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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Orison Marden Bandeira de Melo Júnior
Paralelo entre O Mulato de Aluísio de Azevedo e The House Behind the Cedars
de Charles Chesnutt: Preconceitos e Contradições
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM
LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
SÃO PAULO
2007
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Orison Marden Bandeira de Melo Júnior
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Literatura e Crítica
Literária, sob orientação da Profa. Dra. Beatriz
Berrini.
SÃO PAULO
2007
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Banca Examinadora
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
À minha mãe, sempre!
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Dra. Beatriz Berrini, por seu conhecimento, competência,
sabedoria, paciência e prontidão; por todas as contribuições e orientações em
relação à minha pesquisa e, acima de tudo, pela honra que me deu de ser seu
orientando
À Profa. Dra. Maria Aparecida Junqueira, por ter, tão graciosamente, a despeito de
todas as suas atribuições, aceitado o convite de participar da Banca de Qualificação
e Defesa, e por todas as suas preciosas contribuições na minha pesquisa
Ao Prof. Dr. Paulo José Benício, meu primeiro professor de inglês, por todas as
palavras de encorajamento e de confiança; por ter aceitado, tão prontamente, o meu
convite de participar das Bancas de Qualificação e Defesa, e por todas as suas
contribuições na minha dissertação
A todos os professores das disciplinas que cursei, por sua contribuição, direta ou
indiretamente, para a realização deste trabalho
À Ana Albertina, por sua paciência e amizade; por todas as palavras de apoio e
incentivo
À minha mãe, Cleide, e minhas irmãs, Jane, Iara e Márcia, que, mesmo longe, me
mantiveram em seu pensamento e suas orações
A Carlos Carneiro, por seu apoio em todos os momentos desta caminhada
À Rosemary, Adriana e Gisele, amigas e colegas de mestrado, por todo o apoio e
companheirismo
A todos os parentes e amigos que torceram pelo meu sucesso
“Eu tenho um sonho de que meus quatro
filhinhos, um dia, viverão numa nação onde não
serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo
conteúdo do seu caráter.”
Martin Luther King Jr.
RESUMO
A presente pesquisa retrata a proposta de um estudo comparativista entre O
Mulato, de Aluísio Azevedo e The House Behind the Cedars, de Charles Chesnutt,
objetivando verificar algum indício de preconceito racial na voz do narrador dos
romances. Diante disso, procurei, em primeiro lugar, analisar algumas teorias
científicas que defendiam a inferioridade da raça negra e a sua representação na
literatura através de vários estereótipos encontrados não só nas obras que se
constituem o corpus deste trabalho, mas também em romances que os
antecederam. Ademais, visitei alguns conceitos da literatura comparada que
nortearam não comparação entre esses dois romances de fronteira, como
também a utilização de noções da ciência, da história e da religião. Verifiquei, assim,
que as duas obras eram análogas em vários aspectos; entre eles, cito: (1) cidades
pequenas e preconceituosas; (2) eventos históricos que determinavam o tempo
cronológico das tramas; (3) narrador onisciente, em terceira pessoa e intruso; (4)
narração com indícios de preconceito do narrador; (5) heróis afro-descendentes com
características físicas e culturais de heróis brancos; (6) fim do herói pela morte e (7)
relacionamento inter-racial como o elemento instigador do preconceito racial
representado nos romances. Entre as características individuais de cada obra,
apontei (1) o ângulo de visão de cada romance, que o mundo representado em O
Mulato é o mundo dos brancos, enquanto o de The House Behind the Cedars é o
dos negros, e (2) a consciência da ascendência negra, ausente no protagonista da
obra brasileira, mas sempre presente no da obra americana. Finalmente, procurei
responder à pergunta de pesquisa, concluindo acreditar haver contradição na voz do
narrador, que, apesar de narrar uma trama cuja função ideológica era combater o
racismo, corrobora, na sua narrativa, as teorias científicas racistas, através da
descrição estereotipada de personagens secundárias e da descrição dos heróis afro-
-descendentes com características físicas e culturais de heróis brancos.
Palavras-chave: Aluísio Azevedo, O Mulato, Charles Chesnutt, The House Behind
the Cedars, Narrador, Racismo
ABSTRACT
The present research proposes a comparative study between O Mulato, by Aluísio
Azevedo and The House Behind the Cedars, by Charles Chesnutt, aiming at verifying
some evidence of race prejudice in the voice of the novels’ narrators. Due to that, I
first tried to analyze some scientific theories which have defended the inferiority of
the black race and their portrayal through various stereotypes found not only in the
novels which constitute the corpus of this study, but also in some prior to them.
Furthermore, I examined some concepts from Comparative Literature which guided
not only the comparison between the two frontier novels but also the use of notions
from Science, History and Religion. Thus, I verified that both narratives were
analogous in various aspects, among which I mention: (1) small and prejudiced cities;
(2) the chronological time of the plots determined by historical events; (3) third-
person omniscient and intrusive narrators; (5) afro-descendent heroes portrayed with
physical and cultural characteristics of white heroes; (6) the end of the heroes by
death, and (7) interracial relationship as the intriguing element of racial discrimination
portrayed in the novels. Among the individual characteristics of each book, I pointed
out (1) the angle of vision in the narratives, since the world depicted in O Mulato is
the world of white people whereas the world in The House Behind the Cedars is the
world of black people, and (2) the consciousness of black ancestry, which is not
found in the main character of the Brazilian novel and is always present in the main
character of the American novel. Finally, I tried to answer the research question by
concluding that I believe that there is a contradiction in the voice of the narrator, who,
although telling a plot whose ideological function is to fight against race prejudice,
corroborates the racist scientific theories by describing secondary characters in the
narratives stereotypically and afro-descendent heroes with physical and cultural
characteristics of white heroes.
Keywords: Aluísio Azevedo, O Mulato, Charles Chesnutt, The House Behind the
Cedars, Racism, Contradiction
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1:
O Conflito Familiar em O Mulato.......................................................... 36
Figura 2:
Árvore Genealógica de Chesnutt......................................................... 45
Figura 3:
Jim Crow…………………………………………………………………… 51
Figura 4:
O Terror do KKK...................................................................................
56
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Comparação dos Estereótipos de Escravos em Obras Anteriores
a’O Mulato...........................................................................................
36
Quadro 2: Palavras do Narrador que Ratificam os Estereótipos de Escravos
em O Mulato........................................................................................
41
Quadro 3: Palavras do Narrador que Ratificam os Estereótipos de Escravos
em The House Behind the Cedars......................................................
69
Quadro 4: Resumo dos Traços Comuns Inerentes às Obras.............................. 83
Quadro 5: Resumo das Características Individuais de Cada Obra......................
88
SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................
12
Capítulo 1. A Voz do Narrador d’O Mulato de Aluísio
Racismo.................................................................................................................
17
1.1.
Conhecendo o Conceito de Realismo na Literatura Naturalista............. 17
1.2.
As Teorias Racistas no Romance Oitocentista Brasileiro.......................
22
1.3.
As Teorias Racistas em O Mulato de Aluísio Azevedo...........................
36
1.4.
Algumas Considerações..........................................................................
42
Capítulo 2. A Voz do Narrador de The House Behind the Cedars
de Charles
Chesnutt e a Linha de Cor...................................................................................
44
2.1.
Conhecendo Charles Waddell Chesnutt e
The House Behind the
Cedars.....................................................................................................
44
2.2.
A Linha de Cor em Uncle’s Tom Cabin (A Cabana do Pai Tomás)
de
Harriet Stowe...........................................................................................
48
2.3.
A Linha de Cor em The House Behind the Cedars de Charles
Chesnutt……………………………………………………………………….
62
2.4.
Algumas Considerações………...............................................................
69
Capítulo 3. Vozes em Paralelo entre os Dois Romances .................................
71
3.1.
Conhecendo Alguns Conceitos da Literatura Comparada......................
71
3.2.
Traços Comuns Inerentes às Obras........................................................
75
3.3.
Características Individuais de Cada Obra...............................................
84
3.4.
Algumas Considerações..........................................................................
88
Conclusão.............................................................................................................
90
Referências Bibliográficas..................................................................................
94
1. Obras que Constituem o Corpus da Dissertação....................................
94
2. Outros Romances Analisados.................................................................
94
3. Obras de Teoria da Literatura e de Literatura Comparada.....................
94
4. Outras Obras Consultadas......................................................................
96
12
INTRODUÇÃO
Pretendo, com este trabalho de investigação, retomar o tema do preconceito
racial, já retratado em diferentes obras por autores brasileiros e americanos na
segunda metade do século XIX. Entre elas, destaco O Mulato de Aluísio Tancredo
Gonçalves de Azevedo, publicado em 1881, e The House Behind the Cedars de
Charles Waddell Chesnutt, publicado em 1900. Ambos romances são o corpus deste
trabalho. Esta pesquisa objetiva, portanto, o estudo comparatista entre essas duas
obras.
Segundo Tânia Carvalhal, as literaturas de fronteira podem ser vistas como
“conjuntos supranacionais de unidades históricas análogas” (2003, p. 157). É
importante a menção de que, para a teórica da Literatura Comparada, o conceito de
fronteira é uma “convenção estruturante, que pode ser mais de natureza cultural do
que realmente de natureza geográfica ou política” (CARVALHAL, 2003, p. 156).
Diante desses conceitos, sinto-me à vontade ao comparar obras que, apesar de
terem sido escritas em países diferentes, possuem uma unidade, a realidade
histórica e social da escravidão. A autora ainda acrescenta que a “identificação em
textos distanciados no tempo e no espaço de uma mesma temática (...)” ajuda “a
construir a comunidade interliterária” (CARVALHAL, 2003, p. 168). É pensando,
portanto, nessa comunidade interliterária que me proponho a traçar paralelos entre
as obras aluisiana e chesnuttiana, que ambos narradores intentam relatar uma
trama que analisa o mesmo tema: a segregação racial.
O Mulato é o segundo romance aluisiano e o primeiro romance
reconhecidamente naturalista brasileiro. Seu enredo trata da questão do
relacionamento inter-racial entre um homem mestiço e uma mulher branca, que,
mesmo diante do parentesco próximo, por serem primos, são privados do
casamento devido à questão racial. Similarmente, The House Behind the Cedars,
ainda não traduzido para a língua portuguesa, narra a história do amor entre uma
mulher negra cuja tez embranquecida lhe permite passar por branca e um eminente
jovem branco da Carolina do Sul. Apesar da iminência do casamento dos dois, o
compromisso é quebrado quando o jovem descobre a ascendência africana da
moça.
13
Aparentemente, portanto, tanto a trama d’O Mulato quanto a de The House
Behind the Cedars possuem o teor denunciatório do racismo, comum a ambas as
nações. Apesar de o Brasil e os Estados Unidos possuírem histórias diferentes, as
duas obras trataram da instituição da escravidão dos africanos e da segregação
racial subseqüente e examinaram a questão da posição do negro em uma sociedade
de hegemonia social branca. Diante disso, será necessário a investigação das
teorias científicas referentes aos negros, surgidas na segunda metade do século
XIX, que defendiam a inferioridade da raça negra, para proceder a análise da fala do
narrador nos dois romances aqui comparados, visando verificar se o narrador
corrobora a tese científica da inferioridade física e moral do negro tão em voga na
sociedade branca dos dois países. Proponho-me, portanto, a responder à seguinte
pergunta :
Como uma narrativa, com um enredo denunciador do preconceito racial,
pode apresentar a identidade segregacionista do próprio narrador?
A hipótese que orienta esta pesquisa, entretanto, é que o narrador, mesmo
relatando uma trama que denuncia o racismo, deixa índices do seu próprio
preconceito, através das palavras que usa para descrever, de forma estereotipada, o
elemento negro presente na narrativa, aludindo, também, ao embranquecimento dos
heróis de ambas as obras e ratificando, dessa forma, a teoria científica da
inferioridade da raça negra.
Diante desse desafio, procurarei analisar, criticamente, as obras O Mulato de
Aluísio Azevedo e The House Behind the Cedars de Charles Chesnutt, a fim de
traçar paralelos que poderão ajudar a encontrar respostas para o problema
levantado pela pesquisa. Como mencionado, esses romances, apesar de
pertencerem a cânones diferentes, têm em comum o tema da segregação racial em
um período também coetâneo.
Julgo imperiosa a menção de que essa pesquisa será o resultado da inserção
do meu olhar, em pleno século XXI, em romances que, embora escritos mais de
cem anos, permitiram a apresentação do meu horizonte mundivivencial para as
obras (JAUSS, 1979). Não é, absolutamente, minha intenção determinar se os
14
autores das obras eram ou não racistas. O objetivo desta pesquisa não será apoiar a
crítica biográfica ou sobrelevar o extraliterário, o social. Pelo contrário, proponho-me
a buscar, no texto, o objeto deste trabalho de pesquisa, ou seja, as caracterizações
preconceituosas presentes na fala do narrador. Faço, portanto, minhas as palavras
de Antônio Cândido (2000), que afirma que
(...) o externo [grifo do autor] (no caso, o social) importa, não como
causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha
certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto,
interno [grifo do autor] (p. 6).
O primeiro capítulo compreenderá, portanto, da análise d’O Mulato, que, por
ser uma obra reconhecidamente realista-naturalista, torna necessário a reflexão
sobre alguns conceitos da teoria literária, concernentes ao Realismo-Naturalismo e
sua referencialidade de acordo com Costa Lima (1974), Antonio Candido (2000),
Wellek ([19-]) e Süssekind (1984). Além disso, serão visitadas algumas teorias
científicas defensoras da inferioridade da raça negra, conforme Agassiz (2000) e
Nott (2005), cujo reflexo estendeu-se até pensadores brasileiros como Sílvio Romero
(1980), Joaquim Nabuco (1883) e Nina Rodrigues (1988). Ademais, utilizando a
classificação feita por Brookshaw (1983) dos estereótipos do escravo negro que
corroboram essas teorias científicas, a fim de verificar se havia ou não a presença
dessas classificações preconceituosas em suas narrativas, serão analisados, por
ordem cronológica, os seguintes romances: Memórias de Um Sargento de Milícias,
de Manuel Antônio de Almeida, publicado em 1854, As Vítimas Algozes Quadros
da Escravidão, de Joaquim Manuel de Macedo, em 1869, o romance O Tronco do
Ipê, de José de Alencar, de 1871, A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, de
1875, e Iaiá Garcia de Machado de Assis, de 1878. Finalmente, com todos esses
dados, buscarei encontrar, nO Mulato, indícios de descrições preconceituosas de
personagens negras, a fim de observar se o narrador foi conivente com todas as
teorias científicas referentes à suposta inferioridade do negro e com os estereótipos
encontrados em romances anteriores à obra de Aluísio Azevedo.
15
No segundo capítulo, por se tratar da obra The House Behind the Cedars, de
Charles Chesnutt, consultada no seu original inglês, o seu autor e a sua trama serão
apresentados de forma resumida. A fim de buscar indícios de preconceito racial na
fala do narrador, tanto ao usar palavras preconceituosas para descrever
personagens negras dentro da trama quanto ao representar uma heroína
embranquecida, alguns fatos da história americana referentes à segregação racial
precisarão ser evidenciados, objetivando verificar como as teorias científicas do
racismo foram representadas nessa obra. Diante disso, será necessário investigar,
no romance, a questão da linha de cor, ou seja, a linha que separa brancos e
negros, tendo em vista que os romances de Chesnutt se tornaram conhecidos pelo
fato de tratarem dessa linha de separação racial a partir do ângulo de visão do
negro. Por essa razão, tornar-se-á imperioso investigar a segregação de jure, ou
seja, a que era formalizada pela lei, visando à descoberta das conseqüências dessa
discriminação na vida do afro-descendente americano e da sua representação na
obra chesnuttiana. Por serem as leis da segregação, ou o Jim Crowismo, muitas
vezes, apoiadas por religiosos americanos brancos que se utilizavam da religião
para impor submissão passiva aos negros, haverá a necessidade de verificar a
presença do estereótipo do escravo fiel em obras anteriores à chesnuttiana. Assim,
investigarei a fala do narrador na obra de Harriet Beecher Stowe, A Cabana do Pai
Tomás, publicada em 1852, que se tornou um marco na literatura estadunidense,
antes de analisar a obra chesnuttiana.
No terceiro capítulo, serão traçados paralelos entre O Mulato e The House
Behind the Cedars. Entretanto, a fim de fundamentar essa comparação, serão
necessários alguns conceitos da Literatura Comparada, conforme Machado e
Pageaux (1988), Brunel, Pichois e Rousseau (1990), Guyard (1994), Nitrini (2000),
Guillén (2001), Buescu (2001), e Carvalhal (2003). Assim, procurarei similaridades
entre as duas obras, observando os seguintes tópicos: (1) espaço no qual a trama é
desenvolvida; (2) tempo dos enredos; (3) tipo de narrador; (4) indícios de
preconceito racial na fala do narrador; (5) características dos heróis afro-
descendentes; (6) fim dos heróis nas narrativas e (7) relacionamento inter-racial
como o elemento instigador do preconceito racial. Buscarei, por fim, as principais
diferenças entre as duas obras: (1) o ângulo de visão das narrativas e (2) a
consciência da ascendência negra dos protagonistas.
16
Na conclusão, após mostrar o percurso traçado neste trabalho de pesquisa,
serão feitas algumas reflexões pertinentes a cada capítulo, objetivando responder à
pergunta de pesquisa, que norteará este estudo. Finalmente, expressarei o meu
desejo de que esta pesquisa tenha contribuído para a fortuna crítica d’O Mulato e
The House Behind the Cedars.
17
Capítulo 1. A Voz do Narrador d’O Mulato de Aluísio de Azevedo e o Racismo
Com o objetivo de analisar a fala do narrador do romance O Mulato de Aluísio
Azevedo, romance reconhecidamente realista-naturalista, alguns conceitos de
Realismo na literatura Naturalista brasileira serão visitados neste capítulo. Ademais,
algumas teorias científicas que defendiam o racismo serão explicitadas, visando
tanto à verificação de indícios de preconceito racial na narrativa de alguns romances
oitocentistas, anteriores a’O Mulato, quanto à averiguação da possível corroboração
do narrador aluisiano dessas teorias raciais.
1.1. Conhecendo o Conceito de Realismo na Literatura Naturalista
Em 1888, Araripe Júnior publicou alguns artigos sobre O Mulato no jornal
carioca Novidades, que só foram compilados em 1960. Após sete anos da
publicação da obra aluisiana, Araripe afirma, no artigo Aluízio Azevedo, O Romance
no Brasil, que O Mulato “saiu da forja cheio de grandes defeitos” (1960, p. 63). No
entanto, em seu artigo Tendências de Aluísio Azevedo. Eça de Queirós, O Mulato,
Casa de Pensão, O Coruja. Concreção. O Homem, o crítico diz que “apesar dos
hiatos que podem ser apontados” (ARARIPE JUNIOR, 1960, p. 78), O Mulato
revelou-se logo como um romance predominantemente naturalista, embora
apresente algumas características românticas. Quanto à representação do
protagonista Raimundo, Araripe acredita que a utilização de um mulato rico,
inteligente, formado, serviu como um modo de escandalizar a cidade de São Luís, a
fim de “meter-lhe os seus vícios e os seus ridículos pelos olhos” (1960, p. 83).
Nas considerações acima, alguns conceitos da teoria literária se evidenciam,
que o crítico determina que o romance tem uma indiscutível tendência naturalista,
declarando que a representação da personagem fictícia Raimundo serviu para trazer
à tona o racismo da cidade real de o Luís do Maranhão, destacando, dessa
forma, a sua função social e/ou ideológica. Refletindo, portanto, sobre as funções da
literatura, Antônio Candido (2000) faz uma distinção digna de menção. Para o
grande crítico brasileiro, a literatura pode ter uma função total, uma função social e
uma função ideológica. A função total exprime representações individuais e sociais
que transcendem a situação imediata” (CANDIDO, 2000, p. 40), ou seja, ela
18
transmite uma visão intemporal e universal de mundo, “desligando-se dos fatores
que a prendem a um momento determinado e a um determinado lugar” (CANDIDO,
2000, p. 41). A função social, por outro lado, refere-se ao papel que a obra
desempenha “no estabelecimento de relações sociais, na satisfação de
necessidades espirituais e materiais, na manutenção ou mudança de uma certa
ordem na sociedade” (CANDIDO, 2000, p. 41) e é independente da vontade ou da
consciência do autor e/ou do leitor. Finalmente, a função ideológica é expressa no
momento em que autor e/ou o leitor “estabelecem certos desígnios conscientes, que
passam a formar uma das camadas de significado da obra” (CANDIDO, 2000, p. 41),
já que o autor quer atingir um determinado fim e o leitor almeja que certo aspecto da
realidade lhe seja mostrado. Esse elemento social externo, para Candido, importa,
na obra, não como causa ou significado, mas como “elemento que desempenha um
certo papel na constituição da estrutura, tornado-se, portanto, interno [grifo do autor]
(2000, p. 6). Dessa forma, Candido declara que a literatura é uma transposição do
real para o ficcional, feita por meio de uma estilização formal interna, “que propõe
um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos” (2000, p. 47),
correspondendo, assim, à necessidade de representação do mundo, “às vezes como
preâmbulo a uma praxis socialmente condicionada” (CANDIDO, 2000, p. 49).
Ponderando, por conseguinte, nessa representação do mundo, Costa Lima
declara que a matéria-prima real, ou seja, o elemento extra-verbal ou cultural é o
elemento referencial “que serve de conteúdo para a significação veiculada por meio
de um código qualquer” (1974, p. 37), sendo, no caso da literatura, o código verbal.
Dessa forma, quanto mais preponderar, em uma obra literária, o traço referencial, ou
seja, de realidade próxima, extra-verbal e cultural, mais ela se caracteriza por uma
expressão realista. Costa Lima define, assim, que “realista é a obra em que, no
trabalho sobre o código verbal, a função referencial (...) se mostra principal para a
determinação do sentido do texto/narrativa” (1974, p. 45).
Diante dessas asserções sobre o Realismo em uma obra literária, é
necessário, ainda, a reflexão a respeito do realismo como um grupo de
características comuns a certas obras O Mulato incluso em um determinado
período. Wellek afirma que o “realismo como conceito de período (...) significa a
representação objetiva da realidade social contemporânea” ([19-], p. 220). Assim, o
19
realismo rejeita “o fantástico, o feérico, o alegórico e o simbólico, o altamente
estilizado, o puramente abstrato e decorativo”, implicando, também, a “rejeição do
improvável, do puro acaso e de acontecimentos extravagantes”, pois a “realidade é
concebida (...) como o mundo ordenado da ciência do século XIX” (WELLEK, [19-],
p. 211).
