 2001b, p. 47).
Diante desse contexto, precisamos refletir e agir criticamente para alterar e
superar essa realidade. Sabemos que a falta de vivência democrática e a carência
de visão crítica sobre o mundo minimizam a visão de mundo dos excluídos e os
tornam passivos diante de tantas adversidades. Assim, percebemos que
A alienação do dominado e do dominador são de níveis diferentes. A
do primeiro deriva do trabalho alienante e do tráfico ideológico; a do
segundo é conseqüência da transformação da vida num mercado e
de todos os valores em mercadorias. As aspirações, projeções e
171
ideais das classes dominantes, no sentido de que a sociedade não
mais se altere, seja terminal, faz com que as potencialidades
transformadoras e, conseqüentemente, libertadoras fiquem
obstaculizadas pelo lado desses segmentos sociais. (ROMÃO,
2002, p. 26).
A autonomia da escola, outorgada pela LDB, não passa, até o momento, de
uma utopia. É mais uma alternativa da modernidade ou do sistema neoliberal para
despolitizar o sistema, com discurso moderno e inovador, que defende a inserção
dos professores, os pais, os alunos e toda a comunidade local, em um processo que
se diz neutro. Segundo De Rossi (2004, p. 23) são artimanhas e táticas da estrutura
de poder vigente, composta pelos grandes grupos econômicos, trabalhando com
bases e apoios internacionais, cujo objetivo é recriar as instituições, privatizá-las e
ampliar o lucro e o consumo em escala mundial.
Nesse prisma, Romão (2002, p. 97) já alertava que o ideário neoliberal se
apropria da literatura produzida pelo pensamento pedagógico progressista brasileiro,
e como exemplo cita a Escola Cidadã frente ao projeto pedagógico neoliberal,
sublinhando o
[...] perigo das armadilhas da ideologia hegemônica que, ou
desqualifica discursos e propostas diferentes ou alternativas aos
seus, ou apropria-se das proclamações e dos projetos de maior
appeal político do campo adversário, descaracterizando-as e
deixando os confrontamentos sem bandeiras.
Assim, o Projeto Político-Pedagógico também pode representar apenas uma
via para a efetivação do ideário neoliberal. Nesse sentido De Rossi (2004, p. 51) diz
que
[...] é possível dizer que o primeiro aspecto da revolução da
modernidade está ligado à difusão do projeto pedagógico e sua
colocação no âmbito do Estado. A modernidade nasce como
projeção pedagógica que consiste, ambiguamente, em um duplo
desafio: a dimensão da conformação e a da libertação.
172
Nesse sentido, entendemos que o PPP é um instrumento complexo e
dialético, também contraditório, que caracteriza a educação do mundo moderno e
permanece no centro da história moderna e contemporânea. Assim, se por um lado
ele representa um objeto de transformação, por outro pode ser também instrumento
de reafirmação dos objetivos da sociedade capitalista.
Por isso, é preciso que, em um projeto educacional, todas as pessoas da
comunidade, compartilhem suas intencionalidades, aprendam a exercer sua
politicidade por meio da participação efetiva e interventiva no contexto social. É
preciso que, coletivamente, com entusiasmo e esperança, seja construído um
projeto coletivo, tendo em vista as transformações sociais. Assim,
Mesmo quando as condições histórico-sociais de uma determinada
sociedade estão deterioradas, marcadas pela degradação, pela
opressão e pela alienação, como é o caso da sociedade brasileira, o
projeto educacional se faz ainda mais necessário, devendo se
construir então como um projeto fundamentalmente contra-
ideológico, ou seja, desmascarado, denunciando e criticando o
projeto político opressor e anunciando as exigências de um projeto
político libertador. (SEVERINO, 1998, p. 82).
Apesar da interferência da política neoliberal e de todas as limitações que se
apresentam na nossa sociedade e, especificamente no cotidiano das escolas,
reafirmamos a idéia de Paulo Freire que foi registrada em sua tese no ano de 1959,
cujo título é Educação e atualidade brasileira, a qual é retomada por Romão (2002)
e, neste momento, por nós, no presente trabalho. A superação dos obstáculos que
se opõem à construção de um projeto de nação independente só seria possível com
a assunção do processo de transformação social pelo povo. Mas, para tanto, esse
nosso povo precisa enriquecer sua cultura, e se constituir dentro de um processo de
conscientização crítica, que lhe permita enxergar outros horizontes e novas
perspectivas. Somente a partir de um Projeto Político-Pedagógico “autêntico”,
adequado ao atendimento das necessidades reais; por isso, com autoria própria,
estará “apoiado em condições históricas propícias” (Freire, 1959, apud ROMÃO,
2002, p. 31).
O envolvimento de toda a comunidade escolar é importante porque o “homem
só pode existir efetivamente na exata medida em que vai se relacionando com a
173
natureza, através do trabalho; com a sociedade, através da prática social; e consigo
mesmo, pelo cultivo da própria subjetividade” (SEVERINO, 1998, p. 84).
Nessa mesma perspectiva, reafirmamos com Paulo Freire e Romão a idéia de
que é preciso que cada comunidade aprenda a fazer uma leitura crítica do mundo, o
que implica uma análise das condições de vida dos dominados
34
e a transformação
de seu saber que, embora contenha substâncias espúrias da consciência do
dominador, traz consigo virtualidades transformadoras. Assim, a tensão dialética
utilizada por Paulo Freire e reafirmada por Romão (2002) se faz presente, pois, se
por um lado, a massa dominada e excluída apresenta sintomas de opressão,
alienação e inércia; por outro, carrega consigo, embora ainda adormecidos, virtudes
de luta, de ousadia, de coragem para superar as condições desumanas e construir
uma nova realidade.
Gramsci (1968) foi inspirado por Marx e, por isso, deu importância à escola e
a concebeu como organização cultural dos trabalhadores, cuja finalidade maior seria
a emancipação social e política das classes subalternas. Além disso, destacou a
práxis inteligente do humano, como um novo princípio educativo de escola unitária
para todos. Portanto, na perspectiva socialista, a cultura deve ganhar significado de
direção intelectual e política para organizar as massas. Nesse sentido, pensamos
em organizar o povo, no sentido de esclarecer-lhes as dúvidas, informar-lhes sobre
as contradições desse mundo, no sentido de promover-lhes a uma visão clara e
consciente do mundo, tendo em vista a libertação de toda forma de opressão e
desumanização.
Sabemos que a escola constitui-se como um órgão de institucionalização das
mediações reais para que uma intencionalidade possa se efetivar de forma concreta,
histórica, para os objetivos de mudança e transformação, os sonhos e as utopias,
não permaneçam no plano ideal, mas ganhem forma real, na práxis escolar que se
estenderá à toda a sociedade.
O Projeto Político-Pedagógico foi pensado e faz sentido somente quando se
constituir em um processo democrático de decisões, e preocupar-se em
34
Karl Marx chamou o povo dominado de “explorados”; Paulo Freire os chamou de “oprimido” (Pedagogia do
Oprimido); Saviani de “dominados”; Dussel chama de “vítima” (Ética da Libertação). Todos são representados
pelos pobres, que não podem usufruir a maioria dos bens socialmente produzidos, por isso são os excluídos da
sociedade capitalista que os aliena, explora e desumaniza.
174
[...] instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que
supere conflitos, buscando eliminar as relações competitivas,
corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando
impessoal e racionalizado da burocracia que permeia as relações no
interior da escola, diminuindo os efeitos fragmentários da divisão de
trabalho que reforça as diferenças e hierarquiza os poderes de
decisão. (VEIGA, 2004, p. 14).
Portanto, o Projeto é que vai indicar os novos caminhos e viabilizar as
mudanças. Acreditamos, firmemente, que o Projeto é importante instrumento
mediador e efetivador de transformações. Acreditamos que, com um projeto
consistente, democrático e que representa de fato, o desejo de todos, é possível
encontrar formas de driblar as distorcidas intenções do neoliberalismo. O projeto é,
portanto, eficiente instrumento capaz de adensar uma transformação qualitativa na
educação e, conseqüentemente, contribuir para a conquista de uma sociedade mais
justa e humana.
Retomamos a idéia de que, por um lado, as instituições são reprodutoras
porque existe o instituído, o que é dado, o real, o que já fora construído. Por isso, em
seu bojo, a instituição já representa um desenvolvimento, pois já tem uma história de
construção. Por outro, a instituição apresenta também a vertente de instituinte, que é
a possibilidade de se re-fazer, se inovar e de se recriar. O desenvolvimento é,
portanto, histórico. Acontece considerando o já instituído. É posterior a ele.
Por meio do Projeto Político-Pedagógico construído com a convicção coletiva
de que esse é o caminho para a transformação, acreditamos que seja possível
conquistar maior autonomia. Nesse sentido, a autonomia,
[...] na escola cidadã, pressupõe, pois, a alteridade, a participação, a
liberdade de expressão, o trabalho coletivo na sala de aula, na sala
de professores, na escola e fora dela. A educação enquanto
processo de conscientização (desalienação) tem tudo a ver com a
própria autonomia e, como esta se fundamenta no pluralismo
político-pedagógico, garante a mudança possível no próprio sistema
educacional e nos próprios elementos que o integram. (PADILHA,
2005, p. 67).
175
Oportunamente, voltamos ao pensamento de Veiga (2001b) que nos coloca
como alternativa uma outra possibilidade de concepção de PPP na escola, a partir
de uma perspectiva da educação emancipatória, combinada com a idéia de escola
cidadã de Paulo Freire. Nessa concepção emancipadora, diferentemente, percebe-
se que é preciso superar a visão conservadora e extrapolar o centralismo
burocrático. Isto pressupõe o
[...] envolvimento de diferentes instâncias que atuam no campo da
educação, além do coletivo da escola, na construção de seu projeto
político-pedagógico, exprimindo sua intencionalidade pedagógica,
cultural, profissional e construindo um modelo de gestão que
podemos entender como democrático. (VEIGA, 2001b, p. 55).
Nesse prisma, o processo democrático de gestão constituiria, de fato, o
caminho para a construção de uma escola de maior qualidade de ensino. Nessa
escola, tem de haver a participação efetiva da comunidade escolar e um trabalho
coletivo e comprometido entre todos os segmentos escolares. Assim, a unidade
entre a teoria e a prática estaria preservada, com o aperfeiçoamento constante da
competência técnica, teórica e política, para todos os cidadãos que fazem e que se
importam com a educação.
Por tudo isso, insistimos que devemos manter acesa a esperança e também
reavivar a nossa utopia. Pois, conforme Paulo Freire nos ensinou, não podemos
abandonar a ira diante das injustiças; nem a capacidade de indignação diante de
tudo que desumaniza e, nem muito menos, perder a amorosidade com relação à
vida, ao outro, e à construção – por meio de um projeto – de um mundo melhor.
Por isso, no próximo capítulo, vamos discutir a situação opressora em que
nos encontramos, bem como a angústia e o desânimo que assolam nossos
educadores. Contudo, propomo-nos a buscar enxergar possibilidades de superação
de tal situação. Se temos um projeto, é porque desejamos ir além, seguir adiante,
para conquistar uma nova realidade. Somos um vir-a-ser e a história está apenas no
começo. Acreditamos que existe um caminho promissor.
CAPÍTULO 5
O COMPROMISSO ÉTICO NA PRÁTICA ESCOLAR E A FORÇA DA
COMUNIDADE PARA A EDUCAÇÃO EMANCIPADORA.
Quando nada mais parece ajudar;
eu vou e olho o cortador de pedras,
martelando sua rocha, talvez cem vezes,
sem que uma só rachadura apareça.
No entanto, na centésima primeira martelada,
a pedra se abre em duas, e eu sei que não foi
aquela a que conseguiu, mas todas as que
vieram antes.
Jacob Rtts.
35
Neste capítulo, reafirmamos que as questões que envolvem a globalização e
o Neoliberalismo interferem diretamente na formação docente, como também na
prática pedagógica. Muitos são os entraves que dificultam a prática docente de boa
qualidade e que colocam o educador em situação de desânimo e desesperança.
Assim sendo, precisamos encontrar o caminho necessário para os efeitos
negativos da política vigente, que deforma as intenções para se construir uma escola
verdadeiramente de boa qualidade, que fragmenta o conhecimento, que despolitiza,
imobiliza e aliena os cidadãos, batalhando, assim, para a manutenção do estado
atual das coisas, que representa a permanência da estrutura de sociedade que
consideramos desigual e injusta.
Lobrot (1992, p. 15) mostra que um dado grupo social – ou uma comunidade
– seja ele qual for, “[...] se ocupa em realizar a conformidade em seus membros e
consegue-o [...]”, seguindo a fórmula da disseminação do desânimo, do imobilismo,
da desesperança, da resignação, numa espécie de “pressão da conformidade”. Mas,
apostamos que esse efeito pode ser superado e invertido.
Daí, diante de tantas incertezas, de tantas convicções sectárias,
manipulações que provocam visões deturpadas da realidade, é preciso despertar a
comunidade para o descortinamento dessa realidade, para que compreenda a força
35
Pensamento extraído do prefácio de autoria do Prof. Dr. Mário Sérgio Cortella, no Livro A aula operatória e
a construção do Conhecimento, de Paulo Afonso C. Ronca e Cleide do Amaral Terzi, Edesplan (1995).
178
que possui, quando atua com um projeto e em equipe coesa e solidária, em busca
de uma causa comum.
5.1 A crise de identidade: a modernidade, a pós-modernidade e a hiper-
modernidade
O fato de vivermos em um mundo de incertezas, onde não há referência fixa
leva-nos à necessidade de nos perguntarmos: Quem somos nós? Onde estamos?
Por que tudo nos parece tão estranho? Para onde estamos indo?
Como já discutimos no primeiro capítulo deste trabalho, percebemos que as
identidades nacionais estão cada vez mais unificadas ou homogêneas. E, segundo
Anthony McGrew (apud HALL, 2005, p. 67):
[...] a “globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa
escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e
conectando comunidades e organizações em novas combinações
de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em
experiência, mais interconectado.
Vivemos, sem dúvida, uma crise de identidade. Hall (2005) aponta três
concepções de identidade. A primeira é a do sujeito do Iluminismo, na qual a pessoa
humana era totalmente centrada, unificada, dotada de razão, de consciência e ação.
Contudo, era uma concepção individualista do sujeito. Assim, desperta-nos a idéia
de que nós humanos podemos guiar a história, pois ela está nas nossas mãos. É o
reconhecimento da subjetividade na história e não da sua invenção. A segunda é do
sujeito sociológico que refletia a complexidade do mundo moderno e a consciência
de que o sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas existia a relação de outras
pessoas importantes para ele. Nessa concepção, a identidade é formada na
‘interação’ entre o eu e a sociedade. Então, o sujeito sociológico tem uma pertença à
sociedade. É um sujeito que pode realizar uma ação social.
179
Por conseguinte, como a terceira concepção, surge o sujeito da pós-
modernidade, cuja identidade não é fixa, nem essencial e nem permanente. As
identidades foram recortadas. Assim, se por um lado, o sujeito do Iluminismo
possuía uma identidade unificada e estável, e por outro, o sujeito da modernidade se
tornou fragmentado, composto de várias identidades, algumas vezes contraditórias e
não resolvidas. Reforçando essa idéia, destacamos que “o sujeito” do Iluminismo
como tendo uma identidade fixa e estável, mas que foi descentrado, resultando nas
identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas, do sujeito pós-
moderno” (HALL, 2005, p. 46).
Ora, na pós-modernidade
36
cada um de nós possui múltiplos recortes. Por
isso, não se pode ser simplesmente homem, mas se é também negro, professor
competente, ou conservador, ou inovador, pobre ou rico. Essas são características
identitárias que nos marcam e nos identificam.
Assim, entendemos que a Pós-Modernidade é uma corrente de pensamento
que cresce a partir de 1990. Sem dúvidas, é mais uma expressão do capitalismo.
Nessa concepção, o pensamento se torna volúvel, fragmentado e confuso.
Perdemos a fé na Ciência, pois agora tudo é muito veloz, muda rápido, o que é
verdade hoje, já será ultrapassado no dia seguinte. Vivemos, desse modo, em um
mundo de instabilidades e incertezas. Por conseguinte, a Pós-Modernidade
naturaliza as incertezas. E essa incerteza “visa apagar a esperança em valores
universais como o da libertação e da emancipação humana” (FREITAS, 2005, p. 2).
Por isso, nasce o imobilismo e a inércia diante de tanta miséria humana.
Portanto, a Pós-Modernidade é uma corrente de pensamento que questiona
as noções clássicas da verdade científica. Questiona ainda a razão, a identidade, a
subjetividade e a idéia de progresso. Daí por diante, vemos com desconfiança a
razão e a ciência.
