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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
DUGLAS WEKERLIN FILHO
COMPLEXIDADE, APRENDIZAGEM E MEDO: BASES BIOLÓGICAS DAS
EMOÇÕES E SENTIMENTOS E A PROBLEMÁTICA EDUCACIONAL
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
SÃO PAULO
2007
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
DUGLAS WEKERLIN FILHO
COMPLEXIDADE, APRENDIZAGEM E MEDO: BASES BIOLÓGICAS DAS
EMOÇÕES E SENTIMENTOS E A PROBLEMÁTICA EDUCACIONAL
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do Título de Doutor em Educação
sob a orientação da Profª Doutora Maria
Cândida Moraes.
SÃO PAULO
2007
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BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
_____________________________________________
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_____________________________________________
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3
DEDICATÓRIA
À minha mãe, que sempre me deu carinho, afeto e amor, e sem a
qual eu nada seria, pois sempre me acolheu nos momentos mais
difíceis de minha vida.
Ao meu amigo Rodnei Moares Marietto, pelo cuidado dispensado a
mim nos momentos diários de nossas vidas.
À minha Profª Lúcia Izabel Czerwonka Sermann, que me iniciou no
mundo da simplicidade, do carinho e da indignação permanente em
relação à educação.
4
AGRADECIMENTOS
À minha amiga Gilvânia Bertolini, que não me deixou sentir fraco
nos momentos em que minhas forças diminuíam.
À minha orientadora, Maria Cândida Moraes, pela paciência, pela
dedicação, pela solicitude e pelo cuidado.
Ao Prof. Joaquim Gilberto de Oliveira, pela amizade e compreensão
no momento da minha formação.
À Universidade São Francisco, pelo respeito e pelo apoio à minha
formação.
5
RESUMO
WEKERLIN FILHO, Duglas. Complexidade, aprendizagem e medo: bases
biológicas das emoções e sentimentos e a problemática educacional. Programa de
Pós-Graduação em Educação: Currículo. 2007. 135p. Tese de doutorado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2007.
Este trabalho tem como objetivo produzir um referencial teórico atualizado das
bases biológicas das emoções, dos sentimentos e do medo, para que possam ser
mais bem compreendidas as questões relacionadas à violência nos ambientes
escolares, permitindo propor recomendações para que a violência seja menos
freqüente e atinja menos pessoas que convivem nesses ambientes. O trabalho traz
dados relacionados às diferentes formas de violência que ocorrem nas escolas
públicas e particulares da educação básica e um caso na educação universitária,
bem como as conseqüências dessa violência em relação à saúde mental dos
professores. Para levantamento dos dados foi realizada uma pesquisa de
observação direta, na forma de entrevista, bem como uma pesquisa bibliográfica
sobre complexidade, diálogo, organização, sistemas, emergências, emoções,
sentimentos, medo e violência escolar. Para a complementação das informações
obtidas, foi realizada uma pesquisa documental a partir de quatro programas
veiculados pela Rádio B-SP sobre a violência escolar em escolas de São Paulo e
do Rio de Janeiro. Este trabalho contribui para um melhor encaminhamento e
compreensão das questões conflituosas ocorrentes nas mediações de
aprendizagem, para que possam ser trabalhadas nos diferentes ambientes
escolares e para que as pessoas que neles convivem sintam-se mais bem
acolhidas e cuidadas. Propõe também condições para o desenvolvimento de suas
potencialidades como seres humanos, eternamente aprendentes.
Palavras-chave: emoção; medo; sentimento; complexidade; transdisciplinaridade e
violência escolar.
6
ABSTRACT
WEKERLIN FILHO, Duglas. Complexity, learning and fear: biological bases of
emotions and feelings and the educational problematic. Program for Post-Graduation
in Education: Curriculum. 2007. 135p. Doctoral Thesis. Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. São Paulo, 2007.
This work aims to produce an updated theoretical reference of the biological bases
of emotions, feelings and fear so that the issues related to violence in school
environments can be better understood, allowing the proposal of recommendations
in order to make violence become less frequent and reach less those living in these
environments. This work brings data related to different forms of violence that occur
in public and private schools of basic education and college education in one case,
as well as data related to the consequences of such violence on the mental health
of teachers. In order to collect the data, a direct observation research was
conducted in the form of the interview of a teacher who has been working in the
field of University Education for 37 years. Besides, a bibliographic research was
done about complexity, dialogue, organization, systems, emergencies, emotions,
feelings, fears and school violence. Aiming to complement the research, a
documental research was conducted based on four programs presented by Radio
B-SP about school violence at schools in Sao Paulo and Rio de Janeiro. This work
gives a social contribution in the sense that conflicting issues in the mediation of
learning can be approached in different school environments and that people who
live in them can feel welcomed, can develop their potential as human beings and
can learn more and better.
Keywords: emotion; fear; feeling; complexity; transdisciplinarity and school violence.
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
1.1 ORIGEM DO PROBLEMA ..................................................................................... 9
1.2 QUESTÃO DA PESQUISA .................................................................................... 13
1.3 OBJETIVO GERAL ................................................................................................ 13
1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................. 13
1.5 DELIMITAÇÕES..................................................................................................... 14
1.6 RELEVÂNCIA CIENTÍFICA E SOCIAL .................................................................. 15
1.7 ABORDAGEM METODOLÓGICA.......................................................................... 16
1.7.1 Pesquisa Qualitativa............................................................................................. 16
1.7.2 Procedimentos Metodológicos e Técnicas de Produção dos Dados para a
Realização do Estudo .......................................................................................... 18
1.8 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ................................................................ 21
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS ................................................................................... 23
2.1 COMPLEXIDADE................................................................................................... 23
2.1.1 O Diálogo ............................................................................................................. 27
2.1.2 Organização......................................................................................................... 30
2.1.3 Sistemas............................................................................................................... 34
2.1.4 Emergência .......................................................................................................... 39
2.2 EMOÇÃO E SENTIMENTO SEGUNDO DAMÁSIO (1996, 2000, 2004) ............... 43
2.2.1 Emoção ................................................................................................................ 44
2.2.1.1 Emoções de fundo............................................................................................ 46
2.2.1.2 Emoções primárias (básicas)............................................................................ 48
2.2.1.3 Emoções sociais (secundárias) ........................................................................ 49
2.2.2 Sentimentos ......................................................................................................... 50
2.2.2.1 Variedade de sentimentos ................................................................................ 57
2.2.2.2 Da emoção ao sentimento consciente.............................................................. 60
2.2.2.3 Para que servem os sentimentos? ................................................................... 62
2.2.2.4 Sentimentos e educação .................................................................................. 66
2.3 MEDO..................................................................................................................... 67
8
2.3.1 Condicionamento do Medo (LEDOUX, 2001) ...................................................... 71
2.3.2 Condicionamento pelo Medo Contextual (LEDOUX, 2001) ................................. 75
2.3.3 A Memória do Medo pode ser Apagada do Cérebro?.......................................... 76
2.3.4 Para Finalizar ....................................................................................................... 79
2.4 VIOLÊNCIA ESCOLAR .......................................................................................... 81
2.5 PRINCÍPIOS INTERDISCIPLINAR E TRANSDISCIPLINAR ................................. 87
2.5.1 Interdisciplinaridade ............................................................................................. 88
2.5.2 Transdisciplinaridade ........................................................................................... 92
3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................... 102
3.1 DA ENTREVISTA................................................................................................... 102
3.2 DA PESQUISA DOCUMENTAL REFERENTE AOS PROGRAMAS
APRESENTADOS PELA RÁDIO B-SP E SOBRE OS TEXTOS SOBRE
VIOLÊNCIA ESCOLAR .......................................................................................... 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 121
RECOMENDAÇÕES ...................................................................................................... 124
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 128
APÊNDICE 1 - ENTREVISTA COM O PROF. Y............................................................ 135
9
1 INTRODUÇÃO
Atualmente temos presenciado cenas relacionadas à educação que
deixam os educadores extremamente preocupados. Muitos são os casos de
agressão física e moral nas escolas, e isso acaba por gerar um desconforto nas
pessoas que freqüentam os ambientes educacionais, uma vez que a escola, por
essência, deve ser um local onde as pessoas vão porque gostam e para saber
mais e melhor.
A seguir serão descritas as situações, no âmbito escolar, que suscitaram a
necessidade de uma pesquisa sobre as emoções, sentimentos, medo, complexidade e
transdisciplinaridade.
1.1 ORIGEM DO PROBLEMA
As escolas, atualmente, têm sofrido críticas devido ao fato de os alunos
demonstrarem, crescentemente, insatisfação por freqüentá-las. Eles vão à escola
mais por obrigação do que por vontade. Este fato tem preocupado pesquisadores
em educação, brasileiros e internacionais, que estão estudando esse fenômeno,
pois o mesmo não está ocorrendo apenas no Brasil.
Verifica-se que muitas escolas têm o ensino ainda centrado no professor,
ou seja, este é o transmissor das informações necessárias para que os alunos
aprendam. Em conseqüência, o papel dos alunos, na maioria das vezes, é de
ouvinte e de repetidor de modelos. Seu envolvimento na aprendizagem é pobre e
cansativo, pois eles ficam sentados por horas apenas ouvindo e, em seguida,
fazem uma série de exercícios.
Isso já foi comentado ad nauseam por muitos pesquisadores em educação,
entre eles D'Ambrósio (2007, p.1), que retrata de forma contundente como estão
muitas escolas em relação ao processo de aprendizagem. "O programa tradicional é
desinteressante, obsoleto e inútil. Eu gosto de dizer que é um conhecimento que 'DOI'
no imaginário da criança".
10
D'Ambrósio (2007) alerta sobre como as escolas estão contribuindo para
a limitação da imaginação dos alunos, fato que deve ser considerado, haja vista o
imaginário, a curiosidade, a intuição e a criatividade serem integrantes do
pensamento humano, devendo ser desenvolvidos e não tolhidos.
Ainda pior são os modismos presentes no processo educacional e que
trazem sérias preocupações, em razão da volatilidade dos mesmos.
Hoje percebemos que, de modo geral, as emoções e os sentimentos estão
sendo tratados, nas escolas, superficialmente, o que tem gerado muitas confusões,
deixando professores e alunos desamparados no processo educacional que se
desenvolve diariamente nas escolas. Vê-se que os conceitos de emoção e sentimento
são confundidos. Há um reducionismo flagrante, ou seja, as atividades passam a ser
padronizadas, o que faz com que os desiguais sejam tratados de maneira igual.
Esse reducionismo tem ocorrido porque as escolas precisam se adequar ao
mercado educacional do século XXI. A partir disso realizam-se mudanças, sem que
haja as necessárias atualizações dos processos e das pessoas que convivem nesses
ambientes educacionais.
As escolas querem implantar à força inovações num processo que não foi
reconstruído, apenas colocou-se algo a mais. Porém, este não cabe, gerando
muitos conflitos que não são resolvidos e que interferem no presente dos alunos e
que interferirão na vida futura. Percebe-se a contradição performativa
1
presente
nessas situações.
Nessa tentativa de inovação verifica-se que professores e alunos ficam à
mercê de si mesmos num processo que cada dia mais degrada a qualidade de vida
das pessoas que freqüentam e desenvolvem atividades nas escolas. Os fatos
apontados anteriormente podem ser vistos nos jornais, em programas de
entrevistas e em revistas especializadas.
1
Contradição Performativa de Apel: segundo Apel e Habermas, todo questionamento é, por definição,
questionável. Embora detenha a limitação de ser uma consideração apenas lógica, aponta para um tipo
logicamente coerente de argumentação (DEMO, 1997).
11
Outro fato importante que deve ser analisado é que, em relação aos
professores, tem aumentado significativamente a incidência de transtornos mentais.
Isto pode ser comprovado pelas informações publicadas pelo Sindicato dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, e que são alarmantes, ao
constatarem que cerca de 50% dos professores da rede estadual estão acometidos
por algum tipo de transtorno mental (APEOESP, 2006).
As situações demarcadas anteriormente não são novas para mim, pois
durante os 30 anos em que sou professor, da educação básica à educação universi-
tária, sempre me deparei com casos conflituosos em relação aos professores
e alunos.
Nesse meu trajeto percebi várias situações que me marcaram profun-
damente, em relação aos professores que ficaram à mercê de si mesmos e acabaram
cometendo atos impensados, gerando desconforto, demissão e processos contra eles,
os quais, nos casos mais graves acabaram por ser internados em clínicas
psiquiátricas. Da mesma forma, presenciei alunos serem taxados de marginais, de
maus elementos, de vagabundos, e que acabaram por ser retirados das escolas,
negando-se a eles o direito universal da educação. Além disso, vi-os se revoltarem
contra as instituições que freqüentavam e cometerem atos absurdos, como queimar o
cabelo de uma professora de matemática, explodir os vasos sanitários do banheiro
dos professores e atear fogo em uma capela.
Em outro momento tive a oportunidade de trabalhar em uma escola confes-
sional e ecológica, por vinte anos, e perceber que as crianças e adolescentes
necessitam ser aceitos e que haja atividades nas quais eles possam se desenvolver
de acordo com a sua geração, porém nunca se esquecendo do belo, do corpo, do
coração, do afeto. Consegui expressar essa situação no pensamento abaixo.
Diz uma lenda indígena que sentimos com a sola dos nossos pés. Portanto é
importante que nos seja permitido andar "descalços", deixando-nos sentir
verdadeiramente a vida, propiciando o aprendizado na natureza, com a
natureza, com o coração, com o amor, com o outro, com o nosso planeta.
Andar descalço, porém, faz com que surjam cortes na pele, que saia sangue,
que apareçam bolhas, entretanto isso tudo encoraja, faz ver o que era
invisível, faz sentir o cheiro nunca antes sentido, faz ouvir o inaudível, faz
sentir na mão o que se tinha medo, faz surgir o amor nas coisas em que ele
antes estava escondido (WEKERLIN FILHO, 2001, p.30).
12
A partir das situações comentadas senti necessidade de pesquisar como
os ambientes escolares podem se tornar lugares em que a violência e os medos
sejam enfraquecidos e que as pessoas possam expressar a afetuosidade caracte-
rística de nós, seres humanos, e mais ainda, que as pessoas possam fazer parte
do mundo atual, que passa por um momento histórico de crises, e não abdiquem
da individualidade, da dignidade e das diferenças que nos marcam profun-
damente como pessoas. E que as escolas sejam um ambiente em que predomine
o bem-estar.
Cabe ainda considerar a animalidade do Homo sapiens, que muitas vezes
é deixada de lado, mas que freqüentemente demonstra os estigmas da nossa
evolução no dia-a-dia, como bem nos lembra o evolucionista Robert Trives,
professor na Harvard University:
O chimpanzé e os seres humanos compartilham 99,5% de sua história
evolutiva, no entanto a maioria dos pensadores humanos considera uma
excentricidade malformada e irrelevante, enquanto se vêem a si próprios
como degraus para o Todo-poderoso. Para um evolucionista isto não pode
ocorrer. Não há fundamento objetivo para elevar uma espécie acima de
outra (TRIVERS, 2001, p.15).
Nessa mesma forma de pensar vai o etólogo Rirchard Dawkins:
[...] Até agora não falei muito a respeito do homem em especial, embora
tampouco o tenha deliberadamente excluído. Parte do motivo por eu ter
usado o termo ‘máquina de sobrevivência’ é que ‘animal’ teria excluído
as plantas e, para algumas pessoas, os seres humanos (DAWKINS,
2001, p.211).
Não podemos nos esquecer que a nossa animalidade se faz presente todos
os dias em nossas vidas, porém raramente damos importância a ela. Entretanto,
muitos esclarecimentos podem ocorrer se considerarmos que ela está encarnada em
cada um de nós. Não podemos superestimá-la nem tampouco subestimá-la, fato é
que ela está presente em casa, no trabalho, no lazer e na escola.
13
1.2 QUESTÃO DA PESQUISA
É possível, mediante uma construção teórica, científica, competente e
atualizada das bases biológicas das emoções, dos sentimentos e do
medo, compreender melhor as questões relacionadas à violência
ocorrente nos ambientes educacionais e propor recomendações
capazes de colaborar com os processos de ensino e de aprendizagem,
com vistas a minimizar esta grave problemática?
1.3 OBJETIVO GERAL
Construir uma base teórica atualizada sobre as bases biológicas das
emoções, dos sentimentos e do medo e propor recomendações, sob o
olhar da complexidade e da transdisciplinaridade, para a superação do
mal-estar e do sofrimento que atinge grande parte da comunidade
docente.
1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Construir uma fundamentação teórica e atualizada sobre a temática em
estudo, capaz de elucidar a problemática relacionada à violência presente
nos ambientes educacionais.
Identificar emoções e sentimentos como bases biológicas condicionantes
da aprendizagem.
Descrever os processos biológicos das emoções, dos sentimentos e do
medo.
Identificar a ocorrência da violência educacional nos documentos em
estudo.
Analisar as emergências evidenciadas nos documentos de estudo e
apontar recomendações que contribuam para o bem-estar do cotidiano
escolar.
14
1.5 DELIMITAÇÕES
a) Atualmente muitos estudos têm sido realizados em relação às emoções,
sentimentos, memórias, cognição humana, complexidade e transdiscipli-
naridade. No presente estudo, optou-se, como autores principais, por
Antônio Damásio, Humberto Maturana, Maria Cândida Moraes, Edgar
Morin, Basarab Nicolescu, Joseph Ledoux, Ubiratan D'Ambrósio e
Saturnino de La Torre. Esses autores mantêm um diálogo permanente e
coerente entre eles, o que proporciona a fundamentação teórica da
presente pesquisa.
b) O presente estudo relaciona emoções e sentimentos como sendo
fenômenos de naturezas diferentes, fisiológica e psicologicamente, de
acordo com a visão de Antônio Damásio. Reconhece-se que ambos
fazem parte do dia-a-dia dos ambientes escolares, nos seus mais
diferentes âmbitos, e necessitam ser, urgentemente, trabalhados
nesses ambientes.
c) Assim, diante da gravidade dos problemas relacionados ao tema, uma
das minhas grandes preocupações, como biólogo e professor, era
construir uma base teórica que ajudasse a compreender a complexi-
dade de tais fenômenos, no sentido de contribuir para o encontro de
soluções mais adequadas à magnitude da problemática presente nos
ambientes educacionais. Desta forma, em virtude da exigüidade do
tempo e da relevância social da temática escolhida, optou-se pela
construção dessa base teórica adequada e competente, identificando
e analisando situações práticas que confirmem a sua ocorrência, e
cuja discussão e análise ajudem a iluminar o caminho para o encontro
de possíveis soluções.
15
1.6 RELEVÂNCIA CIENTÍFICA E SOCIAL
Há um modismo quando se fala de emoção e sentimento em sala de aula.
Existem muitos livros que se propõem a fornecer estratégias didáticas para que se
possa efetivamente trabalhá-los, porém o que se vê é muita confusão teórica e
muita superficialidade, além das intermináveis cópias que propagam as defor-
mações conceituais adotadas nas diferentes obras.
A relevância científica está relacionada ao fato de se buscar um
entendimento correto do que é emoção e sentimento e de como trabalhá-los em
sala de aula, em uma educação transdisciplinar, e que possam ser trabalhadas nas
mediações pedagógicas diárias as diferenças individuais.
Em relação às emoções, não podemos deixar de contemplar Humberto
Maturana (1997, p.170), que demonstra a importância fundamental das emoções
em nossas atividades diárias.
Na vida cotidiana distinguimos as diferentes emoções olhando as ações e
posturas ou atitudes corporais do outro, que pode ser um de nós mesmos,
pessoa ou animal não-humano. Além disso, sabemos também que na vida
cotidiana cada emoção implica em que somente certas ações são
possíveis para a pessoa ou animal que as exibem. Por isso afirmo que
aquilo que distinguimos como emoções, ou que conotamos com a palavra
emoções, são disposições corporais que especificam a cada instante o
domínio de ações em que se encontra um animal (humano ou não), e que
o emocionam, como o fluir de uma emoção a outra, é o fluir de um domínio
de ações do outro.
Podemos verificar, nas palavras de Humberto Maturana, que as emoções
geram domínios de ação, o que significa que elas potencializam ou não determi-
nados tipos de ações e reflexões no sujeito aprendiz e que, sendo bem traba-
lhadas, ajudam no desenvolvimento cognitivo e emocional dos sujeitos nos
ambientes educacionais.
A relevância social relaciona-se com os alunos e professores que
freqüentam as escolas brasileiras, pois ambos poderão melhorar a qualidade de vida
nesses ambientes, uma vez que o medo não deve ser a principal emoção a fazer parte
do processo educacional. Como bem nos lembra o psicólogo Antônio Fialho, "As
emoções são fundadoras de comportamentos individuais e grupais, como os
16
evidenciados dentro das diferentes culturas. A emoção fundadora da nossa cultura
é o medo." (FIALHO, 2001, p.57), e Hilton Japiassu vai mais longe: "Vivemos hoje
numa sociedade depressiva ou estressada. Porque individualista e fundada no
medo" (JAPIASSU, 2006, p.73).
Em relação aos professores, o que temos presenciado é algo que chega
a ser assustador, devido à quantidade de internamentos e licenças médicas que os
têm afastado das salas de aula. Não sendo rigoroso, estatisticamente, mas sendo
extremamente fiel ao que tem acontecido com os professores, poderíamos dizer
que há uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental dos mesmos.
Em relação aos alunos a situação não é melhor, basta ver o aumento da
violência dos alunos em relação aos professores, e entre os próprios alunos. Eles
vão à escola mais por imposição do que por vontade de aprender, de buscar saber
mais e melhor.
1.7 ABORDAGEM METODOLÓGICA
A seguir será apresentada a abordagem metodológica utilizada nesta
pesquisa, bem como os procedimentos que foram necessários para o levantamento
dos dados para realizar este estudo.
1.7.1 Pesquisa Qualitativa
A temática e o problema foco desta pesquisa, assim como seus objetivos,
remetem a um estudo de natureza qualitativa. A opção pela abordagem qualitativa
está baseada no interesse de apreender a complexidade do fenômeno e na
compreensão de que este não se restringe apenas a dados estatísticos, mas traz,
para o interior da análise, o subjetivo e o objetivo dos sujeitos sociais que atuam
nas comunidades em que estão inseridos.
Os métodos qualitativos produzem explicações contextuais para um
pequeno número de casos, com uma ênfase no significado, mais que na freqüência
do fenômeno.
17
O foco é centralizado no específico, no peculiar, almejando sempre a
compreensão do fenômeno estudado, geralmente ligado às crenças, às motivações,
aos sentimentos e pensamentos da população estudada (SHMERLING, 1993).
As principais características dos métodos qualitativos são: a imersão do
pesquisador no contexto e a perspectiva interpretativa de condução da pesquisa
(KAPLAN e DUCHON, 1988).
Em certa medida, os métodos qualitativos se assemelham aos proce-
dimentos de interpretação dos fenômenos que empregamos no nosso dia-a-dia,
que têm a mesma natureza dos dados que o pesquisador qualitativo emprega em
sua pesquisa. Tanto em um como em outro caso, trata-se de dados simbólicos,
situados em determinado contexto; revelam parte da realidade ao mesmo tempo
em que escondem outra parte.
Maanen (1979, p.521) comenta que:
Para não atravessar uma rua, basta que vejamos se aproximar um
caminhão; não é necessário saber o seu peso exato, a velocidade a que
corre, de onde vem, etc. Nessa situação, o caminhão pode ser entendido
como um símbolo de velocidade e força, e, para a finalidade de atravessar
a rua, outras informações seriam prescindíveis.
A citação acima demonstra que há problemas e situações cuja análise pode
ser feita sem quantificação de certos detalhes, delimitação precisa do tempo em que
ocorrem, o lugar e as causas, e as procedências dos agentes. Tais detalhes, embora
obteníveis, seriam de pouca utilidade.
A partir disso os estudos qualitativos diferenciam-se entre si quanto ao
método, à forma e aos objetivos. Godoy (1995) ressalta a diversidade existente
entre os trabalhos qualitativos e enumera um conjunto de características capazes
de identificar uma pesquisa desse tipo, a saber:
ambiente natural como fonte direta de dados, e o pesquisador como
instrumento fundamental;
caráter descritivo;
significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como preo-
cupação do investigador.
18
De acordo com as características anteriores, os cientistas da pesquisa
qualitativa opõem-se, em geral, ao pressuposto experimental que defende que
deve haver um só padrão para todas as ciências, baseado nas ciências da natureza.
Os cientistas experimentalistas não admitem que haja um vínculo indis-
sociável entre o sujeito e o objeto, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito.
O sujeito observador é parte do processo de conhecimento e interpreta os
fenômenos, atribuindo-lhes significado. O objeto não é um dado inerte e neutro,
segundo Chizzotti (2001, 2006).
Há uma rede de significados que pode emergir no desenvolver dos
fenômenos e que pode ser apreendida pelo pesquisador, o que faz com que ele
seja ativo nas descobertas das relações que se ocultam nas estruturas dos fenô-
menos que estão sendo estudados. Por isso, geralmente, o processo é mais
importante que o produto.
Na pesquisa qualitativa há sempre uma tentativa de capturar a
perspectiva dos participantes, isto é, as maneiras como os informantes encaram as
questões que estão sendo focalizadas. Ao considerar os diferentes pontos de vista
dos participantes, os estudos qualitativos permitem iluminar o dinamismo interno
das situações, geralmente inacessível a um observador externo solitário.
1.7.2 Procedimentos Metodológicos e Técnicas de Produção dos Dados para a
Realização do Estudo
A pesquisa realizada foi qualitativa, de cunho bibliográfico e documental.
Os eixos trabalhados, tanto na pesquisa bibliográfica como na documental,
foram: emoções, sentimentos, medo, complexidade e transdisciplinaridade.
A partir das considerações acima e da temática pesquisada, optou-se por
procedimentos metodológicos, envolvendo fontes de produção de informações, tanto
indiretos como diretos. No que se refere à produção de documentação indireta, para a
construção do corpus teórico, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, ampla e
profunda. Neste sentido, utilizamos livros, artigos e periódicos, entre outros.
19
Além da pesquisa bibliográfica, fez-se também o uso de pesquisa documental,
como fonte de natureza secundária, portanto, produzida por terceiros, no caso a Rádio
B-SP. Para tanto, foram utilizados os quatro programas produzidos por esta emissora,
nos quais se encontram diversos e elucidativos depoimentos de professores. A partir
destes, foi feita uma análise para constatar os sentimentos presentes em suas falas, o
que ajudou a confirmar a gravidade da problemática.
Para uma melhor compreensão dos fenômenos relacionados a esta
temática, foi utilizada também, como técnica de pesquisa, uma entrevista semi-
estruturada que muito ajudou na averiguação dos fatos, a partir do depoimento de
um professor que vem vivenciando um mal-estar na sua vida acadêmica. Este tipo
de entrevista permite estudar os motivos, os sentimentos, a conduta das pessoas
(LAKATOS e MARCONI, 1996). Neste sentido, para melhor compreensão da situação
vivenciada, das emoções e dos sentimentos envolvidos, foi utilizada, de maneira
complementar, a Escuta Sensível de Barbier (1998, 2002), cujos procedimentos
estiveram presentes nas atitudes do pesquisador durante todo o processo e que
muito ajudou a compreender a complexidade da situação em estudo.
Isto porque, mediante a Escuta Sensível, é possível sentir o universo afetivo,
imaginário e cognitivo do outro para compreender, do interior, as atitudes e compor-
tamentos, bem como o sistema de idéias, de valores, de símbolos. É uma atuação de
dentro para fora. Disso pode surgir a aceitação do outro que está no processo e que é
uma das marcas fundamentais da escuta sensível (BARBIER, 1998).
A Escuta Sensível começa por suspender as idéias, as ideologias, e não
permite as desqualificações dos ambientes e das pessoas que fazem parte do
processo. Nós necessitamos saber o lugar de cada uma nas relações sociais para
poder escutar e compreender o que está sendo dito, pois há diversidade de papéis
e formas de pensamento. Faz parte do processo surpreender-se em face do
desconhecido, do incerto, do que emerge e que incessantemente encanta, fortalece e
anima a vida. Por isso, não se fecha para a desestabilização, para o desequilíbrio,
pois em seguida há a auto-organização, que faz com que a vida continue
(MATURANA, 1998b e VARELA, 2001).
20
Isso tudo leva a estabelecer um vínculo entre o indivíduo e o escutador, e as
proposições podem ser colocadas com prudência. Essas situações ganham
importância nas palavras de Ardoino (apud BARBIER, 1998, p.189) ao dizer: "se trata
de emprestar significado, e não impô-lo". Mas para que isso ocorra há que existir uma
abertura para a totalidade do outro e de si mesmo. Não podemos perder de vista que
alguém só é pessoa por meio de uma razão e de uma afetividade, porém é necessária
uma interação constante com o outro e consigo mesmo.
Na escuta sensível colocamo-nos por inteiro, com os nossos sentidos,
com a nossa corporalidade, com a simpatia, com a empatia, com a nossa intuição e
com as nossas emoções e sentimentos.
A partir do que foi comentado anteriormente podemos afirmar que o
pesquisador-escutador está aberto para a totalidade do outro e de si mesmo. Trata-
se na verdade de entrar numa relação de totalidades na existência humana.
A escuta sensível permitiu estabelecer um diálogo agradável e sincero
com o professor Y, pois ele percebeu a minha preocupação em saber como foi o
processo por ele vivenciado na turma em que ele dava aula.
Para realizar a entrevista com o professor universitário que apresentou
mal-estar ao desenvolver suas atividades, durante o primeiro semestre de 2006,
seguiram-se estes passos:
1. levantamento de informações sobre o professor, pela análise de
currículo Lattes e com amigos e colegas de trabalho;
2. meditação sobre as informações, ao som da 9ª sinfonia de Bethoveen;
3. conhecer o entrevistado, trabalhando a simpatia, a empatia, formando
vínculo, sendo aceito pelo professor;
4. elaboração das perguntas para desenvolver o diálogo (Apêndice 1);
5. entrevista - 1ª parte: responder às perguntas;
6. pausa para reflexão de 30 minutos;
7. discussão das respostas com o professor;
8. meditação sobre as respostas (somente eu, ao som de Andrea Bocelli);
9. elaboração do texto sobre a entrevista.