É imperioso notar que esse mundo ordenado da ciência era influenciado pelo
“pensamento positivista, que tem Auguste Comte (1798 – 1857) como principal
representante” (ARANHA e MARTINS, 1993, p. 116). Para Comte ([1943?], p. 63),
“todos os bons espíritos repetem, depois de Bacon, que não há conhecimentos reais
a não ser aqueles que repousam sobre fatos observados”
1
. Para Comte, ainda, o
homem encontra-se num círculo vicioso porque ele tem duas necessidades: a de
observar para formar teorias reais e a, “não menos imperiosa, de criar algumas
teorias para se entregar às observações seguidas” ([1943?], p. 63)
2
. Observação e
teoria são o binômio desse cientificismo positivista, que encontrou, no Brasil, solo
fértil para seu desenvolvimento. Ivan Lins, em sua obra História do Positivismo no
Brasil, afirma que, através dos adeptos e mesmo dos opositores, Comte teve “a
atenção do público voltada para a sua pessoa e a sua obra” (1964, p. 453). Ele
registra, por exemplo, que o próprio Aluísio Azevedo fez alusão ao Positivismo em
alguns dos seus versos, versos que são encontrados na obra Aluísio Azevedo, Uma
Vida de Romance de Raimundo de Menezes (1957). Os versos são datados de 27
de setembro de 1878. Eis alguns:
Viscondessa, perdão se essa missiva
Pesada como é na sua essência,
Importuna magoar Vossa Excelência
Como um bafo grosseiro à sensitiva.
Porém me cumpre declarar com urgência
Que, lendo a Philosophia Positiva,
Se bem que aquêle assunto não me sirva,
Sobremodo impressionou-me tal ciência.
____________
1 Todas as traduções feitas nesta pesquisa são minhas. “Tous les bons esprits répètent, depuis
Bacon, qu’il n’y a de connaissances réeles que celles qui reposent sur de faits observés".
2 “non moins impérieuse de se créer des théories quelconques pour se livrer à des observations
suivies”.
20
E desde então, querida Viscondessa,
Por mais que jurem coisas do infinito
Dessa idéia não logram que me desça;
Consenti, pois, dizer o que repito,
Inda que isso a vós mal vos pareça
- Em alma, Deus e céus não acredito.
(MENEZES, 1957, p. 93)
Essa necessidade da observação influenciou tanto as teorias sobre as raças,
assunto a ser tratado posteriormente, quanto aquelas sobre representação e
referencialidade, pois agora, no Realismo-Naturalismo, “é dominante a correlação da
atividade literária com as ações contidas em verbos como ‘retratar’, ‘ver’, ‘olhar’,
‘enxergar’” (SÜSSEKIND, 1984, p. 99), lançando, assim, a literatura no campo da
fotografia. Para a autora, o romance se livra, dessa forma, de possíveis
estranhamentos ou ambigüidades que possam comprometer a sua concepção de
realidade e o texto passa a ser definido “pela relação a uma exterioridade, a um
referente determinado” (SÜSSEKIND, 1984, p. 99). Não dando lugar a múltiplas
interpretações, o romance naturalista “se afirma como realidade e sua leitura como
assimilação ‘correta’ desse real” (SÜSSEKIND, 1984, p. 107), podendo, portanto, a
sua eficiência ser medida pela capacidade de passar da “ficção a registro,
informação, certeza. De representação à reduplicação fotográfica da realidade. De
texto a imagem documental” (SÜSSEKIND, 1984, p. 110).
O caráter fotográfico da obra aluisiana levou os seus leitores a enxergar o
romance como um retrato da vida real da sociedade ludovicense, como se a
transposição do real para o ficcional, mencionada por Candido (2000), não
terminasse aí, mas retornasse ao real como reduplicação da realidade (real-ficcional-
real). Diante disso, de acordo com Raimundo Menezes (1957), autor da biografia de
Aluízio Azevedo, a repercussão d’O Mulato em São Luís não foi das melhores, já
que seus habitantes viam, nas personagens da obra, uma crítica direta a si mesmos,
como se o romance fosse um registro, cuja função ideológica era combater os
costumes daquela província. Para o autor de Aluísio Azevedo, Uma Vida de
Romance, a obra
21
(...) retrata com extraordinária fidelidade de caricatura o ambiente de
São Luís do Maranhão. Dentro do livro movimentam-se e agitam-se
pessoas apontadas, a cada passo, nas ruas e nas casas: os padres,
os comerciantes, os comendadores andam por ali, à vista de todos, e
sentem-se fotografados, motivo por que não procuram esconder a
sua cólera e indignação. A primeira a romper a relação com a família
Azevedo, deixando de aparecer no sobrado da Rua do Sol, é a D.
Ana Leger, amiga de longa data, que figura – todos o sabem como
sendo aquela bisbilhoteira levada da breca que circula no volume
com o nome de D. Amância Souselas... Outros também se
indispõem, esbravejando, agastados: o comerciante Manuel Pedro
da Silva, mais conhecido pela alcunha de Manuel Pescada,
exaspera-se; o clero toma as dores do malsinado cônego Diogo,
apontado, nas páginas de “O Mulato”, como o padre sem escrúpulos
(...). (MENEZES, 1957, p.122)
Além das represálias dos cidadãos comuns, a crítica literária, também, não
perdoou o Realismo aluisiano nO Mulato. Euclides Faria, autor da crônica Vai “O
Mulato”, publicada no jornal Civilização sob o pseudônimo de Joaquim Albuquerque,
declara que Aluísio deveria experimentar essas “teorias novas, idéias avançadas (...)
em si ou nos seus” (1975, p.277). Afirma, ainda, que Aluísio, a fim de dar
(...) a medida exata do seu realismo, devia abandonar essa vidinha
peralvilha, de pó de arroz e escrevinhadelas tolas contra a vida
alheia: para a foice e o machado. Ele que tanto ama a natureza,
que não crê na metafísica nem na Religião, que tem entusiasmo
pelos bifes, banhos, pela saúde do corpo, numa palavra: pelo real,
sensível ou material, devia abandonar essa vidinha de vadio e ir
cultivar as nossas ubérrimas terras. À lavoura! meu Zote, à lavoura!
precisamos de braços e não de prosas ou retóricas em romances:
isto sim, é real. A agricultura felicita os indivíduos e enriquece os
povos: à lavoura! à foice! e à enxada! Res non verba. (FARIA, 1975,
p. 277).
22
Assim, entre as várias “fotografias” mostradas n’O Mulato, uma de grande
importância estava relacionada com o preconceito racial. O narrador da obra
aluisiana dá pormenores do tratamento dispensado aos negros e aos seus
descendentes, trazendo, para o leitor, cenas de crueldade brutal. No entanto,
juntamente com essas descrições hediondas, aparecem outras, de personagens
negras, que soam preconceituosas. Para que se possa, portanto, perceber, com
clareza, as instâncias nas quais as personagens negras são consideradas inferiores
às brancas, é necessário uma visita à teoria científica defensora da superioridade da
raça branca tão em voga na segunda metade do século XIX.
1.2. As Teorias Racistas no Romance Oitocentista Brasileiro
Para a análise de alguns romances escritos na segunda metade do século
XIX, objetivando verificar possíveis indícios de racismo nas suas narrativas, é
imprescindível uma visita às teorias científicas que defendiam a inferioridade da raça
negra, teorias essas que Tzevan Todorov (1989) chamava de racialistas
3
. O filósofo
e lingüista búlgaro, em sua obra Nous et les Autres, faz uma diferença entre racismo
e racialismo e declara que o racismo se refere ao comportamento resultante do ódio
ou do desprezo diante de pessoas que possuem características físicas diferentes
das nossas, enquanto o racialismo parte de uma ideologia, de uma doutrina sobre as
raças humanas. Para ele, os dois conceitos não precisam estar juntos
necessariamente, que uma pessoa racista não é, obrigatoriamente, um teórico
sobre o racismo. Todorov (1989) afirma que a doutrina racista possui cinco
proposições principais, que serão resumidas aqui:
1. A existência das raças. Esta primeira proposição afirma a realidade das raças,
que são agrupamentos humanos cujos membros possuem características
físicas comuns.
2. A continuidade entre o físico e o moral. As raças não são apenas grupos de
indivíduos classificados de acordo com suas características físicas, mas há
_______
3 Utilizo o termo racialista, conforme a descrição de Todorov, apesar de não encontrar o vocábulo em
dicionários de Língua Portuguesa.
23
uma continuidade entre as características físicas e as características morais
de um grupo, mostrando, assim, que as diferenças culturais entre povos são
decorrentes de suas diferenças físicas.
3. A ação do grupo sobre o indivíduo. De acordo com esta terceira proposição, o
comportamento do indivíduo depende do comportamento do grupo
sociocultural a que ele pertence.
4. Hierarquia única de valores. Todorov (1989) declara que, para os teóricos do
racismo, as raças não são apenas diferentes, elas são superiores ou
inferiores dentro de uma hierarquia única de valores, elaborando, assim,
juízos universais sobre essas raças.
5. Política fundamentada no saber. Esta última proposição estabelece uma
política engajada nas doutrinas anteriormente apresentadas, que coloca o
mundo em harmonia com a descrição precedente. Dessa forma, “tendo
estabelecido os fatos, o racialista tira deles um julgamento moral e um ideal
político” (TODOROV, 1989, p. 117)
4
. Assim, a submissão das raças inferiores
ou, até mesmo, a sua eliminação, pode ser justificada politicamente.
Conforme Todorov (1989), a doutrina do racismo era resultante de estudos
científicos a respeito das raças. Entre os rios cientistas respeitados pela
comunidade científica de então, cito o zoólogo suíço Luiz Agassiz (2000), cujas
teorias raciais influenciaram a doutrina da supremacia branca não nos Estados
Unidos, como também no Brasil. De acordo com a enciclopédia interativa Compton
(1995), Agassiz, após ter aceitado a cadeira de história natural na Universidade de
Harvard em 1848, tornou-se o primeiro diretor do Museu de Zoologia Comparativa
daquela instituição, onde permaneceu até 1873, ano da sua morte.
Entre 1865 e 1866, o zoólogo suíço comandou uma expedição científica ao
Brasil e, juntamente com sua esposa Elisabeth Cary Agassiz, escreveu o relato
dessa viagem em uma obra intitulada Voyage au Brésil, que foi publicada em 1867
e, no Brasil, reeditada em 2000 na coleção O Brasil Visto por Estrangeiros, durante a
comemoração dos quinhentos anos do país. Skidmore afirma que esse livro foi
____________
4 “Ayant établi lês ‘faits’, lês racialiste en tire um jugement moral et um ideal politique”.
24
largamente citado no Brasil e deu curso entre a elite às idéias de diferenças raciais
inatas e de degenerescência [grifo do autor] mulata” (1976, p. 67). Eis alguns desses
relatos encontrados em Viagem ao Brasil (2000) referentes ao negro que vivia em
solo brasileiro:
No Rio de Janeiro, o casal um grupo de negros a dançar ao clarão de uma
fogueira e escreve: Não se podem contemplar esses corpos robustos, nus
pela metade, essas fisionomias desinteligentes, sem se formular uma
pergunta, a mesma que inevitavelmente se faz toda vez que a gente se
encontra em presença da raça negra: ‘Que farão essas criaturas do dom
precioso da liberdade?’ O único meio de por um termo às vidas que nos
invadem então é de pensar nas conseqüências do contato dos negros com os
brancos. Pense-se o que se quiser dos negros e da escravidão, sua
perniciosa influência sobre os senhores não pode deixar dúvidas em
ninguém” (p. 66-67).
Ao relatar os caracteres gerais da população amazônica, alude à escassa
população branca: “Ela apresenta o singular fenômeno duma raça superior
recebendo o cunho duma raça inferior (...)” (p. 239).
De volta ao Rio de Janeiro, ao escrever sobre a educação da mulher no
Brasil, diz o seguinte: “(...) também uma ausência de educação doméstica
profundamente entristecedora: é a conseqüência do contato incessante com
os criados pretos e mais ainda com os negrinhos que existem sempre em
quantidade nas casas. Que a baixeza habitual e os vícios dos pretos sejam ou
não efeito da escravidão, o certo é que existem” (p. 438).
Ao comparar os traços físicos do negro ao do macaco: “Como os macacos de
braços compridos, os negros são em geral esguios: têm pernas compridas e
tronco relativamente curto” (p. 486).
Gostaria de enfatizar que essas idéias encontraram, na elite intelectual
brasileira, um solo fértil. Sílvio Romero, por exemplo, declara que “Agassiz provou
[grifo meu] que as raças humanas distinguem-se entre si na mesma proporção em
que se distinguem a fauna e a flora de sete ou oito centros diversos do mundo”
(1980, p. 108). Publicada em 1888, a História da Literatura Brasileira revela a
preocupação do autor em tomar posição diante do complexo mundo das teorias
raciais da segunda metade do século XIX. Declara-se, portanto, poligenista quando
25
diz: “Eu acredito na origem poligenista do homem, defendida por Morton, Nott,
Agassiz, Littré e Broca” (1980, p. 107). Concorda, ainda, com a superioridade da
raça branca, a portuguesa, porque o português, “sem ser o único, é o principal
agente de nossa cultura” (ROMERO, 1980, p. 104).
Entre os cientistas mencionados por Romero (1980), destaco o médico e
cirurgião Josiah Clark Nott (2005), cujas teorias raciais estão inseridas em um livro
de ensaios escritos em conjunto com George Gliddon, um egiptólogo americano.
Seu livro Types of Mankind or Ethnological Researches, escrito em 1854, foi
integralmente digitalizado pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, em
2005. Aqui estão algumas de suas asserções referentes às raças:
a superioridade da raça branca: “o negro e outras raças não intelectuais
mostraram-se (...) possuidores de cabeças muito menores, através de
medições reais em polegadas cúbicas, do que as raças brancas; (...) não
pode ser negado que essas raças negras são, neste particular, grandemente
inferiores às outras de peles mais claras”
5
(2005, p. 403).
o estudo do Prof. Agassiz quanto ao rebro de um negro adulto: “O Prof.
Agassiz também afirma que (...) seu desenvolvimento nunca vai além daquele
desenvolvido no caucasiano na meninice; e, além de outras singularidades,
ele possui, em vários particulares, uma semelhança marcada com o cérebro
do orangotango (...)”
6
(2005, p. 415).
as características do mulato: “(...) eu mantive essas proposições: (1) que os
mulatos [grifo do autor] são os que menos vivem de qualquer classe de raça
humana; (2) que os mulatos [grifo do autor] são intermediários em inteligência
entre os negros e os brancos; (3) que eles são menos capazes de suportar
fadiga e sofrimento, do que os negros ou os brancos”
7
(2005, p. 373).
________
5 “The Negro and other unintellectual types have been shown (…) to possess heads much smaller, by
actual measurement in cubic inches, than the white races; (…) it can not be denied that these dark
races are, in this particular, greatly inferior to the others of fairer complexions”.
6 “Professor Agassiz also asserts that (…) its development never goes beyond that developed in the
Caucasian in boyhood; and, besides other singularities, it bears, in several particulars, a marked
resemblance to the brain of the orang-outan”.
7 “(…) I maintained these propositions: (1) that mulattoes are the shortest-lived of any class of the
human races; (2) that mulattoes are intermediate in intelligence between the blacks and the whites; (3)
that they are less capable of undergoing fatigue and hardship than either the blacks or whites”.
26
a classificação das raças quanto à sua inteligência: “(...) porque o mulato, se
certamente mais inteligente do que o negro, é menos inteligente do que o
branco. Sua inteligência, como via de regra, aumenta em proporção à
quantidade de sangue de brancos nas suas veias”
8
(2005, p. 402).
Essa teoria de Nott sobre a curta vida do mestiço era, também, compartilhada
por Sílvio Romero, que não acreditava em um Brasil se constituindo em uma “nação
de mulatos [grifo do autor], pois que a forma branca vai prevalecendo e prevalecerá”
(1980, p. 120).
Outro grande nome da história brasileira no século XIX, Joaquim Nabuco,
político, diplomata e historiador, que defendeu, veementemente, a abolição da
escravatura no Brasil, não conseguiu se desvencilhar de algumas dessas teses que
estavam tão em voga nos Estados Unidos e no Brasil. Em 1883, publicou O
Abolicionismo, livro no qual descreve a influência da escravidão sobre a sociedade
brasileira. Eis algumas de suas declarações que estão impregnadas de teorias
racistas:
A inferioridade da raça negra: Muitas das influências da escravidão
podem ser atribuídas à raça negra, ao seu desenvolvimento mental
atrasado, aos seus instintos rbaros ainda, às suas superstições
grosseiras” (1883, p. 125).
A influência negativa do negro na população branca: “Chamada para a
escravidão, a raça negra, pelo fato de viver e propagar-se, foi-se
tornando um elemento cada vez mais considerável da população. (...) Foi
essa a primeira vingança das vítimas. Cada ventre escravo dava ao
senhor três ou quatro crias [grifo do autor] que ele reduzia a dinheiro;
essas por sua vez multiplicavam-se, e assim os vícios do sangue africano
acabavam de entrar na circulação geral do país” (1883, p. 119).
__________
8 “(…) for the mulatto, if certainly more intelligent than the Negro, is less so than the white man. His
intelligence, as a general rule, augments in proportion to the amount of white blood in his vein”.
27
Além dos nomes já mencionados, o do Dr. Nina Rodrigues o pode ser
esquecido. De acordo com Bosi (2002), Nina Rodrigues, médico, etnólogo e
professor da Faculdade de Medicina da Bahia, escreveu Os Africanos no Brasil entre
1890 a 1905; entretanto, sua obra foi publicada em 1932, após a sua morte.
David Brookshaw (1983), professor do departamento de espanhol e estudos latino-
americanos da Universidade de Bristol, afirma que essa obra, cujo tema é a
influência da cultura africana no Brasil, “é reputada como básica, não obstante seu
preconceito racial ser tão patente” (1983, p. 51). Essas são algumas das teses de
Nina Rodrigues:
A inferioridade da raça negra: “Para a ciência não é esta inferioridade mais
do que um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha
desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas
diversas divisões ou seções” (NINA RODRIGUES, 1988, p. 5).
A influência negativa do negro na população branca: “Está claro que a
influência por eles exercida sobre o povo americano que ajudaram a
formar será tanto mais nociva quanto mais inferior e degradado tiver sido o
elemento africano introduzido pelo tráfico” (NINA RODRIGUES, 1988, p.
268).
Que o negro era inferior ao branco, isso era senso comum entre os
pensadores do século XIX. O que eles não conseguiam obter era um denominador
comum quanto à posição do mestiço, ou seja, daquele que era fruto de uma pessoa
de “raça superior” com outra de “raça inferior”. Como verificado anteriormente,
alguns poligenistas como Nott e Gliddon “defendiam a tese da esterilidade dos
mulatos, uma vez que as leis da zoologia ensinavam que todo animal produzido por
união de pais de espécies diferentes nascia incapaz de procriar (SKIDMORE, 1976,
p. 71). Para Skidmore, ainda, essa teoria não encontrou muitos adeptos no Brasil,
que “nem o poligenista mais fanático podia ignorar a evidência da fertilidade do
mulato” (1976, p. 71).
Silvio Romero declarou, também, que um estudo “mais despreocupado dessa
questão provou não existir na humanidade o fenômeno característico do hibridismo”
(1980, p. 120). No entanto, muitos acreditavam que a miscigenação era um dano à
28
população devido ao elemento negro dessa união. Nina Rodrigues afirma que a
influência do negro na nossa cultura “há de constituir sempre um dos fatores da
nossa inferioridade como povo” (1988, p. 7). Portanto, partindo da teoria da
superioridade da raça branca, alguns acreditavam que ela iria prevalecer sobre a
raça negra ao longo do tempo, “embranquecendo”, dessa forma, toda a população
brasileira. Sílvio Romero assertou que a seleção natural “faz prevalecer o tipo de
raça mais numerosa, e entre nós das raças puras a mais numerosa, pela imigração
européia, tem sido e tende ainda mais a sê-lo, a branca” (1980, p. 101). Previu,
então, que essa fusão étnica estaria completa “dentro de dous ou três séculos”
(ROMERO, 1980, p. 101).
A teoria do embranquecimento estava, então, firmada e muitos acreditavam
que a “miscigenação não produzia inevitavelmente ‘degenerados’, mas uma
população mestiça sadia, capaz de tornar-se sempre mais branca, tanto cultural
quanto fisicamente” (SKIDMORE, 1976, p. 81). Contudo, para que isso acontecesse,
era necessário trazer o elemento branco para dentro da nação brasileira e a
“imigração branca em quantidade suficiente cumpriria, esperava-se, o duplo
propósito de branquear, tanto física quanto psicologicamente, os brasileiros de
descendência mista ou no pensamento da época – fisicamente e portanto [grifo do
autor] psicologicamente” (BROOKSHAW, 1983, p. 53).
Na literatura brasileira do século XIX, o elemento negro não está dissociado
de todas as teorias racistas aqui analisadas. Para Brookshaw (1983), o
preconceito racial é nela encontrado na representação estereotipada de
personagens negras. Cashmore define estereótipo, no campo das relações raciais,
como “uma generalização excessiva a respeito do comportamento ou de outras
características de membros de determinados grupos” (2000, p. 194). A linha de
separação entre estereótipo e preconceito é, para o autor, bastante tênue, já que “os
estereótipos raciais ou étnicos são geralmente expressões de preconceito contra os
grupos em questão” (CASHMORE, 2000, p. 195) e refletem, dessa forma, as teorias
científicas da inferioridade da raça negra.
Baseado nos estereótipos mencionados por Brookshaw (1983), apresento
uma classificação dos tipos de escravos, que buscarei encontrar em alguns
29
romances brasileiros publicados na segunda metade do século XIX, anteriores aO
Mulato:
o escravo demônio – o fugitivo, o insurreto, o que é prejudicial ao
convívio nas famílias de brancos;
o escravo desprezível o negro que é feio, sujo, preguiçoso e que faz
um trabalho malfeito;
o escravo imoral aquele que é representado na figura da escrava
robusta e sensual, sempre procurando sexo com o seu senhor;
o escravo fiel o eterno escravo com uma índole humilde e resignada,
sendo, portanto, “incapaz de contribuir positivamente para o
desenvolvimento da nação” (BROOKSHAW, 1983, p.16). Sua
fidelidade é comparada à do cão e a passividade, à do burro de carga;
o escravo nobre o mestiço “embranquecido”, que possui atributos de
“brancura” física e, por conseguinte, é superior culturalmente.