Por isso, o conhecimento científico torna-se também incerto, transitório e o
perigo é que “a tentação pós-modernista nos levaria a uma proletarização cultural
muito mais profunda que a proletarização social do século passado” (FREITAS,
2005, p. 16, apud TOURAINE, 1998, p. 25-26).
36
Para entender melhor sobre o conceito e as influências da Pós-modernidade, leia-se:
a) ANDERSON, P. As origens da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1999;
b) LYOTARD,J. A condição Pós-moderna. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002;
c) JAMESON, F. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002;
d) SANFELICE, J.L. Pós-Modernidade, globalização e educação. In: LOMBARDI, J.C. (Org.). Globalização,
pós-modernidade e educação. Campinas: Autores Associados, 2001.
180
Com a globalização, as idéias Pós-Modernas se difundem fácil e
espetacularmente, pelos meios de comunicação de massa, pela tecnologia
avançada e a informática. A comunicação e a linguagem são redimensionadas pelas
imagens, pelos símbolos e jogos do computador. E com tantas novidades, as
pessoas se isolam, perdem-se cada vez mais as relações interpessoais. A máquina
substitui o homem no trabalho e nas relações. Por isso, há fluidez, as pessoas se
isolam, o coletivo se desgasta e enfraquece, pois,
[...] ao propor uma atuação desprovida de um projeto coletivo maior,
se caracteriza por ser um movimento que reduz a própria noção de
coletivo à de um grupo imediato e [...] ao indivíduo produtor da
diferença (da resistência), agindo fragmentariamente e sem ‘falsas
totalidades’. No entendimento destes, imersos nas “misérias”,
seriam produzidas as resistências locais” (FREITAS, 2005, p. 12).
Se por um lado, o capitalismo se fortalece na modernidade por meio do
Liberalismo, da Social Democracia e do Neoliberalismo, por outro é na modernidade
que se alcançou uma compreensão científica das coisas. A modernidade apresenta,
então, uma estrutura teórica e uma concepção, a qual procura concretizar. Havia
certezas e maior segurança.
Mas, a voracidade do capitalismo levou à exacerbação, a um capitalismo
selvagem e, por isso, desumano. Chegamos, então, à Pós-Modernidade.
O surgimento de novas formas culturais, de meios e de tecnologias de
comunicação globais, molda as relações de afiliação, identidade e interação dentro e
por meio dos cenários culturais locais. Assim, a identidade das nações, bem como a
sua cultura, está ameaçada pela perda de identidade. Nesse sentido, a
“Crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo
de mudança, que está deslocando as estruturas e processos
centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de
referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no
mundo social. (HALL, 2005, p. 7).
181
Entretanto, sabemos que é insuportável viver sem referência, sem vínculos
estáveis nos planos afetivos, morais, intelectuais. Todos nós precisamos, assim, de
um padrão, de uma referência para nos sentirmos mais seguros. Por isso,
procuramos cada vez mais a estabilidade, a nostalgia, a certeza do absoluto, algo
sólido, um “porto seguro”. E, se não encontramos, ficamos perdidos, desnorteados.
Entretanto, a globalização, além da questão da fluidez da identidade, na qual
as pessoas se sentem inseguras e pouco situadas, tem também estimulado muito o
consumismo global, criando “identidades partilhadas” para consumidores dos
mesmos bens. E, com a veiculação de tantas informações sobre diferentes
identidades, a identidade nacional fica desvinculada e desalojada. E, se por um lado,
a globalização promove as relações sociais com comunidades distantes, por outro,
os acontecimentos locais são moldados por fatos ou eventos que acontecem a
milhares de quilômetros de distância.
Segundo Góes; Laplane (2004, p. 9) “a globalização tende a gerar novas
desigualdades, além de fazer recrudescer as já existentes”. Tal paradoxo tem se
materializado na crescente desigualdade social, no aumento desemprego e,
conseqüentemente, da pobreza e da miséria humana.
Pelas afirmações de Hall (2005), desde 1970 o ritmo da integração global
aumentou enormemente, acelerando os fluxos e os laços entre as diversas nações.
O autor denuncia, ainda, as influências da globalização sobre as identidades
culturais, elencando três conseqüências possíveis:
As identidades nacionais estão se desintegrando, como
resultado do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-
moderno global”.
As identidades nacionais e outras identidades “locais” ou
particulares estão sendo reforçadas pela resistência à globalização.
As identidades nacionais estão em declínio, mas novas
identidades – híbridas – estão tomando seu lugar. (HALL, 2005, p.
69).
Nossa preocupação é a de que “existem evidências de um afrouxamento de
fortes identificações com a cultura nacional, e um reforçamento de outros laços e
lealdades culturais (HALL, 2005, p. 73). O mesmo autor afirma ainda que, colocadas
“acima do nível da cultura nacional, as identificações ‘globais’ começam a deslocar
182
e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais” (HALL, p. 73). A preocupação
no que se refere à tensão entre o “global” e o “local” é a transformação das
identidades. Contudo, cada identidade nacional compreende vínculos, histórias
particulares, símbolos, eventos etc. e não se pode desprezar o vínculo de
pertencimento existente em cada nação.
Mas, o sujeito pós-moderno tornou-se mais volúvel e, ao mesmo tempo, veloz
e fragmentado. Representa a incompletude da condição humana. Na pós-
modernidade, tudo está desmontado, sem perspectiva de permanência. Aliás, o
eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas
evitar que ela se fixe. [...] o nome do jogo é mobilidade: a pessoa deve poder mudar
quando as necessidades impelem, ou os sonhos o solicitam” (BAUMAN, 1998, p.
114). Acontecem mudanças rápidas e acredita-se que o novo é sempre melhor do
que o atual. Por isso, tudo está ainda na fôrma e não há tempo para se gestar.
Nesse prisma, existe muito mais possibilidade de homogeneização de cultura
porque tudo está diluído diante da globalização. O ter é muito mais importante que o
ser, por isso quem consome mais, tem mais valor na sociedade global.
Hodiernamente, levantamos discussões sobre etnia, gênero (por exemplo: a
luta pelos direitos femininos), sexualidade, dentre outros; em um leque que
representa uma infinitude de possibilidades. Os movimentos culturais introduziram a
discussão da imprevisibilidade da identidade.
Nesse sentido, o mundo atual,
[...] notoriamente instável, e constante apenas em sua hostilidade a
qualquer coisa constante, a tentação de interromper o movimento,
de conduzir a perpétua mudança a uma pausa, de instalar uma
ordem segura contra todos os desafios futuros, torna-se
esmagadora e irresistível. (BAUMAN, 1998, p. 21).
Vivemos, desse modo, insatisfeitos, com culpa de não caminhar
suficientemente depressa, e com esperança de que o dia seguinte será sempre
melhor do que o atual. Nesse conflito, não vivemos com fruição cada momento,
porque estamos ansiosos demais para chegar ao futuro. Vivemos descontentes, pois
“[...] a gente acaba sendo vitimado por uma saudade do futuro [...]” (LA TAILLE;
CORTELLA, 2005, p. 42).
183
Tal modelo fora descrito como A era do vazio, no qual a análise social se
explica mais pela sedução do que pelo significado de alienação e disciplina.
Superada a Era do vazio, chega-se à era do hiper, a qual se caracteriza pelo
hiperconsumo, a hipermodernidade e o hipernarcisismo (LIPOVETSKY, 2004, p. 25).
O hiperconsumo justifica-se segundo “a lógica emotiva e hedonista que faz
com que cada um consuma antes de tudo para sentir prazer” (LIPOVETSKY, 2004,
p. 25-26). Sentimos uma necessidade urgente de consumir, não é possível esperar e
nem renunciar a nada. A falsa necessidade conduz-nos ao consumo como promessa
de um futuro eufórico, melhor do que o atual. É o vazio interior que deve ser
preenchido com o poder de consumir.
Por hipermodernidade, o autor define como uma sociedade liberal,
“caracterizada pelo movimento, pela fluidez, pela flexibilidade; indiferente como
nunca antes se foi aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que
precisaram adaptar-se ao ritmo hipermoderno para não desaparecer”
(LIPOVETSKY, 2004, p. 26).
O Hipernarcisismo evidencia uma época em que o Narciso toma ares de
maduro, responsável, organizado, eficiente e flexível e que, dessa maneira, rompe
com o Narciso dos anos pós-modernos, hedonista e libertário. E, segundo Freud
(1997), o narcisista tende a ser auto-suficiente e busca suas satisfações nos seus
processos mentais internos.
Há uma sedução pelo movimento, pela busca do diferente, pela moda, e
“‘tudo que é novo apraz’ se impõe como rei, a neofilia se afirma como paixão
cotidiana e geral”. (LIPOVETSKY, 2004, p. 60). Ninguém se contenta com o que
tem, quer sempre mais e melhor: “Assiste-se aí à extensão a todas as camadas
sociais do gosto pelas novidades, da promoção do fútil e do frívolo, do culto ao
desenvolvimento pessoal e ao bem-estar – em resumo, da ideologia individualista
hedonista” (LIPOVETSKY, 2004, p. 24). Se por um lado o Neoliberalismo cria o
desejo inadiável pelo consumo, por outro, cria também a impossibilidade de se
consumir.
Como conseqüência, a cultura contemporânea tornou-se individualista e
competitiva. O que outrora chamávamos de sujeito, chamamos agora de indivíduo,
pois o fio condutor das ações é o individualismo. Por essa razão, verificamos que,
184
Para o cidadão comum, a luta pela sobrevivência diária retira-o do
envolvimento e das preocupações com o outro, com as instituições,
com os valores, com os princípios, com o coletivo. Dessa forma,
enfraquece movimentos sociais, instâncias coletivas de luta,
associações de interesses, partidos, enfim, fragmenta e mergulha o
indivíduo em um profundo nascisismo. Esse ‘salve-se quem puder’
conduz uma parte dos jovens à marginalidade, à fragmentação
deles em microgrupos, gangues e outras formas de agrupamento,
que compensam a falta de proteção do Estado (na esteira do Estado
mínimo e do fim do Estado de bem-estar social) e criam ambientes
autoprotegidos e cada vez mais violentos. (FREITAS, 2005, p. 22).
Os indivíduos solitários, enfraquecidos, sentem-se vazios. Com isso,
aumentam as crianças na rua, os jovens viciados pelas trocas, a violência, o
vandalismo, a delinqüência juvenil, o crime e a falta de segurança. Somos invadidos
pelo medo e nos aprisionamos em nossas próprias casas. Assim, há mais
isolamento.
Nessa cultura contemporânea, há valorização da massa em detrimento do
reconhecimento e a valorização dos grupos como identidades culturais. Pelos seus
valores, não se reconhece a diversidade e o sujeito; o que se reconhece é a massa
e o indivíduo. Para essa sociedade, tudo é plural. Desse modo, não se valoriza o
diferente, o desigual.
Nas contradições explicitadas pelos indivíduos hipermodernos, percebemos
que eles
[...] são ao mesmo tempo mais informados e mais desestruturados,
mais adultos e mais instáveis, menos ideológicos e mais tributários
das modas, mais abertos e mais influenciáveis, mais críticos e mais
superficiais, mais céticos e menos profundos. (LIPOVETSKY, 2004,
p. 28).
Podemos afirmar, diante do exposto, que vivemos em um tempo no qual as
pessoas estão vivendo uma crise de identidade e, por isso, sentem-se inseguras,
desagregadas, perdidas, insatisfeitas, com um vazio interior e, portanto, infelizes e
solitárias.
Vivemos em um momento em que as pessoas, as informações, as
experiências, todos são compelidos à exacerbação. E a exacerbação é maléfica,
185
porque dilacera o sentimento, a ordem, os desejos e a memória. Num mundo de
incertezas, de relações efêmeras e de individualismo, a esperança se esvai. E isso,
segundo Freitas (2005), provoca a paralisação das lutas políticas e sociais,
fortalecendo, ao mesmo tempo, o conformismo social. E, nesse prisma, tal
paralisação
[...] favoreceria a política de criação de uma era de incertezas por
parte do capital, que com sua permanente ação de desconstrução
gera no indivíduo um sentimento de impotência em relação ao
futuro, com o conseqüente desânimo, diante de tais incertezas, para
as possibilidades de introduzir modificações nesse futuro, criando
um campo favorável à manutenção do status quo, e alimentando a
sensação de que não temos mais controle sobre o nosso futuro, que
não há outra alternativa senão viver o presente e deixar o futuro à
sorte”. (FREITAS, 2005, p. 21-22).
Precisamos encontrar uma solução para o problema aqui exposto,
descobrindo um meio para driblar os efeitos maléficos da hipermodernidade.
Percebemos que o mundo em que vivemos passa por profundas
transformações. O processo de globalização da economia, as tecnologias e as
políticas de cunho neoliberal alteram de forma substancial as relações sociais e a
vida das pessoas.
Assim, constatamos que no mundo globalizado “Há beleza e há humilhados”
(BAUMAN, 1998, p. 257). Se há muitas riquezas nas mãos de poucos, igualmente
há muita miséria na vida de muitos. Impera a escandalosa desigualdade social.
Contudo, é preciso manter viva a esperança e lutar para preservar a beleza e
encontrar formas de resgatar os humilhados. Não podemos permitir que se extinga
toda a humanidade de vítimas da sociedade capitalista; é preciso resgatá-los. Tem
de haver uma saída para isso.
Por outro lado, existe o protesto dos pobres que reivindicam justiça, ética e
melhor distribuição das rendas. Contudo, seu grito é ainda muito frágil diante da
euforia global. Mas, existem também as leis, as políticas e os movimentos que
clamam por justiça social. Como resolver tal impasse? Existe uma saída?
186
Mas, se a escola tem como função ensinar/educar, difundir e produzir
conhecimentos para promover o desenvolvimento do ser humano, por que não tem
feito isso? O que falta para que ela dê conta de sua missão?
Sabemos também que os obstáculos são muitos. Os efeitos da globalização e
da política neoliberal influenciam demasiadamente no avanço histórico. Os
professores também estão imersos nessa sociedade de consumo, estão
desvalorizados e, por isso, trabalham em jornadas triplas. O resultado é o cansaço, o
estresse e, conseqüentemente, a perda da identidade. Encontram-se em um vazio,
não vêem sentido no que fazem, a utopia esvaece e a esperança torna-se tímida. O
resultado é a inércia total, apenas como expectadores do avanço dos propósitos da
sociedade capitalista. Privados de viver a cidadania plena, que lhes daria o direito à
moradia, atendimento à saúde, lazer, condições de estudar, comprar livros, viajar,
sentem-se frustrados. Como ensinar a cidadania quando também se está privado
dela? Por que a cidadania nos está sendo negada?
Notamos, dessa forma, que o professor brasileiro sofre com as condições
inadequadas e impróprias para o digno exercício da docência. Assim, segundo
Matos; Matos (2001), o professor padece com diversos tipos de pressões ao
exercício de seu trabalho no cotidiano escolar: enfrenta os baixos salários, o
excesso ou o acúmulo de trabalho, a falta de equipamentos e de infra-estrutura
adequada, além da falta de reconhecimento da importância da sua função. O
somatório de tudo isso concorre para que o professor perca o estímulo e a vontade
de trabalhar ou pelo menos de exercer seu trabalho de forma adequada e prazerosa.
Por conseguinte, as escolas estão cheias de trabalhadores enfermos, com
males físicos e psicossomáticos. O número de licença de saúde é cada vez maior.
Cresce também o número de educadores são acometidos pela Síndrome de
Burnout, que é uma tensão emocional crônica devido aos vários problemas e
dificuldades que o trabalhador da educação enfrenta no seu dia-a-dia. Tal síndrome
é entendida como um conceito multidimensional, que envolve três componentes
básicos: exaustão emocional, despersonalização e falta de envolvimento pessoal no
trabalho. Codo; Vasques-Menezes (1999) afirmam que a exaustão emocional se dá
quando o trabalhador esgota suas energias e recursos emocionais e não consegue
mais se envolver afetivamente, devido o contato direto com os problemas do
cotidiano. A despersonalização se dá com o desenvolvimento de sentimentos e
187
atitudes negativas e de cinismo que conduz ao endurecimento afetivo ou coisificação
da relação.
Nesse contexto de desvalorização, e de estresse no ambiente escolar, os
professores continuam buscando cursos de atualização, acumulam diplomas e
certificados, discutem uma escola mais democrática e participam da elaboração do
Projeto Político-Pedagógico. Contudo, percebemos que tudo isso não interfere na
prática pedagógica, tudo continua sem sabor e, pior ainda, sem prazer. Além do
mais,
[...] os discursos favorecem apenas ao sistema, dentro da mesma
lógica: enquanto se permite a crítica aberta, porém inócua, passa-se
a idéia de que estamos em democracia, mas para não funcionar.
Que mais haveria de querer o neoliberalismo? (DEMO, 2002, p. 19).