21
1.8 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
Os meios de comunicação têm veiculado, ultimamente, muitos casos de
violência em escolas públicas, e isso tem deixado as pessoas preocupadas.
Porém, essa violência não atinge apenas as escolas públicas; as particulares
também padecem do mesmo mal. Pensando nesses fatos, a Rádio B-SP, sob a
orientação do jornalista H. B, mestre em História pela USP, produziu uma série de
quatro programas sobre a violência escolar, nos quais há depoimentos de profes-
sores que foram vítimas de algum tipo de violência relacionada à escola. As
entrevistas ocorreram em escolas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Ainda há os comentários de um diretor do documentário “Pro dia nascer
feliz", F.T., que trata do desconforto que há nas escolas. Para fazer o documentário
foram feitas pesquisas em escolas do ensino médio e fundamental de Pernambuco,
Rio de Janeiro e São Paulo. O documentário mostra como está a educação pública
e privada nesses estados.
As situações anteriores se relacionam com a educação básica, porém a
violência também atinge a educação universitária e tem gerado um profundo
desconforto nos professores. Um exemplo desse fenômeno, e que foi utilizado
nesta pesquisa, é o do doutor em sociologia, prof. Y, que trabalha há 37 anos na
educação universitária, na área de gestão ambiental e em um centro de pesquisas
ambientais do Estado de São Paulo.
Realizou-se também uma pesquisa bibliográfica na qual foram utilizadas
obras relacionadas às emoções, sentimentos, memórias, cognição humana, complexi-
dade e transdisciplinaridade. Como autores principais optou-se por Antônio Damásio,
Humberto Maturana, Maria Cândida Moraes, Edgar Morin, Basarab Nicolescu, Joseph
Ledoux, Ubiratan D'ambrósio e Saturnino de La Torre. A escolha desses autores
prende-se ao fato de eles manterem um diálogo permanente e coerente, o que propor-
cionou a formação de um corpus teórico.
22
Foram utilizados ainda textos referentes à violência escolar produzidos
pelo Sindicato dos Profissionais do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
(APEOESP), o maior sindicato de professores da América Latina, e os textos das
professoras Viviane Cubas e Caren Ruotti sobre violência escolar, as quais
desenvolvem pesquisas na Universidade de São Paulo.
Algumas informações quali-quantitativas foram levantadas da pesquisa
publicada em dezembro de 2006, na Revista Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, intitulada: Prevalência de transtornos mentais comuns em professores da
rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, cujas autoras são Sandra
Maria Gasparini, Sandhi Maria Barreto e Ada Ávila Assunção.
Outra pesquisa, que serviu para corroborar a anterior, foi a da Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação, realizada em parceria com o Laboratório
de Psicologia do Trabalho da Universidade Federal de Brasília, em 1.440 escolas do
País, com 52 mil professores, publicada pela Associação Brasileira de Psiquiatria
(ABP), em 2007.
Para finalizar o corpo teórico, utilizou-se o documento de Norman Gall,
intitulado Ordem e Desordem nas Escolas, que trata da violência nas escolas de
Nova Iorque, comparando-a com a que tem ocorrido no Brasil.
23
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS
O texto a seguir é formador do corpus teórico desta pesquisa e que
contempla os seguintes elementos: complexidade, diálogo, organização, sistemas,
emergência, emoção, sentimento, medo, violência escolar e os princípios interdis-
ciplinar e transdisciplinar.
2.1 COMPLEXIDADE
Quando se ouve a palavra complexidade, logo vem à mente algo difícil e
complicado de ser compreendido.
Segundo Morin (1996, 2001, 2003a, 2003b), complexidade significa aquilo
que é tecido junto. Então, o indivíduo e o meio são um só, são produtos e produtores
deles mesmos, como os acontecimentos, as ações e as retroações que são tecidos
pela nossa realidade e pela trama da vida.
Pensar o complexo é admitir unir conceitos que se opõem e que
normalmente seriam enclausurados e com visão limitada. É ser capaz de pensar as
contradições, viver com elas e ser capaz de superá-las, mas para isso é necessário
saber analisar e sintetizar, é caminhar construindo e reconstruindo, é compreender
que há emergência do novo todo o tempo, é ser capaz de viver nas múltiplas
realidades que há na vida, diariamente. É compreender que somos uma totalidade
que faz parte de uma totalidade maior. É ser capaz de reconhecer que não há razão
sem emoção.
O pensar complexo funda-se num pensamento integrador dos diversos
modos de pensar e abandona a visão linear que tenta sustentar a ciência
tradicional. Pois, esta é insuficiente para lidar com as situações de incerteza que
fazem parte da história de vida das pessoas e que estão presentes nas situações
de aprendizagem e de conhecimento. É um princípio regulador que não perde de
vista a realidade dos fenômenos que constituem a vida diária em nosso planeta.
A complexidade é repleta de informações que um organismo ou um
sistema qualquer possui, gerando as mais diversas formas de interação e ruídos
24
nos processos vitais das pessoas, dos animais, da matéria e do Universo. Ela
aumenta com a diversidade de elementos que constituem um sistema.
Então podemos dizer que, quando vemos de forma complexa o compor-
tamento de um sistema, somos nós que o vemos, não o sistema. Como diz Silva
(2005, p.48): "O sistema é uma realidade ontológica, podendo ser vista por outras
ontologias
2
que não a minha".
Essa capacidade de ver a complexidade no comportamento de um sistema
é uma episteme, não um conceito. Conceito é o sistema. Episteme é o recurso
cognitivo
3
que nos permite construir o contexto dos conceitos que utilizamos, e os
limites de sua aplicação. Ela nos permite a construção de um conhecimento sobre o
mundo que nos rodeia (SILVA, 2005).
A partir disso, Morin (2001, 2003a, 2003b, 2005) afirma que a complexi-
dade faz parte da ordem da razão, isto é, como uma vontade de ter uma visão
coerente dos fenômenos, das coisas e do universo. A razão tem um caráter eminen-
temente lógico, porém necessitamos diferenciar racionalidade de racionalização. A
complexidade admite a racionalidade, mas condena e não assume todos os
excessos saídos da racionalização.
A racionalidade é vista como o diálogo incessante entre as estruturas
lógicas e a aplicação no mundo real.
Há muitos momentos na vida em que o sistema lógico adotado é
insuficiente, pois vislumbra apenas uma parte do real. A racionalidade, de qualquer
modo, não tem a pretensão de fazer surgir a totalidade do real, mas tem muita boa
vontade para dialogar com o que lhe resiste, ou seja, a realidade.
2
Ontologias são as coisas do mundo. Aquilo que possui sua própria natureza e que existe
independentemente de minha cognição e episteme (SILVA, 2005).
3
Cognição é a capacidade biológica do aprender com o operar. Ela, em si é uma complexidade,
resultante do operar dos sistemas autopoiéticos de primeira ordem, as células, e de segunda
ordem, os sistemas neurológicos e imunológicos. A cognição é responsável pelo vivo aprender a
viver, pela aprendizagem (SILVA, 2005).
25
Já a racionalização tem outras características, segundo Morin (2003b,
p.102):
Essa palavra é empregue muito justamente em patologia por Freud e por
muitos psiquiatras. A racionalização consiste em querer encerrar a
realidade num sistema coerente. E tudo o que, na realidade, contradiz este
sistema coerente é desviado, esquecido, posto de lado, visto como ilusão
ou aparência.
A racionalidade e racionalização têm a mesma origem, porém ao se
desenvolverem tornam-se inimigas uma da outra. É muito difícil saber em
que momento se passa da racionalidade para a racionalização; não há
fronteira; não há sinal de alarme
.
Para sustentar a complexidade na ordem da racionalidade, Edgar Morin
(2003b) propõe três princípios: o dialógico, o recursivo organizacional e o hologramático.
1. Princípio Dialógico: a vida é o maior exemplo, e faz que os inconciliáveis
dialoguem numa lógica de complementaridade antagônica.
2. Princípio de Recursão Organizacional: ele sustenta que o fenô-
meno complexo é, simultaneamente, produto e produtor de sua exis-
tência. Assim como a sociedade é produzida pelas interações entre os
indivíduos, ela retroage sobre os indivíduos e, uma vez produzida,
produz igualmente estes.
De acordo com Moraes (1997, 2004), a recursividade faz com que a
idéia de causa e efeito não valha para sistemas complexos, pois tudo
que é produzido retorna sobre aquilo que o produziu, de maneira
cíclica, espiralada, em função do processo de auto-organização, no
qual ele mesmo é auto-organizador e autoprodutor.
3. Princípio Hologramático: lembra que a parte está no todo, e o todo
está na parte. Buscando um exemplo na Biologia, cada célula do nosso
organismo contém a totalidade do código genético presente em nosso
corpo. Hoje, mais visível ainda são as células-tronco, que podem dar
origem a diferentes tipos de células que constituem o ser humano.
Um exemplo mais contundente pode ser citado. Trata-se do coração
que encontrou o seu assassino. O relato é da psiquiatra que tratou
da paciente.
26
Tenho uma paciente, uma menininha de oito anos, que recebeu o coração
de uma outra menina, de dez anos, que foi assassinada. A mãe trouxe-a
ao meu consultório quando ela começou a gritar à noite por causa de
sonhos que tinha com o homem que havia assassinado sua doadora. A
mãe dela dizia que a filha sabia quem era o assassino. Ao fim de diversas
sessões, eu simplesmente não poderia negar a realidade do que esta
criança contava. Finalmente, a mãe dela e eu decidimos chamar a polícia.
Servindo-se das descrições fornecidas pela menina, os investigadores
localizaram o assassino. Com base nas provas fornecidas por minha
paciente, ele foi facilmente condenado. A hora, a arma, o local, as roupas
que ele usava, o que a criança assassinada havia lhe dito... tudo que a
pequena recipiente de transplante cardíaco relatara era totalmente exato
(apud PEARSALL, 1999, p.28).
Pearsall (1999, p.28) comenta sobre a reação dos ouvintes:
A platéia, composta de profissionais de formação científica e clinicamente
experientes, permaneceu em silêncio enquanto a terapeuta voltava ao seu
lugar. Eu podia ouvir soluços e percebi lágrimas nos olhos dos médicos da
primeira fila.
Essa é uma situação que não encontra abrigo na ciência tradicional, mas
que pode ser acolhida pelo princípio hologramático da complexidade, ou seja, o
coração carregou as informações do todo que representa o ser humano.
Pearsall tornou público esse depoimento somente em 1999, no livro
Memória das Células: a sabedoria e o poder da energia do coração, pois até então
era considerado apenas um místico por muitos de seus colegas cientistas. Ele
desenvolve pesquisas no campo da cardiologia energética.
De acordo com esses princípios, a complexidade necessita de uma visão
sistêmica-organizacional aberta. Ela deve combinar a organização, a informação, a
energia, a retroação, as fontes, os produtos e os fluxos do sistema, sem fechar-se
em uma clausura para onde pode levar, eventualmente, seu corpo teórico.
Nessa visão, o organismo humano é concebido como um sistema aberto no
qual se articulam um sistema plástico, um sistema material, um sistema energético,
um sistema estruturado e um sistema consciente que contribuem para a sua
autonomia. Portanto, nessa perspectiva o homem não é soberano na face da Terra, é
mais um ser que vive nela e com ela, não é auto-suficiente, mas dependente do
seu entorno.
27
Então, para manter a coerência, a complexidade não destrói as alter-
nativas clássicas do pensamento humano, ou seja, não destrói o pensamento
analítico, o pensamento reducionista e o pensamento simplificador.
Na verdade, ela tenta restabelecer o diálogo com os pensamentos clás-
sicos, com o pensamento simplificado e o pensamento complexo. Deseja a sua
complementaridade, compreendendo que a unidade não se opõe à diversidade,
nem a quantidade à qualidade, nem um paradigma simplificador se sobrepõe a
outro paradigma qualquer. Não é uma coisa nem outra. Muito pelo contrário. É um
novo olhar sobre o objeto, um novo olhar articulador, regulador, que ajusta a ação e
o pensamento do sujeito sobre o objeto.
A seguir, discutiremos os componentes do pensar complexo que servem
de fundamento para esta pesquisa e que serão objeto de análise.
2.1.1 O Diálogo
De acordo com Böhm (2005), diálogo indica a existência de uma corrente
de significados que flui entre, dentre e através dos implicados. É a partir dessa
corrente de significados que ocorre no interior de um grupo que pode emergir uma
nova compreensão. É algo novo e criativo que não se encontra no ponto de partida.
É o significado compartilhado que se transforma, em sua plasticidade, em base
fundante, que liga e religa, que sustenta o vínculo relacional entre os seres
humanos e as sociedades (DEMO, 2005 e MORAES, 2004).
O verdadeiro objetivo do diálogo, segundo Böhm (2005), é o de penetrar
no processo de pensamento, e seu espírito verdadeiro seria completamente
diferente do espírito de um discurso que vise a um vencedor. Nele ninguém precisa
perder, todos podem sair ganhando.
Como exemplo, podemos citar as palavras do Cacique Marcos Terena, no
encontro ocorrido no Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de
Brasília, em que Edgar Morin esteve presente:
28
O criador fez uma coisa maravilhosa, que é podermos olhar a lua nascer,
e aqui em Brasília temos este privilégio. Sabemos que o homem branco
decifrou este código e no calendário está escrito: dia tal lua nova, lua
crescente, lua cheia. Mas o criador não permitiu que descobríssemos
quando vamos morrer. E a morte faz parte da vida. Este criador deu aos
índios o entendimento para descobrir isso e preparar a qualidade de vida.
(apud MORIN, 2000, p.22).
O cacique Marcos Terena argumentou sobre a vida dos índios e sobre a
importância que eles dão à qualidade da vida. Ele reconheceu o conhecimento do
homem branco, mas acrescenta que há de se ter qualidade no viver diário. Não há
agressão, não há imposição de pensamento. Há o reforço da necessidade de se
viver junto e com a natureza, e que haja respeito e acolhimento da natureza e das
pessoas que nela vivem.
Em outro Momento, Terena dirigiu-se diretamente a Edgar Morin:
Quero também deixar uma mensagem para o professor e dizer que para
mim, e em nome da minha tribo e dos meus antepassados, espero que o
seu trabalho, a sabedoria que o Criador lhe deu seja científica, mas seja
também humana. Porque muitos homens brancos ouvem a sua voz. Nós
vamos pedir ao Criador que ele lhe dê a inspiração maior de conversar
com as pessoas, de traduzir para elas essa preocupação
.
Porque não ser moderno, não ser desenvolvido, não significa ser
culturalmente ou intelectualmente pobre. Porque nós, os índios, nascemos
com uma sabedoria, um conhecimento, também religioso e espiritual, e
quando chegou a civilização nada disso teve valor ou sentido. Porque o
homem branco não sabia compreender a linguagem indígena. Alguns
políticos transformaram esse conhecimento em belas palavras. Alguns
tecnocratas transformaram esses conhecimentos em números para
justificar os seus erros. Uma civilização que não deu certo. Nos 500 anos
do Brasil, no mínimo, vamos pedir para que o Brasil faça um minuto de
reflexão. Que o País desligue seus rádios, televisores e computadores.
Que pare um pouquinho, para que possamos construir uma nova
expectativa de vida entre os índios e brancos, porque a responsabilidade
pelo futuro não é daqueles que vão nascer, mas de nós, que estamos
vivos (MORIN, 2000, p.23).
Marcos Terena reconheceu a posição de Edgar Morin como alguém que é
ouvido por muitos e com o qual muitos concordam. Mas pediu a ele que não seja
apenas cientista, mas que fale incorporado da sua humanidade. Afirmou ainda
que os índios não foram respeitados, porque o homem branco não conseguia
compreendê-los e, por isso, muitos povos indígenas acabaram desaparecendo.
29
A proposta dele é um pensar complexo porque ele pede que não se
estabeleça hierarquização entre os falantes. Ele quer a horizontalidade, em que todos
são vistos como legítimos, pois nesse lugar de encontro não há ignorantes absolutos,
nem sábios absolutos. Há homens que, em comunhão, buscam conviver com as
diferenças e com as similitudes de cada povo. Por isso, o cacique Marcos Terena quer
mais ainda. Quer conciliar a cultura indígena com a do homem branco.
Como podemos perceber, o diálogo verdadeiro é difícil, pois implica
aceitar o outro. É a capacidade de apreender o outro em sua legitimidade, é estar
pronto para escutar a voz do outro, é estar pronto para sentir a dor do próximo, é
estar pronto para vibrar com a alegria dele.
Nesse processo, é necessário que a amorosidade banhe os diálogos para
que o outro seja aceito de modo incondicional e os diálogos fluam sem impe-
dimentos (MATURANA, 1997, 1998a, 1998b, 2001), fato que também é demarcado
por Paulo Freire:
Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz
uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é
conseqüência óbvia. Seria contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé,
o diálogo não provocasse este clima de confiança entre seus sujeitos.
(FREIRE, 1975, p.96).
Reconhecendo a importância da amorosidade nos diálogos, podemos
juntar David Bohm (2005) a Paulo Freire e a Humberto Maturana, quando ele diz:
Sensibilidade é estar apto a sentir que algo está acontecendo, sentir as
súbitas diferenças e similaridades. Se temos um sentido sendo partilhado,
este mantém o grupo unido. O ponto é que o amor irá embora se não
pudermos nos comunicar e partilhar sentido. Entretanto, se pudermos
realmente nos comunicar, então teremos companheirismo, participação,
amizade, amor crescendo cada vez mais (BÖHM, 2005, p.4).
Por tudo isso, “blábláblá" não é diálogo, é enganação, é golpe baixo, é
embuste. Como também não o é a discussão agressiva, por ser ela uma
desinteligência.
A complexidade dialoga com as diferentes formas de vida e as diversas
formas de pensamento humano. Ela recupera o diálogo entre o humano, o mundo
30
e a natureza e impulsiona as intervenções que sejam mutuamente vantajosas e
proveitosas para todos.
Isso é necessário acontecer nas diferentes culturas, em que os diferentes
valores aparecem para dialogar. A força do diálogo se manifesta quando se
reconhece que há o enriquecimento pelas identidades sociais e culturais existentes
na diversidade e que traduzem a singularidade e a multidimensionalidade de cada
ser humano.
É importante, ainda, não esquecer que o diálogo entre a teoria e a prática
é fundamental, pois há uma complementaridade entre ambas e há a recursividade
que nos mostra diferentes momentos em que na ação de uma age a outra. Teoria e
prática vivem continuamente sincronizadas, enredadas, entranhadas, e participam
solidariamente do processo de construção do conhecimento e da aprendizagem.
(MORAES, 2003).
Nesse processo, a mediação pedagógica não é um diálogo em que uma
pessoa é mais importante que a outra, pois há um saber relacional em que os
interlocutores aprendem e ensinam a partir da realidade em que estão imersos e da
ontogênese
4
de cada um.
Finalizando: um diálogo complexo almeja soluções consensuais dos
conflitos, respeita as diferenças e estimula, nas suas múltiplas dimensões, a
responsabilidade individual e coletiva.
2.1.2 Organização
A palavra organização vem da palavra grega organon, que significa
instrumento (HOUAISS, 2001, p.2079). É por meio da organização, do instrumento,
que o sistema expressa a sua identidade e funcionalidade, expressa aquilo que lhe
está destinado a desempenhar como totalidade complexa.
4
História do indivíduo pertencente a uma espécie de ser vivo.
31
Para Morin (1987), organização é aquilo que liga os elementos entre si,
que une os elementos com a totalidade e com a totalidade de elementos. É ela que
liga e religa e que dá forma, no espaço e no tempo, a uma nova realidade
complexa. Ela possui caráter generativo e regenerativo, que garante a sua
permanência e existência por meio de sua capacidade de auto-organização.
Organização seria, portanto, aquilo que liga de maneira inter-relacionada
elementos, acontecimentos e indivíduos diversos e que, a partir dessa ligação,
passam a constituir uma totalidade (MORIN, 1987, 1996, 2001, 2003a, 2003b).
Essa ligação ocorre por meio de interações organizacionais, retroações
reguladoras e comunicações informacionais, que fazem com que os componentes
estejam associados, dependendo da qualidade de ligação que ocorre entre os
elementos.
Segue-se disso que a partir da disposição de relações entre os compo-
nentes ou indivíduos é produzida uma unidade complexa ou sistema, dotado de
qualidades desconhecidas no nível dos componentes ou dos indivíduos (MORIN,
2001, 2003a, 2003b, 2005).
Morin (2005) propõe que o conceito de organização deve conceber a sua
natureza física, pois a introdução de uma dimensão física radical numa organização
viva e na organização antropossocial deve ser considerada como elemento
transformador da organização física. Isso faz com que haja articulação não apenas da
esfera antropossocial com a biológica, mas também de ambas com a esfera física
(com o macrofísico e com o microfísico).
As informações anteriores colocam-nos a necessidade de diferenciarmos
organização de estrutura para que não sejam comprometidos os entendimentos que
se seguirão. Para diferenciá-las recorremos ao biólogo Humberto Maturana (2001).
Para ele, a organização traduz o conjunto de relações ou interações entre os compo-
nentes do sistema que caracteriza a classe à qual ele pertence, ou seja, se homem,
mulher, cachorro, mosca, minhoca, abelha e outros. A estrutura seria constituída pelos
32
componentes físicos e as relações que esses elementos estabelecem e que nos
processos de auto-organização mudam continuamente de estado, ao mesmo tempo
em que conservam a organização em função da plasticidade do sistema e do meio.
Como exemplo, podemos citar uma cadeira. Ela é uma organização que
possui determinados componentes e propriedades que a caracterizam para que a
sua estrutura possa funcionar como tal. A estrutura da cadeira pode ser de ferro, de
madeira, de plástico ou de outro elemento qualquer, mas para poder continuar
sendo cadeira ela necessita manter os componentes, os elementos e as relações
que a caracterizam funcionalmente como tal.
Outro exemplo vem da química, quando trata de substâncias isômeras,
entendendo-se por isomeria o fenômeno que possibilita a existência de duas ou
mais estruturas para uma mesma fórmula molecular, ou seja, é a possibilidade de
existência de mais de um composto com a mesma fórmula molecular.
Como podemos observar no exemplo, ambas as substâncias têm a
mesma fórmula (C
2
H
6
O), mas têm arranjos estruturais diferentes e, conse-
qüentemente, comportamentos diferentes.
Ainda na química, Ilya Prigogine nos revela o caráter histórico das organi-
zações. Quais são as diferenças entre a química orgânica e a química biológica?
A diferença é que, na química biológica, moléculas como as de
ADN são moléculas que têm história e que, com a sua estrutura,
nos falam do passado em que foram constituídas. São fósseis, ou,
se preferirmos, testemunhos do passado, enquanto uma molécula
orgânica hoje criada é uma testemunha do presente e não teve
uma evolução histórica
(PRIGOGINE, 1999, p.30).
33
Dessa situação podemos verificar que, na complexidade, a historicidade
acompanha os processos de organização, pois a recursividade sempre está
presente. Ainda podemos perceber o princípio hologramático, ou seja, o todo
contém as partes e as partes contêm o todo. A partir do DNA pode-se, ainda de
modo incipiente, ter informações do passado e do presente de um ser vivo.
Na biologia, podemos dar um exemplo que ocorre em muitos laboratórios
universitários. Se dissecarmos uma rã em uma aula de biologia é possível
conhecer as partes, os componentes, a sua estrutura, mas não a dinâmica do todo,
que depende das relações entre as partes dissecadas.
Na medicina, podemos buscar mais um exemplo. Caso um paciente
tenha a necessidade de trocar uma válvula natural do coração por uma artificial, o
coração manterá a sua organização, pois ele continuará a desenvolver a sua
dinâmica que o caracteriza como coração. Caso isso não ocorra, o indivíduo morre.
Esse entendimento do que é organização e estrutura é muito importante
para desenvolvermos o pensamento complexo e os desdobramentos deste.
Nesse sentido, Moraes retorna à física clássica para nos alertar sobre as
mudanças que o reconhecimento da organização gera:
Voltando ao mundo da física clássica, sabemos que ele era constituído de
objetos isolados submetidos a leis que eram universais como, por
exemplo, a lei da gravidade. O fato de ser isolado indica que é fechado e
distinto, sinalizando que o observador não participa de sua construção. Ao
ser fechado, indica que possui uma natureza auto-suficiente independente
do meio onde está inserido. Assim, não existiriam os fluxos nutridores, a
interpenetração sistêmica de energia, matéria e informação entre objeto e
o meio onde está inserido (MORAES, 2004, p.59).
Com o surgimento da física quântica, constatou-se que os objetos não
estavam separados, mas unidos por fluxos de energia e matéria em interações
constantes. Verificou-se que, para compreendermos o objeto, é preciso compre-
ender as inter-relações, ou seja, o seu padrão organizacional. Estas descobertas
provocaram uma profunda crise no conceito de objeto e de elemento, segundo
Moraes (2004).
34
A partir disso, Morin (2003a, 2003b, 2005) e Moraes (2004) esclarecem
que o que era objeto passou a ser explicado a partir de interações, sendo estas
constituintes da organização que representa. Portanto, para explicar o átomo era
necessário explicar as interações caracterizadoras de sua organização. O mesmo
aconteceu à célula, à vida e à sociedade.
Finalizando e destacando: a organização passou a ser a disposição das
relações entre os componentes que, por sua vez, produzem uma unidade
complexa ou sistema. Toda organização é, portanto, dinâmica e ativa, implicando a
presença de interações.
2.1.3 Sistemas
A idéia de sistema acompanha o homem nas diferentes áreas do saber e
destaca-se progressivamente em diversos ramos da ciência e da tecnologia, por
meio das investigações científicas e das diversas aplicações na medicina, na
engenharia eletrônica e na de telecomunicações, nas viagens espaciais, na
economia, na administração e na educação, entre muitos outros exemplos. Nós
podemos verificar essas situações nas palavras de Durand:
Assim, entre 1940 e 1960, assistimos a uma verdadeira explosão de conceitos
e novas ações em inúmeros domínios das ciências e das técnicas. Este
fenômeno ocorreu essencialmente nos Estados Unidos, que se beneficiavam
então de um dinamismo notável, não só científico, mas também econômico e
político. Esse grande movimento, num país particularmente pragmático,
correspondeu à necessidade de dispor de um instrumento conceptual capaz de
ajudar a resolver problemas complexos nos mais diversos domínios: criação de
instrumentos de orientação de tiro aéreo, compreensão do funcionamento do
cérebro humano, direção de grandes organizações industriais, fabrico dos
primeiros grandes computadores, etc. (DURAND, 1992, p.12)
Esse impulso, ocorrido nos anos 1940 a 1960, trouxe consigo uma
variedade muito grande de conceitos relacionados a um mesmo fenômeno e que
necessitam ser diferenciados.
Para nos situarmos na diversidade de definições, utilizaremos as citadas
por Durand (1992, p.13):
35
1. Saussure
5
: "uma totalidade organizada por elementos solidários, que
podem definir-se apenas uns em relação aos outros, em função do
seu lugar nesta totalidade".
2. Bertalanffy
6
: "é um conjunto de unidades com inter-relações mútuas".
3. Lesourne
7
: "é um conjunto de elementos ligados por um conjunto de
relações".
4. Rosnay
8
: "conjunto de elementos em interação dinâmica, organizado
em função de um fim".
5. Ladrière
9
: "objeto complexo, formado por componentes distintos,
ligados entre si por um certo número de relações".
6. Morin:
10
"unidade global organizada por inter-relações entre os
elementos, ações ou indivíduos".
Como podemos perceber, as três primeiras são muito próximas e trazem as
noções de relação e de totalidade. Já as outras três trazem a noção complementar.
Utilizaremos a definição proposta por Edgar Morin para desenvolver o
pensamento complexo. Essa definição fornece elementos para que possa ser
aplicada a todos os objetos da física, da biologia, da sociedade, da astronomia,
enfim, em outros campos do saber e do viver.
Esse conceito, de acordo com Morin (1987, 1996, 2003b) e compartilhado
por Moraes (1997), demarca a existência de um agregado de coisas, independen-
temente de sua natureza, um conjunto de relações entre os elementos e a
existência de propriedades compartilhadas.
5
Ferdinand de Saussure: lingüista suíço.
6
Karl Ludwig Von Bertalanffy: biólogo austríaco.
7
Jacques Lesourne: economista francês.
8
Jöel Rosnay: biólogo molecular francês.
9
Jean Ladrière: filósofo e matemático belga.
10
Edgar Morin: sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo francês.
36
Essas propriedades são produtos das relações que se estabelecem entre
as partes, entre os subsistemas constituintes, que permitem a ocorrência de
processos de transição de estruturas que passam de um nível inferior para outro
superior, a partir das modificações ou transformações de suas propriedades.
A partir disso, Moraes (2004, p.62) esclarece:
Um sistema seria então uma totalidade/parte, que possui integralidade e
funcionalidade específicas, mas que, ao mesmo tempo, integra outra
totalidade e participa de outros sistemas em diferentes níveis, sistemas
estes que a englobam e/ou restringem.
Como exemplo, podemos citar a Terra. Ela é um sistema complexo
constituído de totalidades e partes que se explicitam e integram um fluxo único de
energia universal. Então, a totalidade é parte de uma outra totalidade, e assim o é
indefinidamente. Também é importante a presença de interações entre as partes.
Esse conjunto totalidade/partes compõe a realidade e constitui o mundo
dinâmico no qual os objetos se interconectam mediante interações recorrentes.
A totalidade e as partes que constituem um sistema se relacionam no interior
de um ambiente no qual há trocas de energia, matéria e informação. Desse modo, a
interpenetração sistêmica pode ser energética, material ou informacional nos dife-
rentes níveis. Portanto, um sistema só pode ser compreendido se incluirmos nele o
seu ambiente, que é parte dele próprio e que, ao mesmo tempo, constitui o seu
entorno e os fluxos que o nutrem (MORAES, 1997). De outra maneira: o sistema
e o meio estão acoplados incondicionalmente. Caso isso não ocorra o
sistema se desintegra.
O fato de um sistema estar continuamente se comunicando com o ambiente,
trocando energia, matéria ou informação, caracteriza-o como um sistema aberto, que
por sua vez está em constante processo de comunicação com outros sistemas
integrantes do seu ambiente. Isso significa que, para a sua existência funcional e organi-
zacional, depende da nutrição exterior de energia, de matéria e informação (MORAES;
TORRE, 2004). Por exemplo, considere-se um protozoário em um ambiente aquático.