Julgo importante a menção de que não pretendo analisar um número grande
de romances brasileiros anteriores a’O Mulato, já que o objetivo final deste capítulo é
a análise da narrativa da obra aluisiana em si. Através da leitura de romances que
apresentam personagens negras, buscarei verificar se os estereótipos supracitados
foram ou não usados pelos narradores das obras. Dessa forma, será possível
concluir se, na obra aluisiana em estudo, o narrador desconstrói essa visão
preconceituosa na descrição das suas personagens negras ou se conforma com as
teorias racistas examinadas. Serão analisados, portanto, por ordem cronológica,
Memórias de Um Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Almeida, livro publicado
em 1854, As Vítimas Algozes Quadros da Escravidão de Joaquim Manuel de
Macedo, em 1869, O Tronco do Ipê de José de Alencar, em 1871, A Escrava Isaura
de Bernardo Guimarães, em 1875, e Iaiá Garcia de Machado de Assis, em 1878.
O romance Memórias de Um Sargento de Milícias foi publicado,
primeiramente, em folhetins. Como livro, ele apareceu em 1854, vinte e sete anos
antes da publicação d’O Mulato. Nele, é narrada a história de Leonardo-Pataca, pai
de Leonardo, o sargento de milícias, que, ao se ver traído por sua mulher e,
posteriormente, pela cigana por quem se apaixonara, resolve ir à casa de um
30
feiticeiro negro buscar a sua fortuna. A casa do feiticeiro é descrita como “coberta de
palha da mais feia aparência, cuja frente suja e testada enlameada bem denotavam
que dentro o asseio não era muito grande” (ALMEIDA, 1997, p. 24). Essa imagem de
sujeira está, também, na narrativa, ligada à de feiúra, sendo o feiticeiro sem nome
descrito como “um caboclo velho, de cara hedionda e imunda, e coberto de farrapos”
(ALMEIDA, 1997, p. 24); em outras palavras, era um “nojento nigromante”
(ALMEIDA, 1997, p. 25) que, além de outros defeitos, cobrava, como pagamento das
venturas e felicidades concedidas, o “cômodo preço da prática de algumas
imoralidades e superstições” (ALMEIDA, 1997, p. 25). Em suma, o narrador usa a
imagem de um feiticeiro que, através dos qualificativos empregados para descrevê-
lo, concentrava os atributos de feiúra, sujeira, imoralidade e feitiçaria, ou seja, a do
estereótipo do escravo desprezível.
As Vítimas Algozes Quadros da Escravidão, de Joaquim Manuel de
Macedo, publicado em 1869, doze anos antes da publicação d’O Mulato, é composto
de três novelas: Simeão o crioulo, Pai-Raiol o feiticeiro e Lucinda a mucama.
Neles, o narrador busca justificar a necessidade da abolição da escravatura por um
motivo bem claro: os escravos são perniciosos ao convívio dos brancos, seus
senhores. Estes são, muitas vezes, laureados, na narrativa, por sua grande
bondade, que “nunca em parte alguma do mundo houve senhores mais humanos
e complacentes do que no Brasil” (MACEDO, 1991, p. 62). A obra macediana é,
portanto, um alerta aos senhores donos de escravos a respeito não só do mal “que o
senhor, ainda sem querer [grifo meu], faz ao escravo” (MACEDO, 1991, p. 4), mas,
também, dos “vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes instintos do escravo”
(MACEDO, 1991, p.4), fato que atenta contra “a fortuna, a vida e a honra dos seus
incônscios [grifo meu] opressores” (MACEDO, 1991, p. 5). Nessas novelas,
encontra-se, em primeiro lugar, constantes referências à selvageria do escravo, o
animal composto de gelo e ódio” (MACEDO, 1991, p. 29), que o “gelo de
indiferença selvagem, ingratidão perversa (...) não se encontram, senão na alma do
escravo!...” (MACEDO, 1991, p. 26). O narrador de Simeão o crioulo afirma que,
enquanto os brancos conhecem um amor puro como “aromas exalados por duas
flores” (MACEDO, 1991, p. 45), os escravos, “sem o socorro da poesia dos
sentimentos que alimenta o coração e o transporta às regiões dos sonhos que se
banham nas esperanças de santos e suaves laços, (...) se deixam arrebatar pelo
31
instinto animal [grifo meu], que por isso mesmo os impele mais violento (sic)”
(MACEDO, 1991, p. 42). O coração do escravo é, portanto, “escuro, tenebroso como
noute de tempestade: é abismo profundo e sem luz coberto pela crosta da tristeza
íntima e da desconfiança perpétua” (MACEDO, 1991, p. 59).
Na primeira novela, o narrador conta a história de Simeão, um “dos crioulos
amorosamente criados por seus senhores” (MACEDO, 1991, p. 17), Domingos e
Angélica, “senhores bons e humanos” (MACEDO, 1991, p. 21). Simeão, possuído
pela ingratidão, tornou-se odiento e inimigo figadal de seus benfeitores” (MACEDO,
1991, p. 22). O narrador diz que ele chegou ao ponto de assassinar Angélica, sua
filha Florinda e seu genro, Hermano. Simeão era, para o narrador, o “demônio da
ingratidão e da perversidade” (MACEDO, 1991, p. 65), sendo morto na forca em
punição pelo seu crime.
Na segunda novela, é narrada a história de duas personagens negras: o Pai-
Raiol e Esmerinda. Pai-Raiol é descrito, pelo narrador, como um feiticeiro africano
que trazia, no seu físico, características que o tornavam quase um monstro:
(...) homem de baixa estatura, tinha o corpo exageradamente maior
que as pernas; a cabeça grande, os olhos vesgos; trazia porém nas
faces cicatrizes vultuosas de sarjaduras recebidas na infância: um
golpe de azorrague lhe partira pelo meio o lábio superior (...); a barba
retorcida e pobre que ele tinha mal crescida no queixo (...), em vez
de ornar, afeiava-lhe o semblante; uma de suas orelhas perdera o
terço da concha na parte superior cortada violentamente (...); e
finalmente braços longos prendendo-se a mãos descomunais que
desciam à altura dos joelhos completavam-lhe o aspecto repugnante
da figura mais antipática (MACEDO, 1991, p. 82).
Além de toda essa hediondez física, o narrador diz que Pai-Raiol era feiticeiro
e afirma que o recurso a essa prática “é uma peste que nos veio com os escravos
d’África”, que trouxeram, para o solo brasileiro, “as superstições, os erros, as
misérias, e as torpidades da selvatiqueza” (MACEDO, 1991, p. 75); iam, dessa
forma, contra a religião do branco, a “religião única verdadeira” (MACEDO, 1991, p.
73). Em suma, para o narrador, “Pai-Raiol era o demônio do mal e do rancor”
32
(MACEDO, 1991, p. 92), cujas características coincidem com as do estereótipo do
escravo demônio.
Esmerinda é descrita como “um composto de dissimulação profunda, de
egoísmo enregelado, e de aversão abafada” (MACEDO, 1991, p. 86). Ela atrai,
fisicamente, Paulo Borges, o seu senhor, e com ele passa a coabitar. Sempre
instruída por Pai-Raiol, Esmerinda torna-se um perigo dentro da casa grande, que
mata por envenenamento a esposa de Paulo Borges, Teresa, e os dois filhos do
casal, Luís e Inês. O narrador asserta que Esmerinda visava à morte de Paulo
Borges também, mas é descoberta e presa. É, assim, para o narrador, o fim de todo
branco que, mesmo possuindo “a superioridade física da raça” (MACEDO, 1991, p.
99), se coloca sob a influência “maléfica, odienta, terrível” (MACEDO, 1991, p. 110)
da escrava ou do escravo, que “são fontes de venenos abertas e conservadas em
nossas casas” (MACEDO, 1991, p. 105). A descrição de Esmerinda torna-se, assim,
bastante próxima da do estereótipo da escrava imoral.
Em Lucinda a mucama, o narrador enfatiza o determinismo diabólico da
escravidão: todo escravo é mau ou torna-se mau, independentemente da sua idade.
Ele conta a história de uma escrava que, aos doze anos de idade, é entregue a
Cândida como presente do seu décimo primeiro aniversário. Mesmo tendo recebido
um exemplo de educação, já que “aos onze anos falava o francês, conhecia o inglês,
a geografia, a história, tocava piano e cantava com sua voz que era naturalmente
canto mavioso (...)” (MACEDO, 1991, p. 156), para o narrador, Cândida não
conseguiu fugir da influência perniciosa da mucama, uma “filha da mãe fera, uma
vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados,
de perversão lógica, de imoralidade congênita (...)” (MACEDO, 1991, p. 160).
Lucinda, que mesmo aos treze anos de idade “só respirava lascívia em
desejos, ões e palavras de fogo infernal” (MACEDO, 1991, p. 178), é, dessa
forma, estereotipada como a “escrava imoral” (MACEDO, 1991, p. 179), “a fonte
maldita” da qual Cândida “bebera a água da desmoralização desde seus anos de
menina” (MACEDO, 1991, p. 190). Ela, imoral, viciosa e lasciva” (MACEDO, 1991,
p. 198), foi responsável por (1) ensinar, rudemente, à Cândida, “teorias sensuais da
missão da mulher” (MACEDO, 1991, p. 267); (2) desmoralizar, aviltar e estragar os
33
sentimentos de Cândida, “levando-a pouco a pouco à prática de namoros
multiplicados e vergonhosos” (MACEDO, 1991, p. 267); e, finalmente, (3) enganar
Cândida com o amor de um francês desonesto, Souvanel, que lhe prometera a
liberdade se ele se casasse com Cândida.
O escravo, portanto, nas três novelas de Macedo (1991), é caracterizado de
forma análoga aos estereótipos de imoral, desprezível e demoníaco, não
conseguindo, assim, fugir do determinismo da escravidão, que, para o narrador,
não há escravos bons, pois a escravidão a todos corrompe. O sistema da escravidão
é, para ele, “um crime da sociedade escravagista (...)” que “se vinga
desmoralizando, envenenando, desonrando, empestando, assassinando seus
opressores” (MACEDO, 1991, p. 314).
No romance O Tronco do I de José de Alencar, publicado em 1871, dez
anos antes d’O Mulato, o narrador conta a história de Pai Benedito, que morava na
antiga cabana de Pai Inácio, descrito como “um negro cambaio”, tido como feiticeiro
devido ao seu “aspecto disforme” (ALENCAR, 1969, p. 62). Pai Benedito morava na
fazenda do Barão da Espera, que possuía vários escravos que são, muitas vezes,
descritos, pelo narrador, como preguiçosos, demandando a supervisão do branco, a
fim de que o trabalho seja executado da forma desejada. Alice, filha do Barão, tinha,
por exemplo, de descer “à copa a fim de ver o serviço das pretas (...) que não
executavam com a desejada rapidez” (ALENCAR, 1969, p. 150). O narrador, assim,
utiliza o estereótipo do escravo desprezível, ou seja, daquele que é feio, sujo,
preguiçoso e faz um trabalho malfeito.
O narrador relata, ainda, a história de Mário, filho do antigo dono da fazenda
de Nossa Senhora do Boqueirão. Com a morte do pai, amigo de infância do Barão,
Mário e sua mãe permaneceram na fazenda, sob sua proteção. Pai Benedito, que
conheceu o pai de Mário, guarda pelo filho uma profunda adoração. É o negro que,
“cuidadoso pelo menino, a quem amava com extrema dedicação” (ALENCAR, 1969,
p. 110), passa a adorá-lo, principalmente após Mário salvar Alice de morte por
afogamento. Para o narrador, “o velho africano, que adorava aquele menino e
admirava a sua destreza e coragem, começou, desde então, a venerar nele alguma
coisa de sobrenatural, incompreensível para seu espírito inculto” (ALENCAR, 1969,
34
p. 126). Essa abnegação do escravo é comparada à do o, pois, para o narrador,
nada é “mais interessante do que ver o negro atlético dobrar-se ao aceno de um
menino, lembrando um desses cães da Terra-Nova, que se deixam pacientemente
fustigar por uma criança, mas estrangulariam o homem que os irritasse” (ALENCAR,
1969, p. 53). Pai Benedito, portador de uma “alma rude mas delicada” (ALENCAR,
1969, p. 50), representa, nesse romance, o estereótipo do escravo fiel, cuja meta de
vida consiste em adorar e venerar o branco “como a um ídolo” (ALENCAR, 1969, p.
128).
O romance Escrava Isaura, escrito por Bernardo Guimarães, foi publicado em
1875, seis anos antes d’O Mulato. Nele encontra-se a história de Isaura, “bela e
nobre figura de moça”, com uma “tez como o marfim do teclado, alva que não
deslumbra”, um “busto maravilhoso”, “cabelos soltos e fortemente ondulados”, “porte
esbelto e a cintura delicada” (GUIMARÃES, 2004, p. 5 e 6). Quanto à sua educação,
ela sabia desde “ler e escrever a coser e rezar”, além de ter tido mestres de “música,
de dança, de italiano, de francês, de desenho” (GUIMARÃES, 2004, p. 12);
finalmente, quanto à sua moral, ela é descrita com uma “índole tão bondosa e
fagueira, tão dócil, modesta e submissa” (GUIMARÃES, 2004, p. 13), que, mesmo
diante do “mimo com que era tratada em nada lhe alterava a natural bondade e
candura do coração. Era sempre alegre e boa com os escravos, dócil e submissa
com os senhores” (GUIMARÃES, 2004, p. 12).
A trama da obra gira em torno dos sofrimentos imputados à escrava
“embranquecida”, chegando a ser, por muitos, comparados aos do Pai Tomás, do
romance A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe, que será analisado no
segundo capítulo deste trabalho. Para Bosi (1994), essa comparação é um evidente
exagero, que “o nosso romancista estava mais ocupado em contar as
perseguições que a cobiça de um senhor vilão movia à bela Isaura que em
reconstruir as misérias do regime servil” (p. 144). De fato, entre as escravas da
fazenda de Leôncio, “desde a velha africana, trombuda e macilenta, até a roliça e
luzidia crioula, desde a negra brunida como azeviche até a mulata quase branca”
(GUIMARÃES, 2004, p. 35), a escrava que está em evidência é a heroína Isaura,
pois nela “nada havia (...) que denunciasse a abjeção do escravo” (GUIMARÃES,
2004, p. 35). O narrador chega ao ponto de dizer que Isaura “é uma perfeita
35
brasileira” (GUIMARÃES, 2004, p. 15), corroborando, assim, tanto a teoria racista de
Sílvio Romero, referente ao embranquecimento da raça negra como uma solução do
problema racial no Brasil, quanto o estereótipo do escravo nobre.
Em contrapartida, há, também, no enredo, o exemplo do escravo imoral,
através da personagem Rosa. Essa escrava, “esbelta e flexível de corpo”, com “o
rostinho mimoso, lábios um tanto grossos, mas bem modelados, voluptuosos,
úmidos e vermelhos como boninas que acabam de desabrochar em manhã de abril”
(GUIMARÃES, 2004, p. 35), é descrita, também, como possuidora de um
temperamento maligno. O narrador a descreve como uma “maligna mulata”,
“maliciosa rapariga” e “perversa mulatinha” (GUIMARÃES, 2004, p. 48), que tinha
ciúmes de Isaura por ter sido preterida por seu senhor, Leôncio, que tinha, pela
escrava embranquecida, o “mais cego e violento amor” (GUIMARÃES, 2004, p. 14).
Em Iaiá Garcia, romance de Machado de Assis, publicado em 1878, três anos
antes d’O Mulato, é narrada a história de Raimundo, “um preto de cinqüenta anos,
estatura mediana, forte, apesar de seus largos dias, um tipo de africano, submisso e
dedicado. Era escravo e livre” (ASSIS, 1989, p. 12). Raimundo tornara-se escravo de
Luís Garcia, pai de Iaiá Garcia, que, com a morte de seu pai, o recebera por
herança. Entretanto, Luís logo deu-lhe a carta de alforria.
O narrador revela que Raimundo, mesmo livre, permaneceu na casa de Luís
para servi-lo. De fato, ele “vivia da alegria dos dois” (ASSIS, 1989, p. 14), ou seja, a
sua vida era submissamente devotada a Luís e a Iaiá. Mesmo quando entoava o
canto da África, “o canto do preto não era de saudade” (ASSIS, 1989, p. 13), que
seu pensamento não se volvia ao berço africano, mas “galgava a janela da sala em
que Luís Garcia trabalhava e pousava sobre ele como um feitiço protetor” (ASSIS,
1989, p. 13).
Mesmo diante de um ex-escravo, devido à sua declarada alforria, o narrador
somente uma vez refere-se a ele como o “antigo escravo” (ASSIS, 1989, p. 14); na
maioria das vezes, portanto, ele ratifica a posição subserviente do negro que,
submisso ao seu ex-dono, exemplifica o estereótipo do escravo fiel. Eis algumas
ocorrências nas quais Raimundo, mesmo sendo livre, é descrito como escravo e/ou
36
servo: “Raimundo parecia feito expressamente para servir Luís Garcia” (ASSIS,
1989, p. 12); “Iaiá festejava a lembrança do escravo” (ASSIS, 1989, p. 14); “(...) se a
rude voz do escravo não a viesse acordar” (ASSIS, 1989, p. 64) etc.. Era o escravo
Raimundo que, mesmo com o papel da liberdade, “feito” para servir, confirmava,
dessa forma, a teoria racista da inferioridade da raça negra.
Em suma, não em Iaiá Garcia, mas, também, nos outros quatro romances
aqui analisados, foi possível encontrar os tipos estereotipados de escravos,
conforme a classificação de Brookshaw (1983). O quadro abaixo resume os tipos de
escravos encontrados em cada romance.
Obras Anteriores
a’O Mulato
Escravo
Demônio
Escravo
Desprezível
Escravo
Imoral
Escravo
Fiel
Escravo
Nobre
Memórias de Um
Sargento de Milícias
Vítimas Algozes
O Tronco do Ipê
Escrava Isaura
Iaiá Garcia
Quadro 1: Comparação dos Estereótipos de Escravos em Obras Anteriores a’O Mulato
1.3. As Teorias Racistas em O Mulato de Aluízio Azevedo
Como foi percebido na primeira parte deste trabalho, O Mulato “fotografa” a
vida da sociedade ludovicense com seus preconceitos e seus escrúpulos religiosos.
A trama retrata, então, a questão do relacionamento inter-racial no qual Ana Rosa,
filha do português Manuel Pescada e de Mariana, é proibida de casar-se com seu
primo Raimundo, filho de José Pedro, irmão de Manuel Pescada, e da escrava
Domingas. A figura abaixo mostra esse conflito familiar:
Figura 1 – O Conflito Familiar em O Mulato
Mariana Manuel Pescada
José Pedro
Escrava Domingas
Raimundo
Ana Rosa
37
Nesse embate social, Raimundo, filho do português José Pedro e de sua
escrava Domingas, ignorava a sua ascendência, que lhe é revelada quando pede
a mão de sua prima Ana Rosa. Apesar do seu “embranqecimento” físico (pele clara,
olhos azuis) e cultural (amante das artes e da ciência), o pedido é negado, com a
confissão de Manuel Pescada, pai de Ana Rosa, que a única razão dessa negação
era a sua mestiçagem, algo não aceito na sociedade de São Luis do Maranhão.
A recorrência nesse romance do preconceito racial é fato estabelecido e
incontestável. A narração naturalista em O Mulato traz, muitas vezes, cenas fortes
de maltrato aos negros, denunciando, assim, a perversidade dos brancos no
tratamento dado a seus escravos, que, para os senhores, eram vistos como raça
inferior. Como exemplo, gostaria de citar a descrição do tormento passado por
Domingas, mãe de Raimundo. A esposa de José Pedro, D. Quitéria, descobrira que
seu marido “distinguia com certa ternura o crioulo da Domingas” (AZEVEDO, 1992,
p. 42) e resolveu, então, castigar a escrava. Assim,
(...) estendida por terra, com os pés no tronco, cabeça raspada e
mãos amarradas para trás, permanecia Domingas, completamente
nua e com as partes genitais queimadas a ferro em brasa. Ao lado, o
filhinho de três anos, gritava como um possesso, tentando abraçá-la,
e, de cada vez que ele se aproximava da mãe, dois negros, à ordem
de Quitéria, desviavam o relho das costas da escrava para dardejá-lo
contra a criança. A megera, de pé, horrível, bêbada de cólera, ria-se,
praguejava obscenidades, uivando nos espasmos flagrantes de
cólera. Domingas, quase morta, gemia, estorcendo-se no chão. O
desarranjo de suas palavras e dos seus gestos denunciava já
sintomas de loucura (AZEVEDO, 1992, p. 43).
Entretanto, mesmo diante dessa denúncia aos maus tratos sofridos pelos
escravos, o narrador, contraditoriamente, faz descrições preconceituosas de
personagens negras secundárias da trama. Essas descrições não podem passar
despercebidas, principalmente após a análise das teorias científicas que defendiam
a superioridade da raça branca e da amostragem de personagens negras
representadas de forma estereotipada em obras anteriores a’O Mulato.
38
Em primeiro lugar, assim como em Vítimas Algozes (1991), romance no qual
Simeão se torna malfeitor e assassino, o narrador da obra aluisiana utiliza esse
mesmo substantivo depreciativo, malfeitor, para descrever uma família de escravos
fugidos. Ele afirma que eles eram “escravos fugidos com suas mulheres e seus
filhos, formando uma grande família de malfeitores” (AZEVEDO, 1992, p. 48). Essa
caracterização assemelha-se à do estereótipo do escravo demônio de Brookshaw
(1983).
Outra caracterização encontrada na fala do narrador aluisiano está ligada à
falta de asseio por parte dos escravos que trabalhavam na casa das Sarmentos,
amigas da família de Ana Rosa. O narrador afirma que nas paredes da casa se via
“à insuficiente claridade de uma lanterna suja, o sinal gorduroso das mãos dos
escravos” (AZEVEDO, 1992, p. 132). Posteriormente na narrativa, após Raimundo
sair da casa de Manuel Pescada e alugar o seu próprio espaço, empregou uma
“preta velha” (...) que fazia os trabalhos da casa, sendo uma mulher
(...) magra, feia, supersticiosa, arrastando-se, a coxear, pela varanda
e pelos quartos desertos, fumando um cachimbo insuportável, e
sempre a falar sozinha, a mastigar monólogos intermináveis
(AZEVEDO, 1992, p. 177).
