A força das imagens apresenta algo que é de natureza inefável, a epíphasis, a
aparição que faz com que alguém que se sente olhado levante os olhos.
O poder impronunciável de ser olhado e, através deste olhar, ser indagado,
conduzido, levado até um outro espaço. Se um trabalho de arte é capaz de construir
perguntas, de fazer pensar, o faz por vias de um poder, algo como a lenda aborígine
coletada por Ronald M. Berndt em Lower Murray River, Austrália:
Quando um homem está na planície e eu na colina, eu o vejo falando
comigo, tranqüilamente. Ele me vê e se vira para mim. Eu digo: estas
me ouvindo? Eu balanço a cabeça, olhando com severidade. Depois,
fixo meus olhos nele e digo: vem depressa! Enquanto olho para ele
fixamente, vejo que ele se volta, porque sentiu meu olhar. Ele ainda
vira para o outro lado e olha ao redor, enquanto eu continuo a mirá-
lo. Eu lhe digo, então: vem aqui, agora, aqui onde estou sentado. Ele
vem até mim até onde eu estou, sentado atrás de uma moita. Eu o
atraio com meu poder (miwi). Nenhum gesto, nenhum grito. No final,
ele sobe a colina e vem até mim. Ele me diz: falaste comigo e eu
ouvi. Como podes falar assim? Explico e ele diz: eu senti suas
palavras enquanto falavas, e, depois, senti que estavas ai. Respondi:
é verdade, foi assim que te falei e tu sentiste as palavras e também
este poder.
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Neste sentido, não existem imagens inovadoras, ou elas são capazes,
poderosas, ou são imagens ‘cegas’, que não são capazes de evocar esse poder.
Para evocar o silêncio, a imagem deve encarnar algo maior do que sua própria
dimensão de matéria.
Não compreendo bem o que em arte se chama inovador. Uma obra
deveria ser compreendida pelas gerações futuras? Mas por que? E o
que isso significaria? Que elas poderiam utilizá-las? Para quê? Não
entendo. Mas entendo bem melhor – ainda que obscuramente – que
toda obra de arte que queira alcançar as mais grandiosas proporções
deve, com uma paciência e uma aplicação infinitas desde o momento
de sua elaboração, descer aos milênios, juntar-se, se possível, à
noite imemorial povoada de mortos que irão se reconhecer nessa
obra.
Não, não, a obra de arte não se destina as novas gerações. Ela é
ofertada ao inumerável povo dos mortos. Que a aceitam. Ou a
recusam. Mas esses mortos de que falo nunca foram vivos. Ou então
os esqueci. Foram vivos o bastante para que os esqueçamos, já que
sua vida tinha por função fazê-los transpor essa tranqüila margem de
onde aguardam um sinal – vindo daqui – e o reconhecem.
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Apud: VIOLA, Bill. In: LANCETTI, Antônio (org).Cadernos de subjetividades, O Reencantamento
do Concreto. SP: editora Hucitec/Educ, 2003 (p 65).
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GENET, Jean. O ateliê de Giacometti. SP: Cosac & Naify, 2000 (p 14- 15)