Ele necessita retirar alimento, energia e informações das propriedades físicas, químicas
37
e biológicas da água desse ambiente para que possa se manter vivo. Muitas vezes ele
se encapsula, para continuar vivo, quando as condições ambientais são desfavoráveis.
Apesar de mudar a sua estrutura, mantém a sua organização. Disso podemos ainda
afirmar que todo sistema aberto tem uma historicidade.
Morin (2003b) e Maturana (1997) afirmam que qualquer sistema é aberto e
fechado simultaneamente, fato que não é aceito pela termodinâmica tradicional,
pois a abertura e o fechamento são tratados, por ela, como opostos e não como
complementares. Ela considera que um sistema fechado não troca matéria com o
meio exterior. Podemos citar o exemplo de um balão cheio de gás, que não troca
matéria, mas pode, por sua transparência, receber radiação do sol e irradiar calor
gerado pelo choque de átomos constituintes (BRUSCHI, 2003).
Mas, Maturana (1997) demonstra em sua teoria autopoiética que um ser
vivo é estruturalmente aberto e organizacionalmente fechado. Pois, caso mude a
organização, ele perde a sua condição de vivência e perece.
As situações anteriores podem ser verificadas nos seres humanos
quando percebemos que a afetividade é nutridora e transformadora quando interio-
rizamos tudo aquilo de que necessitamos para a manutenção da nossa organi-
zação viva, para que possamos nos desenvolver, evoluir, amar e ser amados e
transcender. Do mesmo modo, temos necessidade de obter energia, proteínas,
gorduras, sais minerais e outros nutrientes que entram na composição das estru-
turas que mantêm a nossa organização como seres vivos animais, e para que
mantenhamos a nossa autonomia.
Lembrando que não é autonomia absoluta, ela é sempre autonomia
relativa, pois continuamente há a necessidade de relacionamento com o meio no
qual o sistema está imerso.
Em razão disso, Moraes (2004) e Morin (1987, 2003b) destacam que um
sistema é um todo que toma forma, ao mesmo tempo em que se transforma e muda,
indicando que a idéia de emergência é inseparável da morfogênese sistêmica, sendo
essa emergência o surgimento de uma qualidade nova do mesmo.
38
Disso podemos compreender que no uno há o múltiplo, a diversidade.
Esta é importante para a manutenção da vida na Terra. Na educação não é
diferente, pois há que se ter sempre uma visão em que a diversidade possa ser
acolhida como algo natural. Há a configuração inclusiva, em que o diferente deve
ser compreendido na escola, na sala de aula, em todos os ambientes escolares, e
deve ser levado para a casa, para o bairro onde mora, para as comunidades em
que vivemos, enfim, para a nossa vida diária.
Moraes (2003, 2004) alerta-nos que, para mantermos as diferenças, há o
surgimento da exclusão, da dissociação e da repulsão. Mas, para que o sistema
possa existir, as forças de atração, as ligações, as afinidades e a inclusão devem
predominar. Assim, as forças antagônicas estão presentes, mas precisam ser supe-
radas, neutralizadas, para que o sistema não desintegre. Isso demarca que em todo
o sistema a complementaridade e o antagonismo estão presentes.
Isso nos leva a compreender que o todo também é incerto, conflituoso e
insuficiente, pois a relação totalidade/parte é sempre uma relação aberta, estando
sujeita ao indeterminismo, ao acaso e ao inesperado. Então, um sistema aberto é
sempre um sistema incerto, no qual essa incerteza é condição indispensável para a
criação sistêmico-organizacional, no que se refere à autonomia física, biológica,
social e cultural do sistema (MORAES e TORRE, 2004).
Isso ocorre devido aos fluxos vitais e à capacidade de auto-organização dos
sistemas que implicam as incertezas, as bifurcações, podendo levar o sistema à
degradação e à desordem em função das constantes entradas de energia, matéria e
informação que desestabilizam o sistema (MORAES, 2004 e PRIGOGINE, 2002a).
Ciurana (2000); Moraes (1997, 2004); Morin (2003b); e Prigogine (1996,
1999, 2002a, 2002b) afirmam, então, que é praticamente impossível que um sistema
seja fechado em si mesmo. Eles compreendem que a totalidade é eco-sistêmica
11
,
11
A palavra está grafada de modo diferente da língua portuguesa para destacar o caráter relacional
e sistêmico.
39
relacional e é simultaneamente totalidade/parte. É uma unidade global que é parte de
outra unidade global, que é também parte de outra unidade.
Finalizando, o conceito de sistema é um dos parâmetros da complexi-
dade, faz parte da base fundante, indicando que um conceito necessita do outro
para a sua definição. Então podemos dizer que a complexidade é uma propriedade
do sistema, assim como o sistema constitui a base da complexidade.
2.1.4 Emergência
O fenômeno da emergência tem sido estudado pela ciência, em seus
diferentes campos do saber. Há várias classificações e muitas divergências a
respeito das explicações sobre elas.
A complexidade retoma esse conceito, pois a emergência é uma das
propriedades que constituem os sistemas complexos.
Para o físico argentino Mário Bunge (1980; 2004), a emergência é uma
novidade qualitativa (ontológica). Ele propõe que toda emergência é explicável
(epistemológica) pela análise da totalidade emergente em seus componentes e
pelas interações destes últimos.
Por exemplo, a sexualidade é uma propriedade que emerge ao nível
biológico, mas não é uma propriedade ininteligível, sendo explicada pela biologia
molecular e pela evolução. A primeira explica o mecanismo da fecundação e, a
segunda, as vantagens (e variedade e, portanto, seleção) da sexualidade.
Mário Bunge propõe que não podemos explicar muitas propriedades
emergentes devido à nossa ignorância sobre os fatos, e não por causa do compor-
tamento dos sistemas.
Porém, Prigogine (1996; 1999; 2002a; 2002b) não concorda com esse
pensamento, pois trabalha com a idéia de sistemas de não-equilíbrio, que são
fenômenos irreversíveis e criativos. Ele afirma (1999, p.73):
40
[...] Para aqueles que, como Boltzmann, tiveram a idéia de exprimir a
irreversibilidade graças a uma probabilidade, a resposta era óbvia: a
probabilidade nascia da nossa ignorância das trajetórias exatas. Por
conseguinte, a irreversibilidade é a expressão da nossa ignorância.
Atualmente, perante o papel criativo dos fenômenos irreversíveis, esta
concepção foi abolida: caso contrário seríamos obrigados a atribuir as
estruturas que observamos à nossa ignorância. É verdade que a
ignorância é mãe de muitas desgraças, mas é sempre difícil atribuir-lhe o
poder de nos criar. Por conseguinte, devemos superar a tentação da
ignorância, como superamos a tentação de explicar a física quântica com
variáveis desconhecidas.
Prigogine coloca como novidade a existência de processos irreversíveis.
Um exemplo pode ser o de que, quando um corpo passa ao lado da Terra, a
trajetória do nosso planeta muda, desloca-se e, a seguir, permanece diferente, não
volta à situação precedente.
Na nossa vida psicológica também verificamos um exemplo significativo
de irreversibilidade. O medo, uma vez instalado no nosso sistema emocional,
ficará latente para toda a nossa vida. Ele poderá não se manifestar por um longo
período, mas ao passarmos por um período de estresse ele pode voltar. Portanto,
o medo não é apagado, mas mantido sob controle com a ajuda da psicologia.
(LEDOUX, 2001).
Prigogine aceita a irreversibilidade e descarta a tentação da ignorância,
trazendo à tona a noção de emergência (1999, p.65):
Verificamos que os fenômenos irreversíveis dão origem a novas estruturas
e, a partir do momento em que aparecem novas estruturas como
conseqüência da irreversibilidade, já não nos é permitido acreditar sermos
os responsáveis pelo aparecimento da perspectiva do antes e do depois.
Nessa situação, devemos substituir, a cada momento, a nossa infor-
mação sobre o "ponto" por uma informação sobre um sistema de pontos, pois o
conhecimento de que dispomos das condições iniciais, sejam elas quais forem, não
nos permitirá seguir a trajetória no curso do tempo.
Isso tudo nos leva a admitir que a importância do estudo dos sistemas de
não-equilíbrio reside no fato de que muitos fenômenos observados em laboratórios
e no dia-a-dia não são compreensíveis a não ser baseando-se no não-equilíbrio.
41
A partir do exposto, Edgar Morin concorda com as idéias de Prigogine e
define emergência (apud MORAES, 2004). "Emergências são qualidades ou
propriedades novas de um sistema que nascem das organizações viventes." Ele
enfatizou em sua definição o vivente, porém as emergências acontecem em qualquer
sistema de não-equilíbrio. Nesse mesmo caminho vai Moraes (2004, p.179):
O surgimento espontâneo de um novo sistema ou de uma nova unidade
global resulta do indeterminismo inscrito no tecido do universo e como
conseqüência dos processos físico-químicos e biológicos que acontecem
na natureza, significando que algo emerge sem precedentes ou sem ser
determinado pelo passado.
Podemos afirmar que, a partir do momento em que algo emerge em um
sistema, nunca mais ele será o mesmo.
Se fizermos a transposição para o processo de ensino-aprendizagem e
para a construção do conhecimento, percebemos que são sempre fenômenos
emergentes, em que a emoção reconfigura a aprendizagem gerando espaços
operacionais de ação e reflexão, sendo ainda percepção, intuição e tudo o que
constitui a estrutura do sistema vivo. De outra maneira: aprendemos com a nossa
corporalidade e pelas coisas incorporadas pela nossa humanidade.
Nas emergências citadas anteriormente pode surgir a presença de
atratores estranhos que estão presentes na vida do nosso planeta e no nosso dia-
a-dia. Prigogine esclarece esse fenômeno:
É um caso um pouco complexo, não de cada ponto de atracção, mas de
uma curva fechada que traduz um comportamento periódico. Descobriu-se
há pouco tempo que, muitas vezes, o ponto de atracção é um conjunto de
pontos e que o sistema é atraído primeiramente por um ponto, depois por
outro, e ainda por outro. Fala-se então de atração estranha. [...] Chamam-
se fractais, porque a sua dimensão (no sentido da geometria) não é um
número inteiro. Com os pontos de atracção que são fractais devem
esperar-se comportamentos muito irregulares, caóticos e contínuas
flutuações (PRIGOGINE, 1999, p.69).
Exemplificando isso no nosso dia-a-dia, tomemos a emergência de uma
briga em um campo de futebol. As torcidas estão envolvidas no jogo, no qual
ocorrem várias situações que vão emocionando os torcedores e fazendo os
sentimentos emergirem. Os jogadores erram muitos gols, os juízes erram nas
42
marcações das faltas e dos impedimentos. De repente, surge um ponto de
bifurcação e um torcedor de um time acaba sendo agredido por um torcedor da
outra torcida, desencadeia-se uma atração em que outros se envolvem e de
repente as duas torcidas entram em choque e a polícia passa a atuar para
controlar, podendo chegar a situações caóticas, em que há fluxos intensos de raiva
e ódio, que ficam fora de controle, como já aconteceu em São Paulo, quando as
torcidas se enfrentaram, invadiram o campo de jogo e se agrediram de modo feroz,
ocasionando a morte de torcedores.
Nós podemos perceber que o todo e as partes dos sistemas que estão
em interação marcam o comportamento de um sistema complexo e muitas vezes
há comportamentos muito irregulares, chegando a ser caóticos e com contínuas
flutuações. A emergência leva à modificação no comportamento dos sistemas
enquanto ele existir.
Outro ponto importante é apresentado por Moraes (2004). Ela vê também
a emergência com sendo a possibilidade de novas qualidades, sempre incluindo os
predecessores e, depois, agregando os novos padrões que emergiram em sua
nova estrutura organizacional.
Ela demonstra que não se quer jogar o passado fora, ele faz parte do
presente, mas foi superado, modificado e ressignificado.
Da mesma maneira, Prigogine (1999, p.74) insiste em que devemos ver
de outra maneira a termodinâmica.
A mensagem do segundo princípio da termodinâmica não é uma
mensagem de ignorância, é uma mensagem sobre a estrutura do
universo. Os sistemas dinâmicos que estão na base da química, da
biologia, são sistemas instáveis que avançam para um futuro que não
pode ser determinado antecipadamente porque tenderão a cobrir tantas
possibilidades, tanto espaço quanto tiver à sua disposição.
Não podemos prever o futuro da vida ou da nossa sociedade ou do
universo. A lição do segundo princípio é que este futuro permanece
aberto, ligado como está a processos sempre novos de transformação e
de aumento da complexidade. Os recentes desenvolvimentos da termo-
dinâmica propõem-nos, por conseguinte, um universo em que o tempo não
é ilusão nem dissipação, mas no qual o tempo é criação.
43
Assim, Prigogine, Moraes e Morin nos mostram que as emergências dos
sistemas de não-equilíbrio fazem parte da vida na Terra e da Terra, bem como do
processo de educação das pessoas, nas escolas, nas famílias, na sociedade.
Se por um lado precisamos aceitar a incerteza do futuro, a instabilidade
do presente e o surgimento de novas qualidades dos sistemas de não-equilíbrio,
por outro é necessário colocar à disposição dos alunos, nas escolas, as mais
diversas situações que envolvam o cognitivo, o afetivo e o emocional, para que
possam emergir as possibilidades mais diversas de pessoas humanas.
Nessa mesma forma de pensar, Varela (1996) afirma que a cognição
humana também é emergência de estados globais em uma rede de componentes
simples, sendo que esses estados globais envolvem a corporeidade humana e
estão imbricados com as histórias vividas pelo ser humano. Portanto, não se
restringe apenas ao cérebro, mas ao corpo como uma totalidade.
Disso tudo Morin (apud MORAES, 2004) coloca como ponto de destaque a
consciência humana. Ela é o produto global das interações e de interferências
cerebrais inseparáveis das interações e interferências da cultura sobre o indivíduo. É
uma emergência extraordinária do cérebro humano, graças à reflexão do sujeito e à
busca incessante em ser mais na vida dos "homens", e em querer superar o processo
evolutivo que nos condiciona ao deixar marcas e estigmas que sempre surgem e
ressurgem na vida de qualquer humano, porém a evolução não determina como
viveremos porque a consciência emerge da reorganização do cérebro.
A seguir comentaremos sobre as emergências que nos acompanham
diariamente em todas as atividades que realizamos – são elas as emoções.
2.2 EMOÇÃO E SENTIMENTO SEGUNDO DAMÁSIO (1996, 2000, 2004)
A seguir serão expostas as idéias que fundamentam a teoria de Antônio
Damásio sobre as emoções e sentimentos e que serão utilizadas nas análises dos
dados levantados nesta pesquisa.
44
2.2.1 Emoção
Hoje já há provas suficientes de que os organismos simples na escala
zoológica apresentam reações emocionais.
Quando um protozoário encontra-se em um meio aquático, é fundamental
que ele consiga perceber como estão as condições ambientais. É a temperatura, são
as vibrações e os choques que podem arrebentar a sua membrana, é o pH da água e
a disponibilidade de alimento que estão em jogo, e ele reage, ou seja, procura um
local no meio em que haja a preservação da sua integridade física, química e
biológica. E assim ele o faz, caso contrário estará correndo risco de morte. A visão
anterior é aceita pelo biologista celular Bruce Lipton, ao afirmar: "[...] células simples
analisam milhares de estímulos do microambiente em que habitam. Por meio da
análise desses dados, as células selecionam as respostas comportamentais
apropriadas para assegurar a sobrevivência delas" (LIPTON, 2005, p.38).
Desse modo, esse ser sem cérebro já apresenta a essência do
processo de emoção presente nos seres humanos, ou seja, detectar os objetos
ou situações que necessitam de evasão ou bom acolhimento. Ele é capaz de reagir
e buscar um local do ambiente em que mantenha a vida e, se possível, com bem-
estar. O protozoário não aprendeu isso, ele já nasceu com isso, está no genoma
dele. Cabe destacar que isso ocorre sem a necessidade da consciência, do
raciocínio ou de decisão.
Diante disso, Damásio nos apresenta o seu entendimento do que vem a ser
uma emoção.
1. "Uma emoção propriamente dita é uma coleção de respostas
químicas e neurais que formam um padrão distinto." (2004, p.61).
Portanto, o sistema nervoso conta e muito nesse processo. Quanto
mais desenvolvido o cérebro, espera-se que seja mais capaz de
reagir às situações que estimulam as reações.
2. "As respostas são produzidas quando o cérebro normal detecta um
estímulo-emocional-competente (um EEC), o objeto ou acontecimento
45
cuja presença real ou relembrada desencadeia a emoção. As respostas
são automáticas." (DAMÁSIO, 2004, p.261). Por isso, a emoção é na
maioria das vezes pública, ou seja, ela não é consciente. Ela
simplesmente ocorre, independentemente da vontade da pessoa que
está vivenciando essa emoção.
3. O cérebro está preparado pela evolução para responder a certos EEC
com repertórios de ação específicos. Mas as respostas não se limitam
às respostas herdadas, inclui muitas outras adquiridas pela experiência
individual. A ontogênese de cada indivíduo contribui para que as emer-
gências surjam. Muito mais ainda, não se pode prever todas as reações
de cada pessoa, pois cada um de nós tem a sua própria história de vida.
A escola e os professores necessitam compreender e aceitar que cada
aluno é único. Mesmo que todos os alunos tenham passado por uma
mesma experiência, em uma atividade escolar.
4. "O resultado imediato destas respostas é uma alteração temporária do
estado do corpo e do estado das estruturas cerebrais que mapeiam o
corpo e sustentam o pensamento." (DAMÁSIO, 2004, p.61). Quando
estamos em uma situação emocional, sofremos alterações da nossa
totalidade como seres humanos. O corpo como um todo é afetado, não
apenas o cérebro.
5. "O resultado final das respostas é a colocação do organismo direta ou
indiretamente em circunstâncias que levam à sobrevida ou bem-
estar." (DAMÁSIO, 2004, p.61). A compreensão dessa situação é
importante nos ambientes de aprendizagem. As emoções têm
sempre, como objetivo, a sobrevida ou o bem-estar, e o corpo em sua
totalidade vai reagir, por isso as situações que geram medo devem
ser banidas da escola. Os alunos e professores sempre reagirão para
sobreviver nos ambientes em que participam, e essa busca também
46
tem o bem-estar como alvo. Por isso o enfrentamento professor-aluno
sempre carregará estigmas da nossa filogênese
12
e da ontogênese. A
nossa animalidade se faz presente diante do medo. Isso explica por
que alguns alunos de repente têm a emergência de situações que
nunca esperávamos deles. Um dia eles reagem de forma que causa
surpresa a todos que presenciam as reações. O barulho em sala de
aula pode ser visto como um processo de solidariedade (biológica), já
que nos diferenciamos dos outros animais pela nossa linguagem e
pela consciência do uso dela.
A partir da idéia do que é emoção Damásio estabelece uma classificação para
as emoções, ainda que reconheça que classificar é complicado e comprometedor. Mas
classifica em busca de poder melhor explicá-las. Assim, classifica-as em: emoções de
fundo, emoções primárias e emoções sociais.
2.2.1.1 Emoções de fundo
Na nossa vida doméstica, de trabalho ou de lazer sempre encontramos
pessoas que, ao nos olharem, perguntam se estamos bem. E, perguntam porque
querem ajudar da maneira que for possível para elas. Nós não falamos nada, às
vezes nem as cumprimentamos, mas elas dizem que há algo errado com a gente,
pois as nossas expressões do corpo demonstram que há algo errado. Em uma
outra situação, que poderia ser simétrica, quando estamos com os olhos brilhando,
irradiando felicidade, exalamos um cheiro diferente do nosso corpo, estamos
eufóricos. Essas situações expressam as emoções de fundo, como afirma Damásio
(2004, p.52):
12
Filogênese: relativo à história da espécie de um ser vivo (evolução).
47
As emoções de fundo são manifestações compostas de reações regulatórias
na medida em que elas se desenvolvem e interceptam momento a momento.
Imagino as emoções de fundo como resultado imprevisível do desenca-
deamento simultâneo de diversos processos regulatórios dentro do nosso
organismo.
Há manifestações sutis, como o perfil dos movimentos, a sua precisão, a
sua freqüência e amplitude, bem como as expressões faciais.
Quanto à linguagem, o que mais conta para as emoções de fundo não são
as palavras propriamente ditas nem o seu significado, mas sim a música
da voz, as cadências do discurso, a prosódia.
Às vezes, o silêncio e as expressões da face dizem mais que muitas
palavras. Os professores devem contemplar esse tipo de emoção que ocorre a
cada momento. Durante as mediações da aprendizagem vão ocorrendo as emer-
gências de situações que acabam por perturbar o desenvolvimento dos trabalhos,
caso o professor não esteja atento para isso.
Também podem ocorrer situações de convergências em que as emer-
gências auxiliam o grupo no trabalho que está sendo desenvolvido. Há momentos
em que os fluxos de pensamento tornam os ambientes e as condições de aprendi-
zagem propícias para que as pessoas possam comunicar-se, concordar, discordar,
criticar, sem que haja a desqualificação das pessoas. Todos têm o direito de parti-
cipar do processo de aprendizagem de cada um.
As emoções de fundo fazem parte da sala de aula todos os dias, e a cada
momento o professor precisa contribuir no processo que se desenvolve, não para
obstaculizá-lo, mas para que haja fluxos de pensamentos agregadores. Ainda em
Damásio (2000, p.75-76):
Percebemos que uma pessoa está irritada, tensa, desanimada ou
entusiasmada, abatida ou animada, sem que nenhuma palavra tenha sido
dita para traduzir um desses possíveis estados, o que detectamos são
emoções de fundo.
Detectamos emoções de fundo por meio de detalhes sutis, como a postura
do corpo, a velocidade e contorno dos movimentos, mudanças mínimas na
quantidade e na velocidade dos movimentos oculares e no grau de
contração dos músculos faciais.
Os indutores de emoções de fundo são geralmente internos. Os próprios
processos de regulação da vida podem causar essas emoções, mas
também podem ter como causa processos contínuos de conflito mental,
explícitos ou velados, na medida em que esses processos acarretam
satisfação ou inibição constantes de impulsos e motivações.
48
Um exemplo disso são os exercícios físicos prolongados. Eles podem
gerar euforia, como a do vencedor da corrida de São Silvestre, no último dia de
cada ano no Brasil. Ou gerar depressão, quando se marcha durante muito tempo e
não se tem outro motivo a não ser o andar em forma, andar linearmente. Ainda,
pode ser um longo período de reflexão sobre uma decisão difícil.
As pessoas que trabalham nas escolas devem ter conhecimento desse tipo
de situação. Se o professor, todo dia, ao chegar à sala de aula e cumprimentar os
estudantes, der uma olhada geral neles, terá um indício de como está o ambiente para
a aprendizagem naquele dia. Muitas vezes há, nessa emoção de fundo, um pedido de
socorro dos alunos, para que eles possam se salvar deles mesmos.
Essas emoções permitem que tenhamos, entre outros, os sentimentos de
fundo de tensão ou relaxamento, fadiga ou energia, bem-estar ou mal-estar,
ansiedade ou apreensão.
O que prevalece nessas emoções é o meio interno, o íntimo de cada
pessoa que se expressa de modo sutil dando pistas que podem ser percebidas ou
não por outras pessoas que convivem com ela.
2.2.1.2 Emoções primárias (básicas)
Estas emoções são as mais fáceis de definir, segundo Damásio (2004),
porque há uma tradição bem estabelecida em relação às emoções que devem fazer
parte deste grupo. São as emoções inatas ou pré-organizadas (DAMÁSIO, 1996).
Dentre elas podem ser incluídos o medo, a raiva, o nojo, a surpresa, a
tristeza e a felicidade, ou seja, aquelas que nós lembramos, de uma maneira geral,
quando falamos de emoção.
Também é importante destacar que essas emoções são as que mais
estão presentes no nosso dia-a-dia, nas diversas culturas que há no mundo e
também em seres que não são humanos. Isso nos demonstra que há reações que
são padrões devido à nossa filogênese, porém há outras que dependem muito da
nossa ontogênese, das condições ambientais, da tradição.
49
A importância dessas emoções na mediação da aprendizagem nas
escolas é muito grande, haja vista estarem se manifestando constantemente nas
atividades propostas. É evidente que não se pode dar atenção o tempo todo para
um aluno que nós percebemos que não está em condições de aprender, porém
não devemos deixá-lo à mercê dele mesmo, pois ele pode estar vivenciando
situações que requerem ajuda.
O que é fundamental, aqui, é que os mediadores de aprendizagem
procurem perceber as manifestações das pessoas nas suas diversas formas, pois
"o corpo fala".
2.2.1.3 Emoções sociais (secundárias)
As emoções sociais são aquelas que surgem em um indivíduo quando se
vive em grupo. Incluem a simpatia, a compaixão, o embaraço, a vergonha, a culpa,
o orgulho, o ciúme, a inveja, a gratidão, a admiração, o espanto, a indignação e o
desprezo. Há diversas combinações entre as emoções de fundo e as emoções
primárias que podem dar origem às sociais.
Vê-se isso quando se despreza alguém com expressões faciais, simu-
lação de surdez, mudança do olhar.
Em uma visita que fizemos, no Natal de 2006, a um lar que cuida de
meninos e meninas de zero a dezoito anos portadores do vírus HIV, nós presen-
ciamos essa situação. Um menino que tem problemas mentais e de locomoção,
cadeirante, estava em uma roda de pessoas que estavam cantando e tocando
instrumentos musicais. Ele conseguia acompanhar a música com o pandeiro e
participar com as pessoas da festa que fomos fazer para eles. De repente, um
menino retirou da mão dele o pandeiro. Imediatamente ele fez uma expressão de
choro e verificou se alguém havia visto para tomar uma providência, ou seja, devolver
a ele o pandeiro. Apesar de ter problemas mentais e de locomoção, ele conseguia
expressar esse tipo de emoção ou simulá-la.
Damásio (2004, p.168) dá alguns exemplos das emoções sociais e seus
desdobramentos (quadro 1).
50
QUADRO 1 - EMOÇÕES SOCIAIS POSITIVAS E NEGATIVAS
EMBARAÇO, VERGONHA, CULPA
EEC
(1)
: identificação de um problema no comportamento ou no corpo do próprio indivíduo.
Conseqüências: evitação da punição imposta por terceiros; reequilíbrio do próprio indivíduo, do outro, ou do
grupo; policiamento das regras de comportamento social.
Base: medo; tristeza; tendências submissas.
DESPREZO, INDIGNAÇÃO
EEC: violação de normas de conduta por parte de outra pessoa.
Conseqüências: punição da violação; policiamento de regras de comportamento social.
Base: nojo; zanga.
SIMPATIA, COMPAIXÃO
EEC: o sofrimento de outro indivíduo.
Conseqüências: conforto; reequilíbrio do outro ou do grupo.
Base: apego (vinculação); tristeza.
ESPANTO, ADMIRAÇÃO, ELEVAÇÃO, GRATIDÃO
EEC: reconhecimento (no outro ou no próprio indivíduo) de uma contribuição para a cooperação.
Conseqüências: recompensa da cooperação; policiamento da tendência para a cooperação.
Base: felicidade; alegria.
FONTE: Damásio (2004, p.168)
(1) EEC: Estímulo Emocionalmente Competente, aquilo que desencadeia uma emoção.
Os exemplos nos dão idéias sobre as relações sociais que vivemos todos
os dias, da cooperação à vigilância de comportamentos que são considerados
prejudiciais à vida em grupo. O reconhecimento dessas emoções e de seus desdo-
bramentos é importante para que as pessoas não fiquem à mercê de si mesmas e
acabem gerando transtornos mentais para si e para as outras pessoas com quem
convivem. Ou, ainda, é importante para sermos capazes de reconhecer as
emoções positivas que são os antídotos das emoções negativas.
Nas escolas, faz-se necessário compreender que essas emoções podem
dar origem a sentimentos de tais emoções e, portanto, esses sentimentos podem ser
trabalhados buscando sempre o que a natureza já nos coloca ao nascermos; o nosso
organismo sempre busca um equilíbrio ótimo.
2.2.2 Sentimentos
A neurobiologia e a psicologia deixaram durante muito tempo os
sentimentos em segundo plano quanto às pesquisas. Poucos são os pesqui-
sadores que têm encarado esse desafio. Entre eles destaca-se Antonio Damásio,
que elaborou uma teoria sobre emoção e sentimento tendo a biologia como
fundamento. Mais especificamente, ele trabalha com a neurobiologia.
51
Cabem, neste momento, um esclarecimento e uma delimitação. As
pesquisas que têm sido desenvolvidas já evoluíram muito, mas há ainda algumas
lacunas a serem preenchidas. Porém, essas lacunas não destroem o caminho
explicativo que se buscará realizar de acordo com a teoria de Damásio.
Por muito tempo tem-se considerado emoção e sentimento como sinônimos.
Como exemplo, podemos citar a obra Compreender as Emoções, de Oatley; Jenkins
(2002, p.156): "Muitos termos foram usados para indicar as emoções. O termo
sentimento é sinônimo de emoção, embora com um campo mais vasto".
Os autores utilizam emoção e sentimento como sinônimos, embora
reconheçam que há diferenças entre as duas situações.
Sentimento, para Damásio (1996, 2000, 2004), não é sinônimo de
emoção, embora estejam, na maioria das vezes, relacionados. Ele também afirma
que as emoções precedem os sentimentos. Esta afirmação baseia-se nos
resultados de experimentos realizados por seu grupo de pesquisa (2004, p.109).
O nosso estudo trouxe também alguns resultados inesperados, mas bem-
vindos. Como eu disse, durante a experiência tínhamos monitorado vários
parâmetros fisiológicos, como o ritmo cardíaco e a condutância cutânea, o
que nos permitiu descobrir que as alterações de condutância cutânea
precediam, em todos os casos, o sinal que indicava o começo da fase de
sentimento. Em outras palavras, a atividade sísmica da emoção aparecia
sempre antes de cada participante indicar com o movimento de um dedo
que o sentimento da emoção estava começando. Esse resultado mostrava
inequivocamente que a emoção vem primeiro e o sentimento dela depois.
A partir da descoberta dessa situação, utilizaremos como fundamento que
o sentimento é posterior à emoção.