Devido à falta de asseio no seu trabalho, uma “coisa muito mal amanhada”,
Raimundo “tinha nojo de beber pelos copos mal lavados; banhava com repugnância
o rosto na bacia barrada de gordura” (AZEVEDO, 1992, p. 178). Dessa forma, através
dessas duas citações, percebe-se, na fala do narrador, o uso de adjetivos como
sujo, gorduroso, mal amanhado, mal lavado e feio, que, assim como nas narrativas
de Memórias de Um Sargento de Milícias (1997), d’As Vítimas Algozes (1991) e d’O
Tronco do Ipê (1969), corrobora a descrição estereotipada do escravo desprezível.
Quanto ao estereótipo do escravo imoral, o narrador d’O Mulato, na sua
descrição inicial da cidade de São Luís, descreve as peixeiras negras como muito
gordas, que rebolavam “os grossos quadris trêmulos e tetas opulentas” (AZEVEDO,
1992, p. 15). Ao referir-se às modinhas tocadas por José Roberto, um dos amigos de
Manuel Pescada, declara que elas eram “apimentadas à baiana, com o travo
39
sensual e árabe dos lundus africanos” (p. 66). Assim, usando a imagem de escravas
sensuais e de modinhas que tinham esse tom sensual, percebe-se a conexão feita
entre o negro e o sensual, adjetivo usado pelo narrador, que se une aos narradores
dos romances Vítimas Algozes (1991), na caracterização da personagem Lucinda, e
A Escrava Isaura (2004), na da personagem Rita.
Ainda na descrição de personagens n’O Mulato, encontra-se Mônica, uma
escrava forra, que, devido ao seu amor por Ana Rosa, filha do seu ex-senhor,
Manuel Pescada, decide ficar na casa para servi-la. O narrador afirma que “havia
seis anos que era forra. (...) Mas a boa preta deixou-se ficar em casa de seus
senhores e continuou a desvelar-se pela Iaiá melhor que até então, mais cativa do
que nunca” (AZEVEDO, 1992, p. 77). Quando Ana Rosa entra em crise por saber que
seu pai não aprovava seu casamento com Raimundo, o narrador fala que a “boa
Mônica, ajoelhada aos pés dela”, a vigiava “com a docilidade de um cão” (AZEVEDO,
1992, p. 205). O narrador, assim, utiliza-se do adjetivo cativa e da frase docilidade de
um cão para descrever a ex-escrava e termina por aproximá-la do estereótipo do
escravo fiel, já encontrado na personagem de Pai Benedito n’O Tronco do Ipê (1969)
e de Raimundo em Iaiá Garcia (1989).
Quanto ao estereótipo do escravo Nobre, o mestiço “embranquecido”, que
possui atributos de brancura” física e, por conseguinte, cultural, o narrador d’O
Mulato descreve várias características deste mestiço, filho de um português branco
com uma escrava negra. O narrador utiliza vários vocábulos para a descrição de
Raimundo que se assemelham a esse estereótipo, encontrado, também, na
personagem Isaura, em A Escrava Isaura (2004). Raimundo, fisicamente, era um
“rapaz bem parecido” (AZEVEDO, 1992, p. 38), com vinte e seis anos e de grandes
olhos azuis, que puxara do pai português. Tinha “cabelos muito pretos, lustrosos e
crespos, tez morena e amulatada, mas fina [grifo meu]; dentes claros que reluziam
sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante” (AZEVEDO, 1992, p. 40). Quanto
ao seu comportamento, estava muito longe de ser o do estereótipo do escravo
imoral ou desprezível; pelo contrário, o narrador relata que ele tinha “os gestos bem
educados, sóbrios, despidos de pretensão”, que “falava em voz baixa, distintamente,
sem armar ao efeito e que se vestia “com seriedade e bom gosto” (AZEVEDO, 1992,
40
p. 40). Além de tudo, era um amante das artes, das ciências e da literatura. Um
perfeito herói branco em tez amulatada.
Diante de todas essas características a ele imputadas e da força do
preconceito racial da sociedade ludovicense, Raimundo questiona a sua formação:
“mas do que servira então ter-se instruído e educado com tanto esmero? do que
servira a sua conduta reta e a inteireza do seu caráter? (...) para que diabo tivera ele
a pretensão de fazer de si um homem útil e sincero?” (AZEVEDO, 1992, p. 185).
Entretanto, o narrador não esquece que aquele homem tão intelectual era um
mestiço e que o “hibridismo daquela figura” mostrava como “a distinção e a fidalguia
do porte harmonizavam caprichosamente com a rude e orgulhosa franqueza de um
selvagem” (AZEVEDO, 1992, p. 78).
É como selvagem, portanto, que o herói deixa a trama do romance, que
não consegue vencer a luta pela sobrevivência porque é “tocaiado e morto a tiros
pelo seu rival” (BROOKSHAW, 1983, p. 45), Luis Dias, um caixeiro português,
“repugnante: magro e macilento, um tanto baixo, um tanto curvado” (...) com “um
cheiro azedo de roupas sujas” (AZEVEDO, 1992, p. 185). Essa morte confirma,
assim, a teoria de muitos cientistas e intelectuais da segunda metade do século XIX
que, acreditando na hegemonia da raça branca e, conseqüentemente, na fraqueza
da raça negra e de seus descendentes, quer negros ou mestiços, esperavam o
triunfo da raça branca, pois “o homem branco está melhor equipado do que o mulato
na luta pela sobrevivência porque possui as qualidades necessárias para viver sob a
lei da selva” (BROOKSHAW, 1983, p. 45). E o narrador do romance aluisiano, mais
uma vez, compactua com todas as teorias científicas da superioridade da raça
branca, revelando que mesmo o mulato embranquecido”, o estereótipo do escravo
nobre, não consegue sobrepujar a força do elemento branco da sociedade. Ele
confirma, dessa forma, a profecia de Silvio Romero de que “a forma branca vai
prevalecendo e prevalecerá” (1980, p. 120).
O quadro a seguir apresenta o resumo das palavras e frases encontradas na
fala do narrador que descrevem personagens do romance de forma semelhante à
dos estereótipos classificados por Brookshaw (1983).
41
Estereótipos de Escravos
Palavras do Narrador que Ratificam os
Estereótipos de Escravos em O Mulato
Escravo Demônio malfeitor
Escravo Desprezível
sujo, gorduroso, mal amanhado, mal lavado e feio
Escravo Imoral sensual
Escravo Fiel cativa, docilidade de um cão
Escravo Nobre tez morena e amulatada, mas fina; rapaz
bem
parecido, estatura alta e elegante; gestos bem
educados, sóbrios, despidos de pretensão;
falava em
voz baixa, distintamente
Quadro 2: Palavras do Narrador que Ratificam os Estereótipos de Escravos em O Mulato
Julgo necessário comentar, ainda, que, na narrativa d’O Mulato, há uma
visível comparação do negro com o animal. Como exemplo, destaco a descrição de
Benedito, uma criança escrava do pai de Ana Rosa. O narrador declara que ele era
“um pretinho seco, retinto, muito levado dos diabos”, que “(...) atravessou a sala com
uma agilidade de macaco” (AZEVEDO, 1992, p. 63). Mikhail Bakhtin, autor da obra
Questões de Literatura e de Estética, afirma que “uma linguagem particular no
romance representa sempre um ponto de vista particular sobre o mundo, que aspira
a uma significação social” (2002, p. 135). Dessa forma, o símile do escravo com o
macaco não pode passar despercebido, que essa linguagem encontra uma
significação particular no mundo científico do século XIX. Cientistas como Nott
(2005) e Agassiz (2000) acreditavam em uma semelhança marcada do cérebro do
negro com o do orangotango, o que os levava a comparar traços físicos do negro
com os do macaco. É por essa razão que a comparação feita pelo narrador da
agilidade de Benedito com a de um macaco pode representar um ponto de vista
particular do narrador em relação ao mundo científico de então, que procurava
defender a teoria da inferioridade da raça negra cientificamente. Essa comparação,
no entanto, não permanecia no mundo da ciência, já que, aspirando uma
significação social, promovia o preconceito racial dos brancos em relação aos
negros.
42
1.4. Algumas Considerações
Este capítulo teve por objetivo analisar a obra O Mulato e, em especial, a fala
do seu narrador a fim descobrir possíveis traços de racismo na narrativa. Após um
percurso pelas teorias científicas que defendiam a inferioridade física e moral da
raça negra, percebi que elas eram encontradas na literatura oitocentista através da
descrição estereotipada de escravos negros nas obras (BROOKSHAW, 1983).
Dessa forma, busquei encontrar, na narrativa de Memórias de Um sargento de
Milícias, As Vítimas Algozes Quadros da Escravidão, O Tronco do Ipê, A Escrava
Isaura e Iaiá Garcia, os seguintes tipos de escravo: demônio, desprezível, imoral, fiel
e nobre.
Após uma amostragem de caracterizações estereotipadas de personagens
nessas obras, foi possível fazer um levantamento, na fala do narrador d’O Mulato, de
palavras por ele utilizadas, que se aproximam desses estereótipos. Ademais, foi
necessário a menção da comparação feita pelo narrador entre o escravo Benedito e
o macaco, que vai ao encontro das teorias defendidas por Nott (2005) e Agassiz
(2000) da semelhança que acreditavam haver entre o negro e o orangotango. Além
disso, percebi que, em um período histórico no qual se acreditava que a solução
para a questão racial brasileira era o seu embranquecimento, a representação de um
herói mulato embranquecido não podia ser irrelevante. Por um lado, esse herói
denuncia o preconceito racial, pois, para a cidade de São Luis, um mulato inteligente
e refinado era inferior a um branco, mesmo que repugnante e sem educação; por
outro lado, porém, o fim trágico de Raimundo ratifica a teoria da curta vida dos
híbridos, defendida por Nott (2005) e Romero (1980), que, na luta pela
sobrevivência, o branco possui as qualidades necessárias para vencer sob a lei
da selva (BROOKSHAW, 1983).
Finalmente, julgo importante ressaltar que a minha leitura da obra, ao
compará-la com as teorias científicas racialistas aqui apresentadas, permite a
conclusão de que o narrador, apesar de relatar uma trama denunciadora do racismo,
deixou várias marcas subjacentes desse preconceito na sua fala, através de
palavras e frases, de cunho preconceituoso, usadas para descrever várias
personagens da trama; em suma, ele compactuou com a teoria racista da
43
inferioridade da raça negra através da representação estereotipada do elemento
negro na narrativa e da descrição do herói afro-descendente com características de
heróis brancos.
44
Capítulo 2. A Voz do Narrador de The House Behind the Cedars de Charles
Chesnutt e a Linha de Cor
Com o objetivo de analisar a voz do narrador de The House Behind the
Cedars de Charles Chestnutt, por se tratar de uma obra pouco conhecida no Brasil,
será necessário uma apresentação do autor e da trama do romance. Posteriormente,
após uma visita à história da segregação dos Estados Unidos, objetivando entender
a difícil questão da linha de cor (color line), ou seja, a linha imaginária, porém
sustentada por leis, que separava brancos e negros na sociedade americana, será
verificada a possível presença dos estereótipos de escravos (BROOKSHAW, 1983)
na narrativa d’A Cabana do Pai Tomás (Uncle Tom’s Cabin), publicada em 1852 por
Harriet Beecher Stowe, obra de grande importância na literatura americana anterior
à Guerra Civil, com repercussão internacional. Finalmente, buscarei averiguar, na
obra chesnuttiana, se o narrador foi ou não conivente com todas as teorias racistas
apresentadas no primeiro capítulo desta pesquisa.
2.1. Conhecendo Charles Waddell Chesnutt e The House Behind the Cedars
The House Behind the Cedars foi publicado em 1900, dezenove anos após a
publicação d’O Mulato, por Charles Chesnutt, que nasceu em Ohio em 1858, mas
tendo passado a sua infância e juventude na Carolina do Norte, estado que usa
como palco da ficção em estudo nesta pesquisa. Era neto de Waddell Cade,
fazendeiro branco dono de escravos e de sua amante negra, Ann Chesnutt, que se
tornou a governanta (housekeeper) da casa grande (vide Figura 2). Para Bone
(1965, p. 35), mesmo não tendo feito o ensino médio, Chesnutt era um autodidata
que lia vorazmente obras que o interessavam e que, sozinho, aprendeu taquigrafia
e, posteriormente, Direito. Foi, então, professor por nove anos; adquiriu, também,
alguma experiência no ramo do jornalismo em Nova York e, finalmente, estabeleceu-
se em Cleveland, sua cidade natal, onde trabalhou como taquígrafo em tribunais. Em
1887, passou no concurso da Ordem dos Advogados. Nesse mesmo ano, seu
primeiro conto foi publicado e, em 1899, esse e outros contos foram editados numa
coleção sob o tulo The Conjure Woman. Em 1899, ainda, publicou o livro The Wife
of His Youth and Other Stories of the Color Line, outra coleção de contos.
45
Figura 2: Árvore Genealógica de Chesnutt (BROWNER, 2001)
De acordo com Kranz e Koslow (1999), The Wife of His Youth and Other
Stories of the Color Line é uma coleção de contos que apresenta personagens
mestiças e seus problemas provocados pelas duas raças. Por essa mesma razão,
Bone (1965) declarava que Chesnutt era o contista afro-americano pioneiro em
criar ficção que tratava do problema da color line (linha de cor, a linha imaginária que
separa brancos de negros). O escritor afro-americano insistira com seus editores em
ter liberdade para contar histórias a respeito da color line sob o olhar original do
afro-descendente.
Kranz e Koslow (1999) afirmam, ainda, que Chesnutt é considerado o primeiro
escritor profissional afro-americano. Claro que houve outros escritores afro-
descendentes anteriores a ele; no entanto, ele foi o primeiro a assumir a posição
efetiva de romancista e contista. Além disso, conforme Gates Jr. e McKay (1997, p.
522), Chesnutt foi o primeiro escritor negro a lutar por suas publicações em uma
indústria publicitária controlada por brancos, objetivando propagar mensagens de
cunho social.
Encorajado pelo sucesso dos seus contos, Gates Jr. e McKay (1997)
declaram que Chesnutt dedicou-se totalmente à literatura e escreveu três romances:
The House Behind the Cedars em 1900, The Marrow of Tradition em 1901 e The
Colonel’s Dream em 1905. Para os autores, viver somente da pena teve reflexos na
vida de Chesnutt: uma diminuição permanente do seu padrão de vida, forçando-o a
46
voltar ao seu trabalho de taquígrafo. Desse período até a sua morte em 1932,
Chesnutt escreveu outro romance que não chegou a ser publicado.
The House Behind the Cedars é uma expansão do conto chesnuttiano
intitulado Rena Walden, escrito uma década antes (BARKSDALE e KINNAMON,
1972). Rena é filha de Mis’ Molly Walden, uma afro-descendente livre, filha de pais
livres e legalmente casados. Mis’ Walden teve dois filhos com um homem branco e
rico, que lhe deu a casa atrás dos cedros para morar (the house behind the cedars).
Seus dois filhos, John e Rowena (Rena), nasceram com uma tez muito clara,
semelhante à de qualquer branco, na cidade de Patesville, na Carolina do Norte.
Aos dezoito anos de idade, John saiu de casa para tentar a sorte em outra
cidade, onde ele não seria conhecido como afro-descendente. Foi a Clarence, na
Carolina do Sul, adotou o sobrenome de Warwick, passou no exame da Ordem dos
Advogados, casou-se com uma mulher rica e teve um filho. Pela morte da esposa,
John sentiu a necessidade de trazer a sua irmã para o seu convívio. Ela passaria por
branca, também, adotando o sobrenome de Warwick.
Em Clarence, Rena conheceu George Tryon, um grande amigo de John e
apaixonou-se por ele. Os dois jovens apaixonados decidiram casar-se. Antes de a
data ser definitivamente marcada, John e George precisaram fazer uma viagem de
negócios. Nesse ínterim, Rena recebeu uma carta da mãe relatando estar doente.
Rena decidiu, então, ir visita-lá. A viagem dos dois amigos terminou mais cedo e
George resolveu ir a Patesville para tratar de uma questão de terras naquela cidade,
sem saber que Rena se encontrava lá também, que o passado da noiva lhe era
desconhecido. Para Rena, falar do passado seria falar da sua ascendência negra e
isso comprometeria não só o seu futuro, mas o do seu irmão e sobrinho.
A sorte não estava com o casal e, por acidente, em Patesville, George viu
Rena saindo do consultório de um doutor e soube, através dele, que ela era mestiça.
Ao reconhecer George de longe, Rena desmaiou. George o foi ao seu encontro,
mas, ao contrário, sentiu-se traído e resolveu voltar a Clarence. Lá, escreveu a John,
desmanchando o noivado e declarando que o segredo da sua ascendência estaria
seguro com ele.
47
Rena viveu algumas semanas de grande abatimento; resolveu, depois, voltar-
-se para a sua comunidade, tornando-se professora. Convencida de que não era
possível passar por branca, resolveu dedicar-se a um trabalho humanitário. Jeff
Wain, primo de uma prima segunda de Mis’ Molly, ofereceu a Rena um trabalho de
professora no condado de Sampson. Em Sampson, ela conseguiu a licença e iniciou
o seu ofício.
Enquanto trabalhava na escola, Rena morava na casa de Jeff Wain com a
mãe deste. As intenções de Jeff eram as de conquistá-la e, com esse propósito,
procurou beijá-la. Rena esquivou-se e passou a morar na casa de uns conhecidos.
Nesse mesmo período, George visitou a sua mãe, que, coincidentemente, morava
nas redondezas. George descobriu que sua ex-noiva era a professora da escola e
lhe escreveu uma carta pedindo um encontro dos dois. Ela recusou tal encontro e
passou a viver um conflito pessoal. Por um lado, Jeff a perseguia; por outro, George
queria vê-la e isso lhe traria mais desconforto, que esse encontro não
resolveria a situação entre os dois, visto que George não a queria como esposa.
Todas as vezes que Rena terminava a sua aula, ela retornava à casa
acompanhada de um dos seus pupilos. George conseguiu subornar uma das
crianças para promover o encontro entre eles. Certa vez, quando Rena e o aluno
Plato chegaram a uma bifurcação no caminho, Rena notou que a criança
desaparecera. Reconheceu, ainda, os rostos de Jeff e George, de longe, vindo em
sua direção. Resolveu fugir. Correu mata a dentro e, depois de algum tempo,
debaixo de uma forte chuva, ela caiu, ficando inconsciente. Rena foi, então,
encontrada e levada à casa dos amigos que a hospedavam. No entanto, estava
mais doente do que imaginavam. À noite, enquanto todos dormiam, ela fugiu de
casa. Nova busca foi feita, sem sucesso. Frank Fowler, amigo e vizinho de Mis’
Molly, depois de descobrir que Jeff tinha um mau caráter, decidiu ir em direção ao
condado de Sampson, a fim de proteger a mulher que ele mais amava no mundo,
Rena. No caminho para a cidade, ele encontrou Rena, prostrada na estrada, com
seu vestido rasgado e descalça. Ela delirava. Frank a levou de volta para a casa de
Mis’ Molly Walden em Patesville. Rena, porém, não conseguiu sarar do seu mal.
Falou com Frank, declarando que fora ele quem mais a amara e morreu.
48
Essa é a trama narrada em The House Behind the Cedars. Entretanto, para
que entendamos melhor a linha de cor e o conflito racial representados nessa obra
sob o ângulo de visão da família Walden, apontarei, em primeiro lugar, alguns fatos
relacionados a essa conflito dentro do contexto da história dos Estados Unidos.
Ademais, buscarei mostrar essa segregação racial no romance Uncle Tom’s Cabin
(A Cabana do Pai Tomás) de Harriet Beecher Stowe, publicado em 1852, para que
se entenda melhor essa linha de cor; finalmente, passarei à análise da obra
chesnuttiana, objetivando, também, observar a posição do narrador diante do tema
da segregação.
2.2. A Linha de Cor em Uncle Tom’s Cabin (A Cabana do Pai Tomás) de Harriet
Stowe
Antes do levantamento de pontos importantes na obra A Caba do Pai Tomás,
de Harriet Beecher Stowe, é necessário entender a significação dessa linha de cor
(color line) na história americana, visando a uma melhor compreensão da
segregação racial representada tanto n’A Cabana do Pai Tomás, quanto,
posteriormente, em The House Behind the Cedars.
De acordo com a biblioteca online Answers.com (1999), a linha de cor é uma
barreira criada por leis, costumes ou diferenças econômicas que separa pessoas
brancas das não brancas. Para Sweet (2005a), Ph.D. em História do Racialismo
Americano, essa barreira de separação racial tão nítida na segunda metade do
século XIX iniciou-se em 1691, quando a então colônia britânica da Virgínia aprovou
e pôs em vigor uma lei que proibia o casamento voluntário entre pessoas brancas
livres e afro-descendentes livres. As punições para esse crime iam desde a expulsão
dos casais inter-raciais da colônia até a morte por tortura. Os ministros puritanos
tinham de divulgar tais decretos que proibiam o casamento inter-racial, referindo-se,
então, aos negros como elementos de uma raça desumana. Mas quem era
considerado negro? Conforme Sweet (2005a), ainda, a colônia da Virgínia, em 1705,
aprovou a primeira lei que usava a fração de um oitavo () de sangue negro como
regra para a determinação da espécie sangüínea individual; em outras palavras,
uma pessoa seria considerada negra se um ou mais dos seus bisavós pertencessem
ao lado negro da linha de cor. Em The House Behind the Cedars, a menção a essa
49
regra é encontrada em um diálogo entre o Juiz Straight e John, irmão de Rena. O
Juiz lhe informa que a lei de um oitavo era mais rígida na Carolina do Norte do que
na Carolina do Sul, estado no qual o rapaz vai, posteriormente, morar, passando por
branco.
