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feiticeiro negro buscar a sua fortuna. A casa do feiticeiro é descrita como “coberta de
palha da mais feia aparência, cuja frente suja e testada enlameada bem denotavam
que dentro o asseio não era muito grande” (ALMEIDA, 1997, p. 24). Essa imagem de
sujeira está, também, na narrativa, ligada à de feiúra, sendo o feiticeiro sem nome
descrito como “um caboclo velho, de cara hedionda e imunda, e coberto de farrapos”
(ALMEIDA, 1997, p. 24); em outras palavras, era um “nojento nigromante”
(ALMEIDA, 1997, p. 25) que, além de outros defeitos, cobrava, como pagamento das
venturas e felicidades concedidas, o “cômodo preço da prática de algumas
imoralidades e superstições” (ALMEIDA, 1997, p. 25). Em suma, o narrador usa a
imagem de um feiticeiro que, através dos qualificativos empregados para descrevê-
lo, concentrava os atributos de feiúra, sujeira, imoralidade e feitiçaria, ou seja, a do
estereótipo do escravo desprezível.
As Vítimas Algozes – Quadros da Escravidão, de Joaquim Manuel de
Macedo, publicado em 1869, doze anos antes da publicação d’O Mulato, é composto
de três novelas: Simeão – o crioulo, Pai-Raiol – o feiticeiro e Lucinda – a mucama.
Neles, o narrador busca justificar a necessidade da abolição da escravatura por um
motivo bem claro: os escravos são perniciosos ao convívio dos brancos, seus
senhores. Estes são, muitas vezes, laureados, na narrativa, por sua grande
bondade, já que “nunca em parte alguma do mundo houve senhores mais humanos
e complacentes do que no Brasil” (MACEDO, 1991, p. 62). A obra macediana é,
portanto, um alerta aos senhores donos de escravos a respeito não só do mal “que o
senhor, ainda sem querer [grifo meu], faz ao escravo” (MACEDO, 1991, p. 4), mas,
também, dos “vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes instintos do escravo”
(MACEDO, 1991, p.4), fato que atenta contra “a fortuna, a vida e a honra dos seus
incônscios [grifo meu] opressores” (MACEDO, 1991, p. 5). Nessas novelas,
encontra-se, em primeiro lugar, constantes referências à selvageria do escravo, “o
animal composto de gelo e ódio” (MACEDO, 1991, p. 29), já que o “gelo de
indiferença selvagem, ingratidão perversa (...) não se encontram, senão na alma do
escravo!...” (MACEDO, 1991, p. 26). O narrador de Simeão – o crioulo afirma que,
enquanto os brancos conhecem um amor puro como “aromas exalados por duas
flores” (MACEDO, 1991, p. 45), os escravos, “sem o socorro da poesia dos
sentimentos que alimenta o coração e o transporta às regiões dos sonhos que se
banham nas esperanças de santos e suaves laços, (...) só se deixam arrebatar pelo