Outra situação que faz parte dos fundamentos é que o sentimento não é
de forma nenhuma um processo passivo.
Isso acontece porque o cérebro desempenha dois papéis fundamentais
nos organismos que sentem. Ele produz mapas neurais do estado do corpo.
Porém, antes disso o cérebro necessita construir os estados emocionais do
corpo, cujo mapeamento permite os sentidos.
52
Esses estados emocionais surgem devido a uma gama intensa de
mudanças internas, no sangue, nos líquidos corpóreos, por mudanças nas atividades
dos órgãos internos e por mudanças na contratibilidade dos músculos estriados do
rosto, da garganta, do tronco e dos membros. Há também mudanças significativas no
estado de diversos circuitos neurais no interior do cérebro. Isso demonstra que as
mudanças são transitórias no estado do organismo (DAMÁSIO, 2004, 2000, 1996).
Vale lembrar que há mudança nas estruturas neurais, porém não há mudança na
organização neural que mantém o sistema nervoso, podendo operar de acordo com
um sistema nervoso de um indivíduo que sente (MATURANA, 1998b).
O sistema nervoso está apto a mapear as estruturas do corpo e os seus
diversos estados, porém não pode ficar só nisso. Há a necessidade de transformar os
padrões neurais desses mapas em padrões mentais, isto é, em imagens, em
representações, pois é a partir das representações que os sentimentos surgem.
Cabe-nos esclarecer o que é entendido por mapas neurais.
Sempre que se fala sobre o cérebro surge a palavra mapa, que pode ter
muitas interpretações e comprometer a fundamentação do processo de sentimento.
Utilizando as palavras de Damásio (2000, p.407):
Quando as partículas de luz conhecidas como fótons atingem a retina em um
padrão relacionado a um objeto específico, as células nervosas ativadas
nesse padrão, digamos, um círculo ou uma cruz, constituem um "mapa"
neural transitório. Em níveis subseqüentes do sistema nervoso, por exemplo,
nos córtices visuais, formaram-se subseqüentemente mapas relacionados. É
bem verdade que, assim como ocorre com a palavra representação, existe
uma noção legítima de padrão e de correspondência entre o que é mapeado
e o mapa. Mas essa correspondência não se dá ponto a ponto, e, portanto, o
mapa não precisa ser fiel. O cérebro é um sistema criativo. Em vez de refletir
fielmente o ambiente que o circunda, como seria o caso com um mecanismo
engendrado para o processamento de informações, cada cérebro constrói
mapas desse ambiente usando seus próprios parâmetros e sua própria
estrutura interna, criando, assim, um mundo único para a classe de cérebros
estruturados de modo comparável.
Aqui surge uma circunstância importante. O aparecimento dos senti-
mentos evolutivamente só foi possível quando os organismos passaram a produzir
mapas cerebrais capazes de representar estados do corpo. Essa representação
marca como o corpo se encontra com o passar do tempo.
53
Cabe lembrar que são os mapas cerebrais que mantêm a regulação
cerebral do estado do corpo, sem a qual a vida não pode ser mantida.
Isso faz com que os sentimentos dependam não apenas da presença de um
corpo e de um cérebro capaz de representar esse corpo. Há também a necessidade
de dispositivos de regulação da vida que incluem os mecanismos de emoção e
sentimento, como é o caso do apetite
13
. Para que ocorra essa regulação é preciso que
haja um sistema de transmissão de informação de como se encontra o corpo, e que
isso seja enviado ao cérebro (DAMÁSIO, 2004, 2000).
Em relação a esse sistema de informação há muito ainda a se descobrir,
principalmente quando se trata da sinalização somática e do sistema somatos-
sensitivo que transmite os sinais.
Etimologicamente, "sômato-sensitivo" designa a percepção sensitiva do
Sômato, palavra grega que significa corpo. Porém, essa idéia, que parece óbvia,
não surge de imediato. Geralmente ela é mais restrita e acaba por se dar menos
importância a esse sistema.
O que ocorre na maioria das vezes é a idéia de propriocepção, ou seja, a
idéia de tato e de sensação nos músculos e nas articulações. Porém, para Damásio
(2004), o sistema somatossensitivo não realiza apenas essas funções e não
representa um sistema único. Há uma combinação de vários subsistemas que trans-
mitem ao cérebro sinais sobre o estado das diferentes partes do corpo, com o passar
do tempo.
Esses mecanismos diferem entre si, morfológica e histologicamente, no
transporte dos sinais do corpo até o sistema nervoso central, bem como na quanti-
dade e na topologia dos retransmissores do sistema nervoso central sobre os quais
eles mapeiam seus sinais.
13
Apetite segundo Damásio, designa o estado comportamental de um organismo afetado por um
pulsão. Já o desejo refere-se ao sentimento consciente de um apetite (2004).
54
A partir das situações comentadas inicialmente, já podemos começar a
desenvolver a idéia do que é um sentimento.
Os sentimentos, no sentido que Damásio (2004) utiliza e que nós
usaremos, emergem das reações chamadas emoções no sentido restrito do termo
e também das mais variadas reações homeostáticas
14
. Essas informam sobre as
dificuldades ou oportunidades e resolvem, por meio de ações, eliminar as
dificuldades ou aproveitar as oportunidades. Devemos lembrar que o organismo
sempre tende a buscar a situação mais benéfica para sua autopreservação.
Todas as reações homeostáticas funcionam dessa maneira e constituem,
por isso mesmo, um meio de avaliar as circunstâncias internas ou externas de um
organismo, de modo a permitir uma atuação que corresponda a essas circuns-
tâncias. Para isso, ele conta com o processo filogenético (evolução) e ontogenético
(história individual) (DAMÁSIO, 2004, 2000).
Ainda, não podemos esquecer que certas maneiras de estar do corpo estão
fortemente associadas ao que se pensa (temas) e como se pensa (modo de pensar).
Por exemplo, a tristeza é uma construção que dá origem a poucas imagens mentais,
porém há uma atenção exagerada nessas poucas imagens. Por outro lado, os estados
de felicidade são marcados por uma gama de imagens que mudam rapidamente e é
reduzida a atenção que lhes é dada.
Partindo das situações anteriores podemos nos aproximar mais da idéia
de Damásio, que diz: "o sentimento é uma percepção de um certo estado do corpo,
acompanhado pela percepção de pensamentos com certos temas e pela
percepção de um certo modo de pensar" (DAMÁSIO, 2004, p.92). Podemos afirmar
a partir disso que nos sentimentos há manifestação de um processo cognitivo. É
importante lembrar ainda que ter um sentimento é uma coisa, e conhecê-lo é outra,
pois isso requer reflexão. Nas situações em que não há tempo para a reflexão, os
sentimentos são constituídos pela percepção de um estado do corpo.
14
Homeostáticas; relativas à homeostasia, e que é o conjunto de processos de regulação e, ao
mesmo tempo, o resultante estado de vida bem regulada. Podemos dizer que homeostasia
associa-se às reações fisiológicas coordenadas e em grande medida automáticas que são
necessárias para manter estáveis os estados internos de um organismo vivo.
55
Nesse momento, podemos destacar uma situação bastante importante
dos sentimentos e que determina o campo de ação deles, como enfatiza Damásio
(2004, p.98): "Uma coisa bem diferente no caso dos sentimentos, e a diferença não
é de todo trivial, é que os objetos e situações que constituem as origens imediatas
da essência do sentimento estão colocados dentro do corpo e não fora dele".
Isso nos permite afirmar que os sentimentos são tão mentais como
qualquer outra percepção, mas os objetos imediatos que lhes servem de conteúdo
fazem parte do organismo vivo e fazem os sentimentos emergirem.
Essa idéia de os sentimentos terem como conteúdo o interior do
organismo vem reforçar a teoria autopoiética de Maturana (1997); Varela (1996) e a
Enação de Varela (2001, 2003), pois sempre prevalece o interior do organismo
apesar das contribuições do exterior. Em relação à complexidade, a recursão
organizacional pode ser contemplada, uma vez que somos produtores e produto da
nossa existência (MORIN, 2003b e MORAES, 2004). Em relação à transdiscipli-
naridade, podemos acolher a multidimensionalidade e os diferentes níveis de
realidade e de percepção de cada ser humano.
Agora já podemos compreender que o substrato dos sentimentos é
constituído pelos mapas cerebrais do corpo que representam os mais diversos
parâmetros da estrutura do corpo. Já o conteúdo essencial dos sentimentos é um
estado corporal mapeado num sistema de regiões cerebrais, a partir do qual uma
imagem mental pode emergir.
É importante destacar que os sentimentos não se originam obrigato-
riamente no estado do corpo, pois há situações nas quais o que prevalece é o
estado real dos mapas cerebrais que as regiões somatossensitivas constroem a cada
momento. Damásio (2004, p.122) explica:
Podemos imaginar esses mapas como coleções de correspondência entre
todo e qualquer ponto do corpo e as regiões somatossensitivas. Essa
imagem nítida perde, no entanto, parte de sua clareza quando se toma
conhecimento de que outras regiões cerebrais podem interferir
diretamente na transmissão de sinal do corpo para as regiões somato-
sensitivas. Ou interferir diretamente na atividade das regiões somato-
sensitivas. O que resulta dessa interferência é curioso. Dado que a única
56
fonte de imagens conscientes sobre o corpo é constituída pelos padrões
de atividades das regiões somatossensitivas, acontece que qualquer
interferência no mapeamento acaba por criar mapas falsos.
Um exemplo disso ocorre em certas situações em que a atividade cerebral
consegue impedir a transmissão dos sinais relacionados à dor e cujo mapeamento
levaria à experiência da dor. Evolutivamente essa falsa representação é muito
importante, caso nos defrontemos com um determinado perigo e tenhamos de fugir.
Certamente não sentir dor contribui significativamente na resposta de fuga e para a
preservação da vida. Os soldados na guerra representam bem essa situação.
Um outro caso pode ser percebido por profissionais que falam em público.
Quantas vezes essas pessoas estão com um problema de saúde e acabam se
saindo bem!
A partir do que foi apresentado pode-se dizer que, na essência, um
sentimento é uma idéia, uma idéia do corpo, uma idéia de um aspecto do corpo
quando o organismo é levado a reagir a certos estímulos e situações, sendo que a
consciência é fator decisivo nesse processo (DAMÁSIO, 2000).
Não podemos esquecer que o corpo é o teatro das emoções, enquanto
a mente é o teatro dos sentimentos e que ambos estão imbricados.
Temos ainda de lembrar que a relação exata entre sentimento e
consciência ainda não pode ser estabelecida, e é uma situação como a do "ovo e a
galinha" para a evolução. Prestemos atenção nas palavras de Damásio:
De uma forma geral, é possível dizer que não somos capazes de sentir se
não estivermos conscientes. Por outro lado, é também verdade que os
dispositivos fisiológicos do sentimento fazem eles mesmos parte dos
processos que dão origem à consciência (DAMÁSIO, 2004, p.119).
Cabe lembrar, então, que consciência e sentimentos são parceiros dos
mesmos processos e que produzem um movimento em espiral em que um atua no
outro, porém somente com o desenvolvimento de novas tecnologias é que
poderemos resolver essas questões. Isso, contudo, não obstaculiza o avanço das
interpretações das emoções e sentimentos.
57
2.2.2.1 Variedade de sentimentos
Para Damásio, há uma variedade de sentimentos. Ele distingue três
grupos: sentimentos de emoções primárias (básicas), sentimentos de emoções
sociais, e sentimentos de fundo.
a) Sentimentos de emoções primárias (cólera, felicidade, medo,
nojo, tristeza e surpresa)
Correspondem a perfis de resposta do estado do corpo que são, em
grande medida, pré-organizados na acepção de William James
15
. Quando
o corpo se conforma aos perfis de uma daquelas emoções, sentimo-nos
felizes, tristes, irados, receosos ou repugnados. Quando os sentimentos
estão associados a emoções, a atenção converge substancialmente para
os sinais do corpo, e há partes dele que passam do segundo para o
primeiro plano de nossa atenção (DAMÁSIO, 1996, p.180).
Esses sentimentos revelam-nos como estamos a cada momento em
nossas vidas, porém, como as experiências são passadas individualmente,
devemos estar atentos nos ambientes de aprendizagem, pois há que se buscar o
porquê de um determinado aluno se comportar de determinada maneira. Não se
trata de querer ser psicanalista, mas de perceber como os alunos se encontram e o
que ocorre no mundo deles. Muitas vezes o professor é a única pessoa a que ele
tem acesso para demonstrar como está se sentindo.
b) Sentimentos de emoções sociais
Baseiam-se nas emoções que são variantes das antes mencionadas: a
euforia e o êxtase são variantes da felicidade; a melancolia e a ansiedade
são variantes da tristeza; o pânico e a timidez são variantes do medo.
Esse tipo de sentimento é sintonizado quando gradações mais sutis do
estado cognitivo são conectadas a variações mais sutis de um estado
emocional do corpo. É a ligação entre o conteúdo cognitivo intrincado e
uma variação num perfil pré-organizado dos estados do corpo que nos
permite sentir gradações de remorso, vergonha, vingança (DAMÁSIO,
1996, p.180).
15
William James (1842-1910), filósofo e psicólogo, reconhecido como fundador do pragmatismo e
primeiro grande psicólogo americano.
58
Esses sentimentos estão fortemente ligados a um modo de pensar e a
alguns temas e manifestações corpóreas, que são manifestados todos os dias nos
diferentes ambientes escolares. Hoje vivemos um clima de tensão muito forte no
Brasil. Vemos e sentimos a violência tomar conta do nosso território, não estamos
seguros em nenhum lugar, e até mesmo dentro de nossas casas estamos correndo
perigo de uma "bala perdida".
Aqui, uma vez mais é importante afirmar que o medo não pode ser a
emoção principal dos ambientes de aprendizagem. Não devemos reforçar a
violência que vem de fora, pois esta contamina os ambientes escolares e passa a
ser praticada.
c) Sentimentos de fundo
Nós experimentamos algumas emoções que não são primárias nem
sociais, ora tênues, ora intensas, e percebemos o estado geral de nosso ser. A
percepção dessa perturbação que fica em segundo plano na nossa mente é
chamada de sentimento de fundo.
Às vezes nos tornamos conscientes deles e podemos prestar atenção
específica a eles. Ou então não atendemos para eles, mas para outros
conteúdos mentais. Contudo, de um modo ou de outro, os sentimentos de
fundo ajudam a definir nosso estado mental e dão cor à vida.
Eles se originam de emoções de fundo, e estas, embora dirigidas mais
internamente do que externamente, podem ser observadas por outras
pessoas de inúmeras maneiras: nas posturas do corpo, na velocidade e
configuração dos nossos movimentos, até mesmo no tom de nossa voz e
na prosódia de nossa fala enquanto comunicamos pensamentos que
podem não ter relação com a emoção de fundo.
Entre os sentimentos de fundo que mais se destacam estão: fadiga, energia,
excitação, bem-estar, mal-estar, tensão, descontração, arrebatamento, desinte-
resse, estabilidade, instabilidade, equilíbrio, desequilíbrio, harmonia, discórdia.
(DAMÁSIO, 2000, p.361-62).
Além das situações anteriores, há uma relação estreita entre os sentimentos
de fundo e impulsos e motivações. Os impulsos expressam-se diretamente em
emoções de fundo, e finalmente nos damos conta de sua existência por meio de
sentimentos de fundo, o mesmo ocorrendo para as motivações.
59
Os humores e os sentimentos de fundo podem manter uma relação estreita.
Os humores são formados por sentimentos de fundo modulados e contínuos e por
sentimentos modulados e contínuos de emoções primárias. Um exemplo dessa
situação é a tristeza, no caso da depressão.
Por fim, a relação entre sentimentos de fundo e consciência é igualmente
estreita: os sentimentos de fundo e a consciência central
16
são intimamente
vinculados e não é fácil separá-los (
DAMÁSIO, 2000).
Apesar de todos esses elementos e processos, um fenômeno como os
sentimentos de fundo dependem de muitos níveis de representação. Por exemplo,
alguns deles, relacionados ao meio interno e às vísceras, dependem de sinais que
ocorrem já na substância gelatinosa e na zona intermediária de cada segmento da
medula espinhal e na parte caudal dos núcleos do nervo trigêmio. Há também as
operações cíclicas dos músculos estriados de função cardíaca e padrões de
contração em músculos lisos (
DAMÁSIO, 1996, 2000).
Concluindo com as palavras de Damásio (2000, p.362):
Provavelmente é correto afirmar que os sentimentos de fundo são um
indicador fiel de parâmetros momentâneos do estado interno do organismo.
Os ingredientes centrais desse indicador são: 1) a forma temporal e espacial
das operações da musculatura lisa nos vasos sangüíneos e em órgãos
diversos e dos músculos estriados do coração e do tórax; 2) a composição
química do meio próximo a todas as fibras musculares e 3) a presença ou
ausência de uma composição química que signifique uma ameaça à
integridade de tecidos vivos ou de condições de homeostase ótima.
Podemos perceber, nas palavras de Damásio, que os sentimentos de
fundo nos acompanham diariamente em todos os momentos, informando-nos quais
são as condições do nosso corpo e quais são as manobras que devem ocorrer
para que o corpo fique em uma situação de conforto e de sustentação da vida.
16
Consciência central é o próprio pensamento em que você, o próprio sentimento de si, é um
indivíduo sendo envolvido no processo de tomar conhecimento de sua própria existência e da
existência dos outros.
60
2.2.2.2 Da emoção ao sentimento consciente
O diálogo de uma paciente tratada pelo doutor Yves Agid e pelo seu
grupo de pesquisa no hospital Salpêtrière, em Paris, serve para ilustrar esse
processo. A paciente tinha 65 anos e sofria da doença de Parkinson, e a
substância Levodopa não fazia mais efeito. Ela e sua família não tinham nenhuma
história de transtorno mental e sempre foi bem-humorada. O doutor Yves estava
trabalhando com uma técnica que coloca eletrodos na cabeça do paciente, pelos
quais passa uma corrente elétrica. Acompanhemos as palavras dela:
Estou caindo dentro da minha própria cabeça, já não quero mais viver,
nem ver nada, nem ouvir nada, nem sentir nada.
Estou farta da vida, já chega... já não quero viver mais, tenho nojo da vida...
É tudo inútil... não presto para nada...
Tenho medo deste mundo
Quero esconder-me num canto... claro que estou chorando por mim
mesma... perdi a esperança, por que é que os estou aborrecendo com
tudo isso? (apud DAMÁSIO, 2004, p.75-76).
Ao perceber a mudança no comportamento da paciente o médico
suspendeu a sessão e, após nove segundos, ela voltou ao normal e começou a
sorrir para os médicos. Esse episódio mostra que houve um estímulo de núcleos
cerebrais que desencadeiam emoções e que somente após ela mudar as feições
da face e a postura corporal é que surgiram os pensamentos relacionados à
tristeza, isto é, os sentimentos.
O caso citado pode ser representado em etapas, de acordo com Damásio
(quadro 2).
61
QUADRO 2 - ETAPAS PARA A FORMAÇÃO DOS SENTIMENTOS CONSCIENTES
1. "Acionamento do organismo por um indutor de emoção, por exemplo, determinado objeto processado visualmente,
resultando em representações visuais do objeto. Este pode ou não ser tornado consciente e pode ou não ser
reconhecido, pois nem a consciência do objeto nem o reconhecimento dele são necessários para a continuação do
ciclo."
2. "Sinais decorrentes do processamento da imagem do objeto ativam sítios neurais que estão pré-ajustados para
reagir à classe específica de indutor à qual pertence o objeto (sítios indutores de emoção)."
3. "Os sítios indutores de emoção geram várias reações dirigidas ao corpo e a outros sítios cerebrais e desencadeiam
todo o espectro de reações corporais e cerebrais que constituem a emoção."
4. "Nas regiões corticais e subcorticais, mapas neurais de primeira ordem representam mudanças no estado corporal,
independentemente de terem sido obtidas via "alça corpórea"17, via alça "corpórea virtual"18 ou via mecanismo
combinados. Sentimentos emergem."
5. "O padrão de atividade neural nos sítios indutores de emoção é mapeado em estruturas de neurais de segunda
ordem. O protoself
19
é alterado em razão desses eventos. As mudanças no protoself também são mapeadas em
estruturas neurais de segunda ordem."
FONTE: Damásio (2000, p.358)
As etapas descritas por Damásio não são ortodoxas, haja vista que ele
propõe que, na maioria das vezes, só se desenvolve um sentimento depois que ocorreu
uma emoção respectiva, ou seja, que as emoções precedem os sentimentos.
Outra situação importante é que ter um sentimento não significa conhecer
esse sentimento, pois a reflexão sobre ele é uma etapa posterior, como afirma Forster:
"como posso saber o que penso antes de dizê-lo?" (apud DAMÁSIO, 2000, p.359).
De acordo com as etapas apresentadas acima podemos afirmar que há
um acoplamento corpóreo obrigatório entre emoção, sentimento e consciência. O
que existe é um organismo que possui um cérebro e um corpo que o contém e o
mantém, e que está preparado (filogeneticamente) para reagir de certas formas a
17
Alça Corpórea: este mecanismo emprega sinais humorais (mensagens químicas transmitidas
pela corrente sanguínea) e sinais neurais (mensagens eletroquímicas transmitidas pelas vias
nervosas). Em conseqüência de ambos os tipos de sinais, a paisagem do corpo muda, sendo
subseqüentemente representada em estruturas somato-sensitivas do sistema nervoso central,
rostrais ao tronco cerebral.
18
Alça Virtual: neste mecanismo alternativo, a representação de mudanças relacionadas ao corpo
é criada diretamente em mapas sensoriais do corpo, sob o controle de outros sítios neurais,
como, por exemplo, os córtices pré-frontais. É "como se" o corpo realmente tivesse mudado, sem
que de fato isto tenha acontecido.
19
Proto-self: é um conjunto coerente de padrões neurais que mapeiam, a cada momento, o estado
da estrutura física do organismo nas suas numerosas dimensões, sendo inconsciente.
62
determinados estímulos e com a capacidade de formar imagens, ou seja,
representar os estados internos causados pela reação desses estímulos.
Com o aumento da complexidade e coordenação das representações,
estas passam a constituir uma representação acoplada ao organismo, que é um
proto-self. Em seguida isso torna possível gerar imagens (representações) do
proto-self de acordo com o modo como ele é afetado pelo acoplamento com o
meio. Somente a partir disso tem início a consciência, e à medida que o organismo
está reagindo otimamente ao seu meio ele começa a perceber que está reagindo
de maneira ótima a seu meio.
Então podemos afirmar que para isso ocorrer há a necessidade de
representações do organismo e, portanto, a essência desse processo é o corpo.
2.2.2.3 Para que servem os sentimentos?
Combinando com Damásio (2004; 2000), podemos enumerar algumas
situações em que os sentimentos ganham importância para a vida dos seres
humanos.
1. A nossa morfologia e nossa fisiologia marcam a nossa animalidade
diferenciando-nos dos outros animais na escala zoológica, porém elas
estão encarnadas em nossa humanidade.
Para que o cérebro possa coordenar as numerosas funções do corpo das
quais a vida depende, ele precisa ter mapas nos quais os estados dos
mais diversos sistemas do corpo estão representados a todo instante. O
sucesso de regulação da vida depende desse mapeamento em massa. É
necessário saber aquilo que está acontecendo em diversos setores do
corpo para que certas funções possam ser controladas e para que certas
correções possam ser efetuadas (DAMÁSIO, 2004, p.189).
2. Para Damásio, os sentimentos não ocorrem em qualquer ser vivo,
pois há algumas condições a serem satisfeitas: a) o ser vivo precisa
ter sistema nervoso; b) esse sistema deve ser capaz de mapear as
estruturas corpóreas e seus diversos estados; c) esse sistema deve
ser capaz de transformar os padrões neurais desses mapas em
63
padrões mentais, isto é, em imagens; d) há ainda a necessidade da
consciência na maioria das vezes. Por isso é que um vegetal não
possui sentimento, e muitos animais também, embora haja cientistas
que estão tentando provar que os animais possuem sentimento, como
é o caso de Wilhelm (2006). Damásio também acredita que animais
como o cachorro e o gato possuem sentimento, embora não possa
ainda prová-lo cientificamente.
Os sentimentos emergiram, com toda a probabilidade, como um
subproduto do fato de que o cérebro está empenhado no governo da vida.
Se a regulação da vida não tivesse utilizado eficazmente a presença de
mapas neurais do estado do corpo, ou seja, se esses mapas neurais não
tivessem prevalecido na evolução, é possível que os seres humanos
nunca tivessem tido sentidos (DAMÁSIO, 2004, p.189).
3. A evolução nos marcou profundamente com a presença do poder
pensar, da razão, com a presença da consciência, e tudo isso ligado a
um sistema nervoso complexo, porém ela deixou espaço para que a
nossa história de vida, a nossa criatividade e a nossa capacidade de
superação sejam marcas individuais dentro do coletivo.
Sem a presença de sentimentos, os mapas do corpo podem apenas
prestar uma assistência limitada ao processo de regulação da vida. Os
mapas funcionam bem com problemas de uma certa complexidade, mas
quando os problemas se tornam demasiado complexos, quando requerem
uma combinação de respostas automáticas e raciocínio sobre os
conhecimentos acumulados, os mapas inconscientes não bastam. É a
partir desse momento que os sentimentos se tornam valiosos. São assim
porque os problemas mais refinados, os problemas que confrontamos em
qualquer atividade criadora ou na atividade de julgar o próximo, requerem
a exibição simultânea e a manipulação de numerosos dados de
conhecimento. Quer dizer, é apenas o nível mental das operações
biológicas que nos permite integrar todos esses dados de uma forma
rápida e nos permite avaliá-las de modo a resolver um problema com
eficácia (DAMÁSIO, 2004, p.190).
4. A memória tem lugar cativo na expressão dos sentimentos, bem como
a simpatia, a empatia e a reflexão sobre as diversas condições em
que nosso corpo está nas diferentes horas do dia e diante dos mais
diversos acontecimentos que vão sendo percebidos em nossa história
de vida.
64
5. "Não permitem que os acontecimentos importantes da nossa vida
passem despercebidos." (DAMÁSIO, 2004, p.191).
Aqui a ontogênese tem presença muito forte, pois os acontecimentos
importantes dependem de cada corpo e mente, portanto o que é
importante para uma pessoa pode não ser para outra e vice-versa.
Essa situação se faz presente diariamente, pois se estamos vivos
carregamos junto conosco um repertório de sentimentos de fundo.
6. "O passado, o agora e o futuro antevisto tornam-se salientes sob a
ação dos sentimentos e têm maior probabilidade de influenciar o
raciocínio e a tomada de decisão." (DAMÁSIO, 2004, p.191).
Os sentimentos colocam uma situação que está posta com muita segu-
rança. Razão e emoção são companheiras. Cérebro e mente habitam
um mesmo corpo. Estão visceralmente encarnados em nossa humani-
dade e, por meio de reflexões, chega-se a uma tomada de decisão.
7. "A estrutura por detrás dos sentimentos oferece informações
explícitas e sublinhadas sobre o estado do organismo e permite,
assim, as correções mais perfeitas possíveis." (DAMÁSIO, 2004, p.191).
Os estigmas da evolução se fazem presentes para que possamos
viver muito próximos do bem-estar.
8. "A aprendizagem e a recordação dos objetos e situações emocio-
nalmente competentes são também apoiadas pela presença de
sentimentos." (DAMÁSIO, 2004, p.191).
Devemos compreender que nos ambientes escolares as situações
emocionalmente competentes precisam ser baseadas no acolhimento
e na tolerância, se quisermos ir mais fundo ainda na aceitação, porém
não conseguiremos isso se a emoção fundante for o medo.
9. "De um modo geral a memória de uma situação sentida faz com que,
conscientemente ou não, evitemos acontecimentos associados com
sentimentos negativos e procuremos sentimentos positivos." (DAMÁSIO,
2004, p.191).
65
Nós podemos aprender com o amor ou com a dor, porém a nossa
animalidade, que marca a nossa humanidade, faz-nos evitar as
situações de dor, pois o nosso corpo tende a buscar o bem-estar.
10. "Os sentimentos levam à emergência da capacidade de antevisão e
previsão de problemas e à possibilidade de criar situações novas e
não estereotipadas." (DAMÁSIO, 2000, p.360).
A nossa capacidade de raciocinar, de nos comunicarmos, a empatia e
a intuição fazem parte da nossa humanidade e da nossa animalidade.
O ontem, o hoje e o amanhã emergem diariamente em nossa vida.
Estamos embebidos nos mais variados níveis de realidade.
11. Os sentimentos positivos não são marcados apenas pela ausência de
dor, mas há o surgimento de prazer em formas diversas. Assim,
também, os sentimentos negativos não são marcados apenas pela
ausência de prazer, mas por uma gama de diversas formas de dor.
Antônio Damásio demonstra a importância deles.
Julgo que é possível dizer, com alguma confiança, que os sentimentos
positivos e negativos são determinados pela regulação da vida. O sinal
positivo ou negativo é conferido pela proximidade ou distância relati-
vamente aos estados que representam uma regulação ótima. (DAMÁSIO,
2004, p.143).
O nosso organismo não quer que um sentimento se torne intenso demais,
pois a nossa organização busca um equilíbrio ótimo. Não pode ser só dor, porém
não pode ser só prazer, e é nesse ponto que a escola deve cuidar com as receitas,
com a tentativa de só querermos viver e conviver no prazer, com as promessas de
se aprender brincando. Isso não quer dizer que o lúdico não faça parte do
aprendizado das pessoas. Ainda há que se reconhecer que os sentimentos positi-
vos propiciam melhor substrato para a aprendizagem.
66
2.2.2.4 Sentimentos e educação
Os sentimentos, junto com as emoções, sugerem-nos que devemos
reabilitar o corpo na educação e nas escolas. Não basta apenas a razão, pois ela
não surge dela mesma, ela tem como companheiros os sentimentos e as emoções.
Somos corpos, corpos vividos, corpos que vivenciam sentimentos, corpos
que se emocionam. Não há mente, não há razão, não há espírito que não seja
encarnado. É necessário que os alunos sejam considerados em sua totalidade, e não
apenas o cérebro. É fundamental termos claro que não há conhecimento sem corpo.