Com essa regra, conforme Banton (1967), qualquer pessoa deveria pertencer
a um dos lados dessa linha separadora, independentemente de ser livre ou escrava,
mesmo quando, aparentemente, poderia ser considerada branca. E diante dessa
possibilidade de alguém passar por branco, foi estabelecida, entre os anos de 1830
e 1840, a regra chamada one-drop (uma gota) (SWEET, 2005b). Essa regra afirma
que pessoas, mesmo sem sinais visíveis de características físicas africanas ou o tom
de pele negro, são classificadas como membros do grupo endogâmico negro se
tiverem, pelo menos, uma gota de sangue africano nas veias. São, dessa forma,
considerados incompatíveis a um casamento inter-racial devido à quantidade
imensurável (uma gota) de linhagem africana (SWEET, 2005b). A regra one-drop,
em The House Behind the Cedars, é mencionada no diálogo referido anteriormente,
entre o Juiz Straight e John, no qual o juiz declara que “uma gota de sangue negro
torna todo o homem negro”
1
(CHESNUTT, 1993, p. 113).
A decisão quanto à negritude de uma pessoa estava estabelecida. No
entanto, pertencer a um ou outro lado da color line determinaria a condição de
superioridade ou inferioridade da sua raça. Como visto no primeiro capítulo deste
trabalho, as teorias racistas de Nott (2005), por exemplo, declaravam que o negro
era inferior física e moralmente ao branco; conseqüentemente, códigos de conduta
deveriam ser estabelecidos aos escravos e, posteriormente, aos negros livres para
que eles “ficassem no seu lugar”, separados não através do casamento inter-
racial, mas em todos os aspectos da vida do escravo (FRANKLIN, 1966). Esses
códigos de conduta foram chamados de Black Codes (Códigos para os Negros).
_________
1 “one drop of black blood makes the whole man black”.
50
Para Franklin (1966), apesar de os Black Codes ou Slave Codes (Códigos
para os Escravos) terem variantes de estado para estado, o ponto central entre eles
era o princípio de que os escravos não eram pessoas, mas propriedades. Dessa
forma, as leis deviam tanto proteger os seus donos contra qualquer tipo de perigo
que pudesse resultar com a presença de um número grande de negros quanto
manter a posição de subordinação dos escravos para que a disciplina e o trabalho
fossem otimizados.
Banton (1967) afirma que, sob o regime da escravidão, os brancos tiveram a
permissão de explorar seus escravos como bem lhes aprouvesse, conquanto não
perturbassem o sistema social já estabelecido. No Sul dos Estados Unidos, portanto,
a maioria dos escravos passava a quase totalidade do seu tempo nas plantações,
sem ter, praticamente, nenhum contato com a população branca. Essa era a linha de
cor em ação no tempo da escravatura.
Seria possível imaginar, no entanto, que, com a abolição da escravidão negra
nos Estados Unidos, os Black Codes fossem abolidos também. Entretanto, como
afirma Pacheco (1983), a terminação oficial da escravidão em 1865, com o fim da
Guerra Civil Americana, “não significou o fim dos preconceitos racistas dos brancos
com relação aos negros” (p. 48). Entre 1865 a 1877, período conhecido como
Reconstrução, o governo federal até interveio para conceder, aos negros, direitos
civis e políticos, como o direito de votar e de desempenhar alguns cargos públicos;
entretanto, nos anos posteriores a esse período, os negros “foram perdendo
continuamente os seus direitos, de maneira que se lhes tornava cada vez mais difícil
poder votar” (PACHECO, 1983, p. 50). Essa perda de direitos (disfranchisement) e a
extensão de uma segregação legalizada levou à chamada era do Jim Crow, ou o Jim
Crowismo: “os estados do Sul sancionaram uma série de estatutos que contribuíram
para a segregação entre negros e brancos em esferas como educação, transporte,
casamento e lazer” (CASHMORE, 2000, p. 285).
O Dr. Ronald Davis ([2002]), em seu ensaio Creating Jim Crow: In-Depth
Essay, declara que o termo Jim Crow provavelmente surgiu na década de 1830,
quando o artista Thomas Rice pintava o seu rosto de preto, dançava e cantava a
música Jump Jim Crow:
51
Ouçam todos vocês, moças e rapazes
Eu vou cantar uma pequena canção
Meu nome é Jim Crow
Gire, rode e faça isso
2
Toda
3
vez que eu giro, eu pulo Jim Crow
4
A Figura 3 mostra a imagem do Jim Crow. Tanto a imagem quanto a canção
ridicularizavam “os negros, retratando-os como idiotas engraçados, congenitamente
preguiçosos, mas com uma aura de felicidade infantil” (CASHMORE, 2000, p. 284).
Figura 3: Jim Crow (DAVIS, [2002])
____________
2 A palavra isso (this) é soletrada jis /dЋگs/, mostrando a maneira errônea de o negro pronunciá-la.
3 Na palavra toda (every), a letra ‘v’ é trocada pela letra ‘b’, mostrando, novamente, a maneira
errônea do negro pronunciar a palavra.
4 Come listen all you galls and boys,
I'm going to sing a little song,
My name is Jim Crow.
Weel about and turn about and do jis so,
Eb'ry time I weel about I jump Jim Crow
52
Pilgrim (2000a), no artigo Who was Jim Crow?, publicado no Jim Crow
Museum, afirma, ainda, que o termo Jim Crow se tornou, também, uma palavra
depreciadora do negro, como darkie (escurinho) e, até mesmo, nigger (termo
pejorativo em relação aos negros, desde a época da escravidão, diferenciando-se de
Negro, que não possui essa carga negativa). em seu artigo What was Jim Crow?,
Pilgrim (2002b) asserta que o termo passou não a representar a legislação que
levava à prática da segregação entre brancos e negros, fortificando, assim, a linha
de cor, mas a ser, também, um meio de vida baseado na premissa de que os
brancos eram superiores aos negros em inteligência, moralidade e comportamento
civilizado.
Os Black Codes foram, então, ratificados. O Jim Crowismo passou a
corresponder a todo e qualquer tipo de separação entre as raças branca e negra.
Havia, portanto, “escolas para brancos e escolas para negros; chafarizes para
brancos e chafarizes para negros, bíblias para o juramento dos brancos e bíblias
para o juramento dos negros” (PACHECO, 1983, p. 51). Os negros passaram a ser
banidos dos hotéis, barbearias, restaurantes e teatros brancos (FRANKLIN, 1966).
Algumas cidades pequenas do sul dos Estados Unidos excluíram completamente os
residentes negros; outras, confinaram-nos a distritos específicos (BANTON, 1967),
que se apresentavam “em geral com ruas sem calçamento e iluminação”
(PACHECO, 1983, p. 51). Em The House Behind the Cedars, o narrador declara, por
exemplo, que a família Walden morava em uma parte obscura da cidade de
Patesville, no “distrito sórdido da parte inferior da cidade”
5
(CHESNUTT, 1993, p.
98).
Para Woodward (1974), poucas seções do código de segregação escaparam
ao ataque, que o sistema Jim Crow foi adotado em trens, ônibus e outros meios
de transporte; em restaurantes, teatros e hospitais; em playgrounds, parques
públicos, piscinas públicas e quadras de esportes. Nos transportes, por exemplo,
eles eram ou totalmente excluídos ou designados a seções especiais para os
negros; nos teatros, quando lhes era permitida a entrada, ficavam reclusos aos
________________
5 “sordid district in the lower part of the town”
53
cantos remotos do recinto; na maioria dos hotéis e dos restaurantes, era-lhes
proibida a entrada, exceto como funcionários. Eles rezavam em bancos reservados
para negros nas igrejas freqüentadas por brancos e, ao participarem da Santa Ceia,
tinham de esperar todos os brancos serem servidos do pão e do vinho. Eram, assim,
muitas vezes, “educados em escolas segregadas, punidos em prisões segregadas,
amamentados em hospitais segregados e enterrados em cemitérios segregados”
6
(WOODWARD, 1974, p. 19).
A total segregação racial foi declarada quando a Corte Suprema americana
decidiu o caso Plessy v. Ferguson (JONES, 1973). Cozzens (1999) relata que esse
foi o caso de um sapateiro negro de trinta anos de idade, preso por estar em um
assento vago no carro destinado aos brancos da ferrovia East Louisiana. Plessy
argumentou que a separação de carros violava a constituição americana. O Juiz
John Howard Ferguson considerou Plessy culpado por não deixar o carro “branco”
do trem. Plessy apelou à Suprema Corte americana, mas foi considerado culpado
novamente. A Suprema Corte declarou que carros separados para brancos e negros
era constitucional, conquanto eles fossem iguais. A frase separados mas iguais
tornou-se um marco do Jim Crowismo, que a Suprema Corte americana “colocou
seu selo de aprovação na segregação legalizada”
7
(FREDRIKSON, 1971, p. 275).
As leis do Jim Crow não deixaram a questão do casamento inter-racial de
lado. De acordo com Falck ([2002]), pelo menos cento e vinte e sete leis proibindo o
casamento entre pessoas de raças diferentes foram aprovadas entre 1865 e 1954,
ano em que a Corte Suprema americana formalmente tornou o Jim crowismo ilegal.
Tanto os brancos quanto os negros que desobedecessem às leis contra a
miscigenação podiam receber uma pena de até dez anos de prisão com trabalho
forçado, em um número grande de estados americanos. Na Carolina do Norte e
Carolina do Sul, estados nos quais ocorre a trama de The House Behind the Cedars,
as leis contra o casamento inter-racial não eram menos severas. Na Carolina do Sul,
________________
6 “educated in segregated schools, punished in segregated prisons, nursed in segregated hospitals,
and buried in segregated cemeteries”.
7 “put its stamp of approval on legalized segregation”.
54
as leis proibiam o casamento entre um branco e um negro ou um mulatto, ou uma
pessoa que tivesse um oitavo ou mais de sangue negro, prevendo uma multa de, no
mínimo, quinhentos dólares ou encarceramento por não menos de doze meses, ou
ambos. Os ministros religiosos que fizesses tais uniões matrimoniais poderiam sofrer
as mesmas penalidades. na Carolina do Norte, em 1875, foi aprovada uma lei
que proibia, para sempre, o casamento entre uma pessoa branca e uma pessoa
negra ou entre uma pessoa branca e uma pessoa descendente de negros até a
terceira geração. O romance chesnuttiano apresenta a força dessas leis
segregacionistas quando o noivo de Rena, George Tryon, separa-se dela
definitivamente, ao descobrir a sua ascendência africana. Rena, reconhecendo a
posição que a sociedade lhe imputava, escreve ao ex-noivo, dizendo-lhe que
(...) aceita a classificação, embora incorreta, e as conseqüências,
embora injustas, (...) que não nos permitem um encontro na mesma
sala, na mesma igreja, à mesma mesa, ou em qualquer lugar em
tratos sociais; em um barco a vapor, não nos sentaríamos à mesma
mesa; não poderíamos andar juntos nas ruas, ou ter um encontro em
público e conversar, sem receber um comentário rude
8
(CHESNUTT, 1993, p. 172).
Esse separatismo não parou aí, pois em uma sociedade na qual um grupo é
considerado superior, normas de etiqueta são impostas aos membros do grupo
considerado inferior (BANTON, 1967). Pilgrim (2000b) cita algumas dessas normas:
um homem negro não podia cumprimentar um homem branco com aperto de
mãos;
um homem negro não podia acender um cigarro de uma mulher branca;
os negros não podiam mostrar afeição entre si em público;
os negros eram sempre apresentados aos brancos; nunca o inverso;
___________
8 “(…)accept the classification, however unfair, and the consequences, however unjust, (...) that we
cannot meet in the same parlor, in the same church, at the same table, or anywhere in social
intercourse; upon a steamboat we would not sit at the same table; we could not walk together on the
street, or meet publicly anywhere and converse, without unkind remark.”
55
se um negro estivesse em um carro dirigido por um branco, ele deveria,
sempre, sentar no banco de trás; no caso de um caminhão, sempre na
traseira;
os motoristas brancos tinham sempre a preferencial ao dirigir;
os negros eram sempre chamados pelo primeiro nome; os brancos nunca
usavam qualquer título como Sr. ou Sra. ao se referir a qualquer um deles;
os negros nunca podiam chamar os brancos pelo primeiro nome; teriam,
portanto, sempre de usar um título como Sr., Sra., Capitão, Juiz, etc.
O uso de títulos ao falar a uma pessoa branca é notado, também, na obra The
House Behind the Cedars: um dos alunos de Rena, uma criança ex-escrava do
George Tryon, continua a chamar-lhe de Mars Geo’ge, mesmo já sendo livre.
As leis do Jim Crow, com suas normas de conduta, eram aplicadas a todos os
negros, independentemente da sua situação financeira ou escolar. Woodward (1974)
asserta que elas não foram feitas apenas para os desordeiros, os bêbados, os rudes
ou ignorantes; o Jim Crowismo defendia a idéia de que nenhum negro chegava a ser
pelo menos igual a um branco por mais pobre ou insignificante que este fosse. Na
obra de Chesnutt em estudo, essa idéia é discutida por três personagens brancas: o
Juiz Straight, George e o Dr. Green, primo da mãe de George. A conclusão tirada
pelo Dr. Green é de que “todos os negros são iguais”
9
(CHESNUTT, 1993, p. 75).
Sendo iguais, todos estavam sujeitos às punições da lei em caso de desobediência
ou suposta infração. Havia, no entanto, dois meios de intimidá-los: pelos
linchamentos e pela religião.
Para Cashmore (2000), a segregação Jim crow era do tipo de jure, ou seja,
uma separação confirmada por lei. Se houvesse algum caso no qual não havia
corroboração da lei, eram chamadas as forças da Ku Klux Klan, KKK, sociedade
secreta formada em 1865, no final da Guerra Civil (vide Figura 4). Seu nome deriva
do grego Kuklos – círculo, e do escocês Klan – clã, sendo, assim, um clã que se
__________
9 “all negroes are alike”.
56
posicionava contrário aos direitos concedidos aos negros no período da
Reconstrução. Acreditava-se que havia um plano divino para que os anglo-saxões
protestantes brancos (White Anglo-Saxon Protestant, WASP) dominassem as outras
raças. Para eles, esse plano foi “violado pela libertação dos escravos e pela
crescente presença dos católicos” (p. 293). Os integrantes do KKK “costumavam
usar mantos e capuzes brancos para aterrorizar os negros: havia linchamentos
regulares, castrações e destruição de propriedades pertencentes a negros”
(CASHMORE, 2000, p. 293).
Figura 4: O Terror do KKK (DAVIS, [2002])
Banton (1967) afirma que os membros do KKK e de outras sociedades
secretas açoitavam, intimidavam e matavam negros por ofensas reais, triviais ou
imaginadas. Os negros acusados de crimes eram, portanto, arrancados das mãos
das autoridades para ser enforcados, queimados vivos ou mortos por arma de fogo
(FREDRICKSON, 1971). Os linchamentos eram, normalmente, justificados como
uma resposta da sociedade branca contra os ataques de homens negros a mulheres
brancas. De fato, muitos desses ataques não passavam de mentiras e as vítimas
dos linchamentos eram, tipicamente, homens e mulheres negros politicamente ativos
ou economicamente bem sucedidos. Outros eram circunstantes que estavam no
lugar errado na hora errada (DAVIS, ([2002]).
57
Chesnutt apresenta o tema do linchamento no conto The Sheriff’s Children
(1998), publicado em 1899. O narrador relata a história de Tom, filho do Xerife do
Condado de Benson. Tom fora preso por ter, supostamente, morto um homem
branco, o Capitão Walker, que servira na Guerra Civil, tornando-se um herói de
guerra. Por ter vendido Tom na infância, o Xerife não reconheceu o filho quando ele
foi trazido para a prisão. Mesmo confessando não ser o autor do crime, Tom não
recebe nenhum apoio do pai e, não vendo como obter a liberdade, já que os homens
brancos do condado pediam o seu linchamento, o jovem decide suicidar-se. O fim
trágico do conto denuncia a tragicidade do linchamento executado por sociedades
secretas como o KKK.
Entretanto, além do linchamento, outro meio usado pelos brancos para coibir
o negro de buscar os seus direitos previstos na Constituição, na 14ª e 15ª emendas,
era a religião. Na Constitution of the United States (2007), verifica-se que a 14ª
Emenda, confirmada em 1868, dava a todas as pessoas nascidas ou naturalizadas
no país o direito de cidadão americano e que a 15ª Emenda, ratificada em 1870,
previa o direito de voto a todos os americanos, independentemente de raça, cor ou
condição anterior de escravo. No entanto, de acordo com a religião pregada aos
negros, esses direitos terrenos tornavam-se ínfimos se comparados com as bênçãos
celestiais que ela prometia a todo o negro que fosse submisso aos seus
“superiores”, que ele era admoestado a se preocupar “com as coisas do alto, (...)
onde se encontra Cristo, sentado à direita de Deus, (...) não com as que estão
sobre a terra” (Colossenses 3, v. 1, 2)
10
.
_________
10 A versão da Bíblia Sagrada utilizada nesta pesquisa é a TEB, Tradução Ecumênica da Bíblia. Na
sua apresentação, lê-se que essa versão em língua portuguesa segue a edição francesa, a TOB,
Traduction Oecuménique de la Bible, de 1989, não só nas Introduções e Notas, mas também no texto
bíblico. Lê-se, ainda, que a equipe tradutora dos textos originais em hebraico, aramaico e grego era
composta de estudiosos de diferentes religiões cristãs e da religião judaica. Não é a TEB, no entanto,
uma mera tradução da TOB, pois foi cuidadosamente cotejada com os textos originais, podendo,
assim, para os seus editores, ser considerada uma tradução dos originais.
58
Franklin (1966) declara que, mesmo durante a escravidão, o convite aos
negros para participar da igreja dos seus donos brancos o surgiu de um altruísmo
ou sentimento de irmandade; pelo contrário, ter os escravos na igreja era o meio
pelo qual eles estariam, constantemente, cientes da sua localização. Para o autor, a
igreja tornou-se, portanto, em uma agência de manutenção da instituição da
escravidão, que os seus ministros eram encorajados a ensinar os escravos a ter
uma vida de submissão e subserviência. Utilizando-se da Bíblia, por exemplo, eles
admoestavam os escravos a obedecer, em tudo, aos seus senhores, com singeleza
de coração e em temor a Deus, fazendo o trabalho de boa vontade, para Ele,
esperando, assim, receber, dEle, a recompensa
11
.
Para Franklin (1966), ainda, mesmo diante de senhores perversos, os
escravos negros eram ensinados a suportar tudo com paciência e docilidade, assim
como Cristo o fez. Usando a Bíblia, novamente, os senhores brancos exortavam os
seus escravos a serem submissos, não só diante de senhores bons e cordatos, mas,
também, dos perversos, já que eles, os escravos, deveriam suportar tristezas devido
à sua consciência com Deus. Esse era, assim, o chamado de Deus para o escravo:
sofrer como Cristo sofrera, seguindo o Seu exemplo
12
.
Diante desses argumentos usados pela religião, Pacheco (1983) declara que,
para os brancos, os negros deveriam manifestar, inclusive, agradecimento aos seus
senhores, ou seja, demonstrar “o seu reconhecimento pela oportunidade de poder
usufruir os benefícios da escravidão numa terra civilizada” (p. 41). Banton (1967)
________
11 Colossenses 3: 22 – 24: “Escravos, obedecei em tudo aos vossos senhores deste mundo. Servi-os
não porque sois vigiados, como se procurásseis agradar aos homens, mas com a simplicidade de
coração dos que temem ao Senhor. Seja qual for o vosso trabalho, fazei-o de boa vontade, como
para o Senhor, e não para os homens, cientes de que recebereis do Senhor a herança como
recompensa”.
12 Primeira Epístola de Pedro 2: 18-21: “Servos, sede submissos com profundo temor aos vossos
senhores, não somente aos bons e afáveis, mas também aos impertinentes. Pois é uma graça
suportar, por respeito para com Deus, sofrimentos que se padecem injustamente. Ora, é para isto que
fostes chamados, visto que também Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que
sigais suas pegadas”.
59
adiciona que os brancos pregavam que os negros eram mais felizes naquela
posição de escravidão e usavam tanto a ciência quanto a Bíblia para justificar o
sistema.
O Doutor em Divindade, Rev. Fred A. Ross, em seu livro Escravidão
Ordenada por Deus (Slavery Ordained of God), publicado em 1857, reúne alguns
artigos e cartas relacionados com o tema da escravidão. Para ele, apesar de a
escravidão ser uma condição de degradação, ela o pode ser vista como pecado,
que não lei bíblica que a condene. Cita, portanto, São Paulo, quando afirma
que “onde não há lei, tampouco transgressão” (Romanos 4, v. 15). Dessa forma,
para ele, a relação senhor-escravo não é pecaminosa
13
; pelo contrário, Deus deu ao
senhor branco a “responsabilidade mais superior e mais nobre (...) de treinar milhões
dos mais degradados em forma e intelecto (...) para dar-lhes civilização”
14
(ROSS,
2005, p. 18).
O Rev. Ross (2005) condena, portanto, a visão romântica do negro
representada no romance A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe. Ele
afirma que a obra, apesar de ser esplêndida na sua genialidade, era ruim na sua
teologia, na sua moralidade e na sua influência no norte dos Estados Unidos.
Franklin (1966) declara que, quando a obra foi publicada em 1852, foram vendidas
___________
13 A relação senhor-escravo é discutida de forma contrária à do Rev. Ross na Tradução Ecumênica
da Bíblia. Na nota introdutória à Epístola a Filêmon, de São Paulo, os biblistas responsáveis pela TEB
declaram que, nessa carta, Paulo roga a Filêmon por seu escravo Onésimo, que havia fugido da casa
de seu senhor e, posteriormente, se convertido ao Cristianismo. São Paulo refere-se a ele como “meu
filho, que gerei na prisão” (Filêmon, v. 10). Dessa forma, para os biblistas, apesar de o Apóstolo não
contestar radicalmente a instituição da escravatura como tal, ao pedir que Filêmon recebesse
Onésimo “não mais como escravo, e sim, como bem mais do que escravo: como irmão bem amado
(Filêmon, v. 16), ele despedaçou essa relação senhor-escravo e a reconstituiu num plano bem
diferente: “Onésimo será considerado, não como um ser igual, um outro membro da igreja, mas
será membro da família de Filêmon, será integralmente irmão” (TRADUÇÃO ECUMÊNICA DA
BÍBLIA, 1994, p. 2.338). Eles concluem, assim, que “implicitamente, o Evangelho põe em questão o
próprio estatuto da escravatura” (TRADUÇÃO ECUMÊNICA DA BÍBLIA, 1994, p. 2.339).