Mas, o que fazer para superar essa situação? Qual é o papel do educador,
dentro desse contexto? Como dar sentido, significado, vivacidade e esperança ao
trabalho educativo?
Concordamos com o pensamento de Mo Sung (2002), pesquisador que afirma
que as instituições de trabalho, nas quais se convive face a face com o outro, não se
pode coisificar as pessoas. Pois, é importante saber que
[...] o indivíduo se manifesta e se experiência como sujeito na
resistência às relações opressivas, ele pode se reconhecer
como sujeito e, ao mesmo tempo, reconhecer a sujeiticidade
de outras pessoas para além de todo e qualquer papel social.
(MO SUNG, 2002, p. 63).
Por isso, é preciso que o coletivo tome consciência de sua situação de
opressão e se una para formar um grupo de resistência e de luta, contra qualquer
forma de opressão, imposição e alienação.
Acreditamos que a prática pedagógica realizada na escola torna-se práxis e
só será humana se tiver transbordando intencionalidade, por meio de sua
capacidade simbolizadora. Pois, assim, a
188
[...] educação é mediação dessa articulação intencionalizante entre
o conhecimento e as práticas históricas. A educação é uma práxis
cujo sentido é intencionalizar as práticas reais pelas quais os
homens buscam implementar sua existência. (SEVERINO, 2001, p.
69).
Se, por uma via, a educação serve ao aprimoramento e ao desenvolvimento
dos sujeitos da sociedade, por outra serve também à reprodução e a manutenção de
uma sociedade de classes desiguais e excludentes. Como a primeira idéia sempre
foi difundida e assimilada com mais clareza, a segunda ficou mascarada e, por isso,
colaborou com tais objetivos e reforçou o alcance deles para a reprodução social. É
verdade, então, que o processo educacional reforça a dominação na sociedade,
cujos mecanismos utilizados reproduzem, sem reelaboração, as referências
ideológicas e as relações sociais:
No entanto, contraditoriamente a educação pode criticar e superar
esses conteúdos ideológicos e assim, atuar na resistência à
dominação da sociedade, contribuindo para relações político-sociais
menos opressoras. Nessa medida torna-se uma prática
transformadora. (SEVERINO, 2001, p. 75).
Para Marx; Engels (1976, p. 36), “Não é a consciência que determina a vida,
mas a vida que determina a consciência”. Então, em outras palavras, não é a idéia
que produz a vida, mas é a vida – existencial, material, concreta – que produz as
idéias. Nesse sentido, o homem não se constrói em sua essência, de forma
autônoma, mas recebe influências e se vincula às suas reais condições de produção
de sua existência e às formas de cooperação, trocas e intercâmbios. E assim, como
sujeitos concretos, situados em um tempo e em um espaço, os homens “atuam e
produzem materialmente e, portanto, tal e como desenvolvem suas atividades sob
determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentemente de
sua vontade” (MARX; ENGELS, 1976, p. 36).
Ainda, na visão de Severino (2001), o filósofo italiano Antônio Gramsci, no
século XX, transportou para o campo educacional a filosofia político-social do
Marxismo. Nesse sentido, com a sua filosofia da práxis, voltou-se para a totalidade
da realidade histórica e social naquilo que é humano. Ele amplia o alcance da
189
filosofia marxista, estendendo para todas as esferas da existência o potencial
explicativo da metodologia dialética.
Na abordagem sobre educação, Gramsci distingue a sociedade civil da
sociedade política e articula as dimensões econômicas e culturais da sociedade:
O que deve ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de
organismos, chamados comumente de “privados”) e a “sociedade
política ou Estado”, que corresponde à função de “hegemonia” que o
grupo dirigente exerce em toda a sociedade e àquela do “domínio
direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo
“jurídico”. (GRAMSCI, 1968, p. 10-11).
Concordamos com a interpretação de Severino (2001) com relação ao
comentário sobre Gramsci, dizendo que, se por um lado, na sociedade civil,
prevalecem os processos de formação de consenso; por outro, na sociedade
política, impõe-se a dinâmica da força da dominação repressiva. Nesse sentido, a
vida social é direcionada por duas diferentes funções: a hegemonia e o comando. A
primeira refere-se ao poder de orientação e direção do grupo dominante; e a
segunda, do poder de controle e domínio do aparelho estatal sobre os indivíduos e
grupos. Portanto, muitas são as manobras e as categorias que representam
instrumentos de manipulação e mecanismos de alienação que labutam em prol de
seus interesses na sociedade de classes desiguais.
Gramsci reconhece que a educação é fundamental para elaborar e difundir a
concepção de mundo/ideologia, cimento de coesão social. Entretanto, se por um
lado, a educação tem um papel importante na configuração e disseminação da
ideologia e na consolidação do consenso social, na preservação do bloco histórico
dominante e na reprodução da estrutura de produção, por outro lado, ela pode
afirmar a cosmovisão de um grupo não-hegemônico, apresentando eventualmente
um potencial contra-ideológico. Nesse sentido, é que na sociedade civil se circulam
as concepções de mundo das classes subalternas e “enquanto a classe dominante
tenta construir sua hegemonia pela ampliação do consenso, abre espaços para a
livre circulação de ideologias representativas dos segmentos oprimidos”
(SEVERINO, 2001, p. 79). Portanto, a escola como agência educadora que educa
para o desenvolvimento da pessoa e para que cada sujeito obtenha mais a vida,
190
dignidade e bem-estar, deve formar intelectuais das classes menos favorecidas,
habilitando-os a sistematizar organicamente a concepção de mundo delas e
promovendo-as a serem sujeitos, atores na emancipação de toda uma classe
oprimida e em situação de exclusão.
Por fim, retomando o compromisso da educação popular que é o de garantir a
articulação orgânica das dimensões ideológica e política; pedagógica; cultural; social; técnica;
e ética, é possível afirmar que o pensamento de Paulo Freire é um rico referencial na
alimentação das indagações e das buscas para a construção de um novo paradigma da
Educação Popular na atualidade. Seu pensamento explicita a urgência de nos pautarmos em:
um referencial político; um referencial ético; um referencial pedagógico; um referencial
cultural; técnico e social.
5.2 Ética da Libertação e Comunidade: para uma sociedade e uma escola mais
inclusivas
Vimos que os efeitos da globalização chegam também à escola.
Concomitantemente, os paradigmas da sociedade hipermoderna conduzem a
relações frágeis e superficiais entre os homens. A verdade é que o os valores do
individualismo, do egoísmo e do consumismo, do TER sobrepondo ao SER,
contribuíram muito para a desumanização e para o desencantamento inerente ao
mundo moderno. Vivemos uma solidão que este engendra que mesmo estando em
meio a uma multidão, não conseguimos mais ver as redes de solidariedade que
existem e que se constituem nas relações humanas.
À sociedade também cabe a responsabilidade de conferir, vigiar e exigir que as
leis, as políticas públicas e as promessas dos nossos representantes sejam
cumpridas integralmente. É preciso aprender a ‘ler’ criticamente as intenções da
política neoliberal que se encontra instalada em nosso país e, conjuntamente,
planejar estratégias para driblar os seus efeitos nefastos.
A escola é um fórum de participação e existe para servir a comunidade. Para
Luhmann (apud DUSSEL, 2002, p. 524) “o sujeito autoconsciente está no entorno”.
Por isso, a comunidade tem de estar dentro da escola, participando, intervindo,
direcionando seus rumos, de forma democrática e solidária. Mas, para que isso
191
ocorra de forma construtiva, é preciso que a comunidade, na interação com outros,
na práxis de intervenção, passe pelo processo de autolibertação, conscientizando-se
de sua condição de opressão para, a partir daí, ousar, corajosamente, construir uma
nova realidade.
Na democracia real, na qual a comunidade participa, e, desse modo, os
participantes podem falar, argumentar, comunicar-se chegar a
consensos, ter co-responsabilidade, consumir produtos materiais, ter
desejo de bens comuns, ansiar por utopias, coordenar ações
instrumentais ou estratégicas, “aparecer” no âmbito público da
sociedade civil com um rosto semelhante que os diferencia dos
outros. (DUSSEL, 2002, p. 531).
Por causa disso, o processo de construção do Projeto Político-Pedagógico
precisa ser um momento solene, marcado como cultura de enraizamento histórico e
social, de cunho político e estético, efetivando-se em um compromisso coletivo com
um futuro mais promissor. Assim, “a competência se amplia na construção coletiva,
na partilha de experiências, de reflexão” (RIOS, 2003, p. 91). A oportunidade de
poder participar é um ato político, de cidadania, de exercício de direitos e deveres,
representando um selamento de compromisso mútuo, para o bem comum.
A dimensão estética refere-se “à presença da sensibilidade e sua orientação
numa perspectiva criadora” (RIOS, 2003, p. 108). Por isso deve ser construído num
clima de prazer, com criatividade, com emoção e alegria. É preciso seduzir a todos
com a beleza do significado do projeto. É preciso trabalhar com dedicação, com
sabor e com fruição na elaboração do projeto.
César Coll (1999) denuncia que, nos dias atuais, por um lado, a
responsabilidade da educação escolar tem sido transferida apenas para as
instituições de ensino e, por outro lado, há uma desresponsabilização social e
comunitária diante dos temas educativos. Nesse sentido, a educação deixa de ser
percebida como sendo responsabilidade da sociedade em seu conjunto, quando é
compreendida apenas como educação escolar, fica compreendida como de
responsabilidade do sistema educativo formal e dos profissionais que trabalham nele
e seus responsáveis políticos e técnicos devem assumir toda a responsabilidade. Ao
contrário disso, a educação deveria ser concebida como uma responsabilidade
192
social e utilizar todos os meios e também facilitar a participação de todos os seus
integrantes em um leque de práticas e atividades sociais.
Dentro dessa perspectiva, precisamos desenvolver na escola um processo
que conduza ao estabelecimento de um contrato social na educação, com um
caráter profundamente participativo. Nesse processo, os professores e os
responsáveis pelo planejamento e pela gestão dos serviços educativos formais da
comunidade ou do município devem estar envolvidos se comprometidos ativamente.
Na medida em que o objetivo principal é colocar a serviço da reflexão, do debate e
da busca de propostas concretas de atuação, todos os recursos disponíveis na
comunidade, todas as instâncias e todos os segmentos da sociedade, devem fazer
parte do processo.
Romão (2002, p. 96) recorda que ele e Gadotti defenderam e apregoaram que
a “escola deveria ser estatal quanto ao financiamento, comunitária quanto à gestão e
pública quanto à destinação”. Nesse prisma, o Estado não pode fugir à sua
responsabilidade e dever de manter e financiar uma escola bem equipada, a
comunidade como um todo não pode omitir-se quanto à gestão verdadeiramente
democrática da escola, e, por último, a escola pública tem que ser popular, portanto,
aberta para atender, com a melhor qualidade, a todos os educandos. Somente à
escola pública popular cabe a nobre missão de democratizar o saber.
Como discutimos no capítulo anterior, a sociedade brasileira não aprendeu a
viver e a praticar a democracia, pela sua própria história com experiências de
repressão, imposições e alienação de toda ordem.
Assim, é verdade que o
[...] saber popular é exumado no sofrimento, na dor da dominação,
mas constitui o motor básico da transformação e da libertação, na
medida em que a luta coletiva pela superação dessas condições
opressoras e dos limites dessa ciência – muitas vezes caracterizada
como uma consciência transitivo-ingênua – é que pode libertar todos
os seres humanos, até mesmo o dominador. (ROMÃO, 2002, p. 26).
Dessa forma, relembramos que também Gramsci nos alertou a ver a cultura
como organização, como disciplina do eu interior, apoio para a posse da própria
personalidade, no sentido de compreender o nosso valor histórico, que se estende
193
ao valor da vida, o valor dos nossos direitos e deveres que nem sempre são
respeitados. Assim, mais recentemente, alguns “estudiosos da cultura da escola nos
ensinaram que a escola abriga tensões dialéticas entre o controle do Estado e seus
modos próprios de regulamentação e de transgressão (de emancipação)” (DE
ROSSI, 2004, p. 80-81).
Contudo, vale retomar a idéia de Paulo Freire (1959, apud ROMÃO, 2002), o
qual afirma que o homem é um sujeito que constrói a sua história, por isso interfere
numa dada situação e, como tal, é “[...] um ser aberto. Distingue o ontem do hoje. O
aqui do ali. Essa transitividade do homem faz dele um ser diferente. Um ser
histórico. Faz dele um criador de cultura. A posição que ocupa na sua ‘circunstância’
é uma posição dinâmica” (2002, p. 38).
Com poderemos melhorar as relações na escola, garantindo mais
envolvimento, participação e compromisso de todos, com a educação de qualidade?
Como discutimos no capítulo anterior, sabemos que a gestão democrática
atual comporta professores, pais de alunos, coordenadores, diretores, técnicos e
funcionários de diferentes classes sociais, idades, religiões, ideologias, etnias e
níveis de escolaridade. Portanto, as escolas são freqüentadas e contam com a
participação de vários sujeitos, com diferentes prioridades; entretanto, ainda com
certa desconexão com as normas instituídas.
5.2.1 O diálogo que aproxima e transforma as pessoas em Comunidade
Destacamos aqui a capacidade de diálogo do homem. É essa a capacidade
que, segundo Romão (2002, p. 39), permite à humanidade ser mais ou menos
transitiva, mais ou menos ingênua, ou crítica. Por isso, é preciso desenvolver a
capacidade de ‘parlamentarização’, de dialogação crítica com os pares e os
contextos específicos. Nesse prisma, a dialogicidade ganha uma dimensão política
fundamental, tornando-se uma ferramenta importante no processo de libertação
humana.
O diálogo aberto e autêntico, educa, muda mentalidades e une as pessoas em
torno de uma causa comum.
194
Por outro lado, existe a falta diálogo nas famílias e também na escola. E
sabemos que não há sobrevivência na espécie humana sem dependência e, nesse
sentido, as crianças desde a primeira infância até o final da adolescência precisam
ser cuidadas em todos os sentidos. Não podem se sentir abandonadas, sem
proteção. Constatamos e preocupamo-nos com a questão de que os vínculos estão
cada vez mais frágeis. Nas famílias, os adultos permanecem afastados e os
adolescentes “soltos”. Por isso, sentem-se inseguros perdidos e procuram outras
referências. Nas escolas acontece o mesmo.
Crianças e adolescentes precisam da presença do adulto e de muito diálogo.
Vivemos num tempo em que as pessoas não dialogam, são indiferentes, suas
relações são frias, superficiais. Entretanto, sabemos que o lar é lugar da família, é o
local onde há pessoas que compartilham a “lareira e o fogo”, onde permanecem
unidas, criam vínculos, trocam experiências profundas, crescem e aprendem sobre a
vida, sobre os valores e os princípios éticos e morais. Precisamos, então, resgatar
esses valores. Precisamos educar também as famílias, despertá-las para a ética, o
humanismo, a responsabilidade junto à formação dos seres humanos. Essa
responsabilidade deve ser compartilhada entre a escola, a família e a sociedade.
Se na escola as relações são também superficiais, fugazes e frias, não há a
presença do erótico, que, segundo Freud, é tão essencial para a nossa existência. E
onde há indiferença, falta a liberação da serotonina, que dá energia, ânimo. E, como
conseqüência, não há fixação na memória, não há, portanto, aprendizagem.
Observamos que nas escolas o relacionamento continua efêmero e fugaz, é
superficial e há indiferença. Isso precisa mudar, pois a escola precisa ser um lugar
de relacionamentos intensos, entre alunos-alunos, professores-alunos, e entre todos
os demais. Consideramos que todos “os agentes de uma escola são educadores,
estejam eles em sala de aula, no Gabinete da Direção, ou na limpeza do prédio”
(CASALI, 2004, p. 5). Portanto, todos os integrantes da comunidade escola exercem
um papel educativo:
A vida humana em comum só se torna possível quando se reúne
uma maioria mais forte do que qualquer indivíduo isolado e que
permanece unida contra todos os indivíduos isolados. O poder
dessa comunidade é então estabelecido como “direito”, em oposição
ao poder do indivíduo, condenado como “força bruta”. (FREUD,
2002, p. 49).
195
Por isso, comumente a sociedade deposita na escola uma relação de
confiança, onde se deve permitir que os significados que circulam se consolidem.
Mas, para isso, é preciso que todos trabalhem juntos, numa relação solidária,
participativa, fraterna e, principalmente, comprometida com a mudança.
Para dialogar é preciso estar aberto para o diálogo, pois “Como posso
dialogar se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço e até me sinto
ofendido com ela?” (FREIRE, 2006, p.93).