Os sentimentos e as emoções fazem parte das tomadas de decisões que
executamos diariamente. Razão, emoção e sentimentos estão imbricados nos corpos
que os sustentam. Como afirma Serres (2004, p.68): "Vejam o que quero mostrar: que
não existe nada no conhecimento que não tenha estado primeiramente no corpo
inteiro, cujas metamorfoses gestuais, posturais móveis e a própria evolução imitam
tudo aquilo que nos rodeia".
Portanto, um conhecimento sempre está impregnado de emoções e
sentimentos, pois ele é mapeado a partir das marcas internas do corpo.
Neste momento podemos perguntar: na escola educamos emoções ou
sentimentos?
Como resposta, temos que os padrões neurais que constituem o substrato
de um sentimento surgem em duas classes de mudanças biológicas: as relacionadas
com o estado corporal e as associadas ao estado cognitivo. Se há uma mudança
cognitiva então temos e podemos trabalhar com ela, não fisiologicamente, pois esta é
interna e não podemos sentir quando estão ocorrendo. O que sentimos já são as
conseqüências dessa mudança. Mas, em relação ao modo e ao que pensar, estes
podem ser trabalhados em sala de aula. Portanto, podemos, com muito cuidado,
trabalhar os sentimentos em sala de aula, a partir das emoções que são demons-
tradas, pois elas são públicas e são os insumos neste processo.
67
As situações descritas anteriormente surgem diariamente nas escolas e
evocam emoções que dão origem a sentimentos nos alunos e professores e originam
respostas de acordo com a animalidade de cada um e da história de cada indivíduo.
As pessoas não reagem da mesma maneira, pois não há dois seres humanos com a
mesma história de vida, mesmo que tenham vivenciado um mesmo processo. Desse
modo, na escola é preciso ter muito cuidado com as mediações pedagógicas, pois
nunca saberemos quais serão os pontos de bifurcação que darão origem às
emergências nos processos educacionais.
Vale ainda lembrar que os ambientes escolares devem ser permeados
por emoções positivas, pois estas impedem que as emoções negativas surjam e
levem o sujeito a desenvolver sentimentos negativos e ajam a partir deles. É
importante compreendermos, ainda, que o nosso organismo não suporta ficar nos
extremos, isto é, sentirmos somente sentimentos de prazer ou dor. No organismo
humano "a intensidade não é amiga da extensão". Por isso é que a homeostase
é um equilíbrio dinâmico que se reconstrói o tempo todo, enquanto houver vida e
sempre buscando o bem-estar ou a sobrevida.
A partir desse conceito biológico de homeostase as emoções e sentimentos
positivos ganham força nos processos educacionais e de aprendizagem e no convívio
entre os humanos.
2.3 MEDO
As ações animais e humanas são mediadas pelo cérebro. Para perce-
bermos essa atuação devemos analisar o comportamento dos animais e do
homem, bem como os circuitos neurais envolvidos e a fisiologia deles.
Muitas vezes, situações desagradáveis vivenciadas em casa ou no quintal
da mesma, bem como a visão e o sons dessas situações, tornam-se estímulos
emocionais em relação àquelas situações. Há uma transformação de estímulos
comuns no dia-a-dia, em sinais de alerta, pistas que indicam situações poten-
68
cialmente perigosas com base no passado e no presente, ou seja, de acordo com a
ontogênese de cada indivíduo (CICERI, 2004; DAMÁSIO, 2004; LEDOUX, 2001; LEITE,
2005; GIORA, 2000
).
Nós possuímos características que são próprias do ser humano, como
compor uma música, escrever uma poesia, construir um algoritmo, solucionar
equações matemáticas, porém nada disso conta quando estamos diante de uma
ameaça repentina e instantânea à nossa existência.
Nesse momento surge o medo, visto como um sistema de defesa que
medeia nossa ação no mundo, para torná-la mais segura e eficaz (CICERI, 2004),
ou, como percebe Ledoux (2001), sendo um estado subjetivo de alerta,
desencadeado pelos sistemas cerebrais que reagem ao perigo.
Fato é que o nosso cérebro possui mecanismos para detectar o perigo e
termos reações imediatas. Cada espécie possui reações próprias, como correr,
voar, nadar, modificar o corpo, emitir sons.
Há, contudo, situações que podem ser compartilhadas pelo homem e
outros animais, podendo ser mais próximas ou mais afastadas, dependendo do
parentesco filogenético.
Nós precisamos levantar um ponto importante em relação ao ser humano.
Os perigos a que estamos expostos são mais ontogenéticos do que
filogenéticos. Dito de outra maneira, normalmente nas cidades não há cobras,
jacarés ou onças circulando. Estes encontram-se nos ambientes que lhes são
destinados, como os zoológicos e as reservas naturais. Porém, há outras situações
criadas pelo homem e que levam ao perigo, com mais intensidade ainda, como os
carros, os aviões, os navios, as armas com potencial altamente mortal, os esportes
radicais, as diferenças econômicas, as guerras por recursos naturais, o controle
das tecnologias, em que há os que as detêm e os que não as possuem, sendo
criadas situações de exclusão social.
Há situações como os brinquedos e esportes radicais, cuja finalidade é
gerar ansiedade, medo, chegando às vezes a gerar pânico.
69
Como diz Eibl-Eibesfeldt (apud LEDOUX, 2001, p.118): "Talvez o homem
seja uma das criaturas mais temerosas, visto que, além do medo fundamental dos
predadores e outros animais hostis, há os pavores existenciais, de fundo intelectual".
Essa característica nos difere de outros animais, evolutivamente, pois
possuímos a capacidade de raciocinar e também de sermos atingidos por
transtornos mentais gerados por ela.
Além das características que vamos adquirindo ao longo da nossa história
de vida, há outras que são herdadas, como lembra Charles Darwin (2000) no
seu trabalho Expressões das emoções no homem e nos animais, no qual ele
verificou que muitas expressões de emoções são herdadas, isto é, não foram
aprendidas pelos indivíduos. E há situações que servem tanto para os animais
como para o homem. Algumas delas são urinar, defecar, eriçar os pêlos, morder,
ranger dos dentes, sentir-se solidário. A questão aqui é dissuadir o inimigo de
atacar. Elas fazem parte da história evolutiva das espécies.
Outro ponto importante é o fato de não conseguirmos, na maioria das
vezes, escondermos as emoções que tomam conta do nosso corpo (DAMÁSIO,
2004). O naturalista Charles Darwin (2000) já percebia isso quando falava que,
com muita força, tentava-se esconder as emoções, mas que no geral elas são
involuntárias.
A situação vivida em uma aula no curso de taxidermia
20
que eu realizava
durante a minha graduação em biologia pode servir de exemplo.
Eu estava observando, em um terrário, o comportamento de uma cobra
Jararaca (Bothrops jararaca) e de repente ela deu um bote contra o vidro, fazendo
com que eu pulasse para trás a uma distância de cerca de um metro. Por mais que eu
soubesse que fui eu quem construiu o terrário e que o mesmo tinha segurança, não
consegui ficar passivo àquela situação. O cérebro (mais especificamente a amígdala)
me fez reagir.
20
Taxidermia: empalhar o animal depois de morto. Antiga técnica de colocar palha no interior do
corpo de animal depois de morto e da retirada dos órgãos internos.
70
Todos os animais procuram proteger-se das condições de perigo para
sobreviver e dispõem de um arsenal de estratégias para enfrentar o perigo, das
quais muitas são filogenéticas e outras são ontogenéticas.
Issac Marks (apud LEDOUX, 2001), Ciceri (2004) e Damásio (2004) citam
algumas estratégias de proteção:
bater em retirada (evitando o perigo ou fugindo);
imobilizar-se (paralisar-se);
agressão defensiva (mostrar-se ao perigo ou revidar);
submissão (pacificação);
emergências (imprevisíveis).
Diante dessas situações de perigo toda a fisiologia animal muda. No caso
do homem haverá a disponibilização de todos os recursos fisiológicos possíveis:
hormônios (adrenalina, cortisol), energia (glicose) para os músculos, aumento da
ventilação pulmonar (oxigênio). Qual será a estratégia utilizada? Depende das
estruturas internas; o estímulo perturba e a auto-organização define como reagir
(MATURANA, 1997; VARELA, 1996). Há a emergência de respostas que não podem
ser determinadas previamente.
Como exemplo dessa imprevisibilidade há o caso do apresentador
australiano Steve Irwin, 44 anos, que foi morto, no dia 04 de setembro de 2006,
pelo ferrão de uma arraia que atravessou seu coração (A NOTÍCIA, 2006). Apesar de
ele ter muita experiência com animais venenosos, peçonhentos e perigosos, houve
a emergência de uma reação que ele não previa, ou seja, ser atacado pelo animal.
Qual foi o ponto de bifurcação que deu origem a essa emergência? Somente
a arraia sabe? Ou nem ela!
O homem, como outros animais, utiliza-se dessas estratégias na vida
diária diante dos perigos que encontra, sejam eles reais ou virtuais, pois as
emoções são sempre reais (MATURANA, 1997, 1998a, 1998b, 2001). Porém,
podemos ampliar as nossas estratégias utilizando a nossa inteligência.
71
As soluções adotadas pelos animais, inclusive o homem, são dinâmicas e
sujeitas a emergências de todas as ordens. Mas é evidente que há também um
componente genético no comportamento em relação ao medo nos animais. No
homem também. Sabe-se que gêmeos idênticos
21
tendem a se comportar de modo
semelhante, já os gêmeos fraternos
22
, não (LEDOUX, 2001).
Neste momento, é oportuno lembrar as palavras de Richard Dawkins
(apud LEDOUX, 2001). Quando temos um gene homozigoto
23
, nós o transmitiremos
aos nossos filhos, porém, se o efeito fenotípico
24
se manifestará, dependerá da
educação, da cultura, da alimentação, bem como dos demais genes que
constituem a nossa organização.
Nós podemos dizer que os genes proporcionam matérias-primas a partir
das quais surgem as emoções, porém eles não determinam sozinhos como nos
sentiremos e agiremos nas situações que ocorrem no dia-a-dia, pois há fatores
sociais envolvidos em muitas emoções vivenciadas. Como afirma Ledoux (2001,
p.125): "Natureza e criação são parceiras em nossa vida emocional".
2.3.1 Condicionamento do Medo (LEDOUX, 2001)
O condicionamento do medo corresponde ao processo desenvolvido por
Ivan Pavlov no início do século XX. Ele observou que os cães salivavam quando era
tocado um sino, se o som informasse o momento em que ele receberia um pedaço de
carne em sua boca. Ele chamou a carne de estímulo incondicionado (EI), o sino de
21
Gêmeos idênticos são formados a partir de um mesmo óvulo fecundado, são do mesmo sexo e
com características muito semelhantes.
22
Gêmeos fraternos são formados por dois ou mais óvulos fecundados podendo ser do mesmo
sexo ou não e com características parecidas ou não.
23
Homozigoto: diz-se de indivíduo no qual os alelos de um ou mais genes são idênticos.
24
Fenotípico: referente a fenótipo, sendo este o conjunto de características observáveis, aparentes,
de um indivíduo, de um organismo, devidas a fatores hereditários (genótipo) e às modificações
trazidas pelo meio ambiente.
72
estímulo condicionado (EC), e salivação produzida pelo EC de reação condicionada
(RC). O potencial de o sino levar à salivação foi condicionado por sua relação com a
carne, que provocou naturalmente e incondicionalmente a salivação.
Em um experimento típico do condicionamento do medo, Ledoux (2001)
colocou um rato numa pequena gaiola. Em seguida, ouvia-se um som, seguido de
um choque rápido e brando nos pés. Depois de algumas repetições desse
processo, o rato começa a mostrar medo.
Destaquemos então as correspondências com Pavlov. O som foi o EC, o
choque foi o EI e as expressões autônomas e comportamentais foram a RC. Na
linguagem de Ledoux (2001), o EI foi o gatilho natural e o EC foi o gatilho aprendido.
Devemos destacar que o condicionamento do medo não inclui o aprendi-
zado da resposta. O que ocorre são emergências ligadas a cada situação.
Verifica-se que os ratos paralisam-se quando submetidos a um som. Eles
o fazem naturalmente quando expostos a perigos potenciais. É uma estratégia
inata (filogenética) que pode ser disparada pelo gatilho natural ou o aprendido. Os
animais possuem um arsenal de respostas quando se defrontam com o perigo, e
inclusive o homem comporta-se dessa maneira.
O aprendizado do medo condicionado é muito rápido e pode dar-se em
seguida a uma EC-EI e uma RC, apenas uma vez. Essa característica é evolutiva,
pois os animais na natureza não podem se dar ao luxo de uma pedagogia do erro,
porque esta pode ser fatal.
Imaginemos um pescador num rio do Mato Grosso e uma cobra sucuri
que vive nesse ambiente. Ele está pescando tranqüilamente e de repente surge
uma sucuri que avança sobre ele. O pescador precisa se esforçar muito para poder
escapar dela. Nas próximas vezes em que ele for pescar no mesmo rio, evitará o
mesmo lugar, e ainda será cauteloso ao ir pescar em outros rios. O rio, o barranco,
a vegetação, a lâmina de água tornaram-se interligadas no cérebro do pescador, e
a proximidade do rio coloca-o na defensiva.
73
Cabe citar um exemplo do nosso dia-a-dia: se uma pessoa se aproxima
de você por trás e lhe arranca a bolsa, fazendo-o cair, e sai correndo, na próxima
vez que você estiver andando na rua e alguém se aproximar por trás você ficará
desconfiado, terá um sobressalto, o que fará com que mude imediatamente a
posição da bolsa. Entra em funcionamento o medo condicionado.
O condicionamento do medo não é apenas rápido, também é duradouro,
sendo que provavelmente ele jamais será esquecido (LEDOUX, 2005). Voltando ao
exemplo do pescador e da sucuri, se o pescador voltar ao mesmo rio e não mais
encontrar a sucuri, ele se comportará como se nunca tivesse se encontrado com
ela. Porém, se voltar a se encontrar, ressurgirá a relação EC-EI (LEDOUX, 2001;
2004; 2005).
Essa descoberta pode ser transposta para os seres humanos com trans-
tornos mentais, e aqui ganha importância a saúde dos professores, pois muitas são as
pesquisas que indicam que há muitos professores com transtornos mentais (ABP,
2007; GASPARINI, 2006). Em São Paulo, na rede estadual, cerca de 50% dos
professores estão acometidos por algum transtorno mental (APEOESP, 2006).
Em relação às crianças, a situação não é melhor. Em notícia divulgada
pela Associação Brasileira de Psiquiatria (
ABP), no dia 13 de novembro de 2006,
meninos e meninas entre 8 e 15 anos, brasileiros, são os mais estressados entre
os países pesquisados. O medo os acompanha diariamente, sendo que há
condicionamento de diversas formas (
ABP, 2007).
Cabe destacar que a terapia não apaga a memória que vincula as
reações do medo aos estímulos disparadores. Ela apenas impede que os
estímulos deflagrem a reação ao medo (LEDOUX, 2001; LEITE, 2005; CICERI,
2004 e GIORA, 2000).
Cabe-nos ainda dar uma explicação sobre como o medo é percebido pelo
sistema nervoso. A figura 1 mostra uma visão geral do cérebro.
74
FIGURA 1 - VISÃO GERAL DO CÉREBRO
FONTE: Ledoux (2005)
Para explicarmos o processo, utilizamos a figura 2.
FIGURA 2 - A AMÍGDALA E O MEDO
FONTE: Ledoux (2005)
Analisemos um caso clássico citado por Ledoux (2001). Imaginemos que
estamos andando em uma floresta e, de repente, ouvimos um estalido (acompanhe o
caminho da explicação na figura 2). O som vai diretamente para a amígdala por meio
da via talâmica (via secundária). Ela lança o primeiro sinal de alerta: 'Atenção,
perigo', e aciona o primeiro procedimento de preservação: PARE! NÃO SE
MEXA! E também parte do tálamo para o córtex (via principal), que identifica o ruído
do galho seco que se quebra com um estalido da pressão da bota, ou, então, de uma
cascavel sacudindo o chocalho na ponta da cauda. Porém, quando o córtex conclui
se é ou não uma cobra, a amígdala já está pronta para se defender da cascavel.
75
Para a sobrevivência, a resposta imediata vinda do tálamo Æ amígdala é
fundamental, pois para preservar a integridade física é melhor pensar que um galho é
uma cobra do que pensar que uma cobra é um galho. Ainda há a vantagem do tempo
de resposta pela via talâmica secundária – um estímulo acústico leva 12 milésimos
de segundo para chegar à amígdala e praticamente o dobro a partir do córtex
sensorial (LEDOUX, 2001).
Evidentemente que essa explicação é simplificadora, mas é importante
para destacar a importância da amígdala no entendimento do medo. Ledoux
(2001), Damásio (2004) e Ciceri (2004) afirmam que a amígdala é o centro de
percepção do medo em nosso organismo. Ela desempenha outras funções
biologicamente, mas a reação ao medo é uma tarefa imprescindível.
Ledoux (2005) e sua equipe comprovaram isso ao lesionarem a amígdala
de alguns ratos e perceberem que eles perderam a noção de perigo. Portanto, a
amígdala e o medo fazem parte do mesmo sistema que alcança os animais
que a possuem, incluindo o homem.
2.3.2 Condicionamento pelo Medo Contextual (LEDOUX, 2001)
O medo contextual também é importante para os animais, e muito mais
ainda para as escolas. Ledoux (2001) descreve a seguinte situação.
Se um rato for colocado em numa caixa e exposto a choques leves na
presença de determinado som, ele se tornará condicionado pelo som,
como já vimos, mas também ficará condicionado pela caixa. Assim, na
próxima vez que for colocado na caixa, as reações ao medo condicionado
– imobilização, excitação endócrina e autônoma, supressão da dor,
potencialização dos reflexos – irão manifestar-se, mesmo na ausência do
som. O contexto tornou-se um EC (2001, p.153).
O estímulo condicionado (EC) está em primeiro plano e é o estímulo mais
previsível e evidente, no que diz respeito ao choque. Todos os demais estímulos
estão em segundo plano com relação ao EC e constituem o contexto. Ele está
sempre presente e o hipocampo é o órgão mais importante nessa situação. Ele se
manifesta apenas em algumas ocasiões. Por isso, em laboratório, é necessário
tentar identificar essas situações (LEDOUX, 2001).
76
O condicionamento pelo contexto representa um aprendizado fortuito,
pois, durante o condicionamento, o sujeito está com a atenção voltada para o estímulo
mais evidente (o som EC), mas os outros estímulos são igualmente assimilados.
No exemplo do pescador e da sucuri: o pescador não ficou apenas condi-
cionado aos sons, à visão, aos odores do animal ao atacar, mas em relação a todo o
local onde se deu o encontro com a sucuri, isto é, o rio, o barranco e as cercanias.
O que é fundamental ter em mente é que não é um estímulo
específico, mas uma gama deles.
Nas escolas é necessário que esse tipo de situação seja compreendido,
pois as mediações das atividades escolares, por parte de todas as pessoas
envolvidas, podem originar problemas na vida de todos e, para poder conviver com
eles, será necessária a ajuda de profissionais da área da saúde. Um caso
contundente é o dos professores que acabam ficando doentes e não conseguem
sequer passar em frente à escola onde trabalhavam.
2.3.3 A Memória do Medo pode ser Apagada do Cérebro?
A memória do medo pode ser apagada? Há muita expectativa em
torno dessa pergunta, pois muitas pessoas podem ser beneficiadas caso isso
venha a ocorrer.
De acordo com Douglas Fields (2005), professor de neurociência e
ciência da cognição, da Universidade de Marylan (
EUA), nós esquecemos coisas
todo o tempo, e perdemos a memória, freqüentemente, quando sofremos acidentes
que envolvem injúrias na cabeça, portanto, em teoria, pode-se considerar que o
medo possa ser apagado do cérebro.
O uso de drogas para a finalidade de apagar a memória do medo tem
sido testado por vários pesquisadores da neurociência, como é o caso de Roger K.
Pitman (apud
SIEGEL, 2005), professor de psiquiatria da Universidade de Harvard.
Em 2002 ele e seu grupo procuraram descobrir os efeitos produzidos pelo
propranolol, administrado em 41 pessoas, começando dentro de seis horas após
77
um evento traumático (em sua maioria, acidentes de carro). Os participantes do
estudo receberam a droga por 10 dias. Três meses depois do trauma, Pitman
encontrou uma incidência significativamente menor de desordem de estresse pós-
traumático naqueles que receberam a droga, do que nos que não tinham recebido.
Em outra pesquisa, Joseph Ledoux, da Universidade de New York, e Karin
Nader, da Mcgill University, reportaram, em 17 de agosto de 2000, na Revista Nature,
que administraram doses altas de anisomicina, um antibiótico que inibe a síntese de
proteínas em ratos, e obtiveram como resultado o bloqueio da memória do medo,
porque a amígdala não podia fazer a sensibilização molecular necessária.
Porém, esse processo ainda gera muita contestação, pois se afirma que ocorre a
morte de células da amígdala (apud RUDY, 2006).
Ainda com Joseph Ledoux, de acordo com notícia publicada na Folha de S.
Paulo, em 13 de março de 2007, ele e sua equipe estão desenvolvendo pesquisas
com o uso da substância U016, que induz à amnésia, para apagar a memória
traumática. Eles conseguiram sucesso com ratos que foram condicionados a dois tipos
de sons, seguidos de choques cada vez que os ruídos soavam.
Eles utilizaram a droga U016 ao mesmo tempo em que a campainha 01
soava para amedrontar o animal, que já demonstrava medo ao som dela. A droga
age na estrutura chamada amígdala, envolvida na memória das emoções e
principalmente com o medo. Ao final do experimento o animal não demonstrava
mais medo em relação à campainha 01, porém em relação à campainha 02 ainda
reagia ao medo. Isso demonstrou que a droga agiu seletivamente.
Apesar de a droga ser proibida para a utilização com seres humanos, já
foi dado um passo importante para que novos experimentos sejam desenvolvidos.
O fato da seletividade é muito importante, pois os medos específicos poderão ser
apagados da memória preservando as outras memórias.
Atualmente se sabe que as memórias traumáticas preservam-se por toda
a vida das pessoas e o uso de remédios viria a dar melhor qualidade de vida às
pessoas que passaram por processos traumáticos (LEDOUX, 2005).
78
Apesar de essa situação ser muito importante para muitas pessoas, não
podemos deixar de comentar o problema ético que ela gera. Essas situações
levam-nos a pensar em espionagem, em criminosos que apagarão a memória das
suas vítimas, no criminoso que apagará a sua memória.
No Brasil já tivemos o caso do pediatra E. C., que se aproveitou de
meninos de 9 a 16 anos de idade que iam ao seu consultório. Ele foi preso em
2002, julgado e condenado a 124 anos de prisão. Ele administrava nos meninos
o relaxante Midasolan, cujo nome comercial é Dormonide, que induz à
amnésia anterógrada (esquecimento de fatos recentes). Na verdade era para
eles ficarem à mercê do médico e não lembrarem o que aconteceu na consulta.
(OBSERVATÓRIO, 2007).
Outra situação importante é que a natureza humana será modificada, pois
há conexão entre as memórias, e o que ocorrerá ninguém sabe ainda. Haverá um
novo tipo de controle da mente humana?
Enquanto não há remédios, alguns cuidados podem ser úteis na vida
diária, como a prática dos "5 Rs", de Marc Siegel (2005, p.48):
1. dormir Regularmente;
2. comer Regularmente;
3. ter lazer Regularmente;
4. praticar exercícios Regularmente;
5. controlar o excesso de trabalho Regularmente.
O psiquiatra David Servan-Scheirber (eleito o melhor psiquiatra clínico
dos Estados Unidos em 2002) vai mais além ao propor que haja um trabalho
conjunto de médicos, psicoterapeutas, acupunturistas e nutricionistas. (SERVAN-
SCHEIRBER,
2006).
Esses procedimentos podem ajudar muitas pessoas a não manifestarem
os muitos medos que são desenvolvidos no dia-a-dia.
79
2.3.4 Para Finalizar
Viver, atualmente, envolve-nos em numa série de situações nunca antes
vistas. As mudanças que estão ocorrendo são muito rápidas, não há tempo para
que as nossas realizações se solidifiquem. Nossas ações e reações sofrem de uma
senilidade precoce e incontrolável, vivemos na "velocidade da luz". E isso tudo traz,
como uma das conseqüências, o surgimento do medo, que ocupa os espaços de
nossas vidas das mais diferentes formas. O medo liquefez-se, como podemos
perceber nas palavras de Zygmunt Bauman:
O medo constitui, possivelmente, o mais sinistro dos múltiplos demônios que
habitam nas sociedades abertas de nossa época. Porém são a insegurança
do presente e a incerteza sobre o futuro que as incubam e criam nossos
temores mais imponentes e insuportáveis (BAUMAN, 2007, p.166).
Essa forma de pensar de Zygmunt Bauman alerta-nos para que perce-
bamos como a vida atualmente é cheia de surpresas, e que os transtornos mentais
estão afetando muitas pessoas numa progressão cada vez maior, sendo poucos os
que estão livres das armadilhas deles.
As situações comentadas ao longo do texto demonstram a importância do
conhecimento da geração do medo condicionado e do medo contextual nas escolas,
nas famílias, nos bairros, na sociedade de um modo geral, pois eles podem gerar
problemas de diferentes ordens e para o resto da vida das pessoas que são
capturados pelos medos.
Nesse panorama, a escola não pode ser um local onde o medo predo-
mine. Deve ser, sim, um lugar em que os medos sejam diminuídos, sejam traba-
lhados, para que as pessoas saibam como conviver com eles, e que não fiquem
apenas imobilizadas diante deles, mas que saibam enfrentar os imprevistos com os
recursos que estiverem disponíveis no momento em que eles ocorrem.
É mister reconhecermos que somos portadores de uma animalidade e
sujeitos aos estigmas da evolução, mas precisamos nos conhecer mais profun-
damente em nossa multidimensionalidade. Portanto, na educação, o medo não deve
80
ser reforçado, mas reconhecido e enfraquecido, pois se isto não for colocado em
prática, surgirão – aliás, já estão surgindo – muitas pessoas, alunos e professores,
com transtornos mentais.
É importante lembrar que o medo condicionado precisa se manifestar
apenas poucas vezes para fazer parte do nosso mundo mental, e não mais sairá
dele, apenas conseguiremos abafá-lo por um tempo, mais curto ou mais longo,
dependendo da ontogênese de cada pessoa.
O medo pode ser um protetor e um algoz, depende das reações que nos
preparam para a fuga ou para a luta. Será algoz se as reações forem despropor-
cionais aos estímulos que as originam, se têm duração excessiva ou se ocorrem na
ausência de fontes de perigo que as justifiquem. Neste caso, há um desajuste e
surgem os transtornos mentais. Será protetor se nos preparar para o "bom
combate", ou seja, para vivermos sem que os "fantasmas" nos acompanhem.
Para finalizar, fiquemos com as palavras de Nélson Mandela sobre o medo.
Nosso medo mais profundo não é o de não sermos bons o suficiente. O
nosso medo mais profundo é o de sermos poderosos além das medidas. É
a nossa luz, e não a nossa escuridão, o que mais tememos. Por isso nos
perguntamos: Quem somos, para nos considerarmos brilhantes, maravi-
lhosos, talentosos, fabulosos? Nós somos crianças de Deus. A nossa falsa
humildade não vai servir o mundo. Não há nada de iluminado nesse
encolher-se para que outros não se sintam inseguros à nossa volta.
Estamos todos aqui para irradiar como fazem as crianças e à medida que
deixamos a nossa luz brilhar, inconscientemente damos aos outros
permissão para que brilhem também. À medida que nos liberamos do
nosso próprio medo, a nossa presença automaticamente libera outros para
que façam o mesmo (MANDELA, 2007, p.1).
É mister que as palavras de Nélson Mandela, citadas anteriormente, se
tornem ações em nossas vidas, diariamente, para que possamos desenvolver
efetivamente a nossa humanidade. Nas escolas mais ainda, pois estas são os
ambientes que exigem o cuidado do ser humano, devendo contribuir eficazmente
para formar pessoas que busquem saber mais e melhor, mas que também possam
enfrentar e superar os obstáculos que a vida coloca no caminho das suas vidas.
81
2.4 VIOLÊNCIA ESCOLAR
Atualmente ouvimos diariamente notícias relacionadas à violência que
invade os ambientes escolares. As agressões são de todas as ordens, envolvendo
alunos, professores e funcionários que desenvolvem alguma função nesses
ambientes. A situação chega a ser alarmante. A escola precisa ser cuidada pelos
gestores de educação, bem como pelas políticas públicas nas diferentes esferas
governamentais.
Estamos vivenciando, nas escolas, situações que eram vistas apenas nos
ambientes policiais, ou seja, o policial, ao sair de casa todas as manhãs, não sabe se
volta; e, se volta, como volta? No cotidiano dos professores essas situações já estão
presentes. Embora possa parecer exagerado, isso pode ser verificado diariamente nas
notícias divulgadas pelos diversos meios de comunicação. Evidentemente, nem tudo
que é divulgado é verdade, pois há muito sensacionalismo em jogo.
A violência é um tema muito amplo para podermos discutir em seus
múltiplos aspectos. Cabe-nos, portanto, definir a que tipo de violência escolar nós
estaremos nos referindo e qual é o seu alcance.
Seguiremos a classificação baseada em Bernard Charlot (2002):
Violência que tem origem externa à escola: um grupo invade a
escola em busca de vingança ou de confronto com alguém que está
nas dependências dela, por exemplo, os traficantes de drogas.
Violência contra a instituição: depredação do patrimônio ou contra os
seus representantes (professores, coordenadores, diretores, funcionários).
Violência nas quais as vítimas são os alunos, os professores e fun-
cionários e que é gerada internamente: relação entre alunos, relação
professor-aluno, relação direção-aluno, desqualificação de alunos, expo-
sição de aluno a situações constrangedoras.
Essa classificação tem um cunho didático para que possam ser
delimitadas as situações que fazem parte do sistema turma, sistema escola,
82
sistema bairro cercanias, sistema sociedade e sistemas e ideologias. A figura 3
representa esses sistemas.