14 “the highest and the noblest responsibility (...) to train millions of the most degraded in form and
intellect (…) to give them civilization”
60
mais de trezentas mil cópias naquele primeiro ano de publicação e foi, inclusive,
dramatizada em rios teatros no norte do país. Era essa, portanto, a influência
referida por Rev. Ross, que, através da obra, Franklin (1966) afirma que o
movimento abolicionista ganhou inúmeros adeptos e “manteve os líderes sulistas
ocupados ao negar a verdade do romance” (p. 267)
15
. Para Ross (2005), “a
impressão deixada pelo livro é uma falsidade” (p. 5)
16
.
Mas que verdade ou falsidade é essa a qual os autores se referem? A
Cabana do Pai Tomás relata a trama do escravo Tomás, que é vendido por seu
senhor, Mr. Shelby, para que esse pagasse suas dívidas. Após ser escravo de um
senhor bom, o Sr. St. Clare, Tom cai nas mãos de Legree e, sob sua égide, é morto
por açoites. A trama do romance traz à tona a vida precária dos escravos no sul dos
Estados Unidos; entretanto, ela faz, também, uma representação estereotipada do
escravo negro através da personagem Tomás.
Conforme Fredrickson (1971), o Pai Tomás não representa o verdadeiro
escravo, mas o estereótipo do escravo fiel, cuja gentileza e facilidade de perdoar o
tornam como uma criança. Aliás, o próprio narrador do romance afirma que “não
adianta fingir estar com raiva de um negro ou de uma criança; ambos vêem,
instintivamente, o estado real das coisas”
17
(STOWE, 1965, p. 76). Ademais, para o
narrador, é necessário saber que todas as afeições instintivas da raça negra o
fortes e que o negro, naturalmente, é paciente, tímido e heroicamente corajoso.
Há um teor religioso na narrativa, que é confirmado pelas várias referências a
eventos e citações blicos. O narrador declara, por exemplo, que St. Clare tinha
total confiança em Tomás com relação a dinheiro, o que poderia ser uma tentação
___________
15 “left Southern leaders busy denying the truth of the novel”
16 “the impression made by the book is a falsehood”
17 “there is no more use in making believe be angry with a negro than with a child; both instinctively
see the true state of the case”.
61
para o escravo. Entretanto, sendo possuidor de uma simplicidade natural, que era
fortificada por sua fé cristã, o escravo em tudo se comparava com o José bíblico,
que fora vendido pelos irmãos para ser escravo no Egito.
Fredrickson (1971) declara, entretanto, que essa visão romântica do negro é
racista, pois ela se identifica com o estereótipo do escravo fiel, comentado no
Capítulo 1 deste trabalho. O escravo fiel, para Brookshaw (1983), é aquele com uma
índole humilde e resignada cuja fidelidade é comparada à do cão, e a passividade, à
do burro de carga. Esse exemplo de escravo foi encontrado na literatura brasileira
nas representações do Pai Benedito, em O Tronco do Ipê (1969), de Raimundo, em
Iaiá Garcia (1989) e de Mônica, n’O Mulato (1992). Agora, na literatura americana,
destaca-se o Pai Tomás, que, na narrativa, expressa adoração ao elemento branco.
Na fala do narrador, por exemplo, o encontrados o verbo adorar (worship) e o
substantivo adoração (adoration) quando ele relata o amor de Tomás por St. Claire e
sua filha, Eva. Tomás a considerava algo frágil e terreno e quase a adorava como
algo celeste e divino” (STOWE, 1965, p. 260)
18
. Ainda, diante do próprio St. Clare,
seu proprietário, ao conversarem sobre a ressurreição do Lázaro bíblico, o narrador
relata que Tomás “ajoelhou-se diante dele, com mãos apertadas e com uma
expressão absorta de amor, confiança, adoração, na sua face tranqüila” (STOWE,
1965, p. 304)
19
.
A linha de cor na obra de Stowe (1965) fica, portanto, bem delimitada quando
o narrador, buscando combater essa segregação e o crime da escravidão, ao exaltar
a raça negra, ratifica, de forma condescendente, a visão preconceituosa da
inferioridade do negro, que ele é representado como um elemento passivo e
subserviente ao seu senhor. O negro é, mais uma vez, colocado em “seu lugar”.
________
18 “something frail and earthly, yet almost worshipped her as something heavenly and divine”
19 “knelt before him, with clasped hands, and with an absorbed expression of love, trust, adoration, on
his quiet face”
62
2.3. A Linha de Cor em The House Behind the Cedars de Charles Chesnutt
A trama de The House Behind the Cedars acontece na pequena cidade de
Patesville, na Carolina do Norte, poucos anos após a Guerra Civil americana. Como
visto anteriormente, com a Guerra Civil veio a abolição da escravatura nos Estados
Unidos, mas não o fim da segregação, que, além de ser de facto, tornou-se,
também, de jure, através das leis do Jim Crowismo. É, portanto, dentro desse
contexto de segregação racial, que a fala do narrador em The House Behind the
Cedars será investigada.
Mikhail Bakhtin (2002) declara que, quando é lido o relato de um narrador, há,
por trás desse, um segundo relato, “o relato do autor sobre o que narra o narrador, e,
além disso, sobre o próprio narrador” (p. 118). Ele acrescenta, ainda, que “o sujeito
que fala no romance é sempre, em certo grau, um ideólogo [grifo do autor] e suas
palavras são sempre um ideologema [grifo do autor]” (p. 135). Irene Machado, em
sua obra O Romance e a Voz (1995), explica que um ideologema é “um ponto de
vista particular sobre o mundo” (p. 59).
Dessa forma, quando se lê a declaração do narrador do romance
chesnuttiano de que “há profundidades de fidelidade e devoção no coração do
negro, que nunca foram sondados ou completamente apreciados” (CHESNUTT,
1993, p. 117)
20
, é necessário ponderar sobre o ponto de vista particular desse
narrador sobre o mundo do negro. Até esse momento, pode-se perceber que o uso
dos substantivos fidelidade e devoção o aproximam do estereótipo do escravo fiel.
Qual é, portanto, o mundo do romance The House Behind the Cedars? Como
até agora procurei mostrar, o mundo representado no romance chesnuttiano é o da
segregação de jure, o do Jim Crowismo, no qual a própria heroína Rena tinha de
permanecer atrás dos cedros, ou seja, na parte segregada da cidade de Patesville,
reservada aos africanos e seus descendentes. Quisesse ela pertencer ao “mundo
dos brancos”, teria de atravessar a linha de cor, passando por branca.
___________
20 “there are depths of fidelity and devotion in the negro heart that have never been fathomed or fully
appreciated.”
63
E qual era a visão particular do narrador em relação ao mundo da nossa
heroína? Não muito promissora, pois, de acordo com sua própria fala, “as mulheres
na casa atrás dos cedros, que, enquanto superiores em sangue e educação às
pessoas da vizinhança na qual viviam, estavam, entretanto, sob a sombra de alguma
nuvem que claramente as excluía da sociedade superior da cidade”
21
. A frase
superiores em sangue refere-se ao fato de que, tanto a e de Rena, Mis’ Molly,
quanto os seus filhos, Rena e John, tinham sangue branco em suas veias. A e,
assim afirma o narrador, tinha a tez clara, com a cor de um marfim já velho, mas era
“suficientemente diferenciada quando descrita como uma mulata clara”
22
(CHESNUTT, 1993, p. 104). Para o narrador, ainda, apesar de ter traços aborígines
e negros, ela tinha “sangue branco predominando muito visivelmente sobre ambos”
23
(CHESNUTT, 1993, p. 104).
Quanto à segunda mulher da família, Rena, o narrador a descreve como uma
mulher alta, com tez cor de marfim, cabelos castanhos ondulados e olhos
impenetráveis. Essa tez advém, também, do fato de Rena ter tido um pai branco,
cujo nome não se encontra na narrativa. Tanto seu nome quanto a vida que ele tinha
com Mis’ Molly estavam escondidos atrás dos cedros.
Essa superioridade pregada pelo narrador foi transmitida à personagem Mis’
Molly. De acordo com a sua própria fala, o narrador afirma que Mis’ Molly se sentia
“infinitamente superior a Pedro e sua esposa(CHESNUTT, 1993, p. 116)
24
. Pedro
é o pai de Frank, um “jovem de tez castanha-escura, pequeno em estatura, mas com
(...) características indicativas de bondade, inteligência, humor e imaginação”
25
(CHESNUTT, 1993, p. 25). A mãe de Rena acreditava, tal qual o narrador, que, por
___________
21 “the women in the house behind the cedars, who, while superior in blood and breeding to the
people of the neighborhood in which they lived, were yet under the shadow of some cloud which
clearly shut them out from the better society of the town.”
22 “sufficiently differentiated when described as a bright mulatto”
23 “white blood very visibly predominating over both”
24 “infinitely superior to Peter and his wife”
25 “a dark-brown young man, small in stature, but with (…) features indicative of kindness,
intelligence, humor, and imagination”
64
possuir sangue branco nas veias, era superior aos seus vizinhos negros. Ela, por
exemplo, jamais conseguiria ver sua filha casada com Frank, mesmo sabendo da
devoção do rapaz por Rena. “A idéia de sua filha bonita (...) com Frank, em uma
carruagem (...), pareceu a Mis’ Molly como o máximo do ridículo. (…) É claro que um
negro dirigiria a carruagem, mas isso era diferente de estar dentro de uma”
(CHESNUTT, 1993, p. 27)
26
.
A frase “superiores em sangue” encontrada na fala do narrador, em referência
aos negros mestiços, encontra-se, portanto, comprometida com as teorias racistas
que pregavam a inferioridade da raça negra, conforme expostas por Nott (2005) e
Agassiz (2006) na segunda metade do século XIX. Apesar de as regras de e de
uma gota determinarem que qualquer descendente de africano seria caracterizado
como negro pela sociedade americana, tanto o narrador quanto as personagens
“embranquecidas” que ele descreve acreditam que descendentes de africanos, por
terem sangue branco nas veias, são superiores a outros afro-descendentes. Era,
portanto, a hierarquia preconceituosa presente na parte negra da linha de cor.
Enquanto os brancos os consideravam inferiores, as próprias personagens negras
“embranquecidas” sentiam-se superiores aos outros negros, devido à porção de
sangue branco que tinham. Fanon (1967, p. 54) afirma que a mulher negra tinha,
assim, apenas um objetivo: tornar-se branca; a mestiça, por outro lado, não queria
apenas tornar-se mais branca; queria, também, não voltar a “escurecer”. E o
narrador corroborava esse ideologema.
Diante dessa insatisfação de sentir-se superior na parte inferior da cidade, a
linha de cor representada na obra em análise torna-se mais evidente. Rena decide,
então, passar por branca, assim como o seu irmão John fez. É, novamente, a
aspiração ao mundo do branco que fica evidenciada nessa parte da trama. Ela vai,
então, morar na Carolina do Sul, na casa de John, e passa a utilizar Warwick como
___________
26 The idea of her beautiful daughter (…) with Frank, in a cart, struck Mis’ Molly as the height of the
ridiculous. (…) Of course a negro would drive the carriage, but that was different from riding with one
in a cart”
65
sobrenome. “Daqui por diante, ela deve ser conhecida como Miss Warwick, deixando
o velho nome com a velha vida”
27
(CHESSNUT, 1993, p. 29). Além de ter o
prenome idêntico ao da personagem Lady Rowena em Ivanhoé, do Sir Walter Scott,
cujas características, conforme Philips (2007), são as de branca, casta, virtuosa e
leal, ela passa a usar o sobrenome do Conde Warwick, cujo castelo está no condado
de Worwickshire, na Inglaterra. Dessa forma, além de aludir à Lady Rowena, Rena
passava a ter um sobrenome nobre para todos aqueles que a viessem conhecer.
Irene Machado afirma que, em uma enunciação, “o não-dito é também
comunicação”, pois ela se refere “a tudo que contribui para sua apreensão” (1995, p.
70). Com a escolha do nome da heroína de Rowena, é percebido que a heroína
embranquecida buscava uma elevação em comparação aos seus amigos negros.
Agora, ao passar por branca, adotando o sobrenome de um conde inglês, ela, sem
nada dizer, declarava a todos que possuía todos os atributos físicos e morais de
qualquer branco, tornando-se, assim, superior à comunidade atrás dos cedros. E o
narrador, ao considerar a família Walden superior dos outros negros, ratifica a teoria
científica da suposta superioridade da raça branca. É, novamente, a aparição do
estereótipo do escravo nobre, que, de acordo com a taxonomia de Brookshaw
(1983), representa o mestiço embranquecido”, que possui atributos de brancura”
física e moral.
O narrador declara que havia em Rena um ar de refinamento conseqüente
não de uma boa índole, mas do contato com pessoas cultas. Por ser amante de
criaturas fracas, os animais domésticos sempre eram alimentados por ela e não
havia “nenhum branco pobre e indolente, nenhum negro tolo ou faminto que tivesse
saído da cozinha da Mis’ Molly sem ser alimentado, se Rena estivesse para ouvir
o seu lamento”
28
(CHESNUTT, 1993, p. 44). Ademais, “seus movimentos graciosos,
sua elegância discreta com a qual ela vestia mesmo o vestido mais simples, a
autoridade natural com a qual instruía os criados” eram, para seu irmão, John, “(...)
_____________
27 “Henceforth she must be known as Miss Warwick, dropping the old name with the old life.”
28 “no shiftless poor white, no half-witted or hungry negro, had ever gone unfed from Mis’ Molly’s
kitchen door if Rena were there to hear his plaint.
66
provas de qualidade superior”
29
(CHESNUTT, 1993, p. 44). Rena é, portanto, para o
narrador, o exemplo do estereótipo do escravo nobre, já que, na sua fala, diz ser ela
superior em sangue e de qualidade superior. É importante a lembrança de que esse
estereótipo foi encontrado, também, na narrativa das obras brasileiras A escrava
Isaura, de Manuel Antônio de Almeida (1997) e O Mulato, de Aluízio Azevedo
(1992).
Apesar de explorar a comparação entre O Mulato e The House Behind the
Cedars no terceiro capítulo desta dissertação, gostaria de elucidar que,
semelhantemente à obra brasileira, a heroína da obra afro-americana tem, como fim,
a morte. Foi verificado, no primeiro capítulo, que muitos cientistas e intelectuais, na
segunda metade do século XIX, acreditavam na fraqueza da raça negra e, em
especial, dos mestiços, porque “o homem branco está melhor equipado do que o
mulato na luta pela sobrevivência porque possui as qualidades necessárias para
viver sob a lei da selva” (BROOKSHAW, 1983, p. 45). Dessa forma, com a morte da
heroína chesnuttiana, o narrador, quer de forma consciente ou não, defende a
fraqueza da raça mestiça, mesmo quando seu espírito deixa o seu corpo de forma
mística. O narrador relata que Mary B., prima de Mis’ Molly,
(...) escancarou uma janela para abrir caminho para o espírito que
passava, e o esplendor vermelho e dourado do sol poente,
triunfantemente terminando seu percurso do dia, inundou o estreito
quarto com luz
30
(CHESNUTT, 1993, p. 1950)
O casamento entre Rena e George Tryon, seu noivo branco, seria proibido,
na vida real, pelas leis Jim Crow e foi, também, impossibilitado na obra The House
Behind the Cedars. Assim, verifica-se, na narrativa do romance, que, pouco antes da
descoberta que George fizera acerca dos ancestrais africanos da sua noiva, ele lera
um artigo de um escritor sulista, cujo nome não é revelado. Nele, há a declaração de
____________
29 “her graceful movements, the quiet elegance with which she wore even the simplest gown, the
easy authoritativeness with which she directed the servants (…) proofs of superior quality.”
30 “threw open a window to make way for the passing spirit, and the red and golden glory of the
setting sun, triumphantly ending the daily course, flooded the narrow room with light”
67
que qualquer amalgamação entre o sangue negro e o branco seria uma
impossibilidade, porque “o menor traço de sangue negro iria, inevitavelmente, reduzir
a raça superior ao nível da inferior”
31
(CHESNUTT, 1993, p. 71). Com a separação
do casal, confirmou-se e reforçou-se a linha de cor, impedindo que, mesmo na
ficção, o amor suplantasse as leis da instituição da segregação de jure e os
escrúpulos de cor.
Quanto ao relacionamento de Mis’ Molly com seu amante branco, a narrativa
deixa poucas pistas para se fazer qualquer juízo de valor. Sabe-se, entretanto, que
Mis’ Molly se submeteu, por livre vontade, a ser amante do homem branco. De
acordo com o narrador, após conhecê-lo, a mãe de Rena ganhou a casa atrás dos
cedros, que seu protetor era rico e liberal. Mis’ Molly adorava [grifo meu] o chão
sobre o qual seu senhor [grifo meu] pisava, era humildemente grata por sua proteção
e tão fiel [grifo meu] a ele quanto o voto do casamento proibido, possivelmente, lhe
faria”
32
(CHESNUTT, 1993, p. 105). As palavras destacadas worship (adorar,
venerar), lord (senhor, soberano, amo) e faithful (fiel), na fala do narrador,
aproximam Mis’ Molly do estereótipo do escravo fiel, tornando-a semelhante ao Pai
Benedito n’O Tronco do Ipê (1969), a Raimundo, em Iaiá Garcia (1989), a Mônica
n’O Mulato (1992) e ao Pai Tomás em Uncle Tom’s Cabin (1965). Essa passividade
fatalista é confirmada pelo narrador de The House Behind the Cedars, ao afirmar
que Rena, “de alguma fonte ancestral (...) tinha recebido uma tendência do fatalismo
passivo [grifo meu] através do qual uma pessoa sozinha consegue submeter-se ao
inevitável sem reclamação”
33
(CHESNUTT, 1993, p. 61).
A mãe de Rena adorava seu amante branco e Rena, almejando a vida do
branco por se considerar superior aos da sua vizinhança, via o seu futuro com
George Tryon. Esse futuro lhe sendo negado, a morte lhe parece a única saída.
Entretanto, a narrativa apresenta outro adorador. Esse é Frank, já apresentado
__________
31 “the smallest trace of negro blood would inevitably drag down the superior race to the level of the
inferior”
32 “worshipped the ground upon which her lord walked, was humbly grateful for his protection, and
quite as faithful as the forbidden marriage vow could possibly have made her.”
33 “from some ancestral source (…) had derived a strain of the passive fatalism by which alone one
can submit uncomplainingly to the inevitable”
68
anteriormente. Frank, filho de Peter, é vizinho da família Walden e carrega um
profundo amor por Rena. Como visto, o narrador descreve essa personagem como
possuidora de características positivas, como bondade, inteligência, humor e
imaginação. o era iletrado, porque era ele quem escrevia as cartas para Mis’
Molly quando esta precisava. Apesar dessas qualidades, era negro e, para o próprio
narrador, “ele estava desperdiçando seu tempo”
34
(CHESNUTT, 1993, p. 26) por
alimentar um tipo de esperança de vir a casar-se com a moça. O narrador, que o
descreve como devoto fiel de Rena, declara que Frank tinha por ela um amor não
egoísta. Entretanto,
(...) ele nunca falou de amor para ela (...); não haveria
nenhuma barreira legal para o seu amor; não haveria nenhuma
ameaça assustadora à supremacia branca no casamento de
um negro e um oitavão
35
(CHESNUTT, 1993, p. 117).
Por oitavão, o narrador refere-se à Rena, que possuía um oitavo de sangue negro
(regra de ⅛). Mesmo sabendo da devoção da moça pela raça branca, ele também
lhe era devoto, pois “ele a amava, e iria zelar por ela e protegê-la, onde quer que ela
estivesse”
36
(CHESNUTT, 1993, p. 146). No evento do desaparecimento de Rena,
ao ser encontrada por Frank, o narrador afirma que ele se ajoelhou ao seu lado, “seu
coração fiel quebrado de compaixão, grandes lágrimas intactas descendo por sua
face sombria”
37
(CHESNUTT, 1993, p. 192). De fato, ele se colocaria “ao seu
serviço por um dia, uma semana, um mês, um ano, uma vida, se necessário”
38
(CHESNUTT, 1993, p. 190). Por fim, antes da morte da heroína, o narrador descreve
a figura de um adorador que entra no quarto do objeto da sua devoção, a negra
embranquecida, reverentemente, e permanece ao seu lado, dizendo que teria
morrido por ela, se necessário.
____________
34 “he was wasting his time”
35 “(…) he never spoke to her of love; (…) there would have been no frightful menace to white
supremacy in the marriage of the negro and the octoroon.”
36 “he loved her, and he would watch over her and protect her, wherever she might be”
37 “his faithful heart breaking with pity, great tears rolling untouched down his dusky cheeks”
38 “at her service – for a day, a week, a month, a year, a lifetime, if need be.”
69
O quadro a seguir apresenta o resumo das palavras e das frases encontradas
na fala do narrador que descrevem personagens do romance de forma semelhante à
dos estereótipos do escravo nobre e do escravo fiel (BROOKSHAW, 1983).
Estereótipos de Escravos Palavras do Narrador que Ratific
am os
Estereótipos de Escravos em
The House Behind
the Cedars
Escravo Fiel fidelidade, devoção,
adorava, senhor, fiel, fatalismo
passivo
Escravo Nobre
superiores em sangue, qualidade superior,
autoridade
natural, movimentos graciosos, elegância discreta,
Quadro 3: Palavras do Narrador que Ratificam os Estereótipos de Escravos em The House Behind
the Cedars
Em suma, o narrador do romance chesnuttiano ratifica a teoria da
superioridade da raça branca e os preconceitos dela decorrentes ao torná-la objeto
da adoração do negro, fato visto no romance Uncle Toms Cabin. Agora, não o
negro adora o branco, mas passa, também, a venerar o próprio negro
“embranquecido”.
2.4. Algumas Considerações
Este capítulo teve por objetivo analisar a fala do narrador da obra The House
Behind the Cedars de Charles Chesnutt, a fim descobrir possíveis traços de racismo
nas palavras usadas pelo narrador para descrever as personagens. Após um
percurso pela história americana, a fim de entender a linha de cor representada no
romance, foi possível perceber que não o Jim Crowismo e as sociedades
secretas como o Ku Klux Klan, mas os próprios religiosos inibiam a ascensão da
raça negra ou da sua busca por direitos garantidos na 14ª e 15ª Emendas da
Constituição Americana. Os negros eram convocados a uma vida de fatalismo
passivo, representado no romance de Harriet Beecher Stowe, a Casa do Pai Tomás.