Quando todos dialogam e participam, o envolvimento e o comprometimento
de todos são maiores. Têm uma causa em comum, comprometem-se com a vida
dos educandos e com o futuro da escola. Assumem responsabilidades com as
mudanças. Por isso, precisa haver liberdade para cada humano falar, posicionar-se,
participar como sujeito ativo. Pois, se não houver liberdade em jogo na relação
pedagógica, não haverá significação, interesses, vínculo, memória, aprendizagem,
responsabilidade; portanto, não haverá educação. Assim, “a Escola educa para a
autonomia e não para a dependência ou submissão. É um absurdo pretender educar
para a autonomia por meio do autoritarismo”. ( CASALI, 2004, p. 5).
A natureza do ser humano o coloca como animais gregários, que precisam
viver juntos. Atualmente, podemos estar em meio a uma multidão e nos sentirmos
sozinhos. Estar numa reunião com um grupo e não participar dele. Só o físico, o
corpo – sem o quesito erótico – está ali. Então não há vínculo, não há compromisso
com aquele grupo, não há pertencimento. Isso gera a inércia e o desencanto pelos
novos projetos de mudança. Repitamos, falta o sentido erótico.
Nesse prisma, o trabalho pedagógico deve dar importância ao vínculo,
organizar a escola como um ambiente repleto de afetividade, de atenção, de
cuidados, de amor. Os vínculos nascem por meio do diálogo, da troca, em poder
falar e ouvir o outro. As experiências vividas de maneira emocionalmente intensas
têm mais sabor sendo, por isso, mais favoráveis à fixação da memória:
A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade
constitui o passo decisivo da civilização. Sua essência reside no
fato de os membros da comunidade se restringirem em suas
possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece
tais restrições. A primeira exigência da civilização, portanto, é a da
justiça, ou seja, a garantia de que uma lei, uma vez criada, não será
violada em favor de um indivíduo. (FREUD, 2002, p. 49).
196
Deve ser abolida das escolas a prática solitária do professor, na qual cada um
trabalha isoladamente. E, comumente, se os resultados não são favoráveis, a
responsabilidade maior recai sobre o profissional docente. Por isso, a escola deve
ter um Projeto Político-Pedagógico que realmente seja construído da discussão, do
debate, da responsabilidade e do compromisso coletivo. Diante disso, todos estarão
afetivamente ligados ao projeto e comprometidos com a sua viabilização.
Mas, é preciso ter uma compreensão crítica da participação comunitária, que
está relacionada com a prática educativa. Pois, quando nos propomos fazer
[...] educação numa perspectiva crítica, progressista, nos obrigamos,
por coerência, a engendrar, a estimular, a favorecer, na própria
prática educativa, o exercício do direito à participação por parte de
quem esteja direta ou indiretamente ligado ao que fazer educativo.
(FREIRE, 2003, p. 65).
Por isso, ensina-se democracia e participação praticando-as, e o melhor lugar para
isso é a escola.
Assim, todos os educadores que se identificam com a concepção progressista
da educação precisam ter claro qual é a diferença entre o que é uma prática que se
diz progressista e, no entanto, se realiza para tentar manter o status quo, dentro de
uma perspectiva neoliberal e, portanto, conservadora. Pois, uma prática realmente
progressista e, por isso, trabalha em prol da conscientização e mobiliza ações para a
libertação dos povos da opressão em que vivem.
Nesse sentido, Paulo Freire continua insistindo que a prática educativa é
eminentemente social e, em sua riqueza e complexidade, é um fenômeno típico da
existência e, portanto, exclusivamente humano. Então, a prática educativa tem que
ser histórica e conter a historicidade em si. Pois, ao “[...] inventar a existência, com
os ‘materiais’ que a vida lhes ofereceu, os homens e as mulheres inventaram e
descobriram a possibilidade que implica necessariamente a liberdade que não
receberam, mas que tiveram de criar na briga por ela”. (FREIRE, 2003, p. 66). Dessa
maneira, os homens e as mulheres, os humanos, como seres “programados para
aprender”, portanto, seres curiosos, que buscam saber sempre mais, criativos,
inacabados e inconformados, ousam se aventurar, se arriscar, se educando no jogo
da liberdade que conduz à conquista de uma nova realidade.
197
Para o crescimento do sentimento de equipe e solidificação dos laços da
Comunidade, o diálogo é condição essencial e insubstituível. A linguagem é múltipla
e diversificada. Se concretiza por meio de palavras, gestos, atitudes, códigos
diversos. Assim, favorece o diálogo e a troca de saberes, numa busca incessante do
uso cooperativo de bens – subsídios, instrumentos, idéias, cultura, alimentos – que
representam bens sociais; por isso, colocados à disposição de todos os membros da
Comunidade.
Nesse prisma, “[...] prática educativa coloca ao educador o imperativo de
decidir, portanto, de romper e de optar, tarefas de sujeito participante e não de
objeto manipulado” (FREIRE, 2003, p. 69). Aprende-se a dialogar, dialogando;
aprende-se a decidir, decidindo. Mas, para ser efetivo e real, o educador deve estar
ao lado e “ser parte” da Comunidade com a qual exerce a sua docência. A educação
torna-se muito mais significativa quando se move pela dialogicidade. Por isso, é
importante a linguagem e, conseqüentemente, o diálogo, pois a
[...] invenção da linguagem conceitual, de optar, de decidir, de
romper, de projetar, de refazer-se ao refazer o mundo, de sonhar: se
não se tivessem tornado capazes de valorar, de dedicar-se até ao
sacrifício ao sonho por que lutam, de cantar e decantar o mundo, de
admirar a boniteza, não havia por que falar da impossibilidade da
neutralidade da educação. (FREIRE, 2003, p. 66).
Portanto, a prática educativa é intencional; carrega em si valores e ideologias,
pode formar para a submissão e o comodismo, e também para o inconformismo, a
luta e para a projeção de uma história diferente e emancipadora.
Os professores, junto com a Comunidade, não devem ficar submissos aos
pacotes impostos por órgãos superiores. Todos precisam ter voz: pais, mães,
alunos, moradores do bairro, zeladores, vigias, cozinheiras, dentre outros, devem
exercer o seu direito de duvidar, de questionar, de sugerir, de optar e de criticar, sem
medo, sem perseguições ou castrações. A liberdade será real quando todos juntos
lutarem por ela e praticá-la.
Para ter uma experiência de trabalho em Comunidade, é preciso sentir o que
os outros sentem. Sabemos o que o grupo sente, quando estamos, de fato, inseridos
e integrados no grupo. Por isso, se estamos no grupo e não sentimos o que o grupo
198
sente, não estamos no grupo. Estamos apenas inseridos, mas não pertencemos a
ele.
Nessa mesma perspectiva, recorremos ao pensamento de Mo Sung (2002, p.
63), que afirma que
O problema é que, para lutarmos, precisamos “canalisar” a nossa
resistência e luta através de algum grupo ou movimento social ou
eclesial. Isto é, para vivermos a nossa sujeiticidade na resistência e
na luta contra as instituições opressivas, precisamos participar de
uma outra instituição, precisamos atuar como ator social. É claro
que devemos lutar para que esta instituição seja menos opressiva e
dominadora do que a instituição ou o sistema social contra o qual
estamos lutando.
Assim, cada sujeito deve procurar o coletivo, buscar força na associação com
outros sujeitos e formar bandos para adquirir força e coragem para a luta. O grupo,
como comunidade estável, torna-se uma comunidade ou uma equipe coesa e
comprometida com as mesmas causas, que pode trocar idéias, preocupações,
possibilitando o sentimento partilhado. Cresce, dessa maneira, a segurança e a
confiança do grupo que, coletivamente, pode alcançar grandes metas. A
comunidade, com seus membros, torna-se sujeito e ator de sua história, com um
projeto que representa os valores do grupo. Então, é um projeto ético, sustentável,
viável e, por isso, emancipatório. Será, então, guia para a transformação da situação
instituída e orientador da nova realidade a ser construída. A permanência do grupo
supera as relações efêmeras. Para a conquista de mais qualidade de vida,
acreditamos que é preciso buscar uma âncora agregadora, que perenize vínculos e
afetos. Portanto, nossa animalidade essencialmente humana exige a manutenção de
vínculos.
Acreditamos que, no processo de construção do Projeto Político-Pedagógico,
é preciso organizar experiências ricas de trocas de diálogo, de convivência, de
afetividade e proximidade entre a equipe escolar. Somente uma equipe coesa, que
possui vínculo e cumplicidade, ao compartilhar solidariedade, confiança e trabalho,
será capaz de grandes realizações.
199
5.2.2 A ética da libertação para SER MAIS
O processo de construção do Projeto Político-Pedagógico contém também
uma dimensão ética, que se refere à “orientação da ação, fundada no princípio do
respeito e da solidariedade, na direção da realização de um bem coletivo” (RIOS,
2003, p. 108). Trata-se, desse modo, de um compromisso coletivo para o bem
comum. A ética do educador o mobiliza para o exercício de uma prática pedagógica
de qualidade, que resulte na democratização do saber.
Em outro sentido, afirma Dussel (2002, p. 140): “a ética ‘delimita’ uma conduta
regulada por deveres, obrigações, exigências racionais (que têm como parâmetro
material a fronteira que divide a vida da morte)”. Segundo ele, a vida humana está
sob a responsabilidade dos viventes, e temos que dela cuidar. Assim, “a vida
humana não só se dá espontaneamente, mas nos é imposta a nós mesmos como
uma ‘obrigação’ sua conservação e desenvolvimento” (DUSSEL, 2002, p. 141).
Temos o dever de ser éticos, e, desse modo, é impossível não se sensibilizar diante
da dor, da miséria e dos assassinatos. Se tivermos vida, temos que continuar vivos e
com dignidade, sempre em desenvolvimento.
Assim, os educadores, unidos em grupo, devem buscar a esperança, pois
“[...] sensibilidade social, eficiência pedagógica, uma nova racionalidade e
compromisso ético-político são conceitos que circulam em volta e, ao mesmo tempo,
constituem a sua noção de reencantamento de educação” (DUSSEL, 2002, p. 126).
Precisamos ter coragem para defender a vida humana – com dignidade – e
reorientar a humanidade nesse nosso habitat frágil. Acreditamos, pois, que para o
re-encantarmos o mundo e vivermos um sentido de vida mais humano e solidário,
precisamos de uma compreensão crítica do mundo, buscarmos a solidariedade e a
força do grupo, e ter como projeto uma educação para um sentido de vida mais
humano.
Dussel (2002) afirma que a tomada de consciência ético-crítica das vítimas
faz com que elas se percebam exploradas, alienadas, dominadas e desrespeitadas
como pessoas humanas. Acontece, então, a consciência de classe, que as anima a
formar uma comunidade ativa, ousada, corajosa e unida, para lutar por objetivos
comuns, cuja meta é a libertação da opressão e a busca de um mundo melhor. Só
assim, como sujeitos conscientes, podem se libertar e intervir nos rumos da sua
200
história, reconstruindo-a e dando-lhe novas perspectivas. Pois quando o homem se
“conscientizar em torno de sua problemática, em torno de sua condição de pessoa,
por isso de sujeito, se instrumentalizará para as suas opções” (FREIRE, 1989, p.
120). E, nesse sentido, Paulo Freire afirma que o homem deixa de ser massa
alienada, para ser povo consciente, sujeito que conscientemente se afirma numa
opção, com participação decisória para a mudança.
Os educadores comprometidos, críticos, conscientes da importância da sua
ação libertadora, têm o dever ético de ensinar bem, principalmente as vítimas do
sistema neoliberal. Precisam compreender que o “conteúdo ético de toda práxis e de
todo projeto de desenvolvimento futuro: não pode ser negado, superado ou deixado
de lado em nenhum caso” (DUSSEL, 2002, p. 143). Assim, toda ação do sujeito
humano, todo projeto,
[...] sem exceção, é uma maneira concreta de cumprir com a
exigência da produção, reprodução e desenvolvimento da vida
humana, a partir de cujo fundamento podem desenvolver-se ordens
éticas, que se abrem com alternativas concretas de
desenvolvimento da vida. (DUSSEL, 2002, p. 44).
No trabalho coletivo, pode-se aprender e ensinar, pois enquanto se ensina se
aprende. Nessa perspectiva, Coelho (1996, p. 39-40) afirma que ensinar é convidar
todos à reflexão, “ajudá-los a pensar o mundo físico e social, as práticas e saberes
específicos, com o rigor e a profundidade compatíveis com o momento em que
vivem”. E nesse processo de aprendizagem que exige esforço intelectual, as
pessoas alcançam a
[...] força para buscarem a verdade e a justiça, para se rebelarem
contra o instituído, para estarem sempre insatisfeitos com as
explicações que encontram, com a sociedade na qual vivem com a
realidade que enfrentam no mundo do trabalho (COELHO, 1996, p.
39-40).
Por conseguinte, podemos afirmar que a ética da libertação nos leva à
“indignação diante das injustiças [...] no caso de atos que lesam a integridade do
201
outro” (HABERMAS apud DUSSEL, 2002, p. 195). A educação negada pela escola é
imoral, é contra o desenvolvimento, é uma atitude antiética e contra a vida com
dignidade. E isto é uma contradição, pois, legalmente, a educação é direito de todos.
Paulo Freire sabiamente abordou a questão da ética do ser humano,
explicitando que
Na verdade, falo da ética universal do ser humano da mesma forma
como falo de sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de
sua natureza constituindo-se social e historicamente não como um
‘a priori’ da História. A natureza que a ontologia cuida e gesta
socialmente na história. É uma natureza em processo de estar
sendo com algumas conotações fundamentais sem as quais não
teria sido possível reconhecer a própria presença humana no mundo
como algo original e singular. Quer dizer, mais do que um ser no
mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o
mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra
presença como um não eu se reconhece como si própria. (FREIRE,
2002, p. 20).
Assim, Paulo Freire (2002, p. 19) discute a ética universal do ser humano
“enquanto marca da natureza humana, enquanto algo absolutamente indispensável
à convivência humana”. Nesse sentido, o ser humano está sempre em busca de ‘do
ser mais’, reafirmada pela concepção de ser humano como ser inconcluso, como ser
inacabado e, por isso, em construção permanente. Reconhece também a alteridade,
que considera o outro, como outro, sujeito e semelhante, portanto, digno de respeito
e consideração.
A participação ativa e interventiva das famílias e de toda a comunidade
escolar é o modo de se assegurar o exercício da democracia. Além do mais, a “não
participação fáctica [...] é um tipo de exclusão não intencional inevitável” (DUSSEL,
2002, p. 417). Pois, ainda segundo o mesmo autor, sempre haverá algum tipo de
afetado-excluído de toda comunidade, sem comunicação real possível. Além disso,
acreditamos na idéia de que é preciso ter consciência e
é necessário reconhecer cada “participante” como um sujeito ético
distinto (não só igual), como outro que o sistema auto-referente:
outro que todo o resto, princípio sempre possível de “dissenso” (ou
origem de novo discurso). Esta possibilidade do “dissenso” do outro
202
é um permitir-lhe “participar” na comunidade com o direito à
“irrupção” fáctica desse outro como novo outro, sujeito distinto de
enunciação. Este respeito e re-conhecimento do outro como outro é
o momento ético “explicação” (epistemológica, à la Thomaz Kuhn,
por exemplo) ou todo o “assentimento” livre (sem coação) diante do
argumentar do outro (como autônomo, também de um possível
“dissenso”, como distinto) é o ato ético originário racional prático [...]
pois é “dar ao outro”para que intervenha na argumentação não só
como igual, com direitos vigentes, mas como livre, como outro,
como sujeito de novos direitos. (DUSSEL, 2002, p. 418).
Para que ocorra a libertação dos oprimidos, da vítima, segundo Dussel (2002,
p. 420), faz-se necessária a “tomada de consciência”, que é o ponto de partida da
ética da libertação. É a própria vítima que, consciente, luta e conquista a sua
libertação. Ninguém será seu “salvador” ou o fará por ela. A vítima, consciente de
sua situação de opressão, desigualdade, discriminação, indignidade e de tudo que a
exclui e a impossibilita de uma vida digna, luta para a superação dessa realidade. A
ela cabe a conquista da libertação de si mesma, mas, para isso, tem que abolir e
superar as suas próprias condições de vida.
Para que haja libertação é preciso que se ouça o grito do oprimido/vítima.
Ninguém pode falar por ela mesma, ela própria têm de dizer a sua palavra e
denunciar contra aquilo que a impede da fruição da vida plena e do
desenvolvimento. Nesse sentido, a voz da vítima, tem de ser a primeira voz a ser
ouvida. E o conteúdo da denúncia é aquilo que não está realizando a vida, portanto,
não é ético, e deve ser mudado. Nesse prisma, a vítima deve se juntar ao coletivo,
formar a comunidade das vítimas, romper com a situação de alienação e opressão e
dizer a sua palavra, gritar contra qualquer e toda situação anti-desenvolvimento e
que impede a vida com dignidade. A comunidade de vítimas tem que romper com o
que está estabelecido em medo de dizer a sua palavra, mostrar a sua voz. Não vale
a representatividade
37
, pois essa não é legítima. É a voz da própria vítima que
liberta!