FIGURA 3 - SISTEMAS DE VIOLÊNCIA
FONTE: O autor
Devemos lembrar que os sistemas se interpenetram, não são isolados e
existem no mesmo tempo. Portanto, há convergências e sinergismo atuando de
diferentes formas. As emergências ocorrem todo o tempo e muitas vezes há o
surgimento de atratores estranhos que desencadeiam situações que podem fugir
do controle e atingir muitas pessoas.
A partir dos sistemas anteriores, Charlot (2002) nos lembra que a
diferenciação entre violência, transgressão e incivilidade pode nos ser útil, pois
cada uma dessas situações merece atendimento específico, que vai da escola, da
polícia, do conselho tutelar, à ação do professor em sala de aula.
Violência: o uso de força ou da ameaça na prática de delitos (lesão,
extorsão).
Transgressão: comportamentos contrários às regras estabelecidas
pela escola (falta às aulas, não participação nas atividades escolares,
inadequação de comportamento em diferentes ambientes).
Incivilidade: prejudica a boa convivência, como a falta de respeito,
grosserias, desordens, discriminações criadas por determinados grupos.
83
Percebe-se que os limites entre as categorias acima são muito tênues,
podendo, a qualquer momento, se misturarem, ou seja, uma delas se tornar
estopim para as outras. A importância dessa diferenciação é que a escola não deve
superestimar algumas situações nem subestimar outras. Cada situação merece o
tratamento adequado e na instância competente, pois é extremamente pernicioso
deixar as coisas irem acontecendo e as pessoas responsáveis fingirem que nada
aconteceu, se bem que a violência sempre é impactante, independente do lugar
onde ela ocorre.
A violência escolar não atinge apenas os países não desenvolvidos ou em
desenvolvimento; ela também afeta os países desenvolvidos, e, às vezes, de modo
"espetacular". Um país que enfrenta esse problema desde os anos 1950 são os
Estados Unidos da América. Segundo Frank J. Robertz (2007), baseado nas
informações fornecidas pelo National Center for Education Statistics, Indicator of School
Crime and Safety, o número de vítimas fatais de homicídios em escolas estadunidenses
tem decaído nos últimos anos. Os períodos em que mais ocorreram homicídios anuais
foram de 1992-1994, com 34 homicídios, e 1997-1998, também com 34. O período
em que ocorreram menos homicídios foi de 2000-2001 (11 homicídios). Os últimos
dados são referentes ao período de 2004-2005 (21 homicídios). A média no período
de 1992-2004 foi de 24 casos anuais. Segundo Robertz (2007), a probabilidade de
um jovem com idade de 5 a 19 anos morrer assassinado em uma escola nos EUA é
de 1 em 1.700.000.
Como podemos perceber, o número de casos tem diminuído ao longo dos
anos, porém o que passou a ser preocupante é a forma como a violência tem
ocorrido (ROBERTZ, 2007). Verifica-se o aumento da crueldade e da ferocidade
dos ataques com o uso de armas de alto poder de destruição. Vale ainda
lembrar que a manifestações de violência sempre estão imersas nos estigmas da
nossa animalidade, uma vez que somos "máquinas de sobrevivência", como bem
lembra o etólogo Richard Dawkins (2001) e Damásio (1996, 2000, 2004).
Essa tendência também já se manifesta no Brasil. Da agressão verbal se
passou à agressão física, com o uso de armas de fogo, facas, canivetes, estoques,
84
barras de ferro, taco de sinuca, taco de baseball, arma de choque elétrico, sprays
de pimenta, tendo como conseqüência o aumento dos casos fatais, porém ainda
não há dados estatísticos oficiais.
Uma diferença importante entre o Brasil e os Estados Unidos é que, no
Brasil, o acesso às armas de fogo é mais restrito, legalmente. Já nos Estados
Unidos todo cidadão tem direito, garantido pela constituição, emenda número II, de
possuir armas de fogo para a sua proteção, as quais podem inclusive ser
compradas pela Internet (DIREITO BRASIL, 2007).
Os fatos anteriores referem-se a um tipo de violência em que há vítimas
fatais ou vítimas que ficaram com seqüelas e que chamam a atenção de todos os
que tomam conhecimento desses acontecimentos.
Diante desses fatos a segurança passou a ser um produto que os pais
buscam nas escolas para seus filhos. Criou-se o mercado de segurança escolar,
em que a presença das câmeras que registram as imagens dos diversos ambientes
escolares é equipamento obrigatório, bem como portões que registram entradas e
saídas, programas de treinamento de funcionários e professores para que saibam
como lidar nas situações de conflitos, colocação de máquinas de raios X e
detectores de metais.
As situações comentadas anteriormente referem-se a um tipo de
violência extrema, que não é vivenciada diariamente nas escolas. Porém, quando
ocorre, choca qualquer pessoa que fique sabendo do que ocorreu. No entanto, há
outros tipos de violência que acontecem diariamente e que precisam de atenção
por parte dos dirigentes escolares, e que têm causas externas e internas às
escolas. Segundo Cubas (2006, p.28):
As causas externas são: os ideais de gênero; sexismo; relações raciais,
racismo e xenofobia, migração e conflitos regionais; estrutura familiar dos
alunos; influências da mídia; características do ambiente onde a escola
está inserida. As internas (aquelas que se originam no interior da escola)
essas incluiriam: idade e nível de escolaridade dos alunos; regras,
disciplina e o sistema de punições das escolas; a indiferença dos profes-
sores frente a todos os casos de violência; a má qualidade do ensino;
carência de recursos humanos e a relação de autoridade entre profes-
sores e alunos.
85
De acordo com Cubas, a escola não pode negar que há geração interna
de violência, pois quando isso acontece os problemas se agravam mais. E o
conhecimento do que acontece fora da escola é fator decisivo, pois o interno e o
externo misturam-se, influenciam-se, reforçam-se e favorecem que o medo surja e
domine os diferentes ambientes. Por isso a escola não pode se render frente aos
acontecimentos diários, pois ela é parte do problema e parte da solução, por
isso é necessário que ela reaja, que busque saídas para que haja uma convivência
possível na escola e fora dela (CUBAS, 2006).
Então, nos ambientes educacionais não podemos deixar que as vítimas
de violência (professores e alunos) sejam caladas, não sejam ouvidas. Elas
precisam falar, expor como se sentem, sem que sejam discriminadas, sem que
sejam expostas mais ainda, lembrando-se sempre que as situações que geram
medo não vão ser esquecidas e que necessitarão de acompanhamento de
profissionais da área da saúde mental (LEDOUX, 2000, 2001, 2004, 2005).
O caso dos professores é muito grave, sejam eles as vítimas ou seus
alunos, como podemos perceber nas palavras de uma professora citada por
Candau (2000, p.144): "[...] Tinha tudo para ser um grande homem. Era inteligente
e contestador. Levei zero na prova da vida, não venci o desafio [...] a minha maior
dor é perder um aluno para o tráfico". A professora sentiu-se culpada pela morte do
aluno, ela não conseguiu fazer nada, sentiu-se impotente ao longo do processo que
se desenvolveu.
Como podemos perceber, um dos fatores externos mais perversos é o
aliciamento de jovens pelos traficantes de drogas. Esse processo está em uma
instância a que a escola não tem acesso, muito pelo contrário, pois muitas vezes
ela se submete às ordens ditadas pelos grupos de traficantes. Essa situação atinge
profundamente os professores, pois eles ficam imobilizados, não conseguem
encontrar respostas de como mediar as situações que ocorrem em sala de aula e
que são motivadas por dinâmicas externas de poder, em que o mais forte vence, e
que invadem as escolas. Professores e alunos acabam se tornando vítimas do
mundo do narcotráfico.
86
Como a professora conseguirá conviver com o sentimento de culpa
e de impotência? Essa professora precisa ser cuidada para poder realizar o seu
trabalho, apesar de todas as dificuldades, pois os seus alunos também são vítimas.
Porém, o professor não pode ser deixado só com seus sofrimentos, pois esse é o
caminho que leva ao surgimento dos transtornos mentais.
Em outro momento, Candau (2000, p.143) relata sobre uma professora
que fala sobre uma colega: "Eu sei de casos de professores que foram
ameaçados por alunos [...] Uma professora sofreu ameaça e ela reagiu para
acabar com o problema ali na hora: 'se vai me matar, mata agora, depois não
mata mais'". A reação da professora foi de revidar, encarar o agressor, porém ela
assumiu o risco de ser agredida em sala de aula. O sentimento negativo fez com
que a ameaça não fosse mais tolerada e ela partiu para o revide, para a
retaliação. A professora ficou à mercê dela mesma e passou a correr o risco de
ser agredida fora da sala de aula ou da escola, por não haver garantia alguma de
proteção da sua integridade física. A professora não agüentou mais ser
ameaçada, os sentimentos negativos e de sobrevivência tomaram conta dela e os
estigmas da animalidade humana se manifestaram.
Há ainda os professores que não admitem se entregar, desistir de lutar.
Candau mais uma vez nos auxilia dando o exemplo de uma professora de matemática.
É tudo muito difícil e não sabemos por onde caminhar. Só sei que me
recuso a ser derrotada. Já até saí de sala dizendo que não voltava mais.
Mas eu retorno a cada dia e tento fazer sempre novos recomeços. A
violência, seja aqui em sala de aula, seja lá onde for, não vai me derrotar.
Espero que não derrote também os alunos. Aí, a derrota seria geral (apud
CANDAU, 2000, p.165).
Mais uma vez, vemos como os professores se sentem tocados profun-
damente em seus valores frente ao processo de violência. A missão de educar e
formar é marca na vida deles, pois a educação precisa ter como objetivos a busca da
autonomia, o bem-viver, a superação do que oprime e aprisiona. Porém, só paixão
pela profissão não garante que a violência diminua. É preciso atuar diariamente nas
dinâmicas das escolas.
87
2.5 PRINCÍPIOS INTERDISCIPLINAR E TRANSDISCIPLINAR
Atualmente, fala-se de forma contundente que é necessária uma nova forma
de educação nas escolas. Os acontecimentos diários demonstram isso. Temos
presenciado agressões de diferentes formas nos ambientes escolares, como é o caso
da servente N. S. A., 67 anos, que foi pisoteada por alunos, na Escola Nove de Julho,
em Dracena, interior de São Paulo, e teve os dois antebraços quebrados e
escoriações no olho esquerdo (NOTÍCIAS TERRA, 2007b).
Para essa funcionária, após as machucaduras físicas melhorarem,
restarão, ainda, os danos psicológicos que terão de ser superados.
O caso da srª. N. demonstra que é urgente que sejam elaborados e
implantados novos programas educacionais que possam tornar as escolas
ambientes saudáveis para as pessoas que as freqüentam, pois o que temos
presenciado é a cristalização do medo nesses lugares, ou, será ainda pior se as
pessoas que lá convivem deixarem que as coisas aconteçam como se fosse
normal qualquer tipo de agressão e violência.
Com tudo isso, a pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo, Caren Ruotti, ainda acredita na escola como um
ambiente seguro. Ela afirma:
A escola ainda é um lugar seguro, apesar de tudo. O que se precisa
trabalhar é a convivência entre professores e alunos. Há muita resistência
em se mudar as práticas dentro de uma escola. Se isso partir, por
exemplo, da direção, pode ajudar a impulsionar um novo momento na
convivência entre professores e alunos (NOTÍCAS TERRA, 2007c, p.2).
A partir do que propõe Ruotti, ganha força a Educação Transdisciplinar,
apesar de muitos ainda não acreditarem que ela possa ser colocada em prática, quer
seja por desconhecimento, quer seja por preconceito. Porém, para que a transdis-
ciplinaridade seja realmente vivenciada necessitamos demonstrar as suas carac-
terísticas epistemológicas, ontológicas, cognitivas e a relação dela com o cotidiano.
Para que isso ocorra, em primeiro lugar há que se ter cuidado para que
não aconteça com a transdisciplinaridade o que aconteceu com a interdisciplina-
ridade, ou seja, ser tomada como a panacéia da educação.
88
Muito tempo já passou e ainda se faz muita confusão com o conceito de
interdisciplinaridade, porém o uso indiscriminado desse conceito pode ser visto em
revistas de educação, em projetos pedagógicos e nas salas de aula. Essa
tendência veio mais por um modismo do que pela real necessidade de superar as
aulas que são consideradas, por muitos, como tradicionais e que devem ser
superadas. Porém, há verdadeiramente a necessidade de superá-las. Basta ver
o que acontece diariamente nas escolas do Brasil e do mundo. Há um desconforto
generalizado e os ambientes escolares se diluem a cada dia.
2.5.1 Interdisciplinaridade
A palavra interdisciplinaridade é formada pelo prefixo latino inter
(HOUAISS, 2001, p.1632), que significa "entre", "no interior de dois", e DISCIPLINA,
do latim discere, que significa aprender ou ensinar matéria de ensino (VIARO,
2004, p.171, e CUNHA, 1986, p.268) e, para Houaiss (2001, p.1052), do latim, ação
de instruir, de ensinar.
Ivani Fazenda comenta que a palavra interdisciplinaridade é um
neologismo, porém essa forma de pensar e de indagar não é recente. Diz ela:
George Gusdorf, desenvolvendo uma filosofia da história, apresenta uma
evolução das preocupações interdisciplinares desde os sofistas e romanos
até a atualidade, detendo-se particularmente nos momentos em que estas
preocupações foram mais evidentes, como no caso do século XVIII, em que a
passagem do múltiplo para o uno foi uma das maiores preocupações dos
enciclopedistas franceses (FAZENDA, 1992, p.25).
Já no século XX, a interdisciplinaridade, segundo Moraes (2007), remonta
ao ano de 1961, nas Ciências Humanas, quando George Gusdorf desenvolveu um
projeto para a Unesco. Ele buscava demonstrar que era necessário romper com o
paradigma que estava em uso e que fazia com que o reducionismo e a disjunção
fossem a regra e não a exceção, isto é, que seja agrupado dentro do paradigma
vigente algo que não pode ser acolhido por ele, pois este é insuficiente. Da mesma
maneira, a disjunção, que insistia – e ainda insiste – em separar o que não pode
ser separado, como é o caso da mente e do corpo, da cognição e da corporalidade,
89
apesar de que, para se estudar, em alguns momentos é necessária a separação
metodológica, ou seja, para estudá-los com mais profundidade, e que
posteriormente tenham de ser juntados, como deixa claro Damásio (2004), quando
estuda as emoções e sentimentos, apesar de aceitar que há perdas nesses
processos, quando não se trabalha com a totalidade das pessoas, porém muitas
experimentações não podem ser feitas diretamente em seres humanos.
Outro ponto importante é que as mudanças que ocorrem nas sociedades no
que tange à convivência, à educação, às diferentes formas de ensinar e aprender
sempre estão presentes, nos diferentes períodos históricos da humanidade, e sempre
causam desconforto e resistência à mudança para aqueles que se encontram numa
zona de conforto.
No Brasil, a interdisciplinaridade tem como destaque os pesquisadores
Hilton Japiassu e Ivani Fazenda, para quem é necessário ressaltar, com muita
ênfase, que não há um conceito único sobre a interdisciplinaridade e, portanto, é
necessário reconhecer o momento em que ele pode e deve ser acolhido como
fundamento.
Diante disso, Ivani Fazenda (2003) enfatiza que a interdisciplinaridade é
marcada em todos os momentos pela ação, fato que é aceito por Moraes (2007,
p.58), ao dizer: "a interação, ou seja, a inter-relação, é um dos aspectos fundamentais,
uma das condições para a emergência do conhecimento interdisciplinar". Nota-
damente isso nos leva a compreender que há diálogo em todos os momentos e com
todos os participantes de um processo interdisciplinar, pois, caso isso não ocorra, as
construções e reconstruções que podem ocorrer serão prejudicadas, deformadas, não
haverá espaço para a curiosidade, para o desafio, para a intuição. Serão perdidas a
força e a vitalidade desse processo.
Tão importante quanto a ação é a face epistemológica da interdisciplina-
ridade que visa a reorganizar o conhecimento e que, por agora, ainda se encontra
fragmentado, esfacelado, ora no especialista que sabe quase tudo sobre quase
90
nada, ora no generalista que sabe quase nada sobre tudo. Evidentemente, não
podemos acabar com os especialistas e generalistas, pois eles têm hora e lugar
para atuarem, mas o que fica posto é a necessidade de se reabilitar a inteireza
do conhecimento (JAPIASSU, 1976, 2006). Indo mais adiante, necessitamos
recuperar a inteireza do humano.
Para que isso se dê, sujeito e objeto necessitam ser considerados, porque
ambos estão implicados, e corre-se o risco de se perder a visão da totalidade caso
isso não ocorra
(MORAES, 2007). Necessitamos saber mais e melhor sobre o objeto,
pois não devemos e não podemos ficar apenas com alguns olhares dos sujeitos,
uma vez que, se assim ocorrer, o processo fica apenas na subjetividade dos sujeitos
e se torna um obstáculo epistemológico. Portanto, é fundamental que os sujeitos
interajam o máximo possível entre si e com os objetos de conhecimento.
Ainda em relação à participação dos sujeitos, é fundamental lembrar que
cada um desenvolve a sua ontogênese, pois cada um tem a sua história de vida, os
seus medos, suas reflexões já feitas, suas insuficiências, suas superações frente às
emoções e aos sentimentos que estão guardados nas profundezas dos corpos de
cada participante e que são acessíveis apenas a eles. Portanto, as pessoas
envolvidas em um processo interdisciplinar têm de ser aceitas e não apenas toleradas.
O pesquisador Derly Barbosa cita como exemplo ele mesmo, ao participar
de um trabalho interdisciplinar:
Ser aceito pela equipe demandou um amplo trabalho político e uma
grande demonstração de competência. Eu conversava permanentemente
com os seus membros e mostrava, através de artigos publicados na
imprensa local, o compromisso político e o engajamento pedagógico na
evolução de adultos (BARBOSA, 1991, p.71).
Ser aceito é fundamental, pois sempre influenciamos os processos em
curso com as nossas falas ou ausência delas, com nossas emoções, com os
nossos sentimentos e com a nossa corporalidade.
Como mostrado anteriormente, uma característica importante desse
processo é que os sujeitos vão formar um grupo e que este está diante do objeto
ou dos objetos que serão comuns a todos os participantes. Porém, não é qualquer
grupo que pode ser formado, como nos adverte Demo (2005, p.99):
91
O grupo, para ser interdisciplinar, precisa representar disciplinas diferentes, de
preferência de áreas mais distantes, por exemplo: grupo composto por
engenheiro, sociólogo, estatístico e músico, para discutir qualidade de vida.
De pouco adiantaria reunir cinco biólogos, razão pela qual uma coisa é
trabalho de grupo, outra o trabalho interdisciplinar.
Como podemos perceber, não basta estar junto, muito menos juntar
pessoas que têm a mesma formação. A diversidade de formações é crucial para que o
processo seja levado adiante. Tão importante, ou mais ainda, é a participação dos
sujeitos com conhecimentos profundos que propiciam que as emergências ocorram de
forma não linear.
Pelo exposto, temos a necessidade de lembrar de que, para a interdisci-
plinaridade chegar aos ambientes escolares, é mister que os participantes desse
processo tenham domínio consistente das disciplinas que trabalham. Não se pode
ficar na superficialidade, há que se buscar a radicalidade, no sentido de raiz, de
profundidade, pois esta é insumo para o processo se desenvolver. Isso também
pode gerar um obstáculo que precisa ser superado, ou seja, a formação do
educador interdisciplinar vai acontecendo à medida que as vivências vão se desen-
volvendo, mas necessita também de estudo, de pesquisa, de leitura, de elaboração
de textos em que sejam reconstruídos os conhecimentos a serem trabalhados, pois
a troca entre os sujeitos é obrigatória. Se não há o que trocar, não há construção
ou reconstrução de conhecimento, o processo emperra, fica obstaculizado
(MORAES, 2007; FAZENDA, 2003; DEMO, 2005).
Isso tudo nos faz ver que o conhecimento interdisciplinar situa-se na
interface dos diferentes saberes, como afirma Moraes (2007, p.59): "este espaço
comum poderia ser representado por uma integração mútua de conceitos, de
idéias, de terminologias, de métodos, de procedimentos, de dados ou informações",
mas é no diálogo que as diferentes visões tomam forma e fazem sentido para os
participantes, chegando a uma representação comum a todos, por isso a amoro-
sidade se faz presente nesse processo, e diante disso Moraes conclui: "o que
é de natureza interdisciplinar seria o elemento mediador da comunicação
92
entre os indivíduos" (MORAES, 2007, p.59). Portanto, percebemos novamente que
o diálogo é peça fundamental, essencial, condição sem a qual o processo não se
desenvolve. Porém, não basta dialogar, há que se olhar, perceber e registrar
as ações desenvolvidas para que o processo interdisciplinar flua.
Essa experiência compartilhada precisa ser cuidada, pois é preciso que o
conhecimento interdisciplinar se transforme em atitude frente ao que consegue captar
e, ao que não consegue, há que se valer da idéia, de Ivani Fazenda, sobre a espera
vigiada, frente à humildade de reconhecer que há limitação e insuficiência no saber,
coragem para fazer do velho o novo, responsabilidade ao trabalhar com as emoções e
sentimentos do outro, amorosidade para poder acolher o outro e deixá-lo à vontade
num processo em que todos contribuem e buscam saber mais e melhor.
2.5.2 Transdisciplinaridade
A palavra transdisciplinaridade, etimologicamente, é composta pelo prefixo
latino trans, que significa além de, para lá de, depois de (HOUAISS, 2001, p.2749),
ainda, através de (CUNHA, 1986, p.781) e disciplina, do latim discere, que significa
aprender, ensinar ou matéria de ensino (VIARO, 2004, p.171 e CUNHA, 1986, p.268)
e, para Houaiss (2001, p.1052), do latim, ação de instruir, de ensinar.
De acordo com a etimologia de transdisciplinaridade, ela se propõe a ir
além das disciplinas e não se fechar em si mesma. Essa palavra é um neologismo
e passou a fazer parte do vocabulário educacional, em 1970, quando Jean Piaget a
propôs em um colóquio:
[...] enfim, no estágio das relações interdisciplinares, podemos esperar o
aparecimento de um estágio superior que seria 'transdisciplinar', que não
se contentaria em atingir as interações ou reciprocidades entre as
pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de um
sistema total sem fraturas estáveis entre as disciplinas (apud WEILL,
1993, p.30).
Como podemos perceber, a transdisciplinaridade tem como insumo as
disciplinas, mas vai além delas, atravessa-as, contorna-as e vai produzindo um
movimento em espiral na qual ela se reconstrói infinitamente. Esse movimento busca
93
a compreensão do mundo em que vivemos, no qual a Terra é uma totalidade e que
faz parte de uma totalidade maior que é o cosmo, mas para que isso possa ocorrer o
conhecimento é o substrato que sustenta esse movimento, por isso nenhum
tipo de conhecimento pode ser aprisionado por ele.
Isso pode ser visto nas palavras de Ubiratan D'Ambrósio (apud MORAES,
2007, p.61): "A transdisciplinaridade repousa sobre uma atitude mais aberta, de respeito
mútuo, e mesmo de humildade em relação aos mitos, religiões, sistemas de explicações
e de conhecimento, rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência".
As palavras de D'Ambrósio trazem à tona situações que merecem ser
enfocadas, encaradas e trabalhadas profundamente, pois elas demarcam a
essência de como a transdisciplinaridade se faz atitude. Porém, muitas vezes
ficaremos diante de situações que exigirão intervenções na realidade que é posta e
captada pelos seres humanos e que demandarão muito esforço, competência,
coragem, amor à natureza e à vida. Um caso na África pode servir de exemplo.
Aos olhos dos povos Baatonou, Boko e Peul, naturais de Benin, uma
antiga colônia francesa entre o Togo e a Nigéria, com forte tradição na
feitiçaria, ou 'juju', qualquer sinal diferente no desenvolvimento infantil, que
seja considerado por eles anormal, é prova suficiente do enfeitiçamento de
uma criança. Não ter o primeiro dente até os oito meses (ou ter o primeiro
dente a tempo, mas na arcada superior), apresentar um comportamento
barulhento ou agitado são justificativas suficientes para o infanticídio.
Se apesar dos sinais de poderes sobrenaturais, os pais se compadecem
da criança, o bebê é simplesmente abandonado à morte embaixo de um
arbusto. Os pais podem ainda contratar alguém para fazer o serviço. O
contratado amarra uma corda nos pés da criança, enrolando-a em torno
de uma árvore e depois esmigalha sua cabeça contra o tronco. Pode ainda
afogá-la ou envenená-la, para que, antes da morte, o demônio que eles
acreditam tenha trazido a criança ao mundo seja exorcizado (UNESCO,
2007, p.1).
Como podemos agir, aos nossos olhos, diante desse acontecimento no
qual a vida de uma criança é retirada de modo tão cruel, que nos toca profun-
damente, por empatia, em relação à criança que nada pode fazer diante da sua
biologia, da sua ontogênese? Como intervir na cultura de um povo sem cair em
contradição performativa, pois poderemos ser prepotentes e arrogantes?
Evidentemente esse é um caso extremo e exige ações globais e locais
para que se possa preservar a integridade física e psicológica dessas crianças,
94
para que o direito à vida seja preservado e aplicado. Estamos diante de um
desafio que a transdisciplinaridade tem em seu ideário!
Voltando à nossa casa, o Brasil, como podemos salvaguardar a
integridade física, moral e psíquica dos estudantes e professores que freqüentam
os ambientes escolares e que estão sendo deixados à própria sorte? Vê-se
desilusão, raiva, ódio, desamor, intolerância, perda da auto-estima. Vê-se o medo
contaminar os ambientes escolares e gerar várias situações de reação a ele,
podendo ainda ser causa de muitos transtornos mentais de professores e alunos.
Essas situações nos mostram que o Brasil mudou, porém os grandes
movimentos vão se desenvolvendo e a maioria das pessoas não percebe, pois em
algum momento o corpo-mente reage, porque sempre busca a sua preservação, a
sua homeostase, o seu bem-estar acima de tudo.
O psicólogo Wanderley Codo situa-nos diante desses fatos.
Evoluímos de uma sociedade industrial para uma outra de serviços em
que é impossível o Taylorizar
25
o trabalho e mais impossível ainda eliminar
o vínculo entre as pessoas, o lugar privilegiado do afeto. Ele faz parte da
produtividade. Quem duvidar, que olhe, ainda que de relance, o trabalho
do educador ou vendedor.
[...] No trabalho, nada se realiza sem que todos os sentimentos do homem
sejam envolvidos e envolvam todo o meio ambiente do ser humano
(CODO, 2007, p.67).
O que podemos trazer dessas palavras para o nosso dia-a-dia é que somos
uma totalidade na qual não há a separação da razão e da emoção. Nós somos, em
todos os momentos diários, enquanto tivermos vida, uma inteireza como seres
humanos, porém estamos "soltos em pedaços" que precisam ser juntados. Para que
isso ocorra, necessitamos de conhecimento, precisamos saber mais e melhor sobre a
vida e sobre a nossa animalidade, e sobre nossa humanidade dentro dessa animali-
dade, e, mais ainda, devemos conhecer as nossas inumanidades, como diria Henri
Atlan (2004).
25
Taylorismo: Taylor pretendia definir princípios científicos para a administração das empresas.
Tinha por objetivo resolver os problemas que resultam das relações entre os operários. Como
conseqüências modificam-se as relações humanas dentro da empresa, em que o bom operário
não discute as ordens, nem as instruções, faz o que lhe mandam fazer.
95
Isso nos leva novamente aos fatos já citados. Nós temos presenciado
situações desagradáveis nas escolas que acabam por gerar antipatia naqueles que
as freqüentam, porém a escola é o ambiente que, por essência e não apenas por
dever, deve acolher as pessoas e ajudá-las em sua formação.
Nesse processo, a função do professor requer atualização, bem como a
da escola. Há que se ter em mente que o professor sempre interfere na vida das
pessoas de modo imediato ou ao longo da vida. Severino Antônio percebeu isso ao
assistir a uma palestra e se emocionar ao surgirem sentimentos com as palavras
do palestrante.
Ele perguntou se havíamos percebido que somos provavelmente a única
profissão em que as pessoas atravessam a rua para nos cumprimentar,
muitos anos depois de encerrada a convivência.
Muitas vezes você está pela rua, uma pessoa o reconhece, atravessa a
rua e vem conversar, sempre com as perguntas: você se lembra de mim?
Você se lembra daquele dia... Você lembra quando... daquela aula em
que... Ele começou a fazer uma longa lista e disse: não atravessamos a
rua para falar com o médico, para falar com o dentista, para falar com o
advogado; mas, depois de muitos anos, com o professor, nós atraves-
samos a rua e nós nos lembramos do rosto dele, do seu nome, da sua voz
e de muitas referências que ele fez (ANTÔNIO, 2002, p.85).
Essas palavras expressam a importância dos professores na educação
das pessoas, não apenas no cognitivo, mas também no emocional, no corporal, no
subjetivo de cada pessoa. Porém, é necessário que os professores estejam bem
para poder desenvolver a tarefa que lhes cabe, e uma educação transdisciplinar
pode contribuir para que as coisas mudem, porém antes disso se faz necessário
compreender o que é o princípio da transdisciplinaridade.
Para Nicolescu (2002), a transdisciplinaridade tem a sua estrutura apoiada
em três pilares: níveis de realidade, complexidade e a lógica do terceiro incluído.
Primeiramente, vejamos a realidade. Esta é vista como qualquer forma de
resistência às nossas representações, experiências, descrições, imagens e
representações matemáticas (NICOLESCU, 2002). Devemos lembrar que ela é
acessível ao nosso conhecimento e que pode mudar de acordo com o que se sabe
e com o que se constrói e reconstrói. A busca da realidade é a busca de saber
mais e melhor.
96
Há, no entanto, diferentes formas de se conhecer uma realidade. Por
exemplo, um fóton (partícula, onda) é visto pela microfísica e subordinado às suas
leis, que são radicalmente diferentes das da macrofísica (física clássica), que é
insuficiente para percebê-lo e compreendê-lo. As duas instituem os chamados
níveis de realidade, isto é, conjuntos de sistemas que são invariáveis sob certas
leis (NICOLESCU, 2002). Além desses dois há um terceiro, o chamado espaço-
temporal cibernético (virtualidade), que nos dá um novo espaço de escolha, no qual
surge o transnacional, o transcultural, o transpolítico.