70
Em The House Behind the Cedars, foi possível verificar que o narrador, ao
considerar a família Walden superior aos outros afro-descendentes, estava
confirmando a teoria científica da superioridade da raça branca. Ademais, na sua
fala, foram encontrados vários substantivos, adjetivos, verbos e frases que
aproximam personagens negras dos estereótipos do escravo nobre e do escravo fiel.
Dessa forma, diante da análise feita, não posso deixar de concluir que o
narrador de The House Behind the Cedars, semelhantemente ao d’O Mulato, apesar
de contar uma trama que denuncia o preconceito racial e a linha de cor, tão bem
delimitada na sociedade estadunidense, deixou vários índices, nas suas palavras, de
seu próprio racismo. Assim, ele criou uma nova escala de superioridade, na qual o
branco é superior ao oitavão e esse, por sua vez, é superior aos demais afro-
descendentes.
71
Capítulo 3. Vozes em Paralelo Entre os Dois Romances
Este capítulo visa traçar paralelos entre O Mulato de Aluísio Azevedo e The
House Behind the Cedars de Charles Chesnutt, o corpus desta pesquisa. Para
fundamentar essa comparação, em primeiro lugar, será necessário investigar alguns
conceitos da Literatura Comparada que nortearão a busca de traços comuns aos
dois romances e das características individuais de cada obra em comparação.
3.1. Conhecendo Alguns Conceitos da Literatura Comparada
O Mulato, de Aluísio Azevedo, analisado no primeiro capítulo desta
dissertação, e The House Behind the Cedars, de Charles Chesnutt, no segundo,
apresentam traços bastante comuns em seus enredos, apesar de terem sido escritos
em países geograficamente distantes. Essas semelhanças entre as obras são
dignas de comparação; para compará-las, entretanto, necessário se faz encontrar
conceitos da Literatura Comparada que nortearão essa investigação.
Cláudio Guillén declara que a Literatura Comparada é entendida como “certa
tendência ou ramo da investigação literária que se dedica ao estudo sistemático de
conjuntos supranacionais” (2001, p. 385). O termo supranacional é explicado por
Helena Buescu (2001) como sendo uma gradual substituição da noção de
internacionalidade, que ele permite o entendimento de especificidades de uma
determinada nação ou região. Pensando, portanto, na especificidade de cada
literatura nacional, é possível afirmar que O Mulato e The House Behind the Cedars
são romances análogos, conforme Brunel, Pichois e Rousseau (1990), que, para
os autores, a analogia, “supõe uma variedade na infra-estrutura variedade
provocada pelo temperamento nacional, pela língua, pela consciência de um
passado histórico que pertence exclusivamente a tal país etc.(p. 58). Os autores
acreditam, ainda, que é possível explicar “fenômenos análogos sobrevindos, no
mesmo momento, em países diferentes, pelo efeito das estruturas sócio-econômicas
comuns a esses países” (p. 58).
A analogia que é feita neste trabalho de pesquisa parte do fato histórico da
escravidão e da segregação racial pertinentes tanto ao Brasil quanto aos Estados
72
Unidos. Não é possível, de forma alguma, buscar uma comunidade internacional
para a literatura que se ocupa com a questão do racismo nas várias nações que
tiveram o elemento negro participante da sua colonização, já que cada nação lidou
com as teorias racistas de forma peculiar e específica. Entretanto, essas literaturas
podem ser vistas como “conjuntos supranacionais de unidades históricas análogas,
onde se produz uma interação permanente de tradições culturais e de convenções
literárias”, passando, assim, a ser consideradas como de fronteira (CARVALHAL,
2003, p. 157), pois a idéia de fronteira “pode ser mais de natureza cultural do que
realmente geográfica ou política” (CARVALHAL, 2003, p. 156).
Dessa forma, a análise d’O Mulato e de The House Behind the Cedars,
literaturas de fronteira, deve ser feita através da relação de analogia que
apresentam. Para Machado e Pageaux (1988), a Literatura Comparada não se
baseia apenas na mera comparação entre duas literaturas, mas no relacionamento
entre elas, pois o comparativista “elabora o seu trabalho freqüentemente a partir da
literatura do seu próprio país, prolongando as suas reflexões e as suas pesquisas
numa análise mais ou menos complexa de uma literatura estrangeira” (p. 141).
Essa comparação o deve, entretanto, permanecer na relação binária
(literatura nacional literatura estrangeira), mas tem de extrapolar esses limites,
objetivando, também, uma reflexão pluridisciplinar com outros ramos das ciências
humanas. Buescu (2001) declara que a Literatura Comparada lida com o “domínio
cognitivo de cruzamento interdiscursivo, interdisciplinar e intersemiótico” (p. 93). E é
nesse espaço intermediário, portanto, que ela trabalha, como declara Carvalhal
(2003), “nos limites dos gêneros, nas margens dos textos, no espaço intervalar onde
se concretiza o imaginário das zonas de contato, que facilitam o processo
permanente de interação de elementos vários” (p. 159).
Relativamente aos outros ramos das ciências, Brunel, Pichois e Rousseau
(1990) afirmam que a relação entre literatura e ciência é bastante estreita e ocasiona
o uso de teorias e descobertas científicas “falsas ou verdadeiras, extravagantes ou
plausíveis” nas obras literárias (p. 77). Diante desse fato, esta pesquisa utilizou-se
de algumas teorias científicas do racismo defendidas por Agassiz (2000) e Nott
73
(2005) e valorizadas por grandes nomes nacionais, como Silva Romero (1980),
Joaquim Nabuco (1883) e Nina Rodrigues (1988).
Além da ciência, encontra-se nesse espaço intervalar, também, a relação
próxima entre a literatura e a religião. Brunel, Pichois e Rousseau (1990) afirmam
que “antes de serem nacionais, as idéias religiosas são simplesmente humanas” (p.
76). Essa religiosidade, para os autores, corresponde a um determinado vocabulário,
ou tom, ou forma de meditação, apresentados na literatura, que possui, muitas
vezes, a Bíblia como fonte de inspiração. É mister mencionar que não houve neste
trabalho de pesquisa uma preocupação com o tom anticlerical da obra aluisiana,
mas com o uso da religião como forma de impor submissão ao negro americano,
percebida na narrativa de Uncle Tom’s Cabin.
Dessa forma, para Machado e Pageaux (1988), o grande desafio do
comparativista é a reorganização, nesse espaço intervalar entre as literaturas de
fronteira e as várias disciplinas das ciências humanas, do texto em estudo. Buescu
(2001) afirma, assim, que “não é possível ler e compreender senão
comparativamente [grifos do autor] (isto é, relacionalmente)” (p. 88). É por essa
razão que a leitura realizada se torna bastante estrutural, sendo “uma exploração
feita nas linguagens” (BRUNEL, PICHOIS, ROUSSEAU, 1990, p. 62), que ultrapassa
a mera justaposição de literaturas a fim de descobrir um denominador comum.
Assim, para explorar os textos em relação, é necessário que o comparativista
conheça, ainda, alguns conceitos e, entre eles, cito a influência e a intertextualidade,
que Sandra Nitrini (2000) declara ser fundamentais. A autora define influência como
sendo o resultado artístico do conhecimento “direto ou indireto de uma fonte por um
autor” (p. 127). Ela não é imitação, porque a imitação é localizada, reconhecida por
um simples cotejo de textos” (p. 128); a influência, entretanto, é “uma aquisição
fundamental que modifica a própria personalidade artística do autor” (p. 127-128),
tornando a sua obra diferente daquela que ele produziria se não houvesse lido um
autor precedente com composição semelhante. Nesta pesquisa, esse conceito não
será elaborado, que não julgo haver, nas narrativas das obras que compõem o
seu corpus, nenhuma indicação direta ou indireta de qualquer tipo de influência entre
a obra brasileira e o romance americano.
74
Quanto ao segundo conceito, Nitrini (2000) asserta que a intertextualidade é a
assimilação de textos dentro de uma obra. Dessa forma, três elementos que
devem chamar a atenção do comparativista: “o intertexto (novo texto), o enunciado
estranho que foi incorporado e o texto de onde este último foi extraído” (p. 164). O
estudioso da Literatura Comparada deve analisar, por conseguinte, as semelhanças
que entre o enunciado estranho e o texto de onde ele foi tirado, bem como a
maneira como o intertexto absorveu o material do qual se apropriou” (p. 109). A
intertextualidade vem, assim, quebrar a leitura linear de um texto, que muitas vezes
é feita, pois cada enunciado incorporado oferece alternativas “que ampliam o seu
espaço semântico” (p. 165). Novamente, julgo importante mencionar que esse
conceito não será trabalhado neste capítulo, pois não creio haver nenhuma
incorporação do texto aluisiano na obra chesnuttiana, mesmo tendo sido O Mulato
publicado dezenove anos antes.
O conceito da Literatura Comparada do qual me ocuparei neste capítulo é o
do tema. De acordo com Machado e Pageaux (1988), ainda, o tema é o elemento
“constitutivo e explicativo do texto literário, elemento que ordena, gera e permite
produzir o texto” (p. 116). Ele passa, assim, a ser mediador e fundador [grifo dos
autores]: mediador entre o homem e a sua cultura, fundador do texto, do qual
constitui as estruturas profundas (relacionando assim o texto ao imaginário coletivo
e/ou individual)” (MACHADO e PAGEAUX, 1988, p. 117).
Os temas universais sempre tornaram as literaturas supranacionais partes de
uma mesma comunidade literária. Ao pensar em amor, morte, vida e guerra, por
exemplo, rias obras literárias são elencadas, independentemente da nação
geográfica na qual foram escritas. Carvalhal (2003) declara que a “identificação em
textos distanciados no tempo e no espaço de uma mesma temática, de idênticos
recursos de representação, de uma mesma tábua de valores” ajuda a compor “a
comunidade interliterária” (p. 168-169). É, portanto, o tema da escravidão e da
segregação racial que torna O Mulato e The House Behind the Cedars, escritos em
países diferentes, apesar de coetâneos, participantes de uma mesma comunidade
interliterária.
75
De forma alguma, Machado e Pageaux (1988) utilizam o estudo do tema
como o único objeto de trabalho do comparativista. Eles acreditam que o
investigador de duas obras em comparação é obrigado a fazer duas leituras
simultâneas dos textos. A primeira leitura é feita no plano da representação literária,
como sendo um universo próprio e coerentemente estruturado. A segunda leitura
tem como objetivo fazer conexões entre o elemento estrutural com o cultural a que
pertence o texto, passando, assim, de uma análise formalista ou estruturalista para
uma análise extratextual, sem, contudo, haver exclusão de um ou outro. Machado e
Pageaux (1988) assertam, dessa forma, que
o texto literário é o lugar dialético onde se articulam estruturas
textuais e extra-textuais, participando o tema, justamente, das duas
séries. O estudo temático revela, afinal, claramente, as duas faces
indissociáveis da investigação literária: o estudo do funcionamento
interno dum texto (dum tema num texto, a leitura para por em
evidência, para reconstruir um conjunto de funções) e o estudo da
função social e cultural desse mesmo texto (p. 120-121).
Diante disso, neste trabalho, o estudo do tema da segregação racial não
permaneceu no campo extraliterário. Apesar da necessidade de investigar as teorias
científicas do racismo, a história da segregação nos Estados Unidos e, também, o
uso da religião como fator de intimidação e submissão imposta ao negro, foi dentro
da estrutura das narrativas d’O Mulato e The House Behind the Cedars que foram
procuradas evidências de racismo na fala do narrador. O tema uniu as duas obras,
tornando-as parte da mesma comunidade interliterária, mas foi o tema, também, que
conduziu a investigação da estrutura da narração.
3.2. Traços Comuns Inerentes às Obras
N’A Poética Clássica, Aristóteles declara que a obra do poeta “não consiste
em contar o que aconteceu, mas sim coisas as quais podiam acontecer, possíveis
no ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade” (p. 28). Ele faz, então, um
contraste entre a Literatura e a História, que a primeira enuncia fatos gerais e a
segunda relata fatos particulares.
76
O fato geral, ou o tema, retratado em O Mulato e The House Behind the
Cedars é o racismo. Por ser ficção, a trama dos romances não aconteceu, de fato,
mas poderia ter ocorrido, que o autor/narrador utiliza até fatores extraliterários
para criar um sentido de credibilidade à sua invenção. Entre os recursos usados nas
obras, gostaria de destacar o espaço no qual os enredos se desenvolvem. Dessa
forma, a criação de cidades preconceituosas nas quais as tramas aconteceram,
além de tornar os enredos possíveis do ponto de vista da verossimilhança, constitui-
se o primeiro ponto de analogia entre as duas obras.
Para Massaud Moisés (1972), o romancista, em tese, “assenhoreia-se
totalmente da geografia em que se passam os lances da história” que ele cria, mas,
na prática, “vê-se limitado pela escolha do tema e do modo como o trata” (p. 193).
Com o tema do racismo, a escolha das cidades nas quais as tramas acontecem é de
suma importância. Tanto n’O Mulato quanto em The House Behind the Cedars, as
cidades o descritas como pequenas, limitadas, pobres e cheias de preconceito de
cor.
No romance brasileiro, a história do amor de Raimundo, homem mestiço, com
Ana Rosa, sua prima branca, acontece no nordeste brasileiro, na cidade de São
Luís. O reflexo desse relacionamento inter-racial é tão grande naquele espaço
geográfico e o papel que ele tem dentro da trama é tão importante que Góes afirma
ser “a sociedade maranhense daqueles tempos (...) o grande personagem” do
romance (1959, p. 20). Semelhantemente, em The House Behind the Cedars, a
pequena cidade de Pattesville, no estado da Carolina do Norte, tem uma grande
importância na representação da linha de cor encontrada na obra. Para Gibson
(1993), a diferença histórica entre a Carolina do Norte e a Carolina do Sul
determinaria a possibilidade de o relacionamento inter-racial ser possível ou não. De
acordo com o autor, na Carolina do Sul, a cor de um indivíduo era determinada por
sua reputação e posição social. Entretanto, conforme o autor, ainda, mesmo na
Carolina do Sul, John, irmão de Rena, “seria estigmatizado se fosse sabido que ele
tinha ancestrais negros ou que fora previamente conhecido como negro”
1
(p. xi).
__________
1 “(...) would be stigmatized if it were known that he had black forebears or that had previously been
known as black.”
77
Dessa forma, para não incorrer no erro do relato de uma trama em um espaço
no qual ela, se fosse verdade, não poderia acontecer, o narrador situa as
personagens em cidades que se mostrariam racistas diante da questão do
relacionamento inter-racial.
Uma segunda relação de semelhança entre as obras é a utilização de eventos
históricos para ambientar o tempo da narrativa. Não faço referência a um tempo
psicológico ou metafísico, mas ao tempo cronológico de um romance, que, para
Massaud Moisés (1972), é marcado pelo ritmo do relógio. Assim, o
(...) tempo social, por excelência, na medida em que as múltiplas
relações em sociedade (comerciais, industriais, domésticas coletivas,
etc., etc.) se marcam pelo calendário, faz crer numa regularidade fixa
dos segmentos temporais, divididos ascendentemente de segundo
ou fração até século ou milênio (p. 197).
Verifica-se, portanto, em ambos os romances, a preocupação do narrador em
localizar o leitor cronologicamente, utilizando, para isso, eventos históricos como
referência. Em O Mulato, o narrador informa que a Guerra Franco-Prussiana tinha
sido “extinta um pouco antes” (AZEVEDO, 1992, p. 82), colocando, assim, o enredo
na década de 1870. em The House Behind the Cedars, o narrador inicia a sua
história “poucos anos depois da Guerra Civil”
2
(p. 1). Essa informação leva à
determinação do tempo da narrativa: o final da década de 1860 ou início da década
de 1870, período bastante próximo do da narrativa aluisiana.
A terceira analogia entre as obras é a presença de um narrador onisciente,
em terceira pessoa. Para Leite (2005), “esse narrador tem a liberdade de narrar à
vontade, (...) de adotar um ponto de vista divino (...) para além dos limites do tempo
e do espaço” (p. 26-27). O narrador em O Mulato e em The House Behind the
Cedars faz questão de mostrar a sua onisciência ao revelar seu conhecimento
__________
2 “a few years after the Civil War”
78
não só do passado das personagens, mas também de eventos futuros. Em O
Mulato, ele afirma, por exemplo, que “a história de Raimundo, a história que ele
ignorava, era sabida por quantos conheceram os seus parentes no Maranhão”
(AZEVEDO, 1992, p. 41) e por ele incluso, já que passa a fazer um flashback da
sua infância e juventude na Europa. Esse narrador faz também questão de dizer que
conhecia o que ainda estava para acontecer às personagens. Como exemplo, cito o
seu comentário a respeito do aconteceria, no futuro, a Raimundo: “Todavia, o pior
lhe estava reservado para o mês de junho” (AZEVEDO, 1992, p. 101).
Semelhantemente, em The House Behind the Cedars, o narrador escolhe o
que vai dizer, de acordo com a conveniência do texto. Ao relatar, por exemplo, que
havia comentários na cidade de Clarence, na qual John vivia, de que a Sra.
Newberry, viúva, gostaria de consolar o rapaz quando esse perdera a esposa, o
narrador declara que “se isso era verdadeiro ou não é desnecessário inquirir, porque
não tem parte nessa história”
3
(CHESNUTT, 1993, p. 46). Além do conhecimento do
que é necessário relatar, o narrador deixa perceber, também, que ele é conhecedor
de fatos futuros da trama. Ele narra o evento do erro do Judge Straight, que ao
saber que George estava em Patesville, envia um recado, por uma criança, para
avisar a Rena da sua presença. O erro, conforme o narrador, foi o de dar dez
centavos à criança, juntamente com o recado. O narrador sabia, então, que o
menino se distrairia e não chegaria a tempo para enviar a mensagem e diz que
“exatamente aqui, entretanto, o juiz cometeu o seu erro”
4
(CHESNUTT, 1993, p. 81).
Além de toda essa onisciência geral, quanto às diversas personagens, ambos
narradores tornam-se intrusos nas suas narrativas; ou seja, fazem “comentários
sobre a vida, os costumes, os caracteres, a moral, que podem ou não estar
entrosados com a história narrada” (LEITE, 2005, p. 27). Em O Mulato, o narrador
fala, ao descrever a ade Ana Rosa, D. Maria Bárbara, que ela era uma víbora,
que dava nos escravos por hábito e gosto, e acrescenta a interjeição “Deus nos
acuda!” (AZEVEDO, 1992, p. 18). Já em The House Behind the Cedars, entre os
__________
3 “whether this was true or not it is unnecessary to inquire, for it is no part of this story.”
4 “just here, however, the judge made his mistake.”
79
vários comentários do narrador, cito aquele que, ao descrever os habitantes da casa
atrás dos cedros, declara não serem nem escravos e nem cidadãos, e adiciona que
“nenhum negro, exceto em livros, jamais recusou a liberdade”
5
(CHESNUTT, 1993,
p. 104).
A quarta semelhança entre as obras é a presença de palavras
preconceituosas na fala do narrador. Foi destacado, no primeiro capítulo, que as
teorias científicas que defendiam a inferioridade da raça negra eram, muitas vezes,
encontradas, na literatura, na forma estereotipada em que personagens negras eram
descritas. Dessa forma, foi possível encontrar, baseado na taxonomia de Brookshaw
(1983), dentro da narrativa d’O Mulato, descrições qualificativas do escravo:
demônio, desprezível, imoral, fiel e nobre. Nessas caracterizações do narrador,
foram destacadas, no Capítulo 1, palavras como sujo, gorduroso, sensual, entre
outras (vide Quadro 2, p. 41). Essas referências preconceituosas ao negro
corroboram a teoria de que a raça branca era superior à negra tanto física quanto
moralmente, e que o negro, diante da supremacia branca, tendia ou à passividade
submissa ou à adoração ao elemento branco. Essa adoração, na obra aluisiana, foi
encontrada na personagem Mônica, que, mesmo sendo uma negra livre,
permaneceu na casa de Manuel Pescada, para servir Ana Rosa. O narrador utiliza o
adjetivo cativa e compara a sua docilidade com a do cão. Esse símile entre um
negro e um animal é encontrado nas obras de teóricos do racismo como Nott (2005)
e Agassiz (2000), como visto no Capítulo 1 deste trabalho.
Semelhantemente, em The House Behind the Cedars, como destacado no
segundo capítulo, o narrador descreve Mis’ Molly, mãe de Rena, como uma afro-
descendente livre cujas características se aproximam as do estereótipo do escravo
fiel. O narrador utiliza, assim, substantivos como fidelidade, devoção e verbos como
adorar, que ratificam essa tendência preconceituosa na sua fala (vide Quadro 3, p.
69). Ademais, através das frases superiores em sangue e qualidade superior, ele
cria uma escala de superioridade entre as raças: Mis’ Molly, uma mestiça de tez
clara, era inferior ao pai de Rena, um homem branco, mas era superior a outros afro-
descendentes de pele mais escura.
_____________
5 “no negro, save in books, ever refused freedom”
80
A quinta semelhança entre as duas obras é a escolha e a descrição dos
protagonistas “embranquecidos”. Em O Mulato, como analisado no primeiro capítulo,
o narrador descreve um rapaz de vinte e seis anos, de grandes olhos azuis, com tez
amulatada, mas fina. Ele comenta que “a parte mais característica da sua fisionomia
eram os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis” (AZEVEDO, 1993,
p. 40) que puxara do pai, José Pedro, português, irmão de Manuel Pescada. O editor
da décima primeira edição d’O Mulato, em nota, faz a afirmação de que hoje a
ciência consideraria a atribuição dos olhos azuis a Raimundo inverossímil, que,
por serem os olhos claros um fator geneticamente recessivo, não apareceriam em
uma primeira geração de miscigenação. Entretanto, prefiro não elaborar essa
questão científica, a fim de determinar se as teorias da genética eram ou não
conhecidas pelo autor. O que gostaria de destacar aqui é o fato de o narrador
declarar que o traço físico mais característico de Raimundo era aquele que ele
puxara do branco: os olhos azuis.
Além dessas características físicas, o narrador afirma que Raimundo “tinha os
gestos bem educados, sóbrios, despidos de pretensão” e que “falava em voz baixa,
distintamente, sem armar ao efeito”; além disso, “vestia-se com seriedade e bom
gosto”, e amava as artes, as ciências, a literatura e, um pouco menos, a política”
(AZEVEDO, 1993, p. 40). Raimundo poderia passar, então, por qualquer branco
instruído, não só devido aos seus traços físico, mas também culturais.