Nessa perspectiva, Dussel (2002) traz como exemplo a palavra da própria
vítima, uma líder indígena guatemalteca, uma mulher dominada, pobre, da classe
37
Sobre a representação Dussel (2007, p. 41) diz que “ ‘delega-se’ a alguém o poder para que ‘re-presente’ no
nível do exercício institucional do poder a comunidade, o povo. Isso é necessário, mas ao mesmo tempo está
ambíguo. É necessário, porque a democracia direta é impossível nas instituições políticas que envolvem milhões
de cidadãos. Mas é ambíguo porque o representante pode esquecer o que poder que exerce é por delegação, em
nome ‘de outro’, como o que se ‘apresenta’ em um nível institucional (potestas) em referência (‘re-‘) ao poder da
comunidade (potentia). É, então, obediência”.
203
camponesa, maia, de raça morena, explorada pelo capitalismo norte-americano.
Rigoberta Menchú, a qual afirma que “nasceu em mim a consciência” (DUSSEL,
2002, p. 416):
Eu não sou dona de minha vida, decidi oferecê-la a uma causa.
Podem me matar a qualquer momento, mas que seja em uma tarefa
onde sei que meu sangue não será algo inútil, mas será mais um
exemplo para os companheiros. O mundo onde vivo é tão criminoso,
tão sanguinário, que de um momento para o outro ma tira. Por isso,
como única alternativa, só me resta a luta... E eu sei e confio que o
povo é o único capaz, somente as massas são capazes de
transformar a sociedade. E não é mera teoria apenas.
Ao tomar consciência de sua condição de vítima e explorada ou “a tomada-
de-consciência ético-crítica dessa opressão-exclusão, do fato de ser vítima”
(DUSSEL, 2002, p. 421) afirma o seu ser – pessoa – valioso que é, e começa a sua
luta pela libertação, apoiada pela consciência-ética de ser vítima. Essa compreensão
só é possível pelo referencial dialético, que dentro de um processo de construção
histórica, no qual se colocam os embates da realidade vivida, explicitam-se as
contradições da relação dominador-dominado, sistema-exclusão e, podendo, a partir
daí, alcançar um horizonte de compreensão e vislumbrar uma possibilidade de
libertação.
Assim, depois de tomar consciência da sua condição de vítima, explorada,
massificada e desumanizada, reage corajosamente, em nome da sobrevivência, em
comunhão com a comunidade e buscando a participação simétrica de todos os
afetados possíveis. Então, nesse prisma, a “não-participação fáctica da qual falamos
é um tipo de exclusão não-intencional inevitável. Pois sempre haverá (e não poderá
não haver algum tipo de) afetados-excluídos de toda comunidade de comunicação
real possível” (DUSSEL, 2002, p. 417). Portanto, a participação ativa e real, por isso
argumentativa, é um direito da vítima. Se não participa, sofre de mais um tipo de
exclusão, pois se priva do seu direito de participar ativamente e intervir na sua
história.
No exemplo de Rigoberta Menchú, vemos a “pulsão da alteridade”, pela
coragem de enfrentar a dor e até a morte, a favor da auto-conservação reprodutiva.
204
Sua luta é “práxis de libertação”, que se afirma na luta pelo re-conhecimento e, além
disso, luta como “práxis libertadora”.
Assim, o “princípio da libertação da vítima, do pobre, de todo excluído, porque
descobre a vítima, ao tomar consciência, ao dês-cobrir en-coberta, ignorada,
afetada-negada, começa a tomar-consciência do si mesmo positivo” (DUSSEL,
2002, p. 425). A conscientização se dá na educação como prática de liberdade, que
se materializa como um ato de conhecimento, dentro de uma abordagem crítica da
realidade. Assim, passa-se de uma visão de mundo deturpada, fanática e
massificada, geradora da “consciência ingênua” para a desmistificação da realidade
pura, alcançando a consciência crítica do mundo. A conscientização consiste na
“inserção crítica na história. Implica que os homens assumam o papel de sujeitos
construtores do mundo, reconstrutores do mundo; pede que os homens criem a sua
existência com o material que a vida lhes oferece” (TORRES, 1992, apud DUSSEL,
2002, p. 440).
Diante do exposto, o que nos parece comum e indiscutível é que,
[...] se pretendemos a libertação dos homens, não podemos
começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação
autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que
se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante.
É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o
mundo para transformá-lo. (FREIRE, 1983, p. 77).
Para formar sujeitos conscientes e autônomos, precisamos ter professores
que atuem como “intelectuais orgânicos” que, por serem conscientes das
contradições da sociedade vigente, comprometem-se com a sua superação e
trabalham tendo em vista uma nova realidade. Por isso, como educadores críticos,
conscientes, detentores de uma concepção educacional consistente e libertadora,
buscam formar alunos igualmente sujeitos críticos, livres e autônomos. Temos,
assim, uma educação libertadora e, sobretudo, emancipadora. Juntos, somam um
grupo capaz de lutar para construir uma nova sociedade mais justa e igualitária,
Dentro dessa perspectiva, entendemos que o intelectual tem um papel
importante no processo de conscientização dos oprimidos. Entretanto, não poderá
ser o seu ‘salvador’ e nem coordenador ou chefe. É importante que cada um,
205
consciente de sua condição de opressão, como ser autônomo, possa agir e adotar
atitudes de rompimento, de luta para a conquista de uma realidade menos
opressora. Nesse sentido, na esteira de Foucault (2007, p. 71), lembramos que o
papel do intelectual não é mais o
de se colocar ‘um pouco mais à frente ou um pouco de lado’ para
dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas
de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o
instrumento: na ordem do saber, da ‘verdade’, da ‘consciência’, do
discurso”.
Por conseguinte, para construir a existência, é preciso trabalhar sob a
orientação de objetivos claros e ações coerentes com tais objetivos, para o alcance
de uma vida plena, com dignidade e alegria. Todo ser humano tem direito à vida, a
ser atendido em suas necessidades de saúde, cuidado com o corpo, educação,
lazer, à busca da felicidade e do bem viver. É preciso, urgentemente, que todos
saibam do significado e do valor dos seus direitos, os mesmos afirmados na
Declaração dos Direitos Humanos. É preciso que eles saiam do puro plano legal e
teórico e concretizem-se na prática, que é a experiência vivida de cada sujeito:
Todas as pessoas nascem livres e iguais, em liberdade e direito.
Têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Ninguém
será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante. Toda pessoa tem direito de SER, em
todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Ninguém
será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Toda pessoa tem
direito à liberdade de locomoção, liberdade de pensamento, religião
e liberdade à expressão. Toda pessoa tem direito à instrução e a
participar livremente da vida cultural da comunidade. Toda
pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a
sua família, saúde e bem estar. (Declaração dos Direitos Humanos –
Grifos nossos).
Por conseguinte, a participação ativa, que é também coletiva, crítica e
consciente, desperta a comunidade para a compreensão e o enfrentamento de sua
realidade. Segundo Dussel (2002, p. 426), ao “des-cobrir-se a si mesmos (nós-
outros) e, ao conscientizar-se de sua condição de explorados, em-cobertos,
206
excluídos, descobre também a necessidade de construir um projeto de libertação,
que é um documento que registra e marca um compromisso, com orientações para
ações seguranças e comprometidas com a mudança ou a instituição de nova e mais
promissora realidade.” . Coadunando com Dussel, Freire pensa na educação da
vítima no próprio processo histórico, comunitário e real, na interação e no diálogo
com o outro, pelo qual deixa de ser vítima.
Há muitos movimentos e explicitação de interesses políticos em prol da
melhoria da escola pública. Os diversos projetos do MEC indicam ações buscando
avanços para a educação. Mas, as conquistas são ainda humildes. É preciso cobrar
ações efetivas, nesse aspecto. Futema (2006) traz num artigo da Folha de São
Paulo o depoimento de Ana Maria Diniz dizendo que “Nada simboliza mais a
independência de um país do que a educação”. Ela é uma das coordenadoras do
movimento “Compromisso Todos pela Educação”. Diz ainda que para melhorar a
educação “Tem que ser um projeto de todos os brasileiros e não apenas da elite.
Muitos países já começaram a fazer a sua lição de casa na área da educação. O
Brasil não pode ficar para trás”.
A educação é um direito de todos, e só é educação, de fato, se for de
qualidade. Está garantida em lei. É uma questão ética, moral e humana. Portanto, a
escola pública tem de cumprir a sua finalidade. Precisamos fazer acontecer.
A escola reprodutiva, com aulas vazias, chatas ou encontros excitados,
favorece o Neoliberalismo, bem como a ignorância popular, o analfabetismo, a
massa alienada. Em contrapartida, “o sistema não teme pobre que tem fome: teme o
pobre que sabe pensar; entretanto, há que se virar a escola pelo avesso,
começando pelo professor”. (DEMO, 2002, p. 27).
Assim, com a conscientização da comunidade escolar, tanto a interna quanto
a do seu entorno, o despertar para o compromisso com a escola e sua qualidade
pode desencadear ações concretas e eficazes para a construção de uma escola
pública que atenda aos interesses da classe à qual serve.
207
5.3 Perspectivas esperançosas
A globalização e a política neoliberal têm trazido, inegavelmente, mudanças
para a sociedade e também para o sistema educacional. As mudanças mais sérias e
comprometedoras são as que trazem o empobrecimento das massas, e a produção
de excluídos e vítimas, que se tornam privadas da oportunidade de se desenvolver
como ser humano e de viver dignamente.
Vivemos num novo tempo e, como vimos anteriormente, ora denominado pós-
moderno e ora hiper-moderno. Nesse, o homem se sente perdido, desagregado,
sem identidade e, conseqüentemente, não realizado. O consumismo é avassalador,
contudo, não preenche o vazio causado pelas relações efêmeras. As desigualdades
sociais são cada vez maiores.
As relações na escola são também ainda são muito frágeis. No processo de
planejamento e nas interações que acontecem na escola, vive-se ainda a
superficialidade, as relações são tênues, descomprometidas, fugazes.
Apostamos na idéia de que o Projeto Político-Pedagógico, sendo construído
coletivamente e adotado como documento norteador do trabalho de toda a equipe
escolar, poderia ser sim um valioso instrumento capaz de adensar a qualidade da
educação da escola. Entretanto, verificamos que existe ainda uma distância entre o
dito e o feito, e as condições sociais, físicas e culturais da escola, não contribuem
para a viabilização de tal projeto.
Mas, mesmo diante de tantos obstáculos, não podemos perder a esperança,
nem no mundo e, muito menos, na educação. Somos educadores, semeadores de
esperança. “A desesperança das sociedades alienadas passa a ser substituída por
esperança, quando começam a se ver com os seus próprios olhos e se tornam
capazes de projetar” (FREIRE, 1983, p. 54), que diz ainda: “se o diálogo é o
encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na desesperança”. Por isso,
no nosso projeto educacional deve conter a utopia e a esperança como motivação.
Dussel (2002, p. 459) explicita a idéia da ética crítica e a preocupação
ontológica do homem que tende a ‘Ser’ do mundo como ‘Poder-Ser’, como Pro-jeto
e, assim, o operário, o excluído, o vitimado do sistema “espera ‘estar-na-satisfação’
em um sistema futuro onde tenha participação plena com toda a comunidade dos
hoje explorados e excluídos”.
208
Para se combater o Neoliberalismo, é necessário sair do imobilismo e
combater a ignorância e a inércia historicamente produzida, pois a exclusão social é
resultado da imbecilização e da submissão ao sistema imposto. Podemos ver a
alienação como conseqüência do “poder invisível”. Por isso, a luta “contra o poder,
luta para fazê-lo aparecer e feri-lo onde ele é mais invisível e mais insidioso”
(FOUCAULT, 2007, p. 71).
Podemos vislumbrar uma saída, quando a vítima que toma consciência, que
irrompe com práxis libertadora, provoca uma ruptura do tempo contínuo, para
construir um novo tempo, ou uma nova história. Contudo, o dominado/vítima
somente será forte se estiver em comunidade, num grupo coeso, solidário, forte,
consciente do seu papel no mundo.
Por conseguinte, faz-se necessário eliminar todo o pessimismo e a descrença
que desmobiliza e imobiliza no sentido desfavorável à mudança e superação das
limitações. É preciso resgatar o entusiasmo e criar condições para ultrapassar as
barreiras, numa política coletiva e militante em oposição aos obstáculos e superação
dos aspectos condicionantes. Assim, “‘ser’ excluído do sistema dominante se
antepõe contrafacticamente a um ‘não-ser-ainda’: o ser adveniente de pro-jeto
utópico como ‘possibilidade’” (DUSSEL, 2002, p. 462).
O trabalho em Comunidade, que constrói o seu próprio projeto de mudança, a
conscientização política, a descoberta da situação de opressão, a conscientização
sobre os direitos a serem conquistados, o resgate do solidarismo entendido como
uma possibilidade para a conquista de um mundo melhor, podem servir de apoio aos
fenômenos comunitários com os quais somos confrontados nos tempos que correm.
Isto porque o indivíduo não pode mais ser considerado isoladamente, em
competição permanente. Todos juntos, unidos por uma causa, a força aumenta, e
torna-se possível vislumbrar a conquista de um novo tempo e uma nova situação. A
Comunidade unida em prol de uma causa, pode sim mudar os rumos da história.
Para que um projeto dê certo e se viabilize, é preciso que a Comunidade
possa contar com elementos importantes que representam sólido cimento: após a
conscientização sobre a realidade de opressão, a busca da união em torno de um
projeto comum, acrescentamos os sentimentos de partilha, de ajuda mútua ou de
solidariedade. Vamos romper com o individualismo, com consciências alienadas e,
principalmente, com a inércia. Assim, o projeto não é da escola, mas da
Comunidade ou do grupo, que se tornou sujeito e autor.
209
Dussel (2002) afirma que a tomada de consciência ético-crítica das vítimas
faz com que elas se percebam exploradas, alienadas, dominadas e desrespeitadas
como pessoas humanas. Acontece, então, a consciência de classe, que as anima a
formar uma comunidade ativa, ousada, corajosa e unida, para lutar por objetivos
comuns, cuja meta é a libertação da opressão e a busca de um mundo melhor. Só
assim, como sujeitos conscientes, podem se libertar e intervir nos rumos da sua
história, reconstruindo-a e dando-lhe novas perspectivas. Pois, quando o homem se
“conscientizar em torno de sua problemática, em torno de sua condição de pessoa,
por isso de sujeito, se instrumentalizará para as suas opções” (FREIRE, 1989, p.
120). E, nesse sentido, Paulo Freire afirma que o homem deixa de ser massa
alienada, para ser povo consciente, sujeito, que conscientemente se afirma numa
opção, com participação decisória para a mudança.
Contudo, não basta a “tomada de consciência”. Nesse sentido, Foucault
(2007, p. 71) afirma que é preciso insistir na
Luta não para uma ‘tomada de consciência’ (há muito tempo que a
consciência como saber está adquirida pelas massas e que a
consciência como sujeito está adquirida, está ocupada pela
burguesia), mas para a destruição progressiva e a tomada do poder
ao lado de todos aqueles que lutam por ela, e não na retaguarda,
para esclarecê-los. Uma ‘teoria’ é o sistema regional dessa luta.
A prova disso está nas avançadas e críticas teorias existentes, presentes nos
discursos dos oprimidos e também dos opressores. Precisamos, então, fazer com
que essa teoria, mais do que nos propiciar a “consciência da realidade”, possa nos
iluminar o caminho para a luta, que significa a atitude firme e segura em prol da
libertação, da conquista da cidadania e, conseqüentemente, de um mundo mais
justo.
Por isso, o Projeto Político-Pedagógico não pode ser construído às pressas,
somente para cumprir uma exigência burocrática, apenas para afirmação de sua
existência. Tem de cumprir o seu papel. É preciso tempo, oportunizando e
desenvolvendo interações, reflexões, trocas, estudo, socialização de experiências e
idéias, compromisso e responsabilidade coletiva.
210
O Projeto construído coletivamente, com reflexões e discussões, deve levar
também à elevação da comunidade – educadores e famílias – a um novo patamar
em seu nível de conscientização política e visão do mundo. E, dessa forma,
entendendo a sua situação de submissão e opressão, fará do Projeto um meio de
libertação e de conquista de uma vida com maior dignidade. O Projeto, desse modo,
indicará o caminho, orientará estratégias, recursos e formas de se construir uma
escola e, conseqüentemente, uma sociedade mais inclusiva.