A figura 4 serve para aprofundarmos a explicação sobre os níveis de
realidade.
FIGURA 4 - LÓGICA DO TERCEIRO INCLUÍDO
FONTE: Adaptado de Moraes (2007)
Tomemos o exemplo do fóton (luz)
26
. Na física clássica a onda (A) e
partícula (Não-A) não existem ao mesmo tempo, e estão no nível de realidade um
26
Fóton: Einstein comprovou a dualidade onda-partícula da luz, dando o nome à partícula luminosa
de fóton. A emissão de um fóton ocorre durante a transição de um elétron de um átomo entre
dois estados energéticos diferentes, pois quando ele recebe energia ele passa de uma camada
mais interna para uma mais externa do átomo, e quando ele retorna para seu estado original, ele
emite a energia correspondente a esta diferença sob a forma de um fóton. Os fótons são
partículas elementares que viajam com a velocidade da luz, e a massa deles existe apenas
quando se movem à velocidade da luz, sendo que sua massa teórica de repouso é igual a zero,
pois, de acordo com a Teoria da Relatividade, uma partícula que possui massa de repouso, ao
atingir a velocidade da luz, deveria ter uma massa infinita, o que é impossível.
A energia de um fóton é incrivelmente pequena, como podemos ver pela energia média de um
fóton cuja freqüência está dentro da faixa do espectro visível, energia que é igual a 4x1019
joules. No entanto, temos que uma lâmpada comum de filamento incandescente de 100 W de
potência emite cerca de 2,5x1020 fótons por segundo, o que faz com que a quantidade de
energia transmitida seja significativa.
97
(NR1), ou seja, se é onda não é partícula, portanto a causalidade é linear. Na física
quântica essas entidades são acolhidas por meio de um terceiro incluído, que no
caso pode ser um fóton e está representado na figura por (T), estando no nível de
realidade dois (NR2), em que a causalidade, agora, é circular. A mudança de um
nível de realidade NR1 para NR2 exige novos conhecimentos, nova lógica de
causalidade, novos referenciais que atuam sobre os elementos, que não mais são
vistos como antagônicos, mas como complementares.
Um outro exemplo utilizando a mente humana: na lógica linear, passado e
presente são antagônicos, porém a mente humana, por meio dos sentimentos,
consegue incluí-los em outra realidade, em um movimento em espiral no qual há
reconstruções infinitas. Isso pode ser considerado nos ambientes escolares, pois
não somos apenas os momentos presentes, temos uma história de vida humana e
somos marcados pelos estigmas biológicos da nossa animalidade.
Buscando mais um exemplo do nosso dia-a-dia. Se formos trabalhar com
a teoria de Antonio Damásio (2004) sobre as emoções e os sentimentos, podemos
dizer que, a emoção e a razão são incluídas pelos sentimentos, uma vez que, na
maioria das vezes, os sentimentos surgem das emoções e de uma forma de
pensar, por isso não são antagônicos mas complementares.
A partir disso, de acordo com a figura 5, podemos compreender que, para
diferentes níveis de realidade (NR
0,
NR
1
, NR
2
), há que existir diferentes níveis de
percepção (NP
0,
NP
1,
NP
2
) em correspondência biunívoca e que, ao mudar de
nível de realidade, há uma mudança obrigatória de nível de percepção, pois se isso
não acontecer há o surgimento de um obstáculo que impediria que o processo se
desenvolvesse.
98
FIGURA 5 - NÍVEIS DE REALIDADE E PERCEPÇÃO
FONTE: Adaptado de Nicolescu (2002)
Isso demonstra que, ao passarmos de um Nível de Realidade 1 (NR1) para
um Nível de Realidade 2 (NR2), há o rompimento de um sistema lógico, de linguagem,
de conceitos ou de princípios, pois a percepção necessita ser alargada, melhorada.
Cabe ainda destacar que, de acordo com a figura 4, ao elevarmos o nível de percepção
a consciência do sujeito está trabalhando na lógica do 3º incluído.
A situação anterior pode ser percebida, como já visto, ao passarmos do
macrofísico (onda e partícula), que trabalha a causalidade linear, para o microfísico
(fóton), na física quântica, que trabalha com a causalidade circular. Isso pode ocorrer
porque há uma ampliação nos níveis de percepção devido às tecnologias disponíveis.
Então podemos afirmar que a mudança de nível de realidade exige
obrigatoriamente a mudança do nível de percepção, e que para ambos há um terceiro
incluído que permite que o antagônico agora passe a ser visto como complementar.
Ainda, é preciso destacar que a tríade do terceiro incluído (A, NÃO-A e T),
dos níveis de realidade e a tríade dos níveis de percepção (A, NÃO-A, T) coexistem no
mesmo momento do tempo (ver figura 4), o que faz com que haja a necessidade de
interações obrigatórias entre elas. Portanto, esse movimento da tríade não é uma
sucessão no tempo, não há a linearidade, é a complexidade que se faz presente
(NICOLESCU, 1999).
99
Nessas tríades, dos níveis de realidade e de percepção, a coerência é
mantida obrigatoriamente pela presença de uma zona de não-resistência (ZNR)
(ver figura 5), que é uma zona de transparência absoluta, devida às limitações dos
nossos corpos e dos nossos órgãos sensoriais, limitações inclusive das tecnologias
que são utilizadas para estender esses órgãos sensoriais (NICOLESCU, 2002). Essa
região é aquilo que não se submete a racionalização alguma, por isso é o nicho do
sagrado. Vale ainda lembrar que a zona de não-resistência não está apenas nas
regiões em que os níveis de realidade e de percepção estão ausentes. Ela penetra
e cruza os níveis de realidade e de percepção (na figura 5 ela está representada
pela cor mais escura). Essa é a região que propicia a intuição, a criatividade,
portanto é o local fecundo para a imaginação.
Agora já podemos fazer duas perguntas importantes em relação à
transdisciplinaridade: O que corresponde ao sujeito transdisciplinar? O que
corresponde ao objeto transdisciplinar?
O sujeito corresponde aos níveis de percepção mais a sua zona de não
resistência complementar, e o objeto é representado pelos níveis de realidade mais
a sua zona de não resistência complementar. Há que se destacar que as zonas
de não-resistência do objeto e do sujeito têm de ser idênticas para que o
sujeito transdisciplinar possa dialogar e se comunicar com o objeto (ver figura 5),
(NICOLESCU, 2002 e MORAES, 2007).
Ainda em relação ao sujeito e ao objeto vale lembrar que os diferentes
níveis de realidade são atravessados por fluxos de informação, tendo como
correspondentes os diferentes fluxos de consciência que atravessam os níveis de
percepção, mantendo-se a coerência do processo que se desenvolve.
A partir de tudo isso nós podemos reconhecer como o conhecimento
transdisciplinar é construído. Ele é ao mesmo tempo interior e exterior, pois surge das
interações intra-subjetivas e intersubjetivas com o objeto transdisciplinar, uma vez que
é construído a partir do que acontece no interior do sujeito e daquilo que lhe é exterior
100
e ao qual ele está acoplado estruturalmente (MORAES, 2007). Isso demonstra que não
é uma dinâmica linear, mas complexa, que necessita que haja religação processual
dos eventos, das coisas e das pessoas com elas mesmas e com as outras pessoas
envolvidas em um processo transdisciplinar.
Portanto, o complexo faz parte da vida no nosso planeta, desde uma
ameba, que é um protozoário formado por uma célula, até a vida dos seres
humanos. Isso demonstra que a complexidade atua na forma de viver, de pensar,
de compreender os diferentes níveis de realidade. Ela atua essencialmente na
ação das entidades que estão imersas nela.
Na matriz epistemológica do pensamento transdisciplinar a complexidade
tem espaço próprio, pois não se baseia na linearidade, mas em uma espiral
ascendente e em processos recursivos, nos quais há reconstruções infinitas e que
os tornam inacabados e provisórios, fazendo-os sempre atuais, numa virtualidade
constante, ou seja, é uma potencialidade no sentido filosófico do termo, é um devir
ao longo do tempo. Neste sentido o pensamento transdisciplinar tende a ser
unificador, mais profundo, e a não abandonar o rigor e sensibilidade, muito pelo
contrário. As palavras do filósofo John Searle podem servir para ilustrarmos essa
idéia. Diz ele: "rigor sem sensibilidade é vazio e sensibilidade sem rigor é insigni-
ficante" (
SEARLE, 2000, p.33).
Evidentemente que nessa forma de pensar as atitudes frente ao
conhecimento são radicalmente diferentes, pois exigem o alargamento da nossa
sensibilidade, do nosso rigor e da nossa busca incessante da tolerância, e se
quisermos ser mais incisivos devemos buscar radicalmente a aceitação dos sujeitos e
dos objetos e vivermos no ecumenismo, uma vez que não podemos "engaiolar" os
objetos e sujeitos desses processos. Mas para que isso possa acontecer a
amorosidade deve permeá-los, cruzá-los, contorná-los, atravessá-los em todo o seu
perímetro, área e volume.
101
Nesses processos transdisciplinares, a complexidade, o terceiro incluído
e os níveis de realidade desvelam a natureza multidimensional deles, e o que pode
ser evidenciado, nesse momento, é que a riqueza do processo transdisciplinar está
no fato de os contraditórios passarem a ser complementares, pelo terceiro incluído,
devido aos diferentes níveis de realidade e de percepção que existem no mesmo
momento do tempo. Tudo isso dá oportunidade para que ocorram as emergências
(vistas ontologicamente como novas qualidades), as convergências, os siner-
gismos, que fazem com que a intuição seja reabilitada e fortaleça a criatividade,
fazendo com que esses componentes dos sistemas complexos possam nutrir e
manter a dinamicidade do princípio transdisciplinar.
Uma outra situação que surge a partir do princípio transdisciplinar é que a
pesquisa transdisciplinar é diferente da pesquisa que coloca o quantitativo como
mais importante e que, ainda, reivindica a neutralidade desse processo. É evidente
que esse tipo de pesquisa também tem lugar e tempo para ser feito, porém a
transdisciplinaridade a supera.
Na pesquisa transdisciplinar, sujeito e objeto estão visceralmente inte-
ragindo, estão acoplados estruturalmente entre si e com o meio, e as mudanças
não ocorrem apenas em um deles, mas na totalidade que eles formam, e isso
ocorre no mesmo tempo. O sujeito coloca-se com todas as suas emoções, com
todos os seus sentimentos, com a sua história de vida, com a sua intuição, que
acaba por mostrar um caminho não trilhado ainda, que projeta aquilo que está
escondido fazendo-o se mostrar, e ainda conta com os estigmas da sua anima-
lidade. Ele busca também os diferentes olhares, as várias referências que podem
ser captadas do objeto.
Portanto, a pesquisa transdisciplinar, bem como o princípio transdis-
ciplinar, são movidos pelo diálogo permanente com o contraditório e que passa a
ser visto como complementar ao mudar de nível de realidade, de nível de percepção e
de nível consciência, pois são acolhidos pela lógica do terceiro incluído.
102
3 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A pesquisa realizada, de natureza qualitativa, permitiu capturar a
perspectiva dos atores envolvidos a partir das análises e discussões referentes à
entrevista com o prof. Y, aos quatro programas da Rádio B-SP e aos textos rela-
tivos à violência escolar. Todos foram analisados à luz dos fundamentos teóricos
desenvolvidos na primeira parte deste estudo, a saber: complexidade, transdiscipli-
naridade, emoções, sentimentos e medo.
3.1 DA ENTREVISTA
A entrevista tem como contexto as percepções e vivências do prof. Y
com três turmas de cursos diferentes de uma instituição de educação universitária
da região Bragantina, do Estado de São Paulo. Tais turmas passam a ser identifi-
cadas como:
- Turma A: o professor Y dava aula até às 10h40 de quarta-feira e tinha
de estar de volta à universidade na quinta-feira às 7h30. Ele ia alegre e
feliz. Os alunos estavam mais inseridos na discussão ambiental. Era
prazeroso, no final do semestre, sentir pena de ter de deixar a turma.
- Turma B: os alunos eram do 6º semestre, realizavam os trabalhos com
qualidade, trabalhavam em empresas nas quais as questões relacio-
nadas à gestão ambiental já eram discutidas. Já possuíam referenciais.
Os alunos eram solícitos, solidários, demonstravam afeto, eram
empáticos e bem-humorados, sabiam brincar, envolviam-se plenamente
nos trabalhos.
- Turma C: os alunos eram desrespeitosos, não realizavam as ativi-
dades programadas, havia conflito em todas as aulas, muito tempo era
perdido e pouco se produzia.
103
À medida que a entrevista se desenvolvia e o professor relatava sobre a
turma C, que lhe causava desânimo, tristeza e raiva, ele mudava o tom de voz, os
gestos eram mais agitados, os olhos se fixavam no horizonte, os músculos da face se
contraíam, num sinal claro da presença de emoções de fundo e emoções sociais que
iam originando e relembrando os sentimentos de fundo e os sociais negativos.
Ao falar das turmas A e B, que lhe geravam alegria, os gestos eram mais
suaves, os músculos da face relaxavam, percebia-se um sorriso, e de acordo com
o aprofundamento das emoções os sentimentos positivos tomavam conta dele,
percebia-se a vontade que o professor tinha de conviver mais com as turmas que
lhe davam prazer. Isto tudo está em conformidade com a teoria de Damásio (1996,
2000 e 2004), que afirma que as emoções precedem os sentimentos e que os
sentimentos de fundo estão relacionados à manutenção do nosso bem-estar.
Ainda, as recordações das turmas que lhe davam prazer fizeram surgir os
sentimentos positivos, isto é, aqueles em que há a presença de prazer.
Em relação à mediação da aprendizagem, diz o prof. Y: "O meu objetivo
no início de cada semestre é que os alunos desenvolvam ou aprimorem a
capacidade de reflexão crítica a partir das aulas que eu ministro". O processo de
aprendizagem desenvolveu-se com o professor centralizando nele as ações de
ensino e aprendizagem. Com o passar do tempo o professor notou que a estratégia
não estava rendendo o esperado. Ao perceber que a mediação da aprendizagem
da turma C era conflituosa e que não era propícia para o aprendizado, ele tentou
mudar a estratégia: "passei a trabalhar textos em sala de aula e estudos dirigidos
para que os alunos participassem mais ativamente nas aulas, porém os resultados
não foram melhores, eles queriam gerar apenas conflitos".
Visto sob o olhar da complexidade, podemos perceber que a tentativa de
mudança ocorreu apenas na estrutura do grupo. Mudou-se apenas a estratégia e
não a organização, pois os alunos reagiram como já o faziam, isto é, eram gerados
apenas conflitos e não havia a discussão esperada pelo professor. Para reconstruir
104
o sistema (sala de aula) seria necessário ao professor perceber as bifurcações que
ocorreram e atuar nelas, fato que não ocorreu, pois, como disse o professor
anteriormente, os alunos criavam apenas conflitos.
Neste caso havia a necessidade de se atuar na organização do grupo,
desintegrando-o e dando oportunidade para que ele se auto-organizasse em
seguida, a partir das emergências que ocorreram, porém o sistema (turma C) se
comportou como um sistema fechado, não permitindo que houvesse trocas de
informações e energias positivas, que vitalizam o processo e geram situações em
que há sinergismo e convergência de pensamentos. Esta realidade traz consigo o
sentimento de sofrimento do professor porque ele não conseguiu superar as
bifurcações. Mas, para que isso seja superado, o professor não pode abandonar os
alunos. Ele precisa ser capaz de se defrontar com esses conflitos e cuidar dos
alunos, bem como precisa ser cuidado pelos gestores acadêmicos. Sem o cuidado
necessário os sentimentos negativos podem predominar nas mediações, fato que é
apregoado pela teoria das emoções e sentimentos de Damásio (1996, 2000, 2004).
Com o passar do tempo, o professor sentiu-se impotente e o desânimo foi
tomando conta dele. Nas suas palavras: "não me sinto capaz de dar aula para essa
turma, nada serve, sinto tristeza, raiva, indignação e desprezo por essa turma, não
quero mais continuar a trabalhar com ela, não tenho o perfil esperado pelo coorde-
nador do curso". Os sentimentos de fundo e os básicos negativos predominaram, pois
havia sofrimento, e o professor afirma que não quer mais passar por um processo
semelhante. Chega a afirmar que não tem perfil para trabalhar com situações
conflituosas. Biologicamente, de acordo com Damásio (1996, 2000, 2004), o nosso
organismo busca reviver os sentimentos positivos e evita relembrar os sentimentos
negativos. Como o processo foi doloroso, ele não quer vivenciá-lo mais.
Outra situação que merece destaque, e que é apoiada na teoria das
emoções e dos sentimentos de Damásio (1996, 2000, 2004), é a saúde do prof. Y.
Afirma ele: "não perdi o sono com essa turma, não senti dor de estômago, mas sentia
ansiedade e angústia quando chegava o dia de trabalhar com ela".
105
Primeiramente, cabe uma pergunta: se compreendermos saúde como um
processo bio-psíquico-social-espiritual, a saúde do prof. Y foi afetada? A partir das
informações citadas por ele e dos indícios levantados anteriormente parece que
sim, pois o mesmo afirma que sentiu um alívio ao terminar o semestre e não ter
mais de trabalhar com a turma C. No entanto, a intensidade do sofrimento pode ter
sido enfraquecida, pois ele tinha muito prazer e sentia-se muito feliz em trabalhar
com as turmas A e B, conforme citado na caracterização das turmas no início
deste texto. Isto está de acordo com a teoria de Damásio, pois ele afirma que para
as emoções e sentimentos negativos não predominarem há que se vivenciar
emoções e sentimentos positivos mais fortes, o que neste caso ocorreu.
Vale ainda lembrar que, na teoria de Damásio, a intensidade não é
amiga da extensão e o equilíbrio não é estático; ele é dinâmico e sempre procura
o bem-estar ou a sobrevida (DAMÁSIO, 2004).
O fato de buscarem a sobrevida pôde ser observado nesse caso, quando o
professor e os alunos tornaram-se adversários e se defendiam uns dos outros. O
professor afirmou: "a cada dia a convivência ficou mais difícil, era briga o tempo todo, o
que eu propunha não servia, se eu propunha A eles queriam B". As aulas se desenvol-
veram num clima de rivalidade, em que as emoções e os sentimentos negativos
predominaram. Os alunos queriam atividades que contribuíssem no dia-a-dia profis-
sional e o professor queria que houvesse a reflexão crítica. Criou-se uma situação em
que as ações eram vistas como antagônicas, e não como complementares.
As situações conflituosas citadas acima favoreceram que a mediação
desse processo fosse sofrida, triste, gerando ansiedade e angústia. As emoções
básicas de tristeza e raiva dominavam o ambiente e os elementos que o consti-
tuíam, e essas emoções básicas se tornavam emoções sociais, como o embaraço,
a vergonha, o desprezo, o desrespeito, obstaculizando o processo de aprendi-
zagem. Como disse o professor Y: "não tenho mais idade para agüentar desaforos,
e eu respondia de acordo com as grosserias deles".
106
Estabeleceu-se uma relação de predador-presa, tendo ora o professor
como predador e os alunos como presas, ora o professor como presa e o alunos
como predadores. O processo foi dominado pela posição de retaliação, no sentido
biológico, ou seja, a relação era de defesa e de ataque de acordo com as situações
que eram geradas. Ambos se sentiam ameaçados, o que favorecia o aparecimento
dos estigmas da filogênese e da ontogênese da animalidade humana.
Não podemos deixar de lembrar que o nosso cérebro é marcado pela
evolução, pois é constituído por regiões antigas e regiões novas. A mais recente é
o neocórtex, que dá a possibilidade de que a consciência exista nos mamíferos da
espécie Homo sapiens e permite que os sentimentos façam parte da vida mental
dos seres humanos, porém em muitas situações o nosso cérebro reptiliano se
manifesta para a nossa preservação (DAMÁSIO, 2002, 2004).
Podemos ainda compreender a situação vivenciada pelo prof. Y de
acordo com a teoria da transdisciplinaridade, e para isso utilizemos a figura 6.
FIGURA 6 - RELAÇÃO PROFESSOR X ALUNOS DA TURMA C
FONTE: O autor
Os alunos e professores permaneceram no mesmo nível de realidade
(NR1) e de percepção (NP1) e criou-se a dualidade entre ambos. Não houve
oportunidade para que um terceiro elemento fizesse parte do processo (T) e
mudasse o nível de consciência. O espaço do sagrado ficou blindado, eles não
107
conseguiram penetrá-lo. O professor e os alunos firmaram as suas posições e não
abdicaram delas, não conseguiram dialogar mostrando a necessidade de cada parte,
não conseguiram enxergar além das posições adotadas, não conseguiram ouvir o
outro, permaneceram "cegos e surdos", não conseguiram se "desarmar", livrar-se
das amarras e das gaiolas que os aprisionavam, o que tornou o processo difícil de
ser suportado. "Ao terminar o semestre me senti aliviado, disse o professor Y."
3.2 DA PESQUISA DOCUMENTAL REFERENTE AOS PROGRAMAS
APRESENTADOS PELA RÁDIO B-SP E SOBRE OS TEXTOS SOBRE
VIOLÊNCIA ESCOLAR
Em outro momento desta pesquisa foram analisados os quatro programas
veiculados em julho de 2007 pela Rádio B-SP. Os programas trataram dos
seguintes temas:
1. Histórias de professores que sentiram na pele algum tipo de agressão.
2. Casos de profissionais agredidos e ameaçados de morte por estudantes.
3. Casos de agressão e ameaças não são exclusivos das escolas públicas.
As particulares, principalmente as da classe média, também vivenciam
esse fenômeno.
4. O que é preciso fazer para melhorar a convivência na sala de aula.
O primeiro programa traz informações importantes a respeito do que
divulgou no final do ano de 2006 o maior sindicato de professores da América
Latina, o APEOESP, que congrega 150.000 professores, a saber, que a violência,
as transgressões e a incivilidade estão presentes de maneira contundente na vida
das escolas, como podemos perceber na tabela 1.
108
TABELA 1 - TIPOS DE AGRESSÃO PRESENTES NAS ESCOLAS
PROBLEMA %
Agressão verbal 93,0
Atos de vandalismos contra a escola 88,5
Agressão física 82,0
Ameaças de violência 74,0
Intimidação de alunos e professores 68,0
FONTE: APEOESP (2006)
Os dados são preocupantes, haja vista a quantidade de agressões que
são vivenciadas diariamente nas escolas. A insegurança, a ansiedade e a angústia
se fazem presentes e são alimentadas pelo medo. Ele é que determina como as
pessoas se comportam, e as emoções básicas e os sentimentos de fundo se fazem
presentes.
Outros dados, apresentados na tabela 2, também chamam a atenção e
referem-se aos problemas de saúde desenvolvidos pelos professores
.
TABELA 2 - PROBLEMAS DESENVOLVIDOS PELOS PROFESSORES
PROBLEMA %
Cansaço 80
Nervosismo 61
Ansiedade 55
Esquecimento 48
Estresse 46
Angústia 44
Insônia 34
Depressão 25
Agressões físicas 11
Agressões morais 8
Ambientes de trabalho 4
FONTE: APEOESP (2006)
Como se observa, a saúde dos professores está muito comprometida, o
que acaba influenciando no processo de ensino-aprendizagem. Os professores
precisam ser cuidados para que possam cuidar dos alunos que estão sob a sua
responsabilidade.
Os dados permitem verificar como a luta pela sobrevivência é marcante
para os professores que trabalham nos sistemas escolares brasileiros. Nessa luta,
109
as emoções e sentimentos de fundo predominam, pois são eles que nos levam à
sobrevida e ao bem-estar.
As situações citadas anteriormente são graves e precisam ser levadas a
sério pelas políticas públicas e pelos gestores educacionais, pois caso isso
continue chegará o momento em que haverá falta de professores nos diferentes
níveis educacionais.
Um outro fato percebido na análise dos programas que tem preocupado as
autoridades, de maneira geral, é que os professores jovens estão desistindo da
profissão por falta de segurança e preferem fazer outra coisa qualquer, que não
exponha a sua integridade física. Como diz a professora A, que dá aulas há 07 anos:
Ele já foi torcendo meu dedo e me agrediu com o punho fechado, ele me
agrediu nos olhos, na cara. Sempre gostei de dar aula, mas tenho de
repensar, pois não sei o que será daqui para frente. Já passei por
psicólogos e psiquiatra e não consigo andar sozinha e nem pegar o
ônibus. Há confrontos em sala de aula com os alunos, a gente tenta mudar
a postura, as atitudes dos alunos, pois há um mundo melhor (RÁDIO B,
2007, PROGRAMA 01).
A fala da professora é marcante e mostra como a mediação da
aprendizagem é complicada no que tange à necessidade de mostrar aos alunos
que eles necessitam mudar de atitudes e comportamentos. Nesses momentos o
que tem ocorrido, na maioria das vezes, é o confronto, é a agressão das mais
diferentes formas, em que os jovens querem demonstrar que têm poder. O fato é
grave, mas parece que pouco tem sido feito para que esse fenômeno mude. Os
professores acabam ficando sós nesse processo de desgaste precoce em
que a emoção fundante é o medo. Nessa situação, mais uma vez os
sentimentos de fundo se fazem presentes a partir da emoção básica medo,
podendo gerar casos mais graves, como a depressão. Como diz a professora
A: "nós comunicamos à direção os fatos ocorridos, mas eles apenas conversam
com os envolvidos e na próxima aula eles já estão presentes na sala de aula"
(RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).
Em meio a essa violência há um fato para o qual se tem pouca
expectativa de mudança. No Rio de Janeiro, 166 escolas ficam em zonas de
110
tráfico, na Região da Penha e no Complexo do Alemão. O depoimento do professor
B é contundente:
As aulas terminam às 8h30 da noite, estabeleceu-se um toque de recolher.
Em cada esquina, na Avenida Itararé, há dois soldados da força de
segurança nacional prontos para atirar. O combate é eminente. As aulas
muitas vezes já foram suspensas porque parece que o tiroteio é aqui,
apesar de estar a 1 ou 2 km, por exemplo (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 1).
O ambiente dessas escolas é marcado o tempo todo pelo medo de uma
bala perdida atingir algum aluno, professor, funcionário ou alguém que esteja nesse
ambiente. A escola é refém dessa situação e não pode fazer nada para que o
sistema externo a ela possa mudar. Nesse processo pode-se perceber como os
sistemas externos à escola influenciam-na, como eles estão imbricados.
As autoridades no máximo avisam do perigo, como demonstra o diretor
executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, Norman Gall, num
caso que ocorreu em São Paulo: "o chefe do departamento de narcóticos da Polícia
Civil advertiu os professores: ‘é muito perigoso desafiar esses bandidos’. Essa foi a
única resposta oficial" (GALL, 2007, p.2). Esta advertência tem a ver com a morte
da diretora de uma escola municipal na comunidade pobre de Guaianases, em São
Paulo. Ela foi morta com duas balas na cabeça. A imprensa havia noticiado que ela
havia resistido ao tráfico dentro (sistema interno) e fora da escola (sistema
externo). Ela pagou com a vida por tentar mostrar um mundo melhor.
Como ser educador nesses lugares onde a sobrevivência é mais
importante? A nossa homeostase busca a nossa sobrevivência, e para isso utiliza
as emoções e sentimentos, que nesse caso estão ligados ao negativo e que
obstaculizam os processos educacionais, pois manter-se vivo é mais
importante. Somos máquinas de sobrevivência, como diria o biólogo Richard
Dawkins (2001), e lutamos pela nossa sobrevida (DAMÁSIO, 2004).
A marca da violência acompanha os professores o tempo todo, da escola
à sala de jantar nas suas casas. Eles têm como sombra constante a morte que os
perturba e os impede de desenvolver um trabalho que eles gostam de fazer, ou
111
seja, gostam de ensinar, como podemos perceber no caso da professora C de
Língua Portuguesa. Ela foi ameaçada por um aluno de 14 anos que está na 4ª
série do ensino fundamental.
Ele ia armado para aula e disse que ia me ‘apagar’. Nós queremos dar
aula porque gostamos de ensinar, mas nós não estamos podendo fazer
isso. Nosso trabalho passou a ser de conter e é uma coisa que nos faz
adoecer (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).
Isso pode ocorrer porque há emergências de situações nas quais os
professores não sabem como proceder, pois não foram preparados para trabalhar
com a contenção da violência.
A professora C mora perto da escola em que trabalha e perto da favela onde
o aluno mora. Ela está licenciada há dois meses e não se sentia segura nem dentro de
casa. Disse ela: "eu estava vendo o meu corpo morto na sala de jantar" (RÁDIO
B, 2007, PROGRAMA 2). O medo dominava-a completamente. Ela não conseguia
sequer dormir. Desenvolveu a síndrome do pânico e, depois de dois meses de licença,
está se preparando para voltar, mas diz: "eu quero ficar o menor tempo possível,
quero mudar de profissão" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).
Ela necessita mudar a sua organização de trabalho, não adianta mudar
apenas a sua estrutura, ou seja, mudar de escola. É preciso uma nova forma de
trabalhar e de um novo ambiente escolar em que as emergências possam ser
trabalhadas e que professores e alunos sejam respeitados e cuidados no processo
de ensinar e de aprender.
Um outro caso contundente é o da professora de Educação Física que está
há um ano em licença. Ela fazia uma atividade com seus alunos no campinho que há
na escola, quando um rapaz invadiu-o e começou a atrapalhar a aula. Disse ela:
Eu solicitei três vezes para ele parar, na quarta vez parei a atividade e fui
falar com ele e pedi para ele sair imediatamente e ele disse que me
mataria ou pediria para alguém da ‘boca’ em que ele vive fazer o serviço.
(RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2).
A partir disso desenvolveu medo, depressão, síndrome do pânico e gasta
R$ 500,00 por mês em remédios, em psiquiatras e psicólogos. Ela foi transferida
112
para outra escola e vai reassumir, porém ainda não se sente em condições de
fazê-lo. Ela disse: "só em pensar no que aconteceu, eu choro muito e quero deixar
de dar aula o mais rápido possível" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 2). Nesta situação
podemos perceber a importância de reconhecer que o medo habitará a memória da
professora de Educação Física, bem como todo o contexto que cercou as
experiências vivenciadas (LEDOUX, 2001).