Semelhantemente, no romance americano, Rena, a heroína em The House
Behind the Cedars, não só poderia passar por branca, como efetivamente escolheu
fazê-lo. Ela é descrita como sendo uma mulher “alta, com pele cor de marfim,
cabelos castanhos ondulados e olhos impenetráveis”
6
(CHESNUTT, 1993, p. 47).
Além de toda a beleza física enaltecida pelo narrador, ela é, também, exaltada pela
sua elegância, pois, mesmo ao usar vestidos simples, revelava a sua qualidade
superior (superior quality).
_________
6. “tall (...), with the ivory complexion, the rippling brown hair, and the inescrutable eyes”
81
Como mencionado no segundo capítulo, para evitar que muitos afro-
descendentes americanos passassem por brancos, foram instituídas as regras um
oitavo () e uma gota (one drop), que classificavam uma pessoa como negra por ter
algum ascendente africano, independentemente da sua geração. Mesmo sendo
classificada como negra, Rena escolheu buscar o mundo do branco como sendo o
alvo de sua vida e, para tal, deixou para trás a sua história, sua família e seus
amigos negros.
Quer tenha sido por ignorância ou por escolha, ambos protagonistas
experimentaram o mundo do branco por lhe terem sido dadas características muito
próximas a eles. Em um nível mais superficial, seria possível dizer que a escolha de
heróis embranquecidos se devia à necessidade da verossimilhança interna da obra.
Entretanto, em um nível mais profundo, é mister reconhecer que as teorias
científicas do racismo se encontravam em expansão naquela segunda metade do
século XIX. Essas teorias estavam presentes, por exemplo, na própria narrativa de
The House Behind the Cedars, quando o narrador se mostra conhecedor das regras
de (CHESNUTT, 1993, p. 114) e de one drop (CHESNUTT, 1993, p. 113), tendo
lido, provavelmente, o artigo mencionado pelo Juiz de Patesville, o Judge Straight,
sobre a incorrigível inferioridade intelectual do negro, e a degeneração física e
moral dos mulatos, que combinavam as piores qualidades das duas raças
ancestrais”
7
(CHESNUTT, 1993, p. 110).
Dessa forma, não julgo que a escolha de heróis embranquecidos tenha sido
por ignorância do narrador a respeito das teorias científicas da superioridade da raça
branca. A narrativa revela que, por ser supostamente superior, o mundo dos brancos
é representado como alvo de vida daqueles de raça miscigenada. Tanto em O
Mulato quanto em The House Behind the Cedars, o narrador apresenta heróis com
características de heróis brancos, ou seja, pessoas virtuosas em aparência e cultas.
Ao embranquecer os seus heróis, o narrador de cada obra ratifica, então, a idéia
_________
7 “the hopeless intellectual inferiority of the negro, and the physical and moral degeneration of
mulattoes, who combined the worst qualities of their ancestral races”
82
do embranquecimento da raça negra como solução para a questão da presença de
um elemento considerado inferior no meio de um elemento tido como superior.
A sexta analogia que gostaria de apresentar refere-se à forma através da qual
os heróis embranquecidos desaparecem do cenário da sua narrativa: a morte. Em O
Mulato, Raimundo é morto a tiros pelo seu rival branco, o Luis Dias, que toma essa
decisão por incentivo do Cônego Diogo. Semelhantemente, em The House Behind
the Cedars, a heroína Rena, após ser emboscada por Jeff, o dono da escola na qual
trabalhava, e George, seu ex-noivo, foge daquela situação e perde-se no caminho,
ficando sob a chuva e adoecendo a ponto de morrer.
Poderia apenas ressaltar aqui o modo trágico da morte dos heróis. Entretanto,
nessa comparação, não posso ignorar o fato de que, mesmo em tramas escritas em
países geograficamente separados, o narrador relata um fim semelhante para os
heróis embranquecidos. Sem querer forçar uma possível interpretação para esse
fato, gostaria de aludir, novamente, à teoria científica do enfraquecimento do
mestiço, discutida no primeiro capítulo. Brookshaw (1983) declara que, para muitos
cientistas e etnólogos do século XIX, é o homem branco, o o mestiço, que tem
capacidade de sobreviver à lei da selva, porque é munido de qualidades que o
tornam mais forte. Julgo, portanto, que a morte dos heróis embranquecidos confirma
a teoria da superioridade da raça branca, através da sobrevivência do “mais forte”. O
narrador, talvez, querendo apenas trazer mais tragicidade à sua trama, incide no
erro de ratificar a teoria da morte da raça mestiça.
Finalmente, a sétima e última semelhança que acredito existir entre os
romances é o conflito do relacionamento inter-racial. O preconceito racial foi o tema
que norteou as obras, mas esse preconceito poderia ter sido representado de várias
formas dentro das narrativas, que o racismo era encontrado em todas as esferas
da vida social do Brasil e dos Estados Unidos. O preconceito relatado nos romances,
entretanto, encontra-se ligado ao problema do relacionamento entre uma
personagem branca e uma afro-descendente que possui uma tez tão clara que seria
capaz de passar por branca.
83
Há, no romance americano, entretanto, uma acentuação maior na questão da
linha de cor, já que a segregação encontrada no mundo em referência, a sociedade
americana após a Guerra Civil, não era apenas de facto, como na sociedade
maranhense representada n’O Mulato, mas de jure, que proibia o casamento entre
um branco e um negro. No entanto, permitido ou não por lei, o narrador relata, na
ficção, o que seria possível acontecer do ponto de vista da verossimilhança: o forte
preconceito que impede o relacionamento entre uma pessoa branca e uma afro-
descendente.
O quadro abaixo apresenta um resumo dos sete traços comuns aos romances
O Mulato e The House Behind the Cedars.
Critérios Traços Comuns Pertencentes às Obras
Espaço Cidades pequenas, pobres e cheias de preconceito racial
Tempo Utilização de eventos históricos para demarcação do tempo da
trama
Narrador Onisciente, em terceira pessoa e intruso
Fala do Narrador
Indícios de preconceito racial na sua narrativa através de
descrições estereotipadas de personagens negras e do
embranquecimento dos heróis
Protagonistas A descrição de heróis com características físicas e morais de
heróis brancos
Fim dos
Protagonistas
Morte de Raimundo e Rena, lembrando a teoria “científica” da
incapacidade do mestiço de sobreviver à lei da selva
Relacionamento
Inter-racial
Preconceito contra o relacionamento entre uma personagem
branca e uma afro-descendente de tez clara
Quadro 3: Resumo dos Traços Comuns Inerentes às Obras
84
3.3. Características Individuais de Cada Obra
O Mulato e The House Behind the Cedars, apesar de terem sido escritos em
países separados geograficamente, sem nenhum tipo de influência de uma obra
sobre a outra ou de um autor sobre o outro, possuem um tema comum, tema esse
que é, para Machado e Pageaux (1988), não só o mediador, mas, também, o
fundador das obras literárias. Foram apontadas, assim, sete características que
tornam essas obras de fronteira em obras análogas, conforme a denominação de
Carvalhal (2003).
Por serem análogas e, não idênticas, cada obra, ao ser comparada,
apresenta características individuais. Dessa forma, duas grandes diferenças entre O
Mulato e The House Behind the Cedars precisam ser destacadas: o ângulo de visão
e a consciência dos heróis dos romances da sua ascendência negra.
Leite (2005) declara que ângulo de visão é “o lugar a partir do qual são
enfocados os fatos narrados” (p. 87); ou seja, é a lente através da qual se observa o
mundo da narrativa. É, portanto, através dessa lente, que percebo ser a obra
aluisiana uma narrativa a respeito do mundo dos brancos, no qual a introdução
do elemento afro-descendente; a obra chesnuttiana, em contrapartida, trata de uma
narrativa do mundo dos afro-descendentes, no qual um desses elementos mestiços
decide inserir-se no mundo dos brancos.
Não querendo, absolutamente, fazer qualquer defesa à crítica biográfica, que
“parte do pressuposto de que a obra é a transposição de uma vida, o retrato
retocado das experiências existenciais de um indivíduo artista” (MOISÈS, 1973, p.
51), creio, no entanto, ser curiosa a seguinte coincidência: o autor da obra brasileira
é branco, descendente de portugueses, e cria um mundo ficcional branco, enquanto
o autor da obra americana é afro-descendente e cria um mundo ficcional afro-
descendente.
De qualquer forma, é nesse mundo ficcional que é encontrada a segunda
característica que torna as obras diferentes ou individuais: a consciência da
85
negritude. Em O Mulato, em primeiro lugar, encontra-se Raimundo, a personagem
afro-brasileira, que
(...) em toda a sua vida, sempre longe da pátria, entre povos
diversos, cheia de impressões diferentes, tomada de preocupações
de estudos, jamais [grifo meu] conseguira chegar a uma dedução
lógica e satisfatória a respeito da sua procedência (AZEVEDO, 1993,
p. 40).
através da revelação do pai de Ana Rosa, Manuel Pescada, a respeito da sua
ascendência e da circunstância de ter sido forro à pia batismal, é que ele
compreende todos
(...) os mesquinhos escrúpulos que a sociedade do Maranhão usara
para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem
visitara; a conversa cortada no momento em que Raimundo se
aproximava; as reticências dos que lhe falavam sobre os seus
antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença,
discutiam questões de raça e de sangue (AZEVEDO, 1993, p. 167-
168).
Com essas revelações, apesar de não querer acreditar na sina, Raimundo
“parou defronte do espelho e mirou-se com muita atenção, procurando descobrir no
seu rosto descorado alguma coisa, algum sinal que denunciasse a raça negra”
(AZEVEDO, 1993, p. 172). O narrador afirma, assim, que, com a consciência da sua
negritude, “na brancura daquele caráter imaculado brotou, esfervilhando logo, uma
ninhada de vermes destruidores, onde vinham o ódio, a vingança, a vergonha, o
ressentimento, a inveja, a tristeza e a maldade” (AZEVEDO, 1993, p. 168).
Raimundo, naquele turbilhão de sentimentos, reconhece, na palavra mulato, a raiz
de todos os seus males, presentes e passados. Ele mesmo não consegue acreditar
que fora tão ignorante do fato de ser mulato, e diz: “Mulato! E eu que nunca pensara
em semelhante coisa!... Podia lembrar-me de tudo, menos disto!...” (AZEVEDO,
1993, p. 169).
86
Diferentemente de Raimundo, Rena, a protagonista afro-descendente da obra
chesnuttiana, crescida na casa atrás dos cedros, conhecia não a história de seus
pais, mas, também, a posição de inferioridade que a sociedade de Patesville lhe
impunha. Sabia que a razão de ter ficado dez anos longe do seu irmão era
decorrente da decisão que ele tomara de sair da sua cidade natal para passar por
branco em Clarence, na Carolina do Sul, assumindo o nome de Warwick.
Ao viajar com John para Clarence, o narrador declara que não só ela
assumiu o novo nome, Warwick, mas também, ao ficar noiva de George, relutou em
lhe revelar suas origens. O narrador comenta que a sua “reserva ao passo
irrevogável do casamento era devido a uma causa simples, porém complexa”, (...) a
consciência do seu segredo”
8
(CHESNUTT, 1993, p. 50). Mesmo quando ela
tomava a decisão de contar ao noivo algum fato a respeito da sua ascendência,
lembrava-se de que esse segredo não era somente dela: “ele envolvia a posição do
seu irmão, a quem devia tudo e, em um grau menor, o futuro do seu sobrinho
pequeno”
9
(CHESNUTT, 1993, p. 53).
O segredo contra o qual Rena luta é comparado a um pecado, que “a
mancha de sangue negro era o pecado imperdoável, de cujo castigo imerecido não
havia salvação, exceto pela ocultação”
10
(CHESNUTT, 1993, p. 86). Para o
narrador, a fórmula mosaica de que a culpa do pecado dos pais recairia sobre os
filhos estava gravada mais indelevelmente no coração da raça do que nas buas
do Sinai”
11
(CHESNUTT, 1993, p. 51). Ademais, além de saber que era afro-
descendente, fato desconhecido por Raimundo, em O Mulato, Rena conhecia, todas
_________
8 “shrinking from the irrevocable step of marriage was due to a simple and yet complex cause (...) the
consciousness of her secret.”
9 “it involved her brother’s position, to whom she owed everything, and, in less degree, the future of
her little nephew.”
10 the taint of black blood was the unpardonable sin, from the unmerited penalty of which there was
no escape except by concealment.”
11 “was graven more indelibly upon the heart of the race that upon the tables of the Sinai.”
87
as restrições que um negro sofria por causa do Jim Crowismo; ela tinha consciência,
portanto, de que, “pedindo para entrar pelo portão dourado da oportunidade,
(...) a sociedade barrava a passagem de todos que tinham o sangue da raça
desprezada”
12
(CHESNUTT, 1993, p. 112).
O seu conhecimento das imposições da segregação de jure tornou-se visível
na carta que escreveu a seu ex-noivo, George Tryon, na qual afirmava que seria
excluída por causa da cor, impedindo-a de alcançar tudo quanto desejava. Diante
disso, “seria perder tempo sonhar em uma futura amizade entre pessoas tão
diferentes em posição”
13
(CHESNUTT, 1993, p. 173).
Dessa forma, é possível perceber que, diferentemente da obra aluisiana,
Rena Walden, transformada em Rena Warwick, tinha plena consciência da sua
ascendência, ou seja, sabia que era filha de uma mãe afro-descendente e de um
homem branco. Além disso, sabia, também, que seu irmão, para conquistar a
posição social que almejava, saíra de casa aos dezoitos anos, adotara outro
sobrenome e passara a viver como branco. Finalmente, após ver descoberto o seu
segredo por George, ela confirma o seu conhecimento das restrições imputadas a
um negro pelas leis do Jim Crow.
O quadro a seguir apresenta um resumo das características individuais d’O
Mulato e de The House Behind the Cedars.
_________
12 “demanding entrance to the golden gate of opportunity (…) society barred to all who bore the blood
of the despised race.”
13 it were idle to dream of a future friendship between people so widely different in station.”
88
Características Individuais de Cada Obra
Critérios
O Mulato The House Behind the Cedars
Ângulo de
Visão
Mundo dos brancos, com a
introdução do elemento afro-
descendente
Mundo dos negros no qual um
elemento afro-descendente se
insere no mundo dos brancos
Consciência
da
Ascendência
Negra
Personagem afro-descendente
totalmente ignorante da sua
ascendência negra até o
momento da revelação
Personagem afro-descendente
totalmente consciente da sua
ascendência negra desde a
infância
Quadro 4: Resumo das Características Individuais de Cada Obra
3.4. Algumas Considerações
Este capítulo teve por objetivo traçar paralelos entre O Mulato de Aluísio de
Azevedo e The House Behind the Cedars de Charles Chesnutt. O conceito da
Literatura Comparada que norteou essa comparação foi o tema, que é visto não
como um elemento extraliterário, mas como aquele que norteia o conteúdo e a
estrutura da obra literária. O tema reincidente nas obras em estudo é o preconceito
racial, sendo esse um dos pontos de analogia entre as duas obras. A Literatura
Comparada utiliza o termo analogia porque duas obras, mesmo com temas e
características sócio-históricas comuns, não perdem aquelas que as identificam
separadamente. Elas fazem parte, assim, de uma comunidade interliterária, mas não
são, de forma alguma, idênticas.
Diante disso, esses romances, apresentando traços comuns e, ao mesmo
tempo, características individuais, mesmo escritos em países geograficamente
distantes, possuem dois elementos miles muito importantes para esta pesquisa: a
presença de palavras preconceituosas na fala dos seus narradores e a escolha de
heróis embranquecidos em um momento quando o mundo científico de ambos os
países clamava pelo embranquecimento da sua raça, como a solução para a
presença do elemento negro, considerado inferior, na sua sociedade. Dessa forma,
é inevitável a conclusão de que o narrador de ambos os romances se tornou
89
contraditório em seus objetivos, que incorreu no erro que procurava combater nas
tramas narradas: o preconceito racial.
90
CONCLUSÃO
O presente trabalho de pesquisa retratou a intenção de analisar e comparar O
Mulato, de Aluísio Azevedo e The House Behind the Cedars, de Charles Chesnutt,
obras coetâneas, escritas em países diferentes, não sofrendo a influência de uma
sobre a outra, mas possuidoras de um mesmo tema: o preconceito racial.
Relativamente ao tema ou à função ideológica do texto, descobri ser ele não
um elemento extraliterário, no campo das outras ciências humanas, mas também
um elemento interno que desempenha certo papel na estrutura do texto literário, de
acordo com Candido (2000) ou como um elemento mediador e fundador do texto,
conforme Machado e Pageaux (1988).
Analisando, dessa forma, a estrutura dos dois romances que compõem o
corpus desta pesquisa, procurei verificar se havia, na fala do narrador, palavras de
teor racista, ao contar uma trama que denunciava o preconceito racial. A hipótese
que norteou a pesquisa, portanto, era que o narrador deixou marcas de racismo na
sua fala através do uso de palavras de cunho preconceituoso e do
embranquecimento dos heróis afro-descendentes; dessa forma, o seu discurso
tornou-se contraditório, já que incorria no erro que acusava.
A fim de verificar a possível veracidade da hipótese levantada, foi-me
necessário, antes de tudo, analisar cada romance separadamente. Por isso, dividi a
dissertação em três capítulos, sendo o primeiro devotado à análise d’O Mulato, o
segundo, à de The House Behind the Cedars e, o terceiro, a uma comparação entre
os dois romances. Procurei, acima de tudo, não perder de vista o foco principal deste
trabalho: a voz do narrador.
No primeiro capítulo, descobri que, por ser O Mulato um romance naturalista,
o narrador buscava “fotografar” a realidade da cidade de São Luís, com o seu
preconceito de cor. Entretanto, para entender melhor esse preconceito, encontrei,
em estudos de cientistas como Agassiz (2000) e Nott (2005), que influenciaram o
pensamento de importantes figuras brasileiras como Sílvio Romero (1980), Joaquim
Nabuco (1883) e Nina Rodrigues (1988), a teoria racista da inferioridade física e
91
moral da raça negra. Aprendi, através dos estudos de Brookshaw (1983), que essa
teoria é evidenciada, na literatura, na forma estereotipada em que personagens
negras são representadas. Assim, busquei encontrar expressões do narrador
quando descreve personagens negras que as aproximassem dos seguintes
estereótipos de escravos: o escravo demônio, o escravo desprezível, o escravo
imoral, o escravo fiel e o escravo nobre.
Ao ler cinco obras anteriores ao romance aluisiano, para minha surpresa,
percebi que esses estereótipos já estavam presentes. Através de um
levantamento de substantivos, adjetivos e verbos usados pelo narrador d’O Mulato,
para descrever personagens, percebi que ele não só ratificou, no romance, as
teorias científicas do racismo como, também, deu continuidade a caracterizações
preconceituosas de personagens negras presentes nas obras anteriores. Ademais, o
uso de um herói embranquecido, com características do estereótipo do escravo
nobre, corroborou a teoria da superioridade da raça branca, confirmando, assim, a
hipótese desta pesquisa.
Passando ao segundo capítulo, após uma breve apresentação do autor e da
trama da obra, procurei compreender como o preconceito racial foi ali representado.
Para tal, senti a necessidade de conhecer o contexto sócio-histórico da segregação
racial americana e descobri que havia uma linha de cor, apesar de imaginária, que
separava os brancos dos negros. Percebi, ainda, que essa separação não era
apenas de facto, mas, também, de jure, ou seja, consolidada pelas leis
estadunidenses.
Aprendi que essas leis segregacionistas eram chamadas de Jim Crow e
regulavam todas as áreas da vida social dos negros. Percebi, ainda, que, para
reforçar essa separação, havia a presença de sociedades secretas, como o KKK, e
de religiosos que, usando textos da Bíblia, pregavam a submissão do negro ao
branco. Passei, então, a verificar como tal submissão estava presente na literatura e
percebi, mais uma vez, a presença do estereótipo do escravo fiel tanto na obra de
Stowe (1965), Uncle Toms Cabin (A Cabana do Pai Tomás) quanto na própria obra
chesnuttiana em análise.
92
No estudo da fala do narrador de The House Behind the Cedars, verifiquei a
presença tanto de substantivos, adjetivos e verbos que reforçam o exemplo do
escravo fiel e do escravo nobre, através da heroína embranquecida, quanto de uma
nova escala de superioridade criada pelo narrador, na qual o branco é superior ao
mestiço e este, por conseguinte, é superior ao negro africano. Dessa forma, mais
uma vez, foi possível a verificação da veracidade da hipótese levantada neste
estudo.
Quanto ao terceiro capítulo, através de um levantamento de pontos em
comum entre as obras examinadas e outras referências que as tornam individuais,
pude verificar que, interessantemente, não só o tema era comum aos dois romances
escritos em países tão distantes, mas outros seis aspectos lhes eram semelhantes.
Em contrapartida, percebi que enquanto O Mulato apresenta o mundo dos brancos
com a inserção do elemento afro-descendente na narrativa, The House Behind the
Cedars apresenta o mundo dos negros e, nele, introduz personagens afro-
descendentes no mundo dos brancos.
Finalmente, gostaria de mencionar o quanto esta pesquisa contribuiu para o
meu crescimento como pessoa e como estudioso da literatura. Pessoalmente, ela
me fez refletir sobre o discurso que o ser humano muitas vezes reproduz, sem atinar
nas implicações que cada palavra pode trazer. Como amante da literatura brasileira
e norte-americana, o estudo do tema do racismo como parte integrante da estrutura
da obra literária e não como mero elemento extraliterário permitiu-me uma maior
reflexão sobre a importância desses elementos: o tema e a estrutura. Entretanto,
percebi que eles não devem ser vistos como elementos excludentes, que, como
afirma Compagnon em sua obra O demônio da Teoria (2006), essa lógica binária
leva o estudioso da literatura a alternativas dramáticas”, jogando-o “contra a parede
e os moinhos de vento” (p. 138). Ele conclui, assim, que “a literatura é o próprio
entrelugar, a interface” (COMPAGNON, 2006, p. 138).
Expresso, assim, o meu desejo de que esta pesquisa tenha contribuído de
forma positiva para os estudos de fortuna crítica da obra aluisiana e chesnuttiana.
Creio, assim, que os romances poderão ser apreciados não só pelo seu ideologema,
mas também por toda a sua estrutura narrativa, que permite aos estudiosos
93
enxergar seja o preconceito, seja a contradição de incorrer em discursos
preconceituosos, mesmo quando se defende a falácia das teorias racistas que
apóiam a supremacia da raça branca.
94
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