Assim, segundo Dussel (2002), a tomada de consciência ético-crítica das
vítimas, faz com que elas se percebam exploradas, alienadas, dominadas e
desrespeitadas como pessoas humanas. Acontece, então, a consciência de classe,
que as anima a formar uma comunidade ativa, ousada, corajosa e unida, para lutar
por objetivos comuns, cuja meta é a libertação da opressão e a busca de um mundo
melhor. Só assim, como sujeitos conscientes, podem se libertar e intervir nos rumos
da sua história, reconstruindo-a e dando-lhe novas perspectivas. Pois, quando o
homem se “conscientizar em torno de sua problemática, em torno de sua condição
de pessoa, por isso de sujeito, se instrumentalizará para as suas opções” (FREIRE,
1989, p. 120). E, nesse sentido, o homem deixa de ser massa alienada, para ser
povo consciente, sujeito, que conscientemente se afirma numa opção, com
participação decisória para a mudança.
Para Dussel (2000), o fundamento da ética é a alteridade, que percebe e
considera o outro, que não eu. A ética crítica, nessa visão, tem a função de
reproduzir, cuidar e manter a vida humana. É preciso que haja um sentimento de
alteridade, pois a dignidade do outro é imprescindível. Assim, a ética crítica exigirá
um processo libertador/transformador para que haja desenvolvimento e
transformação para uma sociedade mais justa.
Assim, a libertação na visão de Dussel pressupõe um sujeito coletivo, que se
materializa na força da comunidade, reunida num projeto coletivo. Na realização do
PPP exige-se um compromisso ético na efetivação da gestão compartilhada e
democrática, portanto, libertadora e emancipadora.
Tendo sido realizado o processo de conscientização, a comunidade-escola,
autônoma, com projeto de sua autoria, representando seus desejos e aspirações,
estará preparada para superar toda forma de indiferença, individualismo e
superficialidade, e alcançar um patamar mais elevado, a sociabilidade. Nesta, as
211
pessoas se tocam, se olham, interagem, trocam, crescem em comunhão e, juntas,
se comprometem com uma causa que representa o bem comum.
A escola existe para servir a comunidade onde se situa. Ela precisa ser um
fórum aberto de participação, onde se efetiva a democracia. E esta somente se
concretizará, de fato, quando a comunidade (o povo) tomar as rédeas e decidir
ousada e corajosamente nos rumos da sua história.
Portanto, é indispensável que a escola chegue à família e a traga para dentro
da escola, forme uma comunidade ou um grupo para discutirem problemas de
interesse comum. A permanência do grupo supera as relações efêmeras. Para a
conquista de mais qualidade de vida, acreditamos que é preciso buscar uma âncora
agregadora, que perenize vínculos e afetos. Portanto, nossa animalidade
essencialmente humana exige a manutenção de vínculos.
O grupo estável se torna uma comunidade ou uma equipe coesa e
comprometida com as mesmas causas, que pode trocar idéias, preocupações,
possibilitando o sentimento partilhado. Cresce, assim, a segurança e a confiança do
grupo, que coletivamente pode alcançar grandes metas. O grupo se torna sujeito e
ator de sua história, com um projeto que representa os valores do grupo. Então, é
um projeto ético, sustentável, viável e, por isso, emancipatório. Será, então, guia
para a transformação da situação instituída e orientador da nova realidade a ser
construída.
Concordamos com a proposição de Freitas (2005, p. 102), que afirma
podermos superar a concepção pós-moderna acrítica, ingênua e opressora e abrir
espaço para um “pós-modernismo mais conseqüente e crítico, que pretenda usar os
próximos cinqüenta anos como um movimento destinado a pensar uma nova ciência
e uma nova ordem social”. Nesse sentido, a pós-modernidade seria entendida como
um “processo pelo qual iremos, efetivamente, gerar uma nova ordem social que
retome as bandeiras da modernidade da libertação, na qual o ser humano deixa de
ser uma mercadoria” (FREITAS, 2005, p. 104).
Cortella (2005, p. 43) relembra Paulo Freire dizendo “que é preciso ter
esperança, mas esperança do verbo esperançar [...] que significa unir e ir atrás, não
desistir”. Por isso, acreditamos que a responsabilidade de construir uma sociedade
e uma escola de qualidade para todos e, portanto, inclusiva é de todos nós. Cada
um pode e deve fazer a sua parte. Parafraseando o poeta: sonho que se sonha só,
212
é apenas um sonho; mas, sonha que se sonha junto – com toda a comunidade
consciente e comprometida – torna-se realidade.
Por fim, apostamos na força da união e do trabalho coletivo para a
reconstrução da sociedade. Como seres humanos, inacabados e históricos e,
portanto, inconclusos e em processo de construção e aperfeiçoamento, precisamos
buscar na união e na esperança coletiva, forças para a luta, a insubmissão, a
ousadia de denunciar, de discordar e de construir uma outra realidade mais justa e
promissora. Só em comunidade, num trabalho de convicção e luta coletiva,
poderemos caminhar para a libertação e/ou emancipação do ser humano de toda e
qualquer forma de opressão e escravidão.
Com coragem para a luta e mobilizados pela esperança, encontraremos
várias possibilidades e caminhos. Há esperança, portanto; a libertação existe como
possibilidade de construção.
Passemos para as conclusões finais do presente trabalho.
À GUISA DE CONCLUSÃO
O objetivo geral da pesquisa consistiu em conhecer o que foi/é realizado no
cotidiano das escolas do Município de Uberaba-MG, com relação ao Projeto Político-
Pedagógico que foi implantado a partir de 1993, e qual a sua incisão na gestão
democrática, na busca de maior participação ativa da comunidade escolar na
tomada de decisões, na formação dos professores, e, por último, na melhoria da
qualidade de ensino e, conseqüentemente, na conquista de uma escola mais
inclusiva.
Para responder ao problema de investigação colocado acima, procuramos
fazer uma contextualização histórica da realidade social em que estamos inseridos,
buscando uma relação das influências e interferências dessa realidade com as
políticas educacionais hodiernas que estão orientando os rumos e, principalmente,
as práticas educacionais nas escolas públicas municipais de Uberaba-MG.
Dentro dessa perspectiva, no primeiro capítulo discutimos sobre as
concepções filosóficas e os discursos utilizados pelo capitalismo para manter a
hegemonia. Fizemos uma retomada de algumas correntes teóricas hodiernas, tais
como o Positivismo, o Liberalismo, o modelo social-democrata, a globalização e o
Neoliberalismo, explicitando as interferências e as influências de tais concepções e
modelos na sociedade como um todo e, especificamente, no setor educacional.
A história mostra que a educação brasileira foi estruturada inicialmente com
as diretrizes da Igreja Católica sob o comando dos Jesuítas. Em seguida, teve forte
influência do positivismo, que orientou a organização da instituição escolar e do
Currículo, em conteúdos fragmentados em grade curricular. Sabemos que a idéia da
Pedagogia disciplinar possui fortes raízes pré-modernas, nasceu no século XVIII e
criou procedimentos de classificação, ordenação e hierarquização dos estudantes no
espaço e no tempo.
Assim, a educação em suas origens foi sistematizada por preceitos liberais do
capitalismo, que primava tanto pelo valor do mercado quanto pela democracia. Daí,
se por um lado, a concepção do mercado buscava a acumulação de riquezas por
meio do lucro e da mais valia, por outro, o ideal de democracia buscava ações e
práticas mais inclusivas, buscando diminuir o grau de desigualdade e exclusão.
214
O conhecimento evoluiu sob a égide do Positivismo, a secularização marcou
o início de um novo paradigma, no qual as religiões ficam em segundo plano e a
ciência toma frente como a reveladora das verdades científicas aceitas pela
sociedade.
Com a crise do Liberalismo, estrutura-se o Estado Social. Entendemos isso
como resultado não do triunfo teórico de um paradigma alternativo, mas das lutas
sociais e políticas do século XIX e princípios do século XX: o auge do movimento
socialista e a decadência do assistencialismo cristão.
Dentro dessa nova organização, o Estado Social configura-se como
investidor econômico, em parte regulador da economia e dos conflitos, sendo
também o Estado o benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com
legitimidade da ordem social. Por isso, investe nas estatais, discute questões sociais
procura adotar medidas mais sociais para atender às necessidades do povo.
Mas, por volta de 1970 veio a decadência do Estado Social, que indica que a
crise de produtividade gerou o desemprego, a queda salarial, a menor arrecadação
para o Estado e a crise fiscal. Por conseguinte, a reestruturação do próprio Estado
em direção ao Neoliberalismo, que pelas suas características evidencia um retorno
ao antigo Liberalismo.
Então, o Neoliberalismo corresponde a uma nova fase do desenvolvimento do
capitalismo, que se organiza para realizar um novo padrão de acumulação do
capital, a partir de um alto grau de concentração, seja a partir do setor produtivo ou
financeiro.
O Neoliberalismo avança ao ganhar dois grandes aliados: primeiro a
Inglaterra, depois os Estados Unidos. Depois veio a Suécia, o Chile e vários outros
países da América do Sul, até chegar ao Brasil, no governo de Fernando Collor e
com continuidade e extensão no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Assim, a consolidação do Neoliberalismo é resultado de sua aparente forma
de contornar, idealmente, a crise atual do capitalismo, tendo como principais triunfos
a queda da inflação e o aumento gradativo das taxas de lucro; entretanto, à custa do
empobrecimento da maioria da população.
O Neoliberalismo apresenta muitas contradições, pois se orientações
proclamam a liberdade econômica, ao mesmo tempo limitam o terreno da liberdade
política das massas, deixando as decisões ficarem a cargo da burguesia, que
usufruíam a liberdade concedida pelo Estado. Assim, o Neoliberalismo coloca o
215
Estado menos proprietário e interventor na economia e na previdência social, mas
não é, necessariamente, por isso, um Estado fraco.
Desse modo, nosso sistema capitalista, orientado pelos princípios da
sociedade liberal, restringe a democracia real e aumenta a desigualdade social,
produzindo constantemente vítimas. Está explicita a desigualdade em nível mundial,
não só nos países pobres. Assim, os pobres são os dominados, as vítimas desse
sistema.
Por outro lado, a globalização está intrinsecamente relacionada à evolução do
Neoliberalismo; por isso, podemos afirmar que o Neoliberalismo é o retrato ou a
expressão da globalização em andamento. Na verdade, um dá sustentação ao
outro. Atualmente, não se pode pensar no capitalismo – que se expande vorazmente
– desvinculado da globalização.
O desenvolvimento da tecnologia e da microeletrônica traz, por um lado,
muitos benefícios e avanços científicos que favorecem a vida humana; por outro,
contribui para o aumento do desemprego e da pobreza da maioria das pessoas.
Dentro dessa perspectiva, o Estado diminui os investimentos destinados à
saúde, à educação, à previdência, aos serviços públicos essenciais e, sobretudo, à
população, em nome de uma ideologia que, enfim, proclama ser moderna. Desse
modo, o zelo pelo setor social do país deixa de ser prioritário, deixando-o à própria
sorte ou a cargo da sociedade civil.
Mostram-se evidentes os efeitos da globalização presentes no cotidiano das
escolas. A educação liberal reflete os ideais da burguesia, cujo discurso enfatiza o
individualismo e o espírito de liberdade. Mais comumente, divulga-se a idéia de que
a todos são dadas as mesmas oportunidades educacionais, por isso vencem os
melhores.
Na verdade, o Neoliberalismo de mercado julga o Estado falido e
incompetente para gerir a educação; por isso, dá ênfase ao ensino privado, na
busca da eficiência e qualidade de ensino. Propõe uma escola diferenciada e
dualista, oferecendo o ensino propedêutico para a formação das elites intelectuais, e
os cursos profissionalizantes para a classe menos favorecida, atendendo, assim, às
demandas do mercado de trabalho.
No cotidiano das escolas públicas, explicita-se a desvalorização dos
profissionais pelos baixos salários, nas condições indignas de trabalho, na
precariedade e ineficiência dos recursos didáticos pedagógicos.
216
Se a concepção neoliberal tem desmobilizado as lutas sociais de resistência,
bem como as lutas sindicais e de organização popular, em paralelo criam as
políticas compensatórias que pretendem diminuir a miséria do povo, mas não
atingem os seus objetivos e representam mais uma desculpa para sobrecarregar os
contribuintes, ao mesmo tempo em que serve à política assistencialista, demagógica
e eleitoreira.
Assim, o realce da importância da universalização do Ensino Fundamental
apresenta três princípios fundamentais: a eficiência, a eqüidade e a qualidade. São
os mesmos valores da UNESCO e o Banco Mundial. Confirmamos, assim, que a
expansão da educação e do conhecimento, especialmente o tecnológico, era/é
necessário ao capital e à sociedade globalizada.
A educação nesse mundo capitalista vem assumindo, por um lado, um papel
com uma opção técnica voltada para o mundo do trabalho, atendendo às demandas
do capital e, por outro, assume também um discurso de preocupação com a
construção de uma modernidade que seja ética e humanista. Nessa segunda
posição, a escola coloca-se, diante da sociedade, como agente de mudanças, capaz
de interferir no processo histórico de forma positiva.
A falta do pensamento crítico nas escolas e do conhecimento sobre as
políticas públicas, relativas à Educação Básica, interfere na compreensão dos
fenômenos sociais, educacionais e culturais. Com isso, gera uma marginalização na
realização da prática social educativa. É inegável a influência do paradigma do
Neoliberalismo nas políticas educacionais. Portanto, nós educadores – intelectuais
orgânicos – temos que compreender essas relações e driblar seus efeitos nefastos e
tirar proveito deles.
No segundo capítulo, abordamos as temáticas da democracia, da gestão
participativa, da autonomia e da cidadania, bem como os desafios e as
possibilidades para o alcance de uma escola democrática. Pautamos nossa
discussão em uma perspectiva libertadora e emancipadora, à luz do legado de Paulo
Freire.
Vivemos em um país cuja opção de governo é a democracia, que é um
regime de governo no qual o poder de tomar importantes decisões políticas está com
os cidadãos, que são os componentes da sociedade. É ao povo ou à comunidade a
quem cabe discutir, refletir, pensar e encontrar soluções e intervenções para os
próprios problemas.
217
Contudo, mesmo apoiados pela legislação, sabemos que muito temos a
avançar para conquistarmos uma sociedade realmente democrática. Prova disso é
que vivemos em um país cuja opção de governo é a democracia; entretanto, em
nossa realidade encontramos muitas contradições que evidenciam o contrário.
A democracia escolar só se efetiva dentro de um processo de gestão
democrática, para superar a centralização do poder e garantir maior participação e
autonomia nas escolas, tendo em vista uma escola pública de maior qualidade.
Democracia implica, ainda, co-responsabilizar com os compromissos assumidos e,
por isso, cabe-nos fiscalizar, acompanhar e avaliar as ações dos governantes, como
também dos compromissos assumidos coletivamente.
A idéia de gestão educacional democrática está estreitamente relacionada
com a emancipação de sujeitos históricos, para os quais a apreensão do saber se
coloca como elemento decisivo na construção da cidadania.
Acreditamos que a democracia na escola só será real e efetiva se puder
contar com a participação da comunidade, para garantir a democracia exige-se a
participação popular, de presença e intervenção ativa de todos. Não vale estar
presente e somente ouvir e/ou consentir, é preciso aprender a questionar e a
interferir. Exercendo verdadeiramente a cidadania, a população – pais, mães,
alunos, professores, gestores e pessoal administrativo - devem ser capazes de
superar a tutela do poder estatal e aprender a reinvidicar, planejar, decidir, cobrar e
acompanhar ações concretas em benefício da comunidade escolar.
Assim, se a legislação e os discursos inflamados com a ideologia neoliberal
proclamam a democracia como bandeira, também, na prática, persiste o
autoritarismo, a imposição, as decisões decratadas como experiências vivas no
cotidiano de nossas escolas.
Sabemos que numa escola democrática, torna-se pertinente criar órgãos de
gestão que garantam a representatividade , a continuidade e a legitimidade da
participação popular. Dentre esses órgãos colegiados, podemos incentivar na Escola
a instituição do Conselho Escolar, do Conselho de Classe, da Associação de Pais e
Mestres e do Grêmio Estudantil.
Compete ao Colegiado, composto de representantes ativos de todos os
segmentos da escola, discutir a proposta pedagógica da escola, a qualidade de
ensino, o Currículo, apontar falhas e buscar soluções conjuntas para os problemas.
Entretanto, sabemos que o colegiado escolar ainda constitui-se como um canal de
218
participação muito limitado. Comumente, notamos a presença de representantes da
comunidade escolar nas reuniões; entretanto, ainda com uma postura de apatia,
submissão e indiferença.
Outra instância colegiada é o Conselho de Classe. Este, não deve se limitar à
uma troca de informações sobre notas, valorizando os aspectos quantitativos e
decidindo sobre as reprovações, pois desse modo fica muito limitado e não cumpre o
seu papel. O Conselho de Classe deve representar um apoio, uma estratégia de
ação, na qual todos se reúnem tendo em vista a melhoria nos resultados do
processo de ensino.