Os casos comentados até agora se referem às escolas públicas, porém a
violência atinge também as escolas particulares, e o tratamento dado aos casos de
violência geralmente não chegam ao conhecimento público e os professores ficam
expostos à violência e à falta de ação dos gestores educacionais.
As situações se originam da mesma maneira que nas escolas públicas,
ou seja, quando o professor precisa chamar a atenção dos alunos para a mudança
de comportamento ou de atitude frente aos acontecimentos nas salas de aula e no
dia-a-dia. Os professores das escolas particulares se consideram como
mercadorias que são vendidas diariamente. Diz a Professora D:
É-nos passado que não podemos bater de frente com os alunos, pois eles
são os nossos clientes, são eles que nos pagam, sem alunos não há trabalho.
Isso é o que nos diz a direção da escola. Os acontecimentos diários são
passados à direção, que nada faz. Chamar os pais também não adianta, pois
eles dizem que pagam a escola e que a solução dos problemas é de
responsabilidade da escola (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 3).
Diante desses acontecimentos, os professores ficam à mercê de si
mesmos e acabam por se intimidar, pois de nada adianta tentar mudar os
comportamentos e atitudes dos alunos, porque temem sofrer retaliações dos
alunos e, mais grave ainda, dos gestores educacionais.
Os fatos anteriormente citados demonstram que a profissão de professor
passa a ser desvalorizada, como afirma a professora D: "Não me sinto mais
educadora, estou desacreditada, desestimulada, ineficiente, se amanhã eu tivesse
outra opção de trabalho eu mudaria de profissão" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 3).
Pode-se perceber, pela fala das professoras C e D, que o ensino
particular também está sofrendo dos mesmos problemas das escolas públicas:
113
incivilidade, transgressões e violência de alunos, o que faz com que os professores
queiram deixar a profissão. Esta situação é muito grave, pois a educação não pode
ser abandonada pelos governos e pelos gestores de escolas, pois caso isso se
aprofunde mais teremos aberto espaço para que a marginalidade e a
violência dominem os diferentes ambientes de convivência das pessoas.
Nas escolas particulares há ainda a violência moral, na qual os alunos
fazem chacota de professores e das escolas nos ambientes virtuais que estão
disponíveis na Internet. Diz a professora D: "as chacotas na internet nos
machucam muito, atingem o nosso espírito" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 3).
Aqui, existe a presença aguda das emoções sociais de vergonha, culpa, desprezo,
indignação e dos sentimentos sociais como melancolia, pânico, angústia. Devemos
destacar que esses sentimentos estão fortemente ligados a uma forma de
pensar sobre um determinado tema e que chega a se tornar um obstáculo na
vida das pessoas (DAMÁSIO, 2004).
A agressão moral atinge profundamente os professores, pois trata-se da
desconsideração do ser humano, da desqualificação dos professores por proporem
um mundo em que todos caibam e no qual a diversidade de formas e pensamentos
possa existir. Os sonhos possíveis evanescem, a utopia dilui-se e a educação se
reduz aos fatos diários, passa a ser uma educação para a defesa pessoal, as
emoções e sentimentos ficam restritos às diferentes formas de sobrevivência, pois
a animalidade do homem faz surgir os estigmas da filogênese, ou seja, primei-
ramente o indivíduo fica imobilizado esperando o que vai acontecer para reagir, e
em muitos casos a imobilização é tão grave que acaba por gerar transtornos
mentais incapacitantes.
Além dos casos já citados e analisados, há ainda alguns acontecimentos
que a imprensa nacional e internacional veiculou e alguns artigos publicados no
Brasil que fazem parte da análise desta pesquisa.
114
Em um trabalho publicado em dezembro de 2006 na revista Cadernos de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, intitulado: "Prevalência de transtornos mentais
comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil",
Sandra Maria Gasparini, Sandhi Maria Barreto e Ada Ávila Assunção demonstram
a importância de se cuidar da saúde dos professores.
O trabalho traz informações importantes sobre os 751 professores que
participaram da pesquisa. A idade média foi de 41 anos, 67% consumiam bebidas
alcoólicas, 49,1% não praticavam exercícios regularmente, e houve associação
entre os transtornos mentais e o uso de medicamentos para alterar o sono. Essa
pesquisa revela que a prevalência de transtornos mentais foi de 50,3%.
O que chama a atenção é a elevada prevalência de transtornos mentais
em uma população jovem, o que pode ser indicativo de um processo de desgaste
acelerado que promove uma série de alterações negativas na saúde dos
professores. O fato anterior não se restringe apenas ao Brasil. Em notícia publicada
no Site Notícias Terra, de 27 de fevereiro de 2007, há a informação de que em
Milão, na Itália, uma professora de 22 anos cortou a língua de um aluno de sete
anos, com uma tesoura, porque ele não parava de conversar.
O que está ocorrendo pode ser indicativo de que os professores novos
não estão sendo preparados para trabalhar conflitos e com a participação ativa dos
alunos. Ainda busca-se um silêncio que obstaculiza que as emergências possam
ser comentadas, socializadas e vivenciadas por outras pessoas. As escolas
querem tornar o silêncio sinônimo de aprendizagem, porém já foi demonstrado ad
nauseam que isso não é correto (DEMO, 1997). Evidentemente, barulho por
barulho também não garante aprendizagem, porém há que se pensar qual é o
barulho e o silêncio que os ambientes escolares precisam no processo de
educação. As emoções e os sentimentos estão presentes nas nossas ações
enquanto tivermos vida, e por isso necessitam ser reconhecidos e trabalhados nas
escolas (MATURANA, 1997, 2001).
115
Outra pesquisa, que corrobora a pesquisa anterior em relação aos
transtornos mentais dos professores, é a da Confederação Nacional dos Traba-
lhadores em Educação, realizada em parceria com o Laboratório de Psicologia do
Trabalho da Universidade Federal de Brasília, em 1.440 escolas do país, com 52
mil professores, a qual constatou que 48% dos professores estão com Síndrome de
Burnout
27
(ABP, 2006).
Os fatos anteriores demonstram que há a necessidade de que os
professores sejam cuidados na escola, e que a emoção fundadora nos
ambientes de aprendizagem não seja o medo.
Pior ainda é o descaso com que os governos tratam professores e alunos.
A notícia publicada pelo Globo On Line, em 14 de março de 2007, informa que uma
professora de filosofia da Escola E. L. C. M. F, na Cidade de Mogi Mirim (SP),
agrediu uma aluna a socos e canetadas porque ela achou que a menina estava
passando respostas para uma colega.
Esse caso ganha importância maior uma vez que a professora estava
trabalhando apesar de estar fazendo tratamento psiquiátrico desde 2001. Será que
esta professora já podia estar trabalhando?
Há, ainda, outros casos que merecem ser citados:
a) Em 20 de junho de 2006 (Folha Online). Uma professora foi
agredida por um aluno de 14 anos, dentro da sala de aula, em São
José do Rio Preto, a 440 km de São Paulo, no Noroeste do Estado,
na terça-feira, dia 19 de junho. O aluno ateou fogo no cabelo dela.
b) Em 28 de junho de 2006 (Folha Online). Uma professora da oitava
série do ensino fundamental foi agredida faz dez dias (18 de junho) em
Votorantim (102 km de São Paulo). Segundo a APEOESP (Sindicato dos
27
Síndrome de Burnout: O termo Burnout é uma composição de burn=queima e out=exterior,
sugerindo assim que a pessoa com esse tipo de estresse consome-se física e emocionalmente,
passando a apresentar um comportamento agressivo e irritadiço, Ballone (2006).
116
Professores), dois alunos começaram a dar "voadoras" (golpe em que a
pessoa salta e chuta o rosto do outro), enquanto a professora, de costas,
escrevia na lousa da sala de aula. Quando ela se virou, foi atingida na
boca por um chute de um dos garotos que arrancou os seus dentes. Os
alunos foram transferidos, e a professora está afastada. Segundo a
APEOESP, a recuperação dos dentes dela vai custar R$ 8.000,00.
Conforme a entidade, foi registrado boletim de ocorrência.
c) Em 29 de junho de 2006 (Folha Online). A professora E. M. S, 47
anos e apenas a dois anos da aposentadoria, pensou que já tivesse
vivenciado tudo o que uma escola pode proporcionar. Enganou-se. Na
tarde de 27 de junho, ela organizava a fila de seus alunos da 4ª série
da Escola M. E. B. M. M. L, na Vila São Pedro, em São Bernardo do
Campo (ABC), para retornar à sala após o intervalo. Enquanto isso, um
aluno de 9 anos, que estuda em outra sala da mesma série, fugiu de sua
fila e, ao passar correndo, empurrou alguns alunos e a própria profª E.
Como a professora do menino já havia entrado na sala, ela decidiu ir
atrás dele para levá-lo à classe.
O menino entrou no banheiro e tentou fechar a porta, mas eu consegui
impedir e, empurrando, tentei falar com o aluno pelo vão aberto. 'De
repente', ele tomou impulso e empurrou a porta, antes que eu conseguisse
tirar a minha mão. Só senti muita dor e vi a ponta do meu dedo (indicador
da mão direita) no chão (FOLHA ONLINE, 2007, p.2).
Os colegas da profª E. levaram-na ao hospital e tentou-se reimplantar a
ponta do dedo, mas sem sucesso.
A professora contesta o Estatuto da Criança e do Adolescente (
ECA).
Argumenta ela: "os professores estão com mãos e pés atados, ele só favorece os
alunos" (
FOLHA ONLINE, 2007, p.2). Esta situação é vista com freqüência nos
diferentes ambientes educacionais, porém o ECA traz os direitos e deveres dos
alunos, os quais precisam ser conhecidos pelos professores (RUOTTI, 2006). O
Título III do ECA trata da Prática de Ato Infracional das crianças e adolescentes,
descreve as disposições gerais no capítulo I, define os direitos individuais no
117
capítulo II, institui as garantias processuais no capítulo III, e no capítulo IV trata das
medidas socioeducativas, que são: advertência; obrigação de reparar dano;
prestação de serviços comunitários; liberdade assistida; inserção em regime de
semi-liberdade; internação em estabelecimento educacional (ECA, 2007).
Fato é que os professores precisam conhecer seus direitos e obrigações,
bem como os dos alunos. Os gestores educacionais devem conhecer o ECA e
utilizá-lo na gestão das escolas, podendo, desse modo, cuidar das pessoas que
freqüentam as escolas diariamente.
Os professores estão desencantados com a educação e acabam compro-
metendo a sua saúde mental. A violência contra eles os enfraquece, chegando ao
ponto de não conseguirem sequer passar em frente à escola onde trabalham. O
transtorno mental passou a dominar os professores (RUOTTI, 2006).
Os fatos anteriores não ocorrem apenas no Brasil. Há muitos países em
que a violência física já está presente e coloca em risco a integridade física dos
professores, dos alunos e de todos que freqüentam os ambientes escolares. Nos
Estados Unidos, especialmente em Nova Iorque, há muitos estudos e programas
contra a violência escolar. O que tem chamado atenção é o fato de haver
gangues exclusivas de meninas e gangues de crianças de 12 e 13 anos e a
ferocidade com que ocorrem as agressões (
GALL e ROBERTZ, 2007).
Esse fato é preocupante, pois as gangues estão se expandindo e
pessoas mais jovens estão envolvidas. Algumas se organizam sistemicamente
como ordens religiosas e usam códigos numéricos e linguagem de sinais
sofisticados, e acabam se envolvendo em atividades violentas e antissociais, como
pichações, vandalismo, intimidação, extorsão (
GALL, 2007). Portanto, não adianta
apenas punir, há que se dar oportunidade para que esses grupos se desorganizem
e se auto-organizem em novas e melhores condições.
Para Norman Gall, diretor executivo da Fundação Fernand Braudel de
Economia Mundial, no Brasil há menos debate, menos iniciativa, menos pressão
popular (GALL, 2007). Há a necessidade de novos programas e novas formas de
118
organização das escolas, bem como de novos currículos. É necessário que as
emoções e sentimentos sejam reconhecidos e trabalhados nas escolas.
Em outro momento, no documentário intitulado: Pro dia nascer feliz, um
dos diretores, F. T., afirma que em todas as escolas pesquisadas ficou demarcada
a questão do desinteresse dos alunos e o esforço dos professores para serem
ouvidos. O diretor do filme é mais incisivo: "essa geração que está se formando
tem de decidir se eles querem ser cidadãos ou vamos abrir um espaço para a
marginalidade" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 4).
Essa colocação é alarmante, pois não podemos abdicar da educação,
não podemos abrir espaço para que a violência determine o modo de vida das
pessoas, não podemos dar passos para trás em relação à vida em sociedade. É
necessário dar oportunidade para que a geração atual vivencie o diferente, o
diverso, e compreenda que a riqueza da vida se faz na diversidade que marca
todos os seres vivos, inclusive o homem, esse animal que possui consciência dos
seus atos. As emoções e sentimentos positivos devem ser vivenciados para que
possamos amenizar as emoções e sentimentos negativos.
Um outro ponto de vista importante em relação às emoções e senti-
mentos negativos é o de Gabriel Perice, doutor em filosofia da educação, que diz:
"o professor tenta domar os alunos, entrar com rédea curta, o professor já entra
apavorado, é um professor despreparado e acaba se tornando um mero cão de
guarda" (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 4). Estas constatações dão indícios de como
os transtornos mentais podem acabar acometendo os professores.
O professor é parte de problema e parte da solução, pois muita coisa que
ocorre em casa e na sociedade é repetida na escola, os sistemas se interpenetram.
A violência doméstica contra crianças e adolescentes se reflete na sala de aula.
Pode-se perceber, nestas situações, que a emoção fundadora é o
MEDO, pois o
cuidado foi deixado de lado nas vidas dessas crianças e adolescentes, e eles
tentam se proteger de mais agressões, nas escolas, retaliando as situações que
acontecem diariamente (
RUOTTI, 2006). Mais uma vez fica demonstrado que eles
119
lutam para sobreviver, pois os sentimentos e emoções negativos se fazem
presentes e dominam as pessoas envolvidas. Os estigmas da filogênese animal se
fazem presentes e colocam os indivíduos em posição de defesa, em que o contra-
ataque é uma possibilidade.
Como educar nesse contexto em que alunos e professores são vítimas
em um mesmo processo? Alguma coisa necessita ser feita, ou as escolas serão
ambientes em que predominarão pessoas desequilibradas, fragilizadas, medrosas e
que terão de trabalhar com educação.
Neste momento é importante destacar que, nessa atmosfera de violência,
há muito a ser feito para diminuí-la nas escolas. No entanto, já há casos em que
algumas respostas positivas estão aparecendo, como em Itaquaquecetuba, São
Paulo, onde foram registrados muitos casos de violência, os quais, atualmente,
começaram a diminuir, à medida que estão sendo desenvolvidos trabalhos
extraclasse, como em gincanas, nas quais foram coletadas cerca de duas tone-
ladas de material reciclável. Esse envolvimento deu início a uma melhora na quali-
dade de vida na escola (RÁDIO B, 2007, PROGRAMA 4). Norman Gall, executivo da
Fundação Braudel de Economia Mundial, concorda com a estratégia colocada em
prática e afirma:
É errado dar overdoses de inglês e matemática. Um conteúdo rico evita o
tédio e o mau comportamento dos garotos. Precisamos reciclar conti-
nuamente os professores e lhes oferecer um currículo integrado, pois os
padrões de comportamento e aprendizagem estão estreitamente
vinculados (GALL, 2007, p.5).
Os gestores educacionais precisam ter mais tempo com os professores para
analisar a educação que está sendo ofertada pelas escolas. Norman Gall enfatiza que
os professores não podem ficar isolados e sem respaldo quando enfrentam
transgressões, incivilidades e violências. É necessário que haja comitês que se
reúnam semanalmente para discutir como lidar com "garotos-problemas" (GALL, 2007).
As ações devem ser baseadas na educação. "Há que se ter muito basquete, futebol
americano, beisebol e atividades de clubes juvenis." (GALL, 2007, p.3).
120
Outras ações educativas podem estar relacionadas ao papel que o
professor representa no dia-a-dia nas escolas, como mostra a pesquisadora
brasileira Viviane de Oliveira Cubas, ao citar a pesquisa de Catherine Blaya (2003).
Os resultados mostraram que as escolas que apresentam menor número
de casos de agressões e onde a probabilidade de ocorrer eventos
violentos é menor são aquelas onde o papel dos professores não fica
limitado apenas à docência, mas inclui atividades extras com os alunos e
onde existe ainda a promoção da união do corpo docente e bons contatos
entre a escola e comunidade. Através de sua pesquisa descobriu ainda
que os mesmos alunos que são protagonistas de atos violentos sentem-se
agredidos quando não são escutados ou quando não há interesse efetivo
dos professores pelos alunos (CUBAS, 2006, p.40).
Muitas são as vezes em que os alunos são deixados à mercê deles
mesmos, e num ato de rebeldia, em que estão pedindo socorro para se salvarem
deles mesmos, os professores acabam por desistir de seus alunos. Evidentemente
que essas situações não podem ser reduzidas e simplificadas, pois os professores
sentem-se sós também, não são cuidados e não podem cuidar dos alunos que eles
têm nas turmas em que ministram as aulas, como já foi demonstrado anteriormente.
Não é apenas uma questão de ser amigo, de ser afetuoso, de ser
companheiro de jornada, de poder encarar os fatos da vida como eles são, pois para
isso é necessário que os professores se livrem do medo que os acompanha nas
atividades escolares e educacionais (RUOTTI, 2006). O medo obstaculiza as
mediações de aprendizagem. O que está sempre presente é a necessidade de
sobrevivência, em que a dor se manifesta de forma profunda. E nunca devemos
perder de vista que as situações que geram medo sempre permanecerão em nossas
memórias, como nos adverte Ledoux
(2000, 2001, 2004). Devemos lembrar ainda que o
nosso organismo evita relembrar as emoções e sentimentos negativos, isto é, aqueles
em que predomina a dor
(DAMÁSIO, 1996, 2000, 2004).
Portanto, é necessário que a educação contemple as emoções e senti-
mentos positivos, e que as emoções e sentimentos negativos que há na vida sejam
diluídos, arrefecidos, enfraquecidos, e que professores e alunos possam ser
parceiros no ato de viver e, mais ainda, no ato de bem-viver, em que todos cabem
em um mundo que se faz e refaz continuamente.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho pudemos verificar, a partir da pesquisa bibliográfica e
documental, da entrevista com um professor universitário e da construção de um
referencial teórico, que é necessário e urgente pôr em prática programas que
contribuam para a diminuição da violência escolar, pois as vítimas mais freqüentes
são os professores.
A partir dos fatos anteriores, a pesquisa permitiu evidenciar que há
violência nos diferentes ambientes educacionais, porém fica-se apenas na consta-
tação desse fato, e isso tem contribuído para que esse fenômeno se agrave cada
vez mais. A tarefa de ensinar passou a ser sofrida, pois os sentimentos que
predominam são aqueles em que o prazer é raro, o que domina é a dor, isto é, são
os sentimentos negativos que permeiam as ações diárias, junto com os senti-
mentos de fundo, como a excitação, o mal-estar, a fadiga, o desequilíbrio e a
discórdia. Esses sentimentos estão relacionados à sobrevida e à sobrevivência.
A sobrevivência na escola é cansativa, dolorosa, pois a violência se mani-
festa das mais diversas formas possíveis, porém o que mais tem chamado a atenção
são a ferocidade e a crueldade com que os alunos atacam os professores. Passou-se
da agressão verbal ao ataque físico anunciado, ou seja, os professores são
ameaçados todos os dias. A escola passou a ser um lugar de embates e confrontos.
Os fatos anteriores demonstram que o fenômeno da violência escolar
precisa ser entendido de maneira mais profunda. De acordo com o referencial
proposto neste trabalho, constatamos que a violência escolar é um fenômeno
complexo e sistêmico, e possui várias formas de organização. Estas vão mudando
de acordo com as retaliações que vão ocorrendo diariamente, isto é, a auto-
organização se faz presente a partir das emergências diárias manifestadas nos
diversos ambientes escolares e estão relacionadas à própria escola, e outras estão
associadas aos sistemas externos à escola e são mais difíceis de serem traba-
lhadas, apesar de não ser tão difícil identificá-las.
122
A identificação da violência por meio das falas dos professores é incisiva,
pois demonstra que o medo predomina e imobiliza ou gera reações de defesa.
Nesse processo, as emoções são facilmente identificadas, porque elas são
públicas e expressas pela corporeidade. Já os sentimentos preocupam mais,
pois somente os seus portadores é que sabem o que se passa com eles. Essa
situação é extremamente importante para evitarmos os ataques de violência
praticados pelos alunos e para que os professores não desenvolvam transtornos
mentais e possam ter uma vida mais saudável e feliz.
Atualmente, professores e alunos não são mais companheiros de jornada.
Eles passaram a ser rivais, a se defenderem uns dos outros. Os professores têm
atuado como contendores de conflitos, porém não estão preparados para executar
essa função, o que os torna vítimas também desse processo de violência que toma
conta da vida diária de cada um e faz com que adoeçam, pois o diálogo está
obstaculizado e não há como buscar o entendimento necessário dos processos
complexos e transdisciplinares.
Neste trabalho ficou patente, e de modo incontestável, a presença do
medo na vida das pessoas que desenvolvem atividades nas escolas e as
conseqüências que são geradas a partir dele. Cabe-nos enfatizar, mais uma vez, o
efeito pernicioso do medo, pois este, quando fora de controle, imobiliza, gera reta-
liações, gera doenças, como a síndrome do pânico, podendo levar à depressão e a
casos mais graves.
A escola não deve repetir e enfatizar o que está acontecendo fora dela,
porém não pode simplesmente ignorá-lo, pois estaria criando um mundo artificial e que
faria com que as pessoas que ali vivem fossem presas fáceis do mundo extramuro.
Evidenciou-se de forma inconteste que os professores estão sofrendo
muito no processo de educar, pois acabam se tornando vítimas desse processo,
ora por serem vítimas de ataques de violência contra eles, ora por perderem seus
alunos para o tráfico, para a prostituição, para o roubo e outras atividades danosas
à vida dos alunos. Sentem-se culpados por não poderem fazer nada, vencidos,
123
impotentes e, o pior de tudo, acabam ficando sós com seus sofrimentos, sem que
ninguém cuide deles, o que torna a tarefa de ensinar doentia para todos os que
participam dela.
Finalmente, verificamos que é possível um melhor entendimento da
violência escolar a partir do referencial teórico proposto, pois o mesmo contempla a
complexidade e seus componentes: o diálogo, a organização, os sistemas, as emer-
gências, as emoções, os sentimentos e o medo, que se manifestam nos atos de
violência escolar, e a transdisciplinaridade, que nos dá a perspectiva de um terceiro
elemento que vê os fenômenos de uma maneira mais sensível e despojada de
discriminações e preconceitos.
A seguir passaremos a apontar algumas recomendações para o desen-
volvimento de estratégias que possam vir a diminuir o mal-estar presente nas
escolas em relação à violência.
124
RECOMENDAÇÕES
A pesquisa verificou que os professores estão sendo deixados a sós nos
processos de violência contra eles. Também permanecem solitários quando os
alunos são aliciados pela marginalidade. Portanto, é fundamental que os
professores sejam cuidados pelos gestores educacionais. Eles necessitam de
apoio institucional, tanto pedagógico quanto de profissionais da área da saúde
mental, pois se isto não ocorrer, provavelmente haverá falta de professores em
um curto espaço de tempo.
Alunos e professores devem realizar atividades extraclasse juntos para poderem
se conhecer e reconhecer que ambos sentem coisas parecidas, e que tais
sentimentos ajudam a formar vínculos, pois ambos são vítimas de um mesmo
processo de violência e sofrimento nos ambientes educacionais.
Há muito tempo já se sabia que a construção e a manutenção de relações com
pessoas aceitas socialmente é o melhor caminho para prevenir a violência.
Os professores não podem desistir dos alunos, pois muitas vezes estes estão
pedindo socorro para se salvarem de si mesmos. Caso isso não ocorra, mais
uma vez eles sentirão grande rejeição, e a violência será a única forma de se
fazer ouvir, de ser reconhecido e obter respeito dos outros, mesmo que coloque
em perigo a integridade física das pessoas que vivem nesses ambientes.
O estudo desenvolvido indica que aos professores não cabe só a tarefa de
socializar o conhecimento. Tão importante quanto promover a construção do
conhecimento é estabelecer vínculos que ultrapassem os espaços de confinamento
chamados salas de aula.
Nos espaços educacionais, em especial na escola, a racionalização enquadra,
padroniza, porém, a racionalidade, emergente da complexidade do sistema
escolar, remete a um diálogo entre a lógica da ciência e o mundo real. Portanto,
o diálogo deve ser a marca fundamental para superar medos, pois sem que os
125
alunos sejam ouvidos e exponham o que sentem e o que os motiva a serem
violentos não haverá mudanças no cotidiano e na convivência.
Os professores carecem de cuidados técnicos e emocionais para o enfren-
tamento dos conflitos emergentes no dia-a-dia da escola. Há que se ter a
presença de mediadores da própria escola para realizar uma escuta sensível e
dar mais atenção aos sonhos e desilusões por que passam os professores, para
ajudá-los a superar o que a vida lhes coloca.
Há que se dar oportunidade para o re-surgimento da criatividade do professor,
pois a rotina acaba por gerar tédio e cansaço e propicia que as incivilidades se
manifestem.
As emoções de fundo são reveladas na música da voz, no discurso do professor.
O estudo revelou que a inibição constante dos impulsos e motivações dos
professores provoca medo e sentimentos de impotência. Criar e implementar
ações que auxiliem na reflexão dos processos comunicativos do professor é
tarefa urgente dos gestores educacionais.
É necessário que sejam desenvolvidos programas que demonstrem como se
distanciar criticamente da violência social que se manifesta diariamente.
Evitar a naturalização e a aceitação da violência escolar, nos seus múltiplos
aspectos, é o desafio de gestores educacionais, professores, mas também da
sociedade que mantém e perpetua a escola.
Vivenciar práticas pedagógicas que propiciem aos alunos desenvolver as suas
potencialidades como seres humanos, abordando os aspectos físicos, sociais,
psíquicos e espirituais em constante diálogo com a realidade, promoverá a
inclusão e a conseqüente substituição da violência pelo convívio solidário.
Deve-se banir o medo das escolas, pois, ao gerar violência, provoca inibição.
Eliminar o medo não significa que na escola se possa fazer o que se quer e
quando se quer. Há que se construir pela via do diálogo, coletivamente, meca-
nismos de superação da violência e a construção da com-vivência.
126
O medo, como modulador das atividades que exigem certos riscos, é normal e
está presente nos seres humanos e em outros animais. Portanto, com-viver com
o medo é natural à condição humana. Assim, emoções e sentimentos emer-
gentes das relações entre professores e alunos têm como ponto de partida o
desafio da interdisciplinaridade.
As múltiplas realidades presentes nos ambientes educacionais remetem a uma
educação que contemple emoções e sentimentos que façam com que profes-
sores e alunos possam ser parceiros no ato de viver e bem-viver.
A transdisciplinaridade, presente nos discursos educacionais, só será concreta e
real se a emoção fundante dos processos de aprendizagem for o amor. Pois ele
permite que as pessoas aceitem e sejam aceitas, assim como transforma o invisível
e o inaudível, fazendo-o ressurgir nas coisas em que antes estava escondido.
O medo de não sobreviver gera diferentes ações que objetivam controlar a mente
e o corpo. Os processos educacionais estão impregnados pelo medo contextual.
Para a sua superação, as mediações presentes nas atividades escolares devem
promover a acolhida, e respeitar a diversidade para garantir o convívio e a
aprendizagem efetiva.
A insegurança e a incerteza sobre o futuro criam medos insuportáveis aos profes-
sores e aos alunos, gerando problemas no contexto escolar. É desafio para ambos
reconhecê-los para poder agir e conviver com eles enfrentando os imprevistos
com os recursos emocionais e mentais construídos pela via do diálogo e da
amorosidade.
É necessário ao professor dormir, comer, praticar exercícios, controlar o excesso
de trabalho e ter lazer de maneira equilibrada para que os medos se manifestem
de maneira natural em seu dia-a-dia e não os imobilizem.
As bases biológicas das emoções e sentimentos presentes na problemática educa-
cional têm provocado muitos medos, pois não têm sido percebidas e tratadas em
sua complexidade, provocando diferentes manifestações de violência, comprome-
tendo a aprendizagem e o desenvolvimento de pessoas inteiras capazes de
construir uma sociedade equilibrada.
127
Os sistemas de violência presentes no cotidiano devem ser objetos de estudo e
intervenção das instituições e organizações que constituem a rede da sociedade
brasileira. Não podem ser atribuídos unicamente à incompetência dos professores e
à ineficiência do sistema educacional brasileiro.
A escola, os professores e os alunos são partes do problema e da solução. Prova
disso é que suas ações têm demonstrado uma busca de convivência possível na
escola e fora dela.
Uma sociedade em busca de uma nova ética gera medos, emoções e sentimentos
que ultrapassam os limites da sala de aula. Portanto, buscar a autonomia, o bem-
viver e a superação do que oprime e aprisiona só será possível quando a amorosi-
dade for o elemento mediador da comunicação entre os indivíduos e se transformar
em atitude.
128
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135
APÊNDICE 1
ENTREVISTA COM O PROF. Y
1. Qual é a sua formação?
2. Há quanto tempo o senhor está no magistério superior?
3. O que o senhor espera dos seus alunos no início de cada curso?
4. Como o senhor percebe o comportamento dos seus alunos atuais em relação
aos alunos do início de sua carreira no magistério superior?
5. O senhor já teve de trabalhar com uma turma que lhe gerava mal-estar?
6. O que esta turma fazia para gerar mal-estar no senhor?
7. O que o senhor sentia ao se aproximar o dia de trabalhar com essa turma?
8. A sua saúde ficou comprometida durante o período em que o senhor trabalhou
com essa turma? Quais eram os sintomas?
9. Quais as ações que o senhor desenvolveu para tentar mudar o comportamento
da turma?
10. Como o senhor se sentiu ao acabar o curso?
11. O senhor daria aula novamente para esta turma? Por quê?
12. O que ficou de positivo para o senhor desta situação vivenciada?
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