Assim, faz-se necessário, abrir as portas para a Comunidade e começar a
construir um País mais justo e democrático. Por isso, a instituição de Associação de
Pais e Mestres torna-se oportuna para incentivar as famílias a participarem da
escola, não só nas festas ou com trabalho, mas discutindo, refletindo e buscando
soluções para seus problemas. Para tanto, é preciso dar oportunidade aos pais de
participação e esclarecê-los e convencê-los da importância de sua participação/ação
interventiva.
Por último, o Grêmio Estudantil representa outra organização colegiada que
deve ser incentivada na escola. Os alunos não podem constituir-se como meros
consumidores de um saber compartimentado e descontextualizado. A escola existe
para ele, para a sua boa formação em todos os aspectos. Precisa aprender também
a ler criticamente o seu mundo, conhecer e reivindicar seus direitos, cumprir
conscientemente os seus deveres e aprender a ser cidadão.
Sabemos, entretanto, que há os entraves, os obstáculos, a ausência de
mobilização da comunidade, os reflexos de uma cultura opressora e, por isso, a
inércia, a passividade diante da estrutura que bloqueia e não estimula o
desenvolvimento da participação. Mas, pela sua forma de gerir, experimentando e
vivenciando a democracia, a própria escola, na interação com a comunidade,
conseguirá mudar mentalidades oprimidas e despertar os sujeitos históricos e ativos
que se encontram adormecidos em cada cidadão. No lugar da democracia plena,
sabemos que ainda existe um poder sutil, mas atuante, nas relações escolares e que
precisa ser superado.
Ficou clara a idéia de que temos uma cultura de autoritarismo e submissão e,
ainda, que o Regime Militar interferiu na área educacional criando uma cultura de
comandos autoritários de mandatos legais, baseados mais no direito da força do que
219
na força do direito. E mudar mentalidades formadas para a submissão, para o
respeito à ordem e para a obediência às regras impostas não é tarefa fácil.
A idéia de diversidade trouxe a obrigação do reconhecimento de que não há
mais homogeneidade na escola. Antes, na escola tradicional, os papéis dos
educadores eram/são prescritos. Ensinava-se de uma única maneira, para todos,
supondo que todos aprendessem no mesmo tempo e no mesmo espaço. Agora, o
professor está diante de algo que não conhece, o que representa um grande
desafio.
A concepção de qualidade de ensino adotada não coaduna com as idéias
pragmatistas da Qualidade Total e, portanto, do Neoliberalismo. Na esteira de Rios
(2003), acreditamos que a tarefa da escola é desenvolver capacidades, habilidades
e isso se realiza pela socialização dos conhecimentos, dos múltiplos saberes. Por
isso, os conteúdos transmitidos, construídos ou socializados na escola têm de ter
sentido para a construção e o desenvolvimento do ser humano.
Portanto, é importante que a escola pública tenha qualidade de ensino
adequado, que atenda às necessidades dos oprimidos. Pois, talvez seja a única
chance das populações carentes se desenvolverem no processo de aprendizagem,
tomar consciência de seus direitos e se libertarem da ignorância e da opressão.
Diante de tais evidências, precisamos nos comprometer com essa causa. Portanto, a
escola pública precisa oferecer-lhes o melhor ensino, pois o domínio do
conhecimento conduz à autonomia e representa um instrumento de libertação para
os oprimidos.
Assim, o professor precisa ter consciência clara da concepção pedagógica
que orienta a sua prática educativa e do seu compromisso político com os seus
alunos. Se trabalhar com a classe desprovida de riquezas – as vítimas da sociedade
capitalista – precisa trabalhar a favor deles.
A cidadania será construída no exercício efetivo de práticas democráticas e
participativas na escola, comprometidas com a emancipação e a autonomia dos
sujeitos ativos e atores de sua própria história.
No terceiro capítulo, apresentamos os dados empíricos coletados no interior
de 7 escolas municipais de Uberaba. Pudemos perceber que todo o processo de
construção do Projeto Político-Pedagógico trouxe alguns avanços para a educação
de Uberaba. Porém, esses avanços ainda são pequenos.
220
Em 1993, a pasta da Secretaria de Educação foi assumida por uma
educadora que possuía o compromisso de transformar a educação do Município de
Uberaba, e construir uma escola pública de maior qualidade. Seu trabalho foi
sistematizado e orientado por concepções pedagógicas atuais e consistentes.
Esteve ocupando a função supracitada por duas gestões, ou seja, por oito anos
(1993-1996 e 1997-2000), e isso favoreceu a continuidade dos trabalhos iniciados
na primeira gestão.
Houve, diante disso, muitas conquistas no setor educacional no Município de
Uberaba, que serviu até como referência a outros municípios. Dentre esses avanços,
citamos a construção do Plano Global da rede Municipal de Educação, a construção
dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas municipais, a criação dos Colegiados
escolares, a eleição para os diretores das escolas, a criação do CEFOR para a
atualização dos professores, a mudança da organização da estrutura escolar do
sistema de série para ciclos de aprendizagem, a criação do Conselho Municipal de
Educação, instituindo um sistema educacional com maior poder de decisões, a
instauração de Encontros anuais de educadores de Uberaba e da região, a criação
de jornais e revistas para divulgação dos trabalhos científicos e experiências
exitosas referentes às práticas pedagógicas, dentre outros.
Por conseguinte, fomos ao cotidiano das escolas municipais verificar a
repercussão, os avanços, a continuidade bem como os limites desse trabalho.
Com relação à forma como foram construídos os Projetos Políticos-
Pedagógicos nas escolas, verificamos que houve inicialmente a convocação para
todos os segmentos da escola participarem do processo. A participação não
aconteceu de forma voluntária e consciente, mas teve muito mais uma força de
decreto. Ocorreram várias reuniões com grande grupo e também pequenos grupos
divididos em segmentos. Os projetos foram elaborados para um período de quatro
anos e para o início de cada ano, normalmente eram revisados e acrescentados
planos de ação.
Os diversos depoimentos dos pais mostraram que a maioria não apresenta,
ainda, consciência do valor da sua participação real, como sujeitos que devem
interferir e reivindicar os seus direitos. Ficam tímidos, acanhados e sentem-se
ignorantes e desprovidos de conhecimento sobre educação, e mesmo privados de
argumentos para possam interferir ou contribuir.
221
Verificamos, ainda, que nem todos os educadores conhecem o PPP da escola
que trabalha e que nem sempre o documento serve como orientador da prática
escolar. Ele é construído num momento, separado da prática, por isso, muitas vezes
fica “na gaveta”, atendendo a uma exigência burocrática do sistema. Faltam
envolvimento e compromisso com as propostas ali registradas. O pessoal
administrativo, juntamente com os pais e alunos, são os que menos conhecem o
documento e, especificamente, o seu conteúdo, o seu valor, a sua importância e sua
necessidade.
Por conseguinte, confirmamos que alguns sujeitos representantes dos vários
segmentos da escola não entenderam ainda a importância e o valor do PPP, como
também qual é a sua responsabilidade e compromisso diante desse plano.
Notamos que a participação do Colegiado escolar muitas vezes se limita a
discutir questões burocráticas ou financeiras, desprezando o tema mais importante,
que é a qualidade de ensino, que recai sobre o aspecto pedagógico da escola.
Destacamos que a sobrecarga de trabalho do professor, a desvalorização
dos profissionais explicitada nos baixos salários e as más condições de trabalho que
conduzem ao desinteresse, à descrença e ao pessimismo, como também à inércia
diante da situação desumanizante. A forma como está estruturado o tempo escolar,
a grade horário, são grandes impeditivos do diálogo, da troca e, principalmente, do
trabalho coletivo, para a reflexão sobre a prática e para uma ação interdisciplinar.
No tocante à relação do PPP com a formação docente, verificamos que não
reconhecem o processo de construção do PPP, no qual há – deveria haver – estudo,
debate, discussões sobre os problemas, busca coletiva de soluções, como um
veículo de divulgação de informações, e oportunidade de trocas de experiências. E,
na visão de um grupo significativo, a formação se dá em um outro espaço e tempo,
separado do da escola, no qual se organizam cursos para a formação docente;
entretanto, esta permanece desvinculada da prática. Perde-se, desse modo, a
oportunidade da “formação em serviço”, da reflexão sobre a prática, mediante a
discussão dos problemas reais da escola, de quais as suas necessidades, da
importante troca de experiências entre os pares e a busca coletiva de soluções para
os problemas comuns.
Sobre a relação do PPP com a participação democrática na escola
encontramos, por um lado, pessoas que acreditam que o processo democrático
avançou e, por outro, outras que não acreditam nesse avanço. Confirmamos a idéia
222
de que a participação dos pais é tímida, individualista e apolítica, desvinculada de
um direito coletivo e da busca de uma escola de maior qualidade para os seus filhos.
A democracia ainda é pouco compreendida, pois não faz parte da cultura da
comunidade. Constatamos também que a autonomia não é plena e verdadeira, pois
existe a imposição de projetos que vêm do órgão central. Assim, temos uma
participação e uma democracia decretada e reduzida. Contudo, notamos que já
existem discussões, debates e questionamentos mas, esse processo deve ser
aperfeiçoado.
Por fim, concordamos com o depoimento que diz que a democracia ainda não
é plena e a autonomia é limitada. A democracia e a autonomia realmente ainda são
embrionárias e controladas e, por isso, há muito que se construir e conquistar nesse
sentido.
Entretanto, é notória a falta de verdadeira autonomia no interior da sociedade
e, especificamente, da escola. Se, por um lado, os discursos das Secretárias de
Educação proclamam a autonomia, por um outro lado continuam enviando e
impondo os mesmos “pacotes educacionais” para serem cumpridos nas diferentes
escolas.
Quanto à relação do PPP com o Currículo escolar, entendemos que houve
algumas conquistas tais como a substituição da série por ciclo na organização
curricular, a adoção de trabalhos com projetos, a busca do trabalho pedagógico
interdisciplinar, a inovação com a adoção do trabalho utilizando computadores e
implantando a informática na escola, o convênio e parceria com instituições da
comunidade, dentre outros.
Entretanto, observamos que existe ainda um momento para o trabalho dos
conteúdos da série ou do ciclo e um outro momento separado, para o
desenvolvimento dos projetos. Assim, percebemos que a prática tradicional ainda se
faz presente e encontra-se viva e atuante em nosso espaço escolar. Nesse sentido,
o conhecimento ainda está sendo visto como um produto pronto e acabado,
fragmentado e fragilizado, que comumente é transmitido e armazenado pela
repetição mecânica e a memorização.
Com relação ao PPP com a melhoria da qualidade de ensino ou o alcance de
uma escola inclusiva, observamos que poucos acreditam que pouco ou nada
interferiram na melhoria da qualidade de ensino da escola municipal. Há muitas
223
evidências de fracasso escolar, os alunos apresentam muitas deficiências no
domínio dos conteúdos curriculares.
Aparece a questão do trabalho pedagógico sendo pressionado e orientado
para o alcance dos resultados na avaliação externa. A qualidade de ensino fica
amarrada a uma pressão do sistema, e não há como fluir naturalmente.
Por último, sobre se consideram a escola pública municipal de Uberaba, uma
escola inclusiva, e quais os recursos que a escola utiliza para atender à diversidade
de alunos que aprendem em ritmos, formas e tempos diferentes, entendemos que
não basta apenas inserir o educando na escola que estará garantida a sua inclusão,
como não basta boa vontade e aceitação. Inclusão, de fato, não depende só de
aceitação e boa vontade, depende de reestruturação da escola nos aspectos
atitudinais, arquitetônicos e pedagógicos, na busca de atender a todas as crianças,
de acordo com as necessidades que elas possuam.
Notamos que, realmente, a escola ainda não é inclusiva como também não
conquistou o nível desejado de boa qualidade de ensino para todos os alunos.
Retomamos a idéia de que a escola inclusiva é aquela escola de boa qualidade
para todos os alunos, independente das diferenças que eles possuam.
Como fatores dificultadores da viabilização das intenções de se construir uma
escola Cidadã, na utopia de Paulo Freire, muitos das “dificuldades e obstáculos na
concretização do PPP”, anunciados no Capítulo IV, foram confirmados. Dentre estas,
destacamos a falta de valorização dos professores, o que gerou a sobrecarga de
trabalho, o desencanto e a desesperança; a rotatividade dos quadros de servidores
escolares; a desconexão entre teoria e prática; a democracia decretada e falta de
experiência e timidez explicitadas na participação da comunidade, a concepção de
projeto, ainda em uma perspectiva tecnicista ou estratégico empresarial, a falta de
continuidade das políticas públicas; a falta de atenção dos governantes e os
investimentos insuficientes para oferecer condições mais dignas de trabalho e
favorecer a execução e o sucesso dos projetos, dentre outras questões.
No quarto Capítulo, abordamos a temática do Projeto Político-Pedagógico,
dando ênfase nos seus preceitos legais, seus conceitos, se propósito de formador e
transformador, as formas de se estruturar, princípios históricos e filosóficos,
dificuldades de efetivação, importância e finalidade, como também as contradições e
os limites que o circundam.
224
A idéia inicial de se construir um PPP para cada escola surgiu antes da LDB
n. 9394/96 e estava atrelada à idéia da educação em uma perspectiva neoliberal,
dentro do modelo de QT (qualidade total), difundida pelo Banco Mundial.
Contudo, entendemos que Projeto Político-Pedagógico é a oportunidade de a
Escola tomar-se nas mãos, e definir por si, coletiva e participativamente, os seus
compromissos junto aos alunos, junto a suas famílias. Essa é a forma de realizar de
modo mais acabado o seu caráter cultural, democrático e educativo, junto à
Comunidade.
Todo esse processo amplo de discussão, debate, trocas e interações fazem
parte do Currículo da escola, e isso pressupõe que a Escola seja um organismo vivo
e tudo o que se passa dentro dela “ensina”, e todas as pessoas que a compõem são
permanentemente afetadas e ensinadas.
Assim, o PPP tem que considerar e, sobretudo, interferir e aprimorar o
Currículo escolar, tendo em vista o aperfeiçoamento do trabalho pedagógico
desenvolvido na escola, que deve ser sempre voltado para um ensino de maior
qualidade, que atenda às necessidades e aspirações da classe desprovida de
riquezas materiais.
Notamos que a escola brasileira recebeu uma diversidade de alunos por ter
ampliado o acesso das crianças à escola. Então, nós educadores, encontramo-nos
diante do desafio de ensinar com boa qualidade, a toda essa diversidade.
Abordamos a necessidade de professores bem preparados e com condições
dignas de trabalho que favoreçam o aperfeiçoamento da prática pedagógica, tendo
em vista o alcance de maior sucesso no desenvolvimento da aprendizagem dos
educandos.
A discussão do princípio de Educação Inclusiva apresenta a concepção de
que todas as pessoas têm direito à educação e, principalmente, à educação de
qualidade. E esse é também um princípio ético, pois, em nome da justiça, garante
direitos iguais para todos, indistintamente. Para tanto, exige-se o
redimensionamento da prática pedagógica aderindo a uma metodologia de caráter
interdisciplinar, aberta, lúdica e criativa. Tal proposta só pode ser viabilizada com
sucesso, dentro de uma visão de trabalho que se orienta em uma nova concepção
de educação que parte de um projeto coletivo.
Apontamos as diversas dificuldades e entraves que obstacularizam a
efetivação dos PPPs nas escolas e suas verdadeiras intenções e propósitos.
225
Contudo, apostamos no PPP como instrumento de participação coletiva, que deve
redefinir o papel da família na escola, oportunizando a sua ação participativa e
interventora nos rumos da escola, para que ela cumpra a sua função social.
Discutimos, enfim, o PPP como possibilidade de romper com o projeto
(neoliberal) de exclusão, quando for assumido pela diversidade representada pela
comunidade interna e externa (do entorno da escola) como o projeto de sua autoria,
que orienta os rumos, as mudanças, em direção ao alcance de uma escola de maior
qualidade para os filhos dos trabalhadores. Por isso, é preciso que num projeto
educacional, todas as pessoas da comunidade precisam compartilhar suas
intencionalidades, aprender a exercer sua politicidade por meio da participação
efetiva e interventiva no contexto social. É preciso que, coletivamente, com
entusiasmo e esperança, seja construído um projeto coletivo, tendo em vista as
transformações sociais.
No Capitulo quinto, retomamos algumas idéias das influências da
globalização e do neoliberalismo na cultura e na educação escolar. Destacamos a
influência das idéias difundidas pela pós-modernidade. Discutimos que o mundo em
que vivemos passa por profundas transformações. Desse modo, o processo de
globalização da economia, as tecnologias e as políticas de cunho neoliberal alteram
de forma substancial as relações sociais e a vida das pessoas.
Na Pós-Modernidade, o pensamento se torna volúvel, fragmentado e confuso.
Perdemos a fé na Ciência, pois agora tudo é muito veloz e o que é verdade, hoje, já
será ultrapassado no dia seguinte. Vivemos, desse modo, uma crise de identidade,
num mundo de instabilidades e incertezas. Essa incerteza que por um lado visa
apagar a esperança e, por outro, defende valores universais como o da libertação e
da emancipação humana. Como conseqüência apresenta-se a insegurança, a
substituição de valores, o estado de resignação e, conseqüentemente, o desânimo,
a desesperança, o imobilismo e a inércia diante de tanta miséria humana.
Portanto, dentro dessa nova perspectiva, para se combater o Neoliberalismo, é
necessário sair do imobilismo é combater a ignorância e a inércia historicamente
produzida, pois a exclusão social é resultado da imbecilização e da submissão ao
sistema imposto.
Daí, diante de tantas incertezas, de tantas convicções sectárias, manipulações
que provocam visões deturpadas da realidade, é preciso despertar a comunidade
para o descortinamento dessa realidade, para que compreenda a força que possui,
226
quando atua com um projeto e em equipe coesa e solidária, em busca de uma causa
comum.
Diante das condições sociais, políticas e familiares, os professores
encontram-se em situação de desânimo, de passividade e falta de esperança. A
desesperança faz adoecer e sufoca o desejo de mudança e a busca de
transformação da realidade.
Arriscamos dizer que o que vivemos após a década de 1990 na Secretaria
Municipal de Uberaba foi um otimismo pedagógico
38
semelhante ao que vivemos no
Brasil, na década de 1930, na proposta da Escola Nova. Houve um ânimo
exacerbado, revestidos com muita utopia e esperança.
Entretanto, se ficamos animados por uma concepção pedagógica inovadora,
nossas intenções foram desvirtuadas e desencantadas, dentre estes, os parcos e
insuficientes recursos com relação aos investimentos educacionais, a incoerência do
discurso teórico e da prática, a falta de vontade política para que tudo se tornasse
realidade. A quem pode interessar esse resultado? Acreditamos, novamente, na
força alienante, opressora e desvirtuadora das boas intenções, das políticas
neoliberais.
Assim, reafirmamos que o diálogo aberto e autêntico, educa, muda
mentalidades e une as pessoas em torno de uma causa comum. A comunidade se
fortalece pelo diálogo.
Por isso, comumente a sociedade deposita na escola uma relação de
confiança, em que se deve permitir que os significados que circulam se consolidem.
Mas, para isso, é preciso que todos trabalhem juntos, numa relação solidária,
participativa, fraterna e, principalmente, comprometida com a mudança.
Precisamos superar essa Pós-Modernidade maléfica, alienante e opressora, e
driblar os seus efeitos destruidores e, na esteira de Paulo Freire e Freitas, construir
uma nova Pós-Modernidade, que seja promotora de esperança, que liberta do
individualismo e da inércia, e que mobiliza os sujeitos à vocação de humanos
esperançosos, ativos e construtores de sua própria história. Assim, precisamos de
38
O “Otimismo pedagógico” trata-se de um momento histórico na educação brasileira que coincidiu com a
concepção da Escola-Nova. Teve inicio nos anos 1920 e alcançou seu apogeu na Segunda República, nos anos
30. Insistiu na otimização do ensino por meio da melhoria das condições didáticas e pedagógicas da rede escolar
e caracterizou-se por sua ênfase nos aspectos qualitativos da problemática educacional. Nasceu uma esperança e
um otimismo apoiado por uma teoria bem fundamentada, mas que não se viabilizou na prática. Mais
informações em: GHIRALDELLI JR, P. História da educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
227
uma concepção emancipadora, que possa impulsionar a esperança e que permita
vislumbrar um caminho novo.
Podemos vislumbrar uma saída, quando a vítima que toma consciência, que
irrompe com práxis libertadora, provoca uma ruptura do tempo contínuo, para
construir um novo tempo, ou uma nova história. Contudo, o dominado/vítima
somente será forte se estiver em comunidade, num grupo coeso, solidário, forte,
consciente do seu papel no mundo.
Propomos substituir a ética do consumo que impera na Pós-modernidade,
para a ética da libertação – que busca a humanização, o SER mais, a emancipação
– do ser humano. E isso somente será viável e possível de se tornar práxis, se partir
do desejo consciente e da ação da Comunidade, que tem projeto e, por isso, pode
conduzir os rumos de sua história.
Mediante os resultados da presente investigação, ainda assim, acreditamos
que o PPP é um documento capaz de adensar a qualidade da educação da escola.
Mas, para isso, ele precisa realmente ser compreendido, valorizado e tomado, de
fato, como o projeto coletivo, que nasce da necessidade da equipe, que vai orientar
o caminho para o alcance dos objetivos que são do grupo e que conduzirão a uma
nova situação. O Projeto precisa ser um veículo de mudança, de progresso, de
transformação e aprendizagem.
Por conseguinte, encharcados da esperança de Paulo Freire, acreditamos
que a escola da classe vitimada pela pobreza precisa ser estatal quanto ao
funcionamento e, por isso, gratuita; democrática quanto à gestão, garantindo a
participação ativa e interventiva de toda a comunidade; e pública quanto à sua
destinação, possibilitando acesso, permanência e sucesso no processo de
aprendizado de todos os educandos que acolhe. Somente dessa forma a escola
pública poderá oferecer a boa qualidade de ensino e realizar uma educação que
seja emancipadora, portanto, anunciadora de uma sociedade mais justa e solidária.
O Projeto Político-Pedagógico – com autoria própria – como documento orientador
da práxis educativa, será revestido de compromisso, esperança e dará
direcionamento à uma nova e promissora realidade.
É preciso urgentemente dar “um basta” nos projetos impostos,
descontextualizados e inócuos. Precisamos construir os nossos próprios projetos,
que possam representar o nosso desejo de mudança e o atendimento às nossas
228
necessidades reais. Só assim será possível trabalhar com garra, aprender a
construir, acreditar que é possível ser diferente e consolidar mudanças.
Ao focar a realidade das escolas municipais de Uberaba, vimos que a
implementação do PPP revela pequenos avanços e, ainda, muitas dúvidas e
contradições. Contudo, os pequenos avanços apresentados são significativos e
reacendem nossos ânimos fazendo-nos acreditar que o PPP continua sendo uma
esperança. Reafirmamos a força do PPP como uma ferramenta capaz de consolidar
o processo de democratização das escolas e aumentar o nível e a qualidade de
participação e, por último, vislumbrar a emancipação.
Quando se reúne para a construção de um projeto comum, do qual a autoria é
legítima, no lugar da inércia, da descrença e do descompromisso, nascem a
esperança, a crença em dias melhores, o desejo de mudança e de construção de
algo novo e promissor. As relações e os compromissos deixam de ser efêmeros e
fugazes e assumem a característica de vínculo, de compromisso e se efetiva num
“pacto para a mudança”.
Educadores éticos porque são favoráveis à escola pública popular de
qualidade, farão a “pedagogia libertadora” proposta por Freire, numa prática
comprometida com a transformação social. Para isso, primeiramente, os
educadores e toda a comunidade escolar, têm de tomar consciência da situação
existencial, sedimentada pela submissão, opressão e inércia, e, imediatamente,
partir para uma práxis social - ação-reflexão-ação – com engajamento, compromisso
e autocrítica, para assim poderem construir e colocar em prática um projeto rumo à
libertação.
Portanto, a escola pública, para ser de qualidade e ter um Currículo que
garanta uma educação emancipadora, precisa ter um projeto autêntico – o Projeto
Político-Pedagógico – para ser o mediador da escola de que necessitamos e
desejamos.
Como atitudes necessárias para combater a inércia, a desesperança, a falta
de energia e a falta de compromisso e de esperança dos educadores, indicamos as
seguintes providências:
229
1) Que os (as) professores (as), enquanto educadores assumam a
postura de educadores progressistas
39
, conscientes da sua
situação de opressão e de vitimização, e como intelectuais
orgânicos
40
, possam trabalhar para a tomada de consciência de
todos os seus parceiros: colegas de trabalho, pais, alunos e a
comunidade escola/bairro como um todo. É preciso fazer que as
vítimas se libertem da sua condição de alienação e massificação
que os coloca numa situação de submissão e inércia e,
corajosamente, a exemplo de Rigoberta Menchú
41
, se encham de
coragem e ousadia, e dediquem as suas vidas por uma causa muito
nobre – o bem comum.
2) Que os professores e as professoras se unam coletivamente em
sindicatos ou organizações para que a categoria do magistério
possa criar um plano de carreira decente e reivindicar salários mais
dignos, melhores condições de trabalho, oportunidades de
aperfeiçoamento docente de qualidade, respeito à sua liberdade e
autonomia e reconhecimento social.
3) Que os pais, as famílias e a comunidade/escola/bairro como um
todo tomem consciência de seu papel no mundo e saibam que o
que está instituído é histórico, contudo não é algo dado, pronto e
acabado. A presença dos pais ativos na escola, apoiando os (as)
professores (as), é condição sine qua non para a conquista de uma
escola de maior qualidade.
4) Que todos os educadores, pais, alunos, representantes dos
sindicatos e a sociedade em geral, tomem consciência da realidade
histórica/social/política, que interfere e limita nossas possibilidades.
Que reconheçam os seus direitos e deveres e lutem por eles. E
mais ainda, que aprendam realmente o que é democracia e
participação, descubram a força do grupo, da reivindicação coletiva,
para que possamos vislumbrar uma nova realidade. Nesse prisma,
39
Explicação do termo encontra-se em nota de rodapé, no capítulo II, deste texto e no Livro de Paulo Freire
Política e Educação (2003, p.94, 100).
40
Expressão utilizada por Gramsci.
41
Exemplo dado no capitulo anterior, citação de Dussel (2002) mostrando a conscientização da vítima e a sua
coragem de oferecer a sua vida por uma causa: a defesa da vida ou a autoconservação reprodutiva humana.
230
que como sujeitos que sabem dos seus deveres e conscientes de
seus direitos, toda a comunidade escolar, em uníssomo, possa
cobrar e exigir de nossos representantes políticos, dos órgãos
centrais e do governo das diversas instâncias, que a Lei, os
discursos teóricos, as promessas de campanha, não sejam teorias
vazias, mas que se concretizem efetivamente.
5) Que os (as) educadores (as) junto com a Comunidade escolar e
o seu entorno, possam realizar um trabalho intenso no sentido de
tornar a escola um ambiente mais acolhedor e alegre, mais
prazeroso e bonito. Que o Currículo seja atual, flexível e rico para
atender às diferenças. E que a beleza estética seja propulsora de
um espaço agradável, acolhedor e, portanto, que possa despertar
em seus alunos e educadores, a alegria de estar ali, no sentido de
favorecer a experiência significativa e possibilitando a fruição todas
as experiências, que assim, se tornarão mais significativas e
atraentes. Podemos fazer da escola um espaço agradável se ficar,
que mobiliza o desejo de aprender e que vai despertar a sede pela
sabedoria. Escola pública popular de qualidade é aquela que torna
democrático o acesso ao saber e ao conhecimento crítico, criativo
e científico, que promove o saber e liberta da alienação e opressão.
6) Que o Projeto Político-Pedagógico da escola, seja um projeto
real, de autoria própria, voltado para pensar a escola tendo em vista
a sua função social. Que se supere o tecnicismo burocrático e a
visão estratégico-empresarial e se busque a construção de projetos
educacionais autênticos e coletivos, dotados de habilidades
técnicas, mas, especialmente, para as habilidades políticas, em prol
de uma educação emancipatória e cidadã. Na concretização do
projeto exige-se a consolidação de um processo de ação-reflexão-
ação sobre a práxis educativa, num esforço conjunto e no respeito à
vontade política coletiva e verdadeira. Que a concretização do PPP
mobilize o compromisso ético para uma prática pedagógica de
qualidade numa gestão compartilhada, portanto, democrática e
emancipadora.
231
7) Por fim, a chave que garantirá, de fato, a emancipação e a
conquista de escola de maior qualidade, está na força da união e da
ação da Comunidade, que toma consciência de seus direitos, e,
unida, luta por eles, sem medo e hesitação. Que essa participação
coletiva, no sentido de reconhecer e reivindicar os direitos, supere
a simples representatividade e passe a formar um movimento de
“todos”, com intervenção forte e corajosa. Acreditamos, pois, que
como sujeitos conscientes, por meio da ação coletiva, orientada por
um projeto, poderemos construir uma nova realidade.
Cremos, por fim, que a mudança da estrutura social, começa na sociedade
civil, na força das pequenas Comunidades que, ao se unirem mediante um Projeto
sério e consistente, se tornarão determinadas, fortes, emancipadoras, enfim.
Acreditamos que este estudo tenha alcançado os seus objetivos e possa ter
trazido uma contribuição importante sobre a relação das influências do Projeto
Político-Pedagógico para a construção da gestão democrática, da participação da
comunidade e da construção de um Currículo que favoreça uma escola de maior
qualidade.
Esperamos que essa contribuição seja significativa para os educadores em
geral e, especificamente, os educadores que laboram no cotidiano das Escolas
Municipais de Uberaba, local onde estão presentes os sujeitos desta pesquisa.
A discussão não se esgota aqui, pelo contrário, acreditamos que os
resultados apresentados sirvam de anúncio para novas investigações, tais como: a
problemática da avaliação externa; a rotatividade dos professores, das séries para o
ciclo e do ciclo para as séries; o Currículo para a diversidade discente; a
descontinuidade das políticas públicas; a existência da opressão e a submissão nas
escolas; a valorização da docência e a qualidade de ensino, a formação pedagógica
e política dos secretários de educação; dentre outros.
Por fim, nossas expectativas é que as discussões apresentadas suscitem
novas buscas e novas inquietações. Que possam despertar a curiosidade para ir
além, que indiquem caminhos para ultrapassar o que foi dito e feito, e sirvam de
ponto de partida para novas lutas e esperanças.
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Oliveira. Projeto Político-Pedagógico. Quadriênio 2005/2008.
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Maria Georgina. Projeto Político-Pedagógico. Quadriênio 2005/2008.
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Bernardes da Silva. Projeto Político-Pedagógico. Quadriênio 2005/2008.
_______. Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Escola Municipal Norma
Sueli. Projeto Político-Pedagógico. Quadriênio 2005/2008.
APÊNDICES
1) Roteiro para a entrevista:
07 escolas Municipais (Uberaba-MG)
Sujeitos: o diretor, o pedagogo, professores, serviço administrativo, alunos e pais
de alunos.
a) Construção do PPP
- Como o PPP foi construído?
- Quantas reuniões aconteceram para sua elaboração? Quem participava?
- Houve momentos do grande grupo e de grupos pequenos?
- Quem Coordenou? Quem dava mais palpite? Quem escreveu?
-O PPP é elaborado para quanto tempo? Nesse intervalo é revisado? De quanto em
quanto tempo?
b) Reconhecimento e Utilização do PPP:
- Todos os servidores da escola conhecem o PPP: conteúdo, finalidade e
importância.
- O PPP depois de construído está sendo utilizado para orientar a prática escolar?
De que forma?
- Você se lembra de um projeto ou subprojeto do PPP que foi ou está sendo
desenvolvido?
c) PPP e formação docente:
- Qual é a relação do PPP com a formação docente?
- O PPP interfere na formação e na visão de mundo do professor?
- O PPP pode transformar as concepções e a prática pedagógica do professor?
d) O PPP e a Participação Democrática na escola:
- Existe mesmo democracia na escola? Se existe como ela acontece?
- Como é a participação da comunidade escolar?
- Os pais têm participado da vida da escola?
244
e) O PPP e o Currículo escolar:
- Depois do PPP houve alguma mudança no Currículo e no ensino escolar?
- O que mudou na escola depois da construção do PPP?
f) Qual é a relação do PPP com a qualidade de ensino (inclusão):
-Qual é a importância do PPP para a qualidade de ensino?
-O processo de construção do PPP trouxe aperfeiçoamento da qualidade de ensino?
- Você considera a escola inclusiva? Por que?
- Que recursos a escola utiliza para atender à diversidade de alunos que aprendem
em ritmos, formas e tempos diferentes? Por favor, justifique o que pensa.
2) Tabela 1: Apresentação dos Sujeitos entrevistados:
Sujeitos da Pesquisa
Número de
entrevistados
Sigla utilizada na
identificação do sujeito.
Administrativo
02 Adm.
Alunos (a)
09 Alu.
Diretora
04 Dir.
Mãe
09 Mãe
Pai
02 Pai
Pedagogas
14 Ped.
Professoras
12 Prof.
Total de Sujeitos
Entrevistados
52
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